Educação profissional no
Brasil do século XXI:
políticas, críticas e perspectivas
vol. 3
Henrique Tahan Novaes
Domingos Leite Lima Filho
José Deribaldo Gomes dos Santos
(Organizadores)
Educação profissional no Brasil do século XXI:
políticas, críticas e perspectivas - vol. 3
Henrique Tahan Novaes , Domingos Leite Lima Filho
José Deribaldo Gomes dos Santos (Org.)
Este livro é o terceiro de uma
trilogia resultante de ampla pesqui-
sa sobre a educação profissional
brasileira. Além da origem e do
tema, no entanto, há outras especi-
ficidades comuns aos três livros
merecedoras de destaque. A primei-
ra delas é a busca por situar a políti-
cas educacionais no âmbito das
contrarreformas que têm marcado
o Estado brasileiro desde o golpe de
2016. Como o leitor poderá perce-
ber, o pano de fundo dos capítulos
que integram a coletânea baseia-se
nas agruras da política ultraconser-
vadora e antipopular adotada pelos
governos de turno do período
2016-2022. Política, aliás, tida
como guia também por diversos
governos estaduais, como bem
evidencia o livro.
O segundo ponto comum aos
volumes da trilogia diz respeito à
maneira como é assumido o campo
complexo que caracteriza a educação
profissional brasileira. Há um
realce, particularmente acentuado
neste volume, à síntese “Educação
Profissional e Tecnológica (EPT)”,
que, imagino, não foi escolhido à
toa. A luta por um projeto educacio-
nal centrado politicamente na
noção de politecnia é o que fornece
conteúdo e forma ao conceito de
EPT: educação, ideia mais abrangen-
te que ensino; profissional, menos
impositiva que profissionalizante;
tecnológica, remetendo aos determi-
nantes sociais e políticos da tecnolo-
gia, muito além de uma mera força
produtiva – desde Marx, passando
pelos pioneiros da educação soviéti-
ca e por Gramsci, é legítimo o uso
da expressão “educação tecnológica”
para tratar da politecnia.
Essa perspectiva está presente na
reivindicação que Henrique Tahan
Novaes, Domingos Leite Lima Filho
e José Deribaldo Gomes dos Santos
fazem da EPT, síntese dos embates
históricos das décadas de 1980 e
1990 e dos primeiros anos dos 2000.
Por outro lado, ao confrontar os
dois pontos que destaquei anterior-
mente, fica nítido como a própria
ideia de EPT é, ao mesmo tempo,
ponto de chegada das lutas de uma
quadra histórica específica e ponto
de partida dos novos desafios
trazidos pela atual conjuntura. Essa
dialética da EPT brasileira es
bastante viva já nas características
teórico-metodológicas gerais do
projeto de pesquisa que originou o
livro. O recorte do projeto buscou
compreender as particularidades de
uma política de formação profissio-
nal própria do capitalismo depen-
dente, o que tornou ainda mais
potentes os resultados, gerais e
específicos, obtidos com as investiga-
ções. Os próprios convites feitos a
pesquisadores externos, expressos
em capítulos do livro, dão nitidez a
essa característica. Certamente, não
é empreendimento simples, no atual
estágio de desenvolvimento do
capitalismo brasileiro e sob a corres-
pondente correlação de forças entre
as classes e frações de classes sociais,
compreender os projetos educativos
em disputa.
Lucas Pelissari - UNICAMP
O desemprego estrutural e a gestão
criminosa da pandemia escancararam
a tragédia brasileira. Fome e miséria,
queda na renda familiar, dificuldade
de arranjar emprego mais uma vez
fazem parte do cotidiano bárbaro da
classe trabalhadora. Se é verdade que
os sistemas de educação profissional
permitem uma educação de melhor
qualidade para uma parcela da classe
trabalhadora, outra parcela frequenta
escolas públicas de péssima qualidade,
sem condições mínimas para a realiza-
ção do trabalho educacional. Os
capítulos deste livro procuram mostrar
as pequenas conquistas, os limites e as
contradições da política de educação
profissional, especialmente nos
Estados da federação brasileira.
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Marília/Ocina Universitária
São Paulo/Cultura Acadêmica
2024
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Editora aliada:
Cultura Acadêmica é selo editorial da Editora UNESP
Ocina Universitária é selo editorial da UNESP - campus de Marília
Copyright © 2024, Faculdade de Filosoa e Ciências
Ficha catalográca
E24 Educação prossional no Brasil do século XXI : políticas, críticas e perspectivas : vol. 3 / Henrique
Tahan Novaes, Domingos Leite Lima Filho, José Deribaldo Gomes dos Santos (organizadores). –
Marília : Ocina Universitária ; São Paulo : Cultura Acadêmica, 2024.
364 p. : il.
Coeditora: Lutas Anticapital
Inclui bibliograa
ISBN 978-65-5954-522-3 (v. 3) (Impresso)
ISBN 978-65-5954-526-1 (v. 3) (Digital)
DOI: https://doi.org/10.36311/2024.978-65-5954-526-1
1. Ensino prossional – Brasil – Séc. XXI. 2. Ensino técnico. 3. Educação e Estado. 4. Reforma do
ensino. I. Novaes, Henrique Tahan. II. Lima Filho, Domingos Leite. III. Santos, José Deribaldo Gomes
dos. CDD 373.240981
Telma Jaqueline Dias Silveira –Bibliotecária – CRB 8/7867
Imagem capa: https://stock.adobe.com/br - Arquivo "AdobeStock_321197166". Acesso em 19/09/2024
Este trabalho está licenciado sob uma licença Creative Commons Attribution-NonCommercial-NoDerivatives
4.0 International License.
UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA
"JÚLIO DE MESQUITA FILHO"
Campus de Marília
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Docente do Departamento de Ciências do Movimento
Humano da Universidade Estadual de Maringá (UEM),
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Editora LUTAS ANTICAPITAL
Editor: Julio Okumura
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Argentina) Bruna Vasconcellos (UFABC)
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Dario Azzellini (Cornell University – Estados Unidos)
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Henrique Tahan Novaes (UNESP)
Julio Cesar Torres (UNESP)
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Mariana da Rocha Corrêa Silva
Maurício Sardá de Faria (UFRPE)
Neusa Maria Dal Ri (UNESP)
Paulo Alves de Lima Filho (FATEC)
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Rogério Fernandes Macedo (UFVJM)
Tania Brabo (UNESP)
Editora Lutas anticapital - Marília –SP
edlutasanticapital@gmail.com - www.lutasanticapital.m.b
5
Sumário
Prefácio
Lucas Pelissari ................................................................................. 9
Apresentação
Henrique Tahan Novaes, Domingos Leite Lima Filho e
José Deribaldo Gomes dos Santos ....................................................... 17
Parte I – educação ProfIssIonal e PolítIcas educacIonaIs
1. Luta de classes, precarização da formação da juventude trabalhadora
e acirramento da dualidade estrutural: a contrarreforma do ensino
médio e da educação prossional
Domingos Leite Lima Filho ......................................................... 23
2. Contribuições para uma política educacional, cientíca e tecnológica
radical para os Institutos Federais
Henrique Tahan Novaes e Julio Hideyshi Okumura ...................... 33
6
3. Dualidade e dicotomia educativa na escola classista
José Deribaldo Gomes dos Santos .................................................. 71
4. A educação prossional e a precarização do trabalho juvenil
Ramon de Oliveira ...................................................................... 93
5. Buscar caminhos enquanto os ricos ainda envelhecem: o desao de
pensar a Educação Prossional diante da emergência climática do
século XXI
Alexandre Maia do Bomm ......................................................... 121
6. A educação prossional como direito e objeto de disputa nas relações
sociais do mundo do trabalho
Lucília Regina de Souza Machado ............................................... 149
Parte II – a exPansão das redes estaduaIs e federal de educação
ProfIssIonal: crítIcas e PersPectIvas
7. Cenários e embates na relação da educação prossional com o ensino
médio no Distrito Federal
Caroline Bahniuk, Caetana Juracy Rezende Silva e
Maria da Conceição da Silva Freitas ............................................ 169
8. Reforma do ensino médio e da educação prossional nos institutos
federais em Santa Catarina: transformações do projeto formativo do
currículo integrado
Ana Carolina Bordini Brabo Caridá e
Domingos Leite Lima Filho ......................................................... 193
9. A incidência de atores privados na implementação do programa
Escola Viva no Estado do Espírito Santo
Jaqueline Ferreira de Almeida e Julio Cesar Torres ........................ 221
7
10. Novo ensino médio e educação prossional: privatização e
precarização do trabalho docente na rede Estadual Paulista no
Programa NOVOTEC
Evaldo Piolli, Mauro Sala e Gisiley Paulim Zucco Piolli .............. 239
11. A implantação do itinerário prossional na reforma do ensino .
médio em Mato Grosso do Sul
Erika Porceli Alaniz e Yara Lígia Bambil Darós Garcia ............... 261
12. Formação prossional na Amazônia: entre prescrições, experiências
de trabalho, integração e renormatizações
Doriedson S. Rodrigues e Dilma Cardoso Pereira ......................... 293
13. A pedagogia da alternância no curso Técnico em Agroindústria do
IFPA
Andreia do Nascimento Lima ..................................................... 325
Sobre as autoras e autores ................................................................. 355
8
9
P
Este livro é o terceiro de uma trilogia resultante de ampla pesquisa
sobre a educação prossional brasileira. Além da origem e do tema, no
entanto, há outras especicidades comuns aos três livros merecedoras de
destaque. A primeira delas é a busca por situar a políticas educacionais no
âmbito das contrarreformas que têm marcado o Estado brasileiro desde
o golpe de 2016. Como o leitor poderá perceber, o pano de fundo dos
capítulos que integram a coletânea baseia-se nas agruras da política ultra-
conservadora e antipopular adotada pelos governos de turno do período
2016-2022. Política, aliás, tida como guia também por diversos governos
estaduais, como bem evidencia o livro.
O segundo ponto comum aos volumes da trilogia diz respeito à
maneira como é assumido o campo complexo que caracteriza a educação
prossional brasileira. Há um realce, particularmente acentuado neste vo-
lume, à síntese “Educação Prossional e Tecnológica (EPT)”, que, imagi-
no, não foi escolhido à toa. A luta por um projeto educacional centrado
politicamente na noção de politecnia é o que fornece conteúdo e forma ao
https://doi.org/10.36311/2024.978-65-5954-526-1.p9-16
Henrique Tahan Novaes, Domingos Leite Lima Filho e José Deribaldo Gomes dos Santos (Org.)
10
conceito de EPT: educação, ideia mais abrangente que ensino; prossio-
nal, menos impositiva que prossionalizante; tecnológica, remetendo aos
determinantes sociais e políticos da tecnologia, muito além de uma mera
força produtiva – desde Marx, passando pelos pioneiros da educação sovi-
ética e por Gramsci, é legítimo o uso da expressão “educação tecnológica
para tratar da politecnia. Essa perspectiva está presente na reivindicação
que Henrique Tahan Novaes, Domingos Leite Lima Filho e José Deribaldo
Gomes dos Santos fazem da EPT, síntese dos embates históricos das déca-
das de 1980 e 1990 e dos primeiros anos dos 2000.
Por outro lado, ao confrontar os dois pontos que destaquei ante-
riormente, ca nítido como a própria ideia de EPT é, ao mesmo tempo,
ponto de chegada das lutas de uma quadra histórica especíca e ponto de
partida dos novos desaos trazidos pela atual conjuntura. Essa dialética da
EPT brasileira está bastante viva já nas características teórico-metodológi-
cas gerais do projeto de pesquisa que originou o livro. O recorte do pro-
jeto buscou compreender as particularidades de uma política de formação
prossional própria do capitalismo dependente, o que tornou ainda mais
potentes os resultados, gerais e especícos, obtidos com as investigações.
Os próprios convites feitos a pesquisadores externos, expressos em capítu-
los do livro, dão nitidez a essa característica.
Certamente, não é empreendimento simples, no atual estágio de de-
senvolvimento do capitalismo brasileiro e sob a correspondente correlação
de forças entre as classes e frações de classes sociais, compreender os proje-
tos educativos em disputa. De que maneira se articulam neoliberalismo e
neofascismo nessa conjuntura? Que traços da plataforma educacional bol-
sonarista permitem que ela se distinga da direita tradicional e até de outros
fenômenos de extrema direita mundo afora? Quais as relações entre essas
questões e as ideologias do empreendedorismo, do protagonismo juvenil e
das competências socioemocionais? E de que maneira repercutem em pro-
jetos de EPT? A publicação que temos em mãos dene uma chave funda-
mental para interpretar problemas dessa natureza: a caracterização do capi-
talismo dependente brasileiro. Tal iniciativa permite examinar fenômenos
educacionais a partir de distintos olhares, como mostram os capítulos, ao
abordar temáticas como política de ciência e tecnologia, precarização e
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas - vol. 3
11
superexploração do trabalho, juventude, meio ambiente, dualidade estru-
tural da educação, direito à educação, entre outras.
Nesse sentido, a primeira parte do livro, de caráter mais geral, lança
alguns desses temas e problemas. A partir dela, é possível perceber im-
portantes inovações teórico-conceituais resultantes do projeto de pesquisa,
que contribuem para o desenvolvimento de uma teoria crítica marxista
da educação prossional. O texto de Domingos Leite Lima Filho, intitu-
lado Luta de classes, precarização da formação da juventude trabalhadora e
acirramento da dualidade estrutural (Cap. 1), por exemplo, analisa a atual
contrarreforma do ensino médio, suas repercussões na EPT e o aprofun-
damento da desigualdade proporcionado pelos itinerários formativos. A
desescolarização que essa política representa, na verdade, é o guarda-chuva
sob o qual se abrigam outros movimentos retrógrados do conjunto de con-
trarreformas posto em marcha pelos governos do período.
Vivemos em um país que inicia a terceira década dos anos 2000 com
quase quarenta milhões de trabalhadores informais – algo próximo a 40%
da População Economicamente Ativa – e com taxa de desemprego juvenil
(18 a 24 anos de idade) de 25%.1 Com efeito, são preocupantes os impac-
tos da adoção de políticas neoliberais e suas consequências como a desin-
dustrialização, a nanceirização como forma hegemônica de acumulação
de capital, a retirada de direitos sociais, a abertura comercial etc. Tal cená-
rio aprofunda a dependência externa, inclusive e principalmente no que se
refere à matriz cientíca e tecnológica nacional, e exige pensar soluções que
incluam políticas gestadas pelo contraditório neodesenvolvimentismo da
primeira década do milênio. Os Institutos Federais de Educação, Ciência
e Tecnologia (IF), por exemplo, são pensados criativamente como solução
para os nós da questão universitária brasileira, no capítulo Contribuições
para uma política educacional, cientíca e tecnológica radical para os Institutos
Federais (Cap. 2), de Henrique Tahan Novaes e Julio Hideyshi Okumura.
Diante desse cenário, a defesa de Domingos Lima Filho em seu ar-
tigo é pertinente: de uma perspectiva democrática e popular, a resistên-
cia e a luta pela revogação das contrarreformas representam a tática mais
Dados da Pnad Contínua do Instituto Brasileiro de Geograa e Estatística (IBGE). Disponível em: <
https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/trabalho/17270-pnad-continua.html>.
Henrique Tahan Novaes, Domingos Leite Lima Filho e José Deribaldo Gomes dos Santos (Org.)
12
consequente para o momento. Já dispomos de elementos históricos su-
cientes que nos mostram o peso da desmobilização no processo do golpe
que depôs Dilma Rousse em 2016. O ajuste scal imposto pela fração
burguesa diretamente associada ao capital internacional, a dissimulação da
luta contra a corrupção pela alta classe média, o anti-nacionalismo desaver-
gonhado de partes do judiciário na Operação Lava-Jato e, principalmente,
a postura antidemocrática de diversos setores sociais, nada disso encontrou
resistência de massas articulada pelo neodesenvolvimentismo. O resultado
foi a derrota de uma estratégia centrada na diminuição da pobreza e em
políticas sociais, sem mobilização dinâmica da classe trabalhadora.
Vimo-nos, a partir daí, diante de um novo ator político no cenário
nacional: o neofascismo, amplo movimento reacionário de massas, que
se alça ao governo federal e implementa um programa econômico neoli-
beral. A politização violenta do machismo, do racismo, da homofobia e
do antiambientalismo, característica dessa política, penetra o campo da
educação de maneira bastante ecaz. Coube a nós, intérpretes dessa rea-
lidade, recuperar caminhos analíticos possíveis e rearmar a potência do
materialismo histórico nessa empreitada. Aí reside o sentido, por exemplo,
da análise dos novos contornos da dualidade da escola capitalista, oferecida
por José Deribaldo Gomes dos Santos no capítulo intitulado Dualidade e
dicotomia educativa na escola classista (Cap. 3), e das possibilidades do sig-
nicado revolucionário da EPT, que orienta o texto A educação prossional
como direito e objeto de disputa nas relações sociais do mundo do trabalho, de
Lucília Regina de Souza Machado (Cap. 6).
Há, ainda, na primeira parte do livro, dois artigos de alcance teó-
rico semelhante aos dos anteriores e que abordam temáticas menos dis-
cutidas nas pesquisas sobre a educação prossional. Justamente por isso,
ganham relevo e contribuem para reexões conceituais também inovado-
ras. Em A educação prossional e a precarização do trabalho juvenil (Cap.
4), de Ramon de Oliveira, observamos a função de reprodução amplia-
da do capital cumprida por recentes políticas de formação prossional,
pautadas no programa neoliberal e na conformação do imperialismo.
Já em Buscar caminhos enquanto os ricos ainda envelhecem (Cap. 5), de
Alexandre Maia Bomm, o autor aborda a necessidade de uma educação
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas - vol. 3
13
ambiental crítica ao capitalismo no contexto dos estudos sobre as rela-
ções entre Trabalho e Educação.
À vista desse escopo geral, não é demais lembrar a síntese de Lenin
ao armar o marxismo como ciência social: compreender a realidade a
partir da análise concreta da situação concreta. Para modicá-la, não basta
descrevê-la em seus aspectos gerais; é necessário penetrar os fenômenos so-
ciais e desvendar a articulação entre estruturas e práticas que caracterizam
determinada conjuntura. As análises da segunda parte do presente livro
concretizam esse movimento.
O o condutor é a expansão da educação prossional, examinada
nas redes estaduais e federal e cobrindo quatro regiões do país. O leitor
encontrará análises de políticas implementadas no Distrito Federal, Santa
Catarina, Espírito Santo, São Paulo, Mato Grosso do Sul e Pará, com enfo-
que de IFs em dois casos. De um lado, esse conjunto de textos nos permite
rearmar a hipótese que tem sido profundamente discutida em estudos
recentes: a identidade de uma educação prossional comprometida com a
formação e a organização dos trabalhadores, cujo núcleo político-pedagó-
gico é a ideia de formação humana integral, vem sendo fragilizada, como
consequência de uma redução da EPT a itinerário formativo. Com esse
movimento, estaria em curso também uma contrarreforma da EPT, que
a transforma em apêndice do ensino médio e aprofunda a segmentação
social nessa etapa da educação básica.
Nessa perspectiva, Caroline Bahniuk, Caetana Juracy Rezende Silva
e Maria da Conceição da Silva Freitas, em Cenários e embates na relação da
educação prossional com o ensino médio no Distrito Federal (Cap. 7), mos-
tram o conteúdo do Novo Ensino Médio em termos de uma pedagogia
do capital. Ana Carolina Bordini Brabo Caridá e Domingos Leite Lima
Filho, em Reforma do ensino médio e da educação prossional nos Institutos
Federais em Santa Catarina (Cap. 8), constroem movimento semelhante,
a partir de estudos de caso nos IFs Catarinense (IFC) e de Santa Catarina
(IFSC) e evidenciando as ameaças à política de Ensino Médio Integrado
nessas instituições.
Henrique Tahan Novaes, Domingos Leite Lima Filho e José Deribaldo Gomes dos Santos (Org.)
14
Dois textos, por sua vez, escancaram uma dimensão fundamental
da contrarreforma da EPT, que também é consequência do contexto re-
formador atual: a privatização. São os casos dos capítulos intitulados A
incidência de atores privados na implementação do programa Escola Viva no
Estado do Espírito Santo (Cap. 9), de Jaqueline Ferreira de Almeida e Julio
Cesar Torres, e Novotec: privatização e terceirização do trabalho docente na
rede estadual paulista (Cap. 10), de Evaldo Piolli e Mauro Salla.
Corroborando conclusões de outros capítulos, o artigo de Erika
Porceli Alaniz e Yara Lígia Bambil Darós Garcia, A implantação do itinerá-
rio prossional na reforma do ensino médio no Mato Grosso do Sul (Cap. 11),
mostra a complexa articulação entre a ideia de escola em tempo integral e a
noção de itinerário formativo da contrarreforma, na materialidade de uma
política daquele estado. O tema da ideologia, tão caro ao materialismo his-
tórico, é posto em destaque, nos ajudando a pensar também teoricamente
a construção da hegemonia da classe dominante por meio das instituições
que lhe servem de aparelhos.
Por outro lado, a segunda parte do livro nos traz possibilidades de
arranjos curriculares pautados em experiências de organização político-
-social crítica ao modelo capitalista neoliberal. Tratando especialmente do
contexto amazônico, os dois últimos capítulos do livro – Formação pros-
sional na Amazônia: entre prescrições, experiências de trabalho, integração e
renormatizações (Cap. 12), de Doriedson S. Rodrigues e Dilma Cardoso
Pereira, e Pedagogia da alternância no curso técnico em agroindústria do IFPA
(Cap. 13), de Andreia do Nascimento Lima – evidenciam as potencialida-
des da EPT para um projeto autônomo de desenvolvimento que consolida
a identidade territorial, evitando que seja dissolvida em noções abstratas e
chauvinistas de nação como, por exemplo, “Brasil acima de tudo”.
Concluo rearmando a importância da teoria social marxista nos
estudos sobre a EPT brasileira, em particular, e para o campo de estudos
em Trabalho e Educação, de modo geral. A história nos ensinou que o en-
frentamento às ideias de extrema direita requer análise rigorosa das forma-
ções sociais e das conjunturas especícas, além de boas doses de dialética e
pensamento crítico. Para isso, não há cartilha, mas sim experiências cons-
truídas pelos próprios explorados e sistematização cientíca. Esta obra, que
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas - vol. 3
15
tive o prazer de prefaciar, certamente contribui para esses intentos e para o
avanço da pesquisa comprometida com as lutas dos povos.
Lucas Barbosa Pelissari
Professor da Faculdade de Educação da Unicamp
Campinas, Abril de 2024.
16
17
A
Os Professores Henrique Tahan Novaes, da Universidade Estadual
Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP-Marília), Domingos Leite
Filho, da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UFTPR-Curitiba)
e Deribaldo Santos, da Universidade Estadual do Ceará (UECE-Quixadá),
são organizadores da coletânea Educação prossional no Brasil do sécu-
lo XXI: políticas, críticas e perspectivas, vol 3.
O livro teve o volume 1 lançado em 2022 e o seguinte publicado
um ano depois. As publicações foram abrigadas pela síntese posta em prá-
tica pelas Editoras Cultura Acadêmica-Ocina Universitária (UNESP) e
Lutas Anticapital.
Os três volumes são resultado de um projeto de pesquisa nacional
intitulado “Educação prossional: políticas, críticas e perspectivas”, co-
ordenado pelos três organizadores da coletânea, com reuniões trimestrais
presenciais ou virtuais para debater a pesquisa, para apresentar os resulta-
dos do projeto e para planejar as próximas etapas da pesquisa.
https://doi.org/10.36311/2024.978-65-5954-526-1.p17-20
Henrique Tahan Novaes, Domingos Leite Lima Filho e José Deribaldo Gomes dos Santos (Org.)
18
Procurando socializar o que ocorre na educação prossional em diver-
sas regiões brasileiras, o presente volume dá continuidade à parceria estabele-
cida entre os seguintes grupos de pesquisa: Grupo de Pesquisa Organizações e
Democracia (GPOD) vinculado à Faculdade de Filosoa e Ciências (FFC) e
ao Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE) da UNESP/Marília;
ao Grupo de Estudos e Pesquisas em Trabalho, Educação e Tecnologia (GETET),
situado no Programa de Pós-Graduação em Tecnologia e Sociedade (PPGTE/
UTFPR) e ao Grupo Trabalho, Educação, Estética e Sociedade (GPTREES) da
Faculdade de Educação, Ciências e Letras do Sertão Central, (FECLESC/
UECE-Quixadá), vinculado, por sua vez, ao Programa de Pós Graduação em
Educação (PPGE), da universidade cearense.
O livro também é resultado da colaboração entre os estudos que
os três professores desenvolvem em seus grupos de pesquisas especícos
e de convites para especialistas na temática da educação prossional. As
investigações desenvolvidas no projeto de pesquisa liderado por esses três
professores têm como objetivo observar as reformas educacionais e a recon-
guração institucional que inuenciam a chamada Educação Prossional e
Tecnológica, que passou a ser conhecida nos documentos ociais pela sigla
(EPT). Estes três volumes socializaram um vasto material compilado sobre
a EPT no Brasil e as políticas educacionais nas últimas décadas.
No caso do Brasil, não se pode esquecer que desde meados dos anos
1990, chegando aos dias atuais – basta pensar na Base Nacional Comum
Curricular (BNCC) –, as reformulações bancadas pelo Estado Capitalista pe-
riférico, conguram um objeto de estudo que demandam pesquisas que geram
debates e embates teóricos, pedagógicos, militantes, políticos, sociais etc.
A natureza dessas investigações necessitava, desde algum tempo, que
a exposição da educação prossional no Brasil atualizasse, sob o privilégio
da crítica marxista, o panorama em que se encontra. Com a publicação dos
volumes 1 e 2, notou-se a necessária possibilidade de se estender a análise
a Estados ainda não contemplados pelos dois livros e temáticas ainda não
abordadas, dando origem a um vasto inventário da EPT, quer serve tanto
a pesquisadores da área, secretários e secretárias da educação, bem como
todas e todos aqueles que lutam pelo aperfeiçoamento ou mudança quali-
tativa da EPT.
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas - vol. 3
19
A ideia que traz o volume 3 ao dia a dia concreto da educação brasilei-
ra, procura, naturalmente, dar continuidade aos volumes anteriores; ou seja,
analisar as políticas educacionais que situam a EPT em relação dialética com
a educação básica e o mesmo com o ensino superior. Novas contribuições,
no entanto, que enfocaram problemas surgidos no cotidiano escolar dessa
modalidade educativa foram bem recebidas pela presente publicação.
Adianta-se que o presente volume pretende abordar as concepções e
processos de implementação das políticas e programas da chamada EPT. O
tratamento aferido nos capítulos, tem como horizonte abarcar as realida-
des concretas dos diversos Estados brasileiros. Busca-se, com a publicação,
evidenciar os diferentes processos e suas respectivas correlações de forças;
estabelecidas, por força da natureza própria de cada caso, entre o que pre-
tende as reformas e o processo de emancipação humana, tergiversado nos
documentos ociais. Nota-se, por m, que a regulação em forma de lei, a
aplicação da lei em programas governamentais e a implementação na situ-
ação particular dos Estados, municípios e instituições educacionais, ganha
direção oposta às pretensões de quem defende uma educação emancipado-
ra das amarras do grande capital.
Às pessoas que nos leem agora, mesmo que as próximas linhas
tenham a aparência de espontaneidade excessiva, sentimos a necessidade de
esclarecer, sobre o presente volume, alguns fatos ainda não comunicados
nas coletâneas anteriores.
Como o Professor Henrique Tahan Novaes já observou, ao fazer o
prefácio do livro, Educação prossional, ensino médio e crise do capitalismo
contemporâneo no Brasil, de autoria de George Amaral, o encontro entre os
organizadores dessa coletânea ocorre em Marília, no dia 27 de agosto de
2019. Neste dia houve a primeira reunião entre os três pesquisadores que
decidiram, posteriormente, organizar esta pesquisa que resultou nesta pu-
blicação em três volumes, tendo em vista a atualização do debate da EPT
no país e que tivesse como base o marxismo clássico.
Para que a leitura possa compreender melhor como o acaso favoreceu tal
encontro, é preciso recuar um pouco no tempo. O Grupo de Estudos e Pesquisas
História, Sociedade e Educação no Brasil (HISTEDBR) realizou na cidade ma-
Henrique Tahan Novaes, Domingos Leite Lima Filho e José Deribaldo Gomes dos Santos (Org.)
20
ranhasse de Caxias, entre os dias 02 e 04 de dezembro de 2014, a XII Jornada
do HISTEDBR. Sediada no Centro de Estudos Superiores da Universidade
Estadual do Maranhão (UEMA), o evento teve como tema: “A crise estrutural
do capitalismo e seus impactos na educação pública brasileira”.
O encontro cientíco possibilitou que o Professor Henrique Tahan
Novaes conhecesse George Amaral. Só não sabíamos que este encontro
iria render tantos frutos e amizades. Amaral tinha concluído o mestrado
recentemente e, em diálogo com aquele, aceitou o convite para fazer o
doutoramento na UNESP/Marília sob sua orientação. No decorrer dos es-
tudos doutorais, o orientando e seu orientador acordaram que seria provei-
toso para a pesquisa em desenvolvimento convidar o Professor Deribaldo
Santos para colaborar com a orientação.
O Professor Domingos Leite Filho, por seu turno, foi convidado
para avaliar a investigação de George. No dia da qualicação, como adian-
tado, os três pesquisadores perceberam a necessidade de enfrentar o desa-
ante trabalho de organizar uma pesquisa de grande envergadura e seus
resultados em coletâneas que trouxessem a crítica sobre as reformulações
que a modalidade EPT sofre corriqueiramente.
Não cabe aos autores destacar que o livro teve êxito. A quem lê, de-
ve-se cobrar tal tarefa. O fato concreto é que chegamos ao terceiro volume.
Caso se instigue a pergunta se este será o derradeiro volume, temos a dizer
que, caso se faça necessário, embrionar-se-á, de modo que se possa atender
a todos os Estados da Federação e lacunas ainda não sanadas nos 3 volu-
mes, portanto, será gestado um quarto volume.
Obrigado pela conança!
Henrique Tahan Novaes,
Domingos Leite Lima Filho e
Deribaldo Santos
21/01/2024
Parte I
educação ProfIssIonal e
PolítIcas educacIonaIs
23
1
Luta de classes, precarização
da formação da juventude
trabalhadora e acirramento
da dualidade estrutural: a
contrarreforma do ensino médio e
da educação prossional1
Domingos Leite Lima Filho
Neste breve texto argumentamos que ao reduzir e relegar a plano
secundário conhecimentos cientícos, tecnológicos, humanísticos e ético-
políticos, que são conteúdos fundamentais para a formação das juventudes,
a contrarreforma do ensino médio, em implantação, expressa demandas
do capitalismo neoliberal, da inserção subalterna e dependente do país
neste cenário internacional e do projeto societário defendido pelas elites
brasileiras para a manutenção de seus privilégios neste contexto, tendo
por base a precarização e superexploração da força de trabalho jovem.. Na
Texto apresentado no Painel Temático “Contrarreformas educacionais e luta de classes no Brasil e na
América Latina: a educação prossional em debate”, na 41ª. Reunião Anual da ANPEd, Manaus, 23 de
outubro de 2.023.
https://doi.org/10.36311/2024.978-65-5954-526-1.p23-32
Henrique Tahan Novaes, Domingos Leite Lima Filho e José Deribaldo Gomes dos Santos (Org.)
24
medida em que as escolas públicas e os jovens da classe trabalhadora que
são a grande maioria da população que frequenta estas escolas são os mais
prejudicados, uma vez que tais medidas signicam a maior precarização
das redes públicas e que, como de costume já vericado em reformas
educacionais anteriores as escolas da rede privada preservam seus currículos
e escapam do reducionismo, tal movimento provoca o recrudescimento
e acirramento da dualidade estrutural na educação brasileira, expressão
maior da luta de classes na política educacional.
Introdução
No âmbito da pesquisa educacional a relação trabalho-educação
constitui um campo central e de grande relevância de estudo, na medida
em que busca tratar integradamente da formação geral e prossional das
gerações, o que inclui necessariamente a dimensão humanística, ético-po-
lítica, cientíca e tecnológica. Contudo, considerando as disputas entre
classes sociais no contexto das relações sociais capitalistas de produção,
distintos projetos societários se enfrentam apresentando projetos e mode-
los educacionais para a formação da classe trabalhadora. Nesse sentido, a
atual contrarreforma do ensino médio apresentada no contexto golpista
de 2016 pela Medida Provisória 746 e rapidamente transformada na Lei
13.415/2017 (Brasil, 2017) representa o projeto do capital para a forma-
ção da juventude brasileira (Moura; Lima Filho, 2017).
A contrarreforma vem se materializando nas redes educacionais a partir
da implementação da citada Lei e de um conjunto de medidas complemen-
tares, dentre as quais a Base Nacional Comum Curricular do Ensino Médio
(Brasil, 2018b) e as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio
(Brasil, 2018a), entre outras. Estes instrumentos normativos, aprovados no
contexto do autoritarismo e do negacionismo que marcaram a sociedade
brasileira neste período, vêm ao longo dos últimos anos sendo implantados
nas escolas das redes públicas, em um processo caracterizado pelo açodamen-
to, improvisação, falta de diálogo com os sujeitos prossionais da educação
e estudantes, centralização, não disponibilização de condições estruturais e
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas - vol. 3
25
forte presença de fundações, institutos e organizações privadas e empresariais
da educação, os chamados reformadores empresariais da educação (Freitas,
2014), promovendo-se um processo de “colonização” tanto na denição das
disciplinas, materiais didáticos quanto na própria gestão das escolas e das
redes públicas, cuja expressão mais acabada é a submissão do CONSED
(Conselho Nacional de Secretários Estaduais de Educação) aos interesses pri-
vatistas como principal interlocutor na defesa da contrarreforma.
A contrarreforma operacionaliza, entre outros, dois movimentos ar-
ticulados: o primeiro, a retirada de conteúdos curriculares de base cientíca
e humanística; o segundo, a fragmentação do currículo em itinerários for-
mativos. O primeiro é produzido, pela redução de carga horária ou mesmo
eliminação de obrigatoriedade de disciplinas como Filosoa, Sociologia,
História, Física, Biologia, Química, Artes, Educação Física. Pelo segundo,
ataca-se o conceito de ensino médio como etapa nal da educação básica
(estabelecido pela LDB, como direito uniforme para todos os estudantes
do ensino médio), na medida em que os itinerários estabelecem processos
formativos diferenciados. Este movimento duplo vem impactando forte-
mente as escolas públicas, com severas consequências na desorganização
da oferta, na degradação dos processos de ensino e aprendizagem, na au-
sência de material didático, na inexistência de políticas de formação de
professores, desorganizando e precarizando ainda mais o cotidiano escolar,
com prejuízo ainda maior para os jovens que se sentem e são efetivamente
abandonados pela política pública. Contudo, para além da importante dis-
cussão sobre estes pontos particulares da reforma, na sequência deste texto
nos dedicaremos a discutir as razões e interesses de classe que orientam a
reforma em análise no contexto do neoliberalismo e do modelo de inserção
dependente e subalterna do país nas relações capitalistas internacionais.
neolIberalIsmo, regressão e contrarreforma socIal: acIrramento da
luta de classes
A vitória de Lula nas eleições presidenciais de 2022 interrompe o
ciclo negacionista e autoritário oriundo do golpe de 2016. Nesse sentido,
Henrique Tahan Novaes, Domingos Leite Lima Filho e José Deribaldo Gomes dos Santos (Org.)
26
tem a potencialidade de produzir um movimento de reconstrução do país,
a começar pela necessidade de fazer a revogação de uma série de políticas
socialmente regressivas, dentre elas estaria, com certeza, a revogação ime-
diata da contrarreforma do ensino médio. Não obstante, o que temos visto
nestes primeiros meses, seja pela amplitude da frente formada nas eleições,
seja pela pressão dos setores conservadores, seja por limitações do próprio
projeto político do novo governo, é que decisões mais fortes e necessárias
são proteladas. Veja-se, por exemplo, que no contexto de fortes e massivas
mobilizações dos estudantes, professores e de manifestações de amplos se-
tores da sociedade pela revogação da contrarreforma do ensino médio, o
Ministério da Educação não atendeu as demandas de revogação e apenas
baixou portaria em abril de 2023 anunciando a “suspensão da implemen-
tação do Novo Ensino Médio”. Isso demonstra que será necessária muita
luta social, muita mobilização, muita pressão, para que se possa fazer avan-
çar as demandas sociais e populares.
O que é necessário considerar é que as disputas na composição in-
terna do governo e dos embates entre forças sociais mais progressistas, con-
servadoras, liberais e de direita existentes na conjuntura brasileira ocorrem
e são diretamente inuenciadas pelo cenário mundial de acirramento da
competição internacional, da intensicação da polarização comercial e dis-
puta de inuência política entre China e Estados Unidos, do contexto da
guerra Rússia x Ucrânia/OTAN. É neste contexto que ao longo dos últi-
mos anos, após a crise ocorrida no centro do capitalismo mundial no ano
de 2008, ocorre uma intensicação do neoliberalismo, como necessidade
do capital para a saída ou em resposta à crise (Harvey, 2018).
Fazem parte do cenário mundial a introdução massiva de tecnologias
digitais no processo de trabalho e na vida cotidiana, ocasionando a chama-
da plataformização das atividades, a elevação do desemprego estrutural, do
subemprego, e a intensicação da precarização das formas de contratação
do trabalho. Este processo atinge mundialmente e de maneira ampla o
norte e o sul, mas especialmente as economias centrais do capitalismo, no
processo de concentração e centralização do capital e do poder, buscam
estabelecer e fortalecer o seu domínio sobre a assim denominada “peri-
feria do sistema”, ao qual propõem uma funcional integração subalterna
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas - vol. 3
27
acompanhada da dependência cultural, cientica e tecnológica. Contudo,
permeado pela emergência de discursos de negacionismo cientíco, de
fundamentalismo religioso e de neofascismos, o processo constitui uma
maneira peculiar de dominação do capital no qual as elites econômicas e
empresariais locais, em busca da manutenção de seus privilégios de classe
e poder, negociam com o centro internacional e dinâmico do capitalismo,
uma forma de inserção, já caracterizada como subalterna e dependente.
Para a realização deste intento são estabelecidos processos sociais abran-
gentes e regressivos, nos quais o capital busca apropriar-se dos fundos pú-
blicos e tornar-se formulador e dirigente de políticas que tem como meta
a supressão de direitos sociais e trabalhistas, atingindo sobretudo e mais
duramente a classe trabalhadora, os que vivem do trabalho, os não proprie-
tários dos meios de produção, enm, camadas pobres, populares e médias
e da população.
É importante considerar que na América Latina os anos 2000 fo-
ram marcados pela ascensão de governos democráticos e populares (Brasil,
Argentina, Uruguai, Bolívia, Equador, entre outros) que passaram a em-
preender, ainda que limitadamente, politicas sociais de conquista e amplia-
ção de direitos e distribuição de renda. Portanto, além do ajuste à situação
de demanda mundial de acentuação da exploração e acumulação capitalis-
ta, o processo é também, no plano nacional, uma espécie de “volta atrás”,
uma acentuação da superexploração da força de trabalho, para relembrar
o conceito formulado por Ruy Mauro Marini, em Dialética da dependên-
cia. Em síntese, podemos concluir que o processo ocorre no acirramento
da luta de classes no atual estágio do capitalismo mundial, na vigência do
neoliberalismo, em que são demandadas contrarreformas sociais. É, pois,
como parte de uma ampla contrarreforma social (no sentido gramsciano)
que entendemos a atual reforma do ensino médio no Brasil, inserida em
um conjunto mais amplo de contrarreformas, como a da previdência social
e a trabalhista.
Henrique Tahan Novaes, Domingos Leite Lima Filho e José Deribaldo Gomes dos Santos (Org.)
28
o chamado “novo ensIno médIo”: Projeto de (de/con)formação
da juventude
No cenário do neoliberalismo a precarização da classe trabalhadora
é geral, como descrevem Standing (2013), Antunes (2018), e Antunes e
Braga (2009), embora com diferenças que apontam para o surgimento
do precariado, do infoproletariado e de novas formas de servidão. Neste
cenário os efeitos sobre a juventude são mais drásticos e inúmeras pesqui-
sas apontam que para jovens de 15 a 29 anos são maiores os índices de
desemprego, de subremuneração, de mais instabilidade e de formas mais
precárias de contratação.
Conforme apontam Sousa, Pochmann e Bonone (2021), no Brasil,
entre os anos de 2012 e 2019, é entre a juventude (15 a 29 anos) que se dá
a maior expansão da participação no trabalho plataformizado, indicando,
para tanto, cinco fatores determinantes: o primeiro considera que a juven-
tude possui menos experiência e menor qualicação, condicionando os
jovens à aceitação de trabalhos mais precários e com menor remuneração e
a aderirem às plataformas como alternativa viável/possível; o segundo fator
é a necessidade de sobrevivência, num contexto de piora econômica que
impacta a vida individual e familiar, predispondo-os a aceitar qualquer
trabalho que forneça alguma remuneração, como é o caso dos entrega-
dores ciclistas, motociclistas e dos uberistas; o terceiro, considera que os
jovens estão mais inteirados no uso das novas tecnologias, permitindo a
execução de uma maior amplitude de tarefas, o que não implica neces-
sariamente em tarefas mais complexas e de maior remuneração; o quarto
fator, tem a ver com a maior predisposição física dos jovens, levando-os
a cumprir jornadas de trabalho mais intensas e mais longas na busca de
remuneração diária ligeiramente maior; por último, há a característica dos
trabalhos em plataformas se congurarem com horas exíveis, permitindo
(em hipótese) a possibilidade de compartilhamento com outras atividades,
tais como o estudo.
Contudo, em síntese, o que se constata, ao lado do trabalho/ocupa-
ção precários, é a crescente exclusão de imensa parcela dos jovens do mun-
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas - vol. 3
29
do do trabalho e da educação. No Brasil, o índice de jovens de 15 a 29 anos
que não trabalham nem estudam atinge 29,33%, condição “[...] marcada
pelas seguintes particularidades: maior preponderância entre jovens com
pouca escolaridade e de baixa renda, mulheres com lho, notadamente
(Silva Júnior; Mayorga, 2021, p. 3). Neste cenário, o ideário promovido
pelo capital é o de que as perspectivas de acesso à educação e ao trabalho
tornam-se funcionais e elemento de escolha própria pessoal, não mais um
direito social universal e dever do Estado, e sim uma possibilidade de in-
vestimento a ser assumida por cada indivíduo para, ao se tornar socialmen-
te ativo, construir sua própria caminhada na sociedade. É precisamente aí
onde encontramos o elo conceitual com o chamado “Novo Ensino Médio”,
ao estabelecer como categorias orientadoras da contrarreforma educacional
o protagonismo juvenil, o empreendedorismo e a meritocracia.
Conectado a isso, é importante destacar que organismos multilate-
rais (Banco Mundial, 2019; Organização Internacional do Trabalho, 2020;
Comissão Econômica para a América Latina e Caribe, 2020) têm se de-
dicado à difusão de um ideário e de orientações de políticas públicas que
propõem a formação dos jovens como indivíduos capazes de aprenderem
a agir, julgar e escolher suas trajetórias próprias em contextos tidos como
desfavoráveis (Groppo, 2016). Estes documentos, no geral, apresentam a
degradação das condições de trabalho e da precariedade da juventude, com
uma certa perspectiva de “naturalização” do fenômeno, com impactos e
possíveis saídas individuais, não como contradições da relação trabalho-e-
ducação ocorrentes e motivadas pelas formas de exploração características
das relações capitalistas de produção.
A lógica proposta a partir dessas orientações e incorporada às concep-
ções presentes nos documentos norteadores da contrarreforma do ensino
médio (Brasil, 2017, 2018a, 2018b), não é tornar o sujeito ativo para de-
fender os interesses coletivos e sociais, mas sim para se portar como prota-
gonista em sua individualidade, em um contexto localizado e fragmentado.
Empresário de si, que se assentam em valores como meritocracia, protagonis-
mo, empreendedorismo, competição que alimentam determinados modos
de ser e agir (Sundin, 2023), ou seja, competências psicofísicas e sociais e
atitudes esperadas, funcionais à manutenção e conformação da ordem.
Henrique Tahan Novaes, Domingos Leite Lima Filho e José Deribaldo Gomes dos Santos (Org.)
30
Assim, encontramos conuências entre as orientações dos
intelectuais orgânicos do capitalismo (como as organizações
multilaterais) e o disposto na contrarreforma do ensino médio,
ou seja, na disposição para a inserção aligeirada e precarizada dos
jovens no mercado de trabalho, sob moldes alienantes e estratégias
de passivação, ou seja, o ‘Novo Ensino Médio’ busca estabelecer não
um processo de formação, mas sim de deformação, de conformação
da juventude a um viver precário, à renúncia da condição de sujeito
da história social [] (Sundin, 2023, p. 76).
É por aí que podemos procurar entender os mecanismos internos da
contrarreforma, como o esvaziamento dos currículos, sobretudo de con-
teúdos histórico-críticos, de ciência e tecnologia; a valorização da episte-
mologia da prática em detrimento da teoria; a emergência dos itinerários
e trilhas formativas como fragmentação e terminalidade de uma formação
meramente operacional, voltada para a formação de subjetividades confor-
madas e adaptáveis à superexploração capitalista.
Processo de subtração do futuro da juventude, pela negação do co-
nhecimento, pela produção de subjetividades passivas, pela contenção de
demandas sociais e coletivas, a contrarreforma do ensino médio, ao in-
cidir diretamente sobre a rede pública de educação intensicando a sua
precarização, signica a reprodução e ampliação das desigualdades sociais,
aumentando a fragmentação e a desigualdade educacional no Brasil e, por-
tanto, agravando a dualidade estrutural, expressão da luta de classes na
estrutura educacional brasileira.
São estas algumas das questões que, de nosso ponto de vista, se colo-
cam como importantes para a crítica da contrarreforma e para a constru-
ção de uma nova política pública para o ensino médio. Exigem de nós a
ousadia para enfrentar os desaos de colocar como prioridade um projeto
de nação democrática e comprometida com a superação das desigualdades
sociais. No caso do ensino médio, é imprescindível que a política pública
tenha por objetivos a garantia da oferta qualicada com escolas bem es-
truturadas, condições dignas de trabalho e carreira para os prossionais
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas - vol. 3
31
da educação, políticas de assistência e condições de permanência dos es-
tudantes, a construção de currículos plenos de signicados e a formação
de educadores comprometidos com a qualidade social, a democracia e a
formação humana integral, livre e criadora.
Por todas estas razões, a nossa atuação deve ser na resistência, na luta
pela revogação total e imediata da contrarreforma do ensino médio.
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Dissertação (Mestrado em Tecnologia e Sociedade) – Programa de Pós-Graduação em
Tecnologia e Sociedade, Universidade Tecnológica Federal do Paraná - PPGTE/UTFPR,
Curitiba, 2023.
33
2
Contribuições para uma
política educacional, cientíca
e tecnológica radical para os
Institutos Federais
Henrique Tahan Novaes
Julio Hideyshi Okumura
Introdução
A questão educacional brasileira não foi resolvida no século XX e
tudo indica que perdemos o bonde da história nas duas primeiras décadas
do século XXI.
Fruto da expansão do capitalismo no século XVI, o Brasil se tornou
um espaço produtor de cana de açúcar, baseado em grandes propriedades
de terra e trabalho escravizado.
https://doi.org/10.36311/2024.978-65-5954-526-1.p33-70
Henrique Tahan Novaes, Domingos Leite Lima Filho e José Deribaldo Gomes dos Santos (Org.)
34
Em 1808 abrimos os portos para as nações amigas, isto é, a Inglaterra
e em 1822 alcançamos a nossa “independência” formal de cima para baixo,
sem participação popular, num acordão de família.
A industrialização do Brasil no século XX não resolveu nossa dívida
educacional secular e histórica, dando a nós o título de um dos melhores
exemplos de desigualdade educacional.
Na América Latina, fomos os últimos a criar universidades públi-
cas, para pouquíssimos. Não zemos a massicação do acesso ao ensino
superior, como nossos hermanos na região. E quando tudo parecia apontar
para uma democratização educacional, em função das lutas dos anos 1950-
1960, no contexto das reformas de base, fomos atingidos por um duro
golpe, o golpe de 1964, com profundas consequências para o complexo
educacional, dentre elas a destruição do sistema público que mal havia sido
construído, a progressiva mercantilização do sistema público e a criação de
condições extremamente favoráveis para os empresários da educação.
Este capítulo faz um breve retrospecto da política educacional,
cientíca e tecnológica brasileira com um objetivo bastante claro, apon-
tar possíveis “soluções” para a questão universitária, em especial nos
Institutos Federais.
Na primeira seção zemos uma rápida análise do ensino superior
no Brasil. Depois analisamos a criação dos Institutos Federais, uma im-
portante conquista num país de extrema desigualdade educacional. Por
m, zemos algumas propostas que têm potencial para alterar o sentido da
educação nos Institutos Federais. Nossa crítica principal pode ser adianta-
da em poucas linhas: além de lutarmos pela expansão com qualidade do
ensino médio e superior, os Institutos Federais deverão alterar radicalmen-
te o sentido da educação, isto é, os propósitos do ensino, da pesquisa, e da
extensão. A formação para o mercado de trabalho, a agenda do empreen-
dedorismo, do inovacionismo, do produtivismo, do mimetismo cientíco
deverão ser problematizadas, dando origem a outros pilares de um possível
e necessário sistema educacional para além do capital, baseado no trabalho
emancipado e na completa desmercantilização da sociedade.
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas - vol. 3
35
asPectos hIstórIcos da PolítIca cIentífIca e tecnológIca no brasIl:
reflexões a PartIr da usP
Esta seção recupera parte da apresentação do livro “A questão da
USP”, de Florestan Fernandes, feita por nós em homenagem aos 40 anos
deste livro (em 2024). Por ser a USP uma das universidades públicas mais
importantes do país e Florestan Fernandes um dos melhores intérpretes da
nossa questão educacional, justicamos este breve retrospecto sobre esta
universidade e as contribuições deste intelectual militante.
Florestan Fernandes, na década de 1980, considerava que havia um
movimento político no Brasil conhecido como “redemocratização”, en-
cabeçado pelos movimentos sociais compostos pelos indígenas, defenso-
res da saúde pública, defensores da educação pública, movimento negro,
movimento sindical, partidário, etc., que abriam portas para uma possível
retomada do debate sobre a questão da USP. Já é possível adiantar que essa
possível retomada não se efetivou e que a redemocratização não se realizou.
Para Florestan Fernandes, houve uma institucionalização da ditadura, com
consequências dramáticas para o futuro da universidade pública e para o
crescimento da educação como mercadoria.
Em sua leitura, a revolução no Brasil não surgiria da universidade, mas
das lutas populares. Entretanto, contraditoriamente, o espaço universitário
poderia se tornar “[...] um centro cultural do pensamento crítico radical e
revolucionário, polarizado pelas lutas de classe e pelos interesses populares
na transformação da sociedade”, ou seja, a universidade poderia passar por
reexões e transformações pelas quais a tornaria um espaço para pensar o
desenvolvimento” do país e os problemas concretos a serem enfrentados
junto com o povo na perspectiva de classes (Fernandes, 1984, p. 10).
Florestan Fernandes foi um dos poucos pensadores que teve a capa-
cidade intelectual de atrelar uma rigorosa análise histórica, social, política
e econômica aos problemas enfrentados pela universidade brasileira, sem
deixar de lado suas preocupações como representante dos “de baixo”.
Henrique Tahan Novaes, Domingos Leite Lima Filho e José Deribaldo Gomes dos Santos (Org.)
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Talvez essa capacidade, além da sólida formação que recebeu dos
seus professores estrangeiros na USP, esteja relacionada a sua origem. Ele
nunca se esqueceu de onde veio. Menino pobre e lho da lavadeira que
teve que enfrentar as agruras da vida, desde a tenra infância, pelas ruas da
cidade de São Paulo, lidando com os perigos e com o desao de manter-se
vivo e levar o sustento para casa.
Outro ponto fundamental da sua trajetória como intelectual e mi-
litante defensor da educação pública brasileira é que seu pensamento e
propostas não nasceram integralmente dentro dos muros da universidade,
mas em processos de disputa política em momentos decisivos do Brasil, de
acirrada luta de classes pelos destinos da educação. Explicamos: todos seus
livros que trataram sobre o tema educacional foram escritos em momentos
em que ele participou ativamente de movimentos sociais ou de lutas para
construir uma possível democracia educacional.
Em 1959, participou da Campanha em Defesa da Escola Pública,
momento em que militou contra as investidas do setor privado e confes-
sional no processo de elaboração da Lei e Diretrizes de Base da educação
(Fernandes 1966). Infelizmente foi derrotado!
Em 1968 e 1969, já no contexto da ditadura empresarial-militar,
foi convidado a debater a respeito da Reforma Universitária de 1968 e; nas
décadas de 1980 e 1990; como deputado federal constituinte pelo Partido
dos Trabalhadores (PT), fez parte das debates e teve espaço para pensar em
propostas no campo educacional na Assembleia Nacional Constituinte
de 1987-1988 e das disputas políticas que precederam a escrita da Lei de
Diretrizes de Bases da educação promulgada em 1996 (LEI Nº 9.394 de
20 de dezembro de 1996, Fernandes, 1966).
Em seus livros há a presença de uma análise profunda do cientista
social, mas, ao mesmo tempo, o compromisso com sua origem e um olhar
aguçado como político representante do campo “progressista”.
Cabe destacar que, nesse período, foram publicadas as seguintes obras
que trataram sobre educação: Educação e Sociedade no Brasil (Fernandes,
1966), Universidade brasileira: reforma ou revolução? (Fernandes, 1975),
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas - vol. 3
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A questão da USP (Fernandes, 1984), O desao educacional (Fernandes,
1989) e Tensões na Educação (Fernandes, 2022).
No livro “A questão da USP” (Fernandes, 2024), seu pensamento
está embasado em autores como Marx, Engels e Lenin e num longo acú-
mulo cientíco da história educacional do Brasil. Nesse período, Florestan
Fernandes já tinha amadurecido a maior parte das suas ideias.
Em 1984, Florestan Fernandes já havia percebido algo importante
em sua trajetória como cientista social e militante: o desenvolvimento da
democracia burguesa no Brasil não será possível por meio da reconciliação
com as classes dirigentes supostamente “nacionalistas” e, a revolução edu-
cacional, conceito escrito pelo autor na década de 1960 no qual, a grosso
modo, considera que havia possibilidades de obter avanços democráticos
no país por meio da legalidade (compreendendo o Estado como ente edu-
cador e promotor do desenvolvimento), não ocorreria somente pela via
institucional, mas pela organização da classe trabalhadora e dos oprimidos
por meio dos movimentos sociais e pela tomada do poder nos espaços po-
líticos institucionais.
Pensamos que esse aprofundamento do autor a respeito do tema
educacional aconteceu em um longo processo de desenvolvimento intelec-
tual, permeado por lutas concretas em defesa da educação pública e pela
compreensão da particularidade da educação brasileira em cada uma das
fases do capitalismo. Cabe salientar mais uma vez que o autor participou
ativamente como defensor da escola pública em um período de 40 anos,
nessa longa jornada, muitas reexões foram realizadas por ele.
Assim como Anísio Teixeira e Paulo Freire, Florestan Fernandes pode
ser colocado no rol dos intelectuais militantes derrotados, mas que sempre
estiveram no lado certo da história. Guardadas as devidas diferenças entre
eles, todos defendiam a educação pública de qualidade, que permitisse às
massas trabalhadoras a elevação do seu conhecimento. No entanto, o pro-
jeto republicano de oferecer uma educação pública de qualidade para as
maiorias não vingou, e lamentavelmente não poderá vingar dentro os mar-
cos do nosso capitalismo. Países subdesenvolvidos produziram uma educa-
ção subdesenvolvida, a democracia restrita gerou um sistema educacional
Henrique Tahan Novaes, Domingos Leite Lima Filho e José Deribaldo Gomes dos Santos (Org.)
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público bastante restrito e ao mesmo tempo criou as condições gerais para
o avanço dos empresários da educação, isto é, da educação enquanto setor
estratégico para a reprodução do capital no país.
Nas décadas de 1950 e 1960, Florestan Fernandes parte da ideia
de revolução dentro da ordem: ações políticas intencionais que visam o
avanço da democracia real por dentro do Estado (Okumura, 2023), isto é,
arrancar das classes dominantes um sistema educacional público de quali-
dade, por exemplo.
Nas décadas de 1970 e 1980, muito provavelmente em função da
sua percepção sobre o sentido da ditadura empresarial-militar e da parti-
cularidade do nosso capitalismo, Fernandes concebe a articulação entre
a revolução dentro da ordem e a revolução contra a ordem (Okumura,
2023), isto é, ações organizadas pelos movimentos sociais de esquerda
que visam promover reformas radicais no Estado capitalista e uma revo-
lução no modo de produção capitalista, isto é, a superação deste modo de
produção e seus “modos de reprodução”, onde o complexo educacional
é parte estratégica.
No livro, A questão da USP, Florestan Fernandes sobre temas
bastante atuais como: a dominação cultural no Brasil; os problemas da
universidade em um país subdesenvolvido de capitalismo dependente;
a importância da universidade no processo de desenvolvimento da
democracia real; a universidade como instituição que forma o cientista com
capacidades inventivas e que lhe permite perceber sua realidade concreta
como intelectual, as perseguições na ditadura, as consequências do Golpe
empresarial-militar na universidade entre outros assuntos. Cabe ressaltar
que Florestan Fernandes foi aposentado pela ditadura e saiu do país.
De fato, o livro é uma obra prima do pensamento social brasileiro
sobre os dilemas da universidade num país dependente como o Brasil, to-
mando a USP como “melhor exemplo”.
Naquele momento histórico (anos 1980) regado por inúmeras lutas
sociais, parecia que o Brasil iria se redemocratizar e acertar contas com
seu passado. Mas a redemocratização não se realizou, algo que Florestan
Fernandes percebe muito rapidamente.
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas - vol. 3
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O que houve então? Uma Nova República? Não. Uma instituciona-
lização da ditadura, uma metamorfose da ditadura empresarial-militar em
ditadura do capital nanceiro, com inúmeras implicações no complexo
educacional. Se é verdade que elementos da reprodução do capital nan-
ceiro já estavam presentes na ditadura empresarial-militar, estes irão se de-
senvolver e ganhar a máxima potência a partir dos anos 1990.
Se não bastassem os inúmeros problemas constatados por Fernandes
em 1984, de lá para cá tivemos “acréscimos” de problemas que tornaram a
questão da USP, mas do ensino superior em geral muitíssimo mais complexa.
O cenário para o país e para a USP não foi dos melhores nos anos
vindouros. Fernando Henrique Cardoso, um ex-aluno da USP e ex-o-
rientando de Florestan Fernandes, torna-se presidente e implementa a
agenda neoliberal no país. Curiosamente o Partido da Social-Democracia
Brasileira (PSDB) é o agente da transformação, colocando o Brasil no rol
das neocolônias em processo de desindustrialização, e ampla abertura dos
mercados para as nações amigas, como parte da mundialização do capital.
As Universidades Públicas tornam-se cada vez mais universidades
neocoloniais, ao servir aos interesses do grande capital internacional, espe-
cialmente ao formar os gestores das grandes corporações transnacionais e
reproduzir aqui no Brasil os padrões cientícos mundiais, ainda que num
nível extremamente rebaixado (basta ver, por exemplo, a posição do Brasil
no ranking de patentes). Fenômenos já descritos por Maurício Tragtenberg
como delinquência acadêmica, produtivismo, multiplicação de papers sem
nenhuma relevância cientíca e social, passam a fazer parte das universida-
des públicas brasileiras.
Se na ditadura empresarial-militar, no que se refere à pesquisa, as
universidades podiam se “acoplar” a agenda do Brasil Grande Potência,
especialmente ao se vincularem às empresas estatais, o mesmo já não pode
ser dito na nova fase da ditadura do capital-nanceiro (1985 em diante),
muito em função da abertura do mercado brasileiro para as grandes corpo-
rações transnacionais e especialmente a privatização – parcial ou completa,
direta ou indireta – das empresas estatais (Novaes, 2022).
Henrique Tahan Novaes, Domingos Leite Lima Filho e José Deribaldo Gomes dos Santos (Org.)
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A USP nos anos 1990, longe de se tornar um “centro cultural do
pensamento crítico radical e revolucionário” que ajudaria a promover os
interesses populares na transformação da sociedade (Fernandes, 1984, p.
10), na verdade se tornou um dos polos do pensamento neoliberal, irracio-
nal ou pós-moderno. Boa parte de seus professores, inclusive das ciências
naturais, passam a defender a inserção subordinada, dependente do Brasil
no capitalismo mundializado. Teorias fundamentadas em princípios irra-
cionais, típicos da 3ª fase da decadência ideológica das classes dominantes,
ganham força na maior ou segunda maior universidade brasileira.
Contraditoriamente, a USP não embarcou no sonho bolsonarista da
“Escola Sem Partido” e do combate ao chamado “marxismo cultural”, um
delírio” da extrema direita que supõe que o sistema educacional público
tenha hegemonia do marxismo, algo que não corresponde à verdade.
Varhan Agopyan – reitor à época - armou ser impossível aplicar um
projeto como o Escola sem Partido na USP e que a autonomia universitá-
ria, garantida pela Constituição, que permite o amplo debate sobre discus-
sões políticas, de gênero e sexualidade nas universidades em todo o País.
Ele ressaltou que a universidade é um “local de debate. Mesmo no
auge da ditadura, os debates eram intensos: A universidade é um locus de
debate. Você não pode impedir. O debate é importante porque estamos
formando cidadãos, nós formamos prossionais, mas o grande objetivo
da USP é formar excelentes cidadãos e excelentes líderes. Não consi-
go imaginar um professor fazendo proselitismo para os alunos, mesmo
quando o professor dá um curso de Marxismo, mostra as críticas, faz
parte da formação”.
É nos anos 1990 que a Universidade Pública volta a ser um dos
bodes expiatórios da crise estrutural da nossa economia e do Estado brasi-
leiro. Propostas mirabolantes e anti-democráticas são colocadas na mídia,
pelos gestores do capital: cobrar mensalidades, quebrar o contrato dos pro-
fessores, taxados de “marajás”, arrecadar dinheiro de ex-alunos e empresá-
rios e até mesmo a privatização total.
A constatação de que nossas universidades públicas são para as ca-
madas médias e para as elites é usada - não no sentido de democratizar o
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas - vol. 3
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acesso - mas com uma falsa solução: cobrar mensalidades das classes mé-
dias que ali estão. Evidentemente não poderemos desenvolver este ponto
nesta apresentação, mas temáticas como a taxação de grandes fortunas para
expandir o sistema público nunca entram na agenda, mas soluções como a
cobrança de mensalidades sim. Soluções como a Argentina dos anos 1950,
que promoveu uma ampla massicação do acesso à universidade pública e
m do vestibular, jamais entram na agenda.
Como parte da estratégia neoliberal de abrir novos mercados na edu-
cação, tivemos asxia orçamentária nos anos 1990 que levou ao sucatea-
mento das Universidades Públicas e ao congelamento de salário dos ser-
vidores. Se não bastasse isso, o lulismo criou a Lei de Inovação que gerou
professores-empreendedores”, cada vez mais preocupados com o privado
do que com o público.
Nos anos 1990-2000, o sistema educacional sofre duas mudanças
signicativas, ainda não totalmente captadas pelas pesquisas recentes: pro-
cessos de desnacionalização da educação e nanceirização da educação.
É nessa mesma USP que temos a multiplicação de Fundações gi-
gantescas, Parcerias Público-Privadas, Organizações da Sociedade Civil,
cursos de graduação e “extensão” pagos, tudo como parte da concepção de
Público Não-Estatal de Bresser Pereira.
Para piorar, foi na USP no ano de 2009 que o 3º colocado da lista
tríplice – João Rodas – foi indicado pelo governador José Serra (curiosa-
mente um personagem que foi para o exílio no Chile), mostrando mais
uma vez os traços autocráticos da nossa democracia restrita e os limites
democráticos da Lista Tríplice.
Com uma certa dose de otimismo da nossa parte, podemos dizer que
a USP ainda resiste às ofensivas do capital. Seu movimento estudantil, uma
ala de professores e servidores técnico-administrativos, comprometidos de
alguma forma com os graves problemas criados pelo modo de produção
capitalista no Brasil e no mundo, não permitiu e não permite uma total
ofensiva neoliberal na teoria e na prática uspiana. Não permite em sala de
aula, que o modo de produção capitalista seja colocado como o futuro da
Henrique Tahan Novaes, Domingos Leite Lima Filho e José Deribaldo Gomes dos Santos (Org.)
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humanidade. Não permite uma total mercantilização da USP (a educação
não é mercadoria!).
Esta resistência de uma parte da comunidade de pesquisa, ensino e
extensão da USP se dá em projetos e lutas contra a cidade neoliberal, nas
lutas por processos autogestionários de construção de moradias, nas lutas
do movimento negro, feminista e ambientalista (não sem contradições)
por arejar o ambiente conservador da USP. Se dá nas salas de aula, por
professoras e professores comprometidos com uma ciência engajada e re-
levante para a resolução dos problemas nacionais e internacionais. Enm,
nas lutas por uma outra economia e de formas de vinculação do ensino,
pesquisa e intenção com as lutas antissistêmicas dos movimentos sociais.
a crIação dos InstItutos federaIs
Esta seção recupera ideias apresentadas numa palestra realizada no
Encontro do Sinasefe, em Brasília em novembro de 2023.
Acreditamos que a criação dos Institutos Federais é uma das vitórias
parciais do povo brasileiro. Num país onde o ensino médio público nunca
foi prioridade, onde professoras e professores enfrentam péssimas condi-
ções de trabalho, sem laboratórios, salas de aula inadequadas, ausência de
planos de carreira, etc. a criação dos Institutos Federais permite a uma
parcela (muito pequena é verdade) do povo brasileiro uma adequação de
qualidade, e aos professores e professores, melhores condições de trabalho,
se comparada a dura realidade das escolas estaduais.
Isso não quer dizer que não existem problemas nos Institutos
Federais. Não podemos ignorá-los e temos que lutar para que a rede de
Educação Federal seja aperfeiçoada. É muito provável que se Bolsonaro
tivesse sido reeleito, muito provavelmente os Institutos Federais seriam
precarizados ou entregues para o SENAI.
Mesmo sabendo que a criação dos institutos foi uma vitória parcial
da classe trabalhadora, procuramos observar nesta parte do capítulo alguns
problemas de concepção dos Institutos Federais, tendo em vista uma pos-
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas - vol. 3
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sível mudança de rota, tendo em vista a construção de um sistema educa-
cional para além do capital.
Antes de avançar, é preciso levar em conta nosso “pessimismo da
razão”. A esquerda da ordem e moderada atualmente no poder não irá
levar nossas propostas a frente. Para que elas aconteçam, o Brasil precisará
ser sacudido pelos movimentos sociais e populares que poderão reivindicar
uma universidade para além do capital. Por sua vez, a comunidade cientí-
ca de esquerda das universidades e Institutos Federais não tem força para
levar a cabo este projeto.
Comecemos por alguns problemas de concepção. Os Institutos
Federais foram concebidos dentro de uma agenda de “desenvolvimento
do lulismo: seja ele socioeconômico, regional, desenvolvimento local, ar-
ranjos produtivos locais e por aí vai. Em quase todos os documentos de
criação e fundamentação da criação da rede, aparecem palavras como em-
preendedorismo, inovação e outras tantas do novo dicionário do capital.
Ainda que conceitos de esquerda como integração, omnilateralida-
de, formação politécnica apareçam nos documentos, nos parece que esta
proposta não teve força para “decolar”, tendo sido rapidamente atropelada
pela hegemonia do capital dentro e fora dos Institutos Federais.
a PolítIca de cotas: conquIstas, lImItes e contradIções
Outra vitória parcial das classes trabalhadores se deu em 2012, com
a aprovação da Lei de Cotas no Ensino Superior Público. É provável que
Florestan Fernandes caracterizaria a política de cotas como uma revolu-
ção dentro da ordem, na medida em que democratiza – ainda que muito
“levemente” – o acesso à universidade pública. No entanto, está longe de
ser uma política reparatória, num país rasgado por uma enorme desigual-
dade social e educacional. Além disso, cumpre enfatizar que o sentido da
universidade não foi alterado (Novaes, 2010; Novaes, 2023). A política de
cotas está longe de promover uma grande transformação no papel da uni-
Henrique Tahan Novaes, Domingos Leite Lima Filho e José Deribaldo Gomes dos Santos (Org.)
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versidade pública num país dependente e subdesenvolvido como o nosso,
à medida que não modica os ns da universidade.
Da mesma forma, políticas como a de curricularização da extensão
– outra vitória parcial dos movimentos sociais e de parte da esquerda uni-
versitária nos anos 2010 - se tornaram uma “gambiarra” na USP, UNESP e
UNICAMP, típica das universidades que não querem se democratizar e se
conectar a resolução dos graves problemas nacionais.
É possível alterar o sentido dos Institutos? Como fazer esta alteração?
Retomando as ideias de Florestan Fernandes (1984) sobre a questão
universitária, são muitos os problemas enfrentados pela universidade brasi-
leira. Florestan Fernandes deixa claro que é nosso papel, como intelectuais
militantes e lhos da classe trabalhadora, pensar sobre essa importante ins-
tituição como espaço de militância para que seja construído um caminho
para a revolução dentro da ordem do modo de produção capitalista e, con-
comitantemente, juntos aos movimentos sociais, em ações revolucionárias
contra a ordem, visando assim, uma sociedade mais justa, o socialismo.
E com isso, vale destacar mais uma vez a citação que zemos no início
da apresentação, onde Fernandes destaca que a universidade pode ser um
“[...] centro cultural do pensamento crítico radical e revolucionário, pola-
rizado pelas lutas de classe e pelos interesses populares na transformação da
sociedade” (Fernandes, 1984, p. 10).
Nos livros “Reatando um o interrompido: a relação universidade-
-movimentos sociais na América Latina” (Novaes, 2023) e “Da Universidade
necessária à universidade para além do capital” (Novaes, 2022) procuramos
desenvolver algumas “propostas” – a partir da análise concreta da realidade
concreta de alguns grupos de ensino, pesquisa e extensão, que podem “ilu-
minar” o futuro dos Institutos Federais e do ensino superior público em
geral. Iremos resgatar nas próximas páginas algumas delas.
Depois do Golpe de 1964, Darcy Ribeiro foi obrigado a ir pro
exílio no Uruguai. Lá ele escreveu o livro “A Universidade Necessária
(Ribeiro, 1975), nos anos 1966-67, portanto, antes do endurecimento
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas - vol. 3
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da ditadura brasileira e com uma certa expectativa de rápida superação
do golpe. Darcy Ribeiro foi Ministro da Casa Civil de João Goulart e um
dos idealizadores da Universidade de Brasília (UnB), junto com o grande
liberal Anísio Teixeira.
A proposta da UnB, que está na moldura do livro “A Universidade
Necessária”, é a criação de uma universidade conectada à independência
nacional e à resolução dos problemas nacionais. Darcy dizia que na UnB os
professores teriam liberdade para pensar e pesquisar, independentemente
da sua posição política e da sua religião.
O m trágico da UnB todos sabem. Em outubro de 1965, cerca de
80% dos professores pediram demissão frente às investidas da ditadura.
Ao que tudo indica, o projeto de universidade necessária era distinto do
projeto da ditadura empresarial-militar (DEM) para o Complexo Público
de Ensino Superior e Pesquisa (CPESP). Apesar da fachada nacionalista,
muitos estudos têm demonstrado o entreguismo dos militares e a ascensão
das corporações transnacionais no período.
Do famoso tripé Empresa Estatal-Empresa Nacional-Empresa
Transnacional que levaria ao “progresso da nação”, as corporações transna-
cionais saíram com o “pé” mais forte (Campos, 2023).
Como vimos, a “institucionalização da ditadura”, nos termos de
Florestan Fernandes (1984), ou o que cou conhecido como “redemocra-
tização” trouxe um certo arejamento ao CPESP. As “faxinas” ideológicas
realizadas na ditadura foram interrompidas, porém, contraditoriamente,
os grupos de pesquisa já traziam no seu seio o produtivismo da política
cientíca e tecnológica traçada na DEM.
Nos anos 1980, muitos grupos de pesquisa tentaram – e em algu-
ma medida conseguiram – se vincular com as demandas seculares da clas-
se trabalhadora, mas rapidamente veio o neoliberalismo de Collor e de
Fernando Henrique Cardoso, que questionaram a função da Universidade
Pública na sociedade e ao mesmo tempo deram grande impulso à educa-
ção enquanto mercadoria lucrativa. Se é verdade que a educação como um
mercado lucrativo é obra da ditadura, também é verdade que é nos anos
1990-2000 a sua fase de expansão desenfreada.
Henrique Tahan Novaes, Domingos Leite Lima Filho e José Deribaldo Gomes dos Santos (Org.)
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Saímos então de um pequeno “suspiro” dado à Universidade
Necessária no pré-golpe, vivemos a refuncionalização do papel do
CPESP ao projeto da DEM e, desde os anos 1990, entramos na fase da
“Universidade Desnecessária”.
Nos anos 2000, como se sabe, o lulismo abriu as portas para uma
nova expansão das universidades privadas, abdicação de impostos em troca
de vagas (PROUNI). O nanciamento – via Estado – do pagamento das
mensalidades (FIES) ganha novos ares.
O REUNI retirou as universidades públicas o fundo do poço neoli-
beral, mas não alterou signicativamente o que se ensina e como se ensina,
muito menos a precarização do trabalho. As cotas tiveram um impacto gi-
gantesco, principalmente ao permitir que as parcelas dos lhos das classes
trabalhadoras escolarizadas tivessem o seu lugar ao sol.
No entanto, depois de esgotado o ciclo lulista em 2013, e com um
golpe de Estado de novo tipo em 2016, chegamos a 2020 com o pior
cenário para o CPESP. Em 2019, a mídia anunciou o corte de 45% das
verbas do CNPq, e o diretor dessa entidade armava que as bolsas de pes-
quisa só chegariam até julho. Da mesma forma, uma nova ofensiva contra
o CPESP entrou na agenda do Estado: cobrança de mensalidades, Escola
Sem Partido, extinção de cargos de chea nas universidades públicas fede-
rais, intervenções etc. Até mesmo a existência - cienticamente compro-
vada - da DEM está sendo questionada pelos Ministros da Educação, que
exigem uma revisão do tema nos materiais didáticos.
Contrapondo-se a esse projeto, em janeiro de 2019, o reitor da
UFPR declarou que não caria calado frente a esse processo, o que levou
um jornalista a criar a manchete “A UFPR vai à guerra”.
Da mesma forma que o reitor da UFPR, inúmeras entidades cien-
tícas têm questionado a agenda bolsonarista para o CPESP. O reitor da
USP, num gesto importante, declarou que “na USP não haverá Escola
Sem Partido”.
O direito a ser cientista vem sendo questionado. O direito à educa-
ção pública vem sendo questionado. Ao que tudo indica, o irracionalismo
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas - vol. 3
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é a base que fundamenta a nova expansão do capitalismo nanceirizado.
Ele é imprescindível para amalgamar a sociedade da barbárie. Para nós,
a produção de ignorância é fundamental para fazer avançar a agenda do
capital monopolista.
Se isso é verdade, uma nova inquisição e uma nova faxina teórica
ganharão impulso. As fogueiras para queimar todos aqueles que dizem a
verdade serão acionadas. A Universidade Pública será colocada na fogueira.
Aliás, essa fogueira já existe. Uma rápida pesquisa na internet permitirá ao
leitor vericar que inúmeros professores da Educação Básica e do Ensino
Superior foram expulsos ou perseguidos nos últimos anos. Reitores eleitos
não foram indicados.
Quanto a isso, o bolsonarismo é bem claro. Se a mídia e a universi-
dade pública questionam o seu projeto, é preciso “limpar o terreno”, eli-
minar os inimigos.
Mas é preciso lembrar também que a questão de fundo, como co-
loca o professor Dermeval Saviani, é a histórica luta entre o público e o
privado. Ao m e ao cabo, todas as condenações que armam que “na
escola pública e na universidade pública há um bando de comunistas
têm como propósito expandir o sistema privado de educação. Essa é a
questão fundamental.
Na tese de doutorado de um dos autores (Novaes, 2023), procura-
mos mostrar a atuação de parcelas da comunidade cientíca que tentaram
resistir ao avanço do neoliberalismo. Observamos a atuação dos pesqui-
sadores-extensionistas que se aliaram aos movimentos sociais, através de
ações no campo da pesquisa e da extensão, que certamente tiveram “im-
pacto” no ensino.
Passados 14 anos da defesa da tese de doutorado, temos atuado em
lutas por dentro e por fora da Universidade Pública, tentando, ao mesmo
tempo, resistir ao seu desmonte e criando cursos de extensão, aperfeiçoa-
mento e cursos pós-médio e médio integrado junto aos movimentos sociais
da região de Marília desde quando entramos na UNESP, como docente da
graduação e pós-graduação.
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O caso paulista é exemplar. Há uma segmentação cada vez maior da
comunidade cientíca das três universidades públicas paulistas. No topo
dessa pirâmide, docentes que não estão muito preocupados com a defe-
sa da universidade pública, gratuita e de qualidade. Precisam do selo da
Universidade Pública, que lhes dá prestígio, mas não irão se engajar na de-
fesa das mesmas. Ganham rios de dinheiro em consultorias, consultórios,
cursos de especialização pagos etc. Uma camada intermediária quer que a
Universidade Pública lhes dê as condições de desenvolvimento de pesquisa
e de ensino (laboratórios, fundos de pesquisa, bolsas etc.) como nos países
centrais. Percebem que isso não está acontecendo, mas não conseguem
ligar essa demanda à necessidade de uma luta mais profunda pela defesa da
universidade pública e seu sentido social.
Lá embaixo, professores com jornadas de trabalho cada vez mais ex-
tensas, com uma vida precarizada (sem reposição salarial, plano de carreira,
dando cada vez mais aulas, assumindo inúmeras tarefas de gestão etc.).
Os últimos estão acompanhados de uma nova tendência – os professores
substitutos ou bolsistas.
A velha questão levantada por José Carlos Mariátegui no nal dos
anos 1910 ainda é atual: é possível mudar a universidade pública por den-
tro? Se sim, como deve se dar essa luta?
Qual o papel das universidades populares, autônomas ao Estado no
que se refere ao controle dos conteúdos, forma escolar, avaliação etc.?
Nos dias de hoje, é muito difícil acreditar que a universidade pública
possa se converter em universidade para além do capital (UPAC). Se é ver-
dade que no curto prazo essa luta é impossível, isso não quer dizer que não
tenhamos uma ponta de esperança na “conversão” da universidade pública
em UPAC. Isso dependerá, como tentamos mostrar em nossa tese (Novaes,
2022), de um programa revolucionário na sociedade e de uma profunda
aliança dos setores mais avançados da universidade com os movimentos so-
ciais anticapital. Alguns poderão pensar que isso não passa de uma utopia,
principalmente num momento no qual devemos nos perguntar: vai haver
universidade pública em 2022?
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas - vol. 3
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Na nossa tese de doutorado (Novaes, 2010), defendemos as lutas
por fora” das universidades públicas, isto é, a criação de Universidades
Populares, universidades em que o Estado não consegue interferir.
Lá observamos que, na América Latina, uma das mais importan-
tes Universidades Populares é a Escola Nacional Florestan Fernandes
(ENFF). A ENFF partiu de uma visão estratégica do MST, sobre a ne-
cessidade de criar um centro de formação política para militantes da
América Latina, num primeiro momento, e mais recentemente, para mi-
litantes do mundo inteiro.
A ENFF abriga cursos com grande autonomia e cursos com auto-
nomia intermediária. Sobre os últimos, foram feitos convênios e alianças
com as universidades públicas, na verdade, convênios puxados pelas alas
republicanas e de esquerda das universidades públicas para oferecer cur-
sos de graduação, especialização e mestrado para membros de movimen-
tos sociais. Aqui é possível notar os movimentos sociais puxando parcelas
da Universidade Pública e, ao mesmo tempo, parcelas da Universidade
Pública se aliando com os movimentos sociais. Uma chave fundamental
para a criação desses cursos, que no momento está praticamente extinta
em função das ações de Temer e de Bolsonaro, é o PRONERA (Programa
Nacional de Educação na Reforma Agrária).
No que se refere aos cursos autônomos, fomos professores de dois
cursos na ENFF, o “latinão”, para militantes da América Latina, e o Curso
Florestan Fernandes, para a compreensão desse grande intelectual que dá
nome à escola. Mais recentemente ofertamos ali o Minicurso Questão
Agrária, Cooperação e Agroecologia para professores da educação básica.
A multiplicação de Universidades Populares na América Latina é
algo imprescindível neste momento histórico de profunda regressão social.
Mas em nossa tese de doutorado também propomos uma agenda de
lutas que poderia “salvar” a universidade pública, partindo da aliança entre
os setores mais avançados da universidade pública com os movimentos so-
ciais (Novaes, 2010). Ou seja, por mais que as lutas “por fora”- autônomas
dos movimentos sociais sejam necessárias, tendo em vista a construção de
universidades e projetos de educação popular com a máxima autonomia
Henrique Tahan Novaes, Domingos Leite Lima Filho e José Deribaldo Gomes dos Santos (Org.)
50
dos movimentos sociais, é necessária transformar a universidade estatal em
universidade para além do capital, mudando completamente o sentido da
universidade.
qual o PaPel da unIversIdade na suPeração da socIedade de classes ?
No nosso entender, a questão fundamental do CPESP continua sen-
do o sentido da universidade na sociedade de classes, ou melhor, o sentido
do trabalho na universidade num país de capitalismo dependente. A uni-
versidade deve servir aos exploradores ou aos explorados? Deve ser fábrica
de papers para melhorar os rankings internacionais ou deve fazer pesquisa
e extensão tendo em vista seu papel na superação do sociometabolismo do
capital? Deve ser fonte de enriquecimento de alguns poucos pesquisadores
e consultores ou deve servir ao seu povo?
István Mészáros (2002) observou que, desde os anos 1970, estamos
diante de uma “crise estrutural do capital”. Ela pode ser caracterizada re-
sumidamente a) pelo colapso ambiental, b) pelo desemprego crônico e
pelo subemprego crônico, c) pelo crescimento econômico baixíssimo ou a
estagnação, e d) por uma crise civilizacional.
No Brasil, a crise estrutural do capital tem características mais dra-
máticas, podendo ser caracterizada como uma tragédia grega. Octávio
Ianni (2000, p. 1) faz a seguinte síntese:
ESTA É A IRONIA da história: o Brasil nasce no século XVI
como província do colonialismo e ingressa no século XXI como
província do globalismo. Depois de uma longa e errática história,
através do mercantilismo, colonialismo e imperialismo, ingressa
no globalismo como modesto subsistema da economia global. A
despeito dos surtos de nacionalismo e das realizações propriamente
nacionais, como ocorre principalmente na época do populismo,
isto é, do projeto e realizações do capitalismo nacional, ingressa
no século XXI como simples província do capitalismo global;
revelando-se um caso de dependência perfeita.
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas - vol. 3
51
Nosso capitalismo de matriz colonial não tem mais ferrovias, mas
tem muitas estradas malconservadas. Ele não tem mais indústrias e é al-
tamente dependente da exportação de produtos primários, “revelando-se
um caso de dependência perfeita”. Ele mata 60 mil pessoas por ano e é o
campeão de assassinatos no campo. Metade da população não tem sanea-
mento básico e vive em casebres ou cortiços. Metade dos jovens está fora
do Ensino Médio e os que estão dentro mal sabem ler e escrever. Apenas
2 de cada 10 jovens estão no Ensino Superior. O que é isso, senão uma
tragédia grega?
Na citação abaixo, Florestan Fernandes (2016) faz uma bela síntese
da mundialização do capital e da tragédia neocolonial brasileira nos anos
1980. Atuando como deputado constituinte naquele momento, ele tinha
uma certa esperança nas ações institucionais da esquerda:
A autonomia das nações não é uma dádiva da natureza e da história.
Ela é conquistada numa luta sem trégua contra várias modalidades
de colonialismo, neocolonialismo e dependência. Em uma era
de internacionalização acelerada e impiedosa do capitalismo
monopolista e de expansão agressiva do imperialismo econômico,
cultural, político e militar das nações capitalistas hegemônicas e
de sua super-potência, os Estados Unidos, é matéria de vida ou
de morte introduzir na carta magna medidas constitucionais
de proteção de nossos recursos materiais e humanos e de forte
incentivo ao desenvolvimento do Brasil como nação independente
(Fernandes, 2016, p. 22).
Sabemos hoje que não tivemos grandes vitórias em relação à “prote-
ção de nossos recursos materiais e humanos e de forte incentivo ao desen-
volvimento do Brasil como nação independente”. O Governo Sarney ins-
titucionalizou a ditadura e Collor, com sua ira antifuncionalismo público,
privatizou e dilapidou o país.
Com a vitória de Fernando Henrique Cardoso e seu projeto liberal,
o destino da Universidade Pública foi colocado em risco. Sucateamento
crescente e arrocho salarial passam a fazer parte da vida universitária. Em
Henrique Tahan Novaes, Domingos Leite Lima Filho e José Deribaldo Gomes dos Santos (Org.)
52
função das privatizações da telefonia, energia elétrica, gás, abertura das
ações da Petrobras e Banco do Brasil, os centros de pesquisa e institutos
de pesquisa cam à deriva. Na outra ponta, um crescimento exponencial
do Ensino superior privado que forma quadros intermediários e gestores
do capital interessados na reprodução do capital em um país neocolonial.
Com o projeto “melhorista” de Lula, houve uma certa expan-
são do Ensino Superior Público, através da criação de cerca de 50 novas
Universidades Federais e dos Institutos Federais. Em contrapartida, surgiu o
Minha Casa Minha Vida da Educação, chamado Fundo de Financiamento
Estudantil (FIES). Destinando somas signicativas dos fundos públicos
para as corporações educacionais, o FIES “turbinou” a educação privada e
evidentemente drenou somas vultosas dos fundos públicos para o mercado
educacional. Ao seu lado, o PROUNI, uma espécie de programa de isen-
ção de impostos para os empresários da educação, no qual o Estado brasi-
leiro deixa de arrecadar cerca de 1 bilhão por ano para que as universidades
privadas recebam alunos sem condições de pagar a faculdade.
Com o golpe de 2016, o Brasil aprofunda o neoliberalismo, le-
vando autores como Leher (2019) a armar que entramos na fase do
ultraliberalismo.
Tudo indica que a universidade pública está passando por uma nova
adequação. O ilegítimo presidente Temer coloca o país em liquidação, pro-
move mudanças substantivas como a PEC do Teto, Reforma Trabalhista
etc. que certamente terão impacto na educação nos próximos 20 anos. A
destruição consciente e planejada do setor público se realiza como parte de
um projeto ultraliberal, num ritmo mais intenso que nos governos anterio-
res, mas mantendo a mesma tendência mercantilizadora.
Lima Filho (2020) observa que estamos diante da 5ª etapa da contrar-
revolução prolongada. A 1ª evidentemente é a que vai de 1964-1985. A 2ª
etapa vai de 1985 a 1994. A 3ª vai de 1994-2002 e a 4ª vai de 2003-2016.
Para ele, para compreender o Brasil, é preciso realizar análises de
longa duração. Sua interpretação sugere que há uma tendência geral de
mercantilização da vida, com distintas intensidades e nuances, de 1964
para cá.
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas - vol. 3
53
Nesta nova etapa, isto é, com o golpe de 2016, o controle dos fundos
públicos torna-se ainda mais decisivo. Nessa luta pelos fundos públicos,
Bolsonaro diminuiu drasticamente os recursos da CAPES, do CNPq e das
Universidades Públicas.
Para caracterizar essa luta pelos fundos públicos, podemos lembrar
que, em maio de 2018, na “greve dos caminhoneiros”, numa ponta estava
o poderoso setor de transportes barganhando o seu quinhão dos fundos
públicos. Na outra, os trabalhadores “autônomos”, clamando pela dimi-
nuição do valor do diesel, pagamento pelo frete, pedágios, condições das
estradas etc. que afetam seu “salário” mensal. Na esteira dos autônomos,
movimentos sociais saíram às ruas contra a elevação do preço dos combus-
tíveis e o aumento do custo de vida, resultado da política neocolonial que
Temer representa, principalmente através da política da Petrobras.
Nas disputas pelos fundos públicos, escolas públicas, universidades
públicas, SUS têm levado a pior. Seus trabalhadores, seus usuários e seus
representantes no parlamento têm pouco poder nas negociações pelos fun-
dos, frente ao enorme poder dos donos da dívida pública e das corporações
transnacionais, com seus representantes diretos e indiretos no Executivo,
no Legislativo e no Judiciário.
É preciso lembrar que, em momentos de crise do capitalismo, as
disputas pelos fundos públicos se acirram. Com a crise estrutural do capi-
tal, como o avião está imbicado para baixo, não é possível tentar agradar
gregos (todas as frações do capital) e troianos (todas as parcelas da classe
trabalhadora). É aí que começam disputas fortíssimas para ver quem con-
segue abocanhar a maior parte da mais valia (mais valor) social. Para pegar
apenas o período recente, as disputas intercapitalistas aumentaram signi-
cativamente desde 2012.
Nesse cenário, a universidade da fase ultraliberal do capitalismo bra-
sileiro é a universidade neocolonial. Ela forma gestores para o capital in-
ternacional, produz e reproduz ignorância cienticamente respaldada e se
mercantiliza cada vez mais.
Plínio de Arruda Sampaio Junior (2018) nos lembra que o país vol-
tou a se transformar num grande fazendão produtor de soja, cana, eucalip-
Henrique Tahan Novaes, Domingos Leite Lima Filho e José Deribaldo Gomes dos Santos (Org.)
54
to, carne de boi, de frango e de porco. Tornou-se um grande exportador de
minério de ferro e outros minérios, cabendo à universidade pública ade-
quar-se a este fazendão exportador de produtos primários. Suas funções: a)
formar quadros para a manutenção da dominação externa e a perpetuação
da dominação neocolonial; b) fazer pesquisa de quinta categoria tendo em
vista as inovações marginais das grandes corporações do agronegócio; c)
produzir e reproduzir alienação e ignorância para que as massas suportem
o sacrifício desse projeto; d) criar cursos de extensão pagos para atualizar
teoricamente e praticamente os gestores do capital.
As consequências desse projeto de universidade neocolonial são ne-
fastas para o povo brasileiro: a) bloqueio ao acesso à universidade pública;
b) diferenciação entre os “centros de excelência” e o resto do sistema uni-
versitário, e aumento da diferenças regionais; c) subnanciamento crônico
da universidade pública e adoção de “novas formas” de nanciamento; d)
degradação do trabalho docente e do trabalho dos funcionários; e) im-
possibilidade de uma política republicana de permanência estudantil; f)
mercantilização completa da educação, dentre outros que conduzem a
uma degradação sistemática do serviço público; g) aprovação do teto de
gastos nas universidades; h) reformas da graduação, tendo em vista a im-
plementação da pedagogia das competências; i) aumento do produtivismo
improdutivo na pós-graduação; j) extensão mais mercantilizada ou com
caráter assistencialista; k) mudança nos sistemas de avaliação; l) destruição
ou deslegitimação do papel dos sindicatos.
É muito provável que estejamos diante de uma grande transformação
nas universidades estatais brasileiras. Nossa tendência – como docentes - é
ver as ondas de forma isolada, sem perceber o tsunami em curso.
As principais propostas para a reforma da universidade que circu-
lam no Século XXI latino-americano giram em torno da necessidade de
adaptar a Proposta de Bolonha ou a propostas de “democratização do
acesso” à universidade.
À margem desse processo, ganhou destaque, nos anos 2000, o ex-
reitor da UFBA – Naomar de Almeida Filho - que tentou ganhar adeptos
para a proposta da universidade nova. Algumas outras vozes, principalmente
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas - vol. 3
55
vindas do movimento estudantil, acenam para a republicização do espaço
público universitário e do m dos cursos de extensão pagos.
Para nós, a universalização do acesso à universidade, embora im-
prescindível, não é suciente. Acreditamos fazer falta a proposição de uma
mudança qualitativa mais profunda, que aponte uma política para esse
complexo, comprometida com os interesses dos “dominados. Em vez
de reformas universitárias, precisaríamos de uma revolução universitária
(Fernandes, 2004; Tragtenberg, 2004), revolução que deverá incorporar
as críticas à neutralidade da ciência e ao determinismo tecnológico junto à
questão do acesso.
Para nós, deveríamos atacar o problema em duas frentes: a) através
da criação de universidades populares radicalmente novas”, engajadas na
emancipação dos trabalhadores; b) criar uma nova agenda de ensino, pes-
quisa e extensão nas universidades públicas existentes, tendo em vista a
negação da sociedade do capital (com sua agenda educacional pró-capital)
e a construção de uma sociedade para além do capital (e sua agenda educa-
cional para além do capital).
A universidade popular, além de se propor a estudar as grandes
questões nacionais, projeta uma nova práxis, ajudando a transformar a
realidade latino-americana. Em outras palavras, diz respeito ao papel po-
tencial do CPESP na construção uma sociedade “para além do capital”
(Mészáros, 2002).
Evidentemente, uma proposta de universidade alternativa será herdei-
ra das experiências dos últimos séculos, tal como procuramos mostrar no
capítulo anterior: os ensinamentos da ala esquerda da Reforma de Córdoba,
a recuperação do caráter público da universidade, principalmente em função
da formação de intelectuais que combinem teoria e prática, e não a “univer-
sidade como meio de se ganhar a vida” (Julio Mella), a construção de uma
América Latina unida (incluindo aqui o Brasil, país que não “entrava” no
raciocínio dos reformistas) e a aliança com os movimentos sociais.
E em um olhar mais recente, conforme vimos nas páginas anteriores,
as vitórias parciais obtidas pelos pesquisadores-extensionistas na sua rela-
Henrique Tahan Novaes, Domingos Leite Lima Filho e José Deribaldo Gomes dos Santos (Org.)
56
ção com os movimentos sociais têm muito a dizer no que se refere ao “en-
saio” ou “laboratório” do que seria uma universidade para além do capital.
Rodrigo Lefrève relata, no seu artigo “Notas de um estudo sobre
objetivos do ensino da arquitetura e meios para atingi-los em trabalho de
projeto”, como evitar uma prática alienada por parte do futuro arquiteto,
incentivando-o a pautar suas decisões de projeto pela consciência do seu
papel como agente de produção e de transformação da realidade. Seu obje-
tivo era conscientizar os alunos dos problemas sociais do país e das formas
de superá-los.
Cerca de 40 anos depois desse escrito, ainda não conseguimos supe-
rar o problema. Dagnino (2020, p. 18) conclui, ao reetir sobre a PCT no
governo Lula, que
[...] a chegada ao governo de forças políticas interessadas em
promover um estilo alternativo de desenvolvimento não mudou
signicativamente nem as orientações e prioridades e nem sequer
o discurso ocial. Tudo se passa como se esse estilo alternativo não
demandasse conhecimentos cientícos e tecnológicos de novo tipo.
As corporações latino-americanas, ao inovarem apenas através de
importação de tecnologia, mostram-nos claramente que o CPESP não é
um parceiro estratégico para a sua consolidação. Em uma pesquisa realiza-
da pela Pintec (IBGE), no ano de 2006, perguntaram aos empresários se
a universidade pública era um parceiro estratégico: apenas 11% disseram
que sim, o que evidencia que os próprios empresários não vislumbram
uma maior relação universidade-empresa, tal como “insistem” as políticas
públicas recentes.
Enquanto isso, os movimentos sociais vêm procurando, ainda que
timidamente, talvez em função do momento defensivo, o CPESP com o
objetivo de “estimular” a universidade a promover uma agenda de pesqui-
sa, ensino e extensão coerente com suas demandas.
As alianças que estão se desenvolvendo entre os movimentos sociais
e alguns setores das universidades públicas constituem modelos “embrio-
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas - vol. 3
57
nários” de uma possível vinculação entre ambos, sinalizando a forma como
o CPESP poderá se comportar no decorrer do possível e necessário cresci-
mento das lutas por uma sociedade para além do capital. Nesse contexto,
Dagnino (2008) considera
[...] os empreendimentos autogestionários como a forma mais
promissora porque, por terem seu fundamento no associativismo
e na autogestão, elementos cruciais da trajetória de constituição da
identidade e autonomia da classe trabalhadora e dos movimentos
populares que junto a ela se organizaram ao longo da história,
eles são capazes de cumprir um papel singular no processo que
atualmente se inicia na América Latina. O papel de combinar dois
processos que o capital conseguiu separar e que nem as experiências
de socialismo que tivemos lograram juntar: a organização da
produção e das lutas dos trabalhadores sob o único e prometedor
princípio da autonomia e da solidariedade (Dagnino, 2020, p. 6).
Leher (2008, p. 61) acredita que “[...] o futuro da universidade está
indissociavelmente relacionado às lutas sociais antissistêmicas”, através de
universidades populares que articulem a classe trabalhadora e os nichos de
pensamento crítico que seguem existindo nas universidades públicas.
Mészáros (2002, p. 29-30) sinaliza que a necessidade de uma mu-
dança radical é muito mais urgente na América Latina do que na Europa
e nos Estados Unidos, e as soluções prometidas de “modernização” e “de-
senvolvimento” demonstraram não passar de uma luz que se afasta em um
túnel cada vez mais longo.
Por ser a Política Cientíca e Tecnológica (PCT), o resultado de
um processo no qual intervêm múltiplos grupos de poder com distintos
interesses, a trajetória dessa política pública poderia ser redirecionada
caso os movimentos sociais pressionassem junto aos setores progressistas
do CPESP por uma mudança signicativa. Mais precisamente, ela po-
deria passar por uma inexão, dependendo da capacidade de esses movi-
mentos interferirem no processo decisório dessa política e envolverem-se
diretamente com atividades de reprojetamento tecnológico e, mais ge-
Henrique Tahan Novaes, Domingos Leite Lima Filho e José Deribaldo Gomes dos Santos (Org.)
58
nericamente falando, com processos de Adequação Sociotécnica (AST)
(Dagnino, 2020).
Dentre os critérios que conformariam a agenda de pesquisa, ensino
e extensão, destacaríamos a formação de intelectuais completos, a busca do
interesse público, a desmercantilização dos produtos ou serviços, a auto-
gestão e a propriedade coletiva dos meios de produção.
Mais especicamente no tema da tecnologia – aquilo que Feenberg
(2002) chama de novo “código sociotécnico” (alternativo ao código téc-
nico-econômico convencional), a partir do qual a tecnologia convencio-
nal seria “desconstruída” e “reprojetada”, dando origem a processos de
Adequação Sociotécnica -AST (Dagnino, 2008) –, pode-se destacar, além
daqueles presentes no movimento da Tecnologia Apropriada, a participa-
ção democrática no processo de trabalho, o atendimento a requisitos rela-
tivos ao meio ambiente (através, por exemplo, do aumento da vida útil das
máquinas, dos equipamentos e dos produtos), à saúde dos trabalhadores e
dos consumidores e à sua formação autogestionária.
Tentemos nos deter e ressaltar mais alguns detalhes do que seria uma
universidade alternativa, tema da nossa próxima seção.
qual unIversIdade Para qual socIedade?
As contribuições para uma “universidade necessária” aqui esboçadas
se espelham nas pegadas deixadas por alguns intelectuais e não pretendem
se tornar um manual mecanicista que deve ser “transplantado” para todos
os cantos. O que escrevemos também necessita de um roteiro de pesquisa
mais amplo, que somente poderá ser desenvolvido pelo trabalho coletivo
de muitos pesquisadores comprometidos com a emancipação humana.
Para não ir mais longe, Lima Filho (1999), desde quando concebeu
um projeto de universidade popular (PUP) para o Vale do Ribeira em 1999
(projeto do qual zemos parte), vem teorizando e tentando pôr em prática
uma universidade criada, desde o primeiro momento, para a emancipação
dos trabalhadores. Para isso, acredita que se deve começar pelos ns, pelos
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas - vol. 3
59
objetivos de uma universidade popular e pela escolha dos seus quadros.
Uma universidade popular nesses moldes operaria uma “revolução regio-
nal”, tendo em vista uma ação consciente e planejada sobre a reprodução
social, de modo a conquistar graus crescentes de autodeterminação.
As propostas dos movimentos sociais anticapital ainda ocupam um
papel marginal na agenda de ensino, pesquisa e extensão das universidades
latino-americanas. Vejamos, por exemplo, as inúmeras demandas tecno-
lógicas dos pequenos agricultores e do Movimento Sem Terra que giram
em torno da agroecologia, das Fábricas Recuperadas e cooperativas po-
pulares por tecnologias apropriadas, da habitação popular solicitada pelos
mutirões e sem-teto, dentre inúmeros outros. Por que elas não conseguem
entrar nas universidades públicas?
Para Dagnino, a incorporação da agenda dos movimentos sociais
poderia ajudar a radicalizar as bandeiras de “acesso à universidade”, “cotas
para pobres, negros etc.” que estão em voga hoje, já que têm como meta
mudar radicalmente o ensino, a pesquisa e a extensão universitárias.
Um projeto de universidade alternativo passaria necessariamente
pelo ensino e pela prática da autogestão: formação de cidadãos empenha-
dos na construção de uma sociedade voltada para a satisfação das neces-
sidades humanas e a superação das classes sociais e da divisão social do
trabalho capitalista; em poucas palavras, o controle da sociedade pelos tra-
balhadores associados tendo em vista a sua emancipação.
No que se refere à pesquisa, teremos uma tarefa hercúlea de reproje-
tamento das forças produtivas (máquinas, equipamentos e nova ciência),
incluindo aqui a teorização e a prática de uma organização do processo de
trabalho autogestionária.
O projeto Universidade Popular (Lima Filho, 1999) do Instituto
Brasileiro de Estudos Contemporâneos (IBEC) parece ser um bom farol para
o que estamos vislumbrando, assim como, em um nível mais microscópico, os
ensinamentos dos casos analisados em Novaes (2023). A dissertação de mes-
trado de Lais Fraga (2006) sugere propostas para a formação de engenheiros
de alimentos para os movimentos sociais. Esse tema, muito importante para o
debate aqui tratado, será desenvolvido em sua tese de doutorado.
Henrique Tahan Novaes, Domingos Leite Lima Filho e José Deribaldo Gomes dos Santos (Org.)
60
Na mesma linha, escrevemos em 2008 um artigo em parceria com
o professor Dagnino no qual levantamos algumas questões sobre o papel
do engenheiro na desconstrução da sociedade de classes e na produção de
valores de uso. Concluímos que as atuações – por uma outra hegemonia –
que temos observado no ensino da engenharia estão, na verdade, na defen-
siva. Elas tentam fazer uma “gambiarra”: introduzir as modicações – mais
ou menos semelhantes ao que adotamos neste trabalho – que parecem
política e academicamente viáveis nos cursos existentes. Isso se manifes-
ta, entre outros, na luta quase perdida (antes mesmo de começada) para
a implantação do que denominamos genericamente disciplinas “Ciência,
Tecnologia e Sociedade”.
A maioria dos professores de engenharia está internalizando (muitos
deles de forma inconsciente, e com a maior das boas intenções) as con-
cepções instrumental e determinista da C&T nas “cabeças” dos alunos,
de modo adaptado à visão “naturalizada” da sociedade que se encarrega de
disseminar outros aspectos da superestrutura ideológica do capitalismo.
Enquanto isso, as disciplinas Ciência, Tecnologia e Sociedade (CTS)
buscam criticar e desconstruir essas concepções, substituindo-as por uma
de natureza crítica.
Vislumbramos algumas saídas efetivas para ir da defensiva rumo a
uma ofensiva. Tendo como projeto a construção de um ensino de engenha-
ria alternativo, uma saída seria “inocular” nos professores-pesquisadores
uma visão alternativa, crítica, da relação entre ciência, tecnologia e socieda-
de. Assim, em vez de uma disciplina CTS autocontida, que tenta sozinha
nadar contra a maré”, poderíamos avançar para uma diluição dessa visão
crítica no conjunto das disciplinas do currículo e promover uma genuína
transformação do ensino de engenharia.
Deveria estar introjetada nessa visão totalizante a necessidade de
produção de bens socialmente úteis, sua ligação com o autogoverno pelos
produtores livremente associados e outras coisas mais que o tempo e o
espaço – essas duas dimensões intrínsecas à prossão do engenheiro – não
nos permitem seguir apontando.
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas - vol. 3
61
Permanece apenas a pergunta: há ruptura educacional sem ruptura
no mundo do trabalho alienado?; melhor dizendo: há mudança educa-
cional sem uma concomitante “expropriação dos expropriadores” (Marx)
e controle das decisões estratégicas da sociedade pelos trabalhadores, ou
trata-se apenas de uma revolução no campo das ideias? Para nós, há uma
tarefa “econômica” imprescindível em uma possível e necessária revolução
latino-americana que deverá ser acionada concomitantemente a uma revo-
lução educacional.
Ao mesmo tempo, quando Varsavsky e Dagnino se perguntam se
toda e qualquer ciência e tecnologia servirá para a construção do socia-
lismo, eles chegam à conclusão de que não, pois a C&T capitalistas fo-
ram moldadas para a dominação, a ponto de não poderem ser “utilizadas
numa outra forma de produção. Isso implica reestruturação do ensino e
da pesquisa (o que caberia aqui como uma crítica ao ofertismo cientíco),
reprojetamento das máquinas e equipamentos, reorganização do processo
de trabalho, tendo como meta o denhamento da divisão do trabalho ca-
pitalista. Está aqui proposta uma árdua tarefa que caberá ao CPESP numa
potencial transição socialista.
Na mesma linha, Amílcar Herrera (2001) faz a seguinte indagação:
“Como ligar ecazmente os sistemas de P&D dos países em desenvolvi-
mento com suas próprias sociedades, e como torná-los capacitados a pro-
duzirem o conhecimento e as tecnologias necessárias para um desenvolvi-
mento autônomo e autoinduzido?” (Herrera, 2001, p. 44).
De acordo com esse pensador, o ensinamento mais relevante base-
ado nas experiências passadas é o de que a ciência ca realmente ligada à
sociedade quando esta exerce uma demanda efetiva com relação às soluções
tecnológicas dos sistemas de P&D. Nos países ocidentais, tal demanda foi
aprovada pela Revolução Industrial e pelo surgimento de democracias par-
lamentares; no Japão, na União Soviética e na China, a demanda resultou
de projetos nacionais autônomos implementados pela elite econômica e
política, ou pelos partidos revolucionários.
Dagnino (2008) concordaria com Herrera, mas faria algumas pon-
derações ligadas à não neutralidade da ciência, ao determinismo tecnoló-
Henrique Tahan Novaes, Domingos Leite Lima Filho e José Deribaldo Gomes dos Santos (Org.)
62
gico (Dagnino, 2008) e às diferentes agendas de pesquisa que estão em
disputa: a) a da comunidade cientíca, b) a do governo, e c) a dos movi-
mentos sociais.
Num enfoque voltado para o socialismo autogestionário, com in-
tensa participação da população no estabelecimento de suas necessida-
des, qual seria então o papel da ciência e da tecnologia nesse processo de
transformação?
Dagnino (2008) acredita que a universidade não vem proporcionan-
do a base cognitiva que os movimentos sociais e um estilo alternativo de
desenvolvimento demandarão. Para ele, uma mudança signicativa requer
a recuperação do papel dos IPPs e das UPs num novo projeto de desenvol-
vimento. Ele retoma as contribuições de Amílcar Herrera – a necessidade
de vincular o CPESP e o complexo produtivo – e de Oscar Varsavsky – mi-
metismo cientíco e estilo de desenvolvimento centrado no povo –, porém
acentua a necessidade de seleção dos reais parceiros dos Institutos Públicos
de Pesquisa e Universidades Públicas: os movimentos sociais, as Redes de
Economia Solidária (RES) etc.
O CPESP poderá vir a funcionar como uma instância que ao mes-
mo tempo se nutre e alimenta as demandas dos movimentos sociais –
para o nosso caso, dos Movimentos Sem Terra, Sem Teto e de Fábricas
Recuperadas. Em termos mais genéricos, poderia ser nutrido e alimen-
tar as iniciativas da Economia Solidária, que se materializam contempo-
raneamente nas Redes de Economia Solidária (RES), nas Incubadoras
Tecnológicas de Cooperativas Populares (ITCPs) e nos pesquisadores or-
gânicos que tentam traçar um novo ensino, uma nova pesquisa e extensão
para as Universidades Públicas.
Isso porque ele poderia fortalecer a crescente consciência que vêm
alcançando esses movimentos acerca da necessidade de contarem com al-
ternativas à tecnologia convencional capazes de ajudar a proporcionar a
emancipação dos empreendimentos com características autogestionárias e,
em consequência, alavancar a expansão da Economia Solidária.
Para Fernandes (2004), a universidade é uma sociedade em minia-
tura, sujeita aos conitos sociais, sendo ao mesmo tempo impulsionadora
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas - vol. 3
63
da e nutrida pela luta de classes. Segundo ele, enquanto não removermos
os obstáculos da sociedade de classes, poderemos ter a melhor “gestão” do
mundo que a universidade continuará sendo pouco funcional à resolução
dos problemas latino-americanos, principalmente dos trabalhadores. Uma
mudança efetiva só virá se for acompanhada de uma revolução sociopo-
lítica. Um dos desdobramentos possíveis dessa relação é a dialética entre
revolução universitária e revolução sociopolítica.
Na ausência de uma revolução latino-americana, a permanência de
grupos engajados na construção de lutas anticapital em um mar de con-
servadorismo universitário continuarão enfrentando limites claros à sua
atuação ou potencialização. Sendo assim, somente o acirramento da luta
de classes “dentro” e “fora do CPESP poderia fazer com que suas pro-
postas revolucionárias orescessem, tal como observa Florestan Fernandes.
Sem inúmeras alterações concomitantes que apontem para uma sociedade
socialista, a universidade alternativa para um desenvolvimento alternativo
não passaria de uma célula estranha na sociedade de classes.
Uma universidade para além do capital deveria cumprir um papel
fundamental na criação da teoria e da prática revolucionária, qualitativa-
mente distinta da ordem do capital. Lembremos que, para Lenin, não há
ação revolucionária sem teoria revolucionária.
Nesse sentido, no que se refere ao ensino, em vez de disseminar
a ideologia e a prática das prossões liberais, do empreendedorismo e da
carteira assinada (vendedores da força de trabalho), a proposta deveria
girar em torno do ensino e da vivência da autogestão, da educação no e
para o trabalho autogestionário ou da superação do trabalho sem sentido
social, através da reconversão do trabalho assalariado em trabalho com
sentido social.
A educação para além do capital cumpriria um papel necessário mas
não suciente para a superação da sociedade de classes, cabendo à univer-
sidade um papel preponderante nessa transformação.
Lembremos que, no que se refere ao ensino, a universidade latino-a-
mericana é funcional à reprodução do capital na periferia do capitalismo
por vários motivos. Além de qualicar os quadros para o capital, ela trans-
Henrique Tahan Novaes, Domingos Leite Lima Filho e José Deribaldo Gomes dos Santos (Org.)
64
mite os valores da pequena burguesia: prestígio, possibilidade de acesso a
pequenas parcelas de poder, carro do ano, viagens, visão de mundo atrelada
ao reformismo etc. Em poucas palavras: a universidade transmite os valores
da classe média em ascensão, a ideologia burguesa e os conhecimentos téc-
nicos necessários para a reprodução do capital na periferia do capitalismo.
Para Mészáros (2002, p. 77), “[...] além da reprodução, numa escala
ampliada, das múltiplas habilidades sem as quais a atividade produtiva
não poderia ser realizada, o complexo sistema educacional da sociedade é
também responsável pela produção e reprodução da estrutura de valores”.
No que se refere à relação entre teoria e prática, em que medida a
proposta curricular deverá responder às demandas e expectativas da comu-
nidade? Para nós, a universidade deve se informar diretamente sobre os
problemas e inquietações da comunidade, receber e avaliar essas inquieta-
ções com o objetivo de transformar a realidade social, dentro de uma ótica
de superação da sociedade do capital. Essas propostas podem até começar
com um viés de desenvolvimento “local”, embora tenham que ultrapassar
tal horizonte, caminhando para uma prática de desenvolvimento “regional”
conectado ao desenvolvimento latino-americano e, em última instância, de
mundialização” de uma sociedade para além do capital. Mas, ao mesmo
tempo e contraditoriamente, ela não pode se tornar refém das ingerências
de curto prazo, tornando-se exclusivamente uma “universidade-balcão”.
Nesse sentido, caberá à universidade um papel imprescindível nas transfor-
mações e no planejamento de longo prazo, conectando a compreensão do
passado (materialismo histórico) com a seleção das principais contradições
que devemos atacar (atualidade), tendo em vista a luta e a construção de
uma sociedade para além do capital.
A inclusão dos problemas dos movimentos sociais nas instituições
universitárias, na forma de “complexos temáticos” (Pistrak, 2005) ou es-
tudo a partir da perspectiva totalizante (Lukács) – terão um papel crucial
na superação dos atuais paradigmas de ensino baseados ou a) no esquarte-
jamento da realidade em disciplinas (horizonte taylorista) ou b) nas pes-
quisas orientadas por problema (horizonte toyotista), ambos necessários à
construção da hegemonia do capital.
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas - vol. 3
65
O acirramento das lutas nas universidades e o maior engajamento
dos setores progressistas nas lutas anticapital também poderão questionar
a baixa legitimidade social que as universidades têm na América Latina,
principalmente por serem “fábricas de diplomas” reais ou virtuais, em um
contexto histórico caracterizado pelo subemprego qualicado, e por serem
fábricas de diplomas” pouco conectadas com o desenvolvimento regional
ou nacional. A América Latina poderá vir a ser um grande “laboratório
da universidade. E, depois de elencadas as grandes questões nacionais em
termos de ensino, pesquisa e extensão, serão necessárias propostas mais
especícas de como poderíamos “atacá-las”, que combinem as grandes ne-
cessidades nacionais com as particularidades regionais e locais.
Deverá então surgir uma proposta inovadora de ensino, pesquisa e
extensão, em que a universidade auxiliará a desmercantilização da sociedade.
Nesse sentido, discordamos radicalmente das parcelas da comunida-
de cientíca que acreditam que o processo de inovação nas empresas traz
novos “bens e serviços” que podem ser consumidos por todos. Essa visão,
além de naturalizar a acumulação de capital e a necessidade “inevitável” de
corporações e de acreditar candidamente que estão trazendo o “progres-
so”, “escondem” o processo de acumulação de capital, de dominação dos
produtores ou de exploração em que se baseia o capitalismo, através da
dominação dos consumidores.
Para nós, inovar signica explorar os trabalhadores, seja através da
exploração dos produtores diretos via novas formas de organizar o proces-
so de trabalho, novas máquinas etc., ou via exploração dos consumidores
(manipulação, indução do consumo, obsolescência planejada etc.).
De acordo com Mészáros (2002), o processo de construção de uma
sociedade para além do capital deve abarcar todos os aspectos da inter-re-
lação entre capital, trabalho alienado e Estado. Para isso, acreditamos que
o CPESP poderá ter um papel decisivo.
Em outras palavras, permanece como desao para o século XXI su-
perar o trabalho estranhado, fetichizado e reicado (Pinassi, 2009), e para
isso acreditamos que a universidade poderá cumprir um papel decisivo, na
Henrique Tahan Novaes, Domingos Leite Lima Filho e José Deribaldo Gomes dos Santos (Org.)
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medida em que o trabalho dos docentes caminha para a desalienação e ao
mesmo tempo contribui para a desalienação dos outros trabalhadores.
Fazendo um balanço do ensino superior brasileiro no século XX,
Fernandes (2004) observa que este se ajustou apenas aos requisitos de po-
der de uma estraticação social oligárquica, amoldando-se ao privilegia-
mento societário dos prossionais liberais. Por isso, no momento em que
a evolução gradual para a civilização urbano-industrial sai dos trilhos e é
substituída por uma evolução desorientada e acelerada, ela se torna, subi-
tamente, um “luxo inútil” (Fernandes, 2004, p. 300).
Porém Fernandes adverte que, para se corrigir o problema educacio-
nal, seria preciso ir muito mais longe. Aos olhos do sociólogo, tal começo
não pode nascer da vontade esclarecida de uns poucos e de simples “trans-
formações internas” das instituições; é necessário que a sociedade mude
suas relações com as instituições (Fernandes, 2004), estabelecendo uma
dialética sociedade de classes-instituições. Como bem nos recorda essa pas-
sagem de Fernandes, os intelectuais não podem cair no voluntarismo que
acredita que a mudança partirá da vontade esclarecida de alguns poucos e
nas simples “transformações internas” das universidades.
Florestan Fernandes dizia que a história é feita coletivamente pelos
homens e, sob o capitalismo, através de conitos de classe de alcance local,
regional, nacional e mundial. O essencial é observar como as classes se
organizam e cooperam ou lutam entre si para preservar, fortalecer, aper-
feiçoar ou extinguir o capitalismo. Segundo Limoeiro Cardoso, Florestan
sempre chegava à conclusão de que “o capitalismo dependente não é atri-
buído exclusivamente à dominação externa, mas também às burguesias
locais, parceiras – menores e subordinadas, mas parceiras – das burguesias
hegemônicas” (Limoeiro Cardoso, 2005, p. 195). E, enquanto não remo-
vermos os obstáculos da sociedade de classes, de dominação externa e in-
terna, a universidade continuará desacoplada da resolução dos problemas
latino-americanos, principalmente os problemas estruturais da sociedade.
Para nós, a universidade até pode, nos momentos iniciais de uma
revolução, estar a reboque dos movimentos sociais anticapital. Em outros,
os movimentos sociais podem estar a reboque da universidade pública. De
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas - vol. 3
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qualquer forma, para Florestan Fernandes, precisamos de um novo ponto
de partida, que virá através da unicação das lutas dos trabalhadores, da
construção de uma outra hegemonia, inclusive dos intelectuais (trabalha-
dores intelectuais) empenhados na construção de uma sociedade para além
do capital.
Por último, mas não menos importante, cabe sublinhar que a ne-
cessidade de um novo ponto de partida se tornou mais relevante com a
ascensão à presidência da república – através de uma eleição fajuta – de um
militar de 5ª categoria, defensor da tortura e do golpe de 1964.
Apesar da vitória de Lula ter sido importante para todos nós, e sim,
votamos em Lula, os limites da esquerda moderada estão cada vez mais
claros, frente aos enormes desaos para a resolução dos graves problemas
sociais no Brasil e nos demais países da América Latina.
Uma política educacional, cientíca e tecnológica radical é mais do
que urgente. Os Institutos Federais devem passar por uma expansão não
precarizada, com nanciamento adequado para a promoção do ensino,
pesquisa e extensão (revolução dentro da ordem). Entretanto, o sentido
educacional dos Institutos deve ser radicalmente alterado (revolução con-
tra a ordem).
Ao invés de formação para o mercado de trabalho, formação para
o trabalho emancipado. Ao invés das agendas do empreendedorismo, do
inovacionismo e produtivismo, deveremos lutar pela produção de conheci-
mento relevante para a resolução dos problemas sociais. Ao invés da exten-
são mercadológica e assistencialista, a extensão dialógica, comprometida
com as demandas dos movimentos sociais. Trocar a bandeira da pesquisa
para o agronegócio pela da agroecologia, da heterogestão pela autogestão, a
da perpetuação do racismo estrutural pela igualdade substantiva. Promover
uma nova divisão sexual do trabalho, que também promova a igualdade
substantiva dentro e fora do trabalho “produtivo”, com amplos reexos no
ensino. Os Institutos Federais podem passar por essa ampla transforma-
ção? Acreditamos que sim. Só assim iremos conseguir dar outro sentido
social a educação!
Henrique Tahan Novaes, Domingos Leite Lima Filho e José Deribaldo Gomes dos Santos (Org.)
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70
71
3
Dualidade e dicotomia educativa
na escola classista
Deribaldo Santos
educação, dualIdade e dIcotomIa caPItalIsta: uma Introdução
É certo que a educação é um complexo social necessário à reprodução
da humanidade. Também não há dúvida de que ela, a depender de cada
modo de produção, sofre transformações que buscam atender à relação
riqueza-trabalho. No comunismo primitivo, a educação teve caráter es-
pontâneo e ocorreu no próprio processo laboral para garantir a materia-
lidade da vida. Já no escravismo e no feudalismo, a despeito de que haja
importantes diferenças entre os dois, a educação destina-se a formar uma
parcela diminuta da população. No modo de produção escravo e feudal, de
https://doi.org/10.36311/2024.978-65-5954-526-1.p71-92
Henrique Tahan Novaes, Domingos Leite Lima Filho e José Deribaldo Gomes dos Santos (Org.)
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maneira geral e mesmo que ocorram exceções, as pessoas que estudam não
são as mesmas que produzem diretamente a manutenção da vida. A escola,
nessa fase da história, é principalmente destinada aos clérigos, nobres e
alguns guerreiros, portanto, negada à classe trabalhadora.
No capitalismo há uma radical transformação!
Após os eventos consagrados com a Revolução Burguesa, o modo de
produção capitalista necessita, para assegurar a reprodução do capital, que
as famílias trabalhadoras sejam educadas segundo os interesses do capitalis-
mo. Entra em cena a escolarização maciça da classe trabalhadora.
Pela primeira vez na história, a organização social necessita de um
sistema educativo que garanta a escolarização para a mão de obra. De
modo inédito até então, a administração da sociedade precisa articular ins-
trução à produção. Agora, com o advento da maquinização da produção,
sob pena de não valorização do capital, as famílias trabalhadoras precisam
ser educadas especicamente para operar o aparato produtivo.
Esse novo quadro exige que o capitalismo, por meio do Estado, crie
alternativas para formar quem trabalha. A escola é o espaço onde a bur-
guesia ancora suas alternativas. Falamos em alternativas, pois a burguesia e
seus defensores criam no interior escolar, para tentar resolver o problema da
relação instrução-produção, dois gomos educacionais distintos. Um desti-
nado para a burguesia e seus prepostos e outro para formar a mão de obra
trabalhadora. Isso porque a escola capitalista precisa encontrar uma solu-
ção para o seguinte problema: instruir as famílias trabalhadoras de modo
que elas aprendam apenas e, no limite, o que interessa ao capitalismo.
Ao transformar todas as criações humanas em mercadoria, como
observa Engels (2019, p. 188), o capitalismo “dissolveu todas as relações
tradicionais advindas de tempos antigos, substituindo o costume herdado
e o direito histórico pela compra e venda, pelo contrato ‘livre’”. O ato
contratual, conforme prossegue o autor, “requer pessoas capazes de dispor
livremente de si mesmas, de suas ações e posses, e que se defrontem em
igualdade de direitos” (p. 220). Uma das obras principais do cenário inau-
gurado pela assunção do capitalismo, segundo compreende Engels (2019),
é forjar pessoas “livres” e “iguais”. Para atender a essa ilusão burguesa, o
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas - vol. 3
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complexo educativo assume importância decisiva. É ele que vai formar as
pessoas para a crença de que há igualdade no capitalismo. O complexo
educativo cumpre, além de formar a mão de obra necessária para o acúmu-
lo do lucro, a importante função de formatar as pessoas para a convivência
em liberdade formal, ou seja, livres, mas apenas dentro do que interessa ao
modo de produção capitalista.
Não nos esqueçamos que o vendedor da mão de obra, que pensa ser
livre, exerce tal liberdade exatamente ofertando no mercado sua mercadoria:
a força de trabalho. O comprador, por sua vez, é livre para comprá-la ou não.
Vejamos: enquanto o comprador tem a opção de comprar ou não o que o
trabalhador tem a oferecer, quem apenas possui a mão de obra tem somente
a chance de vendê-la. Ao vendedor não resta a alternativa de não vender seu
bem precioso. Ao comprador há sim a opção de comprar ou não.
Livres?
Nem um, tampouco o outro são livres. O comprador depende de
encontrar no mercado mão de obra suciente para selecionar a que mais
lhe interessa. Quem compra, não tem a opção de se reproduzir sem que
haja vendedores de força de trabalho. Portanto, ao vendedor resta apenas a
única opção de vender sua força de trabalho; ao comprador cabe a função
de escolher, entre os vendedores de mão de obra, os que melhor se encai-
xam no seu processo para obter lucro.
Não há liberdade alguma!
O sujeito que trabalha é livre para vender, mas não tem a menor
segurança de encontrar quem a compre. A liberdade do comprador res-
tringe-se à escolha. Ele escolhe entre os vendedores, aqueles com a melhor
oferta de mão de obra.
Existe, desse modo, apenas a liberdade formal de compra e venda.
Nada mais!
Como, pela primeira vez na história, o modo de produção capitalista
necessita articular instrução à produção, e como quem trabalha apenas dis-
põe da opção de vender sua mão de obra, a burguesia apresenta, por meio
da escola, a alternativa de a classe trabalhadora melhorar suas chances de
Henrique Tahan Novaes, Domingos Leite Lima Filho e José Deribaldo Gomes dos Santos (Org.)
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se vender no mercado capitalista. Ao mesmo tempo a escola capitalista se
empenha em melhorar a mão de obra comprada, o que é, naturalmente,
de interesse do comprador.
Essa é a sucinta moldura em que a escola prossionalizante é apre-
sentada como solução para a inquietude burguesa de articular instrução
à produção. Debate que será apresentado nas linhas a seguir, apreendido,
por sua vez, sob iluminação da onto-metodologia materialista; haja vista
que considerar a realidade como guia para a consciência dota a exposição
de condições adequadas para sustentar seus argumentos.
as oPções da escola caPItalIsta: alguns elementos sobre o dIlema da
educação classIsta
Da revolução burguesa à crise estrutural do capital (Mészáros, 2011),
cerca de dois séculos se passam; mas a educação, em sua vertente pros-
sionalizante, procura atualizar o dilema instrução-trabalho à maneira de
ocasião. A escola capitalista em crise profunda, com efeito, depara-se com
um processo dicotômico que lembra os primórdios do capitalismo.
A escola atual usa e abusa de termos caros à tradição dos que melhor
defenderam o aparato escolar como espaço de formação para a emancipa-
ção humana. A própria expressão “formação humana”, entre outras como
educação integral”, “omnilateralidade”, “escola única” e “unitária”, foram
tomadas de assalto pelos muitos e diversos intelectuais que prestam seus
serviços à defesa – direta ou disfarçada – do capitalismo como possibilida-
de civilizatória. É recorrente, no início da terceira década do século XXI,
ao folhearmos os documentos das agências internacionais, encontrar tais
expressões suplantadas de seu contexto crítico-ontológico de reexão.
Em alguns casos, mais problemáticas são as publicações que se
apresentam com a pretensão de enfrentar criticamente o problema. Na
maioria esmagadora das vezes, e aqui existem – felizmente – nomeáveis
e memoráveis exceções, as críticas empobrecem o debate e se contentam
com a vulgaridade da superfície.
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas - vol. 3
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Não há como aprofundar todos os modismos pedagógicos que in-
vadem a sala de aula. Além de dispormos de pouco espaço, uma digressão
dessa ordem causaria náuseas. Para não deixar de indicar um exemplo la-
pidar, contudo, apontamos que a pedagogia das competências e Philippe
Perrenoud servem para ilustrar o estágio contemporâneo sobre o debate
em educação e sua crítica acadêmico-vulgar.
O reformismo político, sobretudo após a década de 1990, deno-
minou os modismos educacionais como novos paradigmas educativos. A
resposta acadêmica a esse cenário foi dar corpo e tessitura, nas aulas da gra-
duação e pós-graduação brasileiras, à crítica descritiva de tais paradigmas.
Claro, e isso não se intenta negar, a escola básica e os sujeitos huma-
nos que a movimentam pela ferramenta intelectual da docência, é quem
mais absorve, na maior parte das vezes acriticamente, os modismos educa-
cionais, a exemplo dos novos paradigmas educativos e, de modo especial, a
pedagogia das competências.
A análise do problema das competências, de modo geral e embora
ressalvando determinadas e bem-vindas pesquisas que não se contentaram
com a supercialidade da aparência, conteve-se com o creme do bolo. A
maior parte da crítica se contentou em censurar os escritos de Philippe
Perrenoud (2000). Na maioria das vezes, as investigações críticas ao cha-
mado paradigma das competências não foram ao princípio, à gênese da
problemática; caram presas ao círculo vicioso de apontar as pesquisas de
Perrenoud como a matriz do que cou conhecido em terras tropicais como
pedagogia das competências. Possivelmente, os holofotes da ribalta educa-
tiva brasileira se direcionaram a Perrenoud pelo fato descrito a seguir.
Desde que, em agosto de 2002, a Revista Nova Escola nomeou pre-
tensamente António Nóvoa, Bernardo Toro, César Coll, Edgar Morin,
Fernando Hernández e Philippe Perrenoud como os “novos pensadores da
educação”, a escola brasileira, indistintamente se básica ou superior, passou
a usar e/ou produzir bibliograa com base no emaranhado de ideias desses
intelectuais.
Independentemente de aançar a política como saída para o proble-
ma e ser próxima do grupo progressista de esquerda, Marise Ramos (2006)
Henrique Tahan Novaes, Domingos Leite Lima Filho e José Deribaldo Gomes dos Santos (Org.)
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publicou uma das raras pesquisas demostrando que o nascimento dessa
pretensa pedagogia se dá com outro pesquisador de nome Philippe, mas
não Perrenoud, senão Zarian.
Para não enfadar as pessoas que leem estas linhas, justicamos a ne-
cessidade da digressão. A pedagogia das competências e Perrenoud apare-
cem aqui apenas para ilustrar o estágio contemporâneo sobre o debate em
educação e sua crítica acadêmico-vulgar. A universidade é muito suscep-
tível à moda. Poder-se-ia citar muitos casos que ganham os holofotes da
iluminação dos corredores universitários, mas contentamo-nos com o que,
academicamente, cou conhecido como paradigmas das competências e o
teórico pelo qual foi atribuída a importância crítica-vulgar.
Com esse quadro aclarado, embora que apenas discretamente, vale
agora refazer o dilema vivido pela escola capitalista em crise profunda.
Que caminho seguir?
Formar quem trabalha para adquirir conhecimentos sucientemente
necessários à produção capitalista ou educar para que o formando compre-
enda seu lugar no mundo?
Pergunta retórica não vale!
A escola criada dentro do capitalismo, ainda mais em crise estrutu-
ral, enfrenta profundos obstáculos para mostrar ao estudante seu papel de
explorado. A história serve de comprovação a tal fato.
Calçado na impossibilidade de o capitalismo ofertar uma escola que
forme a pessoa humana para a humanidade que ela necessita, que eduque
mulheres, homens, adolescentes e crianças para viverem em intercâmbio
com o mundo criado socialmente por eles e com a natureza que lhes dá
suporte, o que cabe ao presente artigo?
Esta exposição entende ser necessário demostrar alguns elementos
que comprovam a impossibilidade de o capitalismo formar a pessoa huma-
na em condições de questionar a exploração capitalista. Por sua estrutura
imanente, o modo de produção capitalista está impedido de criar uma
escola que possa formar a humanidade que vive dentro da pessoa humana.
No limite de suas contradições, a escola capitalista consegue formar, segun-
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas - vol. 3
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do a dicotomia que ela mesmo cria, educação propedêutica por um lado e
prossionalizante por outro.
Mesmo que essa separação, na práxis cotidiana, não se efetive de
maneira rigidamente metafísica, senão sob muitas e diversas contradições,
a escola burguesa é uma criação que o capitalismo se orgulha, apologetica-
mente, como uma de suas obras mais bem-acabadas e importantes.
Por isso, ouve-se em uníssono que a educação pode tudo!
Desde os defensores da chamada direita radical e adentrando aos
liberais da esquerda progressista, é senso comum acadêmico-midiático que
a educação é a saída; em alguns casos, a única alternativa. Entre esses dois
extremos, para não deixar passar sem registro, existe uma gama de posições
que defende a escolarização como saída para problemas como, por exem-
plo, a pobreza, o desordenamento urbano, a violência, a degradação am-
biental, o machismo, o racismo, entre um monte de outras mazelas sociais.
O movimento de tais contradições é favorável ao processo de repro-
dução do capitalismo. Dado que permite aos estudantes pensarem que,
diante da possibilidade contraditória de estudarem no ramo prossiona-
lizante, podem atingir reconhecimento social reservado aos que cursam o
estrato propedêutico. Do mesmo modo, mas ressalvando o que precisa ser
mudado, os cursistas do ramo propedêutico sabem que não há garantia
total; isto é, que estudar em um estrato guardado com privilégios de classe
não assegura que o lugar social esteja garantido ao nal da jornada educati-
va. Esse movimento tendencial potencializa a reprodução da capital.
Como não existe teleologia na história, ou seja, não há como assegu-
rar o resultado da vida antes de vivê-la, o capitalismo se utiliza do seguinte
jargão: aos que estudam no ramo prossionalizante, diz-se que não falta-
rá oportunidade para quem estiver preparado; já para os que frequentam
o estrato propedêutico é dito, ameaçadoramente, que só a educação é a
garantia de sucesso, e que, se não aproveitar a oportunidade, o acenado
privilégio poderá ir para outras mãos.
Assim, com essa oscilação discursiva, o léxico capitalista contempo-
râneo assume lugar de destaque em produzir uma escola dicotômica. Mas
Henrique Tahan Novaes, Domingos Leite Lima Filho e José Deribaldo Gomes dos Santos (Org.)
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que, por seu caráter, atende minimamente às necessidades da produção
capitalista do desperdício, do supéruo, do exível, do que já nasce ob-
soleto, entre outras aberrações criadas para manter o modo de produção
capitalista, que hoje, repetimos, está em crise profunda.
A chamada educação prossional é a forma mais acabada em que se
expressa a dicotomia educativa, dado que separa em dois gomos o processo
educacional: a educação prossionalizante é ofertada de modo que possa ser
apartada da escola propedêutica. Escrito de modo mais claro: há, por um
lado, um ramo educacional voltado para a apreensão dos conhecimentos
inclinados ao desenvolvimento cientíco, que o capitalismo entende como
necessário para se reproduzir, denominados pela pedagogia de ensino pro-
pedêutico. Por outro lado, a dicotomia da escola capitalista cria um estrato
especíco com a pretensão de garantir formação pautada na instrumentali-
zação da prática prossionalizante, voltada exclusivamente para o exercício
de funções denidas a priori pelo aparato produtivo.
Esta especicidade formativa contenta-se, no limite de suas contra-
dições, que o egresso saia da escola com a aquisição de “competências” que
lhe garantam ler, escrever, contar e “apertar botão” ou “parafuso mecatrô-
nico”. De modo geral, com ressalvas a nominadas exceções, os aparatos que
carregam a marca de serem chamados de última tecnologia são produzidos
nos países de capitalismo central, a exemplo da chamada Indústria Quatro
Ponto Zero (4.0). Já os ensinamentos propedêuticos, reservando suas pe-
culiares contradições, carregam a tendência de garantir para seus egressos
uma melhor posição na hierarquia da estraticação capitalista.
Esse quadro tendencial não exclui as contradições presentes na ma-
terialidade histórica. O que se quer enfatizar, para evitar interpretações
erradas, é o seguinte: é possível que estudantes do estrato propedêutico não
consigam o que o processo educativo espera deles; isto é, mesmo estudan-
do no ramo tendente aos melhores postos sociais, a ramicação propedêu-
tica não garante, por si só, o que a elite atrasada brasileira espera de seus
egressos. Mudando o que deve ser mudado, o mesmo pode ser apontado
para os estudantes do estrato prossionalizante. Ou seja, haverá sempre a
possibilidade, pela natureza contraditória da realidade, que alguns poucos
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas - vol. 3
79
egressos da estraticação prossionalizante consigam o destaque social es-
perado para aqueles que cursam o caminho propedêutico.
Essa contradição faz parte do caráter do capitalismo. No entanto,
mesmo existindo na materialidade histórica, a natureza contraditória não
anula o fato historicamente comprovado: a burguesia, para solidicar o
capitalismo, cinde a educação escolar em dois caminhos distintos e ten-
dencialmente contrapostos: um propedêutico e outro prossionalizante.
A despeito dessa possibilidade contraditória, a expressão da educa-
ção prossional assume, no capitalismo, a tarefa de formar a mão de obra
barata e dócil para tocar o lucro capitalista. Ao prossionalizar as referidas
forças produtivas, esse ramo educativo pretende torná-las ainda mais lucra-
tivas na complexicação da produção de mercadorias e na extração de taxas
de mais-valia. Ao dar sentido aos “desvalidos da sorte”, prossionalizando-
-os, isto é, formando sujeitos “integrados” à lógica do capital, a educação
prossional assume o caráter ideológico de controle sobre uma massa de
possíveis insurgentes, rearmando a ideologia de estruturar as relações cul-
turais para atender ao que necessita o grande capital.
A tendência de encaminhar a juventude trabalhadora precocemente
para o mercado de trabalho ganha muita força ideológica no debate aca-
dêmico contemporâneo. Essa força é tão arrebatadora que autores do peso
de Paulo Freire (2004, p. 131) deixam-se levar pela crença de que a escola
prossionalizante pode resolver o problema do desemprego:
Entre as transgressões à ética universal do ser humano, sujeitos à
penalidade, deveria estar a que implicasse a falta de trabalho a um
sem-número de gentes, a sua desesperação e a sua morte em vida. A
preocupação, por isso mesmo, com a formação técnico-prossional
capaz de reorientar a atividade prática dos que foram postos entre
parênteses, teria de multiplicar-se.
A citação do educador pernambucano não é um mero acaso. Ela pre-
tende epigrafar como a educação prossionalizante é encarada pelo famoso
escritor como saída para os problemas sociais, aqui especicamente os re-
Henrique Tahan Novaes, Domingos Leite Lima Filho e José Deribaldo Gomes dos Santos (Org.)
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lativos ao desemprego. Mesmo o festejado educador, um dos autores brasi-
leiros mais lido no mundo, faz eco ao processo educativo restrito a formar
mão de obra para o mercado capitalista como alternativa ao desemprego.
Como se a problemática do emprego pudesse ser equacionada na escola.
O desemprego, que agora é estrutural, é uma das muitas consequ-
ências de uma crise sem precedentes na história do capitalismo. A escola
sozinha, por sua natureza ontológica, não tem como resolver tal problema.
Para os mais exigentes, é necessário apontar o romantismo que cal-
ça as reexões freireanas. Paulo Freire entende, embasado por sua forma
romântica de reetir a educação, que o desemprego é causado pela glo-
balização e pela tecnologia. Ao apontar que o problema é resultado desses
dois fatores, que, por sua vez, não respondem aos interesses humanos, o
celebre educador deixa de indicar a real problemática. Por não considerar
a dialética histórica, o autor ca preso, consequentemente, na aparência
dos fatos. Com base nesse romantismo idealista, o máximo que o famoso
teórico pode chegar é apontar para as consequências da crise: globalização
e uso da tecnologia; jamais ao centro do problema: a crise que o capitalis-
mo contemporâneo atravessa.
O desemprego no mundo não é, como disse e tenho repetido, uma
fatalidade. É antes o resultado de uma globalização da economia
e de avanços tecnológicos a que vem. O progresso cientíco e
tecnológico que não responde fundamentalmente aos interesses
humanos, às necessidades de nossa existência, perdem, para mim,
sua signicação. A todo avanço tecnológico haveria de corresponder
o empenho real de resposta imediata a qualquer desao que pusesse
em risco a alegria de viver dos homens e das mulheres. A um avanço
tecnológico que ameaça a milhares de mulheres e de homens de
perder seu trabalho deveria corresponder outro avanço tecnológico
que estivesse a serviço do atendimento das vítimas do progresso
anterior. Como se vê, esta é uma questão ética e política e não
tecnológica (Freire, 2004, p. 130).
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas - vol. 3
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Ao considerar que o desemprego pode ser resolvido na esfera de uma
ético-política, o autor desconhece que os chamados avanços tecnológicos
são produtos das contradições humanas. A tecnologia, como registrou
Álvaro Vieira Pinto (2008)1, é a área do conhecimento onde se deve loca-
lizar o debate da técnica. Acreditar que a tecnologia tem uma vida própria
é car preso ao determinismo tecnológico. Desconsiderar as contradições
históricas que levam a ideologia burguesa a defender uma suposta era tec-
nológica deixa de fora o que realmente causa o desemprego: as necessida-
des do capitalismo.
Perante um equívoco dessa monta, resta ao famoso educador a crença
romântico-idealista de que a educação, destacadamente o ramo que pros-
sionaliza, pode resolver os problemas causados pela globalização tecnológica.
Discursos como o de Paulo Freire são recorrentes dentro da comu-
nidade educativa.
Fora dela, também!
Autores de divergentes ramos de alinhamentos políticos distintos,
indiferentes que sejam, como pensa a ciência política, inclinados à esquer-
da, ao centro ou à direita, empenham-se em encontrar palavras para apon-
tar a educação como alternativa para o emprego/desemprego da classe tra-
balhadora. Quando a formação em pauta é a prossionalização precoce da
juventude trabalhadora, o debate sobre o espaço educacional como saída
aos problemas sociais ganha ainda mais reforço.
Como é de se esperar, as famílias dos jovens sofrem decisivamente a
inuência ideológica da defesa da escola prossional como alternativa para a
juventude. Marx e Engels (2007) registram que a ideologia da classe domi-
nante ganha foro de destaque no chão cotidiano. Isso justica o fato de pais
e mães da classe trabalhadora acreditarem, sem defesa alguma, que a chave
mágica para operar o milagre do emprego-desemprego é a escola, especial-
mente a prossionalizante. Os criadores do marxismo também deixam claro
que as ideias são produtos da materialidade histórica. As ideias não nascem
Vieira Pinto (2003), sobretudo com o livro Sete lições para educar adultos, inuenciou Paulo Freire. Como
documenta Souza (2021), diversas pesquisas registram a inuência de Vieira Pinto sobre a educação
libertária de Freire.
Henrique Tahan Novaes, Domingos Leite Lima Filho e José Deribaldo Gomes dos Santos (Org.)
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de plantas. Elas são construções do conjunto humano, que embora possa
escolher seu caminho, o faz sob a herança da história (Marx, 2006).
A compreensão de que podemos fazer a história, mas sob condições
não escolhidas, senão herdadas, posiciona a presente investigação perante a
necessidade de analisar quais as condições que suportam a crença ideológi-
ca de que a educação precisa resolver problemas criados fora do espaço es-
colar. Como indica Bruno Paixão (2023, p. 56): “toda a classe social que se
eleva ao poder faz com que seus interesses particulares sejam aceitos como
interesse comum, geral, pela classe e/ou frações de classe subjugadas”.
Com base na Ontologia de Lukács (2018), Paixão explica que o in-
teresse particular da classe que detém os meios de produção passe a ser
assumido pela sociedade e elevado ao nível da generalização, “pois toda
a sociedade assimila em larga medida como sua, o interesse da classe do-
minante” (2023, p. 57). Esse autor cita o exemplo da “educação universal
burguesa, voltada em grande medida ao ideário dessa classe e ao mercado
de trabalho”. Para ele, “o interesse político dominante, de uma forma ou de
outra, reete o interesse de uma classe ou de uma fração de classe” (Paixão,
2023, p. 57).
Lukács, na Grande Estética, explica como o contexto social sente a
necessidade de complexos sociais que possam atender ao desenvolvimento
humano. Entre eles o esteta nomina a ética, o direito e a religião. Mesmo
sem mencionar diretamente a educação, Lukács (1966, p. 208) já sinaliza
o surgimento do complexo educativo em sentido estrito:
Também na virada para dentro, necessidades de espécie muito
distintas desempenham papéis importantes, e não apenas, como
no caso do domínio do mundo externo, para o período inicial
como uma mistura mágico-caótica, mas permanentemente para
todo o desenvolvimento posterior. Independentemente de que a
subjetividade do ser humano possa e deva se tornar objeto de uma
consideração puramente cientíca aqui, pela sua própria natureza,
o princípio puramente cientíco do reexo e da interpretação
desantropomorzadora da realidade, muito tardiamente e com
muita diculdade, chega à validade surge, simultaneamente
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas - vol. 3
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com o descolamento social, relativo da personalidade singular da
comunidade, a necessidade da ética, do direito, da religião etc.
Ainda que aqui não sejam exemplicados o caso da política e da edu-
cação em sentido estrito, no capítulo “A reprodução”, na Grande Ontologia,
o autor húngaro demostra como a política e a educação passam a servir à
sociedade de classe, o que já era apontado na Estética.
Na contemporaneidade, o fenômeno que István Mészáros (2011)
denomina de crise estrutural do capital serve de orientação para compreen-
der a motivação que leva amplos extratos sociais a considerarem a educação
prossional como alternativa para as mazelas que aigem a juventude tra-
balhadora, a exemplo do desemprego.
Como são inexistentes as possibilidades de o capitalismo permitir, por
via da administração político-estatal, que a escola pública forme a classe tra-
balhadora para a humanidade que reside dentro de cada ser, resta à intelec-
tualidade burguesa e seus muitos prepostos alinharem-se ideologicamente
à crença de que a educação, e destacadamente a escolar-prossionalizante,
apareçam como uma boa alternativa, senão a principal... talvez a única!
No cenário de crise estrutural do capital, as possibilidades disponí-
veis aos capitalistas para ofertarem educação minimamente condizentes
com suas próprias necessidades cam, contraditoriamente, mais difíceis.
2 Alinha-se, para atender a esse quadro, uma proposta escolar que possa
conduzir o aprendiz a dois caminhos que devem se entrecruzar. Por um
lado, a juventude trabalhadora deve aprender, no limite de suas possibili-
dades, conteúdos que garantam as competências de Ler, Escrever, Contar
e Apertar botão mecatrônico, entre outras restritivas ao básico para a so-
brevivência no mundo dito de tecnologia globalizada. Por outro lado, o
aprendiz deve acreditar, ideologicamente, na proposta social que está inse-
rido: uma sociedade MAIS justa é possível!
Vale a pena atualizar este debate considerando a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), que mesmo
sendo condenada pela comunidade educacional, tem apoio do governo que se considera de esquerda.
Henrique Tahan Novaes, Domingos Leite Lima Filho e José Deribaldo Gomes dos Santos (Org.)
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Para não deixar a exposição completamente órfã do conceito de
crise estrutural do capital, resumir-se-á, com Mészáros (2011),3 que essa
crise se diferencia das cíclicas por apresentar a combinação de quatro
perigosos pontos:
1. É universal. Ou seja, não se restringe a uma esfera particular,
como por exemplo as áreas nanceira e comercial;
2. Tem alcance global. Isto é, em vez de ser limitada a um conjun-
to de países particulares, atinge efetivamente todos os rincões do
planeta;
3. Sua escala de tempo é extensa. Diferentemente das crises cícli-
cas, que duravam um determinado tempo, a atual é contínua,
permanente, não mais limitada a um período; já dura mais de
meio século; e
4. Desdobra-se de modo rastejante, dado que requisita a ativação
de uma complexa maquinaria empenhada em gerir tal crise que,
para ter êxito, procura deslocar ideologicamente as contradições
nascidas no interior da problemática econômica para esferas fora
da relação capital-trabalho.
A articulação desses fatores cobra do complexo educativo novas e
engenhosas alternativas para garantir que os estudantes aprendam o que a
reprodução capitalista em crise crônica, contraditoriamente, necessita para
acumular o lucro.
Mas não só.
Ao complexo educacional é solicitado que articule a seguinte enge-
nharia: ensinar o mínimo necessário, mas que seja conectado com pres-
supostos ideológicos que façam dos estudantes seres os mais amestrados
possíveis. A BNCC pode ser incluída aqui!
Na impossibilidade de dar o necessário tratamento que a noção de crise estrutural do capital solicita,
indicamos a leitura de Cristina Paniago (2007), a autora realiza uma adequada exegese sobre o tema.
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas - vol. 3
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São muitos os indicativos que comprovam como a crise se alastra por
todos os campos sociais. Usamos como ilustração os dados da Oxfam. Dois
motivos justicam a utilização das informações dessa entidade. Primeiro, sua
abrangência; segundo, sua opção pelas reformas políticas e, portanto, distan-
tes de uma alternativa socialista. Isso faz com que os dados da instituição se-
jam tratados, pela esquerda contemporânea, como informações insuspeitas.
Segundo registra o Relatório da Oxfam Internacional, “a desigualdade
econômica está fora de controle. Em 2019, os bilionários do mundo, que
somavam apenas 2.153 indivíduos, detinham mais riqueza do que 4, 6
bilhões de pessoas” (Lawson, et al. 2020, p. 2). O que o enorme esforço
da Oxfam mostra é apenas a expressão fenomênica de uma questão muito
maior. Pela natureza reformista de suas pretensões, essa instituição, embora
demonstre muito boa intenção restrita ao limite da política, não tem como
ir à gênese da problemática. A Oxfam está impossibilitada de apontar que
esse punhado de bilionários apenas existe pela convivência maciça e con-
comitante com uma esmagadora maioria de pessoas que vive na mais com-
pleta miséria. Ou seja, a riqueza capitalista está inextrincavelmente vin-
culada à miséria.4 O que implica dizer que o capitalismo, mesmo que sob
as melhores e mais republicanas intenções políticas, independentemente
se venha de alinhamentos de esquerda, de direita ou de centro, não tem
como acabar com a pobreza. Haja vista que o seu interesse é aumentar o
acúmulo da riqueza concentrada em pouquíssimas mãos, como comprova
o relatório da Oxfam.
É em decorrência desse resumido quadro que as políticas educacionais
são consideradas arcaicas. Faz parte das necessidades da crise estrutural do
capital considerar o aparato educativo senil para atender ao que precisa o
modo de produção capitalista em crise profunda. Assim, reivindica-se a
modicação do papel da escola, ou, para usar o termo predileto dos inte-
lectuais de plantão, “ressignica-se” a missão escolar, especialmente a pú-
blica e de modo também destacado aquela que se direciona à formação da
classe trabalhadora e de seus lhos.
Sugerimos, para quem tem interesse em aprofundar a questão, as teses de Rosangela Ribeiro da Silva (2015)
e de Maria Escolástica de Moura Santos (2017).
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Essa missão deve se empenhar, além de ensinar o mínimo necessário
para operar o mundo do emprego/desemprego, em preparar os indivíduos
para a uma suposta nova realidade social, em que as novidades tecnológicas
ditam como as pessoas devem ser e agir. Mais uma vez lembramos da deno-
minada Indústria 4.0 e da chamada Inteligência Articial, dois bons exem-
plos da cegueira extraída do irracionalismo que denomina o estágio atual
do capitalismo que, por essa (des)razão, enxerga-se em uma Sociedade do
Conhecimento, da Era da Informática ou da Era da Tecnologia...
Esse arco, como escreveu Cazuza (1988), de velhas novidades, exige
que o léxico empresarial seja absorvido pelos demais estratos sociais. Aqui
os acadêmicos de plantão prestam um inestimável serviço ao capital. É
dentro do espaço universitário que algumas das expressões necessárias à re-
produção capitalista são gestadas, requentadas, renadas e distribuídas ao
mundo escolar de modo que a ideologia do capital seja absorvida na forma
discursiva, como se fosse obra da classe trabalhadora.
Aqui há uma interessante dialética. A intelectualidade da hora é tam-
bém responsável por incluir na documentação que defende a educação
empresarial expressões caras à educação dos trabalhadores. São exemplos
de termos que ganham as páginas dos documentos ociais as seguintes
palavras: omnilateralidade, educação integral, educação tecnológica, escola
única e unitária, entre outros termos que sempre estiveram articulados ao
movimento educativo contrário ao capital.
A sociologia ocial encontra no gabinete dos corredores universi-
tários um escritório pronto e acabado para aprimorar e apimentar seu re-
quinte discursivo. Nesse inventário de termos para ideologizar a classe tra-
balhadora, a profecia criada nas salas das universidades depara-se, dentro
de uma fantasiosa bricolagem discursiva, com as expressões que supõem
ser sucientes para apresentar o que deve ser necessário à escola: mudar
para manter-se como está; se possível, regredir...
É essa bricolagem discursiva, que se considera metodológica, que
brada a alto tom o que se pode fazer: ressignicar.
Mas não é somente de ressignicação que vive a sociologia de gaveta
e gabinete.
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas - vol. 3
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Outras expressões são apanhadas para ajudar na tarefa de falsicar a
realidade. A “resiliência” é uma delas.
A palavra resiliência tem utilização primária no campo da física.
Nessa esfera, ela é entendida como a capacidade de um corpo retomar
a forma original depois de ser submetida à determinada elasticidade que
o deforma. Usualmente, os estudiosos da dinâmica, para exemplicar o
fenômeno da resiliência, citam o caso de uma mola que, mesmo após os
exercícios de estica-encolhe em que é colocada por uma força externa, con-
segue manter suas propriedades mecânicas.
Inicialmente, a porta de entrada da resiliência na sociologia contem-
porânea está situada em uma proposta dada pela psicologia. Aqui, o termo
sai da aplicação dos materiais e adentra no comportamento humano. Sobre
a origem etimológica da expressão, sabe-se que deriva do latim resiliens
(saltar para trás). No inglês, o vocábulo resilient remete à ideia de elastici-
dade, de rápida recuperação.
Foi na passagem da década de 1970 – não por acaso quando começa
a crise estrutural do capital – para a seguinte que pesquisas estadunidenses e
britânicas atentaram para a substituição do termo “invulnerabilidade” para
resiliência”. As investigações passaram a utilizar a palavra resiliência para
denir o estado de pessoas que, mesmo submetidas a situações psicologica-
mente desfavoráveis, permaneciam razoavelmente saudáveis. Por sua vez, a
aplicação do termo na psicologia – assim entendem seus defensores – tem
mais amplitude do que na física. A psicologia justica tal fato alegando que,
no caso dos comportamentos humanos, a resiliência tem por objetivo forti-
car pessoas fragilizadas diante de adversidades, mesmo que contínuas.
Do modo como o entendimento psicológico de resiliência é defendi-
do, pode-se aproximá-lo do sentido cotidiano do verbo pronominal “con-
formar-se”. Essa palavra signica não oferecer oposição, não apresentar re-
sistência, ou seja, aceitar com resiliência e sem questionamentos, desde que
consiga resistir às adversidades. Isto é, resignar-se perante a pobreza, diante
do patriarcado e do racismo, aceitar a ressignicação dada pela precariza-
ção-escolar-prossionalizante, renunciar à luta por uma sociedade eman-
cipada, entre outros abandonos. Ter resiliência para aceitar uma sociedade
Henrique Tahan Novaes, Domingos Leite Lima Filho e José Deribaldo Gomes dos Santos (Org.)
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MAIS justa! Ressalta-se, em tempo, que é improvável que o capitalismo,
em crise crônica, conceda uma sociedade MAIS justa.
A palavra ressignicar, não obstante seu uso vulgar entre os textos
universitários contemporâneos de língua portuguesa, não encontra de-
nição em alguns dos principais dicionários desse idioma, a exemplo dos
Dicionário da Língua Portuguesa da Academia das Ciências de Lisboa,
Michaelis Moderno Dicionário da Língua Portuguesa e Dicionário
Houaiss da Língua Portuguesa, entre outros. Encontramos apenas no
Dicionário Online de Português a seguinte denição: “verbo transitivo
direto. Atribuir um novo signicado a; dar um sentido diferente a algu-
ma coisa: aquele congresso ressignicou minhas convicções”. Quanto à
etimologia, este dicionário assim a dene: “De re, com sentido de repe-
tição + signicar, ter signicado”. Curiosamente, essa denição é idên-
tica ao que se encontra no site psicanaliseclinica.com/ressignicar. A
Wikipédia, por sua vez, dene que “ressignicação é o método utilizado
em neurolinguística para fazer com que pessoas possam atribuir novo
signicado a acontecimentos através da mudança de sua visão”. Fica evi-
dente a carga de subjetividade presente na denição.
Portanto, a sociologia vulgar encontra, em certas palavras, uma fru-
tífera ferramenta para alimentar a retórica do academicismo contemporâ-
neo, pois ressignica o idioma criando misticadoramente o verbo ressig-
nicar. Constrói-se ao redor desse lugar comum acadêmico-universitário
determinada vulgaridade discursiva. Aqui brota a sugestiva retórica de que,
nestes tempos de crise estrutural do capital, o que nos resta é aceitar, pois
tudo é assim mesmo. À pessoa humana, já que não pode lutar por uma
sociedade emancipada das amarras do capital, cabe acatar a possibilidade
política de uma sociedade MAIS justa. Mesmo que tal justeza seja impos-
sível nos marcos do capitalismo, principalmente no contexto da crise que
a sociedade vive.
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas - vol. 3
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consIderações fInaIs
Como palavras nais, queremos registrar que somente com base nos
pressupostos da onto-metodologia materialista o artigo tem condições de
expor o que se comunicou até aqui. A problemática que envolve a rela-
ção entre o ensino propedêutico e o prossionalizante, apenas pode ser
adequadamente debatida sob a iluminação que considera ser a realidade a
fornecedora da reexão captada pela ideia. O pressuposto de que a reali-
dade, em uma síntese dialética, tem preponderância sobre a consciência,
portanto, fornece os elementos para tratar adequadamente o problema da
escolarização-prossionalizante. Sob esse panorama metodológico, é preci-
so reforçar que os limites da educação burguesa entregue para o jovem-tra-
balhador-estudante se estreitam com a crise estrutural do capital.
Como já observara Braverman (1980), o aumento da média da qua-
licação do trabalhador, que pode ser potencializada com a educação pro-
ssionalizante, possibilita que o capitalismo tenha um importante ganho.
Haja vista que a aplicação à produção dos desenvolvimentos tecnológicos
chamados de ponta (Indústria 4.0 e Inteligência Articial, por exemplo),
pode trazer ganhos diretos para os empresários capitalistas. Como explica
o pesquisador estadunidense, o inexorável desenvolvimento tecnológico,
com uma mão de obra melhor qualicada, passa a ser incorporado com
mais facilidade ao processo produtivo. Em uma expressão: a fábrica capi-
talista lucra muito mais do que o trabalhador com qualicação ou requa-
licação, pois ele tem melhores condições de tocar a empresa capitalista.
É o capitalismo que sai perdendo se o trabalhador não acompanhar
a complexicação do aparato produtivo que, pela natureza do
desenvolvimento social, atualiza-se com as chamadas novas tecnologias.
Por isso a necessidade de o jovem-trabalhador-estudante aumentar a sua
formação, tanto do ponto de vista do tempo que se mantém na escola
como em relação ao aprendizado de conteúdos exigidos pelo desenvolvi-
mento do capital.
Disso se depreende que o alargamento do tempo de permanência es-
colar e, em consequência também desse fato, uma mais ajustada formação
Henrique Tahan Novaes, Domingos Leite Lima Filho e José Deribaldo Gomes dos Santos (Org.)
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média do jovem-trabalhador-estudante, passa a favorecer, primeiramente,
às necessidades do desenvolvimento capitalista. Aqui pode ser ilustrada a
quantidade de políticas educativas, principalmente públicas, que é orienta-
da para a escola prossionalizante. Mais uma vez lembramos a necessidade
de um estudo aprofundado sobre em que medida a BNCC aprofunda a
dicotomia capitalista que se expressa na seguinte separação: educação pro-
pedêutica em um ramo e prossionalizante em outro.
A briga encarniçada entre os empresários para administrar os recur-
sos públicos do fundo estatal escolar, independentemente se em disputa
no congresso político, na mídia ou sob mecanismos de corrupção, busca
facilidades para gerir o aparato educacional. Ainda que gerenciado direta
ou indiretamente pelas empresas e mesmo que o tempo de permanência
escolar aumente, o conteúdo da educação, destacadamente a prossionali-
zante, crescentemente se precariza.
Em Deribaldo Santos (2017) encontra-se uma reexão sobre como
o diploma cria a possibilidade favorável para os patrões melhor escolhe-
rem seus eleitos. Para o autor brasileiro, com inspiração em Braverman
(1980), os empresários, por meio da certicação, peneiram suas escolhas.
Os candidatos considerados mais aptos para determinadas prossões, por
meio da diplomação, entregam aos empregadores alguma segurança de
que podem desempenhar bem determinada função na estratégia da hie-
rarquia capitalista.
Não nos esqueçamos, como alertado ao longo deste artigo, que a
divisão entre propedêutica e prossionalizante é uma tendência para que
a liberdade formal seja entregue aos empresários. Essa liberdade aparente
possibilita que o capitalista escolha entre os melhores que lhe aparecem a
procura de emprego. Nesse caso, é óbvio, o patrão ou seu preposto vai op-
tar pelos que melhor atendam às suas necessidades. Já aos trabalhadores, a
única opção que resta, sobretudo no contexto de crise estrutural do capital,
é melhorar a sua condição de disputar uma vaga. Para isso, a escola, com
sua dicotomia, presta um serviço formidável. O diploma, assim, torna-se
mais que necessário!
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas - vol. 3
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Ler, Escrever, Contar e Apartar botão mecatrônico, de modo bem
geral, são as exigências que interessam ao capital em crise profunda. Essa
generalidade formativa, se vier junto com outros elementos que dotem os
trabalhadores das competências mínimas para operar a produção, melhor
para o capital. É o capitalismo que ganha, como vimos, com uma forma-
ção voltada especicamente para seus interesses.
Isso leva a presente exposição a concluir que, para atender ao cenário
produtivo, para dar conta das necessidades tacanhas do capital em crise
aguda, basta um processo educativo limitado, apequenado, fragmentado,
amesquinhado. O atual processo educativo preocupa-se, no limite, em
dotar os jovens-trabalhadores-estudantes com competências adequadas às
exigências das empresas. Como escreve Braverman (1980, p. 357): “uma
habilidade especíca, uma operação limitada e repetitiva, a velocidade
como qualicação”. Desse processo escolar, como é de se esperar, produz-
se uma educação voltada para a prossionalização mesquinha, mas muito
bem aparelhada à ressignicação da educação capitalista.
referêncIas
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Caixeiro. Rio de Janeiro: Zahar, 1980.
CAZUZA. O tempo não para. Rio de Janeiro: Polygram/Philips, 1988. 1 CD (37m13s).
ENGELS, Friedrich. A origem da família, da propriedade privada e do Estado: em
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ENGELS, Friedrich; MARX, Karl. A ideologia alemã: crítica da mais recente losoa
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93
4
A educação prossional e a
precarização do trabalho juvenil
Ramon de Oliveira 1
Introdução
O Brasil e praticamente todas as nações latino-americanas, durante o
século XXI, implementaram reformas em seus sistemas de educação ou nas
suas ações de qualicação prossional objetivando adequá-los às demandas
evidenciadas pelo patronato (Oliveira, 2010a). Destaque-se o quanto estas
medidas, aliadas ao processo de globalização econômica e de aumento da
competitividade, assumiram a pedagogia das competências como carro-
Este texto é uma versão ampliada e reformulada do artigo “Precarização do trabalho: a funcionalidade da
educação prossional”, publicado na Revista Diálogo Educacional, n. 44, 2015.
https://doi.org/10.36311/2024.978-65-5954-526-1.p93-120
Henrique Tahan Novaes, Domingos Leite Lima Filho e José Deribaldo Gomes dos Santos (Org.)
94
chefe dos seus processos formativos, estruturando no campo da formação
prossional um consenso semelhante ao campo econômico (Gentili,
1998). As nações latino-americanas implementaram no plano educacional
projetos similares, nos levando a questionar o quanto suas políticas
educacionais estruturam-se de forma autônoma. Nos parece que elas
subordinam-se a referenciais externos, particularmente às determinações de
organizações multilaterais como Banco Mundial e o Banco Interamericano
de Desenvolvimento (BIRD) (Oliveira, R., 2006).
Diante de número cada vez menor de postos de trabalho criados,
efetivou-se o discurso hegemônico de defesa da empregabilidade dos traba-
lhadores. Mesmo destacando-se a importância da educação escolar como
um componente fundamental no desenvolvimento do capital humano,
reconhece-se que a certicação escolar não é garantia de emprego, princi-
palmente para os setores com baixos níveis de escolarização ou considera-
dos não detentores das habilidades, das competências e dos conhecimentos
requisitados pelo mercado de trabalho.
No discurso das elites empresariais, dos agentes de governo e das
agências multilaterais, a baixa qualidade da mão-de-obra existente, em vez
de ser vista como decorrência de um processo histórico de exploração eco-
nômica, é explicada como uma debilidade da escola pública e das práti-
cas de qualicação prossional (IHL, 1992). Assim, o determinante vira
determinado, tal como nos alertava Frigotto (1989) ao fazer uma crítica
profunda à teoria do capital humano.
Essa teoria e suas atuais formas de expressão encobrem o fato das
históricas subalternidades (política, econômica e cultural) vivenciadas por
muitas nações, terem gerado elementos impeditivos da formação de traba-
lhadores mais qualicados para enfrentarem os desaos postos pelas trans-
formações advindas da reestruturação da produção capitalista. As nações
mais pobres apresentam índices educacionais bem aquém daqueles consi-
derados indispensáveis para uma economia nacional disputar uma melhor
posição na competição global.
Muitas análises sobre o desenvolvimento econômico dos países mais
pobres ou em vias de desenvolvimento desprezam o fato do avanço do
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas - vol. 3
95
desemprego ser mais incisivo para essas nações. Este fato não é decorrente
dos seus trabalhadores terem uma baixa qualicação, mas por estas nações
viverem um processo histórico de dilapidação econômica e social que ter-
mina por reverberar nas possibilidades delas serem elevadas a um novo
patamar de desenvolvimento, impedindo a criação de postos de trabalho
em quantidade suciente para reverter o quadro de empobrecimento his-
toricamente produzido.
O processo histórico também é condicionante dos novos papéis que
as economias podem desempenhar no atual cenário econômico. Em um
contexto no qual se privilegia a produção de mercadorias com maior valor
agregado, apenas a expansão ou crescimento econômico não concretiza a
nova inserção econômica de uma nação na divisão internacional do traba-
lho (Pochmann, 2001, 2004).
A forma de participação de cada nação na divisão internacional do
trabalho determinará a necessidade e a pertinência da existência de um
maior estoque de mão-de-obra qualicada para a produção dos bens com
maior valor agregado. Não é o processo de formação de capital humano o
responsável, em primeira instância, dessa inserção, muito menos a inserção
como protagonista constrói-se desconsiderando relações de poder condi-
cionantes das formas de participação de algumas economias nacionais no
processo de mundialização do capital (Chesnais, 1996).
Como destacou Pochmann (2001), as corporações têm deslocado
sua capacidade produtiva pelo mundo visando aumentar seus níveis de
acumulação. No entanto esse processo não é acompanhado da transferên-
cia, para as nações mais pobres, das atividades de maior complexidade in-
dustrial. Muito menos a riqueza abocanhada pelo capital desconcentra-se
e canaliza-se para atender aos interesses das nações receptoras dessa produ-
ção. Na prática, o capital mantém inalterada a concentração da riqueza e
estabelece mecanismos reforçadores das desigualdades econômicas e sociais
que aigem as nações periféricas ou semiperiféricas.
Tendo esse cenário e pressupostos como referências, argumentare-
mos o quanto as políticas de formação prossional desencadeadas ao longo
século XXI no Brasil, particularmente aquelas voltadas para a juventude,
Henrique Tahan Novaes, Domingos Leite Lima Filho e José Deribaldo Gomes dos Santos (Org.)
96
funcionam como espaços de conformação de trabalhadores à lógica do
capital. Embora tais políticas busquem justicar-se pelo aumento da em-
pregabilidade dos trabalhadores e pelo fomento de práticas empreendedo-
ras, tornam-se também funcionais ao capital por terem um papel ativo de
formação de trabalhadores para a ocupação de postos precarizados.
Consideramos que as políticas públicas de qualicação prossional
voltadas para os setores juvenis em condições econômicas precarizadas, ar-
ticulam-se diretamente à má qualidade da escola pública, e compõem um
bloco funcional ao processo de reprodução do capital e de acirramento dos
processos de exploração dos trabalhadores.
emPregabIlIdade, emPreendedorIsmo e a educação ProfIssIonal
Como nos alertou Antunes (2002), uma análise consequente do de-
semprego, tendo como referência a globalização da economia e a reestru-
turação produtiva deve levar em consideração as peculiaridades de cada
economia nacional. Caso contrário, deixaremos de lado fatores impres-
cindíveis para melhor apontar as possibilidades de reversão de um quadro
generalizado de desemprego, com situações particulares em cada nação.
Participamos de um contexto econômico, social, político e cultural
que tem traços universais do capitalismo globalizado e mundializado,
mas que tem singularidades que, uma vez apreendidas, possibilitam
resgatar aquilo que é típico desta parte do mundo e desse modo de
reter a sua particularidade. Trata-se, portanto, de uma globalidade
desigualmente combinada, que não deve permitir uma identicação
acrítica ou epifenomênica entre o que ocorre no centro e nos países
subordinados (Antunes, 2002, p. 79, grifo do autor).
Alguns dados colhidos por Pochmann (2001) nos ajudam a ilustrar
essa armação. De acordo com esse autor, embora o desemprego seja um
fenômeno mundial, concentra-se nas nações mais pobres.
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas - vol. 3
97
Considerando o período compreendido entre as três décadas nais
do século XX, é possível constatar que, entre 1975 e 1999, o desemprego
cresceu 53% em quase todo o mundo mas, entre os países mais pobres,
essa taxa foi de 200%. Nesse mesmo período o número de desempregados
cresceu 85% entre os países desenvolvidos e para os não desenvolvidos esse
percentual chegou a 390%.
Tal situação levou a uma sensível alteração da distribuição geográca
dos desempregados. Em 1975, os países desenvolvidos abrigavam 41% do
total de desempregados do mundo, em 1979 reduziram essa participação
para 20%. Do outro lado, os países não desenvolvidos abrigavam 59% e
passaram a ser responsáveis por 79,4% dos desempregados.
Esses dados, embora careçam de uma atualização cronológica, evi-
denciam o fato do desemprego ser heterogêneo, nutrindo e complexican-
do mais ainda os processos de subordinação e dependência econômica de
muitas nações. Por outro lado, reforçam a tese de ser impertinente buscar
soluções únicas ou saídas que não ataquem diretamente os principais mo-
tivos responsáveis pela diminuição dos postos de trabalho.
Na maioria das vezes, as medidas tomadas reforçam o desemprego
e ocultam o quanto os governos têm sido coniventes e responsáveis pela
perpetuação desse quadro.
A lógica neoliberal entende o desemprego como uma normalidade
na economia capitalista, como também o utilizou para diminuir a força do
movimento sindical. Logo, o desemprego, segundo os homens de negócio,
não deve mobilizar o Estado para a confecção de políticas sociais ou de
reformas estruturais objetivando atenuar seus efeitos sociais. Para eles, cabe
ao Estado, na ausência ou desinteresse da iniciativa privada, a implementa-
ção de ações de melhoria da qualicação dos trabalhadores.
As práticas de qualicação prossional têm certo caráter assistencial,
pois elas procuram dar ao indivíduo apenas necessário para, talvez, atenuar
seu sofrimento. No entanto, as políticas governamentais nesse campo não
conseguem diminuir o quadro de insegurança no qual vivem os trabalha-
dores. Insegurança, segundo Frigotto (2001), de viverem uma contínua di-
minuição da estabilidade no emprego e terem de obrigar-se a se submeter
Henrique Tahan Novaes, Domingos Leite Lima Filho e José Deribaldo Gomes dos Santos (Org.)
98
a relações precárias de trabalho. Ao perceberem o risco de serem mais um
trabalhador sobrante, vive-se um fascismo de insegurança.
Behring (2001), a partir de Jorge Matoso, também destaca a insegu-
rança dos trabalhadores. Sua observação nos ajuda, tal como Frigotto (2001),
a perceber que as ações do capital objetivando aumentar suas taxas de acu-
mulação, tais como a desregulação do mercado de trabalho, a diminuição do
papel do Estado enquanto provedor de serviços sociais e, principalmente, a
reestruturação do processo de produção de mercadorias, impõem aos traba-
lhadores uma contínua situação de instabilidade emocional.
O processo massivo de tecnologização da produção, articulado à que-
bra do poder de confronto do movimento sindical e às políticas de cunho
neoliberal, terminam por reforçar o processo de submissão dos trabalhadores
ao capital. De acordo com Behring (2001, p. 112, grifos no original) as for-
mas como essa insegurança se expressam podem ser assim descritas:
[...] insegurança no mercado de trabalho, com a não-priorização do
pleno emprego como objetivo de governo, a destruição de empregos
em plena expansão econômica, sobretudo no setor industrial, e a
ampliação da desigualdade entre os desempregados em função
da redução dos benefícios sociais; insegurança no emprego, que
implica a redução da estabilidade e subcontratação (formas atípicas
ou contingenciais de emprego, diga-se precárias); insegurança na
renda, por meio da exibilização dos salários, da diluição da relação
ente salário e produtividade, da queda nos gastos sociais e scais
das empresas, da deterioração da distribuição de renda e, por m,
do crescimento da pobreza; insegurança da contratação do trabalho,
pela expansão do dualismo no mercado de trabalho e pelo risco
da explosão jurídica do contrato coletivo de trabalho; e, por m,
insegurança na representação do trabalho, com a redução dos níveis
de sindicalização.
No âmbito desse quadro de insegurança, as políticas de qualica-
ção prossional, seja no governo Fernando Henrique ou nos governos do
Partido dos Trabalhadores, armaram-se como apologetas do desenvolvi-
mento de competências laborais e do aumento da empregabilidade dos
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas - vol. 3
99
trabalhadores. Estabeleceram uma relação de independência entre o aces-
so, a permanência e a qualidade da escola em relação às condições de de-
sigualdade social. Condições responsáveis pelo Brasil apresentar um nível
de escolarização bem abaixo do considerado, segundo o próprio discurso
do empresariado (Oliveira, ), o mínimo necessário para uma nação
responder, a contento, os desaos da competitividade econômica.
Assim, as políticas públicas de qualicação prossional terminaram
por, cada vez mais, formar mão-de-obra para os empregos precários. Ou,
como há muito nos alertava Maria Ciavatta Franco (Franco, ), for-
mam mão-de-obra para um trabalho incerto
Ramón Peña Castro fez a seguinte crítica ao discurso estatal apolo-
geta do desenvolvimento da empregabilidade, como forma de resolver a
problemática do desemprego.
[...] o discurso ocial parafraseia Malthus ao deixar entender nas
entrelinhas que “a principal causa do desemprego é a ignorância
dos desempregados”, ideia antiga que o pensamento pós-moderno
complementa com a chamada “rigidez excessiva da legislação
trabalhista”, exigindo o rebaixamento das relações de trabalho
à simples transação, administrada somente pelo mercado e pelo
direito comercial. Todavia, o truque da “empregabilidade” esconde
algo mais profundo, que é a tentativa de autonomizar tanto a
esfera do trabalho como a esfera da educação, dissociando-as do
contexto histórico, o único que as torna compreensíveis. Esse
conteúdo histórico concreto decorre do poder oligopólico dos
grandes agrupamentos nanceiros que decidem as prioridades
tecnológicas, econômicas e sociais, congurando a nova ordem
mundial imperialista (Castro, 004, p. 86).
Crítica não menos contundente faz Lira (2006) ao destacar o quanto
a lógica neoliberal é vendedora de ilusão aos trabalhadores.
A difusão do conceito de empregabilidade, empreendedorismo
e outros do gênero, vende aos trabalhadores a ilusão de que hoje
Henrique Tahan Novaes, Domingos Leite Lima Filho e José Deribaldo Gomes dos Santos (Org.)
100
o importante é trabalhar, e não ter emprego, pois esse emprego
estaria em extinção. Assim cria-se a imagem de que a inserção no
mercado de trabalho depende tão-somente das “competências e
habilidades” que o trabalhador disponha para realizar tal tarefa.
Mascaram-se, dessa forma, as relações macrossociais que envolvem,
no capitalismo, a estruturação do trabalho, fazendo com que
a informalidade passe a apresentar-se como natural, quando, na
verdade, hoje ela adquire uma função estratégica no processo de
acumulação do capital (Lira, 2006, p. 158).
No mundo atual, segundo a lógica economicista, para se enfrentar
os desaos da competição e do quadro de desemprego, há de ser também
empreendedor. Não basta apenas ter conhecimentos e competências. É
preciso empregá-los de forma correta. Só assim o indivíduo pode construir
sua empregabilidade ou então construir seu próprio negócio.
Como nos alertou Alberto de Oliveira (2006), os condutores da eco-
nomia nacional, ao substituírem as políticas de geração de emprego por
políticas massivas de qualicação prossional, terminam por atribuir aos
próprios desempregados a responsabilidade por seu desemprego.
Sobre o empreendedorismo, Barbosa (2006, p. 103-104) faz o se-
guinte comentário:
Se se observarem as características do trabalho situado na pequena
unidade produtiva e em situação de informalidade, verica-se que
se sustentam em trabalho com longas jornadas, baixas condições
de segurança e rendimentos pequenos. Portanto, há que se
desconstruir também o mito que atravessa essa retórica sobre o
pequeno negócio e esclarecer esse sistema ideológico que transmuta
o trabalho depreciado em empreendimento, subordinação à
contratante em liberdade de ação e realização pessoal. A opção é
mais tortuosa do que se deixa transparecer: o sistema salarial não
os acolhe com estabilidade ou com rendimentos compatíveis com
a sobrevivência familiar. Por isso os trabalhadores migram para as
pequenas ocupações informais [...] tornando-se essa opção uma
escolha perversa que favorece a elites e torna os trabalhadores
avalistas diretos da crise do capital.
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas - vol. 3
101
Ser empresário de seus conhecimentos é perceber que, embora a es-
colarização e a formação prossional sejam determinantes da posição do
indivíduo no mercado de trabalho, faz-se necessário elas serem empreen-
didas da melhor forma possível. Só assim será assegurado o retorno econô-
mico almejado.
Guerra et al. (2004) tendo como referência as mudanças desencade-
adas pela reestruturação produtiva na economia paulista no nal do século
passado, nos alertou para o fato de terem sido poucas as ações empre-
endedoras de trabalhadores expulsos de empregos formais a alcançarem
resultados satisfatórios. Para esses autores, a grande maioria terminou por
direcionar-se em função da “derrota” de seu próprio negócio, para o mer-
cado informal da economia, por conseguinte, para ações precarizadas de
inserção do mercado de trabalho.
Como destacou Oliveira (2010b) os pressupostos norteadores da
educação prossional “blindam” o Estado das críticas em relação à sua
incompetência e conivência à falta de uma ação efetiva para a geração de
postos de trabalho e para a diminuição radical do quadro de pobreza.
Tal fato reforça a posição dos propagadores da ideologia da merito-
cracia e da individualização da condição social.
a educação ProfIssIonal x a PrecarIzação do trabalho
Analisando as políticas públicas de qualicação (PLANFOR, PNQ
PRONATEC etc.)2evidencia-se o fato delas atingirem mais diretamente
O Planfor (Plano Nacional de Formação Prossional) representou o conjunto de ações desencadeadas
a partir de 1995 pelo então Ministério do Trabalho (hoje MTE) objetivando garantir, a partir de uma
ação coordenada ao nível nacional, o incremento da competitividade da indústria nacional e possibilitar
aos trabalhadores desempregados ou em risco de marginalidade social desfrutar de ações de qualicação
prossional que lhes permitissem permanecer ou retornar ao mercado de trabalho. Objetivou-se, no seu
início, a qualicação de cerca de 15 milhões de trabalhadores anualmente, o que representaria 20% da
população economicamente ativa no Brasil (Brasil, 1998). Em 2003, após o seu m, foi criado o Plano
Nacional de Qualicação (PNQ), o qual passou a orientar as diretrizes da Política Pública de Qualicação.
O Pronatec foi criado em 2011. Ele expandiu a oferta de educação prossional técnica de nível médio
e de cursos de formação inicial. Ampliou a oferta da educação prossional na rede federal de educação
Henrique Tahan Novaes, Domingos Leite Lima Filho e José Deribaldo Gomes dos Santos (Org.)
102
aqueles setores da sociedade inseridos no mercado de trabalho em uma das
diversas formas precarizadas impostas pela lógica de acumulação capitalista
e a juventude também sido eleita como público-alvo.
Algumas políticas direcionadas para a juventude, mas particular-
mente nos governos do partido dos Trabalhadores, inseriram a questão
da qualicação prossional como um dos seus eixos estruturadores. No
âmbito governamental, a problemática da juventude ainda é considerada
do ponto de vista da inserção econômica. Em outras palavras, a violência,
a inserção no mundo do tráco de drogas, males que aigem a juventude,
podem ser combatidos quando os jovens tiverem acesso a algum tipo de
instrumentação asseguradora de sua inserção no mercado de trabalho.
A realidade parece demonstrar não ser suciente instituir políticas
de qualicação prossional ou mesmo políticas visando a geração de renda
para reduzir, de forma mais sistemática, o desemprego juvenil ou por m
às condições de pobreza, persistentes para uma parte da população brasilei-
ra. Embora essas políticas sejam fundamentais, precisam estar articuladas
entre si. Os males que afetam a juventude são os mesmos através dos quais
se reproduz a condição de pobreza.
Por outro lado, embora estejamos acostumados a falar em desempre-
go juvenil a verdade é que os jovens–muitas vezes precocemente– estão in-
seridos no mercado de trabalho. Presenciamos a continuidade de uma pro-
cura por um emprego com certa precocidade por parte dos jovens, mesmo
que essa entrada corresponda a sacricar a conclusão da educação básica.
De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios
Contínua – de 2022 (IBGE, 2023), mais de 715 mil jovens, entre 15 e
17 anos, estão fora da escola e apenas 75,2% dos jovens, nesta faixa etária,
estão matriculados no ensino médio. Esta mesma pesquisa registra que
40,2% dos jovens que frequentaram o ensino médio e abandonaram a es-
cola sem o terem concluído, armaram que a necessidade de trabalhar foi
o principal motivo para este abandono.
Também é preocupante o fato de termos um grupo expressivo de
quase 16 milhões de jovens, entre 18 e 24 anos, que estão fora da escola
tecnológica e estabeleceu convênios do governo federal com a iniciativa privada.
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas - vol. 3
103
e, entre eles, há um percentual signicativo que não concluiu, sequer, o
ensino fundamental.
Nunca é demais lembrar que de acordo com a PNAD – 2022, 36,2%
dos jovens entre 18 e 24 anos, não estavam estudando, só trabalhavam e
26,8,3% dos jovens nessa mesma faixa abandonaram a escola e também
não estavam trabalhando (IBGE, 2023).
Embora as condições econômicas e uma certa cultura determine a
entrada dos jovens no mercado de trabalho, entendemos que essa aproxi-
mação ocorre de forma precoce e em condições precárias.
São os jovens os mais afetados pelo problema do desemprego.
Quando analisamos os dados disponibilizados pelo IBGE referentes à
PNAD Contínua dos anos compreendidos entre 2016 e 2022,3 constata-
mos que os índices de desemprego sempre se mostraram muito altos para
os jovens entre 18 e 24 anos. O ano de 2023 registrou a menor taxa de
desemprego neste intervalo de tempo, quando alcançou o percentual de
18%. Anteriormente, só em 2022, este percentual cou abaixo dos 23%,
mas, ainda que os últimos dois anos apresentem uma melhora nos índices
de desemprego, a taxa de informalidade em 2023 foi da ordem de 42,3%.
Ou seja, embora os jovens entre 18 e 24 anos estejam mais ocupados, sua
inserção no mercado de trabalho ocorre de forma precarizada e em ocu-
pações que não demandam grande nível de escolarização e, muito menos,
formação técnica especializada. As ocupações mais disponibilizadas são
aquelas que exigem pouca qualicação.
Os jovens, ainda que tenham aumentado o seu nível de qualicação
e escolarização, deparam-se com uma oferta de trabalho que não lhes pro-
porciona um retorno econômico compatível aos seus esforços formativos.
De acordo com post4 do Idados5, publicado em abril de 2022, a partir da
PNAD contínua de 2021 (3º semestre), das 10 ocupações que mais ab-
Disponível em: https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/trabalho/9173-pesquisa-nacional-por-amostra-
de-domicilios-continua-trimestral.html?t=resultados. Acesso em: 28 jul. 2023.
Quais são as ocupações que mais empregam jovens no Brasil? Disponível em: https://blog.idados.id/
ocupacoes-mais-empregam-jovens-brasil/. Acesso em: 28 jul. 2023.
O IDADOS é uma empresa de consultoria especializada em análise de dados que presta serviços a
organizações públicas e do terceiro setor.
Henrique Tahan Novaes, Domingos Leite Lima Filho e José Deribaldo Gomes dos Santos (Org.)
104
sorveram a juventude, seis delas exigiam pouca escolaridade e não tinham
nenhuma referência direta com a formação técnica especializada. As ocu-
pações eram: condutores de veículos acionados a pedal ou a braços, repo-
sitores de prateleira, garçons, atletas e esportistas, trabalhadores de centrais
de atendimento e balconistas dos serviços de alimentação.
Entre os vários programas voltados para a juventude no governo
Lula e mantidos pela Presidenta Dilma, alguns contemplaram a questão
da qualicação/educação prossional como o carro-chefe. Destacamos
entre esses: ProJovem, Agente Jovem, Saberes da Terra, Consórcio Social
da Juventude, Escola de Fábrica, Primeiro Emprego, Soldado Cidadão, o
Proeja e o PRONATEC.
A diversidade de programas e a prevalência do entendimento da
educação como instrumental de amenização da pobreza e da marginali-
dade social, evidenciam que a lógica estruturante dos programas governa-
mentais relacionando juventude e “mundo do trabalho”, é a mesma das
agências de nanciamento (Banco Mundial e Banco Interamericano de
Desenvolvimento) (Oliveira, 2006). Ou seja, a pobreza reverte-se pelo au-
mento de escolarização ou pelo desencadear de ações públicas de quali-
cação prossional.
A teoria do capital humano parece ser o eixo losóco dos progra-
mas e das políticas de educação prossional voltadas para a juventude.
Castro (2004) chama atenção ao fato de que, a despeito da com-
plexidade da relação entre educação e emprego, é ilusório estabelecer uma
relação direta entre o aumento do nível de escolarização da população e a
diminuição dos índices de desemprego. Essa ilusão ocorre em virtude dessa
interpretação concentrar a atenção no movimento do mercado de trabalho
e desprezar a regressão dos postos de trabalho ocorrida no processo recente
de acumulação capitalista.
Pochmann (2001), crítico à ideia do mercado de trabalho estabelecer
uma maior seletividade dos trabalhadores em virtude das tarefas
demandarem um maior nível de qualicação, considerou impertinente a
associação entre maior nível de escolarização e possibilidades de ingresso
no mercado de trabalho. Para ele, as atividades a serem realizadas não
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas - vol. 3
105
demandam um maior nível de escolarização ou trabalhadores mais bem
preparados. Deve ser observada a relação entre a oferta de mão-de-
obra qualicada e o quantitativo de empregos disponíveis, pois embora
tenha ocorrido um aumento do nível de qualicação e escolarização dos
trabalhadores ocupados, pode-se constatar que:
Em geral, o aumento dos índices de escolaridade não aponta
necessariamente para a existência de requisitos adicionais no
conteúdo dos postos de trabalho, mas possivelmente para a
demanda insuciente de trabalho por parte das empresas. Com
o maior desemprego, os empresários terminam por privilegiar
a contratação sobretudo dos trabalhadores mais escolarizados,
independentemente de haver mudanças no conteúdo do posto de
trabalho (Pochmann, , p. 63).
Pochmann é enfático nesse debate e chama atenção ao fato de, nos
anos 90, as prossões mais sofridas com a diminuição dos postos de traba-
lho foram aquelas com trabalhadores apresentando maior nível de escola-
rização, particularmente ligadas ao setor industrial. Diante desse fato ele é
contundente e alerta para o fato de que:
[...] o perl das ofertas prossionais em alta no país não está
necessariamente associado às exigências de maior qualicação
prossional. Dado o tipo de demanda de trabalho que mais
cresceu nos anos 90 no Brasil, parecem falsas tanto as hipóteses que
sustentam existir mudanças generalizadas no conteúdo dos postos
de trabalho como os argumentos que apontam para a existência
de desemprego motivada por uma oferta de trabalho inadequada
aos requisitos da contratação empresarial (Pochmann, , p. 70).
Se essa observação referenciava-se em dados relativos aos anos 90,
em outro trabalho Pochmann (2008) retoma essa questão e rearma o
quanto se mantém impertinente o discurso sobrevalorizador da educa-
ção enquanto mecanismo de contenção dos altos índices de desemprego.
Henrique Tahan Novaes, Domingos Leite Lima Filho e José Deribaldo Gomes dos Santos (Org.)
106
Tendo como referência dados relativos aos primeiros anos de século XXI,
o autor destaca a “anomalia” do nosso mercado de trabalho, pois mesmo
diante de um crescimento do nível de escolaridade da população brasileira,
não se criaram as condições viabilizadoras para o aproveitamento daqueles
com maior escolarização.
Contrariando as tendências mundiais, que exigem ampliação
da escolaridade e maior qualicação prossional no combate
ao desemprego, no Brasil a ociosidade da força de trabalho vem
aumentando justamente no segmento da população com mais anos
de estudo: em 2004, 60,2% dos desempregados (8,3 milhões de
pessoas) possuíam o ensino básico completo, enquanto em 1995
apenas 37,7% do total dos desempregados (4,5 milhões) tinham
até oito anos de estudo. Apesar disso, constata-se uma importante
elevação no nível de escolaridade em praticamente todas as faixas
etárias. Em 2004, por exemplo, a população brasileira tinha em
média 6,6 anos de estudo, enquanto em 1993 eram somente 5,1
anos. Ou seja, houve um aumento de quase 30% na quantidade
de anos de estudo pelo conjunto da população (Pochmann, 2008,
p. 39-40).
Utilizando dados mais recentes podemos melhor ilustrar e conr-
mar estas armações de Pochmann. Embora os portadores de diploma de
ensino superior estejam menos suscetíveis ao desemprego (quando com-
parados aos concluintes do ensino médio ou do ensino fundamental), é
importante registrar o aumento de pessoas que, mesmo tendo concluído
o ensino superior, não conseguem um emprego coerente com seu nível de
formação. Ou seja, há uma escolaridade superior ao demandado pelo mer-
cado de trabalho, conforme os dados processados pelo Idados, da PNAD
contínua de vários anos.6 De acordo com este levantamento, em 2014,
o percentual de pessoas com nível superior em ocupação que exigia, no
máximo, o ensino médio era de 25%, nos anos seguintes este percentual
aumentou e chegou em 2019 a 29,5%.
Diploma de ensino superior e ocupação de ensino médio ou fundamental. Disponível em: https://blog.idados.
id/diploma-de-ensino-superior-e-ocupacao-de-ensino-medio-ou-fundamental/. Acesso em: 28 jul. 2023.
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas - vol. 3
107
Temos de fato uma maior oferta de trabalhadores disponíveis com
maior nível de escolarização, permitindo aos empregadores estabelecerem
novos critérios de seleção no momento real de fazer a contratação, tal qual
nos alertou Márcio Pochmann.
Retomando o debate sobre as políticas públicas de qualicação pro-
ssional, sem termos a pretensão de discutir os programas governamentais,
objetivamos destacar o fato da grande maioria objetivar proporcionar aos
setores de alguma forma excluídos da educação básica, uma nova inser-
ção no sistema educacional. Em outras palavras, estes programas têm um
nítido apelo pela inclusão social, seja por garantir o término do ensino
fundamental, seja pela garantia de uma qualicação básica ou pela oferta
de ajuda nanceira. A educação básica ou prossional é vista como um
mecanismo capaz de possibilitar uma nova inserção social do indivíduo.
Precisamos discutir qual a forma de inserção no mercado ou na sociedade
construída por esses programas.
São programas cujo objetivo é modicar a situação de precarização
social vivenciadas por esses indivíduos, mas eles próprios se constituem
como programas promotores de formas precarizadas de formação. Embora
objetivem mudanças nas condições sociais dos jovens por eles assistidos,
reforçam a lógica de precarização social imposta à maioria da população
mais pobre.
Essa nossa argumentação ancora-se no fato dos programas voltados
à qualicação de jovens não conseguirem confrontar-se com a precária
formação ministrada no âmbito da educação básica. Ao pautar-se pelo
objetivo de promover uma pseudo formação prossional, de certa forma
reconhecem a impossibilidade de aprofundamento desta qualicação em
virtude dos educandos não disporem de conhecimentos básicos necessários
para tal formação ter maior complexidade. Por outro lado, tal como vem
instituindo-se na educação básica a ênfase em garantir a certicação em de-
trimento de assegurar uma formação de melhor qualidade, tem sido uma
das características das ações de qualicação prossional.
O caso do PNQ foi uma boa expressão de uma ação que não conse-
guiu ir além da mera certicação em detrimento da garantia de uma qua-
Henrique Tahan Novaes, Domingos Leite Lima Filho e José Deribaldo Gomes dos Santos (Org.)
108
licação prossional articulada à formação geral. Daí seus cursos ao longo
dos anos terem apenas em 2007, atingido uma carga horária média de 200
horas (Dieese, 2011).
O privilegiamento da formação mais pragmática em detrimento de
uma formação mais complexa é proposital. Os programas governamentais
buscam a mínima formação necessária para os trabalhadores inserirem-se
no mercado de trabalho de forma a suprir as necessidades do capital para a
realização de tarefas de pouca complexidade, mas fundamentais no proces-
so geral de produção capitalista e de acumulação do capital.
Nos parece pertinente a armação de haver uma relação funcional
para o capital entre a precariedade da educação básica e os programas de
qualicação prossional. Na prática, estabelece-se no plano da formação
prossional e do mercado de trabalho um movimento de inclusão exclu-
dente, tão bem destacado por Kuenzer (2007).
A baixa escolarização ou a chamada desqualicação prossional são
expressões e, ao mesmo tempo, funcionais a um sistema produtor e alimen-
tado pela desigualdade social. Como destacou Kuenzer, estrutura-se uma ex-
clusão includente, pois os estudantes mais pobres continuam sendo expulsos
das escolas públicas, restando-lhes a alternativa de ingressarem nos progra-
mas governamentais como forma de almejar a aquisição de conhecimentos
ou certicações que os permita ingressar no mercado de trabalho.
A estratégia por meio da qual o conhecimento é disponibilizado/
negado, segundo as necessidades desiguais e diferenciadas dos
processos de trabalho integrados, é o que temos chamado de
inclusão excludente na ponta da escola. Ao invés da explícita
negação das oportunidades de acesso à educação continuada e de
qualidade, há uma aparente disponibilização das oportunidades
educacionais, por meio de múltiplas modalidades e diferentes
naturezas, que se caracterizam por seu caráter desigual e, na maioria
das vezes, meramente certicatório, que não asseguram domínio de
conhecimentos necessários ao desenvolvimento de competências
cognitivas complexas vinculadas à autonomia intelectual, ética e
estética (Kuenzer, 200, p. 1167).
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas - vol. 3
109
A forma de inserção patrocinada por esses cursos ou programas go-
vernamentais ocorre em sua maioria em postos precarizados de trabalho.
Eles não garantem os direitos trabalhistas e, de forma alguma, são possi-
bilitadores desses trabalhadores usufruírem dos direitos sociais, bem como
terem acesso aos bens materiais e não materiais fundamentais a uma vida
com dignidade. Levando-nos a armar que as políticas de formação pro-
ssional desenvolvidas ao longo do século XXI e voltadas para os setores
juvenis reforçaram o processo de precarização do trabalho.
A presença do trabalho precarizado, contraditoriamente à forte pre-
sença de artefatos tecnológicos no processo de produção de mercadoria
ou mesmo no setor terciário, não tem se mostrado como algo anômalo à
produção exível ou as formas tradicionais de emprego de mão-de-obra.
Ao contrário, a coexistência na cadeia produtiva de trabalhadores com ní-
veis profundamente diferenciados de formação, mostra-se bastante fun-
cional ao processo de reprodução do capital. Na verdade, podemos dizer
que no Brasil, contrariamente aos reclamos do empresariado, a educação
básica de baixa qualidade não tem sido empecilho ao aumento das taxas
de acumulação.
O capital não tem a menor resistência em reinstaurar formas aviltan-
tes de utilização da mão-de-obra, desde que isso possa aumentar a extração
de mais-valia e recompor suas taxas de acumulação.
A inserção do trabalhador no mercado de trabalho dene-se em fun-
ção dos interesses e demandas dos empregadores. A sua qualicação, se é
um elemento importante no processo de ingresso, não é o determinante.
A pura e simples defesa das políticas ou ações de qualicação, como forma
de solucionar o problema do desemprego, termina por servir apenas para
culpabilizar as vítimas do processo de desemprego e também para ocultar
o movimento histórico do capital de diminuir sua dependência em relação
ao emprego da força de trabalho.
Quando nos apropriamos dos dados relativos à forma como os jo-
vens estão inseridos no mercado de trabalho, as armações acima coloca-
das passam a ter um pouco mais de sentido.
Henrique Tahan Novaes, Domingos Leite Lima Filho e José Deribaldo Gomes dos Santos (Org.)
110
Há de fato uma disputa entre o mercado de trabalho e a escola. Em
muitos casos a necessidade econômica vem em primeiro lugar.
Os jovens não vão ser empregados em locais que os garanta os direi-
tos trabalhistas e bons salários. Muito ao contrário. Não só serão negados
esses direitos, como também terão diculdades de continuarem os estudos.
Aumenta anualmente o contingente de jovens não detentores da certi-
cação do ensino médio e que encontram em cursos rápidos e precários a
saída mágica” para melhorar seu status econômico e social.
Boa parte dos jovens brasileiros estão, de alguma forma, inseridos
em alguma ocupação. Nossa tese é que uma parte considerável desses jo-
vens, principalmente os não concluintes do ensino médio, direcionam-se
para ocupações precarizadas.
Por mais que muitos desses jovens tenham se tornado trabalhadores
autônomos bem sucedidos, tenham aberto seu próprio negócio via empre-
endedorismos ou qualquer outra possibilidade de garantir uma renda de
forma não precarizada, é muito difícil rejeitar a tese de haver a utilização
massivamente precarizada dessa mão-de-obra de acordo com os interesses
do capital.
Queremos avançar ainda nessa argumentação chamando atenção ao
fato de embora a informalidade ser quase sinônimo de precarização do tra-
balho, isso não quer dizer que essa precarização não ocorra também dentro
da formalidade. Ou seja, a carteira assinada não signica o asseguramento
das adequadas condições de trabalho.
A funcionalidade da educação à precarização do trabalho também
pode ser constatada na recente reforma do ensino médio.
No discurso reformista, a dimensão econômica foi ressaltada e ar-
ma-se que um dos motivos para a efetivação da reforma é o fato de o
currículo do Ensino Médio não estar alinhado aos interesses do mercado,
necessitando modicar-se para preparar uma população economicamen-
te ativa, com qualicação suciente para contribuir com o desenvolvi-
mento econômico.
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas - vol. 3
111
Numa lógica que se estrutura tendo como referência a teoria do ca-
pital humano, articula-se crescimento econômico, aumento do número de
postos de trabalho e diminuição de desemprego, daí ter sido tão valorizada
pela mídia a existência de um itinerário formativo que “assegura” a forma-
ção prossional aos estudantes do Ensino Médio.
A atual crise do emprego que, em muitos países, não tem sido rever-
tida e que, no Brasil, armou-se de forma dramática, coloca em discussão
a possibilidade de a certicação escolar assegurar o acesso ao emprego.
Como já destacou Canário (2008), a discrepância entre o número de pes-
soas que passaram pela escolarização, inclusive em nível superior, e a oferta
de empregos nos coloca em um contexto bem diferente daquele de pleno
emprego. A escola vive diante do desao de justicar-se em um cenário no
qual o emprego é incerto (Franco, 1999) e pouco se permite à juventude
fazer planos de futuro em função da escolarização obtida. Daí o desencan-
to e o sofrimento.
O contraditório na realidade brasileira é o fato de os formuladores
da reforma do Ensino Médio estruturarem seus discursos de legitimação
ngindo desconhecer esse contexto. Estrutura-se um discurso justicador
da importância da formação prossional como um dos itinerários forma-
tivos, como se as juventudes trabalhadoras tivessem empregos à sua dispo-
sição. Reconguram promessas incapazes de serem cumpridas. Ao mesmo
tempo, por tratarem o Ensino Médio como um momento de passagem
para o ingresso no ensino superior ou para o ingresso imediato no mercado
de trabalho, silenciam os movimentos voltados a fazer do Ensino Médio
um momento único no processo de conquista da autonomia da juventude,
tal qual preconizava Gramsci (1985).
Vale destacar que esse movimento de formação prossional com-
pulsória, escamoteada pela ideia de escolha, de opção, de exibilização
curricular, congura-se como uma nova forma de elitização do processo
educacional. A dualidade rearma-se sob o discurso de uma nova estrutura
educacional, de um novo currículo, de um novo papel que a juventude
passa a ter na denição de seus projetos de vida.
Henrique Tahan Novaes, Domingos Leite Lima Filho e José Deribaldo Gomes dos Santos (Org.)
112
A existência de escolas privadas e de escolas públicas já expressa
uma dualidade do sistema educacional estruturado a partir da existência
de classes sociais e tende a se aprofundar em função da ofensiva neoli-
beral na educação (Freitas, 2014; Gentili, 1996a; 1996b; Neves, 2005;
entre outros). Como podemos apreender a partir da leitura de Gramsci
(1985), a elitização e a dualidade recompostas nessa reforma instauram-se
fundamentalmente por estarem a serviço de um projeto educacional legi-
timador da desigualdade escolar, a partir de uma distribuição desigual do
conhecimento, raticando a existência de escolas diferenciadas em função
das posições que as pessoas vão ocupar na divisão social do trabalho. Daí
evidenciarmos o fato de não haver nada de democrático nessa reforma, não
só por sua forma de implantação, como também por suas nalidades.
A reforma repete a mesma pseudodemocracia criticada por Gramsci
na realidade italiana. Para ele, não seria pela ampliação da oferta de cursos
voltados à prossionalização que se democratizaria a educação, tal qual
apregoam os atuais reformistas, ao dizerem que estão viabilizando aos mais
pobres a possibilidade de uma formação prossional mais cedo.
Para o autor italiano, a democracia real garantiria a todos, indepen-
dentemente da condição social, a possibilidade de passar por uma escola
que permitisse aos alunos desenvolver sua autonomia intelectual. Trata-se
de romper com a lógica que reproduz as diferenças de classe pela manuten-
ção dos pobres na condição de dirigidos e ricos na condição de dirigentes.
Como dizia Gramsci (1985, p. 137), “a democracia política tende a fazer
coincidir governantes e governados (no sentido de governo com o consentimento
dos governados), assegurando a cada governado a aprendizagem gratuita das
capacidades e da preparação técnica geral necessárias ao m de governar”.
Considerando o empobrecimento da formação estabelecida pela
atual reforma e articulando-a ao seu discurso de objetivar formar uma mão
de obra mais bem qualicada, é pertinente questionar o quanto ela promo-
verá a formação de capital humano, objetivo perseguido em outras refor-
mas anteriormente edicadas para o Ensino Médio (Lei 5692/71 (Brasil,
1971) e Decreto 2208/97 (Brasil, 1997). Como destacam Motta e Frigotto
(2017), não é a expansão do quantitativo de trabalhadores qualicados e
competitivos que está em jogo. Não é, como se justica a reforma, pelo
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas - vol. 3
113
objetivo de formar capital humano, ainda que esse intuito em si mereça ser
confrontado, pelo seu caráter ideológico e falseador da realidade (Frigotto,
).Não nos enganemos, não é amor à Escola do Trabalho. É um movi-
mento político de acomodação social e de exploração de mão de obra jovem
(Nosella, 2011, p. 1053).
O m, o objetivo, é a precarização da qualidade dessa formação,
para formar prossionais de segunda categoria e pouco qualicados, in-
viabilizando a contribuição da escola para elevar a economia brasileira ao
patamar de maior competitividade econômica.
Tomando Gentili (1996b) como referência, devemos lembrar que
é no próprio mercado de trabalho que se produzem as desigualdades, não
podendo a educação reverter aquilo que se estrutura externamente a ela.
Ainda que a educação possa contribuir no sentido de aumentar a empre-
gabilidade, é na própria dinâmica do mercado que se dene o sucesso ou
o insucesso dos jovens à procura de um emprego. Responsabilizar a escola
pelo alto desemprego juvenil, o qual, segundo o IBGE, alcançou no Brasil,
entre os jovens de 18 a 24 anos, o índice de 18% em 2022, é mais uma das
meias verdades instauradas como verdades inquestionáveis.
A reforma, em nenhum sentido, aponta para uma melhoria da qua-
lidade do Ensino Médio. Muito pelo contrário, não encontramos, em ne-
nhuma das medidas tomadas, qualquer indício de que a escola se tornará
mais atrativa para os alunos e passará a cumprir o previsto na LDB.
Tanto no referente à formação dos alunos, quanto no exercício do
trabalho docente, identicamos um intenso e profundo processo de pre-
carização, o qual, articulado a outros retrocessos impostos pelo governo
Temer (2016 – 2018), constituem a rearmação dos interesses do capital,
só possível de seguir adiante através de uma profunda e intensa propagan-
da. Para tanto, as estratégias midiáticas em torno da reforma do Ensino
Médio, bem como outras intervenções da grande imprensa apoiando e
legitimando outras reformas impostas pelo governo mostraram-se funda-
mentais na efetivação de uma nova pedagogia da hegemonia do capital e
das elites brasileiras.
Henrique Tahan Novaes, Domingos Leite Lima Filho e José Deribaldo Gomes dos Santos (Org.)
114
A nova pedagogia busca silenciar os discursos estruturados a partir
da denúncia da desigualdade de classe. Exalta-se o individualismo, a com-
petição, a meritocracia, secundarizando-se o papel do Estado enquanto
garantidor dos direitos sociais. Constitui uma perspectiva de cidadania,
cuja caraterística central é a capacidade de consumir, e obscurece qualquer
perspectiva coletiva questionadora da ordem burguesa.
Para consolidar a retórica reformista, foi fundamental o silenciamen-
to do pensamento divergente e o apoio da mídia. Ao dar total apoio às
propostas do governo Temer, entre as quais a reforma do Ensino Médio,
a grande imprensa rearmou princípios do liberalismo, objetivando “[...]
construir uma consciência política que não permita ao indivíduo entender sua
real função social no mundo a partir da sua posição nas relações de produção
(Sanfelice, 2011, p. 115). Ou seja, mostrou-se como um agente importan-
te na materialização de uma pedagogia estruturada a partir da desigualdade
social e da armação da reprodução do capital em escala ampliada.
Essa pedagogia solidica ideias, valores e práticas voltadas à manu-
tenção das desigualdades sociais. Seu enfrentamento demanda o compro-
misso ético e político de denunciar e desconstruir as suas meias verdades,
para que tenhamos uma escola de Ensino Médio voltada aos interesses
da maioria da população e não aos interesses da desconstrução da escola
pública. Perseguir esse desao implica defender não só uma escola pública
e democrática, mas também com qualidade, para construirmos, como nos
alertou Gentili (1996b), uma hegemonia que sustente, nos planos material
e cultural, uma sociedade democrática e igualitária.
Concluindo, retornamos à nossa tese de que a despeito do discurso
corrente de necessidade de um trabalhador com maior nível de qualica-
ção e de escolarização, tem se mostrado funcional ao capital uma escola
pública persistente em distribuir desigualmente o conhecimento historica-
mente produzido.
Podemos resumir a nossa posição com a armação de que a má qua-
lidade da educação básica no Brasil e o perl das políticas públicas volta-
das para a juventude, executadas desde o governo FHC e ampliadas nos
governos Lula e Dilma, compõem um quadro sócio-formativo funcional
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas - vol. 3
115
ao processo de reprodução do capital, particularmente no concernente à
formação de uma mão-de-obra capaz de adequar-se subjetiva e funcional-
mente aos postos de trabalho precarizados.
consIderações fInaIs
Em princípio a educação prossional é fundamental para o desen-
volvimento econômico de qualquer nação. Sua oferta se congura como
obrigação estatal de assegurar às pessoas, de todas as idades, a possibilida-
de de iniciarem ou ampliarem seu processo formativo e adquirirem co-
nhecimentos que os possibilitem uma melhor condição socioeconômica.
No entanto, quando pensamos a educação prossional para os jovens que
ainda estão na educação básica, devemos ter a clareza que este período de
vida deve ser visto como propiciador do acesso a conhecimentos que sejam
úteis e fundamentais ao melhor enfrentamento dos desaos próprios da
juventude e aos desaos de sua condição social especíca. Não é adequado
associar esta modalidade à solução de problemas que se estruturam no
âmbito da economia, do projeto desenvolvimento, e nem como estratégia
compensatória.
A inserção no mercado de trabalho tem uma implicação direta na
continuidade do processo de escolarização e de qualicação prossional ju-
venil. Como para a maioria dos jovens mais pobres, a passagem pela educa-
ção básica é praticamente o único momento de adquirir os conhecimentos
minimamente demandados pelo mercado de trabalho, qualquer movimen-
to de restrição do acesso ao conhecimento escolar amplia a desigualdade
social. Nesse sentido, a contrarreforma do ensino médio mostra-se, ao con-
trário do propagandeado pelo governo federal, como acentuadora do aces-
so a empregos precarizados. Precarização que se intensica com as medidas
tomadas pelo governo Temer, de cunho neoliberal, voltadas à exibilização
dos direitos trabalhistas.
Se no âmbito do Ensino Médio ainda temos muito a caminhar no
sentido de construir uma escola de qualidade, democrática e comprome-
Henrique Tahan Novaes, Domingos Leite Lima Filho e José Deribaldo Gomes dos Santos (Org.)
116
tida com os interesses dos educandos, não podemos deixar de reconhecer
que os debates produzidos em torno da integração do ensino médio com
a educação prossional foram importantes para elaboração da crítica mo-
delos de formação prossional extremamente empobrecidos e incapazes
de proporcionar uma formação aos educandos submissa aos interesses de
reprodução do capital (Frigotto; Ciavatta; Ramos, 2005).
Não queremos dizer que no âmbito da sociedade capitalista, pos-
samos edicar práticas formativas que não estejam de alguma forma in-
uenciadas pela lógica do capital, mas entendemos ser possível formular
ações pedagógicas e materializar ações de formação prossional direciona-
das para desenvolver sujeitos ativos na sua relação com o mundo. Como
destacaram Bernardim e Silva (2016, p. 230):
A Educação Prossional pode, portanto, ser tanto funcional ao
sistema produtivo como abrir aos estudantes novos horizontes
de vida e trabalho quando amplia a compreensão da realidade
sócio-histórica. Isso vai depender das condições em que esse
trabalho é realizado e de um conjunto de fatores associados ao ato
formativo, como a aderência dos estudantes à proposta de inserção
social subordinada à lógica da sociedade capitalista ou, por outro
lado, o vislumbre do caráter revolucionário e da possibilidade
de individuação do sujeito social na construção de uma nova
organização coletiva, mais humana e justa.
Entendermos que as políticas de formação prossional devem ser
vistas também como políticas de juventude. Neste sentido, nos colocamos
como críticos às políticas de ampliação da oferta de educação prossional
que não se mobilizam no sentido de garantir aos estudantes mais pobres
uma sólida formação cientíca.
Temos a compreensão que diante da necessidade de muitos jovens
ingressarem precocemente no mercado de trabalho, a formação prossional
ainda na educação básica se coloca como uma mediação possível para este
ingresso não ocorrer de forma precarizada. Desta forma, defendemos que
se ocorrer a ampliação sistemática da oferta de educação prossional para
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas - vol. 3
117
os jovens do ensino médio, entendemos que o ensino médio integrado se
traduz na melhor forma de oferta, uma vez que seus princípios têm como
objetivo a formação integral da juventude e a busca do asseguramento dos
conhecimentos indispensáveis à construção da autonomia e da intervenção
crítica na realidade, que tanto precisa ser transformada.
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121
5
Buscar caminhos enquanto os
ricos ainda envelhecem: o desao
de pensar a Educação Prossional
diante da emergência climática do
século XXI
Alexandre Maia do Bomm
Introdução
我們不能回復正常因為原來的正常 就是問題所在 [Não
podemos voltar ao normal, porque o que era normal era
exatamente o problema] (Grato encontrado em várias partes no
mundo durante a pandemia da Covid-19, sendo provavelmente o
primeiro em Hong Kong).
Algo atribuído frequentemente a quem trabalha com a questão am-
biental é que são pessoas possivelmente alarmistas. Mas, seremos de fato?
https://doi.org/10.36311/2024.978-65-5954-526-1.p121-148
Henrique Tahan Novaes, Domingos Leite Lima Filho e José Deribaldo Gomes dos Santos (Org.)
122
Como avaliar isso? E como isso ocorre dentro da educação? Devemos levar
nosso alerta ambiental à educação, mas de que maneira? E considerando a
área de Trabalho e Educação, como fazer isso criticamente?
Então, há um bom tempo estamos fazendo reexões1 que constitui-
riam uma educação ambiental efetivamente crítica. Para isso, trouxemos
sobretudo o cipoal teórico metodológico da losoa da práxis2 à questão
ambiental, essa losoa que sempre esteve fortemente presente na área de
Trabalho e Educação (TE). Tivemos que adjetivar a Educação Ambiental
(EA), porque precisávamos distingui-la de “outras” educações ambientais,
especialmente as que estão hegemonicamente postas pelo sistema do capi-
tal (Mészáros, 2002) ou simplesmente porque se mostraram conciliatórias.
A nossa, portanto, é a “Educação Ambiental Crítica” (EA-Crítica), nosso
lugar de estudo, de pesquisa e de militância. Acho que vale tentar uma
denição no parágrafo abaixo.
Nossa Educação Ambiental é, antes de tudo, crítica ao sistema do
capital, porque não consegue ver solução para o meio ambiente sob esse
modo de produção; não aceita nem a possibilidade de conciliação porque
vê nessa situação apenas adiamento do agravamento do problema. Nossa
EA-Crítica tem como pressuposto a luta de classes para entender a degra-
dação ambiental, por conta disso, busca apreender a realidade a partir dos
conitos socioambientais, pressupondo inclusive que eles existem inde-
pendemente de um dos lados conseguir enxergar ou não os antagonismos.
Na verdade, uma das tarefas da EA-Crítica é revelar o conito socioam-
biental não evidente. Nossa EA-critica não compactua com a proposta de
Desenvolvimento Sustentável (DS), porque entende esse caminho como
sendo um paliativo posto por parte do sistema do capital. Nossa EA acaba
se aproximando de teorias críticas, especialmente do materialismo-histó-
rico-dialético porque convergem na reexão e ação contra o capitalismo.
Ou melhor ainda, foi o materialismo-histórico-dialético que perpetrou a
crítica” em nossa EA. Nossa EA-crítica é interessada nas questões políti-
cas, econômicas e sociais, porque se constitui humanista, quer dizer, não se
reduz ao biocentrismo, contudo também não é antropocêntrica.
Cf. Bomm (2011, 2021, 2022) e Bomm e Piccolo (2011).
Cf. Konder (1992).
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas - vol. 3
123
Dessa forma, a convergência entre essa EA-crítica com o que a área
de TE vem nos dizendo há décadas era inevitável, sendo isso que preten-
demos continuar desenvolvendo aqui. Há muitos autores que já vinham
fazendo essa convergência (Lowy, 2005; Lowy, 2013; Trein, 2022) que se
inicia com a não aceitação da educação capitalista como solução à socie-
dade, especialmente porque não é uma educação favorável à classe traba-
lhadora. Em última instância, se não há saída para classe trabalhadora no
sistema do capital, também não há para a natureza. Além dos pressupostos
convergentes que ocorrem teórico-politicamente entre as duas áreas, outros
itens puderam se aproximar ainda mais com a reexão e com a militância.
Enquanto os lósofos da práxis ligados à área de Trabalho e Educação mos-
traram que uma educação reprodutora não serve e a educação omnilateral
é o horizonte, os lósofos da práxis da EA-crítica mostraram que a temá-
tica ambiental não é secundária, porque, embora não seja contradição de
primeira ordem para o sistema do capital, é contradição para a humanida-
de. E esse detalhe nal é importante ressaltarmos. O sistema do capital tem
a exploração do trabalho como sendo sua grande contradição, porque para
sua própria sobrevivência precisa explorar trabalho, ou seja, sugar-lhe tudo
que possível, mas não pode extingui-lo. O capital explora o trabalho, este
quem de fato gera toda riqueza, mas precisa fazê-lo até certo ponto, porque
tem relação de dependência. Isso explica também por que o capital precisa
conrmar sua alienação concreta através do Estado, através da educação,
da mídia e por meio de todos os aparelhos que estiver em mãos. Nesse
lugar, o capitalismo por vezes pode até ter que fazer concessões, dar alívios
provisórios à classe trabalhadora. Não obstante, nos parece que em relação
ao meio ambiente isso não vem com o mesmo empenho, não tem como
ocorrer de fato. O sistema do capital não recua em relação à degradação
da natureza. Mesmo num governo progressista, se tiver que fazer a Usina
de Belo Monte, dará um jeito para isso, da mesma forma que mais cedo
ou mais tarde o Ibama dará a licença necessária para extração do petróleo
na margem equatorial do Amazonas... Talvez aí, os lósofos da práxis da
EA-crítica possam nos mostrar cada vez mais a solidez de seus argumentos,
assentados nos efeitos catastrócos ocasionados por esse sistema. Esse siste-
ma que na mesma proporção que engendra as catástrofes se mantém inep-
to para tomar decisões proláticas que pudessem impedir as consequências
Henrique Tahan Novaes, Domingos Leite Lima Filho e José Deribaldo Gomes dos Santos (Org.)
124
ou que pudessem recuperar de fato o que degradou. O sistema do capital
não tem essa vocação. As características do capitalismo tendem ao colapso
humano e ambiental. Neste momento, vamos experimentando os ashes
desse futuro perigoso, não se trata de uma leitura pessimista ou alarmista.
O que foi obter o mês de setembro mais quente registrado na história em
20233? O que foi a tragédia da pandemia da Covid-19 que estourou em
2020? A pandemia da Covid-19 não possuiria aspectos ambientais para se-
rem considerados e que podem ter sido agravados pelo sistema do capital?
Posto isso, o que queremos reetir neste capítulo é esse encontro
entre a Educação Ambiental com a Educação Prossional (EP), conside-
rando especialmente o que pesquisadores e estudiosos das áreas de TE e da
EA-crítica nos deram, no contexto brasileiro, nos últimos anos. O que essa
EA-crítica tem a dizer à Educação Prossional?
Sobre o título deste texto, pensamos em alguns... Um, viria com um
escopo mais ajustado: “O Encontro entre a Educação Ambiental Crítica e a
área de Trabalho e Educação: o desao de pensar a Educação Prossional
diante da emergência climática do século XXI”. Outro, viria lúdico, diga-
mos assim, possivelmente mais ousado: Rumo ao ecossocialismo: o desao
de pensar a Educação Prossional diante da emergência climática do sé-
culo XXI”. No meio do caminho, ainda tínhamos esse: “Buscar caminhos
enquanto os ricos ainda morrem: o desao de pensar a Educação Prossional
diante da emergência climática do século XXI”, porque queríamos nos
impor uma reexão sobre o esgarçamento da sociedade capitalista, sobre
denunciar o fracasso de seu projeto que em algum momento se supôs ci-
vilizatório, sobre apontar suas próprias irracionalidades. Nossa hipótese-
-de-trabalho é que o sistema do capital é incapaz de reverter o caminho
degradador da natureza e que chegará em breve a mais episódios de ameaça
contundente à humanidade, que a desigualdade exorbitante que vai sendo
ampliada com seu modo de produção não sustenta o argumento da razo-
abilidade. A nossa ironia, com o título, seria tentar mostrar que mesmo
diante desse limite nal, que todo ser vivo possui, que é a morte, não tem
sido suciente para frear uma das características humanas que esse sistema
inaciona: a ganância. No m das contas, camos com: “Buscar caminhos
Cf. Jornal Nacional (2023) e Yazbek (2023).
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas - vol. 3
125
enquanto os ricos ainda envelhecem: o desao de pensar a Educação
Prossional diante da emergência climática do século XXI”, porque
nosso intuito maior é mostrar a que níveis de irracionalidades chegamos,
mostrar que o suposto projeto civilizatório do capitalismo (em que nun-
ca acreditamos) chegou a várias incongruências. Além do mais, dizer que
queremos alterar alguma coisa enquanto “os ricos ainda envelhecem” pode
ser mais cauteloso para uma reexão dentro da Educação, do que propor
algo enquanto “os ricos não morrem”, para que não haja mal-entendidos,
como parecer insuar (considerando a luta de classes) alguma ameaça aos
mais abastados. Em se tratando do lugar que reetimos, como também o
que queremos de fato construir, não tomamos “o quanto pior, melhor”
para as mudanças políticas de uma sociedade, mesmo reconhecendo que é
uma possibilidade para alguns grupos. Desejamos, apesar de tudo, sempre
corajosamente fazer uma reexão-ação pacista.
Já dissemos acima que a EA que queremos levar ao encontro com
a EP é humanista, considera o político, o econômico, o social e – vale
acrescentar agora – o losóco. Precisamos reivindicar “a atitude de pen-
sar” (como nos propunha Ana Arendt), colocar inclusive esse pensar como
necessário e urgente. Um pensar que se avolume, consiga se estruturar e
queira o bem. “Querer o bem” não é um sosma, nem se trata de romantis-
mo, é uma proposta de encaminhamento, um caminho de reexão. Antes
disso, o caminho é trazer a materialidade para evidenciar os limites, para
mostrar a própria irracionalidade que vai se impondo. Por isso, o título
inusitado, como não estranhar que seres que envelhecem em tão pouco
tempo (os que conseguem) queiram aprisionar o futuro dessa forma, pior,
acabem imprimindo marcas nocivas ao planeta de maneira perene enquan-
to eles próprios não são... Marcas nocivas porque acumulam vorazmente,
submetem tudo e todos para garantir esse acúmulo. E fazem isso com essa
expectativa de vida curta, imaginemos o que farão quando começarem a
morrer mais tardiamente ou mesmo quando(se) começarem a não morrer.
Melhor fazermos a revolução enquanto os ricos ainda podem estar sen-
síveis a esse limite... O que serão capazes de fazer contra os que nada ou
pouco possuem para se manterem sentados (como a gura Tio Patinhas)
sobre suas montanhas de riquezas?
Henrique Tahan Novaes, Domingos Leite Lima Filho e José Deribaldo Gomes dos Santos (Org.)
126
a emergêncIa clImátIca e suas ImPlIcações aos humanos
Então, não são poucos os estudos que já zemos4 sobre o encontro
entre TE e a EA-Crítica, mas, ainda que seja esse nosso pano-de-fundo,
o que vamos tratar aqui é de um tema especíco: a emergência climática.
Emergência climática é a constatação de que já vivemos as mudanças cli-
máticas de grandes proporções, de extensão planetária, em que se observa
aumento de temperatura de maneira geral, em que vemos maior frequ-
ência de eventos extremos (como recordes pluviométricos, ondas de calor,
como também períodos de frio excessivo, de seca prolongada, inundações
de rios etc.), que descaracteriza o tempo e o microclima das regiões, reti-
ra inclusive a própria identidade das estações do ano, impõe maior im-
previsibilidade aos meteorologistas. Emergência Climática é a percepção
de que os problemas ligados ao ambiente impuseram alterações ao clima,
impuseram-nos nessa fase de experimentação com iminência de haver um
agravamento se nada for feito. Estamos na sala de emergência agora, con-
rmando diagnósticos e vendo que atitudes tomar. Eis a questão: o que
vamos fazer?
No mesmo momento que fazemos esta reexão, ocorria no Brasil
eventos climáticos ambientais que valem ser destacados:
Manaus registra a terceira maior seca da história da capital, nesta
sexta-feira (13). Com o Rio Negro em 13,91 metros, a cidade está
a 28 centímetros da vazante histórica, registrada em 2010, quando
o rio chegou a descer para 13,63 metros. [13/10/2023] (Monteiro,
2023a).
Curitiba registrou, até o meio da tarde desta quinta-feira (12),
um acumulado de 280,4 mm de chuva somente em outubro. O
montante quebrou o recorde histórico de chuva dos últimos 26
anos, de acordo com o Sistema Meteorológico do Paraná (Simepar).
[12/10/2023] (G1, 2023a).
Bomm (2010, 2011a, 2011b); Bomm; Piccolo (2011).
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas - vol. 3
127
Acima, vemos duas reportagens bem curiosas de datas bem próximas:
a primeira, trata de uma seca histórica em Manaus em outubro de 2023; a
segunda, uma enchente no Sul, igualmente histórica e no mesmo mês. Isso
deve ligar um botão de emergência? Não. Não se precisaria ligar nenhum
botão de emergência ao considerar o evento histórico, porque recordes serão
quebrados e mais, se um evento já foi mais forte no passado, por que haveria
uma expectativa que não repetisse? Não é isso que deve nos aigir. Não obs-
tante, olhemos mais essas duas reportagens abaixo sobre as mesmas regiões,
referentes a alguns meses antes dos eventos que trouxemos acima.
O Rio Negro atingiu a cota de inundação nesta semana, em
Manaus. Nesta sexta-feira (12), o nível está em 27,58 metros. Falta
menos de 1 metro para o rio atingir a previsão de cheia, que para
2023 é de 28,51 metros. Entenda como esses níveis inuenciam a
subida das águas na capital. [12/05/2023] (Monteiro, 2023c).
Mais de 200 municípios do Rio Grande do Sul estão em situação
de emergência devido à estiagem. Terra seca, campo sem pasto,
açudes e rios sem água. O gado criado solto em Uruguaiana, na
fronteira com a argentina, sofre. Nesta semana, dez já morreram de
sede e fome. [04/02/2023] (G1, 2023b).
Quer dizer, a mesma região Norte que vivia em maio de 2023 uma
inundação muito signicativa, obtém uma seca histórica cinco meses de-
pois; a mesma região Sul que encarava uma estiagem de longa data até feve-
reiro de 2023, obtém oito meses depois enchentes com raríssimas situações
semelhantes ao longo do tempo. Mas, tudo bem, continuemos sem ligar o
botão de emergência, mesmo porque esses fenômenos ainda podem obter
explicações dentro de certa “normalidade climática”, caso consideremos,
por exemplo, uma linha de tempo mais alongada ou mesmo fenômenos
que reaparecem com alguma regularidade que poderiam ser as causas des-
ses eventos extremos, como La Niña ou El Niño5. Ainda assim, é possível
Na própria reportagem sobre a estiagem no sul (G1, 2023b) menciona a “La Niña” como possível
responsável: “Fenômeno La Niña no estado aumenta as temperaturas e reduz as chuvas, e o impacto nas
lavouras já chega a 70% de prejuízo, com perda de R$ 6 bilhões na safra de verão”. Assim, como para
explicar a seca no Norte e chuvas em setembro e outubro de2023 se recorre ao fenômeno El Niño: “Nas
últimas semanas, muitos brasileiros viram os termômetros das cidades atingirem marcas recordes acima de 40ºC
Henrique Tahan Novaes, Domingos Leite Lima Filho e José Deribaldo Gomes dos Santos (Org.)
128
observar a fragilidade ecossistêmica dessas regiões. Por que esses impactos
estão sendo percebidos como severos se seriam ciclos normais que estão
passando? Chama atenção o bioma amazônico, como pode estar passan-
do por uma estiagem tão severa se menos de cinco meses antes estava em
cheias signicativas? Como uma oresta ainda tão exuberante não conse-
gue reter água suciente para o restante do ano? Enm, como não que-
remos hipostasiar a questão, como nosso estudo não passa por aí, porque
não é nosso escopo e nem possuímos expertise para isso, continuemos nas
informações que problematizam se devemos ou não considerar esses mo-
mentos como sendo de emergência. A seguir, uma informação importante
para avaliarmos esse período que vamos observando agora:
O planeta Terra teve em 2023 o mês de setembro mais quente da
história. Foi o maior salto de temperatura de todos os tempos. A
média global superou o recorde anterior em 0,5º C, uma margem
muito acima da esperada por cientistas. A temperatura do planeta
em setembro cou 1,8º C acima dos níveis pré-industriais.
[05/10/2023] (G1, 2023c).
E agora? Agora temos uma informação mais emblemática. Como
não ligar o botão de emergência diante do mês de setembro mais quente da
história? E como não ligar esse dado aos eventos climáticos extremos desse
ano de 2023? Por incrível que pareça ainda há espaço para o negacionismo.
Sigamos para ver até onde isso pode ir. Obter um mês especíco como o
mais quente da história, ainda que seja uma quebra de recorde, é uma pos-
sibilidade estatística que pode ocorrer, a qualquer momento, desde o início
das marcações. E a segunda discussão é avaliar o quanto esses fenômenos
de aquecimento e de mudanças climáticas são ou não, de fato, antrópicos.
Caso obter o mês de setembro mais quente da história não seja su-
ciente para o alerta, como camos diante da informação que os meses de
julho a agosto de 2023 também foram:
por causa de uma onda de calor escaldante. No Rio Grande do Sul, temporais inundaram centenas de municípios.
O Amazonas pede por água diante de uma das secas mais severas do Rio Negro.Anal, por que cada região do
país está enfrentando situações climáticas diferentes? O que está acontecendo é explicado pelos efeitos do fenômeno
El Niño” (Pimentel, 2023).
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas - vol. 3
129
O planeta registrou nos últimos três meses uma série de eventos
climáticos extremos, como ondas de calor, incêndios e inundações,
que se tornaram mais frequentes e intensos devido ao aquecimento
global. Julho e agosto de 2023 foram os meses mais quentes
já registrados no planeta, segundo o Observatório Europeu
Copernicus (EMS), para o qual 2023 provavelmente será o ano
mais quente da História. [06/09/2023] (O Globo, 2023a).
Claro que um dos anos, desde que começamos os registros, terá que
ser o mais quente da história. Não obstante, no mínimo precisamos achar
curioso que os anos mais quentes da história tenham ocorrido nos anos
após 2015, ou seja, são recentes:
Os dados do serviço europeu indicam que os oito anos mais quentes
já documentados aconteceram de 2014 para cá. A margem de
diferença entre os recordistas, inclusive, está cada vez mais apertada.
Até agora, o ranking é liderado por 2016, seguido respectivamente
de 2020, 2019 e 2017. [10/01/2023] (Miranda, 2023).
Parece que agora é possível apertar o alerta, não? Mesmo porque, os
anos mais quentes não estão distribuídos ao longo da série histórica, mas
estão se concentrando nas datas mais recentes. Esse fato parece ser muito
expressivo. Por incrível que pareça, ainda é possível encontrar negacionistas
nesse momento da argumentação. Alguns negacionistas consideram que as
Estações Meteorológicas (EM) ao longo do tempo assistiram a alteração do
contexto em que foram instaladas, o que poderia explicar os aumentos de
temperatura mais recentes. As Estações Meteorológicas (equipamentos que
podem medir temperatura, vento, chuvas, pressão atmosférica e radiação)
realmente podem ter assistido seu entorno alterar. Elas que poderiam ter
sido instaladas em regiões distantes de uma área urbana, podem ter visto a
pavimentação e outras alterações ocorrer ao seu lado, o que explicaria au-
mento da temperatura local. Ou seja, num balanço geral poderíamos não
estar passando por um aquecimento global, mas somente por um aumento
Henrique Tahan Novaes, Domingos Leite Lima Filho e José Deribaldo Gomes dos Santos (Org.)
130
da média porque algumas EM se viram localmente em espaços mais quen-
tes. Mesmo assim, podemos estabelecer mais questões para esses supostos
negacionistas resistentes. Ainda que as EM estejam sendo inuenciadas
pelas alterações essencialmente locais, tem como desconsiderar o aumento
médio geral delas? E por que mesmo com a ampliação e diversicação das
EM, mesmo considerando suas instalações em espaços mais amenos, con-
tinuamos a ver registros gerais de aumento de temperatura?
Além disso, mesmo que não fosse global o problema do aquecimento
ou das mudanças climáticas, por exemplo, não valeria a preocupação local,
considerando nossos microclimas, nossas instalações e modo de reproduzir
a vida dentro dos biomas que fazemos parte? Mesmo que se desassociasse
as queimadas do Cerrado brasileiro com o aumento de temperatura na
Antártica, tem como não achar assustador a nuvem de fuligem que veio
da Amazônia que escureceu São Paulo6? Essa nuvem que atravessou um
continente não nos parece pouco... Por m, mesmo que tudo isso que
ocorre a nível planetário não seja diretamente determinado pelas atividades
humanas, mesmo que fenômenos da natureza sejam mais decisivos, como
as cinzas que expelem os vulcões, o sequestro ou liberação do gás carbônico
realizado pelos oceanos, as erupções solares ou os interstícios entre as era
glaciais, devemos como seres supostamente inteligentes desistir de avaliar
nossa participação? E mesmo que a ação antrópica não seja protagonista, o
ser humano não deveria se responsabilizar e agir exatamente no movimen-
to oposto a um processo que deixa o nosso planeta mais inóspito a nossa
espécie? Vale a pena sustentar um modo de produção tão imprudente eco-
logicamente como tem sido o sistema do capital?
da PrudêncIa ecológIca à luta ecológIca: uma ProPosta de rever
desenvolução cIentífIca-tecnológIca
Já zemos alguns estudos em que nos posicionamos criticamente à
ideia de “Desenvolvimento Sustentável” (DS), já vimos que essa proposta
é conciliatória com o Sistema do Capital, que não é somente uma disputa
Cf. G1 (2019).
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas - vol. 3
131
por termos porque se trata de uma expressão essencialmente economicista
(que não faz menção ao ambiente, à ecologia ou algo próximo). Embora
reconheçamos a positividade da palavra “desenvolver”, o termo DS tem
contribuído muito para que o Sistema do Capital encontre seu álibi para:
desmatar a favor da agricultura; escavar o solo, destruir cenários e poluir
as águas pela mineração; expulsar populações originárias para ocupar de
outra forma; submeter fauna e ora justicando que é pela segurança ali-
mentar etc. Não é possível conciliar desenvolvimento com preservação ou
conservação ambiental? Não! No capitalismo não tem sido possível. Essa é
a nossa resposta porque vemos que não tem sido possível desenvolver sem
degradação pelos parâmetros que possuímos hoje na sociedade capitalista.
Ao ponto de dizer que nem é necessário distinguir “conservação” de “pre-
servação7, nenhum dos dois podem ocorrer de fato no modo de produção
que temos hoje. Apesar disso, é possível levantar uma proposta para além
da “prudência ecológica”?
E o que seria a prudência ecológica? A “prudência ecológica” cos-
tuma ser um dos pilares do Desenvolvimento Sustentável (DS), a parte
que propõe algum tipo de freio ao sistema do capital, mas que geralmen-
te se torna secundário, pois é a parte mais negligenciada. O capitalismo
não pretende ser prudente. Comumente ao conceito de Desenvolvimento
Sustentável é posto um tripé que o explicaria: eciência econômica, justiça
social e prudência ecológica. Então, é visivelmente fácil de observar que a
justiça social nunca foi e nunca será propósito do capitalismo. Pode esque-
Ainda assim, em nota, vamos distinguir... Vamos com uma boa denição que encontramos, de Haide
Sousa: “[...] Preservação é manter a natureza intocável, promovendo ações que garantem a manutenção das
características próprias do ambiente e as interações entre os seus componentes, como por exemplo, orestas em
que o homem não pode desmatar, caçar ou fazer qualquer alteração. Já a conservação, tem haver [sic] com uso
sustentável da natureza, um sistema exível ou um conjunto de diretrizes planejadas para o manejo de utilização
sustentada dos recursos naturais, como por exemplo, reservas extrativistas onde comunidades locais tradicionais
podem explorar os recursos naturais de forma sustentável. Os dois conceitos são muito importantes, pois tanto
preservar quanto conservar são necessários para a manutenção das riquezas naturais do nosso planeta, de forma que
ele continue habitável por muitas gerações! [...] [cf.https://portais.ufma.br/PortalUnidade/ufmasustentavel/
paginas/noticias/noticia.jsf?id=52999]. Comumente encontramos vieses pouco avançados para as duas
denições, vamos destacar dois, um para cada. “Preservar” muitas vezes vem com a ideia inapropriada de
que é possível existir partes da natureza que podem e as queremos intocáveis. Na verdade, sendo o homem
um ser natural tanto leva a natureza em si mesmo, quanto não há lugar que a sua inuência, por conta de
seu interesse, não se faça presente direta ou indiretamente. E “conservar”, apesar de ser algo que faz mais
sentido porque considera o impacto do homem, torna-se limitado quando em algumas ocasiões propõe
limitar a ação e reexão ao que é sustentável, no caso, é restringe-se à situação de não comprometer o futuro
quando seria possível ousar mais.
Henrique Tahan Novaes, Domingos Leite Lima Filho e José Deribaldo Gomes dos Santos (Org.)
132
cer! Eciência econômica é o que mais se deseja, mas e a prudência eco-
lógica? O que argumentamos aqui é que isso é uma aporia, que eciência
econômica não é somente inconciliável com justiça social, como também é
em relação à prudência ecológica. Se o primeiro entra, os outros dois saem,
pois é uma relação trade-o no sistema do capital.
Destarte, DS que para nós é um paliativo, considerando tudo que
vamos argumentando. Insistimos: não é possível uma solução à questão
ambiental dentro do sistema do capital. Mas, o que nos restaria fazer den-
tro do capitalismo? Inevitavelmente, pensando até numa travessia, pode-
mos perseguir o que é negligenciado: a justiça social e a prudência ecoló-
gica. O desao se alia a pensar numa transformação para outro modo de
produção sem optarmos pelo “quanto pior, melhor”.
Com a ansiedade controlada, vale entender que diagnosticar o pro-
blema é o primeiro passo para seguirmos. E mesmo que não tenhamos
clareza da solução, é um imperativo hipotético que ela existe. Solução imi-
nente virá da materialidade, de sua leitura e releitura, do anseio de buscar
e experimentar caminhos. Solução não deverá vir do insight de uma só
pessoa, mas do agir do coletivo, nas reviravoltas das classes dominadas, nas
resiliências, mas sobretudo nas reações contra-hegemônicas dos que mais
sofrem. Por muitas vezes, isso poderá não vir da luta mais estridente, mas
sempre do desvelamento do que está injusto, incorreto ou insuciente.
Quando propomos ter “prudência ecológica” pode ser na verdade o que é
possível fazer, até o momento que o conhecimento chegue para revelar as
lutas que precisam ser travadas. Não é fácil dentro da educação travar as
lutas mais decisivas, mas, parafraseando Paulo Freire, será através dela que
vamos vislumbrar onde deverão ocorrer. Por aí que propomos a “prudência
ecológica”. Vale garantir que nunca se tratará de uma conciliação com o
sistema do capital, mas talvez a construção de um caminho que nos levará
aos adversários do meio ambiente e dos trabalhadores.
Feito esse preâmbulo, entendemos que “prudência ecológica” é toda
ação que precisamos obter para reprodução de nossas vidas, consideran-
do os aspectos materiais e imateriais, sem perder de vista o propósito de
melhorar a relação com o ambiente, buscando a diminuição dos impactos
nocivos que desconguram ecossistemas, que agridem excessivamente a
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas - vol. 3
133
natureza com seus seres vivos e não-vivos. No m das contas, é a compre-
ensão ampla de trabalho humano reconectado à natureza.
Assim, chegamos que toda a atividade humana, ou seja, o trabalho,
e toda sua relação com a educação, no caso, a formação para o trabalho,
precisam imprescindivelmente ver de que maneira se relacionam com a
natureza, procurando efetivamente se constituírem menos agressivos, no
m, mais cautelosos. Quer dizer, haverá luta, porque da mesma forma
para quem busca justiça ambiental, buscar prudência ecológica ainda que
pareça mais tranquilo ou até pacista, com certeza não será bem recebido
pelos defensores do capitalismo, no m das contas.
Se vamos seguir com essa “luta ecológica”, será que podemos in-
uenciar o desenvolvimento cientíco-tecnológico? Dentro do capitalis-
mo será muito difícil, mas partindo com essa ideia de que se trata de uma
luta, talvez possa ajudar bastante. Preferimos inclusive começar chamando
de “desenvolução cientíca-tecnológica” e não desenvolvimento, porque,
quem sabe, com a essa palavra feminina não conseguirmos diminuir a ob-
sessão que o capitalismo possui por desenvolvimentismo econômico para
imprimir uma marca mais favorável ao meio ambiente.
E para terminar essa seção, uma notícia mais do que emblemática:
O Rio Negro atingiu nesta segunda-feira, 16, o mais baixo nível já
registrado em Manaus, a capital do Amazonas. O índice medido
às 5h40 apontou cota de 13,59 metros, superando em quatro
centímetros a maior seca histórica anterior, registrada em 2010, de
13,63 metros. Em um dia, o Negro, que forma com o Solimões o
Rio Amazonas, baixou mais de dez centímetros, reduzindo a vazão
em um ritmo sem precedentes. Desde sábado, 14, a redução foi de
32 centímetros. [17/10/2023] (Exame, 2023).
Se a maior vazante do Rio Negro entre todos os registros da história,
em 121 anos, não é suciente para ligarmos o alerta de emergência, que
mais eventos precisamos observar para ligar? Quando falamos em emer-
gência é a situação que vai se tornando visível e grave, mas que ainda tem
Henrique Tahan Novaes, Domingos Leite Lima Filho e José Deribaldo Gomes dos Santos (Org.)
134
reversão. Ambientalistas possuem estudos que nos propõem a considerar o
ponto de não retorno8, muitos ecossistemas já enfrentaram isso, vamos
esperar que os biomas da atualidade, alguns já remanescentes, também
possam encontrar seus pontos de não retorno? Para que isso?
Nos últimos tempos temos visto muitos intelectuais orgânicos liga-
dos a setores estruturais (sejam do setor nanceiro, da mídia, do agronegó-
cio, do capitalismo central) se mobilizando mais para a problemática am-
biental, alguns com sincera sensibilidade frente aos desastres ambientais de
grande proporção, outros porque estão observando as ameaças aos negócios.
Um personagem que representa bem isso, de forma planetária, é o ex-vi-
ce-presidente americano e ex-candidato à presidência dos Estados Unidos,
Albert Arnold Gore Jr. ou simplesmente Al Gore. Al Gore chegou a ga-
nhar o prêmio Nobel da Paz junto com o Painel Intergovernamental sobre
Mudanças Climáticas (IPCC) e isso depois de conquistar o Oscar de 2006
pelo documentário An Incovenient Truth (Uma Verdade Inconveniente). Al
Gore provavelmente é o melhor exemplo até onde o sistema do capital
pode ir, na melhor de suas intenções, com a pauta ambiental. Chega ao
máximo no patamar da conscientização, mas efetivamente não consegue a
materialização de suas ideias, deve ser para eles algo muito frustrante, para
nós é a conrmação de que “capitalismo verde” soa como um oxímoro. No
Brasil, vale destacar três estudiosos que estão debruçando por agora no as-
sunto: Armínio Fraga, Miriam Leitão e João Moreira Salles. Vale dizer que
os três estão, de fato, sensibilizados com o tema, percebem que é a temática
mais importante no devir da sociedade global.
Armínio Fraga Neto, ou só Armínio Fraga, é possivelmente o maior
exemplo de quadro que o sistema do capital pode formar, como também é
emblemático, especialmente por se brasileiro (ainda que com a dupla na-
cionalidade, sendo também americano), carioca, latino-americano. Fraga
Neto é a própria representação do que seja um intelectual orgânico do
sistema, aqui estamos procurando fazer essa apresentação sem nenhuma
“O desmatamento pode estar levando a Floresta Amazônica para uma situação na qual a oresta não
consegue mais se regenerar diante das agressões provocadas pelo homem. Se o ritmo atual de devastação
for mantido (ou aumentar), este “ponto de não retorno” pode chegar já em algum momento entre 15 a
30 anos. O alerta é de um dos principais estudiosos do tema no país, o climatologista Carlos Nobre.(cf.
Shalders, 2019).
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas - vol. 3
135
depreciação. Fraga Neto foi ex-presidente do Banco Central do Brasil na
época do governo de Fernando Henrique, sua trajetória acadêmica vai
de estudante da Puc-Rio até ser professor de assuntos internacionais na
Universidade de Columbia em Nova York. E a cereja do bolo é saber que
Fraga Neto trabalhou fundo de investimentos Soros Fund Management
LLC, negócio do bilionário George Soros9. Fraga Neto mistura o sucesso
como investidor capitalista com a participação efetiva no Estado, procu-
rando sempre dar continuidade de seu pensamento econômico no espaço
político. Não obstante, o que está mais chamando a nossa atenção agora é
a sua guinada para temática ambiental.
Na avaliação de Arminio Fraga, ex-presidente do Banco Central
(BC), já não se pode dizer que há surpresas relacionadas à questão
climática, e o país caminha para um “precipício” caso não sejam
adotadas medidas para lidar com a degradação do meio ambiente.
Segundo Arminio, o gasto público vem aumentando desde a
redemocratização do país, mas, ainda assim, falta prioridade no
melhor uso dos recursos. [16/09/2022] (Costa, 2022).
Não vamos tratar como uma grande contradição por parte de Armínio
Fraga, mesmo que saibamos de todo seu histórico dentro da ortodoxia eco-
nômica, essa guinada à temática ambiental. É possível que o próprio Armínio
Fraga não veja como contradição, talvez veja como conciliável trabalhar
(como sempre o fez) por uma economia rentista (concentradora de rique-
za) com a prudência ecológica. Para nós, parece a mesma contradição que
sempre carregou a sua economia liberal, que em sua história sempre mirou
a concentração de renda enquanto argumentava se era possível conciliar esse
alvo com justiça social. Constituindo-se sempre em retórica.
A Miriam Leitão é uma das mais conhecidas repórteres da televisão
brasileira, comentarista de economia e política, com uma biograa muito
extensa, possui as marcas de ter sido torturada pela ditadura militar, mas
também de ter uma tido leitura econômica excessivamente aliada ao pen-
Cf. https://www.gaveainvest.com.br/empresa/#equipe. Vale conferir também a Introdução do livro “Banco
Central do Brasil” (Fraga Neto, 2019).
Henrique Tahan Novaes, Domingos Leite Lima Filho e José Deribaldo Gomes dos Santos (Org.)
136
samento da maior rede de TV do Brasil, em que trabalha, a Rede Globo.
Dessa maneira, carrega todas as contradições desse percurso, de talvez ter
tido uma leitura negativa por demais enviesada para avaliar os governos
petistas, para depois se vê perseguida e difamada pelos bolsonaristas. Não
obstante, tem o reconhecimento de que é uma grande repórter, defensora
da democracia com posicionamentos típicos da imprensa liberal capita-
lista. Ela também tomou para si o tema ambiental e seu livro lançado em
2023 demonstra isso: “Amazônia na encruzilhada: o poder da destruição e
o tempo das possibilidades”. Vale um trecho de sua introdução:
O mundo também está no momento mais dramático de escolha
sobre a vida humana no planeta. Na nossa Amazônia é travada
uma batalha crucial em torno dessa decisão de vida. A Terra sem
a Amazônia pode ficar inviável para os bilhões de humanos. Em
conversa com cientistas ao longo das últimas duas décadas, fiquei
profundamente convencida disso. Os anos recentes mostraram
como estão certas as pessoas que dizem que a Amazônia nos coloca
e nos tira do mundo. Essa é a encruzilhada. Como repórter e
comentarista da área econômica, o que tenho sido ao longo da vida,
vi a questão ambiental e climática invadir a lógica econômica, e a
economia chegar, aos poucos, aos debates ambientais quando essas
conexões ainda não eram tão evidentes. Por isso quero falar sobre
esse ponto de encontro, onde há muito tempo espero a conciliação
(Leitão, 2023, p. 14).
Trazer a questão ambiental ao encontro da economia é o objetivo
dela. Entendo que é um dos nossos objetivos também. Não obstante, con-
siderando o diálogo que queremos fazer com a Miriam Leitão, eis nossa
questão: “quem transforma quem”? A economia capitalista por onde ela
acumulou reexão servirá como base para entender a problemática am-
biental? Não seria essa economia que nos trouxe aos impasses que vivemos
hoje? E algo que já nos posicionamos contrário a ela, desde o início, a pro-
posta de “conciliação” é o erro, a economia capitalista como se impõe não
quer isso, sempre quis e continuará subordinando o ambiente.
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas - vol. 3
137
E agora, vamos ao nosso terceiro personagem brasileiro: João
Moreira Salles. Colocá-lo como intelectual orgânico da burguesia tem pos-
sibilidade de ser injusto, porque sua trajetória quanto cineasta, roteirista,
escritor, produtor, nanciador de pesquisas cientícas, apoiador da arte,
fundador de jornais e especialmente pelo conteúdo político de suas obras.
João Moreira Salles é alinhado a reexões humanistas e a maior parte delas
podem ser colocadas no que denimos como contra-hegemônicas. Não
obstante, há que algo depõe contra. João pertence a uma das famílias mais
ricas do país, a família Moreira Salles. João Moreira Salles é simplesmente
bilionário. Ele está condenado a ser intelectual orgânico do sistema por
ser bilionário? Então, pedir para que ele abandone tudo e haja como São
Francisco deve ser demais. O fato é que ele conduz seu enorme dinheiro
para nanciar atividades artísticas, culturais e ambientalistas de muita rele-
vância para muita gente. Ao mesmo tempo, vale saber que sua riqueza vem
de setores capitalistas bem estruturais, do setor bancário e da indústria da
metalurgia e mineração. Enm, João Moreira Salles é rico demais e suas
obras podem ser ótimas contradições... A aproximação mais emblemática e
recente sobre a problemática ambiental é seu livro “Arrabalde: em busca da
Amazônica” publicado em 2022 (cf. Salles, 2022). Vamos com um trecho
de uma entrevista que ele deu para promover o livro:
[Entrevistador] O que você chama no livro de “colonização
indiferente” e como ela contribui para a destruição da Amazônia?
[J.M. Salles] A colonização indiferente permite que a Amazônia
seja destruída com menos ônus moral. É mais fácil destruir aquilo
que não está investido de afeto, de interesse, curiosidade ou
conhecimento. Cito, no livro, a visão de colonos que foram para
lá nos anos 1960 e 1970 e enriqueceram. Homens hoje com 70,
80 anos e donos de casas bonitas, avarandadas. Orgulhosos, eles
mostram de suas varandas a obra de uma vida. E a obra da vida
deles não é a Amazônia, mas é o inverso da Amazônia. Eliminaram
a Amazônia e a transformaram na paisagem que eles conheciam na
juventude. [03/03/2023] (Marcelo, 2023].
Henrique Tahan Novaes, Domingos Leite Lima Filho e José Deribaldo Gomes dos Santos (Org.)
138
Semelhante à Leitão, Salles voltou-se para reetir a problemática
ambiental através da Amazônia. O ponto forte da reexão dele é a frase
que ele viu se repetir a todo momento nos depoimentos que recolhia sobre
as pessoas que chegaram à Amazônia: “quando cheguei, aqui não tinha
nada”. A sensibilidade de Salles, adquirida em sua veia artística de rotei-
rista e cineasta, faz ele perceber que o que nós brasileiros fazemos com a
Amazônia em alguma medida é a própria forma com que tratamos a natu-
reza, essa “colonização indiferente” que permite a destruição sem lamentos
ou arrependimentos. Por outro lado, talvez implicância nossa, Salles sem-
pre nos parece fazer uma espécie de remissão dos pecados, apesar de todo
seu esforço, parece sempre um pedido de perdão do Centro-sul ao Norte
e ao Nordeste. Ao menos, é um sudestino rico preserva esse sentimento...
Considerando nossa perspectiva, alnetaríamos os três, dizendo-lhes
que nada que escrevam, nada que proponham ou até mesmo o pouco que
puderem inuenciar em termos de política pública será expressivo se não
romperem com o princípio de manutenção ou mesmo de revisão da eco-
nomia capitalista. Quer dizer, só poderão indicar caminhos que sejam mais
contundentes se suas reexões inclinarem a propor uma outra economia,
orientando suas hipóteses e teses a um processamento que almeje a trans-
formação do que há hoje, que queiram uma revolução. Se não for dessa
forma, continuarão aliados a todo processamento que mantem a degrada-
ção da natureza. Vale a reportagem abaixo, como exemplo:
Fazendeiros já sentem os efeitos da mudança climática na terra
e no bolso. Pesquisa com 800 fazendeiros de oito potências
agropecuárias, incluindo o Brasil, revela que 71% já sentem
impactos das mudanças climáticas, como secas, enchentes e pragas,
na produtividade e no lucro. [15/10/2023] (O Globo, 2023b).
Vale ver que até os “homens do agronegócio” começam a enxergar
que talvez precisem dar atenção às mudanças climáticas. Mas, isso os levará
a propor que as áreas agricultáveis sejam mais controladas? Virão com pro-
postas de aumento das Unidades de Conservação? Os “homens do agro-
negócio”, quanto classe, desejarão a oresta em pé, a intocabilidade dos
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas - vol. 3
139
solos das reservas indígenas e dos povos quilombolas? Difícil de acreditar,
ainda mais nessa sociedade funcionalista que é o capitalismo. Nessa mesma
reportagem acima, na versão impressa, um economista, Bráulio Borges (da
LCA Consultores e pesquisador da FGV Ibre) traz esses trechos abaixo, na
entrevista que concedeu aos jornalistas dessa matéria:
[Sobre os desaos que o setor do agro enfrenta nesse ano] (...) Há
duas coisas acontecendo. Temos essa tendência de aquecimento
global, que já vem há 150 anos, e toda a agenda da transição
energética. E, neste ano, o El Niño está amplicando isso. (...)
[Neste momento] Reservatórios de hidrelétricas estão cheios e a
matriz mudou muito. Em 2000 e 2001, antes do apagão, tínhamos
90% da eletricidade vindos de hidrelétrica. Entre 2011 e 2012,
eram 70%. Hoje está em pouco menos de 60%. Ainda é alto na
comparação mundial, mas já mudou muito. [O repórter pergunta:
E o efeito na agropecuária?] No agronegócio teve alguma adaptação,
com aumento da irrigação. É algo mais previsível que a chuva, mas o
percentual de terras irrigadas no Brasil ainda é baixo. [15/10/2023]
(O Globo, 2023c).
Para nós, essa passagem acima é reveladora. Suprimos alguns tre-
chos e acrescentamos as informações para facilitar o entendimento, mas
procuramos manter a ideia central. E o primeiro item dessa ideia que vale
destacar é dizer que o processo do aquecimento global é algo que decorre
há 150 anos, quer dizer, algo praticamente inevitável, segundo o econo-
mista, o preço ser pago por quem deseja o desenvolvimento industrial.
Esse teor fatalista é muito peculiar aos defensores do capitalismo. Nem
problematiza se o desenvolvimento poderia ter percorrido outros cami-
nhos, apesar de enxergar que pode haver uma transição energética (como
a que parece ocorrer agora). O curioso é que defendendo os interesses do
agronegócio está indicando que esse setor, especialmente para o período
da seca (essa que veio com a crise climática), amplie sua estrutura de irri-
gação, sugerindo que essa água está disponível nos reservatórios do setor
elétrico. Denitivamente, o sistema do capital não tem vocação para lidar
com as causas, prefere sempre remediar as consequências. Na verdade, ao
Henrique Tahan Novaes, Domingos Leite Lima Filho e José Deribaldo Gomes dos Santos (Org.)
140
remediar dessa maneira, o sistema só agrava o que precede aos sintomas,
como essa proposta feita pelo economista acima. Essa proposta indecorosa,
apartada de todo o restante da sociedade, que o agronegócio em nome da
recuperação de seus lucros faça uso da água que estão nos reservatórios para
enfrentamento da seca. Essa seca, ela sim, democratizada a todos.
Por isso que vale dizer, que apesar da boa intenção de personagens
com Armínio Fraga, Miriam Leitão e João Moreira Salles, só é possível
acreditar nas propostas que fazem se abandonarem suas reexões clássicas
da economia liberal e começarem a desembocar em algo como uma econo-
mia ecossocialista... Quem sabe por aí será possível acenar para o diferente
com eles. Por enquanto, está difícil de acreditar.
como fIca a educação ProfIssIonal dIante da questão ambIental?
Antes de reetirmos sobre a Educação Prossional (EP) propriamen-
te, vale demarcar logo uma posição que considera o momento que estamos
vivendo: supomos possuir ainda tempo para reverter o atual processo de
degradação ambiental para algo favorável ao homem e à natureza atual.
E isso é importante dizer, pois já vimos em estudos anteriores (Bomm,
2015), que já há propostas de educação com tamanha resignação que já
promovem lidar com a situação das contingências. Há propostas como a
“Educação para Mudanças Climáticas” que por ser timidamente crítica ao
sistema do capital, coloca-se na situação de mitigar as consequências. Eis
ao que chegamos anos atrás:
Da forma como é posto, parece que, em muitas das vezes, [a
Educação para Mudanças Climáticas] é uma “Educação para um
Plano de Contingências”. Está mais para um treinamento do que
educação. Carrega a fatalidade, vem para mitigar e se adaptar às
mudanças climáticas, então vale a questão: não tem jeito, não há
solução? (...) A conclusão que chegamos é que a “Educação para
as Mudanças Climáticas” é uma aporia, não tem razão de ser, age
num não-lugar e não tem perspectiva. (...) uma expressão infeliz,
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas - vol. 3
141
parece até que foi cunhada para reforçar as tais mudanças ou,
contraditoriamente, lidar com elas como se não fossem antrópicas.
Mesmo que considerássemos a irreversibilidade do que o homem já
causou sobre alguns ecossistemas, para que serve uma Educação que
não intenciona interromper o processo de degradação, preferindo a
adaptação. Adapta-se até quando? (Bomm, 2015).
A Educação Prossional (EP) que precisamos construir, para en-
frentar à problemática ambiental, precisará primeiramente garantir-se
na esteira crítica dos lósofos da práxis que encontramos na área de
Trabalho e Educação, mas também garantir o encontro com a Educação
Ambiental Crítica (EA-crítica) que aqui estamos apresentando. Terceiro,
precisa se desvencilhar da sedução que o sistema do capital exerce com
sua educação ambiental alienante, possível de ser adjetivada de várias
maneiras: educação ambiental conservadora, educação ambiental para
o desenvolvimento sustentável, educação ambiental conciliatória etc. A
Educação Prossional Crítica (EP-Crítica) precisa não se deixar levar pelo
tecnicismo que existe também nas tais tecnologias verdes, nas propostas
paliativas de mitigação, pelo mercado dos créditos de carbono, pelo mer-
cado verde (de maneira geral) etc. O que não signica renunciar esses
lugares, mas compreender que podem não ser sucientes ou que não são
pontos de chegada. Não adianta trabalhar em plásticos biodegradáveis se
o processamento de plásticos perenes não esbarrar em políticas para sua
diminuição, não adianta se preocupar em mitigar os efeitos dos gases de
efeito estufa (GEE) enquanto o sistema procura por manter produção e
mercado para a energia de base fóssil.
A questão ambiental precisa entrar na EP da mesma forma que entra
para os educadores ambientais críticos. Primeiro, ter o meio ambiente com
um tema central, porque sem isso não tem como prosseguir. Segundo,
pressupondo que tanto a EP e a EA estão postos do lado contrário ao sis-
tema do capital, suas teorizações e ações devem estar dispostas a romper
com a lógica desenvolvimentista, romper com essa lógica que procura ca-
muar a incontrobilidade do capital em relação ao antagonismo entre sua
economia e o meio ambiente (relação trade-o). Terceiro, não pode achar
Henrique Tahan Novaes, Domingos Leite Lima Filho e José Deribaldo Gomes dos Santos (Org.)
142
que o avanço técnico-tecnológico e a intenção de manter um ambiente
favorável às gerações futuras é o suciente, porque é importante entender
que os incrementos tecnológicos não são apolíticos, carregam suas próprias
características sociais-culturais e que seu desenvolvimento nem sempre é
ético ou mesmo ecológico. E que corresponder às gerações futuras pode
ser algo tão impreciso que nos leva a negligenciar as gerações presentes. Na
tríade atribuída ao Desenvolvimento Sustentável, é importante que a EP
não dê prioridade maior à eciência econômica, mas muito mais à justiça
social e à prudência ecológica. E claro, tanto a EP quanto a EA, que se
pretendem críticas, sabem que sua realização de fato só pode ocorrer numa
outra economia, noutro modo de produção, noutro sistema social que não
é do capital.
nossas consIderações fInaIs: que educação, afInal?
Para quem deseja fazer a losoa da práxis, para quem não quer
fazer uma ciência positivista – que no m das contas é apartada da reali-
dade –, fazer pesquisa cientíca também é militância. Nos últimos anos,
isso tem cado ainda mais claro, porque basta estudar, perguntar, perse-
guir respostas, tentar fazer isso cuidadosamente, para denir seu lado. A
compreensão de que a militância ocorre desde o início da pesquisa não dá
direito à deturpação, mas seria exatamente o contrário, por termos como
pressuposto que não temos nada a perder e que não desejamos esconder
nada, isso que nos faz perseguir o desvelamento da realidade até o m das
contas. Queremos a ciência materialista! Claro, é possível que momentos
de pesquisa tenham seus momentos próprios, assim como os de militância,
ou seja, ora se alternam, ora caminham juntos, dialeticamente. A Educação
precisa ir dessa forma também.
Em relação ao encontro da ciência e a educação com a questão am-
biental, torna-se indispensável considerar essa realidade iminente em todos
os instantes, do momento da pesquisa ao momento do ensino, passando
pela divulgação até a ação política. Nosso pressuposto é que pesquisadores
alinhados aos grupos hegemônicos precisarão se esforçar mais e mais para
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas - vol. 3
143
esconder suas contradições, porém não precisamos e não podemos esperar.
Mesmo porque uma questão ronda nossas cabeças: dará tempo? Estamos
perigosamente ertando com o que os ambientalistas chamam de “ponto
de não retorno”, por que não consideramos isso como algo perigoso? Até
quando vamos chamar ambientalistas de alarmistas-extremistas? Em nome
de quê? Da vida que levamos hoje, pela manutenção deste sistema que já
tem sido ruim para maior parte das pessoas?
A Educação Prossional (EP), em especial, terá que ser atravessada
integralmente por essa Educação Ambiental Crítica (EA-Crítica), desde o
acolhimento de seus alunos-calouros até sua formação continuada, desde
seu aspecto técnico-tecnológico até o político. Claro, não estamos num
modo de produção favorável, sabemos que não é possível que qualquer
educação se realize plenamente aqui, já que os impedimentos do próprio
sistema do capital são enormes. Mas, nessas condições o que é possível
realizar? Podemos vislumbrar uma travessia? Não podemos potencializar
as contradições? Para isso, precisamos enxergar as contradições, estudar e
pesquisar, considerar os conitos de interesse, indicar caminhos contra-
-hegemônicos... Isso é praticamente o que os lósofos da práxis da área de
Trabalho e Educação sempre zeram com a EP, com o intuito de fazê-la
a favor da classe trabalhadora. Teórico-metodologicamente falando, é por
aí mesmo que continuaremos, só estamos acrescentando essa contradição
perigosa para o ser humano: de que a economia do sistema do capital não
é capaz de dar solução ao próprio problema ambiental que engendrou e
deverá agravar...
Ainda lutamos por apreender o futuro, mas disputamos esse fu-
turo com as classes dominantes. Até supomos que essas mesmas classes
não queiram a destruição do planeta, mas se esforçam em acreditar que a
economia que sustentam não tem nada a ver com isso... Isso explica por
que a ciência está do nosso lado, porque não queremos só a “prudência
ecológica”, mas também a “luta ecológica”, porque precisamos sacudir as
estruturas desse modo de produção agora, isso deve ser a motivação dos
educadores e pesquisadores críticos, do início de cada manhã e até a hora
de dormir, sete dias por semana, todos meses e anos que puder...
Eppur si muove!
Henrique Tahan Novaes, Domingos Leite Lima Filho e José Deribaldo Gomes dos Santos (Org.)
144
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148
149
6
A educação prossional como
direito e objeto de disputa nas
relações sociais do mundo do
trabalho
Lucília Machado
Introdução
Este texto, produzido na forma de ensaio, objetiva simplesmente
contribuir com a formação daqueles que se interessam pelo debate sobre
o signicado da luta por educação prossional. Trata-se de uma produção
dirigida a problematizações e à armação de critérios e referenciais que
possam reforçar a perspectiva emancipatória da educação prossional.
https://doi.org/10.36311/2024.978-65-5954-526-1.p149-166
Henrique Tahan Novaes, Domingos Leite Lima Filho e José Deribaldo Gomes dos Santos (Org.)
150
a educação ProfIssIonal como dIreIto
A educação prossional é um direito subjetivo dentro do sistema
dos direitos humanos fundamentais. Embora não seja explicitamente re-
conhecido pelas leis brasileiras, ele é naturalmente decorrente do conteúdo
do direito à educação e do direito ao trabalho socialmente útil e digno,
instrumentos fundamentais à proteção e realização do trabalhador como
ser humano.
Esse direito está reconhecido por normas internacionais do trabalho,
denidas pela Organização Internacional do Trabalho (OIT, 1975) e por
Constituições nacionais de alguns países. Pressupõe que o trabalhador tem
o direito de ser tratado, em igualdade de condições e respeito à sua digni-
dade, como pessoa e não como simples e anônimo instrumento de produ-
ção. Pressupõe o compromisso da sociedade e do Estado com a nalidade
de promover o crescimento integral dos indivíduos e a conformação de
personalidades verdadeiramente livres e potencialmente autônomas.
Esse direito exige, entretanto, a oferta de uma formação para o traba-
lho associada com uma adequada orientação prossional e a reunião de de-
terminadas condições. Seja do ponto de vista teórico, prático, estético e ético
essa formação implica compromisso com o desenvolvimento integral, criati-
vo e crítico do trabalhador. Requer o enfrentamento da tensão contraditória
que se estabelece entre padrões antigos e novos de gestão e organização do
trabalho, nas práticas de produção dominantes e nas insubordinadas em bus-
ca da superação das concepções e condições impostas unilateralmente.
A má qualidade dessa formação e a frustração das expectativas indi-
viduais e sociais com relação a ela equivalem à denegação desse direito fun-
damental. A Convenção sobre a Administração do Trabalho, Convenção
150 da OIT, de 1978, estabelece que:
Todo e qualquer Estado parte na Convenção deve assegurar
a organização e o funcionamento ecaz de um sistema de
administração do trabalho, cujas funções e competências sejam
adequadamente coordenadas (OIT, 2009, p. 50).
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas - vol. 3
151
Dentre essas atribuições, cita:
Estudar a situação das pessoas que tenham um emprego, assim como
a das pessoas que estiverem desempregadas ou subempregadas,
atendendo à legislação, regulamentação e práticas nacionais
pertinentes, chamando a atenção para as insuciências e abusos
vericados nesse domínio e apresentando propostas sobre os meios
de os remediar (OIT, 2009, p. 50-51).
Essas recomendações, porém, nem sempre têm sido levadas plena-
mente à prática. Não têm sido asseguradas sem discriminações por razões
territoriais, etárias, étnicas, de gênero, orientação sexual e necessidades es-
peciais. Nem sempre são atendidas as expectativas das pessoas com relação
ao acesso a determinadas oportunidades de formação e de certicação dos
seus conhecimentos prossionais obtidos informalmente nas experiências
de trabalho. Nem sempre são oferecidas capacitações que efetivamente
abram perspectivas de fazer efetivo o direito ao trabalho digno.
As oportunidades de educação prossional devem permanecer aber-
tas ao longo da vida ativa das pessoas para lhes dar condições de atualizar
permanentemente seus conhecimentos, aperfeiçoar continuamente suas
habilidades, promover seu crescimento pessoal e prossional e fortalecer
suas prerrogativas de valorização de sua força de trabalho.
Tratando-se de um direito que não é outra coisa que uma manifes-
tação dos direitos fundamentais da pessoa humana, o poder público tem o
dever de promover medidas adequadas que garantam a oferta, sem quais-
quer discriminações, do acesso à formação prossional ao longo de todas
as etapas da vida ativa dos cidadãos.
Deve, ainda, prover meios jurídicos que assegurem, aos que se en-
contrem numa relação empregatícia determinada, o tempo necessário para
aproveitar dentro da jornada de trabalho, também sem quaisquer discrimi-
nações, as oportunidades de formação disponíveis.
Sendo um direito dos trabalhadores e trabalhadoras, é fundamen-
tal garantir-lhes ampla participação, por meio de suas organizações, na
Henrique Tahan Novaes, Domingos Leite Lima Filho e José Deribaldo Gomes dos Santos (Org.)
152
formulação e aplicação das políticas, planos, programas e projetos de
educação prossional.
a educação ProfIssIonal na realIdade do mundo do trabalho
A aplicação do direito fundamental à educação prossional tem seu
campo ancorado nas instabilidades, inseguranças e exigências do mundo
real, contemporâneo e labiríntico do trabalho. Para que esse direito seja
efetivado, é preciso considerar as difíceis circunstâncias ou adversas con-
junturas vividas pelos trabalhadores e trabalhadoras, tais como as descritas
por Clemente Ganz Lúcio (2018) em publicação do Centro de Estudos
Sindicais e do Trabalho (Cesit), instância criada pelo Instituto de Economia
da Universidade de Campinas e Dieese (Departamento Intersindical de
Estatística e Estudos Sócio-Econômicos). Segundo ele,
A concepção liberal de simplicação e exibilização que dá
segurança ampliada aos empregadores é parte da agenda de quem
governa o país e vem ganhando terreno institucional. As iniciativas
de mudanças nesse sentido estão indicadas e em processo de
implantação com alguns resultados já mensuráveis. Muito há
que ser observado e medido, mas o sentido é claro no desmonte
civilizatório daquilo que foi construído em décadas de lutas,
mobilizações e negociação.
A resistência aos desmontes generalizados devem ser orientadas por
estratégias que recongurem novas formas para a proteção, com
o redesenho da atividade e organização sindical, novas formas de
luta e mobilização dos trabalhadores. Novas institucionalidades
precisarão ser criadas para regular o mundo do trabalho e proteger
os trabalhadores. As adversidades são severas, porém o futuro é
permanentemente uma situação em aberto. Se a história recente
evidencia as agruras nas trajetórias reais vividas, é somente a
disposição para atuar e intervir que abrirá novas possibilidades para
se disputar as trajetórias dos caminhos para a construção das formas
de vida coletiva futura (GANZ LÚCIO, 2018, p. 10).
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas - vol. 3
153
De acordo com as regras em jogo da sociedade capitalista, o que
acontece é que para que as pessoas consigam garantir as condições mate-
riais de reprodução de sua vida, elas precisam ter uma “competência pesso-
al” muito especíca: sua capacidade de trabalhar deve representar, concre-
tamente, possibilidades efetivas de agregação de maior valor à acumulação
do capital.
É esta lógica mercantil que dene a inclusão ou a exclusão das pes-
soas das relações de trabalho. Mercado de trabalho signica precisamente
isto: a força de trabalho é uma mercadoria, a avaliação do seu valor obedece
a critérios próprios ao contexto em que se encontra, o contexto do merca-
do capitalista, cuja lógica é a maximização da lucratividade.
A qualicação do trabalho não pode, assim, ser pensada fora das
relações sociais fundamentais. Existe um processo objetivo de produção e
reprodução da vida que dá o signicado para o conjunto das relações so-
ciais nas quais o sujeito está inserido e atua. A lógica capitalista que dirige
o mercado de trabalho dene questões muito importantes: os limites da
reprodução da vida do indivíduo, o espectro e o caráter das suas necessida-
des, bem como os meios para o seu asseguramento.
Esses meios passam pela norma monetária, que perpassa todas as re-
lações sociais, fundamentando a ética, os valores e a ideologia dominante.
Também os critérios de competência, de capacidade e de sabedoria passam
a ser regidos por esses referenciais.
O dinheiro é um mediador universal das relações dos indivíduos
com as mercadorias, pois é condição obrigatória para que tenham opor-
tunidades de acesso às realizações humanas, pois estão, sob o domínio do
capital, suas forças de trabalho se transformam em mercadorias. Mas o
dinheiro também um mediador universal das relações dos indivíduos entre
si e desses consigo próprios, com sua própria identidade. O fato é que es-
sas relações interpessoais e a identidade das pessoas são constrangidas pela
lógica mercantil. Como dizia Marx, a identidade de cada um, na sociedade
capitalista, está no quanto ele carrega de dinheiro no bolso:
Henrique Tahan Novaes, Domingos Leite Lima Filho e José Deribaldo Gomes dos Santos (Org.)
154
A dependência mútua e generalizada dos indivíduos reciprocamente
indiferentes constitui seu nexo social. Este nexo social se expressa
no valor de troca e somente neste a atividade própria ou o produto
se transformam para cada indivíduo em uma atividade ou em um
produto para ele mesmo. O indivíduo deve produzir um produto
universal: o valor de troca ou, considerado este em si mesmo
isoladamente e individualizado, o dinheiro. Por outra parte, o poder
que cada indivíduo exerce sobre a atividade dos outros ou sobre as
riquezas sociais, ele o possui na medida em que é proprietário de
valores de troca, de dinheiro. Seu poder social, assim como seu nexo
com a sociedade, ele leva consigo em seu bolso (Marx, 1987, p. 84).
No mercado, realidade objetiva e banal, os indivíduos são induzidos
e forçados a se portar como competidores e a se defrontarem como tais,
pois cada um é pressionado a conseguir os recursos que levem à consecução
dos seus intresses particulares e individuais. É uma lógica orientada para
a valorização da obtenção de resultados imediatos, fortemente induzida à
garantia da sobrevivência pessoal no mercado.
No entanto, as contradições existentes não são apenas as que envol-
vem os trabalhadores entre si, na disputa por posições no mercado de tra-
balho. E suas relações, necessariamente, não são apenas de antagonismos.
As contradições entre capital e trabalho e a dialética contraditória entre o
valor de uso e o valor de troca da força de trabalho se superpõem a todos
os antagonismos internos à classe trabalhadora.
Essas contradições principais, entre capital e trabalho, se transfor-
mam na base unicadora das identidades dos trabalhadores como clas-
se social com interesses comuns e solidários. Para o capital, o sujeito do
trabalho se resume a ser simples força de trabalho, expressão meramente
quantitativa, capacidade de produzir mais-valia com maior intensidade, e
assim, mais lucro. O capital o vê, em primeiro lugar, na sua expressão de
valor de troca.
O sujeito do trabalho, enquanto dominado pela lógica do capital,
assim também se vê e se propõe a ser simplesmente. Contudo, ao armar
sua subjetividade consciente e crítica, a essa visão se contrapõe, pois se vê
como trabalho, expressão qualitativa da capacidade humana de produzir,
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas - vol. 3
155
criar e transformar o mundo. Ele se vê, em primeiro lugar, enquanto al-
guém que traz uma contribuição para a sociedade, alguém cuja atividade
tem importante valor social.
Porém, entre valores de uso e valores de troca as correspondências
são quebradas, porquanto o valor de troca da força de trabalho não é dado
pelo valor que esta tem socialmente. Se tal não fosse verdade, prossionais
da educação e da saúde receberiam salários signicativamente maiores aos
lhes atribuídos.
Pleitear o reconhecimento da importância social da sua atividade
de trabalho é algo fundamental à construção da relação do indivíduo com
a sociedade. Mas, no contexto atual de aumento do desemprego e da ex-
clusão social, ter oportunidade de trabalho passou a não ser um direito
individual, mas um privilégio.
Acontece que a luta contra o desemprego, na sociedade do capital,
acaba sendo também uma reivindicação dos trabalhadores de sua assimi-
lação pelo capital, um processo permeado de contradições dialéticas entre
integração e ruptura, nada complacente para as forças do trabalho.
São trunfos à estratégia do trabalhador, na sua luta por um maior
reconhecimento do valor de sua força de trabalho, por uma melhor re-
muneração: o desenvolvimento de suas habilidades, as oportunidades de
aperfeiçoamento, a valorização de sua experiência, de sua instrução, de
seu saber. Ele vê em vantagens como essas um patrimônio a ser preserva-
do e ampliado.
Mas só a ruptura em relação ao capital pode lhe trazer o resgate do
signicado original do trabalho, enquanto fundamento humano, pois a
estratégia da integração se impõe como necessidade de sobrevivência, e
nesse nível de relação, o trabalho tem apenas o signicado de meio de se
ganhar a vida. Meio que tende a ser escasso, indisponível, raro, situação
que provoca a insegurança e temor de quem só dispõe de sua força de tra-
balho para sobreviver.
A empresa, via de regra, para atribuir um salário ao trabalhador,
procura se pautar em referências de mercado, procura averiguar o que de
Henrique Tahan Novaes, Domingos Leite Lima Filho e José Deribaldo Gomes dos Santos (Org.)
156
investimento na sua educação, formação e capacitação já foi incorporado
naquela pessoa. Mas, o valor de troca da força de trabalho não é deduzí-
vel somente desse acúmulo de investimentos em educação, capacidades,
qualidades e saberes internalizados pelos trabalhadores. O desemprego dos
qualicados, atualmente, é crescente e ilustra bem esta situação.
Em última instância, o que, de fato, o capital almeja é se ver inde-
pendente da habilidade do trabalhador, torná-la imprecisa e sob controle
crescente. Trata-se de substituir o trabalhador por recursos cada vez mais
sutis e renados de divisão do trabalho e de maquinário, que dêem conta
de incorporar experiências humanas passadas, o trabalho morto, o trabalho
materializado na tecnologia.
Este trabalho objetivado em tecnologia, visto pelos trabalhadores
como realidade estranha e contrária aos seus interesses, é, contudo, fruto
da sua produção, mas sobre o qual não dispõem de controle. As forças
essenciais de cada indivíduo em particular se transformam em objetivações
do gênero humano, mas é o capital que as incorpora e as monopoliza en-
quanto força produtiva. Essa separação do produto do seu verdadeiro pro-
dutor é um dos fatores que originam o fenômeno da alienação do trabalho.
No capitalismo atual, a globalização mundializada do mercado vem
proporcionando um grande avanço neste processo de objetivação universal
do gênero humano, pois o nível de desenvolvimento das forças produtivas
atingiu patamares e ritmos surpreendentes. Mas esta vitalidade do progres-
so material tem levado à valorização de um sujeito social em particular, o
capital. Isto porque a mundialização do mercado representa a universaliza-
ção das relações sociais mediadas pelo valor de troca e, por conseguinte, a
universalização da alienação humana. Paradoxalmente, a objetivação uni-
versal do gênero humano se realiza assim enquanto alienação e empobreci-
mento material e espiritual dos indivíduos.
A acumulação exível tem implicado níveis relativamente altos de
desemprego estrutural, questionado o valor das capacidades de trabalho
da maioria dos trabalhadores, acentuado a competição interclasse, alterado
a dinâmica dos mercados internos e externos de trabalho, criado novos
critérios de segmentação dos trabalhadores com a desregulamentação e e-
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas - vol. 3
157
xibilização das relações contratuais e salariais e formas diferentes de gestão
e de formação da força de trabalho.
Essas tendências gerais, nas situações histórico-concretas aparecem
com matizes diferentes, devido à interferência de fatores diferenciados. O
primeiro deles se refere à forma de inserção de cada realidade nacional no
contexto da divisão internacional do trabalho e na economia política da
pesquisa e do desenvolvimento tecnológico. O outro diz respeito ao pro-
cesso de diferenciação social interno ao universo do mundo do trabalho,
evidenciado pelas práticas de gestão e de discriminação étnica, sexista, etá-
ria, educacional etc. da força de trabalho.
Procedimentos diversos são utilizados, neste sentido, para regular o
vínculo empregatício, fomentar a identicação do empregado com a em-
presa, condicionar condutas direcionadas à busca do sucesso e ao reconhe-
cimento meritocrático do esforço individual. Dentro deste contexto, o in-
divíduo é induzido a se diferenciar, a demarcar suas capacidades especiais,
a se colocar nas relações mercantis de compra e venda da força de trabalho
como uma mercadoria que vale a pena ser negociada e valorizada.
A relação do sujeito e o mercado de trabalho depende, assim, não de
simples atributos e qualidades técnicas e culturais especícas, mas de uma
soma de fatores complexos e contraditórios, que denem seu modo de se
inserir nas relações de trabalho, sua subjetividade e modo de exercer sua
capacidade de trabalho.
a educação ProfIssIonal nas PolítIcas dIrecIonadas ao mundo do
trabalho
O direito à educação prossional, pelo que se depreende da análise
acima, encontra-se, portanto, no lugar do chamado claro-escuro de verda-
de e engano do mundo da pseudoconcreticidade (Kosík, 2010), do senso
comum que embaraça e até impede a compreensão do real. Segundo ele,
Henrique Tahan Novaes, Domingos Leite Lima Filho e José Deribaldo Gomes dos Santos (Org.)
158
O complexo dos fenômenos que povoam o ambiente cotidiano e
a atmosfera comum da vida humana, que, com a sua regularidade,
imediatismo e evidência, penetram na consciência dos indivíduos
agentes, assumindo um aspecto independente e natural, constitui o
mundo da pseudoconcreticidade (Kosik, 2010, p. 15).
Isso posto, é preciso que as políticas, planos, programas e projetos de
educação prossional sejam concebidos e implementados tendo por base
a superação da práxis utilitária, cotidiana, e a consideração da realidade e
das vicissitudes do trabalho no contexto da sociedade capitalista, na sua
conguração atual, marcada pela mundialização do mercado.
Isso signica assumir a unidade das contradições dialéticas que per-
passam e perfazem a realidade da educação prossional, o visível e o es-
condido de suas questões fundamentais e necessidades, as possibilidades e
os limites que lhes são colocados. Por exemplo, nas estreitas relações que
ocorrem entre as políticas e os programas de educação prossional e as
políticas dirigidas à educação de modo geral, ao trabalho e ao emprego.
Assim, é necessário considerar que a educação prossional guarda
um caráter transcendente com relação ao jogo do mercado de trabalho e
que seu papel não se restringe à expectativa tradicional que se criou em re-
lação à mesma, qual seja a de promover o equilíbrio entre oferta e demanda
de força de trabalho com tais e quais qualicações.
É preciso entendê-la como possibilidade de desenvolvimento pessoal
e social, como algo que pode vir a acontecer, mas que não é certo que se
cumpra. Isso, mesmo quando se faz a coordenação das políticas e pro-
gramas de educação prossional com as de desenvolvimento tecnológico,
econômico e social, pois suas efetividades dependem de condições alheias
às estratégias traçadas.
É fato que as potencialidades e condições de desenvolvimento
tecnológico, econômico e social demandam que sejam mobilizados
investimentos permanentes e estrategicamente bem dirigidos na formação
adequada da força de trabalho. E que as correspondências e coerências
entre as políticas de desenvolvimento tecnológico, econômico e social,
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas - vol. 3
159
de trabalho e emprego e de educação prossional são imprescindíveis à
realização de um projeto de crescimento e de soberania política nacional.
Porém, o desenvolvimento individual de cada um, do ponto de vista
pessoal e prossional, depende, em macro escala, do enfrentamento dos
limites e obstáculos inerentes ao próprio desenvolvimento do capitalismo.
Não é sem razão a tentativa histórica de despolitizar a educação pro-
ssional. O enfoque principal que tem sido adotado é fundamentalmente
instrumental e mercantil, de sorte que essa modalidade educacional teria
como principal função credenciar o indivíduo para disputar vagas no mer-
cado de trabalho.
No Brasil, a educação básica ganhou o consenso de que se trata de
um direito de todos e que sua oferta no nível médio deve ser assegurada de
forma progressivamente universalizada pelo poder público.
Entretanto, a separação formal, que se estabeleceu entre a educação
básica de caráter geral e a educção prossional técnica de nível médio, ins-
titucionalizada pelo Decreto 2.208, de 1997 (Brasil, 1997), e continuidade
dessa cisão na realidade concreta apesar da revogação desse dispositivo legal
testemunham as diculdades para a efetivação do direito a uma educação
prossional de caráter unitário.
O que se tem como continuidade histórica é o não reconhecimento
do direito fundamental à educação prossional de qualidade e o descum-
primento do dever do Estado em oferecê-la. O foco fundamental do sen-
tido político da educação prossional contempla, de um lado, a materia-
lização desse direito enquanto uma prerrogativa corolária da possibilidade
efetiva de acesso ao trabalho, a melhores e mais adequadas condições de
exercê-lo, a uma sociedade justa, solidária e igualitária e a um país mais
rico, soberano e democrático. E, de outro, a concretização do caráter pú-
blico da ação estatal nesse domínio.
Para tanto, é preciso empreender a luta pelo desenvolvimento da
consciência social desse direito e cobrar do Estado sua responsabilidade
pela criação e manutenção de políticas públicas dirigidas ao mundo do tra-
balho. Desse conjunto sobressai a necessidade da implementação de uma
Henrique Tahan Novaes, Domingos Leite Lima Filho e José Deribaldo Gomes dos Santos (Org.)
160
política de educação prossional que efetivamente ajude a desconstruir a
concepção credencialista e mercantil que se tornou dominante. Ao mate-
rializá-la, se empreende a busca do reconhecimento e da legitimação dos
trabalhadores como sujeitos de direitos.
Tal luta deve passar pela reivindicação de uma política integral e es-
trategicamente coordenada de educação prossional que permita visualizar
as ofertas educacionais como um todo integrado e a necessidade de estru-
turar sistemas de formação permanente de jovens e de adultos, que preveja
a redução da jornada de trabalho e o uso de parte dela para as atividades de
aperfeiçoamento prossional.
Essa política integral precisa contemplar a formação inicial, o aper-
feiçoamento, a readaptação, a orientação e a certicação prossional e
as estratégias bem planejadas e estruturadas de educação a distância. Ela
pressupõe a busca pela obtenção de recursos sucientes, sua canalização
racional e gestão democrática orientadas por uma visão crítica das neces-
sidades sociais.
Essas necessidades passam pela expansão e desenvolvimento progres-
sivos da educação prossional de forma a alcançar um maior número de
pessoas que seja possível. Nesse contingente incluem-se homens e mulhe-
res; jovens e adultos; todos os setores e ramos da atividade econômica;
todos os padrões do desenvolvimento tecnológico; todas as esferas da vida
social e cultural; todos os níveis de qualicação e de responsabilidade dos
trabalhadores e trabalhadoras; sistemas de ensino abertos e acessíveis; dis-
tribuição geográca adequada dos locais de ensino.
As políticas, programas e projetos de educação prossional devem
ser dirigidos a todas as pessoas em pé de igualdade e sem discriminação
alguma. Devem ser dispensados tratamentos especiais para contemplar de-
terminadas categorias particulares de pessoas ou setores da atividade eco-
nômica (segmentos minorizados por razões territoriais, raciais ou étnicas,
orientação sexual ou gênero, pessoas com deciência, migrantes etc).
Cabe ao Estado assumir um papel ativo na coordenação, nancia-
mento e execução dessa política de educação prossional, sob pena de co-
locar em risco os objetivos, a diversicação da oferta, as metas estratégicas
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas - vol. 3
161
para o país, as de longo prazo e os compromissos com o caráter social e o
sentido público e democrático que ela deve ter.
Devem ser garantidas as participações de interlocutores sociais e edu-
cativos na formulação e na implementação das políticas, dos programas e
dos projetos de educação prossional. Igualmente, as avaliações periódicas
e participativas dessas iniciativas tendo em vista o melhor e mais coerente
emprego dos recursos disponíveis, o aperfeiçoamento dos ns e meios em-
pregados e a correção dos rumos adotados.
a qualIfIcação do trabalhador e o caráter das mudanças no
Processo caPItalIsta de trabalho
A atividade criadora é fundamento constitutivo do ser humano. Por
meio dela, homens e mulheres buscam responder seu carecimento, trans-
formando a realidade e, nesse processo, se realizam como sujeitos, pois não
há atividade sem o concurso das capacidades humanas alimentadas pelas
vivências e confrontos com o real.
No entanto, o fazer humano e seu signicado em cada momento
histórico são dependentes da forma como os indivíduos se inserem nos
processos de trabalho e, por isso, se vê que em todos os momentos do de-
senvolvimento da humanidade, a atividade humana encontra-se subordi-
nada a motivos, que esclarecem a origem e a natureza dos interesses sociais
que a originam e a orientam.
As diferenças entre atividades desenvolvidas em épocas históricas e
contextos sociais radicam no caráter das relações sociais que articulam entre
si os objetivos, ou seja, as motivações e os interesses que as impulsionam.
Estes fatores estão, também, na base do desenvolvimento das capacidades
humanas, pois esse é processo no qual encontram-se materializadas opções
tecnológicas, organizacionais e gerenciais, determinadas socialmente.
As análises dos processos de trabalho fundamentadas em Marx as-
sinalam a determinação do caráter e das consequências do processo de
trabalho capitalista pelo seu objetivo intrínseco de valorização do capi-
Henrique Tahan Novaes, Domingos Leite Lima Filho e José Deribaldo Gomes dos Santos (Org.)
162
tal (Brighton Labour Process Group, 1977; Moraes Neto, 2000; Peto;
Veríssimo, 2018). No entanto, a reestruturação capitalista em curso com
a globalização do mercado fêz suscitar a hipótese de uma mudança subs-
tancial na natureza e nos princípios da organização capitalista do trabalho.
Para conrmar tal conjectura, as referências utilizadas não se pautam
no princípio ontológico que tem por base a pergunta fundamental sobre a
natureza das necessidades, interesses, motivos e objetivos que presidem a
organização capitalista do trabalho. Ao contrário, elas procuram se orientar
por indicações descritivas de mudanças formais do trabalho, de sua orga-
nização e gestão.
Sinais de um suposto reuxo na divisão do trabalho são vistos em
convergências das funções de concepção, execução e controle; na mobili-
dade e no enriquecimento de tarefas; no envolvimento dos trabalhadores
com atividades permanentes de aperfeiçoamento; em exigências de maior
informação e conhecimento do sistema produtivo.
Salientam, ainda, que agora se demandaria ao trabalhador saber ler,
interpretar e decidir com base em dados formalizados, prever e corrigir dis-
funções do sistema, exercer funções mais intelectuais, ter iniciativas e res-
ponsabilidades mais elevadas, maior participação e envolvimento de modo
a controlar a qualidade e a promover melhorias contínuas nos processos.
Contudo, os contra-argumentos dos que percebem a reposição dos
pressupostos da heterogestão são expressivos. Esses mostram o contrário:
a reiteração da divisão do trabalho, que se manifesta na permanência do
trabalho especializado, simplicado e fragmentado e na baixa participação
dos trabalhadores em atividades de inovação.
A pergunta fundamental permanece sem resposta, pois, de fato, não
estaria ocorrendo mudança no caráter das relações que articulam entre si os
objetivos e os interesses motivadores, que presidem os processos capitalistas
de trabalho sendo as mudanças neles vericada apenas de caráter formal.
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas - vol. 3
163
consIderações fInaIs
Os discursos dominantes sobre educação prossional tendem a
estabelecer uma correlação linear e não problematizadora entre o fenô-
meno de maior tecnicação e racionalização dos processos produtivos e
o aumento das capacidades gerais e especícas dos trabalhadores. Não é
possível, entretanto, concluir, de forma linear e dedutiva, que tais mu-
danças representem ganhos de qualicação por parte dos trabalhadores
(Machado, 1994, 1996).
Em Braverman (1987), a perspectiva apresentada é apenas a perda
progressiva dessa qualicação. Não se encontra, portanto, outra hipótese
a considerar, já que os trabalhadores, cada vez mais, teriam menos a dizer
sobre suas capacidades estratégicas. Outras hipóteses, entretanto, surgiram
em relação às lógicas diferentes de utilização da força de trabalho, compa-
rativamente ao taylorismo-fordismo, já que elas se inseririam na perspecti-
va de armação da importância da qualidade do trabalho humano.
Sobre a caracterização das capacidades, que supostamente estariam
sendo promovidas e estimuladas nesses novos ambientes de trabalho, há,
contudo, muita conjectura e às vezes armações apressadas. É necessário,
portanto, analisar no contexto das ações situadas e concretas, o que vem
mesmo caracterizando essas capacidades humanas no trabalho. Esse co-
nhecimento é de grande importância para debelar a pseudoconcreticidade
que envolve os discursos sobre a educação prossional e para armá-la
como uma prerrogativa fundamental à luta dos trabalhadores.
Uma importante hipótese de pesquisa tem surgido: as dimensões
técnicas da qualicação estariam perdendo em importância para as com-
portamentais, e curiosamente, nessa mesma época cuja característica básica
é o progresso técnico. Será que o enriquecimento do trabalho morto, o ma-
terializado na tecnologia, estaria representando um esvaziamento do traba-
lho vivo? Será que o componente técnico estaria perdendo importância em
favor das chamadas competências que atendem às exigências empresariais
de conança?
Henrique Tahan Novaes, Domingos Leite Lima Filho e José Deribaldo Gomes dos Santos (Org.)
164
Existe, porém, outra linha de problematização, que permite levantar
uma hipótese contrária: as exigências empresariais de conança surgiriam
exatamente porque dentro dos novos dispositivos técnicos haveria possibi-
lidade de armação do poder estratégico dos trabalhadores, agora munidos
de um conhecimento mais amplo.
Se essa última hipótese está correta, resta indagar sobre o que efetiva-
mente confere poder estratégico a essas capacidades. Elas seriam realmente
estratégicas para os trabalhadores e por quê?
Vale, ainda, questionar sobre o que representam tais competências
tão caras ao capital, já que elas seriam um produto desenvolvido em
ações dirigidas e controladas pelas empresas. Nesse caso, as tais novas
competências dariam poder estratégico não propriamente aos trabalha-
dores, mas às empresas.
Surge, portanto, um problema realmente importante quando se co-
loca a educação prossional como direito: ela é também um objeto de
disputa. Isso signica que é preciso elucidar o tipo e signicado, os limites
e as possibidades do acesso que os trabalhadores passam a ter aos novos
meios, recursos e técnicas de trabalho por meio da educação prossional.
Será que eles têm lhes permitido desenvolver efetivamente capacida-
des criativas, críticas e emancipatórias? Ou será que o acesso franqueado
aos trabalhadores e trabalhadoras à educação prossional está limitado e
subordinado a uma regulação técnico-política, que daria apenas condições
de exercício de capacidades heteroadministradas?
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Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas - vol. 3
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166
Parte II
A expansão das redes estaduais e federal
de educação prossional: críticas e
perspectivas
169
7
Cenários e embates na relação
da educação prossional com o
ensino médio no Distrito Federal
Caroline Bahniuk
Caetana Juracy Rezende Silva
Maria da Conceição da Silva Freitas
Introdução
O texto tem por objetivo reetir sobre a formação da juventude
trabalhadora na educação prossional técnica de nível médio no Distrito
Federal, tomando como eixo da reexão os embates entre perspectivas
antagônicas: a Pedagogia do Capital, a qual preconiza a formação de força
de trabalho para o trabalho explorado, precarizado e para adaptação so-
cial numa sociedade de intensa desigualdades e a Educação na direção na
Emancipação Humana com uma formação voltada para o desenvolvimen-
to do ser humano em suas diversas dimensões, com centralidade na apre-
https://doi.org/10.36311/2024.978-65-5954-526-1.p169-192
Henrique Tahan Novaes, Domingos Leite Lima Filho e José Deribaldo Gomes dos Santos (Org.)
170
ensão dos fundamentos do trabalho social, com integração entre trabalho
manual e intelectual, formação geral e prossional.
Porém, nas relações sociais capitalistas com a hegemonia do capital as
relações de trabalho e a educação encontram-se subsumidas pela produção
de valor, por meio da exploração do trabalho. Em particular, nessa forma so-
cial, a educação, o que inclui a educação escolar, segundo Mészáros (2006, p.
275) assume “[...] duas funções principais numa sociedade capitalista: (1) a
produção das qualicações necessárias ao funcionamento da economia, e (2)
a formação dos quadros e a elaboração dos métodos de controle político”. O
que signica dizer, que não é possível construir uma educação na direção da
emancipação humana, em sua totalidade, nessas relações, o que podemos fa-
zer, ancorados nessa perspectiva contra hegemônica, é construirmos germes,
não sem limites e contradições dessa educação.
No que diz respeito à formação dos jovens no ensino médio, a dispu-
ta de nalidades e concepções não é algo novo no Brasil. Porém, nas últi-
mas décadas vai ganhando maior centralidade com sua expansão numérica
e a entrada de um contingente maior de sujeitos da classe trabalhadores
nesse nível de ensino.
Nessa direção, as reformulações mais recentes do ensino médio e
sua integração com a educação prossional, expressam, em certa medida,
as disputas de concepções educacionais acima referidas. Dessa forma,
o Novo Ensino Médio - NEM é a expressão mais acabada e atual da
Pedagogia do Capital para a formação dos jovens da classe trabalhadora,
numa tentativa de integrar a formação prossional e a formação geral
de forma reducionista, pragmática e precária1. Essa formação encontra-
-se alinhada ao padrão de acumulação do capitalismo contemporâneo: a
acumulação exível, a qual, segundo Harvey (2010), baseia-se na exibi-
lização dos processos de trabalho, dos mercados e dos padrões de consu-
mo. Tal conjectura, coloca novas exigências formativas e provoca intensas
modicações no trabalho e na educação.
Atualmente, resultante das pressões pela revogação do NEM, tramita no Congresso Nacional projeto de
lei - PL encaminhado pelo Ministério da Educação - MEC propondo alterações na Lei 13.415/2017. O
PL pode sofrer diferentes modicações ao longo das discussões pelos parlamentares. Para nossa análise,
interessa, entre outros aspectos, a forma como o NEM explicita um completo alinhamento à Pedagogia
do Capital.
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas - vol. 3
171
A m de abarcar o objetivo proposto, organizamos esse texto em
duas partes. Inicialmente, trazemos os embates de projetos antagônicos
de formação humana para a juventude, na relação entre ensino médio e
educação prossional. Nessa linha, destacamos a formulação da Pedagogia
do Capital no Novo Ensino Médio, em particular o que diz respeito ao
itinerário de formação técnico prossional. Apresentamos, também, uma
análise dos documentos da rede de ensino do Distrito Federal, buscan-
do demonstrar como esse arcabouço orientador se distancia de uma con-
cepção educacional voltada para a emancipação humana, trazendo alguns
pressupostos nessa direção. No segundo momento, buscamos delinear um
panorama da educação prossional no DF, com a apresentação de dados
estatísticos, a análise de especicidades desse território e de similitudes
com a tendência brasileira, e reexões acerca das disputas de espaços e
concepções identicadas no cruzamento dos dados levantados com outras
fontes de informação. Ao nal, tecemos algumas conclusões.
Projetos de formação humana Para a juventude na relação entre
ensIno médIo e educação ProfIssIonal
As disputas e embates no âmbito da educação são uma constância e
atuam como molas propulsoras de diferentes propostas educacionais. No
que diz respeito à formação da juventude, as perguntas: Qual a nalidade
do ensino médio? Qual o papel e a concepção de trabalho nessa formação?
Como se realiza a integração entre trabalho e escola e a integração entre
formação geral e prossional? Essas questões são respondidas de diferen-
tes formas pelas propostas educacionais – as quais se articulam a distintos
projetos societários. Aqui vamos tratar de duas perspectivas antagônicas a
Pedagogia do Capital e a Educação na direção da Emancipação.
Para Fontes (2021, p. 537) “a pedagogia do capital envolve um con-
junto de características pedagógicas da dominação capitalista”, e se reali-
za nos diversos espaços sociais, e nas últimas décadas um fenômeno tem
chamado atenção: a ampliação exponencial da participação de entidades
empresariais na educação.
Henrique Tahan Novaes, Domingos Leite Lima Filho e José Deribaldo Gomes dos Santos (Org.)
172
No que diz respeito às disputas educacionais em torno do ensino
médio brasileiro, nos últimos anos, podemos destacar as intensas reformu-
lações sofridas pela promulgação da Lei n° 13.415, de 16 de fevereiro de
2017. Estabelecida de forma antidemocrática, elaborada e sancionada sem
a participação efetiva do conjunto dos professores, estudantes e entidades
representativas, exprime a proposta mais atual e acabada para a formação
da juventude.
A referida lei adveio de uma medida provisória e foi um dos pri-
meiros atos do governo do presidente Michel Temer (2016 – 2018) insti-
tuído por meio de um golpe parlamentar. Ela possui íntima relação com
outras modicações no âmbito jurídico-formal, as quais alteram profun-
damente a legislação trabalhista, adequando-a às exigências impostas pelo
capitalismo contemporâneo. Entre essas modicações destacam-se: a Lei
da Terceirização (n° 13.429/2017), regulamentando as relações de traba-
lho prestadas por empresas intermediadoras de mão de obra, e a Reforma
Trabalhista (n° 13.467/2017), alterando regras de acordos coletivos, de
remuneração e carreira entre outras, e, também, a Emenda Constitucional
n° 95/2016, que congela os gastos sociais (saúde, educação, previdência
e assistência social) por vinte anos, impondo um duro regime scal a ser
incorporado por todas as esferas do Estado brasileiro.
Nessa tentativa de construir uma estrutura jurídica normativa sobre
todos os aspectos que pudessem apoiar as reformas em andamento, ins-
crevem-se, também, a Resolução CNE/CP nº 1, de 5 de janeiro de 2021
que “Dene as Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a Educação
Prossional e Tecnológica” e a Resolução CNE/CP nº 1, de 6 de maio de
2022 que “Institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação
de Professores da Educação Prossional Técnica de Nível Médio”.
Para Kuenzer (2017), as principais modicações propostas
pela reforma do ensino médio podem ser agrupadas em dois eixos: a carga
horária – com a ampliação e extensão progressiva do tempo e a organização
curricular – com a exibilização dos percursos formativos dos estudantes,
ou seja, para concluírem o ensino médio, os estudantes devem cursar um
bloco comum de formação e mais um itinerário formativo, a ser escolhido
entre as opções existentes: Linguagens e suas tecnologias; Matemática e
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas - vol. 3
173
suas tecnologias; Ciências da natureza e suas tecnologias; Ciências huma-
nas e sociais aplicadas; e Formação técnica e prossional.
Em linhas gerais, percebe-se que o chamado Novo Ensino Médio -
NEM produz uma desconstrução da educação básica, obliterando o acesso
dos jovens, em particular da classe trabalhadora, ao conjunto de conhe-
cimentos comuns e necessários para compreensão da realidade e do tra-
balho na atualidade. Temos reconhecido no processo de implementação
do NEM uma brusca diminuição das disciplinas do campo das Ciências
Humanas e Sociais, bem como das Artes e da Educação Física. Essas jun-
tamente com Filosoa e Sociologia – tinham sido excluídas pela Medida
Provisória e devido às diversas críticas voltaram na Lei n° 13.415/2017
com a denominação de estudos e práticas. Ganham espaço na escola –
outros componentes curriculares, tais como o Projeto de Vida – presente
em todos os itinerários, além de inúmeras disciplinas chamadas de eletivas,
no caso do DF, cada itinerário possui mais de cinquenta dessas disciplinas,
pulverizando o acesso ao conhecimento com a descaracterização do conhe-
cimento escolar.
Apesar do nome instigante, o Projeto de Vida, componente que se
torna obrigatório na proposta do NEM, não tem uma denição muito
clara, podendo ser desde uma variação de coaching sobre autoajuda, de-
senvolvimento de competências socioemocionais de autoconhecimento,
autocuidado etc. a uma proposta mais bem estruturada de orientação para
carreira, entre outras. Porém, na perspectiva da formação do cidadão ne-
oliberal, a tal da construção do projeto acaba por expressar de forma geral
a ideologia que sustenta a proposição do NEM, resumindo na dimensão
individual a responsabilidade por um futuro com cada vez menos garan-
tias, mais incerto.
No que tange à ampliação da carga horária, ela tem sido feita essen-
cialmente por meio da expansão do ensino à distância. É estabelecido no
NEM, para o diurno, até 20 % da carga horária nesse formato e, para o
noturno, até 30%.
Outro aspecto importante da reforma pretendida diz respeito à
participação de grupos econômicos tanto na formulação como na imple-
Henrique Tahan Novaes, Domingos Leite Lima Filho e José Deribaldo Gomes dos Santos (Org.)
174
mentação da proposta. Avalizam a proposta fundações e organizações que
congregam interesses empresariais diversos, incompatíveis com uma oferta
pública e gratuita de qualidade socialmente referenciada.
Alguns desses grupos empresariais apresentam soluções tidas como
inovadoras para problemas gerados pelo próprio capitalismo em crise.
Assumindo, assim, um lugar privilegiado na lógica gerencial junto ao
Estado neoliberal. Tomam para si o discurso da necessidade de dar eci-
ência no uso dos recursos públicos, advogam-se portadores de antídotos
contra a ineciência da administração pública e outras novas roupas do rei
nu, como, por exemplo, a defesa das parcerias público-privadas em toda
a educação pública. No Novo Ensino Médio é mister a atuação do setor
privado, que se faz presente tanto na aprovação da proposta, quanto na
sua implementação. No caso do DF o Sistema S aparece tanto ofertando
cursos no itinerário técnico prossional, como para a formação para os
professores, entre outros.
Percebe-se desde a promulgação da proposta do NEM a ênfase no
itinerário na formação técnico-prossional, de viés simplicado e pragmá-
tica, em contraposição a propostas mais democráticas e expansivas de arti-
culação da educação básica com a formação técnico-prossional. Nesse iti-
nerário houve com a reforma uma maior desconexão de um eixo formativo
comum de formação – ela possibilitou a realização do itinerário em outras
instituições, incluindo principalmente as de cunho privado. Também des-
legitima uma luta histórica da educação prossional, ao permitir a atuação
de prossionais sem formação pedagógica, com notório saber.
Na rede pública de ensino do Distrito Federal (segmento estadual
e federal), atualmente, são 110 escolas de ensino médio, envolvendo
4.048 professores e 87.961 matrículas. Considerando apenas a rede
estadual, 99 (37,6%) escolas, 3.573 (63,8%) professores, 84.206
(73,6%) matrículas (INEP, 2022). Tomamos como referência para essas
análises alguns documentos: Currículo em Movimento (SEEDF, 2020)
e o Caderno Orientador: Itinerários Formativos – Novo Ensino Médio
(SEEDF; 2023), bem como a implementação do ensino médio nessa
rede de ensino. A partir disso vericamos o destaque dado ao Itinerário
Técnico- Prossional, incluindo a intenção dele ser realizado em parcerias,
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas - vol. 3
175
em especial com algumas instituições do chamado Sistema S: o Serviço
Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas - SEBRAE, o Serviço
Nacional de Aprendizagem Comercial - SENAC, e o Serviço Nacional de
Aprendizagem Industrial - SENAI.
Em particular o Currículo em Movimento – atualizado em 2020,
possui aspectos singulares da educação do Distrito Federal, porém mui-
tas questões advêm das orientações nacionais: Base Nacional Comum
Curricular - BNCC (2018), Diretrizes Curriculares do Novo Ensino
Médio (2018), portaria sobre os itinerários formativos (2018), entre ou-
tros. O referido documento postula necessidade da preparação para as
competências do século XXI, voltadas a responder as exigências do mun-
do do trabalho e da sociedade como um todo, tônica da defesa do NEM
também se faz presente:
Dessa forma, é necessário promover possibilidades de acesso a
conhecimentos relevantes que possam ser aplicados à vida, para o
fortalecimento do convívio e das relações do mundo do trabalho por
meio das competências socioemocionais, como: autoconhecimento,
protagonismo, colaboração, criatividade, resolução de problemas,
pensamento crítico, coragem, resiliência e responsabilidade para
o alcance de seus objetivos. A educação é peça-chave para essas
mudanças e, por isso, faz-se mais que necessário buscar novos
modelos educacionais (SEEDF, 2020, p. 21).
Nos documentos referidos, os conceitos de competências e empre-
gabilidade aparecem como pilares da formação a ser realizada aos jovens
do ensino médio. Há uma atualização da perspectiva de competências. A
noção de competências vem sendo incorporada na política educacional no
Brasil desde a década de 1990, porém, na atualidade há um deslocamento
da ênfase no domínio cognitivo para o socioemocional2. As competências
socioemocionais são basilares na BNCC, ou seja, hoje essas competências
se mesclam e fatores emocionais ganham centralidade na formação – com
Sobre essa questão, ver: Ramos e Magalhães (2022).
Henrique Tahan Novaes, Domingos Leite Lima Filho e José Deribaldo Gomes dos Santos (Org.)
176
a intenção de garantir maior controle emocional numa sociedade marcada
pela instabilidade, em particular, no âmbito do trabalho.
No que diz respeito ao empreendedorismo, o conceito também não
é um termo novo da política educacional no Brasil. Mas ganha maior es-
paço e centralidade, com a BNCC e o Novo Ensino Médio. Na proposta
do GDF o empreendedorismo é uma disciplina obrigatória em todos os
itinerários, seu plano de ensino é de autoria do SEBRAE- DF e toma como
referência o Guia Essencial para o empreendedorismo do SEBRAE. Ao
fazer uma pesquisa sobre a concepção de empreendedorismo no SEBRAE,
a luz da pedagogia histórico- crítica, Martins e Castro (2021) dizem que:
Nesse sentido, com base em Gramsci (1999a) consideramos o
empreendedorismo como uma construção ideológica orgânica
que, assentada nas bases materiais da acumulação exível, tem
por nalidade aprofundar a assimilação e subordinação da classe
trabalhadora dentro da concepção burguesa de mundo para
massicar a percepção de que solução para o desemprego é algo
individual que se relacionada ao esforço e ao mérito de cada
um. Também com Gramsci (1999a; 2000), podemos armar
que a ideologia do empreendedorismo integra uma das formas
contemporâneas da armação da hegemonia da classe burguesa
(Martins; Castro, 2021, p. 156).
Em síntese, observamos que o Novo Ensino Médio no Governo do
Distrito Federal - GDF acompanha as propostas e concepções dos docu-
mentos nacionais, e concordamos com Kuenzer (2007, 2017) que nova
normatização do ensino médio expressa a concepção de aprendizagem e-
xível e alinha a formação da juventude ao regime de acumulação exível.
Nessa concepção, há um questionamento a uma prossionalização
especíca e parcelar característica do taylorismo/fordismo, e uma prefe-
rência pela formação dos jovens trabalhadores na educação básica de cará-
ter mais genérico, em contraposição aos cursos de educação prossional e
Tecnológica especializados.
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas - vol. 3
177
Mesmo no itinerário da formação técnico prossional não se pre-
tende realizar uma prossionalização acentuada, ou ainda, segundo as
palavras de um professor da rede do Serviço Social da Indústria - SESI:
formamos para prossões que ainda não existem, num contexto de pro-
funda mutação do mercado de trabalho” (CNI, 2019). Essa concepção
é recorrente manifestada pelos representantes da Pedagogia do Capital e
defensores do NEM.
Daí o caráter “exível” da força de trabalho: importa menos a
qualicação prévia do que a adaptabilidade, que inclui tanto as
competências anteriormente desenvolvidas, cognitivas, práticas
ou comportamentais, quanto a competência para aprender e para
submeter-se ao novo, o que supõe subjetividades disciplinadas
que lidem adequadamente com a dinamicidade, a instabilidade, a
uidez (Kuenzer, 2017, p.341).
Como vimos, há um processo de alongamento da escolarização, ou
seja, os jovens no Brasil estão passando mais tempo na escola, e essa am-
pliação do tempo é tanto vertical (aumento das horas diárias), como hori-
zontal – (ampliação dos anos de escolarização), característica da escola sob
a acumulação exível.
No entanto, essa ampliação do acesso à escola, uma luta histórica da
classe trabalhadora, não vem acompanhada da ampliação da estrutura, dos
recursos materiais, como também de professores e funcionários. Para os
jovens da escola pública vem sendo disponibilizado acesso ainda mais pre-
cário ao conhecimento, o que diculta a possibilidade de seguir os estudos
em nível superior de maior qualidade.
Essa formação tem por objetivo fazer com que os jovens aceitem for-
mas mais exíveis e precárias de trabalho, ajustando-se melhor às diversas
tarefas temporárias e repetitivas, aprendendo a conviver com trabalhos atí-
picos, a informalidade e o desemprego. Para isso não há um investimento
maior de uma educação prossional e sim formação referenciada em com-
petências genéricas - que serão requeridas nos diversos trabalhos simples a
serem desempenhados pelos estudantes, como também para tornarem-se
Henrique Tahan Novaes, Domingos Leite Lima Filho e José Deribaldo Gomes dos Santos (Org.)
178
empreendedores, o que signica de fato saber se virar e garantir sua so-
brevivência, alternando trabalhos precários com o desemprego. Para isso a
desconexão entre formação prossional e formação geral, como também a
precarização de ambas, é funcional, ou seja, garante mais tempo dos jovens
na escola- maior controle sobre eles e contribui na contenção social, ao
mesmo tempo não fornece instrumental teórico-prático relevante para a
conhecimento da realidade e suas contradições, e nem os fundamentos de
uma prática laboral.
A educação na direção da Emancipação Humana3, na contraposição
à Pedagogia do Capital, altera substantivamente o conteúdo e forma, das
suas nalidades/objetivos, da concepção de trabalho e sua integração com
a formação geral. Para Frigotto (2021, p.383) Emancipação Humana “tra-
ta de um processo histórico em construção de superação de todas as formas
de alienação, exploração e dominação de classe ou grupos sobre os outros.
(...) onde e o livre desenvolvimento solidário e cooperativo que signique
o desenvolvimento de todos. Ao tratar da pedagogia socialista, trazemos a
seguinte formulação:
Ela se contrapõe à pedagogia do capital, ou seja, ao processo
de internalização das relações sociais sob o modo de produção
capitalista, distinguindo-se destas pelos sujeitos que a produzem –
os trabalhadores; por nalidades formativas sociais, as quais visam
contribuir para a formação humana de lutadores e construtores
de uma sociedade emancipada; e pelos métodos que integram
teoria e prática na formação omnilateral (Bahniuk; Dalmagro,
2021, p. 546).
A educação na direção da emancipação tem por base a concepção mar-
xista que pode ser sintetizada na articulação entre três elementos essenciais:
o trabalho, o estudo, a educação física. Em particular, o trabalho possui uma
dupla dimensão - de ser ao mesmo tempo ontológico- o que diferencia os
seres humanos dos animais, sua essência está na capacidade de transformar
Outras denominações como Pedagogia Socialista, Pedagogia do Trabalho, Educação Omnilateral, Educação
Marxista podem ser lidas como sinônimo da Educação na direção da Emancipação.
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas - vol. 3
179
a natureza para produção da sua existência; e histórico, que signica armar
que a forma da realização do trabalho muda ao longo do tempo, a depender
do modo de produção e das relações estabelecidas por ele.
O trabalho na concepção educacional aqui proposta é o elo entre
a teoria e a prática, entre a vida e o estudo, porém se afasta de um mero
aprender a fazer ou aprender pela prática, diz respeito ao domínio teóri-
co-prático dos processos de produção es seus diferentes setores e ramos, o
que pressupõe o conhecimento cientíco e o escolar. Refere-se a apreensão
do processo de trabalho desde a sua concepção à sua execução, numa não
separação entre trabalho manual e intelectual, numa unidade entre teoria
e prática. (Bahniuk; Dalmagro; 2021). Esses pressupostos marxistas englo-
bam os processos educacionais de todas as idades.
Como dissemos anteriormente, essa educação não se realiza em sua
totalidade pelo jugo do trabalho alienado, é necessária uma superação das
relações sociais capitalistas e do trabalho explorado, para que ela consiga se
desenvolver otimamente. O que se coloca como possível, nessas relações
é tensionar a educação pública, estatal, hegemônica e construir germes de
uma formação mais ampla e rica. Podemos dizer que algumas experiências,
como algumas escolas nos assentamentos do MST e de outros movimentos
sociais, a Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV), alguns
cursos de certos institutos federais e outros espaços, tomam como refe-
rência a concepção de educação voltada para a Emancipação Humana, e
constrói germes nessa direção, não sem muitos limites e contradições nas
relações sociais capitalistas.
Nessa direção, considerando o grande contingente de jovens no
Brasil que precisam conciliar estudos e trabalho, e esse último, na maioria
das vezes não formal, temporário e precário é condição para o jovem con-
tinuar os estudos no ensino médio. Isso coloca a questão da prossionali-
zação no ensino médio um tema presente, ou como chamado por Frigotto,
Ciavatta, Ramos (2005) como uma travessia na materialidade do nosso
tempo histórico. Reetindo à integração do ensino médio com o ensino
prossional, estimulados por esses pressupostos da educação na direção da
emancipação, ambos não serão colocados numa oposição entre formação
geral e formação prossional, ou seja, buscará permitir o acesso a uma
Henrique Tahan Novaes, Domingos Leite Lima Filho e José Deribaldo Gomes dos Santos (Org.)
180
formação geral ampla e rica de conhecimentos gerais, na qual as discipli-
nas das Ciências Humanas como também e as Artes e a Educação Física
se façam presentes. Inclusive, ajudando os estudantes a compreenderem o
modo de produção na atualidade, os fundamentos cientícos do processo
de produção e a tecnologia no capitalismo, bem como outras formas passa-
das e futuras dos seres humanos produzirem a sua existência, mas também
extrapolando as dimensões do trabalho.
A apreensão de técnicas e procedimentos especícos de uma pros-
sionalização, não podem car restritos a um mero saber fazer e nem distan-
tes da compreensão do papel social de determinada prossão e/ou ramo da
produção para a humanidade e quais características ela assume nas relações
sociais capitalistas. Como também, compreender os processos de trabalho,
para além de determina técnica ou procedimentos, buscando não sem li-
mites compreender não só a execução, mas a elaboração o planejamento
sobre o trabalho. Articular os estudantes com os acontecimentos políticos,
econômicos, sociais e naturais do país e do mundo e das lutas sociais em
curso, para potencializar uma formação crítica. Ao mesmo tempo, estimu-
lar e dar condições para os estudantes continuem seus estudos no Ensino
Superior, e que lutem pelo direito de acessarem a universidade pública, de
terem trabalhos menos precários e que se coloquem na construção ativa da
transformação social, condição para a eliminação da exploração e desigual-
dades sociais.
a educação ProfIssIonal no dIstrIto federal: contexto em números
O DF é considerado uma Unidade Federativa (UF) especial esta-
belecida pelo Instituto Brasileiro de Geograa e Estatística (IBGE) como
uma mesorregião, integrada em um mesmo território com a microrregião
nomeada Brasília. Atualmente, o DF está organizado em 33 regiões admi-
nistrativas (RA) e possui uma população de 2,8 milhões de habitantes, sen-
do a 20ª UF mais populosa, porém, com a maior densidade demográca,
489,01 habitantes/km2 (IBGE, 2022).
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas - vol. 3
181
Devido a sua organização administrativa, não há no DF rede mu-
nicipal, a oferta pública de ensino é constituída pela rede estadual, e pelas
instituições federais que, no âmbito da educação prossional, se resume
ao Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Brasília - IFB.
Segundo dados da Secretaria de Estado da Educação do DF –
SEEDF, a rede estadual vinculada a essa Secretaria, conta atualmente com
16 unidades com oferta de cursos de educação prossional, distribuídas em
8 regiões administrativas (Brazlândia, Ceilândia, Gama, Guará, Planaltina,
Plano Piloto/Cruzeiro, Santa Maria e Taguatinga), com mais uma unidade
em obras na RA do Paranoá. É importante destacar que a rede estadual
pública de educação prossional no DF conta também com Escola Técnica
de Saúde de Brasília - Etesb, vinculada à Secretaria de Saúde do DF, com
importante oferta de cursos nessa área.
Conforme abordado anteriormente, com o início da implementação
do chamado Novo Ensino Médio, em 2022, a SEEDF buscou ampliar a
oferta de educação prossional para alcançar todas as suas escolas de en-
sino médio, sendo que essa ampliação se deu, inicialmente, por meio de
parcerias externas com instituições privadas como o SENAI e o SENAC.
Ainda de acordo com dados da Secretaria, foram abertas 6.920 va-
gas, sendo 4.587 para cursos da educação prossional técnica de nível mé-
dio, 1.004 para o itinerário formativo de formação técnica prossional no
ensino médio e 1.329 para cursos FIC4 (SEEDF, 2023). Parte dos recursos
para custeio dos cursos técnicos e FIC vem do Ministério da Educação -
MEC, no âmbito do Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e
Emprego - Pronatec (transformado em Programa Novos Caminhos em
2019, retomando a denominação Pronatec em 2023), por meio da adesão
à Bolsa-Formação, desde 2014.
No segmento federal, diferente de outros estados nos quais a existên-
cia de instituições federais de educação prossional vem de longa data, em
alguns casos desde a criação das Escolas de Aprendizes Artíces em 1909,
Conferir matéria disponível em: https://www.educacao.df.gov.br/portas-para-o-mundo-do-trabalho/.
Acesso em: 04 out. 2023.
Henrique Tahan Novaes, Domingos Leite Lima Filho e José Deribaldo Gomes dos Santos (Org.)
182
no DF, a presença efetiva da chamada Rede Federal começa a se consolidar
a partir do nal de 2008 com a criação do IFB.
O primeiro campus do IFB foi implantado em 2009, em Planaltina,
a mais antiga das cidades na região do DF, em um processo de federaliza-
ção do então Colégio Agrícola de Brasília, criado em 1959 e inaugurado
em 1962 como Escola Agrotécnica de Brasília. Inicialmente vinculada ao
Ministério da Agricultura, essa instituição passou por várias transforma-
ções, com mudanças de denominação, de estrutura e de subordinação até
se constituir como campus do IFB. Ainda em 2009, iniciou-se o processo
de implantação dos campi Brasília (Plano Piloto), Gama, Samambaia e
Taguatinga. Em 2011, os campi Ceilândia, Estrutural, Riacho Fundo, São
Sebastião e Taguatinga Centro. Em 2018, o campus Taguatinga Centro foi
transferido o Recanto da Emas.
O IFB oferta cursos técnicos nas formas integrada e subsequente ao
ensino médio, cursos técnicos integrados com o ensino médio EJA, cursos
de graduação e de pós-graduação (especialização e mestrado) e FIC. Dada
a condição do DF em que as distâncias entre os campi do IFB são relativa-
mente próximas, em comparação aos IF de outros estados, no planejamen-
to institucional optou-se pela não concorrência entre campi em termos de
oferta. Assim, cada unidade oferece cursos distintos.
De acordo com as informações do portal do Instituto, atualmente,
todos os campi têm ofertas de cursos técnicos nas formas integrada (17
cursos) e subsequente (25 cursos). Em relação aos cursos técnicos integra-
dos com o ensino médio EJA, criados no âmbito do Programa Nacional de
Integração da Educação Prossional com a Educação Básica na Modalidade
de Educação de Jovens e Adultos – Proeja, o IFB oferta atualmente 7 cur-
sos, um em cada campus, não tendo oferta apenas nos campi Plano Piloto,
Ceilândia e Taguatinga. Entre os cursos técnicos subsequentes, há também
a oferta na modalidade de educação a distância - EaD com polos no DF e
em Goiás.
No cenário mais amplo, segundo dados do Censo da Educação
Básica 2022, o DF é responsável por 30,4% (30.578) das matrículas da
educação prossional na Região Centro-Oeste, sendo 29.604 (96,8%)
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas - vol. 3
183
dessas matrículas em cursos técnicos de nível médio e 974 (3,2%) em cur-
sos de formação inicial e continuada - FIC.
Em relação apenas aos cursos técnicos de nível médio, o segmento
público responde por 14.573 (49,2%) matrículas enquanto o privado por
15.031 (50,8%). A participação dos segmentos público e privado irá se
alterar de acordo com a forma/modalidade de oferta dos cursos técnicos de
nível médio, se integrada, concomitante, subsequente ou integrada à EJA.
No conjunto dos cursos técnicos é computado também o ensino médio
Normal/Magistério, com oferta somente na rede estadual e de forma resi-
dual com apenas 47 matrículas, o que corresponde a 0,2% das matrículas
em cursos técnicos no DF.
As matrículas no ensino médio Integrado – EMI correspondem a
apenas 16,9% (5.005) do total de matrículas em cursos técnicos de nível
médio no DF. Dessas, a maior parte está no segmento público, sendo a
rede federal, ou seja, o IFB, responsável por 2.314 (46,2%) e a SEEDF
por 1.079 (21,6%). O segmento privado participa com 1.612 (32,2%)
matrículas. Ainda em relação ao EMI, porém na modalidade EJA, o Censo
2022 registra 486 matrículas em todo o DF, sendo 313 na rede federal, 65
na estadual e 108 no segmento privado. Em outras palavras, o IFB puxa
para cima o número de matrículas do segmento público no EMI, sendo a
participação da SEEDF relativamente tímida.
Seguindo a tendência nacional, o maior número das matrículas na
educação prossional técnica de nível médio no DF está em cursos na for-
ma subsequente ao ensino médio. O Censo 2022 registra 19.755 (66,7%)
matrículas nesses cursos, sendo 9.923 na rede privada, 7.074 na rede esta-
dual e 2.758 na rede federal.
Enm, na forma concomitante, quando o estudante cursa o ensino
médio em uma escola e o curso técnico em outra, o Censo 2022 registra
4.311 matrículas no DF, correspondendo a 14,6% do total de matrículas
em cursos técnicos. A rede estadual reponde por 923 dessas matrículas e a
rede privada por 3.388. Destaca-se que o IFB não possui cursos técnicos
concomitantes. Em nossas pesquisas não foi possível precisar se isso decor-
re de uma opção institucional do IFB, de uma negativa ou não interesse
Henrique Tahan Novaes, Domingos Leite Lima Filho e José Deribaldo Gomes dos Santos (Org.)
184
do Governo do Distrito Federal – GDF no estabelecimento de acordo, de
alguma preferência do GDF por uso da própria rede ou estabelecimento de
parceria com instituições privadas.
Na fotograa da educação prossional no DF, é importante consi-
derar dos 5.779 km² de Brasília, cerca de 3.000 km² são considerados área
rural com uma importante produção agrícola de feijão, trigo, mel, ovos,
hortaliças entre outros produtos (CODEVASF, 2022). Todavia, quase a
totalidade das matrículas em cursos da educação prossional estão em es-
tabelecimentos de ensino em área urbana, 95,4%, e apenas 3,2% dessas
matrículas estão em escolas na área rural.
Em relação ao perl de estudantes na educação prossional, o Censo
Escolar 2022 registra 60,6% das matrículas de estudantes do sexo feminino
e 39,4% do sexo masculino. Na categoria raça/cor, 43,4% não declararam,
34,5% se autodeclararam pardas(os), 17,0% brancas(os), 4,3% pretas(os),
0,6% amarelas(os) e 0,2% indígenas. Quanto à faixa etária, até 14 anos
0,4% das matrículas, de 15 a 17 anos 19,8%, de 18 a 19 anos 10,3%, de
20 a 24 anos 19,7%, 25 anos ou mais, 49%. Observamos, pois, um perl
predominantemente feminino, com um alto percentual de não declaração
de cor/raça e prevalência de pardas(os) entre as(os) que se autodeclararam,
assim como a preponderância de um público adulto (79,8% com 18 anos
ou mais).
Ainda de acordo com o Censo da Educação Básica 2022, atuam
na educação prossional no DF 1.519 docentes, 68,5% (1.041) deles na
rede pública, a maioria na rede federal (52,2%), onde se encontra também
o maior número de concursados efetivos (47,5%). Na rede estadual, os
quantitativos de concursados efetivos e temporários são próximos: 275 no
primeiro caso e 234 no segundo, registrando também 6 docentes tercei-
rizados. O perl docente da educação prossional no DF é majoritaria-
mente masculino, correspondendo a 51, 3% do total, enquanto o percen-
tual de docentes do sexo feminino é de 48,7%. A faixa etária de 30 a 49
anos concentra 70,8% desses prossionais. 97,2% são graduados e, desses,
75,7% são licenciados, 38, 1% cursaram alguma especialização, 22,7%
têm mestrado e 16,4% doutorado.
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas - vol. 3
185
O Censo 2022 registra, ainda, 74 estabelecimentos de ensino com
matrículas na educação prossional, sendo 49 (66,2%) da rede privada, 15
(20,3%) da rede estadual e 10 (13,5%) da rede federal, ou seja, os campi
do IFB.
Além dos números especícos da educação prossional, para com-
preensão do contexto de sua oferta no DF e dos embates e desaos enfren-
tados por aqueles que defendem uma proposta de educação para a emanci-
pação humana de formação para a classe que vive do trabalho, é necessário
considerar a dimensão da desigualdade social nesse território.
Ideias pedagógicas neoprodutivistas aderentes à ideologia neoliberal
têm encontrado campo fértil em um território em que há décadas tem se
fortalecido o discurso do mérito, do individualismo, da criminalização dos
movimentos sociais e das lutas coletivas. Uma das anedotas contadas pe-
los estudantes expressa essa questão nos seguintes termos: “Ser brasiliense
é nascer, crescer, comprar um umidicador, prestar concurso e nanciar
um apartamento em Águas Claras5. Águas Claras é a sétima RA em com
maior rendimento bruto domiciliar médio, R$14.056,73, e está classica-
da no grupo 2 de rendimento, Renda Média Alta (CODEPLAN, 2021).
A anedota expressa em certa medida a representação social de uma pessoa
bem-sucedida de classe média.
O DF registra o melhor Índice de Desenvolvimento Humano (IDH)
do país, 0,814. O rendimento nominal mensal domiciliar per capita, em
2022, era de R$ 2.913 (IBGE, 2023), colocando o DF em primeiro lugar
na comparação com outros estados. Porém, enquanto na RA Lago Sul o
rendimento bruto domiciliar mensal médio é de R$31.322,91, na RA SCIA
Estrutural é de R$2.014.03, 15,5 vezes menor (CODEPLAN, 2021).
Essa desigualdade é vericada também no campo educacional.
36,3% da população do DF, com 25 anos ou mais, tem o ensino superior
completo. Na RA mais rica (Lago Sul), 87.2% dos moradores nesse seg-
mento de idade completaram a educação superior, enquanto na RA com
menor rendimento (SCIA Estrutural) esse número é de apenas 4,6%.
Variações dessa anedota podem ser encontradas nas redes sociais como a disponível em: https://twitter.com/
castrijon/status/497077262634999808. Acesso em: 04 out. 2023.
Henrique Tahan Novaes, Domingos Leite Lima Filho e José Deribaldo Gomes dos Santos (Org.)
186
É interessante, ainda, notar que exceto os campi Plano Piloto e
Taguatinga, os demais campi do IFB estão localizados em regiões de renda
média baixa e renda baixa, conforme classicação adotada pela Companhia
de Planejamento do Distrito Federal – Codeplan. Nas localidades onde
as instituições da Rede Federal são centenárias, elas gozam de grande
reputação, até mesmo pelo caráter elitista que assumiram em determinado
período na oferta do chamado ensino médio propedêutico, mas também
pelas lutas em defesa de uma educação prossional de qualidade. Como
uma instituição relativamente nova, o IFB não goza desse benefício. Tendo
conquistado gradativamente sua imagem.
Esse desconhecimento do que seja uma instituição de prossional e
tecnológica ou mesmo do que é essa modalidade de ensino, em suas especi-
cidades pedagógicas e epistemológicas, foi também a realidade vivenciada
por muitos de seus professores ao ingressar em seus quadros via concurso
público. Nesse contexto, mesmo havendo algum debate sobre o ensino
médio integrado nessa instituição, a apropriação mais profunda e densa
das implicações de um e outro modelo é um desao.
Apesar de isoladamente os números da educação prossional no DF
não explicitarem muito sobre as concepções em disputa, conectados com
outras fontes de dados como os sites da SEEDF, do IFB e de instituições
privadas, torna-se possível indicar alguns achados.
Os documentos do IFB apontam claramente para uma perspectiva de
formação mais ampla, indicando os cursos integrados como uma construção
histórica da travessia possível para o desenvolvimento das condições de supe-
ração da divisão entre trabalho intelectual e trabalho manual, entre teoria e
prática, ciência e técnica. Sabe-se, entretanto, da distância entre a proposta e
sua realização e das diculdades de diferentes vieses nesse caminho.
Por outro lado, os documentos da SEEDF, como explicitado ante-
riormente, apontam para a convergência com a perspectiva dominante,
com a adesão à proposta do NEM. No entanto, sabe-se também da resis-
tência a esse modelo entre docentes e outros prossionais da educação da
rede estadual. Resistência essa manifestada desde a sala de aula na procura
por dar um sentido a componentes como o Projeto de Vida no NEM a ex-
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas - vol. 3
187
pressões mais explícitas nos debates e nas lutas coletivas contra a precariza-
ção cada vez mais acentuada de suas carreiras, como mostram os números
sobre os tipos de vínculo trabalhista.
Considerando que a rede privada é a maior ofertante e que a maior
parte das matrículas na educação prossional técnica de nível médio está
em cursos na forma subsequente, e combinando esses dados com propa-
gandas e informações presentes nos sites de diferentes instituições privadas,
é possível observar a prevalência no DF da concepção orientada por noções
como as de meritocracia, empreendedorismo, e a de self-made man.
Enm, apenas como provocação, é bom lembrar que as Confederações
Nacionais da Indústria - CNI e do Comércio - CNC têm sede em Brasília,
e suas entidades SESI, SENAI, SESC e SENAC possuem grande visibili-
dade no território e na disputa sobre concepções de formação prossional.
consIderações fInaIs
O texto teve com norte mostrar a disputa presente na formação dos
jovens da classe trabalhadora, em especial no Ensino Médio e sua relação
com a Educação Prossional. A concepção da pedagogia do capital, ex-
pressa no Novo Ensino Médio, voltado para adaptar os jovens ao trabalho
precário e ao desemprego. Nessa propositura há uma intensa desvaloriza-
ção do conhecimento escolar, do papel do professor, da capacidade e auto-
nomia dos jovens. Aqui, a educação é vista como um fator importante na
formação de força de trabalho - dócil e embrutecida para a valorização do
valor e da conservação do capitalismo em crise. A educação, nesse contex-
to, torna-se uma mercadoria, geradora de lucro, e nas últimas décadas essa
questão ganha mais dramaticidade com a existência de inúmeras parcerias
-público privadas e a inserção de grupos empresariais na educação. Tal si-
tuação, tem mercantilizado ainda mais a educação pública e garantido o
controle da formação da classe trabalhadora para seu projeto de sociedade
particularista, da classe dominante, voltado a atender seus interesses.
Henrique Tahan Novaes, Domingos Leite Lima Filho e José Deribaldo Gomes dos Santos (Org.)
188
Em contraponto, a concepção da educação na direção da
Emancipação Humana, articula estudo, trabalho e educação física e de-
senvolve-se otimamente somente com a superação da forma social do
capital, superando as classes sociais e o trabalho explorado/ alienado e
outras formas de separação do ser humano da produção da riqueza, ma-
terial e social da humanidade. Pressupõe uma educação ampla e rica que
envolva as diversas dimensões do ser humano: cientíca, corporal, emo-
cional, política, estética, entre outros. Nas relações sociais capitalistas em
que vivemos, tendo o horizonte a Emancipação Humana e em articula-
ção com as lutas da classe trabalhadora, a educação escolar, em especial
a formação dos jovens no Ensino Médio, precisa lutar contra a redução
do conhecimento cientíco/ escolar de base para todos, precarização do
trabalho docente e condições estruturais na escola, contra a inserção das
entidades empresariais na educação pública. Nesse caminho, não tomar
a formação geral e prossional como oposição, mas realizá-las em maior
integração, bem como compreender que ambas tem como objetivo dar
maiores condições aos jovens de inserção crítica no trabalho e na vida, fa-
zendo com que eles consigam interpretar a realidade e suas contradições
e se inseriram em processos de luta para a transformação da sociedade
desigual que vivemos.
Quanto ao cenário da educação prossional, percebe-se que a rede
estadual e a privada se aliam em termos de concepções e propostas pedagó-
gicas, tornando a perspectiva por elas abraçadas amplamente dominante.
Em via distinta, o IFB se alia a outras instituições da Rede Federal na traje-
tória de estabelecimento da proposta pedagógica do ensino médio integra-
do, abarcando também esforços para a manutenção da oferta desses cursos
na modalidade EJA, que, embora tímidas, contribuem para manter aceso
o debate sobre as especicidades do atendimento a esse público.
Observa-se, também, que a oferta de educação prossional no DF
praticamente ignora as demandas da área rural de Brasília, o que se torna
particularmente relevante considerando a importante presença de assenta-
mentos e propriedades com produção familiar orientada pelas perspectivas
da sustentabilidade, da produção orgânica e da agroecológica.
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas - vol. 3
189
Enm, destaca-se o impacto das questões decorrentes da desigual-
dade socioeconômica no cenário da educação prossional do DF. Há nes-
se contexto a prevalência de valores e perspectivas que apontam para a
negação de pertencimento à classe trabalhadora e, consequentemente, de
alinhamento a suas demandas e lutas.
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dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, e 11.494,
de 20 de junho 2007, que regulamenta o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento
da Educação Básica e de Valorização dos Prossionais da Educação, a Consolidação das
Leis do Trabalho - CLT, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943,
e o Decreto-Lei nº 236, de 28 de fevereiro de 1967; revoga a Lei nº 11.161, de 5 de
agosto de 2005; e institui a Política de Fomento à Implementação de Escolas de Ensino
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e dá outras providências; e dispõe sobre as relações de trabalho na empresa de prestação
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192
193
8
Reforma do ensino médio e da
educação prossional nos institutos
federais em Santa Catarina:
transformações do projeto
formativo do currículo integrado
Ana Carolina Bordini Brabo Caridá
Domingos Leite Lima Filho
aPresentação
A formação prossional, cientíca e tecnológica e o currículo in-
tegrado são temas centrais do GT09 – Trabalho e Educação da Anped
(Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação). Este de-
bate nuclear, que está no coração das discussões, é polêmico e o artigo co-
loca a necessidade de ampliar a discussão. Tem o Ensino Médio Integrado
(EMI) como objeto de estudo das relações trabalho, educação e sociedade,
desnudando o projeto do capital para a formação da classe trabalhadora, a
partir de uma análise da proposta pedagógica do currículo integrado, suas
concepções políticas e losócas.
https://doi.org/10.36311/2024.978-65-5954-526-1.p193-220
Henrique Tahan Novaes, Domingos Leite Lima Filho e José Deribaldo Gomes dos Santos (Org.)
194
Nos últimos anos o Estado publicou uma série de medidas relativas
ao mundo do trabalho e da educação que precisam ser compreendidas
de um ponto de vista mais amplo e que estão relacionadas à Reforma do
Ensino Médio (EM) e da Educação Prossional (EP). São elas: Emenda
Constitucional nº 95/2016 (Teto dos Gastos Públicos), Lei 13.415/2017,
Reforma Trabalhista (Lei 13.467/2017), Diretrizes Curriculares Nacionais
para o Ensino Médio (2018), Base Nacional Comum Curricular (BNCC,
2018), Base Nacional Comum para a Formação Continuada de Professores
da Educação Básica (2019), Catálogo Nacional de Cursos Técnicos
(2020), Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Prossional e
Tecnológica (Resolução n.1, 2021), Diretrizes Curriculares Nacionais para
a Formação de Professores da Educação Prossional Técnica de Nível Médio
(Resolução CNE/CP n. 1, de 6 de maio de 2022) e Decreto 10.656/2021
(dispõe sobre o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação
Básica e de Valorização dos Prossionais da Educação).
Partimos do pressuposto que a Reforma da Educação Prossional1 é
uma parte integrante da Reforma do Ensino Médio, alinhada à discussão
que compreende o mundo do trabalho e da educação como partes indis-
sociáveis na elaboração de políticas educacionais que se retroalimentam
na sociedade do capital. Mais especicamente, o debate desenvolvido no
presente texto se aproxima dos Institutos Federais de Educação, Ciência
e Tecnologia (IFs) do estado de Santa Catarina, a m de vericar as ar-
ticulações da reforma com os projetos societários em disputa e como as
políticas estão sendo implementadas ou não nos cursos de Ensino Médio
Integrado (EMI). Neste estado, temos duas instituições que representam
a educação prossional em âmbito federal, são elas: Instituto Federal de
Santa Catarina (IFSC) e Instituto Federal Catarinense (IFC).
Para tanto, estamos analisando quais foram as transformações do
projeto formativo do Ensino Médio Integrado no IFSC e no IFC, levando
em consideração os documentos produzidos pelas instituições, suas orien-
tações e diretrizes internas, no que se refere a menção à lei 13.415/2017,
a BNCC e à Resolução nº 1 (2021). Neste texto, estão sendo utilizadas
Ainda que não haja uma denominação ocial no discurso governamental, pode-se considerar que o
conjunto de medidas anunciadas constitui efetivamente uma reforma da educação prossional.
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas - vol. 3
195
algumas categorias que já foram balizadoras de pesquisas anteriores sobre
a temática, desenvolvidas por Araújo (2022) e Paixão (2023). De acordo
com os estudos realizados, a Reforma do EM e da EP pode signicar a
reconguração do EMI ofertado na rede federal de educação.
O trabalho busca contribuir com a pesquisa e sistematização de da-
dos cientícos e com os debates acerca deste objeto que está em movi-
mento e implementação. Está fundamentado no materialismo histórico e
dialético, um paradigma acadêmico que pensa por si só o binômio teoria
e prática de maneira indissociável. A seguir argumentamos sobre a impor-
tância de pesquisar a relação entre o currículo integrado e a Reforma do
EM e da EP, explicitando as motivações acerca do estudo desse objeto.
Um dos pressupostos que orienta este trabalho é que a educação está
intimamente relacionada às novas formas de organização do trabalho, às
novas exigências do consumo, às novas pressões políticas e aos interesses
em uma formação que conduza os sujeitos a terem uma conduta ético-mo-
ral especíca que não obstrua os interesses do empresariado. Enquanto
processo formativo com vistas ao mundo do trabalho, a educação é cons-
tantemente ressignicada pelos intelectuais orgânicos do capital. Essa re-
presentatividade promove a articulação dialética entre convencimento e
consentimento para moldar a vida social e, dessa maneira, a ideologia bur-
guesa chega na escola (Kuenzer, 2017).
A história se move por contradições e interesses contrários e fazer
ciência com base no método materialista histórico e dialético é se compro-
meter com os valores sociais, humanitários, democráticos e com uma edu-
cação de qualidade socialmente referenciada. Muitos são os limites para a
materialização do currículo integrado e dos distintos projetos societários
em disputa, mas a perspectiva epistemológica que orienta este texto parte
da aproximação com o conceito de formação humana integral, tanto no
sentido da produção de conhecimento crítico, quanto na abordagem dos
processos de ensino e aprendizagem, pensando a formação de sujeitos ple-
nos, críticos e transformadores.
Partimos do ponto de vista que a Reforma da EP está integrada à
Reforma do EM, pois ela tem como um de seus eixos formativos o ensino
Henrique Tahan Novaes, Domingos Leite Lima Filho e José Deribaldo Gomes dos Santos (Org.)
196
prossionalizante (itinerário formativo 5 da Lei 13.415/2017: formação
técnica prossional) e em seguida são dadas as demais providências para
sua concretização. Para compreender mais a fundo estas conexões, seu de-
senvolvimento e consequências, estamos realizando estudo de caso nos
dois IFs do estado de Santa Catarina (IFSC e IFC), espaços que têm em
sua origem a formação prossionalizante.
Nestes contextos é importante desvelar as particularidades envol-
vidas na implementação ou não da Lei 13.415/2017, da Base Nacional
Comum Curricular (2018) e normatizações complementares já citadas,
analisando seus impactos dentro de escolas que se diferenciam das demais
justamente pela sua vinculação ao mercado e a formação da juventude.
Tendo como ponto de partida essa discussão é possível perceber os rumos
do EMI no país, as concepções político-pedagógicas que estão em disputa,
as possíveis correlações de forças envolvidas e como todas essas questões
transformam e transformarão os projetos formativos voltados à juventude.
1. PolítIcas educacIonaIs: contrarreforma do ensIno médIo e da
educação ProfIssIonal
Neste primeiro tópico serão explicitadas algumas orientações e di-
retrizes vigentes nos anos noventa e início dos anos dois mil, acerca das
concepções em torno do Ensino Médio Integrado à Educação Prossional,
até publicações mais recentes que dão base ao que está sendo denominado
como contrarreforma do EM e da EP.
É oportuno esclarecer o uso da terminologia contrarreforma. Muitos
pesquisadores utilizam esta denominação, a partir da formulação de ori-
gem marxista e gramsciana. Para caracterização desta categoria, Coutinho
(2012) traz as seguintes denições:
A palavra “reforma” foi sempre organicamente ligada às lutas dos
subalternos para transformar a sociedade e, por conseguinte, assumiu
na linguagem política uma conotação claramente progressista e
até mesmo de esquerda. O neoliberalismo busca assim utilizar a
seu favor a aura de simpatia que envolve a ideia de “reforma”. É
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas - vol. 3
197
por isso que as medidas por ele propostas e implementadas são
misticatoriamente apresentadas como “reformas”, isto é, como
algo progressista em face do “estatismo” (...). Estamos assim diante
da tentativa de modicar o signicado da palavra “reforma”: o
que antes da onda neoliberal queria dizer ampliação dos direitos,
proteção social, controle e limitação do mercado etc., signica
agora cortes, restrições, supressão desses direitos e desse controle.
Estamos diante de uma operação de misticação ideológica que,
infelizmente, tem sido em grande medida bem sucedida (Coutinho,
2012, p. 122).
Portanto, falar em contrarreforma do EM e da EP é “caracterizar
políticas que, apesar de se apresentarem como progressistas, representam, em
essência, movimento de conservação ou restauração” (Pelissari, 2023, p. 4).
Para Coutinho (2012) “o que caracteriza um processo de contra-reforma não
é assim a completa ausência do novo, mas a enorme preponderância da
conservação (ou mesmo da restauração) em face das eventuais e tímidas
novidades” (Coutinho, 2012, p. 124).
O governo de Fernando Henrique Cardoso, mediante a exaração
do Decreto nº 2.208/97 proibiu a oferta do ensino médio integrado à
educação prossional técnica de nível médio (uma das modalidades até
então possíveis de oferta nos moldes denidos pela lei 5.692/1971), es-
tabelecendo as modalidades subsequente e concomitante como as únicas
possíveis da articulação entre o ensino médio e a formação técnico-pro-
ssional. Além disso, xou metas para a diminuição das vagas de Ensino
Médio ofertadas pelas escolas técnicas federais e CEFETs.
Apesar da resistência vericada na comunidade educacional desde
sua concepção e implementação, o Decreto 2.208/97 vigorou até o ano
de 2004, quando em um contexto de um novo governo federal (de Luis
Inácio Lula da Silva) e de intensos debates e disputas foi exarado novo de-
creto, o 5.154/2004, que revogou o anterior e restituiu a possibilidade da
oferta integrada, mantendo as outras duas (concomitante e subsequente).
Podemos considerar que esta nova regulamentação resulta de uma formu-
lação que reete a correlação de forças no momento histórico. A partir de
Henrique Tahan Novaes, Domingos Leite Lima Filho e José Deribaldo Gomes dos Santos (Org.)
198
então, passa a ter destaque, na forma de oferta integrada, a construção do
que passou a denominar-se Ensino Médio Integrado (EMI).
De acordo com Gaudêncio Frigotto, Maria Ciavatta e Marise Ramos
(2012), o EMI é uma modalidade de ensino que ainda sofre o fantasma do
decreto 2.208/97, o qual dissociava ciência e técnica e estruturava o ensino
médio federal com base na concomitância e subsequência, Observa-se que
convivendo com o processo de construção do EMI, a presença ou inuência
desta concepção de dissociação (materializada nas formas concomitante e sub-
sequente) permanece mesmo após o decreto 5.154/2004 e que segue vigente
(como norma) apesar das mudanças de direcionamento que vão se vericar
no contexto da atual contrarreforma, como por exemplo expresso nas novas
Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Prossional e Tecnológica
(Resolução n.1, 2021). A contrarreforma também abre margem para a frag-
mentação do currículo, fruto da política educacional que se assemelha aos
Parâmetros Curriculares Nacionais dos anos noventa (Silva, 2018).
O Decreto 5154/2004 que deniu as Diretrizes Curriculares
Nacionais para o Ensino Médio já expressava as pressões para que a rede
federal atendesse os interesses privados, ao mesmo tempo em que levava
em consideração o debate crítico acerca das modalidades de educação vol-
tadas à formação técnica de nível médio. De acordo com as análises deste
documento é possível notar que na EP é histórica a contraposição entre
os modelos voltados ao dualismo, de um lado uma formação técnico-pro-
ssional estreita e destituída de fundamentos cientícos, humanísticos e
ético-políticos, e de outro, as pedagogias críticas que trabalham com a con-
cepção de formação humana integral (Frigotto; Ciavatta; Ramos, 2012).
O que evidencia que a disputa pela formação da classe trabalhadora
sempre deu o tom da história, o capitalismo pautando projetos educativos
que atendem à demanda de acúmulo de capital, colocando a educação
a seu serviço. Nesse sentido, em estudo sobre os diferentes ensinos mé-
dios existentes no Brasil, fruto de sucessivas políticas educacionais que se
orientaram pela fragmentação, hierarquização e focalização da oferta, Lima
Filho e Moura (2020) também destacaram como característica marcante
do ensino médio, etapa nal da educação básica brasileira, a reiteração
histórica da dualidade estrutural-educacional.
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas - vol. 3
199
Em 2008, se dá a criação da rede dos Institutos Federais (Lei n.
11.892/2008), a partir da transformação dos até então CEFETs2 e escolas
técnicas em agrotécnicas, bem como da criação de novos institutos, que
amplia a política de fortalecimento do currículo integrado. Esta rede é
uma especicidade brasileira e marca também a disputa pelos sentidos e
nalidades do EM nos últimos vinte anos (Silva, 2018). Em seu artigo 7º,
inciso I, aponta que as ofertas devem ocorrer prioritariamente na forma de
cursos integrados e no artigo 8º, enfatiza que os Institutos Federais devem
garantir o mínimo de 50% (cinqüenta por cento) de suas vagas para a
modalidade ensino médio integrado. Cabe enfatizar que esta legislação dá
autonomia aos IFs frente a sua forma de organização e gestão e a protege,
em parte, das orientações das reformas, pois a lei 13.415/2017 não a sobre-
põe. Ou seja, não existe uma obrigatoriedade direta de que os currículos
integrados sejam fragmentados em itinerários formativos, como propõe a
contrarreforma. Mais adiante serão abordadas algumas formas de induzi-la
no contexto dos IFs que estão para além desta legislação.
A contrarreforma do EM é fruto do projeto de lei 6840/2013, pro-
posto pela CEENSI (Comissão Especial destinada a promover Estudos e
Proposições para a Reformulação do Ensino Médio) que retoma aquilo
que vinha sendo discutido e implementado nos anos noventa para discutir
uma reforma empresarial na educação (Silva, 2018), tendo sido empurrada
via medida provisória (MP 746/2016), apenas vinte e quatro dias após o
estabelecimento do governo golpista de Temer, mediante o impeachment
de Dilma Rousse.
O ano de 2016 foi marcado por intensas manifestações estudantis,
materializadas na forma de ocupações de escolas e universidades, se posicio-
nando contrários a contrarreforma e ao Projeto de Emenda Constitucional
que propunha o Teto dos Gastos (aprovado no Congresso Nacional, como
Emenda Constitucional 95/2016). Porém, neste contexto, a Reforma do
Ensino Médio foi instituída rapidamente pela lei 13.415/2017 e sua im-
plantação caminha a passos largos. O discurso hegemônico se refere a es-
Neste processo, o CEFET-RJ e o CEFET-MG optaram por manter sua forma institucional de CEFET, na
expectativa de transformarem-se em universidades tecnológicas, tal como havia acontecido com o CEFET-
PR que transformara-se em UTFPR em 2005. Até o presente ano esta expectativa das duas instituições não
se concretizou.
Henrique Tahan Novaes, Domingos Leite Lima Filho e José Deribaldo Gomes dos Santos (Org.)
200
sas iniciativas como um processo natural de modernização embasado no
fetiche da tecnologia, prometendo atender as questões sociais e manter a
coesão. Trata-se de uma política que aprofunda a dualidade estrutural da
escola, dando a ela um caráter privatista e não universal (Moura; Lima
Filho, 2017).
Seguindo o percurso histórico, dez anos após a criação da rede
dos IFs, o Ministério da Educação publicou as Diretrizes Curriculares
Nacionais para o Ensino Médio (2018), denindo o que passa a ser con-
siderado formação técnica e prossional. Congurando, a partir de então,
um dos itinerários formativos ofertados a todos os jovens que cursam o
EM, introduzindo a prossionalização quase compulsoriamente aos jovens
da classe trabalhadora. Em seu artigo 6º aponta termos e conceitos pró-
prios desse itinerário formativo, são eles: ambientes simulados, formações
experimentais, aprendizagem prossional, qualicação prossional, habi-
litação prossional técnica de nível médio, programa de aprendizagem,
certicação intermediária e certicação prossional. Pautado numa con-
cepção utilitarista e pós-moderna “defende” o pluralismo de ideias e de
concepções pedagógicas.
As preocupações em torno da reforma do ensino médio e da edu-
cação prossional também estiveram presentes no Conselho Nacional
das Instituições da Rede Federal de Educação Prossional, Cientíca e
Tecnológica (CONIF). Este órgão deliberativo e normativo publicou, em
2018, as “Diretrizes Indutoras para a oferta de cursos técnicos integrados
ao ensino médio”. Nela, orienta que os IFs estabeleçam diretrizes institu-
cionais para a oferta de Cursos Técnicos Integrados ao Ensino Médio; ga-
rantam a manutenção de todos os componentes curriculares da formação
básica, assegurando atividades didático-pedagógicas que articulem Ensino,
Pesquisa e Extensão; e, a necessidade de garantir uma organização curricu-
lar orgânica que privilegie a interdisciplinaridade e as metodologias inte-
gradoras, proporcionando uma formação ética e política, capaz de articular
as áreas geral e especíca com foco no trabalho como princípio educativo
(CONIF, 2018).
Na contramão dessas orientações, no dia 05 de janeiro de 2021,
foram publicadas as novas Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas - vol. 3
201
a Educação Prossional e Tecnológica (Resolução Nº 1, 2021). Esta reso-
lução, pautada na pedagogia das competências, dá ênfase às avaliações, ao
setor produtivo, ao tecnicismo, empregabilidade, ampliando a dualidade
estrutural da educação, favorecendo a fragmentação curricular. Transforma
os conhecimentos historicamente produzidos em saberes instrumentais, a
partir da perspectiva do mercado, geração de trabalho e renda, transfor-
mando os professores em meros instrutores ao longo do processo pedagó-
gico, o que já havia sido sinalizado nos escritos de Luiz Carlos de Freitas
(2014a, 2014b).
O ensino médio é um palco de disputas, ao longo do tempo teve
objetivos e nalidades diferentes (Silva, 2018), variando desde concepções
puramente propedêuticas até a prossionalização estreita (Garcia; Lima
Filho, 2010). Atualmente, temos um quadro de medidas regressivas que
signicam a fragmentação da formação, vinculada a um modelo de inser-
ção do país na economia mundial na forma de capitalismo dependente e
subalterno, onde os empregos exigem baixa qualicação e são mal remu-
nerados. Estamos diante da precarização das bases sociais do trabalho, do
desemprego estrutural e da informalização (Antunes, 2018).
Contudo, a sociedade e a história se movem por contradições, se
de um lado há adesão à fragmentação do currículo, de outro há resistên-
cia. Os Institutos Federais são um espaço que, por um lado, representa
essa resistência. Reúnem as possibilidades para a construção de um EMI
com bases na formação humana integral e pode contribuir com o germe
de uma travessia para uma nova realidade social e educacional (Moura;
Lima Filho, 2017). São uma das experiências mais singulares e democráti-
cas da educação brasileira. Trazem consigo a negação de uma marca social
de exclusão, pois foram criados como Escola de Aprendizes e Artíces e ao
longo do tempo, em seu processo de transformação, rezeram/recriaram
sua identidade. A proposta original dos IFs traz em si inúmeras potenciali-
dades, dentre elas a compreensão de que a ciência e a tecnologia devem ser
socialmente inclusivas.
Um dos pressupostos epistemológicos da criação da rede dos
Institutos Federais é proporcionar aos estudantes o domínio dos processos
complexos da produção material moderna e o domínio teórico e prático
Henrique Tahan Novaes, Domingos Leite Lima Filho e José Deribaldo Gomes dos Santos (Org.)
202
dentro das suas especialidades, compreendendo os processos complexos
de organização do poder na sociedade, para que os estudantes possam de-
senvolver a capacidade plena, não somente para produzir, mas também
para dirigir a produção (Moura; Lima Filho, 2017). As discussões refe-
rentes a esse tema têm se dado, principalmente, em eventos organizados
pelo Conselho Nacional das Instituições da Rede Federal de Educação
Prossional, Cientíca e Tecnológica (CONIF), pelo Fórum dos Diretores
de Ensino (FDE/CONIF) e em alguns Institutos Federais.
Araújo (2022) e Paixão (2023), demonstram em suas pesquisas, que
a contrarreforma do EM e da EP vem se materializando aos poucos nos
Institutos Federais, acompanhando os processos maiores relacionados à ló-
gica do capital, contribuindo gradativamente para minar o caráter público
da educação, conduzindo a formação dos estudantes com base nas estraté-
gias da aprendizagem exível (Kuenzer, 2017).
A questão da aprendizagem exível se situa dentro do quadro mais
geral do capitalismo atual do regime de acumulação exível. Conforme
destacado por Lima Filho (2019), nas concepções contidas na reforma do
ensino médio exibilizar atende a uma dupla dimensão: exibilizar a pro-
dução e exibilizar (isto é, adaptar, passivizar) os sujeitos que produzem,
ou seja, como tarefa dos reformadores educacionais está a adaptação da
escola, sobretudo a escola de ensino médio e prossional, a estas demandas
do capital:
Para além desses discursos de natureza ideológica que se situam no
mero aspecto fenomênico da discussão e embates em torno do EM,
o que fundamentalmente se disputa na essência dessa questão é:
1) De um lado, a operacionalidade dos sistemas educacionais, sua
funcionalização às demandas imediatas do capital e a adequação
da reprodução da força de trabalho ao processo de valorização do
capital (o que faz e como faz no imediato da atividade de produção);
2) De outro lado, a subjetividade do trabalhador e do cidadão
(o que deve pensar, como deve se reconhecer, seus valores, nas
relações de mediação no trabalho e entre este e outras dimensões da
sociabilidade) (Moura; Lima Filho, 2016, p. 182).
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas - vol. 3
203
Essa exibilização distancia o currículo integrado de seus pressupos-
tos políticos, losócos e práticos. O que contribui para que a contrarre-
forma seja um processo de adequação que se dá dentro de inúmeras contra-
dições e divergências acerca de como os processos formativos se estruturam
dentro da Educação Prossional, Cientíca e Tecnológica. Mesmo levando
em consideração as inúmeras pressões para que as instituições se alinhem
aos novos/velhos ditames do Estado existe uma correlação de forças ex-
pressa por meio dos agentes envolvidos no processo de ensino e aprendiza-
gem. Para reetir acerca desse movimento, Mônica Ribeiro da Silva (2015)
arma que há um distanciamento entre o discurso curricular ocial e sua
incorporação pelas escolas. Aponta que o estudo das políticas educacionais
deve levar em consideração as disputas por hegemonia e os distintos inte-
lectuais orgânicos envolvidos, pois a escola não é um espelho das políticas.
Silva (2015) questiona os sentidos da formulação da BNCC ain-
da em seu processo embrionário. Aponta as semelhanças dessa política ao
currículo do período da ditadura civil-militar. Demarca que a listagem
de conteúdos proposta nesse documento regula, restringe e conduz uma
formação que é oposta a crítica. Essa padronização priva o exercício da
liberdade e da autonomia das escolas, dos educadores e dos estudantes,
signicando o controle do processo por meio de avaliações que tendem a
reforçar as desigualdades sociais. Segundo esta lógica, os problemas podem
ser resolvidos tomando como base ações de controle que focam no profes-
sor como sendo o responsável pelo fracasso escolar.
A pedagogia relativista e utilitária, difundida pelos reformadores em-
presariais da educação, também denominada pedagogia das competências,
faz uso de uma metodologia de ensino e aprendizagem que pauta o proces-
so educativo na defesa dos interesses especícos do capital em detrimento
dos interesses da classe trabalhadora. O debate referente ao EMI busca
contrapor essa visão, na medida em que se pauta na formação integral do
ser humano, aproximando a relação entre teoria e prática com base nos
conceitos de historicidade, totalidade e contradição (Ramos, 2006).
Marise Ramos (2012) discute a necessidade de superação dessa frag-
mentação e da separação entre as dimensões técnica e política, geral e espe-
cíca, teórica e prática a partir da indissociabilidade entre trabalho, ciência
Henrique Tahan Novaes, Domingos Leite Lima Filho e José Deribaldo Gomes dos Santos (Org.)
204
e cultura. Menciona que para integrar, tornar íntegro, é necessário resta-
belecer as relações e reconstruí-las, tomando o trabalho como princípio
educativo o foco do processo de ensino e aprendizagem.
Acácia Kuenzer (2017) nos ajuda a caracterizar e compreender a pe-
dagogia das competências partindo do conceito de aprendizagem exível,
demonstrando suas relações com a base microeletrônica focada em formar
subjetividades que se relacionam com o mercado. Menciona que é necessário
superar o nível fenomênico do discurso para evidenciar o caráter ideológico
da contrarreforma do EM. No contexto do capital imperialismo, os traba-
lhadores passam a ser contratados para aprender, devem ter características
adaptáveis e não necessariamente serem qualicados. Com base na naturali-
zação das relações pautadas pelo mercado se formam subjetividades exíveis,
institucionalizando o acesso desigual ao conhecimento (Kuenzer, 2017).
A autora faz uma crítica às concepções pós-modernas que orientam os
documentos, por considerarem a inexistência do real, fortalecendo concep-
ções relativistas no âmbito da cultura. Aponta que a metodologia materialis-
ta histórico dialética une pensamento e materialidade e que os pragmatistas
apenas realizam um embate de discursos intersubjetivos, negando a categoria
trabalho. Essa aprendizagem exível é uma mercadoria que forma subjetivi-
dades exíveis, onde os valores universais do capital são apresentados como
interesses particulares, cristalizando processos de homogeneização cultural
pautados no “respeito às diferenças” (Kuenzer, 2017).
A formação da juventude, no âmbito da concepção ultraneoliberal,
busca o atendimento das novas formas de organização da produção. A
contrarreforma do ensino médio foca em conteúdos ditos básicos como
Português, Matemática e Língua Inglesa, retirando a importância da juven-
tude trabalhadora acessar os conhecimentos historicamente produzidos,
aumentando a dualidade estrutural. Trata-se de um controle político e ide-
ológico que leva à exclusão e à subordinação. Para Freitas (2014a, 2014b),
às consequências deste processo são: estreitamento curricular, competição
entre prossionais, pressão sobre o desempenho dos alunos com vistas à
preparação para os testes e avaliações nacionais e internacionais, fraudes,
aumento da segregação socioeconômica no território, aumento da segre-
gação socioeconômica dentro da escola, precarização da formação do pro-
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas - vol. 3
205
fessor, destruição moral do professor e do aluno, atingindo diretamente a
autonomia de ambos.
Contudo, a totalidade dos fenômenos sociais se assenta na produção
material e intelectual da vida e o trabalho e a educação são a base estrutu-
rante da vida social, demarcam a indissociabilidade entre o agir e o pensar.
No entanto, no capitalismo há um rompimento dessa totalidade, pois ele
estabelece a dualidade entre o trabalho manual e intelectual (Moura; Filho,
2017). A formação humana integral propõe a recomposição dessa unidade
entre teoria e prática. Trata-se de um projeto de vida e sociedade calcado na
concepção da classe trabalhadora e comprometido com a emancipação hu-
mana (Saviani, 2006). Busca quebrar as dicotomias que se estabeleceram,
possibilitando o acesso universal ao patrimônio produzido pela história
da humanidade, que disputa com os projetos tradicionais e vai na direção
contrária às contrarreformas.
Em um plano macro, por trás dessa contrarreforma, existem inú-
meros aparelhos privados de hegemonia que atuam com o Estado imple-
mentando políticas e construindo consenso. Difundem ideologias, ideias e
concepções que ajudam a endossar essa proposta curricular (Ferretti; Silva,
2019). Dessa forma, partimos do pressuposto que existem interesses do
capital na formação e conformação da juventude da classe trabalhadora,
principalmente no que se refere às competências socioemocionais apresen-
tadas na BNCC (2018), como a resiliência e outras formas de adaptação
ao sistema sociopolítico e cultural hegemônico.
Para tanto, inúmeros são os meios de divulgação das ditas potencia-
lidades do Novo Ensino Médio. As propagandas informam aos estudantes
que a partir desse novo formato eles terão um curso mais tecnológico e vol-
tado aos interesses de sua própria jornada acadêmica3, o que não é verdade,
haja vista a forma como contrarreforma vem sendo implementada nas
escolas públicas estaduais4. Contratos precários entre instituições públicas
É possível visualizar a propaganda ocial do Novo EM, encomendada pelo Ministério da Educação, no
youtube. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=SArnpY9y0QY. Acesso em: 21 set. 2022.
Material importante a se consultar quando se refere à implementação da constrarreforma nas redes estaduais
é o dossiê “A implementação do Novo Ensino Médio nos estados”, publicada pela Revista Retratos da
Escola (2022). Disponível em: https://www.cnte.org.br/images/stories/retratos_da_escola/revista_esforce_
vol_16_n35_2022_nalweb.pdf. Acesso em: 21 set. 2022.
Henrique Tahan Novaes, Domingos Leite Lima Filho e José Deribaldo Gomes dos Santos (Org.)
206
e privadas já mostram a falta de qualidade na implantação do itinerário
prossionalizante nas escolas do Paraná5.
Blum, Dias e Lima Filho (2021), em artigo publicado sobre as (fal-
sas) propagandas em torno da contrarreforma apontam que estas eram vei-
culadas destacando as mazelas das escolas públicas, a falta de interesse dos
jovens pelos estudos, a necessidade do EM ser mais atraente ao público e
que tais iniciativas contribuirão para diminuir a evasão e melhorar os índi-
ces de avaliação. Os autores constataram que tais discursos tinham como
interlocutores entidades empresariais e representantes do Movimento
Todos pela Educação:
As propagandas, no entanto, apresentavam-se mais como uma
preparação para a aceitação da Reforma do Ensino Médio pela
população do que somente esclarecedoras. Por isso, vem com um
objetivo bem denido que é o de convencer que esta reforma
trará benefícios aos estudantes [...] (Blum; Dias; Lima Filho,
2021, p. 216).
Gradativamente o empresariado e seus representantes estão rede-
nindo os projetos formativos e alterando as formas de ensinar e aprender.
Pautados num discurso que mobiliza as forças conservadoras e o senso
comum, legitimam seu objeto e freiam possíveis avanços de superação do
capital. O discurso hegemônico trata os problemas sociais, morais e éticos
como problemas individuais. Supervaloriza as subjetividades, a fragmen-
tação e a ausência de verdades tomando como base teorias relativistas e
pós-modernas para enfatizar seu projeto classista (Kuenzer, 2017).
O empresariado oferece a mínima instrução para a reprodução do
capital, retira das pessoas as possibilidades de ampliarem suas visões de
mundo, criando uma sociedade que isola os problemas de suas reais causas.
As palavras de ordem são exibilização e empregabilidade, as quais partem
O jornal Gazeta do Povo publicou como está se dando o convênio entre a Secretaria de Estado da Educação
do Paraná e a Unicesumar (universidade privada). Na notícia também há o posicionamento crítico do
sindicato em relação a como está se dando a implementação do itinerário prossionalizante. Disponível em:
https://www.gazetadopovo.com.br/parana/parana-adota-parceria-para-disciplinas-do-novo-ensino-medio-
sindicato-critica/. Acesso em: 21 set. 2022.
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas - vol. 3
207
de uma concepção global que padroniza, redene, normatiza e controla o
que é a educação, suas bases curriculares e a atividade docente, discutindo
o que é legítimo aprender e ensinar e para quem (Freitas, 2014a, 2014b).
Gramsci tem um olhar enfático sobre o processo de escolarização.
Discorre acerca da escola unitária, que dá fundamento à proposta do EMI,
a partir do entendimento de que os estudantes devem na educação básica
ter os elementos que os permitem compreender e praticar os princípios
fundamentais da produção contemporânea e da prática do trabalho mo-
derno, mas também desenvolver o exercício crítico da cidadania, superan-
do a dualidade estrutural imposta por uma educação que forma para o tra-
balho simples e outra que forma as elites dirigentes (Gramsci apud Nosella,
2016a, 2016b). A partir do paradigma gramsciano é possível aprofundar
o debate e ter mais clareza acerca do papel do Estado, da sociedade civil e
dos aparelhos privados de hegemonia.
Simionatto (2003) aponta a atualidade do pensamento de Gramsci
para pensar a formação das subjetividades dentro dessa nova ordem mun-
dial que transforma a produção da vida social e as esferas econômica, polí-
tica e cultural. O contexto necessita da socialização de novos valores e re-
gras de comportamento para atender a esfera de produção e de reprodução
social. Esse conjunto de fatores nos campos objetivo e subjetivo redenem
a correlação de forças entre as classes e exige a formação de novos pactos e
consensos entre capitalistas e trabalhadores. Nesse sentido, a cultura está
relacionada à incorporação de valores, ideologias e práticas sociais que sus-
tentam o capital, criando um senso comum de conformismo e passividade,
uma nova racionalidade capitalista. Essa vasta empresa intelectual cria um
novo tipo de ser humano”, onde o capital invade a vida íntima dos indiví-
duos. Essa prática está intimamente relacionada aos avanços tecnológicos
de comunicação (Simionatto, 2003).
Existe um discurso que pretende desqualicar o Estado no aten-
dimento daquilo que prevê a Constituição, transformando direitos em
serviços, pautando a necessidade de descentralização dessas instituições.
Adotando a perspectiva de Estado ampliado e da incorporação da socie-
dade civil à sua caracterização, Gramsci acrescenta novas determinações,
somando à função de dominação a função de direção, de construção de
Henrique Tahan Novaes, Domingos Leite Lima Filho e José Deribaldo Gomes dos Santos (Org.)
208
hegemonia pela intelectualidade burguesa na busca por consenso em torno
de seus projetos. A classe burguesa constrói um “consenso ativo”, baseado
numa reforma intelectual e moral, pautando a crise internacional do capi-
tal como cultura da crise. Um discurso genérico de natureza transclassista,
que impede a elaboração de pensamentos anticapitalistas e, dessa maneira,
apresenta a crise como sendo de caráter universal, possibilitando a expan-
são do capital (Simionatto, 2003).
Os reformadores empresariais veem na BNCC (2018) um grande
pacto federativo, controlam os objetivos da educação para controlar os
seus conteúdos. Como pares dialéticos relacionam objetivos e avaliação;
e, conteúdos e métodos de ensino, propondo uma reorganização do tra-
balho pedagógico e um neotecnicismo no campo educacional por meio de
uma gestão privada ecaz, baseado em novas tecnologias, na responsabi-
lização dos sujeitos, na meritocracia e na precarização. Buscam adaptar as
escolas às novas exigências da reestruturação produtiva, com o propósito
de produzir na juventude subjetividades passivas, adaptáveis às formas de
superexploração do trabalho. Seus ideólogos defendem que a escola deve
garantir o domínio de uma base comum a todos e as matrizes de referência
dos exames nacionais e internacionais denirem os conteúdos curriculares
(Freitas, 2014b). Na próxima seção, veremos como essas questões apare-
cem ou não no contexto dos IFs.
2. os InstItutos federaIs em santa catarIna: Ifsc e Ifc
O problema de pesquisa que orienta este trabalho está relacionado
às transformações do EMI e o que será esta modalidade de ensino tendo
em vista o processo de implementação da contrarreforma do EM e da EP
em curso e a nova proposta curricular. Para tanto, caminhamos na dire-
ção de responder a questão orientadora deste trabalho: quais são os pres-
supostos e fundamentos da contrarreforma do EM e da EP e como eles
impactarão na formação da juventude que estuda nos Institutos Federais
em Santa Catarina?
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas - vol. 3
209
O EMI se apresenta como um eixo estruturante de resistência no
contexto da rede federal de EPT e na disputa pela concepção de formação
humana integral e emancipatória (Moura; Lima Filho, 2017). Contudo,
no processo vigente de implementação da contrarreforma do EM e do EP
as comunidades dos IFs se viram envoltas em um conjunto de ações que
envolve resistências e adaptações, conforme especicidades, mediações e
correlações de força da realidade cotidiana destas instituições.
Nesse sentido, tanto o IFSC quanto o IFC produziram documentos
que, por um lado, buscam preservar as instituições dos ataques ao ensi-
no médio integrado, e por outro, apresentam o que podemos categorizar
como um processo de hibridização conceitual e normativa, como já de-
monstrado por Araújo (2022) ao analisar o que o autor denomina como
ensino médio em “migalhas”. No trabalho em questão o autor analisa 380
Projetos Pedagógicos de Cursos (PPCs), dos Institutos Federais de todas
as regiões do país, e aponta que muitos destes documentos apresentam
indícios de negociação/hibridização em relação aos princípios do EMI e os
fundamentos presentes nos textos das contrarreformas.
No IFSC, foi publicado em 2021, as “Orientações curriculares para
a manutenção e fortalecimento dos cursos de educação prossional técnica
integrada ao ensino médio do Instituto Federal de Santa Catarina”. O
documento parte da compreensão de que a lei 13.415/2017 e a Resolução
Nº1/2021 não se sobrepõem à lei de criação dos IFs (11.892/2008).
Tem uma perspectiva político-pedagógica pautada na construção de
uma educação socialmente referenciada nos princípios democráticos e
cientícos. Marca a importância de preservar as áreas de conhecimento
e os componentes curriculares nos PPCs, fortalecendo a concepção de
currículo integrado, a formação humana integral, pautados na pedagogia
histórico-crítica, buscando a equidade das cargas horárias entre as áreas,
valorizando projetos interdisciplinares e integradores.
Foram elaboradas pelas equipes da Pró-Reitoria de Ensino e Direção
de Ensino com a intenção de dar um horizonte para os processos de ela-
boração e reestruturação dos PPCs que estão em curso. Marcam a posição
da gestão em relação à contrarreforma do EM e da EP e ampliam a discus-
são, no intuito de formar grupo de trabalho para construir coletivamente
Henrique Tahan Novaes, Domingos Leite Lima Filho e José Deribaldo Gomes dos Santos (Org.)
210
as Diretrizes Curriculares Internas para o EMI do IFSC. Interessante le-
var em consideração que a iniciativa ocorreu após a posse da atual gestão,
que em um primeiro momento, atravessou um processo de intervenção
e pode tomar seu lugar de direito após mais de um ano de luta frente ao
Ministério da Educação. 6
O documento não cita a lei 13.415/2017 nem a BNCC e nem a
Resolução nº 1 de maneira direta, cita apenas o documento crítico elabo-
rado pelo CONIF, “Análise da Resolução 01/2021/CNE e Diretrizes para
o fortalecimento da EPT na rede federal de educação prossional e tecno-
lógica” (FDE/CONIF/2021). Desta maneira, enfatizam a obrigatoriedade
da oferta de 50% de cursos de Educação Prossional Técnica Integrada
ao Ensino Médio e destacam que a Resolução Nº 1/2021 não se sobre-
põem à normativa de criação dos Institutos Federais de Educação, Ciência
e Tecnologia, os quais têm autonomia para a construção de seus currículos
e propostas pedagógicas.
Apontam a necessidade de fortalecimento da política institucional,
a partir da formação integral dos estudantes e da construção de PPCs,
que levem em consideração a diversicação e a articulação entre os saberes
de forma contextualizada aos eixos trabalho, ciência, tecnologia e cultura,
mantendo a construção das matrizes curriculares de maneira integrada e in-
terdisciplinar. Estão pautadas no Plano de Desenvolvimento Institucional
(PDI/IFSC, 2020/2024)7, calcado na pedagogia histórico-crítica, no tra-
balho como princípio educativo e na pesquisa como princípio pedagógico
e aponta subsídios teóricos e práticos para a materialização do currículo
integrado em suas mais variadas dimensões.
Em relação às cargas horárias, os cursos do IFSC devem ter 3.000h,
3.100h ou 3.200h, respeitando o número de horas para as respectivas habi-
litações prossionais denidas no Catálogo Nacional de Cursos Técnicos.
O reitor do IFSC, Maurício Gariba Júnior, foi eleito em segundo turno dia 5 de dezembro de 2019
para assumir o quadriênio 2020-2024. Porém, dia 4 de maio de 2020, foi empossado o candidato que
cou em segundo lugar. A posse do reitor escolhido pela comunidade acadêmica ocorreu apenas dia
18 de agosto de 2021. Mais informações no link: https://www.ifsc.edu.br/conteudo-aberto/-/asset_
publisher/1UWKZAkiOauK/content/id/2532004/mec-conrma-posse-do-reitor-maur%C3%ADcio-
gariba-j%C3%BAnior-para-esta-quarta-feira-18. Acesso em: 21 set. 2022.
O Plano de Desenvolvimento Institucional do IFSC, previsto para o quadriênio 2020/2024, pode ser
acessado pelo link: https://www.ifsc.edu.br/pdi-2020-2024. Acesso em: 21 set. 2022.
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas - vol. 3
211
A distribuição das cargas horárias nas matrizes curriculares dos cursos in-
tegrados deve respeitar as diferentes áreas do conhecimento (Linguagens,
Matemática, Ciências da Natureza, Ciências Humanas e Formação Técnica)
e a carga horária dos cursos de Educação Prossional Técnica Integrada ao
Ensino Médio deve ser distribuída entre a Formação Geral, a Formação
Técnica e o Núcleo Comum ou Núcleo Politécnico Comum.
Um grave problema observado é a possibilidade da presença de carga
horária EaD. A Resolução 72/2020 do Conselho de Ensino, Pesquisa e
Extensão do IFSC que trata das “Diretrizes para a oferta de cursos e com-
ponentes curriculares na modalidade a distância no âmbito do IFSC”8,
aponta que a orientação pode ser aplicada à carga horária de todos com-
ponentes curriculares presentes no PPC em 20% da grade curricular dos
cursos matutinos e vespertinos e não necessariamente ser alocada em disci-
plinas especícas dentro do curso.
Após a publicação das orientações para a manutenção e fortaleci-
mento dos cursos de EMI do IFSC foi formado grupo de trabalho para
que elas possam ser debatidas amplamente com a comunidade escolar e
este processo está em andamento. O grupo se reúne semanalmente e em
breve as diretrizes curriculares serão nalizadas para então serem apreciadas
pelo Conselho Superior do IFSC (CONSUP).
No IFC o processo se deu de maneira diferente. O documento foi
publicado em 2019, com o título “Diretrizes para a Educação Prossional
Técnica Integrada ao Ensino Médio do Instituto Federal Catarinense”.
Um dos motivos da celeridade da produção documental foi o fato de não
terem passado por um processo de intervenção e terem se atentado rapida-
mente às intenções de precarização colocadas pelas reformas. Contou com
a participação de diversos atores: estudantes, professores, técnicos adminis-
trativos e familiares. Foram possibilitados momentos de diálogos, estudos,
reuniões, questionários, audiências públicas e seminários. O documento
sinaliza a compreensão dos sujeitos da implementação da política do EMI.
A resolução nº 72/2020 do IFSC pode ser acessada pelo link: http://cs.ifsc.edu.br/portal/les/
Resolucao72_2020-Atualiza_Diretrizes_EaD_revoga_Resol__CEPE_n4-2017_vmaro21_4.pdf. Acesso
em: 21 set. 2022.
Henrique Tahan Novaes, Domingos Leite Lima Filho e José Deribaldo Gomes dos Santos (Org.)
212
No início é citado que foi pautado nas bases conceituais exaradas no
livro “Ensino Médio Integrado no IFC: estudos e reexões – Sistematização
das discussões do Grupo de Trabalho (GT) Ensino Médio Integrado do
IFC” (2017). Está pautado na lei de criação dos IFs, não fala na BNCC,
não reduz a carga horária para 1800h na formação geral básica e defende
a politecnia e a formação omnilateral. Possui uma concepção losóca,
epistemológica, política e pedagógica que envolve a formação integral e
compreende o EMI enquanto uma conquista que depende de política pú-
blica e que portanto precisa ser garantida pela Rede e pelo IFC.
Para tanto, dialoga com a legislação educacional que ampara a cria-
ção, a função social e a organização administrativo-didático-pedagógica
para a Educação Prossional Técnica de Nível Médio, levando em con-
sideração a obrigatoriedade da oferta de 50% das vagas para cursos de
Educação Prossional Técnica de Nível Médio, com prioridade para a ofer-
ta de cursos na forma integrada (Lei n. 11.892/2008).
Está pautado na Resolução 06/2012 (anterior a Resolução 1/2021)
e no Catálogo de Cursos Técnicos (anterior ao que está vigente). Ao longo
do texto, exemplica catorze formas de integração curricular (não abrin-
do margem para o não sei como fazer). Propõe a não hierarquização das
disciplinas e dá como carga horária mínima 120 h para cada uma delas,
podendo ser disposta ao longo dos anos ou concentrada em uma etapa do
curso. Demarca que estes podem ter 3000h, 3100h ou 3200h conforme o
Catálogo Nacional de Cursos Técnicos, podendo ser acrescido 5% da carga
horária mínima em todos os cursos e 10% no Técnico em Agropecuária.
Ao nal do documento dene:
Art. 101. Os cursos de Educação Prossional Integrada ao Ensino
Médio do IFC que se encontram em funcionamento deverão se
adaptar a esta Resolução, atualizando os PPCs para entrarem em
vigência em 2020. Parágrafo único: Para as turmas em andamento,
quando possível, poderá ser realizada migração de matriz curricular
mediante procedimentos a serem orientados pela PROEN (IFC,
2019, p. 29).
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas - vol. 3
213
Da mesma forma que no IFSC o IFC também fala em carga horária
EaD. Esse elemento é comum a ambas as instituições devido a Resolução
MEC/CNE/CEB nº 06/2012 que já denia o percentual da carga horá-
ria a distância para os cursos técnicos, desde que resguardados o suporte
tecnológico e o atendimento por professores e/ou tutores. Para além deste
elemento, será que construir documentos com a intenção de frear a imple-
mentação das contrarreformas é suciente para a rede federal minimizar os
ataques e induções que vem ocorrendo?
Paixão (2023), sinaliza que os IFs não estão articulados na defesa
do EMI. Em sua pesquisa, analisou 243 PPCs de 20 Institutos Federais,
sendo 3 IFs do sul do país. Mantém o anonimato das instituições, não
sendo possível saber de quais IFs do sul o autor se refere. Aponta que de
sua amostra, 29,14% dos cursos foram reformulados ou criados a partir de
2019. Nesta direção, identicou a presença dos elementos: a) 1800h para
formação geral; b) secundarização ou desaparecimento de algumas áreas do
conhecimento; e, c) presença de carga horária à distância.
Menciona que estes elementos aproximam os IFs das contrarrefor-
mas e promovem um processo de exibilização e precarização que fragmen-
ta a concepção de formação integral, demonstrando a incompatibilidade
entre as contrarreformas e a concepção de EMI. O autor traz uma discus-
são interessante no que diz respeito ao debate acerca do aprofundamento
da dualidade estrutural pela via da contrarreforma. Aponta que a divisão
entre trabalho manual e intelectual fazia sentido no taylorismo/fordismo e
que no neoliberalismo são exigidas novas habilidades. Pautado nos escritos
clássicos da professora Acácia Kuenzer, arma que na nova dualidade “O
que a acumulação exível realiza é a combinação de inclusão e exclusão de
trabalhadores com qualicações diferentes e combinadas, de modo a constituir
um corpo coletivo de trabalho que sustente a lógica da lucratividade” (Paixão,
2023, p. 123).
Neste contexto de uberização do trabalho, a partir de Piolli e Sala
(2021), também podemos falar da dualidade na dualidade, pois a reforma
aprofunda a dualidade histórica da educação brasileira incluindo o itinerá-
rio formação técnica e prossional apartado da BNCC e este pode ocorrer
Henrique Tahan Novaes, Domingos Leite Lima Filho e José Deribaldo Gomes dos Santos (Org.)
214
na forma de cursos de qualicação prossional de formação rápida e aligei-
rada. De acordo com Paixão (2023):
[...] a dualidade na dualidade congura um Ensino Médio que
limita o acesso à formação geral, ao mesmo tempo em que não
promove uma formação técnica, pois os cursos que se concentram
em promover breves formações não fornecem uma habilitação
prossional, assumindo um caráter instrumental e de baixa
complexidade (Paixão, 2023, p. 126-127).
O autor também aponta que existem outras portas de entrada da
contrarreforma nos IFs para além das questões que envolvem a formação,
como por exemplo: o nanciamento da educação (Decreto 10.656/2021),
os efeitos da Emenda Constitucional nº 95/2016 e a Portaria MEC nº
983/2020 que privilegia as atividades de ensino em detrimento da pesquisa
e da extensão e procura regulamentar as atividades realizadas na educação
a distância. Os demais elementos estão relacionados:
A diminuição de recursos destinados à manutenção dos campi; a
interrupção na continuidade da expansão da rede; a diminuição e a
desatualização dos valores destinados aos programas de assistência
estudantil; o aumento de horas destinadas somente às aulas nas
atividades de ensino em detrimento da pesquisa e da extensão; a
proliferação de atividades a distância, incluindo o ensino, de forma
cada vez mais regulamentada; todos esses elementos são efeitos da
lógica neoliberal que perpassa as políticas públicas e que se fazem
presentes na reforma do Ensino Médio (Paixão, 2023, p. 132-133).
O que podemos perceber com a pesquisa citada acima é que os cor-
tes relativos ao nanciamento e a diminuição de recursos induzem a con-
cretização da contrarreforma. Também por meio do Decreto 10.656/2021
existe um direcionamento para que os IFs acessem recursos por meio da
oferta de cursos na modalidade articulada em sua forma concomitante inter-
complementar e/ou o itinerário formação técnica e prossional, em parce-
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas - vol. 3
215
ria com outras instituições. E, desta maneira, podem acessar os recursos do
FUNDEB. Já na forma integrada o formato de cursos não está contemplado.
Araújo (2022) e Paixão (2023) armam que a contrarreforma nos IFs
se dá em ritmo desigual. Os autores falam em aproximações e não em imple-
mentação. Sinalizam que os IFs não estão regulamentando a contrarreforma
como as redes estaduais e a reformulação dos cursos ainda é tímida, porém
quando ela ocorre, em geral, está sob sua inuência. Para aprofundar o ex-
posto é necessário algumas etapas e amarrações, como por exemplo, analisar
o PPC de cada curso de EMI do IFSC e do IFC e vericar como os ele-
mentos da contrarreforma aparecem ou não nestes documentos. Também é
necessário se apropriar de outras resoluções internas às instituições, dados de
evasão, abandono e sucesso nas mais variadas modalidades ofertadas, como
exemplo, o aumento de cursos de formação inicial e continuada, dentre ou-
tras temáticas que irão surgir no decorrer da investigação.
consIderações fInaIs
Neste texto vimos algumas consequências da contrarreforma do EM e
da EP para a formação da juventude, para os prossionais da educação e para
a sociedade como um todo. O debate e as reexões são parte de pesquisa de
doutoramento em fase inicial.9 Buscou-se abordar a compreensão de pesqui-
sadores renomados na área, o percurso histórico e análise crítica das políticas
educacionais para o EM e EP nas últimas três décadas e contrapor os interes-
ses e disputas em torno dos distintos modelos de educação e sociedade. De
um lado, os reformadores empresariais da educação, pautando a pedagogia
das competências, e de outro, o projeto da classe trabalhadora, defendendo a
formação humana integral e o currículo integrado.
Para tanto, nos debruçamos nas orientações curriculares publica-
das pelo IFSC e pelo IFC, após a regulamentação da lei 13.415/2017 e da
O título provisório da pesquisa é “Reforma do Ensino Médio e da Educação Prossional nos Institutos
Federais em Santa Catarina: transformações do projeto formativo do currículo integrado”. A doutoranda
Ana Carolina Bordini Brabo Caridá é vinculada à linha de pesquisa Tecnologia e Trabalho (PPGTE/
UTFPR) e está sob orientação do Professor Dr. Domingos Leite Lima Filho desde 2022.
Henrique Tahan Novaes, Domingos Leite Lima Filho e José Deribaldo Gomes dos Santos (Org.)
216
BNCC (2018), a m de vericar como as instituições de ensino estão se po-
sicionando frente aos ataques ao EMI. Constatou-se a presença de hibridis-
mo conceitual, conforme já sinalizado por Araújo (2022). Ambas repudiam
a contrarreforma do EM e da EP em seus documentos ociais, se posicio-
nando de maneira crítica, pautadas na lei de criação dos IFs (11.892/2008),
porém abrem margem para que disciplinas sejam ministradas na modalidade
EaD. Pesquisa recente também assinala que a contrarreforma está presente
e adentra os IFs a partir de outros elementos, tais como: reestruturação dos
cursos para 1800h de formação geral; secundarização ou desaparecimento de
algumas áreas do conhecimento; impactos no nanciamento com os efeitos
da Emenda Constitucional nº 95/2016, Decreto 10.656/2021 e Portaria
MEC nº 983/2020, que trata das atividades docentes (Paixão, 2023).
Este artigo, com embasamento teórico-metodológico pautado no
materialismo histórico e dialético, buscou contribuir com as análises sobre
como vem se dando os avanços do capital na disputa pela formação da
classe trabalhadora, mais especicamente da juventude que frequenta os
cursos de ensino médio integrado da rede federal em Santa Catarina.
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221
9
A incidência de atores privados
na implementação do programa
Escola Viva no Estado do
Espírito Santo
Jaqueline Ferreira de Almeida
Julio Cesar Torres
Introdução
O ideal neoliberal, com seu marco nos anos 1970, possui como fun-
damento garantir a liberdade individual e proteger o livre mercado. Para
atingir esse intuito, os princípios neoliberais centram-se na ideia de enxu-
gamento da ação do Estado, alicerçada em proposições de reformas que
atingem, de maneira mais profunda, as políticas sociais e o gasto social.
Com a proposta de redução do que é estatal e que, para tanto,
recebe nanciamento público, há a abertura para a inserção da iniciativa
https://doi.org/10.36311/2024.978-65-5954-526-1.p211-238
Henrique Tahan Novaes, Domingos Leite Lima Filho e José Deribaldo Gomes dos Santos (Org.)
222
privada na execução de políticas públicas. Esse processo ocorre, majori-
tariamente, por meio de parcerias público-privadas, possibilitando que
atores privados conduzam diferentes ações que estavam, até então, sob
responsabilidade estatal.
Nesse direcionamento, o envolvimento dos atores privados na edu-
cação ocorre sobretudo de duas formas, ambas com caráter privatista: pelo
direcionamento das nalidades educativas e pelas parcerias público-priva-
das com o to de realizar consultorias, formar professores (capacitação),
desenvolver sistemas de gestão, entre outras formas de inserção (Caetano;
Peroni, 2022).
No Espírito Santo, para implementar a Política Estadual de Escolas
de Ensino Médio em Turno Único, denominada Programa Escola Viva, o
governo do estado rmou parceria com o Movimento Empresarial Espírito
Santo em Ação (ES em Ação). O programa, ancorado no pressuposto da
Escola da Escolha, desenvolvido pelo Instituto de Corresponsabilidade
pela Educação (ICE), possui como fundamento o desenvolvimento do
projeto de vida dos estudantes.
Nesse contexto, o objetivo deste artigo é realizar uma discussão acer-
ca da incidência dos atores privados pertencentes ao ES em Ação e ao
ICE na condução da política educacional para a última etapa da Educação
Básica no Espírito Santo. Para tanto, tomamos como foco de discussão o
Programa Escola Viva, implementado em 2015.
Para o atendimento ao objetivo proposto, utiliza-se como funda-
mentação o debate acerca do neoliberalismo (Andrade, 2019; Moraes,
2001) e a incidência de atores privados na condução das políticas edu-
cacionais (Freitas, 2018a; Caetano; Peroni, 2022). Compreende-se que a
inserção dos atores privados nas políticas sociais, principalmente na educa-
ção, corrobora para o alinhamento dos ns e princípios educacionais com
as orientações neoliberais.
No tocante às questões metodológicas, o presente trabalho caracte-
riza-se como pesquisa bibliográca e documental. Para o desenvolvimento
da análise, toma-se como base para a discussão o período compreendido
entre os anos de 2015 e 2018, referente à implementação do programa. Tal
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas - vol. 3
223
intervalo se justica tendo em vista que, no ano de 2019, ocorrem altera-
ções no Programa Escola Viva em virtude da aprovação da reorganização
do Ensino Médio brasileiro, denominado Novo Ensino Médio, que altera
a legislação estadual das escolas de turno único.
Outro aspecto com relação à data condiz com o direcionamento do
Instituto de Corresponsabilidade pela Educação (acesso em 15 jan. 2022)
para que os parceiros privados locais, que realizavam a articulação com o
setor público, fossem partícipes do processo de implantação das ações cor-
respondente aos três primeiros anos. Com base nesses fatos, detemo-nos na
incidência dos atores privados na implementação do Programa Escola Viva
no Espírito Santo no período de 2015 a 2018.
Para o desenvolvimento deste trabalho, estabeleceram-se como do-
cumentos de investigação e análise as seguintes fontes: 1. Relatórios de
Gestão do Instituto Fucape; 2. Documento publicado pelo ES em Ação
Educação: construindo um futuro promissor; 3. Livreto Digital Institucional,
publicado pelo ICE.
IncIdêncIa de atores PrIvados nas PolítIcas educacIonaIs
Na primeira metade do século XX, com a nalidade de enfrentar a
crise de superprodução e como direcionamento para o desenvolvimento
econômico no pós-guerra, o Estado de Bem-Estar Social, ou Estado-
Providência, caracterizou-se pela ampliação das ações do Estado, prin-
cipalmente em setores considerados essenciais (saúde, educação, infraes-
trutura, entre outros) e pelo uso do fundo público para nanciamento
do capital privado.
Nesse período, houve maior intervenção estatal na economia – como
forma de restabelecer o sistema nanceiro após a quebra da bolsa de valores
de Nova York em 1929 e a crise nanceira nos anos 1930 –, aliada ao in-
centivo para aumento do consumo de bens duráveis e a produção em alta
escala, características do sistema fordista de produção.
Henrique Tahan Novaes, Domingos Leite Lima Filho e José Deribaldo Gomes dos Santos (Org.)
224
Com base no desenvolvimento econômico e social, “O Estado de
Bem-Estar vai desenvolver políticas sociais que visam à estabilidade no
emprego, políticas de rendas com ganhos de produtividade e de previdên-
cia social, incluindo seguro-desemprego, bem como direito à educação,
subsídio no transporte, etc.” (Frigotto, 2010, p. 75).
A partir dos anos 1960, a manutenção desse modelo de desenvol-
vimento não se sustentava e inviabilizava o aumento da acumulação de
capital, de tal modo que a atuação do Estado necessitava ser redimensio-
nada, haja vista que os economistas que defendiam o princípio neoliberal
apregoavam que as crises nanceiras dos anos 1970 e 1980 ocorreram em
decorrência do mau funcionamento do Estado e de sua ampla intervenção
na economia. Nesse contexto, os princípios neoliberais emergem, na se-
gunda metade do século XX, para fazer frente, principalmente, à expansão
do nanciamento público nas políticas sociais.
Com o entendimento de que o capitalismo não é linear, o neoli-
beralismo consolidou-se com a crise nanceira dos anos 1970 como um
projeto da classe capitalista, que encontra outras formas de se reinventar
após cada crise cíclica do capital de maneira a aumentar a acumulação
nanceira. Nessa perspectiva, de acordo com Frigotto (2010, p. 85), “[...]
na realidade, não se trata de uma alternativa para a crise, mas a busca da
recomposição dos mecanismos de reprodução do capital pela exacerbação
da exclusão social”.
As primeiras grandes experiências neoliberais ocorreram na América
Latina: em 1973, no Chile, e em 1976, na Argentina (Moraes, 2001). A
partir dos anos 1980, as diretrizes neoliberais são impostas aos países da re-
gião como condição para renegociar as dívidas com o Banco Mundial e com
o Fundo Monetário Internacional (Moraes, 2001), acarretando a difusão
e implementação dos preceitos neoliberais nos países latino-americanos.
O neoliberalismo ancora-se nos princípios de liberdade individual e
intervenção mínima e reduzida do Estado na economia, com o intuito de
garantir o livre mercado (Andrade, 2019), além de estimular a competitivi-
dade. No diálogo acerca do mercado e da individualidade, Moraes (2001,
p. 23-24) arma que:
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas - vol. 3
225
O mercado é, nessa visão, um processo competitivo de descoberta.
Nele, inumeráveis indivíduos movem-se orientados pelos seus
interesses próprios. O mercado é a combinação desses planos e
atividades individuais de produtores e consumidores. Os elementos
motores desse mundo são a junção empreendedora do indivíduo e a
concorrência, no interior de uma complexa divisão social do trabalho.
Na perspectiva de aumentar a competitividade e, consequentemen-
te, garantir a manutenção do capital e ampliação da acumulação, as di-
retrizes operacionais do neoliberalismo compreendem: 1. privatização e
mercadização; 2. nancialização; 3. administração e manipulação de crises;
e 4. redistribuições via Estado (Andrade, 2019). Para o debate acerca da
incidência dos atores privados nas políticas educacionais, deteremo-nos na
primeira diretriz, segundo a qual a escola é compreendida enquanto uma
organização empresarial, ao passo que é inserida como serviço no mercado,
acarretando a perda da garantia da educação como direito social (Freitas,
2018a). A inserção da educação como um serviço compreende a merca-
dorização dos direitos sociais e a ampliação da concorrência, bem como a
retirada das políticas sociais do âmbito do Estado.
Na esfera dos sistemas de ensino, para que ocorra o livre merca-
do educacional, as políticas neoliberais buscam a redução da regulação do
Estado para a educação, característica esta que impede o livre mercado
na esfera educacional (Freitas, 2018a). Para Freitas (2018a, p. 54), “[...]
trata-se de que a escola seja vista como uma ‘organização empresarial’ de
prestação de ‘serviços’”. Outro aspecto no que tange à privatização, no
âmbito da gestão escolar, é que esta corrobora para o “[...] controle do
processo educativo da juventude, instala a hegemonia das ideias neolibe-
rais” (Freitas, 2018a, p. 55) por meio do processo educativo. No campo
da difusão das ideias neoliberais nas escolas, podemos citar a disseminação
do empreendedorismo e da competitividade, esta última propagada pelas
avaliações em larga escala com a estruturação de rankings que estimulam a
competitividade entre escolas e sistemas de ensino (Freitas, 2018a).
A organização do sistema público de ensino para a conguração
em empresa educacional, como pressuposto da incidência de atores
Henrique Tahan Novaes, Domingos Leite Lima Filho e José Deribaldo Gomes dos Santos (Org.)
226
privados, ocorre paulatinamente (Freitas, 2018a) e por diferentes ma-
neiras. No Brasil, uma das formas mais conhecidas e utilizadas de inci-
dência de atores privados são as parcerias público-privadas, efetivadas
na área da educação por intermédio de institutos e fundações de gran-
des empresas, dentre as quais podemos citar os bancos Itaú, Bradesco
e Santander, a Fundação Lemann, o Instituto Natura e o Instituto de
Corresponsabilidade pela Educação.
O estabelecimento dessas parcerias denota o alinhamento de go-
vernos com os princípios neoliberais. Nessa perspectiva, de acordo com
Freitas (2018b, p. 13), “[...] tem sido através de uma intrincada malha
ou rede de agentes governamentais e não governamentais que a agenda
neoliberal prospera numa articulação entre políticos, academia, fundações
empresariais, think-tanks e organizações não governamentais com ou sem
ns lucrativos”.
Esse processo de inserção dos institutos privados ocasiona a privati-
zação da e na educação pública, ou seja, acontece no interior das escolas.
Nesse viés, Freitas (2018b, p. 14) argumenta:
Seu método consiste em bombardear as redes públicas
permanentemente sob vários ângulos e com vários programas numa
tentativa de construir os processos de privatização pelo interior das
escolas públicas, mimetizando as formas de funcionamento da
organização empresarial, para nalmente se atingir o estágio dos
vouchers”. Sua lógica envolve promover bases nacionais comuns
curriculares articuladas com avaliações nacionais censitárias
e políticas de responsabilização que corroem o setor público,
incentivam a privatização, transferem recursos públicos para a
iniciativa privada e impedem o fortalecimento da escola pública.
A partir desse entendimento, compreende-se que a inserção desses
atores privados arrefece a oferta da educação pública, gratuita e de quali-
dade socialmente referenciada, além de desestimular a ampliação dos siste-
mas públicos de ensino.
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas - vol. 3
227
Ainda no que tange ao debate acerca dos atores privados e a sua
incidência na educação, na literatura do campo da política educacional,
encontra-se o diálogo acerca da privatização na educação pelas seguintes
vias: da execução, da direção, e da direção e execução concomitantemente.
A execução, segundo Caetano e Peroni (2022), ocorre quando os atores
privados incidem diretamente na oferta, de maneira que há transferência
de recursos públicos para instituições privadas efetivarem as matrículas em
seus estabelecimentos.
A via da direção, por sua vez, coaduna com os preceitos dos ato-
res privados, no direcionamento das políticas, no currículo, no conteúdo,
de forma que a oferta permanece pública, mas há mecanismos internos
operacionalizados e direcionados pelos atores privados. Já a via da direção
e da execução em concomitância ocorre quando a incidência dos atores
privados se faz presente com a operacionalização de suas propostas por
intermédio de consultorias, monitoramento, formação e outros (Caetano;
Peroni, 2022).
O modelo de direção concomitante com a execução pode ser per-
cebido na implementação do Programa Escola Viva, em que o Instituto
de Corresponsabilidade pela Educação direciona os objetivos da Escola de
Ensino Médio em Turno Único e apresenta todo o aparato para se executar
a proposta: o modelo de avaliação, a formação dos professores, o currículo
e o material didático elaborado pelos especialistas do ICE.
a IncIdêncIa de atores PrIvados na ImPlementação do Programa
escola vIva no esPírIto santo
O Programa Escola Viva foi implementado no Espírito Santo no
ano de 2015, com a instituição da Lei Complementar nº 799, de 12 de ju-
nho de 2015. O programa, voltado para a criação de Escolas Estaduais de
Ensino Médio em Turno Único, apresenta como objetivo principal “[...]
planejar, executar e avaliar um conjunto de ações inovadoras em conteú-
do, método e gestão, direcionadas à melhoria da oferta e da qualidade do
Henrique Tahan Novaes, Domingos Leite Lima Filho e José Deribaldo Gomes dos Santos (Org.)
228
ensino médio na rede pública do Estado, assegurando a criação e a im-
plementação de uma rede de Escolas de Ensino Médio em Turno Único
(Espírito Santo, 2015a). Dentre os objetivos especícos, o programa visa
“[...] ampliar o currículo escolar [...] promovendo a formação do jovem
autônomo, solidário e competente” (Espírito Santo, 2015a).
A primeira Escola de Ensino Médio em Turno Único, denominada
Escola Viva São Pedro, localizada em Vitória, capital do estado, a título de
projeto-piloto, iniciou as atividades no segundo semestre do ano de 2015.
Já para o ano de 2016, estavam previstas mais cinco escolas no âmbito da
iniciativa Escola Viva, mas, efetivamente, foram inseridas quatro escolas,
com a ampliação do número de escolas partícipes nos anos seguintes. Em
2018, ano que se utiliza como base de análise, o Programa Escola Viva
englobava 32 escolas estaduais1 localizadas em diferentes municípios do
Espírito Santo.
No tocante ao processo de estruturação e organização das Escolas
Estaduais de Ensino Médio em Turno Único, a Lei nº 799/2015 dene que:
A execução dos planos, dos projetos e das ações desenvolvidos
nas Escolas Estaduais de Ensino Médio em Turno Único será
supervisionada por unidade gerencial especíca da SEDU, com as
seguintes competências: [...] III - avaliar os resultados a partir de
critérios e indicadores de prociência do projeto pedagógico das
escolas; [...] V - estabelecer metas de desempenho para as unidades
escolares em consonância com o sistema de avaliação estadual e
nacional (Espírito Santo, 2015a).
Com foco no desenvolvimento do projeto de vida, o currículo das
escolas que integram o programa e a metodologia de ensino foram elabo-
rados pelo ICE. No tocante aos atores envolvidos na implementação do
Escola Viva, rmou-se Termo de Cooperação Técnica, no ano de 2015, en-
tre o Governo do Estado do Espírito Santo e os seguintes atores privados:
De acordo com dados do Censo Escolar, no ano de 2018 a rede estadual do Espírito Santo era composta
por 459 estabelecimentos de ensino, consistindo em 365 estabelecimentos na região urbana e 94 na região
rural.
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas - vol. 3
229
ES em Ação, Instituto Fucape, Instituto Sonho Grande, ICE e Instituto
Qualidade no Ensino (IQE). Para ns deste trabalho, focaremos em dois
atores privados, sendo um de abrangência estadual, o ES em Ação, e um de
abrangência nacional, o ICE. Consideraremos, conforme já mencionado,
o período de 2015 a 2018.
O Instituto de Corresponsabilidade pela Educação é uma organiza-
ção sem ns lucrativos, estruturada e mantida por um grupo de empresá-
rios do Estado de Pernambuco. Iniciou as suas atividades no ano de 2003,
com o intuito de elaborar e desenvolver modelo pedagógico para o Ginásio
Pernambucano, com foco no desenvolvimento do projeto de vida dos estu-
dantes, denominado Escola da Escolha. Em seguida, o modelo pedagógico
foi instituído em outras escolas no estado e, posteriormente, o ICE iniciou
o trabalho de consultoria e disponibilização dos recursos desenvolvidos
como apostilas, materiais didáticos, atividades, entre outros, para inúme-
ros estados, dentre os quais o Espírito Santo.
A ação do ICE, no processo de implementação do Escola Viva, ocor-
reu mediante Termo de Cooperação rmado com o ES em Ação, para
a realização de consultoria, formação de professores e gestores, disponi-
bilização de material didático e organização do currículo. Nessa parceria
público-privada estabelecida com o governo do estado, a metodologia de-
senvolvida pelo Instituto é implementada nas Escolas Estaduais em Turno
Único Escola Viva, e os custos de disponibilização da metodologia são
nanciados pelo ES em Ação, utilizando-se, para tanto, as empresas capi-
xabas mantenedoras do programa (Espírito Santo em Ação, 2017).
Esse modo de operacionalização de transferência de recursos nan-
ceiros se realiza em virtude dos princípios do ICE: de que a educação pú-
blica deve ser em corresponsabilidade por diferentes e diversos atores e
que o Instituto é nanciado integralmente pelos parceiros privados. Na
concepção do ICE, a educação ocorre em corresponsabilidade com a fa-
mília, a escola, os professores, a comunidade, investidores e secretarias de
educação, que apoiam o estudante e o orientam em seu projeto de vida
(Instituto de Corresponsabilidade Pela Educação, 2020).
Henrique Tahan Novaes, Domingos Leite Lima Filho e José Deribaldo Gomes dos Santos (Org.)
230
No tocante à implementação da proposta de escola em turno único
no Espírito Santo, para o presidente do ICE, o estado obteve bons resulta-
dos com o programa, em virtude da parceria estabelecida com o movimen-
to empresarial capixaba:
O ponto de partida da implantação do modelo educacional é a
parceria com instituições privadas, pois o ICE não opera com
recursos públicos. Para colocar o projeto em prática, buscamos uma
parceria local para nanciar a implantação e, o mais importante,
assegurar sua continuidade. E em se tratando do Espírito Santo,
isso tem sido feito brilhantemente pelo Espírito Santo em Ação.
Vejo no Estado um trabalho a seis mãos, que envolve o ICE, o
movimento empresarial e o setor público, harmonia e resultados
surpreendentes! (Espírito Santo em Ação, 2017, p. 5).
Quanto à continuidade do programa, para o presidente do ICE, ao
se colocar a responsabilidade da educação pública para outras instâncias
não estatais, há maiores chances de prosseguimento, haja vista as alterações
e mudanças nos governos. De acordo com o presidente do ICE, “[...] no
Espírito Santo, vejo a responsabilidade por esta continuidade nos ombros
do Espírito Santo em Ação, pois governos vêm e vão, mas o provimento
de uma educação de qualidade aos nossos jovens é perene” (Espírito Santo
em Ação, 2017, p. 5).
Fundamentalmente por conta da parceria com o ES em Ação, de
acordo com o presidente do ICE, a educação de qualidade depende da
iniciativa privada, necessitando, portanto, de estabelecimento de parcerias
com governos para se alcançar a propalada qualidade na educação.
O parceiro local no Espírito Santo para que o ICE desenvolva as suas
ações na educação pública é o ES em Ação, que se constitui em entidade
de representação empresarial formada por pessoas físicas e empresas de
diferentes setores econômicos do estado. O Espírito Santo em Ação foi o
articulador da parceria do governo do estado, por intermédio da Secretaria
de Estado da Educação, com o Instituto Sonho Grande, o ICE e o IQE
para a implementação do Escola Viva.
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas - vol. 3
231
Para a implementação do Escola Viva, o ES em Ação rmou dois
Termos de Cooperação Técnica: um com os demais atores privados que
realizam a consultoria, gestão e orientações do programa (Instituto Fucape,
Instituto Sonho Grande, ICQ) e outro com o governo estadual, tendo sido
este rmado por um período de três anos, conforme mostra a publicação
do Diário Ocial a seguir.
Figura 1 - Termo de Cooperação Técnica entre o ES em Ação e o
Governo do Estado do Espírito Santo
Fonte: Espírito Santo (2015b).
O ES em Ação constitui-se no principal parceiro e articulador local
para a Política Estadual de Ensino Médio em Turno Único: ainda na cam-
panha eleitoral de 2014, a entidade realizou apresentação da agenda com
propostas para a área da educação, inclusa a concepção do Escola Viva,
para os candidatos a governador. Ao ser eleito, Paulo Hartung2, que já
havia apoiado outras iniciativas3 da entidade em seus mandatos anteriores,
manteve os diálogos e o compromisso com o ES em Ação para que o pro-
Paulo César Hartung Gomes, economista e político do Espírito Santo, foi governador do estado no período
de 2003 a 2010, sendo eleito em 2014 para novo mandato, no período de 2015 a 2019. Foi também
deputado federal e senador, e ocupou diversos cargos comissionados.
No ano de 2009, o Governo do Espírito Santo criou o programa Nossa Bolsa, que consiste na transferência
de recursos públicos para instituições privadas de ensino superior a m de ofertar vagas em cursos superiores
para alunos oriundos de escola pública. Já no ano de 2010, o Programa Bolsa Sedu consistia na transferência
de recursos públicos para instituições privadas que ofertavam educação prossional técnica de nível médio
na forma subsequente. Os dois programas, Nossa Bolsa e Bolsa Sedu, foram desenvolvidos em parceria com
o ES em Ação.
Henrique Tahan Novaes, Domingos Leite Lima Filho e José Deribaldo Gomes dos Santos (Org.)
232
jeto fosse viabilizado. Em depoimento acerca das ações educacionais para o
estado e a relação com o ICE, o então governador Paulo Hartung declarou:
Educação é prioridade absoluta para mim, quase uma obsessão.
Na campanha, nossa principal proposta na educação foi promover
uma escola transformadora e atrativa para os nossos jovens. Fomos
buscar uma experiência exitosa em Pernambuco, de educação
em tempo integral, com o Instituto de Corresponsabilidade pela
Educação (ICE), e a partir daí nasceu a Escola Viva [...]. Nesse
mundo competitivo em que vivemos, precisamos melhorar a
qualidade da educação básica. Esse é o primeiro passo para dar
dignidade e competitividade ao País. A Escola Viva veio oportunizar
um ensino de qualidade, em que os estudantes possam projetar um
futuro melhor, conectado com os tempos atuais (Espírito Santo
Em Ação, 2017, p. 3).
Quando questionado acerca das parcerias com o setor empresarial
para o desenvolvimento do programa, o então governador defendeu, em
consonância com a concepção posta pelo presidente do ICE, a necessidade
das parcerias com o setor privado para a condução das políticas públicas.
De acordo com Paulo Hartung:
[...] as parcerias são fundamentais para promover a revolução
que estamos buscando. Os desaos que o País vivencia estão na
necessidade de avançar na inclusão dos jovens em políticas públicas
sólidas para possibilitar o acesso ao conhecimento. Devemos
arregimentar boas companhias e boas parcerias para enfrentar as
tarefas desaadoras (Espírito Santo Em Ação, 2017, p. 3).
O discurso do então governador acerca da necessidade das parcerias
público-privadas para o desenvolvimento de políticas públicas foi comparti-
lhado pelo secretário de Educação daquele período, Haroldo Correa Rocha,
para quem as parcerias com o setor privado garantem a continuidade de
ações e programas educacionais, e são os responsáveis por garantir o sucesso
do programa Escola Viva. De acordo com o ex-secretário de Educação:
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas - vol. 3
233
O Espírito Santo em Ação é a âncora que nos ajuda a implementar
a Escola Viva. Há todo um custo de transferência da metodologia
do ICE (Instituto de Corresponsabilidade pela Educação) para a
Sedu, que não nos custa nada. Quem arca com esse custo são as
empresas capixabas, por meio do Espírito Santo em Ação. E isso
é muito importante, pois é o setor empresarial cumprindo seu
papel de sociedade e ajudando o Estado e a juventude a desenhar
um futuro melhor. Há, ainda, outro aspecto, que considero muito
importante. O governador Paulo Hartung está cumprindo o
terceiro mandato e ele pode ser reeleito, mas pode vir outro gestor
do Executivo. Portanto, esses parceiros que vêm da sociedade, como
o Espírito Santo em Ação, são um elemento a mais para a garantia
da continuidade do Programa Educação em Tempo Integral. O que
não pode acontecer é mudar o governo e a Escola Viva deixar de
existir, porque os jovens estão dizendo que ela é muito importante
(Espírito Santo Em Ação, 2017, p. 4).
Na busca por compreender a intrincada rede de atores privados que
nanciam o programa, pode-se perceber, na gura a seguir, os mantenedo-
res do Escola Viva que realizam a transferência de recursos para o ES em
Ação, e este os repassa para o ICE.
Figura 2 - Mantenedores do Programa Escola em Tempo Integral
Fonte: Espírito Santo em Ação (2017).
Henrique Tahan Novaes, Domingos Leite Lima Filho e José Deribaldo Gomes dos Santos (Org.)
234
Portanto, identicam-se os múltiplos atores compostos pelo empre-
sariado do Espírito Santo que nanciam o Escola Viva. Destaca-se que,
dentre os mantenedores, constam empresas de abrangência nacional, como
o Instituto Natura, a Vale e a Samarco.
A ação dos atores privados para a viabilização do Escola Viva apre-
senta-se articulada com a agenda do empresariado capixaba, o qual apoiou
a candidatura e o retorno de Paulo Hartung ao governo por abarcar os ide-
ais desenvolvimentistas da elite empresarial do estado. Nessa perspectiva,
de acordo com Oliveira e Lirio (2017, p. 284):
Este modelo de educação, amplamente difundido por Hartung em
campanha eleitoral, respaldado por segmentos da elite empresarial
capixaba, reforça os laços de anidade e demonstra o modo como
o Escola Viva comunga com a agenda política desenvolvimentista
desses segmentos econômicos, ao passo que vem sendo narrado,
no discurso e na agenda de Hartung, como sendo a solução dos
problemas da educação no Espírito Santo.
Nesse contexto, é possível perceber o alinhamento do governo do
estado com os interesses dos atores privados locais (ES em Ação e Instituto
Fucape) e globais (ICE, ICQ e Instituto Sonho Grande). O alinhamento
do governo aos interesses privatistas e neoliberais apresenta-se na agenda
política pautada pelo movimento empresarial do estado.
Essa articulação e a anidade do executivo estadual aos ideais dos
empresários capixabas são notadas pelo discurso do secretário de Educação
e do governador do Estado, no período de 2015 a 2019, ao conceber que
as parcerias com o setor privado são essenciais para o desenvolvimento das
políticas educacionais, articulações já realizadas nos governos anteriores de
Paulo Hartung (2003-2011), como o programa Nossa Bolsa e Programa
Bolsa Sedu: ambos com a mesma lógica privatista de transferência de res-
ponsabilidade do Estado para a iniciativa privada.
No caso especíco do Escola Viva, o programa apresenta o viés pri-
vatista por meio da transferência da gestão para a iniciativa privada, que,
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas - vol. 3
235
dentre outras ações, realizou a seleção da equipe gestora do Escola Viva.
As formas de controle e regulação da educação se apresentam pelos me-
canismos de monitoramento e de avaliação aos quais os professores são
submetidos constantemente:
Durante o ano de 2017, a equipe do Núcleo de Educação
do Espírito Santo em Ação e do Instituto FUCAPE zeram
acompanhamentos monitorados com a equipe de implantação das
Secretarias de Educação do Município e Estado. Foram 04 ciclos
de acompanhamentos em cada escola, presente na maioria destes
acompanhamentos, que totalizam 80 ciclos de norte a sul do estado
(Instituto Fucape, 2017, p. 14).
A incidência dos atores privados na condução do Programa Escola
Viva, por intermédio dos monitoramentos, coaduna com o viés neolibe-
ral de que a escola seja gerida como uma empresa. A realização dos ciclos
de monitoramento, conduzidos pelos atores privados nas escolas públicas
estaduais que implementaram o referido programa, alinha-se com a tese
apresentada por Freitas (2018a, 2018b) na qual uma das formas de priva-
tização da educação pública é a atuação no interior da escola, por conse-
guinte, impedindo o seu fortalecimento e desenvolvimento.
Outro ponto a destacar é o estabelecimento de metas de desempe-
nho e indicadores de prociência – apresentados como competência da
gerência especíca da Secretaria de Educação, responsável pelo acompa-
nhamento do Escola Viva –, que circunscrevem o programa na perspectiva
apresentada por Freitas (2018a) de conguração da escola como empresa,
apresentando-se metas e indicadores de eciência a serem atingidos.
Cabe ressaltar que o discurso da competitividade, presente na fala do
ex-governador Paulo Hartung, alinha-se com o preceito neoliberal difun-
dido pelos atores privados de competição e individualidade, direcionando
os ns educacionais, conforme apontam Caetano e Peroni (2022), como
uma das formas de incidência dos atores privados na educação pública.
Henrique Tahan Novaes, Domingos Leite Lima Filho e José Deribaldo Gomes dos Santos (Org.)
236
consIderações fInaIs
A incidência de atores privados nas políticas sociais constitui-se em
um dos direcionamentos da perspectiva neoliberal. Uma das formas de
materialização dessa incidência é por intermédio das parcerias público-pri-
vadas, que na educação compreendem ações de formação de professores
e gestores, implantação de sistemas de gestão, organização curricular, de-
senvolvimento de materiais didáticos, entre outras, que corroem o sentido
público e direcionam a nalidade da educação para atender a interesses
privatistas do empresariado, com a ênfase na formação para a competitivi-
dade e para o empreendedorismo.
Ao vislumbrar diferentes formas de inserção nas políticas educa-
cionais e de possibilidade de direcionamento da educação, empresas de
grande porte no Brasil adentram os sistemas públicos de ensino, utilizan-
do-se, para isso, de institutos e fundações. No caso do Espírito Santo, ao
implementar o Programa Escola Viva, podemos perceber o alinhamento
do governo do estado com os direcionamentos e concepções do setor em-
presarial, bem como com os preceitos do neoliberalismo. Inuencia-se,
dessa forma, na agenda política e na garantia do direito à educação pública,
gratuita e de qualidade.
A incidência dos atores privados na condução do referido progra-
ma contempla desde a formulação do currículo e os preceitos da referida
ação, passando pela seleção da equipe gestora, processo este conduzido
pelo Instituto Fucape e pelo ES em Ação, em parceria com o ICE.
Nessa perspectiva, compreende-se que há a transferência da respon-
sabilidade e do dever do Estado com a política educacional para a iniciativa
privada, de maneira que se perde, paulatinamente, a garantia da educação
pública como direito.
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas - vol. 3
237
referêncIas
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239
10
Novo ensino médio e educação
prossional: privatização e
precarização do trabalho docente
na rede Estadual Paulista no
Programa NOVOTEC
Evaldo Piolli
Mauro Sala
Gisiley Paulim Zucco Piolli
1. Introdução
O artigo é parte de uma pesquisa com nanciamento do Conselho
Nacional de Desenvolvimento Cientíco e Tecnológico - CNPq, em an-
damento. O objeto dessa pesquisa é analisar o processo de implementação
do Itinerário de Formação Técnica e Prossional no Ensino Médio Regular, a
partir da Lei nº 13.415/2017 nos estados de São Paulo e Piau1í. Neste traba-
lho, apresentamos alguns dados e reexões sobre o programa Novotec do
Processo CNPq: 420124/2022-5
https://doi.org/10.36311/2024.978-65-5954-526-1.p239-260
Henrique Tahan Novaes, Domingos Leite Lima Filho e José Deribaldo Gomes dos Santos (Org.)
240
governo do Estado de São Paulo, criado em 2019 e implementado na rede
regular de ensino a partir de 2022.
Com a reforma do Ensino Médio se criou a possibilidade da forma-
ção prossional se tornar um dos itinerários formativos da última etapa
da Educação Básica. Desse modo, a formação técnica e prossional pas-
sou a compor a carga horária da Educação Básica para a integralização
da sua carga horária obrigatória, que passou a se reger pelo esquema Base
Nacional Comum Curricular + itinerário formativo.
As formas que esse itinerário formativo pode ser cumprido induz
a um processo de externalização e privatização da formação prossional,
inclusive nas escolas das redes públicas de ensino.
Já no texto da Lei 13.415/2017, que instituiu a reforma do Ensino
Médio, podemos ler que “para efeito de cumprimento das exigências cur-
riculares do Ensino Médio”, foi aberta a possibilidade de se considerar: ati-
vidades de educação técnica oferecidas em outras instituições de ensino
credenciadas; cursos oferecidos por centros ou programas ocupacionais
e; estudos realizados em instituições de ensino nacionais ou estrangeiras
(Brasil, 1996, Art. 36, § 1).
Isso signica que o currículo escolar do Ensino Médio, não precisa
mais ser integralizado diretamente na instituição a qual o estudante
está vinculado e que parte do currículo, deixa de ser prerrogativa direta
da escola em que está matriculado.
Nas Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (Brasil,
2018) podemos ler que:
§A oferta de itinerários formativos deve considerar as
possibilidades estruturais e de recursos das instituições ou redes
de ensino. § 9º Para garantir a oferta de diferentes itinerários
formativos, podem ser estabelecidas parcerias entre diferentes
instituições de ensino, desde que sejam previamente credenciadas
pelos sistemas de ensino (Brasil, 2018, art. 12).
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas - vol. 3
241
Essas parcerias seriam necessárias “a m de melhor responder à he-
terogeneidade e pluralidade de condições, múltiplos interesses e aspirações
dos estudantes, com suas especicidades etárias, sociais e culturais, bem
como sua fase de desenvolvimento”, desde que essa organização “esteja
credenciada pelo sistema de ensino” (Brasil , 2018, art. 17, § 9o). Tanto na
LDB quanto nas Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio
não há nenhuma limitação sobre os tipos de instituições que poderão fazer
parcerias entre si, sejam elas públicas ou privadas.
No parecer que subsidiou as Diretrizes Curriculares Nacionais
Gerais para a Educação Prossional e Tecnológica podemos ler claramente
que se trata de abrir espaço para as parcerias “por parte dos sistemas e das
instituições públicas e privadas de ensino do país”. Diz o Parecer CNE/CP
no 17/2020:
O novo formato do Ensino Médio, ditado pela Lei no 13.415/2017,
entretanto, exige maior disposição de parcerias por parte dos
sistemas e das instituições públicas e privadas de ensino do país. É
preciso aproveitar melhor a estrutura das instituições especializadas
em Educação Prossional para que o Ensino Médio, com o
itinerário de formação técnica e prossional, possa contribuir para
o sucesso do novo Ensino Médio, em termos de qualidade e de
expansão. É preciso ampliar substancialmente o número de alunos
que fazem o Ensino Médio articulado com a Educação Prossional
(Brasil, 2020, p. 17).
Assim, vemos que a reforma do Ensino Médio passou a demandar
uma maior articulação entre instituições públicas e privadas como forma
de cumprimento do itinerário de formação técnica e prossional e de ex-
pansão no número de alunos na Educação Prossional.
Henrique Tahan Novaes, Domingos Leite Lima Filho e José Deribaldo Gomes dos Santos (Org.)
242
2. o Programa novotec e a ImPlementação do v ItInerárIo de
formação técnIca e ProfIssIonal em são Paulo
No Estado de São Paulo, a implementação do itinerário de formação
técnica e prossional tem seguido o caminho das parcerias com institui-
ções públicas e privadas. Embora a rede estadual de educação esteja sob
comando da Secretaria da Educação do Estado de São Paulo, a implemen-
tação do itinerário de formação técnica e prossional cou, até o nal de
2022, a cargo da Secretaria de Desenvolvimento Econômico - SDE.
Como podemos ver na Resolução SEDUC 74, de 15 de setembro
de 2022, que “dispõe sobre a organização curricular de cursos do Ensino
Médio articulados à Educação Prossional e Técnica de Nível Médio, a
serem oferecidos em unidades escolares da rede estadual de ensino”:
Artigo 1 - A unidade escolar que ofertar o itinerário formativo de
formação técnica e prossional terá, em suas dependências, curso
de ensino médio articulado à educação prossional técnica de
nível médio, estruturado em uma matriz curricular constituída por
componentes curriculares da Formação Geral Básica e do Itinerário
Formativo.
§1° - A organização curricular dos componentes da Formação
Geral Básica e do Itinerário Formativo observará o disposto na
Resolução Seduc no 97 de 08-10-2021 e na Resolução Seduc n°
69 de 12-08-2022.
§2° - O processo de atribuição de aulas dos componentes curriculares
da Formação Técnica e Prossional observará orientações da
Secretaria de Desenvolvimento Econômico.
§3o - O curso de ensino médio articulado à educação
prossional técnica de nível médio exigirá efetivação de duas
matrículas distintas, efetuadas pelo próprio estudante ou por seu
responsável legal, sendo uma vinculada à escola de Ensino Médio
regular e outra vinculada à instituição de Educação Prossional e
Técnica de Nível Médio (São Paulo, 2022b).
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas - vol. 3
243
As Resoluções SEDUC 97/2021 e 69/2022 estabelecem as diretrizes
para a organização curricular do Ensino Médio da Rede Estadual de Ensino
de São Paulo, estabelecendo também suas cargas horárias e a divisão delas
entre formação geral básica e itinerários formativos. Na Resolução Seduc
97/2021 podemos ler:
Artigo 4o - A matriz curricular da etapa do Ensino Médio para
os estudantes com ingresso a partir de 2021 é composta pelos
componentes curriculares da Formação Geral Básica e Itinerários
Formativos, sendo asseguradas as seguintes cargas horárias para o
período diurno:
I. A primeira série do Ensino Médio é constituída de 900 horas
de Formação Geral Básica e 150 horas de Itinerários Formativos.
II. A segunda série do Ensino Médio, a partir de 2022, será
constituída de 600 horas de Formação Geral Básica e 660 horas de
Itinerários Formativos.
III. A terceira série do Ensino Médio, a partir de 2023, será
constituída de 300 horas de Formação Geral Básica e 900 horas de
Itinerários Formativos (São Paulo, 2021a).
Desse modo, podemos ver que parte signicativa da carga horária
do Ensino Médio se refere aos itinerários formativos e que, no caso do
itinerário de formação técnica e prossional, a atribuição das aulas não é
organizada diretamente pela Secretaria da Educação do estado, devendo
observar “orientações da Secretaria de Desenvolvimento Econômico”. E é
essa Secretaria que fomentou o programa, até 2022, para a implementação
desse itinerário, o já conhecido Novotec (Piolli ; Sala, 2019).
Em outubro de 2021 foi assinado o Termo de Cooperação 001/2021,
entre a SEDUC-SP e a Secretaria de Desenvolvimento Econômico -SDE,
para implementação do programa NOVOTEC nas escolas da rede pública
do estado de São Paulo. Como trata o documento, a colaboração entre as
pastas visou “oferecer no âmbito da rede estadual de ensino a educação
prossional e técnica, como parte da formação básica dos alunos, por meio
de formação técnica e prossional, conforme o previsto na Lei Federal n.
Henrique Tahan Novaes, Domingos Leite Lima Filho e José Deribaldo Gomes dos Santos (Org.)
244
13.415/2017, ou como formação complementar”. Ainda relativo ao referi-
do termo, compete à SDE, “promover a contratação de executora pedagó-
gica dos cursos técnicos e prossionais oferecidos, que são as responsáveis,
conforme objeto da contratação, de ofertar, ministrar e certicar os estu-
dantes” (São Paulo, 2021b, p.2).
Na Lei 17.614, de 26 de dezembro de 2022 (São Paulo, 2022a),
que estabelece a lei orçamentária do estado de São Paulo para 2023, a
ação 6289 - Desenvolvimento do NOVOTEC Integrado, descrito como
“Manutenção de cursos do Novotec integrado a cursos prossionalizan-
tes aos estudantes das escolas estaduais do ensino médio pelo Governo
do Estado de São Paulo”, previa um gasto de R$ 315.799.027,00 para
o oferecimento de 70.555 vagas no programa Novotec Integrado. A
ação 6346 - NOVOTEC - QUALIFICAÇÃO PROFISSIONAL PARA
ESTUDANTES DO ENSINO MÉDIO, que propõe a “ampliação do
acesso ao Ensino Prossionalizante no Estado de São Paulo por meio de
cursos de qualicação prossional presencial e EAD focados nos estudan-
tes do ensino médio”, previa R$ 267.513.894,00 para o oferecimento de
190.000 vagas. A ação 6344 - NOVOTEC APRENDIZ, que dispõe sobre
a “oferta de formação técnico prossional para alunos do ensino médio,
por meio de cursos de aprendizagem, de acordo com a legislação vigen-
te, e sua inserção no mercado de trabalho”, previa R$ 3.860.408,00
para o oferecimento de 16.200 vagas. Além dessas ações, a Lei orçamen-
tária do estado de São Paulo também previa a ação 6397 - NOVOTEC
EXPRESSO - BOLSA DO POVO, com previsão de R$ 41.705.661,00,
para o oferecimento de 60.000 “bolsas-auxílio para os alunos que, além
de cumprirem os pré-requisitos do programa na admissão, estejam regu-
larmente matriculados no ensino médio da rede estadual ou do Centro
Paula Souza e também estejam frequentes no curso a cada mês de aferição”.
Todos esses programas estão vinculados à Secretaria de Desenvolvimento
Econômico do Estado (São Paulo, 2022c).
Desse modo, vemos que o Novotec apareceu com bastante abran-
gência na proposta orçamentária do governo paulista para o ano de 2023.
Embora na lei orçamentária paulista conste todas essas modalidades, uma
pesquisa no portal da transparência do governo paulista mostra uma re-
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas - vol. 3
245
alidade distinta e uma certa indenição na caracterização das ações que
dicultam uma avaliação mais precisa do seu processo de implementação.
Todas as ações descritas na lei orçamentária têm, juntas, um valor
empenhado de R$ 340.922.955,20, sendo que R$ 340.897.511,53 dizem
respeito apenas à ação NOVOTEC - QUALIFICAÇÃO PROFISSIONAL
PARA ESTUDANTES DO ENSINO MÉDIO. Os outros R$ 25.403,67
estão empenhados para a ação DESENVOLVIMENTO DO NOVOTEC
INTEGRADO e dizem respeito à conservação e manutenção de imóveis,
serviço de dedetização e publicidade. Já dos R$ 340.897.511,53 empe-
nhados para o NOVOTEC - qualicação prossional para estudantes do
ensino médio R$ 334.794.926,07 estão sob a rubrica outros serviços
de terceiros”.
Como diz a Resolução 74/2022 já citada,
O curso de ensino médio articulado à educação prossional técnica
de nível médio exigirá efetivação de duas matrículas distintas,
efetuadas pelo próprio estudante ou por seu responsável legal,
sendo uma vinculada à escola de Ensino Médio regular e outra
vinculada à instituição de Educação Prossional e Técnica de Nível
Médio (São Paulo, 2022b).
A questão que nos ca é: que “outras” instituições de Educação
Prossional e Técnica de Nível Médio são essas que oferecerão o itinerário
de formação técnica e prossional para os estudantes da rede estadual de
educação?
Segundo informações colhidas no portal da transparência do gover-
no paulista, vemos quem são os fornecedores desses serviços terceirizados,
para oferta de vagas voltadas para o ensino médio regular. Como segue:
Henrique Tahan Novaes, Domingos Leite Lima Filho e José Deribaldo Gomes dos Santos (Org.)
246
Tabela 1 - Valores empenhados, liquidados e pagos no Novotec expresso
e integrado em 2023 (R$)
Fornecedor Empenhado Liquidado Pago
CTO. EST. EDUC. TECNOL.
PAULA SOUZA 177.224.635,20 12.067.736,85 11.512.524,48
ESSA/PROZ EDUCAÇÃO
PROFISSIONAL S.A 30.209.867,90 6.468.107,39 5.540.143,08
ASSOCIAÇÃO SEQUENCIAL DE
ENSINO SUP 19.367.308,68 5.009.730,83 8.132.833,84
FIEC FUND INDAIATUBANA DE
EDUC E CULTURA 18.240.000,00 8.015.736,75 5.229.621,75
SERVIÇO NACIONAL DE
APRENDIZAGEM COMERCIAL 12.446.420,04 2.717.819,30 2.851.680,19
Total 257.488.231,82 34.279.131,12 33.266.803,34
Fonte: https://www.transparencia.sp.gov.br - Despesas com contratos; Fornecedores; Secretaria do
Desenvolvimento Econômico; ação NOVOTEC - qualif. prof. estudantes ensino médio - 2023 (Atualizado
em 17 ago. 2023).
Na tabela 1, podemos ver que apesar do empenho com as insti-
tuições contratadas pela Secretaria de Desenvolvimento Econômico-SDE
para fornecimento dos cursos do Novotec Ensino Médio para os estudan-
tes da rede estadual foi de R$ 257.488.231,82. No entanto, apenas R$
34.279.131,12 foram liquidados, sendo que R$ 33.266.803,34 foram efe-
tivamente pagos em favor das seis instituições ETECs do Centro Paula
Souza (públicas), Senac (sistema S), Fundação Indaiatubana de Educação
e Cultura (pública) (FIEC), Escola Técnica Sequencial (privada) e Proz
Educação (privada).
Segundo o portal da transparência, o governo paulista tem 7.126
alunos no Novotec-Expresso, distribuídos em 117 unidades e 33.005 alu-
nos no Novotec-Integrado, em 772 unidades pelo Estado2.
Segundo a Coordenadoria de Ensino Técnico, Tecnológico e
Prossionalizante (CETTPRO) de São Paulo, datado de 30/01/2023, em-
presa Proz seria responsável pelo oferecimento do Novotec-Expresso nas
escolas estaduais em 2023. Em 2022, segundo o mesmo documento, havia
Dados do portal da transparência do governo do Estado de São Paulo, coletados em 18 de agosto de 2023.
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas - vol. 3
247
299 turmas do Novotec-Expresso, divididos entre a Proz (257 turmas) e
a Sequencial (42 turmas). São cursos de qualicação prossional de 200
horas integrado a um dos itinerários formativos ofertados pela SEDUC-SP.
Assim, em 2022, todos os 8.315 estudantes que concluíram o Novotec-
Expresso o zeram em cursos oferecidos por instituições privadas. Em 2023,
novamente o Novotec-Expresso cou inteiramente a cargo dessas empresas
privadas, que passaram a receber milhões de reais do cofre estadual.
Em relação ao Novotec-Integrado, em junho de 2023, tínhamos a
seguinte divisão das matrículas pelas instituições:
Gráfico 1 - Matrículas do Novotec integrado por instituição
contratada (2023)
Fonte: Cadastro de Alunos do Banco de Dados: DB_DEINF (2023)
Embora a ESSA/PROZ e a Sequencial sejam empresas distintas, o
número das matrículas de ambas aparecem juntas pois foi a forma que o
governo paulista nos forneceu o dado quando solicitado via lei de acesso
à informação. De qualquer modo, para os objetivos desse artigo isso não
signicará maiores problemas, já que ambas são empresas privadas e de
capital aberto com ns lucrativos. Feito este esclarecimento, podemos no-
tar pela distribuição das matrículas do Novotec- Integrado dois caminhos
Henrique Tahan Novaes, Domingos Leite Lima Filho e José Deribaldo Gomes dos Santos (Org.)
248
que o governo paulista tem tomado para a implementação do itinerário de
formação técnica e prossional: a mobilização do Centro Paula Souza e a
contratação de outras instituições de educação prossional não pertencen-
tes à estrutura estadual.
Assim, vemos que das 33.301 matrículas no Novotec-Integrado,
12.506 estão vinculadas ao Centro Paula Souza, ou seja, à instituição es-
tadual especializada em formação prossional comporta cerca 37,5% das
matrículas da ação, sendo também, como vimos pela tabela do portal da
transparência do governo paulista, a instituição que mais recebeu repasse
para a ação, recebendo mais de R$ 11,3 milhões.
Desse modo, as escolas técnicas vinculadas ao Centro Paula Souza se
tornaram, em 2023, importantes implementadoras do itinerário de forma-
ção técnica e prossional por meio do Novotec- Integrado para os estudan-
tes da rede estadual paulista.
Já havíamos percebido esse movimento e apontado possíveis transfor-
mações que essas instituições poderiam sofrer. Ainda em 2019 escrevemos:
A parceria rmada com a Secretaria da Educação do Estado de
São Paulo para o oferecimento dos itinerários prossionalizantes,
constante na Reforma do Ensino Médio, para os estudantes da rede
regular, pode ser um fator que favoreça o abandono por parte das
ETEC’s de qualquer participação na educação básica que não seja
o oferecimento do itinerário prossionalizante, seja com cursos
curtos de qualicação prossional , seja com cursos técnicos. (…)
O que se coloca é a transformação das ETEC’s em uma instituição
auxiliar para a implementação do itinerário prossionalizante da
Reforma do Ensino Médio, descaracterizando-as completamente
(Piolli; Sala, 2019, p. 192).
Acompanhar esse processo foge do objetivo imediato deste artigo,
que está preocupado com o processo de privatização que o Novotec im-
pulsiona. Nosso objetivo aqui não é aprofundar a relação do Centro Paula
Souza com o Novotec. Aqui, nos importa antes apreender a participação
das outras instituições que o compõem e sua tendência.
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas - vol. 3
249
Vemos que somente a ESSA, a Sequencial, a FIEC e o SENAC rece-
beram juntos mais de R$ 22,1 milhões dos R$ 38 milhões liquidados em
2023 pela ação do Novotec. Essas instituições concentravam 20.795 das
33.301 matrículas do Novotec-Integrado em junho de 2023. Assim, mais
de 60% das matrículas do Novotec-Integrado estavam nessas instituições.
3. PrIvatIzação da oferta e a PrecarIzação do trabalho docente
Embora o Centro Paula Souza, instituição estadual especializada
em ensino prossional vinculada à própria Secretaria de Desenvolvimento
Econômico, e do qual fazem parte as Escolas Técnicas Estaduais (ETECs),
seja a instituição que recebeu o maior repasse para a ação, vemos que
sua participação alcança apenas 37,5%% das matrículas do Novotec-
Integrado, restando a maioria das matrículas sendo oferecidas por insti-
tuições privadas com ns lucrativos, fundações ou instituições patronais
ligadas ao Sistema S.
Desse modo, temos que notar um movimento de privatização direta
da rede pública paulista, que passa a ter “em suas dependências” (Resolução
SEDUC 74/2022) cursos diretamente oferecidos por instituições privadas
e que passam a contar como carga horária da Educação Básica pública.
Para car apenas com as maiores fornecedoras da ação que não per-
tencem à estrutura estadual pública de São Paulo, podemos ver a participa-
ção importante que essas instituições passam a ter na execução do Novotec.
Somente a ESSA/PROZ e a Sequencial, que são empresas privadas com
ns lucrativos, concentraram 18.367 matrículas, ou seja, mais de 55% das
matrículas do programa e receberam mais de R$ 13,6 milhões do governo
somente em 2023.
Investigando um pouco sobre essas duas empresas que concentram
a maior fatia das matrículas do Novotec-Integrado, a ESSA/PROZ e a
Sequencial, descobrimos coisas interessantes sobre a forma de contratação
do trabalho docente para o oferecimento do itinerário de formação técnica
e prossional para os estudantes da rede estadual de São Paulo.
Henrique Tahan Novaes, Domingos Leite Lima Filho e José Deribaldo Gomes dos Santos (Org.)
250
A ESSA, que recentemente se fundiu com a Enferminas e mudou de
nome, passando a integrar o grupo PROZ3, diz ter “como propósito levar
educação de qualidade, que gera emprego real aos nossos estudantes e as-
sim, transformar nosso país”. Ela arma ter “cursos atualizados com foco no
que o mercado mais valoriza” e que seus “professores que são prossionais
reconhecidos em suas áreas”. No site da PROZ também podemos ler que:
A Proz, está no mercado há mais de 10 anos, além dos
cursos técnicos em nossas unidades, temos também uma parceria
com o Governo do Estado com o programa NOVOTEC - SP. e
com o Governo de Minas com o programa Trilhas. Essas parcerias
possibilitam o aluno a ter uma qualicação técnica junto a sua
formação do ensino médio.4
No site da PROZ, entrando no link “trabalhe conosco”, podemos acessar
várias ofertas de trabalho. Entrando em uma delas lemos o seguinte anúncio:
PROFESSOR INFORMÁTICA PARA INTERNET –
SOROCABA. Heii, você já pensou em se tornar um professor (a)
e poder contribuir para a vida dos adolescentes? Ensiná-los nesse
período de incertezas e dúvidas, aposto que você quando aluno,
adoraria ter um professor engajado, divertido e comprometido. O
que acha de poder levar essa experiência a eles? A Proz, está no
mercado há mais de 10 anos, além dos cursos técnicos em nossas
unidades, temos também uma parceria com o Governo do Estado
com o programa NOVOTEC - SP. e com o Governo de Minas
com o programa Trilhas. Essas parcerias possibilitam o aluno a ter
uma qualicação técnica junto a sua formação do ensino médio. O
professor (a) é contratado pela Proz, mas ministra as aulas dentro das
escolas públicas, ou, dentro das nossas unidades, com os recursos
oferecidos pelas mesmas. [...] Informações complementares:
O grupo Proz Educação Prossional S.A foi fundado em 2020 é uma empresa de capital aberto e que
tem entre seus investidores a fundação Roberto Marinho, o Instituto Criar, fundado pelo apresentador de
TV Luciano Huck, e o empresário Jair Ribeiro, fundador do Banco Patrimônio, que hoje está nas mãos
do grupo americano Chase Manhattan (JP Morgan). Esses investimentos e a PROZ são geridos pela EB
Capital comandada pela CEO Luciana Ribeiro.
Disponível em: https://prozeducacao.pandape.infojobs.com.br/. Acesso em: 20 maio 2024.
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas - vol. 3
251
Nossa forma de contratação é no regime Autônomo (contrato
bimestral renovável) ou CLT (contrato intermitente); [...]Carga
horária semanal: 25; [...] Remuneração: Pagamento por hora aula
(PROZ, 2024).
No site há várias ofertas de trabalho como essa para diversas áreas,
variando basicamente o local de trabalho, outras escolas da rede estadual,
e a carga horária.
Destacamos que o próprio anúncio diz que “o professor (a) é con-
tratado pela Proz, mas ministra as aulas dentro das escolas públicas, ou,
dentro das nossas unidades, com os recursos oferecidos pelas mesmas”. O
anúncio também diz que “forma de contratação é no regime Autônomo
(contrato bimestral renovável) ou CLT (contrato intermitente)”.
Assim, teremos um professor e/ou professora terceirizada de uma
empresa privada dentro das escolas públicas ministrando cursos com recur-
sos públicos e que contabilizam a carga horária do Ensino Médio, numa
clara privatização e terceirização da atividade de ensino, ou seja, da ativi-
dade m da escola.
Além das vagas regulares para os cursos do Novotec, a Proz tam-
bém oferece vagas para a contratação de “Professor(a) Eventual Novotec”.
Segundo o anúncio da vaga,
Nesta função o professor(a) eventual, você será convidado pela
Proz a acompanhar a turma de um dos nossos cursos, na ausência
do professor titular da turma Novotec. Ou seja, o professor (a)
eventual irá assumir as responsabilidades com a turma.
Aqui o regime de contratação é exclusivamente do tipo autôno-
mo em que “os dias e horários de aulas serão de acordo com o programa
Novotec em cada escola” e “a remuneração seguirá o modelo de hora aula e
o valor é de acordo com o professor titular substituído”. Apesar da contra-
tação ser como prossional autônomo, na descrição da vaga a jornada
de trabalho está denida como “Período Integral”.
Henrique Tahan Novaes, Domingos Leite Lima Filho e José Deribaldo Gomes dos Santos (Org.)
252
Desde pelo menos junho de 2023, a ESSA/PROZ vem discutido um
novo projeto para a contratação de professores eventuais voltado para a contra-
tação temporária de docentes da rede estadual: o projeto “Professor Eventual”.
Figura 1 - Contratação de Professor Eventual -PROZ Educação
Prossional
Fonte: apresentação do programa professor eventual – Proz educação prossional (2023)5
Segundo o material da empresa, publicado em junho de 2023:
O Projeto Professor Eventual tem por objetivo trazer solução ao
Programa NOVOTEC - SP: a ausência de aulas por falta de sem
aviso. Para isso, a Proz está recrutando da rede estadual de ensino,
com disponibilidade de carga horária, para substituir o docente
titular em casos de falta (PROZ, 2023).
Ainda segundo a apresentação, a escolha de professores da rede esta-
dual se dá porque,
além de já conhecerem o Programa NOVOTEC, os docentes da
rede estadual já têm contato com os alunos das turmas. Junto a
Material coletado nas escolas visitadas em agosto de 2023.
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas - vol. 3
253
isso, a Proz consegue ampliar a boa relação com a gestão da escola
e oferece oportunidade de trabalho para a comunidade escolar
(PROZ, 2023).
Desse modo, propõe-se um contrato de trabalho “em modelo autô-
nomo” para os professores e professoras da rede estadual prestarem serviço
para a empresa implementar o Novotec nas escolas públicas paulista. Segue
o material:
O Professor Eventual será acionado pelos supervisores da Proz
quando houver faltas. Dessa forma, estamos criando um banco
de professores que serão selecionados e contratados, mas carão
em stand-by. A contratação do professor eventual será em modelo
autônomo e a remuneração ocorrerá de acordo com o valor da hora-
aula do docente titular a ser substituído (PROZ, 2023).
Embora no material do programa “Professor Eventual” a ESSA/
PROZ diga que “os professores eventuais serão treinados para desenvolver
o programa e receberão o material para a aula”, o link para saber mais”,
disponível neste material, esclarece que o treinamento será oferecido pela
empresa: “O prossional autônomo terá acesso à plataforma da Academia
Proz, para que realize, exclusivamente, os treinamentos sobre o Código de
Ética e Conduta da empresa e sobre a LGPD, uma vez que terá acesso aos
dados pessoais dos alunos” (PROZ, 2023).
Desse modo, a PROZ quer avançar o processo de privatização e
terceirização da atividade de ensino cooptando professores e professoras
da própria escola, com um contrato de serviço autônomo, sem vínculo
empregatício, a ser acionado diretamente pelos supervisores da empresa
sem a mediação da escola. Essa modalidade de contratação de professores
anunciada pela empresa vem sendo adotada pela SEDUC-SP desde a pro-
mulgação da Lei 1093/2009. Nesse modelo de contratação, os professores
contratados como eventuais, cam sem aulas atribuídas, ou seja, recebem
por aula dada quando substituem.
Henrique Tahan Novaes, Domingos Leite Lima Filho e José Deribaldo Gomes dos Santos (Org.)
254
Em agosto de 2023, a PROZ oferecia 120 vagas para a contrata-
ção de professores eventuais para o Novotec, mas, segundo a página do
Linkedin da empresa, havia, um mês após o anúncio ser publicado, apenas
115 candidatos. As ofertas de trabalho nessa modalidade ainda estão aber-
tas no site da empresa6.
No site da Sequencial7, que se apresenta como “uma Escola Técnica
focada na melhor capacitação e prossionalização de seus alunos”, com
professores que “conhecem profundamente o mercado de trabalho e tra-
zem experiências práticas para a sala de aula”, também vemos anúncios
para compor o seu “banco de talentos” e trabalhar no programa Novotec,
em escolas da rede estadual paulista, onde o recurso da subcontratação de
professores como Pessoa Jurídica pela empresa também ocorre. Nos anún-
cios do seu “banco de talentos” encontramos ofertas como essas:
Figura 2 - Contratação de professores na Sequencial S.A.
Fonte: Disponível em; https://bancodetalentos.gruposequencial.com.br/. Acesso em: 06 maio 2024.
Contratação de professor eventual. Disponível em: https://prozeducacao.pandape.infojobs.com.br/
Detail?id=AF6FC83CEEDA8A4E. Acesso em: 10 maio 2024.
A Associacao Sequencial de Ensino Superior S.A foi fundada em 2003, se tornou empresa de capital
aberto em 2021. Tem como gestora a holding nanceira Amani Empreendimentos e Participações LTDA,
vinculada às empresas da família Zogbi.
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas - vol. 3
255
Assim, a Sequencial S.A contrata seus professores por horas que va-
riam de R$ 19,00 à R$ 24,00, dependendo da titulação do candidato. A
forma de contratação, segundo o anúncio, se dará na forma de pessoa
jurídica com empresa constituída MEI/LTDA/ME”.
Em visitas que zemos em algumas escolas estaduais, encontramos
situações em que um único professor contratado por essas empresas era
responsável por toda a formação técnica dos estudantes. Outra questão
que nos chamou atenção nas conversas que tivemos nessas escolas
é como o Novotec é percebido pela gestão e pelos professores. Quando
perguntávamos sobre os itinerários formativos que a escola oferecia, as res-
postas sempre caminhavam para “a escola tem dois itinerários formativos
e o Novotec”.
Esse processo de privatização e terceirização dos docentes do Novotec
faz com que ele seja percebido como uma espécie de implante externo à
organização escolar. A rigor, o Novotec também é um itinerário formativo
da escola, mas no discurso dos professores e da gestão não aparece dessa
maneira, já que os professores do Novotec estão submetidos e respondem
diretamente às empresas que o contrataram, parecendo ter pouca relação
com a gestão e o coletivo escolar, não participando nem das reuniões cole-
tivas da escola.
Assim, temos uma situação em que parte signicativa da carga horá-
ria da Educação Básica pública passa a ser ofertada por empresas privadas
dentro das escolas públicas, numa clara privatização e terceirização do en-
sino, que passa a ser exercido por um contingente de trabalhadores com
contratos de autônomo ou pessoa jurídica.
O que tem que car claro é que o itinerário de formação técnica e
prossional, com a reforma do Ensino Médio, passou a compor a carga ho-
rária e a denição de Educação Básica, ou seja, o que temos é um processo
de privatização e terceirização da Educação Básica pública no Estado de
São Paulo. Tudo isso alimentado com recursos públicos.
E esses recursos não são apenas para essas empresas privadas garan-
tirem a expansão da Educação Prossional demandada pela juventude,
mas também para garantir seus lucros. Num arroubo de sinceridade, le-
Henrique Tahan Novaes, Domingos Leite Lima Filho e José Deribaldo Gomes dos Santos (Org.)
256
mos nos termos de contrato (Processo SDE-PRC-2022/00433), celebrado
entre o Estado de São Paulo, por meio da Secretaria de Desenvolvimento
Econômico e a Essa Educação Prossional S.A (PROZ), após a apresenta-
ção dos valores milionários dos lotes de cursos e vagas que:
[...] nos preços acima estão incluídos, além do lucro, todas as
despesas e custos diretos e indiretos relacionados à prestação
dos serviços, tais como tributos, remunerações, despesas nanceiras
e quaisquer outras necessárias ao cumprimento do objeto desta
licitação, inclusive gastos com transporte (São Paulo, 2022c).
Assim, o processo de privatização avança sobre as escolas públi-
cas como um dos efeitos da reforma do Ensino Médio. Um processo
de privatização que vem acompanhado da terceirização das ativida-
des ns, ou seja, da atividade de ensino, num processo em que o Estado
contrata uma empresa prestadora de serviço que subcontrata professores
prestadores de serviçopara atuar nas escolas públicas paulistas. O fato
de isso ter começado pelo itinerário de formação técnica e prossional não
diminui sua gravidade, já que esse itinerário, apesar de ter características
próprias, passa a compor a carga-horária para a integralização do próprio
Ensino Médio, ou seja, passa a fazer parte da carga-horária necessária para
a integralização da Educação Básica.
Contudo, cabe destacar que nas escolas onde o Centro Paula Souza
atua pelo NOVOTEC, encontramos a contratação de professores por tem-
po determinado, por até dois anos, com uma remuneração de R$ 21,40
por hora-aula. O mesmo ocorreu com a FIEC, mas com salários xados
em R$ 44,00 a hora-aula.
Articulada à Lei 13.429/2017, que alterou a legislação sobre o tra-
balho temporário e as relações de trabalho na empresa de prestação de ser-
viços a terceiros, ampliando as possibilidades de terceirização do trabalho,
o governo paulista passou a utilizar simultaneamente a possibilidade de
terceirização das “atividades-m a serem executadas na empresa tomadora
de serviços” (Brasil, 1974, art. 9, § 3) mecanismo em que “empresa pres-
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas - vol. 3
257
tadora de serviços (…) subcontrata outras empresas para realização desses
serviços” (Idem, art.4a, § 1) que, nesse caso, são professoras e professores
obrigados a prestarem esse serviço como empresas de si mesmos dentro
das escolas públicas. Assim, os dispositivos da reforma do Ensino Médio,
articulados com as mudanças na legislação do trabalho, abriram caminho
para que a ampliação da terceirização atingisse também as atividades-m
da escola, terceirizando o próprio trabalho educativo.
Desse modo, ampliou-se as divisões da categoria docente instituin-
do uma categoria docente “privatizada” e “pejotizada”, que não responde
diretamente à organização da escola, constituindo-se como uma categoria
à parte do funcionalismo, estando aquém até mesmo de suas formas mais
bárbaras de precarização, e como um implante externo ao coletivo escolar,
já que respondem diretamente à empresa contratante. Assim, soma-se à
divisão da categoria docente do Estado de São Paulo (categoria O, V, F,
efetivo, “nova” e “velha” carreira) uma nova categoria: a dos prossionais
autônomos subcontratados por uma empresa privada prestadora de servi-
ços para o Estado de São Paulo.
consIderações fInaIs
Os programas de oferta do V Itinerário está previsto serem executa-
dos por parceiros públicos e privados até o nal de 2024, pois já há valores
empenhados para tanto, segundo publicações de pregões, por exemplo, no
Diário Ocial do Estado de São Paulo. Porém, o governo que tomou posse
em 2023, anunciou mudanças expressivas na oferta do V Itinerário, por
exemplo, a exclusão do programa Novotec e a adoção do que denominou
Ensino Médio Paulista, para os alunos que ingressarão a partir de 2024. De
acordo com as novas resoluções do Ensino Médio Paulista, o V Itinerário
de formação técnico prossional, ca sob responsabilidade da Secretaria de
Educação do Estado de São Paulo (SEDUC/SP), ou seja, os recursos e pro-
jetos para a oferta do V Itinerário passaram a integrar a pasta da Educação
Henrique Tahan Novaes, Domingos Leite Lima Filho e José Deribaldo Gomes dos Santos (Org.)
258
do Estado. Outra importante mudança é que os cursos técnicos integrados
ao Ensino Médio, serão oferecidos em escolas próprias da rede de ensino
estadual ou, em escolas de instituições parceiras.
O Novotec vem sendo executado em parceria com Centro Paulo
Souza, Fundação Indaiatubana de Educação e Cultura (FIEC), ambas pú-
blicas, assim como, Associação Sequencial de Ensino Superior S.A., Essa
Educação S.A. Proz e SENAC, que oferecem cursos Novotec Integrado,
com cursos técnicos de 1.200h, ou Novotec expresso que combina itine-
rários formativos e cursos de qualicação prossional de maneira muito
aligeirada e o Ejatec, curso também para qualicação prossional, ainda
não pesquisado em loco, pois são cursos que estavam sendo ofertados, na
maioria das vezes, em bairros periféricos de pior acesso. O Ejatec foi extin-
to pela secretaria em 2023
No que diz respeito ao Novotec Integrado e Expresso, foram obser-
vados, por nossa pesquisa, alguns problemas que estamos analisando mais
detidamente. Entre eles destacamos a ausência de uma integração entre
os conteúdos da BNCC e o Itinerário de Formação Técnica e Prossional
e, como no caso dos cursos oferecidos pela ESSA/PROZ e da Sequencial,
a dupla matrícula. Na pesquisa de campo, detectamos que nas escolas
a gestão dos cursos ministrados pelas empresas, não se reporta à equipe
gestora da escola e nem à SEDUC-SP. No caso, os dados de frequência
dos estudantes, notas e demais registros são encaminhados diretamente às
instâncias de controle das empresas e da Secretaria de Desenvolvimento
Econômico, caracterizando o que denominamos de gestão paralela.
No processo de pesquisa identicamos ainda problemas relativos à
desigualdade de oferta do V itinerário. Nos cursos ministrados pelo Centro
Paula Souza e pela FIEC, identicamos que há professores diferentes para
cada um dos componentes curriculares dos cursos e material físico (aposti-
las) distribuídas para os estudantes. No entanto, nos cursos oferecidos pela
ESSA/PROZ e Sequencial, encontramos uma situação diferente, com um
mesmo professor ministrando todos os componentes curriculares de um
curso e o predomínio de materiais didáticos digitais. Por m, destacamos
que esse processo de contratação de empresas privadas para a oferta do V
itinerário de Formação Técnica e Prossional, encontramos modalidades
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas - vol. 3
259
precárias de contratação de professores (as), em plena consonância com o
escopo da Lei 13.467/2017 da reforma trabalhista, tais como a contratação
como Pessoa Jurídica - MEI (pejotização), contrato intermitente, contrato
temporário como CLT ou autônomo, inclusive com salários menores do
que o dos professores do sistema público estadual de ensino.
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261
11
A implantação do itinerário
prossional na reforma do ensino
médio em Mato Grosso do Sul
Erika Porceli Alaniz
Yara Lígia Bambil Darós Garcia
Introdução
Este capítulo aborda os mecanismos de privatização do ensino mé-
dio na implantação do itinerário formativo técnico prossional no bojo
da reforma do ensino médio nas redes públicas de Educação básica do
estado de Mato Grosso do Sul. A reforma da última etapa da educação
básica foi introduzida por um conjunto de ordenamento normativo, em
âmbito nacional e estadual, decorrente da aprovação da Lei 13.415/1997
(Brasil, 2017).
https://doi.org/10.36311/2024.978-65-5954-526-1.p261-292
Henrique Tahan Novaes, Domingos Leite Lima Filho e José Deribaldo Gomes dos Santos (Org.)
262
Vale destacar que tal reforma não condiz com o anseio da classe
trabalhadora brasileira e, por essa, razão foi precedida e acompanhada de
expressivo movimento de oposição por todo país desde sua tramitação,
o qual foi impulsionado pelas entidades educacionais que aglutmavam
pesquisadores das Universidades, sindicatos, ocupação de estudantes nas
escolas públicas em defesa da não degradação de sua formação cientíca e
houve a constituição do Fórum em Defesa do Ensino Médio. A vigência
da reforma tem sido acompanhada de sucessivas manifestações das entida-
des e mobilizações públicas, por meio de passeatas, solicitando sua revo-
gação, fator que, com a mudança da conjuntura no governo federal com a
destituição de um governo de traço facista, ultraconservador e adepto ao
privatismo neoliberal para um governo com viés mais progressista - ape-
sar da contradições posta no governo e no parlamento pelo continuísmo
na própria manutenção da base da reforma - tem havido a proposição de
Projeto de Lei, como a Lei 5.230/2023 aprovada no Senado em junho de
2024, que propõem alterar alguns pontos de tensionamento da reforma.
Especicamente, em relação à modalidade da educação técnico pro-
ssional, por meio da introdução do itinerário formativo técnico prossio-
nal, podemos dizer a reforma introduzida pela Lei 13.415/2017 (Brasil,
2017) continua a mesma lógica de fragmentação da formação ao introdu-
zir a lógica de competências e habilidades com a certicação ao nal de
cada módulo contida na reforma neoliberal na educação implantadas pelo
ex- presidente Fernando Henrique Cardoso (1994-2002) duas décadas an-
teriores, com o Decreto 2.208/2007, aprovado após a promulgação da Lei
de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) 9394/1996. Essa
reforma foi, em alguma medida, amenizada e mesmo retarda, no que se
refere a parceria público-privada, nos governos de Luís Inácio Lula da Silva
(2003-2010) e Dilma Rousse (2011- 2015). Com o golpe parlamentar
e a posse do vice-presidente interno Michel Temer em 2016, instaura-se
um período de ultraconservadorismo, no qual intensica os processos de
privatização e, no campo educação, os setores privatistas assumem posições
privilegiadas no MEC, desde o próprio ministério, com Mendonça Filho,
aos quadros do Conselho Nacional de Educação. Esse cenário acelera a
reforma do Ensino Médio em direção a privatização dessa modalidade de
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas - vol. 3
263
ensino, o pode ser demonstrado claramente na oferta do itinerário forma-
tivo técnico prossional.
Apesar do discurso propagando a modernização do currículo para
atender os imperativos do mundo do trabalho e da exibilização curricular
propor promover o protagonismo juvenil, procuraremos demonstrar que o
mote da reforma está em duas frentes principais, qual seja: a) no desman-
telamento do serviço público e de seus equipamentos, estrutura construída
ao longo do período republicano brasileiro, pela transferência de recursos
para a esfera privada e a oferta de cursos em regime de compartilhamento;
e b) na destituição da política pública enquanto direito social, ao precari-
zar às formas de contratação dos prossionais que atuarão como docentes
nas escolas sem formação em licenciatura, em desrespeito ao ordenamento
jurídico vigente na Constituição Federal de 1988.
O capítulo decorre de uma pesquisa bibliográca e documental,
cujo método de análise está embasado no materialismo histórico e dialéti-
co por meio da compreensão do objeto à luz do emprego das categorias do
movimento histórico, da totalidade e da contradição. Assim, organizamos
este texto de modo a contemplar, nos dois primeiros itens, a abertura cons-
truída no texto legal para viabilizar a entrada do privatista, dimensão que
esteve presente desde a concepção do projeto à sua tramitação e aprovação
pela Lei 13.415/2017 (Brasil). Na sequência, analisar a materialização do
itinerário formativo técnico prossional no sistema estadual de ensino por
meio da oferta desse itinerário pelo setor privado e da forma de contratação
de prossionais não licenciados para lecionar esse componente curricular.
1. embates na reforma do ensIno médIo: dIsPuta Por hegemonIa do
emPresarIado
Desde a LDBEN 9.394/96, o Ensino Médio e seu respectivo currí-
culo recebem sucessivas intervenções. Segundo Krawczyk, é uma trajetória
atravessada por disputas históricas entre grupos sociais” (Krawczyk, 2019,
p. 12), tendo em vista os embates sobre o devir do Ensino Médio e a he-
Henrique Tahan Novaes, Domingos Leite Lima Filho e José Deribaldo Gomes dos Santos (Org.)
264
gemonia do capital na formação dos jovens, seja para uma formação que
prepara os jovens para o mercado de trabalho, seja para a universidade. A
maneira como a atuação do empresariado tem-se processado na educação
variou tanto na forma como no protagonismo (Martins; Krawczyk, 2016).
Contudo, o que será analisado nesta sessão são os interesses que es-
tão por trás da reforma do Ensino Médio, tendo em vista que: a propos-
ta empresarial de reforma do Ensino Médio foi um processo gestado em
2013, por meio da Comissão Especial destinada a promover Estudos e
Proposições para a Reformulação do Ensino Médio (CEENSI), de inicia-
tiva do Deputado Reginaldo Lopes (PT/MG), cujo objetivo foi elaborar
uma proposta de reforma para essa etapa da educação básica no país, par-
tindo do argumento de que essa etapa não estaria produzindo resultados
que pudessem “[...] sustentar o crescimento social e econômico do país
(Lopes, 2012, p. 2 apud Garcia, 2023).
A CEENSI promoveu 19 audiências públicas e o Seminário
Nacional sobre Reformulação do Ensino Médio, realizado em outubro
de 2013, o que culminou no Projeto de Lei 6840/2013, que parte do
pressuposto de que:
[...] o atual currículo do ensino médio é ultrapassado, extremamente
carregado, com excesso de conteúdo, formal, padronizado, com
muitas disciplinas obrigatórias numa dinâmica que não reconhece
as diferenças individuais e geográcas dos alunos. Há que se
ampliarem as possibilidades formativas do ensino médio, de modo
a torná-lo adequado às necessidades do jovem de hoje, atraindo-o
para a escola (Brasil, 2013, p. 7-8).
Essa comissão caracterizou uma disputa de forças entre, de um lado,
o setor privado, representado pelo empresariado e órgãos do governo em
nível estadual e federal, e, de outro, o setor acadêmico e suas respectivas
entidades, o “único opositor do empresariado na CEENSI”, conforme ex-
posto por Bezerra (2019).
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas - vol. 3
265
Nos trabalhos da CEENSI, os participantes foram: o Ministério da
Educação (MEC), o Conselho Nacional de Educação (CNE), o Instituto
Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), a
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), o
Conselho Nacional de Secretários de Educação (CONSED); além dos orga-
nismos internacionais: a Organização das Nações Unidas para a Educação,
a Ciência e a Cultura (UNESCO) e o Fundo das Nações Unidas para a
Infância (UNICEF). Já o setor empresarial foi representado da seguinte
forma: pelo Instituto Alfa e Beto (IAB), pela Confederação Nacional dos
Estabelecimentos de Ensino (CONFENEN), pelo Instituto de Estudos
do Trabalho e Sociedade (IETS) e pelo Movimento Todos pela Educação
(TPE). O setor acadêmico foi representado conforme se segue: pelo Centro
de Estudos Educação e Sociedade (CEDES), pela Associação Nacional de
Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPED), pela Associação Nacional
de Política, pela Administração da Educação (ANPAE) e pela Confederação
Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE). Considerando que o
CONSED e o CNE alinharam-se com o setor empresarial nas votações,
conforme exposto de motivos da MP nº 746/2016a (Brasil, 2016a), no ar-
gumentando de Frederico Amâncio, Presidente do CONSED:
Todos os países do mundo que deram saltos expressivos de melhoria
da educação, especialmente no ensino médio, passaram, sim, por
um processo de discussão e de reformulação da estrutura. [...]
avançaram no sentido de exibilização do currículo. [...] Apenas
18% dos jovens de 18 a 24 anos ingressam no ensino superior
(Brasil, 2016a).
Quanto à atuação do Todos pela Educação (TPE), Krawsczyk e
Quadros (2019) aponta que o documento “Educação em Debate: Por um
salto de qualidade na Educação Básica”, organizado pelo TPE (2013), em
parceria com o Instituto Unibanco, foi formulado com propostas para o
ensino médio, as quais foram implementadas quase que ipsis litteris na
MP746, evidenciando-se um forte indício de que o setor empresarial havia
gestado a reforma do Ensino Médio antes da Lei 13.415 (Brasil, 2017).
Henrique Tahan Novaes, Domingos Leite Lima Filho e José Deribaldo Gomes dos Santos (Org.)
266
Os argumentos apresentados pelos participantes da ala dos empre-
sários nas audiências públicas tiveram pouca divergência, dos quais desta-
cam-se: a crise de qualidade do Ensino Médio percebidos pelo Índice de
Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB), cuja causa recai no currícu-
lo, considerado conteudista, fragmentado e enciclopedista, portanto, apar-
tado do mundo do trabalho; a proposta de reformulação curricular devido
ao excesso de disciplinas, mantendo-se na proposta a obrigatoriedade das
disciplinas de Língua Portuguesa, Matemática, Filosoa, Sociologia e uma
língua estrangeira moderna; exibilização curricular por meio da criação
de áreas do conhecimento e percursos formativos; expansão da carga ho-
rária/ensino em tempo integral, sendo estabelecido 7 horas-aula diárias,
em um total de 1.400 horas anuais e 4.200 horas ao m do ensino médio;
crítica ao alto índice de evasão do Ensino Médio noturno, articulação com
o ensino prossionalizante/técnico.
Em um contraponto às críticas na CEENSI, o segmento acadêmico
(CEDES, ANPED) destacou a conjuntura de disputas pelo ensino médio,
tendo em vista as propostas de reformulação apresentadas serem adversas à
concepção de educação em defesa da formação integral omnilateral presen-
te nas Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (DCNEM)
de 2012. (Garcia, 2021)
Sob a hegemonia do empresariado, em forte articulação com o go-
verno, houve a prevalência de seus interesses no relatório nal da CEENSI,
mas o cenário de disputas também foi marcado pela atuação do setor aca-
dêmico, com a formação do Movimento Nacional em Defesa do Ensino
Médio, objetivando interlocução entre o setor acadêmico e a Câmara dos
Deputados e o MEC.
Bezerra (2019) também aponta para um importante levantamento
feito, via consulta no Sistema de prestação de contas eleitorais do Tribunal
Superior Eleitoral, em que relaciona o nanciamento de campanha, pelo
setor privado educacional, aos parlamentares que zeram parte da CEENSI
nas eleições de 2010–2014, período que permeia os trabalhos da mesma.
O autor indica que foram essas relações diretas e indiretas entre o setor pri-
vado e os agentes do Estado que possibilitou a hegemonia das proposições
do empresariado no interior da Ceensi. Os esforços do Cedes e da ANPEd
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas - vol. 3
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em disputar a contra hegemonia dentro da Comissão não foram sucientes
diante de uma correlação de forças desfavorável (Bezerra, 2019, p. 81).
Assim, conforme Gramsci (1968), a hegemonia ocorre quando um
determinado grupo social, que está numa situação de subordinação em
relação a outro grupo, adota a concepção do mundo deste. Então, pode-se
inferir que a correlação de forças que ocorreu na CEENSI, em 2013, foi a
materialização da hegemonia do empresariado sob a política educacional
brasileira, especicamente a reforma do Ensino Médio a se efetivar pela Lei
13.415/2017 (Brasil, 2017).
A articulação entre o empresariado, seus intelectuais orgânicos e o
governo, para a reforma do Ensino Médio, teve continuidade e foi moldada
para atender às exigências do mercado de trabalho precarizado e pautada
na concepção de habilidades socioemocionais intrínsecas à agenda global
neoliberal. Os documentos seguintes trazem a elaboração da Exposição
de Motivos n.º 00084/2016/MEC (Brasil, 2016a) e na PL 6840/2013
(Brasil, 2013), cujo objetivo foi “dispor sobre a organização dos currículos
do ensino médio, ampliar progressivamente a jornada escolar deste nível
de ensino e criar a Política de Fomento à Implementação de Escolas de
Ensino Médio em Tempo Integral” (BRASIL, 2016c) para um ensino mé-
dio em adequação às exigências do mercado de trabalho moderno.
Na sequência da tramitação da reforma do Ensino Médio, houve
audiências públicas com representantes do setor acadêmico, empresarial e
do próprio setor político. A Audiência de 08 de novembro de 2016 contou
com a representatividade de vários institutos privados que operam par-
cerias com governos para a implementação de suas tecnologias educacio-
nais em escolas do Ensino Médio, a saber: Denis Mizne, diretor-executivo
da Fundação Lemann; Ricardo Henriques, superintendente-executivo do
Instituto Unibanco; Ana Inoue, consultora de educação da Fundação Itaú;
Anna Penido, diretora executiva do Instituto Inspirare; Priscila Fonseca
da Cruz, presidente-executiva do “Todos pela Educação”; David Saad,
Diretor-presidente do Instituto Natura; Marcos Magalhães, Presidente do
Instituto de Co-Responsabilidade pela Educação (ICE). Os empresários
que representaram esses institutos zeram a defesa de seus ideais de forma
articulada. (Garcia, 2021)
Henrique Tahan Novaes, Domingos Leite Lima Filho e José Deribaldo Gomes dos Santos (Org.)
268
Posteriormente, o PL 6840/2013 (Brasil, 2013) foi convertido
na Medida Provisória (MP) nº 746 de 22 de setembro de 2016 (Brasil,
2016b), e essa mudança se deu pelo argumento de que o trâmite seria mais
ágil, no entanto, segundo o ordenamento jurídico brasileiro, o instrumen-
to Medida Provisória se aplica em casos de urgência, e, nesse caso, não
cou claro o que justicou a urgência em questão.
Fato é que mesmo diante de questionamentos da legitimidade de
se fazer uma reforma educacional via instrumento MP, somado ao modo
abrupto e conturbado em que ocorreu, desconsiderando-se a opinião pú-
blica e os especialistas em educação, e tudo isso em meio ao golpe contra a
então presidente Dilma Rousse e a posse do então vice-presidente Michel
Temer, a referida MP nº 746/2016 (Brasil, 2016b) foi aprovada pelo
Congresso e sancionada pelo Presidente interino, convertendo-se na Lei
nº 13.415, de 16 de fevereiro de 2017 (Brasil, 2017). Para tanto, foi criada
uma Comissão mista responsável em promover as audiências públicas para
tratar da proposta de reforma do Ensino Médio.
Os participantes da Comissão mista foram representados da se-
guinte forma: o governo pelo: Senado Federal, Câmara dos Deputados,
Ministério da Educação (MEC), Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas
Educacionais Anísio Teixeira (INEP), Conselho Nacional de Educação
(CNE), Conselho Nacional de Secretários de Educação (CONSED),
União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (UNDINE).
O setor acadêmico pelo: Movimento Nacional em Defesa do Ensino
Médio; Associação Nacional pela Formação dos Prossionais da Educação
(ANFOPE); Conselho Nacional das Instituições da Rede Federal de
Educação Prossional, Cientíca e Tecnológica (CONIF); Sociedade
Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Sindicato Nacional dos
Docentes das Instituições de Ensino Superior (ANDES); Confederação
Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE); Sindicatos de
Professores e Professoras de Instituição Federais de Ensino Superior e de
Ensino Básico Técnico e Tecnológico (PROIFES); Associação Nacional dos
Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (ANDIFES). E o
setor privado pelo Instituto Unibanco (IU); Centro de Estudos e Pesquisas
em Educação, Cultura e Ação Comunitária (Cenpec); Movimento Todos
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas - vol. 3
269
pela Educação (TPE); Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (IETS);
Instituto Alfa e Beto (IAB), Centro Universitário Cesumar (Unicesumar);
Estácio de Sá; Colégio Cenecista Dr. José Ferreira (MG). (Garcia, 2021)
Já a representatividade do setor privado se deu pela participação
nas audiências públicas por meio de empresários como Wilson de Matos
Silva (Unicesumar), Ronaldo Mota (Estácio de Sá), Ricardo Henriques
(Instituto Unibanco), Maria Alice Setubal (Cenpec), Olavo Nogueira Filho
(TPE), Simon Schwartzman (IETS), João Batista Araújo e Oliveira (IAB)
(Bezerra, 2019, p. 106). Assim como na CEENSI de 2013, o setor go-
vernamental foi o mais representado, com 31,5% dos partícipes (Bezerra,
2019, p. 101).
As justicativas em defesa da aprovação da MP nº 746/2016 (Brasil,
2016b) foram as mesmas expostas em 2013, isto é: os baixos índices no
IDEB; a crise do Ensino Médio; a necessidade de exibilização por meio
de itinerários formativos; a expansão da carga horária para tempo integral;
a articulação com o ensino prossionalizante/técnico por meio de parcerias
com o setor privado; o foco em língua portuguesa e em matemática. As
mudanças propostas ocorreram na estrutura curricular, que seria composta
por um núcleo comum denido pela Base Nacional Comum Curricular
(BNCC), a qual ainda não havia sido elaborada naquele momento, e com-
pletado com cinco itinerários formativos a serem escolhidos pelos alunos:
1) linguagens; 2) matemática; 3) ciências da natureza; 4) ciências huma-
nas; 5) formação técnica e prossional, sendo que português e matemá-
tica seriam as únicas obrigatórias para os três anos do Ensino Médio, em
detrimento de outras como Filosoa, Sociologia, Artes e Educação Física.
Quanto à carga horária anual, foi denido o aumento progressivo para
1.400 horas, representando 7 horas-aula diárias.
No que concerne ao itinerário formativo técnico- prossional foi
proposto o estabelecimento de parcerias com o setor privado e de certi-
cações via Sistema S. Também se abriu a possibilidade de se contratar
prossionais com “notório saber”, sem a obrigatoriedade de possuírem for-
mação teórica e pedagógica especíca. Nesse sentido, a possibilidade que se
coloca por meio da contratação de professores considerados como notório
saber, bem como das adequações do currículo consolidam as modicações
Henrique Tahan Novaes, Domingos Leite Lima Filho e José Deribaldo Gomes dos Santos (Org.)
270
do sistema educacional de acordo com o que é demandado pelo mercado
(Ferretti; Silva, 2017) e em atendimento às prescrições dos organismos
internacionais.
De modo geral, o relatório da Comissão mista manteve a maior parte
do conteúdo original da PL 6840/2013 (Brasil, 2013). As reivindicações e as
proposições do setor acadêmico não foram atendidas. Quanto às tentativas
do setor empresarial em suas proposições, Bezerra (2019, p. 111) arma:
Entendemos que as recomendações para aprimoramento da reforma
pelo setor empresarial entraram em conito com a disponibilidade
de operacionalização por parte do Estado, em especial em uma
conjuntura de ajuste scal, onde o controle dos gastos com políticas
públicas apareceu como imperativo (Bezerra, 2019, p. 111).
Embora as recomendações de detalhamento da operacionalização
não tenham sido atendidas, o empresariado foi atendido no cerne de suas
intenções que consiste na contemplação das parcerias do setor privado com
o setor público e na introdução do “notório saber” com vista a exibilizar
a contratação de prossionais que atuarão como professores nos itinerários
formativos prossionalizantes.
No que tange ao itinerário prossionalizante, a parceria com o se-
tor privado e a contratação por tempo determinado baseado no “notório
saber” não tem sido objeto de revisão. Esse fato é evidenciado se consi-
derarmos que a atual revisão da reforma do Ensino Médio pelo Projeto
de Lei nº 5230/2023, aprovado na Câmara e no Senado em 2024 e a
ser, novamente, aprovado pela Câmara, não excluiu do texto a parceria
público e privado e o notório saber, mesmo após a eleição de Luís Inácio
Lula da Silva (2023- 2026), cujo presidente, em campanha presidencial,
se posicionou pela revisão das reformas antipopulares e ultraneoliberais do
governo Bolsonaro (2018-2022), e, ainda, houve intensa movimentação
pela revogação da reforma do Ensino Médio por inúmeros movimentos
de estudantis com ocupação de escolas, entidades educacionais e alguns
setores das Universidades públicas.
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas - vol. 3
271
Apesar da complexidade da análise da reforma proposta pelas nor-
mativas e leis em tela, de imediato, é possível observar a veiculação da
ideologia neoliberal/neoconservadora de mercantilização da educação por
meio do da atuação dos institutos privados no Ensino Médio, em especial,
na formação prossionalizante.
Conforme disposto na legislação da reforma do Ensino Médio, Lei
nº 13.415/2017 (Brasil, 2017), em seu Art. 4º, parágrafo 11, ca normati-
zado que os sistemas de ensino poderão rmar convênios com instituições
de educação a distância com notório reconhecimento. Seguido do Art.
6º, alínea IV, que normatiza sobre os prossionais com notório, conforme
elencados a seguir:
Art. 6º, IV - prossionais com notório saber reconhecido pelos
respectivos sistemas de ensino, para ministrar conteúdos de áreas
ans à sua formação ou experiência prossional, atestados por
titulação especíca ou prática de ensino em unidades educacionais
da rede pública ou privada ou das corporações privadas em que
tenham atuado, exclusivamente para atender ao inciso V do caput
do art. 36.
Ambos artigos permitem que a condução do processo educativo seja
realizada de forma supercial, seja pela oferta por meio da EAD, que não
garante a relação fundamental entre teoria e prática, seja ao considerar que
prossionais com o chamado “notório saber” possam se responsabilizar
pelo andamento da aprendizagem dos estudantes, o que aponta para a
desprossionalização e desregulamentação do trabalho docente, principal-
mente, se considerarmos que a formação universitária desses prossionais
passa a não ser necessária, ou ainda, que pode ocorrer de forma aligeirada.
Com esse aparato legal, Freitas (2018) indica que o Estado está de
porteiras abertas” à materialização das parcerias com o setor privado na
educação. Essa correlação de forças entre os interesses do setor privado
com o público é uma estratégia neoliberal que “olha para a educação a
partir de sua concepção de sociedade baseada em um livre mercado cuja
Henrique Tahan Novaes, Domingos Leite Lima Filho e José Deribaldo Gomes dos Santos (Org.)
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própria lógica produz o avanço social com qualidade, depurando a ineci-
ência através da concorrência” (Freitas, 2018, p. 31).
Durante a Exposição de Motivos n.º 00084 na MP 746/2016
(Brasil, 2016a), a fala de Ricardo Henriques (2016), então superinten-
dente do Instituto Unibanco, externou preocupação sobre a regulação da
certicação dos alunos do ensino prossionalizante e elegeu o Sistema S
como responsável para realizar tal feito.
Isso [a regulação] abre uma discussão fundamental, que é a
discussão do Sistema S e a sua responsabilidade frente ao ensino
médio regular. É uma área importante, vai ter que ser discutida, e
pode ressignicar, nessa contemporaneidade, parte da identidade
também do Sistema S (Brasil, 2016a, p. 13).
É importante observar como o reconhecimento do notório saber
com vistas ao exercício da docência de prossionais sem formação apro-
priada, mesmo que apenas restrita ao itinerário da formação técnica e pro-
ssional, institucionaliza a precarização da docência, além de comprome-
ter a qualidade do ensino ofertado. Soma-se a essa decisão a ampliação da
jornada escolar para sete horas diárias, sem que seja efetivamente assegura-
do que haverá repasses de recursos nanceiros para o custeio das despesas
decorrentes. Esses aspectos deagram um grande intento do setor privado
pelas parcerias e, com isso, a privatização da educação básica pública bra-
sileira. Dessa forma:
A realização de parcerias público-privadas passa a ser possível,
além das previstas para a formação técnica e prossional, também
para a realização de convênios para oferta de cursos a distância.
Também aqui se faz presente a mercantilização da educação
básica, que passa a compor não apenas a denição das nalidades
e concepções que orientam os processos formativos escolares, mas
também o nanciamento público para a oferta privada da educação.
Congura-se, assim, a hegemonia de uma perspectiva pragmática e
mercantilizada do ensino médio público (Silva; Scheibe, 2017, p. 9).
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas - vol. 3
273
Além da alteração curricular, a Lei 13.415/2017 (Brasil, 2017) tam-
bém altera as regras de nanciamento da educação pública a possibilitar re-
passar recursos públicos ao setor privado, sendo que parte da formação dos
estudantes da escola pública passa a ser realizada por instituições privadas.
Segundo Peroni (2017), os principais envolvidos no processo de
construção da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e da Reforma
do Ensino Médio se apresentam como sujeitos ligados ao mercado de capi-
tais, fazem parte das quinze famílias mais ricas do Brasil e reúnem empresas
que somam quase 80% do PIB nacional e, com isso, objetivam construir
um projeto hegemônico de educação e de sociedade (Peroni et al., 2017).
A gura 1, a seguir, demonstra a teia uida de relações que se esta-
belece entre as instâncias governamentais, as entidades representativas dos
gestores públicos, os intelectuais orgânicos da reforma que estão em cargos
no governo e o empresariado e seus respectivos institutos e organizações na
reforma do Ensino Médio.
Figura 1 – Intelectuais orgânicos individuais e coletivos da reforma do
Ensino Médio
Fonte: Publicada por Peroni, Caetano e Lima (2017).
Henrique Tahan Novaes, Domingos Leite Lima Filho e José Deribaldo Gomes dos Santos (Org.)
274
A aparente confusão das setas indica a uidez das relações estabeleci-
das entre as instâncias governamentais, os gestores em cargos públicos com
o setor privado e suas organizações. Os sujeitos, representados no gráco
desenvolvido por Caetano (2017 apud Peroni, Caetano e Lima, 2017), evi-
denciam uma rede de articulação com os agentes privados, desde empresas
de grande capital, passando por institutos e fundações, as quais, segundo
Peroni (2016):
[...] estão cada vez mais organizados, em redes do local ao global,
com diferentes graus de inuência e que falam de diferentes lugares:
setor nanceiro, organismos internacionais, setor governamental.
Algumas instituições têm ns lucrativos e outras não (ou não
claramente), mas as redes são sujeitos (individuais e coletivos) em
relação, com projeto de classe [...]. Assim, verica-se que mesmo
os governos mais comprometidos com a lógica neoliberal não
intervencionista têm sido grandes interventores a favor do grande
capital (Peroni, 2016, p.9).
Nesse sentido, torna-se evidente que se trata de um projeto de escola
pública e de formação que ultrapassa o interesse apenas de organizações e
institutos do empresariado nacionais, mas a intencionalidade da reforma
educacional só pode ser compreendida dentro do processo expansionista
do capital que, para remediar a queda da taxa de lucro, concebe a educação
como um nicho de mercado e como instância capaz de moldar as subje-
tivas para aceitação do projeto civilizatório pautado na degradação do tra-
balho humano. Assim, a reformulação do ensino médio congura disputas
por hegemonia decorrente das forças neoliberais e de terceira via por meio
da difusão da ideologia de responsabilidade social como pano de fundo das
mudanças educacionais.
Por essa razão, a escola é vista como “disciplinadora da força de tra-
balho e intermediária dos alunos ao mercado de trabalho” (Ferretti; Silva,
2017, p. 10) e, por conseguinte, o que está em jogo são as disputas por
hegemonia do empresariado. Para os autores, a reforma no Ensino Médio
é um “arremedo, um simulacro de formação” (Ferretti; Silva, 2017, p. 10),
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas - vol. 3
275
pois não faz nem uma coisa (formação básica) e nem outra (formação pro-
ssional). Assim, tem-se que essas articulações são exercidas em escala ma-
cro por meio das proposições dos agentes internacionais até a esfera micro
com os Institutos no chão das escolas.
Diante de todo o exposto, pode-se inferir que a maneira como o
empresariado conduziu a reforma, desde 2013, em sua primeira Exposição
de Motivos, sobrepôs as divergências das de segmento do setor acadêmico
e entidades educacionais, imprimindo na reforma do ensino médio valores
postos para atender as demandas do mercado, não necessariamente as mes-
mas da sociedade (Quadros; Krawczyk, 2019).
2.1. a reforma do ensIno médIo em mato grosso do sul
Em Mato Grosso do Sul, há um processo de construção dessa he-
gemonia do empresariado na educação pública por meio da entrada dos
institutos privados que, por meio da implantação de parcerias com a SED/
MS, rmam Acordos de Cooperação para implantar suas tecnologias edu-
cacionais, de modo que estruturam escolas piloto, como modelo para a
manutenção de novas parcerias.
Esse modelo de parcerias no Ensino Médio teve início em 2007, com
a parceria com o Instituto Ayrton Senna (IAS) e o programa “Escola para o
Sucesso” e, deste então, continua alternando os institutos e os programas.
A partir de 2007, houve o lançamento do Programa Mais Educação
(PME) pelo governo federal, por meio da Portaria Interministerial nº
17/2007 e Decreto nº 7.083 de janeiro de 2008, durante a gestão do então
governador do Estado de MS André Puccinelli (2007 a 2014). Esse gover-
nador iniciou a reconguração da ed ucação no estado em conformidade
aos moldes neoliberais de consolidação de parcerias entre o setor público e
o setor privado, tal como estava expresso no Plano Diretor de Reforma do
Aparelho do Estado (PDRAE). Entre 2007 a 2013, o mesmo governador,
André Puccinelli, deu continuidade à essa parceria com o IAS implantando
o Programa Escola Campeã (PEC) na rede estadual de ensino, de acordo
Henrique Tahan Novaes, Domingos Leite Lima Filho e José Deribaldo Gomes dos Santos (Org.)
276
com o Decreto Lei 3.966 publicado no Diário Ocial do Estado em 23 de
setembro de 2010 (Garcia, 2021).
Em 2012, outra parceria foi rmada entre a SED e o Instituto
Unibanco para executar o “Projeto Jovem do Futuro”, o qual estava ar-
ticulado ao “Programa Ensino Médio Inovador” do MEC, formando o
“Programa Ensino Médio Inovador/ Jovem do Futuro” (ProEMI/JF).
Nessa parceria, o MEC entra com o repasse de recursos diretamente às es-
colas. Segundo Alves (2018), no Programa do IAS não há, especicamen-
te, uma frente destinada a promover mudanças diretas na gestão do sistema
de ensino e das escolas, mas uma concepção geral de Educação, ao passo
que o Programa ProEMI/JF, estabelecido com a parceria com o Instituto
Unibanco, altera a gestão ao implantar o processo de eleição de diretores e
propor, para a gestão do sistema de ensino, a gestão escolar para Resultados
(GepR) (Alves, 2018, p.100).
Assim, as parcerias com os institutos já faziam parte da realidade do
sistema de ensino público municipal e estadual em MS, mesmo antes da
reforma do Ensino Médio implantada pela Lei n. 13.415/2017 (Brasil,
2017). Nesse caso, o que se percebe é que essas experiências abriram cami-
nho à implantação da reforma do Ensino Médio, ao ter viabilizado as par-
cerias com o setor privado, conforme explicita o texto da Lei 13.415/2017
“[...] nanciar parcerias com o setor privado, tendo em vista a oferta do
itinerário da formação técnica e prossional” (Brasil, 2017).
No Estado de Mato Grosso do Sul, embora a parceria entre a SED
e o Instituto de Corresponsabilidade pela Educação (ICE) seja anterior
a reforma, a ocialização dessa parceria pela assinatura do Acordo de
Cooperação em 26 de junho de 2017 (Mato Grosso do Sul, 2017) deu-se
no período da tramitação da reforma. Dessa forma, mesmo não tendo
sido condicionada pelas diretrizes da reforma, a proposta do ICE pauta-se
nas mesmas referências de organização do trabalho escolar, gestão e ide-
ologia empresarial, assim como a necessidade de estabelecer o Acordo de
Cooperação sustenta-se na alegação da necessidade de melhorar os dados
na avaliação de desempenho do IDEB.
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas - vol. 3
277
No Acordo de Cooperação, são citados dados do INEP de 2015, os
quais informam que o IDEB de Mato Grosso do Sul estava com nota cor-
respondente a 3,5, portanto abaixo da meta que estava posta de 3,8. Esses
dados, somados ao fator abandono, reprovação e baixas vagas ofertadas
para o ensino integral, são premissas utilizadas pelo estado de Mato Grosso
do Sul para justicar a necessidade da parceria. Dessa forma, a parceria
com o ICE é vista pelo governo como um mecanismo de melhoria dos
resultados na educação do estado e como cumprimento do Plano Nacional
de Educação, nas Metas 6 e 7, bem como diminuição do abandono escolar
e aumento na oferta de vagas para o ensino integral. Conforme disposto no
Acordo de Cooperação SED/ICE:
[...] o ICE apoia os governos, através de um Modelo de Escola no
âmbito estadual e municipal, na constituição de redes de ensino
para oferta de escolas de tempo integral, através de um Modelo
de Escola transformador que demanda a ampliação do tempo de
permanência dos estudantes e de toda a comunidade escolar. (Mato
Grosso do Sul, 2017, p. 04)
Conforme o excerto, o ICE tem o apoio do governo do estado de
MS, tanto para alterar a organização das escolas do Ensino Fundamental
anos nais (6º ao 9º ano) como Ensino Médio. O fato da tecnologia educa-
cional do ICE, desde o início, ter embasado sua metodologia nas habilida-
des socioemocionais, organização do trabalho escolar, gestão e ideologia no
modelo empresarial coaduna-se com o que foi posto na reforma do Ensino
Médio em 2017, assim pode-se inferir que o ICE já vinha desenvolvendo
uma proposta pedagógica alinhada ao que seria colocado na reforma.
Salienta-se que o mesmo empresariado, que dirige esses institutos
voltados às parcerias com a educação pública, é o empresariado que parti-
cipou do processo da reforma do ensino médio, conforme já mencionado
anteriormente. Portanto, embora a parceria entre a SED e o ICE seja an-
terior a essa reforma, ela foi rmada no contexto de discussão e tramitação
em âmbito da Lei 13.415/2017.
Henrique Tahan Novaes, Domingos Leite Lima Filho e José Deribaldo Gomes dos Santos (Org.)
278
Vale indicar que além da implantação da denominada escola da au-
toria, na parceria com o ICE, outras parcerias foram rmadas com diversos
institutos, como demonstrou Garcia (2021, p.124). Dentre esses institu-
tos estão: a) os parceiros estratégicos: o Instituto Natura e Sonho Grande,
os quais são “captam recursos nanceiros junto às empresas ou pessoas
físicas”; b) os parceiros técnicos: Instituto Qualidade de Ensino (IQE),
voltado para “promover melhoria em 3 disciplinas principais: Português
Matemática e Ciências, e o Instituto Wordfund que, “por intermédio do
STEM Brasil, concentra suas ações no desenvolvimento do campo das
exatas, com destaque para a física, química e a robótica”; c) investidores:
Instituto Natura, Instituto Sonho Grande, Espírito Santo em Ação, Itaú
BBA, Fiat Basil, Chrysler, Jeep, Trevo Tecnologia Social, SEM, Instituto
Cacau Show, Instituto Conceição Moura, “os quais atuam com aporte -
nanceiro para que o ICE realize suas ações junto aos governos.” Nota-se
uma variedade de parceiros empresariais atuando na escola pública reor-
ganizando-a em sua totalidade: currículo, gestão, formação de educadores,
materiais didáticos e destino do recurso público.
2. a oferta o ItInerárIo formatIvo da educação ProfIssIonal em ms
Em consonância com a Lei 13.415/2017 (Brasil, 2017), e, no
Estado de Mato Grosso do Sul a Resolução/SED n. 4.113, de 13
de dezembro de 2022 (Mato Grosso do Sul, 2022), o currículo
do ensino médio será composto por uma formação geral básica,
a seguida pela BNCC, com carga horária de 1.800 hs, estando
incluída na matriz de referência as disciplinas de formação
propedêutica e o núcleo integrados. No Estado de Mato Grosso do
Sul, houve a redução de 50% em relação à carga horária das áreas
de conhecimento cientíco na formação básica geral, excetuando
Língua Portuguesa e Matemática.
Em 2022, iniciou-se a oferta da matriz curricular organizada em
3 partes. A imagem, a seguir, expõe a Organização Curricular do Ensino
Médio no sistema estadual de ensino de Mato Grosso do Sul:
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas - vol. 3
279
Figura 2 - Estrutura Curricular do Novo Ensino Médio adequado a Lei
13.415/2017.
Fonte: SED/MS (2024) https://www.sed.ms.gov.br/wp-content/uploads/2021/11/3b.png
Nos denominados núcleos integradores são desenvolvidas as disci-
plinas diversicadas, que são: o Projeto de vida e Intervenção comunitária.
A introdução do Projeto de Vida como componente curricular ocorreu em
2017, quando da implantação da parceria com o ICE. É ofertado no 1° e
2° ano do EM por meio de práticas pedagógicas que destacam a capacidade
subjetiva para despertar seu sonho pessoal e delinear sua trajetória de for-
mação para uma possível inserção no mundo do trabalho.
Com o m da parceria entre ICE e SED, a disciplina Projeto de
vida passou a ser ofertada em todo o Ensino Médio da rede estadual de
Mato Grosso do Sul pelo IAS a partir de 2019, o qual oferece o material
formativo, orienta a formação da equipe técnica da SED, coordenadores e
professores das escolas para atuarem na disciplina em conformidade com
princípios e concepções políticas pedagógicas previamente denidas em
seus materiais de divulgação.
Os conceitos veiculados pelos materiais de formação do IAS (IAS,
s/d) focalizam o desenvolvimento da autonomia pelas competências so-
cioemocionais em uma perspectiva bastante individualizante, inclusive
Henrique Tahan Novaes, Domingos Leite Lima Filho e José Deribaldo Gomes dos Santos (Org.)
280
desterritorializando conceitos que, historicamente estiveram vinculados às
lutas do movimento operário, como é o caso de autogestão, que passa a
signicar controle das emoções e da conduta. Nesse sentido, o setor priva-
do demonstra seu descompromisso com a história e que está a serviço da
despolitização da formação da juventude pertencente à classe trabalhadora.
Na parte exível, anteriormente indicada, estão as 1.200 horas des-
tinadas aos itinerários formativos, assim denidos:
Os itinerários formativos são o conjunto de disciplinas, projetos,
ocinas, núcleos de estudo, entre outras situações de trabalho, que
os estudantes poderão escolher no ensino médio. Os itinerários
formativos podem se aprofundar nos conhecimentos de uma área
do conhecimento (Matemáticas e suas Tecnologias, Linguagens
e suas Tecnologias, Ciências da Natureza e suas Tecnologias e
Ciências Humanas e Sociais Aplicadas) e da formação técnica e
prossional (FTP) ou mesmo nos conhecimentos de duas ou mais
áreas e da FTP. As redes de ensino terão autonomia para denir
quais os itinerários formativos irão ofertar, considerando um
processo que envolva a participação de toda a comunidade escolar
(Brasil, 2018a).
Os itinerários formativos serão ofertados em conformidade com as
possibilidades dos sistemas de ensino”, sendo que a Portaria 1.432/2018
(Brasil, 2018b) dene que se deve ofertar mais de 1 itinerário formativo
em cada município. Nesse caso, podemos observar que a oferta dos iti-
nerários, que se sustenta na ideia do protagonismo juvenil pela escolha
dos estudantes de sua trajetória de formação, na realidade, na escola pode
signicar para o estudante apenas uma escolha, dado o fato que os muni-
cípios são obrigados a ofertar ao menos dois deles, o que representa um
quantitativo restrito e não garante opções de escolha.
Nesse capítulo, interessa-nos focalizarmos apenas a oferta no sistema
estadual de ensino do Itinerário formativo técnico-prossional por meio
da parceria entre o setor público e o setor privado, bem como a apontar a
forma de contratação dos prossionais que atuarão nesses itinerários.
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas - vol. 3
281
Em 2021, cria-se o Projeto Primeiro Passo pela SED/MS, o qual se
destina a organizar a oferta da Educação prossional no sistema estadual
de ensino para a oferta dos Itinerários formativos técnico prossionais.
Nesse ínterim, estabelece-se a parceria com o Instituto Itaú e o Instituto
Pirce, os quais incubem-se de organizar o processo para a denição desses
itinerários, bem como proceder na sistematização por meio da construção
do Guia de Denição da Oferta (Mato Grosso do Sul, s/d). Nota-se que
o Instituto Itaú vendeu para a SED o serviço e a tecnologia que inclui:
a equipe técnica, a pesquisa de mercado com o uso dos instrumentos de
coleta e análise dos dados e os apresenta, de forma sistematizada, em um
Guia de Denição de Oferta (Mato Grosso do Sul, s/d). Nesse Guia, há o
curso técnico-prossional que deve ser ofertado pelo sistema de ensino em
cada município do estado.
Para a indicação do curso técnico-prossional, contido no Guia de
Denição de Oferta (Mato Grosso do Sul, s/d), o Instituto Itaú indica
ter considerado o perl econômico do município e a empregabilidade do
aluno formado; o interesse do aluno do 9º ano do ensino fundamental; a
disponibilidade de prossionais para ofertar a formação; e a infraestrutura
disponível, tal como consta na reportagem no site da SED.
Isso foi possível graças ao programa de expansão da EPT em
Mato Grosso do Sul, chamado “Primeiro Passo”, que articulou
conversas, escutas e apresentações sobre o tema para estudantes,
setor produtivo e suas associações representativas, autoridades
municipais, entre outros. Em encontros presenciais e virtuais, o
programa – que contou com apoio técnico do Itaú Educação e
Trabalho — buscou e sistematizou insumos e dados para ofertar
uma educação prossional de qualidade alinhada às necessidades e
anseios dos estudantes, dos municípios e do setor produtivo. Em
2023, Mato Grosso do Sul irá oferecer 17 itinerários formativos
diferentes aos jovens — atualmente, são ofertados 13. (Mato
Grosso do Sul, 2023).
Tendo em vista que estamos em uma sociedade de classes e que os
projetos de educação traduzem os interesses de classes antagônicas, cabe
Henrique Tahan Novaes, Domingos Leite Lima Filho e José Deribaldo Gomes dos Santos (Org.)
282
questionarmos que segmento da sociedade é ouvido e considerado como
relevante nesse processo para inuenciar a escolha da oferta da formação téc-
nica e prossional da classe trabalhadora? Consideramos que se reunir com
o segmento comercial, empresarial ou do agronegócio não é suciente para
pensar em uma proposta de formação técnico-prossional que vislumbre o
desenvolvimento local pautado em inovações tecnológicas, tecnologias so-
ciais e formas de organização coletiva da classe trabalhadora que potencialize
alternativa à forma predatória como capital opera na exploração do trabalho.
Na reportagem no site da SED (2023a), é explicito que as orga-
nizações da classe trabalhadora não foram consultadas. Embora haja um
curso técnico prossional em Agroecologia, previsto no Catálogo das uni-
dades curriculares do itinerário formativo prossional (Mato Grosso do
Sul, 2021), não há menção de que os movimentos do campo ou indígenas
foram ouvidos nas regiões identicadas como agrária.
Além disso, do ponto de vista da pesquisa com os estudantes, há uma
única questão ampla sobre o local onde gostariam de trabalhar, o qual, na
maior parte das vezes, não é incoerente com o curso indicado. Então, o
discurso de que os estudantes são ouvidos e que a oferta do itinerário foi
desenhada conforme interesse deles indica ser mais um recurso discursivo,
para conferir caráter democrático e corroborar com ideia de protagonismo
estudantil propagado na proposta, do que propriamente o reconhecimento
das possibilidades objetivas de inserção da classe trabalhadora no mundo
produtivo, especialmente diante do cenário de precarização, informaliza-
ção e destruição dos postos de trabalho.
Nesse sentido, podemos inferir que o Instituto Itaú não ofertou ape-
nas a tecnologia para a pesquisa de mercado, mas deniu a formação téc-
nico-prossional a ser oferecida pelo sistema público estadual de ensino de
Mato Grosso do Sul à classe trabalhadora, utilizando-se do recurso público
para isso. Essa forma de se estabelecer a parceria entre o público e privado
indica que o sistema público de ensino é nicho de mercado explorado em vá-
rias frentes pelo setor privado e a parceria é um meio promissor para escoar o
orçamento público para as grandes empresas privadas, como o Instituto Itaú.
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas - vol. 3
283
Outra via de acesso dos entes privados ao recurso público contida na
oferta dos itinerário técnico-prossional diz respeito as parcerias estabele-
cidas com as instituições formadoras, como o Sistema S. De acordo com
o Diário Ocial do Estado n. 11.118/2023 (Mato Grosso do Sul, 2023b),
no Termo de Convênio n. 32.882/2023, a SED estabelece a contratação
do Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (SENAC) para ofertar
o itinerário técnico prossional decorrente da reforma do Ensino Médio,
repassando o valor de R$ 960.000,00 (Novecentos e sessenta mil reais) a
ser liberado em 06(seis) parcelas por parte da concedente, para o período
de 30/03/2023 a 24/03/2025.
Em 2023, a SED/ MS estabeleceu parceria com o SENAI, SENAC,
SEST/SENAT para ofertar os itinerários técnico-prossionais, como po-
demos observar no quadro a seguir.
Quadro 1- Oferta do Itinerário formativo técnico-prossional no Sistema
de ensino do Estado de Mato Grosso do Sul em parceria com o Sistema S.
Fonte: SED/MS (2023c)
Vale destacar que todas as parcerias estabelecidas com o Sistema S
contam com o repasse de recursos públicos para a operacionalização dos
Henrique Tahan Novaes, Domingos Leite Lima Filho e José Deribaldo Gomes dos Santos (Org.)
284
cursos. Além dessas, outra parceria identicada como pedagógica e, a prin-
cípio, sem indicação de repasse de recurso público, é estabelecida com a
Fundação Telefônica para a oferta dos itinerários formativos técnico-pro-
ssionais em curso de Assistente de gestão de dados, nos municípios de
Aquidauana, Campo Grande, Dourados, Ladário, Corumbá e Três Lagoas
e, apenas em Campo Grande e Três Lagoas, o curso de Big Data. A apro-
ximação entre empresas e instituição de Educação prossional está previs-
ta no art. 8, Inciso VI, da Resolução CNE/CP n.1/2021 (Brasil, 2021),
entretanto o que se observa é que a formação técnica prossional de nível
médio tem ocorrido de forma fragmentada e aligeirada, sem contar com
um projeto integrado de formação tecnológica articulado aos fundamen-
tos cientícos, necessários aos contextos de sosticação tecnológica, como
propagado pela então denominada quarta revolução informacional. Além
disso, não há um investimento em bens de consumo, materiais e em pros-
sionais nos equipamentos escolares públicos para oferecer com qualidade
o itinerário formativo técnico prossional, ao contrário, a reforma não re-
quer que os sistemas de ensino público do Estado de Mato Grosso do Sul
estruturem suas escolas públicas para ofertar tal modalidade.
A solução para não investir na escola pública foi dada pela
Resolução do CNE/CP n. 1/2021 (Brasil, 2021), que estabelece Diretrizes
Curriculares Nacionais Gerais para a Educação Prossional e Tecnológica,
e propicia inúmeras aberturas à parceria com o setor privado, inclusive es-
tabelece a possibilidade do Ensino Médio ter oferta intercomplementar, o
que permite que a formação ocorra simultaneamente em duas instituições
ou redes de ensino distintas, mediante convênio ou acordo de intercom-
plementariedade. Com isso, não se faz necessário reestruturar a infraestru-
tura material e investir em prossionais do magistério nas escolas públicas,
pois se pode utilizar a iniciativa privada e repassar a ela o recurso público.
[...] Art. 16 [...] III - concomitante intercomplementar, desenvolvida
simultaneamente em distintas instituições ou redes de ensino, mas
integrada no conteúdo, mediante a ação de convênio ou acordo de
intercomplementaridade, para a execução de projeto pedagógico
unicado; [...] (Brasil, 2021).
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas - vol. 3
285
A forma como os itinerários formativos técnico prossional têm-se
congurado no âmbito da reforma do Ensino Médio, em que o Estado de
Mato Grosso do Sul é um exemplo ilustrativo, sinaliza que, de um lado, há
o desmonte do serviço público e da sua estrutura de oferta ao não propor
construir a infraestrutura material, tecnológica e de professores especiali-
zados para essa modalidade de ensino tão necessária à classe que vive do
trabalho; de outro lado e em concomitância, constituiu-se um canal de
repasse para que os institutos privados captem o recurso público, os quais
foram conquistados nas lutas de entidades educacionais, estudantes, edu-
cadores pelo direito à educação de qualidade e pelo aumento do orçamento
público para isso.
Nesse caso, ainda que sejam fundamentais a conquista do Fundeb
permanente (2020), parte desse orçamento, voltado para educação técni-
co-prossional, benecia o grande capital. Assim, o empresariado na edu-
cação assume a hegemonia em duas dimensões fundamentais na educação,
qual seja, no destino do recurso público e desenho do projeto formativo
por meio da denição do perl do trabalhador (des) necessário ao mundo
do trabalho precário.
Neste aspecto, há um processo de mercantilização da educação bá-
sica presente na transferência do recurso público para a iniciativa privada
empresarial e na denição das nalidades e concepções de educação, im-
pregnando a educação técnico prossional das ideologias do mercado. Eis
uma face da privatização da educação básica pública em curso em Mato
Grosso do Sul.
Podemos dizer que a inuência desse signicativo número de em-
presariado interessado em parcerias com a Educação coaduna-se com as
recomendações do Banco Mundial, como podemos identicar no relató-
rio intitulado “Um ajuste justo: análise da eciência e equidade do gasto
público no Brasil” (Banco Mundial, 2017), no qual traz argumentos e
estratégias para a execução de um ajuste das contas públicas, inclusive na
educação. As recomendações do Banco Mundial para a educação básica
pública brasileira apontam para a necessidade de contingenciamentos e
cortes visando equilibrar as contas públicas em razão de futuras obtenções
Henrique Tahan Novaes, Domingos Leite Lima Filho e José Deribaldo Gomes dos Santos (Org.)
286
de investimento. Esse cenário global do capital propicia que o setor priva-
do passe a inuir na dinâmica das políticas públicas.
Outra dimensão que remete a corte de gasto pelo poder público
com a expansão da educação prossional pelos itinerários formativos, diz
respeito à forma de contratação dos prossionais, em geral não docentes,
que devem ministrar esses cursos. A SED/ MS não realizou concurso
para a contração desses prossionais, mas o procedimento de ingresso
ocorre por meio de um cadastro dos interessados para atuar na educação
prossional formando um banco de dados da SED e, a partir disso, o
diretor, conforme o itinerário técnico prossional a ser ofertado na es-
cola, seleciona no banco de dados e entra em contato com o prossional
para averiguar se o perl, a formação e as credenciais se ajustam para
contratação. O professor recebe por hora-aula e é contratado por tempo
determinado de 1 ano.
Nesse caso, a aplicação do notório saber sem a devida formação do-
cente para atuar como professor tem implicação mais profunda na com-
posição da categoria docente, pois introduz o contrato por tempo deter-
minado, contrariando o princípio constitucional, expresso no Inciso V, do
Art. 206 (Brasil, 1988), que traz o ingresso na carreira docente, exclusiva-
mente, por concurso público de provas e títulos, com o plano de carreira e
políticas de valorização do magistério com o estabelecimento do piso sala-
rial prossional nacional para o magistério, conforme a Lei 11.738/2008
(Brasil, 2008).
A Figura, a seguir, indica a carga horária de 10 hs semanais para cada
unidade curricular em cada ano do Ensino Médio destinada à qualicação
prossional no itinerário formativo técnico-prossional.
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas - vol. 3
287
Figura 3 - Matriz de referência do Itinerário formativo técnico-
prossional em Mato Grosso do Sul
Fonte: MATO GROSSO DO SUL (2022)
Ao analisar a gura 3, podemos inferir que cada módulo, represen-
tado pelo termo Unidade Curricular I, II e II, gozam de 10 horas semanais
e, possivelmente, é necessário a contratação de mais de um prossional
para ministrar a qualicação prossional denida pela instituição educati-
va, principalmente se considerarmos a obrigatoriedade de oferta de mais de
um itinerário por município. É provável que a contratação, via concurso
público de provas e títulos, tivesse um impacto no orçamento público para
atender os estudantes com certo padrão de qualidade. Entretanto, a via
escolhida pela SED/MS foi a precarização na forma de contratação dos
prossionais com notório saber, mas estes sem formação em licenciatura
ou equivalente.
Outra dimensão explícita no quadro remete à fragmentação curricu-
lar que, como mencionou Silva, Krawzyck e Calçada (2023), ganha uma
nomenclatura aparentemente moderna de exibilização, mas, nesse caso,
signica não contemplar um projeto de formação técnica prossional orgâ-
nico, omnilateral e voltado ao trabalho complexo que, no mundo contem-
porâneo, requer o aporte técnico-cientíco, cultural e domínio linguístico.
Henrique Tahan Novaes, Domingos Leite Lima Filho e José Deribaldo Gomes dos Santos (Org.)
288
A reforma do Ensino Médio (Brasil, 2017) viabilizou que os sistemas
de ensino estaduais optassem por adequar a formação técnica prossional
aos trabalhos precários, informais voltados à extração de mais valia abso-
luta ao contemplar a formação descontínua, modulada por competências
e habilidades, com certicações ao nal de cada etapa de modo a satisfazer
o pragmatismo momentâneo do mercado, conforme expresso no Art. 12,
§ 2º. Em virtude da lógica economicista, voltada para o corte de gasto
com as políticas sociais e adequação da formação da classe trabalhadora
aos mecanismos de exploração instensicados do capitalismo nesta etapa
de expansão, procede-se a escolha da SED/MS pela expertise das diversas
instituições privadas, as quais, inclusive, são alheias às preocupações for-
mativas que deveriam gozar as instituições educacionais.
Outra fragilidade da formação ofertada por meio dos itinerários
formativos técnico prossionais, que corrobora com a discussão feita nes-
se texto, pode ser percebida no Art. 16, §3, Resolução n.1/2021 (Brasil,
2021), a qual admite ambientes simulados de aprendizagem quando a in-
serção no ambiente produtivo não se tornar possível. Sendo assim, não
está sequer garantida a imprescindível relação teoria e prática na formação
e não há menção dos estágios supervisionados, que são dimensões impor-
tantes e constitutivas de uma formação de qualidade.
conclusão
Assim como o Ensino Médio, a modalidade da Educação técnica
prossional, que tem como premissa a formação da classe trabalhadora e
sua possível inserção no mundo do trabalho, tem sido profundamente alte-
rada e redimensionada pelas políticas neoliberais em direção à fragmenta-
ção e ao aligeiramento da formação pautados na concepção de competên-
cias e habilidades desde meados da década de 1990 por meio do conjunto
normativo que regulamentou a LDB 9394/1996. Nesse sentido, a possibi-
lidade de oferta exível e modular signicou uma ofensiva pelos desmonte
de experiências de ensino técnico, de nível médio integrado, exitosas como
acontecia em instituições federais e algumas estaduais.
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas - vol. 3
289
Entendemos que a atual reforma retoma a mesma lógica de fragmen-
tação anterior e aprofunda em direção à privatização dessa modalidade de
ensino. A experiência da oferta dos itinerários formativos técnico pros-
sionais no Estado de Mato Grosso do Sul, introduzido com a Resolução/
SED n. 4.113/ 2022 (Mato Grosso do Sul, 2022) a partir da aprovação
Lei 13.415/2017 e normatizações que decorreram dela em âmbito federal,
evidencia algumas estratégias de privatização do ensino público.
Uma delas, quando o Estado transfere para o entre privado as decisões
sobre: o conteúdo e forma do currículo escolar, a reorganização da gestão
e da administração escolar, a seleção e formação de gestores e professores,
a denição de materiais didáticos pedagógicos, cando, a cargo da SED, o
nanciamento, a normatização, a execução e o acompanhamento da propos-
ta, como ocorreu com a atuação do ICE na experiência da escola da autoria.
A oferta do itinerário formativo técnico prossional evidencia duas
formas de privatização da educação, sendo: uma delas, pela oferta do cur-
so de qualicação prossional pelo ente privado, o qual dene o formato
e conteúdo do curso, como é o caso das parcerias com a Telefônica em
Mato Grosso do Sul, a outra, pelo repasse direto do orçamento público
aos entes privados na oferta do curso. Essa última forma de privatização
congura-se como mais ofensiva porque tem o feito corrosivo na destrui-
ção dos equipamentos púbicos e sobre o sentido e materialidade da oferta
educação pública como um direito historicamente conquistado e dever
do Estado. Nesse caso, o Estado passa a funcionar uma agência de repasse
nanceiro e normatização, sendo que as decisões sobre destino nanceiro
do recurso público ocorrem pela iniciativa privada.
Nesse sentido, a atual conguração do itinerário técnico prossional
ofertado no bojo da reforma do Ensino Médio, não pode ser compreendi-
do sem considerarmos o movimento do capital nessa etapa expansionista.
Nesse cenário, as organizações nanceiras encontram na educação um ni-
cho de mercado seguro para sugar a liquidez do recurso público, com vista
a contrabalancear a queda tendencial da taxa de lucro, que tem nas crises
das economias capitalistas sua mais clara expressão. Além disso, a subsun-
ção do trabalho ao capital, nas economias periféricas e nas periferias dos
grandes centros, se dá pela intensicação, informalização, precarização e
Henrique Tahan Novaes, Domingos Leite Lima Filho e José Deribaldo Gomes dos Santos (Org.)
290
destituição perene do trabalho humano e, para isso, é fundamental adaptar
a força de trabalho desde a sua formação para tal destino. É nessa perspec-
tiva que os segmentos privatistas e seus respectivos intelectuais orgânicos
implementam e executam as reformas neoliberais emanadas de organismos
internacionais sob hegemonia imperialista.
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Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas - vol. 3
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293
12
Formação prossional na
Amazônia: entre prescrições,
experiências de trabalho,
integração e renormatizações
Doriedson S. Rodrigues
Dilma Cardoso Pereira
Introdução
Neste trabalho1, discutimos a formação da classe trabalhadora,
no contexto de sua juventude, considerando a qualicação (Machado,
1996) realizada por meio de curso técnico prossionalizante, na perspec-
tiva do Ensino Médio Integrado, no Centro Integrado de Educação do
Baixo Tocantins2 (CIEBT), município de Cametá, Amazônia, nordeste do
Nesta exposição, apresentamos resultados de pesquisa de mestrado (Pereira, 2019) com acréscimos de
considerações sobre a categoria integração no interior de processos formativos da classe trabalhadora além
de ampliações analíticas.
O Centro Integrado de Educação do Baixo Tocantins (CIEBT), pertence ao Sistema Estadual de Educação
https://doi.org/10.36311/2024.978-65-5954-526-1.p293-324
Henrique Tahan Novaes, Domingos Leite Lima Filho e José Deribaldo Gomes dos Santos (Org.)
294
Pará. Problematizamos como os conhecimentos escolares prescritos nos
processos de formação do curso Técnico em Alimentação Escolar (TAE),
do Programa de Integração da Educação Prossional ao Ensino Médio
na Modalidade Educação de Jovens e Adultos (PROEJA), ofertado pelo
CIEBT3 são mobilizados ou renormatizados nas atividades de trabalho de
trabalhadoras egressas do curso4. Eles são compreendidos a partir de uma
perspectiva de formação integrada (Ciavatta, 2005) e do pressuposto de
que os trabalhadores são sujeitos políticos de culturas e saberes, conforme
Arroyo (2002, p. 138).
Metodologicamente, realizamos entrevistas semiestruturadas
como base em Triviños (1967) com duas egressas do curso Técnico em
Alimentação Escolar do CIEBT, considerando: (i) A relação entre forma-
ção e atuação prossional; (ii) As condições de trabalho no exercício do
trabalho como Técnico de Alimentação Escolar; (iii) Formação e prossio-
nalização. Também entrevistamos um professor da Base Comum (BC) e
outro da Base Técnica (BT), ligados ao curso TAE, buscando enfocar: (i)
A relação formação docente e trabalho com a formação integrada; (ii) A
relação mundo do trabalho, mercado de trabalho e formação prossional;
(iii) A mediação da formação prescrita com os saberes dos sujeitos do curso
TAE. Utilizamos, para o tratamento das entrevistas, a perspectiva da aná-
lise de conteúdo (André, 1982; Franco, 2003), considerando conteúdos
do Pará, com o registro de nº 15587878 junto ao MEC, recebendo discentes das redes estadual, municipal
e privada dos municípios de Cametá, Mocajuba, Oeiras do Pará, Baião e Limoeiro do Ajuru, todos no
estado do Pará, a m de cursar o Ensino Médio, conforme o Projeto Político Pedagógico da Escola (PPP),
de 2017. O município de Cametá possui uma população de 134.184 pessoas, conforme Censo IBGE de
2022, com maior contingente de sujeitos do campo, situados nas ilhas, nas comunidades ribeirinhas e no
setor de estradas.
O CIEBT ofertava em 2017 cursos de Ensino Médio Integrado, como Manutenção em Suporte Informática,
Aquicultura e Gestão do Agronegócio; Ensino Técnico Subsequente, como Agropecuária e Secretaria
Escolar; e Ensino Técnico Médio Integrado-PROEJA, como Alimentação Escolar, Administração, Meio
Ambiente, Informática, Manutenção de Suporte Informática, dentre outros. O curso TAE, segundo o
Plano de Curso (CIEBT, 2016, p. 3), buscava “[...] formar prossionais capacitados para atuar no preparo
da alimentação dos estudantes, conforme o cardápio e orientações denidas pelo prossional da área,
nutricionista”.
As egressas do curso TAE são oriundas da primeira turma – iniciada em 2010 – que teve a habilitação
para atuar como Técnico em Alimentação Escolar no município de Cametá. A turma, inicialmente com
30 alunos, todos oriundos de Cametá, teve somente oito discentes formados, sendo sete mulheres. Quatro
delas estão atuando concursadas no serviço público. Do total de técnicas formadas, 03 estão em efetivo
exercício da prossão, mas conseguimos entrevistar somente duas. Registramos que nossas entrevistadas
haviam interrompido seus estudos há mais de 15 anos, sendo a formação recebida no CIEBT um marco
em suas trajetórias de trabalho e de obtenção de renda.
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas - vol. 3
295
relacionados: a) a renormatizações no campo das mediações técnicas, po-
líticas, sociais; b) a negociações de trabalho na execução de tarefas ligadas
ao exercício de poder; c) ao exercício da prossão resultante da formação
recebida no CIEBT.
Tratou-se de uma investigação com base no materialismo
histórico-dialético, considerando o trabalho das egressas a partir dos
princípios da totalidade e da contradição, conforme Kosik (2011, p.
60), entendemos que “[...] a totalidade sem contradição é vazia e inerte,
as contradições fora da totalidade são formais e arbitrárias”, implicando
a análise das contradições histórico-sociais, enquanto totalidade que
constituem esse trabalho.
Com base em Gramsci (1978), tomamos a categoria mediação por
entendermos que os processos de renormatização não acontecem ao acaso,
mas resultam de mediações realizadas pelos sujeitos, a m de dar conta de
suas necessidades de trabalho, havendo negociação entre o que pode ser
alterado e o que não pode.
Assim, partimos, em nossas análises, de um pressuposto caráter me-
diador das renormatizações na atividade humana de trabalho no espaço
laboral de trabalhadoras técnicas em alimentação escolar. Tratamos o pro-
cesso do conhecimento e as relações de trabalho a partir de situações con-
cretas constituídas e mobilizadas pelas egressas, a m de desvendar a rea-
lidade e de compreender como as relações de trabalho se efetivam a partir
de normas e de renormatizações, envolvendo novas situações de trabalho
e as contradições por elas engendradas e considerando que “os contrários
interpenetram-se, porque em sua essência têm alguma semelhança, alguma
identidade, que se alcança quando se soluciona a contradição, quando se
realiza a passagem dos contrários de um para o outro. A identidade é im-
portante, mas também o é a diferença” (Triviños, 1967, p. 69).
Consideramos, nessa perspectiva, que os saberes renormatizados pe-
las egressas resultam de prescrições e constituem uma unidade de contrá-
rios, na qual o novo, o renormatizado, pressupõe de alguma maneira o
velho, o prescrito, quer negando-o em sua totalidade, ou assumindo alguns
de seus elementos. Entendemos, como Triviños (1967, p. 69), que a nega-
Henrique Tahan Novaes, Domingos Leite Lima Filho e José Deribaldo Gomes dos Santos (Org.)
296
ção da negação pressupõe conhecer “as relações entre o antigo e o novo no
processo de desenvolvimento dos fenômenos”.
Processos formatIvos e atIvIdades de trabalho: PrescrIções,
renormatIzações e o conhecImento-síntese
De acordo com Schwartz (2000, p. 485), entendemos que toda ati-
vidade de trabalho é constituída por um processo que pode ser um pro-
tocolo experimental, acontecendo na experiência e no encontro de expe-
riências de trabalho. Compreendemos, de acordo com Duraourg (2010,
p. 68-69), que, em relação aos “[...] resultados esperados e à maneira de
obtê-los [...]”, é a “[...] sociedade quem prescreve [...]”, posto que a ativi-
dade do trabalho é sempre social, não resultando, entretanto, “[...] de uma
simples aplicação do prescrito [...]”, haja vista que a “[...] situação real é
sempre diferente daquilo que foi antecipado pelo prescrito [...]”, devido à
distância entre a ordem estabelecida e a realidade ser gerida, organizada,
operacionalizada em decorrência das condições objetivas de sua realização.
Ainda de acordo com Schwartz (2010), Schwartz e Durrive (2007) e
Santos (2000), entendemos que o exame de contextos de trabalho permite
compreender a integração entre escola e vida dos sujeitos em formação,
nos moldes descritos por Rodrigues (2020, 2024), considerando as trans-
formações no mundo do trabalho e seus impactos na criatividade humana
enquanto produtora de saberes, experiências e posições políticas e decor-
rente de uma base cientíca sólida oriunda de processos formativos.
Trata-se, assim, de processos formativos que se opõem à perspectiva
de formação humana alicerçada no modelo taylorista-fordista de produção
sistematizada, que busca a padronização de comportamentos e a instru-
mentalização de um conjunto de conhecimentos aplicáveis à rotineirização
do trabalho, visualizando-os como técnica em detrimento do sujeito que,
frente a múltiplas determinações do mundo do trabalho, produz materia-
lidades outras, inovadoras, para dar conta das necessidades não somente
laborais, mas também sociais, políticas e culturais.
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas - vol. 3
297
Desse ponto de vista, assumimos o trabalho como princípio educati-
vo (Gramsci, 1978, 2001), haja vista que, por meio dele, o homem e a mu-
lher estabelecem mediações com a natureza, a qual habitam e da qual são
constituintes, de modo a criar subjetividades e objetividades que atendam
suas necessidades de vida. O trabalho é “[...] condição de existência do
homem, independente de todas as formas de sociedade, eterna necessidade
natural de mediação do metabolismo entre homem e natureza e, portan-
to, da vida humana” (Marx, 1985, p. 50). Nessa perspectiva, assumimos
o trabalho também como inventividade, constituindo-se como atividade
fundamental para o processo de criação e transformação humana, sendo
responsável pela própria constituição e formação do ser social.
Consideramos as situações de trabalho a partir de relações pluri-
disciplinares, conforme Athayde e Brito (2011) e Hennington, Cunha
e Fischer (2011) e articulamos os pressupostos teóricos da abordagem
ergológica às categorias saberes experienciais e saberes do trabalho, con-
forme Magalhães e Tiriba (2018) e Rodrigues (2012, 2022), bem como à
categoria integração (Rodrigues, 2020, 2024), de modo a entender como,
no interior da relação prescrito e renormatizado, surgem subjetividades e
objetividades que engendram saberes, entendidos como a materialidade
de criações humanas, a partir de suas necessidades de existência produti-
va, criadora e humanista.
Nessa perspectiva, entendemos a importância de as experiências for-
mativas presentes em espaços escolares estarem integradas aos saberes expe-
rienciais gestados em ambientes de trabalho, de modo que sejam atualiza-
das e acrescidas por outras objetividades e subjetividades, em um processo
dialético de integração-negação do vivido e do experienciado, resultando
em um conhecimento-síntese que segue em movimento, nos moldes des-
critos por Rodrigues (2024, p. 10), para o qual a integração:
[...] se constitui em uma perspectiva formativa, em moldes de
uma polifonia bakhtiniana (Bakhtin, 1979), não meramente uma
autonomia discursiva sobre uma temática de trabalho, de economia
e cultura, a partir de diferentes práxis discursivas integradas pelos
aprendizes em suas linguagens sobre e no trabalho, mas uma
Henrique Tahan Novaes, Domingos Leite Lima Filho e José Deribaldo Gomes dos Santos (Org.)
298
autonomia ligada à construção de um novo conhecimento que já
não é o prescrito pela escola, numa perspectiva ergológica, nem
tampouco os saberes das experiências do trabalho dos aprendizes,
mas uma síntese a contribuir com intervenções em suas práxis
econômico-culturais, dentre outras.
Esse novo conhecimento como síntese do conhecimento escolar
e dos saberes da experiência do trabalho, em um processo cíclico
de análise-síntese-análise, em um movimento permanente
de construção dadas as necessidades das atividades humanas,
considero integração, como processo de renormalização em moldes
ergológicos (Schwartz, 2003; 2002), não se constituindo, contudo,
como ressignicação.
Para tanto, defendemos a necessidade de uma base sólida de forma-
ção para a classe trabalhadora, nos moldes do Ensino Médio Integrado,
conforme Ramos (2005, 2008, 2009, 2019), a partir do que podem ser
efetivadas mobilizações e renormatizações em contextos de trabalho.
Pelo exposto, portanto, não assumimos posição a favor da pedagogia
das competências5, muito menos da pretensa reforma do ensino médio,
a partir da Lei 13.415/20176, que nega uma formação integral e de base
cientíca aos sujeitos, priorizando uma formação pragmática, exível e de-
fendendo que as experiências, por si só, determinam a formação humana e
as necessidades da vida. Igualmente, não se trata de entender que somente
a formação de ordem teórica, desligada da vida dos sujeitos, consegue dar
conta das necessidades de trabalho, compreendido para além das razões de
Segundo Ramos (2009), “[...] a noção de competência situa-se, então, no plano de convergência entre
a teoria integracionista da formação do indivíduo e a teoria funcionalista da estrutura social. A primeira
demonstra que a competência torna-se uma característica psicológico-subjetiva de adaptação do trabalhador
à vida contemporânea. A segunda situa a competência como fator de consenso necessário à manutenção
do equilíbrio da estrutura social, na medida em que o funcionamento desta última ocorre muito mais
por fragmentos do que por uma seqüência de fatos previsíveis”. E continua: “O processo de construção
do conhecimento pelo indivíduo, por sua vez, seria o próprio processo de adaptação ao meio material e
social. Nesses termos, o conhecimento não resultaria de um esforço social e historicamente determinado
de compreensão da realidade para, então, transformá-la, mas sim, das percepções e concepções subjetivas
que os indivíduos extraem do seu mundo experiencial. O conhecimento caria limitado aos modelos
viáveis de inteiração com o meio material e social, não tendo qualquer pretensão de ser reconhecido como
representação da realidade objetiva ou como verdadeiro”.
Para uma leitura crítica da pretensa reforma do ensino médio, sugerimos o texto “Reforma do Ensino
Médio: subordinação da formação da classe trabalhadora ao mercado de trabalho periférico”, de Moura e
Benachio publicado em 2021, na revista Trabalho Necessário. https://doi.org/10.22409/tn.v19i39.47479.
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas - vol. 3
299
mercado, sendo necessário que a base cientíca se integre à vida, consti-
tuindo-se signicativa para a atuação no mundo, quer do ponto de vista
técnico, político, econômico, cultural, como do social, ou organizacional.
Defendemos, portanto, a integração entre escola e vida, como desta-
ca Ciavatta (2005, p. 85):
A ideia de formação integrada sugere superar o ser humano dividido
historicamente pela divisão social do trabalho entre a ação de
executar e a ação de pensar, dirigir ou planejar. Trata-se de superar
a redução da preparação para o trabalho ao seu aspecto operacional,
simplicado, escoimado dos conhecimentos que estão na sua
gênese cientíco-tecnológica e na sua apropriação histórico-social.
Como formação humana, o que se busca é garantir ao adolescente,
ao jovem e ao adulto trabalhador o direito a uma formação
completa para a leitura do mundo e para a atuação como cidadão
pertencente a um país, integrado dignamente à sua sociedade
política. Formação que, neste sentido, supõe a compreensão das
relações sociais subjacentes a todos os fenômenos.
Com base no exposto, compreendemos que o estudo da relação en-
tre o prescrito em uma formação prossional e a integração em atividades
de trabalho, entendidas para além do mundo técnico, contribui para uma
compreensão cientíca de como se efetiva a formação integrada, nos mol-
des propostos por Ciavatta (2005).
educação ProfIssIonal e mundos do trabalho: a questão da
Integração e da renormatIzação
Para um processo de formação integrada, muito há que se ter desen-
volvido em termos de integração entre o processo formativo e o mundo do
trabalho, o mundo vivido e experienciado pelos discentes, sendo necessário
criar possibilidades formativas, aos trabalhadores, como unidades teórico-
-práticas, integrando o prescrito nos espaços escolares e as experiências de
Henrique Tahan Novaes, Domingos Leite Lima Filho e José Deribaldo Gomes dos Santos (Org.)
300
trabalho desses sujeitos, favorecendo a criatividade e a inovação, materiali-
zadas em um novo conhecimento-síntese.
Podemos vericar nas entrevistas com professores e egressas que a
formação ofertada no curso TAE buscava, mesmo diante de diculdades
de ordem estrutural do curso e do entendimento da operacionalização da
integração por parte de alguns professores, relacionar, nas atividades esco-
lares, vivências que proporcionavam o estabelecimento dessa relação en-
tre a formação prossional e o mundo do trabalho. No dizer de Frigotto
(1989, p. 08), trata-se de uma perspectiva pedagógica, quanto à relação
entre escola e vida estabelecida por meio do trabalho, que permita:
[...] superar a visão utilitarista, reducionista de trabalho. Implica
reverter a relação situando o homem e todos os homens como
sujeitos do seu devir. Esse é um processo coletivo, organizado, de
busca prática de transformação das relações sociais desumanizadoras
e, portanto, deseducativas. A consciência crítica é o primeiro
elemento deste processo que permite perceber que é dentro destas
velhas e adversas relações sociais que podemos construir outras
relações, onde o trabalho se torne manifestação de vida e, portanto,
educativo.
Nessa compreensão, os professores tanto da BC, quanto da BT reve-
lam suas impressões acerca da relação entre educação prossional e mundo
do trabalho, circunscrevendo essa relação, muitas vezes, dentro da visão utili-
tarista de que nos fala Frigotto (1989). É o caso, por exemplo, de quando os
docentes entendem que a integração entre escola e vida, mundo do trabalho
é envolver os egressos no processo de desempenho da função de TAE, em ter-
mos de um fazer prático, em oposição a um pensar-fazer em contextos sociais
de produção. Todavia, há também a compreensão da relação entre escola e
mundo do trabalho como a possibilidade de os egressos, enquanto discentes,
terem tido a oportunidade de compreender, nos contextos de trabalho real,
a forma como se articula o conhecimento-vivido-experienciado, aqui enten-
dido como um processo integrado, favorecendo a visão integral do processo
de trabalho do ser social técnico em alimentação escolar.
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas - vol. 3
301
Assim, quando fala em associação entre o curso e o mundo do
trabalho, quer dizer que seja a forma como eles serão inseridos dentro
de todo esse processo, então, muitos deles, criam aquela expectativa:
como será que eu vou desempenhar esta função, no local onde eu
serei inserido? Então, essa relação minha quando fala do curso
de Alimentação Escolar, então eles passaram dentro da cozinha
do Hospital Regional, nas escolas e no Hospital Marilac, viram
justamente essa visão todinha. Trabalharam com a nutricionista,
vendo o cardápio, as formas corretas de manusear e manipular
justamente os alimentos e a questão de serem tão necessários
justamente nessa função que hoje é qualquer restaurante, qualquer
bar, ele precisa justamente de uma pessoa que seja conhecedora,
que não somente manipule, mas que utilize as técnicas de forma
correta. Então, isso aí veio trazer bastante conhecimento para eles,
que eles possam se desenvolver prossionalmente (Entrevistado
Prof. BC, 20197).
Há de se salientar, contudo, que essa relação entre escola e vida, entre
a experiência formativa e o mundo do trabalho, em unidade, não buscou
constituir um processo somente de operacionalização da técnica, como
poderíamos depreender da fala do Prof. BC, mas também como uma
integração que ultrapassa o domínio da técnica pela técnica, porque buscou-
se, nos espaços de trabalho, a observação dos conhecimentos técnicos em
relação com o mundo dos direitos e dos deveres, de que nos fala Gramsci
(1978). Com isso, foram trabalhadas as relações éticas e cidadãs a partir do
mundo do trabalho, propiciando aos discentes, em termos prescritivos e
também reais dada a presença em atividades de estágio, por exemplo, uma
formação crítica e reexiva de atuação, tal como observamos quando as
egressas se posicionam criticamente nos espaços de trabalho em relação à
falta de condições para o desenvolvimento de suas ações laborais.
No momento da entrevista, o Prof. BC possuía 48 anos, atuava há 10 na Educação e possuía formação
em nível superior na área de Ciências, com habilitação em Biologia. Ministrava a disciplina Biologia, Base
Comum, com ação também na Base Técnica, com a disciplina Meio Ambiente. A entrevista foi realizada na
sede do CIEBT, em 2019, sendo gravada e depois transcrita.
Henrique Tahan Novaes, Domingos Leite Lima Filho e José Deribaldo Gomes dos Santos (Org.)
302
No dizer do Prof. BT8, buscou-se integrar ao longo da formação
aspectos de ética, cidadania e criticidade a partir do mundo do trabalho,
das experiências reais, onde teoria-prática se inserem enquanto unidade.
[...] é trabalhado a ética, postura, cidadania, tudo justamente
que prima para o ser social pensante e ele vai entender também
as relações do trabalho. Nós temos ali primeiros socorros, ética
do trabalho, as leis, justamente, que amparam o trabalhador e as
formas, então, esse trabalhador justamente um cidadão crítico
e conhecedor de seus direitos e da forma como ele vai trabalhar
(Entrevistado Prof. BT, 2019).
Em termos conceptuais, mesmo diante das contradições observadas
no desenvolvimento formativo dos egressos, como a diculdade de ope-
racionalização da integração por parte de alguns docentes, buscava-se dar
condições aos discentes de estarem inseridos em contextos de trabalho,
com suas prescrições e suas normas, de modo a perceberem as relações
ali envolvidas, os discursos produzidos nesses espaços sobre o trabalho do
TAE, as técnicas e as tecnologias presentes, mas também o processo de
alimentação escolar, para além de um saber-fazer, percebendo culturas,
identidades e subjetividades ali existentes, tal como o exposto por Fígaro
(2008, p. 92), quando analisa a base conceitual de mundo do trabalho:
o conjunto de fatores que engloba e coloca em relação a atividade
humana de trabalho, meio ambiente em que se dá a atividade, as
prescrições e as normas que regulam tais relações, os produtos delas
advindos, os discursos que são intercambiados nesse processo, as
técnicas e as tecnologias que facilitam e dão base para que a atividade
humana de trabalho se desenvolva, as culturas, as identidades, as
subjetividades e as relações de comunicação constituídas nesse
processo dialético e dinâmico de atividade.
A Profa. BT, à época da entrevista, possuía 38 anos, atua há seis na Educação e era Bacharel em Nutrição.
Ministrava as disciplinas referentes a Nutrição Dietética, Higiene e Segurança no Trabalho. Além disso, a
Profa. BT era também Coordenadora do Curso Técnico de Alimentação Escolar/PROEJA. A entrevista foi
realizada na sede do CIEBT, em 2019, sendo gravada e depois transcrita.
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas - vol. 3
303
Em termos de renormatização dessa relação entre o mundo e a for-
mação escolar, que materializa experiências de integração entre escola e
vida como observado acima, nossas análises pontuam a busca pela integra-
ção entre formação prescrita e mundo do trabalho. As atividades de estágio
muito contribuem para essa integração, quando a gestão do curso busca
colocar os discentes em contato com comunidades diversas, para além do já
conhecido, entendido aqui como o espaço onde alguns egressos já atuavam
mesmo enquanto eram estudantes, como por exemplo quando se coloca
os discentes em contato de trabalho-formativo com comunidades quilom-
bolas, de modo a articular conhecimento da área da alimentação escolar
com a cultura de vida dessas comunidades, no sentido de problematizar a
formação e os conteúdos formativos recebidos, contestando-os a partir da
realidade vivida-experienciada com sujeitos reais e mundos reais de traba-
lho. Assim, no dizer do Prof. BT:
Olha existe essa relação, tá, porque como eu havia falado, eles estão
já atuando nessa área, só que precisa de mais incentivo. Na área da
alimentação escolar, eu como coordenadora procuro colocar os alunos
para uma realidade bem mais abrangente, que são as comunidades que
eles não têm muito acesso, comunidades um pouco distantes do centro
da cidade, onde eles atuam no curso, então é importante colocar
eles mais diretamente relacionados com a área, com comunidades
que realmente precisem desse trabalhador, desse prossional. Como
eles são capacitados pra orientar, pra fazer parte de uma equipe
multidisciplinar, eles precisam chegar até essas comunidades justamente
pra suprir essa necessidade dessa população. Posso dar o exemplo das
comunidades quilombolas. Nós já tivemos a experiência de levar
alunos pra desenvolver um trabalho, uma visita e ao mesmo tempo
conhecer a comunidade e ao mesmo tempo colocar, ajudar com alguns
conhecimentos técnicos pra essa comunidade. Então, deu pra perceber
que é uma comunidade bastante restrita em alguns conhecimentos,
eles têm a própria cultura deles bem fechada e nessa visita os próprios
agentes de lá, os coordenadores dessa comunidade, eles pediram que a
gente voltasse um dia pra dar um curso de manipulação de alimentos
pra eles porque eles não tinham certos conhecimentos como parte da
contaminação, como evitar uma contaminação alimentar, porque eles
não saem dessa comunidade pra adquirir conhecimentos, então é um
conhecimento bem restrito.
Henrique Tahan Novaes, Domingos Leite Lima Filho e José Deribaldo Gomes dos Santos (Org.)
304
Nessa imersão no mundo do trabalho, a partir dos estágios e das vivên-
cias em contextos reais de produção-formação, os discentes, hoje egressos,
tinham a possibilidade de ir qualicando seus processos formativos, embora
também tivessem que lidar com a emergencialidade, sempre pragmática, de
inserção no mercado de trabalho, como observado na fala do Prof. BT:
[...] a maioria deles, eles já vêm da escola já pensando nesse
mercado de trabalho, muitas vezes, eles já chegam procurando o
curso na escola porque eles foram procurar um trabalho e chegaram
nesse trabalho foi exigida alguma capacitação. Aí geralmente a
pessoa pergunta: você já fez algum curso de área técnica? Ou na
alimentação escolar? Ou informática? Então eles já sabem que pra
conseguir um lugar no mercado de trabalho precisam ter uma certa
qualicação prossional.
Em termos formativos, entendemos que a articulação entre forma-
ção e mundo do mundo, materializada na vivência dos discentes em espa-
ços formais e informais de trabalho com questões relacionadas ao curso em
desenvolvimento, partia de uma perspectiva de formação integrada basea-
da na análise do meio social de trabalho, no sentido de promover o desen-
volvimento da autonomia, da capacidade de uma autogestão de decisões e
ações, a partir do mundo do trabalho, do real, do vivido, do experienciado.
A autonomia, condição desejável pelo projeto de ensino in-
tegrado, é aqui entendida como capacidade de os indivíduos
compreenderem a sua realidade, de modo crítico, em articula-
ção com a totalidade social, intervindo na mesma conforme as
suas condições objetivas e subjetivas. Em outras palavras, re-
conhecendo-se como produto da história, mas também como
sujeito de sua história (Araujo, 2015, p. 75).
Outrossim, destacamos que a imersão dos discentes no mundo do
trabalho, do vivido e das experiências laborativas no momento da forma-
ção estimula suas criatividades na realização de ações diante do mundo
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas - vol. 3
305
do trabalho, atualizando, renormatizando saberes a m de dar conta das
demandas apresentadas por esse mundo experienciado nas atividades de
estágio, uma vez que, segundo Araujo (2015, p. 70), a “[...] força criativa
desenvolve-se principalmente por meio de estratégias de problematização
da realidade e dos conteúdos escolares, suscitando a busca por ferramentas,
teóricas e práticas, capazes de auxiliar os indivíduos no enfretamento de
suas tarefas cotidianas e históricas”.
Assim, a escola, em seu processo formativo, buscou a integração
entre escola e vida, de que nos fala Ciavatta (2005), de modo a consoli-
dar, com contradições, a proposta curricular do Ensino Médio Integrado
à Educação Prossional. Buscou também propiciar que a formação dos
alunos possibilitasse a compreensão do mundo do trabalho, compreenden-
do, de acordo com Araujo (2015, p. 75), “[...] a ação pedagógica em sua
relação com a totalidade das ações humanas que, sempre, tem repercussões
éticas e políticas para a vida social, bem como a necessária dependência
entre os saberes especícos e locais ao conjunto de saberes sociais”, no sen-
tido de promover a “[...] integração entre os saberes e práticas locais com as
práticas sociais globais [...], buscando [...] a compreensão dos objetos em
sua relação com a totalidade social” (Araujo, 2015, p. 75), aqui considera-
da como o mundo do trabalho em suas diferentes mediações e dimensões.
Entendemos que a ação formativa estudada buscava integrar os co-
nhecimentos historicamente acumulados por gerações anteriores e acres-
cidos das inovações tecnológicas e da produção de novos conhecimentos
cientícos, de modo a permitir a compreensão das relações no mundo do
trabalho e de suas inuências no modo de viver dos seres humanos entre
si, com a natureza e com novos conhecimentos.
Integração e suas contradIções em exPerIêncIas de trabalho: entre o
PrescrIto e o renormatIzado
A discussão sobre os saberes prescritos no contexto de formação do
curso Técnico em Alimentação Escolar (TAE) do CIEBT, compreendidos
Henrique Tahan Novaes, Domingos Leite Lima Filho e José Deribaldo Gomes dos Santos (Org.)
306
a partir de uma perspectiva de formação integrada e suas mobilizações
e renormatizações nas atividades de trabalho nos ambientes laborais das
trabalhadoras egressas do curso pressupôs entender o conjunto de normas
previstas no projeto pedagógico do curso. A seguir destacamos alguns as-
pectos do documento (CIEBT, 2016, p. 50):
- Dominar as principais diretrizes da prossão, integrando os
conhecimentos cientícos, tecnológicos e sustentável, além de
contribuir para a formação de indivíduos que compreendam,
problematizem e atuem na construção de propostas para a melhoria
das condições de saúde e alimentação da comunidade escolar;
- Ter conhecimento teórico e prático do manejo de hortas
domiciliares e escolares;
- Preparar cardápios escolares de alto valor nutritivo, baixo
custo, preparo rápido e sabor regionalizado e sazonal a partir das
alternativas criadas pelos nutricionistas.
De posse desses elementos, analisamos como esses domínios forma-
tivos prescritos atualizavam-se nos espaços de trabalho das egressas, con-
siderando que na formação escolar houve momentos de busca dessa atua-
lização por meio de atividades de estágio e pela presença em territórios de
trabalho real, tomando o disposto por Trinquet (2010, p. 95), para o qual
é necessário
[...] conhecer melhor a realidade complexa de nossa atividade
laboriosa. Quer dizer, analisar sob quais condições ela se realiza
efetivamente, o que permite organizá-la melhor e, portanto, torná-
la mais ecaz e rentável, tanto em seus aspectos econômicos quanto
sociais e humanos, sem ter de forçar a sua intensidade e/ou sua
cadência.
Em consonância com Trinquet (2010), que aponta que é melhor
conhecer a realidade para compreender em que condições ela se realiza,
consideramos ainda a necessidade de não perder de vista a compreensão
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas - vol. 3
307
do todo, como apontado por Kuenzer (2013), uma vez que a atualização
de aspectos formativos em contextos reais de trabalho sempre ocorre em
virtude de múltiplas determinações, que constituem a materialidade pro-
dutiva humana, quer no sentido de existência das condições de produção,
quer em decorrência de sua negação. Assim, para a autora,
[...] apreender o todo, de modo que tanto mais penetre no
especíco, melhor apreenderá a totalidade, com sua teia de
relações, descortinando, assim, a concretude, jamais plenamente
dada (como se descascássemos a cebola e obtivéssemos o prêmio
de observar – nalmente – o seu miolo), mas sempre ‘processo de
concretização’, móvel, parcial, dinâmico, em permanentemente
reconstrução (Kuenzer, 2013, p. 62).
Observando a realidade de trabalho das egressas, constatamos que
houve atualização da formação prescrita no sentido de se assumir, de forma
autônoma, a gestão dos espaços de trabalho. O que percebemos foi que o
conhecimento teórico e prático”, quanto à problematização das condições
de trabalho e de sua materialização, foi assumido pelas prossionais, con-
forme destaca a Egressa 19, no que se refere a suas ações na elaboração de
cardápio, na organização da merenda, bem como na limpeza e na higieni-
zação do espaço de trabalho.
Na escola que eu trabalho faço mais a parte de coordenação. Trabalho
na coordenação. Eu tenho um auxiliar que é o manipulador de
alimento, eu sou responsável pela elaboração do cardápio, sou
responsável pela organização, pelo depósito da merenda e sou
responsável também pela limpeza, pela higienização das louças,
materiais que a gente trabalha, sou responsável de higienizar tudo
(Entrevistada Egressa 1).
A entrevistada, em 2019 quando foi realizada a entrevista, possuía 52 anos. Atuava há 17 anos na área da
Educação, doze dos quais como manipuladora de alimentos. Passou a atuar como Técnica em Alimentação
Escolar em 2014.
Henrique Tahan Novaes, Domingos Leite Lima Filho e José Deribaldo Gomes dos Santos (Org.)
308
Contudo, essa atualização ca comprometida quando as condições de
trabalho não permitem sua normatização, enquanto ação performativa. É o
caso de quando, em decorrência de fartura de merenda, a própria nutricio-
nista monta o cardápio. Entretanto retorna a renormatização de montagem
de cardápio quando há falta de produtos de merenda em quantidades ade-
quadas, o que conduz as egressas a criarem cardápios com o que é possível
diante das condições objetivas. Ou seja, quando há falta de materiais para a
merenda em grande quantidade ocorre uma intensicação do trabalho, no
sentido de se ultrapassar os limites de uma simples execução de operaciona-
lização da montagem do cardápio, pressupondo tanto a esquematização do
que será oferecido na escola, quanto a elaboração da alimentação.
É por causa de que, quando vai a lista da merenda, o cardápio já vai
pronto só pra executar já, não vai por causa de que a nutricionista
dá merenda, né? Já vai o cardápio só pra gente executar, a gente não
tem como! A gente só faz o cardápio quando a merenda está pouco,
né? Que a gente vai ter que executar (Entrevistada Egressa 2).
Todavia, nessa intensicação do trabalho do técnico em alimentação
escolar, há de se considerar a renormatização da capacidade de inventivida-
de do trabalhador, de criação diante das condições objetivas por ele vividas,
o que representa também a atualização de sua capacidade crítica de inter-
venção diante do mundo, buscando superar as limitações impostas pelas
políticas que deveriam sempre propiciar a materialidade necessária para o
fornecimento da alimentação escolar.
Em termos de inovação, diríamos que, embora não operando trans-
formações reais na realidade da falta de merenda escolar, essa perspectiva
de inventividade dá conta de resolver a demanda imediata, permanecendo,
entretanto, a necessidade de uma ação para além do cotidiano das emer-
gencialidades. Nesse sentido, Cardoso (2007, p. 2, grifo nosso), estudando
a questão do conteúdo de inovação em termos educacionais, salienta que:
“[...] a inovação não se trata de uma mudança qualquer, ela tem um carác-
ter intencional, afastando do seu campo [...] as mudanças produzidas pela
evolução ‘natural’ do sistema. A inovação é, pois, uma mudança deliberada e
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas - vol. 3
309
conscientemente assumida, visando uma melhoria da ação educativa”. Ou
seja, para os propósitos deste trabalho, a renormatização da autonomia do
prossional na tomada de decisões não consubstancia, nesse contexto, uma
ação ampla para além da emergencialidade do trabalho, pois não provoca
alteração no sistema responsável pela oferta da merenda em sua totalidade.
Além disso, podemos melhor compreender as atividades das egres-
sas, do ponto de vista da totalidade, a partir da produção do conheci-
mento dos fenômenos da realidade concreta que possibilita a produção
e a mobilização de saberes dos trabalhadores na atividade prossional em
decorrência da vivência no mundo do trabalho, entendido como
[...] o princípio primeiro para se entender a sociedade e, portanto,
a educação, e assumir a formação de trabalhadores como sua tarefa
fundamental. Apoia-se no pressuposto do trabalho como mediação
fundamental para a constituição do homem: sua humanização.
Ao produzir a vida em sociedade o homem produz-se a si mesmo,
torna-se humano. Com certeza, este tem sido um fundamento
essencial para problematizar o saber e a experiência do trabalhador
(Fischer; Franzoi, 2018, p. 197).
Ou seja, é no cotidiano do trabalho das egressas que elas também
vão se constituindo como prossionais formadas pelo curso TAE e não
somente pelo processo de certicação decorrente da formação no CIEBT,
sem a qual, contudo, não poderiam ir em movimento se constituindo
como técnicas em alimentação escolar, razão pela qual defendemos uma
base formativa para a classe trabalhadora, nos moldes do Ensino Médio
Integrado, que lhe permita a inventividade, a criatividade e o posiciona-
mento político em relação à realidade social.
A vivência no mundo do trabalho efetivo, no exercício, é o que favo-
rece também um processo de renormatização do ser social técnica formada,
em um processo dialético entre o prescrito e a renormatização dessa forma-
ção, tratando-se, assim, de um saber prossional em mobilização, permi-
tindo, conforme Caria (2005, p. 25), “[...] improvisar (habitus) face a um
imprevisto [...]”, mobilizando “[...] (por transferência de conhecimento,
Henrique Tahan Novaes, Domingos Leite Lima Filho e José Deribaldo Gomes dos Santos (Org.)
310
cf. Frenay, 1996; Meirieu; Develay, 1996), rotinas do fazer e repertórios
de experiência situados, por comparação entre situações relativamente se-
melhantes; comparações que serão sempre dependentes da intersubjectivi-
dade”, de avaliações que se entrecruzam com experiências outras, como a
possibilidade de interação com a formação vivida no CIEBT.
No mais, trata-se de uma oportunidade de armação da identidade
prossional desses sujeitos, partindo do pressuposto de que, com base em
Caria (2005), “[...] os grupos prossionais para poderem gerir os efeitos
das mudanças sociais mais vastas precisam de, ao nível micro, desenvol-
ver competências reexivas na interação social que permitam associar os
processos de recontextualização do conhecimento aos saberes em situação
prossional”, sob pena de o “[...] trabalho prossional [...]” não ser “[...]
capaz de lidar com a complexidade do mundo, nem com a frustração das
expectativas de interação, podendo car-se pelo dualismo das formas legí-
timas e técnicas de uso do conhecimento abstrato ou pelo conservadoris-
mo das formas tradicionais e praticistas” (Caria, 2005, p. 27).
Por outro lado, temos que considerar que essas ações das prossionais
no cotidiano do trabalho, com seus processos de renormatização de com-
petências reexivas que se aproximam, às vezes, de atualizações praticistas
de intervenção, mas que, às vezes, delas se distanciam, pressupõem tomar o
trabalho como elemento de formação humana, constante, humanizando-o
em suas relações com seus objetos de conhecimento, colocando-os em uni-
dade teórico-prática, de maneira que, segundo Fischer e Franzoi (2018), os
saberes e as experiências dos trabalhadores vão assumindo uma práxis que
lhes fortalece, enquanto prossionais que mobilizam saberes especícos
do trabalho, em situações reais de uso. Como destaca Caria (2005, p. 23),
[...] o trabalho prossional começa por lidar com os problemas
sociais que em grande parte já estão codicados e predenidos
(prescritos) pelos ‘analistas simbólicos’ e, portanto, pelo campo de
produção discursiva. Mas no campo da prática, na interação com
os clientes e utentes dos serviços, os prossionais não se limitam
apenas a reproduzir um sistema de análise e de prescrição, de
interpretações ou de ações: têm que recontextualizar um sistema
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas - vol. 3
311
de produção de verdade em campos e contextos especícos de
relações de poder e controle simbólicos, para serem capazes de
agir de um modo legítimo e reconhecidamente competente face
à heterogeneidade do social, isto é, têm que saber saber-estar com
o outro’. A recontextualização prossional do conhecimento
supõe inscrever o conhecimento em dimensões relacionais e
interculturais que podem tanto reproduzir como reestruturar ou
recongurar relações simbólicas de poder (Cf. Stoer, 1994; Caria;
2004; Lahire, 1998).
Assim, nos espaços de trabalho, as egressas vão se constituindo pro-
ssionais em movimento, recontextualizando normas prescritas, criando
outras não previstas, constituindo-se capazes de agir de um modo legítimo
e reconhecidamente competente face à heterogeneidade social, num saber sa-
ber-estar com o outro, conforme Caria (2005). É o que se observa nas falas
das egressas, para as quais o trabalho pressupõe ação coletiva na solução de
problemas, evidenciando que o prossional vai se constituindo também
nas relações, ultrapassando o limite do domínio de um saber técnico da
sua área de formação, abrangendo também uma imersão com os demais
sujeitos do espaço de trabalho.
[...] Olha aí, a gente vai pro coletivo, né? Porque a gente entra e tem
que ter é dialogo, a gente começa o diálogo o que a gente vai fazer,
como a gente vai resolver aquele problema, aí eu corro, eu vou pro
coletivo [...] (Entrevistada Egressa 1).
[...] no trabalho, graças a Deus, eu me dou com todo mundo, não
tem esse tipo de problema, me dou bem com todos eles, todos os
professores, total o grupo da escola. Assim, consigo porque a gente
conversa, né? (Entrevistada Egressa 2).
Como podemos notar, esses saberes e essas experiências que as egres-
sas relatam estão carregadas de valores, de contribuições e de um conheci-
mento que as tornam mais humanas para mediar o processo do trabalho.
É dessa maneira que a ergologia rearma
Henrique Tahan Novaes, Domingos Leite Lima Filho e José Deribaldo Gomes dos Santos (Org.)
312
[...] o papel fundamental exercido por aqueles que trabalham, ao
evidenciar que, mesmo que as inuências externas não possam
ser consideradas, cada prossional irá situar as regras que se
encontram denidas no contexto que vivenciam mais diretamente,
promovendo ajustes, bem como reorientações, em consonância com
as exigências do meio e também com as suas próprias percepções
(Aranha; Daniel, 1977, p. 55).
São dessas manifestações humanizantes e mediadas pelo trabalhador
que o saber e as experiências na atividade humana vão se constituindo, em
encontros, debates que forjam também o sujeito prossional em TAE, pois
a atividade é sempre “[...] lugar de debates com resultados incertos entre as
normas antecedentes enraizadas nos meios de vida e as tendências a renor-
malizações resingularizadas pelos seres humanos” (Schwartz, 2005, p. 64)
ressaltando que toda atividade laboral é constituída de uma singularidade
com sujeitos que também apresentam suas singularidades. Tudo isso susci-
tando novos debates que remetem às normas e às renormalizações.
Para trabalhar, é necessário que haja um prescrito, um conjunto –
de objetivos, de procedimentos, de regras – relativo aos resultados
esperados e à maneira de obtê-los. Quem prescreve? Em termos
mais gerais, é a sociedade quem prescreve. Neste sentido, a
nalidade do trabalho é exterior ao homem tomado enquanto
indivíduo isolado: a atividade de trabalho é, de imediato, social. Ela
permite a cada um se produzir como ser social, mas este processo
não resulta de uma simples aplicação do prescrito. A situação real
é sempre diferente daquilo que foi antecipado pelo prescrito. Estas
diferenças entre o que te é demandado e o que se passa na realidade
devem ser geridas. E estas distâncias são irredutíveis: irredutíveis!
(Duraourg, 2010, p. 68).
Com base no disposto por Duraourg (2010) e na fala da Profa. BT
citada a seguir, podemos entender que os processos de renormatizações dos
saberes prossionais da formação implicam também o preenchimento de
conhecimentos não previstos na formação, como a capacidade de mediar
conitos no trabalho desenvolvida pelas egressas pesquisadas, posto que,
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas - vol. 3
313
conforme a Profa. BT, embora a formação tenha mobilizado conhecimen-
tos para atuar no campo da prossão, muitas vezes esses conhecimentos -
caram circunscritos ao saber técnico na área da produção, do planejamento
e da organização alimentar. Ou seja, o foco da formação acabava cando
na tecnicidade, embora com ações de favorecimento de uma autonomia.
Mas a fala abaixo evidencia que o desenvolvimento da capacidade de me-
diação de conitos é um imprevisto no trabalho que possibilita a elabora-
ção de um saber, que passa a constituir também o prossional.
Eles aprendem é o conceito daquela disciplina do curso, de todo
curso, que eles têm que é da disciplina que move todo curso,
por exemplo, na alimentação escolar, eles vão adquirir todo o
conhecimento técnico que o eixo pedagógico exige para eles
poderem atuar, então eles além de terem conhecimento técnico de
produção alimentar, eles tem conhecimento técnico de atuar no
planejamento organizando essa alimentação dentro do ambiente
escolar, estimulando o aluno pra que ele possa, considerar essa
alimentação nutritiva e estimular esse aluno que vai consumir essa
alimentação, colocando os porquês dessa alimentação estar dentro
do ambiente escolar. Então, eles saem com a formação técnica
completa (Entrevistada Profa. BT, 2019).
Nesse sentido, de acordo com a Profa. BT, os saberes dos egressos
TAE são resultados dialéticos do processo metódico que foi substancia-
do epistemologicamente por meio de conceito adquirido na disciplina de
sua formação inicial, dando-lhe base formativa para compreender o que
é inerente ao curso, como: produção alimentar, atuação no planejamen-
to organizado da alimentação no ambiente escolar estimulando o aluno a
consumir alimentação nutritiva, mas também resultante dos imprevistos
no trabalho, que mobilizam a criação de novos saberes.
Analisando a fala da Profa. BT, observamos que, na realidade, isso
tudo não é possível se materializar, muitas vezes, no espaço de trabalho,
pois, de acordo com o depoimento da Egressa 2, apenas em parte é possível
concretizar o trabalho técnico, “por causa de que quando não tem me-
renda, aí somos chamadas para ver o que vamos fazer, e às vezes não tem
Henrique Tahan Novaes, Domingos Leite Lima Filho e José Deribaldo Gomes dos Santos (Org.)
314
nada [...]”. Isso é, a constituição do ser social prossional de técnico em
alimentação escolar, a partir de seus espaços de trabalho, também decorre
de um processo de negação, de renormatização, ou de recontextualização
de saberes prescritos, quando os sujeitos constatam a impossibilidade de
desenvolvê-los, embora manifestem conhecimento, quando dadas as con-
dições objetivas.
A partir das falas, tomamos como referência a ergologia que tem
como base os saberes no trabalho. Para ela há saberes “[...] produzidos
(relativamente) em aderência à experiência e os saberes produzidos (relati-
vamente) em desaderência”, sendo que “[...] estes últimos constituem o co-
nhecimento prévio do trabalho em geral – tanto cientíco quanto pessoal
do trabalhador – sendo, portanto, saberes que se produziram no encontro
com situações variáveis” (Fischer; Franzoi, 2018, p. 209). Há, assim, um
saber em aderência que, no caso dos sujeitos pesquisados, se caracteriza
por um conhecimento marcado pela impossibilidade de se trabalhar no
contexto de trabalho por eles experienciado, atualizando conhecimentos
técnicos, dadas as condições objetivas da realidade em que se encontram.
Logo, saberes experienciais, aderentes são desenvolvidos pelas egressas, face
à negação de operacionalização dos saberes prescritos do tipo técnico.
Dessa maneira, podemos entender o saber do trabalho como aquele
mobilizado, modicado, ou criado em situação de trabalho, situando-se,
portanto, no polo da experiência de trabalho, de acordo com Fischer e
Franzoi (2018, p. 209). Conforme se verica nas falas das egressas a se-
guir, o “saber do trabalho” se situa no polo das experiências de trabalho,
onde se ampliam os conhecimentos formativos de base técnica oriundos
do curso realizado. São saberes que o prossional pode recontextualizar
não somente em atividades práticas operacionais, mas também enquanto
saberes prescritivos para outros sujeitos do ambiente escolar, como quando
a prossional orienta as crianças sobre questões alimentares.
É aquilo que eu já falei professora, é que nós aprendemos lá,
aprendemos muito de educação nutricional, e isso eu trabalho lá na
escola e trabalho a parte da educação nutricional. Eu converso com
as crianças e eu tenho assim, a minha, tenho muita afetividade com
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas - vol. 3
315
as crianças, eu Deus o livre comigo lá, aí eu trabalho com eles porque
lá na minha escola eles vendem muitos salgados, aí eu falo pra eles que
aquilo não é bom, que eu estou trabalhando a parte nutricional deles.
Agora, é um desao, porque muita coisa não aprendemos na escola
relacionado com o curso. Cada professor falava sua língua. Quem
fazia sempre relação era o professor de Biologia, aí sempre tinha
um pouco de relação. Outros trabalhavam como Geograa normal,
Matemática também (Entrevistada Egressa 1).
Trabalhado com o reaproveitamento de alimentos, né! Foi uma
série de coisas mesmo (Entrevistada Egressa 2).
Nessa relação com o saber, ressalta Fischer e Franzoi (2018, p. 212),
são imprescindíveis a experiência e o saber do trabalho. Nessa direção,
é preciso captar os processos prescrito e renormatizado implicados na
produção e na reprodução dos egressos TAE. São processos nos quais
o prossional recontextualiza a formação recebida, manifestando, na
organização dos alimentos, um processo de fortalecimento também
da identidade prossional, dado o reconhecimento da escola quanto à
atividade desenvolvida – colocar placas para a organização dos alimentos
é um exemplo, outro, é a prossional atualizar o conhecimento prescrito
sobre higienização do espaço de trabalho com a troca de materiais antigos,
desenvolvendo certa autonomia quanto à gestão do espaço.
Foi quando eu fui trabalhar na parte de organização da merenda, aí
quando chego porque quando eu estou, eu aprendi que tinha que
fazer as plaquinhas em cada alimento, que tinha que organizar o
alimento, tinha que colocar as plaquinhas com data de validade, aí
quando vence a data de fabricação, a data que vence, né? Tudinho!
O lote eu tinha que colocar e eu cheguei lá eu não esperei que
ninguém me falasse para fazer aquilo, aí eu faço, tanto que foi a
primeira escola que quando eles chegaram eles viram que tinha
feito foi lá. [...] Eu muita coisa já sabia, aí tanto é que eu já fazia,
eu já estava fazendo o que eles ensinavam lá, eu estava fazendo na
escola, então isso contribuiu na parte de organização (Entrevistada
Egressa 1).
Henrique Tahan Novaes, Domingos Leite Lima Filho e José Deribaldo Gomes dos Santos (Org.)
316
É no coletivo por causa de que tem, eu que faço a merenda, agora
eu faço a merenda porque não tem manipulador na escola e os
funcionários são poucos aí, ca a menina que me ajuda lá, me ajuda
no trabalho e fazemos nós duas, eu e a menina. Na cozinha, a gente
tem autonomia com as coisas, que tivemos que trocar. Eu troquei
os copos, os pratos, as colheres tudinho, são novas. Agora, eu falei
pra diretora dar um jeito de trocar porque estava muito antigo,
muita coisa eu troquei. Na questão da conservação da merenda eu
consegui, na dispensa tem tudinho coisas de merenda, está com
ventilação também que não tinha, né? (Entrevistada Egressa 2).
As experiências incorporadas ao corpo-si são mobilizadas na atividade
humana de trabalho. Igualmente, a ergologia rearma o papel fundamental
exercido por aqueles que trabalham, no caso aqui estudado os egressos
TAE, ao evidenciar que, mesmo que as inuências externas não possam ser
desconsideradas, cada ação irá situar as regras que se encontram denidas
no contexto que vivenciam mais diretamente, promovendo ajustes, bem
como reorientações, em consonância com as exigências do meio e também
com as suas próprias percepções.
Com base em Schwartz (2000), entendemos que, nas atividades de
trabalho, podemos compreender como os sujeitos se contrapõem a normas,
no sentido de nelas imprimir seus valores e suas regras, reorganizando-as
de modo a atender às necessidades do trabalho real, como o observado nas
ações empreendidas pelas egressas que fogem ao prescrito na formação, ou
que a ele seguem com alterações, dadas as condições objetivas de trabalho.
É o caso, por exemplo, da proposta de criação de hortas, como o curso pre-
ceituava, embora, muitas vezes, essa operacionalização não possa ser feita
em virtude da falta de recurso, como expõe a Egressa 1:
[...] lá onde eu trabalho eu tenho tomada de decisão, eu tenho
algumas novas ideias, só que elas não são aceitas, aí quando eu
coloco uma ideia minha nova que é relacionada com o que eu
aprendi, e o que acontece o diretor, ele acha que lá o centro é ele,
aí só que vale, tanto é que eu z, ele fez um projeto pra mim, na
agricultura que eu queria colocar uma horta lá na escola, que nós
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas - vol. 3
317
temos espaço, aí eu levei lá pro secretário, fui lá com ele, eles foram
lá, os técnicos de agricultura foram lá ver o local, aí eu falei com ele:
‘Diretor bora fazer a horta, porque tem espaço, né? Bora trabalhar?’
Aí ele falou: ‘Tá’. Aí eles foram lá, olha, aí o que ele me falou, me
deu de resposta: ‘Olha dona Fulana a gente não tem dinheiro pra
gente fazer essas coisas’. Aí, quer dizer, co de mão atada.
Nas falas da egressa percebemos que, no interior da atividade de
trabalho e das condições que a cercam, os trabalhadores encontram possi-
bilidades de gestão diferenciada de si mesmos, o que não os eximem de um
esforço em relação à capacidade industriosa da atividade de trabalho, mas
permitem uma autonomia frente às tarefas executadas, mesmo que suas
operacionalizações sejam vedadas pelas ausências do estado na viabilização
de condições para o trabalho do TAE. Todavia, mesmo assim, há espaço
para uma gestão diferenciada:
[...] no interior das coerções materiais e sociais e trabalhando-as,
se abre espaço para uma gestão diferenciada de si mesmo. Carga
de trabalho, fadiga deixam de ser dados objetivos que agridem
do exterior o indivíduo; eles se negociam em uma alquimia sutil
onde tudo depende da maneira pela qual o indivíduo, nas suas
virtualidades singulares e seus limites, encontra o objetivo a realizar
como ponto de apoio, ao contrário, como restrição de seus possíveis
particulares (Schwartz, 2000, p. 37).
Assim, apreender as contradições dos espaços de trabalho na atua-
lidade, a partir da totalidade dos processos de trabalhos que agregam as
atividades dos egressos TAE permite compreender a experiência de classe
que emerge nesses espaços e as possibilidades de formação no âmbito do
capital e para além dele. Portanto, cada egresso TAE, nos seus relatos de ex-
periências no cotidiano de trabalho, encontra-se com as regras denidas no
contexto que vivencia mais diretamente, promovendo ajustes, bem como
reorientações, em consonância com as exigências do meio e também com
as suas próprias percepções. Portanto, sempre será necessário gestar as im-
previsibilidades de acordo com cada contexto de atuação, ou seja, o sujeito
Henrique Tahan Novaes, Domingos Leite Lima Filho e José Deribaldo Gomes dos Santos (Org.)
318
precisará fazer uso de si, o que nem sempre é fácil para o trabalhador, pois
há imprevistos no trabalho que não dependem somente de um saber-fazer,
mas de uma unidade saber-fazer-condições de fazer que ultrapassa os limi-
tes do ser social egresso TAE. Como diz a Egressa 1:
muitas coisas do que eu estudei não posso colocar em prática
porque falta material, falta de [...] como é que eu posso dizer, é falta
de instrumentos da área, que a gente não tem um material, a gente
vai fazendo com o que tem, né? Mas falta muita coisa pra elaborar
o trabalho da gente com clareza, né? Porque está faltando muito
material na escola, a gente não tem material suciente, louça, o
copo das crianças, a gente que não tem porque o nosso curso dizia
que se a gente tem 300 alunos, a gente tem que ter 300 copos pra
que a gente não venha repetir esse copo, lava e entrega logo pro
outro, tem que higienizar bem pra poder entregar pra outro, só
que lá não acontece porque falta material. [...] A parte nanceira. A
escola, ela não recebe recurso, dois, três anos ela não recebe recurso
nem um, aí as vezes a gente que inova, quer fazer alguma coisa, nós,
a gente, não tem recuso nanceiro.
Na fala da Egressa 1, compreendemos que nem toda situação de
trabalho pode ser prevista. São situações de trabalho que as normas ante-
cedentes que são propostas ao ser humano precisam ser (re)interpretadas.
Logo, embora essas elaborações realizem uma primeira antecipação dos
eventos, elas serão retrabalhadas na atividade pelos indivíduos (Aranha;
Daniel, 1977, p. 40). Nesse sentido, esses autores enfatizam ainda que
as normas antecedentes são elementos que estarão sempre presentes
quando da efetivação das atividades de trabalho. Esclarece Schwartz
(2011) que essas produções são criadas na e pela história humana,
sendo, portanto, um patrimônio universal. Nessa medida, tais
normas constituem um legado que serve de importante referência
no trabalho, posto que expressam, dentre outros, saberes que foram
‘relativamente estabilizados’.
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas - vol. 3
319
Isso posto, o que observamos é que nos processos de recontextuali-
zação de normas, prescrições, dialeticamente, há possibilidade de realiza-
ção, pois estão no campo do sujeito, de sua ação. Entretanto, mesmo não
havendo as condições objetivas necessárias para sua realização prática, não
signica que o saber necessário não será atualizado pelas prossionais.
Outrossim, nossa pesquisa mostra que a formação das técnicas em
Alimentação Escolar teve seus desaos, mediante um processo aligeirado
na modalidade PROEJA, mas que ainda assim permitiu às egressas conse-
guiram, para além do que estava prescrito no curso, desenvolver, nos seus
espaços de trabalhos, suas atividades com inventividade e com certa auto-
nomia, dadas as possibilidades de as atividades serem realizadas ou não,
como bem relatam:
eu tenho autonomia, eu quero fazer uma coisa nova, o que
acontece quando falta uma verdura, um tempero, o que a gente
faz? Gente faz uma coleta e vai comprar, esse é o maior desao. Eu
trabalho tudo isso. Tem a dispensa, lá, eu pedi pra fazerem porque
não tinha a prateleira, né? No curso dizia que ter a prateleira com
as divisões, né? Aí lá vai pedir pra diretora, foi na gestão passada,
aí eu pedi pra diretora mandar fazer, ela mandou fazer, no
primeiro ano que eu trabalhei logo ela mandou fazer, eu tenho as
prateleiras, eu arrumo tudo direitinho, cada coisa no seu lugar, as
louças tem as prateleiras também, tem o armário. Olha aí, a gente
vai pro coletivo, né? Porque a gente entra e tem que ter é diálogo,
a gente começa o diálogo o que a gente vai fazer, como a gente vai
resolver aquele problema, aí eu corro, eu vou pro coletivo. Como
foi o caso do fogão da escola, ele estava todo quebrado, aí eu pedi
e nada de resposta. Aí eu fui com a Coordenadora do Conselho
da Merenda Municipal, né? Aí eu falei pra ele que eu precisava
desse fogão, aí eu conseguir um fogão novo. Assim, quando
acontece outras coisas como falta de ingredientes para completar
a merenda, às vezes a gente vai e compra, quando falta, porque
falta muita verdura, aí, eles não entregam, eu tenho tomada de
decisão, eu tenho autonomia, porque quando falta aí eu faço um
documento e entrego pro diretor, aí você resolve lá, porque não
é isso, isso é isso. Aí ele pega, ele bota o documento quando ele
vai prestar conta ele grampeia é, eu faço isso, né? Aí então ele,
Henrique Tahan Novaes, Domingos Leite Lima Filho e José Deribaldo Gomes dos Santos (Org.)
320
quando faltam as coisa, ele compra com o dinheiro dele mesmo.
Uma coisa é certa, na escola, tu não está só, embora algumas
decisões eu tenha que falar pras meninas que quem trabalha com
o técnico tem que ser assim, tem que se impor um pouco porque
senão, aí o que a gente estudou vai embora, aí a gente tem que se
impor porque quando assim, eu encontrei muita diculdade em
relação a isso. Aí a partir do momento que comecei a me impor,
eu estudei, eu tenho que colocar isso em prática que vai ser. Aí a
coisa funciona (Entrevistada Egressa 1).
Frente ao exposto, há a necessidade de preparar o prossional para
o mundo do trabalho, mas sempre tendo como premissa que esse pros-
sional deve estar preparado para as mudanças advindas da introdução das
novas tecnologias nos processos produtivos e para a necessidade constante
de atualização por parte dele. No caso das trabalhadoras estudadas, há a ne-
cessidade de uma preparação para as situações adversas do trabalho, como
podemos notar nas suas falas, dados os desaos que enfrentam no dia a dia
do processo de trabalho, como falta de estrutura para a realização da me-
renda escolar, falta de material apropriado para o trabalho, falta de recursos
nanceiros e de reconhecimento da prossão, além da preparação de um
saber-fazer que pressupõe o reconhecimento também de sua capacidade
de gestão, como evidenciamos nos saberes atualizados pelas prossionais
quanto à cobrança de condições de trabalho e para a implementação de
projetos de horta.
consIderações fInaIs
Nesta investigação, consideramos o trabalho de Técnicas em
Alimentação Escolar (TAE) no espaço laboral por elas vivido e ao qual
estão submetidas, a partir das normas prescritas no curso TAE. Percebemos
que a experiência lhes possibilitou, dialeticamente, a inventividade, a trans-
gressão do status quo de normatização do trabalho, por meio de renorma-
tizações de processos de trabalho. Entendemos, assim, que a formação em
TAE oportunizou, com contradições, processos de recontextualização de
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas - vol. 3
321
saberes e de criação de outros, previstos no cotidiano do trabalho vivido.
Também observamos que a formação prescrita, muito ligada à questão
técnica, não se articulou a aspectos amplos da educação brasileira, conside-
rando os locais de atuação das prossionais, onde, não raro, faltam equi-
pamentos e investimentos, de modo que as variáveis de trabalho previstas
em ambiente escolar, nem sempre encontram condições adequadas para se
desenvolverem em ambientes de trabalho das prossional em TAE.
Nossas análises indicam ainda que a formação de base cientíca for-
nece condições necessárias para processos de inventividade em atividades
de trabalho, opondo-se à tese de que somente a experiência de per si pode
dar conta de constituir o ser social prossional técnico em alimentação
escolar. Ou seja, se há inovações é porque há um conhecimento cientíco-
escolar integrado às experiências de trabalho permitindo dar conta das
necessidades laborais.
Também ressaltamos que os processos de integração de saberes pres-
supõem formação docente nessa perspectiva, de modo que possam se cons-
tituir em ação ampla no universo formativo e não somente a partir de
experiências, embora exitosas, de um trabalho docente individual, que se
constituam em ação coletiva no trabalho docente, a partir do prescrito nos
documentos pedagógicos das escolas.
A perspectiva de formação integrada, contudo, opõe-se à integração
de base da pedagogia das competências por indicar a necessidade de for-
mação ampla para as juventudes, em oposição ao pragmatismo e ao ime-
diatismo de uma formação para atender somente o aspecto funcionalista
do cotidiano de trabalho.
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13
A pedagogia da alternância no
curso técnico em agroindústria do
IFPA
Andreia do Nascimento Lima
Introdução
A educação é um direito social de todos os brasileiros, independen-
temente de localização ou status social. No entanto, a educação brasileira
se apresenta historicamente sem equidade, não respeitando a origem, os
espaços ocupados e a cultura dos povos.
Diante desse cenário, a luta por uma educação pública básica, su-
perior, continuada e de qualidade tem sido um desao que desencadeou
debates nos movimentos sociais para atender a esse direito social dos povos
do campo.
https://doi.org/10.36311/2024.978-65-5954-526-1.p325-352
Henrique Tahan Novaes, Domingos Leite Lima Filho e José Deribaldo Gomes dos Santos (Org.)
326
A Educação do Campo nasceu como uma crítica à educação brasi-
leira, em especial à situação educacional das pessoas que trabalham e vivem
no/do campo. Surgiu para romper com a ideia de Educação Rural, com
a concepção de escolarização como um instrumento de adaptação do ser
humano ao produtivismo e à idealização de um mundo de trabalho urbano
(Caldart, 2009, 2012).
Ela se fundamenta em uma concepção de currículo que parte da re-
alidade do campo em que os estudantes estão inseridos, considerando suas
culturas. Essa concepção se contrapõe à educação rural que se materializa
no currículo e no calendário escolar padronizado, assim como no funcio-
namento da escola baseada no modelo tradicional/tecnicista.
A pedagogia da alternância tem se destacado como um dos exemplos
mais relevantes da Educação do Campo. Envolve muito mais do que um
método, pois estabelece relações com a comunidade à qual os estudantes
estão inseridos e engloba a sociedade como um todo.
De acordo com Lima, Freitas e Cardoso (2023) a educação do cam-
po na região Sudeste do Pará é fruto de um processo histórico de lutas,
desaos, reexões e diálogos entre os povos do campo, movimentos sociais,
comunidade civil organizada e instituições públicas governamentais. As
primeiras experiências de formação voltadas, especicamente, para agri-
cultores e agricultoras na região se deram no nal dos anos de 1980
com a Escola Família Agrícola e no nal dos anos de 1990 com os curso
do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (PRONERA),
fundamentados nos princípios da pedagogia da alternância e em 2007 em
um contexto de materialização de experiências da educação do campo na
região foi criada a Escola Agrotécnica Federal de Marabá, uma institui-
ção de ensino pública federal fundamentada na concepção de educação do
campo, agroecologia e alternância pedagógica, marcando um momento de
institucionalização das propostas de educação do campo.
Em 2008, por meio da lei nº 11.892 de 29 de dezembro, o gover-
no federal, através do Ministério da Educação, estabeleceu a criação da
Rede Federal de Educação Prossional, Cientíca e Tecnológica, dando
origem aos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia, incluin-
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas - vol. 3
327
do o Instituto Federal Educação, Ciência e Tecnologia do Pará - IFPA
(Brasil, 2008). O IFPA foi formado pela integração do Centro Federal
de Educação Tecnológica do Pará - CEFET e das Escolas Agrotécnicas
Federais de Castanhal e de Marabá. Ele é composto por 18 campi dis-
tribuídos nas seguintes cidades: Belém, Ananindeua, Castanhal, Cametá,
Santarém, Altamira, Itaituba, Conceição do Araguaia, Parauapebas,
Tucuruí, Abaetetuba, Bragança, Paragominas, Breves, Óbidos, Vigia,
Marabá, além de uma unidade da Reitoria em Belém/PA. No município
de Marabá, o instituto possui dois campi: Marabá Industrial e Marabá
Rural - CRMB.
O CRMB é uma instituição de ensino que se destaca por sua identi-
dade e compromisso com a Educação do Campo, foi criado a partir de um
processo histórico de luta e enfrentamento dos camponeses e movimentos
sociais da região Sudeste do Pará, que reivindicavam a criação de uma
instituição de ensino que atendesse às necessidades especícas de formação
para os povos do campo. Está situado no Projeto de Assentamento 26 de
Março do Instituto de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), a 28 km
da cidade de Marabá, na mesorregião do Sudeste do Pará. Sua localização é
na BR 155 (antiga PA 150), no sentido de Eldorado dos Carajás, próximo
à vila Sororó.
A missão do Campus Marabá Rural é promover a Formação
Prossional, Tecnológica e Superior direcionada aos povos do campo que
organizam o território do sudeste do Pará1 para a produção de sua própria
existência. Esses povos incluem agricultores familiares, camponeses, agro-
extrativistas, quilombolas, indígenas, pescadores artesanais e ribeirinhos.
O objetivo é buscar harmonia com a consolidação e o fortalecimento das
potencialidades sociais, ambientais, culturais e econômicas dos arranjos
produtivos locais e regionais. A metodologia de ensino adotada na institui-
ção é a pedagogia da alternância em todos os cursos (IFPA, 2017).
Região de abrangência do Campus Rural de Marabá, os municípios Abel Figueiredo, Bom Jesus do
Tocantins, Brejo Grande do Araguaia, Eldorado dos Carajás, Itupiranga, Jacundá, Marabá, Nova Ipixuna,
Palestina do Pará, Piçarra, Rondon do Pará, São Domingos do Araguaia, São Geraldo do Araguaia e São
João do Araguaia (IFPA, 2015c).
Henrique Tahan Novaes, Domingos Leite Lima Filho e José Deribaldo Gomes dos Santos (Org.)
328
Nesta pesquisa a proposta é investigar o Curso Técnico de Agroindústria
do Instituto Federal do Pará-Campus Marabá Rural (IFPA CRMB), com o
objetivo de analisar o referido curso desde os fundamentos de sua criação até
reetir sobre os pressupostos teórico metodológicos da pedagogia da alter-
nância presentes no Projeto Político Pedagógico do Curso.
Para atender a proposta da pesquisa, foram adotados procedimentos
que incluíram a pesquisa bibliográca sobre o tema em questão, a pesquisa
documental e a pesquisa empírica.
A pesquisa bibliográca envolveu a busca por teses e dissertações
produzidas nos programas de pós-graduação, utilizando o Catálogo de
Teses e Dissertações da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de
Nível Superior (CAPES), e o portal de periódicos da CAPES. Também
foram consultados livros sobre as origens da pedagogia da alternância na
França e no Brasil.
A pesquisa documental, envolveu a análise de documentos como as
atas de reuniões do Conselho Diretor do Campus (CONDIR); o Projeto
Político do Curso Técnico em Agroindústria, bem como resoluções e por-
tarias relacionadas à criação do curso.
Na pesquisa empírica foram realizadas entrevistas semiestruturadas
a m de analisar os fundamentos de criação do curso técnico em agroin-
dústria do Instituto Federal do Pará – Campus Marabá Rural e a percepção
sobre a Pedagogia da alternância.
Os sujeitos em foco das entrevistas foram os envolvidos na implanta-
ção desse curso no IFPA CRMB: dois docentes que compuseram o primeiro
Núcleo Docente Estruturante do curso e duas representantes do Movimento
dos Trabalhadores Rurais Sem Terra - MST que demandou o curso.
O capítulo foi estruturado da seguinte forma. A primeira seção abor-
da a contextualização histórica da pedagogia da alternância, uma meto-
dologia que teve suas primeiras iniciativas na década de 1930 na França,
com as “Maison Familiales Rurales”, lideradas pelo sacerdote francês Abbé
Pierre-Joseph Granereau, em seguida, é descrito como a experiência da
pedagogia da alternância foi implementada no Brasil na década de 1960,
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas - vol. 3
329
inicialmente no estado do Espírito Santo, com a fundação do Movimento
Educacional e Promocional do Espírito Santo (MEPES). A segunda se-
ção traz a narrativa da criação do curso, oriundo de uma demanda do
Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) no Conselho Diretor do
CRMB. A terceira seção analisa os princípios da pedagogia da alternância
à luz do projeto político pedagógico do curso.
contextualIzação hIstórIca da PedagogIa da alternâncIa
A pedagogia da alternância surgiu na França no início do século XX,
respondendo à necessidade de uma educação que pudesse atender as ne-
cessidades de vida e de produção dos jovens rurais que não via sentido em
frequentar a escola, por não ter qualquer relação com a vida no campo. Foi
desenvolvida pelo sacerdote francês Abbé Pierre-Joseph Granereau. Filho de
agricultores e militante do sindicalismo camponês, fundou a primeira Casa
Familiar Rural em regime de alternância em 1935. Esse modelo buscou in-
tegrar de forma orgânica e pedagógica o ambiente escolar com o extracur-
ricular. O sacerdote dedicou muitos anos de sua vida na luta para criar e
aprimorar uma escola rural própria, que proporcionasse formação moral e
técnica. Seu objetivo era capacitar líderes camponeses capazes de promover
o desenvolvimento sustentável nas comunidades rurais (Granereau, 2020).
Segundo Granereau (2020)2, a situação da educação dos campone-
ses na França durante o período em que ele iniciou o projeto de educação
diferenciada era de completo abandono. O Estado considerava o ambiente
rural como ultrapassado e atrasado, oferecendo apenas escolas de baixa
qualidade que promoviam os valores urbanos. Isso levava os lhos dos
camponeses a serem afastados do campo e incentivados a buscar funções
urbanas. Compreendendo que essa mudança os afastava da realidade fami-
liar rural e da cultura que os cercava até então, resultando frequentemente
na diculdade de retorno à vida rural, o sacerdote transformou sua casa
paroquial em uma escola em 21 de novembro de 1935. Ele ministrava
O Livro de Lauzun: onde começou a pedagogia da alternância é visto como um diário vivo de Abbé Pierre-
Joseph Granereau, sacerdote fundador da pedagogia da alternância.
Henrique Tahan Novaes, Domingos Leite Lima Filho e José Deribaldo Gomes dos Santos (Org.)
330
aulas em período integral durante oito dias consecutivos, em regime de in-
ternato, com a ajuda de um professor. Nos outros dias do mês (ou seja, três
semanas), os educandos eram enviados de volta para suas casas. Esse mo-
delo adaptava o calendário escolar ao ritmo da atividade agrícola, permi-
tindo que os jovens permanecessem em suas comunidades e continuassem
a ajudar suas famílias na lida diária com a terra. Essa primeira experiência,
ainda sem nome, originou-se em 1937 como a Maison Familiale Rurale
(MFR), ou Casa Familiar Rural (CFR).
Essa nova proposta pedagógica, fundamentada em concepções que
reconhecem a realidade dos agricultores e agricultoras, é embasada nos
relatos do livro de Lauzun e sistematizada por Nascimento (2005), que
destaca cinco principais características:
Primeiro: Responsabilidade familiar na gestão por meio da criação
da Associação e do Conselho Administrativo onde participam pais
e alunos e representantes dos prossionais ligados a agricultura.
Segundo: A Alternância entre a vida sócio-prossional (família) e
as MFRs (escola) onde o jovem recebe toda a formação.
Terceiro: A experiência de vida coletiva em pequenos grupos a partir
do regime de Internatos. É uma experiência de responsabilidade
social, de prestação de serviços e de manutenção da casa.
Quarto: Formadores que trabalham em equipe, denominados
posteriormente de Monitores. Atuam de forma coesa com o
Conselho Administrativo da Associação.
Quinto: A Pedagogia apropriada e que se adapte a realidade
concreta dos agricultores. Na verdade, a pedagogia deve associar
a realidade dos educandos/as com a teoria a ser estudada. Para
isso, utiliza-se de instrumentos pedagógicos apropriados como o
Caderno da Propriedade e do Plano de Estudo. Percebe-se aqui a
necessidade de um currículo voltado para as realidades especícas
dos agricultores/as. (Nascimento, 2005, p. 36-37)
A partir da experiência de Lauzun, surgiram novas iniciativas e esta-
beleceram-se novas MFRs. De acordo com Nascimento (2005), a expan-
são das MFRs ocorreu em dois períodos distintos. O primeiro foi de 1935
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas - vol. 3
331
a 1944, marcado pela implantação das primeiras casas. O segundo período
abrangeu de 1945 a 1960, caracterizado pelo surgimento de uma orga-
nização nacional das MFRs. Esse período foi marcado pela crise interna
do movimento, durante o qual os pais dos jovens agricultores assumiram
cada vez mais responsabilidades que antes eram do Padre Abbé Granereau.
Ele administrava o movimento com uma concepção de educação fechada
e restrita. O maior envolvimento dos pais e o afastamento do sacerdote
resultaram em maior autonomia das MFRs. Até os anos de 1944 e 1945,
já existiam cerca de 20 MFRs na França. A partir de 1945, com o afasta-
mento do Padre Granereau, ocorreu uma reestruturação do movimento,
resultando em uma nova concepção administrativa e pedagógica.
Nosella (2014) destaca que uma ação importante durante essa rees-
truturação foi a contratação de técnicos em pedagogia, que começaram a
estudar e sistematizar a pedagogia da alternância. Eles utilizaram noções
de outras escolas pedagógicas, proporcionando ao movimento um quadro
teórico e técnico mais rico e cientíco, saindo da mera intuição e improvi-
sação, o que proporcionou a maior expansão das Maisons Familiale, indo
de cerca de 30 para 500 unidades.
A partir da década de 1960, os Centros Familiares de Formação por
Alternância (CEFFAs) se estabeleceram em outros países. Em cada locali-
dade onde a experiência do uso da pedagogia da alternância foi realizada,
foram realizadas adaptações a essa metodologia pedagógica, considerando
as especicidades dos locais.
O primeiro país a receber a experiência da pedagogia da alternância
foi a Itália, onde as Maison Familiale passaram a se chamar Scuola della
Famiglia Rurale, abreviando para “scuola-famiglia”, e surgiu de iniciativas
de homens políticos apoiados pela Igreja, em um momento que o país es-
tava se recuperando após a guerra e buscava reconstruir a sociedade italiana
com uma abordagem de formação e cooperação (Nosella, 2014).
Outro continente de grande relevância no uso da experiência com
a pedagogia da alternância é a África. De acordo com Nosella (2014), a
experiência da pedagogia da alternância nesse continente funcionou como
uma forma de extensão rural das comunidades.
Henrique Tahan Novaes, Domingos Leite Lima Filho e José Deribaldo Gomes dos Santos (Org.)
332
Na América Latina, as experiências das casas familiares foram intro-
duzidas na Argentina e no Brasil no mesmo período, na década de 1960, e
mantiveram sempre um intenso intercâmbio. Ambos foram inspirados no
modelo italiano, que por sua vez se baseou no francês, sendo adaptados às
características locais.
De acordo com Nascimento (2005) e Nosella (2014), no Brasil, a
primeira experiência de pedagogia da alternância com o nome de Escola
Família Agrícola (EFA) surgiu em 25 de abril de 1968 através da fundação
do Movimento Educacional e Promocional do Espírito Santo (MEPES),
incentivada por um representante da Igreja, o Padre Humberto Pietogrande.
O uso da pedagogia da alternância surge no Brasil como uma pos-
sibilidade para uma educação adaptada às necessidades sociais e históricas
dos camponeses, com o propósito de reduzir o êxodo rural, desenvolver o
campo e superar as condições de abandono e pobreza existentes. Essa abor-
dagem busca promover uma formação conscientizadora dos jovens e suas
famílias, integrada às comunidades em que vivem (Nascimento, 2005).
No estado do Pará de acordo com Scalabrin (2008) na década de
90 na região da transamazônica iniciou-se estudos e pesquisas sobre ex-
periências internacionais fundamentadas nos princípios da Pedagogia da
Alternância na busca de um modelo para educação no meio rural daquela
região, e que esse processo organizativo contou com a participação dos
movimentos sociais da região, principalmente sindicatos de trabalhadores/
as rurais e como consequência resultou na criação da Associação das Casas
Familiares Rurais (CFRs) Norte-Nordeste e três associações de CFRs nos
municípios de Medicilância em 1994, Pacajá em 1998 e Uruará em 1999.
Levando em consideração a diversidade brasileira, assim como a
pedagogia da alternância se adaptou às diferentes localidades nos outros
países, no Brasil ela também se ajustou às particularidades de diferentes es-
tados, sem comprometer os princípios fundamentais que a orientam. Isso
torna a pedagogia da alternância uma característica pedagógica relevante
para a educação do campo, como veremos na próxima seção.
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas - vol. 3
333
Projeto de aPoIo ao desenvolvImento da agrIcultura famIlIar do
sudeste do Pará: crIação do curso técnIco em agroIndústrIa
De acordo com IFPA (2017) a educação deve ser construída com
base nas percepções e intencionalidades dos trabalhadores e trabalhadoras
do campo, como protagonistas da história e sujeitos da ação pedagógica. Por
isso, no CRMB, a participação, a integração e o diálogo dos representantes
dos movimentos sociais têm o Conselho Diretor (CONDIR) como espaço
democrático e impulsionador da discussão pela necessidade de ampliação dos
cursos na instituição, na perspectiva do desenvolvimento rural sustentável.
O Conselho Diretor (CONDIR) é o órgão consultivo máximo do
Campus, representando uma conquista da sociedade civil organizada para
garantir sua voz dentro da instituição. Ele é uma forma de participação
que envolve os movimentos sociais, docentes, discentes, técnicos adminis-
trativos, pais e egressos nas ações desenvolvidas e na gestão do campus. O
CONDIR é concebido para promover o protagonismo dos sujeitos envol-
vidos no processo de ensino-aprendizagem (IFPA, 2013a).
De acordo com Nascimento (2005), um dos principais requisitos da
Pedagogia da Alternância é a necessidade da participação efetiva e constan-
te da família, assim a existência do CONDIR materializa esse princípio.
Outro ponto importante de se destacar é a participação de representantes
da sociedade civil no CONDIR na busca por garantir uma gestão demo-
crática da instituição, principalmente articulação com as áreas para a rea-
lização de processos seletivos e na criação ou ampliação de novos cursos.
Isso se torna evidente na segunda reunião ordinária do conselho em
10 de abril de 2013, quando o conselheiro Emannuel Wambergue3 levan-
tou a discussão sobre a necessidade de diversicar os cursos do campus,
visando atender às demandas dos povos do campo em diversas áreas para
Emannuel Wambergue, conhecido como Manu, 76 anos, de origem francesa. Chegou do Sudeste do
Pará em 1975, atuou no MEB e na Comissão Pastoral da Terra (CPT) na região. Através da igreja atuou
diretamente com os posseiros e com os STRs. Fundou a Cooperativa de Prestação de Serviços (Copserviços)
para atuar com Assessoria Técnica, Social e Ambiental à Reforma Agrária (ATES) na região. Atualmente é
membro da executiva do Fórum Regional de Educação do Campo do Sul e Sudeste do Pará e membro do
Conselho Diretor (CONDIR) do IFPA- CRMB desde sua fundação.
Henrique Tahan Novaes, Domingos Leite Lima Filho e José Deribaldo Gomes dos Santos (Org.)
334
além da agropecuária. Nesse momento, a representação dos movimentos
sociais, representada por Giselda Coelho Pereira4, trouxe a demanda por
cursos relacionados ao associativismo e cooperativismo, manejo orestal e
agroindústria. Essa participação foi um marco inicial nos debates que leva-
ram à criação do curso técnico em agroindústria (IFPA, 2013b).
O que impulsionou a representante do MST solicitar a criação do
curso técnico em agroindústria nesse período foi o fato de que em 04 de
fevereiro de 2013 a presidenta Dilma Rousse ter lançado o Programa
Terra Forte5, que iria investir mais de 600 milhões em projetos de agroin-
dústria para os assentamentos de reforma agrária, conforme relatos de duas
dirigentes do MST:
[...] Nossa expectativa que teria um investimento mais massivo
do governo federal na época para criação de agroindústrias nos
assentamentos [...] no governo da Dilma foi colocado que teria uma
lógica mais de desenvolvimento dos assentamentos, estruturação.
E foi criado um programa chamado Terra Forte. [...] A primeira
expectativa nessa época era de criar um curso que tivesse estudantes
que depois de 3, 4 anos, que era o tempo que a gente teria no
máximo pra ter projeto aprovado pra instalar a agroindústria,
era o tempo que formaria a primeira turma. Nós pensando nessa
lógica de que, a partir daí, teria mão de obra também, desses lhos
de agricultores se incorporariam nessa unidade. (Giselda Coelho
Pereira, 49 anos, dirigente do MST-Pará. Entrevista cedida em 27
de dezembro de 2023).
[...] Ainda no governo Dilma, foi criado um programa que para os
assentamentos, o programa Terra forte, para ser feito agroindústrias
nos próprios assentamentos. Na esperança de desenvolver
melhor, no sentido de qualicar e agregar valor na produção dos
assentamentos [...]. Então era fazer aqui um laticínio [...]. E foi
Giselda Coelho Pereira, 49 anos, dirigente da Frente de Produção, Meio Ambiente e Saúde, MST-PA,
membro do Conselho Diretor do IFPA-CRMB representando esse importante movimento social que
esteve presente na conquista do local onde se encontra o campus.
O programa Terra Forte tinha como objetivo apoiar e promover a agroindustrialização de assentamentos
da reforma agrária em todo o país, foi fruto do trabalho de um grupo coordenado pela Secretaria-Geral da
Presidência da República, formado por vários ministérios em diálogo com os movimentos sociais (Secretaria
de Relações Institucionais, 2013).
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas - vol. 3
335
a partir desta demanda que a gente sugeriu, como nós, tem uma
escola dentro do assentamento, com bons prossionais, capacidade
de formar a gente surgiu essa necessidade da gente propor o curso
de agroindústria. [...] Na intenção desses jovens, estudaram se
qualicarem para assumir esses laticínios quando fosse construir
nosso, projeto foi para Brasília, infelizmente não conseguimos
recurso [...]. (Izabel Rodrigues Lopes Filha, 58 anos, dirigente do
MST-Pará. Entrevista cedida em 27 de dezembro de 2023).
Nessa abordagem percebe-se que o curso técnico em agroindústria
foi demandado na perspectiva de formar jovens lhos de agricultores para
atuar no processamento e beneciamento de matérias primas agropecuá-
rias produzidas em projetos de assentamentos da reforma agrária.
Diante do fato da demanda do curso partir do Movimento Sem
Terra, a reunião extraordinária do CONDIR em 23 de abril de 2013 foi
um momento crucial para envolver os movimentos sociais na construção
da proposta desse curso, utilizando a pedagogia da alternância (IFPA,
2013c).
Quanto a utilização da pedagogia da alternância na proposta do cur-
so os entrevistados armaram que não se podia deixar de pensar organizar
o curso dessa maneira visto que de acordo com PPP do campus todos os
cursos utilizam essa metodologia tendo a educação do campo como base,
como arma Maria Suely Ferreira Gomes (57 anos, professora de Educação
do Campo do IFPA CRMB) ao comentar sobre como a metodologia da
alternância pedagógica foi concebida no curso técnico em agroindústria:
[...] Esse PPP geral esta instituição aqui ele é alternância pedagógica,
ou seja, todos os cursos que são discutidos, construídos, concebidos
eles são em alternância pedagógica. E o campus é educação do
campo, a educação do campo não existi sem alternância pedagogia,
e a alternância pedagógica, está dentro dessa concepção da educação
[...].
Henrique Tahan Novaes, Domingos Leite Lima Filho e José Deribaldo Gomes dos Santos (Org.)
336
Observa-se que o termo alternância pedagógica é utilizado para carac-
terizar que os cursos do campus que possuem temporalidades de tempos-es-
cola e tempos-comunidade que se diferenciam da temporalidade das casas
familiares rurais que de 15 dias em cada tempo no decorrer do ano. O IFPA
os tempos e espaços de formação variam de acordo com cada curso e seu pú-
blico, visto que as famílias não dispõem de recurso para o deslocamento dos
lhos e o Campus possui limitação de recurso de auxílio transporte.
Embora mante-se os pressupostos e princípios da pedagogia da al-
ternância, nos cursos do campus não são utilizados os 18 instrumentos
pedagógicos presentes na proposta pedagógica das CFRs, quer dizer, ocor-
re uma ressignicação da metodologia, a partir de elementos da realidade
e da proposta dos IFs que traz como concepção a formação omnnilateral
articulada aos seguintes princípios: trabalho, cultura, ciência e tecnologia.
Como parte desse processo, foi estabelecida uma comissão para ela-
borar o Projeto Pedagógico do Curso. Essa comissão foi composta pelas
conselheiras Rosemeri Scalabrin6 e Izabel Rodrigues Lopes Filha7, repre-
sentantes do CONDIR. Esse processo foi de grande importância para for-
talecer o diálogo entre o campus e a comunidade, especialmente por meio
da representação dos movimentos sociais no CONDIR (IFPA, 2013c).
A inclusão de uma conselheira do MST como representante desse
processo demonstra o compromisso em garantir que as vozes dos movi-
mentos sociais fossem ouvidas e consideradas na construção do curso.
Isso reete a abordagem participativa e colaborativa adotada para
atender às necessidades reais e especícas dos povos do campo, também
alinhada com os princípios da pedagogia da alternância.
Se tratando da utilização da metodologia da alternância pedagógi-
ca no curso a dirigente do MST Izabel Rodrigues Lopes Filha (58 anos)
comenta que essa metodologia fortalece o vínculo dos jovens com a terra,
uma vez que a metodologia envolve o educando com seu local de origem
Rosemeri Scalabrin, doutora em Educação e com pós-doutorado de Currículo; docente do IFPA,
representava a Diretora de Ensino do Campus a época e atualmente está como coordenadora do curso de
Licenciatura em Educação do Campo.
Izabel Rodrigues Lopes Filha, 58 anos, agricultora familiar, dirigente da Frente de Produção, Saúde e Meio
Ambiente, MST-Pará, membro do Conselho Diretor do IFPA.
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas - vol. 3
337
por meio das alternâncias de tempos e espaços e na articulação dos mesmos
com suas famílias e comunidades:
[...] A alternância pedagógica é uma proposta que a gente trabalha
muito tempo dentro das áreas do MST [...]. Então, essa é uma das
intenções assim a gente trabalhar alternância pedagógica, porque
a relação com escola, relação com a comunidade, relação com a
família. Para não perder o vínculo e também fazer o link aí entre os
conhecimentos, né? Não só teoria, mas também não só a prática,
conseguir juntar essas duas coisas [...]. (Izabel Rodrigues Lopes
Filha, 58 anos, dirigente do MST-Pará. Entrevista cedida em 27 de
dezembro de 2023, grifo nosso).
Em 15 de abril e 18 de novembro de 2014, os representantes do
CONDIR continuaram a levantar a demanda sobre o curso de agroin-
dústria. Na primeira reunião, a representante do MST, Giselda Coelho
Pereira, trouxe novamente a questão à tona. Na segunda reunião, repre-
sentante docente, Ribamar Ribeiro Junior8, também trouxe a demanda
à discussão. Em ambos os casos, foi informado que o Projeto Pedagógico
do Curso (PPC) estava em processo de avaliação. Quando os movimentos
sociais novamente questionaram a situação da oferta do curso durante uma
reunião ordinária do conselho em 10 de setembro de 2015, a direção do
campus informou que o PPC estava em fase de nalização e aprovação
(IFPA, 2014b, 2014c).
O curso de agroindústria teve seu processo de aprovação concreti-
zado em 29 de outubro de 2015, durante a 38ª Reunião Ordinário do
Conselho Superior do IFPA (CONSUP). A aprovação foi ocializada por
meio da Resolução 129/2015 e a emissão do Ato Autorizativo do curso
ocorreu por meio da Portaria nº085/2015 (IFPA, 2015d, 2015e).
Sobre a inuência dos movimentos sociais por meio do Conselho
Diretor do campus, podemos destacar a reunião de 27 de maio de 2015.
Ribamar Ribeiro Junior, doutor em Antropologia, docente do IFPA, no período representava categoria
docente do campus no conselho, atualmente está como coordenador do curso técnico em magistério
indígena.
Henrique Tahan Novaes, Domingos Leite Lima Filho e José Deribaldo Gomes dos Santos (Org.)
338
O ponto de pauta abordado foi o concurso público para docentes do IFPA,
que não atendia às especicidades do campus. O conselho coletivamente
redigiu um ofício à comissão organizadora. Desse documento, é relevante
ressaltar a solicitação para a inclusão nas áreas de Ciência e Tecnologia de
Alimentos e de Inspeção, Controle de Qualidade e Tecnologia de Produtos
de Origem Animal (vagas de docentes que iriam atuar no curso) do conte-
údo programático: “Princípio da agroecologia e a transição agroecológica
para a agricultura de base familiar” (IFPA, 2015b).
Diante da articulação dos movimentos do campo para a criação do
curso técnico em agroindústria, visando atender os sujeitos do campo no
contexto da educação do campo, Vieira (2017, p. 39) destaca que “os mo-
vimentos sociais do campo vêm inuenciando a consolidação da Pedagogia
da Alternância no âmbito prático e legal”. Dessa forma, esses movimentos
estão contribuindo para a transformação e o desenvolvimento contínuo do
meio rural.
O Projeto Pedagógico do Curso (PPC) é o principal documento de
institucionalização da formação no âmbito da agroindústria, porém outros
a ele se agregaram para viabilizar a sua aprovação, tais como: o memorando
023/2014, datado de 27 de fevereiro de 2014, proveniente da Diretoria
de Ensino do campus, o qual solicita a constituição do Núcleo Docente
Estruturante para a elaboração do PPC do curso de Beneciamento
(Agroindústria) na modalidade subsequente, atendendo à deliberação do
CONDIR, com recursos do Programa Nacional de Educação na Reforma
Agrária (PRONERA) (Diretoria de Ensino, 2014).
Diante da solicitação ocial de criação do Núcleo Docente
Estruturante (NDE) do Eixo Tecnológico Produção Alimentícia do IFPA
CRMB, apenas 1 (um) ano após ocorreu a criação de comissão composta
por servidores para construir esse curso, a qual foi estabelecida a Portaria
nº 27/2014 – GAB em 10 de março de 20149 (IFPA, 2014a).
No decorrer desse ano, o PPC foi construído coletivamente envol-
vendo servidores do CRMB e do INCRA, bem como do MST, de modo
9 Designa os servidores a comporem o NDE a saber: Maria Suely Ferreira Gomes - Coordenadora; William
Bruno Silva Araújo, Aline Macedo Neri, Savio Coelho Alves e Samuel Carvalho de Aragão - Membros
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas - vol. 3
339
que já estava pronto no momento em que os servidores foram nomeados,
levando-os a solicitar a inclusão da versão do PPC ao processo instaurado
sob o número 23051.022507/2014-28.
O aspecto mais notável é que o curso originou-se de uma demanda
genuína de representantes desses sujeitos. Eles reconheceram a necessidade
de capacitar os agricultores e lhos de agricultores das áreas de assentamen-
tos de Reforma Agrária na Região Sudeste do Pará para se envolverem no
processo de beneciamento de produtos agrícolas. Essa demanda foi trazi-
da à instituição, a qual foi criada por eles após uma árdua batalha e disputa.
O curso representa uma conquista signicativa para essa comunidade.
O objetivo da primeira versão do PPC era possibilitar o início do
curso no 1º semestre de 2015. Entretanto, para viabilizar esse intento,
uma análise pedagógica era imprescindível. A m de emitir um parecer
favorável, o documento precisava conter elementos essenciais, tais como:
identicação e apresentação que reetissem a forma de oferta do curso, no
caso, para a primeira turma, seria subsequente e voltada para a educação
do campo, de forma presencial e integral (turnos matutinos e vespertinos),
com carga horária compatível.
De acordo com IFPA (2015a) a forma de oferta nesse caso seria de
1220 horas relógio, correspondendo a 1448 horas-aulas, com duração mí-
nima de 01 ano e 06 meses e integralização em até 02 anos; uma justicati-
va que enfatizasse a importância da oferta do curso para o desenvolvimento
da região, tendo em vista a demanda identicada no setor produtivo, que
está em consonância com a vocação e capacidade do campus, e principal-
mente porque foi solicitado pelos povos do campo, no espaço onde eles
tiveram voz, demonstrando ser uma demanda social legítima; e objetivos
gerais e especícos que estivessem em conformidade com o perl do curso,
conforme as Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso.
Após a emissão de um parecer pedagógico favorável, o processo de-
parou-se com uma inconsistência institucional relacionada ao fato de que
o curso não constava no Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI)10
10 Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI) é o instrumento no qual deve constar o Planejamento
Estratégico da Instituição no caso dos 18 campi do IFPA para um período mínimo de cinco anos e nele
deve constar uma tabela com previsão dos cursos que serão ofertados nesse período bem como forma
Henrique Tahan Novaes, Domingos Leite Lima Filho e José Deribaldo Gomes dos Santos (Org.)
340
do IFPA, vigência 2014-2018. Nesse momento, já havia transcorrido mais
de um ano quando essa discrepância foi identicada em um parecer da
Pró-Reitoria de Ensino (PROEN) do IFPA, em 24 de fevereiro de 2015.
Como resultado, o processo foi devolvido ao campus para correções.
Uma resposta foi fornecida, solicitando a inclusão do curso, e nesse momen-
to a PROEN emitiu um novo parecer pedagógico em 18 de junho de 2015.
É importante esclarecer diante desse resgate cronológico do processo
que o PPC foi aprovado e só no momento do processo seletivo o campus
foi questionado sobre o fato do curso não constar no PDI, que demonstra
incoerência no discurso da democracia na construção dos cursos a serem
ofertados, além de demonstrar uma burocratização institucional com de-
volução de documentos e tempo excessivo de nalização dos tramites pro-
cessuais que pode prejudicar a missão de inclusão do IFPA e principalmen-
te do campus em atender às verdadeiras demandas do seu público alvo.
Essas sugestões de ajustes foram implementadas pela equipe do
Núcleo Docente Estruturante (NDE) em 26 de junho do mesmo ano.
Posteriormente, o processo retornou à reitoria para uma nova análise, du-
rante a qual foram identicados erros no cálculo da carga horária de tem-
po comunidade e tempo escola. Foram solicitados ajustes para aumentar
ambos os tempos.
Após a conclusão desses ajustes, o processo foi encaminhado para
aprovação e emissão de um Ato Autorizativo do curso no Conselho Superior
do IFPA em 18 de setembro de 2015. O curso foi aprovado em 29 de ou-
tubro do mesmo ano, resultando na emissão da Resolução 129/2015 e da
Portaria nº085/2015. Em 21 de dezembro, o campus recebeu a notícia de
que a Matriz do Curso estava disponível no Sistema Integrado de Gestão
de Atividades Acadêmicas (SIGAA) do IFPA (IFPA, 2015d, 2015e).
Durante o processo ocial de criação do curso no IFPA, o cam-
pus estava em contínuo diálogo com o INCRA, visando à oferta do cur-
so em parceria por meio do PRONERA. O parecer de aprovação emiti-
do pela Comissão Pedagógica Nacional do PRONERA foi datado de 08
de oferta, modalidade, quantidade de vagas, número de turma e turno de funcionamento e regime de
matrícula dos mesmos.
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas - vol. 3
341
de dezembro de 2015, aproximadamente 2 meses após a aprovação do
Projeto Pedagógico do Curso (PPC) no IFPA. Em relação a essa colabora-
ção, é relevante enfatizar a participação da Associação dos Trabalhadores
Rurais do Assentamento 26 de Março - APROTERRA como parceira. A
APROTERRA possui responsabilidade nesse acordo, contribuindo para
a construção do edital de seleção, a divulgação do processo seletivo, bem
como para a elaboração dos relatórios periódicos de avaliação e planeja-
mento do curso.
O parecer emitido pelo PRONERA enfatizou a importância do pro-
jeto para a educação do campo nas áreas de reforma agrária, principal-
mente devido à ampla concentração de assentamentos na região sudeste
do Pará, que possuem potencial produtivo diversicado e atividades de
agropecuária e extrativismo vegetal.
O projeto alicerçado na abordagem da alternância pedagógica foi
desenvolvido para atender não somente à população de Marabá, mas tam-
bém aos municípios circundantes da região.
Isso se tornou possível, porque o campus dispõe de alojamentos para
estudantes e 5 refeições por dia, além de laboratórios, biblioteca e toda a
infraestrutura necessária, proporcionando aos educandos a oportunidade
de conduzir pesquisas e estudos que resgatam os conhecimentos e as ex-
periências dos agricultores. Além disso, o projeto oferece um processo de
aprendizagem que não induz ao êxodo rural, uma vez que fomenta uma
autonomia intelectual.
A parceria entre o IFPA CRMB e o INCRA caracterizava-se como
um acordo de interesse mútuo e colaboração recíproca.
A instituição de ensino fornecia a infraestrutura física e o corpo de
servidores para ministrar o curso, direcionado a um público especíco
atendido pela reforma agrária. Por sua vez, o INCRA contribuía com re-
cursos nanceiros para o custeio do curso. Esses recursos abrangiam mate-
riais de consumo e permanentes, além de bolsas destinadas à coordenação
geral do curso e à coordenação pedagógica.
Henrique Tahan Novaes, Domingos Leite Lima Filho e José Deribaldo Gomes dos Santos (Org.)
342
Inicialmente, o curso foi oferecido na modalidade subsequente,
atendendo a jovens e adultos acampados e assentados de programas de
reforma agrária que já possuíam o ensino médio.
Projeto PedagógIco do curso técnIco em agroIndústrIa
O Projeto Pedagógico do Curso (PPC) do curso técnico em agroin-
dústria apresenta uma proposta de formação prossional baseada em
princípios pedagógicos especícos fundamentado na indissociabilidade
entre teoria e prática, na interdisciplinaridade, no respeito pela diver-
sidade cultural, na participação ativa dos educandos, na pesquisa e
no trabalho como práticas educativas, com vista a garantir o diálogo
entre os saberes cientícos e populares, promovendo assim a construção
contínua do conhecimento (IFPA, 2015a) . Essa proposta dialoga com a
perspectivas da representante do movimento social que demandou o curso:
[...] É nessa busca do que todos os cursos lá no IFPA CRMB, eles
têm que ser teoria e prática, eu acho que esta é uma referência
forte em todos os cursos nossos. [...]. A ideia é não fazer nenhum
curso dissociado de uma prática social, não é qualquer prática, é
uma prática que tem princípios inclusive nessa ideia de fortalecer
a comunidade [...]. (Giselda Coelho Pereira, 49 anos, dirigente
do MST-Pará. Entrevista cedida em 27 de dezembro de 2023,
grifo nosso).
Em relação ao diálogo de saberes de acordo com o professor de agro-
ecologia do IFPA CRMB William Bruno (41 anos) ele foi inserido no PPC
do curso também como um princípio agroecológico conforme fala abaixo:
[...] o diálogo de saberes está presente tanto na proposta do curso,
como princípio da agroecologia, porque historicamente de 250, 300
anos pra cá há uma tecnociência que se considera a única ciência
válida e com isso acaba provocando uma violência sobre aquelas
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas - vol. 3
343
populações (povos do campo), não consideram o conhecimento
local [...] saberes relacionados a fabricação de produtos, ao
beneciamento de produtos. Tanto as populações camponesas,
quanto as populações indígenas têm suas próprias tecnologias para
conservar e transformar aqueles seus produtos, então o outro ponto
seria isso né, os processos formativos que valorizam, que articulam
essas sabedorias tradicionais [...]. (William Bruno Silva Araujo, 41
anos, professor de agroecologia do IFPA CRMB. Entrevista cedida
em 16 de janeiro de 2024, grifo nosso).
Assim podemos observar que desde a concepção do curso pensou-se
nessa relação com a comunidade, com os saberes tradicionais em uma ótica
de valorização.
De acordo com o PPC do curso IFPA (2015a), isso é alcançado por
meio do desenvolvimento de uma formação escolar contextualizada, que
permite uma abordagem democrática da aprendizagem. Nesse contexto,
o educando assume o papel de sujeito no processo de construção do co-
nhecimento, possibilitando a aprendizagem signicativa, em que teoria e
prática se encontram tanto nas atividades na escola quanto nas atividades
desenvolvidas junto a família e/ou a comunidade.
A integração entre o conhecimento teórico e a experiência prática,
quando incorporada a um curso técnico voltado para a formação pros-
sional dos indivíduos, evidencia que a aprendizagem não se dá de manei-
ra passiva, mas sim como um processo ativo, que envolve engajamento
e dinamismo por parte de todos os participantes. Isso permite que por
meio da indissociabilidade entre teoria e prática os educandos entendam a
aplicação real dos conceitos aprendidos e desenvolvam habilidades práticas
relevantes para o setor agroindustrial.
No contexto do Curso Técnico em Agroindústria, a interdiscipli-
naridade envolveria a conexão de conceitos e métodos de diversas áreas
relacionadas, como agronomia, tecnologia de alimentos, gestão, química,
biologia, entre outras. Por exemplo, ao abordar a produção de alimen-
tos na agroindústria, os estudantes não apenas explorariam as práticas de
processamento, mas também considerariam as implicações econômicas, os
Henrique Tahan Novaes, Domingos Leite Lima Filho e José Deribaldo Gomes dos Santos (Org.)
344
aspectos ambientais, as regulamentações governamentais e as tecnologias
envolvidas.
A inclusão da diversidade cultural como um elemento educacional
provoca a emergência de novas práticas e valores, como solidariedade, co-
operação e justiça. Isso por sua vez estimula os indivíduos a se envolverem
no exercício da participação ativa na vida política e cultural tanto da insti-
tuição quanto de suas comunidades.
No contexto do Curso Técnico em Agroindústria, a promoção da
diversidade cultural implica em considerar as diversas formas de conheci-
mento tradicional e local que as comunidades rurais possuem em relação
à produção agroindustrial. Isso envolve reconhecer os métodos de cultivo,
técnicas de processamento de alimentos, práticas sustentáveis e formas de
manejo que foram transmitidas ao longo de gerações. Valorizar esses co-
nhecimentos é fundamental para uma abordagem mais ecaz e contex-
tualizada da formação, bem como para a preservação da riqueza cultural
dessas comunidades.
O princípio da participação ativa dos educandos, presente no Projeto
Pedagógico do Curso Técnico em Agroindústria, refere-se à promoção de
um ambiente educacional que encoraja os estudantes a serem agentes ati-
vos em seu próprio processo de aprendizagem. Isso signica que os edu-
candos não são apenas receptores passivos de informações, mas também
são incentivados a se envolverem de maneira ativa, crítica e colaborativa na
construção do conhecimento (IFPA, 2021).
Conforme delineado no Projeto Pedagógico do Curso, a adoção
da pesquisa e do trabalho como princípios educativos introduz “a reali-
dade como elemento mediador de processos educativos críticos-criativos
(IFPA, 2021, p. 62).
Isso propicia a construção do conhecimento por meio da interação
com a ciência e outros saberes, estabelecendo-se como um princípio de
signicativa importância no desenvolvimento da estrutura curricular.
É importante ressaltar que a pesquisa e o trabalho proporcionam
autonomia aos estudantes, permitindo-lhes compreender e impulsionar a
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas - vol. 3
345
transformação de sua realidade local com foco no desenvolvimento regio-
nal através das práticas agroindustriais.
A combinação da pesquisa e do trabalho como práticas educativas
permite que os educandos estejam ativamente envolvidos na construção de
seu próprio conhecimento.
O percurso formativo do Curso Técnico em Agroindústria, ofereci-
do na modalidade subsequente, foi meticulosamente organizado em três
semestres, seguindo uma abordagem fundamental de alternância pedagó-
gica. Isso signica que a formação é dividida entre tempos formativos na
escola e tempos formativos na comunidade: Tempo Escola em Regime de
Internato onde os alunos residem na escola por um período correspon-
dente a 70% da formação e os 30% restantes desenvolvendo atividades no
tempo comunidade (IFPA, 2015a).
O Projeto Pedagógico do Curso (PPC) do Curso Técnico em
Agroindústria integrado ao ensino médio de acordo com IFPA (2021) está
organizado de forma abrangente, visando a formação integral dos estu-
dantes por meio de três Ciclos, cada um estruturado em torno de Eixos
Temáticos especícos. Essa estrutura tem como objetivo proporcionar uma
educação contextualizada, voltada para as demandas das populações rurais
e a realidade da agroindústria.
No curso integrado, os estudantes experimentam duas formas de
aprendizado: o “tempo-escola”, que corresponde a cerca de 60 dias, que
tem uma carga horária de até 9 horas/aulas, correspondendo a 80% da car-
ga horária de formação, e o “tempo-comunidade”, que corresponde a cerca
de 20 dias, desenvolvendo atividades de pesquisa, estudos e experimenta-
ção nos lotes e/ou comunidade, correspondendo a 20% da carga total do
curso (IFPA, 2021).
Durante o tempo-escola, os educandos participam de atividades
teóricas e práticas nas instalações da instituição, onde podem aprofundar
seus conhecimentos e interagir com os professores e colegas. Já no tempo-
comunidade, os estudantes se envolvem diretamente com as atividades da
comunidade ou lote, aplicando o aprendizado adquirido em situações do
mundo real.
Henrique Tahan Novaes, Domingos Leite Lima Filho e José Deribaldo Gomes dos Santos (Org.)
346
Essa estrutura de alternância entre tempo-escola e tempo-comunida-
de tem como expectativa permitir que os estudantes tenham uma forma-
ção mais holística, combinando conhecimento acadêmico com aplicação
prática e experiência no campo. A abordagem dos Eixos Temáticos fornece
uma estrutura clara que guia o aprendizado, garantindo que os educandos
adquiram uma compreensão profunda da agroindústria, desde suas raízes
históricas até as mais recentes inovações tecnológicas.
Para a integralização e efetivação da alternância pedagógica, o IFPA
(2021) descreve estratégias que envolvem os professores tanto do núcleo
comum quanto do núcleo politécnico durante o período de tempo-comu-
nidade. Nesse contexto, os docentes precisam compartilhar seus conteúdos
e planejamentos individuais para a construção coletiva de roteiros e ativi-
dades. Essa abordagem busca atender às realidades de cada estudante e tem
como objetivo estimulá-los a reetir sobre suas próprias produções.
Assim, podemos associar a alternância pedagógica estruturada no
PPC com a visão de Nascimento (2005) sobre a Pedagogia da Alternância
ao armar que o aspecto mais comum que caracteriza essa metodologia é
a busca constante da sistematização entre os conceitos e a prática, com a
participação efetiva dos “monitores”, nesse caso os docentes do campus, no
período em que os estudantes estão em suas comunidades.
A construção do itinerário pedagógico do curso de acordo com IFPA
(2021) teve como referência os instrumentos utilizados na pedagogia da
alternância por estruturar o percurso formativo em alternância entre tem-
pos, espaços e práticas pedagógicas, de modo a integrar o processo de for-
mação, sendo eles: Tempo-Escola: tem como objetivo proporcionar uma
formação em tempo integral, caracterizado pelo afastamento do contexto
domiciliar e da origem do discente; Tempo- Comunidade: É projetado
como uma fase em que os estudantes mergulham diretamente nas comu-
nidades rurais ou em lotes de produção, a m de aprofundar a compreen-
são dos conteúdos; Plano de Estudo, Pesquisa e Trabalho: ferramenta
pedagógica que reete o compromisso com uma abordagem interdiscipli-
nar e prática na formação dos educandos. Tempo Escola/Retorno: ocorre
quando os educandos retornam ao ambiente escolar após o período de
experimentação no tempo-comunidade, e tem como objetivo sistematizar,
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas - vol. 3
347
compartilhar e analisar as ações realizadas durante essa fase de prática e
pesquisa; Formação Continuada e Planejamento Integrado: abordagem
pedagógica que incorpora a formação continuada dos docentes, bem como
do planejamento integrado e interdisciplinar que fundamentam a qualida-
de do ensino; Atividades de Integração Ensino-Pesquisa-Extensão de
Aprofundamento Prático: emergem a partir das experiências adquiridas
no tempo-comunidade e se alinham ao projeto integrador, proporcionan-
do uma oportunidade valiosa para os educandos aplicarem, aprofundarem
e integrarem o conhecimento teórico e prático em um contexto real através
das Unidades Integradas de Ensino Pesquisa Extensão (UNIEPEs) presen-
tes no campus; Visitas de Acompanhamento aos Tempos-Comunidade:
têm por objetivo acompanhar e enriquecer a experiência dos estudantes
durante o período de tempo-comunidade, oferecendo orientação, apoio e
oportunidades de interação presencial; Experimentação Agroecológica:
Trata-se de ações desde a experimentação concebida nas unidades demons-
trativas no interior do campus até os debates sobre a realidade da produção
no contexto da agricultura familiar; Projeto Integrador: concebido como
um componente curricular dinâmico e interdisciplinar, engloba as discipli-
nas de formação básica e técnica, buscando unir diferentes áreas do conhe-
cimento em torno de um tema central; Avaliação: acompanhamento do
aprendizado dos estudantes ao longo do processo formativo, bem como a
análise e o aprimoramento das ações desenvolvidas no contexto educacio-
nal, ela ocorre de maneira contínua ao longo de todo o curso, envolvendo
diferentes etapas e momentos de aprendizado.
De acordo com a dirigente do MST Giselda Coelho Pereira (49
anos) foi nessa lógica que o curso foi pensado, de vincular teoria e prática
na alternância pedagógica:
[...] Bom, a ideia era um pouco vincular como todos os cursos,
nossos (ofertados no IFPA CRMB), independente do foco do
curso, ele tem alternância pedagógica, como uma vivência prática
nesse processo de poder desenvolver algumas ações na comunidade
que você faz parte, ou se tiver na agroindústria na agroindústria, ou
se tiver qualquer cooperativa, associação, nesses espaços, E criar um
Henrique Tahan Novaes, Domingos Leite Lima Filho e José Deribaldo Gomes dos Santos (Org.)
348
vínculo, tipo que ao longo do curso não perca esse vínculo, que a
gente chama de orgânico, mas esse vínculo com a sua perspectiva
de projeto mais coletivo com a comunidade [...] Claro que isso
só o tempo comunidade pelos tempo comunidade, não faz isso.
Tem que ter uma relação muito próxima entre o acompanhamento
das ações, o que acontece no território com a vida do indivíduo,
a família e a escola. Esse Tripé, ele tem que funcionar para poder
ter um rendimento, vamos dizer assim. Dessa relação como prática
pedagógica [...]. (Giselda Coelho Pereira, 49 anos, dirigente do
MST-Pará. Entrevista cedida em 27 de dezembro de 2023).
Partindo da compreensão de Gomes (2013) sobre os momentos de
tempo-escola, tempo-comunidade e colocação em comum, que na alter-
nância existe um tempo na escola reservado para o trabalho que aprofunda
e sistematiza os conhecimentos e conteúdos gerados pelas atividades em
aulas, seminários e ocinas, e um tempo reservado para investigação na
comunidade (momento no campo/casa), apresento o seguinte esquema de
momentos integradores da alternância pedagógica:
Figura 1 - Aspectos dos momentos da alternância pedagógica
Fonte: Própria.
Com relação ao planejamento integrado, Marinho (2016) conside-
ra que essa prática pedagógica impede a fragmentação do ensino-apren-
dizagem, uma vez que articula as diferentes áreas do conhecimento, pla-
nejando os espaços e tempos formativos por meio de um processo de
debate coletivo.
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas - vol. 3
349
Outra característica importante a ser destacada está relacionada ao
fato de a instituição possuir em suas instalações unidades de integração
ensino-pesquisa-extensão, as quais oferecem oportunidades para aprofun-
damento teórico-prático. Isso permite aos educandos trazerem para dentro
do espaço escolar suas experimentações tecnológicas tradicionais e mo-
dos de processamento artesanal (caseiro) de suas comunidades, a m de
aprimorar esses processos no ambiente escolar, onde contam com o apoio
técnico de prossionais das mais diversas áreas da ciência e tecnologia de
alimentos. Essa abordagem se torna um diferencial para a pedagogia da
alternância. Esses espaços também servem para a experimentação agroeco-
lógica dos discentes no ambiente institucional.
O Projeto Político do Curso descreve que a estruturação curricular é
planejada na perspectiva do currículo integrado, concebido a partir da in-
tegração entre as disciplinas da Base Nacional Comum e da Base Técnica,
utilizando as alternâncias de Tempo-Espaços Formativos. Isso possibilita
uma ruptura com o ensino tradicional (IFPA, 2021).
A concepção de currículo integrado é central nesse novo paradigma
educacional, pois a integração entre as diferentes áreas do conhecimento
oportunizam uma formação mais completa na perspectiva da totalidade,
discutida por Ramos (2007), que envolve as dimensões fundamentais da
vida que estruturam a prática social no processo educativo que são o traba-
lho, a ciência, a cultura e a tecnologia.
A alternância de tempo-espaços formativos é outro aspecto funda-
mental da ruptura com o ensino tradicional, pois implica em uma varie-
dade de espaços de aprendizagem, incluindo a sala de aula, a comunidade
local, o laboratório e até mesmo os ambientes de trabalho reais.
Em última análise, a estrutura curricular projetada no Projeto
Político do Curso Técnico em Agroindústria visa proporcionar uma edu-
cação que transcende os limites do ensino tradicional. Ela oferece uma
abordagem integrada, contextualizada e participativa, onde os educan-
dos são capacitados não apenas com conhecimentos técnicos, mas tam-
bém com habilidades de pensamento crítico, resolução de problemas e
interação com a realidade do meio rural. Essa abordagem não só prepara
Henrique Tahan Novaes, Domingos Leite Lima Filho e José Deribaldo Gomes dos Santos (Org.)
350
eles para o sucesso prossional, mas também os capacita a serem cidadãos
conscientes e agentes de transformação em suas comunidades.
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de caso no IFsul. 2017. Dissertação (Mestrado em Educação e Tecnologia) - Instituto
Federal Sul-rio-grandese, Pelotas/RS, 2017.
Sobre as autoras e autores
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Andreia do Nascimento Lima
Técnica em Alimentos e Laticínios do Instituto Federal de Educação,
Ciência e Tecnologia do Pará do Campus Rural de Marabá (IFPA CRMB).
Mestre em Educação pela FFC/UNESP/Marília, especialista em Gestão
da Segurança de Alimentos pelo Centro Universitário SENAC, graduada
em Administração Pública pela Universidade Federal do Pará e graduada
em Tecnologia de Alimentos pela Universidade do Estado do Pará. E-mail:
an.lima@unesp.br. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-1008-8870.
Alexandre Maia do Bomm
Pós-doutor em Educação pela PPGE - UFPE. Doutor em Ciências
Humanas-Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de
Janeiro (2007). Professor do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu
em Ensino de Ciências - PROPEC (IFRJ). Professor da Pós-graduação
Lato Sensu em Educação de Jovens e Adultos (IFRJ). Mestre em Educação
pela Universidade Federal Fluminense (2001). Graduado em Ciências
Sociais pela Universidade Federal Fluminense (1996). PROFESSOR
ASSOCIADO IV em SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO do Instituto
Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro - IFRJ.
Pesquisador na área de Trabalho e Educação, Educação Ambiental.
Conselheiro do Conselho Acadêmico de Ensino de Graduação (CAEG)
do IFRJ 2020-2022. Conselheiro do Conselho Acadêmico de Pesquisa,
Inovação e Pós-graduação (CAPOG) do IFRJ 2022-2024. Membro do
Comitê Cientíco do GT 09 (Trabalho e Educação) da Anped. Participante
de Conselhos Cientícos de periódicos. Idealizador e narrador do qua-
dro de podcasts “Ainda dá tempo, mas...” referente às Questões de Meio
Ambiente e Humano. Líder do Grupo de Pesquisa em Trabalho-Educação
e Educação Ambiental (GPTEEA).
Henrique Tahan Novaes, Domingos Leite Lima Filho e José Deribaldo Gomes dos Santos (Org.)
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Ana Carolina Bordini Brabo Caridá
Mestra em Sociologia Política pela Universidade Federal de Santa
Catarina. Docente do Instituto Federal de Santa Catarina e doutoranda do
Programa de Pós-Graduação em Tecnologia e Sociedade da Universidade
Tecnológica Federal do Paraná. Contatos via e-mail: carolcarida@gmail.
com e ana.carida@ifsc.edu.br. Currículo lattes: http://lattes.cnpq.
br/7147483920181186. ORCID: https://orcid.org/0009-0000-5845-
314X. Endereço para correspondência: Servidão Altino Manoel Claudino,
616 - São João do Rio Vermelho, Florianópolis/SC, CEP: 88060-402.
Caetana Juracy Rezende Silva
Doutora em Educação pela Universidade de Brasília (UnB - 2016), Mestra
em Música pela Universidade Federal de Goiás (UFG - 2004) e Graduada
em Música pela Universidade de Brasília (UnB - 1996). Professora do
Departamento de Teoria e Fundamentos da Faculdade de Educação da
Universidade de Brasília (TEF/FE/UnB), na área de Educação e Trabalho.
Pesquisadora do Núcleo de Estudos Estratégicos (NESTRA) do Centro de
Estudos Avançados Multidisciplinares (CEAM/UnB) /FE/UnB). Como
Técnica em Assuntos Educacionais do quadro do Ministério da Educação
(MEC), trabalhou na Secretaria de Educação Prossional e Tecnológica
(SETEC), na Secretaria de Educação Superior (SESu) e na Secretaria de
Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (Secadi),
em funções de chea e assessoramento. Trabalhou em função de assesso-
ramento na área de educação corporativa na Vice-Presidência de Gestão
de Pessoas dos Correios (VIGEP/ECT) e em função técnica especializada
na Diretoria de Inovação (GNova) da Escola Nacional de Administração
Pública (Enap). Atualmente, desenvolve estudos nas seguintes temáticas:
juventude, educação e trabalho; formação prossional nos espaços escolar
e laboral; educação, trabalho, gênero e diversidade.
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas - vol. 3
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Caroline Bahniuk
Possui graduação em Licenciatura Em Educação Física pela Universidade
Federal do Paraná (2003), Mestrado em Educação pela Universidade Federal
de Santa Catarina (2008); Doutorado em Educação pela Universidade
Federal de Santa Catarina (2015) e Pós Doutorado em Serviço Social
(2019) pela mesma universidade. É professora adjunta da Faculdade
de Educação da Universidade e Brasília (UNB), na área de Educação e
Trabalho do Departamento Teoria e Fundamentos. Pesquisa as seguintes
temáticas: Trabalho e Educação, Experiências educativas nos Movimentos
Sociais, Pedagogia Socialista.
Domingos Leite Lima Filho
Doutor em Educação pela Universidade Federal de Santa Catarina.
Professor Visitante do Programa de Pós-Graduação em Educação da
Universidade Federal Fluminense (UFF), Professor titular (aposentado) do
Programa de Pós-Graduação em Tecnologia e Sociedade da Universidade
Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR) e Coordenador do Grupo de
Estudos e Pesquisas em Trabalho, Educação e Tecnologia (GETET).
Contatos via e-mail: domingos@utfpr.edu.br e dllimalho@gmail.com.
Currículo lattes: http://lattes.cnpq.br/1113538527015820. ORCID: ht-
tps://orcid.org/0000-0003-3802-6794. Endereço para correspondência:
domingos@utfpr.edu.br
Deribaldo Santos
Possui graduação em Pedagogia pela Universidade Estadual Vale do Acaraú
(UVA/2001), especialização em Gestão Escolar pela Universidade Estadual
do Ceará (UECE/2003), mestrado em Políticas Públicas e Sociedade
(UECE/2005), em 2006 fez estágio doutoral na Universidade do Porto
(UP), e em 2009 concluiu o doutorado em Educação Brasileira pela
Universidade Federal do Ceará (UFC). Concluiu, em 2015, estágio pós-
doutoral em Estética na Universidad Complutense de Madrid (UCM) com
bolsa da CAPES. É Professor Adjunto da Faculdade de Educação, Ciências
Henrique Tahan Novaes, Domingos Leite Lima Filho e José Deribaldo Gomes dos Santos (Org.)
358
e Letras do Sertão Central (FECLESC-UECE), atuando no Programa
de Pós-Graduação em Educação (PPGE/UECE). É coordenador do
Laboratório de Pesquisas sobre Políticas Sociais do Sertão Central (Lapps-
UECE). Desenvolve pesquisas nas áreas de Trabalho e Educação e Estética
Marxista. Atua, principalmente, no exame da Educação Prossional, na
Formação de Professores e na relação entre Arte e Sociedade. Lidera o
Grupo de Pesquisa Trabalho, Educação, Estética e Sociedade (GPTREES).
Membro da Câmara de Pesquisa da UECE.
Doriedson S. Rodrigues
Doutor em Educação. Docente da Universidade Federal do Pará. Membro
do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Trabalho e Educação (GEPTE/
UFPA). Membro do GT 09 – Trabalho e Educação – da Associação
Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPED). Bolsista
Produtividade CNPQ. E–mail: doriedson@ufpa.br
Dilma Cardoso Pereira
Mestra em Educação e Cultura pela Universidade Federal do Pará
(PPGEDUC/UFPA). Docente da Rede Municipal de Ensino do Município
de Cametá. Membra do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Trabalho e
Educação (GEPTE/UFPA). E-mail: cardosopdilma@gmail.com
Erika Porceli Alaniz
Pós-doutora, mestre e graduada em Educação pela Faculdade de Filosoa e
Ciências da Universidade Estadual Paulista – UNESP, Campus de Marília.
Doutora em Educação pela Faculdade de Educação da Universidade de São
Paulo (FEUSP). Docente do Programa de Pós-Graduação em Educação,
Mestrado Prossional e graduação em Pedagogia na Universidade Estadual
de Mato Grosso do Sul (UEMS). Pesquisadora nas áreas de políticas edu-
cacionais, com ênfase no ensino técnico prossional e médio, gestão esco-
lar, educação e trabalho e movimentos sociais na interface com a educação.
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas - vol. 3
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Evaldo Piolli
É professor Livre-docente do Departamento de Políticas, Administração e
Sistemas Educacionais (DEPASE) da Faculdade de Educação da UNICAMP.
Possui graduação em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, mestrado em Educação pela Universidade Estadual
de Campinas e doutorado em Educação pela Universidade Estadual de
Campinas. É professor do programa de Pós-graduação em Educação da
UNICAMP e pesquisador e líder do Grupo de Pesquisa Trabalho, Saúde e
Subjetividade - NETSS. Tem experiência na área de Educação, com ênfase
em Educação e Sociologia, atuando principalmente nos seguintes temas:
gestão educacional; política educacional; trabalho docente; trabalho, saúde
e subjetividade; educação prossional; trabalho e educação.
Gisiley Paulim Zucco Piolli
Doutora, junto ao programa de pós-graduação em Educação no Grupo
de Pesquisa HISTEDBR - “ História, Sociedade e Educação do Brasil
da Faculdade de Educação na Universidade Estadual de Campinas -
UNICAMP, desde 2016. Mestrado, junto ao Grupo de Estudos e Pesquisas
em Políticas Públicas e Educação (GPPE), do Departamento de Ciências
Sociais e Educação da UNICAMP, em 2006. Com graduação em Ciências
Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (1994). No se-
gundo semestre de 2000, conclusão de curso de especialização, na Faculdade
de Educação da Universidade de São Paulo, sobre “Reforma do Estado e
Educação”. Durante o doutorado estagiou através do Programa Estágio
Docente (PED) da Unicamp, nos semestres de Ago/2012 a Dez/2012
e Ago/2013 a dez/2013. De 03/09/2007 a 14/12/2007 lecionou como
substituta no Curso de Filosoa da Educação do Ensino Superior, junto
a H.C. Organização Educacional, em Vinhedo/SP. Atualmente, partici-
pa do Grupo de Estudos do Trabalho, Saúde e Subjetividade (NETSS) ,
do Grupo de Pesquisa História das Políticas Educacionais e do Grupo de
Pesquisa “História, Sociedade e Educação no Brasil” (HISTEDBR).
Henrique Tahan Novaes, Domingos Leite Lima Filho e José Deribaldo Gomes dos Santos (Org.)
360
Henrique Tahan Novaes
Possui graduação em Ciências Econômicas pela Unesp - Araraquara (2001)
e mestrado (2005) e doutorado (2010) em Política Cientíca e Tecnológica
pela Unicamp. Autor dos livros - O fetiche da tecnologia - a experiência das
fábricas recuperadas - (Expressão Popular/Fapesp, 2007. E 2010, 2a Edição /
Lutas anticapital, 3a edição), Reatando um o interrompido - a relação uni-
versidade-movimentos sociais na América Latina (Expressão Popular-Fapesp,
1a edição, Lutas anticapital, 2a edição; Producción destructiva, cooperación
agrícola y escuelas de agroecología en Brasil. (Itaca, 2023), Producción aso-
ciada y educación socialista: experiencias sociales y urbanas del Brasil (Callao,
2022) e Mundo do Trabalho Associado e embriões de educação para além do
capital (em Português pela Editora Lutas Anticapital e inglês pela Palgrave).
É Professor Livre Docente da Faculdade de Filosoa e Ciências da Unesp
Marília (2022), docente desde fev. de 2011, foi Vice-Coordenador da Pós
Graduação em Educação e é Coordenador do Programa de Pós-Graduação
em educação desde abril de 2022.
Jaqueline Ferreira de Almeida
Atualmente é Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Educação
da Universidade Estadual Paulista (UNESP/Marília). Mestre em Educação
pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do
Espírito Santo (PPGE/UFES) na linha de pesquisa: Educação, Formação
Humana e Políticas Públicas. Especialização em Educação Prossional e
Tecnológica (Instituto Federal de Educação do Espírito Santo). Graduada
em Pedagogia. Assistente em Administração da Universidade Federal
do Espírito Santo (UFES), lotada na Superintendência de Educação
a Distância (SEAD) atuando na equipe de Projetos Educacionais da
SEAD. Pertencente ao Grupo de Pesquisa: Organizações e Democracia
(Org&Demo/UNESP/Marília). Associada à Associação Nacional de Pós-
Graduação e Pesquisa em Educação (ANPED)
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas - vol. 3
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Julio Cesar Torres
Bacharel em Administração Pública e Licenciado em Pedagogia, com
especialização em Educação Inclusiva e em Psicopedagogia. É pós-
graduado em Educação a Distância (Especialização). Cursou o Mestrado
e o Doutorado em Sociologia, tendo também realizado pós-graduação
lato sensu em Gerência de Cidades (Gestão Pública). Atualmente, é
o Coordenador Geral UAB/CAPES na UNESP e Coordenador da
Coordenadoria de Desenvolvimento Prossional e Práticas Pedagógicas -
CDeP3, vinculada à Vice-reitoria da Unesp. É vice-coordenador do Curso
de Especialização em Gestão Pública Municipal da UNESP em parceria
com a CAPES/Universidade Aberta do Brasil. Integra a Câmara de EaD/
UAB e Tecnologias Educacionais da ABRUEM - Associação Brasileira
dos Reitores das Universidades Estaduais e Municipais. É docente do
Departamento de Educação da UNESP/São José do Rio Preto e do
Programa de Pós-graduação em Educação da UNESP, Câmpus de Marília.
Julio Hideyshi Okumura
Formado em Licenciatura em Pedagogia pela Unesp de Marília com mestra-
do e doutorado em educação pelo programa de Pós-graduação em Educação
da UNESP de Marília. Possui especialização em Educação de Jovens e
Adultos (ETEC), Educação Transformadora: pedagogia, fundamentos
e práticas (PUCRS,) e Aperfeiçoamento em “Crises Contemporâneas e
Movimentos Sociais” (UNESP/IBEC). Tem experiências em gestão de
equipe (Senac e FAIP), atua como professor na rede municipal de Marília
(SP) e docente do curso de Licenciatura em Pedagogia na Faculdade de
Ensino Superior do Interior Paulista (FAIP). Atua como coordenador da
rede municipal de Marília (EMEF) e é consultor empresa Esperançar.
Henrique Tahan Novaes, Domingos Leite Lima Filho e José Deribaldo Gomes dos Santos (Org.)
362
Lucília Machado
Professora titular aposentada da Faculdade de Educação da Universidade
Federal de Minas Gerais (1980-2001). Nessa Faculdade, atuou na graduação
em Pedagogia e Licenciatura, no mestrado e doutorado em Educação, na
sua gestão como vice-diretora e diretora. Nessa Universidade, concluiu a
graduação em Ciências Sociais e o mestrado em Educação. O doutorado em
Educação foi realizado na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
Em Paris, no Institut des Recherches sur les Sociétés Contemporaines -
Iresco, realizou programa de pós-doutoramento em Sociologia do Trabalho.
Trabalhou, antes, na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais
(1973-80) e na então Delegacia do Ministério da Educação em Minas
Gerais (1979-1983). Posteriormente à UFMG, atuou na Secretaria de
Educação Prossional e Tecnológica do Ministério da Educação na gestão
técnico-pedagógica do Programa de Expansão da Educação Prossional
(2003-2004) e como membro da Comissão Executiva Nacional de Cursos
Técnicos de Nível Médio - Conac. Para contato: luciliamachado2014@
gmail.com
Maria da Conceição da Silva Freitas
Professora Associada I na Universidade de Brasília, Departamento de Teoria
e Fundamentos, área de Educação e Trabalho, desde 2010. Graduação em
Pedagogia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul; mestrado em
Educação pela Universidade Federal Fluminense, doutorado em Sociologia
pela Universidade de Brasília. Pós-doutorado na Universidade do Estado do
Rio de Janeiro, Departamento de Políticas Públicas e Formação Humana
(2021-2022). Atuou como Vice-Coordenadora da pesquisa da Redecentro:
“Formação de professores (as) na região Centro-Oeste”, na Universidade de
Brasília (2013-2018), onde desenvolveu subprojeto de pesquisa “Inserção
prossional dos egressos da Pedagogia”. Foi Coordenadora pedagógica do
Projeto “Tecendo a cidadania no campo: alfabetização de jovens e adul-
tos no Distrito Federal e Entorno” (2012-2014). De 2012 a 2015 foi
orientadora colaboradora no Mestrado Prossional da Universidade de
Brasília. Atuou como Pesquisadora Faperj e docente no Instituto Superior
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas - vol. 3
363
Tecnológico do Rio de Janeiro, da Fundação de Apoio à Escola Técnica,
órgão da Secretaria de Estado de Ciência Tecnologia do Rio de Janeiro
(2009). Tem experiência na área de Educação, com ênfase em Educação e
Trabalho, Formação de Professores, Currículo, Juventude e mundo do tra-
balho, e, Orientação Vocacional/Prossional e Aconselhamento. Escreve e
publica sobre trabalho docente
Mauro Sala
Possui bacharelado e licenciatura em Ciências Sociais (FCL-UNESP), mes-
trado em Educação Escolar (FCL-UNESP) e doutorado em Educação (FE-
UNICAMP). É professor de Sociologia no Instituto Federal de Educação,
Ciência e Tecnologia de São Paulo (IFSP), campus de Hortolândia. e-mail
- mauro.sala@ifsp.edu.br
Ramon de Oliveira
Foto Mestre em Educação pela Universidade Federal de Pernambuco
(1993) e Doutor em Educação pela Universidade Federal Fluminense
(2001). É professor Titular da Universidade Federal de Pernambuco. Tem
experiência na área de Educação, com ênfase em Educação e Qualicação
Prossional, atuando principalmente nos seguintes temas: educação pro-
ssional, política educacional, ensino médio, juventude e qualicação
prossional. É autor dos livros: Informática Educativa (Papirus), A des-
qualicação da educação prossional brasileira (Cortez), Empresariado
industrial e educação brasileira (Cortez) e Agências multilaterais e a educa-
ção prossional brasileira (Alínea), GLOBALIZAÇÃO E AS REFORMAS
DO ENSINO MÉDIO E DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO
ANOS DE 1990 (IFPR). Organizador do livro “Jovens, Ensino Médio e
Educação Prossional: políticas públicas em debate (Papirus). É bolsista de
Produtividade em Pesquisa do CNPq. Email para contato: proframonde-
oliveira1966@gmail.com
Henrique Tahan Novaes, Domingos Leite Lima Filho e José Deribaldo Gomes dos Santos (Org.)
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Yara Lígia Bambil Darós Garcia
Mestre em Educação Programa de Pós-Graduação em Educação,
Mestrado Prossional da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul
(PROFEDUC/UEMS) e graduada em História pela Universidade Católica
Dom Bosco (UCDB), em Campo Grande/MS. Docente na rede priva-
da de Educação básica. Desenvolve pesquisa sobre a reforma do Ensino
Médio e parceria público-privada em Mato Grosso do Sul.
catalogação na PublIcação (cIP)
Telma Jaqueline Dias Silveira
CRB 8/7867
normalIzação
Maria Elisa Valentim Pickler Nicolino
CRB - 8/8292
caPa e dIagramação
Gláucio Rogério de Morais
Produção gráfIca
Giancarlo Malheiro Silva
Gláucio Rogério de Morais
assessorIa técnIca
Renato Geraldi
ofIcIna unIversItárIa
Laboratório Editorial
labeditorial.marilia@unesp.br
formato
16 x 23cm
tIPologIa
Adobe Garamond Pro
2024
sobre o lIvro
Educação profissional no
Brasil do século XXI:
políticas, críticas e perspectivas
vol. 3
Henrique Tahan Novaes
Domingos Leite Lima Filho
José Deribaldo Gomes dos Santos
(Organizadores)
Educação profissional no Brasil do século XXI:
políticas, críticas e perspectivas - vol. 3
Henrique Tahan Novaes , Domingos Leite Lima Filho
José Deribaldo Gomes dos Santos (Org.)
Este livro é o terceiro de uma
trilogia resultante de ampla pesqui-
sa sobre a educação profissional
brasileira. Além da origem e do
tema, no entanto, há outras especi-
ficidades comuns aos três livros
merecedoras de destaque. A primei-
ra delas é a busca por situar a políti-
cas educacionais no âmbito das
contrarreformas que têm marcado
o Estado brasileiro desde o golpe de
2016. Como o leitor poderá perce-
ber, o pano de fundo dos capítulos
que integram a coletânea baseia-se
nas agruras da política ultraconser-
vadora e antipopular adotada pelos
governos de turno do período
2016-2022. Política, aliás, tida
como guia também por diversos
governos estaduais, como bem
evidencia o livro.
O segundo ponto comum aos
volumes da trilogia diz respeito à
maneira como é assumido o campo
complexo que caracteriza a educação
profissional brasileira. Há um
realce, particularmente acentuado
neste volume, à síntese “Educação
Profissional e Tecnológica (EPT)”,
que, imagino, não foi escolhido à
toa. A luta por um projeto educacio-
nal centrado politicamente na
noção de politecnia é o que fornece
conteúdo e forma ao conceito de
EPT: educação, ideia mais abrangen-
te que ensino; profissional, menos
impositiva que profissionalizante;
tecnológica, remetendo aos determi-
nantes sociais e políticos da tecnolo-
gia, muito além de uma mera força
produtiva – desde Marx, passando
pelos pioneiros da educação soviéti-
ca e por Gramsci, é legítimo o uso
da expressão “educação tecnológica”
para tratar da politecnia.
Essa perspectiva está presente na
reivindicação que Henrique Tahan
Novaes, Domingos Leite Lima Filho
e José Deribaldo Gomes dos Santos
fazem da EPT, síntese dos embates
históricos das décadas de 1980 e
1990 e dos primeiros anos dos 2000.
Por outro lado, ao confrontar os
dois pontos que destaquei anterior-
mente, fica nítido como a própria
ideia de EPT é, ao mesmo tempo,
ponto de chegada das lutas de uma
quadra histórica específica e ponto
de partida dos novos desafios
trazidos pela atual conjuntura. Essa
dialética da EPT brasileira es
bastante viva já nas características
teórico-metodológicas gerais do
projeto de pesquisa que originou o
livro. O recorte do projeto buscou
compreender as particularidades de
uma política de formação profissio-
nal própria do capitalismo depen-
dente, o que tornou ainda mais
potentes os resultados, gerais e
específicos, obtidos com as investiga-
ções. Os próprios convites feitos a
pesquisadores externos, expressos
em capítulos do livro, dão nitidez a
essa característica. Certamente, não
é empreendimento simples, no atual
estágio de desenvolvimento do
capitalismo brasileiro e sob a corres-
pondente correlação de forças entre
as classes e frações de classes sociais,
compreender os projetos educativos
em disputa.
Lucas Pelissari - UNICAMP
O desemprego estrutural e a gestão
criminosa da pandemia escancararam
a tragédia brasileira. Fome e miséria,
queda na renda familiar, dificuldade
de arranjar emprego mais uma vez
fazem parte do cotidiano bárbaro da
classe trabalhadora. Se é verdade que
os sistemas de educação profissional
permitem uma educação de melhor
qualidade para uma parcela da classe
trabalhadora, outra parcela frequenta
escolas públicas de péssima qualidade,
sem condições mínimas para a realiza-
ção do trabalho educacional. Os
capítulos deste livro procuram mostrar
as pequenas conquistas, os limites e as
contradições da política de educação
profissional, especialmente nos
Estados da federação brasileira.