9 786559 544578
ISBN 978-65-5954-457-8
Para além de razer conteúdo e pesquisas científicas de excelência, ler o
livro “Biblioteca Infantil: território de infâncias, trouxe aquele prazer que
defendemos, qaundo escrevemos sobre o ato de leitura. As autoras dos
quatro capítulos que compõem a obra mostram a gênese, o
desenvolvimento e apresença das bibliotecas infanto juvenis nas cidades
de São Paulo e Salvador. Ambas modelo de atuação em favor de leitura, da
cultura e da inclusão social, gerando uma potente repercussão a favor da
leitura, especialmente a infantil.
Lígia Maria Moreira Dumont (UFMG)
Organizadoras:
Sueli Bortolin
Raquel do Rosário Santos
Ana Cláudia Medeiros de Sousa
BIBLIOTECA INFANTIL:
território de infâncias
Biblioteca infanl: território de infâncias
Sueli Bortolin; Raquel do Rosário Santos e Ana Cláudia Medeiros de Sousa
O livro é importante
para as áreas de
Biblioteconomia e
Ciência da Informação,
principalmente por
abordar a biblioteca
infantil e a sua relação
com a criança, a
leitura, a mediação
cultural, destacando o
papel inovador das
bibliotecas infanto
juvenis, a sua
historicidade e
memória.
Organizadoras:
Sueli Bortolin
Doutora e Mestra em Ciência da
Informação pela Universidade Estadual
Paulista (Unesp). Graduada em
Biblioteconomia pela Universidade
Estadual de Londrina (UEL). Atua no
Programa de Pós-graduação em Ciência
da Informação da UEL. Mantém a coluna
Literatura Infantojuvenil’ no site
Infohome. Membro da Rede Mediar.
Raquel do Rosário Santos
Doutora em Ciência da Informação pela
Universidade Federal da Paraíba (UFPB).
Mestra em Ciência da Informação pela
Universidade Federal da Bahia (UFBA).
Graduada em Biblioteconomia pela
UFBA. Atua no Programa de
Pós-graduação em Ciência da Informação
da UFBA. Vice Líder do Grupo de Estudos
e Pesquisa em Medião e Comunicão
da Informação da UFBA. Vice
Coordenadora da Rede Mediar.
Ana Claudia Medeiros de Sousa
Doutora e Mestra em Ciência da
Informação pela Universidade Federal da
Paraíba (UFPB). Graduada em
Biblioteconomia pela UFPB. Atua no
Programa de Pós-graduação em Ciência
da Informação da Universidade Federal
da Bahia (UFBA). Membro do Grupo de
Estudos e Pesquisa em Mediação e
Comunicão da Informação da UFBA e
do Grupo de Estudos e Pesquisa em
Cultura, Informação, Memória e
Patrimônio da UFPB.
2
3
Sueli Bortolin
Raquel do Rosário Santos
Ana Cláudia Medeiros de Sousa
(ORGANIZADORAS)
BIBLIOTECA INFANTIL:
TERRITÓRIO DE INFÂNCIAS
2024
Coedição:
4
UNIVERSIDADE ESTADUAL
PAULISTA “JULHO DE MESQUITA
FILHO” - CAMPUS DE MARÍLIA
Diretora
Profa. Dra. Claudia Regina Mosca
Giroto
Vice-Diretora
Profa. Dra. Ana Cláudia Vieira
Cardoso
Conselho Editorial
Mariângela Spotti Lopes Fujita
(Presidente)
Célia Maria Giacheti
Claudia Regina Mosca Giroto
Edvaldo Soares
Franciele Marques Redigolo
Marcelo Fernandes de Oliveira
Marcos Antonio Alves
Neusa Maria Dal Ri
Renato Geraldi (Assessor Técnico)
Rosane Michelli de Castro
ASOCIACIÓN DE
EDUCACIÓN E
INVESTIGACIÓN EN
CIENCIA DE LA
INFORMACIÓN DE
IBEROAMÉRICA Y EL
CARIBE
Presidente
Marta Lígia Pomim
Valentim
Vice-presidente
Ailin Martínez Rodriguez
Secretaria
Blanca Rodríguez Bravo
Tesorero
Ramón Masís Rojas
Vocal
Oswaldo Francisco de
Almeida Júnior
Fiscal
Jairo Guadamuz Villalobos
Llamada nº 01/2022, de la Asociación de Educación e Investigación
en Ciencia de la Información de Iberoamérica y el Caribe (EDICIC),
titulado “Publicación de libros resultantes de estudios académicos
investigación científica desarrollada en el ámbito de EDICIC”.
Pareceristas: Profa. Dra. Lígia Maria Moreira Dumont (UFMG); Prof.
5
Dr. Rovilson José da Silva (UEL); Prof. Dr. Claudio Marcondes de
Castro Filho (USP-Ribeirão Preto).
Copyright © 2024, Faculdade de Filosofia e Ciências e EDICIC
Capa: Marcos Valadão
Ficha catalográfica
Elaborada por Lívia Santos de Freitas CRB-5/1478.
Editora Afiliada:
Cultura Acadêmica é selo editorial da Editora
UNESP
Oficina Universitária é selo editorial da UNESP -
mpus de Marília
Bortolin, Raquel do Rosário Santos, Ana Cláudia Medeiros
de Sousa.
Cultura Acadêmica; San José (Costa Rica): Editorial EDICIC,
Inclui Bibliografia.
ISBN 978-65-5954-458-5 (Digital)
ISBN 978-65-5954-457-8 (Impresso)
DOI: https://doi.org/10.36311/2024.978-65-5954-458-5
Santos, Raquel do Rosário. III. Sousa, Ana Cláudia Medeiros
de. VI. Título.
6
8
9
Fonte: BIML (2024).
Nossa homenagem à Lenyra Fraccaroli e
Denise Tavares, idealizadoras de
bibliotecas infantis brasileiras
10
11
SUMÁRIO
P.
PREFÁCIO..........................................................................
Henriette Ferreira Gomes
13
CAPÍTULO 1.......................................................................
A CRIANÇA, A LEITURA E A BIBLIOTECA INFANTIL
Greice Ferreira da Silva e Sueli Bortolin
21
CAPÍTULO 2.......................................................................
MEDIAÇÕES PLURAIS NA AMBNCIA DA BIJML (SÃO
PAULO)
Ivete Pieruccini e Fernanda de Lima Passamai Perez
41
CAPÍTULO 3.......................................................................
MEDIAÇÕES PLURAIS NA AMBNCIA DA BIBLIOTECA
INFANTIL MONTEIRO LOBATO (SALVADOR)
Raquel do Rosário Santos e Ana Cláudia Medeiros de
Sousa
69
CAPÍTULO 4.......................................................................
O PROTAGONISMO DE DENISE TAVARES REVELADO NA
DOCUMENTAÇÃO DE ARQUIVO E NAS VOZES DO PÚBLICO
LEITOR DA BIBLIOTECA INFANTIL MONTEIRO LOBATO
Joseania Miranda Freitas
83
POSFÁCIO..........................................................................
Oswaldo Francisco de Almeida Júnior
123
SOBRE AS ORGANIZADORAS E AS AUTORIAS.....................
129
12
13
https://doi.org/10.36311/2024.978-65-5954-458-5.p13-20
PREFÁCIO
Henriette Ferreira Gomes
Em tempos de crise em relação aos princípios e
compromissos com o projeto de humanização do mundo, onde está
em “cena livre” o ódio, o negacionismo, a mentira, a desinformação,
o individualismo e os interesses privados em opressão e
contraposição aos interesses do coletivo e à esfera pública,
comprometendo a paz e a inclusão social, esta obra, que resgata o
protagonismo de duas grandes bibliotecárias que compreenderam e
abraçaram a luta pela inclusão social a partir do foco do trabalho de
bibliotecas destinadas ao público infantojuvenil, privilegiando o
desenvolvimento do amor à leitura e a formação de leitores críticos
e emancipados, representa a reafirmação de que somos e sempre
seremos capazes de transformar o mundo apesar das adversidades.
Como seres gregários carregamos o potencial de nos constituir em
sujeitos sociais conscientes da nossa condição de seres políticos,
passando a atuar, inclusive profissionalmente, de modo a fortalecer
essa característica que mobiliza os processos transformadores da
realidade.
As contribuições históricas das bibliotecárias Lenyra
Fraccaroli e Denise Tavares valorizaram e valorizam a leitura, como
também a biblioteca enquanto um dispositivo de mediação que
pode realizar um trabalho potente em favor da emancipação dos
sujeitos leitores desde a infância, potencializando o
desenvolvimento de protagonistas sociais. Ambas, ao idealizarem,
criarem, desenvolverem e fortalecerem as pioneiras bibliotecas
infantojuvenis do Brasil: a Biblioteca Infantojuvenil Monteiro Lobato
na Cidade de o Paulo (inaugurada em 1936) e a Biblioteca Infantil
Monteiro Lobato na Cidade de Salvador (inaugurada em 1950),
marcaram a história das bibliotecas brasileiras e da mediação da
leitura no Brasil, apresentando esse ambiente informacional como
um virtuoso dispositivo de mediação em favor da inclusão social.
14
Os temas tratados nesta obra por meio das histórias e
contribuições de Lenyra Fraccaroli e Denise Tavares como: a leitura,
a formação de leitores, atividades de mediação da leitura
comprometidas com a inclusão social, o papel da biblioteca
enquanto uma instância sociocultural é abordado a partir dos
achados de estudos e pesquisas em torno dos legados dessas duas
grandes bibliotecárias. Nesse sentido, se impõe a assertiva de que
esta coletânea também se coloca como um convite/convocação aos
profissionais e pesquisadores(as) da área à ampliação de ações e
pesquisas acerca desses temas que são debatidos ao longo dos
quatro capítulos que compõem este volume.
O primeiro capítulo, de autoria de Greice Ferreira da Silva e
Sueli Bortolin, intitulado A criança, a leitura e a biblioteca infantil,
inaugura a dialogia com seus leitores pautando abordagens teóricas
acerca da criança, do ato de ler, da mediação da leitura, mas
buscando ainda pontuar as repercussões das ações mediadoras das
bibliotecas infantis na formulação de novas possibilidades de leitura
na infância. Ao longo desse capítulo Silva e Bortolin buscam
problematizar questões relacionadas à frágil existência da leitura
espontânea entre as crianças brasileiras, decorrente da inexistência
de convívio das nossas crianças com os livros, mas também como
resposta à forma pela qual a família, a escola e a biblioteca
promovem o encontro das crianças com a leitura. As autoras alertam
para a responsabilidade coletiva dessas instâncias sociais em relação
à formação de leitores, assim como para a necessidade de
movimentos que conquistem transformações positivas, assinalando
a necessária resistência por parte de pesquisadores(as),
bibliotecários(as) e docentes no sentido de assegurar avanços no
conhecimento, concepção e desenvolvimento de ações voltadas à
leitura.
No âmbito das pesquisas, estudos e empreendimentos
relacionados às ações mediadoras de leitura, o segundo capítulo,
intitulado Mediações plurais na ambiência da BIJML (São Paulo), de
autoria de Ivete Pieruccini e Fernanda de Lima Passamai Perez passa
a colocar em comum com seus leitores, os conhecimentos
15
construídos com base em uma pesquisa acerca da Biblioteca
Infantojuvenil Monteiro Lobato da Cidade de São Paulo, criada em
vinculação com o projeto político cultural do Departamento
Municipal de Cultura, sob a liderança dos intelectuais, escritores e
literatos modernistas, com destaque para Mario de Andrade, Sérgio
Milliet da Costa e Rubens Borba de Moraes. Este último, bibliotecário
e participante da Semana de Arte Moderna de 1922, que dirigiu a
Biblioteca Mario de Andrade e fundou em 1936 o Curso de
Biblioteconomia vinculado à Prefeitura de São Paulo, que
posteriormente passou a ser vinculado à Fundação Escola de
Sociologia e Política de São Paulo. Além disso, Rubens Borba de
Moraes também dirigiu a Biblioteca Nacional e foi professor do
Curso de Biblioteconomia da Universidade de Brasília.
Este segundo capítulo busca mostrar a gênese e o
desenvolvimento da BIJML de São Paulo, assinalando que ela surge
no seio de uma concepção inclusiva que orientava a atuação do
Departamento de Cultura de São Paulo no sentido de fortalecer o
que este denominava de “sistemas culturais livres”. O objetivo maior
desses sistemas era o de contribuir para o resgate da identidade
social e nacional dos brasileiros. Nesse sentido, a criação da BIJML
foi movida pela intencionalidade explícita de promoção do acesso à
informação, ao livro e à leitura, privilegiando a interação da criança
com a memória cultural e a formação de leitores e cidadãos ativos
socialmente.
A Cidade de São Paulo contava com recursos de ordem
política, financeira e social para a criação e manutenção de uma
biblioteca pública como dispositivo de preservação da memória e de
mediação da leitura, capaz de incluir socialmente parcelas da
sociedade alijadas dos circuitos culturais e educacionais, como
aquelas oriundas da classe operária. Nessa perspectiva, essa nova
experiência de biblioteca pública dirigida ao público infantojuvenil
com tais características posiciona esse empreendimento histórico
alinhado a ambientes informacionais orientados pelo o quê Capurro
defende como ética intercultural, que assegura o respeito às
diferentes culturas e origens culturais.
16
Pieruccini e Perez demonstram que o trabalho da BIJML de
São Paulo se transformou em modelo de atuação em favor da
leitura, da cultura e da inclusão social, gerando uma potente
repercussão, tanto no Brasil quanto no exterior, trazendo inovações
como a associação de ações de mediação da leitura a ações de
mediação da produção escrita. Como resultado dessa inovação, a
BIJML chegou a organizar em 1945 o “ Congresso de Escritores
Infanto-Juvenis”. No âmbito da mediação da leitura, a BIJML se
ocupou ainda de trabalhar tanto com conteúdos literários de ficção,
quanto com conteúdos científicos. O desafio de atuar em favor da
inclusão social demandou a inovação de ações mediadoras voltadas
à formação de um leitor ativo, capaz de escrever sobre o que leu,
ampliando seu processo de reflexão em torno do conteúdo lido,
assim como suas possibilidades de apropriação da informação e de
produção cultural. Nesse sentido as autoras ressaltam a
característica de dispositivo de mediação cultural da BIJML de São
Paulo, por contribuir para a construção e consolidação de um
ambiente informacional (biblioteca infantojuvenil) como um espaço
público que se volta a reafirmar e firmar os interesses públicos, os
interesses da esfera pública. O estudo da história da BIJML de São
Paulo, da bibliotecária Lenyra Fraccaroli que a concebeu e das ações
mediadoras por ela planejadas e implantadas, sustenta a conclusão
de que essa Biblioteca foi concebida e se constituiu como um
dispositivo de mediação concentrado no desenvolvimento do
diálogo sociocultural, a partir do encontro de crianças e jovens com
conteúdos informacionais existentes nas mais diversas linguagens,
valorizando o processo de interação e, portanto, se caracterizando
como um dispositivo informacional dialógico na concepção de
Pieruccini.
No terceiro capítulo, esta coletânea oferta aos seus leitores
o encontro com os resultados de um estudo realizado acerca da
Biblioteca Infantil Monteiro Lobato da Cidade de Salvador. Em suas
análises, as autoras Raquel do Rosário Santos e Ana Claudia
Medeiros de Sousa partiram do pressuposto de que há uma
interrelação entre a mediação da informação e a mediação cultural
17
que favorece o processo de apropriação da informação pelos
sujeitos sociais, situando a leitura como uma instância social voltada
a esse processo de apropriação, que por sua vez colabora com o
fortalecimento identitário e com o desenvolvimento do
protagonismo social. Nessa abordagem, as autoras defendem que a
mediação da leitura focaliza o incentivo à leitura, por meio de
atividades que apoiem o desenvolvimento do gosto e do prazer de
ler, atuando na formação de leitores capazes de realizar a leitura do
contexto, das circunstâncias e instâncias sociais, assim como das
atitudes e dos aspectos intervenientes nos contextos socioculturais.
Pautadas nessas concepções as autoras realizaram pesquisa
no âmbito da Biblioteca Infantil Monteiro Lobato da Cidade de
Salvador, identificando e analisando os reflexos da conduta
protagonista da bibliotecária Denise Tavares nas atividades de
mediação da informação, mediação cultural e da leitura desde a sua
criação. Trabalho inspirado na experiência da Biblioteca
Infantojuvenil Monteiro Lobato de São Paulo.
Como resultado da pesquisa, as autoras verificaram que
Denise Tavares enfrentou várias lutas para ultrapassar as barreiras
do seu tempo histórico, no qual o preconceito e o cerceamento do
agir da mulher era ainda maior do que experimentamos atualmente.
Denise Tavares sempre atuou no sentido de convencer seus
contemporâneos sobre a importância da infância e da formação do
leitor nesse período da vida, articulando sua concepção a ações
públicas que viabilizassem esse trabalho, conduta que a caracteriza
como uma bibliotecária que se constituiu protagonista social. Sua
obra influenciou e segue influenciando os(as) mediadores(as) que
atuam na BIML de Salvador, que identificam e relacionam as
atividades de mediação da informação e da leitura à
responsabilidade social da biblioteca de democratizar o acesso à
informação e à leitura, de fortalecimento da cultura em toda sua
diversidade, o que reforça a motivação para avançarem das
atividades mediadoras do mero acesso à informação àquelas que
auxiliem o processo de apropriação da informação. Essa orientação
e essa determinação, inspiradas no trabalho da Denise Tavares,
18
tornam efetiva a caracterização dessa Biblioteca como um
dispositivo de mediação que estimula e apoia o desenvolvimento de
protagonistas sociais.
Os achados do estudo de Santos e Sousa confirmam e se
articulam àqueles apresentados no quarto e último capítulo desta
obra intitulado O protagonismo de Denise Tavares revelado na
documentação de arquivo e nas vozes do público leitor da Biblioteca
Infantil Monteiro Lobato de autoria de Joseania Miranda Freitas. Em
seu estudo, Freitas apresenta os conceitos de infância defendidos
por Denise Tavares, articulando as revelações obtidas na análise de
uma rica documentação que integra o acervo documental da BIML,
e de documentos pessoais da bibliotecária Denise, aos depoimentos
de leitores que foram formados para leitura por meios das atividades
mediadoras da BIML.
O texto discorre sobre a conduta protagonista da Denise
Tavares, que agiu politicamente para convencer as esferas de poder
e a sociedade baiana da importância das suas concepções de
biblioteca e da leitura relacionadas à justiça social, conquistando a
criação da BIML como espaço de inclusão social. A biblioteca
proposta e implantada por Denise Tavares não representava e não
representou apenas um espaço de acesso à informação e à leitura,
mas também um ambiente de convivência social, de encontro com
a informação, de leitura, produção de sentidos e produção cultural,
sempre em respeito a diversidade cultural e aos diferentes níveis
socioeconômicos das crianças. Inspirada em Anísio Teixeira, Denise
Tavares atuou no sentido do respeito à alteridade, focalizando a
formação de leitores capazes de fortalecer o senso de coletividade,
capaz de sustentar a fraternidade social. Na segunda metade do seu
capítulo, Freitas desvela ainda a qualidade das ações mediadoras da
BIML dirigida por Denise Tavares, a partir da análise das percepções
de um conjunto de leitores formados pela Biblioteca. Nesses
depoimentos, os usuários históricos da BIML evidenciaram a
importância de suas ações, especialmente pela consciência que
estes têm de que elas lhes permitiram construir experiências e
consolidar referências que se tornaram importantes para suas vidas.
19
Entre os depoimentos apresentados neste último capítulo,
destacam-se personalidades de relevo cultural, acadêmico e político
na Bahia e em Salvador, a exemplo do João Jorge Rodrigues, que
frequentou a BIML nos anos 1970 na condição de menino que residia
no Bairro do Maciel (Pelourinho) e do Prof. Jaime Sodré da
Universidade Estadual da Bahia. Tais depoimentos reafirmam a
conclusão da autora de que a bibliotecária Denise Tavares defendeu
e consolidou a existência da biblioteca infantojuvenil como um
ambiente de promoção do encontro com a diversidade cultural,
aberto ao debate e a defesa do debate. Com seu trabalho no âmbito
da Biblioteconomia, da Cultura e da Educação, Denise Tavares
também contribuiu para as discussões em defesa da promoção e
conquista dos direitos da infância e da juventude de,
independentemente da origem social, poder acessar o
conhecimento, a cultura, a leitura e as condições para a apropriação
da informação por meio da mediação da leitura realizada pela
biblioteca.
Assim, transitando pela obra por meio da leitura atenta de
cada uma das suas partes, sempre refletindo acerca das
contribuições das suas autoras, torna-se possível uma reconexão à
missão da biblioteca pública, com destaque para a biblioteca
infantojuvenil. Além disso, pode-se concluir que a consolidação e o
enriquecimento das experiências com a leitura enquanto um
processo de encontro de consciências, de culturas e de percepções
de mundo, consagra a biblioteca infantojuvenil como um dispositivo
que cumpre, quando se torna efetivo por meio da mediação
consciente, sua corresponsabilidade na formação de leitores com
maior tendência à conduta protagonista na vida em sociedade.
Nesse sentido, no encerramento deste prefácio, faço aos
seus futuros leitores o convite para percorrerem o conjunto desses
textos, em um encontro dialógico com suas autoras, concedendo às
temáticas da leitura, da mediação da informação e da mediação
cultural um espaço de reflexão fecunda.
20
21
https://doi.org/10.36311/2024.978-65-5954-458-5.p21-40
CAPÍTULO 1
A CRIANÇA, A LEITURA E A BIBLIOTECA INFANTIL
Greice Ferreira da Silva
Sueli Bortolin
1 INTRODUÇÃO
A leitura espontânea no Brasil ainda não é frequente na vida
da maioria das crianças. Isso se deve em grande parte pela
inexistência de uma cultura de convivência com os livros ou à
maneira como as obras infantis são apresentadas ao leitor na família,
na escola e na biblioteca. Nesses ambientes o didatismo e o
autoritarismo, em torno da relação livro-leitor, ainda são fortes e o
desejo de catequizar ou ensinar com livros infantis é constante,
porém, ele não deve ser usado como (e nem com) o único pretexto
de transmitir conhecimentos.
Criar barreira no processo de formação de leitores e, na
posterior independência na escolha de um texto é no mínimo um
desserviço ao país. A responsabilidade na formação de leitores é
coletiva e os movimentos nesse sentido precisam ser fomentados,
principalmente nos últimos anos em terras brasileiras, quando livro,
leitura e biblioteca são itens apontados, por lideranças
conservadoras, como objetos desnecessários ao cidadão. Exige-se
muita resistência por parte dos mediadores no planejamento de
ações e pesquisas científicas, tanto por parte de professores, quanto
de bibliotecários. Um exemplo disso é a escritura desse texto que foi
estruturado da seguinte maneira: seção 1 - Introdução; seção 2 - A
criança e suas capacidades, nela foram apresentadas teorias e
argumentos para a compreensão da criança; seção 3 - O ato de ler e
o mediador da leitura que têm discussões a respeito do ler e do
mediar; seção 4 - Biblioteca infantil e novos modos de leitura,
quando se caracterizou este gênero de biblioteca e foram abordados
22
os novos modos de leitura; seção 5 - nas Considerações finais
destacam-se as principais conclusões com a advertência da
necessidade de outras pesquisas nesta temática.
2 A CRIANÇA E SUAS CAPACIDADES
Com o objetivo de discutir a biblioteca infantil e seu papel na
formação de leitores, questão nuclear deste texto, aborda-se
brevemente sobre a criança, público a que se destina e convergem
as ações desse espaço.
De acordo com a Teoria Histórico-Cultural proposta por
Vygotsky e seus colaboradores, a criança nasce com uma única
capacidade, a de criar capacidades. A infância é o período em que a
criança entra na cultura humana e se apropria dela (Leontiev, 1978;
Mello, 2007; Vygotsky, 1995). Nessa perspectiva, Mello (2007)
esclarece que com esta Teoria:
[...] aprendemos a perceber que cada criança aprende
a ser um humano. O que a natureza lhe provê no
nascimento é condição necessária, mas não basta
para mover seu desenvolvimento. É preciso se
apropriar da experiência humana criada e acumulada
ao longo da história da sociedade. Apenas na relação
social com parceiros mais experientes, as novas
gerações internalizam e se apropriam das funções
psíquicas tipicamente humanas da fala, do
pensamento, do controle sobre a própria vontade, da
imaginação, da função simbólica da consciência , e
formam e desenvolvem sua inteligência e sua
personalidade (Mello, 2007, pp.88).
Para Vygotsky (1988) a criança desde bem pequena é capaz
de estabelecer relações com as outras pessoas e coisas num
processo em que percebe e se apropria de significados e atribui
sentido a eles. Sendo assim, o que move o desenvolvimento humano
são as condições concretas de vida e educação que o sujeito possui
(Leontiev, 1988; Vygotsky, 1988). Nessa perspectiva, pode-se
23
entender a criança como um sujeito capaz de se relacionar,
comunicar-se, de interagir, como um sujeito criativo, que pode ser
desafiado, que internaliza conhecimentos e atribui sentido a eles
através das relações sociais de que participa e do lugar que ocupa
nessas relações e no mundo (Leontiev, 1988).
Segundo Vygotsky (1988), os primeiros anos de vida marcam
o intenso desenvolvimento dos aspectos intelectuais, físicos,
emocionais e morais na criança e, por isso mesmo, a criança vai se
humanizando. Leontiev (1987) também enfatiza a importância dos
anos iniciais da vida da criança no processo historicamente situado
de desenvolvimento da humanidade nos homens. Elucida também
que neles “[...] se atam os primeiros nós, se estabelecem os
primeiros enlaces e relações que formam [...] a unidade da
personalidade [...] é o período de formação fática dos mecanismos
psicológicos da personalidade” (Leontiev, 1987, pp.58).
Diante desses pressupostos pode-se depreender que a
infância é o período em que inicia o desenvolvimento da
personalidade e da inteligência da criança. A criança é alguém que
em função das relações sócio-históricas, apropria-se do mundo e
desenvolve uma forma única de refletir e de atuar sobre ele.
Dessa maneira, a experiência social é a fonte do
desenvolvimento psíquico da criança e com a mediação do adulto
ela entra em contato com o mundo da cultura e constrói as
qualidades psíquicas e as propriedades de sua personalidade. Um
aspecto importante a ser ressaltado é que o desenvolvimento não
transcorre de forma regular, o desenvolvimento não é linear.
evoluções e involuções. O desenvolvimento é sistêmico, articulado
com um conjunto de funções e acontece com saltos e rupturas. Esses
períodos do desenvolvimento por saltos e rupturas são chamados de
crises de desenvolvimento (Mukhina, 1996, Capítulo 3; Vygotsky,
1996).
Quando o desenvolvimento alcançado pela criança chega a
um momento em que seus conhecimentos, hábitos, qualidades
psíquicas, entram em contradição com as velhas formas de ação e
de relação com as pessoas que a rodeiam, ocorrem crises. Nesse
24
momento, o mediador deve estar atento às novas necessidades da
criança e possibilitar-lhe meios de avançar e não ficar incidindo ou
insistindo naquilo que a criança já domina.
Quanto às particularidades da formação das ações
intelectuais, Leontiev (1978) afirma que a aquisição de
conhecimentos se torna um processo que provoca a formação na
criança de ações interiores cognitivas, isto é, de ações e de
operações intelectuais. A interiorização das ações, ou seja, a
transformação de ações exteriores em ações interiores, intelectuais,
realiza-se na ontogênese humana. O conteúdo central do
desenvolvimento da criança consiste na apropriação por ela das
aquisições que se manifestam sob a forma de objetos, conceitos
verbais, saberes, do desenvolvimento histórico da humanidade, em
particular, das aquisições do pensamento e do conhecimento
humanos. Sendo assim, uma nova ação intelectual surge
primeiramente, como uma ação exterior, que posteriormente se
interioriza (transforma-se em uma ação interior) desenrolando-se
inteiramente no espírito da criança.
A Teoria Histórico-Cultural ao tratar o processo de
interiorização das funções tipicamente humanas como a linguagem,
a memória, o pensamento, a imaginação, esclarece que tais funções
não se desenvolvem todas ao mesmo tempo, mas cada idade tem a
sua função predominante. A esse fato denominou de regularidades
do desenvolvimento infantil. Em outras palavras, à medida que as
crianças crescem, novas necessidades dão lugar a novos tipos de
ação principal. A partir desse ponto, a passagem para uma nova
atividade principal depende das suas condições de vida e educação
(Leontiev, 1988; Mukhina, 1996, Capítulo 3; Vygotsky, 1988).
O melhor momento para a intervenção se dá quando
determinada função está em processo de formação e
desenvolvimento (Vygotsky, 1996). Disso decorre a necessidade de
conhecer as regularidades desse processo (Mello, 2007). “A criança
aprende de um jeito diferente do adulto e de um jeito diferente em
cada etapa de desenvolvimento” (Mello, 2007, pp.95). Conforme
Leontiev (1988), a atividade é a forma pela qual a criança melhor se
25
relaciona e é por meio dela que ocorrem as mudanças mais
significativas no conhecimento do mundo, nos processos de
desenvolvimento e nos traços de sua personalidade (Mello, 2007). O
próprio processo de desenvolvimento da criança consiste no
surgimento de novas formações em cada idade. Por essa razão,
Vygotsky (1996) esclarece que:
[...] o desenvolvimento da criança, analisado do ponto
de vista das etapas no desenvolvimento da
personalidade, do ponto de vista das relações da
criança com o entorno, do ponto de vista da atividade
fundamental em cada etapa, está vinculado
estreitamente com a história do desenvolvimento da
consciência infantil (Vygotsky, 1996, pp.338).
Nesse sentido, é necessário entender a conduta da criança,
a sua expansão e o lado positivo de sua personalidade. Sendo assim,
pode-se entender o desenvolvimento infantil como um complexo
processo que é dialético, que se distingue por uma complicada
periodicidade, a desproporção no desenvolvimento das diversas
funções, a transformação qualitativa de umas formas em outras,
“um entrelaçamento complexo de processos evolutivos e
involutivos, de fatores externos e internos, um complexo processo
de superação de dificuldades e de adaptão” (Vygotsky, 1995,
pp.141). Desse modo, a periodização deve se dar fundamentada nas
mudanças internas do desenvolvimento. Somente as modificações
do seu curso podem realmente proporcionar uma base sólida para
determinar os principais períodos de formação da personalidade da
criança que chamamos de idade (Vygotsky, 1996).
A visão de criança defendida pela Teoria Histórico-Cultural
implica uma modificação nas práticas educativas tradicionais e
descarta o modo de enxergar a criança como ser incapaz, imaturo ou
inocente que pode ser corrompida. Conforme reiterado, a criança
nessa perspectiva é um ser ativo que se desenvolve ampla e
continuamente a partir da própria atividade, das relações que trava
com os adultos, com outras crianças, com o seu entorno e por meio
das condições adequadas (Leontiev, 1988; Vygotsky, 1988).
26
A aprendizagem antecede e impulsiona o desenvolvimento,
por tornar-se condição pela qual as qualidades humanas se formam.
O mesmo acontece com a leitura, pois “A leitura do mundo precede
a leitura da palavra, daí que a posterior leitura desta não possa
prescindir” (Freire, 1989, pp.11). Na próxima seção será abordada a
leitura e os seus mediadores.
3 O ATO DE LER E O MEDIADOR DA LEITURA
A leitura é uma via de acesso para participar da cultura
escrita, e, desse modo, ler se constitui numa necessidade essencial
para garantir o pertencimento e a atuação ativa nessa sociedade.
Mas, o que é ler? Segundo Geraldi (2003) é um
[...] processo dialógico cuja trama torna as pontas dos
fios do bordado tecido para tecer sempre o mesmo e
outro bordado, pois as mãos que agora tecem trazem
e traçam outra história. Não são mãos amarradas se
o fossem, a leitura seria reconhecimento de sentidos
e não produção de sentidos; não são mãos livres que
produzem o seu bordado apenas com os fios que
trazem nas veias de sua história se o fossem, a
leitura seria um outro bordado que se sobrepõe ao
bordado que se lê, ocultando-o, apagando-o,
substituindo-o. São mãos carregadas de fios, que
retomam e tomam os fios que no que se disse pelas
estratégias de dizer se oferece para a tecedura do
mesmo e outro bordado. É o encontro destes fios que
produz a cadeia de leituras construindo os sentidos de
um texto. E como cadeia, os elos [...] são aqueles
fornecidos pelos fios das estratégias escolhidas pela
experiência de produção do outro (o autor) com que
o leitor se encontra na relação interlocutiva de leitura.
A produção deste, leitor, é marcada pela experiência
do outro, autor, tal como este, na produção do texto
que se oferece à leitura, se marcou pelos leitores que,
sempre, qualquer texto demanda. Se assim não fosse,
não seria interlocução, encontro, mas passagem de
27
palavras em paralelas, sem escuta, sem contra
palavras: reconhecimento ou desconhecimento, sem
compreensão (Geraldi, 2003, pp.166-167).
Os apontamentos de Geraldi (2003) trazem o princípio
dialógico da linguagem sob a ótica bakhtiniana e da leitura como um
encontro dos interlocutores, marcado pela atitude responsiva do
leitor que interage com o texto e com o autor e já traz no momento
da leitura uma contra palavra. Essa dinamicidade interlocutiva
permite que o leitor considere, critique, avalie, retome,
desconsidere, debata o texto e num contínuo processo de
compreensão responda às suas próprias perguntas e àquelas
propostas pelo autor que já tem dentro dele um leitor.
Ler é compreender, atribuir sentido é uma prática cultural,
social e histórica. E por essa razão, a leitura numa perspectiva de
trocas pressupõe que as relações travadas com o texto superam a
mera decifração e oralização de sinais gráficos. A preocupação
excessiva com a fonética e com a decodificação, forma crianças
ledoras crianças que apenas repetem ou pronunciam as palavras e
frases que compõem um texto, mas que não conseguem
compreendê-los e não participam dialogicamente do processo de
significação da leitura.
Sobre esses aspectos, Vygotsky (1995) afirma que a maneira
de ler um material escrito pode fazer diferença no desenvolvimento
do raciocínio das crianças. Este pensamento se coaduna com a
concepção de linguagem proposta por Bakhtin e com a concepção
de leitura aqui discutida. Segundo Vygotsky (1995), o leitor se
apropria do texto na medida em que toma consciência do significado
das palavras do autor. Sobre isso, o autor esclarece que “[...] é
necessário compreender o pensamento do interlocutor. Inclusive se
a compreensão do pensamento, se não alcança o motivo, a causa da
expressão do pensamento, é uma compreensão incompleta”
(Vygotsky, 1993, pp.343).
A criança desde pequena vive imersa numa sociedade
marcada fortemente pela escrita. Ela é capaz de estabelecer relações
com o escrito de forma a questioná-lo, de fazer previsões, escolhas,
28
de validar essas antecipações ou não e assim elaborar outras
questões e outras respostas. Pode-se dizer que a relação entre o
leitor e o texto é dialética, ou seja, o leitor no ato da leitura traz os
seus conhecimentos para dialogar com o texto, para compreendê-lo
e essa compreensão permite ao leitor criar, modificar e elaborar
novos conhecimentos.
De acordo com Arena (2003), lemos porque temos
necessidades que são criadas pelas relações sociais entre os
indivíduos, por essa razão, o autor afirma que não lemos por hábito,
gosto ou prazer. Nessa perspectiva, a escola [e as bibliotecas] tem o
papel de criar necessidades de leitura nas crianças, permitindo que
elas vivenciem situações reais em que possam participar ativamente,
sendo sujeitos de suas aprendizagens.
Não basta ensinar a ler, a atitude correta seria de ensinar a
própria língua não somente como um instrumento de comunicação,
mas como um instrumento do pensamento (Arena, 2010;
Foucambert, 1998; Vygotsky, 2001). Nessa perspectiva, ler é uma
forma de apropriar-se da cultura humana e seu ensino ultrapassa a
mera decodificação de sinais gráficos e a vocalização se relacionando
às formas de desenvolvimento do pensamento. Segundo Arena
(2010, pp.242-243): “Aprender a ler é necessário para a
transformação contínua, progressiva, para um modo cada vez mais
abstrato e profundo de pensar, que somente a relação com essa
tecnologia chamada escrita pode proporcionar ao homem”.
O que aqui se enfatiza não é somente a natureza
comunicativa da língua escrita, mas “[...] o aspecto transformador
das funções psíquicas superiores que permitem a inserção do
homem diretamente nas relações humanas permeadas pelo gráfico,
atualmente potencializado pelos processadores eletrônicos” (Arena,
2010, pp.243). Portanto, ler é uma ação de produzir sentidos e a
função transformadora da língua exige que seu ensino seja
compatível do leitor atual, em outras palavras, “[...] obriga a didática
da leitura a elaborar novas condutas metodológicas para atender a
esse novo leitor e às novas funções redescobertas no ato de ler
(Arena, 2010, pp.243).
29
O mediador ensina o ato de ler para que a criança possa criar
leitura, porque a leitura acontece no momento em que o leitor a
realiza; ela se dá na relação entre o leitor e o texto. A leitura não é
um objeto, uma coisa e “[...] somente ganha existência quando o
leitor a cria na relação entre o que ele é, o que sabe, e o que o texto
criado pelo outro está a oferecer” (Arena, 2010, pp.243). Dessa
forma, o mediador ensina o “[...] modo como o leitor em formação
deve agir sobre o texto para criar a leitura” (Arena, 2010, pp.243).
Por essa razão, não se ensina a leitura, mas se ensina o aluno a ler
[...] nos limites de sua potencialidade, na sua relação com os
diferentes gêneros e suportes textuais que possibilitam a formação
crescente e permanente de modos de pensar cada vez mais
abstratos” (Arena, 2010, pp.243).
Considerando esses apontamentos, o papel do mediador é o
de criar nas crianças o desejo de ler, a vontade de conhecer através
da leitura. Quando a criança convive com situações reais de leitura e
escrita na escola, na biblioteca ou em casa, ela cria para si essas
necessidades (Mello, 2007). Pode-se dizer que o princípio que
orienta a ação educativa para a leitura é o da vivência no universo
social e cultural, incluindo a oralidade espontânea e as expressões
características dos discursos de escrita. Dessa maneira, a criança
poderá operar com signos e significados dentro de um mundo pleno
de valores e de sentidos socialmente marcados. A autonomia de ler
e de escrever decorre dessa experiência, e não do contrário (Britto,
2005).
A linguagem ocorre no diálogo (Bakhtin, 1992) e, durante a
leitura, essa dialogicidade é percebida pela relação dinâmica com o
texto e pela própria atitude responsiva do leitor que estabelece uma
interlocução. Posto isso, Freitas (1994) assinala que na perspectiva
dialógica de Bakhtin [...] o texto não preexiste ao leitor. Ele se
constitui no momento da interação com o leitor, da interlocução.
Com base nessa interação, cada pessoa produz uma leitura
diferente, tem um entendimento diferente (Freitas, 1994, pp.125-
126).
30
O texto se constitui como tal no momento em que ocorre a
leitura, e a leitura é a relação do leitor com o texto, ela só existe no
momento em que se realiza. A relação que o leitor vai estabelecer
com o texto está diretamente vinculada com a sua história de leitura.
“A leitura é uma questão de natureza, de condições, de modos de
relação, de trabalho, de produção de sentidos, em uma palavra: de
historicidade” (Orlandi, 1996, pp.9).
A atitude de um leitor mais experiente deve ser ensinada
para um leitor principiante para que ele possa participar ativamente
do processo de apropriação da leitura. O mediador deve ensinar a
criança a questionar o texto, a dialogar, a estabelecer relações
dinâmicas com o texto, com um leitor mais avançado e com outras
crianças. Jolibert (1994, pp.149) adverte: “Toda leitura é um
questionamento de texto, isto é, uma elaboração ativa de significado
feita pelo leitor a partir de indícios diversos, de acordo com o que
está procurando no texto para responder a um de seus projetos”.
Assim, as pessoas se constituem na relação com o outro e é
o outro que mostra e indica como a gente se constitui. Com essa
afirmação é possível depreender que o mediador, por meio de
situações intencionalmente planejadas, provoca nas crianças
relações e vivências com a leitura de forma a le-las a valorizar este
ato.
Pode-se afirmar que as crianças aprendem a ler e se
tornarão leitoras se realmente estiverem motivadas e se tiverem
disponíveis à mão os escritos sociais. No processo de mediação da
leitura, as atividades devem ocorrer em situações reais para que o
leitor possa encontrar meios para atribuir sentido ao texto. Segundo
Jolibert (1994, pp.15) “É lendo de verdade, desde o início, que
alguém se torna leitor e não aprendendo primeiro a ler”.
Destaca-se ainda que se o ensino da leitura ocorrer em
situações reais, se for ao encontro dos interesses do aluno e ele
souber por que e para que está lendo, conseguirá atribuir sentido ao
texto, o que lhe possibilitará a apropriação do objeto cultural escrito.
Outro aspecto a ser considerado é a utilização de materiais que
tentam facilitar a leitura das crianças mediante a proposta de textos
31
narrativos que elas conhecem em sua versão oral, ou produzidos
especialmente para a aprendizagem; estes na maioria das vezes são
simplificados e artificiais e com pequenos fragmentos de textos que
não se coadunam com o conceito de leitura aqui abordado, isto é, a
leitura como compreensão, como produção de sentidos, como
interlocução ensino e a aprendizagem que ocorre num processo
interativo, dialógico, dinâmico e ativo de humanização. Assim,
considera-se que a criança ser histórico é um ser capaz, que
aprende e que é sujeito de suas aprendizagens.
Ao entender a leitura como interlocução, o diálogo do leitor
é com o texto, o mediador atua como mera testemunha desse
diálogo (Geraldi, 2002), visto que o mediador é também um leitor, a
sua leitura é apenas uma das leituras possíveis. As muitas leituras
possíveis são advindas das relações estabelecidas pelo leitor, das
suas vivências, das condições concretas de vida e educação
(Leontiev, 1988; Mukhina, 1996, Capítulo 3; Vygotsky, 1988). Nessa
perspectiva, a criança deve ser provocada para a leitura. Se ela puder
conviver com a leitura e a escrita, a princípio realizadas pelo
mediador, enquanto vive muitas experiências significativas em que
possa se expressar através das diferentes linguagens, ela se
apropriará da leitura e da escrita de forma natural, em outras
palavras, sem ser uma mera tarefa imposta, uma obrigação sem
sentido.
O ambiente de formação de leitores abordado nessa obra é
a biblioteca infantil. Para tanto, na próxima seção se caracteriza a
biblioteca infantil e aborda os novos modos de leitura.
4 BIBLIOTECA INFANTIL E NOVOS MODOS DE LEITURA
O censo estatístico com o número de bibliotecas infantis
brasileira era frágil desde a pesquisa in loco de Tavares (1970)
quando ela comprovou que no questionário enviado pelo Instituto
Nacional do Livro (INL) aos municípios brasileiros a indicação da
existência de uma biblioteca infantil não passava de uma estante de
livros. Conseguir uma informação quantitativa na atualidade
32
também resultará em dados imprecisos, pois é usual denominar de
biblioteca infantil uma seção acanhada na biblioteca pública.
Os objetivos estabelecidos para ela foram se modificando no
decorrer dos anos, pois acompanharam as mudanças ocorridas na
sociedade. A biblioteca infantil, no passado, recebeu a incumbência
de instruir e formar atitudes e valores nas crianças. Nos dias atuais
ela é apontada como espaço de formação da criança cidadã por meio
do contato com diferentes gêneros de informação, entre eles o
literário. Nela, em geral, são realizadas atividades com o intuito de
contribuir com a formação da criança e também um ambiente para
estar descompromissadamente, sem cobranças. Para os mediadores
de leitura (familiares, professores e bibliotecário) é uma fonte onde
eles possam buscar subsídios por intermédio dos diferentes gêneros
textuais lá existentes, bem como lugar de reuniões e partilhas.
Desde a criação das primeiras bibliotecas infantis brasileiras
os acervos se compuseram prioritariamente por livros de literatura.
Essa ainda é a realidade encontrada em todas as reges do Brasil;
situação esta que deve ser valorizada, pois a literatura para crianças
é, em grande parte, altamente recomendada. Para Arena (2010,
pp.17),
[...] o ato de aprender a ler literatura, de construir
sentidos pelos enunciados verbais escritos, é, ao
mesmo tempo, desafiante, estruturante, constituinte,
mas mutante, estabilizante, todavia, instabilizante, no
processo de apropriação da cultura, do literário e da
língua como traço cultural. A história e a cultura são
apropriadas por meio da literatura infantil.
Com o passar dos anos e após a instauração das tecnologias
digitais, mudanças vêm ocorrendo vertiginosamente e
desencadeiam novos modos de leitura
1
. Evidentemente que não
lemos da mesma forma que liamos no passado remoto. Do papiro ao
1
Modo - Latim modus: “[...] forma, meio, oportunidade, ocasião [...]
maneira de viver ou de tratar com os outros [...]” (Spinelli; Casasanta,
[1974], p.459).
33
e-book, por exemplo, ocorreram transformações que exigiram do
leitor mudanças em suas posturas. “Os gestos mudam segundo os
tempos e lugares, os objetos lidos e as razões de ler. Novas atitudes
são inventadas, outras se extinguem” (Chartier, 1998, pp.77).
Além disso, os indivíduos reagem de formas diferentes
frente a determinadas situações, alguns se adaptam com facilidade,
outros resistem aos novos eventos. Os discursos construídos em
nossa sociedade são duais e não há consenso quanto permitir ou não
o acesso da criança ao mundo digital e a leitura por meio de
tecnologias.
Se há resistência e insegurança entre os adultos, as crianças
se adaptam com maior facilidade e espontaneidade. Sem dúvida elas
são consumidoras de tecnologias e, grande parte delas, já está lendo
na tela. Para Zilberman (2011, pp.85) o consumidor do texto em tela
é “[...] mais aparelhado, capaz de apreender o simultâneo e o
múltiplo, processá-lo e decodificá-lo”. O leitor atual (incluindo a
criança) está imerso no mundo digital e a contribuição da biblioteca
infantil nessa direção tende a formar leitores dispostos às
navegações tão convidativas.
Esse aspecto é imprescindível para a manutenção de uma
biblioteca infantil que acolha a criança por meio de situações que ela
possa sentir e explorar tudo o que o espaço possa oferecer. Ela não
pode deixar de adquirir e preservar os acervos impressos para
aqueles que os desejam, e nem deixar de ter acervos e
equipamentos que possibilitem a leitura.
Para Arena (2015, pp.124) “[...] as estratégias de leitura, que
ocuparam bom espaço em publicações de didática da leitura,
dirigidas para o papel, estão submetidas às novas vindas das telas
que vão impregnar as discussões nos próximos anos”.
Diversas iniciativas implantadas no ambiente web
comprovam interatividade entre leitores, em níveis surpreendentes
com escritas coletivas, com adaptações de obras canônicas
utilizando recursos de multimídia. São muitos os caminhos
tecnológicos e neles se abrem diferentes possibilidades que as
crianças, com ou sem a ajuda do adulto já estão utilizando com ajuda
34
dos adultos ou não já estão utilizando, por exemplo, as gravações
amadoras disponíveis no aplicativo de mídia TikTok onde as crianças
falam de sua emoção ao tomar a vacina contra a COVID-19 e
reafirmam a importância de os pais também levarem seus filhos.
Essas possibilidades de acesso e de escolha quanto ao uso
de recursos tecnológicos é estimulante para o leitor que se encontra
em fase de formação. Segundo Paulino (2011, pp.219): os processos
de leitura do livro e da tela são diferentes e devem ser [...] um
processo ininterrupto: mudam-se os textos, mudam-se os suportes,
mudam-se as condições de leitura, mudam-se os interesses e as
prioridades dos leitores, por isso a formação tem de ser contínua. E
preferencialmente pautada na dialogicidade: criança-adulto, criança
e seus pares, criança e autor dos textos lidos, proposta por Bakhtin
(1992).
Destaca-se ainda que as necessidades e os interesses da
criança estão sempre relacionados ao adulto e na influência que ele
exerce. Há também o poder que o adulto tem quando toma a
decisão da compra de um item a ser lido, seja pai, mãe, professor ou
bibliotecário. Retorna-se ao pensamento de Leontiev (1988) de que
a criança internaliza conhecimentos por meio das relações sociais,
assim a influência do mediador é fundamental na sua formação.
É fato que para os mediadores aceitarem novos modos de
leitura e desapegarem do livro impresso, que está há séculos no
nosso cotidiano, não é uma experiência simples. Ainda é necessário
que os mediadores, além da destreza no uso dos recursos midiáticos,
provoquem na criança o entendimento da biblioteca como espaço
de relações, de trocas de informação e aprendizagem.
À biblioteca infantil cabe, por meio de seus mediadores,
providenciar ações que possam atender o público específico que a
frequenta, visto que os sujeitos se encontram em constante
processo de desenvolvimento.
Ello no significa que tengan que desaparecer las
actividades tradicionales. La oferta dirigida a los niños
y jóvenes se puede enriquecer con actividades que
incorporen dispositivos y contenidos digitales, que se
35
desarrollen en el espacio físico de la biblioteca y
actividades en las que los contenidos en papel tengan
cabida en el ámbito digital (Gomez Diaz & García-
Rodriguez, 2018, pp.15).
Pode-se afirmar ainda: que os mediadores devem organizar
experiências que eduquem o olhar ampliem repertórios musicais,
cênicos, fílmicos e literários que “[...] têm um papel fundamental na
educação da criança [...]. Nesse sentido, tornam-se portadores e
mediadores dos conhecimentos culturalmente construídos” (Lima,
2005, pp.64). Em tempos de evidente propagação e convivência em
redes sociais não há como resistir e oferecer apenas o livro impresso
aos leitores que já nasceram imersos nas tecnologias.
Sabe-se que a inclusão de tecnologias digitais em bibliotecas
públicas, ocorre a passos lentos. Aos poucos, e com projetos de
captação de recursos, gestores estão adquirindo publicações digitais
para compor o acervo das bibliotecas. No entanto, é fundamental
que os mediadores reflitam a respeito de cinco peculiaridades dos
documentos digitais que segundo Cunha (2011) podem influenciar
na leitura de narrativas literárias, a saber: uso do hipertexto
(possíveis movimentos em reticularidade); uso da multimídia (som,
imagem, animação...); interatividade entre autor e leitor (criações
colaborativas); alteração e atualização (maleabilidade dos textos,
permitindo modificações) e possibilidade de
autorreferência/metalinguagem (estruturas textuais cruzadas)
(Cunha, 2011).
Acredita-se que as peculiaridades apontadas por Cunha
poderão subsidiar os mediadores na compreensão de novos modos
de leitura, e, consequentemente, na formação de leitores na
atualidade. Torna-se necessário analisar os recursos disponíveis e
promover ações que venham atender aos desejos da comunidade
leitora, ampliando as potencialidades da biblioteca infantil.
Os mediadores necessitam ouvir seus leitores. Indicar,
orientar e não proibir escolhas. Planejar orçamentos para aquisição
de obras literárias a serem disponibilizadas no acervo com acesso
público e gratuito.
36
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os novos ambientes de leitura têm intensificado o uso de
palavras com o sufixo “dade” que, em geral, é usada no sentido de
situação e estado das coisas. Encontra-se em publicações ligadas ao
mundo digital, palavras como: simultaneidade, multimodalidade,
granularidade, fragmentariedade, intertextualidade, versatilidade,
agilidade, mobilidade, interconectividade, interoperabilidade etc.
Não foi objetivo de esse capítulo entrar nesse labirinto teórico de
diferenciação de termos.
O fato é que no isolamento social em virtude da COVID-19
esse labirinto se expandiu e os fios de Ariadne receberam
multiplicidade de caminhos que possivelmente serão sem volta, pois
nos últimos anos os cidadãos de diferentes faixas etárias, classe
social e escolaridade recorreram às mídias para solucionar
problemas, se informar e encontrar pessoas.
Conta-se com os mediadores de leitura e da literatura para
que possam contribuir com o pensar, sentir e o agir plural das
crianças; as tornando mais autônomas e críticas. Após uma rápida
navegação descompromissada na web encontrou-se um número
imensurável de publicações científicas com crianças utilizando
recursos tecnológicos e mídias interativas resultando em relatos de
experiências exitosas.
Diante dessa realidade pode-se afirmar que é nítido o
fascínio que as crianças sentem ao terem em mãos um dispositivo
com tela sensível (touchscreen) que em um simples toque provoca
efeitos visuais e sonoros atrativos. Acredita-se, diferentemente de
muitas pessoas que anunciam a morte do livro, que ele no formato
impresso também seduz, principalmente por meio de uma mediação
não autoritária.
Destaca-se que aqui não se pretendeu apontar nem a
preponderância do livro impresso e nem a supremacia do livro
digital. A intenção é destacar que não há uma concorrência de um
formato em relação ao outro, pois a criança, diferentemente do
37
adulto, se relaciona com um e outro com naturalidade sem rechaçá-
los.
Evidenciou-se a imprescindibilidade do diálogo entre a
criança, a leitura, o mediador e a biblioteca infantil de forma que o
leitor encontre textos que atenda seus desejos e expectativas, mas
também, se possível, esse espaço de convivência chamado
biblioteca, possa criar outras necessidades como a de conhecer,
aprender, estabelecer relações e formar novas capacidades e
potencialidades que humanizem cada vez mais o homem. Espera-se
que novas pesquisas e outras vozes venham somar ao discurso aqui
proferido, mesmo que seja no sentido oposto. As discussões são
bem-vindas e necessárias!
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CAPÍTULO 2
MEDIAÇÕES PLURAIS NA AMBIÊNCIA DA BIJML (SÃO PAULO)
Ivete Pieruccini
Fernanda de Lima Passamai Perez
1 INTRODUÇÃO
A Biblioteca Infantil Monteiro Lobato da cidade de São Paulo
foi inaugurada em 14 de abril de 1936 sob a denominação Biblioteca
Infantil Municipal (BIM). Sua criação esteve vinculada ao projeto
político cultural do Departamento Municipal de Cultura de São Paulo
(DC), tendo à frente um grupo de intelectuais modernistas, dentre
os quais Mário de Andrade, Sérgio Milliet da Costa e Silva e Rubens
Borba de Moraes.
O DC foi criado a partir de duas orientações: “[...] cuidar dos
sistemas culturais livres” (Andrade, 1936, pp.3 apud Perez, 2021,
pp.36) e da “[...] formação do homem brasileiro, ser geral e coletivo,
que será o único capaz de conservar a nossa identidade nacional
[...](Andrade, 1936, pp.3 apud Perez, 2021, pp.36) tendo em vista
o “[...] estudo das coisas brasileiras e dos sonhos brasileiros”
(Duarte, 1985, pp.50).
A proposta do governo paulista implicou o empenho no
desenvolvimento de políticas públicas, colocando o Estado como
instância responsável pela constituição de organismos não só de
acesso, mas que previam a relação da infância com a memória
cultural.
No âmbito dessas políticas, o conceito de formação
pressuposto incluía as dimensões física, intelectual, cultural e moral
por meio de instituições de educação (parques infantis, escolas de
educação básica), de cultura (bibliotecas, cinemas e teatro) e de
desporto (centros esportivos) que se organizariam de forma integral
e reticular.
42
Para os idealizadores do DC, a capital Paulista dispunha de
recursos financeiros, políticos e sociais básicos à criação de
equipamentos e circuitos culturais que incluíssem os habitantes da
cidade, em especial a classe operária, que se consolidava como força
de trabalho importante no novo cenário econômico local. A
perspectiva implícita indicava a possibilidade de promoção de
encontros e diálogos interculturais, que colocassem em relação as
diversas culturas paulistanas, brasileiras e estrangeiras, sem
hierarquia. Essas premissas passam, assim, a oferecer subsídios à
constituição de equipamentos educativo-culturais com o objetivo de
viabilizar a formação cultural integral, em especial às crianças e
jovens, a partir de práticas sociais concretas capazes de inseri-las
tanto no universo simbólico das esferas ditas populares, em geral de
matrizes regionais brasileiras, como eruditas, de tradição europeia:
o amálgama cultural brasileiro.
Tal movimento resultou na implantação de novas tanto no
sentido de inéditas como inovadoras instituições culturais para a
cidade, como a Biblioteca Infantil Municipal, cuja implementação foi
encabeçada pela então educadora Lenyra Camargo Fraccaroli.
O modelo da BIM
1
reverberou pelo País e no exterior. Sua
concepção e configurações objetivaram um sistema de mediações
1
A BIM foi descrita em documento-referência, publicado na Revista do
Arquivo Municipal (RAM), em fevereiro de 1940, de autoria de Fraccaroli,
sintetizando o período de implantação da biblioteca (1935-39). Nele
podem ser observadas concepções e configurações da biblioteca, em
especial elementos do seu espaço físico, constituição de acervos,
organização dos ambientes e linguagens especializadas usadas na
ordenação dos repertórios, práticas culturais e de gestão, bem como
alguns resultados da implantação da biblioteca no contexto cultural da
cidade que se mostram relevantes para compreender o sentido de
mediação cultural assumido pela instituição. Essa publicação serve de
referência a discussão sobre a BIM e suas mediações, sem todavia, esgotar
os dados aqui apresentados. Muitas referências provêm da literatura
especializada bem como de documentos primários existentes no Acervo
Memória da BML que ainda se encontram em processo de tratamento.
43
culturais que exerceu importante papel na construção de meios e de
novos referenciais alimentados pelo ideal de construção de uma
identidade nacional, nos primórdios da república brasileira para o
país que despontava. Nesse quadro, as aptidões de leitura e escrita
mostravam-se relevantes para fazer a quina pública funcionar e
atender à demanda da industrialização setor nascente que exigia
indivíduos alfabetizados.
A BIM materializa, assim, a ideia do sistema cultural livre,
que estaria na base da [...] formação do homem brasileiro”
(Andrade, 1936, p.3 apud Perez, 2021, pp.36), condição para superar
o que Mário de Andrade (1936, pp.3 apud Perez, 2021) chamou de
“individualismo dispersivo do brasileiro” e “virtualismo
individualista” (pp.47), e levar nossa sociedade a patamares
compatíveis aos alcançados por países avançados, tirando o atraso
de décadas que nos foi imposta historicamente.
2 A BIM: UM DISPOSITIVO DE APROPRIAÇÃO CULTURAL
Idealizada a partir de experiências daqueles que a
projetaram, acrescida de ousadia que alimentaria a invenção de uma
nova biblioteca para uma nova cidade, o objetivo disparador da BIM
foi “[...] despertar nas crianças esse appetite intellectual, esse amor
à leitura, esse desejo de aperfeiçoamento para que os indivíduos se
elevem do materialismo grosseiro ao idealismo construtor
(Departamento Municipal de Cultura, 1936, pp.7). O
desenvolvimento crescente da BIM, desde sua inauguração, foi
também impulsionando sucessivas transformações no dispositivo ao
longo dos anos, tendo em vista atender às complexas ações que se
mostravam inextricáveis ao projeto político-cultural idealizado. A
criação, oferta e recriação das práticas culturais da BIM foram se
intensificando conforme o espaço permitia e aumentava o
reconhecimento e demanda da população.
Conforme destacaria Fraccaroli, cujo discurso foi transcrito
na íntegra em nota publicada no jornal O Estado de São Paulo
(Departamento Municipal de Cultura, 1936), a BIM era uma casa
44
organizada onde as crianças encontrariam livros, revistas, coleções
de gravuras, jogos, brinquedos, uma casa que acolhia e estimulava o
sentimento de pertencimento cultural em seus frequentadores.
Os propósitos da BIM, marcados em seu desenvolvimento
inicial, todavia, situavam-se além da perspectiva de acesso e
transmissão de conhecimentos. Como dispositivo cultural
(Pieruccini, 2004), a biblioteca constituiu um lugar material e
imaterial caracterizando-se como instância de mediação cultural,
um terceiro elemento, “força ativa e instituinte” (Perrotti &
Pieruccini, 2014, pp.10), capaz de atuar na relação entre os sujeitos
e os repertórios culturais locais e universais. A participação dos
públicos infantis e juvenis, sobretudo naquele momento de
mudanças, representava “[...] forma privilegiada de produzir,
apropriar-se de saberes e fazeres, protagonizando os signos
2
(Perez, 2021, pp.60).
Os modos de atuar da BIM revelam aspectos de uma
concepção de biblioteca infantil que se diferencia de suas
contemporâneas, com parâmetros e intenções educativas, porém
não restritas às lógicas de acesso e assimilação cultural,
características do transmissivismo pedagógico.
3 BIM: A MEDIAÇÃO CULTURAL COMO PRINCÍPIO
Bibliotecas precursoras, no país e no estrangeiro,
permitiriam diálogos e trocas, sem dúvida inestimáveis, dentro de
um movimento geral sob a ótica de uma nova ordem educativa no
Ocidente. É possível dizer que estas inspiraram formulações no bojo
da BIM, porém suas finalidades estavam calcadas na referida
proposta modernista e republicana.
2
Nota explicativa: “O protagonismo cultural articula-se diretamente à ideia
de construção e afirmação do espaço público [...] para superar interesses
despóticos que ameaçam a sobrevivência da polis (dimensão pública) e
de todos nós (dimensão existencial)” (Perrotti, 2017, pp.1).
45
Na Europa, a Biblioteca para crianças L´Heure Joyeuse
(Hora Feliz) , especialmente o projeto desenvolvido na França
(Paris)
3
, foi um grande avanço no respeito à infância e à juventude,
integrando, dentre outros aspectos, um quadro funcional formado
para tarefas, ao mesmo tempo bibliotecárias, pedagógicas e sociais
[...] numa época em que as crianças não tinham tido ainda o direito
de incomodar os adultos [...]” (Peclard, 1985, pp.7).
A razão inicial envolvendo a BIM
4
, distinta daquela que
animou a instituição europeia, visava contemplar a população
infantil e juvenil com um equipamento voltado à Educação e Cultura,
na tentativa de contribuir com a erradicação do analfabetismo (tal
como aconteceu com o surgimento das bibliotecas públicas nos
Estados Unidos e Inglaterra), objetivo que demanda processos
distintos praticados pela instituição escolar. Conforme consideraria
Lenyra Fraccaroli, “Zelar pela infância não significa apenas abrir
escolas e alfabetizar as crianças, mas também, e principalmente,
criar condições e ambientes que permitam às crianças desenvolver
suas aptidões com plena realização de seus sonhos infantis”
(Fraccarolli, 1940 apud Perez, 2021, pp.36).
Tratava-se de desafio significativo, considerando-se a ideia
de um dispositivo cujas configurações pudessem integrar as culturas
populares e as eruditas, valorizando a primeira sem esmagar a
segunda, com base nas referências culturais, nacionais e
3
A primeira biblioteca L’Heure Joyeuse foi inaugurada na Bélgica, em 1920.
A L’Heure Joyeuse de Paris, entrou em funcionamento em 12 de novembro
de 1924.
4
Algumas iniciativas precedentes certamente favoreceram tal perspectiva,
dentre as quais, a Biblioteca Infantil do Distrito Federal (1934-1937), o
chamado Pavilhão Mourisco, (sob a direção da escritora, professora,
educadora e jornalista Cecília Meireles) que, além de disponibilizar
condições de desenvolvimento profissional e cultural de professores da
rede pública (Pimenta, 2011) atendia à infância carioca. Como primeira
iniciativa de biblioteca infantil pública no País, apresentava uma
perspectiva educativa, assentada, dentre outros aspectos, na liberdade de
as crianças frequentarem o espaço desacompanhadas dos pais.
46
estrangeiras, tendo em vista, construir o que os modernistas
denominavam identidade brasileira. Isto é, estava em causa redefinir
conceitos vigentes de bibliotecas como repositórios da cultura
letrada que, sem negar a memória e o passado, teriam que atender
as demandas daquele momento.
Colocando-se no entre culturas a do universo das letras e
a dos grupos em processo de escolarização e não-iniciados na cultura
letrada a BIM se constituiu com um medium, visando ao diálogo
sociocultural entre a produção simbólica existente e os grupos
infantis e juvenis. No discurso de inauguração da BIM, Fraccaroli diz
que a biblioteca não será vista somente como espaço de livros, mas
de relações com os livros, não um fim, mas um meio de ampliar o
pensamento, de participação na cultura (Perez, 2021).
4 PRÁTICAS CULTURAIS DA BIM
As práticas originalmente desenvolvidas pela BIM recobriam
uma série de ações ligadas à leitura e à participação efetiva de
crianças e jovens no circuito cultural. As ações com esse duplo
caráter, implicavam o indivíduo como leitor-receptor-criador
produzindo informações e conhecimentos. Este é um aspecto a ser
ressaltado, uma vez que se tratava de uma posição clara pela
articulação entre essas esferas, resultando na consideração de
crianças e jovens não como meros usuários da biblioteca, mas
protagonistas dos processos culturais. Mesmo sem explicitá-lo, a
opção por tal direção ensejou colocar os públicos infantis e juvenis
como sujeitos das ações, o que viabiliza não apenas conhecer, mas
conhecer o conhecimento pelo fato de que era possível participar
efetivamente das dinâmicas culturais, definindo-lhe percursos,
estabelecendo correlações entre as linguagens e suas respectivas
culturas.
Um sistema de coleta de dados era um meio de oferecer
referências sobre o perfil dos públicos e identificar seus contextos
de procedência, aspectos que facilitavam conhecer melhor cada
criança e o contato com as famílias, considerado importante, uma
47
vez que a própria criança acabava por atuar como parte do sistema
de mediações, junto ao seu grupo familiar. Por isso, todos os
frequentadores da biblioteca eram matriculados na BIM,
propiciando a coleta de informações socioculturais
5
, categoria
seriamente considerada pela biblioteca em sua política cultural.
5 A LEITURA E A CULTURA DA ESCRITA
A perspectiva da cultura da escrita aqui indicada envolve
tanto aspectos da leitura bibliográfica quanto dos elementos que
envolvem direta ou indiretamente os processos de mediação do
universo simbólico escrito.
O acervo bibliográfico da BIM era composto
predominantemente de livros, contemplando amplo espectro de
variações. Contando inicialmente com 2.814 volumes, o reperrio
era diversificado, incluindo ficção e não-ficção, de variados gêneros
e temas fundamentais ao conhecimento dentro da produção
literária disponível na época. Além dos livros, o acervo incluía
gravuras, retratos de autores, moedas, selos e periódicos.
A escassez de produção livresca da época seria um entrave
ao desenvolvimento pleno da BIM. Contudo, o critério de seleção e
de desenvolvimento da coleção era rigoroso: Nem sempre a
chamada literatura infantil está isenta de falhas e defeitos e de
influências condenáveis. É necessário que o bibliotecário leia todos
os seus livros ou não sendo possível recorrerá a quem já o tenha
feito” (Fraccaroli et al., 1935, pp.5).
A partir do nível de maturidade cognitiva da criança e o papel
educativo da instituição, “[...] todas as obras [são] revistas e
selecionadas, de maneira a evitar a presença de livros que possam
5
O estudo empreendido por Hena Hallier, Condições econômicas dos pais
das crianças que frequentam a Biblioteca Infantil (1938), por exemplo,
buscava observar qual o padrão de vida das famílias dos frequentadores.
(Fraccaroli, 1940, pp.306).
48
falsear a compreensão moral ou cívica daqueles a quem devemos
não só instruir, mas, também, educar” (Fraccaroli, 1940, pp.295).
A construção da coleção inscrevia-se como categoria de
formação intelectual (do espírito), primando pela qualidade, dentro
da quantidade e da diversidade oferecidas pelo mercado editorial da
época, revelando-se ato de mediação cultural. Iniciativas colocando
em causa as dificuldades de constituição de uma coleção
bibliográfica de qualidade seriam formas de enfrentar esse conflito,
tendo em vista não sucumbir à ideia do “ler por ler” ou do ler
qualquer coisa”. Estava claro que a informação forma e que,
portanto, nem tudo vale.
Nesse sentido, por iniciativa da BIM, foi realizado em 1945 o
Congresso de Escritores Infanto-Juvenis (sic) (CEIJ). O evento
ganhou notoriedade e relevância ao discutir a produção literária que
circulava em território brasileiro para crianças e jovens com os
próprios leitores de várias partes do País
6
.
O processo seletivo de obras e autores revelou-se
problemático, também em outra perspectiva, dando ênfase a dois
aspectos: a instituição como referência à leitura pública e posições
particulares da coordenação da instituição. Preocupações com
aspectos instrutivos, de “[...] controle de mentalidades, sobretudo
de incentivo aos devaneios do espírito” (Perez, 2021, pp.86) foram
explicitados nas posições de Fraccaroli ao justificar a presença de
títulos do autor alemão Karl May na coleção, assumindo, ao mesmo
tempo, seu incômodo por dispor livros da escritora francesa M.
Delly.
A contradição ao discurso sobre a liberdade de escolha das
leituras passava, aí, pelo crivo dos critérios institucionais de seleção
e de desenvolvimento das coleções, cujo desenho final organizava-
se em torno de narrativas em prosa e poesia; livros com imagens;
6
O congresso teve 6 edições: São Paulo/1945, Minas Gerais/1947, Rio de
Janeiro/1949, Pernambuco/1951, Bahia/1953 e São Paulo/195?. Estava
prevista ainda uma edição na cidade de Curitiba (PR), mas não foram
encontrados registros de sua ocorrência.
49
histórias em quadrinhos; narrativas de viagens; didáticos; obras de
referência (dicionários não especificados; enciclopédias); jornal
infantil produzido pelos frequentadores; revistas infantis; revistas
diversas; fotos de autores da literatura brasileira e cientistas;
gravuras; recortes de revistas; discos de 78 rotações, com narrativas
infantis, música erudita, música popular; filmes educativos e
recreativos; jogos de tabuleiro (xadrez e dama), fantoches para
encenação de peças.
A organização da coleção bibliográfica na BIM fazia parte da
construção do processo de autonomia no acesso aos repertórios da
biblioteca. Da mesma forma que o ambiente físico era pensado para
os públicos infantis, como uma casa adequada ao universo das
crianças, os livros categoria privilegiada naquele contexto
histórico-cultural foram objeto de destaque. O contato direto com
o acervo implicaria a escolha de linguagens de ordenação, com a
aplicação de recursos técnicos objetivos.
A leitura não-ficcional denominada por Fraccaroli como de
cunho científico também tinha centralidade na BIM, sendo ambas
igualmente importantes: as leituras literárias teriam potencial para
preparar o espírito do leitor à criação artística e à fruição estética; as
leituras de textos com base científica viabilizariam “suprir lacunas”
nas aprendizagens (Fraccaroli, 1935). Nesse sentido, a diversidade
do acervo era tomada não somente como recurso de informação,
mas como matéria essencial à formação. Mais que conteúdo, a
natureza da coleção era explicitamente um meio de diálogo com
diferentes esferas e dimensões do saber.
Na BIM, a leitura individual era acompanhada e controlada
por meio de fichas que registravam as impressões do leitor, a partir
da solicitação de uma síntese do que foi lido, tendo como objetivo
[...] canalizar a atenção muitas vezes dispersa por falta de estímulos
adequados e inferir da leitura a sua essência” (Fraccaroli, 1940,
pp.297).
A leitura silenciosa era atividade obrigatória antes de as
crianças partirem para as demais atividades para as quais tinham
total liberdade de trânsito e escolha, conforme suas afinidades.
50
Entendida como rotina que promoveria o chamado “hábito da
leitura”, essa prática foi sendo redefinida e renomeada, mais
contemporaneamente, a partir de compreensões em torno do ato
de ler (Freire, 1989).
A hora do conto, prática que se tornou constante nas
bibliotecas infantis, consistindo, sobretudo, na leitura de histórias da
literatura, ou na transformação de textos literários em narrativas
orais, era “[...] outro estímulo para incentivar a presea das crianças
na Biblioteca, [procurando] avivar o gosto pela leitura [...]
(Fraccaroli, 1940, pp.301). A prática era desenvolvida por
funcionários, professores e alunos de estabelecimentos de ensino
secundário, como também por escritores, entre eles Monteiro
Lobato e Tales Castanho de Andrade
7
, que “[...] não se negaram a
gentilmente proporcionar aos nossos consulentes, esses momentos
por eles tanto apreciados” (Fraccaroli, 1940, pp.301).
Os quase 3.000 volumes, à época da sua inauguração, eram
dispostos em estantes abertas “[...] dando aos consulentes plena
liberdade de retirar aquilo que desejem ler” (Fraccaroli, 1940,
pp.294). O conceito de biblioteca aberta impunha-se como condição
de estímulo à curiosidade, de facilitação à exploração dos materiais,
aspecto que evidencia possibilidades de tornar mais natural, familiar
e autônomo o diálogo dos grupos infantis com a biblioteca e seus
objetos.
O livre acesso na BIM pode ser entendido, desse modo,
como uma categoria de mediação cultural para construção de
aprendizagens específicas, que se inscrevem no âmbito de
conhecimentos indispensáveis à participação no universo da leitura-
escrita, dado que a liberdade de alcance e manuseio da coleção
bibliográfica constitui a autonomia do leitor, mas requer
conhecimentos que se inscrevem na cultura da biblioteca, em que a
experiência do livre acesso é um dado fundamental, favorecido pelas
linguagens documentárias.
7
A leitura de seu livro inédito A cadeira encantada contou com a presença
de 300 crianças (Fraccaroli, 1939).
51
Nesses termos, o tratamento técnico dos acervos foi
priorizado, seguindo a mesma orientação da futura Biblioteca
Municipal de São Paulo, tendo seu início datado em 1939, no intuito
de “[...] transformar a Biblioteca Infantil em biblioteca de inteiro
acesso livre” (Fraccaroli, 1939), visto que a BIM era considerada
[...] apenas uma seção preparatória da biblioteca
matriz, pois, os nossos pequenos leitores serão os
adultos de amanhã. Familiarizados com a nossa
organização, não encontrariam dificuldades quando,
forçados a nos abandonar, por ter atingido o limite de
idade cronológica admitido, penetrassem no vasto
recinto destinado aos espíritos amadurecidos
(Fraccaroli, 1940, pp.295).
A biblioteca dispunha de catálogos de autor, de título e de
assuntos , sintetizados num catálogo dicionário, para uso das
crianças. Seu manuseio era considerado importante e fazia parte da
formação propiciada pela BIM, pois “[...] creará (sic) o senso da
disciplina e formará na creança (sic) o espírito da ordem” (Fraccaroli
et al., 1935, pp.2). Ou seja, à medida que transmitia o valor da
organização, permitia a eles apropriarem-se daquela ordem e
linguagem, conhecendo e entendendo seus propósitos. À
bibliotecária cabia observar a oportunidade de iniciar e orientar a
criança “[...] no trabalho de pesquisa dos assuntos e acostumá-la,
por meio da consulta nos compêndios, a comprovar ou corrigir seus
conhecimentos” (Fraccaroli et al., 1935, pp.6).
Entretanto, nem todas as crianças se sentiriam interessadas
em ir até os fichários e arquivos, mas assim que o interesse surgisse
o bibliotecário agiria. A situação não inviabilizaria o livre acesso, mas
agregaria saberes e novas formas de se relacionar com o acervo.
A introdução de um sistema decimal
8
(relativo) de
ordenação dos livros, classificados por assuntos, a partir de 10
8
A quase totalidade de bibliotecas públicas no Ocidente adotou o sistema
de Classificação Decimal de Dewey, sobretudo a partir de meados do
Século XX.
52
classes, subdivididas em 10 subclasses e assim sucessivamente e que
se expandiu para todos os continentes, tornava a BIM não somente
um ambiente de guarda e distribuição de itens bibliográficos, mas
instância de mediação essencial ao ingresso da população em
processo de alfabetização no circuito da cultura letrada, condição
que demanda domínio e atribuição de significado às estruturas pelas
quais o universo da produção escrita se organiza. Em outros termos,
a ordem dos livros na BIM pode ser interpretada para além de
contornos técnicos do tratamento documentário, inscrevendo-se
como condição de diálogo entre a cultura de biblioteca e a formação
de leitores, cujas lógicas, ao implicarem mais do que o conhecimento
dos livros, demandam dispositivos culturais organizados para tal fim.
Uma prática importante à apropriação da cultura da escrita
na BIM foi a construção do Jornal Infantil A Voz da Infância,
produzido por crianças e jovens. Criando outra modalidade de
periódico, a partir de questões que interessavam a eles, o jornal foi
transformado no único órgão declaradamente oficial da biblioteca.
Dirigido e confeccionado por frequentadores, eles também eram
responsáveis pela pauta, diagramação, ilustrações e impressão. A
produção do periódico permitia experimentar lógicas, saberes e
fazeres próprios aos processos de construção de um veículo de
comunicação impressa e das dinâmicas de produção da informação,
das nuances e opacidades que caracterizam os signos.
Para Fraccaroli (1983, pp.23 apud Perez, 2021, pp.110), A
Voz da Infância foi uma das atividades responsáveis pelo aumento
da frequência e “admirável veículo de propaganda” do trabalho ali
realizado. A edição n.1 (1936), que apresentou uma matéria em
comemoração ao centenário do compositor Carlos Gomes, levou o
grupo a uma imersão à cidade de Campinas (interior de São Paulo),
organizada e acompanhada pela diretoria da biblioteca para que os
jornalistas- mirins circulassem por lugares e conhecessem o contexto
e pessoas que fizeram parte da vida do músico.
Entretanto, outras temáticas faziam parte da pauta do
jornal, evidenciando o valor dado a questões significativas no
momento. Tempo e espaço mesclavam-se à produção de
53
signos/informações dando-lhes “carnalidade”: Já foram feitas
algumas publicações, tais como Biografia de Carlos Gomes, por
ocasião do seu centenário; Exortação à São Paulo, Semana da
Criança, quando se iniciou na nossa capital a série de dias dedicados
à nossa infância, etc.” (Fraccaroli, 1940, pp.301).
A autêntica relação entre o educativo e o cultural,
dinamicamente articulados, alinhava-se à ideia de produção como
criação, claramente assumida por Fraccaroli e o DC, numa firme
posição contra a submissão das crianças e jovens à simples
reprodução das informações e do conhecimento.
Em decorrência, as atividades do Jornal na vida da BIM
mostraram-se relevantes à criação de elos entre os frequentadores,
servindo não somente de modelo para iniciativas em outras
instituições, como de laboratório de aprendizagem, desdobrando-se
em outras práticas próprias à cultura da escrita, porém, levadas
adiante por iniciativa, empenho e trabalho dos públicos
participantes.
Um dos destaques, nesse sentido foi a criação da Galeria dos
Escritores Brasileiros, projeto desenvolvido pelas crianças e jovens,
consistindo na realização de entrevistas com autores e posterior
produção de textos e fotos, expostos na BIM.
De acordo com Fraccaroli, um integrante da redação do
Jornal era designado para conversar com um escritor:
Terá de, depois de amistosa palestra aproveitada para
colher dados sobre o entrevistado e suas obras,
solicitar uma fotografia sua para ser colocada em uma
de nossas alas, onde as crianças poderão ler as
expressivas dedicatórias que lhe são dirigidas. Temos
assim, mais duma dezena de retratos dos nossos
escritores (Fraccaroli, 1940, pp.305).
54
Figura 1: Inauguração dos retratos de Belmonte e de Mário
Donato - 1943
9
Fonte: Acervo Memória da Biblioteca/BIML (2024).
A produção da Galeria possibilitava, então, a criação de um
repertório vivo de memórias da cultura letrada, reunindo nomes do
cenário nacional e viabilizando o contato direto entre as crianças e
os intelectuais, mediado pela biblioteca. Foi a partir dessa prática
que o escritor Monteiro Lobato pode conhecer e estabelecer uma
relação muito próxima com a biblioteca e seus leitores. Os trabalhos
elaborados pelas crianças, de modo autônomo ou auxiliadas pelos
funcionários (bibliotecárias e educadores), ficavam expostos em
murais ou faziam parte de alguma publicação em especial,
constituindo-se como fontes de informação na biblioteca.
A trama constituída pela BIM, por meio da interligação de
práticas e ações, exaltando a participação e o espírito colaborativo
9
Galeria de Escritores (parede).
55
dos frequentadores resultou ainda na criação da Academia Juvenil
de Letras, grupo que reunia jovens aspirantes a escritores. Segundo
Caruso (Rocha, 2007), “Uma boa parte da produção literária da
Academia era publicada pela Secretaria Municipal de Cultura num
anuário que se chamava A Chama Acadêmica
10
, evidenciando que
a história construída na esfera da cultura escrita teve
desdobramentos que alicerçaram um modo diferenciado de pensar
e agir das bibliotecas para crianças e jovens.
Como se observa, as mediações culturais extrapolaram a
oferta ou o uso de livros, extrapolando a materialidade da coleção e
de seus conteúdos, aspecto sem dúvida essencial, mas insuficiente
quando se trata de inscrever crianças e jovens como sujeitos da
ordem simbólica cidadã.
6 A MÚSICA E A CULTURA MUSICAL
A BIM teve especial relevância ao introduzir uma seção de
música numa biblioteca, que contemplaria tanto o proveito das
canções e histórias gravadas em discos como aulas de iniciação
musical. Apesar de a iniciativa causar algum estranhamento do
público, para o qual o foco de uma biblioteca estaria restrito ao livro
e à leitura, a proposta estava prevista desde a idealização do projeto,
por não fugir [...] ao largo domínio das atividades educacionais
exercidas agora no sentido de ampliar, entre as crianças, o
conhecimento do nosso folclore [...]” (Fraccaroli, 1940, pp.300). As
crianças tinham acesso a amplo repertório musical, constituído de
cantigas de rodas, histórias narradas, até os clássicos da música
brasileira e internacional.
A visão dos intelectuais à frente do DC, atentos ainda à
valorização da diversidade das riquezas culturais do país, foi
fundamental à introdução não só dessa modalidade de linguagem,
10
A Academia Juvenil de Letras, criada em 1968, teve como objetivo
congregar jovens escritores dedicados à arte e literatura e a produção de
concursos como o “Festival de Poesias” e de “Contos”.
56
mas de inclusão de novas fontes musicais do cancioneiro popular
brasileiro, e de propiciar experiências dos públicos infantis e juvenis
com essa modalidade de linguagem.
O trabalho Discoteca Infantil, sua finalidade, organização e
funcionamento (Cardim, 1953, pp.1) reafirma a relevância da Seção
musical da BIM por integrar seu caráter de “instituição
eminentemente educacional”.
As práticas de iniciação musical incluíam orfeão e aulas de
canto. A seção se ampliou, transformando-se na Discoteca Infantil
Municipal, em 1951. Assim como acontecera anteriormente, a
criação da seção veio acompanhada de críticas, visto que para
alguns, o espaço da biblioteca deveria oferecer um ambiente
silencioso para a leitura individual e imersiva.
A perspectiva, todavia, de possibilitar a imersão no universo
da música, critérios previamente estabelecidos de seleção de discos
atrelados à “liberdade de ação das crianças”, constituíam
ingredientes fundamentais à apropriação cultural: “a criança
penetrando na música, integrando-se a ela”. Após essa etapa
experimental, quando nada era imposto, seguia-se etapa seguinte,
“quando eles próprios nos levavam a traçar o gráfico de atividades”
(Cardim, 1953, pp.3)
11
.
11
Como parte das atividades propostas para essa seção, estavam
previstas ainda gravações de histórias infantis por parte das crianças.
57
Figura 2: Aula de piano na Biblioteca Infantil
Fonte: Acervo Memória da Biblioteca/BML (2024).
A BIM, nesse sentido, exerceu enorme contribuição ao
considerar a linguagem musical como categoria constitutiva da
formação cultural da infância, enfrentando visão arcaica e
prevalente naquele momento que negava o princípio intersemiótico
como forma de apropriação cultural.
7 O TEATRO E CULTURA TEATRAL
As atividades teatrais na BIM consistiam inicialmente da
dramatização de textos literários e de autoria das crianças, exibidos
58
em datas comemorativas. Esse foi o gérmen de um dos mais
importantes eixos da BIM, tendo o Teatro Infantil Monteiro Lobato
(TIMOL) como seu principal projeto.
Criado em decorrência da desativação do grupo de teatro
comandado por Iacov Hillel no Teatro Leopoldo Fróes, o TIMOL foi
responsável por construir vínculos significativos entre os grupos
infantis e juvenis com a cultura teatral.
O ator Marcos Caruso que integrou o grupo teatral TIMOL
por quatorze anos, atuando como ator, diretor e produtor ele
recorda em seu depoimento (Rocha, 2007):
Como diretor, coloquei todos os espaços e
departamentos da biblioteca a serviço do teatro. A
sala de artes era usada para a elaboração dos
cenários. Eu saía com as crianças pelas ruas catando
plásticos e outras peças de sucata, e transformávamos
tudo em cenários e figurinos. A discoteca era usada
para a pesquisa de trilhas. A sala de costura, onde
crianças e adolescentes aprendiam a costurar e
bordar, passou a confeccionar os nossos figurinos.
Quando saí de lá, deixei mais de duzentos figurinos. O
jornal A Voz da Infância tinha um mimeógrafo, onde
imprimíamos os programas das peças.
A prática teatral na BIM ganharia face ao propósito da
biblioteca e diversidade de linguagens ali contempladas um papel
articulador, intersemiótico, capaz de conectar de forma significativa
a produção literária às demais formas de expressão, sobretudo, a
relação com a palavra pública. Conforme assegura Hillel, o teatro
[...] é uma arte que necessita de uma assembleia para
se realizar. Que ao fazer parte de um elenco, você
pertence a um coletivo, conjunto, grupo para
defender ideias. E que através da comunicação e da
expressão você difunde seus ideais, sua visão de
mundo (TIMOL, 2015, pp.5).
59
Figura 3: Programa da peça O museu da Emília, 1965
Fonte: TIMOL: Teatro Infantil Monteiro Lobato 50 anos (2015).
Coordenadoria do Sistema Municipal de Bibliotecas.
A cultura teatral na BIM ganhou ênfase, ainda, na criação do
teatro de bonecos e de fantoches, em meados da década de 1940. O
TIBBIM (Teatro Infantil de Bonecos das Bibliotecas Municipais)
consolidou-se como prática, passando a figurar também entre as
atividades regulares da Rede Municipal de Bibliotecas Infantis. Os
repertórios apresentados, a qualidade dos cenários e dos bonecos,
a interpretação dos titeriteiros mobilizavam plateias pelo inusitado
daquela modalidade cultural na cidade.
60
Figura 4: Exposição de Fantoches no hall da BIM
Fonte: Acervo Memória da Biblioteca/BML (2024).
A experiência teatral revelou-se tão efervescente que
extrapolou o espaço da biblioteca, conforme Myriam Xavier Fragoso
para o semanário infantil do jornal A Folha de São Paulo, a Folhinha,
em 22 de outubro de 1965:
Uma vez por semana há sessão cinematográfica e
teatro de fantoches. Trata-se de representações feitas
da janela da biblioteca para a rua. A afluencia (sic) de
crianças e adultos tem sido tal que se cuida já do
problema do trânsito na quarta-feira ás (sic) dez horas
61
da manhã. (Folha de São Paulo, 1965 apud TIMOL,
2015, pp.7).
A participação das crianças e jovens não se dava, no entanto,
somente como públicos, plateias. A assiduidade na biblioteca
permitia a eles vivenciarem atividades que, direta ou indiretamente,
levavam a se aproximar e a conhecer o teatro “de dentro”, suas
formas de produção, sobretudo a multiplicidade de aspectos que
engendram a apresentação pública do texto teatral, muitas vezes
adaptações e recriações de obras literárias. O chamado “gosto” pelo
teatro era construído articulando saberes e fazeres imersos nas
práticas culturais da BIM.
8 ARTESANATO, MODALIDADES ARTÍSTICAS E A CULTURA DAS
ARTES PLÁSTICAS
Foram muitas as experiências com linguagens das Artes
Plásticas na BIM: desenho, escultura, pintura e artesanato
(confecção de brinquedos, modelagem em argila e queima de
cerâmica, confecção de capas de livros e tantas outras). O fruto
dessas práticas ganhou um espaço permanente de exposições
garantindo a publicização dos trabalhos infantis. Durante 365 dias
por ano, os espaços da biblioteca serviam de palco à expressão nas
variadas modalidades artísticas.
No Salão de Arte Infantil ou em situações específicas como
datas comemorativas e na Bienal-Mirim de São Paulo, as exposições
de autoria dos frequentadores eram abertas à visitação pública.
Evidentemente, as atividades não pretenderiam desenvolver-se
formalmente como cursos de Belas Artes, no entanto,
possibilitariam dar voz a alguns talentos. O quadro Olho da Rua de
Nelson Nascimento, jovem de 13 anos, produzido no âmbito das
atividades da BIM, foi exposto na Bienal-Mirim de São Paulo, e sem
seguida em Paris e Madri (Lucca, [195?]).
62
Figura 5: Salão de Arte Infantil e Bienal Mirim de São Paulo
Fonte: Acervo Memória da Biblioteca/BML (2024).
A produção de trabalhos, sobretudo desenhos, acabava, em
parte, sendo vinculada aos demais produtos culturais construídos
pela BIM. As ilustrações do jornal A Voz da Infância, por exemplo,
eram produzidas tanto pelo grupo encarregado do periódico como
por colaboradores em geral, que frequentavam a biblioteca.
Conforme Fraccaroli, o modo de produção na BIM fazendo e
reelaborando , foi possível num contexto em que o dispositivo se
mostrava como uma oficina criativa.
Nessa perspectiva, a produção de história em quadrinhos,
tirinhas, cartas enigmáticas e charadas articulava dinamicamente
texto e imagem, ultrapassando concepções que consideravam
perniciosas a literatura não-livro.
Outras modalidades de linguagem como
escultura/modelagem e xilogravuras estavam inseridas no contexto
cultural mais amplo das manifestações da arte popular brasileira,
dialogando com o conjunto das demais linguagens em circulação na
BIM.
Seguindo concepções que norteavam o conjunto das
práticas culturais na BIM, a relação com as linguagens das artes
plásticas visava apresentar aos grupos os circuitos culturais das
respectivas modalidades de expressão artística, colocando, também
nessa esfera, a biblioteca como instância de mediação cultural,
63
fundamental às articulações do diálogo entre as crianças e o
universo da produção plástica.
9 O CINEMA E A CULTURA CINEMATOGRÁFICA
A incorporação em suas atividades da linguagem inovadora
e lúdica do cinema foi outro grande diferencial da BIM. Além das
sessões gratuitas em salas de cinema pela cidade organizadas pelo
DC, os frequentadores da biblioteca possuíam uma sala de projeção,
incorporando às suas práticas a linguagem da cultura do audiovisual.
Filmes educativos eram exibidos em duas sessões, regularmente às
quartas-feiras, chegando a três a depender do filme. Embora a
variedade de produção para a faixa etária atendida pela BIM fosse
pequena em sua maioria eram produções estadunidenses dos
Estúdios de Walt Disney , as sessões eram concorridas. A inclusão
de repertórios audiovisuais à programação da BIM inseria a infância
paulista na contemporaneidade cultural, que despontava com muito
vigor na época. Tal política permitia às novas gerações penetrar na
cultura cinematográfica, por meio de recursos tecnológicos
modernos de vanguarda.
Os filmes, muitas vezes adaptações de clássicos da literatura
ocidental, exerciam influência nas leituras dos pequenos, como
atesta Fraccaroli (1940, pp.299):
O livro lido por maior número de consulentes, parece-
nos, tem variado de acordo com o interesse do
momento. Assim, o cinema influiria na preferência de
leitura. Vemos (sic) verificado, após a exibição nos
cinemas da nossa capital, de filmes cujo enredo foi
aproveitado da literatura infantil, esses livroso os
vencedores do mês [...].
A inclusão das sessões de cinema aumentou de modo
significativo a frequência na BIM, sem dúvida alguma, uma questão
central para a direção da biblioteca. A programação sistemática,
reunindo os frequentadores em torno da nova linguagem de
comunicação atingia um alcance maior, qual seja, introduzir a
64
infância na cultura do (con)viver, das experiências culturais coletivas.
A incorporação das sessões de cinema salientava a aproximação com
a nova indústria cultural, que cada vez mais ganhava adeptos em
todas as faixas etárias, preparando o reinado do audiovisual como
linguagem autônoma, que se consagraria nos anos 1970.
O cinema teve continuidade dentro da BIM, entretanto não
com a mesma intensidade inicial. Um projeto de criação de um Cine
Clube na Biblioteca Monteiro Lobato em 1979 foi cogitado, mas não
parece ter sido implantado
12
.
Todavia, quando da introdução do cinema na BIM, na
década de 1930, a perspectiva ainda era voltada às mediações do
audiovisual em relação à cultura escrita, ao texto literário. Fraccaroli,
diante da questão da possível influência da linguagem
cinematográfica sobre a leitura, manifesta-se pela importância de
estudos sobre a questão: Para dar solidez e embasamento
científico, o Laboratório de Psicologia da Universidade de São Paulo,
sob a segura orientação de D. Noemy da Silveira Rudolfer, iniciou
uma pesquisa afim (sic) de verificar a exatidão dessas afirmações
(Fraccaroli, 1940, pp.299).
De fato, a potência da biblioteca infantil como terreno fértil
para pesquisas científicas dos campos da educação e da psicologia.
A posição de Fraccaroli chama a atenção para questão essencial que
diz respeito à abordagem, de modo rigoroso às relações entre
linguagem cinematográfica e leitura de crianças e jovens.
A cultura cinematográfica sinalizava um mundo, uma
geração e uma cidade se redefinindo, transformando-se e exigindo
conhecimentos novos que permitissem compreender melhor a BIM
como dispositivo de mediação cultural.
10 FINALIZANDO...
Ao identificar concepções e práticas culturais na Biblioteca
Infantil Municipal (Biblioteca Infantojuvenil Monteiro Lobato/São
12
Cf.: Penna (1979).
65
Paulo), sobretudo nos primeiros anos do seu funcionamento,
observa-se seu caráter de dispositivo de mediação e formação
cultural de crianças e jovens, para além de funções informativas e
pedagógicas.
As vinculações da BIM ao projeto político-cultural de
Modernistas no início dos anos 1920 situava a relação da infância
e juventude com o patrimônio simbólico, sob novos termos. As
classes populares tiveram na BIM a possibilidade de experimentar
novas matérias simbólicas e modos de se relacionar com elas.
Dedicada a toda a população paulistana, as configurações da
instituição como instância de mediação cultural foram pautadas em
concepções, processos e práticas que reuniram linguagens
diversificadas e metodologias educativas não formais e informais. É
fato que para as elites a inserção no universo cultural como forma
de compartilhamento, de fruão e criação do pensamento já lhes
fora franqueada desde antes do advento do DC e da BIM. Todavia, a
constituição desse espaço público inovador irá marcar a
possibilidade das novas gerações das camadas trabalhadoras
(operários, empregados do comércio etc.) adentrarem e se
apropriarem das complexas formas de diálogo com o universo
simbólico dinâmico da cultura, independentemente dos repertórios
simbólicos de seus diferentes contextos de origem.
Tratava-se, pois, de constituir um dispositivo cultural cujas
práticas se consolidassem como meio ao diálogo entre ordens
culturais distintas a do patrimônio simbólico registrado, suas
lógicas, linguagens e práticas e a dos novos públicos e seus contextos
, forma institucional de intervenção sobre conflitos simbólicos e
fraturas culturais que pudessem colocar em risco o direito de todos
os cidadãos ao conhecimento e à cultura. A Biblioteca Monteiro
Lobato (BIM) emerge sob o signo da emancipação cultural, da
superação da instrumentalização do pensamento para fins
produtivistas, da busca por inserir e consolidar o valor dos
repertórios sígnicos na vida de todos, na vida da cidade.
Nesse aspecto, a abordagem das práticas culturais na BIM
permite entendê-la como instância de mediação cultural, como um
66
terceiro, essencial à comunicação entre diferentes/diferenças.
Mostrar seu caráter inovador como instância autônoma e criativa,
capaz de construir intervenções contemplando a natureza da
matéria simbólica que lhe é própria e o universo humano sob sua
responsabilidade no contexto sócio-histórico de sua implantação,
objetiva seu compromisso educativo, cultural e ético com a polis
moderna.
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67
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69
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CAPÍTULO 3
MEDIAÇÕES PLURAIS NA AMBIÊNCIA DA BIBLIOTECA
INFANTIL MONTEIRO LOBATO (SALVADOR)
Raquel do Rosário Santos
Ana Cláudia Medeiros de Sousa
1 INTRODUÇÃO
A mediação cultural pode ser compreendida como um
processo consciente de interferência que colabora com a
constituição memorialística e identitária que permeia a formação
sociocultural dos sujeitos e sua relação com o âmbito social. A
mediação da cultura e a mediação da informação se inter-
relacionam e possibilitam que o sujeito se aproprie da informação,
ao compreender as práticas e os dispositivos que compõem o
contexto cultural, em uma relação de identificação e de
pertencimento que o singulariza e demonstra a pluralidade que
existe nele.
A leitura é uma instância social que apoia o processo de
apropriação da informação, portanto, só por meio dessa ação os
sujeitos podem se relacionar criticamente com o contexto
sociocultural e com os dispositivos que regem as práticas culturais e
sociais. Nesse sentido, mediar a leitura é um ato que demanda
conscientização por parte dos sujeitos, o que pode contribuir para
que eles lhe atribuam sentido e significado e, na ambiência dos
dispositivos informacionais, busquem o fortalecimento identitário e
o apoio para o alcance do protagonismo social.
As atividades de mediação da cultura, mediação da
informação e mediação da leitura visam à construção do
conhecimento. A mediação cultural tem o objetivo de fomentar as
manifestações presentes no contexto social em que os sujeitos estão
inseridos. A mediação da informação viabiliza e fundamenta esse
70
processo cultural, por meio de atos que favoreçam o acesso à
informação e seu uso e de ações diretas e indiretas, com o objetivo
de contribuir com a leitura crítica, em um agir mediador, que conduz
o sujeito a se apropriar da informação. Nesse agir da mediação da
leitura, buscam-se incentivar o gosto e o prazer pela leitura e formar
sujeitos-leitores que leiam instâncias, atitudes e demais nuances
presentes no contexto sociocultural.
Assim, considerando o exposto, esta pesquisa, de natureza
descritiva, teve o objetivo de evidenciar os reflexos da postura
protagonista de Denise Tavares nas atividades de mediação da
informação, mediação cultural e mediação da leitura no âmbito da
Biblioteca Infantil Monteiro Lobato (BIML) (Figura 1), na Cidade de
Salvador, Bahia, localizada na Praça Almeida Couto, no Bairro de
Nazaré.
Figura 1: Biblioteca Infantil Monteiro Lobato
Fonte: Secretaria de Cultura do Estado da Bahia (2022).
Para isso, adotou o método de estudo de caso, uma vez que
foi realizada no âmbito da BIML, situada na cidade de Salvador, na
Bahia. Para interpretar os dados coletados, foi utilizada a abordagem
qualitativa.
2 A BUSCA POR ALCANÇAR O PROTAGONISMO NAS ATIVIDADES DE
MEDIAÇÃO DA INFORMAÇÃO, MEDIAÇÃO CULTURAL E
MEDIAÇÃO DA LEITURA
A biblioteca tem a importante missão de favorecer o acesso
à informação e de contribuir para que os sujeitos sociais se
71
apropriem dela. Entretanto, a informação deve ser reconhecida
como uma instância que transforma os sujeitos e o resultado de
práticas socioculturais, transparecendo seu produtor, assim como o
contexto histórico que permeou sua origem. Assim, a informação e
o dispositivo que possibilita seu acesso devem ser mediados com
esse entendimento, considerando que os sujeitos que terão acesso
a eles - informação e documento têm características singulares e
pertencem a certo contexto cultural.
A partir dessa reflexão, as atividades mediadoras, sejam de
informação, cultura ou leitura, devem transparecer o movimento
sociocultural que permeia a postura dos usuários-leitores e a própria
produção dessa informação e de seus dispositivos. Nesse sentido, os
agentes mediadores devem adotar uma postura consciente alinhada
às demandas socioculturais dos usuários-leitores que utilizam ou
poderão buscar os serviços e os produtos da biblioteca. Os agentes
mediadores que atuam na biblioteca devem reconhecer a
responsabilidade em seu agir, pois, por meio do acesso à
informação, podem transformar a vida do outro.
Santos et al. (2021) compreendem que, quando os agentes
mediadores realizam suas ações de maneira consciente,
reconhecem que sua atuação é importante no processo mediador
como uma concepção de vida imbuída de convicção da relevância do
seu agir no meio social. Os autores acrescentam que, quando os
sujeitos (agentes mediadores e leitores) refletem sobre suas práticas
e as realizam de maneira consciente, podem alcançar o valor
simbólico na perspectiva da coletividade, cujo valor, para eles,
refere-se ao reconhecimento dos dispositivos informacionais que
transparecem aspectos de pertencimento de sujeitos e grupos
sociais.
O termo dispositivo informacional é definido por Pieruccini
(2007, pp.5) como [...] um signo, um mecanismo de intervenção
sobre o real, que atua por meio de formas de organização
estruturada, utilizando-se de recursos materiais, tecnológicos,
simbólicos e relacionais, que atingem os comportamentos e as
condutas afetivas, cognitivas e comunicativas dos indivíduos”.
72
A partir da reflexão da autora, pode-se entender que a
biblioteca e os recursos que a integram são dispositivos
informacionais que interferem na ação dos sujeitos, de maneira
simbólica, e modificam as estruturas cognitivas e sociais com as
quais os sujeitos se relacionam no mundo. Esses dispositivos podem
ser entendidos como resultado das atividades mediadoras que, no
contexto informacional, agem em favor do desenvolvimento dos
sujeitos-leitores, em seu processo de apropriação e das informações
neles registradas.
De acordo com esse pensamento, quando as atividades de
mediação da informação, mediação da cultura e mediação da leitura
são realizadas conscientemente, podem subsidiar uma formação dos
sujeitos sociais que os apoie no alcance de uma tomada de posição
em sua realidade, de modo que possam transformar a si e ao outro,
agindo segundo uma postura protagonista.
Perrotti (2017, pp.15) define o protagonismo cultural como
[...] uma dimensão existencial inextricável, que significa resistência,
combate, enfrentamento de antagonismos produzidos pelo mundo
físico e/ou social e que afetam a todos”. Nesse sentido, quando os
agentes mediadores e os usuários atuam na perspectiva do
protagonismo, podem reconhecer os dispositivos informacionais
como basilares para seu agir no mundo, o que implica suas práticas
sociais e o combate à desigualdade. Assim, as atividades mediadoras
podem ressignificar o modo como os sujeitos entendem o mundo e
agem nele e contribuem para que alcancem o protagonismo cultural.
Para que os sujeitos envolvidos nas atividades mediadoras
tenham atitudes protagonistas, essas ações devem ser refletidas e
conduzidas de maneira que contemplem as demandas individuais e
coletivas, tendo em vista o contexto sociocultural que os sujeitos
integram. No âmbito da biblioteca, a mediação da informação
entrelaça-se com a mediação cultural e a mediação da leitura,
porquanto a informação e os dispositivos informacionais e culturais
são significados por meio da associação dessas três bases
mediadoras, visto que a informação é associada às práticas e aos
sujeitos culturais e só pode ser apropriada por meio da leitura.
73
Ao agir conscientemente, o agente mediador deve ter a
perspectiva de ações integradas e considerar a pluralidade das
atividades mediadoras assim como o objetivo que busca nesse
processo que, segundo o conceito de mediação da informação
defendido por Almeida (2015), é de que os sujeitos se apropriem da
informação.
Almeida (2015, pp.25) compreende a mediação da
informação como
[...] toda ação de interferência realizada em um
processo, por um profissional da informação e na
ambiência de equipamentos informacionais , direta
ou indireta; consciente ou inconsciente; singular ou
plural; individual ou coletiva; visando a apropriação de
informação que satisfaça, parcialmente e de maneira
momentânea, uma necessidade informacional,
gerando conflitos e novas necessidades
informacionais.
Convém enfatizar que, como a mediação da informação é
um processo, inicia-se no reconhecimento das práticas e do contexto
cultural que fundamentam as próprias atividades de mediação da
informação, contemplando as leituras diversas e a singularidade dos
sujeitos sociais. Tendo como base o conceito apresentado por
Almeida (2015), pode-se afirmar que, nas atividades direta e
indireta, os bibliotecários agem de forma a contemplar as
necessidades informacionais dos sujeitos, apoiando-os na
apropriação da informação e subsidiando um processo constante de
busca por novas informações.
Quanto às categorias das atividades mediadoras da
informação referentes à singularidade e à pluralidade dessas ações,
pode-se pensar nas demandas apresentadas pelos sujeitos, visto que
todos têm qualidades, competências e necessidades singulares, de
acordo com suas vivências, e integram espaços socioculturais
representativos de seu meio. As atividades de mediação da
informação devem contemplar a singularidade dos sujeitos e
representar a coletividade de que eles fazem parte. Sobre isso,
74
entende-se que, no processo de mediação da informação, existe o
atributo concernente ao alcance da mediação cultural, que é uma
atividade inter-relacionada à mediação da informação.
Perrotti (2017, pp.13) entende a mediação cultural como
uma ação que [...] emerge na contemporaneidade como
formulação teórica e metodológica inscrita, portanto, num quadro
que reconhece os conflitos, ao mesmo tempo que a necessidade de
estabelecimento de elos que viabilizem diálogos necessários à
geração de ordens culturais mais democráticas e plurais”.
Sob o ponto de vista de Perrotti (2017), no âmbito da
biblioteca, é preciso desenvolver atividades - não apenas referentes
às ações culturais por meio das quais se reconheça a diversidade,
inclusive, nos múltiplos papéis exercidos por um sujeito, cuja
interseccionalidade pode gerar conflitos e busca por informações, o
que requer da biblioteca e de seus mediadores a ampliação do
processo dialógico que resulte em uma reflexão crítica e construtiva,
na perspectiva de conseguir se apropriar da informação e da
biblioteca como um dispositivo que satisfaça às demandas
socioculturais.
[...] na diversidade que caracteriza o espaço público,
sem silenciar conflitos nem vozes discordantes, sem
isolar ou impedir a emergência da pluralidade, das
tensões que lhe são próprias, a mediação cultural
apresenta-se, pois, como um território discursivo, de
embates e possibilidades, ao mesmo tempo que de
afirmação da esfera pública como instância superior
organizadora e legitimadora do campo simbólico
(Perrotti, 2017, pp.13).
As atividades mediadoras envolvem a busca por alcançar o
campo simbólico, em que os sujeitos se sentem contemplados e
representados e podem atribuir sentidos às informações e aos
demais dispositivos a que têm acesso. Almeida (2015) assevera que,
no planejamento e na execução de atividades diretas e indiretas, é
preciso buscar atributos de representatividade sociocultural que
auxiliem a aproximação e a construção de um terreno fértil para o
75
território discursivo de embates e possibilidades’, conforme
acredita Perrotti (2017). Assim, no desenvolvimento das atividades
de mediação da leitura, como um ato basilar para o acesso e a
apropriação da informação, devem-se considerar os aspectos
culturais que permeiam a visão de mundo e as vivências dos sujeitos-
leitores.
Perrotti (1999, pp.31) compreende o ato de ler como “[...]
uma atividade que envolve essencialmente um modo de se
relacionar com a linguagem e as significações”. A partir dessa
reflexão, entende-se que o ato de ler não se limita à linguagem
verbal, uma vez que a leitura envolve uma relação com as múltiplas
linguagens e significados, por isso abrange os diversos dispositivos
em que a comunicação e a informação se manifestam e são
apropriadas.
Martins (1998) cita como níveis básicos de leitura o
sensorial, o emocional e o racional. Ainda de acordo com a autora,
esses níveis poderão ocorrer de forma simultânea ou um pode se
destacar em relação ao outro, a depender do contexto em que a
leitura acontece ou das expectativas do leitor no momento. Na
mediação da leitura, assim como nas demais atividades mediadoras,
a vivência e o lugar de pertencimento dos sujeitos-leitores devem
ser considerados, porque, nesse processo, esses, sentimentos e/ou
situações podem ser evocados.
Nessa conjuntura, é necessário considerar a relevância da
leitura e de sua mediação na vida dos sujeitos, tomando como base
as realidades sociais existentes e como os diferentes tipos de
contato com a leitura podem ser determinantes na formação dos
leitores. Por essa razão, as atividades de mediação da leitura devem
ser entendidas como parte integrante de outras atividades
mediadoras - a mediação da informação e a mediação cultural. A
primeira é o foco central, porque, por meio do ato de ler é que se
alcança a apropriação da informação, e a segunda fundamenta as
bases para o alcance simbólico dos dispositivos informacionais e
culturais que serão lidos.
76
Somando a mediação da informação, a mediação cultural e
a mediação da leitura, em um processo de busca consciente para
favorecer a formação e a transformação dos sujeitos, podem-se
desenvolver ações protagonistas que modifiquem a vida dos agentes
mediadores e leitores e da coletividade que eles integram. Assim,
nas atividades de mediação que sejam basilares para atitudes
protagonistas, é necessário utilizar dispositivos informacionais
diversos, que possam ser lidos e apropriados, objetivando
transformar espaços socioculturais.
3 TRAJETÓRIA METODOLÓGICA
Este estudo, que foi realizado no âmbito da Biblioteca
Infantil Monteiro Lobato (BIML), situada na cidade de Salvador, na
Bahia, caracteriza-se como descritivo, que, conforme Gil (2010), visa
descrever as características de determinada população ou
fenômeno. O método utilizado foi o de estudo de caso, que [...]
consiste em estudar, profunda e exaustivamente, um ou mais
objetos [...]” (Gil, 2010, pp.54). Seu objetivo foi de evidenciar os
reflexos da postura protagonista de Denise Tavares nas atividades
de mediação da informação, mediação cultural e mediação da leitura
no âmbito da biblioteca referida.
Para coletar os dados, adotou-se como técnica a aplicação
de questionário via e-mail. Esse instrumento foi composto de 10
questões objetivas e discursivas, divididas em três categorias: perfil
do respondente; atividades mediadoras e reflexos da postura
protagonista de Denise Tavares. Quanto à análise dos dados
coletados, foi utilizada a abordagem qualitativa, que fundamentou o
processo de interpretação das respostas.
4 INDÍCIOS DA POSTURA PROTAGONISTA DE DENISE TAVARES NAS
ATIVIDADES MEDIADORAS DA BIBLIOTECA INFANTIL MONTEIRO
LOBATO
77
Nesta seção, são apresentadas as respostas de duas
bibliotecárias que tratam sobre as atividades mediadoras realizadas
na Biblioteca Infantil Monteiro Lobato e sobre o protagonismo de
Denise Tavares, que é o tema deste estudo. Inicialmente, o
questionário tratou do perfil das respondentes. Uma delas atua no
cargo de coordenadora. Também se constatou a formação das
respondentes, uma das quais cursou o Mestrado em Ciência da
Informação.
Quanto às atividades mediadoras, as respondentes
indicaram como práticas de mediação da leitura realizadas na
Biblioteca Infantil Monteiro Lobato: contação de histórias, teatro de
fantoches, oficinas literárias, empréstimos de livros, apresentação
de peças teatrais, lançamento de livros, clube de leitura, palestras e
formação de leitores. Com base no que foi indicado, percebe-se que
as atividades abrangem tanto a ludicidade e a criatividade por parte
dos leitores quanto práticas mais formativas, em que os sujeitos têm
a possibilidade de ampliar seus conhecimentos, como, por exemplo,
ações mais centradas no leitor como o empréstimo de livros, e
coletivas, como oficinas literárias, clube de leitura e teatro de
fantoches. Some-se a isso a diversidade das atividades de leitura que
despertam o prazer e o gosto pela leitura, assim como a ampliação
dessas percepções.
Sobre as atividades desenvolvidas na Biblioteca Infantil
Monteiro Lobato, que proporcionam o acesso à informação e
favorecem o fortalecimento ou o reconhecimento cultural, as
bibliotecárias responderam afirmativamente, como mostra esta fala
da Respondente A:
A cada semestre a BIML apresenta peças teatrais com temas
pertinentes que ressaltam a cultura e a representatividade.
Bate-papo com especialista acerca de determinado tema, a
saber: novembro negro, 2 de julho, dia nacional do livro
infantil (Respondente A).
A Biblioteca Infantil Monteiro Lobato é um dispositivo por
meio do qual os sujeitos podem identificar práticas culturais que são
significativas do seu lugar de pertencimento, atribuir-lhe sentidos e
78
reconhecer a aproximação com traços culturais, o que favorece a
apropriação desse dispositivo e dos recursos informacionais que
nele são mediados. Trata-se de um ambiente de mediação cultural,
como descreve Perrotti (2017) sobre essa prática mediadora.
Quanto aos reflexos da postura protagonista de Denise
Tavares, quando se investigou sobre quem foi essa mediadora e suas
contribuições para a Biblioteca Infantil Monteiro Lobato no contexto
atual, as respondentes citaram:
Uma referência, uma mulher à frente do seu tempo
(Respondente B).
Denise Tavares foi a pedra fundamental para a criação da
BIML, educadora, Bibliotecária, e visionária, percebeu a
importância da leitura na formação do leitor desde a infância,
numa época em que a leitura não era vista como essencial. A
contribuição de Denise continua muito atual (Respondente
A).
Em sua fala, a Respondente B reconhece o protagonismo de
Denise Tavares, visto que, ao declarar sua postura “à frente do seu
tempo”, destaca que ela atuou contra barreiras impostas em seu
período histórico e assumiu um lugar de destaque em relação à
postura feminina de sua época. A Respondente A complementa
dizendo que Denise Tavares foi essencial para a criação da BIML, que
atuou como uma visionária, contribuiu com a formação do leitor,
desde a infância e inspirou os mediadores que atualmente realizam
as atividades mediadoras na referida biblioteca, como outros
agentes que também desejam assumir uma postura protagonista.
Assim, o protagonismo de Denise Tavares reverbera nas ações
mediadoras das bibliotecárias que agem em favor da formação e da
prática leitora.
Quanto à existência de ações realizadas atualmente na
Biblioteca Infantil Monteiro Lobato que são inspiradas na atuação de
Denise Tavares, ambas as respondentes citaram a visita guiada ao
Memorial dessa mediadora, sendo que a Respondente B também
indicou o teatro de fantoches, que conta a história da Biblioteca.
79
Pode-se inferir que essas ações fortalecem a identidade dessa
Biblioteca quando evocam lembranças e fatos da criação da BIML e
a atuação de sua criadora. Além de contar e fortalecer essa memória,
possibilita que outros sujeitos se inspirem na trajetória de Denise
Tavares para atuar como protagonistas, conforme defende Perrotti
(2017), ao discutir sobre a existência de combates e enfrentamentos
aos antagonismos que afetam a coletividade.
Com base nas respostas, constatou-se que a postura de
Denise Tavares perpassa sua atuação profissional, visto que seu agir
é representativo e simbólico para outros sujeitos, o que indica sua
atuação no processo mediador como uma concepção de vida,
conforme defendem Santos et al. (2021).
Ainda sobre as ações mediadoras da BIML, a Respondente B
afirmou que “[...] todas as ações evidenciam a proposta de Denise
Tavares, que é o acesso democrático à informação". Portanto, as
atividades desenvolvidas pela BIML são pautadas nos princípios
inerentes às ações de Denise Tavares. Nesse contexto, as
respondentes reconhecem o perfil protagonista dessa idealizadora
da BIML e demonstram um alinhamento aos princípios fundantes da
referida Biblioteca, que perpassam o tempo com vistas a
democratizar a informação.
De acordo com os dados coletados, pode-se afirmar que
existe uma conduta de fortalecimento cultural que transparece nas
ações de leitura desenvolvidas na BIML e que tais atividades apoiam
os sujeitos no acesso e na apropriação da informação e do
dispositivo mediador. Ratifica-se a importância de práticas de
mediação da leitura que ampliem a percepção da relevância desse
ato e favorecem a formação de leitores. Além de essas práticas
apoiarem o alcance de uma postura protagonista, notam-se indícios
em atividades que fortalecem os traços culturais na ambiência da
BIML, que é um dispositivo de informação e de cultura que conta
com profissionais que se inspiram no agir de sua idealizadora para
favorecer o acesso à informação por meio de práticas leitoras.
Portanto, atuam na perspectiva da mediação da informação
80
defendida por Almeida (2015), que favorece a apropriação da
informação por parte dos sujeitos.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os resultados deste estudo indicaram que as ações
individuais e coletivas de mediação da leitura favorecem o
entendimento de que essas práticas podem ser alinhadas à
mediação da informação e à mediação cultural e que, além da
ludicidade, que pode contribuir com a percepção sensorial e tratar e
evidenciar sentimentos, os agentes mediadores desenvolvem
atividades voltadas para a formação dos leitores, nas quais a
informação é a instância transformadora que potencializa no sujeito
um agir pautado na atribuição de sentidos que ressignificam sua
constituição leitora favorecendo uma tomada de decisão em relação
aos aspectos percebidos por ele em seu contexto sociocultural.
Na perspectiva de um agir protagonista, os agentes
mediadores procuraram desenvolver repertórios culturais que
evidenciam traços culturais e representam a diversidade dos leitores
que se apropriam da Biblioteca Infantil Monteiro Lobato. Essas
atividades também informam sobre essa pluralidade que se
encontra na ambiência da BIML e contribuem para que os leitores,
além de identificar os aspectos que os representam, informem-se
sobre fatos e saberes da cultura de outros sujeitos. Assim, a
mediação cultural realizada, por exemplo, em peças teatrais e
palestras, fortalece a identidade do povo soteropolitano e mostra
uma conduta dos princípios norteadores da criação da BIML.
Diante do exposto, o estudo revelou que as atividades
realizadas pelas agentes mediadoras, que favorecem o acesso à
informação, a promoção da leitura e o fortalecimento cultural, estão
alinhadas à postura protagonista de Denise Tavares. As respostas
das participantes da pesquisa demonstram um agir consciente e
humanizador que transparece a base criadora da Biblioteca e
espelha a conduta protagonista de Denise Tavares.
81
Convém ressaltar que Denise Tavares, além da contribuição
singular para a sociedade soteropolitana, no que diz respeito à
promoção da leitura, é referência para as mulheres, pois, como a
respondente afirmou, “agiu à frente de seu tempo”, rompendo
barreiras e atuando pelo coletivo. A idealizadora da BIML continua
inspirando o agir protagonista de mediadores da informação, da
cultura e da leitura, que, como ela, resistem aos antagonismos
atuais.
REFERÊNCIAS
Almeida, O. F., Jr. (2015). Mediação da informação: um conceito
atualizado. In S. Bortolin, J. A. Santos, Neto, & R. J. Silva (Orgs.),
Mediação oral da informação e da leitura (pp.9-32). Abecin.
Gil, A. C. (2010). Como elaborar projetos de pesquisa (5a ed.). Atlas.
Martins, M. H. (1998). O que é leitura (9a ed.). Brasiliense.
https://pt.scribd.com/doc/30652716/O-que-e-Leitura-Maria-
Helena-Martins.
Perrotti, E. (1999). Leitores, ledores e outros afins (apontamentos
sobre a formação ao leitor). In J. Padro, & P. Condini (Orgs.), A
formação do leitor: pontos de vista (pp.31-43). Agnus.
Perrotti, E. (2017). Sobre informação e protagonismo cultural. In H.
F. Gomes, & H. F. Novo (Orgs.), Informação e protagonismo
social (pp.11-26). EDUFBA.
Pieruccini, I. (2007, Outubro 28-31). Ordem informacional dialógica:
mediação como apropriação da informação. In ENANCIB
Encontro Nacional de Pesquisa em Ciência da Informação,
Anais eletrônicos [Anais]. 8º ENANCIB Encontro Nacional de
Pesquisa em Ciência da Informação, Salvador, Bahia, Brasil.
http://enancib.ibict.br/index.php/enancib/viiienancib/paper/vi
ewFile/2862/1990.
82
Santos, R. R., Sousa, A. C. M., & Almeida, O. F., Jr. (2011). Os valores
pragmático, afetivo e simbólico no processo de mediação
consciente da informação. Informação & Informação, 26(1),
343-362. https://brapci.inf.br/index.php/res/v/158631.
Secretaria de Cultura do Estado da Bahia. (2022). Biblioteca Infantil
Monteiro Lobato.
http://www.fpc.ba.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?c
onteudo=63.
83
https://doi.org/10.36311/2024.978-65-5954-458-5.p83-122
CAPÍTULO 4
O PROTAGONISMO DE DENISE TAVARES REVELADO NA
DOCUMENTAÇÃO DE ARQUIVO E NAS VOZES DO PÚBLICO
LEITOR DA BIBLIOTECA INFANTIL MONTEIRO LOBATO
Joseania Miranda Freitas
1 INTRODUÇÃO
Em 4 de outubro de 2001 apresentei publicamente a tese A
história da Biblioteca Infantil Monteiro Lobato: entrelaçamento de
personagens e instituição, conduzida sob a competente, afetuosa e
paciente orientação do saudoso Professor Doutor Luís Henrique Dias
Tavares, no Programa de Pós-Graduação em Educação da
Universidade Federal da Bahia (PPGE-FACED-UFBA). Em 2008, em
parceria com a professora Esmeralda Maria de Aragão, publicamos
o livro Denise Tavares: traços biográficos (Aragão & Freitas, 2008),
no qual destacamos “Os conceitos de infância defendidos pela
educadora Denise Tavares”. O texto ora apresentado traz, portanto,
grande parte daqueles registros, mas está entremeado e voltado
especificamente para a temática deste E-book: Documentação, as
vozes do público leitor e o protagonismo de Denise Tavares.
84
Figura 1: Professora Denise Tavares: criadora e gestora da BIML
(1950-1974)
Fonte: Arquivo BIML (2024).
Nascida em 4 de maio de 1925, na cidade de Nazaré, no
Estado da Bahia, Denise Fernandes de Jesus passou a se chamar
Denise Fernandes Tavares ao se casar, em 1946, com o médico
Arivaldo Tavares. Denise teve acesso aos livros desde cedo, sendo a
sua infância marcada pela leitura: lia não só os livros que ganhava,
mas utilizava a “Livraria Lourival”, única da cidade, como biblioteca.
A leitura de toda a obra infantil de Monteiro Lobato despertou nessa
educadora o desejo de fazer uma Casa de Livros, na qual as crianças
poderiam desfrutar do prazer e alegria proporcionados pela
literatura e mergulhar ainda mais no imaginário mágico do mundo
da fantasia, experimentando aventuras literárias.
Foi estudante dedicada e comprometida com o seu contexto
social. Quando ainda cursava o 2
o
ano do Curso Normal já se
preocupava com as formas de contratação e transferências de
85
professores no interior, chamando a atenção das autoridades para a
situação das escolas, como se pode verificar no trecho a seguir,
retirado de um artigo que enviara ao Secretário Aristides Novis:
A liberdade é o fator básico da educação, a pedra
fundamental da Escola Moderna, porém é impossível
existir numa escola de péssimas condições. . . . A
escola do interior, por isso, é um tabu apavorante! Já
passamos, sem dúvida, do tempo de atualizar os
colégios do interior, sujeitos, até aqui, ao desamparo
do poder público (Tavares, 1943)
1
.
O artigo em questão não se constituiu um gesto isolado, já
nessa época tinha o costume de escrever para os secretários de
Educação sobre assuntos importantes para a área, hábito que seria
mantido durante toda a sua vida. Nos arquivos da BIML encontram-
se várias cartas e ofícios às autoridades competentes, comentando
leis, portarias, sugerindo mudanças quando estas não atendiam por
completo aos objetivos que se propunham. Mais tarde, usando
dessa mesma estratégia, defendeu também a classe de
bibliotecários.
Denise Tavares, aos dezoito anos, ainda cursando o
magistério na cidade de Nazaré, tinha por preocupação a educação
social, pensava a escola como espaço de convivência entre os
diversos, espaço democrático, como ilustra este texto escrito em
1943:
Os alunos de classes e meios diversos - ambientes
desiguais que formam personalidades diferentes,
terão entre si choques que o professor precisa evitar,
incutindo o sentimento de igualdade. Com base
democrata, o professor deve, nessa mistura de
caracteres e posições, formar o espírito de
coletividade, de união e fraternidade. Deve empregar
toda a sua energia e arte no combate ao orgulho de
classe e à humilhação do próximo e NUNCA excluir da
1
Documento sem numeração de páginas.
86
sua escola os filhos dos operários, moradores de ruas
pobres, no receio de que sejam transmitidos aos filhos
dos ricaços costumes defeituosos. O mestre deve
juntar os ricos e humildes, educando-os para a vida,
mostrando-lhes que tanto as classes operárias,
industriais, comerciais, militares como a dos
milionários têm os mesmos direitos, que não há
distinção entre cidadãos por motivo de ordem
pecuniária, mas somente a falta de caráter estabelece
uma terrível barreira entre os homens de honra e os
que não respeitam os ditames da moral. . . . O trabalho
em comunidade desenvolverá o espírito de
solidariedade escolar e da prática da vida social e
coletiva (Tavares, 1943)
2
.
Os arquivos da BIML, repletos de documentos institucionais
e pessoais, revelam o pensamento da educadora, provocando o
ecoar de sua voz - forte e atuante-, que jamais se cansou de lutar em
defesa da educação de qualidade, principalmente para as crianças e
adolescentes. Foi essa professora, formada no interior, que chegou
à cidade do Salvador em 1944, aprovada em concurso para lecionar
na Escola Marquês de Abrantes. Em 1946, transferiu-se para a Escola
Joana Angélica, lecionando por quatro anos, sendo que os dois
últimos foram dedicados à tarefa à qual mobilizaria toda a sua vida -
a criação da Biblioteca Infantil Monteiro Lobato, inaugurada em
1950. O ideal vivido por Denise Tavares, no decorrer de três décadas
à frente da BIML, foi a mobilização social. Como mulher destemida e
vanguardista, mobilizou a sociedade com seus discursos e ações,
num ato de paixão pela criança, paixão pelo exercício da leitura e
pela obra infantil de Monteiro Lobato.
Com seu temperamento extremamente forte, Denise
Tavares marcou a biblioteca com o seu modo de ser, de dirigir e de
atender ao público. Sua história é parte integrante da história da
participação da mulher na vida pública baiana. Pensando sempre
além do seu tempo, ela deixou uma obra que permanece.
2
Documento sem numeração de páginas.
87
Entretanto, mesmo se já bastante reconhecida, não se poderia dizer
que a história oficial da educação baiana e brasileira a acolheram em
toda a sua emblemática estatura. Em outubro de 1971 adoeceu,
vindo a falecer em 19 de abril de 1974, em decorrência de um câncer
de mama.
O ato de criar uma biblioteca infantil exigiu um projeto
específico. Não se tratava de uma miniatura da biblioteca pública, ao
contrário, necessitava de pessoal qualificado, acervo especializado e
uma programação adequada a cada faixa etária de crianças e jovens.
Um dos grandes entraves encontrados por Denise Tavares, na época
da criação da BIML, foi a resistência das pessoas que não aceitavam
a ideia de uma biblioteca infantil como um conjunto único, com seu
espaço, mobiliário, acervo, programação e público específicos. A
preocupação de Denise Tavares, ao projetar um espaço lúdico
exclusivo para crianças, estava pautada na atenção à infância “mal
instruída e abandonada”, que necessitava de um espaço educacional
diferente do escolar, o qual deveria dispor de [...] requisitos capazes
de bem orientar a vida mental das crianças, afastando-as da agitação
desencaminhadora das ruas para o convívio agradável e benfazejo
dos livros que a atraem, orientam e ilustram (Tavares, 1949a
3
).
Denise Tavares não se limitava a lutar por uma biblioteca
infantil. Há, em sua obra, uma preocupação geral com a infância, no
sentido de conquista e garantia dos seus direitos. Na sua visão, as
crianças necessitavam de uma série de equipamentos básicos que
não lhes eram assegurados. No seu texto Crianças Esquecidas,
distribuído na “Semana da Criança” de 1954, salienta que a infância
necessitava de equipamentos sociais, acrescidos da alegria, um
elemento subjetivo, que poderia ser conquistado, devendo ser
garantidos os seus direitos básicos de saúde e educação: “Postos de
puericultura, creches, hospitais, escolas, bibliotecas, parques -
alimentos, saúde, educação, alegria!” (Tavares, 1954
4
).
3
Documento sem numeração de páginas.
4
Documento sem numeração de páginas.
88
Não foi uma tarefa fácil para Denise Tavares criar a
biblioteca; a sociedade não aceitava facilmente as inovações. O
depoimento de sua amiga e colega, professora Esmeralda Maria de
Aragão, aponta para o fato inovador que foi a criação de uma
biblioteca infantil na Bahia, assim como a inserção das bibliotecas no
universo educacional, como agências formadoras de cidadãos:
Então é um fato que é preciso registrar para mostrar
o idealismo de Denise, e o acompanhamento da
evolução cultural da época com relação às bibliotecas.
As bibliotecas de outros Estados tiveram muito mais
progresso do que nós. Só a partir de Denise e Anísio
Teixeira é que, realmente, elas passaram a se
constituir em elementos de educação, de formação do
cidadão (Freitas, 2001, pp.73)
5
.
As dificuldades para a implantação do projeto de Denise
Tavares residiam, sobretudo, no fato de que este apresentava
aspectos que não estavam em pauta na época, como a participação
cidadã de crianças, através da promoção de atividades artísticas e
culturais, transformando a biblioteca infantil em um espaço de
aprendizagem. O leitor Manoel Castro comenta sobre a inovão
desse projeto, analisando-o a partir da sua recordação infantil:
[...] quando vejo aspectos modernos de educação, os
avanços que nós testemunhamos em todas as
direções, a preocupação com a cidadania, o
envolvimento da arte, da cultura com educação [...] Eu
acho que Denise, além de tudo de positivo, da ideia da
biblioteca, do trabalho feito, do carisma dela, do
carinho, foi essencialmente uma pioneira, foi uma
inovadora, porque ela usou aquilo que hoje torna-se
comum, mas naquela época, com certeza era
novidade, era romper com determinados dogmas, eu
me lembro que todos nós adorávamos. Certamente,
eu era muito criança pra entender isso, mas hoje,
5
Todos os depoimentos, mesmo com menos de três linhas, estão
destacados em itálico.
89
quando vejo a dificuldade para inovar, a resistência às
mudanças, eu imagino, as dificuldades que algumas
pessoas, entre elas, Denise, devem ter tido com o
status quo da época, por serem tão inovadoras
(Freitas, 2001, pp.74).
2 RELATOS DE UMA TESE: A DOCUMENTAÇÃO SOBRE A BIML E SUA
CRIADORA
A tese, anteriormente citada, foi construída tendo por base
uma pesquisa histórico-documental no campo da História da
Educação, apresentando a versão da autora para a história da
Biblioteca Infantil Monteiro Lobato (BIML) como resultante do
entrelaçamento de personagens e instituição. Nas diversas fases da
sua elaboração, partiu-se do conceito de documento como sendo o
conjunto de referências à vida cotidiana da instituição e de seus
personagens, com o objetivo de compreender o seu projeto
educacional. A BIML surgiu por iniciativa pioneira da professora
Denise Fernandes Tavares, que em seu vanguardismo defendia os
direitos da infância, numa época em que não se falava de crianças e
adolescentes como sujeitos de direitos.
A pesquisa enredou histórias individuais e institucionais,
partindo das memórias institucionais (registradas na farta
documentação de arquivo) e individuais (público leitor, círculo de
amizade, funcionárias(os) e parentes), como fios condutores para
desvelar questões, interpretar e analisar fatos aparentes e/ou
submersos nas subjetividades que compunham a trajetória histórica
da instituição e de seus personagens. Memórias que revelaram o
protagonismo de Denise Tavares frente à criação e gestão da
primeira biblioteca infantil da Bahia (segunda do Brasil), de 1950 a
1974.
A pesquisa visou compreender a dimensão do projeto
cultural de Denise Tavares para a criação de uma biblioteca infantil
na Bahia dos anos 1950 e o seu desdobramento na sua gestão, de
1950 a 1974. Nessa perspectiva, procedeu-se a uma investigação
90
sistemática das fontes documentais convencionais da instituição,
desenvolvendo-se um diálogo com a bibliografia técnico-científica,
que se constituiu em referencial para a coleta de informações nas
fontes de história oral.
O mais impactante no primeiro contato com os documentos
foi encontrar um texto escrito por Denise Tavares, contendo ainda
correções e acréscimos feitos à mão: Vinte anos da BIML. Nesse
documento estão narrados fatos já conhecidos, assim como
encontra-se a elucidação de outros acontecimentos importantes da
BIML. Em geral, para cada fato narrado no texto, há referências a
artigos de jornais ou do Diário Oficial da Bahia, atestando o
acontecido. Ela começou a escrever esse documento ao tomar
conhecimento da gravidade do seu estado de saúde, pois desejava
que a história da BIML ficasse registrada de sua perspectiva de
fundadora.
O documento tem quarenta e três páginas, incluindo capa,
página de rosto, dedicatória e nota introdutória. É composto de
quatro partes, além da introdução e observação final. Percebe-se,
em todo o documento, uma tensão constante: Denise Tavares
empenha-se, todo o tempo, em comprovar os fatos descritos, assim
como salienta a importância da participação das pessoas que lhes
são queridas, citando-as: amigos, funcionários e, principalmente,
leitores. Polida, não nomina as pessoas que não contribuíram com a
BIML ou tentaram destrui-la, mas faz várias referências às
circunstâncias em que isso se dava. Registra todos os problemas
enfrentados, ressaltando não se perdoar por ter gastado tempo
resolvendo problemas, quando poderia estar produzindo mais em
favor da biblioteca:
[...] acho imperdoável o tempo que perdi brigando,
lutando com um bando de imbecis e cretinos, quando
poderia estar mais realizando em favor da BIML e dos
seus leitores. [...] Desejaríamos registrar apenas as
coisas agradáveis, mas a história de uma vida é feita
de aborrecimentos e decepções, também. Aqueles
atingidos pela nossa crítica, esqueceram-se que a
91
verdade histórica é inflexível, impiedosa como o seu
indiferentismo [...] (Tavares, 1973, pp.39).
O documento Vinte anos da BIML serviu de roteiro para a
tese, que buscou aprofundar e esclarecer os assuntos nele tratados,
transformando o seu plano original em um guia de pesquisa. O texto
foi lido e relido muitas vezes, com o intuito de encontrar os
“mecanismos da imaginação” para elaborar um novo texto a partir
de um produzido em situação tão especial. Por isso, dialoga-se com
as ponderações do historiador francês Georges Duby (1993, pp.53):
[...] ler novamente este texto,-lo e relê-lo na
coerência de sua expressão e de seu sentido. Pois é
durante essas leituras que entram em jogo
mecanismos infinitamente mais fluidos que o mais
mirabolante dos computadores. Entre eles os da
imaginação, inevitável, indispensável feiticeira.
O documento traz à tona um passado que, ao ser analisado,
faz-se presente de forma dinâmica. A preocupação em registrar os
acontecimentos, fortemente marcada nos textos de Denise Tavares,
evidencia que essa ação era pensada numa perspectiva de futuro.
No tocante aos documentos, a dinâmica do passado, presente e
futuro é extremamente rica, pois, o que hoje é passado, muitas vezes
é também futuro e presente. A retirada de documentos guardados,
extraídos do silêncio dos fichários, armários e gavetas dos arquivos
da BIML, trouxe até o presente o futuro ali encerrado, expressando
o desejo daquela que no passado os preservou.
92
Figura 2: Denise Tavares
6
Fonte: Arquivo BIML (2024).
Os primeiros encontros com esse acervo criaram,
inicialmente, expectativas de que seria possível abarcar toda a
documentação. Como o arquivo não estava devidamente
organizado, deduzi que, ao longo do trabalho, poderia associar o
trabalho de pesquisa à prestação de um serviço à biblioteca,
procedendo à catalogação de alguns documentos. Entretanto, isso
revelou-se tarefa impossível para uma só pessoa, e envolvida em
outras atribuições. E esse foi o primeiro desapontamento! Teve
como resultado o empenho em cumprir as sugestões do orientador,
que alertava para os objetivos traçados.
Efetivamente inserida na pesquisa documental, foi dada
uma melhor organicidade ao que se desejava elaborar. Inicialmente,
6
Denise Tavares em sua sala de trabalho, tendo ao lado o arquivo
institucional em metal, preservado pelas equipes da BIML.
93
optou-se por trabalhar os grandes livros de recortes de periódicos,
encadernados na própria biblioteca, e que estão assim divididos: três
exemplares sobre a BIML, um sobre Monteiro Lobato e um sobre os
leitores da biblioteca. Em seguida, foi a vez do arquivo de
documentos, preparado pela equipe de Denise Tavares, contendo
uma série de pastas para cada tema considerado importante para a
instituição: entrevistas, discursos, projetos, anteprojetos, planos,
artigos sobre educação, Biblioteconomia, literatura infantil, infância
e juventude, e do Sistema de Bibliotecas Infanto-Juvenis. O contato
com esse material do arquivo levou a relacioná-lo à experiência de
Georges Duby (1993), ao começar seu trabalho nos arquivos de
Cluny:
Retirei um primeiro maço de documentos.
Desamarrei-o, enfiando a mão por entre as peças de
pergaminho. Tomando uma delas, desenrolei-a, e
toda esta operação já implicava um certo prazer: não
raro essas peles são de contato extraordinariamente
suave. Soma-se a impressão de estar entrando num
local reservado, secreto. Desamassadas, estendidas,
essas folhas parecem exalar no silêncio o perfume de
vidas há muito extintas. . . e o texto lá está, diante de
nós, em todo o seu frescor (Duby, 1993, pp.27-28).
O compartilhar das experiências dos vários autores
proporcionou uma aproximação com os diversos campos do saber,
enriquecendo a pesquisa em história da educação. Depois do
contato tátil com os documentos de arquivo, passou-se à fase de
análise, o que foi feito à luz da teoria da pesquisa histórica, para a
devida compreensão de como tecer os fios desse novelo. Optou-se
por não realizar a análise do discurso ou a análise linguística, mas, a
partir dos relatos das experiências, buscou-se descobrir o que
singulariza a experiência de criação da BIML.
Devido ao grande número de documentos, procedeu-se à
seleção indicada pelo plano de estudo, procurando-se descobrir os
nexos entre os textos e os contextos. Dessa forma, foi feita a escolha
e categorização das palavras mais frequentes ou aquelas
94
relacionadas ao universo temático, a partir das palavras-chave ou
palavras-tema como, por exemplo: biblioteca, infância e juventude,
literatura infantil, vida e obra de Monteiro Lobato. Visou-se, assim,
realizar uma análise temática para descobrir em quais núcleos de
sentido os discursos se organizavam, dando significado ao tema
estudado, ou seja, o fato singular que foi a criação dessa biblioteca
infantil, base para a construção do marco teórico da tese. A partir de
então, investigou-se como esses documentos poderiam comunicar-
se com o presente. Era necessário interrogá-los para, enfim, sugerir
interpretações.
Como dito anteriormente, o texto histórico deixado por
Denise Tavares constitui-se o documento básico para a análise dos
demais documentos do arquivo. Por se tratar de uma instituição
educativa, foi imprescindível o exame dos pensamentos e das ideias
pedagógicas que inspiraram as suas ações educativas. Anísio Teixeira
foi, incondicionalmente, o mestre de Denise Tavares, fonte para a
compreensão da educação como um direito público,
[...] já não é um processo de especialização de alguns
para certas funções na sociedade, mas a formação de
cada um e de todos para a sua contribuição à
sociedade [...] educação é um interesse público, a ser
promovido pela lei (Teixeira, 1967, pp.48).
3 AS VOZES DO PÚBLICO LEITOR: CRIANÇAS DOS ANOS 1950, 1960
E 1970
As vozes desse especial conjunto as crianças dos anos
1950, 1960 e 1970 foram ouvidas e registradas por meio de
entrevistas realizadas nas Sessões Especiais de Hora do Conto. As
Sessões foram concebidas com o propósito de sensibilizar o público
convidado, fazendo-os evocar suas recordações a partir do
imaginário dos contos infantis. Utilizando o cenário lobatiano como
uma forma de realizar exercícios de memória, caminhando pela
trilha do afetivo, procurou-se estimulá-los com a presença dos
personagens de Monteiro Lobato. Nesse sentido, as crianças dos
95
anos 1950 a 1974 puderam emergir, operando nos adultos daquele
momento uma experiência de recordação de seu período infantil,
graças ao ambiente que os aproximava do universo mágico, tão bem
conhecido, das histórias lobatianas.
A varanda de dona Benta, cenário especialmente elaborado
para a ocasião, confeccionado pelo funcionário Janari Silva, reuniu
grupos de leitores e leitoras. As Sessões foram filmadas com o apoio
da Diretoria de Bibliotecas Públicas (DIBIP) e da Diretoria de Imagem
e Som (DIMAS) da Fundação Cultural do Estado. Foram realizadas
quatro Sessões, em quatro sextas-feiras do mês de novembro de
1999, coincidindo com o número dos espaços físicos ocupados pela
BIML e como uma maneira de recordar o dia da semana no qual a
professora Betty Coelho começou a contar histórias na BIML.
Figura 3: Betty Coelho contando histórias
7
Fonte: Freitas (2001).
7
Visão panorâmica de um momento de filmagem, com o público em
primeiro plano e ao fundo o cenário da 1ª Sessão Especial de Hora do
Conto.
96
Mesclando fantasia e experiência infantil, como forma de
lembrar suas infâncias, esses adultos - outrora crianças da BIML -
puderam fazer uma análise contemporânea de suas memórias a
partir da ótica da recordação do que foi o seu mundo infantil. Nesse
sentido, foi possível observar que, mais do que simples lembranças
de situações vividas, as recordações da infância na BIML
encontravam-se num nível muito profundo de comprometimento
com a vida cotidiana de cada uma das crianças.
A tradição da arte de contar histórias, vivenciada pelas
crianças que frequentaram a BIML, foi fundamental para a escolha
da técnica de tomada dos depoimentos. Constituiu-se de uma
adaptação da Hora do Conto, com o objetivo de incorporar novas
narrativas à escrita da história da instituição, uma forma de
comunicação entre o passado, o presente e o futuro. A utilização da
narrativa como documento não invalida a opção metodológica da
história-problema, ao contrário, a tomada de depoimentos, no
formato de narrativas, incorporou novos questionamentos, gerando
novas buscas às suas respostas. Segundo Edgar Salvadori de Decca
(1998), a tendência do retorno da história à narrativa recupera o elo
perdido da tradição dos relatos orais
[...] que tiveram e ainda tem grande significado para a
manutenção das memórias coletivas. Narrar é uma
maneira que nossa cultura encontrou de lidar com o
tempo e o anunciado retorno da narrativa, talvez seja
um sinal de uma reorientação das relações entre
passado, presente e futuro. O retorno da narrativa
acreditamos ser também uma postura política na
procura dos direitos de cidadania, fundados na
preservação e manutenção das identidades dos
grupos sociais. É o retorno da memória e de sua
capacidade de reatualização do passado, como que
reivindicando o direito ao passado para uma
sociedade que vive cada vez mais em função do
presente (Decca, 1998, pp.24).
97
Assim, as Sessões Especiais de Hora do Conto causaram uma
reviravolta no desenrolar da pesquisa, no sentido de que deixava de
ser tão-somente o estudo de uma instituição, da sua estrutura
funcional, em determinado contexto histórico, e passava a
pretender construir uma história com base na memória que os
adultos entrevistados tinham sobre a visão das crianças - que um dia
haviam sido - como público leitor da biblioteca. As argumentações
defendidas por Georges Duby (1993), relativas à importância das
narrativas, foram basilares para a realização dessas sessões, como
sinaliza o autor:
[...] dou atualmente mais atenção aos relatos, por
mais fantasmagóricos que sejam, do que às anotações
‘objetivas’, descarnadas, que podemos encontrar nos
arquivos. Essas narrativas ensinam-me mais - e para
começar, sobre seus autores - através de suas
tergiversações, do que têm dificuldade para dizer, do
que não dizem, esquecem ou ocultam (Dyby, 1993,
pp.100).
O trabalho de pesquisa histórica em educação não se limita
somente à narração dos fatos como são encontrados ou
descobertos, mas inclui questionamentos, interpretões e análises
que são determinantes para o seu formato final, dando-lhe um
caráter distinto do texto literário, como observa Clarice Nunes
(2005, p.11):
[...] a narrativa histórica é a expressão de um caminho
possuído, intimamente possuído pelo pesquisador. É
um problema teórico. Não se confunde com a
narrativa ficcional, pois exige um aparato documental,
validação de conceitos, elaboração de hipóteses e
explicitação de referências bibliográficas, o que não
impede o estilo literário, o esforço de reunir rigor e
imaginação [...].
Diante da riqueza dos depoimentos, repletos de
subjetividades, é preciso, por parte de quem pesquisa, ter muita
atenção para discernir e desvendar, nas diversas falas, o objetivo do
98
estudo. Esses cuidados são necessários para que as falas não se
transformem em dificuldades no processo de conclusão da pesquisa.
O trabalho de pesquisa baseado em informações orais toca o
emocional das pessoas envolvidas, seja aquele que presta um
depoimento ou quem conduz a entrevista, de forma muito aguçada.
Nem sempre as informações concentram-se na fala, é preciso
exercitar a sensibilidade de saber ouvir as várias linguagens: “[...] não
só a voz, mas também as pausas, os gestos, o corpo, o brilho do
olhar, os silêncios e as lágrimas [...]” (Almeida, 1998, pp.52-53).
Para a realização das entrevistas foi preparado um roteiro
semiestruturado, contendo catorze páginas, previamente discutido,
coletiva e individualmente, com as seis entrevistadoras. As
personagens-entrevistadoras foram escolhidas de acordo com o
interesse em estimular a recordação de alguma circunstância mais
específica. Para o primeiro dia, quando o intento era abordar o
período mais antigo (1950-1953), a primeira casa em que se instalou
a biblioteca, elegeu-se dona Benta como a anfitriã. Seu jeito
acolhedor poderia suscitar o ambiente lobatiano e levar os
convidados a uma sintonia com a varanda. Tia Nastácia esteve
presente em todas as Sessões, recepcionando os convidados.
99
Figura 4: Primeira casa da BIML (1950-1953)
8
Fonte: Arquivo BIML (2024).
Figura 5: 1ª Sessão Especial de Hora do Conto
9
Fonte: Freitas (2001).
8
Primeira casa da BIML - antigo depósito do material de jardinagem do
Jardim de Nazaré (1950-1953).
9
Visão panorâmica da 1ª Sessão Especial de Hora do Conto, à esquerda a
entrevistadora d. Benta, vivenciada por Maria Antônia Coutinho.
100
Para estimular a memória dos convidados do segundo dia,
dedicado ao período da segunda casa (1954-1962), foi mais uma vez
escolhida dona Benta, enquanto para a aproximação com as crianças
do Sítio do Picapau Amarelo decidiu-se pela menina Narizinho.
Figura 6: Segunda Casa da BIML - prédio em substituição à casinha
anterior, desativado por defeitos estruturais (1954-1962)
Fonte: Arquivo BIML (2024).
101
Figura 7: 2ª Sessão Especial de Hora do Conto
10
Fonte: Freitas (2001).
Para o terceiro dia, quando se tentaria rever os momentos
vividos quando a BIML estava sem teto, abrigada no antigo prédio da
Assembleia Legislativa, no Campo Grande (1962-1967) e, portanto,
repletos de tensões, acreditou-se ser preciso deixar o ambiente mais
tranquilo. Promoveu-se, assim, uma vivência ainda mais lúdica,
como se no interior de histórias da Carochinha
11
ou de aventuras e
caçadas, o que incidiu nas escolhas de tia Nastácia e Pedrinho.
10
Detalhe da 2ª Sessão Especial de Hora do Conto, ao centro a
entrevistadora d. Benta, vivenciada por Maria do Carmo Araújo e
Narizinho, vivenciada por Clelia Neri Côrtes.
11
“‘Contos da Carochinha’, de Alberto Figueiredo Pimentel, aparecido em
1896, é que pode ser considerado o primeiro livro infantil publicado em
português, no Brasil. Compõe-se de 61 contos populares de vários
Países, entre eles alguns de Perrault, Grimm e Andersen” (Cavalheiro,
1956, pp.155).
102
Figura 8: 3ª casa da BIML
12
Fonte: Arquivo BIML (2024).
Figura 9: 3ª Sessão Especial de Hora do Conto
13
Fonte: Freitas (2001).
12
3ª casa da BIML, ocupação provisória do antigo prédio da Assembleia
Legislativa no bairro do Campo Grande (1962-1967).
13
Detalhe da 3ª Sessão Especial de Hora do Conto, à esquerda a
entrevistadora tia Nastácia, vivenciada por Aline Pinheiro e Pedrinho,
vivenciado por Bernadethe Argolo.
103
Para o último dia, como encerramento, visando uma maior
confraternização dos personagens e convidados, além da anfitriã,
dona Benta, participou também a personagem mais falastrona do
reino lobatiano, a boneca Emília. Esta, com sua irreverência, não
deixaria que os convidados se entristecessem ao lembrar o
falecimento de Denise Tavares. As duas estavam preparadas para
manter o clima de alegria e de lembranças das atividades educativas
realizadas sob a coordenação da fundadora, no último período em
estudo, de 1967 a 1974.
Figura 10: 4ª. Casa definitiva da BIML, desde 1967
Fonte: Arquivo BIML (2024).
104
Figura 11: 4ª Sessão Especial de Hora do Conto
14
Fonte: Freitas (2001).
A tarefa de entrevistar não foi muito fácil, uma vez que se
tratava de públicos diferenciados em cada sessão, na sua maioria
desconhecidos das entrevistadoras, por isso foi importante contar
com a competência, alegria e vivacidade das entrevistadoras,
profissionais habilidosas na arte de entrevistar, professoras e amigas
da causa da BIML, que com encanto e dedicação interpretaram os
personagens lobatianos. Para incorporar a sabedoria e paciência de
dona Benta foi fundamental a participação de duas professoras da
Universidade do Estado da Bahia (UNEB), a escritora infantil e poeta
Maria Antônia Ramos Coutinho e a professora e jornalista Maria do
Carmo Araújo. A menina Narizinho foi vivida, com toda sua doçura e
14
Detalhe da 4ª Sessão Especial de Hora do Conto, à esquerda a
entrevistadora d. Benta, vivenciada por Maria do Carmo Araújo e ao
chão, a boneca Emília, vivenciada por Isadora Ribeiro.
105
curiosidade, por Clelia Neri Côrtes, indigenista, uma colega do
doutorado. A delicadeza e esperteza de tia Nastácia foi incorporada
por Maria Aline Neves Paixão Pinheiro, bibliotecária e ex-funcionária
da BIML. Pedrinho, menino curioso e amante de aventuras, foi vivido
pela bibliotecária Bernadethe Argôlo, que soube ilustrar com
perfeição a vivacidade e inteligência do seu personagem,
encantando o público presente. Na varanda de dona Benta não
faltou o brilhantismo de Emília - a torneirinha esteve aberta,
deixando fluir com graça sua irreverência e espírito de contestação,
através da sagacidade da professora Isadora Browne Ribeiro,
batalhadora incansável dos direitos de crianças e adolescentes.
A experiência de interpretar os personagens lobatianos
nessa atividade representou momentos singulares para as
profissionais participantes, que fizeram questão de deixá-los
registrados em depoimentos no dia do encerramento das Sessões
15
:
Ser Emília é uma emoção especial, porque Monteiro
Lobato foi uma das figuras mais importantes de toda
a minha infância, me influenciou muito. [...] Depois, eu
acho que, apesar de estar já na idade que estou, eu
continuo sendo meio Emília mesmo, continuo sendo
meio moleca (Depoimento da entrevistadora Isadora
Ribeiro).
Foi uma emoção imensa poder voltar, mesmo que
rapidamente, ao mundo infantil, ao imaginário
encantado da obra de Monteiro Lobato (Depoimento
da entrevistadora Maria do Carmo Araújo).
Foi uma experiência boa e eu pensei que, assim,
pudesse colaborar e, na medida do possível, colaborei;
não só com a minha participação como Pedrinho, mas
também como ouvinte das outras reuniões. Foram
depoimentos riquíssimos, depoimentos maravilhosos,
momentos assim de muita emoção, que eu percebi
15
Os depoimentos foram extraídos da pesquisa de Freitas (2001), autora
desse capítulo.
106
aqui, de funcionárias antigas, que já estão
aposentadas (Depoimento da entrevistadora
Bernadethe Cardoso) (Freitas, 2001)
16
.
A BIML recebeu os mais diversos tipos de mensagem -
telefonema, carta, fax e correio-eletrônico - confirmando presença
ou justificando ausência, agradecendo a recepção da carta-convite.
Muitas pessoas comprometeram-se a participar da atividade,
oferecendo novos nomes para contato. O “correio afetivo” teve
grande participação: quando alguém recebia a carta-convite, avisava
imediatamente a uma terceira pessoa, que logo contatava a
biblioteca, interessada em participar. Um fato interessante ilustra
essa situação: tentou-se localizar os participantes do VI Congresso
Infanto-Juvenil de Escritores (1952). Nas listagens dos arquivos
aparecia sempre o nome Carlos Ney, mas, sem outras referências, a
tarefa de encontrá-lo tornava-se difícil. Ao contatar outro leitor,
Paulo Mendes Aguiar, à época professor da UNEB, este informou que
ao receber a sua carta-convite a mostrara para os colegas de
Departamento. Um deles, muito curioso e emocionado, lhe pediu:
“— por favor, ligue para o pessoal da biblioteca, dê meu telefone,
porque eu também quero receber uma carta dessa”. Foi uma
surpresa telefonar para o citado professor e constatar que se tratava
do Carlos Ney que tanto se procurava.
O processo de aprendizagem e memória vivenciado nas
Sessões realizadas na varanda de dona Benta foi também uma
oportunidade para funcionárias(os), amigas(os) e público leitor
trocarem informações sobre a instituição, podendo conhecê-la
melhor, e formar laços mais afetivos. Esses depoimentos, filmados
em fitas VHS, devidamente editados, foram entregues à instituição
juntamente com a cópia das transcrições, como documentos para o
seu acervo, na expectativa de que também possam se constituir em
mais uma fonte de aprendizagem. O processo dialógico utilizado
possibilitou que se estabelecesse um canal de comunicação entre
aquelas pessoas que participaram da trajetória histórica da BIML.
16
Documento sem numeração de páginas.
107
Afirma Ruth Cardoso, a propósito desse processo, que todas as
partes envolvidas: “[...] aprendem, se aborrecem, se divertem e o
discurso é moldado por tudo isso” (Cardoso, 1986, parte II, pp.102).
As Sessões Especiais de Hora do Conto podem ser
compreendidas como um processo de mobilização dos participantes
para uma ação específica desta pesquisa, no sentido de reunir as
pessoas que vivenciaram a criação da biblioteca. A sua realização
representou uma oportunidade de concretizar o desejo, já expresso
por muitas das antigas funcionárias e funcionários, de colaborar com
a escrita da história da instituição. Esses depoimentos, garimpados
nas memórias e lembranças, constituem-se na imagem do diamante
bruto a ser lapidado pela reflexão, como exemplifica Ecléa Bosi
(1987, pp.39):
Uma lembrança é um diamante bruto que precisa ser
lapidado pelo espírito. Sem o trabalho da reflexão e da
localização, seria uma imagem fugidia. O sentimento
também precisa acompanhá-la para que ela não seja
uma repetição do estado antigo, mas uma reaparão.
Após a realização de cada sessão, várias foram as pessoas
que procuraram a biblioteca, colocando-se à disposição para
colaborar com o processo de estudo de sua história. Outros,
tomados pela forte emoção no dia da entrevista, não conseguiram
se expressar ou omitiram fatos que consideravam importantes,
retornando posteriormente para acrescentar algo mais a seus
relatos. Esse foi o caso da funcionária Pudu que, muito
atenciosamente, numa constante preocupação com a história da
BIML, compareceu algumas vezes à biblioteca oferecendo
informações, escrevendo duas cartas, compondo um hino e
adaptando uma peça teatral, comemorativa dos 20 anos da
instituição, para o cinquentenário da BIML.
108
Figura 12: 4ª Sessão Especial de Hora do Conto
17
Fonte: Freitas (2001).
Durante a realização das Sessões Especiais de Hora do Conto,
foi possível observar o que significou ser criança para o seu então
público leitor. Os depoimentos evidenciavam que ter frequentado a
BIML tinha-lhes proporcionado referências muito concretas para as
suas vidas de adultos. Mesmo longe do cenário das Sessões, através
de cartas, correio eletrônico e fax enviados por alguns leitores que
não puderam estar presentes, observou-se o quanto as experiências
foram importantes, a exemplo do percebido no depoimento de João
Jorge Rodrigues (diretor do Bloco Afro Olodum), menino do bairro
Maciel-Pelourinho nos anos 1970:
Na Biblioteca Infantil Monteiro Lobato pude encontrar um
mundo de sonho e imaginação que ainda hoje me ajuda a
17
Detalhe, ao centro a funcionária Pudu, presente nas 4 Sessões Especiais
de Hora do Conto.
109
fazer enredos de carnaval e produzir a nova cultura afro da
Bahia. Sempre fui muito interessado por História e por
Geografia; a BIML me permitia viajar, sem sair de Nazaré, e
me deu uma pista clara de como deveria sempre gostar do
conteúdo dos livros. Fiquei amigo dos livros e os busquei pelos
vários países que andei, deixando muita gente surpresa,
porque investia em livros recursos que podiam ir para
qualquer outra coisa. Uma Biblioteca é mais que uma central
de livros, é um mundo compilado para gerações encontrarem
o caminho, a luz e a saída. Através da minha primeira grande
biblioteca, a carinhosa Biblioteca Monteiro Lobato, eu dei os
primeiros passos em direção à luz, através do saber
(Depoimento de enviado por e-mail, 1999).
Outra leitora, Cyva Sá Leite, enviou um fax à BIML dirigido à
boneca Emília. Observe-se que não se tratou, simplesmente, de uma
referência à boneca, mas de um enderamento a esta, à qual a
leitora se dirigiu todo o tempo, demonstrando que a magia dos
contos permanecia em seu imaginário, mesmo adulta:
Você talvez estranhe minha carta, Emília, pois bem sabe que
cresci e, de certo modo, perdi um pouco o contato com você
e todo o pessoal do Reino da Fantasia. Mas, acredite, minha
amiguinha, não virei gente grande. Do fundo do coração,
contínuo aquela menina de tranças que tanto se divertia no
Sítio, com vocês, e que tanto aprendeu com D. Benta, Tia
Nastácia [...] (Depoimento via fax, 1999).
A permanência dessas experiências, não somente como uma
lembrança, mas como algo vívido, na intensidade com que foram
relatadas demonstra que o projeto de biblioteca infantil concebido
por Denise Tavares possuía bases sólidas, a criança era mesmo o seu
centro. Não se tratava somente de um discurso sobre a infância, mas
do exercício, da prática de ações que proporcionaram essa
permanência, hoje atestada pelos leitores adultos, das suas
vivências de crianças, como salientou o leitor Jaime Sodré (professor
da UNEB):
110
Eu queria contar mais a minha experiência pessoal e a
influência que a biblioteca teve na minha formação,
que perdura até hoje, alguns comportamentos
adquiridos na biblioteca eu trago até hoje (Freitas,
2001, pp.69).
Através das Sessões Especiais de Hora do Conto, as crianças
da BIML tiveram a oportunidade de se reencontrar e de analisar
conjuntamente as experiências vivenciadas naquele espaço. Ao
recuperar essas falas e organizá-las, foi possível reunir dados que
comprovam a importância da experiência inovadora de Denise
Tavares, no sentido do reconhecimento da criança como sujeito de
direito, numa visão avançada para a sua época, antecipando-se a
teses só enunciadas bem mais tarde.
O depoimento do leitor Jaime Sodré, exemplifica,
claramente, os argumentos de Denise Tavares:
[...] por ser de família pobre, naquele tempo já
enfrentando algumas questões de uma sociedade um
pouco preconceituosa, que não permitia que a gente
entrasse em determinados lugares, particularmente
por ser negro, inclusive. Eu observava que pra ela não
tinha essa questão. Ela sempre me recebia aqui, [...]
Não era só emprestar o livro, era formar a gente
(Freitas, 2001, pp.72).
111
Figura 13: Entrevista com leitor Jaime Sodré
18
Fonte: Freitas (2001).
A perspectiva do formar a gente, expressa nesse
depoimento, oferece um exemplo claro de que o trabalho
desenvolvido pela BIML fazia parte de um projeto educacional que a
diferenciava, ao mesmo tempo em que a tornava alvo de críticas por
parte daqueles que esperavam que uma biblioteca se limitasse a
“emprestar o livro”, como bem salientou o leitor. Sobre isso, Denise
Tavares escreveu um trabalho acadêmico, em 1957, quando ainda
era aluna do curso de Biblioteconomia:
Não apenas dar livros, mas dar livros com amor e
dedicação, procurando participar da vida do leitor,
influindo na formação da sua personalidade também.
18
Detalhe, o leitor Jaime Sodré no momento do relato acima, no centro, de
camisa branca, entrevistado por d. Benta, vivenciada por Maria do
Carmo Araújo. Ainda nesta foto, a partir da esquerda: entrevistadora
Narizinho, vivenciada por Clelia Neri Côrtes, o leitor Silvoney Sales e a
profª Betty Coelho.
112
Cada vez, sentindo-se mais necessidade de ampliar
suas atividades num chamamento ao menino, num
atendimento aos seus desejos e aspirações [...]
(Tavares, 1957)
19
.
A base do projeto educacional de Denise Tavares era a
promoção de encontros entre crianças de diferentes meios sociais.
Baseada em ideais universais, ela planejou a biblioteca como espaço
democrático, como lugar de encontros, lugar de livre expressão, no
qual as crianças queriam sempre estar presentes, desfrutando de
atividades prazerosas.
O respeito ao ser infantil, demonstrado em toda a obra de
Denise Tavares, a refencia como importante educadora,
preocupada com o seu contexto social, incorporando novos valores
e conceitos à educação de crianças de forma integral, não se
restringindo a uma repetição das atividades escolares, como
salientam vozes de seu público leitor:
Foi aqui também que eu aprendi a exercer a profissão que
tenho hoje, que é a profissão de designer, aqui que eu aprendi
a desenhar, participei, inclusive, de um concurso aqui
(Depoimento do leitor Jaime Sodré, 1999).
Era uma casa, já naquela época, que já despertava esta
tendência que existe hoje nas bibliotecas e até nas livrarias,
de se tornar uma casa multifacetada de cultura. Eu acho que
essas coisas aqui começaram na Biblioteca Infantil Monteiro
Lobato, dada essa liberdade que era dada às pessoas de
externarem as suas tendências, preferências sem pressão e
sem muitas rédeas (Depoimento do leitor Leomiro Barros,
1999).
Ela fez a isca, ela colocou a isca no mar e nós peixinhos fomos
na isca. Eu estudava aqui no Severino Vieira e nós tínhamos
aulas vagas, de uma hora, e uma hora que não tinha o que
fazer e ia bater papo no primeiro banco do jardim e
descobrimos a biblioteca e vínhamos passar as aulas vagas
19
Documento sem numeração de páginas.
113
aqui [...] Aqui havia liberdade, esse depoimento eu dou.
(Depoimento do leitor Adinoel Mota Maia, 1999).
[...] quem teve a Biblioteca como ponto de encontro na
adolescência e conviveu com o pessoalzinho do Sítio, leva no
coração, para sempre, a criança que foi, e consegue manter a
fé e a esperança, mesmo que a alegria se afaste [...]
(Depoimento da leitora Cyva Leite, via fax, 1999).
A história da BIML tem como protagonistas suas crianças,
não somente por representarem o seu público especial, mas por sua
inserção nessa história como sujeitos participantes. Os caminhos
trilhados pela instituição foram marcados pela busca da
compreensão do mundo infantojuvenil, através do referencial de
cidadania, promovendo atividades culturais que não restringiam o
conceito de cultura à produção artística e à realização de eventos.
Denise Tavares defendia a existência das bibliotecas infantis
como um importante espaço para a discussão, promoção, exercício
e defesa dos direitos da infância e da juventude. Em um país, no qual
a única instituição educacional para crianças era a escola, a
Biblioteca Pública Infantil, como um projeto cultural mais amplo,
constituía-se também em um novo paradigma, no sentido de ser um
centro fomentador de novas ideias e dinamismo no serviço
educacional, promovendo a participação social das crianças, como
defendia Denise Tavares:
Bibliotecas não são vitrines, bonitas e bem instaladas,
estagnadas: são órgãos dinâmicos e atuantes que
tenham renovação e atendam seu público como ele
precisa [...] Bibliotecas precisam ser feitas. Devem ser
feitas. Mas, é preciso que sejam bem-feitas e que
existam como serviços educacionais para benefício do
povo (Tavares, 1949b)
20
.
Com a ideia de biblioteca infantil trazia-se uma nova
mensagem, um novo discurso e outra prática educativa, expressos
20
Documento sem numeração de páginas.
114
em novas formas de educar para a vida cotidiana. Pensava-se em um
lugar para o lazer, onde se aprenderia brincando, com prazer. Ler
seria uma festa. E assim foi: quando, afinal, se concretizou o
ambiente era de fantasia, de sonhos, em que as crianças iam dando
asas à imaginação, o que fazia com que sempre quisessem ficar mais
tempo, como lembra a leitora Olivete Marques:
Eu tive que me insurgir com minha mãe, tentava
sempre o pretexto de que vinha fazer um trabalho,
porque aí eles permitiam, ‘se vai pesquisar tudo bem,
pode, se não chegar depois das 17:00. Agora vir para
o prazer de brincar, para o prazer de ler, não. Eu acho
que foi uma das minhas primeiras rebeldias como
mulher, como pessoa, no sentido de me firmar, foram
essas aqui em Salvador, era o brigar por dizer: eu
quero ir e vir e ficar lendo aqui até as quatro e meia,
porque, impreterivelmente, às 17:00 eu tinha que
estar em casa, até para ganhar o prêmio de vir com
menos conflito ou até sem (Freitas, 2001, pp.160).
4 O QUE AS FOTOS RETRATAM DA BIML
O acervo fotográfico forma um conjunto que pode ser lido
como uma narrativa, tal a organicidade com que as fotos foram
realizadas, selecionadas e arquivadas, permitindo analisar,
interpretar e reinterpretar os diversos tempos e espaços em que
foram registradas. Para o desenvolvimento deste estudo, optou-se
por analisar as fotos concomitantemente ao trabalho nos arquivos
de documentos escritos, estabelecendo categorias de análise a
partir do referencial bibliográfico, juntando depoimentos e fotos.
Assim, a fotografia constituiu-se como um importante elemento
documental, formado por imagens que marcaram a história da
instituição para as futuras gerações.
Os estudos históricos com base em fotografias oferecem
possibilidades para uma melhor compreensão sobre o fenômeno
educativo, pois expressam com precisão a passagem do tempo, o
115
registro em que se deram as ações, os espaços. Felippe Serpa, nos
seus estudos sobre historicidade e objeto pedagógico, salienta a
concepção de tempo-espaço constituído pelas relações:
[...] trabalhos no campo da ‘História de’ usando a
fotografia como fonte histórica são fundamentais.
Sendo a fotografia um espaço-tempo de relações, ela
é o material empírico adequado para os trabalhos de
‘História de’, desde que todas as relações em estudo
estão imersas no espaço-tempo histórico (Serpa,
1991, pp.51).
A pesquisa histórica que se utiliza da fotografia como
documento é um caminho de desafio, uma vez que é preciso
enxergar além do revelado pela lente de quem fotografou. Esse
caminho pode levar a descobertas dos significados das relações
entre a imagem registrada e o seu contexto. Na fotografia, há o
registro do que foi captado pela pessoa solicitante. O desafio está
em buscar situar a fotografia no contexto cultural em que foi
produzida, como uma escolha pessoal a partir de uma determinada
visão de mundo.
A utilização da fotografia como fonte documental constitui-
se na possibilidade de visualizar determinados momentos de que a
[...] mais detalhada descrição verbal não daria conta” (Cardoso &
Mauad, 1997, p. 406). O estudo do acervo fotográfico não teve
apenas caráter complementar às informações. A fotografia,
considerada como fonte documental, representa possibilidades de
novas descobertas, essenciais na sistematização das informações e
na “decifração”, como salienta Boris Kossoy:
[...] são as imagens documentos insubstituíveis cujo
potencial deve ser explorado. Seus conteúdos,
entretanto, jamais deverão ser entendidos como
meras ‘ilustrações ao texto’. As fontes fotográficas são
uma possibilidade de investigação e descoberta que
prometem frutos na medida em que se
sistematizarem suas informações, estabelecerem
metodologias adequadas de pesquisa e análise para a
116
decifração de seus conteúdos e, por consequência, da
realidade que os originou (Kossoy, 1987, p. 20).
Visando homenagear as pessoas que compareceram à
varanda de dona Benta para as Sessões Especiais de Hora do Conto,
assim como auxiliar no exercício da memória, foram montados
painéis temáticos por sessão. Nesses painéis estavam expostos os
principais acontecimentos de cada período, apresentando cópias de
recortes de jornais e fotografias, oferecendo novas imagens e
representações que complementavam ou iam de encontro às
conceituações generalizadas e cristalizadas sobre as situações e os
fatos que marcaram a criação da instituição.
Figura 14: Painéis utilizados nas Sessões Especiais de Hora do
Conto
Fonte: Freitas (2001).
117
Figura 15: Painéis utilizados nas Sessões Especiais de Hora do
Conto
Fonte: Freitas (2001).
118
Figura 16: Painéis utilizados nas Sessões Especiais de Hora do
Conto
Fonte: Freitas (2001).
119
Com esse exercício de memória pôde-se decifrar situações,
identificar pessoas e lugares, complementando importantes
informações registradas na memória daqueles que vivenciaram sua
infância na BIML. Essas recordações formam parte da memória
social da Cidade do Salvador, lembranças dos tempos e locais nos
quais as crianças e jovens puderam desfrutar de um espaço efetivo
de participação, num momento em que as demais instâncias da
sociedade não tinham essa preocupação.
Figura 17: Público apreciando os painéis ilustrativos nas Sessões
Especiais de Hora do Conto
Fonte: Freitas (2001).
120
Figura 18: Público apreciando os painéis ilustrativos nas Sessões
Especiais de Hora do Conto
Fonte: Freitas (2001).
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Lobato: entrelaçamento de personagens e Instituição [Tese
doutorado, Universidade Federal da Bahia]. Biblioteca Digital.
https://repositorio.ufba.br/handle/ri/33163.
Kossoy, B. (1987). Fotografia e história. Ática.
Nunes, C. (2005). Interrogando a avaliação de trabalhos de História
da Educação: o inventário de uma prática. In J. G. Gondra
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Serpa, L. F. P. (1991). Ciência e historicidade. Editora do autor.
Tavares, D. (1943). Escola no interior; porque as professoras
preferem a capital; o novo secretário de educação: esperança
das mestras de amanhã. Documento Arquivo BIML.
Tavares, D. (1949a). Relatório da visita e estágio na Biblioteca
Infantil de São Paulo. Documento Arquivo BIML.
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Arquivo BIML.
Tavares, D. (1954). Crianças esquecidas. Documento Arquivo BIML.
Tavares, D. (1957). Trabalho apresentado à Escola de
Biblioteconomia, para o prof. de Relações Públicas e Humanas.
Documento Arquivo BIML.
122
Tavares, D. (1973). Vinte anos da BIML. Documento Arquivo BIML.
Teixeira, A. (1967). Educação é um direito. Nacional.
123
https://doi.org/10.36311/2024.978-65-5954-458-5.p123-128
POSFÁCIO
Oswaldo Francisco de Almeida Júnior
Uma pequena pomba se perdeu da mãe antes de aprender
a voar. Um gavião talvez tenha assustado a mãe e levado o outro
filhote. A pombinha caiu da calha, local escolhido pela mãe para
construir o ninho, e passou a se esconder atrás de um vaso.
Assim é o início de uma história que esbocei. Eu queria
contar algo que, de fato, aconteceu, mas não consegui conter o
personagem, mantê-lo obediente ao que eu queria passar para os
outros, aos rumos que desejava impor à hisria.
A ideia primeira era a de refletir um pouco sobre o
abandono, sobre a situação de alguém que perde sua família. Mais:
eu desejava falar da falta do ensino, do aprendizado, da educação
que o pai, a mãe e os parentes proporcionam. A pomba não sabia
voar ainda; precisava do mediador, daquele que a incentivaria, que
a acompanharia nos primeiros passos embora com asas.
Como disse, esta é uma hisria verdadeira, embora apenas
em seu início. Cuidamos da pombinha e, passados alguns dias, ela foi
embora. Não vimos esse momento, não sabemos se ela conseguiu
voar, se seu instinto a levou a aprender ou se caminhou pelo
corredor e se foi pela rua ou, ainda, se o gavião voltou e a levou.
Passado um tempo, uma pomba apareceu no lugar em que
a antiga e desamparada pombinha viveu o seu período de
aprendizado de voo. Era ela que voltara para rever seu antigo
refúgio? Impossível saber, mas, nós da casa passamos a acreditar e
desejar que fosse, mesmo que isso contrariasse o real, não
correspondesse ao que de fato aconteceu.
Nosso imaginário ameniza o real ou o questiona ou, ainda,
enfatiza seus aspectos mais tristes, mais violentos, mais tenebrosos.
A literatura, creio, nos apresenta uma parte do mundo a que temos
acesso físico e nos integra a ela. Pode também nos mostrar o que
vivemos sob outras óticas, outros entendimentos.
124
Nossos voos não podem prescindir dos pais, parentes,
amigos da vizinhança, dos professores, amigos de escola, mas, e em
boa medida de maneira semelhante, dos que nos mostram o mundo,
nos contam o que há por trás do lado escuro, do lado inacessível e
desconhecido da terra. A literatura nos diz que há um cavaleiro
matando um dragão na lua, mas, ao mesmo tempo, ela nega a
existência deles. São os olhares dos autores que estão permeados de
visões, entendimentos, compreensões que, intencionalmente ou
não, surgem nos textos elaborados por eles.
A pomba que retorna, a memória - que não sabemos se
retrata o que aconteceu, se é a mesma pomba ou se não é. O mundo
e a vida são uma sequência de “não saberes”, muitas situações
desconhecidas.
A memória é traidora, ela pode falsear o real e boa parte
das vezes, de fato, o altera, o torna mais, digamos, palatável para
nossos sentimentos.
Ela, memória, também é construída por esquecimentos. E
nós precisamos, necessitamos desses esquecimentos; precisamos
que parte de nossas vivências não estejam a todo momento
presentes na nossa consciência. Memória e esquecimento se
confundem, se mesclam, se amalgamam.
Leio livros que pouco me dizem, que pouco mexem comigo
e, boa parte em função disso, esqueço rapidamente. Já fui vítima de
iniciar a leitura de um livro e descobrir, depois de algumas páginas,
que já o havia lido. Ele não tinha me marcado. Aconteceu, também,
de alguém me perguntar o que eu achava de um determinado
acontecimento, de uma passagem de um livro e eu não conseguir
me lembrar dela. Lembrei do livro, do autor, do enredo, dos
personagens, de algumas passagens, mas não especificamente
daquela a que se referia meu interlocutor.
Há livros que li, sei que li, mas nada me lembro deles. Outros,
que também me recordo de ter lido, que não lembro dos nomes dos
personagens.
A memória está em mim e, ao mesmo tempo, fora de mim.
Ela se constrói na relação, ela se estrutura no contato que tenho com
125
o mundo e com os outros, mas, em igual medida, é chamada e
retorna também nas relações.
O que aconteceu com um grande amigo de infância? E todos
os que estudaram comigo, faziam parte das mesmas classes, do
mesmo colégio? E aquela professora dos meus primeiros anos de
estudo que relembrei por causa de uma foto postada nas redes
sociais? Soube que outra professora estava doente; o que aconteceu
com ela? O que houve com aquela criança que vi, certa vez,
chorando em uma calçada? E aquele senhor que passava
caminhando todos os dias pela minha rua e, de repente, não mais o
vi? Outro senhor, já idoso, ao menos duas vezes por semana tocava
a campainha de nossa casa vendendo pães feitos por sua esposa;
certa semana não mais apareceu: morreu, alguém o substituiu nas
vendas e optou por fazê-lo em outra vizinhança, a esposa dele
faleceu, não precisou mais vender os pães?
Nossas vidas são cheias de indagações sobre aquilo que não
temos contato, sobre aquilo que não temos uma relação física,
sensorial.
Na literatura o mesmo acontece. Quando fechamos o livro
ao final de uma história, perdemos o contato com os personagens
que a povoaram, que a construíram. O que aconteceu com cada um
deles? Não são reais, no entanto, existem. Os finais felizes são
sempre momentâneos, fugazes.
Minha vida foi e é construída pelas minhas experiências,
pelas minhas vivências, mas, também, por tudo o que li, tudo o que
me relataram, tudo o que estava presente nos livros, na fala das
pessoas com as quais tive contato, nos filmes, nas músicas, nas peças
de teatro, nas exteriorizações artísticas, nas expressões culturais. Eu
sou produto disso e das relações que faço entre cada um desses
momentos, dessas situações, dessas emoções. Sou mescla de razão
e sentimento; de corpo e pensamento; de realidade e imaginário.
A criança, assim como eu, precisa da realidade, não pode
viver afastada dela, mas precisa também do imaginário, precisa do
sonho, precisa ter várias vidas, precisa ser várias pessoas, ou melhor,
126
vários personagens. A leitura não só, mas estamos falando dela
aqui nos permite isso.
A leitura não é fuga, ao contrário, ela nos apresenta o
mundo, ela nos mostra o mundo. Ela é cruel em certos momentos,
mas ela, ao mesmo tempo, nos permite saltar, pular do nosso
pequeno mundo e desbravar outros, sentir, mesmo que
virtualmente, outras sensões.
Há algo mais virtual do que a leitura? Apesar de virtual, a
leitura nos mostra o mundo, nos apresenta o que outros vivem.
A literatura usa nossa memória, nossos conhecimentos. Mas
nossas memórias e nossos conhecimentos estão envolvidos em
sentimentos, em desejos, em olhares, em pontos de vista, em
situações de momentos. Eles simplesmente não reproduzem a
realidade, eles envolvem a realidade e a refratam. Há a realidade?
Sim, ela existe, mas nos aparece com olhares diferenciados. Ela é
reconstruída pela nossa interação com ela.
A pombinha, quando no chão, sem saber voar, conheceu um
pequeno, restrito e perigoso lugar. O aprendizado a levou ao ar, para
a liberdade. Voando, a pombinha achou a liberdade, mas perdeu a
água e a comida que dávamos a ela. A partir daquela hora, a
liberdade exigiu um preço e o instinto dela resolveu pagar. O tempo
em que ela esteve em nosso quintal não a eximiu do perigo que
representava o gato que circula na rua e seus arredores. O estágio
de aprendizado do voo, do uso adequado das asas, tornou essa
pequena ave mais vulnerável.
Toda liberdade, assim, não é plena, ela exige sacrifícios para
ser mantida e traz no seu bojo desafios e novas prisões, novas “não-
liberdades”. Sozinha, a pequena pomba terá que enfrentar seus
predadores e precisará se esconder, viver preocupada, atenta para
a aproximação deles , terá que conviver com as intempéries
climáticas, com a procura diária por comida etc. A liberdade não é
um conceito que se concretiza plenamente, constantemente. Ele é
intercalado e vive em frequente e incessante embate com seu
contrário e com suas nuances. Pode haver mais ou menos liberdade,
mas nunca uma total liberdade, nunca “a liberdade”.
127
Assim, o “viveram felizes para sempre” é uma frase e um
final de história mentiroso, pois, assim como a liberdade, a felicidade
ocorre em momentos e não é plena. A criança precisa saber que a
felicidade, na vida concreta, não é “para sempre”, mas, ao mesmo
tempo, ela, felicidade, deve ser buscada, almejada e, para isso,
devemos trabalhar e lutar para que ela aconteça em muitos
momentos mais do que os de “não-felicidade”.
Liberdade e felicidades não são individuais, mas coletivas;
elas só se realizam no coletivo, pois são dependentes das relações.
Como ser feliz em uma sociedade na qual muitos passam fome?
Como ser livre sob o jugo de governos autoritários?
A literatura, mesmo de maneira inconsciente, reproduz
conceitos e modos de pensar hegemônicos o que, muitas vezes,
corresponde a ideias preconceituosas, a concepções excludentes.
A pombinha da história que comecei a contar, não era
branca e, por esse motivo, não era da paz? Quem determinou que a
pomba da paz é branca? Por que não cinza, como a nossa pombinha?
Pomba cinza é o oposto da paz, uma vez que não é branca?
Todo livro tem um posfácio, explícito, como neste caso, ou
implícito, quando reescrevemos, reelaboramos o texto, quando nos
tornamos coautor. Aliás, todo livro sempre tem um posfácio
implícito, assim como possui um conteúdo construído pelo autor e
pelo leitor. O livro espera o leitor para que, definitivamente, possa
dar seu conteúdo como lido e findo. A leitura dos livros só se finda
na relação com o leitor, embora, para sermos mais exatos, o livro e
sua leitura não se findam, não se acabam. Eles continuam latentes,
vibrando no conhecimento dos leitores, esperando momentos e
oportunidades para se fazerem presentes e interferindo na
construção de novos conhecimentos. Um dos nossos grandes
poetas, João Cabral de Melo Neto, homenageia o livro na poesia
“Para a feira do livro”. Nela, o livro é apresentado como algo
aparentemente autônomo, mas está embutido na sua escrita a
dependência do leitor, para que o livro realmente “exista”.
128
Silencioso: quer fechado ou aberto, inclusive o que
grita dentro; anônimo: só exe o lombo, posto na
estante, que apaga em pardo todos os lombos;
modesto: só se abre se alguém o abre, e tanto o oposto
do quadro na parede, aberto a vida toda, quanto a
música, viva apenas enquanto voam suas redes. Mas
apesar disso e apesar de paciente (deixa-se ler onde
queiram), severo: exige que lhe extraiam, o
interroguem; e jamais exala: fechado, mesmo aberto.
1
O livro é silencioso, mas nós o fazemos falar; e ele fala,
mesmo quando lido em voz alta, apenas para nós. Nós conversamos,
dialogamos, discutimos, ouvimos o livro, embora isso ocorra
particularmente, na intimidade das nossas reflexões, dos nossos
pensamentos que estão sempre em relação, em troca.
Que a pequena pomba esteja sendo feliz, ou melhor, que
tenha muitos momentos felizes e, ao mesmo tempo, que continue
livre, ou melhor, que esteja em plena luta por sua liberdade.
Felicidade e liberdade não podem prescindir da busca por
conhecimento, sempre resultado de leituras, seja daqueles
registrados em documentos ou daqueles vivenciados. A leitura do
texto escrito, da literatura, da ficção, das histórias reproduzidas do
que foi vivido ou de histórias inventadas, são formas de nos incluir
no mundo, de abrir portas para que conheçamos melhor o mundo e
os outros. A leitura permite a vivência e o conhecimento de espaços
com os quais nunca teremos um contato sensorial, presencial. Além
desses espaços concretos, a leitura nos possibilita entrar nos
mundos do imaginário, mundos esses que atendem a necessidades
escritas nos sonhos, nos desejos que coexistem com a realidade.
1
Melo, J. C. Neto (1979). Poesias completas: 1940-1965 (3a ed.). José
Olympio.
129
SOBRE AS ORGANIZADORAS E AS AUTORIAS
Ana Claudia Medeiros de Sousa
Professora Adjunta do Instituto de Ciência da Informação da
Universidade Federal da Bahia nos Cursos de Arquivologia e
Biblioteconomia. Docente colaboradora do PPGCI da UFBA. Doutora
e Mestre em Ciência da Informação pela Universidade Federal da
Paraíba. Possui graduação em Biblioteconomia pela Universidade
Federal da Paraíba. É pesquisadora do Grupo de Estudos e Pesquisa
em Mediação e Comunicação da Informação (UFBA) e do Grupo de
Estudos e Pesquisa em Cultura, Informação, Memória e Patrimônio
(UFPB). Atua nas áreas de Organização e Representação da
Informação; Mediação da Informação; Mediação cultural; Mediação
da Leitura; Memória; Identidade; Informação Musical.
130
Fernanda de Lima Passamai Perez
Possui graduação em Letras pelas Faculdades Metropolitanas Unidas
(FMU), é Mestre em Ciência da Informação pela Escola de
Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP) e
membro do Grupo de Pesquisa em Biblioeducação (GPEB/CNPq). É
especialista em Literatura Infantojuvenil, atuando há 17 anos como
assistente e mediadora em biblioteca escolar da Rede particular de
ensino de São Paulo e integrando o Conselho do Plano Municipal do
Livro, Leitura, Literatura e Biblioteca de São Paulo (PMLLLB) nos
biênios 2020/21 e 2022/23. Sua dissertação de mestrado intitula-se
Biblioteca e educação cultural: o projeto pioneiro da Biblioteca
Infantil do Departamento Municipal de Cultura de São Paulo”.
131
Greice Ferreira da Silva
Doutora em Educação pela Universidade Estadual Paulista Júlio de
Mesquita Filho campus de Marília - SP (2013), Mestre em Educação
pela mesma Instituição (2009) e Graduada em Pedagogia (1993) com
habilitação em Magistério de 2º grau e Educação Especial na área de
Deficiência intelectual pela mesma instituição. Possui especialização
Lato Sensu em Psicopedagogia e Magistério Superior pelo Instituto
Brasileiro de Pós-Graduação e Extensão (IBPEX). Experiência
comprovada no trabalho de 1º ao 5º ano do Ensino Fundamental e
na Educação Infantil. É membro do Grupo de Pesquisa Processos de
Leitura e de Escrita: Apropriação e Objetivação (PROLEAO) liderado
pelo Prof. Dr. Dagoberto Buim Arena. Partilha a coordenação do
Grupo de Estudos da Infância: teoria e práticas (GEINTEPRA) com a
Prof. Dra. Suely Amaral Mello na Unesp/Marília. Atualmente é
Professora Adjunto do Departamento de Educação e vice-líder do
Grupo de Pesquisa Leitura, Biblioteca Escolar e Mediação
Pedagógica sob a coordenação do Prof. Dr. Rovilson José da Silva na
Universidade Estadual de Londrina (UEL). Realiza pesquisa nos
seguintes temas: alfabetização, leitura, escrita, Anos Iniciais do
Ensino Fundamental e Educação Infantil.
132
Henriette Ferreira Gomes
Professora Titular do Instituto de Ciência da Informação (ICI) da
Universidade Federal da Bahia (UFBA). Docente do corpo
permanente do Programa de Pós-Graduação em Ciência da
Informação (PPGCI) da UFBA. Líder do Grupo de Estudos e Pesquisa
em Mediação e Comunicação da Informação (GEPEMCI). Membro
Titular da Academia de Ciências da Bahia na Área das Ciências Sociais
e Sociais Aplicadas. Presidente da Associação Nacional de Pesquisa e
Pós-Graduação em Ciência da Informação (ANCIB) no Biênio 2016-
2018. Membro docente do Conselho Fiscal da ANCIB no Biênio 2018-
2020. Vice-Diretora do ICI/UFBA no quadriênio 2014-2018. Vice-
Diretora do ICI/UFBA no quadriênio 2014-2018. Chefe do
Departamento de Documentação e Informação nos biênios 2012-
2014 e 2014-2016. Coordenadora do PPGCI/UFBA nos biênios 2008-
2010 e 2010-2012. Possui Doutorado (2006) e Mestrado (2000) em
Educação pela Universidade Federal da Bahia e Graduação em
Biblioteconomia e Documentação (1980) pela Fundação Escola de
Sociologia e Política de São Paulo. Tem experiência na área de
Ciência da Informação, com ênfase em Mediação da Informação,
133
relações entre Informação, Comunicação e Educação; Fundamentos
históricos e epistemológicos em Ciência da Informação e
Biblioteconomia; Organização da Informação; Documentação
científica e Metodologia da Pesquisa Científica.
134
Ivete Pieruccini
Formada em Biblioteconomia pela Escola de Comunicações e Artes,
da Universidade de São Paulo (ECA/USP), em 1973, sua trajetória
profissional foi dedicada especialmente à rede de bibliotecas
públicas infantis, da cidade de São Paulo, onde atuou de 1977 a
2005, desempenhando diferentes funções, desde o trabalho em
unidades ramais de bairro à direção do Departamento de Bibliotecas
Infantojuvenis. Desde 2007, é docente e pesquisadora da ECA/USP,
no Curso de Biblioteconomia e no Programa de Pós-graduação em
Ciência da Informação. É líder do GPEB Grupo de Pesquisa em
Biblioeducação (CNPq) e investigadora convidada do CEIS20, Centro
de Estudos Interdisciplinares do Século XXI, da Universidade de
Coimbra/PO. Desenvolve e orienta pesquisas visando contribuir para
a construção de referências teórico-metodológicas essenciais à
abordagem das complexas relações entre mediação e apropriação
cultural, em diferentes contextos socioculturais, em especial o
brasileiro, articuladas a partir de eixos temáticos envolvendo
biblioteca e educação; biblioeducação; mediação e mediadores
culturais; biblioteca escolar e saberes informacionais; informação,
135
mediação cultural; infoeducação; informação e memória;
dispositivos culturais e ordem informacional dialógica; educação
cultural.
136
Joseania Miranda Freitas
Professora titular do curso de Museologia da UFBA. Doutora em
Educação (UFBA), com pós-doutorado em História (Programa de
Estudos Pós-Graduados em História da PUC-SP 2016-2017) e pós-
doutorado em História (UFG/UNINORTE-Colômbia/UPVD-
Perpignan-França 2006-2007). Primeira coordenadora do Programa
de Pós-Graduação em Museologia/PPGMuseu/UFBA (2013-2015).
Em 1995 defendeu a dissertação: Museu do Ilê Aiyê: um espaço de
memória e etnicidade e em 2001 a tese A história da Biblioteca
Infantil Monteiro Lobato: entrelaçamento de personagens e
instituição. Seu projeto de pesquisa atual, em parceria com a UFPA
(Profª Drª Luzia Gomes Ferreira) é: Memórias que vêm das palavras:
olhares museológicos para as literaturas de mulheres negras, que
tem como objetivo compreender como os objetos de arte decorativa
são decifrados em obras literárias selecionadas, e suas interfaces
com aqueles expostos em espaços expositivos, através do estudo da
biografia dos sujeitos nos objetos. Pesquisadora do Museu Afro-
Brasileiro, da UFBA, onde coordena projetos de pesquisa nas áreas
de Memórias afrodiaspóricas e Museologia, com ênfase em Cultura
Material.
137
Oswaldo Francisco de Almeida Junior
Possui Graduação em Biblioteconomia e Documentação pela
Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (1974),
Mestrado em Ciências da Comunicação pela Universidade de São
Paulo (1992) e Doutorado em Ciências da Comunicação pela
Universidade de São Paulo (1999). Foi Professor Associado da
Universidade Estadual de Londrina. Atualmente é Professor
Permanente do Programa de Pós-Graduação em Ciência da
Informação da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita
Filho (UNESP/Marília) e Professor Colaborador do Mestrado
Profissional da Universidade Federal do Cariri. Líder do Grupo de
Pesquisa "Informação: Mediação, Cultura, Leitura e Sociedade".
Vogal da diretoria da EDICIC. Tem experiência na área de Ciência da
Informação, com ênfase em Informação e Sociedade, atuando
principalmente nos seguintes temas: Informação e Sociedade,
Mediação da Informação, Serviço de Referência e Informação,
Bibliotecas Públicas e Biblioteconomia. Desde 2002 é mantenedor
do site Infohome (www.ofaj.com.br).
138
Raquel do Rosário Santos
Professora Adjunta do Instituto de Ciência da Informação da
Universidade Federal da Bahia. Docente do corpo permanente do
PPGCI da UFBA. Vice-líder do Grupo de Estudos e Pesquisa em
Mediação e Comunicação da Informação (UFBA). Doutora em
Ciência da Informação pela Universidade Federal da Paraíba. Mestre
em Ciência da Informação pela Universidade Federal da Bahia.
Possui graduação em Biblioteconomia pela Universidade Federal da
Bahia. É vice coordenadora da Rede Mediar. Atua principalmente
nos seguintes temas: Mediação da Informação; Mediação da Leitura;
Gestão da informação e do conhecimento; Bibliotecas universitárias;
Comunicação em bibliotecas universitárias web social.
139
Sueli Bortolin
Formada em Biblioteconomia na Universidade Estadual de Londrina,
doutora e mestre em Ciência da Informação pela Universidade
Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho. É professora aposentada
da Universidade Estadual de Londrina, atualmente atua na Pós-
graduação (mestrado e doutorado). Mantém a Coluna Literatura
Infantojuvenil no site Infohome. Compõe a equipe da Rede Mediar.
Teve experiência na área da Biblioteconomia durante 16 anos no
Sesc em Londrina Pr. Desenvolve pesquisa nas temáticas:
mediação oral, mediação digital, mediação da leitura, mediação da
informação, biblioteca escolar e literatura infantojuvenil. Sua
dissertação de mestrado intitula-se A leitura literária nas bibliotecas
Monteiro Lobato e São Paulo e Salvador (2001).
9 786559 544578
ISBN 978-65-5954-457-8
Para além de trazer conteúdo e pesquisas científicas de excelência, ler o livro
“Biblioteca Infantil: território de infâncias’, trouxe aquele prazer que
defendemos, quando escrevemos sobre o ato de leitura. As autoras dos
quatro capítulos que compõem a obra mostram a gênese, o
desenvolvimento e a presença das bibliotecas infanto juvenis nas cidades de
São Paulo e Salvador. Ambas modelo de atuação em favor de leitura, da
cultura e da inclusão social, gerando uma potente repercussão a favor da
leitura, especialmente a infantil.
Lígia Maria Moreira Dumont (UFMG)
Organizadoras:
Sueli Bortolin
Raquel do Rosário Santos
Ana Cláudia Medeiros de Sousa
BIBLIOTECA INFANTIL:
território de infâncias
Biblioteca infanl: território de infâncias
Sueli Bortolin; Raquel do Rosário Santos e Ana Cláudia Medeiros de Sousa
O livro é importante
para as áreas de
Biblioteconomia e
Ciência da Informação,
principalmente por
abordar a biblioteca
infantil e a sua relação
com a criança, a
leitura, a mediação
cultural, destacando o
papel inovador das
bibliotecas infanto
juvenis, a sua
historicidade e
memória.
Organizadoras:
Sueli Bortolin
Doutora e Mestra em Ciência da
Informação pela Universidade Estadual
Paulista (Unesp). Graduada em
Biblioteconomia pela Universidade
Estadual de Londrina (UEL). Atua no
Programa de Pós-graduação em Ciência
da Informação da UEL. Mantém a coluna
Literatura Infantojuvenil’ no site
Infohome. Membro da Rede Mediar.
Raquel do Rosário Santos
Doutora em Ciência da Informação pela
Universidade Federal da Paraíba (UFPB).
Mestra em Ciência da Informação pela
Universidade Federal da Bahia (UFBA).
Graduada em Biblioteconomia pela
UFBA. Atua no Programa de
Pós-graduação em Ciência da Informação
da UFBA. Vice Líder do Grupo de Estudos
e Pesquisa em Medião e Comunicão
da Informação da UFBA. Vice
Coordenadora da Rede Mediar.
Ana Claudia Medeiros de Sousa
Doutora e Mestra em Ciência da
Informação pela Universidade Federal da
Paraíba (UFPB). Graduada em
Biblioteconomia pela UFPB. Atua no
Programa de Pós-graduação em Ciência
da Informação da Universidade Federal
da Bahia (UFBA). Membro do Grupo de
Estudos e Pesquisa em Mediação e
Comunicão da Informação da UFBA e
do Grupo de Estudos e Pesquisa em
Cultura, Informação, Memória e
Patrimônio da UFPB.