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Assim, o “viveram felizes para sempre” é uma frase e um
final de história mentiroso, pois, assim como a liberdade, a felicidade
ocorre em momentos e não é plena. A criança precisa saber que a
felicidade, na vida concreta, não é “para sempre”, mas, ao mesmo
tempo, ela, felicidade, deve ser buscada, almejada e, para isso,
devemos trabalhar e lutar para que ela aconteça em muitos
momentos – mais do que os de “não-felicidade”.
Liberdade e felicidades não são individuais, mas coletivas;
elas só se realizam no coletivo, pois são dependentes das relações.
Como ser feliz em uma sociedade na qual muitos passam fome?
Como ser livre sob o jugo de governos autoritários?
A literatura, mesmo de maneira inconsciente, reproduz
conceitos e modos de pensar hegemônicos – o que, muitas vezes,
corresponde a ideias preconceituosas, a concepções excludentes.
A pombinha da história que comecei a contar, não era
branca e, por esse motivo, não era da paz? Quem determinou que a
pomba da paz é branca? Por que não cinza, como a nossa pombinha?
Pomba cinza é o oposto da paz, uma vez que não é branca?
Todo livro tem um posfácio, explícito, como neste caso, ou
implícito, quando reescrevemos, reelaboramos o texto, quando nos
tornamos coautor. Aliás, todo livro sempre tem um posfácio
implícito, assim como possui um conteúdo construído pelo autor e
pelo leitor. O livro espera o leitor para que, definitivamente, possa
dar seu conteúdo como lido e findo. A leitura dos livros só se finda
na relação com o leitor, embora, para sermos mais exatos, o livro e
sua leitura não se findam, não se acabam. Eles continuam latentes,
vibrando no conhecimento dos leitores, esperando momentos e
oportunidades para se fazerem presentes e interferindo na
construção de novos conhecimentos. Um dos nossos grandes
poetas, João Cabral de Melo Neto, homenageia o livro na poesia
“Para a feira do livro”. Nela, o livro é apresentado como algo
aparentemente autônomo, mas está embutido na sua escrita a
dependência do leitor, para que o livro realmente “exista”.