Este livro trata do caráter mediacio-
nal da organização da informação.
A organização da informação é
composta por processos que são parte do
conjunto das ações de mediação entre
documentos e públicos, cujo objetivo é o
de produzir condições para a apropriação
da informação por estes. Denominadas,
de modo mais apropriado, de ações de
mediação documentária (no nosso caso,
em abordagem bibliográfica), elas são o
eixo do campo de nosso estudo.
Essas ações referem-se à produção
de mensagens organizadas sistemica-
mente sobre objetos e seus mecanismos
de navegação e busca, que são mobiliza-
das pela produção e oferta de produtos,
serviços e demais atividades, potenciali-
zando seu acesso e uso.
Estamos falando, portanto, do
conhecimento fundamental que permite
o compartilhamento da informação.
Trata-se do conhecimento relativo às
formas de compartilhar informações
pertinentes às realidades de pessoas envol-
vidas em atividades as mais diversas.
Assim, o campo de conhecimento
que nos ocupa justifica-se por fomentar a
socialização da informação.
É preciso organizar para socializar.
Ou seja, se para socializar a informação,
antes é preciso organizá-la, organização
da informação é tema a ser pesquisado e
aprofundado. É assunto necessário, dada
a relevante função social que exerce.
para socializar:
a função social da mediação
documentária
C D O
Organizar para socializar: a função social da mediação documentária
C D O
Organizar
Neste livro, nos propomos a explorar e sistemati-
zar o conhecimento fundamental da organização da
informação.
A organização da informação é composta por
processos que são parte do conjunto das ações de
mediação entre documentos e públicos, cujo objeti-
vo é o de produzir condições para a apropriação
da informação por estes. Essas ações referem-se à
produção de mensagens organizadas sistemicamente
sobre objetos e seus mecanismos de navegação e
busca, que são mobilizadas pela produção e oferta
de produtos, serviços e demais atividades, potencia-
lizando seu acesso e uso. Denominadas – de modo
mais apropriado – de ações de mediação documen-
tária, elas são o eixo do campo de nosso estudo.
A comunicação com o público – tornada possível
por essas ações de mediação – é que permite que
a apropriação da informação por cada indivíduo se
efetive.
A mediação documentária – tendo em vista sua
fuão social singularpermite explicitar a especi-
ficidade do campo, ao demonstrá-lo em sua integra-
lidade, portanto, de forma coerente e consistente.
Processo CNPq: 313039/2021-6
Organizar
para socializar:
a função social da mediação
documentária
Marília/Oficina Universitária
São Paulo/Cultura Acadêmica
2024
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(A)
Organizar
para socializar:
a função social da mediação
documentária
Editora afiliada:
Cultura Acadêmica é selo editorial da Editora UNESP
Oficina Universitária é selo editorial da UNESP - campus de Marília
Copyright © 2024, Faculdade de Filosofia e Ciências
Ficha catalográfica
Ortega, Cristina Dotta.
O77o Organizar para socializar : a função social da mediação documentária / Cristina Dotta Ortega. –
Marília : Oficina Universitária ; São Paulo : Cultura Acadêmica, 2024.
272 p.
Apoio: CNPq
Inclui bibliografia
ISBN 978-65-5954-478-3 (Impresso)
ISSN 978-65-5954-479-0 (Digital)
DOI: https://doi.org/10.36311/2024.978-65-5954-479-0
1. Organização da informação. 2. Mediação da informação – Aspectos sociais. 3. Documentação.
4. Ciência da Informação. 5. Recuperação da informação. I. Título.
CDD 025.04
Telma Jaqueline Dias Silveira –Bibliotecária – CRB 8/7867
Imagem capa: https://stock.adobe.com/br - Arquivo "AdobeStock_573242750". Acesso em 10/06/2024
Este trabalho está licenciado sob uma licença Creative Commons Attribution-NonCommercial-NoDerivatives
4.0 International License.
UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA
"JÚLIO DE MESQUITA FILHO"
Campus de Marília
Diretora
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Vice-Diretora
Profa. Dra. Ana Cláudia Vieira Cardoso
Conselho Editorial
Mariângela Spotti Lopes Fujita (Presidente)
Célia Maria Giacheti
Cláudia Regina Mosca Giroto
Edvaldo Soares
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Marcelo Fernandes de Oliveira
Marcos Antonio Alves
Neusa Maria Dal Ri
Renato Geraldi (Assessor Técnico)
Rosane Michelli de Castro
Parecerista:
Prof. Dr. Rodrigo de Sales
Professor Associado do Departamento de Ciência da Informação da Universidade Federal de Santa Catarina
(UFSC) e do Programa de Pós-graduação em Ciência da Informação da Universidade Federal de Santa Catarina
(UFSC).
Processo CNPq: 313039/2021-6
6
AgrAdecimentos
O texto produzido para este livro foi iniciado e elaborado em sua
maior parte no estágio pós-doutoral, realizado na Universidade Estadual
Paulista (UNESP), campus Marília, sob supervisão de Walter Moreira,
no período de maio de 2021 a maio de 2022. Agradeço ao Programa de
Pós-Graduação de Ciência da Informação (PPGCI), da UNESP, que me
recebeu, e, em especial, ao diálogo respeitoso e sempre descomplicado pro-
movido por meu supervisor.
Ao Departamento de Organização e Representação da Informação
(DOTI), da Escola de Ciência da Informação (ECI), da Universidade
Federal de Minas Gerais (UFMG), agradeço a concessão do afastamento
para pós-doutoramento.
A pesquisa teve apoio financeiro do Conselho Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), do Ministério
da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), por meio da Bolsa de
Produtividade Científica-PQ2, iniciada em março de 2022.
Este trabalho é marcadamente influenciado pelas práticas profis-
sionais realizadas no contexto da diversa cidade de São Paulo, quando a
Internet ainda se estabelecia e criava grandes desafios, não menores que
os já existentes. Mas, ele é produto direto das pesquisas desenvolvidas in-
dividualmente e em parceria no decorrer dos últimos 20 anos de carreira
acadêmica. Este livro decorre de reflexões sobre publicações e demais tra-
7
balhos realizados e orientados, assim como de disciplinas ministradas na
graduação e em programas de pós-graduação.
Assim, agradeço à formação – que considero sólida, porque fun-
damentada conceitual e historicamente –, vivenciada no curso de gradu-
ação e na pós-graduação na Escola de Comunicações e Artes, (ECA), da
Universidade de São Paulo (USP), na década de 1990 e início dos anos
2000. Esta formação foi marcada por projeto pedagógico e atividades de
pesquisa de excelência, das quais ressalto as reflexões, aulas e produção do
Grupo Temma. Deste grupo de pesquisa, já extinto, agradeço em especial
à orientação e parceria de Marilda Lopes Ginez de Lara.
Posteriormente, a produção de conhecimento teve como pila-
res as orientações realizadas em nível de graduação e de pós-graduação
na ECI/UFMG. A partir destas atividades de orientação, foi criado o
Grupo de Pesquisa Fundamentos Teóricos, Metodológicos e Históricos da
Organização da Informação, vinculado à UFMG e registrado no Diretório
dos Grupos de Pesquisa do Brasil, do CNPq. As discussões com orien-
tandos foram fundamentais para minha própria pesquisa, além de terem
propiciado vivências pessoais e intelectuais extraordinárias.
8
ListA de AbreviAturAs e sigLAs
AACR Anglo-American Cataloging Rules
ASLIB Association of Special Libraries and Information Bureaux,
Inglaterra
BPI Bibliothèque Publique d’Information, do Centre Georges Pompidou,
França
cat and class cataloguing and classification
CCF/F Common Communication Format for Factual Information
CDD – Classificação Decimal de Dewey (Dewey Decimal Classification-
DDC, no original)
CDU Classificação Decimal Universal
CEPAL Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe
CLIP/EBSIComité Local d’Intégration Pédagogique, da École de
Bibliothéconomie et des Sciences de l’Information, Canadá
CNPq Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico, do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI),
Brasil
DOTI Departamento de Organização e Representação da Informação,
da ECI/UFMG
ECI Escola de Ciência da Informação, da UFMG
9
FIIR Formato de Intercambio de Información Referencial
FRBR Functional Requirements for Bibliographic Records
IFLA International Federation Library Association and Institutions
INTD Institut National de Techniques de Documentation, França
ISBD International Standard Bibliographic Description
ISKO International Society for Knowledge Organization
KOS Knowledge Organization Systems (Sistemas de Organização do
Conhecimento – SOC)
LCC Library of Congress Classification
LCSH Library of Congress Subject Headings
LILACS Literatura Latino-Americana em Ciências da Saúde
LIS Library of Congress Classification
MARC Machine Readable Cataloging
PPGCI Programa de Pós-Graduação de Ciência da Informação
RDA Resource Description and Access
SGBD – Sistema de Gestão de Bases de Dados
SIC Sciences de l’Information et de la Communication
SOC Sistemas de Organização do Conhecimento (Knowledge
Organization Systems) KOS
UFMG Universidade Federal de Minas Gerais
UNESP Universidade Estadual Paulista
UNISIST – United Nations International Scientific Information System, da
UNESCO
USP Universidade de São Paulo
XML Extensible Markup Language
10
ListA de quAdros
Quadro 1 Divisão da Bibliografia em dois grupos e suas
denominações
111
Quadro 2 Enfoques desenvolvidos no grupo de Bibliografia
Textual, Analítica e Material
112
Quadro 3 Elementos do processo documentário 158
Quadro 4 Níveis de manifestação dos processos de
organização da informação
175
Quadro 5 Equivalência entre as características do livro e do
documento, quanto à Documentação, segundo
Otlet, e os objetos do tratamento documentário,
segundo Fondin
191
Quadro 6 Processos e funções da organização da informação
201
Quadro 7 Processos e instrumentos da organização da
informação
202
Quadro 8 Forma e conteúdo dos registros de bases de dados
207
Quadro 9 Elementos fundamentais dos registros de bases de
dados e suas funções
207
Quadro 10 Elementos constituintes dos registros de bases de
dados e suas funções
208
Quadro 11 Dimensões do processo de ordenação e seus
elementos componentes
243
11
o cAráter mediAcionAL dA
orgAnizAção dA informAção
Neste livro, nos propomos a explorar e sistematizar o conhecimento
fundamental da organização da informação.
A organização da informação é composta por processos que são par-
te do conjunto das ações de mediação entre documentos e públicos, cujo
objetivo é o de produzir condições para a apropriação da informação por
estes. Essas ações referem-se à produção de mensagens organizadas siste-
micamente sobre objetos e seus mecanismos de navegação e busca, que são
mobilizadas pela produção e oferta de produtos, serviços e demais ativida-
des, potencializando seu acesso e uso. Denominadas – de modo mais apro-
priado – de ações de mediação documentária, elas são o eixo do campo de
nosso estudo. A comunicação com o público – tornada possível por essas
ações de mediação – é que permite que a apropriação da informação por
cada indivíduo se efetive.
A mediação documentária – tendo em vista sua função social singu-
lar – permite explicitar a especificidade do campo, ao demonstrá-lo em sua
integralidade, portanto, de forma coerente e consistente.
Retomando o parágrafo inicial, podemos dizer que o objetivo deste
livro é o de explorar e sistematizar o conhecimento fundamental da organi-
zação da informação, na perspectiva do papel central que ela exerce como
parte do conjunto das ações de mediação documentária. Mas, afirmar que
esses processos exercem papel central na mediação documentária não per-
Cristina Dotta Ortega
12
mite atribuir maior importância a eles, tanto quanto é improdutiva a po-
sição inversa. Desse modo, podemos adicionar um elemento ao enunciado
do objetivo do livro: explorar e sistematizar o conhecimento fundamental
da organização da informação, na perspectiva do papel central que ela exer-
ce como parte do conjunto das ações de mediação documentária, junta-
mente à explicitação das contingências que marcaram sua constituição.
A questão é que a organização da informação, para ser conside-
rada em toda sua dimensão, deve ser explorada no contexto do campo
ao qual pertence e quanto aos entraves conceituais que se interpuseram
em seu percurso.
As ações de mediação documentária desenvolvem-se na forma de um
ciclo ou cadeia documentária, como denominado na literatura do campo.
Optando pelo termo fluxo documentário, podemos dizer que ele existe
como tal em função de procedimentos interpretativos sobre objetos frente
a públicos determinados. Tanto os sistemas como os produtos e serviços –
elementos constituintes desse fluxo – exigem procedimentos de caráter sis-
têmico sobre documentos, tendo em vista um certo público. Desenvolver
sistemas, produtos e serviços de informação implica selecionar documen-
tos e sistematizar informações atribuídas a eles. Ou seja, em todo o fluxo
documentário, há sempre algum tipo de leitura, seleção e sistematização.
Esses procedimentos interpretativos sobre objetos frente a públicos
determinados ocorrem em uma ordem lógica e funcionam como camadas
de significação umas sobre as outras. Dentre os processos documentários,
os de organização da informação são determinantes na constituição dos
produtos e serviços que decorrem deles. Isso porque, os produtos da orga-
nização da informação são, por excelência, sistemas de informação, e esses
sistemas atuam na produção de significado das etapas que lhes seguem. As
possibilidades de comunicação, no entanto, dependem de produtos e ser-
viços e demais atividades que sensibilizem os públicos, já que os sistemas
de informação em si – sem que sejam ativados –, são dados armazenados,
ou seja, informação em potência.
Organizar para socializar:
a função social da mediação documentária
13
O fluxo documentário é composto pelos processos de seleção, orga-
nização da informação, produção de serviços e produtos. Por sua vez, as
estratégias gerenciais e os aparatos tecnológicos são adotados para viabilizar
concretamente e de modo racional, eficiente e econômico o fluxo docu-
mentário. As estratégias gerenciais e os aparatos tecnológicos são norteados
pelos processos de organização da informação, o que significa dizer que
eles são realizados em função destes processos.
Ao afirmar que os processos de organização da informação exercem
papel central, estamos reconhecendo que esses processos são a força mo-
triz das ações de mediação documentária. No entanto, essa centralidade só
ocorre porque a organização da informação se faz quanto à sua destinação,
mobilizando os demais processos documentários nesta direção.
Sendo assim, podemos dizer que os processos de organização da in-
formação influem de maneira central sobre as possibilidades de comunica-
ção com o público.
Estamos falando, portanto, do conhecimento fundamental que per-
mite o compartilhamento da informação: o conhecimento relativo às for-
mas de compartilhar informações pertinentes às realidades de pessoas en-
volvidas em atividades as mais diversas. Assim, o campo de conhecimento
que nos ocupa justifica-se por fomentar a socialização da informação.
Mas, socializar não é o mesmo que universalizar. Socializar exige re-
conhecer os diferentes segmentos sociais e desenvolver produtos e serviços
adequados a eles (Cintra et al., 2002, p. 16-17). A afirmação implica consi-
derar que a comunicação é precedida de segmentação, mesmo nos casos em
que os públicos visados são tão amplos que se torna difícil caracterizá-los.
Via segmentação de públicos, torna-se possível o compartilhamento de in-
formações que permite a comunicação, que, por sua vez, pode promover a
apropriação da informação pelos indivíduos. A socialização da informação
ocorre de maneira plena quando há apropriação da informação.
Assim, colocamos em pauta o título deste livro. É preciso organizar
para socializar. Ou seja, se para socializar a informação, antes é preciso
Cristina Dotta Ortega
14
organizá-la, organização da informação é tema a ser pesquisado e aprofun-
dado. É assunto necessário, dada a relevante função social que exerce.
Organizar informação é realizar atividades-meio que são fundamen-
tais para as atividades-fim a que se destinam: aquelas realizadas pelos pú-
blicos visados. Os sistemas de que falamos são produtos de informação
de crucial importância para a vida das pessoas. Essa afirmação pode ser
constatada frente ao papel que exerceram na sistematização dos experi-
mentos realizados para a produção de vacinas contra COVID-19, além das
revisões sistemáticas que subsidiaram o enfrentamento dos casos da doença
em todo o mundo.
Sendo assim, buscamos compreender mais amplamente o subcam-
po da organização da informação, discorrendo sobre o campo de que faz
parte e lhe dá sentido, ao fornecer sua função social. Inicialmente, no ca-
pítulo 1 – O campo das ações de mediação documentária, tratamos
dessas ações como eixo do campo em que está inserido nosso estudo. Para
contextualizar e justificar o desenvolvimento do tema desse capítulo, são
problematizados alguns usos recorrentes dos termos mediação, documen-
to e usuário, em especial sob o ponto de vista da relação – ou da não
relação – estabelecida entre eles. A problematização é realizada a partir
da consideração de que estamos imersos em pensamento fragmentado e
opositivo, cujas implicações devem ser investigadas. Em seguida, é apre-
sentada construção histórica do conceito de documento, como base para a
compreensão da mediação documentária, da qual é seu produto concreto.
A distinção, considerada aqui urgente e necessária, entre o documento que
é produto da mediação documentária e o documento em seu papel social
e político (neste caso, desenvolvido em pesquisas que atendem sob o nome
de Neodocumentação) é realizada no início do capítulo. Ao final, a me-
diação documentária, de que tratamos, é explicada a partir de processos
de significação realizados no contexto de sistemas e serviços, a partir dos
quais se busca pela comunicação documentária com públicos, com o fim
de que eles possam apropriar-se da informação que considerem relevante
para suas vidas.
Organizar para socializar:
a função social da mediação documentária
15
Em seguida, no capítulo 2 – A mediação documentária em abor-
dagem bibliográfica, buscamos explorar as ações de mediação documen-
tária de modo mais específico, no caso, apenas aquelas em abordagem
bibliográfica. A abordagem bibliográfica é muitas vezes atribuída unica-
mente às circunstâncias em que se desenvolve a profissão bibliotecária, em
detrimento do conhecimento técnico e científico que fundamenta as apli-
cações. Também é comum que a abordagem bibliográfica seja identificada
por definições de negação, pois seu escopo seria aquele não contemplado
pela Arquivologia e pela Museologia. Para tratar da questão, são explora-
dos o conceito de livro e de ‘bibliográfico’, buscando por suas relações de
aproximação e de distinção. A constituição histórica da abordagem docu-
mentária bibliográfica é elaborada por meio das diversas disciplinas que a
constituíram: a Bibliografia e a Biblioteconomia, ao desenvolverem ativi-
dades bibliográficas por excelência, e a Documentação, pela teorização que
agregou a estas, além do desenvolvimento de instrumentos e sistemas de
informação. O conceito de documento é retomado em abordagem biblio-
gráfica, por meio dos termos – documento secundário, fonte de informa-
ção e recurso de informação –, e do questionamento, presente na literatura
predominante, da ideia de documento como objeto material e formal, des-
provido de instância simbólica. O confrontamento de estudos sobre o do-
cumento em abordagem bibliográfica nos permite dizer que ele se encontra
em uma encruzilhada conceitual. Buscando avançar um pouco mais sobre
esta questão, tratamos do fluxo documentário em abordagem bibliográfi-
ca, tradicionalmente nomeado como cadeia documentária, enfatizando a
necessidade de contrapor visões parciais e proposições mais avançadas. A
complexidade desse percurso histórico-conceitual permite compreender a
dificuldade de identificação do lugar teórico da mediação documentária
em abordagem bibliográfica, e, por sua vez, da organização da informação.
No capítulo 3 – Para uma matriz da organização da informa-
ção, tratamos da organização da informação como termo reconhecido na
literatura por contemplar os processos que permitem realizar a mediação
documentária em abordagem bibliográfica. Considerando a relação entre
Cristina Dotta Ortega
16
terminologia e consolidação científica, discorremos sobre a variação ter-
minológica recorrente nesse subcampo, em especial no Brasil, nos últimos
anos, pois ela é ditada em geral pelos termos em voga, menos que por sig-
nificados construídos e em construção. Em seguida, exploramos categorias
fundamentais da organização da informação, visando elaborar parâmetros
que permitam sua compreensão epistemológica e função social. Essas cate-
gorias fundamentais são abordadas como níveis de manifestação da organi-
zação da informação, quais sejam: conceitual, metodológico, pragmático,
normativo e tecnológico. Os dois últimos níveis – normativo e tecnológico
–, em função do peso que exercem no imaginário do campo, decorrendo
em estereótipos continuamente reiterados, são especialmente discutidos e
problematizados. Observando, mais uma vez, a centralidade do conceito
de documento, exploramos componentes documentais passíveis de serem
identificados nos processos de organização da informação. Nesta parte, tra-
tamos como componente principal a unidade documentária, no sentido
de unidade abstrata elaborada a partir das características dos documentos e
dos interesses dos públicos, com o fim de constituir uma unidade concreta
de representação em sistemas de informação. O documento é percebido
de fato como tal a partir de uma unidade documentária. Na perspectiva
da especificidade procedimental da organização da informação, propomos
sua constituição a partir de dois processos básicos – a produção de bases de
dados e a produção de arranjos (via ordenação) –, processos esses que são
precedidos pela atividade primordial de seleção de documentos em relação
a públicos determinados. Os processos são considerados segundo a função
que contemplam e os processos específicos em que se realizam, acerca dos
quais discutimos os tipos de instrumentos que lhes correspondem. A ques-
tão em pauta é a da precedência dos processos sobre os instrumentos, mo-
tivo pelo qual não nos aprofundamos nos processos específicos e nos ins-
trumentos concretos propostos para sua operacionalização. Dessa maneira,
a apresentação da diversidade de manifestações dos processos básicos ocor-
rida no tempo, muitas vezes a partir de denominações próprias, demonstra
sua continuidade, a despeito das mudanças. Buscamos realizar movimento
de abstração e generalização sobre os processos de produção de bases de
Organizar para socializar:
a função social da mediação documentária
17
dados e de arranjos, seus instrumentos e produtos, pois esse movimento é
produtivo para uma compreensão integrada do conhecimento desse sub-
campo, como algo constituído por acúmulos e revisitações, menos que por
rupturas contínuas. Ao final, os processos básicos de produção de bases de
dados e de arranjos são postos em relação, em termos conceituais e opera-
cionais, e quanto ao modo como observamos sua presença na literatura.
Como fechamento do trabalho, reiteramos a função social do campo
das ações de mediação documentária, retomando alguns apagamentos que
vem se sobrepondo uns aos outros, assim como os resgates necessários,
tendo em conta a literatura produzida.
A produção desse livro teve como pretensão explicitar literatura do
campo que apresenta coerência e consistência constituídas historicamente.
Deste modo, o livro busca refletir o conhecimento acumulado, ou o que
podemos chamar de conhecimento coletivo.
A literatura de um campo permite fornecer segurança a pesquisa-
dores, professores e estudantes, de modo que eles tenham condições de
elaborar suas convicções, tanto quanto dúvidas e perguntas. A sistematiza-
ção desses conteúdos representa um passo necessário para a elaboração de
referenciais teóricos plausíveis que subsidiem novas pesquisas, assim como
a formação de pessoas propiciada por essas pesquisas.
A exploração e a sistematização do conhecimento fundamental da
organização da informação, pautadas por contextualização histórico-con-
ceitual e seus aspectos procedimentais, são o propósito deste livro.
18
19
S
o cAráter mediAcionAL dA orgAnizAção dA informAção ................ 11
1 o cAmpo dAs ões de mediAção documentáriA .......................... 21
1.1 Problematizando a mediação: para uma superação do
pensamento fragmentado e opositivo ............................................... 21
1.2 Categorias fundamentais do campo das ações de mediação
documentária: entre públicos e documentos .................................... 41
1.3 Construção do conceito de documento: a Documentação
em foco ........................................................................................... 53
1.4 Mediação documentária: significar para comunicar,
possibilitando apropriar ................................................................... 65
2 A mediAção documentáriA em AbordAgem bibLiográficA ............ 85
2.1 O livro como princípio e a caracterização de ‘bibliográfico’:
aproximações e distinções ............................................................... 85
2.2 Biblioteconomia e Bibliografia: origem e desenvolvimento da
abordagem documentária bibliográfica ............................................ 99
2.3 O documento bibliográfico: documento secundário, fonte de
informação, recurso de informação... ............................................... 128
2.4 A dinâmica do fluxo documentário bibliográfico ....................... 142
20
3 pArA umA mAtriz dA orgAnizAção dA informAção ....................... 165
3.1 Variação terminológica e consolidação do campo ....................... 165
3.2 Categorias fundamentais da organização da informação: do
conceitual, metodológico e pragmático ao normativo e
tecnológico ...................................................................................... 173
3.3 Componentes documentais e processos básicos da organização
da informação ................................................................................ 185
3.4 Organizando a informação: a produção de bases de dados e a
produção de arranjos ...................................................................... 204
entre ApAgAmentos e resgAtes: A função sociAL dA mediAção
documentáriA ................................................................................. 249
referênciAs .................................................................................... 253
biogrAfiA do Autor ....................................................................... 271
21
1
O    
 
1.1 probLemAtizAndo A mediAção: pArA umA superAção do
pensAmento frAgmentAdo e opositivo
Em sociedades amadurecidas, o direito de acesso à informação é re-
conhecido, tornando inquestionável o dever profissional de informar.
Nesse contexto é que o conjunto das ações de mediação documentá-
ria se constituíram social e politicamente, conduzindo a desenvolvimento
profissional e científico. Medeia-se informação pelo dever de contemplar o
direito de pessoas, tomadas como público. Mas, como? Partimos do enten-
dimento de campo que se singulariza por esta pergunta. Deve-se perguntar
ainda sobre as implicações das ações de mediação realizadas e então reco-
meçar as perguntas.
A literatura do campo da Comunicação desenvolveu-se na direção
de que a mediação deve resultar na comunicação: a mediação é processo
que tem por objetivo a comunicação.
Podemos falar de mediação e comunicação, por meio das duas acep-
ções de informar, como desenvolve Martínez Comeche (1995): uma em
que se considera o ato de informar por si mesmo (sentido intransitivo de
informar) e outra em que o ato de informar resulta em comunicação (sen-
Cristina Dotta Ortega
22
tido transitivo de informar). Segundo ele (p. 37-39), a primeira acepção
refere-se a algo que é prévio à comunicação, mas que está apto a ser comu-
nicado; o foco neste caso é a mensagem. A segunda acepção de informar é a
de comunicar algo, e é resultado da ação de informar. Essa acepção envolve
agentes intercambiando uma mensagem, o que requer a participação de
dois ou mais sujeitos, os quais mantêm correspondência entre si. Martínez
Comeche afirma ainda que o ato de informar, à medida que implica um
ato de comunicação, possui um caráter intrinsecamente social.
Davallon (2007), em estudo sobre o tema, identificou como recor-
rente o princípio de que a comunicação social é produto da mediação.
Mas, o autor (2007, p. 23) reconhece duas definições problemáticas de
comunicação: como transmissão da informação, no sentido de algo que
parte do polo emissor em direção ao polo receptor; e como interação entre
sujeitos, em abordagem que fornece a essa relação maior importância que
a informação que circula entre eles. A primeira definição recebe conota-
ção técnica e a segunda é convocada quando a questão é de comunicação
social. Segundo o autor, as duas definições, tomadas em conjunto para
uma definição de comunicação, não contemplam a relação entre o aspecto
técnico e o social, pois faltam a elas a dimensão propriamente mediacional.
É comum identificar na literatura as duas acepções de informar, de
Martínez Comeche, tomadas como autoexcludentes, e, as definições em
abordagem técnica e em abordagem social da comunicação, questionadas
por Davallon, enunciadas como válidas. Essas definições apartadas não
facultam uma aproximação ao conceito de mediação. As duas situações
apresentadas indicam que falta refinar a distinção entre processo e objetivo,
pois o processo do qual depende o objetivo tende a não receber a explicita-
ção que permita sua discussão e desenvolvimento. Daí a necessidade atual
de se relacionar adequadamente mediação e comunicação.
A mediação a que nos referimos – a mediação documentária – tem
como produto o documento, cuja característica é a de ser ao mesmo
tempo material e simbólico, como objeto que recebe valor informacional
Organizar para socializar:
a função social da mediação documentária
23
nesse processo que é norteado pela consideração de públicos determina-
dos. A construção histórica do conceito de documento ocorreu marcada-
mente em língua francesa, em especial durante o século XX, em discipli-
na denominada Documentação, sendo ainda presente em solo europeu,
entre outros, como em algumas regiões do Brasil. Frente à reconhecida
disseminação da orientação anglo-americana no campo, é de se supor
que o conceito de documento não pudesse ser amplamente conhecido. A
orientação anglo-americana, desenvolvida na perspectiva da Information
Science, em especial nos Estados Unidos, pauta-se, por um lado, pela
comunidade de bibliotecas, fortemente orientada para o trabalho técni-
co-normativo com livros e outros escritos em suporte papel, e por outro
lado, por estudos sobre informação, sob enfoques outros que não neces-
sariamente o da produção de sistemas e oferta de serviços.
A Documentação como disciplina esteve presente no início do sé-
culo XX nos Estados Unidos, mas estudos sobre o documento voltaram
a ser produzidos em língua inglesa, de maneira mais ampla, somente a
partir dos anos 1990. Esses estudos, muitas vezes denominados como
Neodocumentação, apresentam a preocupação com os aspectos sociais
e políticos da produção, circulação e uso de documentos, contingencia-
dos institucionalmente ou por certos grupos de pessoas. Dito de outro
modo, esses estudos abordam o documento como elemento da vida hu-
mana e social, o que inclui as instituições, considerando os fatores sociais
e políticos pelos quais ele é mobilizado. No entanto, sob a denominação
Neodocumentação, constam também estudos anteriores decorrentes do
interesse de autores em realizar maior abstração sobre os sistemas e serviços
bibliográficos, o que inclui sua historicização. Os dois principais autores
desse segundo grupo são W. Boyd Rayward e Michael Buckland e suas
publicações são de interesse para este trabalho (Rayward, 1975, 1983) e
(Buckland, 1991a, 1991b, 1995, 1996).
Desse modo, podemos afirmar que há variações de sentido para o
termo documento quando tratado sob a denominação Neodocumentação,
mas seus estudos principais são relativos ao papel social e político que
Cristina Dotta Ortega
24
as ações sobre documentos deflagram. Tratamos do tema anterior-
mente, observando a necessidade de recuo histórico dos estudos sobre
Neodocumentação, haja vista que apenas Otlet e, eventualmente Briet,
são citados, ainda assim, não suficientemente aprofundados, de tal modo
que a “discussão a partir do contraponto neodocumentalista pode dico-
tomizar a questão, mais que contribuir para aprofundá-la e atualizá-la
(Ortega; Saldanha, 2019, p. 208). Uma explicação para isso está no fato
de que os estudos da Information Science centram-se em noções gerais e
diversas sobre informação, de maneira similar a boa parte dos estudos da
Neodocumentação sobre o documento. No entanto, o foco deste trabalho
sobre documento e sobre informação é o das ações de mediação documen-
tária, que visam condições para a apropriação da informação, motivo pelo
qual prescindimos dos estudos que abordam o tema do documento e da
informação em outras perspectivas.
Algumas ideias antigas dificultam a conceituação de documento no
contexto dos estudos das ações de mediação documentária. Dentre os pro-
blemas a tratar, está a questão dos critérios adotados para eleger objetos
como documentos. Ainda é recorrente o discurso em que se atribui ao
suporte material e à tipologia do objeto as características que permitiriam
separar aqueles que são documentos e os que não o são, já que essa atribui-
ção é tomada como definitiva e determinada pelo objeto em si. Sob esse
discurso, vários objetos são relegados à impossibilidade de ‘ser documento’,
como é o caso dos objetos digitais, textos escritos não publicados, audio-
visuais, bens imóveis, além de pessoas, instituições e eventos. Como se
pode ver, à falta de se elaborar o que efetivamente permite conceituar um
objeto como documento, são postos em segundo plano, ou mesmo des-
cartados, objetos não produzidos para funcionarem informacionalmente,
ou cuja função informacional é menos evidente por seus aspectos formais
não serem facilmente identificáveis como tal em nossa cultura. Ao mesmo
tempo, certos objetos, como textos escritos, em especial os publicados ou
produzidos no âmbito da comunicação científica, são ‘naturalmente’ con-
siderados como documentos.
Organizar para socializar:
a função social da mediação documentária
25
Problema conceitual relativo ao documento também pode ser
observado em alguma medida nos cursos brasileiros de graduação em
Biblioteconomia, como analisamos anteriormente (Ortega, 2021). Trata-
se da tipificação de objetos adotada nas disciplinas que discorrem sobre
organização da informação e sobre fontes/recursos de informação. Nessas
disciplinas, como os objetos considerados documentos já são previamente
determinados, não se pode falar em trabalho informacional propriamente
dito. Podemos dizer que, por não se considerar no ensino as ações de me-
diação que transformam objetos em documentos, o aluno não se coloca
como futuro profissional responsável por essa atividade produtora, mas an-
tes como guardião e inventariador de objetos. A questão é mais desenvol-
vida no subcapítulo 2.3, que busca conceituar o documento bibliográfico.
Seja no âmbito dos cursos de formação ou não, outro ponto é o
da afirmação sobre a necessidade urgente de mudança para que se possa
operar no meio digital, seguindo o apelo do discurso sobre a atualização
tecnológica. Do mesmo modo, caberia colocar à prova essa afirmação fren-
te ao conceito de documento como objeto material (portanto, digital ou
não) e conteúdo atribuído.
A ideia de informação por si mesma foi ganhando força, relegan-
do o termo documento a algo antigo e superado, em geral considerado
apenas em sua instância material. De fato, a maior parte da literatura de
orientação anglo-americana nomeada como Biblioteconomia e Ciência da
Informação (Library and Information Science-LIS, no original em inglês)
cristalizou o termo documento sob sua percepção mais visível, dada por
sua forma material e tipológica. No entanto, falar de documento implica
considerar a informação (o conteúdo atribuído), haja vista que documento
não existe na ausência de informação. Está em causa – não toda e qualquer
abordagem de informação –, mas abordagem específica que fornece ao
campo lugar teórico próprio. Afinal, muitos campos tratam de informação
e todos os campos se constituem por meio dela.
Cristina Dotta Ortega
26
Do exposto, temos que o conceito de informação de que se ocupa
o campo vincula-se à produção de mensagens sobre objetos selecionados.
Refere-se ao conjunto das teorias, metodologias e instrumentos que dão
forma a certos conteúdos, formas essas elaboradas como orientadoras da
produção de novos conhecimentos ou da tomada de decisões por pessoas
no contexto das atividades que desenvolvem.
Nessa perspectiva, documento é conceito que inclui o de informação
e o ultrapassa, no sentido de que é constituído por instância material e
pela atribuição informacional. Como conceito fundamental do campo, há
implicações no não reconhecimento do termo documento.
O termo usuário, de outra maneira, também constitui o de docu-
mento, haja vista que os objetos são transformados como tal a partir dos
contextos em que as pessoas são tomadas como potenciais usuárias de in-
formação. Ou seja, não se pode falar em documento sem considerar para
quem ele foi construído. Talvez, mais que os outros conceitos centrais do
campo, ‘usuário’ está ainda por ser discutido.
Embora o termo usuário de informação possa remeter à ideia de pes-
soas que usam informação – já que todo ser humano assim o faz –, trata-se
de um modo específico de abordar o ser humano, buscando dar respostas a
problemas colocados socialmente. Usuário, no contexto do campo que nos
ocupa, abarca características mais específicas que a de grupo social, assim
como características mais contextuais que a do indivíduo observado em
seu funcionamento cognitivo. Não se trata de estudos de fluxos de infor-
mação em certos grupos pois, embora esses estudos sejam de interesse do
campo das ações de mediação documentária, eles devem ser desenvolvidos
quanto às suas especificidades. Vale o mesmo quanto aos estudos relativos
à cognição humana em situações de busca ou de uso de informação.
Além de usuário, termo amplamente usado e aceito no campo, o ter-
mo público é, também, bastante usado neste livro por mostrar-se pertinente
por seu sentido de destino das ações de mediação documentária. A ideia é a
Organizar para socializar:
a função social da mediação documentária
27
de uma pessoa ou um grupo de pessoas considerados como público por seu
possível uso de informação, tendo em conta as atividades que exercem.
A predominância do termo usuário, no sentido de pessoas que usam
sistemas e serviços, em detrimento do uso do termo público, ou outro que
indique uma comunidade discursiva que é destinatária das ações de media-
ção, merece discussão.
Kobashi e Tálamo (2003, p. 20) discutem abordagem dos estudos
sobre usuário, afirmando tratar-se de visão mecanicista que teria exercido
e ainda exerce fascínio no campo. As autoras questionam os reiterados
estudos de usuários baseados em um recorte social pré-existente (como
a condição profissional, econômica, escolaridade etc.), ao invés de serem
contemplados os modos pelos quais os conteúdos podem ser acessados,
manejados e entendidos. Kobashi e Tálamo entendem que o trajeto a ser
seguido impõe a busca pela relação fundadora da constituição do sentido:
o documento, o seu conteúdo, as possibilidades de tratamento e os seg-
mentos variados da população.
As ações de mediação documentária orientam-se à promoção da re-
lação de sentido entre o usuário e o universo do conhecimento registrado.
Essa promoção de sentido não se esgota, assim como não se esgota o de-
senvolvimento intelectual humano.
Dessa maneira, importa questionar a ideia disseminada sobre a me-
diação documentária como um conjunto de ações que se contrapõe à au-
tonomia do usuário. Para Ross Atkinson (1999), a autonomia do usuário
de serviços de informação se desenvolve por meio da busca pela desin-
termediação, no sentido da ausência de mediação. A desintermediação é
reconhecida como necessária tanto pelos profissionais mediadores quanto
pelos usuários, pois conduz a processos de compreensão e autonomia. Ela
é, de fato, um princípio da educação. O objetivo é o de dar condições para
que o usuário tome suas próprias decisões quanto à seleção, fomentando o
seu empoderamento. A desintermediação deve ser, então, um objetivo dos
serviços de informação. Sendo assim, por sua própria característica, a de-
Cristina Dotta Ortega
28
sintermediação total nunca é possível, pois, por ser uma forma de media-
ção, empodera o usuário, levando-o a demandar novas ações mediadoras.
A mediação de que tratamos, no entanto, não se refere apenas à relação
(presencial ou virtual) entre mediador e usuário, a que se refere Atkinson.
Tendo em conta a mediação documentária propriamente dita,
Espaignet, Fofana e Laurenceau (2003) escreveram trabalho intitulado
“Pertinência da intermediação documentária”. As autoras (2003, p. 69)
falam do fornecimento de informações adequadas como o estabelecimento
de vínculos entre os documentos e os usuários, acrescentando que isso exi-
ge um trabalho sobre os conteúdos. Para elas, essas competências técnicas,
que são um dos principais vetores da mediação, continuam a ser valoriza-
das. Nesse sentido, podemos dizer que, se um serviço de informação tem
um propósito, uma intenção clara, objetivamente construída, ele fará sen-
tido aos usuários, atuando de forma mediadora. As autoras se debruçaram
sobre as diversas fases em que inovações tecnológicas ocorreram, demons-
trando como a cada uma delas a mediação documentária foi posta como
não necessária, contribuindo para algum nível de crise de identidade. Para
elas (p. 7), observar esses aspectos a partir de uma perspectiva histórica
relativamente longa permite afirmar que a ameaça da desintermediação
é acima de tudo fantasiada, haja vista que, ela fornece a oportunidade de
fortalecer o aspecto relacional da atividade de mediação documentária e
promover seu uso competitivo.
A busca pela desintermediação humana (presencial ou virtual), a que
se refere Atkinson, fomenta o uso empoderado da informação pelos sujeitos.
Dito de outra maneira, o exercício da desintermediação humana promove
a mediação documentária, pois esta se realiza a partir das pessoas que cons-
troem, gerenciam e disseminam os dispositivos documentários, fomentando
seu uso qualificado. Portanto, reiterando Espaignet, Fofana e Laurenceau,
a ideia da prescindibilidade da mediação documentária não se ampara na
realidade. A diferença de abordagem entre esses autores acerca da desinter-
mediação contribui para a compreensão do problema, ao mesmo tempo em
que nos alerta para a especificidade da mediação documentária.
Organizar para socializar:
a função social da mediação documentária
29
Nos serviços de referência, exposições e atividades consideradas
como ações culturais em bibliotecas e instituições congêneres, o termo
mediação é usado como denominação que reúne as atividades em que o
profissional se relaciona presencialmente com o público. No entanto, o
termo é adotado nessas situações, mais que conceituado. Ou seja, o termo
mediação é usado antes como uma etiqueta para reunir certas atividades,
que como modo de significá-las. A ausência de efetiva significação do ter-
mo contribuiu para relegá-lo à ideia de ponte para acesso aos documentos
por usuários ou de mera ação facilitadora desse acesso. O termo mediação
foi proposto como modo de fornecer maior relevância às práticas profis-
sionais bibliotecárias. No caso da literatura e da prática museológicas, por
exemplo, muitas vezes privilegia-se a exposição como ação de mediação,
em detrimento das demais ações que a antecedem e dela dependem, assim
como das possibilidades de mediação que prescindem da experiência de
uma exposição, caso do estudo da coleção por especialistas ou da visita à
reserva técnica por públicos diversos.
Atrelar a mediação unicamente à situação em que o profissional e
usuário dialogam (mesmo que por conexão remota) implica a negação da
intencionalidade das atividades que precedem este diálogo e que o qua-
lificam. Os problemas identificados referem-se a uma visão desarticula-
da das ações de mediação, pois são consideradas como tal apenas aquelas
ações em que se dá a relação direta com o público, enquanto as demais
ações são entendidas como operações mecânicas, realizadas por meio de
orientações normativas predeterminadas e universalmente adotadas. O que
constatamos é que a mediação, nestes casos, é considerada pela metade, do
que decorre que não é considerada de fato.
Voltando a Kobashi e Tálamo (2003, p. 20), as autoras afirmam que
as práticas de mediação no campo são entendidas muitas vezes de modo
genérico, substituindo os problemas específicos de produção de informa-
ção que nele se realiza. Elas entendem que a informação, como bem sim-
bólico, contempla seu valor social desde que seja elaborada para tanto.
Caso essa atividade não seja realizada, “dissemina-se a idéia de que a pre-
Cristina Dotta Ortega
30
sença do mediador neutralizará imperfeições do sistema de informação e
de que este exerce apenas uma função patrimonialista” (Kobashi; Tálamo,
2003, p. 20).
Na ausência da produção de mensagens baseadas na identificação da
linguagem do público-alvo e da linguagem dos documentos, a mediação
fica dependente do conhecimento do sujeito mediador (sobre os docu-
mentos e o mundo que o cerca) que dialoga diretamente com o público. A
questão é que a mediação documentária é realizada por meio de procedi-
mentos especializados, sem os quais as possibilidades de comunicação são
restritas ou dependentes de fatores arbitrários a essas ações. Essa situação
não se caracteriza como mediação documentária – mediação entre a pro-
dução material trabalhada quanto a seus possíveis significados para um pú-
blico –, pois as diversas ações de produção de significados que a constituem
não são realizadas ou não são levadas em conta.
Não sem razão, Smit questiona o uso do termo mediação, associan-
do-o a um dos mitos do campo, no sentido de relatos simbólicos, passados
de geração a geração dentro de um grupo (Smit, 2009, p. 59). Segundo
ela, a função do bibliotecário é frequentemente apresentada como sendo a
do mediador entre o cidadão e a informação, que facilita o acesso desta a
favor do progresso e do bem-estar da humanidade, visão que fornece aura
romântica e salvacionista ao campo.
Outro ponto é o das diversas mediações em jogo. A mediação docu-
mentária tem relação, mas não se confunde, com a mediação tecnológica,
a mediação cultural e a mediação da leitura. Não se trata de mediação
cultural, embora os documentos e as informações a eles atribuídas, tendo
um público em vista, sejam elementos da cultura. A mediação da leitura
também não contempla as especificidades aqui tratadas, mas ela deve ser
levada em conta para os fins de apropriação da informação. Também não
se trata de mediação tecnológica, ainda que o registro e o processamento
por meio de recursos tecnológicos (digitais ou não) sejam necessários para
a busca por documentos e o modo como eles são realizados influenciam
Organizar para socializar:
a função social da mediação documentária
31
a apropriação possível. Há, ainda, o termo mediação da informação que
pode ser adotado quanto ao contexto informacional a partir do qual a
mediação documentária é realizada, mas o contexto do campo não é o
campo; outras vezes, o termo mediação da informação é usado no sentido
de mediação documentária, ou incluindo esse sentido.
Explorar os modos de circulação e uso de informação entre certos
grupos ou certas pessoas quanto a questões mediadoras sob vieses socioló-
gicos, cognitivos, políticos, culturais, tecnológicos e outros, inclui a media-
ção documentária, mas não considera suas particularidades, o que impede
qualquer tipo de aprofundamento. Na mediação documentária, medeia-se
informação de documentos frente a públicos via sistemas, produtos e ser-
viços, além de outras atividades de sensibilização, fomentando o uso qua-
lificado das informações.
Frente à necessária identificação das mediações variadas que com-
põem a mediação documentária, falta reconhecer que elas não podem ser
tratadas de modo produtivo à falta das referências do campo que está sendo
estudado. O reconhecimento de que vários modos de mediação estrutu-
ram o campo da mediação documentária exige que o lugar e o peso de cada
modo mediador sejam considerados em relação à mediação documentária,
sob pena de se obscurecer a singularidade do campo e seu caráter intelec-
tual e social. Apenas o uso discriminado de termos e conceitos contribui
para a consolidação do campo ao estabelecer as características que lhe são
próprias, permitindo evidenciá-lo. Fora dessas condições, não se pode falar
propriamente em ações de mediação documentária.
No Brasil, os estudos de Almeida Junior sobre mediação são de
interesse ao enfoque que damos ao tema. O autor faz referência a uma
mediação implícita e a uma mediação explícita, no sentido do que tra-
tamos aqui, em conjunto, como mediação documentária. A despeito de
também considerar a mediação como objeto do campo, Almeida Junior
usa o termo mediação da informação, como é mais usual na literatura
brasileira. Ao tratar da mediação implícita, Almeida Junior (2009, p.
Cristina Dotta Ortega
32
92-93) menciona a política de seleção, o processamento das informações
e o armazenamento e afirma que elas são atividades realizadas tendo o
usuário final como base de sustentação. A mediação explícita seria aquela
em que as atividades supõem uma relação com o usuário, seja presen-
cialmente ou virtualmente. Podemos dizer que a mediação implícita e a
mediação explícita são dois aspectos da mediação que se manifestam na
forma de etapas ou estágios, a implícita sempre anterior à explícita. No
entanto, é recorrente que os estudos sobre uma e outra etapa de media-
ção sejam realizados por grupos diferentes, cujo diálogo não está posto.
Esses estudos apresentam distinções bastante significativas, de interlocu-
ção difícil, o que indica necessidade de problematização.
De fato, é comum estudos de organização da informação e estudos
de usuários não contemplarem as perspectivas um do outro.
Dada a fragilidade dessa compartimentação, vários problemas têm
surgido. Esse é o caso da fala que atribui à organização da informação algo
qualificado como específico do campo. Decorre dessa fala a alocação de
conteúdos considerados como sendo do campo (caso daqueles de organiza-
ção da informação) e conteúdos entendidos como sendo de fora do campo
(como os de gestão e de tecnologia, por exemplo, assim como os estudos
de usuários, e outros derivados como competência e comportamento in-
formacional). No entanto, se estamos falando de um campo de conheci-
mento, todo ele é específico, no sentido de que ele apresenta problemas
e abordagens específicas, que se distinguem claramente de problemas e
abordagens de outros campos.
Talvez fortalecidos por esse raciocínio, muitos estudos sobre usuários
são desenvolvidos independentemente do caráter mediador dos processos
de organização da informação, portanto, sem considerar que estes proces-
sos são realizados em prol do vínculo com um público. É preciso reconhe-
cer que, nestes casos, o objetivo é outro que não o das ações de mediação
documentária que tratamos aqui. Frente à prevalência de estudos sobre
usos e usuários de informação voltados para outros interesses que não o
Organizar para socializar:
a função social da mediação documentária
33
das ações que buscam estabelecer relações mediadoras entre pessoas e mas-
sa documental, quais podem ser as decorrências científicas e sociais para
nosso campo? A pergunta se refere à necessidade de estudos pertinentes
sobre usos e usuários, sem os quais o campo não produzirá condições para
seu desenvolvimento.
O conceito de usuário, ou de público, é imprescindível a uma epis-
temologia do campo das ações de mediação. Esse conceito se constitui
em relação ao de organização da informação. Por sua vez, a organização
da informação como subcampo não se constitui se estiver desprovida dos
parâmetros pragmáticos segundo os quais seus processos são constituídos.
O que estamos observando é uma compreensão sobre aspectos in-
dissociáveis da mediação como se fossem elementos distintos e apartados
um do outro. Trata-se de discurso grandemente disseminado, cristalizado
pela afirmação sobre a relação de oposição entre aspectos técnicos e tec-
nológicos, por um lado, e aspectos humanistas e sociais, por outro. Esse
discurso pode ser explicado na forma de duas correntes: a corrente empíri-
co-normativa da organização da informação e a corrente social adotada em
estudos de usuários, de fluxos de informação e de temas correlatos. A pri-
meira corrente, temporalmente mais antiga, desenvolveu-se pautada pelo
entendimento de que os processos seriam neutros e objetivos; depois, pas-
sou-se a valorizar a subjetividade inerente à realização dos processos pelos
profissionais. De um modo ou de outro, essa primeira corrente é marcada
por abordagem mecanicista dos processos de organização da informação. A
segunda corrente, por sua vez, tende a contrapor aspectos técnicos e aspec-
tos sociais, fornecendo pouca ou nenhuma ênfase ao caráter mediador da
organização da informação, portanto, abordando usuários em perspectiva
alheia aos processos que a constituem. Essa segunda corrente tende a natu-
ralizar a organização da informação como atividade tecnicista, na forma de
ideias preconcebidas que obstacularizam a consideração de qualquer outra
abordagem sobre seus processos e finalidades. Os estudos sobre aspectos
sociais e culturais realizados nesta corrente de maneira descontextualizada,
no que tange ao campo que nos ocupa, são parte do problema.
Cristina Dotta Ortega
34
Anteriormente, mencionamos artigo de Davallon (2007) em que ele
apresenta duas definições usuais de comunicação: de um lado, comuni-
cação como transmissão da informação e, de outro, comunicação como
interação social. Ele questiona essas definições afirmando que elas apartam
a comunicação em sentido técnico e em sentido social, na medida em que
a comunicação realiza o acionamento de um terceiro elemento que tor-
na possível a troca social. Davallon não ressalta a dimensão técnica ou a
social, mas a dimensão simbólica da mediação. Trata-se de transformação
que ocorre pela passagem de um lugar para outro. O processo mediador
exige, ao mesmo tempo, a presença de duas coisas e a relação entre estas
duas coisas. De fato, os elementos com que joga a mediação não podem ser
colocados lado a lado nem vistos isoladamente.
O processo de mediação é dependente do objetivo que se persegue.
Sendo assim, perguntamos como procedimentos supostamente não
interpretativos – os chamados técnicos – possibilitariam alcançar algum tipo
de troca social. A impossibilidade de uma resposta fornece caminhos para a
compreensão do cenário atual. Podemos dizer que esse cenário é decorrente
da reiteração – por décadas – do discurso opositivo entre a corrente empírico-
normativa e a corrente social. As duas correntes contestam uma à outra,
alimentando esse discurso que é dependente dessas duas posições. Dada essa
característica discursiva, é impossível reverter o quadro. Por esse motivo, o
discurso opositivo tem reforçado a corrente empírico-normativa, não só com
a manutenção da abordagem mecanicista que lhe é atribuída, mas com seu
acirramento, além de conduzir ao esvaziamento de ambas as correntes.
A manutenção desse discurso opositivo conduziu com o tempo a ou-
tro discurso, no qual se afirma a necessidade de diálogo, aproximação ou
equilíbrio entre ideias diferentes desenvolvidas no campo na forma de duas
correntes. No entanto, como a base desse discurso é a ideia de uma oposi-
ção, ela foi sendo cristalizada e ampliada na forma de fragmentos diversos.
Os fragmentos produzidos operam como desvios que, a despeito de serem
comuns no percurso de desenvolvimento de um campo, não servem a ele a
não ser como aprendizado. O verbo fragmentar remete a eliminar a unidade
Organizar para socializar:
a função social da mediação documentária
35
e fragmentos são definidos como partes de algo que se quebrou ou se perdeu
(Aulete, [2014]). No entanto, um campo de conhecimento não se consti-
tui por partes isoladas. Dessa maneira, esse novo discurso com intenção de
equalizar as diferenças também não se mostra consistente, haja vista que
não é possível juntar o que foi concebido em separado, ou seja, não se pode
articular o que é distinto. O problema está na concepção do discurso. Os
fragmentos a que nos referimos podem ser qualificados como construções
artificiais, cujo respaldo teórico e empírico é insuficiente. Deve-se levar em
conta o que o campo construiu, e não onde ele se perdeu, tentando juntar
os cacos. Ao invés de buscar ajustar o discurso em voga, como vem sendo
proposto, faz-se necessário questioná-lo em suas incoerências, investindo na
busca por explicações palatáveis, em especial aquelas já realizadas no âmbito
do campo.
O discurso pautado pela ideia fragmentada posta entre aspectos cul-
turais, sociais e políticos, de um lado, e processos e instrumentos normati-
vos e tecnológicos, de outro, reinaugura – de tempos em tempos – a falsa
oposição entre abordagem humanista/social e abordagem técnica/tecnoló-
gica que marca o campo.
É a isso que estamos chamando de pensamento fragmentado e
opositivo.
Como o pensamento fragmentado e opositivo é bastante dissemina-
do, ele tem marcado o campo, manifestando-se em sua constituição disci-
plinar. A questão remete à concepção do modelo anglo-americano de que
tratamos, mais especificamente o modelo estadunidense desenvolvido em
torno do termo Information Science. A pesquisa comentada a seguir nos
permite refletir a respeito desta vertente de estudos.
Burgess (2013) trata da Biblioteconomia (ou Librarianship, como
intitula seu trabalho), nos Estados Unidos. O autor discorre sobre o que
entende ser uma crise de autonomia profissional, a qual seria decorrente
de a profissão possuir duas identidades que operam concomitantemente
dentro da mesma disciplina. Afirma que uma identidade está associada
Cristina Dotta Ortega
36
à Biblioteconomia e outra à Ciência da Informação, e essas duas identi-
dades formam a disciplina acadêmica conhecida como Biblioteconomia
e Ciência da Informação (Library and Information Science, no original,
como já dissemos). A identidade da Biblioteconomia seria fundamentada
por sua associação com a biblioteca, em especial voltada à administração
do conhecimento como um bem público, e a identidade da Ciência da
Informação seria pautada pela pesquisa sobre aspectos teóricos e aplica-
dos da informação. Ressalta que o problema se refere a uma divisão de
identidade, não de abordagem.
Burgess discorre sobre a questão, afirmando que a Biblioteconomia
não pode ter duas identidades divergentes sem que isso afete sua coerên-
cia. No âmbito dos cursos de formação, comenta a ênfase sobre a palavra
informação e sobre as tecnologias, em detrimento da função profissional
voltada à prestação de serviços. Fala que as mudanças nos currículos per-
mitiram fornecer apenas uma aparente relevância profissional e discipli-
nar. Por esse motivo, o autor entende que essas identidades concorrentes
influem sobre os valores que devem definir a profissão, tornando difícil os
caminhos dos candidatos a ela. Lembra que a disseminação da ideia de que
a Biblioteconomia seria uma profissão em extinção contribuiu para relevar
a proposta da Ciência da Informação. Reconhece que as chamadas novas
tecnologias de informação e comunicação não podem ser tomadas como
responsáveis pela crise profissional; ao contrário, elas são sinais de uma
profissão bibliotecária saudável. Burgess (2013) apresenta uma instigante
fala de Blaise Cronin, de 1995: para ele, existem dois campos, os quais são
seguidores da palavra I ou da palavra L, por sua ênfase sobre informação
ou sobre bibliotecas (libraries, no original em inglês), especulando que um
divórcio entre eles seria proveitoso para ambos.
Com base nas ideias de outros autores, Burgess infere, de modo
lúcido segundo nosso entendimento, que essa situação tende a levar à
incorporação de uma parte pela outra ou à divisão em duas disciplinas.
Interessante também o reconhecimento do autor sobre o sistema ético que
compõe o conhecimento relativo à função social da profissão como po-
Organizar para socializar:
a função social da mediação documentária
37
tencialmente norteador da busca por caminhos para lidar com a situação
posta. O autor afirma ainda que a vitalidade da sociedade depende deste
tipo de investimento.
A relevância da percepção de Burgess está na análise crítica que rea-
liza sobre sua própria realidade, reconhecendo a dicotomia em que a pro-
fissão bibliotecária está colocada e o fato de que ela ocorre também em
outros países.
Considerando o que tratamos até aqui, podemos afirmar que a epis-
temologia do campo é fortemente calcada por dicotomias, no entanto, elas
existem na ausência de um movimento dialético que permita fomentar al-
gum tipo de avanço. É nessa direção que Burgess reitera o discurso relativo à
necessidade de ajuste de aspectos diferentes desenvolvidos campo. Esse dis-
curso pode ser identificado no enunciado do objetivo de seu trabalho aca-
dêmico, o qual se refere à busca pela conciliação das ideias concorrentes da
identidade da Biblioteconomia e da identidade da Ciência da Informação,
pois isso possibilitaria fortalecer a autonomia profissional. Afinal, para ele,
se a Biblioteconomia evidencia a função social da profissão, a Ciência da
Informação seria responsável pelas teorias da Biblioteconomia, não sendo
desejável descartar nenhumas dessas supostas contribuições.
Assim, se Burgess reconhece a divisão de identidades da profissão,
ele o faz tendo por base o pensamento fragmentado e opositivo de que
tratamos. Parte disso pode ser explicado pelo fato de o autor atribuir a
divisão como sendo da ordem apenas das identidades, sem levar em con-
ta o conhecimento (ou o não-conhecimento) em que elas se sustentam.
Por sua vez, o autor reconhece a historicidade dessa divisão, afirmando
que suas raízes remontam ao final da década de 1930 com o movimento
da Documentação, as quais foram continuadas na década de 1960 com a
proposição da Ciência da Informação. Essa indicação nos permite trilhar
o caminho da construção histórica dos conceitos que sustentam o cam-
po. Nesse caminho, torna-se necessário identificar a relação – fundante do
campo – entre Biblioteconomia e Bibliografia, partir da qual é proposta
Cristina Dotta Ortega
38
a Documentação. A concepção historicizada do campo caracteriza-se por
coerência que somente aproximações conceituais contínuas permitem al-
cançar. Considerando essa base conceitual, fica evidente o anacronismo da
concepção do campo tomado unicamente pela relação estadunidense entre
Biblioteconomia e Ciência da Informação. Segundo essa concepção (bi)
disciplinar, a Biblioteconomia é desprovida do conhecimento que permite
ultrapassar sua faceta profissional mais visível, muitas vezes reduzida à atu-
ação em alguns tipos de bibliotecas, como apresentado por Burgess.
Essas lacunas histórico-conceituais também são presentes no Brasil,
onde pensamento fragmentado e opositivo constituiu-se à sua maneira.
Por esse motivo, os leitores brasileiros desse livro devem ter identificado
similaridades entre as ideias de Burgess que apresentamos e o ensino e a
pesquisa no Brasil, também muitas vezes chamado de Biblioteconomia e
Ciência da Informação. A herança ideológica é tão evidente quanto a ur-
gência por seu questionamento sistemático.
Uma diferença parece ser a de que a distinção de identidades não é
tão clara no Brasil como colocado por Burgess sobre os Estados Unidos.
Uma possível explicação para essa diferença é a de que o ensino e a pes-
quisa no Brasil se mostram imiscuídos de uma diversidade de conteúdos e
de falas que oscilam entre reforçar e desconsiderar essa distinção de iden-
tidades, sem refletir sobre os possíveis significados dessa miríade de posi-
ções. Uma característica da pesquisa no Brasil que contribui para entender
essa diferença com a realidade dos Estados Unidos é o maior número de
pesquisas que se propõem a tratar de informação, fazendo uso de refe-
renciais de diversos campos de conhecimento, como Filosofia, Sociologia,
Psicologia, História, Educação, Comunicação, Administração, Ciência da
Computação. Muitas dessas pesquisas não desenvolvem conhecimento es-
pecífico, pois se pautam pelas teorias e questões dos campos sobre os quais
se debruçam, eventualmente, buscando estabelecer algum paralelo com o
que usualmente se chama de Biblioteconomia. Como decorrência desse
pensamento, cada subcampo foi sendo trabalhado de forma autônoma,
levando a que cada vez mais seus objetos se distanciassem entre si. Alguns
Organizar para socializar:
a função social da mediação documentária
39
desses subcampos ou, talvez, ‘novos campos’, podem ser assim nomeados:
Organização do Conhecimento, Gestão do Conhecimento, Tecnologias
da Informação e da Comunicação, Comunicação Científica, Informação
e Sociedade.
Autoras brasileiras do Grupo Temma
1
problematizaram esse cenário
epistemológico do campo. Além dos estudos sobre organização da infor-
mação que foram centrais nas atividades do Grupo, alguns de seus mem-
bros pesquisaram e publicaram sobre epistemologia e história do campo. A
análise presente nesses estudos destaca-se frente aos anacronismos e incon-
sistências conceituais hoje recorrentes na literatura. As publicações foram
realizadas desde meados da década de 1990, como as que seguem: Cintra
(1996), Kobashi, Smit e Tálamo (2001), Smit (2002), Kobashi e Tálamo
(2003), Smit, Tálamo e Kobashi (2004), Kobashi (2007), Smit e Tálamo
(2007), Tálamo e Smit, (2007a), Tálamo e Smit (2007b), Smit (2009),
Lara (2010), Smit (2012) e Lara (2018).
Dentre essas publicações do Grupo Temma, apresentamos mais uma
vez a fala de Kobashi e Tálamo:
A informação – sua natureza, propriedades, produção, circulação e
consumo, seja ela massiva ou direcionada para grupos específicos –
vem se transformando em objeto de estudo de diversas disciplinas.
As Ciências da Comunicação e a Teoria da Informação, por
exemplo, constituíram-se, em torno delas. É necessário, portanto,
explorar os conceitos antes de discutir o estatuto de uma Ciência,
a da Informação, que reivindica, tal como as duas anteriores, a
informação e o seu fluxo, portanto sua comunicação, como seus
objetos legítimos (Kobashi; Tálamo, 2003).
Podemos afirmar que, no Brasil, os termos mediação da informa-
ção, documento/informação e público/usuário tomados no âmbito da
O Grupo Temma, da Escola de Comunicações e Artes, da Universidade de São Paulo (ECA/USP),
desenvolveu pesquisas sobre organização da informação, explorando aportes teóricos e metodológicos aos
processos e instrumentos documentários. A denominação Análise Documentária caracterizou a linha de
pesquisa desenvolvida pelo Grupo por muito tempo. O Grupo foi formado em 1986, segundo o Diretório
dos Grupos de Pesquisa do Brasil, do CNPq, de 2010, e extinto em 2016, segundo fonte adotada por
Mendes (2021, p. 3).
Cristina Dotta Ortega
40
circulação e do uso, são muitas vezes tributários da abordagem que se
desenvolveu em torno da denominação Information Science, proposta nos
Estados Unidos. Os termos documento/informação e público/usuário se
constituem uns em relação aos outros, ou seja, em relação de dependên-
cia e solidariedade, não sendo produtivo abordá-los de maneira isolada.
No entanto, esses termos têm sido abordados sob enfoques diversos, de
modo equivalente ao termo mediação da informação, como menciona-
mos anteriormente.
Cabe perguntar se estamos trabalhando na perspectiva de estudos in-
formacionais em geral – nos quais se inscreveria a mediação da informação
–, ou em uma perspectiva estrita, a dos modos e meios de fomentar e sub-
sidiar públicos para a apropriação da informação, e suas motivações e im-
plicações –, a mediação documentária. A convivência das duas perspectivas
deve ser posta em xeque, ou seja, colocada em dúvida, já que a manutenção
desse modelo demanda muita energia e apresenta resultados acadêmicos e
sociais insuficientes e até perniciosos. Um dos motivos para esse questio-
namento é o das implicações sobre estudos informacionais diversos à falta
de problemas de pesquisa que os congreguem e permitam seus avanços. A
institucionalização desses estudos diversos contou com a fala de que eles
seriam necessários para que se pudesse fornecer cientificidade e relevância
ao que se entendia por Biblioteconomia.
Como se pode observar, estamos reiterando a existência problemática
de visões que se pautam por um grupo de aspectos ou por outro, na forma
de olhares parciais que, a despeito disso, tomam o campo em sua totalidade.
A presença de temas e abordagens variados diminui as possibilidades
de aprofundamento e adensamento de cada um deles, pois relações são di-
ficilmente estabelecidas. Neste cenário, é comum que alguns temas sejam
apagados em prol de outros durante tanto tempo que alguns apagamentos se
tornam praticamente definitivos em certos contextos. Ao mesmo tempo, a
maior parte dos temas se mantém em algum nível de superficialidade, se con-
siderarmos a verticalização que deveria caracterizar a pesquisa. Uma agenda
Organizar para socializar:
a função social da mediação documentária
41
de pesquisa depende de foco e estabelecimento de relações. Ela se constrói a
partir da elaboração de problemas comuns de pesquisa, que se explicitam por
dissensos e consensos continuamente retomados e reformulados.
Esse tipo de situação afeta a compreensão da historicidade das ideias
do campo que permite dizer que ele existe como tal, fornecendo parâ-
metros para seguir por um caminho ou outro. Dito de outra maneira, o
acúmulo de conhecimento produzido pela extensa temporalidade do cam-
po exige ser explorado, para que possa ser contestado ou continuado, ou
ambos. Não podemos seguir adiante sem explorar o que ficou para trás.
Não há futuro sem passado, e ele deve ser construído no presente a partir
de referenciais consistentes em processo que demanda tempo e dedicação
contínua. Se a historicidade do campo de que tratamos não é de interesse,
deve-se assumir explicitamente a intenção de se trabalhar em outro campo
e realizar os investimentos políticos e acadêmicos necessários.
Pelo exposto, podemos afirmar que o campo denominado no Brasil
como Biblioteconomia e Ciência da Informação, ou apenas Ciência da
Informação (principalmente quando se fala em pesquisa), apresenta pro-
blemas de ordem estrutural. Questões de ordem estrutural não se resolvem
com a alteração de um ponto ou outro. Afinal, o que temos são muitos
pontos distorcidos, compondo uma estrutura comprometida.
Essa constatação, se consensuada e enfrentada, poderá conduzir mais
à frente a mudanças significativas no plano intelectual e social. Neste novo
cenário, a atividade profissional, docente e de pesquisa deverá ser mais
frutífera, o que tende a torná-la tanto mais satisfatória quanto reconhecida.
1.2 cAtegoriAs fundAmentAis do cAmpo dAs Ações de mediAção
documentáriA: entre púbLicos e documentos
A mediação significa algo construído entre uma coisa e outra coisa
– neste caso, pessoas e objetos – não podendo faltar um dos dois para que
o conceito se realize.
Cristina Dotta Ortega
42
Embora várias abordagens sejam pertinentes ao conceito de media-
ção, trata-se aqui de considerar os procedimentos adotados sobre objetos
materiais como orientadores do acesso à informação e seu uso qualificado
por públicos determinados.
Os termos documento/informação e público/usuário remetem a ob-
jetos empíricos a partir dos quais são realizadas as ações de mediação docu-
mentária. Como objeto teórico do campo, a mediação documentária deve
viabilizar o seu objetivo. Esse objetivo configura-se como função social,
haja vista as características teleológicas do campo que levaram a que ele
fosse identificado como uma ciência social aplicada.
O campo das ações de mediação documentária é constituído por um
conjunto de elementos e suas relações, por este motivo qualificados como
categorias fundamentais deste campo. A concepção mediadora do campo
explica-se pela articulação desses elementos, decorrendo na construção de
algo novo, distinto dos elementos iniciais que foram postos em relação. As
ações de mediação documentária têm como resultado o documento e os
serviços que o potencializam como mensagem, fomentando a apropriação
da informação pelas pessoas destinatárias dessas mensagens.
Para a operacionalização conceitual das ações de mediação docu-
mentária, deve-se especificar os elementos que as constituem e evidenciar
as articulações a partir das quais esses elementos se estabelecem. Dito de
outra maneira, é preciso que os elementos constituintes e as relações que os
definem sejam reconhecidos, explicitados e aprofundados.
Inicialmente, consideramos as necessidades de informação como
fenômeno propulsor do campo das ações de mediação documentária. Mas,
não estamos tratando de desejos ou demandas de informação quando fala-
mos em necessidade de informação, a qual é prévia àqueles. Tratamos aqui
de necessidades de informação como uma característica intrínseca do ser
humano, que surge em torno de toda e qualquer atividade que ele desen-
volva ou venha a desenvolver.
Organizar para socializar:
a função social da mediação documentária
43
Rendón Rojas (2005, p. 107, 110-111) trata da definição de neces-
sidade apresentada por Aristóteles, a qual estaria na base de outras defi-
nições propostas para o termo. Segundo Aristóteles, ‘necessário’ é aquilo
sem o qual não podemos viver, ou, o que não pode ser de outra maneira.
Rendón Rojas observa que esta definição é construída por meio da negação
e da possibilidade. Buscando especificar a definição de necessidade, o autor
discorre sobre o conceito de essência como a propriedade ou conjunto de
propriedades de um objeto. Essas propriedades só podem ser identificadas
considerando o objeto como elemento de uma classe, pois todos os objetos
de uma mesma classe possuem propriedades comuns. Assim, a existência
da essência do objeto é a própria existência do objeto. O autor continua o
raciocínio, afirmando que uma das características essenciais do homem é a
de que, como ser vivo, ele realiza intercâmbio ativo com seu meio ambien-
te, de onde surgem necessidades, como as fisiológicas. Do mesmo modo, as
necessidades de informação são estados que surgem determinados por uma
ou várias propriedades essenciais do ser que as possui. Segundo Rendón
Rojas (2005, p. 60), o ser humano, por sua estrutura ontológica, exige ou
pode exigir satisfazer certas necessidades que emanam de seu ser. Assim,
para ele, as necessidades informacionais humanas não são inventadas ou
criadas artificialmente. O autor (2005, p. 112-114) entende que o ho-
mem, como espécie e como indivíduo, busca orientar-se no mundo que
o rodeia, não buscando adaptar-se, mas agindo para transformar e mani-
pular o meio, o que o leva a vivenciar necessidades de informação. Como
transformador da natureza e como ser racional, o homem satisfaz suas ne-
cessidades de informação para cumprir determinados objetivos, os quais
são alcançados de maneira consciente e planejada. Desse modo, o homem
busca informação para poder realizar a investigação científica, a atividade
estética ou recreativa, ou tomar uma decisão da esfera política, administra-
tiva ou da vida cotidiana.
Considerando que o campo tem nas necessidades de informação dos
sujeitos seu fenômeno propulsor, está em questão abordagem específica
sobre os sujeitos, os quais são identificados em função de certas atividades
Cristina Dotta Ortega
44
que desenvolvem. Por sua vez, há objetos diversos no mundo, funcionando
como documentos (ou seja, informacionalmente) ou não. Podemos dizer
que o campo passa a manifestar-se apenas quando sujeitos, observados em
suas necessidades de informação, são abordados como públicos, os quais
são postos em relação com objetos presentes no mundo, que passam –
por esse motivo – a ser considerados documentos. O campo se desenvolve
como tal a partir das necessidades de informação de sujeitos, quando pro-
fissionais buscam sensibilizá-los como possíveis públicos usuários de certos
documentos. Trata-se de aguçar ou potencializar nas pessoas percepções
sobre os objetos do mundo.
Desse modo, partimos do reconhecimento das necessidades de in-
formação dos sujeitos, as quais são identificadas em contextos específicos, e
são ativadas ou não por massa documental posta em evidência. Dito de ou-
tro modo, o campo parte do reconhecimento das necessidades por infor-
mação do sujeito, construindo coleções a seu favor. Outras vezes, coleções
de documentos estão constituídas, mas suas possibilidades de uso não estão
suficientemente estabelecidas, ou essas possibilidades deixaram de existir
com o tempo, dependendo, portanto, que sejam ativadas para um público.
A ideia apresentada aqui relaciona-se, de certo modo, com duas das cinco
leis de Biblioteconomia de Ranganathan: todo leitor tem seu livro e todo
livro tem seu leitor.
Isto posto, discorremos nos parágrafos a seguir sobre os elementos
constituintes do campo das ações de mediação documentária – e suas rela-
ções –, os quais consideramos como suas categorias fundamentais. As cate-
gorias fundamentais da mediação documentária que exploramos a seguir,
em referência àquelas propostas por Rendón Rojas (2005), são: públicos/
usuários, documentos/informações, atividades documentárias, sistemas de
informação e profissionais.
A massa documental é trabalhada na perspectiva de um público,
constituindo coleções e suas referências, por meio de procedimentos es-
pecíficos chamados atividades documentárias. Essas atividades têm como
Organizar para socializar:
a função social da mediação documentária
45
produto sistemas de informação e serviços diversos que potencializam seu
uso. As atividades documentárias são desenvolvidas por profissionais espe-
cialmente formados para isso, entre outros que atuam subsidiariamente.
Assim, o termo público ou público-alvo é primordial à compreen-
são do campo.
Uma pessoa, ou um grupo de pessoas (na forma de uma instituição
jurídica ou não), é identificada como público por estar envolvida em algu-
ma atividade, dentre todas aquelas que os seres humanos realizam, como as
de cunho profissional, educacional, estético, político, religioso, de entrete-
nimento, entre outras. O conceito de público é construído no sentido de
grupo social identificado frente a uma atividade comum, para a qual o uso
de informações permite ou qualifica sua realização. Essa atividade comum
permite caracterizar público como comunidade discursiva, haja vista que
há significações compartilhadas, portanto, linguagem compartilhada. No
âmbito dos estudos sobre audiência televisiva, Orozco Gómez (2001, p.
91) fala em comunidade interpretativa, referindo-se ao grupo de sujeitos
sociais unidos por um conjunto particular de práticas sociais e por um
âmbito de significação, do qual emerge uma significação especial para sua
atuação social.
Dicionários de língua corroboram o significado de público como
conjunto dos destinatários de uma produção artística, mensagem publici-
tária etc. (Aulete, [2014]). No campo que nos ocupa, público é termo ado-
tado no sentido de pessoa ou grupo de pessoas que é destinatário das ações
de mediação documentária. O termo remete ao destino das atividades do-
cumentárias, por funcionar como parâmetro que direciona a concepção e
elaboração destas atividades.
Usuário compõe terminologia mais amplamente adotada no cam-
po, em função das vertentes predominantes, como é o caso da anglo-ame-
ricana de que tratamos. Usuário remete à ideia de pessoa que usa os servi-
ços de informação. A despeito deste uso mais restrito do termo, o usuário
de informação assim se constitui quando sujeitos são abordados em um
Cristina Dotta Ortega
46
certo contexto institucional de uso de informação (ou de uso potencial da
informação), a partir de ações profissionais (ou da intenção de realizá-las),
portanto, ações sistemáticas e objetivas.
O termo instituição apresenta pontos de aproximação com usuário/
público. A instituição, no sentido de instituição social, não necessariamen-
te no sentido jurídico, refere-se ao contexto social em que ocorre a ativida-
de realizada pelo grupo de pessoas (ou pessoa), a partir da qual se constrói a
ideia de usuário/público. Não parece possível definir instituição e usuário/
público à falta um do outro. Podemos falar, de outro modo, em espaços
(simbólicos) circunscritos institucionalmente.
Como podemos ver, os termos usuário e público enfatizam aspectos
diferentes, respectivamente, uso e destino. Como unidades da terminolo-
gia especializada do campo, seus usos ainda são muito variados e a discus-
são conceitual é pequena. É necessário, no entanto, realizar continuamente
as aproximações conceituais que possibilitem a consolidação do campo,
por meio da comunicação mais precisa possível sobre seus objetos.
A depender dos aspectos enfatizados em cada tempo e lugar, vários
termos foram propostos e adotados para o conceito em questão, muitos ain-
da atuais, embora apresentando variações de uso, como dissemos. Dentre
estes termos, temos: consulente, leitor, cliente, consumidor, comunidade,
visitante, sujeito informacional, além de público e usuário. Comentamos
brevemente cada um deles, a seguir.
Consulente é termo que caiu em desuso por entender-se que o su-
jeito não pode ser considerado como alguém que apenas consulta docu-
mentos. Leitor é termo também antigo, muitas vezes adotado no sentido
da relação entre sujeito e livro ou outros documentos, sendo hoje bastante
considerado para tratar do papel de certas bibliotecas, como a biblioteca
escolar e a biblioteca pública, na formação do leitor e no fomento à leitura.
Cliente é termo adotado para contemplar o sujeito que é foco dos serviços
de informação quando está em contexto o mundo corporativo, enfatizan-
do-se seu caráter capitalista; muitas vezes, a ideia é a de considerar o sujeito
Organizar para socializar:
a função social da mediação documentária
47
pagante dos serviços, devendo ser valorizado por esse motivo. Por sua vez,
Otlet usou o termo cliente no Tratado de Documentação, publicado em
1934. Talvez de modo próximo a Otlet, Cohen (1995), em sua disserta-
ção, escolheu o termo consumidor para designar o sujeito que faz uso de
certos produtos e serviços, para o que se desenvolve o caráter linguísti-
co-comunicacional dos processos documentários e o conceito de serviço.
Comunidade foi termo recorrente nos anos 1980, em especial, para indi-
car os sujeitos localizados geograficamente no entorno de uma biblioteca
pública; o termo vem sendo retomado, ressaltando-se a proatividade tanto
dos profissionais bibliotecários como dos sujeitos que compõem as comu-
nidades, as quais são definidas como grupos de pessoas reunidas a partir
de uma variável comum, como o local onde moram, a escola em que estu-
dam, a organização em que trabalham (Lankes, 2016, p. 115). Visitante,
em geral, remete aos sujeitos que frequentam exposições de museus ou
arquivos, podendo também incluir os visitantes de exposições realizadas
em bibliotecas; o termo é menos usado neste último caso. A menção ao
sujeito informacional indica que todo e qualquer sujeito é informacional,
tanto quanto é histórico, social etc., ou seja, ser informacional é uma ca-
racterística humana, como dissemos anteriormente, mas essa característica
estaria em destaque quanto se usa o termo. Sob nosso ponto de vista, a
característica humana informacional é ponto de partida para a concepção
do campo das ações de mediação documentária, quer dizer, não se refere a
um conceito central. No âmbito do campo propriamente dito, remetem à
sua especificidade termos como público, comunidade e usuário.
Paul Otlet, no Tratado de Documentação, ao tratar das instituições
que trabalham com os documentos, como os serviços de bibliografia e
documentação, as bibliotecas, os arquivos e os museus, já falava da diver-
sidade terminológica como dependente, em grande medida, das especifici-
dades institucionais. É nesse sentido que o autor menciona: les utilisateurs,
le public lecteur, visiteur, client (Otlet, 1934 – 26 Organismes de la docu-
mentation. Ensembles constitués. Collections et travaux, 3º). No nosso caso,
Cristina Dotta Ortega
48
tratamos da diversidade terminológica, mas apenas dos termos relativos
aos sistemas e serviços produzidos em abordagem bibliográfica.
Vale ressaltar que, em todo o Tratado, Otlet refere-se repetidamen-
te à destinação das atividades documentárias e usa o termo público nes-
se contexto. Após a publicação do Tratado, o termo público continuou
a ser usado na literatura do campo no sentido de destino das atividades
documentárias.
Os documentos e as informações neles identificadas, por sua cen-
tralidade, serão tratados no subcapítulo seguinte.
As atividades documentárias ocorrem em espaços institucionaliza-
dos e dependem da concepção de projetos, ou seja, projetos de informação
circunscritos institucionalmente, os quais variam em termos do nível de
formalização considerado necessário. Para Smit (2000, p. 34), a institucio-
nalização da informação é o fruto dos processos de estocagem e registro de
informações, uma vez que estes decorrem de decisões institucionais (ou,
por extensão, sociais). Para ela, a informação é organizada em nome de uma
utilidade que lhe foi atribuída no contexto dos objetivos institucionais.
Sendo o documento um objeto material abordado informacional-
mente, as atividades documentárias exigem a gestão dos documentos em
dois níveis: material (aquisição, empréstimo e conservação para acesso) e
do conteúdo (seleção e representação para navegação e busca).
As atividades documentárias, considerando sua ordem lógica e o fato
de que uma se faz em relação à outra, podem ser elencadas como segue:
caracterização do público, seleção de documentos, produção de bases de
dados, produção de arranjos, conservação, serviços de difusão, atividades
de formação de usuários, entre outras. A produção de mensagens sobre ob-
jetos orientada a certos públicos tem como prioridade o caráter cognitivo,
mas há mensagens de caráter sensorial, como aquelas propostas em uma
exposição, que mobilizam também aspectos como os de ordem estética e
emocional.
Organizar para socializar:
a função social da mediação documentária
49
Fundamentalmente, atividades documentárias são operações infor-
macionais de seleção e de representação de objetos, realizadas a partir das
características destes objetos e de seus usos previstos. Para que sejam fun-
cionais, estas atividades são realizadas sistemicamente.
A atividade de seleção tem como produto um conjunto de docu-
mentos que se relacionam entre si, configurando-se como algo coerente
e com personalidade própria que, por isso, pode vir a fazer sentido para
determinados segmentos de usuários. Esse produto é a coleção. Para po-
tencializar, ou mesmo possibilitar, o uso qualificado dos documentos das
coleções, são produzidas mensagens sobre eles, na forma de referências so-
bre os documentos.
Coleção e referências constituem sistemas de informação e per-
mitem observar e distinguir as diversas manifestações destes sistemas.
Podemos falar mais especificamente em sistemas de informação documen-
tária, ou sistemas documentários, já que se referem a ações sobre documen-
tos, no sentido de objetos a partir dos quais são produzidas informações.
Como tratamos anteriormente em Ortega (2011b), os sistemas de
informação são compostos por unidades potencialmente informativas que
são selecionadas e organizadas, de tal modo que a seleção realizada e a rela-
ção estabelecida entre estas unidades deflagram a hipótese de organização
adotada para o sistema. Um sistema de informação depende de um projeto
de trabalho segundo um objetivo delineado. Ele tem um propósito, con-
cretizado por atividades voltadas à construção e gestão, cujo produto pode
ser percebido e compreendido por seus usuários. A abordagem institucio-
nal de que tratamos pauta a constituição de sistemas de informação.
O sistema de informação tem, fundamentalmente, caráter indicial
ou referencial, a exemplo das primeiras bibliografias e catálogos de biblio-
tecas e dos arranjos de documentos em seus espaços. O aspecto indicial
ou referencial dos sistemas de informação propicia e orienta o processo de
busca e navegação, para o que a representação dos documentos deve ser su-
ficiente e devidamente elaborada. As referências operam como um discurso
Cristina Dotta Ortega
50
sobre os objetos. Há sistemas para navegar (os arranjos de documentos,
eletrônicos ou não) e para buscar (as bases de dados, que também possuem
arranjos), sempre visando a recuperação (no sentido de comunicação).
O termo sistema de informação reflete uma abstração importante
no campo. Ele pode indicar uma unidade de informação, como uma bi-
blioteca ou outra instituição congênere. Pode também indicar bases de
dados, ou ainda, bases de dados e arranjos de documentos, ou apenas os
arranjos dos documentos. Desse modo, unidades de informação (como
bibliotecas), bases de dados (como catálogos de bibliotecas) e arranjos de
documentos (como os acervos ordenados de uma biblioteca) são sistemas
de informação.
As unidades de informação são as instâncias administrativas em que
ocorrem as atividades documentárias – organização da informação e pro-
dução de serviços e produtos – que visam o uso qualificado da informa-
ção por um público (Macedo; Ortega, 2019). Os tipos de unidades de
informação podem ser identificados pela nomenclatura que lhes é atri-
buída: bibliotecas, centros de documentação, centros de memória, entre
outros. Como tratamos, as atividades documentárias possuem caráter in-
trinsecamente institucional, no sentido de instituição social, ou seja, não
necessariamente no sentido jurídico. Significa dizer que essas atividades
não precisam ocorrer em uma unidade de informação para que seu cará-
ter institucional exista. Ou seja, por seu estatuto material e simbólico, as
atividades documentárias podem prescindir de unidades de informação.
Deste modo, práticas profissionais ocorrem em espaços muito diversifica-
dos, nem sempre compondo organogramas institucionais. A unidade de
informação, no entanto, por sua estrutura e organização, pode permitir
interações sociais e vivências de recursos informacionais mais facilmente
que aquelas possibilitadas por meio de sistemas como bases de dados ou
arranjos que não fazem parte de uma unidade de informação.
Assim, podemos dizer que uma unidade de informação é um sistema
de informação, mas nem todo sistema de informação é uma unidade de in-
Organizar para socializar:
a função social da mediação documentária
51
formação. Caminhando mais um pouco em direção às abstrações necessá-
rias, devemos considerar que as atividades documentárias se desenvolvem
sistemicamente, o que não significa dizer que elas se reduzem à produ-
ção de sistemas formais, como bases de dados e arranjos de documentos.
Isso porque, os serviços e demais atividades documentárias são realizadas
a partir de abordagem sistêmica sobre documentos, diretamente voltadas
ao usuário. Sistematizando o apresentando: toda atividade documentária
reflete um sistema em algum nível, desde os mais estruturados, como as
unidades de informação, passando pelas bases de dados e arranjos de do-
cumentos, até os serviços.
Estamos à falta de elaborar a atividade do campo em situações em
que não há unidades de informação, como as bibliotecas, assim como é
necessário resgatar a complexidade que caracteriza as bibliotecas e avançar
em sua análise e compreensão.
Além das atividades documentárias, é desejável a realização de ações
de sensibilização para a formação de públicos que, a depender dos espaços,
ocorrem na forma de atividades como saraus, feiras de livros, outros.
As atividades documentárias são viabilizadas concretamente por tec-
nologias e operacionalizadas de modo racional e econômico por estraté-
gias de gestão. A apropriação de elementos conceituais e métodos destes
dois âmbitos compõe historicamente o campo. A gestão da informação
refere-se à identificação e obtenção de recursos informacionais, humanos,
físicos, financeiros, tecnológicos e organizacionais necessários à realização
das atividades documentárias, para o que se recorre ao diagnóstico e ao
planejamento, buscando-se responder o que precisa ser feito, para que,
quais recursos usar, como, quando. A gestão das atividades é amparada por
políticas elaboradas para tal. As tecnologias, por sua vez, correspondem
aos aparatos necessários à materialização das atividades documentárias que
conduz aos seus produtos.
Quanto às pessoas responsáveis pelas atividades documentárias es-
tritas e pelas atividades documentárias relativas à tecnologia e à gestão, há
Cristina Dotta Ortega
52
os profissionais especializados, como bibliotecários, arquivistas e museó-
logos. No nosso caso, tratamos em especial do profissional bibliotecário
por ser ele quem responde pelas atividades documentárias em abordagem
bibliográfica, mas considerando também outras formações, como a de do-
cumentalista, e ainda outros profissionais que podem ser capacitados para
realizar estas atividades. De qualquer modo, bibliotecários, arquivistas e
museólogos são apoiados por auxiliares e gerentes, além de profissionais
de outros campos, como os de tecnologia da informação, editores, espe-
cialistas dos campos de conhecimento em questão, entre outros. Portanto,
as atividades documentárias estritas (identificação de públicos, seleção, re-
presentação, serviços...) e as atividades documentárias tecnológicas e ge-
renciais envolvem os conhecimentos técnico-científicos de bibliotecários,
arquivistas e museólogos.
Meyriat (1981
2
) escreveu sobre as atividades documentárias, as quais
configuram o que ele denomina sistema técnico-social. Para ele, o sistema
técnico-social é um conjunto de elementos ligados entre si, de modo a se-
rem interdependentes e orientados tendo em vista atender a um objetivo,
que é o de obter informação. O autor afirma que estes elementos são de
três tipos: os seres humanos, essencialmente a pessoa ou o grupo de pessoas
que busca informação e seus intermediários; os objetos materiais, ou seja,
os documentos e as máquinas empregadas para tratar os documentos; e o
conhecimento técnico (savoir-faire, no original em francês) necessário a
esse tratamento.
Podemos dizer que Meyriat realizou exercícios de abstração sobre
o documento que são emblemáticos do campo das ações de mediação
documentária.
Artigo publicado em língua portuguesa (Meyriat, 2016).
Organizar para socializar:
a função social da mediação documentária
53
1.3 construção do conceito de documento: A documentAção
em foco
O conceito de documento no âmbito da terminologia do campo
que nos ocupa foi elaborado e discutido durante o século XX, em especial
em solo francês. Essa conceituação caminhou para uma compreensão de
documento como objeto material, que é ao mesmo tempo simbólico e
de caráter pragmático. A construção do conceito de documento pode ser
descrita e problematizada como segue, tomando por base reflexões que
realizamos anteriormente (Ortega; Lara, 2008), (Ortega; Lara, 2010a) e
(Ortega, 2015a).
A denominação do campo – Documentação –, proposta por Otlet,
de modo relacionado à de seu objeto – documento –, envolve ideias, ações
e produtos que configuram temas hoje estudados por sua atualidade e re-
levância. Otlet faz menção a um suporte de uma certa matéria e dimensão
(...) em que se incluem signos representativos de certos dados intelectuais
(...) e a elementos constitutivos materiais, linguísticos, gráficos e intelectu-
ais (Otlet, 1934 – 21 Le livre en général 211 Notion et Définition du Livre
et du Document 1. Définition générale).
Otlet toma como referência a Bibliologia, disciplina que se desen-
volveu tendo o livro como objeto material e teórico, até chegar à propo-
sição da Documentologia. Sagredo Fernández e Izquierdo Arroyo (1983,
p. 309) afirmam que a Documentologia trata da atribuição hermenêutica
(ou interpretativa) no sentido de buscar meios e métodos que deem conta
da mensagem do autor.
O documento se explica a partir de uma ‘produção documentária
auxiliar’, segundo Robert Pagès (1948), ou simplesmente, ‘produção do-
cumentária’, como enuncia Suzanne Briet (1951).
Podemos dizer que o Traité de Documentation, de Paul Otlet (1934),
e o livro Qu’est-ce que la Documentation?, de Suzanne Briet (1951), este,
escrito em diálogo com o artigo Transformation documentaire et milieu cul-
turel (Essai de documentologie), de Robert Pagès (1948) (como explicamos
Cristina Dotta Ortega
54
em 2.3 – O documento bibliográfico), contribuem para a compreensão de
que os termos documento e Documentação já tinham em germe a noção
de informação, como entendida contemporaneamente.
No contexto das origens de sociedade científica francesa formalizada
na década de 1970 sob a denominação Sciences de l’Information et de la
Communication (SIC), ou Ciências da Informação e da Comunicação, em
língua portuguesa, constituiu-se linha de estudos de destaque sobre o tema
do documento. Nesta linha, Escarpit (1991), em livro publicado inicial-
mente em 1976, e Meyriat (1981) acrescentam que o uso é que ‘faz’ o do-
cumento e introduzem as noções de comunicação e significação, adotando
a palavra informação e derivadas.
Meyriat (1981, p. 51), trabalhando com os termos Documentação e
Documentologia, propostos por Otlet, afirma que o documento pode ser
definido como um objeto que dá suporte à informação, serve para comuni-
car e é durável. Para ele, a definição de documento opera por meio de duas
noções inseparáveis uma da outra, pois sua conjunção é essencial: uma
de natureza material (o objeto que serve de suporte) e outra conceitual (o
conteúdo da comunicação, ou seja, a informação).
Meyriat sistematiza algumas ideias francesas sobre o documento,
postas anteriormente de alguma forma por Pagès e Briet, acrescentando
novos elementos que contribuíram para mantê-las presentes em eventos
e publicações francesas contemporâneas, mas também brasileiras, embo-
ra pouco conhecidas na literatura anglo-americana. Para Meyriat, embora
todo objeto possa tornar-se um documento, é importante distinguir os
objetos que são concebidos para fornecer informação daqueles que não o
são. Deste modo, todo documento tem uma dupla origem possível, como
tratamos a seguir.
Os objetos concebidos para fornecer informação são chamados por
Meyriat (1981, p. 60) de documentos por intenção (document par inten-
tion, no original em francês). Já os objetos que recebem essa atribuição
posteriormente são chamados por ele de documentos por atribuição. Desse
Organizar para socializar:
a função social da mediação documentária
55
modo, os termos ‘documento por intenção’ e ‘documento por atribuição
são propostos por Meyriat como categorias para o estudo sobre o documen-
to. O artigo de Meyriat, de 1981, que ficou mais conhecido e é tomado
como referência, trabalha os conceitos e menciona a expressão documento
por intenção. Já a expressão documento por atribuição é mencionada ape-
nas em texto anterior, de 1978, produzido para o primeiro congresso da
sociedade científica das Sciences de l’Information et de la Communication.
Neste texto, Meyriat fala que limita sua análise aos objetos que são docu-
mentos, ao mesmo tempo, por intenção e por atribuição (Meyriat, 2001,
p. 116, publicação original de 1978).
Em artigo escrito 25 anos depois do artigo sobre documento e
Documentação, Meyriat buscou precisar a expressão documento por in-
tenção. Para ele (2006, p. 12), o documento é produto da atividade hu-
mana que surge em lugar imaterial quando se reencontram os diversos
sistemas sociais ou técnico-sociais de que é derivado. O documento por
intenção, no entanto, é somente aquele especialmente produzido para vei-
cular a informação, como é o caso de um livro ou artigo elaborado por um
autor. Posteriormente, esse livro ou artigo é legitimado como documento
pelo documentalista
3
, pois ele o insere em processos de circulação, em um
sistema específico de comunicação, por meio de atividades que se articu-
lam às de outros grupos, como editores e livreiros. Meyriat (2006, p. 13)
explica que o documento por intenção depende daquele que produz o
objeto e daquele que emite a informação inscrita sobre esse objeto, e alerta
para o risco de uma compreensão ambígua do termo decorrente destes dois
sistemas de produção.
No mesmo artigo sobre o documento por intenção, Meyriat (2006,
p. 26) elabora as seguintes ideias. Quanto ao autor do documento, Meyriat
enfatiza a impossibilidade de ignorá-lo, pois ele tem uma intenção de co-
municar que se traduz no objetivo atribuído ao documento e que precisa
No Brasil, hoje, documentalista não é termo tão usado quanto ainda o é na França e em alguma medida
em muitos países da América Latina de língua espanhola. Podemos assimilar a fala de Meyriat à atuação
do bibliotecário, embora os documentalistas atuem principalmente em campos especializados técnico-
científicos.
Cristina Dotta Ortega
56
ser considerada, tendo em vista que o autor é um ser social que exerce
muitos papeis na sociedade em que vive, que podem, cada qual, impor-lhe
limitações diferentes. Quanto ao documento, Meyriat diz que ele não é
um simples veículo da informação: de outro modo, a informação é con-
substancial ao documento, ou seja, ambos possuem a mesma substância,
motivo pelo qual há interação do documento com a informação. Segundo
ele, o documento se inscreve em um sistema específico de comunicação
que tem um objetivo próprio.
A despeito da contribuição inovadora de Meyriat, há uma ques-
tão sutil relativa à compreensão de cada uma das categorias documentais
que ele propõe, em especial quanto à particularidade do documento por
atribuição. Como vimos, Meyriat considera como sistemas de constituição
do documento por intenção: sua produção material e as inscrições sobre ele
que o legitimam como documento em circuitos específicos de comunica-
ção. Em seguida, ele mesmo chama a atenção para o risco de ambiguidade.
Sendo assim, entendemos que seja necessário avançar na delimitação
da linha tênue que separa o documento por intenção e o documento por
atribuição. Independente das atividades dos documentalistas e de outros
profissionais, o fato de um objeto ser produzido para funcionar como do-
cumento faz dele – definitivamente – um documento por intenção. Dito
de outro modo, o documento por intenção apresenta característica per-
manente do objeto, já que se refere à sua produção. Podemos dizer ainda
que a informação é mais evidente no documento por intenção, como no
caso dos textos escritos em geral e, em especial, dos textos científicos. Para
ser documento de fato, no entanto, é preciso que o objeto receba essa atri-
buição, seja esse objeto um documento por intenção ou não. A atribuição
informacional feita ao objeto é característica necessária para a condição
de ser documento. Segundo Meyriat (1981, p. 54), até que o objeto não
receba uma questão, a informação permanece virtual e não há documento.
O documento a que Meyriat se refere neste enunciado é o documento por
atribuição. Desse modo, enquanto a categoria documento por intenção é
inerente ao objeto, por suas características materiais e em função da inscri-
Organizar para socializar:
a função social da mediação documentária
57
ção de signos linguísticos, a categoria documento por atribuição não está
atrelada ao objeto, mas às interpretações feitas sobre ele.
Como podemos constatar, a categoria documento por atribuição é
a que garante a condição de um objeto ser um documento, funcionando,
portanto, como categoria documental de fato. Uma dificuldade pode se
colocar quanto a uma possível equivalência que os termos intenção e atri-
buição podem suscitar. Buscando esclarecer o uso dos termos por Meyriat,
dizemos que se trata da intenção informativa quando da produção do ob-
jeto e da atribuição informativa quando do uso do objeto, seja por um
documentalista ou por um usuário final.
A literatura francesa e a espanhola da década de 1980 sobre docu-
mento coincidem em vários pontos. Os espanhóis Sagredo Fernández e
Izquierdo Arroyo (1983, p. 265, 411) exploram profundamente o Tratado
de Documentação de Otlet, permitindo sua melhor compreensão nos dias
de hoje. Assim como os franceses citados, esses autores afirmam que um
documento só existe quando é utilizado como tal, ou seja, é o uso que
decide sobre seu caráter documental. Para eles, o documento é um objeto
manufaturado, no sentido de um suporte fabricado, e mentefacturado (no
original em espanhol), por ser um conteúdo significativo gerado pela men-
te. Um cartão postal, como exemplificam, não seria um si um documento
na mente ou intenção do autor, mas pode passar a sê-lo se for utilizado
como documento. Afirmam mais à frente que ainda que o documento seja
produzido (é uma manufatura), ele é uma mente-factura, pois pertence ao
âmbito do que é operável internamente.
O estudo das obras de Sagredo Fernández e Izquierdo Arroyo e con-
temporâneos, tais como José López Yepes (1978, com segunda edição em
1995) e José María Desantes Guanter (1987), permitem afirmar que hou-
ve abordagem peculiar sobre Documentação na Espanha. Assim como na
orientação francesa, na Documentação espanhola, enfatiza-se a influência
da documentação na produção científica, na forma de atividades profissio-
nais caracterizadas como uma ciência para a ciência (López Yepes, 1995).
Cristina Dotta Ortega
58
Tomando como base Meyriat (1981), mas também seus contempo-
râneos franceses e espanhois, inferimos que o documento é: objeto produ-
zido ou não com intenção de ser documento (produção do documento)
e objeto que pode funcionar como documento, pois seu uso como tal é
que determina que assim o seja (uso do documento). Além disso, a função
de informação do documento pode mudar no tempo (uso do documen-
to no tempo). As ideias identificadas – produção do documento, uso do
documento e uso do documento no tempo (esta sendo parte da ideia an-
terior) –, podem ser tomadas como explicativas da proposição categorial
de Meyriat: documento por intenção e documento por atribuição. Essa
sistematização reforça a ideia de que um documento produzido com esta
intenção não é definitivo para uma situação de ‘ser documento’, pois disso
depende que ele seja abordado enquanto tal, e essa abordagem pode ser
reformulada no decorrer do tempo.
Assim, podemos dizer que a noção de documento proposta pelos
primeiros documentalistas (Otlet e Briet, entre outros) foi aprofundada e
atualizada pelos pesquisadores franceses e espanhóis nas décadas seguintes.
Mas, a despeito do impulso proporcionado pelos chamados primei-
ros documentalistas e pela contribuição espanhola posterior, constatamos a
força conceitual do termo documento em seu desenvolvimento na França.
A produção francesa posterior àquela dos primeiros documentalistas
(como Otlet e Briet) foi realizada em termos conceituais pelos pesquisado-
res das Sciences de l’Information et de la Communication, a partir dos anos
1970. De outro modo, em termos conceituais e procedimentais, há pro-
dução relevante realizada, a partir dos anos 1960, por autores voltados às
Linguagens Documentárias, como Jean-Claude Gardin, Maurice Coyaud,
Robert Pagès, Eric de Grolier, Jacques Chaumier e Jacques Maniez, e à
Informática Documentária, como Andre Deweze, Georges Van Slype e
Andre Chonez, além de Gardin e Chaumier. Estes dois grupos – o das
SIC e o dos estudos sobre Linguagens Documentárias e Informática
Documentária – muito provavelmente influenciaram um ao outro. Robert
Organizar para socializar:
a função social da mediação documentária
59
Pagès, por exemplo, tratou da Documentologia de Otlet, dialogou com
Briet sobre o conceito de documento secundário, e, supostamente, in-
fluenciou os autores das SIC sobre estes termos (como tratamos à frente),
assim como fez parte do mesmo grupo de Gardin, desenvolvendo estudos
sobre linguagens documentárias, como consta na introdução ao texto de
Gardin (1966
4
).
Décadas depois, Fraysse (2011, p. 36), em estudo sobre o docu-
mento, afirma que, no coração da disciplina universitária Sciences de
l’Information et de la Communication, alguns pesquisadores construíram
pouco a pouco uma teoria do documento. Ele (Fraysse, 2011, p. 45)
menciona pesquisas contemporâneas desta linha de estudos, as quais
são voltadas ao documento a partir das noções de recepção e de senti-
do e da integração em uma perspectiva social, e realizadas por autores
como Viviane Couzinet, Gérard Régimbeau, Caroline Courbières e Yves
Jeanneret, falecido em 2020.
No centro da produção francesa sobre o documento, como disse-
mos, Meyriat se destaca. Ele discorreu sobre o conceito, observando sua
dependência em relação ao conceito de documentação, segundo a grafia
que adota para o termo. Assim, após tratar do conceito de documento, ele
se debruça sobre o conceito de documentação a partir de três acepções e,
depois, segundo três características. A seguir, tratamos primeiro da caracte-
rização da documentação, para depois, uma vez identificados seus princi-
pais atributos, tratarmos de sua conceituação. Tomando por base o artigo
original de 1981 e o artigo traduzido para a língua portuguesa e publicado
em 2016, temos o que segue.
Para Meyriat (1981), a primeira característica da documentação é a
de que ela se situa no destino do objeto a ser trabalhado como documento.
Esse destino é indicado pelo autor como sendo onde se encontra aquele
que busca informação, cujo caminhar ativa o documento, tornando efetiva
sua função. Aí estaria a essência da atividade documentária. Dito de outro
Artigo traduzido e publicado em língua portuguesa (Gardin, 2022).
Cristina Dotta Ortega
60
modo, a documentação parte da demanda de informação que emana de
um usuário até chegar ao documento que pode oferecer esta informação.
Ao confirmar ou afirmar a qualidade de ‘documento’ do objeto, a
atividade foi útil. A informação é solicitada para que seja utilizada. Assim,
a segunda característica da documentação é a de que ela é utilitária. Esta
utilidade da informação pode ser limitada ao momento presente e perder
esta qualidade assim que for utilizada, como no caso das diversas informa-
ções usadas pelos cidadãos em suas atividades cotidianas, ou se constituir
em um elemento de saber que enriquece constantemente o homem como
conjunto organizado de conhecimentos acumulados e duráveis. Meyriat
lembra que a utilidade da informação mais desenvolvida na atividade do-
cumentária foi a de caráter científico.
A terceira característica, tratada anteriormente, é a de que a docu-
mentação constitui um sistema técnico-social. O objetivo desse sistema é o
de obter informação, o que é realizado por meio de três grupos de elemen-
tos: pessoas, objetos materiais e conhecimentos técnicos. O sistema, seja
operado por uma única pessoa ou por uma instituição, possui o mesmo
esquema operatório, embora possa ser mais ou menos complexo. Essas
operações constituem os elos da cadeia documentária, que são descritas
pelo autor como: coleta de documentos, extração de dados e de informa-
ções, classificação, armazenamento e recuperação desses dados, difusão e
resposta às questões.
Posta a caracterização da documentação por Meyriat, apresentamos
as três acepções que ele propôs (Meyriat, 1981), na mesma ordem em que
ele o faz, da acepção mais concreta para a mais abstrata: a primeira seria
um conjunto de documentos intencionalmente constituído; a segunda,
a técnica usada para tal e, a terceira, a ciência que sustenta essa técnica.
A primeira acepção refere-se ao resultado do ato de recolher documentos
ou suas referências (as referências funcionam como substitutos dos do-
cumentos), ou seja, refere-se ao conjunto de documentos ou de referên-
cias de documentos. A segunda acepção remete à atividade que permite
Organizar para socializar:
a função social da mediação documentária
61
constituir esse conjunto de documentos, a qual envolve um conjunto de
técnicas utilizadas para coletar, classificar e explorar documentos, sendo
essa a acepção mais frequente. A terceira acepção refere-se a um conjunto
de conhecimentos que, partindo da técnica, permite seu desenvolvimen-
to e aperfeiçoamento como uma ciência. Meyriat diz que o mais correto
para denominar essa terceira acepção seria ‘ciência da documentação’, mas
informa que o termo é raramente utilizado e que alguns propõem ‘docu-
mentologia’ para substituí-lo.
Quanto a essas denominações atribuídas ao campo, o termo
Documentologia foi proposto por Otlet no Tratado, que é de 1934. Segundo
Le Deuff (2018), o termo foi usado posteriormente por Pagès, em 1948,
e apenas mais tarde (a partir dos anos 1970), foi adotado por Escarpit,
Estivals e o próprio Meyriat. Por isso, Le Deuff entende que a primeira
teoria documentológica desde Otlet deve ser atribuída a Pagès. Palermiti
(2000) apresentou a mesma posição anteriormente ao observar que Pagès
demonstrou o desejo de fundamentar cientificamente a Documentologia
como parte da teoria das comunicações simbólicas. Para Palermiti, Pagès
teria trabalhado em direção a uma ‘ciência da documentação’, no contex-
to das ciências humanas, desenvolvida por pesquisadores-documentalistas,
que não fosse apenas um conjunto de técnicas trabalhadas de forma prag-
mática ou funcional.
Na Espanha, 30 anos depois da proposta de Pagès, a denominação
Ciencia de la Documentación foi adotada na publicação do livro Teoría de
la Documentación, por López Yepes (1978), com segunda edição de 1995.
Neste livro, López Yepes mapeou disciplinas constituintes do campo, na
forma de vertentes ou escolas de pensamento propostas em diversos países
e em períodos distintos, relacionando-as entre si, em sistematização que é
indicativa de uma organização epistemológica. A denominação Ciencias
de la Documentación (no plural) foi usada por Emilia Currás em 1982
(Currás, 1982), mas o termo é mais amplamente identificado na Espanha
desde o início dos anos 2000 no nome de revistas, livros, setores de uni-
versidades e associações. De qualquer maneira, o termo Documentación é
Cristina Dotta Ortega
62
o mais amplamente utilizado e reconhecido para denominar a pesquisa, o
ensino e a prática profissional na Espanha.
Não sem motivo, Otlet afirmava, tomando por base a década de
1920, que a terminologia técnica havia avançado de tal modo que, o
que antes exigia perífrases compostas por três ou quatro palavras, pas-
sou a ser possível expressar numa única (Otlet, 1934 – 122 Terminologie.
Nomenclature, p. 13-14). Considerando a relação entre terminologia e
consolidação científica de um campo, a terminologia documentária ini-
ciada por Otlet pode ser hoje identificada a partir de um conjunto de
termos substantivos que se articulam conceitualmente, como documento,
documentação e documentalista, além do adjetivo ‘documentário’, que é
atribuído a processos, instrumentos e produtos, assim como à função do
campo. Esses termos referem-se a ações de mediação sobre objetos que os
transformam em documentos.
Assim como toda terminologia científica, esses termos são tão eco-
nômicos quanto significativos para a atuação de especialistas, sejam pesqui-
sadores, professores ou profissionais. Desse modo, a despeito da afirmação
de Meyriat no artigo de 1981 de que os usos dos termos Documentologia e
Ciência da Documentação eram tímidos, podemos afirmar que, agregados
ao uso prevalente do termo Documentação e seus termos derivados,
evidencia-se terminologia que demonstra o desenvolvimento dessa vertente
de estudos e de aplicações em todo o século XX.
Quanto à língua inglesa, há publicações recentes sobre o tema,
dentre as quais, destacamos as de Buckland. Ele discorre sobre o do-
cumento tomando por base as obras de Otlet e Briet, mas não cita os
pesquisadores franceses e espanhóis, como é comum entre os autores da
vertente anglo-americana deste tema. Buckland reitera algumas ideias de
todos estes autores, como a ideia de que nenhum objeto por si mesmo
poderia ser definido como documento. Para tanto, Buckland (1991b, p.
352) propõe inverter a pergunta usual – o que é informativo? –, indagan-
Organizar para socializar:
a função social da mediação documentária
63
do às pessoas o que elas identificam como coisas a partir das quais elas
podem tornar-se informadas.
Seguindo essa linha de raciocínio, Buckland (1991a, p. 43-47) su-
gere ‘discurso’ como termo para qualificar os objetos abordados como do-
cumentos e apresenta classes gerais para agrupar esses objetos, as quais se-
riam: artefatos com intenção de constituir discurso (como livros), artefatos
que não tinham esta intenção (como barcos) e objetos que não são artefa-
tos (como os antílopes). Do mesmo modo que os franceses e espanhóis de
que tratamos, Buckland apresenta exemplos explicativos das origens dos
objetos informacionais e suas funções posteriores, como quando menciona
que um livro pode ser usado como um peso para portas.
Outros autores da atualidade desenvolveram ideias semelhantes vol-
tadas em especial aos sistemas e serviços bibliográficos, mas também no
contexto museológico e arquivístico.
No caso do contexto museológico, temos Ulpiano Meneses que cor-
robora as ideias de Meyriat. Segundo ele (Meneses, 1994, p. 21), docu-
mentos de nascença, típicos de sociedades complexas, são aqueles projeta-
dos para registrar informação. No entanto, qualquer objeto pode funcionar
como documento e mesmo o documento de nascença pode fornecer infor-
mações jamais previstas em sua programação. Meneses observa que o do-
cumento sempre se define em relação a um terceiro, externo a seu contexto
original, e que toda operação com documentos é, portanto, de natureza
retórica. Estudos sobre os movimentos que podem transformar qualquer
objeto em documento são privilegiados em Museologia. Krzysztof Pomian
(2010) desenvolve reflexão interessante sobre o que chama de semióforos,
que é bastante explorada em Museologia.
No segundo caso – o do contexto arquivístico –, o documento é
tratado de modo bastante próximo a Meyriat por Marie-Anne Chabin
(1999), segundo o que ela denomina archives de naissance e archives par
baptême. De modo semelhante, embora usando outra terminologia, Ana
Maria de Almeida Camargo (2011) trata da questão ao identificar objetos
Cristina Dotta Ortega
64
funcionando arquivisticamente, sejam textos escritos ou não, constatando,
portanto, que objetos que não foram produzidos para a função arquivística
(neste caso, objetos textuais não escritos) podem vir a exercer essa função.
Assim, autores como Buckland, em abordagem bibliográfica,
Meneses e Pomian, em abordagem museológica, e Chabin e Camargo, em
abordagem arquivística, reforçam a proposta de conceito de documento de
Meyriat. Nenhum desses autores menciona Meyriat.
Quanto à significação realizada pelo usuário, podemos observar que
as reflexões francesa e espanhola sobre o documento realizadas até os anos
1980, assim como as que se seguiram, salientam a recepção. Como trata-
mos anteriormente (Lara; Ortega, 2012, p. 385), ao considerar o processo
de comunicação, tem-se que o documento é um produto de uma relação
que envolve emissor, interlocutor e contexto. Um objeto é um documento
apenas se considerado o mapa de configurações a partir dos quais ele pode
tomar forma fazendo sentido para alguém
No que tange à atividade documentária, o documento (Lara; Ortega,
2012, p. 381-382), enquanto signo, é uma construção, uma leitura do real
sob determinada perspectiva. A leitura do objeto que o transforma em
documento para o sistema segue uma política de informação que privilegia
perspectivas institucionais e comunidades discursivas potenciais. O docu-
mento é tornado pertinente a partir da seleção, da descrição formal e da
atribuição de descritores ou outras unidades de classificação e indexação,
enquanto atividades de organização da informação, as quais são seguidas
das demais atividades documentárias. As atividades documentárias são re-
sultado de uma série de escolhas, pois os documentos são organizados em
categorias por meio de aspectos que são priorizados frente a outros, im-
plicando uma construção que é permeada de elementos ideológicos. Esse
raciocínio parte do entendimento de que “a abordagem linguístico-semió-
tica permite propor o documento como signo, um objeto que tem forma e
conteúdo (Hjelmslev, 1975), que representa algo para alguém, sob algum
aspecto ou capacidade (Peirce, 1977)” (Lara; Ortega, 2012, p. 381).
Organizar para socializar:
a função social da mediação documentária
65
O documento é um produto. Ele é resultante do conjunto das ações
de mediação (documentária). O percurso do objeto ao documento envolve
abstração que se realiza materialmente. Trata-se de objetos colocados em
outro lugar (simbólico) ao serem selecionados e recriados (materialmente)
como representações daqueles. Os documentos se fazem pelas relações es-
tabelecidas entre os objetos da coleção, entre as representações dos objetos,
entre os objetos e suas representações. Os documentos são o resultado de
informações construídas materialmente em um sistema, cujas significações
objetivam orientar o processo de significação pelo público.
A ‘produção do documento’ é realizada por meio de procedimentos
metodológicos específicos que fomentam possibilidades de interpretação
dos públicos, otimizando o uso qualificado da informação. A especifici-
dade do campo relaciona-se à construção intencional desses objetos in-
formativos chamados documentos. Trata-se de um fazer informativo, cuja
orientação é construída institucionalmente e se realiza – via comunicação
documentária – quando ocorre a apropriação da informação. O documen-
to é produzido com o fim de contemplar a função social do campo de
circulação da informação que permite sua socialização.
Considerando o papel fundamental exercido pela mediação docu-
mentária, principalmente em sociedades complexificadas pelo avanço do
conhecimento, pelo desenvolvimento tecnológico e pelo reconhecimento
da diversidade de públicos, faz-se necessário explorar como essa mediação
pode ser definida e onde ela permite chegar.
1.4 mediAção documentáriA: significAr pArA comunicAr,
possibiLitAndo ApropriAr
Partimos do pressuposto que as ações de mediação documentária
são o eixo do campo, ou seja, seu objeto. Ao permitir a comunicação do-
cumentária (a comunicação do usuário com a informação proposta via
sistemas e serviços), a mediação encontra seu objetivo de criar condições
para a apropriação da informação. As ações de mediação documentária
Cristina Dotta Ortega
66
congregam o conjunto das categorias fundamentais do campo, o que exige
considerar o conhecimento que lhe fundamenta e a complexidade e rele-
vância social das práticas profissionais correspondentes.
Por sua intencionalidade, pautada por prática social objetivada, as
atividades documentárias devem ser realizadas sob base teórica e métodos
fundamentados, portanto, de modo consciente, e não à mercê de fatores
alheios às especificidades do campo. Mas, é preciso observar que toda pro-
dução e uso de informação ocorre em um certo contexto social e cultural,
logo, aspectos contextuais manifestam-se de algum modo na produção do-
cumentária. Além disso, para que o campo possa ser compreendido e de-
senvolvido, faz-se necessário explorar as motivações das ações de mediação
documentária, assim como as implicações decorrentes dos modos e meios
como elas são realizadas. Assim, as motivações e as implicações das ações
de mediação documentária fazem parte dos estudos do campo por serem
seus aspectos contextuais, embora não sejam seu objeto.
Mediação refere-se à intervenção, decorrendo disso que os processos
que a realizam incluem a compreensão dos elementos envolvidos: os docu-
mentos, suas condições de produção e uso e os públicos. Mediação se faz
sobre técnicas socialmente construídas, aplicadas na perspectiva de públi-
cos específicos. Quanto aos públicos, devemos considerar as previsões de
uso como orientadoras das atividades documentárias, enquanto o uso deve
ser identificado e explorado para o fim de aprimoramento das atividades.
As ações de mediação são realizadas concretamente por meio de
procedimentos específicos, pela proposição de mensagens sobre objetos,
no contexto de certas atividades realizadas por pessoas, operando como
camadas de significação ao objeto. A partir de operações sobre objetos em
sistemas, realiza-se a atribuição de significados com o fim de orientar os
usuários em seus processos de navegação e busca, visando recuperação. A
recuperação é um processo de comunicação. Os sistemas de informação
constituem-se, portanto, como sistemas de significação.
Para Lara, embora não exista consenso em Ciência da Informação,
Organizar para socializar:
a função social da mediação documentária
67
a informação é reconhecida como uma inscrição organizada,
fruto de uma construção institucional e intencional que tem nos
valores simbólicos e funcionais a condição para a construção do
sentido [...] para circular socialmente, desencadeando processos de
conhecimento (Lara, 2006).
Nesse sentido, Lara (2006) afirma ser necessário relativizar a função
pedagógica muitas vezes atribuída aos sistemas de informação, no sentido
de que esses sistemas não seriam ‘explicadores’ dos documentos; eles devem
ser compreendidos quanto à sua função mediadora. Segundo ela, a des-
peito de os sistemas apresentarem pontos de partida sobre as coleções de
documentos na perspectiva de contextos documentários específicos, tendo
em vista públicos distintos e diversas possibilidades de interpretação, “é
razoável oferecer não só tipologias distintas de sistemas, como leques de
opções para o acesso, utilizando as tecnologias não para conformar e sub-
meter o usuário às suas regras, mas, na medida do possível, para permitir
o exercício da criatividade” (Lara, 2006). O usuário deve então ser consi-
derado um sujeito que interpreta as mensagens documentárias do sistema.
Desse modo, esses sistemas não poderiam ter por objetivo principal expli-
car os documentos. Diríamos que, como sistemas de mediação, eles não
explicam, eles significam.
Um sistema de informação é um sistema de comunicação da in-
formação e, sendo a linguagem a faculdade de simbolizar adotada na co-
municação, trabalhar com informação implica operar com linguagem.
Benveniste, quanto à questão de a linguagem ser instrumento da comuni-
cação, afirma:
Antes de qualquer coisa, a linguagem significa, tal é seu caráter
primordial, sua vocação original que transcende e explica todas
as funções que ela assegura no meio humano. Quais são estas
funções? Tentemos enumerá-las. Elas são tão diversas e tão
numerosas que enumerá-las levaria a citar todas as atividades de
fala, de pensamento, de ação, todas as realizações individuais e
coletivas que estão ligadas ao exercício do discurso: para resumi-
las em uma palavra, eu diria que, bem antes de servir para
Cristina Dotta Ortega
68
comunicar, a linguagem serve para viver. Se nós colocamos que à
falta de linguagem não haveria nem possibilidade de sociedade,
nem possibilidade de humanidade, é precisamente porque o
próprio da linguagem é, antes de tudo, significar. Pela amplitude
desta definição pode-se medir a importância que deve caber à
significação (Benveniste, 2006, p. 222).
A mediação documentária, a exemplo de toda mediação, deve signi-
ficar. É porque significam que as ações de mediação documentária ganham
validade social para a comunicação. A instrumentalidade e a visão sistê-
mica empregadas são adotadas como modo de viabilizar concretamente a
comunicação da informação.
Considerando o documento como objeto que significa, podemos
falar em ao menos dois níveis de significação por ele exercida: a ‘pro-
dução dos documentos secundários’ a partir de objetos que foram cria-
dos com intenção informativa ou de objetos que não foram criados com
esta intenção; e a produção de significados sobre estes documentos pelas
pessoas. Embora esses processos de significação ocorram independente-
mente da atividade documentária, seu papel é primordial na consecução
desses processos, de tal modo que ela é bastante presente em especial em
sociedades complexas. O primeiro nível de significação é de responsabi-
lidade do profissional bibliotecário, arquivista ou museólogo e de outros
que atuam material e simbolicamente em torno do documento, tendo
em vista a apropriação da informação. O segundo nível de significação é
o objetivo e motivação do primeiro
5
.
Como vimos, se as atividades documentárias são ações de mediação
realizadas com intenção informativa sobre objetos, esses mesmos objetos
podem ou não ser originalmente produzidos com intenção informativa
(conforme Meyriat). No entanto, para que seja propriamente um docu-
mento, o objeto depende de ser usado como tal (documento por atribui-
Esse parágrafo é uma reformulação de trecho de artigo publicado anteriormente (Ortega, 2016, p. 48),
em que três níveis eram propostos, mas os dois primeiros se referiam ao mesmo tipo de ‘produção de
documentos’.
Organizar para socializar:
a função social da mediação documentária
69
ção) e não somente proposto como tal (documento por intenção), a des-
peito de os dois casos envolverem processos interpretativos. Assim, se o
primeiro nível de significação é emblemático da sociedade mediada em que
vivemos, produzindo documentos ainda ‘virtuais’ (ou seja, latentes, em po-
tência), a significação vivenciada pelo usuário – no sentido da apropriação
que é possibilitada pelas ações de mediação – é definitiva para a existência
do documento.
Para uma exploração da mediação realizada sobre documentos,
segundo o campo em que nos centramos, é produtivo explorar o termo
mediação documentária como adotado pelos franceses, a médiation docu-
mentaire. Este termo é desenvolvido no contexto das pesquisas das Sciences
de l’Information et de la Communication (SIC), remetendo à proposta otle-
tiana. Nesse contexto, mediação e documento são conceitos desenvolvidos
um em relação ao outro. O documento em questão é produto da media-
ção, caracterizado por base material, estatuto simbólico e fins pragmáticos,
como tratamos anteriormente.
Algumas publicações destes pesquisadores franceses sobre o conceito
de mediação documentária são (em ordem cronológica): Couzinet (2000),
Régimbeau (2007), Fabre e Veyrac (2008), Couzinet (Dir.) (2009), Liquète,
Fabre e Gardiès (2010), Régimbeau (2010), Fabre e Gardiès (2010), Fabre
(2012), Gardiès e Fabre (2012) e Fabre (2013). Esse grupo de autores é
o mesmo que citamos no subcapítulo anterior, ao tratar do conceito de
documento no contexto das pesquisas das Sciences de l’Information et de la
Communication, haja vista que mediação documentária é termo derivado
de documento, o que os torna dependentes um do outro.
A expressão mediação documentária é adotada como objeto de pes-
quisa, em especial, por Isabelle Fabre e Cécile Gardiès. Selecionamos um dos
trabalhos dessas autoras para apresentar a abordagem que desenvolvem sobre
a mediação documentária: La médiation documentaire, de 2010.
No texto selecionado, Fabre e Gardiès (2010) discorrem sobre me-
diação documentária como processo que vai além da simples transmissão
da informação, mas que segue na direção da construção de vínculos entre
Cristina Dotta Ortega
70
necessidade e uso da informação para permitir que o usuário transforme
informação em conhecimento.
As autoras citam Béguin-Verbrugge (2002), para quem a mediação
documentária é uma mediação que não implica a relação pessoal direta,
mas envolve o uso da linguagem, levando em conta o nível de conheci-
mento do usuário e suas capacidades de abstração. Esse tipo de mediação,
portanto, não exige o contato direto entre pessoas, mas envolve necessa-
riamente uma relação linguística. As autoras afirmam que se trata de uma
mediação de saberes que opera na produção, difusão e apropriação da in-
formação por um processo de tradução, de conexão e de vínculo.
Dessa maneira, reforça-se a ideia de mediação como dependente de
uma relação linguística entre pessoas, mas não do contato direto entre elas,
seja presencial ou virtual.
Fabre e Gardiès recorrem também a Régimbeau (2010). Para ele,
a mediação documentária é compreendida a partir de componentes de
um processo de comunicação que toma por objeto o usuário, as ideias, o
contexto técnico, os conteúdos e a prática (social, econômica, política...).
O conceito de mediação em jogo implica que o sentido não é imanente às
coisas, mas que ele se constrói por meio de e para sujeitos. Como dissemos,
o documento é uma construção, e ele resulta de ações de mediação, que é
também, como se pode supor, uma construção.
Para as autoras, a mediação documentária se realiza por meio de
dispositivos qualificados como dispositivos documentários, haja vista
que a apreensão dos processos de mediação necessita uma compreensão
dos dispositivos que os sustentam. As autoras entendem que o dispositi-
vo característico dos processos de mediação documentária não pode ser
compreendido simplesmente como uma organização linear de operações
mentais decompostas. Mais que isso, afirmam, o conceito de dispositivo,
em Sciences de l’Information et de la Communication, é considerado em um
processo social de comunicação.
Organizar para socializar:
a função social da mediação documentária
71
Fabre e Gardiès afirmam que estudar um dispositivo em sua com-
plexidade é, segundo Foucault (1997), compreender a natureza do víncu-
lo que pode existir entre seus elementos heterogêneos, colocando em seu
centro o conceito de comunicação, proposto por Jeanneret (2005), como
processo que supõe uma organização, repousa sobre os recursos materiais,
mobiliza competências técnicas e define os quadros para a intervenção e
a expressão. Dispositivo é entendido pelas autoras, tomando definição de
Agostinelli (2009), como os artefatos que amplificam a comunicação, or-
ganizam a interação humana e modificam os modos de produção, de ges-
tão e de tratamento da informação. Para elas, o dispositivo documentário
é organizado em torno da gestão da informação relacionada a seu supor-
te físico que, mesmo sendo pouco aparente, não é independente de um
discurso.
Em referência às categorias adotadas por Meyriat para o conceito
de documento, Fabre e Gardiès fazem a seguinte elaboração. Em sua
função de enunciação, o dispositivo documentário é qualificado como
dispositivo por intenção. O dispositivo é pensado e organizado pelos
profissionais de informação que utilizam normas e se apoiam sobre sabe-
res e técnicas com um fim particular: gerar, organizar e difundir a infor-
mação. Em sua função de apropriação, ele se torna um dispositivo por
atribuição, ou seja, reconhecido pelo usuário como sendo portador de
sentido, no seio do qual ele identifica uma informação útil respondendo
à sua necessidade de informação.
Fabre e Gardiès entendem que o dispositivo documentário, conhe-
cido em sua origem como um dispositivo primário encarregado de gerar
uma massa de documentos, muito rapidamente evolui para um dispositivo
secundário que realiza mediações documentárias. Assim, esses dispositi-
vos se sobrepõem aos documentos, dispositivos primários por essência, e
se interpõem entre o usuário e as coleções documentárias como parte do
projeto de facilitar seu acesso. Eles constituem um dispositivo secundário
de vocação comunicacional que se juntam ao dispositivo informacional,
levando assim a um dispositivo info-comunicacional. As autoras afirmam
Cristina Dotta Ortega
72
que o dispositivo documentário, ao se tornar mais complexo, integra co-
municação e informação, relacionando o que seria um dispositivo infor-
macional e um dispositivo comunicacional.
Considerando a terminologia documentária construída em torno do
termo documento, mantemos a posição de que o adjetivo ‘documentário
congrega informação, na forma de proposição de mensagens sobre obje-
tos, e comunicação, como objetivo daquelas mensagens. Deste modo, sob
o ponto de vista do campo das ações de mediação documentária de que
tratamos, consideramos desnecessária a adoção do adjetivo ‘info-comuni-
cacional’, sem prescindir da elaboração realizada pelas autoras a partir dele,
como podemos constatar a seguir.
Fabres e Gardiès entendem que um dispositivo info-comunicacio-
nal propõe, via uma forma de enunciação, um lugar de estruturação de
conhecimentos, de recepção e apreensão da informação. As dimensões so-
ciais e técnicas do dispositivo se constituem por atores, técnicas e objetos
materiais em interação permanente e em um contexto definido. Citando
Jeanneret (2004), as autoras abordam os dispositivos info-comunicacio-
nais como artefatos, cuja forma não é um código, mas um espaço organi-
zado, ou seja, um conjunto de objetos que exibem uma ordem, mas que se
deixam apropriar, dotar de sentido, desviar.
A partir da proposta de dispositivo info-comunicacional, Fabre e
Gardiès propõem o termo mediação info-comunicacional, por considerá-
-lo definidor de um processo criador de uma nova mensagem, cujo signo
é portador de uma certa matéria informacional que acrescenta significados
à recepção. As autoras lembram que, do ponto de vista da comunicação,
a mediação pode ser definida como o elo entre o enunciador e o receptor.
Nesse sentido, afirmam que, se o circuito enunciação-recepção permite a
circulação do sentido em situações de comunicação, a informação é pré-
-existente a essa circulação e implica tradução, reescritura ou estruturação.
Segundo as autoras, a polissemia introduzida pela mediação favorece o
questionamento sobre o sentido e a apropriação da mensagem inicial, pois
Organizar para socializar:
a função social da mediação documentária
73
o sentido produzido na recepção não é previsível nem pelo emissor nem
pelos possíveis mediadores.
O objetivo é o de mobilizar os dispositivos para tornar o usuário ator
de sua cultura de informação. Para Fabre e Gardiès, realiza-se o apoio ao
usuário no processo de mediação, integrando o dispositivo info-comunica-
cional como verdadeiro dispositivo de aprendizagem baseado, não somen-
te sobre as competências relacionadas às tecnologias da informação, mas
também à história de seus suportes e suas linguagens. Assim, o usuário tem
um lugar no seio do dispositivo: ele é convidado a tomar a iniciativa e a
expressão das diferenças individuais é encorajada.
As autoras afirmam que designar um papel ativo ao receptor na fun-
ção informativa do documento é fornecer este lugar à noção de uso, mas
também à de mediação documentária. De outro modo, afirmam que, nos
processos de comunicação da informação (ou seja, caso não se trate de
simples transmissão), se o receptor exerce um papel primordial, o media-
dor também exerce um papel primordial por realizar processos destinados
a facilitar a apropriação da informação no âmbito de comunicações sociais
múltiplas. Deste modo, as autoras relacionam os processos de enunciação
(recurso da mediação) e recepção, evidenciando a precedência do primeiro
para a existência do segundo.
Ressaltamos, ainda, que Fabre e Gardiès propõem repensar os pro-
cessos de mediação, haja vista a complexidade dos dispositivos info-co-
municacionais, visando compreender melhor a maneira em que a infor-
mação e a comunicação são relacionadas aos fenômenos de apropriação
da informação.
Como vemos, as autoras caracterizam a mediação documentária
como processo voltado à recepção, que deve conduzir à comunicação que
favorece a apropriação da informação.
É preciso ter em vista a apropriação da informação, mas ela não
se configura propriamente como objeto de estudo do campo das ações
de mediação documentária. Neste campo, realiza-se a mediação que
Cristina Dotta Ortega
74
permite a comunicação como condição geral para a apropriação. Por esse
motivo, buscamos discorrer sobre mediação documentária. A partir daí, é
pertinente perguntar qual é a comunicação que a mediação documentária
realiza. Tendo em conta a comunicação documentária, nova pergunta se
coloca relativa à especificidade da apropriação da informação possível por
este tipo de comunicação. Deste modo, a seguir buscamos desenvolver
mais especificamente os conceitos de comunicação documentária e de
apropriação da informação, tomados a partir da mediação documentária.
A despeito das reflexões sobre os aspectos pragmáticos serem poste-
riores, elas podem ser percebidas de maneira mais ou menos explícita des-
de as antigas bibliografias e manuais de bibliotecas, como mencionamos.
Mais recentemente, terminologia própria permite evidenciar avanços. O
termo ‘comunicação documentária’ pode ser identificado já no início da
década de 1970 nas publicações de Luce Kellerman (1971, 1977), en-
tre outras produzidas na França no contexto dos estudos de Linguagem e
de Comunicação aplicados à Documentação, então realizados. Kellerman
(1977, p. 368) afirma que a comunicação documentária exige um ajuste
apurado das expectativas individuais e coletivas, que só pode ser alcançado
se documentalistas e usuários tiverem a possibilidade e a vontade de unir
seus esforços. Segundo a autora, a comunicação documentária não consiste
apenas na resposta a um pedido por meio da transmissão da informação
e dos documentos que lhe servem de suporte. Kellermann discorre sobre
as possibilidades de comunicação, incluindo a retroalimentação e tratando
dos problemas possíveis.
Duas décadas depois, Tálamo (1997, p. 3) trata dessa questão, re-
conhecendo o caráter sistêmico de alguns instrumentos documentários de
base linguística, os quais seriam, simultaneamente, um modo de organiza-
ção e uma forma de comunicação da informação.
Tendo por base os estudos desenvolvidos por Tálamo e colegas,
Cohen (1995) parte da proposição de que os sistemas de informação se
constituem como sistemas de comunicação; neles, a emissão e a recepção
Organizar para socializar:
a função social da mediação documentária
75
de mensagens ocorrem em um processo comunicacional denominado co-
municação documentária, que é destinado a – através do produto docu-
mentário – tornar o usuário ‘informado’. O usuário é o ator que dispara
uma situação de comunicação, pois é o ato da recepção que determina o
estabelecimento ou não de uma comunicação. A mensagem é de interesse
central nesses sistemas, pois é através dela que se recupera a informação.
Cohen afirma ainda que, para que a comunicação documentária
ocorra, é necessário que a informação documentária seja portadora de um
significado tal que o usuário possa ser capaz de processá-la mentalmente. A
comunicação documentária é então um processo que exige, de um lado, a
informação documentária e, de outro, o usuário que apreende essa infor-
mação. Como processo comunicacional realizado no campo dos sistemas
formais de comunicação, os sistemas de informação (documentária) são
aqueles que realizam a comunicação documentária. Ainda para a autora,
estes sistemas lidam com atos de comunicação materialmente explícitos,
isto é, o documento, sua representação, a pergunta do usuário, a ação co-
municativa do profissional de informação etc.
Lara e Tálamo (2008) colocam a questão de como discorrer sobre
a categoria recepção nos procedimentos documentários, compreenden-
do-a no âmbito da circulação social da informação. Pressupõem que um
sistema de recuperação da informação deva constituir-se como máquina
produtora de sentido ao contemplar uma oferta de opções relativas às
demandas informacionais.
A categoria recepção, segundo as autoras, relaciona informação e
linguagem e incorpora referências de valor do quadro da emissão e da re-
cepção nos procedimentos documentários, ou seja, referências validadas
socialmente. Esses mecanismos visam o sujeito social, considerando os
grupos que compartilham interesses e linguagem, e não indivíduos isola-
damente. Recepção envolve a noção de interação e exige a substituição da
ideia de usuário ideal pela de sujeito social.
Cristina Dotta Ortega
76
Lara e Tálamo falam da dificuldade da ênfase na fonte emissora de
modo isolado às possibilidades de recepção, tratando dos esforços para de-
finir a natureza da emissão documentária por meio da noção de instituição
(como trata Smit, 2000, 2009, sobre o valor institucional atribuído à in-
formação na atividade documentária). Para as autoras, a produção da in-
formação reflete os objetivos e a missão das instituições que a desenvolvem.
Para Meadow (1992, p. 2-19), a recuperação da informação impli-
ca comunicação; o conceito implicitamente em questão é seletividade, já
que encontrar informação não é o mesmo que recuperar informação. De
acordo com Lara (2009, p. 143-144), considerando o caráter dialógico da
comunicação, a seleção coloca em jogo uma negociação de sentido entre
emissão e recepção. A interpretação de Lara (2008) sobre a proposta de
Capurro (2003), citado por ela, é a de que as mensagens documentárias
são produzidas para funcionar como oferta de sentido, pois proporcionam
referência para a ‘seleção de sentido’ por parte do usuário.
Recuperação da informação é termo que se manteve presente no
campo. No entanto, a afirmação de que o campo se explica como responsá-
vel pela organização e recuperação da informação conduz ao nivelamento
conceitual entre os dois termos e a uma relação causal e direta do primeiro
para o segundo. Diríamos, de outra maneira, que organização da informa-
ção é atividade-meio para o fim de recuperação.
Para Lara (2006), em um viés pragmático, a atividade documentária
é desenvolvida segundo a relação produção/recepção, deixando de privile-
giar o polo da produção (ou da enunciação), mas sem centrar-se exclusi-
vamente no polo da recepção. Ela reconhece que, se o usuário, sujeito da
interpretação, foi esquecido, ao contemplá-lo, não se pode ignorar a inten-
cionalidade da enunciação. Afinal, como disseram posteriormente Fabre e
Gardiès (2010), o papel primordial do receptor remete à primordialidade
do papel do mediador. Segundo Lara, o problema se desloca, então, da
enunciação e da recepção para a mensagem, passando-se a enfatizar a ca-
racterística mediadora da atividade documentária. Neste sentido, a autora
Organizar para socializar:
a função social da mediação documentária
77
(Lara, 2007, p. 159) ressalta que não reconhecer a intencionalidade da ati-
vidade documentária supõe assumir a antiga neutralidade a ela atribuída.
Para Lara (2009, p. 159), essas questões têm sua origem no conceito
de informação em Ciência da Informação, cujos traços distinguem o con-
ceito de outros usados de modo mais genérico, assim como não se confun-
dem com os usos mais específicos ligados a campos do conhecimento. A
autora conceitua informação segundo três perspectivas:
- algo intencionalmente construído a partir da análise da produção
do conhecimento e dos objetivos institucionais;
- algo que se apresenta sob forma específica – uma mensagem
documentária, como um produto documentário-informacional;
- algo que instaura uma relação comunicativa particular, a
comunicação documentária (Lara, 2009, p. 159).
Como tratamos anteriormente, Martínez Comeche (1995, p. 35-
50) fala em duas acepções para informação, as quais podemos equiparar,
respectivamente, às duas primeiras e à última propostas por Lara: no sen-
tido intransitivo de informar, a ação refere-se à produção da mensagem,
enquanto o sentido transitivo de informar envolve dois agentes intercam-
biando uma mensagem e cumprindo ambos os papeis de emissor e recep-
tor de um ato comunicativo. A primeira acepção de informação seria a de
processo prévio à comunicação em que se produzem as mensagens para
que elas possam ser comunicadas. A segunda acepção de informar é a de
comunicar algo. Martínez Comeche afirma ainda que os termos informa-
ção e comunicação relacionam-se de modo estreito até o extremo de serem
confundidos. Não são, no entanto, duas expressões distintas de um fenô-
meno único, pois a informação constitui o tratamento que recebe aquilo
que se vai comunicar e a comunicação é a consequência desse processo.
Portanto, há distinção entre emissão e recepção, organização e recu-
peração, informação e comunicação, no sentido de que as primeiras não
podem ser equiparadas às segundas. O papel interveniente da atividade do-
Cristina Dotta Ortega
78
cumentária resulta na recepção/recuperação/comunicação. Essa interven-
ção também é evidenciada na apropriação da informação a sua maneira, já
que – no âmbito das ações de mediação de que tratamos – ela depende da
comunicação documentária.
Sendo assim, no parágrafo anterior, tratamos de dois níveis de inter-
venção realizadas via atividade documentária. Inicialmente, temos a ati-
vidade documentária propriamente dita que permite a comunicação da
informação. Depois, a partir da comunicação, temos a interpretação a ser
realizada pelo usuário na ausência de qualquer tipo de controle; é quando
ocorre a apropriação da informação. A primeira intervenção, por seu ca-
ráter intencional e propositivo, influencia a última, mas não a determina.
De fato, reconhecer que não se controla a interpretação do usuário não
diminui o caráter intencional da atividade documentária, nem seu poder
transformador, já que nesta atividade faz-se produção de informação, não
reprodução, representação fiel ou reempacotamento de conteúdos.
Lara (2007, p. 159) afirma que a atividade documentária busca es-
tabelecer relações comunicativas particulares, pois, ao ter como objetivo a
apropriação da informação, ela é motivada. A intencionalidade da ativi-
dade documentária não implica automaticamente seu uso efetivo tradu-
zido em apropriação, mas esta é sua finalidade. Lara afirma ainda que os
arranjos de significação que funcionam como meio de acesso à informação
devem ser produzidos supondo um usuário ativo, ou seja, “um sujeito que,
nas suas diferenças, reconhece e se apropria dos insumos informacionais
pelo seu valor simbólico e cultural” (Lara, 2007, p. 149).
Para Lara, as práticas documentárias são institucionais e têm fins
pragmáticos; elas seriam um tipo de prática social (Lara, 2007, p. 159).
Podemos dizer que a intervenção que caracteriza a atividade documentária
visa a apropriação pelo sujeito mas, como este sujeito é membro de um
grupo que identificamos como público, essa intervenção é tanto individual
quanto social.
Organizar para socializar:
a função social da mediação documentária
79
Tálamo (1997, p. 11) considera o papel de socialização do conhe-
cimento da atividade documentária pois, na sua ausência, compromete-
-se o acesso do indivíduo às informações que lhe permitem compreender
melhor a si mesmo e ao mundo, oferecendo-lhe condições de integração
à realidade. Afirma, por isso, que as operações técnicas de tratamento e de
disseminação da informação estão sustentadas por intencionalidade, cuja
ocultação pode contribuir para encobrir a função social, política e econô-
mica da atividade.
Meneses (1994), tratando de atividades documentárias de caráter
museológico, elabora questões semelhantes. Para ele, ocorre o enfraqueci-
mento da dimensão política do museu quando não há o trabalho com o
acervo, seja ele materialmente incorporado aos muros do museu, ou não.
Frente à intencionalidade da atividade documentária, este autor (1994,
2002) fala sobre o que denomina boas intenções destas atividades quando
realizadas sem mediação, pois a ausência de proposta, como sendo a pró-
pria proposta, conduziria à alienação do trabalho do museu.
Ressaltamos o caráter intencional das atividades documentárias, a
partir das quais as ações de mediação se realizam, possibilitando comuni-
cação com o usuário que, por sua vez, fomenta a apropriação. Essa inten-
cionalidade é que imprime a função social e política da atividade.
Retomando as ideias de Fabre e Gardiès (2010), sobre as quais discorre-
mos por se referirem particularmente à mediação documentária, a apropriação
está posta como objetivo. Segundo elas, como dissemos, o mediador realiza
processos destinados a facilitar a apropriação da informação no âmbito de co-
municações sociais múltiplas. Ao afirmarem que o objetivo é o de mobilizar os
dispositivos para tornar o usuário ator de sua cultura de informação, as autoras
permitem melhor compreender a apropriação da informação.
O termo cultura da informação é apresentado como conceito em
processo de estabilização por autores franceses, mas entendemos que ele
é um caminho para a compreensão das condições de apropriação da in-
formação que se busca produzir via comunicação documentária. Vale co-
Cristina Dotta Ortega
80
mentar que tem sido comum a tradução do termo francês culture de l’in-
formation para o termo da língua inglesa information literacy (literalmente,
alfabetização informacional). Os autores franceses que discutem a cultura
da informação, no entanto, tendem a questionar essa tradução, por en-
tenderem o uso de information literacy predominantemente no sentido de
instrumentalização para o acesso à informação.
Chante (2010, p. 2) afirma que o conceito de cultura da informação
foi formalizado na França com o manifesto ABCD (inter association des
Archivistes, Bibliothécaires, Conservateurs, Documentalistes), em dois encon-
tros realizados entre 1995 e 1996, intitulados, respectivamente, segundo
tradução nossa: “Para uma cultura da informação: da documentação à for-
mação” e “Para uma cultura da informação: ser cidadão face aos problemas
de informação: aprender a se informar”.
A despeito das dificuldades para uma definição de cultura da in-
formação, Olivier Le Deuff propõe a de Michel Menou, produzida em
resposta à questionário desenvolvido para sua tese de doutorado. Le Deuff
(2009) avalia essa definição como a mais pertinente até aquele momento,
publicando-a posteriormente, como segue:
Um sistema de valores, atitudes e comportamentos, conhecimentos
e competências que conduzam não só a um uso inteligente e
apropriado da informação externa, mas sobretudo a contribuir para
a divulgação e uso adequados da informação externa e interna (ou
produzida/reconfigurada por si próprio). Portanto, uma cultura de
partilha e enriquecimento coletivo (Menou, citado por Le Deuff,
2014, p. 165-166).
Como afirmam vários autores, o conceito de cultura da informação
tem caráter pedagógico, constituindo-se como uma formação para a in-
formação. Quanto a isso, no entanto, não podemos deixar de considerar
a relativização da função pedagógica dos sistemas de informação realizada
por Lara, haja vista não se tratar de sistemas explicadores, embora devam
ser formadores.
Organizar para socializar:
a função social da mediação documentária
81
Segundo sistematização realizada por Chante (2010), as autoras
Fabre e Couzinet propõem distinção entre cultura informacional e cultu-
ra da informação, como segue. A cultura informacional seria o conheci-
mento construído pelas Sciences de l’Information et de la Communication,
ou seja, refere-se às teorias de uma disciplina científica, sendo a informa-
ção um objeto técnico-científico relativo a uma produção social. Já a cul-
tura da informação estaria centrada na utilidade e seria o conhecimento
de cada indivíduo sobre seus próprios interesses e necessidades, e a sua
capacidade de encontrar, organizar e comunicar, por meio da técnica que
permite dominar a natureza através dos objetos.
Como outros autores, para Le Deuff (2010), a faceta técnica está no
centro da cultura da informação, haja vista que a herança técnica dessa cul-
tura se encontra em todas as ferramentas e dispositivos utilizados para ca-
tegorizar e arquivar a informação. Para Le Deuff (2014, p. 173), na cultura
da informação, a relação com a técnica encontra-se bem além do simples
uso. As técnicas seriam em primeiro lugar aquelas da escrita e da leitura,
mas a formação para a informação não deve se limitar a formar para o
bom uso dos dispositivos técnicos, como as bases de dados e os motores de
busca, por exemplo. A cultura técnica requer a capacidade de compreender
a máquina e eventualmente poder modificá-la, em uma lógica de transmis-
são que permite herdar avanços do passado (Le Deuff, 2014, p. 174).
No entanto, Le Deuff afirma que a cultura da informação não é um
meio de qualificar a Documentação de uma forma diferente, ou dar-lhe
mais um novo nome. Assim, quanto a um possível lugar teórico da cultura
da informação, Le Deuff (2010) cita Brigitte Juanals (2003, p. 12), que
a localiza como um conceito que se encontra no cruzamento das Sciences
de l’Information et de la Communication, das Ciências da Educação e da
Informática. Para ele (Le Deuff, 2014, p. 172), a cultura da informação
opera de maneira transversal, do que decorre que ela seria transdisciplinar.
A relação que este autor estabelece com a Documentação é a de que a
cultura da informação constitui o que ele chama de ‘componente cidadão
Cristina Dotta Ortega
82
do projeto da Documentação (Le Deuff, 2014, p. 21). Ele afirma que as
atitudes e valores dessa cultura nascem com os pioneiros da Documentação
na década de 1930, mas também com muitos outros pensadores. Fazendo
menção à obra de Sylvie Fayet-Scribe sobre a história dos suportes e das
ferramentas de mediação documentária, Le Deuff diz que a cultura da in-
formação se refere a uma forma de normalização de métodos e de práticas,
iniciada pelos documentalistas, bibliotecários e especialistas de informação
técnica e científica (Le Deuff, 2014, p. 22). Por sua vez, segundo Chante
(2010), hoje o documentalista deve lutar contra a tendência de se reduzir a
cultura da informação a uma cibercultura ou cultura do digital.
Michel Menou, mencionado por Le Deuff, foi responsável pelo ver-
bete ‘cultura da informação’, publicado ainda em 1997, no Dictionnaire
Encyclopédique de l’Information et de la Documentation, coordenado por
Cacaly. Nesse verbete, Menou (1997, p. 167-169) apresenta uma crítica ao
uso do conceito como uma explicação cômoda para o sucesso ou fracasso
dos processos, sistemas e produtos de informação. A despeito disso, ele
explica o caráter cultural do chamado ciclo de informação. Ele se refere à
produção da informação pelo autor, inventor ou descobridor até sua apre-
ensão pelo usuário final, passando pelas etapas cruciais de difusão e orga-
nização. Menou deixa claro que a informação é veículo ou ‘portadora de
sentido’, portanto, é tributária da cultura, e que os atores que constituem
o ciclo da informação intervêm em todas as suas fases, do que decorre que
a cultura está sempre presente.
Considerando a cultura da informação no âmbito da mediação do-
cumentária, Gardiès (2011, p. 190) aponta um cenário problemático que
nos permite aprofundar a compreensão sobre as condições para a apro-
priação da informação. Ela fala da oferta comercial de informação digital
que leva os profissionais de informação a voltarem seus esforços principal-
mente para a coleta de recursos. Gardiès entende que, quando a atividade
documentária tem na coleta sua principal tarefa, atuando em uma acessi-
bilidade imediata e direta, os usuários retroagem a uma condição de pseu-
do-autonomia. Essa situação em que os usuários são postos oculta o papel
Organizar para socializar:
a função social da mediação documentária
83
do tratamento da informação. A imediaticidade do acesso à informação
coloca em questão ainda mais a apropriação da informação, na medida em
que o tratamento da informação realizado pelo profissional da informação
é minimizado. Como vemos, se o tratamento da informação é minimiza-
do, é minimizada a mediação documentária que esse tratamento realiza,
não contribuindo para a produção de condições simbólicas para uma apro-
priação da informação pelos sujeitos.
Gardiès (2011, p. 202) discorre sobre a questão, observando que a
informação não é um dado, mas depende de um processo humano e so-
cial para existir. Essa transformação do dado em informação, realizada em
dispositivos como bibliotecas, centros de documentação e demais sistemas
de informação, caracteriza-se pela redução da distância entre o tempo da
produção e o tempo do uso da informação. Como afirma a autora, essa
distância é indispensável à construção do sentido pelos receptores. Assim,
passa-se da problemática do acesso à informação para a problemática da
seleção, avaliação e apropriação da informação.
A apropriação da informação, sob o ponto de vista do campo que
nos ocupa, depende da recuperação da informação que se define como
seleção, como também desenvolveu Lara, a partir de Capurro. Essa sele-
ção pelo usuário será tanto mais significativa quanto mais for realizada a
partir de um conjunto de objetos selecionados e recriados (materialmente)
como representações daqueles, a partir de relações que lhe fornecem esta-
tuto simbólico. As representações documentárias são formas significantes,
portanto, verdadeiras estruturas mediadoras que potencializam, orientam
e qualificam a seleção pelo usuário. Elas fornecem recursos que operam
como percursos cognitivos possíveis e diversos que permitem aos usuários
sua inserção no mundo da cultura, por meio de processos contínuos de
apropriação da informação.
84
85
2
A   
 
2.1 o Livro como princípio e A cArActerizAção de
bibLiográfico’: AproximAções e distinções
O conceito de documento, desenvolvido no capítulo anterior, sus-
tenta o campo das ações de mediação documentária, constituindo-se como
produto dessas ações. Tendo em vista um público, objetos são mobilizados
a seu favor por meio de ações de mediação, que são simultaneamente ma-
teriais e simbólicas.
Esse conceito de documento explicitado de alguma maneira por
Otlet pautou-se inicialmente na ideia de livro, então desenvolvida no
contexto dos estudos da disciplina Bibliologia. A proposta de Otlet para
os termos fundamentais documento e Documentação desenvolveu-se to-
mando como ponto de partida os termos – também fundamentais – livro
e Bibliologia.
A forte presença do livro no século XIX, por seu reconhecimento
como objeto privilegiado da escrita, conduziu a que ele fosse tomado como
objeto material e teórico da disciplina Bibliologia. Sob um viés mais em-
pírico, neste mesmo período, as disciplinas Bibliografia e Biblioteconomia
Cristina Dotta Ortega
86
desenvolveram-se também fortemente marcadas pelo livro. De fato, livro é
objeto que exerceu e exerce papel emblemático no registro das ideias pro-
duzidas pela humanidade.
Sob o impulso de várias obras de Paul Otlet, em especial do Tratado
de Documentação, de 1934, desenvolveram-se as abordagens bibliográfi-
ca, arquivística e museológica do documento, fundamentando a disciplina
Documentação. A concepção tríade do documento foi evidenciada poste-
riormente, como é o caso das Ciencias de la Documentación, na Espanha,
de que trata López Yepes (2008), entre outros.
A despeito da concepção tríade do documento – bibliográfica,
arquivística e museológica –, ideias e fazeres foram mais amplamente
direcionadas à abordagem bibliográfica, como observamos na proposta
otletiana e, principalmente, na literatura e nas práticas profissionais das
décadas seguintes.
Frente a esse cenário, a pergunta que nos move inicialmente nesse
capítulo é: o que a Bibliologia expressa por Otlet trouxe propriamente de
bibliográfico? Continuando a pergunta: como esse percurso de constru-
ção conceitual, pautado pelo livro em Bibliologia, nos permite elaborar o
adjetivo ‘bibliográfico’, de modo que ele possa caracterizar a mediação do-
cumentária específica de que nos ocupamos aqui, ou seja, a bibliográfica?
Assim, buscando caracterizar a mediação documentária bibliográ-
fica, tratamos a seguir da Bibliologia como disciplina em que se baseou
Otlet para a proposição da Documentação.
Couzinet (2011, p. 178) explica que os primeiros teóricos da ci-
ência do livro e das bibliotecas denominavam seus trabalhos pelo nome
de bibliografia. Ela cita trabalhos do século XVIII e início do século XIX
voltados ao estudo do livro em seus diversos aspectos, como a história da
tipografia e dos primeiros impressores, catalogação e classificação, medidas
de conservação, direitos e deveres dos bibliotecários. Segundo Couzinet,
havia um entendimento de que a técnica bibliográfica e a ciência do livro
eram inseparáveis.
Organizar para socializar:
a função social da mediação documentária
87
Nesse contexto da compreensão francesa de bibliografia, biblioteca e
livro, a autora (Couzinet, 2011, p. 178) afirma que Gabriel Peignot, no iní-
cio do século XIX, introduziu a distinção entre Bibliografia e Bibliologia.
Buscava-se assim atribuir arcabouço teórico à Bibliografia. Em sua obra,
Peignot (1802, p. ix) afirma que a Bibliologia é uma teoria da Bibliografia,
sendo que esta incluiria apenas a descrição e a classificação de livros.
Segundo Peignot (1802, p. viii-ix, tradução nossa), a Bibliologia se-
ria “uma espécie de enciclopédia literária-metódica que, tratando sumária
e descritivamente de todas as produções do espírito
1
, atribui a cada uma
delas o lugar que devem ocupar em uma biblioteca universal”. Para ele
(1802, p. ix), a Bibliologia apresenta os conhecimentos humanos em suas
relações, encadeamento e divisão, aprofundando todos os detalhes relativos
à fala, escrita e impressão. Peignot afirma, em definição que consideramos
a mais completa:
A Bibliologia, compreendendo a totalidade dos conhecimentos
humanos, ocupa-se particularmente de seus princípios elementares,
sua origem, sua história, sua divisão, sua classificação e tudo o que
diz respeito à arte de representá-los e preservar sua memória por
meio de signos, sejam hieroglíficos ou epistólicos, manuscritos ou
impressos (Peignot, 1802, p. viii, tradução nossa).
De proposta de disciplina enciclopedista, a Bibliologia ganhou no-
vos contornos um século depois.
Robert Estivals pode ser considerado o principal teórico, articula-
dor e divulgador contemporâneo da Bibliologia. Obra abrangente sobre
Bibliologia e disciplinas correlatas, produzida por verbetes assinados, é a
Les sciences de l’écrit. Encyclopédie Internationale de Bibliologie, coordenada
por Estivals e publicada em 1993 (Estivals, 1993). Nessa obra, os nomes
a quem Estivals dedica o trabalho são emblemáticos de sua compreensão
sobre a disciplina: “A la mémoire de l’abbé Rive, de Gabriel Peignot et de Paul
Otlet” (Estivals, 1993a, p. 12).
No original em francês: génie.
Cristina Dotta Ortega
88
Para Estivals (1993b, p. 30), pode-se formular a hipótese de uma
relação entre o Iluminismo, a Enciclopédia de Diderot e o nascimento
da Bibliologia na França. Segundo ele, até bem recentemente, o termo
Bibliologia era mais conhecido por seu uso inicial como ciência do livro
por Gabriel Peignot. Após novos estudos, foi aceito que o abade Jean-
Joseph Rive (presente na dedicatória da Enciclopédia de Bibliologia, como
mencionamos) trabalhou no desenvolvimento da teoria da disciplina entre
1781 e 1786, em material que foi publicado em 1790. Estivals afirma que
outros estudos identificaram o uso da palavra bibliologia em 1580 pelo ita-
liano Ulissis Aldrovandi, e há também a identificação da existência de tra-
balhos bibliológicos árabes entre o século X e XV (Estivals, 1993b, p. 30).
A despeito dos usos anteriores do nome bibliologia, Estivals (1993a,
p. 8) afirma que a obra fundadora da Bibliologia no Ocidente foi a de
Gabriel Peignot, publicada em 1802 e 1804, sob o título de Dictionnaire
Raisonné de Bibliologie. Essa obra manteve-se como grande referência sobre
a disciplina em diversos países. No século seguinte, em 1934, foi publi-
cada o que Estivals considera como nova obra síntese sobre Bibliologia, o
Tratado de Documentação, de Paul Otlet.
Pelo caráter fundador do Tratado de Documentação de Otlet,
Estivals (1993b, p. 31) afirma que essa obra fez renascer o interesse sobre
a Bibliologia, mas que ela foi esquecida até depois da Segunda Guerra
Mundial. Por volta dos anos 1970 e 1980, no contexto dos estudos das
Sciences de l’Information et de la Communication, a disciplina Bibliologia
foi retomada e desenvolvida na perspectiva dos estudos da escrita e da
comunicação escrita, e não mais como ciência do livro. Essa retomada e
desenvolvimento foi realizada em especial pelo próprio Estivals. Desde
1981, colóquios sobre Bibliologia ocorreram na Europa e em países fran-
cófonos (Argélia, Marrocos e Tunísia), levando à formação da Association
Internationale de Bibliologie, em 1988 (Estivals, 1993a, p. 8-10). Estivals
foi um dos grandes responsáveis por essas ações, como dissemos, assim
como pela Revue de Bibliologie: Schéma et Schématisation
2
, produzida de
1968 até seu falecimento em 2016.
Revue de Bibliologie: Schéma et Schématisation foi a revista da Association Internationale de Bibliologie. Link
Organizar para socializar:
a função social da mediação documentária
89
As definições atuais de Bibliologia, para Estivals (1993b, p. 46-47),
não são claras, distinguindo-se a depender das orientações dos autores. Ele
afirma que podem ser identificadas três orientações. Uma primeira orien-
tação é caracterizada como biblioteconômica, sendo marcante no mundo
anglo-saxão, em que se preserva a relação Bibliografia-Bibliologia. A segun-
da orientação, mais relacionada à história e sociologia do livro, considera a
Bibliologia como a ciência do livro. A terceira seria a mais nova e vanguar-
dista, segundo suas próprias palavras, desenvolvendo-se no contexto das
Sciences de l’Information et de la Communication como ciência da escrita e
da comunicação escrita. Segundo Estivals, esta concepção é a aceita como
objeto de estudo pela Bibliologia e adotada pela Association Internationale
de Bibliologie. Essa é a concepção desenvolvida pelo próprio Estivals.
Estivals (1993a, p. 7-9) afirma que a Bibliologia se distanciou lenta-
mente da Bibliografia e da Biblioteconomia nos séculos XIX e XX, tornan-
do-se objeto de estudos de muitos autores em diversos países. Segundo ele,
esses estudos partem das necessidades de comunicação a que respondem os
sistemas de escrita. Estivals discorre sobre estes estudos, os quais receberam
a denominação de teoria da esquematização.
Para tratar dessa teoria, Estivals menciona o Tratado de
Documentação. Como consta no Tratado, a “arte de elaborar esque-
mas (a esquemática) deve tornar-se um ramo da bibliologia; ela é, assim
como esta, a teoria do registro e da exposição metódica dos conhecimen-
tos científicos” (Otlet, 1934 – 222.32 Images schématiques, 6.). Assim,
Estivals desenvolve sua proposta, a partir de Otlet, em verbete próprio
da Enciclopédia de Bibliologia denominado Schématique (Schématisation,
Schéma, Schématisme) (Estivals, 1993c, p. 479-480). Estivals explica que
a esquematização se refere ao estudo de procedimentos de elaboração, de
representação e de comunicação dos conhecimentos. Ela é adotada para
analisar os procedimentos mentais de redução da informação. Os proce-
dimentos de síntese são realizados para a organização esquemática de co-
nhecimentos de forma gráfica. Assim, o esquema constitui um conjunto
de acesso à Revista: http://www.aib.ulb.ac.be/ssb.html Acesso em: 24 nov. 2013.
Cristina Dotta Ortega
90
de linhas cruzadas, setas ou arcos. O esquema é construído para funcionar
como o significante do esquema mental significado. Estivals afirma ainda
que, como resultado, o esquema envolve ao mesmo tempo a semiologia, a
linguística, a iconologia e a neurologia.
Estivals explica que a Esquemática teve por base a aplicação da teo-
ria de sistemas à Bibliologia. Por meio dessa teoria, observa-se o documen-
to escrito, quanto à sua composição textual e tipográfica, entre outros, e
seus subsistemas de produção, conservação, distribuição e comunicação.
Segundo ele, busca-se verificar se a oferta atende à demanda, ou seja, se
o sistema está em equilíbrio. Assim, a partir de um diagnóstico, os ele-
mentos não operacionais dos subsistemas considerados são modificados,
visando restabelecer o equilíbrio. Estivals menciona ainda que os estudos
de Bibliologia são distintos dos precedentes, que eram baseados no méto-
do da cadeia, em percurso que parte do livro do autor e segue até o leitor.
Ele questiona o esquema linear da cadeia, motivo pelo qual a teoria de
sistemas mostrou-se pertinente às necessidades da comunicação escrita,
exemplificando com a produção de textos comerciais para publicação e
a política de aquisição de bibliotecas, entre outros (Estivals, 1993a, p. 9,
1993b, p. 59, 64).
Considerando o percurso da Bibliologia que apresentamos, busca-
mos a seguir observar o papel exercido por ela, ou que ela pode potencial-
mente exercer, para a caracterização das ações de mediação documentária
em abordagem bibliográfica.
A Bibliologia proposta por Peignot é voltada aos aspectos teóricos
do livro, como uma ciência do livro. No entanto, como vemos pelas de-
finições apresentadas por ele em 1802, trata-se de uma ideia alargada de
livro, que contempla certos escritos existentes à época, envolvendo vários
tipos de escrita e modos de registro, além da ideia de objeto de registro
de conhecimento.
As definições de Peignot sobre Bibliologia indicam que ela é a apre-
sentação esquemática de todos os conhecimentos, ou a organização dos
Organizar para socializar:
a função social da mediação documentária
91
conhecimentos, considerando os registros que os expressam, tendo em vis-
ta acompanhar o progresso intelectual. Podemos dizer que a Bibliologia de
Peignot é caracterizada pela atividade de mapeamento dos conhecimentos
produzidos em livros e outros escritos, cujos produtos são enciclopédias,
com sua organização sistemática e relacional. Embora a Bibliografia tenha
se desenvolvido também como atividade de mapeamento dos conheci-
mentos produzidos em livros e outros escritos, seus produtos referem-se a
listas de referências de textos selecionados segundo critérios, apresentadas
sob diversos arranjos, os quais funcionam como mecanismos de navegação
e busca. Ainda que objetivos e produtos se diferenciem, a Bibliografia foi
posta, por aqueles que conceberam a Bibliologia, como faceta técnica-ope-
racional desta.
Constatamos assim que a diferenciação dos produtos chamados de
bibliológicos ou de bibliográficos foi usada para uma caracterização dico-
tômica de disciplinas, respectivamente, de cunho teórico ou técnico, o que
pode ter contribuído para a produção de fissuras posteriores no pensamen-
to do campo da atividade documentária bibliográfica. Nesse pensamento,
os elementos concretos, como o são os produtos das atividades, são os
mais fáceis de perceber, sendo por isso tomados para uma compreensão
do campo. Em um movimento de cientifização do campo, no entanto, os
métodos bibliográficos devem ser abordados a partir de um conjunto de
fundamentos que os congregue, e considerados os objetivos que permitam
obter produtos que lhes correspondam.
No Tratado de Documentação, publicado em 1934, é evidente o
esforço de generalização e abstração, inclusive tendo por base terminologia
que atenda a esse movimento. Otlet fala da necessidade de uma Bibliologia
que deve reunir as disciplinas que tratam do livro. Seria uma Bibliologia
voltada à “a arte de escrever, de publicar e difundir os dados da ciência (...),
uma ciência e uma técnica gerais do documento, (...) uma ciência geral que
contemple o conjunto sistemático, ordenado, dos dados relativos à produ-
ção, conservação, circulação e uso dos escritos e documentos de todo tipo
(...), ciência teórica, comparativa, genética e abstrata, abrangendo todos os
Cristina Dotta Ortega
92
livros, todas as espécies e todas as formas de documentos” (Otlet, 1934 –
112 Nécessité d’une Bibliologie).
Em relação à Bibliologia de Peignot, para Otlet, distintamente, o
livro pode ser estudado a partir de diversas perspectivas científicas, como
a linguística, a tecnológica, a lógica e a sociológica (Estivals, 1993a, p. 8).
Outra distinção em relação à Bibliologia de Peignot, é que Otlet am-
plia os tipos de documento que seriam foco da disciplina para além do livro
e outros escritos, embora reitere sua centralidade. Era claro para Otlet que
o livro era um dos tipos de documento, além dos documentos audiovisuais,
por exemplo, então em franco desenvolvimento. Em Concepción lógico-lin-
güística de la Documentación, obra espanhola que é uma das mais reflexivas
sobre o Tratado de Documentação, Sagredo Fernández e Izquierdo Arroyo
(1983, p. 305) afirmam que Otlet adota a forma ‘livro ou documento’,
mantendo a primeira palavra apenas em regime de conservação dos usos.
Podemos dizer, assim, que Otlet fez uso destas palavras, juntas ou separa-
das, em função da necessidade de se fazer compreendido, frente à primazia
do objeto livro na produção intelectual e artística. De fato, observamos no
Tratado que Otlet fez uso da expressão ‘livro e documento’ no início, mas
privilegiou ‘documento’ em quase todas as páginas seguintes.
Diferente de Peignot que trabalha com a apresentação esquemática
de conhecimentos, Otlet desenvolve a ideia de cadeia documentária, no
sentido dos diversos processos concatenados desde a produção dos docu-
mentos, sua organização e guarda, até as atividades que permitem fazê-los
chegar às mãos dos leitores, incluindo o uso que estes fazem daqueles. A
proposta de Otlet sobre a cadeia ou ciclo, como indica o enunciado Les
operations relatives aux Livres et aux Documents s’enchaînent el forment un
cycle (Otlet, 1934 – 416 Operations, a), contribuiu para o desenvolvimento
das atividades documentárias como conjunto de processos ordenados e
articulados em direção à produção do documento como objeto ressignifi-
cado e que pode permitir que as mensagens sobre os objetos de interesse,
assim como os próprios objetos, cheguem a seus públicos destinatários.
Organizar para socializar:
a função social da mediação documentária
93
Por sua vez, Estivals não incorpora o método da cadeia em sua
proposta, a Esquemática. De fato, a ideia de cadeia ou de ciclo para a
fundamentação dos processos documentários deve ser rediscutida, nos
casos em que é apresentada de modo linear, do emissor ao receptor, e
em abordagem mecânica. De qualquer modo, a superação da ideia
de uma cadeia fica evidente na concepção do sistema pelo processo de
retroalimentação. Menos conhecida, mas muito relevante é a afirmação
sobre a motivação inicial do sistema técnico-social encontrar-se no destino
do objeto que é potencialmente um documento, como concebe Meyriat
(1981). Termos mais adequados devem ser buscados, como fluxo docu-
mentário, que é adotado neste trabalho. A questão é tratada na parte final
deste capítulo.
Quanto à Bibliologia proposta por Estivals junto a outros pesquisa-
dores na Encyclopédie Internationale de Bibliologie, de 1993, os conceitos
relacionados às ações de mediação documentária em abordagem bibliográ-
fica são secundários. O plano de organização da Enciclopédia apresenta os
verbetes reunidos em 11 grandes grupos temáticos, com títulos próprios
e hierarquizados dos mais abrangentes para os mais específicos. O último
grupo, de número 11, é justamente o que apresenta os estudos de media-
ção que estudamos, no entanto, sob o nome de ‘As técnicas’, reunindo três
verbetes: As técnicas gráficas; A bibliografia; e A biblioteconomia.
Podemos dizer que os estudos bibliológicos – voltados ao estudo do
livro e, depois, ao estudo da escrita e da comunicação escrita – permeiam
o campo das ações de mediação documentária em abordagem bibliográ-
fica, por tratarem da produção e circulação dos livros e demais escritos e
do mapeamento destes documentos em relação ao conhecimento a que se
referem e aos interesses que motivam esse mapeamento. Nesse sentido, os
estudos bibliológicos podem contribuir para a representação de documen-
tos em sistemas de informação e para a oferta de serviços bibliográficos.
Mas, pela própria questão temporal, foi a Bibliologia do final do
século XIX a que foi adotada como lugar teórico de onde partiu Otlet
Cristina Dotta Ortega
94
para fundamentar o conceito de documento, na perspectiva de que todo
e qualquer objeto pode funcionar informacionalmente. O livro como ob-
jeto simbólico, na perspectiva da Bibliologia, foi o ponto de partida para
a proposição inicial do conceito de documento por Otlet. De modo rela-
cionado, a concepção otletiana toma o livro como documento, sob bases
teóricas e metodológicas desenvolvidas a partir de um extenso quadro em-
pírico significativamente sistematizado, principalmente, no contexto das
disciplinas Bibliografia e Biblioteconomia, então em processo de consti-
tuição (Ortega; Tolentino, 2020). Diferentemente dos outros estudos bi-
bliológicos citados, como os de Peignot e os de Estivals, Otlet se debruça,
em termos teóricos e aplicados, sobre processos, instrumentos e produtos
documentários, tendo em vista o uso de documentos por certos públicos.
De fato, Otlet pergunta “O que é próprio do livro? O que nele é pro-
priamente bibliográfico?” (Otlet, 1934 – 115 Objet propre de la Bibliologie).
À falta de uma resposta precisa, mas considerando o desenvolvimento de
suas ideias, podemos afirmar que Otlet não entendia que apenas o livro
pudesse ser caracterizado como objeto bibliográfico.
Desse modo, como caracterizar a mediação documentária bibliográ-
fica, haja vista que o radical biblio- é entendido hoje em sentido ordinário
como relacionado ao livro e escritos em geral? Se o radical biblio- relacio-
na-se a livro também no uso ordinário das denominações Bibliografia e
Biblioteconomia e termos derivados, como podemos definir ‘bibliográfico’?
Junto a isso, é comum o uso da definição negativa (ainda que insuficiente)
de ‘bibliográfico’ e de Biblioteconomia, referindo-se a todos os temas que
não se referem ao escopo da Arquivologia ou da Museologia. No contexto
da institucionalização da pesquisa brasileira sob a denominação Ciência
da Informação, as definições do senso comum ganham novos contornos.
Assim, a reboque da definição negativa que mencionamos, a pesquisa e os
pesquisadores e pós-graduandos que não se ocupam da Arquivologia ou
da Museologia são considerados como pertencendo ao grupo da ‘Ciência
da Informação’, a despeito da diversidade de conteúdos desenvolvidos sob
este nome.
Organizar para socializar:
a função social da mediação documentária
95
Em busca da especificidade das ações de mediação documentária
em abordagem bibliográfica, observar a relação entre o radical biblio- e o
objeto livro pode ser proveitosa.
Em seu Histoire du livre, de 1954, Eric de Grolier afirma que as ori-
gens do livro se confundem com aquelas da linguagem, por um lado, e da
arte, por outro lado. Grolier pauta-se na generalização realizada por Otlet,
dizendo que ele considera o livro como um tipo de memória objetivada
da humanidade, durável e confiável, que substitui as memórias subjetivas,
transitórias e não confiáveis dos homens individuais, caracterizando-se,
portanto, como um instrumento, imaginado pelo homem para auxiliar
seu pensamento. Nesse sentido, Grolier questiona se o livro pode ser defi-
nido como usualmente é visto, uma vez que outros tipos de livros existiram
antes e deverão existir no futuro (Grolier, 1954, p. 5 e 7).
A despeito da presença do livro no imaginário como texto escrito e
impresso em formato dobrado, a história desse objeto remete aos rolos e
códices, assim como conduziu posteriormente a formas digitais. Importa
reconhecer ao menos dois usos do nome ‘livro’: o formato livro e a tipo-
logia documental livro, ambos relativos a objetos produzidos em suportes
materiais diversos. Sob esse ponto de vista, faz-se necessário distinguir su-
porte material, formato e tipologia. Para tanto, é preciso observar o per-
curso que precede o surgimento do livro impresso e continua depois dele,
considerando o desenvolvimento da produção textual, segundo as tecno-
logias em voga, sob influência de mudanças econômicas e sociais, tanto
quanto fomentando mudanças desta ordem.
Tomando por base artigo desenvolvido anteriormente (Ortega;
Tolentino, 2020), sintetizamos o que segue.
A produção de inscrições na Antiguidade contou com registros em
paredes ou em materiais como pedras, ossos, madeiras e argila, e mais tarde
com o uso do papiro e do pergaminho. Ainda na Antiguidade, os materiais
de escrita passaram a ser produzidos na forma de rolos, mas também, a
partir do século II, na forma de códices. Considerando o avanço dos novos
Cristina Dotta Ortega
96
formatos usados para a escrita, a leitura dos rolos era complexa, pois era
necessário desenrolar e enrolar ao mesmo tempo, dificultando o trabalho
sobre vários rolos. Além disso, na escrita em rolos, ainda não era usual
separar palavras, distinguir maiúsculas e minúsculas e usar pontuação. De
fato, a separação das letras em palavras e frases desenvolveu-se muito gra-
dualmente. O códice, que era feito de folhas encadernadas, também não
contou inicialmente com uma estrutura textual propriamente dita, a qual
estava ainda em desenvolvimento. Mas o códice progressivamente suplan-
tou o rolo, que foi praticamente abandonado no século IV. A partir daí, os
livros em sua maioria eram produzidos como folhas reunidas de formato
retangular. Esse formato, o de códice, apresentava melhores condições de
organização dos conteúdos, o que contribuiu grandemente para a estrutu-
ração do texto, como o conhecemos hoje. O códice também era mais fácil
de transportar, por ser pequeno, ao mesmo tempo em que possibilitava o
registro de maior quantidade de textos.
Bem mais à frente, no século XV, com a máquina de tipos móveis
de Gutenberg, é que foram produzidos os livros impressos, os quais, ape-
nas no século XIX passaram a ser produzidos mecanicamente. Em meados
do século XX, com o uso de computadores, os livros eram produzidos
em meio digital, e finalizados, distribuídos e lidos como livros impressos.
Ainda neste século, livros digitais passaram a ser apresentados em tela ao
leitor, e somente depois acessados online.
Como podemos ver, a distância temporal entre uma tecnologia e
outra foi ficando cada vez menor. Quanto às semelhanças entre o rolo e
a tela do computador ou de outros dispositivos similares, é preciso consi-
derar que o texto que hoje compõe a tipologia documental livro não cor-
respondia à incipiente produção escrita dos rolos da Antiguidade. Por sua
vez, vários autores entendem que o livro que compõe o imaginário social
advém do códice, pois esse formato alterou significativamente – mais que o
livro impresso inaugurado por Gutenberg – a forma de leitura e os modos
de circulação, incluindo seus aspectos econômicos e sociais. Desse modo,
podemos dizer que a tipologia livro se constituiu a partir do surgimento do
Organizar para socializar:
a função social da mediação documentária
97
códice, haja vista que a existência de capa, títulos e capítulos dos códices
conduz a uma estruturação do texto de certo tipo que é pertinente, embora
não suficiente, para uma definição de livro.
Assim, quando falamos em livro como formato, está em questão o
livro ‘dobrado’, muitas vezes tomado pelo livro impresso, embora possa ser
produzido por técnicas artesanais. Já o livro propriamente dito remete a
algo mais complexo, correspondente a uma categoria tipológica de objetos
de fins comunicacionais, seja em páginas dobradas, seja em tela.
O livro e demais escritos correspondem à categoria de compreen-
são do documento proposta por Meyriat (1981) como ‘documento por
intenção’. A constituição do objeto livro fez-se na perspectiva de objeto
que é percebido e deve funcionar como documento, já que é produzido
com esta intenção.
Mas, o conceito desenvolvido desde Otlet para documento é o de
uma abstração que se faz sobre qualquer objeto. Assim, o livro não é por
si mesmo um documento. Embora apresente características documentais
por ser um ‘documento por intenção’, segundo Meyriat, e seja objeto ma-
terial e simbólico emblemático da história da produção do conhecimento
registrado, o livro depende sempre de receber essa atribuição para que fun-
cione propriamente como documento. Se o livro não é por si mesmo um
documento, ele também não é por si mesmo um documento bibliográfico.
Afinal, um mesmo livro pode ser abordado como um documento biblio-
gráfico, museológico ou arquivístico. Dito de outro modo, se o documento
é objeto construído simbolicamente, ou seja, não existe a priori, ou in na-
tura, o documento bibliográfico também não é objeto pré-existente, pois
depende de ações de significação que o tornem como tal.
Segundo Fonseca (2007, p. 21), a etimologia da palavra livro refe-
re-se, tanto em línguas neolatinas como anglo-saxônicas, ao vegetal usado
para fabricar o suporte da escrita na Antiguidade. As palavras livre em
francês, libro em espanhol e italiano e livro em português têm sua origem
Cristina Dotta Ortega
98
na raiz latina liber e libri, enquanto as palavras book em inglês e Buch em
alemão vêm da raiz grega biblos e biblion.
Como nosso interesse é explorar o significado do adjetivo ‘bibliográ-
fico’, vamos tratar do radical biblio-, cuja origem está em biblos e a forma
diminutiva é biblion (Cunha, 2013, p. 89).
O uso da palavra biblos remete aos rolos, que eram adotados para
a escrita, portanto, anteriormente à existência do códice e do livro im-
presso. Os rolos eram feitos de papiro (um vegetal) e chamados de biblos
porque eram produzidos na cidade que tinha este nome, hoje localizada
no Líbano, embora fosse produzido em uma região mais ampla. Assim,
ocorreu a passagem do nome atribuído ao papiro – matéria usada para a
produção dos rolos – para o nome dos rolos de papiro em que a escrita era
feita (Ortega; Tolentino, 2020).
Segundo Rendón Rojas (2005, p. 134-136), os biblos eram ob-
jetos valorizados informacionalmente, por esse motivo, coletados e or-
ganizados em bibliotecas. Ou seja, quando se falava em biblos, estava
em causa o conceito de documento, embora ele ainda não estivesse
propriamente formulado.
Neste sentido, voltando à origem etimológica da palavra livro no
Ocidente, Otlet pautou-se pelos termos Livro e Biblion como possibili-
dades iniciais denominativas a seu objeto de estudo, o documento. Ele
propôs e desenvolveu terminologia própria em torno do termo documen-
to, que seria mais geral que Livro, o qual diferencia de livros em geral, e
Biblion, que ele define como a unidade intelectual e abstrata, que pode ser
encontrada concretamente em diferentes formas (Otlet, 1934, p. 43).
No entanto, com o tempo, houve uma redução do significado sim-
bólico de biblos. O radical biblio- foi adotado para contemplar textos escri-
tos impressos em suporte papel no formato livro e textos escritos em geral,
principalmente os monográficos, assim como processos e disciplinas que
supostamente se ocupam apenas desses objetos.
Organizar para socializar:
a função social da mediação documentária
99
A despeito dos usos do senso comum, livro não se caracteriza por
um suporte material em particular (como papel ou qualquer outro), nem
se define pelo formato de folhas dobradas. Livro também não implica
por si mesmo a característica bibliográfica, pois o adjetivo ‘bibliográfico
não remete a aspectos inerentes aos objetos, mas sim às funções que estes
objetos exercem, como é o caso dos biblos da Antiguidade que compu-
nham acervos de bibliotecas. Assim, a origem da palavra biblos permite
dizer que as disciplinas dela decorrentes – Bibliografia, Biblioteconomia,
Bibliologia –, e seus termos derivados, partem das relações ao mesmo
tempo materiais e simbólicas entre certos objetos e os seres humanos no
contexto de suas atividades. Não sendo característica inerente ao objeto,
‘bibliográfico’ pode ser um livro – em cuja origem o adjetivo se encontra
– ou qualquer outro objeto.
“Bibliográfico’ é um atributo documentário, portanto, construído,
dependente de interpretação. Como atributo documentário, ele depen-
de do estatuto simbólico atribuído a um objeto em certas circunstâncias.
Considerando os parâmetros que qualificam um objeto como documento,
o adjetivo ‘bibliográfico’ deriva deste conceito, especificando-o segundo
particularidades documentárias próprias.
2.2 bibLioteconomiA e bibLiogrAfiA: origem e desenvoLvimento
dA AbordAgem documentáriA bibLiográficA
A especificidade da abordagem documentária bibliográfica coloca-se
em relação às abordagens arquivística e museológica, uma vez que todas
refletem – à sua maneira – a produção e oferta de mensagens sobre docu-
mentos a um público. Dentre os estudos documentários, os de abordagem
bibliográfica foram os mais presentes na literatura técnico-científica, mas,
paradoxalmente, são os mais difíceis de definir.
Essa dificuldade pode ser explicada em parte por constatação fei-
ta por Niels Windfeld Lund, após ampla revisão da literatura sobre a te-
Cristina Dotta Ortega
100
oria do documento produzida pela comunidade anglo-escandinava de
Biblioteconomia e Ciência da Informação (Library and Information Science-
LIS, no original) desde o final dos anos 1980 (Lund, 2009, p. 415-416).
Ele afirma que encontrou várias tendências, mencionando duas principais
e bastante emblemáticas: uma, relevante para o desenvolvimento de uma
base teórica para o gerenciamento profissional de documentos, e outra,
favorecendo estudos científicos sobre como os documentos funcionam na
sociedade. Para Lund, esse cenário deflagra um importante desafio para a
Biblioteconomia e Ciência da Informação.
Lara (2010, p. 36) entende que a constatação de Lund reflete uma
tensão entre um interesse pragmático sobre como lidar com os documen-
tos e um interesse sobre como compreender criticamente o papel dos
documentos na sociedade. Lara explica essa tensão, afirmando que, em
Ciência da Informação (como denominamos no Brasil), trabalha-se com o
documento em duas perspectivas principais: num sentido que caracteriza
sua atividade nuclear, em que os documentos originais são selecionados
e submetidos a um tratamento com a função de diminuir a dispersão da
informação e, num sentido que corresponde ao seu entorno, em que os
documentos constituem objeto de análise crítica, como expressão de fenô-
menos sociais, por exemplo.
Como dissemos anteriormente, essa segunda perspectiva é a privi-
legiada pela Neodocumentação, cujos estudos foram desenvolvidos prin-
cipalmente em inglês a partir da década de 1990, inclusive por Lund. A
despeito de Lara entender que a primeira perspectiva representa a atividade
nuclear da Ciência da Informação, a maior parte dos estudos realizados no
Brasil hoje sobre o tema do documento compõe a segunda perspectiva.
Lara (2010, p. 36) acrescenta que, muitas vezes, essa tensão entre grupos
de interesses se manifesta pela hierarquização das suas atividades, por meio
da atribuição de valores de inferioridade e superioridade.
Corroboramos a posição de Lara sobre a hierarquização entre as ati-
vidades desenvolvidas pelos dois grupos. Um exemplo dessa hierarquiza-
Organizar para socializar:
a função social da mediação documentária
101
ção é a antiga e recorrente afirmação de pesquisadores brasileiros de que
a chamada Biblioteconomia seria ampliada e ganharia em cientificidade a
partir dos estudos da Ciência da Informação proposta nos Estados Unidos.
Não à toa, essa afirmação passou a ser novamente realizada quando a
Neodocumentação foi aqui introduzida.
O problema decorrente dessas afirmações é o de estarmos trabalhan-
do com objetos diferentes – embora apresentados muitas vezes como obje-
tos relacionados de alguma forma – nos mesmos espaços de ensino e pes-
quisa. Sendo assim, reiteramos nossa posição de que os estudos sobre ações
de mediação documentária em abordagem bibliográfica são fortemente
imiscuídos de estudos diversos que dispersam as questões e suas aplicações,
diminuindo suas possibilidades de aprofundamento e avanços. Há um de-
safio posto, como afirmou Lund, e esse desafio precisa ser enfrentado tanto
no plano epistemológico quanto no social e político.
Nossos interesses, como já afirmamos, são os estudos relativos às
ações de mediação documentária que têm por objetivo criar as condições
para a apropriação da informação. A problematização sobre o tema é
necessária, mas não pode prescindir de sua apresentação, sistematização
e desenvolvimento.
Dessa maneira, na busca por uma aproximação conceitual à aborda-
gem documentária bibliográfica, encontramos referências pertinentes em
publicações de Abadal e Codina e de Rendón Rojas, como segue.
Abadal e Codina (2005) discorrem sobre os sistemas de gestão do-
cumentária, os quais podemos considerar, segundo a terminologia que
adotamos, como sistemas de informação em abordagem bibliográfica, es-
pecificamente bases de dados. Para esses autores (Abadal; Codina, 2005,
p. 22, 26, 33), os sistemas de gestão documentária, tomados em oposição
aos sistemas de função administrativa, são aqueles voltados à aquisição de
conhecimento e satisfação de necessidades de informação mais ou menos
complexas, visando atividades de estudo, pesquisa a serviço de projetos,
processos de ensino-aprendizagem, apoio à pesquisa e desenvolvimento
Cristina Dotta Ortega
102
etc. Segundo os autores, estes sistemas operam com a informação cogni-
tiva, ou seja, aquela que é útil para aumentar nossos conhecimentos so-
bre algum aspecto da natureza ou simplesmente para que a humanidade
não se veja obrigada a reinventar a roda a cada geração. Abadal e Codina
referem-se à informação cognitiva, visando contemplar a classe de infor-
mação que constitui o objeto de estudo e de tratamento da documenta-
ção, a qual contemplaria toda forma de produção cultural. Os autores do
livro citado (Abadal; Codina, 2005, p. 32) e Codina, em artigo publica-
do anteriormente (Codina, 1994, p. 447), fazem uso, respectivamente,
dos termos informação cognitiva e documento cognitivo, citando o livro
Documentologie, de 1988, de Georges Van Slype. Este autor (Van Slype,
1995, p. 169) considera como elemento capital o que chama de sistema
de comunicação cognitiva, pois, somente passando de um suporte inerte
(como o papel ou a memória do computador) para uma mente humana, a
informação se revela. No entanto, como todo documento é, por definição,
dependente da cognição humana para ser interpretado como tal, incluindo
os documentos administrativos, apontamos a relevância da definição, mas
questionamos a pertinência da denominação, em função da redundância e
inespecificidade que ela imprime.
Para Rendón Rojas (2005, p. 114), o homem busca informação para
poder realizar a investigação científica, a atividade estética ou recreativa, ou
tomar uma decisão da esfera política, administrativa ou da vida cotidiana,
como dissemos no capítulo anterior. No entanto, segundo ele, é do âmbito
da Bibliotecología (segundo terminologia adotada nos países da América
Latina de língua espanhola) apenas as buscas por informação em suportes
feitos especificamente para transmitir informação.
Embora Abadal e Codina mencionem toda a produção cultural ao
falar da informação que é objeto do campo, as atividades apresentadas por
eles, para as quais informações seriam necessárias, são relativas a processos
de ensino-aprendizagem e à pesquisa técnica e científica. Distintamente,
Rendón Rojas é abrangente quanto ao tipo de atividade para a qual in-
formações seriam necessárias, mas quanto ao tipo de documento adotado
Organizar para socializar:
a função social da mediação documentária
103
em serviços bibliográficos, menciona apenas os documentos por intenção,
como categorizou Meyriat, ou seja, apenas os objetos produzidos com in-
tenção de comunicar informação.
Propomos, assim, especificar a abordagem documentária bibliográfi-
ca como aquela que contempla o objetivo: de construção de conhecimento
necessário a atividades educacionais, científicas e profissionais; de fruição
ou experiência estética; e de tomada de decisões relativas a atividades de
entretenimento, educação, cultura, saúde e direitos civis. Desse modo, tra-
tamos de atividades humanas que vão da produção de conhecimento à
solução de problemas cotidianos, haja vista que toda atividade humana
pode ser subsidiada por ações de mediação documentária em abordagem
bibliográfica. Da mesma maneira, todo e qualquer objeto material pode
responder informativamente a essas atividades. Maior precisão conceitu-
al, no entanto, é necessária, para que seja possível superar a definição de
bibliográfico como o que não é arquivístico nem museológico, pois, se o
exercício de construção conceitual opositiva é produtivo, ele não é sufi-
ciente, como afirmamos anteriormente.
Assim como as demais abordagens documentárias, a bibliográfica é
realizada por meio de atividades que compõem um fluxo, em ordem lógica,
funcionando como camadas de significação sobre os objetos, que são então
transformados em documentos. Inicialmente, a caracterização do público
permite elaborar parâmetros para a seleção de documentos, embora muitas
vezes, alguma massa documental já esteja posta, demandando que seja sig-
nificada quanto aos públicos para os quais possa ser útil. A partir de uma
coleção, realiza-se novo processo de significação, que é o da organização da
informação, via produção de bases de dados e de arranjos. Os documen-
tos, para que sejam utilizados devidamente, devem ter sua materialidade
garantida, para o que, recorre-se a atividades de preservação. Os serviços
de difusão e de atendimento, as atividades de formação de usuários, entre
outros, voltam-se à mobilização de públicos em direção aos documentos
que foram considerados relevantes para eles.
Cristina Dotta Ortega
104
As unidades de informação são setores formalizados de uma insti-
tuição em que as atividades documentárias se desenvolvem, como trata-
mos anteriormente. Dentre essas unidades de informação, as bibliotecas
são emblemáticas da atividade documentária em abordagem bibliográfica.
Há, também, centros de documentação, centros de memória, entre outros,
além de atividades cooperativas na forma de sistemas ou redes de informa-
ção. A despeito do papel emblemático das bibliotecas para a constituição
e desenvolvimento da abordagem documentária bibliográfica, as ativida-
des bibliográficas não são dependentes da existência de uma unidade de
informação, podendo ser desenvolvidas na ausência desta. Como vimos,
o que está em questão são os processos que permitem realizar as ações de
mediação, pois eles são sempre desenvolvidos sistemicamente. A diferença
é a do grau de estruturação do sistema. As unidades de informação podem
ser altamente estruturadas, incluindo vários sistemas. As bases de dados
e os arranjos são sistemas de informação produzidos no contexto de uma
unidade de informação ou não. Os serviços também podem ser produzidos
ou não em uma unidade de informação, mas nunca prescindem de leitu-
ra, seleção e sistematização da informação. Assim, sistemas de informação
mais ou menos estruturados são sempre produzidos.
Para tratar da constituição da abordagem documentária bibliográfi-
ca, é preciso considerar os sistemas que lhe deram forma e função. Nesse
sentido, temos práticas seculares de produção de bibliografias, tanto quan-
to de gestão de acervos e serviços de bibliotecas. As bibliotecas, com seus
arranjos de documentos e seus catálogos, e as bibliografias são os sistemas
de informação seminais do campo. As atividades que caracterizam um e
outro espectro do mundo documentário bibliográfico podem ser compre-
endidas como segue.
Em bibliotecas, realiza-se desenvolvimento da coleção de documen-
tos, arranjo dos documentos da coleção e produção de catálogos destes
documentos, oferta de produtos e prestação de serviços, e gestão de pro-
cessos e serviços, assim como de recursos humanos, físicos, tecnológicos,
financeiros. Quanto às bibliografias, trata-se da produção de repertórios
Organizar para socializar:
a função social da mediação documentária
105
bibliográficos, independentemente da localização dos documentos em bi-
bliotecas ou outros espaços.
Os arranjos de documentos e os catálogos de bibliotecas e as biblio-
grafias constituem, de modo articulado, enunciados sobre os documentos,
ou seja, mensagens documentárias, com o fim último de socialização da
informação. Esses sistemas e os serviços que lhe correspondem foram pro-
duzidos no decorrer do tempo segundo interesses previamente identifica-
dos, por serem considerados socialmente relevantes.
O acúmulo gerado por essas atividades a partir da prática empírica, da
produção manualística e de concepções teóricas e metodológicas conduziu
a composições disciplinares próprias. Assim, a abordagem documentária
bibliográfica se constitui por movimentos teórico-práticos constituídos em
períodos e locais distintos e sob denominações próprias, apresentando-se
como vertentes ou disciplinas. A origem e desenvolvimento da abordagem
bibliográfica pode ser identificada nas atividades de gestão de acervos e
serviços de bibliotecas e de produção de bibliografias, as quais decorreram
na constituição, respectivamente, da Biblioteconomia e da Bibliografia.
Posteriormente, os objetos materiais, instrumentos de trabalho, atividades
e, principalmente, os aspectos teóricos destas duas disciplinas foram recolo-
cados pela Documentação. A abordagem documentária bibliográfica, dessa
forma, para ser identificada e compreendida, implica a consideração de três
disciplinas e suas relações: Biblioteconomia, Bibliografia e Documentação.
A Biblioteconomia e a Bibliografia têm sua marca de constituição
disciplinar a partir do século XIX, depois de séculos de tradição empíri-
ca e manualística, embora apresentando anteriormente aspectos teóricos
dignos de nota. Já a Documentação não existe até o final do século XIX,
sendo proposta sob o lastro da Bibliologia. A Documentação proposta por
Otlet, a despeito de seu aporte teórico bibliológico, pauta-se nas concep-
ções desenvolvidas até o momento no âmbito da Biblioteconomia e da
Bibliografia, uma vez que considera e faz uso de métodos, instrumentos,
produtos e instituições em que se desenvolveu a produção de bibliogra-
Cristina Dotta Ortega
106
fias e os serviços de bibliotecas. A Bibliometria, também considerada por
Otlet, desenvolveu-se como um trabalho bibliográfico estatístico para a
obtenção de medidas da produção do conhecimento registrado e para a
gestão dos acervos e serviços de bibliotecas.
Dito de outro modo, a Documentação parte da Bibliologia como
teoria e faz uso da Bibliografia como conjunto de métodos e de práticas.
Da Biblioteconomia, ela herda principalmente os instrumentos (e méto-
dos associados), assim como suas atividades institucionais de conservação
de acervos e oferta de serviços. Frente à consideração de que o documento
decorre da interpretação humana de objetos materiais, Otlet observa que
ele se produz frente a situações diferentes, não só a bibliográfica, como
também a arquivística e a museológica. No entanto, por uma contingência
histórica, a Documentação se desenvolveu principalmente em abordagem
bibliográfica, ainda que com alguma relação com a abordagem arquivística.
Por sua vez, a Bibliografia manteve sua autonomia frente à Documentação
(Meneses Tello, 2007, p. 124), como podemos observar nos conteúdos
de alguns programas de disciplinas de cursos de formação, nas bibliogra-
fias nacionais e nas sociedades bibliográficas, como a da Inglaterra, a dos
Estados Unidos e a do Canadá.
Vários autores trabalharam na perspectiva de que o campo se cons-
tituiu a partir de disciplinas similares, que foram concebidas e desenvolvi-
das de maneira relacionada. Dentre eles, está o espanhol José López Yepes
(1978), cujo livro Teoría de la Documentación, com segunda edição de
1995 sob o título de Documentación como disciplina, apresenta uma com-
pilação de publicações selecionadas e organizadas segundo essas disciplinas
e suas relações.
Como demonstra López Yepes e muitos outros autores espanhóis e
franceses aqui apresentados, anteriormente à elaboração teórica integrada
da Documentação, a abordagem documentária bibliográfica foi posta pelas
práticas e pela constituição disciplinar da Biblioteconomia e da Bibliografia.
Organizar para socializar:
a função social da mediação documentária
107
Como disciplinas fundantes da abordagem documentária bibliográfi-
ca, tratamos a seguir de cada uma delas – a Biblioteconomia e a Bibliografia
– e, em seguida, exploramos as relações estabelecidas entre elas.
As atividades que caracterizaram as bibliotecas marcaram empirica-
mente a identificação da disciplina Biblioteconomia, sendo a instituição
biblioteca de onde parte o reconhecimento social dos serviços e da profis-
são que os oferta.
Desta maneira, a Biblioteconomia é muitas vezes definida como o
conjunto de técnicas de gestão de bibliotecas. Além de se tomar a insti-
tuição biblioteca como parâmetro definidor da Biblioteconomia, é típico
caracterizá-la como um fazer prescritivo, cujas técnicas seriam realizadas
com o uso de instrumentos considerados universais e de legitimidade in-
ternacional. No entanto, Biblioteconomia refere-se à gestão de sistemas
bibliográficos e seus serviços, sendo a biblioteca um tipo de unidade de
informação relevante tanto em sua história quanto no cenário contempo-
râneo. Quanto à prescrição, ela é necessária à toda atividade documentária.
Mas, a prescrição é marcante na atividade bibliográfica, pois muitas vezes
os objetos sobre os quais ela se desenvolve, como os livros, apresentam
normalização editorial e são produzidos na forma de exemplares idênticos;
nestes casos, a representação documentária pode ser relativamente a mes-
ma em sistemas diferentes. A despeito dessas particularidades, a superação
do estatuto prescritivo e instrumental que é atribuído à Biblioteconomia
de maneira ainda recorrente, e de sua definição como atividade desenvol-
vida em bibliotecas, mostra-se cada vez mais urgente.
É em função desse cenário que Hector Guillermo Alfaro López,
do México, trata da visão de mundo que se cristalizou obstaculizando
a abstração sobre a biblioteca. O autor inicia o livro com a frase A bi-
blioteca não nos deixou pensar na Biblioteca” (Alfaro López, 2010, p. 3,
tradução nossa). Em seguida, chama a atenção para a grafia: biblioteca e
Biblioteca remetem, respectivamente, à ordem do concreto, imediato e
fático, e à ordem do abstrato, intelectivo e conceitual. Alfaro López en-
Cristina Dotta Ortega
108
tende que biblioteca e Biblioteca representam duas ordens cognoscitivas
diferentes, ainda que estreitamente conectadas, motivo pelo qual deve-
riam ser indissociáveis. Sugestivo também é o título do primeiro capítulo
do livro em que o autor registrou a frase de que tratamos: La biblioteca
como obstáculo epistemológico.
Nesse capítulo, o autor discorre sobre cada uma das bibliotecas – a
biblioteca e a Biblioteca –, como segue (Alfaro López, 2010, p. 3-4). A
biblioteca é uma entidade concreta: é a biblioteca específica e particular
que tem funções e serviços determinados oferecidos para a coletividade.
Por sua vez, a Biblioteca é uma construção abstrata, portanto, elaborada
intelectivamente a partir de conceitos, segundo uma arquitetura teórica.
A Biblioteca é todas as bibliotecas e ao mesmo tempo nenhuma delas: é a
Biblioteca que deveria dar forma, sentido e funcionalidade aos distintos ti-
pos de biblioteca. Assim, menos que duas facetas diferentes de um mesmo
objeto, biblioteca e Biblioteca interagem entre si como um continuum, que
parte da elaboração abstrata e segue até cada uma de suas manifestações
concretas, e vice-versa, das manifestações concretas à elaboração abstrata.
Alfaro López pergunta qual seria o motivo de a biblioteca dificultar
que a Biblioteca se constitua. Segundo ele (Alfaro López, 2010, p. 4), a
elaboração abstrata que permite a construção teórica sobre a diversidade de
práticas e de objetos próprios e definitórios do campo da Biblioteconomia
[Bibliotecología, no original em espanhol] é vista como alheia à dinâmica
do dia a dia da atividade bibliotecária. Esse cenário é explicado pelo autor
como decorrente de a atividade bibliotecária ter se estabelecido a partir de
fazeres orientados pragmaticamente e cuja sustentação funda-se na funcio-
nalidade técnica de tradição empirista, ou, sob variáveis mais favoráveis,
na vertente positivista. De modo bastante interessante, Alfaro López afir-
ma que essa visão de mundo forneceu segurança psíquica e cognoscitiva
à maioria dos integrantes do campo. O autor menciona a estranheza que
a Biblioteca pode causar entre integrantes do campo e afirma que a cons-
trução de abstrações é rechaçada de diversas maneiras, incluindo a violên-
cia simbólica. Ele ressalta, de maneira contundente, mas realista, segundo
Organizar para socializar:
a função social da mediação documentária
109
nosso entendimento, que é imperioso reparar essa situação para evitar a
estagnação ou mesmo a regressão do campo.
Corroboramos a explanação do autor sobre o pensamento concreto
que marcou o campo da Biblioteconomia, e foi assim naturalizado, e sobre
a necessidade de mudanças de base. Buscando por alguma evidência de
origem desse pensamento, vale mencionar novamente o que consideramos
como a primeira fissura proposta entre aspectos teóricos e aspectos técni-
cos-operacionais, qual seja, a Bibliologia em relação à Bibliografia, como
elaborado por Peignot, no início do século XIX.
Na Itália, Giovanni Solimine publicou o livro intitulado Introduzione
allo studio della Biblioteconomia: riflessioni e documenti, em 1999, por meio
do qual trata de conceitos fundamentais e questões relativas aos sistemas
e serviços em abordagem bibliográfica, como denominamos aqui. Uma
análise da estrutura do livro, por meio dos títulos dos capítulos que o com-
põem, permite identificar abstração sobre o nome biblioteca e referência
ao seu papel mediacional, questionamento sobre o livrocentrismo, com-
preensão do bibliotecário como um profissional intelectual-técnico [intel-
lettuale-tecnico, no original em italiano] e exploração disciplinar múltipla,
englobando Biblioteconomia, Bibliografia e Documentação.
Visando tratar do domínio disciplinar da Biblioteconomia, Solimine
discorre tanto sobre a disciplina como sobre a biblioteca. Menciona
Alfredo Serrai, autor italiano de obra fundamental sobre Bibliografia e
Biblioteconomia, que define a biblioteca como uma organização de docu-
mentos e de registros [notizie, no original em italiano] a seu respeito, de tal
forma que seja possível e facilitada a recuperação dos documentos procu-
rados, como já são conhecidos e identificados, ou o encontro com aqueles
documentos que se presume úteis ou benéficos (Serrai, 1981, citado por
Solimine, 1999, p. 18). Ainda quanto a uma definição de Biblioteconomia,
Solimine apresenta a seguinte citação de Petrucciani (1984):
A biblioteconomia é uma disciplina aplicada, que tem por objeto
a concepção, gestão e avaliação de serviços documentários, ou
seja, a mediação entre uma coleção documental e um usuário,
Cristina Dotta Ortega
110
tanto em termos de disponibilidade física como, sobretudo, em
termos do aspecto da individuação e seleção intelectual. A pesquisa
biblioteconômica deve fornecer conceitos e teorias necessários para
uma prática eficaz e autoconsciente. A biblioteconomia tradicional
tem sido quase exclusivamente prescritiva (Petrucciani, 1984,
citado por Solimine, 1999, p. 35).
Como se vê, a definição de Biblioteconomia de Petrucciani prescin-
de da biblioteca sem prejuízo de sua compreensão; ao contrário, há maior
abstração nessa definição que nas usuais. Por sua vez, Serrai se refere à
biblioteca de maneira abstrata: conjunto de documentos e seus registros,
a serem buscados ou a serem encontrados, o segundo caso sendo diferente
do primeiro, já que a oferta pode e deve surpreender a demanda.
Desse modo, tanto as definições apresentadas por Solimine (de
Petrucciani e Serrai), na Itália, quanto as definições propostas por Alfaro
López, no México, indicam a biblioteca como sistema bibliográfico, me-
nos que como instituição concreta, do que decorre que a Biblioteconomia
como disciplina não se limita à caracterização da instituição biblioteca.
Sob a denominação de Biblioteconomia ou de formas correlatas
adotadas em vários idiomas, ênfases distintas foram desenvolvidas e se
mantiveram até hoje. Junto a isso, no entanto, fenômeno homogeneiza-
dor ocorreu. Após séculos de arranjos e catálogos produzidos nas biblio-
tecas europeias, as sistematizações realizadas na Inglaterra contribuíram
para os primeiros estudos nos Estados Unidos, os quais conduziram à
proposição de modelos de trabalho que se disseminaram em praticamen-
te todo o mundo.
Diferentemente, no caso da Bibliografia, práticas, manuais e textos
teóricos não constituíram somente vertentes distintas de uma disciplina.
De certa maneira, podemos dizer que várias Bibliografias tomaram forma
no decorrer do tempo, dada a diversidade de enfoques e objetivos.
Organizar para socializar:
a função social da mediação documentária
111
Considerando nossos interesses, vamos adotar a divisão usual da
Bibliografia em dois grupos, a despeito da diversidade de estudos e produ-
tos que compõe em especial o segundo grupo voltado ao estudo de textos.
Tomando por base os estudos de Araújo (2015) e de Tolentino
(2021), propomos o primeiro grupo relativo à produção de repertórios
bibliográficos diversos, e o segundo grupo, relativo ao estudo dos textos,
na perspectiva de sua materialidade. Cada um desses grupos recebeu deno-
minações variadas. Os dois grupos e suas denominações seguem sistemati-
zados no Quadro 1:
Quadro 1 – Divisão da Bibliografia em dois grupos e suas denominações
Denominações adotadas em
cada grupo da Bibliografia
Características e marcos de cada grupo da Bibliografia
Bibliografia Enumerativa,
Sistemática, Bibliotecária, de
Repertórios
Este grupo reúne os estudos sobre as técnicas de produção
de repertórios, desde listas inventariais a catálogos e
bibliografias, como mapas da produção do conhecimento
registrado, elaborados por meio de seleção de documentos,
descrição e recursos de navegação e acesso.
Esses estudos são identificados como Bibliografia tradicional,
sendo desenvolvidos em especial na Europa continental.
A obra considerada como referência inicial deste grupo é a
Bibliotheca Universalis, produzida entre 1545 e 1555, por
Conrad Gessner, em Zurique.
Bibliografia Textual, Analítica,
Material
Este grupo abarca estudos sobre o livro e outros documentos,
tendo em vista que os aspectos formais dos textos são
indicativos de seus significados.
A obra que pode ser considerada marco inicial desse grupo é
o Dictionnaire Raisonné de Bibliologie, publicado em 1802,
por Gabriel Peignot.
A Bibliologia, que tratamos anteriormente, está entre
as disciplinas seminais deste grupo, a partir da qual se
desenvolveram algumas das pesquisas sobre os estudos do livro.
Fonte: Baseado em Araújo (2015) e Tolentino (2021).
Quanto ao segundo grupo da Bibliografia, denominado Bibliografia
Textual, Analítica ou Material, há livro contemporâneo que é indicativo
destes estudos: A new introduction to bibliography, de Philip Gaskell, pu-
blicado na Inglaterra, em 1972. A publicação da tradução deste livro para
o espanhol ocorreu em 1999 e recebeu o nome de Nueva introducción a la
Cristina Dotta Ortega
112
Bibliografía Material, como um modo de evidenciar, em solo europeu, a
vertente bibliográfica a que se refere este trabalho.
Tomando por base o livro de Gaskell (1999), podemos dizer que esse
segundo grupo da Bibliografia envolve ao menos dois enfoques:
Quadro 2 – Enfoques desenvolvidos no grupo de Bibliografia Textual,
Analítica e Material
Nome dos enfoques do
grupo de Bibliografia
Textual, Analítica e Material
Descrição dos enfoques do grupo de Bibliografia Textual,
Analítica e Material
Estudo dos livros como
objetos tangíveis
Estes estudos incluem a descrição detalhada de aspectos
formais do impresso, como caracteres e composição do
texto, além do tipo de material e formas de apresentação
(encadernação, por exemplo), e estudos sobre as tecnologias
de produção e as características dos produtos resultantes
como objetos da comunicação escrita
Ciência da transmissão de
documentos literários
Estes estudos voltam-se à genealogia e às relações entre
variações dos textos no contexto dos seus processos de
produção e reprodução, com o fim de identificar sua versão
mais confiável.
A Sociologia dos Textos e a História/Crítica Literária podem
ser identificadas neste segundo enfoque.
Fonte: Baseado em: Gaskell (1999, p. XIV-XV).
Os estudos desse segundo grupo da Bibliografia, em especial os de-
nominados Bibliografia Material, contribuem para a representação dos
documentos realizada na produção de sistemas de informação (como dis-
semos anteriormente a respeito dos estudos bibliológicos, no caso dos es-
tudos do livro, por exemplo). Essa contribuição se evidencia na chamada
Biblioteconomia de Obras Raras/Coleções Especiais. Trata-se de vertente
da Biblioteconomia constituída por profissionais e pesquisadores especiali-
zados em documentos que apresentam características particulares, a despei-
to de constituírem a mesma edição de uma obra ou os mesmos exemplares
de uma edição. Para representação desses documentos, esses profissionais
recorrem aos estudos e manuais bibliográficos voltados à descrição dos as-
pectos formais de livros e outros documentos. Esses documentos individu-
Organizar para socializar:
a função social da mediação documentária
113
alizados decorrem de sua produção antiga, não normalizada, ou de marcas
que os distinguem entre si, sendo valorizadas por essa distinção.
Importante comentar a ideia de materialidade que marca esse segun-
do grupo da Bibliografia, a qual recebe denominações como Bibliografia
Material, ou, menos frequentemente, Bibliografia Física. A materialidade
é mencionada pelos autores como característica distintiva deste tipo de
trabalho bibliográfico, pois, diferente dos estudos literários em geral, são
relevadas as implicações da materialidade dos textos na sua leitura e inter-
pretação, na produção de novos textos e nas condições de circulação dos
textos. A estrutura formal do texto e suas inscrições particulares, como
selos e assinaturas, são especialmente consideradas.
Cabe observar que a materialidade também é marca do primeiro
grupo – a Bibliografia de Repertórios –, pois essa é a marca de todo traba-
lho documentário, haja vista que ele se pauta por objetos materiais abor-
dados informacionalmente. Deste modo, a materialidade é considerada
tanto na Bibliografia de Repertórios quanto na Bibliografia Material. No
entanto, os estudos e manuais da Bibliografia Material não se desenvol-
veram propriamente na perspectiva do campo das ações de mediação do-
cumentária em abordagem bibliográfica, uma vez que são adotados como
subsídio a pesquisas literárias, históricas, dentre outras. A ênfase à mate-
rialidade na Bibliografia Material se faz quanto à sua relação com essas
pesquisas literárias, históricas, dentre outras, mas não quanto à Bibliografia
de Repertórios.
De qualquer modo, a Bibliografia de Repertórios se alimenta das
especificidades desenvolvidas na Bibliografia Material, não sendo desejá-
vel prescindir destas. Faltaria, no entanto, que essas especificidades sejam
incorporadas ao campo de conhecimento das atividades documentárias
em abordagem bibliográfica, possibilitando o desenvolvimento de uma
Biblioteconomia de Obras Raras/Coleções Especiais, na forma de uma es-
pecialização da Biblioteconomia.
Cristina Dotta Ortega
114
A Bibliografia como um todo envolveu o trabalho em bibliotecas, o
comércio livreiro, o colecionismo e os estudos dos eruditos. Hoje, essa dis-
ciplina envolve profissionais e pesquisadores de Biblioteconomia, História,
Literatura e pesquisadores da cultura material em geral.
A denominação Bibliografia é adotada na atualidade de maneira
significativa na Itália. Como menciona Araújo (2015, p. 120), o italiano
Alfredo Serrai é um dos grandes nomes da Bibliografia, por sua obra Storia
della Bibliografia, publicada em 11 volumes e 13 tomos, entre os anos de
1988 e 2001; nesta obra, Serrai realiza uma reflexão filosófica e históri-
ca sobre a Bibliografia. Tolentino (2021, p. 70) agrega os seguintes auto-
res à produção italiana sobre Bibliografia dos anos 1980 até a atualidade:
Luigi Balsamo, Rino Pensato, Attilio Mauro Caproni, Renzo Frattarolo,
Guerriera Guerrieri, Enzo Esposito e Andrea Capaccioni.
Dentre esses autores italianos, Luigi Balsamo realizou amplo estudo
histórico sobre a disciplina Bibliografia, publicado em 1984 e reeditado
pela última vez em 2017, com traduções publicadas na década de 1990
em espanhol e inglês. Para Balsamo (1998, p. 12), a Bibliografia apresenta
uma função institucional precisa, desenvolvida no âmbito do sistema de
difusão da cultura.
Como temos apontado neste trabalho, ocorreram modos particu-
lares de apropriação das disciplinas constitutivas do campo das ações de
mediação documentária em abordagem bibliográfica. A produção italiana
é abrangente ao contemplar os diversos sistemas bibliográficos considera-
dos no primeiro grupo da Bibliografia, mas também os estudos do livro
que compõem o segundo grupo. O termo Bibliografia na Itália é, portan-
to, desenvolvido sob o ponto de vista das disciplinas Biblioteconomia e
Bibliografia, tendo em conta a interrelação que as define e caracteriza.
De certo modo, no Brasil, seguimos o caminho contrário, adotando o
termo Biblioteconomia, com a incorporação de elementos da Bibliografia,
embora tenhamos apagado a maioria destes elementos!
Organizar para socializar:
a função social da mediação documentária
115
Dessa maneira, a despeito da contribuição dada pela especificidade
de cada disciplina bibliográfica, é o conjunto teórico-prático resultante da
relação entre as duas disciplinas que se pode entender como constitutivo
do campo. Alguns aspectos dessas disciplinas têm sua articulação explicita-
da de alguma maneira, outros mal foram considerados, mas implicitamen-
te, percebe-se sua relação. Alguns autores discorreram sobre a relação entre
processos e produtos realizados no âmbito das duas disciplinas bibliográ-
ficas, como segue.
Balsamo (1998, p. 15) entende que o registro (notitia bibliotheca-
ria, no original em latim) que compõe os repertórios bibliográficos e os
catálogos de biblioteca constituiu a base para a construção doutrinária das
disciplinas Bibliografia e Biblioteconomia.
O autor se refere à origem do registro bibliográfico, que definimos
aqui como unidade principal de trabalho de uma base de dados, do que de-
corre que seja a unidade de interpretação do sistema (Ortega; Lara, 2010b,
p. 8). Base de dados é termo usado de maneira genérica, incluindo, por-
tanto, tanto bibliografias como catálogos de biblioteca, em meio eletrônico
ou não.
Na atualidade, ao menos em alguns idiomas, para tratar do registro
bibliográfico, adota-se um termo único, a exemplo do original em latim
notitia bibliothecaria. Assim, temos: notice em francês, notizie em italiano e
notícia em português, de Portugal.
O termo notícia é interessante porque abarca o conceito sem frag-
mentá-lo em termos diferentes, a depender do tipo de sistema de infor-
mação em questão, como ocorre em língua portuguesa do Brasil. Por isso,
falamos em referências de uma bibliografia, fichas de um catálogo de bi-
blioteca e registros de um catálogo eletrônico de biblioteca ou de bases
de dados bibliográficas em geral. Como sabemos, a consolidação de um
campo manifesta-se por terminologia bem estabelecida que não se limite à
reprodução direta e inquestionada de variações contingenciadas por certos
tipos de sistemas de informação.
Cristina Dotta Ortega
116
Tomando por base alguns dicionários especializados em português,
de Portugal (Faria; Pericão, 2008a, p. 520: notícia bibliográfica, 2008b, p.
520: notícia catalográfica, e outros verbetes) e em francês (Provansal, 1997,
p. 429-431) e (Utard, 2011, p. 32-33), a notícia seria a carteira de iden-
tidade de todo o documento, podendo ser a unidade de uma bibliografia,
catálogo ou banco de dados documentário, e constituída por um conjunto
ordenado de elementos de descrição e de acesso, que permite identificar e
buscar o documento.
Nessa linha de raciocínio, Tolentino desenvolve suas pesquisas, tra-
tando da constituição da descrição, tomada como parte central do registro
bibliográfico, cuja função é a identificação do documento. O autor parte
do entendimento de que a descrição apresenta sua origem nas disciplinas
Bibliografia e Biblioteconomia, considerando as diversas vertentes da pri-
meira e, no caso da segunda, tratando especificamente da Catalogação.
Ele considera que o livro impresso foi referência principal para a descrição
desenvolvida nestas disciplinas. O processo da descrição, segundo o autor,
decorre de séculos de práticas e sistematizações, mas ganha a forma que
conhecemos hoje, passando a se disseminar mais amplamente, a partir do
século XIX. Deste modo, Tolentino explora os aspectos distintos e comuns
desenvolvidos em Bibliografia e em Catalogação para a produção da des-
crição de documentos.
Tolentino (2021, p. 67) menciona Tanselle (1977), que discorre so-
bre os dois grupos da Bibliografia, segundo apresentamos. Tolentino en-
tende que o primeiro grupo descrito por Tanselle como compilação de
catálogos realizada nas bibliotecas assemelha-se aos processos e objetivos
da Catalogação. Já o segundo grupo descrito por Tanselle remete ao que
chamamos aqui de Bibliografia Material. Deste modo, segundo Tanselle,
as atividades de compilação de catálogos do primeiro grupo remetem à
produção de listas de ‘cópias específicas’ de documentos, enquanto as ati-
vidades do segundo grupo se referem à descrição de exemplares (ou itens),
cujas diferenças e semelhanças permitem a produção de uma ‘cópia ideal’
desses exemplares.
Organizar para socializar:
a função social da mediação documentária
117
Considerando os termos ‘cópia específica’ e ‘cópia ideal’, como pro-
postos por Tanselle na perspectiva da Bibliografia (Material), e a termino-
logia desenvolvida em Catalogação, Tolentino busca estabelecer relações,
visando avançar conceitualmente. Tolentino (2021, p. 67) explica que o
termo ‘cópia específica’ refere-se à descrição da manifestação de uma obra,
processo que se realiza a partir dos elementos identificados em um deter-
minado exemplar de uma certa edição, por exemplo. O termo ‘cópia ideal’,
por sua vez, refere-se ao processo de descrição baseado no exame da maior
quantidade possível de exemplares para entender como uma determinada
edição foi disponibilizada. Segundo Tolentino (2021, p. 112), a diferença
se coloca na singularidade de cada descrição. Assim, na Catalogação, há
a representação de edições de uma obra e, na Bibliografia Material, há o
registro de aspectos específicos de exemplares da edição de uma obra, em
geral, elementos materiais e formais desses exemplares.
Tolentino (2021, p. 113) desenvolve as especificidades das disciplinas
e as relações entre elas a partir do processo da descrição, afirmando que, tan-
to em Bibliografia (Material) quanto em Catalogação, elaboram-se registros
de objetos materiais. Para ele, “a natureza de um registro é determinada pelo
objetivo que se quer dele, o qual é condicionado por uma prática intelectual
de interesse social” (p. 113). Tolentino desenvolve a distinção, como segue:
na disciplina Bibliografia, o processo descritivo evidencia estudos históricos,
literários, biográficos, entre outros, da manifestação de uma obra, e, na dis-
ciplina Catalogação, o processo está voltado à recuperação da informação
de documentos para públicos que possam por eles se interessar. O autor
afirma ainda que a normalização, que marca a Catalogação, propicia maior
circulação da informação, mas, quando ela é tomada como uma prescrição,
morrem seus objetivos. Tolentino finaliza o tema, realizando abstração perti-
nente e necessária à constituição do campo:
Conclui-se que a descrição, trabalhada nas disciplinas Bibliografia
e Catalogação, aponta para modalidades que se estruturam
atendendo a certos objetivos comuns. A descrição é um processo
linguístico que visa comunicar algo e o arranjo adotado nesse
processo se ampara em uma estrutura conhecida e que serve de
referência (Tolentino, 2021, p. 114).
Cristina Dotta Ortega
118
Outros estudos exploraram as relações entre Bibliografia e
Biblioteconomia, evidenciando suas práticas e as ideias que fomentaram.
Seguem alguns desses estudos, desenvolvidos no México e na Itália, entre
outros países.
Meneses Tello (2007, p. 117), do México, afirma que a bibliogra-
fia, como ferramenta da pesquisa bibliográfica, e a biblioteca, com seus
acervos e serviços bibliotecários, são fenômenos intelectuais à disposição
dos usuários que buscam satisfazer necessidades de informação. Na Itália,
Balsamo (1998, p. 13) trata do surgimento das bibliografias como rela-
cionado à formação de bibliotecas de instituições abertas ao público nas
quais foram aplicadas.
Dessa maneira, muitas bibliografias foram produzidas e as bibliote-
cas se ampliaram em número, acervos e serviços. Conceitualmente falando,
o trabalho em bibliotecas é um trabalho bibliográfico que, para além do
fazer bibliográfico propriamente dito, que contempla a seleção e descrição
de documentos e o arranjo das referências e índices, agrega as atividades
de coleta, ordenação e preservação de documentos, e a oferta de produtos,
serviços e demais ações voltadas a públicos determinados.
Crippa, autora pautada por estudos italianos, entre outros, também
trata das relações entre Biblioteconomia e Bibliografia no percurso de de-
senvolvimento de práticas e composições disciplinares. Crippa (2014, p. 82)
afirma interpretar o ato bibliográfico como ato informacional. Para ela, a
Biblioteconomia pode ser vista como a práxis de constituição, de organiza-
ção e de gestão de bibliotecas, que impõe necessidades logísticas próprias,
enquanto a Bibliografia pode ser vista como uma atividade que permite que
se estabeleça o contato entre os usuários e o mundo das noções e dos concei-
tos registrados nos documentos. Para a realização desse contato, segundo ela,
é necessário coletar, ordenar, conservar e promover o acesso e a circulação, o
que somente é possível em lugares como o são as bibliotecas.
Crippa (2014) entende que é preciso recolocar o papel do século
XIX na construção da Biblioteconomia, mas também da Bibliografia. Ela
Organizar para socializar:
a função social da mediação documentária
119
apresenta esse questionamento por considerar que faltaria observar propos-
tas anteriores e perguntar o motivo de seu esquecimento, haja vista que o
século XIX apresenta indícios de um afastamento do caráter mediacional
dos sistemas bibliográficos. As afirmações da autora indicam também a
necessidade de desconstruir a ideia da existência de obras que teriam cons-
truído, de maneira evolutiva, uma “Biblioteconomia única e integrada, na
qual se desenvolvem os mesmos protocolos para regular as operações e os
procedimentos bibliotecários” (Crippa, 2014, p. 82). Ao invés de buscar
por uma história universal da evolução das bibliotecas, a autora afirma
sua opção pela busca de “critérios que embasam a competência, funcio-
nalidade e eficiência das estruturas de mediação entre coleções e usuários
(Crippa, 2014, p. 83). Ela lembra ainda que a reconstituição das ideias do
campo das bibliotecas, incluindo suas práticas e procedimentos históricos,
pode contribuir para ponderar em que medida nos deparamos com inova-
ções ou continuidades (Crippa, 2014, p. 93).
Segundo a autora (Crippa, 2014, p. 82), são raras as obras produzi-
das antes do século XVIII que tratam de maneira sistemática da biblioteca,
mas as ideias que gestaram o campo podem ser encontradas nesse período,
na Europa, como se pode ver quanto a dois autores sobre os quais ela se
debruça: Conrad Gessner e John Dury.
Crippa discorre sobre o significativo trabalho teórico e metodoló-
gico de Conrad Gessner no século XVI, e sua contribuição ímpar para o
desenvolvimento de bibliografias, catálogos de bibliotecas e arranjos de
documentos, além dos estudos que sua bibliografia fomentou. Gessner
teria desenvolvido sua grande bibliografia – a Bibliotheca Universalis –,
publicada em Zurique, estabelecendo relação entre o conhecimento pro-
duzido, as pessoas que o produziram e viriam a utilizá-lo e a estrutura
material mediadora necessária a essa relação na forma de referências e índi-
ces. Gessner preocupou-se em fornecer ao leitor os elementos que, juntos,
possibilitassem a escolha de documentos, funcionando como orientação
para essa escolha. Para Serrai (1990, citado por Crippa, 2014, p. 84), ha-
via quatro categorias de elementos a serem consideradas nos documentos:
Cristina Dotta Ortega
120
o autor, que deve ser entendido como chave de acesso ao repertório; a
obra, enquanto objeto específico da bibliografia; o texto, como referên-
cia às fontes; a edição, em que se indicam o tipógrafo e o editor”. Assim,
os elementos centrais da representação descritiva de documentos estavam
não apenas identificados no século XVI, mas elaborados como estrutura e
método para a realização da atividade. Segundo Crippa (2014, p. 85, 87),
a Bibliotheca Universalis tornou-se rapidamente muito procurada, entre
outros motivos, porque passou a ser usada como referência para a consti-
tuição de bibliotecas na composição de seus catálogos, em função de sua
estrutura, mas também de seu conteúdo, cujos registros poderiam receber
um código de localização dos documentos na coleção da biblioteca. Como
modo de propiciar a atualização rápida e funcional do catálogo, Gessner
foi o primeiro a propor, em seu Pandects (1548), o uso de fichas de papel
para os registros bibliográficos, sugestão que foi adotada em um catálogo
da Biblioteca Vaticana no final do século XVII (Hopkins, 1992, citado
por Frías, 1995, p. 16). Segundo Crippa (2014, p. 87), Gessner trata das
bibliotecas como instituições em que documentos são preservados e ofer-
tados aos públicos, e, dos mecanismos bibliográficos de acesso e circulação
como modo de estabelecer o contato com os usuários e suas exigências.
Crippa (2014, p. 90) se refere também a John Dury que, na
Inglaterra, no século XVII, ressaltou o papel do que denominou bibliote-
cário (librarie-keeper, no original em inglês) como agente educativo, ressal-
tando que ele não deveria limitar-se à guarda de livros, mas buscar torná-
-los disponíveis. Crippa (2014, p. 91) menciona a pequena obra de Dury,
e Reformed Librarie-Keeper (RLK), de 1650, que trata principalmente
de bibliotecas universitárias. Nessa obra, segundo Crippa, o autor trata do
catálogo como um dos eixos para a mediação necessária ao uso da biblio-
teca pelos usuários, e discorre, entre outros, sobre uma metodologia para
o processo de aquisição de documentos, que também seria uma atividade
de mediação. Afirma que, para Dury, não se deve realizar o processo de
aquisições levando-se em conta apenas o que é solicitado, e que deve haver
interação com os membros da comunidade acadêmica da biblioteca, assim
Organizar para socializar:
a função social da mediação documentária
121
como contatos e negociações com pessoas dentro e fora da universidade
e do país. As várias outras formas de realizar mediação apresentadas na
obra demonstram a proposição de Dury sobre como atuar sobre o conhe-
cimento produzido, elaborando mecanismos que seriam necessários para
torná-lo útil aos públicos.
A partir da obra desses dois autores, Crippa busca apresentar ideias
relevantes sobre o campo da atividade documentária bibliográfica, que fo-
ram propostas e implementadas muito antes do século XIX, século que é
usualmente tomado como referência principal do campo. A autora afirma
que o século XIX parece se afastar de uma linha de raciocínio que envolve a
atuação do bibliotecário em uma construção colaborativa com os usuários
para se aproximar de uma proposta de organização cada vez mais autôno-
ma, tecnicamente falando, em que o bibliotecário passa com o tempo a ser
um “reprodutor de números já dados e o catálogo e suas padronizações não
se apresentam como interface amigável para o público...” (Crippa, 2014,
p. 94). Para ela, ao longo do tempo, os estudos sobre Biblioteconomia
apresentaram enfoques em que a técnica da organização da informação
não se voltou diretamente para a mediação com usuários, mas privilegiou
a eficiência pela padronização, à qual o usuário deveria se submeter sem
poder se tornar protagonista...” (Crippa, 2014, p. 93).
De maneira semelhante, diríamos que a atuação autônoma e crítica
do bibliotecário foi diminuída em função do uso de instrumentos tomados
como universais, ou seja, considerados suficientes em qualquer contexto.
Essa mudança implicou menor protagonismo da atuação bibliotecária, o
que impossibilitou (ou dificultou, na melhor das hipóteses) o protagonis-
mo do usuário.
Crippa apresentou indícios de que o período anterior ao século
XVIII foi significativo no que tange à literatura produzida sobre media-
ção documentária em abordagem bibliográfica e a práticas relacionadas.
Comparativamente, a autora questiona o modo de desenvolvimento do
Cristina Dotta Ortega
122
campo no século XIX, pois nele foi priorizado o uso de certos padrões en-
tão constituídos, em detrimento dos seus contextos de aplicação.
De nossa parte, avaliamos que se faz necessário revisitar o pensa-
mento da Biblioteconomia do século XIX, haja vista que apreendemos
dele o que decorreu de uma leitura rápida, considerada pertinente para a
resolução dos problemas imediatos de organização de bibliotecas, a despei-
to de fundamentos relevantes que lhes são subjacentes. Ao mesmo tempo,
cabe distinguir os procedimentos mais abertos propostos na Europa para
as bibliotecas, como ocorreu na França, e os procedimentos normativos
que foram estabelecidos posteriormente nos Estados Unidos, regidos por
parâmetros pragmáticos replicáveis em bibliotecas.
Manuais de Biblioteconomia, em especial os produzidos na França
no século XIX e início do século XX, voltavam-se à operacionalização do
trabalho em bibliotecas, depois servindo também de material para os exa-
mes de obtenção do diploma de bibliotecário. Esses manuais são repre-
sentativos da sistematização do conhecimento que permite fundamentar a
gestão de bibliotecas, o que inclui a necessidade de construção de soluções
locais, a depender das bibliotecas e seus públicos, na forma de parâmetros
mediadores para a realização da atividade. Tratamos desses manuais em
publicação anterior, em co-autoria, abordando os aspectos mediacionais da
ordenação de documentos, os quais apresentamos a seguir.
Sistematizamos em Silva e Ortega (2017, p. 608-611) as seguintes
ideias presentes nos manuais citados. Em Bibliothéconomie, ou Nouveau
manuel complet pour l’arrangement, la conservation et l’administration des bi-
bliothèques, publicado em 1839 e reeditado em 1841, Constantin afirmou
que a escolha de um sistema de classificação dependia, dentre outros, da
possibilidade de este sistema ser útil a diversos tipos de leitores. Constantin
também considerava que, no caso de algumas coleções particulares doadas
a uma biblioteca, a ordem original dos documentos não deveria ser preser-
vada, sob o argumento de que a utilidade pública deveria ter precedência,
ressaltando a relevância das condições contextuais para a escolha das melho-
Organizar para socializar:
a função social da mediação documentária
123
res soluções para a ordenação dos documentos. Em Instructions élémentaires
pour la mise et maintien en ordre des livres d’une bibliothèque, publicada em
1896, Delisle afirmou que a estrutura de classes a ser adotada na ordenação
de livros deveria ser pensada localmente, a fim de atender as especificidades
da coleção, e não simplesmente ser transposta de um sistema de classes já
consolidado. Delisle considerava a CDD (Classificação Decimal de Dewey,
ou Dewey Decimal Classification-DDC, no original) pouco adequada às bi-
bliotecas francesas por ser demasiadamente vinculada ao país de origem, o
que levava a que esse sistema não contemplasse a antiguidade das coleções
francesas. Em Bibliothèques, publicado em 1908, Morel disse que o ideal é
deixar cada biblioteca encontrar sua própria ordenação, sem exigir que todas
elas seguissem uma ordenação parecida. Segundo ele, era preciso ordenar as
coleções das bibliotecas públicas de modo compatível com a realidade e com
o favorecimento de seu uso pelo público. Ele convocava os bibliotecários
a fazerem as alterações necessárias nos sistemas de classificação bibliográfi-
ca, de modo a aproximá-los das demandas reais colocadas pelas bibliotecas,
ressaltando o papel protagonista do bibliotecário. No Manuel pratique du
bibliothécaire, publicado em 1932, Crozet tratou da distinção entre o es-
quema classificatório empregado para a elaboração das fichas no catálogo
sistemático, que deveria ser detalhado e exaustivo, e o esquema classificatório
a ser adotado na ordenação nas estantes, que deveria prescindir de inúmeras
subdivisões hierárquicas. Para Crozet, o arranjo de documentos produzido
desse modo era fundamental para que o leitor pudesse percorrer autonoma-
mente as estantes.
Como identificado no artigo (Silva; Ortega, 2017, p. 612), nos ma-
nuais de Crozet (1931) e de Delisle (1910), consta a elaboração do que se
denominou como quadro de ordenação (cadre de classement, no original),
o qual consistia numa estrutura classificatória desenvolvida para fins de
ordenação dos documentos nas estantes em uma dada biblioteca. Assim,
ou se propunha a elaboração do quadro de ordenação, ou a adaptação
institucional de um sistema de classificação bibliográfica já elaborado, a
fim de torná-lo mais compatível com as necessidades locais. A ordenação
Cristina Dotta Ortega
124
(classement, no original) não se restringe ao método classificatório, já que
também são usados os métodos cronológico e alfabético. Os manuais co-
mentados ressaltam a intelectualidade da atuação do bibliotecário, haja
vista a necessidade de construção das soluções, as quais não eram fechadas
ou definidas antecipadamente. Essa orientação sobre ordenação de docu-
mentos se manteve na França até os dias atuais.
Mais ou menos no mesmo período de produção desses manuais,
o número de chamada, de origem anglo-americana, foi paulatinamente
ganhando forma e espaço como modelo fundamentado e funcional, mas
limitado em suas potencialidades ao ser compreendido como modelo de
uso universal.
Essas e outras propostas de gestão de bibliotecas anglo-ameri-
canas, realizadas no século XIX e início do século XX, contribuíram
para sistematizar o conhecimento que envolve a atividade documen-
tária bibliográfica, tanto quanto secundarizaram alguns de seus aspec-
tos fundamentais em busca de fornecer modelos replicáveis a biblio-
tecas diversas. Esses modelos replicáveis primavam pela consideração
de princípios gerais em um primeiro momento, mas caminharam para
uma padronização que foi tomada como referência universal de traba-
lho que facilitaria a atividade bibliotecária.
A partir da proposta de Otlet, no início do século XX, até início dos
anos 1990, a disciplina Documentação se desenvolveu pela proposição de
processos e instrumentos claramente preocupados com seus públicos, em
especial em função dos aportes da Linguística que caracterizaram essa dis-
ciplina. Entre outros estudos dessa vertente, a análise fundamentada que se
fez de processos e instrumentos documentários, principalmente por auto-
res franceses das décadas de 1960 a 1990, sobre Linguística Documentária
e Informática Documentária, como tratamos, pautou-se pela necessidade
de comunicação que os sistemas de informação deveriam atender. Esses
estudos foram continuados e desenvolvidos à sua maneira no Brasil pelo
Grupo Temma, da USP, a partir dos anos 1980, como já mencionamos.
Organizar para socializar:
a função social da mediação documentária
125
Assim como os estudos e práticas citados em Crippa (2014) e em
Silva e Ortega (2017), as pesquisas em perspectiva mediacional desenvol-
vidas no contexto das atividades do Grupo Temma são pouco conhecidas.
Dessa maneira, se os estudos sobre Biblioteconomia e Bibliografia
não se consolidaram suficientemente, os autores que escreveram sobre
Documentação fizeram uma espécie de resgate do objeto dessas disciplinas,
propondo teoria e métodos abrangentes e fundamentados.
No entanto, fatores extra epistemológicos de ordem político-ideo-
lógica, somados à visibilidade de bibliotecas e seus acervos e serviços e à
concretude proporcionada pela adoção de instrumentos normativos, con-
tribuíram fortemente para o apagamento dos avanços teóricos do campo.
A sistematização de princípios para aplicação em bibliotecas que marcou
o século XIX parece ter obstaculizado o desenvolvimento da perspectiva
mediacional em movimento que atingiu seu auge sob o predomínio do
modelo adotado pela comunidade estadunidense de bibliotecas.
Podemos constatar que a perspectiva mediacional do campo encon-
tra-se em cada uma das suas vertentes constituintes e no conjunto delas,
constatação que contribui para perceber as fragmentações e oposições do
pensamento atual apresentadas na problematização inicial do livro. Para
que se possa avançar, e para que se evite retroceder, interessa que essas ver-
tentes sejam retomadas e investigadas, como é comum no percurso cien-
tífico de constituição e consolidação de um campo de conhecimento. As
pesquisas decorrentes deste percurso permitirão entender mais profunda-
mente tanto os apagamentos das disciplinas Biblioteconomia, Bibliografia
e Documentação, quanto das relações entre elas, mas principalmente as
rupturas que se seguiram sob o predomínio da ideia de ‘informação’.
É assim que, no decorrer do século XX, a disseminação da vertente
estadunidense Information Science contribuiu para o esvaziamento do
conceito de documento e de informação, como desenvolvido até então.
Inicialmente pautada pela informação técnico-científica, foi proposto,
posteriormente, em discurso pretensamente inovador, o lugar proeminen-
Cristina Dotta Ortega
126
te dos sujeitos. Desta vez, no entanto, não estavam em questão apenas os
públicos dos serviços de informação, mas as pessoas em suas necessidades
e usos de informação, tomadas individualmente ou no contexto de seus
grupos sociais.
A despeito desse cenário, o campo das ações de mediação documen-
tária em abordagem bibliográfica foi constituído e continua em desenvol-
vimento. A Bibliografia tem papel de destaque nesta constituição. Ela é
considerada por Balsamo (1998, p. 11, 16) como um dos campos de ativi-
dade do complexo sistema de comunicação social; segundo suas palavras,
no que tange à atual Ciência da Informação, a continuidade da tradição bi-
bliográfica é clara, sobretudo nos aspectos estruturais da formação e do uso
da memória coletiva. De maneira semelhante, a Documentação, por sua
relevância conceitual sobre o documento – em abordagem bibliográfica,
arquivística e museológica –, assim como por seus avanços em organização
da informação e serviços voltados a públicos-alvo, pode ser considerada a
disciplina que mais desenvolveu fundamentos teóricos e métodos rigorosos
a partir de parâmetros pragmáticos. Já a Biblioteconomia prima por suas
sistematizações manualísticas, pela gestão de amplos acervos e pelos ser-
viços realizados, já que eles efetivamente colocam públicos em evidência.
Cada uma das disciplinas estudadas – Biblioteconomia, Bibliografia
e Documentação – pode ser entendida como uma vertente do campo da
mediação documentária em abordagem bibliográfica, haja vista que al-
guns aspectos são especialmente privilegiados por uma ou outra, em fun-
ção dos tempos e espaços em que surgiram e se desenvolveram e segun-
do o modo como interagiram. Dito de outro modo, Biblioteconomia,
Bibliografia e Documentação desenvolveram-se por meio da ênfase em
um ou outro aspecto, a depender de contingências políticas e culturais,
além de técnicas e tecnológicas, apresentando entre si distanciamentos,
convergências e apropriações.
Pelo exposto, evidencia-se que há uma unidade epistemológica sub-
jacente às disciplinas Biblioteconomia, Bibliografia e Documentação, si-
Organizar para socializar:
a função social da mediação documentária
127
multaneamente às particularidades de cada uma dessas disciplinas. Essas
disciplinas se constituíram uma em relação à outra, influenciando-se mu-
tuamente. Cada uma delas é dependente de sua relação constitutiva com
as outras. Como essa unidade epistemológica não está consolidada, pois
não foi suficientemente explorada, tanto a constituição conjunta destas
disciplinas quanto a identificação e caracterização de cada uma delas são
necessárias para o estudo do campo.
Essas disciplinas contemplam, cada uma a seu modo, e com aprovei-
tamentos mútuos, o campo que tem por objeto a mediação documentária
em abordagem bibliográfica, porque apresentam – em seu conjunto – a
base fundamental que o constitui. Neste sentido, é produtivo evidenciar a
base fundamental dessas disciplinas para o estudo do campo das ações de
mediação documentária em abordagem bibliográfica.
Sintetizando o desenvolvido até aqui, as atividades documentárias
bibliográficas são compreendidas e reconhecidas em suas especificidades
pelas finalidades que as justificam, pelos processos que as viabilizam e pelos
produtos que lhes são resultantes.
Quanto às finalidades das atividades bibliográficas, propomos pen-
sá-las a partir da: construção de conhecimento necessário a atividades
educacionais, científicas e profissionais; fruição ou experiência estética; e
tomada de decisões relativas a atividades de entretenimento, educação, cul-
tura, saúde e direitos civis.
Quanto aos processos realizados para atingir as finalidades citadas,
são aqueles realizados sobre documentos, tendo em vista os públicos a que
se destinam: seleção, produção de bases de dados, produção de arranjos,
preservação, oferta de produtos e serviços e demais atividades voltadas a
mobilizar públicos.
Quanto aos produtos, eles são muito variados em função das con-
tingências históricas de sua produção. Os produtos seminais da atividade
bibliográfica são os arranjos de documentos e as bibliografias e catálogos
de bibliotecas, que também se estruturam na forma de arranjos. Como se
Cristina Dotta Ortega
128
pode depreender, e conforme já tratamos, há dois grandes tipos de produ-
tos: as bases de dados e os arranjos. A partir deles, uma proposição de lista
de produtos bibliográficos atuais é a que segue: arranjos de documentos
(eletrônicos ou não), catálogos de biblioteca, bibliografias nacionais, ba-
ses de dados científicas, bases de dados factuais (cadastrais ou estatísticas),
catálogos comerciais, sistemas de informação ao cidadão, bibliotecas di-
gitais, repositórios institucionais, bases de dados de revistas eletrônicas,
bases de dados para análise bibliométrica (e outras metrias), entre outros.
Os diversos tipos de bases de dados e arranjos, entre outros aspectos des-
ses produtos bibliográficos, são desenvolvidos no subcapítulo 3.4, que é
especialmente dedicado a eles.
A constituição disciplinar do campo que exploramos a partir de
suas três vertentes – Biblioteconomia, Bibliografia e Documentação –
refere-se ao conjunto de procedimentos de produção de documentos
(secundários), tendo em vista um público, no contexto da função social
de circulação da informação. Seguindo esta linha de raciocínio, caminha-
mos para uma explicitação do conhecimento que se ocupa da produção
sistematizada desses (meta)documentos para um certo público, o qual é
então chamado a validar esses documentos para subsidiar as atividades
que desenvolve ou pode desenvolver.
2.3 o documento bibLiográfico: documento secundário, fonte
de informAção, recurso de informAção...
A especificidade da abordagem documentária bibliográfica, sobre a
qual discorremos, refere-se a práticas sobre documentos. No cerne dessa
especificidade, está o documento como produto das ações de mediação, as
quais são realizadas concretamente por um conjunto articulado de proce-
dimentos que se caracteriza como um fluxo intencional de atividades. Esse
fluxo intencional produz o documento como algo que é, simultaneamente,
material e simbólico.
Organizar para socializar:
a função social da mediação documentária
129
Décadas antes da publicação do Tratado de Documentação, Otlet
(1903, p. 134) afirmou que a limitação usual de documentos adotada no
domínio da ciência do livro poderia ser combatida por vários argumentos,
uma vez que essa limitação estava baseada na morfologia dos documentos,
e não sobre sua função.
A ideia de Otlet foi desenvolvida no decorrer do século XX, permi-
tindo que afirmemos hoje que a caracterização física ou tipológica não se
mostra produtiva para responder se um determinado objeto é ou não um
documento. De outro modo, a existência de um documento é dependente
de uma certa percepção sobre o objeto, e essa percepção se altera à medida
que ações lhe são imputadas em um movimento contínuo de atribuição de
sentido.
Esse conjunto de ideias caracterizadoras do documento é nortea-
dor da proposição e do desenvolvimento da Documentação como dis-
ciplina que fundamenta o campo das ações de mediação documentária.
A Documentação foi apresentada por Otlet como disciplina científica,
técnica e organizacional (Otlet, 1934 – 121 Parties des sciences bibliolo-
giques, p. 11). Uma investigação sobre a literatura técnico-científica da
Documentação – no nosso caso, em abordagem bibliográfica – permite
identificar que ela se caracteriza por abstração e generalização que lhe for-
nece base teórica, por rigor metodológico e referenciais pragmáticos que
a caracterizam como relevante ciência social aplicada e por histórico de
estudos articulados e problematizações correspondentes que são indica-
tivos de acúmulo de conhecimento. A Documentação, nessa perspectiva,
demonstra sua contemporaneidade.
No contexto da relação de dependência entre o conceito de docu-
mento e o de Documentação, como afirmou Meyriat (1981), derivação
terminológica relevante é fornecida pelo termo documento secundário:
por se tratar de um produto construído a partir de objetos tomados como
referência, o documento, no sentido do campo que nos ocupa, recebeu
muitas vezes essa denominação.
Cristina Dotta Ortega
130
Em seu livro de 1951, Briet adota a expressão ‘produção documen-
tária’ para indicar a produção de ‘documentos secundários’ pelas organi-
zações de documentação a partir dos documentos iniciais (os quais seriam
criados pelos autores e conservados pelas organizações de documentação).
Ela exemplifica os documentos secundários, citando traduções, resumos,
boletins, catálogos, bibliografias, dossiês, fotografias, microfilmes, revisões
da literatura, enciclopédias, guias de orientação, entre outros (Briet, 1951,
p. 24-25). Antes disso, no mesmo texto, Briet propõe ao leitor um exer-
cício, cuja referência são animais vivos (o antílope) e objetos inanimados
da natureza (estrela, pedra), a partir dos quais outros objetos são criados,
desde os próprios animais mortos e empalhados até registros fotográficos
destes objetos e textos descritivos deles, incluindo sua realocação em outros
locais, como museus. Por meio destas ideias de Briet, podemos inferir que
os objetos são transformados em documentos quando são postos em outro
lugar simbólico, o qual pode ser um lugar físico, mas não necessariamente.
É preciso considerar novamente a produção anterior de Pagès, cujo
texto de 1948 indica ideias e termos usados por Briet em seu livro de
1951. Pagès desenvolveu o tema da Psicologia Social em relação com a
Documentação, tratando do documento e das técnicas documentárias
após realizar, em 1946, o curso de Documentação, do Institut National
de Techniques de Documentation (INTD), que Briet ajudou a criar e no
qual atuava. Para Le Deuff (2018), deve-se fornecer os créditos sobre o
desenvolvimento dessas ideias a Pagès, também neste caso, devido à ante-
rioridade de sua publicação, embora ela possa ser resultante, mesmo que
parcialmente, do diálogo deste autor com Briet. Mais que isso, essas ideias
documentárias’ estavam sendo gestadas desde o início do século, portanto,
muitas delas foram publicadas, enquanto outras foram apenas registradas
ou discutidas em aulas e eventos.
Na publicação a que nos referimos, Pagès (1948, p. 3, 6, 18) afirma
que, para definir o documento, é preciso introduzir uma noção psicoló-
gica, que seria uma expressão ou algo suscetível de ser tratado como uma
expressão. Podemos inferir que ele define documento quando fala de todo
Organizar para socializar:
a função social da mediação documentária
131
objeto, cujo uso principal é o de ser interpretado, no sentido de servir de
equivalente psíquico ou evocar algo relativo a outros objetos.
Pagès apresenta várias manifestações ‘documentais’, apontando para
uma noção ampla de documento. Ele entende que, além dos livros e de-
mais impressos, vários outros objetos são reconhecidos como documen-
tos, como os iconográficos e os plásticos, referindo-se, respectivamente,
à fotografia e ao cinema, e às esculturas e aos documentos imóveis, como
os monumentos. Trabalhando o conceito em torno de uma atividade em
particular, Pagès discorre sobre o turismo, explorando-o a partir do que
ele chama de documentação difusa. Afirma que a atividade turística ‘do-
cumenta’, uma vez que transforma – em museus e espetáculos ao vivo
– lugares, habitações, espécies vegetais e animais, além de costumes, com-
portamentos e mesmo raças humanas, por promover sua conservação. Para
ele, o turismo atribui aos habitats humanos uma função secundária como
aquela que é realizada por uma ‘documentoteca’, segundo a terminologia
que adota, que podemos definir como um conjunto de documentos sele-
cionados e organizados.
Neste sentido, Pagès busca distinguir os documentos que não re-
sultam de uma imitação de um objeto (os quais podemos exemplificar
pelos livros e demais impressos, além dos audiovisuais) daqueles que são
diretamente o objeto responsável por informar sobre si mesmo, como é o
caso de animais vivos ou mortos e plantas. Mas, afirma, estes documentos
só se constituem como tal pelo acréscimo de um documento auxiliar, ge-
ralmente um texto, que permite integrá-los a um conjunto documental,
tornando-os documentos ‘contextualizados’. Seguindo essa linha de racio-
cínio que distingue de outros os documentos que transmitem informações
sobre si mesmos, Pagès propõe o termo ‘auto-documento’, exemplificando
com o chapéu de Napoleão.
Podemos estabelecer uma relação de oposição entre o termo auto-
-documento, de Pagès, e o termo documento por intenção, de Meyriat.
Esses termos são propostos a partir da ideia de que há objetos que não são
Cristina Dotta Ortega
132
produzidos para funcionar como documento (auto-documento) e outros
que são produzidos tendo em vista essa finalidade (documento por inten-
ção). No entanto, como já tratamos, a condição para que um objeto seja
documento depende de essa atribuição ser feita a ele, como afirmam os
dois autores, cada um à sua maneira.
Mas, cabe discorrer um pouco sobre a distinção apontada por Pagès
entre documentos que são objetos que informam sobre si mesmos e ob-
jetos que informam sobre outros. Conceitualmente falando, o objeto e
o documento que se manifesta a partir dele são entidades diferentes. Ou
seja, nunca é o objeto que fala sobre si mesmo, pois a fala sobre o objeto
que o torna documento é uma construção e ela é posterior à existência do
objeto, mesmo que esse tempo que distancia a existência do objeto e a fala
sobre ele seja muito pequeno. Como temos buscado demonstrar em todo
este trabalho, o documento precisa ser explicitado como tal, o que se faz
atribuindo-se uma função secundária aos objetos. Dessa maneira, nem o
chapéu de Napoleão (auto-documento, pois falaria por si mesmo) nem
um livro (documento por intenção, por ser produzido para dizer algo que
lá está escrito) informam sobre algo existente previamente no objeto. De
qualquer maneira, embora todos os objetos sejam dependentes de um con-
texto, a partir do qual são interpretados, o chapéu de Napoleão torna-se
documento a partir dele mesmo e não de escritos, sons ou imagens que
fazem referência a outros objetos ou fenômenos.
Dando mais um passo à frente, Pagès demonstra sua percepção so-
bre a diferença entre a documentação difusa da atividade turística, como
ele a define, e a documentação como atividade do documentalista, ou
seja, ele busca explicitar a especificidade desta atividade, como discorre-
mos a seguir.
Para Pagès (1948, p. 22-23), a atividade da documentação se justifi-
ca, devido a uma espécie de desencontro dos usuários diante da massa dos
documentos, a partir do qual o documentalista atua, deixando de desen-
volver operações de armazenamento e transmissão, e passando a se ocupar
Organizar para socializar:
a função social da mediação documentária
133
de elaborações originais que, somadas aos documentos principais, resultam
em uma série de documentos auxiliares para uso. Mas, ele diz que a de-
finição típica de documentação como conjunto de operações relativas ao
estabelecimento, pesquisa, reunião e uso de documentos, realizadas profis-
sionalmente pelos documentalistas, exige algumas ponderações. Assim, ele
busca esclarecer que a documentação é exercida sobre documentos e não
sobre experiências diretas. Ou seja, o documentalista não opera na experi-
ência vivida e não produz conteúdo documental original. Dito de outro,
para ele, o documentalista produz documentos, mas, eles, normalmente,
não se somam ao conteúdo intrínseco dos documentos sobre os quais tra-
balha. Exemplificando, os documentos produzidos pelos documentalistas
não são da mesma categoria que os documentos científicos, artísticos ou
sobre atualidades, que são produzidos a partir de atividades que estabele-
cem relações diretas práticas ou teóricas com o mundo. Pagès entende que
o documentalista não realiza a produção documentária ou de informação,
no sentido de conteúdo novo, mas uma ‘produção documentária auxiliar’,
essa sim característica da atividade do documentalista.
A busca que Pagès realiza pela caraterização da atividade documentá-
ria em sua autonomia e os parâmetros que ele usa para tal são relevantes e
mantêm sua atualidade. Entendemos que o documentalista não atua sobre
experiências vividas diretamente, se considerado o contexto de atuação dos
autores dos documentos ou especialistas em geral que qualificam objetos
como documentos antes que estes venham a compor sistemas de informa-
ção. Para que o trabalho do documentalista de produção de documentos
auxiliares contribua para esse ‘encontro’ do usuário com massa documental
de interesse, o documentalista deve se debruçar sobre a atividade a partir
da qual o usuário está sendo considerado. Assim, o documentalista elabora
instrumentos, realiza processos e dialoga com públicos, concebendo e sis-
tematizando as categorias que respondem pelo contexto documentário em
questão. O mundo vivido pelo documentalista é ‘meta’, é um mundo ma-
terial e simbólico que resulta em serviços que devem ser úteis aos sujeitos
para os quais foram destinados, sempre sob preceitos éticos.
Cristina Dotta Ortega
134
Várias semelhanças são encontradas nas obras de Págès (1948) e Briet
(1951) no que se refere às ideias que desenvolvem e à maneira como eles as
abordam. Ambos falam em produção documentária, elencando seus pro-
dutos em uma lista bastante similar. O termo documento secundário não é
usado por Pagès, mas a ideia de uma função secundária do objeto e a am-
pliação de objetos, incluindo animais, pessoas e lugares, é trabalhada por
ele, assim como Briet o faz à sua maneira. Como autores, Briet tornou-se
mais conhecida. Uma das principais diferenças entre as publicações destes
dois autores, publicações essas que parecem ser resultado de uma pesquisa
conjunta, é a de que o pequeno livro de Briet é mais desenvolvido, expli-
cado e articulado, além de apresentar faceta profissional e a organização
institucional das atividades, simultaneamente a um certo caráter pueril, ao
menos aparentemente...
Texto que trata especificamente do documento secundário foi publi-
cado mais recentemente por Meyriat, no contexto da intensificação do de-
senvolvimento técnico-científico que ocorreu a partir da metade do século
XX, como sistematizamos a seguir.
Meyriat discorre sobre os documentos secundários em verbete pró-
prio produzido para a Enciclopédia de Bibliologia, organizada por Estivals,
que mencionamos anteriormente. Para Meyriat (1993, p. 154-157), ‘se-
cundário’ é um epíteto – ou seja, uma palavra qualificadora de outra – ,
de tal maneira que 'documento secundário' só tem sentido em relação a
outros documentos que são chamados ‘primários’. Segundo ele, estes do-
cumentos são tão numerosos que foi preciso desenvolver meios de acesso a
essa massa, a qual é objeto de uma atividade chamada de atividade secun-
dária. Desse modo, os documentos secundários são criados para atender a
uma necessidade social, que é a de acessar os documentos primários com
a maior facilidade possível. Esses documentos têm uma longa tradição e
as técnicas utilizadas e suas formas estão em constante desenvolvimento.
Meyriat menciona que os catálogos de bibliotecas e as bibliografias são
antigos documentos secundários, e são em si documentos, independente-
mente de seu suporte material.
Organizar para socializar:
a função social da mediação documentária
135
Meyriat (1993, p. 154-157) considera o grande desenvolvimento
científico, tecnológico e industrial da segunda metade do século XIX como
um movimento que resultou em um crescimento do número de publica-
ções primárias, particularmente revistas técnicas e científicas. Ele afirma
que o aumento expressivo dessas publicações demandou que o controle
bibliográfico fosse assegurado, levando à criação de muitas bibliografias
especializadas correntes: de 1822 a 1900, cerca de 75 bibliografias, abran-
gendo artigos de periódicos, teses e relatórios de pesquisa, passaram a ser
produzidas na Europa e nos Estados Unidos. No decorrer do século XX,
segundo Meyriat, houve mais uma vez um aumento significativo de pro-
dução de documentos primários, sendo que o número de documentos se-
cundários não foi menor, o que ocorreu de maneira anárquica e superando
as necessidades. Ele se refere à publicação de boletins bibliográficos por
instituições com vocação científica ou técnica, que passaram a entender
que essa publicação era necessária, embora os boletins nem sempre tives-
sem leitores e muitas vezes fossem produzidos em duplicação. As restrições
econômicas que tiveram início nos anos 1970 levaram a uma revisão na
forma e extensão dessas publicações.
Em termos da caracterização dos documentos secundários, Meyriat
(1993, p. 154-157) observa que alguns deles são revisões críticas, caso
em que esses documentos se colocam na intersecção entre o território
dos documentos secundários e o das publicações científicas. De qualquer
modo, informa que a jurisprudência reconhece que o autor de um do-
cumento secundário possui direito de propriedade literária, na medida
em que, articular, selecionar e organizar conteúdos constitui uma contri-
buição intelectual. Por fim, Meyriat ressalta que existem muitos outros
documentos primários além dos escritos, e todos eles criam a necessidade
de que sejam localizados e analisados, podendo levar à produção de do-
cumentos secundários.
O conceito de documento demanda o de documento secundário,
ou seja, é dependente deste. Do mesmo modo que um objeto não é em si
um documento, esse mesmo objeto não pode por si mesmo ser categoriza-
Cristina Dotta Ortega
136
do como documento primário ou secundário. A definição de documento
é sempre situacional. Ou seja, o epíteto ‘secundário’, como mencionou
Meyriat, é relativo ao epíteto ‘primário’, do que decorre que este também
seja relativo.
Uma reflexão sobre o conceito de documento secundário, nesse
sentido, foi realizada por Lara (2010), que considera estarem em causa
processos de interpretação que produzem relações de significação. A au-
tora escreveu sobre o documento secundário, apresentando inicialmente
as ideias recorrentes no campo. Ela diz (2010, p. 36) que os documentos
originais são selecionados e submetidos a um tratamento para a produ-
ção de outros documentos, mais sintéticos, chamados de documentos
secundários, terciários etc., como bibliografias, sistemas documentário-
-informacionais e dossiês, os quais, em conjunto, têm como função di-
minuir a dispersão da informação. Buscando fundamentar o documento
secundário, afirma que, “deste processo chega-se à informação documen-
tária, produto de um sistema semiótico diferente do primeiro, embora se
pretenda que ele funcione como uma espécie de substituto que leva ao
documento original” (Lara, 2010, p. 36).
A autora entende que “a história se complica” (Lara, 2010, p. 35)
porque, para se falar em documento primário, é preciso estabelecer quando
ele próprio é considerado documento, já que isso tem implicações para o
documento secundário. Para Lara, algo passa a ser documento quando se
vê, no ‘objeto inicial’, um significado especial: o documento é esse algo
transformado em um signo.
Analisando autores responsáveis pela construção do conceito de do-
cumento, que apresentamos anteriormente, Lara afirma que:
a tônica dos discursos e as ênfases conferidas pelos autores
encaminham uma vinculação cada vez maior entre a concepção de
documento e de informação, sugerindo que os dois termos não
podem ser definidos de modo isolado, mas um relativamente ao
outro. Ao conceber a informação como construção, a face concreta
do documento, sem perder sua importância, põe em evidência sua
Organizar para socializar:
a função social da mediação documentária
137
insustentabilidade fora do contexto da interpretação, quando o
documento passa a ter existência e permite desencadear relações de
significação (Lara, 2010, p. 55).
A ideia de informação que se vincula à existência do documento de-
pende do contexto de interpretação que o uso do documento exige. Para se-
guir desenvolvendo o conceito de documento, a autora busca precisar o con-
texto de uso. Lara (2010, p. 49) afirma que os documentos devem ser sempre
analisados em relação à divisão do trabalho numa sociedade, considerando
os tipos de práticas documentárias com os diferentes tipos de documentos.
Como já tratamos, os usos de informação não têm como referência certos
grupos sociais, segundo faixa etária, raça, classe social, outros; configuram-
-se de maneira mais específica a partir da atividade que pessoas ou grupos
realizam, seja de ordem profissional, educacional, de lazer, outros. É nesse
sentido que a autora traz à tona o termo fonte, como segue:
O conceito de fonte é relevante para esse propósito e o que diferencia
a atividade de documentalistas é que, por exemplo, o antílope é
uma fonte para o estudo dos zoólogos, assim como os fenômenos
naturais, para os cientistas naturais, os registros, fontes primárias
para os historiadores, as leis, para os acadêmicos de direito e para
os advogados. Livros e publicações são fontes secundárias para os
cientistas, mas constituem o objeto primário dos bibliotecários e
especialistas em informação (Lara, 2010, p. 49).
O espanhol Desantes Guanter (1987, p. 60-61) já afirmava que os
termos documento e fonte são usados de maneira equivalente, tanto em
documentação, quanto na linguagem comum. O autor comenta que fonte
é termo mais amplo que documento, já que inclui as fontes orais, mas não
é esse o caso se for feita a especificação sob o termo fontes documentais.
Posteriormente, o termo fonte de informação passou a ser prete-
rido em prol do termo recurso de informação ou recurso informacional.
O ambiente Web, como espaço para os serviços de informação, parece ter
contribuído para esta alteração. Zafalon (2017) trata do termo recurso in-
Cristina Dotta Ortega
138
formacional de maneira pertinente ao que propomos, dada a abstração que
realiza para a compreensão do objeto como um recurso informacional, o
que envolve observar o modo como ele é interpretado e as ações que envol-
vem essa interpretação.
Zafalon (2017), pautando-se pelas ideias que Buckland (1991b) ela-
bora sobre a obra de Briet (1951), considera que o centro da indagação está
no fato de que os recursos informacionais são coletados, armazenados, tra-
tados e recuperados, fazendo com que as potencialidades informativas dos
objetos sejam projetadas nas ações da representação documentária. Essas
potencialidades informativas dos objetos podem ser entendidas como
decorrentes das atribuições de sentido realizadas previamente sobre eles
em um certo contexto, as quais caracterizam-se como evidências. Assim,
as ações de representação documentária permitem que objetos diversos,
como textos, tanto quanto fósseis, coleções de rochas, herbário de plantas
e edificações tornem-se recursos informacionais.
Como podemos inferir, Zafalon entende que os recursos informa-
cionais existem, sob o ponto de vista do campo que nos ocupa, na pers-
pectiva da representação e da recuperação em sistemas de informação. A
autora trabalha o conceito de recurso informacional a partir das entida-
des obra e manifestação, como sistematizadas pela IFLA – International
Federation Library Association and Institutions. A partir dessas referências,
dentre outras, Zafalon (2017, p. 127, 133-134) categoriza a obra como
uma unidade complexa mental e a manifestação como uma unidade com-
plexa física, que existem em regime de correspondência entre si, já que
a obra é passível de ser identificada a partir de suas várias manifestações.
Assim, Zafalon propõe que obra e manifestação são dois sistemas distintos,
mas complementares para a formação do recurso informacional. Ela en-
tende que o recurso informacional é resultado da conjugação entre obra e
manifestação da seguinte forma: os recursos informacionais constituem-se
de manifestações socializáveis de obras. Por fim, Zafalon (2017, p. 129)
afirma que “o recurso informacional desenvolve-se no tempo”, afinal, se-
gundo entendemos, trata-se de uma construção simbólica que, por isso,
Organizar para socializar:
a função social da mediação documentária
139
está vinculada à situação a partir da qual passa a ter existência e que se
transforma continuamente, eventualmente deixando de existir.
É possível constatar que foi produzida literatura abrangente e fun-
damentada sobre o documento. A despeito disso, o conceito não foi am-
plamente disseminado. Podemos dizer que o conceito não se consolidou,
em grande medida, em função da dispersão terminológica que se efetivou
pelo uso dos termos documento – fonte de informação – recurso de in-
formação, como foram cronologicamente propostos, concomitantemente
à opção predominante pela concretude formal e material dos objetos em
questão, que contribuiu para apagamentos contínuos das propostas pro-
priamente conceituais.
Essa opção predominante pode ser identificada na nomeação de cer-
tos objetos concretos como fontes de informação, tanto em programas de
ensino de cursos de graduação quanto na literatura técnico-científica, no
contexto da Biblioteconomia e Ciência da Informação (no sentido da ori-
gem do termo em inglês Library and Information Science-LIS).
Fonte de informação tem origem no termo fonte bibliográfica que
remete à bibliografia, contemplando bibliografias produzidas sobre um
determinado tema, segundo diversos recortes e arranjos (cronológicos, ge-
ográficos, outros) ou sobre as obras de um certo autor, entre outros pro-
dutos, como os diretórios (depois produzidos na forma de base de dados
cadastrais). Esses materiais, desenvolvidos como fontes à informação de
documentos selecionados e referenciados, eram considerados fontes bi-
bliográficas. O termo fonte de informação partiu, portanto, da disciplina
Bibliografia para compor a Biblioteconomia e Ciência da Informação, haja
vista que Bibliografia e Biblioteconomia se desenvolveram em processo
de alimentação recíproca, como já tratamos. Podemos dizer que a opção
pelo termo fonte de informação já estava evidenciada por volta dos anos
1970 no contexto do apagamento da Bibliografia, tendo como pano de
fundo a invisibilidade da Documentação, ambos fenômenos constituintes
Cristina Dotta Ortega
140
da vertente anglo-americana denominada Biblioteconomia e Ciência da
Informação, a que nos referimos.
Assim, temos que, documento (escolha terminológica deste traba-
lho) é anterior a fonte de informação (termo predominantemente adotado
no campo), como podemos constatar pela cronologia da mudança termi-
nológica: fonte bibliográfica em Bibliografia, documento/documento se-
cundário em Documentação e fonte de informação/recurso informacional
em Biblioteconomia e Ciência da Informação. A terceira fase, representada
principalmente pelo termo fonte de informação, embora possa algumas ve-
zes ser usado segundo o conceito de documento, em geral refere-se a objeto
que diz por si mesmo, carregando naturalmente certas informações nele
inscritas, que devem ser simplesmente extraídas na leitura do objeto. O
caráter informativo do objeto, nesta abordagem, parece ser intrínseco a ele.
O uso do termo fonte de informação segundo esta abordagem é pre-
dominante, ao menos em boa parte do Ocidente. Buscando sistematizar o
percurso das ideias e dos termos, se o conceito de documento remete ao de
documento secundário, houve um desvio terminológico-conceitual a par-
tir dos termos fonte de informação e recurso de informação. Dito de outra
maneira, ocorreu uma redução conceitual realizada pela substituição dos
termos. Essa redução secundariza ou mesmo elimina a função documental
a favor da tipologia do objeto, denotando a prevalência de aspectos formais
e materiais em relação àqueles de maior nível de abstração. Praticamente
não está em questão, nesta abordagem, uma construção simbólica derivada
de processos de significação orientados a públicos.
É nesse contexto que a literatura técnica de Biblioteconomia
das últimas décadas produziu muitas e distintas listas, em que diversas
tipologias documentais, em geral textos escritos, foram classificados como
fontes de informação primárias, secundárias ou terciárias. De uma lista
para outra, as mesmas tipologias documentais são classificadas de maneira
diferente, devido à alternância de critérios, levando os autores a afirmarem
que seria difícil chegar a algum consenso.
Organizar para socializar:
a função social da mediação documentária
141
Um livro, por exemplo, é classificado comumente como fonte de in-
formação primária por ser produto da criação intelectual do seu autor. As
fontes de informação secundária, por sua vez, são definidas em geral como
o produto da seleção e organização das informações das fontes primárias,
como é o caso das bibliografias e catálogos, hoje produzidas em geral na
forma de bases de dados. Já as fontes terciárias seriam aquelas que referen-
ciam as secundárias, como é o caso das bibliografias de bibliografias, ou são
produzidas pela sistematização das fontes primárias e secundárias, e então
temos novamente o livro. O que move essas classificações de fontes é a pro-
dução a partir de outras que lhe antecedem, das primárias às secundárias
para as terciárias, em uma sequência cronológica de produção de tipologias
documentais, uma a partir da outra.
Podemos também analisar o catálogo de uma biblioteca, pois ele
pode ser considerado tanto uma fonte de informação primária quanto se-
cundária. Na situação em que está questão a atividade de pesquisa do his-
toriador, que estuda o catálogo como objeto de sua pesquisa do catálogo,
esse catálogo é sua fonte primária de informação. Já na atividade do bi-
bliotecário de produção do catálogo para representação de documentos de
uma coleção, o catálogo é tomado como fonte secundária de informação.
Contudo, o bibliotecário pode estar a serviço do historiador, o que o leva
a considerar de que lugar este desenvolve sua atividade.
Para lidar com essas variações, seria preciso distinguir a tipologia
documental do objeto (conjunto de características formais de estruturação
material e de conteúdos do objeto) e o uso documental do objeto (inter-
pretação que torna o objeto um documento ou fonte, aqui tomados como
sinônimos). Como Lara já havia mencionado, a questão é a da referência
adotada para a observação e manipulação dos objetos, a qual se antepõe à
sua tipologia.
Como dissemos, muitas classificações de fontes de informação em
primárias, secundárias e terciárias foram, por décadas, elaboradas e publi-
cadas na forma de listas de tipologias documentais. Estudo amplo sobre
Cristina Dotta Ortega
142
publicações de 1960 a 1990, que apresentavam essas classificações de fon-
tes de informação, foi realizado por Martínez Comeche (1997). A revisão
do autor demonstra que muitas das classificações analisadas nem sempre
primavam pela manutenção dos critérios em toda a estrutura classificatória
sobre a qual eram elaboradas, além de serem propostas como alternativas às
anteriores para contemplar mudanças tecnológicas ocorridas.
De fato, é recorrente hoje a afirmação de que essas classificações de
fontes de informação estariam desatualizadas, em decorrência do desenvol-
vimento dos suportes tecnológicos e dos modos virtuais de disponibiliza-
ção e acesso. Em vários campos de conhecimento e atividades profissionais,
é comum atribuir à mudança tecnológica a necessidade de revisão de parâ-
metros de análise, mas podemos dizer que não é a tecnologia (eletrônica)
que está em questão. A questão, como tratamos, é a de que os critérios em
geral adotados para a classificação não se referem propriamente às fontes
de informação – que dependem da observação sobre a atividade para as
quais funcionam como fontes –, mas às tipologias documentais dos obje-
tos considerados.
Assim sendo, explorar o significado do documento em abordagem
bibliográfica exige reconhecer seus modos próprios de produção e uso, tra-
tando dos processos documentários e das relações a partir das quais eles se
constituem. É o que tratamos a seguir.
2.4 A dinâmicA do fLuxo documentário bibLiográfico
Tomando os processos documentários como fundamentalmente me-
diacionais, sua explicitação na forma de fases ou etapas, que se articulam
em sequência lógica, foi desenvolvida há tempos em manuais de biblioteca
e nos textos introdutórios das bibliografias. De maneira similar, autores da
Bibliologia do século XIX trataram da sequência de atividades a partir das
quais os livros eram produzidos, distribuídos e lidos.
Organizar para socializar:
a função social da mediação documentária
143
Partindo dos aportes teóricos da Bibliologia e dos aspectos concei-
tuais e aplicados das bibliotecas e bibliografias, Otlet discorre, no Tratado
de Documentação, sobre um ciclo de operações que ele denomina de ciclo
documentário (Otlet, 1934).
Otlet (1934) se refere à redação do documento (qualquer que seja
ele, como livro, artigo ou um simples texto) como origem do ciclo docu-
mentário. Menciona que há uma série de operações, agrupadas segundo
suas características, compondo um ciclo, que constituem as funções da
documentação. A proposta do termo documentação por Otlet tem em sua
base – como ele reitera continuamente no Tratado – operações articuladas
que partem da produção do documento e seguem até o uso pelos leitores,
passando pelos processos de colecionamento, conservação, descrição e or-
denação, realizados em bibliotecas e bibliografias. Desse modo, Otlet dis-
corre sobre o ciclo, no Tratado, tratando da produção e uso de documentos
e, depois, das atividades propriamente documentárias. Podemos dizer que
Otlet distingue claramente aspectos sociais, políticos, econômicos e orga-
nizacionais envolvidos na produção e uso de documentos, que apresenta e
descreve em detalhe, e os aspectos fundamentais e procedimentais das ati-
vidades documentárias, elaborando a documentação como um continuum
que se manifesta de maneira diferenciada de um ponto ao outro do ciclo.
Vários autores escreveram intensamente sobre Documentação na
primeira metade do século XX, o que se manteve por algumas décadas.
É recorrente a referência a Edith Ditmas como a documentalista
que teria antecipado a ideia de uma cadeia de processos, propondo o que
ela chamou de processo documentário. Na Inglaterra, onde atuou, Ditmas
foi editora do Journal of Documentation e diretora da Association of Special
Libraries and Information Bureaux (ASLIB), exercendo relevante papel po-
lítico e realizando desenvolvimento teórico sobre Documentação. Ditmas
apresentou a Documentação, em 1949, como um aspecto da bibliografia,
cuja ênfase é o desenvolvimento de recursos para a utilização ativa do co-
nhecimento registrado, em oposição à custódia, realizada pelas bibliote-
Cristina Dotta Ortega
144
cas. Para ela, essa explicação permite dizer que a documentação sempre
esteve implícita em qualquer esquema produzido para o arranjo eficiente
dos materiais de pesquisa. Ditmas considera que Otlet foi o primeiro a
reconhecer e sistematizar esse conhecimento e suas aplicações, ao menos
na Europa, e menciona a proposta que ele realizou de uma grande biblio-
teca ligada a um ativo serviço de informação (Ditmas, 1949, p. 332). É na
vertente que considera a Documentação e a Biblioteconomia como ativi-
dades paralelas, embora relacionadas, que Ditmas desenvolveu a ideia de
processo documentário; nesse processo, a Documentação teria uma faceta
dinâmica, enquanto a Biblioteconomia representaria sua faceta estática. A
Documentação, segundo ela, se ocupa da produção de documentos novos
a partir do trabalho intelectual de análise do conteúdo de documentos, o
que possibilita oferecer serviços de informação. A despeito das diferenças
entre Biblioteconomia e Documentação que Ditmas apresenta, ela enten-
de que a matéria-prima dessas duas disciplinas é a mesma e que elas podem
ser descritas como dois segmentos de um ciclo de ação (Ditmas, 1950, v.
4, p. 575-576, citado por Coblans, 1957, p. 131). Assim, observamos que
Ditmas explicitou a existência de um ciclo, além de reconhecer que um
conjunto de atividades encadeadas já era realizado em bibliotecas.
Alguns anos depois, em 1957, nos Estados Unidos, Ralph Shaw es-
creveu um pequeno artigo de duas páginas e meia, uma delas com um
diagrama, sob o sugestivo título Documentation: complete cycle of informa-
tion service. Assim como para Ditmas e muitos outros autores do período,
há uma ênfase ao serviço prestado ao usuário, e esse serviço é elaborado a
partir da relação entre as atividades da Documentação e aquelas realizadas
em bibliotecas.
Para Shaw (1957, p. 452), as atividades da documentação envol-
vem processos diferenciados daqueles realizados em bibliotecas, mas re-
lacionados, já que a distinção se refere, respectivamente, à documentação
especializada e às bibliotecas gerais. Ele entende que a documentação se
diferencia principalmente por completar o sistema de fornecimento de
informações. O ciclo que Shaw considera inclui identificação, registro,
Organizar para socializar:
a função social da mediação documentária
145
organização, armazenamento, recuperação, conversão em formas mais
úteis, síntese e disseminação do conteúdo intelectual de impressos e outros
materiais. Segundo ele, além de o trabalho em bibliotecas concentrar-
se apenas na parte do ciclo que fica entre o registro e a recuperação, em
documentação, o trabalho é mais intensivo, devido à análise de assunto ser
mais profunda e realizada sobre um conjunto maior de recursos, atentando
para necessidades especializadas e usos particulares.
Shaw (1957, p. 453-454) apresenta um diagrama, com explicações
a respeito, para tratar dos elementos envolvidos e das relações entre eles
na forma de um ciclo que se retroalimenta. O diagrama é encabeçado
por um desenho que representa o usuário, seguido das informações re-
queridas por ele, que, após diversas ações, recebe documentos selecio-
nados ou produzidos especialmente para ele. Após o diagrama, Shaw
apresenta o que chama de núcleo de informação (core of information,
no original), que deve servir a todo documentalista, independentemente
da área temática, incluindo: natureza e abrangência do campo; usuários
atendidos; coleta, organização e localização de fontes prováveis, sejam
originais ou cópias; avaliação e seleção preliminar dos materiais, por
meio de resumos e outros produtos documentários para reduzir o vo-
lume de material, pertinente à questão do usuário, a ser consultado por
ele; conversão dos materiais em formas úteis, como reprodução, tradu-
ção, relatórios e listagens; e, desenvolvimento completo e equilibrado
de sistemas de informação, com todas as partes articuladas de modo
a fornecer as informações necessárias, quando necessárias e na forma
em que são necessárias, pela combinação de ferramentas intelectuais e
mecânicas para as tarefas específicas a serem executadas.
Como vemos, a ênfase ao serviço segundo especificidades do pú-
blico, por meio da produção de documentos novos, ou seja, documentos
secundários (no sentido de Pagès e Briet), é o cerne da proposta de Shaw
sobre a atividade documentária.
Cristina Dotta Ortega
146
De fato, a organização da informação técnica e científica e a busca
por estratégias de disseminação dessa informação aos públicos de interesse
foram postas em evidência no decorrer do século XX, nos Estados Unidos
e na Europa. No contexto desse movimento, encontramos a ampliação e
aceleração do desenvolvimento científico e tecnológico, que é depende da
produção documental, e que, nesse momento, resultou no aumento ex-
pressivo de publicações e materiais técnicos e científicos diversos, por sua
vez, possibilitando maior desenvolvimento científico e tecnológico. Desse
modo, o ciclo da produção da ciência passou a ser mais amplamente explo-
rado e sistematizado. Esse ciclo possui uma estrutura interna informacio-
nal, nem sempre visível, que impulsiona, potencializa e orienta a ciência,
na forma de sistemas e serviços altamente especializados.
Na segunda metade do século XX, nos Estados Unidos, o desenvol-
vimento científico e tecnológico em curso, somado aos esforços de Guerra,
colocou em pauta os sistemas de informação especializada e os modos de
produzi-los e geri-los, incluindo sua integração eficiente. Dentre as ini-
ciativas do período, está o Relatório Weinberg, produzido em 1963, pelo
Governo dos Estados Unidos, no qual se discorre sobre um conjunto arti-
culado de processos, que foi denominado cadeia de transferência da infor-
mação (information transfer chain, no original).
González Gómez (2003) analisa o Relatório Weinberg, conside-
rando a força estrutural e estruturante dos dispositivos de comunicação
e informação para a produção da ciência, no contexto das políticas cien-
tíficas que a viabilizam. A autora trata da necessidade de informações or-
ganizadas para a intensa pesquisa científica e para as tomadas de decisão,
em especial com a Guerra Fria e, depois, com a economia de mercado.
Naquele momento, as publicações se repetiam ou dispersavam, o que exi-
gia racionalização, sistematização e direcionamento. O Relatório escrito
por Weinberg pode ser entendido como um dos modelos produzidos para
uma política de informação científica e tecnológica. Segundo González
Gómez, Weinberg trata da complexidade dos sistemas de informação, que
deveriam ser desenhados para atender comunidades distintas: pesquisado-
Organizar para socializar:
a função social da mediação documentária
147
res, tecnólogos e administradores. A proposta envolvia a produção de bases
de dados bibliográficas, incluindo as cadastrais, a partir das quais seriam
elaborados indicadores que permitiriam mapeamentos da produtividade
científica, segundo variados aspectos, a depender das leituras realizadas. A
importância da cadeia de transferência da informação de Weinberg, para
González Gómez, seria a intervenção informacional definida por sistemas
de comutação da informação, os quais contemplam operações de relação,
compatibilização e tradução.
Segundo Weinberg (1963, p. 12), como citado por Gonzalez Gómez
(2003, p. 66), a cadeia de informação funciona como um sistema de co-
mutação, cujo objetivo final é conectar o usuário à informação adequada,
de forma rápida e eficiente. A proposta é a de que esse sistema de comuta-
ção de informações não seja passivo. Para tanto, o sistema deve selecionar,
compactar e revisar o material para o usuário individual, de modo que ele
assimile aquilo a que está exposto e não fique exposto demais ao que não é
importante ou relevante. Weinberg, segundo González de Gómez (2003,
p. 67), detalha o sistema como o processo de informação que compreende
etapas separadas ou operações unitárias, as quais são assim elencadas: pro-
dução, registro e exposição, catalogação, armazenamento e disseminação,
e recuperação e exploração pelo usuário. Weinberg explica que o primeiro
grupo de etapas – produção, registro e exposição – é realizado por técnicos
e pelas organizações que os apoiam, enquanto as etapas posteriores são re-
alizadas pelos documentalistas profissionais e pelas organizações que lidam
com a informação, bem como pelos usuários. Segundo ele, o termo cadeia
de transferência de informação foi proposto porque as etapas estão ligadas
no sentido de que as etapas posteriores dependem das anteriores, de modo
que todo o processo de informação é semelhante a uma cadeia.
Desse modo, temos no Relatório Weinberg uma das proposições ini-
ciais contemporâneas sobre a ideia de uma cadeia documentária. Weinberg
discorre sobre o sistema de informação como instância em que deve ocor-
rer negociação entre produtores e usuários de informação, continuando,
assim, a ênfase ao serviço voltado a públicos específicos. A cadeia é então
Cristina Dotta Ortega
148
apresentada a partir de operações relacionadas e realizadas em sequência
lógica, fundadas sob categorias semânticas voltadas à circulação da infor-
mação. Assim como na Europa, o profissional documentalista é presente
nos Estados Unidos, e aspectos da teoria documentária podem ser iden-
tificados. No entanto, neste país, a Documentação Especializada dividiu
espaços com a Biblioteconomia Especializada, e depois com a Ciência da
Informação, as quais tornaram-se predominantes. Em grande medida, esse
movimento foi devido à ênfase atribuída à informação, pois ela foi tomada
como mais abrangente que o documento, já que compreendido em seu
aspecto material e limitado a certos objetos.
Mas, a sistematização propriamente dita de uma cadeia documen-
tária, e sua disseminação na literatura, é atribuída, por autores franceses e
espanhóis, a Jacques Chaumier, nos anos 1970. Segundo esses autores, a
ideia foi preconizada pela documentalista inglesa Edith Ditmas, ao concei-
tuar o processo documentário, nas décadas de 1940 e 1950, como trata-
mos anteriormente.
No livro Techniques Documentaires, publicado em 1971, com última
e nona edição publicada em 2002, Chaumier (1971) discorre sobre o con-
ceito de cadeia documentária. Ele introduz o conceito, apresentando cita-
ção literal do Relatório Weinberg, traduzida para o francês, em subcapítulo
intitulado La chaîne documentaire. Em seguida, Chaumier (1971, p. 13-
21), propõe de maneira esquemática os diversos elementos que compõem
a cadeia, e desenvolve cada um deles, qualificando-os como funções da
cadeia. Ele afirma que a cadeia é composta pela coleta de documentos, pelo
tratamento da informação documentária (que inclui a análise documentá-
ria e a busca) e a difusão de produtos documentários. Ao tratar da função
de difusão, Chaumier discorre sobre o controle permanente que é necessá-
rio realizar sobre a satisfação do usuário, mantendo atualizado o perfil dos
usuários no sistema, por meio da identificação e registro de palavras-chave
representativas de seus interesses, o que permite manter a pertinência das
respostas fornecidas pelo sistema. Recomenda ainda uma ação de previsão,
em que sejam contemplados assuntos suscetíveis de serem inseridos no
Organizar para socializar:
a função social da mediação documentária
149
sistema, para que os usuários possam ser informados assim que surgirem
os documentos a respeito.
O uso do termo cadeia documentária pode ser encontrado um pou-
co antes da publicação de Chaumier no título do livro Economie générale
d’une chaine documentaire mécanisée, publicado em 1967, por vários au-
tores, incluindo Jean-Claude Gardin (Alouche et al., 1967). Esses auto-
res, junto a outros que então iniciaram suas pesquisas, ocupavam-se da
elaboração de métodos rigorosos para a representação de conteúdos de
documentos, em que os procedimentos fossem devidamente explicitados.
Para tanto, apoiaram-se em estudos de linguagem que permitissem repre-
sentações mais adequadas de textos, com a construção fundamentada de
linguagens documentárias e o melhor uso dos computadores.
Georges Van Slype publicou o livro Conception et gestion des systèmes
documentaires, em 1977. Como muitos dos livros publicados à época, Van
Slype (1977) trata da cadeia documentária, discorrendo sobre seus proces-
sos, instrumentos e produtos. Dentre os instrumentos, o autor demonstra
busca por generalização e abstração ao tratar do Manual de Referência
para Descrições Bibliográficas Legíveis por Máquina, do UNISIST
3
, como
modo de estruturar e produzir a descrição bibliográfica. Trabalho teórico
ainda maior é desenvolvido pelo autor ao tratar da linguagem documen-
tária, em abordagem linguística, distinguindo linguagens de classificação e
linguagens de indexação, seus aspectos semânticos e sintáticos, assim como
suas unidades constituintes e as relações entre elas.
Há, ainda, um capítulo em que o autor (Van Slype, 1977, p. 17)
aborda o que denomina e explica como problemas psicossociológicos liga-
dos à produção e ao uso da informação e indica os passos para que biblio-
tecários e documentalistas facilitem a comunicação. O autor aborda, nesse
O United Nations International Scientific Information System (UNISIST), da UNESCO, elaborou, na década
de 1970, um manual de referência para a produção de descrições bibliográficas legíveis por máquina, como
era comum denominar à época a produção de registros de bases de dados. Este Manual (Unesco, 1974)
foi adotado como referência na concepção de formatos de registro bibliográfico em sistemas de informação
científica. Alguns destes formatos são LILACS (Literatura Latino-Americana em Ciências da Saúde) e
CEPAL (Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe).
Cristina Dotta Ortega
150
capítulo, o conhecimento, a motivação e o comportamento das pessoas
envolvidas nos sistemas de informação, as quais ele segmenta em usuários,
gestores e criadores. Essa segmentação orienta também os capítulos seguin-
tes, os quais são divididos em seções próprias destinadas a cada um destes
três grupos de pessoas. Segundo Van Slype (1977, p. 16-17), as seções vol-
tadas aos usuários têm por objetivo suprir pessoas ou instituições que quei-
ram fazer uso de sistemas de informação ou criar mini-sistemas para uso
próprio; as seções destinadas aos gestores dos sistemas – os bibliotecários
e os documentalistas – tratam dos métodos documentários e das necessi-
dades de usuários e dos produtos que respondem a elas; e as seções relati-
vas aos criadores dos sistemas, que são os responsáveis pela documentação
ou seus organizadores, voltam-se aos interesses relativos à identificação de
oportunidades, ao estabelecimento das orientações e à avaliação da quali-
dade. Deste modo, como nos demais capítulos, aquele que trata da cadeia
documentária é descrito em três seções, as quais exploram cada etapa da
cadeia e o conjunto delas segundo cada um dos três grupos de pessoas.
A cadeia documentária foi intensamente explorada em livros pu-
blicados na França desde o início da década de 1960 até o final do século
XX, marcadamente até a década de 1980. Nem sempre, o termo cadeia
documentária foi adotado nestes livros, mas eles foram estruturados a par-
tir de um capítulo introdutório, constituído por conceitos fundamentais
como o documento, a informação, o público e os sistemas e serviços que
permitem a comunicação com ele. Em seguida, constavam os capítulos
sobre os processos documentários iniciais – a seleção de documentos, a
descrição, a indexação e a produção de resumos, com ênfase para as lin-
guagens documentárias –, seguidos de capítulos sobre a informatização,
a gestão e a definição de políticas, incluindo a análise de custos. Ainda
hoje, muitos livros franceses se estruturam desse modo, possibilitando uma
compreensão ampla e articulada dos processos documentários, abordados
sob fundamentação linguística e tendo em conta sua concretização
tecnológica. As operações contempladas incluem tanto as que realizam o
Organizar para socializar:
a função social da mediação documentária
151
fluxo dos documentos quanto aquelas que permitem a representação e a
recuperação da informação, promovendo, ambas, o fluxo da informação.
Como dissemos anteriormente, a produção espanhola sobre
Documentação, embora apresente similaridades com a produção francesa
e seja posterior a ela, é bastante peculiar. Iniciada com Javier Lasso de la
Vega, a partir de obras publicadas entre as décadas de 1940 e 1980 (López
Yepes, 1995, p. 262-263), e disseminada amplamente como a conhecemos
hoje por López Yepes desde o final da década de 1970, a produção espanho-
la apresenta obras fundamentais. Além das obras de Sagredo Fernández e
Izquierdo Arroyo, os livros e artigos produzidos por Desantes Guanter, são
dignos de nota da qualidade científica da literatura sobre Documentação.
A produção desse autor orienta-se para a questão da documentação como
conjunto de ações construídas com o fim de promover o direito à informa-
ção, centrando-se, portanto, sobre a função social das atividades documen-
tárias, em especial, na perspectiva do Direito.
Quanto às propostas anteriores que trataram de um ciclo ou de uma
cadeia que permitem descrever e dar sentido ao desenvolvimento da ativi-
dade documentária, Desantes Guanter discorre sobre a formação de uma
espiral informativa, destacando a energia liberada pela informação poten-
cializada via atividade documentária.
Para Desantes Guanter (1987, p. 252-253), a potência informativa
da mensagem difundida conduz a uma informação potencializada, que
pode ser incorporada a um novo documento que, novamente difundido,
vai formando uma espiral informativa, que pode continuar indefinida-
mente. O esforço para atribuir valor a cada nova mensagem libera uma
grande quantidade de energia informativa, de modo fluido e constante, na
forma de ideias e juízos que contribuem para um progresso informativo
multiplicado. Por isso, para o autor, a documentação é uma informação
ao quadrado. Mas, ele afirma, é tão difícil avaliar e mensurar essas ideias e
juízos a posteriori, quanto, por sua projeção histórica limitada, não é pos-
sível prevê-las.
Cristina Dotta Ortega
152
É necessário, para maior compreensão da espiral informativa
proposta por Desantes Guanter, sistematizar as categorias sobre as quais ele
se debruça, pois, ele não trata propriamente da identificação de processos
e suas relações. O autor discorre sobre o que denomina como modulações
diversas da mensagem documentária no percurso da atividade documentá-
ria, as quais se realizam concretamente pelos processos que a constituem.
A intenção de Desantes Guanter é a de uma elaboração conceitual sobre o
fluxo da atividade documentária que deve resultar na comunicação com o
usuário. Para tanto, ele desenvolve essa proposição na perspectiva de dis-
tintas modulações expressas na mensagem documentária, que ocorrem de
maneira característica na atividade documentária.
A posição da qual parte Desantes Guanter (1987, p. 229) é a de que,
o objeto do documentalista é a mensagem documentária, não o documen-
to. Para o autor, naquele momento, havia um grande vazio nas pesquisas
sobre documentação, relativo ao estudo da mensagem que, incorporada a
um suporte, produz o documento.
Na década seguinte, Martínez Comeche (1995) buscou sistematizar
a proposta de Desantes Guanter, a partir de artigo que este autor publicou
em 1981 especificamente sobre a mensagem documentária na documenta-
ção (Desantes Guanter, 1981). Martínez Comeche (1995, p. 73) pauta-se
na proposta de Desantes Guanter para afirmar que a mensagem é o obje-
to das técnicas documentárias e as mudanças ocorridas nessa mensagem
durante o processo documentário permitem fundamentar as diferenças
substanciais da documentação em relação a outros processos informati-
vos. Martínez Comeche (1995, p. 73-74) trata do conceito de mensagem
documentária, segundo Desantes Guanter, definindo-a como a mensagem
que, procedendo de um processo informativo anterior, é submetida a um
processo documentário, sendo transformada ao largo das fases da cadeia
documentária: na primeira fase, ela é transmutada em mensagem docu-
mentada e, na segunda, ela é renovada e se desenvolve até se converter
em mensagem documental, que é quando ocorre a difusão documentária.
Continuando a proposta de Desantes Guanter, afirma que o percurso de
Organizar para socializar:
a função social da mediação documentária
153
uma mensagem para outra produz mensagens subsidiárias, que são a men-
sagem referencial e a mensagem marginal.
Sintetizando a proposta de Desantes Guanter sobre a mensagem
documentária, podemos dizer que a mensagem documentada e a men-
sagem documental são instâncias abstratas. Para a construção dessas
duas instâncias da mensagem documentária, duas outras instâncias são
produzidas – a mensagem referencial e a mensagem marginal –, que são
instâncias concretas, materialmente falando.
As instâncias abstratas – a mensagem documentada e a mensagem
documental – podem ser compreendidas como o início e o fim do pro-
cesso, a partir do qual, ele é iniciado novamente, sempre renovado, ou
seja, o lugar de partida nunca é o mesmo da chegada e da nova partida.
Estas duas mensagens são ‘momentos’ da atividade documentária. Esses
dois momentos dependem, para sua existência, da mensagem referencial e,
secundariamente, da mensagem marginal. Estas duas mensagens, por sua
vez, são ‘produtos’ da atividade documentária.
Propomos explicar as instâncias abstratas da mensagem documentá-
ria, como segue:
A mensagem documentada é o objeto tomado como documento,
ou seja, pode ser tanto o objeto em si alocado entre outros em um arranjo
de documentos a maneira de uma mensagem, como pode ser um registro
produzido sobre ele, também como mensagem. A mensagem documenta-
da é o documento, que é definido como suporte mais mensagem.
A mensagem documental é aquela que passou pelo processo de di-
fusão documentária, sendo necessário distinguir difusão e distribuição. A
difusão se explica pela relação entre quem envia a mensagem e quem a
recebe no contexto de como a difusão ocorreu. É a mensagem documental
que representa o objetivo da documentação.
Quanto às instâncias concretas da mensagem documentária, propo-
mos a seguinte explicação:
Cristina Dotta Ortega
154
A mensagem referencial compõe o processo de constituição da
mensagem documentada e permite que a mensagem documental exista
como tal. Ela resulta dos processos de organização da informação, nos
quais a representação documentária é produzida na forma de unidades de
arranjos ou de bases de dados.
A mensagem marginal reúne informações extras, ou seja, adicio-
nais, sobre o documento, como informações históricas, sociais, jurídicas e
ideológicas, relativas a aspectos contextuais do sistema de informação em
questão, que podem ser de interesse do público.
Uma síntese das ideias apresentadas por Desantes Guanter sobre a men-
sagem documentária permite entender melhor sua proposta, como segue.
Segundo Desantes Guanter (1987, p. 236-241, 244, 247-249, 251,
255, 257), a mensagem incorporada em um suporte, analisada e conserva-
da, formando parte de um documento, é uma mensagem documentada.
Para o autor, a mensagem documentada é uma informação pretérita reco-
lhida para ser eventualmente difundida no futuro, pois, o que a caracteriza
é a necessidade cultural de sua conservação. Segundo ele, o objetivo da
mensagem documentada é a de que seja disposta para ser comunicada, ou
seja, sua característica intrínseca é a de que ela é vocacionada para a difusão
a partir do documento do qual faz parte. A mensagem documentada apre-
senta uma comunicação potencial como um modo de satisfazer o direito
à documentação. O autor considera que pode ocorrer de uma mensagem
documentada nunca ser comunicada (o que seria um processo individual)
ou nunca ser difundida (que ocorre em um processo coletivo), mas isso
não significa que o fim da documentação seja outro que o de ter as men-
sagens documentadas dispostas para sua difusão mais ou menos extensa.
Quando a mensagem documentada passa de potência a ato, de
mensagem passível de difusão a difundida, segundo palavras de Desantes
Guanter (1987), ele a denomina mensagem documental. Para ele, toda
difusão da mensagem documentada conduzida sem prejuízo da existência
do documento ao qual foi incorporada, ou de una reprodução dele, man-
Organizar para socializar:
a função social da mediação documentária
155
tém a mensagem documentada com toda sua capacidade potencial de di-
fusão, ainda que já esteja circulando como mensagem documental. O au-
tor define a mensagem documental como a mensagem documentada que
foi comunicada ou difundida, cumprindo a finalidade da documentação.
Trata-se da culminação de um processo documentário complexo. O autor
afirma que o tempo e o espaço passam a ser determináveis quando a men-
sagem documentada é convertida em mensagem documental por meio da
difusão; isso porque, nesse momento, não se trata mais de uma informação
para o futuro, mas para o presente, ou seja, uma informação atual. Nesse
sentido, ele demonstra a importância do tempo para a informação em ge-
ral e, especificamente, para a documentação. Martínez Comeche (1995,
p. 73-74) discorre sobre a questão, a partir de Desantes Guanter (1981),
dizendo que a mensagem deixa de ser fonte potencial de informação para
funcionar como fonte efetiva de informação; ela ganha utilidade, passan-
do a ser fonte permanente de informação permanente. Segundo Martínez
Comeche (1995, p. 74), embora o conteúdo do documento permaneça o
mesmo, a mensagem documental acrescenta conteúdos informativos dis-
tintos, pois, segundo palavras de Desantes Guanter (1981, p. 55): ela “é
suscetível de uma valoração crítica atual distinta (...) daquela que poten-
cialmente tinha na mensagem documentada”. É a mensagem documental
que tem um efeito multiplicador ou potencializador da informação.
Martínez Comeche (1995, p. 74) explica a mensagem referencial
de maneira simples: é uma mensagem nova que resume os dados formais e
de conteúdo da mensagem documentada. Para Desantes Guanter (1987),
a comunicação e a difusão das mensagens documentadas devem ser prece-
didas do conhecimento da existência, das características e do conteúdo das
mensagens documentadas e do documento que lhe dão corpo, o que ocor-
re por meio do conjunto de dados que compõe a mensagem referencial.
O autor entende que a referência, com qualquer forma técnica e com as
características que sejam oportunas, é a ponte que une a margem do rio do
documentado com a margem do rio do documental. Se, para satisfazer o
direito à informação, afirma Desanter Guanter, a mensagem documentada
Cristina Dotta Ortega
156
deve converter-se em documental, a mensagem referencial é importante
por preceder, como um emissário, o conhecimento pleno do documento,
e em consequência, da mensagem nele integrada.
Desanter Guanter continua sua proposta de fundamentação da
mensagem referencial dizendo que ela deve cumprir duas condições: con-
gruência e completude. Para ele, a mensagem referencial não é uma cópia
literal ou icônica do documento ou da mensagem nele integrada, mas deve
ser congruente com o documento e com a mensagem documentada; ela é
um esquema do documento e dos seus elementos integrantes. Os dados da
mensagem referencial devem também ser completos, no sentido de que de-
vem oferecer todas as informações que interessam ao usuário, ou que con-
siderem a necessidade, conveniência ou oportunidade de que a mensagem
documentada seja convertida em documental. Desanter Guanter (1987, p.
248) diz, de maneira interessante e pertinente, que “não cabe dizer mais,
mas, não cabe dizer menos”.
Desse modo, Desanter Guanter trabalha com a ideia de que os prin-
cípios de congruência e de completude são aspectos dos princípios de ade-
quação à realidade. Por isso, afirma que a mensagem referencial completa e
congruente não cumpre sua finalidade caso seja limitada à constituição de
um inventário do conjunto de documentos: é necessário tornar conhecido
esse conjunto de documentos. O autor avança quanto ao dito anteriormente
sobre a mensagem documentada, enfatizando que a mensagem referencial
não deve só estar à disposição do público como deve aproximar-se dele, pro-
movendo a documentação e essa promoção tem como elemento principal
justamente a mensagem referencial. Um aspecto da promoção das mensa-
gens referenciais é sua inteligibilidade. Sob outro ponto de vista, a promoção
resulta de raiz constitucional ao considerar a documentação como direito.
Quanto a isso, o autor amplia a questão para além dos entendimentos co-
muns, afirmando que ainda que a Constituição (no caso, a Constituição
espanhola) pareça se referir somente aos serviços documentários públicos,
sua força se expande aos serviços privados, dado o caráter de bem público da
documentação. Desse modo, ele entende que a difusão da mensagem docu-
Organizar para socializar:
a função social da mediação documentária
157
mentada depende, na maior parte dos casos, da mensagem referencial, sob
a demanda do usuário ou sob a iniciativa promocional do documentalista.
Quanto à questão técnica da qual depende a produção da mensagem
referencial, Desantes Guanter entende que ela inclui variação decorrente
das características da mensagem documentada e da finalidade que o do-
cumento é chamado a cumprir. Por isso, afirma que as normas positivas
aplicáveis devem ser tomadas como indicativas, ou seja, em nenhum caso,
o documentalista deve considerar-se limitado por elas. A questão, para ele,
é a de que a complexidade da realidade obrigará a cada instante aplicar os
princípios de maneira adaptada.
Atrelada diretamente à mensagem referencial, segundo nosso enten-
dimento, pode ser elaborada mensagem auxiliar a que o autor chama de
mensagem marginal. Martínez Comeche (1995, p. 74) sintetiza a expli-
cação de Desanter Guanter (1987), definindo mensagem marginal como o
conjunto de anotações ou comentários de caráter diverso como histórico,
social, jurídico ou ideológico. Segundo Desantes Guanter, a mensagem
marginal é inseparável da mensagem documentada, porque carece de sen-
tido se não estiver acompanhada desta, ou seja, a mensagem marginal não
é independente. Nos termos do autor, a mensagem marginal compõe a
obrigação do documentalista de documentar marginalmente a mensagem
principal, quando entende que informações adicionais contribuem para a
apreensão do usuário sobre o documento que, depois, fará suas próprias
interpretações. Desantes Guanter explica que essa obrigação do documen-
talista consiste fundamentalmente em refletir a verdade, advertindo o usu-
ário sobre a falsidade, ou seja, fornecendo “a verdade da falsidade”, o que
consistiria em descrever “a verdade do documento falso ou da mensagem
falsa no documento autêntico” (Desantes Guanter, 1987, p. 257).
Por fim, importa apresentar o destaque atribuído à mensagem refe-
rencial por Desantes Guanter, a qual ele caracteriza como típica e exclusiva
da documentação. Para ele, somente por meio da mensagem referencial,
podemos conhecer certos documentos, difundidos ou não, destruídos ou
Cristina Dotta Ortega
158
perdidos. Diferente da mensagem marginal, afirma, a mensagem referen-
cial é independente, unindo-se à mensagem documentada apenas por sua
congruência à realidade documentária que descreve e pela completude dos
dados que recolhe e oferta. Ele diz que a mensagem referencial tem como
destino ser conhecida por meio de repertórios ou catálogos, dando a co-
nhecer o documento e a mensagem nele contida (ou seja, a mensagem do-
cumentada), o que resulta na mensagem documental. A partir daí, discorre
o autor, a mensagem referencial já não tem nada a ver com a mensagem
documental, a não ser que volte a iniciar outro processo documentário,
quando voltará a ser mensagem documentada.
É em função dessa posição que Desanter Guanter (1985) assevera que
carece de sentido jurídico-informativo colocar à disposição o suporte à falta
de uma mensagem. Para ele, a documentação funciona como um meio de
comunicação social, por meio de procedimentos de autodifusão peculiares.
Cabe ainda apresentar quadro sistematizador elaborado por Desantes
Guanter, agregado de elementos relativos aos sujeitos envolvidos. O autor
dispõe os elementos do processo documentário, segmentados entre aqueles
relativos ao sujeito (que seriam os subjetivos) e aqueles que são externali-
zados (ou seja, expressos objetivamente). O quadro é proposto pelo autor,
como segue:
Quadro 3 – Elementos do processo documentário
Elementos
do processo
documentário
subjetivos
sujeito que incorpora a mensagem [ao documento]
sujeito que conserva o documento
sujeito que comunica a mensagem documental
sujeito que recebe tal mensagem
objetivos
a mensagem
principal
documentada
documental
acessória
marginal
referencial
o modo
o meio
Fonte: Desantes Guanter (1987, p. 55).
Organizar para socializar:
a função social da mediação documentária
159
A produção espanhola, que se inicia com Javier Lasso de la Vega, nos
anos 1940, e é marcadamente desenvolvida por José López Yepes, Sagredo
Fernández, Izquierdo Arroyo e Desantes Guanter entre os anos 1970 e
1980, constituiu-se de modo articulado, ao mesmo tempo em que cada
autor ou grupo de autores expressou-se de maneira particular, o que de-
monstra que a Documentação espanhola pode ser considerada uma escola
de pensamento.
Dessa maneira, Sagredo Fernández e Izquierdo Arroyo, que produ-
ziram juntos vários extensos trabalhos, também desenvolveram a ativida-
de documentária a partir da ideia de uma mensagem. Os autores (1982,
p. 165) consideram o documento como mensagem, funcionando como
suporte de memória para conservação no tempo de um conteúdo comu-
nicativo. O documento é entendido como algo observável, abordado em
relação aos outros elementos constituintes do modelo, que seriam os que
seguem: emissor, receptor (ou destinatário), objeto (ou referente), código
linguístico-cultural, sociedade, meio (ou canal), ruído e contexto discursi-
vo. De maneira um pouco diferente de Desantes Guanter, mas trabalhan-
do sobre a mesma base conceitual, os autores entendem que o percurso da
atividade documentária passa do ‘processo documental’ para o ‘processo
documentário’, afirmando que, sob este último termo é que se direcionam
as conclusões definicionais sobre documento.
Tratamos de alguns textos, produzidos nas décadas centrais do século
XX (dos anos 1930 aos anos 1980), que convergem para uma explicitação
do campo das ações de mediação documentária em abordagem bibliográfi-
ca a partir de um conjunto de processos sobre documentos que, em sequ-
ência lógica e concatenada, conformam camadas de significação sobre esses
documentos. Alguns dos principais termos propostos e adotados para de-
nominar esses processos articulados foram apresentados aqui, como segue:
ciclo documentário (Otlet, 1934); processo documentário / ciclo de ação
(Ditmas, 1950, citada por Coblans, 1957); ciclo de serviço de informação
(Shaw, 1957); cadeia de transferência da informação (Weinberg, 1963, ci-
tado por González Gómez, 2003); cadeia documentária (Alouche et al.,
Cristina Dotta Ortega
160
1967; Chaumier, 1971; Van Slype, 1977); e espiral informativa (Desantes
Guanter, 1987).
Na perspectiva que estamos privilegiando, o termo cadeia documen-
tária é o mais consolidado. No decorrer do tempo, no entanto, a cadeia
documentária foi questionada tanto quanto pouco explorada. Como ela é
bastante utilizada para tratar dos processos de organização da informação,
foi muitas vezes reduzida a eles. Outras vezes, a cadeia foi descrita como
finalizada na etapa de busca em sistemas de informação, minimizando ou
desconsiderando todo o espectro da difusão, incluindo os serviços.
Três publicações do ano de 2009, da França e do Brasil, proble-
matizaram os termos e as abordagens mais recorrentes sobre os processos
documentários e sua articulação.
Jeanneret e Chevalier (2009) escreveram sobre os sistemas de infor-
mação e as implicações das formas de representação em geral adotadas para
sua concepção, gestão e implementação. Segundo eles (2009, p. 76-77),
os mecanismos e procedimentos pelos quais os atores sociais são descritos
em dispositivos gráficos são muitas vezes reduzidos a uma pura e simples
sequencialidade, uma vez que o arquétipo industrial da linha de produção
é aplicado a uma multiplicidade heterogênea de procedimentos ou tarefas.
Os autores colocam em causa a redução das ideias que permitiriam carac-
terizar o processo, provocada por gráficos, diagramas e esquemas em geral,
em função da sequencialidade de etapas, da relação de causa e efeito que
eles deflagram e da naturalização dos procedimentos. Destacam que, mes-
mo sob a afirmação de um objetivo de comunicação, é comum entender-se
que, se os processos técnicos forem realizados segundo a sequência posta,
o resultado será positivo.
Guimarães (2009, p. 105, 112) tratou dos processos específicos de
organização da informação que devem promover a construção do conhe-
cimento individual que, por sua vez, gerará uma nova informação registra-
da para ser socializada e apropriada individualmente, o que é propiciado
pela organização da informação, caracterizando um verdadeiro helicoide
Organizar para socializar:
a função social da mediação documentária
161
informacional. O autor questiona a ideia de que a informação integre um
movimento circular ou cíclico, motivo pelo qual afirma que seria mais
apropriado falar em um movimento helicoidal, uma vez que a informação
produzida pelo sistema nunca será igual à informação tomada inicialmente.
Smit (2009), por sua vez, problematizou o modo recorrente como a
cadeia documentária é muitas vezes considerada, discorrendo sobre o que ela
chamou de mito (como mencionamos no capítulo 1), no sentido de falas não
refletidas, mas que são continuamente repetidas como verdades explicativas
da atividade. Para tanto, ela (2009, p. 57) trata da sequência organização,
acesso e transferência, abordadas usualmente em uma lógica de causalidade
em que a organização causaria o acesso e o acesso causaria a transferência.
Nessa sequência, cada etapa seria, natural e obrigatoriamente, seguida da
outra. A autora busca desconstruir esse entendimento, haja vista que ele foi
concebido segundo o que caracteriza um mito. Assim, além de uma etapa
não conduzir naturalmente à etapa seguinte, já que estamos falando de ações
humanas, portanto, intencionais, faz-se necessário definir e distinguir os pro-
cessos, como demandam Jeanneret e Chevalier, acima citados. Desse modo,
Smit (2009, p. 59) trata do acesso como uma operação físico-espacial, em
que ocorre a “co-presença, no tempo e no espaço, da informação e da pessoa
que por ela procura”, enquanto a transferência seria uma operação cognitiva,
portanto, pessoal e subjetiva, que “somente ocorre quando a pessoa conse-
gue se apropriar da informação à qual teve, preliminarmente, acesso”; disso
decorre que “não há transferência sem acesso à informação, mas pode haver
acesso à informação sem que ocorra a respectiva transferência”. Esse raciocí-
nio é necessário para chegar ao ponto central do texto da autora no que tange
a uma discussão sobre o objeto do campo. Elaborando de maneira produtiva
e divertida as expressões, Smit (2009, p. 61) diz que é necessário “distinguir a
organização da informação e a organização do acesso à informação, da trans-
ferência de informação, até porque a organização denota um procedimento
típico, central da área, ao passo que a transferência de informação designa
um objetivo, não um procedimento”.
Cristina Dotta Ortega
162
Como vemos, a autora propõe a organização da informação como
uma espécie de organização do acesso da informação, expressão muito feliz
no sentido de que ela permite indicar o que a organização da informação
deve atender. Sob o ponto de vista do campo das ações de mediação do-
cumentária, organização da informação é um procedimento, mas a sua
transferência é um objetivo. Levando em conta o enunciado construído
por Smit, fica claro que o termo transferência da informação, embora seja
muitas vezes usado para a transferência física de algo, é adotado por ela,
como por outros autores, no sentido de apropriação da informação. Como
tratamos anteriormente, a apropriação é um objetivo, que pode se realizar
após a comunicação documentária.
Desse modo, além de questionar a naturalização das etapas compo-
nentes da cadeia documentária, Smit coloca em questão processos propria-
mente componentes da cadeia e outros que são relacionados a ela. Tanto
a devida relação entre elementos fundamentais do campo quanto a distin-
ção entre aqueles diretamente relacionados ou não devem ser realizadas e
aprofundadas.
O desenvolvimento da ideia de uma cadeia como elemento central do
quadro explicativo do campo no decorrer do século XX, como apresenta-
mos, demonstra a construção de propostas avançadas em direção ao objeto
e à função social do campo. É necessário seguir avançando, o que não pode
ocorrer se a simplificação ou o apagamento se mantiverem. Cadeia é relação
e é a relação que permite produzir sentido. O fato de a cadeia ser abordada
muitas vezes como uma sequência de operações lógicas ‘encadeadas’ me-
canicamente não é suficiente para prescindir dela, total ou parcialmente,
nem autoriza a inserção arbitrária de elementos diversos; ao contrário,
seria necessário, ou recolocar a cadeia, ou fundamentar seu abandono ou
reformulação. Segundo nosso entendimento, caberia aprofundar a cadeia
documentária em busca da compreensão de seus processos documentários
constituintes como processos de representação linguístico-terminológica,
pautados pelos elementos que podem permitir a aderência dos públicos
com as mensagens documentárias a ele apresentadas.
Organizar para socializar:
a função social da mediação documentária
163
No entanto, o termo cadeia remete ao encadeamento de operações
mecânicas, à maneira da atividade industrial. Ainda que a atividade docu-
mentária deva ser realizada industrialmente (pois não se trata de analisar o
conteúdo dos textos e suas diversas possibilidades de representação), tendo
em conta a relação custo-benefício, segundo parâmetros de eficiência e
eficácia, seria mais razoável continuamente questionar a terminologia e
explorar novos termos. Em busca de termos mais adequados para caracte-
rizar as ações de mediação documentária, propomos provisoriamente falar
em fluxo documentário. Embora menos usual, esse termo é utilizado, e
é interessante por indicar algo em movimento, em um curso, no tempo e
no espaço. Fluxo remete à energia em movimento, à força que impulsiona
para frente, à massa que é mobilizada, e, em sendo fluxo documentário,
indica massa material e simbólica posta em movimento, em dinâmica in-
telectualmente pertinente a públicos e por eles reativada continuamente.
Fluxo documentário, portanto, seria o conjunto de processos que se im-
pulsionam um ao outro, por pessoas agentes, para a produção de sentido,
por pessoas destinatárias. Afinal, nenhum conjunto de processos poderia
fomentar a produção de conhecimento e a tomada decisão se não forem
processos de produção de sentido.
Para um avanço da ideia de ciclo/cadeia/espiral/helicoide/fluxo, seria
necessário tratar dos aspectos que permitem caracterizar os processos do-
cumentários, considerando aspectos contextuais (culturais, sociais, políti-
cos, econômicos) relacionados à produção e uso de documentos, enquanto
processos de conhecimento e de tomada de decisão relativas a questões
de pessoas em torno de suas atividades. Como já dissemos, é importante
fazer distinções: aspectos contextuais ampliam a compreensão dos aspectos
centrais (no nosso caso, os documentários), mas não o são. Quanto aos
aspectos centrais, por sua vez, é preciso que eles sejam elaborados sobre
documentos e pessoas, como processos documentários propriamente di-
tos, pautados por parâmetros linguístico-terminológicos, viabilizados por
tecnologias apropriadas e amparados pela gestão de processos e recursos.
Cristina Dotta Ortega
164
Mantemos, portanto, a posição de que o ciclo/cadeia/espiral/heli-
coide/fluxo estrutura, sistematiza, racionaliza, realiza as ações de mediação
documentária.
Blanquet (1993
4
, p. 202) afirma que toda profissão pode ser repre-
sentada a partir de dois eixos: um eixo essencial e permanente, representa-
do por suas funções e sustentado por conhecimentos fundamentais com-
partilhados, e um outro eixo, tributário de variações, pois decorrente de
técnicas circunstanciais e instrumentos adotadas para tal. Ela diz que se
deve perguntar sobre a solidariedade entre os dois eixos, haja vista que a
profissão estruturada na ferramenta desaparece quando esta se torna ob-
soleta. Por isso, Blanquet entende que os instrumentos mudam, mas a
função documentária permanece. Ela destaca que a ferramenta tecnológica
libera as pessoas para o trabalho intelectual e faz menção a H. G. Wells
que, em 1936, teria falado na produção de sínteses intelectuais de todo
tipo, vivas, dinâmicas e continuamente revisadas.
E por falar em sínteses intelectuais, trataremos a seguir da organiza-
ção da informação.
Artigo traduzido e publicado em língua portuguesa (Blanquet, 2018).
165
3
P   
  
3.1 vAriAção terminoLógicA e consoLidAção do cAmpo
A organização da informação manifesta-se como força motriz do
campo das ações de mediação documentária em abordagem bibliográfica,
motivo pelo qual ela se desenvolveu teórica e metodologicamente antes dos
demais subcampos. Essa anterioridade e centralidade pode ser identifica-
da na unidade epistemológica que subjaz às disciplinas Biblioteconomia,
Bibliografia e Documentação, pois nela encontra-se expressa a base funda-
mental da organização da informação.
Por sua vez, essa unidade epistemológica construiu-se por termino-
logia variante, que pode ser identificada a partir dos adjetivos correspon-
dentes à construção de cada disciplina: de bibliográfico e biblioteconômico
(cuja base comum é a abordagem bibliográfica, segundo desenvolvemos) a
documentário (agregador das abordagens bibliográfica, arquivística e mu-
seológica). Mais à frente, com o adjetivo ‘informacional’, houve sobrepo-
sição dos conteúdos das abordagens anteriores, simultaneamente a usos
relacionados a elas, mas não específicos, assim como usos não pertinentes
aos seus objetivos.
Cristina Dotta Ortega
166
Um campo de conhecimento não se constitui de maneira linear.
Várias concepções manifestam-se simultaneamente, com a predominância
de umas sobre as outras. Esse feixe de pontos de vista de um campo eviden-
cia-se em sua terminologia na forma de variações, como as que citamos. As
variações terminológicas decorrem da existência de proposições diferentes,
que são identificadas e confrontadas em processos de interlocução contí-
nua, conduzindo o campo em direção à sua maturidade científica.
No entanto, se essas variações não forem discutidas, as diferentes
proposições não serão suficientemente conhecidas, dificultando o acúmulo
que seria derivado desse movimento.
Juan Carlos Sager (1993, p. 12-14), em texto cujo sugestivo título é
La terminologia, puente entre varios mundos, trata do papel exercido pelas
terminologias na comunicação entre grupos distintos de pessoas. Afirma
que uma língua não é um instrumento unitário e multifuncional, sendo
necessário aceitar a concepção de língua como um conjunto de diversas
linguagens de grau variado de especificidade. Neste sentido é que o au-
tor, ao se referir às deficiências na formação de especialistas, menciona o
problema da separação entre o conhecimento e sua forma apropriada de
expressão, pois essa relação de dependência é comumente negligenciada.
Sager demonstra que existe um delicado equilíbrio entre a língua geral e as
linguagens especializadas. Dessa maneira, afirma ele, “estudiar una materia
equivale a aprender los lenguajes de esa materia”. Mais que isso, acrescenta
Sager: há níveis de compreensão de uma matéria e eles correspondem a
níveis de linguagem.
A terminologia de um campo de conhecimento é o conjunto de ter-
mos que representa o mais precisamente possível as ideias que o explicam e
justificam. Esse conjunto de termos exerce papel no seu processo de cienti-
ficização, operando como parâmetro para verificação de sua consolidação.
A questão aqui é a de que, a terminologia de um campo, mesmo que
fragmentada, e por esta razão mesma, deve ser investigada.
Organizar para socializar:
a função social da mediação documentária
167
Nessa direção, pesquisadoras do Grupo Temma buscaram avaliar a
cientificidade do campo, por elas denominado Ciência da Informação, por
meio da análise de sua constituição terminológica. Dois artigos ao menos
foram produzidos como resultado dessa pesquisa: Kobashi, Smit e Tálamo
(2001) e Smit, Tálamo e Kobashi (2004).
Nesses artigos, as autoras observam que um campo de conhecimento
apresenta pontos de vista específicos que orientam um modo próprio de
explicar e interpretar a realidade. Esses pontos de vista são explicitados a
partir do núcleo específico de uma linguagem de especialidade, cujo vo-
cabulário, normalizado e organizado semântica e logicamente, constitui a
terminologia do campo. O reconhecimento de um termo e seu conceito
exige a análise da pertinência das características conceituais consideradas
em relação ao domínio. Pressupõe-se que os termos que constituem a lin-
guagem de um campo remetam a conceitos específicos, ou seja, distintivos.
Na ausência desses elementos, trabalha-se na indeterminação conceitual
do senso comum, ou ainda, a partir da junção dos vários fragmentos de
diferentes campos que só fazem sentido à custa de muito esforço. Nessas
condições, tem-se um impasse ou retardamento teórico, que compromete
o campo como um todo.
O levantamento terminológico realizado pelas autoras nessa pesqui-
sa apontou que o campo da Ciência da Informação, em larga medida,
carece de uma linguagem de especialidade própria. Segundo concluíram,
os termos utilizados não refletem conceitos, pois embora reúnam uma série
de unidades lexicais, não permitem entrever o sistema conceitual que deve-
ria conferir um estatuto epistemológico. Diante da ausência de um sistema
conceitual explicitado, não há um acordo fundamental e uma linguagem
de especialidade de natureza científica que comunique uma realidade in-
tegrada. A despeito disso, as autoras partem do entendimento de que o
estudo da constituição histórica do campo permitirá identificar termos
e conceitos que não foram suficientemente atualizados, permanecendo
como subentendidos e não como pressupostos explícitos do domínio, pois
a formulação de terminologias que reflitam os núcleos fundantes do cam-
po é condição necessária para a explicitação de seu domínio.
Cristina Dotta Ortega
168
Em capítulo de livro produzido com duas colegas, tratamos da va-
riação terminológica em Organização da Informação presente no uso dos
termos Análise de Assunto e Análise Documentária. Devido ao uso recor-
rente de termos em Organização da Informação sob a ausência de princí-
pios epistemológicos explicitados, afirmamos que, subjacente a esta varia-
ção terminológica, encontram-se construções culturais, sociais e técnicas
que resultaram em abordagens próprias sobre o mesmo processo (Ortega;
Fujita; Simões, 2020, p. 148).
Questões dessa ordem demandam investimentos em projetos de pes-
quisa de identificação e discussão dos termos relativos às ações de mediação
documentária que permitem organizar com o fim de socializar.
Neste campo que nos ocupa, como em muitos outros, o idioma in-
glês é tomado como referência para a produção e comunicação científica.
Há avanços significativos realizados no campo em outros idiomas e fora do
eixo dos Estados Unidos, mas importa que tratemos da forte presença da
terminologia em inglês.
Como tratamos em Ortega (2023, p. 19-21), a antiga expressão ca-
taloguing and classification é usual em parcela significativa da literatura téc-
nico-científica de gestão de bibliotecas, assim como em cursos, eventos e
produtos e serviços.
Em uma outra vertente, bastante disseminada hoje, podemos men-
cionar o termo knowledge organization, adotado em 1989, com a criação
da International Society for Knowledge Organization (ISKO), por Ingetraut
Dahlberg. Não se pode afirmar que organization of knowledge, proposto
por Henry Bliss, em 1929 (Bliss, 1929), tenha relação direta com o concei-
to expresso por knowledge organization, segundo Dahlberg. A força política
da ISKO deve ser considerada nos estudos sobre a terminologia do campo.
Rodrigo de Sales e Eduardo Murguia (2015) discorreram sobre a proposi-
ção deste termo, relacionando aspectos epistemológicos e político-ideoló-
gicos, e tratando de continuidades e reorientações.
Organizar para socializar:
a função social da mediação documentária
169
Temos ainda a vertente representada pelos termos: organization of
information, adotado por Arlene Taylor (1999), e information organiza-
tion, como usado por Elaine Svenonius (2000). De alguma forma, Taylor
e Svenonius, nestas publicações e nas posteriores, buscaram atualizar a ex-
pressão catalogação e classificação, promovendo uma reorganização sob
nova denominação.
Dessa forma, as vertentes desenvolvidas em idioma inglês remetem
a aspectos evidenciados por: catalogação e classificação, tanto quanto por
organização, seja da informação, seja do conhecimento. Importa que apre-
sentemos alguns comentários sobre cada vertente.
Foi no contexto da produção de catálogos de acervos locais de
bibliotecas que a expressão catalogação e classificação se desenvolveu.
Catalogação contempla usualmente a catalogação descritiva e a cataloga-
ção de assunto. Sob estes nomes não são privilegiadas certas formas de re-
presentação dos documentos, como é o caso dos resumos documentários.
Ao mesmo tempo, é comum que o termo catalogação contemple como
elemento obrigatório o número de chamada, modelo de base classificatória
adotado para a produção de arranjos de documentos. Classificação, por
sua vez, é tomada tanto como a base do processo de organizar informação
quanto como o método adotado na produção de arranjos de documentos,
em especial, o número de chamada.
A expressão catalogação e classificação, sendo abordagem regida por
um modelo particular de gestão de coleções locais de bibliotecas, não fa-
vorece a organização de tipologias e suportes documentais diversificados e
a oferta de recursos amplos para busca à informação. Essa afirmação pode
ser confirmada pelo estudo de Philip Hider (2020) sobre os currículos
produzidos nos Estados Unidos e Inglaterra por várias décadas. O estudo
nos permite inferir que há necessidade de revisão desse modelo, tornan-
do-o mais abrangente, de modo a contemplar as diversas bases de dados
construídas até hoje e a produção de arranjos de documentos diversos, in-
cluindo os eletrônicos, segundo características institucionais e de públicos.
Cristina Dotta Ortega
170
Constatamos, ainda, pelo estudo de Hider, que a catalogação/classificação,
também denominada cat and class – cataloguing and classification, mante-
ve-se como matriz curricular, eventualmente apresentando alguns outros
conteúdos, porém não articulados a ela, como a produção de resumos do-
cumentários e a documentação audiovisual.
Quanto à organização do conhecimento, como adotado na ISKO,
algumas reflexões sobre seus possíveis significados são necessárias. O termo
se refere à operação cognitiva realizada pelo indivíduo ou à organização
do conhecimento coletivo. Neste segundo caso, trata-se de organização do
conhecimento como aproximação a uma configuração ideal de um deter-
minado conhecimento, seja ele científico ou não. Partimos da considera-
ção de que é necessário distinguir a organização do conhecimento coletivo,
como ocorre na ciência, e a organização que tem por fim a apropriação da
informação por um público.
Otlet, entre outros autores, entendia que não se tratava de organi-
zar o conhecimento, mas os documentos que dispunham sobre ele, ou
seja, o conhecimento registrado. Dessa maneira, Otlet (1903, p. 129, 132)
afirmava que se deve separar claramente a ciência, de um lado, e a docu-
mentação, de outro, e que a documentação deve ser distinguida – com
não menos cuidado – da organização da ciência. Para ele, tudo que se
refere à documentação científica pode ser considerado como um ramo da
organização da ciência, contudo, em razão de sua importância e do que já
ocorria no ensino, este ramo deve ser uma disciplina (matière, no original)
independente e autônoma. No artigo escrito por Sales e Murguia, citado
anteriormente, a posição de Otlet é sintetizada como segue:
existe o documento e suas unidades informativas, e cabe à
documentação extrair e disponibilizar tais informações para
o eficaz acesso à informação. Sendo o conhecimento uma
esfera dentro da qual os documentos são necessários para a sua
perpetuação, cabe às associações organizar o conhecimento e à
documentação agir dentro dos campos dessa organização prévia
(Sales; Murguia, 2015, p. 414).
Organizar para socializar:
a função social da mediação documentária
171
Seguindo essa linha de raciocínio, desde as últimas décadas do século
XX, teorias e métodos da Terminologia foram apropriados para a constru-
ção de sistemas de conceitos relativos ao domínio de que tratam os docu-
mentos selecionados, tendo em vista públicos determinados. Este trabalho
de sistematização de termos e conceitos é realizado como parte da metodo-
logia de construção de tesauros. Trata-se de atividade que não tem por fim
último a elaboração de terminologias especializadas.
Posteriormente, Gail Hodge (2000) propôs o termo Knowledge
Organization Systems – KOS (Sistemas de Organização do Conhecimento
– SOC, como adotado em língua portuguesa) incluindo, sob essa denomi-
nação, de dicionários e glossários a sistemas de classificação bibliográfica,
tesauros e ontologias. Ainda que Hodge considere os níveis de complexi-
dade estrutural destes instrumentos, partindo de listas de termos e suas
definições (como os dicionários) até estruturas terminológicas complexas
(como os tesauros), ela não releva a especificidade documentária de alguns
desses instrumentos. Se Hodge não enfatiza a função dos instrumentos
documentários, distintamente daquelas exercidas por léxicos e por
instrumentos terminológicos, a apropriação do seu texto no Brasil também
não priorizou esta distinção, adotando-se o termo SOC de maneira
genérica. Esse movimento dispersivo tem fomentado o apagamento
dos estudos sobre os fundamentos das linguagens documentárias e suas
metodologias de construção e atualização.
O uso genérico do termo organização do conhecimento no Brasil
tem implicações semelhantes. No caso das bases de dados (incluindo ca-
tálogos), a estrutura central dos registros que as compõem responde por
campos descritivos e campos temáticos. Por muitos anos, adotou-se os ter-
mos catalogação, catalogação descritiva ou representação descritiva para
indicar a produção dos campos descritivos, e, representação temática para
indicar a produção dos campos temáticos. Mais recentemente, tornou-se
comum a opção pela expressão representação descritiva e organização do
conhecimento. Essa expressão evidencia deslocamento conceitual do se-
gundo termo em direção à produção de sistemas de conceitos de um do-
Cristina Dotta Ortega
172
mínio, destoando do primeiro termo, no que tange às relações que ambos
exercem na produção de bases de dados, como concretizado na prática
profissional e consolidado na literatura.
Além dos termos citados, adotados no Brasil, foi se tornando cada
vez mais presente o termo organização e representação. Nesse caso, seria
preciso observar que ‘representação’ remete tanto à etapa final da organiza-
ção da informação (etapas essas estabelecidas como leitura, análise, síntese
e representação) quanto ao seu produto. Fica a dúvida, portanto, sobre o
que se pretende comunicar quando se adota o termo organização e repre-
sentação. Além disso, é comum que organização e representação seja se-
guido de ‘conhecimento’ ou ‘informação e conhecimento’, o que promove
outras dificuldades de interpretação.
O termo tratamento da informação também é usado no Brasil. Ele
é adotado ao menos desde os anos 1970 em publicações brasileiras, in-
cluindo traduções, como é o caso de: Simpson (1975), Dusoulier (1976) e
Cavalcanti (1978). Os modos de uso deste termo são questão a investigar.
Termo semelhante – tratamento documentário – é usado em francês e es-
panhol (como nos textos de Béguin-Verbrugge e García Gutiérrez, citados
à frente neste trabalho), o que pode indicar sua origem no Brasil.
A exploração da relação entre termos e conceitos é tarefa necessária
à prática científica, pois ela subsidia o processo de escolhas terminoló-
gicas pertinentes e orienta a discussão sobre as implicações das escolhas
realizadas.
Dada a pertinência, a consistência e a coerência dos significados atri-
buídos ao termo organização da informação, mantivemos o seu uso, em
continuidade à nossa produção científica anterior, e somando-nos às de
outros autores. Consideramos também a solidez e a estabilidade que a lite-
ratura sob a denominação organização da informação oferece.
No entanto, independente do termo adotado para esse subcampo,
nos interessa explorar e sistematizar seu desenvolvimento conceitual, me-
todológico, pragmático, normativo e tecnológico, a despeito da necessida-
Organizar para socializar:
a função social da mediação documentária
173
de da superação do pensamento dogmático ainda dominante, como trata-
mos a seguir.
3.2 cAtegoriAs fundAmentAis dA orgAnizAção dA informAção:
do conceituAL, metodoLógico e prAgmático Ao normAtivo e
tecnoLógico
A função social do campo das ações de mediação documentária em
abordagem bibliográfica é a de promover a apropriação da informação por
um público. Se a organização da informação resulta em sistemas de infor-
mação, os serviços também exigem abordagem sistêmica sobre documen-
tos frente a um público, pois estão em causa processos que se articulam
em sequência, compartilhando forma e função. Por este motivo, a função
social a que nos referimos não depende apenas dos processos de organiza-
ção da informação, como também não pode prescindir deles. Essa função
social depende de todas as ações sobre documentos, ou seja, de todas as
ações de mediação documentária.
O campo que nos ocupa, portanto, exige diversas ações sobre docu-
mentos, sejam aquelas voltadas à produção de sistemas prevendo atender
demandas de públicos, sejam aquelas voltadas à sistematização de infor-
mações de documentos frente a demandas específicas de públicos. Essas
ações devem ser produzidas também para a sensibilização e mobilização
de públicos.
Para uma fundamentação da organização da informação, haja vis-
ta a necessidade de verticalização, aprofundamento e problematização, é
produtivo refletir sobre categorias que a configuram como tal. Como dis-
semos, a organização da informação é o ponto de partida procedimental
sobre os documentos, de tal maneira que suas categorias de análise se re-
fletem em todos os processos documentários, da seleção à busca, passando
pelos serviços e produtos. Sem perder de vista que os processos de organi-
Cristina Dotta Ortega
174
zação da informação compõem o conjunto dos processos documentários,
trataremos aqui apenas de categorias relativas à organização da informação.
No decorrer do século XX, vários autores empreenderam esforços na
elaboração de categorias de organização da informação.
Mencionando a obra emblemática de Otlet, o Tratado de
Documentação, publicado em 1934, García Gutiérrez (1999, p. 27)
afirma que a Documentologia é a ciência documentária, enquanto a
Documentotecnia volta-se às técnicas documentárias e a Documentonomia
se ocupa da normativa documentária. Por sua vez, os aspectos pragmáticos,
assim como a noção de usuário, embora considerados por Otlet, apenas
mais tarde foram explicitamente tratados. Quanto à tecnologia, Otlet é
reconhecido como visionário de suas possibilidades de aplicação à organi-
zação da informação, além de considerar os novos suportes documentais à
época, como é o caso dos audiovisuais.
Neste trabalho, propomos explorar categorias de organização da in-
formação como níveis de manifestação de seus processos. Trata-se de níveis
de manifestação particulares, mas integrados entre si no contexto do siste-
ma de informação.
Consideramos os níveis de manifestação da organização da informa-
ção em dois planos: abstrato e concreto. No plano abstrato, temos os níveis
conceitual, metodológico, pragmático, normativo e tecnológico, todos eles
congregados no plano concreto, que também podemos chamar de plano
empírico ou aplicado.
A proposta de que tratamos a seguir foi apresentada pela primeira
vez em 2012 e sua primeira versão foi publicada inicialmente em 2013
(Ortega, 2013b). A proposta atual foi publicada em Ortega (2023), onde
também está descrito seu percurso de concepção, reformulação e discussão
com parceiros. No Quadro 4, apresentamos a proposta, seguida de expli-
cação e problematização.
Organizar para socializar:
a função social da mediação documentária
175
Quadro 4 – Níveis de manifestação dos processos de organização da
informação
Plano
Níveis de manifestação dos
processos
Explicitação dos níveis de manifestação
dos processos
plano abstrato
conceitual
(teórico / fundamental)
Conceitos, e os termos que lhes
correspondem, que fundamentam a
Organização da Informação, no que
tange a seus objetos, processos, modelos/
instrumentos e produtos, orientados à função
de apropriação da informação por públicos
destinatários.
metodológico
(procedimental / técnico)
Metodologias científicas adotadas para
realizar os processos e produzir modelos e
instrumentos correspondentes.
pragmático
(contextual)
Parâmetros que permitem elaborar processos
e instrumentos aderentes à linguagem
dos documentos das coleções e das
comunidades discursivas que conformam o
público destinatário, ambos condicionados
institucionalmente, no contexto de fatores
sociais e culturais.
normativo
(prescritivo)
Orientações normativas adotadas para a
realização dos processos e para a construção
dos instrumentos, de modo a dar
regularidade e funcionalidade a cada sistema
de informação.
tecnológico Tecnologias existentes a cada época que
realizam a concretização material dos
processos e instrumentos adotados na
produção e gestão do sistema.
plano concreto aplicado
(empírico)
Aplicações concretas, como as da prática
profissional, mas também as das pesquisas
experimentais e dos estudos de caso.
Fonte: Ortega (2023, p. 23).
A segmentação em níveis tem por fim possibilitar melhor compre-
ensão dos processos. No entanto, cada nível responde por um aspecto do
todo, e todos os níveis são integrados entre si. Cada um dos níveis envolve
os outros e só pode ser compreendido a partir de sua relação com eles.
No plano abstrato, o nível conceitual é o mais abrangente e verti-
calizado e os níveis normativo e tecnológico são os mais contingenciais e
datados. O plano concreto representa cada uma das aplicações realizadas
Cristina Dotta Ortega
176
ou por realizar, as quais, no seu conjunto, devem ser passíveis de explicação
fundamentada pelos níveis de manifestação do plano abstrato. Como ela-
borado por Silva (2022, p. 23) ao discorrer sobre essas categorias, o plano
abstrato e o plano aplicado não são estanques, mas permeáveis e plásticos
em função do mutualismo das alterações e de sua codependência.
Tomando por base enunciado elaborado por Tolentino (2021, p.
28) a respeito destas categorias, propomos: os processos de organização da
informação são apreendidos a partir de um conjunto de conceitos, realiza-
dos por métodos, balizados por aspectos pragmáticos, e regulados em cada
sistema por normas próprias, que são implementadas concretamente por
tecnologia avaliada como adequada, funcional e viável.
Uma vez elaborado um esquema categorial que se pretende como
representativo da manifestação dos processos de organização da informa-
ção, temos parâmetros para discutir como ela se desenvolveu no tempo e
as implicações desse modo de desenvolvimento.
Dessa maneira, a despeito da complexidade da organização da in-
formação e do estágio de consolidação alcançado, podemos afirmar que
alguns de seus aspectos foram privilegiados – em detrimento de outros
– na pesquisa, no ensino e na prática profissional. Esse foi o caso dos as-
pectos normativos e dos aspectos tecnológicos. Enquanto os primeiros são
equivocadamente abordados como universais, falta aos segundos que se-
jam abordados de maneira abstrata. A discussão que realizamos em Ortega
(2023) sobre esse desequilíbrio de aspectos é retomada a seguir.
As categorias fundamentais de um campo dependem de algum ní-
vel de permanência. As categorias normativa e tecnológica da organização
da informação apresentam a maior carga contingencial dentre as demais,
mas seus elementos fundamentais se preservam no tempo, já que eles são
intrínsecos ao campo.
O problema posto é o da primazia atribuída à normatização e à tec-
nologia, tendo em conta os aspectos conceituais, metodológicos e pragmá-
ticos que os precedem e sustentam. Considerando que os níveis de mani-
Organizar para socializar:
a função social da mediação documentária
177
festação são instâncias distintas do mesmo processo, atribuir mais peso a
um nível que a outro diminui a dimensão das atividades documentárias,
limitando seu significado e funcionalidade.
Quanto aos instrumentos, Gardin, já em 1966, ao elaborar tipolo-
gias para as classificações, por meio de sua caracterização distintiva, nos
permitiu inferir que instrumentos concretos não devem ser avaliados por si
mesmos. Ele recomendou descartar as observações relativas aos códigos as-
sociados às classificações, como sistema decimal, símbolos alfanuméricos e
afixos, afirmando que seria mais razoável definir os principais tipos de clas-
sificação por meio de seus traços estruturais (Gardin, 1966). A abordagem
fundamentada que Gardin se propôs a fazer deu início a várias pesquisas
em que os instrumentos de representação documentária, como sistemas
de classificação e, depois os tesauros, foram avaliados na perspectiva de
linguagens, portanto, linguagens documentárias.
Décadas depois de Gardin, Béguin-Verbrugge (2002, p. 329) apre-
senta orientações similares e questionamentos. Ela trata do lugar da lin-
guagem no tratamento documentário, por considerá-lo um ato complexo
de comunicação realizado via enunciação. A despeito desta afirmação, ela
diz que o tratamento documentário é tomado predominantemente como
uma prática empírica, a partir da qual a aplicação rigorosa de regras pelos
profissionais garantiria ao usuário o resultado de sua busca de informa-
ção. Béguin-Verbrugge afirma que é necessário retomar a forma de ver
as normas, passando a considerar os usuários a partir de uma perspectiva
interativa e pragmática que integra os conjuntos de signos que formam o
enunciado do tratamento da informação.
No mesmo período, Calenge e Fayet-Scribe também elaboraram re-
flexões sobre as normas documentárias.
Para Calenge (1998, p. 17), todo modelo, ou parte dele, ao ser utilizado
como norma, é adaptado, respeitando seu processo e tendo consciência dos
pontos abandonados. Segundo ele, o modelo fornece um quadro de análise
formalizada, enquanto a norma impõe uma prática sem distinção possível.
Cristina Dotta Ortega
178
Fayet-Scribe (2001, p. 77) considera que as normas são respostas
pragmáticas e concretas a novas situações, em vez de camisas de força para
as quais os profissionais e os usuários devem se adaptar.
Afinal, muitos anos antes, Briet (1951, p. 39) já falava que as formas
que as atividades documentárias podem assumir são tão numerosas quanto
as necessidades para as quais elas nascem.
García Gutiérrez (1984, 1985) está entre os autores que discorre-
ram especificamente sobre a normatividade, o que lhe permitiu explicitar
seu papel nas atividades documentárias. Na primeira publicação, o autor
(1984, p. 19-21, 31) afirma que a normalização deve ser aplicada a todos
os âmbitos da atividade humana que necessitam de regulação. Ele define
normalização documentária como a organização racional dos conhecimen-
tos e seus suportes e o tratamento e dinamização do conjunto acumulado
deles. Assim, haveria três níveis de incidência normativa na cadeia docu-
mentária: seleção, tratamento e difusão documentária. García Gutiérrez
explica que a normalização documentária implica a regulação das distintas
fases do processo sobre documentos, os quais afloram como a causa (do-
cumento original), o efeito (documento referencial) e o fim (informação
científica) do trabalho realizado nos centros e sistemas documentários.
Para Tolentino (2021, p. 26), a norma, enquanto modelo operativo
de caráter prescritivo, advém da construção contínua de procedimentos
que buscam ser suficientes para a finalidade do processo.
Ainda que olhares literais de modelos e normas representem for-
temente o campo, em detrimento da identificação de seus princípios
subjacentes, há reflexões significativas sobre o tema. Podemos inferir,
tomando a fala de Calenge, que as normas devem ser interpretadas e
contextualizadas, de forma que se possa operar com elas reconhecendo o
modelo do qual partiram.
A ênfase às normas, com a secundarização de seus princípios, é
construção histórica. Dois eventos ao menos reforçaram os aspectos nor-
Organizar para socializar:
a função social da mediação documentária
179
mativos da organização da informação, em relação estreita com aspectos
tecnológicos.
O primeiro evento foi a criação e coordenação de um sistema, pela
Library of Congress (LC), dos Estados Unidos, desde os primeiros anos do
século XX, em bibliotecas desse país. Nesse sistema, era realizada catalo-
gação cooperativa, por meio da venda de fichas catalográficas, que eram
reproduzidas por estereotipia. O segundo evento decorreu do primeiro:
na década de 1960, no mesmo país, foram adotados computadores para a
operação dessa rede de catalogação cooperativa. O instrumento documen-
tário então criado foi o formato MARC (Machine Readable Cataloging),
não à toa, denominado formato de intercâmbio.
Ambos os projetos tiveram dois pilares que permitiram sua viabiliza-
ção, além de disseminação para fora dos limites nacionais. Esses pilares fo-
ram: a adoção de normas para a produção dos registros dos documentos e a
adoção de tecnologias adequadas aos sistemas. Por sua vez, os dois projetos
abandonaram significativamente as propostas dos teóricos da Catalogação
que lhes antecederam: Anthony Panizzi e Charles Ammi Cutter, e, depois,
os mesmos teóricos, além de Seymour Lubetzky.
No que tange a estes eventos, podemos dizer que houve um recrudes-
cimento da normatividade como parâmetro para a realização da atividade
documentária, em detrimento das teorias que a sustentam, e uma amplifi-
cação da percepção da tecnologia como recurso. Dito de outro modo, esses
movimentos levaram à proeminência dos aspectos normativos, colocando
em destaque também os aspectos tecnológicos.
Tratando em especial das normas de catalogação adotadas nesses
dois projetos, podemos observar que elas ganharam forte presença na
compreensão e produção de respostas às demandas por informação. Como
qualquer instrumento de organização da informação, normas de cataloga-
ção são datadas por seu momento de concepção e uso, ou seja, são condi-
cionadas pela maturidade metodológica, pelo estágio de desenvolvimento
Cristina Dotta Ortega
180
tecnológico e pelas variantes econômicas e políticas do momento e do local
em que são propostas e implementadas.
A despeito dessas contingências, os esforços realizados em torno de
propostas normativas de catalogação são dignos de nota. Algumas das pro-
postas mais significativas partiram dos primeiros manuais de bibliotecas
e bibliografias, seguidos dos códigos de catalogação, formatos de regis-
tro bibliográfico e padrões de metadados, tendo como referência a ISBD
(International Standard Bibliographic Description) e os modelos conceituais
de registros bibliográficos da família FRBR (Functional Requirements for
Bibliographic Records)
1
. A partir desses instrumentos, podemos identificar
parâmetros metodológicos, elaborados de modo racional e objetivo, rela-
tivos a estruturas de representação de documentos e recursos para acesso
a elementos dessas estruturas. Trata-se de um percurso intelectualmente
relevante, se considerarmos a demanda cognitiva exigida para contemplar
aspectos conceituais e metodológicos, segundo as possibilidades tecnológi-
cas de cada época.
No entanto, falta avançar na distinção entre as normas adotadas em
cada sistema, que são particulares, únicas, e as normas referenciais pro-
duzidas na forma de metodologias, ainda que pretensamente. Estas nor-
mas referenciais devem ser capazes de subsidiar a produção de sistemas de
informação, segundo documentos, instituição e públicos específicos. Ou
seja, há normas elaboradas como referência para implantação adaptada em
sistemas de informação específicos e normas elaboradas para cada sistema
de informação, eventualmente pautadas nas primeiras. Os dois usos identi-
ficados permitem dizer que as normas referenciais podem ser caracterizadas
como metodologias, embora muitas vezes não o sejam de fato, como nos
casos em que elas apresentam insuficiente elaboração conceitual.
A observação dos instrumentos documentários amplamente ado-
tados como normas referenciais nos remete ao modelo estadunidense
A ISBD teve sua primeira publicação em 1971, voltada apenas para monografias – ISBD(M). O modelo
conceitual FRBR, publicado originalmente como base para os demais, é de 1998. Ambas as propostas
foram desenvolvidas e publicadas pela IFLA.
Organizar para socializar:
a função social da mediação documentária
181
de gestão de bibliotecas. Esse modelo, que se tornou marcante em pra-
ticamente todo o mundo, é baseado em um conjunto de instrumentos,
cujos principais são: AACR2 (Anglo-American Cataloging Rules, 2. ed.) e
MARC (Machine Readable Cataloging), ambos em processo de substituição
pelo RDA (Resource Description and Access), assim como, CDD e LCSH
(Library of Congress Subject Headings).
Os modos de produção, de disseminação e de uso do modelo es-
tadunidense de gestão de bibliotecas foram fundamentais para a crista-
lização da concepção universal dos instrumentos. A ideia de padrão ou
norma foi deslocada da prescrição necessária à entrada de informações em
um sistema para um conjunto de orientações tomadas como universais.
Resulta daí a recorrente menção a ‘o padrão’ ou ‘a norma’, em referência
aos instrumentos desse modelo, ao invés da menção a ‘um padrão’ ou ‘uma
norma’. O problema colocado fica evidente na perspectiva da mediação
documentária: a pretensão universal se opõe à perspectiva comunicacional
da atividade documentária, pois esta é baseada nas possibilidades de uso de
informação por um público. A universalidade atribuída aos instrumentos
documentários é uma impossibilidade conceitual e operacional.
No Brasil, o modelo estadunidense de gestão de bibliotecas é, em
geral, estruturante dos currículos, compondo disciplinas de organização
da informação, que são muitas vezes centradas na execução de exercícios, à
falta de abstração e generalização. A escolha por esse modelo é comumente
feita sob a alegação de que ele é o mais usado nas instituições bibliotecárias
no Brasil e no mundo. Desse modo, temos um círculo vicioso: o modelo
é adotado no ensino por acreditar-se que ele é grandemente adotado nas
instituições bibliotecárias e muitas instituições bibliotecárias adotam esse
modelo porque ele é, usualmente, a base da formação profissional. Nessa
cultura formativa, esses instrumentos são implicitamente indicados para
serem adotados em qualquer prática profissional e sem adaptações. No en-
tanto, como os contextos documentários são diversos, o modelo estaduni-
dense é em geral usado com algum tipo de adaptação ou soluções variadas
são desenvolvidas.
Cristina Dotta Ortega
182
Embora as pesquisas sobre organização da informação tenham cres-
cido muito no Brasil em termos quantitativos, elas ainda não se refletiram
criticamente em cursos de graduação de modo a reverter a cultura de trei-
namento para o uso de instrumentos.
Visando superar a orientação normativa do ensino, baseada principal-
mente no modelo estadunidense de gestão de bibliotecas, seria pertinente e
produtivo elaborar conteúdos programáticos pautados pelas categorias de
organização da informação apresentadas. Segundo essas categorias, os aspec-
tos conceituais e metodológicos são centrais e os aspectos pragmáticos devem
balizar o estudo de todos os tipos de processos e instrumentos, além dos
sistemas concretos. Como podemos constatar em antigos e atuais progra-
mas de ensino, é interessante contemplar a historicidade de vários modelos,
seus percursos históricos e características, assim como suas potencialidades
e fragilidades. Juntamente, deve-se discutir a prevalência do modelo estadu-
nidense, abordando as condições econômicas e ideológicas a partir das quais
ele se desenvolveu e ganhou força e legitimidade. Em tempos de estudos
sobre decolonialismo, está dada a oportunidade para retomar a questão da
crença na universalidade, que é sustentada por modelos hegemônicos, e rea-
lizar esse enfrentamento de maneira mais abrangente e significativa.
A situação apresentada relativa a um modelo predominante de base
normativa convive com outros aspectos. Assim, constatamos movimento
de passagem da predominância de parâmetros normativos para a predomi-
nância de parâmetros normativos e tecnológicos a regerem a organização
da informação.
De modo semelhante às normas, as tecnologias são em geral abor-
dadas à falta de profundidade. A tecnologia, e não apenas a tecnologia ele-
trônica, é elemento constituinte do campo que nos ocupa. Ou seja, a tec-
nologia é elemento intrínseco ao campo, portanto anterior ao surgimento
da tecnologia eletrônica. A dimensão histórico-conceitual da atividade do-
cumentária nos permite compreender o papel exercido pelas tecnologias
para além do apelo do discurso sobre o novo. A tecnologia molda, mas não
Organizar para socializar:
a função social da mediação documentária
183
determina os processos, que são dependentes da maturidade metodológica
do campo. Por este motivo, os recursos tecnológicos, em função do estágio
de desenvolvimento em que se encontram a cada época, são sempre limi-
tantes das aplicações possíveis.
Desse modo, importa a pergunta sobre qual seria a compreensão do
campo das ações de mediação documentária, se limitada às contingências
da tecnologia eletrônica de cada época e lugar. Segundo essa compreensão,
a tecnologia seria apenas uma instância de aplicação, esvaziada do signifi-
cado dos processos e das funções que esses processos devem cumprir. Uma
implicação dessa compreensão é a ideia de estruturas de representação da
informação segmentadas: segundo esse pensamento, haveria um tipo de
representação da informação realizado de modo analógico, os quais seriam
do escopo da organização da informação, e um tipo de representação da in-
formação realizado em meio eletrônico, que seria do âmbito da tecnologia
(ou seja, dos campos de conhecimento e atividades que dela se ocupam).
O questionamento a essa divisão, artificialmente produzida, faz-se urgente.
Afinal, há conhecimento específico construído sob base conceitual e tratar
de tecnologia sem reconhecer esse conhecimento tem levado a saltos e eles
são sempre improdutivos.
A sistematização de categorias de organização da informação evi-
denciou desequilíbrio entre elas. O aspecto conceitual nem sempre é
priorizado e as metodologias tendem a não ser desenvolvidas, já que a
norma é considerada o método a seguir e uma tecnologia já traria os
elementos estruturantes e funcionais necessários. Dessa maneira, as ca-
tegorias relativas a aspectos mais fortemente contingenciais e datados
são tomadas como representativas de todo o processo de organização da
informação, uma vez que as teorias e os métodos são antes repetidos que
continuamente reelaborados.
Instrumentos normativos e tecnológicos costumam ser tomados como
caminho imediato para a realização das operações. No entanto, esses instru-
mentos não expressam por si mesmos a atividade intelectual documentária
Cristina Dotta Ortega
184
que responde por sua função social. É necessário considerar procedimentos e
instrumentos a partir dos princípios em que se baseiam, portanto, indepen-
dente de uma norma ou outra, ou de uma tecnologia ou outra.
A categoria pragmática merece pesquisa própria. Isso porque as ca-
racterísticas consideradas sobre as pessoas em estudos informacionais, em
geral, prescindem de sua articulação com as ações de mediação documen-
tária que visam a apropriação da informação. Seria pertinente, de outra
maneira, considerar as atividades que congregam pessoas – por este motivo
chamadas de membros de uma comunidade discursiva, e tomadas como
públicos –, a partir das quais o uso de informação pode ser interessante.
Parte do cenário aqui apresentado pode ser explicado pela concre-
tude dos instrumentos normativos e tecnológicos, pois eles suscitam segu-
rança e rapidez na pesquisa, no ensino e na prática profissional.
Alfaro López discorre sobre essa questão de maneira interessante,
como tratamos no capítulo 2. O autor (Alfaro López, 2010, p. 4) entende
que a dinâmica do dia a dia da atividade bibliotecária não incorporou a
elaboração abstrata que permite a construção teórica sobre a diversidade
de práticas e de objetos próprios e definitórios do campo. Ele diz que essa
visão de mundo forneceu segurança à maioria das pessoas que exerce a
atividade bibliotecária.
A concretude a que se refere Alfaro López está instalada no que
podemos chamar de pensamento instrumental-mecânico. Segundo esse
pensamento, o instrumento – normativo ou tecnológico – se antepõe ao
processo a que deve responder, restringindo-o a suas contingências. Nessa
visão de mundo, o bibliotecário deixa de ser um produtor de informações
documentárias e é cada vez mais caracterizado como um facilitador do uso
da informação, que atua formando (ou treinando) pessoas para que elas se
tornem competentes para esse uso.
A perspectiva mediacional, no entanto, exige que a totalidade dos
processos documentários seja contemplada, de maneira articulada e inte-
grada. Segundo essa concepção, o profissional concebe, constrói e gerencia
Organizar para socializar:
a função social da mediação documentária
185
dispositivos documentários que funcionem como recursos de aprendiza-
gem aos diversos públicos, fornecendo percursos a eles pelo mundo da
informação. Trata-se de sistemas e serviços de informação, elaborados de
maneira a produzir vínculos com as pessoas, possibilitando a elas a navega-
ção na complexidade informacional que caracteriza a contemporaneidade.
No entanto, a primazia do instrumento sobre o processo não fa-
vorece a perspectiva mediacional. As normas e as tecnologias passaram a
ser considerados instrumentos explicativos do processo, levando a que ele
fosse grandemente apagado no que tange ao papel norteador que exerce.
Diferentemente, diríamos que não se deve antepor um instrumento ao
processo que ele deve responder, sob pena de tornar-se difícil compreen-
dê-lo e operá-lo.
Deste modo, para falarmos propriamente de organização da informa-
ção, trataremos a seguir dos componentes documentais nela envolvidos e dos
processos básicos que a constituem, indicando as funções a que os processos
atendem e os tipos de instrumentos que correspondem a cada processo.
3.3 componentes documentAis e processos básicos dA
orgAnizAção dA informAção
Em fundamentos da organização da informação, o documento é
central, pois ele é a base material da ação procedimental, tanto quanto é o
estatuto simbólico que dela resulta. O documento é uma construção ma-
terial e simbólica. Como dissemos anteriormente, os documentos podem
ser definidos como informações selecionadas e organizadas materialmente
em um sistema, cuja significação proposta objetiva orientar processos de
significação pelo público.
O modo diverso como essas informações são operadas em sistemas
de informação demonstra a plasticidade do documento, já que não se pode
atrelar a unidade material à unidade documentária, a partir da qual con-
teúdos são representados. Tendo em conta essas nuances que envolvem as-
Cristina Dotta Ortega
186
pectos físicos, formais e de conteúdo, propomos os seguintes componentes
como categorias de análise para o documento:
unidade física documental (ou objeto físico informacional): a
parte material e, portanto, manipulável do documento;
unidade documentária (ou informacional): unidade textual mí-
nima passível de representação em um sistema de informação; e
conteúdo: informação propriamente dita.
(Ortega, 2008, p. 10, publicado inicialmente em Lara; Ortega,
2006).
A unidade física documental é a mais fácil de identificar, dada sua
concretude material, do que decorre que haja maior consenso sobre o con-
ceito. A unidade documentária é a unidade informacional mínima consi-
derada de interesse a um público e passível de representação em sistemas
de informação; ela é localizada concretamente a partir da unidade física
documental. O conteúdo apresenta caráter descritivo ou temático, consti-
tuindo a unidade documentária e justificando sua existência, sendo o mais
dependente de cada contexto documentário.
A unidade documentária é o componente documental de que parte
a organização da informação. Isso porque, ela é uma unidade abstrata, con-
cebida para ser representada concretamente em um sistema de informação,
compondo a mensagem documentária que se quer comunicar ao público.
Se o documento é central em organização da informação, como dissemos,
o conceito de unidade documentária permite delimitá-lo, aprofundando
seu significado.
O conceito de unidade documentária foi construído historicamente,
segundo identificamos na literatura. Tratamos a seguir dessa historicidade,
buscando depois estabelecer relações entre as propostas realizadas pelos
autores e entre estas e a proposta que elaboramos.
Organizar para socializar:
a função social da mediação documentária
187
Suzanne Briet adotou o termo unidade documentária no seu livro
Qu’est-ce que la Documentation? (Briet, 1951). O conceito é, no entanto,
originalmente atribuído a Paul Otlet, no Traité de Documentation (Otlet,
1934), como elaborado por Tálamo et al. (2002) e Santos, P. (2006, 2007),
que participou da produção do texto inicial com Tálamo.
Para Tálamo et al. (2002, p. 5), Otlet adotou a denominação prin-
cípio da monografia para tratar da decomposição do texto em unidades
intelectuais. Cada unidade intelectual seria transcrita em uma ficha ou re-
cortada dos livros e colada em fichas, objetivando a coincidência entre as
unidades físicas e as unidades intelectuais do documento.
Na visão de Otlet, segundo Santos, P. (2007, p. 56-62), o princípio da
monografia ou princípio monográfico é o procedimento em que se realiza a
extração das unidades intelectuais ou ‘verdades originais’ da linearidade do
texto por meio de sua fragmentação, selecionando-se essas unidades segundo
necessidades contextuais. A autora entende que o princípio monográfico é
um recurso adotado para suprimir a reiteração a favor da objetivação da
informação, com o fim de promover a economia do tempo do leitor. Ela
continua a tratar da proposta de Otlet, mencionando dois outros princípios,
ambos operacionalizados a partir do princípio monográfico: o princípio da
continuidade e da pluralidade de elaboração e o princípio da multiplicação
de dados. O princípio da continuidade e da pluralidade de elaboração con-
siste na redação de fichas analíticas, compostas por campos de dados padro-
nizados que permitem indicar a origem da informação tratada, tais como
autoria, título etc. O princípio da multiplicação de dados é adotado para
a duplicação das fichas, as quais são intercaladas sob as rubricas das várias
facetas da Classificação Decimal Universal (CDU), possibilitando o acesso à
informação por vários pontos do sistema.
Para Santos, P. (2006), o princípio monográfico proposto por Otlet
como resultado da tensão entre fragmentação (análise) e totalidade (sínte-
se) é a principal contribuição deste autor para o campo.
Cristina Dotta Ortega
188
Como podemos observar, a ideia de uma unidade documentária
contribui para a compreensão do documento como construção material e
simbólica. Otlet tratou dessa relação, como segue.
Otlet realiza o que chama de análise das características do livro e
do documento, estabelecendo relação entre a parte material e a parte in-
telectual do documento. O autor (Otlet, 1934 – 212.4 Unité, multiples et
sous-multiples, p. 45-46) afirma que a unidade física, que é a matéria do
documento, apresenta uma superfície material (como a de uma carta ou a
de um jornal), como também uma ligação material entre várias superfícies
(como as folhas encadernadas de um livro), ou, ainda, uma ligação imate-
rial (como os diversos tomos de uma mesma obra). Ele continua dizendo
que existem múltiplos e submúltiplos das unidades materiais e intelectuais,
de tal maneira que, quanto à Documentação, a unidade é o livro, seus
múltiplos são os conjuntos formados pelo livro, como as coleções de bi-
bliotecas, e seus submúltiplos são divisões, como as partes dos livros (caso
dos capítulos, por exemplo).
Quatro décadas depois, Fondin (1998, p. 26-28) propôs o que cha-
mou de objetos do tratamento documentário a partir de três elementos: a
entidade física (que seria o conjunto), os extratos da entidade (que seriam
seus subconjuntos) e o reagrupamento de entidades (que ele denomina de
sobreconjunto).
Fondin (1998, p. 26-28) discorre sobre os três elementos propostos,
afirmando que, no decorrer do século XX, a constatação da riqueza dos
conteúdos dos documentos, da variedade das contribuições, da multiplici-
dade de olhares e da necessidade e especificidade de cada elemento levou
à superação da noção de entidade física como único objeto de tratamento
documentário. O objeto pode ser o resultado de uma divisão de uma
entidade em função de necessidades previamente definidas. Por isso, essa
divisão corresponde a um projeto. Segundo ele, desde então não há mais a
adequação sistemática entre continente e conteúdo, pois a um continente
podem corresponder diversas unidades específicas, as quais ele denomina
Organizar para socializar:
a função social da mediação documentária
189
itens documentários. Considerando a informação útil que veicula, cada
item documentário pode ser o objeto de um tratamento no âmbito do
sistema, independentemente da entidade fonte. Fondin (1998, p. 55) afir-
ma que a ausência de correspondência exclusiva entre a entidade física – o
documento na acepção clássica – e a informação útil – a que corresponde
o item documentário, é uma das características da atividade documentária.
Dessa maneira, Fondin se refere à entidade física como conjunto e
aos extratos da entidade – os itens documentários – como subconjuntos.
Em continuidade à sua proposta, Fondin (1998, p. 55) entende que,
em alguns casos, pode-se considerar necessário o reagrupamento da entida-
de física e dos itens documentários, em função de seu conteúdo, por algum
critério que seja temático, geográfico ou outro, tendo como resultado os
dossiês documentários. Nesse caso, tem-se o reagrupamento de entidades,
a que o autor chamou de sobreconjuntos. Para Fondin, os dossiês são do-
cumentos reunidos por assuntos para atender a uma determinada deman-
da de usuários, ou são organizados previamente a demandas, segundo a
vocação do serviço de informação.
Os dossiês documentários podem ser qualificados como um produ-
to relevante elaborado, em especial, nos centros de documentação. Neste
sentido, Fondin (1998, p. 55) afirma que os dossiês devem ser identifi-
cados e tratados globalmente, mas não se confundem com a abordagem
arquivística, a qual, de outra maneira, apresenta-se como resultado da
atividade de uma pessoa física ou de uma organização e é constitutiva de
fundos de arquivo.
A distinção entre os dossiês que tratamos aqui – nomeados na litera-
tura como dossiês documentários – e os dossiês produzidos sob abordagem
arquivística é necessária.
Como termo constituinte da atividade documentária, a conceituação
de dossiê é presente em dicionários especializados em idioma francês. Vale
observar a Terminologie en Archivistique, de 2015, produzida pelo Comité
Local d’Intégration Pédagogique (CLIP), da École de Bibliothéconomie et des
Cristina Dotta Ortega
190
Sciences de l’Information (EBSI), da Universidade de Montreal, do Canadá
2
.
Nessa Terminologia, o termo dossiê apresenta definições de vários autores,
as mais recentes relacionadas à criação ou recriação de uma unidade orga-
nizada de documentos, relativa ao exercício das atividades de uma pessoa
ou de uma organização, que trata de um mesmo assunto, atividade ou
transação. De outra maneira, no Dictionnaire Encyclopédique de l’Informa-
tion et de la Documentation, de 1997, coordenado por Serge Cacaly, usa-se
o termo dossiê documentário e a abordagem utilizada é a bibliográfica.
Podemos fazer uma síntese do verbete deste dicionário, que foi assinado
por Pomart. Segundo ele (Pomart, 1997, p. 195-198), dossiê documentá-
rio é o conjunto de documentos de diversos tipos, no todo ou em partes,
relativo a um assunto de interesse, podendo ser criado previamente ou sob
demanda. A estes dois tipos de dossiês, Pomart fornece denominação espe-
cífica: respectivamente, dossiê-ferramenta e dossiê-produto.
Otlet trata desse produto bibliográfico no Tratado de Documentação,
segundo o que denomina como arquivos documentários (Otlet, 1934 –
0 Fundamenta, II Parties de la Documentation, D Archives documentaires
(Dossiers, matériaux de la documentation), p. 6-7). No decorrer do texto,
ele fala ainda em arquivos ou dossiês, sendo que algumas vezes usa o termo
dossiês documentários. Otlet não inclui os dossiês em sua proposta de
análise do documento como unidade, múltiplos ou submúltiplos; de outra
maneira, discorre sobre eles quando elabora o que entende serem as partes
da Documentação. Otlet descreve os dossiês como produtos que incluem
peças originais e pequenos documentos em sua integralidade ou fragmen-
tos. Para Otlet, os dossiês são produzidos a partir de extratos ou partes
de livros, de periódicos, de jornais, notas manuscritas datilografadas ou
mimeografadas, que são distribuídos em uma ordem diferente, formando
conjuntos de tudo que se relaciona com as mesmas questões. Após tratar
do tema em tópico intitulado Arquivos documentários (Dossiês, mate-
riais da documentação), como indicado na citação acima, Otlet apresenta
A Terminologie en Archivistique está disponível no Portail des ressources pédagogiques en sciences de
l’information, do CLIP/EBSI. Link: https://clip.ebsi.umontreal.ca/terminologie/
Organizar para socializar:
a função social da mediação documentária
191
mais dois tópicos, o primeiro intitulado Os arquivos administrativos e o
seguinte intitulado Os arquivos antigos. Nestes dois últimos tópicos, Otlet
menciona os dossiês, mas em clara referência à abordagem arquivística.
Buscando equiparar a proposta de Otlet com a de Fondin, e consi-
derando que este pode ter consultado aquele, apresentamos o Quadro 5:
Quadro 5 – Equivalência entre as características do livro e do
documento, quanto à Documentação, segundo Otlet, e os objetos do
tratamento documentário, segundo Fondin
Características do livro e do documento,
quanto à Documentação, por Otlet (1934,
p. 45-46)
Objetos do tratamento documentário, por
Fondin (1998, p. 26-28)
unidade (livro) entidade física (conjunto)
submúltiplos (divisões do livro, como suas
partes) – capítulos etc.
extratos da entidade (subconjuntos) – os itens
documentários
múltiplos (conjuntos formados pelo livro,
como as coleções) – bibliotecas
reagrupamento de entidades (sobreconjunto)
– os dossiês documentários
Fonte: Baseado em: Ortega (2011a, p. 54).
No Quadro 5, na primeira linha, a unidade, representada emble-
maticamente pelo livro na proposta de Otlet, equivale à entidade física de
Fondin. Na segunda linha, os autores falam – cada um a partir da termi-
nologia que adota – em divisões da unidade ou extratos da entidade para
tratar de suas partes, os itens documentários, como é o caso dos capítulos
de livro. Na terceira linha, se num primeiro olhar, não há equivalência
entre os múltiplos de Otlet (as coleções de bibliotecas) e os sobreconjuntos
de Fondin (os dossiês documentários), podemos dizer que eles se referem,
em sentido amplo, aos agrupamentos documentais de interesse do usuá-
rio. Explicamos essa diferença, considerando que Otlet se refere à ativi-
dade documentária como um todo, enquanto Fondin se refere apenas à
organização da informação: como a formação de coleções de bibliotecas é
atividade prévia à organização da informação propriamente dita, embora
intimamente relacionada a ela, essas coleções não compõem a proposta de
Fondin.
Cristina Dotta Ortega
192
Em nossa proposta inicial, apresentamos como componentes docu-
mentais da organização da informação:
unidade física documental
unidade documentária
conteúdo
Na proposta, observamos a unidade física e suas possibilidades de
representação, por meio da identificação dos conteúdos que constituem a
unidade documentária. Observando essa proposta em relação às de Otlet e
Fondin, comentamos o que segue.
Preterimos os agrupamentos realizados na formação das coleções a
que Otlet chamou de múltiplos. À semelhança da proposta de Fondin,
tratamos apenas dos processos de organização da informação. Otlet,
por sua vez, refere-se à documentação como um todo, como indicamos
anteriormente.
Quanto à proposta de Fondin, temos os dossiês documentários, que
são produtos da organização da informação (quando produzidos por pre-
visão de busca) ou dos serviços de informação (quando produzidos sob
demanda específica). Embora trabalhemos apenas com organização da in-
formação, o serviço de informação envolve sempre, de alguma maneira,
aspectos da organização da informação, como já tratamos. Um dossiê do-
cumentário é constituído por documentos selecionados sobre um mesmo
tema, reunidos em uma pasta (em meio eletrônico ou não), representados
ou não em um registro de uma base de dados. Dessa maneira, o dossiê do-
cumentário é a concretização de uma unidade documentária, compondo
nossa proposta.
Quanto à abordagem do todo e suas partes, apresentada por Otlet
e Fondin, refere-se respectivamente ao que denominamos como unidade
física documental e unidades documentárias.
Organizar para socializar:
a função social da mediação documentária
193
A seguir, buscamos avançar na explicitação da proposta de compo-
nentes documentais da organização da informação, explorando as relações
entre as unidades físicas documentais e as unidades documentárias.
Uma unidade física pode corresponder a uma unidade documentá-
ria, mas elas são conceitualmente distintas. A unidade física pode:
coincidir com a unidade documentária (como no caso de uma
monografia);
conter várias unidades documentárias (como os artigos de um
fascículo de periódico); ou
referir-se a uma unidade documentária, por meio de mais de
uma unidade física (como em uma tese encadernada em dois
volumes).
Partindo para a exploração de certos produtos bibliográficos, quais
sejam, as bases de dados factuais e os dossiês documentários, quanto aos
componentes documentais observados, podemos dizer que:
Na base de dados factuais (cadastral ou estatística), a unidade física é
a base de dados no seu todo e as unidades documentárias são cada um dos
registros que compõem a base de dados (a qual, afinal, pode apresentar-se
em formato livro, como é o caso de um cadastro). O dossiê documentário,
por sua vez, é composto por várias unidades físicas documentais, que são
relativas a um tema de interesse de um público, correspondendo – em seu
conjunto como dossiê – a uma unidade documentária.
Como afirmamos, o conceito de unidade documentária permite
delimitar o de documento, aprofundando seu significado. Isso porque, a
produção do documento demanda observar objetos concretos e suas repre-
sentações, colocando em questão a unidade documentária adotada para o
processo. Podemos dizer que o documento é percebido pela unidade do-
cumentária, sendo dependente dela para sua definição. Nessa perspectiva,
documento e unidade documentária podem ser tomados como sinônimos.
Cristina Dotta Ortega
194
Quanto ao documento, importa observar que ele pode ser a própria
unidade física documental, mas não necessariamente. A distinção concei-
tual é necessária, pois ‘documento’, em sentido não especializado, refere-se
a um objeto físico singular, junto a um estatuto simbólico que não é re-
levado. Essa abordagem cotidiana de documento descaracteriza o campo
das ações de mediação documentária ao desconstruir seus fundamentos,
motivo pelo qual é urgente avançar na distinção mencionada.
Em busca da continuação da elaboração do conceito de documento
em Documentação, consideramos como documentos, em função da uni-
dade documentária manifesta, os elementos abaixo indicados:
objetos concretos abordados como documentos;
registros que representam estes documentos em sua totalidade,
em seu conjunto ou em suas partes; e
registros (cadastrais, estatísticos) constituídos a partir de docu-
mentos diversos.
Os objetos concretos abordados como documentos são aqueles alo-
cados em ambientes informacionais específicos, como uma biblioteca, ou
que recebem atribuição documental por serem representados em sistemas
de informação, independentemente de onde estejam alocados e ainda que
não se encontrem juntos.
Essas representações, na forma de registros, referem-se ao objeto
como um todo, em suas partes ou em conjuntos. No caso das partes, tra-
tamos da questão de maneira suficiente quando nos referirmos aos artigos
de periódicos e capítulos de livros, por exemplo. No caso dos conjuntos,
trata-se de documentos, a partir dos quais são estabelecidas alguma relação
que seja de interesse de um público (como os dossiês), ou cuja relação de
conteúdo está dada previamente à observação do interesse de um público
de um serviço de informação (como os documentos publicados em vários
volumes e os fascículos de um periódico).
Organizar para socializar:
a função social da mediação documentária
195
Já os registros (cadastrais ou estatísticos), que compõem as bases de
dados factuais, são produzidos a partir de documentos diversos que, embo-
ra permitam a construção de um registro, não apresentam entre si algum
tipo de relação, ou seja, esses documentos não compõem um conjunto.
Dessa maneira, podemos elaborar um pouco mais a diferença entre
dossiê documentário e base de dados factuais. O dossiê congrega vários
documentos que tratam de um mesmo tema, compondo um registro de
uma base de dados na forma de uma lista ou compondo uma pasta (em
meio eletrônico ou não), ou ambos. O registro de uma base de dados fac-
tuais representa um objeto (como uma pessoa, um grupo de pessoas ou
uma instituição), por meio de uma estrutura de campos que se repete em
todos os registros, de maneira a responder pelo objeto que define a base de
dados. Dessa maneira, na base de dados factuais, cada registro é construído
a partir de vários documentos, segundo uma estrutura comum de campos,
enquanto no dossiê, os documentos são listados em um registro de uma
base de dados ou ordenados na forma de um arranjo. As bases de dados
factuais são mais amplamente discutidas no subcapítulo seguinte, na parte
que trata de bases de dados em geral.
Como dissemos, a unidade documentária é uma abstração à qual
recorremos para a produção de cada unidade de representação de docu-
mentos – tendo em vista um público –, que deve compor um sistema de
informação. No caso das bases de dados, as unidades documentárias são
estruturas de representação concretizadas por instrumentos documentários
vocacionados à sua produção.
Esse é o caso do Manual de Referência para Descrições Bibliográficas
Legíveis por Máquina, do UNISIST, a que nos referimos anteriormente.
O Manual se organiza a partir de vários níveis de estruturação do registro,
a depender da unidade documentária considerada, como indicado em sua
primeira versão, elaborada na década de 1970. Dessa maneira, o registro da
base de dados pode ser (Unesco, 1974, p. 9):
Cristina Dotta Ortega
196
a) uma parte de uma peça física maior: por exemplo, um artigo de
um fascículo de um periódico, um capítulo de um livro, uma se-
ção de um relatório;
b) uma peça única: por exemplo, um fascículo ou parte de uma série,
um livro em um volume, um relatório, uma patente; e
c) uma coleção de peças físicas: por exemplo, uma obra multivolu-
mes publicada de uma só vez ou durante um período predetermi-
nado e finito.
Podemos dizer que a proposta de Otlet de determinar a unidade
intelectual de interesse a partir das unidades materiais, por meio dos seus
múltiplos e submúltiplos, concretizou-se no Manual de Referência do
UNISIST 40 anos depois. Dessa maneira, a peça única do Manual do
UNISIST (item b) corresponde à unidade (livro) da proposta de Otlet,
enquanto a parte de uma peça física maior (item a) equivale aos submúlti-
plos (divisões do livro). Já a coleção de peças físicas (item c) não encontra
paralelo na proposta de Otlet, pois ele se refere às coleções (como as das
bibliotecas), não a obras publicadas em várias peças físicas.
A produção dos componentes documentais da organização da infor-
mação relaciona-se à produção de documentos.
Mas, como propusemos anteriormente (Ortega, 2008), trata-se da
produção de documentos como processo de elaboração de registros de in-
formação que dão acesso às unidades de conhecimento, e não como pro-
dução desse conhecimento. A produção de documentos, neste sentido, não
remete à produção intelectual ou artística, que seria – sob certo ponto de
vista – uma produção isolada de documentos. De outra maneira, tratamos
da produção de documentos resultantes de uma seleção e realizada em
um sistema de informação. Por se tratar de um sistema de informação, a
produção de documentos implica a elaboração de formas de apresentação,
de representação e de acesso a esses documentos. Essas formas de apresen-
Organizar para socializar:
a função social da mediação documentária
197
tação, representação e acesso podem ser entendidas como um conjunto
sugerido de informações documentárias (Ortega, 2008).
As informações documentárias são aquelas apreendidas, registradas
e armazenadas em sistemas de informação, a fim de que sejam passíveis de
recuperação e uso. As informações documentárias, portanto, são unidades
de representação, construídas sob uma forma e um conteúdo, a partir de
decisões pautadas nos tipos de informação, nas áreas do conhecimento
ou de atividade, na linguagem dos públicos e nos objetivos do serviço de
informação, tornando explícito o propósito de um sistema de informação
(Ortega, 2008, p. 8).
Isso posto, podemos afirmar que a produção de documentos se refe-
re à produção de informações documentárias. Analisando as informações
documentárias no contexto dos componentes documentais da organização
da informação, consideramos que elas remetem ao elemento que chama-
mos de conteúdos, os quais, sendo de caráter descritivo ou temático, cons-
tituem a unidade documentária.
Contemplar a organização da informação como produção de docu-
mentos, portanto incluindo a elaboração de formas de apresentação, de
representação e de acesso, contribui para compreender de maneira mais
significativa as atividades documentárias. Trata-se de olhar integrado que
permite observar a relação entre processos que são usualmente trabalhados
como distintos e fragmentados. Dois exemplos ao menos podem ser apre-
sentados. Um deles é a normalização de trabalhos acadêmicos em relação à
catalogação e à indexação de documentos. O outro exemplo é a produção
de documentos eletrônicos simultaneamente à produção de bases de
dados desses mesmos documentos. Tanto no primeiro como no segundo
exemplo, a ideia de produção de documentos facilita observar de maneira
articulada os processos de formatação física, de organização dos conteúdos
(representação) e de produção de índices de busca (pontos de acesso).
Além disso, a produção de documentos, incluindo a elaboração de
representações que viabilizem acesso a elas em um sistema, é moldada pe-
Cristina Dotta Ortega
198
los recursos editoriais e tecnológicos em voga (Ortega, 2008, p. 13). Disso
decorre que os procedimentos se manifestem de maneira relativamente dis-
tinta no tempo, no entanto, mantendo suas especificidades como ativida-
des documentárias. A visão articulada dos procedimentos é necessária para
sua compreensão e operacionalização, tendo em conta o uso qualificado de
informação pelos públicos.
Reiteramos que a organização da informação é atividade de produ-
ção de documentos, como proposto anteriormente (Ortega, 2008). Nesta
perspectiva, propomos abordar a organização da informação a partir de
duas categorias de análise, agregando mais uma categoria àquela de que já
tratamos neste subcapítulo:
os componentes documentais: unidade física documental, uni-
dade documentária e conteúdo; e
os processos, os instrumentos correspondentes e os produtos do-
cumentários resultantes.
Os dois grupos categoriais interagem entre si: os componentes do
documento podem ser considerados como decorrentes de intervenções ou
processos, nos quais se utilizam instrumentos, gerando produtos.
Levando em conta que os processos são o impulso inicial para a
realização do fluxo documentário, assim como para sua continuidade, de-
senvolvemos a questão como segue.
A organização da informação se refere ao corpo teórico e metodo-
lógico que fundamenta o conjunto de processos, que é iniciado após a
identificação e caracterização de públicos e a seleção de documentos con-
siderados pertinentes a eles.
A seleção de documentos tem como produto a coleção, no sentido
de conjunto de documentos que se relacionam entre si como algo coerente
e com personalidade própria, passível de fazer sentido para determinados
segmentos de usuários.
Organizar para socializar:
a função social da mediação documentária
199
A coleção não depende – para se constituir como tal – de os objetos
selecionados serem coletados e alocados em um espaço físico comum: ela é
conjunto resultante de escolhas, percebido pela disposição espacial dos do-
cumentos e/ou por suas referências, as quais são produzidas e organizadas
sistemicamente. A partir da existência de uma coleção – no sentido virtual
– é que a organização da informação pode ser realizada. Não à toa, Otlet
usa o termo colecionamento, e não coleta, para tratar do processo de cons-
trução de uma coleção (Otlet, 1934 – 265.5 Méthodes, 1 Collectionnement).
A seleção de documentos é anterior aos processos de organização da
informação, atuando como atividade direcionadora das suas possibilidades
de significação. Por sua vez, os processos de organização da informação
evidenciam a coleção, tornando-a mais visível aos usuários.
O produto da organização da informação é sempre um sistema de
informação. Como dissemos inicialmente, esse sistema deve ser mobiliza-
do a favor dos públicos visados, a partir de serviços, atividades de formação
e muitas outras atividades.
Em uma perspectiva histórico-conceitual, dois processos básicos de
organização da informação podem ser considerados: a produção de bases
de dados e a produção de arranjos. Essa base de sustentação histórico-con-
ceitual é que torna contemporâneos os dois processos, motivo pelo qual
eles podem ser apresentados como matriz da organização da informação.
Como o produto da organização da informação é sempre um siste-
ma de informação, as bases de dados e os arranjos são as duas grandes tipo-
logias de sistemas de informação. Esses dois tipos de sistemas são e foram
produzidos de maneiras diversas, sob nomes distintos, mas mantendo as
características estruturais e funcionais que os definem como um ou outro.
Os processos básicos de produção de bases de dados e de produção
de arranjos podem ser assim definidos:
A produção de bases de dados refere-se à produção de registros, ela-
borados por meio de representações que coadunam as características dos
Cristina Dotta Ortega
200
documentos de uma coleção e questões (previstas) de busca do público,
e por mecanismos de busca que permitam a este público buscar por es-
sas representações, identificar documentos e selecionar aqueles que são de
interesse.
A produção de arranjos (ou ordenação) implica a disposição física de
documentos ou de metadados de documentos de uma coleção, realizada
com base em critérios pertinentes às características dos documentos e aos
interesses (previstos) do público, de forma que permitam a este público
navegar por esses documentos, ou por seus metadados, e identificar e sele-
cionar documentos de interesse. Os três métodos adotados para a ordena-
ção são: cronológico, alfabético e classificatório, sendo comum que esses
métodos sejam usados conjuntamente.
Portanto, em organização da informação, são produzidos sistemas de
informação para buscar e para navegar – respectivamente, bases de dados e
arranjos –, segundo características dos documentos e interesses (previstos)
do público.
Os processos de produção de bases de dados e de produção de arran-
jos, dada a complexidade da organização da informação, são desdobrados
em processos específicos, que atendem a funções próprias no sistema.
Os dois quadros apresentados a seguir visam fornecer os elementos
que balizam a organização da informação a partir de sua caracterização
como atividade intrinsecamente procedimental. Os quadros apresentam
os dois processos básicos, seguidos de seus processos específicos, funções e
instrumentos.
O Quadro 6 apresenta os dois processos básicos, seus processos espe-
cíficos correspondentes e a função de cada um deles:
Organizar para socializar:
a função social da mediação documentária
201
Quadro 6 – Processos e funções da organização da informação
produção de bases de dados
ordenação
representação descritiva representação temática
processo função processo função processo função
descrição
identificação
do
documento
indexação
(produção
de pontos
de acesso
temáticos)
acesso a
conteúdos
temáticos do
documento e
navegação entre
os registros
ordenação
de
documentos
proposta de
leitura da
coleção
localização
dos
documentos
na coleção
gestão da
coleção
produção
de pontos
de acesso
descritivos
acesso a
elementos
descritivos
do
documento
e navegação
entre os
registros
elaboração
de resumos
seleção do
documento
ordenação
de
metadados
de
documentos
Fonte: Autora.
Como podemos observar no Quadro 6, para a produção de bases de
dados, são desenvolvidos os processos específicos de representação descri-
tiva e de representação temática. Cada um desses processos específicos de
representação demanda a realização de dois outros processos – a produção
de pontos de acesso descritivos e temáticos, a descrição e a elaboração de
um resumo –, cada qual atendendo a funções próprias. Dessa maneira,
torna-se possível acessar a elementos descritivos e temáticos do documento
por meio de pontos de acesso para, então, a partir do registro, identificar o
documento a que ele se refere, realizando uma seleção, segundo interesses,
por meio do resumo que lhe corresponde. Os pontos de acesso permitem
também a navegação entre registros, pois toda base de dados é formada por
arranjos. Quanto à produção de arranjos autônomos, há duas possibilida-
des a depender do objeto que se tem por foco – os documentos ou seus
metadados – e as funções a que atendem: leitura da coleção, localização
de documentos e gestão. Os dois processos básicos serão desenvolvidos no
próximo subcapítulo.
Cristina Dotta Ortega
202
O Quadro 7 a seguir apresenta os dois processos básicos, seus proces-
sos específicos correspondentes e os tipos de instrumentos adotados para
cada um deles:
Quadro 7 – Processos e instrumentos da organização da informação
produção de bases de dados
ordenação
representação descritiva representação temática
processo instrumento processo instrumento processo instrumento
descrição
códigos de
catalogação
International
Standard
Bibliographic
Description
– ISBD (não
inclui pontos de
acesso)
formatos
de registro
bibliográfico
normas para
produção de
referências
bibliográficas
padrões de
metadados (não
inclui pontos de
acesso)
indexação
(produção
de pontos
de acesso
temáticos)
listas de
cabeçalhos de
assunto
tesauros
ordenação
de
documentos
planos de
ordenação
sistemas de
classificação
bibliográfica,
tabelas de
notação de
autor
produção
de pontos
de acesso
descritivos
elaboração de
resumos
métodos de
elaboração de
resumos
ordenação
de
metadados
de
documentos
Fonte: Autora.
No Quadro 7, na última coluna, os sistemas de classificação biblio-
gráfica e as tabelas de notação de autor são instrumentos comumente ado-
tados para a implementação do número de chamada, que é um modelo de
ordenação. Já o plano de ordenação não é propriamente um instrumento,
mas um modelo que permite conceber e operacionalizar o processo a partir
de distintos instrumentos, a depender das escolhas realizadas. Esses mode-
los e instrumentos são usados para a ordenação de documentos, não para
a ordenação de metadados de documentos, pois estes não são operacio-
Organizar para socializar:
a função social da mediação documentária
203
nalizados da mesma maneira que aqueles, como tratamos no subcapítulo
seguinte.
Ainda no Quadro 7, importa observar que cada processo demanda
tipos diferenciados de instrumentos. Essas tipologias de instrumentos são
abstrações que reúnem instrumentos concretos com características seme-
lhantes, dada sua vocação comum para a realização de certos processos.
Quanto à representação descritiva, à exceção da ISBD, que é um instru-
mento concreto, foram apresentadas tipologias de instrumentos, quais
sejam: códigos de catalogação, formatos de registro bibliográfico, nor-
mas para produção de referências bibliográficas e padrões de metadados.
Quanto à representação temática, a questão da correspondência tipológica
se mantém, sendo apresentados: listas de cabeçalhos de assunto e tesauros
para a indexação, e métodos, no caso dos resumos, já que não há instru-
mentos propriamente ditos para sua produção.
Ressaltamos, assim, a distinção entre os tipos de instrumentos e os
instrumentos concretos, reiterando a necessidade de abandonar o nível
concreto como modo predominante de operar no campo, seja na pesquisa,
no ensino ou na prática profissional.
A questão é que os instrumentos foram desenvolvidos no decor-
rer do tempo como modelos de referência para a realização dos proces-
sos (Ortega; Lara, 2010b). Como exemplo, temos as listas alfabéticas de
palavras, inicialmente adotadas na indexação, posteriormente concebidas
como estruturas linguísticas (os tesauros), hoje incorporando a terminolo-
gia adotada pelos públicos. Neste último estágio, os instrumentos forne-
cem condições mais favoráveis para a aderência entre as mensagens docu-
mentárias e a linguagem dos públicos. No caso dos instrumentos adotados
na representação descritiva, observamos movimento semelhante, mas com
uma influência maior das normas e das tecnologias adotadas a cada época,
questão discutida no subcapítulo anterior.
Como elemento intrínseco da organização da informação, a tecno-
logia está sempre presente. Dessa maneira, várias tecnologias para produ-
Cristina Dotta Ortega
204
ção e reprodução de fichas catalográficas em papel foram e são adotadas,
assim como programas computacionais específicos são usados hoje para a
produção de bases de dados diversas. Alguns dos instrumentos documen-
tários adotados para a produção de bases de dados são os que menciona-
mos anteriormente: as diversas versões e edições do código de catalogação
anglo-americano, os formatos de registro bibliográfico e os padrões de
metadados, entre outros. De outro modo, há instrumentos propriamente
tecnológicos, como é o caso da linguagem de marcação Extensible Markup
Language (XML), a qual apresenta os recursos para a estruturação do re-
gistro quanto aos tipos de campos de informação que o constituem, como
campos de datas, de texto etc. Instrumentos tecnológicos, como o XML e
outros, não apresentam estruturas de campos propriamente ditas, ou seja,
que possam representar os atributos documentais; esses instrumentos são
apropriados tecnologicamente aos fins documentários, mas não são instru-
mentos documentários.
O desenvolvimento dos processos, segundo suas funções, a partir
dos instrumentos, como disposto nestes quadros, conduz à identificação
de produtos documentários decorrentes, quais sejam: os registros das bases
de dados produzidos pela representação descritiva e pela representação te-
mática e os arranjos de documentos ou de metadados de documentos em
ambientes eletrônicos ou não.
Uma vez explicitado que os processos impulsionam a organização
da informação, tratamos a seguir de cada um de seus processos básicos: a
produção de bases de dados e a produção de arranjos.
3.4 orgAnizAndo A informAção: A produção de bAses de dAdos e
A produção de ArrAnjos
A organização da informação tem como produto sistemas de infor-
mação. Há dois tipos de sistemas de informação: as bases de dados e os
Organizar para socializar:
a função social da mediação documentária
205
arranjos. Em bases de dados, deve-se buscar informação de interesse, en-
quanto em arranjos, deve-se navegar para chegar a ela.
Toda base de dados é constituída por arranjos, mas há arranjos de
documentos (eletrônicos ou não) que constituem sistemas de informação
próprios. Trataremos inicialmente das bases de dados para falar posterior-
mente dos arranjos.
É comum usar o termo sistemas de informação para falar
exclusivamente de bases de dados, sem incluir os arranjos. Já quando se
fala em sistema de recuperação da informação, cuja sigla usada de modo
recorrente é SRI, pode estar em questão uma interface de busca a uma ou
mais bases de dados simultaneamente. No entanto, o interesse maior neste
livro é explorar o que está por trás de um SRI, ou seja, os processos de
organização da informação que o produzem e permitem fazê-lo funcionar.
Bases de dados são sistemas de informação produzidos e utilizados
em abordagem bibliográfica, no caso do nosso estudo. As bases de dados
são compostas por registros, elaborados por meio de representações que
coadunam características dos documentos de uma coleção e questões (pre-
vistas) de busca do público, e por mecanismos de busca que permitam
a este público buscar por essas representações, identificar documentos e
selecionar aqueles que são de interesse.
Para sua funcionalidade, é esperado que os registros permitam ade-
rência entre essas representações – de documentos e de questões (previstas)
de busca – e as questões de busca realizadas pelos usuários (Ortega; Lara,
2010b, p. 8). A despeito de os registros serem construídos de maneira a
permitir essa aderência, não há garantias de que ela ocorra, já que o uso do
sistema depende de questões alheias à intencionalidade de sua constituição.
A construção de cada registro tem por referência uma unidade docu-
mentária. Como tratamos no subcapítulo anterior, as unidades documen-
tárias são uma abstração: são unidades significativas selecionadas da massa
documental tendo em vista um público. Retomando a afirmação de que
o documento é percebido pela determinação da unidade documentária,
Cristina Dotta Ortega
206
esta pode ser: um objeto abordado como documento; um registro que
representa este documento em sua totalidade, em seu conjunto ou em suas
partes; e um registro constituído a partir de documentos diversos, como
é o caso do registro das bases de dados factuais (cadastrais e estatísticas).
Cada unidade documentária representada em um registro é consti-
tuída por um conjunto de campos, e cada campo é representativo de certas
características ou atributos do objeto representado.
Os registros – como representações das unidades documentárias –
são as unidades constituintes das bases de dados. Como dissemos ante-
riormente, os registros são a unidade principal de trabalho de uma base
de dados, do que decorre que sejam a unidade de interpretação do sistema
(Ortega; Lara, 2010b, p. 8). Os registros são as mensagens produzidas para
fins de comunicação com o público.
Sendo assim, para estudar as bases de dados, visando sua compreen-
são como um produto técnico-social singular e quanto ao domínio neces-
sário para sua produção, gestão e uso, é preciso explorar os registros que as
constituem.
Buscando realizar um exercício de abstração, propomos abordar os
registros das bases de dados quanto a:
sua forma e conteúdo;
seus elementos fundamentais e a função de cada um deles; e
seus elementos constituintes e a função de cada um deles.
Para uma caracterização dos registros das bases de dados a partir da
sua forma e conteúdo, apresentamos o Quadro 8:
Organizar para socializar:
a função social da mediação documentária
207
Quadro 8 – Forma e conteúdo dos registros de bases de dados
perspectiva dos registros
das bases de dados
registros das bases de dados, segundo cada perspectiva
forma
o registro é formado por campos e os campos são formados
por subcampos
conteúdo
há campos do registro cujo conteúdo é uma representação
descritiva do documento e campos do registro que respondem
por sua representação temática
Fonte: Autora.
Frente a essas duas perspectivas caracterizadoras dos registros de ba-
ses de dados, podemos tratar dos seus elementos fundamentais. A despei-
to das diversas denominações adotadas no tempo para certos sistemas de
informação, podemos dizer que, para que algo seja considerado uma base
de dados, é preciso que existam ao menos dois grupos de elementos. Esses
grupos e suas funções correspondentes seguem elencados no Quadro 9:
Quadro 9 – Elementos fundamentais dos registros de bases de dados e
suas funções
elementos fundamentais dos registros de
bases de dados
funções
descrição identificação do documento
pontos de acesso descritivos
navegação entre registros por seus elementos
descritivos e acesso a esses registros
Fonte: Autora.
Segundo apresentado no Quadro 9, os campos da descrição e os
pontos de acesso descritivos são definitivos para a existência de uma base
de dados, porque uma base de dados pode prescindir de outros elementos
e ainda assim ela poderá ser identificada como tal. Dito de outra manei-
ra, embora outros elementos possam compor uma base de dados – e é
desejável que isso ocorra –, alguns elementos são fundamentais, pois são
os elementos mínimos que permitem afirmar a existência de uma base de
dados, dada a funcionalidade que esses elementos imprimem. As funções
Cristina Dotta Ortega
208
realizadas por esses elementos fundamentais, como consta no Quadro 9,
são: navegação entre registros por seus elementos descritivos, acesso a esses
registros e identificação do documento representado no registro.
Para a composição de uma base de dados em sua completude, outros
elementos, além da descrição e dos pontos de acesso descritivos, podem
constitui-la, exercendo funções igualmente relevantes e necessárias, como
apresentamos no Quadro 10.
Quadro 10 – Elementos constituintes dos registros de bases de dados e
suas funções
elementos constituintes dos registros de
bases de dados
funções
descrição identificação do documento
resumo seleção do documento
pontos de acesso descritivos e temáticos
navegação entre registros por seus elementos
descritivos e temáticos e acesso a esses registros
pontos de acesso descritivos e temáticos
remissivos
relação entre as diferentes formas adotadas
para um mesmo nome (autor, título ou
assunto), remetendo à forma autorizada no
sistema
Fonte: Autora.
Como sistematizado no Quadro 10, temos o conjunto dos elemen-
tos que podem constituir uma base de dados – descrição, resumo e pontos
de acesso descritivos e temáticos (incluindo os remissivos) –, cada qual
com sua função a cumprir, a partir das formas e conteúdos que lhes corres-
pondem. Esse conjunto de elementos é resultado de uma longa história de
produção técnica e de reflexões que a subsidiariam.
Parte dessa história é tratada por Tillett (1988 e 1989, citada por
Ríos Hilario, 2003, p. 45-46). A autora relaciona os estudos sobre o catálo-
go na atualidade, segundo o modelo FRBR, publicado em 1998, aos estu-
dos sobre o catálogo do século XIX, realizados na Inglaterra, por Anthony
Panizzi. Segundo ela, Panizzi defendeu o catálogo da biblioteca como o
instrumento vital para acessar os documentos que a compõem. As regras
Organizar para socializar:
a função social da mediação documentária
209
propostas por Panizzi refletem uma estrutura conceitual baseada em re-
gistros únicos e completos para cada documento catalogado e três classes
de referências cruzadas para vincular a entrada escolhida pelo usuário à
entrada de acesso ao catálogo. Para Tillett, a estrutura conceitual de um
catálogo consiste em ‘registros’ compostos de ‘elementos de dados’ e de
conexões’ entre eles. Os registros conectados formam agrupamentos que
compartilham um tipo particular de relação.
A composição de registros únicos e completos de bases de dados,
relacionados entre si, como indicado por Tillett, a partir de Panizzi, foi
discutida de meados do século XIX ao XX pelos chamados teóricos da
Catalogação, quais sejam (depois de Panizzi): Cutter e Lubetzky. O mais
recente deles, e considerado por muitos o principal teórico da Catalogação
da contemporaneidade, é Seymour Lubetzky. Ele tratou do registro com-
pleto (o registro principal) do documento, explorando o conceito de en-
trada principal.
Em função da contribuição teórica de Lubetzky para uma prática
fundamentada de produção de registros de bases de dados, Santos interes-
sou-se por seu legado, aprofundando-se nele em suas pesquisas (Santos, M.,
2013), (Santos, M.; Ortega, 2013) e (Santos M., 2019). Santos investigou
o conceito de entrada principal, segundo Lubetzky, pois este pesquisador,
atento à distinção entre a abordagem conceitual e a apropriação empírica,
sistematizou o conceito a partir da literatura, discorrendo sobre sua forma
e função. Santos tem se ocupado da entrada principal por entender que se
trata de conceito atual para a produção do registro.
Uma síntese da pesquisa de Santos, M. sobre a entrada principal, por
Lubetzky, é apresentada a seguir.
O termo entrada principal foi definido por Cutter como “entrada, o
registro de um livro no catálogo com o título e a imprenta” (Cutter, 1876,
p. 14, citado por Santos, M.; Ortega, 2013, p. 98). No entanto, Santos
afirma que o termo entrada é mais amplamente compreendido pela comu-
nidade catalogadora como o cabeçalho da ficha de um catálogo, como se
Cristina Dotta Ortega
210
pode observar em boa parte da literatura. Dessa maneira, diferentemente
da posição de Cutter e de outros teóricos, para essa comunidade, a entrada
principal seria o cabeçalho da ficha principal.
De acordo com Lubetzky, segundo Santos, M., a entrada princi-
pal, ou ficha principal, em um catálogo de fichas, seria a entrada unitária
ou fundamental composta pelas informações bibliográficas completas da
descrição de um documento e o ponto de acesso a elas, a partir da qual se
podia criar uma ou mais entradas secundárias, que seriam as fichas secun-
dárias. Sendo assim, a entrada principal é tomada como sinônimo de ficha
principal. Como decorrência, a entrada principal pode ser produzida na
forma de um registro de uma base de dados.
Se há equivalência entre os termos entrada principal e ficha principal
em catálogos e registro em bases de dados, importa retomar o termo notí-
cia, como usado em português de Portugal, assim como ocorre em francês
(notice) e em italiano (notizie). Isso porque, estes termos contemplam con-
ceituação mais abrangente, ao congregar as representações de documentos,
seja em catálogos, bases de dados ou listas de referências. Dessa maneira,
encontramos no Dicionário do Livro, de Portugal, o termo notícia princi-
pal, referindo-se à notícia fundamental do documento catalogado, a qual
contém todas as informações necessárias à sua identificação e localização e
um ponto de acesso principal (rubrica principal, no original em português
de Portugal) (Faria; Pericão, 2008c, p. 521).
Produzir informações descritivas completas do documento significa
dizer que a entrada principal remete ao documento como manifestação de
uma obra. Dessa maneira, a entrada principal refere-se ao registro comple-
to de uma base de dados quanto às informações descritivas do documento
enquanto manifestação de uma obra, além do ponto de acesso. Na cons-
trução da entrada principal, o ponto de acesso é usualmente a combinação
do nome do autor e do título, como modo de representar a obra a que se
refere a manifestação descrita.
Organizar para socializar:
a função social da mediação documentária
211
Segundo Santos, M. (2019), a função da entrada principal indicada
por Lubetzky é pertinente à catalogação de nossos dias, pois ela responde
pela representação do documento em registro bibliográfico como manifes-
tação de uma obra, portanto, observando-se seus documentos relacionados.
A questão em evidência aqui, reiteradamente abordada neste livro, é
a de que um documento será mais bem compreendido se posto em relação
com outros documentos, haja vista que os documentos são produzidos uns
partir dos outros, e não de maneira isolada, motivo pelo qual trabalha-se
com o conceito de estrutura e de sistema em organização da informação.
Não à toa, Santos afirma que o conceito de entrada principal remete à
estruturação do registro.
A entrada principal é, portanto, o registro completo do documento
na base de dados (incluindo seu ponto de acesso), o qual representa o do-
cumento como manifestação de uma obra.
Além de discorrer sobre o conceito de entrada principal, e da função
que constitui o conceito, Santos, M., em artigo de coautoria (Santos, M.;
Ortega, 2013), tratou das contingências que envolveram os estudos e a
proposta de Lubetzky na discussão e reformulação dos instrumentos do-
cumentários de catalogação no contexto anglo-americano. Neste contexto,
Santos enfatiza que a função da entrada principal idealizada por Lubetzky
não foi contemplada na primeira edição do AACR e na implementação
da catalogação legível por computador, no âmbito do Projeto MARC,
na década de 1960. Segundo Santos, esses instrumentos apresentam
incongruências que poderiam ser evitadas ou reduzidas mediante abor-
dagem racional do processo. Ele afirma que fatores econômicos e tecno-
lógicos foram priorizados em detrimento dos aspectos fundamentais da
catalogação. A partir da análise realizada por Santos, podemos afirmar que
esse cenário teve e tem implicações significativas para a literatura técnico-
-científica e para a prática da catalogação.
Importante mencionar que o modelo conceitual FRBR, publicado
em 1998, retoma o conceito de obra e suas manifestações, embora não faça
Cristina Dotta Ortega
212
referência à construção histórica sobre esses elementos. Afinal, mesmo an-
tes de Panizzi e Lubetzky contemplarem o conceito de obra e suas manifes-
tações, identificamos avanços como os realizados na Biblioteca Bodleyana,
da Universidade de Oxford, Inglaterra, no século XVIII. Nessa Biblioteca,
as práticas de organização da informação eram debatidas pela equipe de
trabalho, levando a que, em 1732, o conceito de obra fosse adotado para
a reunião dos documentos no espaço da Biblioteca, por se entender sua
pertinência para navegação e acesso (Malinconico, 1977, citado por Fiuza,
1980, p. 140).
Pacheco (2016) estudou o modelo FRBR, analisando a obra musical
e as relações bibliográficas decorrentes dela para a organização da informa-
ção. Para tanto, a autora buscou estabelecer conexões entre os discursos so-
bre o conceito de obra no modelo FRBR e na literatura biblioteconômica
em geral e sobre o conceito de obra presente na Filosofia da Música. Ela
colocou em perspectiva a intencionalidade das atividades documentárias
relacionadas a uma obra musical, particularmente a atividade de descrição
dos documentos musicais, sob o ponto de vista de seu papel no fluxo de
produção e uso.
Essa pesquisa permitiu demonstrar a centralidade do conceito de
obra e de suas manifestações para a produção de bases de dados, em espe-
cial no caso da Música.
Entretanto, dado o destaque então atribuído ao modelo FRBR, a
pesquisa conduziu à publicação de artigo em coautoria (Pacheco; Ortega,
2015) sobre a gênese desse modelo, com o fim de conhecer a trajetória que
o antecedeu e identificar o debate intelectual em torno de sua elaboração.
Foi possível constatar que:
o estudo do modelo conceitual FRBR nasceu, de fato, com fins
eminentemente práticos, para controle bibliográfico, a fim de
reduzir custos e aumentar o compartilhamento de dados em nível
nacional e internacional. Estudar os requisitos mínimos funcionais
de registros bibliográficos parecia ser uma ferramenta indispensável
para o controle bibliográfico.
Organizar para socializar:
a função social da mediação documentária
213
O modelo FRBR, ainda que revestido de um conceito
substancialmente mais amplo do que os conferidos à catalogação
tradicional, estruturado em bases próprias, diferentemente das
regras e formatos bibliográficos, não apresenta o embasamento da
teoria de catalogação em que se fundamenta.
Se é necessário repensar a catalogação a partir de entidades, atributos
e relacionamentos, como proposto no modelo FRBR, para então
construir uma teoria da catalogação, não se pode mais esquivar
de discutir os pressupostos teóricos que historicamente levaram à
formulação deste modelo (Pacheco; Ortega, 2015, p. 73).
Como podemos observar a partir das pesquisas apresentadas sobre
a reformulação de instrumentos documentários (AACR/MARC) (Santos,
M.; Ortega, 2013) e a proposição de modelo conceitual (FRBR) (Pacheco;
Ortega, 2015), é recorrente que fatores de ordem imediata se contrapo-
nham aos fundamentos que precisariam ser levados em conta para a pro-
dução de registros de bases de dados.
Sendo assim, a exploração dos elementos constituintes dos registros
de uma base de dados (todos os elementos) e dos elementos fundamentais
(elementos mínimos necessários) permite a elaboração de parâmetros para
reconhecer bases de dados desde os primórdios de sua produção até a con-
temporaneidade e estudar as condições que ocasionaram mudanças, assim
como as implicações dessas mudanças.
Fazendo uso desses parâmetros, podemos realizar um segundo exer-
cício de abstração, discorrendo – não sobre os registros que compõem as
bases de dados –, mas sobre as próprias bases de dados.
Como tratado no subcapítulo 2.2 – Biblioteconomia e Bibliografia:
origem e desenvolvimento da abordagem documentária bibliográfica –,
dois tipos de ‘bases de dados’ foram originalmente concebidos e desenvol-
vidos por séculos como produtos centrais que contribuíram para a consoli-
dação das disciplinas mencionadas. Esses dois tipos de bases de dados são,
respectivamente: os catálogos de biblioteca e as bibliografias. Essas bases de
dados iniciais marcaram os sistemas atuais de organização da informação.
Cristina Dotta Ortega
214
Depois, e a partir desses dois tipos de bases de dados, vários outros
foram propostos, a depender dos documentos, dos recursos tecnológicos
existentes e adotados, dos interesses dos públicos e, relacionados a eles, os
objetivos institucionais, sempre balizados pelas condições sociais, econô-
micas e políticas. Tomando como referência principal os elementos funda-
mentais de uma base de dados – descrição e pontos de acesso descritivos
–, identificamos distintos tipos derivados das bases de dados iniciais. A
despeito de esses tipos apresentarem sempre os elementos fundamentais
mencionados, eles não foram selecionados segundo a mesma característica,
motivo pelo qual não refletem categorias excludentes entre si, configuran-
do-se antes como uma lista de tipos de bases de dados.
Os tipos de bases de dados que identificamos, a exemplo dos pro-
dutos bibliográficos listados no subcapítulo 2.2 sobre Biblioteconomia e
Bibliografia, são: catálogos de bibliotecas, bibliografias nacionais, bases de
dados científicas, bases de dados factuais (cadastrais ou estatísticas), catá-
logos comerciais, sistemas de informação ao cidadão, bibliotecas digitais,
repositórios institucionais, bases de dados de revistas eletrônicas, bases de
dados para análise bibliométrica (e outras metrias), entre outros.
Quanto aos produtos elencados, o conceito de ‘bibliográfico’ entra
em jogo quando observamos que algumas bases de dados são usualmente
adjetivadas como bibliográficas e outras, por sua vez, consideradas como
não bibliográficas. Como já tratamos, nestes casos, é comum que as bases
de dados bibliográficas sejam identificadas como aquelas que representam
apenas documentos textuais escritos, relegando todas as outras que citamos
ao grupo nomeado como bases de dados não bibliográficas, embora todas
elas apresentem características básicas comuns. Esse é o caso das bases de
dados factuais.
As bases de dados factuais são compostas por registros produzidos
a partir de documentos dispersos, que são reunidos e submetidos a uma
estruturação, sem que esses documentos venham a compor uma coleção.
Essa é sua caracterização constitutiva. Em termos de conteúdo, as bases de
Organizar para socializar:
a função social da mediação documentária
215
dados factuais contemplam informações cadastrais ou informações estatís-
ticas. Em termos funcionais, as bases de dados factuais se caracterizam por
fornecer diretamente uma resposta à questão feita pelo usuário, prescin-
dindo da consulta a documentos.
As bases de dados cadastrais são também chamadas de diretórios.
Em geral, seus registros têm como objeto de representação: pessoas, insti-
tuições, eventos, grupos, projetos, entre outros, como os termos em uma
base de dados terminológica. À exceção desta última, os registros são pro-
duzidos com informações de contato, como nome, endereço e site, além de
informações que caracterizam a atuação em questão, como a afiliação insti-
tucional, no caso de uma base de dados de pesquisadores. A necessidade de
uso das informações factuais foi evidenciada com a criação de formatos de
registro bibliográfico especificamente para este tipo de informação, como
os formatos que elencamos a seguir: Formato de Intercambio de Información
Referencial (FIIR) (Unesco, 1990), Common Communication Format for
Factual Information (CCF/F) (Unesco, 1992) e MARC 21 Concise Format
for Community Information (Library of Congress, 2017).
As bases de dados estatísticas, embora nem sempre recebam essa de-
nominação, são produtos da seleção e tratamento de dados brutos, refle-
tindo, portanto, um recorte e um arranjo realizados a partir de uma dada
perspectiva. Elas são compostas por dados numéricos, em geral sob a forma
de tabelas. Segundo Rocha (2006, p. 10 e 43), as informações estatísticas
podem ser definidas como representações numéricas de aspectos da reali-
dade social, compostas por um acontecimento mensurável, num determi-
nado lugar, em determinado período.
Como dissemos, as bases de dados factuais – cadastrais ou estatísticas
– são caracterizadas em termos constitutivos, por documentos dispersos
estruturados na forma de registros e, em termos funcionais, por respostas
diretas, sem consulta a documentos. Considerando essas características,
identificamos usos distintos da denominação base de dados factuais, como
tratamos a seguir.
Cristina Dotta Ortega
216
Deweze (1994, p. 208) entende que as bases de dados factuais são
apenas as cadastrais. Em outro grupo, ele denomina como bancos de dados
estritos aqueles constituídos por séries econômicas, constantes físico-quí-
micas, estruturas químicas etc., a partir das quais são feitas as buscas, ou
são associados softwares de cálculo permitindo, por exemplo, testar diversas
hipóteses para fazer funcionar um modelo, simular ensaios etc. Outros
autores, por sua vez, denominam como bases de dados factuais apenas
aquelas que são construídas a partir de informações que são estocadas e
tratadas de forma a permitir correlações, comparações, manipulações e re-
presentações gráficas (Pelou; Vuillemin, 1985, citados por Fondin, 1998,
p. 140-142). Os bancos de dados estritos apresentados por Deweze e as
bases de dados factuais definidas por Pelou e Vuillemin remetem às infor-
mações que caracterizamos como estatísticas, ou delas se aproximam. Para
Deweze, os bancos de dados estritos são reservados a uma categoria de
usuários, cuja competência especializada ultrapassa o quadro de atividade
tradicional do documentalista.
A despeito das especificidades apresentadas, categorizamos as bases
de dados factuais, e todas as outras bases de dados que elencamos, como
bases de dados bibliográficas, já que o conceito adotado não se reduz a
certos tipos de documentos ou a certos modos de representação e busca à
informação.
No entanto, com relação às bases de dados estatísticas, é preciso
considerar sua distinção, haja vista que as tabelas que as constituem não
correspondem aos elementos fundamentais em que nos baseamos – a des-
crição e os pontos acesso descritivos –, além de haver a necessidade de
um nível maior de manipulação das informações para que uma resposta
seja obtida. Importa considerar os diversos estudos realizados em torno
da informação estatística, muitos deles voltados à necessidade de rigor ter-
minológico para o melhor tratamento e uso dos dados, como é o caso dos
trabalhos de Lara (1998a) e (1998b), Rocha (2006) e Camargo, J. (2006),
entre muitos outros. A literatura científica demonstra a validade das teorias
e metodologias documentárias para o tratamento da informação estatísti-
Organizar para socializar:
a função social da mediação documentária
217
ca, mas caberia avançar nas pesquisas a respeito de sua especificidade no
contexto da atividade documentária, de modo a formar de maneira mais
adequada profissionais para a realização dessa atividade.
A diversidade de bases de dados existentes ou já produzidas foi aqui
identificada e apresentada a partir da compreensão de que elas se definem
como tal pela presença de elementos fundamentais, portanto, imprescindí-
veis. Considerando tanto seus elementos fundamentais quanto seus demais
elementos, podemos avançar na conceituação e caracterização das bases de
dados.
Abadal e Codina, que mencionamos anteriormente ao tratarmos
da abordagem documentária bibliográfica, estudaram o tema das bases de
dados sob a denominação de bases de dados documentárias (bases de da-
tos documentales, no original em espanhol). Os autores realizaram extensa
atividade de pesquisa e de docência, acompanhada de estudos experimen-
tais de sistemas de gestão de bases de dados, posteriormente validados em
consultorias a empresas públicas e privadas.
Em vista dessa vivência acadêmica e profissional, Abadal e Codina
(2005, p. 18-25) entendem que se deve assinalar que só uma pequena
parte da bibliografia científica sobre bases de dados está voltada especifica-
mente às bases de dados documentárias. Para os autores, estes estudos são
necessários pois, considerando o papel da informação na sociedade que
vivemos, as bases de dados são o melhor recurso de que dispomos para
gerenciar informação. Afirmam que apenas as bases de dados permitem
processar a informação de maneira seletiva, mostrá-la de forma distinta
para diferentes grupos de usuários e explorá-la de outra forma caso mudem
os objetivos, e de modo seguro, rápido e eficaz.
Abadal e Codina definem base de dados como um conjunto de da-
dos estruturados de forma sistemática, cujo tratamento uniforme propor-
ciona valor de exploração a este tipo de sistema de informação.
A ideia de estrutura é adotada por Abadal e Codina para definir base
de dados. A partir do texto desses autores, sistematizamos três instâncias
Cristina Dotta Ortega
218
de estruturação, as quais devem ser adotadas em sequência na produção de
uma base de dados:
sistema de gestão de bases de dados (SGBD): programa compu-
tacional ou software;
base de dados (BD): estrutura de registros e campos criada com
os recursos do SGBD; e
dados (D): conteúdo da estrutura que dá significado ao sistema
ao representar uma dada realidade, possibilitando que se opere
de algum modo sobre ela.
Podemos dizer que uma base de dados possui uma estruturação bási-
ca que a caracteriza e permite sua funcionalidade. Trata-se de uma estrutu-
ra conceitual que se manifesta materialmente. Assim, de maneira um pou-
co distinta das três instâncias de estruturação de uma base de dados que
sistematizamos segundo os estudos de Abadal e Codina, propomos partir
da manifestação da estrutura conceitual da base de dados, como segue:
estrutura conceitual;
estrutura tecnológica; e
estrutura da base de dados propriamente dita.
A estrutura conceitual da base de dados refere-se à abstração neces-
sária à sua concepção, do que decorre que seja elemento fundamental às
instâncias seguintes. A estrutura conceitual é constituída pela estrutura de
campos (o que inclui suas características) e pelos índices de busca.
A estrutura tecnológica é a materialização da estrutura conceitual
segundo uma dada tecnologia. Atualmente, por adotar-se em geral a tecno-
logia eletrônica, faz-se uso de um sistema de gestão de bases de dados (ou
software) para implementar a estrutura conceitual. Dessa maneira, compa-
Organizar para socializar:
a função social da mediação documentária
219
rativamente a Abadal e Codina, aqui temos a base de dados (BD), ou seja,
a estrutura da base de dados criada a partir de um software adequado.
Por fim, a estrutura da base de dados propriamente dita refere-se
aos registros representativos dos documentos e aos índices que permitem
acessá-los. A base de dados propriamente dita é o conjunto dos conteúdos
de todos os campos de todos os registros. Segundo Abadal e Codina, esta
instância seria a dos dados (D), já que eles existem apenas sob uma estru-
tura que os organiza como tal.
Essa última instância também é material e só é possível após a pro-
dução da estrutura conceitual materializada por uma dada tecnologia. O
uso da tecnologia eletrônica facilita a atividade intelectual, já que as pla-
nilhas que contêm as estruturas de campos são produzidas previamente,
segundo as unidades documentárias consideradas necessárias para a repre-
sentação de documentos no contexto em questão; essas planilhas são sele-
cionadas no momento da representação em correspondência com os tipos
de documentos a tratar. Por sua vez, no trabalho de produção de fichas ca-
talográficas e bibliografias em papel, passa-se diretamente da estrutura con-
ceitual, que é adaptada de instrumentos documentários ou registrada em
normas localmente produzidas, para a produção do registro. Nestes casos,
o trabalho mental e operacional é maior. A tecnologia facilita o trabalho
intelectual, uma vez que suas etapas podem ser explicitadas materialmente,
quer dizer, elas são exteriorizadas, permitindo que o esforço mental seja
direcionado para as tarefas que não podem ser realizadas de outra maneira.
Visando tratar das etapas necessárias à funcionalidade da base de
dados, as quais são sempre decorrentes de sua estruturação, apresentamos
sistematização realizada de maneira bastante interessante por Wellisch.
Wellisch (1987, p. 21-33), em publicação original de 1980, faz uso
da denominação sistema de controle bibliográfico, afirmando que a meta
desse tipo de sistema é a de permitir que um usuário recupere documentos
através de certas características específicas. O autor diz que a maneira mais
primária de conseguir o controle de uma coleção de documentos consiste
Cristina Dotta Ortega
220
em inspecionar todos os documentos, um a um, até que sejam encontrados
todos os documentos desejados; no entanto, outra maneira, mais eficiente,
seria produzir o que ele chama de substitutos de documentos. Estes subs-
titutos listam as características através das quais os documentos podem
ser procurados e são arranjados de tal forma que todas e cada uma destas
características possam ser examinadas individualmente ou em qualquer
combinação desejada. Esse procedimento consiste em dividir o universo
de documentos em subunidades administráveis, o que torna o sistema de
controle bibliográfico independente da coleção dos documentos. Disto de-
corre que, neste sistema, não há uma preocupação com os documentos em
si e seu envio aos usuários.
Wellisch discorre sobre o modo de funcionamento do sistema de
controle bibliográfico, afirmando que esse sistema será viável se satisfizer as
seguintes condições:
os substitutos dos documentos devem identificar cada docu-
mento de maneira única (identificação dos documentos);
os substitutos devem ser registrados por letras e/ou dígitos que
sejam conhecidos tanto pelos operadores quanto pelos usuários
do sistema (transcrição de dados); e
os substitutos dos documentos devem ser ordenados em sequên-
cia fixa e universalmente conhecida, como a alfabética, numérica
ou alfanumérica, de acordo com as regras de arquivamento e
ordenação do sistema (arranjo dos substitutos dos documentos).
Segundo o autor, cada substituto possui um lugar único, a partir do
qual poderá ser acessado. Se nenhum documento novo for representado
no sistema, ele se manterá em estado de equilíbrio, ou seja, o arranjo dos
substitutos dos documentos será mantido no sistema em vários arquivos,
tais como arquivos de nomes de autores e títulos.
Organizar para socializar:
a função social da mediação documentária
221
Dando continuidade, Wellisch apresenta como ocorrem as etapas de
identificação dos documentos, transcrição de dados e arranjo dos substitu-
tos dos documentos, etapas que ele elencou acima como condições para o
funcionamento do sistema de controle bibliográfico.
A etapa de identificação do documento faz uso de um código de ca-
talogação que prescreve uma rotina, pela qual características do documento
podem ser tratadas, de forma a se adequarem a um modelo prescrito com
precisão. A transformação dos dados do documento-fonte para os do subs-
tituto do documento é uma transformação homomórfica de muitos-para-
-um. Essa transformação se dá deste modo porque, normalmente, não é
o texto completo de uma folha de rosto (de onde a maior parte dos dados
identificadores de um livro são retirados) que é transcrito, mas somente al-
gumas partes selecionadas. Segundo nota de Wellisch, um homomorfisma
é uma transformação de uma estrutura complexa de muitos-para-um em
uma estrutura mais simples, que se mantém de maneira invariante.
A etapa de transcrição dos dados segue rotina em que cada caractere
em que são expressas as características de identificação deve ser transcri-
to exatamente, tal como encontrado no original. Se o original apresen-
tar variações como erros de ortografia, estas devem ser fielmente registra-
das, embora possam ser corrigidas ou uniformizadas em uma nota. Esta é
uma transformação de um-para-um chamada, por isso, de transformação
isomórfica.
A etapa de arranjo dos substitutos dos documentos também apresen-
ta como resultado uma transformação homomórfica de muitos-para-um,
uma vez que os substitutos comuns ocupam apenas uma posição.
Wellisch finaliza o que denomina como controle descritivo em um
sistema de controle bibliográfico, afirmando que, sendo objetivo deste sis-
tema a identificação de documentos, ele será capaz de exercer pleno con-
trole sobre os documentos recentemente chegados, por meio de suas roti-
nas de controle. Estas rotinas conduzem à redução da variedade da entrada
a um nível aceitável, através de uma série de transformações homomórficas
Cristina Dotta Ortega
222
e isomórficas. Tem-se então um modelo ordenado, cuja saída mantém-se
nos limites prescritos, possibilitando o acesso a substitutos de documentos
de acordo com as características formais de identificação especificadas.
Tomando por base as etapas de funcionamento de um sistema de
controle bibliográfico, elaboradas por Wellisch (segundo a terminologia
que adota), mas não só, propomos uma sistematização das etapas de pro-
dução e gestão de bases de dados, como segue:
determinação da estrutura de campos, segundo características
dos documentos e questões (previstas) de busca de usuários;
estabelecimento dos critérios para preenchimento dos campos
e para escolha e forma dos pontos de acesso que comporão os
índices de busca;
elaboração da forma de apresentação da referência e do docu-
mento referenciado, quando for o caso;
representação descritiva e representação temática, após análise
do documento, por meio do preenchimento dos campos e da
elaboração dos pontos de acesso; e
adoção de rotinas de revisão de índices e de registros que garan-
tam a coerência entre as informações e a consistência do sistema,
permitindo sua funcionalidade.
Dado o caráter sistêmico da organização da informação, as etapas
elencadas são executadas em uma ordem lógica e cada etapa é sempre de-
pendente da anterior.
Considerando a relação existente entre as etapas apresentadas, pode-
mos dizer que os processos de representação descritiva e de representação
temática não se resumem à análise do documento para preenchimento dos
campos e produção dos pontos de acesso. As etapas relativas à estrutura-
ção conceitual dos registros das bases de dados antecedem a representação
Organizar para socializar:
a função social da mediação documentária
223
descritiva e temática e são necessárias à sua realização. Como decorrência,
a realização da representação descritiva e a representação temática exige a
compreensão da estrutura conceitual do registro, ou seja, o conhecimento
das características gerais dos campos, seus possíveis conteúdos e a inter-re-
lação entre eles.
O problema apontado sobre a desconsideração de etapas anteriores
à representação documentária (descritiva e temática) deriva do fato de que
certos instrumentos documentários – como códigos de catalogação, forma-
tos de registro bibliográfico e padrões de metadados – são tomados como
normas universais para a produção de bases de dados, como comentamos
anteriormente. Segundo essa compreensão, haveria estruturas prévia e uni-
versalmente determinadas a serem usadas tal como se apresentam como
estrutura do registro e dos índices. Dessa maneira, os campos já estariam
dados, na forma de um formulário padrão estabelecido universalmente por
algumas instituições para a realização da atividade documentária, deman-
dando do profissional apenas seu preenchimento, segundo o documento
em mãos.
Uma vez não consideradas a etapa de produção da estrutura do re-
gistro e dos índices e as etapas que lhe seguem (estabelecimento de critérios
para preenchimento dos campos e de suas formas de apresentação), não
apenas estas etapas se perdem em todo o processo como fica comprometida
a complexidade da etapa seguinte: a etapa de representação documentária.
A dimensão intelectual da etapa de representação foi diminuída, conduzin-
do ao entendimento de que ela dependeria de treinamento para uso de um
certo instrumento. De outra maneira, entendemos que os instrumentos
adotados devem ser interpretados, tanto quanto o processo em questão.
Mais que isso, anteriormente, deve haver o estudo do processo e do tipo de
instrumento que lhe corresponde.
Segundo essa perspectiva, as etapas de produção e gestão de bases de
dados acima elencadas não se colocam, tornando impossível contemplar
Cristina Dotta Ortega
224
documentos e públicos específicos, a partir de sistemas de informação es-
pecificamente construídos para ambos.
Essa perspectiva não é adotada por Wellisch. Para ele, o código de
catalogação (anglo-americano e suas edições) tem um papel a cumprir, por
isso, esse papel deve ser devidamente observado.
Wellisch (1987, p. 24-27) trata da etapa de identificação de docu-
mentos, como dissemos, cujo mecanismo de controle consta de um código
de catalogação que prescreve uma rotina para a representação de caracte-
rísticas do documento. Assim, afirma ele, se o documento for um livro,
ele será em geral identificado pelo nome do autor, título, edição, local de
publicação, número de páginas ou volumes, e alguns outros dados, se for
o caso. Wellisch explica que o código de catalogação, como mecanismo de
controle, é capaz de tratar de uma variedade potencialmente infinita de
nomes de autores, títulos de documentos, entre outros, por meio da apli-
cação de um número bastante limitado de regras. A razão disso, segundo o
autor, é a de que o código não trata de nomes e títulos individuais, mas de
grandes classes relativas a essas características, constituindo, portanto, um
número pequeno de classes de características documentais. Ele reconhece
que os códigos de catalogação são volumosos e apresentam muitas regras,
com muitas exceções; quanto a isso, entende que o argumento anterior
continua válido, haja vista a força reguladora de um código no sentido
cibernético. Mas, Wellisch afirma que um código de catalogação não pode
contemplar todos as situações necessárias, mesmo que composto por regras
básicas e algumas variações relativas a casos específicos. Isso porque, segun-
do ele, o profissional deve considerar as circunstâncias de procedência dos
documentos, sua relação com outros documentos, propriedades que não
estão explícitas na folha de rosto, além da eventual falta de normalização
desta. Caberia agregar, aos elementos apresentados por Wellisch, a ausência
de folha de rosto em muitas tipologias documentais ou mesmo naquelas
tipologias em que essa folha deveria estar presente. Seria necessário consi-
derar, ainda, os aspectos contextuais relativos aos interesses (previstos) do
público.
Organizar para socializar:
a função social da mediação documentária
225
Como podemos constatar, Wellisch deixa implícito que a etapa da
estruturação do registro e da produção de índices é determinada por um
código de catalogação, o que o leva a desconsiderar os aspectos contex-
tuais (quais sejam, os documentos e os públicos) nesta etapa. Ele remete
os aspectos contextuais à etapa da representação apenas, os quais seriam
relativos às características particulares dos documentos, deixando de men-
cionar os interesses do público. De fato, àquela época, e em especial, no
contexto anglo-americano de catalogação, a estruturação do registro em
cada sistema de informação não estava na pauta. Além disso, a menção do
autor a um código composto por regras básicas e algumas variações rela-
tivas a casos específicos faz supor que ele corrobora a estrutura de campos
do AACR, que é orientada a uma concepção particular de livro impresso,
a partir da qual são adaptadas outras tipologias, portanto, na ausência de
uma concepção estrutural de maior nível de generalização. Por exemplo,
ele toma a folha de rosto como referência para a análise de documentos e
sua representação. A despeito disso, a abordagem que Wellisch realiza so-
bre o papel exercido pelo código de catalogação e pelo profissional que faz
uso dele é digna de nota, por mostrar-se ainda atual, além de necessária ao
estágio em que se encontra a literatura predominante sobre o tema.
Questões semelhantes podem ser observadas quanto aos arranjos,
como tratamos a seguir.
Segundo a sistematização de Wellisch, uma das instâncias da base de
dados é um arranjo. O autor se refere aos modos de ordenação dos índices
de busca. Os índices de uma base de dados podem ser caracterizados, no
que tange ao seu uso pelos usuários, como arranjos a priori. Usando este
mesmo critério, podemos falar em arranjos a posteriori, como é o caso das
listas de referências resultantes das buscas em bases de dados, uma vez que
elas são produzidas segundo as questões do usuário no momento da busca.
No entanto, os arranjos existem, também, de modo autônomo,
como relevantes recursos de mediação documentária. A despeito da exis-
tência de arranjos autônomos e de arranjos presentes em bases de dados
Cristina Dotta Ortega
226
ou decorrentes de seu uso, importa tratar do processo de organização da
informação que produz o arranjo. A razão da necessidade de estudo dos
arranjos é a de que a literatura demonstra a dimensão e a especificidade do
processo, por sua continuidade no tempo, indicando a ordenação como
processo básico de organização da informação.
Assim, o processo básico de organização da informação que tem
como produto um arranjo é a ordenação.
Definimos ordenação como a disposição física de documentos ou de
metadados de documentos de uma coleção, em abordagem bibliográfica,
no nosso caso, realizada com base em critérios pertinentes às característi-
cas dos documentos e aos interesses (previstos) do público, de forma que
permitam a este público navegar por esses documentos ou por seus meta-
dados, e identificar e selecionar documentos de interesse.
O processo da ordenação está consolidado terminologicamente na
literatura francesa por meio do termo classement, como mencionamos
anteriormente. Classement é definido em dicionário especializado francês
(Jouguelet, 1997) como: composição ordenada de documentos em um es-
paço que, à diferença da classificação, operação intelectual, é uma operação
material de colocar em ordem, situando fisicamente os documentos uns
em relação aos outros, com o fim de encontrá-los com facilidade. Segundo
o mesmo verbete, a ordenação se aplica sobre os documentos, mas tam-
bém, às fichas, às referências e aos índices automatizados, quanto às regras
de intercalação adotadas para seu arranjo.
O conceito de ordenação apresentado é adotado também em espa-
nhol e em português de Portugal em dicionários e livros especializados na
forma de termos próprios destes idiomas. Desta maneira, encontramos o
termo espanhol ordenación, usado por Carrión Gútiez (1993) no seu clássi-
co Manual de Bibliotecas, referindo-se à ordenação do acervo e à ordenação
do catálogo. Já o termo ordenação, em língua portuguesa de Portugal, pode
ser encontrado em verbete do Dicionário do Livro, elaborado por Faria e
Pericão (2008d, p. 536), no sentido de colocar em ordem documentos em
Organizar para socializar:
a função social da mediação documentária
227
estantes ou registros em bases de dados, incluindo, neste último caso, a
produção de índices e de relatórios resultantes de buscas.
A ordenação de documentos é a mais visível e reconhecida, mas o
conceito de ordenação envolve, juntamente, a ordenação de metadados
de documentos.
A ordenação sobre metadados consta nas definições gerais de or-
denação apresentadas pelos autores acima mencionados, cada um expres-
sando o conceito a sua maneira. Assim, os autores indicam processo de
ordenação que é realizado: no catálogo (Carrión Gútiez, 1993), em fichas,
referências e índices automatizados (Jouguelet, 1997) e em bases de dados,
seja na forma de índices ou de relatórios resultantes de buscas (Faria e
Pericão, 2008d, p. 536). A ordem cronológica das publicações, não à toa,
indica abordagem que parte do catálogo apenas (embora pudesse incluir
bibliografias), passando a reconhecer os índices de bases de dados alguns
anos depois e, observando, também, os relatórios resultantes das buscas em
bases de dados no início do século seguinte.
Vellucci (1998, p. 192), após revisão de definições do termo meta-
dado, propõe que ele se refere ao dado eletrônico que descreve atributos
de um recurso e caracteriza seus relacionamentos, permitindo sua recu-
peração, identificação e uso, além de realizar seu gerenciamento. Muitos
autores reconhecem que o conceito de metadados de um documento cor-
responde ao do registro bibliográfico, mas o termo foi proposto para o
ambiente eletrônico e suas especificidades.
Com base nesse conceito, propusemos o termo ‘ordenação de me-
tadados de documentos’ em nossas pesquisas em parceria (Ortega; Silva;
Santos, M., 2016).
Ordenação de metadados de documentos se refere, portanto, ao pro-
cesso de ordenação que tem por objeto atributos dos documentos – e não
os documentos eles mesmos –, seja em meio eletrônico ou não.
Cristina Dotta Ortega
228
Em termos cronológicos, a ordenação de metadados de documen-
tos remete, em sua origem, ao arranjo das referências de bibliografias e
seus índices de acesso e ao arranjo das fichas catalográficas a partir de seus
cabeçalhos.
Com o início do uso de computadores na atividade documentária,
os arranjos passaram a ser produzidos na forma de índices de bases de
dados (eletrônicas) e de apresentação dos resultados das buscas. Trata-se
de ordenação que tem como objeto os metadados dos documentos (ou
seja, seus atributos), permitindo navegação por estes metadados em bases
de dados de qualquer tipo (bases de dados eletrônicas, ou, bibliografias e
catálogos de fichas).
A partir do surgimento dos documentos eletrônicos, foram propos-
tos modos de navegação, por meio da disposição dos atributos desses do-
cumentos em listas numéricas ou alfabéticas ou em estruturas de classes e
subclasses. A ordenação sobre documentos eletrônicos inclui os diretórios
Web, ou seja, cadastros em geral produzidos por meio de uma estrutura
hierárquica. De maneira semelhante, temos também a navegação organi-
zada em sites, como sistematizado pela Arquitetura da Informação, por
exemplo. Podemos falar, ainda – à semelhança da apresentação dos resul-
tados de uma busca –, na visualização de informações da análise bibliomé-
trica e outras metrias.
Por fim, há a ordenação que se faz no próprio documento, que, por-
tanto, não se refere a um sistema de informação. Esse é o caso da produção
de índices de trabalhos acadêmicos, livros, revistas e enciclopédias.
Desse modo, podemos elencar como arranjos de metadados de
documentos:
as referências de bibliografias e seus índices de acesso
as fichas catalográficas
os índices de bases de dados (eletrônicas)
a apresentação dos resultados das buscas
Organizar para socializar:
a função social da mediação documentária
229
os documentos eletrônicos ordenados, na forma de diretórios
Web
os sites com navegação organizada
a visualização de informações da análise bibliométrica e outras
metrias
os índices de trabalhos acadêmicos, livros, revistas e enciclopédias
Inicialmente, e por muito tempo, os arranjos de metadados de docu-
mentos foram aqueles que compunham os catálogos em fichas e as biblio-
grafias produzidas geralmente em papel, além dos índices de documentos.
Os arranjos autônomos de metadados de documentos (ou seja, aqueles que
não são parte de uma base de dados) passaram a existir apenas a partir da
ordenação de documentos eletrônicos.
Talvez como decorrência disso, ou ao menos em alguma medida,
identificamos algumas lacunas na literatura sobre o tema da ordenação de
metadados de documentos. Podemos dizer que, em função das recorren-
tes rupturas sobre os conceitos que sustentam antigos e novos produtos,
estamos à falta de estudos que questionem e fundamentem certas (des)
continuidades. Esse é o caso, por exemplo, da visualização de informações
construída para análises bibliométricas a partir de bases de dados. Esses e
outros arranjos são produzidos atualmente sem que sejam estabelecidas
relações com o processo de ordenação ou qualquer outro processo de or-
ganização da informação. Ou seja, os arranjos não estão sendo estudados
em uma perspectiva histórico-conceitual. Por este motivo, um ponto de
partida produtivo seria explorar os arranjos, em especial os arranjos de me-
tadados de documentos, como produtos do percurso de desenvolvimento
da organização da informação.
Como se pode constatar até aqui, há dois tipos de ordenação: aque-
la realizada sobre documentos e aquela realizada sobre os metadados dos
documentos. Discorremos sobre o segundo tipo e deixaremos para o final
Cristina Dotta Ortega
230
a apresentação do primeiro, em função de ele exigir um maior desenvolvi-
mento por encontrar-se mais consolidado.
A seguir, tratamos dos aspectos caracterizadores da ordenação como
um todo, ou seja, envolvendo os dois tipos.
A unidade documentária, como tratamos anteriormente, refere-se à
unidade informacional mínima adotada para a representação em sistemas
de informação, sendo identificada a partir da unidade física documental.
Na ordenação, após a identificação da unidade documentária que se quer
representar (como um fascículo de periódico em meio eletrônico), opta-se
pelas unidades de navegação (data de publicação, por exemplo) que per-
mitirão acesso a cada documento (neste caso, um fascículo). As unidades
de navegação dos arranjos são elaboradas, em geral, na forma de núme-
ros, letras, códigos ou termos, e funcionam como chaves de acesso aos
documentos, distinguindo-se, portanto, das unidades documentárias das
quais partem. Assim como em bases de dados, nos arranjos autônomos,
as unidades documentárias (também chamadas de documentos) podem
ser: objetos abordados como documentos; registros que representam estes
documentos em sua totalidade, em seu conjunto ou em suas partes; e regis-
tros (cadastrais, estatísticos) constituídos a partir de documentos diversos.
Como desenvolvemos em Ortega, Silva e Santos, M. (2016), a ati-
vidade de ordenação apresenta três funções básicas sobre a coleção de do-
cumentos: modo de leitura, localização coleção e gestão. O modo de leitu-
ra da coleção compreende uma disposição dos documentos que funciona
como proposta de leitura da coleção, ao permitir a circulação pelo espaço
em percursos escolhidos pelo usuário para identificação e seleção de docu-
mentos de interesse. A função de localização dos documentos possibilita
que um documento determinado seja acessado em uma coleção, em geral,
através da atribuição de um código de localização, que pode ser fixado no
documento, caso não seja um endereço eletrônico, por exemplo. A gestão
de documentos, por sua vez, refere-se às políticas de seleção e descarte de
documentos e ao planejamento dos espaços para sua alocação. Embora
Organizar para socializar:
a função social da mediação documentária
231
essas funções sejam mais desenvolvidas na literatura quanto aos documen-
tos não eletrônicos, elas são explicativas de todo o processo de ordenação,
como se vê no caso da localização de documentos que pode ser realizada a
partir de um endereço eletrônico.
A ordenação é operacionalizada através de três métodos principais,
como mencionamos anteriormente: cronológico, alfabético e classificató-
rio. A despeito de a literatura apresentar referências dispersas, denomina-
ções variadas e categorizações nem sempre autoexcludentes, ela permite
que os métodos sejam identificados e sistematizados deste modo (Ortega;
Silva; Santos, M., 2016, p. 31). O método cronológico expressa a ordena-
ção em uma sequência temporal, baseando-se em atributos como ordem
de entrada na coleção ou ano de publicação. No método alfabético, atribu-
tos passíveis de alfabetação, como autor e título, são utilizados para a orde-
nação dos documentos segundo a sequência A-Z. O método classificató-
rio ou sistemático contempla uma estrutura concebida para a organização
hierárquica dos atributos dos documentos da coleção em agrupamentos
de classes e subclasses. Os atributos, nesse caso, podem ser o assunto, a
tipologia documental, o gênero literário, a região geográfica, dentre vários
outros, desde que elaborados segundo uma estrutura hierárquica. Sistemas
de classificação bibliográfica, como a CDD e a CDU, firmaram-se como
os principais instrumentos empregados pelo método classificatório em di-
versos países, dentre eles, o Brasil.
Tanto a literatura quanto estes conhecidos sistemas de classificação
(CDD e CDU) e os diversos arranjos concretos produzidos demonstram
que a classificação bibliográfica não tem como objeto apenas os assuntos.
No entanto, no decorrer do século XX, foi sendo cristalizada compreen-
são de classificação bibliográfica como operação de representação temáti-
ca. Em antigas publicações, fizemos essa afirmação, o que foi recolocado
(a partir de Ortega; Silva, 2013, revisado em Ortega, 2013a), com o res-
paldo da pesquisa sobre ordenação que desenvolvemos individualmente
e em parceria.
Cristina Dotta Ortega
232
A questão pode ser explicada pelo fato de que a classificação é con-
siderada na literatura anglo-americana como conceito explicativo da orga-
nização da informação, principalmente em sua faceta temática. Se, no viés
anglo-americano, toma-se a classificação como organização da informação
(em geral, temática), preferindo aquele termo a este, a literatura francesa, a
que nos referimos, aborda a classificação como operação intelectual adota-
da na produção de arranjos (Jouguelet, 1997).
Interessante notar que, a literatura inglesa do início do século XX
apresentava abordagem sobre classificação correlata à francesa, como pode-
mos ver em Sayers. Ele se referiu à classificação nos títulos de suas publica-
ções (Sayers, 1915, 1918) como library classification, bibliographical classi-
fication e classification applied (respectivamente, classificação de biblioteca,
classificação bibliográfica e classificação aplicada).
William Berwick Sayers (1918) observou que os documentos não
tratam apenas de assuntos específicos. Há outros documentos, como as
enciclopédias e os periódicos, que contemplam vários assuntos, as obras
literárias, cuja forma molda como os assuntos são apresentados, assim
como livros que tratam de um assunto segundo uma abordagem especí-
fica, como histórica, teórica etc. Ele afirmou que a distinção entre forma
e assunto é necessária, propondo uma regra de classificação em que pri-
meiro busca-se pelo assunto, depois pela forma, exceto nos casos em que
a forma é primordial. Em publicação de alguns anos antes, Sayers (1915)
especificou os casos de uso da forma na classificação bibliográfica: obras
compostas de vários assuntos, obras nas quais a forma predomina sobre o
assunto e obras em que assuntos específicos são tratados segundo pontos
de vista particulares.
Podemos dizer que a classificação é aplicada na produção de arran-
jos, via processo de ordenação. Ela é operação específica, distinta da inde-
xação. Por este motivo, entendemos que a classificação pode ser nomeada,
de maneira mais apropriada, de classificação bibliográfica.
Organizar para socializar:
a função social da mediação documentária
233
O método classificatório demanda o estudo do tipo de instrumento
que permite implementá-lo em uma coleção. Gardin (1966), como tra-
tamos anteriormente no subcapítulo 3.2, aborda o que denomina como
léxico documentário, contemplando o que chamamos hoje de linguagens
documentárias, entre outras. Ele explora algumas linguagens na perspec-
tiva da dimensão que apresentam, ou seja, do tipo de relação entre as uni-
dades que as caracteriza, haja vista essa constituição implicar a sua vocação
instrumental. Segundo o autor, as linguagens unidimensionais são aquelas
em que existe apenas uma dimensão, quer dizer, apenas um tipo de relação
entre suas unidades, qual seja, a hierárquica, como é o caso dos sistemas
de classificação bibliográfica e das taxonomias científicas. Como na orde-
nação, os documentos ou seus metadados são dispostos uns em relação aos
outros, há apenas uma dimensão em jogo, que se constitui em função do
atributo documental tomado como referência. Desse modo, as linguagens
documentárias de estrutura hierárquica são as mais adequadas para realizar
o processo de ordenação.
Em continuidade, Gardin questiona a efetiva dimensionalidade que
sistemas de classificação bibliográfica como CDD e CDU apresentam,
atribuindo a eles uma unidimensionalidade aparente. De fato, as diversas
edições destes instrumentos produzidas no transcurso do século XX leva-
ram a que inserções fossem feitas na forma de relações hierárquicas, embo-
ra não o fossem. A questão que colocamos, portanto, é a da funcionalidade
da CDD e da CDU na produção dos arranjos, haja vista a inconsistência
de suas hierarquias.
Junto a esse movimento de ‘des-hierarquização’ da CDD e da CDU
decorrente de cada nova edição, foram reforçadas as escolhas terminoló-
gicas pautadas pela orientação ocidental que marca a constituição destes
sistemas. Esses sistemas de classificação bibliográfica, entre outros, são
poucos pertinentes para a representação dos temas relacionados aos di-
versos grupos sociais invisibilizados na cultura ocidental dos países desen-
volvidos. De fato, a pretensão universal atribuída à CDD e à CDU torna
estes sistemas questionáveis em termos de suas possibilidades de represen-
Cristina Dotta Ortega
234
tação sociocultural. Isso porque, qualquer instrumento documentário deve
ser produzido localmente ou adaptado às características locais. Ou seja, o
problema de representatividade muitas vezes apontado sobre a CDD e a
CDU, entre outros instrumentos documentários, não deve ser considerado
quanto aos sistemas em si mesmos, mas quanto ao modo como eles devem
ser usados.
Cabe relembrar a anterioridade das críticas à CDD e a outros siste-
mas de classificação bibliográfica semelhantes, como já mencionamos ao
tratar dos manuais franceses de administração de bibliotecas do século XIX
e início do XX, no subcapítulo 2.2 sobre Biblioteconomia e Bibliografia.
A seguir, retomamos algumas ideias presentes nesses manuais, agregando
trabalhos que lhes seguiram, em outra publicação que realizamos.
Assim, em Silva e Ortega (2022, p. 14-15), sistematizamos os seguin-
tes aspectos presentes em manuais franceses e outras publicações. Delisle
(1896) e Graesel (1897, publicado originalmente em alemão) apontaram
o caráter redutor da estrutura da CDD, por ser baseada em dez classes
principais, além de seu viés claramente estadunidense. Quase um século
depois, temos em Grolier um estudioso crítico de destaque dos sistemas
de classificação bibliográfica. Em um de seus trabalhos, Grolier (1970)
afirma que CDD, CDU e LCC (Library of Congress Classification) são tão
problemáticas quanto o esquema de Brunet o era em 1890. Por fim, men-
cionamos o interessante histórico das traduções da CDD para o idioma
espanhol, com início já na década de 1930, na América Latina. Segundo
o estudo realizado por Moyano-Grimaldo (2008), citado no artigo, es-
sas traduções apresentaram desde seus primeiros esforços variadas críticas
e necessidades de adaptação das diversas edições do sistema ao contexto
latino-americano.
Mas, o que importa considerar aqui é a classificação bibliográfica sob
o ponto de vista do processo de ordenação que lhe dá forma e sentido, por
meio da produção de arranjos. O processo de ordenação é realizado pelo
método cronológico, alfabético ou classificatório, ou de forma híbrida,
Organizar para socializar:
a função social da mediação documentária
235
possuindo como objeto atributos do documento como um todo: a partir
de um atributo selecionado, o documento ou um metadado dele é alocado
em relação a outros.
Quanto aos tipos de ordenação que apresentamos – ordenação de
documentos e ordenação de metadados de documentos –, o primeiro tipo
é mais reconhecido, como indicamos anteriormente, pois apresenta maior
nível de consolidação, como se pode observar pelos sistemas de alocação de
documentos, modelos de ordenação e aplicações próprias. Dessa maneira,
a seguir, tratamos especificamente da ordenação de documentos.
Inicialmente, abordamos os sistemas de alocação dos documentos,
haja vista que dois foram criados e aplicados: o sistema de localização fixa
e o sistema de localização relativa.
Nos sistemas de localização fixa, segundo Pinheiro (2007), os do-
cumentos são ordenados tendo em vista a determinação de um lugar
definitivo para seu posicionamento. Atributos como tamanho, data de
publicação, ordem de entrada e suporte são adotados neste caso para
atender aos objetivos de economia de espaço ou conservação da materia-
lidade dos documentos.
Nos sistemas de localização relativa, a posição do documento no
arranjo tem em vista sua relação com os demais documentos; novos docu-
mentos são incorporados sem que ocorra alteração da estrutura, mas não
há um lugar fixo para o documento. Neste tipo de sistema de localização,
os documentos são agrupados segundo classes e subclasses, ou seja, se-
gundo uma estrutura que responda pela função comunicativa do arranjo.
Para as subclasses, são estabelecidos critérios secundários que determinam
o modo como os documentos são dispostos dentro das classes. Trata-se da
ordenação segundo o método classificatório. A localização relativa fomenta
a navegação espacial, motivo pelo qual é no mais das vezes considerada a
mais adequada para instituições em que há livre acesso às estantes.
Cristina Dotta Ortega
236
Como podemos constatar, os sistemas de localização decorrem do
uso dos métodos de ordenação – cronológico, alfabético e classificatório –
para a alocação dos documentos de maneira fixa ou relativa.
Ao menos dois modelos de ordenação de documentos merecem ser
tratados aqui, segundo nossas pesquisas: o número de chamada e o pla-
no de ordenação. A distinção desses modelos chama a atenção por seus
referenciais culturais próprios, que conduziram a arranjos segundo vieses
particulares e priorização de funcionalidades diferentes. Silva realizou sua
formação acadêmica (Silva, 2016 e 2022), e vem desenvolvendo suas ati-
vidades de pesquisa, sobre o tema da ordenação, demonstrando as parti-
cularidades técnicas e especificidades culturais destes dois modelos, como
tratamos a seguir.
Na tradição anglo-americana, o número de chamada (call number)
ganhou destaque como modelo de ordenação de documentos. Como siste-
ma de localização relativa, o número de chamada é um conjunto de símbo-
los representativos do documento, construído a partir de sistemas e tabelas,
conduzindo ao agrupamento de documentos semelhantes de acordo com
um critério escolhido, assim como à individualização de cada documento
da coleção.
Silva (2016) afirma que, inicialmente, os elementos do número de
chamada foram propostos por Schwartz, Cutter, Dewey, Brown e Bliss, en-
tre meados do século XIX e início do século XX. No entanto, os princípios
e a estrutura do número de chamada foram sistematizados pelo bibliotecá-
rio indiano S. R. Ranganathan, aproximadamente por volta da década de
1930. O modelo explicitado pelo autor estabelece a ligação entre três ele-
mentos, na seguinte sequência: o número de coleção (collection number),
de uso facultativo, o número de classe (class number) e o número do livro
(book number).
Para a elaboração do número do livro, com base em critérios alfabé-
ticos, como a autoria e o título, tornou-se bastante frequente, no contexto
brasileiro, a composição da notação de autor com o uso de tabelas como
Organizar para socializar:
a função social da mediação documentária
237
a Cutter, a Cutter-Sanborn e a PHA, esta última elaborada para sobreno-
mes brasileiros mais comuns. A fim de distinguir documentos em que o
número de classe e a notação de autor são idênticos, utiliza-se a marca da
obra, sendo comum o emprego de atributos como ano de publicação, or-
dem de entrada, título, número de edição, dentre outros. Desta maneira,
o número do livro é composto pela notação de autor e pela marca de obra
e exerce a função de individualizar documentos de uma mesma classe, ou
seja, aqueles documentos que receberam o mesmo número de classe, sendo
agrupados por ele. Os dois principais elementos do número de chamada,
portanto, funcionam da seguinte maneira: enquanto o número de classe
agrupa documentos, o número de livro individualiza os documentos de
cada grupo.
O indiano Satija (1990, citado por Silva, 2016), estudioso de desta-
que do número do livro, coloca em questão a abordagem pouco adequada
que se faz sobre os sistemas de classificação bibliográfica, a qual acaba por
obscurecer seu papel e diminuir sua relevância. Para ele, o trabalho com os
sistemas de classificação bibliográfica sem uma interlocução com a ordena-
ção de documentos confere função restritiva e vaga a estes sistemas.
Segundo temos reiterado neste livro, para que uma estrutura fun-
cione, todos os seus elementos devem ser igualmente considerados por
si mesmos e em relação um com o outro. Dessa maneira, deve-se atentar
para a produção do número de classe e do número do livro e para a relação
entre eles.
Um outro modelo relevante de ordenação de documentos é o pla-
no de ordenação (plan de classement, no original). Esse modelo, de matriz
francesa, contempla um mapa estruturado produzido localmente para a
disposição espacial da coleção, a partir do qual as funções da ordenação
são realizadas.
Em nossas pesquisas individuais e coletivas, o plano de ordenação
foi inicialmente sistematizado e publicado em Ortega; Silva (2013) e
revisado em Ortega (2013a). Posteriormente, Silva (2022, p. 155-158)
Cristina Dotta Ortega
238
estudou o modelo, incluindo algumas de suas várias aplicações, como
tratamos a seguir.
Silva explica que no plano de ordenação são estabelecidas diretrizes,
a partir das quais são definidas as cotas (cotes) e é elaborado o manual de
cotação (manuel de cotation). As cotas são um conjunto de símbolos que
determinam o lugar ocupado por cada documento na coleção, a partir de
uma proposta de arranjo. Cada cota deve funcionar como vetor de apro-
priação das coleções pelo público.
Segundo Silva (2022), o plano de ordenação surgiu com a expe-
riência da Bibliothèque Publique d’Information (BPI), do Centre Georges
Pompidou, em Paris, na França. Desde a criação da BPI, em 1977, a ati-
vidade de atribuição das cotas foi realizada como um processo pós-de-
terminado, a partir da CDU, gerando uma multiplicidade de cotas sem
controle. Devido à grande quantidade de documentos disponíveis para
acesso livre, essa multiplicidade de cotas passou a dificultar a exploração
das coleções.
É nesse contexto, continua Silva (2022), que a BPI, no decorrer da
década de 1980, deu início ao sistema de cotas validadas (cotes validées),
sistema em que um documento só pode receber uma cota que esteja pre-
viamente autorizada.
Para funcionalidade do sistema, uma lista de cotas validadas é elabo-
rada localmente e disponibilizada para que seja utilizada como guia pelos
profissionais. A lista de cotas validadas deve ser estável, mas pode ser am-
pliada e revisada em conformidade com as demandas institucionais.
A lista das cotas validadas, seguidas de notas de uso, como remissivas
e explicações quanto à sua aplicação, constituem o manual de cotação.
Silva (2022) cita Caraco (2010, p. 63), para quem o manual de cotação
constitui uma referência unificada para todos os profissionais envolvidos
no processo, haja vista que ele é utilizado pela equipe para ordenar os do-
cumentos de forma mais rápida e homogênea ao longo do tempo. Segundo
Caraco, o manual possui ainda outros usos, como esquema para a sinaliza-
Organizar para socializar:
a função social da mediação documentária
239
ção nas prateleiras, ferramenta para inventários e desbastes e produção de
listas bibliográficas sobre assuntos relacionados.
A distinção entre a produção de cotas validadas e a produção de
códigos de localização a partir de sistemas de classificação bibliográfica é
questão a destacar. Os códigos de localização são elaborados segundo a
estrutura de um sistema de classificação bibliográfica a partir de um docu-
mento em mãos. De outra maneira, cada cota validada é produzida como
uma unidade de representação que compõe um conjunto de unidades pro-
posto previamente para responder ao arranjo de uma coleção específica.
Como explica Silva, uma cota validada não pode ser criada por determina-
ção contingencial de um profissional, mas sim construída e, depois, sele-
cionada, em função da proposta de acesso à coleção como um todo.
Com relação à experiência da BPI sobre as cotas validadas, Silva
(2022) apresenta as reflexões de Calenge (1994). Para Calenge, era neces-
sário pensar as coleções a partir de um olhar que considerasse, ao mesmo
tempo, sua dimensão material e sua dimensão intelectual. Dessa maneira,
ele fundamenta a proposição das cotas validadas ao questionar a determi-
nação da cota de um documento em função apenas dele mesmo, e não em
função da coleção.
O plano de ordenação é uma construção local que inclui elemen-
tos específicos, como os critérios adotados e as listas de códigos, predeter-
minando a organização do espaço documental. Calenge (2009, p. 191)
menciona o quadro de ordenação (cadre de classement, no original) que
seria uma espécie de arquitetura geral que orienta o plano de ordenação,
sem apresentar suas codificações e instruções. Para Calenge (2009, p. 15,
citado por Ortega, Silva, Santos, M., 2016, p. 18), o plano de ordenação
resulta do agrupamento de documentos por meio da produção de cotas,
elaboradas de modo estruturado, segundo as massas documentais em jogo,
os públicos em causa e os limites do espaço. O documento final represen-
ta a formalização do sistema de endereçamento físico dos documentos.
Segundo o autor, o plano de ordenação é uma ferramenta que torna visível
Cristina Dotta Ortega
240
a política documentária produzida para um público específico, ao mesmo
tempo em que se configura como ferramenta de gestão, que permite à
equipe de trabalho “adaptar-se, discutir e contestar”. Calenge é, segundo
observamos, um dos principais autores sobre o plano de ordenação.
Como podemos ver, o plano de ordenação é produzido a partir de
um mapeamento elaborado previamente segundo as especificidades locais
relativas a documentos e públicos, por este motivo, permitindo também
a gestão da coleção. Verón (1989), que analisou a ordenação de docu-
mentos em bibliotecas francesas, afirma que a disposição de coleções em
um dado espaço pressupõe uma hipótese sobre o usuário, seus interesses
e expectativas.
Como um dos resultados da reflexão sobre o modelo, Silva (2022)
entende que, se o plano de ordenação dá relevo ao processo, faltam a ele
desenvolvimentos em termos de sua operacionalização final. Para ela, o
plano de ordenação se configura como modelo que fornece diretrizes à
formação da estrutura de classes para o arranjo, mas não como solução
replicável, já que não apresenta modos de individualização dos documen-
tos do arranjo.
No entanto, afirma Silva, há muitas publicações de planos de or-
denação produzidos e aplicados por instituições francesas, nos quais são
apresentadas a estrutura de classes, as cotas validadas, acompanhadas das
notas de uso, e algumas indicações acerca das estratégias de individualiza-
ção dos documentos. Nestes relatos, Silva identificou a predominância da
menção nominal, seguida das iniciais do título da obra, como recurso de
individualização dos documentos dentro das classes. Ela identificou tam-
bém iniciativas, como a formação de coleções paralelas à coleção principal
e a construção de corpus d’auteur (corpus de autor) como estratégia para a
reunião da obra de autores prolíficos. Como se pode constatar, nesses re-
latos, observa-se a forte presença de soluções institucionais, que incluem a
atividade de reordenação de coleções, tendo em vista sua gestão eficiente e
usos mais adequados e atrativos para os usuários.
Organizar para socializar:
a função social da mediação documentária
241
Frente a esta literatura, Silva (2022) conclui que o plano de orde-
nação coloca o processo de ordenação em estreita relação com o desen-
volvimento de coleções e os mecanismos de planificação e sinalização dos
espaços, relação essa que se constrói segundo a particularidade de cada ins-
tituição. Sendo assim, quanto às funções do processo de ordenação apre-
sentadas anteriormente, Silva ressalta no plano de ordenação as funções
de gestão e de modo de leitura, em particular esta última, por evidenciar a
função mediadora do processo. Considerando a posição da autora de que,
no plano de ordenação, não se prioriza uma solução prévia para a indivi-
dualização dos documentos na coleção, podemos dizer que a função de
localização não recebe destaque nesse modelo, ao mesmo tempo em que
soluções universais não compõem o pensamento que o sustenta.
De fato, os planos de ordenação franceses, e outros modelos adota-
dos na França, destacam-se por serem voltados às especificidades institu-
cionais. Mas os contextos documentários locais não são uma concepção
nova, como mencionamos ao tratar da realidade francesa. Nesse sentido,
Silva (2022, p. 153) apresenta a seguinte citação do início do século XX:
pensamos somente em deixar que cada biblioteca encontre sua própria
ordenação, e não cuidar de reformar a ordem para que sejam todas iguais.
A melhor ordem vem rapidamente quando a ordem não vem de cima
(Morel, 1908, p. 227). Da mesma maneira, a despeito de o plano de or-
denação ter ganhado destaque com a proposta de reordenação da BPI do
Centre Georges Pompidou na década de 1980, os termos e os conceitos ope-
ratórios que o sustentam remontam há um século, como é o caso do qua-
dro de ordenação, mencionado por Crozet (1931) e Delisle (1910) (citado
por Silva; Ortega, 2017, p. 612) e definido na atualidade por Calenge,
como indicamos acima.
Tratamos de dois modelos de ordenação de documentos: o número
de chamada e o plano de ordenação. Modelos são propostas gerais a se-
rem aplicadas na resolução de demandas específicas. Como dissemos an-
teriormente, para Calenge (1998, p. 17), um modelo fornece um quadro
de análise formalizada. Dessa maneira, é preciso distinguir os diversos
Cristina Dotta Ortega
242
modelos adotados para ordenação (ou para a organização da informação
como um todo) e as aplicações desses modelos. As aplicações demons-
tram não apenas a flexibilidade dos modelos como as particularidades
dos contextos documentários.
Exemplo de estudo sobre aplicações de modelos é o realizado por
Carvalho (2020). Colocando em questão a mediação documentária em
bibliotecas escolares, Carvalho discorreu de maneira ampla sobre o pro-
cesso de ordenação de documentos, ressaltando a espacialização e a sinali-
zação, e avaliou literatura em que arranjos aplicados a essas bibliotecas são
relatados. O levantamento final realizado em bases de dados obteve 129
documentos com relatos de produção de arranjos em bibliotecas escolares.
Mesmo sem recorte temporal, o levantamento resultou em material pro-
duzido desde a década de 1960, sendo a maior parte dos documentos de
período posterior aos anos 2000, e o limite da pesquisa o ano de 2018. Em
sua maioria, os documentos identificados eram oriundos de países em que
o inglês é o idioma oficial. Muito provavelmente por este motivo, foram
identificados relatos que tinham como referência principal o número de
chamada e a CDD, adotando, de alguma maneira, esse modelo, com uso
desse sistema de classificação bibliográfica, ou realizando algum tipo de
adaptação. Quanto a essas aplicações, o autor observou que o processo de
ordenação de documentos foi comumente abordado de modo fragmenta-
do, o que ele constatou a partir das denominações utilizadas e das funções
atribuídas. Ao mesmo tempo, ele identificou que os aspectos relativos à
constituição espacial da biblioteca foram trabalhados de modo mais com-
pleto, por se considerar a relevância do espaço na oferta de sentidos aos
sujeitos da biblioteca escolar.
No estudo de Carvalho, observamos alguns aspectos recorrentes no
uso do número de chamada, com adoção da CDD, em função de ele ser
considerado referência para a ordenação de documentos. A despeito de
o número de chamada ser abordado como referência universal, importa
considerar que, independentemente de as aplicações serem mais ou menos
Organizar para socializar:
a função social da mediação documentária
243
elaboradas, um modelo nunca se reflete por completo e tal qual em uma
dada aplicação concreta.
Anteriormente, propusemos categorias fundamentais de organiza-
ção da informação, as quais enunciamos como níveis de manifestação de
seus processos (Quadro 4). Especificamente, quanto ao processo de orde-
nação, identificamos características sobre as quais discorremos por serem
explicativas do processo. No Quadro 11, a seguir, apresentamos essas ca-
racterísticas, que abordamos como dimensões do processo de ordenação:
Quadro 11 – Dimensões do processo de ordenação e seus elementos
componentes
dimensões do processo de ordenação elementos componentes
tipológica
documentos
metadados de documentos
funcional
modo de leitura da coleção
localização dos documentos da coleção
gestão da coleção
metodológica
métodos:
- cronológico
- alfabético
- classificatório
derivações:
- sistema de localização fixa
- sistema de localização relativa
segundo modelos
número de chamada
plano de ordenação
outros modelos
aplicada
modelos aplicados
outras aplicações
Fonte: Baseado em Ortega; Silva; Santos, M. (2016) e Silva (2022).
Sobre o processo de ordenação, é interessante que sistematizemos
algumas questões pendentes, como segue.
Cristina Dotta Ortega
244
A principal delas é a sua aparente falta de contemporaneidade. Em
grande medida, essa percepção ocorre por se considerar apenas a ordena-
ção de documentos não eletrônicos e por se entender que eles estariam em
extinção. No entanto, consideramos que existirão coleções de documentos
sob suportes não eletrônicos por tempo suficiente que justifique seus estu-
dos e aplicações. Além disso, demonstramos que, desde sua origem, a orde-
nação não se fez apenas sobre documentos, mas sobre suas representações
– a ordenação de metadados de documentos –, e esse tipo de ordenação
continuou no meio eletrônico, ainda que muitas vezes sob formas pouco
exploradas quanto a sua anterioridade conceitual e procedimental.
Outra questão é a de que não há reconhecimento amplo sobre a
diversidade de métodos (cronológico, alfabético e classificatório), atribuin-
do-se a ordenação unicamente à classificação, a qual seria uma operação
de representação temática, portanto realizada apenas sobre os assuntos dos
documentos e não sobre outros atributos. Dessa maneira, problematiza-
mos o papel da classificação bibliográfica em relação à ordenação em Silva;
Ortega (2022), mas este estudo foi realizado de maneira mais aprofundada
na tese de doutorado de Silva (2022). Essa problematização demanda a
retomada e continuação da discussão sobre o tipo de linguagem documen-
tária que responde pela ordenação classificatória, a exemplo da proposta
de Gardin, de 1966, que mencionamos. As ideias de Gardin foram depois
amplamente discutidas e desenvolvidas pelo Grupo Temma, da USP, a que
já nos referimos. Nesta linha de estudos, em outra publicação (Ortega,
2015b), tratamos dos tipos de linguagem documentária e o que os ca-
racteriza, explorando fundamentos linguísticos que permitem sustentar a
ordenação classificatória.
Uma última questão a problematizar é a compreensão de que o
número de chamada seja solução universal para a realização da ordena-
ção de documentos (principalmente em bibliotecas), a despeito das várias
adaptações do modelo ou de sua não adoção, a depender dos contextos
documentários em causa. Ainda que esse olhar universalizante sobre o
modelo seja predominante no Brasil, o número de chamada não foi com-
Organizar para socializar:
a função social da mediação documentária
245
pletamente apropriado no país, e, em parte foi desvirtuado, pois não se
considerou a terminologia que permite compreendê-lo e operacionalizá-
-lo como uma estrutura que responde por uma função. Igualmente, em
nossa primeira publicação sobre o tema (Ortega; Silva; Santos, M., 2016),
reforçamos a terminologia incompleta adotada no Brasil para os elemen-
tos constituintes do número de chamada, ao optarmos pelos termos nú-
mero de classificação e notação de autor. O problema posto é o de que a
notação de autor é apenas uma parte do número do livro, portanto, ado-
tar apenas essa notação induz a que o número do livro não seja considera-
do em toda sua dimensão, comprometendo sua especificidade funcional
e a do número de chamada como um todo. Assim, podemos dizer que
há uma inadequação no uso do termo notação de autor no Brasil. De
outra maneira, na literatura internacional sobre número de chamada, há
variação terminológica, junto a certo grau de estabilidade, o que permite
a compreensão do modelo; há também, nesta literatura, muitas críticas e
propostas a respeito da terminologia.
Tendo em conta tanto bases de dados quanto arranjos, finalizamos
como segue.
Como vimos, todo produto da organização da informação possui
um arranjo, produzido a priori, como um índice de busca de uma base de
dados, ou a posteriori, como uma listagem de registros resultante de uma
busca em base de dados, ou é o próprio arranjo, como documentos orde-
nados em uma biblioteca, ou documentos eletrônicos ordenados igual-
mente como um sistema de informação. Dessa maneira, bases de dados e
arranjos podem ser abordados de maneira independente, mas não se pode
considerar as bases de dados sem os arranjos que fazem parte delas ou delas
decorrem por seu uso.
Por sua vez, muitos arranjos são produzidos de modo articulado a
uma base de dados: após a navegação pelo arranjo e a seleção de um regis-
tro de interesse pelo usuário, o sistema oferece a opção de acesso direto ao
Cristina Dotta Ortega
246
registro na base de dados, em geral, mais completo que aquele que compõe
o arranjo.
Quanto à literatura que discorre sobre bases de dados e sobre arran-
jos, identificamos diferenças significativas nas pesquisas que realizamos até
o momento.
A literatura sobre bases de dados é mais extensa e contínua, embora
predomine atualmente os estudos denominados Catalogação, marcados
historicamente pela orientação estadunidense de produção de catálogos
de bibliotecas e suas normas. Em função do viés normativo, essa litera-
tura não é suficientemente generalizante, no que tange à fundamentação
do registro de uma base de dados, assim como quanto à caracterização e
funcionalidade dos índices. Além disso, nessa literatura, desconsidera-se
os avanços realizados com a produção de bibliografias (desde as de caráter
erudito) e, depois, com a produção dos sistemas de informação científica,
como aqueles sistematizados pelo UNISIST.
Quanto à literatura sobre ordenação, caracterizá-la demanda primei-
ro indicar de qual aspecto se está tratando (tipo e modelo, principalmen-
te). A ordenação de documentos, por exemplo, é muito mais explorada na
literatura que a ordenação de metadados de documentos.
Essa diferença é tal que propusemos o termo ordenação de metada-
dos de documentos, pois não havia um disponível para nomear o processo:
quando um conceito não está estabelecido, essa situação se reflete na au-
sência ou na frágil presença de um termo ou de termos que o represente.
Identificamos o conceito na antiga literatura que se debruça sobre o ar-
ranjo das fichas catalográficas e das bibliografias. Depois disso, o conceito
surge difuso: ou não é tratado de maneira abstrata ou são feitas abstrações
que não remetem à sua historicidade, muitas vezes, refazendo caminhos já
percorridos sem conhecimento do fato, ou fazendo novos caminhos com
maior ou menor nível de elaboração.
Mas, mesmo a ordenação de documentos se divide na literatura en-
tre aquela que decorreu no número de chamada (e pouco se desenvolveu
Organizar para socializar:
a função social da mediação documentária
247
nas últimas décadas, por se entender que o modelo posto já teria resolvi-
do a demanda) e aquela pautada pelo plano de ordenação (construída e
continuada no tempo de maneira relativamente coerente em termos de
conceitos e de aplicações). Esse cenário aponta para as visões particula-
res que caracterizam o mundo estadunidense (originalmente, anglo-a-
mericano) e aquelas que identificam o mundo europeu, em especial, o
francês, como demonstram nossas pesquisas individuais e coletivas, não
apenas sobre este tema.
Por fim, podemos dizer que bases de dados e arranjos são disposi-
tivos documentários distintos em termos das possibilidades de mediação
que permitem realizar. Um dispositivo documentário não pode – por si
mesmo – ser considerado melhor que outro. A preferência por uma base de
dados ou por um arranjo pode ocorrer apenas se levadas em conta as situ-
ações em que a aplicação de um deles indicar resultados mais satisfatórios
que a aplicação do outro. Para tanto, devem ser observados aspectos dos
documentos, como quantidade e tipos, e do público, como especializado
ou de conhecimento geral, entre outros. Em várias situações pode ser in-
teressante oferecer ao público tanto arranjos como bases de dados, inter-
ligados ou não, de maneira que um complemente o outro como recursos
de mediação que usuários podem fazer uso em suas vivências pelo mundo
informacional organizado.
248
249
E   :
    

Discorremos sobre a história e a epistemologia das ações de me-
diação documentária em abordagem bibliográfica, tomando como foco a
força motriz dessas ações: a organização da informação. A mediação do-
cumentária, impulsionada por processos de organização da informação, é
realizada pela produção de camadas de significação sobre objetos, segundo
um público determinado, visando uso qualificado da informação.
A literatura selecionada e sistematizada nesse livro é hoje subesti-
mada. No entanto, nem sempre se trata propriamente de subestimação:
podemos dizer que essa literatura é cada vez menos conhecida. Esse cenário
tem contribuído para a descontinuidade de pesquisas sobre os temas e os
problemas que apresentamos, conduzindo ao seu apagamento.
A literatura mencionada foi sendo relegada continuamente em
grande medida por ser adjetivada como técnica. Em geral, a caracterização
de algo como técnico remete à ausência de cientificidade, ou seja, de refle-
xões teóricas, o que pode ser melhor contemplado pelo adjetivo 'tecnicis-
ta'. No entanto, as falas sobre técnica, que identificamos, são comumente
adotadas com intenção desqualificadora, no sentido do pensamento frag-
mentado e opositivo de que tratamos no primeiro capítulo.
Cristina Dotta Ortega
250
A despeito desse pensamento fragmentado, tratamos das disciplinas
Biblioteconomia, Bibliografia e Documentação, em função da unidade
epistemológica que lhes é subjacente, pois elas se desenvolveram uma em
relação à outra, em torno dos mesmos interesses. Nesse sentido, é que as
ideias de Otlet foram continuamente apresentadas: são ideias orientadas
a essa unidade epistemológica, que agregam a abordagem documentária
arquivística e museológica à abordagem documentária bibliográfica que
buscamos elaborar no livro.
O pensamento fragmentado e opositivo a que nos referimos foi
construído marcadamente na primeira metade do século XX por autores
que enfatizaram a dicotomia entre Biblioteconomia e Documentação, já
em um processo de desconsideração da Bibliografia. Em uma visão parcial
e enviesada que tomou a Biblioteconomia como voltada à educação e à
cultura das massas, enquanto a Documentação seria vocacionada aos ser-
viços de informação especializada, concepção desintegrada do campo foi
sendo naturalizada e ganhando adeptos.
Em seguida, a urgência por estudos e aplicações que respondessem às
demandas por informação especializada de cunho técnico-científico, com
uso de computadores, conduziu a um discurso universalizante sobre infor-
mação. A caracterização desse discurso sobre informação como universa-
lizante se deve à pretensão expressa de abarcamento de todas as questões
relacionadas à informação. Como discurso difuso, ele surgiu a-historiciza-
do e, por sua vez, anacrônico, o que lhe deixou à falta desde sua origem de
um quadro explicativo coerente e consistente. Talvez por possibilitar que
conteúdos tão diversos fossem abarcados, portanto, contemplando pesqui-
sadores de praticamente todas as áreas, esse discurso genérico sobre infor-
mação tenha se tornado predominante.
Esse movimento contou com perda de foco e especificidade cau-
sada pela diversidade de pesquisas, as quais, independentemente de sua
qualidade e profundidade, apontam para temas e problemas, de tal modo
distintos, que eles não podem se alimentar uns aos outros.
Organizar para socializar:
a função social da mediação documentária
251
Os problemas apresentados conduzem a alto custo social, afetando a
capacidade de trabalho das instituições de ensino e pesquisa, assim como
as condições para o exercício avançado da prática profissional.
Alto custo social é a principal motivação para a produção deste livro.
Sob essa perspectiva, faz-se necessário retomar o conhecimento do
campo das ações de mediação documentária em abordagem bibliográfica,
tendo em vista uma função social que urge por ser cumprida de maneira
ampla e fundamentada.
252
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270
271
B  A
Cristina Dotta Ortega é professora na Escola de Ciência da
Informação (ECI) da UFMG e credenciada no Programa de Pós-Graduação
em Ciência da Informação (PPGCI), da Escola de Comunicações e Artes
(ECA) da USP.
Cursou a Graduação em Biblioteconomia na ECA/USP, onde tam-
bém realizou o mestrado e doutorado no PPGCI. Desenvolveu dois está-
gios pós-doutorais, um no PPGCI da Universidade Federal Fluminense
(UFF) e o outro no PPGCI da Universidade Estadual Paulista (UNESP).
É Bolsista de Produtividade em Pesquisa 2, do CNPq.
Possui experiência profissional em produção e gestão de bases de
dados e de tesauros orientados a contextos institucionais.
É membro da ABECIN - Associação Brasileira de Educação em
Ciência da Informação e da ISKO - International Society for Knowledge
Organization. Atuou na ANCIB - Associação Nacional de Pesquisa e Pós-
Graduação em Ciência da Informação como coordenadora adjunta do
GT1 - Estudos Históricos e Epistemológicos da Ciência da Informação
no ano de 2019.
Cristina Dotta Ortega
272
Foi membro do Grupo Temma, da USP, de 2014 a 2017, quando
ocorreu sua extinção. Coordena o grupo de pesquisa Fundamentos teóri-
cos, metodológicos e históricos da Organização da Informação, da UFMG,
registrado no CNPq.
Desenvolve pesquisas sobre Organização da Informação, explorando
fundamentos e metodologias sob o aporte dos estudos da linguagem e sua
constituição histórica. De maneira relacionada, pesquisa a epistemologia do
campo, que denomina como campo das ações de mediação documentária
em abordagem bibliográfica, investigando o conceito de documento como
produto dessas ações, na perspectiva da Bibliografia, da Biblioteconomia e
da Documentação e das relações construídas entre estas disciplinas.
E-mail de contato: ortega@eci.ufmg.br
cAtALogAção nA pubLicAção (cip)
Telma Jaqueline Dias Silveira
CRB 8/7867
normALizAção
Maria Elisa Valentim Pickler Nicolino
CRB - 8/8292
cApA e diAgrAmAção
Gláucio Rogério de Morais
produção gráficA
Giancarlo Malheiro Silva
Gláucio Rogério de Morais
AssessoriA técnicA
Renato Geraldi
oficinA universitáriA
Laboratório Editorial
labeditorial.marilia@unesp.br
formAto
16 x 23cm
tipoLogiA
Adobe Garamond Pro
2024
sobre o Livro
Este livro trata do caráter mediacio-
nal da organização da informação.
A organização da informação é
composta por processos que são parte do
conjunto das ações de mediação entre
documentos e públicos, cujo objetivo é o
de produzir condições para a apropriação
da informação por estes. Denominadas,
de modo mais apropriado, de ações de
mediação documentária (no nosso caso,
em abordagem bibliográfica), elas são o
eixo do campo de nosso estudo.
Essas ações referem-se à produção
de mensagens organizadas sistemica-
mente sobre objetos e seus mecanismos
de navegação e busca, que são mobiliza-
das pela produção e oferta de produtos,
serviços e demais atividades, potenciali-
zando seu acesso e uso.
Estamos falando, portanto, do
conhecimento fundamental que permite
o compartilhamento da informação.
Trata-se do conhecimento relativo às
formas de compartilhar informações
pertinentes às realidades de pessoas envol-
vidas em atividades as mais diversas.
Assim, o campo de conhecimento
que nos ocupa justifica-se por fomentar a
socialização da informação.
É preciso organizar para socializar.
Ou seja, se para socializar a informação,
antes é preciso organizá-la, organização
da informação é tema a ser pesquisado e
aprofundado. É assunto necessário, dada
a relevante função social que exerce.
para socializar:
a função social da mediação
documentária
C D O
Organizar para socializar: a função social da mediação documentária
C D O
Organizar
Neste livro, nos propomos a explorar e sistemati-
zar o conhecimento fundamental da organização da
informação.
A organização da informação é composta por
processos que são parte do conjunto das ações de
mediação entre documentos e públicos, cujo objeti-
vo é o de produzir condições para a apropriação
da informação por estes. Essas ações referem-se à
produção de mensagens organizadas sistemicamente
sobre objetos e seus mecanismos de navegação e
busca, que são mobilizadas pela produção e oferta
de produtos, serviços e demais atividades, potencia-
lizando seu acesso e uso. Denominadas – de modo
mais apropriado – de ações de mediação documen-
tária, elas são o eixo do campo de nosso estudo.
A comunicação com o público – tornada possível
por essas ações de mediação – é que permite que
a apropriação da informação por cada indivíduo se
efetive.
A mediação documentária – tendo em vista sua
função social singular – permite explicitar a especi-
ficidade do campo, ao demonstrá-lo em sua integra-
lidade, portanto, de forma coerente e consistente.
Processo CNPq: 313039/2021-6