Educação do Campo,
Soberania Alimentar e
Agroecologia:
o papel das tecnologias
sociais no fortalecimento das
comunidades locais
Silvia Aparecida de Sousa Fernandes
Bernardo Mançano Fernandes
Davis Gruber Sansolo
(Organizadores)
LUTAS ANTICAPITAL
Educação do Campo,
Soberania Alimentar
e Agroecologia:
o papel das tecnologias
sociais no fortalecimento
das comunidades locais
Marília/Oficina Universitária
São Paulo/Cultura Acadêmica
2023
S A  S F
B M F
D G S
(O)
Educação do Campo,
Soberania Alimentar
e Agroecologia:
o papel das tecnologias
sociais no fortalecimento
das comunidades locais
Editora afiliada:
Cultura Acadêmica é selo editorial da Editora UNESP
Oficina Universitária é selo editorial da UNESP - campus de Marília
Copyright © 2023, Faculdade de Filosofia e Ciências
Ficha catalográfica
E24 Educação do campo, soberania alimentar e agroecologia : o papel das tecnologias sociais no fortalecimento
das comunidades locais / Silvia Aparecida de Sousa Fernandes, Bernardo Mançano Fernandes, Davis
Gruber Sansolo (organizadores). – Marília : Oficina Universitária ; São Paulo : Cultura Acadêmica,
2023.
285 p. : il.
Coeditora: Lutas Anticapital
Inclui bibliografia
ISBN (Digital)
ISBN (Impresso)
DOI
1. Soberania alimentar. 2. Política alimentar. 3. Ecologia agrícola. 4. Educação do campo. 5. Tecnologias
sociais. I. Fernandes, Silvia Aparecida de Sousa. II. Fernandes, Bernardo Mançano. III. Sansolo, Davis
Gruber.
CDD 363.8
Telma Jaqueline Dias Silveira –Bibliotecária – CRB 8/7867
Imagem capa:
Este trabalho está licenciado sob uma licença Creative Commons Attribution-NonCommercial-
NoDerivatives 4.0 International License.
UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA
"JÚLIO DE MESQUITA FILHO"
Campus de Marília
Diretor
Prof. Dr. Marcelo Tavella Navega
Vice-Diretor
Prof. Dr. Pedro Geraldo Aparecido Novelli
Conselho Editorial
Mariângela Spotti Lopes Fujita (Presidente)
Adrián Oscar Dongo Montoya
Célia Maria Giacheti
Cláudia Regina Mosca Giroto
Marcelo Fernandes de Oliveira
Marcos Antonio Alves
Neusa Maria Dal Ri
Renato Geraldi (Assessor Técnico)
Rosane Michelli de Castro
Parecerista:
Prof.ª Dr.ª Lia Pinheiro Barbosa
Professora Adjunta I da Universidade Estadual
do Ceará (UECE), no Programa de Pós-
Graduação em Sociologia (PPGS) - Mestrado
Acadêmico Intercampi em Educação e Ensino
(MAIE).
Recursos externos:
Processo CNPq número 442813/2016-3,
no âmbito da Chamada CNPq/MCTIC Nº
016/2016 - SEGURANÇA ALIMENTAR
E NUTRICIONAL NO ÂMBITO DA
UNASUL.
S
P
Lia Pinheiro Barbosa ----------------------------------------------------- 9
A
Silvia Aparecida de Sousa Fernandes; Bernardo Mançano Fernandes;
Davis Gruber Sansolo ----------------------------------------------------- 17
Capítulo 1
Redes de pesquisa, ensino e extensão como estratégia de
fortalecimento das políticas de segurança alimentar e
nutricional no hemisfério Sul
Maria Rita Marques de Oliveira; Milena Cristina Sendão Ferreira;
Lilian Fernanda Galesi Pacheco; Rodrigo Machado Moreira;
Carla Maria Vieira ------------------------------------------------------- 21
Capítulo 2
Reflexiones para la democratzacíón de la ciencia, la tecnología
y la innovación en los sistemas de abastecimiento y distribución
de alimentos
Martha Alicia Cadavid Castro; Julia María Monsalve Álvarez;
Ginna Marcela Rodríguez Casallas; Sara Eloísa Del Castillo Matamoros;
Lina María Vélez Acosta; Diana Patricia Giraldo Ramírez ----------- 59
Capítulo 3
Avaliação das compras de produtos de agricultores familiares
para o programa nacional de alimentação escolar no estado
de São Paulo
José Giacomo Baccarin; Jonatan Alexandre de Oliveira --------------- 83
Capítulo 4
Produção agroecológica e circuitos curtos de produção: tecnologias
sociais que fortalecem a soberania alimentar
Silvia Aparecida de Sousa Fernandes; Paulo Eduardo Teixeira;
Leonardo Moreno Lima Capellanes; Maria Clara Gregório Arcari -- 111
Capítulo 5
Cestas agroecológicas e solidárias raízes do pontal: a extensão
como forma de fortalecimento da relação entre a comunidade
acadêmica e os movimentos sociais de luta pela terra
Gustavo Caique Pereira Negrão; Lucas Souza Silva;
Carlos Alberto Feliciano -------------------------------------------------- 137
Capítulo 6
A feira agroecológica como estratégia de combate ao uso de
agrotóxicos: relatos de experiências
Adriano Pereira dos Santos; Estevan Leopoldo de Freitas Coca;
José Roberto Salvaterra; Leonardo Lencioni Mattos Santos ------------ 151
Capítulo 7
Diseños agroecológicos emergentes en la lucha por la tierra:
los encierros ganaderos comunitarios campesinos en Santiago
del Estero (Argentina)
Andrea Gómez Herrera; Cristián Jara; Raquel Buitrón Vuelta ------- 173
Capítulo 8
O avanço destrutivo do capital e os desafios da agroecologia
socialista
Henrique Tahan Novaes -------------------------------------------------- 201
| 7
Capítulo 9
A construção de sistemas alimentares camponeses em assentamentos
rurais no Rio Grande do Sul
Camila Ferracini Origuéla ----------------------------------------------- 227
Capítulo 10
Do plantio da agroecologia à colheita da segurança alimentar:
o trilhar do NEA Boituva
Flávio Aparecido Pontes; Marcia Satiko Takano Pontes -------------- 247
Sobre oS autoreS -------------------------------------------------------- 269
8 |
| 9
P
O ano de 2020 é um ano que ficará cravado na história mundial e na
memória coletiva devido à presença letal da pandemia causada pelo Sars-
Cov-2, agente etiológico da Covid-19. O contexto da pandemia evidencia
as consequências ambientais e sociais de um modelo de desenvolvimento
alavancado pelos grandes conglomerados de empresas transnacionais,
pautado na expropriação incessante dos bens naturais, em uma produção
agropecuária baseada na transgenia e no monocultivo genético de animais
à base de antibióticos e em condições de confinamento. Conforme
Wallace (2016), todos os vírus infecciosos das últimas décadas estão
muito relacionados com a criação industrial de animais, submetidos à
aplicação permanente de pesticidas para evitar e/ou eliminar outra série
de contaminações ocasionadas pelo próprio confinamento. Esses espaços
confinados são favoráveis à circulação de bactérias e vírus, estes suscetíveis às
mutações que podem culminar em cepas virulentas de alta periculosidade,
não só para a saúde dos animais, mas também para a saúde humana.
Esse modelo produtivo em larga escala se contrapõe à e confronta a
biodiversidade da produção agropecuária de base indígena e camponesa,
ao tempo que ameaça a sustentabilidade da vida no planeta. As hipóteses
em torno à origem do Sars-Cov-2 como um patógeno oriundo das
condições criadas pela produção agropecuária em larga escala, que provoca
Silvia Aparecida de Sousa Fernandes; Bernardo Mançano Fernandes
Davis Gruber Sansolo (Orgs.)
10 |
mudanças na ecologia dos ecossistemas, além da anulação da barreira
imunológica dos animais pela manipulação genética e o uso intensivo de
antibióticos, reforçam os argumentos políticos de movimentos indígenas
e camponeses em torno da proteção do bioma e da defesa da agroecologia
como princípio e projeto político. A súbita chegada da Covid-19 reafirma
essa agenda política, ao demonstrar que se não superarmos esse modelo
de desenvolvimento, cada vez mais estaremos suscetíveis não só de sermos
acometidos por outras (pan)epidemias, como vivenciarmos a morte do
planeta do qual somos parte vital.
É nesse momento histórico que chega a mim o livro “Soberania
Alimentar e Agroecologia: o papel das tecnologias sociais no fortalecimento
das comunidades locais”, uma obra de fôlego, composta por dez capítulos
que dão conta de apresentar às leitoras e aos leitores a relação dialética entre
o projeto de desenvolvimento do capitalismo agrário e seus impactos nos
processos de desterritorialização em decorrência dos conflitos no campo,
no incremento da contaminação ambiental em razão do uso massivo e
intensivo de agrotóxicos, ou ainda de um modelo de desenvolvimento que
criou as condições históricas, entre outras questões, para o surgimento de
vírus, como o Sars-Cov-2. Há de enfatizar que, em meio a essa totalidade
histórica, o livro é um sopro de esperança, de incentivo no fazer cotidiano,
ao tecer a crítica necessária à presença territorial do capital, ao tempo
que apresenta o contraponto da Agroecologia não só como uma matriz
produtiva, mas compreendida como um projeto de desenvolvimento do
território camponês para a conformação da soberania alimentar.
Nessa direção, destaco dois aspectos centrais do livro: 1. A temática
relacionada ao papel das tecnologias sociais no fortalecimento dos caminhos
de construção da agroecologia para uma soberania alimentar no âmbito
das comunidades locais. Trata-se de uma área estratégica fundamental
para a produção de alimentos saudáveis sem agrotóxicos, à manutenção
dos ecossistemas, ao tempo que estimula um desenvolvimento territorial
na perspectiva do campesinato; 2. O fato da coletânea ser resultado de
pesquisas, desenvolvidas com financiamento público em sua maioria, que
articulam uma ampla rede de pesquisadores, estudantes, organizações sociais
e instituições públicas, não só do Brasil, mas de outros países da América
Educação do Campo, Soberania Alimentar e Agroecologia:
o papel das tecnologias sociais no fortalecimento das comunidades locais
| 11
Latina, o que demonstra que as Ciências Humanas e Sociais produzem
conhecimento científico com impacto social e regional, fato que deve ser
reafirmado de forma permanente, sobretudo em um momento histórico
em que não só nos defrontamos com o negacionismo e o anticientificismo,
como com o questionamento do nosso fazer científico, sobretudo aquele
produzido pelas universidades públicas, e nosso papel social perante a
sociedade.
No âmbito dos estudos agrários, uma contribuição significativa
do livro reside em evidenciar o papel das diferentes tecnologias sociais
desenvolvidas à luz de uma concepção territorial de base agroecológica
e camponesa. Nesse sentido, o conjunto dos capítulos apresenta uma
variedade de tecnologias sociais, a exemplo das Feiras Agroecológicas como
uma tecnologia social que reafirma a centralidade da luta pela terra e a
Reforma Agrária como condição imprescindível à produção de alimentos
saudáveis. Na estratégia de sensibilização social, essa tecnologia social é
apresentada tanto em espaços públicos, como as universidades; também
outras tecnologias sociais, como algumas de caráter ancestral, a propósito
da criação de gado em perspectiva comunal-comunitária. Isto significa a
construção de uma base teórico-analítica relacionada ao próprio conceito
de “tecnologia social” associado ao campo dos estudos agrários, o que revela
a emergência de novas abordagens teórico-metodológicas e conceituais na
área em questão, a partir da ação social e política dos diferentes sujeitos do
campo latino-americano.
O livro contém uma variedade de experiências analisadas a
profundidade, desenvolvidas por diferentes sujeitos e expressas de diversas
formas:
a) no âmbito do ensino, pesquisa e extensão, demonstrando o
papel social inerente à universidade, quando esta assume por tarefa
edificar pontes de diálogo entre o fazer científico e a construção
do conhecimento dentro e fora da universidade. Nessa direção, é
louvável o esforço em direção ao diálogo de saberes entre universidade
e camponeses para pensar a agroecologia, a reforma agrária e a
soberania alimentar como um processo histórico de conhecimento e
fortalecimento dos territórios;
Silvia Aparecida de Sousa Fernandes; Bernardo Mançano Fernandes
Davis Gruber Sansolo (Orgs.)
12 |
b) na articulação da universidade com organizações sociais, sobretudo
movimentos sociais do campo, para o desenvolvimento de projetos de
pesquisa e extensão com visas ao fortalecimento de processos sociais
de transição e territorialização da agroecologia, a propósito das Feiras
Culturais Agroecológicas, os quintais produtivos, o fortalecimento
da cultura ganadeira comunal, entre outras experiências analisadas
no livro;
c) na articulação com entidades públicas, notadamente em âmbito
municipal e estadual, sobretudo na assessoria às políticas públicas
vinculadas ao fomento da produção e comercialização de alimentos
saudáveis produzidas pelas famílias camponesas;
d) ao realizar a sistematização de todos esses processos de conformação
de tecnologias sociais, destinadas ao impulso e fortalecimento da
agroecologia em uma perspectiva camponesa e para a defesa do
território camponês.
O capítulo que abre o livro, “Redes de Pesquisa, Ensino e Extensão
como estratégia de fortalecimento das Políticas de Segurança Alimentar
e Nutricional do Hemisfério Sul”, escrito por Maria Rita Marques de
Oliveira, Milena Cristina Sendão Ferreira, Lilian Fernanda Galesi Pacheco,
Rodrigo Machado Moreira e Carla Maria Vieira, apresenta o histórico e
a experiência do INTERSSAN – Centro de Ciência e Tecnologia para
Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional. O INTERSSAN produzir
e difundir conhecimentos relacionados ao Direito Humano à Alimentação,
desenvolvendo ações de promoção da soberania e segurança alimentar
e nutricional, por meio de redes de cooperação com universidades da
América Latina e da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP).
O debate em torno à democratização da ciência e da tecnologia
é o cerne do Capítulo 2, “Reflexiones para la democratización de la
ciencia, la tecnología y la inovación en los sistemas de abastecimiento y
distribución de alimentos”, de autoria de Martha Alicia Cadavid Castro,
Julia María Monsalve Álvarez, Ginna Marcela Rodríguez Casallas, Sara
Eloísa del Castillo Matamoros, Lina María Vélez Acosta e Diana Patricia
Educação do Campo, Soberania Alimentar e Agroecologia:
o papel das tecnologias sociais no fortalecimento das comunidades locais
| 13
Giraldo Ramírez. O argumento das autoras sustenta que, frente o papel
desempenhado pela ciência moderna, de caráter positivista, e de aplicação
dos avanços tecnológicos, científicos e informáticos para o atendimento
das demandas de mercado, emergem propostas alternativas de produção,
distribuição e consumo de alimentos, como expressões plurais e democráticas
de produzir conhecimento a partir dos saberes populares. Para tanto, o
capítulo analisa experiências de caráter coletivo desenvolvidas em cinco
cidades colombianas, quais sejam, Bogotá, Medellín, Pereira, Armenia e
Manizales. Entre os achados da pesquisa desenvolvida em relação à produção,
acesso e apropriação do conhecimento e tecnologia, destacam que há uma
inequidade entre os modelos tradicional e moderno de abastecimento e
distribuição de alimentos. Entretanto, o modelo alternativo, propõe novas
formas de gestão do sistema alimentar, incluindo concepções democráticas
de geração e apropriação do conhecimento e tecnologia, com destaque
para outras formas de apropriação e redistribuição do conhecimento,
em particular entre camponeses e comunidades associados à produção,
distribuição e consumo de alimentos alternativos.
Em “Avaliação das compras de produtos de agricultores familiares
para o Programa Nacional de Alimentação Escolar no estado de São
Paulo”, terceiro capítulo da obra, José Giácomo Baccarin e Jonatan
Alexandre de Oliveira desenvolvem uma proposta de sistematização dos
indicadores que podem ser usados para a aplicação do Artigo 14 da Lei
Federal nº 11.947/2009, conhecida como Lei do PNAE. O capítulo
apresenta uma avaliação inicial da aplicação do Artigo 14 em prefeituras
municipais e na Secretaria Estadual de Educação de São Paulo, sobretudo
com o intuito de averiguar como ocorre a atuação dos gestores públicos
em relação à alimentação escolar. Do mesmo modo, analisam como
acontece a participação dos produtores familiares como fornecedores de
alimentação escolar. O capítulo aponta que há deficiências na execução do
Artigo 14 e que o estímulo para que os agricultores familiares participem
como fornecedores está atrelado ao alcance do PNAE em relação ao seu
quantitativo e renda bruta.
O Capítulo 4, intitulado “Produção agroecológica e venda direta:
Tecnologias Sociais para celebrar a Soberania Alimentar”, escrito por Silvia
Silvia Aparecida de Sousa Fernandes; Bernardo Mançano Fernandes
Davis Gruber Sansolo (Orgs.)
14 |
Aparecida de Sousa Fernandes, Leonardo Moreno Lima Capellanes, Maria
Clara Gregório Arcari e Paulo Eduardo Teixeira visa analisar experiências
de produção e venda direta como Tecnologias Sociais que valorizam
e contribuem para um reconhecimento dos produtores camponeses
como sujeitos sociais, sobretudo por fomentarem uma produção de base
agroecológica e destinada ao fortalecimento da soberania alimentar.
No capítulo 5, “Cestas Agroecológicas e Solidárias Raízes do Pontal:
a extensão como forma de fortalecimento da relação entre comunidade
acadêmica e os movimentos sociais de luta pela terra”, de autoria de
Gustavo Caíque Pereira Negrão, Lucas Souza Silva e Carlos Alberto
Feliciano, é analisado as formas de reprodução do campesinato no Pontal
do Paranapanema, em São Paulo. Para tanto, os autores adentram na
análise das práticas agroecológicas promovidas por um projeto de extensão
universitária como uma proposta alternativa de geração de renda para
famílias camponesas da Associação Regional para a Cooperação Agrícola
(ARCA), do Assentamento Gleba XV de novembro, localizado no
município Euclides da Cunha Paulista.
Na continuidade da reflexão em torno às feiras agroecológicas,
Adriano Pereira dos Santos, Estevan Leopoldo de Freitas Coca, José
Roberto Salvaterra e Leonardo Lencioni Mattos Santos nos apresentam, em
A Feira Agroecológica como estratégia de combate ao uso de agrotóxicos:
relatos de experiências”, sexto capítulo do livro, algumas experiências e
ações do projeto de extensão ‘Fórum de combate ao uso de agrotóxicos
– soberania alimentar e agroecologia na região de Alfenas’. Ancorados na
perspectiva do pensamento agrário crítico, os autores destacam que as
ações de combate ao uso de agrotóxicos desenvolvidas pelo referido projeto
acontecem a partir de três níveis de atuação: 1) pautar e problematizar, no
âmbito das instituições, a necessidade de se pensar a agricultura a partir
da defesa da Reforma Agrária; 2) a promoção de campanhas de combate
ao uso de agrotóxicos nas escolas municipais de Alfenas, Minas Gerais
e 3) conformar espaços de formação para os agricultores no âmbito da
universidade, iniciativa que permite um diálogo de saberes necessário entre
o conhecimento produzido dentro e fora da instituição universitária.
Educação do Campo, Soberania Alimentar e Agroecologia:
o papel das tecnologias sociais no fortalecimento das comunidades locais
| 15
Adentrando a uma segunda experiência oriunda de outro país, no
capítulo 7, “Diseños agroecológicos emergentes en la lucha por la tierra:
los encierros ganaderos comunitarios campesinos en Santiago del Estero
(Argentina)”, escrito por Andrea Gómez Herrera, Cristián Jara y Raquel
Buitrón Vuelta, nos apresentam o contexto de conflitividade no campo
argentino, ao tempo que emergem experiências produtivas e organizativas
inovadoras, desenvolvidas por famílias camponesas de Santiago del Estero.
Nessa direção, o capítulo analisa quatro experiências de criação de gado
comunitária enquanto estratégia de defesa do território, em que a iniciativa
de cercar o campo não corresponde à mercantilização da terra, mas à
reafirmação da lógica comunal e ao uso e gestão dos bens comuns. Os
casos analisados evidenciam um desenho produtivo e organizativo que se
configura sobre a base do potencial endógeno dos agroecossistemas pastoris,
que recuperam a base do saber-fazer das populações rurais, sobretudo de
suas próprias tecnologias sociais.
Em uma perspectiva mais teórica, Henrique Tahan Novaes debate no
Capítulo 8, “O avanço destrutivo do capital e os desafios da agroecologia
socialista”, como a estruturação do capitalismo no campo, especialmente
a partir da inserção do capital transnacional, tem assumido um papel
destruidor e impulsionador de um colapso ambiental. O autor analisa a
questão socioambiental no governo de Jair Messias Bolsonaro, apontando
que a superação dessa lógica destrutiva só é possível se articulada a uma
concepção da agroecologia no campo socialista.
No capítulo 9, “A construção de Sistemas Alimentares Camponeses
em Assentamentos Rurais no Rio Grande do Sul”, de autoria de Camila
Ferracini Origuéla, é analisada a experiência de produção, industrialização
e comercialização de alimentação convencional e agroecológica de
assentamentos rurais de reforma agrária da região metropolitana de Porto
Alegre. A autora destaca os conflitos e contradições desse processo, sobretudo
pelo predomínio de uma concepção de territorialidade capitalista que
interpela o processo de reprodução social da família camponesa, fazendo-a
reproduzir uma territorialidade cada vez mais subordinada à concepção de
território do capital.
Silvia Aparecida de Sousa Fernandes; Bernardo Mançano Fernandes
Davis Gruber Sansolo (Orgs.)
16 |
Para fechar a obra, o capítulo 10, “Do plantio da Agroecologia à
colheita da Soberania Alimentar: o trilhar do NEA Boituva, de Flávio
Aparecido Pontes e Márcia Satiko Takano Pontes apresentam a experiência
de criação do Núcleo de Estudos em Agroecologia e Produção Orgânica
(NEA-Boituva), no Instituto Federal de São Paulo (IFSP). O objetivo do
NEA consiste em tornar-se um Centro de referência para o desenvolvimento
territorial sustentável, a partir dos princípios, conhecimentos e práticas da
agroecologia, da produção orgânica e de base agroecológica.
A coletânea dos capítulos que compõem o livro “Soberania Alimentar
e Agroecologia: o papel das tecnologias sociais no fortalecimento das
comunidades locais” propiciará um frutífero diálogo entre todas e todos
que nos dedicamos a participar e refletir em torno à Agroecologia para
uma soberania alimentar e popular nos territórios camponeses. Conhecer
como se tem erigido experiências de desenvolvimento de tecnologias
sociais para o fortalecimento de processos agroecológicos é de fundamental
importância enquanto área estratégica para o desenvolvimento de nossas
pesquisas. Do mesmo modo, para esperançar os diferentes caminhos do
movimento agroecológico que, em tempos de pandemia, se faz urgente
no anúncio da Agroecologia como utopia revolucionária na defesa dos
territórios, dos seres vivos e dos bens comuns.
Desejo a todas e todos uma excelente leitura!
Fortaleza, 29 de setembro de 2021.
Lia Pinheiro Barbosa
Universidade Estadual do Ceará
Programa de Pós-Graduação em Sociologia/Mestrado Acadêmico
Intercampi em Educação e Ensino
| 17
A
Com imensa alegria apresentamos esta coletânea, resultado de
trabalho coletivo de pesquisa, com a contribuição de pesquisadores do
Brasil e países latino-americanos, dedicados a investigar as políticas
públicas de Soberania Alimentar e Segurança Alimentar, Agroecologia
e Tecnologias socioterritoriais. As pesquisas sobre o tema Soberania
Alimentar e Segurança Alimentar ganham relevo nos anos 1990,
com a manifestação dos movimentos socioterritoriais e socioespaciais
vinculados à Via Campesina e aos documentos da Organização das
Nações Unidas. No atual contexto social, econômico e político, a
temática ganha ainda mais importância devido ao retorno do Brasil
ao mapa da fome mundial e redução das políticas de apoio à produção
camponesa no Brasil. Cortes orçamentários, abandono de políticas
e programas de financiamento à produção e compras públicas de
alimentos, são exemplos do desmanche de políticas engendradas nas
últimas três décadas que tiveram redução nos valores de financiamento
e lutam para permanecer na agenda política nacional.
Com o intuito de contribuir com essas reflexões, mas ao mesmo
tempo, apresentando experiências de comunidades e movimentos
socioterritoriais e socioespaciais em que os modelos não hegemônicos de
produção constituem poderosas tecnologias sociais, apresentamos este
Silvia Aparecida de Sousa Fernandes; Bernardo Mançano Fernandes
Davis Gruber Sansolo (Orgs.)
18 |
livro. Pautada em autores da área de Geografia, mais que tecnologias
sociais, a concepção de Tecnologias Socioterritoriais tem subsidiado
debates e pesquisas no Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento
Territorial na América Latina e Caribe, do Instituto de Políticas Públicas
e Relações Internacionais, valorizando a relação entre os territórios, a
produção camponesa e a relação cidade-campo.
Os dois primeiros capítulos deste livro trazem, em perspectiva
histórica, a trajetória de redes de pesquisa sobre o tema no Brasil e na
Colômbia e os avanços coletivos na construção de pesquisas colaborativas
e pesquisas participantes que tem como foco o papel da Ciência e
Tecnologia em comunidades camponesas e redes de agroecologia. Do
Brasil, os autores analisam pesquisas realizadas pelo Centro de Ciência
e Tecnologia para Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional –
INTERSSAN, da Unesp, reunindo pesquisadores do Brasil, América
Latina e países lusófonos na África.
Um segundo bloco temático é apresentado nos quatro capítulos
seguintes em que a preocupação central é discutir, em diferentes territórios,
o papel da produção e comercialização de alimentos e a articulação com
as políticas públicas. No terceiro capítulo os autores dedicam-se a analisar
a Política Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) e a participação ou
exclusão dos camponeses em tal política. Nos capítulos 4, 5 e 6 os autores
analisam diferentes experiências e propostas de produção e comercialização
em circuitos curtos de produção, problematizando a relação entre as feiras
agroecológicas e a produção em assentamentos da Reforma Agrária.
Por trazerem diferentes experiências, em seu conjunto, configuram um
panorama das tecnologias socioterritoriais desenvolvidas e realizadas por
comunidades em todo o Brasil.
Um terceiro bloco temático é apresentado nos quatro últimos
capítulos deste livro, tendo como foco a Agroecologia. Uma fundamental
análise teórica e prática de agroecossistemas são abordadas analisando
experiências da Argentina e em dois estados brasileiros, no Rio Grande
do Sul e São Paulo. Encerrando este livro, temos, portanto, a reafirmação
de que as experiências agroecológicas são tecnologias socioterritoriais
a serem cada vez mais valorizadas por representarem a resposta dos
Educação do Campo, Soberania Alimentar e Agroecologia:
o papel das tecnologias sociais no fortalecimento das comunidades locais
| 19
movimentos socioterritoriais e socioespaciais, comunidades tradicionais
e movimentos indígenas no enfrentamento dos modelos hegemônicos de
produção do campo.
Agradecemos ao Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia –
CNPq pelo apoio à pesquisa e à publicação deste livro, obtido por meio do
Edital CNPq/MCTI, Edital UNASUL n° 16/2016 - Segurança Alimentar
em países da Unasul, por meio do projeto de pesquisa, ensino e extensão
“Tecnologias Sociais em Segurança Alimentar e Nutricional: vídeo e
fotografia como possibilidade de valorização de saberes em Agroecologia
e Educação do Campo” Processo n° 442813/2016-3. Este livro reúne
resultados de ao menos quatro projetos aprovados no referido edital, o que
revela os esforços dos pesquisadores em dar transparência aos investimentos
em pesquisa científica e tecnológica no país, divulgar resultados de pesquisa
e, deste modo, servir de estímulo à realização de investimentos públicos em
pesquisa e extensão.
Desejamos a todos uma boa leitura,
Silvia Aparecida de Sousa Fernandes
Bernardo Mançano Fernandes
Davis Gruber Sansolo
20 |
| 21
C 1
R  ,  
   
  
   
   S
Maria Rita Marques de Oliveira
Milena Cristina Sendão Ferreira
Lilian Fernanda Galesi Pacheco
Rodrigo Machado Moreira
Carla Maria Vieira
Centro de Ciência e Tecnologia para Soberania e Segurança
Alimentar e Nutricional – INTERSSAN
Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho – UNESP
Tomando como fundamento o Direito Humano à Alimentação
Adequada (DHAA) e como determinante os sistemas alimentares
saudáveis, sustentáveis, justos e inclusivos, apresenta-se o INTERSSAN:
Silvia Aparecida de Sousa Fernandes; Bernardo Mançano Fernandes
Davis Gruber Sansolo (Orgs.)
22 |
Centro de Ciência e Tecnologia para Soberania e Segurança Alimentar
e Nutricional, cujo objetivo é criar cenários favoráveis à produção e
disseminação do conhecimento e à inserção da comunidade acadêmica
nas ações de promoção da soberania e segurança alimentar e nutricional
(SSAN), estabelecendo redes de cooperação com universidades da América
Latina e da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP).
Seus objetivos específicos são: Eixo 1 – Comunicação: a) promover
o uso das tecnologias digitais para o fortalecimento das redes acadêmicas
e sua interlocução com a sociedade civil e o poder público; b) articular
processos de cooperação para a sistematização e a promoção do acesso ao
conhecimento na área da SSAN. Eixo 2 – Processos formativos: a) promover,
coordenar, sistematizar e avaliar experiências de cooperação e co-execução
de formação em nível de pós-graduação e extensão em SSAN; b) criar
ambiente favorável à institucionalização da SSAN no meio acadêmico. Eixo
3 – Pesquisa participante: a) articular e desenvolver pesquisa participante
para fortalecimento da governança e das políticas de segurança alimentar
e nutricional; b) incentivar e divulgar a participação da academia nos
processos de desenvolvimento das tecnologias sociais para a promoção
de sistemas alimentares, saudáveis, sustentáveis, justos e inclusivos. Eixo
4 – Governança das políticas públicas de SSAN: a) promover processos de
governança e a sistematização de ferramentas para facilitar a gestão das
políticas de SSAN.
Apresenta-se um histórico da articulação de pessoas e recursos que
culminaram com a criação do INTERSSAN, que se faz representar por
uma comunidade virtual, fisicamente presente em 40 territórios, conectada
a outras comunidades do Hemisfério Sul, locais e regionais, de saberes e
expertises diversos, vinculadas à academia, cujo ponto de convergência é a
garantia do DHAA.
Como resultados do eixo 1, apresenta-se a articulação e animação do
Grupo Integrador da Pesquisa, Ensino e Extensão em Soberania e Segurança
Alimentar e Nutricional da UNESP, oficialmente institucionalizado
(GISSAN), da Rede SANS: rede de defesa e promoção da alimentação
saudável, adequada e solidária, da Rede Latino-americana de Soberania e
Segurança Alimentar e Nutricional (até 2018, Rede SSAN-UNASUL e o
Educação do Campo, Soberania Alimentar e Agroecologia:
o papel das tecnologias sociais no fortalecimento das comunidades locais
| 23
Mecanismo de Facilitação da Participação das Universidades no Conselho
de Segurança Alimentar e Nutricional da Comunidade dos Países de Língua
Portuguesa (MU-CONSAN-CPLP), mobilizando processos operativos em
meio virtual para fortalecimento das políticas de SSAN no Hemisfério Sul.
Eixo 2: Em decorrência dessas articulações, conforme demanda percebida,
foram elaborados coletivamente e ofertados cursos a distância (extensão e
pós-graduação lato sensu), encontram-se em processo de discussão cursos
de pós-graduação em nível de mestrado em países africanos e foram
desenvolvidas oficinas e atividades presenciais, tanto no Brasil como no
exterior. No total foram contabilizados ao menos 6.000 participantes.
Eixo 3. A pesquisa participante surge como abordagem que contempla
a construção do conhecimento, ao mesmo tempo em que estimula
processos de transformação social e econômica; os cenários são diversos
como é intersetorial e transdisciplinar o tema da SSAN. Caracterizam-se
em processos voltados às tecnologias sociais e de sistemas sociotécnicos.
Vinculados ao INTERSSAN existem 35 pesquisadores situados em 17
grupos acadêmicos de unidades da UNESP que desenvolvem atividades
de pesquisa-ensino-extensão em 40 territórios, conectados com outros
grupos espalhados em universidades do Hemisfério Sul. Eixo 4. Busca
incidir sobre as políticas públicas de SSAN, em especial, no Estado de São
Paulo e Paraná, Brasil (de forma menos difusa), países da América Latina
e de Língua Portuguesa (CPLP). Em destaque o assessoramento ao Plano
Estadual de Segurança Alimentar e Nutricional em São Paulo e o Plano de
Trabalho das Universidades junto à CPLP.
Essa proposta é inovadora na forma de articular, integrar e
envolver pessoas e recursos, atende uma das mais importantes agendas do
desenvolvimento social e econômico dos países do Hemisfério Sul, produz
resultados de advocacy junto às políticas e melhora a vida das pessoas nas
comunidades/territórios onde os projetos são desenvolvidos e, ao mesmo
tempo, é estruturante ao formar multiplicadores para a formação em SSAN
em todos os níveis, desde a extensão, até a pós-graduação.
Silvia Aparecida de Sousa Fernandes; Bernardo Mançano Fernandes
Davis Gruber Sansolo (Orgs.)
24 |
HiStóriCo
Para compreender como se constituiu o INTERSSAN, será preciso
antes mostrar sumariamente o percurso da autora principal no papel de
professora-pesquisadora-extensionista de uma universidade pública, sempre
em parceria com outros atores da academia, governo e sociedade civil, no
período que vai desde 2007 até o presente. Os resultados apresentados
representam desdobramentos de ações decorrentes de convênios articulados
com recursos do Governo Federal (Ministério da Educação/Coordenadoria
de Aperfeiçoamento de Profissional de Nível Superior; Ministério da
Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações/Secretaria de Políticas
para a Formação e Ações Estratégicas; Ministério da Cidadania/Secretaria
Nacional de Inclusão Social e Produtiva Rural)
1
e de projetos regulares
que receberam recursos da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de
São Paulo – FAPESP e do Ministério da Saúde. Um elemento facilitador
foi a presença dos Conselhos de Segurança Alimentar e Nutricional local
(Piracicaba e Botucatu) e Conselho de Segurança Alimentar e Nutricional
Sustentável do Estado de São Paulo (CONSEA-SP).
Em 2007, um edital de Políticas Públicas (Pesquisa para o SUS)
possibilitou a articulação de uma rede de cooperação para a promoção
das políticas de segurança alimentar e nutricional na região das bacias do
Piracicaba e Capivari, a partir da Universidade Metodista de Piracicaba
em cooperação com outras universidades do Estado, com o Conselho de
Segurança Alimentar e Nutricional de Piracicaba, com o poder público local
e outros treze municípios da região. Este projeto foi desenvolvido em 2007
e foi acompanhado pelo CONSEA-SP. Aquele foi o ano da III Conferência
Nacional e Estadual de SAN. As ferramentas de diagnóstico sistematizadas
em Piracicaba a partir da academia subsidiaram o diagnóstico estadual para
a sua III Conferência de SAN (Oliveira et al., 2016).
A articulação da sociedade civil e poder público mediada pelos
conselhos de segurança alimentar e nutricional ganhou apoio da academia
Essas são estruturas do governo atual para onde migraram as ações da Secretaria de Projetos e Programas
de Pesquisa e Desenvolvimento (que absorveu em 2016 a Secretaria de Ciência e Tecnologia para Inclusão
Social, origem das ações de SAN no MCTIC) e Secretaria de Segurança Alimentar e Nutricional do Extinto
Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome.
Educação do Campo, Soberania Alimentar e Agroecologia:
o papel das tecnologias sociais no fortalecimento das comunidades locais
| 25
quando foi articulada uma rede de pesquisadores de universidades
espalhadas pelo Estado de São Paulo, majoritariamente de cursos de
Nutrição, como desdobramento do projeto desenvolvido nos municípios
das Bacias do Piracicaba e Capivari. Em 2008, o processo de articulação
foi conduzido a partir do Instituto de Biociências da UNESP de Botucatu.
O Instituto Harpia Harpyia teve importante papel, na figura de Dom
Mauro Morelli, na mediação do Convênio UNESP/MCTI/FINEP/2010
(Convênio: 01 10 0466 00, concluído em 2013) que deu origem a Rede-
SANS (www.redesans.com.br) (Oliveira et al., 2016). A Rede-SANS: Rede
de defesa e promoção da alimentação saudável, adequada e solidária é uma
rede social apoiada pela UNESP que privilegia a participação da sociedade
civil e poder público, voltada ao fortalecimento das políticas de Segurança
Alimentar e Nutricional (SAN), em especial no Estado de São Paulo, onde
tem assento permanente no CONSEA-SP (Oliveira et al., 2016).
O convênio com o então Ministério de Ciência, Tecnologia e
Inovação/Secretaria de Ciência e Tecnologia para a Inclusão Social (MCTI/
SECIS) para articulação da Rede-SANS e desenvolvimento de uma
pesquisa de abrangência estadual sobre as ações de alimentação e nutrição
na atenção básica do Sistema Único de Saúde (SUS) geraram processos
formativos participativos e colaborativos, sistematização de informações
para subsidiar as políticas de SAN nos municípios, mecanismos permanentes
de comunicação online, fortalecendo dinâmicas de trabalho em rede e
ampliando as oportunidades para a inserção de alunos de graduação e
pesquisadores nos processos de pesquisa (Enes; Loiola; Evangelista et al.,
2019; Ferreira et al., 2017; Oliveira, 2014; Negri et al., 2015; Oliveira;
Veira; Galesi, 2016).
Em 2013, justificado pelo resultado obtido com a Rede-SANS, foi
aprovado o convênio UNESP/MCTI (Convênio Siconv: UNESP/MCTI
n. 790232/2013; concluído em 2016) para articulação da Rede de pesquisa,
ensino e extensão em SSAN da união dos países sul-americanos (Rede
SSAN-UNASUL) em apoio ao Programa SSAN-UNASUL do Conselho
de Ciência Tecnologia e Inovação (CONSUCTI) da UNASUL (Programa
em que a autora principal esteve na coordenação técnica representando
os pesquisadores). Em 2016 o Programa foi descontinuado e em 2018 a
Silvia Aparecida de Sousa Fernandes; Bernardo Mançano Fernandes
Davis Gruber Sansolo (Orgs.)
26 |
rede acadêmica mantendo-se em operação passou a ser denominada Rede
Latino-Americana de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede
LASSAN). Em 2015, a experiência com a rede SSAN-UNASUL conduziu
a aproximação com as ações do MCTIC junto à Comunidade dos Países
de Língua Portuguesa no âmbito da Soberania e Segurança Alimentar e
Nutricional. A UNESP passou a integrar o Comitê de Coordenação do
Mecanismo de Facilitação da participação das Universidades no Conselho
de Segurança Alimentar e Nutricional dos Países de Língua Portuguesa
(MU-CONSAN-CPLP) (Oliveira, 2018).
Num processo paralelo, em 2013, o Ministério do Desenvolvimento
Social lançou um edital para universidades desenvolverem atividades de
fortalecimento do Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional
(SISAN). O projeto elaborado em conjunto com membros da Rede-SANS
foi contemplado (Convênio Siconv: UNESP/MDS n.801975/2014) para
atuar nos estados de São Paulo e Paraná. As ações do projeto tiveram início
em 2015 e foram concluídas em 2019.
O Centro de Ciência e Tecnologia para Soberania e Segurança
Alimentar e Nutricional (INTERSSAN) é o resultado de um terceiro
convênio com o MCTI (convênio Siconv: UNESP/MCTI n.
821825/2015; em execução). Busca materializar as propostas discutidas
inicialmente no âmbito do Programa SSAN-UNASUL e a partir de 2016
no âmbito do Comitê Assessor da NutriSSAN: Plataforma de ensino,
pesquisa e extensão em soberania e segurança alimentar e nutricional
(MCTIC/Rede Nacional de Pesquisa). Na UNESP, dado o envolvimento
da comunidade de diferentes unidades acadêmicas foi criado, em 2016,
por portaria do Reitor o Grupo Integrador do Ensino, Pesquisa e Extensão
em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional da UNESP, com o
propósito de fortalecer a participação da academia nas políticas de SSAN e
institucionalizar as ações de SSAN na universidade.
O INTERSSAN (www.interssan.com.br) busca articular ações de
cooperação e colaboração entre acadêmicos e destes com a sociedade,
fomentando o trabalho em rede em três eixos de atuação: a formação, as
tecnologias sociais e a governança das políticas de SSAN; presta suporte
operacional para a Rede-SANS (www.redesans.com.br), para a Rede
Educação do Campo, Soberania Alimentar e Agroecologia:
o papel das tecnologias sociais no fortalecimento das comunidades locais
| 27
Latino-Americana de SSAN (www.redelassan.com.br), para a Rede de
pesquisadores do MU-CONSAN-CPLP (www.muconsancplp.unilab.
edu.br) e Grupos de Interesse Especial (SIG) na Plataforma NutriSSAN,
entre os quais o SIG-obesidade, o GISSAN, o SIG-formação na CPLP
e o SIG-articulação sudeste, integrando a Rede de Centros de Ciência e
Tecnologia em SSAN fomentada pelo MCTIC, numa iniciativa inspirada
na experiência do INTERSSAN. No âmbito da CPLP, o INTERSSAN
assessora um projeto executado pela Universidade Internacional da
Lusofonia Afro-Brasileira (UNILAB).
o iNterSSaN: fuNdameNtação teóriCa
Partindo deste breve histórico, se pretende apresentar o INTERSSAN,
onde se busca criar um cenário favorável para a cooperação e promoção da
pesquisa-ensino-extensão no Hemisfério Sul, do acesso ao conhecimento e
às tecnologias para promoção do direito humano à alimentação e nutrição
e para a promoção de sistemas alimentares saudáveis, sustentáveis e
inclusivos. Com isso, fortalecendo os processos de formação e de produção
de conhecimento e incidindo positivamente nas políticas públicas de SAN.
A transformação dos sistemas alimentares e formas mais inclusivas de
produção e comércio de alimentos estão no centro das discussões mundiais,
apontados como desafios para uma vida mais sustentável e saudável no
planeta. Essa discussão já transpôs o âmbito das ideias e teorias e vem
ocupando a agenda dos tomadores de decisão no mundo inteiro.
Os atuais sistemas alimentares, apesar dos avanços tecnológicos,
da elevada produtividade na agricultura e pecuária e da diversidade de
alimentos proporcionada pela indústria, disponibilizados nas prateleiras
de supermercado e outros locais de comércio, não garantem a saúde do
consumidor e nem alimento na mesa de todos. Fome e obesidade estão nessa
pauta, assim como estão na pauta processos de produção e distribuição de
alimentos que sejam sustentáveis e inclusivos (Haddad et al., 2016).
O conceito de sistema alimentar é demasiadamente abrangente e
representa elemento integrador e produtor de sentido neste campo de
Silvia Aparecida de Sousa Fernandes; Bernardo Mançano Fernandes
Davis Gruber Sansolo (Orgs.)
28 |
saberes e práticas. O sistema alimentar articula a análise das diversas
atividades alimentares e percorre o fluxo do alimento sem desprezar os
atores envolvidos. Assim, os processos de plantação e colheita, produção,
distribuição e consumo, são percebidos de forma interligada e a partir de
relações existentes. Posto que para que o alimento se mova de um lado para
o outro e se transforme, é preciso considerar a existência de sujeitos, acima
de tudo.
Referenciadas no Direito Humano à Alimentação Adequada
(DHAA), como um direito universal (Organização das Nações Unidas,
1999), as políticas de Segurança Alimentar e Nutricional e a Soberania
Alimentar como bandeira de disputa, bem como o direito de produzir,
tem contribuído para a construção de sistemas alimentares mais justos,
sustentáveis, inclusivos, resilientes e promotores de saúde. No bojo dessa
discussão estão os pensamentos que sustentam a lógica do desenvolvimento
endógeno, das tecnologias sociais, da economia solidaria, da educação crítica
emancipadora, da ciência para o sul e da própria extensão universitária.
O desenvolvimento endógeno está relacionado à utilização, execução
e valorização de recursos locais e ao desenvolvimento das expertises
necessárias para a autonomia (Delgado; Ricaldi, 2012). Ocorre quando
a comunidade local é capaz de utilizar o potencial de desenvolvimento
e liderar o processo de mudança estrutural. Requer a existência de um
sistema produtivo capaz de gerar rendimentos crescentes, mediante o uso
de recursos disponíveis da introdução de inovações, garantindo criação
de riqueza e melhoria do bem-estar. Este conceito é convergente aos da
economia solidaria e das tecnologias sociais, assim como comunga com
os princípios da extensão universitária como ela tem sido concebida
em diversos sistemas de ensino da América Latina, tendo como marco
o movimento de Córdoba, que já fez um século (Buchbinder, 2018;
Porproex, 2012).
Por sua vez, uma tecnologia social refere-se a uma estratégia produtiva
cuja lógica se dá por relações solidárias de produção e comercialização,
sob outras bases e valores. Um dos conceitos de tecnologia social
atualmente em voga é aquele que “[...] compreende produtos, técnicas ou
metodologias reaplicáveis, desenvolvidas na interação com a comunidade
Educação do Campo, Soberania Alimentar e Agroecologia:
o papel das tecnologias sociais no fortalecimento das comunidades locais
| 29
e que representem efetivas soluções de transformação social.” (Dagnino,
2010, p. 201).
A transformação dos sistemas alimentares nos coloca frente a uma
mudança de paradigma, nos leva a repensar as nossas tecnologias a buscar
novas respostas, mais que isso, nos leva a inovarmos e nos reinventarmos
em nossas perguntas de pesquisa. Nos leva a tomar consciência de que será
preciso transformar o fazer acadêmico, a partir de olhares transdisciplinares.
Uma proposta de ação pautada na Indissociabilidade ensino-pesquisa-
extensão, buscando integrar a produção de soluções tecnológicas às práticas
formativas, ao mesmo tempo adotando redes colaborativas como estratégia
de abordagem de questões complexas é que apresentamos como estratégia
para enfrentamento dessas questões.
A inserção das práticas acadêmicas no território não só promove e
fortalece as ações de SSAN, como também qualifica o processo de ensino.
Não só isso, a presença da academia deve permear todos os cenários do
sistema alimentar e das políticas que o sustentam, colocando em prática
habilidades que são próprias do pesquisador, de forma contextualizada
na realidade, sem com isso substituir outros papeis, como por exemplo
o do Estado. Ênfase deve ser dada ao conhecimento tradicional e ao
empoderamento de minorias desfavorecidas, incluindo as mulheres, povos
e comunidades tradicionais. Essas comunidades têm sido fragilizadas
e não têm conseguido o sustento autônomo. Em contrapartida detém
conhecimentos de grande valia para a vida na terra.
De grande relevância para as ações no território é o fortalecimento
da democracia participativa e representativa instituída pela Constituição de
1988, que conta com os conselhos de políticas púbicas como instrumento
de participação. Em tempos de incerteza, um tema tão agregador quanto
alimentação e nutrição pode alavancar processos de participação social,
com vista na transformação da realidade.
Na nossa concepção, o ponto de partida, convêm que seja sempre
a realidade do território sob diferentes olhares e níveis de intervenção.
A intersetorialidade, a interdisciplinaridade, o pensamento sistêmico, o
diálogo de saberes é que darão sustentação. Uma abordagem dessa natureza
Silvia Aparecida de Sousa Fernandes; Bernardo Mançano Fernandes
Davis Gruber Sansolo (Orgs.)
30 |
pode precisar de ferramentas para sistematizar e organizar informações.
Há que se lançar mão de tecnologias como as de georreferenciamento dos
dados e que esses dados sejam desagregados ao nível local e que possam ser
produzidos de forma participativa.
A comunicação significativa deve ser o foco do processo. Para tanto,
há que se dispor de materiais e estratégias didáticas e temas geradores de
aprendizado que partam da realidade dos educandos e da comunidade.
o iNterSSaN freNte aoS problemaS emergeNteS No
HemiSrio Sul
O acesso ao conhecimento científico e aos meios de construí-lo não
é igual para todos. Nem tão pouco os problemas colocados para a ciência
podem ser sempre universalizados. No entanto, os países do Hemisfério
Sul historicamente têm se referenciado naquilo que é produzido no
hemisfério norte para produzir ciência e desenvolvimento. Também no
âmbito da formação em nível de pós-graduação e até mesmo de graduação,
os processos têm acontecido fora dos países, como é o caso de alunos dos
países de língua portuguesa da África que buscam formação em Portugal
e no Brasil e dos países da América Latina que buscam em especial pela
Espanha e México. Os países do hemisfério sul já dispõem de meios para
formação de recursos humanos para o nível superior, contudo, a formação
em nível de pós-graduação é deficitária na maioria é será preciso desenvolver
processos formativos que atendam a realidade de cada um. Neste trabalho os
processos formativos em colaboração adotando abordagens participativas
desde a concepção até a execução dos projetos são pressupostos para a
garantia de eficiência e efetividade da formação.
A segurança alimentar e nutricional é multisetorial e transdisciplinar,
beneficiando-se por todo tipo de pesquisa. No entanto, a pesquisa
participante inter/transdisciplinar é aquela que se mostra mais capaz
de síntese do conhecimento e produção de inovação/transformação. A
pesquisa participante não deve ser confundida com a extensão, embora ela
aconteça nos cenários de extensão. Essa pesquisa segue um método e tem
Educação do Campo, Soberania Alimentar e Agroecologia:
o papel das tecnologias sociais no fortalecimento das comunidades locais
| 31
seus resultados validados pela lógica da produção acadêmica. Trata aqui
de tornar a pesquisa significativa aproximando-a ainda mais das questões
de interesse difuso para a sociedade, tendo-a como aliada. Assim, neste
trabalho pressupõe-se que o intercâmbio de experiências, os trabalhos em
colaboração e a efetiva participação da academia nas políticas públicas
de SSAN promova as competências necessárias à pesquisa e os subsídios
necessários para sistemas alimentares sustentáveis, saudáveis, justos e
inclusivos.
A inserção da SSAN na pauta das políticas governamentais, assim
como o desenvolvimento de processos eficazes, eficientes e efetivos na
governança dessas políticas são o grande desafio para a sustentabilidade dos
sistemas alimentares, a garantia do direito humano à alimentação adequada,
saúde e bem-estar de todos. Assim, o pressuposto é que existem muitas
iniciativas bem-sucedidas e ao mesmo tempo para que esses processos
sejam aprimorados/sistematizados servindo-se dos processos acadêmicos,
será preciso a imersão da academia nesses mesmos.
A ciência se faz por meio de intercâmbios e de forma dialética ao que
já foi dito sobre uma ciência para o sul e para cada realidade particular, não
tem fronteiras. No entanto, frente a falta de recursos, o acesso à mobilidade
acadêmica aparece como um fator limitante e os meios de comunicação
como fatores facilitadores, embora o acesso à comunicação digital também
seja desigual. O trabalho no INTERSSAN parte do pressuposto de que se
existem interesses comuns e se a comunicação for significativa, haverá um
esforço para superação dessas barreiras. As redes acadêmicas operativas se
apresentam como alternativa.
Muito do conhecimento produzido na universidade é desconhecido
pela sociedade e parte daquilo que se produz pode não atender às
necessidades desta mesma. O pressuposto é que diante de uma pauta tão
vasta e complexa quanto a da SSAN, é preciso estabelecer mecanismos
de interlocução da comunidade acadêmica entre seus pares e com os
atores dos diversos cenários onde as ações de SSAN acontecem. Assim,
o objetivo geral do INTERSSAN é criar cenários favoráveis à produção
e disseminação do conhecimento e à inserção da comunidade acadêmica
nas ações de promoção da soberania e segurança alimentar e nutricional
Silvia Aparecida de Sousa Fernandes; Bernardo Mançano Fernandes
Davis Gruber Sansolo (Orgs.)
32 |
(SSAN) estabelecendo rede de cooperação com universidades da América
Latina e da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP). Os
objetivos específicos são:
Eixo 1 – Comunicação
- Promover o uso das tecnologias digitais para o fortalecimento das redes
acadêmicas e sua interlocução com a sociedade civil e o poder público;
- Articular processos de cooperação para a sistematização e a promoção do
acesso ao conhecimento na área da SSAN.
Eixo 2 – Processos formativos:
- Promover, coordenar, sistematizar e avaliar experiências de cooperação e
co-execução de formação em nível de pós-graduação e extensão em SSAN;
- Criar ambiente favorável à institucionalização da SSAN no meio
acadêmico.
Eixo 3 – Pesquisa participante:
- Articular e desenvolver pesquisa participante para fortalecimento da
governança e das políticas de segurança alimentar e nutricional;
- Incentivar e divulgar a participação da academia nos processos de
desenvolvimento das tecnologias sociais para a promoção de sistemas
alimentares, saudáveis, sustentáveis, justos e inclusivos.
Eixo 4 – Governança das políticas públicas de SSAN:
- Promover processos de governança e a sistematização de ferramentas para
facilitar a gestão das políticas de SSAN.
o método adotado pelo iNterSSaN
O INTERSSAN é constituído de um ambiente físico e virtual que
congrega pesquisadores-professores-extensionistas de diversas partes da
UNESP, do Estado de São Paulo, do Brasil, da América Latina e dos países
de língua portuguesa. O Centro funciona como um espaço de articulação
do ensino, da pesquisa e da extensão em SSAN na UNESP (GISSAN),
Educação do Campo, Soberania Alimentar e Agroecologia:
o papel das tecnologias sociais no fortalecimento das comunidades locais
| 33
articulador de ações voltadas à política de SAN no Estado de São Paulo
envolvendo a sociedade civil e o poder público (Rede-SANS), facilitador
da comunicação virtual para a promoção das ações de SSAN no meio
acadêmico (Rede Latino Americana de SSAN, MU-CONSAN-CPLP,
NutriSSAN), para a promoção da cooperação e integração da comunidade
acadêmica para as ações de SSAN.
abraNgêNCia geográfiCa
Nos últimos 5 anos as ações presencias do INTERSSAN abrangeram
os Estados de São Paulo, com maior intensidade nas proximidades das
cidades que têm Unidades acadêmicas da UNESP, Paraná, Ceará e Bahia.
Foram desenvolvidas atividades pontuais em outros estados brasileiros,
em especial, Minas Gerais, Amazonas e Mato Grosso do Sul. Na América
Latina, em especial na Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Equador. Na
CPLP: Angola, Cabo Verde, Guiné Bissau, Portugal, Moçambique e São
Tomé e Príncipe.
partiCipaNteS e beNefiCiadoS
Comunidade acadêmica: No âmbito da comunidade acadêmica
há que se considerar um grupo intitulado “Grupo de Gestão do
INTERSSAN” sediado no instituto de Biociências de Botucatu que
fica responsável pela gestão operacional dos projetos e animação das
atividades em rede. É composto por docentes, alunos de graduação, de
pós-graduação e pós-doutorandos. A coordenação acadêmica das ações o
INTERSSAN é compartilhada com docentes de outras três unidades da
UNESP (Jaboticabal, São José do Rio Preto e São Vicente). Participam do
INTERSSAN 35 docentes de 17 unidades da UNESP, os quais orientam
72 bolsistas (situação em 2019). Existem outros grupos associados ao
INTERSSAN como é o caso do grupo de pesquisadores e bolsistas da
UNILAB envolvidos com a CPLP (ao menos 20 componentes); os
grupos de trabalho dos polos de formação em Cabo Verde, São Tomé e
Silvia Aparecida de Sousa Fernandes; Bernardo Mançano Fernandes
Davis Gruber Sansolo (Orgs.)
34 |
Príncipe e Moçambique, envolvendo por volta entre 10 a 15 docentes no
total. Além destes, os processos de formação envolvem docentes de três
universidades portuguesas. A América Latina envolve os grupos de pesquisa
das Universidades, Escuela de Nutrición, Facultad de Ciencias Médicas,
Universidad Nacional de Córdoba/Argentina, Universidad del Desarrollo,
Escuela de Nutrición y Dietética, Facultad de Medicina Clínica Alemana/
Chile, Departamento de Nutrición y Salud Publica, Facultad de Salude
e Ciencias dos Alimentos, Universidad del Bio-Bio/Chile, Comunidad
Pluricultural Andino Amazónico para la Sustentabilidad (COMPAS)/
Bolivia, Proyecto Sustentabilidad Alimentaria en África y Sudamérica
(CDE-U, Berna Suiza), Universidad Particular Técnica de Loja/Ecuador,
Corporación Universitaria Remington, Uniremington, Colombia.
Técnicos do poder público: os cursos de formação em nível de pós-
graduação lato sensu (especialização) envolveram (2016-2017) técnicos do
poder público de 16 regiões do Estado de São Paulo, 22 do Paraná, Loja
no Equador e Venezuela. A edição seguinte (2019-2021) envolveu técnicos
do Ceará, Bahia, São Tomé e Príncipe, Cabo Verde e Moçambique. O foco
tem sido a gestão das políticas de SSAN. Esse público vem sendo envolvido
também em oficinas presenciais nos estados de São Paulo e Paraná. A
participação nos cursos de extensão online agrega participantes do Brasil
inteiro e de outros países de língua portuguesa e espanhola.
Ativistas e conselheiros de SAN: idem ao descrito para os técnicos do
poder público.
Indígenas: comunidades indígenas da Amazônia têm sido envolvidas
em projetos de docentes vinculados ao INTERSSAN visando ações de
fortalecimento da agricultura.
2
É importante destacar que os pesquisadores que desenvolviam atividades com comunidades indígenas
e quilombolas, a partir da inserção no INTERSSAN é que passaram a abordar a temática de SSAN no
seu trabalho.
Educação do Campo, Soberania Alimentar e Agroecologia:
o papel das tecnologias sociais no fortalecimento das comunidades locais
| 35
Quilombolas: comunidades quilombolas do litoral paulista e da
região de Registro/SP têm sido envolvidas em atividades de fortalecimento
da agricultura e comércio a partir de redes sociotécnicas.
Pessoas com excesso de peso: são participantes de pesquisa de intervenção
e projetos de educação alimentar e nutricional.
Equipes de atenção à saúde: têm sido alvo de pesquisas nos estados de
São Paulo e Mato Grosso do Sul. Também têm participado de processos
formativos para a linha de cuidado do sobrepeso e obesidade.
Jovens: são alvos de projetos de extensão em escolas e comunidades,
envolvendo bolsistas do INTERSSAN.
Agricultores: têm sido envolvidos em pesquisas que buscam
caracterizar e sistematizar experiências de agroecologia, assim como em
propostas de articulação de redes de produtores e consumidores.
3
Populações em áreas de conflito: docentes do INTERSSAN tem
participado da mediação de conflitos socioambientais no Estado de São
Paulo e na região da Serra da Canastra em Minas Gerais, tendo em conta
o alimento como elemento mediador.
Câmaras intersetoriais de segurança alimentar e nutricional: a interação
a título de assessoria para elaboração dos planos de segurança alimentar e
nutricional vem se dando no âmbito do Estado de São Paulo e Paraná,
bem como em municípios selecionados do Estado de São Paulo (São Paulo
capital, Botucatu e Araraquara).
Público alvo de pesquisa: partindo-se do princípio da Indissociabilidade
ensino-pesquisa-extensão todos os participantes dos processos de formação
ou desenvolvimento relacionados anteriormente têm sido ou são potenciais
sujeitos de pesquisas.
Da mesma forma, o INTERSSAN promoveu a aproximação da SSAN com a agroecologia.
Silvia Aparecida de Sousa Fernandes; Bernardo Mançano Fernandes
Davis Gruber Sansolo (Orgs.)
36 |
abordageNS metodológiCaS
As ideias de autores como Morin, Ciurana e Motta (2003),
Maturana (2001), Castells (2000), Paulo Freire (1996, 2004, 2015) e
Boaventura Souza Santos (2008) deram sustentação teórica e apoiaram
a concepção do modus operandi para articulação do trabalho em rede. A
teoria da complexidade e o pensamento sistêmico foram tomados como
fundamento para o trabalho inter/transdisciplinar. Castells ajuda a
compreender a sociedade e o trabalho em rede e o papel das tecnologias
de informação. As ideias de Freire pautam os pressupostos educacionais
de promoção da autonomia, de uma educação crítica e problematizadora.
Boaventura Souza Santos destaca o papel de compromisso social na
universidade e na transformação da realidade. Sua principal contribuição
se dá na discussão do papel da universidade e também da hegemonia da
ciência do Hemisfério Norte, que não responde às reais demandas sociais
do Hemisfério Sul. Outros referenciais para o trabalho vêm de consensos
internacionais sobre Segurança Alimentar e Nutricional e das próprias
políticas nacionais na área. Esses referenciais ancoram as ações de ensino,
de pesquisa e de promoção das tecnologias sociais.
O ambiente virtual é o principal veículo de comunicação para os
processos de divulgação e formação. Sempre que possível se privilegia o
contato em tempo real por Webconferência (Plataforma NutriSSAN)
ou outro meio disponível. Para os cursos, se tem feio uso da plataforma
Moodle com a qual o aluno interage conforme a sua conveniência.
A adoção de metodologias ativas em ambiente virtual pode ser tomada
como inovação. Trata de proposta que privilegia o desenvolvimento da
autonomia de aprender a aprender, da afetividade como elemento propulsor
e compreende o processo educativo como um ato amoroso, na busca
pela construção compartilhada e solidária de conhecimento (Maturana;
Rezepka, 2000). Metodologias ativas alinhadas com a abordagem da
problematização (Berbel, 2012) tem como principal elemento do processo
de ensino-aprendizagem a relação de respeito mútuo e vínculo afetivo
entre educador e educando, sendo o educando o agente de seu próprio
aprendizado, porém, sempre apoiado pelo educador-facilitador que busca
Educação do Campo, Soberania Alimentar e Agroecologia:
o papel das tecnologias sociais no fortalecimento das comunidades locais
| 37
motivar e mediar o processo de aprendizagem na estruturação de novos
conhecimentos e crescimento de ambos.
No caso dos trabalhos de conclusão dos cursos de pós-graduação
lato sensu (especialização), trabalha-se com a pesquisa participante ou
translacional sempre buscando resolver questões do território ao qual os
alunos estão inseridos.
A pesquisa participante também vem sendo priorizada nos projetos
dos docentes vinculados ao INTERSSAN. Os docentes e bolsistas vinculados
ao INTERSSAN estão envolvidos em 40 projetos, cujas informações gerais
podem ser visualizadas no mapa do portal (www.interssan.com.br).
A proposta de investigação se vincula aos processos de formação
e de desenvolvimento de tecnologias. A produção de conhecimentos
realizada por meio da frente de pesquisa e extensão universitária tem
como horizonte a busca por novas possibilidades de desenvolvimento de
diferentes tecnologias para apoiar as políticas e ações de SSAN.
O referencial metodológico que ancora a proposta de pesquisa
se identifica com as abordagens de pesquisa participativa tais como a
pesquisa-ação sistematizada por autores do campo das ciências sociais
(iollent, 1988), pesquisa participante (Brandão, 1987; Demo, 2004;
Faermam, 2014), pesquisa de intervenção (Minayo, 2013) na medida em
que se pretende associar a coleta de informações aos processos de formação
e intervenção na realidade e contam com sujeitos que estão nos cenários de
SSAN, como participantes ativos da comunidade como campo de ação e
produção de conhecimento.
Para viabilizar a proposta de pesquisa participativa são propostas
estratégias de registro das ações desenvolvidas no decorrer das ações de
formação e a sistematização das intervenções desenvolvidos nos campos
de práticas.
Importa também destacar que outras abordagens da pesquisa,
incluindo a pesquisa de cunho quantitativo, são desenvolvidas por
pesquisadores vinculados ao INTERSSAN, conforme a especificidade da
área e pautados nos princípios de SSAN.
Silvia Aparecida de Sousa Fernandes; Bernardo Mançano Fernandes
Davis Gruber Sansolo (Orgs.)
38 |
O INTERSSAN tem um estatuto, que comunga com os princípios
da SSAN e contribui para a garantia do Direito Humano à Alimentação
(DHAA). O trabalho do INTERSSAN é difundir esses princípios e
promover a inserção da comunidade acadêmica da UNESP e de outras
universidades do Brasil e de fora do Brasil na solução dos problemas de
SSAN e DHAA.
eixoS e etapaS do trabalHo de peSquiSa, eNSiNo e exteNSão
ComuniCação:
Neste eixo de atuação, o INTERSSAN tem buscado a articulação
da comunidade acadêmica em redes de ensino, pesquisa e extensão,
contribuindo para ações do MCTIC na indução de redes. Essas redes tem
a característica de atuar nestas três dimensões da função da universidade,
ser operativas, desenvolvendo atividades colaborativas prioritariamente no
formato online. A prioridade dessas ações são as políticas de SSAN. O
INTERSSAN também apoia a Rede-SANS articulando a sociedade civil
e o poder público para o fortalecimento da política de SAN no Estado de
São Paulo. Há um comitê gestor do INTERSSAN composto por membros
da sociedade civil e do poder público, além da academia. O Centro tem
forte atuação online, faz a gestão dos sites das redes a ele vinculadas (www.
interssan.com.br) e opera a partir da plataforma NutriSSAN (MCTIC/
RNP). Além dos conteúdos online tem produzido materiais didáticos, de
divulgações e outras publicações disponíveis principalmente online.
O INTERSSAN conta com os seguintes recursos para facilitar o
processo de comunicação:
1) Equipe de comunicação apoiada pelo departamento de Design da
Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação, viabilizando a identidade
visual do projeto, o design gráfico e virtual.
Educação do Campo, Soberania Alimentar e Agroecologia:
o papel das tecnologias sociais no fortalecimento das comunidades locais
| 39
2) Plataforma INTERSSAN (www.interssan.com.br) – espaço de
integração das ações do INTERSSAN que apresenta link para as ações dos
parceiros (América Latina e CPLP) e a Wiki (http://interssan.org/wiki/
doku.php) que é o espaço de divulgação do trabalho de todos os grupos
da UNESP vinculados aos projetos. Uma forma de prestação de contas e
transparência do trabalho realizado.
3) Unidade NutriSSAN – uma unidade NutriSSAN no Portal NutriSSAN/
RNP permite autonomia para o uso de Webconferência e a criação de SIG’s
(Special Interest Group). Já temos o SIG-Obesidade, que vem discutindo as
políticas para prevenção e controle da obesidade em países da América do
Sul, O SIG - Articulação Sudeste e o SIG – Formação na CPLP. A proposta
é ampliar o uso deste recurso e promover debates de interesse geral, em
linguagem acessível a todos os trabalhadores da saúde, principalmente dos
envolvidos nos processos de formação.
4) Site da Rede-SANS (www.redesans.com.br) – O site está há seis anos no
ar e tem um elevado número de acessos. É a partir dele que são divulgadas
as atividades da Rede-SANS. O site permite o acesso aos cursos online,
bem como divulga notícias e a produção do INTERSSAN/Rede-SANS.
5) Recursos audiovisuais – o INTERSSAN, além das salas para equipes
de projetos e de aula, dispõe de sala de videoconferência e estúdio para
gravação de videoaulas e outras mídias educativas. O INTERSSAN dispõe
de um técnico de serviço áudio visual.
6) NEAD-TIS (Faculdade de Medicina da UNESP) – é um núcleo de
educação a distância com equipamentos para elaboração e transmissão
de videoaulas, salas de treinamento e equipe de suporte técnico para a
plataforma Moodle, incluindo a gravações e edições de aulas por EAD.
ProCessos formativos:
Desde 2010, mesmo antes de se constituir no INTERSSAN as
ações de formação têm sido desenvolvidas em ambiente virtual de forma
inovadora. Primeiro, porquê são planejadas de forma participativa e as
Silvia Aparecida de Sousa Fernandes; Bernardo Mançano Fernandes
Davis Gruber Sansolo (Orgs.)
40 |
responsabilidades são divididas, seja nos processos de tutoria ou mesmo
de ensino. Segundo, porque boa parte delas envolvem práticas, enquanto
outras envolvem metodologias ativas conduzidas virtualmente. Tem sido
oferecidos cursos de extensão e de pós-graduação lato sensu. Os cursos
de extensão têm com frequência contado com apoio de tutores locais
onde os cursos acontecem, em parceria com prefeituras, organizações
não governamentais ou membros voluntários da Rede-SANS. Os cursos
surgem para atender demandas de comunidades vinculadas aos projetos,
como foi o caso do “INTERANUTRI: interdisciplinaridade, alimentação e
nutrição no currículo escolar” voltado às necessidades trazidas por gestores
da área da educação, em 2010. Muitos outros cursos de extensão surgiram
para atender demandas da Rede-SANS, em especial os cursos de formação
para o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (SISAN)
em nível de extensão e de pós-graduação. Uma primeira oferta de curso
de pós-graduação lato sensu surgiu a partir de demandas da UNASUL, em
dupla titulação com a Universidade Particular Técnica de Loja no Equador
(UTPL) associada às demandas de fortalecimento do SISAN. A obesidade
também tem sido alvo de cursos de extensão e especialização, num processo
natural de contrapartida aos campos de pesquisa e também como cenário
de pesquisa. Os processos e os resultados desses cursos tem sido objeto de
pesquisa para retroalimentação desses processos.
Pesquisa participante: A pesquisa participante é a opção de escolha
para o propósito do INTERSSAN tendo em conta 40 iniciativas (projetos)
vinculadas ao Centro. Priorizando os processos participativos esses
projetos que contam com recursos dos convênios maiores, mas também
com financiamentos individuais, de certa maneira potencializados pelo
INTERSSAN geram tecnologias sociais, sistemas de tecnologias sociais,
tecnologias educativas, processos de gestão e formação, desenvolvimento
de indicadores de avaliação e sistematização de informações. São trabalhos
coordenados ou que contam com a participação de um ou mais dos 35
pesquisadores do GISSAN. Normalmente quando o recurso e coletivo
(convênio) os pesquisadores concorrem a editais do INTERSSAN,
outras vezes se organizam para concorrer aos editais e recebem apoio do
INTERSSAN.
Educação do Campo, Soberania Alimentar e Agroecologia:
o papel das tecnologias sociais no fortalecimento das comunidades locais
| 41
Governança das Políticas Públicas de SSAN:
Essa ação acontece em apoio a construção das políticas de SAN em
Estados e municípios, seja na estruturação dos conselhos de SAN, seja na
elaboração das políticas e planos de SAN. Uma atividade acadêmica de
relevância tem sido o estudo e a proposição de indicadores para a avaliação
das políticas de SAN dos Estados de São Paulo e Paraná e dos municípios.
4
avaliaNdo oS reSultadoS do iNterSSaN
Existem formas de avaliação de resultados que são próprias dos
projetos individuais. Aqui discorreremos apenas sobre a análise dos
resultados das ações vinculadas aos convênios.
A produção de conhecimentos realizada por meio da frente de
pesquisa e extensão universitária aqui proposta tem como horizonte a busca
por novas possibilidades de desenvolvimento de diferentes tecnologias
para apoiar o trabalho em SSAN. A pesquisa também se caracteriza como
avaliativa, na medida em que sistematiza informações e faz a crítica sobre
o trabalho desenvolvido. Para tanto, além de dados documentais se busca
lançar mão de:
1) Registros em diários de campo sobre os processos de formação e
intervenção;
2) Relatórios produzidos pelos bolsistas e colaboradores do projeto;
3) Produtos educacionais elaborados a partir das intervenções e processos
de formação;
4) Transcrição da gravação dos encontros e fóruns de debates realizados em
ambientes virtuais
5) Grupos focais podem ser aplicados se o grupo de pesquisadores envolvidos
identifica a carência de dados para a completa avaliação dos resultados, o
que corrobora com a proposta de pesquisa participante (Vieira, 2013).
Um pesquisador da área da economia rural ao inserir-se no INTERSSAN passou a atender essa demanda
específica.
Silvia Aparecida de Sousa Fernandes; Bernardo Mançano Fernandes
Davis Gruber Sansolo (Orgs.)
42 |
6) Seminários e inquéritos de avaliação
Para cada aspecto a ser avaliado sempre se busca estabelecer um
referencial teórico e metodológico para a coleta e análise dos dados. Um
exemplo é o estudo das redes que tem sua metodologia própria de análise
(Aguilar et al., 2017).
Os resultados aqui apresentados são fragmentos dos trabalhos
vinculados ao INTERSSAN. Em um trabalho em rede torna-se difícil
dimensionar a sua irradiação.
eixo 1 – ComuNiCação
A constituição do GISSAN na UNESP (Portaria do Reitor 404/2016)
e a criação do INTERSSAN como Centro vinculado ao Instituto de
Biociências de Botucatu formalizam a institucionalização da SAN na
UNESP. O INTERSSAN envolve a comunidade acadêmica da UNESP
por meio do GISSAN, congregando grupos de pesquisa, ensino e extensão
de 17 das 34 unidades acadêmicas da Universidade e envolve a sociedade
civil e o poder público dedicados às políticas de SAN, integrantes da Rede
de Defesa e Promoção da Alimentação Saudável, Adequada e Solidária
(Rede-SANS) (Figura 1). A comunidade do INTERSSAN na UNESP
interage sistematicamente por meio virtual, o que facilita o processo. O
GISSAN surgiu a partir da integração de pesquisadores nas ações dos
convênios com o MCTIC e MDS. O movimento foi o de buscar inserir
a SSAN na pauta de pesquisa de docentes. Inicialmente foi realizada uma
prospecção dos trabalhos desenvolvidos na UNESP, buscando quais linhas
de pesquisa poderiam contribuir com a SAN. Com isso foram convidados
a participar, docentes de áreas como geografia, economia, filosofia,
agroecologia, antropologia, psicologia, nutrição, agronomia, educação,
entre outros. Esse grupo passou a trabalhar em propósitos comuns a partir
dos eixos educação, tecnologias sociais e governança das políticas públicas.
Educação do Campo, Soberania Alimentar e Agroecologia:
o papel das tecnologias sociais no fortalecimento das comunidades locais
| 43
Figura 1 - Rede interna (GISSAN) do INTERSSAN na UNESP em 2019
Fonte: Acervo pessoal.
Legenda: A sede física do INTERSSAN encontra-se no Instituto de Biociências de Botucatu
(IBB). Cada estrela representa um coletivo de uma unidade acadêmica da UNESP em um
município do Estado de São Paulo. A integração ocorre predominantemente em meio virtual
(plataforma NutriSSAN).
A figura 2 mostra a evolução das redes de interesse vinculadas ao
INTERSSAN, as quais surgiram a partir de projetos e convênios.
Figura 2 - Representação das redes acadêmicas e sociais vinculadas ao
INTERSSAN, geradas a partir de convênios e cenários específicos (2019).
Fonte: Acervo pessoal.
Silvia Aparecida de Sousa Fernandes; Bernardo Mançano Fernandes
Davis Gruber Sansolo (Orgs.)
44 |
O INTERSSAN mantém-se articulado a essas redes e apoia a
estrutura de comunicação, assim como as dinâmicas das redes fazendo uso
da plataforma NutriSSAN (MCTIC/RNP).
A Rede-SANS tem, desde quando surgiu, em 2010, representado
importante papel para a política de SAN do Estado de São Paulo. Tem
mobilizado a sociedade civil e poder público para oficinas, conferências,
consultas públicas e promovido acesso aos cursos de formação em nível
de extensão e especialização. Em 2013 obteve o reconhecimento do
Estado por meio de uma cadeira permanente no Conselho de Segurança
Alimentar e Nutricional do Estado. Com isso, tem monitorado e apoiado
da construção da Política de SAN do Estado de São Paulo.
O convênio com o MDS, contemplado a partir de edital,
representou o fruto do trabalho da Rede-SANS. Com esse convênio as
ações de cooperação e comunicação foram ampliadas para o Estado do
Paraná, como meta do convênio. As ações de comunicação e cooperação
no âmbito deste convênio atingiram outros estados, em especial aqueles
em que os convênios foram feitos com universidades estaduais como
foi o caso do Amazonas e do Ceará. Com essas universidades ocorreu
o intercâmbio de experiências e a troca de materiais de apoio. Os
cursos oferecidos no âmbito deste convênio (extensão e especialização)
envolveram o Brasil inteiro.
No âmbito da UNASUL (atual Rede Latino-americana) podem
ser citados como produtos concretos a realização de cursos de extensão
(Equador e Colômbia) e a realização de cursos de especialização. Foram
realizados estudos para a criação de programas de pós-graduação,
intercâmbio de professores para aulas na pós-graduação e a participação
em pesquisas, além da formação de grupos de estudo.
No âmbito da pesquisa de redes, tem se buscado fazer uma avaliação
crítica e propositiva dos investimentos do MCTIC na estruturação de
uma rede de ensino, pesquisa e extensão em SAN, apoiando a busca de
indicadores de avaliação desses processos. A partir de análise documental e
de redes, foi realizada uma pesquisa avaliativa dos projetos fomentados pelo
MCTIC em 2014-2015 para serem indutores da Rede SSAN-UNASUL
Educação do Campo, Soberania Alimentar e Agroecologia:
o papel das tecnologias sociais no fortalecimento das comunidades locais
| 45
e para fortalecer núcleos ou grupos organizados de ensino, pesquisa e
extensão em SAN (Ramirez et al., 2019).
Outra inciativa tem sido o Grupo de Interesse Especial (SIG)
Obesidade. Trata de um grupo que envolve a Argentina, o Brasil, o Chile,
a Colômbia e Equador com o propósito de discutir, avaliar e buscar
incidência sobre as políticas de promoção da saúde, prevenção cuidado do
sobrepeso e obesidade. O SIG obesidade faz parte da Unidade NutriSSAN
do INTERSSAN e trata de um grupo para coprodução. O grupo se
reúne sistematicamente para apresentações públicas, via Webconferência,
sistematização de informações e elaboração de publicações na forma
de fascículos (http://interssan.com.br/grupo-de-interesse-especial-de-
obesidade-sig-obesidade/) ou outras (Fernandes et al., 2019; González et
al., 2019). Um destaque deve ser dado à publicação junto ao Comitê de
Nutrição da FAO, na qual coletivamente e sob diferentes pontos de vista o
papel da universidade é colocado em discussão.
Um segundo edital do MCTIC para fortalecer o trabalho em rede
e os núcleos/grupos de ensino, pesquisa e extensão em SSAN estará em
execução até 2020. Foram contemplados 89 projetos, dos quais 20 estão
na região sudeste. O INTERSSAN é responsável por animar a articulação
desses projetos e coordena um SIG que propõe a discussão dessas pesquisas.
Depois de apoiar o INTERSSAN e com base nessa experiência, o MCTIC
criou outros quatro centros, em cada uma das regiões brasileiras. Esses
centros de ciência e tecnologia têm o papel de animar as redes regionais e
promover processos de formação e fortalecimento da SSAN. Articulam-se
partir de um comitê assessor do MCTIC, do qual fazemos parte.
eixo 2 – proCeSSoS formativoS
Os cursos de extensão desde 2010 envolveram em torno de 5.000
alunos. Até o ano de 2015 foram oferecidos cursos INTERANUTRI (http://
redesans.com.br/interanutri2-apresentacao/), interdisciplinaridade,
alimentação e nutrição para professores, para agentes, para manipuladores
de alimentos e para nutricionistas. A partir de 2016 o foco foi o SISAN
Silvia Aparecida de Sousa Fernandes; Bernardo Mançano Fernandes
Davis Gruber Sansolo (Orgs.)
46 |
e foram oferecidas mais de 3.000 vagas em cursos de extensão orientando
a estruturação das políticas de SAN nos municípios e promovendo a
participação qualificada nos conselhos de SAN. Foram realizadas oficinas
com gestores e conselheiros envolvendo também mais de 3.000 mil
participantes. No estado do Paraná, participaram representantes de 98%
dos municípios. Os gestores da Política de SAN no Estado avaliam que
essas oficinas e cursos foram decisivas para o Paraná estar com mais de
50% dos seus municípios aderidos ao SISAN e com planos de Segurança
Alimentar e Nutricional. Esses números do Estado se devem também a
ativa participação do Ministério público, exigindo dos municípios o
cumprimento do artigo 6º da Constituição referente à garantia do Direito
Humano à Alimentação. Ao todo entre São Paulo e Paraná foram realizas
56 oficinas (Figura 3).
Figura 3 - Exemplo de material educativo produzido e como ele
vem sendo usado no fortalecimento do Sistema Nacional de Segurança
Alimentar e Nutricional (São Paulo e Paraná, 2016-2019).
Fonte: www.redesans.com.br.
Os cursos de especialização versam sobre a política de SAN e buscam
envolver os alunos em trabalhos de conclusão de curso que resolvam as
questões locais. São cursos a distância com fortes componentes práticos.
Os trabalhos de conclusão de curso podem ser agrupados entre aqueles
que trataram de questões relativas a intersetorialidade da política, da
participação social e dos programas e ações de SAN, contribuindo para
a solução de problemas locais tais como o fortalecimento dos conselhos
de SAN e implementação das políticas. Na primeira edição do Curso
de Especialização com 140 inscritos (20 do Equador e 120 do Brasil,
Educação do Campo, Soberania Alimentar e Agroecologia:
o papel das tecnologias sociais no fortalecimento das comunidades locais
| 47
87 e 16 concluintes, respectivamente), foram realizadas ao menos 50
pesquisas nos territórios.
A elaboração e oferecimento do curso de especialização (dupla
titulação UNILAB/UNESP e Unizambeze/UNESP) para atender
as especificidades dos países da CPLP foi feita com a colaboração de
professores pesquisadores representantes dos países da CPLP, via
Webconferência, com apoio da Plataforma NutriSSAN da Rede Nacional
de Pesquisa (RNP/MCTIC). Uma estratégia de trabalho que vem se
mostrando efetiva também para a articulação do MU-CONSAN-CPLP,
que tem um plano de trabalho a cumprir e que tem no INTERSSAN um
de seus principais parceiros.
No âmbito da CPLP foram realizadas, em 2018, duas escolas de
Verão de pesquisadores da CPLP. A primeira foi realizada na UNILAB,
campus Malês, em São Francisco do Conde, na Bahia. Na escola de
Moçambique realizada na UniZambeze, o território e as metodologias
de pesquisa participante foram o foco. Nessa oportunidade, foi
possível ampliar a rede local de pesquisadores alinhados com a postura
epistemológica e princípios adotados pelo MU-CONSAN-CPLP. Um
importante espaço de interlocução foi o Centro de Estudos, Inovação e
Formação Avançada da UniZambeze, que apresenta boa afinidade com
o INTERSSAN no que diz respeito à sua missão e funções. A equipe do
INTERSSAN coordenou as atividades pedagógicas das escolas de verão
e tem assessorado a UNILAB no projeto que apoia a execução do plano
de trabalho do MU-CONSAN-CPLP.
Outro espaço de gestação de iniciativas de pós-graduação para os
países da CPLP tem sido a representação da FAO em Portugal para a
CPLP. Com incentivo da FAO, o MU-CONSAN-CPLP vem realizando
estudos para mapear as iniciativas, potencialidades e demandas para
a formação e a pesquisa nos países da CPLP. Essa pesquisa vem sendo
assessorada pela equipe do INTERSSAN-UNESP. Nesse processo surgem
iniciativas bilaterais como elaboração de projetos e participação em editais
de fomento à pesquisa e à pós-graduação.
Silvia Aparecida de Sousa Fernandes; Bernardo Mançano Fernandes
Davis Gruber Sansolo (Orgs.)
48 |
O curso de especialização desenvolvido com os pesquisadores da
CPLP inova ao formar os tutores por meio de cursos de extensão. São
dois cursos, o primeiro para atuar em ambiente virtual e o segundo para
o desenvolvimento de pesquisa participante. Os cursos foram oferecidos
simultaneamente ao curso de especialização e buscaram formar quadros de
professores, mantendo a coesão do grupo de orientadores. Um projeto de
pós-doutorado deu sustentação a essa proposta.
eixo 3 – peSquiSa partiCipaNte
A pesquisa participante busca ensinar pesquisando e intervindo na
realidade nos cursos de pós-graduação lato sensu e stricto sensu envolvendo
oito programas de pós-graduação da UNESP com bolsas do INTERSSAN
para fortalecer as pesquisas em SSAN.
Os processos formativos, as tecnologias sociais e a governança em
SSAN têm sido alvo dessas pesquisas. Na figura 3 mostra-se o mapa
georreferenciado que se encontra no portal do INTERSSAN, onde
podem ser visualizadas as principais características dos projetos da
UNESP vinculados ao INTERSSAN. A sistematização desses projetos
e a identificação das tecnologias sociais nos territórios onde os projetos
acontecem está sendo objeto de trabalho de pesquisa e desenvolvimento.
Além de desenvolver soluções tecnológicas é preciso que se dê visibilidade
às comunidades parceiras e se promova a interlocução dessas mesmas com
as políticas públicas.
Alguns dos projetos do INTERSSAN são desenvolvidos em territórios
fora do Estado de São Paulo por meio de parcerias e mesmo por alunos
estrangeiros que voltam para seus países para desenvolver o trabalho de
campo. É o caso, por exemplo de trabalhos pautados no desenvolvimento
endógeno que estão sendo desenvolvidos em Moçambique e Guiné-Bissau
e cujos alunos vieram para o Brasil a partir das parcerias estabelecidas.
Educação do Campo, Soberania Alimentar e Agroecologia:
o papel das tecnologias sociais no fortalecimento das comunidades locais
| 49
Figura 4 - Mapa dos projetos do INTERSSAN em territórios de
tecnologia social.
Fonte: www.interssan.com.br
eixo 4 – goverNaNça daS polítiCaS públiCaS de SSaN
Neste item, os principais resultados referem-se ao apoio às CAISAN
(Câmara Intersecretarial de Segurança Alimentar e Nutricional) dos
estados de São Paulo e Paraná. Nos dois Estados as conferencias de 2015
foram apoiadas a partir do convênio com o MDS. Não só as conferências
estaduais, mas também as regionais e algumas municipais, auxiliando
na organização dos trabalhos e sistematização de resultados. No Paraná
temos auxiliado no levantamento, análise e proposição de indicadores
para avaliação do Plano Estadual de SAN. Em São Paulo, no ano de 2017
para 2018, inovamos realizando a Conferência+2 de SAN com apoio do
meio virtual através da plataforma NutriSSAN-UNESP. Isso permitiu a
participação de 3.000 pessoas e a coleta de propostas online. A equipe do
INTERSSAN foi quem assessorou a CAISAN São Paulo na elaboração do
Silvia Aparecida de Sousa Fernandes; Bernardo Mançano Fernandes
Davis Gruber Sansolo (Orgs.)
50 |
Plano Estadual de SAN aprovado no final de 2018. O plano foi colocado
em consulta pública com apoio da Rede-SANS.
Uma outra ação é o desenvolvimento de ferramentas para diagnóstico
das ações de SSAN nos municípios, facilitando o trabalho de elaboração
dos planos e o desenvolvimento de indicadores aplicados aos estados e
municípios para avaliação das ações de SAN previstas nos planos em seis
dimensões da SAN.
algumaS CoNSideraçõeS Sobre a eStratégia de trabalHo e SeuS
reSultadoS
O ponto central e mais relevante dos resultados aqui apresentados
é o potencial inovador do INTERSSAN para mobilizar pessoas e recursos
às questões de interesse para a SSAN. Estamos nos referindo à advocacy
junto aos gestores públicos, à promoção do acesso ao conhecimento e
à tecnologia nos segmentos sociais de interesse e ao fortalecimento da
pesquisa-ensino-extensão em SSAN por meio da institucionalização da
temática e da cooperação em rede. O INTERSSAN se faz representar por
uma comunidade virtual, fisicamente presente em 40 territórios, conectada
a outras comunidades do Hemisfério Sul, locais e regionais, de saberes e
expertises diversos, vinculadas à academia, cujo ponto de convergência é a
garantia do direito humano à alimentação.
Neste trabalho, a observação dos princípios de funcionamento
das redes sociais (Castells, 2000), busca tornar mais flexível a estrutura
acadêmica, tornando mais horizontais as relações. Uma rede representa um
conjunto de nodos interconectados, com estruturas flexíveis adaptativas
que permite atuar em qualquer tarefa (Castells, 2000) e pode expandir-se
indefinidamente. No caso, estamos trabalhando com processos de indução
que, no entanto, têm um importante componente de liberdade, onde as
tarefas nunca são impostas e as regras são construídas coletivamente. Uma
rede se tece com tarefas comuns e que façam sentido aos envolvidos, a
participação deve ser irrestrita e voluntária (Freire, 2004). Estar na rede
não basta por si só, esse espaço coletivo virtual é um meio e não o fim
Educação do Campo, Soberania Alimentar e Agroecologia:
o papel das tecnologias sociais no fortalecimento das comunidades locais
| 51
último. A concretude das ações é que fortalece a rede, com agendas
e tarefas coletivamente pactuadas (Intercâmbios, seminários, cursos,
soluções tecnológicas, produção de conhecimento, disseminação de
conhecimentos, tecnologias, arte e cultura). O respeito à diversidade
também se faz presente na cultura, na disponibilidade de recursos e nas
formas de condução dos trabalhos. Isso gera um grande ecossistema de
aprendizagem e transformação social (Adner, 2006).
Neste ponto faz-se relevante discutir a importância dos
investimentos públicos em processos de mobilidade, estruturas físicas e de
operacionalização da comunicação que contribuam com esses ecossistemas
de aprendizagem, produção de conhecimento e inovação social e
tecnológica. Que os recursos sejam investidos em trabalhos coletivos,
que as estruturas acadêmicas proporcionem essas oportunidades e que
sejam institucionalizadas. A comunicação virtual não dispensa o encontro
presencial. A partir desses momentos pontuais, como por exemplo a escola
de Verão em Moçambique, na UniZambeze, é que surgem os programas de
trabalho, como foi o caso dos desdobramentos desta escola com parcerias
para a formação em nível de pós-graduação.
O INTERSSAN congrega uma grande rede de atores, organizados
em subredes de interesse (Rede-SANS, GISSAN, Rede Latino-americana
e MU-CONSAN-CPLP). A partir do princípio de auto-organização, essas
subredes devem se autogerir, isso em parte é verdadeiro, pois as relações
horizontais cortam alguns entraves impostos pelas burocracias/hierarquias
acadêmicas e “oxigenam” os processos. No entanto, especialmente se a rede
é operativa, há que se prever uma estrutura mínima de operacionalização do
processo. Isso se faz por meio da captação de recursos ou de investimentos
em diretos institucionais. No caso do INTERSSAN, o centro tem se
mantido majoritariamente de recursos federais. A vinculação da proposta
a uma política pública com a participação do Estado e de blocos políticos
internacionais (UNASUL e CPLP) impõe diretrizes para o trabalho e pode
em certas circunstâncias gerar conflitos. Por outro lado, essa vinculação
confere força política que pode ser fundamental para a integração e
convergência do trabalho. Ao mesmo tempo os recursos viabilizam as ações
nos territórios e os processos de articulação.
Silvia Aparecida de Sousa Fernandes; Bernardo Mançano Fernandes
Davis Gruber Sansolo (Orgs.)
52 |
Historicamente, as universidades têm sido consideradas como o
mais importante mecanismo para gerar, preservar, difundir e transformar
o conhecimento em uma sociedade, o que gera benefícios sociais e
econômicos. Por essa razão as instituições acadêmicas têm o potencial
de facilitar o intercâmbio de conhecimentos e influenciar a tomada de
decisões a partir de evidências (Fonseca et al., 2016). Tradicionalmente as
fronteiras geográficas não se impõem como barreiras para o intercâmbio
de conhecimentos, embora não se negue a desigualdade no acesso
conhecimento, seja no âmbito interno de cada nação ou no âmbito global.
Os processos de cooperação internacional ou interinstitucional
têm o componente acadêmico, mas podem transcender a este, quando se
colocam em questão o desenvolvimento social e econômico sustentável,
no caso especifico a SSAN. Tem havido um crescente comportamento
colaborativo entre países e o reconhecimento da internacionalização como
condição para o desenvolvimento da pesquisa e da tecnologia (Franco,
2015; Naranjo-Estupinan et al., 2014). Áreas como a saúde, a agricultura,
o meio ambiente e segurança alimentar e nutricional são estratégicas para
a garantia da qualidade de vida e dos direitos da pessoa e da terra. E nessas
áreas têm aumentado os pactos e consensos internacionais, assim como
os processos de cooperação, em meio aos quais se encontra a cooperação
acadêmica, que pode se valer de processos clássicos de intercâmbios de
docentes e discentes, mas pode também estar inserida em processos
sociopolíticos de cooperação, com propósitos transformadores.
Ferreira e Fonseca (2017) e Fonseca et al. (2016) chamam de
cooperação estruturante, aquela que se desenvolve em processo de “mão
dupla” onde todas as partes se encontram em posição de igualdade e todos
ganham. Busca-se potencializar os recursos locais, trabalha-se na lógica do
fazer com” e não do “fazer para”. Esses são pressupostos impressos no
trabalho do INTERSSAN. Os processos de formação são participativos,
pautam-se na corresponsabilidade dos parceiros e buscam facilitar a
formação de formadores (multiplicadores). As ações que se desenvolvem
nos territórios de pesquisa-ensino-extensão pautam-se no protagonismo
local, assim como a incidência que se busca na governança das políticas
públicas de SSAN buscam fortalecer o protagonismo da sociedade civil.
Educação do Campo, Soberania Alimentar e Agroecologia:
o papel das tecnologias sociais no fortalecimento das comunidades locais
| 53
No âmbito da academia, a formação de quadros para o ensino
superior e a qualificação da pesquisa são desafiadores na maioria dos
países do Hemisfério Sul. A sinergia é encontrada nos processos de
cooperação mediados pelo INTERSSAN, gerando produtos concretos
como publicações, processos de formação e de transformação das práticas
acadêmicas que se voltam para o território. Não se tem um estudo
aprofundado sobre as demandas e as ofertas de formação no Hemisfério
Sul, sabe-se que a demanda é alta e que a formação de quadros é urgente e
que será preciso construir processos de formação. As ações do INTERSSAN
têm sido direcionadas ao fomento dessas ações viabilizando a comunicação
online e animando a construção coletiva.
No âmbito dos diferentes seguimentos da sociedade o trabalho
da academia surge como elemento capaz de sistematizar, produzir e
difundir conhecimento, seja por exemplo, nos processos de governança
das políticas de SSAN, na agricultura, na culinária entre muitos outros.
Esse conhecimento sistematizado pode caracterizar-se como uma
tecnologia ou um sistema de tecnologias (ou sistema sociotécnico). A
pesquisa participante e muitas vezes avaliativa permite a sistematização de
informações retroalimentando o fazer acadêmico e as políticas públicas
(Tamaka; Tanaki, 2012). Isso coloca em evidência que a atuação do
pesquisador nos cenários de práticas não se restringe à transferência de
tecnologias ou mesmo à promoção do desenvolvimento que é próprio
da extensão. O rigor do método gera conhecimento científico e assim se
efetiva a tríade pesquisa-ensino-extensão. Parece ser esse o caminho que se
apresenta para se chegar mais próximo de sistemas alimentares sustentáveis,
saudáveis, justos e inclusivos.
Concluindo podemos afirmar que as ações do INTERSSAN aqui
mostradas representam uma amostra do potencial de participação da
academia na transformação dos sistemas alimentares para que sejam
saudáveis, sustentáveis, justos e inclusivos. A cooperação e o trabalho
em rede fortalecem a academia e garantem um cenário de práticas
contextualizado na realidade, ao mesmo tempo que permitem diferentes
olhares para a solução dos problemas comuns aos países do Hemisfério Sul:
Silvia Aparecida de Sousa Fernandes; Bernardo Mançano Fernandes
Davis Gruber Sansolo (Orgs.)
54 |
- A expertise acumulada e integração de diferentes áreas de saber facilitam
a busca de soluções. A comunicação online permite interação, divulgação
do conhecimento, formação e cooperação. Fortalece grupos emergentes e
aumenta a experiência de grupos já consolidados.
- Mais do que produzir conhecimento, a academia empresta a sua expertise
para sistematizar/transformar o conhecimento existente, em diálogo
contínuo com os interesses da sociedade.
- Os processos formativos aumentam o cociente das habilidades técnicas,
promovem o cuidado de si, do outro e da natureza, ao mesmo tempo que
representam cenários de ensino e pesquisa.
- Os processos formativos participativos e colaborativos promovem bons
resultados e ampliam o acesso ao conhecimento.
- As ações aqui apresentadas têm ampliado a institucionalização da SSAN
na UNESP, na UNILAB e nas universidades parceiras.
- A pesquisa participante nos processos de formação e outros projetos
permitem o aprimoramento dos processos de gestão e o desenvolvimento
de tecnologias sociais.
- A inserção da academia nos processos de gestão das políticas públicas
facilita a interlocução dos atores desses processos, permite a sistematização
desses processos e qualifica a todos.
referêNCiaS
ADNER, R. Match your innovation strategy to your innovation ecosystem. Harvard
Business Review, Boston, v. 84, n. 4, p. 1-11, 2006.
AGUILAR, N.; MARTÍNEZ, E.; AGUILAR, J. Análisis de redes sociales: conceptos
clave y cálculo de indicadores. México: Universidad Autónoma Chapingo, 2017.
BERBEL, N. A. N. A metodologia da problematização com o Arco de Mareguez:
uma reflexão teorico-epistemológica. Londrina: EDUEL, 2012.
BRANDÃO, C. R. A participação da pesquisa no trabalho popular. In: BRANDÃO, C.
R. (org.). Repensando a pesquisa participante. 3. ed. São Paulo: Brasiliense, 1987.
Educação do Campo, Soberania Alimentar e Agroecologia:
o papel das tecnologias sociais no fortalecimento das comunidades locais
| 55
BUCHBINDER, P. La Reforma Universitaria en vísperas de su centenario: notas sobre
su historiografía. Boletín del Instituto de Historia Argentina y Americana “Dr.
Emilio Ravignani”, Buenos Aires, Tercera serie, n. 49, p. 176-196, segundo semestre,
2018.
CASTELLS, M. Toward a Sociology of the Network Society. Contemporary Socio-
logy, Washington, v. 29, n. 5, p. 693-699, 2000. Disponível em: http://links.jstor.
org/sici?sici=00943061%28200009%2929%3A5%3C693%3ATASOTN%3E2.0.
CO%3B2-8. Acesso em: 30 out. 2022.
DAGNINO, R. Estudos Sociais da Ciência e Tecnologia & Política de Ciência e
Tecnologia. Alternativas para uma nova América Latina. São Paulo: Eduepb, 2010.
DELGADO, F.; RICALDI, D. Desarrollo endógeno y transdisciplinariedad en
la educación superior: cambios para el diálogo intercientífico entre el conocimiento
eurocéntrico y el conocimiento endógeno. La Paz-Bolivia: Plural editores, 2012. (Serie
cosmo-visión y ciencias 5).
DEMO, P. Pesquisa Participante: saber pensar e intervir juntos. Brasília, DF: Liber
livro, 2004.
ENES, C. C.; LOIOLA, H.; OLIVEIRA, M. R. M. Cobertura populacional do Sistema
de Vigilância Alimentar e Nutricional no Estado de São Paulo, Brasil. Ciência & Saúde
Coletiva (Impresso), Rio de Janeiro, v. 19, n. 5, p. 1543-1551, maio 2014.
EVANGELISTA, M. M.; ROSSATO, S.; FERREIRA, M., FLÁVIA NEGRI, F.;
OLIVEIRA, M. R. M. Determinants of food and nutrition actions in primary
healthcare clinics in the State of São Paulo, Brazil. Revista Chilena de Nutricion,
Santiago de Chile, v. 46, n. 5, 2019.
FAERMAM, L. A. A Pesquisa Participante: suas contribuições no âmbito das Ciências
Sociais. Revista Ciências Humanas, Taubaté, v. 7, n. 1, p. 41-56, 2014.
FERNANDES, A. C. P.; FLORES, J. A. A.; RAMÍREZ, Y. P. G.; POPELKA,
R.; GONZALEZ, A.; ESPINOZA, R. H. M.; CARRIÓN, M. J. C.; WEBER,
T. K.; OLIVEIRA, M. R. O. Food environments for a health end nutrition diets:
the contribution of academia. United Nations System Standing Committee on
Nutrition. UNSCN NUTRITION, Rome, n. 44, p. 160-168, 2019. Disponível
em: http://redesans.com.br/rede/wp-content/uploads/2019/08/UNSCN_
Nutri%C3%A7%C3%A3o_44.pdf. Acesso em: 30 out. 2022.
FERREIRA, J. R.; FONSECA, L. E. Cooperação estruturante, a experiência da Fiocruz.
Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 22, n. 7, p. 2129-33, 2017.
FERREIRA, M. C. S.; NEGRI, F.; GALESI, L. F.; DETREGIACHI, C. R. P.;
OLIVEIRA, M.R.M. Monitoramento nutricional em unidades de atenção primária à
saúde. Revista da Associação Brasileira de Nutrição, v.8, p.37 - 45, 2017.
Silvia Aparecida de Sousa Fernandes; Bernardo Mançano Fernandes
Davis Gruber Sansolo (Orgs.)
56 |
FONSECA, B. P. F. et al. Co-authorship network analysis in health research: method
and potential use. Health Research Policy and Systems, London, v. 14, p. 34, 2016.
FRANCO, Z. E. A Social Network Analysis of 140 Community-Academic Partnerships
for Health: Examining the Healthier Wisconsin Partnership Program. Clinical and
Translational Science, Hoboken, v. 8, n. 4, p. 311-319, 215.
FREIRE P. Educação como prática de liberdade. 22. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1996.
FREIRE, P. Extensão ou Comunicação? 17. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2015.
FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São
Paulo: Paz e Terra, 2004.
GONZÁLEZ, A. L.; FERNANDES, A. C. P.; ALBRECHT, C.; ROMAN, D.;
FLORES, J. A. A.; BURGOA, J. M. F. D.; OLIVEIRA, M. R. M.; CARRIÓN,
M. J. C.; POPELKA, R.; ESPINOZA, R. I. M.; WEBER, T. K.; Experiencia en el
proceso de construcción de tecnologías sociales en el campo de la soberanía y seguridad
alimentaria y nutricional en América del Sur. In: CARVALHO, M. C. V. S., CAMPOS,
F. M., KRAEMER, F. B., eds. Tecnologias sociais e de comunicação como recursos
educacionais em alimentação. Rede Ibero Americana de Pesquisa Qualitativa em
Alimentação e Sociedade - Rede NAUS. 2020.
HADDAD, L.; HAWKES, C.; WEBB, P.; THOMAS, S.; BEDDINGTON, J.;
WAAGE, J.; FLYNN, D. A new global research agenda for food. Nature, London, v. 30
n. 540, p. 30-32, 2016.
MATURANA, H. Cognição, ciência e vida cotidiana. Belo Horizonte: Ed. da
UFMG, 2001. 172 p.
MATURANA, H.; REZEPKA, S. Formação humana e capacitação. Tradução Jaime
A. Clasen. Petrópolis, RJ: Vozes, 2000.
MINAYO, M. C. S. Análise qualitativa: teoria, passos e fidedignidade. Ciência &
Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 17, n. 3, p. 621-626, 2012.
MORIN, E.; CIURANA, E.; MOTTA, R. D. Educar na era planetária: o pensamento
complexo como método de aprendizagem pelo erro e incerteza humana. São Paulo:
Cortez; Brasília, DF: UNESCO, 2003.
NARANJO-ESTUPINAN, N. F.; MORA, Q. J.; JAIMES-VEGA, D.; IDROVO, A. J.
Redes de coautoría de investigación en salud pública en Santander. Biomédica, Bogotá,
v. 34, n. 2, p. 300–307, 2014.
NEGRI, F.; FERREIRA, M. C. S.; MARTINS, R. C. B.; OLIVEIRA, M. R. M.
Calibração de antropometristas para pesquisa em vigilância alimentar e nutricional.
Nutrire, São Paulo, v. 40, p. 111-119, 2015.
Educação do Campo, Soberania Alimentar e Agroecologia:
o papel das tecnologias sociais no fortalecimento das comunidades locais
| 57
OLIVEIRA, M. R. M. O papel das Universidades na ESAN-CPLP e no apoio à
Agricultura Familiar. In: AGRICULTURA Familiar e Desenvolvimento Sustentável na
CPLP. Portugal: Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura/
Comunidade dos Países de Língua portuguesa/Republica Portuguesa, 2018. Disponível
em: http://www.fao.org/uploads/media/AF_CPLP_FAO.pdf. Acesso em: 30 out. 2022.
OLIVEIRA, M. R. M.; WEBER, T. K.; Redes Acadêmicas: El SIG obesidad en la Red
Latinoamericana de Soberanía y Seguridad Alimentar e Nutricional. Botucatu: Unidade
NutriSSAN do Centro de Ciência, Tecnologia em Soberania e Segurança Alimentar e
Nutricional da UNESP (INTERSSAN), 2018. Disponível em: http://interssan.com.br/
fasciculo-1-redes-academicas-o-sig-obesidade-na-rede-latino-americana-de-soberania-e-
seguranca-alimentar-e-nutricional/. Acesso em: 30 out. 2022.
OLIVEIRA, M. R.; VEIRA, C. M ; GALESI, L. F. O Tecido da Rede-SANS: histórico,
narrativas e reflexões. São Paulo: Cultura acadêmica, 2016. v. 1.
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Comentário Geral número 12: o direito
humano à alimentação (art.11). Genebra: Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e
Culturais do Alto Comissariado de Direitos Humanos/ONU, 1999.
PORPROEX, Política de Extensão Universitária. Fórum de Pró-Reitores de Extensão
das Universidades Públicas Brasileiras (FORPROEX), Manaus, Maio 2012.
RAMÍREZ, Y. P. G.; TAMAYO, E. M. P.; SALAZAR, A. D. M.; OLIVEIRA, M. R.
M. Inducción de una Red Académica como estrategia de fortalecimiento de las Políticas
Públicas de Soberanía y Seguridad Alimentaria y Nutricional en Suramérica. Revista
Hispana para el Análisis de Redes Sociales, v. 30, p. 167 a 180, 2019.
SANTOS, B. S. A filosofia à venda, a douta ignorância e a aposta de Pascal. Revista
Crítica de Ciências Sociais, Coimbra, v. 80, p. 11-43, 2008.
TAMAKA, O.Y.; TANAKI, E.M. O papel da avaliação para a tomada de decisão na
gestão de serviços de saúde. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 17, n. 4, p.
821-828, abr. 2012.
THIOLLENT, M. Metodologia da pesquisa-ação. 4. ed. São Paulo: Cortez, 1988.
VIEIRA, C.M; SANTIAGO, L. S.; TAVARE, P. C. W.; BRANDT, A.; NEGRI, F;
OLIVEIRA, M.R.M. Aplicação da técnica de grupo focal em pesquisa da Rede-SANS
sobre as ações de alimentação e nutrição na atenção básica em saúde. Cadernos Saúde
Coletiva (UFRJ), v. 21, p. 407-413, 2013.
58 |
| 59
C 2
R  
  
,    
    
  
 ¹
Martha Alicia Cadavid Castro
Julia María Monsalve Álvarez
Ginna Marcela Rodríguez Casallas
Sara Eloísa Del Castillo Matamoros
Lina María Vélez Acosta
Diana Patricia Giraldo Ramírez
Este trabajo fue financiado por el Departamento Administrativo de Ciencia, Tecnología e Innovación
de Colombia –Colciencias- (Ahora Ministerio de Ciencia, Tecnología e Innovación –Minciencias-) a
través de la convocatoria 744 de 2016 para proyectos de ciencia, tecnología e innovación en salud, en
cofinanciación con la Universidad de Antioquia, la Universidad Nacional de Colombia y la Universidad
Pontificia Bolivariana.
Silvia Aparecida de Sousa Fernandes; Bernardo Mançano Fernandes
Davis Gruber Sansolo (Orgs.)
60 |
iNtroduCCióN
En la creación, impulso y protección de sistemas de abastecimiento
y distribución de alimentos que asuman el propósito de garantizar la
soberanía alimentaria y la seguridad alimentaria y nutricional es
fundamental que los actores que se involucran tengan acceso equitativo
al conocimiento, la ciencia y la tecnología, pero que además participen
de su creación y apropiación.
Sin embargo, en la consolidación de los sistemas de abastecimiento
y distribución de alimentos hegemónicos, que privilegian los negocios
intensivos en capital transnacional, monopolizan en pocas marcas o actores
el proceso y en el que el distribuidor logra altos niveles de control mediante
integración vertical (Gasca; Tottes, 2013), se ha privilegiado la generación
de conocimiento a través de la ciencia positivista, y la incorporación de los
avances científicos, tecnológicos e informáticos se ha realizado vía mercado.
Consecuentemente sólo quienes disponen de altos capitales financieros
pueden acceder plenamente a los beneficios de su adopción para ponerla
igualmente al servicio de la producción de más capital, sin considerar las
consecuencias sociales y medioambientales de su masificación. De esta
manera, “[...] la producción de conocimiento incrementa la riqueza,
pero no necesariamente mejora la distribución de la misma.” (Conceição,
2001, p. 4), con lo cual, estos enfoques de producción y adopción del
conocimiento generan profundas inequidades (Cozzens, 2012).
Ante los problemas generados por este tipo de sistemas surgen
propuestas alternativas de producción, distribución y consumo de
alimentos que, a su vez, plantean formas democráticas y plurales de
generar conocimiento y tecnología, capaces de articular los saberes
populares, ancestrales y científicos para desarrollar acciones que garanticen
el suministro de alimentos sanos y sostenibles a las poblaciones. Podría
decirse que se basan en el paradigma democrático de la innovación social al
concebir las estructuras de poder desde la horizontalidad, y a la comunidad
como partícipe del proceso de concepción y ejecución de las iniciativas
(Montgomery, 2016). Esta visión comprende elementos de articulación
para la acción social, que según Ortega y Marín “[..] resultan ser relevantes,
Educação do Campo, Soberania Alimentar e Agroecologia:
o papel das tecnologias sociais no fortalecimento das comunidades locais
| 61
puesto que la inclusión de la comunidad dentro del proceso se constituye
en una condición altamente disruptiva dentro de la realidad social, y por
ende un insumo fundamental para el cambio social.” (Ortega Hoyos; Marín
Verhelst, 2019, p. 92). Además posibilita procesos de empoderamiento
ciudadano que son susceptibles de traducirse en incidencia en las políticas
(Ortega Hoyos; Marín Verhelst, 2019).
Derivado del trabajo investigativo
2
liderado por la Universidad
de Antioquia, la Universidad Nacional de Colombia, y la Universidad
Pontificia Bolivariana, con financiación del Departamento Administrativo
de Ciencia, Tecnología e Innovación de Colombia (Colciencias), en el cual
se caracterizaron las prácticas de producción, distribución y consumo de
alimentos que promueven los modelos tradicional, moderno y alternativo,
este capítulo presenta los análisis en relación al acceso y apropiación del
conocimiento y la tecnología hallados en los modelos .
La investigación en mención fue realizada a partir de un estudio
de casos colectivos en cinco ciudades, Bogotá (capital del país ubicada
en la zona centro), Medellín (segunda ciudad ubicada en la zona centro
occidental, y Pereira, Armenia y Manizales, estas últimas capitales de tres
departamentos que constituyen el llamado eje cafetero. Con esta selección
se logró incluir zonas urbanas de diferente tamaño y localización, y con
diferentes maneras de relacionarse con las zonas rurales que les abastecen
de alimentos. Los casos del modelo tradicional estuvieron representados
por plazas de mercado centrales y satelitales, el modelo moderno estuvo
constituido por formatos de hipermercados, supermercados, tiendas
express y de conveniencia, y el alternativo por ferias (mercados campesinos,
mercados verdes y mercados agroecológicos), tiendas de comercio justo
(físicas y virtuales) y ventas en finca. En total fueron incluidos 60 casos.
Los hallazgos en relación a la producción, acceso y apropiación
de conocimiento y tecnología, indican que existen inequidades en los
modelos de abastecimiento y distribución de alimentos, que de hecho han
Este proyecto de investigación puede tiene por título: Características de Estructuras Alternativas de
Distribución de Alimentos en Colombia y su Potencial para la Construcción de Políticas Públicas de
Soberanía y Seguridad Alimentaria y Nutricional. Colciencias, coordinado por CADAVID-CASTRO,
Martha Alicia et al. 2019.
Silvia Aparecida de Sousa Fernandes; Bernardo Mançano Fernandes
Davis Gruber Sansolo (Orgs.)
62 |
generado diferencias en el posicionamiento de los modelos tradicional y
moderno, en favor de este último. Por su parte, el modelo alternativo,
propone nuevas formas de gestionar el sistema alimentario, lo cual incluye
concepciones democráticas de la generación y apropiación del conocimiento
y la tecnología que requiere el sistema, poniendo de relieve formas de
empoderamiento y redistribución del conocimiento, en particular entre
los campesinos y las comunidades asociadas a la producción, distribución
y consumo alternativo de alimentos.
El presente capítulo parte de la descripción de las condiciones
de acceso a los recursos productivos en el País y las políticas de ciencia,
tecnología e innovación (CTeI) orientadas al sector rural para ofrecer un
panorama contextual. Seguidamente presenta los hallazgos en acceso y
apropiación del conocimiento y la tecnología en los diferentes modelos
de distribución de alimentos. Así mismo se retoma el caso de la Red
Campesina Productora de Vida y Paz de Sumapaz como un ejemplo para
mostrar cómo las concepciones democráticas en que se fundamentan las
redes alimentarias alternativas se convierten en una oportunidad para
democratizar la generación y adopción del conocimiento, la ciencia y la
tecnología requeridos para un sistema alimentario, que se construye a
partir del diálogo entre el saber popular y científico al servicio del bienestar
social, la equidad, la salud y la protección del medio ambiente.
aCCeSo a reCurSoS produCtivoS, aSeSoría y aSiSteNCia téCNiCa eN
Colombia
Colombia tiene un alto potencial agrícola, de hecho es uno de los
países con mayor potencial de expansión de tierras para uso agrícola en
el mundo ubicándose en el puesto 25 de 223 países donde se evalúa el
potencial de expansión de la frontera agrícola sin afectar el ecosistema
natural (Colombia, 2018). Según el Ministerio de Agricultura y Desarrollo
Rural (MADR), el potencial de crecimiento se estima en 10 millones
de hectáreas, sumado a características como diversos pisos térmicos y la
Educação do Campo, Soberania Alimentar e Agroecologia:
o papel das tecnologias sociais no fortalecimento das comunidades locais
| 63
disponibilidad del recurso hídrico, son un indicador del margen que tiene
Colombia en cuanto al desarrollo de la producción (Mejía-Lopez, 2015).
Sin embargo, en Colombia predominan elementos que impiden el
aprovechamiento de todo el potencial agrícola, Giraldo (2013) plantea
algunos de los factores que obstaculizan el incremento en la productividad
del sector agropecuario como el atraso en el estado de la infraestructura
vial que impide una distribución adecuada y oportuna de los alimentos en
todas las regiones de Colombia; lo anterior se evidencia con una red vial
en donde sólo el 14,9% se encuentra pavimentada, a pesar de lo anterior,
la infraestructura vial es un factor decisivo en la competitividad del país ya
que cerca del 80% del total de la carga nacional es transportada por este
médio (CEPAL, 2007). El país se encuentra muy rezagado en el desarrollo
de los sistemas de riego y drenaje, de 6,6 millones de hectáreas, sólo 9000
cuentan con mejoras. La tierra irrigada representa el 23,3% del total de
tierra cultivada y tan sólo el 13,6% de la superficie potencial para riego
(Word Bank, 2008). La información sobre qué cultivar, en la mayoría de
los casos, proviene de fuentes informales (Usaid, 2007). El sector rural se
ha caracterizado por una histórica distribución desigual de la propiedad de
la tierra entre los pequeños productores que, en su mayoría, se ubican en
áreas con suelos de baja calidad. La degradación de los recursos naturales
afecta directamente el rendimiento de los cultivos y, por ende, la provisión
de alimentos, ingreso y empleo. En Colombia se estima que alrededor de
un 48% del territorio tiene algún grado de degradación. Según DNP el
modelo productivo predominante en el país se caracteriza por no hacer un
uso adecuado de los fertilizantes compuestos, los plaguicidas, fungicidas y
herbicidas (Colombia, 2007).
Las inversiones en cuanto actividades de ciencia, tecnología e
innovación son bajas, Colombia presenta en el contexto latinoamericano
un bajo gasto, como proporción del PIB 0,37% y como proporción del
número de investigadores en ciencias agrícolas respecto a la población
0,62% (Observatorio Colombiano de Ciencia, Tecnología e Innovación,
2018). El escaso uso de los servicios de asistencia técnica es una manera
de evidenciar los bajos niveles de innovación en las unidades productivas
agrícolas (UPA) y según el último censo agropecuario solo el 16,5% de las
Silvia Aparecida de Sousa Fernandes; Bernardo Mançano Fernandes
Davis Gruber Sansolo (Orgs.)
64 |
unidades declararon recibir asistencia técnica y en el 16,4% de las UPA del
área rural dispersa censada, los productores declararon tener maquinaria
para el desarrollo de sus actividades agropecuarias (Colombia, 2014).
Es así como la Organización para la Cooperación y el Desarrollo
Económicos (OCDE), en su revisión de la política agrícola en Colombia
señala: “[...] el sector agrícola ha padecido las consecuencias de la adopción
de unas políticas deficientes y afronta importantes desafíos estructurales.
(OCDE, 2019) y sugiere que, para alcanzar un crecimiento agrícola
sostenible, Colombia debe desarrollar una política agrícola de largo plazo
que contribuya a corregir deficiencias como la posesión de la tierra, la
infraestructura del transporte, la gestión del agua y suelo, el fortalecimiento
de los sistemas de inocuidad alimentaria y sanidad animal y vegetal, así
como el de información de mercados, mejorar la educación, fortalecer la
investigación y el desarrollo tecnológico y los servicios de asistencia técnica
y extensión. Desde tal perspectiva, la gobernanza y la coordinación de la
política agrícola deben también tener una especial atención, al igual que el
ordenamiento institucional a nivel departamental y municipal.
Desde la Constitución Nacional de Colombia de 1991 se vislumbran
rasgos de legislar sobre la asistencia técnica integral, pues señala que el
Estado tiene la obligación de promover el acceso a la asistencia técnica,
considerada como un servicio público obligatorio y subsidiado para
pequeños y medianos productores. La Ley 077 de 1987, definió que la
responsabilidad de la asistencia era de las entidades territoriales municipales
a través de las Unidades Municipales de Asistencia Técnica Agropecuaria
(UMATA), sin embargo sólo entró en vigor mediante el Decreto 2379 de
1991 que reglamentó el proceso de prestación del servicio de asistencia
técnica agropecuaria para pequeños y medianos productores, en el cual
se expresa que se deberán asesorar a los usuarios, según las características
socio - económicas y agroecológicas de la región, en aptitud de suelos, en
las posibilidades del mercado, en la selección del tipo de actividad; en la
planificación de sus explotaciones agrarias, forestales y pesqueras; en la
aplicación y uso de tecnologías adecuadas a la naturaleza de la actividad
productiva y a los recursos que utilice; en el financiamiento e inversión
Educação do Campo, Soberania Alimentar e Agroecologia:
o papel das tecnologias sociais no fortalecimento das comunidades locais
| 65
de los recursos de capital, en el uso y mercadeo apropiados de los bienes
producidos y en la promoción de las formas de organización.
Con los Consejos Municipales de Desarrollo Rural, creados mediante
Ley 101 de 1993, se reguló la concertación y planificación de las actividades
rurales de los municipios; y con ello se establecieron instancias encargadas
de proponer, acompañar e impulsar los proyectos con impacto rural.
Luego, la Ley 607 de 2000 reglamentó la asistencia técnica directa rural,
generando las bases para una atención regular y continua a los productores
agrícolas, pecuarios, forestales y pesqueros, en asuntos como la aptitud de
los suelos, selección del tipo de actividad a desarrollar y planificación de
las explotaciones; aplicación y uso de tecnologías y recursos adecuados a
la naturaleza de la actividad productiva; posibilidades y procedimientos
para acceder al financiamiento; mercadeo de los bienes producidos y en la
promoción de las formas de organización de los productores; procurando
articular las funciones de las UMATA con el Sistema Nacional de Ciencia
y Tecnología (Colombia, 2000).
Sin embargo, las UMATA no funcionan de la misma manera en todos
los municipios del país, la mayoría tiene escasez de recursos financieros
y humanos, o problemas sociopolíticos, lo que se traduce, entre otros
aspectos, en desigualdades en la atención y asistencia agropecuaria, así
como inequidad en acceso e implementación de tecnologías apropiadas.
En cuanto a la institucional y legislación colombiana en CTeI,
que contribuya y oriente la asesoría y asistencia técnica rural, se podría
mencionar la Ley 29 de 1990, que ofrece lineamientos para el fomento
de la investigación científica y el desarrollo tecnológico, que dio posterior
origen al Sistema Nacional de Ciencia, Tecnología e Innovación, mediante
el Decreto 585 de 1991. Este sistema tiene como propósito integrar
actividades científicas, tecnológicas y de innovación bajo un marco donde
empresas, Estado y academia interactúen. Por su parte, la Ley 1286 de
2009, transforma el Departamento Administrativo de Ciencia, Tecnología
e Innovación (Colciencias), con orígenes en 1968, y prioriza el fomento
a la investigación científica, la promoción de actividades innovadoras en
empresas privadas y la formación de nuevas generaciones con vocación
científica.
Silvia Aparecida de Sousa Fernandes; Bernardo Mançano Fernandes
Davis Gruber Sansolo (Orgs.)
66 |
En el 2011 se determinó la destinación del 10% de los recursos del
Sistema General de Regalías (SGR) para el Fondo Nacional de Ciencia,
Tecnología e Innovación destinados a financiar proyectos de investigación
que planteen soluciones a las necesidades de las regiones (Robledo; Giraldo,
2017). El SGR ha hecho que diferentes actores construyan e implementen
propuestas de impacto rural que les permiten acceso a recursos financieros;
sin embargo, algunas de ellas son ajenas a las necesidades de los municipios
y de los propios productores. Desde 2019, Colciencias pasa a ser el
Ministerio de Ciencia, Tecnología e Innovación, a través de la Ley 1951,
con el fin de impulsar la promoción del conocimiento, la productividad y
la contribución al desarrollo y la competitividad del país.
El recorrido anterior permite denotar que si bien el distanciamiento,
por lo menos desde la legislación, entre la asistencia técnica y la CTeI
ha venido recortándose, en un país tan diverso y con necesidades de
la ruralidad acumuladas a través de los años, la implementación de las
normas no es una tarea fácil, y se evidencia en el bajo e inequitativo acceso
e incorporación de ciencia y tecnología en procesos del sector agrícola, que
en gran medida depende del acceso a recursos financieros, así como de la
educación de las personas involucradas, del conocimiento de las realidades
de los territorios y de los enfoques y acciones de política pública para
gestionar el sistema de CTeI.
En general, las políticas de CTeI en el país se han direccionado
desde marcos que priorizan las contribuciones de la ciencia al crecimiento
económico, o la promoción del emprendimiento, la capacitación y la
educación de la fuerza laboral (Schot; Steinmueller, 2019), pero cada vez
hay mayor evidencia y demanda social porque estas políticas pongan en
el centro, mas que la economía, las preocupaciones sociales y ambientales
contemporâneas (Giuliani, 2018), lo cual implica su implementación
desde enfoques democráticos, construidos entre una variedad de actores,
incluida la sociedad civil, el Estado, los empresarios, el personal técnico y
los científicos.
Educação do Campo, Soberania Alimentar e Agroecologia:
o papel das tecnologias sociais no fortalecimento das comunidades locais
| 67
Con el fin de contribuir a la comprensión de esta situación en los
sistemas de abastecimiento y distribución de alimentos, a partir de nuestros
hallazgos de investigación, a continuación se describen las diferencias
encontradas en los modelos existentes, en los que se hace evidente el
posicionamiento alcanzado por el modelo moderno gracias a la adopción de
los avances tecnológicos e informáticos, el rezago que esta misma situación
genera al modelo tradicional y las propuestas alternativas en relación a
la producción y acceso al conocimiento y la tecnología, involucrando la
diversidad de actores y saberes de los territorios para aprovecharlo en las
decisiones y procesos tendientes a lograr que el sistema alimentario sea
saludable, sustentable, solidario y equitativo.
aCCeSo deSigual a CieNCia y teCNología para la produCCióN y
diStribuCióN de alimeNtoS: el CaSo del modelo tradiCioNal y
moderNo
modelo tradiCioNal
Los productores tradicionales de alimentos tienen un acceso desigual
a los recursos, en la medida que en este modelo coexisten agricultores
con diferentes capacidades, condicionadas por sus capitales económicos,
humanos y sociales, que limitan o favorecen el acceso a bienes y servicios
requeridos para la producción y distribución de sus alimentos.
En lo que se refiere al modelo productivo, las prácticas han sido
influenciadas por la producción convencional, a la que se han adherido
la mayoría de agricultores en detrimento de las prácticas tradicionales;
en consecuencia, la producción de alimentos tiene una alta dependencia
del mercado, en el cual se accede, entre otros, a insumos, herramientas,
semillas, agroquímicos, así como a la capacitación, asesoría y asistencia
técnica que se requiere para su uso. De esta manera la estabilidad de la
producción depende de los recursos económicos disponibles y generados
por la venta de los alimentos, con lo cual los pequeños productores tienen
Silvia Aparecida de Sousa Fernandes; Bernardo Mançano Fernandes
Davis Gruber Sansolo (Orgs.)
68 |
desventajas para el acceso a los recursos materiales y a la capacitación.
Igualmente, el acceso y aplicación del conocimiento se ve limitado, dado
que este modelo se fundamenta en mano de obra familiar, en la que la
mayoría de sus miembros logran bajos niveles de educación formal y, en
general, no acceden a educación no formal o información relacionada
con su labor.
En consecuencia, en este modelo de producción mientras algunos
agricultores tienen la capacidad de realizar prácticas de agricultura
intensiva y tecnificada, los más pequeños desarrollan sus prácticas de
manera artesanal, con la utilización preponderante de herramientas
manuales, su propia fuerza de trabajo y acarreando los problemas técnicos,
económicos y de salud que implican su adherencia al modelo convencional
de producción de alimentos.
Las diferencias también se hacen evidentes en el manejo poscosecha
y en el tipo de mercados a los que pueden acceder los productores.
Quienes tienen menos acceso a los recursos o menor posibilidad de
generar herramientas, por ejemplo, para la clasificación, limpieza y
empaque, tienen las mayores pérdidas y consecuentemente afectaciones
económicas y ambientales. El transporte de los alimentos generalmente
se realiza en vehículos que no tienen las características adecuadas y las
tecnologías apropiadas para la conservación de los alimentos, sumado
a que se usan medios de embalaje que no contribuyen a conservar su
integridad. El resultado son altos niveles de pérdidas en este eslabón del
sistema de abastecimiento.
Quienes tienen menores capacidades y recursos presentan dificultades
para acceder directamente a los mercados, así como a información que les
permita tomar decisiones en relación a la producción o comercialización
de los alimentos, de hecho, los agricultores tienen muy poco poder en
el mercado. En consecuencia, la manera más común de comercializar
las cosechas es a través de acopiadores e intermediarios, quienes realizan
la función de conexión entre la producción y el consumo de alimentos,
usando el modelo tradicional de distribución de alimentos.
Educação do Campo, Soberania Alimentar e Agroecologia:
o papel das tecnologias sociais no fortalecimento das comunidades locais
| 69
El modelo de distribución tradicional de alimentos subsiste en
Colombia a pesar de las etapas de declive que ha sufrido, entre otras
razones, por la baja capacidad de adopción de herramientas y tecnología
que le permitan hacer más eficientes, transparentes y seguros sus procesos.
De hecho, podría decirse que esta condición marca profundas diferencias
en relación al modelo moderno de distribución de alimentos.
Uno de los formatos más representativos de la distribución tradicional
en Colombia son las plazas de mercado, las cuales han tenido muy poca
intervención en el mantenimiento o renovación de su infraestructura,
la adopción de nuevas tecnologías y modelos de gestión administrativa.
Sólo en años recientes, en algunas de las plazas de mercado de las grandes
ciudades, nuevas generaciones de comerciantes y administradores han
incorporado recursos técnicos y tecnológicos básicos para realizar las
operaciones comerciales, mejorar la exhibición de los alimentos, optimizar
la comunicación y preservar los alimentos en busca de garantizar su calidad
e inocuidad. También se han adoptado herramientas para la gestión
administrativa, contable y financiera, la mayoría de las administraciones
de las plazas de mercado se han dotado de equipos de cómputo, así como
de dispositivos para la vigilancia y seguridad e incorporado servicios
adicionales como los bancarios y la comercialización a través de aplicaciones
para dispositivos móviles.
Sin embargo, las nuevas tecnologías no han podido ser adoptadas
por todos los comerciantes, debido a sus escasos recursos financieros o
de infraestructura; esto último por la antigüedad de las edificaciones y la
poca intervención para subsanar el deterioro y obsolescencia que sufren.
Los déficits de recursos físicos y técnicos se suplen, al menos en parte, con
una alta rotación de los inventarios, lo cual implica mayores costos de
operación y ambientales, e impone limitaciones en la garantía de la calidad,
inocuidad y almacenamiento de mayores volúmenes. Estas situaciones
también se explican por la perpetuación de formas de comercialización
poco transparentes y controladas por pocos mayoristas. De esta manera,
la transformación de las plazas de mercado está condicionada por las
capacidades e intereses de quienes tienen bajo su responsabilidad la
administración y gestión.
Silvia Aparecida de Sousa Fernandes; Bernardo Mançano Fernandes
Davis Gruber Sansolo (Orgs.)
70 |
modelo moderNo
Podría decirse que la producción moderna de alimentos, es altamente
tecnificada dado la especificidad de cultivos que se requieren para satisfacer
las demandas de las grandes y medianas urbes a las que abastece. Acorde a
los resultados del estudio, la gran mayoría de productores son dueños de
las tierras que cultivan, las cuales especializan en un tipo de cultivo, por
ejemplo: tomate, hojas verdes, papa, entre otros. Usan el fitomejoramiento
para incrementar el rendimiento por área sembrada, instalaciones cerradas
o invernaderos, riego y nutrición de las plantas mediante fertirriego por
goteo, con características propias de la agricultura de precisión, sistemas
contables y de software que permiten tener un control total de los cultivos
desde la siembra hasta la venta de los productos. La implementación
de los procesos usando estas herramientas requiere contar con capital
financiero y humano altamente cualificado, como contadores, agrónomos,
biólogos, responsables de llevar los nuevos desarrollos en biotecnología a la
producción de alimentos.
En las fases subsiguientes a la producción también el productor del
modelo moderno cuenta con infraestructura y avances tecnológicos, para
la poscosecha cuentan con centros de acopio que les permite limpiar,
seleccionar y empacar acorde a los requerimientos de cada uno de sus
clientes, se identifican algunos procesos manuales como la selección y el
empacado y otros que requieren el uso de algún equipo para el secado y
limpieza de los productos. La poscosecha es una fase fundamental para
la venta, dado que de esta depende la vida útil final del producto y la
compra o la devolución de estos. La mayoría de los productores a gran
escala cuentan con vehículos propios para surtir los canales modernos,
en ocasiones se apoyan con terceros. Los carros generalmente cuentan
con la tecnología necesaria para garantizar las condiciones óptimas de
calidad e inocuidad, como control de temperatura, palancas mecánicas,
canastillas, entre otros.
En suma, los productores que surten el modelo moderno de
distribución de alimentos realizan procesos convencionales, en los que
hacen uso de tecnología de avanzada que les permite ser muy competentes
Educação do Campo, Soberania Alimentar e Agroecologia:
o papel das tecnologias sociais no fortalecimento das comunidades locais
| 71
en el mercado. Todo este manejo lleva a que los grandes productores
tengan una ventaja sobre los pequeños, con quienes establecen algunas
relaciones mediante contratos para ajustar los requerimientos de
productos según la demanda.
La distribución moderna de alimentos se caracteriza por sus formatos
de grandes superficies representados en los hipermercados y supermercados,
pero dado su capacidad de adaptación a las nuevas demandas del desarrollo
urbano, hoy en día también existen pequeñas superficies como las tiendas
express y de conveniencia. Los distribuidores de alimentos de este
modelo, cuentan con grandes avances y desarrollos tecnológicos que lo ha
apalancado para su crecimiento y permanencia. Se caracteriza por el uso
de software para realizar inventarios, control de ventas y realizar base de
datos de consumidores, así mismo, las tiendas disponen de circuito cerrado
de televisión para la vigilancia, cadena de frío, sistemas de información
contable, sistematización de entradas y salidas de productos, cuentan
con callcenter para realizar ventas telefónicas a través de la solicitud de
domicilios, plataformas digitales para pagos y pedidos electrónicos, así
como equipos a cargo del desarrollo de productos o marcas propias.
Describir los principales hallazgos de este modelo en materia de
ciencia, tecnología e innovación da cuenta de lo expresado por Gasca y
Torres, quienes argumentan que uno de los factores de éxito del modelo
moderno fue la incorporación de innovaciones logísticas, organizacionales
y tecnológicas para movilizar grandes volúmenes de alimentos desde la
producción, hasta la distribución y el consumo final. La integración de
las tecnologías de la información, la comunicación y las innovaciones han
contribuido al poder hegemónico de este modelo que ha marginado en
pocos años al modelo tradicional de comercio de los alimentos, dado que
genera mayor productividad y disminución de los costos operacionales
mediante la integración de cadena de valor, la eficiencia en el movimiento de
mercancías, la gestión de inventarios y la logística de acopio y distribución
de productos en grandes volúmenes (Gasca; Torres, 2013).
No es gratuito entonces que algunos autores señalen que el acceso
al conocimiento y la innovación han sido claves para el crecimiento
económico, pero han generado desigualdad y exclusión (Sutz, 2010), lo
Silvia Aparecida de Sousa Fernandes; Bernardo Mançano Fernandes
Davis Gruber Sansolo (Orgs.)
72 |
cual ha motivado el impulso de la innovación para el desarrollo inclusivo,
que surgió a finales de la década de los noventa del siglo XX, en el marco de
la segunda Conferencia Internacional en Innovación y Política Tecnológica
en Lisboa, y que dio soporte para que en años posteriores el International
Development Research Centre (IDRC) lanzara su Programa de Investigación
en Innovación Inclusiva para el Desarrollo en el año 2011, como propuesta
para impulsar el análisis de las inequidades entre los países y regiones y los
efectos redistributivos de la innovación (Carrozza; Brieva, 2018). Hoy en
día, la OCDE, según informe publicado en el año 2016 (OCDE, 2018),
plantea los posibles efectos de las megatendencias que están moldeando
las capacidades futuras de CTeI, que pueden generar problemas urgentes
como una elevada deuda pública, una posible erosión de la cohesión social
y la aparición de influyentes actores no estatales que desafían su autoridad
y capacidad de acción, y reafirma que la evolución de la CTeI puede
aumentar la desigualdad, pero que la globalización se verá más fortalecida,
como si esta última contribuyera a la igualdad entre las naciones.
Ante estos desafíos se requiere un cambio de los modelos de innovación
basados en enfoques tecno-económicos en los cuales las contribuciones de
la ciencia no sean sólo para el crecimiento económico y el emprendimiento,
y usar enfoques, como los que ofrece la innovación transformativa, en
los que los propósitos de la ciencia se fundamentan en el cambio social
(Schot; Steinmueller, 2019), por tanto sus contribuciones se centran en
superar las inequidades sociales y las crisis medioambientales. Según Schot
y Steinmueller los nuevos enfoques permiten una “[...] comprensión más
amplia de la innovación, que incluye procesos fundamentales de cambio
social: cambios en la infraestructura, los mercados, las regulaciones, las
prácticas de los usuarios y los valores culturales.” (Schot; Steinmueller,
2019, p. 846), así como de los procesos sociales, políticos y organizativos.
Educação do Campo, Soberania Alimentar e Agroecologia:
o papel das tecnologias sociais no fortalecimento das comunidades locais
| 73
demoCratizaCióN de la CieNCia, la teCNología y la iNNovaCióN
deSde laS redeS alimeNtariaS alterNativaS
A diferencia de los modelos moderno y tradicional, el alternativo,
centrado en particular en redes alimentarias alternativas, las cuales son
un conjunto de interrelaciones próximas, solidarias, transparentes,
democráticas y equitativas, que posibilitan que alimentos producidos
respetando el medio ambiente, la diversidad biológica y cultural, sean
distribuidos mediante comercio justo, para favorecer prácticas de consumo
ético, solidario, sustentable y saludable, se construyen con base en
conocimientos y técnicas ancestrales y tradicionales que coexisten con otros
más contemporáneos, creados a partir de la experiencia de comunidades
étnicas y campesinas, en compañía de instituciones y personas que propician
la construcción y apropiación conjunta de conocimiento y tecnologías.
En este modelo, la producción de alimentos se constituye en un
espacio natural y constante para la experimentación, la formación y el
desarrollo de técnicas y herramientas desde el paradigma agroecológico,
el cual demuestra potencial para los cambios agrarios encaminados
no sólo a la sustentabilidad, sino también al cambio social. De igual
forma ocurre en la comercialización, al atribuir al modelo alternativo
características como los circuitos cortos, el comercio justo y el consumo
responsable; así, este modelo experimenta, adapta y desarrolla procesos
de distribución de alimentos basados en experiencias sensoriales, en la
confianza y la reciprocidad, en medios de intercambio alternativo, en
sistemas participativos de garantías, en tecnologías de la información y
la comunicación. Además, promueve diferentes formas de organización
política y social que tienen como objetivo la incidencia en políticas
públicas, basados en la transformación deliberativa. De esta manera el
modelo promueve la adopción de los cambios transformacionales no solo
en productores, sino también en consumidores y actores institucionales
(Rodriguez-Casallas; Del Castillo-Matamoros, 2019).
Estas características son comunes al modelo alternativo, pero a
continuación se explicitarán a partir del caso: Red Campesina Productora
de Vida y Paz de Sumapaz, que surge como proyecto de los campesinos
Silvia Aparecida de Sousa Fernandes; Bernardo Mançano Fernandes
Davis Gruber Sansolo (Orgs.)
74 |
y campesinas apoyados por el Observatorio de Seguridad Alimenta y
Nutricional de la Universidad Nacional de Colombia (OBSAN-UN),
vinculados a la de la Escuela Campesina de Líderes Gestores de Seguridad
y Soberanía Alimentaria y Nutricional (SSAN).
Sumapaz es una localidad ubicada en Bogotá, Distrito Capital de
Colombia. Es su única localidad netamente rural, representa el 48% del
distrito y el 60% de su superficie tiene la connotación de suelo protegido,
pues el estar ubicada entre los 2.600 a 4.320 metros de altura sobre el nivel
del mar, le confiere las características de páramo a su ecosistema, que la
constituyen como el lugar generador de los más grandes recursos hídricos
de Colombia, además hace parte del sistema de Parques Nacionales
Naturales pues allí se encuentra la laguna más grande del mundo ubicada
en un páramo.
A pesar de ser un lugar con una riqueza ecológica incomparable,
lleva consigo las consecuencias de ser un escenario que ha vivido por
cerca de un siglo la guerra, a partir de constantes reivindicaciones y
disputas. Históricamente Sumapaz ha estado directamente influenciado
por el conflicto político, social y ecológico que ha vivido Colombia,
principalmente por la tenencia de la tierra y la ausencia de políticas públicas
enfocadas a dar solución a las problemáticas agrarias. “La gente que tiene
tierra, la mayoría está en zonas protegidas más allá de la frontera agrícola,
entonces no pueden producir.” (Moreno; Del Castillo-Matamoros, 2016).
El conflicto de producción agrícola en Sumapaz, aborda intereses
ecológicos de conservación de recursos por sus condiciones de páramo,
aun así, se debe reconocer que “[...] no hay ninguna razón por la cual
en la ruralidad de Bogotá no sea posible abordar responsablemente el
desarrollo de proyectos agropecuarios que no solamente no vayan en
contravía de las legítima necesidad de proteger esos ecosistemas, sino
que realmente contribuyan a que los pobladores rurales mejoren sus
ingresos.” (Rodríguez, Del Castillo-Matamoros, 2019). Las restricciones
de producción de alimentos en Sumapaz afectan directamente a la
comunidad, ya que al ser de tradición productora campesina no
puede solventar económicamente sus necesidades, especialmente las
alimentarias; esto ha generado que las instituciones gubernamentales
Educação do Campo, Soberania Alimentar e Agroecologia:
o papel das tecnologias sociais no fortalecimento das comunidades locais
| 75
escuden sus acciones en intervenciones asistencialistas, disminuyendo el
apoyo a proyectos productivos para las familias.
En este contexto surge la Red Campesina Productora de Vida y Paz
de Sumapaz, que tiene como uno de sus desafíos la permanencia de los
campesinos en el territorio, y es precisamente los procesos de innovación
y apropiación técnica lo que les abrió la posibilidad de generar soluciones
prácticas relacionadas con la sostenibilidad de sus actividades productivas,
pues muchas afectan el ecosistema, al tiempo que construyen tejido
social comunitario para hacerle frente a las dificultades de la zona, al
limitado acceso a los alimentos y la dependencia de los intermediarios. La
constitución de esta red les ha permitido a sus integrantes formalizarse como
una organización que, aun siendo incipiente y de pocas fincas vinculadas,
ya tiene una estructura que cuenta con el respaldo del Parque Chaquen,
institución de la localidad perteneciente a la Alcaldía Local y organizada
por el Hospital Rural de Nazareth, donde se desarrollan proyectos de
producción agroecológica y demostrativa.
Esta red se ha constituido sobre principios contrahegemónicos
que le permiten desarrollar alternativas de producción, distribución
y consumo de alimentos para favorecer la producción local
sustentable, la organización entre pequeños productores/as locales
y generar responsabilidad de los consumidores al momento de la
compra, permitiendo relaciones más solidarias en la producción,
la comercialización y el consumo (Obsan; Oxfam, 2018). Tales
principios fueron formulados en el marco de la Escuela Campesina de
Líderes Gestores de SSAN, que tuvo como herramientas metodológicas
la educación popular, el diálogo de saberes, el empoderamiento y los
procesos identitários (Rodríguez; Del Castillo, 2019).
En Sumapaz se evidencia una profunda sensibilidad de los campesinos
frente a la recuperación de sus semillas ancestrales y la elaboración de
abonos orgánicos, los campesinos jóvenes incorporan estas prácticas como
algo nuevo, mientras que para los adultos y viejos es apenas el rescate
de saberes y sus propias técnicas campesinas. “La mitad de los hogares
logran la autosuficiencia para mantener la producción a través de prácticas
como el almacenamiento y trueque de semillas y la fabricación de abonos
Silvia Aparecida de Sousa Fernandes; Bernardo Mançano Fernandes
Davis Gruber Sansolo (Orgs.)
76 |
orgánicos.” (Moreno; Del Castillo-Matamoros, 2018) La resistencia a lo
hegemónico también se expresa en la red mediante el rescate las prácticas
ancestrales de intercambio y trueque de alimentos, y a través de prácticas
de autoconsumo que alivian la carga económica de comprar alimentos y
logran garantizar la provisión de alimentos frescos que incluyen tubérculos,
hortalizas y verduras con las cuales complementan su canasta alimentaria
usual. Lo anterior se determina como un importante aporte a la seguridad
alimentaria, así como a la capacidad de ejercer la soberanía alimentaria,
contribuyendo desde el principio a la organización de las familias en niveles
de independencia y autonomía.
Los procesos de eliminación del uso de agroquímicos han sido bien
recibidos no solo por los integrantes de la Red, sino que han logrado
difundirlos a otros productores a quienes los campesinos de la Red
enseñan sobre el adecuado manejo técnico de las prácticas orgánicas y
agroecológicas como compostaje, caldos microbianos, sistemas de riego por
goteo, bio preparados, alelopatía, entre otros. Las entrevistas evidencian
que los productores aprovechan la asesoría técnica para complementar
sus conocimientos previos, incrementando con esto el rendimiento
de sus cultivos, pero con técnicas agroecológicas. Puede decirse que los
productores de la Red, a través de la Escuela Campesina de Líderes Gestores
en SSAN, apropiaron elementos de prácticas productivas transformadoras,
pues evidencian como motivación además del cuidado de su salud, la
conservación de su territorio.
La Red además ha logrado hacerse oír por el gobierno local (Alcaldía
Local) y se ha apoyado en la academia con entidades como la Universidad
Nacional de Colombia, con el fin de obtener asesoría técnica frente al
reemplazo de los químicos en los cultivos del territorio, para hacer realidad
esta iniciativa e instaurarla, posteriormente en acciones de exigibilidad
ciudadana han logrado que la Unidad Local de Atención Técnica y
Agropecuaria – ULATA, brinde de manera más permanente asesoría
técnica a los productores de la localidad con base en las particularidades
territoriales. Una acción de incidencia importante de la Red es que
transforman la mirada de la institucionalidad en este caso, haciendo que en
adelante sea una prioridad para la Alcaldía Local, promover la disminución
Educação do Campo, Soberania Alimentar e Agroecologia:
o papel das tecnologias sociais no fortalecimento das comunidades locais
| 77
del uso de agroquímicos en los cultivos de la localidad de Sumapaz en
general, dada la fragilidad ecosistémica.
En lo que respecta a la comercialización de los alimentos, en
la localidad de Sumapaz no existen estructuras de distribución, la
comercialización habitualmente se realiza a través de los camiones de
los intermediarios que reciben los permisos de la Alcaldía para distribuir
alimentos en la localidad, en tanto que se ponen trabas a la Red para lograr
un espacio en la propia localidad para comercializar sus alimentos y no
reciben apoyo para acceder a transporte por parte de la Alcaldía para sacar
sus excedentes a los mercados de la Bogotá-Urbana. Este contexto obligó
a los productores a generar escenarios organizativos alternativos para
propiciar espacios de comercialización. Hasta ahora han logrado como
organización ir a los mercados campesinos de la Bogotá-Urbana donde
logran vender sus excedentes de alimentos frescos y algunos productos
transformados como lácteos y amasijos.
Sin embargo, los campesinos han encontrado múltiples desventajas
para insertarse en el ámbito de la comercialización, por una parte, debido
al pequeño segmento del mercado al que se dirigen los alimentos que
han sido producidos con técnicas alternativas, el cual representa una baja
demanda, pero sobre todo debido a dificultades geográficas y logísticas que
no han sido solventadas, problemas que se agravan cuando la iniciativa
alternativa no es reconocida formalmente por las instituciones locales,
limitando el apoyo institucional, como se describía previamente.
Se hace entonces necesario aumentar la demanda, mediante la
ampliación del sector de consumidores conscientes de la necesidad
de sistemas alimentarios alternativos que no solo contribuyan a las
preocupaciones de salud y ambientales, sino que además propendan por la
necesidad de proteger la economía campesina, logrando generar conciencia
en todos los actores acerca las fallas estructurales del sistema alimentario
convencional, que vulnera la seguridad alimentaria y nutricional, tanto
como la soberanía alimentaria de productores y consumidores.
Dentro de las herramientas que pueden contribuir al aprendizaje
transformador y promotor de cambios escalables con los consumidores se
Silvia Aparecida de Sousa Fernandes; Bernardo Mançano Fernandes
Davis Gruber Sansolo (Orgs.)
78 |
podría considerar ampliar los espacios de educación popular, implementar
el diálogo de saberes y experiencias entre productores, distribuidores
y consumidores, poner a disposición información de los alimentos y
desarrollar procesos identitarios; lo anterior, buscando generar impactos
similares a los obtenidos en el sector de los productores e incentivar
la conexión u organización social entre todos los actores del sistema
alimentario, mediante estrategias de transformación deliberativa en las que
se reivindiquen los derechos y se generen espacios de encuentro en torno a
la exigibilidad del derecho a la alimentación adecuada.
CoNCluSióN
En los modelos de abastecimiento y distribución de alimentos de
Colombia, se evidencian profundas desigualdades en la generación y acceso
al conocimiento, la ciencia y la tecnología, por tanto es prioritario avanzar
en la implementación de sistemas democráticos, equitativos e incluyentes
que apoyen sistemas alimentarios saludables y sustentables.
Si bien en Colombia existen políticas públicas que pudieran ser
facilitadoras para el acceso e implementación de ciencia y tecnología a
través de la asistencia técnica dirigida a los diferentes actores de los sistemas
de abastecimiento y distribución, existen factores económicos, sociales y
políticos que lo impiden; conllevando a inequidad desde la apropiación
y, por ende, mayor profundización en las brechas de productividad y
competitividad entre los actores y entre los diferentes modelos.
Los modelos alternativos proponen cambios en la producción,
distribución y consumo de alimentos para anteponerse a los problemas
ambientales y sociales que generan los sistemas alimentarios convencionales
y hegemónicos. Las concepciones democráticas en que se fundan las
redes alimentarias alternativas permean todos sus procesos, por tanto la
generación y adopción del conocimiento, la ciencia y la tecnología que
requieren para el sistema alimentario que implementan se construye a
partir del diálogo entre el saber popular y científico y se pone al servicio del
bienestar social, la equidad, la salud y la protección del medio ambiente.
Educação do Campo, Soberania Alimentar e Agroecologia:
o papel das tecnologias sociais no fortalecimento das comunidades locais
| 79
refereNCiaS
CADAVID-CASTRO, Martha Alicia; ÁLVAREZ-CASTAÑO, Luz Stella; DEL
CASTILLO-MATAMOROS, Sara Eloisa et al. Características de Estructuras
Alternativas de Distribución de Alimentos en Colombia y su Potencial para
la Construcción de Políticas Públicas de Soberanía y Seguridad Alimentaria y
Nutricional. 2019.
CARROZZA, Tomás; BRIEVA, Silvia Susana. Las políticas de CTI y el desarrollo
inclusivo y sustentable en la Argentina: ¿construyendo nuevas institucionalidades?
Revista Iberoamericana de Ciencia, Tecnología y Sociedad, Buenos Aires, v. 13, n.
39, p. 207-232, 2018.
COLOMBIA. Departamento Administrativo Nacional de Estadística. Censo Nacional
Agropecuario 2014. Bogotá, 2014.
COLOMBIA. DEPARTAMENTO NACIONAL DE PLANEACIÓN. Consolidar
una gestión ambiental que promueva el desarrollo sostenible. Bogotá, 2007.
COLOMBIA. Ministerio de Agricultura y Desarrollo Rural. Identificación general de
la frontera colombiana. Bogotá, 2018.
COLOMBIA. Ministerio de Agricultura y Desarrollo Rural. Ley 607 de 2000. Bogotá,
2000. Disponible en: www.minagricultura.gov.co/Normatividad/Leyes/Ley%20
607%20de%202000.pdf. Acceso en: 30 maio 2023.
COMISIÓN ECONÓMICA PARA AMÉRICA LATINA Y EL CARIBE (CEPAL).
Infraestructura, transporte e integración: la relación con el desarrollo productivo y
la competitividad regional. Santiago: Comisión Económica para América Latina y el
Caribe, 2007.
CONCEIÇAO, Pedro; GIBSON, David V.; HEITOR, Manuel V. et al. Knowledge
for Inclusive Development: e Challenge of Globally Integrated Learning and
Implications for Science and Technology Policy. Technological Forecasting and Social
Change, New York, v. 66, n. 1, p. 1–29, 2001.
COZZENS, Susan E. Editor’s introduction: Distributional consequences of emerging
technologies. Technological Forecasting and Social Change, New York, v. 79, n. 2, p.
199–203, 2012.
GASCA, José; TORRES, Felipe. El control corporativo de la distribución de alimentos
en México. Revista Problemas del Desarrollo, Coyoacán, v. 45, n. 176, p. 133-155,
ene./mar. 2013.
GIRALDO, Diana P. Análisis de la dinámica de la seguridad alimentaria en un país
en desarrollo: caso colombiano. 2013. Tesis (Doctorado en Ingeniería) - Universidad
Pontificia Bolivariana, Medellín, 2013.
Silvia Aparecida de Sousa Fernandes; Bernardo Mançano Fernandes
Davis Gruber Sansolo (Orgs.)
80 |
GIULIANI, Elisa. Regulating global capitalism amid rampant corporate wrongdoing—
Reply to “ree frames for innovation policy”. Research Policy, Amsterdam, v. 47, n.
9, p. 1577–1582, 2018.
MEJÍA LÓPEZ, Rafael. Sociedad de Agricultores de Colombia. Balance preliminar
de 2015 y perspectivas de 2016. Bogotá: SAC, 2016. Disponible en: http://www.sac.
org.co/es/estudios-economicos/balance-sector-agropecuario-colombiano/290-balance-y-
perspectivas-del-sector-agropecuario-2012-2013.html. Acceso en: 30 maio 2023.
MONTGOMERY, Tom. Are Social Innovation Paradigms Incommensurable?
Voluntas, New York, v. 27, n. 4, p. 1979–2000, 2016.
MORENO, Cristian; DEL CASTILLO-MATAMOROS, Sara Eloisa. Caracterización
de la economía campesina en las familias participantes de la Escuela Campesina
de Gestores en Soberanía y Seguridad Alimentaria y Nutricional de Sumapaz,
Localidad 20 de Bogotá D.C. Bogotá: Universidad Nacional de Colombia, 2016.
OBSAN; OXFAM. Sistemas Alimentarios Resilidentes: módulos de Consulta. 2018.
OBSERVATORIO COLOMBIANO DE CIENCIA, TECNOLOGÍA E
INNOVACIÓN. Informe Anual de Indicadores de Ciencia y Tecnología 2017 –
OCyT. 2018.
ORGANIZACIÓN PARA LA COOPERACIÓN Y EL DESARROLLO
ECONÓMICOS (OCDE). Science, Technology and Innovation Outlook 2018.
Paris: OECD, 2018. (OECD Science, Technology and Innovation Outlook).
ORGANIZACIÓN PARA LA COOPERACIÓN Y EL DESARROLLO
ECONÓMICOS (OCDE). Estudios Económicos de la OECD: Colombia 2019.
ORTEGA HOYOS, Antonio José; MARÍN VERHELST, Kimberly. La innovación
social como herramienta para la transformación social de comunidades rurales. Revista
Virtual Universidad Católica del Norte, Antofagasta, n. 57, p. 87–99, 2019.
ROBLEDO, J; GIRALDO, S; et al. Proyecto ModTT_CPA-745-2016. 2017.
RODRIGUEZ-CASALLAS, Ginna Marcela; DEL CASTILLO-MATAMOROS, Sara
Eloisa. Los sistemas alimentarios de intercambios alternativos, un modelo para
ejercer la soberanía alimentaria y la seguridad alimentaria y nutricional. Bogotá:
Universidad Nacional de Colombia, 2019.
SCHOT, Johan; STEINMUELLER, Edward. Transformative change: What role for
science, technology and innovation policy?: an introduction to the 50th Anniversary of
the Science Policy Research Unit (SPRU) Special Issue. Research Policy, Amsterdam, v.
48, n. 4, p. 843–848, 2019.
SUTZ, Judith. Ciencia, Tecnología, Innovación e Inclusión Social: una agenda urgente
para universidades y políticas. Psicología, Conocimiento y Sociedad, Montevideo, v.
1, n. 1, p. 3-49, mayo 2010.
Educação do Campo, Soberania Alimentar e Agroecologia:
o papel das tecnologias sociais no fortalecimento das comunidades locais
| 81
USAID. Programa MIDAS: encuesta de mercado y crédito informal en
Colombia. 2007.
WORLD BANK. World Development Report 2008: Agriculture for Development.
Washington, DC: World Bank, 2008.
82 |
| 83
C 3
A   
  
   
  
    S P
José Giacomo Baccarin
Jonatan Alexandre de Oliveira
iNtrodução
Vigente no Brasil desde a década de 1950, o Programa Nacional da
Alimentação Escolar (PNAE) foi, neste século XXI, regulamentado pela
Lei Federal 11.947/2009 ou Lei do PNAE (Brasil, 2009). Uma orientação
básica desta Lei é a proposição de que a alimentação escolar valorize a
Silvia Aparecida de Sousa Fernandes; Bernardo Mançano Fernandes
Davis Gruber Sansolo (Orgs.)
84 |
questão nutricional, substituindo, por exemplo, o uso de alimentos muito
processados por produtos in natura, como frutas, legumes e verduras. De
pronto, isso abre espaço para maior participação de agricultores familiares
como fornecedores de alimentação escolar, por terem grande participação
na produção de produtos hortícolas.
Contudo, a Lei do PNAE é mais incisiva neste ponto, determinando
em seu Artigo 14 que, do total de recursos repassados pelo Fundo Nacional
de Desenvolvimento da Educação (FNDE) aos estados e municípios para
gastos na alimentação escolar, no mínimo 30% devam ser utilizados na
aquisição de gêneros alimentícios oriundos de agricultores familiares ou de
suas organizações.
Na regulamentação da Lei do PNAE, pela Resolução 38/2009,
estabeleceu-se a chamada pública como instrumento para aquisição dos
produtos da agricultura familiar, em vez dos instrumentos tradicionais de
licitação pública, da Lei 8.666/1993 (Brasil, 1994). Levando-se em conta
que se pretende garantir preços mais justos aos agricultores familiares, a
chamada pública, a partir de alguns critérios, deve fixá-los previamente e
os mesmos não devem ser objeto de eventual disputa entre os agricultores
familiares.
Outros critérios de desempate devem ser usados na escolha dos
agricultores fornecedores. Assim, estabelece-se que, preferencialmente,
deva-se comprar de agricultores locais; na impossibilidade disso, de
agricultores do território rural; seguido por agricultores do estado e; por
fim, caso necessário, de agricultores de outros estados (Resolução FNDE
4/2015) (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação, 2015). Com
isso, procura-se trabalhar com a movimentação local dos recursos públicos
recebidos e com circuitos curtos de comercialização, que se mostram
mais adequados ao consumo de produtos in natura, normalmente muito
perecíveis. Assegura-se também que terão prioridade, nas chamadas
públicas, os assentados da Reforma Agrária, quilombolas e indígenas,
os que produzem de forma orgânica/agroecológica e os organizados em
associações ou cooperativas.
Educação do Campo, Soberania Alimentar e Agroecologia:
o papel das tecnologias sociais no fortalecimento das comunidades locais
| 85
A alimentação escolar é um direito constitucional e se estabelece
como política permanente de Estado. A Lei do PNAE, ao regulamentar
esse direito, entre outros pontos, vinculou formalmente a alimentação
escolar ao aumento de renda da agricultura familiar, vínculo este associado
ao estímulo ao desenvolvimento local e melhoria da qualidade nutricional
no consumo dos alunos, à medida que contribua para a substituição de
produtos muito processados pelos in natura.
Pode-se entender o Artigo 14 como uma derivação institucional
de programas de garantia de preços mínimos aos agricultores, mais
especificamente do Programa de Aquisição de Alimentos da Agricultura
Familiar (PAA), instituído pela Lei Federal 10.696/2003, com o propósito
de garantir a compra, por preços melhores do que os de mercados
tradicionais, de produtos alimentícios de agricultores familiares para
destiná-los ao consumo de pessoas em situação de insegurança alimentar
(BRASIL, 2003). Desde o início, destinou-se parte significativa das
aquisições do PAA à alimentação escolar gerenciada por governos estaduais
e prefeituras municipais.
Também se pode vincular o Artigo 14 do PNAE ao que vem sendo
nominado na literatura internacional de Home-Grown School Feeding -
HGSF (Bundy et al., 2009; Espejo; Burbano; Galliano, 2009), em que
se usam as compras públicas para o fortalecimento do desenvolvimento
local. Defende-se que haja uma combinação do incentivo à produção
agrícola local com a qualificação dos programas de alimentação escolar,
na tentativa de superar um círculo vicioso entre baixa produtividade/
frágil desenvolvimento de mercados agrícolas locais e restritos resultados
nutricionais e educacionais, associado a situações de pobreza e insegurança
alimentar e nutricional. O HGSF trabalharia como um ponto de sinergia
entre os objetivos de aumento da renda dos agricultores, do desenvolvimento
local e de saúde pública por meio de programas de alimentação como o
PNAE (Triches, 2015).
Até por que tal legislação é nova, passando a ser implantada em 2010,
é importante que se realizem diversos estudos para medir sua efetividade
e eficácia, o que, aliás, já vem ocorrendo em várias regiões do País. Citem-
se, nesse sentido, trabalhos de Costa, Amorim Junior e Silva (2015),
Silvia Aparecida de Sousa Fernandes; Bernardo Mançano Fernandes
Davis Gruber Sansolo (Orgs.)
86 |
para Minas Gerais; Souza-Esquerdo e Bergamasco (2014), Baccarin et al.
(2011) e Baccarin et al. (2012), para São Paulo; Braga e Azevedo (2012)
e Marques et al. (2014); para o Ceará, Silva e Souza (2013), para Santa
Catarina; Bohner et al. (2014), para o Rio Grande do Sul, entre outros.
A avaliação acadêmica pode contribuir para evidenciar a capacidade
de alcance das políticas públicas. Tornando-se um instrumento importante,
a partir da divulgação de resultados das ações do governo, para melhoria
da eficiência do gasto público, da qualidade da gestão e do controle social
sobre a capacidade da ação do Estado. Entende-se que a avaliação criteriosa
e externa de programas e políticas públicas pode orientar os tomadores
de decisão quanto à continuidade e necessidade de correções de uma
determinada política ou programa (Ramos; Schabbach, 2012).
A aplicação do Artigo 14 pressupõe importantes (e desafiadoras)
mudanças na execução de uma relativamente antiga ação de segurança
alimentar e nutricional, a alimentação escolar. De parte do agente público,
local ou regional, que a gerencia, espera-se que promova alterações no
cardápio, com a incorporação de produtos in natura, que podem exigir
maior manipulação no preparo das refeições, e nos processos licitatórios,
para compra de produtos da agricultura familiar. Por seu lado, o agricultor
familiar se defronta com diversas questões ligadas à formalidade jurídica e
à capacidade de associação, bem como às características de sua produção,
como regularidade, sanidade e necessidades de transformações, ainda que
pequenas, em seus produtos.
O primeiro objetivo deste trabalho é desenvolver uma proposta de
sistematização dos indicadores que podem ser usados para da aplicação
do Artigo 14 por estados e municípios. Neste sentido, sugere-se que os
indicadores sejam agrupados da seguinte forma: Papel das Prefeituras
Municipais e Governos Estaduais, Atratividade para os Agricultores
Familiares, Capacidade de Participação dos Agricultores e Preços Praticados.
O segundo objetivo é, a partir da sistematização inicial, fazer uma
avaliação da aplicação do Artigo 14 em prefeituras municipais e pela
Secretaria de Educação do Governo do Estado de São Paulo, considerando-
se informações de 2010 a 2017. Nesta avaliação procura-se detalhar a
Educação do Campo, Soberania Alimentar e Agroecologia:
o papel das tecnologias sociais no fortalecimento das comunidades locais
| 87
atuação de gestores públicos de alimentação escolar e dos agricultores
familiares e incorporar, especialmente, temas como desenvolvimento local,
melhoria da qualidade nutricional da alimentação escolar e aumento da
renda de agricultores familiares.
Como base para atingir esses objetivos procedeu-se uma leitura
crítica de vários trabalhos publicados, alguns citados em parágrafo anterior.
Também foram utilizadas informações e interpretações decorrentes de
ações de pesquisas e extensão acadêmicas
1
, desenvolvidas pelos autores
do presente capítulo, entre elas seminários e capacitações, consultas a
documentos públicos e entrevistas/contatos com atores sociais envolvidos
na aplicação do Artigo 14. Nas quatro seções a seguir, discute-se o que
avaliar em cada grupo de indicadores, seguido de análises realizadas para as
entidades executoras do PNAE em São Paulo. Uma seção de considerações
finais encerra o capítulo.
papel daS prefeituraS muNiCipaiS e goverNoS eStaduaiS
Inicialmente, convém tecer breves comentários sobre o papel das
esferas de governo na gestão da alimentação escolar. Em 1994, o Governo
Federal passou a descentralizar os seus recursos financeiros para estados
e municípios (em alguns casos, escolas) gerirem as ações administrativas,
licitatórias e de fornecimento de alimentação aos escolares sob sua jurisdição.
Tem se mostrado comum que, às verbas vindas da União, repassadas pelo
FNDE, estados e municípios acrescentem recursos próprios para a compra
de produtos alimentícios. Os municípios devem garantir a estrutura física
Entre 2010 e 2013, aprovaram-se três projetos de pesquisa ou extensão junto ao Conselho Nacional de
Pesquisa e Desenvolvimento Tecnológico. O primeiro, de 2010 a 2012, “Reconhecimento e Gestão de
Políticas Públicas de Segurança Alimentar: o Caso do Programa de Aquisição de Alimentos da Agricultura
Familiar e da Implantação da Lei 11.947 no Estado de São Paulo”, com recursos da “Chamada MCTI-SECIS/
CNPq, número 019/2010. O segundo, de 2013 a 2015, “Agricultura Familiar sob a Vigência da Lei Federal
11.947/2009: Abrangência e Adequação das Chamadas Públicas, Impactos na Agricultura Local e Preços
Recebidos pelos Agricultores Familiares”, com recursos da “Chamada MCTI-CNPq/MDS-SAGI, número
24/2013”. O terceiro, de 2013 a 2016, “Efeitos das Compras Institucionais via Programa de Aquisição de
Alimentos e Programa Nacional de Alimentação Escolar nas Condições de Vida de Agricultores Familiares e
no Desenvolvimento Local: Estudo e Aplicação em três Regiões do Estado de São Paulo e Articulações com
Países da UNASUL”, contemplado com recursos da “Chamada MCTI/Ação Transversal – LEI/CNPq Nº
82/2013 Segurança Alimentar e Nutricional no Âmbito da UNASUL e África”.
Silvia Aparecida de Sousa Fernandes; Bernardo Mançano Fernandes
Davis Gruber Sansolo (Orgs.)
88 |
e funcionários para a execução da ação, como contrapartida obrigatória.
A descentralização de atividades contribui para reduzir custos logísticos e
administrativos e potencializar o controle social, já que todas as Entidades
Executoras (EEs) do PNAE devem constituir o Conselho de Alimentação
Escolar (CAE).
Os municípios podem ficar responsáveis pelo fornecimento da
alimentação escolar também às escolas estaduais situadas em seu território,
como acontece, em grande parte das vezes, em São Paulo. Assim, dos R$
640,7 milhões repassados, em 2014, pelo FNDE para alimentação escolar
de alunos paulistas de ensino infantil e fundamental, R$ 507,3 milhões
(79,2%) foram recebidos pelas prefeituras e R$ 133,4 milhões (20,8%)
pela Secretaria Estadual de Educação (FNDE, 2015).
Quando se avaliar os governos estaduais, sugere-se que um
ponto específico seja levado em conta, se as compras são centralizadas
ou distribuídas regionalmente ou mesmo em nível das escolas. Em se
centralizando as compras, entende-se que a participação dos agricultores
familiares individualmente ou via pequenas associações/cooperativas seria
mais difícil e seriam beneficiadas organizações mais fortes financeiramente,
como grandes cooperativas, com DAP (Declaração de Aptidão ao Programa
Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar - Pronaf) jurídica.
Os demais indicadores sugeridos estão mais relacionadas às ações das
prefeituras municipais, embora também possam ser usados para a avaliação
da atuação das secretarias estaduais de educação.
Como já afirmado, a execução das compras relativas ao Artigo 14 se
faz via chamadas públicas, com preços dos produtos fixados previamente,
e devendo-se conceder, no mínimo, 20 dias entre seu anúncio e a escolha
dos ganhadores. Também já se afirmou que, na necessidade de desempate,
devem-se priorizar, nessa ordem, agricultores do município, fornecedores
de origem indígena, quilombola ou de assentamentos de Reforma
Agrária, produtos orgânicos/agroecológicos e agricultores organizados em
associações ou cooperativas.
Por ser aparentemente simples, pode-se supor, em princípio, que
esse tipo de certame de compras seria de mais fácil execução do que as
Educação do Campo, Soberania Alimentar e Agroecologia:
o papel das tecnologias sociais no fortalecimento das comunidades locais
| 89
licitações convencionalmente praticadas pelos municípios. Contudo,
devem ser levadas em conta as adaptações necessárias nas ações das
prefeituras municipais. Grande parte delas, tradicionalmente, organizava
suas compras de alimentos via licitações com participação de empresas
fornecedoras especializadas, normalmente não localizadas no município
e que ofereciam, no mais das vezes, produtos com considerável grau de
processamento, facilmente armazenáveis e exigindo pouca manipulação
por parte dos funcionários da refeição escolar. Ao grosso das compras,
feito dessa forma, as prefeituras podiam adicionar produtos comprados
localmente, como panificados, legumes e verduras, especialmente.
Um ponto chave para verificar a adequação das prefeituras ao Artigo
14 são as eventuais modificações no cardápio da alimentação escolar,
adaptando-o às condições produtivas dos agricultores familiares. Deve-se
considerar, contudo, que nem toda modificação recente teve esse propósito,
mas muitas foram consequências dos maiores cuidados com a qualidade
nutricional que os serviços municipais passaram a revelar de alguns anos
para cá, inclusive com a obrigatoriedade de se contar com profissional de
nutrição na equipe de alimentação escolar, a partir de 2006 (Resolução
FNDE 32/2006) (FNDE, 2006).
Mesmo havendo vontade, deve-se considerar que existem barreiras
sanitárias e tecnológicas que dificultam a compra direta de produtos da
agricultura familiar, especialmente os de origem animal. Ovos e mel
podem ser comprados sem maiores transformações, mas os diversos tipos
de carne e leite devem, necessariamente, ser processados em agroindústrias,
frigoríficos e laticínios, não se visualizando a possibilidade de que as
prefeituras montem esquemas próprios de pasteurização ou uperização
(para leite longa vida) ou de abate de animais.
Entretanto, sobram várias possiblidades das prefeituras abrirem
espaço para os produtos de agricultores familiares, comprando produtos in
natura ou com baixo nível de processamento, como feijão e uma série de
legumes, verduras e frutas frescas diretamente dos agricultores familiares.
Pode-se supor, inclusive, que as prefeituras adquiram pequenos maquinários
e equipamentos para extração de suco de frutas como de abacaxi ou laranja,
esta última muito importante na agricultura do estado de São Paulo.
Silvia Aparecida de Sousa Fernandes; Bernardo Mançano Fernandes
Davis Gruber Sansolo (Orgs.)
90 |
Uma maneira de se verificar o comprometimento das prefeituras
com esse ponto é analisar o grau de processamento dos produtos que são
solicitados nas chamadas publicas. Nesse sentido, sugere-se que, adaptando-
se a proposta de Monteiro et al. (2010) e incluindo-se produtos in natura,
os alimentos sejam classificados em: i) produtos in natura, que não passam
por nenhum processamento; ii) com mínimo grau de processamento, que
passam apenas por transformações físicas; iii) médio grau de processamento,
com transformações físico-químicas; iv) alto grau de processamento, com
transformação industrial fora do espaço produtivo do agricultor familiar. A
suposição que se estabelece é que quanto menor o grau de processamento
exigido, mais adaptadas as chamadas públicas estariam às condições dos
agricultores familiares.
Um comprometimento maior das prefeituras com os agricultores e
o desenvolvimento local se evidenciaria ao se promoverem modificações
no cardápio para contemplar alimentos produzidos no próprio município
ou na região, inclusive considerando sua sazonalidade. Alguns exemplos
podem ser citados, com a substituição de fontes de carboidratos, pão por
mandioca ou batata inglesa, a incorporação de peixe na alimentação escolar
em regiões com piscicultura desenvolvida, o uso de mel em lugar do açúcar
da cana etc.
Desse ponto deriva algo mais desafiador e de difícil implantação
(aliás, não só para o programa aqui analisado), que seria a efetiva integração
de ações de diferentes setores públicos, no caso em análise, da alimentação
escolar e de fomento agropecuário, não esquecendo as mudanças nos
trâmites administrativos. Além da adaptação do cardápio às condições
locais, pode-se imaginar a realização de outras ações públicas, como
capacitações dos agricultores sobre a nova legislação, a necessidade de
atender normas sanitárias e ter regularidade de entrega de seus produtos,
questões de formalização e estímulo ao associativismo, à produção de
produtos alternativos ou à realização de investimentos para pequenas
transformações dos produtos pelos próprios agricultores.
Outro ponto a ser considerado diz respeito à periocidade e ao
número de pontos de entrega dos produtos. A partir de 2015, o custo
do frete passou a ser incluso no limite de R$ 20 mil por ano que cada
Educação do Campo, Soberania Alimentar e Agroecologia:
o papel das tecnologias sociais no fortalecimento das comunidades locais
| 91
agricultor pode receber de cada entidade executora do PNAE. Mas, isso
pode diminuir a quantidade de produtos que ele pode comercializar
por ano. Nesse sentido, prefeituras que centralizam o recebimento dos
alimentos beneficiam mais a agricultura familiar do que as que determinam
a entrega muito descentralizada, por exemplo, em todas as unidades em
que são servidas refeições escolares. Assim, sugere-se que as chamadas, em
relação ao número de pontos de recebimento, sejam classificadas em: i)
centralizadas, com uma única unidade de recebimento (UR); ii) pouco
descentralizadas, entre 2 e 10 UR; iii) descentralizadas, entre 11 e 50 UR;
iv) muito descentralizadas, com mais de 50 UR; v) não consta a informação.
De forma semelhante, a frequência muito alta de entrega dos
produtos alimentícios prejudica a participação dos agricultores. Para este
indicador, sugere-se a seguinte classificação: i) entrega 2-5 vezes/semana;
ii) semanal; iii) 1-2 vezes/mês; iv) esporádicas, algumas vezes no ano; v)
não consta a informação da frequência de entrega.
Por fim, mas não menos importante, deve-se fazer uma avaliação
quantitativa do cumprimento do Artigo 14 pelas prefeituras. O
agrupamento proposto de prefeituras, de acordo com o percentual de
compra de produtos da agricultura familiar em relação aos repasses do
FNDE, é o seguinte: i) refratárias ao Artigo 14 – não adquirem nada dos
agricultores familiares; ii) pouco aderentes – adquirem entre 0,1% e 10,0%;
iii) medianamente aderentes - as porcentagens ficam entre 10,1% e 25%;
iv) aderentes – os gastos ficam entre 25,1% e 35%; iv) altamente aderentes
– gastam além dos 35,1% dos repasses do FNDE, podendo chegar a 100%
ou mesmo mais, se incorporarem recursos de outras origens federativas, do
estado ou do próprio município.
Parte dos quesitos acima apontados deve ser levantada através
de entrevistas e questionários aplicados aos agentes públicos e sociais
envolvidos com o Artigo 14. Outra parte, mais significativa, pode ser obtida
em documentos, com destaque para as chamadas públicas, muitas vezes
disponíveis em sites das prefeituras municipais. Sua qualidade dependerá
da boa descrição dos produtos pretendidos, da explicitação dos preços e
dos critérios de desempate, de informações sobre periodicidade e pontos
Silvia Aparecida de Sousa Fernandes; Bernardo Mançano Fernandes
Davis Gruber Sansolo (Orgs.)
92 |
de entrega, da forma como ocorre a divulgação e da criação de rotinas que
possibilitem aos agricultores saberem quando as chamadas são lançadas.
Além das chamadas públicas, outros dois tipos de documentos
podem ser acessados. Um deles é a prestação de contas que cada prefeitura,
anualmente, deve encaminhar ao FNDE sobre a execução do PNAE, com
ponto específico relativo ao Artigo 14, que pode ser encontrado no site
do FNDE. Estas prestações trazem, inclusive, detalhamento das notas
fiscais, com preços e produtos efetivamente comprados, além dos dados do
fornecedor, sua localização e organização.
Outro tipo de documento que se pode acessar, tendo que se obtê-
lo diretamente com as prefeituras, são os contratos estabelecidos com os
agricultores familiares ou suas organizações para fornecimento dos produtos
contidos nas chamadas públicas de que foram vencedores. Esses contratos
servem para confirmar se os quesitos das chamadas públicas são cumpridos
e traz o endereço do agricultor ou de sua organização, permitindo verificar
se a compra está sendo feita no município, na região, no estado ou fora do
estado. Afirme-se que definir a abrangência da região
2
não é simples e os
autores desse artigo a consideram, sem maior rigor analítico e por sugestão
de agricultores familiares, como composta por todos os municípios em um
raio de até 100 Km da sede do município executor do PNAE.
avaliaNdo aS açõeS daS prefeituraS muNiCipaiS pauliStaS
Apresentam-se alguns resultados com base, especialmente, nos
projetos de pesquisa/extensão citados na introdução. Os dados e informações
foram obtidos em diferentes momentos e amostras e, portanto, não estão
estritamente relacionados e não constituem um objeto de análise único.
Contudo, entende-se que os resultados refletem com muita aderência o
que vem se dando na implantação do Artigo 14 em São Paulo.
Nas resoluções do FNDE fala-se em territórios rurais, os Territórios da Cidadania, com conformação
definida pelo ex-Ministério do Desenvolvimento Agrário. Não é essa conotação que aqui se dá ao termo
região. É bom lembrar que os territórios da cidadania não abrangem todo o território brasileiro, restando
muitos municípios fora de seus limites.
Educação do Campo, Soberania Alimentar e Agroecologia:
o papel das tecnologias sociais no fortalecimento das comunidades locais
| 93
CaraCterístiCas das Chamadas PúbliCas
Em 2014, consultaram-se sites de prefeituras de São Paulo, à procura
de chamadas públicas de 2012 e 2013. Coletaram-se 197 chamadas de
161 municípios (um município pode lançar mais de uma chamada por
ano), em 2012, e, 212 chamadas de 156 municípios, em 2013. Essas 409
chamadas permitiram as análises a seguir.
origem animal ou vegetal
A Tabela 1 revela a presença de produtos de origem animal ou vegetal
nas chamadas públicas
3
. Observa-se que a maior parte dos editais contém
produtos de origem vegetal. Isto demonstra adequação às condições dos
agricultores familiares, já que as normas sanitárias da produção animal
são mais rigorosas e demandam maiores recursos financeiros para serem
cumpridas. Os produtos de origem vegetal constituíram a imensa maioria,
95,0% a 96,0%, dos itens relacionados nas chamadas públicas.
Tabela 1 - Quantidade de chamadas públicas com produtos de origem
animal ou vegetal e quantidade de produtos de origem animal ou vegetal
nas chamadas públicas, municípios de São Paulo, 2012 e 2013.
Origem
Produto
Quantidade de Chamadas Quantidade de produtos
2012 2013 2012 2013
No. % No. % No. % No. %
Animal 110 55,8 118 55,7 216 5,0 191 4,0
Vegetal 193 98,0 204 96,2 4.060 95,0 4.525 96,0
Fonte: Baccarin et al. (2015).
grau de ProCessamento
Na Tabela 2 pode-se notar, tanto na presença como no número de
itens, que ocorre ampla prevalência de produtos in natura nas chamadas.
Nesse caso, a soma dos dois itens resulta em mais de 100%, posto que uma mesma chamada pode conter
tanto produtos de origem vegetal como animal. Com outros dados, algo semelhante pode ter acontecido.
Silvia Aparecida de Sousa Fernandes; Bernardo Mançano Fernandes
Davis Gruber Sansolo (Orgs.)
94 |
Aqui também se verifica adequação às condições de agricultores familiares
menos capitalizados.
Tabela 2 – Presença e quantidade de produtos com diferentes graus de
processamento nas chamadas públicas, municípios de São Paulo, 2012 e 2013.
Nível
Processamento
Quantidade de Chamadas Quantidade de produtos
2012 2013 2012 2013
No. % No. % No. % No. %
In natura 172 87,3 174 82,1 3.877 89,2 4.318 88,8
Mínimo 87 44,2 124 58,5 184 4,2 218 4,5
Médio 59 30,0 92 43,4 159 3,7 187 3,8
Alto 53 26,9 50 23,6 127 2,9 140 2,9
Fonte: Baccarin et al. (2015).
PeriodiCidade e Pontos de entrega
Percebe-se na Tabela 3 que muitos editais não traziam informações
sobre a periodicidade de entrega dos alimentos, o que é uma falha importante,
considerando-se que esta informação é vital para o planejamento e decisão
do agricultor familiar.
Nos editais em que essa informação aparecia, prevaleceu a entrega
semanal, que é compatível com as condições dos agricultores familiares
e com a compra de vegetais in natura, que são os itens mais pedidos.
A entrega mais de uma vez por semana se torna muito onerosa para os
agricultores familiares. As entregas mais esporádicas estão relacionadas, no
mais das vezes, com produtos não perecíveis.
Tabela 3 – Periodicidade e número de unidades de entrega de produtos
nas chamadas públicas, municípios de São Paulo, 2012 e 2013.
No. de
vezes
Periodicidade de Entrega
No. de
unidades
Unidades de Recebimento
2012 2013 2012 2013
No. % No. % No. % No. %
2-5/sem 16 7,5 20 8,7 1 97 49,2 109 51,4
Semanal 81 38,0 81 35,1 2 a 10 20 10,2 15 7,1
1-2/mês 15 7,0 17 7,4 11 a 50 31 15,7 49 23,1
Educação do Campo, Soberania Alimentar e Agroecologia:
o papel das tecnologias sociais no fortalecimento das comunidades locais
| 95
Esporádico 2 1,0 26 11,2 mais 50 7 3,6 8 3,8
Ñ consta 99 46,5 87 37,7 Ñ consta 44 22,3 30 14,2
Fonte: Baccarin et al. (2015).
Ainda a Tabela 3 aponta o número de unidades de recebimento
presentes nos editais. A entrega centralizada aparece em aproximadamente
metade dos editais de São Paulo, o que favorece ao agricultor familiar, pois
reduz as despesas com frete dos produtos. Embora com menor intensidade,
também nesse quesito um número considerável de editais não apresentava
essa informação.
origem dos agriCultores familiares
Para obter o endereço dos agricultores ou suas organizações, foram
consultados 128 contratos de fornecimento de alimentos pelos agricultores
familiares de 2012 e 2013 para 22 municípios de São Paulo
4
.
A Tabela 4 mostra que a maior parte das prefeituras tinha contratos
com agricultores do próprio município ou em municípios distantes até 100
quilômetros (regional). Em 2013, apenas seis prefeituras optaram por comprar
produtos de outros estados (Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul).
Tabela 4 – Local do estabelecimento dos agricultores familiares
fornecedores de alimentos para prefeituras de São Paulo, 2012 e 2013.
Local do
Estabelecimento
2012 2013 Total
No. % No. % No. %
Municipal 10 66,7 12 57,1 14 63,6
Regional 11 73,3 17 81,0 17 77,3
Estadual 4 26,7 7 33,3 8 36,4
Outro estado 2 13,3 6 28,6 6 27,3
Fonte: Baccarin et al. (2015).
A relação desses municípios, acompanhados de respectivas faixas populacionais, é a seguinte: Alumínio,
Capela do Alto, Divinolândia e Dolcinópolis (até 20 mil habitantes); Araçoiaba da Serra, Espírito Santo
do Pinhal, Iperó, Jaboticabal, Jales, Matão, Monte Alto e Valparaíso (de 20 mil a 100 mil habitantes);
Araraquara, Itapetininga, Piracicaba, Sertãozinho e Taboão da Serra (de 100 mil a 500 mil habitantes) e;
Campinas, Ribeirão Preto, Santo André, São Paulo e Sorocaba (mais de 500 mil habitantes).
Silvia Aparecida de Sousa Fernandes; Bernardo Mançano Fernandes
Davis Gruber Sansolo (Orgs.)
96 |
Os produtos fornecidos do próprio estado englobavam produtos in
natura como legumes, verduras, frutas e ovos, principalmente, bem como
alguns processados como vegetais minimamente processados, mel, doce de
banana, bebida láctea, iogurte, queijos e suco de laranja. Santa Catarina
fornecia maçã, Paraná arroz parbolizado e queijo e o Rio Grande do Sul
apresentava extensa lista, com muitos produtos muito processados: arroz,
barra de cereal, bebida láctea, biscoitos, doce de leite, farinha de milho,
feijão, leite em pó, macarrão, mel, óleo de soja e suco de uva.
A Tabela 5 mostra que, em termos financeiros, o volume gasto pelas
22 prefeituras paulistas foi destinado em sua maior parte, acima de 80%,
para agricultores do próprio Estado. Contudo, esse valor reduziu-se entre
2012 e 2013, quando o município de São Paulo começou a executar o
Artigo 14. O Rio Grande do Sul, embora mais distante, aparece como
o segundo estado, após São Paulo, com agricultores fornecedores para as
prefeituras paulistas. Fora da Região Sul, nenhum outro estado contribuiu
para o cumprimento do Artigo 14 em São Paulo nos anos analisados.
Tabela 5 - Valor dos contratos entre prefeituras paulistas e agricultores
familiares, de acordo com seu estado de origem, 2012 e 2013, em mil reais.
Estado de Origem
2012 2013 Total
No. % No. % No. %
Paraná 0 0,0 1.659,5 6,8 1.659,5 5,7
Rio Grande do Sul 262,8 5,7 2.185,0 8,9 2.447,8 8,4
Santa Catarina 0 0,0 341,2 1,4 341,2 1,2
São Paulo 4.450,6 94,4 20.338,7 82,9 24.789,3 84,8
Total 4.713,4 100,0 24.524,4 100,0 29.237,8 100,0
Fonte: Baccarin et al. (2015).
Uma informação adicional é que os produtos com alto grau de
processamento foram comprados exclusivamente de cooperativas (algumas
de porte grande) e não de agricultores individuais ou associações.
Educação do Campo, Soberania Alimentar e Agroecologia:
o papel das tecnologias sociais no fortalecimento das comunidades locais
| 97
CumPrimento do artigo 14
Os dados aqui utilizados são provenientes da sistematização feita
pelo FNDE, disponível em seu site, das prestações de contas dos gastos
com alimentação escolar de prefeituras e secretarias estaduais de educação.
O Gráfico 1 aponta para crescimento significativo do cumprimento
do Artigo 14 pelo conjunto dos municípios paulistas até 2015, embora
o gasto mínimo de 30% não tenha sido atingido. Em 2016, contudo,
os gastos com agricultura familiar sofreram grande queda. No caso da
Secretaria Estadual de Educação, sua adesão ao Artigo 14 foi praticamente
nula, com gastos próximos a 1% dos repasses do FNDE, com exceção de
2010, quando eles chegaram a 10% (FNDE, 2018).
Observa-se na Tabela 6 que o número de prefeituras que nada
compraram via Artigo 14 apresentou forte redução, entre 2011 e 2014.
Eram mais da metade, tendo se reduzido a pouco mais de 25,0%. Por
outro lado, 46,0% das prefeituras paulistas, em 2014, compraram próximo
a 30,0% ou mesmo superaram esse valor.
Gráfico 1 – Nível de cumprimento porcentual do Artigo 14 pelo
conjunto dos municípios de São Paulo, 2011 a 2016.
Fonte: FNDE (2018).
Silvia Aparecida de Sousa Fernandes; Bernardo Mançano Fernandes
Davis Gruber Sansolo (Orgs.)
98 |
Tabela 6 - Grupos de municípios de acordo com cumprimento
porcentual do Artigo 14 em 2011 e 2014, São Paulo.
Nível de
cumprimento
2011 2014
Número Porcentual Número Porcentual
0,0% 345 57,0 175 27,5
0,1 – 10,0% 79 13,1 55 8,6
10,1 – 25,0% 88 14,5 114 17,9
25,1 – 35,0% 58 9,6 114 17,9
Mais de 35,0% 35 5,8 179 28,1
Fonte: FNDE (2015).
atratividade para oS agriCultoreS familiareS
O estímulo para que os agricultores familiares participem como
fornecedores do PNAE depende do alcance do programa em relação
ao seu número e renda bruta. Há expectativa de se obterem preços
mais altos, mas cujos efeitos sobre a renda dos agricultores podem ser
insuficientes para sua adesão ao programa. Isto porque pode haver
necessidade de se realizar uma série de adaptações produtivas e formais
nos estabelecimentos agropecuários.
A atratividade de participação como fornecedor de produtos na
alimentação escolar pode ser abordada para o conjunto de agricultores
familiares ou para determinado agricultor. No primeiro caso, considera-se
que municípios com maiores populações/alunos são mais atrativos, pois
os valores a serem gastos na compra de produtos da agricultura familiar,
em termos absolutos, seriam bem mais expressivos. Inclusive, municípios
muito grandes e pertencentes a regiões metropolitanas podem ter área
rural insignificante, fazendo-os demandar produtos de outros municípios.
A sugestão é que se procure confrontar o repasse do FNDE
destinado à alimentação escolar para o município ou estado com a renda
da agricultura familiar daquele local. Dando um passo adiante, podem-se
verificar relações mais específicas, do consumo na alimentação escolar e
da produção local de determinados produtos, como arroz, feijão, leite e
outros mais.
Educação do Campo, Soberania Alimentar e Agroecologia:
o papel das tecnologias sociais no fortalecimento das comunidades locais
| 99
Para o agricultor, individualmente, sua participação é estimulada pelo
valor que arrecade no ano vendendo para a alimentação escolar. Em 2009,
o limite estipulado era de R$ 9 mil por ano (Resolução FNDE 38/2009),
valor que passou para R$ 20 mil em 2012, considerando-se o conjunto
de entes públicos executores da alimentação escolar (Resolução FNDE
25/2012). Desde 2015, esse limite manteve-se em R$ 20 mil, mas passou
a ser relacionado a cada entidade executora (Resolução FNDE 4/2015)
(FNDE, 2015). Ou seja, um agricultor familiar, atualmente, pode alcançar
ganhos muito maiores, desde que forneça para mais de um município.
Essas mudanças merecem discussão específica, à medida que
podem beneficiar mais determinados agricultores ou suas organizações,
mas limite a participação de maior número deles. Por exemplo, várias das
grandes cooperativas do Sul do Brasil têm DAP jurídica e o aumento do
limite anual das vendas para o PNAE pode servir de estímulo à sua maior
presença no mercado institucional, excluindo agricultores individuais e
pequenas organizações.
AvAliAndo A AtrAtividAde pArA Agricultores FAmiliAres
Baccarin et al. (2011) informam que o FNDE repassou em 2010 para
prefeituras e Secretaria Estadual da Educação de São Paulo um valor de R$
542,1 milhões para alimentação escolar, o que permitiria a compra de R$
162,6 milhões em alimentos dos agricultores familiares, caso o Artigo 14
fosse integralmente cumprido. Esse último valor equivalia à 3,2% da renda
bruta da agricultura familiar do Estado, apurada pelo Censo Agropecuário
de 2006 (IBGE, 2009) e corrigida pela inflação para 2010.
Em relação à produção, estimou-se que a agricultura familiar paulista
poderia atender com folgas as necessidades do consumo de frango e de
mandioca, com alguma dificuldade o consumo de leite e feijão e ficaria
muito distante de atender a necessidade de arroz da alimentação escolar no
Estado (Baccarin et al., 2011).
Outra análise que pode ser feita refere-se ao número de agricultores
que poderiam ser contemplados. Supondo-se que não ocorresse compra de
Silvia Aparecida de Sousa Fernandes; Bernardo Mançano Fernandes
Davis Gruber Sansolo (Orgs.)
100 |
outros estados e que cada agricultor participante do PNAE recebesse R$
20.000,00/ano, o repasse de R$ 640,7 milhões do FNDE, em 2014, e o
correspondente R$ 192,2 milhões para agricultores familiares, permitiria
que 9.610 deles fossem contemplados, equivalente a 6,4% dos 151.015
agricultores familiares paulistas, registrados no Censo 2006 (IBGE, 2009).
Grande parte das prefeituras de São Paulo, ao cumprir o Artigo 14
(e gastando R$ 20.000,00/agricultor), beneficiaria pequeno número de
agricultores, conforme Tabela 7. Pouco mais de 75% das prefeituras apenas
conseguiria comprar de até 10 agricultores, tendo pequena capacidade de
intervenção na renda do conjunto de seus agricultores.
Tabela 7 - Municípios paulistas, classificados em faixas de acordo com
número de agricultores atendíveis pela aplicação do Artigo 14, 2014.
Faixa de
agricultores
Municípios
Faixa de
agricultores
Municípios
Número Percentagem Número Percentagem
até 5 397 62,3 101 a 200 5 0,8
6 a 10 94 14,8 201 a 500 1 0,2
11 a 20 67 10,5 501 a 1000 0 0,0
21 a 50 55 8,6 mais 1.000 1 0,2
51 a 100 17 2,7 Total 637 100,0
Fonte: FNDE (2015).
Apenas sete prefeituras ou 1,2% atenderiam mais de 100 agricultores.
Merece destaque a situação da prefeitura de São Paulo, que poderia
comprar de 1.422 agricultores familiares, bem acima daqueles existentes
em sua área territorial. No caso da Secretaria Estadual da Educação, em
executando plenamente o Artigo 14, conseguiria atingir 2.001 agricultores
familiares.
Os grandes municípios são muito mais atrativos para os agricultores
familiares. De acordo com Corá e Belik (2012), as 100 maiores prefeituras
brasileiras (1,7% do total) recebem cerca de 30% dos recursos de
alimentação escolar repassados aos municípios, sendo que 36 delas estão
situados no estado de São Paulo.
Educação do Campo, Soberania Alimentar e Agroecologia:
o papel das tecnologias sociais no fortalecimento das comunidades locais
| 101
Para avaliação em futuros estudos, estabelece-se a suposição de
que as grandes cooperativas de agricultores familiares vão direcionar seus
esforços para venda de alimentos às grandes cidades. E estas, por questões
administrativas e operacionais, vão preferir fazer contratos com essas
organizações que envolvem grande número de agricultores e, portanto,
grande quantidade de alimentos a ser entregue, além de terem maior
capacidade de processamento de seus produtos.
CapaCidade de partiCipação doS agriCultoreS
Inicialmente, é importante que se levantem características sociais e
estruturais dos agricultores familiares da região ou estado a que pertencem.
Supõe-se que, em locais em que a agricultura familiar tenha maior expressão
econômica, com agricultores mais integrados aos mercados e com maior
capacidade de associação, entre outras características, sua capacidade de
fornecimento no âmbito do Artigo 14 seja maior.
Embora o processo seja simplificado, é necessário o atendimento
de questões burocráticas e legais para os agricultores participarem do
PNAE, como dispor de Nota do Produtor e ser reconhecido formalmente
como agricultor familiar através da DAP. Sugere-se comparar o número
de agricultores com DAP com o número de agricultores familiares
do município. O acesso a outros programas públicos, como o PAA e o
Pronaf, também pode ser um fator de estímulo à participação no PNAE e,
portanto, convém ser levantado.
Em princípio, pode-se supor que a participação dos agricultores
seria facilitada se os mesmos integrassem entidades coletivas, associações
e cooperativas, dando-lhes maior possibilidade de acompanhamento
das chamadas públicas e de atendimento às questões burocráticas, não
comprometendo suas atividades essencialmente agrícolas, fato muitas
vezes desconsiderado em várias análises. Contudo, tal suposição pode
não se confirmar, caso a associação ou cooperativa, de fato, não aja como
representante do agricultor, mas se constitua em mero intermediário
na comercialização de seu produto, não lhe repassando os preços mais
Silvia Aparecida de Sousa Fernandes; Bernardo Mançano Fernandes
Davis Gruber Sansolo (Orgs.)
102 |
altos obtidos na alimentação escolar. Para aferir isso é necessário se obter
informações diretamente dos agricultores familiares, bem como estudar a
forma como atuam aquelas organizações, em especial como se relacionam
com seus associados ou cooperados.
Um ponto já comentado deve ser aqui reforçado, qual seja a
capacidade dos agricultores processarem seus produtos e aumentarem a
participação na alimentação escolar. Pode-se pensar em processamento
mais simples, como higienização, descascamento, corte e embalagem de
legumes e verduras, ou pouco mais complexo, que requereria a instalação
de pequena agroindústria artesanal. Em muitos dos casos, seria necessária a
realização de investimentos produtivos, nem sempre efetiváveis levando em
conta as condições financeiras dos agricultores e as exigências normativas
fiscais, sanitárias e ambientais para a instalação de agroindústria.
Uma última, mas muito importante questão, diz respeito à
coincidência entre calendário agrícola e o escolar. Especialmente para
os produtos perecíveis, os produtos da agricultura familiar devem estar
disponíveis naqueles momentos em que, na programação do cardápio,
comporiam as refeições escolares, o que nem sempre coincide com o
momento de sua produção local.
condições produtivAs e orgAnizAção dos Agricultores
Como já dito, supõe-se que a maior importância dos agricultores
familiares em determinada região ou estado torna mais factível o
cumprimento do Artigo 14. Baccarin et al. (2015) apresentam números
a comprovar tal fato, sendo que contra 21,2% de atendimento do Artigo
14 pelas prefeituras em São Paulo, no Paraná, com maior importância
da agricultura familiar, as prefeituras gastavam 26,3% e as prefeituras de
Santa Catarina, com porcentual ainda maior de agricultores familiares,
superavam o mínimo do Artigo 14, gastando 38,8% dos repasses do
FNDE com alimentos oriundos de seus agricultores familiares, em 2014.
Além da menor importância relativa de sua agricultura familiar, os
resultados do estado de São Paulo, muito provavelmente, são influenciados
Educação do Campo, Soberania Alimentar e Agroecologia:
o papel das tecnologias sociais no fortalecimento das comunidades locais
| 103
pela grande expansão da área canavieira, o que se acentuou no presente
século. Excluindo as pastagens, a cana-de-açúcar ocupa área pouco superior à
soma da área de todas as outras atividades agrícolas do Estado e sua produção
ocorre em extensos estabelecimentos, inclusive com o arrendamento de terras
de pequenos proprietários rurais (Baccarin et al., 2015).
Não parece ser um problema importante o nível de formalização
dos agricultores familiares paulistas, pelo menos no que se refere à posse
de DAP. Em 2011, foi constatado que 97.717 agricultores familiares
apresentaram DAP ativa em São Paulo (Brasil, 2011), número expressivo
frente aos 151.015 estabelecimentos de agricultura familiar elencados no
Censo de 2006.
As entrevistas realizadas nos projetos de pesquisa já citados
revelaram que as compras institucionais do PNAE (e também do PAA)
vêm contribuindo para a criação de associações e, em menor número, de
cooperativas de agricultores familiares em São Paulo. Mas, é bom que se
diga que, não raramente, foi apontado que essas instituições agem como
meros intermediários na comercialização dos produtos obtidos pelos
agricultores familiares, com esses não participando nem influenciando de
fato nas ações e resultados das associações.
preçoS pratiCadoS
Especificou-se essa discussão para reforçar o óbvio e duplo significado
do preço praticado, como gasto público e renda para os agricultores
familiares. Ao realizar suas compras, estabelecida a qualidade requerida, as
prefeituras devem procurar obter a maior quantidade possível de produtos
alimentícios, ou seja, pagar menores preços. Por seu lado, o incentivo ao
agricultor para participar do PNAE se daria com o recebimento de preços
acima dos obtidos nos mercados convencionais.
Isso não necessariamente é incompatível. Basta entender que a compra
pelo Artigo 14 é direta dos agricultores familiares ou de suas organizações,
com seus produtos podendo ser remunerados pelas prefeituras ao nível
dos preços praticados no varejo ou atacado em que tradicionalmente se
Silvia Aparecida de Sousa Fernandes; Bernardo Mançano Fernandes
Davis Gruber Sansolo (Orgs.)
104 |
realizam compras para a alimentação escolar. Pela compra direta e, muitas
vezes, em canais mais curtos, seria diminuída a margem de comercialização,
garantindo-se maiores preços aos agricultores familiares.
Na fixação de preços, as prefeituras devem obedecer alguns critérios.
Os preços devem ser pesquisados em três mercados locais, inclusive, na feira
do agricultor familiar, se existente. Se este levantamento não puder ser feito
localmente, deverá ser feito em âmbito territorial, estadual ou nacional,
nesta ordem de prioridade. Os preços também devem ser acrescidos de
eventuais gastos com embalagens, transporte, encargos que o agricultor
possa ter. No caso de produtos orgânicos, caso não haja possibilidade de se
pesquisar o seu preço, deve-se levantar os preços dos produtos tradicionais
e acrescer o seu valor em 30% (Resolução FNDE 4/2015) (FNDE, 2015).
O estudo da adequabilidade dos preços constantes das chamadas
públicas, para produtos in natura, é possível via sua comparação com preços
pagos ao produtor agropecuário em mercados convencionais, registrados
por órgãos públicos de economia agrícola, existentes em vários estados.
Também é possível a comparação com preços no atacado, tomando por base
informações de centrais públicas de abastecimento de hortigranjeiros. As
dificuldades seriam maiores no caso dos produtos processados, sugerindo-
se a comparação com informações oriundas de pesquisas sistemáticas
visando compor índices de inflação ou com preços praticados nas licitações
tradicionais (no âmbito da Lei 8.666) para o PNAE.
Convém reforçar a percepção que o diferencial de preços entre os
mercados convencionais em que os agricultores vendem seus produtos
e aqueles (mais altos, supostamente) obtidos no fornecimento para
a alimentação escolar via Artigo 14 pode estimular comportamentos
oportunistas de alguns agentes sociais. Já se afirmou a possiblidade de
cooperativas ou associações reterem para si esse diferencial, não o repassando
para os agricultores. Contudo, há outras possibilidades, como a de se forjar
a situação de agricultor familiar, através do “aluguel” ou uso indevido do
número de DAP e mesmo da comercialização de produtos não originários
da agricultura familiar, mas comprados em centrais de abastecimento, por
exemplo.
Educação do Campo, Soberania Alimentar e Agroecologia:
o papel das tecnologias sociais no fortalecimento das comunidades locais
| 105
preços recebidos pelos Agricultores FAmiliAres
Ao contrário do que impõe a regulamentação do Artigo 14, observou-
se que muitas chamadas públicas não continham a informação dos preços
dos produtos a serem adquiridos. Em 2012, apenas 27,4% das chamadas
públicas das prefeituras paulistas analisadas traziam essa informação, o
que se elevou para 37,2% em 2013. Isso, além de revelar a ilegalidade e
má qualidade das chamadas públicas, fez com que se resumisse a análise
de preços apenas àquelas prefeituras das quais se obteve os contratos de
compra dos agricultores familiares.
Foi possível fazer comparação para maior número de produtos entre
preços das chamadas públicas e os no atacado, registrados pela Central
de Entrepostos e Armazéns Gerais do Estado de São Paulo (CEAGESP),
basicamente produtos vegetais in natura e ovo de galinha. A Tabela 8
mostra que número muito reduzido de produtos, apenas 2%, contou com
preços abaixo de 50% daqueles praticados na CEAGESP. Supondo que
os preços no atacado se situam em patamar superior ao dobro dos preços
recebidos pelos agricultores, os resultados apontam que os preços obtidos
nos contratos do Artigo 14 são vantajosos aos agricultores familiares.
Número expressivo, de 36,0%, dos preços nos contratos superaram os
preços da CEAGESP em mais de 50%.
Tabela 8 – Comparação dos preços dos contratos do Artigo 14 de
prefeituras paulistas com preços no atacado da CEAGESP, São Paulo,
2012 e 2013.
Faixa Preço em
Relação à CEAGESP
2012 2013 Total
Número % Número % Número %
Até 50%
1 0,7 6 2,7 7 2,0
De 50% a 100%
46 33,8 68 30,9 114 32,0
De 100% a 150%
36 26,5 71 32,3 107 30,1
Mais de 150%
53 39,0 75 34,1 128 36,0
Total 136 100,0 220 100,0 356 100,0
Fonte: Baccarin et al. (2015).
Silvia Aparecida de Sousa Fernandes; Bernardo Mançano Fernandes
Davis Gruber Sansolo (Orgs.)
106 |
Tal situação não indica, necessariamente, que as prefeituras estejam
pagando na compra de produtos da agricultura familiar preços mais altos
do que nas compras tradicionais para alimentação escolar. Muitas vezes,
as prefeituras compram seus produtos a preço de varejo e não de atacado,
como são os da CEAGESP.
CoNSideraçõeS fiNaiS
Constatou-se no conjunto das prefeituras paulistas que houve
crescimento expressivo da execução de compras de produtos de agricultores
familiares para a alimentação escolar, entre 2011 e 2015 e queda em 2016.
Diferentemente, a Secretaria Estadual da Educação, praticamente, não
registrou compras de agricultores familiares no mesmo período.
Foram percebidas importantes deficiências na execução do Artigo 14.
Parte significativa das chamadas públicas não informava a periodicidade,
locais de entrega e preços a serem pagos. Ao mesmo tempo, observou-
se que entre os produtos requeridos predominavam os de origem vegetal
e in natura, que são mais fáceis de serem fornecidos pelos agricultores
familiares, em relação aos produtos processados, especialmente de origem
animal, que apresentam maiores exigências sanitárias. Ao mesmo tempo, a
priorização de produtos in natura vem ao encontro da diretriz de melhoria
da qualidade nutricional da alimentação escolar, à medida que substituam
produtos muito processados.
Conseguiu-se perceber que os agricultores são mais bem remunerados
ao venderem para o PNAE do que nos mercados tradicionais. Também
pode se verificar que tem se dado prioridade nas compras a agricultores
do próprio município da Entidade Executora do PNAE, seguido por
agricultores de cidades próximas.
Esses dois pontos revelam que a aplicação do Artigo 14 tem se mostrado
adequada ao aumento de renda de agricultores e ao desenvolvimento local,
ainda que com alcance bastante limitado. A grande maioria dos municípios
consegue atender pequeno número de agricultores de sua área e os recursos
Educação do Campo, Soberania Alimentar e Agroecologia:
o papel das tecnologias sociais no fortalecimento das comunidades locais
| 107
repassados pelo FNDE representam parcela reduzida da renda e do número
de agricultores do estado de São Paulo.
Pode-se perceber que os agricultores são estimulados a aumentarem
sua formalidade e organização, com o surgimento de associações e algumas
cooperativas. Contudo, em alguns casos, os interesses dessas entidades
se apartam daqueles dos agricultores e elas atuam como intermediários
tradicionais. Constatou-se também a possibilidade dos preços convidativos
incentivarem comportamentos oportunistas de agentes que forjam a
condição de agricultores familiares.
Visando aumentar seu alcance social, julga-se necessário que se
acrescente outras ações públicas ao Artigo 14, no campo da comercialização
dos produtos de agricultores familiares. Neste caso, deve-se verificar a
possibilidade de desenvolvimento local de outros programas de compras
institucionais, como o PAA, compras de órgãos públicos federais que usam
alimentos (hospitais, universidades, forças armadas etc.) e um programa do
Governo do Estado de São Paulo denominado PPAIS (Programa Paulista
da Agricultura de Interesse Social). Além disso, as prefeituras podem
desenvolver equipamentos alternativos de comercialização, como varejões
e feiras livres, para produtos de agricultores familiares, além de criarem
programas próprios de compras institucionais.
Outra questão que se julga fundamental para o aprimoramento da
execução do Artigo 14 é o reforço à integração das diversas áreas públicas
envolvidas, entre elas, a de nutrição e alimentação escolar, a administrativa
que organiza as compras e a de fomento agropecuário. Nesse mesmo sentido,
seria recomendável um contato mais permanente com os agricultores
familiares locais, envolvendo atividades de capacitação, para que se sintam
convencidos a participarem como fornecedores da alimentação escolar,
inclusive, garantindo que os preços mais remuneradores seja, de fato e em
todas as situações, absorvidos por eles.
Silvia Aparecida de Sousa Fernandes; Bernardo Mançano Fernandes
Davis Gruber Sansolo (Orgs.)
108 |
referêNCiaS
BACCARIN, J. G.; ALEIXO, S. S.; SILVA, D. B. P.; MENDONCA, G. G.
Alimentação escolar e agricultura familiar: alcance e dificuldades para implantação
do Artigo 14 da Lei 11.947/2009 no estado de São Paulo. In: CONGRESSO
DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE ECONOMIA, ADMINISTRAÇÃO E
SOCIOLOGIA RURAL, 49., 2011, Belo Horizonte. Anais [...]. Brasília, DF:
SOBER, 2011.
BACCARIN, J. G.; BUENO, G.; ALEIXO, S. S.; SILVA, D. B. P. Agricultura
familiar e alimentação escolar sob a vigência da Lei 11.947/2009: adequação das
chamadas públicas e disponibilidade de produtos no estado de São Paulo em
2011. In: CONGRESSO DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE ECONOMIA,
ADMINISTRAÇÃO E SOCIOLOGIA RURAL, 50., 2012, Vitória. Anais [...].
Brasília, DF: SOBER, 2012.
BACCARIN, J. G.; TRICHES, R. M.; TEO, C. P. A.; FERREIRA, D. A. O.;
SILVA, D. B. P. Agricultura Familiar sob a Vigência da Lei Federal 11.947/2009:
abrangência e Adequação das Chamadas Públicas, Impactos na Agricultura Local e
Preços Recebidos pelos Agricultores Familiares, 2015. Relatório do Projeto CNPq.
BOHNER, T. O. L.; PEREIRA, A. B. A. S.; GUEDES, A. C.; DÖRR, A.
C. Programa Nacional de Alimentação Escolar: uma abordagem das compras
institucionais nas microrregiões da Quarta Colônia e Vale do Jaguari do estado do Rio
Grande do Sul. REMOA: Revista Monografias Ambientais, Santa Maria, v. 14, n. 2,
p. 3192-3202, 2014.
BRAGA, E. M. F.; AZEVEDO, H. S. Segurança alimentar e nutricional: os desafios da
intersetorialidade. Revista Aval, Fortaleza, v. 2, n. 10, p. 57-71, 2012.
BRASIL. Lei 10.696, de 2 de julho de 2003. Dispõe sobre a repactuação e o alongamento
de dívidas oriundas de operações de crédito rural, e dá outras providências. Diário Oficial
da República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF, 03 jul. 2003.
BRASIL. Lei 8.666, de 21 de junho de 1993. Regulamenta o art. 37, inciso XXI, da
Constituição Federal, institui normas para licitações e contratos da Administração
Pública e dá outras providências. Diário Oficial da República Federativa do Brasil,
Poder Executivo, Brasília, DF, 06 jul. 1994.
BRASIL. LEI nº 11.947, de 16 de junho de 2009. Dispõe sobre o atendimento da
alimentação escolar e do Programa Dinheiro Direto na Escola aos alunos da educação
básica; altera as Leis nos 10.880, de 9 de junho de 2004, 11.273, de 6 de fevereiro
de 2006, 11.507, de 20 de julho de 2007; revoga dispositivos da Medida Provisória
no 2.178-36, de 24 de agosto de 2001, e a Lei no 8.913, de 12 de julho de 1994; e
dá outras providências. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Poder
Executivo, Brasília, DF, 17 jun. 2009.
Educação do Campo, Soberania Alimentar e Agroecologia:
o papel das tecnologias sociais no fortalecimento das comunidades locais
| 109
BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Agrário. Extrato da DAP. Disponível em:
http://smap13.mda.gov.br/ExtratoDap. Acesso em: 18 mar. 2011.
BUNDY, D. et al. Rethinking school feeding: social safety nets, child development,
and the education sector. Washington: World Bank, 2009.
CORÁ, M. A. J.; BELIK, W. (org.). Projeto Nutre SP: análise da inclusão da
agricultura familiar na alimentação escolar no estado de São Paulo. São Paulo: Instituto
Via Pública, 2012.
COSTA, B. A. L.; AMORIM JUNIOR, P. C. G., SILVA, M. G. As Cooperativas de
Agricultura Familiar e o Mercado de Compras Governamentais em Minas Gerais.
Revista Economia Sociologia Rural, Piracicaba, v. 53, n. 1, p. 109-126, 2015.
ESPEJO, F.; BURBANO, C.; GALLIANO, E. Home-Grown School Feeding: a
framework to link school feeding with local agricultural production. Rome: WFP, 2009.
FUNDO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO DA EDUCAÇÃO (FNDE).
Resolução/CD/FNDE Nº 32, de 10 de agosto de 2006. Estabelece as normas para a
execução do Programa Nacional de Alimentação Escolar - PNAE. Diário Oficial da
República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 17 ago. 2006.
FUNDO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO DA EDUCAÇÃO (FNDE).
Resolução/CD/FNDE Nº 38, de 16 de julho de 2009. Dispõe sobre o atendimento
da alimentação escolar aos alunos da educação básica no Programa Nacional de
Alimentação Escolar - PNAE. Diário Oficial da República Federativa do Brasil,
Poder Executivo, Brasília, DF, 16 jul. 2009.
FUNDO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO DA EDUCAÇÃO (FNDE).
Resolução/CD/FNDE Nº 25, de 4 de julho de 2012. Altera a redação dos artigos 21
e 24 da Resolução Nº 38, de 16 de julho de 2009, no âmbito do Programa Nacional
de Alimentação Escolar (PNAE). Diário Oficial da República Federativa do Brasil,
Brasília, DF, 5 jul. 2012.
FUNDO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO DA EDUCAÇÃO (FNDE).
Resolução/CD/FNDE Nº 4, de 2 de abril de 2015. , Altera a redação dos artigos 25 a
32 da Resolução/CD/FNDE nº 26, de 17 de junho de 2013, no âmbito do Programa
Nacional de Alimentação Escolar (PNAE). Diário Oficial da República Federativa do
Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF, 8 abr. 2015.
FUNDO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO DA EDUCAÇÃO (FNDE).
Dados Agricultura Familiar. Disponível em: http://www.fnde.gov.br/programas/
alimentacao escolar/alimentacao escolar consultas/dados da agricultura familiar. Acesso
em: 20 set. 2018.
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Censo
Agropecuário 2006: Brasil, Grandes Regiões e Unidades da Federação. Segunda
Apuração. Rio de Janeiro, 2009.
Silvia Aparecida de Sousa Fernandes; Bernardo Mançano Fernandes
Davis Gruber Sansolo (Orgs.)
110 |
MARQUES, A. A. et al. Reflexões de agricultores familiares sobre a dinâmica de
fornecimento de seus produtos para a alimentação escolar: o caso de Araripe, Ceará.
Saúde e Sociedade, São Paulo, v. 23, n. 4, p. 1329-1341, 2014.
MONTEIRO, C. A. et al. A new classification of foods based on the extent and purpose
of their processing. Caderno Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 26, n. 11, p. 2039-2049,
2010.
RAMOS, M. P.; SCHABBACH, L. M. O estado da arte da avaliação de políticas
públicas: conceituação e exemplos de avaliação no Brasil. Revista de Administração
Pública, Rio de Janeiro, v. 46, n. 5, p. 1271-294, set./out. 2012.
SILVA, A. P. F.; SOUSA, A. A. Alimentos orgânicos da agricultura familiar no Programa
Nacional de alimentação Escolar do Estado de Santa Catarina, Brasil. Revista de
Nutrição, Campinas, v. 26, n. 6, p. 701-714, 2013.
SOUZA-ESQUERDO, V. F.; BERGAMASCO, S. M. P. P. Análise sobre o acesso aos
programas de políticas públicas da agricultura familiar nos municípios do circuito das
frutas (SP). Revista Economia e Sociologia Rural, Piracicaba, v. 52, p. 205-222, 2014.
Suplemento 1.
TRICHES, R. M. Repensando o mercado da alimentação escolar: novas
institucionalidades para o desenvolvimento rural. In: GRISA, C.; SCHNEIDER, S.
(org.). Políticas públicas de desenvolvimento rural no Brasil. Porto Alegre: Editora
da UFRGS, 2015. p. 181-200.
| 111
C 4
P  
   :
  
  

Silvia Aparecida de Sousa Fernandes
Paulo Eduardo Teixeira
Leonardo Moreno Lima Capellanes
Maria Clara Gregório Arcari
iNtrodução
A consolidação do processo de mundialização do capitalismo
financeiro na segunda metade do século XX associado ao pensamento
neoliberal promoveu um reordenamento territorial e fortalecimento
Silvia Aparecida de Sousa Fernandes; Bernardo Mançano Fernandes
Davis Gruber Sansolo (Orgs.)
112 |
de monopólios que comandam a economia em caráter mundial. As
contradições nas relações sociais de produção na sociedade capitalista são
evidenciadas no campo e na cidade, com profundos contrastes sociais,
econômicos e culturais.
No campo, esse movimento do capital, dá-se pela expansão da área
plantada com o aumento dos monocultivos e da produção em larga escala,
com a intensificação das tecnologias convencionais (TC) na agricultura,
apoiados pelo Estado, por meio de políticas públicas de subsídios e
financiamento agrícola. Com a intensificação da produção de commodities
e o controle monopolista dessa produção. Dessa forma, o desenvolvimento
rural está atrelado à hegemonia capitalista. Para Delgado (2005, p. 13),
O agronegócio, na acepção brasileira do termo, é uma associação do
grande capital agroindustrial com a grande propriedade fundiária.
Essa associação realiza uma estratégia econômica de capital
financeiro, perseguindo o lucro e a renda da terra, sob patrocínio
de políticas de estado.
O agronegócio representa um complexo sistema envolvendo a
agricultura, a indústria, o mercado e o sistema financeiro, sendo controlado
por grandes corporações internacionais (Fernandes, 2005). Essa análise
compreende as dimensões produtivas inserida na dimensão global,
analisando o modelo dependente de desenvolvimento agrário e a posição
vulnerável que esse modelo representa, principalmente no contexto de
crises globais. Esse contexto apresenta a necessidade de consolidação de
um novo padrão de desenvolvimento, que valorize os modelos produtivos
não hegemônicos.
Podemos contrapor, desse modo, as distintas formas de organização
dos territórios camponeses e comunidades tradicionais ao modelo do
agronegócio. Fernandes (2005), aponta que o agronegócio se organiza para
a produção de mercadorias, enquanto o campesinato organiza seu território,
primeiramente, para a sua existência. O agronegócio, se organizando
para a produção de mercadorias, visa o acúmulo de capital e promove
Educação do Campo, Soberania Alimentar e Agroecologia:
o papel das tecnologias sociais no fortalecimento das comunidades locais
| 113
a expropriação territorial, o controle da população rural, a precarização
do trabalho e a destruição dos territórios camponeses. Sendo assim, há
o conflito entre dois modelos de desenvolvimento: o modelo capitalista,
representado pelo agronegócio, e o modelo camponês. Os diferentes
modelos de produção são interpretados, também, à luz de distintos
modelos teóricos que podem valorizar ou subsumir as condições sociais de
produção e reprodução no campo. Fernandes (2008a) categoriza-os como
modelos paradigmáticos: o paradigma da questão agrária e o paradigma do
capitalismo agrário.
Com a restruturação do capital, os movimentos sociais também
reorganizam suas bandeiras e estratégias de luta. Em 1996, a Via Campesina
é criada como uma articulação mundial de movimentos camponeses, em
um contexto do avanço do capitalismo no campo. A organização agregou
movimentos socioterritoriais de diferentes origens, mas com bandeiras de
luta comuns: camponeses, pequenos agricultores, indígenas, quilombolas e
ribeirinhos em 73 países, representando mais de 160 organizações. Define-
se como um movimento autônomo, pluralista e multicultural (Fernandes,
2019).
Conforme apresentado no documento de apresentação da Via
Campesina, suas linhas de atuação incluem a luta pela reforma agrária,
sustentada por uma mudança do modelo de produção econômico, social
e político; a soberania alimentar, pautada na produção agroecológica e
agricultura camponesa sustentável, respeitando a biodiversidade. O conceito
de soberania alimentar, se consolidou como um enfrentamento as políticas
neoliberais impostas pela Organização Mundial do Comércio (OMC) e
pelo Banco Mundial (BM), ambos vinculados a FAO (Organização das
Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura). Com a Via Campesina
os movimentos socioterritoriais consolidam a soberania alimentar como
uma necessária política de desenvolvimento econômico e social, que
fortaleça a autonomia dos países e povos em decidir seu próprio padrão
alimentar e de modelos de produção, recusando o padrão imposto pelas
corporações transnacionais como modelo hegemônico.
O fortalecimento de modelos de produção agroecológica, a
produção de sementes crioulas e empoderamento dos diferentes sujeitos
Silvia Aparecida de Sousa Fernandes; Bernardo Mançano Fernandes
Davis Gruber Sansolo (Orgs.)
114 |
e movimentos sociais que lutam pela conquista da terra permanência no
campo estão expressos nesses movimentos socioterritoriais.
O objetivo deste texto é analisar experiências de produção e venda
direta como Tecnologias Sociais (TS) que valorizam e contribuem para o
empoderamento desses sujeitos sociais, com base na produção agroecológica
e fortalecimento da soberania alimentar. Discute-se a concepção de TS e
a possibilidade de que as TS aqui analisadas possam ser difundidas para
outros territórios.
Mais especificamente, a pesquisa em que baseia este texto envolve
a identificação, registro e análise de experiências de produtores rurais
em assentamentos da Reforma Agrária localizados em um raio de 200
quilômetros de Marília, no interior do Estado de São Paulo. Em Marília
está localizado o Centro de Pesquisa e Estudos Agrários e Ambientais
(CPEA), na Faculdade de Filosofia e Ciências (FFC), da Universidade
Estadual Paulista (UNESP), instituição a que os autores deste texto estão
vinculados. O CPEA, como grupo de pesquisa, integra a Rede de Defesa e
Promoção da Alimentação Saudável, Adequada e Solidária (REDE SANS)
e o Centro de Ciência, Tecnologia e Inovação para Soberania e Segurança
Alimentar e Nutricional (Interssan), com sede no Instituto de Biociências,
da Unesp, Botucatu.
Os assentamentos participantes da pesquisa realizada entre 2018 e
2020 são: Assentamento Reunidas, em Promissão-SP, Assentamento Luiz
Beltrame, em Gália-SP, Assentamento Rosa Luxemburgo, em Iaras-SP
e o Assentamento Dandara, em Promissão-SP. Na cidade de Marília são
realizadas as feiras de produtos agroecológicos, além de ser um dos pontos
de comercialização das cestas de produtos agroecológicos na modalidade
de venda direta, que denominamos aqui de Comunidade Sustentando a
Agricultura (CSA) Marília. A pesquisa foi realizada no âmbito do projeto
“Tecnologias Sociais em Segurança Alimentar e Nutricional: vídeo e
fotografia como possibilidade de valorização de saberes em Agroecologia e
Educação do Campo”, que contou com apoio do CNPq/MCTI. As feiras
e produção agroecológica também serão abordadas em vídeo, por meio da
produção de documentários a serem divulgados no site do projeto.
Educação do Campo, Soberania Alimentar e Agroecologia:
o papel das tecnologias sociais no fortalecimento das comunidades locais
| 115
Na pesquisa, identificamos a produção agroecológica, a venda direta
por meio da entrega das cestas de produtos agroecológicos e as feiras como
tecnologias do tipo orgware e se conectam com outras Tecnologias Sociais
formando redes sociotécnicas, que possuem um potencial verdadeiramente
transformador da sociedade. Para o aporte teórico trazemos aqui as
contribuições de Dagnino (2014), Fernandes (2008a, 2019), Coca (2016).
O texto está organizado em 4 seções, além desta introdução. Na
primeira seção discute-se a concepção de Tecnologia Convencional (TC)
e Tecnologia Social (TS). Na segunda seção apresenta-se a concepção de
Agroecologia e modelos de produção identificados nos territórios em
que se realizou a pesquisa. Na terceira seção apresenta-se e discute-se os
modelos de venda direta, para finalmente, tecermos as considerações finais.
teCNologia CoNveNCioNal x teCNologia SoCial
A concepção de Tecnologias Apropriadas (TA) tem seu berço na Índia
no século XIX e compreende o uso de tecnologias consideradas tradicionais
para reabilitação e o desenvolvimento das tecnologias clássicas que
influenciavam o pensamento daquela sociedade e surgia como uma forma
das aldeias coloniais resistirem ao império britânico (Dagnino; Brandão;
Novaes, 2004). De acordo com os autores, trata-se de uma estratégia de
luta. O líder pacifista utilizou a roca de fiar como forma de resistir, apelando
para a tradição como forma de lutar contra a injustiça social e o sistema de
castas “[...] Isso despertou a consciência política de milhões”. Um dos lemas,
podemos apontar, bradava pela “produção pelas massas, não produção em
massa”. (Dagnino; Brandão; Novaes, 2004, p. 5-6).
No campo da TA, foram sendo associadas outras características
como a aspectos autogestionários, por exemplo - que a aproximam do que
hoje chamamos de TS, como está descrito o seguinte excerto.
Participação comunitária no processo decisório de escolha
tecnológica, o baixo custo dos produtos ou serviços finais e do
investimento necessário para produzi-los, a pequena ou média
escala, a simplicidade, os efeitos positivos que sua utilização traria
Silvia Aparecida de Sousa Fernandes; Bernardo Mançano Fernandes
Davis Gruber Sansolo (Orgs.)
116 |
para a geração de renda, saúde, emprego, produção de alimentos,
nutrição, habitação, relações sociais e para o meio ambiente (com
a utilização de recursos renováveis). (Dagnino; Brandão; Novaes,
2004, p. 9).
A lógica aqui, podemos observar, não é o lucro, mas assegurar
outros princípios como o processo colaborativo e associativo no processo
decisório e a redução dos custos ambientais. Isso passa, por exemplo, por
outras características que diferem e muito da TC, como o emprego de mão
de obra de forma mais intensa, insumos naturais aplicados de forma mais
intensiva, simplicidade de implantação e, o que também é fundamental,
o respeito à capacidade e cultura locais. Tais particularidades implicariam
em uma maior capacidade de evitar prejuízos sociais e ambientais. Outra
questão importante é a redução da independência dos países centrais,
usualmente fornecedores de TA. E existe ainda uma “preocupação
com o desemprego” no desenvolvimento dos conceitos. “Tratava-se de
proporcionar tecnologias aos que não tinham acesso aos fluxos usuais
pelos quais elas se difundem.” (Dagnino; Brandão; Novaes, 2004, p. 10).
Nesse sentido, as TAs foram incorporadas ao discurso de organizações
supranacionais como a Organização Internacional do Trabalho (OIT) e ao
planejamento de políticas públicas nos países periféricos.
Os autores contrapõem o modelo de Tecnologia Social (TS) ao de
Tecnologia Convencional (TC), ressaltando a importância de se construir
um referencial teórico que possibilite interpretar as diferentes experiências
e modelos de tecnologias sociais existentes. Para os autores, o debate teórico
sobre as tecnologias sociais inicia-se nos anos 1970 com o movimento da
tecnologia apropriada (TA) que analisa as experiências de produção em
países asiáticos, tais como os modelos difundidos por Gandhi na Índia
na primeira metade do século XX e a maneira como esse movimento foi
“[...] criticado no início dos anos 1980, quando perde importância como
elemento viabilizador, no plano tecnológico, de um estilo alternativo de
desenvolvimento no âmbito dos países periféricos.” (Dagnino; Brandão;
Novaes, 2004, p. 2), por um lado, devido ao avanço das ideias neoliberais e
Educação do Campo, Soberania Alimentar e Agroecologia:
o papel das tecnologias sociais no fortalecimento das comunidades locais
| 117
por outro, pelas críticas recebidas por marxistas radicais, tendo em vista que
a TA não possibilitava uma transformação radical dos meios de produção.
As Tecnologias Apropriadas (TA) poderiam ser definidas como
um conjunto de técnicas de produção que utiliza de maneira ótima os
recursos disponíveis de certa sociedade maximizando, assim, seu bem-
estar” (Dagnino, 2002, p. 141 apud Rodrigues; Barbieri, 2008, p. 1073).
Por sua vez, Brandão (2001) reúne nesta definição um conjunto de 34
tecnologias que se contrapõem ao modelo de tecnologia convencional. As
características comuns a todas as tecnologias seriam a possibilidade reduzir
impactos e custos na produção e no produto/serviço final e a participação
comunitária no processo decisório de escolha tecnológica.
Frente ao desafio de pensar teoricamente para interpretar as redes de
tecnologias sociais, Dagnino sugere as Tecnologias Sociais como um marco
teórico e não propriamente um conceito. O modelo teórico, neste caso,
emerge do contexto social, econômico e político do início dos anos 1990
e apresenta-se como conceito teórico que analisa ou decorre da prática
social. Em estudos recentes o autor admite que há um movimento não
linear TC-TA-TS e sim um movimento em espiral em que um movimento
teórico e sua crítica engendram e contribuem para a consolidação de
outra concepção. Assim, teríamos contribuições significativas das TA para
construir as TS como também das TS para construção da TC (TS-TC
reconfigurada).
Para nossa pesquisa é importante destacar a concepção de Tecnologia
Social (TS) associada à concepção de inovação social, pois, como destacam
os autores, as Tecnologias Sociais (TS) pressupõem um desenvolvimento
que passa pela participação colaborativa dos sujeitos a que se destinam.
Entendida como um processo de inovação a ser levado a cabo,
coletiva e participativamente, pelos atores interessados na
construção daquele cenário desejável, a TS se aproxima de algo
que se denominou, em outro contexto, ‘inovação social’ (Dagnino
e Gomes, 2000). O conceito de inovação social entendido ali a
partir do conceito de inovação – concebido como o conjunto de
atividades que pode englobar desde a pesquisa e o desenvolvimento
tecnológica até a introdução de novos métodos de gestão da força
Silvia Aparecida de Sousa Fernandes; Bernardo Mançano Fernandes
Davis Gruber Sansolo (Orgs.)
118 |
de trabalho, e que tem como objetivo a disponibilização por uma
unidade produtiva de um novo bem ou serviço para a sociedade -,
é hoje recorrente no meio acadêmico e cada vez mais presente no
ambiente de policy making. Esse conceito engloba, portanto, desde
o desenvolvimento de uma máquina (hardware) até um sistema
de processamento de informação (software) ou de uma tecnologia
de gestão – organização ou governo – de instituições públicas e
privadas (orgware) (Dagnino; Brandão; Novaes, 2004, p. 20).
É importante esclarecer que o autor entende inovação social como
o tipo de conhecimento que busca aumentar a efetividade de processos,
serviços e produtos voltados para atender necessidades sociais.
As feiras populares e entrega de cestas a grupos específicos aqui
estudadas podem ser consideradas Tecnologias Sociais do tipo orgware,
já que envolvem a organização de assentados da reforma agrária que se
enquadram na agricultura camponesa para viabilizar a venda dos alimentos
produzidos por eles. Trata-se de possibilitar a etapa de circulação da
mercadoria, processo que, caso não seja concluído com êxito, implica em
prejuízo – a perda do alimento ou a impossibilidade de vendê-lo a um
preço que pague ao menos o custo de produção.
Contudo, as estratégias de venda direta, seja nas feiras agroecológicas
ou nas cestas de produtos agroecológicos, não se restringem apenas ao
tipo de gestão, ou seja, à TS orgware. Configuram-se como modelos de
produção não hegemônicos, articulando um conjunto de sujeitos e grupos
sociais em uma rede sociotécnica de produção e consumo.
Consideramos os modelos de produção agroecológica identificados
assentamentos pesquisados como inovações tecnológicas que viabilizam
a produção de alimentos sem o uso de agrotóxicos, e envolvem decisões
tomadas conjuntamente em cooperativas de produtores, grupos de
consumidores e outros grupos sociais organizados coletivamente, como
apresentaremos na próxima seção deste texto. Deste modo, constituem-se
como uma rede sociotécnica que merece ser valorizadas pelo seu potencial
social econômico e de desenvolvimento territorial.
Educação do Campo, Soberania Alimentar e Agroecologia:
o papel das tecnologias sociais no fortalecimento das comunidades locais
| 119
As feiras e entrega das cestas para grupos específicos são fundamentais
para levar essa produção diretamente ao consumidor final, caracterizando
circuitos curtos de produção e com isso evitando a imposição de preços
pelos centros de distribuição. Constituem, desse modo, formas alternativas
ao modelo hegemônico de comercialização, em muito responsável pelo
mito de que alimentos orgânicos são necessariamente mais caros.
Podemos interpretar estes novos modelos de produção e circulação
de produtos agrícolas considerando a formação de uma Rede de Tecnologia
Social (RTS) ou Adequação Sociotécnica (AS) como modelos de inovação
social (Dagnino, 2014) na medida em que se constituem como estratégias
para a solução de problemas sociais e podem se constituir como um vetor
para elaboração de políticas públicas (Dagnino, 2014).
Problematizando a relação entre Tecnologia Social e Agroecologia,
as autoras Serafim, Jesus e Faria (2013, p. 172) destacam que para ser
caracterizada como Social, a tecnologia “[...] deve exaltar seu valor de
uso, qual seja, de ser o meio para a produção de bens cujo objetivo é
satisfazer as necessidades mais básicas de parcelas marginalizadas da classe
trabalhadora.”. Um dos aspectos da TS diz respeito ao controle social da
tecnologia, no que se refere à sua produção, apropriação e possibilidades
de recriação das mesmas. Nesse sentido, a socialização das TS entre
movimentos sociais e de classe pode ser considerada, portanto, como
pressuposto para sua própria constituição.
Partindo desse elemento, as autoras discutem a Produção
Agroecológica Integrada Sustentável (PAIS) e como política pública que
viabiliza a difusão de tecnologias sociais e por outro lado a apropriação
dessas tecnologias pelo processo de registro de patentes, com o Projeto
Mandalas. O projeto é um exemplo dos limites das Tecnologias sociais
quando apropriadas privadamente por meio do registro de patentes, pois
o pagamento de royalties inviabilizaria a difusão da tecnologia entre os
agricultores com poucos recursos financeiros para investimento.
Silvia Aparecida de Sousa Fernandes; Bernardo Mançano Fernandes
Davis Gruber Sansolo (Orgs.)
120 |
agroeCologia e SoberaNia alimeNtar
O Direito Humano a Alimentação Adequada (DHAA) é reconhecido
pela Organização das Nações Unidas (ONU) desde a assinatura do Pacto
Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC),
adotado pela Resolução n.2.200-A da Assembleia Geral das Nações
Unidas, em 16 de dezembro de 1966 e ratificado pelo Brasil em 24 de
janeiro de 1992 (FAO, 2006). Recentemente, a ONU anunciou que em
futura reunião a ser realizada em maio de 2019 instituirá a Década da
Agricultura Familiar. Essas duas políticas/tratados da ONU e suas agências
complementares ajudam a definir políticas públicas em todo o mundo.
No Brasil, inicia-se a discussão para a elaboração de diretrizes e
políticas públicas de Segurança Alimentar e Nutricional após a ratificação
do PIDESC, em 1992. Mais de uma década depois é que políticas públicas
são elaboradas para viabilizar e implementar ações desde este Pacto, por
meio da Lei Orgânica de Segurança Alimentar (LOSAN) Lei Nº 11.346,
de 15 de setembro de 2006, que instituiu o Sistema Nacional de Segurança
Alimentar (SISAN), da Política Nacional de Segurança Alimentar
(PNSAN), instituída pelo Decreto Nº 7.272, de 25 de agosto de 2010 e
do Plano Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (PLANSAN),
para o período 2016-2019. Estas políticas associadas a Programas de
Desenvolvimento Social como o Bolsa Família, Programa de Aquisição de
Alimentos (PAA) e Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE)
tem possibilitado a implementação gradual do DHAA nas últimas décadas
no Brasil e se constituem programas de apoio à agricultura camponesa, que
se contrapõe a modelos hegemônicos de produção monocultura.
A Lei n° 11.346/2006 – Lei Orgânica de Segurança Alimentar
e Nutricional - LOSAN em seu artigo 3º define segurança alimentar e
nutricional como “a realização do direito de todos ao acesso regular e
permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem
comprometer o acesso a outras necessidades essenciais” (BRASIL, 2006).
O texto ressalta ainda a necessidade de “práticas alimentares promotoras da
saúde que respeitem a diversidade cultural e que sejam ambiental, cultural,
econômica e socialmente sustentáveis.” (Brasil, 2006).
Educação do Campo, Soberania Alimentar e Agroecologia:
o papel das tecnologias sociais no fortalecimento das comunidades locais
| 121
Na LOSAN é apresentada a noção de Direito Humano à
Alimentação Adequada (DHAA), tal como definido pelo Comitê de
Direitos Econômicos, Sociais e Culturais da Organização das Nações
Unidas (ONU):
[...] o direito de todas as pessoas e povos ao acesso físico e
econômico, de modo regular, permanente e livre, diretamente
ou por meio de compras financiadas, à alimentação suficiente e
adequada, em quantidade e qualidade, em conformidade com as
tradições culturais. (Valente, 2002, p. 102).
A criação do SISAN e a atuação do CONSEA na elaboração
e implementação de uma política de Segurança Alimentar no país,
possibilitaram a realização de uma série de pesquisas, cursos de formação e
ação junto aos demais entes federados, envolvendo Estados e Municípios na
elaboração de planos de ação, criação de Conselhos Estaduais de Segurança
Alimentar e elaboração de materiais de orientação sobre a implementação
dessas políticas.
Conti (2009) apresenta as políticas e programas que estão
vinculados à política de Segurança Alimentar, dentre elas a realização de
feiras e mercados populares e a entrega de cestas a grupos específicos. Em
nossa análise consideramos que a autonomia na produção de alimentos
e a condição de produção vinculada à venda direta de alimentos coloca
os camponeses e agricultores na condição de soberania, ao decidirem
o que será produzido e buscando atender à produção agroecológica de
âmbito local, com a comercialização regional. Neste sentido, endentemos
que os sujeitos sociais diretamente envolvidos na produção dos Sistemas
Agroflorestais (SAF’s) e venda direta dos alimentos estão promovendo a
soberania alimentar dos camponeses e citadinos diretamente envolvidos
neste modelo de produção e consumo.
Convém ressaltar que os movimentos socioterritoriais, associações,
cooperativas de produtores, são sujeitos diretamente envolvidos nas políticas
públicas, criando as agendas políticas, exigindo a elaboração de programas e
Silvia Aparecida de Sousa Fernandes; Bernardo Mançano Fernandes
Davis Gruber Sansolo (Orgs.)
122 |
políticas públcias voltadas à agricultura familiar e camponesa. Reivindicam
e ajudam a construir, assim a soberania alimentar e não apenas a segurança
alimentar. Nesse sentido, deve-se apontar a distinção entre soberania
alimentar e a segurança alimentar, considerando pesquisas recentes.
Stronzake (2013) apresenta que a crise econômica mundial em
2008 teve como desdobramento a crise alimentar em diferentes locais do
planeta e diversas estratégias foram construídas pelos movimentos sociais,
Estados, organizações internacionais e empresas para o enfrentamento da
crise. Por um lado, houve a saída apresentada pela FAO, BM e a OMC,
vinculadas as políticas neoliberais de livre comércio, apresentando o
debate de segurança alimentar. Por outro lado, a saída apresenta pelos
movimentos sociais e organizações camponesas que propõe o debate a
partir da Soberania Alimentar.
As organizações camponesas integrantes da Via Campesina,
apresentaram, em 2008, a Carta de Maputo, interpretando a crise alimentar
como uma consequência da crise do capital, com a crise climática, energética
e financeira associadas. O documento evidencia que a crise alimentar tem
como propulsor o monopólio internacional de produção de alimentos, com
o controle por parte de corporações internacionais ao acesso a sementes,
água e terra. Nesse debate, o conceito de soberania alimentar, pautado
pelos movimentos camponeses, defende que cada povo, para ser soberano,
deve ter condições de escolher a forma como produzir e comercializar
nacionalmente os alimentos. Nesse documento, a reforma agrária genuína
e integral é apresentada como condição essencial para reverter o processo
de expulsão do campo e para disponibilizar a terra para a produção de
alimentos e não para produzir para a exportação.
O argumento é que tanto a crise financeira, quanto a crise alimentar
se inserem na lógica do funcionamento do modelo de produção capitalista,
por expressarem o alimento como mercadoria. Nesta lógica, o alimento é
parte das trocas de mercado, tendo as grandes corporações internacionais
como beneficiárias deste processo. Por sua vez, a crise ambiental também
não se desvincula da lógica do capital, sendo a expressão da crise do modelo
do agronegócio e de seu potencial destrutivo. Sendo assim, as políticas
públicas devem ultrapassar os limites da Segurança Alimentar e assegurar
Educação do Campo, Soberania Alimentar e Agroecologia:
o papel das tecnologias sociais no fortalecimento das comunidades locais
| 123
a Soberania Alimentar. Como políticas públicas, devem sair da perspectiva
vinculada à lógica do capital para construção de uma perspectiva de
enfrentamento, fortalecendo os grupos sociais e práticas não hegemônicas.
Nesse processo, o fortalecimento do Estado e das organizações camponesas,
na busca do fortalecimento dos mercados internos é indispensável para o
desenvolvimento de uma política de segurança alimentar, orientada pelo
princípio da soberania alimentar que fortaleça propostas coletivas e o
desenvolvimento dos territórios camponeses (Fernandes, 2019).
Ainda que a segurança alimentar e a soberania alimentar se encontrem
como propostas que partilham do mesmo projeto de garantia ao direito à
alimentação, são propostas que compreendem o papel do Estado de formas
diferentes, representando interesses distintos e antagônicos, defendendo
projetos de classes historicamente opostas.
Coca (2016) afirma que a emergência da Via Campesina na década
de 1990, culminou em uma ampliação do escopo da soberania alimentar,
expressando os efeitos do neoliberalismo e reivindicando a soberania
alimentar como um elemento central na construção de um novo modelo
social. O objetivo de modificar a estrutura em que os camponeses,
agricultores familiares e indígenas são dependentes ao agronegócio para
o desenvolvimento no campo estão expressos na linha política da Via
Campesina. A reforma agrária, a autonomia sobre os recursos naturais
e a soberania alimentar surgem como eixos centrais na linha política da
organização. A soberania alimentar, impulsionada pela Via Campesina é,
para o autor, a principal referência na luta por uma mudança estrutural.
Com a distinção das propostas, os movimentos sociais incluem
em suas agendas de luta o debate de soberania alimentar, questionando a
lógica neoliberal calcada no conceito de segurança alimentar. Dessa forma,
reivindicar a soberania alimentar e o desenvolvimento da agricultura
familiar e camponesa é se inserir em uma disputa, no campo político
e ideológico, que aponta para um novo modelo de desenvolvimento
territorial. O agronegócio, possui uma lógica e um objetivo claramente
oposto ao desenvolvimento da soberania alimentar dos povos, sendo
um outro modelo de disputa territorial no campo. O agronegócio, ao
promover o aumento dos latifúndios, avança a expansão do acúmulo de
Silvia Aparecida de Sousa Fernandes; Bernardo Mançano Fernandes
Davis Gruber Sansolo (Orgs.)
124 |
capital no campo e ameaça os territórios camponeses. Fernandes (2008),
pontua que a imagem do agronegócio foi construída para renovar a
imagem da agricultura capitalista, buscando modernizá-la, como uma
tentativa de minimizar o caráter concentrador e expropriador, dando
relevância ao caráter produtivista e inovador. Em busca de ocultar o caráter
explorador, o agronegócio busca representar a imagem de desenvolvimento
e produtividade do país. Para isso, se apropria de resultados da produção
agrícola, vinda do campesinato, como forma a creditar a produção como
resultado do desenvolvimento do agronegócio, buscando cooptar os
processos produtivos da agricultura camponesa, responsável por mais da
metade da produção agrícola.
O desenvolvimento do modelo agrário brasileiro, com a dependência
do agricultor ao complexo industrial-financeiro contribui para o aumento
da insegurança alimentar. Sendo assim, a insegurança alimentar, no
Brasil, está vinculada ao projeto nacional, vinculado a concepção de
mercantilização do sistema de uso da terra como característica do projeto
neoliberal. Tanto a intensificação do monocultivo a partir da década
de 1970, como a concentração fundiária, intensificada nesse período,
reforçaram a dependência do agricultor ao complexo industrial-financeiro.
O modelo agrário-agrícola brasileiro, apresenta o que existe de mais
moderno, principalmente na capacidade produtiva, porém, mantem os
pilares do que há de mais antigo e colonial: a dependência dos agricultores
com a as grandes corporações financeiras internacionais, a dependência
com as grandes indústrias de fertilizantes e sementes, as grandes cadeias
e corporações ligadas a mercados e farmácias e os grandes latifundiários
exportadores de grãos.
O modelo de produção monocultora do agronegócio é uma ameaça
à soberania alimentar, pois, o Brasil está entre os maiores exportadores do
mundo de açúcar, soja, e milho, mas país importou tanto etanol, quanto
milho em 2016. “Este fato desnuda, portanto, uma lógica que é avessa à
da produção de alimentos e da soberania nacional seja ela alimentar ou
energética.” (Bombardi, 2017, p. 25). A autora analisa o crescimento da
monocultura voltada para a produção de commodities ao mesmo tempo
em que é vista uma redução das áreas voltadas ao cultivo de alimentos no
Educação do Campo, Soberania Alimentar e Agroecologia:
o papel das tecnologias sociais no fortalecimento das comunidades locais
| 125
Brasil. A área plantada de feijão, por exemplo, encolheu 31% entre 2002
e 2015/2016. “No caso da mandioca esta diminuição da área plantada
foi de 23% em onze anos e do trigo de 22% em treze anos.” (Bombardi,
2017, p. 27).
Atualmente, se somadas as áreas de cultivo de arroz, feijão, trigo
e mandioca, chega-se a um número próximo a 8,5 milhões de
hectares, o que equivale a uma área menor do que aquela ocupada
com o cultivo de cana-de-açúcar, tem cerca de 17 milhões de
hectares, ou seja, metade da área ocupada com soja. (Bombardi,
2017, p. 28).
A autora cita também a publicação Projeções do Agronegócio
– Brasil 2014/15 – 2024/25 do Ministério da Agricultura e Pecuária e
Abastecimento, onde está documentado que no país itens básicos da
alimentação popular, como arroz, feijão e trigo. E a previsão é de que
tal quadro permaneça pelos próximos 10 anos. São todas situações que
revelam a fragilidade da Soberania e Segurança Alimentar.
A construção da soberania alimentar tem potencial para impulsionar
o desenvolvimento dos territórios camponeses por meio do diálogo com
assentamentos rurais, vinculando-se a garantia da reprodução social,
econômica, política, cultural e ambiental desses territórios.
feiraS, CeStaS de alimeNtoS e SoberaNia alimeNtar
Esta seção apresenta e analisa as experiências de organização da
produção de alimentos e venda direta em dois territórios específicos.
O Assentamento Dandara, em Promissão-SP e o Assentamento Luiz
Beltrame, em Gália-SP. Foram realizadas entrevistas com produtores em
rodas de conversa e entrevistas semiestruturadas em diferentes momentos:
trabalhos de campo realizados entre maio de 2018 e junho de 2019 no
Assentamento Dandara e Reunidas em Promissão; feira de produtos
agroecológicos denominada “Feira Popular de Luta contra o uso de
agrotóxicos”, realizada em Marília, entre abril de 2018 e dezembro de 2018;
Silvia Aparecida de Sousa Fernandes; Bernardo Mançano Fernandes
Davis Gruber Sansolo (Orgs.)
126 |
cursos de extensão em Agroecologia e Educação do Campo, realizado no
Assentamento Luiz Beltrame em Gália. Todas as entrevistas foram gravadas
em vídeo. Os excertos aqui apresentados da entrevista com Joice Aparecida
Lopes, integrante do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) foi
realizada durante uma das feiras realizadas em Marília, no dia 13 de abril
de 2018, na praça multiuso Jardim Cavallari, na zona Oeste de Marília.
As edições das feiras populares ocorreram em edições mensais de
abril de 2018 a dezembro de 2018. As primeiras foram realizadas na Praça
do Jardim Cavallari e as demais na Estação Cultural, no centro da cidade
de Marília. O espaço da Praça Multiuso do Jardim Cavallari possibilitava
grande visibilidade à feira e adesão de moradores dos bairros vizinhos,
mas em algumas ocasiões a chuva atrapalhou o evento, afastando clientes
em potencial e tornando urgente o recolhimento dos alimentos expostos,
pondo fim ao comércio que estava baseando em tendas fornecidas pelo
poder público.
A estação cultural, no centro da cidade, ocupa o espaço de uma
antiga estação de trem, cujos trilhos ainda dividem a cidade e que
ficou abandonado por anos. Há pouco tempo coletivos e voluntários
independentes têm se organizado para revitalizar este espaço público. Além
de outras vantagens, a área é coberta, o que auxilia na proteção contra
a chuva, no caso específico da realização das feiras. Outra vantagem da
Estação Cultural é a localização, na área central de Marília, próximo ao
comércio. Como as feiras eram realizadas aos sábados, possibilita a interação
com as pessoas que circulavam pelo centro da cidade. Dezenas de milhares
de pessoas de cidades de toda a região circulam nesta área comercial, com
isso, o alcance dos produtores foi ampliado. O novo local foi considerado
ideal para visibilidade da feira e comercialização dos produtos, levando a
alguns produtores, inclusive, a utilizarem o espaço de forma independente,
montando as bancas durante a semana para comercialização de seus
produtos e de parceiros. Posteriormente, em 2019, a prefeitura municipal
de Marília passou a realizar no espaço do Centro Cultural uma feira semanal
de produtos orgânicos, reunindo pequenos agricultores e camponeses da
região de Marília. Esta institucionalização da feira levou a uma ampliação
do público participante e do número de produtores que comercializam os
Educação do Campo, Soberania Alimentar e Agroecologia:
o papel das tecnologias sociais no fortalecimento das comunidades locais
| 127
seus produtos, contudo, dificultou a identificação da origem dos produtos
comercializados no que se refere às técnicas de produção agroecológica
utilizada pelos produtores.
Lembramos aqui dos apontamentos de Serafim, Jesus e Faria (2013)
no que se refere às dificuldades de controle e certificação dos produtos
orgânicos e agroecológicos no Brasil. Com o aumento do número de
produtores e a institucionalização da feira com a permissão de participação
sendo realizada pela Prefeitura Municipal de Marília, a organização coletiva
e dos movimentos sociais e cooperativas de produtores se esvai.
Um dos objetivos das feiras, além de viabilizar a cadeia curta de
produção é “[...] mostrar para a população trabalhadora pode sim ter acesso
a uma alimentação saudável, sem agrotóxicos.”. Com isso, reafirma-se que
uma das principais intenções da feira envolve a conscientização sobre a
importância de uma alimentação saudável, com diversidade de alimentos,
pois “[...] além de trazermos os produtos mais conhecidos, como alface,
rúcula, couve, a gente também traz ora pro nobis, vinagreira, traz capim-
santo, os temperos frescos.” (Lopes, 2018).
Outro objetivo é oferecer alimentos de base agroecológica com
preço acessível aos trabalhadores da cidade e ao mesmo tempo ajudar a
garantir a viabilidade da produção e a renda dos agricultores familiares.
Com a venda direta do agricultor ao consumidor final, se elimina a figura
do atravessador, aquela pessoa que compra do produtor e revende para
centros de distribuição, varejões, supermercados, etc. Esse indivíduo acaba
ficando com parte do lucro que seria do camponês. O ponto de revenda,
por sua vez, precisa ganhar também com a transação para o cliente que vai
enfim consumir o alimento. São etapas que encarecem o alimento e ajuda
a fomentar a falsa ideia de que itens orgânicos são necessariamente mais
caros que a produção oriunda da agricultura convencional.
A feira tem também a questão mesmo da renda. Para nós, que
trabalhamos com a agricultura familiar, as feiras e as cestas tiram,
a princípio, o atravessador de dentro do assentamento. Ele [o
atravessador] que acaba ficando com a maior parte do nosso lucro.
Tendo as feiras, você faz uma venda direta para o consumidor. O
Silvia Aparecida de Sousa Fernandes; Bernardo Mançano Fernandes
Davis Gruber Sansolo (Orgs.)
128 |
mercado é muitas vezes o terceiro atravessador, ou o quarto. Por
que [a produção] vai para o Ceasa, depois para o supermercado.
(Lopes, 2018 - entrevista).
De acordo com a entrevistada, os membros da COPROCAM,
cooperativa da qual faz parte, participam de uma a duas feiras livres por
mês. Muitas delas ocorrem diretamente dentro de campus do Instituto de
Biociências, da Unesp, em São José do Rio Preto ou na Praça Multiuso do
Jardim Cavallari, em Marília.
Este aspecto é fundamental para identificarmos as feiras elemento
constituinte das Redes Sociotécnicas. Os produtores que participam das
feiras estão organizados em cooperativas de produtores, nos assentamentos
da reforma agrária. Como discutimos anteriormente, esse é outro ponto
que diverge das organizações tradicionais do mercado capitalista e
reafirmam as Feiras Populares como Tecnologia Social. A organização em
cooperativas pressupõe a participação coletiva na tomada de decisões, desde
a organização e modelos de produção até a comercialização dos alimentos.
A realização das feiras também demanda apoios da sociedade civil e
de instituições como universidades, promove a interação, a discussão e a
divulgação na sociedade civil. A feira de Marília, além dos produtores dos
assentamentos que estão organizados em cooperativas, conta com o apoio
de docentes e estudantes da Faculdade de Filosofia e Ciências, da Unesp,
Marília, grupos e organizações da sociedade civil, tais como a Organização
Não-Governamental ORIGEM e o Coletivo Socioambiental de Marília,
além da autorização da Prefeitura Municipal para uso do espaço público.
A realização das feiras em Marília, tem relevante espaço para divulgação
na mídia local, fazendo parte da agenda oficial da Secretaria Municipal
de Cultura (por conta da interlocução entre os atores que organizam os
eventos) e sendo noticiada por veículos de comunicação imprenso (como o
Jornal da Manhã), e sites de notícia do município e até mesmo região (como
Marília Notícia, Portal Mariliense, Giro Marília, GarçaWeb, etc.). Os
autores deste texto também participaram da interlocução com os veículos
Educação do Campo, Soberania Alimentar e Agroecologia:
o papel das tecnologias sociais no fortalecimento das comunidades locais
| 129
de comunicação, enviando textos informativos e fotos para publicação,
além de contato direto com jornalistas para viabilizar a veiculação.
As feiras também contam com eventos culturais, como rodas de
capoeira, espaço para crianças com atividades de lazer, debates sobre reforma
agrária, agroecologia, alimentação saudável e temas correlatos, oficinas de
plantio e compostagem, além de técnicas empregadas na produção dos
alimentos comercializados. Alguns dos debates realizados nas feiras de
Marília envolve temas como a utilização de agrotóxicos, Reforma Agrária,
alimentação saudável, Agroecologia, entre outros.
A outra estratégia de venda direta utilizada pelos produtores dos
assentamentos aqui analisados é a entrega de cestas de produtos para grupos
específicos. Esta forma de comercialização é realizada quinzenalmente, com
pontos de entrega na cidade de Marília e Bauru, por meio da cooperativa
de produtores do Assentamento Luiz Beltrame e em Lins, por meio da
COPROCAM, Cooperativa de produtores dos Assentamentos Dandara e
Reunidas, de Promissão.
Com as cestas o consumidor acaba tendo mais uma forma de acesso
a um alimento saudável, com preço acessível, livre de agrotóxicos ou
adubos químicos, com variedade de verduras, legumes, frutas, temperos e
outros produtos. Os grupos de consumidores que participam das entregas
de cestas são chamados de coprodutores, pois acompanham a produção e
muitas vezes participam do processo de certificação dos produtos.
A visita à área de produção agrícola, acompanhamento de atividades
de produção de alimentos fazem parte do processo de certificação
comunitária de produtos orgânicos.
O segundo mecanismo de certificação está relacionado a um
processo coletivo de certificação de grupos de agricultores
familiares, de projetos de assentamento, de quilombolas, de
ribeirinhos, de indígenas e de extrativistas. A formação do Sistema
Participativo de Garantia (SPG) ocorre a partir de um grupo de
agricultores, fornecedores e consumidores, que é reconhecido
como Membros do Sistema, e pelo Organismo Participativo de
Avaliação da Conformidade (OPAC), que é uma organização com
Silvia Aparecida de Sousa Fernandes; Bernardo Mançano Fernandes
Davis Gruber Sansolo (Orgs.)
130 |
personalidade jurídica própria que corresponde às certificadoras
do primeiro mecanismo. Esse mecanismo nasceu como uma
forma alternativa ao sistema formal de certificação por auditoria
externa. A Região Sul do Brasil, especialmente a Rede Ecovida de
Agroecologia, desenvolveu a iniciativa denominada de “Certificação
Participativa”. (Serafim; Jesus; Faria, 2013, p. 176-77).
As cestas da COPROCAM são produzidas no sistema agroflorestal
(SAF), um dos modelos que segue os princípios de produção agroecológica.
As cestas, com uma quantidade pré-estabelecida de itens (alimentos) são
disponibilizadas a um preço fixo. Os itens que compõem a cesta variam
conforme a época do ano. Tal estratégia possibilita o acesso regular
a alimentos variados e saudáveis a preços que podem ser pagos pelos
trabalhadores das cidades. Há duas possibilidades de participação, como
consumidor, das cestas para grupos específicos. Uma delas é a compra
regular de cesta de produtos com itens predeterminados pelos produtores
(cesta fechada) e a outra é a encomenda itens (alimentos específicos). Na
encomenda de produtos específicos (cesta aberta) os consumidores indicam
quais produtos entre os que são informados por meio do aplicativo de
mensagens serão adquiridos. Na lista da cesta fechada existem três tamanhos
diferentes para serem escolhidos, conforme as diferentes necessidades dos
consumidores finais e suas famílias.
A COPROCAM, do Assentamento Dandara e Reunidas realizam a
entrega das cestas na cidade de Lins, no grupo de consumo é denominado
de CSA Lins, e na Unesp de São José do Rio Preto. O Assentamento Luiz
Beltrame realiza as entregas quinzenalmente na sede da Apeoesp (Sindicato
dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo), nas cidades de
Marília e Bauru.
A estratégia de venda direta por meio das cestas para grupos específicos
é uma ação bastante discutida e difundida entre os movimentos sociais, em
particular o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Um
dos modelos observados pela COPROCAM para organização das ações
da cooperativa é o Assentamento Mário Lago, em Ribeirão Preto. “É uma
experiência que nós fomos conhecer, eles fizeram oficinas, nós participamos e
Educação do Campo, Soberania Alimentar e Agroecologia:
o papel das tecnologias sociais no fortalecimento das comunidades locais
| 131
trouxemos para nossos assentamentos, de Gália, Promissão, em Piratininga,
em Altaí. Todos esses assentamentos estão fazendo experiências tanto com
cestas, quanto com feiras.” (Lopes, 2018 - entrevista)
1
.
Em 2014, com o quarto Congresso Nacional do MST, a agroecologia
foi definida como uma estratégia de combate ao avanço do agronegócio,
sendo um modelo produtivo com comprometimento social, econômico,
cultural e ambiental com os territórios camponeses.
Vieram os SAFs (Sistemas Agroflorestais), depois vieram as feiras,
mas também têm nossas feiras estaduais [...] e nossa feira Nacional,
que ocorre tradicionalmente em Parque da Água Branca, em São
Paulo. (Lopes, 2019 - Entrevista)
2
.
Com base neste modelo de produção, o Assentamento Luiz
Beltrame, no município de Gália, implementou 25 unidades de referência
em Sistemas Agroflorestais. O assentamento Luiz Beltrame se origina do
processo de luta pela terra, organizado pelo MST, no ano de 2009 e se
constitui como assentamento de reforma agrária em 2013.
Neste território, a mudança no processo produtivo e a implementação
dos SAFs, representou a ruptura com o uso de herbicidas e defensivos
agrícolas em larga escala e a recuperação de áreas degradas. Impulsionou,
também, o fortalecimento da organização e do trabalho coletivo naquele
território. O relato de Mazin reafirma o potencial desse modelo produtivo
para a soberania alimentar dos camponeses.
[...] o seu Ezequiel, se sair da casa dele e der quinze passos, ele vai
ter dez coisas diferentes pra ele comer no almoço. Ele escolhe. Se
quiser comer os dez, ele come os dez. Se ele quiser escolher três
tipos de coisas diferentes, ele escolhe três. Essa é a primeira coisa, a
agrofloresta é um sistema que produz diversidade. Essa é a primeira
característica da agrofloresta. (Mazin, 2019 - entrevista)
3
.
LOPES, J. A. Entrevista realizada com Joyce Aparecida Lopes, em abril de 2018.
LOPES, J. A. Entrevista realizada com Joyce Aparecida Lopes, em junho de 2019.
MAZIN, A. D. Entrevista realizada com Angelo Diogo Mazin, em maio de 2019.
Silvia Aparecida de Sousa Fernandes; Bernardo Mançano Fernandes
Davis Gruber Sansolo (Orgs.)
132 |
Um dos pilares para a construção da soberania alimentar, pontuados
por Coca (2018), é que o alimento produzido deve ser destinado às
pessoas que os produzem, por meio da construção de conhecimentos e
habilidades locais, desenvolvendo o trabalho agrícola com respeito aos
recursos naturais. Além disto, é fundamental a autonomia dos povos e
territórios sobre os seus sistemas de produção. Nos assentamentos aqui
analisados a implementação dos sistemas agroecológicos contribuiu para
que o camponês/agricultor familiar consiga produzir a maior parte do que
precisam para assegurar a sua alimentação, assegurando assim, a soberania
alimentar da unidade familiar, da associação/cooperativa/grupo social ao
qual está vinculado.
CoNSideraçõeS fiNaiS
De organização bastante simples e facilmente replicável, as feiras
e cestas apresentadas neste capítulo se apresentam como exemplos
claros de tecnologias sociais alinhadas à produção de base agroecológica
que viabilizam a comercialização sustentável da produção de alimentos
saudáveis e contribuem com o fortalecimento da agricultura camponesa,
do emprego da mão de obra e da fixação do povo no campo, e da soberania
e segurança alimentar.
A soberania alimentar, tem como proposta, o fortalecimento dos
mercados e economias internas, fortalecendo a relação da agricultura
familiar camponesa com o consumidor. O fortalecimento dos mercados
internos contribui para a garantia da soberania alimentar nas cidades,
com a garantia de acesso aos alimentos de qualidade, frutos da produção
agroecológica. Nessa questão, o enfrentamento do modelo do agronegócio,
da concentração fundiária e da concentração dos meios de produção, como
a terra, a água, sementes são condições para o fortalecimento dos mercados
internos e a soberania alimentar. Somente a agricultura camponesa
agroecológica tem o poder de desvincular o preço dos alimentos às
oscilações dos preços dos mercados internacionais.
Educação do Campo, Soberania Alimentar e Agroecologia:
o papel das tecnologias sociais no fortalecimento das comunidades locais
| 133
Dessa forma, identificamos que os processos e experiências
conduzidos pelo MST, contribuem para o desenvolvimento dos territórios
camponeses, assegurando a soberania alimentar nesses territórios.
Compreendemos que as ações conduzidas pelos movimentos sociais do
campo implicam diretamente na construção de novas práticas e relações
sociais, tanto no campo quanto na cidade, com potencial fortalecedor do
campesinato e da soberania alimentar.
Os grupos pesquisados nos trabalhos de campo ainda não dispunham
de dados precisos para que se realizasse um estudo mais aprofundado sobre
a movimentação financeira das feiras e das cestas. A informação foi de
que relatórios com esse teor estavam em elaboração durante a execução
da pesquisa. Tais informações são importantes para aperfeiçoamento das
estratégias adotadas pelos produtores.
Uma próxima pesquisa sobre o tema pode incluir tais dados, que
inclusive devem permitir mensurar o impacto das feiras e das cestas e
seus crescimentos ao longo do tempo, bem como o impacto que tem sido
causado na economia local e nos hábitos de consumo dos frequentadores e
participantes. Por hora, se espera que esteja cumprido objetivo de divulgar
tais formas de organização e correlacioná-las com a fundamentação teórica
apresentada anteriormente. Dessa forma, pretende-se uma possibilidade de
divulgação concatenada com uma reflexão sobre os temas correlatos.
referêNCiaS
BOMBARDI, L. M. Geografia do uso de agrotóxicos no Brasil e conexões com a
União Europeia. São Paulo: FFLCH/USP, 2017.
BRASIL. Lei nº 11.346, de 15 de setembro de 2006. Cria o Sistema Nacional de
Segurança Alimentar e Nutricional – SISAN com vistas em assegurar o direito humano
à alimentação adequada e dá outras providências. Brasília, DF, 2006. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11346.htm. Acesso em:
21 mar. 2021.
COCA, E. L. 20 anos da proposta de soberania alimentar: construindo um regime
alimentar alternativo. Revista Nera, Presidente Prudente, n. 32, p. 14-33, 2016. Dossiê.
Silvia Aparecida de Sousa Fernandes; Bernardo Mançano Fernandes
Davis Gruber Sansolo (Orgs.)
134 |
COCA, E. L. A soberania alimentar e a releitura do conceito de região pela geografia.
Caminhos de Geografia, Uberlândia, v. 19, n. 68, p. 372-388, dez. 2018.
CONTI, I. L. Segurança Alimentar e Nutricional: noções básicas. Passo Fundo:
IFIBE, 2009.
DAGNINO, R. Tecnologia Social: contribuições conceituais e metodológicas.
Campina Grande/Florianópolis: EDUEPB/Insular, 2014.
DAGNINO, R.; BRANDÃO, F. C.; NOVAES, H. T. Sobre o marco analítico
conceitual da tecnologia social. In: LASSANCE JUNIOR, A. et al. Tecnologia social:
uma estratégia para o desenvolvimento. Rio de Janeiro: Fundação Banco do Brasil,
2004. p. 15-64. Disponível em: http://www.mom.arq.ufmg.br/mom/18_ref_capes/
arquivos/arquivo_110.pdf. Acesso em: 21 mar. 2021.
DELGADO, G. Questão Agrária no Brasil – 1950-2003. In: RAMOS FILHO; ALY
JUNIOR (org.). Questão agrária no Brasil: perspectiva histórica e configuração atual.
São Paulo: Instituto N acional de Colonização e Reforma Agrária, 2005. p. 21-85.
FERNANDES, B. M. Movimentos socioterritoriais e movimentos socioespaciais:
contribuição teórica para uma leitura geográfica dos movimentos sociais. Revista
NERA, Presidente Prudente, ano 8, n. 6, 2005.
FERNANDES, B. M. Questão Agrária: conflitualidade e desenvolvimento territorial.
In: BUAINAIN, A. (ed.). Luta pela Terra, Reforma Agrária e Gestão de Conflitos no
Brasil. Campinas: Editora da Unicamp, 2008. p. 173-222.
FERNANDES, B. M. Regimes alimentares, impérios alimentares, soberanias
alimentares e movimentos alimentares. ReLaER: Revista Latinoamerica de estudios
rurales, v. 4, v. 7, p. 188-209, jan./jun. 2019.
FOOD AND AGRICULTURE ORGANIZATION OF THE UNITED NATIONS
(FAO). La inversión agrícola contribuye a contener el éxodo rural. 2006. Disponível
em: http://www.fao.org/newsroom/es/news/2006/1000313/index.html. Acesso em: 11
nov. 2019.
RODRIGUES, I.; BARBIERI, J. C. A emergência da tecnologia social: revisitando o
movimento da tecnologia apropriada como estratégia de desenvolvimento sustentável.
Revista de Administração Pública (RAP), Rio de Janeiro, v. 42, n. 6, p. 1069-1094,
nov./dez. 2008.
SERAFIM, M. P.; JESUS, V. M. B.; FARIA, J. Tecnologia Social, agroecologia e
agricultura familiar: análises sobre um processo sociotécnico. Segurança Alimentar e
Nutricional, Campinas, v. 20, n. 1, p. 169-181, 2013. Suplemento.
STRONZAKE, J. El hambre y la alimentación en perspectiva histórica. Revista
Española de Desarrollo y Cooperación, Madrid, n. 32, p. 45-61, 2013.
Educação do Campo, Soberania Alimentar e Agroecologia:
o papel das tecnologias sociais no fortalecimento das comunidades locais
| 135
VALENTE, F. L. S. Segurança alimentar e nutricional: transformando natureza em
gente. In: VALENTE, F. L. S. Direito Humano à alimentação: desafios e conquistas.
São Paulo: Cortez, 2002. p. 103–136.
VIA CAMPESINA. Carta de Maputo: V Conferência Internacional da Via Campesina.
Maputo, Moçambique, 2008.
136 |
| 137
C 5
C  
   :
    
  
   
     
 
Gustavo Caique Pereira Negrão
Lucas Souza Silva
Carlos Alberto Feliciano
iNtrodução
Este texto tem como objetivo discutir as formas de reprodução
do campesinato no Pontal do Paranapanema, localizado no extremo
Silvia Aparecida de Sousa Fernandes; Bernardo Mançano Fernandes
Davis Gruber Sansolo (Orgs.)
138 |
Oeste do estado de São Paulo e as práticas agroecológicas a partir do
desenvolvimento do projeto de extensão Cestas Agroecológicas e Solidárias
“Raízes do Pontal”. O projeto surge como uma proposta de alternativa para
a geração de renda das famílias camponesas da Associação Regional para a
Cooperação Agrícola (ARCA), do Assentamento Gleba XV de Novembro,
no município de Euclides da Cunha Paulista, a partir do enfraquecimento
do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA). Este projeto tem sido
desenvolvido a partir de parceria entre o Setor de Produção do Movimento
dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e o Centro de Estudos de
Geografia do Trabalho (CEGeT).
Este texto é resultado das reflexões que temos realizado no âmbito
do Centro de Estudos de Geografia do Trabalho (CEGeT) e do Centro
de Estudos do Trabalho, Ambiente e Saúde (Coletivo CETAS de
Pesquisadores), através do desenvolvimento das atividades de pesquisa
e extensão. O objetivo é apresentar, no primeiro momento, o contexto
das formas de reprodução do campesinato no Pontal do Paranapanema,
região localizada no extremo Oeste do estado de São Paulo, nos
assentamentos oriundos da reforma agrária. Diante das dificuldades para
a comercialização dos alimentos produzidos pelas famílias camponesas
frente ao esfacelamento de políticas públicas para o campo, em especial
o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), trazemos para a discussão
o caso específico do assentamento Gleba XV de Novembro, localizado
nos municípios de Euclides da Cunha Paulista e Rosana (SP), que buscou
alternativas de comercialização e circulação dos produtos via processo de
articulação com a Universidade.
Será analisado mais especificamente os resultados do pós-golpe
de 2016, com ataques efetuados pelas políticas de cunho neoliberal,
que por consequência tem apresentado como resultado o desmonte
do Estado brasileiro e das limitadas conquistas sociais alcançadas nos
últimos anos, evidenciando-se um abandono das políticas públicas para o
campesinato. Diante disso, as famílias camponesas se dedicam na buscar
por estratégias para criar alternativas de para as suas formas de reprodução
socioterritorial. É neste sentido que surge o projeto “Cestas Agroecológicas
Raízes do Pontal”, como uma proposta de comercialização de alimentos
Educação do Campo, Soberania Alimentar e Agroecologia:
o papel das tecnologias sociais no fortalecimento das comunidades locais
| 139
agroecológicos produzidos por famílias do assentamento Gleba XV de
Novembro, organizados no âmbito da Associação Regional de Cooperação
Agrícola (ARCA).
A Cestas são comercializadas na UNESP/FCT, sendo o público
consumidor composto pela comunidade acadêmica (docentes, alunos
e servidores) e comunidade local (moradores da cidade de Presidente
Prudente).
o programa de aquiSição de alimeNtoS (paa) No aSSeNtameNto
gleba xv de Novembro
O processo de luta pela terra no Pontal do Paranapanema demonstra
duas vertentes de atuação dos movimentos sociais do campo. A primeira
é reforçar a tese de que a estrutura fundiária da região é caracterizada pela
concentração de terras, grilagem de terras ocasionando uma frequentes
disputa territorial, e, portanto, não contempla a função social estabelecida
para a terra baseada na necessidade de milhares de famílias se reproduzirem
através do trabalho de base familiar. Juntamente com isso, a luta, para além
do acesso à terra, demonstra as potencialidades que as famílias têm para
produzir alimentos em quantidade e qualidade para a sociedade, algo que
será objeto de reflexão ao longo do texto no atual cenário político.
Neste sentido, é possível afirmar que o processo de luta pela terra é
seguido pela luta pela permanência na terra, justificando o empenho dos
movimentos sociais do campo na busca pela diversificação de formas de
reprodução na terra, renda e trabalho para as famílias camponesas. Assim,
um dos desdobramentos desta necessidade de criar mecanismos para as
famílias permanecerem na terra foi a conquista do Programa de Aquisição
de Alimentos, em 2003, no âmbito do Programa Fome Zero, a partir de
demandas e luta dos movimentos sociais (Leal, 2017).
Entre as programas sociais de aquisição de alimentos direto da
agricultura camponesa para atendimento das parcelas da sociedade em
situação de vulneralibalidade sociais, os chamados Mercados Institucionais,
o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) se destaca por ser um dos
Silvia Aparecida de Sousa Fernandes; Bernardo Mançano Fernandes
Davis Gruber Sansolo (Orgs.)
140 |
mais importantes programas de incentivo e fortalecimento da agricultura
camponesa, pois apresentou-se como uma saída para a comercialização da
produção de alimentos.
O Programa funciona por meio de aquisição de alimentos produzidos
pelas famílias camponesas, comprada via Companhia Nacional de
Abastecimento (CONAB) e com mediação das associações ou cooperativas
camponesas, que auxiliam na logísticas e controle de qualidade para manter-
se nos parâmetros exigidos pelo programa. Os alimentos adquiridos são
destinados para instituições de atenção à população em vulnerabilidade
social, sendo igrejas, prefeituras, asilos, abrigos etc; bem como para
instituições públicas como escolas e creches.
O que temos percebido de rebatimentos do PAA para o campo
está relacionado com a possibilidade de fortalecimento da produção de
alimentos protagonizada pelas famílias camponesas, permitido através da
criação de um mecanismo de comercialização que até então era uma das
grandes dificuldades das famílias. Embora as famílias tenham se empenhado
historicamente na produção de alimentos, o PAA surge enquanto uma
forma de visibilizar esta produção, demonstrando a capacidade de produzir
alimentos por meio do trabalho de base familiar reforçando a viabilidade
da reforma agrária, dedicando terras de trabalho para sujeitos que dela
necessitam para reprodução (Leal, 2017).
Porém, um dos problemas estruturais do PAA é o fato dele não ser
uma política pública efetiva, mas sim um programa de governo, desta
forma, sempre pairou o sentido de insegurança quanto à sua continuidade
e manutenção. E, como previsto, os cortes orçamentários efetuados pelo
governo acabaram por enfraquecer o PAA, sobretudo a partir de 2015,
deixando milhares de famílias camponesas desabrigadas desta forma de
comercialização direta dos alimentos produzidos
1
. Com base na análise
da conjuntura em torno desses programas de governo, podemos afirmar
que o corte de recursos para a agricultura familiar não advém da crise da
máquina pública, na verdade representa um projeto de sociedade refém do
agrohidronegócio, que não prioriza o desenvolvimento social e combate à
Cf. Leal (2017).
Educação do Campo, Soberania Alimentar e Agroecologia:
o papel das tecnologias sociais no fortalecimento das comunidades locais
| 141
fome, como previa o PAA. Ainda que haja críticas ao programa pode-se se
visualizar potencialidades dessa ação, visto as experiências de organização
que foram estimuladas por meio dela, protagonizado principalmente por
jovens e mulheres assentados, ou seja, promovendo a inserção de sujeitos
historicamente negados no que diz respeito ao trabalho no campo, mas
que sempre estiveram lá.
o SurgimeNto do projeto da CeSta agroeCológiCaS “raízeS do
poNtal
Diante da falta de um mercado para o escoamento dos produtos
existentes no lote, antes entregues para o PAA, a renda antes tida por tais
alimentos, que também garantiam uma forma de os mesmo permanecerem
em seus lotes tornam-se inexistentes pela falta de outras políticas
semelhantes ao PAA. Por esse fato, tem sido muito comum a entrada
de empresas de capital privado
2
nestes territórios, oferecendo pacotes
agrícolas de subordinação aos assentados, os deixando reféns do controle
das empresas sobre as rotinas de trabalho, renda e formas de organização
do trabalho e da produção.
Outro reflexo do enfraquecimento do PAA é na organização social e
política nos assentamentos e nos locais de abastecimentos no qual o PAA era
desenvolvedor. Os bancos de alimentos creches, escolas, hospitais e outras
instituições que recebiam esses alimentos e os destinava as populações mais
carentes dos centros urbanos agora não tem mais a mesma oportunidade
continuar desenvolvendo essa relação.
No caso das associações, como a ARCA, o trabalho com o PAA vinha
sendo um dos motes de atuação da associação. Assim sendo, buscar novas
formas de comercializar os alimentos iria causar efeitos não somente para a
Vale destacar a atividade de produção de pepinos para conserva. Esta produção é desenvolvida nos
assentamentos do Pontal do Paranapanema por meio da empresa Refricom, com sede em Bataguaçu (MS).
Esta atividade é um exemplo de um processo de subordinação intensa levando a (des)realização do trabalho
camponês, se caracterizando por total desamparo da empresa para com as famílias (no caso das perdas e
problemas no cultivo) e o uso indiscriminado de agrotóxicos. Cf. Negrão, Martins e Soares (2017).
Silvia Aparecida de Sousa Fernandes; Bernardo Mançano Fernandes
Davis Gruber Sansolo (Orgs.)
142 |
continuidade da reprodução das famílias, mas também para a manutenção
da organização social e coletiva das famílias através da associação.
A partir desta necessidade de criar novos mecanismos para a
manutenção da renda e organização social das famílias camponesas, surge
o projeto Cestas Agroecológicas e Solidárias “Raízes do Pontal”, numa
parceria entre pesquisadores do Centro de Estudos de Geografia do Trabalho
e Setor de Produção do MST, juntamente com a Associação Regional de
Cooperação Agrícola (ARCA), atuando como um mediador das relações
entre os camponeses/assentados e sujeitos da instituição acadêmica, UNESP/
FCT, e moradores da cidade Presidente Prudente (SP).
A idealização do projeto se deu a partir de trabalhos de campo
efetuados pelos pesquisadores com esses camponeses, que na maioria das
vezes são quem fomentam a maioria dessas pesquisas. Mas, o trabalho de
campo definidor no sentido de criar apontamentos par ao surgimento
do projeto aconteceu em novembro de 2016. Naquele momento o foco
dos pesquisadores foi investigar, através de estratégias de metodologias
da pesquisa qualitativa as formas de reprodução das famílias camponesas,
a participação e desdobramentos do PAA, as estratégias para produção
agroecológica e os processos de assalariamento nas empresas de cana-
de-açúcar. Na análise coletiva dos resultados da pesquisa os problemas
relacionados ao enfraquecimento do PAA saltaram aos nossos olhos e
chamaram a atenção da equipe para as estratégias de comercialização da
produção. Assim, foi pensado e apresentado a associação a proposta da a
possibilidade de comercialização de cestas com alimentos agroecológicos.
O primeiro passo para a concretização do Projeto foi uma reunião
com a Associação no qual discutimos a proposta do projeto e um
cronograma de trabalho. Em seguida realizamos trabalhos de campo
com foco no levantamento de informações sobre produção de alimentos
(QUADRO 1), que pudessem ser direcionados a cesta e para construção de
calendários agrícolas destas famílias (QUADRO 2), indicando período de
plantio, colheita, quantidade de alimentos produzidos e outras informações
(DataCETAS, 2017). Depois de discutir juntamente com a associação e os
resultados colhidos em campo, pudemos analisar que as famílias possuíam
capacidade para produzir alimentos em grande diversidade, agroecológicos
Educação do Campo, Soberania Alimentar e Agroecologia:
o papel das tecnologias sociais no fortalecimento das comunidades locais
| 143
durante todo o ano, o que nos animou para prosseguir com a ideia do
projeto.
Quadro 1 - Pesquisa sobre alimentos produzidos pelas famílias do
Assentamento Gleba XV de Novembro.
PRODUTOS MERCADO
FORMA DE
ORGANIZAÇÃO
MÃO-DE-OBRA
1 Alface PAA Agroecológica Família
2 Chicória PAA Agroecologia Família
3 Almeirão PAA Agroecologia Família
4 Cheiro Verde PAA Agroecologia Família
5 Cebola PAA Agroecologia Família
6 Alho PAA Agroecologia Família
7 Couve PAA Agroecologia Família
8 Chuchu PAA Agroecologia Família
9 Abacate PAA Agroecologia Família
10 Jabuticaba PAA Agroecologia Família
11 Maracujá PAA Agroecologia Família
12 Tomate Cereja PAA Agroecologia Família
13 Jiló PAA Agroecologia Família
14 Abóbora PAA Agroecologia Família
15 Carambola PAA Agroecologia Família
16 Leite Laticínio Convencional Família
Fonte: Elaborado pelos autores.
Fonte dos dados: Pesquisa de campo (nov/2016).
Silvia Aparecida de Sousa Fernandes; Bernardo Mançano Fernandes
Davis Gruber Sansolo (Orgs.)
144 |
Quadro 2 -. Construção do calendário agrícola das famílias do
Assentamento Gleba XV de Novembro.
Produtos
Área de
cultivo ou
peso da
produção
Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez
Horta
200x200
Alface
25kg/
semana
Chicória
25kg/
semana
Almeirão
25kg/
semana
Cheiro
Verde
10kg/
semana
Cebola 70 kg/ano
Couve
10kg/
semana
Chuchu
15kg/
semana
Abacate X
Jabuticaba
+100kg/
ano
Maracujá (não sabe)
Tomate
Cereja
2kg/
semana
Jiló
5kg/
semana
Abóbora
6kg/
semana
Carambola
5kg/
semana
Leite 30l/ dia
Banana
8kg/
semana
Mês de produção e colheita
Mês de plantio
Fonte: Elaborado pelos autores.
Fonte dos dados: Pesquisa de campo (nov/2016).
Educação do Campo, Soberania Alimentar e Agroecologia:
o papel das tecnologias sociais no fortalecimento das comunidades locais
| 145
O passo seguinte foi realizar uma pesquisa para o levantamento
de consumidores que tivessem interesse em participar do projeto
na condição de parceiro consumidor. Nosso foco foi a comunidade
acadêmica da UNESP/FCT, pois é o local onde a equipe de estudantes e
pesquisadores trabalham, e, portanto, possuem contato e maior facilidade
para a operacionalização do projeto. Assim, foram consultados docentes,
servidores e estudantes sobre o interesse em adquirir as cestas agroecológicas,
também foi realizado contato com parceiros de outros espaços, como
sindicatos e partidos. No primeiro momento foi estabelecido o número
de 20 parceiros consumidores, já que o projeto se iniciaria em uma fase
de testes para ajustar a logística e operacionalização. Depois das primeiras
entregas o número de parceiros foi aumentando gradativamente, conforme
as estratégias de divulgação adotadas pela equipe (redes sociais
3
, grupos de
contato pelo telefone celular, redes de e-mails etc). As cestas são entregas
quinzenalmente, possuem em média de 12 a 15 alimentos em diversidade,
com um peso que varia entre 12 a 15 kg de alimentos agroecológicos,
tendo valor unitário no valor de R$50,00.
É importante destacar que o Projeto contempla ainda, para além do
rebatimento a geração de renda das famílias camponesas, uma atuação social
importante. A cada cinco cestas comercializadas a associação destina uma
para ação solidária, que é doada para alunos em situação de carência social,
instituições de assistência social do município de Presidente Prudente,
servidores do serviço terceirizado da UNESP/FCT e outros sujeitos que
compõem um banco de cadastro do projeto. Estes sujeitos são indicados
por estudantes da própria equipe de apoio do projeto ou outros parceiros
como assistente social da Universidade e Comissão de Moradia da FCT.
Além dos produtos da safra que compõem as cestas, são
comercializados produtos alternativos, que não compõem o conjunto
de alimentos da cesta, mas que podem ser adquiridos como produtos
agregados, como: frango caipira, ovo caipira, polpa de frutas, farinha de
mandioca, queijo, leite, pães, café, mel e outros.
https://www.facebook.com/raizesdopontal/?ref=settings
Silvia Aparecida de Sousa Fernandes; Bernardo Mançano Fernandes
Davis Gruber Sansolo (Orgs.)
146 |
O gráfico e a tabela a seguir ilustram quantitativamente as informações
referentes à comercialização das Cestas.
Gráfico 1 - Quantidade de cestas comercializadas de 2017/2019
Fonte: Elaborado pelos autores, a partir de dados do Nucleo de Estudos e Pesquisa em Agroecologia do Pontal
do Paranapanema (2019).
Como demonstram os dados, foram efetuadas 57 entregas, tendo
em média 19 cestas completas e 3 cestas solidárias. Desde o primeiro dia,
foram vendidas 1.010 cestas, aproximadamente 11.050 kg de alimentos,
gerando um total de R$50.510,00 distribuídos entre as 15 famílias que
participam do projeto. Em relação aos produtos alternativos, o valor das
vendas acumulam R$18.317,00. Portanto, a soma entre as duas vendas
resulta em total de R$68.827,00.
Cabe ressaltar que, durante o desenvolvimento do projeto surgiram
dificuldades, como por exemplo a falta de apoio institucional por parte
da Universidade no apoio ao projeto, que segue resistindo sem recursos
para seu funcionamento e se mantém pela parceria entre consumidores
e famílias camponesas. Essa dificuldade vem sendo superadas graças ao
apoio de alguns docentes que procuram abrigar este projeto em outros
projetos de extensão vinculados aos seus grupos de pesquisa. Isso demonstra
que a Universidade está muito aquém de se envolver com assunto que
aproximam os movimentos sociais, famílias camponesas, e reforma agrária
Educação do Campo, Soberania Alimentar e Agroecologia:
o papel das tecnologias sociais no fortalecimento das comunidades locais
| 147
do seu feudo intelectual, ficando a cargo da persistência que alguns sujeitos
dentro dela abrirem seus espaços para esse diálogo.
aS diSCuSSõeS que premeiam a agroeCologia
Um dos resultados significativos surgidos a partir do desenvolvimento
do Projeto é o fortalecimento das discussões em torno da agroecologia. A
proposta de comercializar cestas com alimentos agroecológicos tem surtido
dois efeitos importantes. O primeiro deles é o incentivo da produção
de alimentos dentro dos pressupostos da agroecologia, e o segundo é a
socialização do conhecimento sobre agroecologia com os consumidores.
A agricultura tem sido controlada por estruturas políticas e econômicas
e estas têm traduzido o que se apresenta como desenvolvimento para o campo
(Altieri, 2010; Mcmichael, 2017; Piñeros, 2016; Sevilla Guzmán, 2001).
Esse processo priva os camponeses de implementar práticas alternativas
que desafiam esta estrutura. Assim, pensar a agroecologia apenas como um
modelo que possibilite ruptura técnica, centrada no combate à agricultura
prejudicial ao meio ambiente e que gera degradação ambiental, não nos
permite entender este conceito de forma holística.
A urgência em debater e resistir na agroecologia nesta região é surge,
também, pela intensidade em que se dá a expansão do agrohidronegócio
canavieiro, que envolve diretamente a manutenção do latifúndio e os riscos
presumidos a saúde humana com o uso de agrotóxicos pulverizados nas
lavouras de cana-de-açúcar. Portanto, fazer agroecologia é demonstrar que
o Pontal do Paranapanema tem uma forma de organização do território e
de desenvolvimento que não convive com a cana-de-açúcar, protagonizado
pelas famílias camponesa assentadas nos assentamentos de reforma agrária
(DataCETAS, 2017).
A agroecologia não contribui apenas para a produção de um
modo de vida menos prejudicial ambiente. Mais que isso, considera o
camponês como protagonista na produção de alimentos saudáveis, sendo
que o principal desafio é implementar a agricultura alternativa imersa
num modelo de sociedade que se estrutura sob condições adversas para a
Silvia Aparecida de Sousa Fernandes; Bernardo Mançano Fernandes
Davis Gruber Sansolo (Orgs.)
148 |
produção de alimentos de qualidade. Nesta relação, o camponês aparece
como sujeito detentor de sabedoria tradicional e procura valorizá-los
enquanto fundamentais e intrínsecos aos fazeres dos povos tradicionais;
saberes que são adquiridos historicamente, através do trabalho com a terra
e que são passados de geração em geração.
Neste sentido, o projeto Cestas Agroecológicas “Raízes do Pontal”
tem nos ajudado a alavancar o debate sobre agroecologia, isso, pois,
permitido também pela proximidade dos movimentos sociais do campo
como a Universidade, que juntamente com alguns grupos de pesquisa e
parceiros têm sido os interlocutores destes assuntos no espaço acadêmico.
É importante destacar ainda, que a importância de buscar mercado
alternativos para comercialização de alimentos protagonizada por famílias
camponesas, e com dedicação à produção de alimentos agroecológicos,
fortalece a economia de base camponesa e se apresenta enquanto
contraponto aos projetos hegemônicos de produção de commodities e
produção de alimentos convencionais e contaminados.
Fortalecer a economia camponesa está diretamente ligado aos
processos de enfrentamento da economia de mercado, que dita formas e
modelos de trabalho para as famílias camponesas. Esse fenômeno é bastante
expressivo no específico do Pontal do Paranapanema, já que a insuficiência
de assistência por parte do Estado acaba forçando-os a três opções: ceder aos
fetiches do trabalho assalariado na agroindústria canavieira
4
, partirem para
atividades produtivas que os subordinam ao capital ou as duas, fazendo
com que ocorra a plasticidade do trabalho.
CoNSideraçõeS fiNaiS
O projeto tem sido de grande importância para as famílias
camponesas enquanto uma alternativa para permanecerem na terra a
partir da agroecologia e para também que tenhamos a chance de participar
de um projeto como esse. Embora estas alternativas autônomas, fruto
do vínculo entre os movimentos sociais e alguns sujeitos alocados na
Cf. omaz Junior (2009); Barreto (2012); Rabello (2014).
Educação do Campo, Soberania Alimentar e Agroecologia:
o papel das tecnologias sociais no fortalecimento das comunidades locais
| 149
Universidade, tenham gerado resultados significativos isso não substitui a
responsabilidade do Estado em suprir as demandas e necessidades sociais
dos povos do campo e da cidade.
Através do diálogo e troca de saberes entre os camponeses e os
sujeitos consumidores temos percebido o fortalecimento do conhecimento
sobre a agroecologia e a Reforma Agrária, já que estes consumidores têm
entendido que estão consumindo alimentos da agricultura camponesa
produzidos nos assentamentos da região viabilizados pelo processo
de luta pela terra e que diferente do modelo de produção que possui o
respaldo do poder hegemônico representado na figura do Estado, o
Agronegócio, os camponeses/assentados mostram ser capazes de produzir
com responsabilidade, sem o uso de agrotóxicos defendendo a soberania
alimentar, característica do campesinato.
Podemos observar também, que nesses 18 meses de desenvolvimento
do projeto das cestas, a discussão a respeito dos alimentos que cada um tem
em sua mesa tem aumentado de forma surpreendente, logo, a necessidade
de criação e fortalecimentos de propostas que se coloquem de frente a
propaganda do “Agro e pop, Agro é tech, é tudo”, é de suma importância
para evidenciar que o mesmo não e capaz de produzir de forma consciente,
sustentável e principalmente, sem raízes fecundas a terra, ou seja, uma
identidade com aquilo que faz e não apenas persuadir, usurpar, degradar e
minar todos os benefícios dos lugares onde se assentam.
Por fim, é necessário que a defesa das atividades de extensão seja
feita. Este ramo de atuação nas Universidades tem sido um importante
canal de atuação dos pesquisadores, para a pesquisa e militância na/para
sociedade, e também meio pelo qual se desenvolve pesquisas e os resultados
chegam até os sujeitos. Mesmo com toda a função social que a extensão
exerce, na tríade ensino-pesquisa-extensão, sempre é menos privilegiada.
Aqueles que mantêm atividades de extensão no âmbito acadêmico com
poucos recursos, defendem que a Universidade é um espaço de produção
de conhecimento que deve ser aplicado socialmente.
Silvia Aparecida de Sousa Fernandes; Bernardo Mançano Fernandes
Davis Gruber Sansolo (Orgs.)
150 |
referêNCiaS
ALTIERI, M. Agroecologia, agricultura camponesa e soberania alimentar. Revista
NERA, Presidente Prudente, ano 13, n. 16, p. 22-32, maio 2010.
BANCO DE DADOS DO CENTRO DE ESTUDOS DO TRABALHO,
AMBIENTE E SAÚDE – DataCETAS, 2017.
BARRETO, M. J. Territorialização das agroindústrias canavieiras no pontal do
paranapanema e os desdobramentos para o trabalho. 2012. Dissertação (Mestrado
em Geografia) - Faculdade de Ciências e Tecnologias, Universidade Estadual Paulista,
Presidente Prudente, 2012.
LEAL, S. C. T. A dinâmica territorial do Programa De Aquisição De Alimentos
(PAA), no pontal do paranapanema-sp no contexto dos conflitos. 2017. Dissertação
(Mestrado em Geografia) - Faculdade de Ciência e Tecnologia, Universidade Estadual
Paulista, Presidente Prudente, 2017.
MCMICHAEL, P. Regimes alimentares e questões agrárias. São Paulo: Editora
Unesp, 2017.
NEGRÃO, G. C. P.; MARTINS, M.; SOARES, G. C. S. O. A subordinação do
trabalho e da renda dos camponeses no Pontal do Paranapanema-SP: o caso da
plantação de pepinos para conserva. 2017. Mimeo.
NEGRÃO, G. C. P.; SILVA, L.S.; MENESES, R.S; RABELLO, D. Estratégias
de Reprodução do Campesinato no Pontal do Paranapanema (SP): o caso da
Comercialização da Cestas Agroecológicas e Solidárias “Raízes Do Pontal”, 2017.
Mimeo.
PIÑEROS, R. Juventude rural e mobilidade territorial do trabalho no século XXI.
Revista Pegada Eletrônica, Presidente Prudente, v .17, n. 2, p. 251-268, dez. 2016.
RABELLO, D. Campesinato e agrohidronegócio canavieiro no Pontal do
Paranapanema: os desafios para a transição agroecológica. 2014. Trabalho de
Conclusão de curso (Bacharelado em Geografia) - Faculdade de Ciências e Tecnologia,
Universidade Estadual Paulista, Presidente Prudente, 2014.
SEVILLA GUZMÁN, E. Uma estratégia de sustentabilidade a partir da agroecologia.
Revista Agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 2, n. 1,
p. 35-45, 2001.
THOMAZ JUNIOR, A. Dinâmica geográfica do trabalho no século XXI: (limites
explicativos, autocrítica e desafios teóricos). 2009. Tese (Livre Docência) – Faculdade de
Ciências e Tecnologia, Universidade Estadual Paulista, Presidente Prudente, 2009.
| 151
C 
A   
    
 :  

Adriano Pereira dos Santos
Estevan Leopoldo de Freitas Coca
José Roberto Salvaterra
Leonardo Lencioni Mattos Santos
apreSeNtação
Neste trabalho relatamos algumas das experiências e ações executadas
pelo projeto de extensão “Fórum de combate ao uso de agrotóxicos -
soberania alimentar e agroecologia na região de Alfenas”, no período de
2016 a 2019. Esse projeto tem sido desenvolvido por docentes, técnicos
administrativos e discentes da Universidade Federal de Alfenas (UNIFAL-
Silvia Aparecida de Sousa Fernandes; Bernardo Mançano Fernandes
Davis Gruber Sansolo (Orgs.)
152 |
MG), em parceria com movimentos camponeses, cooperativas, associações,
grupos de mulheres e outros. Em particular, destacamos a realização da
Feira Agroecológica e Cultural da UNIFAL-MG (FACU) enquanto ação
que se concretizou como estratégia de enfrentamento ao uso de agrotóxicos.
O objetivo deste projeto de extensão, desde sua criação em 2016, foi o
de sensibilizar e mobilizar a população local e regional do município de
Alfenas sobre os riscos da utilização dos agrotóxicos para a saúde humana
e para o meio ambiente. No período recente, além da denúncia sobre a má
qualidade dos alimentos produzidos pelo agronegócio, o projeto também
tem trazido ações que visam contribuir com a construção de modelos
alternativos como a soberania alimentar e a Agroecologia, sendo que para
isso, o sistema agroalimentar regional é lido na sua multiescalaridade e
multidimensionalidade, ou seja, reconhece-se sua perspectiva territorial
(Fernandes, 2008a).
De tal modo, esse trabalho traz relatos sobre um conjunto de ações
vinculadas ao pensamento agrário crítico (Edelman; Wolford, 2017). Por
meio dele, visa-se denunciar o paradigma da modernização que tem sido
implementado no campo por meio do agronegócio desde a década de
1950, nos Estados Unidos; e desde a década de 1990, no Brasil (Fernandes,
2004). Num contexto em que grandes corporações desenvolvem uma série
de práticas que visam padronizar o jeito de produzir no campo – processo
acompanhado pelo aumento no uso de agrotóxicos –, e ao mesmo tempo,
também os hábitos alimentares (Guazzelli; Ribeiro, 2016), destacamos
ações que visam contribuir com a execução da Agroecologia e da soberania
alimentar na escala regional.
Na próxima parte apresentamos uma discussão teórica sobre
os conflitos que caracterizam as políticas alimentares na atualidade,
considerando os problemas ambientais e de saúde pública ocasionados pelo
uso massivo de agrotóxicos. Seguindo, trazemos uma abordagem sobre a
Agroecologia e a soberania alimentar como alternativas e contradições
do modelo do agronegócio. Depois, realizamos uma descrição sobre o
desenvolvimento do projeto de extensão, enfatizando seus dois eixos
principais: a conscientização sobre a qualidade dos alimentos consumidos
Educação do Campo, Soberania Alimentar e Agroecologia:
o papel das tecnologias sociais no fortalecimento das comunidades locais
| 153
pela população e a criação de canais de comercialização de produtos
agroecológicos.
agriCultura CapitaliSta e alimeNtoS Com agrotóxiCoS
A proposta inicial do projeto de extensão foi construída a partir de
estudos e pesquisas disponíveis no Brasil com diversas provas concretas
dos males causados pelos agrotóxicos, muitos dos quais denunciados
recentemente pelo “Dossiê Abrasco – um alerta sobre os impactos dos
agrotóxicos na saúde” (Carneiro et al., 2015). Partimos do entendimento
que o consumo de alimentos produzidos com aplicação indiscriminada de
agrotóxicos tem sido um dos principais mecanismos por meio dos quais
o agronegócio tem se consolidado como modelo hegemônico no campo
brasileiro, o que tem sido acompanhado de diversos passivos ambientais
e sociais.
Sabe-se que o uso de agrotóxicos na produção de alimentos é
nefasto, sobretudo para os trabalhadores que manipulam tais produtos,
mas também são conhecidos seus efeitos crônicos e deletérios para os
consumidores. Consequentemente, trata-se de um padrão determinado
de produção agrícola associado a um determinado padrão alimentar
imposto pela lógica da sociedade produtora de mercadorias. Por isso, não
se pode “[...] dissociar a produção agrícola, os agrotóxicos, as sementes
(principalmente transgênicas), os fertilizantes químicos, os equipamentos
agrícolas e os financiamentos bancários.” (Pignati, 2016, p. 19), pois eles
constituem elos da poderosa cadeia produtiva do agronegócio mundial,
a qual é responsável pela produção de commodities e de alimentos como
mercadorias.
Tal modelo de produção agrícola constitui uma ameaça tanto à
natureza quanto à saúde humana. Em outubro de 2013, a Agência Nacional
de Vigilância Sanitária (ANVISA), após ampla investigação, revelou que
36% das amostras analisadas de frutas, verduras, legumes e cereais estavam
impróprias para o consumo humano ou traziam substâncias proibidas
no Brasil (ANVISA, 2013). Boa parte desses alimentos contaminados
Silvia Aparecida de Sousa Fernandes; Bernardo Mançano Fernandes
Davis Gruber Sansolo (Orgs.)
154 |
por níveis elevadíssimos de agrotóxicos estão à disposição nas feiras e
supermercados de todas as cidades brasileiras (Carneiro et al., 2015). Por
isso que no Brasil, a cada ano, cerca de 500 mil pessoas são contaminadas
por agrotóxicos, segundo o Sistema Único de Saúde (SUS) (Carneiro,
2016).
Esse quadro dramático da nossa realidade agrava-se ainda mais
quando em 2011, o Brasil passou à primeira posição no ranking mundial
de consumo de agrotóxicos, inclusive continuando a consumir diversos
agrotóxicos proibidos em outras partes do mundo, como o Glifosato.
Podemos dizer que essa posição arriscada que o país ocupa é resultado da
hegemonia capitalista no campo, a qual assumiu novas feições no Brasil na
década de 1970, quando foram colocadas em prática as ideias da chamada
Revolução Verde, a fim de “modernizar” a agricultura. Com isso, uma série
de inovações tecnológicas, a exemplo da motomecanização e do uso massivo
de insumos químicos, foram transferidos dos Estados Unidos para os
chamados New Agricultural Countries (Novos Países Agrícolas) – dentre os
quais o Brasil –, sem questionar as diferenças edafoclimáticas, vegetacionais,
culturais e outras (Marshall; Perkins, 1997). Isso se intensificou a partir da
perspectiva do neodesenvolvimentismo com os governos de Lula e Dilma
no início dos anos 2000.
O resultado da importação e expansão desse modelo agrícola foi tornar
a agricultura brasileira “químico dependente” das empresas transnacionais
que controlam a cadeia produtiva de diversos setores agrícolas, desde a
produção de semente e insumos até a comercialização das commodities
no mercado externo (Pignati, 2016). Dessa forma, tais empresas lucram
não só explorando as riquezas naturais e a força de trabalho, mas ganham
bilhões de dólares com a produção de agrotóxicos, prejudicando a saúde
da população brasileira com o desenvolvimento de enfermidades e doenças
que vão desde a esterilidade, mutagenicidade, reações alérgicas, distúrbios
neurológicos, respiratórios, cardíacos, pulmonares, até os problemas no
sistema imunológico e no sistema endócrino, desenvolvimento de câncer,
dentre outros agravos à saúde e ao meio ambiente (Carneiro et al., 2015;
Pignati, 2016).
Educação do Campo, Soberania Alimentar e Agroecologia:
o papel das tecnologias sociais no fortalecimento das comunidades locais
| 155
agroeCologia e SoberaNia alimeNtar Como alterNativaS à
HegemoNia CapitaliSta NoS SiStemaS agroalimeNtareS
Como já destacado, o projeto de extensão abordado nesse
trabalho possui por finalidade a denúncia sobre a péssima qualidade dos
alimentos ofertados pelo modelo capitalista de organização dos sistemas
agroalimentares e a contribuição para a criação de proposições alternativas.
Sendo assim, nessa seção destacamos a Agroecologia e a soberania alimentar
como referências de intervenção nos sistemas agroalimentares, visando
gerar novas práticas produtivas e mercados alternativos.
Mesmo com origens temporais e espaciais diversas (Wezel et al., 2009;
Wittman, 2011), na atualidade, a Agroecologia e a soberania alimentar são
as principais referências de movimentos socioespaciais e socioterritoriais
do campo e da cidade na busca pela superação do controle exercido pelas
grandes corporações sobre os sistemas agroalimentares (International
Forum For Agroecology, 2015; Gliessman; Friedmann; Howard, 2019).
Elas visam superar o processo de mercantilização da comida que tem
se acentuado nas últimas décadas, especialmente por meio do setor
financeiro, ocasionando grandes instabilidades nos preços dos alimentos
(Paula; Santos; Pereira, 2015) e consequentemente, acentuando as fomes
esporádicas ou episódicas (Baviera; Bello, 2009).
A Agroecologia emergiu nas décadas de 1920 e 1930, na Europa,
como uma disciplina acadêmica vinculada à Agronomia e a Ecologia.
Porém, após a crescente percepção popular sobre a crise ambiental, na
década de 1970, ela também se tornou uma prática e um movimento que
articula e é articulado por outros movimentos (Wezel et al., 2009; Holt-
Giménez; Altieri, 2013). Essas diferentes expressões da Agroecologia não
podem ser lida como isoladas, pois a atividade acadêmica, a política e a ação
social são inseparáveis (Sevilla Guzmán; Woodgate, 2013). A Agroecologia
vai além de um conjunto de regras e receitas para o desenvolvimento dos
sistemas produtivos, pois se qualifica como um princípio por meio do
qual sociedade e natureza são abordados como inseridos numa totalidade
complexa. Além do mais, ela parte do pressuposto de que os alimentos
produzidos de modo saudável devem ser acessíveis para a população,
Silvia Aparecida de Sousa Fernandes; Bernardo Mançano Fernandes
Davis Gruber Sansolo (Orgs.)
156 |
especialmente a classe trabalhadora, e não constituir um nicho de mercado
(Biondi, 2019).
A soberania alimentar veio à tona na década de 1980 como uma
proposição de movimentos socioterritoriais camponeses e governos
da América Central (Edelman, 2014), contudo, ela ganhou maior
expressividade após ser tomada como bandeira de luta pela coalizão
global La Via Campesina, em 1996 (Wittman, 2011). Atualmente,
diversos movimentos socioespaciais e socioterritoriais urbanos e rurais,
governos, conselhos, Organizações Não Governamentais (ONG’s) e
outros também a incorporaram como uma referência na organização dos
sistemas agroalimentares local, regional, nacional e até mesmo global. Uma
das leituras mais usadas da soberania alimentar defende que cada povo
controle o seu próprio sistema agroalimentar, priorizando camponeses e
indígenas como provedores de alimentos e a adoção da Agroecologia como
uma possibilidade de reintegrar sociedade e natureza (Nyéléni Declaration,
2007).
Nesse sentido, podemos considerar que a soberania alimentar é um
modelo de governança dos sistemas alimentares que possui a Agroecologia
como um dos seus mais importantes componentes. Ao mesmo tempo,
constata-se que não existe soberania alimentar sem a adoção de princípios
agroecológicos, pois é por meio deles que alimentos saudáveis serão
oferecidos à população do campo e da cidade, superando, dentre outros,
a dependência do uso de agrotóxicos e a padronização das culturas
alimentares.
Muito além de proposições pragmáticas com cunho exclusivamente
operacional, a Agroecologia e a soberania alimentar possuem notável
conotação política, pois, para que sejam postas em prática exige-se a
superação do modelo do agronegócio, responsável pelo controle de um
conjunto de sistemas que envolve, dentre outros, a produção, as finanças
e o mercado (Fernandes, 2017). Sendo assim, as lutas pela incorporação
da Agroecologia e da soberania alimentar visam alterar de modo imediato
as relações de poder que constituem os sistemas alimentares, tendo como
perspectiva o rompimento estrutural com o modo capitalista de produção
e sua constante dinâmica de mercantilização dos bens essenciais à vida.
Educação do Campo, Soberania Alimentar e Agroecologia:
o papel das tecnologias sociais no fortalecimento das comunidades locais
| 157
Por isso, ações geradas dentro do capitalismo e baseadas em tecnologias
como a climate-smart agriculture (agricultura-clima inteligente), a ecological
intensification (intensificação ecológica) ou a industrial monoculture
production of organic food (produção monocultora industrial de alimentos
orgânicos), mesmo que tragam em seu discurso as palavras “Agroecologia
e “soberania alimentar” são tidas como tentativas de cooptação das pautas
populares defendidas por movimentos socioespaciais e socioterritoriais
(International Forum For Agroecology, 2015). O motivo é que a aplicação
de tais tecnologias é embasada pela racionalidade neoliberal (Dardot;
Laval, 2016), intensificando princípios como a competividade entre os
produtores, a exploração do trabalho e a dissociação entre sociedade e
natureza.
A Agroecologia e a soberania alimentar pressupõem a criação de
autonomia social e integridade ecológica (Gliessman; Friedmann; Howard,
2019), por isso, a sua incorporação por coletivos que visam a modificação
estrutural dos sistemas agroalimentares exige que se considere a diversidade
dos povos e dos seus territórios. Experiências concretas e a própria literatura
acadêmica têm chamado atenção para a necessidade de que essas duas
premissas sejam trabalhadas em consonância com as lutas pela superação
do patriarcado (Park; White; Julia, 2015), pela criação de oportunidades
para a juventude rural (International Forum For Agroecology, 2015) e pela
igualdade racial (Holt-Giménez, 2015). Ao mesmo tempo, também é dada
ênfase à articulação entre o campo, as florestas e as cidades, além da relação
desses espaços com corpos d’ água (Desmarais; Wittman, 2014; Dixon;
Mcmichael, 2015; Román-Alcalá, 2015). A importância de se considerar
essa diversidade reside no fato de que cada comunidade possui perspectivas
epistemológicas e ontológicas próprias na relação com o alimento.
Como ressaltado por Rosset (2015), ao abordar o exemplo dos
membros da La Via Campesina na América Latina, as lutas pela Agroecologia
e a soberania alimentar são travadas por coletivos de indígenas, camponeses
e proletários. Os primeiros possuem uma relação com a comida que
é embasada no cosmos, obedecendo calendários agrícolas com tradição
milenar. Eles possuem como referência a comunidade e seus costumes
tradicionais. Os segundos dão protagonismo à unidade de produção familiar
Silvia Aparecida de Sousa Fernandes; Bernardo Mançano Fernandes
Davis Gruber Sansolo (Orgs.)
158 |
na construção de sistemas agroalimentares que reproduzem valores básicos
da justiça social. O vínculo com a terra é essencial para a reprodução do seu
modo de vida e trabalho, por isso, estão entre os principais protagonistas
das lutas pela reforma agrária. Os terceiros se organizam de modo coletivo
com o objetivo de modificar estruturalmente as regras que orientam as
políticas alimentares, sempre tendo como baliza a luta de classes. Uma de
suas principais estratégias é a criação de espaços educacionais, a exemplo
dos centros de formação agroecológica. A necessidade de dialogar com
esses diferentes contextos, compreendendo as necessidades de cada povo,
reforça a leitura de que a Agroecologia e a soberania alimentar não podem
ser abordadas de modo meramente pragmático, mas como elementos da
construção social, política e cultural de um novo modo de produção e
reprodução da vida em sociedade, superando a racionalidade neoliberal.
Independentemente dos sujeitos ou territórios que buscam
protagonizar a Agroecologia e a soberania alimentar, a disputa pela
orientação dos mercados faz-se de grande relevância para que elas sejam
construídas. Percebendo essa necessidade, autores como McMichael
(2015) e De Schutter (2015) têm destacado a emergência de uma “segunda
geração” da soberania alimentar que teria como parte dos seus elementos a
construção de mercados alternativos como feiras de produtores orgânicos
ou agroecológicos, grupos de consumidores e compras institucionais. Tais
ações pontuam que camponeses e indígenas têm criado ou participado de
mercados que não são dominados de modo estrutural pelo agronegócio.
Nesses casos, a comercialização dos produtos se dá com base em valores
morais, não tendo o lucro maximizado como objetivo estrutural (Holt
Giménez; Shattuck, 2011).
Assim, a discussão sobre a Agroecologia e a soberania alimentar
perpassa a totalidade de etapas e escalas dos sistemas agroalimentares. Ambas
emergem como construções externas ao agronegócio, por isso, podem
ser tomadas como exemplos de que apesar de hegemônico, no campo, o
capitalismo não se impõe como totalidade. É com base nessas referências
que o projeto de extensão abordado nesse trabalho visa unir a crítica sobre
a influência dos agrotóxicos nos hábitos alimentares contemporâneos com
a criação de mercados alternativos.
Educação do Campo, Soberania Alimentar e Agroecologia:
o papel das tecnologias sociais no fortalecimento das comunidades locais
| 159
apoNtameNtoS Sobre o “fórum de Combate ao uSo de
agrotóxiCoS: SoberaNia alimeNtar e agroeCologia Na região de
alfeNaS
Como forma de denunciar e contribuir com a construção de
alternativas ao paradigma modernizante de organização dos sistemas
agroalimentares, o projeto de extensão “Fórum de combate ao uso de
agrotóxicos: soberania alimentar e agroecologia na região de Alfenas” tem
sido desenvolvido desde 2016. Trata-se, na verdade, de uma proposta
que surgiu por meio da UNIFAL-MG em parceria com a comunidade
e movimentos camponeses da região para construir um processo de
sensibilização da sociedade em relação às ameaças e os riscos que o uso de
agrotóxicos representa para a saúde e para o meio ambiente em Alfenas e
municípios vizinhos. A importância disso reside no fato de que o Sul de
Minas Gerais, onde desenvolve-se o projeto de extensão, tem se consolidado
como uma das principais regiões produtoras de café arábica no mundo
(Fundação João Pinheiro, 2018). Apesar de a maior parte dessa produção
ser oriunda do campesinato, a atuação de grandes atravessadoras como a
China Oil and Food Corporation (COFCO) e a Olam Coffee tem servido
como um incentivo para o uso de agrotóxicos como forma de aumentar a
produtividade.
Assim, enquanto ação articuladora, o projeto de extensão se propôs
não apenas à denúncia dos agrotóxicos, mas também à promoção da
agroecologia e da produção de alimentos orgânicos, saudáveis, como
alternativa à hegemonia do agronegócio no Sul de Minas Gerais, contribuindo
assim com a soberania alimentar. Dessa forma, e considerando a tradição e
especialização da UNIFAL-MG na área da saúde, uma das ações do fórum
foi associar-se com outras instituições e movimentos sociais da região, tais
como o Instituto Federal do Sul de Minas Gerais (IFSULDEMINAS),
campus Machado, representado pelo Núcleo de Estudos de Agroecologia
e Produção Orgânica (NEAPO); o Movimento dos Trabalhadores Rurais
Sem-Terra (MST); a Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural
de Minas Gerais (EMATER-MG); sindicatos; coletivos; cooperativas e
associações de produtores. Assim, todos envolvidos e articulados – a partir
Silvia Aparecida de Sousa Fernandes; Bernardo Mançano Fernandes
Davis Gruber Sansolo (Orgs.)
160 |
da troca de saberes e construção coletiva de conhecimentos – realizamos
ações de combate ao uso de agrotóxicos e anunciamos a agroecologia como
forma de contribuir com a soberania alimentar na região.
As ações foram planejadas, coordenadas, executadas e avaliadas por
uma equipe organizadora, composta por professores, estudantes, militantes
sociais e organizações que tinham por objetivo criar espaços de diálogos e
discussões sobre os riscos do uso de agrotóxicos, pautando na sociedade
de Alfenas e região, seja por meio de eventos, seminários, cine-debates,
rodas de conversa, agitação e propaganda, comunicações em rádios e redes
sociais, a necessidade de se pensar e construir alternativas de produção
sustentáveis e promover a soberania e segurança alimentar da população a
partir de estratégias de comercialização de alimentos livres de agrotóxicos.
No que diz respeito às ações de combate ao uso de agrotóxicos elas
se desenvolveram em três níveis de atuação.
Num primeiro movimento, o fórum dedicou-se a pautar e
problematizar no interior das instituições de ensino parceiras a necessidade
de se pensar e agir em defesa da Reforma Agrária no Sul de Minas Gerais.
Para tanto, buscou articular com outras instituições da região como a
Universidade Federal de Itajubá (UNIFEI), a Universidade Federal de
Lavras (UFLA), o IFSULDEMINAS, campi de Machado e Inconfidentes,
as Jornadas Universitárias em Defesa da Reforma Agrária (JURAs), evento
com a finalidade de estabelecer o debate com a sociedade e as instituições
de ensino superior sobre a estrutura fundiária brasileira, os processos de
produção de alimentos e a relevância da Reforma Agrária como estratégia
de superação do agronegócio no Brasil. Foi a oportunidade de denunciar
o atual modelo hegemônico, mas ao mesmo tempo criar um canal de
comunicação entre produtores e consumidores via atividades de formação
e sensibilização da comunidade, bem como desenvolver, por meio das
feiras agroecológicas do MST, uma apresentação dos alimentos produzidos
em assentamentos da Reforma Agrária e dos modos de vida presentes na
agricultura campesina da região.
Um segundo movimento realizado nesse período foi a campanha
de combate ao uso de agrotóxicos nas escolas do município de Alfenas.
Educação do Campo, Soberania Alimentar e Agroecologia:
o papel das tecnologias sociais no fortalecimento das comunidades locais
| 161
Por meio de contatos e parcerias com as escolas públicas de ensino
secundário, contando com o apoio de professores das áreas de Sociologia,
Geografia e Biologia, foi possível estabelecer espaços de diálogo nas aulas
com os estudantes a partir de cartilhas, material didático e da exibição
e discussão dos vídeo-documentários “O veneno está na mesa” I e II, o
que permitiu a sensibilização dos jovens estudantes quanto aos riscos
do uso de agrotóxicos, bem como o esclarecimento acerca dos processos
históricos e sociais que formaram a sociedade brasileira, sua cultura e seus
hábitos alimentares. A ação foi orientada pelos professores, coordenadores
do projeto, mas inteiramente executada pelos estudantes bolsistas que se
prepararam, realizaram e avaliaram a prática pedagógica da campanha
contra os agrotóxicos nas escolas com atividades teóricas e práticas que
consistiam não apenas na sensibilização dos secundaristas, mas também
na apresentação dos modelos alternativos de agricultura agroecológica
existentes à vigência do “pacote tecnológico” do agronegócio.
Além desses dois movimentos, um terceiro se fez necessário, tendo
em vista a importância de trazer os agricultores e agricultoras da região
para o fórum, visando à formação e sensibilização deles e delas acerca dos
riscos do uso de agrotóxicos para a saúde e meio ambiente. Nesse sentido,
a Universidade se constituiu num espaço formativo para os agricultores,
na medida em que o Fórum, em parceria com a EMATER-MG e com o
NEAPO, organizou cursos, palestras e eventos para atrair os agricultores e
agricultoras da região
1
. Todavia, tal ação, embora efetivada para os estudantes
e membros da comunidade que participaram, não foi bem sucedida, visto
que não houve frequência dos agricultores(as) convidados(as) como era
o esperado. Isso levou, portanto, a uma mudança de estratégia nas ações
do Fórum com os agricultores, principalmente nos anos de 2018 e 2019.
Ou seja, em vez de trazer os agricultores para a Universidade, buscamos
ir até as comunidades rurais e estabelecer uma comunicação dialógica
Com essas atividades, o fórum se mobilizou para convidar diretamente os produtores que atuam nas feiras
de quarta e domingo que acontece na cidade de Alfenas. A partir daí realizamos em agosto e setembro
duas oficinas: uma sobre “transição agroecológica”, e outra sobre o processo de certificação, o “Certifica-
Minas Café”, ambas ministradas por técnicos agrícolas em extensão rural da EMATER-MG. Nas duas
oportunidades, tivemos uma participação significativa de estudantes da UNIFAL-MG, envolvidos com
o fórum, mas também uma participação razoável de estudantes das Ciências Agrárias de Universidades e
Institutos da região. Foi uma grande oportunidade para apresentarmos às pessoas que é possível produzir
alimentos sem agrotóxicos.
Silvia Aparecida de Sousa Fernandes; Bernardo Mançano Fernandes
Davis Gruber Sansolo (Orgs.)
162 |
efetiva a partir de sua realidade e cultura. Propusemos a partir daí, além de
algumas oficinas de sensibilização e de campanha contra os agrotóxicos
2
, o
compromisso da transição agroecológica, associada ao desenvolvimento de
estratégias de comercialização com os grupos de consumo coletivo e uma
feira de produtos agroecológicos, livre de agrotóxicos.
Apesar do compromisso assumido com um grupo de 10 agricultores,
ao final, a transição agroecológica não se concretizou. O motivo é que os
agricultores alegaram incertezas e insegurança quanto ao período necessário
para realizar a transição e o prazo para o retorno financeiro. Mesmo diante
da negativa desse grupo de agricultores convencionais, localizados nas
proximidades do município de Alfenas, o Fórum levou adiante a ideia de
anunciar na cidade a agroecologia como alternativa ao modelo produtivo
que faz uso de agrotóxicos.
feira agroeCológiCa e Cultural da unifal-mg
Partindo, portanto, da constatação de que no município de Alfenas
não havia produção agroecológica, livre de agrotóxicos, o Fórum decidiu
desenvolver outras estratégias de incentivo e fomento aos produtores da
região, criando uma Feira Agroecológica. Num primeiro momento a
ideia foi desenvolver a Feira Agroecológica e Cultural de Alfenas (FACA)
com o objetivo de se criar um espaço de comercialização de produtos
agroecológicos na feira tradicional que ocorre aos domingos no município
de Alfenas e articular naquele espaço tanto as ações de combate ao uso de
agrotóxicos, dialogando diretamente com produtores e consumidores que
Para as oficinas com os agricultores da Comunidade Rural dos Bárbaras, localizada nas imediações próximas
à cidade de Alfenas, foram realizadas duas reuniões de apresentação da proposta de Transição Agroecológica
e um cronograma de oficinas e rodas de conversas. As atividades ocorriam sempre no final da tarde a pedido
os próprios agricultores e contou com um grupo de 16 pessoas que realizaram três oficinas e participaram de
uma roda de conversa com um dos técnicos da Emater em Agroecologia. Além das oficinas de sensibilização
sobre os riscos do uso de agrotóxicos que contaram com a exibição dos vídeos-documentários “O Veneno
está na mesa” I e II, associado às dinâmicas de metodologias participativas a partir de imagens e sons,
o Fórum organizou durante o V Encontro de Agroecologia de Machado, em parceria com o NEAPO
do IFSULDEMINAS, campus Machado, diversas oficinas e minicursos sobre manejo agroecológico;
biofertilizantes; compostagem, adubação verde, controle biológico, dentre outras. Dessas oficinas apenas 3
agricultores participaram, porém, optaram ao final das ações e o início do compromisso por não realizarem
a transição agroecológica, alegando incertezas e inseguranças quanto ao retorno financeiro.
Educação do Campo, Soberania Alimentar e Agroecologia:
o papel das tecnologias sociais no fortalecimento das comunidades locais
| 163
frequentavam a feira, quanto demonstrar, na prática, com a exposição dos
alimentos agroecológicos e orgânicos, certificados, de que a Agroecologia é
a alternativa ao agronegócio.
Para tanto, estabelecemos um diálogo com a prefeitura do município,
trazendo os agricultores e agricultoras agroecológicos, assentados da cidade
vizinha de Campo do Meio-MG, para comercializarem seus produtos no
espaço da feira tradicional aos domingos. Tal proposta teve dificuldades de
se realizar em razão da resistência de outros feirantes, manifestando seus
preconceitos em relação aos trabalhadores e trabalhadoras rurais sem terra.
Assim, buscando fomentar a produção agroecológica dos assentamentos
e contornar as dificuldades iniciais apresentadas, decidimos com a
prefeitura e os membros parceiros do fórum, dentre eles o MST, alterar
o dia e o local da FACA. Ela passou a ocorrer aos sábados pela manhã
num espaço determinado na praça central (Getúlio Vargas) da cidade,
onde há maior concentração e movimento de pessoas, o que representava
uma oportunidade de desenvolvimento tanto da campanha contra os
agrotóxicos, com agitação, propaganda e diálogo com a comunidade,
como também do anúncio da Agroecologia como algo concreto e visível
presente nas barracas instaladas na praça.
A partir daí outras dificuldades surgiram, dentre as quais vale destacar
a ausência de atividades culturais, pois elas exigem estrutura de som, apoio
da prefeitura, logística, e pessoas interessadas em participar, seja como
voluntárias do projeto, seja como artistas dispostos a colaborar aos sábados
pela manhã. Evidentemente, enquanto projeto de extensão, embora
apoiado pela UNIFAL-MG, o Fórum não poderia garantir tal estrutura.
Entretanto, sem perder a perspectiva de fomentar a agroecologia na região
e tendo conquistado o espaço da FACA na praça central da cidade para os
agricultores assentados em Campo do Meio, decidimos provocar a Reitoria
da Universidade no sentido de viabilizar uma feira agroecológica dentro do
espaço universitário, visto que ali poderíamos contar com a infraestrutura
do espaço, som e grupos culturais, bem como outros projetos de extensão
que poderiam se juntar de forma articulada às ações culturais, para tornar
a feira, de fato, um dia de festa.
Silvia Aparecida de Sousa Fernandes; Bernardo Mançano Fernandes
Davis Gruber Sansolo (Orgs.)
164 |
Para tanto, seria necessário à viabilização da feira a elaboração de um
edital de chamada pública
3
, a fim de garantir a legalidade quanto ao uso do
espaço público federal e da comercialização de produtos agroecológicos no
interior da unidade acadêmica. O edital foi realizado com o apoio da Pró-
Reitoria de Extensão (PROEX) e com o aval da Procuradoria Jurídica da
Instituição, prevendo a seleção dos agricultores e agricultoras agroecológicos
a partir de determinados critérios, tais como: produzir de acordo com os
princípios da Agroecologia e comercializar somente produtos oriundos de
sua propriedade rural; agricultores e agricultoras, organizados ou não em
associações de produtores, cooperativas, sindicatos e redes de produção
agroecológica; agricultores e agricultoras que estejam em transição
agroecológica e produzindo segundo os princípios da agroecologia há pelo
menos 1 (um) ano, sem fazer uso de agrotóxicos.
Dessa forma, além de garantir a participação de agricultores e
agricultoras associados ou não, o edital valorizou no processo de seleção
e classificação os produtores agroecológicos com certificação de produção
orgânica, em redes, grupos agroecológicos ou associações de produtores
e que tenham a participação e envolvimento direto de jovens e mulheres
na produção. Isso representou ao final, após termos 13 inscritos para o
processo, a seleção de 10 feirantes para atuar na Feira Agroecológica e
Cultural da Unifal-MG (FACU).
O início da FACU representou o compromisso social da Universidade
com as políticas da Reforma Agrária, a valorização da agricultura familiar e
camponesa, bem como o incentivo e fomento à produção agroecológica da
região. O que significa, em outras palavras, que ao apoiar e desenvolver ações
de fortalecimento da agroecologia, a UNIFAL-MG é uma promotora do
desenvolvimento rural sustentável na região, enfatizando a recusa de uma
modelo agrícola que faz uso intensivo e indiscriminado de agrotóxicos.
Ao mesmo tempo em que ela busca fomentar as cadeias agroecológicas
da região, promove a saúde da comunidade universitária, bem como do
município, tendo em vista que a feira é aberta a toda população de Alfenas
O edital foi lançado e divulgado em maio de 2019, ficando aberto por 30 dias para inscrições. A seleção foi
feita em junho e como julho foi mês de recesso na Universidade, a FACU foi lançada oficialmente junto
com a participação da Reitoria, no dia 22 de agosto.
Educação do Campo, Soberania Alimentar e Agroecologia:
o papel das tecnologias sociais no fortalecimento das comunidades locais
| 165
e região. Nesse sentido, trata-se de estabelecer um canal aberto entre
Universidade e Sociedade, a partir do qual a extensão chama a comunidade
a participar e ocupar o espaço universitário, numa interação dialógica e
prática, envolvendo a sensibilização das pessoas, mas também a construção
e a troca de saberes acadêmicos e populares no interior da Universidade.
Assim, a FACU se constitui num espaço de sociabilidades,
construindo redes de consumo e resistências ao modelo hegemônico do
agronegócio e às práticas alimentares instituídas pela indústria alimentícia.
Ou seja, fazer a feira na UNIFAL-MG significa produzir outro sistema
de valores e significados para a sociabilidade no qual o encontro entre
produtores e consumidores pode representar a reaproximação de sujeitos
e dimensões da vida, cindidas pela lógica sociorreprodutiva do capital. De
acordo com Cuervo, Hamann e Pizzinato (2019, p. 24):
As feiras são nós de potencial sociabilidade, pontos de encontro
através dos quais é possível gestar um sentido de permanência,
de identidades e dissidências, caracterizando-se no campo das
comunidades – tanto pelo compartilhamento de informações,
saberes, valores e identificações, como da própria materialidade
dos fazeres.
Nesse sentido, a FACU pode se constituir num espaço de produção
social e cultural, na medida em que ela se propõe a ser um lugar de troca,
mas também de produção do conhecimento, um lugar de manifestação,
mas também de produção cultural. Enfim, um espaço-tempo em que
produtores e consumidores se encontram afim de selar um compromisso
político em torno de uma alimentação mais saudável, do reconhecimento
entre o campo e a cidade a partir de relações de confiança cujo potencial é
instaurar uma comunidade de práticas e saberes agroecológicos.
Portanto, além da possibilidade dos agricultores e agricultoras
comercializarem seus produtos agroecológicos, foi possível ao Fórum
realizar intervenções culturais por meio das parcerias com outros projetos
de extensão e artistas locais a fim de apresentar, cantando, representando e
poetizando algumas dimensões da cultura campesina, suas práticas sociais
Silvia Aparecida de Sousa Fernandes; Bernardo Mançano Fernandes
Davis Gruber Sansolo (Orgs.)
166 |
e seus dos modos de vida e formas de existência no espaço rural. Nesse
sentido, a comunidade universitária e a população de Alfenas podem se
beneficiar não somente de alimentos saudáveis, livres de agrotóxicos, mas
também de boa música e ações culturais que tem tornado as manhãs mais
alegres e divertidas, principalmente no horário do almoço, quando tais
ações normalmente acontecem.
Outro desdobramento positivo da realização da FACU alguns meses
depois de sua implantação da UNIFAL-MG foi a parceria entre os feirantes
e o Restaurante Universitário (RU). Administrado por uma empresa
terceirizada
4
, o RU assumiu o compromisso de adquirir a cada 15 dias
produtos agroecológicos da feira e dos produtores envolvidos, criando, em
parceria com o Fórum, as “Sextas Agroecológicas”. Essa iniciativa, apoiada
pelo restaurante universitário, busca fornecer aos estudantes e comunidade
universitária, pelo menos duas vezes por mês, alimentos agroecológicos,
livres de agrotóxicos, oriundos dos agricultores e agricultoras participantes
da FACU. A importância dessa medida pode ser percebida pelo fato de que
diversos estudos têm pontuado que os mercados institucionais, a exemplo
dos RU’s, constituem-se como importantes canais para a comercialização de
produtos camponeses (por exemplo: De Schutter, 2014; Friedmann, 2007;
Wittman; Blesh, 2017). Além do mais, isso representou a concretização de
práticas alimentares enquanto processualidades que envolvem produção,
comércio, preparo e consumo de alimentos enquanto esferas sociais, ou
seja, a feira engendrou um espaço de produção social, associando produção
de alimentos saudáveis, saúde, confiança e compromisso político das
pessoas e da comunidade universitária em defesa da agroecologia (Cuervo;
Hamann; Pizzinato, 2019).
Contudo, em que pese o sucesso da FACU em seu primeiro ano de
experiência, alguns desafios precisam ser enfrentados no que se refere a sua
periodicidade, estrutura, organização e estratégias de comercialização da
produção agroecológica. Considerando que o primeiro ano foi um ensaio
inicial de verificação acerca da viabilidade da feira, ela foi pensada para ocorrer
quinzenalmente com o objetivo de conquistar o público universitário.
O RU da UNIFAL-MG é administrado pela Trigoleve Indústria e Comércio Ltda, empresa sediada em
Viçosa-MG.
Educação do Campo, Soberania Alimentar e Agroecologia:
o papel das tecnologias sociais no fortalecimento das comunidades locais
| 167
Todavia, segundo os relatos dos próprios feirantes e consumidores, isso
dificulta o envolvimento e o estabelecimento de vínculos, visto que há um
tempo grande entre uma feira e outra. Há que se estabelecer a FACU com
maior frequência. Isso, por sua vez, nos coloca outros desafios, como por
exemplo, a necessidade de se buscar mais parceiros para o desenvolvimento
de atividades culturais que possam ocorrer semanalmente. Ademais, há
momentos em que os resultados das vendas não são satisfatórios para os
feirantes, o que pode representar prejuízos, uma vez que deslocam grandes
distâncias para estarem em Alfenas. A maioria dos produtores é da região,
oriundos das cidades de Campo do Meio, Poço Fundo, Três Pontas, Areado
e Fama.
Portanto, para garantir a viabilidade do deslocamento e os custos
com a logística é preciso desenvolver outras estratégias de comercialização
além da feira. Nesse sentido, o desafio que se coloca é da constituição de
uma associação de consumidores ou de um grupo de consumo coletivo, via
Comunidade que Sustenta a Agricultura (CSA) na perspectiva de fomentar
e fortalecer a agroecologia em Alfenas e região Sul de Minas Gerais. Enfim,
esses são alguns dos desafios que se colocam para a consolidação e ampliação
da FACU na UNIFAL-MG.
CoNSideraçõeS fiNaiS
Neste trabalho apresentamos e discutimos ações que visam à
diminuição do consumo de agrotóxicos e a promoção da soberania
alimentar e da Agroecologia no Sul de Minas Gerais. O projeto de
extensão “Fórum de combate ao uso de agrotóxicos: soberania alimentar
e agroecologia na região de Alfenas” têm ajudado a impulsionar a ideia
de que o alimento não deve ser considerado como mercadoria, mas sim
enquanto um direito de todas as pessoas, um bem social. Deste modo,
apesar dos entraves enfrentados durante a realização desse projeto de
extensão, a FACU demonstrou ser uma alternativa possível para a
estruturação de melhores condições de comercialização dos produtos de
origem camponesa e agroecológica, aumentando a oferta de alimentos
Silvia Aparecida de Sousa Fernandes; Bernardo Mançano Fernandes
Davis Gruber Sansolo (Orgs.)
168 |
saudáveis para os membros da comunidade universitária e toda população
da cidade.
Ao ocuparem o interior da universidade por meio da feira, os
camponeses produzem novas e distintas territorialidades, passando a
disputar as formas de acesso e uso dos espaços da instituição de acordo com
suas intencionalidades, o que representou um território multidimensional,
construído por consumidores e agricultores camponeses. Assim, a FACU se
configurou num novo território de cultura e sociabilidade, com dimensões
de ressignificação e apropriação do espaço, seja por meio da música, da
poesia ou dos conhecimentos tradicionais que foram mobilizados e
compartilhados na feira. Ou seja, através da cultura e agroecologia, nossas
ações de extensão contribuíram para a construção da soberania alimentar
em nível local, favorecendo uma alimentação mais saudável para os
consumidores, além de propiciar uma fonte de renda para os produtores e
camponeses da região. Mesmo em tempos difíceis, com alguns desafios pelo
caminho, a FACU representou e continua a representar boas perspectivas
de avanço e fortalecimento da agroecologia como alternativa contra-
hegemônica ao agronegócio na região.
referêNCiaS
AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA. Programa de Análise de
Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos (PARA). Brasília, DF, 2013.
BAVIERA, M.; BELLO, W. Food wars. Monthly Review, New York, v. 61, n. 3, p.
1-19, 2009.
BIONDI, P. “Não se faz agroecologia em vaso de apartamento”, diz Kelli Mafort,
do MST: liderança sem-terra defende reforma agrária em bases sustentáveis e
garante: Bolsonaro não acabará com acampamentos. Brasil de Fato, São Paulo,
24 jun. 2019. Luta pela Terra. Disponível em: https://www.brasildefato.com.
br/2019/06/24/nao-se-faz-agroecologia-em-vaso-de-apartamento-diz-kelli-mafort-
do-mst/. Acesso em: 2 set. 2019.
CARNEIRO, F. F. et al. Dossiê Abrasco: um alerta sobre os impactos dos agrotóxicos
na saúde. Rio de Janeiro: Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio; São Paulo:
Expressão Popular, 2015. v. 161.
Educação do Campo, Soberania Alimentar e Agroecologia:
o papel das tecnologias sociais no fortalecimento das comunidades locais
| 169
CARNEIRO, F. F. Prefácio. In: SOUZA, M. M. O.; FOLGADO, C. A. R. (org.).
Agrotóxicos: violações socioambientais e direitos humanos no Brasil. Anápolis: Ed.
UEG, 2016. p. 7-12.
CUERVO, M. R. M.; HAMANN, C.; PIZZINATO, A. Feira agroecológica enquanto
comunidade de prática: redes de sociabilidade, consumo e resistência. Sociedade e
Cultura, Goiânia, v. 22, n. 1, 2019. DOI: 10.5216/sec.v22i1.43743. Disponível em:
https://revistas.ufg.br/fcs/article/view/43743. Acesso em: 24 abr. 2021.
DARDOT, P.; LAVAL, C. A nova razão do mundo: ensaio sobre a sociedade
neoliberal. São Paulo: Boitempo, 2016.
DE SCHUTTER, O. Food democracy South and North: from food sovereignty to
transition initiatives. London: openDemocracy, 15 Mar. 2015. Disponível em: https://
www.opendemocracy.net/en/food-democracy-south-and-north-from-food-sovereignty-
to-transition-initiatives/. Acesso em: 30 nov. 2019.
DE SCHUTTER, O. e power of procurement: public purchasing in the service of
realizing the right to food. Briefing Note: the UN special rapporteur on the right to
food, Geneva, n. 8, 15 Apr. 2014.
DESMARAIS, A. A.; WITTMAN, H. Farmers, foodies and First Nations: getting to
food sovereignty in Canada. Journal of Peasant Studies, London, v. 41, n. 6, p. 1153-
1173, 2014.
DIXON, J.; McMICHAEL, P. Revisiting the ‘urban bias’ and its relationship to food
security. In: BUTLER, C.; DIXON, J.; CAPON, A. (org.). Health of people, places
and planet: reflections based on Tony McMichael’s four decades of contribution to
epidemiological understanding. Canberra: ANU, 2015. p. 313-331.
EDELMAN, M. Food sovereignty: forgotten genealogies and future regulatory
challenges. Journal of Peasant Studies, London, v. 41, n. 6, p. 959-978, 2014.
EDELMAN, M.; WOLFORD, W. Introduction: critical agrarian studies in theory and
practice: Symposium Agrarianism in eory and Practice. Antipode, Paris, v. 49, n. 4,
p. 959-976, 1 Sept. 2017.
FERNANDES, B. M. O novo nome é agribusiness. Presidente Prudente: UNESP,
FCT, Núcleo de Estudos, Pesquisas e Projetos de Reforma Agrária, 2004. Disponível
em: http://www2.fct.unesp.br/nera/publicacoes/Onomeeagribusiness.pdf. Acesso em:
30 nov. 2019.
FERNANDES, B. M. Entrando nos territórios do Território. In: PAULINO, E. T.;
FABRINI, J. E. Campesinato e territórios em disputa. São Paulo: Expressão Popular,
2008a. p. 273-302.
FERNANDES, B. M. Entrando nos territórios do território. Boletim DATALUTA,
Presidente Prudente, n. 3, mar. 2008b. 22 p. Artigo do Mês. Disponível em: http://www2.
fct.unesp.br/nera/artigodomes/3artigodomes_2008.pdf. Acesso em: 30 nov. 2019.
Silvia Aparecida de Sousa Fernandes; Bernardo Mançano Fernandes
Davis Gruber Sansolo (Orgs.)
170 |
FERNANDES, B. M. O agronegócio não é o centro do universo. Botucatu: UNESP,
Instituto de Biociências, Rede-SANS, 9 fev. 2017. Disponível em: http://redesans.com.
br/o-agronegocio-nao-e-o-centro-do-universo-por-bernardo-mancano/. Acesso em: 12
out. 2019.
FRIEDMANN, H. Scaling up: bringing public institutions and food service
corporations into the project for a local, sustainable food system in Ontario.
Agriculture and Human Values, London, n. 24, p. 389-398, 2007.
FUNDAÇÃO JOÃO PINHEIRO. A produção de café de Minas Gerais: desafios para
a industrialização. Belo Horizonte, 2018.
GLIESSMAN, S.; FRIEDMANN, H.; HOWARD, P. Agroecology and food
sovereignty. IDS Bulletin, London, v. 50, n. 2, p. 91-110, 2019.
GUAZZELLI, M.; RIBEIRO, S. Novas tecnologias, corporações e seus impactos sobre
a soberania. In: BEZERRA, I.; PÉREZ-CASSARINO, J. (org.). Soberania alimentar
e segurança alimentar e nutricional na América Latina e Caribe. Curitiba: Editora
Universidade Federal do Paraná, 2016. p. 153-178.
HOLT-GIMÉNEZ, E. Racism and capitalism: dual challenges for the food movement.
Journal of Agriculture, Food Systems, and Community Development, London, v. 5,
n. 2, p. 2014–2016, 2015.
HOLT-GIMÉNEZ, E; ALTIERI, M. Agroecology, food sovereignty, and the new green
revolution. Agroecology and Sustainable Food Systems, London, v. 37, n. 1, p. 90-
102, 2013.
HOLT-GIMÉNEZ, E.; SHATTUCK, A. Food crises, food regimes and food
movements: rumblings of reform or tides of transformation? e Journal of Peasant
Studies, London, v. 38, n. 1, p. 109-144, 2011.
INTERNATIONAL FORUM FOR AGROECOLOGY. Declaration of the
International Forum for Agroecology: Nyéléni, Mali, 27 February 2015. Development,
London v. 58, n. 2-3, p. 163-168, 2015.
MARSHALL, D.; PERKINS, J. H. Geopolitics and the green revolution: wheat,
genes, and the Cold War. New York: Oxford University Press, 1997. v. 49.
McMICHAEL, P. A comment on Henry Bernsteins way with peasants, and food
sovereignty. e Journal of Peasant Studies, London, v. 42, n. 1, p. 193-204, 2015.
NYÉLÉNI DECLARATION. Declaration of Nyéléni. Nyéléni Village, Sélingué,
2007. Forum for Food Sovereignty: conference report organization.
PARK, C. M. Y.; WHITE, B.; JULIA, J. We are not all the same: taking gender
seriously in food sovereignty discourse. ird World Quarterly, London, v. 36, n. 3, p.
584-599, 2015.
Educação do Campo, Soberania Alimentar e Agroecologia:
o papel das tecnologias sociais no fortalecimento das comunidades locais
| 171
PAULA, N. M.; SANTOS, V. F.; PEREIRA, W. S. A financeirização das commodities
agrícolas e o sistema agroalimentar. Estudos, Sociedade e Agricultura, Goiânia, v. 23,
n. 2, p. 1-24, 2015.
PIGNATI, W. Agronegócio, agrotóxicos e saúde. In: SOUZA, M. M. O.; FOLGADO,
C. A. R. (org.). Agrotóxicos: violações socioambientais e Direitos Humanos no Brasil.
Anápolis: Editora Universidade Estadual de Goiás, 2016. p. 17–46.
ROMÁN-ALCALÁ, A. Concerning the unbearable whiteness of urban farming.
Journal of Agriculture, Food Systems, and Community Development, Baltimore, v.
5, n. 4, p.179-181, 2015.
ROSSET, P. M. Epistemes rurales y la formación agroecológica en La Vía Campesina.
Revista Ciência & Tecnologia Social, Goiânia, v. 2, n. 1, p. 8-16, 2015.
SEVILLA GUZMÁN, E.; WOODGATE, G. Agroecology: foundations in agrarian
social thought and sociological theory. Agroecology and Sustainable Food Systems,
London, v. 37, n. 1, p. 32-44, 2013.
WEZEL, A. et al. Review article Agroecology as a science, a movement and a practice. a
review. Agrononomy Sustainable. Development, London, v. 29, p. 503-515, 2009.
WITTMAN, H. Food sovereignty: a new rights framework for food and nature?
Environment and Society: advances in research, London, v. 2, n. 1, p. 87-105, 2011.
WITTMAN, H.; BLESH, J. Food sovereignty and Fome Zero: connecting public food
procurement programs to sustainable rural development in Brazil. Journal of Agrarian
Change, London v. 17, n. 1, p. 81-105, 2017.
172 |
| 173
CAPÍTULO 7
D 
    
 : L 
 
  S 
E (A)
Andrea Gómez Herrera
Cristián Jara
Raquel Buitrón Vuelta
iNtroduCCióN
En Argentina, se ponen de manifiesto las contradicciones que genera
la territorialización del capital bajo el modelo del agronegocio. Pese a la
Silvia Aparecida de Sousa Fernandes; Bernardo Mançano Fernandes
Davis Gruber Sansolo (Orgs.)
174 |
capacidad para producir alimento para una demanda 10 veces superior a su
población actual, el país está inmerso en una profunda crisis económica y
social. Según el informe de la ONU (2019) sobre “El estado de la Seguridad
Alimentaria y Nutricional en el mundo”, entre los períodos 2014-2016
a 2016-2018, el número de personas que experimentan “inseguridad
alimentaria moderada o grave” en Argentina se incrementó el 71%. La
gravedad de situación llegó a tal punto que el Congreso Nacional tuvo
que declarar la emergencia alimentaria, promulgando la Ley Nacional N°
27.519 en el año 2019.
En las últimas décadas, la expansión de la frontera agropecuaria, lejos
de cubrir la demanda local de productos primarios, generó desposesión y
contaminación de las poblaciones rurales (Composto, 2012; Percíncula et
al., 2011). Uno de las jurisdicciones más afectadas por el avance del modelo
empresarial agroexportador fue Santiago del Estero, provincia del noroeste
argentino que históricamente se ha caracterizado por la alta presencia de
campesinos que han vivido y trabajado en el territorio, pese a no haber
regularizado la tenencia de la tierra. A partir del Registro Nacional de
Agricultura Familiar (RENAF), se estima que en Santiago del Estero existen
17.500 unidades domésticas productivas campesinas y se han puesto en
evidencia sus potencialidades en los aportes de proteína animal y la capacidad
para contribuir a la soberanía alimentaria (Paz; Jara, 2014).
En un contexto de agudización de la conflictividad entre el
agronegocio que avanza violentamente, se fueron generado experiencias
productivas y organizativas innovadoras que brotan de la acción colectiva
con el propósito de afianzar los derechos a la tierra por parte de los actores
locales. Un ejemplo de ello son los encierros ganaderos comunitarios que
analizamos en este capítulo. Los cuales se desarrollan en articulación con
agentes estatales, a pesar de ausencias de políticas públicas de ordenamiento
territorial que atiendan de manera integral y estructural a la problemática
de tierra.
Sostendremos que estas experiencias no solo constituyen una
respuesta para evitar el desalojo, sino que producen territorios donde se
están ensayando modelos alternativos de desarrollo rural basado en la
recuperación y el despliegue de prácticas agroecológicas. En esta dirección,
Educação do Campo, Soberania Alimentar e Agroecologia:
o papel das tecnologias sociais no fortalecimento das comunidades locais
| 175
la actividad pecuaria muestra fuertes potencialidades como las siguientes:
uso de recursos endógenos, activación de reciprocidades locales, valorización
de la diversidad ecológica y sociocultural, coproducción con la naturaleza,
intensificación de la mano de obra familiar y escasa externalización.
La trama argumental de este trabajo la desarrollamos a partir del
análisis de cuatro experiencias de constitución de los encierros ganaderos
comunitarios localizados en los departamentos Figueroa y Moreno
(noreste de Santiago del Estero). La significatividad de estas experiencias
reside en varias razones. Por un lado, los encierros ganaderos comunitarios
constituyen una estrategia de defensa de la tierra donde la iniciativa de
cercar los campos no responde a la mercantilización de la tierra, sino a
la reafirmación de una lógica comunal en el uso y gestión de los bienes
comunes de los pobladores rurales frente a los intentos de despojo.
Por otro lado, los encierros implicaron un diseño productivo y
organizativo que se configura sobre la base del potencial endógeno de los
agroecosistemas silvo-pastoriles campesinos, recuperando el saber-hacer
de las poblaciones rurales y la re-apropiación de tecnologías exógenas.
Asimismo, estas experiencias permiten abonar el debate sobre las
posibilidades y retos en la construcción de alternativas agroecológicas en
el contexto actual de expansión de los agronegocios, ya que involucran la
reafirmación de los derechos campesinos sobre la tierra, la producción de
alimentos y otras formas de circulación para abastecer a las poblaciones
locales. A su vez, la construcción de alternativas agroecológicos en los
sistemas silvo-pastoriles campesinos de Santiago del Estero del Estero está
cimentada tanto en la existencia de matrices y prácticas comunales como
en las sinergias entre familias campesinas y agentes estatales.
La estructura del trabajo consta de cuatro partes. En la primera,
se presentan cuatro casos de encierros ganaderos comunitarios. En la
segunda, se abordan las generalidades de las experiencias de constitución
de encierros en relación a los elementos que operaron como catalizadores
de estas iniciativas vinculadas con la conflictividad por la tierra. En la
tercera parte, adquieren centralidad las condiciones de posibilidad para el
despliegue de prácticas agroecológicas entre las que destacamos las matrices
comunales en los sistemas silvo-pastoriles campesinos y las sinergias
Silvia Aparecida de Sousa Fernandes; Bernardo Mançano Fernandes
Davis Gruber Sansolo (Orgs.)
176 |
locales en la construcción de alternativas agroecológicas. Hacia el final, se
plantean reflexiones sobre los aportes y los retos de los encierros ganaderos
comunitarios en la defensa de la soberanía alimentaria y de la tierra en un
contexto de expansión de los agronegocios a escala mundial.
eStruCtura y CoNfliCtualidad agraria eN argeNtiNa y SaNtiago
del eStero: NotaS Sobre el CoNtexto de laS experieNCiaS
La estructura agraria latinoamericana se caracteriza por elevados índices
de concentración de la tierra. El Instituto Geográfico Nacional
1
de Argentina
informa que este país tiene una extensión territorial de 3.761.274 millones
de km
2
, con una población de aproximadamente 45 millones de habitantes
en la actualidad. Se calcula que existen cerca de 200.000 de pequeños
productores agropecuarios en Argentina, correspondiendo a 65,6% del total,
que solo ocupaban el 13,5% de tierra (Obschatko et al., 2007)
2
.
La provincia de Santiago del Estero está localizada en la región
noroeste de Argentina. Según Paz y Jara (2014) esta provincia tiene una
importante presencia campesina y un elevado número de explotaciones sin
límites definidos
3
. En estos espacios no se consigue hacer el registro de la
cantidad de hectáreas que tienen y en ellos perviven formas de producción
tradicionales campesinas e indígenas. Es decir, casi 50% de las tierras de
la provincia tienen límites imprecisos o no los tienen. En relación a la
cuestión jurídica, el tipo de régimen de tenencia son campos comuneros,
aparcerías precarias y sucesiones indivisas.
Con el avance del capital mediante la expansión de la frontera
agropecuaria, estos territorios son objeto de disputa entre empresas y
poseedores campesinos, lo que lleva muchas veces a desalojos violentos
(Domínguez, 2009; Paz; Jara, 2014). La alta concentración de tierra, que
provoca represión y violencia rural, es resultado de la conflictualidad del avance
Disponible en: http://www.ign.gob.ar/NuestrasActividades/Geografia/DatosArgentina/Poblacion
Estudio realizado entre el PROINDER (Proyecto de Desarrollo de Pequeños Productores Agropecuarios) y
el IICA/Argentina, 2007.
El ultimo Censo Nacional agropecuario de 2022, estimo en un total de 5 mil explotaciones sin limites
definidos existentes en Santiago del Estero.
Educação do Campo, Soberania Alimentar e Agroecologia:
o papel das tecnologias sociais no fortalecimento das comunidades locais
| 177
del agronegocio en áreas rurales. Algunas características de estos conflictos
están vinculados a los problemas de ordenamiento territorial, la inseguridad
jurídica en la tenencia de la tierra, la violencia rural (desalojos, represión y
asesinatos de líderes comunitarios), la deforestación y la contaminación del
suelo, entre otros problemas (Paz; Rodríguez; Jara, 2018).
En este marco, se encuentran los campesinos que resisten con sus
prácticas cotidianas, diseñando experiencias organizativas y productivas
alternativas a las lógicas capitalistas que pueden ser analizadas desde el
paradigma de la cuestión agraria (Fernandes, 2014). La revalorización de
estos proyectos emergentes está relacionada a los efectos perjudiciales del
sistema productivo agrícola empresarial (despoblamiento rural, deterioro
ambiental, desempleo). Frente a ello, la construcción de los encierros
ganaderos articula luchas sociales en torno a la defensa de la soberanía
alimentaria, el cuidado del medio ambiente y la valorización de los
agricultores familiares.
Mapa 1- Ubicación de Santiago del Estero
Fuente: elaborado por Paola Marozzi.
Silvia Aparecida de Sousa Fernandes; Bernardo Mançano Fernandes
Davis Gruber Sansolo (Orgs.)
178 |
loS eNCierroS gaNaderoS ComuNitarioS: diStiNtoS diSeñoS bajo
la lupa
Los encierros comunitarios consisten en la clausura con alambrado
perimetral de superficies de tierra rural de uso común por parte de un grupo
de familias que allí residen en un paraje o localidad. Hasta la actualidad
se registra la existencia de alrededor de 20 encierros comunitarios en el
noreste de la provincia de Santiago del Estero, cada uno de ellos exhiben
singularidades sugestivas.
Para la selección de los casos de estudios se definieron criterios a
modo de captar distintos diseños productivos y organizativos configurados
a partir del cercamiento de las tierras comunales en posesión de
campesinos. Los criterios considerados en el procedimiento de selección de
los casos fueron: a) las circunstancias en las que tuvo lugar el cerramiento
comunitario ligadas a la conflictividad por la tierra; b) el tamaño de la
superficie de uso común; c) la composición y tamaño del acervo de bienes
de uso común; d) el perfil productivo y e) los formatos organizativos que
presentan. Para este trabajo se seleccionaron cuatro encierros ganaderos,
cuyas principales características se presentan a continuación en estrecha
relación con los criterios explicitados.
El encierro Santa Catalina abarca 4.535 hectáreas de tierra de uso
común e involucra a 24 familias del departamento Figueroa. Previamente
a la conformación del encierro comunitario, los pobladores del paraje se
dedicaban a la extracción forestal para la producción de postes y a la cría a
monte de ganado bovino y caprino. Es uno de los tres primeros encierros
comunitarios que surge en el año 2004, ante el intento de desalojo por
parte de empresarios que se presentaban como supuestos titulares de
dominio de las tierras. Los bienes de uso compartidos de los que disponen
a partir de la conformación del encierro comunitario son: veinte animales
adquiridos mediante una compra comunitaria, instalaciones ganaderas
de uso comunitario (tanques y represas para el almacenamiento de agua,
un salón comunitario y un vivero comunitario de vegetación nativa.
Asimismo, algunas familias producen miel orgánica para comercializar a
una cooperativa que trabaja en la zona.
Educação do Campo, Soberania Alimentar e Agroecologia:
o papel das tecnologias sociais no fortalecimento das comunidades locais
| 179
Gran parte de los pobladores involucrados en la constitución del
encierro comunitario están asociados a la central campesina Delegados
Unidos de Figueroa Norte (DUFINOC)
4
. Esta organización junto a la
Mesa de Tierras del departamento Figueroa
5
desempeñaron un rol clave
en la promoción de los derechos posesorios en el que sustentaban sus
reivindicaciones sobre la tierra. Además, la DUFINOC estuvo a cargo
de la gestión de fondos para microcréditos contemplados en programas
nacionales con los que se realizaron gran parte de las inversiones para la
construcción y funcionamiento de los encierros ganaderos comunitarios.
Por otra parte, el encierro comunitario El Rejunte (departamento
Figueroa) comprende una superficie de 2.500 hectáreas y su gestión
involucra a 20 familias. Si bien el conflicto territorial se remonta al año
2005, los pobladores comienzan a movilizarse debido a que un empresario
pretendía desalojarlos de sus tierras. Antes de conformar el encierro
comunitario, gran parte de las familias se dedican a la producción de carbón
y postes, aunque también a la cría de bovinos y caprinos. Además de la
tierra y el monte comunal, disponen de tres represas para el consumo de
los animales y actualmente trabajan en la construcción de corrales de uso
comunitario elaborados a partir del aprovechamiento de maderas nativas.
La tercera experiencia que examinamos es el encierro ganadero de
El Hoyo (Departamento Moreno). Abarca aproximadamente 10.000
hectáreas de tierra de uso comunitario y se encuentran asentadas un total
de 40 familias que además cuentan con 5 represas, 3 de uso comunitario.
Sus inicios se remontan al año 2004 cuando una empresa de origen
extraprovincial avanzó argumentando ser el titular de dominio sobre la
La organización DUFINOC surgió en la década del ochenta y tiene su sede en la localidad de Bandera
Bajada en el departamento Figueroa a partir del trabajo de promoción de organización rurales llevado a
cabo por la pastoral de la Iglesia Católica. Se trata de una organización de segundo grado integrada por
organizaciones de bases campesinas de once parajes localizadas en el sector norte del departamento como:
Santa Catalina, El Tableado, El Desbastadero, Totorillas, San Felipe, Lote La Cañada, San Jorge, Santa Ana,
Barrio Peregrino, El Chañar y San José.
Mesa de Tierra de Figueroa se conforma en el año 2003 en el marco de una multiplicidad de conflictos
por amenazas de desalojos a los campesinos de las tierras que ocupaban y está integrada por delegados
de distintas poblaciones del departamento Figueroa y Moreno. Su sede está localizada en la localidad
de Bandera Bajada, recibía apoyo de una ONGs de alcance internacional como ISCOS para desarrollar
actividades vinculadas al acompañamiento y asesoría jurídica a campesinos en torno a la problemática de la
tenencia de la tierra. (De Dios; Ferreyra, 2011, p. 73-74).
Silvia Aparecida de Sousa Fernandes; Bernardo Mançano Fernandes
Davis Gruber Sansolo (Orgs.)
180 |
posesión y alambrando las tierras en las que pastoreaba el ganado de estas
familias rurales. Previamente, algunas pobladoras militaban en la Mesa de
Tierra de Figueroa para resistir los desalojos de campesinos en pueblos
aledaños. A partir de la ejecución de un proyecto de experimentación
adaptativa financiado por el Programa Social Agropecuario PROINDER
los pobladores del encierro invirtieron en la compra de dos reproductores
para lograr mejoras genéticas en el ganado y la implantación de pasturas
para optimizar el manejo forrajero en la cría de terneros.
Por último, el encierro FigMor se encuentra ubicado en el departamento
Moreno y tiene una extensión de 5.500 hectáreas en donde residen 30
familias. Su constitución empezó en el año 2008 y el cercamiento de las
tierras de uso común por parte de los mismos pobladores para reafirmar
sus derechos posesorios estuvo impulsado por los continuos intentos de
desalojo en parajes vecinos. Disponen de 3 aguadas de uso común para el
consumo de los animales de cada familia y además un salón comunitario
donde se llevan a cabo principalmente las asambleas de la cooperativa,
aunque también otro tipo de reuniones. Existen alrededor de una decena
de familias que realizan la producción de miel, aunque también están
implicadas en la cría de ganado a monte. Quienes carecen de animales
o poseen rodeos de menor tamaño se dedican a demás a la extracción de
madera del monte para la fabricación de postes. El nombre de encierro
comunitario es homónimo de la cooperativa agroganadera, forestal y
apícola que conformaron en la década del noventa con vecinos de cuatro
parajes cercanos. A partir de estas experiencias organizativas previas se
forjaron lazos de cooperación entre los pobladores que favorecieron la
emergencia de los encierros ganaderos.
agroeCoSiStemaS, aCtoreS y CatalizadoreS de laS experieNCiaS
Gran parte de las actividades productivas que se desarrollan al
interior de los encierros comunitarios es pecuaria en tres componentes
principales: ganadería caprina, ganadería bovina y apicultura. También se
combinan con actividades ligadas al aprovechamiento de los recursos del
Educação do Campo, Soberania Alimentar e Agroecologia:
o papel das tecnologias sociais no fortalecimento das comunidades locais
| 181
monte, principalmente la madera para la producción de carbón y postes.
Cualquiera sea la variante del perfil productivo de los encierros comunitarios,
la ganadería es un componente inmanente de los agroecostistemas en torno
a los que se constituyen.
En las zonas irrigadas, es posible que la cría de animales esté entrelazada
al despliegue de prácticas agrícolas, principalmente al cultivo de especies
forrajeras como alfalfa. En las zonas de secano, donde no llega el sistema de
riego, los sistemas productivos son prevalentemente ganadero-forestal y es
allí donde se localizan gran parte de los encierros ganaderos comunitarios.
Estas áreas se caracterizan por las altas temperaturas, un régimen de
precipitaciones marcadamente estacional con lluvias concentradas en la
época estival (cuya media oscila entre los 500 a 600 milímetros anuales) y
una elevada evapotranspiración potencial anual que definen un marcado
déficit hídrico. El desarrollo de la agricultura se ve limitado por la baja
retención de humedad de los suelos y la escasa disponibilidad de agua,
tanto para consumo humano, como para el uso agrícola-ganadero
(Arístides, 2009). En efecto, estas condiciones agroecológicas, junto a la
escasa dotación de infraestructura productiva, limitan el desarrollo de la
agricultura y los rendimientos productivos en ganadería que se practica la
cría a monte (De Dios; Ferreyra, 2011).
Asimismo, las zonas de secano cuentan con una notable presencia
de agricultores familiares
6
. Al considerar los datos proporcionados
por el Registro Nacional de la Agricultura Familiar (RENAF) hasta el
año 2011 en Santiago del Estero se registraron 13.072 Núcleos de la
Agricultura Familiar (NAF). El 18,64% del total provincial se localiza en
el departamento Figueroa e involucraba a 10.274 personas. Mientras que
en el departamento Moreno, uno de los más afectados por la expansión
Teniendo en cuenta la definición del Foro Nacional de Agricultura Familiar (FONAF) referimos a los
agricultores familiares como una “forma de vida” y “una cuestión cultural”, que tiene como principal objetivo
la “reproducción social de la familia en condiciones dignas”, donde la gestión de la unidad productiva y
las inversiones en ella realizadas es hecha por individuos que mantienen entre sí lazos de familia, la mayor
parte del trabajo es aportada por los miembros de la familia, la propiedad de los medios de producción
(aunque no siempre de la tierra) pertenece a la familia, y es en su interior que se realiza la transmisión de
valores, prácticas y experiencias (FONAF, 2006, p. 7). Cabe destacar, que sobre este concepto se apoya el
relevamiento de Núcleos de Agricultura Familiar (NAF) realizado por el RENAF.
Silvia Aparecida de Sousa Fernandes; Bernardo Mançano Fernandes
Davis Gruber Sansolo (Orgs.)
182 |
de la frontera agro-ganadera forestal, se registraron el 0,68% del total y
abarcan 466 personas.
En relación a las actividades productivas, los NAF en Moreno
exhiben una orientación productiva predominantemente pecuaria, donde
el 41% de los NAF sólo realiza producción animal, especialmente de
especies caprinas, porcinas y bovinas. En Figueroa el 57,9% de los NAF
relevados combinan agricultura y ganadería y el 26, 9% sólo se dedican a
la producción animal (principalmente la cría de aves, porcinos y caprinos).
Entre las especies cultivadas se destacan el maíz y la alfalfa en un promedio
de menos de 2 hectáreas cultivadas. Respecto a la composición de ingresos
monetarios en los NAF de ambas jurisdicciones se observa que alrededor del
40% proviene de las prestaciones sociales (en particular de las jubilaciones
y pensiones como también de la Asignación Universal por Hijo
7
), entre el
20 y 35% deriva del trabajo extra-predial y servicios, mientras que 17% se
deduce de la producción pecuaria (Paz; De Dios; Gutiérrez, 2014).
Existen dos elementos que operaron como catalizadores de las
experiencias de constitución de encierros comunitarios: la conflictualidad
agraria ligada a la tenencia de la tierra y la intervención de las agencias
estatales de desarrollo rural. Muchas de las superficies de tierra rural de uso
comunal cercadas por los mismos pobladores para constituir los encierros
comunitarios son espacios de disputa con el agronegocio hoy, pero también
habían sido objeto de otras formas de explotación capitalista precedentes.
Buena parte del bosque nativo chaco-santiagueño fue arrasado o durante el
funcionamiento de los obrajes, un modelo extractivo-forestal desarrollado
en la provincia entre finales del siglo XIX y mediados del siglo XX (Paz;
Jara; Wald, 2019). Actualmente, las agriculturas empresariales, con el afán
de disciplinar estos territorios, impulsan el despojo de los campesinos que
aun los habitan mediante diversas modalidades.
En esta dirección, Perncícula et al. (2011) identificaron tres formas
de desterritorializacion del campesinado; el desalojo violento, el desalojo
Se trata de una asignación mensual por hasta 5 hijos menores de 18 años que otorga el gobierno nacional a
padres o madres que se encuentran en condición de desocupados, trabajador no registrado o monotributista
social.
Educação do Campo, Soberania Alimentar e Agroecologia:
o papel das tecnologias sociais no fortalecimento das comunidades locais
| 183
latente y el desalojo por reubicación
8
. Cabe aclarar que en la totalidad
de las poblaciones rurales involucradas en la conformación de los
encierros comunitarios no se consumaron desalojos violentos, a pesar de
las recurrentes amenazas. No obstante, a partir de las interacciones con
vecinos de otros poblados y con técnicos de agencias estatales de desarrollo
rural, pergeñaron una estrategia para defender la tierra basada en cercar
para evitar el desalojo.
Las prácticas de intervención de agentes estatales también fueron
claves en la puesta en marcha de los encierros comunitarios en al menos
dos sentidos. Por un lado, en la promoción de derechos sobre la tierra
entre pobladores rurales en condición de poseedores con ánimo de
dueño
9
. Por otro lado, brindando apoyo en términos de asistencia
técnica y financiamiento para desarrollar actividades productivas que
permitan el despliegue del potencial endógeno de biodiversidad y servicios
ecosistémicos del monte del chaco semi-árido, un saber-hacer ligado a la
cría de animales, como también el trabajo de la madera y las instituciones
de trabajo comunitario preexistentes.
A partir de la intervención de los técnicos de terreno que operan en la
órbita del Programa Social Agropecuario
(a partir de aquí PSA) se lograron
canalizar recursos para la conformación de los encierros comunitarios.
El programa, de carácter nacional, contemplaba objetivos de naturaleza
económico-productivo tales como mejorar las condiciones de vida y de
trabajo de productores minifundistas, aumentar la productividad de sus
explotaciones a través de la incorporación de tecnología y la diversificación
productiva e incrementar los ingresos familiares. Pero también incluía otros
de carácter organizativo como afianzar las asociaciones de productores para
que sus demandas. Su estrategia de intervención combinaba financiamientos
Para Percíncula et al. (2011) el desalojo total o violento acontece cuando las empresas o personas buscan
acreditar la titularidad de dominio de las tierras ocupadas por campesinos presentando las escrituras (válidas
o no), apelando a la fuerza pública y a la coacción directa. Por otra parte, el desalojo latente opera con el
establecimiento de un administrador que regula las actividades productivas de los ocupantes. Por último, el
desalojo con reubicación consiste en lograr un acuerdo para la relocalización de los ocupantes en un área que
permita la explotación empresarial.
La condición de poseedor con ánimo de dueño, refiere a la situación jurídica de aquellos campesinos que
son poseedores de tierras privadas o fiscales y se reconocen como sus únicos dueños, aunque no pudieron
acceder a las escrituras de dominio.
Silvia Aparecida de Sousa Fernandes; Bernardo Mançano Fernandes
Davis Gruber Sansolo (Orgs.)
184 |
en concepto de créditos y aportes monetarios no reembolsables, asistencia
técnica y capacitación (Lattuada; Nogueira; Urcola, 2015). Posteriormente,
tuvo lugar la reconversión del PSA en Subsecretaría de Desarrollo Rural y
Agricultura Familiar (a partir de aquí SsAF) en el año 2008 y al año siguiente
se crea el Ministerio de Agricultura, Ganadería, Pesca y Alimentación de
la Nación.
También los técnicos del PSA en articulación con agencias estatales
que intervenían en el ámbito de Santiago del Estero y las organizaciones de
bases campesina propiciaron procesos de promoción del derecho posesorio.
Cabe subrayar que recién en el año 2005 el gobierno provincial desplegó
acciones orientadas a tratar la problemática de la tenencia precaria de tierra
y reconocer los derechos posesorios de campesinos e indígenas. Entre ellas
se destaca la conformación de la Mesa Provincial del Tierras. De este espacio
inter-institucional surge la Mesa Tripartita conformada por representantes
del estado nacional, provincial y de organizaciones sociales desde donde se
impulsó diversas iniciativas. Una de ellas fue la creación del “Registro de
Aspirantes a la Regularización de la Tenencia de la Tierra”, que estaría a
cargo de brindar asistencia técnica y jurídica para lograr la regularización
su tenencia de la tierra. También se conformó el “Comité de Emergencia”,
órgano que intervenía en los conflictos de tierra para acompañar a las
familias campesinas involucradas en los mismos (De Dios, 2010).
Pese al desarrollo de algunas políticas orientadas a atender a la
cuestión de tierra en la provincia, han sido insuficientes para brindar una
solución estructural a la problemática de la tenencia precaria de la tierra.
Por lo tanto, los encierros ganaderos comunitarios son algunas de las
respuestas que emergen desde abajo para evitar que las y los campesinos
sean despojados de su territorio.
Educação do Campo, Soberania Alimentar e Agroecologia:
o papel das tecnologias sociais no fortalecimento das comunidades locais
| 185
SubStratoS de uN diSeño agroeCológiCo eN SiStemaS CampeSiNoS
Silvo-paStorileS: l poteNCial eNdógeNo de laS matriCeS
ComuNaleS
Los encierros ganaderos comunitarios es una iniciativa que se asienta
en la matriz comunal de explotaciones agropecuarias sin límites definidos en
la estructura agraria de Santiago del Estero. Con esta noción se designa a
un complejo de condiciones que revisten un carácter sine qua non en la
estructuración de relaciones comunales que son el resultado de procesos
estructurales que acontecen en múltiples escalas espaciales y temporales
(Villalba; Gómez; Paz, 2020).
En el escenario de Santiago del Estero, a lo largo del tiempo,
tuvieron lugar diferentes procesos que explican la persistencia y prevalencia
de amplias superficies de tierra sin delimitación precisa. En estos espacios,
se instituyeron modos de (con)vivir mediante el uso común de la tierra
y recursos asociados. A partir del análisis de los encierros ganaderos
comunitarios presentados más arriba identificamos al menos cuatro
elementos en torno a los que se configuran las matrices comunales y que
operan como condiciones de posibilidad para el despliegue de prácticas y
diseños agroecológicos en esas poblaciones rurales.
En primer lugar, la existencia de formas de posesión comunal de
amplias superficies de tierra y monte, como también de reservorios de agua
que también se hacen extensible a otros bienes más allá de la naturaleza.
Desde el punto de vista jurídico, la posesión refiere al “Poder que el
ordenamiento reconoce sobre las cosas a quien/es las tiene sujetas a la
acción de su voluntad.” (Tartiere, 2014, p. 130-131). En las explotaciones
sin límites definidos se advierten formas de apropiación distintas a la
propiedad privada, cuya existencia es producto de una amalgama de
procesos de larga trayectoria. Entre ellos se destaca, la institución del
mancomún, de plena vigencia durante gran parte del período colonial, que
implicaba la indivisión de tierras entre los herederos, un modo de gestión
colectiva de recursos y trabajo como también de identidades configuradas
a partir de los lazos de parentesco y vecindad (Farberman, 2016). También
los procesos de recampesinización durante la década del sesenta y el ochenta
Silvia Aparecida de Sousa Fernandes; Bernardo Mançano Fernandes
Davis Gruber Sansolo (Orgs.)
186 |
tras el declive del modelo obrajero, que devinieron en la persistencia de
quienes habían sido peones de las grandes explotaciones forestales, que
se asentaron allí, aunque sin contar con los títulos de propiedad. Ellos
encontraron su sustento en la caza y el aprovechamiento común del monte
para la extracción de madera, frutos y del pastoreo (Paz; Jara, 2014; Riat,
2012). En estas extensas porciones de tierra sin alambrados perimetrales (a
partir de esa posesión comunitaria de la tierra) se fue fraguando una forma
social de la producción con un contenido técnico-organizativo específico
del proceso de trabajo (García Linera, 2009).
En segundo lugar, cabe destacar el potencial productivo de las
explotaciones sin límites definidos en términos de dotación de recursos
pecuarios y forestales. Según los registros del Censo Nacional Agropecuario
del año 2002, las explotaciones agropecuarias sin delimitación precisa
representan casi el 48,30% del total a nivel provincial, se estima que abarcan
7 millones de hectáreas y que además exhiben una marcada pecuarización
ya que tienen: 207.173 bovinos, 113.823 ovinos, 445.219 caprinos, 62.993
porcinos, 44.811 equinos y 13.314 mulares (CNA 2002). La ganadería
extensiva basada en la práctica de la cría a monte abierto es posible en
la medida que existen amplias superficies de tierra y monte en posesión
comunal para el pastoreo de los animales de varias familias aprovechando
los pastos y frutos nativos, como la vaina de algarroba, como forraje. El
ganado menor como gallinas, pavos y cerdos es alimentado generalmente
con cultivos de maíz y alfalfa de los cercos familiares. También las especias
maderables son utilizadas para construcción de cercos para las huertas
familiares y los corrales. Giménez Romero (1994, p. 515-516) sostiene
que ciertas actividades tales como “[...] el aprovechamiento de los
bosques, rastrojos y la ganadería extensiva requieren un manejo abierto y
comunal debido a la existencia de ciertas barreras ecológicas”. El potencial
productivo de las explotaciones sin límites precisos se ha visto eclipsado
por la dificultad de estimar índices productivos debido a la imposibilidad
de determinar el tamaño de la explotación.
Las formas de organización social del trabajo familiar y comunal
que se forjan sobre la base de una trama de relaciones de parentesco y
vecindad, constituyen el tercero de los elementos que queremos destacar
Educação do Campo, Soberania Alimentar e Agroecologia:
o papel das tecnologias sociais no fortalecimento das comunidades locais
| 187
de estas matrices comunales. Es frecuente que alguno de los pobladores del
paraje efectúe el préstamo de su reproductor para el servicio de las hembras
que pertenecen a los rodeos de sus familiares y vecinos. También en la
faena de animales, las familias suelen recurrir a la colaboración de parientes
y vecinos, aunque se advierte una división del trabajo por sexo y edad.
Mientras que los hombres generalmente llevan a cabo la preparación de
las herramientas de trabajo, el ataje y enlazado de animales como la faena
propiamente dicha; las mujeres limpian y lavan las vísceras y menudencias
para su preservación y consumo. El aporte del trabajo colaborativo de sus
vecinos y familiares se suele retribuir mediante la provisión de carne o con
trabajo en ocasiones que la contraparte lo requiera. Los niños en general
suelen ocuparse de alguna tarea ligada a la cría de animales menores como
la alimentación de las gallinas y pavos y el encierre de cabras, ovejas y cerdos
en los corrales, como también la recolección de frutos del monte. También
suelen organizarse jornadas de trabajo comunitario para la apertura y
mantenimiento de caminos vecinales, construcción y preservación de
represas, la construcción de la vivienda de alguna familia residente, como
también la realización de eventos benéficos para la comunidad o algunos
de sus miembros, festividades religiosas y populares.
A partir del análisis de todas aquellas prácticas de trabajo comunal
es posible abstraer algunos atributos que asume. Por un lado, las formas
de trabajo comunal ya sea que esté orientado a la producción de bienes
de uso o bienes de cambio como también a la preservación y producción
de bienes comunes tienen un carácter colaborativo. No están regidas por
el valor del precio del trabajo en el mercado, es decir que la categoría del
salario se diluye y prima una lógica de reciprocidad en la reproducción de
trabajo comunal (Paz, 2017). Asimismo, están sustentadas en una trama
de relaciones configurada por lazos de parentesco y vecindad y refunda la
interdependencia entre los miembros de la comunidad. Tiene una identidad
ligada a la noción de hacer, en el sentido accionado por Holloway (2011),
como actividad creativa desarrollada sobre la base de conocimiento local
y de un saber hacer específico en oposición a la noción de trabajo como
imposición externa del sistema capitalista.
Silvia Aparecida de Sousa Fernandes; Bernardo Mançano Fernandes
Davis Gruber Sansolo (Orgs.)
188 |
Finalmente, los dispositivos institucionales de regulación al acceso,
uso y gestión de bienes comunes implementados por los pobladores rurales
de los parajes donde se constituyeron encierros ganaderos comunitarios es el
cuarto elemento ineludible de las matrices comunales. Resulta inadmisible
atribuir la cualidad de “comunes” a los bienes sin referenciar al grupo social
que los está regulando mediante reglas formales o informales, su acceso, uso,
gestión y control (Bollier 2008; Giménez Romeno, 1994). En consecuencia,
los derechos de acceso, uso y goce de los beneficios de bienes comunes
de la naturaleza o bien de creaciones humanas están reguladas mediante
dispositivos informales de control social que consta principalmente de la
observancia de los propios comuneros del involucramiento y desempeño
de sus pares respecto de las actividades vinculadas a la preservación,
ampliación, mantenimiento y reproducción de bienes compartidos. Por
ejemplo, mediante la participación en las jornadas de trabajo comunitario
y en las reuniones de vecinos, que son instancias colectivas donde se toman
decisiones y se generan acuerdos entre los miembros respecto de bienes y
asuntos comunes.
La informalidad de los dispositivos de regulación en términos
de ausencia de códigos escritos no supone menor complejidad en el
funcionamiento. A modo de ejemplo, el rumor es una práctica política
cotidiana que tiene cierta eficacia de control social, en la deslegitimación
del liderazgo de ciertos miembros de la comunidad ante la advertencia de
un comportamiento inadecuado. Cabe destacar, que las posibilidades de
acceso, uso y control de los recursos como los criterios de distribución y
goce de sus beneficios están mediados por los aporte de trabajo comunal,
aunque también por la existencia de ciertas jerarquías al interior de
la comunidad en función de antigüedad en la comunidad, tamaño del
rodeo, cantidad de familiares que habitan de manera permanente en la
comunidad, oficio o trabajo principal (albañil, mecánico, productor de
carbón, tenedor de hacienda, maestro, policía, entre algunas).
En suma, la posesión comunal de bienes materiales e inmateriales,
la importancia de la actividad pecuaria y forestal, la organización del
trabajo forjada sobre la base de una trama de relaciones de parentesco y
vecindad y los dispositivos institucionales en construcción constituyen
Educação do Campo, Soberania Alimentar e Agroecologia:
o papel das tecnologias sociais no fortalecimento das comunidades locais
| 189
potencialidades endógenas presentes en la comunidad que permiten
pensar en diseños agroecológicos promisorios. Todos estos atributos de los
sistemas campesinos silvo-pastoriles que aquí analizamos son condiciones
que permiten ampliar los márgenes de autonomía de los productores
en la medida se construyen sobre la base de biodiversidad ecológicas y
sociocultural existente, posibilitando una menor externalización para evitar
ser totalmente disciplinados por el capitalismo, logrando mayor resiliencia
y procurando alcanzar objetivos socialmente justos.
SoberaNía alimeNtaria: SiNergiaS loCaleS y el rol de loS aCtoreS
eStataleS eN loS eNCierroS gaNaderoS
Los encierros ganaderos comunitarios son iniciativas que brotan del
potencial endógeno de los sistemas campesinos silvo-pastoriles en la región
del chaco-semiárido en Santiago del Estero, pero también se edificaron
sobre la base de las sinergias entre las comunidades rurales con agentes
estatales. En efecto, se tornan experiencias significativas para reflexionar
sobre el rol de la institucionalidad estatal y la configuración de iniciativas
que contribuyan a la soberanía alimentaria. Vale decir que los lazos tejidos
entre campesinos y las institucionalidades estatales se han caracterizado
por la ambigüedad que imprime el hecho que el estado ha operado como
agente en la reproducción de las formas más avanzadas del capitalismo
dependiente en América Latina (Oszlack; O’donnell, 1995). Pero también
exige considerarlo como una arena donde tiene lugar las disputas por los
recursos y los instrumentos de dominación política.
En ese aspecto, destacamos brevemente las contradicciones y
oposiciones que existen dentro del propio Estado: al mismo tiempo que
reprime violentamente con el uso de la fuerza policial una ocupación de
tierras, también puede contribuir por medio de la actuación de agentes
estatales para la mejora de la situación de los campesinos. Poulantzas
(2000) considera que el poder del Estado está formado por fuerzas políticas
que operan dentro y fuera del Estado. Hay contradicciones internas al
Estado: al mismo tiempo que es el instrumento de dominación de la clase
Silvia Aparecida de Sousa Fernandes; Bernardo Mançano Fernandes
Davis Gruber Sansolo (Orgs.)
190 |
dominante (ayudando a explorar a los trabajadores), también atiende a
las reivindicaciones y demandas de las clases dominadas. El desafío es
entender el espacio y como ocurren las relaciones de poder dentro del
Estado. Para Mabel waites (2010) es necesario comprender al Estado
como la aglomeración de una relación de fuerzas entre clases y fracciones
de clases. Es decir, no es un bloque monolítico sin fisuras, sino que el
propio Estado está dividido en su estructura.
El sistema estatal y el sistema político hacen parte de un conjunto más
amplio de relaciones sociales. Pues el Estado no existe aislado y separado,
sino que está integrado a sistemas políticos más extensos, relacionado con
otras instituciones y con la sociedad civil. Está en un lugar paradójico: es un
conjunto institucional y tiene la responsabilidad de mantener la cohesión
social, de la cual también es parte. Así, es continuamente demandado por
diferentes fuerzas sociales para resolver los problemas que ocurren en la
sociedad. Es el lugar de las luchas y las contradicciones de clase, así como
es el sitio de luchas entre sus distintas ramas (Jessop, 2014).
En este artículo analizamos el rol de los agentes estatales en el
proceso de constitución y funcionamiento de los encierros ganaderos
comunitarios. Los agentes estatales habían comenzado a intervenir en
los territorios donde se conformaron los encierros con la intención de
alentar la producción bovina. En sus orígenes, la asistencia de los técnicos
extensionista tenía un perfil principalmente productivo. Los pobladores
realizaban “cría a monte”, pero la pérdida de animales, el robo del ganado,
falta de control del rodeo en períodos de preñez y pariciones y la escasez
de forraje natural eran problemas frecuentes. Frente a estas advertencias,
los técnicos del PSA proponen la conformación de “encierros ganaderos
o “potreros”, es decir superficies de monte destinadas a la cría de ganado
bovino para lograr un mayor control del rodeo y mejorar la cría mediante
prácticas de manejo silvo-pastoril.
Sin embargo, estos agentes estatales no permanecieron al margen
de los conflictos por la tierra. Ante la amenaza de ser despojados de esas
superficies de tierra, muchos pobladores adhieren a la iniciativa de construir
los potreros y cerrar las superficies de uso común para defender la tierra.
Educação do Campo, Soberania Alimentar e Agroecologia:
o papel das tecnologias sociais no fortalecimento das comunidades locais
| 191
En efecto, el propósito de “mejorar la producción” quedó intrínsecamente
asociado a la promoción de los derechos posesorios sobre la tierra.
De este modo, en la interfaz técnicos estatales y pobladores rurales,
se engendra una estrategia de defensa de la tierra basada en el binomio
producir-hacer posesión”. Dicha estrategia encontraba sustento en el
marco legal del derecho posesorio, que al mismo tiempo era promovido por
las organizaciones que asumen la representación de campesinos e indígenas
en sus luchas por la tierra, pero se despliega a través de propuestas técnicas-
productivas promovidas desde la institucionalidad pública.
Por consiguiente, los encierros ganaderos comunitarios constituyen
una estrategia legal y productiva de defensa de la tierra. Se funda y legitima
a través de instrumentos jurídicos, en particular los derechos posesorios
contemplados en el Código Civil y Comercial de la Nación; y mediante
canales institucionales como los programas estatales de desarrollo
rural. Los técnicos estatales que impulsaban el cercamiento de campos
comunales ante los conflictos residían en la comarca, provenían de familias
campesinas e incluso en sus trayectorias de vida, tuvieron momentos de
militancia en la lucha por la tierra. Por lo tanto, desempeñaron un rol
decisivo en legitimación de la iniciativa en ámbito de la institucionalidad
pública promoviendo que la delimitación de las áreas comunes de pastoreo
y los cambios en las prácticas de manejo de recursos permitiría mejorar los
ingresos de los pequeños productores como lo solicitaban los programas de
desarrollo rural vigentes. La dimensión productiva de la estrategia reside
en su modo de materialización, ya que se resiste produciendo. Para llevarla
adelante fue necesario captar los recursos emanados de distintos programas
estatales, nacionales y provinciales que financiaban inversiones prediales
con fines productivos. Por ejemplo, los recursos para construir los potreros
en las zonas disputadas con la empresa propietaria de campos contiguos
se obtuvieron mediante la formulación de proyectos que financiaban la
compra de rollos de alambres para la mejora de corrales en los predios de
los “productores” del poblado.
Asimismo, los técnicos promovían el asociacionismo y la organización
comunitaria, lo que devino en la formalización de la existencia de las
comunidades” en estos parajes. Partían del diagnóstico que impulsar
Silvia Aparecida de Sousa Fernandes; Bernardo Mançano Fernandes
Davis Gruber Sansolo (Orgs.)
192 |
la cría de forma mancomunada era una propuesta “viable”, en tanto se
asentaba en la práctica de uso compartido de las áreas de pastoreo. Además,
el agrupamiento de productores constituía un criterio de elegibilidad de
los beneficiarios de programas como PSA
y PROINDER
10
. En este marco,
aconteció la formación de asociaciones civiles como comisiones vecinales
en el caso de los pobladores de los parajes de Santa Catalina-Santa Rita y
El Puesto o asociación de fomento comunal en el caso de los pobladores
de El Hoyo. El asociacionismo constituía un imperativo de organización
social en la vinculación con agentes estatales para acceder accedan a las
prestaciones de estos programas, especialmente con fines económico-
productivos.
Las mediaciones técnicas y políticas de los extensionistas y técnicos
de agencias de desarrollo que operan a nivel nacional, provincial y
municipal fueron claves en múltiples aspectos como: la promoción de los
derechos posesorios; la recuperación prácticas tradicionales de manejo de
recursos pecuarios y forestales como también facilitadores del sincretismo
con otras tecnologías compatibles con los atributos y la dinámica de
los agroecosistemas; y la asistencia financiera prevista en los programas
estatales que permitió realizar inversiones en los campos comunes.
La actuación de los agentes estatales para la promoción del
asociativismo y organización comunitaria se inserta en la lógica de la
implementación de políticas públicas del paradigma de la cuestión agraria.
Según Fernandes (2015), en los territorios campesinos, las políticas
públicas se crean o son apropiadas a partir de la lógica del trabajo familiar
o cooperativo, de producción agroecológica de alimentos saludables para la
comercialización en mercados locales, regionales o nacionales. Por lo tanto,
consideramos que, en el caso de los encierros ganaderos santiagueños, las
10
Programa de Desarrollo de Pequeños Productores Agropecuarios (PROINDER) tuvo alcance nacional y
comenzó a ejecutarse en el año 1998. La unidad de ejecución en un primer momento fue la Secretaría de
Agricultura, Ganadería, Pesca y Alimentos, hasta la creación del Ministerio de Producción que atribuyó
su implementación a la Unidad de Cambio Rural (UCAR) y a la Subsecretaría de Desarrollo Rural y
Agricultura Familiar de la Nación. Su objetivo fue mejorar las condiciones de vida de pequeños productores
agropecuarios y trabajadores rurales transitorios promoviendo mejoras en sus ingresos, como también en su
organización y participación a través del financiamiento de inversiones en asistencia técnica, capacitación
apoyo en la comercialización y fortalecimiento institucional.
Educação do Campo, Soberania Alimentar e Agroecologia:
o papel das tecnologias sociais no fortalecimento das comunidades locais
| 193
prácticas de los agentes estatales especialmente del PSA promovió, de esta
manera la soberanía alimentaria de los territorios campesinos.
a modo de Cierre: eNCierroS gaNaderoS Como CoNStruCCióN
de alterNativaS agroeCológiCaS eN la defeNSa de la SoberaNía
alimeNtaria y de la tierra
Buena parte de la literatura sobre agroecología ha puesto énfasis
en las sinergias entre diferentes procesos biológicos, socioeconómicos y
culturales al interior de los agroecosistemas, es decir el despliegue de su
potencial endógeno, como también en la complementariedad con otros
(Altieri, 2009). No obstante, uno de los principales desafíos que enfrentan
los diseños agroecológicos es lograr su pervivencia y su consolidación,
evitando ser asfixiados por las institucionalidades que sustentan el régimen
agroalimentario actual.
Toledo (2012) sostiene que la agroecología ha desatado procesos
en América Latina que implican un complejo conjunto de sinergias y
reciprocidades entre las dimensiones cognitivo-epistémica, práctica-
tecnológica y social-política. Entonces, cobra sentido ir más allá del
análisis de la finca para avanzar en la comprensión de la telaraña rural, es
decir la interrelaciones e interacciones entre actores, recursos, actividades,
sectores y lugares dentro de las áreas rurales (Jan Der Ploeg; Marsden,
2008) para evaluar las oportunidades y consecuentemente los obstáculos
en sostenibilidad y expansión de las prácticas y formatos agroecológicos.
Proponemos identificar en los encierros ganaderos comunitarios,
como diseños agroecológicos emergentes, los aportes y los desafíos en
la defensa de la soberanía alimentaria y de la tierra en relación a tres
dimensiones que proponen Cuéllar Padilla y Sevilla Guzmán (2009).
En cuanto a la dimensión ecológica, destacamos que las prácticas
de ganadería extensiva con especies pecuarias autóctonas y donde el
pastoreo se realiza en campos de uso común aporta en la configuración
y el mantenimiento de agroecosistemas de alto valor ecológico. Algunos
estudios han puesto en evidencia que la ganadería extensiva favorece a la
Silvia Aparecida de Sousa Fernandes; Bernardo Mançano Fernandes
Davis Gruber Sansolo (Orgs.)
194 |
preservación y potenciación de la biodiversidad de especies herbáceas y
arbóreas favoreciendo la calidad de forraje y nutricional de los animales.
Al mismo tiempo, las especies pecuarias autóctonas constituyen un
reservorio genético y el pastoreo genera una cubertura forestal con
menor material combustible que los torna menos propensos a incendios
forestales (Fundación Entretantos, 2018). Se trata de claros indicios
sobre la contribución de las prácticas pecuarias extensivas en términos
de preservación de la biodiversidad y resiliencia en el escenario de crisis
ambiental. No obstante, uno de los principales desafíos que se presentan en
este plano reside en las fuertes limitaciones ambientales y de infraestructura
para el acceso al agua de calidad para el consumo animal y humano en los
encierros comunitarios.
Respecto a la dimensión socioeconómica, la ganadería extensiva se
desarrolla a partir del aprovechamiento de recursos naturales autóctonos
(pastos, frutos y maderas nativas). Por lo tanto, los costos de producción
son bajos debido a la independencia de insumos, especialmente forraje y
suministros energéticos externos. Además, las prácticas de uso y la gestión
común de los recursos naturales, como de infraestructura productiva y
social entre las familias campesinas han sido claves en el sostenimiento y
viabilidad de cría de animales en amplias superficies de tierra en la medida
que se apoya en instituciones de trabajo colectivo colaborativo, mediado
por reciprocidades. Además, existe una cultura ganadera pastoril vinculada
a un saber-hacer de los campesinos en la cría de animales que supone una
permanente adaptación a los procesos ecológicos locales. También facilita
la apropiación e integración de tecnologías exógenas (por ejemplo, el
complemento forrajero con pasturas implantadas) a la matriz productiva
y organizativa existente sin que implique pérdida de autonomía. En este
sentido, las propuestas técnicas realizadas por extensionistas de agencias
estatales de desarrollo rural han sido congruentes con el reconocimiento
y valoración del potencial endógeno productivo ganadero y organizativo
comunal, un elemento imprescindible en la configuración de esquemas de
extensión horizontal que se plantea desde el modelo agroecológico.
Frente a las mejoras de los índices productivos, una asignatura
pendiente es diseñar alternativas de circulación y comercialización de
Educação do Campo, Soberania Alimentar e Agroecologia:
o papel das tecnologias sociais no fortalecimento das comunidades locais
| 195
la producción ganadera de los encierros comunitarios. Gran parte de
las dificultades de las familias campesinas en la venta de la producción
pecuaria, especialmente bovina y caprina, está asociada a la existencia de
una institucionalidad del mercado que regula los estándares de calidad,
precio y canales de comercialización en relación al esquema de producción
ganadera industrial y que no considera las singularidades en las prácticas
de manejo y la base territorial de la ganadería extensiva en sistemas
campesinos. Afianzar el gobierno de los mercados locales de productos es un
desafío urgente que se impone a las familias campesinas involucradas en
los encierros ganaderos comunitarios en Santiago del Estero, para revertir
las condiciones de negociación y estructuras de intercambio desigual
impuestas por los compradores y propiciar el abastecimiento de alimentos
de origen animal de calidad a las poblaciones de la comarca.
Siguiendo a Cuéllar Padilla y Sevilla Guzmán (2009), la dimensión
política de la soberanía alimentaria implica conectar experiencias
productivas con proyectos políticos que apunten a desarticular las
estructuras de desigualdades sociales. Los encierros ganaderos comunitarios
son experiencias productivas que se enlazan con proyectos políticos de la
lucha de los campesinos poseedores para frenar las distintas modalidades de
despojo de la tierra y el territorio. Pero también para afianzar su control que
se hace efectivo no sólo en la reivindicaciones y demandas en la instancia
de la justicia formal, en las protestas callejeras; sino que la lucha también se
despliega en las prácticas productivas cotidianas generando medios de vida
para el propio sustento de las familias campesinas y las poblaciones locales.
Por su parte, Borras y Franco (2012, p. 7) proponen referir al
derecho de soberanía de la tierra (alternativamente a la seguridad en la
tenencia de la tierra) como “el derecho de acceso efectivo a la tierra, al
uso de ella y a su control, así como a los beneficios de su uso y ocupación,
entendiendo la tierra como un recurso, como territorio y como paisaje”.
Por consiguiente, un desafío inaplazable para hacer efectivo la soberanía de
la tierra de las comunidades campesinas reside en lograr el reconocimiento
formal estatal de los sistemas de derechos plurales, más allá de la propiedad
privada y de las múltiples formas e instituciones comunales y comunitarias
de gestión del territorio, que no se agotan en las instituciones de los
Silvia Aparecida de Sousa Fernandes; Bernardo Mançano Fernandes
Davis Gruber Sansolo (Orgs.)
196 |
pueblos indígenas. Por consiguiente, es necesario incorporar las relaciones
sociales como unidades de análisis y objeto de las políticas públicas. Es
necesario reaccionar contra la perspectiva neoliberal de la gobernanza de la
tierra, la cual se centra en el Estado, el cual descarta las cuestiones sociales.
Esta es una visión desde “arriba”. La soberanía sobre la tierra, al contrario,
viene desde “abajo”, colocando al pueblo como protagonista. Tiene una
orientación política e histórica, considerando las relaciones de poder que se
originan en las relaciones sociales de la propiedad y producción con base en
la tierra. Por su propia naturaleza, es un proyecto político que involucraría
a trabajadores urbanos y rurales, dentro de los estados nacionales y también
en el ámbito internacional (Borras; Franco; Kay; Spoor, 2014).
Como hemos descripto en este trabajo, la matriz comunal de
explotaciones agropecuarias sin límites definidos en la estructura agraria de
Santiago del Estero posibilita el despliegue de prácticas agroecológicas que
se insertan en la Soberanía Alimentaria y por la Tierra. En ese sentido,
podemos considerar los encierros ganaderos comunitarios como una
estrategia de resistencia en la Soberanía por la Tierra. Son estrategias desde
abajo, protagonizadas por los campesinos santiagueños como forma de
lucha por la tierra y sus territorios.
referêNCiaS
ALTIERI, M. El estado del arte de la agroecología: revisando avances y desafíos. In:
ALTIERI, M. (comp.) Vertientes del pensamiento agrocológico: fundamentos y
aplicaciones. Medellín: SOCLA, 2009. p. 69-94.
ARISTIDE, P. Procesos históricos de cambio en la apropiación del territorio en
Figueroa (Santiago del Estero, Argentina, Chaco semiárido). 2009. Tesis (Maestría) -
Universidad Internacional de Andalucía, Andalucía, 2009.
BOLLIER, D. Los bienes comunes: un sector soslayado de la creación de riqueza.
In: HELFRICH, S. (ed.). Genes, bytes y emisiones: bienes comunes y ciudadanía.
México, DF: Fundación Heinrich Böll, 2008. p. 30-41.
BORRAS JÚNIOR, S. M.; FRANCO, J. C. ¿La ‘soberanía de la tierra’ como
alternativa?: hacia un contracercamiento de los pueblos. Amsterdam: Transnational
Institute, 2012. Programa Justicia Agraria. Disponible en: https://www.tni.org/files/a_
land_sovereignty_alternative-es.pdf. Acesso: 28 nov. 2015.
Educação do Campo, Soberania Alimentar e Agroecologia:
o papel das tecnologias sociais no fortalecimento das comunidades locais
| 197
BORRAS SATURNINO, M.; FRANCO, J. C.; KAY, C.; SPOOR, M. El
acaparamiento de tierras en América Latina y el Caribe: análisis desde una perspectiva
internacional amplia. In: SOTO BAQUERO, F.; GOMEZ, S. (ed.). Reflexiones sobre
la concentración y extranjerización de la tierra en América Latina y el Caribe.
Santiago: FAO, 2014. p. 15-68.
COMPOSTO, C. Acumulación por despojo y neoextractivismo en América Latina.
Una reflexión crítica acerca del estado y los movimientos socio-ambientales en el nuevo
siglo. Astrolabio, Córdoba, n. 8, p. 323-352, 2012.
CUÉLLAR PADILLA, M.; SEVILLA GUZMÁN, E. Aportando a la construcción de
la soberanía alimentaria desde la agroecología. Ecología Política, Barcelona, n. 8, p.
43-51, 2009. Disponible en: http://www.jstor.org/stable/20743517. Acceso en: 20 fev.
2019.
DE DIOS, R. Lineamientos para una política de reforma agraria en Santiago del Estero.
In: Jornadas Bicentenario de la Revolución De Mayo, 2010. Ponencias [...] Santiago del
Estero: Universidad Nacional de Santiago del Estero, 2010.
DE DIOS, R.; FERREYRA, R. La defensa de la tierra y la experiencia de los encierros
ganaderos de manejo comunitario en Santiago del Estero. In: PAZ, R.; DE DIOS, R.
(comp.). Actores sociales y espacios protegidos: aprendizajes de experiencias rurales en
el NOA. Tucumán: Magna Publicaciones, 2011. p. 63-91.
DOMÍNGUEZ, D. La lucha por la tierra en Argentina en los albores del siglo
XXI: la recreación del campesinado y de los pueblos originarios. 2009. Tesis (Doctor en
Ciencias Sociales) - Facultad de Ciencias Sociales, Universidad de Buenos Aires, Buenos
Aires, 2009.
FARBERMAN, J. Las tierras mancomunadas en Santiago del Estero. Problemas y
estudios de caso en la colonia y el siglo XIX. Mundo Agrario, La Plata, n. 17, p. 1-17,
2016. Disponible en: https://www.mundoagrario.unlp.edu.ar/article/view/MAe025.
Acesso em: 17 ago. 2017.
FERNANDES, B. M. Cuando la Agricultura familiar es campesina. In: HIDALGO,
F.; HOUTART, F.; LIZÁRRAGA, A. Agriculturas campesinas en Latinoamérica:
propuestas y desafíos. Quito: Editorial, 2014. p. 19-34.
FERNANDES, B. M. Políticas públicas, questão agrária e desenvolvimento territorial
rural no Brasil. In: GRISA, C.; SCHNEIDER, S. (org.). Políticas públicas de
desenvolvimento rural no Brasil. UFRGS, 2015.p. 1-23. Disponible en: http://
www2.fct.unesp.br/docentes/geo/bernardo/BIBLIOGRAFIA%20DISCIPLINAS%20
GRADUACAO/GEOGRAFIA%20RURAL%202016/Aula%209b.pdf. Acesso em: 12
fev. 2017.
GARCÍA LINERA, A. Forma valor y forma comunidad: aproximación teórica-
abstracta a los fundamentos civilizatorios que preceden al Ayllu Universal. La Paz:
CLACSO, Muela del diablo editores, 2009.
Silvia Aparecida de Sousa Fernandes; Bernardo Mançano Fernandes
Davis Gruber Sansolo (Orgs.)
198 |
GIMÉNEZ ROMERO, C. Valdelaguna y Coatepec: permanencia y funcionalidad del
régimen comunal agrario en España y Portugal. México DF: Ministerio de Agricultura,
Pesca y Alimentación, 1994.
HERRERA, P. M.; MAJADAS, J.; GARCÍA, J. La ganadería extensiva, una actividad
esencial para nuestra alimentación. Cuadernos Entretantos, Fundación Entretantos,
2018. Disponible en: https://www.researchgate.net/publication/335099686_La_
ganaderia_extensiva_una_actividad_esencial_en_nuestra_alimentacion. Acesso em: 15
nov. 2008.
HOLLOWAY, J. Agrietar el capitalismo: el hacer contra el trabajo. Buenos Aires,
Argentina: Herramientas, 2011.
JESSOP, R. “El Estado y el poder” (Estudios) o e State and Power. Utopía y Praxis
Latinoamericana. Revista Internacional de Filosofía Iberoamericana y Teoría Social,
Maracaibo, v. 19, n. 66, p. 19-35, 2014.
LATTUADA, M.; NOGUEIRA, M.; URCOLA, M. Tres décadas de desarrollo rural
en la Argentina: continuidades y rupturas de intervenciones públicas en contextos
cambiantes (1984-2014). Buenos Aires: Teseo, 2015.
OBSCHATKO, E.; FOTI, M.; ROMÁN, M. Los pequeños productores en la
República Argentina. Importancia en la producción agropecuaria y en el empleo en base
al CNA 2002. Serie Estudios e Investigaciones, n 10. Buenos Aires: Ed. IICA, 2007.
Disponible en: http://repiica.iica.int/docs/B0676e/B0676e.PDF. Acceso en: 15 nov.
2008.
ORGANIZACIÓN DE LAS NACIONES UNIDAS. El estado de la Seguridad
Alimentaria y Nutricional en el mundo: protegerse frente a la desaceleración y el
debilitamiento de la economía. Roma: FAO, 2019. Elaborado de manera conjunta entre
FAO, FIDA, OMS, PMA y UNICEF, 2019. Disponible en: http://www.fao.org/3/
ca5162es/ca5162es.pdf. Acceso en: 18 nov. 2019.
OSZLAK, O.; O’DONNELL, G. Estado y políticas estatales en América Latina: hacia
una estrategia de investigación. Redes, Buenos Aires, v. 2, n.4, p. 99-128, 1995.
PAZ, R. Las grietas del agrogenocio y los imperativos de la agricultura familiar: hacia
una perspectiva conceptual. Revista Latinoamericana de Estudios Rurales, La Plata,
v. 2, n. 3, p. 39-63, 2017. Disponible en: http:// www.ceil-conicet.gov.ar/ojs/index.php/
revistaalasru/article/view/194. Acceso en: 13 abr. 2018.
PAZ, R.; DE DIOS, R.; GUTIÉRREZ, M. Los núcleos de agricultores familiares
en Santiago del Estero: su cuantificación y análisis a partir de los datos del Registro
Nacional de Agricultura Familiar. Tucumán: Magna, 2014.
Educação do Campo, Soberania Alimentar e Agroecologia:
o papel das tecnologias sociais no fortalecimento das comunidades locais
| 199
PAZ, R.; JARA, C. E. Estructura agraria en Santiago del Estero: el proceso de
territorialización de las explotaciones campesinas sin límites definidos y su tensión frente
al avance del capitalismo agrario. Revista Estudios Rurales, Buenos Aires, v. 4, n. 6, p.
81-99, 2014. Disponible en: http://ppct.caicyt.gov.ar/index.php/estudios-rurales/article/
view/1910/4541. Acceso en: 25 jun. 2015.
PAZ, R.; JARA, C.; WALD, N. Tensions around Land Tenure in Argentinas Agrarian
Periphery: Scales and Multiple Temporalities of Capitalism in Santiago del Estero,
Argentina. Latin American Research Review, Cambridge, v.54, n.3, p.694-706, 2019.
Disponible en: https://larrlasa.org/articles/10.25222/larr.483/. Acceso en: 5 out. 2019.
PAZ, R.; RODRIGUEZ SPERAT, R.; JARA, C. E. Sistemas comunales y
explotaciones sin límites definidos: persistencia del campesinado en la Argentina.
Santiago del Estero: EDUNSE, 2018.
PERCÍNCULA, A.; JORGE, A.; CALVO, C.; MARIOTTI, D.; DOMÍNGUEZ,
D.; DE ESTADA, M.; CICCOLELLA, M.; BARBETTA, P.; SABATINO, P.;
ASTELARRA, S. La violencia rural en la Argentina de los agronegocios: crónicas de
invisibles del despojo. Revista NERA, n. 19, p. 8-23, jul./dic. 2011. Disponible en:
http://revista.fct.unesp.br/index.php/nera/article/view/1816/1742. Acceso en: 10 jan.
2017.
PLOEG, J.; MARSDEN, T. Unfolding webs: the dynamics of regional rural
development. e Netherlands: Royal van Gorcum, 2008.
POULANTZAS, N. O Estado, o poder, o socialismo. São Paulo: Paz e Terra, 2000.
RIAT, P. Conocimiento campesino, el monte santiagueño como recurso forrajero.
Revista Digital Trabajo y Sociedad, Santiago del Estero, n. 19, p. 477-491, 2012.
Disponible en: http://www.unse.edu.ar/trabajoysociedad/19%20RIAT%2monte%20
santiagueno%20recurso%20forrajero.pdf . Acceso en: 4 maio 2016.
TARTIÈRE, G. de R. La posesión: una clásica lección presentada «a la boloñesa».
Revista Jurídica de Asturias, Oviedo, n. 37, p. 129-168, 2014. Disponible en: https://
www.unioviedo.es/reunido/index.php/RJA/article/view/10350/9947. Acceso en: 19 mar
2016.
THWAITES REY, M. Después de la globalización neoliberal, ¿Qué Estado en América
Latina? OSAL, Buenos Aires, CLACSO, n.27, abril, 2010. Disponible en: http://
biblioteca.clacso.edu.ar/clacso/osal/20140310025634/05waites.pdf. Acceso en: 27
set. 2014.
TOLEDO, V. La agroecología en América Latina: tres revoluciones, una misma
trasformación. Agroecología, Murcia, v. 6, p. 37-46, 2012. Disponible en: https://
revistas.um.es/agroecologia/article/view/160651. Acceso en: 25 mar. 2018.
Silvia Aparecida de Sousa Fernandes; Bernardo Mançano Fernandes
Davis Gruber Sansolo (Orgs.)
200 |
VILLALBA, A. E.; GÓMEZ HERRERA, A. G.; PAZ, R. G. Comunalidades rurales
en reedición: encierros comunitarios y ganaderos en Santiago del Estero (Argentina).
Revista de Economia e Sociologia Rural, Brasília, DF, v. 58, n. 3, p. e219343, 2020.
| 201
C 
O    
    

Henrique Tahan Novaes
iNtrodução
Este capítulo aborda o avanço destrutivo do capital e os desafios
da agroecologia socialista. Na primeira parte debatemos a questão
socioambiental no Governo Bolsonaro. Procuramos mostrar que há
indícios fortes que o capital avança e vai avançar sua produção destrutiva
num ritmo mais acelerado.
Na segunda parte do capítulo abordamos o papel destrutivo das
corporações transnacionais, que nos levaram a uma situação de colapso
ambiental, à medida que as condições de existência da espécie humana
no planeta estão esgotadas. Observamos que a agroecologia já existe – em
gérmen – na forma de produção, consumo, educação e extensão, em grande
Silvia Aparecida de Sousa Fernandes; Bernardo Mançano Fernandes
Davis Gruber Sansolo (Orgs.)
202 |
medida puxadas pelos movimentos sociais do campo e dos povos da floresta.
No entanto, defendemos alguns desafios para o avanço da agroecologia
socialista, dentro de um contexto mais geral das lutas anticapital.
Acreditamos que a agroecologia socialista deve se distanciar
radicalmente dos fundamentos que movem o capital: mercado verde,
responsabilidade social empresarial, reprodução ampliada do capital, forma
de controle tecnocrática e propriedade privada da terra. Defendemos que
a agroecologia socialista coloca na ordem do dia a retomada do debate da
posse e uso da terra, a superexploração do trabalho, a desmercantilização
completa da vida, a utilização adequada dos recursos naturais, a propriedade
comunal e o autogoverno pelos produtores livremente associados.
o avaNço deStrutivo do Capital No goverNo bolSoNaro
1
Assistimos aterrorizados os crimes socioambientais que se
multiplicam no Brasil nos governos Temer-Bolsonaro. Num plano mais
amplo, para recordar apenas alguns fatos das últimas décadas: assassinato
de Chico Mendes e Doroty Stang, massacres de Corumbiara e Eldorado
dos Carajás, assassinatos de líderes das Ligas Camponesas do PCB e do
Nordeste, escalada de assassinatos de indígenas, quilombolas, sem terra
e posseiros, crimes das mineradoras em Bento Gonçalves e Brumadinho,
derramamento de óleo no Nordeste, incêndios planejados na Amazônia.
O capital, com suas técnicas de manipulação da mente, nos faz
lembrar a última fofoca de uma pessoa famosa, e esquecer rapidamente o
sentido geral desses crimes humanitários e ambientais. Também nos leva
a crer que o colapso socioambiental deve ser resolvido dentro dos marcos
da sociedade do capital, “pelos hábitos de consumo dos indivíduos”, sem
questionar o enorme poder das corporações transnacionais e do Estado na
destruição das condições de existência na terra.
Já temos evidências fortes que houve um golpe no Brasil em 2016.
Também existem evidências fortes que houve a prisão política de Lula. E
pasmem, a convocação de eleições “democráticas” em 2018, sendo que o
Esta seção do capítulo recupera um pequeno ensaio de mesmo nome escrito para o Blog Marxismo21.
Educação do Campo, Soberania Alimentar e Agroecologia:
o papel das tecnologias sociais no fortalecimento das comunidades locais
| 203
adversário principal e possível vencedor da eleição estava no cárcere. Ao
que tudo indica, mais do que prender Lula, foi “preso” um projeto político
do tipo “social-liberal”.
Nossas classes proprietárias aceitam tudo, menos a repetição de
um projeto de reformismo ao estilo Lula. Querem liberdade total para o
capital e o fim dos parcos direitos sociais duramente conquistados. Não é
por acaso que, aberta uma oportunidade histórica para o “impedimento
em 2016, veio então uma grande avalanche de reformas e destruições de
direitos: Pec do fim do mundo, reforma trabalhista, reforma da previdência,
mercantilização da educação e da saúde e uma possível desconstituição da
constituinte acenada recentemente pelo presidente do Senado.
o Novo ai-5 eStá
Nossa hipótese é que estamos diante de uma nova fase de uma longa
contrarrevolução permanente (Fernandes, 1986; Lima Filho, 2019). A 1ª
fase da contrarrevolução se deu de 1964 a 1985. Quando achávamos que
iríamos redemocratizar o país, nos deram um olé. As diretas já viraram
indiretas. A Globo elege Collor em 1989. Não há nenhum acerto de contas
com os militares e a contrarrevolução permanente ganha um novo impulso
com Fernando Henrique Cardoso. Passamos da ditadura empresarial
militar para a ditadura do capital financeiro. Lula declara a cana de açúcar
a “salvação da lavoura”, as empreiteiras passam a nadar de braçada, sem
deixar de lado os bancos.
A partir dos anos 1960 há uma grande reestruturação do campo.
Os militares chamam esse avanço destrutivo do capital de “nova fronteira
agrícola” e no caso da Amazônia, “Integrar para não entregar”. Octavio
Ianni (2019) no livro A ditadura do grande capital nos mostra o avanço
destrutivo do capital rumo a novas regiões e fronteiras. Mostra também o
surgimento de novas corporações no sul e sudeste (abate de porco, frango e
boi), além da instalação de grandes corporações transnacionais produtoras
de agrotóxicos, adubos sintéticos, tratores e implementos agrícolas. Novas
rodovias são criadas, portos, aeroportos, usinas hidrelétricas tendo em vista
Silvia Aparecida de Sousa Fernandes; Bernardo Mançano Fernandes
Davis Gruber Sansolo (Orgs.)
204 |
a criação das condições de produção do grande capital. Ele mostra também
a convivência de formas de trabalho “arcaicas” no campo (trabalho análogo
ao escravo) e o surgimento de um novo proletariado “rural”.
Essa reestruturação do campo não foi nada “doce”: ela aconteceu
à base de assassinatos de lideranças das Ligas Camponesas do PCB e das
Ligas Camponesas do Nordeste, fechamento de sindicatos rurais, roubo de
terras indígenas, tentativas de assassinatos, queima de roças, etc.
Os militares fizeram algumas políticas de colonização, mas não
fizeram obviamente a reforma agrária. No período de “redemocratização”,
chamado por Florestan de “institucionalização da ditadura”, nos governos
Collor, FHC e Lula, surgiram algumas políticas de criação de assentamentos,
em grande medida como pressão dos movimentos sociais do campo.
Chegamos então a Bolsonaro, o homem de neandertal (Lima Filho,
2019). Nem o melhor cientista político previa em janeiro de 2018 que
Bolsonaro iria ganhar. Na Argentina, um militar que elogia torturadores
não poderia ser eleito representante de bairro, muito menos vereador,
deputado ou senador. No Brasil, não só é eleito (repito, numa eleição
farsesca), mas se torna o grande representante do capital. Nas condições
normais de temperatura e pressão, tudo caminhava para o representante
sério, frio e ponderado do capital vencer a fajuta eleição de 2018. Do
ponto de vista social e ambiental já na campanha Bolsonaro acenou
para o agronegócio com uma agenda de endurecimento da repressão aos
movimentos sociais do campo, liberdade total para avançar em novas áreas.
Os índios não teriam um centímetro quadrado de terra e os quilombolas
foram comparados a bois, pesados em arrobas. Ruralistas declararam na
Agrishow de 2018 que “não sentiam firmeza” em Alckmin, que titubeava
em algumas demandas do agronegócio e rapidamente migraram seu apoio
ao homem de neandertal.
Já é possível afirmar que os crimes socioambientais ganham uma
nova intensidade e outro sentido no Governo Bolsonaro. O ano da posse
não começa nada bem. Mal Bolsonaro assume e já temos um crime de
grandes proporções. Em janeiro de 2019 ocorreu o crime de Brumadinho.
Mais de 220 Mortos, e mais uma vez um ecossistema completamente
Educação do Campo, Soberania Alimentar e Agroecologia:
o papel das tecnologias sociais no fortalecimento das comunidades locais
| 205
destruído. Se não bastasse o grande crime de Bento Gonçalves, alguns
poucos anos dali temos o crime de Brumadinho. Logo em seguida um
funcionário declarou que “O estado de Minas Gerais inteira deveria estar
inteiro em estado de alerta”.
Em novembro de 2018, a Câmara Estadual de Meio Ambiente de
Minas Gerais votou pela reabertura da barragem de Brumadinho, que
se encontrava desativada havia três anos. Poucos pareciam se lembrar da
tragédia de Mariana, ocorrida em 05 de novembro de 2015. E, por 7x1,
a Câmara liberou a barragem. Naquela ocasião, a única representante
da “sociedade civil”, que votou contra, declarou seu voto: “Isso beira à
insanidade”. Para nós, era a própria insanidade. Em Minas, no Mineirão,
com os mesmos 7x1, a Alemanha eliminou o Brasil da Copa do Mundo de
futebol masculino de 2014. Foi traumático, mas passou. Aquele placar de
7x1 que liberou a barragem anuncia outra tragédia, trouxe consequências
nefastas para o povo e para os ecossistemas (Novaes, 2017).
Queimadas planejadas na Amazônia, ausência de uma política efetiva
para conter o derramamento de petróleo Nordeste e liberdade total para
grileiros matarem e roubarem as terras dos povos da floresta, eis a política
ambiental e agrária do bolsonarismo. Seu ministro do Meio Ambiente é a
famosa “raposa que cuida do galinheiro”. Para quem não sabe, Ricardo Sales
era o Secretário da Sociedade Rural Brasileira (SRB), uma das instituições
da “sociedade civil” mais importantes do século XX. A agenda política e
ambiental da SRB certamente está muito longe da proteção ou utilização
adequada dos recursos naturais.
Nesse sentido, procurarmos observar em Novaes, Macedo e Castro
(2019) que o Brasil é um dos maiores palcos da nova fase da acumulação
primitiva”, baseada no cercamento de novas terras em regiões “virgens
do capital.
De acordo com o último censo agropecuário do Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística - IBGE (2019), o Brasil passou por mais um processo
de concentração fundiária nos últimos 10 anos. Além disso, acumulou mais
de um milhão de desempregados no campo e a venda de um milhão de
tratores. Problemas crônicos do Brasil como acesso a terra pelos camponeses,
Silvia Aparecida de Sousa Fernandes; Bernardo Mançano Fernandes
Davis Gruber Sansolo (Orgs.)
206 |
fome, subnutrição, exportação de commodities vão se perpetuando com
dramaticidade cada vez maior (Castro, 1980; Ziegler, 2013).
Diante disso, é possível dizer que há um processo de fascistização
no Brasil? No campo certamente sim. Acreditamos que o neofascismo no
século XXI não irá reproduzir os traços gerais do fascismo e do nazismo
europeus. Ele reproduz algumas tendências e inova em outras. Se cem anos
atrás Mussolini e Hitler representavam a forma específica de reprodução das
burguesias nacionais, em disputas ferozes pelo comando do mundo, aqui
no Brasil nunca teve e nunca haverá uma burguesia nacional. Teremos uma
espécie de neofascismo de capitalismo dependente, subordinado, mas que
necessita reprimir com todas as suas forças qualquer tentativa, mínima que
seja, de ameaça à ordem do capital financeiro. Muito longe de uma “ameaça
comunista”, mais uma vez evocada como em outros momentos históricos,
na verdade as classes proprietárias tem medo de um capitalismo com direitos
sociais, com reforma agrária e urbana, com salários dignos, habitação,
transporte, educação e saúde de qualidade, isso sim é uma ameaça à ordem e
ao progresso da acumulação. Isso é intolerável. As massas devem habitar nos
porões e jamais ter acesso a chave da verdadeiras decisões do que produzir,
como produzir, como trabalhar, em geral já tomadas pelo capital.
Eliane Brum (2019b) escreveu um importante texto no dia
27/11/2019 no Jornal El Pais. Ela observa que o AI-5 já está em voga, só
não vê quem não quer. Para ela, no artigo O AI-5 já se instala na Amazônia
(e nas periferias urbanas):
Desde o início de novembro há sinais de que o projeto autoritário
está aumentando de velocidade e de intensidade. O mês abriu com
a morte de um dos guardiões da floresta, Paulo Paulino Guajajara.
E está terminando com criminalização de uma das organizações
mais respeitadas, premiadas e amadas da Amazônia, o Saúde e
Alegria, que atua na bacia do Tapajós há décadas. Na terça-feira,
26 de novembro, a ONG teve seus documentos e computadores
apreendidos pela polícia civil, em Santarém. No mesmo dia,
quatro brigadistas voluntários da Brigada de Alter do Chão, criada
para combater os focos de incêndio na floresta em parceria com
o Corpo de Bombeiros, foram presos pela suspeita de que teriam
ateado o fogo que queimou uma área equivalente a 1.600 campos
Educação do Campo, Soberania Alimentar e Agroecologia:
o papel das tecnologias sociais no fortalecimento das comunidades locais
| 207
de futebol em setembro, na região de Santarém. Ser preso, mesmo
que a prisão se mostre abusiva, já cumpre o objetivo de quem quer
desmoralizar os agentes que combatem a destruição da floresta. O
estrago já está feito, especialmente sobre uma população assustada
e desinformada.
Em Washington, Guedes evoca o AI-5, autoridades e sociedade
reagem, redes sociais se enfogueiram. É preciso avisar que, na linha
de frente, o AI-5 já está e os mais frágeis estão resistindo quase
sozinhos. E perdendo. O principal projeto do bolsonarismo é a
abertura da Amazônia. A disputa desigual está sendo travada na
floresta e nas cidades que beiram a floresta. Quem vive e atua na
Amazônia já entendeu que pode ser preso sem motivo porque
o Estado é arbitrário e as provas são forjadas. É isso o que os
acontecimentos em Santarém estão mostrando. AS ONGs são
alvo porque, em um país precário como o Brasil, onde o Governo
decidiu não cumprir a lei e as instituições fraquejam, são elas que
estão fazendo uma barreira contra a destruição da floresta e dos
corpos dos povos da floresta. Ambientalistas brancos começaram
a ser presos. Os mortos continuam tendo o mesmo rosto: negros
e indígenas.
Enquanto tenta mudar a Constituição para abrir as áreas protegidas
da floresta amazônica, o bolsonarismo executa o projeto na prática
ao desproteger as áreas protegidas, enfraquecendo os órgãos de
fiscalização e fortalecendo os destruidores da floresta. Na Amazônia
basta deixar de fazer o pouco que se fazia e avisar aos amigos que
podem ficar à vontade porque não responderão pelo seus atos. É
o que faz o bolsonarismo enquanto a PM de alguns estados está
sendo preparada para virar uma milícia que toma suas próprias
decisões.
O resultado é tanto a explosão do desmatamento, que aumentou
30% entre agosto de 2018 e julho de 2019, quanto a ameaça e/
ou assassinato dos pequenos agricultores familiares e defensores
da floresta: indígenas, quilombolas e ribeirinhos. Quem vive na
Amazônia percebe claramente que a ofensiva aumentou desde
novembro. As ONGs estão entre os principais alvos a serem
eliminados. Em várias regiões do Pará, quem está clamando pela
“CPI das ONGs” são justamente notórios grileiros e madeireiros e
seus representantes. Enrolam-se em bandeiras do Brasil e evocam o
nacionalismo, mas o que querem é fincar um papel com o seu nome
Silvia Aparecida de Sousa Fernandes; Bernardo Mançano Fernandes
Davis Gruber Sansolo (Orgs.)
208 |
ou no nome de um de seus laranjas num pedaço da floresta
amazônica roubada da União ou dos estados. (Brum, 2019b)
2
.
Em outro artigo, Eliane Brum (2019a) destaca também o grande
crime socioambiental ocorrido com a construção da usina hidrelétrica de
Belo Monte. Novamente se repete aquilo que o Movimento dos Atingidos
por Barragens já denunciou em outros casos: “águas para a morte, e não
para a vida”.
A eliminação de membros de ONGs, indígenas, quilombolas,
posseiros provavelmente vai crescer à medida que o porte de armas criar
um ambiente tranquilo, para “proteger a propriedade”. Os excelentes
relatórios da Comissão Pastoral da Terra (CPT) nos mostram a escalada de
assassinatos, inclusive no lulismo. À medida que o capital avanço para a
novíssima fronteira agrícola: regiões do Pará, Maranhão, Tocantins e oeste
da Bahia, as taxas de assassinato e tentativas de assassinato de lideranças
aumentaram.
Devemos destacar também a militarização do INCRA, condenada
pelos movimentos sociais do campo com o lema “Incra não é quartel” [em
outubro de 2019 o presidente do Incra deixou de ser um militar].
Nesta esteira da barbárie no campo é preciso destacar também as
tentativas de eliminação e desqualificação de adversários nas instituições
públicas: ataques à ciência e aos cientistas, filtro ideológico de pesquisas
que abordam positivamente questões de gênero, movimentos sociais,
que estudam criticamente o papel dos militares e que abordam temas
considerados polêmicos para a garantia da “segurança nacional”.
Perseguição a movimentos sociais do campo, vigilância tecnológica
de lideranças e grande produção de contrainformação/desinformação para
o povão também fazem parte da estratégia neofascista.
O clima de ódio a todos que lutam por direitos negados pelo capital
culminou na morte do senhor Luís Ferreira da Costa numa passeata
Ver também a parte sobre o Brasil no excelente livro de Luiz Marques (2015) Capitalismo e colapso ambiental
e o artigo de Marques (2019) Bolsonaro, o ecocida.
Educação do Campo, Soberania Alimentar e Agroecologia:
o papel das tecnologias sociais no fortalecimento das comunidades locais
| 209
pacífica no Assentamento Marielle Vive, em Valinhos-SP. Na ocasião, os
manifestantes lutavam pelo direito a água na ocupação.
É preciso lembrar também que Temer, logo quando assume, destrói
imediatamente o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), uma política
de compras públicas que vinha tendo um impacto positivo significativo
para os camponeses. No governo Bolsonaro o estrangulamento da política
se mantém.
Nessa esteira, o Ministério do Desenvolvimento Agrário, o
Conselho de Segurança Alimentar e outros órgãos do Estado são fechados,
diminuindo o poder das entidades dos trabalhadores em tentar influir,
ainda que minimamente, na política de agrária e de produção de alimentos.
Como bom estrategista das classes proprietárias, Temer praticamente
destrói o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera),
conquistado a duras penas pelos movimentos sociais do campo ainda no
governo FHC. O Pronera, como já se sabe, contribui para a erradicação
do analfabetismo no campo, criou cursos técnicos de agroecologia, cursos
superiores de pedagogia, história, geografia, veterinária, agronomia,
especializações e até mestrados (Novaes et al., 2017). Essa ação, combinada
com outras que destroem nosso frágil sistema educacional estatal, sinaliza
mais uma vez que às classes proprietárias brasileiras só interessa: a) a
manutenção do povão na mais absoluta ignorância, com a multiplicação
do analfabetismo e do analfabetismo funcional; b) a mercantilização
completa da educação e c) algumas poucas políticas de qualificação para as
raras regiões onde há indústria ou alguma demanda de formação de força
de trabalho.
CorporaçõeS traNSNaCioNaiS, ColapSo ambieNtal e deSafioS da
agroeCologia SoCialiSta
Surgiam, na virada do século XIX para o século XX, grandes
corporações capitalistas, como nos mostrou Lenin (2003), em Imperialismo,
fase superior do capitalismo. Não estamos mais diante do capitalismo
concorrencial analisado por Karl Marx em O Capital. A ascensão das
Silvia Aparecida de Sousa Fernandes; Bernardo Mançano Fernandes
Davis Gruber Sansolo (Orgs.)
210 |
gigantes corporações capitalistas monopolistas e oligopolistas, no século
XX, produziu guerras mundiais e crises de superprodução, lançou seus
tentáculos em todas as dimensões da vida com seus novos produtos no
mercado, com suas novas formas de gerir a força de trabalho e a criação
de novas tecnologias. Apresentam-se juridicamente como impessoais,
mas têm por trás bilionários fundos de pensão, gestores que buscam a
incessante autovalorização do capital e, logo, não hesitam em promover
guerras, derrubar governos, assassinar lideranças de movimentos sociais,
roubar terras e provocar inúmeros crimes socioambientais.
Desde os anos 1960, dentro do projeto de expansão rumo à América
Latina, à China e de destruição do Estado de bem-estar social na Europa,
houve nova investida das corporações capitalistas transnacionais. Por
meio do desenvolvimento tecnológico, que gerou novos produtos e novos
processos de trabalho, com pesquisas científicas para manipular a mente
humana para o consumo e aumentar o engajamento dos trabalhadores
no chão de fábrica, as corporações transnacionais, que Ziegler (2013)
chamada de “tubarões tigre” passaram a ter um verdadeiro sistema de
controle social, uma espécie de Big Brother Corporativo em paralelo aos
sistemas de informação dos Estados nacionais.
As “corporações-monstro” (Mészáros, 2004) estão cada vez mais
livres para avançar na mercantilização da vida, no domínio de territórios
e na livre circulação das suas ações nas bolsas de valores. Nos relatórios
da ONU se fala em “administração da pobreza” e não mais “superação
da pobreza” ou em “estratégias de desenvolvimento”. Com o avanço das
políticas neoliberais baseadas na privatização direta e indireta de serviços
públicos, isto é, o Estado mínimo para os trabalhadores e máximo para
o capital financeiro, a barbárie só ganhará mais combustível: teremos o
surgimento de mais e mais favelas, o aumento das taxas de desemprego e
subemprego, destruição da vida dos servidores públicos, guerras de baixa
intensidade, ressurgimento do fascismo, dentre outros
3
.
Corporações capitalistas de altíssimo calibre das indústrias
de agrotóxicos, transgênicos, tratores e implementos agrícolas e na
Ver Ziegler (2013), Mike Davis (2007), Netto (2008) e Lima Filho, Novaes e Macedo (2017).
Educação do Campo, Soberania Alimentar e Agroecologia:
o papel das tecnologias sociais no fortalecimento das comunidades locais
| 211
comercialização de commodities, produzem inúmeros danos para a classe
trabalhadora, como roubo de terras, envenenamento dos produtores
e consumidores, aumento das alergias, endividamento de pequenos e
médios produtores etc. Ainda assim, se apresentam como empresas com
responsabilidade social. Na página de uma dessas corporações lemos que
ela é produtora de “defensivos agrícolas” e que contribui para “matar a
fome da humanidade”.
Ora, em Minas Gerais, a Vale, co-proprietária da Samarco, gerou
uma verdadeira irresponsabilidade social empresarial em 2015, com o
rompimento da barragem em Mariana. Naquele mesmo ano, as corporações
promoveram outra irresponsabilidade no Brasil, jogando 2 milhões de
trabalhadores/as no desemprego.
Em outro plano, as consequências da revolução verde foram narradas
por pesquisadores, documentaristas, cientistas, intelectuais orgânicos de
movimentos sociais, dentre outros. Ziegler (2013), no livro Destruição
em massa – a nova geopolítica da fome, nos mostra o irracionalismo da
produção de commodities, isto é, a produção voltada para acumulação de
capital e todas as consequências que o modo de produção capitalista traz
para a humanidade. Rogério Macedo (2015), num profundo diálogo com
Ziegler, observa que está havendo a “destruição da força de trabalho” e isso
tem nome: catástrofe humanitária. Para ele:
O fenômeno possui duas dimensões: uma sistêmica e uma
específica. A primeira diz respeito à conversão de todo o sistema
do capital em máquina de destruição em massa, pela subtração das
condições mínimas de reprodução da classe trabalhadora global,
processo regido pela clássica lei absoluta geral da acumulação
capitalista. A essa dimensão, denomina-se complexo sistêmico
destrutivo dos trabalhadores: em tudo agravado pela presença
determinante da crise estrutural. A segunda dimensão consiste em
parcela pontual do supracitado complexo (igualmente regida pela
lei geral da acumulação) que é a responsável imediata pelo bloqueio
das positividades envolvidas com o crescimento da produção
e comercialização de alimentos. A ela, dar-se-á a denominação
complexo da fome e da degradação dos hábitos alimentares.
Portanto, são duas dimensões mutuamente determinadas, uma
Silvia Aparecida de Sousa Fernandes; Bernardo Mançano Fernandes
Davis Gruber Sansolo (Orgs.)
212 |
contida dentro da outra: todas profundamente destrutivas,
determinadas pela crise estrutural, levada a tal pela mundialização
do capital.
Esquematicamente, pode-se dizer: a destruição em massa da força
de trabalho é a consequência; o referido complexo da fome e da
degradação dos hábitos alimentares é parcela do sistema do capital;
seus mecanismos são as epidemias da fome e a degradação dos
hábitos alimentares. (Macedo, 2015, p. 311-312).
A barbárie promovida pelo capital financeiro tem trazido consequências
nefastas para a classe trabalhadora no mundo inteiro. Saqueamento dos
fundos públicos, expropriação de casas como na crise de 2008, destruição
parcial ou completa do Estado de Bem-estar social na Europa e dos poucos
direitos constitucionais no “Estado de mal estar social” na América Latina.
Aumento do custo de vida da classe trabalhadora, fim da aposentadoria
digna, destruição dos sistemas educacionais e de saúde públicos, enfim, a
destruição das condições de reprodução social sob o capitalismo.
A voracidade do capital mundializado, com seu “senado virtual” que
decide a alocação dos capitais, não respeita decisões populares, passa por
cima dos parlamentos e promove golpes em todos os cantos do mundo.
Para citar apenas o caso da América Latina, vimos nos últimos anos prisões
políticas de presidentes, impedimentos irregulares e mais recentemente
massacres nas rebeliões populares do Equador, Chile, Bolívia, Honduras e
Haiti, mostrando toda a crueldade das classes proprietárias.
O capital fictício além de cobrar dos parlamentos a liberdade total
para a sua reprodução, destruindo direitos duramente conquistados pela
classe trabalhadora, também promove uma ampla manipulação ideológica
e o estímulo a processos de fascistização, através das técnicas de guerra
híbrida e terrorismo tecnológico.
A produção destrutiva das grandes corporações transnacionais
(bancos, seguradoras, mineradoras, empreiteiras, automobilísticas,
complexo militar, etc.), alicerçada na reprodução ampliada do capital e na
obsolescência programada das mercadorias, gera crimes socioambientais
Educação do Campo, Soberania Alimentar e Agroecologia:
o papel das tecnologias sociais no fortalecimento das comunidades locais
| 213
de grande envergadura, como vimos acima, criam cidades insuportáveis,
roubam terras e outros recursos estratégicos à nova geopolítica mundial.
Além disso, o imperialismo gera guerras de média e baixa intensidade que
matam em escala inédita e sem nenhum pudor.
No mundo do trabalho, base de toda produção de valor, combinam-
se formas tayloristas-fordistas com as formas do regime de acumulação
flexível e, mais recentemente, uberização e outras formas de trabalho
análogas à escravidão. Diante disso, superexploração do trabalho,
subemprego e desemprego em massa passam a fazer parte da dramática
realidade das nações.
Mas a classe trabalhadora não está assistindo de camarote à
ofensiva do capital. Uma bandeira, dentre as milhares delas presentes nas
manifestantes no Chile, dizia: “Aqui nasceu o neoliberalismo e aqui ele será
enterrado”. Se essas bandeiras avançarão para ações anticapital mais amplas,
que contestam o modo de produção, ainda não é possível saber, em que
pese estar inserida em forte processo de reação contra o neoliberalismo.
deSafioS da agroeCologia SoCialiSta
Mészáros (2002) acredita que devemos caminhar não só para além
do modelo neoliberal, mas para além do capital. É urgente a construção
de um programa de transição no século XXI e a criação de ações práticas
imediatas e coordenadas que apontem para uma “alternativa radical e
abrangente” ao sociometabolismo do capital.
Michel Lowy (2021) tem defendido o uso dos termos ecossocialismo
e ecocomunismo. Em Novaes et al. (2017) conceituamos a agroecologia
defendida pela negação e pela afirmação. Pela negação ela se distancia
radicalmente das ações do capital e seu “mercado verde”, inclusive
impulsionado pelas grandes corporações transnacionais, portanto tem
que ser necessariamente ecossocialista. Ela se distancia do ecocapitalismo,
que tende a ignorar a questão agrária e a estimular ações no campo da
responsabilidade social empresarial”. Se distancia das cooperativas
Silvia Aparecida de Sousa Fernandes; Bernardo Mançano Fernandes
Davis Gruber Sansolo (Orgs.)
214 |
capitalistas, que se movem em função da reprodução ampliada do capital
(Novaes; Mazin; Santos, 2015).
Ao mesmo tempo, a agroecologia socialista coloca na ordem do
dia a retomada do debate e das práticas vinculadas à questão agrária.
Acreditamos que é necessária uma crítica implacável à posse e uso da terra
no Brasil, gravadas a ferro e fogo pelo latifúndio e pela superexploração do
trabalho, além da produção de commodities para o mercado externo. Este
circuito de produção de mercadorias gera fome e subnutrição num país
rico em terras e sol. Os quatro séculos de latifúndio não comandam apenas
a inserção econômica dependente e associada da nossa burguesia, mas o
comando político do nosso subsistema econômico ao sistema capitalista
mundializado (Ianni, 2019).
Novaes, Mazin e Santos (2015) criticam a industrialização da
agricultura, que além de criar um vasto negócio para o capital financeiro,
coloca o Estado a serviço da criação das condições gerais de produção
e reprodução do agronegócio, cria um grande mercado de agrotóxicos,
adubos sintéticos, tratores, implementos agrícolas e sementes transgênicas.
Além disso, subordina os camponeses, que são tragados pelo canto da sereia
da “revolução verde”, e acabam endividados, trabalhando para o banco.
Demos aos capitalistas a chance de alimentar o povo por 500
anos. Ao que tudo indica, como nos mostra Marx, o alimento produzido
é veículo de alimentação do capital, para engordar o capital financeiro.
Chegou a nossa vez, chegou a hora da classe trabalhadora tomar as rédeas
da produção, comercialização e consumo de alimentos tendo em vista a
produção de valores de uso.
Nesse sentido, a alimentação da classe trabalhadora do mundo inteiro
tornou-se um ato revolucionário. Para isso, será necessária a construção de
uma revolução mundial, para além do capital, que unifique as lutas de
todos os povos, e dentro dessa revolução, uma revolução alimentar, para
produzir alimentos saudáveis e agroecológicos não só – como atualmente -
para as classes médias e algumas pequenas parcelas da classe trabalhadora,
mas para a classe trabalhadora de todos os cantos da terra.
Educação do Campo, Soberania Alimentar e Agroecologia:
o papel das tecnologias sociais no fortalecimento das comunidades locais
| 215
No livro Mundo do trabalho associado e embriões de educação para
além do capital (Novaes et al., 2017) retratamos as lutas de resistência
das trabalhadoras e trabalhadores camponeses, o prenúncio de formas
alternativas de trabalho, educação e de vida, na cidade e no campo, que
poderão desembocar numa sociedade para além do capital. Surgidas das
entranhas do sociometabolismo do capital, as novas formas de produção e
de vida tem um enorme potencial emancipatório. Elas podem avançar, mas
também podem rapidamente se esgotar, caso os trabalhadores do mundo
inteiro não saiam da defensiva.
Intelectuais marxistas têm se preocupado cada vez mais com os
crimes socioambientais. Destacamos, dentre outros, os estudos como o
de John Bellamy Foster (2005), com o livro A ecologia em Marx; István
Mészáros (2002), em Para além do capital; Joel Kovel e Michael Löwy
(2002) com o Manifesto ecossocialista internacional; Elmar Altvater (2007),
Existe um marxismo ecológico?; Michael Löwy (2003) Ecologia e socialismo;
e, do mesmo autor, Löwy (2018), Mensagem ecológica ao camarada Marx,
além de Burkett (2014) Marx and Nature: a red and green perspective.
No campo da agroecologia, de vertente marxista, é possível destacar
os estudos de elmely Torres Rego (2016) Formação em agroecologia;
Dominique Guhur (2015) Questão ambiental e agroecologia; Wilon Mazalla
Neto (2014) Agroecologia e Movimentos Sociais; Henrique Novaes, Diogo
Mazin e Lais Santos (2015), Questão agrária, cooperação e agroecologia;
Henrique Tahan Novaes et al. (2017), Mundo do trabalho associado e
embriões de educação para além do capital; Sevilla Guzman e Molina (2011)
Sobre a evolução do conceito de campesinato.
Fora dele, mas em diálogo com o marxismo, é possível destacar os
estudos de Machado e Machado Filho (2013) A dialética da agroecologia;
Ignacy Sachs (1986), Espaços, tempos e estratégias de desenvolvimento; Ana
Primavesi (1986) Agricultura sustentável; Paulo Petersen, José Maria Tardin
e Franscisco Marochi (2002) Tradição (agri)cultural e inovação agroecológica;
Jan der Ploeg (2008) Camponeses e impérios alimentares; Jean Ziegler (2003)
Destruição em massa etc., que trazem contribuições fundamentais para as
lutas “ambientais”.
Silvia Aparecida de Sousa Fernandes; Bernardo Mançano Fernandes
Davis Gruber Sansolo (Orgs.)
216 |
O estudo rigoroso de Luís Marques (2015) Capitalismo e colapso
ambiental é um dos mais importantes dos últimos tempos, em nível
internacional. O autor recupera a ascensão das corporações transnacionais
no século XX e realiza um estudo minucioso em vários “campos”. Se é
verdade que o “prognóstico” é insuficiente, por não ter uma teoria da
emancipação do trabalho, o “diagnóstico” é compensando com uma ampla
e exaustiva teoria do colapso ambiental.
Os autores brasileiros observam que é preciso colocar a questão
socioambiental em perspectiva histórica. Os movimentos sociais dos
anos 1930-1960 foram destroçados pela ditadura de 1964-1985. Na
segunda metade dos anos 1970 surgiram inúmeras lutas puxadas pelos
trabalhadores. Eclodiram em todos os cantos do país lutas contra a fome,
por habitação, emprego, melhores salários, melhores condições de trabalho
para o funcionalismo público, lutas dos bancários, lutas por terra e teto,
por creches, por saneamento básico, lutas por educação e democratização
da escola pública, lutas dos atingidos por barragens etc.
4
.
No fim das contas, o capital saiu vitorioso com a sua “transição
gradual, lenta e segura”. Os trabalhadores não conseguiram garantir eleições
diretas e o capital esteve no controle da transição, a ponto de Florestan
Fernandes (1986) se perguntar se estávamos mesmo entrando na fase da
“Nova República
5
. No que se refere às lutas contra a revolução verde, esta
“[...] criou corporações-monstro, como a Monsanto, que estabeleceram
de tal forma seu poder em todo o mundo, que será necessária uma grande
ação popular voltada às raízes do problema para erradicá-lo.” (Mészáros,
2004). Ainda estamos muito longe de uma grande ação popular voltada
a este propósito. Quem concebe e implementa a agenda ambiental são
as corporações transnacionais. Para exemplificar, não bastasse a produção
tradicional” de mercadorias, agora as corporações transnacionais do
agronegócio têm um setor “verde”, que poderíamos chamar de “mercadorias
verdes”. As corporações capitalistas perceberam este novo mercado e se
adequaram às bandeiras “ambientalmente sustentáveis”. Como tudo na
sociedade se transforma em mercadoria, a agenda “verde” atraiu as classes
Ver, por exemplo, Sader (1988); Dal Ri e Vieitez (2004)
Ver também Netto (2013), Sampaio Júnior (2013), Deo (2014).
Educação do Campo, Soberania Alimentar e Agroecologia:
o papel das tecnologias sociais no fortalecimento das comunidades locais
| 217
médias e uma parcela da população, em alguma medida consciente dos
riscos do pacote da revolução verde
6
.
Na sociedade capitalista do século XXI, é plenamente possível
e coerente para a classe média proteger seu corpo “individualmente”,
comprando produtos orgânicos, votar em candidatos fascistas, condenar os
direitos sociais e sair às ruas de verde amarelo. Na outra ponta da sociedade,
os movimentos sociais estão promovendo denúncias e ações que, na nossa
interpretação, possuem um potencial anticapital. Elas podem nos ajudar
a construir uma sociedade para além do capital, dentro de uma “grande
ação popular voltada às raízes do problema para erradicá-lo” (Mészáros,
2004). Como herdeiro de Marx, o autor húngaro observa que a questão
fundamental no século XXI continua sendo a emancipação do trabalho.
No entanto, a obra do autor nos fornece pistas importantes que foram
subestimadas no século XX, como a articulação da emancipação do
trabalho com a igualdade substantiva, a questão ambiental, a questão de
gênero, o internacionalismo das lutas, dentre outras.
Procuramos mostrar em outro estudo (Novaes, 2018) que o MST
incorporou a agenda agroecológica nos anos 2000. Para nós, esta agenda é
composta de algumas dimensões que tem potencial anticapital, das quais
destacamos: a) a soberania alimentar; b) a reforma agrária popular, c) a
denúncia do pacote da “revolução verde” e a busca de soluções práticas
agroecológicas nos assentamentos; d) questões de gênero, e) o trabalho
associado, f) a comercialização popular; g) a modificação da agenda de
pesquisa, ensino e extensão das instituições públicas, a criação de escolas
próprias, assistência técnica alternativa, cursos de formação tecnopolítica
7
,
dentre outras.
Para os limites da bandeira do “consumo responsável”, ver o livro organizado por Novaes, Mazin e Santos
(2015). Cabe lembrar também que as teorias dominantes sobre a questão ambiental têm colocado a “culpa
da destruição ambiental nos indivíduos, sem colocar evidentemente o holofote no principal determinante
da produção destrutiva: as corporações capitalistas.
No que se refere aos cursos de formação tecnopolítica em agroecologia, estamos ajudando os movimentos
sociais do campo através dos cursos técnicos em agroecologia e curso técnico integrado ao médio [em
andamento], fruto da parceria UNESP-Centro Paula Souza-PRONERA-Movimentos Sociais do Campo.
Além disso, realizamos o Mini Curso Itinerante “Questão agrária, cooperação e agroecologia”, que vai para a
sua 8ª Edição.
Silvia Aparecida de Sousa Fernandes; Bernardo Mançano Fernandes
Davis Gruber Sansolo (Orgs.)
218 |
Certamente a agroecologia não irá avançar sem a conquista da
terra. Sem uma ampla reforma agrária, infelizmente não há agroecologia.
Sem a superação do trabalho explorado-alienado, não há agroecologia.
Sem o avanço do feminismo, não há agroecologia
8
. Sem uma completa
desmercantilização da sociedade e sem soberania alimentar, não há
agroecologia. A conquista dos meios de produção tornou-se tarefa vital no
século XXI.
Mais que isso, a conquista e o controle dos meios de produção pelos
trabalhadores tendo em vista a construção de uma sociedade governada
pelos produtores livremente associados, totalmente desmercantilizada,
também é tarefa fundamental na agenda de lutas no século XXI.
O MST tem defendido uma Reforma Agrária Popular. Tudo leva
a crer que as classes proprietárias brasileiras não aceitarão uma reforma
agrária, muito menos uma reforma agrária de caráter popular. Como um
grande produtor de riqueza e de miséria, o Brasil tornou-se um dos maiores
celeiros da humanidade, mas também um dos maiores celeiros de miséria.
As marcas da matriz colonial baseada no latifúndio, da produção voltada
para o exterior e do trabalho escravo estão “gravadas” no país até hoje, onde
produz-se milho para porcos e frangos, mas não tem milho para alimentar
os filhos da classe trabalhadora
9
.
Segundo David Harvey (2004) e Walter Gonçalves et al. (2016), o
Brasil é um dos palcos centrais da “acumulação por espoliação”. Roubo de
terras públicas, cercamento ilegal de terras, roubo de terras de posseiros,
pequenos produtores, faxinalenses, etc. tornaram-se mais comuns do que
imaginamos. A soberania alimentar, isto é, a luta contra a produção e a
exportação de commodities ganha um papel primordial na medida em
que está em jogo a alimentação adequada dos seres humanos, e não a
alimentação dos lucros do capital”. E, ao que tudo indica, nesta nova
fase do capitalismo surgirão inúmeras lutas contra o fechamento de
escolas, lutas por terra e teto, por habitação, transporte público barato
e de qualidade, acesso a universidade pública, saúde pública. As parcas
Para este debate, ver Pinassi e Mafort (2012).
Para este debate, ver Prado Júnior (2002), Sampaio Júnior (2013), Macedo (2015) e Deo (2017).
Educação do Campo, Soberania Alimentar e Agroecologia:
o papel das tecnologias sociais no fortalecimento das comunidades locais
| 219
conquistas republicanas duramente arrancadas pelos trabalhadores estão
sendo destruídas, numa espécie de “desproclamação da república”.
Diante deste contexto de ofensiva do capital e destruição de tudo
o que é público, qual é o potencial anticapital da questão ambiental e o
desafio para os movimentos sociais?
No caso brasileiro, o primeiro de todos é reestabelecer a democracia
e acabar com o golpe institucional o mais rápido possível. Além disso, fazer
avançar as lutas anticapital. Aparentemente, lutar contra o fechamento
de escolas, contra a destruição da saúde pública, lutar por terra, moradia
e melhores salários/direitos trabalhistas são lutas “reformistas”. Mas, no
contexto de ofensiva do capital, elas adquirem radicalidade, por mais
difícil que isso possa parecer. Porém, contraditoriamente, acreditamos
que as lutas precisarão avançar rumo a bandeiras e ações anticapital mais
precisas: autogestão, cooperação, desmercantilização, ecossocialismo,
terra de trabalho (e não terra de negócios), soberania alimentar, igualdade
substantiva, educação para além do capital (Novaes et al., 2017).
Lutas pelo definhamento do Estado capitalista e sua burocracia, lutas
pela desmercantilização completa da produção e da vida, lutas de cunho
ecossocialista, lutas em defesa da propriedade comunal são bons exemplos
do que estamos teorizando. Sem elas dificilmente caminharemos rumo a
uma revolução na América Latina.
Na falta dessas bandeiras, as classes proprietárias poderão até ceder
aqui ou ali, mas a essência do sociometabolismo do capital estará preservada.
Sem estas pautas, a luta pela terra irá se tornar agricultura familiar na
forma de “agronegocinho”, a luta por teto irá se tornar no máximo um
puxadinho” do programa governamental Minha Casa, Minha Vida, sob
o comando das corporações, e a luta pela agroecologia permanecerá no
terreno do “consumo responsável” e assim por diante.
Como adverte Mészáros (2008), tais lutas também não poderão ficar
no terreno eleitoral. Elas devem ter como base as lutas extraparlamentares:
Silvia Aparecida de Sousa Fernandes; Bernardo Mançano Fernandes
Davis Gruber Sansolo (Orgs.)
220 |
[...] a força extraparlamentar original e potencialmente alternativa
do trabalho transformou-se, na organização parlamentar,
permanentemente desfavorecida. Embora esse curso de
desenvolvimento pudesse ser explicado pelas fraquezas óbvias
do trabalho organizado em seu início, argumentar e justificar
desse modo o que havia realmente acontecido, nas atuais
circunstâncias, é apenas mais um argumento a favor do beco sem
saída da socialdemocracia parlamentar. Pois a alternativa radical de
fortalecimento da classe trabalhadora para se organizar e se afirmar
fora do Parlamento – por oposição à estratégia derrotista seguida
ao longo de muitas décadas até a perda completa de direitos da
classe trabalhadora em nome do “ganhar força” – não pode ser
abandonada tão facilmente, como se uma alternativa de fato radical
fosse a priori uma impossibilidade. (Mészáros, 2008, p. 18).
Para nós, a luta anticapital no século XXI será sinônimo de luta
pela emancipação do trabalho. A diferença parece ser que se nos séculos
XIX e XX as lutas contra a exploração tendiam a estar apartadas das lutas
específicas”, e no século XXI a luta contra a exploração deverá estar
em plena articulação com questões ambientais, de gênero, etnia, etc. A
luta centrada no parlamento, como mostrou Mészáros (2008) nas linhas
acima, torna-se limitada. O retorno ao trabalho de base para construir a
revolução, a construção da estética anticapital, sempre tendo em vista a
superação do trabalho alienado e sua forma de política correspondente,
também alienada, serão desafiadoras nos próximos anos. Não é possível
parir uma revolução sem construí-la.
Ao que tudo indica, as lutas na América Latina não comportam o
gradualismo e o reformismo típicos dos partidos de esquerda das últimas
décadas. Não é possível se aliar, não é mais possível conciliar as classes, se
aliar ao capital. Vimos o desfecho do lulismo: com o aprofundamento da
crise econômica, a aristocracia operária foi “ejetada” do Governo, num
perfeito golpe parlamentar-jurídico. Evidentemente que uma revolução
necessita de uma teoria revolucionária adequada para o século XXI e
adequada para as especificidades da América Latina
10
.
10
Para este debate, ver Iasi, Figueiredo e Neves (2018).
Educação do Campo, Soberania Alimentar e Agroecologia:
o papel das tecnologias sociais no fortalecimento das comunidades locais
| 221
Sendo assim, o avanço da conquista da terra na América Latina pelos
camponeses, indígenas, quilombolas e trabalhadores rurais somente se dará
dentro de um quadro revolucionário. Na falta dela, a agenda agroecológica
dos movimentos sociais irá avançar a passos lentos, muito provavelmente
na forma de um neocapitalismo tolerável pelas classes dominantes, na
forma de um agronegócio “verde” ou talvez de uma tímida política de
criação de assentamentos isolados
11
. O avanço da agroecologia dentro de
uma estratégia ecocomunista e autogestionária depende da luta política,
ou melhor, do avanço das lutas anticapital dos movimentos sociais e da
formação da consciência revolucionária.
Na América Latina, o sujeito revolucionário é múltiplo e complexo.
Boa parte da nossa classe trabalhadora nunca pisou numa fábrica e num
sindicato. Vive na informalidade, sem vender diretamente sua força de
trabalho a um patrão. A construção da unidade das lutas dos indígenas,
quilombolas, camponeses e camponesas, trabalhadores rurais, da classe
trabalhadora urbana assalariada, formal e informal, e da nova classe
trabalhadora terceirizada, não será nada fácil, mas é imprescindível.
Construir essa unidade é tarefa urgente diante do colapso ambiental e das
armas de destruição em massa de trabalhadores: fome, miséria, guerras
preventivas, desemprego, subemprego, multiplicação das favelas, etc (Lima
Filho, 2018). A ascensão do movimento indígena na Bolívia, no Equador
e no México também não pode ser desprezada. No Brasil, o processo
de avanço da nova fronteira agrícola pelo agronegócio está levando ao
surgimento de novas lutas dos índios, quilombolas, posseiros, sem terra,
etc.
12
(Comissão Pastoral da Terra, 2017).
Com a degradação dos serviços públicos nos últimos anos na
América Latina, “novos personagens entraram na cena” das lutas
urbanas: trabalhadores docentes do ensino médio, do ensino superior e
11
Na América Latina como um todo, eclodiram inúmeras lutas por terra, habitação, água, saneamento
básico, saúde, educação, controle dos recursos naturais, dentre outras. Em geral, estas lutas “estacionaram
em demandas pontuais, especialmente porque a ofensiva do capital não permitiu aos trabalhadores a sua
ultrapassagem. Ao contrário, tendeu a jogar os trabalhadores como um todo na miséria ou na defensiva.
Mas também é preciso destacar que nos falta uma teoria adequada da transição ao comunismo na região.
12
Segundo o Relatório da CPT (2017), de 2010 a 2016 o avanço do agronegócio fez dobrar o número de
assassinatos no campo, passando de cerca de 30 para 61. Se incluirmos as tentativas de assassinato, os
números são estarrecedores. Isso para não falar do trabalho análogo ao escravo em pleno século XXI.
Silvia Aparecida de Sousa Fernandes; Bernardo Mançano Fernandes
Davis Gruber Sansolo (Orgs.)
222 |
fundamental reagiram à precarização do trabalho docente, servidores da
saúde, assistência social, dentre inúmeros outros que passaram a entrar na
lista dos lutadores do século XXI e, portanto, poderão construir a nossa
revolução. No entanto, a última década também nos mostrou que a falta
de uma proposta para além do capital por parte dos partidos da conciliação
levou boa parcela dos trabalhadores informais, formais e do funcionalismo
público a aderir à agenda neofascista.
Por sua vez, surgiram nos últimos meses rebeliões populares no
Equador e Chile que tiveram como estopim o aumento do preço dos
transportes, repetindo o que aconteceu no Brasil em 2013. Estas rebeliões
indicam uma imensa insatisfação com as políticas neoliberais, que elevaram
o custo de vida da classe trabalhadora e uma piora qualitativa da vida. Se
estas rebeliões poderão avançar rumo a ações anticapital que permeiem
a questão socioambiental, só as cenas dos próximos capítulos da história
poderão responder.
referêNCiaS
ALTVATER, E. Existe um marxismo ecológico? In: BORÓN, A. (org.). A teoria
marxista hoje. São Paulo: Expressão Popular; Clacso, 2007. p. 360-385.
BRUM, E. Lula livre, sim, mas sem fraudar a história. El Pais, Madrid, 24 out. 2019a.
BRUM, E. O AI-5 já se instala na Amazônia (e nas periferias urbanas). El Pais, Madrid,
27 nov. 2019b.
BURKETT, P. Marx and nature: a red and green perspective. Chicago: Haymarket, 2014.
CASTRO, J. Geografia da fome: (o dilema brasileiro: pão ou aço). 10. ed. Rio de
Janeiro: Antares Achiamé, 1980.
COMISSÃO PASTORAL DA TERRA. Conflitos no campo: 2017. Goiânia, 2017.
DAL RI, N.M.; VIEITZ, C.G. A educação do Movimento dos SemTerra. Revista
Brasileira de Educação, São Paulo, n. 26, 2004.
DAVIS, M. Planeta favela. São Paulo: Boitempo, 2007.
DEO, A. Autocracia burguesa e questão agrária no Brasil. In: PIRES, J. H. et al. (org.).
Questão agrária, cooperação e agroecologia. Uberlândia: Navegando, 2017. v. 3. p.
23-45.
Educação do Campo, Soberania Alimentar e Agroecologia:
o papel das tecnologias sociais no fortalecimento das comunidades locais
| 223
DEO, A. Uma transição à long term: a institucionalização da autocracia burguesa
no Brasil. In: PINHEIRO, M (org.). Ditadura: o que resta da transição. São Paulo:
Boitempo, 2014. p. 24-32.
FERNANDES, F. Nova República? São Paulo: Zahar, 1986.
FOSTER, J. B. A ecologia em Marx. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005.
GONÇALVES, W. P. et al. Conflitos no campo 2015. Goiânia: CPT, 2016.
GUHUR, D. Questão ambiental e agroecologia: notas para uma abordagem
materialista dialética. In: NOVAES, H. T.; MAZIN, D.; SANTOS, L. Questão agrária,
cooperação e agroecologia. São Paulo: Expressão Popular, 2015. v. 1. p. 285-300.
HARVEY, D. O novo imperialismo. São Paulo: Loyola, 2004.
IANNI, O. A ditadura do grande capital. São Paulo: Expressão Popular, 2019.
IASI, M.; FIGUEIREDO, I. M.; NEVES, V. A estratégia democrático-popular: um
inventário crítico. Marília: Lutas Anticapital, 2018.
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Censo
agropecuário de 2018. Brasília, DF, 2019.
KOVEL, J.; LÖWY, M. Manifesto ecossocialista internacional. Capitalism, Nature,
Socialism: a journal of socialist ecology, London, v. 13, n. 1, p. 1-3, 2002.
LENIN, V. Imperialismo, fase superior do capitalismo. São Paulo: Centauro, 2003.
LIMA FILHO, P. A. Pensando com Marx (I). Marília: Lutas Anticapital; São Paulo:
Aramarani, 2019.
LIMA FILHO, P. A.; NOVAES, H. T.; MACEDO, R. (org.). Movimentos sociais
e crises contemporâneas à luz dos clássicos do materialismo crítico. Uberlândia:
Navegando, 2017.
WY, M. Ecologia e socialismo. São Paulo: Cortez, 2003.
WY, M. Ecossocialismo: o que é, por que precisamos dele, como chegar lá.
Germinal: Marxismo e educação em debate, v. 13, n. 2, p. 471–482, 2021. Disponível
em: https://doi.org/10.9771/gmed.v13i2.45816. Acesso em: 10 maio 2022.
WY, M. Mensagem ecológica ao camarada Marx. Cadernos Cemarx, Campinas,
n. 11, p. 161–176, 2002.
WY, M. Reatando um fio interrompido: a relação universidade movimentos sociais
na América Latina. São Paulo: Expressão Popular; Fapesp, 2012.
MACEDO, R. F. A destruição em massa: a tragédia da fome e da degradação
dos hábitos alimentares. In: NOVAES, H. T.; SANTOS, J.; PIRES, J. H. (org.).
Questão agrária, cooperação e agroecologia. São Paulo: Outras Expressões, 2015.
v. 1, p. 301-321.
Silvia Aparecida de Sousa Fernandes; Bernardo Mançano Fernandes
Davis Gruber Sansolo (Orgs.)
224 |
MACHADO, L. C. P.; MACHADO FILHO, L. C. P. A Dialética da agroecologia:
contribuição para um mundo com alimentos sem veneno. São Paulo: Expressão
Popular, 2013.
MARQUES, L. Bolsonaro, o ecocida. Jornal da Unicamp: edição web, Campinas, 19
jun. 2019. Disponível em: https://www.unicamp.br/unicamp/ju/artigos/luiz-marques/
bolsonaro-o-ecocida. Acesso em: 10 maio 2022.
MARQUES, L. Capitalismo e colapso ambiental. Campinas: Ed. Unicamp, 2015.
MAZALLA NETTO, W. Agroecologia e movimentos sociais: entre o debate teórico e
sua construção pelos agricultores camponeses. 2014. Tese. (Doutorado em Engenharia
Agrícola) - Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2014.
MÉSZÁROS, I. Atualidade histórica da ofensiva socialista: uma alternativa radical ao
sistema parlamentar. São Paulo: Boitempo Editorial, 2008.
MÉSZÁROS, I. O poder da ideologia. São Paulo: Boitempo Editorial, 2004.
MÉSZÁROS, I. Para além do capital. São Paulo: Boitempo Editorial, 2002.
NETTO, J. P. Prefácio. In: ZIEGLER, J. Destruição em massa: geopolítica da fome.
São Paulo: Cortez, 2013. p. 3-7.
NETTO, J. P. Uma face contemporânea da barbárie. Rio de Janeiro, 2008.
NOVAES, H. T. et al. Mundo do trabalho associado e embriões de educação para
além do capital. Marília: Lutas Anticapital, 2017.
NOVAES, H. T. Produção destrutiva, colapso ambiental e potencialidades: luta
agroecológica. Lutas Sociais, São Paulo, n. 42, p. 92-108, 2018.
NOVAES, H. T.; MACEDO, R. F.; CASTRO, F. A atualidade da “acumulação
primitiva”: roubo e cercamento de terras nos séculos XX e XXI. In: NOVAES, H. T..;
MACEDO, R. F. CASTRO, F. Introdução à crítica da economia política. Marília:
Lutas Anticapital, 2019. p. 371-395.
NOVAES, H.; MAZIN, D.; SANTOS, L. (org.). Questão agrária, cooperação e
agroecologia. 3. ed. Marília: Lutas Anticapital, 2015.
PETERSEN, P.; TARDIN, J. M.; MAROCHI, F. Tradição (agri)cultural e inovação
agroecológica: facetas complementares do desenvolvimento agrícola socialmente
sustentado na região centro-sul do Paraná. Palmeira: AS-PTA; Fórum das Organizações
dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais do Centro-Sul do Paraná, 2002.
PINASSI, M. O.; MAFORT, K. Os agrotóxicos e a reprodução do capital na perspectiva
feminista da Via Campesina. In: RODRIGUES, F.; NOVAES, H. T.; BATISTA, E.
(org.). Movimentos sociais, trabalho associado e educação para além do capital. São
Paulo: Outras Expressões, 2012. p. 75-96.
Educação do Campo, Soberania Alimentar e Agroecologia:
o papel das tecnologias sociais no fortalecimento das comunidades locais
| 225
PLOEG, J. Camponeses e impérios alimentares: lutas por autonomia e
sustentabilidade na era da globalização. Porto Alegre: UFRGS, 2008.
PRADO JÚNIOR, C. A revolução brasileira. São Paulo: Brasiliense, 2002.
PRIMAVESI, A. Agricultura sustentável. São Paulo: Nobel, 1986.
REGO, T. T. Formação em agroecologia: programa do Contestado da AS-PTA.
2016. Tese (Doutorado em Educação) - Universidade Federal de Santa Catarina,
Florianópolis, 2016.
SACHS, I. Espaços, tempos e estratégias de desenvolvimento. São Paulo: Vértice, 1986.
SADER, E. Quando novos personagens entram em cena. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 1988.
SAMPAIO JÚNIOR, P. Notas críticas sobre a atualidade e os desafios da questão
agrária. In: STEDILE, J. P. (org.). Debates sobre a situação e perspectivas da reforma
agrária na década de 2000. São Paulo: Expressão Popular, 2013. p. 123-167,
SEVILLA GUZMAN, E.; MOLINA, M. Sobre a evolução do conceito de
campesinato. São Paulo: Expressão Popular, 2011.
ZIEGLER, J. Destruição em massa: geopolítica da fome. São Paulo: Cortez, 2013.
226 |
| 227
C 9
A   
  
   R
G  S
Camila Ferracini Origuéla
iNtrodução
O artigo em questão apresenta os resultados da tese “Território e
territorialidades em disputa: subordinação, autonomia e emancipação do
campesinato em assentamentos rurais no Rio Grande do Sul”, defendida
em 2019 no Programa de Pós-Graduação em Geografia (PPGG) da
Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Estadual Paulista
(UNESP). O objetivo principal da tese foi estudar experiências de
produção, industrialização e comercialização de alimentos convencional
e agroecológico desenvolvidas pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais
Sem Terra (MST) no estado do Rio Grande do Sul, assim como os
Silvia Aparecida de Sousa Fernandes; Bernardo Mançano Fernandes
Davis Gruber Sansolo (Orgs.)
228 |
conflitos e as contradições que envolvem esses processos. Analisou-se em
que contextos e sob quais condições ocorre a subordinação do campesinato
ao sistema alimentar capitalista e, por outro lado, em que contextos e sob
quais condições os camponeses não só resistem, mas constroem estratégias
que proporcionam maior autonomia na produção de alimentos.
A partir dos resultados obtidos na tese, o objetivo deste artigo é analisar
a construção de sistemas alimentares camponeses em assentamentos rurais
no Rio Grande do Sul. Para isso, analisou-se a produção, industrialização
e comercialização de alimentos agroecológicos na Região Metropolitana
de Porto Alegre (RMPA)
1
. Um dos casos analisados é o da produção de
hortaliças agroecológicas que ocorre nessa região desde a década de 1980,
período em que os primeiros assentamentos rurais foram criados. O outro
caso estudado foi o da produção de arroz agroecológico, introduzido
no final dos anos 1990, quando uma crise econômica afetou o cultivo
convencional. Desde a transição agroecológica, os assentados organizados
em grupos gestores, coletivos de produtores e cooperativas agrícolas
estão construindo seus próprios sistemas alimentares, avançando nas
técnicas e tecnologias, na certificação agroecológica, na industrialização e
comercialização desses alimentos.
Compreender como os camponeses assentados na RMPA passaram
de uma condição de subordinação ao sistema alimentar capitalista para uma
condição de autonomia em relação a esse contribui com os estudos sobre
as formas de reprodução e resistências camponesas na contemporaneidade.
Ou seja, como os camponeses, mesmo em um contexto de subordinação,
privação e marginalização, estão construindo práticas socioterritoriais
autônomas e emancipatórias em relação às amarras do capital. E como,
em alguns casos, essas resistências territoriais constituem os alicerces de
sistemas alimentares camponeses.
Para a elaboração deste capítulo, os procedimentos metodológicos
consistiram em revisão bibliográfica, observação participante e entrevistas
semi-estruturadas com camponeses assentados na RMPA, membros das
A RMPA é formada por 33 municípios. Em oito deles existem assentamentos rurais, que são: Capela de
Santana, Charqueadas, Eldorado do Sul, Guaíba, Montenegro, Nova Santa Rita, São Jerônimo e Viamão.
No total são 17 assentamentos rurais e 1.172 famílias assentadas.
Educação do Campo, Soberania Alimentar e Agroecologia:
o papel das tecnologias sociais no fortalecimento das comunidades locais
| 229
cooperativas do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST)
e membros de instituições, como o Instituto Nacional de Colonização e
Reforma Agrária (INCRA), a Associação Riograndense de Empreendimentos
de Assistência Técnica e Extensão Rural (EMATER-RS/Ascar) e a Secretaria
de Desenvolvimento Rural, Pesca e Cooperativismo, envolvidos direta ou
indiretamente na produção de alimentos agroecológicos. A quantidade de
entrevistas realizadas seguiu os parâmetros de diversificação – entrevistas
realizadas com diferentes informantes-chave – e saturação – quando os
argumentos presentes nas entrevistas começam a se repetir (Camargo;
Gelin, 1974 apud Marre, 1991).
O artigo está organizado em três seções, além dessa introdução e das
considerações finais. Na primeira, discutiu-se o uso camponês do território
a partir da construção de (multi)(pluri)territorialidades camponesas.
Essas podem ser subordinadas e/ou autônomas dependendo das relações
estabelecidas entre elementos internos e externos à unidade de produção
camponesa. Na segunda, analisou-se o processo de territorialização
das experiências agroecológicas na RMPA nas décadas de 1980 e 1990.
Ou seja, em que contexto os camponeses passaram de uma condição
de subordinação ao sistema alimentar capitalista para uma condição de
autonomia em relação a esse. Por fim, na terceira, analisou-se a construção
de sistemas alimentares camponeses baseados na reforma agrária, na
agroecologia e na soberania alimentar.
o uSo CampoNêS do território
Existem dois modelos de produção de alimentos e, consequentemente,
de apropriação dos ecossistemas, o camponês e o capitalista. O primeiro
surgiu há 10 mil anos a partir do aprendizado humano sobre o cultivo
de plantas, a domesticação de animais e o domínio de alguns metais. O
segundo surgiu há cerca de 200 anos como resultado da revolução industrial
em alguns países do Norte Global (Mazoyer; Roudart, 2010; Toledo;
Barbera-Bassols, 2015). Nos países do Sul Global, como é o caso do Brasil,
a consolidação do modelo capitalista na agricultura ocorreu a partir da
Silvia Aparecida de Sousa Fernandes; Bernardo Mançano Fernandes
Davis Gruber Sansolo (Orgs.)
230 |
década de 1960 com a Revolução Verde. Ao se expandir, o modo capitalista
de produção ocasionou o distanciamento da agricultura dos ecossistemas e
das culturas locais e regionais, a desconexão entre a produção e o consumo
de alimentos e a padronização de hábitos alimentares (Guzman, 2012).
Nesse modelo, é o capital que determina o que deve ser produzido,
como deve ser produzido e onde deve ser vendido. Tudo isso em escala
global. Como consequência, nestas últimas décadas, teve-se a constituição
do sistema alimentar capitalista, um sistema de produção, distribuição e
consumo de alimentos determinado por empresas transnacionais, grupos
do agronegócio e redes de varejo. Isso com a contribuição de práticas de
infraestrutura e engenharia, mecanismos de estado, instituições multilaterais
e conhecimentos científicos, como salienta Ploeg (2008) ao abordar o
que denomina de impérios alimentares. É um sistema que determina,
portanto, os usos dos territórios. É nos processos de territorialização,
desterritorialização e reterritorialização do capital e campesinato que
territórios são disputados e construídos, gerando conflitualidades
(Fernandes, 2008).
A territorialização corresponde à apropriação social de um
fragmento do espaço através de relações de poder, produzindo territórios
e territorialidades. Essa, por sua vez, corresponde aos sistemas de relações
entre os homens e entre esses e a natureza (Raffestin, 1993).
Saquet (2015, p. 33) compreende que:
Sucintamente, a territorialidade (humana) significa relações de
poder, econômicas, políticas e culturais; diferenças, identidades
e representações; apropriações, domínios, demarcações e
controles; interações e redes; degradação e preservação ambiental;
práticas espacio-temporais e organização política, que envolvem,
evidentemente, as apropriações, as técnicas e tecnologias, a
preservação, o manejo, os pertencimentos etc.
Os territórios camponeses são diferentes dos territórios capitalistas.
Isso porque eles possuem lógicas, racionalidades, intencionalidades
Educação do Campo, Soberania Alimentar e Agroecologia:
o papel das tecnologias sociais no fortalecimento das comunidades locais
| 231
distintas. Enquanto os territórios capitalistas objetivam a reprodução
ampliada do capital, os territórios camponeses objetivam a reprodução
da família. A territorialização do capital na agricultura produz tanto
a desterritorialização como a reterritorialização do campesinato. Por
intermédio de suas lutas, os camponeses organizados em movimentos
socioterritoriais se territorializam, conquistando os assentamentos rurais,
territórios de resistência camponesa. Entretanto, após o acesso a terra, os
camponeses se reproduzem numa relação de subordinação com o capital.
Isso porque na unidade de produção camponesa a mercadoria é a renda da
terra, o produto do trabalho familiar. Desse modo, o camponês se insere no
mercado pelo seu produto, ou seja, pelo trabalho contido no seu produto.
É a partir da sujeição da renda da terra que o capital adentra o universo
camponês, subordinando-o pela ação dos monopólios. A subordinação do
campesinato é ainda maior quando a família adere ao cultivo de commodities,
com intensa utilização de sementes industrializadas, especialmente
transgênicas, e de agrotóxicos, e aos sistemas de integração com empresas,
como ocorre nos casos da produção de aves, suínos e fumo no Sul do
Brasil, por exemplo. É o que Roos (2015) denomina de territorialidade
do agronegócio em território camponês. Nesses casos, o sistema alimentar
capitalista define como os alimentos devem ser cultivados, determinando
as técnicas, as tecnologias e os tempos da produção camponesa.
Esse movimento no espaço-tempo produz territorialidades em
disputa, de um lado a capitalista, de outro a camponesa. Origuéla (2019),
por sua vez, trabalha com a ideia de (multi)(pluri)territorialidades
subordinadas e/ou autônomas. As territorialidades camponesas são
construidas a partir das relações desenvolvidas na unidade de produção
e entre essa e o contexto em que ela está inserida. É o que Ploeg (2016)
compreende como equilíbrios internos e externos à unidade camponesa.
De acordo com Origuéla (2019), na unidade de produção camponesa as
relações que se destacam são entre o camponês e a natureza, nas técnicas
e tecnologias empregadas na produção de alimentos, e entre os próprios
camponeses, no trabalho familiar e suas diferentes formas de organização
social e econômica. Nas relações externas, destacam-se as relações entre a
Silvia Aparecida de Sousa Fernandes; Bernardo Mançano Fernandes
Davis Gruber Sansolo (Orgs.)
232 |
unidade de produção e o contexto agrário, os movimentos socioterritoriais
e as políticas públicas.
Nos casos em que o sistema alimentar capitalista determina os
usos dos territórios camponeses, têm-se territorialidades subordinadas.
E nos casos em que os camponeses definem os usos dos seus territórios,
têm-se territorialidades autônomas. Todavia, na maioria das vezes, é
possível encontrar ambas em um mesmo território, tanto acontecendo
ao mesmo tempo como em tempos diferentes, constituindo as (multi)
(pluri)territorialidades subordinadas e/ou autônomas. Isso pode acontecer
quando os camponeses são subordinados na produção de um determinado
produto e autônomos na produção de outro ou quando eles passam de
uma condição de subordinação para uma condição de autonomia. Esse
último é o mais comum na realidade. Têm-se casos em que os camponeses
produzem arroz ou leite de maneira convencional e hortaliças de maneira
agroecológica, comercializando-as em feiras e lojas da reforma agrária ou
em programas institucionais.
Em um contexto de ascensão de um sistema alimentar capitalista,
a tendência é os camponeses reproduzem territorialidades cada vez
mais subordinadas. Isso porque, as técnicas e tecnologias agrícolas, o
processamento de alimentos e o acesso aos mercados são determinados
por esse sistema, tornando a unidade de produção camponesa vulnerável
aos ditames do capital. Quanto mais vulnerável, maior a probabilidade de
endividamento do campesinato. Nessa condição, os camponeses se afastam
da natureza, dos saberes e das culturas locais e regionais, levando-os, muitas
vezes, à desterritorialização. São relações de sujeição ao capital industrial,
comercial e financeiro. São territorialidades subordinadas. Muitas vezes,
além da pressão externa exercida pelo capital, os camponeses enfrentam
problemas internos, como o envelhecimento da família e a falta de mão
de obra, o que leva muitos deles a se renderem ao pacote tecnológico do
agronegócio e a suas propostas de integração.
No entanto, é justamente no cerne do processo de sujeição que os
camponeses resistem, se organizam e constroem alternativas baseadas em
outros usos do território. É um uso baseado no modo de vida e produção
camponês. Numa relação de coprodução com a natureza (Toledo, 1992). No
Educação do Campo, Soberania Alimentar e Agroecologia:
o papel das tecnologias sociais no fortalecimento das comunidades locais
| 233
saber camponês. Nas técnicas e tecnologias camponesas. Na autonomia da
unidade de produção camponesa. Nas diferentes maneiras de organização
social e econômica desses sujeitos. Na construção de agroindústrias
camponesas. Na organização de mercados populares, onde as relações entre
aqueles que produzem e aqueles que consomem são horizontais. Quando
mais o camponês se aproxima da agroecologia e soberania alimentar, se
organiza em grupos, coletivos, associações e cooperativas, aproximando-se
de outros camponeses e dos consumidores, maior é o seu poder sobre o que
ele produz e comercializa. São territorialidades cada vez mais autônomas.
À medida que as territorialidades autônomas avançam em
assentamentos rurais e em diferentes regiões de um estado, como é o caso
da RMPA, têm-se a constituição de sistemas alimentares camponeses. De
acordo com Origuéla (2019), nesses sistemas a produção, a distribuição e o
consumo de alimentos são determinados, ou controlados, pelos camponeses
em aliança com os consumidores. São sistemas agroecológicos nos quais
os camponeses produzem em coevolução com a natureza as sementes e
os alimentos. São sistemas gestados pelos camponeses organizados em
grupos de famílias, coletivos de produtores, grupos gestores, associações
e cooperativas. Os camponeses decidem como será a organização das
safras, das certificações, do uso dos maquinários, das agroindústrias e
cooperativas. São eles que constroem em conjunto com os consumidores
diferentes redes e espaços de comercialização de alimentos. É um sistema
no qual as relações entre os camponeses e a natureza, entre os próprios
camponeses e entre esses e os consumidores são horizontais.
da SubordiNação ao SiStema alimeNtar CapitaliSta à
agroeCologia
Na década de 1980, agricultores oriundos do estado de Santa
Catarina, os chamados “catarinas”, se estabeleceram na região metropolitana
de Porto Alegre com o objetivo de arrendar terras para a produção de
arroz. Eram camponeses financiados pelos engenhos de arroz catarinenses.
Rapidamente, vários deles se tornaram grandes produtores de arroz no Rio
Silvia Aparecida de Sousa Fernandes; Bernardo Mançano Fernandes
Davis Gruber Sansolo (Orgs.)
234 |
Grande do Sul. Por ser uma área de várzea que fica inundada durante um
período do ano, a região era favorável ao cultivo de arroz. É uma área
que ocupa aproximadamente 5,4 milhões de hectares, sendo destinada ao
cultivo de arroz, à pastagem e, em menor escala, ao cultivo de grãos, como
o milho e a soja (Martins, 2017).
No mesmo período em que os “catarinas” iniciaram o cultivo de
arroz na RMPA, camponeses sem-terra oriundos do norte e nordeste
do estado começaram a ocupar terras na região, pressionando o poder
público na criação de assentamentos rurais. Após a conquista da terra, os
camponeses não sabiam produzir alimentos em áreas várzea, visto que o
solo de suas regiões de origem era completamente diferente. Além disso,
encontravam-se totalmente descapitalizados e os assentamentos rurais
careciam de infraestrutura básica. A alternativa encontrada por alguns
camponeses foi arrendar parte do seu lote aos “catarinas”. Outros, porém,
iniciaram a produção de arroz por conta própria, organizando-se, mais
tarde, em cooperativas. Aqueles que arrendaram parte de suas terras aos
catarinas” se afastaram do movimento socioterritorial responsável pelas
ocupações de terra na região, o MST. Por sua vez, aqueles que iniciaram o
cultivo de arroz organizaram um dos principais instrumentos de resistência
dos camponeses organizados por esse movimento, as cooperativas.
Concomitantemente a isso, os camponeses começaram a produzir
hortaliças para o autoconsumo, comercializando o excedente. A maior
parte das famílias não usavam agrotóxicos na produção dessas hortaliças,
ou quando usavam era muito pouco, o que facilitou, logo no início da
década de 1990, a expansão de uma agricultura chamada de alternativa.
Dois fatores contribuíram significativamente para isso. O primeiro foi
a atuação de Organizações Não Governamentais (ONGs) voltadas às
questões ambientais nos assentamentos rurais da RMPA. Os camponeses
eram conscientizados sobre a necessidade de se construir outro tipo de
agricultura, cada vez menos dependente do modelo difundido pela
Revolução Verde. O segundo foi o surgimento de feiras ecológicas no
município de Porto Alegre a partir da atuação dessas ONGs no espaço
urbano. O objetivo das feiras era realizar um comércio justo de alimentos
Educação do Campo, Soberania Alimentar e Agroecologia:
o papel das tecnologias sociais no fortalecimento das comunidades locais
| 235
saudáveis. Além de continuarem existindo nos dias de hoje, essas feiras
estão presentes em toda a região metropolitana.
Em 1998, a produção de arroz entrou em crise levando à falência
grande parte dos “catarinas” e, por consequência, dos camponeses.
Nesse mesmo período, ocorreu a insolvência financeira da Cooperativa
dos Trabalhadores Assentados da Região de Porto Alegre (COOTAP),
inadimplente por não pagar os financiamentos adquiridos junto ao
Programa de Crédito Especial para a Reforma Agrária (PROCERA)
(Martins, 2017). Os camponeses que arrendavam parte de suas terras
perderam seus aluguéis e os camponeses que produziam arroz estavam
completamente endividados (Medeiros et al., 2015). A crise se deve
ao fato de os preços do arroz caírem significativamente no mercado,
não permitindo o pagando dos custos de produção que eram elevados.
É nesse contexto de empobrecimento e endividamento daqueles que
cultivavam arroz e, por outro lado, de expansão da produção de hortaliças
agroecológicas que um ano depois os camponeses começaram a implantar
outras técnicas produtivas, dando início ao plantio de arroz pré-germinado
sem a utilização de agrotóxicos.
Tanto os camponeses que arrendam parte dos seus lotes como aqueles
que produzem arroz de maneira convencional encontravam-se em uma
condição de subordinação. Isso porque a territorialização desses sujeitos
ocorreu a partir da construção de territorialidades subordinadas. Ou seja,
de territorialidades impostas pelo sistema alimentar capitalista. Nesses
casos, embora o território seja camponês, pois as relações são familiares e
visam a reprodução da família, as técnicas e tecnologias, os conhecimentos,
o gênero agrícola cultivado, a industrialização, a logística e o mercado
são determinados pelo sistema alimentar capitalista. Entretanto, no caso
do arroz, fatores internos e externos à unidade de produção camponesa
contribuíram para que os camponeses obtivessem maior autonomia no
processo produtivo.
Conforme mencionado, um dos fatores externos foi a crise
econômica na produção de arroz. Os custos de produção e o preço final
dos produtos não são definidos pelos produtores, mas sim pelo mercado,
pelas empresas transnacionais que controlam a produção de maquinários
Silvia Aparecida de Sousa Fernandes; Bernardo Mançano Fernandes
Davis Gruber Sansolo (Orgs.)
236 |
e insumos agrícolas, pelas agroindústrias que controlam o processamento
e pelas redes de varejo que comercializam os produtos. Todavia, é um
fator que têm desdobramentos na unidade de produção camponesa. Se os
custos de produção são altos e os preços do produto caem os camponeses
empobrecem e/ou se endividam. Nesse caso, a alternativa encontrada pelos
assentados na RMPA foi a redução do custo da produção, produzindo
sem a utilização de insumos químicos. A experiência das hortaliças foi
fundamental para que isso acontecesse, pois forneceu o conhecimento
necessário para o cultivo de alimentos livres de agrotóxicos.
Outro fator externo importante foi a criação da Via Campesina em
1992, um movimento transnacional de camponeses da América, África,
Ásia e Europa. A seção brasileira da Via Campesina, da qual o MST faz
parte, foi oficializada em 1999. A Via Campesina pode ser caracterizada
como uma constelação de organizações camponesas que dialogam sobre
diferentes saberes e modos de saber e fazer agricultura, construindo, assim,
leituras da realidade, agendas de lutas e ações coletivas (Martínez-Torres;
Rosset, 2014). Uma de suas mais importantes ações consiste na construção
da soberania alimentar que pode ser definida como o direito à alimentação,
à produção de alimentos, à definição das políticas agrícolas, à diversidade
produtiva e cultural dos povos e ao comércio justo (Via Campesina, 1996).
Um de seus alicerces é a agroecologia, caracterizada como diversidade de
técnicas e tecnologias alicerçadas nos conhecimentos tradicionais, nas
culturas e geografias que permitem a produção de alimentos e fibras em
consonância com os ecossistemas.
Ao compor a Via Campesina Internacional, o MST passou a dialogar
com movimentos e organizações camponesas de diferentes regiões do
planeta, construindo agendas e propostas de lutas em comum. Uma dessas,
que tem como objetivo transformar o sistema alimentar hegemônico, é
a soberania alimentar. Logo, os camponeses organizados pelos MST
passaram a incorporar tal proposta em suas lutas, ações e resistências. Sendo
a agroecologia um dos alicerces da principal proposta da Via Campesina, a
sua expansão nos territórios camponeses de todo o mundo é fundamental,
tornando-se, atualmente, uma das principais bandeiras de luta do MST no
Educação do Campo, Soberania Alimentar e Agroecologia:
o papel das tecnologias sociais no fortalecimento das comunidades locais
| 237
país e, principalmente, no Rio Grande do Sul. As práticas agroecológicas
aproximaram politicamente o MST dos camponeses assentados no estado.
Dois outros fatores internos foram fundamentais para a ascensão da
produção agroecológica nos assentamentos rurais. Primeiro, a necessidade
de se preservar o ecossistema local. Um exemplo é o assentamento
Filhos de Sepé, no município de Viamão, que está localizado em uma
unidade de conservação ambiental, o Banhado dos Pachecos. Nessa
porção do território gaúcho, os assentados só podem produzir alimentos
agroecológicos. O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
(INCRA) é o responsável pela fiscalização. Segundo, o adoecimento da
população camponesa devido à utilização de agrotóxicos nas lavouras de
arroz. Para os assentados, alguns problemas de saúde que os membros de
suas famílias enfrentaram ou enfrentam estão associados ao uso excessivo
de agrotóxicos ao longo de suas vidas. Pode-se afirmar que a produção
agroecológica foi a solução encontrada pelos camponeses e MST para os
seus problemas econômicos, políticos, ambientais e de saúde.
Por último, outro fator externo fundamental para a expansão e
consolidação da produção de alimentos agroecológicos na RMPA foi a
criação de políticas públicas voltadas para a agricultura camponesa.
Primeiro, as políticas públicas permitem que os territórios camponeses
sejam dotados de infraestrutura, objetos e instrumentos necessários à
produção de alimentos, fazendo com que esses sujeitos não dependam do
sistema alimentar capitalista para ter acesso a eles. Segundo, permitem aos
camponeses o acesso à educação básica e ao ensino superior, contribuindo
com o aperfeiçoamento dos saberes camponeses e com a construção de
novos conhecimentos, atendendo, dessa forma, as necessidades das famílias
assentadas. Terceiro, permitem aos camponeses o ingresso em mercados
institucionais e a organização de mercados populares. Nesse sentido, as
políticas públicas se tornam cada vez mais importantes na construção de
territorialidades autônomas.
A unidade de produção camponesa é governada por um conjunto
de equilíbrios ou de tentativas de alcançá-los (PLOEG, 2016). E é na
tentativa de equilibrar diferentes elementos, internos e externos, que as
territorialidades subordinadas e/ou autônomas são construídas por esses
Silvia Aparecida de Sousa Fernandes; Bernardo Mançano Fernandes
Davis Gruber Sansolo (Orgs.)
238 |
sujeitos. Entretanto, independentemente do tipo de territorialidade, os
equilíbrios objetivam a manutenção da unidade de produção camponesa,
a reprodução da família em sua parcela de terra. Para isso, a busca por
melhores rendimentos é constante. O arrendamento dos lotes para os
catarinas”, a produção de arroz convencional e, mais recentemente, a
produção de arroz agroecológico podem ser apreendidos a partir dessa
lógica. O camponês se reproduz em uma condição de subordinação ou
em uma condição de autonomia, dependendo das relações, ações, práticas
e resistências construídas. Em todos os casos o objetivo principal consiste
na reprodução da vida, da família, na manutenção da terra, na produção
de alimentos.
da agroeCologia aoS SiStemaS alimeNtareS CampoNeSeS
Com o avanço da produção agroecológica em alguns assentamentos
rurais, em 2002 os camponeses organizaram o Primeiro Seminário do Arroz
Ecológico. Nesse evento dialogaram sobre os princípios da agroecologia,
apresentando os avanços e desafios das experiências em andamento.
Também definiram que a COOTAP deveria ser reestruturada, atuando na
secagem, no armazenamento e comercialização do arroz. Mais tarde, em
2004, no Terceiro Seminário do Arroz Ecológico é criado o Grupo Gestor
do Arroz Ecológico. O grupo gestor é um espaço de planejamento das
safras, socialização dos avanços e desafios e democratização das decisões.
O grupo gestor pressupõe a construção de relações mais horizontais
entre camponeses. Nesses espaços os camponeses são forçados a pensar,
tomar decisões, superar desafios e agir coletivamente. Eles possuem algo
fundamental à autonomia, poder de decisão.
Conforme o organograma 1, grupo gestor é formado por diferentes
esferas organizativas. Dentre essas, os coletivos merecem destaque. O
coletivo de produção de sementes é formado por 51 famílias assentadas
que produzem 75% das sementes utilizadas no cultivo do arroz. Como
o cultivo exige muitos cuidados, somente algumas famílias estão aptas
a desenvolver esse trabalho. O coletivo das cooperativas que secam e
Educação do Campo, Soberania Alimentar e Agroecologia:
o papel das tecnologias sociais no fortalecimento das comunidades locais
| 239
armazenam a produção é formado pelas cooperativas agropecuárias, além
da COOTAP, que se responsabilizam pelo transporte da produção até a
unidade de secagem e armazenamento. O coletivo de comercialização é
composto pelas cooperativas que se responsabilizam pela comercialização
do arroz tanto através de políticas públicas como da criação de mercados
camponeses.
Organograma 1 – Organização do Grupo Gestor do Arroz Ecológico
Fonte: Origuéla (2019, p. 198).
No momento de criação dos grupos gestores do arroz e das hortaliças,
os camponeses decidiram que era necessário mobilizar outras famílias para
produzirem agroecologicamente, além de obter autonomia em todo o
processo de produtivo do arroz, das sementes aos mercados. Os primeiros
passos nesse sentido foram o aluguel de maquinários e instrumentos
utilizados na colheita e secagem de arroz e a certificação orgânica, visto
que o arroz era vendido como se fosse convencional.
A certificação orgânica do arroz é realizada por auditoria. Para isso,
uma certificadora é contratada. Nesse caso, os camponeses possuem um
sistema de controle interno por grupo, no qual a inspeção é realizada por
cerca de 20 inspetores. Todos os inspetores participam de um curso de
capacitação para realizar esse trabalho. Uma parte deles é formada por
produtores de arroz, outra por filhos de produtores, os jovens assentados.
Depois disso, no final do ano, a certificadora contratada avalia se o
trabalho realizado é válido ou não. A certificação das hortaliças ocorreu
mais tarde, entre 2009 e 2010. Ela ocorre via controle social. Nesse caso, os
Silvia Aparecida de Sousa Fernandes; Bernardo Mançano Fernandes
Davis Gruber Sansolo (Orgs.)
240 |
assentados organizados em pares são os responsáveis pelas visitas técnicas.
Todos os envolvidos são capacitados para a realização dessa atividade.
Além de permitir que os alimentos sejam vendidos com selo de orgânico,
a certificação contribui com o surgimento de novas formas de organização
social, com a participação dos jovens nas atividades de certificadoras e com
a ampliação dos conhecimentos agroecológicos nos assentamentos rurais.
O cultivo de arroz agroecológico ocorre através das chamadas
parcerias entre os camponeses assentados. As parcerias são práticas em que
um produtor é responsável pela produção de um conjunto de famílias.
Isso ocorre porque existem casos em que nem todas as famílias podem se
dedicar ao cultivo de arroz, e como as áreas de lavoura são coletivas não
tem a necessidade de todos os assentados se envolverem, Assim, a gestão
do banhado onde fica a produção de arroz é coletiva. O valor pago e todos
os outros detalhes são definidos pelos camponeses antes do plantio. A
parceria se torna uma prática interessante ao se levar em consideração o
envelhecimento dos assentados e/ou a falta de mão de obra nos lotes. Nesses
casos, para participar desse tipo de cultivo os camponeses precisam firmar
parcerias com outros que possuem condições de produzir. Por outro lado,
embora as decisões sejam de comum acordo, a parceria afasta uma parcela
dos camponeses do processo produtivo, ou seja, da prática agroecológica.
O plantio e a colheita do arroz agroecológico ocorre através do aluguel de
maquinários disponibilizados pelas cooperativas.
Na produção de hortaliças é diferente. Como é um tipo de cultivo
que exige muita mão-de-obra, a maior parte da família se envolve no
plantio, processamento e/ou comercialização. É comum ver o casal, ou o
pai/mãe e os filhos cultivando mudas, hortaliças e as vendendo nas feiras
que ocorrem na RMPA. Pode acontecer de uma mesma família possuir
parceria na produção de arroz e se dedicar integralmente às hortaliças, por
exemplo. Essa mesma família pode, também, produzir arroz e hortaliças de
maneira agroecológica, mas leite de maneira convencional. Nesses casos,
têm-se (multi)(pluri)territorialidades subordinadas e autônomas.
Depois de colhido, o arroz agroecológico é transportado até as
unidades de secagem e armazenamento. Existe uma unidade no assentamento
Lanceiros Negro. Essa unidade pertence aos assentados, é gerenciada pelas
Educação do Campo, Soberania Alimentar e Agroecologia:
o papel das tecnologias sociais no fortalecimento das comunidades locais
| 241
cooperativas. Ter o controle da secagem aumentou significativamente a
autonomia dos assentados. Até isso acontecer, o arroz agroecológico era
secado e armazenado junto com o convencional em estruturas alugadas,
não podendo ser comercializado enquanto tal. Para o processamento das
hortaliças, recentemente foi inaugurada a agroindústria de vegetais Terra
Livre. Na agroindústria, os vegetais serão limpos, descascados, cortados e
embalados a vácuo. Já as frutas transformadas em polpas para a produção
de sucos e geleias.
A expansão da produção de arroz e hortaliças agroecológicas não
seria possível sem a existência dos mercados institucionais. Um dos grandes
gargalos da produção camponesa sempre foi a venda de seus produtos.
Com o Programa Nacional da Alimentação Escolar (PNAE) e o Programa
de Aquisição de Alimentos (PAA) os camponeses tinham onde vender
aquilo que produziam. Se as políticas de compras públicas não existissem,
provavelmente os camponeses assentados na RMPA não teriam chegado ao
nível de organização e autonomia no processo produtivo a que chegaram. O
PNAE foi criado em 1983, mas a sua origem remonta ao ano de 1954 com
a Campanha da Merenda Escolar no governo de Getúlio Vargas, e o PAA
em 2003 como uma das principais ações estruturantes do Programa Fome
Zero. O PNAE é gerenciado pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento
da Educação (FNDE), vinculado ao Ministério da Educação. Através
de chamadas públicas as propostas de produção dos camponeses são
selecionadas e, depois disso, destinadas às escolas mais próximas. No
PAA, a CONAB adquire os alimentos diretamente dos produtores, sem
intermediários ou licitações, através de diferentes modalidades, destinando-
os a creches, hospitais, escolas, asilos, entre outros.
Nestes últimos cinco anos, com a diminuição dos recursos públicos
destinados a essas duas políticas, os camponeses tiveram que buscar e/
ou construir outras alternativas para a comercialização de alimentos
agroecológicos, como os mercados camponeses. Esses mercados podem
ser de vários tipos, como feiras, cestas e lojas agroecológicas e/ou da
reforma agrária. Em 2017, somente na RMPA, existiam 25 feiras das
quais 45 assentados participavam, segundo a COOPTEC. As feiras
agroecológicas, ecológicas ou orgânicas organizadas são uma releitura das
Silvia Aparecida de Sousa Fernandes; Bernardo Mançano Fernandes
Davis Gruber Sansolo (Orgs.)
242 |
feiras livres convencionais. Enquanto nessas os feirantes são comerciantes
que adquirem os alimentos nos CEASA, naquelas os camponeses são, ao
mesmo tempo, os produtores e os vendedores dos alimentos. Não existe
nesse caso um intermediário, mas sim, uma relação direta. É uma relação
que visa, por um lado, a reprodução da família, e, por outro lado, o
consumo de alimentos saudáveis. Alguns desses espaços recebem o nome
de feira da reforma agrária. E elas são cada vez mais comuns em todos os
estados do país.
Além das feiras, os camponeses começaram a organizar cestas de
alimentos agroecológicos que são entregues nas casas dos consumidores. O
mais interessante é que para dar conta da demanda foi criado um aplicativo
de celular para organizar esse processo. O aplicativo se chama Junta
Pedido e tem como objetivo conectar os camponeses aos consumidores.
Os camponeses vão disponibilizar no aplicativo a sua produção, os
consumidores vão selecionar o que desejam, os assentados vão organizar
as cestas e, depois disso, entregá-las. Além das cestas, existem algumas
experiências de Grupos de Consumo Responsáveis (GCR) e a CSA, quando
a comunidade dá suporte à agricultura. Outro espaço de comercialização
é a loja da reforma agrária localizada no Mercado Municipal de Porto
Alegre. A loja surgiu em meados dos anos 1990 em outra localização, mas
enfrentou vários problemas relacionados à gestão, voltando a funcionar nos
anos 2000 no espaço do mercado público. Na loja é possível adquirir as
hortaliças e o arroz agroecológicos, além de açúcar, mel, farinha, temperos,
bolachas, carnes de frango, leite, entre outros alimentos processados ou
industrializados.
Na RMPA, a medida que a produção de alimentos agroecológicos se
expandiu, outras demandas foram surgindo, como a organização social e
econômica dos camponeses na produção de sementes e mudas, a certificação
orgânica, o processamento dos alimentos e a sua comercialização em
mercados institucionais e populares. Dessa forma, foi através da agroecologia
que os camponeses estão conseguindo organizar um sistema alimentar
próprio. A reforma agrária, a agroecologia e a soberania alimentar são o
tripé desse sistema alimentar. Isso porque, sem a redistribuição de terras,
sem a territorialização do campesinato, sem a constituição de territórios
Educação do Campo, Soberania Alimentar e Agroecologia:
o papel das tecnologias sociais no fortalecimento das comunidades locais
| 243
camponeses não há produção de alimentos. Em outras palavras, sem os
camponeses não há produção agroecológica, muito menos soberania
alimentar. Com a agroecologia, os camponeses construíram sistemas de
produção, industrialização e comercialização de alimentos próprios.
São sistemas gestados pelos camponeses, sistemas nos quais esses
sujeitos possuem poder de decisão e atuam ativamente em sua construção.
Diferente da condição de subordinação ao sistema alimentar capitalista.
No sistema alimentar camponês, a relação com a natureza é de coevolução,
as técnicas e tecnologias utilizadas estão em consonância com a natureza e
o modo camponês de fazer agricultura. São, de acordo com Schiavinatto et
al. (2019), tecnologias socioterritoriais - tecnologias criadas na articulação
de práticas tradicionais e inovações externas. O sistema produtivo se inicia
no cultivo das mudas e das sementes, também agroecológicas, evolui
para a produção dos alimentos, passa pela sua industrialização, quando
necessária, chegando à comercialização. Toda a logística desse sistema é
pensada pelos camponeses. E isso não é um processo fácil ou simples. São
mais de 20 anos nessa jornada, entre erros e acertos, entre camponeses
que passam a fazer parte desse sistema e camponeses que por diversos
motivos, e aí entra a questão dos equilíbrios internos e externos à unidade
de produção camponesa, que saem, desistem e retornam a uma condição
de subordinação.
Para concluir, conforme abordado no primeiro tópico deste artigo,
a unidade de produção camponesa é regida por equilíbrios. Dessa forma,
o sistema alimentar camponês é sempre um sistema em construção, nunca
totalmente pronto, nunca fechado. Ele vai sendo construído e reconstruído
de acordo com o contexto agrário, a atuação do movimento socioterritorial
e as políticas públicas. E não é um único sistema, são vários sistemas, o do
arroz e do das hortaliças. Em outras regiões do estado e do país, a partir de
outros movimentos socioterritoriais, os sistemas alimentares camponeses
estão em construção. Compreender a dinâmica territorial desses diferentes
sistemas é uma agenda de pesquisa cada vez mais necessária, pois nos
ajudará a compreender o camponês do século XXI, um camponês que
resiste construindo seu próprio sistema de produção, industrialização
Silvia Aparecida de Sousa Fernandes; Bernardo Mançano Fernandes
Davis Gruber Sansolo (Orgs.)
244 |
e comercialização de alimentos. É o sistema dos camponeses, para os
camponeses e a sociedade em geral.
CoNSideraçõeS fiNaiS
A territorialização do capital na agricultura produz a
desterritorialização e a reterritorialização do campesinato. Contudo, ao se
reterritorializarem, os camponeses, na maioria das vezes, se reproduzem
em uma condição de subordinação. E isso ocorre por intermédio da renda
da terra. Dessa forma, a reterritorialização do campesinato, por si só, não
altera a lógica de dependência, subordinação e marginalização. E em um
contexto de ascensão do sistema alimentar capitalista isso se torna tanto a
reterritorialização como a reprodução do campesinato na terra se tornam
ainda mais difícil de acontecer. Todavia, a partir da sua práxis cotidiana, o
camponês percebeu que o único caminho possível era a construção de um
sistema alimentar próprio. Um sistema agroecológico e autônomo, baseado
na vida, na natureza, na cultura, no modo camponês de fazer agricultura.
Um modo secular que resistiu e evoluiu em diferentes modos de produção.
Assim, sem a existência e resistência de territórios camponeses, ou seja, sem
reforma agrária, sem redistribuição de terras, não há produção camponesa
agroecológica, não há territorialidades autônomas.
A agroecologia é a base do sistema alimentar camponês, sem
ela, dificilmente os camponeses teriam evoluído tanto na produção,
industrialização e comercialização de alimentos. É o caso da produção de
arroz. Com a produção convencional, os camponeses se reproduziam em
uma condição subordinada, a mercê dos ditames do sistema alimentar
capitalista. A sua relação com a natureza, com os outros camponeses,
com as técnicas e tecnologias, com a agroindústria, com o mercado era
de subordinação. As territorialidades produzidas em seu processo de
territorialização eram subordinadas. Por sua vez, em um contexto de
perdas, endividamento, doenças, os camponeses decidiram construir outra
forma de se produzir alimentos, agora aliada aos ecossistemas locais. Com
a expansão da agroecologia outras demandas foram surgindo, exigindo
Educação do Campo, Soberania Alimentar e Agroecologia:
o papel das tecnologias sociais no fortalecimento das comunidades locais
| 245
dos camponeses novas formas de organização social e econômica, novas
infraestruturas, maquinários, agroindústrias e mercados, construindo
territorialidades cada vez mais autônomas. Essas, por sua vez, ultrapassaram
a escala da unidade de produção camponesa, do assentamento rural, da
RMPA, transformando-se nos alicerces de um sistema alimentar camponês.
referêNCiaS
FERNANDES, B. Questão agrária: conflitualidade e desenvolvimento territorial. In:
BUAINAIN, A. M. (org.). Luta pela terra, reforma agrária e gestão de conflitos no
Brasil. Campinas: Unicamp, 2008. p. 1-57. Disponível em: https://bibliotecadigital.
economia.gov.br/bitstream/123456789/564/1/Quest%c3%a3o%20agr%c3%a1ria_
conflitualidade%20e%20desenvolvimento%20territorial.pdf. Acesso em: 18 jan. 2020.
GUZMÁN, E. S. Canales cortos de comercialización alimentaria em Andalucía.
Sevilla: Fundación Pública Andaluza Centro de Estudios Andaluces, 2012.
MARRE, J. A. L. A construção do objeto científico na investigação empírica.
Cascavel: UNIOESTE, 1991. Seminário de Pesquisa do Oeste do Paraná, curso
ministrado para a Fundação Universidade Estadual do Oeste do Paraná Sul, de 16 a 18
de outubro de 1991.
MARTÍNEZ-TORRES, M. E.; ROSSET, P. Diálogo de saberes in La Via Campesina:
food sovereignty and agroecoly. e Journal of Peasant Studies, Routledge, v. 41, n. 6,
p. 161-191, 2014.
MARTINS, A. F. G. A produção ecológica do arroz nos assentamentos da região
metropolitana de Porto Alegre: territórios de resistência ativa e emancipação. 2017.
Tese (Doutorado em Geografia) - Instituto de Geociências, Universidade Federal do Rio
Grande do Sul, Porto Alegre, 2017.
MAZOYER, M.; ROUDART, L. História das agriculturas no mundo: do neolítico à
crise contemporânea. São Paulo: Editora Unesp; Brasília, DF: NEAD, 2010.
MEDEIROS, R. M. V.; LINDNER, M.; MUNHOZ, T. F. Movimentos
socioterritoriais e agricultura sustentável: o arroz ecológico na região metropolitana de
Porto Alegre - RS. Boletim DATALUTA, Presidente Prudente, n. 92, p. 2-6, 2015.
ORIGUÉLA, C. F. Território e territorialidades em disputa: subordinação,
autonomia e emancipação do campesinato em assentamentos rurais no Rio Grande
do Sul. 2019. Tese (Doutorado em Geografia) - Faculdade de Ciências e Tecnologia,
Universidade Estadual Paulista, Presidente Prudente, 2019.
Silvia Aparecida de Sousa Fernandes; Bernardo Mançano Fernandes
Davis Gruber Sansolo (Orgs.)
246 |
PLOEG, J. D. Camponeses e impérios alimentares: lutas por autonomia e
sustentabilidade na era da globalização. Trad. Rita Pereira. Porto Alegre: UFRGS, 2008.
PLOEG, J. D. V. D. Camponeses e a arte da agricultura: um manifesto
Chayanoviano. São Paulo: Editora Unesp; Porto Alegre: Editora UFRGS, 2016.
RAFFESTIN, C. Por uma geografia do poder. São Paulo: Ática, 1993.
ROOS, D. Contradições na construção dos territórios camponeses no Centro-Sul
paranaense: territorialidades do agronegócio, subordinação e resistências. 2015. 390
f. Tese (Doutorado em Geografia) - Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade
Estadual Paulista, Presidente Prudente, 2015.
SAQUET, M. A. Por uma geografia das territorialidades e das temporalidades:
uma concepção multidimensional voltada para a cooperação e para o desenvolvimento
territorial. Rio de Janeiro: Consequência, 2015.
SCHIAVINATTO, M.; FERNANDES, S.; SANSOLO, D.; CAROCCA, L. Produção
agroecológica e sustentabilidade: possibilidades para a construção da soberania
alimentar. Ciência Geográfica, Bauru, v. 23, p. 620-630, 2019.
TOLEDO, V. M. La racionalidad ecologica de la produccion campesina. In:
GUZMÁN, E. S.; MOLINA, M. G. (coord.). Ecologia, campesinado e historia.
Madrid: Las Ediciones de la Piquet, 1992. p. 197-218.
TOLEDO, V. M.; BARRERA-BASSOLS, N. A memória biocultural: a importância
ecológica das sabedorias tradicionais. São Paulo: Expressão Popular, 2015.
VIA CAMPESINA. Programa Camponês, Via Campesina. Porto Alegre, 2016.
| 247
C 10
D   
   
: O   NEA
B
Flávio Aparecido Pontes
Marcia Satiko Takano Pontes
A produtividade agrícola brasileira tem apresentado uma curva crescente,
desde a década de 1960, pós-implantação da revolução verde, que se propunha
ao combate a fome, pela promoção do aumento da produtividade, do trabalho
e da terra, apoiada em um tripé de difusão de tecnologias de produção com
base em pacotes tecnológicos (Almeida; Petersen; Cordeiro, 2001).
Esse modelo se tornou o padrão de produção brasileiro, com apoio
estatal, ignorando totalmente a complexidade agrária e ambiental do Brasil.
O que segundo Mostafa Habib (2011), também deu direcionamentos para
pesquisa, educação e extensão rural, promovendo uma modernização que
favorecia grandes áreas de monocultura.
Silvia Aparecida de Sousa Fernandes; Bernardo Mançano Fernandes
Davis Gruber Sansolo (Orgs.)
248 |
Modelo que na atualidade o governo do país quer priorizar, e cujo
objetivo é o incentivo à produção em grande escala, onde as commodities
para exportação e produção de matéria prima e biomassa para indústrias
em ascensão no país. Em detrimento do agricultor familiar, que segundo
dados do próprio governo são os maiores responsáveis pela produção de
alimentos e a quem essa forma de produção em nada beneficia.
O chamado pacote tecnológico da revolução verde, incluindo suas
técnicas de produção, ainda hoje, é o que é mais ensinado nas escolas
tradicionais de agronomia, técnicas que são amplamente difundidas
pelos agentes extensionistas formados nesta ótica, que trazem consigo
a base de sua formação no método do difusionismo, que com pacotes
prontos de fábrica, dificilmente consideram as especificidades daquela
família e seu ambiente.
Primavesi (1992) resume a tecnologia de produção convencional,
como àquela que em todo o mundo leva os agricultores a falência, pois ela
não sobrevive sem subsídios, não é sustentável e provoca o esgotamento
dos solos e prejuízos aos consumidores. A incorporação de práticas
sustentáveis de base agroecológica constitui-se em um desafio, sobretudo
para agricultores familiares primeiro, pois são dependentes de serviços de
assistência técnica e extensão rural públicos cujos agentes em sua maioria
são formados dentro dos moldes da revolução verde, e em segundo, pois
ainda que queiram fazer uso de práticas mais sustentáveis nem sempre tem
recursos para garantir esse aprendizado.
Pode-se criar, assim, dentro de preceitos ecológicos, uma nova
realidade para o sistema produtivo das propriedades, onde produtor e
técnicos passam a olhar de maneira sistêmica a relação clima solo, bem
como a diversidade de espécies e para a criação de mercados justos e
solidários, tudo isso, preservando o meio ambiente e tornando a prática da
agricultura e pecuária economicamente viáveis para o agricultor familiar.
A agroecologia é considerada como uma ciência emergente, e capaz
de resolver todo o conjunto de problemas que a revolução verde não deu
conta. Essa afirmação é difundida por um grande conjunto de autores
como (Altieri, 1998; Caporal; Costabeber 2006; Ploeg et al., 2016).
Educação do Campo, Soberania Alimentar e Agroecologia:
o papel das tecnologias sociais no fortalecimento das comunidades locais
| 249
E ainda é capaz de minimizar os impactos da produção como
uso recorrente e desordenado de agrotóxicos, que contaminam o solo e
mananciais e são causadores de problemas na saúde da população, outros
problemas ambientais como o assoreamento de rios, devastação de matas,
degradação dos solos que são usados apenas como (meio) mais um insumo
da produção e a redução da biodiversidade causada pelos problemas
anteriores (Ploeg et al., 2016).
Incorporar práticas agropecuárias sustentáveis é uma questão
de desenvolvimento, capaz de contribuir para melhoria produtiva e
incremento da geração de renda para as famílias, garantindo a manutenção
da biodiversidade que têm se perdido ao longo dos anos, bem como a
autonomia para os agricultores com o uso de sementes crioulas, que
atendam suas necessidades especificas.
Todo esse conjunto é defendido por Ploeg et al. (2016), como uma
abordagem sistêmica, onde reside o potencial da mudança dos paradigmas
agrícolas atuais, para a transição sócio técnica que é necessária, para uma
nova forma de produção de alimentos sustentáveis. Contrariando assim,
a lógica contemporânea da mercantilização alimentar, que usa o mesmo
discurso da revolução verde de combater a fome para justificar a produção
em larga escala de monocultivares.
Mercantilização que conforme Giordani, Bezerra e Rosa dos Anjos
(2019) cria necessidades de consumo, em especial dos produtos ultra
processados, via de regra artificiais e com preço barateado em função do
alto uso de aditivos e coadjuvantes tecnológicos, que distancia o alimento
de seu papel enquanto comida saudável, com referências culturais.
Provoca rupturas, manipula as decisões e as escolhas, da mesma forma que
aliena, cria dependências, provoca controle e isola a participação social dos
processos de produção, circulação e consumo dos alimentos interferindo
diretamente na segurança alimentar das famílias.
Neste contexto visando restituir essa autonomia de produção e
participação dentro da organização de sistema alimentar é que o NEA
Boituva foi concebido, tendo a agroecologia como premissa cientifica
que congrega ciência, prática e movimento, o conjunto de atividades
Silvia Aparecida de Sousa Fernandes; Bernardo Mançano Fernandes
Davis Gruber Sansolo (Orgs.)
250 |
propostas se alinha perfeitamente ao que preconiza a Política Nacional
de Agroecologia e Produção Orgânica - PNAPO, uma vez que por meio
das atividades desta proposta se pretende por meio de ações de pesquisa e
extensão promover a soberania e segurança alimentar e nutricional e do
direito humano à alimentação adequada e saudável, à partir da produção
com o uso sustentável dos recursos naturais.
Promover conhecimentos para que sejam criados sistemas justos
e sustentáveis de produção, distribuição e consumo de alimentos, que
aperfeiçoem as funções econômica, social e ambiental da agricultura.
Pelo conhecimento, valorizar a agrobiodiversidade e os produtos da
socio biodiversidade e estímulo às experiências locais de uso e conservação
dos recursos genéticos vegetais e animais, que envolvam o manejo de raças
e variedades locais, tradicionais ou crioulas. Ampliar a participação da
juventude rural e das mulheres na produção e de base agroecológica.
Dentro desta perspectiva a agroecologia conforme Mousinho
(2008), é uma nova abordagem da agricultura fundamentada no
equilíbrio do funcionamento dos ecossistemas, em que se adotam práticas
ambientalmente saudáveis, sem emprego de produtos ou metodologias
que possam afetar este equilíbrio. A agroecologia é voltada ao ambiente
e mais sensível socialmente, centrada não só na produção, mas também
na sustentabilidade ecológica do sistema produtivo, cujo pilar basilar é a
produção de alimentos de maior valor biológico (Pontes, 2015).
Educação do Campo, Soberania Alimentar e Agroecologia:
o papel das tecnologias sociais no fortalecimento das comunidades locais
| 251
Figura 1 – Produção agroecológica no Assentamento Horto Bela Vista
em Iperó – SP
Fonte: Acervo NEA Boituva (2019).
O direito à alimentação e à proteção contra a fome é há muito tempo
reconhecido em acordos internacionais (multilaterais e regionais). O artigo
25 da Declaração Universal dos Direitos Humanos das Nações Unidas
estabelece claramente a segurança alimentar entre os direitos humanos
fundamentais. Contudo, ainda não se dispõe de mecanismos que o tornem
efetivo, no ano de 2006, o governo brasileiro promulgou a Lei Nº 11.346,
criando o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional –
SISAN, com vistas em assegurar o direito humano à alimentação adequada,
conforme seu artigo 3º.
A segurança alimentar e nutricional consiste na realização do direito
de todos ao acesso regular e permanente a alimentos de qualidade,
em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras
necessidades essenciais, tendo como base práticas alimentares
promotoras de saúde que respeitem a diversidade cultural e que
sejam ambiental, cultural, econômica e socialmente sustentáveis.
(Brasil, Sisan, 2006).
Silvia Aparecida de Sousa Fernandes; Bernardo Mançano Fernandes
Davis Gruber Sansolo (Orgs.)
252 |
A Soberania Alimentar, foi definida pelo Fórum de Havana em 2001,
como o direito pertinente aos povos para que possam definir, suas políticas
e estratégias de produção de forma sustentável, métodos de distribuição e
formas de consumo de alimentos, que garantam o direito à alimentação
para toda a população, onde as pequenas e médias produções são as bases
produtivas. Esse conjunto deve respeitar suas culturas e a diversidade dos
modos camponeses, pesqueiros e indígenas de produção agropecuária, das
estratégias comerciais e planejamento dos espaços rurais, com destaque
para o papel fundamental da mulher. “A soberania alimentar é a via para se
erradicar a fome e a desnutrição e garantir a segurança alimentar duradoura
e sustentável para todos os povos.” (Fórum de Havana, 2001).
Segundo Maluf e Luz (2016), os conceitos de DHAA, Soberania
Alimentar estão fortemente ligados a SAN. O direito à alimentação, faz
parte dos direitos fundamentais da humanidade, para a promoção da SAN,
o autor considera que esses conceitos são indissociáveis. Além do direito
humano à alimentação adequada, soberania alimentar, está também a
promoção do desenvolvimento, que seja capaz de transformar a vida
das pessoas, tornando-as de fato cidadãos, e não mero consumidores de
alimentos.
A questão alimentar, em especial garantir a SAN dos povos, bem
como a soberania alimentar das nações, são questões preponderantes para
países em desenvolvimento. Portanto, deveriam ser pensadas como politicas
de estado e assim deveriam garantir, não somente apenas um sistema de
abastecimento, mas todo o conjunto de atividades desde a produção até
a mesa do consumidor. Incluindo nesta perspectiva todos os agentes ou
atores sociais que fazem parte do processo, sejam eles públicos ou privados
(Maluf; Luz, 2016).
Os sistemas agroalimentares, deveriam por intermédios dessas
políticas, tornar mais equitativos a disponibilidade física dos alimentos e a
sua comercialização, o que garantiria equidade social e melhor qualidade
de vida à população, promovendo o seu desenvolvimento.
Para Caporal e Costabeber, (2006), para que haja desenvolvimento
é necessário que tenhamos como meta, uma produção agropecuária que
Educação do Campo, Soberania Alimentar e Agroecologia:
o papel das tecnologias sociais no fortalecimento das comunidades locais
| 253
atenda às necessidades alimentares e nutricionais da população. Para o
autor garantir oferta de alimentos na quantidade suficiente e de forma
permanente, é possível, mas exige mudanças paradigmáticas, em especial
às formas de produção, que passem a ser sustentáveis.
Buscar novas formas de produção, nas quais a utilização racional dos
recursos naturais e a preservação da agrobiodiversidade, sejam elementos
centrais, se fazem cada vez mais necessárias. Um novo modelo exige a
criação de regramentos que fomentem a produção familiar agroecológica
e sustentável (Conselho Nacional de Segurança Alimentar E Nutricional
- CONSEA, 2004).
A agroecologia enquanto ciência, prática e movimento, foi assim
reconhecida, na implantação do Sistema Nacional de Segurança Alimentar
e Nutricional - SISAN, como promotora da SAN e do DHAA. O SISAN
desde 2012, defende a agroecologia como ciência, capaz de desenvolver a
agricultura familiar em especial, atrelando o direito humano à alimentação
adequada (Câmara Interministerial de Segurança Alimentar e Nutricional,
2012).
A promoção de Sistemas alimentares saudáveis e sustentáveis possui
destaque no Plano Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional –
PLANSAN 2016-2019 (Câmara Interministerial de Segurança Alimentar
e Nutricional, 2017), que consiste na promoção a produção de alimentos
saudáveis e sustentáveis, na estruturação da agricultura familiar e o
fortalecimento de sistemas de produção de base agroecológica.
Apoiando as iniciativas de promoção da soberania, segurança
alimentar e nutricional, do direito humano à alimentação adequada e de
sistemas alimentares democráticos, saudáveis e sustentáveis em âmbito
internacional, por meio do diálogo e da cooperação com outros países ,
situação contrária à que é vivida atualmente no cenário nacional, face à
posição do governo brasileiro, quanto às políticas de incentivo à produção
agroecológica e para desenvolvimento da agricultura familiar, que a cada
safra se vê com maiores dificuldades para se manterem no campo.
A pobreza no campo e nas cidades é decisivamente um fator
para a insegurança alimentar, ela causa a irregularidade e a alimentação
Silvia Aparecida de Sousa Fernandes; Bernardo Mançano Fernandes
Davis Gruber Sansolo (Orgs.)
254 |
inadequada, dando conforme Maluf e Luz (2016), origem a fenômenos
como fome e desnutrição.
[...] a desnutrição custa de 4 a 11% do PIB da Ásia e da África.
Em 2017, 155 milhões de crianças estavam com a altura abaixo
do recomendado para a idade e 52 milhões tinham o peso abaixo
do esperado com base em sua altura. Duas bilhões de pessoas têm
deficiências de micronutrientes e 815 milhões estão cronicamente
desnutridas (Swinburn et al., 2019, p. 5).
No relatório e Global Syndemic of Obesity, Undernutrition and
Climate Change, (Swinburn et al., 2019), a desnutrição, obesidade e os
problemas climáticos são considerados pandemias, esse conjunto representa
a Sindemia Global. A sindemia possui capilaridade e influencia os sistemas
alimentares, sistemas de transportes, o urbanismo e o uso da terra.
A estimativa de que o custo econômico atual da obesidade seja de
cerca de 2,8% de todo o Produto Interno Bruto (PIB) mundial, e quantos
aos custos econômicos futuros relativos as mudanças climáticas, a previsão
é superem valores de 5-10% do PIB mundial, podendo exceder 10% do
PIB de países em desenvolvimento (Swinburn et al., 2019).
A comissão que elaborou o relatório sobre a sindemia, apresenta
um horizonte não muito promissor quanto a soluções, apontando que a
participação social pode ser transformadora. O movimento social pode
construir nos níveis local, nacional e global, um sistema de governança,
que se faz necessário para vencer a inércia política. Uma vez que as políticas
governamentais dos países para à obesidade, à desnutrição e às mudanças
climáticas, são via de regra elaboradas de forma lenta e inadequada e
consideram as pandemias como problemas isolados.
Essa inércia política deriva da relutância dos gestores públicos em
implementar políticas efetivas, da forte oposição motivada por
interesses comerciais, e da demanda insuficiente por mudanças pela
população e sociedade civil. A desnutrição está diminuindo muito
lentamente para atingir as metas globais, nenhum país reverteu
Educação do Campo, Soberania Alimentar e Agroecologia:
o papel das tecnologias sociais no fortalecimento das comunidades locais
| 255
a epidemia de obesidade e as respostas políticas abrangentes às
ameaças das mudanças climáticas mal começaram (Swinburn et al.,
2019, p. 6).
Desta forma a conceituação como Sindemia Global das três
pandemias, considerado as suas interrelações e fatores comuns pode
contribuir para a nova narrativa necessária para acelerar esse movimento
social. Dentro deste contexto acreditamos que a agroecologia surge como
possibilidade estratégica para a minimização da sindemia, bem como
contribuindo para o desenvolvimento das pessoas e de suas comunidades,
eliminando assim desigualdades.
A pobreza rural, a fome nos campos e o êxodo resultam, em grande
medida, da falência da atividade produtiva rural de pequena e média
dimensão, com destaque à produção agrícola, ao que se somam
outros fatores. As rendas não-agrícolas rurais ou urbanas, que
integram a reprodução das famílias rurais, podem dar importante
contribuição para os que dispõem de recursos para desenvolvê-
las (turismo rural, artesanato, trabalho qualificado, etc.), porém,
frequentemente, elas se constituem em fonte precária de recursos
alternativos (ocupações de baixa remuneração). (Swinburn et al.,
2019, p. 8).
Os resultados alcançados por experiências agroecológicas têm
demonstrado, melhoria na produtividade, geração de renda, valorização
dos produtores no âmbito local, ampliação de variedades cultivadas
e com melhoria de sementes crioulas que lhes garantem autonomia na
hora do plantio. Maior aproveitamento de resíduos do agroecossistema e
principalmente redução do uso de agrotóxicos.
Desde 1962, com a publicação do livro Primavera Silenciosa por
Rachel Carson onde autora questionava o modelo agrícola e sua crescente
dependência dos derivados do petróleo, e do uso indiscriminado de
substâncias tóxicas na agricultura, sendo considerado por Ehlers (1999),
como o alicerce do pensamento ambientalista da época.
Silvia Aparecida de Sousa Fernandes; Bernardo Mançano Fernandes
Davis Gruber Sansolo (Orgs.)
256 |
A publicação de Carson foi seguida de trabalhos como de Paul R.
Ehrlich1 e de Garret Hardin, ambos em 1968 e, quatro anos mais tarde,
essa trilha ganharia o reforço de Meadowns. Esse conjunto de trabalhos
trazia em sua essência uma corroboração à teoria Malthusiana,
1
uma
vez que relacionavam a degradação dos recursos naturais ao crescimento
populacional.
Todavia, ainda assim, no campo das práticas agrícolas o que se viu
foi o predomínio absoluto do uso do modelo de produção baseado
no uso intensivo de insumos químicos e monocultura. No início da
década de 1970 esse modelo começou a ser questionado e surgiram
algumas proposições alternativas cujo movimento ficou conhecido
como agricultura alternativa, prevendo métodos de produção
agrícola que dispensam o uso de fertilizantes ou outros produtos
químicos, visando à conservação do solo, bem como a preservação
da fauna e da flora. (Pontes, 2015, p. 14).
No início da década de 1970 esse modelo começou a ser questionado
e surgiram algumas proposições alternativas cujo movimento ficou
conhecido como agricultura alternativa, prevendo métodos de produção
agrícola que dispensam o uso de fertilizantes ou outros produtos químicos,
visando à conservação do solo, bem como a preservação da fauna e da flora.
Neste período, no Brasil, pesquisadores como Ana Maria Primavesi,
Adilson Paschoal, Luís Carlos Machado, José Lutzemberger, criaram
contraposições ao modelo vigente e propuseram, se estudar novas formas
de produção.
Como podemos observar a agroecologia se apresenta como
possibilidade viável de enfretamento ao amplo conjunto de problemas
elencados até aqui, propicia o aumento da produção e melhora a qualidade
dos produtos, aumenta os rendimentos, contribui para preservação
Tomas Malthus (1766 – 1834) economista, demógrafo e sacerdote da Igreja Anglicana, publicou
anonimamente seu Essay on Population (Ensaio sobre a população), no qual afirma que a população
cresce em progressão geométrica, enquanto a produção de alimentos aumenta em progressão aritmética,
conhecida como teoria Malthusiana.
Educação do Campo, Soberania Alimentar e Agroecologia:
o papel das tecnologias sociais no fortalecimento das comunidades locais
| 257
ambiental e faz uso mais consciente dos recursos naturais, protege a
biodiversidade da fauna e flora e da biota do solo.
Weid (2004), defende que a combinação entre o aumento de
agricultores familiares com o uso da agroecologia permitiria um incremento
substancial na produção alimentar brasileira, com a vantagem da redução
de custos em relação aos pacotes tecnológicos do agronegócio. A agricultura
familiar já produz a maior parte dos alimentos consumidos no Brasil.
Para o autor o estudo da Universidade de Sussex, em uma avaliação
conservadora, analisando a produção de base agroecológica confirma a
hipótese de que a produção agroecológica pode garantir a quantidade,
qualidade e diversidade da oferta de alimentos, permitindo a ampliação
da produção garantindo as necessidades do país, sem causar prejuízo da
produção de comodities exportáveis como soja, milho e outros.
Quanto aos impactos da agroecologia na segurança alimentar
conforme Weid (2004), eles não devem ser esperados como solução
automática, o simples fato de ser agroecológico não garante uma melhor
remuneração, mas permite uma produção que economiza naquele fator
de produção mais escasso na agricultura familiar: os recursos financeiros
para a aquisição de insumos necessários em um sistema convencional e
minimiza-se os riscos dos agricultores frente a variações climáticas.
Fica evidente conforme Weid (2004), que um dos primeiros
resultados obtidos pela agroecologia é o aumento e a diversificação do
consumo familiar de alimentos a partir da produção própria. Ressaltando
que isso, nem de longe, representa uma volta ao passado, o autoconsumo
promove efeitos significativos na qualidade alimentar e com o bônus da
redução de gastos com produtos industrializados. Houve, segundo Weid
(2004), em seus estudos evidencias de manifestações culturais e também
relatos de ações de fomento de programas oficias para a implementação de
práticas de segurança alimentar e agroecologia, como a chamada 021/2016
do CNPq.
Todavia o autor não deixa dúvidas sobre seu posicionamento, que
reflete e corrobora com nosso pensar, atualmente 15 anos após o estudo de
Weid, observamos que as políticas governamentais estão muito distante de
Silvia Aparecida de Sousa Fernandes; Bernardo Mançano Fernandes
Davis Gruber Sansolo (Orgs.)
258 |
atender as demandas para promoção da agroecologia, programas de crédito
rural, assistência técnica, pesquisa, capacitação, educação, mercado, dentre
outros, são de fundamental importância para o enfrentamento das causas
estruturais geradoras da pobreza, fome e da desnutrição no país (Weid,
2004).
Para fomentar a agroecologia e dirimir parte desses bloqueios no
âmbito da região do entorno do Instituto Federal de São Paulo – IFSP
campus Boituva, juntamente de uma equipe de docentes que já havia
detectado esses problemas, idealizamos em 2016, um Projeto de Pesquisa
e Extensão Científica e Tecnológica, para concorrer a Chamada CNPq/
MCTIC/MAPA/MEC/SEAD Nº 21/2016, na Linha 1: Criação de
Núcleo de Estudo em Agroecologia e Produção Orgânica (NEA).
arCabouço metodológiCo do Nea boituva
A proposta tinha como objetivo a Criação do Núcleo de Estudo
em Agroecologia e Produção Orgânica (NEA- Boituva). Cuja pretensão
de tornar-se Centro de referência para o desenvolvimento territorial
sustentável fundamentado nos princípios, conhecimentos e práticas da
agroecologia, da produção orgânica e de base agroecológica, por meio de
ações que integrem atividades de ensino, pesquisa e extensão na região do
entorno do Campus Boituva do IFSP. Tendo como objetivos específicos;
1. Estudar, entender e confeccionar uma caracterização sobre
a organização dos sistemas de produção, processamento e
comercialização da agricultura familiar regional;
2. Analisar os processos de mobilização social e a construção de
narrativas e práticas ligadas à produção de alimentos e sua relação
com a soberania e segurança alimentar;
3. Fomentar processos de produção de base agroecológicas conforme
preconiza a Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão
Rural - PNATER;
Educação do Campo, Soberania Alimentar e Agroecologia:
o papel das tecnologias sociais no fortalecimento das comunidades locais
| 259
4. Capacitar os estudantes do IFSP e de outras instituições nas
temáticas deste projeto e contribuir para o desenvolvimento do seu
pensamento crítico, bem como de sua consciência socioambiental;
5. Qualificar agricultores familiares oferecendo a eles capacitações
em processos produtivos, de gestão, processamento e comercialização
visando organizar suas estratégias direcionando-os para processos de
produção sustentáveis e acessos a canais de comercialização. Apoiar
os produtores na criação de marcas e embalagens;
6. Capacitar às mulheres agricultoras gerir a produção de produtos
processados a parir da sua produção, agregando qualidade e valor;
7. Formar profissionais conhecedores de seus direitos e deveres na
atividade rural e em sua participação social plena, capacitando-os
para compreender a história do acesso à terra no Brasil e as políticas
públicas que fomentam a atividade rural;
8. Formar cidadãos conscientes da sua função socioambiental,
disponibilizando conhecimento técnico sobre as práticas agrícolas
sustentáveis a partir da transição agroecológica que contribuam para
sua manutenção e rentabilidade no campo bem como fomentar
processos de produção de base agroecológicas conforme preconiza a
Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural - PNATER;
9. Qualificar agricultores familiares nos conteúdos de soberania e
segurança alimentar, visando organizar suas estratégias de produção
sustentáveis e permitindo acesso a canais de comercialização a partir
do planejamento, gerenciamento e conhecimento sobre as técnicas
sustentáveis de plantio e colheita de suas produções, priorizando a
elevação da escolaridade, a melhoria na qualidade nutricional das
famílias, e a qualidade de produtos ofertados ao mercado consumidor;
10. Assegurar a troca de conhecimentos, tecnologias e metodologias
entre as agricultoras, comunidade acadêmica envolvida, extensionistas
rurais e entes do poder público, permitindo a formação de uma rede
interinstitucional que vise o desenvolvimento regional a partir da
sustentabilidade;
Silvia Aparecida de Sousa Fernandes; Bernardo Mançano Fernandes
Davis Gruber Sansolo (Orgs.)
260 |
11. Realizar intercâmbio de experiências entre os participantes de
forma a propiciar que estes sejam multiplicadores dos conhecimentos
adquiridos difundindo conhecimentos em atividades agrícolas
sustentáveis, buscando a melhoria da renda, melhoria da qualidade
de vida, melhores condições de trabalho, respeito à dignidade
humana e contribuir para ações sustentáveis para a promoção do
desenvolvimento regional.
A proposta foi contemplada e teve início em fevereiro de 2017, a
metodologia que norteia o projeto é a troca de saberes uma tendência
pedagógica que visa levar educandos e educadores a atingir um nível
de consciência da realidade onde vivem e busquem em sintonia a sua
transformação. Os conteúdos trabalhados de forma participativa, através
de grupos de discussão onde há prevalência do diálogo e da consciência
coletiva, ou seja, ele parte de conhecimentos preexistentes dos envolvidos
e em situação de igualdade, são buscadas as melhores soluções de forma
construtivista, evitando assim a aplicação e uso de pacotes tecnológicos
prontos e sim valorizando o saber e o conhecimento empírico dos
envolvidos.
A proposta previu a realização de 10 Encontros agroecológicos
com periodicidade mensal, nestes eventos foram estimulados a troca
de experiências e debates sobre a temática da agroecologia e do
desenvolvimento sustentável de forma multidimensional. Esses encontros
aconteceram sempre com a presença de um professor moderador, num
primeiro momento com foco na transição agroecológica e produção de
alimentos, e depois tendo concentração maior na inserção em mercados e
na comercialização.
Realizamos oficinas e dias de campo para que fossem trabalhados
outros temas transversalmente a agroecologia, como: Gênero, saúde da
mulher, integração social, cultural e política dentre outros. Para a realização
destas oficinas contamos com apoio e parcerias de órgãos públicos e das
demais instituições parceiras no projeto.
Educação do Campo, Soberania Alimentar e Agroecologia:
o papel das tecnologias sociais no fortalecimento das comunidades locais
| 261
O NEA - Boituva fomentou o intercâmbio, por meio da participação
em eventos como simpósios, fóruns e outros da mesma natureza e pela
criação de fóruns e plataformas virtuais que agregaram aos discentes,
bolsistas, docentes - pesquisadores, agricultores familiares, técnicos e
gestores públicos que fazem parte do Projeto.
Realizamos em 2019, cursos de Formação continuada em
Segurança alimentar e nutricional, Planejamento da Produção sustentável
e Comercialização Agrícola com destaque para as plantas medicinais,
este curso teve seu início previsto para dezembro de 2019 a pedido dos
agricultores familiares. Para além dessas atividades o projeto previa uma
visita técnica em horta ou SAF já implantado na região, e a realização
de uma feira com produtos oriundos dos alunos do curso e de outros
agricultores familiares no Campus Boituva (2018/2019).
Figura 2 - Feira de produtores no IFSP
Fonte: Acervo NEA Boituva, 2019.
o CurSo de SeguraNça alimeNtar e NutriCioNal para mulHereS
Dentro da execução do NEA, a equipe submeteu ao Edital nº
301 - PRX - Submissão de Cursos de Extensão - 2019.2, a proposta do
curso Bases em Segurança Alimentar e Nutricional, com duração de 40
Silvia Aparecida de Sousa Fernandes; Bernardo Mançano Fernandes
Davis Gruber Sansolo (Orgs.)
262 |
horas, visava disseminar o conhecimento sobre a segurança alimentar e
nutricional (SAN) e suas dimensões.
A partir de questões relacionadas à gestão, políticas públicas, direitos
humanos, soberania alimentar, sustentabilidade, saúde e qualidade de vida.
Realizado no segundo semestre de 2019, por uma equipe de formação
interdisciplinar, composta por administradores públicos, nutricionista,
agrônomos, zootecnista, economista, engenheiro de produção e técnicos
de logística.
O público alvo eram mulheres alfabetizadas com idade superior
a 16 anos, embora a proposta prevê-se 20 vagas, foram matriculadas 23
mulheres dos municípios de Boituva e Iperó, em sua maioria assentadas da
reforma agrária.
As aulas abordaram desde uma introdução à SAN (histórico, conceitos
e metodologias), passando pelas políticas públicas, participação social e
planos municipais, alimentação e nutrição, agroecologia e extensão, gestão
logística, empreendedorismo socioambiental, panorama socioeconômico
local a oficinas culinárias e práticas de vivência no campo.
Quadro 1 – Componentes curriculares do curso de SAN
Componente curricular Horas aula
1. Introdução à Segurança Alimentar e Nutricional (SAN): aspectos históricos,
conceituais e metodológicos
(4 horas)
2. Panorama socioeconômico de Boituva/SP (4 horas)
3. Agroecologia e Extensão: experiências no campo (4 horas)
4. Políticas públicas de SAN: planos municipais e participação social (4 horas)
5. Gestão de Logística nos sistemas agroalimentares (4 horas)
6. SAN e empreendedorismo socioambiental (4 horas)
7. Alimentação, Nutrição e Saúde: de que nos alimentamos? (4 horas)
8. Oficina culinária: alimentos PANCS (4 horas)
Educação do Campo, Soberania Alimentar e Agroecologia:
o papel das tecnologias sociais no fortalecimento das comunidades locais
| 263
9. Dia de campo: vivencias agroecológicas (8 horas)
10. Encerramento e entrega de certificados 18/12 no IFSP
Fonte: NEA Boituva (2019).
As aulas ocorreram nos assentamentos entre os meses de setembro
a novembro de 2019, as alunas terão a formatura em 18 de dezembro
juntamente com alunos dos cursos técnicos do campus.
oS deSafioS regioNaiS para a agroeCologia
Como vimos anteriormente o NEA apresentou um conjunto amplo
de ações, todavia, para a superação de desafios consideramos as discussões
promovidas por ocasião do Fórum Regional de agroecologia, onde mais
de 300 participantes puderam debater os caminhos para fortalecimento
regional da agroecologia como proposta sustentável de produção.
As discussões do fórum geraram a Carta de Boituva que trouxe as
demandas discutidas em 5 eixos norteadores a saber: ATER, Educação e
Agroecologia, Gênero e Juventude, Reforma agrária e Políticas Públicas e
Produção e comercialização. Embora todos os eixos permeiem a questão
do desenvolvimento regional a discussão sobre produção e comercialização
foi a que mais apresentou desafios, como as dificuldades culturais, falta
de assistência técnica (principalmente no acompanhamento da produção),
de infraestrutura para a questão de produção e organização com destaque
para implementos e suplementos, de comunicação (internet, celular),
sendo esta necessária para a operacionalização, dificuldade de certificação
e todo processo que a envolve (certificadora, legislação, custos), a cultura
e dominação dos sistemas agroalimentares em relação à diversidade de
produtos, a exigência do mercado por produtos de uma diferente realidade,
e o domínio do mercado no acesso ao consumidor final.
Com isso, vemos como saída a conscientização de um novo modelo
de consumo, como a Comunidade que Sustenta a Agricultura – CSA,
Silvia Aparecida de Sousa Fernandes; Bernardo Mançano Fernandes
Davis Gruber Sansolo (Orgs.)
264 |
são 3 existentes na área de abrangência do projeto, onde a lógica solidária
predomina no circuito curto de comercialização.
O NEA realizou outras frentes, como o mapeamento da produção
regional/local para conhecimento e fortalecimento de parcerias com
restaurantes, proposições de cardápios, processamento estratégico (para o
tempo de estoque de um produto e agregação de valor), organização de
redes para compra coletiva e da reflexão neste setor a respeito da soberania
alimentar dos agricultores, os quais estão se esforçando em trabalhar com
o manejo agroecológico, mas que muitas vezes, caem na contradição da
oferta de mercados convencionais, que na maioria das vezes exportas as
divisas para fora da região onde estão instaladas suas matrizes,
Com base nas discussões percebemos claramente a correlação entre
as dimensões discutidas, uma não caminha sem a outra, e a comercialização
da produção que seria o coroamento da atividade de produção, se torna
ao produtor um amargo evento gerador de desgaste e por vezes prejuízos.
O NEA Boituva tem atuado diretamente nestes gargalos observados,
seja por ações formativas, ações de pesquisa e ações de extensão e ainda
que incipiente já são possíveis ser observados alguns resultados dessas ações,
como pelo planejamento da produção agroecológica , melhoria no arranjo
social dos agricultores familiares, maior engajamento destes nas ações de
venda para o PNAE, dentre outras.
O que nos permite concluir que o NEA Boituva tem desempenhando
a contento a sua missão, mesmo com todas as dificuldades inerentes a
um campus onde não há cursos das ciências agrárias, mas que usa
tecnologias e conhecimento para superação das dificuldades no âmbito do
desenvolvimento regional.
A criação de sites para a venda direta ao consumidor a criação da marca
Quintais de Ipanema, são ferramentas desenvolvidas pela equipe do NEA,
na tentativa de superação desses problemas. Nos dois anos de atividade
do NEA Boituva forma mais de 30 ações de pesquisa, ensino e extensão,
focadas num primeiro momento no plantio da semente agroecológica,
ações mais focadas a produção, seguidas de ações que pudessem melhorar
Educação do Campo, Soberania Alimentar e Agroecologia:
o papel das tecnologias sociais no fortalecimento das comunidades locais
| 265
os processos e estratégias de comercialização, e por consequência reflexos
na segurança alimentar.
O curso de SAN, nasceu fruto dessa semente e pela participação das
mulheres, que trouxeram essa demanda, o que legitima a mulher como
elemento central para a soberania alimentar como proposto pelo relatório
do Fórum de Havana em 2001.
No conjunto produção, comercialização e segurança alimentar/
soberania alimentar, há uma trama de especificidades, e a agroecologia
entra como pano de fundo que agrega os elementos dessa trama, facilita
sua integração, é obvio que existem dilemas e embates a serem superados.
Todavia, se não fossem pela agroecologia plantada aqui, estaríamos ainda
mais longe de colher autonomia para as famílias de agricultores, autonomia
essa que lhes contribui sensivelmente com a sua segurança e soberania
alimentar e com o desenvolvimento regional.
A guisa da conclusão, o papel do Núcleo de Estudos em agroecologia,
embora as ações ainda estejam por se concretizar, já nos mostra resultados
significativos dentro do contexto regional, seja pela efetiva participação
dos agricultores ou mesmo pela quebra da inércia do poder público e da
resistência pelos circuitos tradicionais de comercialização. A agroecologia
se mostra eficiente para solução desta trama, há um maior engajamento de
consumidores, e assim a indissociabilidade propostas para a Agroecologia/
Segurança alimentar e nutricional/DHAA e Soberania alimentar, começam
a florescer juntas e em breve poderemos realizar a colheita dessa safra de
alto valor.
referêNCiaS
ALMEIDA, S. G.; PETERSEN, P.; CORDEIRO, A. Crise socioambiental e
conversão ecológica da agricultura brasileira subsídios à formulação de diretrizes
ambientais para o desenvolvimento agrícola. Rio de Janeiro: AS-PTA, 2001.
ALTIERI, M. Agroecologia: a dinâmica produtiva da agricultura sustentável. Porto
Alegre: Ed. da UFRGS, 1998.
Silvia Aparecida de Sousa Fernandes; Bernardo Mançano Fernandes
Davis Gruber Sansolo (Orgs.)
266 |
CÂMARA INTERMINISTERIAL DE SEGURANÇA ALIMENTAR E
NUTRICIONAL. Plano Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional:
PLANSAN 2016-2019. Brasília, DF, 2017.
CÂMARA INTERMINISTERIAL DE SEGURANÇA ALIMENTAR E
NUTRICIONAL. Conselho de Direitos Humanos. Agroecologia e o direito
humano à alimentação adequada: relatório de Olivier de Schutter, Relator Especial
da ONU para Direito à Alimentação, apresentado ao Conselho de Direitos Humanos
Décima sexta sessão - Item 3 da agenda “Promoção e proteção de todos os direitos
humanos, direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais, inclusive o direito ao
desenvolvimento”. Brasília, DF, 2012.
CARSON, R Primavera silenciosa. São Paulo: Gaia, 2010.
CAPORAL, F. R.; COSTABEBER, J. A. Segurança alimentar e agricultura sustentável:
uma perspectiva agroecológica. Revista Brasileira de Agroecologia, Porto Alegre, v. 1,
n. 1, nov. 2006. 11 p. Disponível em: http://revistas.aba-agroecologia.org.br/index.php/
rbagroecologia/article/view/5840. Acesso em: 20 abr. 2021.
CONSELHO NACIONAL DE SEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIONAL.
Princípios e diretrizes de uma política de segurança alimentar e nutricional: textos
de referência da II Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional. Brasília,
DF, 2004.
FÓRUM MUNDIAL SOBRE SOBERANIA ALIMENTAR. Declaração final do
Fórum Mundial sobre Soberania Alimentar. Havana, 2001.
GIORDANI, R. C. F.; BEZERRA, I.; ROSA DOS ANJOS, M. de C. Semeando
agroecologia e colhendo nutrição: rumo ao bem e bom comer. In: SAMBUICHI, R.
H. R.; MOURA, I. F.; MATTOS, L. M.; ÁVILA, M. L.; SPÍNOLA, P. A. C.; SILVA,
A. P. M. (org.). A política nacional de agroecologia e produção orgânica no Brasil.
Brasília, DF, 2019. cap. 15. p. 433-454. Disponível em: https://www.ipea.gov.br/portal/
images/stories/PDFs/livros/livros/144174_politica_nacional_agroecologia_cap15.pdf.
Acesso em: 25 out. 2019.
MOSTAFA HABIB; M. E. D. Agricultura brasileira é deficiente. Revista do Instituto
Humanitas, Unisinos, São Leopoldo, n. 368, jul. 2011.
MOUSINHO, P. Glossário. In: TRIGUEIRO, A. (coord). Meio Ambiente e no século
21: 21 especialistas falam da questão ambiental nas suas áreas de conhecimento. 5. ed.
Campinas: Armazém do Ipê, 2008. p. 10-43.
PLOEG, J. D. V. D. Camponeses e a arte da agricultura: um manifesto
Chayanoviano. São Paulo: Editora Unesp; Porto Alegre: Editora UFRGS, 2016.
PONTES; F. A. A formação do técnico em agroecologia na escola Professora Nair
Luccas Ribeiro, no assentamento Gleba XV de Novembro, SP: sua gênese e seus
egressos. 2015. Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal de São Carlos, Araras,
2015.
Educação do Campo, Soberania Alimentar e Agroecologia:
o papel das tecnologias sociais no fortalecimento das comunidades locais
| 267
PRIMAVESI, A. M. Agricultura sustentável: manual do produtor rural. São Paulo:
Nobel, 1992.
SEVILLA GUZMÁN, E. Agroecología y agricultura ecológica: hacia una
re”construcción de la soberanía alimentaria. Revista Agroecología, Córdoba, v. 1, p.
7-18, 2006.
WEID J. M. V. D. Agroecologia: condição para a segurança alimentar. Revista
Agriculturas, Rio de Janeiro, v. 1, n. 0, set. 2004. Disponível em: https://orgprints.
org/19949/1/Weid_agroecologia.pdf. Acesso em: 25 out. 2019.
MALUF, R. S.; LUZ, L. F. Sistemas alimentares descentralizados: um enfoque de
abastecimento na perspectiva da soberania e segurança alimentar e nutricional. Rio de
Janeiro: Observatório de Políticas Públicas para Agricultura, 2016.
SWINBURN, B. A.; KRAAK, V. I.; ALLENDER, S.; ATKINS, V. J; BAKER,
P. I.; BOGARD, J. R.; BRINSDEN, H.; CALVILLO, A. de; SCHUTTER, O.;
DEVARAJAN, R.; EZZATI, M.; FRIEL, S.; GOENKA, S.; HAMMOND, R. A.;
HASTINGS, G.; HAWKES, C.; HERRERO, M.; HOVMAND, P. S.; HOWDEN,
M.; JAACKS, L. M.; KAPETANAKI, A.B.; KASMAN, M.; KUHNLEIN, H. V.;
KUMANYIKA, S.K.; LARIJANI, B.; LOBSTEIN, T.; LONG, M. W; MATSUDO,
V. K.R.; MILLS, S. D. H.; MORGAN, G.; MORSHED, A; NECE, P. M.; PAN, A.;
PATTERSON, D. W.; SACKS, G.; SHEKAR, M.; SIMMONS, G. L.; SMIT, W.;
TOOTEE, A.; VANDEVIJVERE, S.; WATERLANDER, W. E.; WOLFENDEN, L.;
DIETZ, W. H. e global syndemic of obesity, undernutrition, and climate change:
e Lancet Commission report. Lancet, London, v. 393, n. 10173, p. 791-846, 23 Feb.
2019. DOI: 10.1016/S0140-6736(18)32822-8. Disponível em: https://www.thelancet.
com/action/showPdf?pii=S0140-6736%2818%2932822-8. Acesso em: 20 abril 2021.
268 |
S  A
| 271
O  
Silvia apareCida de SouSa ferNaNdeS
Docente no curso de graduação em Ciências Sociais na Universidade
Estadual Paulista (UNESP), Faculdade de Filosofia e Ciências, Marília e no
Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Territorial na América
Latina e Caribe – TerritoriAL, no Instituto de Políticas Públicas e Relações
Internacionais - IPPRI/UNESP, São Paulo. Doutora em Sociologia pela
Universidade Estadual Paulista, Faculdade de Ciências e Letras, Araraquara.
Mestre e licenciada em Geografia pela Universidade Estadual Paulista,
Faculdade de Ciências e Tecnologia, Presidente Prudente. Professora
Livre-docente pela UNESP (2019). Líder do grupo de pesquisa Centro
de Pesquisas e Estudos Ambientais (CPEA), da Faculdade de Filosofia e
Ciências, Unesp, Marília e pesquisadora do Centro de Ciência e Tecnologia
em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional – INTERSSAN e
Grupo de Estudos da Localidade (ELO).
sas.fernandes@unesp.br
berNardo maNçaNo ferNaNdeS
Docente nos cursos de graduação e pós-graduação em Geografia da
Universidade Estadual Paulista (UNESP), na Faculdade de Filosofia
e Ciências, Presidente Prudente e no Programa de Pós - Graduação em
Desenvolvimento Territorial na América Latina e Caribe – TerritoriAL,
no Instituto de Políticas Públicas e Relações Internacionais - IPPRI/
Silvia Aparecida de Sousa Fernandes; Bernardo Mançano Fernandes
Davis Gruber Sansolo (Orgs.)
272 |
UNESP, São Paulo. Doutor em Geografia pela Universidade de São
Paulo. Pós-doutorado pelo Institute for the Study of Latin American and
Caribbean - University of South Florida (2008) Professor Livre-Docente
pela UNESP (2013). Coordenador da Cátedra UNESCO de Educação do
Campo e Desenvolvimento Territorial, no IPPRI e membro do Consejo
Latinoamericano de Ciencias Sociales (CLACSO). Pesquisador do Núcleo
de Estudos, Pesquisas e Projetos de Reforma agrária (Nera) e da REDE
DATALUTA. Pesquisador do Conselho Pedagógico Nacional do Programa
Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera) no Instituto Nacional
de Colonização e Reforma Agrária (Incra).
mancano.fernandes@unesp.br
daviS gruber SaNSolo
Docente nos cursos de graduação e pós-graduação na Universidade
Estadual Paulista – (UNESP), Campus Litoral Paulista. Graduação em
Geografia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1987), Mestrado
em Geografia Física pela Universidade de São Paulo (1996) Doutorado em
Geografia Física pela Universidade de São Paulo( 2002). Pós Doutorado
na COPPE, UFRJ, 2007. Vice coordenador Executivo do Instituto de
Políticas Públicas e Relações Internacionais-IPPRI. Líder de grupo de
pesquisa sobre Conservação da Natureza da Zona Costeira e Coordenador
do Laboratório de Planejamento Ambiental e Gerenciamento Costeiro
– LAPLAN e do do Centro de Ciência e Tecnologia em Soberania e
Segurança Alimentar e Nutricional – INTERSSAN. Presidente do Grupo
Setorial de Gerenciamento Costeiro da Baixada Santista.
davis.sansolo@unesp.br
| 273
A,  
lia piNHeiro
Doutora em Estudos Latino-Americanos pela Universidad Nacional
Autónoma de México - UNAM (2013), com período sanduíche no Centro
de Estudios Superiores de México y Centroamérica (CESMECA). Mestre
em Sociologia pela Universidade Federal do Ceará (2004). Graduada em
Ciências Sociais pela Universidade Federal do Ceará (2000). Professora
Adjunta da Universidade Estadual do Ceará, no Programa de Pós-
Graduação em Sociologia (PPGS), no Mestrado Acadêmico Intercampi
em Educação e Ensino (MAIE) e na Faculdade de Educação de Crateús
(FAEC). Líder do Grupo de Pesquisa Pensamento Social e Epistemologias
do Conhecimento na América Latina e Caribe. Pesquisadora do Conselho
Latino-Americano de Ciências Sociais (CLACSO). Pesquisadora do
Programa Alternativas Pedagógicas y Prospectiva Educativa en América
Latina (APPeAL-UNAM). Pesquisadora do Laboratório de Estudos
em Educação do Campo (LECAMPO). Pesquisadora da Rede Latino-
Americana de Pesquisa em Educação do Campo, Cidade e Movimentos
Sociais - Rede PECC-MS.
lia.barbosa@uece.br
Silvia Aparecida de Sousa Fernandes; Bernardo Mançano Fernandes
Davis Gruber Sansolo (Orgs.)
274 |
maria rita marqueS de oliveira
Doutora em Ciência dos Alimentos pela FCFAR/USP, atua como docente
e pesquisadora na UNESP, Instituto de Biociências de Botucatu –
Departamento de Ciências Humanas e Ciências da Nutrição e Alimentação.
Coordenadora do Centro de Ciência e Tecnologia em Soberania e Segurança
Alimentar e Nutricional – INTERSSAN. Faz parte da Rede-SANS: Rede
de defesa e promoção da alimentação saudável adequada e solidária e Rede
Latino-americana em ensino pesquisa e extensão em soberania e segurança
alimentar e nutricional (Rede-LASSAN) e membro do mecanismo de
facilitação da participação das universidades no conselho de segurança
alimentar e Nutricional da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa.
maria-rita.oliveira@unesp.br
mileNa CriStiNa SeNdão ferreira
Nutricionista, pós-doutoranda em gestão de projetos pelo Instituto de
Biociências - UNESP, Botucatu-SP. Atua junto à equipe de coordenação
do Centro de Ciência e Tecnologia em Soberania e Segurança Alimentar e
Nutricional – INTERSSAN.
milena.ferreira@unesp.br
liliaN ferNaNda galeSi paCHeCo
Possui graduação em Nutrição pelo IBB/UNESP, doutorado em
Alimentos e Nutrição pela FCFAR/ UNESP e pós-doutorado pelo IBB/
UNESP. Atualmente é gestora de processos formativos e pós-doutoranda
no Centro de Ciência e Tecnologia em Soberania e Segurança Alimentar
e Nutricional – INTERSSAN, pelo IBILCE/UNESP. Atua nos temas:
processos formativos em segurança alimentar e nutricional no contexto
da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, vigilância alimentar
nutricional e nutrição do idoso.
lilian.galesi@unesp.br
Educação do Campo, Soberania Alimentar e Agroecologia:
o papel das tecnologias sociais no fortalecimento das comunidades locais
| 275
rodrigo maCHado moreira
Possui graduação em Medicina Veterinária pela Universidade Estadual
Paulista Júlio de Mesquita Filho - UNESP Botucatu (1998), mestrado
em Planejamento e Desenvolvimento Rural Sustentável pela Universidade
Estadual de Campinas UNICAMP (2003) e doutorado em Agroecologia
pela Universidade de Córdoba - Espanha (2011). Foi Professor de Extensão
Rural e Coordenador do NERA - Núcleo de Extensão Rural Agroecológica
na Universidade Estadual da Paraíba - Campus II da UEPB - Lagoa Seca
– PB entre 2012 e 2017 e realizou seu pós-doutorado na UNESP de
Botucatu entre 2017 e 2021. Atualmente é pesquisador colaborador do
INTERSSAN - Centro de Ciência e Tecnologia para Soberania e Segurança
Alimentar e Nutricional.
rodrigoagroecologia@hotmail.com
Carla maria vieira
Nutricionista, sanitarista (FCM/UNICAMP) e especialista em processos
educacionais em saúde (IEP-HOSPITAL SÍRIO-LIBANÊS). Mestre em
Ciências Nutricionais (FEA/UNICAMP). Doutora em Ciências Médicas
- Saúde Mental (FCM/UNICAMP)
Docente/Facilitadora em projetos de apoio ao SUS (PROADI-SUS) do
HOSPITAL SÍRIO-LIBANÊS. Pesquisadora-colaboradora do Centro de
Ciência, Tecnologia e Inovação para Soberania e Segurança Alimentar e
Nutricional (INTERSSAN- UNESP/BOTUCATU)
vcarlamaria@gmail.com
Silvia Aparecida de Sousa Fernandes; Bernardo Mançano Fernandes
Davis Gruber Sansolo (Orgs.)
276 |
martHa aliCia Cadavid CaStro
Nutricionista- Dietista. Magíster en Ciencias de la Alimentación y
Nutrición Humana con énfasis en Nutrición Pública. Profesora Escuela
de Nutrición y Dietética- Universidad de Antioquia, Medellín- Colombia.
Integrante Unidad de Análisis de Políticas Alimentarias y Nutricionales y
del Grupo de Investigación en Determinantes Sociales y Económicos de la
Situación de Salud y Nutrición
martha.cadavid@udea.edu.co
julia maría moNSalve álvarez
Nutricionista- Dietista. Especialista en Administración de Servicios de
Salud. Magíster en Ciencias de la Alimentación y Nutrición Humana
profundización en Nutrición Pública
Profesora Escuela de Nutrición y Dietética- Universidad de Antioquia,
Medellín. Integrante Unidad de Análisis de Políticas Alimentarias y
Nutricionales
julia.monsalve@udea.edu.co
giNNa marCela rodríguez CaSallaS
Nutricionista- Dietista. Magíster en Seguridad Alimentaria y Nutricional
gimrodriguezca@unal.edu.co
Educação do Campo, Soberania Alimentar e Agroecologia:
o papel das tecnologias sociais no fortalecimento das comunidades locais
| 277
Sara eloíSa del CaStillo matamoroS
Nutricionista- Dietista. Licenciada en Educación, Especialidad en Química
Magister en Desarrollo Educativo y Social. Doctora en Ciencias Sociales
Niñez y Juventud. Profesora Departamento de Nutrición- Universidad
Nacional de Colombia, Bogotá. Coordinadora Observatorio de Soberanía
y Seguridad Alimentaria y Nutricional. Líder Grupo de Investigación
Equidad y Seguridad Alimentaria y Nutricional
sedelcastillom@unal.edu.co
liNa maría vélez aCoSta
Ingeniera de Alimentos. Magíster en Desarrollo. Profesora Facultad de
Ingeniería Agroindustrial- Universidad Pontificia Bolivariana, Medellín.
Coordinadora Maestría en Innovación en Agronegocios. Grupo de
Investigaciones Agroindustriales
lina.velez@upb.edu.co
diaNa patriCia giraldo ramírez
Ingeniera Agroindustrial. Especialista en Gestión de la Innovación
Tecnológica. Doctora en Ingeniería con énfasis en Gestión Tecnológica.
Profesora Facultad de Ingeniería Agroindustrial- Universidad Pontificia
Bolivariana, Medellín. Coordinadora Doctorado y Grupo de Investigación
en Gestión de la Tecnología y la Innovación
dianap.giraldo@upb.edu.co / diana.giraldog@upb.edu.co
Silvia Aparecida de Sousa Fernandes; Bernardo Mançano Fernandes
Davis Gruber Sansolo (Orgs.)
278 |
joSé giaComo baCCariN
Professor Livre Docente do Departamento de Economia, Administração e
Educação da Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias, Universidade
Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP), campus de
Jaboticabal, desde 1980. Graduação em Agronomia pela FCAV/UNESP,
Mestrado em Economia Agrária pela Escola Superior de Agricultura Luiz de
Queirós/USP, Doutorado em Engenharia de Produção pela Universidade
Federal de São Carlos. Credenciado como Professor e Orientador junto
ao Programa de Pós-Graduação em Geografia da UNESP, campus de Rio
Claro. Pesquisador do Grupo de Pesquisa Segurança Alimentar e Ações
Institucionais. Ministra aulas de Desenvolvimento Rural e Políticas
Agropecuárias. Tem se dedicado a dois temas de pesquisa: Políticas para
a Agricultura Familiar, vinculadas à Segurança Alimentar e Nutricional;
Desempenho do Complexo Sucroalcooleiro no Brasil, com destaque aos
efeitos sobre a ocupação agrícola.
jose.baccarin@unesp.br.
joNataN alexaNdre de oliveira
Doutorando em Geografia pela Universidade Estadual Paulista Júlio de
Mesquita Filho, UNESP/Rio Claro/ SP e Estágio de Doutoramento na
Universidade de Lisboa/Portugal, com tese sobre compras públicas da
agricultura familiar. Mestrado em Geografia pela UNESP/Rio Claro/SP,
com dissertação sobre compras públicas da agricultura familiar. Graduação
em Geografia Licenciatura pela Universidade Federal de Alfenas UNIFAL/
Alfenas/MG. Associado à Associação dos Geógrafos Brasileiros (AGB).
Pesquisador do Núcleo de Estudos Agrários (NEA) e Grupo de Pesquisa
Segurança Alimentar e Ações Institucionais.
jonatan.oliveira@unesp.br
Educação do Campo, Soberania Alimentar e Agroecologia:
o papel das tecnologias sociais no fortalecimento das comunidades locais
| 279
guStavo Caique pereira Negrão
Graduação em Geografia pela UNESP, Faculdade de Filosofia e Ciências,
Presidente Prudente. Membro do Centro de Estudos de Geografia do
Trabalho – CEGeT, Centro de Estudos do Trabalho Ambiente e Saúde
– CETAS e Núcleo de Estudos em Agroecologia do Pontal – NEAPO.
negrao_gustavo@outlook.com
luCaS Souza Silva
Graduação em Geografia pela UNESP, Faculdade de Filosofia e Ciências,
Presidente Prudente. Membro do Centro de Estudos de Geografia do
Trabalho – CEGeT, Centro de Estudos do Trabalho Ambiente e Saúde –
CETAS e Núcleo de Estudos em Agroecologia do Pontal – NEAPO. lucas.
campesino@hotmail.com
CarloS alberto feliCiaNo
Pesquisador III – Departamento de Geografia na Universidade Estadual
Paulista (UNESP), Faculdade de Ciências e Tecnologia, Presidente
Prudente, credenciado no Programa de Pós-Graduação em Geografia,
UNESP de Presidente Prudente e no Programa de Pós-Graduação em
Desenvolvimento Territorial América Latina e Caribe.
carlos.feliciano@unesp.br
Silvia Aparecida de Sousa Fernandes; Bernardo Mançano Fernandes
Davis Gruber Sansolo (Orgs.)
280 |
Camila ferraCiNi origuéla
Licenciada/bacharel em Geografia pela Faculdade de Ciências e Tecnologia
(FCT) da Universidade Estadual Paulista (UNESP), campus de Presidente
Prudente. Mestre em Geografia pela Faculdade de Ciências e Tecnologia
(FCT) da Universidade Estadual Paulista (UNESP), campus de Presidente
Prudente. Doutora em Geografia pela Faculdade de Ciências e Tecnologia
(FCT) da Universidade Estadual Paulista (UNESP), campus de Presidente
Prudente. Realizou doutorado sanduíche no International Institute of Social
Studies (ISS), da Erasmus University Rotterdam, em Haia na Holanda,
através do projeto CAPES-NUFFIC “Governance of Labour and Logistics
for Sustainability” (GOLLS). Atualmente é pesquisadora colaboradora no
Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Territorial na América
Latina e Caribe do Instituto de Políticas Públicas e Relações Internacionais
(IPPRI), da Universidade Estadual Paulista (UNESP), campus de São
Paulo.
camila.ferracini@unesp.br
aNdrea gómez Herrera
Licenciada en Sociología. Doctoranda en Ciencias Agropecuarias en la
Universidad de Buenos Aires (UBA). Ayudante de Primera Diplomado
en la Cátedra de Sociología Rural Especial en Universidad Nacional de
Santiago del Estero (UNSE). Miembro del Grupo de Sociología Rural
del INDES-FHCSYS/UNSE-CONICET. Investiga temas vinculados al
Desarrollo Rural, Políticas estatales y comunalidades rurales.
andreagh90@gmail.com
Educação do Campo, Soberania Alimentar e Agroecologia:
o papel das tecnologias sociais no fortalecimento das comunidades locais
| 281
CriStiáN jara
Doctor en Humanidades. Profesor Adjunto en la Universidad Nacional
de Santiago del Estero (UNSE). Investigador Adjunto del CONICET
y Miembro del Grupo de Sociología Rural del INDES-FHCSYS/
UNSE-CONICET. Investiga temas vinculados a Agricultura Familiar y
Ordenamiento Territorial.
cristianjara_cl@hotmail.com
raquel biutróN vuelta
Graduação em Ciências Sociais, Especialização em Gestão Pública,
Mestre em Educação. Analista em Reforma e Desenvolvimento Agrário
no INCRA/Brasil. Integrante do Grupo de Pesquisa Rede DATALUTA/
Unesp/Brasil. Doutoranda na UNC – Universidad Nacional de Córdoba,
Argentina. Doutorado Sanduíche na Universidade de Oregon, USA.
raquel.vuelta@incra.gov.br
adriaNo pereira doS SaNtoS
Bacharel em Ciências Sociais pela Universidade Estadual Paulista (UNESP).
Mestre e Doutor em Sociologia pela Universidade Estadual de Campinas
(UNICAMP). Atualmente é Professor Adjunto do Instituto de Ciências
Humanas e Letras (ICHL), da Universidade Federal de Alfenas (UNIFAL-
MG), onde atua e coordena o curso de Ciências Sociais - Licenciatura.
Tem experiência de ensino, pesquisa e extensão na área das Ciências
Sociais, atuando especialmente com a Sociologia, Sociologia do Trabalho,
Sociologia Rural, Sociologia Ambiental e Agroecologia.
adriasantos81@gmail.com.
Silvia Aparecida de Sousa Fernandes; Bernardo Mançano Fernandes
Davis Gruber Sansolo (Orgs.)
282 |
eStevaN leopoldo de freitaS CoCa
Professor Adjunto do Instituto de Ciências da Natureza (ICN) (curso
de Geografia), da Universidade Federal de Alfenas (UNIFAL-MG),
onde é coordenador do curso de Licenciatura em Geografia. Professor
Permanente do Programa de Pós-graduação em Geografia da UNIFAL-
MG. Pesquisador Credenciado do Instituto de Políticas Públicas e Relações
Internacionais (IPPRI), da Universidade Estadual Paulsta (UNESP).
É doutor em Geografia pela Unesp, campus de Presidente Prudente-SP,
com período sanduíche no Institute for Resources, Environment and
Sustainability (IRES), da Faculty of Land & Food Systems - University of
British Columbia (UBC), em Vancouver, no Canadá. Cursou a graduação
em Geografia e o mestrado em Geografia na UNESP. É membro do Núcleo
de Estudos, Pesquisas e Projetos de Reforma Agrária (NERA) da UNESP
e do Grupo de Estudos Regionais e Socioespaciais (GERES), da UNIFAL-
MG. Tem experiência na área de Geografia, atuando principalmente nos
seguintes temas: soberania alimentar/segurança alimentar, desenvolvimento
territorial, reforma agrária, assentamentos rurais e políticas públicas.
Contato: estevan.coca@unifal-mg.edu.br
leoNardo leNCioNi mattoS SaNtoS
Discente do curso de Licenciatura em Geografia pela Universidade Federal
de Alfenas (UNIFAL-MG). Membro do Grupo de Estudos Regionais e
Socioespaciais (GERES) da Rede DATALUTA. Desenvolve pesquisas de
iniciação científica e participa de projetos de extensão que possuem como
tema a soberania alimentar e a Agroecologia.
Contato: leolencioni@gmail.com
Educação do Campo, Soberania Alimentar e Agroecologia:
o papel das tecnologias sociais no fortalecimento das comunidades locais
| 283
joSé roberto Salvaterra
Discente do curso de Bacharelado em Geografia pela Universidade Federal
de Alfenas (UNIFAL-MG). Membro do Grupo de Estudos Regionais e
Socioespaciais (GERES) da Rede DATALUTA. Desenvolve pesquisas de
iniciação científica e participa de projetos de extensão que possuem como
tema a soberania alimentar e a Agroecologia.
josersalvaterra@gmail.com
leoNardo moreNo lima CapellaNeS
Graduação em Ciências Sociais na Universidade Estadual Paulista,
Faculdade de Filosofia e Ciências, Marília. Graduado em Comunicação
Social, pelo Centro Universitário Toledo (UNITOLEDO). Foi bolsista
de Iniciação Tecnológica, com apoio do CNPq/MCTI, no Centro de
Ciência e Tecnologia em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional –
INTERSSAN, com sede no Instituto de Biociências, da Unesp, Botucatu.
Integra o grupo de pesquisa Centro de Pesquisas e Estudos Ambientais
(CPEA), da Faculdade de Filosofia e Ciências, Unesp, Marília
maria Clara gregório arCari
Graduação em Ciências Sociais na Universidade Estadual Paulista,
Faculdade de Filosofia e Ciências, Marília. Foi bolsista de Iniciação
Tecnológica com apoio do CNPq/MCTI, no Centro de Estudos e Pesquisas
Agrárias e Ambientais (CPEA), com sede no Faculdade de Filosofia e
Ciências, da Unesp, Marília. Professora de Sociologia e Geografia na rede
estadual paulista
claragregorio@hotmail.com
Silvia Aparecida de Sousa Fernandes; Bernardo Mançano Fernandes
Davis Gruber Sansolo (Orgs.)
284 |
paulo eduardo teixeira
Professor na Universidade Estadual Paulista, Faculdade de Filosofia e
Ciências, Marília e do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais, na
Universidade Estadual Paulista, Faculdade de Filosofia e Ciências, Marília.
Doutor em História Econômica pela Universidade de São Paulo.
paulo.teixeira@unesp.br
fvio apareCido poNteS
Doutorando em Desenvolvimento Territorial e Meio Ambiente - UNIARA,
Mestre em Agroecologia e Desenvolvimento Rural pelo Centro de Ciências
Agrárias da Universidade Federal de São Carlos - UFSCar, graduado
pela Fatec de Presidente Prudente em Tecnologia em Agronegócios, com
especialização (MBA) em Gestão Ambiental Empresarial pela UNOESTE.
Professor Adjunto do Instituto Federal de São Paulo - IFSP/Campus de
Boituva na área de gestão, atualmente é Diretor Adjunto Educacional do
campus Boituva e coordenador do Núcleo de Estudos em Agroecologia,
fomentado do CNPq. Possui experiência com Gestão em Produção
Agropecuária, Gestão ambiental, Gestão Comercial - relacionamento
corporativo. Desenvolvimento Territorial, Gestão das Cadeias Produtivas
do agronegócio, Agroecologia, Políticas Públicas, Agricultura Familiar,
Extensão Rural, Estratégias de Comercialização e Gestão de Sistemas
Produtivos. Pesquisador Líder do Núcleo de Estudos e Pesquisas Avançadas
para o Desenvolvimento Sustentável -NEADS.
flaviopontes@ifsp.edu.br
Educação do Campo, Soberania Alimentar e Agroecologia:
o papel das tecnologias sociais no fortalecimento das comunidades locais
| 285
marCia Satiko takaNo poNteS
Graduanda em Nutrição pela Universidade Paulista – Campus Sorocaba,
pesquisadora do NEA Boituva atuando na área de segurança alimentar e
nutricional, produção orgânica e boas praticas na produção e manejo de
alimentos. Possui experiencia na produção orgânica de hortaliças, legumes
e verduras.
marciatkp@gmail.com
Catalogação Na publiCação (Cip)
Telma Jaqueline Dias Silveira
CRB 8/7867
Normalização
Maria Elisa Valentim Pickler Nicolino
CRB - 8/8292
Capa e diagramação
Gláucio Rogério de Morais
produção gráfiCa
Giancarlo Malheiro Silva
Gláucio Rogério de Morais
aSSeSSoria téCNiCa
Renato Geraldi
ofiCiNa uNiverSitária
Laboratório Editorial
labeditorial.marilia@unesp.br
formato
16 x 23cm
tipologia
Adobe Garamond Pro
Times New Roman
2023
Sobre o livro
Educação do Campo,
Soberania Alimentar e
Agroecologia:
o papel das tecnologias
sociais no fortalecimento das
comunidades locais
Silvia Aparecida de Sousa Fernandes
Bernardo Mançano Fernandes
Davis Gruber Sansolo
(Organizadores)
LUTAS ANTICAPITAL