Este livro decorrente de pesquisa de Mestrado tem a proposta de relatar
e analisar uma experiência com o intuito de levar as Danças Circulares
integradas aos Jogos Teatrais para o contexto escolar, com alunas e alunos
do Ensino Fundamental, anos iniciais. Tal proposta é pioneira de modo
a possibilitar aos estudantes participantes a expressividade como potencia-
lizadora de suas habilidades corporais, emocionais, sociais, cognitivas e
artísticas. É apresentada uma proposta educativa fundamentada teorica-
mente, com a criação de uma metodologia integrando as Danças Circu-
lares e Jogos Teatrais, além de trazer um relato do trabalho desenvolvido
durante sete anos por meio do projeto “Danças Circulares na Educação”,
em parceria com o Instituto Dança Viva de Holambra, com crianças dos
anos iniciais do Ensino Fundamental, em uma escola pública municipal.
Maria Angélica Urbano
Atriz, arte-educadora, professora de danças
circulares e contadora de histórias. Mora
em um lugar onde as águas doces correm
no centro da cidade. É mestre em Educação
pelo Programa de Pós-Graduação em Edu-
cação da Faculdade de Filosoa e Ciências,
UNESP, campus de Marília. É pós-graduada
em Teatro-educação, formada em Educação
terapêutica e terapia social, Pedagogia cura-
tiva, Artes Cênicas e Letras. É pesquisadora
e criou uma metodologia para o ensino das
Danças Circulares para crianças e adoles-
centes. No teatro atua como atriz e dirige
espetáculos teatrais desde 1995. Participou
de curtas e longas metragens. Pesquisa cul-
turas populares e é integrante da Congada
São Benedito e da Folia de Reis, ambas de
Mogi Guaçu. Trabalha com projetos edu-
cacionais e culturais, com experiência em
cursos de Formação para educadoras e edu-
cadores. Participou de cursos e workshops
com vários nomes nacionais e internacionais
da dança circular. Participou da gravação do
dvd de Maria Gabriele Wosien: Prayer Dan-
ces. Já conduziu rodas em diversas partes do
Estado de São Paulo, Itália e França.
Programa PROEX/CAPES:
Auxílio Nº 0039/2022
Processo Nº 23038.001838/2022-11
DANÇAS CIRCULARES E JOGOS TEATRAIS COM CRIANÇAS
Urbano


DANÇAS CIRCULARES E JOGOS TEATRAIS
COM CRIANÇAS:
vivências de uma artista educadora
Maria Angélica Urbano
Maria Angélica Urbano
DANÇAS CIRCULARES E JOGOS TEATRAIS
COM CRIANÇAS:
vivências de uma artista educadora
Marília/Oficina Universitária
São Paulo/Cultura Acadêmica
2024
UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA
FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS FFC
UNESP - campus de Marília
Diretora
Dra. Claudia Regina Mosca Giroto
Vice-Diretora
Dra. Ana Claudia Vieira Cardoso
Conselho Editorial
Mariângela Spotti Lopes Fujita (Presidente)
Célia Maria Giacheti
Cláudia Regina Mosca Giroto
Edvaldo Soares
Franciele Marques Redigolo
Marcelo Fernandes de Oliveira
Marcos Antonio Alves
Neusa Maria Dal Ri
Renato Geraldi (Assessor Técnico)
Rosane Michelli de Castro
Conselho do Programa de Pós-Graduação em Educação -
UNESP/Marília
Henrique Tahan Novaes
Aila Narene Dahwache Criado Rocha
Alonso Bezerra de Carvalho
Ana Clara Bortoleto Nery
Claudia da Mota Daros Parente
Cyntia Graziella Guizelim Simões Girotto
Daniela Nogueira de Moraes Garcia
Pedro Angelo Pagni
Auxílio Nº 0039/2022, Processo Nº 23038.001838/2022-11, Programa PROEX/CAPES
Parecerista: Luciana Ostetto - Docente do Departamento de Sociedade, Educação e Conhecimento (SSE),
Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense (UFF).
Capa: Rangel Egidio
Ficha catalográfica
Urbano, Maria Angélica.
U73d Danças circulares e jogos teatrais com crianças: vivências de uma artista educadora
/ Maria Angélica Urbano. Marília : Oficina Universitária ; São Paulo : Cultura
Acadêmica, 2024.
213 p. :il.
CAPES
Inclui bibliografia
ISBN 978-65-5954-455-4 (Impresso)
ISBN 978-65-5954-456-1 (Digital)
DOI: https://doi.org/10.36311/2024.978-65-5954-456-1
1. Ensino fundamental. 2. Arte na educação. 3. Escolas Exercícios e jogos. 4.
Danças. I. Título.
CDD 371.397
Catalogação: André Sávio Craveiro Bueno CRB 8/8211
Copyright © 2024, Faculdade de Filosofia e Ciências
Editora afiliada:
Cultura Acadêmica é selo editorial da Editora UNESP
Oficina Universitária é selo editorial da UNESP - campus de Marília
Dedico este livro à
minha mãe Célia Izildinha Campos Urbano
e a meu pai José Carlos Urbano.
SUMÁRIO
Prefácio | Alessandra de Morais..........................................................9
Entre danças circulares, jogos teatrais, educação e arte, um convite
para entrar na roda e afirmar a vida. Viva! | Luciana Esmeralda Ostetto
.....................................................................................................17
Prólogo: Abrem-se as cortinas........................................................21
1. Ato 1: Uma História para Contar...............................................27
2. Ato 2: A Dança e a Dança Circular.............................................37
2.1.Uma breve História da Dança
2.2. A dança Circular e Bernhard Wosien
2.3. A espiral de Maria-Gabriele Wosien
2.4. A mandala em movimento de Friedel Kloke
2.5. Dança Circular no Brasil
2.6. Roda de Dança Circular Sagrada
3. Ato 3: Tecendo fios na Arte/Educação: Danças Circulares e Jogos
Teatrais.........................................................................................93
3.1. O ensino da Arte no Brasil
3.2. Dança Circular na Educação e os Jogos Teatrais
3.3. As Danças Circulares para Crianças na escola
3.4. Encontros entre a Dança Circular e a Educação
4. Ato 4: Metodologia da pesquisa................................................149
4.1. Projeto “Danças Circulares na Educação”
5. Ato 5: Um sonho dançante.......................................................159
5.1. Novo ano e florescer
5.2. O início desse percurso rodeado pelas flores, cores e ritmos
6. Ato final e as considerações.......................................................183
Referências..................................................................................189
7. Anexo-conversas sobre as Danças Circulares com crianças.........199
9
https://doi.org/10.36311/2024.978-65-5954-456-1.p9-16
PREFÁCIO
O livro escrito por Maria Angélica, um de seus atos no palco
e dança da vida, poderia ser apresentado de muitas maneiras, por tanta
beleza e perspectivas que abraça. Entretanto, intui que deveria
escolher uma delas, e assim o fiz; sendo chamada para aquela que
melhor traduz o que reconheci como um dos mais significativos
aprendizados que tive ao dar as mãos para Maria Angélica, para juntas
firmarmos os passos para essa desafiadora dança que a academia nos
proporcionou, a do seu mestrado, do qual nasceu este livro. Maria
Angélica quem coreografou a dança, a mim coube ser sua
companheira, cuidadora e testemunha. Assim, na posição de assumir
uma perspectiva para falar sobre esta obra e seu processo, a escolhida
por mim foi a do ENCONTRO, e esse será o CENTRO gerador e
integrador desta Dança Circular Sagrada, que recebe o nome de
Prefácio.
Por meio de uma escrita autoral, respaldada pela
autoetnografia, esta obra foi laboriosamente construída por Maria
Angélica. De modo circular e não linear, ela narra aquelas vivências
como filha, criança, adolescente, estudante, jovem, mulher,
pesquisadora, artista e educadora, que, tecidas em uma rede de
encontros, culminaram em seu trabalho na escola pública com os
Jogos Teatrais e as Danças Circulares.
A partir de sua história de vida, a autora nos mostra a direção
das escolhas, passos, gestos, movimentos que possibilitaram o
encontro com as autoras e autores, mestras e mestres que fundaram
10
as bases para sua trajetória, trabalho e texto. Conduz-nos à história da
dança na humanidade; o ressurgimento e recriação do movimento de
Danças Circulares na Europa e seu desenvolvimento no Brasil; o
desenvolvimento dos Jogos Teatrais; o contexto da Arte na Educação;
o encontro e parceria com Petrus (e equipe) no Instituto Dança Viva;
a criação, planejamento e sistematização do projeto de Danças
Circulares e Jogos Teatrais com crianças de diferentes faixas etárias,
na escola pública; sua realização e avaliação; para então, um novo ciclo
ser coreografado e dançado, conforme a vida pulsar...
No decorrer do texto, também são nos revelados os muitos
encontros que compuseram esta obra, anteriores à sua escrita, os quais
foram geradores de sua força nutriz. Ainda criança, Maria Angélica
se encontrou com as (ou foi encontrada pelas) musas da Arte, e para
elas disse sim. Adolescente, reconheceu sua paixão no teatro;
transformou-se artista e educadora, desde cedo, desenvolvendo a Arte
e a Educação em escolas públicas. Jovem mulher, questionou modelos
patriarcais em alguns contextos do teatro e, então, encontrou-se com
os jogos teatrais, seara na qual vislumbrou a coerência e bases para o
fortalecimento de sua atuação como artista e educadora que lutava
pela livre expressão e emancipação. Na rua, reencontrou-se com a
cultura popular, de modo a integrar à sua vida a Folia de Reis e a
Congada. No Instituto Dança Viva, outro reencontro aconteceu,
naquele momento, com as Danças Circulares, as quais outrora haviam
lhe sido apresentadas por sua mãe, em casa, por meio de cantigas e
danças de roda. Desse reencontro (e de todos os outros encontros),
foi gerado o projeto “Danças Circulares na Educação”, do qual este
livro trata.
Quando tivemos nosso primeiro encontro em 2020, Maria
Angélica já desenvolvia esse trabalho na escola pública com as Danças
11
Circulares e os Jogos Teatrais. Seus olhos brilhavam ao contar sobre,
e pulsava em seu coração o anseio sincero por compartilhar (ao
mundo) toda essa potência. Desenvolver tal propósito por meio de
uma pesquisa de mestrado, foi então o caminho escolhido. Nesse
intento, demos as mãos e aceitamos nos entregar a essa dança, ainda
não coreografada. A cada encontro ensaiávamos os passos, a
gestualidade das mãos, buscando uma direção e substancialidade para
o texto. Maria Angélica indagava: como colocar em uma forma o que
acontecia nas escolas quando se encontrava com as crianças e
dançavam em (no) círculo? Como fazer caber em palavras tudo aquilo
que pulsava naqueles momentos? Era (é) tão grande! Eu via e sentia
em suas inquietações e perguntas o receio de reduzir o vasto, de fazer
morrer, pelas letras, o que era tão vivo e sagrado.
Aos poucos, Maria Angélica foi despertando para sua escrita,
que só poderia ganhar corpo se fosse pela autoetnografia. Sua Arte
não poderia ser sufocada, sua história não poderia ser escondida; se o
fosse, não haveria verdade (e vida) em suas palavras. Ela não poderia
se encontrar nelas e o leitor (a) não encontraria a essência desse
trabalho...Maria Angélica precisava de “permissão” e confiança para
Ser, para descobrir toda a riqueza dos encontros honrados em sua vida
e de tudo que havia construído, por meio deles, com paixão,
consciência, amor, resistência e muito trabalho. Assim, deu-se à luz a
uma escrita criativa, autêntica, reflexiva e analítica, que mesmo que
pelos limites da língua escrita não pudesse fazer realizar a vastidão do
momento em si, poderia expressar os fundamentos, a relevância e
grandeza do que era desenvolvido. Nessa dança, o ritmo foi se
modificando e a coreografia sendo composta. Foi então que os
encontros foram se dando consigo mesma, e Maria Angélica
reconheceu sua força e seu destino em trilhar caminhos que outras
12
mulheres não puderam fazer, mas que para ela erigiram as bases e
inspiração para aflorar sua capacidade de criar, gerar e nutrir seus
sonhos, que também se realizam com este livro.
Foi de tamanha beleza e aprendizado testemunhar e ajudar a
cuidar desse processo de encontros, descobertas e tomada de
consciência do trabalho que Maria Angélica desenvolve como artista
e educadora!
Ao levar para as crianças da escola pública os Jogos Teatrais e
as Danças Circulares, Maria Angélica desenvolve um trabalho de
resistência e revolução, que é original e inédito. A originalidade e o
ineditismo estão no encontro que realiza entre os Jogos Teatrais e as
Danças Circulares, com uma metodologia de trabalho (em
construção) fundamentada; a resistência e revolução estão em levar,
seja a Danças Circular, seja o Jogo Teatral, para a Educação, o que
ainda é tão pouco presente em todos os níveis de ensino no Brasil.
E quais são os aprendizados possibilitados quando as Danças
Circulares (e os Jogos Teatrais) fazem parte das atividades curriculares
da escola?
Para responder, dirijo-me para a perspectiva que adotei para
escrever este prefácio, a do encontro, e volto-me, especialmente, para
as Danças Circulares, sobre as quais me sinto autorizada a falar ao
considerar minha história, formação e atuação, uma vez que, em
2017, fui arrebatada pela musa da Dança...
Nessa direção, aponto para alguns dos múltiplos encontros
que as Danças Circulares, essa tecnologia milenar, promove quando
presente nas escolas.
Encontro da criança com sua própria criança. Levar as Danças
Circulares para as escolas, é permitir à criança o direito de ser criança.
Algo tão óbvio, natural e simples, mas que tem sido negado por meio
13
de muitas políticas, concepções e práticas de escolarização, quando a
criança é obrigada a permanecer sentada em carteiras enfileiradas,
dentro de uma sala de aula, quase que o tempo inteiro do seu dia. E
quando lhe é solicitado, predominantemente, a função do
pensamento nas atividades escolares, alienando-a do lúdico, de sua
natureza, da expressão corporal e de tantos outros modos de interação
consigo e o meio.
Encontro da criança com sua integralidade, em termos das
dimensões que a constituem: física, cognitiva, sociomoral, afetiva,
cultural, estética, ecológica... Em contraposição àquilo que muitas
vezes ocorre nas escolas, de se enfocar predominantemente uma única
dimensão, a cognitiva (e ainda de forma transmissiva), com as Danças
Circulares a criança é convidada a integrar diferentes dimensões do
seu Ser. Ela vivencia a dança corporalmente, interagindo
circularmente com seus pares e educadores (as), sob ritmos, gestos e
temas de povos de diferentes culturas, de modo a colocar em ação o
conhecimento lógico-matemático, do mundo físico e social.
Múltiplos sentimentos são animados, os quais são acolhidos,
respeitados e valorizados na roda. O senso estético, a sensibilidade, a
contemplação, o senso de pertencimento, a diversidade e a celebração
são experimentados e desenvolvidos. Os ciclos, seres e elementos da
natureza também são dançados, despertando a consciência de que os
ritmos, a água, a terra, o ar e o fogo nos constituem, e juntos fazemos
parte da dança que sustenta a teia da vida. A criança experencia e se
reconhece como natureza, desenvolvendo uma sapiência ecológica e
o sentimento de pertencimento e afiliação à Terra.
Encontro da criança com os símbolos ancestrais e
contemporâneos. As Danças Circulares mediante os símbolos que são
dançados em suas diferentes coreografias, permite a integração do
14
consciente com conteúdos do inconsciente pessoal e coletivo, com
imagens arquetípicas, os quais (de algum modo) são incorporados e
movimentados em gestos, passos, sentidos, músicas, temas...
Trazendo assim ao campo educativo, da formação do Ser, a força e
sabedoria de tesouros da humanidade, que nos apontam para
caminhos de esperança e evolução, tão necessários e urgentes
considerando a crise planetária atual. Com as Danças Circulares, é
possível vivenciar e ressignificar o círculo, o centro, a geometria
sagrada, as diferentes direções dos passos, de como podemos caminhar
na vida e pisar na Terra (com firmeza, com leveza, com certeza, com
confiança...), do entrelaçar as mãos com equilíbrio no dar e receber,
da fronteira e limites de cada um, dentre tantos outros aspectos.
Encontro da criança com os diferentes conteúdos escolares,
uma vez que pelas Danças Circulares é possível trabalhar múltiplas
áreas do conhecimento e disciplinas, e de forma inter e
transdisciplinar.
Sabemos que a escola (já) é um lugar privilegiado de
encontros, porém precisa cuidar da qualidade desses encontros.
Necessita trazer práticas circulares, metodologias ativas, expressivas e
cooperativas, fundamentadas e sistematizadas, para que esses
encontros sejam de respeito mútuo, equitativos, democráticos,
diversos, promotores do senso de pertencimento e de comunidade, e
de desenvolvimento integral.
Por isso, e por tantos outros motivos, defendemos o encontro
das Danças Circulares e dos Jogos Teatrais com as crianças na escola
e com as educadoras e educadores. Afinal, somente é possível
promover esse encontro às crianças se as educadoras e educadores
permiti-lo consigo. Com isso temos nos dedicado e nessa direção
temos nos movimentado - Maria Angélica, o Instituto Dança Viva,
15
eu e tantas outras e outros educadores(as), dançantes, artistas, para
levar as Danças Circulares à formação inicial e continuada de
professoras e professores. E é sobre isso que esta obra também trata,
sendo especialmente dirigida aos profissionais da Educação.
Por fim (que é um recomeço), além de sua profundidade,
solidez, relevância, atualidade e originalidade, esta obra traduz aquilo
que elegi como CENTRO para este Prefácio, e que Maria Angélica
nos ensina: a honrar e dizer sim a cada um dos ENCONTROs ao
longo da vida. Seja na Arte, na Cultura Popular, na Educação Básica,
na Universidade, no mestrado, seus olhos brilham, seu Ser se entrega
ao novo e, assim, ela conduz a cena, a roda, a pesquisa, a escrita.
Quando nos encontramos com Maria Angélica, reaviva em nós a
esperança e força para continuar e Ser; desperta o movimento que
gera ação, criatividade, amor, presença e luz. Qualidades
fundamentais para manter vivo o fogo que movimenta o círculo, a
dança da vida, e que deve também movimentar a Educação. Assim,
convido o(a) leitor(a) a dar as mãos à Maria Angélica, honrar a
sacralidade desse encontro e se entregar a essa linda Dança Circular
Sagrada, com a qual ela nos presenteia! Que esse encontro traga
muitos aprendizados, transformações e entusiasmo, e que possa
alcançar e aquecer o coração de todas as crianças da Terra...
Com gratidão,
Alessandra de Morais
Primavera de 2023.
16
17
ENTRE DANÇAS CIRCULARES, JOGOS
TEATRAIS, EDUCAÇÃO E ARTE, UM CONVITE
PARA ENTRAR NA RODA E AFIRMAR A VIDA.
VIVA!
O livro que temos em mãos, é resultado de uma pesquisa de
mestrado e traz como tema o ensino das Danças Circulares para
crianças, integrada aos Jogos Teatrais. A experiência pregressa da
autora, como arte-educadora, atriz e focalizadora de danças circulares,
é a fonte das questões discutidas no conteúdo produzido, que, em sua
multiplicidade, apresenta importantes elementos para se pensar/fazer
um caminho que contribua para sensibilizar e fazer aflorar a expressão
nos percursos da Educação Básica. Dentre as questões discutidas, com
competência e profundidade, identificamos uma, que considero
fundante e fundamental: a contribuição da articulação entre duas
práticas - as Danças Circulares e os Jogos Teatrais - , no campo da
arte/educação. A autora argumenta que tais práticas contribuem para
intensificar a união do grupo, além de despertar o olhar para si em
conexão com o corpo e com a mente. Praticadas em um espaço-tempo
coletivo, oportunizam aos estudantes experienciar o gesto, cultivar
relações indivíduo-coletividade, mantendo a identidade e ressigni-
ficando o conhecimento, pelas vias cognitiva, sensível, social e
pedagógica. Procedendo à leitura, pode-se testemunhar a potenciali-
dade do propósito que, por si só, já inspira e convida ao movimento.
Está estruturado em 6 capítulos, denominados de Atos, por
referência ao contexto teatral. 1º Ato - a partir de uma narrativa
memorialística, a autora introduz o leitor ao livro e contexto da
18
pesquisa que lhe deu base. No 2º Ato, uma breve história da dança
na humanidade é traçada, a qual se articula às informações sobre o
movimento das Danças Circulares, seus precursores e principais
características de uma roda de Danças Circulares, seus elementos
simbólicos, escolha de repertório, o papel de quem vai conduzir a roda
e outros aspectos. O 3º Ato foca a Arte, a Dança, a Arte/Educação e
os Jogos Tradicionais e Teatrais, desenvolvidos em seus conceitos e
práticas; uma proposta de trabalho para aulas de Danças Circulares
com crianças, envolvendo os Jogos Teatrais também é apresentada. O
4º Ato traz contribuições sobre a metodologia que guiou e sustentou
o estudo e a escrita. No 5º Ato, acompanha-se o relato do projeto
“Danças Circulares na Educação”, que inspirou e constituiu o
conjunto de dados da pesquisa de mestrado desenvolvida e
transformada no presente livro. A reflexão sobre o percurso no ensino
das Danças Circulares em sala de aula revela-se como grande
contribuição. No 6º Ato, como considerações finais, estão sínteses
integradoras. Há, ainda, uma outra parte, denominada “Anexo”: são
duas entrevistas sobre as Danças Circulares na Educação, realizadas
com focalizadores internacionais.
O livro, a começar pela temática que aborda, inscreve-se com
a força que irradia das rodas de dança: na circularidade, tece
encontros, afirma propósitos, projeta possibilidades de fazer educação
em outras bases, como resposta à violência e à indiferença que rondam
à escola, marcadamente na atualidade - com suas tragédias e
adoecimentos físico e psíquico. A cada página que se lê, a cada
imagem suscitada pelas histórias contadas, pelos (guar)dados
compartilhados, reconhecemos uma força vital: a esperança, que se
faz confiança - na educação, nos educandos, nos educadores. Que se
desdobra em ação, desde uma enunciação de primeira grandeza: é
19
preciso (mais) arte na educação! É preciso dançar a educação! É
preciso re-existir e re-inventar a educação. E celebrar a vida... que
pede para ser dançada, vivificando a memória daqueles e daquelas que
dançaram e fizeram o hoje ser possível, assim como cultivando o
círculo de saberes e fazeres ancestrais. Percorrendo as páginas,
sentimos/testemunhamos as marcas de uma autora-artista-educadora-
artesã de sonhos, brincante da cultura popular, buscadora de histórias,
narradora perspicaz e sensível, que ilumina caminhos, caminhadas e
caminhantes. Pois, sim, é de iluminação o livro que temos em mãos!
Farol de esperança - contra a violência e a indiferença. Mais que
nunca, é preciso acreditar e fiar possibilidades circulares, dançando,
jogando, teatralizando, em movimentos espirais que integrem razão e
sensibilidade, pensamento e sentimento, percepção e intuição, ciência
e arte, educação e vida! Autoria e autenticidade são marcas da pesquisa
que deu origem ao livro: trabalho acadêmico pulsante, tão habitado
das dimensões humanas que nos constituem, para além da
racionalidade. A autora, sob os auspícios de uma universidade
pública, é essencial assinalar, coreografou um trabalho singular e
necessário, haja vista que no campo de estudos e práticas das danças
circulares, a dança com crianças, na escola, é um campo a ser
desbravado. Ainda que tenhamos notícias de experiências sendo
realizadas aqui e ali pelo Brasil, um estudo realizado metodicamente
como investigação, sustentado em bases teóricas densas, com
profundidade e coerência, articulando as danças circulares com os
jogos teatrais, como o realizado pela autora, é original. Além de trazer
muito bem a história e articular diferentes campos de conhecimento,
a forma e o conteúdo caminham integrados, adicionando sabor aos
saberes revelados na pesquisa. É mesmo um livro para ser saboreado,
pois evidencia a inteireza de ser humano e a urgência de se
20
(re)humanizar as relações, conforme os paradigmas da
contemporaneidade. Pode-se fazer a leitura do conteúdo pela história
que conta, pela educação que cultiva, pela arte que pratica. Além de
todos esses campos, o livro também se lê pelas suas delicadezas,
gentilezas, respeito, conhecimento, reconhecimento, verdade, bonda-
de, ética, política, estética. O livro, como totalidade integradora do
vivido, afirma essencialidades: é preciso cultivar belezas, é preciso
espalhar belezas. Cultivar a dança e os jogos teatrais na educação é
como ninar as esperanças e a energia criativa, para afastar os horrores
e tormentos da desumanidade, para reafirmar que é preciso seguir, no
enfrentamento de toda forma de violência. O trabalho feito com as
crianças e o trabalho de escrita sobre a experiência, certamente
iluminará cantos insuspeitados de educadoras, de crianças, de escolas,
convidando-as a circular: afetos, gentileza, confiança, acolhida,
sensibilidades.
Luciana Esmeralda Ostetto
21
PRÓLOGO:
ABREM-SE AS CORTINAS
No teatro, antes do espetáculo começar, podemos ouvir três
avisos sonoros. Isso acontece para chamar a atenção do público e
antecede aquele instante mágico que está prestes a iniciar. Me sinto
assim. Estudei e me preparei durante meses para minha estreia como
mestranda, ao lado da minha orientadora Alessandra que me ajudou
com tanta delicadeza e amor. Há um desejo e um sonho que se realiza
aqui. Desejei por muito tempo, como curiosa que sou, estar nesse
processo acadêmico do mestrado. Sonhei quando parecia impossível
e, desde o primeiro momento nesse caminho meu coração foi forte
para sentir tantas emoções. Ah, que felicidade! Este livro tem origem
na minha pesquisa de mestrado.
Quando estreio um espetáculo e o apresento durante meses
ou anos vou percebendo o quanto aprendo a cada dia e o quanto há
de mudança no percurso. Vou me apropriando do ritmo da fala, da
relação com quem contraceno, das marcações, troca de figurino e
tanta coisa que envolve cada processo de criação. Aqui não, es
escrito! A beleza deste caminho de estudo no mestrado é que muitas
percepções novas vão surgindo e o desejo de buscar e aprender além
do que está aqui brota como uma semente e assim, mesmo deixando
este texto escrito, continuo nessa pesquisa que pulsa em meu coração.
Na Unesp de Marília recebi, desde o primeiro momento,
muita ajuda. Tanto de amigos que já tinha, quanto de novas amizades
que surgiram. Foi um período difícil e vivenciamos um momento
22
triste de nossa história, a pandemia. Em meio a tantas incertezas, estar
no mestrado trouxe luz, amor, felicidade e esperança. Eu recebi um
presente divino: ter como orientadora a Alessandra de Morais, que foi
luz e força. Atenciosidade em cada encontro, repleto de
ensinamentos. Me lembro do poema de Eduardo Galeano:
Diego não conhecia o mar. O pai, Santiago Kovakloff, levou-o
para que descobrisse o mar. Viajaram para o Sul. Ele, o mar,
estava do outro lado das dunas altas, esperando. Quando o
menino e o pai enfim alcançaram aquelas alturas de areia, depois
de muito caminhar, o mar estava na frente de seus olhos. E foi
tanta a imensidão do mar, e tanto seu fulgor, que o menino ficou
mudo de beleza. E quando finalmente conseguiu falar,
tremendo, gaguejando, pediu ao pai: - Pai, me ensina a olhar!
(GALEANO, p. 12, 2002).
Alessandra foi amiga, orientadora amorosa e cuidadosa em
todo o processo. Pedi sua ajuda em diversos momentos, para
conseguir olhar essa imensidão que se abria em minha frente, do
tamanho do mar. As águas salgadas que correm o mundo por todo o
tempo em tantos espaços.
Fiz a matrícula no Programa de Mestrado em janeiro de 2021.
Escolhi, com a ajuda da Alessandra as disciplinas que iria cursar, e
assim foi. Minha primeira disciplina foi Ética e Educação, com o
professor Alonso de Bezerra. Me preparei na mesa ao lado do meu
jardim, em meio às minhas plantas e estava curiosa para saber como
seria o início deste processo. Foi encantamento a cada aula com
reflexões que além de pensar e repensar a Educação, também nos
permitia olhar para nossas atitudes, escolhas, enfim, uma profunda
transformação. Cada um de nós escolheu seu tema para apresentar.
Escolhi o texto de José Américo Motta Pessanha: As delícias do
23
jardim. E assim, entre uma conversa e outra com amigas e amigos, eu
falava de Epicuro, como se fosse um conhecido. Apresentei meu
trabalho final sobre ele e escrevi sobre a relação desta disciplina com
o momento em que estávamos vivendo: tempo de isolamento e
reflexão sobre Epicuro. Depois, tive ainda a oportunidade de cursar
outras disciplinas que foram igualmente decisivas em meu percurso:
O conhecimento social no enfoque psicogenético: pesquisas,
instrumentos e implicações pedagógicas com a Professora Eliane
Giachetto Saravali, Escola: Perspectivas teórico-metodológicas em
análise com a Professora: Graziela Zambão Abdian, Tópicos
Especiais: Interculturalidade, espiritualidade e educação: abordagens
teóricas e metodológicas com o Professor: Alonso Bezerra de Carvalho
e Professores externos, Gênero e Educação: teoria e metodologia de
investigação com a Professora: Tânia Suely Antonelly e Teatro como
Alegoria, como aluna especial no Programa de pós-graduação em
Artes Cênicas da USP, São Paulo com a Professora e Mestra querida:
Ingrid Dormien Koudela, que me inspirou a rever meu trabalho no
ensino do Teatro e a quem eu esperava para conhecer há muito
tempo. Também participei do grupo de pesquisa corpo, dança,
complexidade e criatividade (CDCC) junto ao Laboratório de
Linguagens Corporais (LLICOR) da UFSCar com Yara Couto a
quem agradeço por tantas reflexões sobre esta pesquisa e que me
ajudou com cuidado e carinho neste percurso.
Abro simbolicamente as cortinas para iniciar minha escrita
com os agradecimentos a tanta gente especial que me acompanhou
nesta caminhada tão intensa e transformadora na universidade. Meu
pai José Carlos Urbano, meu irmão Rafael Campos Urbano, minha
irmã Maria Carolina Urbano e minha mãe Célia Izidinha Campos
Urbano. A todas as mulheres que vieram antes de mim na minha
24
família e aos meus ancestrais que caminharam vários percursos para
que eu pudesse estar aqui. Agradeço a minhas amigas, amigos e
amores pelo cuidado e atenção, em especial Cristina Sainte Marie que
me ouviu atentamente nas longas conversas e sempre me questionava
sobre toda a minha escrita. Um agradecimento também especial para
Petrus Schoenmaker, mestre e amigo que confiou em meu trabalho e
me ensinou tanto sobre as Danças folclóricas e circulares e é o coração
do projeto “Danças Circulares na Educação” que é uma inspiração
para esta minha pesquisa acadêmica. Lize de Block, amiga querida,
presente em todas as etapas do projeto mencionado a quem também
agradeço por ler a minha dissertação e me ajudar com apontamentos
importantes sobre o projeto desenvolvido e por me ouvir
atentamente. À Associação Dança Viva por ser um espaço de tanto
aprendizado, onde me encantei no curso de formação em Danças
Circulares e foi uma descoberta em minha vida. Olhando hoje para
os passos aprendidos nas danças, o caminho percorrido, fico muito
feliz em conhecer a família Dança Viva, que mudou a minha trajetória
e ainda mais, da qual tenho a honra de fazer parte como integrante da
sua história. Izabel Domingues que me ouviu com atenção e trouxe
muitas contribuições para meu trabalho, além de fazer a revisão de
minha escrita. Ingrid Dormien Koudela, que de forma atenciosa
escutou sobre esta pesquisa e trouxe reflexões durante todo este
percurso, no programa de mestrado. Com ela pude repensar meu
trabalho e mudar a prática do dia a dia. Cristiana Menezes pela
gentileza em ter realizado a tradução de alguns textos e por várias
reflexões sobre as Danças Circulares, Cristina Bonetti por ter me
enviado seus livros que têm riqueza inspiradora. Judy King que
também me enviou livros, Fido Wagler que sempre foi gentil e
prontamente respondeu algumas questões que enviei e tem um jeito
25
encantador de ensinar as Danças Circulares. Brant Bambery que
também respondeu algumas questões para esta pesquisa e tem a
alegria no coração que traz para a roda de danças. À Renata Ramos,
por ser uma inspiração e cuidar tão bem deste movimento chamado
Danças Circulares.
Maria-Gabriele Wosien, mestra querida, por nortear meu
escrever, por ter enviado um texto do seu pai e algumas fotos. Gabriele
é minha maior inspiração nas Danças Circulares.
À banca examinadora: Luciana Ostetto que eu conheci em
2010 durante a gravação de Prayer Dances de Maria-Gabriele
Wosien, de quem me lembro dos olhos brilhantes ao falar da pesquisa
que virou livro e é uma fonte de inspiração para tantas professoras e
professores. Alonso de Bezerra de Carvalho por ser um professor
atencioso e trazer reflexões importantes. Às suplentes da banca Tânia
Suely Antonelly, com seu olhar cuidadoso e Renata Maira Coimbra
pelos encontros dançantes e reflexões, ambas presenças importantes
como apoio.
Álvaro Pantoja Leite que leu atentamente e me ajudou a ver
detalhes que tivesse notado, Rafael Masotti, amigo querido que me
ajudou desde o primeiro momento, desde o processo seletivo, e à
tantas amigas e amigos que me ouviram, leram e me ajudaram.
Agradeço também, à todas as crianças que encontram comigo na arte
e a tantos mestres que tive. Já lhe agradeci, mas reforço minha
gratidão a Alessandra de Morais que tenho a honra de ter como a
minha orientadora nesta pesquisa por seu olhar atencioso a cada
momento de minha escrita, por respeitar e questionar minhas escolhas
e me ensinar com muito amor e delicadeza.
Antes de entrar em cena, o coração acelera, bate forte.
Quando eu era criança, nas primeiras vezes em que subi ao palco,
26
tinha a curiosidade em ver como o público estava e, por muitas vezes,
espiei pela coxia. Se eu pudesse trazer uma imagem agora, traria essa,
eu com os olhos brilhando, espio como esses meus escritos saem daqui
e vão encontrar com cada uma ou cada um que lê. Poderíamos pensar
que são palavras que se reúnem para contar histórias as quais se
entrelaçam com esta pesquisa. Mas digo com toda firmeza, que além
das palavras, trago a água doce, o rio, as sementes que viram flores ou
alimento junto com o vento que sopra minha escrita. Do meu
coração, assim falei. ABRAM-SE AS CORTINAS.
Figura 1. Foto da pintura feita por Maria Angélica Urbano em outubro de 2023
depois de uma roda de Danças Circulares com crianças.
27
ATO 1
UMA HISTÓRIA PARA CONTAR
“Nunca escrevi, sou apenas um tradutor de silêncios.
A vida tatuou-me os olhos, janelas em que me
transcrevo e apago”
Mia Couto
Há muito tempo, não tanto tempo assim, nascia uma menina
sonhadora no interior de São Paulo no dia 04 de setembro do ano de
1981. Carrego o nome de Maria, carrego também o nome da flor
branca e perfumada que cultivo em meu jardim, Angélica e Urbano,
que sempre foi motivo de piadas e brincadeiras na escola. Desde
pequena moro na cidade que recebe as águas doces do rio que
serpenteia como cobra, daí o nome tupi Mogi Guaçu. Também
pequenina, quis ser artista, não me lembro de desejar com tanta
vontade e amor outra profissão. Pude vivenciar muitas experiências
na arte, mas me encantei pelo teatro, de uma forma que não é possível
explicar. Me lembro quando estreei no palco, solo sagrado, onde é
permitido ao tempo se suspender e levar os espectadores para um
lugar encantado. Nos anos finais do Ensino Fundamental eu já dirigia
grupos de teatro. E além de artista, na adolescência, pude começar
meu percurso como arte educadora. Fui contratada para dar aulas de
teatro em escolas públicas, pela prefeitura da cidade vizinha onde
28
nasci, Mogi Mirim, no ano de 1998. Trabalhei em várias escolas e fui
percebendo o quanto era desafiador e incrivelmente maravilhoso estar
na Educação. Talvez pela admiração por tantas pessoas especiais que
me fizeram ver o mundo sempre de uma forma nova, além de estar
em constante aprendizado. Ou pelo contrário, a minha inquietação
no ensino que, na maioria das vezes, ficava preso em um conteúdo
que precisávamos memorizar para fazer a prova. Nas aulas de Artes,
eu sempre queria ir além do papel, do desenho. Coordenava grupos
de dança e teatro sem ajuda de nenhum professor. Dediquei a minha
vida para o estudo dessa arte, foram muitos cursos, espetáculos e
experiências.
Lembro que o ensino do teatro vinha de um autoritarismo
que me deixava intrigada. Era comum, dentro dos locais por onde eu
passava, ver diretores tidos como grandes sábios, muitas vezes
nervosos e que gritavam com atrizes e atores no palco, focando sempre
na finalização do processo, com o uso de marcações cênicas rígidas,
tendo como finalidade a apresentação do espetáculo. Não eram todos
assim, mas a maioria que eu conheci. Me lembro de sentir medo e,
por isso, não conseguir me expressar em cena, o que aconteceu várias
vezes. Eu demorei para me soltar, para entender que era possível
desenvolver a expressão de um outro jeito. Ao mesmo tempo, carrego
na memória um dia em que eu estava dirigindo um espetáculo, com
16 anos, as alunas e alunos que também eram meus amigos estavam
no palco e eu, sentada na platéia vazia, olhava com atenção a cada
movimento. Lembro do cheiro do teatro, da cenografia feita por nós,
do desenho da luz no palco e também de pensar: “Eu não vou ficar
gritando para fazer arte, não vou seguir esses professores, em sua
grande maioria homens, autoritários. Se for para fazer arte assim, não
vou ficar neste lugar”. E assim fui encontrando meu jeito como arte
29
educadora. Mais tarde, conheci os Jogos Teatrais sistematizados por
Viola Spolin (2001) e foi aí que minha forma de olhar para o processo
espontâneo de criação mudou. Vivenciei com algumas professoras,
professores, diretoras e diretores de espetáculos teatrais alguns jogos,
mas só me aprofundei no tema, quando cursei a Pós Graduação em
Teatro Educação, pela Faculdade Mozarteum em São Paulo, onde
tive como professor de Jogos Teatrais Joaquim Gama, quem me
trouxe um novo olhar, onde a doçura do ensino teatral me encantou
e foi uma das minhas maiores felicidades. Era possível abraçar a arte
de criação sem autoritarismo. Em 2021 cursei dentro do programa de
mestrado, como aluna especial, na pós-graduação em Artes Cênicas -
área da Pedagogia do Teatro, da Escola de Comunicações e Artes da
Universidade de São Paulo, a disciplina Teatro como Alegoria,
ministrada pela professora Dra. Ingrid Dormien Koudela. Em uma
das aulas discutimos a forma de ensino autoritária, patriarcal e rígida
do teatro entre os anos 80 e 90, e o quanto a maioria de nós, que
estávamos ali, tínhamos tido vivências parecidas, tanto em escola de
formação artística, grupos, espaços culturais ou na escola regular em
processos artísticos que resultaram em apresentação de espectáculos.
O que veio ao encontro do que já havia vivenciado na Arte, em minha
formação e atuação amadora e profissional como artista, e na
Educação, como estudante.
Ainda sobre a minha escolha como artista, descobri que queria
ser atriz profissional na minha infância e resolvi, na adolescência, com
apoio de minha mãe e de meu pai, que viajaria por uma hora, para
Campinas todas as noites, mesmo cursando o colegial, como era
chamado na época, para fazer um curso técnico profissionalizante de
teatro, com o propósito de conseguir o registro profissional. Meu
sonho, assim que me formasse, era morar na cidade grande, São
30
Paulo, na esperança de seguir a profissão. Não me mudei, embora eu
tenha sempre estado na estrada, mas segui a profissão de artista.
Minha mãe adoeceu e com isso minha vida mudou. Não queria parar
de estudar porque isso sempre foi algo que eu desejei e também queria
mudar a história das mulheres da minha família. Em 2003, já com o
registro profissional, e depois de ter cursado vários workshops, fiz o
meu primeiro, de muitos cursos, no Lume - Núcleo Interdisciplinar
de Pesquisas Teatrais da Unicamp, criado em 1985, em Campinas,
por Luís Otávio Burnier, ator, diretor e pesquisador; Carlos Simioni,
ator; Ricardo Puccetti também ator, e a musicista Denise Garcia.
Conheci um caminho e pessoas que me ajudaram a entender um
percurso inspirador para ser artista. Mas eu precisava de um diploma
e naquele momento escolhi ajudar minha mãe que precisava de
aulio em seu tratamento. Então me graduei em Letras em uma
faculdade da cidade e continuei os estudos no teatro em workshops,
cursos livres e apresentando espetáculos. Um tempo difícil que anos
mais tarde se transformaria em um dos meus maiores desafios:
conciliar meus desejos e vontades e cuidar de meu pai que ficou
acamado dias antes do falecimento de minha mãe. Cursei a pós-
graduação em Teatro-Educação e como já mencionei, foi que tive
aula de Jogos Teatrais com o professor Dr. Joaquim Gama. Nesse
momento, decidi resgatar uma das coisas da qual eu tinha saudade,
da infância: a Folia de Reis. Minha mãe e meu pai me levavam todos
os anos para acompanhar a Folia nas casas. Resolvi que meu tema de
pesquisa na pós-graduação seria: Cultura popular e teatro participando
no processo criativo do aluno-ator (URBANO, 2007), um trabalho que
eu já desenvolvia nas escolas, como professora e diretora de
espetáculos teatrais através de cantigas, jogos e brincadeiras
tradicionais. Fui em busca do guardião dessa tradição em Mogi
31
Guaçu, o Sr. Jair, amigo de infância do meu pai. Ele me convidou
para fazer parte da Congada e Folia, onde permaneço com muita
alegria até os dias de hoje. Logo em seguida conheci a Antroposofia e
me formei em Educação terapêutica e terapia social Pedagogia
curativa na Associação Beneficente Três Fontes, Campinas- SP.
A minha história com as danças em círculo começou quando
eu era pequena. Além das danças, lembro-me das brincadeiras de roda
em um tempo em que o asfalto virava espaçonave que percorria outros
planetas. Lembro quando eu, minha irCarolina e meu irmão
Rafael recebemos de presente de natal, um disco que se chama
“Cantigas de Roda”. Nós reuníamos amigos em casa e nossa mãe
dançava conosco. Passávamos horas dançando, cantando e brincando
com as músicas que saiam da vitrola, tocadas pelo disco de cor azul e
que parecia mágico. Era uma diversão. Mas foi só em 2009 que eu
tive contato com esse movimento chamado Danças Circulares, dentro
desse formato coletivo de dança de roda contemporânea, que será
explanado mais adiante no capítulo dois. Foi quando fiz a formação
no Instituto Dança Viva
1
, em Holambra, interior de São Paulo. No
capítulo cinco eu conto sua história, desde a fundação, em 2006 até
o momento da finalização da escrita da dissertação em Março de
2023.Lembro-me da felicidade que senti na primeira roda em que
dancei e sabia que isso mudaria minha vida. Naquele mesmo ano
comecei a fazer rodas de danças em escolas onde eu trabalhava com
aulas de teatro, componente extracurricular e aulas de arte dentro da
grade curricular. Paralelamente, fui atuando em parques, centros
culturais e com rodas de temas variados. Também me encantei pelas
histórias e seu poder ancestral e são nesses emaranhados que me
encontro.
1
www.dancaviva.com.br
32
Na arte e na vida, memória e história são personagens do mesmo
cenário temporal, mas cada uma se veste a seu modo. Neste texto
intercalarei memória e história. A história intelectual e formal,
usa a vestimenta acadêmica, enquanto a memória não respeita
regras nem metodologias, é afetiva e revive a cada lembrança.
(BARBOSA, 2014, p. 1).
E assim, já pedindo licença para contar um pouco de mim e
trazendo alguns estudos que fiz, compartilho desse sonho que se
transformou em realidade: o Mestrado, com orientação cuidadosa e
amorosa de Alessandra de Morais, cujo tema começa comigo menina,
criança, em um tempo onde o encantamento da vida era possível pelo
brincar, também estava no modo de observar a vida e na relação com
as plantas e a terra, onde eu passava horas. Me encantei pela Arte,
Teatro, brincadeiras, faz de conta, histórias e as danças de roda. Esse
encantamento também estava no dia a dia, em minha casa, como
exemplo trago a lembrança de uma tarde em que eu estava aguando
as plantas e minha mãe disse: “Você consegue ver como as plantas
ficam felizes quando você cuida delas? Elas estão sorrindo!” Me
lembro de achar um pouco estranho, mas mesmo assim, olhei com
atenção e naquele instante mágico que se eternizou em mim, pude ver
e continuo vendo até hoje, as plantas quando sorriem. É neste
encantamento da vida ligada em toda a sua imensidão que nasce a
minha verve na Arte, a minha criação como artista e arte educadora.
Escrevo sobre as plantas pela atenção e cuidado diário que me
ensinam, como se eu pudesse entrar em outra dimensão do tempo,
além da correria do dia a dia. Meu pé de café, as flores, e outras plantas
que cultivo têm o seu tempo de floração, colheita findar de ciclo e
renascer. Poder observar esse percurso é uma dádiva. Do mesmo
modo, quando eu posso observar o processo de afloramento da
33
expressão de alguma criança nas aulas de Teatro, Arte ou Dança. No
seu tempo, sem forçar ou exigir algo.
Nesse percurso, como relatei anteriormente, reencontrei-me,
já adulta, com as Danças Circulares quando trabalhava com a Arte
Teatral em apresentações como artista e, também, como artista
educadora em escolas, instituições e grupos com públicos de idades
diferentes, desde crianças, adolescentes, adultos e a terceira idade,
com pessoas que já tinham experiência nessa arte e outras não. Por
esse motivo, a integração das Danças Circulares com os Jogos
Teatrais, sistematizados pela norte-americana Viola Spolin e o Jogos
Tradicionais, pertencentes à memória coletiva e fonte de inspiração
para ela, foram de grande importância para minha trajetória,
realizada, desde 2009, em escolas onde eu trabalhava com aulas
extracurriculares de teatro e nas aulas regulares de Arte, como
potencializadora do desenvolvimento da expressão e contato com a
Arte. Em 2015, um dos fundadores do Instituto Dança Viva, o
holandês que chegou ao Brasil ainda criança, chamado de Petrus
Schoenmaker ou Piet (1944 -2020), convidou-me para, juntamente
com ele, criar o projeto Danças Circulares na Educação, que
descrevo a partir de minhas memórias e vivências no quinto capítulo
deste texto, sendo uma grande fonte de inspiração para mim.
Assim, esta pesquisa tem como propósito compartilhar minha
experiência com as Danças Circulares e os Jogos Teatrais no ambiente
escolar. Para tanto, o objetivo geral deste estudo é refletir sobre as
possibilidades do trabalho educativo na integração dos Jogos Teatrais
e das Danças Circulares na escola, a partir de vivências propostas por
uma artista educadora. Como objetivos específicos, pretende-se:
relatar o trabalho desenvolvido por meio do projeto “Danças
Circulares na Educação”, com crianças dos anos iniciais do Ensino
34
Fundamental, em uma escola pública municipal; analisar os
benefícios do projeto em pauta para as crianças participantes e o
ambiente escolar, tendo-se as Danças Circulares e os Jogos Teatrais,
como recursos educativos, artísticos, culturais e de desenvolvimento
integral.
Durante meu percurso de trabalho em diferentes escolas,
sempre recebi depoimentos positivos sobre o conteúdo relacionado
aos Jogos Teatrais e às Danças Circulares. E é por isso que ao longo
de minha escrita, trago elementos que são importantes na construção
de uma proposta como um caminho possível para fazer aflorar a
expressão. O foco desta pesquisa está no ensino das Danças Circulares
para crianças, integrada aos Jogos Teatrais, e não visa a montagem de
um espetáculo. Entretanto, como professora de teatro e artista
educadora, quando participo de processos teatrais tanto em escolas,
quanto em grupos profissionais ou amadores, em que normalmente
compartilhamos o que foi elaborado durante o processo de criação em
forma de apresentação, levo as Danças Circulares para intensificar a
união do grupo, além de despertar o olhar para si em conexão com o
corpo e a mente. Tratam-se de duas grandes potências para
ressignificar o conhecimento, onde cada aluna e aluno possam
experienciar o gesto em si, no coletivo e a relação que se dá através do
círculo no desenvolvimento de um caminho cognitivo, social e
pedagógico.
Atualmente, ainda é comum ver as crianças sentadas em
cadeiras enfileiradas em sala de aula. Por isso, o presente estudo busca
ser uma inspiração para que possamos trazer a Arte e o movimento
para o dia a dia escolar, além da contribuição acadêmica, social e
educativa. Uma inspiração que brota do meu coração, com um desejo
de continuar esse trabalho fortalecido pela pesquisa do mestrado e que
35
se abre ao infinito de pesquisas e relações que possam ser feitas por
esse estudo.
Sobre o percurso desta obra, neste primeiro capítulo conto
um pouco de mim e introduzo o leitor ao trabalho, apresento seus
objetivos e justificativa. No segundo, trago uma breve história da
dança na humanidade para, em seguida, contar sobre esse movimento
ancestral, as Danças Circulares. Apresento a trajetória de Bernhard
Wosien, considerado o precursor deste movimento na
contemporaneidade, ao lado de sua filha Maria-Gabriele Wosien. Em
seguida trago brevemente a contribuição de Friedel Kloke,
importante parceira de trabalho de Bernhard. Também conto o
percurso das Danças Circulares no Brasil e logo após, explico sobre o
que é uma roda de Danças Circulares, seus elementos simbólicos, o
papel de quem vai conduzir a roda, além de aspectos que
normalmente estão presentes, como por exemplo, o centro da roda,
escolha de repertório, entre outros cuidados.
Em seguida, no terceiro capítulo, olho para a Arte, a Dança,
a Arte/Educação e os Jogos Tradicionais e Teatrais, também
apresento uma proposta de trabalho para aulas de Danças Circulares
com crianças, envolvendo os Jogos Teatrais, e finalizo com um
levantamento a respeito das pesquisas sobre as Danças Circulares na
Educação com criança.Depois, no capítulo quatro, apresento a
metodologia autoetnográfica proposta em minha escrita. No capítulo
cinco, teço o relato do projeto “Danças Circulares na Educação” do
qual eu fiz parte e é a inspiração para esta pesquisa de mestrado,
refletindo sobre o meu percurso no ensino das Danças Circulares em
sala de aula. E no Capítulo 6, trago as considerações finais sobre o
percurso apresentado ao longo de toda a minha escrita. Em anexo,
apresento duas entrevistas sobre as Danças Circulares na Educação,
36
realizadas com Fido Wranger que foi aluno de Bernhard Wosien e
Brant da comunidade de Findhorn, na Escócia, onde o movimento
das Danças Circulares se inicou nesse formato contemporâneo, que
abordo nesta pesquisa. Também trago ao longo deste texto, desenhos
feito por crianças que participam de aulas de Danças Circulares e
Jogos Teatrais semanalmente comigo, há três anos, na escola que sou
professora de Arte, em Mogi Guaçu. Escolhi chamar cada capítulo de
Ato 1,2,3,4,5 e 6 para trazer este lugar que também me é tão especial,
o Teatro, e para reforçar as conexões que faço entre a vida e a Arte
com as histórias que se encontram e se entrelaçam por aqui.
Figura 2. Desenho de Ana Luiza, de 10 anos, que dança semanalmente em roda
37
ATO 2
A DANÇA E A DANÇA CIRCULAR
“A dança, como toda obra de arte, tem suas raízes na meditação.
A dança, neste contexto, refere-se à nossa herança espiritual.
Como memória do Paraíso, carregamos essa sabedoria profundamente
dentro de nossas almas: o dançarino que reflete as leis cósmicas em seus
movimentos é o homem, feito à imagem de Deus”.
Bernhard Wosien
O primeiro ato inicia, as luzes acesas vão clareando o que será
visto por aqui. O corpo, o movimento e a conexão entre o céu e a
terra, os mundos visíveis e invisíveis e as diferentes culturas. O corpo
dançante de um bailarino que se encantou pela arte e pela
espiritualidade, a profundidade do sagrado, movimento de oração e
espiral cósmica de uma pesquisadora e a delicadeza da bailarina que
teceu mandalas com corpos dançantes. Veremos como isso chega a
o coração de nós brasileiras e brasileiros, nesta terra que também já
escutava ensinamentos ancestrais de povos originários. Ao final, teço
uma possibilidade de transformar em palavras o que é dançar em roda
e quais elementos são importantes para que isso aconteça, nesse
movimento das Danças Circulares.
38
De ré, poderíamos dizer que no princípio era a folha. Outras
narrativas vão dizer que no princípio era o verbo. Outras ainda
vão criar paisagens bem diversas, e isso é maravilhoso. Entre
tantos mundos, me sinto especialmente tocado pelas histórias
que nos aproximam dos seres invisíveis aos olhos turvos de quem
não consegue andar na Terra com a alegria que deveríamos
imprimir em cada gesto, em cada respiro. Os antigos diziam que
quando a gente botava um mastro no chão para fazer nossos ritos,
ele marcava o centro do mundo. (KRENAK, 2022, p. 31-32).
Neste trecho de Ailton Krenak em seu livro Futuro ancestral,
ele conta que o centro a que se refere pode estar em tantos lugares, e
é no mínimo curioso pensar que em nossas rodas de Danças
Circulares temos um centro que nos guia como referência e é
harmonizador do círculo. Será que é esse mastro invisível dos antigos
que se torna físico em forma de algo que é colocado no centro da roda
e que nos conecta a esse movimento em ascensão das Danças
Circulares e transforma vidas, olhares e relações? Nessa mesma
reflexão, Krenak fala que esse mundo em que vivemos está numa
disputa instaurada pelo capitalismo e nos instiga ao dizer que as
memórias em cada canto do mundo possui uma grande força na voz
de cada povo, em narrativas plurais, ou na voz da montanha, do rio e
em tantos mistérios dos quais muitas vezes nos afastamos. Quando
nos permitimos ouvir essa voz, percebemos que há um caminho
diferente que pode ser sentido em nossa vida.
Uma breve História da Dança
A dança representa o movimento. Mesmo um bailarino
estático tem o movimento interno. Mas onde nasce o movimento? O
pulsar do ritmo?
39
Ellmerich (1962, p.13) em seu livro História da dança
escreve: “A dança, como movimento ordenado e rítmico, tem por
base as manifestações biológicas dos seres humanos e animais. São a
respiração e a pulsação que dirigem os movimentos.” Este movimento
é um caminho de encontro consigo mesmo e com o outro, uma vez
que a pessoa que o executa é um canal de expressão que aflora, pela
sua história de vida, percepções e forma de olhar o mundo, emoções
e possibilidades corporais, que, por sua vez, vão ao encontro do olhar
de quem observa. E, a partir desse olhar novas possibilidades de
criação podem surgir, já que o observador também tem a sua história
e faz o seu recorte do mundo conforme sua própria subjetividade.
A origem da dança está relacionada aos primórdios da
humanidade. Bourcier (2000, p.1) afirma que “O primeiro dançarino
tem 14000 anos [...]”. De acordo com o autor, em seu livro História
da Dança no Ocidente, registros feitos em cavernas mostram pessoas
dançando em círculo, como por exemplo a Roda de Addaura de 8000
aC, do tempo mesolítico. A dança reverbera o movimento para
expressar emoções, sentimentos e manifesta a cultura do povo.
A dança como expressão do homem movido pelo poder
transcendente é, assim, a forma artística mais antiga: antes de que
o homem expressasse sua experiência da vida mediante os
materiais, fá-lo com seu corpo. O homem primitivo dança em
qualquer ocasião: por alegria, por dor, por amor, por medo; ao
manhecer, na morte, no nascimento. O movimento da dança
proporciona-lhe um aprofundamento de sua experiência. Ao
dançar a imitação do som e os movimentos que observa ao seu
redor e sobretudo a expressão involuntária do movimento
mediante o som e os gestos, precede a qualquer som articulado
conscientemente e a qualquer dança ordenada. (WOSIEN, M-
G, 1997, p. 9).
40
O desejo de expressão está relacionado, no primeiro
momento, à sobrevivência. “O teatro dos povos primitivos assenta-se
no amplo alicerce dos impulsos vitais, primários, retirando deles seus
misteriosos poderes de magia, conjuração, metamorfose…”(
BERTHOLD, 2001, p. 2). E passa por diversas culturas, ao longo da
história, como um caminho de conexão aos mistérios do universo,
que podem ser relacionados ao mundo espiritual. Garaudy (1980, p.
14) traz a seguinte reflexão: “Dançar é vivenciar e exprimir, com o
máximo de intensidade, a relação do homem com a natureza, com a
sociedade, com o futuro e com seus deuses.” É nesse primeiro sentido
que a vida está conectada, de forma ritualística, entre o ser humano,
a natureza e o universo, unificados entre os desejos de expressão e a
sobrevivência. O que, no entanto, é modificado, como explica
Bourcier:
A partir do período neolítico, a condição humana se transforma
fundamentalmente: de predador, o homem transforma-se em
produtor; descobre as práticas da agricultura e da criação de
animais; pode dispor de reservas de alimentos e, em certa
medida, torna-se senhor de seu destino. (BOURCIER, 2000, p.
9 -10) .
A partir desse momento, as organizações em grupos
aumentaram e sentiram a necessidade de proteger os bens
conquistados, além de movimentos migratórios que permitiram
novos encontros entre os grupos estabelecidos. Bourcier explica
(2000, p. 10) “Como é normal, os ritos religiosos personalizam-se em
cada grupo à medida que este descobre sua identidade. Cada grupo
terá, portanto, sua ou suas danças próprias.” Das pinturas rupestres,
podemos observar culturas que vão se formando em diferentes partes
41
do mundo e, em seguida, as danças passam a ser dirigidas às
divindades protetoras. Maria Gabriele Wosien escreveu: “Desde a
pré-história até os inícios da cristandade, no decorrer do ano as
pessoas tentam fazer com que suas vidas entrem em ressonância com
a ordem cósmica anual, com ritmos do sol e da lua e com o girar dos
planetas, através de cultos e festas”. WOSIEN, M-G,1997, p. 19).
No antigo Egito, antes da era cristã, podemos encontrar a dança
sagrada em forma de rituais em homenagem ao Deus Osíris ou às
danças funerárias. Na Grécia Clássica, a dança estava presente em
vários momentos. Bourcier escreve no livro já mencionado: “Todas
as narrativas lendárias gregas situam em Creta a origem de suas danças
e de sua arte lírica: foi na “ilha ascendente”, segundo o qualificativo
de Homero, que os deuses ensinaram a dança aos mortais, para que
“os honrassem e se alegrassem [...]” (BOURCIER, 2000, p. 20). Na
Índia, podemos destacar Shiva nessa conexão sagrada:
A dança de Shiva exprime as cinco atividades divinas: a criação
contínua do mundo, pois do ritmo desta dança o universo nasceu
e se expande; a manutenção deste universo, pois o equilíbrio
deste cosmos em movimento incessante só se conserva pelo ritmo
da dança; a destruição, pois as formas se destroem para que
outras possam nascer infinitamente, e Shiva dança em meio às
chamas dos palácios incendiados; a reencarnação, pois a dança
de Shiva mostra o percurso através de diversas vidas, para além
das ilusões de existências limitadas; a salvação, enfim, ou a
libertação última pela qual cada um toma consciência do que é
por toda a eternidade: um momento da atividade rítmica de
Shiva, o deus que dança.” (GARAUDY, 1973, p.15).
No ocidente, durante a Idade Média, a igreja com sua força
de poder afetou as artes de uma maneira geral e proibiu as danças. No
42
teatro só foram permitido os autos relacionados aos conteúdos
religiosos. De qualquer forma, o povo continuou com o seu desejo
pela expressão, numa arte considerada profana. Com o renascimento,
que teve seu início na Itália, no século XV, a dança reaparece em
cenários cortesãos e palacianos para a nobreza. Acontece, então, a
divisão das danças em populares e danças da corte. Foi nesse período
que se deu o início do balé, os mestres da dança e suas técnicas.
Garaud escreve: “A dança só voltou a florescer no Renascimento,
quando surgiu uma nova atitude em relação ao dualismo cristão, e os
valores mundanos da vida e do corpo foram novamente exaltados.”
(GARAUDY, 1973, p.29).
Mais tarde,no início do século 20, a dança moderna, que foi
uma das inspirações para Bernhard Wosien, nasce da necessidade de
negar o academicismo e trouxe de volta a conexão ancestral da
expressão corporal,com a intenção de:
Tentar recuperar a relação do homem com seu corpo e de seu
corpo com o mundo, em uma sociedade sem finalidade humana
onde é tão difícil para o indivíduo saber o que quer ou mesmo o
que deve buscar, sendo a necessidade mais urgente a de realizar
um modo de vida pessoal e voluntário.
A dança moderna, fazendo do corpo inteiro, centrado em si
mesmo, um instrumento controlado de expressão e de criação,
deu novamente à arte e, em particular à dança - a única arte em
que o próprio artista se torna obra de arte, como disse Nietzsche
- seu papel mais importante: desenvolver uma atividade que não
é outra senão a própria vida , porém mais intensa, mais
despojada, mais significativa”(GARAUDY, 1973, p. 52).
Em seguida, a partir da segunda metade do século XX, a dança
contemporânea que continua com as experimentações da dança
43
moderna, mas o foco é deslocado para o processo de pesquisa e
criação. Os bailarinos passam a dividir esse processo junto à
coreógrafa ou ao coreógrafo e tem uma mistura de teatro e dança. A
dança contemporânea não se estabelece a partir de uma única técnica
estruturada, mas inclui ou mescla diversas técnicas.
A dança teve, na ousadia de Isadora Duncan, um novo olhar para
o corpo e para a gestualidade. O corpo enrijecido por técnicas
em desuso deu lugar à liberdade de expressão, que ela encontrou
na natureza e na arte grega. A busca pelo sagrado na dança veio
posteriormente com Ruth Saint Denis ao incorporar, em sua
arte, elementos simbólicos de outras culturas e tradições,
transformando-os em dramas míticos coreografados e dançados.
(BONETTI, 2018, p. 126).
Em um breve recorte da história da dança, podemos observar
que esse movimento de expressão passa por diversas transformações
estéticas e é influenciado por diferentes fatores, desde a opressão, a
luta, a libertação e o anseio pela harmonia e pela beleza. Barbara
Ehrenreich (2010. p. 38) no livro Dançando nas ruas traz um percurso
do êxtase coletivo relacionado à busca ou ao prazer proporcionado
por atividades rítmicas, a fim de superar desafios e medos: “Como
observaram algumas testemunhas ocidentais de rituais nativos ou de
povos escravizados, dançar é contagioso; os humanos experimentam
fortes desejos de sincronizar os próprios corpos com os outros”. Esse
desejo ancestral se transformou ao longo da história da humanidade
e aqui, há um recorte breve sobre seu caminho para adentrar na
pesquisa sobre as danças circulares na contemporaneidade. Mas,
antes, é preciso nos conscientizarmos de que não há uma
homogeneidade nas manifestações culturais. Peter Burke, historiador
em seu livro O que é história cultural escreve:
44
A ideia de cultura implica a ideia de tradição, de certos tipos de
conhecimentos e habilidades legados por uma geração para a
seguinte. Como múltiplas tradições podem coexistir facilmente
na mesma sociedade laica e religiosa, masculina e feminina,
da pena e da espada, e assim por diante , trabalhar com a ideia
de tradição libera os historiadores culturais da suposição de
unidade ou homogeneidade de uma “era. (BURKE, 2021, p.
36)
Essa ideia de tradição e cultura foi se formando em cada grupo
constituído ao longo da história da humanidade. No primeiro
momento em que surgiu a necessidade de se documentar essa
tradição, no final do século XVIII e início do XIX, a preocupação
vinha em relação à cultura tradicional do povo que estava começando
a desaparecer. Na Alemanha, novos termos começaram a ser falados,
como registra Peter Burke no livro Cultura popular na Idade Moderna:
“Volkslied, por exemplo: canção popular. J. G. Herder deu o nome
de Volkslieder aos conjuntos de canções que compilou em 1774 e
1778. Volksmärchen e Volkssage são termos do final do século XVIII
para tipos diferentes de “conto popular” (BURKE, 2010, p. 26).
Outro nome equivalente à palavra alemã Volkskunde, que significa
folclore, tem sua origem na língua inglesa: folklore, folk = povo e lore
= conhecimento. Pode-se entender como um conhecimento que vem
do povo ou conhecimento popular. Essa denominação foi criada por
Ambrose Merton, pseudônimo do arqueólogo britânico William
John Thoms, em uma carta à revista “The Atheneum”, editada no dia
22 de agosto de 1846, em Londres. A proposta era nomear o saber
tradicional do povo, o estudo de “antiguidades populares” e
“literatura popular”. Essas antiguidades eram contos, lendas, mitos,
provérbios, enfim, tudo que fosse literatura oral. Embora o próprio
Thoms, citado por Renato Almeida, tenha advertido: “[...]seja mais
45
propriamente um saber popular do que uma literatura, o saber
tradicional do povo.” (ALMEIDA,1974, p.1). Essa necessidade de
documentar esses escritos e nomeá-los foi de fundamental
importância para que novas pesquisas surgissem. Embora possamos
encontrar textos muito anteriores a essa data.
A literatura maravilhosa que floresceu, já a partir da Antiguidade,
com ecos no terreno sagrado - como a Gesta de Gilgamesh, cujos
primeiros fragmentos datam de cerca de 2.100 antes da presente
era -,conteria elementos provenientes daquele imaginário
ancestral, povoado de seres mágicos, animais fantásticos,
feiticeiros, deuses e gênios, além de um herói (ou heroína)
enviado numa jornada que é ao mesmo tempo a busca de um
objetivo de autoconhecimento. (MEREGE, 2010, p. 8).
O fio invisível que conecta as relações entre a vida, a morte e
os mistérios que nos envolvem, está entrelaçado com a nossa mente,
corpo e com o meio em que vivemos. Maria Gabriele Wosien, em seu
livro Ponto de quietude e mundo em movimento, traz a reflexão: “A
mitologia e as lendas populares descrevem a natureza dançante do
universo como um mundo que, em última análise, é composto de
conexões ordenadas, com o corpo humano sendo instrumento
original e também o meio de transformação.” (WOSIEN, M-G, p.
23). Portanto, o estudo da cultura popular, inicialmente organizado
pela literatura, traz uma conexão profunda com o corpo, a psique e a
expressão de cada povo, o que também pode ser relacionado aos tipos
de dança de cada local.
Dando continuidade ao estudo do folclore, em 1878, alguns
cientistas se reuniram e fundaram em Londres, uma associação, a
“Folklore Society”, com o objetivo de conservar e publicar as tradições
46
populares. Mas somente seis anos depois é que propuseram ideias
mais abrangentes para o tema:
I–Narrativas tradicionais (contos populares, contos de heróis,
baladas e canções, lendas);
IICostumes tradicionais (costumes locais, festas
consuetudinárias, cerimônias consuetudinárias, jogos);
IIISuperstições e crenças (bruxaria, astrologia, superstições e
práticas de feitiçaria);
IVLinguagem popular (ditos populares, nomenclatura popular,
provérbios, refrões e adivinhas) (ALMEIDA, 1974, p. 5).
Segundo Almeida, em seus estudos, outros conceitos foram
sendo criados acerca do tema: “[...] Em 1885, o Folk-lore Jornal
afirmava que o folclore estudava tudo o que o povo acredita e pratica,
vindo pela tradição e não por fontes escritas.” (ALMEIDA,1974 p.
5). E consolida sua definição, em 1913 quando, o Handbook, da
Folklore Society conceitualiza-o dizendo:
O folclore estuda tudo o que constitui o equipamento mental do
povo, desde que distinto da procedência técnica. Não é a forma
do arado que chama a atenção do folclorista, mas os ritos
praticados pelo lavrador quando o faz penetrar no solo; não é a
manufatura da rede ou do arpão, mas os tabus observados pelo
pescador quando está no mar. (ALMEIDA, 1974, p. 6).
Em 1888, essas informações aportam na América, onde a
colonização procedente de vários pontos da Europa, obrigava todos a
conviverem junto: imigrantes, nativos e a mão de obra dos
africanos que foram escravizados, formando um mosaico multi étnico
cultural, com costumes tão distintos. Foi, então, fundada a “American
Folklore Society” para novas discussões sobre o tema e a novidade
47
estava em: “[...] considerar o folclore dos negros e sobretudo dos
índios [...]” (ALMEIDA,1974, p. 6). Para facilitar os estudos
mencionados acima, realizados pela referida instituição, foi feita uma
divisão em quatro categorias principais:
[...] Relíquias do velho folclore inglês (baladas, cantos,
superstições, dialetos, etc.) o lore dos negros dos Estados do Sul
da União, compreendendo material principalmente literário; o
lore do Canadá francês, México, etc., e o lore dos índios norte-
americanos (mitos, contos, etc.). (ALMEIDA,1974, p. 6).
Alguns pesquisadores estudaram o folclore como uma ciência
psicológica, que tinha como principal objetivo a busca por revelar os
mistérios coletivos. O estudo abrangia desde o homem primitivo,
pensamentos, crenças e ações, tudo ligado aos fenômenos coletivos no
campo da Psicologia. Renato Almeida cita Wilhelm Wundt, médico,
psicólogo e filósofo alemão, quando trouxe o termo Psicologia dos
Povos e estabeleceu um campo de estudo, que incluiu o
comportamento humano, pensamentos e emoções para estudos da
psique humana: “Foi Wundt, na sua Volkerpsychologie, quem
relacionou os fatos culturais com a mentalidade étnica e tornou assim
o Folclore pertinente à Psicologia, em cujo âmbito inclui de modo
geral os fenômenos humanos, culturais e históricos."
(ALMEIDA,1974, p. 8).
Dando continuidade ao estudo do folclore, o psiquiatra suíço
Carl Gustav Jung, citado por Almeida, criou o conceito inconsciente
coletivo, formado pelos materiais que foram herdados da humanidade:
Jung, propondo o problema diferentemente de Freud, estudou
o inconsciente coletivo, partindo da observação de que o
“conteúdo” psíquico dos esquizofrênicos tem analogia com a
48
simbólica ancestral existente nos velhos mitos da humanidade.
Nesse inconsciente dormitam as imagens ancestrais, concluía
Jung, as quais chamou de arquétipos “figuras de símbolos
mitológicos de deuses, demônios, mágicos, feiticeiros ”,
fantasmas de todos os tempos, de todos os mitos, de todos os
folclores”, dominadores desse inconsciente que se distingue do
pessoal, onde permanecem as aquisições da existência
individual. (ALMEIDA, 1974, p. 10).
Apesar de na Psicanálise Freudiana não se trazer o
inconsciente coletivo, tal como na perspectiva analítica de Jung,
Almeida também menciona Sigmund Freud, afirmando que ele
pensava o folclore como uma fonte para revelar o simbolismo de
contos, mitos, usos e costumes, a linguagem poética e a linguagem
comum, e reforça:
A doutrina freudiana não pretende explicar o folclore, mas
encontra no folclore elementos para justificar suas conclusões.
Na interpretação dos sonhos que é, nas palavras de Freud, “a
via real do conhecimento do inconsciente, a base mais segura
de nossas pesquisas”, o folclore tem um grande papel a
desempenhar, pois nos revela os materiais que entram no seu
simbolismo. (ALMEIDA, 1974, p. 9).
A repercussão desses pensamentos influenciaram, no Brasil,
estudiosos importantes como João Ribeiro, Artur Ramos, Renato
Almeida, entre outros. João Ribeiro, linguista e historiador, mostrou
suas pesquisas de Psicologia Étnica, no curso de folclore ministrado
na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro em 1913, abordando sua
proposta sobre o folclore e o inconsciente dos povos, conforme
relatado pela autora Maria de Cáscia Nascimento Frade em seu livro
Folclore (FRADE, 1997, p. 12). Arthur Ramos, criou o termo
49
inconsciente folclórico à luz da Psicanálise, Antropologia e da
Psicologia Social, trazendo um importante estudo Psicanalítico do
folclore.
Ramos reuniu duas proposições teóricas: a doutrina freudiana,
por um lado, e a junguiana, por outro. A primeira, que afirma
o conhecimento do inconsciente pela via dos sonhos, es
referida pelas “várias fontes dos contos e dos mitos, das farsas e
das facécias, do Folclore, isto é do estudo dos costumes, usos,
provérbios e cantos de diferentes países, da linguagem poética
e da linguagem comum. Nele encontramos em toda parte o
mesmo simbolismo dos sonhos que, nessas interpretações,
sairão desse exame com uma certeza aumentada” A segunda
admite existir no inconsciente “velhos mitos da humanidade”,
imagens ancestrais, os arquétipos, perceptíveis nas “figuras de
símbolos mitológicos de deuses, demônios, mágicos, feiticeiros,
fantasmas de todos os tempos, de todos os mitos, de todos os
Folclores. (FRADE, 1997, p.12).
Na importante pesquisa publicada em seu livro: O folclore
negro no Brasil, em 1935, Arthur Ramos traz um panorama da
miscigenação cultural em nosso país e a grandiosidade da cultura
africana, não como forma de mostrar curiosidades do dia a dia, mas
assim como escreve no prefácio: “É um método de exploração
científica do seu inconsciente coletivo, como o fizemos no estudo das
suas religiões e dos seus cultos.” (RAMOS, 2007, p. 7). E
complementa na conclusão do mesmo livro a importância de
entender o folclore não somente como estudo recreativo, de
entretenimento, mas diferentemente disso: “É um método demo-
psicológico de análise do inconsciente das massas. Foi o que
intentamos fazer com o elemento africano, no Brasil, neste livro
50
introdutório, que fica a exigir pesquisas continuadas e mais
completas.” (RAMOS,2007, p. 231)
Já Renato Almeida ressaltou que o folclore não pode ser
considerado somente uma ciência psicológica, assim como afirma:
“Na sua complexidade, o folclore escapa a qualquer exclusivismo.
Perscruta a vida do povo em seus elementos imateriais e materiais,
pois o lado espiritual da cultura se completa nos usos, costumes,
práticas e técnicas.” (ALMEIDA,1974, p. 11). Ele cita a Carta do
Folclore Brasileiro “aprovada pelo I Congresso Brasileiro de Folclore,
realizado no Rio de Janeiro em 1951” (FRADE,1997, p.13), onde
“[...] reconhece o estudo do Folclore como integrante das ciências
antropológicas e culturais” (ALMEIDA,1974, p. 21) e, logo em
seguida, apresenta o conceito da primeira comissão técnica do
Congresso Internacional de Folclore realizado em 1954: “Considera-
se fato folclórico toda maneira de sentir, e agir, que constitui uma
expressão da experiência peculiar da vida de qualquer coletividade
humana, integrada numa sociedade civilizada” (ALMEIDA,1974, p.
22).
Essa atenção dirigida à Cultura Popular despertou
questionamentos acerca de quais elementos ou coisas fariam parte e
poderiam ser registrados como folclore. Depois de investigar o tema,
percebeu-se que o saber tradicional do povo não se tratava somente
da literatura oral, mas sim de infinitas manifestações e práticas do
cotidiano do povo, além de serem formas espontâneas de expressão.
“Uma questão levantada frequentemente é que o termo “cultura
popular” dá uma falsa impressão de homogeneidade e que seria
melhor usá-lo no plural, ou substituí-lo por uma expressão como “a
cultura das classes populares” (BURKE,2010, p. 17). Os dois termos
são abrangentes e não pretendemos discuti-los aqui, mas é preciso ao
51
menos mencionar essa problematização acerca das palavras “cultura”
e “popular”.
Os problemas suscitados pela utilização do conceito de
“cultura” são no mínimo ainda maiores que os suscitados pelo
termo “popular”. Uma razão para esses problemas é que o
significado do conceito foi ampliado na última geração à
medida que os historiadores e outros intelectuais ampliaram
seus interesses. Na era da chamada “descoberta” do povo, o
termo “cultura” tendia a referir-se a arte, literatura e música, e
não seria incorreto descrever os folcloristas do século XIX como
buscando equivalentes populares da música clássica, da arte
acadêmica e assim por diante. Hoje, contudo, seguindo o
exemplo dos antropólogos, os historiadores e outros usam o
termo “cultura” muito mais amplamente, para referir-se a
quase tudo que pode ser aprendido em uma dada sociedade -
como comer, beber, andar, falar, silenciar e assim por diante.
(BURKE, 2010, p. 22).
Ao mesmo tempo, há pesquisadores que discutem sobre o uso
da palavra Folclore, ou Cultura Popular, para denominar a forma
como chamamos toda essa diversidade cultural que carrega vários
significados e permeia a cultura dos povos; esse fazer empírico carrega
muita sabedoria, é vivo e se transforma a cada dia. Carlos Rodrigues
Brandão em seu livro O que é Folclore, traz a seguinte reflexão acerca
do uso da palavra folclore ou cultura popular, e para isso, cita
Cascudo: “Com muita sabedoria, Luís da Câmara Cascudo mistura
uma coisa com a outra e define folclore como “a cultura do popular
tornada normativa pela tradição”. (BRANDÃO,1984, p. 24). Mas
Brandão relata em seu livro sobre a diferença entre a palavra cultura
popular e folclore entre pesquisadores do assunto: “Não são poucas as
pessoas que acreditam que os dois nomes servem às mesmas realidades
52
e, apenas folclore é o nome mais “conservador” daquilo de que cultura
popular é o nome mais progressista.” (BRANDÃO,1984, p. 24)
Na cabeça de uns, o domínio do que é folclore é tão grande
quanto o do que é cultura. Na de outros, por isso mesmo
folclore não existe e é melhor chamar cultura, cultura popular o
que alguns chamam folclore. E, de fato, para algumas pessoas as
duas palavras são sinônimas e podem suceder-se sem problemas
em um mesmo parágrafo. (BRANDÃO, 1984, p. 23).
De acordo com Andressa Urtiga Moreira em sua pesquisa
Brincante é um estado de graça, no Brasil, a apropriação do conceito
de cultura popular emergiu no final do século XIX, difundido
principalmente por intelectuais folcloristas, antropólogos, sociólogos,
educadores e artistas, que visavam a uma identidade cultural nacional
(ABREU,2003 apud MOREIRA, 2015, p. 62). A estrutura das
manifestações populares
2
trazem questões e respostas que fazem muita
diferença no campo não só do ensino, mas das construções artísticas
e das relações estabelecidas pelo povo de algum lugar e, por isso,
firmaram-se ao longo do tempo. Peter Burke no livro já mencionado
escreve:
A idéia de “cultura popular” ou Volkskultur se originou no
mesmo lugar e momento que a de “história cultural”: na
Alemanha do final do século XVIII. Canções e contos
populares, danças, rituais, artes e ofícios foram descobertos
2
É importante destacar que meu objetivo não é aprofundar em minha escrita esse tema que
é tão rico, sagrado, importante e está ligado às Danças Circulares. Deixarei como referência
no estudo das manifestações populares brasileiras, o Instituto Brincante
(www.institutobrincante.org.br), fundado por Rosane Almeida e Antônio Nóbrega, em
1992 e está localizado em São Paulo. Uma iniciativa importante para quem quer conhecer,
pensar e repensar as manifestações populares.
53
pelos intelectuais de classe média nessa época. No entanto, a
história da cultura popular foi deixada aos amantes de
antiguidades, folcloristas e antropólogos. Só na década de 1960
um grupo de historiadores, sobretudo, mas não exclusivamente
anglófonos, passou a estudá-la. (BURKE, 2021, p. 27).
Diante da grandiosidade do tema, podemos observar que há
muitos elementos que permeiam as culturas, assim como a expressão
através da dança que é nosso tema de pesquisa. Para isso é interessante
observar que a dança folclórica faz parte da cultura humana e tem
lugar de origem na identidade de um povo. Através dela, podemos
identificar regiões, países e culturas. Antonio José Faro traz uma
importante reflexão em seu livro Pequena História da dança, quando
afirma que as artes são fruto da necessidade de expressão dos seres
humanos “Essa necessidade liga-se ao que há de básico na natureza
humana. Assim, se a arquitetura veio da necessidade de morar, a
dança, provavelmente, veio da necessidade de aplacar os deuses ou
exprimir a alegria por algo de bom concedido pelo
destino."(FARO,1987, p. 13). Em continuidade, o autor faz
referência a uma divisão em três formas distintas da dança: “a étnica,
a folclórica e a teatral'' (FARO,1987, p. 13). E complementa dizendo
que as danças folclóricas nasceram de uma base religiosa que, aos
poucos, foi desaparecendo.
Sem sairmos do nosso próprio país, aqui encontramos, entre os
nossos indígenas e no candomblé, suficientes provas da
vinculação entre a dança e o ato religioso. O Brasil não está
sozinho nesse exemplo. Encontramos outras provas dessa tese
nos cultos africanos e asiáticos que permanecem vivos em nosso
tempo. E nesses exemplos, por extensão, nos levam à
comprovação de que, no mito religioso existente antes do
54
advento da Igreja Católica, a dança integrava, quase que em
simbiose, a noção de religião.(FARO, 1987, p. 17).
O termo “dança étnica” é usado para destacar a raiz cultural
da dança, como por exemplo a dança indígena. Além de apresentar a
manifestação cultural e anunciar características específicas de uma
profunda relação com a vida de cada povo. “É interessante notar,
desde já, que nossas tribos indígenas mantêm até hoje seu
comportamento étnico. Isso significa que sua dança pouco ou nada
influi em nosso folclore, a não ser pelas lendas que nos foram passadas
através desses grupos.” (FARO,1987, p. 25)
Na lista de nossas danças folclóricas, existem diversos
“bailados” de natureza secular e de origem africana. É possível
que, em alguma época, tenham sido danças étnicas, se
transformando em folclore ao serem transportadas para o
Brasil. Dentro dessa categoria estão a congada, o maracatu, a
dança dos pássaros, o reisado, o moçambique, os caboclinhos,
o quilombo, dentre muitas outras. O escritor e folclorista Mário
de Andrade deu-lhes o nome de “danças dramáticas”, pois
sempre contam uma história com significado dramático.
”(FARO, 1987, p. 27).
Para Alceu Maynard, no livro Folclore Nacional, vol. 2, ao
trazer um importante estudo sobre as danças folclóricas brasileiras,
afirma que é muito difícil apresentar uma definição para o que é
folclórico, sobre o acervo apresentado por ele que, como afirma, não
se trata de danças primitivas: “Poderíamos apegarmo-nos à
classificação que o folclorista argentino Carlos Vega propõe ou aceitar
pura e simplesmente a do clássico Curt Sachs ou a de Carl Engel, que
enfeixa todas em três grupos: danças religiosas, guerreiras e profanas”
55
(MAYNARD,2004, p. 5). Neste sentido, o autor faz uma observação
onde os bailados, ou danças dramáticas, denominados assim por
Mário de Andrade (MAYNARD,2004, p. 255) não estão presentes
nesses grupos que são eles: Congada, Marujada, Moçambique,
Ticumbi, Quilombo, Caiapó, dentre outros. Já a dança teatral,
mencionada por Antonio José Faro, “[...] iniciou sua trajetória
quando Luís XVI fundou, em 1661, a Academia Nacional de Dança.”
(FARO,1987, p. 31), quando os espetáculos se uniam à " [...] dança,
canto e textos falados.'' (FARO,1987, p. 31) isso, como uma forma
de entretenimento. Conforme Berthold (2001) “Na França, essa ideia
renascentista de “fusão das artes” gerou uma forma de teatro
especificamente adequada à corte e à alta sociedade. Nesta nova forma
teatral a parte principal dizia respeito à dança: o ballet de cour.”
(BERTHOLD,2001, p. 330). O que mais tarde foi se intensificando
até que chegamos a importantes nomes, como Pina Baush, pioneira
no estilo dança-teatro contemporâneo.
Muitas das danças folclóricas e étnicas são feitas em roda, nas
quais o movimento das Danças Circulares se inspira, trazendo uma
diversidade de repertórios de diferentes temas e culturas do mundo.
Luís da Câmara Cascudo no livro Dicionário do Folclore Brasileiro
(CASCUDO,1954, p. 286), escreve: “A marcha descrevendo um
círculo é de alta expressão simbólica e participa, há milênios, da
liturgia popular de quase todo o mundo.” Portanto, a forma de se
relacionar em círculo remonta a simbologias ancestrais. Ellmerich
(1962, p.14), ao citar Curt Sachs que escreveu o livro História
Universal da Dança, traz uma ordem cronológica da sua evolução e
começa pelas “danças circulares, sem contato corporal entre os
participantes." E no mesmo livro menciona a dança de roda citada
por Homero e em Creta. Ao pesquisar sobre a dança, naturalmente
56
encontraremos o formato circular desde seu início. Mas há um
movimento que nasceu na década de 70 e sistematizou uma forma de
dançar em roda que alcançou muitas pessoas e que trouxe um novo
caminho para celebrar culturas diferentes. A seguir, contarei sobre
Bernhard Wosien e sua filha Maria Gabriele-Wosien, precursores
desse movimento e também sobre Friedel Kloke-Eibl, bailarina
clássica, que foi aluna e acompanhou o trabalho de Bernhard de perto,
além de trazer importantes contribuições, estudos e criações nas
Danças Meditativas.
A Dança Circular e Bernhard Wosien
O que chamamos hoje de Danças Circulares teve sua origem
com a pesquisa de um bailarino, artista das Artes Cênicas e das Artes
Plásticas, Bernhard Wosien (1908-1986). Nascido em uma
pequena cidade chamada Passenheim, na antiga Prússia Oriental,
filho de Louis, pastor luterano e de Anoinette Linda, baronesa,
Bernhard teve um percurso de vida como artista criador, desenhista
e pintor. Ele conta no livro póstumo, organizado pela sua filha, Dança
um caminho para a totalidade, que seu primeiro contato com a dança
foi na infância em noites de festas em família, onde seu pai tocava
violino. As danças eram folclóricas daquela região onde viviam.
É importante observar os momentos históricos que envolvem
o seu percurso de vida. Quando era menino, com a idade de 8 a 12
anos, aconteceu a primeira guerra mundial. Sobre esse triste cenário
em busca do poder, continuaremos a falar mais tarde. A família se
mudou para Breslau, na Silésia. e ele e seu irmão frequentaram um
“ginásio humanístico”. Aos 15 anos, como conta em seu livro,
vivenciou uma mudança em sua trajetória na dança e mais tarde, com
57
20 anos, passou a integrar um grupo de jovens, que havia sido
formado no teatro da Ópera de Breslau, pelo pintor, escultor alemão
Oskar Schlemmer, associado à escola Bauhaus e por Rudolf von
Laban, considerado o pai da dança-teatro alemã que apresentava suas
teorias sobre o movimento entre os principais fundamentos da dança
moderna. Foi um período decisivo para Bernhard, em que estudou as
bases do balé clássico. Ele conta no mesmo livro mencionado acima
(2000, p. 18): “Nestes anos revelou-se para mim a solenidade e a
beleza clássica da dança. Ela me tocava muito pessoalmente e
despertava todo o meu entusiasmo. Para mim, a dança é uma
mensagem poética do mundo divino, o que, até hoje, ficou como
compreensão.” Nesse período, ele teve como mestres a bailarina Helga
Sweedlund no aprendizado do balé clássico, Valeria Kratina, da dança
expressiva, Herbert Gargula, que foi aluno de Mary Wigman, uma
das fundadoras da dança expressiva e de Aurel von Milloss, que
segundo ele, os ensinou sobre as capacidades criativas e composição
coreográfica. Este último esteve durante um ano no Brasil, quando
fugiu do nazismo, conforme a Enciclopédia do Itaú Cultural (2022).
Bernhard conta que estudou teologia, mas que não teria
vocação para seguir adiante como pastor, assim como seu pai o fez, e
que isso tinha se tornado um sério problema. Ele escreve:
Depois de já haver estudado seis semestres de Teologia, colocou-
se para mim, como homo religiosus, um sério problema de um
tipo especial. Meu pai sempre fora para mim um homem de
férrea; agora ele se tornara uma medida de minha própria
distância da fé. Eu duvidava, autocriticamente, que eu pudesse
preencher as condições para, algum dia, me tornar por toda uma
vida, um pastor de almas a serviço da igreja. Além disso, eu já
podia medir o valor da linguagem sem palavras da música e da
dança. Aqui a vivência da harmonia de corpo, espírito e alma, na
58
área poética; lá a cientificação de antiquíssimas verdades
reveladas (WOSIEN, 2000, p. 19).
A partir dessa escolha, e em busca de se libertar do peso de
todo conhecimento intelectual adquirido, ele conta que partiu
sozinho à procura de um sentido além do mental para todo aquele
conteúdo e percorreu vários lugares. Ao mesmo tempo em que o
desejo de ser pintor o levou a apresentar seus desenhos na Academia
de Arte de Breslau, o que agradou seu pai. Nesse período, seus
professores foram despedidos pelo governo nazista e os estudantes
foram orientados a ir para Berlim, na Alemanha. Lá ele se assumiu
como bailarino, e se apresentou no Teatro Estadual da Ópera de
Berlim e trabalhou com os melhores profissionais de teatro. Mas se
tratava de um período horrível, o administrador do teatro e os artistas
acabaram sendo dispensados e Bernhard foi chamado na sala do novo
administrador que era do partido nazista. Sobre isso, ele conta em seu
livro: (2000, p. 21) “ Eu também fui chamado até ele. Se eu era
ariano? - mas não é membro do partido?! Portanto fui demitido.”
Assim, com 25 anos conseguiu um trabalho como solista com von
Millos em Dusseldorf, uma cidade na Alemanha. Logo em seguida,
passou um ano em Paris e, três anos depois, voltou para Berlim onde
de trabalhar como bailarino com papel de destaque e coreógrafo.
Ele teve uma contribuição importante para a história da dança de sua
época, sendo nomeado, em 1939, com 31 anos, novamente como
primeiro bailarino solista, só que agora em Berlim. E nesse mesmo
tempo conheceu a sua amada, como conta:
Quando, no ano de 1939, fui nomeado primeiro bailarino solista
do Teatro Estadual de Berlim pelo intendente geral Tietjen,
conheci Elfriede, baronesa de Ellrichshausen, minha futura
59
esposa. Ela estava em Munique, na casa de uma pintora que fazia
o meu retrato. Eu vi Elfriede numa festa dada por esta pintora e
tive uma inspiração, como que sussurrada por um anjo: esta será
a tua esposa, ela será a mãe dos teus filhos.” (WOSIEN,2000, p.
22).
E assim foi. Durante a segunda guerra mundial, nasceram
duas crianças: Gabriele e Christof e, em 1948, Antoinette. Em seus
escritos, ele menciona algumas vezes, como sua inspiração, a musa da
dança Terpsícore, uma das nove musas da mitologia grega.
Aos 44 anos, ele conta que conheceu Jurij Winrar, um
musicista, poeta, “filho das musas” e “dotado de um humor inato”:
(2000, p. 24). “Nesta época ocorreu o encontro com Jurij Winrar,
que havia recebido a incumbência de fundar um ensamble de arte
sérvio e que procurava um mestre de dança adequado para o grupo de
dança.” Em 1952 fundaram o Sorbian Folk Art Ensemble,
3
o grupo
existe até os dias de hoje. Bernhard escreve que essa foi a primeira vez
em que ele se voltou para a dança popular e esse período marca o seu
encantamento “para a sua riqueza em mitos e poesia" da arte e dança
folclórica.
Um novo capítulo da minha vida começou quando decidi
dedicar minha atenção às danças de roda e às danças dos povos.
Cada recomeço esconde um segredo e me pareceu como se
brilhasse em mim uma luz completamente nova quando, no
início dos anos cinquenta, em Dresden, assisti à apresentação do
conjunto folclórico iuguslavo Kolo.
Ali estavam, primeiro, o balançar-se e o saltar entusiasmados,
ligados um ao outro em círculos e correntes, o ímpeto
arrebatador e a alegria vital das sequências rítmicas dos passos, e
3
Sorbisches National-Ensemble - SNE Bautzen: www.ansambl.de
60
também as melodias delicadas e íntimas das canções de amor dos
pastores dos Balcãs. O que eu vivenciei foi a força da roda.
(WOSIEN, 2000, p. 19).
Eles percorreram aldeias da região à procura de jovens para
formar o novo grupo folclórico e tinham como objetivo resgatar a
cultura do povo Sérvio, tanto em seus costumes, além do grupo de
dança e de uma orquestra. Bernhard conta que conseguiu uma sala
ampla e começaram a ensaiar. O treino diário consistia em: “[...] duas
horas na barra, estudo da harmonia do movimento e ensinava os
passos e suas combinações e formas de expressão, sempre atendendo
às particularidades de cada um.” (BERNHARD,2000, p. 107). Essa
experiência trouxe várias reflexões sobre a beleza da tradição do povo
e ele permaneceu atento para manter a autenticidade de forma
espontânea, assim como podemos encontrar nas danças populares.
Ele se dedicou durante quase quatro anos a esse trabalho.
Anos mais tarde, em 1960, com 52 anos de idade, ele se
despediu dos palcos e se dedicou ao ensino da dança. “[...] formei um
grupo na Escola Superior de Munique, com o qual viajava
regularmente durante as férias, a fim de conhecer as velhas danças de
roda européias e recolhê-las em primeira mão.” (WOSIEN,2000, p.
111). Em seguida aceitou o convite e foi docente na Universidade de
Marburg de 1965 a 1986, na área de Ciências Educacionais no
Departamento de Pedagogia, onde ensinou “danças de roda como
meio da pedagogia de grupo”, para pessoas com deficiência. Ele conta
que, em 1966, foi para a Grécia e pôde fazer uma peregrinação às
origens, tanto nas rodas de danças quanto na cultura, o que o deixou
encantado.“Na Grécia, a dança ainda é uma expressão totalmente
espontânea de um estado de ser”(WOSIEN,2000, p. 111). Foram
várias viagens no leste europeu, as quais desempenharam um papel
61
fundamental em seus estudos relacionados às danças e à cultura dos
povos. “Eu via que as danças dos gregos eram dançadas, outrora, em
honra aos deuses, com um centro de gravidade no espaço em torno
do qual eles rodavam. As formas das danças se revelavam a mim como
algo de sagrado.”(WOSIEN,2000, p. 112). Bernhard escreve que os
velhos gregos diziam que o ritmo vem dos deuses. Ele também levava
seu lápis de desenho para documentar o que a janela da alma, seus
olhos, presenciavam.
Em 1975, ele reencontrou um amigo da dança, de quando
eram estudantes, Sir George Trevelyan, no castelo de Shöneck, em
Taunus. Lá, ele conheceu dois dos três fundadores da Comunidade
de Findhorn, chamada atualmente de Fundação Findhorn, localizada
no Norte da Escócia, Eileen e Peter Caddy, em uma conferência na
Alemanha. Ele e sua filha Maria Gabriele receberam um convite para
[...] “implantarmos em Findhorn as danças de roda e as danças
circulares européias.” (WOSIEN,2000, p. 117). A primeira visita a
Findhorn foi em 1976 e ele preparou um repertório de “[...] 12
danças de vários países europeus” (BARTON,2012, p. 27). No ano
seguinte, pode vivenciar uma riqueza de criação e experimentação
com uma "receptividade excepcional por parte dos bailarinos”
(WOSIEN,2000, p. 118) e realizou a sua primeira coreografia,
inspirada nos versículos de São João, chamada de A Roda de Jesus. A
sua intenção era [...] “implantar a primeira semente de um
acontecimento sagrado na dança”. Em outro ano, ele fez “[...] o
mistério Teseu no labirinto e a interpretação da estrela de cinco
pontas pela dança, o pentágono.” (WOSIEN,2000, p. 118). Ele conta
que com o passar do tempo, várias pessoas animadas em dançar em
roda, perceberam o caminho para a meditação da dança: “Assim, nós
dançamos na meditação da dança os sonhos que nos reencontram,
62
como nossas saudades do além. Dançando participamos de sua
transformação, mudando a nós mesmos.” (WOSIEN,2000, p. 120).
Ele voltou a Findhorn outras vezes e Anna Barton conta em seu livro
Dançando o Caminho Sagrado sobre a escolha do nome para o
trabalho desenvolvido por ele:
Ele decidiu denominar o conjunto de suas danças de Dança
Sagrada, do alemão Heilige Tanze, mas alguns anos mais tarde
ele não tinha tanta certeza de que Sagrada tivesse sido a escolha
certa, pois a palavra tem conotações religiosas, e o que ele queria
expressar era a espiritualidade das danças. (BARTON, 2012, p.
16).
Em meio a essa dúvida, ele sugeriu o nome Cura Holística,
mas como Dança Sagrada já tinha ganhado força, uma vez que havia
se popularizado, foi mantido dessa forma. Ela conta em seu livro que
“Desde seu nascimento a Dança Sagrada tem tocado milhares de
pessoas e, ao se expandir por todo o mundo, adotou nomes diferentes,
por exemplo: Dança Circular [...]”. (BARTON,2012, p. 17). No
canal do Youtube de Peter Vallance
4
, tem disponibilizados fotos e
vídeos, onde podemos ver a alegria de Bernhard Wosien em
Findhorn. É possível acessar através do qrcode abaixo, através do link:
(176) Findhorn Sacred Dance History DVD - YouTube:
4
www.youtube.com/@peterthestoryteller
63
Figura 3 – QR CODE Youtube de Peter Vallance
Fonte: pesquisadora
A ligação entre a arte, a espiritualidade, os mistérios e o pulsar
da vida foram inspiração para o estudo de Bernhard Wosien.
Usualmente, a oração é designada como a via de comunicação da
alma humana com Deus. Injustamente, pois na oração, tanto a
alma quanto o corpo participam. Uma oração puramente
espiritual é adequada aos anjos, mas não às pessoas, com sua
natureza espírito-corporal. As formas corporais correspondentes
às rezas interiores que pertencem à oração humana. (WOSIEN,
2000, p. 27).
Bernhard Wosien fez a sua passagem em abril de 1986. Ele
estava preparando seu livro “Journey of a dancer”, que foi publicado
postumamente, em 1988, na Áustria. Sua luz reverbera até os dias de
hoje, com a grande contribuição que ele nos trouxe. Um homem que
uniu seu caminho espiritual e artístico, que culminou nesse
importante acontecimento de nossa época. A dança em roda e a
expressão, como já foi dito anteriormente, sempre existiu. Mas
resgatar esse movimento e tornar possível para que aqueles que sentem
o desejo de dançar, possam ser acolhidos na roda, e possam conhecer
culturas diferentes, é uma das belezas maiores das Danças Circulares
64
na contemporaneidade. Hoje, podemos encontrar facilmente grupos
de rodas de dança com os temas mais variados em muitos lugares no
mundo todo.
A espiral de Maria-Gabriele Wosien
“Há uma alma dentro da alma.
Procure por essa alma.
Procure o tesouro escondido na montanha do seu corpo.
Ó amigo que caminha na busca!
Busque com toda a sua força.
O que você procura não está fora…busque dentro.”
Rumi
A pesquisa desenvolvida com as Danças Circulares teve
grande contribuição de uma das filhas de Bernhard, Maria-Gabriele
Wosien, nascida no dia 26 de maio em Berlim. Gabriele é professora
de Dança Sagrada, filósofa, antropóloga, coreógrafa e escritora. Possui
bacharelado em Língua Russa e Literatura e doutorado em contos
folclóricos russos pela Universidade de Londres, Inglaterra. Ela é uma
importante pesquisadora do tema Danças Circulares Sagradas e
publicou vários livros, além de levar ensinamentos em seminários
realizados em diversos países, inclusive no Brasil. Sua intensidade es
na pesquisa sobre as tradições sagradas orientais e ocidentais, sobre as
quais ela desenvolveu um repertório de coreografias próprias, além de
trazer um repertório de danças tradicionais.
Em seu livro Ponto de quietude e movimento: celebrando a vida
com Danças Sagradas (2021), publicado no Brasil pela editora Triom,
ela conta sobre sua trajetória nas Danças Circulares, em entrevistas
65
concedidas. Ao longo deste texto, trarei alguns trechos para que
possamos conhecer um pouco a sua relação com a dança. Em 2013,
durante uma entrevista organizada por Carlos Solano
5
, em que uma
das perguntas foi sobre as memórias do seu pai e das Danças
Circulares Sagradas, ela conta:
M.-G.-W.: Bem, minhas memórias são de arte e de dança, como
parte do patrimônio artístico. Minha infância começou em uma
atmosfera de teatro, com dança. O que chamamos agora de
Dança Sagrada foi um desenvolvimento resultante da biografia
particular de meu pai, que iniciou essa linha de dança no final
dos anos 1960, quando se despediu do teatro e se perguntou: O
que eu faço agora? Não vou mais trabalhar com dançarinos
profissionais vou tentar ensinar a todos. Todo mundo precisa
se movimentar. Ele foi convidado a lecionar em instituições e
universidades, mosteiros, institutos de sociologia, por clérigos e
religiosos, além de pessoas em particular, que disseram: Esse
homem tem boas idéias, vamos ouvi-lo, vamos ver o que ele tem
a oferecer. Assim, o desenvolvimento do que veio a ser chamado
de Dança Sagrada começou no final dos anos 1960 e início dos
anos 1970. Lembro-me que meu pai estava sempre dançando,
sempre viajando dançando, sendo convidado para ir a
diferentes cidades. Ele era uma pessoa muito extrovertida e tinha
uma boa maneira de se relacionar com as pessoas, conectando-se
às suas necessidades ou personalidades. Ele também era um
artista, então as pessoas gostavam da companhia dele.
(WOSIEN, M-G, 2021, p. 140)
Nesta mesma entrevista ela conta sobre o seu trabalho como
coreógrafa e enfatiza a sua inspiração na natureza, nas diferentes
tradições, na mitologia, música e na arte e continua: Sempre me
5
Um dos pioneiros do movimento Danças Circulares no Brasil
66
refiro à tradição, portanto, quando sinto que quero criar algo, é
sempre baseado em estruturas que encontrei nos meus estudos de
movimento, música e arte. Isto é como uma garantia para mim, de
que eu coloquei meus pés sobre um lugar seguro. (WOSIEN, M.-
G.,2021, p. 142). Maria Gabriele teve o primeiro contato com a
tradição mística dos Sufis, da ordem de Mevlevi, a dança de giro em
1965. Em seu livro Os sufis e a oração em movimento, ela conta sobre
essa oração dançada:
A pureza do coração que faz dele um espelho do divino constitui
o sentido e a intenção do trabalho do mevlevi. A posição de base
fechada, com o braço direito cruzado no peito sobre o esquerdo
e as mãos firmemente apoiadas nos ombros é completada com o
“lacre” dos pés, ou seja, a sobreposição do dedão direito sobre o
esquerdo. A cabeça é ligeiramente inclinada para a direita (o
dervixe olha para o próprio coração, onde Deus se revelará para
ele) e só os ouvidos ficam bem abertos na escuta.(WOSIEN, M.-
G., 2002, p. 70).
Participei de duas vivências de iniciação e prática da dança de
giro dos dervixes Mevlevis e celebração da cerimônia do Semã, com
Maria-Gabriele Wosien e convidados, com organização de Maria
Rosa e Dino no espaço Rosas de Nazaré, em Nazaré Paulista. O ponto
de conexão entre o coração, céu e terra aquece o momento da prática,
em que é preciso estar entregue ao momento presente e sagrado que
se estabelece na sala, em comunhão com o mundo fora dela, nesse
caminho meditativo do coração, do silêncio.
Em outra entrevista concedida em 2006 à revista russa
Alchimia, ela conta a relação com as práticas sufis e o encontro com
seu mestre: “Entrar em contato com a herança de Rumi mudou
minha vida e me preparou para a reunião com meu mestre indiano,
67
Sri Haidakhan Babaji.” (WOSIEN, M -G,2021, p.151). Ela viajou
vários anos para a Índia, onde pôde se aprofundar na Filosofia e
Mitologia Hindu e escreveu dois livros com mensagens de seu mestre
(WOSIEN, M-G,1999,2002), além de ter realizado várias outras
publicações que abarcam muitos conhecimentos e seminários em
diversos países do mundo.
Em uma Dança Circular, à medida que avançamos na
companhia de colegas dançarinos com a luz brilhando à nossa
frente, somos o símbolo vivo da conexão entre Céu e Terra:
somos um microcosmo completo em nós mesmos; nosso curso
individual de movimento é ordenado e centrado, com o poder
do centro estimulando, sustentando e transformando-o.
(WOSIEN, M.-G., 2021, p. 33).
Participei de vários seminários ministrados por Maria
Gabriele no Brasil. Em um deles, com o tema O Cântico das Criaturas
de São Francisco - Dançando a mensagem poética eterna de um dos
maiores místicos do mundo ocidental, em 2010, em Rosas de Nazaré,
ela me convidou para participar da gravação do dvd Danças de oração
e celebração - símbolos em movimento (2010). Durante sete dias, uma
equipe de produção, dançarinas e um dançarino se reuniram para os
ensaios e gravação. Foi um período de muito aprendizado, porque
Maria- Gabriele não ensina somente os passos das coreografias, mas
traz uma sabedoria em cada gesto relacionado a uma música.
Sinais geométricos como símbolos são a mais antiga “linguagem”
transmitida a nós por nossos ancestrais. Os símbolos nos contam
como a percepção humana, através do tempo, foi capaz de criar
uma síntese das diferentes dimensões da realidade. Toda vez que
nosso próprio centro é vivenciado como sendo idêntico ao centro
68
do círculo da dança com Deus podemos sentir o
aparecimento dos contornos de um novo cosmos espiritual este
é o propósito das danças oração. (WOSIEN, M.-G., 2011, p. 5)
.
É uma construção em conexão com o corpo (gesto) e a alma
(espiritual). Em Danças de oração, dançamos dentre as 12 danças,
algumas contemporâneas e outras folclóricas inspiradas no formato
de mandalas. Há também a presença da cultura indígena brasileira,
em trechos escolhidos por Maria-Gabriele de danças/oração que,
normalmente, são realizadas durante horas por eles em suas aldeias.
Os poucos fragmentos que foram escolhidos de danças dinâmicas
e conectadas à terra de algumas tradições sobreviventes no Brasil,
refletem o “Espírito da Natureza, que os homens brancos
chamam de Deus”. É este Espírito que atua através dos
dançarinos.
Os fragmentos de dança das tradições indígenas foram inseridos
neste projeto “Danças de Oração” para contrabalançar os temas
religiosos europeus que, sendo orações em movimento lentas e
introvertidas, pertencem a uma tradição baseada em conceitos
religiosos que são expressos através de formas abstratas.
A sabedoria dos povos indígenas diz que cada comunidade
humana recebeu uma tarefa particular de manter o equilíbrio
entre o céu e a terra.(WOSIEN, M.-G., 2011, p. 15).
Desde o ponto imóvel, a dança que representa “A origem ou
criação como um ponto imóvel no infinito, com o círculo da vida se
expandindo e se contraindo ao seu redor, termina nesta dança com a
queda para dentro do tempo.” (WOSIEN, M-G, 2011, p. 15), às
formas geométricas, e conexões em presença onde o sagrado através
do movimento do corpo é vivo.
69
Três anos depois, em julho de 2013, participei de outro
seminário intitulado As três faces da Deusa, com Maria-Gabriele.
Lembro-me de que logo após ela se despedir do grupo, gravou um
vídeo que está disponível no canal do Youtube, chamado Consciência
Próspera
6
. Ela conta no vídeo como surgiu seu interesse pelas Danças
Circulares Sagradas e o estudo dos símbolos presentes na dança, a
partir de sua pesquisa com os contos de fadas russos. Ela relata sobre
um professor que “[...] tinha uma abordagem particular de analisar as
imagens dessas estórias como remanescentes de cultos religiosos.” E
continua: “Eu fiquei fascinada e então comecei uma pesquisa destas
imagens como parte de tradições religiosas e como parte da psicologia
moderna. Moderna no sentido da escola de Jung e moderna no
sentido de nossa nova consciência da vida tendo uma estrutura
anímica”. Em seu livro intitulado Danças Sagradas: Mitos, Deuses e
Mistérios, de 1974, ela traz um percurso da dança relacionado ao
sagrado de diferentes culturas, em conexão com a ancestralidade por
meio de memórias e de imagens apresentadas no livro, relacionadas
aos mistérios da vida.
Penetrar no tempo sagrado na dança equivale a penetrar no
eterno e intemporal, que é idêntico ao aqui e agora. Tornar-se
um com toda a criação constitui a marca do divino e significa o
paraíso para o homem. Esta condição implica que o mundo
criado, e por conseguinte o tempo e o movimento, transcende, e
se atinge assim a união original, a “stasis”. (WOSIEN, M.-G.,
1997, p. 10 -11).
Em todo seu estudo e percurso, Gabriele aborda com
profundidade os temas relacionados ao sagrado e mistérios que
6
www.youtube.com/user/ConscienciaProspera
70
envolvem o corpo em movimento e em estado de oração. Algumas
vezes a ouvi contar sobre o seu pai e o seu percurso nas Danças
Circulares. Neste mesmo livro que já citei, ela conta como foi o
momento em que ela decidiu trilhar esse caminho e, ao ser
questionada se foi junto com seu pai, ela responde:
M.-G.-W.: Sim, meu pai me pediu para assumir o trabalho dele.
Ele sempre quis que eu fizesse isso, mas eu nunca senti que estava
pronta. Eu queria fazer minhas próprias coisas primeiro, meus
próprios estudos, minhas próprias pesquisas, minhas próprias
viagens. Eu não estava pronta para assumir algo que pensei que
talvez fosse um fardo.
Durante esse período (1974 1983), passei vários longos
períodos no norte da Índia, nas encostas do Himalaia, fascinada
pela figura de um santo, que era adorado como um avatar, uma
encarnação de Shiva dançante, que ensinava ioga védica antiga.
Um dia, eu estava sentada na varanda do Ashram, perto da
pequena cabana em que esse professor morava, quando de
repente ouvi pela porta aberta uma música que eu conhecia do
ensino de dança do meu pai... Como soube mais tarde, uma fita
cassete havia chegado de Findhorn ao Himalaia através de um
amigo, como presente para o professor.
De volta à Alemanha, anunciei a meu pai que agora estava pronta
para iniciar e continuar seu trabalho de Meditação na Dança e
que tentaria combinar pesquisa e trabalho prático. Durante os
poucos anos restantes de sua vida, meu pai foi muito paciente e
um mentor muito dedicado para mim. (M.-G. WOSIEN, 2021,
p. 145 - 146)
Gabriele é uma pesquisadora incansável e, como já
mencionado, publicou diversos livros (1999,2002,2004,2021) e
ofereceu muitos seminários em diferentes países (Brasil, Alemanha,
Itália, dentre outros). Como já disse anteriormente, participei de
71
vários encontros com ela e não consigo transcrever em palavras a
profundidade de todos os sentimentos que pude vivenciar, mas me
lembro da emoção do recomeço de um caminho espiritual que se fez
presente em mim e, para isso trago uma citação dela em A canção do
sonho de Olaf Asteson, um dos seminários que dancei: “Há momentos
na vida quando, em algum lugar entre a eternidade e o tempo, um
impulso divino se manifesta a partir das profundezas da alma e é
vivenciado como um novo despertar da fé.” (M.-G. WOSIEN, 2021,
p. 5). Nesse percurso meditativo da oração em movimento, o corpo
se torna templo. Podemos encontrar na escrita de Maria-Gabriele
muitas reflexões sobre esse caminho. Na apostila do seminário
Mantras dos Vedas, traduzida por Cristiana Menezes em 2017, o qual
foi realizado no Brasil em São Paulo, Porto Alegre e Rio de Janeiro,
vivenciamos danças indianas de oração. Maria-Gabriele explica:
O propósito da transformação através da dança é baseado na
compreensão de que o nascimento físico necessita ser seguido por
um segundo nascimento espiritual de nosso ser interior. Ou seja,
o tempo linear histórico, vivenciado fisicamente através dos
sentidos, necessita ser equilibrado pelas múltiplas dimensões da
alma, nos conectando ao infinito e à ausência do tempo.
No contexto da dança como ritual, o corpo serve como um
veículo e instrumento de mudança: enquanto o dançarino
pratica para encarnar ‘o poder o corpo imortal’, esta energia
pode ser expressa e se manifestar através dos movimentos do
dançarino.
Em nosso estado de vigília nos identificamos com o corpo e nos
relacionamos com os objetos físicos que nos ligam ao mundo
externo, enquanto em um estado meditativo o corpo sutil ou
‘interior’ passa a ser vivenciado como relacionado a planos de
existência mais extensos. Isto pode nos levar à compreensão de
que somos parte de uma grande cadeia de seres em
72
desenvolvimento, que somente em um estágio tardio da evolução
criou a forma física humana. (WOSIEN, M.-G., 2017, p. 1).
Ao entrar em contato com a obra de Maria-Gabriele,
podemos observar uma imensidão de conteúdo. Também tive a honra
de participar dos seminários “As três faces da Deusa” e Ariadne,
transformações na dança, um dos mitos civilizatórios que fala sobre
a transição do período matriarcal, vinculado ao sagrado feminino,
onde o amor, a espiritualidade e a compreensão do sagrado eram
alimentos para a alma humana.
Em minha escrita faço uma breve introdução sobre ela por se
tratar de uma pesquisa que tem a intenção de apresentar o trabalho
sobre as Danças Circulares para crianças, na escola. Mas há muito
para escrever e aprender com cada tema abordado por ela. Nesse
momento, trago novamente o rio que brota da terra e é olho d´água
que sai dali e percorre muitos caminhos, ora serpenteia como cobra,
ora manso ou turbulento. As margens estreitas dessa breve
apresentação de Gabriele devem ser o início convidativo a percorrer
largas margens de seus conteúdos. Poderia escrever sobre como me
sinto tocando algo sagrado, mas aprendi com ela que essa busca está
dentro de mim em profunda comunhão com o mundo todo, uma
conexão que os povos originários de nossa terra, naquele momento
chamada Pindorama, nos alertam há muito tempo. Os movimentos
das danças repetem ciclos orgânicos da vida e nos lembram a
importância da comunhão do círculo que está presente nos
ensinamentos durante uma roda de Dança Circular, mesmo de forma
sutil, porque não precisamos justificar em palavras, por exemplo, a
importância das mãos unidas como sendo de receber e dar apoio.
Ailton Krenak, importante liderança indígena do nosso país, traz
73
reflexões fundamentais em seu livro A vida não é útil, onde ele escreve
sobre essa grande teia de relações:
Alguns povos têm um entendimento de que nossos corpos estão
relacionados com tudo o que é vida, que os ciclos da Terra são
também os ciclos dos nossos corpos. Observamos a terra, o céu e
sentimos que não estamos dissociados dos outros seres. O meu
povo, assim como outros parentes, têm essa tradição de
suspender o céu. Quando ele fica muito perto da terra, há um
tipo de humanidade que, por suas experiências culturais, sente
essa pressão. Ela é sazonal, aqui nos trópicos essa proximidade se
dá na entrada da primavera. Então é preciso dançar e cantar para
suspendê-lo, para que as mudanças referentes à saúde da Terra e
de todos os seres aconteçam nessa passagem. Quando fazemos o
taru andé, esse ritual, é a comunhão com a teia da vida que nos
dá potência.
Suspender o céu é ampliar os horizontes de todos, não só dos
humanos. Trata-se de uma memória, uma herança cultural do
tempo em que nossos ancestrais estavam tão harmonizados com
o ritmo da natureza que só precisavam trabalhar algumas horas
do dia para proverem tudo que era preciso para viver. Em todo
o resto do tempo você podia cantar, dançar, sonhar: o cotidiano
era uma extensão do sonho. E as relações, os contratos tecidos no
mundo dos sonhos, continuavam tendo sentido depois de
acordar. Quando pensamos na possibilidade de um tempo além
deste, estamos sonhando com um mundo onde nós, humanos,
teremos que estar reconfigurados para podermos circular.
(KRENAK, 2020, p. 45-47).
É exatamente essa conexão que o movimento das Danças
Circulares traz. A roda de dança nos ensina olhar para nós mesmos,
reconhecer o outro e o mundo em que vivemos em harmonia.
Durante o período da pandemia, Gabriele participou de encontros
74
virtuais e breves seminários, inclusive para dançarinos brasileiros. A
profundidade de suas pesquisas são inspiradoras e, no ano de 2022,
ela lançou em alemão e inglês uma nova criação intitulada Delfos,
encontro da Dança, já divulgada em sua página na internet
7
.
Em diversos encontros presenciais e conversas por email,
contei para ela sobre meu trabalho com as crianças envolvendo as
Danças Circulares, o Teatro e as culturas tradicionais, das quais faço
parte. Ela sempre me motivou a continuar e partilhava algo da sua
experiência e enviou uma foto de seu pai dançando num grande
círculo e, ao centro de mãos dadas com as crianças, perto de Munique,
em uma festa.
Para encerrar esta breve apresentação sobre ela, trago outra
entrevista dada em 2009 a Anne Devillard, publicada no livro
mencionado (M.-G. WOSIEN,2021). Ela é questionada sobre em
que momento a Dança Circular pode ser realizada e ela responde que
o ideal é iniciar com as crianças, o que tem relação direta com esta
pesquisa que apresento.
No ensino, por exemplo: tenho estado frequentemente na
Grécia, onde notei que os gregos têm uma cultura de dança
muito antiga e seu senso de mitologia permanece até hoje. Isso
está tão profundamente arraigado em sua consciência que eles
ensinam Danças Circulares na escola, o que é uma delícia. As
crianças crescem com elas. [...] A música desempenha um papel
extremamente importante em tudo isso. Até Platão, na sua
época, reconheceu isso. Para ele, uma educação completa incluía
necessariamente o estudo da música e da dança a Dança
Circular. Para os cidadãos de sua época, era absolutamente
necessário que eles tivessem essa introdução artística a esse grupo
7
http://www.sacreddance-wosien.net/
75
de dança. A pessoa sem instrução era aquela que não desfrutava
desse amplo treinamento nas artes.
Como são as coisas nos tempos atuais? Não há uniformidade:
aprendemos música em um lugar, esporte em outro, mas sempre
com ênfase na conquista e na competição. Nós não somos
homogêneos. Embora eu não tenha incluído especificamente a
Dança Sagrada no campo da terapia, ela tem um efeito curativo,
porque nos conecta e nos faz felizes. (M-G WOSIEN, 2021, p.
136-137).
A seguir contarei sobre Friedel Kloke (1941) que foi aluna e
assistente de Bernhard Wosien e até os dias atuais é uma importante
criadora e colaboradora desse movimento.
A mandala em movimento de Friedel Kloke
Friedel Kloke nasceu na Alemanha em 1941 e fez aulas de balé
desde os cinco anos de idade. Casou-se em 1964 e se mudou para a
Holanda em 1966, teve três filhos, duas filhas são professoras de
Danças Circulares: Saskia que a acompanha nos workshops e Nanni
Kloke criadora do Harmony Method e tem um livro publicado
chamado Dançar para Reconectar. Em 1978 teve o primeiro encontro
com Bernhard Wosien como professor de dança. Em seu livro
DançaSom…Profundo Silêncio: Meditação da Dança, lançado pela
editora Triom, em 2021, ela conta que a partir de 1979 passou a ser
sua assistente e em 1981 com o apoio de Bernhard Wosien, ela
fundou a Stichting Sacred Dance para um curso de formação em
dança sagrada. Em 1982 fundou e foi responsável pela gestão de uma
instituição chamada Demian, que oferecia o ensino de diversos tipos
de dança.
76
Nos primeiros encontros com Bernhard Wosien, procurei o
silêncio em vão. Nós dançamos danças circulares e danças dos
povos (principalmente danças animadas da Rússia, da Polônia e
da Grécia), que ele também chamou de “rodas de encontro e
entusiasmo”. Nós cantávamos e tocávamos música até altas
horas. O tempo parava quando ele nos enfeitiçava com histórias
sobre a mitologia grega, sobre o céu estrelado, sobre pintura,
dança e música, sobre suas viagens, sobre seu caminho de
dançarino, etc. E não raras vezes celebrávamos até a madrugada,
em vestes festivas e com coroas de louro.
O silêncio interior, eu o encontrei em seu treinamento clássico.
Eu já estudava e praticava balé, mas foi através do seu jeito de
ensinar que se revelou para mim o segredo do statio, da
meditação em cruz. (KLOKE, 2021, p. 33).
Ela conta nesse mesmo livro que foi no silêncio do
“attunement” (sintonização) que “[...] nasceu em meu coração a ideia
da “Meditação da Dança” como um passo para dentro do silêncio, e
o seu movimento, um acesso à meditação.” (KLOKE,2021, p. 35), e
reforça que esse movimento da dança como meditação foi iniciado
por Bernhard. Ao falar sobre o simbolismo da dança, ela reforça os
mistérios em relação aos símbolos que são permeados de significados
e escreve sobre o círculo:
Filosoficamente falando, a linha nasceu do movimento, como
Romam Signer entende, por aniquilação do mais alto repouso do
ponto cerrado em si mesmo. Assim, por exemplo, Platão
desenvolveu sua equação da linha. Ele dividiu as linhas em linhas
retas, círculos e linhas compostas. A primeira definição do círculo
é dele: Redondo é certamente aquilo cujas extremidades são
equidistantes do centro em todos os lugares. (Parmênides) O
começo é o fim e o fim é o novo começo. (KLOKE, 2021, p.
109).
77
Em 1990, Friedel fundou o Instituto de Formação
Meditation des Tanzes Dança Sagrada, na Alemanha e mais tarde
passou a oferecer cursos na Irlanda, Inglaterra, Brasil, Suiça e
Alemanha. Renata Ramos conta na introdução à edição brasileira do
livro já mencionado, que Friedel veio para o Brasil pela primeira vez
em 2003. Estive em alguns workshops em que ela e sua filha Saskia
trouxeram danças e pareciam flutuar na leveza dos passos que nos
ensinaram, enquanto desenhávamos mandalas com nossos corpos em
movimento. Ela escreve em seu livro sobre seu processo de criação:
A dança é, como a música, uma tentativa de dizer o indizível.
Nos processos mentais profundos, contamos com símbolos que
conectam o consciente e o inconsciente, o superficial e o
misterioso, o mundano e o divino. Símbolos são transparentes e
revelam um significado mais profundo. [...]
A simbologia das mandalas e danças circulares coreografadas por
mim (o círculo é formado a partir de uma linha infinita e,
portanto, é considerado um sinal de infinito) também pode ser
encontrada na estrutura da música que orienta a dança. Com
cuidado especial, seleciono as peças musicais. Frequentemente
são composições clássicas como as de Bach, Vivaldi, Telemann,
Beethoven, Haydn, etc. No andante ou adágio, as dançarinas e
os dançarinos completam passos simples. Eles seguram as mãos
um do outro, procuram e sentem a comunhão, a comunidade, e
se deixam tocar pelo ritmo e pela melodia. Os temas são
escolhidos para sentir e compreender esse efeito da dança.
(KLOKE, 2021, p. 43).
A essência da dança vem desse movimento ancestral e a partir
dele, na contemporaneidade, vimos o percurso das Danças Circulares
Sagradas com três importantes precursores. A seguir, apresento a
história desse movimento no Brasil.
78
Dança Circular no Brasil
O Brasil é uma terra plural, que transborda culturas e
tradições. É necessário atentar-se aos povos originários para perceber
que tudo o que já foi mencionado em relação ao ritual, à expressão,
às vivências, também pulsava aqui de uma forma natural, com a sua
originalidade. É interessante observar no relato de Kaká Werá Jecupé
em seu livro A terra dos mil povos, um pouco da nossa história, contada
por um indígena. Neste local, onde a ligação entre o invisível, a
natureza e as pessoas é unificada em povos que aqui viviam.
Esses clãs, tribos, povos têm uma árvore em comum que remete
aos nomes: Tupy, Jê, Karib e Aruak. No entanto, antes da
chegada das grandes canoas dos ventos do século XVI, o que
podemos chamar de povo nativo era olhado e nomeado, do
ponto de vista tupi, como filhos da Terra, filhos do Sol, e filhos
da Lua. Na língua abanhaenga também dizia-se Tupinambá,
Tupy-Guarani e Tapuia. Os povos Tapuia eram uma vastidão
nômade, de muitos dialetos, que seguiu a tradição do Sonho. Os
Tupy dividiam-se em Tupinambá e Tupy-Guarani e pegaram
dos anciões da raça vermelha as tradições do Sol e da Lua.
A história indígena do Brasil transcorre, então, com a
germinação dessas três qualidades de povos: os povos da tradição
do sonho, os da tradição do Sol e os da tradição da Lua.
(JECUPÉ,2020, p. 25)
A nossa história passou por diversas transformações,
envolvendo culturas que chegaram e se apropriaram desta terra. A
forma de vivenciar a vida em conexão com o todo, foi transformada
e saqueada para um modo completamente diferente do que existia por
aqui. A beleza desse registro escrito por um indígena não foi vista
79
pelos portugueses que aqui chegaram, pelo menos não foi registrada.
Um povo dominante que só enxergava a sua forma de viver, com uma
concepção ideológica do mundo medieval em busca de um paraíso.
O encontro com os indígenas, que foram considerados não
civilizados, foi registrado na carta de Pero Vaz de Caminha, ao rei de
Portugal, por andarem nus e não fazerem nenhuma cortesia. Sob sua
visão europeia, com o desejo de exploração, relataram:
Acenderam-se tochas. Entraram, mas não fizeram sinal de
cortesia, nem de falar ao Capitão nem a ninguém. Porém um
deles pôs o olho no colar do Capitão, e começou de acenar com
a mão para a terra e depois para o colar, como que nos dizendo
que ali havia outro. Também olhou para um castiçal de prata e
assim mesmo acenava para a terra e novamente para o castiçal
como se lá também houvesse prata. (PEREIRA,2000, p. 9).
É intrigante ver que a história dessa terra chamada Brasil foi
contada a partir dos relatos de pessoas que estavam inseridas em outra
cultura e não se preocuparam em entender ou respeitar o que aqui já
existia. No livro já mencionado, Kaká Werá conta sobre tantas coisas
que não foram descobertas. Aliás, quando Caminha escreveu a carta
“[...] existiam no Brasil, segundo estudiosos, de 350 a 500 línguas
faladas e aproximadamente 20 milhões de habitantes.”
(JECUPÉ,2020, p. 51). No primeiro censo demográfico realizado em
1842, pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística no Brasil,
apontava o número de 9 930 478. (IBGE,1842) Segundo Darcy
Ribeiro, os indígenas que foram os primeiros habitantes do Brasil,
viviam organizados e se dividiam conforme a língua, os usos e os
costumes que eram diferentes do costume europeu. A partir do
encontro dessas etnias ocorreu uma significativa mestiçagem. Os
80
nossos costumes e manifestações mais intrínsecos se devem a esse
encontro.
Com a abertura dos portos, houve a imigração de outros
povos, entre eles italianos, alemães, japoneses, espanhóis, entre
outros. O que contribuiu para ampliar costumes e estabelecer ainda
mais a mistura de etnias e culturas. E assim a história do nosso país
foi se transformando a cada ano e hoje somos um povo resultado da
interação com diferentes relações de poder e de diversas culturas. O
que diz muito sobre nossa forma de vida atualmente, além do
processo de aculturação, que aconteceu na maior parte do Brasil,
inicialmente com a cultura europeia sobre a cultura dos povos
originários e africanos que foram escravizados e o processo de
hibridização, relacionada a elementos que mesclaram entre as
culturas.
São muitas as histórias para serem contadas dentro dessa
diversidade tão grande. E há alguns anos, elas começaram a ser
contadas de uma forma diferente, por outros olhares.
No século XX, os olhos e a mente da humanidade começaram a
reconhecer os povos nativos como culturas diferentes das
civilizações “oficiais” e vislumbraram contribuições sociais e
ambientais deixadas pelos guerreiros que sonharam.
Contudo, a maior contribuição que os povos da floresta podem
deixar ao homem branco é a prática de ser uno com a natureza
interna de si. As tradições do Sol, da Lua e da Grande Mãe
ensinam que tudo se desdobra de uma fonte única, formando
uma trama sagrada de relações e inter-relações, de modo que
tudo se conecta a tudo. O pulsar de uma estrela na noite é o
mesmo do coração. Homens, árvores, serras, rios e mares são um
corpo, com ações independentes. Esse conceito só pode ser
compreendido por meio do corão, ou seja, da natureza interna
de cada um. Quando o humano das cidades petrificadas largar as
81
armas do intelecto, essa contribuição será compreendida. Nesse
momento, entraremos no ciclo da unicidade, e a terra sem males
se manifestará no reino humano. (JECUPÉ,2020, p. 64).
A Arte nos possibilita expressar em comunhão com a vida, na
beleza, na dor, simplicidade ou sua complexidade e a Dança Circular
nos permite olhar para isso, e buscar transformações.
A dança de roda já existia no Brasil nas comunidades
indígenas e com as cirandas. Luís da Câmara Cascudo no Dicionário
do folclore brasileiro escreve:
Dançam em círculos e todos os primitivos contemporâneos. A
documentação do Brasil do séc. XVI referente às danças
indígenas é o círculo, com os pajés defumando os guerreiros,
transmitindo-lhes o espírito da coragem As danças só podiam ser
expressões sagradas e depois o instinto lúdico diversificou-as.
(CASCUDO, 1954, s/d, p. 339).
Por outro lado, o formato da dança em círculo num caminho
meditativo dentro da proposta da comunidade de Findhorn, iniciou
no Brasil em 1984. O pioneiro foi o arquiteto Carlos Solano que
neste mesmo ano esteve para Findhorn e viveu 6 meses naquela
comunidade. Entre as atividades realizadas no local, ele pôde
vivenciar as Danças Circulares, e conta no primeiro livro brasileiro
sobre este tema, Danças Circulares Sagradas Uma proposta de Educação
e Cura (RAMOS,1998. p 6), que : “Na conclusão do curso fui
informado de que seria o primeiro instrutor de Danças Sagradas do
Brasil… Achei curioso mas, na época, não imaginava trabalhar
profissionalmente com as Danças. Dançava apenas por puro prazer”.
De volta ao Brasil, ele reúne amigos para dançar “informalmente” em
rodas realizadas em Minas Gerais. Antes disso, em 1981, Trigueirinho
82
foi a Findhorn e conheceu a canadense Sara Marriott. Ele estava
fundando o Centro de Vivências Nazaré, atualmente chamado de
Nazaré Uniluz e a convidou para conhecer:
Sara Marriott chega ao Brasil em primeiro de abril de 1983 e
permanece por um mês com o grupo no Centro de Luz.
Ao final de 1984 e aos 79 anos Sara decide deixar Findhorn e vem
residir em Nazaré.
Nessa fase, o Centro de Luz começa a relacionar a disciplina e o tom
mais monástico de Trigueirinho com a leveza e o cuidado amoroso
que Sara traz da experiência vivida em Findhorn, por meio das
danças sagradas circulares, energia angelical das cartas dos anjos,
rodas circulares das manhãs e liderança grupal. O aspecto
‘Comunidade Espiritual’ do trabalho começa a se desenvolver.
(nazareuniluz.org.br/historia/).
Trigueirinho saiu do Centro de Vivências de Nazaré e os
residentes contataram Carlos Solano para conhecerem através dele
um pouco mais das Danças Circulares. Renata Ramos, uma das
precursoras deste movimento no Brasil e responsável por diversas
edições de livros sobre o tema, relata:
Eu pessoalmente, conheci as Danças Sagradas em 1992, quando
fui a Findhorn pela primeira vez. Fiquei literalmente encantada
e, em 1993, voltei à Escócia especialmente para participar de um
pequeno treinamento com Anna Barton. De volta ao Brasil,
comecei a ensiná-las. Foi nessa época que conheci o Carlos
Solano, numa vivência no Centro de Vivências de Naza
Paulista, em 1994. (RAMOS, 1998, p. 11).
Em um vídeo publicado no YouTube no canal já mencionado
Consciência Próspera, Renata conta a história desse percurso das
83
Danças Circulares no Brasil
8
e fala que nesse mesmo período, no Rio
de Janeiro em Nova Friburgo, Patricia Azarian que teve como mestra
Maria-Gabriele Wosien também iniciava esse movimento. Em 1995,
Anna Barton veio para o Brasil e a Dança Circular se "ancora
oficialmente”, como ela nos conta no vídeo. É feito o lançamento
do primeiro livro brasileiro já mencionado acima pela editora Triom.
O movimento se expande pelo Brasil, com contribuições importantes
de pessoas atentas ao desenvolvimento das rodas e demonstra
resultados e benefícios por sua aplicabilidade em empresas, escolas,
parques, universidades, hospitais, abrigos, instituições, órgãos
públicos ou privados. A pioneira em criar repertório coreográfico com
a música popular brasileira no movimento das Danças Circulares no
Brasil foi Cristiana Menezes, que é artista profissional da dança,
coreógrafa e mestra de ballet clássico, educadora musical, coralista e
ministra, desde 2006, cursos de Formação Profissional em Dança
Circular, em vários estados brasileiros. Maria Cristina de Freitas
Bonetti, docente da Universidade Federal de Goiás, também é uma
importante pesquisadora das Danças Circulares, das festas e danças
tradicionais e sua contribuição é de uma grande riqueza para as
Danças Circulares e para a nossa cultura popular.
Até o presente momento apresentei um breve estudo sobre a
história da dança e início do movimento das Danças Circulares, assim
como os precursores desse movimento, além de seu início em nosso
país, Brasil. É importante ressaltar, ainda, que muitas pessoas são
responsáveis pela disseminação das Danças Circulares em nosso país,
com pesquisas e criações coreográficas que tocam as mais diversas
8
Movimento das Danças Circulares no Brasil Renata Ramos:
www.youtube.com/watch?v=0QickBwVQTI
84
culturas. A seguir, vou apresentar uma possível definição do que é
uma roda de Dança Circular.
Roda de Dança Circular Sagrada
A simbologia das Danças Circulares passa por infinitas
conexões entre povos e culturas, esses símbolos expressam mitos,
crenças, fatos, situações e/ou ideias. De maneira sutil, eu trouxe a
o momento simbologias das Danças Circulares relacionadas à vida, o
caminho individual e coletivo, em um movimento infinito de
conexões com o mundo. Mas como explicar o que é estar em uma
roda de Danças Circulares para quem nunca dançou no círculo?
A vivência é diferente para cada pessoa e, por isso, escrevo
sobre as minhas sensações para compartilhar um pouco do que é
possível experienciar. Mesmo assim é importante dizer que ao entrar
em uma roda, diferentes sensações, emoções afloram dependendo de
como estou naquele momento com meu corpo e minha mente, ou
como recebo as mãos que tocam a minha para formar a roda. Tudo
isso pode alcançar influências de como é o local onde a roda acontece
(ambientes abertos ou fechados, espaços grandes ou pequenos, locais
públicos como praças e parques, escolas, instituições, empresas,
dentre outros), o tipo de roupa e calçado que escolhi para dançar, o
tema das danças, dentre tantas outras coisas. Somos plurais e cada
roda ocorre de um jeito. Por exemplo: algumas pessoas gostam de
ouvir a música antes de dançar, outras preferem contar os passos por
números (1,2,3 e 4), outras preferem que seja nomeado (direta-
esquerda), tem gente que gosta que seja falada a explicação durante a
dança toda, tem gente que não gosta que se fale, alguns preferem o
som alto, outros, o som mais baixo, uns as danças agitadas, outros só
85
as mais meditativas. Algumas pessoas não gostam que batam palmas
quando uma dança é finalizada, outras entram em êxtase e se sentem
felizes ao comemorar a dança realizada. E por se tratar de uma
imensidão de pluralidades, a roda de Danças Circulares é um espaço
democrático de respeito e constante observação de si e do grupo. Eu
posso ter as minhas preferências, mas se não estou em união como
grupo, a roda não acontece. Na roda dançamos uma variedade de
passos, ritmos, culturas e formatos, como: o rculo fechado, espiral,
semirculo, de mãos dadas, soltas, braços em cesto, em filas e tantas
outras.
A dança circular é a concepção dançante do trajeto da luz no
espaço. Com direcionamento para o centro e andando ao redor
do círculo, o dançarino procura sempre tornar presente o centro
do círculo como contrapartida divina. Do ponto de vista
religioso, a dança circular é a tentativa de realizar na terra o
espetáculo do movimento celestial.
A partir da figura do círculo, para onde convergem todas as
antíteses, é possível desenvolver todas as figuras simbólicas
geométricas. Estas são também a formação dos números básicos,
encontrados em todas as formas de movimento e coreografias.
(WOSIEN, M.-G., 2004, p. 14).
Na roda de Dança Circular é possível acessar esse caminho
que vai além do corpo, dos movimentos: “A dança se comunica do
ponto onde a respiração, a representação, a imagem e a vivência
onírica afloram e se tornam criativas, desprendidas do plano da
realidade prosaica e dos grilhões terrestres.” (WOSIEN,2000, p. 26).
Em cada dança é possível experienciar culturas em forma de ritmos e
passos que vão além do físico, nessa conexão que nos une quando
estamos na roda de Dança Circular. Iniciei este capítulo com a fala de
86
Krenak e o cajado no rito que marca o centro do mundo.
Simbolicamente podemos pensar que esses círculos e desenhos
geométricos que dançamos na roda estão conectados a muitas
dimensões de uma geometria sagrada.
Formas geométricas sagradas, originadas da figura do círculo,
espelham a unidade da natureza e do cosmos. São o modelo
básico de todas as relações de troca e sua disposição concêntrica
indica as transições entre as diferentes formas de existência ou
dimensões. Seu centro é o símbolo da força da criação divina,
que flui incansavelmente para o Aqui e Agora. (WOSIEN, M.-
G., 2004, p. 7).
Em 2017, a Dança Circular foi reconhecida como uma das
Práticas Integrativas Complementares (PICs) do SUS pela Portaria
número 849 do Ministério da Saúde
9
, promulgada em 27 de março
(BRASIL, 2017). A portaria inclui a Arteterapia, Ayurveda, Biodança,
Dança Circular, Meditação, Musicoterapia, Naturopatia, Osteopatia,
Quiropraxia, Reflexoterapia, Reiki, Shantala, Terapia Comunitária
Integrativa e Yoga à Política Nacional de Práticas Integrativas e
Complementares. A descrição diz:
Danças Circulares Sagradas ou Dança dos Povos, ou
simplesmente Dança Circular é uma prática de dança em roda,
tradicional e contemporânea, originária de diferentes culturas
que favorece a aprendizagem e a interconexão harmoniosa entre
os participantes. Os indivíduos dançam juntos, em círculos e aos
poucos começam a internalizar os movimentos, liberar a mente,
o coração, o corpo e o espírito. Por meio do ritmo, da melodia e
dos movimentos delicados e profundos os integrantes da roda são
9
bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2017/prt0849_28_03_2017.html
87
estimulados a respeitar, aceitar e honrar as diversidades. O
principal enfoque na Dança Circular não é a técnica e sim o
sentimento de união de grupo, o espírito comunitário que se
instala a partir do momento em que todos, de mãos dadas,
apoiam e auxiliam os companheiros. Assim, ela auxilia o
indivíduo a tomar consciência de seu corpo físico, harmonizar o
emocional, trabalhar a concentração e estimular a memória. As
danças circulares podem criar espaços significativos para o
desenvolvimento de estados emocionais positivos, tornando-se
um recurso importante no contexto de grupos, uma vez que
estimulam a cooperação, despertam o respeito ao outro, a
integração, a inclusão e o acolhimento às diversidades. A prática
tem o potencial mobilizador da expressão de afetos e de reflexões
que resultam na ampliação da consciência das pessoas. No
círculo trabalha-se o equilíbrio entre o indivíduo e o coletivo, o
sentimento de pertinência e do prazer pela participação plena dos
processos internos de transformação, promovendo o bem-estar,
a harmonia entre corpo-mente-espírito, a elevação da
autoestima; a consciência corporal, entre outros benefícios
(BRASIL, 2017, online).
No círculo das Danças Circulares vivenciamos tantas
experiências que são preparadas com uma intenção de quem organiza,
no entanto é preciso se atentar a essa diferença de quando
participamos da roda ou somos responsáveis por organizá-la. De uma
maneira didática, vou trazer os elementos importantes para que uma
roda de Danças Circulares aconteça. Antes de tudo, é preciso que um
grupo tenha o desejo de se reunir, porque a Dança Circular se faz no
coletivo. Sempre teremos presente em uma roda de Dança Circular
alguém que irá conduzi-la. É comum, no Brasil, nos depararmos com
o termo Focalizadora ou Focalizador que, segundo Renata Ramos
“Focalizador/a é aquela pessoa que lidera uma Roda de Dança
Circular. A raiz da palavra vem de focus, que é fogo em latim.
88
Portanto, um Focalizador/a passa a chama dessa prática para os
participantes” (RAMOS,2022, p. 17). Essa pessoa é quem vai cuidar
da roda e explicar as coreografias de modo verbal, corporal e
acompanhar os participantes, mostrando de forma amorosa como o
gestual pode se colocar a favor da expressão. Renata Ramos
organizadora do livro Danças Circulares Sagradas, uma proposta de
Educação e Cura, escreve em um dos capítulo sobre o focalizador: É
aquele que mantém o foco de uma vivência, ou seja, aquele que
orienta e apoia as pessoas numa vivência, dirigindo-as na direção de
um objetivo.” (RAMOS, 1998, p. 189) e escreve sobre algumas
qualidades importantes para ser uma boa focalizadora/focalizador
(RAMOS, 1998): Clareza na expressão, Clareza na Intenção, Firmeza
de Postura e Palavras, Flexibilidade, Simplicidade e Humildade,
Ritmo e Sensibilidade Musical, Bagagem Cultural e Espiritual e
Entrega. Esse termo, fozalizadora/focalizador, veio da comunidade de
Findhorn e é direcionado a quem organiza e coordena as atividades
nos mais diversos espaços, contudo, no que diz respeito à pessoa que
conduz as rodas de Danças Circulares, não encontramos essa palavra,
seja nos livros de Maria-Grabriele Wosien (2002, 2004, 2021) e
Friedel Klokle (2021), como entre tantos outros pesquisadores,
dançarinos e professores internacionais. Por outro lado, podemos
encontrar no livro de Anna Barton (2012), traduzido pela Editora
Triom, a palavra professor ou focalizador de Dança Circular.
Quando estive na Itália para conduzir uma roda de Danças
Circulares, em 2013, fui anunciada como professora. Já na França,
fui indicada pela Associação Le Corps à Vivre para a Associação La vie
danse, que me convidou para conduzir uma roda de Danças
Circulares Brasileiras, como animadora de Dança Circular Sagrada.
No terceiro capítulo desta pesquisa apresento duas entrevistas que fiz
89
especialmente para esta pesquisa com Fido Wangler, que foi aluno de
Bernhard Wosien, e Brant Bambery, da comunidade de Findhorn.
Ambos não mencionaram a palavra focalizador e sim, professores. Ao
questioná-los, me escreveram: Fido “Não temos uma palavra como
focalizador ou focalizer na Alemanha, dizemos apenas professor*a de
dança, líder de dança.” e Brant- “Parece-me que algumas pessoas
usam Focaliser, é um termo usado em Findhorn para pessoas que
possuem semanas de experiência. Eu não tenho certeza se vem disso,
mas eu costumo usar o termo professor de dança sagrada ou apenas
professor.” De qualquer forma, a palavra focalizadora/focalizador
presente no primeiro livro sobre Danças Circulares no Brasil pela
Editora Triom, traz uma simbologia importante para a pessoa que irá
conduzir a roda. Renata Ramos, mestra querida, escreve nesse livro:
[...] está implícito que o focalizador mantém algo mais que a
simples ordem física das coisas. Ele faz uma conexão com
energias mais sutis que dão apoio à vivência do grupo em
questão, sentindo as vibrações densas e sutis no Círculo da
Dança; cabe a ele sentir o ambiente, o grupo, as pessoas e, com
tudo isso, criar um campo flexível, leve e limpo. (RAMOS, 1998,
p. 190).
Dando continuidade, cada roda pode acontecer em torno de
um tema específico ou não. Pode-se dançar pela paz, celebrar o
sagrado feminino, danças meditativas, danças de pares, celebrar
estações do ano e uma infinidade de abordagens. Por isso, se faz
necessário saber qual é a intenção ao realizar a roda, que pode ser
festejar o momento, reunir amigos e dançar ou, até mesmo, algum
tema mais elaborado relacionado a um livro, história, mito, entre
tantas outras escolhas. Por isso é importante saber qual o público de
90
cada roda, o que mesmo assim pode provocar mudanças de repertório
quando as rodas são mistas, em lugares abertos. A roda é um espaço
democrático e recebe quem tem o desejo de entrar, por isso,
precisamos estar atentas (atentos) quando somos responsáveis por
conduzi-la. Cada encontro simboliza uma organização com cuidado
e atenção, assim como a escolha das danças que podem ser de um
repertório tradicional, que são as chamadas danças tradicionais ou
contemporâneo, com uma infinidade de danças criadas para os mais
diferentes públicos. Anna Barton escreveu em seu livro já
mencionado: Eu gosto de planejar uma aula de forma que ela comece
suave e facilmente, desenvolva-se em danças mais energéticas,
incluindo danças de casais e troca de parceiros no meio, e depois
diminua o ritmo outra vez para terminar com uma dança meditativa.
(BARTON, 2012, p. 49). Essa escolha vai de acordo com o tema
proposto, o público que virá dançar e a intenção que se tem ao realizar
a roda.
Em meio a essa organização, é preciso pensar no local de
realização. Se é um espaço aberto é necessário verificar a previsão do
tempo, se for em espaço fechado, como é a ventilação, se tem colunas,
qual é o tipo do piso, se tem buraco no gramado e quantas pessoas
cabem em círculo de forma aconchegante. Também é preciso verificar
a harmonia do local, que diz respeito aos ruídos, à limpeza, à
ventilação, à iluminação, para que seja possível proporcionar prazer,
bem-estar e envolvimento dos participantes. O equipamento de som
deve ser adequado ao local, para que todas pessoas presentes na roda
possam ouvir claramente, por isso, é importante fazer um teste prévio
nos ambientes mais diversos, quando possível. O centro da Roda
merece uma atenção especial. É ele quem será o norteador para que
a roda permaneça harmônica. Renata Ramos traz a seguinte reflexão:
91
E o centro do círculo? Esta é uma questão importante. Quando
se forma um círculo presume-se que exista um centro. Ou será
que, quando temos um centro, forma-se um círculo em volta?
Dá no mesmo... A força do universo está simbolizada por esse
centro que delimitamos no espaço em que vamos trabalhar. A
pergunta é: colocamos flores, velas, um tecido fino, símbolos,
cristais, todos, etc, nesse centro, fixando um ponto no espaço?
Ou deixamos que o círculo formado pelas pessoas de mãos dadas
encontre seu centro, permitindo uma mobilidade pelo universo
de energias, sem perder o ponto central? (RAMOS, 1998, p.
184-185).
Em rodas com crianças e com pessoas sem experiência na
Dança Circular é muito importante colocar o centro para orientar a
formação do círculo, além disso é recomendável que também esteja
presente em rodas com os diferentes públicos. Podemos colocar flores,
tecidos, velas, desenhos, ou criar algo com coisas do
ambiente/natureza, o que pode ter relação com o tema e repertório
proposto, ou não. O centro pode ser posicionado no chão, com o
cuidado para que as pessoas não dancem com a cabeça abaixada, ou
então podemos trazer algo que esteja na altura dos olhos. Assim, o
centro é mais um aspecto que a pessoa que vai conduzir a roda deve
se atentar.
Podemos pensar que todas essas informações aqui descritas
em relação à roda de Dança Circular, estão entrelaçadas com o
propósito de cada encontro no círculo. Se a roda tem um tema
específico, vamos pensar na organização em relação ao lugar,
participantes, repertório de danças, músicas e o centro da roda que
pode ter uma infinidade de significados. E a partir disso, podemos
pensar que esse caminho de conexão espiritual e física precisa de
muitos cuidados e isso vai variar de acordo com quem está
92
conduzindo/focalizando esse momento, como por exemplo, os passos
a serem ensinados. Anna Barton traz a seguinte contribuição, de uma
maneira bem simples e completa:
Quando eu converso com alguém sobre aprender os passos, eu
geralmente digo que não é importante pegar os passos logo nas
primeiras vezes. É mais importante se sentir à vontade e parte do
grupo. Entretanto, eu acho que é uma situação diferente quando
se trata de um grupo já existente que dança regularmente. Eu
traço um paralelo dele com um programa de máquina de lavar.
Você seleciona o programa para o tipo de tecido que você
pretende lavar. Se você selecionar um programa muito quente
para tecidos de lã, você provavelmente estragará sua roupa. Se
você selecionar o programa errado na Dança Sagrada achando
que realmente não importa qual pé você usa, você pode obter um
resultado distorcido. Quando todos os dançarinos estão
trabalhando juntos para serem tão exatos quanto possível com os
movimentos, emoções e pensamentos, eu acho que a energia
canalizada será aquela muito mais pura e mais capaz de servir aos
indivíduos, ao grupo e ao planeta. (BARTON,2012, p. 29-30).
Podemos observar que as Danças Circulares Sagradas
abarcam dimensões físicas, psicológicas, artísticas e espirituais e nesse
trabalho foco, principalmente, na educativa e artística. Há muito a ser
dito quanto ao corpo de quem dança, ao espaço físico e toda
preparação que envolve o mental, o pensar. Além disso, podemos
aprofundar em temas relacionados a cada roda, como parte de uma
sabedoria ancestral e atual.
93
ATO 3
TECENDO FIOS NA ARTE/EDUCAÇÃO:
DANÇAS CIRCULARES E JOGOS TEATRAIS
“[...] A expressão reta não sonha.
Não use o traço acostumado.
A força de um artista vem das suas derrotas. Só a alma
atormentada pode trazer para a voz um
formato de pássaro.
Arte não tem pensa:
O olho vê, a lembrança revê, e a imaginação transvê.
É preciso transver o mundo.
Isto seja:
Deus deu a forma. Os artistas desformam.
É preciso desformar o mundo:
Tirar da natureza as naturalidades.
Fazer cavalo verde, por exemplo [...]”
Manoel de Barros
Neste capítulo será apresentado um breve percurso do ensino
da Arte no Brasil, assim como esse caminho histórico tem influências
diretas em sua forma de ensino e, a partir de reflexões sobre o corpo
da criança na escola, trago uma das possibilidades de trabalho de
desenvolvimento da expressão, onde o círculo e o movimento estejam
presentes com a Dança Circular, integrada aos Jogos Teatrais. Dando
continuidade à imagem da peça teatral que iniciei em minha escrita,
94
neste ponto trago as cores pela iluminação que é desenhada nesse
espaço cênico. Aqui, onde a brincadeira se faz presente, compartilho
uma proposta de um percurso de aulas de Danças Circulares para
crianças a partir da minha vivência como artista desde pequena,
educadora a partir da adolescência, e o trabalho com as Danças
Circulares desde 2009.
O termo Arte/Educação, desenvolvido neste trabalho, tem
como inspiração vivências e estudos, dentre eles de Ana Mae
Barbosa, professora e escritora brasileira, pioneira e referência em
Arte/Educação no Brasil. Barbosa (2012, p.12) explica que a “Arte-
Educação é uma área de estudos extremamente propícia à fertilização
interdisciplinar.” Isso, no sentido da interpenetração da Arte e da
Educação em um processo dialético. Para fins de nomeação, usarei o
termo Arte/Educação em minha escrita, proposto por Ana Mae em
seu livro Arte/Educação contemporânea : “Prefiro a designação
Arte/Educação (com barra) por recomendação feita por uma
linguista, a Lúcia Pimentel, que criticou o uso do hífen como
usávamos em Arte-Educação, para dar o sentido de pertencimento.”
(BARBOSA, 2012, p. 12) de forma que a Arte e a Educação sejam
equivalentes.
Iniciaremos com as seguintes reflexões: Qual é a importância
da Arte em nossa vida e por que ela está no currículo escolar? Como
uma aluna e um aluno vivenciam a Arte no seu cotidiano? Como as
pessoas que estão perto dessas crianças vivenciam a Arte no dia a dia?
Essa última é uma pergunta difícil de responder porque, se olharmos
para o nosso país, veremos que há uma diferença em relação ao acesso
à Arte e que isso é um fator muitas vezes limitante. Muitas pessoas
que não têm o hábito de ir a uma peça de teatro, concerto, show,
exposição, espetáculos, não têm a disponibilidade de sair de casa,
95
mesmo quando o acesso é gratuito. Eu já ouvi inúmeros relatos de
pessoas que foram ao teatro pela primeira vez com mais de 40 anos,
em espetáculos que apresentei. Mas, também, podemos pensar na
Arte que está perto de nós e é acessível o tempo todo, seja um grafite,
uma escultura, performance, música, dentre outras. Será que na
correria do dia a dia a gente consegue enxergar ou acostumou o olhar
a não ver? E, sem ir muito distante: Como eu, ou você que me lê, se
permite vivenciá-la? É necessário que se entenda a sua indispensável
importância na sociedade desde o princípio da vida até os dias atuais
e além deles. “Em outras palavras, o valor da arte está em ser um meio
pelo qual as pessoas expressam, representam e comunicam
conhecimentos e experiências. (FERRAZ; FUSARI,2018, p. 20). O
desejo de expressão em ser artista toca o sagrado e o profano, sem
julgamentos, para recriar a vida. Vai além de compartilhar algo, é
transcendental e, por isso, é capaz de acessar em nós, cantos
escondidos para transformar nosso olhar. “A Arte existe porque a vida
não basta”, como disse certa vez o escritor Ferreira Gullar. E, muito
além de qualquer entendimento: “Arte não diz que está certo ou
errado. Arte faz pensar!” frase de Jaider Esbell, artista, escritor e
produtor cultural indígena da etnia Makuxi. em sua obra Carta ao
velho mundo que esteve na 34º Bienal intitulada“Faz escuro mas eu
canto”.
Há quem viva do trabalho na Arte, cria e recria o tempo todo
a sua expressão, através de linguagens, técnicas, materiais, além de
estar em contextos diferentes de complexidades de pensamentos e
emoções, por isso, ser artista dentro das mais diversas manifestações
exige um estudo contínuo e desafios a cada criação que é
compartilhada com o público, que estabelece uma relação com as
obras.
96
Os seres da natureza, bem como os objetos culturalmente
produzidos, despertam em todos nós diversas emoções e
sentimentos, agradáveis ou não aos nossos sentidos e ao nosso
entendimento. Logo ao nascer, passamos a viver em um mundo
com uma história social de produções culturais que contribuem
para a estruturação de nosso senso estético (FERRAZ; FUSARI,
2018, p. 20).
Inicio este capítulo com essas reflexões na tentativa de
compreender melhor o meu trabalho como artista, arte educadora,
artista educadora. Para isso, apresento um breve resumo do ensino da
Arte no Brasil e, a partir desses dados históricos, vamos olhar mais
especificamente para a disciplina de Arte na escola e como as Danças
Circulares e os Jogos Teatrais podem contribuir para uma ampliação
do ensino relacionado à expressão do corpo, além de tantos outros
alcances que serão explanados.
O ensino da Arte no Brasil
A arte presente nas escolas provoca experiências para
enriquecer a iconografia do olhar e, também, traz a possibilidade de
vivenciar no corpo a expressão. Podemos começar com a seguinte
reflexão:
As obras artísticas são construções poéticas por meio das quais os
artistas expressam ideias, sentimentos e emoções. Resultam do
pensar, do sentir e do fazer, que por sua vez são mobilizados pela
materialidade da obra, pelo domínio de técnicas, e os significados
pessoais e culturais. São, por isso, constituídas de um conjunto
de procedimentos mentais, materiais e culturais. Podem
concretizar-se em imagens visuais, sonoras, verbais, corporais, ou
são apenas manifestações das próprias linguagens, como
97
expressão e representação de algo. (FERRAZ; FUSARI, 2018, p.
22).
O ensino da Arte no Brasil passou por muitas transformações
e é no mínimo curioso observar que, quando olhamos para os
primórdios do ensino artístico, a Arte é concebida como desenho e
toda autenticidade da nossa tradição barroco-rococó foi substituída
pelo intelectualismo e racionalidade neoclássica, que marcaram as
atividades artísticas na corte.
Desde os inícios do século XIX era o Desenho, dentro da
pedagogia neoclássica, o elemento principal do ensino artístico,
levando à precisão da linha e do modelado. A importância destes
elementos refletia a influência dos exercícios de observação da
escultura antiga que, existente em maior número do que a
pintura, era utilizada com maior frequência. Para os neoclássicos,
o artista era gênio, era uma inteligência superior que, através do
Desenho seria limitada, domada pela razão, pela teoria, pelas
convenções da composição para melhor entender a tradição e a
história. (BARBOSA, 2012, p. 34).
Nesse percurso, inúmeras lutas foram travadas para que o
ensino da Arte pudesse ser valorizado na escola como área de
conhecimento e caminho de expressão e, em muitos momentos, é
apresentado dentro da perspectiva colonizadora. Tema este que, nos
últimos anos, tem sido abrangido e questionado, em virtude dessas
relações de poder, as quais trouxeram impressões que caíram no senso
comum e que, até nos dias de hoje, podemos encontrar na sala de
aula, como por exemplo o ensino da Arte com ênfase no desenho ou
o não reconhecimento da expressão dos povos originários. A visão
98
eurocêntrica relegou os saberes do corpo que existiam em
comunidades ameríndias e afro-diaspóricas.
Aqui chegando, a Missão Francesa já encontrou uma arte distinta
dos originários modelos portugueses e obras de artistas humildes.
Enfim, uma arte de traços originais que podemos designar como
barroco brasileiro. Nossos artistas, todos de origem popular,
mestiços em sua maioria, eram vistos pelas camadas superiores
como simples artesãos, mas não só quebraram a uniformidade do
barroco de importação, jesuítico, apresentando contribuição
renovadora, como realizaram uma arte que já poderíamos
considerar como brasileira. (BARBOSA, 2012, p. 19).
Esta terra de nome Brasil não foi descoberta pelos
portugueses, como eu aprendi na escola. “Eles chamavam de
colonização o ato de se estabelecer em terras estrangeiras como se
fossem deles, colocar nessas terras feitorias (sistemas encarregados de
aquisição de bens para a Corte real portuguesa) [...]” (JECUPÉ, 2020,
p. 55). Portanto, esse processo de exploração, ensinado como
colonização, influenciou diretamente o modo de viver. Na Educação,
grupos religiosos como os Jesuítas foram os primeiros responsáveis no
ensino escolar com a intenção catequizadora. “As crianças eram
atraídas principalmente pelos métodos que os jesuítas utilizavam, e
que faziam do conhecimento um atrativo, aproveitando a música, o
canto coral, o teatro e mesmo um grande aparato cerimonial.”
(FERRAZ; FUSARI, 2018, p. 43). O que mudou em 1759 quando
foram expulsos dessa terra por Marquês de Pombal, “[...] o sistema
educacional ficou desorganizado, e houve mudanças de alguns cursos,
principalmente o de humanidades [...]” (FERRAZ; FUSARI, 2018,
p. 44). Com a transferência da corte e a proposta de D. João VI,
houve uma significativa mudança: “O sistema educacional escolar
99
ficou estruturado em três níveis: primário (das primeiras letras),
secundário e superior. Foram criados também cursos
profissionalizantes.” (FERRAZ; FUSARI, 2018, p. 24)
Em 1816 com a vinda da Missão Artística Francesa, é fundada
a Escola Real de Ciências, Artes e Ofícios, que teve seu nome
modificado, em outubro de 1820, para Academia Real de Desenho,
Pintura, Escultura e Arquitetura Civil e, no mesmo ano, em
novembro, sua designação passou a ser Academia de Artes e, em 1826
passou a ser chamada de Academia Imperial de Belas-Artes. “[...] para
finalmente, depois da Proclamação da República, chamar-se Escola
Nacional de Belas-Artes.” (BARBOSA, 2012, p. 17). O primeiro
curso superior de Artes no Brasil, tinha como foco o ensino do
desenho e, em 1854, o ensino de música [...] “foi estabelecido
oficialmente nas escolas brasileiras” [...] (FERRAZ; FUSARI, 2018,
p. 46), além do ensino obrigatório de desenho e ginástica, sem
mencionar o teatro. “Neste período, a nossa historiografia não
informa sobre o ensino de teatro. Aparentemente, foi João Caetano
quem primeiro tentou criar uma Escola de Arte Dramática no Rio de
Janeiro, em meados do século XIX, mas sem conseguir efetivá-la.”
(FERRAZ; FUSARI, 2018, p. 47).
Em 1971, houve um marco no Ensino das Artes, quando foi
incluída no currículo escolar de 1º e 2º Graus, pela Lei de Diretrizes
e Base da Educação de 1971, Lei 5692/71 (BRASIL,1971), a
disciplina com o nome de Educação Artística. Em 1996, com a então
nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação - LDB (BRASIL, 1996),
estabeleceu-se o ensino de Arte como obrigatório em todo território
nacional e, em 1997, a publicação dos Parâmetros Curriculares
Nacionais (BRASIL, 1997), a dança passou a fazer parte do currículo
da disciplina de Arte. Mais tarde, houve uma alteração na LDB
100
(BRASIL, 1996) onde se tornou obrigatório o ensino de Artes
Visuais, Dança, Música e Teatro.
Os conteúdos se organizam a partir de eixos norteadores de
aprendizagem, a saber: produção em arte - desenvolvimento do
percurso de criação pessoal; fruição - apreciação significativa da
arte e reflexão sobre a arte enquanto produto pessoal e
pertencente à multiplicidade das culturas humanas, de todas as
épocas. Esta, talvez seja uma das principais e inovadoras metas
do ensino de arte, que busca o diálogo com todas as culturas e
formas artísticas, do erudito ao popular. A proposição da área,
como consta nos PCNs de Arte, passou a incorporar as quatro
linguagens: Artes Visuais, Dança, Música e Teatro, de modo que
os aprendizes, ao longo do curso, possam ter acesso
fundamentado a essas modalidades artísticas. (FERRAZ;
FUSARI, 2018, p. 62).
Em dezembro de 2017, a Base Nacional Comum Curricular
(BNCC) como um documento de caráter normativo, foi homologada
(BRASIL, 2017), a qual traz um conjunto de aprendizagens essenciais
para todos os alunos da Educação Básica. O ensino de Arte
compreende as diferentes linguagens artísticas, que são as Artes
Visuais, Música, Teatro e Dança, além das artes integradas como a
performance, a instalação, dentre outras. É importante observar que
cada proposta de Arte pode ter uma dimensão que toca quem faz ou
quem vê ou sente. Por exemplo, as Artes Visuais podem incorporar
criações relacionadas a imagens, espaço, objetos e composições. A
principal maneira de fruição é pelo olhar e, em algumas obras, pelo
tato também. Na Música, o contato é pela vibração do som, que pode
ser sentida pelo corpo e através da audição, onde é permitido conhecer
ritmos, timbre e sonoridades diferentes que também fazem parte dos
101
sons da vida cotidiana de cada cultura. Já o Teatro e a Dança, que são
as Artes Cênicas, trabalham com o corpo e toda a sua complexidade
de expressão. A dança por meio da diversidade de movimentos e o
Teatro que, além do movimento e gesto que representa maneiras
diferentes de se expressar, também pode trabalhar com a palavra.
Tudo isso dentro de uma complexidade unindo os universos que
podem ser vivenciados na Arte, além das Artes Integradas que usam
diferentes linguagens, como a Performance.
A prática artística possibilita o compartilhamento de saberes e de
produções entre os alunos por meio de exposições, saraus,
espetáculos, performances, concertos, recitais, intervenções e
outras apresentações e eventos artísticos e culturais, na escola ou
em outros locais. Os processos de criação precisam ser
compreendidos como tão relevantes quanto os eventuais
produtos. Além disso, o compartilhamento das ações artísticas
produzidas pelos alunos, em diálogo com seus professores, pode
acontecer não apenas em eventos específicos, mas ao longo do
ano, sendo parte de um trabalho em processo. (BRASIL, 2017,
p. 193).
Esse desenvolvimento da sensibilidade, emoção, pensamento
e estética, traz inúmeras possibilidades de criação a partir de um
processo que poderá ter como resultado algo poético e artístico. Por
isso, é importante atentar-se para que esse processo de criação possa
ser valorizado muito além de produções de atividades em
comemorações ou festas na escola, como decorações e lembranças em
datas comemorativas. Por outro lado, é preciso preocupar-se com o
interessar-se pelo desenvolvimento da expressão a partir de conteúdos
que são oferecidos para as crianças que vão além do espontaneísmo.
102
Há uma forma e conteúdo relacionados ao aprendizado da Arte onde
é possível fazer aflorar a expressão e a criatividade.
No ensino da arte, muitas pessoas passaram a acreditar que a auto
expressão abrange todo o universo da arte, especialmente para as
crianças mais novas. Muitos professores parecem acreditar que
eles devem deixar as crianças se expressarem e dessa forma seu
compromisso de ensino já está realizado. O que eles esquecem é
que toda expressão tem conteúdo, mesmo que ela pareça referir-
se primeiramente à própria arte. Para se expressar, você deve
expressar alguma coisa. (SOUCY, 2010, p. 41).
Portanto, a Dança está legalmente respaldada na Base
Nacional Comum Curricular (BRASIL,2018), tanto no âmbito da
Arte como na Educação Física, e indiscutivelmente contribui para o
desenvolvimento social, na medida em que estimula o
desenvolvimento pessoal de forma integral.
No Ensino Fundamental, o componente curricular Arte está
centrado nas seguintes linguagens: as Artes visuais, a Dança, a
Música e o Teatro. Essas linguagens articulam saberes referentes
a produtos e fenômenos artísticos e envolvem as práticas de criar,
ler, produzir, construir, exteriorizar e refletir sobre formas
artísticas. A sensibilidade, a intuição, o pensamento, as emoções
e as subjetividades se manifestam como formas de expressão no
processo de aprendizagem em Arte. (BRASIL, 2018, online).
A Arte tem riquezas que podem ser exploradas numa
infinitude de ideias. Vamos olhar a partir de agora para um percurso
dentro do universo escolar, na visão de uma artista educadora, uma
proposta educativa com crianças em aulas de Danças Circulares
integradas aos Jogos Teatrais.
103
Figura 4: Desenho feito por Manoella de Carvalho Souza, de 11 anos, em um app
de celular.
Dança Circular na Educação e os Jogos Teatrais
A maior riqueza do homem é a sua incompletude.
Nesse ponto sou abastado.
Palavras que me aceitam como sou - eu não aceito.
Não aguento ser apenas um sujeito que abre portas,
que puxa válvulas, que olha o relógio,
que compra pão às 6 horas da tarde,
que vai lá fora, que aponta lápis,
que vê a uva etc. etc.
Perdoai
Mas eu preciso ser Outros.
Eu penso renovar o homem usando borboletas.
Manoel de Barros
104
A Dança Circular cria um espaço de integração humana,
harmonia, amizade e alegria. Além de trabalhar e valorizar culturas de
diversas regiões do mundo, podendo ser celebrativas, energizantes,
meditativas e introspectivas. Em uma roda de danças, os passos são
ensinados para que todas as pessoas presentes possam dançar,
conforme já descrito no segundo capítulo. Bernhard Wosien ao
vivenciar danças folclóricas em roda, escreveu:
Um novo capítulo de minha vida começou quando decidi
dedicar minha atenção às danças de roda e às danças dos povos.
Cada recomeço esconde um segredo e me pareceu como se
brilhasse em mim uma luz completamente nova, quando, no
início dos anos cinquenta, em Dresden, assisti à apresentação do
conjunto folclórico iugoslavo Kolo. Ali estavam, primeiro, o
balançar-se e o saltar entusiasmados, ligados um ao outro em
círculos e correntes, o ímpeto arrebatador e a alegria vital das
sequências rítmicas dos passos, e também as melodias delicadas e
íntimas das canções de amor dos pastores dos Balcãs. O que
vivenciei foi a força da roda. (WOSIEN, 2000, p. 106).
A roda pode auxiliar no processo da Educação, começando
por seu formato circular que coloca todos os participantes frente a
frente. As mãos dadas, ao mesmo tempo, apoiam e seguram,
sedimentando o conceito de comunidade, integração e
cooperatividade de forma altruísta, trazendo benefícios dentro do
universo escolar.
Roda e círculo evocam equilíbrio, totalidade, diferenças,
interdependência. Eu, tu, ele, o conhecimento em relação, lado
a lado, possibilitado pelo desenho que não tem ângulos. Na
forma circular, a imagem de um coletivo composto de
105
individualidades que não desaparecem no contorno do grupo
(OSTETTO, 2014, p. 94).
É importante ressaltar que escrevo sobre a roda de Danças
Circulares especificamente com crianças que cursam o Ensino
Fundamental, para fazer um recorte no olhar, a partir da minha
experiência com as Danças Circulares desde 2009 em escolas,
instituições e espaços públicos. Embora nesse mesmo percurso eu
tenha realizado roda de Danças Circulares com crianças da Educação
Infantil, adolescentes, jovens e adultos do Ensino Fundamental,
Médio e Superior, além de equipes de educadores, coordenação e
direção, ou funcionários dos mais diversos setores, com rodas
direcionadas para cada público ou mistas. Muitas informações aqui
escritas podem amparar todas essas rodas, mas há diferenças na forma
de conduzi-las. Isso já acontece em salas do mesmo segmento, por
exemplo, em diversos momentos, danço repertórios diferentes com
turmas de 1º anos no mesmo local, ou de escolas ou cidades
diferentes. O foco desta pesquisa é compartilhar o trabalho com
crianças, portanto é preciso ter o olhar direcionado para isso.
Entretanto, para iniciarmos esse percurso das Danças Circulares na
escola, trago a importância da educadora ou educador participar da
roda, para que seja possível vivenciar tudo o que é sentido, e que, aqui,
tento explicar com palavras e mais ainda, trazer o formato do círculo
para o dia a dia escolar. A prática deve se tornar natural, não uma
obrigação. Luciana Ostetto ao relatar seu percurso como professora
na Educação Infantil, coordenadora pedagógica de creches e
professora do curso de Pedagogia, traz algumas de suas experiências
em seu livro Danças Circulares na formação de professores: a inteireza
de ser na roda, ao vivenciar o círculo no cotidiano da escola:
106
Fizeram-me ver o círculo na sua essencialidade, como símbolo
prenhe de significados e direcionador de uma prática
integradora. Ou seja, mais do que fazer a roda e chamar para o
encontro, por si só já uma ação carregada de simbolismo, entra
em jogo o exercício de uma atitude e um pensamento circulares.
Pensar circularmente significaria não pensar em linha reta, na
afirmação de uma única voz e verdade. Significaria abrir-se ao
diálogo, ao acolhimento da dúvida e da diversidade, à construção
de múltiplos enredos afirmados no encontro das singularidades
de crianças e adultos, de alunos e professores. Não é uma técnica,
procedimento metodológico, mas um modo de agir, de ser, de
acolher. Desta forma, em pensamento e atitude, afirma-se no
cotidiano a circularidade do conhecimento negando a
unilateralidade. A roda, feito espiral em movimento circular
ascendente, une todos, e o seu movimento a cada volta modifica
o desenho do cotidiano, da prática pedagógica, integrando papéis
e histórias, incorporando as diferenças. Do estranhamento às
entranhas do desconhecido na roda do conhecimento: sempre
nós eu, tu, ele -, circulando por mundos reais e imaginários,
com prazer, sabor e paixão de conhecer. (OSTETTO, 2014, p.
98).
A Arte está presente na escola com a possibilidade de ampliar
o olhar para uma percepção de um mundo diferente, através de
imagens, movimentos, sons, expressões e contatos que tocam cada
criança diferentemente. Uma música, pode gerar sorrisos ou
estranhamento e isso pode causar algo internamente em cada um, por
exemplo, ao ouvir música da infância, ou de qualquer momento da
nossa vida, podem vir lembranças, imagens que nos atravessam sem
que possamos controlar. Arte é vivência, é sentir com o corpo e com
toda a inteireza do ser, ela não é realizada somente em papéis, vai
muito além. E dentro desse percurso, podemos destacar a importância
de mover-se além da cadeira que representa, na maioria das vezes, a
107
inércia do movimento e que também é reflexo da maneira em que
vivemos em sociedade. Norval Baitello Junior em seu livro O
pensamento sentado sobre glúteo, cadeiras e imagens, traz importantes
reflexões em um texto provocativo sobre o quanto vivemos sentados
e cada vez mais em frente às telas, que se multiplicam e estão presentes
em todos os lugares. Não é diferente na escola, quando observamos a
necessidade em manter as crianças quietas e imóveis para “aprender”.
Ele escreve:
Sentados, estaremos anestesiados, sedados. E talvez seja
realmente esta a intenção de tantas cadeiras e assentos: sedar. É
no mínimo instigante que as palavras “sentar” e “sedar” sejam
irmãs muito íntimas, filhas da mesma palavra-mãe latina. Ambas
vêm de “sedere”, que significa, ao mesmo tempo, “sentar” e
“acalmar”. Assim, não espanta que nos queiram acalmar
colocando-nos sentados, sem a prontidão do movimento.
(BAITELLO JR, 2012, p. 21).
Por isso, o levantar da cadeira e se mover é tão importante
para o desenvolvimento do aprendizado, ainda mais se pensarmos na
autonomia de movimentos, sem precisar acertar e copiar, o que pode
ser um desafio, porque floresce a expressão individual nesse espaço
onde as carteiras enfileiradas, em sua maioria, trazem uma estagnação
do movimento, que pode inclusive estagnar o próprio pensar. “Corpo
é início da aprendizagem. Você aprende a se movimentar, a se
conhecer, a ver o seu espaço, tudo através do seu corpo. Você enxerga
o mundo através do seu corpo.” (DAOLIO,2013, p. 75).
A Arte é potencializadora da vida, por meio de um desenho,
de um movimento ou de qualquer possibilidade de abertura para
expressar sentimentos e desenvolver a criatividade, podemos
reconhecer a pluralidade cultural em que vivemos, onde nós, seres
humanos, não somos máquinas para sermos completamente iguais,
108
como peças que se encaixam. Ao abrir essa percepção para o mundo,
novas cores e possibilidades vão surgindo. E, por tudo o que já foi
mencionado acima, a dança em círculo tem um grande potencial
artístico e de desenvolvimento humano que pode ser realizado na
escola como uma importante abordagem pedagógica, que promove a
integração social, o que se faz muito necessário, pois vivemos em um
mundo cada vez mais individualista e isso tem feito parte do universo
escolar. Gabriela Gonçalvez em seu livro O corpo no movimento de
criação, tece poeticamente sobre essa relação de corpo/mente e afirma
na apresentação de sua escrita: “O corpo é a consistência que fornece
o sentir, o pensar e o agir.” (GONÇALVEZ,2019, p. 9) e continua:
Atualmente as neurocncias têm pesquisado bastante sobre este
tema com o intuito de provar a inter-confiança entre estas duas
esferas. Com a mente e o corpo vivendo a sua natureza e
desvendando a base neurológica das emoções as emoções e os
sentimentos são essenciais para moldar a razão humana.
(GONÇALVEZ, 2019, p. 31).
E assim, como educadoras e educadores, precisamos estar
atentos a essas percepções e sensações. O ensino das Danças Circulares
em escolas não diz respeito somente ao aprendizado das coreografias
e conhecimento de culturas. A simbologia ancestral presente no
rculo, nas tradições e em tudo o que foi apresentado até agora,
pensando nesta profunda conexão com a vida, nos traz a dimensão
que um projeto como este pode alcançar. Integrado ao ensino das
Danças Circulares para crianças, apresento a abordagem que me
acompanha em todo este percurso desde 2009 e, antes disso, que
sempre fez parte da minha vivência como artista, educadora e está
relacionada ao desenvolvimento espontâneo da criatividade e
109
expressão: os Jogos Teatrais sistematizados por Viola Spolin (2001),
que têm como inspiração as brincadeiras e jogos tradicionais. Essa
relação entre as brincadeiras, nesse espaço onde as crianças constroem
conhecimento, é muito semelhante com às brincadeiras dos adultos,
que acontecem nas manifestações populares. É um outro território de
produzir conhecimento, que se dá através do lúdico. Um exemplo é
o artista Pieter Bruegel pintou, em 1560, Jogos Infantis, onde
representa um grande número de jogos e atividades lúdicas, com mais
de duzentas brincadeiras, em uma praça. Algumas delas podem ser
identificadas e são feitas até os dias de hoje, como: bambolê, pernas
de pau, roda, pular corda, cavalo de pau, cabra-cega, pular carniça,
esconde-esconde, pião, cavalinho, bolhas de sabão, cabo de guerra, e
outras tantas mais. Faço um convite a relembrar de suas brincadeiras.
Nessa imagem podemos ir além do que é visto pelos olhos e fazer uma
proposta, dentre tantas, de imaginar as conversas, sons, texturas do
chão, das roupas, das parede, dos cheiros, localização geográfica,
emoções, sentimentos, período histórico, cores, estética, e muitas
outras, que podem ser faladas ou vivenciadas fisicamente. Esse
exercício feito na escola com as crianças potencializa o olhar em
relação a todas as coisas que estão conectadas. Ao invés de pensarmos
no conceito somente de disciplinas isoladas podemos ampliar para a
teoria do conhecimento chamada Transdisciplinaridade:
Etimologicamente, trans é o que está ao mesmo tempo entre as
disciplinas, através das diferentes disciplinas e além de todas as
disciplinas, remetendo também à idéia de transcendência”.
(MELLO,2002, p. 10). Desenvolver este olhar sensível em relação a
cada criança em seu processo de descobertas e aprendizados, é muito
importante em comunhão ao cuidado que trago nesta pesquisa, em
110
relação à individualidade de cada uma que está dentro de um contexto
social de multi relações, sensações, emoções e vivências.
Eu não tenho receio de afirmar que a Dança Circular é
Transdisciplinar por natureza. É uma Prática, um Movimento,
uma experiência que traduz o anseio de uma Nova Era por uma
sociedade composta pela participação individual íntegra e
colaborativa, em prol do bem maior coletivo. A Dança Circular
perpassa por diversos níveis de conhecimentos, sentimentos e
sensações que expandem a consciência individual e grupal,
refinando e harmonizando valores humanos e de cidadania. Aos
poucos vão surgindo novos comportamentos, atitudes e ações
que podem vir a ser a base de uma nova realidade planetária, que
contemple o Eu, o Outro, o Grupo, o Planeta. (RAMOS, 2021,
p. 18)
Ao levar as Danças Circulares direcionadas para crianças em
escolas, espaços públicos ou instituições, percebi que o ensino da
dança, da coreografia, não deveria entrar em uma forma que era
copiada mecanicamente. Muitas vezes, a maioria das crianças estava
preocupada em trazer o movimento, sem conseguir executá-lo porque
era preciso organizar o corpo em relação ao ritmo, à coordenação
motora, à coordenação espacial e ao gesto. São muitas dimensões do
desenvolvimento solicitadas (e estimuladas) à (na) criança em uma
proposta dessa natureza, e por esse motivo percebi desde o início que
eu não deveria ir direto ao ensino da coreografia em seu começo, meio
e fim para já dançarmos. A minha proposta estava em desconstruí-la
para não manter o foco na estrutura do movimento coreográfico e, a
partir dessa desconstrução,
10
trazer a filosofia do trabalho de Viola
Spolin, com os Jogos Teatrais (2001), além dos jogos tradicionais ou
10
No capítulo 5 será explanado como isso aconteceu no projeto com as crianças.
111
dinâmicas para trazer um movimento de expressão espontâneo,
respeitando a individualidade de cada um, no coletivo. A partir de
cada coreografia, também criei jogos e dinâmicas possíveis de serem
vivenciados no ritmo da música e, aos poucos, fui ensinando a
coreografia, até que todas e todos aprendessem. E, por se tratar de um
momento onde o lúdico e a diversão estão presentes no aprendizado,
mesmo depois que as crianças aprenderam as danças, sempre
voltamos aos jogos e brincadeiras que são desenhados dentro de cada
coreografia. O que sempre trouxe uma motivação para as crianças
participarem das aulas. Esse é um processo muito dinâmico que deve
respeitar cada turma com as suas especificidades, para fazer aflorar o
desenvolvimento da expressão espontânea de cada criança, através do
gesto, para não se tornar mecânico, o que faz necessário compreender
o que chamo de movimento espontâneo, que vai se dar por meio de
muitas etapas e ações.
O termo “espontaneidade” exige uma definição clara, para não
tornar-se um conceito generalizante. Ação espontânea não
equivale simplesmente a ação livre.O processo de “deixar fazer”,
na visão espontaneísta de ensino, ainda não define ação
espontânea. Para Spolin, a espontaneidade é “um momento de
liberdade pessoal quando estamos frente a frente com a realidade
e a vemos, a exploramos e agimos em conformidade com ela.
Nossa realidade, as nossas mínimas partes funcionam como um
todo orgânico. É o momento de descoberta da experiência, de
expressão criativa.” (KOUDELA, 2017, p. 53).
É importante esclarecer que eu trago a filosofia dos Jogos
Teatrais de Viola Spolin, no entanto, não se trata somente de trazer
a prática para o desenvolvimento da espontaneidade, mas sim de
entender o que o Jogo Teatral em toda a sua estrutura teórico-prática
112
tem a contribuir para uma ação que não tem o objetivo de ser cênica,
que é a Dança Circular. O que vai ao encontro da proposta de Viola
Spolin (1979) que, primeiramente, é uma proposta da anti-didática
ou que se refaz a partir da necessidade de um professor ou de alguém
que está se propondo a ensinar alguma coisa com as possibilidades
dos princípios dos Jogos Teatrais, que podem ser usados em qualquer
contexto, para tanto se faz necessário conhecer um pouco sobre a sua
abordagem.
No livro Jogos Teatrais, Ingrid Koudela menciona como era o
percurso de aprendizagem do teatro e quando foi que houve uma
mudança nessa forma de ensino.
A concepção predominante em Teatro-Educação vê a criança
como um organismo vivo em desenvolvimento, cujas
potencialidades se realizam desde que seja permitido a ela
desenvolver-se em um ambiente aberto à experiência, o objetivo
é a livre expressão da imaginação criativa. Na visão tradicional, o
teatro tinha apenas a função de preparar o espetáculo, não
cuidando de formar o indivíduo. O ensino de teatro na escola foi
revolucionado a partir do movimento da Escola Nova. Ele não
se refere a um só tipo de escola ou sistema didático determinado,
mas a todo um conjunto de princípios tendentes a rever as formas
tradicionais de ensino. No século XIX, o educador preocupava-
se mais com os fins da educação do que com o processo de
aprendizagem. O modelo a ser atingido era mais importante do
que a criança e as leis do seu desenvolvimento. (KOUDELA,
2017, p. 18).
O movimento chamado de Escola Nova teve sua origem no
final do século XIX e início do século XX nos Estados Unidos, Europa
e chegou ao Brasil por volta de 1930. De acordo com Ferraz e Fuzari
“Esse movimento ficou bem evidenciado com o Manifesto dos
113
pioneiros da Educação Nova (1932) e foi resultante das reivindicações
e conscientização de diversas mobilizações sociais sobre a necessidade
de democratização da educação brasileira.” (FERRAZ; FUSARI,
2018, p. 50). Essa tendência renovou o pensamento sobre a Educação
e sua prática na perspectiva de aprendizado pela experiência, no
ensino pela ação e respeito ao desenvolvimento natural da criança.
“Na escola nova, a ênfase é a expressão como um dado subjetivo e
individual que os alunos manifestam em todas as atividades, as quais
passam de aspectos meramente intelectuais para afetivos.” (FERRAZ;
FUSARI, 2018, p. 50). Um dos precursores desse movimento e
importante idealizador foi o filósofo e pedagogo norte americano
John Dewey, que também inspirou Viola Spolin no seu trabalho de
sistematizar os Jogos Teatrais com uma experiência singular no jogo.
Importa ressaltarmos, primeiramente, a proximidade geográfica
e temporal das ideias de Dewey com o trabalho de Spolin, que se
construiu na intervenção prática de jogos recreativos e de grupo
desenvolvidos por Neva Leona Boyd (1876-1963) na Hull
House, lugar onde Dewey e Spolin também realizaram suas
atividades pedagógicas, não necessariamente semelhantes, mas
com claros ecos das ideias de Dewey nas proposituras de Spolin.
(RAMALDES; CAMARGO, 2017, p. 17).
O conceito de jogo fundamentado por Huizinga em seu livro
Homo Ludens (1938), traz a ideia de um pensamento lúdico essencial
para sermos humanos e de como a cultura em si carrega um caráter
de jogo. Esse lúdico alimenta o impulso da vida. Yara Couto em seu
livro Dança Circular Sagrada: cultura, arte e, educação (2022)
apresenta esse percurso:
114
Como tão bem contextualizou o filósofo e historiador holandês
Johan Huizinga (1971), sempre existiu o elemento lúdico no
processo civilizatório. Este autor considera mais especificamente
o jogo como um fator distinto e fundamental presente em tudo
o que acontece no mundo, e acrescenta que é no jogo e pelo jogo
que a civilização surge e se desenvolve, pois é o elemento
primordial de identificação das culturas humanas. A importância
fundamental do fator lúdico para a civilização ultrapassa os
limites da atividade puramente física ou biológica; é uma função
significante, isto é, encerra um determinado sentido como
função social. Além disso, encontramos o jogo como um
elemento existente antes da própria cultura, acompanhando-a e
marcando-a desde as mais distantes origens até a fase de
civilização atual, formalizando-se como produção sociocultural
da sociedade humana. (COUTO, 2022, p. 32).
O percurso que vivenciamos ao longo da vida e as relações
nela estabelecidas, podem auxiliar em processos de desenvolvimento
pessoal e coletivo. Huizinga defende que o pensamento lúdico não é
algo inato, mas sim uma característica da forma como nós adquirimos
conhecimento, uma parte integral da cultura. E, a partir disso, vamos
pensar no percurso de aprendizagem das crianças, tanto na escola,
quanto fora dela. As relações lúdicas se fazem presentes pelo brincar.
O que se pode ver naquela criança que brinca e canta todos os
cantos, de mãos dadas com outras, eternizando o brinquedo
espontâneo da criação é o mundo sendo revelado em comunhão,
o desejo de criar um momento mágico que é compartilhado pelo
ritmo dos volteios e seus encantos, que a todo canto quer ir. Esse
brincar revela a vida como ela é e tem sido encaminhada por
muitos povos, por muita gente, de forma simples, e que às vezes
parece nunca ter existido, mas que não nos impede de reconhecê-
la como conhecimento humano, para tornar a fazê-la,
115
ludicamente, ainda que de um modo aproximado. (COUTO,
2022, p. 33).
Essa relação entre o brincante e a vida, como já mencionado
anteriormente, também está presente nas manifestações populares
onde há uma beleza que é a extensão do indivíduo e que se materializa
em algo que pode expressar seu mundo interior, através de símbolos
e significados. O que está relacionado diretamente com as Danças
Circulares e o contexto educacional. Ingrid Dormien Koudela e José
Simões de Almeida Junior, no livro Léxico de pedagogia do teatro,
escrevem: “Etimologicamente, brincante é aquele que brinca. Por
isso, mais do que apresentar ou representar, o brincante literalmente
brinca, no sentido de divertir-se livremente, ele e seu público, ambos
fazendo parte da brincadeira.” (KOUDELA; ALMEIDA,2015, p.
25). Essa qualidade de brincar livremente permite que novos estados
de criação se façam presentes por meio das relações que são
estabelecidas em cada encontro. Isso também acontece quando a
criança brinca e transforma uma caixa de papelão em uma espaçonave
ou quando um bastião da Folia de Reis entra nas casas e dança com
as pessoas que ali estão. Obviamente aqui há uma diferença: enquanto
a criança entra em seu imaginário e não tem uma obrigação de seguir
um roteiro, o folião sabe exatamente o que precisa ser feito, mas ele
tem a liberdade de brincar seguindo o percurso da tradição que
participa.
Para exemplificar, trago a atenção para a tradição que
acompanho desde pequena, a Folia de Reis, uma tradição que
representa a viagem dos três reis magos, anunciadores do nascimento
do menino Jesus. Chamamos de Bastião os palhaços que cuidam de
toda a caminhada e chegada nas casas, eles protegem a bandeira, falam
versos e brincam ao realizar acrobacias usando um bastão. Vestem-se
116
com máscaras e pedem colaboração em dinheiro ou alimento para a
realização da tradicional Festa da Chegada da Bandeira. Quando uma
criança entra no grupo, ela observa e, a partir disso traz a sua
expressão, não como cópia, mas como um novo brincante que aos
poucos vai trazendo a sua identidade dentro daquela tradição que faz
parte de cada grupo e pode ser diferente em cada região, seja tocando
um instrumento ou como Bastião, caminhando de casa em casa com
a bandeira.
A iniciação do brincante ocorre sempre numa coletividade, seja
no seio da família, seja na comunidade, isto é, entre aqueles que
detêm o saber do folguedo. Ao lado do brincante, a figura central
do brinquedo popular é o mestre. Ele é uma espécie de meneur
de jeu que concilia as funções de administrador e diretor de cena,
além de participar da brincadeira. Porém, sua maior importância
é a de ser memória viva dos espetáculos populares, garantindo
sua sobrevivência e possibilitando a formação de novos
brincantes. (KOUDELA; ALMEIDA, 2015, p. 25).
O brincar perpassa a imaginação e a criação de um infinito de
possibilidades e aqui eu relaciono com o Teatro e o caminho de
desenvolvimento individual e coletivo na arte de expressão que tem o
corpo como potência para estabelecer relações. Isso faz parte de nossa
vida desde o início, quando aprendemos que há alguns códigos de
linguagem para expressar um sentimento e que esses códigos fazem
parte da cultura de cada povo. Para determinada sociedade o contato
físico, o abraço e beijo para uma simples saudação é natural, para
outras não. Ao viajar para cidades ou estados diferentes no mesmo
país, já encontramos uma diversidade nas relações que são
estabelecidas e, mesmo assim, não são únicas, nada é estático, tudo
está em transformação de acordo com o tempo em que se vive. A
117
forma correta não existe, mas é uma identidade que sutilmente vai
fazendo parte de determinados grupos e, por sermos seres sociáveis
que estabelecem relações desde o nascimento, vamos trazendo a nossa
expressão, nosso gesto e nosso olhar.
Entretanto, escrever a história do ambiente envolve mais do que
um simples deslocamento da atenção da cultura para nosso meio
físico. Durante o último meio século, aproximadamente, alguns
historiadores estiveram conversando (literal e metaforicamente)
com seus colegas em disciplinas vizinhas, não só antropologia,
mas também sociologia, economia, literatura e arqueologia. Os
historiadores ambientais, por outro lado, encontraram novos
vizinhos com quem falar. Eles fazem companhia a geólogos,
climatologistas, botânicos, entre outros cientistas naturais.
Uma virada natural similar pode ser vista no estudo das emoções
e sentidos. Como vimos, os historiadores culturais, por vezes
inspirados por antropólogos, vêm escrevendo histórias das
emoções há algum tempo, concentrando-se na linguagem usada
para descrever amor, medo, etc., e nas diferentes regras para
expressar ou reprimir emoções. Mais recentemente, historiadores
das emoções inspirados pela neurociência aparecem em cena e
falam de “neuro-história” ou “história profunda”. O grupo mais
antigo tende a afirmar que cada cultura tinha seu próprio sistema
emocional, ao passo que o novo tende a enfatizar “emoções
básicas” que são comuns em toda parte e em todos os tempos.
Há tendências similares na história dos sentidos e também no
que foi chamado de “neuro-hisria da arte”. (BURKE, 2021, p.
180).
Novamente falo da imensidão que a vida representa, dentro
de sua beleza, complexidade e dureza. Guimarães escreveu certa vez:
"O correr da vida embrulha tudo. A vida é assim: esquenta e esfria,
aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da
118
gente é coragem”. Nesse caldeirão de emoções, sensações e jeito de
olhar a vida, trago o cerne da criação que é alimento para a (o) artista:
o pulsar da vida e toda a sua complexidade. Aqui, relaciono duas
coisas bem complexas: nossa expressão e individualidade em nosso dia
a dia e o processo criativo da (o) artista que envolve muitas coisas.
Não existe uma receita de um percurso de desenvolvimento de criação
ou expressão, igual para todos. No teatro, existem métodos que
podem nos ajudar a encontrar um caminho, lembrando que é
fundamental repensar pedagogias de cena: “No teatro todo modo de
fazer está intimamente relacionado a um modo de pensar, ou seja,
toda prática cênica está relacionada a um conhecimento, a uma teoria
que se faz carne na efemeridade da cena.(HADERCHPEK, 2018 p.
63). Quando falo no ensino do Teatro, é preciso esclarecer que nem
sempre o objetivo é desenvolver somente peças teatrais e sim
atividades que envolvam o imaginário, a linguagem, o corpo, a
improvisação e muitas outras atuações que possuem características do
contexto teatral, mas meu objetivo nesta pesquisa não é falar sobre o
infinito que permeia seu ensino.
Essas atividades estimulam o desenvolvimento e a
aprendizagem do aluno, através do lúdico e da imaginação, em um
contexto que envolve olhar diretamente para as emoções e
sentimentos. Portanto, as manifestações populares, jogos tradicionais
e Jogos Teatrais estão ligados a percursos de desenvolvimento da
expressão.
Os jogos tradicionais liberam fortes respostas fisiológicas: corpos
ativos, olhos brilhantes e faces coradas. Cansaços corporais
chegam ao fim quando o envolvimento inicia-se. Executar jogos
tradicionais (e jogos teatrais de forma geral) efetivamente
mobiliza o sistema físico como um todo, trazendo a resposta
119
física necessária para ir ao encontro dos riscos do momento. Sem
tempo para pensar o que fazer e como se comportar, o jogador
simplesmente atua, fazendo aquilo que é necessário. Esta ação
espontânea parece limpar o sistema de defesa de velhas ideias e
resposta condicionada (é interessante notar que esses jogos
produzem o mesmo resultado quando realizados por adultos ou
crianças muito jovens).
A maior parte dos jogos tradicionais utilizados neste manual veio
da maravilhosa coleta de jogos feitos por Neva Boyd [...] “Cada
traço na vida diária, diversão e festas populares nasceu a partir de
centenas de anos de prática. Em seu todo, esses jogos expressam
ideais tão antigos quanto a própria terra e a principal
preocupação dos povos é manter a crença de seus ancestrais”.
Esses jogos nos tocam naquilo que temos de mais humano.
(SPOLIN, 2007, p. 54).
Para isso, nesse meu percurso de ensino/aprendizagem, trouxe
os Jogos Teatrais, Theater games sistematizados pela norte-americana
Viola Spolin (1906- 1994), por vivenciá-los há muitos anos na minha
formação como professora de teatro e acreditar no potencial criativo
a partir das experiências propostas por meio deles. “Todos podem
jogar! Todos podem aprender por meio do jogo.” (SPOLIN, 2001,
p. 20). Assim, como na Dança Circular, nós dizemos: Todos podem
dançar e estamos juntos em um processo de experimentação de
culturas em roda. Por sua vez, os Jogos Teatrais orientam práticas
arte/educativas e são marco importante da Educação no Brasil como
já mencionado. Viola Spolin trabalhou com sua professora Neva
Leona Boyd na Hull House, em Chicago, uma instituição de ajuda
social para imigrantes e, seu trabalho teve influência do filósofo e
educador John Dewey, que foi residente nessa instituição, mas não
teve contato direto com a Viola. O sistema dos jogos criados por ela,
entre os anos de 1924 a 1990, foi concebido na prática, na ação do
120
aqui agora e relação entre os jogadores e os jogos propostos. São
quatro livros de Viola Spolin publicados no Brasil: Improvisação para
o Teatro (1979), O Jogo Teatral no Livro do Diretor (1999), O
Fichário de Viola Spolin (2001) e Jogos teatrais na sala de aula (2007),
além dos livros, inúmeras teses, dissertações e artigos de estudiosos, os
quais nos apresentam tantas possibilidades de trabalho.
Uma das pioneiras nesse estudo no Brasil, é a Doutora e
Professora da ECA/USP Ingrid Dormien Koudela, que fez a primeira
dissertação de mestrado sobre Teatro/Educação e é a principal
tradutora, em nosso país, das obras da Viola Spolin. Em seu livro Jogos
Teatrais, Ingrid (2017) relata quando aprendeu sobre o “verdadeiro
sentido do Jogo Teatral”, com professoras do Vale de Jequitinhonha
em 1982, ao escrever sobre os caminhos do faz de conta:
Nesses momentos a raiz do processo pôde ser retomada com toda
a sua verdade. Ela está presente quando o passo da dança da
quadrilha deixa de ser o ensaio mecânico de uma coreografia e
adquire o seu ritmo original espontâneo. [...] Quando a cultura
deixa de ser transmissão passiva. As rimas, os versos, as cantigas,
as danças, as histórias, as brincadeiras devem ser preservadas mas
o sentido do processo é que garante a sua vitalidade.
(KOUDELA, 2017, p. 148).
Os Jogos Teatrais o apresentados por Viola Spolin em seu
livro Improvisação para o teatro e, mais tarde, com a publicação do
fichário. Sua organização é apresentada de uma forma que facilitou o
entendimento dos jogos para que professores pudessem utilizá-los.
A unidade básica do fichário é o Jogo Teatral, individual, em
forma padronizada, impresso em um ou dois lados, numa ficha
simples, com formato de 5cm por 8cm. A organização de cada
121
jogo é apresentada de forma sistemática e explicação classificada
em itens: Preparação, Descrição do Exercício, Instrução,
Avaliação, Notas, Áreas de Experiência. O corpo dos Jogos
Teatrais está dividido em três seções: A, B e C. A seção A é
composta de uma seleção de jogos teatrais e jogos tradicionais.
Contém material básico, que pode ser retirado da sequência e
apresentado com objetivos educacionais específicos. A seção B é
uma seleção de Jogos Teatrais, acrescidos da estrutura dramática:
Onde (Lugar e/ou Ambiente), Quem (personagem e/ou relação)
e O Que (atividade). A seção C contém uma seleção adicional
dos Jogos Teatrais. (KOUDELA, 2017, p. 43).
Além de ser uma proposta capaz de garantir o prazer e a
ludicidade, os jogos teatrais estimulam as ações criadoras de alunas,
alunos e professores. Ao realizá-lo, podemos perceber o
desenvolvimento de habilidades e competências que auxiliam aos
envolvidos a lidar com novas situações, a trabalhar em equipe, a saber
aceitar, negociar, sugerir novas regras de jogos, a lidar com emoções e
sensações físicas e psíquicas, o que podemos relacionar diretamente
ao poder do círculo e aos aprendizados da Dança Circular. Desse
modo, os jogos teatrais tornam-se uma forma de expressão lúdica, de
comunicação e formação de identidade individual e social, dentro de
uma abordagem que envolve: o foco, o corpo, o espaço cênico, a
estrutura dramática, a relação palco e plateia e a precisão crítica e
estética do fazer teatral. A professora do Departamento de Artes
Cênicas e do Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas da ECA-
USP, Maria Lúcia de Souza Barros Pupo, escreveu um artigo
publicado pela revista Sala Preta
11
sobre o lançamento do livro Jogos
Teatrais na sala de aula:
11
www.revistas.usp.br/salapreta
122
Mediante a depuração da percepção sensorial, os jogos teatrais
na contramão da ênfase na inventividade, interpretação ou
dramaturgia procuram promover a experiência do acordo
tácito coletivo. Neles, a fábula não é ponto de partida, mas
decorrência da ação e a “fisicalização” de objetos, lugares,
emoções eixos da aprendizagem teatral está sempre vinculada
à escuta cuidadosa do companheiro. Ao entrar em relação com o
parceiro de jogo e com ele construir fisicamente uma ficção
partilhada com os jogadores da plateia, aprende-se como se dá a
significação no teatro. “Sem parceiro não há jogo”, a máxima
recorrente da autora, ilustra bem o caminho proposto. De modo
coerente com a premissa do “learning by doing”, o professor não
é chamado a explicar ou demonstrar, mas sim a favorecer a
autodescoberta. (PUPO, 2007, p. 261).
É importante ressaltar que no livro mencionado Jogos teatrais
na sala de aula, um manual para o professor, de Viola Spolin (2017),
Ingrid Koudela, ao traduzi-lo, traz uma grande contribuição ao
substituir os jogos tradicionais americanos para os tradicionais
brasileiros, como “Caça-Gavião”, “Passa-passa três vezes”, “Senhora
Dona Sancha” ou “Batatinha Frita” e tantos outros, dentro da
temática abordada nesse livro por Spolin: aquecimentos, jogos de
movimentos rítmicos, caminhada no espaço, jogos de transformação,
jogos sensoriais, jogos como parte de um todo, jogos de espelho,
onde, quem o que, comunicar através das palavras, comunicando com
o som, jogos de estímulo múltiplo, marionetes, jogando com rádio,
televisão e filme, desenvolvendo material, contação de estórias e
teatro de estórias, atuando com envolvimento da plateia, apresentação
pública, aprimorando a criança atuante, eliminando qualidade de
amador, além dos apêndices com orientações. Um rico material com
jogos explicados de forma muito clara.
123
O Jogo Teatral acontece coletivamente a partir da
improvisação que diz respeito à prontidão, estado permanente de
atenção. Através da experiência onde é possível vivenciar novas
possibilidades, a partir da entrega com as relações estabelecidas no
jogo, com quem interajo, ou na ação desenvolvida e pelas descobertas
que se dão durante o processo, que podem ser em pequenos detalhes,
mas que fazem muita diferença, como por exemplo perceber novos
gestos, outras maneiras de interagir, relações com o espaço e muitas
outras percepções.
Apresentarei a seguir o encontro das Danças Circulares e
Jogos Teatrais a partir da sistematização feita por Spolin e uma
possível leitura de integração que venho fazendo em meu trabalho.
Viola Spolin (2007) escreve sobre três pontos essenciais do Jogo
Teatral: o foco, a instrução e a avaliação, e uma estrutura dramática:
o estabelecimento do Quem (personagem/relacionamento), Onde
(cenário/ambiente) e O Quê (ação desenvolvida). Dentro dos três
pontos essenciais, o foco é onde “Todos se tornam parceiros ao
convergir para o mesmo problema a partir de diferentes pontos de
vista. Através do foco entre todos, dignidade e privacidade são
mantidos e a verdadeira parceria pode nascer.” (SPOLIN,2007, p.
32). Cada jogo tem um foco, mas pode ser que aconteçam situações
não previstas, isso dá liberdade e abre para inúmeras possibilidades
através da imaginação criadora, sem que a ação se torne mecânica e,
por isso, desperte a espontaneidade em realizar algo que se tenha
escolhido fazer e a partir das ações, perceber a diversidade daquela
escolha.
Cada foco determinado da atividade é um problema essencial
para o jogo que pode ser solucionado pelos participantes. Nas
oficinas, o professor apresentará o foco como parte do jogo,
124
mantendo-se atento a ele ao dar as instruções quando necessário.
O foco coloca o jogo em movimento. (SPOLIN, 2007, p. 32).
É isso que também acontece na roda de Danças Circulares e
gera um envolvimento orgânico entre os participantes que precisam
estar juntos para que o movimento aconteça. Se alguém sair da roda
no meio da dança, parar de dançar ou simplesmente mudar o ritmo,
algo vai acontecer mudando todo o percurso coreográfico. O foco está
no centro da roda que é ponto de referência para que o círculo esteja
harmônico. Isso exige o envolvimento e atenção de todas as crianças,
além do que, em uma roda de Dança Circular é necessário manter a
atenção no ritmo, o que pode mudar a cada coreografia. Costumo
propor a atividade de desenhar o círculo, mas isso não precisa ser
feito em todas as danças da aula e nem em todos os encontros,
depende de cada turma. Solicito que imaginem o círculo e desenhem
em uma folha ou na lousa. Também há a possibilidade de propor uma
brincadeira ao falar “estátua” durante a dança ou após a finalização
dela e observar o formato da roda e logo em seguida, desenhar com
giz no chão bem próximo aos pés ou na lousa. Os desenhos de
formatos da roda são quase idênticos em cada sala, mesmo de turmas
diferentes:
Figura 6 – Rodas desenhadas com as crianças
Fonte: Pesquisadora
125
Quando uma dança se dá em filas, linhas, ou em qualquer
outro formato, também é preciso estabelecer o foco com as crianças.
Em algumas salas, pode levar um tempo para fazer as linhas retas
dentro das coreografias, ou até mesmo cuidar para que o círculo esteja
harmônico. Neste caso, o foco é lembrado toda aula, a cada
coreografia, e a criança, em seu tempo, vai cuidando e organizando
seu corpo, sua percepção espacial. Tenho percebido que desenhar a
forma do círculo no chão, lousa ou papel, facilita a compreensão.
Outra atividade bem interessante é mostrar fotos de danças em roda
ou seus mais diferentes formatos em semicírculo, espiral, dentre
outras, nos mais diversos lugares e culturas, pinturas, desenhos,
esculturas, arquiteturas e uma infinidade de modelos representados
pela natureza.
Quando as crianças observam esses formatos que são
dançados nas rodas, conseguimos ampliar o olhar para fora desse
local. Experiências com objetos do dia a dia exploram os ambientes
em que a criança vive e, a partir dessas vivências e curiosidades,
conseguimos ir além do movimento com histórias contadas por elas.
Ao mesmo tempo em que pensamos na organização e na forma do
círculo, a instrução durante a proposta é muito importante e ajuda a
manter o foco. Então, trago os Jogos Teatrais para potencializar essa
intenção na roda: “Frases para instrução nascem espontaneamente a
partir daquilo que está surgindo na área de jogo e são dadas no
momento em que os jogadores estão em movimento”.
(SPOLIN,2007, p. 33). Isso contribui para um envolvimento de
todos no jogo.
Com o tempo, todos podem aprender a dar as instruções. Idade
e experiência são irrelevantes. A instrução, que acompanha as
ações dos jogadores, é enunciada instantaneamente, de acordo
126
com as necessidades do jogo. Os jogadores, por seu lado, seguem,
utilizam e constroem a partir da instrução enquanto estão
jogando. [...]
A instrução deve ser dada com voz clara e conduzir os jogadores,
eliminando as distrações. No entanto, é errado confundir os
jogadores com grande quantidade de comentários ou
direcionamentos. Devem existir pausas entre as frases enunciadas
na instrução para que jogos emergentes, ações, relacionamentos
e acontecimentos possam tornar-se visíveis no espaço entre você,
os jogadores no espaço cênico e os jogadores na platéia.
(SPOLIN, 2001, p. 30).
Na Dança Circular podemos conduzir a roda de diversas
maneiras, tudo depende da forma como aquele grupo se faz presente.
Por exemplo, se eu sentir que alguma criança está com dificuldade,
posso criar dinâmicas e formas de conduzir a roda no momento em
que estamos dançando, como por exemplo, falar/cantar no ritmo da
música os movimentos durante a dança, ou ajudar contando os passos
(1,2,3 e 4) ou nomeá-los (direita, esquerda, cruza...) e assim por
diante. Em alguns lugares, quando as crianças começam a ter contato
com a proposta da Dança Circular, é comum que elas falem bastante
durante a dança, apontando umas às outras: Angélica está fazendo
errado, João tá com o pé esquerdo, não o direito, Alice não segura na
minha mão”, e muitos outros comentários. É importante lembrar que
não é interessante ficar nomeando a criança que trocou a ordem dos
pés ou a direção durante a dança. Por estarmos em círculo, a maioria
percebe. É importante trazer a atenção do grupo todo, de uma forma
acolhedora, por esse motivo sempre conversamos sobre um princípio
a ser seguido, em que cada criança se observa e não corrige as outras.
Na roda estão implícitos valores como respeito, amizade, aceitação,
organização etc. A sugestão para que as crianças sutilmente entendam
127
como é uma roda de Dança Circular e tirem o foco de falas como
essas, é de propor exercícios rítmicos ou jogos que permitam que esse
sentimento de união e pertencimento no grupo seja sentido e
compreendido pela ação.
As crianças podem e devem falar e se divertir, essa é a
proposta, mas ao mesmo tempo a atenção para ouvir a música auxilia
na aprendizagem do ritmo. Durante a instrução essas frases ajudam
muito: Escute a música! Atenção aos passos! Continue! Sinta o ritmo!
Mantenha o foco! Dance! Solte seu corpo! Sinta seu corpo! E uma
infinidade de instruções a partir de cada dança. Aos poucos, elas vão
compreendendo que é possível ajustar o corpo aos movimentos e é
preciso estar atenta (o) ao conduzir a roda, para que as crianças
percebam o percurso de uma roda de Dança Circular dentro de tudo
o que foi escrito até aqui. Nos Jogos Teatrais podemos perceber que
o aspecto social dos jogos, que se dá por meio da interação de todas
as crianças a partir das regras do jogo, das instruções e da reflexão que
intensifica a percepção dos jogadores. As regras no jogo são claras e
estabelecidas aos poucos, o senso de pertencimento e equilíbrio nas
relações, regras de convivência favorecem a autonomia. Na Dança
Circular não chamamos de regra, conduzimos a roda a partir de tudo
que tem sido escrito aqui. Por isso, é preciso esclarecer, por exemplo,
que, dependendo da necessidade do grupo, é importante permanecer
equidistante do centro, para que o formato do círculo esteja
harmônico. Cada dança traz a sua coreografia para integração desse
coletivo e individual, assim como nos Jogos Teatrais:
Por meio do envolvimento criado pela relação do jogo, o
participante desenvolve liberdade pessoal dentro do limite de
regras estabelecidas e cria técnicas e habilidades pessoais
necessárias para o jogo. À medida que interioriza essas
128
habilidades e essa liberdade ou espontaneidade, ele se transforma
em um jogador criativo. Os jogos são sociais, baseados em
problemas a serem solucionados. O problema a ser solucionado
é o objeto do jogo. As regras do jogo incluem a estrutura (Onde,
Quem , O que) e o objeto (Foco) mais o acordo de grupo.
(KOUDELA, 2017, p. 45).
Já a “A avaliação não é julgamento. Não é crítica. A avaliação
deve nascer do foco, da mesma forma como a instrução.” (SPOLIN,
2007, p. 34). Ela acontece depois da realização do jogo. É um
momento importante para perceber a necessidade de manter o foco.
Também é necessário dizer que “[...] devemos estar atentos para que
todos os jogadores, inclusive o orientador, fiquem longe de histórias
pessoais, voltando-se para o foco presente do jogo. (SPOLIN, 2007,
p. 35).
A avaliação verdadeira, que está baseada no problema (FOCO) a
ser solucionado, elimina críticas e julgamento de valores e
dissolve a necessidade de o professor/jogador e/ou jogador/aluno
dominar, controlar, fazer preleções e/ ou ensinamentos. Esta
interação e discussão objetiva entre jogadores e grupos de
jogadores desenvolvem confiança mútua. Forma-se um grupo de
parceiros e todos estão livres para assumir responsabilidade pela
sua parte do todo, jogando. (SPOLIN, 2001, p. 33).
Sobre esse aspecto, na roda de Dança Circular, podemos
perguntar ou deixar que as crianças contem sobre como foi participar
de uma determinada dança e se o grupo manteve o círculo, a distância
do centro etc. Na autoavaliação a criança pode falar sobre como se
percebe dentro da roda e se sentiu alguma dificuldade. Esse espaço
onde acontecem essas relações é criado a partir da necessidade do
grupo no local de sua realização.
129
A palavra Teatro do latim theatrum, do grego theatron,
significa literalmente “lugar para olhar”. Estamos acostumadas e
acostumados com o palco italiano, mas vamos nos atentar que há
outros formatos onde a ação cênica pode acontecer. O Jogo Teatral
tem seu formato na área de atuação: palco e a plateia que é a área de
observação. Isso acontece em uma estrutura dramática: o
estabelecimento do Quem, Onde e O Quê. Na introdução do livro
Jogos teatrais
Os jogos são baseados em problemas a serem solucionados. O
problema é o objeto do jogo que proporciona o foco. As regras
do jogo teatral incluem a estrutura dramática (Onde/ Quem/ O
Que) e o foco, mais o acordo de grupo. Para ajudar os jogadores
a alcançar uma solução focalizada para o problema, Spolin sugere
o princípio da instrução, por meio do qual o jogador é
encorajado a manter a atenção no foco. Dessa forma, o jogo é
estruturado através de uma intervenção pedagógica na qual o
coordenador/professor e o aluno/atuante se tornam parceiros de
um projeto artístico. (KOUDELA, 2007, p. 22).
Há muito para escrever sobre esse sistema criado por Viola
Spolin dentro dessa proposta anti-didática. Vou direcionar meu olhar
para uma aula de Dança Circular e trazer um percurso que poderá ser
realizado em sala de aula com crianças. É importante lembrar que os
Jogos Teatrais representam muito mais do que é descrito aqui e que
eu também vivencio outras experiências com eles. Apresento
propostas de trabalho dentro de um percurso inspirado na
sistematização feita por Viola Spolin (2001). Em uma roda de Danças
Circulares para crianças, a relação de palco plateia se dá na roda
quando propomos brincadeiras a partir da coreografia e a criança
espontaneamente assume o papel ora como observadora, ora como
130
atuante, em cena. Por exemplo, cada criança pode fazer o gesto na
roda ao mesmo tempo, dentro da coreografia ou, se quem estiver
conduzindo a roda sentir que é possível para o grupo, pode sugerir
que cada criança faça o movimento no seu lugar ou no centro da roda
e, a partir disso, criar dinâmicas entre todas dentro da coreografia.
A intenção em criar estas ações orgânicas vai aos poucos
permitindo que a criança traga a sua expressão e gesto à sua maneira.
E, a partir deste local que é criado com segurança para que cada uma
e cada um se expresse, é possível fazer dinâmicas em que o foco possa
ser cada criança por vez. É preciso compreender que falo do
desenvolvimento da espontaneidade, mas sobretudo de uma
possibilidade de um fazer singular no coletivo, uma ideia circular
quando pensamos na dança que perpassa esse princípio formativo da
democracia. No Jogo Teatral (Theater Game) há uma beleza que é
disparada em forma de um problema que envolve a todas e todos, que
se mobilizam para resolvê-lo. Embora a singularidade seja valorizada,
ou seja, todo mundo resolve a partir do que percebe. O problema
resolvido ou a solução é uma criação coletiva. Assim como na Dança
Circular, tem uma coreografia, uma provocação, que dispara todos
presentes na roda, há a possibilidade de agir a partir do que se entende
ou a partir do seu próprio movimento, da sua dança pessoal, mas o
fazer, a ciranda é de todo mundo como, por exemplo, a percepção em
manter o círculo em seu formato, o que é um grande desafio para as
crianças.
É importante ressaltar que a criança não é obrigada a
participar, porém quando participa, ela aceita a reciprocidade para
que aquilo aconteça. Por isso, é preciso ter cuidado e não forçar a
participação, o que pode ser traumático. Spolin esclarece que é
interessante encorajar o jogador a entrar no jogo, o estímulo é sempre
131
necessário, mas estabelece a participação pelo desejo de jogar para que
se divirta durante a execução do jogo.
Um aluno, exercitando o direito de jogar ou não jogar, pode estar
com medo de participar. O medo da desaprovação e a incerteza
de ganhar aprovação podem estar paralisando o jogador [...]
aquele aluno que não quer jogar deve ser mantido à vista, de
forma que o medo possa ser diminuído e a participação eventual
encorajada. Se o jogador foge da brincadeira durante o decorrer
do jogo, experimente atraí-lo por meio da instrução: “Ajude seu
parceiro que não está jogando!”. Mas não chame nenhum
jogador pelo nome. A incerteza sobre qual jogador não está
participando promove alerta de grupo. (SPOLIN, 2010, p. 45).
Durante as aulas de Danças Circulares para crianças, podemos
trabalhar com uma diversidade de roteiros, ou seja, iniciar solicitando
que todos entrem na roda, deem as mãos e respirem juntos. Ou iniciar
tocando uma música conhecida do grupo sem falar nada, fazer um
jogo rítmico, de expressão ou contar uma história. São infinitas
possibilidades dependendo de cada grupo, dia ou intenção da roda.
Com esse percurso, aos poucos, se desenvolve a noção de construção
de regras, de reciprocidade, sem precisar que sejam impostas.
Gradativamente, as crianças compreendem o equilíbrio nas relações,
sentem-se pertencentes à roda, percebem a reciprocidade no grupo e
desenvolvem o respeito mútuo, e isso favorece a construção da
autonomia.
Autoritarismo em todas as suas gradações (aprovação/ desaprovação;
bom/mal;certo/errado; defesas; livros didáticos; notas etc.) é
colocado de lado durante as oficinas de jogos teatrais, de forma que
professores e alunos possam ser libertados do ditador
(passado/futuro) para encontrar aqui/agora o FOCO e tornarem-se
132
parceiros de jogo. Impondo ou apoiando-nos em experiências de
outros, quadros de referência e padrões de comportamento tornam
todos vítimas. Vemos com os olhos dos outros e sentimos cheiros
com os narizes dos outros. Seja exercendo a autoridade ou
submetendo-nos, o autoritarismo não permite assumir o ser
humano único que somos. Idealmente, a oficina de jogos teatrais
permite que cada participante (inclusive o professor) assuma seu
próprio espaço de ser. O professor torna-se instrutor por meio do
FOCO, ao mesmo tempo em que confia profundamente que os
parceiros jogadores tenham os recursos interiores para completar
(solucionar) o problema. (SPOLIN,2001, p. 34)
Recentemente dancei semanalmente com uma turma de 2º ano
do Ensino Fundamental – anos iniciais. E uma aluna se recusou a entrar
na roda desde o primeiro dia. Ela sempre olhava curiosa e parecia que
havia um desejo em querer participar, mas se recusava. Em uma das
primeiras aulas, levei a brincadeira Tumbalacatumba de domínio
público:
Quando o relógio bate a 1 todas as caveiras saem da tumba
Tumbalacatumba tumba ta
Tumbalacatumba tumba ta
Quando o relógio bate as 2 todas as caveiras pintam as unhas
Tumbalacatumba tumba ta
Tumbalacatumba tumba ta
Quando o relógio bate as 3 todas as caveiras imitam chinês
Tumbalacatumba tumba ta
Tumbalacatumba tumba ta
Quando o relógio bate as 4 todas as caveiras tiram retrato
Tumbalacatumba tumba ta
Tumbalacatumba tumba ta [...]
12
12
Brincadeira tradicional
133
Depois de brincarmos, sentei-me com as crianças com a
proposta de fazer novas rimas, já que elas começaram a cantar junto
com a música. Essa aluna começou a criá-las sentada em sua cadeira
e aos poucos entrou na roda. A voz é um corpo, foi a forma como ela
conseguiu apresentar esse corpo, e que demonstrou ter mais
facilidade. A partir desse dia, ela entrou na roda e dançou e dali em
diante passamos a cantar a música e a recriar os movimentos, não
ouvíamos mais a gravação. Com o tempo, as crianças naturalmente
trazem novos formatos. Em algumas salas, cada “caveira” fazia um
movimento por vez, em outras, todas faziam juntas ou propunham a
divisão em números pares e ímpares e tantas outras possibilidades.
Percebo que as crianças que já vivenciam a roda de Dança Circular
nessa proposta há mais tempo, m confiança nesse ambiente que
vamos criando juntas. Em uma das salas em que trabalhei essa música,
recebi as rimas por escrito e percebi a riqueza e alegria de cantarmos
e dançarmos novas possibilidades que eram criadas a cada aula.
Em uma aula de Dança Circular e com os Jogos Teatrais,
começamos com um aquecimento “Aquecimentos distendem e
relaxam, trazendo todos para o contato consigo mesmo e com o
espaço (a sala de aula) e preparando para o que está por vir.” Ou
também: “Sinta-se livre para utilizar aquecimentos no final da oficina
de jogos teatrais para reafirmar o grupo para reuni-lo novamente
como um todo.” (SPOLIN,2001, p. 26).
Na dança, no círculo com música, acontecem inter-relações o
tempo todo, nada é estático, por isso podemos olhar para uma forma
didática de um caminho possível para a aula de Dança Circular e
iniciar com a intenção de consciência do corpo, assim como chamar
atenção para a individualidade é importante, para a percepção do eu.
São muitas possibilidades que podemos criar e recriar a cada encontro.
134
A seguir, vou apresentar um percurso de uma aula de Danças
Circulares para crianças.
Até o momento, trago a articulação teórico e um pouco
prática e apresentarei uma sitematização a partir dessa articulação que
realizo.
As Danças Circulares para Crianças na escola
Para demonstrar o que realizo em uma aula de Dança
Circular, apresento um quadro inspirado no fichário de Viola Spolin
(2001) e em toda a sistemática dos jogos teatrais descritas em meu
texto. Normalmente, na Dança Circular temos a descrição de cada
dança para compreender melhor os gestos, conhecer um pouco da sua
história, ou outras informações. Anna Barton foi pioneira nas
anotações sobre as danças em Findhorn e, felizmente, temos
publicado no Brasil, pela Editora Triom, os seus livros Espírito da
Dança, volume I e II, em que ela apresenta diferentes danças com a
respectiva escrita.
Eu registro a descrição de cada dança que crio ou as recebo
nos cursos e workshops que participo e, a partir disso, faço uma
seleção de repertório para as crianças. Normalmente eu tenho um
diário de anotação com as danças em turmas diferentes para perceber
com clareza o que é feito em cada escola, instituição ou grupo aberto.
Mas é importante dizer que a descrição proposta por Anna Barton é
diferente da qual apresento neste quadro, embora use o mesmo
formato proposto por ela em diversas anotações.
Uma aula de Dança Circular pode começar de inúmeras
maneiras, não tem uma receita. É importante dizer que a pessoa que
irá conduzir a roda, deve estar junto, não do lado de fora da roda, mas
135
sim, de mãos dadas ao lado das crianças. Trago aqui algumas
possibilidades realizadas com turmas de escolas diferentes. Posso
iniciar colocando o centro da roda (um objeto, um desenho, uma
flor....) solicitar que seja feito o rculo e só depois dar início à dança.
Bem como, a partir do som da música, formar a roda, colocar o
centro e dançar ou podemos fazer a harmonização, o attunement
(descrita no segundo capítulo), ao pedir que a roda seja feita em volta
do centro, respirar com as mãos dadas e depois começar a dançar. Em
algumas salas faço um exercício ritmado, um Jogo Teatral ou conto
uma história. Um exercício para o início da aula é solicitar que cada
criança feche suas mãos em concha e fale um desejo bom ou
sentimento para aquele dia, e logo em seguida dar as mãos para que
as outras crianças sintam todas essas palavras boas que passam de mão
em mão, no círculo, e logo em seguida fazemos uma respiração juntos.
Outra atividade bem interessante é pedir para que cada criança faça
um gesto e fale seu nome e depois todas a imitam. Na roda de Danças
Circulares estamos de mãos dadas e cada turma vai criando um jeito
de fazer isso. Com crianças muito pequenas, para facilitar a
representação e coordenação da lateralidade, direita e esquerdo,
proponho uma brincadeira em que simbolizamos diferentes bocas de
bichos. Por exemplo: Olha a boca do jacaré! Mão esquerda está em
cima da mão direita! Relaxe os ombros! Abra a boca do jacaré e segure
seus amigos!
136
Figura 7 – Sugestão de brincadeira para dar as mãos
Fonte: Pesquisadora
Nessa brincadeira, também vamos aprendendo a dar as mãos.
Pode ser a boca do jacaré, cachorro, gato ou qualquer outro animal,
além de outras imagens e atividades que faço para esse momento. A
simbologia trazida por Bernhard Wosien está presente aqui, onde
uma mão recebe e a outra oferece, assim a criança vai reconhecendo
essa dinâmica da roda em consonância com a vida. Em algumas rodas
conversamos sobre o que elas gostam de dar e receber, como carinho,
amizade, respeito, um pedaço do lanche e assim vai.
Sobre as mãos na roda de Danças Circulares Bernhard
Wosien,em seu livro Dança um caminho para a totalidade, escreve:
A mão direita é, neste caso, a que recebe, com a palma da mão
voltada para cima, e a esquerda, a mão doadora, com as costas
voltadas para cima. Ela dá a luz adiante, garantindo ao mesmo
tempo a retro-ligação. (em latim religio, aqui no verdadeiro
sentido da palavra). Desta forma, o presente e o passado estão
misteriosamente interligados. Só nós humanos separamos o hoje
e o amanhã. O eterno, sub speziae aeternitatis, está além do
tempo. (WOSIEN, 2000, p. 43).
137
Essa consciência das mãos faz referência ao leste de onde vem
a luz, onde o sol nasce. A luz chega pela palma da mão direita, passa
pelo coração e, então, é compartilhada pela mão esquerda. Maria-
Gabriele Wosien (2002, p.72) em seu livro Os sufis e a oração em
movimento escreve, dentro da tradição Dervixes, parte mística do
sufismo, que “[...] a posição dos braços, que simboliza o homem
como ponte entre céu e terra, que recebe do alto e distribui para baixo:
só um canal, que nada pede para si mesmo.” Essa questão de dar as
mãos como forma de tomada de consciência para esse gesto é
importante, mas não há cobrança ou rigidez para que fiquem assim o
tempo todo. Para as crianças, pode ser um pouco difícil trazer esta
informação e ao mesmo tempo cuidar de acertar os passos. Isso
precisa ser natural e aos poucos acontece.
No Aquecimento é importante fazer uma dança para centrar,
unir o grupo que pode ser andar no ritmo da música, por exemplo.
Lembrando que em algumas turmas é interessante tocar músicas que
não têm variação de ritmo para facilitar o aprendizado, mas em
turmas com facilidade, podem ser realizadas danças com mudanças
de ritmos.
A música A trote, a galope, a passo, que menciono no exemplo
apresentado aqui é composição de Kitty Driemeyer
13
e é uma dança
que eu normalmente faço depois de um aquecimento, por se tratar de
uma brincadeira para treinar o ritmo lento e rápido. Vou chamá-la
aqui de dança/brincadeira. Nós andamos no ritmo, e quando ele
acelera, algumas crianças correm ou corporificam o cavalgar. Tudo
depende das crianças, da idade e de cada turma. Essa
dança/brincadeira pode ser feita tanto em círculo, quanto com as
crianças andando livremente pela sala. É importante pensar no foco:
13
www.kittydriemeyer.com.br/a-trote-a-galope-a-passo
138
quando ela é em círculo, o foco é o centro, e ao fazer livremente pela
sala, o foco é andar por todo esse espaço e, para isso, antes de começar
a dançar, proponho um jogo: andar pela sala e, ao ouvir uma palma,
cada criança deve ficar imóvel no lugar em que está. Normalmente,
mas nem sempre, na primeira vez que realizo esse jogo, elas param e
estão concentradas em um local, unidas em grupos e muito próximas.
Peço para que olhem pela sala, e geralmente tem um espaço com
muita criança, quase encostadas umas nas outras e espaços vazios.
Então, eu trago a percepção para aquela ação e dou a instrução para
que elas preencham o espaço todo. Bato a palma e elas andam
novamente, depois de um tempo bato de novo e elas param, observam
esse novo “mapa” e percebem se elas preencheram mais o espaço ou
se falta preencher ainda (avaliação da ação: se tem criança que está
muito perto ou longe). Repito novamente por algumas vezes. Cada
grupo vai criando possibilidades em conjunto e eu posso propor novas
atividades a partir do que se estabelece ali. Por exemplo, se as crianças
andam olhando só para o chão, eu trago a instrução: Olhe para frente!
E quando isso está tranquilo para aquela turma, peço que olhem
nos olhos de quem passa por elas. (Instrução: O seu olhar encontra o
olhar de outra criança, Olhe quem passa por você!). Também há a
possibilidade de solicitar que andem olhando para determinado
objeto, ou procurem por cores na sala e caminhem olhando para cada
uma delas que foi anunciada, isso cria dinâmicas diferentes. As
crianças que têm mais dificuldade em olhar nos olhos das outras vão
aos poucos ganhando confiança se o foco muda e elas entram no jogo.
Em alguns momentos é comum o riso ou gargalhadas quando se
olham e isso passa a fazer parte, é bem-vindo. Quando saímos do foco,
podemos dar a instrução: Preste atenção no seu corpo! Concentre em
139
você! Perceba como você caminha! Aos poucos elas vão trazendo o
foco para a ação.
Esse jogo é inspirado no Jogo Teatral de Viola Spolin
caminhada no espaço. Em algumas turmas, trago as instruções
propostas por ela no fichário e se possível, fazemos no formato palco
platéia (sem nomeá-lo dessa forma). Dividimos em dois grupos,
algumas sentam (pode ser em volta, em um círculo) e observam e as
outras fazem o que é proposto. Depois trocamos a turma, quem
observava agora está na ação e, para finalizar, fazemos a avaliação com
a atenção para o grupo e não para o individual, embora cada uma das
crianças seja responsável e parte do todo. Na avaliação pode ser
questionado se todas andaram preenchendo o espaço. É importante
frisar que cada turma vai direcionando o que é realizado, por exemplo,
se é uma turma que já se organiza no espaço com facilidade eu posso
trazer as percepções para o olhar que se encontra. Se é uma turma que
não desenvolveu essa consciência espacial, trago primeiro instruções e
dinâmicas e depois eu avanço com outros exercícios.
Por que eu faço essa preparação antes dessa dança/brincadeira?
Porque, normalmente, dentro das vivências que tive em escolas,
grupos de teatro e instituições por onde passei e onde dou aula,
quando eu inicio sem essa preparação, elas fazem bloquinhos, correm
e esbarram umas nas outras. Portanto, ao invés de falar não esbarre na
outra criança, eu faço uma preparação para que essa consciência se
torne presente dentro dessa experiência que fazemos em conjunto.
Depois do aquecimento, escolho se a dança A trote, a galope,
a passoserá realizada em círculo ou livremente pela sala. Obviamente
isso pode ser decidido por um planejamento prévio. Em algumas
turmas preciso trabalhar o conceito do círculo, ou organização
espacial, então faço a sugestão da proposta que será feita em aula. Um
140
bom exercício é solicitar que as crianças escolham. Em seguida é
interessante escutar a música e perceber o ritmo, entender a letra
14
e
perceber os instrumentos musicais. Dando continuidade, podemos
conversar com as crianças sobre as diferenças do trote, do galope e
do passo do cavalo. Como que o cavalo se movimenta? Ou como a
pessoa deve ficar em cima do cavalo. A música fala: “Vou passear com
meu cavalo...” , no processo de corporificação da ação como visto nos
Jogos Teatrais, podemos brincar com as crianças: Como é puxar as
rédeas? O que devemos fazer com o corpo? Podemos brincar de ser o
cavalo, e as crianças adoram, ou quem está em cima dele. Tem
diferença de movimento? Como se deve montar no cavalo? Onde
segura? O que é a crina, as rédeas, quais são os esportes que envolvem
os cavalos, como é o ciclo de vida dele, tem diferença das raças? O que
ele come? Alguém tem cavalo, já viu ou montou, qual altura dele.
Podemos trazer desenhos, fotos, vídeos ou pinturas, ou levar as
crianças para conhecerem pessoalmente, caso não tenham visto e
observar cores e particularidades de cada um. Esse conteúdo não será
abordado em uma única roda. Natural e gradativamente vão sendo
desenvolvidos. Tudo depende do interesse e da autonomia das
crianças em pedir informações.
Em uma turma as crianças pesquisam as informações, em
outra, a turma vai se encantar por outra dança e será a riqueza e a base
para que elas explorem possibilidades. Cabe a mim como artista
educadora fazer essa mediação entre as turmas. Na turma que gosta
mais de uma dança, como a do cavalo, eu aprofundo e trago outra
para que possam conhecer e reconhecer conteúdos de formas
14
A música “A trote, a galope, a passo” é cantada em português, mas caso seja em outro
idioma, é sempre necessário falar para as crianças a tradução, contar sobre o país de origem
e sua cultura.
141
completamente diferentes. Aos poucos, vou então conversando sobre
as diferentes músicas e danças.
Na sequência, apresento um plano de aula que elaborei para
facilitar a organização e a sistematização da proposta com a dança.
Normalmente cada dança, assim como nos Jogos Teatrais, tem uma
anotação, o aquecimento para ser realizado antes, dinâmicas a serem
desenvolvidas a partir da música e da coreografia, frases para facilitar
a instrução, relações transdisciplinares entre a música, cultura,
coreografia, escola, vida e uma infinidade de tramas que podemos
tecer.
Tabela 1 – Exemplo de Plano de aula elaborado pela autora
Música: A trote, a galope, a passo
Artista: Kitty Driemeyer
Coreografia: Maria Angélica Urbano
Formação: Em círculo (Há a possibilidade em fazer livremente pelo espaço)
Sentido da dança: Anti-horário
Tempo de espera: Começa com o canto.
DESCRIÇÃO
Local Sala de aula ou pátio. (Área aberta ou fechada)
Aquecimento
Ouvindo o ambienteJogo Teatral
Ouvir a música para perceber a diferença de
ritmo
Foco
Descrição
braços como se estivesse segurando as rédeas de
um cavalo.
Quando começa o canto "Vou passear com o
meu cavalo”, iniciar a caminhada com o pé
direito. São 4 passos, no sentido anti-horário
142
breve e toca o chão 2 vezes com o pé direito e 2
vezes com o pé esquerdo. Repete.
Quando o ritmo fica mais rápido, é possível
andar no ritmo ou fazer o movimento de galope.
No final, seguir o ritmo que vai ficando lento,
puxar o freio e parar no lugar
Instrução
Perceba como você caminha! Atenção no ritmo!
Foco na roda, no centro!
Fisicalização/corporificação
Como podemos fazer com as mãos para
simbolizar as patas dos cavalos? Como o cavalo
caminha, trota e galopa?
Como devemos segurar as rédeas?
Regra
Avaliação
Foi fácil andar nesse ritmo?
Qual ritmo é mais fácil?
O que mais gostou, o que achou mais cil e
difícil?
Fonte: Elaborada pela autora
É necessário reforçar a importância de estar na roda, dançando
junto com as crianças. Para isso é desejável que a educadora ou
educador que pretende trabalhar com a Dança Circular, faça um
curso de formação para compreender esse movimento das rodas de
dança. Isso é importante para que esteja capacitado tanto para a
escolha do repertório adequado conforme o tipo de público, quanto
para os objetivos da roda. É preciso lembrar que a educadora
(educador) não somente explica os elementos da dança, mas também
tem a responsabilidade de observar como cada participante se integra
ao grupo ao acompanhar os movimentos de cada criança, de forma a
143
favorecer a interação entre todas. Abaixo tem o qr code com o vídeo
explicativo
15
da dança:
Figura 1 – QR CODE Vídeo explicativo
Fonte: Pesquisadora
Preparei uma tabela com alguns itens importantes para
organizar uma roda de Danças Circulares para crianças. Lembrando
que cada educadora (educador) deverá se atentar às especificidades do
seu público, local onde será realizada, tema, dentre outros detalhes já
descritos anteriormente.
Tabela 2 – Organização de uma roda de Danças Circulares para crianças
Organização de uma Roda de Danças Circulares para crianças
Local
Sala de aula, pátio, parque, espaço público...
Público
Crianças
Grupo 1 da mesma idade
Grupo 2 mistoidades diferentes
Duração
Combinar previamente de acordo com as crianças do local.
15
www.youtube.com/@coresangelica: www.youtube.com/watch?v=9xG5wKnaYQo
144
Tema
Tema livre ou pode ser uma história, uma palavra, um
conteúdo relacionado à cada disciplina, celebração de algo,
ou sem tema, etc.
Danças
repertório
Escolha do repertório a partir do tema e idade das crianças.
A quantidade de danças vai variar de acordo com cada
turma.
Número de
participantes
Se é a primeira roda de Danças Circulares daquele público,
é necessário que a educadora ou educador tenha ajudantes
na roda, dependendo da idade e do número de crianças.
Centro da Roda
Pode ser algo feito ou comprado pela educadora
representando o tema, ou pode ser um objeto disponível no
local, ou pode ser desenhado no chão pelas crianças.
Som
Caixa de som compatível com o ambiente.
Microfone
Depende da quantidade de crianças e em relação ao espaço.
Fonte: Elaborada pela autora
Para finalizar essa parte, gostaria de reforçar a atenção e
cuidado ao preparar a roda de Danças Circulares para crianças. É
necessário saber previamente se será realizada uma única vez, ou se há
a possibilidade de sua ocorrência ser regular. Se o for, qual será a
duração disponível para cada encontro que poderá ser semanal, a cada
15 dias, em um semestre ou anual. Também é importante saber se as
crianças têm a mesma idade ou a roda será mista, com crianças de
idades diferentes. Todas essas informações e muitas outras
especificidades de cada local podem contribuir para um melhor
planejamento e elaboração de um repertório para crianças.
A cada aula é necessário reforçamos a importância de fazer os
movimentos das coreografias, assim como trazer a atenção para o
corpo, como por exemplo, a diferença entre andar e arrastar os pés no
chão, a altura dos braços, a importância em seguir a coreografia e
atenção em virar para o mesmo lado, abaixar no momento certo,
perceber seu espaço na roda ao avançar para o centro, sem ficar na
145
frente ou atrás de quem está ao lado, acompanhar o ritmo e, a cada
vez, permitir-se a soltar mais o corpo a fim de aprimorar a consciência
corporal. É fundamental, no entanto, ressaltar que esse trabalho de
chamar a atenção para a expressão corporal deve ser conduzido pela
professora ou professor de Dança Circular de forma natural,
gradativa, prazerosa, lúdica e no coletivo.
Ivaldo Bertazzo em seu livro Cérebro Ativo: reeducação do
movimento (2012, p. 38), escrito em colaboração com outros
profissionais, diz: “Entre o pensar e o agir, desencadeiam-se sinapses
finas e complexas em detrimento de várias funções, inclusive a de
proteger o corpo dos desequilíbrios provocados pelo próprio
movimento.” A cada aula essas sinapses vão se estruturando e muitos
movimentos que são considerados difíceis no início, ao repeti-los
semanalmente, são aprimorados e, a partir dessa memória corporal
que é desenvolvida, é possível perceber nitidamente o avanço de cada
um. Após um tempo de prática, não é mais necessário pensar na forma
da dança, como a contagem dos passos; quando as alunas e alunos já
memorizarem a dança, ela é feita com fluidez.
A seguir apresento o resultado da busca que realizei com o
número das pesquisas acadêmicas feitas na área da Educação e logo
em seguida trago duas entrevistas com Fido Wangler que foi aluno
de Bernhard Wosien e Brant que trabalha com Danças Circulares em
Findhorn, ambos que se dedicam diferentes públicos, inclusive com
crianças.
Encontros entre a Dança Circular e a Educação
No dia 19 de fevereiro de 2023, fiz uma pesquisa sobre as
dissertações, teses e artigos que foram publicados nas bases de dados
146
Scientific Electronic Library Online (SciELO), Portal de periódicos
da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
(CAPES) e Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações
(BDTD), tendo como palavras- chave de termos de busca: Danças
Circulares na escola, Danças Circulares na Educação e Danças
Circulares com crianças. Na Tabela 3, apresento os resultados
quantitativos da busca.
Tabela 3 – Número de produtos encontrados nas bases de dados pesquisadas
TERMOS DE BUSCA
SciELO
CAPES
BDTD
Danças circulares na escola
0
0
5 dissertações e teses
Danças circulares na
educação
3 artigos
15
8 dissertações e teses
Danças circulares com
crianças
1 artigo
2
1 dissertação
Total
4 17
14
Fonte: Elaborada pela autora
Com base no material encontrado, foi possível verificar que a
maioria das pesquisas relacionadas à Danças Circulares no contexto
educacional é direcionada para as aulas de Educação Física e para a
formação de professores. Somente uma pesquisa de mestrado era
dirigida a crianças de 04 a 06 anos, intitulada Abra a Roda Tin dô Lê
- Dimensão Religiosa nas Brincadeiras de Roda entre Crianças de 4 a
6 anos, a qual foi realizada em 2006 por Mônica Amaral Melo
Poyares, pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, PUC
147
SP. Além de várias dissertações, teses e artigos sobre Brincadeiras de
Roda e Jogos Teatrais.
Em 2022 um grupo de mulheres de diferentes áreas de
atuação, Adriana Aires, Andrea Leoncini, Cristina Melville Alonso e
Renata C. L. Ramos organizaram o I Simpósio de Danças Circulares
para a Educação, no formato on line, com o seguintes temas: Danças
Circulares, Transdisciplinaridade, Neurociência, Pedagogia
Sistêmica, Virtudes e Forças de Caráter, Contação de histórias e
Danças Circulares, Dança Circular em uma formação Antroposófica,
A importância dos gestores na inserção das Danças Circulares na
escola, Danças Circulares na sala de aula - Desafios e soluções e
Caminhos para capacitar educadores. Eu participei da conversa
mediada por Cristina Melville ao lado de Vaneri de Oliveira e
Domingos Valeski Jr. sobre os caminhos para capacitar educadores.
Para este ano, 2023, foi confirmada sua segunda edição de forma
presencial. Essa é uma área em crescimento, uma vez que a cada dia
encontramos mais educadoras e educadores envolvidos em levar as
Danças Circulares Sagradas para o contexto escolar e, além dele.
Em fevereiro de 2023 conversei com Fido Wangler
16
, que eu
conheci em um workshop em São Paulo. Ele foi aluno de Bernhard
Wosien e tem uma maneira encantadora e gentil de ensinar as Danças
Circulares, e Brant Bambery
17
que ensina Danças Circulares em
Findhorn e traz a sua alegria contagiante para as rodas on line de que
participei. Enviei algumas perguntas com a finalidade de saber sobre
o percurso de trabalho deles, Fido por ter tido aulas diretamente com
Bernhard Wosien, e Brant por ser da comunidade onde esse
movimento na contemporaneidade começou. Ambos, de forma
16
www.tanz-all-tag.de
17
www.brantbambery.com
148
generosa, responderam as questões que foram traduzidas por
Cristiana Menezes, as quais estão na íntegra, em anexo, neste livro.
Ambos comentaram o poder da Dança Circular em suas vidas e no
trabalho que desenvolvem com as crianças e outros públicos.
Dando continuidade, apresento a seguir a metodologia
autoetnográfica.
149
ATO 4
METODOLOGIA DA PESQUISA
Como informado anteriormente, esta pesquisa tem como
objetivo geral refletir sobre as possibilidades do trabalho educativo na
integração dos Jogos Teatrais e das Danças Circulares na escola a
partir de vivências propostas por uma artista educadora e como
objetivos específicos, pretende-se: relatar o trabalho desenvolvido por
meio do projeto “Danças Circulares na Educação”, com crianças dos
anos iniciais do Ensino Fundamental, em uma escola pública
municipal e analisar os benefícios do projeto em pauta para as crianças
participantes e o ambiente escolar, tendo-se as Danças Circulares e os
Jogos Teatrais como recursos educativos, artísticos, culturais e de
desenvolvimento integral.
Neste capítulo, portanto, tratarei da metodologia escolhida
para esta pesquisa. Para sua realização, foi utilizada a autoetnografia
como recurso metodológico, uma vez que será relatada e analisada a
minha experiência com crianças em rodas de Danças Circulares e os
Jogos Teatrais, além da participação no projeto “Danças Circulares
na Educação”, a partir das vivências, memórias, registros e relatórios
realizados durante seu desenvolvimento.
A autoetnografia tem sua origem no âmbito das Ciências
Sociais, em especial, na Antropologia, porém, atualmente, há diversas
pesquisas dessa natureza em campos diferentes, inclusive na Arte e na
Educação. Também é importante destacar que não se trata de um
150
estudo de caráter autobiogáfico. É importante se atentar a algumas
especificidades que serão apresentadas brevemente a seguir. Na
publicação intitulada Autoetnografia: um caminho metodológico para a
pesquisa em artes performativas, escrita por Camila Matzenauer dos
Santos e Gisela Reis Biancalana na revista Aspas, do programa de pós-
graduação em Artes Cênicas da Universidade de São Paulo, as
pesquisadoras trazem a seguinte reflexão:
Devido ao fato de valorizar a experiência do pesquisador sem
desvincular suas impressões e intenções da pesquisa,
compreende-se que elementos autobiográficos se fazem presentes
no método autoetnográfico. Porém, é importante que haja
diferenciação entre autobiografia e autoetnografia. Enquanto a
primeira se restringe a descrever acontecimentos sobre aquele que
escreve, a segunda insere um viés etnográfico, buscando
relacionar o pessoal à cultura para o estudo e compreensão desta.
(SANTOS; BIANCALANA, 2017, p. 87).
A palavra autoetnografia vem do grego: auto (refere-se a si
mesmo ou a uma ideia de pertencimento), ethnos (usada para
descrever o conjunto de hábitos ou crenças que definem uma
comunidade, um povo) e grapho (escrita). Portanto, a autoetnografia
trata de um relato escrito por alguém, que pertence a um determinado
grupo e escreve a partir de sua visão. De acordo com Santos (2017,
p. 214) “A autoetnografia pode ser reconhecida como metodologia
científica e crítica, capaz de desvendar, em sua maneira autorreflexiva,
novos e profícuos caminhos para a pesquisa sociológica.” Um lugar
onde o objeto de pesquisa e o pesquisador encontram-se inseparáveis.
O autor esclarece que a autoetnografia é uma investigação que se
ampara em uma tríade, que traz três orientações: metodológica,
cultural e de conteúdo. Esse modelo trdico”, citado por Santos, é
151
trazido pela autora Heewon Chang em seu livro Autoethnography as
method (2008). De acordo com a autora, a primeira orientação, tem
uma base etnográfica e de análise; a segunda com base interpretativa,
abarcando as vivências e memórias, as relações entre sujeito, objeto e
pesquisador, e os fenômenos sociais, e a terceira, cuja base é
autobiográfica e reflexiva. Em continuidade, Santos (2017, p. 218)
destaca a relevância da reflexividade nesse tipo de pesquisa, a qual
“[...] impõe a constante conscientização, avaliação e reavaliação feita
pelo pesquisador sobre sua própria contribuição/influência/forma da
pesquisa intersubjetiva e os resultados consequentes da sua
investigação. Este percurso nos faz repensar o nosso campo de
pesquisa onde a experiência da pesquisadora ou pesquisador é
entrelaçada à de outras pessoas. Segundo Ellis, Adams e Bochner
(2005, p. 2, tradução nossa)
[...] autoetnografia é um método de pesquisa que:
- Usa a experiência pessoal de pesquisadores para descrever e
criticar crenças, práticas e experiências culturais.
- Reconhece e valoriza as relações da pesquisadora com os outros.
- Usa uma auto-reflexão cuidadosa e profunda - tipicamente
chamada de “reflexiva”- para nomear e interrogar as intersecções
entre si e a sociedade, o particular e o geral, o pessoal e o político.
Nesse mesmo livro, os autores trazem a importância das
histórias que são contadas e podem nos possibilitar muitas reflexões,
inclusive no âmbito acadêmico, apresentando uma mudança no fazer
científico com uma perspectiva decolonial. “Conforme observa Ono
(2017), a partir de seu surgimento, a autoetnografia tem se tornado
um viés metodológico importante para promover rupturas
paradigmáticas e outros modos de se fazer ciência.” (BASONI;
152
MERLO,2022, p. 4). É importante destacar também que, quem
escreve o faz a partir de suas vivências e memórias que serão escritas,
portanto traz o seu olhar em relação à sua classe social, gênero, sexo e
cultura.
Em suma, e por múltiplas que sejam as perspectivas que
adentram ao tema, talvez se possa condensá-las no entendimento
de que a autoetnografia é um método de pesquisa que: a) usa a
experiência pessoal de um pesquisador para descrever e criticar as
crenças culturais, práticas e experiências; b) reconhece e valoriza
as relações de um pesquisador com os “outros” (sujeitos da
pesquisa) e c) visa uma profunda e cuidadosa autorreflexão,
entendida aqui como reflexividade, para citar e interrogar as
interseções entre o pessoal e o político, o sujeito e o social, o
micro e o macro. (SANTOS, 2017, p. 221).
Nesta pesquisa autoetnografica, como já mencionado
anteriormente, trago meu olhar como artista e educadora. As reflexões
fazem parte de meu percurso como menina, aluna de escola pública,
mulher, atriz, contadora de histórias, educadora de Teatro/Arte/
Danças Circulares, pesquisadora de culturas tradicionais e integrante
de grupos de folia de reis e congada, jardineira encantada pelo cultivo
das plantas e flores. Me conecto com as águas doces do rio onde moro,
sonho e tento escutar as estrelas. Aprendi desde pequena a respeitar o
sol, a lua e as árvores. Mergulho na Arte e na Educação e, por esse
motivo, o cuidado com o desenvolvimento da expressão e questões
relacionadas ao ensino e vivência da Arte nas escolas. A proposta
apresentada por mim neste livro que é fruto da minha pesquisa de
mestrado é trazer a integração dos Jogos Teatrais, presentes em minha
forma de conduzir as aulas de teatro nos mais diversos lugares, escolas,
instituições e grupos de teatro direcionada a um público de idades
153
variadas, com as aulas de Danças Circulares para crianças. Para dar
continuidade à metodologia, apresento a seguir os dados do projeto
que é uma das grandes inspirações para minha escrita.
Projeto “Danças Circulares na Educação”
Neste estudo, a intenção é refletir o papel da Arte na escola e,
mais especificamente, a vivência da Dança Circular com o foco na
integração com os Jogos Teatrais em sala de aula, como arte
educadora e pesquisadora que realiza roda de Danças Circulares com
crianças desde 2009 em escolas, instituições, espaços públicos e
privados. Tem ainda como origem mais remota minhas experiências
e inquietações como aluna na Educação Básica, em que as aulas de
Educação Artística eram limitadas a uma pasta de desenhos, ao passo
que as outras linguagens artísticas raramente eram trabalhadas. Apesar
dos avanços normativos, o ensino da Arte no Brasil e a forma com
que as expressões artísticas são aplicadas atualmente na escola, ainda
trazem desafios para corpos que não estão habituados a se mexer ou
se expressar, através da pluralidade do ensino da arte além da folha.
Dessa forma, o trabalho desenvolvido com as Danças Circulares
integrados aos Jogos Teatrais na escola pública abrange as múltiplas
formas de expressão e respeita o sujeito em sua integralidade, de modo
a promover seu desenvolvimento nesse sentido. Por tal motivo, busco
a pesquisa autoetnográfica como um recurso metodológico e de
reflexão e análise sobre a função e efeito da Arte na Educação, e acerca
do meu papel como artista educadora. Há algo além da razão que nos
torna humanos.
O percurso do trabalho que inspirou esta pesquisa de
mestrado iniciou com um convite feito, em 2015, por Petrus
154
Schoenmaker a mim, para ser responsável pelo projeto e organizar as
danças para cada ano escolar. Nesse ano aconteceram conversas e
trocas de materiais entre nós, mas só iniciamos as atividades no ano
seguinte. Em 2016, uma equipe se reuniu semanalmente para estudos
em relação à escolha das danças: Petrus Schoenmaker, Izabel
Domingues, Andrea Prequero, Lize de Block e eu. No ano seguinte,
em 2017, firmamos uma parceria com a Secretaria de Educação do
município de Holambra e realizamos aulas semanais com a duração
de 50 minutos, com uma turma do 5º ano do Ensino Fundamental,
anos iniciais. A participação foi de 27 crianças, sendo 14 meninas e
13 meninos, tendo a duração do ano regular, dentro do período
letivo, com início em 04 de abril de 2017, e finalização em 28 de
novembro desse mesmo ano. Fizemos relatórios dos encontros, e
registros por fotos e vídeos, quando possível. Pedimos para as crianças
desenharem
18
em três momentos: 4 de abril, 10 de maio e 15 de
agosto, com o objetivo de compreender como elas percebiam o que
estávamos propondo. Também entregamos um questionário de
avaliação dos encontros para as alunas, alunos e professora. No ano
seguinte, em 2018, continuamos com estudo e organização das
danças para cada ano escolar e também a parceria com a Prefeitura
Municipal de Holambra Secretaria de Educação para realizarmos o
projeto na Escola Municipal para o ensino Fundamental - Anos
Iniciais com 5 salas de 1º anos. Os participantes foram 95 crianças,
sendo 40 meninas e 56 meninos, e as professoras de duas turmas. O
início se deu em 06 de março de 2018, e a finalização em 28 de
novembro. Nesse ano, também solicitamos os desenhos em três
18
Os desenhos das crianças, entrevistas e questionários podem ser consultados na publicação
da dissertação da dissertação de mestrado no repositório on line da Unesp:
repositorio.unesp.br/handle/11449/243039
155
momentos, além dos registros em fotos e em vídeo e temos como
material de análise memórias, registros escritos, em desenhos e vídeos
de danças e entrevistas e relatórios. No quadro a seguir, apresento
dados de caracterização do projeto em pauta.
Tabela 4 – Percurso e estrutura do Projeto “Danças circulares na Educação”
PROJETO DANÇAS CIRCULARES NA EDUCAÇÃO
2009
Maria Angélica Urbano se forma no Instituto Dança Viva e começa a trabalhar
com as danças nas escolas como professora regular na disciplina de Arte, nas
aulas de teatro, atividades extracurriculares e em instituições educativas e
culturais. Nesse ano começa a integrar as Danças Circulares e os Jogos Teatrais
na roda com crianças.
2015
Convite feito por Petrus Schoenmaker à Maria Angélica Urbano para ser a
responsável pelo projeto e organizar as danças para cada ano escolar. Nesse ano
aconteceram conversas e troca de materiais entre Petrus e Angélica, mas só no
ano seguinte que iniciaram oficialmente as atividades.
2016
Local
Instituto Dança Viva em Holambra
Realização
Encontros semanais com a finalidade de aprimorar e trazer
conhecimentos empíricos sobre danças
Equipe
Petrus Schoenmaker, Lize de Block, Izabel Domingues,
Andrea Prequeiro e Maria Angélica Urbano
Ano de Ensino
Escolha das danças para alunos do Ensino Fundamental -
Anos Iniciais
Forma de
registro
Organização em pastas on line com planilhas contendo
danças para cada ano escolar
2017
Local
Escola Municipal de Holambra, Ensino Fundamental -
Anos Iniciais
Parceria com a Prefeitura Municipal de Holambra,
Secretaria de Educação
156
Equipe
Petrus Schoenmaker, Lize de Block, Izabel Domingues e
Maria Angélica Urbano
Ação
Aulas de Danças Circulares na Escola Municipal
Ano de ensino
5º ano do Ensino Fundamental - Anos Iniciais
Número de sala
1
Número de
alunos
27 crianças, sendo 14 meninas e 13 meninos
Duração da aula
50 minutos, com regularidade semanal
Início e duração
Início: dia 04 de abril de 2017
Finalização: dia 28 de novembro
Número de
danças
13 danças
(Quadro completo com as informações no capítulo 5)
Forma de coleta
e análise dos
dados
Avaliação do programa foi qualitativa e processual, através
de registros dos encontros, desenhos elaborados pelas
crianças, aplicação de questionário de avaliação junto às
crianças e à professora da sala
Forma de
registro das aulas
Fotos, vídeos e relatórios
2018
Locais
Aulas: Escola Municipal de Holambra, Ensino
Fundamental - Anos Iniciais. Parceria com a Prefeitura
Municipal de Holambra Secretaria de Educação
Estudo e organização das danças para cada ano escolar:
Instituto Dança Viva
Ano de ensino
1º ano do Ensino Fundamental - Anos Iniciais
Número de salas
5 salas
Número de
alunos
95 crianças, sendo 40 meninas e 56 meninos
1ºA - 21 crianças, sendo 7 meninas e 15 meninos
1ºB - 25 crianças, sendo 10 meninas e 15 meninos
1ºC - 15 crianças, sendo 5 meninas e 10 meninos
1ºD - 17 crianças, sendo 7 meninas e 10 meninos
1ºE - 17 crianças, sendo 11 meninas e 6 meninos
Duração da aula
50 minutos, com regularidade semanal
Início e duração
Início: 06 de Março de 2018
157
Finalização: dia 28 de novembro
Equipe
Petrus Schoenmaker, Izabel Domingues e Maria Angélica
Urbano para organização das danças e material didático
Maria Angélica Urbano - aulas nas cinco salas de 1º anos
do Ensino Fundamental - Anos Iniciais
Número de
danças
13 danças para as salas de 1º ano
(Quadro completo com as informações no capítulo 5)
Forma de coleta
e análise dos
dados
Avaliação do programa foi qualitativa e processual, através
de registros dos encontros, desenhos elaborados pelas
crianças, aplicação de questionário de avaliação junto às
crianças e a professora da sala
Registro
Fotos, vídeos, entrevistas e relatórios
Fonte: Elaborado pela autora
Este capítulo será aprofundado com articulação da prática
realizada no programa com o referencial teórico em desenvolvimento
e no capítulo seguinte será feito o relato do referido projeto com mais
detalhes e com respectiva análise.
158
159
ATO 5
UM SONHO DAANTE
Figura 9 – Centro de roda de Danças Circulares com crianças
feito por Izabel
Domingues
Foto: Arquivo pessoal
O projeto “Danças Circulares na Educação'' foi idealizado
inicialmente por Petrus Schoenmaker (1944-2020), também
conhecido como Piet, com objetivo de levar as Danças Circulares para
as escolas. Para conhecer melhor esse projeto, apresento um pouco da
história de Petrus, a qual foi colhida em conversações com suas irmãs,
filha e nos encontros com ele. Piet nasceu na Holanda e chegou ao
Brasil com 15 anos de idade, em outubro de 1959. O destino de sua
160
família era o distrito de Holambra, que foi fundada em 14 de julho
de 1948 e pertencia a quatro cidades: Artur Nogueira, Cosmópolis,
Jaguariúna e Santo Antônio de Posse, localizados no interior de São
Paulo e, em 27 de outubro de 1991 foi emancipada à categoria de
município. Piet trabalhou como agricultor desde pequeno e aos 19
anos começou a dar aulas de dança de salão, que aprendia lendo os
livros de um acervo pessoal, com o intuito de animar os bailes e
entreter os amigos. Com 37 anos, ele começou a dar aulas de danças
folclóricas holandesas, e foi nesse ano, em 1981, que a festa de
exposição de flores e plantas ornamentais chamada Expoflora, em
Holambra, teve seu início. Com isso, as apresentações começaram a
ser feitas por um grupo organizado por ele, sendo preciso realizar
ensaios, preparar figurinos, adereços e sapatos, os quais eram
importados da Holanda.
Em 1988, Petrus recebeu a provocação de uma mãe para
começar a dar aulas de danças folclóricas holandesas para crianças de
10 anos. Ele iniciou com 22 crianças e o nome do grupo era “cinza
por causa da cor das calças. Ele se preparou bastante e, como viajava
anualmente para a Holanda, conseguiu através do Instituto Nevofoon
a maioria do material utilizado tanto nas aulas de danças folclóricas
como nas apresentações da Expoflora. Essa experiência foi um sucesso
e a partir daí, os grupos começaram a se formar e ele desenvolveu por
mais de 30 anos um projeto de danças folclóricas holandesas com
crianças, adolescentes, adultos, terceira idade e pessoas com
deficiência, nos mais diversos ambientes. Como ele continuava a
trabalhar como agricultor e a demanda dos grupos foi aumentando,
foi formada uma comissão para auxiliar todo o trabalho desenvolvido.
A empresa da família chamada Terra Viva, sempre investiu
em treinamentos e formações para os funcionários e o setor de
161
Recursos Humanos fazia formação em jogos cooperativos e, em uma
das reuniões internas, divulgaram o Primeiro Encontro Brasileiro de
Danças Circulares, que ocorreu em Itapecerica da Serra - SP no hotel
Terras Altas em 2002. Petrus tinha 58 anos e recebeu o convite para
participar. A princípio teve dúvidas, mas foi. Ficou encantado e,
quando voltou, começou a fazer roda de Danças Circulares em
Holambra. No ano seguinte, sua filha Elizabeth, conhecida como
Lize, fez o curso de formação em Danças Circulares com Renata
Ramos e, dois anos mais tarde, começou a conduzir rodas de Danças
Circulares em Holambra. Em 2006, três anos após esse primeiro
contato, Petrus,juntamente com sua esposa Ank e filhas, Lize e
Simone, fundou o Instituto Dança Viva e, em 2008 iniciou-se o
primeiro curso de formação para focalizadores de Danças Circulares.
Como o número de alunos e dançantes na região foi crescendo, o
Instituto Dança Viva começou a organizar bailes de Dança Circular
e a receber profissionais nacionais e internacionais para cursos e
workshops com os mais variados temas. Além disso, a equipe que se
formou para as mais diversas atividades desenvolvidas pelo Instituto,
esteve presente em vários cursos e festivais realizados tanto no Brasil
quanto em outros países, seja como alunos ou professores. Piet
participou de inúmeros projetos em escolas e espaços culturais.
Também ministrou workshops para crianças, crianças com
necessidades especiais, jovens, adultos e grupos de terceira idade. Em
2019, o Instituto se torna Associação Cultural para estreitar os laços
entre as danças Folclóricas e as Danças Circulares, cuidando do
patrimônio cultural a partir do trabalho realizado por Petrus.
Atualmente, em 2022, as atividades que compõem a programação
são: Festival de Danças Circulares Flores e Cores; Workshops em
diversas cidades do país; Rodas regulares e bailes; Paneuritmia; Missa
162
latino americana; Trabalho social com rodas em centros de
reabilitação; Danças em empresas; Participação em festivais nacionais
e internacionais; Núcleo de apresentação e aulas de Danças
Folclóricas holandesas e o Projeto Danças Circulares na Educação.
Figura 10Petrus Schoenmaker
Fonte: Arquivo pessoal da pesquisadora
Em 2015, recebi o convite de Piet para ajudá-lo com a
organização e elaboração do projeto de “Danças Circulares na escola”,
mas só no ano seguinte comecei o trabalho ao lado dele. Em nossas
conversas, ele ouvia sobre o meu trabalho com as Danças Circulares
na escola desde 2009 e claro, com o teatro também. Ele falava da
importância do projeto em implantar as Danças Circulares como
parte da grade curricular de ensino. Nessa primeira conversa, ele me
disse que havia discutido com outras pessoas sobre o assunto, mas até
então, o projeto não havia começado. O que ele tinha em mãos era
163
uma folha de sulfite em que estava impressa uma tabela simples com
alguns nomes de danças sugeridas, por ele, divididas por idades entre
6 e 14 anos, levando em conta o grau de dificuldade de cada dança,
correspondente ao grau de maturidade de cada faixa etária. Essa lista
foi inspirada no formato apresentado por alguns livros holandeses que
ele também me mostrou. Por se tratar de um projeto com muitas
danças que eu desconhecia e pelo fato de Petrus não ter clareza sobre
como colocar a proposta em prática, não conseguimos avançar e o
plano ficou adormecido por um ano. Nessa época eu já dançava com
as crianças nas aulas de artes nas escolas em que trabalhava, e sempre
me recordava da conversa com ele sobre o projeto. Mas, como não
tínhamos nada estruturado, foi difícil começar. Em 2015 eu participei
de um projeto do governo federal no qual eu contava histórias para
crianças nas escolas públicas de Holambra. Em algumas salas,
fazíamos rodas de dança relacionadas com as histórias e naquele
momento, eu e Petrus voltamos a conversar sobre o projeto. Fizemos
uma reunião para pensar possibilidades de como viabilizar as ideias
concebidas, mas novamente, não avançamos. Apesar disso, Petrus e
eu continuamos a conversar sobre o projeto durante esse ano.
Paralelamente eu ia trabalhando com as danças que já conhecia com
as turmas das escolas em que eu trabalhava. Essas danças eram
escolhidas por mim, dentro do que eu sentia ser possível realizar com
os alunos.
Em 2016, fui convidada para uma nova reunião com Petrus e
Lize e dessa vez Petrus me disse: “Você tem que começar esse projeto!”
Isso era muito importante para ele e claro, para mim, também.
Iniciamos o trabalho de forma voluntária, fazíamos estudos semanais
em busca de aprimorar e trazer conhecimentos empíricos sobre
danças, com uma equipe: Petrus Schoenmaker, Lize de Block, Izabel
164
Domingues, Andrea Prequeiro e eu. Percebemos a necessidade de
sistematizá-lo de acordo com o desenvolvimento dos alunos. Fizemos
escolhas de danças com o objetivo de pensar nas especificidades de
cada ano escolar, de modo a potencializar as habilidades físicas,
emocionais e sociais, através da vivência das diferentes culturas
existentes (folclore local e de diversas regiões do mundo). Em nossos
encontros semanais, discutíamos as danças apresentadas por Petrus e
começamos a agrupá-las dentro de critérios como: aquecimento,
desenvolvimento e finalização da aula, de forma a criar uma
sequência. Nossa experiência com a Dança Circular nos fazia acreditar
em todos os benefícios proporcionados por ela, mas precisávamos
experienciá-la naquele formato para melhor entender os efeitos
decorrentes e demonstrar todo esse potencial a outras pessoas,
especialmente àquelas ligadas à Educação. A proposta fazia referência
às vantagens da Dança Circular na Educação e nosso objetivo era
demonstrar que a Dança Circular, como atividade curricular, poderia
trazer inúmeros benefícios que refletiriam no desenvolvimento e
aprendizagem das crianças, como na: concentração; cooperação;
motivação e maior participação nas atividades escolares; psicomotri-
cidade e expressão corporal; socialização; inclusão; autoestima, e
conhecimento cultural.
165
Figura 11 - Equipe do Projeto Danças Circulares na Educação: Petrus
Schoenmaker, Lize de Block, Izabel Domingues e eu
Fonte: Arquivo pessoal da pesquisadora
Escolhemos inicialmente as danças pensando no ensino básico
público, para alunos do 1º ao 5º ano do Ensino Fundamental 1, e
conseguimos uma parceria com a Prefeitura Municipal de Holambra,
para um estudo semanal de prática com os alunos. Primeiramente
gostaríamos de desenvolver o projeto com alunos do 1º ano, mas não
foi possível, uma vez que a Secretaria de Educação nos deu a
possibilidade de começar com uma sala do 5º ano de uma escola
pública, que tinha 27 crianças, sendo 14 meninas e 13 meninos.
Dessa forma, iniciamos no dia 04 de abril de 2017, semanalmente,
das 12h40 às 13h30 e com a participação da professora da turma, se
assim ela quisesse. Fizemos relatórios da maioria dos encontros, mas
não temos com precisão a quantidade total das aulas, porque em
algumas semanas a escola tinha uma programação interna, como
conselho de classe ou passeios, mas tivemos a finalização em 28 de
166
novembro. Nesse primeiro momento, estavam presentes: Petrus
Schoenmaker, Lize de Block, Izabel Domingues e eu. No primeiro
dia, após uma rápida apresentação, entregamos folhas sulfite em
branco para cada aluna e aluno. Pedimos para que fizessem um
desenho
19
sobre o que achavam que era a Dança Circular e
estabelecemos um tempo de 10 minutos para essa atividade. Todos
os desenhos foram identificados com os nomes e série. Os desenhos
serão incluídos no final do relato desta etapa.
Em seguida, cada criança retirou a cadeira para fora da sala
para que tivéssemos espaço para dançar. Explicamos rapidamente o
que é Dança Circular e falamos da importância de utilizar algo para
ser referência do centro da roda, para organizar o espaço no círculo.
Colocamos algumas toalhas de croche para marcar o centro que foi
indicado pelos alunos. Escolhemos o seguinte repertório para esse
dia: Hear the joy, coreografía de Joyce Dijkstra; Bingo, dança em
pares tradicional da Inglaterra e com adaptações feitas por Petrus; Ian
en Piet,dança tradicional da França, e para encerrar, dançamos um
pot pourri com cantigas brasileiras, com ritmo lento. A cada dança,
conversamos com as crianças sobre as dificuldades que se
apresentaram: o formato da roda, e como mantê-lo durante a dança,
sobre dar as mãos e não puxar ou empurrar, o ritmo que deve ser
mantido por todos, tudo pensando em como cada uma ou cada um
faz parte da roda e, que para mantê-la, era preciso estar em harmonia
com todos. Nesse primeiro momento, percebemos que a maioria das
crianças se encostava na parede, mas aguardava o início de cada dança
com curiosidade. Conversamos sobre a importância de estar na roda,
19
Os desenhos das crianças, entrevistas e depoimentos podem ser consultados na publicação
da dissertação da dissertação de mestrado no repositório on line da Unesp:
repositorio.unesp.br/handle/11449/243039
167
transferir o peso para as duas pernas, em estado de prontidão para a
dança. Isso aconteceu algumas vezes e nós os encorajamos para que
todos participassem, o que ocorreu com muita alegria. Como estavam
eufóricos, em alguns momentos não era possível ouvir a explicação
dos passos ou perguntar sobre alguma dúvida, muitos falavam ao
mesmo tempo e então, propusemos um jogo de atenção e
concentração que foi feito da seguinte forma: ao ouvir a palma, cada
um batia uma palma também e silenciava. O que aconteceu algumas
vezes. A aula foi divertida, e como tínhamos danças de outras culturas,
perguntamos, com curiosidade, se eles sabiam onde ficavam aqueles
lugares. Como não sabiam, combinamos que, para a aula seguinte,
eles iriam procurar a localização da França e da Inglaterra no mapa (e
foi uma surpresa, no encontro posterior, entrar na sala e ver o mapa
que a professora tinha colocado na parede para que eles encontrassem
esses países). As aulas seguiram com muitos desafios e conquistas,
conversamos bastante sobre a importância de dar as mãos e a
necessidade de higienizá-las, assim como o cuidado em não apertar
ou puxar demais durante a dança. Não é comum dar as mãos todos
os dias em uma sala de aula e, percebemos que isso causava um
estranhamento no início, mas depois foram se acostumando. Para as
danças em pares, levamos números escritos em papéis que ficavam
dentro de um pote, distribuíamos e quem tirasse o mesmo número
seria o par. Dessa forma, conseguíamos formar pares sem muitas
brigas e assim, nos revezávamos a cada semana nas aulas.
A professora desse 5º ano foi bastante receptiva e já conhecia
a Dança Circular, mas nunca tinha participado. Ela tinha visto o
grupo folclórico holandês em apresentações na cidade. Quando
ensinamos a coreografia Follow the leader, dança em pares,
tradicional da Inglaterra, ela entrou para dançar com as crianças e
168
isso seguiu durante várias aulas, foi a dança preferida dela e as alunas
e alunos se empolgavam ainda mais com a sua participação. Quando
começamos a ensinar as danças em pares, como essa, percebemos que
eles não se olhavam, então falamos da importância de exercitar a
gentileza e a delicadeza ao segurar nas mãos e também olhar nos olhos
da parceira ou parceiro e isso ajudou bastante. Dentro desse
repertório, eu inclui a coreografia da Lucia Cordeiro “Coisa da
Antiga”, música cantada por Clara Nunes. No final de uma das aulas,
a pedido do Petrus, mostrei essa coreografia e música e disse que a
dançaríamos na aula seguinte. Assim, quando cheguei no outro
encontro, as crianças perguntaram: É hoje que vamos dançar “a tina”?
Alguns me contaram que assistiram vídeos no Youtube ou que a mãe
conhecia a música. Eles cantavam a “tina” lembrando uma parte da
música “Na tina, mamãe lavou.” Conversamos sobre esse objeto, a
tina e as lavadeiras que a usam. E assim começamos a aula em círculo,
trazendo a atenção para a respiração e o diafragma e com os olhos
bem abertos, as crianças deram as mãos.
Algumas dinâmicas foram surgindo ao longo das aulas, a fim
de incentivar uma percepção maior para o pulso da música. Em uma
das aulas, falamos sobre o pulsar do coração, pedimos para que eles
sentissem e, através disso, percebessem o ritmo interno de cada um.
Falamos sobre quando o coração bate acelerado e muda este ritmo. A
cada aula, configuramos a roda com uma dança de aquecimento, em
seguida repetimos as danças e, em algumas aulas, ensinamos uma
nova, e então fazíamos a finalização que podia ser com uma música
ou em silêncio, com o exercício de respiração, inspirando e expirando
juntos. Aos poucos, não era preciso solicitar que fizessem a roda, as
crianças se posicionavam prontamente no início da aula e pediam o
centro para facilitar.
169
Nesse ano, em 2017, dançamos 13 danças. É possível observar
no Quadro da lista de danças do 5º ano, os nomes e as referências
disponibilizadas, em parte, pelo Instituto Dança Viva. Durante o
processo de organização do material, tentei reunir o máximo de
informações, mas nem todas foram encontradas, como o nome dos
compositores e músicos responsáveis pelas gravações. Em algumas
encontrei anotações divergentes sobre a origem, como a dança Ku
Tshi Tshi que está referenciada nas anotações de Petrus como sendo
de origem chinesa, mas em todas as buscas realizadas, encontrei
informações como sendo de origem alemã. Esse processo de busca é
muito importante para honrar todos os artistas e profissionais que
criaram as músicas, os pesquisadores que documentaram as danças
folclóricas ou coreógrafos. Portanto, as informações que seguem
fazem parte do estudo que fizemos e podem ter alterações.
Tabela 5 – Lista de danças do 5º ano
Nome da
Dança
Origem, coreografia e música
Ian en Piet
Coreografia tradicional, França
Fonte: Nevofoon - Holanda
20
CD: Vrolijke Kring 2
Hear the
joy
Coreografia contemporânea de Joyce Dijkstra
Bingo
Coreografia tradicional, Inglaterra, com modificações feitas por
Petrus Schoenmaker
Fonte: Nevofoon - Holanda
CD: Vrolijke Kring 2
Nesta rua
Coreografia contemporânea de Cristina Bonetti
Música tradicional, brasileira.
20
Fonte: www.nevofoon.nl
170
Foi tupã
Coreografia contemporânea de Arlenice Juliani, Música:
Domínio público CD “Cantar o Mundo” músicas e poesias
para o ano
todo produzido por Elisa Manzano e Paula Mourão
Follow my
leader
Coreografia tradicional, Inglaterra
Fonte: Nevofoon - Holanda
CD Vrolijke Kring Volume 1
Coisa da
Antiga
Coreografia contemporânea de Lucia Cordeiro, com adaptações
de Maria Angélica Urbano
Música Composição: Nei Lopes / Wilson Moreira
Cantora: Clara Nunes, Brasil
Ku Tshi
Tshi
Coreografia tradicional da Alemanha,
Fonte: Nevofoon - Holanda
CD Tanzspiele Werner Brock und sein Septett Children's
Music · 2016 Preview
Sa sa
nakufetau
Coreografia tradicional Samoa (pacífico)
Fonte: Nevofoon - Holanda
CD: Vrolijke Kring 3
Polonaise
Coreografia tradicional,Polônia
Fonte: Nevofoon - Holanda
CD Volkstanze Rockig Traditionell Meditativ 1
Troika
Coreografia tradicional, Rússia
Fonte: Nevofoon - Holanda
Livro: A1 International Dance
Kwaheri
Coreografia contemporânea de Mandy de Winter
Música no CD Fire Within by Libana
Legal Legal
Coreografia contemporânea de Edinho Paraguassu, Brasil
Música: Edinho Paraguassu
Fonte: www.edinhoparaguassu.com.br
Fonte: Elaborado pela autora
Em setembro, pedimos para a professora escrever sobre as
aulas de Danças Circulares e ela nos contou sobre como as aulas foram
produtivas. As alunas e alunos esperavam cada encontro semanal e
171
participavam sempre com comprometimento nas atividades
propostas, desde a organização da sala, aprendizado das danças e a
finalização da aula. Além de reforçar o carinho e atenção que
tínhamos com cada criança, desde o contato pelo olhar, cuidado em
dar as mãos e organização da roda. Ela nos agradeceu carinhosamente
pela oportunidade. Tal como mencionamos anteriormente, no
primeiro encontro, pedimos para que as crianças fizessem um desenho
sobre o que elas achavam que era a Dança Circular. Fizemos isso em
três momentos (4 de abril, 10 de maio e 15 de agosto), com a intenção
de ver como elas percebiam o que estávamos propondo. Foi
estipulado o tempo de 20 minutos para essa atividade. Ao observar os
desenhos das crianças, dava para perceber que a partir do segundo foi
comum que elas desenhassem as coreografias que estavam
aprendendo e ficou evidente a representação do círculo pelas crianças
a união entre elas. Não foi dito para que fizessem desta forma,
percebemos isso quando olhamos os desenhos. No final do mês de
novembro, entregamos um certificado de participação das aulas, foi
um momento de muita alegria e comemoração.
Na semana seguinte, estávamos com a turma reduzida, apenas
sete meninas, porque a maioria já tinha entrado de férias. Levamos
um questionário sobre o projeto que havia sido desenvolvido,
entregamos para que cada aluna respondesse individualmente. Dessas
sete meninas, cinco não conheciam a Dança Circular até iniciar o
projeto e duas sim. Ao ler as respostas, pudemos perceber como o
projeto foi enriquecedor. Tivemos depoimentos sobre a melhora nas
relações e na percepção do olhar para si, com cuidado e carinho e
como as aulas foram um estímulo de felicidade e para repensar as
relações entre elas e eles, no dia a dia. Nesse mesmo período, pedimos
para a professora escrever sobre o percurso do projeto naquele ano.
172
Ela disse o quanto foi prazeroso e importante, pois trazia dinâmicas
diferentes a cada aula e também escreveu sobre a falta de apoio da
família e destacou que a participação dos estudantes nesse programa
era um privilégio para eles, uma vez que puderam conhecer mais sobre
a cultura da cidade e de outros países. Também enfatizou sobre a
importância das Danças Circulares ajudarem na atenção e
concentração.
Ao finalizar as aulas, entramos em um período de férias e não
sabíamos como o projeto continuaria. Mas deixamos combinado com
a equipe do Instituto Dança Viva nosso retorno para organizar todo
material que tínhamos e continuar a busca por coreografias novas que
pudessem fazer parte de cada ano escolar.
Novo ano e florescer
Quando eu comecei a trabalhar no projeto, juntamente com
a equipe do Instituto Dança Viva, nas aulas de Danças Circulares para
a sala do 5º ano do Ensino Fundamental, de uma escola pública
municipal, segui o percurso de aula em que normalmente estamos
acostumados nas rodas de Danças Circulares, trazendo todo cuidado
e fundamentação que respalda essa atividade. Em uma breve
explicação, deve-se colocar um centro como referência ao círculo que
é formado com as pessoas participantes, fazer uma harmonização para
começar, ensinar as coreografias, dançá-las e por último, uma dança
de finalização e um fechamento da roda, que pode ser uma respiração
em conjunto.
No entanto, no ano seguinte do projeto, houve um marco que
possibilitou uma mudança significativa em decorrência da autonomia
que tive ao ficar responsável pelo trabalho com cinco salas de 1º anos
173
do Ensino Fundamental, o que me possibilitou o desenvolvimento de
um trabalho relacionado à minha experiência como professora de
teatro desde 1997 e com as Danças Circulares desde 2009, trazendo
os Jogos Teatrais para esse trabalho como já fazia em outras escolas
que trabalhava. Após muitas conversas e entendimentos com a
Secretaria de Educação do município, conseguimos cinco turmas de
1º ano para implantar o projeto. As aulas tinham duração de 50
minutos e eram incluídas no conteúdo de cada professora. Foram 95
crianças, sendo 40 meninas e 56 meninos.
Desde o primeiro contato, procurei estabelecer uma relação
por meio da qual cada criança pudesse se sentir acolhida na roda e
com isso trazer a sua expressão para que não somente copiasse ou
entendesse a forma do movimento. A arte tem o poder de ampliar o
olhar através da relação interna consigo mesma, e externa com outro
ou com o meio. É um local transformador mediante cada experiência.
Para isso, trouxe os Jogos Teatrais, Theater games sistematizados pela
norte-americana Viola Spolin como já mencionado anteriormente.
São muitas habilidades desenvolvidas durante esse processo e que já
foram apresentadas, como, por exemplo, o conceito de
fisicalização/corporificação que se refere à habilidade de se tornar
visível para quem observa, com as ações ou papéis sem o uso de
figurinos, adereços, cenografias, objetos, etc. No projeto, por
exemplo, temos uma dança desenvolvida no 1º ano que se chama "Tá
pronto seu lobo” e nela fazemos as ações do lobo por uma semiótica
de descoberta de possibilidades expressivas do corpo de cada criança.
O lobo toma banho, escova os dentes, penteia os cabelos, coloca peças
de roupas, passa perfume e, só assim, está pronto para pegar alguém.
Todos os lobos tomam banho, se penteiam, do mesmo jeito? Em um
dos jogos propostos e repetidos inúmeras vezes ao longo do ano, as
174
crianças ficavam sentadas em círculo e a cada ação do lobo uma
criança levantava para expressá-la. Isso podia ser realizado no lugar
que ocupava na roda ou no centro dela. Dependia muito de cada
turma e como as crianças se sentiam confortáveis. A ação se
transforma em brincadeira, relacionada a uma personagem, mas há
um caminho que passa pela percepção intuitiva de cada professora ou
professor em criar um ambiente onde a criança se sinta segura para se
expressar. É como trazer um envolvimento coletivo e, ao mesmo
tempo, pensar, respeitar e valorizar a individualidade de cada um.
Fizemos alguns jogos, como: Ouvindo o ambiente e
Caminhada no espaço,Sentindo o eu com o eu, Quem iniciou o
movimento, Extensão da audição, Quem é o espelho, Fisicalizando
um objeto, Blablação, entre outros, publicados no livro Jogos Teatrais:
o Fichário de Viola Spolin (SPOLIN, 2001), que são grandes
estimuladores na percepção da audição e também do seu próprio
corpo. São inúmeras possibilidades por meio das quais todos podem
experimentar, sem a necessidade de criar personagens. Spolin (2007,
p.29), em seu livro Jogos teatrais na Educação, afirma “As oficinas de
jogos teatrais não são designadas como passatempos do currículo, mas
sim como complementos para a aprendizagem escolar, ampliando a
consciência de problemas e ideias, fundamental para o desenvolvi-
mento intelectual dos alunos”.
Desse modo, para cada dança, eu trouxe dinâmicas diferentes.
Desde ouvir a música e marcar o ritmo ou aprender a coreografia de
forma gradual. Assim a coreografia era vivenciada de modo orgânico,
aos poucos, não sendo necessário explicar a sua estrutura previamente.
Os corpos iam se acostumando natural e gradativamente, e então se
familiarizando e incorporando os movimentos. Em nenhum
momento, o processo de aprendizagem estava focado inicialmente em
175
realizar todos os movimentos de cada coreografia. Foi estabelecido um
processo que variava a cada turma. Alguns tinham mais facilidade,
outros não, mas todos concluíram o repertório proposto. Na
sequência, podemos observar o quadro com as 13 danças escolhidas:
Tabela 6 – Lista de danças escolhidas para o 1º ano
Nome da
Dança
Origem, coreografia e música
Tá pronto seu
lobo
Coreografia contemporânea de Petrus Schoenmaker.
Música: Edinho Paraguassu, CD Brinquedo, Brasil.
Contando a
10
Coreografia contemporânea de Petrus Schoenmaker e Maria
Angélica Urbano.
Música: Ciranda Cultural, compilação e direção musical de
Ana Cristina Rissete Schreiber. Arranjos, gravação e mixagem:
Marcos Schreiber. CD Cidade 300 Coro Infantil, Brasil.
Ana Maria
Coreografia tradicional, Brasil.
CD Abre a roda tin do lê lê de Lydia Hortélio, participação
especial Antonio Nóbrega.
Mestre André
Coreografia contemporânea de Petrus Schoenmaker..
Música: Ciranda Cultural, compilação e direção musical de
Ana Cristina Rissete Schreiber. Arranjos, gravação e mixagem:
Marcos Schreiber. CD Cidade 300 Coro Infantil, Brasil
O galo
quebrou o
bico
Coreografia contemporânea de Maria Angélica Urbano.
Música: Ciranda Cultural, compilação e direção musical de
Ana Cristina Rissete Schreiber. Arranjos, gravação e mixagem:
Marcos Schreiber. CD Cidade 300 Coro Infantil, Brasil
Gira gira
tondo
Coreografia tradicional, Itália.
CD The best of Italy vol 2, Arion - Paris
Abre a roda
Coreografia tradicional, Brasil.
CD Abre a roda tin do lê lê de Lydia Hortélio, participação
especial Antonio Nóbrega e meninas do Zabumbau, Brasil
Camaleão
Coreografia tradicional, Brasil.
Fonte: CD Abre a roda tin do lê lê de Lydia Hortélio,
participação especial Antonio Nóbrega.
176
Pipoca
Coreografia contemporânea de Daniele Bissioli e adaptações
de Maria Angélica Urbano, Brasil.
Artista: Kitty Driemeyer CD Conversa de bicho
Polka du
lapin
Coreografia tradicional, França.
Album: De tweede Vrolijke Kring.
A serpente
Coreografia tradicional, Brasil.
Música: Hermes Petrini
Boneca de
lata
Coreografia tradicional, Brasil.
Música: Ciranda Cultural, compilação e direção musical de
Ana Cristina Rissete Schreiber. Arranjos, gravação e mixagem:
Marcos Schreiber. CD Cidade 300 Coro Infantil, Brasil
A trote, a
galope, a
passo
Coreografia contemporânea de Maria Angélica Urbano.
Artista: Kitty Driemeyer CD Conversa de bicho
Fonte: Elaborado pela autora
As aulas iniciavam às 7 horas da manhã, sendo duas aulas com
duas turmas nesse período, logo em seguida eu me reunia com Petrus
no Instituto Dança Viva e voltava à tarde para a escola para mais três
aulas. O planejamento mensal do repertório das danças foi
modificado algumas vezes por conta das diferenças de cada turma.
Como exemplo, vou trazer o relato do primeiro dia de aula.
O início desse percurso rodeado pelas flores, cores e ritmos
No dia 06 de Março de 2018, cheguei na escola municipal
para começar a dançar com as crianças. Lembro que a expectativa era
grande, tanto minha quanto dos funcionários e das crianças. Ouvi a
seguinte frase de uma funcionária, da secretaria da escola, que já tinha
acompanhado nosso trabalho no ano anterior “Hoje é dia de alegria?
Uma criança veio até mim e disse: “Hoje eu comprei uma botina nova
pra dançar” e saiu saltitando no corredor da escola. Entrei na sala do
177
1º ano B, lá estava uma professora substituta. Apresentei-me e cada
criança disse seu nome, estavam todas sentadas porque começamos
com a atividade do desenho. Entreguei uma folha sulfite e pedi para
que fizessem um desenho sobre o que achavam que era a Dança
Circular. A atividade teve a duração de 20 minutos. No final do ano
fizemos um outro desenho (a título de ilustração, alguns dos desenhos
serão incluídos mais adiante neste relato). Logo depois, arrumei as
carteiras e cadeiras, preparei o som e conversei com as crianças sobre
o círculo, em seguida coloquei o centro confeccionado por Izabel
Domingues. Em quase todas as salas conseguimos fazer uma roda. Em
uma, não foi possível. Os alunos brigavam muito, se batiam e falavam
muitos palavrões. A professora estava junto e disse que era assim
mesmo. Com essa turma, em especial, só conseguimos formar a roda
depois de algumas aulas. Nesse dia, com duas turmas, uma de manhã
e outra à tarde, dançamos quatro danças: Polka du lapin (França),
Gira giro tondo (Itália), Abre a roda tin do lê lê (Brasil) e O galo
quebrou o bico, música escolhida por Petrus e coreografada por mim.
Em três salas, uma no período da manhã e duas à tarde, dançamos
duas coreografias: Gira giro tondo e O galo quebrou o bico. A
coreografia tradicional Polka du lapin, exige bastante coordenação em
trazer a mão direita e esquerda para um movimento específico
imitando a orelha do coelho. Como três turmas estavam com bastante
dificuldade nas primeiras danças propostas, isso tomou bastante
tempo da aula e preferi não avançar com as outras coreografias. As
aulas seguiram com o repertório, na maioria das vezes, diferente no
dia para cada turma. Mas ao final, todas dançaram as treze danças
escolhidas para esse ano. Em alguns momentos, chamei a atenção das
crianças para desenharmos o nosso círculo. Ao longo do ano foi
possível perceber um desenvolvimento na consciência da noção
178
espacial das crianças com relação ao círculo. Assim como na
concentração e desempenho em relação ao ritmo e memorização dos
passos. Das cinco professoras das salas, sendo uma de cada turma,
durante o desenvolvimento do projeto nesse ano, três dançaram
semanalmente conosco, uma assistia as aulas de vez em quando e
outra nunca participava. No mês de outubro, coletei o relato em vídeo
com as três professoras que participavam das danças. Em cada sala foi
gravado um vídeo com as crianças. Elas sentaram em roda e fiz
perguntas como: O que vocês aprendem na aula de Dança Circular?
O que você mais gosta na aula? E as respostas foram que a Dança
Circular é legal, que estavam felizes em aprender a dançar, além do
desafio da lateralidade (mão direita e esquerda), que gostavam das
músicas e do ritmo, que reconheciam melhora na atenção e percepção
do círculo. Uma das professoras me contou que um aluno, ao fazer a
prova sobre o conteúdo para identificar o lado esquerdo e direito,
lembrou da dança do coelho, fez os gestos sentado na cadeira, em
silêncio, e logo após preencheu o conteúdo na folha de avaliação. O
resultado foi positivo, ele acertou a questão e a professora contou com
os olhos cheios de alegria. No decorrer do ano, recebi vários relatos
positivos das professoras e também das crianças.
Nesse ano realizei a atividade com os desenhos que,
igualmente ao quinto ano, foram feitos em três momentos (06 de
março, 26 de junho e 30 de outubro), novamente com a intenção de
ver como as crianças percebiam o que estávamos propondo, e o que
achavam que era a Dança Circular. Foi comum observar no primeiro
desenho da maioria das crianças, que o círculo não estava presente.
Elas se desenhavam umas ao lado das outras, em alguns se colocavam
próximas, em outros distantes. E, depois de um tempo dançando, o
179
círculo apareceu juntamente com mensagens de amor, carinho e
corações desenhados.
Durante esse ano, dancei com as salas e semanalmente
tínhamos reuniões (Eu e Petrus) para conversarmos sobre o
andamento das aulas, sugestões de atividades e escrita do plano de
trabalho para cada dança, e tivemos o auxílio de Izabel Domingues
para a escrita de algumas danças. Foi nesse ano, em 2018, que Petrus
recebeu a notícia de um câncer e iniciou o tratamento, mas esteve
presente com um sorriso no rosto em todos os encontros com a
equipe, que agora estava reduzida: Petrus e eu com as escolhas das
danças, e modificações a partir da vivência em sala de aula.
Naquele momento percebemos a necessidade de ampliar a
nossa pesquisa no sentido da escolha de um repertório que abrangesse
diferentes culturas, que estivesse integrado aos diversos conteúdos
escolares e fosse ao encontro das necessidades e possibilidades
corporais das crianças. Precisávamos pensar no desenvolvimento
físico (lateralidade, coordenação motora, harmonia do gesto, trabalho
com ritmo integrado ao movimento e a propriocepção - sensações
corpóreas, tato, visão, audição). Isso ajustado à adequação de músicas
para entender a capacidade de expressão corporal, memorização e
interpretação, relativas a cada faixa etária, em um trabalho de
evolução de coordenação motora e que fosse integrativo, como forma
de proporcionar desenvolvimento tanto individual quanto coletivo.
Paralelamente, eu fiquei responsável por organizar todo o material e
levar danças novas para o projeto, fiz a gravação e edição dos vídeos
de cada dança, organizados em um material que futuramente seria
disponibilizado, além de criar uma Capacitação para Educadores com
a duração de cinco meses em 5 módulos. Para essa organização, foram
realizadas: a busca das músicas, procurando encontrar o máximo de
180
informações sobre os artistas; a gravação e edição de vídeos
explicativos das danças, além da descrição escrita dos passos e um
plano de trabalho para cada dança.
Dentro da proposta da Dança Circular, uma dança não é
simplesmente uma sequência de movimentos combinados com o
tempo, ritmo e harmonia da música. Mas uma linguagem que
exprime dimensões afetivas do indivíduo, decorrente de sua origem,
história de vida, de sua ancestralidade, comportando os saberes mais
profundos, os usos e costumes ligados à identidade de cada povo.
Paralelamente a uma abordagem ampla sobre a cultura dos povos,
cada música abrange um contexto que pode enriquecer o
aprendizado. Por exemplo, na música Polka du lapin, que levamos
para as crianças do 1º ano, exploramos o mapa localizando a França,
o idioma, a representação do coelho, a percepção do lado direito-
esquerdo e em forma de espelho, o que apresentava muitos desafios.
Essas são algumas possibilidades dentro do trabalho interdisciplinar,
ou até mesmo, transdisciplinar que pode ser desenvolvido na escola
com a Dança Circular.
Em meio a essa organização de informações, trabalhávamos
na escrita de um livro cuja temática é a Dança Circular na Educação,
que ainda não foi finalizado. Em 2019, não conseguimos dar
continuidade ao projeto nas escolas por motivos de mudança na
gestão escolar do município. Então, realizamos a primeira
Capacitação com uma turma de educadores de algumas cidades da
região e tive a possibilidade de experienciar essas danças em uma
escola particular como professora de Arte. Ao mesmo tempo,
trabalhei ao lado de Petrus na escolha das danças para o Ensino
Fundamental, Anos Finais. Foi um tempo difícil para ele, por causa
do tratamento, mas trabalhamos juntos durante todos os meses e
181
finalizamos a escolha das danças em dezembro. Neste mesmo mês
recebi um cartão de natal dele, que saltou em minhas mãos quando
estava finalizando a escrita do mestrado:
Figura 12Cartão do Petrus para Angélica
Fonte: Elaborado pela autora
Em Janeiro de 2020, visitei Petrus no hospital e mal sabia que
seria a última vez que nos veríamos. Contei a ele um pouco sobre o
que eu estava pesquisando sobre as danças que havíamos escolhido,
ele me disse: “Você deve continuar, esse projeto é muito importante”.
Foi um período difícil e ainda nem sabíamos o que estava por
vir por conta da pandemia, quando o mundo todo parou. Continuei
dançando com as turmas das escolas em que trabalho, mas de uma
forma adaptada para o universo on line. As danças estavam nos
182
quadrados da tela. Foi um período de experimentação para descobrir
o melhor jeito de compartilhar o som das músicas, lidar com a
instabilidade de conexão, emoções, e sentimentos que afloraram a
cada dia. E assim eu encerro, por enquanto, a minha escrita com a
intenção de aprofundar o que já foi especificado no final de cada
capítulo. É importante lembrar que o projeto era inicialmente de levar
as Danças Circulares nas escolas, mas eu acabei levando as Danças
Circulares e os Jogos Teatrais e que eu faço rodas de Danças
Circulares desde 2009, nesse formato. Petrus sempre me incentivou a
levar esse meu trabalho para as crianças, foi um grande educador por
me ensinar e permitir que algo tão bonito e especial brotasse. Não
estava planejado, mas aconteceu assim. E, como escreveu certa vez
Guimarães Rosa: “E tudo foi bem assim, porque tinha de ser, já que
assim foi”.
183
ATO FINAL E AS CONSIDERAÇÕES
“Os rios, esses seres que sempre habitaram os mundos em
diferentes formas, são quem me sugerem que, se há futuro a ser
cogitado, esse futuro é ancestral, porque já estava aqui.”
Ailton Krenak
No início da minha escrita trouxe a imagem do Teatro, do
mar junto à minha orientadora Alessandra e do rio Guaçu que
serpenteia como cobra e simboliza minha caminhada. Da Arte às
águas salgadas e doces, saudando a nossa Mãe Terra em cada flor ou
planta que semeio, esta escrita é a realização de um sonho que
transborda para a vida e, por isso, já podemos imaginar a imensidão
de tudo o que foi dito por aqui, além dessas palavras. Iniciei este
projeto de mestrado com a intenção de compartilhar uma experiência
em sala de aula, mas com o passar dos dias e das luas, percebi que era
importante falar de outras experiências e lugares por onde passei e
passo. Foi durante as aulas da disciplina Teatro como Alegoria com
Ingrid Dormien Koudela, em 2021, que percebi que deveria escrever
sobre a experiência que desenvolvia com os Jogos Teatrais.
Esse nosso rio-avô, chamado pelos brancos de rio Doce, cujas
águas correm a menos de um quilômetro do quintal da minha
casa, canta. Nas noites silenciosas ouvimos sua voz e falamos
com nosso rio-música. Gostamos de agradecê-lo, porque ele nos
184
dá comida e essa água maravilhosa, amplia nossas visões de
mundo e confere sentido à nossa existência. À noite, suas águas
correm velozes e rumorosas, o sussurro delas desce pelas pedras e
forma corredeiras que fazem música e, nessa hora, a pedra e a
água nos implicam de maneira tão maravilhosa que nos permite
conjugar o nós: nós-rio, nós-montanhas, nós-terra. Nos sentimos
tão profundamente imersos nesses seres que nos permitimos sair
de nossos corpos, dessa mesmice da antropomorfia, e
experimentar outras formas de existir. Por exemplo, ser água e
viver essa incrível potência que ela tem de tomar diferentes
caminhos. (KRENAK, 2022, p. 13-14).
Nesse rio que desenha minha caminhada, sou artista e
professora e gosto de dizer que sou artista educadora. Trabalho na sala
de aula há muito tempo com Arte, Teatro, Contação de Histórias e,
desde 2009, com as Danças Circulares. A minha inquietação em
relação ao ensino da Arte vem desde pequena, quando nas aulas de
Educação Artística, como era chamada, o foco estava quase que
totalmente nas Artes Plásticas. Lembro de minhas experiências no
Teatro, Música e Dança que eram fora da escola. Ao rever o meu
percurso como aluna, pude refletir sobre a minha forma de conduzir
as aulas de Arte nas escolas em que trabalho e neste caminho de
pesquisa acadêmica, no mestrado. Pude aprender a educar meu olhar,
em relação à teoria e à práxis, onde foi possível tomar consciência do
pensar, em uma prática fundamentada em relação ao campo teórico
das Danças Circulares, da Arte e dos Jogos Teatrais. A partir desse
estudo pude trazer uma proposta de trabalho fundamentada com essa
teoria e pude repensar este percurso de sistematização do trabalho que
faço em sala de aula, tanto no ensino público quanto privado.
Esta pesquisa de mestrado é sobre o meu trabalho como
Artista Educadora no percurso com a Dança Circular e Jogos
185
Teatrais tendo o foco em expressão na arte do encontro. O círculo
dentro desse movimento ancestral está na relação do tempo e do
espaço:
O tempo é originado pelo movimento no espaço. Todos os povos
da antiguidade criaram seu cálculo do tempo relacionado a uma
imagem cíclica do mundo, onde a criação, a destruição e a
renovação se revezam periodicamente. O tempo é sagrado na
medida em que os trajetos de luz dos corpos celestiais tornam
visíveis as pegadas dos deuses ou do Deus. A determinação dos
momentos das festividades ao longo de um ano, pela observação
do ciclo solar e dos trajetos dos planetas, era significativa para os
homens, por eles tentarem se adaptar a esses ritmos cósmicos.
(WOSIEN, M-G., 2004, p. 13).
As relações pels quais passa humanidade, historicamente, vão
promovendo mudanças em novas conexões que são estabelecidas por
cada cultura, cada povo. Mas dentro disso há uma conexão ancestral
que se faz presente na terra, no fogo, no ar, na água, elementos vivos
que fazem parte do cerne da nossa vida. Dentro dessas relações entre
a natureza e o espaço que vivemos, as relações são estabelecidas.
Escrevo aqui sobre a expressão, na individualidade e no coletivo.
Sabemos que o movimento de se reunir em círculo é ancestral,
mas houve um percurso que precisamos honrar, ocorrido na década
de 70, por meio do qual foi possível alcançar pessoas que já não faziam
parte dessa prática. Eu dancei em roda desde pequena, isso fez parte
da minha realidade e podemos encontrar várias culturas que a
praticam como a nossa ciranda, por exemplo, que por onde passa faz
um convite para que todas e todos entrem na roda. Eu me encantei
por esse movimento das Danças Circulares desde o primeiro
momento e fui em busca de conhecer novos lugares para dançar e
186
aprender essa riqueza que pude sentir em mim. Levei então as Danças
Circulares e os Jogos Teatrais para os locais por onde eu passava com
grupos de crianças, adolescentes e adultos. Pude vivenciar diversas
rodas com pessoas com algum tipo de deficiência. Foram encontros
que me ensinaram a olhar para todas e todos dentro da filosofia do
círculo: somos um. Além disso, fiz rodas com temas específicos:
Sagrado feminino, Celebração da Primavera ou outras celebrações,
mas ao mesmo tempo, sempre dancei com as crianças em rodas
direcionadas para cada idade ou em rodas mistas.
Naturalmente levei os Jogos Teatrais, que já faziam parte das
minhas aulas para as aulas de Danças Circulares direcionadas a
crianças, provando de uma alegria em compartilhar duas riquezas que
mudavam a cada dia o meu jeito de olhar, porque em ambas eu
sempre estive envolvida na ação do aqui e agora, segurando as mãos
na roda ou na ação do jogo e percebo a importância de vivenciar essas
linguagens (Jogos Teatrais e Danças Circulares) várias vezes, em
contextos diferentes, para ampliar o olhar frente a muitas
possibilidades de orientar ou propor algo.
Este meu olhar e pesquisa que apresento neste livro, faz parte
da minha trajetória na Arte e na Educação e é feito de muitas
conexões com outras mestras e mestres, estudos e vivências. Uma
pesquisa acadêmica, social, educativa que trouxe mudanças na minha
formação pessoal e profissional. Percebo, a partir de minhas vivências,
que precisamos construir uma cultura de valorização do movimento
e que começa pelo exemplo dos professores/educadores. A Dança
Circular na escola deve ser discutida para trazer provocações e
mudanças, o que vai ao encontro do que se entende por uma
Educação Integral.
187
Ao trazer a sistemática do trabalho de Viola Spolin para a sala
de aula junto com as Danças Circulares, vou escutando as crianças e
desenvolvo a cada encontro novas disponibilidades para entrar na
roda. Muitas crianças não têm a vivência da Dança Circular na escola,
em alguns locais por onde passei e passo, percebo que ainda existe a
concentração do ensino da dança em datas comemorativas ou na festa
junina, o que obriga em muitas vezes a participação sem o
envolvimento com o processo criativo em grupo. Essa presença
desenvolvida no círculo se dá pela vivência, no cotidiano. A ação e
reflexão está no aqui e agora, no momento do Jogo Teatral e/ou
Dança Circular. O pensamento se desenvolve na ação, na experiência
e aos poucos todas as crianças dançam na roda sem que pareçam
robotizadas. O movimento se dá pela espontaneidade, mesmo que ela
siga um percurso coreográfico, além de criar ações para vivenciar e
brincar com cada coreografia.
Quando nos livramos de conceitos como certo e errado,
quando direcionamos para a imaginação criadora, é importante
reconhecer que há diversas maneiras que são criadas para
experimentar o jogo e a coreografia.
Na Dança Circular precisamos ter a ciência de como são os
ritos em diferentes espaços e mais precisamente com as crianças, onde
você cria seu próprio rito no seu lugar de ação, daquele jeito, com
aquelas pessoas para trazer para o mundo possível de ser vivenciado
naquele espaço, como por exemplo, se as crianças demoram um
tempo para compreender o centro, a roda, seu espaço, como deve
estar o seu corpo, ou se as mãos estão para cima ou para baixo. O
caminho de aprendizado será dito pelas crianças naquele momento,
na Educação, permeado pela ludicidade que em outro dia ou
momento, não é mais igual. Mudou o dia, mudou o sol, mudou a luz.
188
Mesmo que a gente siga as referências, o significado vem naquele
momento na brincadeira, conversando com o olhar, com as mãos e
com os gestos. Permitindo que a criança restabeleça essa relação de
colocar a alegria dela em um gesto ou movimento que não segue
exatamente o padrão da dança realizada na roda. Um local de
amorosidade, acolhimento, organização circular, quietude, silêncio e
expansão. Na Dança Circular e nos Jogos Teatrais não é o resultado
final, como a aprendizagem correta da coreografia ou a apresentação
do espetáculo teatral, mas todo o processo que traz a beleza dessa
vivência. Essa relação que estabeleço aqui entre essas duas potências
de aprendizagem é feita nesse local onde a relação de palco plateia
não precisa ser necessariamente que algumas crianças estejam
sentadas e outras em pé. Quem observa já está theatron lugar de
onde se vê.
Cai o pano. E lá na coxia está a menina que se transformou
em mulher, saindo no silêncio do teatro, naquele lugar onde a magia
se fez presente, com o coração cheio de emoção e certa de que novos
espetáculos virão. O rio continua seu percurso.
189
Referências
ADAMS, Tony E.; JONES, Stacy Holman; ELLIS, Carolyn.
Autoethnography: understanding qualitative research. New York:
Oxford University Press. 2015.
ALMEIDA, Renato. Inteligência do folclore. 2. ed. Rio de Janeiro:
Americana, 1974.
AUREL von Milloss. In: ENCICLODIA Itaú Cultural de Arte e
Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2022. Verbete da
Enciclopédia. ISBN: 978-85-7979-060-7. Disponível em:
http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa405477/aurel-von-
milloss. Acesso em: 06 de agosto de 2022.
BAITELLO, Norval Junior. O pensamento sentado: sobre glúteos,
cadeiras e imagens. o Paulo: Unisinos, 2017.
BARBOSA, Ana Mae. Arte-educação no Brasil. São Paulo:
Perspectiva, 2012.
BARBOSA, Ana Mae (Org.). Ensino da Arte: memória e história.
São Paulo: Perspectiva, 2014.
BARBOSA, Ana Mae (Org.). Arte/educação: consonâncias
internacionais. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2010.
BARTON, Anna. Danças circulares: dançando o caminho sagrado.
São Paulo: Triom, 2012.
BASONI, Isabel; MERLO, Marianna. Autoetnografia e formação
docente: história e identificações. Revista (Con)Textos Linguísticos,
Vitória, v. 16, n. 35, p. 79-93, 2022.
190
BERTAZZO, Ivaldo. Cérebro ativo: reeducação do movimento.
São Paulo: Edições SESC SP: Manole, 2012.
BERTHOLD,Margot. História mundial do teatro. São Paulo:
Perspectiva, 2001.
BONETTI, Maria Cristina de Freitas. Sagrado feminino: as
encantarias da serpente evocadas na simbologia das danças circulares
sagradas. 2. ed. São Leopoldo: Oikos; Análopis: Editora UEG,
2018.
BOURCIER, Paul. História da dança no Ocidente. 2. ed. Trad.
Marina Appenzeller. São Paulo: Martins Fontes, 2001.
BRANDÃO, Carlos Rodrigues. O que é folclore. 4.ed. São Paulo:
Editora Brasiliense S.A., 1984.
BRASIL. Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Brasília:
MEC, 2018. Disponível
em:http://basenacionalcomum.mec.gov.br/images/BNCC_EI_EF_1
10518_versaofinal_site.pdf. Acesso em: Acesso em: 10 julho. 2021.
BRASIL. Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as
diretrizes e bases da educação nacional. Diário Oficial da União,
Brasília, Seção 1, p. 27839, 1996. Disponível em:
http://portal.mec.gov.br/setec/arquivos/pdf/LF9394_96.pdf. Acesso
em: 10 julho. 2021.
BRASIL. Lei nº 5.692, de 11 de agosto de 1971. Estabelece as
diretrizes e bases para o ensino de 1º e 2º graus, e dá outras
providências. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, p. 6377, 12
ago. 1971. Disponível em:
http://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/1970-1979/lei-5692-11-
agosto-1971-357752-norma-pl.html Acesso em: 10 julho. 2021.
191
BRASIL. Ministério da Saúde. Gabinete do Ministro. PORTARIA
Nº 849, DE 27 DE MARÇO DE 2017. Brasília,2007. Disponível
em:www.bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2017/prt0849_28_
03_2017.html. Acesso em: 10 janeiro. 2023.
BURKE, Peter. O que é história cultural?. Trad. Sérgio Goes de
Paula. Rio de Janeiro: Zahar, 2021.
CASCUDO, Luís da Câmara. Dicionário do folclore brasileiro. Rio
de Janeiro: Ediouro Publicações S.A., sem data. (Original de 1954).
CAMINHA, Pero Vaz de; Carta a el Rey Dom Manuel. 2.ed. São
Paulo: Ediouro. 2000. Disponível em: http://nazareuniluz.org.br/.
Acesso em: 4 setembro. 2022.
COUTO, Yara Aparecida. Dança circular sagrada: cultura, arte,
educação. Curitiba: Appris, 2022.
CHANG H. Autoethnography as method. Walnut Creek: Left
Coast Press; 2008.
DAOLIO, Jocimar. Da cultura do corpo. 17. ed. Campinas:
Papirus, 2013.
ELLMERICH, Luis. História da dança. 4.ed. São Paulo:
Companhia Editora Nacional, 1987.
ELLIS, Carolyn; BOCHNER, Arthur P. Autoethnography,
personal narrative, reflexivity. In: DENZIN, Norman K.;
LINCOLN, Yvonna S. (Orgs.). Handbook of qualitative research.
2. ed. Thousand Oaks, CA: Sage, 2000. p.733-768.
ENSEMBLE, Sorbisches. National- SNE Bautzen: Disponível em:
www.ansambl.de. Acesso em: 4 de setembro de 2022.
192
FARO, A. J. Pequena história da dança. Rio de Janeiro: Zahar,
1986.
FERRAZ, Maria Heloísa C. de T.; FUSARI, M. F. R. Metodologia
do ensino de arte. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2018.
FRADE, Cáscia. Folclore. 2. ed. São Paulo: Global, 1997.
GARAUDY, Roger. Dançar a vida. Trad. Antonio Guimarães Filho
e Glória Mariani. 4. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980.
GONÇALVES, Gabriela. O corpo no movimento de criação.
Curitiba: Appris, 2019.
GALEANO, Eduardo. O livro dos abraços. Trad. Eric
Nepomuceno. 9. ed. Porto Alegre: L&PM, 2002.
HADERCHPEK, Robson Carlos. O Jogo Ritual e as Pedagogias do
Sul: práticas pedagógicas para a descolonização do ensino do
teatro. Revista Moringa - Artes do Espetáculo, João Pessoa, p. 55-
65, 2018.
HUIZINGA, Johan, Homo ludens: o jogo como elemento da
cultura. Trad. de João Paulo Monteiro. São Paulo: Universidade de
São Paulo: Perspectiva, 1971.
IAVELBERG, Rosa. Arte-Educação Modernista e Pós Modernista:
fluxos na sala de aula. Porto Alegre: Penso, 2017.
IBGE. Instituto Brasileiro De Geografia e Estatística. Censo
Brasileiro. Séries históricas. Rio de Janeiro: IBGE, 1872 Acesso em
03 de novembro de 2022.
www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/populacao/25089-censo-1991-
6.html?edicao=25091&t=series-historicas.
193
JECUPÉ, Kaká Werá. A terra dos mil povos: história indígena do
Brasil contada por um índio. São Paulo: Peirópolis, 2020.
KOUDELA, Ingrid Dormien. Jogos teatrais. 7. ed. São
Paulo:Perspectiva, 2017.
KOUDELA, Ingrid. Jogos teatrais para a sala de aula: um manual
para o professor. São Paulo:Perspectiva, 2007.
KLOKE-EIBL, Friedel. Dança…Som...Profundo Silêncio:
meditação da dança. Trad. Hans Schweigert. São Paulo: TRIOM,
2021.
KRENAK, Ailton. A vida não é útil: pesquisa e organização Rita
Carelli. São Paulo: Companhia das Letras, 2020.
KRENAK, Ailton. Ideias para adiar o fim do mundo. 2. ed. São
Paulo: Companhia das Letras, 2020.
KRENAK, Ailton. Futuro ancestral. São Paulo: Companhia das
Letras, 2022.
MAYNARD, Alceu Araújo. Folclore Nacional I: festas, bailados,
mitos e lendas. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2004.
MAYNARD, Alceu Araújo. Folclore Nacional II: danças, recreação
e música. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2004.
MELLO, Maria, BARROS, Vitoria M., SOMMERMAN, Américo.
Introdução in Educação e transdisciplinaridade, II Coordenação
executiva do CETRANS. São Paulo, SP: TRIOM, 2002.
MEREGE. Ana Lúcia. Os contos de fadas: origens, história e
permanência no mundo moderno.São Paulo: Claridade, 2010.
194
MOREIRA, Andressa Urtiga. “Brincante é um estado de graça”:
sentidos do brincar na cultura popular. 2015. 189 f. Dissertação
(Mestrado em Processos de Desenvolvimento Humano e Saúde).
Universidade de Brasília, Brasília, 2015.
OSTETTO, Luciana Esmeralda. Danças Circulares na formação de
professores: inteireza de ser na roda. Florianópolis: Letras
Contemporâneas, 2014.
POYARES, MÔNICA AMARAL MELO. Abra a Roda Tin dô Lê
: dimensão religiosa nas brincadeiras de roda entre crianças de 4 a
6 anos. 2006. 151 f. Dissertação (Mestrado em Ciências da
Religião) Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São
Paulo, 2006.
PUPO, M. L. de S. B. Jogos teatrais na sala de aula. um manual
para o professor de Viola Spolin. Sala Preta, v. 7, p. 261-263, 2007.
Disponível em: https://doi.org/10.11606/issn.2238-3867.v7i0p261-
263, Acesso em: 03 jan. 2023.
RAMOS, Arthur. O folclore negro no Brasil: demopsicologia e
psicanálise. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007.
RAMALDES, Karine, Camargo, Robson Corrêa de. Os jogos
teatrais de viola spolin: uma Pedagogia da Experiência. Kelps, 2017.
RAMOS, Renata. C. L. et al. Danças circulares sagradas: uma
proposta de Educação e cura. São Paulo:Triom, 2002.
RAMOS, Renata. Prefácio. In: ALVES, Marcos Paulo. O ser
dançante e o espaço que dança: danças circulares no espaço público.
São Paulo: TRIOM, 2021
195
RAMOS, RENATA. Movimento das Danças Circulares no Brasil
[Danças Circulares #22] Consciência Próspera, 28 de ago. de 2017.
Disponível em: www.youtube.com/watch?v=0QickBwVQTI.Acesso
em: 03 jan. 2023.
RAMOS, RENATA. Apresentação. In: ROCHA, Katia Calazans
(Org.). Danças circulares sagradas no SUS-SP: relatos e reflexões
por profissionais da Rede municipal de Saúde Estado de São
Paulo. São Paulo: TRIOM, 2022.
Vallance, Peter. Findhorn Sacred Dance History DVD.Youtube,
2020. Disponível em: www.youtube.com/c/peterthestoryteller.
Acesso em: 04 ago. 2022.
WOSIEN, B. Dança um caminho para a totalidade. São Paulo:
Triom, 2000.
WOSIEN, Maria Gabriele. Danças Sagradas: o encontro com os
deuses. Madrid: Edições Del Prado, 1997.
WOSIEN, Maria-Gabriele. Danças Sagradas: deuses, mitos e ciclos.
São Paulo: Triom, 2002.
WOSIEN, Maria-Gabriele. Babaji: mensagem do Himalaia São
Paulo: Triom, 1999.
WOSIEN, Maria-Gabriele. Eu sou você: mensagem de Babaji, o
mestre do Himalaia. São Paulo:Triom, 2002.
WOSIEN, Maria-Gabriele. Os sufis e a oração em movimento. São
Paulo: Triom, 2002.
WOSIEN, Maria-Gabriele. Ponto de quietude e mundo em
movimento: celebrando a vida com danças sagradas. São Paulo:
Triom, 2021.
196
WOSIEN, Maria-Gabriele. Dança: símbolos em movimento. São
Paulo: Anhembi Morumbi, 2004.
WOSIEN, Maria-Gabriele. Especial Danças Circulares. [Entrevista
cedida a] Samuel Souza de Paula. Consciência Próspera, 24 de jul.
de 2017. Disponível em:
www.youtube.com/watch?v=nJeaJtUDA40&t=205s: Acesso em: 03
jan. 2023.
SANTOS, S. M. A. O método da autoetnografia na pesquisa
sociológica: atores, perspectivas e desafios. PLURAL, v. 24, n.1, p.
214-241, 2017.
SANTOS, Camila; BIANCALANA, Gisela. Autoetnografia: um
caminho metodológico para a pesquisa em artes performativas.
Revista Aspas, v. 7, n. 53, p. 53-63, 2018. Disponível em:
ww.revistas.usp.br/aspas/article/view/137980. Acesso em: 02 jan.
2023.
SOUCY, Donald. Não existe expressão sem conteúdo. In:
BARBOSA, Ana Mae (Org.). Arte/educação: consonâncias
internacionais. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2010.
SPOLIN, Viola. Improvisação para o Teatro; Trad. Ingrid
Dormien Koudela. São Paulo: Perspectiva, 2001.
SPOLIN, Viola. Jogos teatrais: o fichário de Viola Spolin; Trad.
Ingrid Dormien Koudela. São Paulo: Perspectiva, 2001.
SPOLIN, Viola. Jogos teatrais para a sala de aula: um manual para
o professor. Trad. Ingrid Dormien Koudela, São Paulo: Perspectiva,
2007.
197
SPOLIN, Viola. O Jogo teatral no livro do diretor. Trad. Ingrid
Dormien Koudela e Eduardo Amos. São Paulo: Perspectiva, 2017.
URBANO, Maria Angélica. Cultura popular e o teatro
participando no processo criativo do aluno-ator. Monografia (Pós-
Graduação latu sensu em Teatro e Educação) – Faculdade
Mozarteum de São Paulo, 2007.
198
199
ANEXO
CONVERSAS SOBRE AS DANÇAS CIRCULARES
COM CRIANÇAS
Entrevista 1: Fido Wangler
1 Como tem sido seu caminho nas danças circulares? E que
benefícios tem lhe trazido?
Minha “jornada” começou com uma alegria em geral pelo
movimento quando criança e pelo gosto por esportes tais como
futebol, basquete e vôlei quando jovem adulto, em seguida com dança
de salão e danças em festas ao som de Beatles, Jimi Hendrix e todos
os outros grupos de música pop e soul da década de 60 e 70. Nos
meus estudos na universidade de Marburg - treinamento para
professores, língua inglesa e esportes comecei a estudar jazz, dança
moderna e improvisação. Em 1976, conheci Bernhard Wosien na
Universidade, no departamento de Educação Especial para crianças
com diferentes tipos de deficiências, onde a dança circular em
comunidade era utilizada para melhorar as habilidades de
comportamento social destas crianças. Fui capturado pelo carisma e
pelas danças de Wosien: a partir dali a dança circular se tornou central
em minha vida.
BENEFÍCIOS
- Além de meu natural entusiasmo pelo movimento eu desenvolvi a
ideia e o desejo pela beleza e leveza do movimento que, mais tarde,
200
desenvolvi como um objetivo para as minhas aulas de dança circular
com meus alunos.
- Consciência do meio ambiente, humildade e cuidado.
- Também: encontros e contatos com pessoas, saúde, compreensão
da música e seus elementos tais como ritmo, métrica, melodia, canto.
- Conhecer novas e diferentes culturas, línguas, tais como Grécia,
República Checa, Polônia, Findhorn e Brasil.
2 - Como foi ter Bernhard Wosien como professor?
Eu conheci Bernhard Wosien inicialmente como um jovem estudante
na Universidade de Marburg, em 1976. Eu dividia um apartamento
com quatro colegas, uma delas frequentava regularmente as aulas de
Wosien. Na noite de seu aniversário, ela nos levou ao encerramento
de um seminário de três dias de Wosien. Entrei na sala e me deparei
com uma multidão de pessoas se movendo em círculo ao som de uma
música grega. Aquela noite mudou minha vida. Nos dez anos
seguintes, frequentei os seminários de três dias de Wosien, a cada
semestre 3 finais de semana, 6 finais de semana por ano, um pequeno
universo da dança. Wosien era um professor inspirador: com ele todos
desenvolviam o desejo. a habilidade e o impulso para se mover! Ele
era paciente, amigo, com uma personalidade forte, generoso. Nós
desenvolvemos um tipo de relação de pai e filho na dança: ele
simplesmente me deu tudo. Naquela época, adquiri um tipo de
autoconfiança que só fui perceber quando ensinei dança em um grupo
pela primeira vez. Dançar com ele fortaleceu meu anseio e habilidade
para me tornar um professor. Além das competências básicas, eu
aprendi cerca de 100 danças com ele: 75 danças tradicionais, 15
adaptações de danças tradicionais e 10 coreografias feitas por ele. Dez
maravilhosos anos de movimento, demonstração e observação,
201
treinamento de dança e sempre bailes: a dança devia ser celebrada! Ele
também possuía experiência em vilas gregas: com a dança essas
pessoas celebravam seus aniversários, casamentos e feriados religiosos.
Wosien foi professor na Universidade de Marburg de 1965 até sua
morte, em 1986.
3 De que maneira as danças circulares (DC) estão presentes na sua
vida atualmente?
Como já anteriormente mencionado, a dança e, particularmente, a
dança circular tornou-se o centro de minha vida. Eu danço todos os
dias. Comecei a ensinar em 1977, durante um semestre no Royal
Holloway College, em Londres. Desde essa época ensino para um
grupo de amigos que se chama “Grupo Wosien”. Algumas pessoas
desse grupo começaram a dançar em 1965. Nós dançamos
quinzenalmente. Esta é minha “família de dança”. Dou aulas para
grupos regulares na Universidade, escola noturna e outras
organizações; também ensino para grupos abertos toda segunda
semana do mês, em espaços fechados e ao ar livre, de tempos em
tempos celebrações com música ao vivo. Em 1982, com alguns
colegas, fundei a LAG Tanz Hessen, uma organização para oficinas
de dança, incluindo um curso de treinamento para professores, em
1999, no estado de Hesse perto de Frankfurt. Em 1986, após a morte
de Wosien, fundamos a Tanzhaus Wosien Marburg, de forma a poder
oferecer uma sede em nossa cidade para as atividades de dança.
Comecei a viajar para a Grécia, Inglaterra, República Checa e outros
países a partir de 1976. A dança circular faz parte do meu trabalho na
escola, no meu emprego
4 Qual a relação que você vê entre a dança circular (DC) e a
educação?
202
Eu sou um exemplo desta conexão entre a dança circular e a educação:
tudo o que eu aprendi sobre dança e música foi através da dança
circular. Ela ajuda as pessoas a se desenvolverem dentro de um grupo:
coordenação e cooperação, movimento, ritmo, coordenação,
flexibilidade, perseverança, aprendizado social, ajudar os outros
enquanto recebe ajuda durante o aprendizado. DC me ajuda como
indivíduo parte de uma comunidade e de nossa sociedade em geral.
O círculo como um símbolo disto me dá um tipo de força e sou parte
dele, enquanto também ajudo a fortalecer o círculo. Não sou nem
todo poderoso nem indefeso: sou parcialmente poderoso. Esta é uma
tese importante de Ruth C. Cohn, que criou a Psicoterapia Centrada
no Cliente. Na Grécia, as pessoas praticam a dança como elemento
de suas celebrações. Quando a comunidade dança um passo básico,
ela mantém a ordem da comunidade de dança. Em grego cosmos =
ordem e beleza (“cosmético”). O líder de um círculo aberto pode
também executar movimentos e passos pessoais. Para o observador
parece ser uma improvisação, para o dançarino significa seguir a sua
alma, para as crianças da vila é um tipo de iniciação. E isto acontece
continuamente.
5 Você leva a dança circular (DC) para seu trabalho? Em caso
afirmativo, que efeitos você observa?
Sim. Como sou um professor desenvolvi aulas e programas de ensino
para diferentes temas e faixas etárias. Ao ensinar dança sempre busco
uma abordagem holística. Como a dança não é um elemento regular
do currículo, preciso criar uma situação em minhas aulas onde a
dança seja uma parte normal da vida. Os alunos geralmente ficam
surpresos ao verem que podem dançar bem e apreciam o sentimento
203
de formar um grupo, uma entidade social Explicarei em mais detalhes
adiante.
6 Já fez dança circulares com jovens e adolescentes?
Sim. Ensino pessoas dos “4 aos 94” anos de idade.
7 Você tem um método de trabalho para ensinar danças circulares
para crianças e adolescentes?
Como mencionado anteriormente, meu método é geralmente
holístico, o que significa que a educação e o ensino querem o ser
humano com todas as suas qualidades. Portanto, os métodos para
diferentes idades não são realmente diferentes, eu os pratico com
pessoas de todas as faixas etárias para introdução das danças: como
seu professor eu tenho de ser principalmente autêntico. Logo que as
crianças e adolescentes descobrem e reconhecem a ideia e o significado
da dança elas são também capazes de compreender sua importância
para si mesmos. As histórias “por trás” das danças podem ajudá-los a
encontrar essa importância. Também elementos da dança: muitas
pessoas de idades variadas amam ritmos, então eu lhes apresento o
ritmo de uma dança como “jam-pam, biiii“ (curto-curto-longo). E
podemos brincar com ele sentados, de pé, movendo, falando alto ou
baixo. Então, mais tarde, podemos combinar o ritmo com um
movimento poético, por exemplo uma direção para cada elemento
rítmico e então, posteriormente, utilizá-los para uma dança com uma
ordem especial para todas as direções: isto pode conduzir para uma
dança grega, “Misirlou”. Uma outra alternativa para a mesma dança:
contar uma história em que estamos sentados em um barco na costa
grega, movendo-nos de baía a baia, uma parte da dança Misirlou em
cada baía antes de se mover para a próxima, enquanto eu
204
organicamente “apoio” o movimento de um lado a outro com o ritmo
curto-curto-longo. E há várias outras alternativas. O significado de
uma atividade é importante. (veja mais na seção 8 mais sugestões)
Quanto mais jovens forem os alunos mais importante é começar no
círculo, independente do fato de você estar ensinando dança circular
ou qualquer outro tipo de dança comunitária ou dança de pares: o
círculo é o centro do grupo e todas as crianças podem concentrar nele.
Este método segue as regras gerais do desenvolvimento humano desde
o estágio de sermos unos com a mãe ou pai (simbiose), depois de
algum tempo dividindo-nos entre “eu” e “você”. Como todos
possuímos todos os elementos do desenvolvimento dentro de nós,
mesmo enquanto adultos, podemos usar esse método “concentrador”
para os adultos também.
8 - Como a dança circular pode estar presente na escola?
Novamente, o significado das danças é importante, tanto para o
professor quanto para os alunos. Durante meu tempo como professor
em escolas eu pratiquei muitas ideias para estabelecer a dança no
currículo em diferentes matérias. Comecei a dançar com alunos nas
aulas de educação física e esportes. Como já mencionei, na Alemanha
a dança não é um elemento principal em nossas vidas, portanto os
conceitos de movimento, coordenação, flexibilidade foram úteis para
integrar, pelo menos, alguns elementos das danças como combinações
de passos que já se tornaram parte do treinamento de esportes como
futebol, basquete, boxe. Eu os tornei popular entre os jovens!
Também coreografias como o 8 ou infinito com 3 pessoas, elas
achavam interessante fazer experimentos com: caminhar ao redor um
do outro com um movimento ininterrupto em uma forma
ininterrupta, o que era um verdadeiro desafio para eles e depois de
205
algum tempo eles adoravam e isso passava a ser um elemento regular
em nossas aulas. Também dizia a eles que em países como Rússia e
Inglaterra, e nos palcos, tanto pessoas comuns quanto dançarinos
profissionais usavam aqueles passos como uma coreografia. Portanto
significado, importância, desafio, alegria, autenticidade são
importantes. Então eles estavam preparados para experimentos de
dança com o 8-infinito. Outros temas: como sou professor de inglês
eu primeiro ensinava aos alunos a forma de 12 danças que podemos
encontrar na literatura (Jane Austen, William Shakespeare). Em
muitos romances e peças teatrais as danças têm um importante papel,
então eu penso que elas devem ser parte das aulas: segundo minha
experiência os alunos adoram! Depois de alguns momentos de
surpresa... até mesmo os jovens descobrem: “Sr. Wagler, eu não sabia
que eu conseguia dançar, estou surpreso ao perceber que posso! Eu
descobri que as danças circulares e outras danças comunitárias ajudam
muito os estudantes a se aproximarem da dança, pois em seu grupo
eles se sentem seguros e apoiados, e apoiam uns aos outros. Nas
danças de pares os rapazes, especialmente, se sentem muito
responsáveis pelo sucesso do processo da dança e pela parceira, e
geralmente desistem; no grupo, eles não desistem. Neste contexto,
contei a eles que no romance de Jane Austen “Orgulho e Preconceito”
a dança era um elemento comum da vida social daquela época, dança
era contato, diversão, uma forma de conhecer outras pessoas e
paquerar. Os jovens aprendem a flertar uns com os outros. No
romance, o tímido e orgulhoso Mr. Darcy pergunta a Elizabeth
“Como posso fazer contato?”. Sua resposta: “Dançando, Mr. Darcy!”
Contei aos alunos que, quando eu tinha a idade deles, eu geralmente
dançava em discotecas músicas dos Beatles, Jimi Hendrix, Santana,
Abba entre outros, esta era a nossa forma de dança em comunidade,
206
sem dar as mãos, mas todos executando os mesmos movimentos. Da
mesma forma na classe onze (idade de 17 anos) nas aulas de alemão
eles geralmente leem J.W. Goethe: As Dores do Jovem Werther.
Ofereço a meus colegas e alunos uma aula de dança de 90 minutos.
No capítulo Junho 16, os jovens Werther e Lotte se encontram em
um salão de dança com outros casais e eles dançam quatro danças:
Menuett, Allemande, Anglaise, Waltz. Em geral, conseguimos dançar
Anglaise e Waltz e os alunos amam, veja o método acima em
“Orgulho e Preconceito”. Como você pode ler o romance sem
dançar? Até mesmo para um bom amigo Werther é incapaz de
encontrar palavras para descrever a beleza de Lotte até que ele a vê se
movendo: “Você deve vê-la dançando!” Bem, é isto. Outros temas,
exemplos: mitologia grega, dança grega e contar a história de Ilíada e
Odisseia. Wosien me contava suas ideias sobre dança, deuses e pessoas
da mitologia grega, e eu criei em um seminário, com colegas e alunos,
um plano de ensino com cerca de 12 aulas. Eu combinei 12 partes
centrais nos 2 trabalhos com 12 danças, de forma que os alunos
pudessem apresentar Ilíada e Odisseia com dança e narração. Isto é o
que Ulysses anonimamente fez na ilha dos Phaeacians durante um dia
e metade da noite, porque os Phaeacians lhe perguntaram sobre sua
experiência, ele fingiu ter encontrado Ulysses: contando suas histórias
e no meio eles todos dançaram ao som de uma lira. Naquela época ele
já sabia que seria sua última parada antes de seu retorno para a sua
esposa Penelopeia, após 20 anos de ausência. (da mesma forma:
estórias e danças dos contos de fada dos Irmãos Grimm. Jacob Grimm
às vezes dançava na minha cida Marburg, a casa ainda existe lá.) +
muitos outros projetos: Certa vez, em um intervalo, alunos de 11 anos
de idade me pediram a sugestão de uma ideia para as suas aulas de
Geografia: eles tinham de apresentar os países da Europa, o país deles
207
era a Grécia, perguntaram se eu poderia mostrar-lhes uma dança (eles
sabiam que eu era um dançarino): claro! Eu dancei para eles
Hassaposervico, a dança de três passos (em grego Sta Tria). Um dia,
mais tarde, eles me disseram que haviam encontrado a música na
internet e apresentado a dança, então a sala toda quis dançar e eles
conseguiram!!! Então, novamente, podemos ver que o significado, a
ideia, a vida é a mais importante energia didática do método, os
próprios alunos descobriram isto. Por último, mas não menos
importante: projeto de aula para alunos de 11 anos de idade
“Celebrações dos povos na história: os elementos são culinária,
vestuário, jogos, agricultura, música, comércio... dança”. Demonstrei
para os alunos a Aufzug (um tipo de polonaise que também fizemos
em nosso workshop em São Paulo). Dançamos várias figuras em todas
as formas e vários tipos de encontro. O grupo aprende e no ano
seguinte, na festa de Carnaval, ensina para os alunos do ano seguinte.
Os casais são então misturados: o par da esquerda da classe 6, o par
da direita da classe 5 e funciona bem: uma didática natural e um
ensino vivo (de acordo com o pedagogo tcheco Comenius). Esta
última ideia é também um importante apoio para meus colegas que,
em geral, não são especialistas em dança: por que não pedir aos alunos
ou grupos que aprenderam as danças nos anos anteriores para
ensinarem para os colegas do ano seguinte?
Observação final: Eu, em geral, desenvolvo meus métodos de ensino
unindo experiência e estudos. As duas fontes principais de estudos
são: Pedagogia: meu instituto favorito na Universidade de Marburg é
“Lehrkunst the Art of teaching“, segundo JanAmos Konesky 1592-
1670 (latim: Comenius/ ensino natural), Martin Wagenschein e seu
aluno, Prof. H.-Christoph Berg: ele é meu colega e professor (ensino
dramatúrgico e exemplar). Terapia: terapia de dança-movimento com
208
orientação psicanalítica, minha professora foi Elaine V. Siegel (1928-
2013), Ruth Cohn, criadora da “Terapia centrada no cliente”.
Tentativa e erro frequentemente são os primeiros passos que, m geral,
são seguidos por curiosidade: academicamente falando, isto significa
pesquisa e estudos, depois análise e avaliação. Melhor ainda com
colegas: cooperação! As fontes: a maior parte de minha didática e
métodos foram desenvolvidos baseados nestes dois ramos acadêmicos
de pedagogia e terapia, 3 homens e 2 mulheres, e meus passos e ser
com Bernhard Wosien.
Entrevista 2: Brant Bambery
É escocês criado em Edimburgo, se mudou para a Comunidade
Findhorn em 2015.
1 - Qual tem sido o seu percurso nas danças circulares? E que
benefícios isso trouxe para você?
"A dança tem sido uma forma de cura para mim, e descobri que as
danças em círculo têm sido particularmente poderosas a esse respeito.
À medida que explorei várias danças de todo o mundo, também
descobri danças de círculo escocesas que estão profundamente
conectadas à minha herança.
Em minha jornada com danças circulares, descobri que os benefícios
foram físicos e emocionais. A dança me ajudou a me conectar com
meu corpo de uma maneira que é revigorante e embasadora. Também
tem sido uma maneira de me conectar com os outros, pois a natureza
comunitária das danças circulares cria um senso de unidade e
pertencimento.
Mas talvez o maior benefício tenha sido a maneira como a dança me
ajudou a me conectar com minhas raízes culturais escocesas. À medida
209
que aprendi sobre o papel que a dança desempenhou na cultura e nas
comunidades escocesas, passei a apreciar ainda mais as danças dos
meus antepassados. Isso me deu um senso mais profundo de
identidade e propósito, e me ajudou a explorar minha própria herança
cultural escocesa e me conectar com minhas raízes de maneira
significativa.
Então, para mim, as danças de círculo têm sido uma forma de
medicina que não só trouxe alegria e conexão, mas também me
ajudou a descobrir e honrar a rica tradição das danças de círculo
escocesas e seu lugar na minha própria história pessoal. "
2 - Como foi ter Bernhard Wosien como professor?
"Embora eu não tenha tido a oportunidade de estudar com Bernhard
Wosien, me sinto afortunado por ter trabalhado com Gabriele
Wosien nos últimos anos, e atualmente estou treinando com Friedel
Kloke Eibl e Saskia Kloke. Através do meu envolvimento com a
equipe de Dança Sagrada de Findhorn, ganhei uma experiência
valiosa e continuo a ensinar dentro da minha comunidade."
3 - Como as danças circulares estão presentes na sua vida agora?
As danças circulares sagradas tornaram-se parte integrante da minha
vida, tanto pessoal como profissionalmente. Estou regularmente
ensinando sessões de dança dentro da comunidade Findhorn e áreas
vizinhas, e sou apaixonado por fornecer uma experiência de dança
comunitária com uma abordagem holística e curativa para pessoas que
podem nunca ter dançado antes ou se sentirem atraídas por ela.
Eu acredito fortemente que a cura através das artes é essencial no
mundo de hoje. Através da minha jornada com a dança, meu
propósito se tornou claro, e descobri que é através da conexão com a
210
dança e as pessoas em nossa comunidade mais ampla que mantemos
essas histórias preciosas e danças vivas ao redor do mundo. "The
Centrepiece" é uma sessão de dança sagrada online que começou
durante o lockdown causado pela pandemia de COVID-19. Foi
criado para ajudar as pessoas a manter as danças vivas dentro de sua
comunidade e permanecer conectadas umas com as outras durante
um momento difícil.
Para mim, as danças circulares sagradas não são apenas uma forma de
exercício físico ou entretenimento. Elas são uma maneira de se
conectar com nós mesmos, com os outros e com nossa herança
cultural de uma maneira profunda e significativa. Acredito que através
da dança, podemos experimentar alegria, cura e um sentimento de
pertencimento que é essencial para o nosso bem-estar.
4 - Como você vê a conexão entre danças circulares na educação?
Acredito que o movimento e a consciência corporal podem ajudar a
mente a funcionar melhor, e uso um conjunto de princípios na minha
abordagem a dança que visam criar um espaço seguro e de apoio para
a aprendizagem. Através do meu trabalho com danças circulares, vi
como essa abordagem pode beneficiar indivíduos e comunidades
igualmente. Em um contexto educacional, as danças em círculo
podem ser uma ferramenta valiosa para o desenvolvimento de
habilidades de colaboração. Ao incentivar os alunos a explorar sua
própria expressão única através do movimento, as danças em círculo
também podem ajudar a construir confiança e autoestima. Além
disso, as danças circulares oferecem uma oportunidade para os alunos
aprenderem e apreciarem diferentes culturas, já que muitas danças
têm significado cultural e histórico.
211
No geral, acredito que a incorporação de danças circulares na
educação pode promover a aprendizagem holística e o crescimento
pessoal.
5 - Você leva as danças em círculo para o trabalho? Em caso
afirmativo, como e quais são os efeitos disso.
Sim, eu levo danças de Círculo/Sagradas/Tradicionais para o meu
trabalho, tanto online quanto pessoalmente. Através das minhas
sessões on-line, recebi muitos e-mails de participantes me dizendo que
eles experimentaram uma conexão de cura através das danças.
Pessoalmente, vi os efeitos das danças quando os corpos dos
participantes se tornam mais relaxados e menos tensos.
No geral, acredito que as danças em círculo têm um poderoso efeito
curativo e transformador em indivíduos e comunidades e sou grato
por poder compartilhar essa prática com os outros através do meu
trabalho.
6 - Você já fez uma roda de dança em círculo com crianças e
adolescentes?
Sim, eu já fiz dança Circular/Sagrada/Traditional com crianças e
adolescentes, e foi uma experiência maravilhosa. Não só proporciona
uma atividade divertida e envolvente, mas também os ajuda a se
conectar uns com os outros e com a comunidade. A dança Circular
Sagrada promove um senso de união, e é uma ótima maneira de
promover a colaboração e o trabalho em equipe.
7 - Você tem um método de trabalho voltado para o ensino de
danças circulares para crianças e adolescentes?
Sim, eu tenho um método de trabalho voltado para o ensino de
danças de Círculo/Sagradas/Tradicionais para crianças e adolescentes.
Em meu ensino, incorporo danças alegres e apropriadas para a idade
212
que ajudam a conectar os alunos uns com os outros e com a
comunidade. Acho que o uso de humor e histórias ajuda a envolver e
inspirar as crianças e adolescentes, tornando-os mais propensos a
participar e memorizar o que aprendem.
Além disso, trabalhei com crianças com deficiência no passado e
descobri que, através da narrativa e do movimento, elas são capazes
de recuperar mais movimento quando movimentos simples são feitos
regularmente.
8 - Como a dança em círculo pode estar presente na escola?
"Acredito que a dança em círculo pode estar presente na escola de
várias maneiras. Pode ser apresentado em um formato de história ou
levado em uma jornada, com ênfase na ideia de que pode aliviar o
estresse, trazer relaxamento e alegria. No meu método de ensino, dou
aos alunos 5 princípios que eles podem usar a qualquer momento para
entrar no espaço de aprendizagem da mente e tire o medo da Dança
e da conexão. A dança em círculo/sagrado/tradicional pode ser
incorporada em aulas de educação física, clubes extra-escolares ou
mesmo durante reunião ou eventos escolares. Isso pode construir um
senso de comunidade dentro do ambiente escolar.”
213
SOBRE O LIVRO
Catalogação
André Sávio Craveiro BuenoCRB 8/8211
Normalização
Kamila Gonçalves
Diagramação e Capa
Mariana da Rocha Corrêa Silva
Assessoria Técnica
Renato Geraldi
Oficina Universitária Laboratório Editorial
labeditorial.marilia@unesp.br
Formato
16x23cm
Tipologia
Adobe Garamond Pro
Este livro decorrente de pesquisa de Mestrado tem a proposta de relatar
e analisar uma experiência com o intuito de levar as Danças Circulares
integradas aos Jogos Teatrais para o contexto escolar, com alunas e alunos
do Ensino Fundamental, anos iniciais. Tal proposta é pioneira de modo
a possibilitar aos estudantes participantes a expressividade como potencia-
lizadora de suas habilidades corporais, emocionais, sociais, cognitivas e
artísticas. É apresentada uma proposta educativa fundamentada teorica-
mente, com a criação de uma metodologia integrando as Danças Circu-
lares e Jogos Teatrais, além de trazer um relato do trabalho desenvolvido
durante sete anos por meio do projeto “Danças Circulares na Educação”,
em parceria com o Instituto Dança Viva de Holambra, com crianças dos
anos iniciais do Ensino Fundamental, em uma escola pública municipal.
Maria Angélica Urbano
Atriz, arte-educadora, professora de danças
circulares e contadora de histórias. Mora
em um lugar onde as águas doces correm
no centro da cidade. É mestre em Educação
pelo Programa de Pós-Graduação em Edu-
cação da Faculdade de Filosoa e Ciências,
UNESP, campus de Marília. É pós-graduada
em Teatro-educação, formada em Educação
terapêutica e terapia social, Pedagogia cura-
tiva, Artes Cênicas e Letras. É pesquisadora
e criou uma metodologia para o ensino das
Danças Circulares para crianças e adoles-
centes. No teatro atua como atriz e dirige
espetáculos teatrais desde 1995. Participou
de curtas e longas metragens. Pesquisa cul-
turas populares e é integrante da Congada
São Benedito e da Folia de Reis, ambas de
Mogi Guaçu. Trabalha com projetos edu-
cacionais e culturais, com experiência em
cursos de Formação para educadoras e edu-
cadores. Participou de cursos e workshops
com vários nomes nacionais e internacionais
da dança circular. Participou da gravação do
dvd de Maria Gabriele Wosien: Prayer Dan-
ces. Já conduziu rodas em diversas partes do
Estado de São Paulo, Itália e França.
Programa PROEX/CAPES:
Auxílio Nº 0039/2022
Processo Nº 23038.001838/2022-11
DANÇAS CIRCULARES E JOGOS TEATRAIS COM CRIANÇAS
Urbano

