EDUCAÇÃO DE JOVENS, ADULTOS E IDOSOS
Questões Teóricas, Implicações Práticas
Allan Alberto Ferreira
Cláudia Elaine Catena
Camila Aparecida da Silva
Carla Cristina Reinaldo Gimenes de Sena
Cyntia Graziella Guizelim Simões Girotto
Daniele Cristina de Paiva
Jaqueline Rodrigues Ferreira
Jessyca Eiras Jatobá Santos
José Carlos Miguel
Josena Kuingo Daniel
Letícia Florencio Vieira
Letícia Kondo
Maria Eduarda Tognette
Marisa de Fatima da Luz
Priscila Caroline Miguel
Raúl Esteban Ithuralde
Rodrigo Martins Bersi
Rogerio Gomes
Rosangela Marques Gobato Rocha
Stela Miller
Tarcísio dos Santos da Silva
Tiago Rodrigues da Silva
Yuri de Lira Lucas
A presente coletânea analisa
perspectivas teóricas, proposições para
encaminhamento metodológico e ten-
dências emergentes na organização de
programas de ensino na educação de jo-
vens, adultos e idosos, EJA, no contexto
de diversas áreas de conhecimento.
Compreendendo a EJA como dimensão
fundamental da concepção de Educação
Inclusiva, a obra materializa o princípio da
indissociabilidade entre ensino, pesquisa
e extensão universitária porquanto resul-
ta de ações e esforços coletivos voltados
à inserção dessa área de conhecimento
no contexto do debate acadêmico.
Em uma sociedade verdadeira-
mente democrática, um projeto educa-
tivo se consolida mediante um processo
contínuo de reexão sobre a prática polí-
tico-pedagógica, a começar pelo reconhe-
cimento dos tempos e espaços escolares.
No caso da educação de jovens, adultos e
idosos, o problema se reveste de maior
importância dadas as características es-
pecícas do perl identitário da cliente-
la e das suas histórias de vida, além das
marcas de uma trajetória de exclusão, não
apenas do direito à escolarização outrora
negado, mas também daqueles relacio-
nados à sobrevivência e à dignidade da
condição humana. Em uma sociedade de
classes, como é a brasileira, além da bru-
tal desigualdade na distribuição da renda
nacional, o acesso aos bens culturais tam-
bém se revela distante da universalização,
apesar de esforços a serem reconhecidos.
Nesse contexto, considerar uma
perspectiva de educação inclusiva exige
repensar o papel e a função da educação
escolar, seus objetivos, suas nalidades e
os valores a difundir. Cogitar a educação
de jovens, adultos e idosos em dimensão
inclusiva impõe reconhecer as particula-
ridades da clientela, suas necessidades,
anseios e motivações.
Pensar a educação como Direito Público
Subjetivo exige da sociedade civil orga-
nizada a persistência no desenvolvimen-
to de formas variadas de mobilização e
de organização dos espaços educati-
vos, o que envolve uma ressignicação
percuciente dos processos de ensino e
de aprendizagem com vistas ao atendi-
mento de demandas relacionadas à es-
pecicidade da clientela.
Trata-se de constituição de um
paradigma de organização dos progra-
mas de ensino no qual os conteúdos
curriculares não são fechados em si
mesmos, sendo compreendidos como
elementos conceituais para efetivação
da articulação entre teoria e prática,
promover aprendizagens e constituir
capacidades para desenvolvimento do
pensamento crítico-reexivo com vistas
à transformação da realidade, mas tam-
bém da cultura escolar.
Programa PROEX/CAPES:
Auxílio Nº 0039/2022
Processo Nº 23038.001838/2022-11
EDUCAÇÃO DE JOVENS, ADULTOS E IDOSOS
EDUCAÇÃO DE
JOVENS, ADULTOS E IDOSOS
Questões Teóricas,
Implicações Práticas
José Carlos Miguel
Rodrigo Martins Bersi
organizadores
questões teóricas, implicões poráticas
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EDUCAÇÃO DE JOVENS, ADULTOS E IDOSOS:
Questões Teóricas, Implicações Práticas
Organizadores
José Carlos Miguel
Rodrigo Martins Bersi
José Carlos Miguel
Rodrigo Martins Bersi
(Org.)
EDUCAÇÃO DE JOVENS, ADULTOS E IDOSOS:
Questões Teóricas, Implicações Práticas
Marília/Oficina Universitária
São Paulo/Cultura Acadêmica
2024
UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA
FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS FFC
UNESP - campus de Marília
Diretora
Dra. Claudia Regina Mosca Giroto
Vice-Diretora
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Conselho Editorial
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Cláudia Regina Mosca Giroto
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Conselho do Programa de Pós-Graduação em Educação -
UNESP/Marília
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Ana Clara Bortoleto Nery
Claudia da Mota Daros Parente
Cyntia Graziella Guizelim Simões Girotto
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Auxílio Nº 0039/2022, Processo Nº 23038.001838/2022-11, Programa PROEX/CAPES
Parecerista: Eliana Marques Zanata (FC - UNESP - Câmpus de Bauru)
Capa: Imagem gratuita de congerdesign por Pixabay
Ficha catalográfica
Serviço de Biblioteca e Documentação FFC
E24 Educação de jovens, adultos e idosos: questões teóricas, implicações práticas / José
Carlos Miguel, Rodrigo Martins Bersi (org.). Marília : Oficina Universitária ;
São Paulo : Cultura Acadêmica, 2024.
334 p. : il.
CAPES
Inclui bibliografia
ISBN 978-65-5954-466-0 (Impresso)
ISBN 978-65-5954-467-7 (Digital)
DOI: https://doi.org/10.36311/2024.978-65-5954-467-7
1. Educação de jovens e adultos. 2. Políticas públicas. 3. Educação Estudo e
ensino. I. Miguel, José Carlos. II. Bersi, Rodrigo Martins. IV. Título.
CDD 374
Catalogação: André Sávio Craveiro Bueno CRB 8/8211
Copyright © 2024, Faculdade de Filosofia e Ciências
Editora afiliada:
Cultura Acadêmica é selo editorial da Editora UNESP
Oficina Universitária é selo editorial da UNESP - campus de Marília
Agradecimentos
À Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho
UNESP.
À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior Brasil (CAPES) Código de Financiamento 001,
Programas de Excelência Acadêmica -PROEX.
Sumário
APRESENTAÇÃO | José Carlos Miguel e Rodrigo Martins Bersi................11
PREFÁCIO | Rodrigo Martins Bersi.........................................................31
EDUCAÇÃO POPULAR: UMA PEDAGOGIA MOBILIZADORA
PARA A DESCONSTRUÇÃO DO COLONIALISMO........................37
Jaqueline Rodrigues Ferreira
Jessyca Eiras Jatobá Santos
Letícia Florencio Vieira
CAMINHOS DIALÓGICOS NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E
ADULTOS: REPENSANDO A LEITURA E LITERATURA...............57
Letícia Kondo
Cyntia Graziella Guizelim Simões Girotto
“UMA NOVA ABOLIÇÃO”: A CAMPANHA DE ALFABETIZAÇÃO
DE ADULTOS NO ESTADO DE SÃO PAULO (1947 -1949).............81
Tarcísio dos Santos da Silva
Tiago Rodrigues da Silva
Maria Eduarda Tognette
APROXIMAÇÕES ENTRE A TEORIA DA ATIVIDADE DE ESTUDO
E A TEORIA PEDAGÓGICA DE PAULO FREIRE: IMPLICAÇÕES
PARA A EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS.............................121
Allan Alberto Ferreira
Cláudia Elaine Catena
ESTRATÉGIAS PEDAGÓGICAS PARA O ENSINO DE GEOGRAFIA
NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS: METODOLOGIAS
ATIVAS E GAMIFICAÇÃO................................................................155
Yuri de Lira Lucas
Carla Cristina Reinaldo Gimenes de Sena
TRANSDISCIPLINARIDADE, SUJEITO GLOBAL E DIVERSIDADE
CULTURAL: IMPLICAÇÕES PARA A ORGANIZAÇÃO DE
PROGRAMAS DE ENSINO NA EJA.................................................177
José Carlos Miguel
Camila Aparecida da Silva
Priscila Caroline Miguel
A ATIVIDADE DE ENSINO COMO AÇÃO PEDAGÓGICA
VOLTADA AO PROCESSO DE HUMANIZAÇÃO DE
ESTUDANTES DA EJA......................................................................209
Daniele Cristina de Paiva Parada
EXPERIÊNCIAS COLETIVAS NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E
ADULTOS NO CONTEXTO LATINO-AMERICANO...................231
Rogerio Gomes
Raul Esteban Ithuralde
Marisa de Fatima da Luz
DESAFIOS DA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS FRENTE ÀS
POLÍTICAS PÚBLICAS......................................................................255
Cláudia Elaine Catena
Allan Alberto Ferreira
RESOLUÇÃO DE PROBLEMAS NA EJA: DESCONSTRUINDO
PARADIGMAS....................................................................................279
Rosangela Marques Gobato Rocha
José Carlos Miguel
CONTRIBUIÇÕES DA TEORIA DA ATIVIDADE DE ESTUDO
PARA O DESENVOLVIMENTO DE CONCEITOS CIENTÍFICOS
NA EJA................................................................................................311
Josefina Kuingo Daniel
Stela Miller
11
https://doi.org/10.36311/2024.978-65-5954-467-7.p11-30
Apresentação
O livro “Educação de Jovens, Adultos e Idosos: Questões
Teóricas, Implicações Práticas” resulta de um conjunto de ações
coletivas de docentes e discentes da UNESP, Câmpus de Marília, no
intuito de contribuir para maior inserção do binômio Educação
Popular e Educação de Jovens e Adultos (EJA) no contexto do debate
acadêmico-político.
Entre essas ações, destaquem-se os desenvolvimentos do
“Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária”, PRONERA,
a partir do ano de 1998; do “Programa UNESP de Educação de
Jovens e Adultos”, PEJA, desde o ano de 2001; do “Programa
Permanente de Formação de Funcionários da UNESP”, PROPERF,
entre os anos de 2001 e 2005; o oferecimento da disciplina optativa
“Educação de Jovens e Adultos”, no curso de Pedagogia, a partir do
ano de 2004; a inserção da disciplina “Abordagens Metodológicas da
Educação de Jovens e Adultos”, no Programa de Pós-Graduação em
Educação, PPGE, a partir do ano de 2006; e, o desenvolvimento do
“Programa Interinstitucional de Bolsa de Iniciação à Docência
Projeto Suplementar EJA”, PIBID – EJA, a partir de 2009.
Paralelamente a essas ações ocorre na UNESP Marília uma
significativa produção de artigos, livros, capítulos de livros, teses de
doutorado, dissertações de mestrado e material didático para EJA,
inclusive uma coleção de livros didáticos para educação básica nessa
área de conhecimento, aprovada no Programa Nacional do Livro
Didático, PNLD, em 2013, pela E ditora Moderna, envolvendo
12
coautoria de docentes de outras universidades brasileiras e contando
com a participação efetiva de mestrandos e doutorados do PPGE,
UNESP, Câmpus de Marília.
Tal debate, como indicado, se situa em processo de
persecução da necessária consolidação do ideário de Educação
Inclusiva no contexto brasileiro. Sob o nosso ponto de vista, não
que se falar em democratização do ensino quando se constatam a
existência de cerca de 10 milhões de analfabetos absolutos, o
recrudescimento progressivo do índice de analfabetismo funcional e,
principalmente, do não cumprimento da ampla maioria das metas do
Plano Nacional de Educação (PNE) do decênio 2014-2024
1
.
Entre as 20 metas previstas no PNE 2014-2024, a maioria,
precisamente 12 delas, a rigor, não foram cumpridas; 5 foram
cumpridas parcialmente; e outras 3 metas, além de não cumpridas,
configuraram retrocessos relativamente ao período anterior. Entre as
metas não cumpridas e em retrocessos estão a de elevação da taxa de
alfabetização da população com 15 anos ou mais para 93,5% até 2015
e a de erradicação do analfabetismo absoluto, bem como de redução
em 50% do analfabetismo funcional, até o final do PNE em vigência.
No conjunto das metas não cumpridas vale destacar a de
elevação da escolaridade média da população entre 18 e 29 anos,
visando alcançar no mínimo 12 anos de estudo no ano de 2024;
igualmente, aumentar a esse nível a escolaridade das populações do
campo, da região de menor escolaridade do país, Norte-Nordeste, e
dos 25% mais pobres, bem como igualar a escolaridade média entre
1 Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) Contínua divulgada em 07 jun.
2022. Disponível em: https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/populacao/17270-pnad-
continua.html?edicao=36982&t=destaques. Acesso em: 04 de julho de 2023.
13
negros e não negros, conforme declaração identitária à Fundação
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, IBGE.
Esse exemplário de desacertos na educação brasileira contrasta
com a tendência progressiva de redução nos índices percentuais de
analfabetismo absoluto: em 2014 a taxa era de 8,3% dos sujeitos com
15 anos ou mais, reduzindo nesse período para 5,6% em 2022. Mais
ainda: ocorreu, o que é de se admirar, um decréscimo de 0,5% em
plena pandemia COVID-19, posto que em 2019, início da maior
tragédia que se abateu sobre a sociedade brasileira, o índice era de
6,1%. Por que isso ocorre? Primeiramente pela inserção cada vez mais
precoce das crianças na escola, articulada à redução progressiva das
taxas de crescimento populacional, conforme dados do IBGE, a
demonstrar, por exemplo, que a previsão de aproximadamente 208
milhões de brasileiros em 2022 culminou em apenas 203 milhões no
resultado final divulgado em maio de 2023. Ou seja, o número de
crianças escolarizadas cresce em proporção muito maior do que a taxa
de crescimento populacional.
A contribuir para o cenário de desencontros no que tange à
educação dos excluídos está, ainda, o fenômeno progressivo de
fechamento de salas de aula de EJA em todo o território nacional. Os
gestores públicos parecem acreditar que antecipando progressiva-
mente a inserção das crianças na escola resolverão algum dia o
problema do analfabetismo. Eles negligenciam a dificuldade do
sistema escolar para educar significativo grupo de estudantes que
passam três ou quatro anos na escola e não aprendem a ler e a escrever
com competência, constatando-se tendências de regressão à condição
de analfabetismo absoluto e ampliação do analfabetismo funcional.
Somem-se a esses invariantes os reflexos do afrouxamento das metas
de redução do analfabetismo e baixa escolarização média da
população, via mecanismos de certificação e efeitos da Resolução nº
14
01/2021
2
, de 25 de maio de 2021, homologada pelo Ministério da
Educação, após tramitação na Câmara de Educação Básica e no
Conselho Nacional de Educação, pela ordem.
De forma inexorável, a dialética do lugar social da EJA reflete
as apreensões e as contradições existentes nas relações sociais, no
universo das coisas e nos próprios sujeitos a constituírem a
comunidade humana em uma sociedade de classes. Tal como ocorreu
recentemente com as legislações trabalhista e previdenciária, os
avanços no campo dos direitos sociais ocorridos a partir da
promulgação da Constituição Federal de 1988, e da legislação dela
decorrente, foram progressivamente desconstitucionalizados ou
tiveram os possíveis efeitos amortecidos. No entanto, praticamente a
metade da população brasileira corrobora, eleitoralmente, o modelo
político e socioeconômico a cassar direitos sociais conquistados nesse
período histórico. A rigor, parcela significativa da população nem se
dá conta da tragédia que legitima.
Uma análise coerente da política educacional na atual
sociedade brasileira de classes, exige a pergunta: qual foi a política
educacional posta em prática nos últimos anos, especialmente entre
2016 e 2022? A resposta, pela justeza e evidência, impõe afirmar que,
além dos efeitos da pandemia COVID-19, no lugar do PNE foram
instituídas políticas discriminatórias, excludentes e de censura,
esvaziando o papel da escola como lugar de pensamento crítico,
reflexivo, plural, vivo, transformador e livre. Além das metas não
cumpridas, em sua maioria absoluta, como já definido, no período
em questão as prioridades eram homeschooling, escolas cívico-militares
2 Os termos da Resolução: “Institui Diretrizes Operacionais para a EJA nos aspectos relativos
ao seu alinhamento à Política Nacional de Alfabetização (PNA) e à Base Nacional Comum
Curricular (BNCC), e Educação de Jovens e Adultos a Distância”.
15
e escola sem partido, nenhuma delas plenamente efetivada, além do
desmedido corte de verbas para a educação pública em geral, e para
as universidades públicas federais, em particular. A transitoriedade e
ineficácia dessas políticas causou maior postergação ainda na
realização da utopia da Educação Popular na rede do Estado. Essa,
depende de políticas de Estado, não de governo, e tem previsão
constitucional, por ora.
Constatam-se, mesmo após a formalização da EJA como
modalidade da Educação Básica e instância de Direito Público
Subjetivo, inúmeras dificuldades para sua consolidação nas
organizações institucionais, desnudando a subalternidade das
camadas populares e o legado da educação para jovens e adultos
trabalhadores, marginalizados, subempregados ou desempregados,
por vezes expostos às diferentes configurações estigmatizadas em
vieses de natureza étnico-racial, etária ou de gênero.
Apesar disso, os dois movimentos, o da Educação Popular
forjada no seio dos movimentos sociais populares e o da EJA, pensada
como obrigação do Estado administrador do excedente econômico,
paulatinamente se constituem como vasto campo de reflexões
teóricas, a definir progressivamente as formas de intervenção na
Prática de Ensino com vistas à transformação de realidade tão cruel.
Ambos os movimentos compreendem que é pela educação e
pela cultura que o homem se humaniza, podendo desenvolver
atitudes participativas frente ao mundo, conhecendo e exercendo
direitos e deveres de cidadania. Conhecendo e valorizando a
diversidade cultural, o ser humano aprende a respeitar as histórias de
vida, valores, diferenças de gênero, geração, raça e credo, fomentando
a convivência com a diferença e atitudes de não discriminação. Passa
a reconhecer e a valorizar conhecimentos históricos e científicos, a
16
natureza e o meio ambiente, bem como a produção literária e artística
como patrimônios culturais da humanidade.
Tudo isso possibilita o exercício da autonomia pessoal do ser
humano com responsabilidade, aperfeiçoando a convivência em
diferentes espaços sociais e favorecendo o desenvolvimento e o
fortalecimento da democracia como valor universal.
Nesses termos, o desempenho do sistema escolar brasileiro
necessita efetivar, com urgência, a universalização da educação básica
de qualidade e atuar no sentido de consolidação de novas matrizes
teóricas dadas as profundas e rápidas transformações da sociedade.
Estas são as bases de uma proposta alternativa ao projeto
neoliberal de educação, claramente voltado para a instrumentalização
do mercado de trabalho e sustentado com base na teoria e na prática
de uma educação burocrática. Assim, consolidar essa proposta
alternativa pressupõe pensar uma escola que busca fortalecer de forma
autônoma o seu projeto político-pedagógico, relacionando-se
dialeticamente com o mercado, com o Estado e com a sociedade.
Trata-se de uma escola que deve ser pública quanto ao seu destino,
ou seja, para todos; estatal quanto à forma de organização e
funcionamento; e, democrática e comunitária quanto à sua gestão.
Da articulação entre teoria e prática nos processos de
formação profissional e de difusão do conhecimento depende em
grande monta a transformação do cotidiano educativo. A
universidade tem papel fundamental nesse processo e é pelo princípio
da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, processos
mediados pela gestão, que tal corolário se estabelece.
Lugar específico de formação, a escola não ensina o que se
pode aprender na família e na comunidade, ou seja, ela não ensina
nos mesmos moldes que a família e a comunidade.
17
A comunidade é lugar de resistência, de memória e de
dignidade. Por isso, é socialmente legítimo preconizar o vínculo entre
a escola e a comunidade. Vinculada à comunidade, a escola é “nossa
escola” e não a “escola do Estado”, ou a escola dos dominantes.
As transformações do mundo do trabalho face às mudanças
tecnológicas que vêm acompanhadas da precarização do trabalho, do
desemprego e dos processos de seleção e exclusão social apontam
também para mudanças no meio rural, desde a questão global da fome
até as inovações tecnológicas, impondo novas formas de organização
produtiva, como a agricultura familiar e as atuais lutas sociais pela
terra em diferentes países. No mesmo patamar de importância se
colocam a atualidade da relação do homem com a natureza, a questão
ecológica, a discussão sobre as tecnologias intermediárias e a noção de
desenvolvimento sustentável. Sem educação transformadora, é
impensável o enfrentamento dessas questões.
Sem embargo, erradicar o analfabetismo e ampliar a taxa de
escolaridade média da população não dependem apenas de ampliação
do número de vagas nas escolas. Os novos processos culturais
adquirem uma centralidade ímpar na sociedade brasileira em
transformação exigindo distribuição justa da renda produzida,
reduzindo a desigualdade e promovendo a justiça social;
compatibilizar maior acesso à educação, à universidade e à ciência
com mérito científico e qualidade acadêmica; enfrentar a questão da
identidade cultural e das histórias de vida dos educandos, pensando a
relação entre o eu e os outros, ou seja, o lugar da alteridade cultural
na sociedade em processo de internacionalização.
Essa é a forma como compreendemos a pertinência dessa
obra. Construída por várias mãos, engloba amplitude de saberes e de
visões de mundo, mas tem uma marca que a distingue: todos os
autores convergem para um mesmo pensamento, qual seja, a
18
radicalidade amorosa dos processos de Educação Popular e de
Educação de Jovens, Adultos e Idosos e a crença na força da educação
como ato de humanização e de contribuição para a transformação da
sociedade. Dito isso, passemos, então, ao delineamento geral de cada
um dos textos que a compõem.
No primeiro texto da coletânea, “Educação Popular: uma
pedagogia mobilizadora para a desconstrução do colonialismo”, as
autoras Jaqueline Rodrigues Ferreira, Jessyca Eiras Jatobá Santos e
Letícia Florêncio Vieira, apontam para elementos fundantes de uma
concepção de educação, a qual, idealizada para a valorização da
condição humana, não pode ser pensada independentemente das
demais práticas sociais, mas, ao mesmo tempo, perspectiva de
enfrentamento das contradições dessa sociedade, não pode ser
confundida com elas. Dito de outro modo, pensar a Educação
Popular implica atuar para a transformação da cultura escolar com
vistas à transformação das mentalidades enraizadas na sociedade
colonial. Por isso, considerando o processo da modernidade e da
industrialização no Brasil, o estudo aborda as contribuições da
Educação Popular, como modo de desconstruir a colonialidade sobre
a prática educativa. Estabelecem as autoras, que essa desconstrução
deve incorporar os pressupostos da prática educativa freiriana,
considerando a Educação Popular como uma pedagogia que
possibilita a ruptura com o colonialismo intelectual, ou seja, ao
recolocar na práxis educativa a cultura e a realidade social dos sujeitos
no centro do processo de constituição do conhecimento, viabiliza a
transformação das mentalidades pela tomada de consciência. Assim
como a política como parte do fazer educativo e o diálogo horizontal
constituem elementos fundamentais para a superação da dicotomia
entre sujeito e objeto.
19
O texto “Caminhos dialógicos na educação de jovens e
adultos: repensando a leitura e literatura”, de autoria de Letícia
Kondo e Cyntia Graziella Guizelim Simões Girotto, tem como
pressuposto que considerar o cenário político e educacional da
Educação de Jovens e Adultos (EJA) no Brasil exige refletir sobre as
práticas pedagógicas que permeiam tal ensino. A escassez de
oportunidades para que os alunos, público-alvo da EJA, exerçam
protagonismo em seu processo de ensino/aprendizagem gera ainda
mais exclusão, uma vez que eles já são historicamente marcados pelas
injustiças sociais e opressão. Defender a educação de jovens e adultos
requer uma luta constante para um ensino de caminhos dialógicos e
significativos. A partir desta concepção, as autoras valem-se da
pesquisa bibliográfica e da análise documental, buscando explorar
caminhos de leitura, visando à formação de leitores críticos, com base
na proposta de trabalho da estratégia de leitura “conexão” (Girotto;
Souza, 2010) dentro da obra literária ilustrada OS INVISÍVEIS de
Tino Freitas e Odilon Moraes. Deste modo, o trabalho realizado
dialoga com estudos acerca da Filosofia da Linguagem presentes em
Bakhtin e os resultados apontam para as possibilidades de
alfabetização preocupadas com a formação integral de sujeitos, a
humanização.
Na sequência da obra, os autores Tarcísio dos Santos da Silva,
Tiago Rodrigues da Silva e Maria Eduarda Tognette abordam no
texto denominado - “Uma Nova Abolição”: a Campanha de
Alfabetização de Adultos no estado de São Paulo (1947 -1949) – um
movimento relevante na trajetória histórica da EJA, reconstituindo
aspectos fundamentais da história da Campanha de Educação de
Adolescentes e Adultos (CEAA) no estado de São Paulo a partir da
identificação, caracterização e análise de matérias publicadas no jornal
O Estado de S. Paulo (OESP) entre os anos de 1947 e 1949, período
20
de atuação de Lourenço Filho na CEAA. Discutem-se as
representações da CEAA como política nacional de combate ao
analfabetismo. No território paulista, percebe-se a implantação de
cursos e turmas em diversos municípios do interior, quer seja na zona
urbana ou rural. O jornal OESP produziu representações que
serviram de estratégia na legitimação da CEAA e, principalmente,
para alcançar voluntários, conquistar empresas e/ou instituições
religiosas na necessária participação na salvação nacional. Para além
disso, alfabetização de adultos identificada como um dos principais
campos de atuação da União em cooperação com Estados, municípios
e setores privados.
No texto denominado “Aproximações entre a Teoria da
Atividade de Estudo e a Teoria Pedagógica de Paulo Freire:
implicações para a educação de jovens e adultos”, os autores Allan
Alberto Ferreira e Cláudia Elaine Catena investigam, por meio de
pesquisa bibliográfica, possíveis aproximações entre a Teoria da
Atividade de Estudo, com base no Sistema Elkonin-Davidov-Repkin,
e as proposições pedagógicas de Paulo Freire, tecendo, também,
algumas considerações a respeito da relevância de tal discussão para
Educação de Jovens e Adultos (EJA). Na análise destacam que, não
obstante as diferenças sociais, históricas e políticas, as teorias
apontadas emergem em contraposição às concepções pedagógicas
tradicionais de ensino-aprendizagem e à lógica de controle e alienação
do mercado capitalista. Identificam, também, inter-relações
pedagógicas entre as teorias tais como: tomam o estudante como
sujeito que aprende e se desenvolve em atividade, criam novas
necessidades e interesses pelo estudo por meio de situações-problema;
consideram que o aluno educa a si mesmo mediado pela
comunicação-cooperação dialógica com o professor; bem como
promovem o desenvolvimento de capacidades teórico-críticas do
21
pensamento e da consciência para a autotransformação do sujeito e
de sua realidade social.
Da parceria entre os autores Yuri de Lira Lucas e Carla
Cristina Reinaldo Gimenes de Sena resultou uma interessante
discussão sobre metodologias ativas no ensino da EJA a qual se logrou
denominar “Estratégias pedagógicas para o ensino de Geografia na
educação de jovens e adultos: metodologias ativas e gamificação”. No
estudo destacam-se as estratégias pedagógicas utilizadas no ensino de
Geografia para a Educação de Jovens e Adultos (EJA), com foco em
tornar o ensino mais significativo e contextualizado. A pesquisa
abordou a utilização de metodologias ativas, recursos didáticos
diversificados e a valorização da dimensão crítica e cidadã no ensino
de Geografia na EJA. A metodologia envolveu a seleção criteriosa de
artigos relevantes nas plataformas acadêmicas, com palavras-chave
como "Geografia", "EJA" e "ensino". Os resultados evidenciam a
importância das metodologias ativas, como o uso de recursos digitais
e do Desenho Universal para a Aprendizagem (DUA), na promoção
de uma aprendizagem participativa e contextualizada. Além disso, a
gamificação é destacada como uma estratégia pedagógica relevante,
que cria um ambiente lúdico e desafiador, permitindo a aplicação
prática e contextualizada dos conceitos geográficos. A pesquisa
conclui que a utilização dessas estratégias pode promover um ensino
mais dinâmico e efetivo, contribuindo para o desenvolvimento de
habilidades geográficas e a construção do conhecimento de forma
significativa na EJA.
Discutindo questões imbricadas na tomada de decisão sobre a
organização de programas de ensino na EJA, na perspectiva de
educação desenvolvimental, o texto “Transdisciplinaridade, Sujeito
Global e Diversidade Cultural: implicações para a organização de
programas de ensino na EJA”, produzido em coautoria por José
22
Carlos Miguel, Camila Aparecida da Silva e Priscila Caroline Miguel,
estabelece que a temática da transformação da cultura escolar
contrapõe as concepções externalista e internalista de ciência e de
educação, defendendo a busca de superação da fragmentação dos
processos de produção e difusão do conhecimento científico a partir
do resgate da historicidade como elemento fundante para a
compreensão da relação entre a realidade e o objeto do conhecimento,
ou seja, entre o todo e as partes que o compõem. Argumentam que
no caso da EJA, mais do que pensar as interfaces entre as disciplinas,
trata-se de pensar uma abordagem metodológica a consolidar uma
perspectiva curricular de matriz externalista, considerando a
transversalidade concretizada por um tema comum, a envolver as
vivências culturais dos sujeitos, a evolução histórica das ideias
científicas e o enredamento entre elas, via problematização da
realidade. Assim, em um ambiente educativo marcado pela
transdisciplinaridade, a ação pedagógica deve ser endossada pela
dialogicidade, pela abertura à reflexão, pela liberdade de pensamento,
pela integração de ideias científicas de áreas diferentes, pela
valorização da diversidade, pela escuta respeitosa e pelo trabalho
colaborativo. Implica em reconhecer, valorizar e utilizar os
conhecimentos historicamente construídos sobre o mundo físico,
social, político e cultural, mas não desconsiderar as visões parciais dos
estudantes a serem superadas, ou não, pelo saber sistematizado, fruto
da curiosidade intelectual, da investigação, da reflexão permanente,
da análise crítica, da imaginação e da criatividade. E, principalmente,
pelo reconhecimento do seu papel na sociedade de classes, pela
tomada de consciência do seu lugar social em uma cultura social,
política e econômica marcada pela exclusão.
Por sua vez, o texto “A Atividade de Ensino como ação
pedagógica voltada ao processo de humanização de estudantes da
23
EJA”, de autoria de Daniele Cristina de Paiva, analisa a atividade do
professor da EJA, mais especificamente a atividade de ensino
enquanto prática pedagógica que pode colaborar para o processo de
humanização dos estudantes. A metodologia eleita ao
desenvolvimento da investigação foi a pesquisa documental e
bibliográfica considerada procedimento metodológico importante na
produção do conhecimento científico possibilitando ao pesquisador
analisar as fontes que respondam ao seu problema e às suas indagações
e que comprovem, ou não, suas hipóteses, adquirindo novos
conhecimentos. A autora argumenta que a atividade de ensino na EJA
deve ser sistematizada e intencional, marcada pelo desejo de
contribuir, por meio da formação de conceitos teóricos e científicos,
para um processo de transformação e humanização dos sujeitos.
Como resultado da pesquisa documental e bibliográfica realizada
constata-se que é preciso que todos os envolvidos no ato educativo,
em especial, o professor, aquele que organiza as atividades de ensino,
reconheçam as necessidades daqueles que chegam às salas de EJA.
Revendo as limitações no percurso de suas vidas as quais os
impediram de estudar antes, de forma a auxiliá-los, encorajando-os a
persistirem e continuarem buscando a aquisição conceitual
decorrente da atividade de estudo conduz, como indica Vygotsky, ao
desenvolvimento de funções psicológicas superiores, a fim de se
tornarem cidadãos autônomos e capazes de atuar socialmente de
maneira crítica e consciente, tomando decisões apropriadas diante das
mais diversas situações e problemas cotidianos, buscando
transformarem-se e transformarem o meio em que vivem.
Rogerio Gomes, Raúl Esteban Ithuralde e Marisa de Fátima
da Luz analisam temática relevante no novo momento da geopolítica,
em especial, na América do Sul, a qual marca uma aproximação maior
entre os povos, em parte pela nova postura do governo brasileiro. No
24
artigo “Experiências coletivas na educação de jovens e adultos no
contexto latino-americano” eles debatem a educação popular e a
educação de jovens e adultos no âmbito latino-americano, trazendo à
tona a proposta educativa e formativa na literatura de Paulo Freire,
bem como as ações dos movimentos sociais para além de saber ler e
escrever. Para tanto, se debruçam em referências bibliográficas que os
conduziram pela compreensão do protagonismo dos movimentos na
educação popular, mais precisamente com as experiências concretas
organizadas pelo movimento de “La Dignidad”, em Argentina e pelo
MST, no Brasil. Abordam precisamente os Bacharelados Populares, e
trazem a relação da luta pela terra e educação no MST que abre um
leque de aspectos sobre a práxis educativa nos diversos espaços
educativos. Dialogando com a literatura produzida sobre a temática e
articulando-a com experiências nas quais são sujeitos ativos, concluem
que tais experiências no cenário da educação popular organizados
pelos movimentos em questão refletem constantemente a realidade
estrutural e cotidiana dos sujeitos.
No artigoDesafios da Educação de Jovens e Adultos frente
às políticas públicas”, os autores Cláudia Elaine Catena e Allan
Alberto Ferreira, se dedicam em discussão que visa a contribuir com
o debate acadêmico sobre a Educação de Jovens e Adultos. Para tanto,
formularam o seguinte questionamento: Quais os desafios
enfrentados pela Educação de Jovens e Adultos frente às políticas
públicas? Assim, estabeleceram como objetivo principal investigar
alguns desafios enfrentados pela Educação de Jovens e Adultos frente
às políticas públicas, considerando o período de 2018 a 2022 em que
se instalou no país um cenário de desmonte das políticas e órgãos da
cultura, ciência e educação. Como embasamento teórico, se valeram
da abordagem histórica centrada em pesquisa documental e
bibliográfica, adotando o método materialista-dialético para analisar
25
os dados localizados sobre os desafios enfrentados pela Educação de
Jovens e Adultos em um contexto brasileiro marcado por acirrado
processo de inculcação ideológica, intolerância e tentativas de
desacreditar a ciência e sua forma de difusão, a educação. Como
resultado da análise, percebem as escolas como aparelhamento
ideológico do Estado, mas ainda como a melhor fonte de informação
para as classes populares, e enfatizam que os problemas são de uma
natureza ampla e tem implicações político-pedagógicas desde a
formação inicial e continuada dos docentes até a sua contratação,
permeando inclusive pela arrefecimento da luta da classe docente.
Nesse sentido, apostam na ressignificação da cultura política
desenvolvida acerca dos mecanismos de controle do Estado para
promover mudanças nas concepções acerca de educação, de EJA e de
sociedade.
Uma questão central na discussão sobre Educação Inclusiva,
em contexto amplo, é o processo de ensino e aprendizagem da
Matemática. No caso da EJA, por vezes os estudantes desenvolvem
estratégias interessantes de cálculo mental na prática social cotidiana,
mas revelam dificuldades com a Matemática escolarizada.
Preocupados com essa situação, Rosangela Marques Gobato Rocha e
José Carlos Miguel analisam a perspectiva metodológica da resolução
de problemas como um dos aportes necessários ao melhor
encaminhamento desse problema pedagógico, fundamentando-se no
contexto da Teoria Histórico-cultural e explorando aportes da Teoria
da Atividade de Estudo, a partir das contribuições de Vygotsky,
Leontiev e Davidov. O estudo se fundamenta em pesquisa
bibliográfica, análise documental e abordagem qualitativa de
situações matemáticas desenvolvidas em sala de aula relativamente à
temática da resolução de problemas. No contexto da pesquisa em
Educação Matemática, constata-se certa aversão à disciplina, a qual se
26
mostra com intensidade na Educação de Jovens e Adultos (EJA). Em
geral, os educandos deixaram de frequentar os bancos escolares de
maneira precoce por uma infinidade de fatores. Mas o que marca o
curto período de escolarização na infância, quando ocorre, é a
dificuldade em manipular os conceitos matemáticos, considerando-se
a dinâmica didático-pedagógica adotada. Uma das capacidades a ser
desenvolvida durante as aulas dessa disciplina é a Resolução de
Problemas, constatando-se insatisfação diante dos resultados
negativos, a ocasionar danos significativos à aprendizagem. Os
resultados apontam para a importância de os docentes
proporcionarem meios para que os alunos possam produzir, expressar
e comunicar suas ideias matemáticas e assim compreender as
atividades propostas. Ressalta-se a importância de considerar as
experiências dos alunos da EJA, como elemento intrínseco à cultura.
Josefina Kuingo Daniel e Stela Miller se dedicam a relevante
discussão sobre a apropriação de conceitos científicos e a necessidade
de ampliação da discussão sobre a renovação dos programas de ensino.
Trata-se de estudo cujo objetivo é analisar a temática da educação de
jovens e adultos, EJA, no contexto da contribuição da atividade de
estudo no processo de ensino e aprendizagem sobre conceitos
científicos, tarefa compreendida como capacidade desenvolvida
mediante ação sistemática e planejada da escola. Busca analisar os
fundamentos que monitoram de forma teórica uma sequência de
elaboração de estratégias e organização do processo de ensino e
aprendizagem nas atividades em sala de aula, tendo em conta a
complexidade da EJA. Aborda o problema da relação entre ensino e
aprendizagem em perspectiva de reflexão, de desenvolvimento
intelectual e pensamento crítico-reflexivo, planejado com base em
conhecimentos específicos obtidos no âmbito das ações de ensinar e
de aprender dos sujeitos envolvidos no processo, o professor e aluno.
27
Os resultados indicam que essa mediação pedagógica, aprendizagem-
desenvolvimento, no contexto da atividade de estudo, fornece uma
contribuição na transformação qualitativa da relação dos sujeitos da
aprendizagem com o meio social, o mundo, e na transformação da
sua personalidade mediante os fundamentos da abordagem
metodológica e pedagógica da aprendizagem, pelo diálogo, pelo
currículo como ação compartilhada, na articulação aprendizagem e
desenvolvimento cognitivo do sujeito.
Dito isso, no conjunto de textos a compor a coletânea
sobressai a compreensão do ato de educar como uma dimensão
política, para muito além da dimensão técnica, porquanto envolve
relações de poder que se estabelecem mediante as relações de saber.
As relações entre os atores sociais na escola reproduzem a rede de
relações de poder situada no âmbito da sociedade consolidando uma
expressão potencializada dos elementos que configuram o sistema de
ensino no sentido de disseminação de conceitos, ideias, crenças e
valores.
Compreender como essas relações se processam implica em
definir como o poder atua sobre os indivíduos e a sociedade,
desvendando o sistema de ideias e conceitos que possibilitam que elas
se realizem de fato. Dessa forma, todo conhecimento é carregado de
sentidos, ideias e valores, de forma que o ensino é um instrumento de
formação social que molda os indivíduos de acordo com os preceitos
daqueles que detém a primazia nas relações de poder.
No caso da EJA, em um contexto de educação inclusiva e de
busca de universalização do ensino, a escola básica recebe um
contingente de alunos com perfil sociocultural heterogêneo e que
transita, antes da escolarização formal, seja qual for a sua origem, por
um universo amplo de informação e comunicação, o que exige
28
adequação dos programas de ensino e, por consequência, do processo
de formação de professores sintonizados com essa nova realidade.
Claramente marcada pela concepção internalista de
organização dos programas de ensino, concebendo o processo de
ensino da forma como cada especialista concebe a sua ciência, um dos
grandes desafios para a formação de professores revela-se na
necessidade de atendimento das especificidades do trabalho educativo
relativamente às diferentes etapas da vida dos estudantes, superando
a visão segmentada do desenvolvimento e da aprendizagem. Por esse
corolário, não é o desenvolvimento que promove a aprendizagem; é a
aprendizagem que provoca o desenvolvimento das pessoas, como já
bem definiu a teoria histórico-cultural.
O problema exige considerar, um pouco mais, no
desenvolvimento dos programas de ensino na EJA, os artefatos
socioculturais que se revelam nas práticas que os alunos desenvolvem
diuturnamente antes de chegarem à escola, seja no contexto de
experiências anteriores de letramento, em atividades lúdicas, no
trabalho ou em inúmeras práticas sociais que permitiriam considerar
a concepção externalista de organização do currículo escolar.
Isso traz consequências para a organização dos programas de
ensino na EJA, especialmente quanto a considerar as relações entre
cultura, ciência, educação e sociedade. Como uma concepção geral da
educação, a educação popular chegou a opor-se à educação de jovens
e adultos impulsionada pelo Estado e tem ocupado os espaços que a
EJA oficial não contemplou de maneira mais efetiva. Por isso, é
necessário definir bem os conceitos postos no âmbito dessa discussão.
Um dos princípios originários da educação popular é a busca
de consolidação de uma epistemologia baseada na consideração e no
respeito pelos saberes e conhecimentos, em geral de senso comum,
dos quais são detentores as classes populares, problematizando-os,
29
com vistas ao desenvolvimento de um pensamento mais crítico,
rigoroso, científico e unitário.
Trata-se de pensar um processo sistemático de participação na
formação, fortalecimento e instrumentalização das práticas e dos
movimentos populares, visando a passagem do saber popular ao saber
sistematicamente organizado.
Esperamos, com esses olhares, que a coletânea possa ser útil
na ampliação do debate sobre a educação de jovens e adultos, no
contexto da educação popular, ambas então concebidas como
instâncias fundamentais do propósito de educação como Direito
Público Subjetivo, o que esperamos seja efetivado no âmbito da
sociedade brasileira em transformação.
José Carlos Miguel e Rodrigo Martins Bersi
30
31
https://doi.org/10.36311/2024.978-65-5954-467-7.p31-36
Prefácio
Com importantes reflexões sobre o campo da EJA a obra
evidencia a complexidade e a multidisciplinaridade de maneira
contundente a partir da perspectiva de formação integral e
humanizadora dos sujeitos. A partir da compreensão normativa da
educação e em especial da educação ao longo da vida como um direito
público e subjetivo dos sujeitos, o livro retrata a urgência dos debates,
com ricas análises de aspectos socioculturais e socioeconômicos, sem
perder de vista a reflexão crítica sobre a prática docente e abordagens
metodológicas.
O aprofundamento consiste na compreensão crítica entre os
autores da não dicotomia entre teoria e prática, não reduzindo a
metodologia a instrumentalização do fazer pedagógico e escapa de
reducionismos ao estudar a perspectiva teórica sobre a atuação em
EJA em sua complexidade e significações. Dessa maneira a obra situa-
se no campo multifacetado da EJA mobilizando saberes em uma
unidade dialética de teoria e prática.
A publicação está inserida em um contexto histórico de
embates políticos e sociais, de recorrentes reformas estatais e na
retomada das atividades presenciais após o fechamento dos
estabelecimentos em decorrência da COVID-19, assim está localizada
em um momento histórico de profundas mudanças no cenário
político e social. O debate surge neste contexto de lutas pelo acesso e
permanência à educação e por uma educação de qualidade para todos,
além dos impasses quanto aos objetivos e métodos do ensino.
32
O posicionamento político situa a obra na militância por uma
educação mais inclusiva e de formação integral, que considera os
sujeitos em sua complexa constituição humana e em seu fazer-se
enquanto identidades no contato social, assim admite-se o preceito
constitucional conquistado da educação ao longo da vida e de seu
caráter de direito público e subjetivo dos sujeitos. Dessa maneira,
além da obra articular teoria e prática como uma unidade dialética,
compõe também instrumento de ação política sobre o campo da EJA
e seus embates atuais.
A educação de adultos aparece portanto como objeto de
estudo que permite reunir em sua composição variados aspectos que
possibilitam visualizar a diversidade imbricada em seus atores e a
complexa constituição do campo. As análises políticas e leituras
históricas, assim como as interpretações pedagógicas retratam a
transdisciplinaridade da EJA e seus multifacetados atores e interesses.
Como uma composição coletiva de várias mãos durante toda
a obra se estuda a inter-relação teoria e prática como facetas
imbricadas de um mesmo aspecto e se evidencia a diversidade de
abordagens teóricas e práticas possíveis. Dessa maneira, não temos
somente um livro de boas práticas ou de importantes reflexões
teóricas, mas uma obra integral que consegue articular teoria e prática
em suas páginas, sempre articulada com a necessária intencionalidade
política e social da atuação na EJA.
Resultado de uma composição cooperativa a junção dos
autores e seus capítulos nesta obra reúne uma rica diversidade de
referenciais bibliográficos que ampliam o campo interpretativo sobre
o fenômeno da EJA em seus mais diferentes aspectos e perspectivas de
análise. Há portanto uma dinâmica variedade de informações que
levam o leitor a reflexões sobre o campo e possibilita pensar os
aspectos da educação de adultos para além de seu fim instrumental
33
para tornar-se fonte de fruição crítica e de problematização teórica
acerca dos temas em estudo.
A diversidade é elemento incontornável para o(a) educador(a)
na EJA por se tratar de um campo com incrível variedade de sujeitos
e de subjetividades, além dos aspectos socioculturais e
socioeconômicos diversos em sua constituição histórica. Assim,
apresenta uma incrível variedade de temas que compõem a
problemática da educação de adultos no cenário nacional e cumpre a
tarefa de contemplar a riqueza teórica e interpretativa sobre cada
temática em estudo.
O aspecto transdisciplinar da EJA fica evidente nas
abordagens históricas, filosóficas, psicológicas, didático-pedagógicas e
sociológicas. Vemos importantes contribuições que fazem reflexões
sobre a composição histórica da EJA no Brasil, suas lutas e
complexidade de composição, assim como seus atores e atuação
política. Aqui ainda vale destacar que não se trata de uma constituição
espontânea ou fatalística da EJA, mas do resultado de decisões e
impasses vivenciados por sujeitos históricos na constituição nacional
deste campo.
As contribuições vão além de relatar fatos históricos ou de
apresentar de maneira sistematizada os acontecimentos e agentes, e
conduzem o(a) leitor(a) para o diálogo com os textos, para então por
meio de sua própria fruição realizar reflexões singulares sobre as
críticas e análises fundamentadas e sistematicamente organizadas na
obra. Propicia-se um engajamento teórico e prático acerca dos
variados temas estudados e consequente reflexão crítica sobre essas
práticas e teorias.
As heranças históricas são desnudadas para problematizar e
desnaturalizar construções sociais que ao olhar inicial não estão
evidentes. Para tanto, há importantes análises que contribuem para
34
pensar a constituição do campo em sua profundidade histórica e
qualidade de seus sujeitos.
Além de análises de macroestruturas e ricas sistematizações, a
coletânea de textos traz também importantes contribuições no nível
da infraestrutura e composições do cotidiano. Planejamentos e planos
de ensino são encontrados ao percorrer a obra e propõem um
enriquecimento teórico e prático no campo da EJA. Assim, mais uma
vez evidencia-se a unidade dialética da inter-relação teoria e prática.
A EJA na obra é caracterizada na perspectiva de política
pública, de direito público e subjetivo inalienável, e de
responsabilidade do Estado, passando por mobilizações da sociedade
civil e da educação popular. Na constituição do campo faz-se enxergar
a educação de adultos como campo de múltiplas atuações políticas e
lutas. Situamos a obra nas perspectivas de libertação, de emancipação
e de pronúncia de mundo pelos sujeitos.
A leitura nos possibilita o encontro com propostas práticas e
bem fundamentadas que aproximam a educação de adultos ao
paradigma de educação inclusiva, integral e humanizadora, que tem
por objetivo a emancipação dos sujeitos pela tomada de consciência
crítica, interpretação e pronúncia autônoma da realidade. Vemos um
coletivo de riqueza teórica e prática intimamente articulada.
As reflexões permitem ao leitor superar uma concepção
utilitarista de autores e do próprio campo da EJA, contribuindo para
o desenvolver de uma nova consciência crítica capaz de interpretar
nos conceitos as inter-relações que constroem seus significados
internos. Dessa maneira realiza-se a explicação dos fenômenos em
estudo em suas conexões internas, profundidade conceitual e
complexidade constitutiva.
Do desenvolvimento da consciência crítica sobre o campo
surgem intersecções teóricas interessantes trabalhadas na obra e que
35
incidem diretamente sobre o fazer pedagógico na EJA, suas questões
teóricas e implicações práticas. Pensar sobre a prática nesta obra
significa um novo pensar. Refletir sobre a nova prática a partir da
nova teoria neste fluxo imbrica em novas maneiras de pensar o fazer
pedagógico fundamentado e sobre o agir político do educador
enquanto forma de ser e de agir no mundo, de pronúncia da realidade.
Consciente da não completude da realidade e de seu caráter
de constituição constante pelos viventes a publicação tem
intencionalidade político-pedagógica ao posicionar-se e articular
teoria e prática na ação consciente na EJA. A práxis libertadora,
emancipadora ou progressista na educação exige a diversidade pela
inclusão escolar, pela liberdade e autonomia dos sujeitos e por meio
da reflexão crítica dessa mesma prática fundamentada na teoria.
Essa importante atitude política e pedagógica possibilita ao
leitor além de juntar as informações necessárias sobre este campo
político, pedagógico e social, também situa um posicionamento dos
sujeitos para uma concepção crítica sobre a EJA. Permite ainda a
transformação do próprio sujeito leitor, que ao dialogar com os
autores além de acessar uma sistemática bem fundamentada também
se articula entre seus pensamentos, concebendo outras maneiras de
pensar os objetos de conhecimento e assim colaborando para a sua
própria maneira de pensar e agir no mundo.
A leitura portanto é pertinente desde pesquisadores na área,
trazendo contribuições atuais para o campo de pesquisa, quanto para
profissionais da área ao abordar reflexões críticas sobre a teoria e a
prática na EJA. Ressalta-se aqui a perspectiva do(a) professor(a)-
pesquisador(a) como aquele(a) profissional que se permite pensar
sobre a sua própria prática e assim refletir sobre novas práticas e sobre
novas teorias.
36
Neste contínuo de pensar e repensar a prática é que está
situada a atualidade da obra, pois traz pesquisas em curso e novos
pensares que contribuem para o fazer científico e para o
desenvolvimento teórico e prático no campo da EJA. Desejamos
assim uma ótima leitura, na certeza de encontrar uma obra repleta de
informações e reflexões que compartilham práticas de pesquisas e
cooperam com reflexões críticas sobre a EJA.
Rodrigo Martins Bersi
37
https://doi.org/10.36311/2024.978-65-5954-467-7.p37-56
EDUCAÇÃO POPULAR:
UMA PEDAGOGIA MOBILIZADORA PARA A
DESCONSTRUÇÃO DO COLONIALISMO
Jaqueline Rodrigues Ferreira
3
Jessyca Eiras Jatobá Santos
4
Leticia Florencio Vieira
5
Introdução
No conjunto, em seus quarenta anos de produção intelectual, Freire denunciou
distintos aspectos do colonialismo e da colonialidade: a educação bancária, a cultura
do silêncio, a invasão cultural, a violência, a desumanização, o patriarcado, o racismo,
o latifúndio, o autoritarismo político, o assistencialismo, a situação de dependência dos
países periféricos em relação aos centrais e o cientificismo.
(MOTA NETO e STRECK, 2019, p. 214)
3 Professora na Educação Infantil na rede pública de Marília- SP. Formação em Geografia,
Pedagogia, Mestre e Doutoranda em Educação pelo Programa de Pós-Graduação Unesp-
Faculdade de Filosofia e Ciências - Marília-SP, Linha de Pesquisa Filosofia e História da
Educação do Brasil. e-mail: jaqueline.rodrigues@unesp.br
O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal
de Nível Superior -Brasil (CAPES) Código de Financiamento 001
4 Doutoranda em Educação - U
NESP, Marília SP. Mestre em Filosofia - UNESP. Graduada
em Filosofia - UNESP. e-mail: jessyca.eiras@unesp.br
5 Professora na Educação infantil, rede privada de Marília. Formação em Pedagogia -
UNESP. Mestre em Educação pela UNESP. E-mail: leflovieira@gmail.com
38
No Brasil o acesso à escola para as classes populares se inicia
de maneira restrita no início no século XIX, haja vista que neste
período ainda vivíamos o processo de escravidão no país. No início
do século XX, com o processo de urbanização em desenvolvimento,
surge a necessidade cada vez maior de erradicação do analfabetismo.
Logo, a constituição da escola brasileira não possui como preocupação
a formação humana, conforme denota Gondra (2018, p. 23), ela se
constitui como espaço de disseminação de determinados saberes que
constituem um determinado patrimônio cultural, para atender as
necessidades de uma nova economia industrial em ascensão, ou seja,
saber ler, escrever, os conhecimentos aritméticos básicos, entre outros,
sob a submissão e tutela do Estado, “de modo a assegurar a realização
do projeto de modernização”. A instrumentalização do saber longe de
refletir uma suposta neutralidade revela sua submissão às relações de
poder.
Como aponta Boff (2015), a caracterização da educação como
algo contraposto ao popular veicula um projeto de exclusão e
dominação. Segundo o autor, a especificidade da categoria “povo”,
que foi historicamente localizada entre a massa e a elite, denuncia a
estrutura que coloca um grupo acima dos outros, em outras palavras
há um grupo detentor do saber, e, portanto, do poder. Em suas
palavras: “A elite possui o ethos, seus hábitos e sua linguagem. Face a
ela, surgem os nativos, os que não gozam de plena cidadania, nem
podem elaborar um projeto próprio. Assumem assim, entretanto, um
projeto das elites.” (BOFF, 2015, p. 1)
Portanto, os saberes instituídos na escola brasileira se
consolidaram para atender as necessidades de uma elite colonial e
industrial em desenvolvimento no país, a qual valorizava um currículo
com base no desenvolvimento tecnológico e em virtude da crescente
“racionalização da vida” (GONDRA, 2018, p. 40), ao considerarmos
39
o avanço da modernidade e do desenvolvimento industrial no Brasil.
Este processo de desfiguração e fabricação de uma escola para atender
as necessidades de multinacionais e de um mercado internacional se
consolidou com grande intensidade a partir da década de 1950, em
virtude da abertura econômica e dos investimentos de países da
Europa e dos Estados Unidos para a consolidação de uma indústria
“brasileira”.
Neste contexto, de acordo com Paludo (2015) a Educação
Popular assume o papel político e para a formação e emancipação
humana, na consolidação de uma pedagogia decolonial
6
, bem como,
no fortalecimento de um processo de luta e resistência das classes
populares, no estabelecimento de um projeto de educação a partir da
realidade dos sujeitos, ou seja, na constituição de uma prática
educativa como instrumento para a liberdade e construção do
conhecimento, frente ao projeto hegemônico a partir dos anos de
1970, com a mercantilização da educação no Brasil. Neste contexto,
o que se afirmava como primazia da educação era o trabalhar com o
povo e não para o povo o que se equipara a trabalhar sobre ele e
incluí-lo em tudo o que favorecesse a formação da consciência,
autoconsciência e autogoverno.
6 Apesar dos ideiais da decolonialidade já existirem, de acordo com Ballestrin (2013, p. 89)
o conceito da decolonialidade passa a ser discutido em âmbito acadêmico no final da década
de 1990 a partir do Grupo Modernidade/Colonialidade, constituído por um coletivo de
pensadores e intelectuais latino-americanos de diferentes universidades do continente ameri-
cano. De acordo com a autora, "o coletivo realizou um movimento epistemológico funda-
mental para a renovação crítica e utópica das ciências sociais na América Latina no século
XXI: a radicalização do argumento pós-colonial no continente por meio da noção de “giro
decolonial”.
40
Educação Popular:
caminhos possíveis para uma pedagogia decolonial
De acordo com Pinho, Soares e Silva (2020, p. 409) os
movimentos de educação e cultura popular se fortaleceram durante o
final da década de 1950, pois neste período o Brasil vivia grandes
“preocupações dos intelectuais, políticos e estudantes com a
participação política das massas em meio ao processo de tomada de
consciência da problemática brasileira”. Ou seja, havia a preocupação
de ruptura da dependência brasileira dos países do exterior, tanto
economicamente, quanto no que tange à cultura e à educação.
Os diversos grupos lançam-se ao campo da atuação educativa
com objetivos políticos claros e mesmo convergentes, embora
cada um deles enfocasse o problema à sua maneira e mesmo
lutassem entre si. Pretendiam todos a transformação das
estruturas sociais, econômicas e políticas do país, sua
recomposição fora dos supostos da ordem vigente; buscavam
criar a oportunidade de construção de uma sociedade mais justa
e mais humana (PAIVA, 2003, p. 258 apud PINHO; SOARES
e SILVA, 2020, p. 409).
Desta maneira, podemos inferir que a Educação Popular
surge como uma necessidade perante ao colonialismo moderno
instaurado sobre o Brasil, pois, tendo em vista a subordinação
política, cultural e econômica, isto é, de um modelo econômico a
partir da industrialização, a qual “forjada no ideário do crescimento
econômico e não no desenvolvimento humano e, portanto, social;
nunca deixou de estar ligada aos interesses internacionais
(PALUDO, 2015, p. 222). Ou seja, no impedimento de uma
autonomia nacional, que pudesse superar o colonialismo. Contudo, a
despeito da efetivação de tal projeto de Educação Popular, retoma-se
41
o velho projeto de subordinação. Como aponta Paludo (2015), após
o movimento de Educação Popular há o desenvolvimento de um
novo projeto hegemônico, por meio de ideologias que fomentam a
transformação da Educação em mercadoria.
Em 1970, segundo a autora, presenciou-se o surgimento de
uma nova ordem internacional que emerge como consequência da
crise do capital. O mercado se erige como instância reguladora da
sociedade, onde se inclui a educação, que incorpora valores
capitalistas tais como competitividade, meritocracia e individualismo.
Anteriormente a isso, encontramos o regime ditatorial que
nos anos de 1960 nos países da América Latina foi utilizado como
instrumento político de poder na sustentação dos ideários
estrangeiros. No Brasil, este processo desencadeou ao mesmo tempo
o processo de luta e resistência dos movimentos culturais e populares
dos povos latino-americanos, entre eles, a Educação Popular, no
questionamento da subalternização dos conhecimentos produzidos
pelos grupos oprimidos, na proposição de um “paradigma outro”
(MOTA NETO, 2018, p. 3) na inclusão de conhecimentos
subalternizados e invisibilizados por valores culturais dominantes.
De acordo com Mota Neto (2018, p. 4) o fim do colonialismo
não significou o término das desiguais relações de poder, com a
industrialização e a tecnologia do capitalismo global, o que houve na
verdade foi a ressignificação destas relações pelo capitalismo e
mediante uma colonialidade global. Deste modo, para a superação
das formas de opressão decorrentes da colonialidade e da
modernidade, para este autor a perspectiva decolonial da Educação
Popular desenvolvida a partir do pensamento de Paulo Freire traz à
tona uma resposta perante a colonialidade “[...] e, sobretudo, por
apresentarem elementos de descolonização do pensamento, do fazer
científico e da pedagogia”.
42
A construção da perspectiva decolonial se dá mediante o diálogo
com formas não ocidentais e não acadêmicas de conhecimento,
mas também encontra inspiração em um amplo número de
fontes teóricas produzidas no Sul global, como a América Latina,
África e Ásia. Segundo Escobar (2003), algumas destas fontes são
a teologia e a filosofia da libertação, a teoria da dependência, o
grupo sul-asiático dos estudos subalternos, a teoria feminista
chicana, a teoria pós-colonial e a filosofia africana. (MOTA
NETO, 2018, p. 4).
A respeito da decolonialidade, Aníbal Quijano irá trabalhar a
partir da colonialidade do poder, enfatizando “que as relações de
colonialidade nas esferas econômica e política não findaram com a
destruição do colonialismo” (BALLESTRIN, 2013, p. 99). Do
mesmo modo, Ballestrin (2013) identifica as discussões realizadas na
área da semiótica por Walter Mignolo, o qual irá considerar o
problema da colonialidade do saber, de acordo com este autor, essa
elaboração intelectual eurocêntrica se consolidou “associada à
específica secularização burguesa do pensamento europeu e a
experiência e às necessidades do padrão mundial de poder capitalista,
colonial/moderno, eurocentrado, estabelecido a partir da América.
(QUIJANO, 2005, p. 9, apud BALLESTRIN, 2013, p. 103-104).
Aníbal Quijano (2005) propõe o termo colonialidade para
denunciar a dominação que persiste nos sistemas coloniais, mesmo
depois do fim das colônias territoriais. A lógica capitalista, europeia,
nortecentrada, impõe padrões de poder e de saber ao que se faz
necessária e urgente uma perspectiva decolonial. Segundo Leite
et. al., (2019) abordagens decoloniais são narrativas de denúncias dos
processos de colonização engendrados pela Europa. Segundo os
autores, dentre outros aspectos, tais processos se legitimam por
discursos expressos sob dualismos: “cultos vs. incultos, civilizados, vs
43
incivilizados, modernos vs em estado de natureza [...]” (LEITE et al.,
2019, p. 3).
O caráter do conhecimento que se coloca como referencial
para todos, mas que parte de um grupo com interesses específicos está
sendo cada vez mais denunciado pelos grupos que são oprimidos por
esse conhecimento. Sendo de muita relevância a consonância dessas
“contra-visões” no que diz respeito à captação dos padrões do discurso
ocidental legitimadores de relações de opressão ou, na
conceitualização de Joy (2019), das meta-narrativas de opressão).
Aníbal Quijano (2005), em suas reflexões sobre a
colonialidade nos permite estender essa percepção às relações de
dominação raciais. Ele compreende que o dualismo contribuiu
fortemente para a classificação de raça e gênero. Este autor aponta que
a separação entre corpo e alma, promovida por Descartes, na qual o
corpo se torna objeto e a categoria de sujeito se torna exclusiva da
razão sustentou a categorização europeia de outras raças como
inferiores por não constar nesta categorização de seres racionais: São
objetos de estudo, “corpo”, em consequência, mais próximos da
natureza. Em certo sentido, isto os converte em domináveis e
exploráveis. De acordo com o mito do estado de natureza e da cadeira
do processo civilizatório que culmina na civilização europeia, algumas
raças negros (ou africanos), índios, oliváceos, amarelos (ou
asiáticos), e nessa sequência estão mais próximos da natureza que os
brancos. (QUIJANO, 2005, p. 129).
É dessa maneira que, segundo o autor, a cultura europeia
mantém uma relação com outras culturas como uma relação entre
sujeito e objeto. Qualquer ser humano que não apresente o padrão de
racionalidade da cultura europeia é automaticamente considerado
mais próximo da natureza (um conceito de natureza/corpo
completamente esvaziado) e, portanto, inferior. Em suma, na esteira
44
da separação e dicotomização da realidade se promove a
desumanização de humanos não europeus. Pressupostos filosóficos,
portanto, sustentam a dominação e por esse motivo Krenak afirma:
A ideia de que os brancos europeus podem sair colonizando o
resto do mundo estava sustentada na premissa de que havia uma
humanidade esclarecida que precisava ir ao encontro da
humanidade obscurecida, trazendo-a para essa luz incrível. Esse
chamado para o seio da civilização sempre foi justificado pela
noção de que existe um jeito de estar aqui na terra, uma certa
verdade ou uma concepção de verdade, que guiou muitas
escolhas falsas em diferentes períodos da história (KRENAK,
2009, p. 11).
Segundo Quijano (2005) a própria noção de progresso é
pensada em relação a uma narrativa da história humana como tendo
saído do estado de natureza rumo à civilização que é a Europa.
Boaventura de Souza Santos (2007) ressalta que isso fez com que a
cultura europeia e os próprios seres humanos europeus se
concebessem como não contemporâneos de outras culturas e outros
humanos concebendo a si mesmos como mais avançados ou mais
desenvolvidos (tecnologicamente, cognitivamente, humanamente).
Quijano aponta que dessa maneira as diferenças entre os humanos
passam a ser consideradas “de natureza” e compreendidas através do
conceito de raça, que legitima o domínio de um grupo sobre os
outros, uma raça superior que teria precedência em direitos sobre as
demais quando não responsável pelo auxílio das demais raças na
evolução rumo a um ideal de humanidade.
Segato (2021) em comentário à perspectiva da colonialidade
do poder de Aníbal Quijano, aponta como categorias epistêmicas
hierarquizantes constroem-se sobre a racialização dos sujeitos, que é
45
por sua vez criada com a finalidade da exploração do trabalho. Há,
segundo a autora, uma profunda relação entre a construção de uma
certa concepção epistemológica e a colonialidade.
Paulo Freire (2021) veio ao encontro dessa compreensão ao
refletir sobre a educação bancária, prática dominante nos sistemas
escolares. Ele define a ação do educador que se coloca fora e acima do
educando, lhe transmitindo conteúdos, como uma prática
colonizadora. Freire compreende que, na prática educacional, a
separação entre sujeito e objeto, determina educador (sujeito) e
educando (objeto) dentro de uma relação de poder, gerando um ato
de conquista, no qual: “[...] o sujeito da conquista determina sua
finalidade ao objeto conquistado, que passa, por isso mesmo, a ser
algo possuído pelo conquistado” (FREIRE, 2021, p. 186).
O professor colonizador transforma o educando em um
hospedeiro de seus conhecimentos e assim o aliena, objetificando-o.
A educação bancária reifica os sujeitos lhes roubando a liberdade.
Nesse sentido, compreende-se que uma Educação popular, em
consideração e respeito da subjetividade/cultura dos sujeitos
envolvidos é motor de sua liberdade e emancipação, tanto individual
como política.
Deste modo, compreende-se que a Educação Popular é
composta pelos pressupostos de uma pedagogia decolonial, a qual é
constituída por um conjunto de:
teorias-práticas de formação humana que capacitam os grupos
subalternos para a luta contra a lógica opressora da
modernidade/colonialidade, tendo como horizonte a formação
de um ser humano e de uma sociedade livre, amorosa, justa e
solidária (MOTA NETO e STRECK, 2019, p. 209).
46
Podemos citar alguns dos fundamentos teóricos e
metodológicos da prática pedagógica da Educação Popular, entre eles,
o diálogo e a cultura na ruptura da dicotomia entre sujeito e objeto
na construção do conhecimento. Na escola atual o conhecimento
possui um caráter instrumental, em que a cultura dos sujeitos
educandos e o diálogo entre os mesmos são pouco valorizados na
prática docente, haja vista o modelo hegemônico vigente da escola
delimitado sob uma lógica mercantilista. De acordo com Sanceverino
(2016, p. 468), “a educação dialógica é um momento mais que
cognitivo e racional, pois engloba dimensões outras, como a
afetividade, a sensibilidade, a intuitividade e as intencionalidades”. A
educação dialógica valoriza a dimensão subjetiva promovendo a
humanizão. A mudança de foco do objetivo para o subjetivo no
plano da educação é promotora da emancipação do ponto de vista
político. Como aponta Kilomba:
sujeitos o aqueles que têm o direito de definir suas próprias
realidades, estabelecer suas próprias identidades, de nomear suas
histórias. Como objetos, no entanto, nossa realidade é definida
por outros, e nossa história designada somente de maneiras que
definem (nossa) relação com aqueles que são sujeitos. Essa
passagem de objeto a sujeito é o que marca a escrita como um ato
político (KILOMBA, 2015, p. 28).
A educação, portanto, não pode prescindir do entendimento
de que somos seres socialmente criadores de cultura e, assim, dos
significados de nossa inserção no mundo. Dessa maneira efetivarmos
nossa liberdade. Nesse sentido, uma educação libertadora deve
necessariamente avançar contrariamente à subalternização dos
símbolos, valores, práticas e crenças dos povos inferiorizados ao longo
da história. Ir contra a objetificação dos sujeitos significa realizar um
47
trabalho crítico no âmbito da cultura, tornando os sujeitos
autônomos em sua apropriação do mundo (tanto o mundo objetivo
como o mundo cultural). Nesse sentido, em substituição ao sujeito
pensante universal (criador de dicotomias e relações de poder), faz-se
necessário colocar subjetividades históricas e localizadas cultural-
mente. O engajamento na realidade acontece simultaneamente à
libertação; liberdade e enraizamento não estão separados. Nesse
sentido, quando nos voltamos à cultura dos povos, aquilo que
demarca nossa identidade, em nosso território e história, pode ser
elemento chave para a construção de uma educação emancipatória.
Decolonialidade e imersão no mundo da vida
Para Kusch, segundo Carvalho e Tasat (2020) o
desengajamento da realidade sob o ideal de universalidade expressa os
símbolos de uma cultura que nega seu medo, sua vulnerabilidade
escondendo-se por detrás de um conhecimento que torna tudo
previsível, estático, no modo do passado, congelando tudo,
“limpando” as contradições ou as partes que situam nosso olhar, para
que possamos ser um “olho que tudo vê” descolado e acima do
mundo. Esse olhar nega tudo o que é transbordamento da vida, aquilo
que não se pode controlar ou prever, o novo, o absurdo, o imprevisto.
Assim resta-nos apenas a coisa. Sobra-nos para conhecer
apenas o objetivo, ou o objetificável. Apagando contradições, cria-se
o conceito, aquilo que de acordo com o ponto de vista moderno
compõe o conhecimento. Carvalho e Tasat (2020) chamam-nos a
atenção para o quanto aquilo que é compreendido modernamente
como princípios da lógica ou da construção do conhecimento e do
discurso científico e filosófico traz em si modos de relação e uma
tessitura simbólica de interação social e com o mundo. Pensar que
48
algo deve ser igual a si mesmo anula a diversidade e o movimento,
pensar que as coisas não podem ser e não ser ao mesmo tempo anula
a imaginação. Como aponta Tasat (2020), para muitos povos
originários, uma montanha é e não é uma montanha ao mesmo
tempo, ela pode ser por exemplo, uma montanha e um avô.
Segundo o autor, contraposição à forma conceitual, Kusch
evidencia a importância da forma simbólica de conhecer. Esta forma
reflete os transbordamentos da vida, pois carrega em si aberturas,
porosidades, elementos não racionais, a dimensão afetiva, de emoção,
do sonho, do sensível. O símbolo também traz uma dimensão
holística e cosmológica, de todo, de conectividade (em contraposição
à forma analítica e parcial do conceito).
Segundo Tasat (2020), o movimento simbólico do viver põe
um vínculo, pois, quando vemos a montanha como o avô, por
exemplo, colocamos também um modo de relação que é vincular e
não instrumental, a montanha não é uma coisa. Os símbolos, são as
paisagens que habitamos. Os símbolos dizem respeito a cultura,
modos de relação, literal e figurativamente o solo que habitamos.
Sempre partiremos dos símbolos. Mesmo a cultura clara e esclarecida,
tecnológica e cética tem seus símbolos. Seu solo, seus mitos, seu
projeto histórico cultural: “a tecnologia salvará o mundo”, por
exemplo.
A questão é que sempre somos parte de algo que não podemos
claramente enunciar e achar que não temos ponto cego, é nos
perdemos naquilo que somos. Nesse sentido devemos, como nos
indica Kusch, ir muito além do óbvio. Olhar para o que já es
assentado (e que assenta) em nossa realidade e observar isso como algo
que foi colocado ali, como um modo possível de existir em
contraposição a outros possíveis.
49
E é diante desses outros possíveis que Kusch busca o fundo
comum das humanidades chamando atenção para algo que nós
perdemos e que está preservado entre os povos originários. Um olhar
para a diversidade epistemológica serve não apenas para questionar a
hegemonia de uma forma de conhecer, mas pensar formas mais
sintonizadas aos nossos processos de vida. Estas formas devem não
apenas ser levadas em consideração, mas nos servir de exemplo. O
filósofo propõe que nos voltemos às formas originárias de se viver,
conviver e conhecer, formas essas que resistiram aos impérios. Como
aponta Carvalho e Tasat (2020), a sabedoria que vem detrás das
montanhas, que tem tanta força de vida, que às vezes a modernidade
não entende, mas necessita para conviver.
Segundo Carvalho e Tasat (2020) conservamos, aquilo que
entre os povos originários desabrocha, em nossos ritos cotidianos,
sem, no entanto, perceber esta ligação. Quando, por exemplo,
torcemos para nosso time, fazemos simpatias cotidianas, remetemos à
essa dimensão primeira que emana a sacralidade e o rito. Em nossa
própria vida encontramos o reflexo do ancestral. E isso reflete a densa
unidade de onde se dá a vida. E por essa densa unidade se interessam
os deuses. E em nossos processos viventes nos aproximamos mais de
Deus, em um sentido que é ao mesmo tempo de sacralidade, diante
do mistério e de criação. Permitir nos assombrarmos com a vida
veicula processos criativos. O desencantamento da vida suprime esta
parte de nós que pulsa e que cria. E cria uma dinâmica de enunciação
cauterizante, mortificante e limitante. E não poderia ser diferente na
paisagem pós apocalíptica do capitalismo. Quando refletimos acerca
do projeto histórico vincular de humanidade do ponto de vista da
educação, podemos perceber que há pouca afinidade entre ele e o que
se realiza de forma predominante na educação escolarizada. Em
diversas dimensões, aquilo que se realiza na escola separa os sujeitos,
50
os opõe, estabelece relações de comparação e hierarquia, os
condiciona a propósitos alheios, a um tempo alienante, a atividades
desconectadas de seu mundo próprio e antidialógicas.
Em contraposição, em contextos e interações sob a alcunha de
cultura popular, onde os indivíduos, juntos, no mundo da vida
interagem rumo a um propósito comum, onde compreendem aquilo
que produzem como proveniente deles, há um forte senso de
integração e cooperação. É, claro que em um sistema que cinde
campos simbólicos, submetendo uns aos outros, os sujeitos têm sua
capacidade de “navegação cultural” infiltrada, e vivem as
ambiguidades da colonização, tendo, ao mesmo tempo, referências
autenticamente suas e sendo “hospedeiro de outras”. Contudo, cabe
ressaltar, que aquilo que emerge da liberdade e do verdadeiro vínculo
humano nos povos ainda resiste em comunidades tradicionais em sua
disfuncionalidade ao capitalismo. Sua invisibilização não significa sua
morte, e sua persistente presença representa a grandeza de sua força.
Também significa que tais comunidades são educadoras no
que diz respeito ao conjunto de sua densidade simbólica. Sua
vincularidade é representada não apenas no que conseguem
estabelecer em termos de relações humanas, auto-organizadas e
horizontalizadas, mas em termos de suas relações próprias com a
natureza. Se quisermos a verdadeira libertação de um sistema que
desumaniza, precisamos pensar uma educação que estimule a conexão
entre os humanos com o propósito de ampliação de sua liberdade e
pensar uma educação que fomente a liberdade humana a partir da
integração do humano a si mesmo e aos cosmos.
51
Considerações finais
Na atualidade a constituição do conhecimento no espaço
escolar ainda está atrelada a colonialidade. Logo, a Educação Popular
desenvolvida tanto em espaços educativos oficiais, como nos
movimentos sociais demonstra ser um caminho possível e promissor
para uma formação humana, no reconhecimento da cultura e do
diálogo para a emancipação dos sujeitos. A Educação Popular possui
como práxis educativa a realidade social, na construção de um projeto
político de sociedade mais igualitária, no reconhecimento do ser
humano como sujeito histórico e produtor de cultura. O resgate
daquilo que na década de 1970 foi a contramão de um sistema de
desumanização, como um movimento de Educação Popular
efetivando a conexão entre dimensão teórica e prática se revitaliza,
hoje, com as reflexões propiciadas pela cada vez mais debatida crítica
decolonial. Pensar a revitalização da educação tem por objetivo
determiná-la como ferramenta para a autoconsciência e formação dos
sujeitos. Para que sejam capazes do exercício de sua autonomia, e para
que o conhecimento os liberte, ao invés de torná-los cativos do
sistema de dominação. E isso necessariamente perpassa a
problematização de uma epistemologia hegemônica que se coloca
como referencial para todos, assim como dos paradigmas do
pensamento ocidental, que dicotomizam a realidade hierarquizando
modos de existir.
Fecunda para repensarmos práticas educacionais será a
postura que amplia critérios epistemológicos em consonância com a
diversidade de saberes, modos de existência, e símbolos humanos. É
preciso que nos orientemos rumo a formas de pensamento que
escapem ao paradigma ocidental; assim teremos um contraponto a
partir do qual possamos observá-lo. Para que o modo de relação
52
dialógico possa ocorrer, precisamos pensar em formas de existência
vinculares, que não objetifiquem o sujeito. A educação dialógica tem
como pressuposto a existência de sujeitos vivos, imersos em suas
experiências e habitantes de um mesmo mundo, diante do qual se
colocam como igualmente humanos rumo à sua liberdade.
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CAMINHOS DIALÓGICOS NA EDUCAÇÃO DE
JOVENS E ADULTOS: REPENSANDO A LEITURA
E LITERATURA
Letícia Kondo
7
Cyntia G. G. Simões Girotto
8
Introdução
Pensar sobre a Educação de jovens e adultos (EJA) no Brasil
consiste em analisar criticamente diversas conjunturas políticas em
ação, uma vez que não existe qualquer possibilidade de neutralidade/
imparcialidade dentro da relação educação e política: não se faz
educação sem o confronto com as ideologias vigentes. Ser capaz de
questionar “Porque fazemos Educação?” / “Para que fazemos Educa-
ção no Brasil?” e buscar por respostas nos move a
Reconhecer a EJA como instância de Direito Público Subjetivo
significa assumir o direito de formação escolar como prerrogativa
inalienável de todas as pessoas e a obrigação de seu oferecimento
7 Doutoranda em Educação pela Universidade Estadual Paulista UNESP, Marília, SP.
Mestre em Educação pela Universidade Estadual Paulista UNESP, Marília, SP. Formada
em Letras pela Universidade Estadual Paulista UNESP, Assis, SP. E-mail: leti-
cia.kondo@unesp.br
8 Livre-Docente em Educação pela Universidade Estadual Paulista UNESP, Marília, SP.
Professora vinculada ao Departamento de Didática e ao Programa de Pós-graduação em
Educação da Faculdade de Filosofia e Ciências FFC UNESP Campus de Marília. E-
mail: cyntia.girotto@unesp.br
58
pelo Estado, administrador do excedente econômico. Significa
reconhecer a articulação de graves problemas sociais e políticos
como os mencionados com a pobreza absoluta, os componentes
étnico-raciais, as questões de gênero e sistema de ensino pouco
inclusivo (MIGUEL, 2022, p.11).
Ao nos abrirmos para compreensão do confronto
supramencionado, tornamo-nos capazes de descortinar os sujeitos
sociais envolvidos na EJA e avançar no compromisso com a educação
para a humanização. A partir do olhar cuidadoso para os parâmetros
sociais, constatamos a realidade desses sujeitos sociais envolvidos na
EJA: são sujeitos marcados por preconceitos relativos ao sexo, cor e
classe social pré-estabelecidas; pessoas cuja trajetória de vida refletem
a opressão e exclusão social. Logo, a alfabetização voltada a este grupo
precisa estar compromissada com um ensino crítico, capaz de libertar
e emancipar consciências.
Se buscamos essa educação emancipatória e libertária,
precisamos repensar a função da linguagem, pois ela é a responsável
por nos fazer participar das relações sociais, por meio dela somos
capazes de afetar e sermos afetados pelo Outro, ou seja, ela nos
possibilita viver em dialogia: “Viver significa participar do diálogo:
interrogar, ouvir, responder, concordar etc. Nesse diálogo o homem
participa inteiro e com toda a vida: com os olhos, com os lábios com
as mãos, a alma, o espírito, todo o corpo, os atos” (GEGE, 2013,
p.29).
Deste modo, garantir relações dialógicas nas aulas da EJA é
promover a alternância de vozes, é possibilitar que os alunos atuem
como parceiros e protagonistas do seu processo de ensino/
aprendizagem: construir relações horizontais entre professores e
alunos, nas quais as vivências desses sujeitos sejam valorizadas e tidas
como ponto de partida para as formas de construção de pensamento.
59
Partindo da premissa de que não se tem aprendizagem real e
significativa fora dos ambientes promotores da dialogia, “O papel do
professor não se reduz a ser um mero repassador de conhecimentos,
mas sim a um mediador, instigador e problematizador”
(SANCEVERINO, 2016, p. 457). É fundamental, portanto, que o
professor possa atuar criando condições de desenvolver o pensamento
crítico dos estudantes, nas palavras de Freire (1980, p.19): “Quanto
mais refletir sobre a realidade, sobre sua situação concreta, mais
emerge, plenamente consciente, comprometido, pronto para intervir
na realidade para mudá-la”.
Almejando a construção de caminhos dialógicos para a
alfabetização de jovens e adultos, bem como, a garantia de um
processo de ensino/aprendizagem significativo e preocupado com a
formação de leitores críticos - capazes de ultrapassar as barreiras do
dito e galgar pelos caminhos das entrelinhas - o trabalho com as
estratégias de leitura propostas por Girotto e Souza (2010) aponta
para as possibilidades de apropriação da cultura humana escrita, para
o processo de humanização.
Quando ensinamos para os nossos alunos os atos que
movimentamos durante a leitura, estamos ensinando que ler
ultrapassa a concepção de retirar o som das palavras. A leitura, em seu
sentido pleno, envolve a criação de signos, ou seja, é um processo
mental de construção de sentidos. Portanto, aprender a ler é aprender
a dialogar com o texto, fazer perguntas e buscar por respostas
provisórias.
Oferecer textos literários em sala de aula possibilita que nossos
alunos entrem em contato com as grandes questões humanas: sonhos,
medos, fantasias etc. Logo, tais textos promovem espaço para que
conheçamos mais sobre nós mesmos e outras culturas eles ampliam
60
nossa reflexão sobre a condição humana e, desta forma, são meios para
o processo de humanização.
Levando em consideração os aspectos supramencionados,
propomos o trabalho com o livro literário ilustrado OS INVISÍVEIS,
de Tino Freitas e Odilon Moraes, e a estratégia de leitura “conexão”,
a fim de oportunizar aos alunos momentos de reflexão sobre o ato de
ler e, ainda, sobre a condição humana de “pessoas invisíveis”, crítica
social presente na obra.
Assim, no decorrer do capítulo proposto, apresentaremos a
obra evidenciando seus detalhes estéticos e sugeriremos caminhos
possíveis de seu trabalho em sala de aula visando aproximar os alunos
da estratégia de leitura “conexão”
Se os leitores não têm nada para articularem à nova informação,
é bem difícil que construam significados. Quando têm uma boa
bagagem cultural sobre um tópico, são capazes de entender o
texto. Mas quando sabe pouco sobre o assunto abordado ou
desconhecem o formato do texto, frequentemente, encontram
dificuldades. Fazer conexões com as experiências pessoais facilita
o entendimento. As vivências e conhecimentos prévios dos
leitores abastecem as conexões que fazem (GIROTTO; SOUZA,
2010, p.66-67).
Quanto mais enredados com o texto os leitores estiverem,
mais possibilidades terão para o encontro com as vozes ali presentes,
isto é, mais dialógico se torna o ato de ler. Deste modo, alunos
tornam-se capazes de se apropriarem do verdadeiro sentido da leitura
para humanização, afinal, leitores
se formam como leitores porque aprendem a ler, não porque
pronunciam as palavras, nem porque as veem, mas porque
estabelecem ligações entre o conjunto de sentido por elas
61
formado e o conjunto de sentidos que constituem suas
experiências de vida” (ARENA, 2010, p.41).
Os Invisíveis
: diálogos sobre os autores e a obra
Tino Freitas é escritor, jornalista, contador de histórias e
mediador de leitura do projeto Roedores de Livros. Atualmente,
reside em Brasília e possui mais de vinte livros publicados; dentre eles,
alguns já receberam importantes prêmios, como o Prêmio Jabuti e o
Selo Altamente Recomendável para Crianças, da FNLIJ (Fundação
Nacional do Livro Infantil e Juvenil).
Odilon Moraes é formado em arquitetura, porém desde
muito cedo optou pela construção de livros ao invés de casas.
Ilustrador há mais de vinte anos, escritor de livros ilustrados, vencedor
três vezes do Prêmio Jabuti (duas delas como melhor ilustrador) e três
vezes do Prêmio FNLIJ de melhor livro do ano.
Tino e Odilon são amigos e admiradores recíprocos de seus
trabalhos. Assim, decidiram unir-se para a construção narrativa de OS
INVISÍVEIS, obra que nos conduz pela trajetória de um menino com
um superpoder, enxergar os invisíveis. Com o intuito de evidenciar as
possibilidades humanizadoras no trabalho com a obra, seguiremos
com a exploração e alguns destaques acerca da narrativa.
O livro possui 17x21cm de extensão, sendo confortável de se
manusear, segurando-o com apenas uma das mãos. Suas páginas
foram impressas em offset sobre papel Alta Alvura. Ao mantê-lo ainda
fechado, nos deparamos com os elementos narrativos da capa: título
em caixa alta, autores, editora e o enunciado visual de um casaco
pendurado em um mancebo. Ao vi-lo, compondo uma única cena,
a quarta capa traz uma breve sinopse do enredo seguida pela imagem
narrativa visual de um cachorro deitado com a barriga para cima