EDUCAÇÃO DE JOVENS, ADULTOS E IDOSOS
Questões Teóricas, Implicações Práticas
Allan Alberto Ferreira
Cláudia Elaine Catena
Camila Aparecida da Silva
Carla Cristina Reinaldo Gimenes de Sena
Cyntia Graziella Guizelim Simões Girotto
Daniele Cristina de Paiva
Jaqueline Rodrigues Ferreira
Jessyca Eiras Jatobá Santos
José Carlos Miguel
Josena Kuingo Daniel
Letícia Florencio Vieira
Letícia Kondo
Maria Eduarda Tognette
Marisa de Fatima da Luz
Priscila Caroline Miguel
Raúl Esteban Ithuralde
Rodrigo Martins Bersi
Rogerio Gomes
Rosangela Marques Gobato Rocha
Stela Miller
Tarcísio dos Santos da Silva
Tiago Rodrigues da Silva
Yuri de Lira Lucas
A presente coletânea analisa
perspectivas teóricas, proposições para
encaminhamento metodológico e ten-
dências emergentes na organização de
programas de ensino na educação de jo-
vens, adultos e idosos, EJA, no contexto
de diversas áreas de conhecimento.
Compreendendo a EJA como dimensão
fundamental da concepção de Educação
Inclusiva, a obra materializa o princípio da
indissociabilidade entre ensino, pesquisa
e extensão universitária porquanto resul-
ta de ações e esforços coletivos voltados
à inserção dessa área de conhecimento
no contexto do debate acadêmico.
Em uma sociedade verdadeira-
mente democrática, um projeto educa-
tivo se consolida mediante um processo
contínuo de reexão sobre a prática polí-
tico-pedagógica, a começar pelo reconhe-
cimento dos tempos e espaços escolares.
No caso da educação de jovens, adultos e
idosos, o problema se reveste de maior
importância dadas as características es-
pecícas do perl identitário da cliente-
la e das suas histórias de vida, além das
marcas de uma trajetória de exclusão, não
apenas do direito à escolarização outrora
negado, mas também daqueles relacio-
nados à sobrevivência e à dignidade da
condição humana. Em uma sociedade de
classes, como é a brasileira, além da bru-
tal desigualdade na distribuição da renda
nacional, o acesso aos bens culturais tam-
bém se revela distante da universalização,
apesar de esforços a serem reconhecidos.
Nesse contexto, considerar uma
perspectiva de educação inclusiva exige
repensar o papel e a função da educação
escolar, seus objetivos, suas nalidades e
os valores a difundir. Cogitar a educação
de jovens, adultos e idosos em dimensão
inclusiva impõe reconhecer as particula-
ridades da clientela, suas necessidades,
anseios e motivações.
Pensar a educação como Direito Público
Subjetivo exige da sociedade civil orga-
nizada a persistência no desenvolvimen-
to de formas variadas de mobilização e
de organização dos espaços educati-
vos, o que envolve uma ressignicação
percuciente dos processos de ensino e
de aprendizagem com vistas ao atendi-
mento de demandas relacionadas à es-
pecicidade da clientela.
Trata-se de constituição de um
paradigma de organização dos progra-
mas de ensino no qual os conteúdos
curriculares não são fechados em si
mesmos, sendo compreendidos como
elementos conceituais para efetivação
da articulação entre teoria e prática,
promover aprendizagens e constituir
capacidades para desenvolvimento do
pensamento crítico-reexivo com vistas
à transformação da realidade, mas tam-
bém da cultura escolar.
Programa PROEX/CAPES:
Auxílio Nº 0039/2022
Processo Nº 23038.001838/2022-11
EDUCAÇÃO DE JOVENS, ADULTOS E IDOSOS
EDUCAÇÃO DE
JOVENS, ADULTOS E IDOSOS
Questões Teóricas,
Implicações Práticas
José Carlos Miguel
Rodrigo Martins Bersi
organizadores
questões teóricas, implicões poráticas
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EDUCAÇÃO DE JOVENS, ADULTOS E IDOSOS:
Questões Teóricas, Implicações Práticas
Organizadores
José Carlos Miguel
Rodrigo Martins Bersi
José Carlos Miguel
Rodrigo Martins Bersi
(Org.)
EDUCAÇÃO DE JOVENS, ADULTOS E IDOSOS:
Questões Teóricas, Implicações Práticas
Marília/Oficina Universitária
São Paulo/Cultura Acadêmica
2024
UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA
FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS FFC
UNESP - campus de Marília
Diretora
Dra. Claudia Regina Mosca Giroto
Vice-Diretora
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Conselho Editorial
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Cláudia Regina Mosca Giroto
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Conselho do Programa de Pós-Graduação em Educação -
UNESP/Marília
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Ana Clara Bortoleto Nery
Claudia da Mota Daros Parente
Cyntia Graziella Guizelim Simões Girotto
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Auxílio Nº 0039/2022, Processo Nº 23038.001838/2022-11, Programa PROEX/CAPES
Parecerista: Eliana Marques Zanata (FC - UNESP - Câmpus de Bauru)
Capa: Imagem gratuita de congerdesign por Pixabay
Ficha catalográfica
Serviço de Biblioteca e Documentação FFC
E24 Educação de jovens, adultos e idosos: questões teóricas, implicações práticas / José
Carlos Miguel, Rodrigo Martins Bersi (org.). Marília : Oficina Universitária ;
São Paulo : Cultura Acadêmica, 2024.
334 p. : il.
CAPES
Inclui bibliografia
ISBN 978-65-5954-466-0 (Impresso)
ISBN 978-65-5954-467-7 (Digital)
DOI: https://doi.org/10.36311/2024.978-65-5954-467-7
1. Educação de jovens e adultos. 2. Políticas públicas. 3. Educação Estudo e
ensino. I. Miguel, José Carlos. II. Bersi, Rodrigo Martins. IV. Título.
CDD 374
Catalogação: André Sávio Craveiro Bueno CRB 8/8211
Copyright © 2024, Faculdade de Filosofia e Ciências
Editora afiliada:
Cultura Acadêmica é selo editorial da Editora UNESP
Oficina Universitária é selo editorial da UNESP - campus de Marília
Agradecimentos
À Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho
UNESP.
À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior Brasil (CAPES) Código de Financiamento 001,
Programas de Excelência Acadêmica -PROEX.
Sumário
APRESENTAÇÃO | José Carlos Miguel e Rodrigo Martins Bersi................11
PREFÁCIO | Rodrigo Martins Bersi.........................................................31
EDUCAÇÃO POPULAR: UMA PEDAGOGIA MOBILIZADORA
PARA A DESCONSTRUÇÃO DO COLONIALISMO........................37
Jaqueline Rodrigues Ferreira
Jessyca Eiras Jatobá Santos
Letícia Florencio Vieira
CAMINHOS DIALÓGICOS NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E
ADULTOS: REPENSANDO A LEITURA E LITERATURA...............57
Letícia Kondo
Cyntia Graziella Guizelim Simões Girotto
“UMA NOVA ABOLIÇÃO”: A CAMPANHA DE ALFABETIZAÇÃO
DE ADULTOS NO ESTADO DE SÃO PAULO (1947 -1949).............81
Tarcísio dos Santos da Silva
Tiago Rodrigues da Silva
Maria Eduarda Tognette
APROXIMAÇÕES ENTRE A TEORIA DA ATIVIDADE DE ESTUDO
E A TEORIA PEDAGÓGICA DE PAULO FREIRE: IMPLICAÇÕES
PARA A EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS.............................121
Allan Alberto Ferreira
Cláudia Elaine Catena
ESTRATÉGIAS PEDAGÓGICAS PARA O ENSINO DE GEOGRAFIA
NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS: METODOLOGIAS
ATIVAS E GAMIFICAÇÃO................................................................155
Yuri de Lira Lucas
Carla Cristina Reinaldo Gimenes de Sena
TRANSDISCIPLINARIDADE, SUJEITO GLOBAL E DIVERSIDADE
CULTURAL: IMPLICAÇÕES PARA A ORGANIZAÇÃO DE
PROGRAMAS DE ENSINO NA EJA.................................................177
José Carlos Miguel
Camila Aparecida da Silva
Priscila Caroline Miguel
A ATIVIDADE DE ENSINO COMO AÇÃO PEDAGÓGICA
VOLTADA AO PROCESSO DE HUMANIZAÇÃO DE
ESTUDANTES DA EJA......................................................................209
Daniele Cristina de Paiva Parada
EXPERIÊNCIAS COLETIVAS NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E
ADULTOS NO CONTEXTO LATINO-AMERICANO...................231
Rogerio Gomes
Raul Esteban Ithuralde
Marisa de Fatima da Luz
DESAFIOS DA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS FRENTE ÀS
POLÍTICAS PÚBLICAS......................................................................255
Cláudia Elaine Catena
Allan Alberto Ferreira
RESOLUÇÃO DE PROBLEMAS NA EJA: DESCONSTRUINDO
PARADIGMAS....................................................................................279
Rosangela Marques Gobato Rocha
José Carlos Miguel
CONTRIBUIÇÕES DA TEORIA DA ATIVIDADE DE ESTUDO
PARA O DESENVOLVIMENTO DE CONCEITOS CIENTÍFICOS
NA EJA................................................................................................311
Josefina Kuingo Daniel
Stela Miller
11
https://doi.org/10.36311/2024.978-65-5954-467-7.p11-30
Apresentação
O livro “Educação de Jovens, Adultos e Idosos: Questões
Teóricas, Implicações Práticas” resulta de um conjunto de ações
coletivas de docentes e discentes da UNESP, Câmpus de Marília, no
intuito de contribuir para maior inserção do binômio Educação
Popular e Educação de Jovens e Adultos (EJA) no contexto do debate
acadêmico-político.
Entre essas ações, destaquem-se os desenvolvimentos do
“Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária”, PRONERA,
a partir do ano de 1998; do “Programa UNESP de Educação de
Jovens e Adultos”, PEJA, desde o ano de 2001; do “Programa
Permanente de Formação de Funcionários da UNESP”, PROPERF,
entre os anos de 2001 e 2005; o oferecimento da disciplina optativa
“Educação de Jovens e Adultos”, no curso de Pedagogia, a partir do
ano de 2004; a inserção da disciplina “Abordagens Metodológicas da
Educação de Jovens e Adultos”, no Programa de Pós-Graduação em
Educação, PPGE, a partir do ano de 2006; e, o desenvolvimento do
“Programa Interinstitucional de Bolsa de Iniciação à Docência
Projeto Suplementar EJA”, PIBID – EJA, a partir de 2009.
Paralelamente a essas ações ocorre na UNESP Marília uma
significativa produção de artigos, livros, capítulos de livros, teses de
doutorado, dissertações de mestrado e material didático para EJA,
inclusive uma coleção de livros didáticos para educação básica nessa
área de conhecimento, aprovada no Programa Nacional do Livro
Didático, PNLD, em 2013, pela E ditora Moderna, envolvendo
12
coautoria de docentes de outras universidades brasileiras e contando
com a participação efetiva de mestrandos e doutorados do PPGE,
UNESP, Câmpus de Marília.
Tal debate, como indicado, se situa em processo de
persecução da necessária consolidação do ideário de Educação
Inclusiva no contexto brasileiro. Sob o nosso ponto de vista, não
que se falar em democratização do ensino quando se constatam a
existência de cerca de 10 milhões de analfabetos absolutos, o
recrudescimento progressivo do índice de analfabetismo funcional e,
principalmente, do não cumprimento da ampla maioria das metas do
Plano Nacional de Educação (PNE) do decênio 2014-2024
1
.
Entre as 20 metas previstas no PNE 2014-2024, a maioria,
precisamente 12 delas, a rigor, não foram cumpridas; 5 foram
cumpridas parcialmente; e outras 3 metas, além de não cumpridas,
configuraram retrocessos relativamente ao período anterior. Entre as
metas não cumpridas e em retrocessos estão a de elevação da taxa de
alfabetização da população com 15 anos ou mais para 93,5% até 2015
e a de erradicação do analfabetismo absoluto, bem como de redução
em 50% do analfabetismo funcional, até o final do PNE em vigência.
No conjunto das metas não cumpridas vale destacar a de
elevação da escolaridade média da população entre 18 e 29 anos,
visando alcançar no mínimo 12 anos de estudo no ano de 2024;
igualmente, aumentar a esse nível a escolaridade das populações do
campo, da região de menor escolaridade do país, Norte-Nordeste, e
dos 25% mais pobres, bem como igualar a escolaridade média entre
1 Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) Contínua divulgada em 07 jun.
2022. Disponível em: https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/populacao/17270-pnad-
continua.html?edicao=36982&t=destaques. Acesso em: 04 de julho de 2023.
13
negros e não negros, conforme declaração identitária à Fundação
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, IBGE.
Esse exemplário de desacertos na educação brasileira contrasta
com a tendência progressiva de redução nos índices percentuais de
analfabetismo absoluto: em 2014 a taxa era de 8,3% dos sujeitos com
15 anos ou mais, reduzindo nesse período para 5,6% em 2022. Mais
ainda: ocorreu, o que é de se admirar, um decréscimo de 0,5% em
plena pandemia COVID-19, posto que em 2019, início da maior
tragédia que se abateu sobre a sociedade brasileira, o índice era de
6,1%. Por que isso ocorre? Primeiramente pela inserção cada vez mais
precoce das crianças na escola, articulada à redução progressiva das
taxas de crescimento populacional, conforme dados do IBGE, a
demonstrar, por exemplo, que a previsão de aproximadamente 208
milhões de brasileiros em 2022 culminou em apenas 203 milhões no
resultado final divulgado em maio de 2023. Ou seja, o número de
crianças escolarizadas cresce em proporção muito maior do que a taxa
de crescimento populacional.
A contribuir para o cenário de desencontros no que tange à
educação dos excluídos está, ainda, o fenômeno progressivo de
fechamento de salas de aula de EJA em todo o território nacional. Os
gestores públicos parecem acreditar que antecipando progressiva-
mente a inserção das crianças na escola resolverão algum dia o
problema do analfabetismo. Eles negligenciam a dificuldade do
sistema escolar para educar significativo grupo de estudantes que
passam três ou quatro anos na escola e não aprendem a ler e a escrever
com competência, constatando-se tendências de regressão à condição
de analfabetismo absoluto e ampliação do analfabetismo funcional.
Somem-se a esses invariantes os reflexos do afrouxamento das metas
de redução do analfabetismo e baixa escolarização média da
população, via mecanismos de certificação e efeitos da Resolução nº
14
01/2021
2
, de 25 de maio de 2021, homologada pelo Ministério da
Educação, após tramitação na Câmara de Educação Básica e no
Conselho Nacional de Educação, pela ordem.
De forma inexorável, a dialética do lugar social da EJA reflete
as apreensões e as contradições existentes nas relações sociais, no
universo das coisas e nos próprios sujeitos a constituírem a
comunidade humana em uma sociedade de classes. Tal como ocorreu
recentemente com as legislações trabalhista e previdenciária, os
avanços no campo dos direitos sociais ocorridos a partir da
promulgação da Constituição Federal de 1988, e da legislação dela
decorrente, foram progressivamente desconstitucionalizados ou
tiveram os possíveis efeitos amortecidos. No entanto, praticamente a
metade da população brasileira corrobora, eleitoralmente, o modelo
político e socioeconômico a cassar direitos sociais conquistados nesse
período histórico. A rigor, parcela significativa da população nem se
dá conta da tragédia que legitima.
Uma análise coerente da política educacional na atual
sociedade brasileira de classes, exige a pergunta: qual foi a política
educacional posta em prática nos últimos anos, especialmente entre
2016 e 2022? A resposta, pela justeza e evidência, impõe afirmar que,
além dos efeitos da pandemia COVID-19, no lugar do PNE foram
instituídas políticas discriminatórias, excludentes e de censura,
esvaziando o papel da escola como lugar de pensamento crítico,
reflexivo, plural, vivo, transformador e livre. Além das metas não
cumpridas, em sua maioria absoluta, como já definido, no período
em questão as prioridades eram homeschooling, escolas cívico-militares
2 Os termos da Resolução: “Institui Diretrizes Operacionais para a EJA nos aspectos relativos
ao seu alinhamento à Política Nacional de Alfabetização (PNA) e à Base Nacional Comum
Curricular (BNCC), e Educação de Jovens e Adultos a Distância”.
15
e escola sem partido, nenhuma delas plenamente efetivada, além do
desmedido corte de verbas para a educação pública em geral, e para
as universidades públicas federais, em particular. A transitoriedade e
ineficácia dessas políticas causou maior postergação ainda na
realização da utopia da Educação Popular na rede do Estado. Essa,
depende de políticas de Estado, não de governo, e tem previsão
constitucional, por ora.
Constatam-se, mesmo após a formalização da EJA como
modalidade da Educação Básica e instância de Direito Público
Subjetivo, inúmeras dificuldades para sua consolidação nas
organizações institucionais, desnudando a subalternidade das
camadas populares e o legado da educação para jovens e adultos
trabalhadores, marginalizados, subempregados ou desempregados,
por vezes expostos às diferentes configurações estigmatizadas em
vieses de natureza étnico-racial, etária ou de gênero.
Apesar disso, os dois movimentos, o da Educação Popular
forjada no seio dos movimentos sociais populares e o da EJA, pensada
como obrigação do Estado administrador do excedente econômico,
paulatinamente se constituem como vasto campo de reflexões
teóricas, a definir progressivamente as formas de intervenção na
Prática de Ensino com vistas à transformação de realidade tão cruel.
Ambos os movimentos compreendem que é pela educação e
pela cultura que o homem se humaniza, podendo desenvolver
atitudes participativas frente ao mundo, conhecendo e exercendo
direitos e deveres de cidadania. Conhecendo e valorizando a
diversidade cultural, o ser humano aprende a respeitar as histórias de
vida, valores, diferenças de gênero, geração, raça e credo, fomentando
a convivência com a diferença e atitudes de não discriminação. Passa
a reconhecer e a valorizar conhecimentos históricos e científicos, a
16
natureza e o meio ambiente, bem como a produção literária e artística
como patrimônios culturais da humanidade.
Tudo isso possibilita o exercício da autonomia pessoal do ser
humano com responsabilidade, aperfeiçoando a convivência em
diferentes espaços sociais e favorecendo o desenvolvimento e o
fortalecimento da democracia como valor universal.
Nesses termos, o desempenho do sistema escolar brasileiro
necessita efetivar, com urgência, a universalização da educação básica
de qualidade e atuar no sentido de consolidação de novas matrizes
teóricas dadas as profundas e rápidas transformações da sociedade.
Estas são as bases de uma proposta alternativa ao projeto
neoliberal de educação, claramente voltado para a instrumentalização
do mercado de trabalho e sustentado com base na teoria e na prática
de uma educação burocrática. Assim, consolidar essa proposta
alternativa pressupõe pensar uma escola que busca fortalecer de forma
autônoma o seu projeto político-pedagógico, relacionando-se
dialeticamente com o mercado, com o Estado e com a sociedade.
Trata-se de uma escola que deve ser pública quanto ao seu destino,
ou seja, para todos; estatal quanto à forma de organização e
funcionamento; e, democrática e comunitária quanto à sua gestão.
Da articulação entre teoria e prática nos processos de
formação profissional e de difusão do conhecimento depende em
grande monta a transformação do cotidiano educativo. A
universidade tem papel fundamental nesse processo e é pelo princípio
da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, processos
mediados pela gestão, que tal corolário se estabelece.
Lugar específico de formação, a escola não ensina o que se
pode aprender na família e na comunidade, ou seja, ela não ensina
nos mesmos moldes que a família e a comunidade.
17
A comunidade é lugar de resistência, de memória e de
dignidade. Por isso, é socialmente legítimo preconizar o vínculo entre
a escola e a comunidade. Vinculada à comunidade, a escola é “nossa
escola” e não a “escola do Estado”, ou a escola dos dominantes.
As transformações do mundo do trabalho face às mudanças
tecnológicas que vêm acompanhadas da precarização do trabalho, do
desemprego e dos processos de seleção e exclusão social apontam
também para mudanças no meio rural, desde a questão global da fome
até as inovações tecnológicas, impondo novas formas de organização
produtiva, como a agricultura familiar e as atuais lutas sociais pela
terra em diferentes países. No mesmo patamar de importância se
colocam a atualidade da relação do homem com a natureza, a questão
ecológica, a discussão sobre as tecnologias intermediárias e a noção de
desenvolvimento sustentável. Sem educação transformadora, é
impensável o enfrentamento dessas questões.
Sem embargo, erradicar o analfabetismo e ampliar a taxa de
escolaridade média da população não dependem apenas de ampliação
do número de vagas nas escolas. Os novos processos culturais
adquirem uma centralidade ímpar na sociedade brasileira em
transformação exigindo distribuição justa da renda produzida,
reduzindo a desigualdade e promovendo a justiça social;
compatibilizar maior acesso à educação, à universidade e à ciência
com mérito científico e qualidade acadêmica; enfrentar a questão da
identidade cultural e das histórias de vida dos educandos, pensando a
relação entre o eu e os outros, ou seja, o lugar da alteridade cultural
na sociedade em processo de internacionalização.
Essa é a forma como compreendemos a pertinência dessa
obra. Construída por várias mãos, engloba amplitude de saberes e de
visões de mundo, mas tem uma marca que a distingue: todos os
autores convergem para um mesmo pensamento, qual seja, a
18
radicalidade amorosa dos processos de Educação Popular e de
Educação de Jovens, Adultos e Idosos e a crença na força da educação
como ato de humanização e de contribuição para a transformação da
sociedade. Dito isso, passemos, então, ao delineamento geral de cada
um dos textos que a compõem.
No primeiro texto da coletânea, “Educação Popular: uma
pedagogia mobilizadora para a desconstrução do colonialismo”, as
autoras Jaqueline Rodrigues Ferreira, Jessyca Eiras Jatobá Santos e
Letícia Florêncio Vieira, apontam para elementos fundantes de uma
concepção de educação, a qual, idealizada para a valorização da
condição humana, não pode ser pensada independentemente das
demais práticas sociais, mas, ao mesmo tempo, perspectiva de
enfrentamento das contradições dessa sociedade, não pode ser
confundida com elas. Dito de outro modo, pensar a Educação
Popular implica atuar para a transformação da cultura escolar com
vistas à transformação das mentalidades enraizadas na sociedade
colonial. Por isso, considerando o processo da modernidade e da
industrialização no Brasil, o estudo aborda as contribuições da
Educação Popular, como modo de desconstruir a colonialidade sobre
a prática educativa. Estabelecem as autoras, que essa desconstrução
deve incorporar os pressupostos da prática educativa freiriana,
considerando a Educação Popular como uma pedagogia que
possibilita a ruptura com o colonialismo intelectual, ou seja, ao
recolocar na práxis educativa a cultura e a realidade social dos sujeitos
no centro do processo de constituição do conhecimento, viabiliza a
transformação das mentalidades pela tomada de consciência. Assim
como a política como parte do fazer educativo e o diálogo horizontal
constituem elementos fundamentais para a superação da dicotomia
entre sujeito e objeto.
19
O texto “Caminhos dialógicos na educação de jovens e
adultos: repensando a leitura e literatura”, de autoria de Letícia
Kondo e Cyntia Graziella Guizelim Simões Girotto, tem como
pressuposto que considerar o cenário político e educacional da
Educação de Jovens e Adultos (EJA) no Brasil exige refletir sobre as
práticas pedagógicas que permeiam tal ensino. A escassez de
oportunidades para que os alunos, público-alvo da EJA, exerçam
protagonismo em seu processo de ensino/aprendizagem gera ainda
mais exclusão, uma vez que eles já são historicamente marcados pelas
injustiças sociais e opressão. Defender a educação de jovens e adultos
requer uma luta constante para um ensino de caminhos dialógicos e
significativos. A partir desta concepção, as autoras valem-se da
pesquisa bibliográfica e da análise documental, buscando explorar
caminhos de leitura, visando à formação de leitores críticos, com base
na proposta de trabalho da estratégia de leitura “conexão” (Girotto;
Souza, 2010) dentro da obra literária ilustrada OS INVISÍVEIS de
Tino Freitas e Odilon Moraes. Deste modo, o trabalho realizado
dialoga com estudos acerca da Filosofia da Linguagem presentes em
Bakhtin e os resultados apontam para as possibilidades de
alfabetização preocupadas com a formação integral de sujeitos, a
humanização.
Na sequência da obra, os autores Tarcísio dos Santos da Silva,
Tiago Rodrigues da Silva e Maria Eduarda Tognette abordam no
texto denominado - “Uma Nova Abolição”: a Campanha de
Alfabetização de Adultos no estado de São Paulo (1947 -1949) – um
movimento relevante na trajetória histórica da EJA, reconstituindo
aspectos fundamentais da história da Campanha de Educação de
Adolescentes e Adultos (CEAA) no estado de São Paulo a partir da
identificação, caracterização e análise de matérias publicadas no jornal
O Estado de S. Paulo (OESP) entre os anos de 1947 e 1949, período
20
de atuação de Lourenço Filho na CEAA. Discutem-se as
representações da CEAA como política nacional de combate ao
analfabetismo. No território paulista, percebe-se a implantação de
cursos e turmas em diversos municípios do interior, quer seja na zona
urbana ou rural. O jornal OESP produziu representações que
serviram de estratégia na legitimação da CEAA e, principalmente,
para alcançar voluntários, conquistar empresas e/ou instituições
religiosas na necessária participação na salvação nacional. Para além
disso, alfabetização de adultos identificada como um dos principais
campos de atuação da União em cooperação com Estados, municípios
e setores privados.
No texto denominado “Aproximações entre a Teoria da
Atividade de Estudo e a Teoria Pedagógica de Paulo Freire:
implicações para a educação de jovens e adultos”, os autores Allan
Alberto Ferreira e Cláudia Elaine Catena investigam, por meio de
pesquisa bibliográfica, possíveis aproximações entre a Teoria da
Atividade de Estudo, com base no Sistema Elkonin-Davidov-Repkin,
e as proposições pedagógicas de Paulo Freire, tecendo, também,
algumas considerações a respeito da relevância de tal discussão para
Educação de Jovens e Adultos (EJA). Na análise destacam que, não
obstante as diferenças sociais, históricas e políticas, as teorias
apontadas emergem em contraposição às concepções pedagógicas
tradicionais de ensino-aprendizagem e à lógica de controle e alienação
do mercado capitalista. Identificam, também, inter-relações
pedagógicas entre as teorias tais como: tomam o estudante como
sujeito que aprende e se desenvolve em atividade, criam novas
necessidades e interesses pelo estudo por meio de situações-problema;
consideram que o aluno educa a si mesmo mediado pela
comunicação-cooperação dialógica com o professor; bem como
promovem o desenvolvimento de capacidades teórico-críticas do
21
pensamento e da consciência para a autotransformação do sujeito e
de sua realidade social.
Da parceria entre os autores Yuri de Lira Lucas e Carla
Cristina Reinaldo Gimenes de Sena resultou uma interessante
discussão sobre metodologias ativas no ensino da EJA a qual se logrou
denominar “Estratégias pedagógicas para o ensino de Geografia na
educação de jovens e adultos: metodologias ativas e gamificação”. No
estudo destacam-se as estratégias pedagógicas utilizadas no ensino de
Geografia para a Educação de Jovens e Adultos (EJA), com foco em
tornar o ensino mais significativo e contextualizado. A pesquisa
abordou a utilização de metodologias ativas, recursos didáticos
diversificados e a valorização da dimensão crítica e cidadã no ensino
de Geografia na EJA. A metodologia envolveu a seleção criteriosa de
artigos relevantes nas plataformas acadêmicas, com palavras-chave
como "Geografia", "EJA" e "ensino". Os resultados evidenciam a
importância das metodologias ativas, como o uso de recursos digitais
e do Desenho Universal para a Aprendizagem (DUA), na promoção
de uma aprendizagem participativa e contextualizada. Além disso, a
gamificação é destacada como uma estratégia pedagógica relevante,
que cria um ambiente lúdico e desafiador, permitindo a aplicação
prática e contextualizada dos conceitos geográficos. A pesquisa
conclui que a utilização dessas estratégias pode promover um ensino
mais dinâmico e efetivo, contribuindo para o desenvolvimento de
habilidades geográficas e a construção do conhecimento de forma
significativa na EJA.
Discutindo questões imbricadas na tomada de decisão sobre a
organização de programas de ensino na EJA, na perspectiva de
educação desenvolvimental, o texto “Transdisciplinaridade, Sujeito
Global e Diversidade Cultural: implicações para a organização de
programas de ensino na EJA”, produzido em coautoria por José
22
Carlos Miguel, Camila Aparecida da Silva e Priscila Caroline Miguel,
estabelece que a temática da transformação da cultura escolar
contrapõe as concepções externalista e internalista de ciência e de
educação, defendendo a busca de superação da fragmentação dos
processos de produção e difusão do conhecimento científico a partir
do resgate da historicidade como elemento fundante para a
compreensão da relação entre a realidade e o objeto do conhecimento,
ou seja, entre o todo e as partes que o compõem. Argumentam que
no caso da EJA, mais do que pensar as interfaces entre as disciplinas,
trata-se de pensar uma abordagem metodológica a consolidar uma
perspectiva curricular de matriz externalista, considerando a
transversalidade concretizada por um tema comum, a envolver as
vivências culturais dos sujeitos, a evolução histórica das ideias
científicas e o enredamento entre elas, via problematização da
realidade. Assim, em um ambiente educativo marcado pela
transdisciplinaridade, a ação pedagógica deve ser endossada pela
dialogicidade, pela abertura à reflexão, pela liberdade de pensamento,
pela integração de ideias científicas de áreas diferentes, pela
valorização da diversidade, pela escuta respeitosa e pelo trabalho
colaborativo. Implica em reconhecer, valorizar e utilizar os
conhecimentos historicamente construídos sobre o mundo físico,
social, político e cultural, mas não desconsiderar as visões parciais dos
estudantes a serem superadas, ou não, pelo saber sistematizado, fruto
da curiosidade intelectual, da investigação, da reflexão permanente,
da análise crítica, da imaginação e da criatividade. E, principalmente,
pelo reconhecimento do seu papel na sociedade de classes, pela
tomada de consciência do seu lugar social em uma cultura social,
política e econômica marcada pela exclusão.
Por sua vez, o texto “A Atividade de Ensino como ação
pedagógica voltada ao processo de humanização de estudantes da
23
EJA”, de autoria de Daniele Cristina de Paiva, analisa a atividade do
professor da EJA, mais especificamente a atividade de ensino
enquanto prática pedagógica que pode colaborar para o processo de
humanização dos estudantes. A metodologia eleita ao
desenvolvimento da investigação foi a pesquisa documental e
bibliográfica considerada procedimento metodológico importante na
produção do conhecimento científico possibilitando ao pesquisador
analisar as fontes que respondam ao seu problema e às suas indagações
e que comprovem, ou não, suas hipóteses, adquirindo novos
conhecimentos. A autora argumenta que a atividade de ensino na EJA
deve ser sistematizada e intencional, marcada pelo desejo de
contribuir, por meio da formação de conceitos teóricos e científicos,
para um processo de transformação e humanização dos sujeitos.
Como resultado da pesquisa documental e bibliográfica realizada
constata-se que é preciso que todos os envolvidos no ato educativo,
em especial, o professor, aquele que organiza as atividades de ensino,
reconheçam as necessidades daqueles que chegam às salas de EJA.
Revendo as limitações no percurso de suas vidas as quais os
impediram de estudar antes, de forma a auxiliá-los, encorajando-os a
persistirem e continuarem buscando a aquisição conceitual
decorrente da atividade de estudo conduz, como indica Vygotsky, ao
desenvolvimento de funções psicológicas superiores, a fim de se
tornarem cidadãos autônomos e capazes de atuar socialmente de
maneira crítica e consciente, tomando decisões apropriadas diante das
mais diversas situações e problemas cotidianos, buscando
transformarem-se e transformarem o meio em que vivem.
Rogerio Gomes, Raúl Esteban Ithuralde e Marisa de Fátima
da Luz analisam temática relevante no novo momento da geopolítica,
em especial, na América do Sul, a qual marca uma aproximação maior
entre os povos, em parte pela nova postura do governo brasileiro. No
24
artigo “Experiências coletivas na educação de jovens e adultos no
contexto latino-americano” eles debatem a educação popular e a
educação de jovens e adultos no âmbito latino-americano, trazendo à
tona a proposta educativa e formativa na literatura de Paulo Freire,
bem como as ações dos movimentos sociais para além de saber ler e
escrever. Para tanto, se debruçam em referências bibliográficas que os
conduziram pela compreensão do protagonismo dos movimentos na
educação popular, mais precisamente com as experiências concretas
organizadas pelo movimento de “La Dignidad”, em Argentina e pelo
MST, no Brasil. Abordam precisamente os Bacharelados Populares, e
trazem a relação da luta pela terra e educação no MST que abre um
leque de aspectos sobre a práxis educativa nos diversos espaços
educativos. Dialogando com a literatura produzida sobre a temática e
articulando-a com experiências nas quais são sujeitos ativos, concluem
que tais experiências no cenário da educação popular organizados
pelos movimentos em questão refletem constantemente a realidade
estrutural e cotidiana dos sujeitos.
No artigoDesafios da Educação de Jovens e Adultos frente
às políticas públicas”, os autores Cláudia Elaine Catena e Allan
Alberto Ferreira, se dedicam em discussão que visa a contribuir com
o debate acadêmico sobre a Educação de Jovens e Adultos. Para tanto,
formularam o seguinte questionamento: Quais os desafios
enfrentados pela Educação de Jovens e Adultos frente às políticas
públicas? Assim, estabeleceram como objetivo principal investigar
alguns desafios enfrentados pela Educação de Jovens e Adultos frente
às políticas públicas, considerando o período de 2018 a 2022 em que
se instalou no país um cenário de desmonte das políticas e órgãos da
cultura, ciência e educação. Como embasamento teórico, se valeram
da abordagem histórica centrada em pesquisa documental e
bibliográfica, adotando o método materialista-dialético para analisar
25
os dados localizados sobre os desafios enfrentados pela Educação de
Jovens e Adultos em um contexto brasileiro marcado por acirrado
processo de inculcação ideológica, intolerância e tentativas de
desacreditar a ciência e sua forma de difusão, a educação. Como
resultado da análise, percebem as escolas como aparelhamento
ideológico do Estado, mas ainda como a melhor fonte de informação
para as classes populares, e enfatizam que os problemas são de uma
natureza ampla e tem implicações político-pedagógicas desde a
formação inicial e continuada dos docentes até a sua contratação,
permeando inclusive pela arrefecimento da luta da classe docente.
Nesse sentido, apostam na ressignificação da cultura política
desenvolvida acerca dos mecanismos de controle do Estado para
promover mudanças nas concepções acerca de educação, de EJA e de
sociedade.
Uma questão central na discussão sobre Educação Inclusiva,
em contexto amplo, é o processo de ensino e aprendizagem da
Matemática. No caso da EJA, por vezes os estudantes desenvolvem
estratégias interessantes de cálculo mental na prática social cotidiana,
mas revelam dificuldades com a Matemática escolarizada.
Preocupados com essa situação, Rosangela Marques Gobato Rocha e
José Carlos Miguel analisam a perspectiva metodológica da resolução
de problemas como um dos aportes necessários ao melhor
encaminhamento desse problema pedagógico, fundamentando-se no
contexto da Teoria Histórico-cultural e explorando aportes da Teoria
da Atividade de Estudo, a partir das contribuições de Vygotsky,
Leontiev e Davidov. O estudo se fundamenta em pesquisa
bibliográfica, análise documental e abordagem qualitativa de
situações matemáticas desenvolvidas em sala de aula relativamente à
temática da resolução de problemas. No contexto da pesquisa em
Educação Matemática, constata-se certa aversão à disciplina, a qual se
26
mostra com intensidade na Educação de Jovens e Adultos (EJA). Em
geral, os educandos deixaram de frequentar os bancos escolares de
maneira precoce por uma infinidade de fatores. Mas o que marca o
curto período de escolarização na infância, quando ocorre, é a
dificuldade em manipular os conceitos matemáticos, considerando-se
a dinâmica didático-pedagógica adotada. Uma das capacidades a ser
desenvolvida durante as aulas dessa disciplina é a Resolução de
Problemas, constatando-se insatisfação diante dos resultados
negativos, a ocasionar danos significativos à aprendizagem. Os
resultados apontam para a importância de os docentes
proporcionarem meios para que os alunos possam produzir, expressar
e comunicar suas ideias matemáticas e assim compreender as
atividades propostas. Ressalta-se a importância de considerar as
experiências dos alunos da EJA, como elemento intrínseco à cultura.
Josefina Kuingo Daniel e Stela Miller se dedicam a relevante
discussão sobre a apropriação de conceitos científicos e a necessidade
de ampliação da discussão sobre a renovação dos programas de ensino.
Trata-se de estudo cujo objetivo é analisar a temática da educação de
jovens e adultos, EJA, no contexto da contribuição da atividade de
estudo no processo de ensino e aprendizagem sobre conceitos
científicos, tarefa compreendida como capacidade desenvolvida
mediante ação sistemática e planejada da escola. Busca analisar os
fundamentos que monitoram de forma teórica uma sequência de
elaboração de estratégias e organização do processo de ensino e
aprendizagem nas atividades em sala de aula, tendo em conta a
complexidade da EJA. Aborda o problema da relação entre ensino e
aprendizagem em perspectiva de reflexão, de desenvolvimento
intelectual e pensamento crítico-reflexivo, planejado com base em
conhecimentos específicos obtidos no âmbito das ações de ensinar e
de aprender dos sujeitos envolvidos no processo, o professor e aluno.
27
Os resultados indicam que essa mediação pedagógica, aprendizagem-
desenvolvimento, no contexto da atividade de estudo, fornece uma
contribuição na transformação qualitativa da relação dos sujeitos da
aprendizagem com o meio social, o mundo, e na transformação da
sua personalidade mediante os fundamentos da abordagem
metodológica e pedagógica da aprendizagem, pelo diálogo, pelo
currículo como ação compartilhada, na articulação aprendizagem e
desenvolvimento cognitivo do sujeito.
Dito isso, no conjunto de textos a compor a coletânea
sobressai a compreensão do ato de educar como uma dimensão
política, para muito além da dimensão técnica, porquanto envolve
relações de poder que se estabelecem mediante as relações de saber.
As relações entre os atores sociais na escola reproduzem a rede de
relações de poder situada no âmbito da sociedade consolidando uma
expressão potencializada dos elementos que configuram o sistema de
ensino no sentido de disseminação de conceitos, ideias, crenças e
valores.
Compreender como essas relações se processam implica em
definir como o poder atua sobre os indivíduos e a sociedade,
desvendando o sistema de ideias e conceitos que possibilitam que elas
se realizem de fato. Dessa forma, todo conhecimento é carregado de
sentidos, ideias e valores, de forma que o ensino é um instrumento de
formação social que molda os indivíduos de acordo com os preceitos
daqueles que detém a primazia nas relações de poder.
No caso da EJA, em um contexto de educação inclusiva e de
busca de universalização do ensino, a escola básica recebe um
contingente de alunos com perfil sociocultural heterogêneo e que
transita, antes da escolarização formal, seja qual for a sua origem, por
um universo amplo de informação e comunicação, o que exige
28
adequação dos programas de ensino e, por consequência, do processo
de formação de professores sintonizados com essa nova realidade.
Claramente marcada pela concepção internalista de
organização dos programas de ensino, concebendo o processo de
ensino da forma como cada especialista concebe a sua ciência, um dos
grandes desafios para a formação de professores revela-se na
necessidade de atendimento das especificidades do trabalho educativo
relativamente às diferentes etapas da vida dos estudantes, superando
a visão segmentada do desenvolvimento e da aprendizagem. Por esse
corolário, não é o desenvolvimento que promove a aprendizagem; é a
aprendizagem que provoca o desenvolvimento das pessoas, como já
bem definiu a teoria histórico-cultural.
O problema exige considerar, um pouco mais, no
desenvolvimento dos programas de ensino na EJA, os artefatos
socioculturais que se revelam nas práticas que os alunos desenvolvem
diuturnamente antes de chegarem à escola, seja no contexto de
experiências anteriores de letramento, em atividades lúdicas, no
trabalho ou em inúmeras práticas sociais que permitiriam considerar
a concepção externalista de organização do currículo escolar.
Isso traz consequências para a organização dos programas de
ensino na EJA, especialmente quanto a considerar as relações entre
cultura, ciência, educação e sociedade. Como uma concepção geral da
educação, a educação popular chegou a opor-se à educação de jovens
e adultos impulsionada pelo Estado e tem ocupado os espaços que a
EJA oficial não contemplou de maneira mais efetiva. Por isso, é
necessário definir bem os conceitos postos no âmbito dessa discussão.
Um dos princípios originários da educação popular é a busca
de consolidação de uma epistemologia baseada na consideração e no
respeito pelos saberes e conhecimentos, em geral de senso comum,
dos quais são detentores as classes populares, problematizando-os,
29
com vistas ao desenvolvimento de um pensamento mais crítico,
rigoroso, científico e unitário.
Trata-se de pensar um processo sistemático de participação na
formação, fortalecimento e instrumentalização das práticas e dos
movimentos populares, visando a passagem do saber popular ao saber
sistematicamente organizado.
Esperamos, com esses olhares, que a coletânea possa ser útil
na ampliação do debate sobre a educação de jovens e adultos, no
contexto da educação popular, ambas então concebidas como
instâncias fundamentais do propósito de educação como Direito
Público Subjetivo, o que esperamos seja efetivado no âmbito da
sociedade brasileira em transformação.
José Carlos Miguel e Rodrigo Martins Bersi
30
31
https://doi.org/10.36311/2024.978-65-5954-467-7.p31-36
Prefácio
Com importantes reflexões sobre o campo da EJA a obra
evidencia a complexidade e a multidisciplinaridade de maneira
contundente a partir da perspectiva de formação integral e
humanizadora dos sujeitos. A partir da compreensão normativa da
educação e em especial da educação ao longo da vida como um direito
público e subjetivo dos sujeitos, o livro retrata a urgência dos debates,
com ricas análises de aspectos socioculturais e socioeconômicos, sem
perder de vista a reflexão crítica sobre a prática docente e abordagens
metodológicas.
O aprofundamento consiste na compreensão crítica entre os
autores da não dicotomia entre teoria e prática, não reduzindo a
metodologia a instrumentalização do fazer pedagógico e escapa de
reducionismos ao estudar a perspectiva teórica sobre a atuação em
EJA em sua complexidade e significações. Dessa maneira a obra situa-
se no campo multifacetado da EJA mobilizando saberes em uma
unidade dialética de teoria e prática.
A publicação está inserida em um contexto histórico de
embates políticos e sociais, de recorrentes reformas estatais e na
retomada das atividades presenciais após o fechamento dos
estabelecimentos em decorrência da COVID-19, assim está localizada
em um momento histórico de profundas mudanças no cenário
político e social. O debate surge neste contexto de lutas pelo acesso e
permanência à educação e por uma educação de qualidade para todos,
além dos impasses quanto aos objetivos e métodos do ensino.
32
O posicionamento político situa a obra na militância por uma
educação mais inclusiva e de formação integral, que considera os
sujeitos em sua complexa constituição humana e em seu fazer-se
enquanto identidades no contato social, assim admite-se o preceito
constitucional conquistado da educação ao longo da vida e de seu
caráter de direito público e subjetivo dos sujeitos. Dessa maneira,
além da obra articular teoria e prática como uma unidade dialética,
compõe também instrumento de ação política sobre o campo da EJA
e seus embates atuais.
A educação de adultos aparece portanto como objeto de
estudo que permite reunir em sua composição variados aspectos que
possibilitam visualizar a diversidade imbricada em seus atores e a
complexa constituição do campo. As análises políticas e leituras
históricas, assim como as interpretações pedagógicas retratam a
transdisciplinaridade da EJA e seus multifacetados atores e interesses.
Como uma composição coletiva de várias mãos durante toda
a obra se estuda a inter-relação teoria e prática como facetas
imbricadas de um mesmo aspecto e se evidencia a diversidade de
abordagens teóricas e práticas possíveis. Dessa maneira, não temos
somente um livro de boas práticas ou de importantes reflexões
teóricas, mas uma obra integral que consegue articular teoria e prática
em suas páginas, sempre articulada com a necessária intencionalidade
política e social da atuação na EJA.
Resultado de uma composição cooperativa a junção dos
autores e seus capítulos nesta obra reúne uma rica diversidade de
referenciais bibliográficos que ampliam o campo interpretativo sobre
o fenômeno da EJA em seus mais diferentes aspectos e perspectivas de
análise. Há portanto uma dinâmica variedade de informações que
levam o leitor a reflexões sobre o campo e possibilita pensar os
aspectos da educação de adultos para além de seu fim instrumental
33
para tornar-se fonte de fruição crítica e de problematização teórica
acerca dos temas em estudo.
A diversidade é elemento incontornável para o(a) educador(a)
na EJA por se tratar de um campo com incrível variedade de sujeitos
e de subjetividades, além dos aspectos socioculturais e
socioeconômicos diversos em sua constituição histórica. Assim,
apresenta uma incrível variedade de temas que compõem a
problemática da educação de adultos no cenário nacional e cumpre a
tarefa de contemplar a riqueza teórica e interpretativa sobre cada
temática em estudo.
O aspecto transdisciplinar da EJA fica evidente nas
abordagens históricas, filosóficas, psicológicas, didático-pedagógicas e
sociológicas. Vemos importantes contribuições que fazem reflexões
sobre a composição histórica da EJA no Brasil, suas lutas e
complexidade de composição, assim como seus atores e atuação
política. Aqui ainda vale destacar que não se trata de uma constituição
espontânea ou fatalística da EJA, mas do resultado de decisões e
impasses vivenciados por sujeitos históricos na constituição nacional
deste campo.
As contribuições vão além de relatar fatos históricos ou de
apresentar de maneira sistematizada os acontecimentos e agentes, e
conduzem o(a) leitor(a) para o diálogo com os textos, para então por
meio de sua própria fruição realizar reflexões singulares sobre as
críticas e análises fundamentadas e sistematicamente organizadas na
obra. Propicia-se um engajamento teórico e prático acerca dos
variados temas estudados e consequente reflexão crítica sobre essas
práticas e teorias.
As heranças históricas são desnudadas para problematizar e
desnaturalizar construções sociais que ao olhar inicial não estão
evidentes. Para tanto, há importantes análises que contribuem para
34
pensar a constituição do campo em sua profundidade histórica e
qualidade de seus sujeitos.
Além de análises de macroestruturas e ricas sistematizações, a
coletânea de textos traz também importantes contribuições no nível
da infraestrutura e composições do cotidiano. Planejamentos e planos
de ensino são encontrados ao percorrer a obra e propõem um
enriquecimento teórico e prático no campo da EJA. Assim, mais uma
vez evidencia-se a unidade dialética da inter-relação teoria e prática.
A EJA na obra é caracterizada na perspectiva de política
pública, de direito público e subjetivo inalienável, e de
responsabilidade do Estado, passando por mobilizações da sociedade
civil e da educação popular. Na constituição do campo faz-se enxergar
a educação de adultos como campo de múltiplas atuações políticas e
lutas. Situamos a obra nas perspectivas de libertação, de emancipação
e de pronúncia de mundo pelos sujeitos.
A leitura nos possibilita o encontro com propostas práticas e
bem fundamentadas que aproximam a educação de adultos ao
paradigma de educação inclusiva, integral e humanizadora, que tem
por objetivo a emancipação dos sujeitos pela tomada de consciência
crítica, interpretação e pronúncia autônoma da realidade. Vemos um
coletivo de riqueza teórica e prática intimamente articulada.
As reflexões permitem ao leitor superar uma concepção
utilitarista de autores e do próprio campo da EJA, contribuindo para
o desenvolver de uma nova consciência crítica capaz de interpretar
nos conceitos as inter-relações que constroem seus significados
internos. Dessa maneira realiza-se a explicação dos fenômenos em
estudo em suas conexões internas, profundidade conceitual e
complexidade constitutiva.
Do desenvolvimento da consciência crítica sobre o campo
surgem intersecções teóricas interessantes trabalhadas na obra e que
35
incidem diretamente sobre o fazer pedagógico na EJA, suas questões
teóricas e implicações práticas. Pensar sobre a prática nesta obra
significa um novo pensar. Refletir sobre a nova prática a partir da
nova teoria neste fluxo imbrica em novas maneiras de pensar o fazer
pedagógico fundamentado e sobre o agir político do educador
enquanto forma de ser e de agir no mundo, de pronúncia da realidade.
Consciente da não completude da realidade e de seu caráter
de constituição constante pelos viventes a publicação tem
intencionalidade político-pedagógica ao posicionar-se e articular
teoria e prática na ação consciente na EJA. A práxis libertadora,
emancipadora ou progressista na educação exige a diversidade pela
inclusão escolar, pela liberdade e autonomia dos sujeitos e por meio
da reflexão crítica dessa mesma prática fundamentada na teoria.
Essa importante atitude política e pedagógica possibilita ao
leitor além de juntar as informações necessárias sobre este campo
político, pedagógico e social, também situa um posicionamento dos
sujeitos para uma concepção crítica sobre a EJA. Permite ainda a
transformação do próprio sujeito leitor, que ao dialogar com os
autores além de acessar uma sistemática bem fundamentada também
se articula entre seus pensamentos, concebendo outras maneiras de
pensar os objetos de conhecimento e assim colaborando para a sua
própria maneira de pensar e agir no mundo.
A leitura portanto é pertinente desde pesquisadores na área,
trazendo contribuições atuais para o campo de pesquisa, quanto para
profissionais da área ao abordar reflexões críticas sobre a teoria e a
prática na EJA. Ressalta-se aqui a perspectiva do(a) professor(a)-
pesquisador(a) como aquele(a) profissional que se permite pensar
sobre a sua própria prática e assim refletir sobre novas práticas e sobre
novas teorias.
36
Neste contínuo de pensar e repensar a prática é que está
situada a atualidade da obra, pois traz pesquisas em curso e novos
pensares que contribuem para o fazer científico e para o
desenvolvimento teórico e prático no campo da EJA. Desejamos
assim uma ótima leitura, na certeza de encontrar uma obra repleta de
informações e reflexões que compartilham práticas de pesquisas e
cooperam com reflexões críticas sobre a EJA.
Rodrigo Martins Bersi
37
https://doi.org/10.36311/2024.978-65-5954-467-7.p37-56
EDUCAÇÃO POPULAR:
UMA PEDAGOGIA MOBILIZADORA PARA A
DESCONSTRUÇÃO DO COLONIALISMO
Jaqueline Rodrigues Ferreira
3
Jessyca Eiras Jatobá Santos
4
Leticia Florencio Vieira
5
Introdução
No conjunto, em seus quarenta anos de produção intelectual, Freire denunciou
distintos aspectos do colonialismo e da colonialidade: a educação bancária, a cultura
do silêncio, a invasão cultural, a violência, a desumanização, o patriarcado, o racismo,
o latifúndio, o autoritarismo político, o assistencialismo, a situação de dependência dos
países periféricos em relação aos centrais e o cientificismo.
(MOTA NETO e STRECK, 2019, p. 214)
3 Professora na Educação Infantil na rede pública de Marília- SP. Formação em Geografia,
Pedagogia, Mestre e Doutoranda em Educação pelo Programa de Pós-Graduação Unesp-
Faculdade de Filosofia e Ciências - Marília-SP, Linha de Pesquisa Filosofia e História da
Educação do Brasil. e-mail: jaqueline.rodrigues@unesp.br
O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal
de Nível Superior -Brasil (CAPES) Código de Financiamento 001
4 Doutoranda em Educação - U
NESP, Marília SP. Mestre em Filosofia - UNESP. Graduada
em Filosofia - UNESP. e-mail: jessyca.eiras@unesp.br
5 Professora na Educação infantil, rede privada de Marília. Formação em Pedagogia -
UNESP. Mestre em Educação pela UNESP. E-mail: leflovieira@gmail.com
38
No Brasil o acesso à escola para as classes populares se inicia
de maneira restrita no início no século XIX, haja vista que neste
período ainda vivíamos o processo de escravidão no país. No início
do século XX, com o processo de urbanização em desenvolvimento,
surge a necessidade cada vez maior de erradicação do analfabetismo.
Logo, a constituição da escola brasileira não possui como preocupação
a formação humana, conforme denota Gondra (2018, p. 23), ela se
constitui como espaço de disseminação de determinados saberes que
constituem um determinado patrimônio cultural, para atender as
necessidades de uma nova economia industrial em ascensão, ou seja,
saber ler, escrever, os conhecimentos aritméticos básicos, entre outros,
sob a submissão e tutela do Estado, “de modo a assegurar a realização
do projeto de modernização”. A instrumentalização do saber longe de
refletir uma suposta neutralidade revela sua submissão às relações de
poder.
Como aponta Boff (2015), a caracterização da educação como
algo contraposto ao popular veicula um projeto de exclusão e
dominação. Segundo o autor, a especificidade da categoria “povo”,
que foi historicamente localizada entre a massa e a elite, denuncia a
estrutura que coloca um grupo acima dos outros, em outras palavras
há um grupo detentor do saber, e, portanto, do poder. Em suas
palavras: “A elite possui o ethos, seus hábitos e sua linguagem. Face a
ela, surgem os nativos, os que não gozam de plena cidadania, nem
podem elaborar um projeto próprio. Assumem assim, entretanto, um
projeto das elites.” (BOFF, 2015, p. 1)
Portanto, os saberes instituídos na escola brasileira se
consolidaram para atender as necessidades de uma elite colonial e
industrial em desenvolvimento no país, a qual valorizava um currículo
com base no desenvolvimento tecnológico e em virtude da crescente
“racionalização da vida” (GONDRA, 2018, p. 40), ao considerarmos
39
o avanço da modernidade e do desenvolvimento industrial no Brasil.
Este processo de desfiguração e fabricação de uma escola para atender
as necessidades de multinacionais e de um mercado internacional se
consolidou com grande intensidade a partir da década de 1950, em
virtude da abertura econômica e dos investimentos de países da
Europa e dos Estados Unidos para a consolidação de uma indústria
“brasileira”.
Neste contexto, de acordo com Paludo (2015) a Educação
Popular assume o papel político e para a formação e emancipação
humana, na consolidação de uma pedagogia decolonial
6
, bem como,
no fortalecimento de um processo de luta e resistência das classes
populares, no estabelecimento de um projeto de educação a partir da
realidade dos sujeitos, ou seja, na constituição de uma prática
educativa como instrumento para a liberdade e construção do
conhecimento, frente ao projeto hegemônico a partir dos anos de
1970, com a mercantilização da educação no Brasil. Neste contexto,
o que se afirmava como primazia da educação era o trabalhar com o
povo e não para o povo o que se equipara a trabalhar sobre ele e
incluí-lo em tudo o que favorecesse a formação da consciência,
autoconsciência e autogoverno.
6 Apesar dos ideiais da decolonialidade já existirem, de acordo com Ballestrin (2013, p. 89)
o conceito da decolonialidade passa a ser discutido em âmbito acadêmico no final da década
de 1990 a partir do Grupo Modernidade/Colonialidade, constituído por um coletivo de
pensadores e intelectuais latino-americanos de diferentes universidades do continente ameri-
cano. De acordo com a autora, "o coletivo realizou um movimento epistemológico funda-
mental para a renovação crítica e utópica das ciências sociais na América Latina no século
XXI: a radicalização do argumento pós-colonial no continente por meio da noção de “giro
decolonial”.
40
Educação Popular:
caminhos possíveis para uma pedagogia decolonial
De acordo com Pinho, Soares e Silva (2020, p. 409) os
movimentos de educação e cultura popular se fortaleceram durante o
final da década de 1950, pois neste período o Brasil vivia grandes
“preocupações dos intelectuais, políticos e estudantes com a
participação política das massas em meio ao processo de tomada de
consciência da problemática brasileira”. Ou seja, havia a preocupação
de ruptura da dependência brasileira dos países do exterior, tanto
economicamente, quanto no que tange à cultura e à educação.
Os diversos grupos lançam-se ao campo da atuação educativa
com objetivos políticos claros e mesmo convergentes, embora
cada um deles enfocasse o problema à sua maneira e mesmo
lutassem entre si. Pretendiam todos a transformação das
estruturas sociais, econômicas e políticas do país, sua
recomposição fora dos supostos da ordem vigente; buscavam
criar a oportunidade de construção de uma sociedade mais justa
e mais humana (PAIVA, 2003, p. 258 apud PINHO; SOARES
e SILVA, 2020, p. 409).
Desta maneira, podemos inferir que a Educação Popular
surge como uma necessidade perante ao colonialismo moderno
instaurado sobre o Brasil, pois, tendo em vista a subordinação
política, cultural e econômica, isto é, de um modelo econômico a
partir da industrialização, a qual “forjada no ideário do crescimento
econômico e não no desenvolvimento humano e, portanto, social;
nunca deixou de estar ligada aos interesses internacionais
(PALUDO, 2015, p. 222). Ou seja, no impedimento de uma
autonomia nacional, que pudesse superar o colonialismo. Contudo, a
despeito da efetivação de tal projeto de Educação Popular, retoma-se
41
o velho projeto de subordinação. Como aponta Paludo (2015), após
o movimento de Educação Popular há o desenvolvimento de um
novo projeto hegemônico, por meio de ideologias que fomentam a
transformação da Educação em mercadoria.
Em 1970, segundo a autora, presenciou-se o surgimento de
uma nova ordem internacional que emerge como consequência da
crise do capital. O mercado se erige como instância reguladora da
sociedade, onde se inclui a educação, que incorpora valores
capitalistas tais como competitividade, meritocracia e individualismo.
Anteriormente a isso, encontramos o regime ditatorial que
nos anos de 1960 nos países da América Latina foi utilizado como
instrumento político de poder na sustentação dos ideários
estrangeiros. No Brasil, este processo desencadeou ao mesmo tempo
o processo de luta e resistência dos movimentos culturais e populares
dos povos latino-americanos, entre eles, a Educação Popular, no
questionamento da subalternização dos conhecimentos produzidos
pelos grupos oprimidos, na proposição de um “paradigma outro”
(MOTA NETO, 2018, p. 3) na inclusão de conhecimentos
subalternizados e invisibilizados por valores culturais dominantes.
De acordo com Mota Neto (2018, p. 4) o fim do colonialismo
não significou o término das desiguais relações de poder, com a
industrialização e a tecnologia do capitalismo global, o que houve na
verdade foi a ressignificação destas relações pelo capitalismo e
mediante uma colonialidade global. Deste modo, para a superação
das formas de opressão decorrentes da colonialidade e da
modernidade, para este autor a perspectiva decolonial da Educação
Popular desenvolvida a partir do pensamento de Paulo Freire traz à
tona uma resposta perante a colonialidade “[...] e, sobretudo, por
apresentarem elementos de descolonização do pensamento, do fazer
científico e da pedagogia”.
42
A construção da perspectiva decolonial se dá mediante o diálogo
com formas não ocidentais e não acadêmicas de conhecimento,
mas também encontra inspiração em um amplo número de
fontes teóricas produzidas no Sul global, como a América Latina,
África e Ásia. Segundo Escobar (2003), algumas destas fontes são
a teologia e a filosofia da libertação, a teoria da dependência, o
grupo sul-asiático dos estudos subalternos, a teoria feminista
chicana, a teoria pós-colonial e a filosofia africana. (MOTA
NETO, 2018, p. 4).
A respeito da decolonialidade, Aníbal Quijano irá trabalhar a
partir da colonialidade do poder, enfatizando “que as relações de
colonialidade nas esferas econômica e política não findaram com a
destruição do colonialismo” (BALLESTRIN, 2013, p. 99). Do
mesmo modo, Ballestrin (2013) identifica as discussões realizadas na
área da semiótica por Walter Mignolo, o qual irá considerar o
problema da colonialidade do saber, de acordo com este autor, essa
elaboração intelectual eurocêntrica se consolidou “associada à
específica secularização burguesa do pensamento europeu e a
experiência e às necessidades do padrão mundial de poder capitalista,
colonial/moderno, eurocentrado, estabelecido a partir da América.
(QUIJANO, 2005, p. 9, apud BALLESTRIN, 2013, p. 103-104).
Aníbal Quijano (2005) propõe o termo colonialidade para
denunciar a dominação que persiste nos sistemas coloniais, mesmo
depois do fim das colônias territoriais. A lógica capitalista, europeia,
nortecentrada, impõe padrões de poder e de saber ao que se faz
necessária e urgente uma perspectiva decolonial. Segundo Leite
et. al., (2019) abordagens decoloniais são narrativas de denúncias dos
processos de colonização engendrados pela Europa. Segundo os
autores, dentre outros aspectos, tais processos se legitimam por
discursos expressos sob dualismos: “cultos vs. incultos, civilizados, vs
43
incivilizados, modernos vs em estado de natureza [...]” (LEITE et al.,
2019, p. 3).
O caráter do conhecimento que se coloca como referencial
para todos, mas que parte de um grupo com interesses específicos está
sendo cada vez mais denunciado pelos grupos que são oprimidos por
esse conhecimento. Sendo de muita relevância a consonância dessas
“contra-visões” no que diz respeito à captação dos padrões do discurso
ocidental legitimadores de relações de opressão ou, na
conceitualização de Joy (2019), das meta-narrativas de opressão).
Aníbal Quijano (2005), em suas reflexões sobre a
colonialidade nos permite estender essa percepção às relações de
dominação raciais. Ele compreende que o dualismo contribuiu
fortemente para a classificação de raça e gênero. Este autor aponta que
a separação entre corpo e alma, promovida por Descartes, na qual o
corpo se torna objeto e a categoria de sujeito se torna exclusiva da
razão sustentou a categorização europeia de outras raças como
inferiores por não constar nesta categorização de seres racionais: São
objetos de estudo, “corpo”, em consequência, mais próximos da
natureza. Em certo sentido, isto os converte em domináveis e
exploráveis. De acordo com o mito do estado de natureza e da cadeira
do processo civilizatório que culmina na civilização europeia, algumas
raças negros (ou africanos), índios, oliváceos, amarelos (ou
asiáticos), e nessa sequência estão mais próximos da natureza que os
brancos. (QUIJANO, 2005, p. 129).
É dessa maneira que, segundo o autor, a cultura europeia
mantém uma relação com outras culturas como uma relação entre
sujeito e objeto. Qualquer ser humano que não apresente o padrão de
racionalidade da cultura europeia é automaticamente considerado
mais próximo da natureza (um conceito de natureza/corpo
completamente esvaziado) e, portanto, inferior. Em suma, na esteira
44
da separação e dicotomização da realidade se promove a
desumanização de humanos não europeus. Pressupostos filosóficos,
portanto, sustentam a dominação e por esse motivo Krenak afirma:
A ideia de que os brancos europeus podem sair colonizando o
resto do mundo estava sustentada na premissa de que havia uma
humanidade esclarecida que precisava ir ao encontro da
humanidade obscurecida, trazendo-a para essa luz incrível. Esse
chamado para o seio da civilização sempre foi justificado pela
noção de que existe um jeito de estar aqui na terra, uma certa
verdade ou uma concepção de verdade, que guiou muitas
escolhas falsas em diferentes períodos da história (KRENAK,
2009, p. 11).
Segundo Quijano (2005) a própria noção de progresso é
pensada em relação a uma narrativa da história humana como tendo
saído do estado de natureza rumo à civilização que é a Europa.
Boaventura de Souza Santos (2007) ressalta que isso fez com que a
cultura europeia e os próprios seres humanos europeus se
concebessem como não contemporâneos de outras culturas e outros
humanos concebendo a si mesmos como mais avançados ou mais
desenvolvidos (tecnologicamente, cognitivamente, humanamente).
Quijano aponta que dessa maneira as diferenças entre os humanos
passam a ser consideradas “de natureza” e compreendidas através do
conceito de raça, que legitima o domínio de um grupo sobre os
outros, uma raça superior que teria precedência em direitos sobre as
demais quando não responsável pelo auxílio das demais raças na
evolução rumo a um ideal de humanidade.
Segato (2021) em comentário à perspectiva da colonialidade
do poder de Aníbal Quijano, aponta como categorias epistêmicas
hierarquizantes constroem-se sobre a racialização dos sujeitos, que é
45
por sua vez criada com a finalidade da exploração do trabalho. Há,
segundo a autora, uma profunda relação entre a construção de uma
certa concepção epistemológica e a colonialidade.
Paulo Freire (2021) veio ao encontro dessa compreensão ao
refletir sobre a educação bancária, prática dominante nos sistemas
escolares. Ele define a ação do educador que se coloca fora e acima do
educando, lhe transmitindo conteúdos, como uma prática
colonizadora. Freire compreende que, na prática educacional, a
separação entre sujeito e objeto, determina educador (sujeito) e
educando (objeto) dentro de uma relação de poder, gerando um ato
de conquista, no qual: “[...] o sujeito da conquista determina sua
finalidade ao objeto conquistado, que passa, por isso mesmo, a ser
algo possuído pelo conquistado” (FREIRE, 2021, p. 186).
O professor colonizador transforma o educando em um
hospedeiro de seus conhecimentos e assim o aliena, objetificando-o.
A educação bancária reifica os sujeitos lhes roubando a liberdade.
Nesse sentido, compreende-se que uma Educação popular, em
consideração e respeito da subjetividade/cultura dos sujeitos
envolvidos é motor de sua liberdade e emancipação, tanto individual
como política.
Deste modo, compreende-se que a Educação Popular é
composta pelos pressupostos de uma pedagogia decolonial, a qual é
constituída por um conjunto de:
teorias-práticas de formação humana que capacitam os grupos
subalternos para a luta contra a lógica opressora da
modernidade/colonialidade, tendo como horizonte a formação
de um ser humano e de uma sociedade livre, amorosa, justa e
solidária (MOTA NETO e STRECK, 2019, p. 209).
46
Podemos citar alguns dos fundamentos teóricos e
metodológicos da prática pedagógica da Educação Popular, entre eles,
o diálogo e a cultura na ruptura da dicotomia entre sujeito e objeto
na construção do conhecimento. Na escola atual o conhecimento
possui um caráter instrumental, em que a cultura dos sujeitos
educandos e o diálogo entre os mesmos são pouco valorizados na
prática docente, haja vista o modelo hegemônico vigente da escola
delimitado sob uma lógica mercantilista. De acordo com Sanceverino
(2016, p. 468), “a educação dialógica é um momento mais que
cognitivo e racional, pois engloba dimensões outras, como a
afetividade, a sensibilidade, a intuitividade e as intencionalidades”. A
educação dialógica valoriza a dimensão subjetiva promovendo a
humanizão. A mudança de foco do objetivo para o subjetivo no
plano da educação é promotora da emancipação do ponto de vista
político. Como aponta Kilomba:
sujeitos o aqueles que têm o direito de definir suas próprias
realidades, estabelecer suas próprias identidades, de nomear suas
histórias. Como objetos, no entanto, nossa realidade é definida
por outros, e nossa história designada somente de maneiras que
definem (nossa) relação com aqueles que são sujeitos. Essa
passagem de objeto a sujeito é o que marca a escrita como um ato
político (KILOMBA, 2015, p. 28).
A educação, portanto, não pode prescindir do entendimento
de que somos seres socialmente criadores de cultura e, assim, dos
significados de nossa inserção no mundo. Dessa maneira efetivarmos
nossa liberdade. Nesse sentido, uma educação libertadora deve
necessariamente avançar contrariamente à subalternização dos
símbolos, valores, práticas e crenças dos povos inferiorizados ao longo
da história. Ir contra a objetificação dos sujeitos significa realizar um
47
trabalho crítico no âmbito da cultura, tornando os sujeitos
autônomos em sua apropriação do mundo (tanto o mundo objetivo
como o mundo cultural). Nesse sentido, em substituição ao sujeito
pensante universal (criador de dicotomias e relações de poder), faz-se
necessário colocar subjetividades históricas e localizadas cultural-
mente. O engajamento na realidade acontece simultaneamente à
libertação; liberdade e enraizamento não estão separados. Nesse
sentido, quando nos voltamos à cultura dos povos, aquilo que
demarca nossa identidade, em nosso território e história, pode ser
elemento chave para a construção de uma educação emancipatória.
Decolonialidade e imersão no mundo da vida
Para Kusch, segundo Carvalho e Tasat (2020) o
desengajamento da realidade sob o ideal de universalidade expressa os
símbolos de uma cultura que nega seu medo, sua vulnerabilidade
escondendo-se por detrás de um conhecimento que torna tudo
previsível, estático, no modo do passado, congelando tudo,
“limpando” as contradições ou as partes que situam nosso olhar, para
que possamos ser um “olho que tudo vê” descolado e acima do
mundo. Esse olhar nega tudo o que é transbordamento da vida, aquilo
que não se pode controlar ou prever, o novo, o absurdo, o imprevisto.
Assim resta-nos apenas a coisa. Sobra-nos para conhecer
apenas o objetivo, ou o objetificável. Apagando contradições, cria-se
o conceito, aquilo que de acordo com o ponto de vista moderno
compõe o conhecimento. Carvalho e Tasat (2020) chamam-nos a
atenção para o quanto aquilo que é compreendido modernamente
como princípios da lógica ou da construção do conhecimento e do
discurso científico e filosófico traz em si modos de relação e uma
tessitura simbólica de interação social e com o mundo. Pensar que
48
algo deve ser igual a si mesmo anula a diversidade e o movimento,
pensar que as coisas não podem ser e não ser ao mesmo tempo anula
a imaginação. Como aponta Tasat (2020), para muitos povos
originários, uma montanha é e não é uma montanha ao mesmo
tempo, ela pode ser por exemplo, uma montanha e um avô.
Segundo o autor, contraposição à forma conceitual, Kusch
evidencia a importância da forma simbólica de conhecer. Esta forma
reflete os transbordamentos da vida, pois carrega em si aberturas,
porosidades, elementos não racionais, a dimensão afetiva, de emoção,
do sonho, do sensível. O símbolo também traz uma dimensão
holística e cosmológica, de todo, de conectividade (em contraposição
à forma analítica e parcial do conceito).
Segundo Tasat (2020), o movimento simbólico do viver põe
um vínculo, pois, quando vemos a montanha como o avô, por
exemplo, colocamos também um modo de relação que é vincular e
não instrumental, a montanha não é uma coisa. Os símbolos, são as
paisagens que habitamos. Os símbolos dizem respeito a cultura,
modos de relação, literal e figurativamente o solo que habitamos.
Sempre partiremos dos símbolos. Mesmo a cultura clara e esclarecida,
tecnológica e cética tem seus símbolos. Seu solo, seus mitos, seu
projeto histórico cultural: “a tecnologia salvará o mundo”, por
exemplo.
A questão é que sempre somos parte de algo que não podemos
claramente enunciar e achar que não temos ponto cego, é nos
perdemos naquilo que somos. Nesse sentido devemos, como nos
indica Kusch, ir muito além do óbvio. Olhar para o que já es
assentado (e que assenta) em nossa realidade e observar isso como algo
que foi colocado ali, como um modo possível de existir em
contraposição a outros possíveis.
49
E é diante desses outros possíveis que Kusch busca o fundo
comum das humanidades chamando atenção para algo que nós
perdemos e que está preservado entre os povos originários. Um olhar
para a diversidade epistemológica serve não apenas para questionar a
hegemonia de uma forma de conhecer, mas pensar formas mais
sintonizadas aos nossos processos de vida. Estas formas devem não
apenas ser levadas em consideração, mas nos servir de exemplo. O
filósofo propõe que nos voltemos às formas originárias de se viver,
conviver e conhecer, formas essas que resistiram aos impérios. Como
aponta Carvalho e Tasat (2020), a sabedoria que vem detrás das
montanhas, que tem tanta força de vida, que às vezes a modernidade
não entende, mas necessita para conviver.
Segundo Carvalho e Tasat (2020) conservamos, aquilo que
entre os povos originários desabrocha, em nossos ritos cotidianos,
sem, no entanto, perceber esta ligação. Quando, por exemplo,
torcemos para nosso time, fazemos simpatias cotidianas, remetemos à
essa dimensão primeira que emana a sacralidade e o rito. Em nossa
própria vida encontramos o reflexo do ancestral. E isso reflete a densa
unidade de onde se dá a vida. E por essa densa unidade se interessam
os deuses. E em nossos processos viventes nos aproximamos mais de
Deus, em um sentido que é ao mesmo tempo de sacralidade, diante
do mistério e de criação. Permitir nos assombrarmos com a vida
veicula processos criativos. O desencantamento da vida suprime esta
parte de nós que pulsa e que cria. E cria uma dinâmica de enunciação
cauterizante, mortificante e limitante. E não poderia ser diferente na
paisagem pós apocalíptica do capitalismo. Quando refletimos acerca
do projeto histórico vincular de humanidade do ponto de vista da
educação, podemos perceber que há pouca afinidade entre ele e o que
se realiza de forma predominante na educação escolarizada. Em
diversas dimensões, aquilo que se realiza na escola separa os sujeitos,
50
os opõe, estabelece relações de comparação e hierarquia, os
condiciona a propósitos alheios, a um tempo alienante, a atividades
desconectadas de seu mundo próprio e antidialógicas.
Em contraposição, em contextos e interações sob a alcunha de
cultura popular, onde os indivíduos, juntos, no mundo da vida
interagem rumo a um propósito comum, onde compreendem aquilo
que produzem como proveniente deles, há um forte senso de
integração e cooperação. É, claro que em um sistema que cinde
campos simbólicos, submetendo uns aos outros, os sujeitos têm sua
capacidade de “navegação cultural” infiltrada, e vivem as
ambiguidades da colonização, tendo, ao mesmo tempo, referências
autenticamente suas e sendo “hospedeiro de outras”. Contudo, cabe
ressaltar, que aquilo que emerge da liberdade e do verdadeiro vínculo
humano nos povos ainda resiste em comunidades tradicionais em sua
disfuncionalidade ao capitalismo. Sua invisibilização não significa sua
morte, e sua persistente presença representa a grandeza de sua força.
Também significa que tais comunidades são educadoras no
que diz respeito ao conjunto de sua densidade simbólica. Sua
vincularidade é representada não apenas no que conseguem
estabelecer em termos de relações humanas, auto-organizadas e
horizontalizadas, mas em termos de suas relações próprias com a
natureza. Se quisermos a verdadeira libertação de um sistema que
desumaniza, precisamos pensar uma educação que estimule a conexão
entre os humanos com o propósito de ampliação de sua liberdade e
pensar uma educação que fomente a liberdade humana a partir da
integração do humano a si mesmo e aos cosmos.
51
Considerações finais
Na atualidade a constituição do conhecimento no espaço
escolar ainda está atrelada a colonialidade. Logo, a Educação Popular
desenvolvida tanto em espaços educativos oficiais, como nos
movimentos sociais demonstra ser um caminho possível e promissor
para uma formação humana, no reconhecimento da cultura e do
diálogo para a emancipação dos sujeitos. A Educação Popular possui
como práxis educativa a realidade social, na construção de um projeto
político de sociedade mais igualitária, no reconhecimento do ser
humano como sujeito histórico e produtor de cultura. O resgate
daquilo que na década de 1970 foi a contramão de um sistema de
desumanização, como um movimento de Educação Popular
efetivando a conexão entre dimensão teórica e prática se revitaliza,
hoje, com as reflexões propiciadas pela cada vez mais debatida crítica
decolonial. Pensar a revitalização da educação tem por objetivo
determiná-la como ferramenta para a autoconsciência e formação dos
sujeitos. Para que sejam capazes do exercício de sua autonomia, e para
que o conhecimento os liberte, ao invés de torná-los cativos do
sistema de dominação. E isso necessariamente perpassa a
problematização de uma epistemologia hegemônica que se coloca
como referencial para todos, assim como dos paradigmas do
pensamento ocidental, que dicotomizam a realidade hierarquizando
modos de existir.
Fecunda para repensarmos práticas educacionais será a
postura que amplia critérios epistemológicos em consonância com a
diversidade de saberes, modos de existência, e símbolos humanos. É
preciso que nos orientemos rumo a formas de pensamento que
escapem ao paradigma ocidental; assim teremos um contraponto a
partir do qual possamos observá-lo. Para que o modo de relação
52
dialógico possa ocorrer, precisamos pensar em formas de existência
vinculares, que não objetifiquem o sujeito. A educação dialógica tem
como pressuposto a existência de sujeitos vivos, imersos em suas
experiências e habitantes de um mesmo mundo, diante do qual se
colocam como igualmente humanos rumo à sua liberdade.
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CAMINHOS DIALÓGICOS NA EDUCAÇÃO DE
JOVENS E ADULTOS: REPENSANDO A LEITURA
E LITERATURA
Letícia Kondo
7
Cyntia G. G. Simões Girotto
8
Introdução
Pensar sobre a Educação de jovens e adultos (EJA) no Brasil
consiste em analisar criticamente diversas conjunturas políticas em
ação, uma vez que não existe qualquer possibilidade de neutralidade/
imparcialidade dentro da relação educação e política: não se faz
educação sem o confronto com as ideologias vigentes. Ser capaz de
questionar “Porque fazemos Educação?” / “Para que fazemos Educa-
ção no Brasil?” e buscar por respostas nos move a
Reconhecer a EJA como instância de Direito Público Subjetivo
significa assumir o direito de formação escolar como prerrogativa
inalienável de todas as pessoas e a obrigação de seu oferecimento
7 Doutoranda em Educação pela Universidade Estadual Paulista UNESP, Marília, SP.
Mestre em Educação pela Universidade Estadual Paulista UNESP, Marília, SP. Formada
em Letras pela Universidade Estadual Paulista UNESP, Assis, SP. E-mail: leti-
cia.kondo@unesp.br
8 Livre-Docente em Educação pela Universidade Estadual Paulista UNESP, Marília, SP.
Professora vinculada ao Departamento de Didática e ao Programa de Pós-graduação em
Educação da Faculdade de Filosofia e Ciências FFC UNESP Campus de Marília. E-
mail: cyntia.girotto@unesp.br
58
pelo Estado, administrador do excedente econômico. Significa
reconhecer a articulação de graves problemas sociais e políticos
como os mencionados com a pobreza absoluta, os componentes
étnico-raciais, as questões de gênero e sistema de ensino pouco
inclusivo (MIGUEL, 2022, p.11).
Ao nos abrirmos para compreensão do confronto
supramencionado, tornamo-nos capazes de descortinar os sujeitos
sociais envolvidos na EJA e avançar no compromisso com a educação
para a humanização. A partir do olhar cuidadoso para os parâmetros
sociais, constatamos a realidade desses sujeitos sociais envolvidos na
EJA: são sujeitos marcados por preconceitos relativos ao sexo, cor e
classe social pré-estabelecidas; pessoas cuja trajetória de vida refletem
a opressão e exclusão social. Logo, a alfabetização voltada a este grupo
precisa estar compromissada com um ensino crítico, capaz de libertar
e emancipar consciências.
Se buscamos essa educação emancipatória e libertária,
precisamos repensar a função da linguagem, pois ela é a responsável
por nos fazer participar das relações sociais, por meio dela somos
capazes de afetar e sermos afetados pelo Outro, ou seja, ela nos
possibilita viver em dialogia: “Viver significa participar do diálogo:
interrogar, ouvir, responder, concordar etc. Nesse diálogo o homem
participa inteiro e com toda a vida: com os olhos, com os lábios com
as mãos, a alma, o espírito, todo o corpo, os atos” (GEGE, 2013,
p.29).
Deste modo, garantir relações dialógicas nas aulas da EJA é
promover a alternância de vozes, é possibilitar que os alunos atuem
como parceiros e protagonistas do seu processo de ensino/
aprendizagem: construir relações horizontais entre professores e
alunos, nas quais as vivências desses sujeitos sejam valorizadas e tidas
como ponto de partida para as formas de construção de pensamento.
59
Partindo da premissa de que não se tem aprendizagem real e
significativa fora dos ambientes promotores da dialogia, “O papel do
professor não se reduz a ser um mero repassador de conhecimentos,
mas sim a um mediador, instigador e problematizador”
(SANCEVERINO, 2016, p. 457). É fundamental, portanto, que o
professor possa atuar criando condições de desenvolver o pensamento
crítico dos estudantes, nas palavras de Freire (1980, p.19): “Quanto
mais refletir sobre a realidade, sobre sua situação concreta, mais
emerge, plenamente consciente, comprometido, pronto para intervir
na realidade para mudá-la”.
Almejando a construção de caminhos dialógicos para a
alfabetização de jovens e adultos, bem como, a garantia de um
processo de ensino/aprendizagem significativo e preocupado com a
formação de leitores críticos - capazes de ultrapassar as barreiras do
dito e galgar pelos caminhos das entrelinhas - o trabalho com as
estratégias de leitura propostas por Girotto e Souza (2010) aponta
para as possibilidades de apropriação da cultura humana escrita, para
o processo de humanização.
Quando ensinamos para os nossos alunos os atos que
movimentamos durante a leitura, estamos ensinando que ler
ultrapassa a concepção de retirar o som das palavras. A leitura, em seu
sentido pleno, envolve a criação de signos, ou seja, é um processo
mental de construção de sentidos. Portanto, aprender a ler é aprender
a dialogar com o texto, fazer perguntas e buscar por respostas
provisórias.
Oferecer textos literários em sala de aula possibilita que nossos
alunos entrem em contato com as grandes questões humanas: sonhos,
medos, fantasias etc. Logo, tais textos promovem espaço para que
conheçamos mais sobre nós mesmos e outras culturas eles ampliam
60
nossa reflexão sobre a condição humana e, desta forma, são meios para
o processo de humanização.
Levando em consideração os aspectos supramencionados,
propomos o trabalho com o livro literário ilustrado OS INVISÍVEIS,
de Tino Freitas e Odilon Moraes, e a estratégia de leitura “conexão”,
a fim de oportunizar aos alunos momentos de reflexão sobre o ato de
ler e, ainda, sobre a condição humana de “pessoas invisíveis”, crítica
social presente na obra.
Assim, no decorrer do capítulo proposto, apresentaremos a
obra evidenciando seus detalhes estéticos e sugeriremos caminhos
possíveis de seu trabalho em sala de aula visando aproximar os alunos
da estratégia de leitura “conexão”
Se os leitores não têm nada para articularem à nova informação,
é bem difícil que construam significados. Quando têm uma boa
bagagem cultural sobre um tópico, são capazes de entender o
texto. Mas quando sabe pouco sobre o assunto abordado ou
desconhecem o formato do texto, frequentemente, encontram
dificuldades. Fazer conexões com as experiências pessoais facilita
o entendimento. As vivências e conhecimentos prévios dos
leitores abastecem as conexões que fazem (GIROTTO; SOUZA,
2010, p.66-67).
Quanto mais enredados com o texto os leitores estiverem,
mais possibilidades terão para o encontro com as vozes ali presentes,
isto é, mais dialógico se torna o ato de ler. Deste modo, alunos
tornam-se capazes de se apropriarem do verdadeiro sentido da leitura
para humanização, afinal, leitores
se formam como leitores porque aprendem a ler, não porque
pronunciam as palavras, nem porque as veem, mas porque
estabelecem ligações entre o conjunto de sentido por elas
61
formado e o conjunto de sentidos que constituem suas
experiências de vida” (ARENA, 2010, p.41).
Os Invisíveis
: diálogos sobre os autores e a obra
Tino Freitas é escritor, jornalista, contador de histórias e
mediador de leitura do projeto Roedores de Livros. Atualmente,
reside em Brasília e possui mais de vinte livros publicados; dentre eles,
alguns já receberam importantes prêmios, como o Prêmio Jabuti e o
Selo Altamente Recomendável para Crianças, da FNLIJ (Fundação
Nacional do Livro Infantil e Juvenil).
Odilon Moraes é formado em arquitetura, porém desde
muito cedo optou pela construção de livros ao invés de casas.
Ilustrador há mais de vinte anos, escritor de livros ilustrados, vencedor
três vezes do Prêmio Jabuti (duas delas como melhor ilustrador) e três
vezes do Prêmio FNLIJ de melhor livro do ano.
Tino e Odilon são amigos e admiradores recíprocos de seus
trabalhos. Assim, decidiram unir-se para a construção narrativa de OS
INVISÍVEIS, obra que nos conduz pela trajetória de um menino com
um superpoder, enxergar os invisíveis. Com o intuito de evidenciar as
possibilidades humanizadoras no trabalho com a obra, seguiremos
com a exploração e alguns destaques acerca da narrativa.
O livro possui 17x21cm de extensão, sendo confortável de se
manusear, segurando-o com apenas uma das mãos. Suas páginas
foram impressas em offset sobre papel Alta Alvura. Ao mantê-lo ainda
fechado, nos deparamos com os elementos narrativos da capa: título
em caixa alta, autores, editora e o enunciado visual de um casaco
pendurado em um mancebo. Ao vi-lo, compondo uma única cena,
a quarta capa traz uma breve sinopse do enredo seguida pela imagem
narrativa visual de um cachorro deitado com a barriga para cima
62
posição que remete a situação na qual os cachorros se posicionam ao
receberem carinho
Figura 01 Capa e Quarta capa do livro OS INVISÍVEIS.
Fonte: Freitas; Moraes (2021).
Na condição de que ler é fazer perguntas e buscar por possíveis
e, sempre, provisórias respostas, somos motivados a nos questionar e
elaborar pensamentos como: “De quem é o casaco pendurado?”, “O
cachorro pertence ao dono do casaco?”, “O sujeito a quem casaco e
cachorro pertencem teria se tornado um invisível?” e “Por que a
história fala sobre pessoas invisíveis, mas o título faz questão de
destacar dar visibilidade por meio do recurso de letras em caixa
alta o vocábulo INVISÍVEIS?”.
Contagiados pelos questionamentos, abrimos as páginas para
nos encontrarmos com o miolo do livro. As guardas iniciais e finais se
repetem e formam um padrão de riscos verticais agrupados de quatro
em quatro, sugerindo um gramado:
63
Figura 02 Guardas iniciais do livro OS INVISÍVEIS.
Fonte: Freitas; Moraes (2021).
Ainda em busca de respostas que solucionem nossos
questionamentos, prosseguimos pela afetuosa mistura entre
enunciados verbais e visuais acerca da trajetória sensível de um
garotinho que percebe ser diferente dos demais membros de sua
família, ele tem o superpoder de ver os invisíveis. Trajando sua capa
de herói, o pequeno nos conduz pelas situações em seu cotidiano que
nos permitem perceber a veracidade dos fatos. Ao sair de casa, sempre
acompanhado pela figura de um adulto, o pequeno nos apresenta
corpos de homens e mulheres incompletos, ou seja, pessoas
caracterizadas apenas pelas roupas que vestem e atividades que
exercem.
64
Figura 03 Páginas do livro OS INVISÍVEIS.
Fonte: Freitas; Moraes (2021).
Figura 04 Páginas do livro OS INVISÍVEIS.
Fonte: Freitas; Moraes (2021).
65
Figura 05 Páginas do livro OS INVISÍVEIS.
Fonte: Freitas; Moraes (2021).
Figura 06 Páginas do livro OS INVISÍVEIS.
Fonte: Freitas; Moraes (2021).
66
Figura 07 Páginas do livro OS INVISÍVEIS.
Fonte: Freitas; Moraes (2021).
A cada cena, podemos perceber a sutileza da criança que se
comove com os invisíveis buscando pela aproximação e contato com
estes; enquanto, seus familiares passam sem reconhecê-los em suas
individualidades: são ocupantes de espaços, não havendo qualquer
possibilidade para interação/troca. O Outro, caracterizado pelas
vestimentas que adorna, é despido de humanidade.
Se participar ativamente do mundo é vivenciar relações de
troca com o Outro, ou seja, exercer a alteridade; aos invisíveis sociais
e dentro de tal categoria estão inseridos também os alunos da EJA
são roubadas diversas oportunidades de participação. Dispondo das
palavras de Bakhtin (2011, p.47-48) “(...) o corpo não é algo que se
baste a si mesmo, necessita do outro, do seu reconhecimento e da sua
atividade formadora.” Deste modo, é condição essencial para
humanização que nosso corpo seja visto e preenchido pelas palavras e
ações do Outro. Desprovidos destes encontros, somos corpos
67
esvaziados e incapazes de afetar e ser afetado dentro de um grande e,
sempre em construção, ciclo.
Os momentos seguintes figuras abaixo somos convidados
a refletir na invisibilidade do próprio garotinho, uma vez que sua
família parece ocupada demais para relacionar-se com ele.
Figura 08 Páginas do livro OS INVISÍVEIS.
Fonte: Freitas; Moraes (2021).
A transformação visual entre banco da praça ocupado por
pessoas que só o pequeno conseguia enxergar pelo mesmo banco,
agora, completamente vazio marca a passagem narrativa do tempo.
Nosso pequeno está crescendo e, com isso, perdendo sua capacidade
de enxergar os invisíveis. O tronco da árvore posicionado ao lado do
banco delimita a fronteira entre antes e depois: infância e juventude.
68
Figura 09 Páginas do livro OS INVISÍVEIS.
Fonte: Freitas; Moraes (2021).
Figura 10 Páginas do livro OS INVISÍVEIS.
Fonte: Freitas; Moraes (2021).
Acompanhamos o jovem ingressar na faculdade, conseguir
um emprego, encontrar o amor, sofrer a perda dos seus próximos,
construir uma família e, como consequência do destino, envelhecer.
Durante tais passagens temporais, torna-se evidente o abandono de
seu superpoder. Movido pelo racionalismo da vida atarefada dos
adultos, ele, também, se tornou um homem comum, incapaz de
69
enxergar os invisíveis. Seu próprio companheiro de estimação, ao seu
lado desde o início da narrativa, não é mais visto. A imagem abaixo
comprova que o animal não possui mais lugar junto ao personagem,
ele se alimenta sozinho no canto oposto aos demais.
Figura 11 Páginas do livro OS INVISÍVEIS.
Fonte: Freitas; Moraes (2021).
Com a chegada da velhice, nosso pequeno vivencia sua
própria invisibilidade, ele se torna o novo ocupante do já conhecido
banco.
70
Figura 12 Páginas do livro OS INVISÍVEIS.
Fonte: Freitas; Moraes (2021).
Figura 13 Páginas do livro OS INVISÍVEIS.
Fonte: Freitas; Moraes (2021).
71
Figura 14 Páginas do livro OS INVISÍVEIS.
Fonte: Freitas; Moraes (2021).
Na passagem acima figura 14 observamos uma bola entrar
em cena. Rolando pela margem direita da página, ela vem ao encontro
do nosso personagem invisível. Esse que até o momento dividia a
companhia com os pássaros, torna-se visível aos olhos de uma
pequena: uma garotinha com uma capa e o superpoder de enxergar
os invisíveis.
72
Figura 15 Páginas do livro OS INVISÍVEIS.
Fonte: Freitas; Moraes (2021).
A estratégia de leitura conexão em
Os Invisíveis
Ao concebermos o ato de ler como uma das formas
promotoras de humanização, estamos compreendendo que participar
do mundo letrado permite ao aluno “(...) ir se apropriando dos
conteúdos socioculturais e construindo sua participação autônoma e
crítica na sociedade” (MILLER, 2003, p.337)”. Deste modo,
identificar as lacunas presentes na formação dos alunos da EJA
consiste em estabelecer um compromisso social com estes e oferecer
oportunidades para que sejam capazes de galgar pelos caminhos de
uma alfabetização voltada para formação de sujeitos criadores de uma
sociedade menos desigual.
Se estamos em luta por uma educação humanizadora e
almejamos oportunizar aos sujeitos uma alfabetização crítica,
precisamos ultrapassar o método fônico preocupado em extrair som
das palavras e nos aproximarmos da alfabetização defendida por
73
Paulo Freire, na qual escola e vida são postas lado a lado e o diálogo é
tido como princípio fundamental para a constituição das relações.
Tomando por base o diálogo e as relações de troca, as aulas
devem ser o encontro de vozes entre professores e alunos, nas quais os
saberes e culturas desses possam ser valorizados. Logo pensar no
ensino/aprendizagem em contexto da EJA é preocupar-se que
Os temas devem emergir de assuntos gerados no cotidiano
daquele grupo, que tenham alguma ligação com a vida cotidiana,
considerando a cultura local em termos de: seu modo de vida,
faixas etárias, grupos de gênero, nacionalidades, religiões e
crenças, hábitos de consumo, práticas coletivas, divisão do
trabalho no interior das famílias, relações de parentesco, vínculos
sociais e redes de solidariedade construídas no local (GOHN,
2016, p.67).
Atentando-se a tais fatos, o livro literário OS INVISÍVEIS
oferece possibilidades de leituras nas quais os alunos sejam capazes de
se identificar com os temas e reflexões, uma vez que a trajetória de
apagamento e exclusão está presente na história do garoto com
superpoderes. Assim, o trabalho associado entre a obra e a estratégia
de leitura conexão permite caminhos nos quais a literatura ultrapasse
o ensino de palavras e sons, alcançando a valorização do humano.
Enquanto leitores, fazemos conexões naturalmente, todas as
vezes que relacionamos algo lido com aspectos de nossas vidas, com
elementos presentes em outras leituras e com fatos globais estamos
mobilizando a estratégia de conexão, já que estas podem se dar em
três níveis: conexão texto-leitor, conexão texto-texto e conexão texto-
mundo.
Quando pensamos no trabalho com as estratégias de leitura
propostas por Girotto e Souza (2010), devemos considerar o esquema
74
de aula oficina de leitura elaborado pelas autoras a fim de garantir
situações autênticas de aprendizagem. Girotto e Souza concebem a
aula - oficina de leitura - com o intuito da aplicação da estratégia de
leitura direcionado pelos seguintes momentos:
Figura 16 Modelo de oficina de leitura.
Fonte: Girotto; Souza (2010).
Conforme identificado no modelo acima, toda estratégia de
leitura deve ser apresentada pelo professor em uma aula introdutória.
A aula introdutória deve servir de guia para que os alunos consigam
visualizar e entender como utilizar a estratégia durante o momento da
leitura. Portanto, o objetivo do professor nesta etapa é explicitar e
verbalizar seus pensamentos enquanto lê, mostrando como raciocina
ao fazer uso da estratégia. Para este ato, o professor trará um outro
75
livro literário, ou ainda, o capítulo de livro, para realizar a modelação
da estratégia de conexão.
Tendo finalizado o momento introdutório de modelação da
estratégia conexão, a aula caminha para a realização da prática guiada,
ou seja, os alunos seguem para a leitura silenciosa de Os Invisíveis.
Para esta leitura, os alunos serão separados em pequenos grupos e o
professor poderá solicitar que conversem sobre o texto, para isso, o
docente pode entregar um roteiro com questões que instiguem a
conversa entre eles. Girotto e Souza (2010, p.62) também orientam
que
Nesta etapa, professor e alunos praticam a estratégia juntos em
um contexto de leitura partilhada, refletindo por meio do texto
e construindo significados através da discussão. Além disso, o
professor recupera as tentativas de compreensão e uso das
estratégias dos alunos e os estimula, dando feedbacks específicos,
tendo a certeza de que estão entendendo a tarefa. O docente
pode, ainda, orientar uma discussão oral ou um trabalho escrito
sobre o texto e a estratégia utilizada. Portanto, para que os alunos
falem, pensem e escrevam sobre o que leram, o professor poderá
planejar um trabalho de sistematização do aprendido, a partir do
uso de instrumentos como “cartazes âncoras”, “folhas do pensar”,
“teias de personagens”, roteiros, “gráficos organizadores”,
“mapas das histórias” (...).
A prática guiada oportuniza aos alunos o encontro dialógico
com as vozes Outrasvozes do autor, ilustrador e colegas assim, as
trocas dialógicas tornam-se o caminho para abertura de visões e
leituras diferentes das suas, ampliando, deste modo, o repertório de
mundo que possuem. Os instrumentos de sistematização citados pelas
autoras - “cartazes âncoras”, “folhas do pensar”, “teias de persona-
gens”, roteiros, “gráficos organizadores”, “mapas das histórias”
76
permitem aos alunos refletir sobre os atos movimentados durante a
leitura, o poder de produzir significados e possíveis maneiras de
explicitá-los.
Inspiradas nos modelos de “folha do pensar” propostas por
Girotto e Souza (2010), apresentamos as seguintes possibilidades de
trabalho com a conexão dentro da obra de Tino Freitas e Odilon
Moraes:
Figura 17 Folha do pensar 1.
Fonte: Elaboração das autoras.
77
Figura 18 Folha do pensar 2.
Fonte: Elaboração das autoras.
As atividades acima figuras 17 e 18 são exemplos de “folha
do pensar” a serem preenchidas individualmente pelos alunos a fim
de que estes entrem em contato com seus próprios pensamentos e
reflexões acerca das conexões mobilizadas. No entanto, nada impede
que em um segundo momento o professor traga para a sala modelos
de “folha do pensar” ampliados, tornando-os cartazes âncoras a serem
preenchidos coletivamente: “O cartaz ajudará os alunos a ter uma
78
ideia geral das várias leituras feitas em sala de aula por seus colegas,
ampliando, assim, as conexões” (GIROTTO; SOUZA, 2010, p.73).
Considerações Finais
Quando nos deparamos com a realidade de Educação imposta
aos alunos da EJA no presente, esbarramos em lacunas que têm
impedido a formação integral desses sujeitos e, assim, somos
motivados a repensar em ações que impulsionem um futuro de
mudanças. Ou seja, diagnosticar os problemas educacionais no
presente é uma forma de estabelecer ligações para o futuro: “O futuro
como possibilidade é uma força que alavanca mentes e corações,
impulsiona para a busca de mudanças. A esperança fundamental
quando trabalhamos com cenários do imaginário desejado (...)”
(GOHN, 2016, p.68).
Refletir acerca do trabalho com as estratégias de leitura é uma
entre as possibilidades de construção de caminhos futuros,
preocupados em oferecer condições para que professores e alunos
transformem Educação bancária em conhecimentos compartilhados,
em linguagem viva dentro da sala de aula, e, portanto, as trocas
dialógicas tornam-se o centro do processo de movimentação do
mundo, levando sujeitos a pensar, comparar, intervir, escolher,
decidir, fazer-se ético.
Considerar a Educação de jovens e adultos como um ato de
liberdade é urgente. A condição de práticas que ofereçam aos alunos
possibilidades de ressignificação de suas condições não deve apagar
seus saberes já adquiridos cultura de sujeitos sociais pertencente a
determinados grupos cujos saberes originam-se das necessidades do
79
cotidiano; mas sim, alargar as oportunidades e perspectivas de
construção de conhecimento.
Somente dentro desse contexto de trocas verbais e dialogia os
sujeitos são capazes de ultrapassar as condições de alfabetização
esvaziada de significados e conceber atos de ler e escrever
comprometidos com a humanização de sujeitos.
Referências
ARENA, D. B. O ensino da ação de ler e suas contradições. Ensino
em Re-vista (UFU. Impresso), v.17, 2010. p. 237-247.
BAKHTIN, M. Estética da Criação Verbal. 6 ed. São Paulo:
Martins Fontes, 2011.
FREIRE, P. Conscientização: teoria e prática da libertação: uma
introdução ao pensamento de Paulo Freire. 3. ed. São Paulo:
Moraes, 1980.
FREITAS, T. Os Invisíveis. Ilustrações de Odilon Moraes. São
Paulo: Companhia das Letrinhas, 2021.
GOHN, M. G. Educação não formal nas instituições Sociais.
Revista Pedagógica, Chapecó, v. 18, n. 39, p. 59-75, set./dez. 2016.
DOI: http://dx.doi.org/10.22196/rp.v18i39.3615
Grupo de Estudos dos Gêneros do Discurso GEGe/UFSCar (org).
Palavras e Contrapalavras: glossariando conceitos, categorias e
noções de Bakhtin. São Carlos: Pedro & João Editores, 2013.
MIGUEL, J. C. Apresentação. In: Educação de jovens e adultos:
teoria, práticas e política / José Carlos Miguel (org). Marília: Oficina
Universitária; São Paulo: Cultura Acadêmica, 2022.
80
MILLER, S. A leitura na escola hoje. In: Lazzari, Raquel Leite
Barbosa. Formação de educadores: Desafios e Perspectivas. São Paulo:
Editora Unesp, 2003. p.335-340.
SANCEVERINO, A. R. Mediação pedagógica na educação de
jovens e adultos: exigência existencial e política do diálogo como
fundamento da prática. Revista Brasileira de Educação. v.21. n.65.
abr-jun. 2016, p.455-475.
81
https://doi.org/10.36311/2024.978-65-5954-467-7.p81-120
UMA NOVA ABOLIÇÃO”:
A CAMPANHA DE ALFABETIZAÇÃO DE
ADULTOS NO ESTADO DE SÃO PAULO
(1947 -1949)
Tarcísio dos Santos da Silva
9
Tiago Rodrigues da Silva
10
Maria Eduarda Tognette
11
Introdução
O movimento em prol da educação de adolescentes e adultos
analfabetos é uma autêntica campanha de salvação nacional. É uma
nova abolição (MARIANI, 1947, p. 64).
A epígrafe que abre este texto trata-se das palavras do professor
Clemente Mariani
12
, quem esclareceu a idealizada Campanha de
9 Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de Filosofia e Ci-
ências da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP) - Campus de
Marília.
10 Mestre em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de
Filosofia e Ciências da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP)
- Campus de Marília. Professor do Instituto Federal de Ciências e Tecnologias do Maranhão
- Campus Presidente Dutra.
11 Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de Filosofia e
Ciências da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP) - Campus
de Marília.
12 M
inistro da Educação e Saúde do governo Gaspar Dutra (1946-1951), em entrevista
coletiva à imprensa, em janeiro de 1947, no lançamento da Campanha.
82
Educação de Adolescentes e Adultos (CEAA)
13
, na segunda metade
da década de 1940, o que denota o entusiasmo e as representações
salvacionistas e patrióticas da política pública no combate ao
analfabetismo e, por isso, denominada de “uma campanha de salvação
nacional” e uma “nova abolição”. Nessa expressão enunciada pelo
Ministro de Estado, nota-se a representação CEAA na educação
nacional e o quão discutível foi o processo de alfabetização da
população brasileira à época. Existia, nesse ínterim, o interesse de
apresentar a Campanha em termos crescentes de confiança para total
extinção dos adultos e adolescentes analfabetos no país, que
expressava a melhoria da instrução da população na democracia e
economia nacional.
A historiografia dedicada ao tema, particularmente em
Beisiegel (2004), Freitas e Bicas (2009), assinala que a Campanha de
Alfabetização pode ser compreendida em dois momentos. O
primeiro, quando Lourenço Filho esteve na direção geral da
Campanha de 1947 a 1949, e o segundo, que se estendeu até 1954,
quando a Campanha deixou de ter a mobilização nacional,
configurando-se como prática regular de administração da União e
das unidades Federativas. Para esses autores, a CAEE, coordenada por
Lourenço Filho
14
, tratou-se de uma ação exemplar no combate ao
analfabetismo no Brasil. A implementação do plano federal de
alfabetização esteve vinculada à Organização das Nações Unidas para
Educação, Ciências e Cultura (UNESCO) e à Organização dos
13 Neste texto, utilizaremos a sigla CEAA para nos referirmos à Campanha de Alfabetização
de Adolescentes e Adultos.
14 Os artigos publicados pelo autor permitem identificar ideias referentes ao pensamento
político e social, os quais refletem aos problemas educacionais. Nos seus escritos, estão pre-
sentes o dinamismo, a seriedade, a coerência e a pertinácia, durante toda a sua atividade
profissional.
83
Estados Americanos (OEA), os quais solicitaram ao Ministério da
Educação e Saúde a criação de um plano para erradicação do
analfabetismo, ao mesmo tempo que favoreceu, por todos os meios
de educação e saúde, a difusão das modernas técnicas de produção, a
compreensão cívica, amor e paz. Desse modo, com a criação das
portarias 57 e 61-A, de 30 de janeiro de 1947, o ministério autorizou
o Departamento Nacional de Educação a instalar o Serviço de
Educação de Adultos (SEA)
15
, dividindo-se em Administração,
Planejamento e Controle, de orientação Pedagógica e Relações com o
Público. O SEA foi o responsável pela criação do plano (BEISIEGEL,
2004).
Considerando o supracitado, o objetivo deste capítulo é,
portanto, reconstruir aspectos da história da Campanha de
Alfabetização de Adolescentes e Adultos no Estado de São Paulo, no
período de 1947 a 1949, problematizando os debates e o lugar dessa
política educacional no combate ao analfabetismo e na investigação
histórica da Educação de Jovens e Adultos (EJA). O recorte temporal
do estudo justifica-se pelo início da CEAA em 1947, com a
publicação da Portaria do MES nº 57, de 30 de janeiro de 1947,
encerrando-se com a saída de Lourenço Filho, em 1949, da direção
do Departamento Nacional de Educação (DNE)
16
do Ministério da
Educação e Saúde Pública.
Este estudo constitui-se enquanto um estudo histórico
apoiado nas noções de representações da Nova História Cultural.
Nesse âmbito, no “modo como em diferentes lugares e momentos
uma determinada realidade social é construída, pensada, dada a ler”
15 A sigla SEA refere-se ao Serviço de Educação de Adultos.
16 Neste texto, utilizaremos a sigla DNE para nos referirmos ao Departamento Nacional de
Educação.
84
(CHARTIER, 2002, p. 16-17). Isso permite a compreensão da
CEAA no jornal OESP
17
para além das estruturas determinadas pela
economia, sendo viável destacar os processos sociais construídos por
diversos campos sociais para conferir mudanças e permanências na
compreensibilidade da realidade no combate ao analfabetismo à
época. Assim, para o autor, as noções de representações circunscrevem
a compreensão de esquemas simbólicos que os grupos sociais
produzem para legitimar seus interesses e representações do mundo
(CHARTIER, 1991).
Para realização desta pesquisa, foram utilizadas as fontes
documentais que abordam a Campanha de Alfabetização de
Adolescentes e Adultos, a saber: relatórios do INEP, artigos e matérias
e editorais publicados no acervo digital do Jornal O Estado de S. Paulo.
Investigar a CEAA por meio da imprensa paulista permite entender
como o analfabetismo de adolescentes e adultos foi objeto de atenção
central do governo federal, mobilizando todos os entes federativos e
setores privados e religiosos. Isso exige considerar os periódicos
impressos como “um corpus documental de muitas possibilidades para
a compreensão dos modos de organização, funcionamento e
legitimidade de vários aspectos da educação” (CATANI; BASTOS,
2002).
As considerações de Capelato (2015) destacam que os usos de
jornais nas pesquisas históricas devem ser permeados por rigorosas
indagações: Quem são os proprietários do jornal? A quem se dirige?
A partir de quais objetivos? Na História da Educação, vários autores
têm assinalado a importância da imprensa como fonte de informação.
Por exemplo, Nóvoa (1997) explica três motivos para o uso dessa
17 A sigla OESP (em itálico) será utilizada para referirmos ao jornal O Estado de S. Paulo.
85
ferramenta: “a) A imprensa é o melhor meio para aprender a
multiplicidade do campo educativo; b) O impresso concede um
caráter único e insubstituível, o melhor meio para compreender as
dificuldades de articulação de teoria e prática; c) A imprensa é o lugar
de uma afirmação em grupo e de permanente regulação coletiva, na
medida em que cada criador está sempre a ser julgado.” (NÓVOA,
1997, p. 12).
Nessa direção, é importante destacar o conjunto de pesquisas
já realizadas sobre a CEAA no país: o estudo de Fávero (2004), que
trata de memórias das campanhas e movimentos da EJA no período
de 1947 a 1966; Sant'ana (2010), com aspectos sobre a oferta e cursos
da CEAA na história da educação de Ribeirão Preto, interior de São
Paulo, entre 1948 a 1959; Costa e Araújo (2011), acerca de aspectos
teóricos e filosóficos da CEAA entre os anos de 1947 a 1950; Costa
(2012), que verificou a CEAA no estado do Espírito Santo, no
período de 1947 a 1963. Dando seguimento, Fornaciari (2014),
sobre o papel da campanha na institucionalização de grupos escolares
noturnos em São Carlos, São Paulo, nas décadas de 1930 a 1950; do
mesmo modo, Silva (2015), Silva e Lima (2017), que apreenderam a
história da CEAA no ensino noturno de instituições escolares
primárias de Uberlândia, Minas Gerais, no período de 1947 a 1963;
Lopes, Silvana e Damasceno (2016), na reconstituição de aspectos
históricos do EJA; e Costa (2018), que analisou o cartilha Guia de
Leitura, obra didática oficial utilizada na CEAA.
O texto foi estruturado em duas partes para discussão do tema
proposto neste estudo. De início, apresentam-se as definições de
educação de adultos e da CEAA; na sequência, é feita a reconstituição
histórica da campanha em São Paulo, por meio das publicações do
jornal OESP; e, por último, as considerações finais sobre a criação e
86
organização da CEAA, o funcionamento e representações no
território paulista.
Para “os bens da cultura e civilização”:
A Campanha de Educação de Adolescentes e Adultos
Quando se considera o adulto, como tipo ideal - perfeitamente
educado para a família, o trabalho, a vida social, para que
usufrua, enfim, dos bens da cultura e da civilização - toda a
educação de adultos é de caráter supletivo (INSTITUTO
NACIONAL DE ESTUDOS PEDAGÓGICOS, 1949, p.
123).
No governo Gaspar Dutra, o professor Clemente Mariani,
Ministro da Educação e Saúde, nomeou Lourenço Filho na direção
do DNE com o objetivo de planejamento e orientação de políticas
para combater o analfabetismo da população adulta do país. As
palavras do educador brasileiro na epígrafe apresentam a
principal meta da CEAA: ir além da alfabetização e letramento dos
adultos, mas inseri-los no mundo da cultura, economia e civismo.
Tratava-se, pois, da oferta da educação de adultos no esforço de uma
“educação supletiva, ou seja, a de suprir as deficiências do
aparelhamento escolar existente, ou as deficiências do aparelhamento
escolar na época em que as gerações, agora adultas, estavam na idade
escolar” (INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS PEDAGÓ-
GICOS, 1949, p. 122-123).
Para Monarcha (2010), Lourenço Filho deu voz ao
pensamento educacional do ensino supletivo, elaborando um
minucioso plano teórico e metodológico da CEAA, que incorporou
um ideário político e nacionalista de combate ao analfabetismo e
função social da escola. O sentido qualitativo da educação supletiva
87
promovida pela CEAA ganhava atenção particular: buscava, de fato,
a promoção de uma educação de base ou educação fundamental
comum. Conforme o intelectual:
Essa educação de base é a que forneça a cada indivíduo os
instrumentos indispensáveis da cultura de nosso tempo, em
técnicas que facilitem essa cultura - como a leitura, a escrita, a
aritmética elementar, noções de ciências, da vida social, de
civismo, de higiene - e, com as quais, segundo suas capacidades,
cada homem possa desenvolver-se e procurar para si melhor
ajustamento social (INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS
PEDAGÓGICOS, 1949, p. 123, grifos do autor)
Nesse sentido, nos termos do ministro da educação e saúde,
Clemente Mariani (1947, p. 67): “o trabalho não visará apenas a
alfabetização. Cada classe deverá ser um centro de propagação de
informações úteis, no sentido da educação da saúde, da educação
cívica, da vulgarização das modernas técnicas de produção agrícola e
de pequenas indústrias”. O entusiasmo pela CEAA por parte de
políticos e intelectuais da educação brasileira tratava-se da primeira
grande iniciativa do governo federal no período republicano na
educação de adultos. A principal meta era diminuir o vergonhoso
índice de analfabetismo no país: de 55% da população com mais de
18 anos, isto é, cerca de 13 milhões de pessoas, conforme dados do
censo nacional de 1940 (MARIANI, 1947).
Com efeito, a campanha representou e compôs um
sentimento de pacto nacional para a educação de adolescentes e
adultos com o objetivo de promover uma civilização da população
brasileira, pois “o analfabeto era um ser ‘marginal’, não pode estar a
corrente dos problemas da vida nacional. Por outro lado, padece de
'menoridade' econômica, política e jurídica: produz pouco e mal”
88
(INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS PEDAGÓGICOS,
1949, p. 127). De modo geral, o sujeito analfabeto foi colocado como
incapaz, que merecia atenção do poder público para erradicá-lo, pois
representava um Brasil atrasado e sem futuro para o progresso social
e econômico. Tornava-se necessário salvá-lo e aboli-lo de sua própria
ignorância para ser introduzido no mundo letrado e ajustado na
sociedade brasileira.
O plano de alfabetização buscava uma formação moral, cívica,
difusão de noções de saúde, economia e cultura. E, ao mesmo tempo,
garantir preceitos constitucionais de educação de 1946 e o acesso ao
direito dos cidadãos brasileiros com mais de 18 anos no sufrágio
universal, que excluía os analfabetos das eleições. Lourenço Filho
(1947) sugeria o plano da CEAA em 4 pontos centrais: 1) Domínio
geral da leitura e escrita; 2) aprendizagens iniciais de aritmética como,
por exemplo, as operações básicas e frações; 3) cidadania no contexto
da Constituição Federal, democracia, o papel dos entes federados e os
direitos e deveres dos cidadãos; e 4) noções de Higiene. Além disso,
para as classes femininas, algumas orientações de puericultura e
economia doméstica.
No desenvolvimento da política educacional, as estatísticas da
CAEE ganharam atenção especial para conferir legitimidade do poder
público no combate ao analfabetismo. Era certo que, “por mais
elevados que [fossem] os objetivos a atingir pela Campanha de
Educação de Adultos, eles pouco significariam se não pudessem ser
traduzidos em dados numéricos, ano por ano” (INSTITUTO
NACIONAL DE ESTUDOS PEDAGÓGICOS, 1950, 113). Nesse
sentido, o histórico da sinopse estatística de 1950 permite estabelecer
o confronto dos dados quanto às unidades escolares para o ensino
supletivo, que ofertavam as escolas e cursos em todo o país; e as
89
matrículas gerais e aprovações antes da e após a institucionalização da
CEAA (tabela 1).
Tabela 1 Movimento do ensino supletivo no país (1945-1949)
Ano
Unidades escolares
Matrículas
Aprovações
Efetiva
1945
1.810
101.049
45.656
1946
2.046
119.979
56.055
1947
11.945
473.477
213.749
1948
15.527
604.521
295.395
1949
15.945
603.535
273.919
Adaptado de Brasil, 1950, p. 406.
O acréscimo verificado no ano de 1947 explica-se pela criação
das classes da CEAA em todo o país. É importante destacar que o
número de aprovações figura apenas os adultos e adolescentes que
aceitaram realizar os exames, pois “milhares de alunos considerados
em condições de aprovação deixaram de submeter-se a exames, por
natural constrangimento, conforme documentação existente”
(INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS PEDAGÓGICOS,
1947, p. 115). Contudo, desses alunos inscritos e aprovados, quantos
terão, de fato, aprendido a ler e escrever? Os adultos e adolescentes,
de fato, tiveram um domínio da cultura letrada para formação do
trabalho, civismo e saúde? Assim, parece adequado considerar que os
dados estatísticos foram amplamente usados e definidos para
sustentar e argumentar o desempenho da CEAA.
90
Dando seguimento nas ressalvas das estatísticas da CEAA, o
INEP esclareceu que:
Será preciso salientar também que não figuram nos dados acima,
quer nos referentes à matrícula, quer nos referentes à aprovação,
os alunos que receberam ensino de “voluntários”, em seus
domicílios. Tanto no ano de 1947, como no de 1948, é possível
estimar o número desses alunos, com aproveitamento, em 20%
do total dos alunos aprovados pelos cursos de freqüência regular.
Nunca menos de 600 mil pessoas terão aprendido a ler e escrever,
portanto, nos dois anos iniciais de funcionamento da Campanha de
Educação de Adultos (INSTITUTO NACIONAL DE
ESTUDOS PEDAGÓGICOS, 1950, p. 115, grifos do autor).
Os dados estatísticos também contribuíram com o discurso
maniqueísta da configuração e demanda do ensino supletivo antes e
depois da CEAA. Além disso, as estatísticas foram um instrumento
na batalha de representações para conferir legitimidade e
ordenamento do combate ao analfabetismo na sociedade brasileira.
De outro modo, ignorando os traços distintivos da CEAA nas
diferentes regiões do país, houve uma busca de construir uma
uniformização de práticas e representações na alfabetização de adultos
e, desse modo, “legitimar um projeto reformador ou a justificar, para
os próprios indivíduos, a suas escolhas e condutas” (CHARTIER,
2002, p. 17).
Em 1949, a CEAA vive um grande destaque no 1º Seminário
Interamericano de Alfabetização de Adultos, sob os auspícios da
Unesco e da presidência de Lourenço Filho. No evento, que contou
com a participação de diversos países da América Latina, houve um
entendimento claro: o necessário investimento no combate ao
analfabetismo pelos governos nacionais. Além disso, devido à CEAA
91
e outras contribuições à educação brasileira, o intelectual brasileiro foi
titulado de “Maestro de las Américas" (MONARCHA, 2010). A
defesa pela CEAA era a maior bandeira de Lourenço Filho no
comando do DNE, a qual deixou em 1949. A campanha teve
continuidade nos governos posteriores, até sua extinção, em 1963.
A organização e difusão da Campanha Alfabetização
de Adultos no estado de São Paulo
No OESP de 23 de janeiro de 1947, Lourenço Filho informou
a respeito do plano aprovado por Clemente Mariani, destacando a
abertura de classes de ensino supletivo com a pretensão de distribuir
dez mil classes nas regiões com maiores necessidades no país. As
classes da Campanha de alfabetização seriam instaladas em diversas
instituições escolares com a contratação de professoras do ensino
comum, que receberiam gratificação razoável pelo trabalho na CEAA.
Lourenço Filho ressaltou, ainda, sobre o investimento para execução
do plano de quatro milhões de cruzeiros para o cumprimento e “não
seria apenas para ensinar a ler e escrever, mas de difundir também
conhecimento sobre saúde, o trabalho, os deveres de cidadania.” (A
CAMPANHA..., 1947a).
No estado de São Paulo, a CAAE foi lançada no dia 15 de
abril de 1947. O Jornal OESP divulgou amplamente as ações do
governo federal e estadual, tendo em vista a organização e execução
do Plano Nacional de Educação. Na edição de 13 de abril de 1947, o
jornal notificou que a Campanha estava sob responsabilidade do
Serviço de Educação de Adultos do Ministério da Educação, mas
cabia aos estados a criação das diretorias do SEA, vinculadas às
Secretarias Estaduais de Educação. Inicialmente, inauguraram 1.041
cursos de alfabetização, os quais receberam do DNE quarenta mil
92
cartilhas de apoio pedagógico. Na primeira fase da campanha, a
estimativa era alcançar cinquenta mil alunos matriculados
(ALFABETIZAÇÃO..., 1947a).
Meses mais tarde, por solicitação da Central do Brasil, o jornal
noticiou que o SEA enviou para São Paulo e Belo Horizonte
aproximadamente 33 caixas contendo mil exemplares cada, com o II
Guia de Leitura “Saber”. Para o articulista do jornal, tratava-se de
exemplares para cem mil alunos dos cursos de alfabetizações com as
noções básicas de educação, saúde e alimentação (ALAFBETI-
ZAÇÃO..., 1947b). Vale ressaltar a importância que teve o Serviço
de Orientação Pedagógica do SEA na produção de cartilhas, textos de
leitura e distribuição em larga escala às classes de supletivos instalados
pelo país (BEISEIGEL, 2004).
N’OESP do dia 26 de abril de 1947 noticiou-se a respeito da
Campanha no município de Rio Claro, dando ênfase ao movimento
sob a coordenação da delegacia de ensino local, com o apoio da
comissão distrital de Corumbataí, Santa Gertrudes e Ipeúna. As
classes foram implementadas nos Grupos Escolares Marcelo
Schimidt, Irineu Penteado e Barão de Piracicaba, todos com o apoio
do Ministério da Educação, propagada pela imprensa local (RIO
CLARO..., 1947). Na matéria “Alfabetização de Adultos em Santos”
do dia 29 de abril, o jornal divulgou que as classes de alfabetização
estavam funcionando no Grupo Escolar “Padre Bartolomeu de
Gusmão” com 50 alunos matriculados. A propósito, a delegacia de
ensino de Santos manteve, ainda, outros cursos nas regiões de
Ubatuba, Caraguatatuba, Itariri, Tupiniquim, Jacupiranga e
Itaperuna. Os interessados em participarem das classes de
alfabetização deveriam dirigir-se ao Grupo Escolar “Cesário Bastos”
para realização da matrícula (ALFABETIZAÇÃO..., 1947c).
93
Nas páginas d’OESP de 16 de abril, destacou-se a Campanha
de Alfabetização na cidade de Orlândia, a respeito da comissão
municipal responsável na execução do plano federal de educação. Tal
comissão foi constituída pelo prefeito Osvaldo Ribeiro Junqueiro, o
padre Benjamin Roberto Ferreira da Silva, o vigário da paróquia, o
professor Gonçalo D’amar Ferreira, o diretor do Ginásio de Orlândia,
o professor Arlindo Morandim, o funcionário da delegacia de polícia
Antônio Martins, o diretor do Serviço de Alto Falante e todos os
professores efetivos da rede de ensino (ORLÂNDIA...1947). Em
outra matéria, do dia 17 de abril, o jornal notificou acerca da
campanha em Miguelópolis, que estava sendo orientada pela
professora Maria Cândida Quadros, com o propósito de aumentar o
número de alunos matriculados nas classes de alfabetização, por meio
do esforço e desempenho vindos da população. Esse município passou
a ter 16 classes com 800 alunos matriculados (ALFABETIZAÇÃO...,
1947d).
As matérias publicadas no jornal OESP, no ano de 1947,
ecoam a criação de cursos da Campanha de Alfabetização em vários
municípios do estado de São Paulo. Por exemplo, na cidade do
Espírito Santo do Pinhal, os cursos de alfabetização funcionaram no
período noturno; a abertura das classes ocorreu através de festividade
no Grupo Escolar Dr. Almeida Vergueiro. Esteve presente a comissão
municipal de alfabetização integrada por Francisco Tomás de
Carvalho Filho juiz de direito, os professores Júlio da Silveira
Arruda, Francisco da Silveira Coelho, Cesariano Barreto e Jonas José
Fraissat (PINHAL...,1947). Do mesmo modo, em nota publicada
n’OESP em 30 de abril, enfatizaram as instalações de cursos de
alfabetização no Grupo Escolar da cidade de Pitangueiras, com duas
classes com 95 alunos. No ato em prol do movimento da Campanha
de Alfabetização ocorrido nessa cidade, fizeram-se presentes o padre
94
Placido Roht, o coronel Ubaldo Guimarães Spinola e os alunos
matriculadas nos cursos (PITANGUEIRAS..., 1947). Ainda na
mesma edição, o jornal destacou vestígios sobre os cursos de
alfabetização em Araras, no interior paulista. A matéria informava a
respeito dos membros da comissão municipal da Campanha, entre os
quais fizeram parte o juiz de direito Manuel Carlos da Costa Leite, o
padre Osvaldo Viera de Andrade e o professor Henrique de Campos.
OESP ainda noticiou que nesse município as classes foram
implementadas em grupos escolares, bairros e fazendas (ARARAS...,
1947).
Em 24 de maio de 1947, ocorreu a reunião dos delegados de
ensino no salão nobre do Departamento de Educação do Estado de
São Paulo com o objetivo de discutir as novas diretrizes da CEAA. O
encontro foi conduzido por Francisco Brasiliense Fusco, diretor geral
do órgão. Na reunião, ocorreram leituras de relatórios, explicitando o
êxito da campanha com o apoio da população local em diferentes
regiões do estado. O encontro pretendeu, inclusive, discutir
problemáticas e possíveis sugestões para a Campanha. Desse modo,
discutiram-se cooperações no funcionamento das classes, com o
propósito de facilitar aos interessados em contribuir com o Plano de
Nacional de Educação:
Quem desejar cooperar com o patriótico movimento pode fa-
lo por uma das formas seguintes: 1) Inscrevendo-se como
patrono de uma classe, cuja manutenção custa CR$ 3.000.000;
2) Registrando-se como professor “voluntário; 3)
Contribuindo com donativos em dinheiros ou em outras espécies
para as iniciativas das comissões municipais ou distritais de
educação de adultos. 4)- Ajudando no recenseamento e matrícula
de alunos; 5) - Fazendo ou obtendo cessão de salas de aulas; 6) -
Fornecendo material escolar, como caderno, lápis, giz, quadros-
95
negros, apagadores; 7) - Auxiliando na “Campanha dos
Lampiões” das zonas rurais; 8) -Patrocinando a propaganda com
o oferecimento de cartazes, boletins, anúncio para jornais rádios,
cinema; 9) - Prestigiando todas as iniciativas da campanha [...]
(CAMPANHA. 1947a, p. 10).
Na edição de 11 de maio de 1947, o jornal noticiou a posse
da nova diretoria do Serviço de Educação de Adultos do estado. A
solenidade foi dirigida por Francisco Brasiliense Fusco, o qual
solicitou aos seus auxiliares o máximo de esforço tendo em vista o
incentivo da CEAA no estado, destacando “que sua permanência na
direção do departamento de ensino estava ligada a esse trabalho, pois
prometeu quando assumiu o cargo congregar todos os professores
bandeirantes para que a campanha tivesse êxito”. Em seguida, foi
empossada a nova diretoria do Serviço de Educação de Adultos
composta por Rafael Crisi
18
- diretor; o professor Arnaldo de Paula
Campos - assistente encarregado do setor de planejamento e controle;
o professor Alberto Roval - encarregado do setor de relações com o
público; e a professora Alda Marques Gonçalves - auxiliar do
encarregado da secretaria. Na oportunidade, o novo diretor apontou
para a necessidade de implementação com urgência de novas
bibliotecas populares pelo estado de São Paulo (CAMPANHA...,
1947b).
18 Raphael Grisi nasceu em 1909 na cidade de Pirassununga e envolveu-se na Educação
desde os seus 17 anos, tendo sido, até os 16 anos, aluno normalista na sua cidade natal. Em
1934, ingressou na FFLCH da USP num curso envolvendo Filosofia, Sociologia e Psicologia.
Ingressou como professor concursado no I. E. Caetano de Campos, onde lecionou didática,
entre outras disciplinas, tendo sido livre-docente na USP e professor na Faculdade de Peda-
gogia do Mackenzie. Criou e dirigiu a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de São José
do Rio Preto. (RAPHAEL...,2012).
96
Em Bragança Paulista, a Campanha de Alfabetização foi
noticiada pelo OESP em 04 de junho de 1947, apresentando
resultados obtidos nesse município, no qual se estabeleceram dez
classes com o total de 400 alunos de ambos os sexos matriculados.
Sob a regência dos professores Dallia Garcia e Edmar Barros Tucc, os
cursos estavam funcionando nos Grupos Escolares Dr. José Tibiriçá;
Adolfo de Azevedo; e Nair de Brito. No Grupo Escolar José
Guilherme, achava-se a professora Conceição Benedita Marzagão. Já
no Ginásio Sagrado Coração de Jesus, encontrava-se Maria José de
Ávila. Todos localizadas na zona urbana de Bragança Paulista. Desse
modo, Ediná Pleroiti Leme e Maria Almeida de Campos, no Grupo
Escolar Adelio de Castro; e no distrito de vargem, as professoras Maria
Euclides de Freitas Marcondes e Vanda Rubim de Toledo (A
CAMPANHA..., 1947b).
Outra informação interessante propagada pelo OESP, em 07
de junho, foi sobre o Plano Federal de Educação em São José dos
Campos, no qual disputou com os demais municípios o título de
Primeira Cidade Sem o Analfabetismo”, sendo que tal título tratou-
se de um certame lançado pelos estudantes das escolas secundárias
locais (SÃO JOSÉ DOS...1947). Já no município do Tietê, o jornal
deu ênfase à oferta feita aos alunos matriculados dos cursos de
supletivos, no valor de CR$ 50,00 para aqueles que tivessem a maior
porcentagem de frequências nas aulas. Além disso, a Campanha
recebeu da prefeitura municipal 250 cadernos de linguagens, 250 de
caligrafias, 250 borrachas e 200 lápis para a população carente dessa
cidade (TIETÊ...1947).
Na edição de 27 de junho, destacam-se referências do boletim
de frequência solicitado pelo DNE aos delegados de ensino sobre os
dados da presença dos professores nos meses de abril, maio e junho
para o pagamento. Notificou, ainda, em relação a Piracicaba, o
97
delegado de ensino João Teixeira de Lara, que, em ações conjuntas
com professores, destacaram a existência de 1.158 adultos analfabetos
naquela região, nos distritos recenseados de Americana, havia 1.216
adultos que não sabiam ler nem escrever. Com isso, foram criadas 36
classes de alfabetização distribuídas em Piracicaba, Americana, Santa
Bárbara d’Oeste, São Pedro e Rios das Pedras (ALFABETI-
ZAÇÃO…, 1947e). Em outra edição do dia 05 de julho, o jornal pôs
em relevo a criação de uma circular com o objetivo de facilitar o
pagamento dos docentes da Campanha de Alfabetização:
(a) -A primeira correspondente ao pagamento do “Laboro” de
trezentos cruzeiros mensais nas conformidades do acordo
Especial celebrado entre o Ministério da Educação e Saúde e o
estado de São Paulo para execução do plano de ensino supletivo
para adolescentes e adultos analfabetos. (b) A segunda é
correspondente ao pagamento das gratificações instituídas por
patronos de classes bem como gratificações extraordinárias
instituídas por pessoas ou entidades particulares a favor dos
docentes (VENCIMENTO..., 1947, p. 7).
Nessa direção, a cooperação de entidades envolvidas com a
Campanha fora essencial em vários municípios, por exemplo, a
“Sociedade dos Amigos de Jundiaí”, sob a presidência de Jurandir de
Souza Lima, em colaboração do tenente Miguel Pinto, Armando
Colaferri e Adelino de Souza Lima, expôs um plano de trabalho
conforme instruções do Serviço de Educação de Adultos paulista. Em
Jundiaí, as classes de supletivos constituíram-se em escolas de quadro
regular e, em sua maioria, os professores estavam trabalhando de
forma voluntária (A CAMPANHA..., 1947c). Em outra edição do
dia 19 de julho, divulgaram informações em relação ao desempenho
da Sociedade dos Amigos Jundiaí, na arrecadação junto às indústrias,
98
comércios locais, meios necessários ao estabelecimento de uma
gratificação mensal aos professores envolvidos na Campanha. A
iniciativa conquistou o fornecimento de materiais didáticos para
alunos dos cursos noturnos, que não possuíam condições financeiras
para adquiri-los. Dessa maneira, destacaram-se as notificações
recebidas pelo Serviço de Educação de Adultos, enviado pelo
Frigorífico “Armour S/A que se dispôs a manter dez classes de
alfabetização, aos seus trinta funcionários sem instruções”
(ALFABETIZAÇÃO..., 1947f).
OESP do dia 30 de julho narrou em relação ao recebimento
de doações por parte da população à Campanha de Alfabetização. Na
capital, a Liga das Senhoras Católicas atuou nas iniciativas em prol da
Campanha. A Federação das Associações Rurais do estado, em um
ofício enviado ao Serviço de Educação de Adultos, comunicou que o
órgão estava também disposto a contribuir com o Plano Nacional de
Alfabetização. A fábrica de Fritz Jahnsen ofereceu a venda de lápis por
menor custo. Silvio Galvão e Slaim Sedacha, professores de sociologia
das Escolas Normais das cidades de Pirassununga e Botucatu,
respectivamente, em cooperação com os alunos, dispuseram-se a
receber adolescentes e adultos da zona rural e urbana na pretensão de
dar continuidade à Campanha (ALFABETIZAÇÃO..., 1947g).
Um ano mais tarde, em 1948, a União Paulista de Educação
(UPE) foi outra entidade que colaborou com o desenvolvimento da
Campanha de Alfabetização no estado de São Paulo, arrecadando
110.00,000 para o Serviço de Educação de Adultos. A verba coletada
tinha em vista sanar demandas da Campanha como, por exemplo, a
compra de 100.000 cadernos, 54.000 lápis, 1.800 caixas de giz, 400
resmas de papel almaço e 260 caixas de penas para serem distribuídas
nas diversas classes espalhadas pelo estado. Na mesma oportunidade,
Valdomiro Prado Silveira, diretor do Departamento Estadual de
99
Educação de Adultos, afirmou “que no estado de São Paulo ocorreu
a alfabetização de 50 mil adultos, no ano de 1947” (ALFABE-
TIZAÇÃO...1948a). Na publicação de 19 de junho de 1948, o jornal
informou sobre a aquisição de lampiões e querosenes de 100 velas
para as classes de alfabetização em Catanduva, Franca, São José do
Rio Preto, Jundiaí e Piracicaba. Na sequência do texto, havia relatos
sobre a Campanha em Ribeirão Preto, achando-se em funcionamento
naquela região 55 classes de alfabetização (CAMPANHA...1948a).
No dia 22 de julho, a fundação de novos cursos de
alfabetização fora noticiada pelo OESP. Em Birigui, interior do estado
de São Paulo, que estabeleceu 20 classes, 13 delas estavam sendo
dirigidas, também, por professores voluntários. Em seguida, a edição
noticiou sobre a Campanha em Itapetininga com a criação de quatro
classes. Os cursos de alfabetização tinham aproximadamente 300
alunos. (CAMPANHA...1947c). Limeira foi outro município que
ganhou visibilidade no jornal, anunciando que tinha cerca de 331
alunos matriculados nos cursos, com 20% de frequência
(EDUCAÇÃO..., 1947).
A matéria “Alfabetização de Adultos: exames de
aproveitamento letivo”, do dia 29 de julho de 1947, comunicou a
respeito da formulação da circular enviada pelo Departamento de
Educação no que se refere às normatizações da Campanha de
Alfabetização:
a) que 30% dos alunos das classes do Serviço de Educação de
Adultos se encontram já, segundo informações das autoridades
escolares, completamente alfabetizado tanto mesmo, em sua
matéria concluído a aprendizagem noções mínimas exigidas
nesse curso; b)- que, por cada motivo, se acentua a tendencia à
evasão escolar , consequências de se julgarem os alunos
suficientes preparados; c) que há convivências em proceder a
100
verificação imediata dos resultados dos trabalhos letivos e
disponharar (sic)os alunos que, a par de efeito aproveitamento,
demonstraram o desejo de não prosseguir estudando, abrindo-
se desses moldes, vaga para oferecer a oportunidade a que novos
contingentes de analfabetos maior de 14 anos se beneficiam
ainda as atividades da campanha (ALFABETIZAÇÃO..., 1947h,
p.7).
Na sequência do texto, o articulista discorre sobre
recomendação da aplicação das avaliações, as quais deveriam ocorrer
com assistências e fiscalizações das autoridades escolares, com
realização na primeira quinzena de agosto. Tal exame teria que ser
feito à tinta, em papel almaço, de acordo com o modelo expedido pela
Delegacia de Ensino; os alunos aprovados receberiam um certificado
de instrução elementar de acordo com o modelo impresso. O exame
deveria seguir a seguinte estrutura:
1º) Leitura oral; 2º) escrita sob ditado; 3º) Leitura silenciosa e
interpretação; 4º) cálculo aritmético; 5º conhecimento gerais. A
prova de leitura oral consistirá na leitura de frases avulsas, artigos
ou parágrafos da constituição brasileira, a de escrita o ditado
consistirá na escrita de um trecho de preferência da constituição
brasileira de 5 a 10 linhas previamente lido pelo examinador com
presença de outros examinadores e em seguida, ditado para ser
escrito pelos candidatos, na de cálculo serão exigidas as 4
operações ; na de conhecimento gerais haverá questões que estão
sendo remetidas à Delegacia de Ensino para seu aproveitamento
[...] (ALFABETIZAÇÃO..., 1947h,p. 7).
O Articulista publicou nas páginas do OESP, em 17 de agosto
de 1947, dados do Serviço de Educação de Adultos de 40 mil alunos
que aprenderam a ler e escrever em todo o estado (ALFABETI-
ZAÇÃO..., 1947i). Na matéria “Alfabetização de Adultos
101
contribuição do Grêmio Politécnico”, do dia 25 de setembro,
propagou ações do Grêmio Politécnico da Universidade de São Paulo,
o qual, desde 1918, dedicava-se às causas de alfabetização de adultos,
conseguindo alfabetizar dez mil adultos. Impulsionado pela
Campanha, o Grêmio tinha quatro classes de alfabetização, com 144
alunos matriculados. O Grêmio oferecia assistência médica, dentária
e material escolar aos alunos. Essas classes dividiam-se em dois grupos,
um da denominação de Paula Souza, que funcionava no Grupo
Escolar Regente Feijó, na avenida Tiradentes, e o outro no Grupo
Escolar Antônio Prado, na Barra Funda (ALFABETIZAÇÃO...,
1947j).
A elevação de matriculados foi crescendo com abertura de
novas classes de alfabetização no estado. Na edição do dia 01 de
setembro de 1947, ressaltaram que no estado de São Paulo havia 1.00l
alunos matriculados nos cursos oferecidos pela Campanha de
Alfabetização. A notícia enfatizou que, de 100% dos alunos
matriculados, 50% eram alfabetizados, conforme divulgado pelos
delegados de ensino. Desse modo, na mesma edição, o jornal
destacou, ainda, o convite realizado pelo Ministério da Educação à
professora Noemi Silveira Rodolfo
19
, para desenvolver pesquisas de
caráter psicológico e pedagógico nas classes de alfabetização do estado
de São Paulo (ELEVA-SE..., 1947).
19 Noemy Marques da Silveira nasceu no dia 8 de agosto de 1902, em Santa Rosa do Vi-
terbo, interior de São Paulo, e faleceu na capital paulista, em 16 de dezembro de 1980. As-
sumiu o sobrenome Rudolfer ao casar-se com o engenheiro tcheco Bruno Rudolfer, em 1931.
Estudou na Escola Normal do Brás, de 1914 a 1918. Formada, começou a lecionar como
professora substituta e, em 1921, por concurso de provas e títulos, assumiu o cargo de pro-
fessora primária adjunta no Grupo Escolar Prudente de Moraes, na capital paulista, lá per-
manecendo até 1927. Entre 1927 e 1930, foi assistente de Lourenço Filho na área de psico-
logia e pedagogia na Escola Normal da Praça, e participou da aplicação dos Testes ABC, um
dos trabalhos em que se envolveu diretamente (WARDE, 2002, apud, MORAES, 2012).
102
No estado de São Paulo, ocorreram inúmeros movimentos
para arrecadação de verbas e outros tipos de doações para a Campanha
de Alfabetização, como recebimento de auxílios de Empresas
Elétricas, o fornecimento gratuito de energia, o empréstimo de salas
de aula, material escolar, auxílio em dinheiro de Associações
Comerciais e Varejistas, a manutenção de um curso noturno por 4
meses, no valor de CR$ 120,00 mensal (A CAMPANHA...1947b).
Em outra edição publicada no OESP do dia 07 de novembro,
noticiaram-se ações em prol da Campanha com a realização de
espetáculos de paraquedismo em vários municípios, com o objetivo
de arrecadar verbas para manutenção das classes de alfabetização:
Tabela 2 Arrecadação de verbas para a Campanha de Alfabetização
Municípios
Valores arrecadados
Araçatuba
CR$ 12.008,00
Botucatu
CR$ 3.206,50
Barretos
CR$ 6.003, 02
Lins
CR$ 10.200,00
Pirassununga
CR$ 14.586,00
São José do Rio Pardo
CR$ 28.546,00
São José do Rio Preto
CR$ 7.136,00
Fonte: Autoria própria a partir de AFABETIZAÇÃO de Adultos..., 1947k.
O articulista do jornal divulgou a solenidade realizada pelo
Serviço de Educação de Adultos em Igarapava. A cerimônia foi
realizada na sede da Região Brasileira de Assistência, com o objetivo
de entregar certificados da instrução elementar à primeira turma de
alunos alfabetizados que concluíram os cursos no município
(CAMPANHA...,1947d). O jornal noticiou, ainda, o encerramento
da primeira fase do Plano Nacional de Alfabetização no estado de São
Paulo. A notícia solicitava aos professores, delegados de ensino e
103
autoridades locais na mobilização e estimulação dos alunos para
continuação dos estudos em anos posteriores (ENCERRAMEN-
TO...,1947).
Em 1948, com a lei nº 76, 23 de fevereiro de 1948, Adhemar
de Barros, governador do estado de São Paulo, criou o Serviço de
Educação de Adultos, o qual esteve subordinado ao Departamento de
Educação. Desse modo, o Serviço estadual constitui-se da mesma
forma que o SEA do Ministério da Educação. A legislação indicou a
divisão dele, as competências e os conteúdos a serem ensinados nas
classes de supletivo:
Artigo 2.º - O Serviço de Educação de Adultos será constituído:
a) de uma Diretoria; b) de uma Secretaria; c) de um Setor de
Planejamento e Controle; d) de um Setor de Organização e
Orientação Pedagógica; e) de um Setor de Relações com o
Público[...] Artigo 4 - Compete ao Serviço de Educação de
Adultos: I - Promover e superintender, em todo o Estado
campanhas de alfabetização e educação de adolescentes e adultos,
por meio de classes de emergência de ensino fundamental
supletivo e analfabetos de ambos os sexos maiores de 14 de idade;
II - manter, com as autoridades municipais e com as instituições
particulares interessadas, entendimentos no sentido de melhor
difusão de Educação de Adultos; III - organizar e fazer cumprir,
com a colaboração das autoridades do ensino primário, os
programas do curso fundamental supletivo; IV - instituir, de
acordo com as autoridades escolares da região e autoridades
municipais, comissões locais destinadas a incentivar as
campanhas de alfabetização e educação de adolescentes e adultos
e a frequência das classes de emergência de ensino fundamental
supletivo. [..]
Artigo 9.º - O programa de ensino supletivo compreenderá: a)
leitura, escrita e cálculo elementar; b) noções de Geografia e
História do Brasil; c) Educação Sanitária, Moral e Cívica; d)
conhecimentos gerais (SÃO PAULO, 1948).
104
Departamento de Estatística do estado apontou que, desde o
lançamento da Campanha, foram 92.854 alunos matriculados nos
cursos de Adultos. A aprovação no interior foi de 53% e, para a capital
paulista, foi de 54%. N’OESP de 11 de maio de 1948, ressaltaram-se
os municípios onde a Campanha obteve excelentes resultados. A
notícia destacou que, no estado, foram 1.785 classes de alfabetização,
357 foram dirigidas por voluntários, 218, por instituições particulares
e 2.000, com auxílio federal, que funcionaram nos seguintes
municípios:
Tabela 3 Números de alunos alfabetizados pela Campanha de Alfabetização
Municípios
Quantidades de alunos que aprenderam a ler
Jundi
407
Presidente Prudente
448
Olímpia
323
São Paulo
2.974
São Bernardo
489
Sorocaba
359
Itapetininga
443
Fonte: Autoria própria a partir de CAMPANHA..., 1948b.
Nesse contexto, o jornal abordou o acordo estabelecido entre
o estado de São Paulo e o Ministério da Educação e Saúde em
benefício da Campanha de Alfabetização:
A) - contribuir com o auxílio de CRS4.400 para pagamento dos
professores dos cursos de alfabetização B) - Fornecimento dos
textos para leitura, educação saúde, cívica e econômica, além de
outros materiais de aplicações eficientes; c) - Prestar assistência
técnica e orientar a fiscalização dos serviços de ensino por
intermédio do Departamento Nacional de Educação
(ALFABETIZAÇÃO..., 1948b, p. 9).
105
Em sequência, o articulista do jornal destacou que cabia ao
estado de São Paulo, por intermédio do Serviço de Educação de
Adultos do Ministério da Educação, as seguintes ações:
A) - Instalar em todos os municípios do estado 1.800 cursos de
alfabetização e fazê-lo funcionar como a duração diária mínima
de 2 horas entre 10 de Maio a 30 de Novembro; B)- Instalar-se
os cursos acrescidos no corrente ano, de preferência em núcleos
rurais e pelo menos um deles em casa escola rural constituída
com os recursos do Fundo Nacional do Ensino Primário; C)-
Promover a instalação de cursos necessários em estabelecimentos
militares , mediante entendimentos com os respectivos
comandos, bem como em estabelecimento subordinados ao
Ministério da Agricultura; D)- Admitir alunos do 2º ano em
número não excedente a um terço da matricula em geral. E) -
Selecionar o pessoal docente de conformidade com a seguinte
escala de preferência, 1) -professores em exercício nas escolas
públicas; 2- Professores diplomados não pertencentes ao quadro
oficial do magistério. 3- Professorados, 4- Pessoas que tenham
curso secundário ou outro nível médio completo, 5- leigos. F) -
Pagamentos aos docentes na base de CR$ 350,00 mensais por
conta dos alunos dos cursos de alfabetização [...]
(ALFABETIZAÇÃO..., 1948b, p. 9).
No ano de 1949, em São Carlos, a Campanha alfabetização
estava em pleno funcionamento. Na edição de 24 de março, o jornal
acentuou sobre instalações das classes de supletivos no distrito de
Santa Eudóxia. Com o objetivo de implementar as classes de
alfabetização nesse município, o prefeito da cidade, Luiz Augusto de
Oliveira, o delegado de ensino, Ella J. Ferrari, Geraldo Meireles de
Castro, auxiliar de inspeção da delegacia regional de ensino, Rafael
Petroni, engenheiro da prefeitura, dirigiram-se até essa localidade para
estabelecer três unidades para funcionamento dos cursos. Enviaram,
106
ainda, materiais escolares destinados aos alunos através da verba
“Material Escolar”. A matéria frisou que ali estava funcionando o
curso com 20 alunos, sob a regência de Leonor de Arruda Botelho.
Além disso, outras salas foram instaladas na fazenda Palmeiros, com
38 alunos; na fazenda Nossa Senhora Aparecida, com 35 alunos, e na
fazenda Engenheiro, com 30 alunos (CAMPANHA...1949).
No OESP do dia 26 de julho de 1949, V. Cy ressaltou em
nota que o analfabetismo no Brasil se tratava de uma “Grande Praga”,
tão prejudicial quanto a tuberculose. Para ele, “o analfabetismo é mais
fácil de extirpar do que quaisquer outras endemias que destroem a
saúde do povo. Isso ninguém pode contestar. O mal é conhecido e os
seus remédios também. A vacina preventiva, de infalível eficácia,
consiste na instrução obrigatória de todas as crianças, em idade
escolar”. O autor traça críticas por não conseguirem resolver
problemas do analfabetismo, afirmando que “toda sorte de carrapatos
que sugam o sangue da vaca magra da União e dos estados”:
Entreguemos a febre amarela. O Brasil está precisando de um
Osvaldo Crus da instrução tendo por trás, para apoiá-lo e
susten-lo, um Rodrigues Alves. Onde estão? Com homens
dessa bitola, seria possível extirpar o analfabetismo como a febre
amarela foi extirpada. Hoje, porém, o Brasil é um deserto de
patriotismo e de vergonha e o que é. Tenho aqui, em cima da
mesa, a última edição do Anuário Estatístico do Brasil, publicado
pelo IBGE. Vejo aqui, numa população de 34. 796. 665
indivíduos com mais de cinco anos de idade, apenas 13.292. 605
saber ler e escrever. Isso significa que dois terços da população
nacional, de idade capaz, são constituídos da criatura intelectual
aleijados ou enfermos. E vergonha, não é? E nota-se que o censo
consigna como sabendo ler e escrever de indivíduos capazes de
soletrar uma tabela de armarinho e de mordendo a língua no
conto da boca, garranchar com dificuldades o próprio nome.
107
Quem já assistiu a eleição, conhece esse dignos concidadãos em
pleno gozo e exercício dos direitos políticos que a constituição
lhes assegura. Esses não podem ser considerados tudo, o sentido
literal o estatístico como suficiente [...] (V Cy, 1949, p. 20).
Com as últimas notícias publicadas no jornal no ano de 1949,
propagaram-se informações da conferência que sucedeu no Rio de
Janeiro para discutirem o Plano Nacional de Adultos. Na edição de
16 de julho, o jornal destacou que o analfabetismo desapareceria entre
dez ou quinze anos, se todos os países seguissem o exemplo do Brasil.
Na conferência, esteve presente Guilherme Nannetti, membro do
conselho executivo da UNESCO, que afirmou: “a leitura constitui-se
em um instrumento para uma vida melhor”. Segundo autor da
matéria, a conferência foi idealizada com base nos métodos
empregados no Brasil e no México na luta contra o analfabetismo
(WASHINGTON, 1949). A propósito, esses dois países estiveram
atrelados ao projeto de nação e, nesse sentido, Lourenço Filho e Jaime
Torres Bodet conduziram a importante Campanha de Educação de
Adolescentes e Adultos (CEAA) no Brasil e, no caso mexicano, a
Campaña Nacional pro alfabetización, entre 1947 e 1963 (SILVA,
2021).
Em 27 de agosto, OESP noticiou o Seminário Interamericano
de Alfabetização de Adultos, realizado em Petrópolis, para
homenagear o presidente da república Gaspar Dutra, devido ao
sucesso da Campanha no Brasil. Estiveram presentes delegados de
ensino estrangeiros, o professor Lourenço Filho e o ministro da
Educação. OESP ressaltou as afirmações de Mariani: “o sucesso da
Campanha dirigida por Lourenço Filho, fora fruto de uma
108
combinação de esforços inspiradas pelo apoio do chefe do governo
brasileiro” (SEMINÁRIO...1947).
20
A campanha de alfabetização de adolescentes e adultos, sob a
coordenação de Lourenço Filho, alcançou impacto internacional, e o
país tornou-se um modelo no combate ao analfabetismo durante a
direção do escolanovista, com base nas representações localizadas
n’OESP. No estado de São Paulo, as ações do poder público foram
notórias em vários aspectos, resultando na alfabetização de
adolescentes e adultos nas regiões mais longínquas do estado.
Considerações Finais
O projeto da CEAA contava com uma forte articulação da
educação, saúde e civismo no combate ao analfabetismo no Brasil, em
fins da década de 1940. A produção discursiva e estatística da
Campanha por parte do poder público apresentou a política nacional
com o objetivo de a população brasileira conquistar o domínio da
leitura e escrita e, desse modo, integrá-la à vida democrática e
econômica do país. Nesse sentido, havia uma expectativa de abolir o
sujeito analfabeto, que representava um mal a ser combatido, pois
carregava consigo as marcas de um Brasil arcaico. Entendia-se,
portanto, que a CEAA foi pressuposta por Lourenço Filho na crença
da educação como salvação nacional e a alfabetização de adultos
20 Segundo Rosa Fátima de Souza (2013), no ano de 1949, participaram da organização do
Seminário Interamericano de Alfabetização e Educação de Adultos, promovido pelo governo
brasileiro, a União Pan-Americana e a UNESCO, realizado em Petrópolis, estado do Rio de
Janeiro. Nesse seminário, os participantes debateram diversos sistemas educacionais nas
Américas, especialmente algumas importantes experiências de educação no meio rural
(SOUZA, 2013, p. 65).
109
identificada como um dos principais campos de atuação da União em
cooperação com Estados, municípios e setores privados.
A CEAA perimiu o desenvolvimento do número de escolas,
turmas e cursos do ensino supletivo nas instituições educativas e,
sobretudo, as noturnas. No caso do estado de São Paulo, nota-se a
difusão da Campanha em casas paroquiais, fazendas, empresas e nas
instalações de grupos escolares de diversos municípios. Isso demonstra
a falta de um espaço físico apropriado na alfabetização de adultos.
Também foi possível compor as representações da CAEE no jornal
OESP, que a reconhecia como uma iniciativa de salvação nacional no
combate ao analfabetismo, ratificando, captando e legitimando os
diferentes professores voluntários e empresas engajadas na promoção
da CEAA em São Paulo.
Nesse sentido, é possível pensar em alguns desdobramentos
da pesquisa, tais como, o funcionamento das turmas, as práticas
escolares, os métodos de alfabetização utilizados, os currículos, os
materiais didáticos, as cartilhas, a formação e trabalho docente. Além
disso, o papel da CEAA na legitimação, criação e institucionalização
de grupos escolares noturnos em São Paulo. A compreensão desses
temas permite ampliar a visibilidade e historicidade da cultura escolar
de alfabetização de adultos no território paulista em meados do século
XX.
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121
https://doi.org/10.36311/2024.978-65-5954-467-7.p121-154
APROXIMAÇÕES ENTRE A TEORIA DA
ATIVIDADE DE ESTUDO E A TEORIA
PEDAGÓGICA DE PAULO FREIRE: IMPLICÕES
PARA A EDUCÃO DE JOVENS E ADULTOS
Allan Alberto Ferreira
21
Cláudia Elaine Catena
22
Introdução
A atividade de estudo surge e se desenvolve ao longo das
transformações sociais de cada época e, consequentemente, ao longo
do desenvolvimento da educação escolar, cujas transformações
também acompanham as demandas políticas, culturais e econômicas
em mutação (Mészáros, 2007).
Segundo Davidov (2020c) e Puentes (2020a), emergiram
diversas metodologias de ensino-aprendizagem ao longo das
transformações ocorridas na educação escolar e em atividades que
envolvem o estudo, sobretudo com as revoluções industriais, ascensão
do sistema capitalista e aumento da necessidade de que as massas
trabalhadoras dominassem conhecimentos científicos e tecnológicos
que não poderiam ser assimilados na própria atividade de trabalho.
21 Mestre em Educação pela Unesp de Marília e graduado em Psicologia pela Fundação
Educacional de Araçatuba Fac-Fea. allan-alberto.ferreira@unesp.br
22 Mestra em Educação pela Unesp de Marília. Professora de Educação Básica da Rede Ofi-
cial de Ensino do Estado de São Paulo. claudia.catena@unesp.br
122
Dentre as teorias de ensino-aprendizagem desenvolvidas nesse
processo, Davidov (2020c) e Puentes (2020a) apontam pelo menos
dois grupos: as teorias reflexo-associativas (mais ligadas a práticas
tradicionais de educação) e aquelas ligadas à atividade. Neste trabalho
nos ateremos apenas àquelas que estão ligadas aos princípios da
atividade, mais especificamente à Teoria da Atividade de Estudo
(TAE) segundo o sistema Elkonin-Davidov-Repkin, e a Teoria
Pedagógica de Paulo Freire.
Durante nossas pesquisas percebemos certa contempora-
neidade entre os autores de tais teorias, assim como modos de
conceber o processo de ensino-aprendizagem muito similares.
Identificamos, por exemplo, que ambas assumem a atividade como
princípio educativo para promover o desenvolvimento
humano/social, além de possuírem o materialismo histórico-dialético
como base metodológica (FREITAS e de FREITAS, 2013;
MICHELS e VOLPATO, 2011; PUENTES, 2020a).
Averiguamos, em pesquisa preliminar envolvendo algumas
análises e abstrações, a escassez de trabalhos científicos que abordam
as inter-relações entre as teorias supracitadas. Utilizando as
plataformas Google Acadêmico, Scielo e Biblioteca Brasileira de Teses
e Dissertações (BDTD) e com os filtros: “apenas no título”, vimos
que, com exceção de dois dos cem trabalhos abstraídos da plataforma
Google Acadêmico, nenhum deles aborda a temática. Além disso, os
dois que abordam não se referem especificamente a Teoria da
Atividade de Estudo, mas sim a Freire e à teoria da atividade de
Leontiev.
Consideramos que, além da escassez de trabalhos sobre a
temática, abordar aspectos que nos permitam aproximar, em alguma
medida, as teorias em questão, pode enriquecer a atividade
pedagógica e educativa de profissionais que trabalham com atividades
123
de estudo, principalmente àqueles que atuam na educação de jovens
e adultos (EJA) e encontram divergências e contradições que
dificultam o processo de escolarização nesta modalidade educativa.
Diante disso, fundamentados nos autores da TAE e nas
proposições de Paulo Freire, delimitamos como objetivo abordar, por
meio de pesquisa bibliográfica/exploratória, as inter-relações que
aproximam, em alguma medida, a Teoria da Atividade de Estudo
segundo o sistema Elkonin-Davidov-Repkin e a Teoria Pedagógica
de Paulo Freire, apontando, também, algumas considerações para a
EJA.
O motivo de delimitarmos a Teoria da Atividade de Estudo
segundo o sistema Elkonin-Davidov-Repkin envolve o fato de na
União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) terem se
desenvolvido diversas outras Teorias da Atividade de Estudo que,
embora apresentem identidades, também apresentam muitas outras
diversidades que destoam dos princípios pedagógicos e
epistemológicos que estamos abordando neste trabalho.
Teoria da Atividade de Estudo e a
Teoria Pedagógica de Paulo Freire
Com base em Davidov (2020) vemos que a TAE emerge a
partir do desenvolvimento histórico da educação, do conhecimento
científico e tecnológico e da escola: “A atividade de Estudo surge
durante a evolução histórica da escola e adquire um conteúdo na
forma de conceitos” (DAVIDOV, 2020, p. 275).
O surgimento desta teoria ocorre em contraposição à lógica
capitalista de conceber a Educação e adquire em seu desenvolvimento
características na forma de conteúdos e conceitos científicos. Isto
porque a Atividade de Estudo se refere ao método de assimilação dos
124
modos generalizados de ação com o conhecimento teórico-científico
e ao desenvolvimento das capacidades teóricas da personalidade do
estudante (CLARINDO, 2020).
Observamos, também, que o desenvolvimento da TAE é
político e social, pois se dá no período em que ocorreu as revoluções
socialistas soviéticas onde objetivava-se a formação e desenvolvimento
de um novo modelo de homem, que, segundo Davidov (1988), ia de
encontro as concepções teóricas tradicionais de ensino: “Objetivavam
educar um homem como um cidadão socialista ativo que fizesse parte
da transformação social do país, e não apenas alguém que acumulasse
conhecimentos quantitativamente. Assim, seus métodos educativos
em desenvolvimento iam de encontro às concepções burguesas
educativas de massa” (DAVIDOV, 1988, p. 165, tradução nossa).
Sobre isso, Davidov (1999, p. 5) também diz o seguinte: “A
reforma da educação russa está intimamente ligada à criação de
programas escolares de um novo tipo, de programas que de forma
radical diferem dos programas comuns adotados na escola
tradicional”. Vemos, assim, que com a ascensão do socialismo, surge,
também, a necessidade de novos modelos educacionais para
humanização dos homens e mulheres relacionados à estrutura social
em ascensão, uma vez que os métodos educacionais tradicionais não
alcançavam essa finalidade, tampouco era esse seu objetivo.
Repkin (2014) afirma que aqueles sistemas educacionais que
visam apenas à transmissão e acumulação do conhecimento, além de
serem caros e ineficazes, promovem ensinos puramente funcionais.
Neste sentido, educam muito bem o estudante para executar
operações funcionais e técnicas, no entanto, não o educam para
pensar autonomamente de forma crítica e teórica o processo como
um todo. Sobre isso, Repkin (2020, p. 371) escreve o seguinte:
125
A orientação geral da aprendizagem funcional é a preparação
para o cumprimento de determinadas funções. Esses mesmos
objetivos tem as tarefas da educação. Em essência, é a mesma prática
funcional, mas não do cérebro e das mãos (como na aprendizagem),
mas da alma. A separação do processo Educação e do processo de
aprendizagem reflete o fato da funcionalidade. [...] A aprendizagem
funcional é antieducacional, já que se educa um funcionário, melhor
dito, a pessoa que atua com receitas e indicações, [...] quando a
ideologia explode a pessoa fica desarmada.
No que concerne a Teoria pedagógica de Paulo Freire,
identificamos que, assim como no desenvolvimento da TAE, emerge
historicamente e junto com a EJA, a qual é marcada por períodos
políticos, econômicos e educacionais repleto de desigualdades sociais,
lutas de classes e projetos de sociedade de acordo com os interesses de
determinados grupos hegemônicos. Nicodemos et al (2020, p. 21)
escrevem assim:
[...] os árduos e pequenos avanços obtidos nas últimas décadas, o
direito de jovens e adultos trabalhadores à educação sempre
esteve atrelado a uma história de lutas, conflitos e disputas que
envolvem projetos de educação e, sobretudo, projetos de
sociedade. Nesse sentido, a história da EJA pode ser considerada
como uma das expressões da luta de classes no Brasil.
Percebemos que a educação escolar para jovens e adultos não
só foi marcada por lutas e pelo engajamento de indivíduos para
superação das desigualdades sociais e para a aquisição de direitos
fundamentais à vida social, mas também por educação de qualidade
que trouxesse, aos indivíduos oprimidos, possibilidades de
desenvolvimento e superação do status quo (FERREIRA e ZAGO,
2022).
126
Para os autores, as concepções pedagógicas de Paulo Freire
emergem em contraposição a diversos modelos educacionais
tradicionais e concepções de homem propostas pela lógica capitalista
e hegemônica, objetivando promover, aos sujeitos do processo
educativo, o desenvolvimento de capacidades críticas, políticas e
sociais para a própria emancipação e autonomia.
Em Freire (2013), vemos o autor se opondo veementemente
a teorias tradicionais de educação alienadora e verticalizada, as quais
chamou “bancárias”, no sentido que este tipo de educação apenas
deposita fórmulas e conhecimentos prontos no estudante, que, no
processo e, segundo esta concepção, aprende ao memorizar e
reproduzir os conhecimentos ensinados de forma unilateral: “O
professor ainda é um ser superior que ensina a ignorantes. Isto forma
uma consciência bancária. O educando recebe passivamente os
conhecimentos, tornando-se um depósito do educador. Educa-se para
arquivar o que se deposita. Mas o curioso é que o arquivado é o
próprio homem, que perde assim seu poder de criar” (FREIRE, 2013,
p. 33).
Este tipo de educação remete às concepções de ensino
funcionais, as quais escrevemos anteriormente, onde prepara o
estudante para atuar e agir segundo receitas prontas, mas não para
pensar e agir de forma crítica e com autonomia.
Diante dessa nova perspectiva, Freire (1987) começa a
elaborar novos modos e processos educativos que consideram o jovem
e o adulto como sujeitos do próprio conhecimento e não apenas
receptáculo deste, sujeitos que aprendem e se desenvolvem estando
em atividade. Temos aqui dois princípios fundamentais que, do nosso
ponto de vista, possibilita inter-relacionar as duas teorias, a saber:
ambas consideram que o estudante aprende em atividade e como
sujeito do seu próprio conhecimento.
127
Sobre a condição de sujeito do processo educativo e do
próprio conhecimento, Freire (2013, p. 23) diz o seguinte: A
educação, portanto, implica uma busca realizada por um sujeito que
é o homem. O homem deve ser o sujeito de sua própria educação.
Não pode ser o objeto dela. Por isso, ninguém educa ninguém”. Em
outro trecho afirma ainda que: Existe uma reflexão do homem face
à realidade. O homem tende a captar uma realidade, fazendo-a objeto
de seus conhecimentos. Assume a postura de um sujeito cognoscente
de um objeto cognoscível” (FREIRE, 2013, p. 25).
Quanto à afirmação do autor de que aprendemos e nos
desenvolvemos em atividade, nem sempre utiliza claramente a palavra
atividade para se referir à educação e à aprendizagem do estudante,
mas aponta, todavia, o princípio basilar que envolve qualquer
atividade humana, isto é, que toda atividade envolve um caráter
transformador e criativo (DAVIDOV, 1999).
Vejamos o que escreve Freire (2013, p. 28): “O desenvol-
vimento de uma consciência crítica que permite ao homem
transformar a realidade se faz cada vez mais urgente. Na medida em
que os homens [...] vão fazendo história pela sua própria atividade
criadora”. Também afirma que: “O destino do homem deve ser criar
e transformar o mundo, sendo o sujeito de sua ação”.
Assim como nos pressupostos de Paulo Freire, também
encontramos referências na TAE quanto a ela funcionar segundo o
princípio de que o estudante aprenda sendo sujeito da própria
atividade transformadora do objeto cognoscitivo. Vejamos o que
escreve Davidov (1999, p. 1, grifos do autor): Mas o que vem a ser
mesmo a «atividade de estudo»? Para responder a essa pergunta é
preciso antes de mais nada prestar atenção ao conceito mais geral de
atividade. O conceito filofico-pedagógico de «atividade» significa
transformação criativa pelas pessoas da realidade atual”.
128
Quanto à necessidade de ser sujeito na Atividade de Estudo,
Davidov e Markova (2020) apontam que se refere a um princípio
essencial presente na AE para que o estudante possa agir criativamente
para sua autotransformação. Desse modo, podemos observar a inter-
relação entre ser sujeito e a transformação da própria existência, pois
somente assim os homens e mulheres podem agir para a própria
transformação.
No mesmo sentido, Repkin (2020) aponta o sujeito como a
fonte de existência da atividade, o que para nós implica dizer que toda
atividade se refere ao movimento organizado e objetivo que satisfaz
determinadas necessidades (Leontiev, 2010), e que estas só podem ser
necessidades de um sujeito, logo, todo o processo criativo e
transformador objetivo e subjetivo para a satisfação de certas
necessidades implica a atividade e o sujeito desta: “[...] onde o homem
cria, ali ele é sujeito” (REPKIN, 2020, p. 377).
Neste sentido também podemos citar Ferreira (2023, p. 36),
segundo o qual: “[...] essa relação sujeito/ativo também implica
liberdade para agir, criar e escolher os meios e condições materiais da
própria atividade. Alguém que é obrigado a realizar uma atividade,
que está sujeitado a ela, encontra-se limitado em relação às
possibilidades criativas e de transformação de si mesmo”.
Outro aspecto de identidade de ambas as teorias é que para
agir como sujeito do próprio conhecimento, aprendizagem e
autotransformação é preciso que o objeto a ser estudado e assimilado
seja necessário e faça sentido na sua realidade. Para a TAE, por
exemplo, a criança que ingressa nos anos iniciais do Ensino
Fundamental, já possui diversos interesses, necessidades e motivos
para estudar, como aqueles apontados por Leontiev (2010) onde
afirma que a nova posição que o aluno é colocado produz nele a
necessidade de assimilar os novos conteúdos implicados nessa
129
atividade: Surge a necessidade no aluno da escola secundária de
conhecer não apenas a realidade que o cerca, mas de saber também o
que é conhecido acerca dessa realidade” (LEONTIEV, 2010, p. 63).
A TAE considera que para fazer sentido para o aluno estudar
um determinado conteúdo conceitual e, consequentemente, assimilá-
lo precisa haver pelo menos duas condições:
[...] em primeiro lugar, este objeto deve existir para o sujeito,
deve ser colocado em evidência, para este como um objeto à parte
de todo o conjunto de condições de sua atividade. [...] Em
segundo lugar, para que um dado objeto possa ser motivo-meta,
ele deve ser ligado pelo conteúdo, com as necessidades presentes
no sujeito.
Percebemos que o mesmo princípio está presente na
pedagogia de Freire, o qual afirma, por exemplo, que se determinado
conteúdo tecnológico e científico não responde fundamentalmente a
determinados interesses e necessidades do sujeito, perdem sua
significação (FREIRE, 1996). O autor também escreve o seguinte: “O
diálogo em que se vai desafiando o grupo popular a pensar sua história
social como a experiência igualmente social de seus membros, vai
revelando a necessidade de superar certos saberes que, desnudados,
vão mostrando sua “incompetência” para explicar os fatos” (FREIRE,
1996, p. 42, grifo nosso).
Ao considerar que o trabalho pedagógico e educativo deve
partir da própria realidade do estudante para identificar e abstrair dela
possíveis interesses e necessidades práticas e reais, ao invés de utilizar
cartilhas prontas com conteúdos que em nada pode se relacionar com
a realidade do sujeito, como afirma Freire (1987), o autor es
considerando esse princípio fundamental que temos discutido até
aqui.
130
Podemos constatar, neste sentido, que a determinação do
conteúdo do estudo, seja na TAE, seja na teoria pedagógica de Paulo
Freire, não se dá de forma verticalizada e unilateral, com o professor
determinando o que será estudado sem conexão alguma com a
realidade do estudante, mas demanda uma espécie de diagnóstico
daquilo que o aluno conhece e desconhece, dos possíveis interesses e
necessidades que sua própria realidade evidencia. Enfatizamos que, as
necessidades e interesses para a assimilação de determinada
modalidade de conhecimento não apenas é abstraída da realidade
existencial do sujeito, mas também é criada na própria atividade de
estudo por meio de situações-problema.
Para a TAE a situação-problema é o que efetivamente dá
início a uma situação de estudo ou tarefa de estudo, a qual envolve
como motivo-objetivo a assimilação dos modos generalizados de ação
com determinado conhecimento teórico-científico (FERREIRA,
2023). Para o autor, a situação-problema envolve alterações
particularmente realizadas pelo professor em tarefas e atividades
pedagógicas nas quais os sujeitos dominavam seus conteúdos, mas
agora com a modificação realizada se deparam com contradições que
são incapazes de resolver sozinhos e sem a realização de uma nova
tarefa de estudo. Sobre a situação-problema Ilienkov (2007, p. 22)
aponta que:
Qualquer pedagogo razoavelmente inteligente e experiente faz e
sempre fez isso. Ou seja, sempre orienta com tática a criança para
uma "situação problemática", como é chamada na psicologia -
isto é, uma situação insolúvel com a ajuda de métodos de ação já
desenvolvidos pela criança, com a ajuda do "conhecimento" já
dominado por ela, mas uma situação que está ao mesmo tempo
bem dentro de suas capacidades, dado o seu conhecimento
existente (precisamente avaliado). Uma situação que, por um
131
lado, requer o uso ativo de toda a sua bagagem intelectual
previamente acumulada e, por outro lado, não "cede"
completamente a ele, mas exige "um pouco mais" - um
argumento próprio, um dispositivo criativo elementar, uma gota
de "independência" de ação.
No mesmo sentido, Puentes (2020b) escreve que:
O passo inicial na formulação da tarefa de estudo e de pesquisa é
a resolução de problemas práticos já conhecidos pelos alunos, em
condições especialmente modificadas pelo professor, o que gera
uma situação de dificuldade. Como resultado da validação das
ações executadas, a situação de dificuldade verte-se em situação-
problema (REPIKIN; REPKINA, 2017, Apud PUENTES
2020b, p. 102).
Sobre a situação-problema na Atividade de Estudo é
importante enfatizar que ela não deve exceder as capacidades afetivo-
emocionais e cognitivas do estudante, pois, neste caso, ele
dificilmente se motivará para compreender algo que não está na sua
zona de desenvolvimento próximo (VIGOTSKI, 2003, grifo nosso).
Zaika, Repkin e Repkina (2020) apontam que, nesse caso, ao invés
de se engajar no estudo para compreender o objeto cognoscitivo e
encontrar a solução do problema, o estudante poderá procurar outro
modo de ação que nada tem a ver com o estudo, como perguntar a
alguém a resposta ou usar o método de tentativa e erro, por exemplo.
Para Repkin (2020), o objetivo ao problematizar a tarefa
criando uma alteração nela que demanda a assimilação de novos
modos generalizados de ação para a sua solução é produzir no sujeito
reflexões como: Por que não consigo resolver? Por que agora não deu
certo? O que é preciso fazer para conseguir?
132
Para Ferreira (2023), a relevância da situação-problema na
Atividade de Estudo é envolver o aluno efetivamente como sujeito
numa tarefa de estudo, de modo que sinta genuinamente interesse,
motivo e necessidade de assimilar o conhecimento teórico-científico
fundamental para resolver o problema. Implicado nesse movimento
está a regularidade presente no surgimento de toda nova atividade
humana, ou seja, que as situações de dificuldade aparecem como
contradições que colocam, em alguma medida, em cheque o
funcionamento e movimento coerente da vida social, física ou
psicológica do sujeito naquele conjunto de relações sociais que
estabelece no contexto de determinada tarefa. Desse modo, ao se
deparar com tais situações contraditórias, emerge emoções e
necessidades de se efetivar como sujeito naquela atividade em que
precisa desenvolver certas condições e assimilar novos conteúdos
essenciais para continuar ocupando determinada posição e efetivando
sua vida de modo coerente (LEONTIEV, 2010).
Percebemos um movimento semelhante na pedagogia de
Freire (1987) onde este propõe como método pedagógico abstrair da
realidade do próprio estudante o universo temático ou, em outras
palavras, situações de trabalho, família, ambiente, inter-relações
pessoais etc., dos quais se possa produzir temas para o estudo que
tenham correlação com o próprio universo dos sujeitos. Sobre a
relação temas geradores e a problematização, Freire (1987, p. 65)
escreve:
Enquanto na prática “bancária” da educação, anti-dialógica por
essência, por isto, não comunicativa, o educador deposita no
educando o conteúdo programático da educação, que ele mesmo
elabora ou elaboram para ele, na prática problematizadora,
dialógica por excelência, este conteúdo, que jamais é
“depositado”, se organiza e se constitui na visão do mundo dos
133
educandos, em que se encontram seus “temas geradores”. [...] A
tarefa do educador dialógico é, trabalhando em equipe
interdisciplinar este universo temático, recolhido na
investigação, devolvê-lo, como problema, não como dissertação,
aos homens (sic) de quem recebeu.
Fundamentados em Freire (1987) compreendemos que os
conteúdos pedagógicos e educacionais não são extraídos da própria
cabeça do educador, tampouco estão em função de uma cartilha pré-
definida, mas são organizados em temas por meio dos quais
problematiza-se situações concretas da vida dos estudantes.
É evidente que este conteúdo deve ser apenas o ponto de
partida, caso contrário as propostas educacionais transformadoras e
emancipadoras do autor não atingiriam seu objetivo, tampouco o
estudante desenvolveria necessidades sociais mais elaboradas e críticas
como lutar e agir para sua autotransformação social: “Por tal (sic)
razão é que este conteúdo há de estar sempre renovando-se e
ampliando-se” (FREIRE, 1987, p. 65). Por esse motivo, cabe ao
educador criar situações, propor contradições, problematizar os
conteúdos temáticos, pois é nesse processo que novas necessidades
surgirão nos sujeitos (FERREIRA e ZAGO, 2022).
Observamos que as atividades pedagógicas propostas por
Freire (1987, 2013) são essencialmente comunicativas e dialógicas,
por meio das quais o professor tanto abstrai os temas geradores quanto
auxilia os jovens e adultos a ampliar o nível de consciência a respeito
de determinado fenômeno. Fundamentados em Freire (2013)
percebemos que o diálogo possibilita relações de comunicação entre
sujeito-sujeito e não relações em que um é sujeito (professor) e o outro
é objeto da atividade educativa (estudante). Para o autor, quando não
há o principio dialógico presente no processo educativo ele se torna
mera “domesticação”.
134
O diálogo, aqui, possui, também, caráter político, pois auxilia
o estudante não só a pensar de forma mais crítica, mas também a se
posicionar frente a uma determinada problemática, seja ela individual
ou social, de forma ativa. Para nós, as situações problematizadoras
propostas pelo educador possibilitam o desenvolvimento do
pensamento e consciência crítica, pois em atividades dialógicas e de
resolução de problemas os estudantes são incentivados a olhar para si
mesmos por meio da reflexão em relação ao objeto sendo analisado
para, então, poder compreendê-lo por outro prisma, de forma mais
concreta e menos ingênua:
Esta investigação implica, necessariamente, numa metodologia
que não pode contradizer a dialogicidade da educação
libertadora. Daí que seja igualmente dialógica. Daí que,
conscientizadora também, proporcione, ao mesmo tempo, a
apreensão dos “temas geradores” e a tomada de consciência dos
indivíduos em torno dos mesmos. Esta é a razão pela qual, (em
coerência ainda com a finalidade libertadora da educação
dialógica) não se trata de ter nos homens o objeto da
investigação, de que o investigador seria o sujeito. O que se
pretende investigar, realmente, não são os homens, como se
fossem peças anatômicas, mas o seu pensamento-linguagem
referido à realidade, os níveis de sua percepção desta realidade, a
sua visão do mundo, em que se encontram envolvidos seus
“temas geradores” (FREIRE, 1897, p. 56).
As pedagogias tradicionais que limitam relações dialógicas e
comunicativas apenas à sala de aula e a situações particulares
delimitadas previamente sem conexão com a realidade dos educandos,
segundo Freire (2013), apenas limitam as ações pedagógicas e
aumentam o controle ideológico dos grupos hegemônicos sobre a
135
classe oprimida, mantendo, consequentemente, o pensamento e a
consciência no nível da ingenuidade.
Por esse motivo que, para o autor, o diálogo, em seu caráter
comunicativo e político, não pode excluir os conflitos e contradições,
sejam elas individuais ou sociais, políticas e econômicas: “O diálogo
de que nos fala Paulo Freire não é o diálogo [...] entre oprimidos e
opressores, mas o diálogo entre os oprimidos para a superação de sua
condição de oprimidos” (FREIRE, 2013, p. 8). Sobre o caráter
político do diálogo também escreve: “O diálogo é, portanto, o
caminho indispensável” [...] “não somente nas questões vitais para
nossa ordem política, mas em todos os sentidos da nossa existência”
(FREIRE, 2013, p. 61).
Identificamos que a dialogicidade é essencial no processo
educativo e não tem apenas caráter político e comunicativo, embora
estes sejam imprescindíveis: “Por isso, somente o diálogo comunica”
(Freire, 2013, p. 61). O diálogo tem também caráter afetivo-
emocional, de trocas afetivas, de demonstração de cuidado e
preocupação de pessoas que se importam umas com as outras: “E
quando os dois polos do diálogo se ligam assim, com amor, com
esperança, com fé no próximo, se fazem críticos na procura de algo e
se produz uma relação de “empatia” entre ambos. Só ali
comunicação” (FREIRE, 2013, p. 61).
No que concerne ao princípio dialógico, comunicativo e
reflexivo implicado na TAE vejamos o que escrevem Davidov,
Slobodchikov, Tsukerman (2014, p. 103).
O professor inicia um processo de reflexão, colocando um
problema de forma a polarizar, a partir do início, vários aspectos da
contradição em discussão que foram incorporados aos pontos de vista
dos alunos. No confronto de opiniões diversas, percebe-se que cada
uma delas é parcial e limitada. É o limite de cada ponto de vista parcial
136
que compõe o objeto da discussão. No processo de argumentação,
aqueles que detêm ou apoiam cada ponto de vista se convencem de
que seus conhecimentos e modos de ação não são suficientes para
resolver a tarefa definida. Surge a necessidade de coordenar os pontos
de vista que se formaram para elaborar um modo de ação comum.
Notemos que o modo de ação que é comum aos participantes no
trabalho conjunto é, ao mesmo tempo, comum para a nova classe de
tarefas. O processo descrito para a resolução de tarefas de estudo
assume a forma de debate [...] o confronto agudo entre diferentes
pontos de vista e a natureza dramática da sua harmonização são os
critérios externamente observáveis de uma aula “bem sucedida” de
educação desenvolvente. No debate geral da sala, principalmente o
professor faz o trabalho de polarizar e, posteriormente, harmonizar os
pontos de vista das crianças.
Vemos que a Atividade de Estudo ocorre por meio de
atividades comunicativas, cooperativas, de reflexões, debates e
discussões coletivas sobre determinado conteúdo. Nesse processo, é o
professor quem medeia a discussão para auxiliar os estudantes a
analisarem, abstraírem e sintetizarem o objeto de conhecimento
teórico-científico como conteúdo para solucionar a situação
problemática que originou a tarefa de estudo. Percebemos que o
educador por meio de perguntas possibilita aos sujeitos abstrair o que
é ou não essencial para compreender a coisa, direcionando sua
concentração e atenção para perceber as contradições na lógica
presente no seu próprio modo de pensar e a perceber as condições e
ações necessárias para compreender o objeto cognoscitivo
(FERREIRA, 2023).
Para o autor, a relevância de que a Atividade de Estudo ocorra
de forma comunicativa-cooperativa se refere ao fato de o estudante,
principalmente quando ingressa nos anos iniciais do Ensino
137
Fundamental, não ser capaz de, sozinho, realizar análises, abstrações,
sínteses e reflexões teóricas sobre determinado fenômeno, desse
modo, é fulcral que, até que tenha autonomia suficiente para estudar
por si mesmo ou em conjunto com o grupo, seja auxiliado pelo
professor.
Sobre esse assunto, Davidov (2020, p. 275) escreve desta
maneira:
Foi descoberta uma complexa hierarquia de momentos sociais e
cognitivos nas ações de estudo, a estrutura de seus objetivos gerais
e específicos. A qualidade das ações de estudo depende da
completude dessa hierarquia e estrutura. Formar nas crianças das
séries iniciais do nível fundamental a capacidade de correlacionar
corretamente as metas e resultados das aprendizagens é a base de
tais ações de estudo, assim como o são o controle e as ações
conscientes. Um papel importante é desempenhado pela
colaboração e comunicação entre os estudantes (DAVIDOV,
2020, p. 275).
Diante disso, percebemos que a reflexão possibilitada pela
relação dialógica e comunicativa professor-aluno e aluno-aluno tem
como uma de suas principais características o papel de reorientação
dos sujeitos em relação ao próprio método de ação (DAVIDOV,
1988; CLARINDO, 2020).
Assim como na pedagogia Freireana, na TAE também está
presente conteúdos afetivo-emocionais nos processos de realização da
tarefa de estudo, de comunicação e diálogo. Ferreira (2023) aponta,
por exemplo, que os componentes subjetivo/objetivos de empatia e
valoração da atividade e de si mesmo presentes na comunicação-
cooperação possibilitam, ao estudante, sentir-se compreendido pelo
outro e reafirmar-se como sujeito da atividade, o que aumenta as
chances de continuar envolvido no estudo.
138
Outro ponto implicado nas duas teorias é que, assim como
vimos anteriormente em Freire (2013) onde afirma que ninguém
educa a ninguém, no sentido de que o homem educa a si mesmo,
sendo sujeito do próprio processo de aprendizagem, na TAE, ao
contrário de metodologias tradicionais de ensino-aprendizagem, o
estudante não é objeto da atividade educativa do professor, mas
sujeito junto com o professor da tarefa de estudo sendo realizada.
Neste sentido, Repkin (2020) afirma que o trabalho do professor não
é dar respostas prontas ao aluno, tampouco dizer a ele o que precisa
fazer, mas comunicar-se com o estudante, atuarem juntos para
compreender o objeto cognoscitivo, a fim de que o aluno seja um
parceiro do professor e um professor de si mesmo.
Um último princípio implicado também na TAE, ao menos
o último que abordaremos neste trabalho, envolve sua proposta de
organização da atividade educativa e desenvolvimental para
desenvolver as capacidades teóricas da personalidade do estudante,
dentre elas o pensamento teórico e a consciência teórica, os quais, para
Davidov (1999), são processos indissociáveis na Atividade de Estudo,
de modo que o desenvolvimento de um é também o desenvolvimento
do outro.
Para Ilienkov (2007) e Davidov (1999), a educação
promovida nas escolas deveria formar personalidades autônomas e
criativas, que conseguem pensar por si mesmas e não sujeitos que
apenas reproduzem os conhecimentos já produzidos, sejam eles
empíricos ou teórico-científicos. Apesar de afirmarem que na
educação escolar deveria promover-se, pôr meio de atividades de
estudo, o desenvolvimento das capacidades teóricas e críticas do
pensamento e da consciência não é isso o que ocorre, sobretudo
naquelas instituições cuja metodologia não envolvem o estudante
como sujeito da própria atividade cognoscitiva.
139
Com base em Ilienkov (2007) e Davidov (1999) entendemos
que a educação escolar, em quaisquer de suas modalidades, quando
atua para transmitir conhecimentos prontos e apenas apostilados,
limita o estudante à mera descrição aparente da realidade, o que na
prática aparece na forma de memorizar conteúdos, copiar, decorar,
etc.
Ferreira (2023) identifica as dificuldades e a falta de domínio
das capacidades teóricas pelos professores do processo de ensino-
aprendizagem como fator dificultador do processo formativo e de
desenvolvimento das capacidades teóricas do pensamento e
consciência crítica nos estudantes. Aponta que não é possível ao
educador promover o desenvolvimento das capacidades teóricas do
pensamento no estudante se ele mesmo não as domina, indicando a
necessidade de que aquele que educa seja bem preparado e
desenvolvido para atuar junto a outros sujeitos cognoscentes. Fato
este que também aponta Freire (1996) ao citar a necessidade de
constante formação e reflexão crítica do professor sobre sua própria
prática.
Quanto ao desenvolvimento da modalidade de
conhecimento, pensamento e consciência proposta na pedagogia de
Paulo Freire, identificamos poucos momentos em que aponta
tratarem-se de aspectos teóricos a serem desenvolvidos no estudante
como, por exemplo, em Freire (1987, p. 123, grifo nosso): “As
codificações, de um lado, são a mediação entre o "contexto concreto
ou real”, em que se dão os fatos e o "contexto teórico", em que são
analisadas; de outro, são o objeto cognoscível sobre que o educador-
educando e os educandos-educadores, como sujeitos cognoscentes,
incidem sua reflexão crítica”.
Em outro texto, o autor aborda da seguinte forma:
140
É pensando criticamente a prática de hoje ou de ontem que se
pode melhorar a próxima prática. O próprio discurso teórico,
necessário à reflexão crítica, tem de ser de tal modo concreto que
quase se confunda com a prática. O seu “distanciamento”
epistemológico da prática enquanto objeto de sua análise, deve
dela “aproximá-lo” ao máximo. Quanto melhor faça esta
operação tanto mais inteligência ganha da prática em análise e
maior comunicabilidade exerce em torno da superação da
ingenuidade pela rigorosidade (FREIRE, 1996, p. 21).
Averiguamos ser muito mais frequente nos trabalhos de Freire
o termo “crítico” para se referir ao pensamento e consciência que se
busca desenvolver com sua prática educativa: “O desenvolvimento de
uma consciência crítica que permite ao homem transformar a
realidade se faz cada vez mais urgente” (FREIRE, 2013, p. 28). Para
nós, apesar de nem sempre utilizar o conceito de consciência teórica,
mas sim o de consciência crítica, os princípios apontados pelo autor
que fundamentam o desenvolvimento dessa capacidade, mostra-nos
uma grande proximidade com as propostas da TAE. Vejamos a seguir
os princípios apontados por Freire para desenvolver a consciência
crítica:
1. Anseio de profundidade na análise de problemas. Não se
satisfaz com as aparências. Pode-se reconhecer desprovida de
meios para a análise do problema. 2. Reconhece que a realidade
é mutável. 3. Substitui situações ou explicações mágicas por
princípios autênticos de causalidade. 4. Procura verificar ou
testar as descobertas. Está sempre disposta às revisões. 5. Ao se
deparar com um fato, faz o possível para livrar-se de
preconceitos. Não somente na captação, mas também na análise
e na resposta. 6. Repele posições quietistas. É intensamente
inquieta. Torna-se mais crítica quanto mais reconhece em sua
quietude a inquietude, e vice-versa. Sabe que é na medida que é
141
e não pelo que parece. O essencial para parecer algo é ser algo; é
a base da autenticidade. 7. Repele toda transferência de
responsabilidade e de autoridade e aceita a delegação das mesmas.
8. É indagadora, investiga, força, choca. 9. Ama o diálogo, nutre-
se dele. 10. Face ao novo, não repele o velho por ser velho, nem
aceita o novo por ser novo, mas aceita-os na medida em que são
válidos (FREIRE, 2013, p. 35-36).
Quanto ao caminho teórico de análise, abstração e síntese do
pensamento consciente na Atividade de Estudo, Ferreira (2023,
p.162) ao citar Lefebvre (1970), aponta característica do método
dialético presentes na TAE para o desenvolvimento dessas
funções psicológicas superiores:
1- Ir as coisas mesmas, nada de exemplos e digressões, nada
de analogias, mas sim análise objetiva do fenômeno; 2- Apreender o
conjunto de conexões internas da coisa, de seus aspectos, o
movimento e desenvolvimento próprio da coisa; 3- Apreender a coisa
em seus momentos e aspectos contraditórios, como totalidade e
unidade de contrários; 4- Analisar a luta, os conflitos internos das
contradições em seu movimento; 5- Realizar as ligações das partes e
unidades entre si e com a totalidade; 6- Apreender as transições e
transformações da coisa em sua história; 7- Ir do fenômeno a essência
e vice-versa; 8- Penetrar, aprofundar cada vez mais no conteúdo,
contradições e movimento; 9- Transformação do concreto material
em concreto pensado.
Algumas Considerações sobre a Educação
de Jovens e Adultos (EJA)
Segundo Furtado e Lima (2010) a Educação de Jovens e
Adultos refere-se a uma modalidade de educação gratuita destinada a
142
pessoas que não tiveram na idade própria acesso ao ensino
fundamental e médio ou mesmo àqueles que não deram continuidade
aos estudos. Apontam que historicamente a EJA foi marcada por
descontinuidades e fragmentações no processo educacional, sendo
vista como suplemento de programas escolares (FERREIRA, 2008).
Podemos observar também em Frigotto (1998) que a EJA não
pode ser pensada de forma desarticulada do mundo do trabalho e da
própria classe trabalhadora, pois, para o autor, o perfil dos jovens e
adultos estudantes da EJA não são indivíduos que desejam apenas
assimilar conhecimentos teórico-científicos para o autodesenvolvi-
mento, mas geralmente para se recolocar ou permanecer no trabalho
atual, como também podemos verificar no DCE (2005, p. 33): “Uma
das razões pelas quais os educandos da EJA retornam para a escola é
o desejo de elevação do nível de escolaridade para atender às
exigências do mundo do trabalho”.
Embora o PARECER CNB/CONEB (2000) preconize a
necessidade de metodologias críticas de ensino-aprendizagem que
considerem a realidade do estudante, suas necessidades e interesses,
assim como a formação e preparo qualificado de professores para atuar
nesta modalidade educativa de forma política, transformadora e
libertária, Ferreira (2008) aponta que a formação de professores para
atuar com esta faixa etária de estudantes é recente, havendo poucos
cursos de graduação e pós-graduação que efetivamente formam e
preparam o educador para lidar com essa modalidade.
Aqueles que atuam na EJA, segundo a autora, dificilmente
tiveram capacitação na formação inicial, restando-lhes desenvolver as
habilidades para essa modalidade de ensino-aprendizagem durante
sua própria formação continuada.
Ao abordarmos tais eventos e situações em relação a EJA, o
fazemos por identificar alguns movimentos econômicos-políticos,
143
educacionais e sociais que, do nosso ponto de vista, podem afetar
diretamente a qualidade de ensino-aprendizagem dos jovens e
adultos, tanto os que buscam retomar a educação básica, quanto
àqueles que buscam uma formação educacional superior.
Vimos, no início deste capítulo, que a educação escolar e os
processos relacionados a ela, como a atividade de estudo, por
exemplo, historicamente se transformam e se consolidam com as
transformações sociais, culturais, políticas e econômicas de cada
época. Sobre isso, Meszáros (2007, p. 115) diz o seguinte: “[...] as
instituições de educação tiveram de ser adaptadas no decorrer do
tempo, de acordo com as determinações reprodutivas em mutação
[...]”.
Para Ferreira (2023), embora historicamente as transfor-
mações sofridas pela instituição escolar de educação e seus processos
tenham adquirido ao longo do tempo, até a atualidade, a função de
promover e transmitir os conhecimentos produzidos socialmente
como forma de preparo dos estudantes para o mercado de trabalho,
de forma menos explícita, sempre esteve implicado nesse processo a
transmissão de determinadas ideologias de dominação e reprodução
dos interesses hegemônicos.
Segundo Fernando (2018), mesmo na atualidade, existem
motivações ideológicas decorrentes de grupos hegemônicos que
perpassam todo o processo educativo. Afirma ainda que a Educação
tem sido meio de transmitir às gerações vindouras, os valores
desejáveis para a manutenção e funcionamento do mercado, o qual é
reformado à medida que é preciso corrigir e remediar os piores efeitos
do sistema produtivo capitalista (MÉSZÁROS, 2007, FERNANDO,
2018).
De acordo com Mészáros (2007) e Fernando (2018), nesse
movimento, as instituições escolares e educacionais são adaptadas de
144
acordo com as determinações do sistema capitalista em mutação,
sendo sucessivamente reformadas para atender às demandas do live
mercado e para cumprir a função desejada de dominação e controle:
Do ponto de vista das finalidades da educação, embora nem
sempre explícitas, os reformadores visam a (sic) implementação
de reformas educacionais para, por um lado, garantir o domínio
de competências e habilidades básicas necessárias para a atividade
econômica revolucionada pelas novas tecnologias e processos de
trabalho (Revolução 4.0) e, por outro, garantir que tal iniciativa
se contenha dentro da sua visão de mundo que se traduz em um
status quo modernizado. O objetivo final deste movimento é a
retirada da educação do âmbito do “direito social” e sua inserção
como “serviço” no interior do livre mercado, coerentemente com
sua concepção de sociedade e de Estado (FERNANDO, 2018,
p. 41-42).
Percebemos que, no decorrer de tais reformas e transforma-
ções pedagógicas e educacionais emergem propostas metodológicas
(supostamente ativas) que aparentemente objetivam o desenvolvi-
mento e a transformação crítica do estudante, mas essencialmente
coaduna com os interesses do capital como as pedagogias e a lógica da
competência, por exemplo.
Holanda, Freres e Gonçalves (2009) compreendem
competência como faculdade de ativar diversos recursos cognitivos
como saberes, habilidades, informações, capacidades etc., para
resolver e solucionar problemas. Para elas, esse termo vem servindo
ao sistema do capital como mecanismo de dominação e preparação
para a força de trabalho: “Em relação à educação e à pedagogia das
competências, ela tem a função, nesta sociedade de classes, de
contribuir com a disseminação de seus valores e interesses, apontando
145
a questão da formação como o cerne da ocupação de uma vaga no
mercado de trabalho [...]” (p. 131).
Trata-se de algo muito mais amplo que apenas a qualificação
para o trabalho, mas também de uma tentativa de preparar ativamente
os sujeitos do processo educativo, em um nível cognitivo e
socioemocional, para, de modo independente e criativo, lidarem e
resolverem as diversas demandas da sociedade moderna que está
sempre e constantemente em transformação: “[...] O modelo de
competências, pois, recorre à mobilização psíquica dos trabalhadores
e não mais somente aos seus conhecimentos. [...] Assim, sua função
preponderante nesse momento histórico vem se constituindo como
um espaço favorável à transmissão dos conhecimentos necessários ao
processo produtivo e à cooptação das subjetividades” (HOLANDA,
FRERES E GONÇALVES, 2009, p. 126).
Souza (2019) afirma que na atualidade a forma de organização
do capital demanda cada vez mais pessoas que saibam pensar o
processo de trabalho como totalidade, que não apenas reproduzam
comandos e técnicas específicas, mas que sejam capazes de ser
criativos. Segundo o autor, o mercado tem ganhado contornos
diversos para manter o funcionamento do sistema, de modo que o
próprio processo criativo começa a ser explorado, ultrapassando a
dimensão física e estendendo-se à exploração intelectual e cognitiva.
Vemos que a necessidade de explorar a atividade de trabalho
e o processo criativo cria novas necessidades, como investir no setor
educacional, oferecendo um tipo especial de educação, com mais
qualidade e eficácia para a preparação dos estudantes, a partir de
teorias e abordagens pedagógicas que possam se coadunar com os
interesses do grupo hegemônico.
Quanto ao papel do professor nesse movimento, por um lado
podemos constatar sua atividade pedagógica sendo conformada, em
146
alguma medida, aos interesses hegemônicos: “O professor, nesse
sentido, deve adequar a sua prática pedagógica para o
desenvolvimento dessas competências e trabalhar com resoluções de
problemas e elaboração de projetos” (HOLANDA, FRERES E
GONÇALVES, 2009, p. 129). Por outro, tendo sua formação e
desenvolvimento profissional cada vez mais esvaziada, principalmente
aqueles que precisam recorrer a educação a distância (EaD):
Seguimos denunciando a mercantilização da educação e
desmascarando falácia do discurso da “democratização do
ensino” que conduz uma política que reforça a desigualdade
sociais e regionais do país; que assegura aos/as ricos/as o ensino
de qualidade e, aos/ás que não possuem condições para acessar as
poucas instituições de graduação publicas presenciais ou de
custear a sua própria formação de qualidade, são ofertados os
cursos de ensino a distância (EaD) expressão máxima da
precarização e da mercantilização da educação (CFESS, 2014,
apud ARAGÃO, SACRAMENTO e PACHECO, 2015, p. 2).
Enfatizamos que não estamos inferindo que toda EaD é
precária e sem qualidade, mas que há um movimento de
mercantilização e precarização da educação que faz com que muitos
indivíduos da classe trabalhadora que não possuem condições para
pagar por uma educação de qualidade, como é geralmente o caso
daqueles com o perfil da EJA, tenham que recorrer à essa modalidade
de ensino para obter um diploma de ensino superior (ARAGÃO,
SACRAMENTO e PACHECO, 2015).
Para nós, esta conformação e precarização da formação
docente afeta de forma negativa todos os setores e níveis da educação
básica e superior, principalmente o autodesenvolvimento crítico e
teórico de nossos estudantes.
147
Ao abordarmos as proposições da TAE e pedagogia libertária
de Paulo Freire, vimos que o professor tem um papel fulcral no
processo educativo, sendo tanto aquele que insere os sujeitos em
atividades de estudo e de aprendizagem desenvolvimental, quanto
aquele que criticamente auxilia os estudantes a compreenderem a
realidade de forma concreta, portanto, de modo teórico-crítico,
promovendo, assim, a ampliação da consciência, autonomia e
capacidade de pensar as contradições e desigualdades sociais que
emergem socialmente em todos os contextos sociais, principalmente
o educacional.
Considerando que a EJA como modalidade educacional tem
sido historicamente alvo de descontinuidades e contradições,
alertamos para a necessidade de não perder de vista o papel crítico e
transformador do educador, que pode encontrar na TAE e pedagogia
de Paulo Freire arcabouços teórico-metodológicos fundamentais para
realizar a atividade docente.
Considerações Finais
Abordamos ao longo deste capítulo diversas inter-relações
teórico-metodológicas que nos possibilitaram estabelecer aproxima-
ções entre a TAE e a pedagogia de Paulo Freire. Alertamos aos leitores
que, ao optarmos por apontar as identidades entre as teorias, o
fizemos enquanto um recorte possível dentro dos limites desse
trabalho e, com isso, inevitavelmente, abstraímos detalhes e
diversidades que podem, também, em alguma medida, distanciá-las.
Embora em contextos sociais e culturais distintos,
averiguamos um movimento similar em que as teorias emergem em
contraposição às teorias tradicionais, às desigualdades sociais, à lógica
alienadora e dominante do mercado e, visando a formação e
148
desenvolvimento de sujeitos autônomos, participativos e livres para
atuarem para a própria transformação e desenvolvimento.
Vimos que para as teorias pedagógicas supracitadas o
estudante durante o processo educativo e de estudo deve ser sujeito
da própria atividade de assimilação do conhecimento teórico-crítico,
de modo que, ao agir para compreender o objeto cognoscitivo, age
para a transformação da própria personalidade.
Nesse movimento, além de considerar a realidade prática dos
sujeitos, assim como suas necessidades e interesses, podemos perceber,
também, que, por meio de problematizações é proposto a ampliação
de necessidades, motivos e interesses mais complexos e amplos no
próprio contexto educacional.
Ao considerarem atividades dialógicas, comunicativas e
cooperativas, ambas as teorias envolvem efetivamente os estudantes
como sujeitos da própria atividade de estudo, potencializando o
desenvolvimento de capacidades políticas, reflexivas e afetivo-
emocionais, onde o outro não é um adversário com o qual eu devo
competir, tal como aponta Fernando (2018), ao apontar esse aspecto
como reflexo das constantes reformas educacionais, que apenas
mantém o status quo, mas um parceiro no estudo com o qual deve-se
colaborar para, em conjunto, alcançar determinados objetivos de
aprendizagem.
Em relação às considerações realizadas sobre a EJA,
percebemos que as contínuas reformas realizadas nas instituições
educacionais possuem um viés político e econômico que resgatam
perspectivas de humanização segregadoras e reacionárias, as quais
reforçam perspectivas que atrelam a educação e o estudo à preparação
funcional de mão de obra para o trabalho e não para o
autodesenvolvimento dos sujeitos, o que, para nós, afeta, em alguma
medida, a própria formação de professores e a qualidade de educação
149
oferecida para os diversos níveis e modalidades educacionais,
principalmente a EJA.
Fundamentados em Fernando (2018), pudemos constatar
que as constantes reformas apresentadas como necessidade de
melhora da qualidade educacional, criam, na verdade, alinhamento
com as cadeias produtivas internacionais do sistema capitalista, o que,
para Mészáros (2007), só funcionariam de forma positiva para
humanizar sujeitos autônomos, críticos e livres, havendo um
rompimento com a lógica do capital, o que ainda não vemos
perspectivas de ocorrer.
Por esse motivo, cabe a nós enquanto educadores e
formadores do humano nos homens e mulheres lançar mão de teorias
e metodologias críticas, tais como a TAE e a pedagogia de Freire, para
promover, na medida do possível, transformações e desenvolvimento
das capacidades teórico-críticas de nossos estudantes.
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154
155
https://doi.org/10.36311/2024.978-65-5954-467-7.p155-176
ESTRATÉGIAS PEDAGÓGICAS PARA O ENSINO
DE GEOGRAFIA NA EDUCÃO DE JOVENS E
ADULTOS: METODOLOGIAS ATIVAS E
GAMIFICAÇÃO
Yuri de Lira LUCAS
23
Carla Cristina Reinaldo Gimenes de SENA
24
Introdução
Este artigo discute estratégias pedagógicas no ensino de
Geografia para a Educação de Jovens e Adultos (EJA), considerando
as particularidades desse público e visando um ensino mais
significativo e contextualizado. Serão abordadas a utilização de
metodologias ativas, recursos didáticos diversificados e a valorização
da dimensão crítica e cidadã no ensino de Geografia na EJA.
A EJA engloba alunos de diferentes idades, experiências de
vida e níveis de escolaridade prévia, exigindo abordagens pedagógicas
inclusivas e adaptadas. Além disso, a pandemia de COVID-19 trouxe
desafios adicionais, como a transição para o ensino remoto e a
necessidade de acesso a recursos tecnológicos.
23Especialista em Computação Aplicada à Educação e Tecnologias Educacionais pela Uni-
versidade de São Paulo Campus de São Carlos. Mestrando em Geografia pela Universidade
Estadual Paulista (UNESP), campus de Rio Claro. yuri.lucas@unesp.br.
24 Vice-diretora - FCTE - Faculdade de Ciências, Tecnologia e Educação Campus de Ou-
rinhos/UNESP. carla.sena@unesp.br.
156
Nesse contexto, é relevante explorar como as metodologias
ativas podem ser aplicadas no ensino de Geografia para a EJA,
considerando recursos didáticos diversificados e a valorização da
dimensão crítica e cidadã. Também é importante investigar como os
professores podem lidar com as especificidades desse público, tanto
no ensino presencial quanto no remoto.
A pesquisa foi desenvolvida a partir da seleção criteriosa de
artigos relevantes nas plataformas acadêmicas Periódicos, Google
Acadêmico, Scielo e Athenas (Unesp), utilizando palavras-chave
como "Geografia", "EJA" e "ensino".
Os resultados da pesquisa evidenciam a importância das
metodologias ativas no ensino de Geografia para a EJA, promovendo
uma aprendizagem participativa, contextualizada e inclusiva. A
utilização de recursos digitais e do Desenho Universal para a
Aprendizagem (DUA) potencializa essa abordagem, permitindo que
os alunos explorem dados espaciais e participem ativamente de
projetos e discussões. Dessa forma, os professores podem promover
um ensino de Geografia mais dinâmico e efetivo, contribuindo para
o desenvolvimento de habilidades geográficas e a construção do
conhecimento de forma significativa.
Além das metodologias ativas, a gamificação é uma estratégia
pedagógica que pode ser especialmente relevante no contexto da EJA.
Ela cria um ambiente lúdico e desafiador, envolvendo elementos
como desafios, recompensas, rankings, narrativas e interações sociais
para engajar os alunos no processo de aprendizagem. A gamificação
no ensino de Geografia para a EJA permite a aplicação prática e
contextualizada dos conceitos geográficos, incentiva a colaboração e a
interação social, e pode ser realizada por meio de jogos digitais, de
tabuleiro ou utilizando plataformas já existentes.
157
Portanto, este artigo explora as possibilidades da gamificação
como estratégia pedagógica no ensino de Geografia para a EJA,
visando proporcionar um aprendizado mais envolvente, significativo
e adequado às características desse público.
Fundamentação Teórica
Objetivo
O presente artigo tem como objetivo discutir as estratégias
pedagógicas utilizadas no ensino de Geografia para a Educação de
Jovens e Adultos (EJA), considerando as particularidades desse
público e buscando promover um ensino mais significativo e
contextualizado. Serão abordados temas como a utilização de
metodologias ativas e recursos didáticos diversificados, além da
valorização da dimensão crítica e cidadã do ensino de Geografia na
EJA.
Metodologias Ativas
As metodologias ativas, que colocam o aluno como
protagonista do processo de aprendizagem, têm sido amplamente
exploradas no ensino de Geografia. Essa abordagem se mostra eficaz
em diversos contextos, incluindo o ensino para a terceira idade. Godoi
e Oliveira (2021) destacam que a utilização de metodologias ativas
permite que os idosos se envolvam ativamente na construção do
conhecimento geográfico, por meio da resolução de problemas,
discussões em grupo e projetos.
No contexto do ensino remoto, o uso de ferramentas digitais
é fundamental para promover o engajamento dos alunos. Oliveira et
158
al. (2022) ressaltam a importância das ações pedagógicas promovidas
por residentes de Geografia no ensino remoto, combinando
metodologias ativas com o uso de ferramentas digitais. Essas
ferramentas possibilitam que os alunos explorem dados espaciais,
realizem análises geográficas e participem de atividades práticas,
mesmo à distância.
Ainda na perspectiva do ensino inclusivo, Ribeiro (2023)
destaca o uso do Desenho Universal para a Aprendizagem (DUA) na
Educação de Jovens e Adultos (EJA). O DUA busca promover a
inclusão e acessibilidade, adaptando os recursos e atividades de ensino
às necessidades de cada aluno. Aliado às metodologias ativas, o DUA
permite um ensino flexível e abrangente, valorizando a participação
ativa dos alunos e o desenvolvimento de habilidades geográficas.
Portanto, a utilização de metodologias ativas no ensino de
Geografia, tanto para a terceira idade quanto no contexto do ensino
remoto e da EJA, promove uma aprendizagem participativa,
engajadora e inclusiva. O uso de ferramentas digitais e do DUA
potencializa essa abordagem, permitindo que os alunos explorem
dados espaciais, realizem análises geográficas e participem ativamente
de projetos e discussões, contribuindo para a construção do
conhecimento geográfico e o desenvolvimento de habilidades críticas
e reflexivas.
Dessa forma, as metodologias ativas no ensino de Geografia
para a EJA valorizam as experiências e conhecimentos prévios dos
alunos, estimulam a reflexão crítica, a autonomia intelectual e a
construção coletiva do conhecimento. O papel do professor como
mediador e facilitador do processo de aprendizagem é essencial nesse
contexto, orientando as atividades, promovendo o diálogo e
oferecendo suporte aos alunos. Essa abordagem personalizada e
159
contextualizada torna o ensino de Geografia mais relevante e
significativo para a realidade dos alunos da EJA.
Considerando-se a literatura consultada sobre a temática, as
metodologias ativas no ensino de Geografia, aplicadas para a terceira
idade, no ensino remoto e na EJA, proporcionam uma aprendizagem
mais participativa, contextualizada e inclusiva. Elas estimulam o
envolvimento ativo dos alunos, a reflexão crítica, o uso de ferramentas
digitais e a adaptação aos diferentes perfis e necessidades dos
estudantes. Ao adotar essas abordagens, os professores promovem um
ensino de Geografia mais dinâmico, atrativo e efetivo, contribuindo
para o desenvolvimento de habilidades geográficas e a construção do
conhecimento de forma significativa.
Características e desafios do público da EJA no
ensino de Geografia
O público da EJA (Educação de Jovens e Adultos) apresenta
características e desafios específicos em relação ao ensino de
Geografia. De acordo com as referências consultadas, os alunos da
EJA geralmente possuem uma carga de trabalho maior,
responsabilidades familiares, pouca ou nenhuma formação escolar
prévia e muitas vezes, apresentam dificuldades de leitura e escrita.
Além disso, há uma diversidade cultural, etária e de experiências de
vida entre os alunos da EJA, o que demanda um trabalho pedagógico
que leve em conta essas diferenças e promova a inclusão.
O ensino de Geografia para esse público deve ser realizado de
forma a contemplar suas vivências e contextos, permitindo que os
alunos sejam capazes de relacionar os conteúdos estudados com suas
experiências e realidades. Segundo Nascimento (2011), é necessário
promover a interdisciplinaridade, a contextualização e o uso de
160
recursos didáticos não convencionais, como jogos, visitas a locais de
interesse, filmes e debates.
Durante a pandemia de COVID-19, o ensino de Geografia
na EJA foi desafiado pela necessidade de ensino remoto. Silva e
Sampaio (2021) destacam a falta de recursos tecnológicos e a
dificuldade de acesso à internet como obstáculos para o ensino à
distância, além de salientar a importância de se manter um contato
próximo com os alunos e de se adaptar aos diferentes ritmos de
aprendizagem.
Portanto, é preciso que os professores da EJA estejam
preparados para lidar com as especificidades desse público e utilizem
metodologias e recursos que permitam uma aprendizagem
significativa e inclusiva, tanto no ensino presencial quanto no remoto.
Dimensão crítica e cidadã do ensino de Geografia na
Educação de Jovens e Adultos (EJA)
A valorização da dimensão crítica e cidadã do ensino de
Geografia na EJA é fundamental para promover uma formação cidadã
mais abrangente e consciente. Diversos estudos têm abordado essa
temática, destacando a importância de metodologias e recursos que
estimulem o pensamento crítico dos alunos e sua participação ativa
na sociedade.
O uso do livro didático como ferramenta principal no ensino
de Geografia na EJA tem sido discutido por Dias (2021). A autora
ressalta a necessidade de uma abordagem crítica na utilização desse
recurso, que vá além da simples transmissão de conteúdos, e promova
a reflexão sobre os temas abordados, relacionando-os com a realidade
dos estudantes. Nesse sentido, é essencial que o livro didático seja
utilizado como um ponto de partida para debates, análises e
161
questionamentos, incentivando a dimensão crítica no processo de
aprendizagem.
A Geografia voltada para a terceira idade também é abordada
por Godoi e Oliveira (2021). O ensino de Geografia para esse público
deve considerar as experiências e vivências dos idosos, promovendo a
valorização de sua memória espacial e estimulando o exercício da
cidadania. Através de metodologias ativas, como projetos e discussões
em grupo, os idosos podem se engajar ativamente na construção do
conhecimento geográfico e na reflexão sobre questões sociais e
ambientais.
No contexto do ensino remoto, o uso de ferramentas digitais
ganha destaque. Oliveira et al. (2022) destacam a importância das
ações pedagógicas promovidas por residentes de Geografia no ensino
remoto, combinando metodologias ativas com o uso de ferramentas
digitais. Essas ferramentas possibilitam que os alunos explorem dados
espaciais, realizem análises geográficas e participem de atividades
práticas, mesmo à distância. Dessa forma, os estudantes têm a
oportunidade de desenvolver a dimensão crítica e cidadã, ao aplicar
conceitos geográficos em situações reais e compreender as interações
entre sociedade e espaço.
A inclusão e acessibilidade na EJA também são temas
relevantes. Ribeiro (2023) destaca o uso do Desenho Universal para
a Aprendizagem (DUA) nesse contexto. O DUA busca adaptar os
recursos e atividades de ensino às necessidades de cada aluno,
promovendo a inclusão de forma ampla. Ao utilizar o DUA aliado às
metodologias ativas, os professores podem atender às demandas
individuais dos estudantes, valorizando suas habilidades e
promovendo o desenvolvimento da dimensão crítica e cidadã.
Em suma, a valorização da dimensão crítica e cidadã no
ensino de Geografia na EJA é fundamental para formar cidadãos
162
conscientes e participativos. Através do uso adequado do livro
didático, metodologias ativas, ferramentas digitais e estratégias de
inclusão, é possível estimular o pensamento crítico dos alunos, sua
reflexão sobre questões sociais e ambientais, e promover sua atuação
como agentes transformadores da realidade. Essa abordagem
contribui para uma educação mais significativa e alinhada com as
demandas da sociedade contemporânea.
Metodologia
O estudo foi desenvolvido com base em levantamento
bibliográfico e abordagem qualitativa dos dados.
Para o desenvolvimento da pesquisa, foram utilizadas as
palavras-chave "Geografia", "EJA" e "ensino" em diversas plataformas
acadêmicas, como Periódicos, Google Acadêmico, Scielo e Athenas
(Unesp). Inicialmente, não foram encontrados artigos relacionados na
área com as palavras-chave utilizadas.
Diante dessa falta de resultados, uma nova busca foi realizada,
ampliando o período de pesquisa para os anos de 2021 a 2023 e
redefinindo as palavras-chave. Como resultado, foram obtidos um
total de 9 artigos no Periódicos, 5 no Google Acadêmico, 9 artigos no
Athenas (Unesp) e nenhum artigo relacionado no Scielo.
No entanto, após uma seleção mais criteriosa, foram
escolhidos 6 artigos que estavam mais alinhados com a proposta de
investigar a relação entre Geotecnologias, EJA e Ensino. Esses artigos
foram considerados mais relevantes e adequados para embasar a
pesquisa, fornecendo informações e abordagens pertinentes ao tema
proposto. Vale ressaltar que os artigos encontrados no Periódicos e
Athenas eram idênticos, sendo assim, foram considerados apenas uma
vez na seleção final.
163
Resultados e Discussões
O perfil do Aluno da EJA e papel do professor
O perfil diversificado dos alunos da Educação de Jovens e
Adultos (EJA) é um aspecto fundamental a ser considerado no
planejamento e na implementação de práticas pedagógicas adequadas
a essa realidade. Essa diversidade se manifesta não apenas em termos
de faixa etária, mas também em relação às bagagens culturais,
experiências de vida e motivações para retornar aos estudos. Portanto,
é necessário reconhecer a singularidade de cada aluno e adotar
abordagens inclusivas que atendam às suas necessidades específicas.
A Geografia, como disciplina, desempenha um papel
significativo na formação dos alunos da EJA. Souza (2021) ressalta
que o ensino dessa matéria permite a compreensão das dinâmicas
socioespaciais e o exercício da cidadania. Por meio do estudo da
Geografia, os alunos são capazes de refletir sobre o mundo em que
vivem, ampliar seus horizontes e participar de forma ativa na
sociedade. Dessa forma, a disciplina contribui para o
desenvolvimento de uma consciência crítica e de uma visão mais
ampla sobre o seu entorno.
Durante a pandemia de COVID-19, o trabalho docente na
EJA enfrentou desafios específicos. Silva e Sampaio (2021) discutem
a necessidade de adaptação das metodologias e recursos para o ensino
remoto nesse contexto. Os professores precisaram buscar alternativas
para manter o vínculo com os alunos, garantir a continuidade do
processo de ensino-aprendizagem e oferecer suporte emocional aos
estudantes. A atuação comprometida dos professores foi crucial para
superar os desafios e promover uma educação de qualidade mesmo
diante das adversidades.
164
No campo da aprendizagem cartográfica e noções espaciais, o
uso do Desenho Universal para a Aprendizagem (DUA) tem se
mostrado uma estratégia inclusiva e eficaz na EJA. Ribeiro (2023)
destaca a importância de adaptar os recursos e atividades de ensino às
necessidades individuais dos alunos. O DUA permite o acesso a
diferentes formas de representação espacial, facilitando a
compreensão e a construção do conhecimento geográfico. Essa
abordagem inclusiva promove a participação ativa dos alunos e
contribui para a superação de barreiras na aprendizagem.
Em síntese, a diversidade presente no perfil dos alunos da EJA
exige abordagens pedagógicas adequadas e inclusivas. O uso do DUA
na aprendizagem cartográfica e noções espaciais e o ensino de
Geografia se destacam como recursos relevantes para atender às
necessidades dos estudantes e promover uma educação significativa.
Além disso, o trabalho dos professores durante a pandemia de
COVID-19 ressaltou a importância da adaptação e do engajamento
ativo para garantir a continuidade do processo educacional e o
desenvolvimento dos alunos da EJA.
Metodologias ativas aplicadas ao ensino de Geografia na EJA
As metodologias ativas aplicadas ao ensino de Geografia na
Educação de Jovens e Adultos (EJA) têm se mostrado eficientes e
relevantes para promover a aprendizagem dos alunos. Durante a
pandemia de COVID-19, essas metodologias se tornaram ainda mais
importantes, pois os professores precisaram se adaptar rapidamente
ao ensino remoto e buscar estratégias que mantivessem os estudantes
engajados e participativos em suas aulas.
De acordo com Silva e Sampaio (2021), uma das maneiras de
engajar os alunos e estimular a compreensão da realidade espacial em
165
que vivem é por meio da utilização de tecnologias digitais, como o
Google Earth. Essas ferramentas permitem que os estudantes
explorem de forma interativa e imersiva o espaço geográfico,
visualizando mapas, imagens de satélite e outras informações
relevantes. Além disso, as metodologias ativas são enfatizadas como
forma de promover a participação ativa dos alunos em suas aulas,
incentivando a reflexão, a colaboração e o protagonismo na
construção do conhecimento.
Outro estudo realizado por Souza (2021) destaca a eficácia de
metodologias ativas específicas, como a sala de aula invertida e a
aprendizagem baseada em projetos, para o ensino de Geografia na
EJA. Essas abordagens incentivam os alunos a se tornarem
protagonistas de seu próprio aprendizado, desenvolvendo habilidades
de pesquisa, análise crítica e resolução de problemas. Além disso, ao
trabalhar em projetos geográficos que abordam questões reais e
contextualizadas, os estudantes têm a oportunidade de aplicar os
conhecimentos adquiridos em situações práticas, tornando o
aprendizado mais significativo.
No contexto da EJA, é fundamental considerar a diversidade
dos alunos e suas necessidades específicas. Ribeiro (2023) destaca o
uso do Desenho Universal para a Aprendizagem (DUA) no ensino de
Geografia para a EJA como uma estratégia inclusiva. O DUA busca
adaptar os recursos e atividades de ensino para atender às diferentes
formas de aprendizagem, interesses e habilidades dos alunos,
permitindo que todos tenham acesso e participação plena no processo
educativo.
A utilização de recursos didáticos diversificados também
desempenha um papel relevante no ensino de Geografia na EJA. Dias
(2021) ressalta a importância do livro didático como uma ferramenta
principal, mas destaca a necessidade de utilizar metodologias ativas
166
que despertem o interesse dos alunos e incentivem sua participação
ativa. Nesse sentido, o uso de mapas mentais, jogos educativos e
outras abordagens lúdicas pode ser explorado para tornar as aulas mais
dinâmicas e atrativas.
Além disso, Oliveira et al. (2022) apresentam um estudo que
destaca a importância da aplicação de metodologias ativas, como a
produção de mapas mentais e a realização de atividades em grupo, por
residentes de Geografia no ensino remoto da EJA. Essas práticas
pedagógicas promovem a interação entre os alunos, estimulam o
compartilhamento de ideias e contribuem para a melhoria do
processo de ensino-aprendizagem.
É importante ressaltar que as metodologias ativas no ensino
de Geografia para a EJA não se limitam apenas ao uso de recursos
tecnológicos ou de ferramentas digitais. Elas englobam uma
diversidade de estratégias e abordagens que buscam promover a
participação ativa dos alunos, estimular o pensamento crítico, a
reflexão e a construção coletiva do conhecimento.
Dessa forma, as metodologias ativas aplicadas ao ensino de
Geografia na EJA são fundamentais para engajar os alunos, promover
uma aprendizagem significativa e desenvolver habilidades geográficas.
O uso de tecnologias digitais, como o Google Earth, a adoção de
abordagens como a sala de aula invertida e a aprendizagem baseada
em projetos, a aplicação do Desenho Universal para a Aprendizagem
e a diversificação dos recursos didáticos são estratégias que
contribuem para um ensino mais efetivo e inclusivo na EJA.
Desenho Universal para a Aplicação
O Desenho Universal para a Aprendizagem é fundamentado
em três princípios: representação, ação e expressão. Esses princípios
167
propõem a utilização de múltiplas formas de representação dos
conteúdos, a promoção de atividades práticas e a diversificação das
formas de expressão dos alunos. De acordo com Silva e Sampaio
(2021), os professores de Geografia na EJA tiveram que se adaptar
rapidamente ao ensino remoto durante a pandemia de COVID-19, e
o uso de metodologias ativas, como o DUA, se mostrou eficiente para
engajar os alunos e estimular sua participação ativa.
Para aplicar o DUA no ensino de cartografia e noções
espaciais na EJA, propomos a seguinte sequência de atividades.
Preparação:
Apresentação do conceito de Desenho Universal para a
Aprendizagem e sua importância no ensino inclusivo.
Explicação da relevância da cartografia e das noções espaciais
no contexto geográfico e sua aplicação prática no cotidiano dos
alunos.
Exploração e compreensão do conteúdo:
Divisão da turma em grupos e distribuição de materiais
cartográficos, como mapas impressos, mapas digitais ou globos.
Análise dos materiais pelos grupos, identificando elementos
como legenda, escala, orientação e símbolos utilizados.
Estimulação da participação ativa dos alunos, por meio de
discussões e perguntas sobre suas percepções e conhecimentos
prévios relacionados aos conceitos de cartografia e noções
espaciais.
Atividade prática e aplicação dos conceitos:
Proposição de uma atividade prática em que os alunos utilizem
os recursos cartográficos para explorar e compreender diferentes
aspectos do espaço geográfico.
168
Estímulo à criação de mapas ou representações espaciais pelos
alunos, utilizando ferramentas digitais ou recursos mais
simples, como papel e lápis.
Trabalho individual ou em grupos, desenvolvendo projetos que
envolvam a identificação e marcação de locais relevantes,
traçado de rotas, análise de dados geográficos, entre outras
possibilidades.
Apresentação e reflexão:
Solicitação de que cada grupo ou aluno compartilhe seu mapa
ou representação espacial com a turma, explicando suas
escolhas e justificando as informações apresentadas.
Estímulo à troca de ideias e discussões entre os estudantes,
promovendo a reflexão sobre a importância da cartografia e das
noções espaciais na compreensão do mundo em que vivemos.
Incentivo à participação de todos os alunos, valorizando suas
contribuições e promovendo um ambiente de respeito e
inclusão.
Conclusão
A aplicação do Desenho Universal para a Aprendizagem
(DUA) no ensino de cartografia e noções espaciais para a Educação
de Jovens e Adultos (EJA) se mostra como uma abordagem inclusiva
e eficaz. Por meio da adaptação dos recursos e atividades de ensino, é
possível proporcionar um ambiente de aprendizagem que atenda às
diferentes necessidades e características dos alunos, promovendo o
engajamento, a participação ativa e a compreensão dos conceitos
geográficos. Ao utilizar o DUA, os professores podem contribuir para
169
a construção de conhecimentos significativos e a valorização da
diversidade presente na sala de aula da EJA.
Gamificação e possíveis aplicações
A gamificação é uma abordagem pedagógica que utiliza
elementos e dinâmicas de jogos para engajar os alunos no processo de
aprendizagem. No contexto da Educação de Jovens e Adultos (EJA),
a gamificação pode desempenhar um papel significativo no ensino de
Geografia, promovendo o interesse, a participação ativa e a
compreensão dos conteúdos geográficos. Nesta seção, discutiremos a
gamificação como estratégia no ensino de Geografia para a EJA,
apresentando possíveis aplicações com base nas referências já citadas.
Fundamentos da gamificação no contexto educacional
A gamificação consiste em aplicar elementos e mecânicas de
jogos em atividades educacionais, com o objetivo de estimular o
engajamento, a motivação e a aprendizagem dos alunos. Segundo
Silva e Sampaio (2021), a gamificação pode ser aplicada em diferentes
etapas do processo de ensino e aprendizagem, envolvendo desafios,
recompensas, rankings, narrativas e interações sociais. A abordagem
baseia-se na ideia de que os jogos podem proporcionar um ambiente
lúdico e motivador, que favorece a exploração, a experimentação e a
resolução de problemas.
Aplicações da gamificação no ensino de Geografia para a EJA
Gamificação no ensino de conceitos geográficos
170
Uma possível aplicação da gamificação no ensino de
Geografia para a EJA é a criação de jogos digitais ou de tabuleiro que
abordem conceitos geográficos relevantes. Souza (2021) destaca a
aprendizagem baseada em projetos como uma metodologia ativa
eficaz para o ensino de Geografia na EJA. Nesse sentido, os alunos
poderiam desenvolver jogos que envolvam a localização de lugares, a
identificação de elementos geográficos, a compreensão de fenômenos
espaciais, entre outros aspectos. A participação ativa dos alunos na
criação desses jogos contribuiria para uma aprendizagem mais
significativa e autônoma.
Gamificação no desenvolvimento de habilidades socioemocionais
A gamificação também pode ser aplicada para o
desenvolvimento de habilidades socioemocionais dos alunos da EJA.
Ribeiro (2023) destaca a importância do Desenho Universal para a
Aprendizagem (DUA) no ensino de Geografia para a EJA,
enfatizando a necessidade de adaptar os recursos e atividades de
ensino às diferentes necessidades dos alunos. Nesse contexto, os jogos
podem ser utilizados como uma ferramenta para estimular a
cooperação, a comunicação, a resolução de conflitos e o trabalho em
equipe. Além disso, a gamificação pode promover a autoconfiança, a
persistência e a superação de desafios, aspectos importantes no
processo de aprendizagem.
Gamificação para o engajamento dos alunos idosos
Godoi e Oliveira (2021) destacam a importância do ensino de
Geografia para a terceira idade e ressaltam que as metodologias ativas,
incluindo a gamificação, são eficazes para o engajamento e a
171
motivação dos alunos idosos. Nesse contexto, a gamificação pode ser
utilizada para criar atividades interativas e divertidas, que despertem
o interesse dos alunos idosos e promovam a participação ativa. Jogos
digitais, quizzes geográficos, desafios de resolução de problemas são
exemplos de estratégias gamificadas que podem ser aplicadas no
ensino de Geografia para a terceira idade
Concluindo, a gamificação emerge como uma estratégia
promissora no ensino de Geografia para a Educação de Jovens e
Adultos. A partir das referências citadas nesta seção, pudemos
perceber que a gamificação pode ser aplicada no ensino de conceitos
geográficos, no desenvolvimento de habilidades socioemocionais e no
engajamento dos alunos idosos. Essa abordagem promove a
participação ativa dos alunos, estimula a autonomia, a cooperação e o
interesse pelos conteúdos geográficos. No entanto, é importante
ressaltar a necessidade de adequar a gamificação às características e
necessidades específicas dos alunos da EJA, garantindo uma
abordagem inclusiva e significativa.
Possíveis dificuldades na aplicação
A aplicação das Geotecnologias no ensino de Geografia para
a Educação de Jovens e Adultos (EJA) pode enfrentar algumas
dificuldades, conforme analisado nas referências apresentadas.
O uso do livro didático como ferramenta principal no ensino
de Geografia, conforme discutido por Dias (2021), pode limitar a
incorporação das Geotecnologias. Os livros didáticos tradicionais
muitas vezes não contemplam o uso dessas tecnologias e podem
apresentar informações desatualizadas ou pouco contextualizadas.
Isso pode dificultar a introdução das Geotecnologias no ensino e a
exploração mais ampla dos dados espaciais pelos alunos.
172
Além disso, a aplicação das Geotecnologias na terceira idade,
como abordado por Godoi e Oliveira (2021), pode encontrar desafios
relacionados à falta de familiaridade e resistência ao uso de tecnologias
digitais por parte dessa faixa etária. A adaptação dos recursos
tecnológicos e a necessidade de fornecer suporte adequado aos alunos
mais velhos podem ser fatores que dificultam a aplicação efetiva das
Geotecnologias nesse contexto.
A transição para o ensino remoto, motivada pela pandemia de
COVID-19, também trouxe desafios para a aplicação das
Geotecnologias, conforme discutido por Oliveira et al. (2022) e Silva
e Sampaio (2021). O acesso limitado à internet, a falta de
equipamentos adequados e a dificuldade em adaptar as práticas
pedagógicas para o ambiente virtual podem ser obstáculos para a
utilização das Geotecnologias no ensino remoto.
A utilização do Desenho Universal para a Aprendizagem
(DUA), conforme apresentado por Ribeiro (2023), pode enfrentar
dificuldades na sua implementação, principalmente devido à falta de
conhecimento e capacitação dos professores em relação a essa
abordagem. O DUA requer uma adaptação curricular significativa e
a criação de recursos acessíveis a todos os alunos, o que pode
demandar tempo e recursos adicionais.
É importante destacar que as dificuldades mencionadas não
invalidam a importância das Geotecnologias no ensino de Geografia
para a EJA. No entanto, elas ressaltam a necessidade de enfrentar tais
desafios por meio de ações como a atualização dos materiais didáticos,
a capacitação dos professores, a disponibilização de recursos
tecnológicos adequados e o suporte contínuo aos alunos.
Em conclusão, embora as Geotecnologias ofereçam potenciais
benefícios para o ensino de Geografia na EJA, sua aplicação enfrenta
desafios como a limitação dos livros didáticos, a resistência ao uso de
173
tecnologias por parte da terceira idade, as dificuldades no ensino
remoto e a necessidade de implementação do DUA. Superar essas
dificuldades requer ações específicas e contínuas para promover a
adoção efetiva das Geotecnologias, visando aprimorar o processo de
ensino-aprendizagem nesse contexto.
Considerações Finais
A gamificação no ensino de Geografia para a Educação de
Jovens e Adultos (EJA) oferece uma abordagem inovadora e
envolvente para motivar e estimular o aprendizado dos alunos. Ao
incorporar elementos de jogos, essa abordagem torna o ensino mais
interativo, desafiador e divertido, o que pode aumentar o interesse e
a participação dos estudantes.
Ao aprofundar a gamificação no ensino de Geografia para a
EJA, é importante considerar algumas questões. Primeiramente, é
fundamental adaptar as estratégias e os recursos utilizados aos
interesses e às necessidades dos alunos adultos. Eles possuem
experiências de vida diversas e podem se beneficiar de atividades que
estejam relacionadas ao seu cotidiano e que os estimulem a refletir
sobre questões geográficas relevantes.
Além disso, é necessário selecionar cuidadosamente os
elementos de jogos a serem incorporados, de modo a garantir que eles
estejam alinhados aos objetivos de aprendizagem e que promovam a
compreensão dos conceitos geográficos. Os jogos devem ser
projetados de forma a incentivar a exploração, a tomada de decisões,
a resolução de problemas e o trabalho em equipe, para que os alunos
possam desenvolver habilidades cognitivas e sociais importantes.
Também é importante considerar a utilização de diferentes
tipos de jogos, como jogos digitais, jogos de tabuleiro e jogos
174
analógicos, para oferecer variedade e atender às preferências
individuais dos alunos. Isso proporcionará uma experiência de
aprendizado mais rica e diversificada.
Por fim, é fundamental avaliar constantemente os resultados
da gamificação no ensino de Geografia para a EJA. Monitorar o
progresso dos alunos, observar seu engajamento e compreender como
os jogos estão contribuindo para a aquisição de conhecimentos
geográficos são aspectos importantes para garantir a eficácia dessa
abordagem.
Concluindo, a gamificação no ensino de Geografia para a EJA
pode ser uma estratégia eficaz para motivar e engajar os alunos
adultos, tornando o aprendizado mais significativo e prazeroso. Com
o uso adequado dos elementos de jogos e a adaptação às características
da EJA, é possível proporcionar uma experiência de aprendizado
estimulante, que contribua para o desenvolvimento de competências
geográficas e para a formação cidadã dos estudantes.
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principal ferramenta no ensino de geografia da Educação de Jovens e
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TRANSDISCIPLINARIDADE, SUJEITO GLOBAL E
DIVERSIDADE CULTURAL: IMPLICAÇÕES PARA A
ORGANIZAÇÃO DE PROGRAMAS DE ENSINO NA EJA
José Carlos Miguel
25
Camila Aparecida da Silva
26
Priscila Caroline Miguel
27
Introdução
Na análise dos indicadores de avaliação dos sistemas de ensino
básico no contexto brasileiro destacam-se, entre outros
determinantes, as críticas a uma tendência de ensino a pouco
considerar as vivências culturais dos sujeitos de aprendizagem.
Nesse movimento, a escola tradicional tende a excluir pessoas
que não se adaptam a uma perspectiva homogeneizante de aprender
e se comportar. Excluídos do processo educativo tradicional, esses
sujeitos acorrem à educação de jovens e adultos, EJA, como
possibilidade de apropriação dos conhecimentos construídos ao longo
25 Livre-Docente em Educação Matemática. Professor Associado III vinculado ao Departa-
mento de Didática e ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de Filosofia
e Ciências, UNESP, Câmpus de Marília.
26 Doutoranda em Educação pela Faculdade de Filosofia e Ciências, UNESP, Câmpus de
Marília. Coordenadora Pedagógica da Rede Sesi São Paulo.
27 Doutoranda em Educação pela Faculdade de Filosofia e Ciências, UNESP, Câmpus de
Marília. Bolsista do Programa CAPES/PROEX/UNESP.
178
da história e com isso, avançando no processo de busca de melhoria
de condições de vida e de humanização.
Assim, particularmente no caso da educação de jovens e
adultos, a perspectiva freireana de educação dialógica aponta para
uma visão crítica acerca das estruturas sociais e o envolvimento ativo
em uma prática escolar preocupada com a emancipação dos
educandos de modo a envolvê-los em processo de reconhecimento
como sujeitos históricos.
Tal movimento didático-pedagógico impõe o contraponto a
uma cultura escolar baseada em abordagem arbitrária de conceitos e
princípios, distanciada de um processo de aprendizagem que
possibilite não somente compreender fundamentos científicos
elementares, mas conceber instrumentos e linguagens fundamentais
para a compreensão de questões sociais, políticas, econômicas,
artísticas, culturais e tecnológicas a marcar a sociedade
contemporânea. O tradicionalismo que ainda impera, parece
desconsiderar o educando de forma integral, ou seja, além de um
sujeito cognoscente, temos um sujeito biológico, psicológico, social,
cultural e político.
Inicialmente, destaque-se a condição do homem como um ser
inconcluso porquanto se constitui como humano ao longo de sua
existência social e histórica. A sociedade molda, influencia, configura
e determina todas as vivências e experiências individuais dos sujeitos
pela transmissão ou socialização, ainda que parcial, dos
conhecimentos adquiridos no passado do coletivo social do qual
fazem parte e, ao mesmo tempo, recolhendo as contribuições que a
capacidade criadora de cada indivíduo coloca à disposição de sua
comunidade. Ou seja, a sociedade cria o homem para si e o homem
se humaniza pelo processo educativo, fato esse que extrapola os muros
da escola. No entanto, a escola não consegue atender bem as
179
necessidades desses sujeitos, não se adequa a suas demandas de
aprendizagem, articulando os conhecimentos escolares aos
conhecimentos obtidos fora da escola.
Assim, estudos como os de Brandão (1986) podem conduzir
ao pensamento segundo o qual toda a epistemologia de uma ciência,
no sentido de se indagar sobre a origem do conhecimento, representa
uma análise de suas condições sociais de exercício, de suas interfaces
com o universo político do saber e dos usos dados ao próprio
conhecimento que professa. Sob o ponto de vista do autor, as ideias,
os modos de saber e de pensar, os modos de vida, enfim, refletem mais
do que relações de classes nos arranjos sociais, a força do sentido que
há neles, transformando os atos de conhecer em formas de poder.
Dessa forma, a temática de transformação da cultura escolar
coloca em contraponto duas concepções de organização dos
programas de ensino.
A primeira concepção, uma visão internalista, tenta organizar
a difusão do conhecimento científico sob a imagem e semelhança da
forma como o cientista lida com o seu objeto de trabalho: levanta uma
hipótese científica, analisa as premissas que a envolvem como
verdadeiras ou falsas, procede à demonstração e enuncia, por
procedimento dedutivo, uma tese ou corolário. É, na acepção rigorosa
do procedimento, a definição formal do modelo hipotético-dedutivo,
por certo, apresentada na escola de forma bastante desfigurada, pela
apresentação aligeirada dos fundamentos envolvidos.
Entretanto, na escola, de forma geral, esse modo internalista
de organização da ciência é tomado, equivocadamente como
metodologia de ensino, quando na realidade configura uma
metodologia de ciência, fenômeno mais evidenciado nas ciências
exatas e nas ciências naturais, mas a perpassar todo o procedimento
180
didático, marcando, de modo inexorável, as formas de difusão do
saber em todas as áreas de conhecimento.
Buscar a superação da fragmentação dos processos de
produção e difusão do conhecimento científico posta no contexto de
uma abordagem epistemológica claramente situada no âmbito de
relativo desvirtuamento do pensamento positivista implica em
reconhecer a historicidade como elemento fundamental para melhor
compreensão da relação entre a realidade e o objeto do conhecimento,
ou seja, entre o todo e as partes que o compõem, conforme Goldmann
(1979).
Segundo esse modo de pensar, baseado no materialismo
histórico-dialético, somente a historicidade, um referencial comum a
todas as áreas do conhecimento, poderia garantir a unidade das
ciências, resolvendo o problema da fragmentação, ainda a persistir na
abordagem interdisciplinar, tomada como uma perspectiva de
abordagem neopositivista. Além disso, no caso da EJA, mais do que
pensar as interfaces entre as disciplinas, trata-se de pensar uma
abordagem a consolidar uma perspectiva curricular de matriz
externalista, considerando a transversalidade concretizada por um
tema comum, envolvendo as vivências culturais dos sujeitos, a
evolução histórica das ideias científicas e o enredamento entre elas,
via problematização da realidade.
Fica difícil pensar uma Educação equitativa e igualitária
quando não se é considerado o contexto que os sujeitos estão
inseridos, quando a cultura arraigada destes é formatada por um ideal
de Educação que não atende às perspectivas do grupo, quando quem
pensa e articula as propostas pedagógicas para tal, impõe um
programa de ensino sem consultar, sem construir juntos, sem se
importar que a aprendizagem seja de fato significativa.
181
Assim, tomando como exemplo a discussão relevante e atual
sobre educação financeira, mais do que ensinar formas de melhor
utilização de recursos pelos sujeitos explorando conteúdos de
Matemática Financeira, trata-se de debater as causas e consequências
da crise econômica atual, com vistas à tomada de consciência sobre a
realidade. Se não for assim, tal como no discurso do
empreendedorismo, as amarras do pensamento ultraconservador,
travestido de pensamento neoliberal, cria as condições necessárias
para a culpabilização das vítimas. Pensar o sujeito global na atual
realidade educacional brasileira impõe a compreensão das
singularidades e a diversidade dos sujeitos.
Não queremos dizer que a educação financeira não seja
relevante, essa é uma questão atual, mas que foi pensada há anos em
outra perspectiva que vai ao encontro de um debate trazido por
Gadotti (2003) quando fez uma reflexão sobre a fala do educador
Paulo Freire, no Simpósio Internacional para a Alfabetização, em
setembro de 1935 no Irã. Pensando em um processo de alfabetização,
por exemplo, não faz sentido conduzir os sujeitos à repetição de frases
descontextualizadas. Para Freire isso não condizia com as necessidades
reais dos educandos posto que “Não basta saber ler mecanicamente
que “Eva viu a uva. É necessário compreender qual a posição que
Eva ocupa no seu contexto social, quem trabalha para produzir uvas,
e quem lucra com esse trabalho” (GADOTTI, 2003, p. 255).
Com esse olhar, neste texto, nos propomos a debater o
conceito de transdisciplinaridade, as consequências para a organização
dos programas de ensino na EJA e as implicações didático-
pedagógicas dessa abordagem em contraponto com a cultura escolar
tradicionalmente fundada na especialidade disciplinar.
Valemo-nos de pesquisa bibliográfica sobre a temática e de
análise documental, tendo como pressuposto que é a aprendizagem
182
que orienta o desenvolvimento intelectual, no contexto da mediação
pedagógica dialógica de Freire (2009), da teoria histórico-cultural de
Vygotsky (1991; 2001) e de seguidores como Libâneo (2004), bem
como nos pressupostos teóricos da perspectiva de educação
desenvolvimental decorrente do pensamento de Davidov (2019).
Desenvolvimento do Tema
Neste tópico, discorremos sobre o conceito de
transdisciplinaridade, com base nas relações entre ciência, tecnologia
e sociedade, bem como analisamos as implicações didático-
pedagógicas decorrentes dessa abordagem e as consequências para a
organização dos programas de ensino na educação de jovens e adultos.
Transdisciplinaridade: elementos conceituais
É fato que o homem não aprende apenas na escola, sendo que
por sua capacidade intelectual, é sujeito livre e criador de cultura, de
modo que as criações que produz, as inovações técnicas, as
construções artísticas ou as formulações científicas, bem como todas
as ideias que engendra podem ser incorporadas à cultura geral do
grupo ao qual pertence e socializadas com outros indivíduos ou
gerações que não as descobriram. É o movimento dialético filogênese-
ontogênese no contexto do referencial teórico de Vygotsky (1991;
2001).
Essas criações, descobertas e inovações se tornam parte da
educação desses sujeitos sociais, de modo que o conhecimento e a
cultura se desenvolvem transformando a sociedade, e se
transformando, em processos expansivos e dialéticos. Por isso, de
modo efetivo,
183
O progresso científico e tecnológico que não responde
fundamentalmente aos interesses humanos, às necessidades de
nossa existência, perdem, para mim, sua significação. A todo
avanço tecnológico haveria de corresponder o empenho real de
resposta imediata a qualquer desafio que pusesse em risco a
alegria de viver dos homens e das mulheres. A um avanço
tecnológico que ameaça a milhares de mulheres e de homens de
perder seu trabalho deveria corresponder outro avanço
tecnológico que estivesse a serviço do atendimento das vítimas
do progresso anterior (FREIRE, 2009, p. 130).
Estudos como os de Freire (2009), D’Ambrosio (2006) e
Santos (2019) discutem o processo de produção e difusão da ciência
e da tecnologia no sentido da pertinência social e política, definindo
as suas bases no contexto de um processo histórico-social de formação
da sociedade global, a se consolidar tanto pela integração e pela
homogeneização quanto por tensões, desigualdades, diferenciações e
exclusões.
No contexto desses estudos, é possível pensar a urgência de
uma educação transformadora a se integrar aos movimentos sociais,
culturais e políticos a se insurgirem contra o quadro de dominação e
desigualdade social, atuando no sentido de formação das mediações
materiais com vistas à regulação consciente típica do processo de
desenvolvimento omnilateral dos sujeitos históricos. É preciso avançar
o debate a partir do paradigma segundo o qual a escola é reprodutora
de desigualdades sociais. Para Arroyo (1997, p. 13-14), o sistema
escolar está estruturado de forma que exclui, materializando uma
cultura em relação ao fracasso que “por sua força e persistência desafia
os esforços dos educadores, mesmo os mais progressistas”. Avançar
dessa etapa exige buscar a transformação da cultura escolar vigente
para uma educação abrangente a considerar os conhecimentos
184
produzidos para além dos seus muros e dos limites disciplinares a
partir dos quais se organiza. Mas não se trata de desvalorizar o
conhecimento científico, nem de desconsiderar elementos centrais da
organicidade disciplinar necessária à compreensão da forma como os
conceitos científicos evoluem.
Uma abordagem dos programas de ensino em dimensão
transdisciplinar haverá de questionar, de forma inexorável, a origem
do conhecimento, sua natureza transcultural, firmando
epistemologias voltadas à produção e à validação de conhecimentos
situados no contexto das experiências de resistência de todos os
grupos sociais:
Trata-se antes de identificar e valorizar aquilo que muitas vezes
nem sequer figura como conhecimento à luz das epistemologias
dominantes, a dimensão cognitiva das lutas de resistência contra
a opressão e contra o conhecimento que legitima essa mesma
opreso. Muitas dessas formas de conhecimento não
configuram conhecimentos pensados com atividade autônoma,
e sim gerados e vividos em práticas sociais concretas (SANTOS,
2019, p. 18).
Por que essa discussão é necessária? Exatamente porque
quando se pensa em transdisciplinaridade coloca-se como condição
sine qua non a ideia de superação da noção de disciplina, a qual se
caracteriza, em geral, pela apropriação de conhecimento como algo
fechado em si mesmo, a se consolidar como práticas de
departamentalização do saber em compartimentos estanques, as
diferentes matérias escolares.
No movimento histórico e dialético parte-se do pressuposto
de que tal fragmentação disciplinar, com isolamento das demais
disciplinas, implica também em fragmentação das vivências, das
185
posturas, das mentalidades e das consciências, conduzindo à
incompletude da compreensão do ser, da ciência, da cultura, da vida,
no mais amplo sentido das inter-relações e práticas sociais.
Entendemos que a verdadeira transdisciplinaridade, tem por
finalidade possibilitar uma compreensão de mundo, a partir da
concepção do indivíduo como sujeito integral.
D’Ambrosio (2006) é enfático ao considerar como um dos
principais efeitos da sociedade globalizada a tendência a eliminar as
diferenças, buscando promover uma cultura planetária
homogeneizada, a resultar na progressiva eliminação de componentes
culturais no processo de definição dos programas de ensino. Segundo
seu modo de pensar,
A adoção de uma nova postura educacional é, na verdade, a busca
de um novo paradigma de educação que substitua o já desgastado
ensino-aprendizagem, que é baseado numa relação obsoleta de
causa-efeito. Procura-se uma educação que estimule o
desenvolvimento de criatividade desinibida, conduzindo a novas
formas de relações interculturais. Essas relações caracterizam a
educação de massa e proporcionam o espaço adequado para
preservar a diversidade e eliminar a desigualdade, dando origem
a uma nova forma de organização da sociedade (D’AMBROSIO,
2006, p. 118).
Desse modo, a transdisciplinaridade envolve princípio básico
segundo o qual, no caso da educação em geral, mas particularmente
na EJA, deve ocorrer uma coordenação de todas as disciplinas do
sistema de ensino, sustentada sobre uma axiomática de natureza, ao
mesmo tempo, geral, ética, política e antropológica. Isso porque,
conforme já indicado, a realidade envolve uma totalidade social
diversa, abrangente, complexa, contraditória, heterogênea e desigual.
186
Esse é o horizonte no qual se desenvolvem a interdependência, a
integração e a dinamização, bem como as desigualdades, as tensões e
os antagonismos característicos da sociedade global ou mundial.
Como consequência, embora a interdisciplinaridade represente uma
possível relação dialógica entre as disciplinas, a rigor, se mantém
estruturada em claro contexto de natureza disciplinar.
Por sua própria base conceitual, a transdisciplinaridade tem
como horizonte a inexistência de fronteiras rígidas entre as disciplinas,
impondo-se a consideração de outras fontes e níveis de conhecimento.
O que não deve ser compreendido como mera extinção das
disciplinas, mas uma profunda modificação no espaço-tempo
educativo haja vista que não é um processo único, mas uma mistura
complexa de processos, atuando, por vezes, de modo contraditório,
produzindo conflitos, disjunções e novas formas de organização do
trabalho pedagógico, os quais incidem não apenas sobre os sistemas
educacionais em grande escala, mas também sobre contextos locais e
de grupos socioculturais situados em âmbitos absolutamente
distintos.
Uma perspectiva transdisciplinar na EJA funda-se, portanto,
em questionamentos de natureza epistemológica, de indagações sobre
as formas de constituição e apropriação do conhecimento. Opõe-se,
então, no caso da educação, a concepção de conhecimento como
“coisa em construção” à concepção de conhecimento como “coisa
pronta”, a ser meramente reproduzida.
Daí, a concepção de aprendizagem como orientadora do
desenvolvimento da pessoa humana tem claro que a postura
positivista de enfatizar a descrição, os fatos em si mesmos e ideias
preestabelecidas configura uma dificuldade evidente para as Ciências
Humanas, para a Educação, em particular, porquanto o seu objeto
não é tão observável quanto nas ditas Ciências Naturais. É exatamente
187
por conta da fragmentação do saber que surge o especialista e com ele
as disciplinas. Tal situação progressivamente consolida elementos de
análise no sentido de Santos (2010, p. 18-19):
A pluralidade epistemológica do mundo e, com ela, o
reconhecimento de conhecimentos rivais dotados de critérios
diferentes de validade tornam visíveis e credíveis espectros muito
mais amplos de ações e de agentes sociais. Tal pluralidade não
implica o relativismo epistemológico ou cultural, mas certamente
obriga a análise e avaliações mais complexas dos diferentes tipos
de interpretação e de intervenção no mundo produzidos pelos
diferentes tipos de conhecimento. O reconhecimento da
diversidade epistemológica tem hoje lugar, tanto no interior da
ciência (a pluralidade interna da ciência), como na relação entre
ciência e outros conhecimentos (a pluralidade externa da
ciência).
Estas marcas distintivas das ciências impõem a necessidade de
processos socioculturais de integração entre as áreas na metodologia
de difusão do conhecimento, um conhecimento sem fronteiras e que
se constitui do que é amplo e geral para o que é particular e específico.
Trata-se, no âmbito da EJA, de pensar a produção de conhecimento
e a aprendizagem de todos ao longo da vida, como uma articulação
de fatores essenciais na transformação educativa requerida pelas
mudanças de natureza global.
E como tem sido na cultura escolar marcada pela tendência
positivista? Dizemos tendência porquanto a marca de levantamento
de hipóteses, demonstrações e conclusões aparece nesses processos,
em geral, como um modelo caricato, raramente compreendido pelos
estudantes, principalmente na educação básica. Na prática, se
reproduz um modelo de ensino sustentado em um paradigma
técnico-linear, caracterizado pela instrumentalização para o mercado
188
de trabalho. Observa-se um movimento didático a evoluir da
especificidade do conteúdo para a busca de compreensão da realidade
em sentido amplo.
Apesar dos esforços, a serem reconhecidos em algumas
tentativas de reorganização curricular, dissemina-se uma prática de
ensino a qual, no intento de reprodução do modelo hipotético-
dedutivo, repetimos, equivocadamente tomado como metodologia de
ensino, sobressalta a dualidade entre objetividade e subjetividade e
entre natureza e sociedade, destacando-se como conduta pedagógica
a valorizar um modo disjuntivo de pensar, consequência evidente da
revolução científica de base racionalista, cuja consolidação
hegemônica se inicia no século XVII, mas ainda predomina em nossos
dias.
Nessa conduta, a rigor, legitima-se, sob o manto da
neutralidade, certa desconsideração de práticas sociais e culturais ricas
em significação, trazidas para o ambiente escolar, a se sustentar no
fetichismo dos programas de ensino a cumprir:
[...] a racionalidade científico-tecnológica, o interesse em
dominar e governar o mundo físico, a aplicação da lógica
econômica, não podem, por si só, governar o mundo, dotar
nossas vidas de sentido, consolidar relações harmoniosas e
preencher nossas aspirações de conhecer e de ser (SACRISTÁN,
2012, p. 53).
Por isso, uma mudança de paradigma na organização dos
programas de ensino nos conduz a pensar que o papel principal da
escolarização seja contribuir para que os educandos vislumbrem, com
base no conhecimento da ciência e na cultura, formas de desvelar as
motivações das situações de vida, organizando perspectivas de
superação pela inserção crítica em ações coletivas transformadoras.
189
Impõe-se, então, avançar da atual centralidade da dimensão humana
do trabalho para as centralidades da linguagem como consenso e
linguagem como poder na constituição dos programas de ensino da
EJA.
Esse movimento dialético entre teoria e prática exige
compreender a educação escolar como imprescindível, ou seja, como
dimensão de um conjunto de práticas intrinsecamente articuladas
com as demais práticas sociais e culturais, a se completar na relação
dialógica com a sociedade.
Uma perspectiva de abordagem transdisciplinar tem como
marca distintiva um ambiente de ensino-aprendizagem mediado
pelos objetos de conhecimento, nos quais o processo dinâmico a
envolver a realidade é problematizado e analisado, à luz do
pensamento científico organizado, mas delimitado pelas
intencionalidades. Deve configurar um ambiente pedagógico e um
conjunto de situações a estimular a busca, a descoberta, o
desenvolvimento da criatividade, propiciando aos educandos a
produção de sentidos de aprendizagem e de negociação de
significados da ciência com base na dialogicidade.
A rigor, pensar a formação de cidadãos democráticos,
docentes e discentes, com base no ensino de direitos humanos, no
estímulo à participação social ativa e crítica, à busca de solução
pacífica para eventuais conflitos e à superação de preconceitos
culturais e da discriminação mediante uma educação a considerar a
articulação entre as diversas dimensões das diferentes culturas.
Efetivamente, a atual cultura escolar carece de mudança
significativa se pensarmos as transmutações abruptas nos modos de
produção capitalista, observando-se no plano político-econômico a
progressiva incorporação do conhecimento científico e tecnológico à
produção industrial, processo no qual se destacam os efeitos da
190
energia nuclear, da energia fotovoltaica como alternativa para a
energia elétrica, da revolução da microeletrônica e das novas
tecnologias das comunicações, impulsionadas pela tecnologia da fibra
óptica.
Uma cultura escolar situada nos limites das especificidades das
disciplinas não é capaz de responder satisfatoriamente a essas
demandas, as quais exigem uma perspectiva de prática docente
contextualizada, um espaço-tempo no qual professores e estudantes
se relacionam, socializam vivências e representações da realidade,
mediatizados por objetos de conhecimento.
Um ambiente positivo de ensino-aprendizagem implica
compartilhamento de um espaço-tempo com sujeitos postos em
diferentes situações e condições de vida, se relacionando em contextos
diversos e trazendo consigo experiências ímpares. No ambiente de
produção de conhecimento científico e no principal espaço de sua
difusão, a sala de aula, articulam-se formas de pensar e agir no mundo
carregadas de dimensionalidade afetiva, cognitiva, histórica, política,
linguística, social, cultural, entre outras, transversalizadas por objetos
de conhecimento.
Desse modo, contribuir para a transformação da cultura
escolar exige dos processos formativos a consideração da noção de
transdisciplinaridade como um constructo teórico-prático que se situa
simultaneamente entre as disciplinas, através das disciplinas e para
além de qualquer disciplina. Trata-se de movimento histórico-
dialético a perpassar todas as áreas de conhecimento, mas a exigir a
compreensão de que romper com as fronteiras disciplinares não deve
significar a mera supressão ou extinção das disciplinas, dadas as
particularidades de cada uma delas. No entanto, há que se cuidar
pedagogicamente para que as dimensões do processo de difusão de
conhecimento, antes mencionadas, sejam observadas.
191
Para uma abordagem dos programas de ensino em contexto
transdisciplinar, não basta a integração entre os conteúdos; impõe-se
uma nova atitude na sua organização, além de permanente atitude de
busca, envolvimento de docentes e discentes, compromisso com a
mudança e uma postura no processo de ensino-aprendizagem
marcada pela descoberta; enfim, um processo de ensino e de
aprendizagem pela pesquisa.
Tomemos, a título de exemplificação do que se afirma, os
limites e possibilidades de interfaces da Matemática com outras áreas.
Em uma disciplina como História, situações didáticas envolvendo a
Geometria Métrica podem e devem suscitar nos alunos interesse em
pesquisar sobre as pirâmides do Egito, sobre os contextos históricos a
exigir a necessidade de desenvolvimento dos teoremas de Tales ou
Pitágoras ou qual a contribuição desses pensadores para o
desenvolvimento do pensamento humano. Em uma disciplina como
Física, discussões sobre deslocamento, velocidade, eletricidade, etc.,
sempre suscitam interfaces necessárias com a Matemática e outras
áreas de conhecimento. Indicamos, com isso, que as disciplinas devem
se manter, mas a apropriação de determinados conceitos sempre
extrapola os seus limites de constituição disciplinar.
Igualmente, as aulas de Língua Portuguesa podem explorar
textos em ambientes envoltos em ideias matemáticas, tratando essa
ciência como componente de alfabetização e letramento. A matriz do
PISA (2012), citado em Brasil (2020), por exemplo, considera que o
[...] letramento matemático é a capacidade individual de
formular, empregar e interpretar a matemática em uma variedade
de contextos. Isso inclui raciocinar matematicamente e utilizar
conceitos, procedimentos, fatos e ferramentas matemáticas para
descrever, explicar e predizer fenômenos. Isso auxilia os
indivíduos a reconhecer o papel que a matemática exerce no
192
mundo e para que cidadãos construtivos, engajados e reflexivos
possam fazer julgamentos bem fundamentados e tomar decisões
necessárias (BRASIL, 2020, p. 101).
Assim, uma aula de Matemática Financeira, para além de suas
formulações específicas, absolutamente necessárias, pode se articular
com a Estatística, com a pesquisa e outras formas de análise de
problemas de outras áreas do conhecimento à medida que aborde
dados da realidade social e política tais como verificar o impacto no
orçamento doméstico relativo à variação do preço da cesta básica a
partir de março de 2020 face a salários congelados ou reduzidos no
período de dois anos; ou da variação do preço da carne ou dos
combustíveis nos últimos anos; ou, ainda, mostrar que para além das
influências decorrentes da pandemia da COVID-19, há componentes
desse quadro econômico-social catastrófico decorrentes da política
cambial adotada, atrelando os preços à variação do dólar americano.
Ou, ainda, a alta absurda dos preços dos combustíveis a influenciar
toda a política de preços no contexto brasileiro atual.
Mudar esse quadro depende muito mais de políticas de
Estado do que de políticas de governo, é fato, mas, para ser processo
duradouro, depende ainda mais da garantia de criação de uma cultura
de questionamento nos espaços educativos e culturais, tomada como
perspectiva de desenvolvimento intelectual e moral dos sujeitos da
EJA. Implica pensar que não se aprende apenas no espaço escolar, mas
também nos espaços de educação não formal como os museus, os
centros culturais, os centros de divulgação científica e outras
instâncias formativas.
Essa conduta pedagógica permitirá discutir conceitos
relevantes para advento da sempre propalada, e pouco consolidada,
formação geral para o exercício efetivo da cidadania (BRASIL, 1998;
193
2017), pouco conhecidos da maioria das pessoas, cidadãos comuns,
como o de estagflação, ou seja, inflação alta com economia estagnada,
a ampliar de forma significativa a desigualdade social mediante
mecanismos explícitos de concentração de renda. Por isso, a defesa da
ideia segundo a qual um processo de transdisciplinaridade não
implica, necessariamente, na supressão das disciplinas, mas de, a
partir de suas especificidades, estabelecer relação dialógica com as
outras áreas de conhecimento, com a sociedade, com os dados e
situações da realidade imediata, pensando a construção de pontes
entre diferentes conhecimentos com vistas à efetiva transformação
social:
As pesquisas de Davydov tiveram origem na análise crítica da
organização do ensino assentada na concepção tradicional de
aprendizagem, que leva à formação do pensamento empírico,
descritivo e classificatório. Segundo ele, conhecimento que se
adquire por métodos transmissivos e de memorização não se
converte em ferramenta para lidar com a diversidade de
fenômenos e situações que ocorrem na vida prática. Um ensino
mais vivo e eficaz para a formação da personalidade deve basear-
se no desenvolvimento do pensamento teórico. Trata-se de um
processo pelo qual se revela a essência e o desenvolvimento dos
objetos de conhecimento e, com isso, a aquisição de métodos e
estratégias cognitivas gerais de cada ciência, em função de
analisar e resolver problemas e situações concretas da vida
prática. O pensamento teórico se forma pelo domínio dos
procedimentos teóricos do pensamento, que, pelo seu caráter
generalizador, permite sua aplicação em vários âmbitos da
aprendizagem (LIBÂNEO, 2004, p. 16).
O conjunto das formulações até aqui apresentadas permitem
indicar que o homem, educado pela sociedade, pode transformar, ou
não, essa mesma sociedade, como resultante da própria educação que
194
dela tem recebido. Nisso consiste o progresso social, no processo de
autogeração da cultura.
Desse modo, a sociedade desempenha um papel de mediação
entre os homens no processo de criação e transmissão da cultura, no
qual consiste a educação. Então, a transmissão dos bens culturais pela
educação, via mediação dialética da sociedade, se consolida pelo
trabalho concreto dos homens, mas não é uma relação mecânica, o
que explica o fato de que o saber não se comunica inalterado de um
indivíduo a outro.
Pelo contrário, na transmissão do legado cultural, do sujeito
que ensina ao sujeito que aprende, a bem dizer, dos sujeitos que
aprendem entre si, o saber transforma-se pela própria ordem e
validade das relações sociais e culturais estabelecidas, definindo a
qualidade social do processo de apropriação de conhecimento
estabelecido. Daí, o ato de educar, de transmitir cultura, define-se
pelo tipo de sujeito e pelo tipo de sociedade que se quer formar:
Desde a sua geração, o sistema de conhecimentos é resultante do
contexto natural, social e cultural. Mudando o ambiente natural,
social e cultural, o sistema de conhecimentos será outro. Assim
as culturas diferenciam-se pelos seus sistemas de conhecimento.
Mas as culturas se encontram, como a história nos mostra.
Particularmente, nos dias atuais. E, no encontro, há uma
influência mútua entre os sistemas de conhecimento. Pela
exposição mútua, as culturas se modificam. Esse é o processo
denominado dinâmica cultural dos encontros. Um exemplo
dessa dinâmica é a aprendizagem, que resulta do encontro da
cultura dos adultos, sintetizadas nos professores, com a cultura
dos jovens, que são os alunos. Os sistemas educacionais
promovem o encontro dessas culturas (D’AMBROSIO, 2004, p.
34).
195
Transcender as fronteiras das ciências, construindo pontes
entre diferentes conhecimentos, como desafia, de forma apropriada e
perspicaz, o autor, nos impõe considerar o compromisso com o
desenvolvimento e difusão da ciência e da tecnologia de modo a
permitir aos sujeitos de aprendizagens as capacidades de raciocinar
criticamente, ampliando as representações semióticas do conheci-
mento sistematizado, se apropriando de ferramentas para
comunicação e argumentação científicas, com vistas ao desenvolvi-
mento de conjecturas, capacidade de formulação, interpretação e
resolução de problemas, em contextos diferenciados, com base na
ciência.
É nossa convicção que somente no contexto de uma
abordagem transdisciplinar, repensando os programas de todo o
sistema de ensino, se possibilitará a um estudante do segundo
segmento do ensino fundamental compreender as relações
matemáticas envolvidas no cálculo do comprimento da circunferência
máxima e do raio da Terra, demonstradas por Eratóstenes no terceiro
século antes de Cristo, indicando matematicamente a esfericidade do
planeta. Na forma de organização escolar tradicional, embora os
alunos estudem o Teorema de Tales, por exemplo, raramente sabem
aplicá-lo com competência para resolver problemas.
Isso nos parece fundamental ao menos por três motivos: o
primeiro, por facultar aos alunos a oportunidade de saber como
calcular medidas inacessíveis relacionadas com o planeta em que
vivem; o segundo, por permitir a eles uma síntese significativa de
conhecimentos quiçá apreendidos na educação básica sobre
paralelismo, perpendicularismo e transversalidade de uma reta a
cortar duas paralelas; e, por fim, reconhecerem relações existentes
entre a Matemática e outras áreas do conhecimento como a Geografia
196
e a Astronomia, criando condições para aceitar ou não, de forma
crítica, a esfericidade da terra.
É sobre a ignorância da ciência, ou sobre a difusão do
conhecimento em perspectiva técnico-linear, sob a suposta
valorização da categoria trabalho como mobilizadora das demandas
de aprendizagem, apresentada de forma aligeirada e pouco
significativa para as pessoas, que se solidificam crendices e atitudes
obscurantistas e de negação da ciência, com vistas à ocultação da
realidade vivida. A ciência e a educação devem estar postas a serviço
da dignificação da condição humana. Mais que os aportes prático-
utilitários do conhecimento sistematizado, uma apropriação
significativa das ideias científicas possibilitará o incremento do
desenvolvimento intelectual.
Libâneo (2004) apoia-se no constructo teórico davidoviano,
delineando a partir de teses da teoria histórico-cultural vigotskiana, as
ideias relativas à perspectiva de aprendizagem desenvolvimental com
base nas seguintes teses:
a) A educação e o ensino são fatores determinantes do
desenvolvimento mental, inclusive por poder ir adiante do
desenvolvimento real da criança.
b) Devem-se levar em consideração as origens sociais do processo
de desenvolvimento, ou seja, o desenvolvimento individual
depende do desenvolvimento do coletivo. A atividade cognitiva
é inseparável do meio cultural, tendo lugar em um sistema
interpessoal de forma que, através das interações com esse meio,
os alunos aprendem os instrumentos cognitivos e comunicativos
de sua cultura. Isto caracteriza o processo de internalização das
funções mentais.
c) A educação é componente da atividade humana orientada para
o desenvolvimento do pensamento através da atividade de
aprendizagem dos alunos (formação de conceitos teóricos,
197
generalização, análise, síntese, raciocínio teórico, pensamento
lógico), desde a escola elementar.
d) A referência básica do processo de ensino são os objetos
científicos (os conteúdos), que precisam ser apropriados pelos
alunos mediante a descoberta de um princípio interno do objeto
e, daí, reconstruído sob forma de conceito teórico na atividade
conjunta entre professor e alunos. A interação sujeito-objeto
implica o uso de mediações simbólicas (sistemas, esquemas,
mapas, modelos, isto é, signos, em sentido amplo) encontradas
na cultura e na ciência. A reconstrução e reestruturação do objeto
de estudo constituem o processo de internalização, a partir do
qual se reestrutura o próprio modo de pensar dos alunos,
assegurando com isso, seu desenvolvimento (LIBÂNEO, 2004,
p. 11).
Embora o autor pense primordialmente na criança, o alcance
dessas teses envolve todo o processo educativo. Isso posto, na
sociedade contemporânea as formas de pensamento autoconsciente
transcendem o contexto das vivências, fazendo da instituição escolar
um lócus privilegiado para o desenvolvimento do pensamento
reflexivo, um espaço para se aprender mais, a discutir e participar
democraticamente na sociedade, aguçando o compromisso social com
o bem-estar comum.
Acreditamos que um ambiente escolar em que se valorize a
democracia, evidencia que nesse local estão sendo propiciadas aos
sujeitos situações em que vivenciarão relações mais democráticas,
possibilitando a aprendizagem desse sistema. É a escola de fato
preparando o educando para a realidade de fora dela.
Tal movimento didático-pedagógico de natureza transdis-
ciplinar envolve, sinteticamente, três premissas básicas: a
contextualização, ou seja, a produção e a difusão das ideias científicas
que se colocam em uma dada realidade; a historicização, isto é, há um
198
tempo-espaço histórico no qual há que se considerar a evolução das
ideias científicas; e, finalmente, o enredamento, sob a forma de
articulação entre os diferentes saberes, sem que cada um seja
destituído de sua especificidade.
Desse modo, é pela educação e pela cultura que o homem se
humaniza, podendo desenvolver atitudes participativas frente ao
mundo, conhecendo e exercendo direitos e deveres de cidadania.
Conhecendo e valorizando a diversidade cultural, aprende a respeitar
valores, diferenças de gênero, geração, étnico-raciais e credo,
fomentando a convivência com a diferença e atitudes de não
discriminação. Passa a reconhecer e a valorizar conhecimentos
históricos e científicos, a natureza e o meio ambiente, bem como a
produção literária e artística como patrimônios culturais da
humanidade. O sujeito preconceituoso, racista ou homofóbico não se
fez humano, a rigor; o seu processo educativo, se por ele passou, não
se fez suficiente para a transformação de sua mentalidade no sentido
de fazê-lo verdadeiramente humano.
Com todas as críticas que possam ser feitas ao texto final da
Base Nacional Comum Curricular, BNCC, face ao seu caráter
normativo-descritivo e à sua nítida filiação teórica ao paradigma
técnico-linear de currículo, é justo considerar ao menos o
reconhecimento do conceito de desenvolvimento humano global,
destacando a sua complexidade e não linearidade,
[...] rompendo com visões reducionistas que privilegiam ou a
dimensão intelectual (cognitiva) ou a dimensão afetiva. Significa,
ainda, assumir uma visão plural, singular e integral da criança,
do adolescente, do jovem e do adulto considerando-os como
sujeitos de aprendizagem e promover uma educação voltada ao
seu acolhimento, reconhecimento e desenvolvimento pleno, nas
suas singularidades e diversidades. Além disso, a escola, como
199
espaço de aprendizagem e de democracia inclusiva, deve se
fortalecer na prática coercitiva de não discriminação, não
preconceito e respeito às diferenças e diversidades (BRASIL,
2017, p. 14).
Essa tese não pode ser apenas um discurso técnico-
pedagógico. Inegável que em um país com desigualdades aviltantes e
de desrespeito latente às individualidades e à diversidade dos sujeitos
em diversos momentos e em diferentes contextos, se ao menos esse
trecho da BNCC, a decorrer inclusive de cláusulas pétreas do
dispositivo constitucional, fosse observado, constituiria grande
avanço científico, social e político.
Seria de grande alcance científico, social e político se as escolas
discutissem um pouco mais questões ligadas à degradação ambiental,
às relações étnico-raciais, a gênero, à organização social e política
brasileira, aos mecanismos de concentração excessiva de renda, à posse
da terra como subsídio à sobrevivência humana, etc., temáticas de
natureza transversal dos programas de ensino, as quais somente
podem ser contempladas efetivamente em perspectiva transdisciplinar
e como compromisso ético de todas as disciplinas do currículo, dados
os invariantes a elas relacionados.
Partindo dessas formulações, a permear o conceito de
transdisciplinaridade, enunciamos no tópico a seguir algumas
implicações didático-pedagógicas e possíveis consequências para a
organização dos programas de ensino.
Consequências para a organização dos programas de ensino
A concepção de abordagem transdisciplinar nas formas de
produção e difusão do conhecimento científico tem como primeira
consequência a ruptura com as amarras da organização rígida ou
200
inflexível das disciplinas, ainda que não deva significar a supressão
delas, tal como defendido ao longo do tópico antecedente.
Ao se considerar tal perspectiva de arranjo nas formas de
organização dos programas de ensino se sobressai a necessidade de
avançar, sem desconsiderá-la porquanto é científica, de uma
concepção internalista, a validar a visão da especialidade e da forma
como o cientista concebe a sua construção teórica, para uma
abordagem externalista que deve acrescentar, de forma articulada ao
movimento, as vivências dos aprendentes e as relações entre ciência,
educação e cultura situadas no contexto de uma dada organizão
social e política.
Durante alguns anos, tenho utilizado o conceito de “gaiola
epistemológica” como uma metáfora para descrever sistemas de
conhecimento. O conhecimento tradicional é como uma gaiola
de pássaros. Os pássaros na gaiola comunicam-se numa
linguagem somente conhecida por eles. São alimentados com o
que está na gaiola, voam apenas no espaço da gaiola, veem e
sentem apenas o que as grades da gaiola permitem. Eles se
repetem, reproduzem e procriam. Mas não podem ver a cor
exterior da gaiola [...]. (D’AMBROSIO, 2018, p. 199).
Usualmente, predomina na tradição escolar de base
positivista, e mesmo neopositivista, uma sequenciação lógica dos
conteúdos de ensino, os ditos “currículos em escada” e, eventual-
mente, formas de organização em cadeia ou rede de significados. Uma
mudança desse paradigma que marca e caracteriza o cotidiano das
salas de aula de todo o sistema de ensino implica a pensar uma
sequenciação histórico-lógica, posta a necessidade de considerar a
evolução dos conceitos científicos e o fato de que os conhecimentos
nem sempre são produzidos no contexto fechado e restrito de uma
201
determinada ciência. Um exemplo clássico dessa assertiva é o
desenvolvimento da teoria dos exponenciais, o qual não se deu
originalmente em ambiente exclusivamente matemático, mas nos
limites de experimentos com reprodução celular.
Ainda nessa direção, uma aprendizagem que se compreenda
como orientadora do desenvolvimento omnilateral dos indivíduos
exige resgatar a historicidade da evolução dos conceitos científicos
porquanto a negação desse corolário impõe conceber o conhecimento
como coisa pronta, acabada ou definitiva. Essa transformação na
compreensão dos significados epistemológicos exige uma nova
postura de educadores e educandos face às ações de ensinar e de
aprender.
Tal transformação nas representações sobre o ato de ensinar e
de aprender envolvem uma postura de mudança de mentalidade a
emanar dos sujeitos: de um lado educadores a “saber que ensinar não
é transferir conhecimento, mas criar possibilidades para a sua própria
produção ou a sua construção” (FREIRE, 2009, p. 47) e de outro
lado, educandos dispostos a questionar, mas também a responder às
indagações, curiosos pela descoberta e abertos à busca, às críticas e ao
exercício da reflexão permanente. Sem a criação dessa relação
dialógica entre sujeitos a aprender em comunhão, não há que se falar
em conscientização, ou em ações e atitudes amparadas pela
perspectiva de integração, de valorização e de complementaridade da
condição humana.
Efetivamente, todo conhecimento é resposta a um
questionamento ou a uma pergunta como pretende Bachelard
(2000): é o problema que suscita o motivo e a necessidade de
aprender, em uma visão multidimensional da relação entre ensinar e
aprender, na qual deve prevalecer uma formação preocupada com o
desenvolvimento omnilateral dos educandos, nesse sentido,
202
estabelecendo interfaces com a teoria histórico-cultural. Para ele, “o
novo espírito científico” necessita considerar os obstáculos
epistemológicos, a impedir não somente a aprendizagem, mas
também o progresso da ciência. Por isso, considera a epistemologia
cartesiana como uma epistemologia em crise e é taxativo ao afirmar
que o objeto de pesquisa sempre se apresenta como um complexo
emaranhado de relações em cuja apreensão tanto o pensamento
quanto os métodos devem estar articulados de modo a exercitar todas
as dialéticas.
Face ao conjunto de ideias até aqui exposto, cumpre registrar
que ao exigir uma abordagem sistêmica da organização dos programas
de ensino a transdisciplinaridade valida e interconecta todos os
agentes e elementos constituintes do processo formativo. Vislumbra-
se um processo de transformação dos paradigmas de currículo,
questionando a rigidez do paradigma técnico-linear, centrado de
forma predominante na instrumentalização para o mercado de
trabalho como já estabelecido.
Ainda que essa dimensão do currículo tenha um aspecto a se
destacar, porquanto tenha forte apego entre os estudantes, a buscar
na escola o instrumental para uma melhor condição de vida, e mesmo
entre os docentes, dado o apelo à objetividade, o fato mais notável em
sua presença histórica na tradição escolar é a fragmentação do
conhecimento, o descuido com a abordagem sistêmica da realidade e
a limitação do alcance de transformação sociocultural necessária ao
desenvolvimento científico e tecnológico a sustentar o ideário de
exercício pleno da cidadania, tão presente nas reformas curriculares
pós-1980 e raramente consolidado na realidade brasileira.
Organizar os programas de ensino em abordagem sistêmica
transdisciplinar deverá propiciar o estabelecimento de vínculos do
conhecimento específico de uma determinada ciência com a realidade
203
social, histórica e cultural, explicando-a. Isso abrirá perspectivas para
a consolidação da linguagem como dimensão da vida humana voltada
à busca de consenso, de paz social e de alternância nas relações de
poder, constituindo o paradigma curricular crítico-emancipatório.
-se que são profundas as implicações de um novo paradigma
epistemológico a direcionar transformações na lógica a fundamentar
a construção do currículo e as ações pedagógicas.
Sem embargo, a integração de conteúdos pelo resgate de sua
evolução histórica e de sua dimensão antropológica, ao que se poderia
denominar genericamente de etnociência, pensa a ciência e a
educação para todos, com dimensão de centralidade na condição
humana, concebendo o conhecimento como uma totalidade e não
como mera superposição de conceitos isolados, tratados como se
neutros fossem.
Produzir ciência e difundi-la a partir da escola tem sempre
uma intencionalidade, exigindo a articulação entre conhecimento,
vivências, escola, comunidade e natureza, um trabalho coletivo,
solidário e de grande alcance social e político, com vistas a propiciar
o desenvolvimento de um sujeito integralmente constituído.
Considerações Finais
Ao longo do estudo aqui apresentado, buscamos estabelecer
que a produção de conhecimento científico e tecnológico, bem como
a sua difusão pelo aparato escolar tem sustentação em várias
concepções epistemológicas, entre elas a lógica, a genética e a
histórico-crítica, defendendo o estabelecimento de concepções
abertas e dialéticas como abrigo no qual o conhecimento pode
vislumbrar a possibilidade de renovação e de reconstrução.
204
Tentamos estabelecer que ensinar e aprender exigem ação
planejada e teoricamente orientada, mas os exageros na definição de
programas de ensino em dimensão internalista, conceitualmente
centrados nas visões positivista e neopositivista de trabalho
acadêmico-científico conduziram a práticas fragmentárias na difusão
do conhecimento, revelando-se distantes dos modos de agir e pensar
dos discentes.
Se a organização do currículo em disciplinas pode encaminhar
à apreensão progressiva pelos estudantes da especificidade de certos
procedimentos de prova e demonstração, absolutamente necessários
ao desenvolvimento do pensamento científico, é preciso relativizar a
racionalidade técnica e questionar com convicção a sua pretensão à
neutralidade. Fazer ciência e difundir conhecimento científico são
ações sempre imbuídas de intencionalidade, ao menos no sentido de
anseios de transformação de um dado da realidade.
Nesse sentido, assumir a complexidade como base de
pensamento e ação impõe o desenvolvimento de processos coletivos
de produção e difusão de conhecimento e projetos pedagógicos
reflexivos, baseados na interação dialógica, a evoluir do geral e do
amplo para o específico e particular, com vistas à superação de
movimento didático-pedagógico a tender para o isolacionismo
intelectual. Defendemos como incontestável a tese freireana, também
adotada pela teoria histórico-cultural, de que os homens se educam
em comunhão.
Uma organização dos programas de ensino em perspectiva
transdisciplinar exige pensar em um processo reflexivo embasado na
dialética estabelecida por tensões e abertura às contradições da
sociedade. A dialética do pensamento implica em ampliar as
possibilidades de apreender e de criar, a partir da ciência, fenômenos
205
complexos, regenerando outras dimensões não concebidas pelo senso
comum e acrítico.
Em uma abordagem transdisciplinar a lógica de transferência
de conhecimento é relativizada, exigindo ensinar pela pesquisa e
concebendo o educando como agente transformador de sua
aprendizagem. Uma ação mediada pelo docente porquanto ainda que
fale muito pouco durante uma dada aula, enquanto os alunos
interagem com o conhecimento científico, ele ensina porque criou as
condições necessárias para a constituição do ambiente de
aprendizagem.
Por outro lado, não deve o professor ter vergonha de dizer que
ensina como se nota em alguns contextos educativos a tender para o
espontaneísmo. No entanto, é certo também que a mediação não é
apenas da ação docente, mas dos signos em voga e do instrumental
didático adotado tal como bem definido na perspectiva teórica da
aprendizagem desenvolvimental.
Infelizmente, estudos como os de Levy (2017) confirmam a
nossa ideia de que a realidade discente da EJA é produto de uma
fragmentação, de um “fazer” docente também retalhado/
fragmentado. Pedagogicamente falando, há muito que podemos (e
devemos) realizar. Os espaços educacionais precisam de práticas
transdisciplinares e que levem em conta os conhecimentos
prévios/acumulados dos estudantes desse segmento.
Em um ambiente educativo marcado pela transdisciplinar-
dade a ação pedagógica é endossada pela dialogicidade, pela abertura
à reflexão, pela liberdade de pensamento, pela integração de ideias
científicas de áreas diferentes, pela valorização da diversidade, pela
escuta respeitosa e pelo trabalho colaborativo. Implica em reconhecer,
valorizar e utilizar os conhecimentos historicamente construídos
sobre o mundo físico, social, político e cultural, mas não
206
desconsiderar as visões parciais dos estudantes a serem superadas, ou
não, pelo saber sistematizado, fruto da curiosidade intelectual, da
investigação, da reflexão permanente, da análise crítica, da
imaginação e da criatividade.
Tudo isso possibilita o exercício da autonomia pessoal do ser
humano com responsabilidade, aperfeiçoando a convivência em
diferentes tempos e espaços sociais e favorecendo o desenvolvimento
e o fortalecimento da democracia como valor universal.
Por tudo isso, uma visão transdisciplinar da organização dos
processos de difusão de conhecimento exige pensar a formação de um
profissional epistemologicamente curioso, como defendem tanto o
pensamento freireano como a teoria histórico-cultural.
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A ATIVIDADE DE ENSINO COMO AÇÃO
PEDAGÓGICA VOLTADA AO PROCESSO DE
HUMANIZAÇÃO DE ESTUDANTES DA EJA
Daniele Cristina de Paiva Parada
28
Introdução
O dominado não se liberta se ele não vier a dominar aquilo
que os dominantes dominam (SAVIANI, 2021, p. 45).
No Brasil, segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra
de Domicílios PNAD 2022, a taxa de analfabetismo das pessoas de
quinze anos de idade ou mais foi estimada em 5,6%, o equivalente à
cerca de 10 milhões de pessoas, distribuídas entre as mais velhas,
pretas e pardas e, principalmente, as mais pobres. Isto significa que a
educação brasileira, “[...] direito de todos e dever do Estado e da
família [...]” que visa ao “[...] pleno desenvolvimento da pessoa [...]”
(BRASIL,1988, art. 205) nos aspectos cognitivos, afetivos e
emocionais tem privado sujeitos oriundos de camadas populares da
sociedade, de gozarem de direito público subjetivo, garantido a todos,
mantendo-os na condição de dominados, conforme os dizeres da
epígrafe deste texto.
28 Graduada em Pedagogia pela Unesp, Câmpus de Marília.
Professora da Rede Estadual de Ensino do Estado de São Paulo.
Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Educação da Unesp, Câmpus de Marília.
E-mail: daniele.paiva@marilia.unesp.br
210
Tais dados foram apresentados e discutidos na disciplina
“Abordagens Metodológicas da Educação de Jovens e Adultos”,
ministrada pelo Prof. Dr. José Carlos Miguel no Programa de Pós-
Graduação em Educação da Universidade Estadual Paulista câmpus
de Marília/SP o que me motivou a estabelecer debate sobre como o
ato educativo pode contribuir para que esses sujeitos se apropriem de
conhecimentos necessários para inserção no processo de superação da
condição de dominados. Para isso, busco responder, ao longo deste
texto, à seguinte questão-problema: como a atividade de ensino pode
contribuir ao processo de humanização de estudantes da Educação de
jovens e adultos (EJA)? Diante desta questão, estabeleci como
objetivo investigar a atividade do professor da EJA, mais
especificamente a atividade de ensino enquanto prática pedagógica
que pode colaborar, segundo pressupostos da Teoria Histórico-
cultural, ao processo de humanização dos estudantes.
Diante do exposto, os resultados de pesquisas desenvolvidas a
partir dessa fundamentação teórica se apresentam como via principal
deste processo de humanização, à medida que explicam o
desenvolvimento humano a partir da apropriação ativa da experiência
culturalmente acumulada e oferece bases para uma teoria pedagógica
que favoreça o desenvolvimento do sujeito.
Com isso, realizei pesquisa bibliográfica e análise documental
a fim de analisar e refletir sobre a organização da atividade de ensino,
enquanto ato intencional que pode gerar e promover a formação do
pensamento teórico consolidada na atividade do estudante.
Norteando-me pelo que busco responder, intenciono como
resultado da análise empreendida, inferir que a atividade de ensino na
EJA acontecerá mais significativamente ao passo em que esteja voltada
para a formação de conceitos teóricos (científicos) consolidados a
211
partir de ações sistemáticas e intencionalmente organizadas pelo
professor que visem a humanização dos sujeitos.
Metodologia
A metodologia eleita para a pesquisa da qual resulta este texto
foi de abordagem documental e bibliográfica, por meio da qual foram
localizados livros, artigos científicos e documentos oficiais, como leis
e propostas curriculares que possibilitaram atingir os objetivos da
investigação. Destaca-se a leitura como principal técnica para
identificar as informações e dados contidos nas fontes selecionadas
bem como para verificar as relações existentes entre elas, de modo a
analisar sua consistência.
A pesquisa bibliográfica foi compreendida conforme indica
Minayo (1994, p. 23 apud LIMA e MIOTO, 2007, p.38), ou seja,
como:
[...] processo no qual o pesquisador tem “uma atitude e uma
prática teórica” de constante busca que define o processo
intrinsecamente inacabado e permanente, pois realiza uma
atividade de aproximões sucessivas da realidade, sendo que esta
apresenta uma ‘carga histórica’ e reflete posições frente à
realidade.
No mesmo sentido, GIL (1994 apud LIMA e MIOTO, 2007,
p.40) afirma que a pesquisa bibliográfica “[...] possibilita um amplo
alcance de informações, além de permitir a utilização de dados
dispersos em inúmeras publicações auxiliando também na
construção, ou melhor, definição do quadro conceitual que envolve o
objeto de estudo proposto.”
212
Em relação à análise de dados, a pesquisa documental pode se
constituir numa técnica valiosa de abordagem uma vez que são
considerados documentos “[...] quaisquer materiais escritos que
possam ser usados como fonte de informação sobre o comportamento
humano” (Phillips, 1974, p.187 apud L (Phillips, 1974, p. 187 apud
LÜDKE; ANDRÉ, 1986, p. 38). A opção por essa metodologia
decorre do fato de a considerar procedimento importante na
produção do conhecimento científico possibilitando ao pesquisador
analisar as fontes que respondam ao seu problema e indagações e que
comprovem ou refutem suas hipóteses, adquirindo novos
conhecimentos.
Referencial Teórico
Ao considerar a escola como lugar onde se aprende e se ensina,
necessita-se de um tipo de ensino que “se adiante ao desenvolvi-
mento” humano (VYGOSKI, 2017, p.114) em consonância com o
movimento histórico e social que o constitui. Assim compreendida,
como meio de desenvolvimento do psiquismo humano, a educação
escolar possui função fundamental de “[...] produzir, direta e
intencionalmente, em cada indivíduo singular, a humanidade que é
produzida histórica e coletivamente pelo conjunto dos homens”
(SAVIANI, 2021, p.13), tornando o estudante capaz de “[...]
reconhecer e valorizar os conhecimentos científicos e históricos, assim
como a produção literária e artística como patrimônios culturais da
humanidade” (BRASIL, 2001, p. 50).
No entanto, percebe-se que os estudantes da EJA, em sua
maioria, trabalhadores, pobres, negros, desempregados, oprimidos do
processo de escolarização, tiveram suprimido, durante todo o tempo
que permaneceram afastados da escola, o direito de acesso e domínio
213
aos saberes escolares necessários ao pleno desenvolvimento de suas
condições humanas, as quais lhes possibilitariam transformar a
realidade social, política e econômica em que estão inseridos. Daí a
urgência de se pensar a escola como espaço de construção e
fortalecimento do conhecimento científico, principalmente na EJA,
onde percebemos um empobrecimento e reducionismo deste tipo de
conhecimento ocasionado por aspectos culturais, sociais e políticos
nem sempre considerados na organização dos currículos e programas
de ensino:
Esta observação faz lembrar que a ausência da escolarização não
pode e nem deve justificar uma visão preconceituosa do
analfabeto ou iletrado como inculto ou “vocacionado” apenas
para tarefas e funções desqualificadas nos segmentos de mercado.
Muitos destes jovens e adultos dentro da pluralidade e
diversidade de regiões do país, dentro dos mais diferentes extratos
sociais, desenvolveram uma rica cultura baseada na oralidade da
qual nos dão prova, entre muitos outros, a literatura de cordel, o
teatro popular, o cancioneiro regional, os repentistas, as festas
populares, as festas religiosas e os registros de memória das
culturas afro-brasileira e indígena (BRASIL, 2000, p. 5, aspas no
original).
Registrada a relevância do “currículo oculto” do qual os
sujeitos da EJA são titulares, a ser considerado na organização dos
programs de ensino de EJA, contudo, o ponto de chegada do ato
educativo é o desenvolvimento de um tipo específico de pensamento
e um modo também específico de pensar denominado pensamento
teórico, pois, como aponta Freire (1996, p. 103), deve-se considerar
como ponto de partida do ensino os saberes da experiência concreta
dos educandos, ou, como descreve Vygotski (apud PRESTES, 2018,
p.154), deve-se partir dos “conhecimentos cotidianos”.
214
Os saberes da experiência estão vinculados à vivência dos
sujeitos, seus contextos, seus problemas, suas angústias e às
contradições presentes na sociedade em que está inserido e, ao
considerá-los, traz-se à escola muito mais do que temas a serem
estudados, mas um legado histórico, cultural, político, econômico e
ambiental construído nas vivências individuais e coletivas dos
indivíduos. Ou seja:
A escola voltada à educação de jovens e adultos, portanto, é ao
mesmo tempo um local de confronto de culturas (cujo maior
efeito é, muitas vezes, uma espécie de “domesticação” dos
membros dos grupos pouco ou não escolarizados, no sentido de
confor-los a um padrão dominante de funcionamento
intelectual) e, como qualquer situação de interação social, um
local de encontro de singularidades (OLIVEIRA, 2001, p. 41,
aspas no original).
À luz da concepção freiriana de que devemos considerar as
compreensões dos estudantes sobre o mundo que os circunda (saberes
decorrentes de suas experiências cotidianas) e da concepção
vygotskiana de que o conhecimento científico pode surgir “[...] com
base nos conceitos cotidianos [...]” (VYGOTSKI apud PRESTES,
2018. p. 154) é importante frisar a necessidade de entender a escola
como espaço social privilegiado para a mobilização desses
conhecimentos e dos que foram historicamente produzidos, a partir
da ação do professor que deve estar organizada intencionalmente para
esse fim.
Segundo Moura (2016, p.102),
A busca da organização do ensino, recorrendo à articulação entre
teoria e prática, é que constitui a atividade do professor, mais
especificamente, a atividade de ensino. Essa atividade se
215
constituirá como práxis pedagógica se permitir a transformação
da realidade escolar por meio da transformação dos sujeitos,
professores e estudantes.
E, ao se constituir como prática pedagógica que transforma a
realidade e os sujeitos envolvidos no processo de ensino e de
aprendizagem, a atividade de ensino colabora para o processo de
humanização. No entanto, isto só ocorre quando o ensino é
concebido como atividade gerada por necessidades e motivos.
Leontiev (2017, p. 68) define atividade como “[...] os
processos psicologicamente caracterizados por aquilo a que o processo
como um todo se dirige (seu objeto), coincidindo sempre com o
objetivo que estimula o sujeito a executar esta atividade, isto é, o
motivo.”. Para o autor, toda atividade parte de uma necessidade que
só pode ser satisfeita quando há um objeto para o qual se direciona, a
partir do qual são estabelecidos motivos para a ação. Segundo esse
pesquisador, o motivo impulsiona a atividade, na medida em que
articula uma necessidade a um objeto, portanto, a atividade só existe
se há um motivo. As necessidades estimulam e dirigem as ações
realizadas pelo sujeito, mas estas funções somente podem ser
cumpridas se forem objetivas. Assim, a atividade de aprendizagem
aqui entendida, pode fundamentar o trabalho do professor na
organização do ensino, pois está vinculada à ideia de criação de
necessidade pelos alunos, ou seja, de motivo para aprender.
Leontiev (2017) analisa a estrutura da atividade humana,
distinguindo três níveis de funcionamento: a atividade propriamente
dita, as ações e as operações. Para ele, todas as atividades têm uma
estrutura interna guiada por ações e operações, decorrentes do seu
motivo e dos seus objetivos. De acordo com o autor, toda atividade
possui em sua origem, um (ou mais) motivo(s). Por motivo, o autor
216
caracteriza a união entre uma necessidade do homem e um objeto
capaz de satisfazer a necessidade posta.
Compreendido o motivo enquanto princípio da atividade
passemos às ações e às operações. Para Leontiev (2017), na estrutura
da atividade humana há ações voltadas para atingir as necessidades do
sujeito. Tais ações demandam ação voluntária do sujeito para sua
execução. Ao repetir muitas vezes uma mesma ação (ou um conjunto
de ações) elas se automatizam e passam ao nível das operações, ou seja,
são realizadas sem a necessidade de que o sujeito dispense a ela atenção
voluntária, visto que passaram para o modo automático. Por outro
lado, esse pesquisador considera importante destacar que existe
distinção entre ação e atividade. Enquanto na primeira não há relação
entre motivo e objetivo, na segunda há.
Para Leontiev (2017) a atividade pode ter várias ações focadas
em uma mesma necessidade e a ação pode mobilizar várias operações,
da mesma forma que a operação pode realizar diferentes ações, “[...]
isto ocorre porque uma operação depende das condições em que o
alvo da ação é dado, enquanto uma ação é determinada pelo alvo”
(LEONTIEV, 2017, p.74). Na atividade de ensino, é o professor
quem está em atividade quando propõe que o aluno reconstitua o
processo histórico do desenvolvimento conceitual do conteúdo
estudado, decorrente de conhecimento teórico. É por isso que, toda
atividade de ensino que priorize a apropriação do conhecimento
teórico deve ser planejada e organizada visando o desenvolvimento
psíquico dos alunos. E, para que isso de fato ocorra, deve estar claro
ao professor os motivos de sua atividade de ensino.
A atividade de ensino do professor deve gerar e promover a
atividade do estudante. Ela deve criar nele um motivo especial
para a sua atividade: estudar e aprender teoricamente sobre a
217
realidade. É com essa intenção que o professor planeja a sua
própria atividade e suas ações de orientação, organização e
avaliação (MOURA, 2016, p.103).
Moura (2018, p.158) explica que “[...] a atividade de ensino
tem como objetivo dar resposta a uma necessidade: ensinar. Já o seu
resultado corresponde a outra necessidade: a do aluno que busca
aprender”. Nesse contexto, a atividade de ensino exibe particularidade
extremamente relevante: a intencionalidade, premissa para os que
organizam o ensino.
Neste ponto, Moura (2018) sugere que devemos dar maior
atenção à atividade de ensino, pois nem todo objeto de ensino deverá
se transformar em objeto de aprendizagem, ou seja, nem todo objeto
de ensino é de aprendizagem. Para ser caracterizar como objeto de
aprendizagem é necessário que haja a necessidade dos sujeitos que
aprendem. É por isso que a atividade de ensino implica atenção
especial aos sujeitos que poderão aprender. O sujeito colocado em
situação de aprendizagem, muitas vezes, deverá realizar ações que não
estão de acordo com os seus motivos para aprender. Quando isso
acontece, age para satisfazer a necessidades que não correspondem aos
motivos da atividade.
Aqui temos uma situação relevante para a organização do
ensino da EJA. Se a atividade de ensino proposta ao aluno não
mobilizar suas necessidades, consequentemente não potencializará
suas capacidades intelectuais, tornando sua atividade uma simples
tarefa, afastando-o do motivo de realizá-la. As necessidades humanas
também são aprendidas, ou seja, desenvolvidas a partir da ação do
outro. Por exemplo: quando o professor propõe que os alunos
escrevam um cartão aos pais em comemoração ao seu dia, está criando
necessidades que não existiam a priori no aluno, afinal, eles se
218
satisfazem ao dizer (comunicar oralmente) o carinho que sentem pelo
pai. A comunicação escrita é uma demanda (necessidade) criada pelo
professor.
No caso dos alunos da EJA, entretanto, as necessidades
decorrem da vida cotidiana, pois eles vivem situações reais em que
apenas a linguagem oral não é suficiente, por exemplo, saber se o
boleto que precisam pagar é referente ao consumo de água ou de
energia elétrica. Nesse sentido, as necessidades quanto à apropriação
da língua escrita são diferentes para crianças e para adultos. Dar
atenção aos desejos dos alunos significa criar necessidade que
desencadeia a busca de conhecimento que deverá satisfazer a um
motivo de aprendizagem. Isto fica mais claro com o exemplo citado
por Moura (2018, p.161)
Imagine que, em determinada comunidade rural, as plantações
estão sendo dizimadas por determinada praga. Entender este
fenômeno pode ser a salvação da lavoura que dá sustento à
comunidade. Assim, uma atividade de ensino que tenha por
objetivo explicar o fenômeno pode ser motivadora para a maioria
dos sujeitos que são parte da atividade. Os educadores que
procuram dar significado ao que estão ensinando poderão unir
seus objetivos às necessidades dos alunos. Desta maneira, as ações
educativas poderão se aproximar das ações de aprendizagem e,
sendo assim, o que realizam, além de ser uma atividade de ensino
poderá resultar em uma atividade de aprendizagem
.
O exemplo apresentado, nos aproxima da realidade dos
estudantes da EJA que, muitas vezes, buscam esta modalidade de
ensino para satisfazer suas necessidades particulares, para interagir
com a sociedade da qual já fazem parte. Por isso, tomar o ensino como
atividade, na perspectiva de Leontiev (2017), implica fundamentar o
219
trabalho do professor na ideia de necessidade, ou seja, de motivos para
aprender e definir o que se busca concretizar com essa atividade.
Segundo Davidov (2023), toda atividade educativa tem por
finalidade “formar o pensamento teórico” (DAVIDOV apud
PUENTES, 2023, p. 44). Este é o objeto a ser conhecido pelos
estudantes que são sujeitos da aprendizagem.
É o contato com o conhecimento científico que abre
possibilidades de desenvolvimento humano, ou seja, humanização.
Resultados e Discussões
O estudante da EJA “[...] não é qualquer jovem e qualquer
adulto. São jovens e adultos com rosto, com histórias, com cor, com
trajetórias sócio-étnico-raciais, do campo, da periferia [...]”
(ARROYO, 2006, p.22) que precisam ser considerados como sujeitos
que tiveram o direito de acesso ao ensino regular em idade normal
violado, e que, ao retornarem à EJA, trazem vasta experiência de
saberes socialmente construídos nas vivências sociais.
Nesse contexto, cabe ao professor que atua nessa modalidade
de ensino considerar a realidade desses sujeitos e assumir o papel de
responsável em conceber um tipo de ensino estruturado nas
necessidades individuais e coletivas dos estudantes, de forma a criar
novas necessidades educativas que lhes proporcionem a apropriação
dos conhecimentos e das experiências histórico-culturais da
humanidade.
Entretanto, Moura afirma que
[...] dada a vastíssima experiência da humanidade, mais
importante que ensinar todo e qualquer conhecimento, o que
seria tarefa impossível, é ensinar ao estudante um modo de ação
generalizado de acesso, utilização e criação do conhecimento, o
220
que se torna possível ao se considerar a formação do pensamento
teórico (MOURA, 2016, p. 112).
Ao desenvolver esse tipo de pensamento, a atividade de ensino
possibilita aos educandos (tanto no geral quanto da EJA, em
particular) se apropriarem dos elementos que os indivíduos da espécie
humana necessitam para se humanizarem. E, ao se apropriarem da
produção histórica e coletiva da humanidade, esses estudantes saem
da condição de dominados e marginalizados, impostas socialmente.
No entanto, para que haja a superação de tal condição
evidencia-se a necessidade de recuperar a função humanizadora da
escola. Para isso, é preciso assumir a educação como “concepção
problematizadora, comprometida com a libertação” (FREIRE, 2016,
p.101) que garanta a apropriação daquilo que os estudantes não
sabem, pois “[...] o indivíduo precisa da escola não para legitimar o
conhecimento que ele já produziu, mas para ter acesso ao
conhecimento que ele não é capaz de elaborar e sistematizar”
(GIARDINETTO, 1999, p.91). Assim, à medida que a escola
possibilita o domínio necessário dos instrumentos que garantem a
elaboração e sistematização de tal conhecimento,
O indivíduo se faz humano apropriando-se da humanidade
produzida historicamente. O indivíduo se humaniza
reproduzindo as características historicamente produzidas do
gênero humano. Nesse sentido, reconhecer a historicidade do ser
humano significa, em se tratando de trabalho educativo, valorizar
a transmissão da experiência histórico-social, valorizar a
transmissão do conhecimento socialmente existente. (DUARTE,
1996, p. 35).
Nessa perspectiva, cabe à atividade de ensino,
221
[...] aproximar os estudantes de um determinado conhecimento.
Daí a importância de que os professores tenham compreensão
sobre seu objeto de ensino, que deverá se transformar em objeto
de aprendizagem para os estudantes. Além disso é fundamental
que, no processo de ensino, o objeto a ser ensinado seja
compreendido pelos estudantes como objeto de aprendizagem.
Para a teoria histórico-cultural, isso só é possível se esse mesmo
objeto se constituir como uma necessidade para eles [...]
(MOURA, 2016, p.105).
Para atender às necessidades dos educandos da EJA, é
necessário ao educador reconhecer inicialmente, os saberes que eles
carregam acerca da linguagem, da cultura, dos conhecimentos da
natureza, da cidade e do campo, da produção e do trabalho, do
conhecimento sobre si e sobre o ser humano, construídos ao longo
das experiências vividas, para, a partir daí, estabelecer “[...] uma
intimidade entre os saberes curriculares fundamentais aos alunos e a
experiência social que eles têm como indivíduos.” (FREIRE, 1996,
p.30). A articulação dos saberes cotidianos ou da experiência
cotidiana com os saberes curriculares (científicos) criam condições de
sentido à atividade do estudante, a partir de uma educação escolar que
[...] se constitui numa atividade mediadora entre o saber
cotidiano e o saber não-cotidiano, isto é, entre o conhecimento
resultante das objetivações em-si (a linguagem, os costumes e os
utensílios) próprias da vida cotidiana e as objetivações para-si
(ciência, filosofia etc.). A escola é o espaço próprio em que se
realiza o processo de ensino-aprendizagem dos conteúdos das
objetivações para-si. Daí que, além da apropriação dos aspectos
essenciais do saber científico, à escola compete também
promover a sensibilidade artística, a postura filosófica, a análise
política etc. (GIARDINETTO, 2006, p.91).
222
Uma organização de ensino que possibilite aos estudantes
criar relações conscientes com o cotidiano, de forma a produzir neles
necessidades não-cotidianas por meio da apropriação dos
conhecimentos científicos, artísticos, filosóficos e políticos, demanda
ao professor o dever de não só respeitar os saberes socialmente
construídos nas práticas socais com que os educandos da EJA chegam
à escola, mas, também, discutir com eles a razão de ser de alguns
desses saberes em relação ao ensino dos conceitos científicos.
Como destaca Paulo Freire
Por que não aproveitar a experiência que têm os alunos de viver
em áreas da cidade descuidadas pelo poder público para discutir,
por exemplo, a poluição dos riachos e dos córregos e os baixos
níveis de bem-estar das populações, os lixões e os riscos que
oferecem à saúde das gentes? [...] Por que não discutir com os
alunos a realidade concreta a que se deva associar a disciplina cujo
conteúdo se ensina [...] (FREIRE, 1996, p.30)
Para Brandão
É essa vida, vivida todos os dias, tal como ela é pensada pelas
diferentes categorias de “pessoas do lugar”, mas principalmente
pelos estudantes e através deles, o que importa considerar como
ponto de partida. A vida cotidiana e seus fios e feixes abertos a
uma história social e local, como uma história de estórias, vivida
e refletida em todos os planos experimentados e imaginados de
relacionamentos realizados entre pessoas (BRANDÃO, 2003,
p.231).
Ao tratar de atividade de ensino para a EJA, observa-se que
nesta modalidade não há um currículo específico, mas Propostas
Curriculares elaboradas para o 1º. e 2º. segmentos do ensino
223
fundamental da Educação de Jovens e Adultos, que se configuram
como subsídios para que educadores desenvolvam planos de ensino
que atendam às necessidades dos estudantes destas etapas. O material
tem como principais fontes, as práticas educativas que se pretendem
aperfeiçoar e transformar e traz objetivos gerais e específicos dos
conteúdos que foram organizados em três áreas: Língua Portuguesa,
Matemática e Estudos da Sociedade e Natureza, no qual são definidos
para cada uma
[...] blocos de conteúdos com um elenco de tópicos a serem
estudados. Para cada tópico, há um conjunto de objetivos
didáticos, que especificam modos de abordá-los em diferentes
graus de aprofundamento. Pelo se grau de especificidade, esses
objetivos oferecem também muitas pistas sobre atividades
didáticas que favorecem o desenvolvimento dos conteúdos
(BRASIL, 2001, p.16).
Sabe-se que um dos motivos que mobilizam os estudantes da
EJA está relacionado às necessidades do trabalho. No entanto, tal
motivação quase sempre direciona a ação pedagógica ao ensino de
conteúdos que instrumentalizam os sujeitos. É certo que uma das
funções da escola é prepará-los para o mercado de trabalho, no
entanto, aqueles que tem essa visão pragmática, muitas vezes,
esquecem que também é papel da escola proporcionar aos estudantes
formação plena que requer ação transformadora da realidade na
constante busca e no compromisso com a humanização de cada
sujeito envolvido nos processos de ensino e de aprendizagem.
Desse modo, é preciso que todos os envolvidos no ato
educativo, em especial, o professor, aquele que organiza as atividades
de ensino, reconheça a princípio as necessidades daqueles que chegam
às salas de EJA, revendo os motivos no percurso de vida que os
224
impediram de estudar antes, para auxiliá-los, encorajando-os a
persistirem e continuarem buscando conhecimento, a fim de se
tornarem cidadãos autônomos e capazes de atuar socialmente de
maneira crítica e consciente, tomando decisões apropriadas diante das
mais diversas situações e problemas cotidianos, buscando
transformarem-se e transformarem o meio em que vivem.
Para D’Ambrósio (2018, p.201):
A escola deve ser um espaço não só para a instrução, mas
principalmente para a socialização e para criticar o que é
observado e sentido na vida cotidiana. Isso pode estimular a
criatividade levando a uma nova forma de pensar. A vida é
caracterizada por estratégias para sobreviver (todos os
comportamentos e ações básicas, “visam” como sobreviver), que
é comum a todas as espécies, e para transcender (entender e
explicar fatos e fenômenos indo além da sobrevivência e
perguntando “por quê”), que é um traço único das espécies homo.
As estratégias de sobrevivência e transcendência são geradas por
cada indivíduo e, graças à sociabilidade e comunicação, são
partilhadas e socializadas com outros e constituem a cultura do
grupo.
A escola, nesse sentido, pode e deve vir a ser um instrumento
que transcende e cria novos conhecimentos a partir da relação entre
os conhecimentos cotidianos e os científicos. Ela existe, para “[...]
propiciar a aquisição dos instrumentos que possibilitam acesso ao
saber elaborado (ciência)” (SAVIANI, 2021, p.14) e para promover
as intencionalidades educativas que são geradas a partir de
necessidades individuais ou coletivas dos sujeitos. Assumir a educação
como atividade, no sentido atribuído por Leontiev, significa
considerar o conhecimento em suas múltiplas dimensões, como
produto da atividade humana.
225
Nesse sentido,
[...] uma das responsabilidades do professor é organizar situações
didáticas que favoreçam o desenvolvimento, no estudante, de um
querer aprender, uma vez que esse não é um valor natural, mas
construído historicamente. Construir o motivo de aprender é
fundamentalmente uma função educativa [...] (MOURA, 2016,
p.36).
Ao agir intencionalmente, desenvolvendo ações que visam
atender as necessidades de aprendizagem dos estudantes, o professor
da EJA colabora para a libertação desses sujeitos convidando-os a
reconhecer e desvelar a realidade na qual estão inseridos. Trata-se,
como defende Freire (2016), de fazer da prática educativa um
exercício constante, em favor do desenvolvimento da autonomia dos
educadores e educandos e da transformação da realidade para nela
intervir, recriando-a, ou seja, conceber a educação como prática de
liberdade que implica exercício constante e permanente de
conscientização que se volta para si mesma e para sua relação com o
mundo, tentando encontrar razões que expliquem e esclareçam a
situação concreta do homem no mundo, diminuindo as
desigualdades sociais e transformando a escola em espaço de formação
e desenvolvimento humano desses sujeitos, até então, dominados e
marginalizados.
Considerações Finais
A partir do que afirmo com base em dados da Pesquisa
Nacional por Amostra de Domicílios PNAD, milhões de pessoas
distribuídas entre as mais fragilizadas socialmente foram privadas, em
idade própria, de acessar os saberes escolares necessários à sua
226
condição de desenvolvimento humano, capaz de transformar a
realidade social, política e econômica em que estão inseridas. Daí se
deu a necessidade de investigar a atividade de ensino enquanto ação
pedagógica que pode colaborar ao processo de humanização de
estudantes da Educação de jovens e adultos.
Diante dos dados documentais e bibliográficos apresentados,
a Teoria Histórico-Cultural se apresentou como via principal para a
efetivação desse processo de humanização, pois oferece base teórica
consistente que favorece à compreensão de que o pleno
desenvolvimento humano pode acontecer a partir da aprendizagem
da experiência culturalmente acumulada.
Contudo, os dados de pesquisa evidenciaram que para se
pensar a atividade de ensino nesta modalidade é preciso considerar
como ponto de partida, os saberes da experiência concreta ou os
conhecimentos cotidianos que os alunos adquirem nas vivências
individuais e coletivas e trazem quando adentram à escola, pois se a
atividade de ensino proposta ao aluno não mobilizar suas
necessidades, consequentemente não potencializará suas capacidades
intelectuais, tornando sua atividade uma simples tarefa, afastando-o
do motivo de realizá-la.
Desse modo, a pesquisa desenvolvida permite afirmar que se
o ensino for concebido a partir de atividades de ensino que nasçam
de necessidades de aprender desencadeadas por situações que
possibilitem aos sujeitos agir como solucionadores do problema ou da
situação e realidade posta, estará colaborando para o processo de
humanização e libertação desse indivíduo.
Isto significa que os educadores que procuram dar significado
ao que estão ensinando poderão unir seus objetivos às necessidades
dos alunos e ampliá-las. Desta maneira, as ações educativas poderão
se aproximar das ações de aprendizagem e, sendo assim, o que
227
realizam, além de ser uma atividade de ensino poderá resultar em uma
atividade de aprendizagem dos estudantes. Ao agir intencionalmente,
desenvolvendo ações que visam atender as necessidades de
aprendizagem dos estudantes, o professor da EJA colabora para a
libertação desses sujeitos convidando-os a reconhecer e desvelar a
realidade que estão inseridos.
Os dados de pesquisa também demonstraram que ao assumir
a educação a partir da concepção problematizadora e comprometida
com a libertação de sujeitos marginalizados socialmente, a escola
recupera sua função humanizadora, no entanto, isso só é possível
quando há intencionalidade para esse fim.
Assim, ao agir intencionalmente, desenvolvendo ações e
criando motivos que visam atender as necessidades de aprendizagem
dos estudantes, o professor da EJA contribui para a emancipação e
humanização desses sujeitos e colabora para que a escola se configure
como espaço de formação, construção e desenvolvimento do
conhecimento científico, permitindo aos alunos desvelar e buscar
superar por meio da transformação social as injustiças sociais, políticas
e econômicas que lhes mantiveram na condição de excluídos e
dominados.
Ao se configurar como espaço de formação e desenvolvimento
humano, a escola possibilita aos estudantes transformar a realidade
para nela intervir, recriando-a e diminuindo as desigualdades, isto é,
possibilita aos estudantes humanizarem-se transformando-se e
transformando o meio em que vivem.
228
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EXPERIÊNCIAS COLETIVAS NA EDUCAÇÃO DE
JOVENS E ADULTOS NO CONTEXTO LATINO-
AMERICANO
Rogerio Gomes
29
Raúl Esteban Ithuralde
30
Marisa de Fatima da Luz
31
Introdução
A Educação de Jovens e Adultos (EJA) tem uma longa história
na América Latina. Inicialmente, foi uma estratégia dos Estados
nacionais para se consolidarem, através de dispositivos que reforçam
os discursos hegemônicos sobre as identidades nacionais, sob a
ascensão do movimento normalista e da educação primária pública,
que promoviam processos de homogeneização cultural
(RODRÍGUEZ, 2009). Assim, podemos encontrar escolas de adultos
desde meados do século XIX.
Após a Segunda Guerra Mundial, com a criação de grandes
organizações internacionais como as Nações Unidas e a Organização
das Nações Unidas para a Educação e Cultura (UNESCO), a
preocupação com a educação de jovens e adultos começou a ser
29 Doutorando em Educação. FFC-UNESP. rogeragro12@gmail.com
30 Pesquisador em inovações pedagógicas no ensino das Ciências da Natureza na Educação
de Jovens e Adultos. INDES-UNSE/CONICET. ithu19@gmail.com.
31 Mestranda em Educação. FCT-UNESP. marisa.luz@unesp.br
232
institucionalizada a nível internacional. Assim, começaram a ser
realizadas periodicamente conferências internacionais e regionais
sobre educação de jovens e adultos promovidas pela UNESCO
(MESSINA, 2016). Desde a primeira conferência internacional sobre
educação de adultos (COFINTEA), realizada em Elsinore, em 1949,
houve mais seis, sendo a última em 2022, em Marrocos. Nestas,
houve diferentes movimentos, desde um início baseado na ação
voluntária até a adaptar uma perspectiva de educação ao longo da vida
ou contínua. De qualquer modo, em termos gerais, promoveu-se uma
visão acrítica em termos políticos, não emancipatória (MICHI,
2010), que, baseada em visões desenvolvimentistas e de capital
humano, procurava formar a população como mão-de-obra para o
seu progresso económico nos países do Terceiro Mundo.
Acreditamos que o período compreendido entre o final da
década de 1950 e a década de 1980 representou um importante ponto
de inflexão no pensamento sobre a EJA, uma vez que diferentes
movimentos sociais tomaram em suas mãos a garantia desse direito e,
a partir da práxis política nesse campo, produziram novos nós
conceituais que permitiram a construção de diferentes perspectivas
educacionais com um horizonte emancipatório.
As autoras salientam que a alfabetização é um dos pilares da
cultura contemporânea no que se refere ao valor da leitura e da escrita
compondo a sociedade, porém nem todos conseguem desfrutar dessa
experiência devido às condições econômicas e culturais. O
preconceito parte da medida que o sujeito não passa pelo processo de
alfabetização, dificultando sua inserção na sociedade e assim não é
compreendido por parte dos grupos sociais que predominam as
formas orais de comunicação e que consequentemente estabelece
hierarquias.
233
Um primeiro marco desse processo foi o trabalho liderado
pelo professor Paulo Freire. Em 1960, Paulo Freire fez parte da
fundação do Movimento de Cultura Popular no Recife, com o qual
iniciaria a formação de inúmeros círculos de cultura onde muitas
pessoas seriam alfabetizadas no futuro. Em 1961, tornou-se Diretor
de Extensão Cultural da Universidade do Recife. Em 1963, Freire foi
encarregado pelo governo de João Goulart de criar numerosos
círculos culturais para uma campanha de alfabetização em massa no
Brasil. Centenas de milhares de analfabetos e iletrados participaram
dessa experiência, que foi fundamental para o seu desenvolvimento
teórico posterior. O golpe de Estado de 1964 pôs fim a esta
experiência de massas e levou Freire primeiro a um período de prisão
e depois ao exílio. No exílio, tornou-se assessor pedagógico do
programa de Reforma Agrária do governo democrata-cristão do
Chile, cujo presidente era Eduardo Frei Montalva.
Essas experiências levaram Paulo Freire a conceituar o que ele
chamou de Educação Popular. Ao contrário da educação bancária,
que deposita valores e conhecimentos nos educandos, onde a
autoridade é construída a partir do pressuposto de que o educador é
quem sabe e os educandos são ignorantes (e por isso seleciona os
elementos culturais a serem ensinados), e, portanto, os educandos são
meros sujeitos de adaptação, a Educação Popular recupera os saberes
da experiência dos educandos e os considera sujeitos de
transformação. A seguir, alguns dos eixos que consideramos centrais
na perspectiva de Paulo Freire:
Os processos educativos podem ser orientados para a
dominação ou para a emancipação. Paulo Freire (Pedagogia
do Oprimido) caracteriza uma concepção bancária de
educação, transmissiva, acrítica, que sustenta a opressão, em
oposição à concepção problematizadora de educação, que
234
constrói a libertação dos sujeitos que dela fazem parte. Dessa
forma, identifica-se uma disputa nos processos educativos
pela sua direcionalidade, questão que Freire (o grito manso)
entende como primordial para a previsão didática.
Na educação popular (ou na concepção problematizadora da
educação), o diálogo e a criação são vistos como processos
centrais no processo educativo. Diálogo entre pares e entre
alunos e professores, onde todos aprendem, e ninguém é
ignorante. Nesta concepção, esta aprendizagem é criativa, na
medida em que constrói novas questões no processo e não é
uma mera cópia do que foi recebido. O diálogo e a criação
cultural assim entrelaçados vêm em busca do processo de
alienação que caracteriza o capitalismo, tanto no trabalho
assalariado quanto na educação.
A educação deve partir da experiência e dos saberes populares,
não para sacralizá-los, mas para problematizá-los e, em
diálogo, construir coletivamente uma síntese com um
horizonte emancipatório.
Os processos pedagógicos supracitados não são exclusivos dos
espaços educativos, mas também são recriados nas
instituições, nas organizações, nas ações de luta, em
congruência com os postulados de Antônio Gramsci (2014).
Assim, podemos pensar no sentido pedagógico da ação de
militantes e dirigentes de processos revolucionários,
organizações e movimentos sociais e políticos, entre outros
(MICHI, AIQUE). E, claro, podem incluir espaços formais e
informais de educação, de gestão estatal ou social, como
refletiu Paulo Freire (2010) a partir de sua experiência como
secretário de educação de São Paulo.
235
A recuperação da concepção marxista do conhecimento como
práxis, como prática que visa transformar a realidade, em
consonância com a Tese XI sobre Feuerbach: "Os filósofos
nada mais fizeram do que interpretar o mundo de várias
maneiras, mas a questão é transformá-lo". Dessa forma, o
conhecimento não é neutro, mas faz parte da disputa no
campo educacional. A seleção dos saberes a ensinar pode ir no
sentido da opressão, da resistência ou da emancipação.
Com a experiência brasileira encerrada com o golpe militar de
1964, o pensamento freiriano se espalhou pela América Latina e
promoveu novas experiências educacionais, mas que também foram
encerradas com novos golpes militares que se espalharam por grande
parte da região na década de 1970. Mostrando os espaços educativos
como um lugar importante para a difusão e a articulação com
diferentes atores. Desta forma, não só transformam os educandos que
participam nestes espaços, mas também a organização social e política
que os promove, podendo fortalecê-los neste processo.
EJA e Processos Coletivos
As pessoas que frequentam a EJA são cada vez mais jovens,
com um historial de expulsão do sistema educativo e que sofrem
múltiplas violações de direitos ao longo da sua vida. Neste sentido,
Lidia Rodríguez argumenta que o "adulto na educação é um
eufemismo que esconde o fato de o destinatário ser um "excluído
pedagógico", o que, como sabemos, significa também que pertence a
setores sociais subalternos, o que é perfeitamente independente da sua
idade cronológica" (RODRÍGUEZ, 1996, p. 6). A prática de EJA
tende a ser, então, uma educação compensatória, mais do que uma
prática de aprendizagem ao longo da vida, em que os professores não
236
têm formação específica na modalidade (BLAZICH et al, 2012;
PRADEIRO et al, 2019; LORENZATTI, 2007, 2011). Vários
autores caracterizam-no como um subsistema heterogêneo em termos
da população estudantil, da formação e prática dos seus professores,
dos espaços físicos em que ocorre, etc. Os alunos são frequentemente
sobrecarregados com trajetórias escolares truncadas, expulsos e
marcados por um sentimento de fracasso (BRUSILOVSKY, 2004 e
2008; KURLAT, 2007; LLOSA, 2012). A vulnerabilidade faz parte
das múltiplas causas cotidianas do abandono das escolas de EJA:
necessidades laborais (maioritariamente informais e em condições de
violação dos seus direitos); familiares que necessitam de cuidados
(idosos, crianças, doentes, etc.); migração, entre outras.
Em muitos casos, os jovens estudantes são transferidos da
escola "normal" para a de crianças e adolescentes diretamente para a
escola para jovens e adultos. Não são eles que tomam a decisão, mas
as instituições definem por eles. Na maior parte dos casos, esta
transferência não é cuidadosa, não é trabalhada previamente e não há
diálogo com os alunos (KURLAT, 2007).
Em outros casos, há um período de tempo mais ou menos
prolongado entre a frequência do ensino regular e o "regresso à escola"
na Educação de Jovens e Adultos. As razões do regresso podem ser
variadas. Em muitos casos, a resposta é "ser alguém", como se a não
escolarização nos níveis obrigatórios os rebaixasse automaticamente
como seres, na sua essência. Outras vezes, sobretudo no caso das
mulheres, está relacionado com o desejo de acompanhar os filhos nos
seus processos de escolarização. O mercado de trabalho também entra
em jogo, na procura de qualificações que lhes permitam aceder a
melhores empregos, seja com rendimentos mais elevados, seja com
empregos menos precários, seja com acesso à segurança social.
Finalmente, no passado recente, muitos planos sociais têm exigido
237
como contrapartida a conclusão dos níveis de escolaridade obrigatória
(BLASICH, 2012; KURLAT, 2007; ITHURALDE e DUMRAUF,
2019, 2021). No entanto, em muitas experiências educativas nos
movimentos sociais, o motivo da frequência é baseado no coletivo, no
fortalecimento de trajetórias individuais que podem fortalecer o
coletivo em seu sentido de pertencimento e identidade, orientar a
luta, encontrar-se com mais ferramentas para transformar o território
(inclusive o produtivo). Trata-se, portanto, de uma questão
importante do trabalho docente, da autoimagem dos alunos, da
autoestima e da promoção de laços coletivos num sentido
emancipatório, de modo a reforçar a filiação à experiência formativa
e a participação ativa na mesma.
Por parte do docente, as razões para trabalhar na modalidade
de EJA prendem-se, em muitos casos, com o fato de ser o local onde
obtiveram um lugar, que os qualifica para o seu diploma, e que lhes
permite organizar melhor o seu tempo ou assumir um lugar
suplementar (na medida em que o horário do fim da tarde ou da noite
não coincide com o do ensino primário para crianças). Por vezes, está
relacionado com a escolha de trabalhar com jovens e adultos em vez
de crianças. Nas experiências em movimentos sociais, aparece com
força o objetivo de transformar a realidade da educação e fortalecer a
organização: por meio da formação de seus membros e também, em
experiências abertas à comunidade, pela geração de vínculos entre o
movimento social e sujeitos que não pertencem a ele por meio desta
oferta educativa (PEREIRA, ITHURALDE, 2015).
Um objetivo da educação transformadora é, portanto,
construir ferramentas que promovam uma reflexão crescente sobre a
própria prática, uma leitura progressivamente crítica e autônoma do
mundo. Paulo Freire nos disse: "não há denúncia verdadeira sem
compromisso com a transformação, nem compromisso sem ação"
238
(2014, p. 98). Assim, como educadores de jovens e adultos, daquelas
pessoas cujos direitos foram violados múltiplas vezes, e não apenas na
educação, não podemos ter como objetivo mudar apenas o discurso e
o pensamento, mas devemos pensar na ação, uma ação que
transforme a sociedade. E essa ação, para ter hipóteses de sucesso, deve
ser uma ação coletiva, organizada, que responda às estratégias de um
grupo social. Desta forma, embora a educação não transforme o
mundo, como nos ensinou Paulo Freire, ela transforma as pessoas que
vão transformar o mundo. Nomeadamente, gera melhores condições
para que elas se organizem.
Bacharelados populares do movimento popular "la dignidad”
O Movimento Popular "La Dignidad" - MPLD considera que
o principal objetivo dos Bacharelados Populares deve ser o de reforçar
a rede organizativa no território, incentivando a adesão de mais
camaradas à organização, aumentando a sua capacidade de ação e
fortalecendo-a através da formação dos seus militantes de base. Neste
sentido, os Bacharelados Populares, doravante denominados BPs, são
espaços abertos ao bairro, embora sejam coordenados por membros
do MPLD. Têm, portanto, uma dupla função. Por um lado, ser um
instrumento de difusão da organização no bairro, aproximando-a de
cada vez mais vizinhos para que conheçam as suas ações no território,
outros espaços de militância e organização, as suas posições políticas
e se formem a partir dos debates como das atividades mais
estritamente acadêmicas com uma perspectiva de classe (e fortemente
situadas no território em diálogo com uma perspectiva mais global)
que aí se realizam.
Processos semelhantes também são realizados por aqueles que
passam a integrar esses BPs como coordenadores pedagógicos. Esses
239
sujeitos, muitas vezes, crescem em consciência coletiva e capacidade
de organização em relação ao movimento e, assim, assumem novas
tarefas e responsabilidades fora da sala de aula. Essa perspectiva de
atuação nos espaços educativos e escolares como iniciadores e/ou
articuladores do diálogo da organização com os vizinhos e moradores
tem sido amplamente utilizada por outras organizações, como a
Frente Sandinista de Libertação Nacional (ARIAS, 1984). Por outro
lado, têm a função de formar os militantes que já participam do
movimento, que nesses processos constroem visões cada vez mais
amplas da realidade e se habilitam a assumir novas e mais complexas
responsabilidades dentro da organização.
Essa tarefa, que parece simples, é na verdade muito complexa
e exige um grande trabalho regular dos militantes do MPLD que
fazem parte desses BPs para que eles não se autonomizem da
organização e percam a organicidade em suas atividades cotidianas.
Isso é fundamental para a articulação da organização com o bairro e
com outros espaços de militância, para que estudantes e
coordenadores visualizem constantemente as ações da organização no
território diariamente e possam também participar de outros espaços
além dos educativos. Este último resulta no crescimento dos
militantes do bairro, mas também numa formação mais sólida em
análise política por parte destes sujeitos. Para que isto seja possível, o
bairro e a organização devem entrar no bacharelado e nas salas de aula,
criando assim comunidades de aprendizagem mais amplas do que o
próprio bacharelado popular (TORRES, 2004).
Uma questão fundamental nos BPs é a necessidade de
enquadrar a esfera educativa como uma esfera de luta. Uma luta pela
qual só aprendemos o seu valor na própria luta e ação direta. "As
mudanças com que sonhamos são conquistadas através da luta, e na
própria luta vamos compreendendo que a única forma de libertação
240
é disputando o poder. A dimensão pedagógica das lutas é inerente à
concepção de Educação Popular, ou seja, se buscamos construir uma
dimensão emancipatória devemos ser protagonistas da ação
organizada para a transformação da sociedade. Neste ponto,
distancia-se das concepções educativas tradicionais, que, nos
antípodas desta visão, concebem a ordem, a obediência e a integração
social a partir de uma socialização passiva como valores altamente
valorizados" (TORRES, 2013; ITHURALDE, PEREIRA, 2015, p.
14).
Nos nossos espaços, a irrupção da luta direta assumiu uma
grande dimensão pedagógica e facilitou muitos processos de avanço
conceptual. Entre eles, podemos citar: as marchas por títulos, a
partilha do espaço com famílias em situação de rua por terem sido
despejadas de suas casas por empresários ligados ao ramo imobiliário,
a disputa do espaço público por meio da realização de aulas abertas
em parques, praças, espaços culturais, a participação em
coordenadorias de bairro contra a repressão institucional e o gatilho,
a articulação com espaços produtivos do MPLD onde trabalham ex-
trabalhadores desempregados, etc. Estas irrupções, que outros
poderiam considerar perturbadoras, foram, pelo contrário, cruciais
para a construção de laços de solidariedade, de consciência de classe,
de alargamento da dimensão da luta que vai da sala de aula a todo o
liceu e daí à organização, ao bairro e ao capital como inimigo de classe.
O MPLD defende que, quando os espaços educativos
participam de instâncias de luta social, estas podem ganhar "corpo na
vida dos alunos, promovendo uma forte apropriação do projeto
político-pedagógico e uma grande marca na subjetividade coletiva"
(PEREIRA e ITHURALDE, 2015, p. 15). O valor da luta, da
solidariedade e da organização social é aprendido justamente ao
241
praticá-los de forma autêntica, ou seja, como parte do cotidiano dos
alunos (ROTH, 2002).
Ocupar e educar como processos integrados na luta do MST
O MST, oficialmente existe desde 1984, quando ocorreu o
primeiro encontro na cidade de Cascavel no estado do Paraná, e seu
caráter organizativo a nível nacional está projetado em três objetivos
conjuntos: a luta pela terra, a luta pela reforma agrária e a luta pela
transformação social. A luta contra o latifúndio improdutivo e o
agronegócio promove ocupações de terra e consequentemente novos
acampamentos, em que a formação política da base que também é
uma base pedagógica (CALDART, 2004; RODRIGUES, NOVAES,
2017). Nesse sentido, o MST tem pensado a participação em
instâncias de luta social (como a tomada de terras do latifúndio, as
marchas, etc.) como atividades profundamente pedagógicas
(CALDART, 2000). Mas, para isso, é necessário também promover
reflexões coletivas que possibilitem relacionar as lutas locais a
processos históricos mais amplos no tempo e no espaço.
Se a terra representava a possibilidade de trabalhar, produzir
e viver dignamente, faltava-lhes um instrumento fundamental para a
comunidade de luta. A continuidade da luta exigia conhecimentos
tanto para lidar com assuntos práticos, como para entender a
conjuntura política, econômica e social. Arma de duplo alcance para
os Sem Terra, a educação tornou-se prioridade do Movimento.
(MST, 2016).
Segundo Rodrigues e Novaes (2017, p. 257),
“desde as primeiras ocupações houve a necessidade de se pensar
a questão da escola e da educação para as crianças dos
242
acampamentos”. Segundo os autores, o MST é o maior
movimento social do Brasil com preocupação na educação. Foi
no início de 1980 no acampamento Encruzilhada Natalino no
estado de Paraná, que iniciava também as preocupações
relacionadas à educação das crianças que conviviam no
acampamento (CALDART, 2015). Nesse sentido, desde as suas
origens, uma das suas características é o trabalho educativo
articulado à luta pela terra, aliás, como destaca Zibechi (2005) -
numa entrevista realizada a Maria Goreti de Souza em 2005
32
,
“durante as ocupações antes de se fazer uma barraca se instala a
escola”.
Pode-se dizer então que a história de criação do MST vincula-
se com o processo de educação. Em que o desenho de escola estaria
orientado por questões científicas com autonomia e a formas de
relacionar o ensino com a realidade do lugar, apoiada na
fundamentação de que a educação deveria estar integrada com as
questões reais e preocupações da vivência cotidiana (CALDART,
2003). Partindo desse pressuposto, o MST constitui uma educação
intencional, uma proposta pedagógica de se pensar um conteúdo que
integre com o trabalho.
A Pedagogia do Movimento Sem Terra é o jeito através do
qual o Movimento vem, historicamente, formando o sujeito social de
nome Sem Terra, e educando no dia a dia as pessoas que dele fazem
parte. E o princípio educativo principal desta pedagogia é o próprio
movimento, movimento que junta diversas pedagogias, e de modo
especial junta a pedagogia da luta social com a pedagogia da terra e a
32 SOUSA, Maria Gorete. Doutora em Educação. Fez parte da Direção Nacional do MST.
ENTREVISTA. Luta pela terra: além de ocupar as terras, precisamos ocupar as letras. Edição
especial. São Paulo: IBASANET, 2005. Disponível em: <http://www.alasbarricadas.org/fo-
rums/viewtopic.php?f=24&t=44952 > Acesso em: 28 de janeiro de 2018.
243
pedagogia da história, cada uma ajudando a produzir traços em nossa
identidade, mística, projeto. Sem Terra é nome de lutador do povo
que tem raízes na terra, terra de conquista, de cultivo, de afeto, e no
movimento da história. (CALDART, 2003, p. 51).
Nessa lógica, a pedagogia dos Sem Terra voltada a teoria e a
prática são traços do processo histórico de luta do movimento social.
Sendo que para desafiar a concentração da terra e latifúndio
improdutivo através da reforma agrária, é necessária a compreensão
histórica da luta pela terra que antecede a formação do MST. Assim,
alguns trabalhos com respeito à compreensão sobre a prática
educativa são considerados como a própria formação cultural do
MST desde a perspectiva de Caldart (2000, 2014), e desde os
entendimentos de Rodrigues (2003) e de Paula e Savieli (2012), como
processo único que se apoia na pedagogia da alternância como uma
metodologia de estudo. O caráter educativo do MST nos pressupõe a
dimensão educativa de organicidade, do trabalho e na relação entre
teoria e prática. Isto é, “a inserção dos educandos que continuam em
outras estruturas organizativas do MST [...], e sobretudo, nos
processos produtivos, econômicos, políticos, culturais e
educacionais”, a necessidade de “produzir condições materiais para
garantir sua existência e a produção social”, e “enquanto
intencionalidade pedagógica de formação e estratégias
metodológicas” (LIMA et al, 2015, p. 197 - 206).
Contudo, os processos educativos complexifica as dimensões
de formação política e também a dimensão escolar, desde muito antes
da criação do setor de educação do MST, em 1987, para buscar
atender a necessidade da continuidade da luta e o atendimento a
questões históricas como a de exclusão do acesso à escola nos
acampamentos e assentamentos, demonstra o trabalho constante pelo
movimento em seu conjunto (CALDART, 2015; TIEPOLO, 2015).
244
Em complementação Correia (2008) traz que embora o acesso à
educação seja direito de todos, é preciso se organizar e transformar
esse desejo em ações no sentido de promover a busca por esse objetivo.
O esforço de mobilização, organização e capacitação das
classes populares é uma ferramenta político-pedagógica e qualifica
para a luta de classes elevando seu nível de consciência, convertendo
em ações concretas, (PALUDO, 2015; HURTADO, 1993) pois não
adianta o discurso revolucionário com uma prática reacionária, de
nada adianta uma proposta revolucionária se nossa prática é a que
atende a classe que oprime, não é o discurso que diz se a prática é
válida; é a prática que diz se o discurso é válido ou não (PELOSO,
2012). A EJA na perspectiva da Educação Popular busca construir
espaços para troca de conhecimentos para transformar a realidade,
ajudar na construção e propor estratégias de organização popular para
enfrentar os desafios ligados ao cotidiano. Nesse sentido resgatamos
como surgiu a EJA no MST.
Nos anos de 1996 e 1997, o MST assina seu primeiro
convênio de EJA com o MEC, que abrangeu 500 turmas de
alfabetização, formando e capacitando mais de 500 monitores. Essa
parceria com foi importante para avançar com os processos de
alfabetização nos espaços de acampamentos e assentamentos Sem
Terra. Nos anos de 1995 e 1996 tivemos outras duas parcerias que
abrangeu 100 turmas de EJA através da Secretaria de Educação do
Estado do Paraná e a Universidade Federal de Sergipe (UFSE) que
assinou um convenio com o MST. Aqui o movimento já enfrentava
o analfabetismo através de duas frentes: a frente pedagógica com o
processo de elaboração de uma proposta própria de educação de
jovens e adultos do MST e a frente política que trouxe a luta pelo
direito e pelo acesso à alfabetização - educação de jovens e adultos
(MST, 2003).
245
No ano de 1997 no que se refere a alfabetização, foi realizado
o 1° Encontro Nacional dos Educadores e das Educadoras da Reforma
Agrária (ENERA), que proporcionou compartilhar diversas trocas de
experiências de EJA que ocorria em todo pais, também nesse período
despontou o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária
(PRONERA), que foi consequência da organicidade dos movimentos
populares do campo que fizeram diversas lutas, e que através das
parcerias possibilitou avançar nos processos de alfabetização.
Contudo, o MST compreende que a pratica política e a pedagógica
não é somente alfabetização, apesar de o principal ponto ser a
alfabetização, tem que se pensar também na pós alfabetização e na
escolarização de jovens e adultos. Ainda nesse período teve a parceria
com a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e
a Cultura (UNESCO) e o MEC, que fomentava a criação de 680
turmas de alfabetização envolvendo dez mil educandos (MST, 2003).
Compreendemos que nossa prática política e pedagógica com
as turmas de EJA não é só trabalho de alfabetização. É "Educação de
Jovens e Adultos" e passamos a assumir de fato está denominação.
Levamos em conta as seguintes razões: para entrar em sintonia de
linguagem com os demais esforços nesta frente que estão acontecendo
hoje no mundo inteiro; para alertar a nós mesmos que, embora a
nossa prioridade atual seja a alfabetização propriamente dita, há
outros passos a dar no campo da pós-alfabetização e da escolarização
de jovens e adultos de nossos assentamentos e acampamentos", a
concepção entendimento de que a educação é um processo de
formação humana, através do diálogo, para aprender a aprender da
vida em coletivo e da realidade do campo, para entender que o MST
é nossa maior escola e que o coletivo é nosso maior educador (MST,
2003).
246
A partir de 2007 teve a campanha Nacional de Alfabetização
no MST - “Todos e Todas Sem Terra Estudando”, onde esse tinha
como objetivo combater o analfabetismo nos territórios de reforma
agrária, o movimento tem a finalidade de, através de campanhas e
parcerias, proporcionar que todos que sejam acampadas e assentados
possam ter acesso à educação.
Leitura e Escrita no Processo da EJA
Na perspectiva sociocultural, a língua é um campo de
contestação, e não apenas um mediador da aprendizagem e um
suporte do pensamento. Existem formas legitimadas de utilização da
língua, cuja legitimidade é conseguida como resultado de lutas de
classificação social, através das quais setor(es) consegue(m) impor a
sua visão particular como visão universal. Assim, na diversidade de
usos sociais da linguagem, nem todos são valorizados da mesma
forma, mas as pessoas são hierarquizadas de acordo com a forma que
utilizam. Paulo Freire (1977) ensinou-nos, a propósito da sua
experiência na Guiné-Bissau, que ter mantido o português como
língua do sistema educativo significava continuar a promover a
ingerência do colonizador entre os que frequentavam os seus centros
educativos.
Assim, o processo de aprendizagem (coletiva e social) do
sistema de escrita abre-se, em posições críticas, a uma leitura e
transformação do mundo, da realidade dos alunos e das suas
comunidades. De acordo com Kurlat (2020), existem marcas de
exclusão e de ensino que operam como obstáculos na aprendizagem
da leitura e da escrita. As primeiras se corporificam como marcas nas
pessoas, marcas de sua história e experiências sobre as quais constroem
uma visão de si mesmas na qual atribuem a responsabilidade ("culpa")
247
pelo "fracasso", por não saber ler e escrever, o que gera sentimentos
de vergonha e inibição para enfrentar processos de aprendizagem.
Estes últimos contam como construíram uma ideia do que é a leitura
e a escrita em experiências educativas passadas e presentes, muitas
vezes ideias distorcidas sobre estes processos, por exemplo, tendo
produzido o preconceito de que ler equivale a decifrar, a saber nomear
letras e depois juntá-las.
Esse “culto das letras”, como denominado por Kurlat (2020),
funcionam como barreiras a novos processos de aprendizagem da
leitura e da escrita, barreiras que podem ser tidas em conta na
planificação do ensino, para gerar situações que promovam a reflexão
sobre essas marcas, tornando-as conscientes e problematizando-as
como forma de as transformar. Desta forma, pretende-se entrelaçar os
processos psicossociais anteriores, onde se construíram hábitos,
esquemas de percepção, sentimento e ação sobre a realidade em torno
do que significa ler e escrever e a relação pessoal com o conhecimento
sobre a leitura e a escrita, com processos didáticos que promovam a
transformação desses esquemas.
A distribuição desigual nas sociedades e regiões do mundo
foram (e ainda hoje são) resultantes de processos heterogêneos. O
reconhecimento do direito à educação de cada país é condição
necessária, mas insuficiente para sua garantia, que depende da forma
como a cidadania se realiza em cada contexto, como resultado dos
conflitos e consensos sociais que se estabelecem em cada momento
histórico determinado.
Segundo Galvão e Di Pierro (2007) trazem em seus estudos
pontos que ligam o analfabetismo à exclusão social, porém o
analfabeto não é visto pela expressão de processos de exclusão social
ou violação de direitos coletivos, mas pela experiência individual de
descaminho ou desastre, cometidos por diversas ocorrências como
248
discriminação e humilhação, junto com sofrimentos e, acompanhadas
por sentimento de culpa e vergonha. Os poucos escolarizados se
submetem às normativas dominantes, e são consideradas pessoas
desprestigiadas, os constrangimentos e a vergonha os tornam
inseguros. Ainda segundo as autoras a autoestima do analfabeto vai se
esvaindo quando esse recebe discriminação ou é constrangido, se
deteriora.
Sendo assim, para retornar à escola, jovens e adultos têm de
romper com os obstáculos preconceituosos, regularmente
transpostos, almejando um grande desejo de aprender. Contudo, a
aprendizagem precisa ser fomentada por uma prática pedagógica que
garanta condições para que prevaleça uma atitude positiva diante dos
estudos.
Considerações Finais
Ao longo do texto, trazemos elementos relacionados à
educação a partir das relações estabelecidas na EJA, atuando na
formação humana através dos princípios humanizadores que
conformam a reinvindicação de luta de classes, sendo que a educação
humanista, libertadora, tem trajetória de debate desde os processos
revolucionários e que se projetam na luta latino-americana.
Entendemos que a educação tem um papel fundamental, pois,
além de proporcionar a alfabetização das crianças, jovens e adultos ela
também contribui com formação política proporcionando a
organicidade dos sujeitos para novas conquistas, principalmente nas
buscas por novos conhecimentos, sendo esse capaz de lidar com
diferentes situações e desafios que possam exigir tomadas de decisões
nos territórios.
249
Reforçamos que a EJA na concepção das organizações sociais
é trabalhada para a transformação a partir dos valores que contribuem
para seu crescimento formando um sujeito crítico da realidade,
trazendo uma nova pedagogia, com novas formas de educar, trabalho
prático, fundamentos baseados nos contextos social, técnico e
científico em que desenvolviam atividades cotidianas, tratando a
realidade onde cada educando vive com propósito de contribuir para
uma sociedade mais justa. E sim, é possível transformar a realidade
em que vivemos através da educação.
Sendo assim, a EJA quando desenvolvida numa perspectiva
de lutas de classes, cria um vínculo contra hegemônico; sua concepção
é para formação da vida e carrega consigo elementos de articulação
entre “educação e luta política; educação e classe social; educação e
conhecimento; educação e cultura; educação e ética; e entre educação
e projeto de sociedade” (PALUDO, 2015, p. 228).
Fomenta diálogos entre o conhecimento cientifico e o
acúmulo do nosso conhecimento através dos tempos, uma herança
que deve ser compartilhada, como o chamado de conhecimento
popular e que é adquirida ao longo dos anos em nossas experiências
de vida. Essas trocas de experiências ao ser compartilhadas são um
ponto fundamental para que possamos compreender a realidade, pois,
“quem não sabe, é como quem não vê”. E quem não compreende a
realidade, não tem a capacidade de transformá-la.
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DESAFIOS DA EDUCÃO DE JOVENS E
ADULTOS FRENTE ÀS POLÍTICASBLICAS
Cláudia Elaine Catena
33
Allan Alberto Ferreira
34
Introdução
O que motivou a apresentação deste texto foi o interesse em
contribuir com o debate acadêmico sobre a Educação de Jovens e
Adultos. Para tanto, formulou-se o seguinte questionamento: Quais
os desafios enfrentados pela Educação de Jovens e Adultos frente às
políticas públicas? Assim, estabeleceu-se como objetivo principal
investigar alguns desafios enfrentados pela Educação de Jovens e
Adultos na realidade brasileira, considerando o período de 2018 a
2022 em que se instalou no país um cenário de desmonte das políticas
e órgãos da cultura, ciência e educação, com significativa redução do
orçamento da educação pública.
Como embasamento teórico, será utilizada a abordagem
histórica centrada em pesquisa documental e bibliográfica. O método
escolhido para analisar os dados localizados sobre os desafios
33 Doutoranda em Educação pela UNESP, Câmpus de Marília. Mestra em Educação pela
UNESP, Câmpus de Marília. Professora de Educação Básica da Rede Oficial de Ensino do
Estado de São Paulo. claudia.catena@unesp.br
34 Doutorando em Educação pela UNESP, Câmpus de Marília. Mestre em Educação pela
UNESP, Câmpus de Marília, graduado em Psicologia pela Fundação Educacional de Araça-
tuba Fac-Fea. allan-alberto.ferreira@unesp.br
256
enfrentados pela Educação de Jovens e Adultos é o materialismo
histórico e dialético.
Neste texto, a expressão “educação de jovens e adultos” é
compreendida como:
[...] ação educativa dirigida a um sujeito de escolarização básica
incompleta ou jamais iniciada e que acorre aos bancos escolares
na idade adulta ou na juventude. A interrupção ou o
impedimento de sua trajetória escolar não lhe ocorre, porém,
apenas como um episódio isolado de não acesso a um serviço,
mas num contexto mais amplo de exclusão social e cultural, e
que, em grande medida, condicionará também as possibilidades
de inclusão que se forjarão nessa nova (ou primeira)
oportunidade de escolarização (FONSECA, 2012, p.14).
Cenário Nacional de 2018 a 2022
É inevitável falar de golpe quando nos referimos ao Brasil,
pois parece haver uma longa tradição deste desde a chegada dos
portugueses até os dias atuais. O país tem um histórico conturbado
de golpes políticos e interferências na democracia, podendo ter uma
relação, claro que de maneira implícita, com avanços e conquistas dos
segmentos populares da sociedade, contrários aos interesses das elites.
O termo golpe político é usado para se referir a uma ação ilegal ou
antidemocrática que derruba ou ameaça o poder do governo legítimo
ou da democracia. Poderíamos citar o ocorrido no governo de Getúlio
Vargas, em novembro de 1945, deposto pelos militares, o do João
Goulart, que resultou na ditadura militar e outras interferências na
democracia ao longo dos anos, ou mesmo o chamado “Golpe de
Maio” de 1831, quando o então Imperador do Brasil, Dom Pedro l,
renuncia ao trono e retorna para Portugal, porém iremos nos ater a
episódios mais recentes da nossa história.
257
Em 2014 foi eleita de maneira democrática a primeira
presidenta do nosso país, Dilma Rousseff, uma política experiente e
defensora dos direitos humanos e da democracia, tendo ocupado
vários cargos importantes ao longo da sua carreira política, contudo,
pouco tempo depois, começa a ser organizado um golpe institucional,
não sendo respeitada a soberania do voto popular. Embora o Brasil
tenha avançado muito e tenha se tornado uma democracia estável,
questões importantes sobre a preservação da democracia e a proteção
contra ameaças internas e externas que precisam ser observadas.
No ano de 2016, a presidenta Dilma Rousseff sofreu um
golpe parlamentar, midiático e institucional, sendo que o país assistiu
a uma descontinuidade de projetos que vinham apresentando bons
resultados, mudanças sociais, geopolíticas e econômicas positivas e
assistiu, em decorrência, a ascensão do vice-presidente, Michel
Temer, ao poder. A partir de então começamos a enfrentar tempos
difíceis, mas o pior ainda estava por vir. Tudo isso abriria espaço para
o surgimento de uma política neofacista, de extrema direita, na figura
do deputado que após vinte e sete anos como congressista aprovou
apenas dois projetos que favoreciam empresários, não negando a que
viria e se tornaria presidente como “defensor da família e dos bons
costumes”, pró-armas e proporcionaria o maior desmonte das
políticas e órgãos da cultura, ciência e educação.
Diante deste contexto, o que nos causa grande espanto é com
o fato de que, grande parte da população, independentemente de cor,
sexo, raça, credo, escolaridade, classe social, a qual, além de apoiar o
presidente eleito em 2018 e tratarem-no como o salvador da pátria,
fazem ecoar o discurso de ódio proclamado por ele. E esse sentimento
impregnou grande parte da população.
O discurso autoritário e ultraconservador, apoiado em
propostas apresentadas como liberais e renovadoras do processo
258
político, busca legitimar cortes de verbas da educação em geral e
restringir a liberdade de cátedra e de manifestação de pensamento,
dispositivos constitucionais, mediante propostas como o projeto
“Escola sem Partido”, ESP, vetado por decisão judicial, bem como o
uso massivo da propaganda institucional, uma estratégia oficial de
regimes antidemocráticos. Trata-se, precisamente, de desconstitucio-
nalizar a legislação educacional tal como feito com as legislações
trabalhista e previdenciária:
Os fundamentos argumentativos dos apoiadores desse
movimento continuam a provar sua visão anticientífica e de
cunho moral acerca das questões da educação. A opinião desses
intelectuais da direita nacional, contra os fundamentos
científicos de educadores que contestam veementemente os
fundamentos hipócritas dos defensores do ESP, mal escamoteia
seus interesses de ordem política, através da censura de ordem
moralista, por meio da naturalização de ideias conservadoras,
com aparentes posições de neutralidade sobre conteúdos
curriculares, assim como de ordem econômica e empresarial
(BARBOSA, 2020, p. 142).
Como se sabe, tal plataforma política não é inovadora e nem
pensa o estado de bem-estar social que, aos olhares incautos, parece
defender. Daí, a necessidade de abuso de poder econômico, de
postura falsamente moralista e de apelo midiático para se manter.
O problema político criado não é novo e nem original; é
típico de regimes fechados. De acordo com Klemperer, a Linguagem
do Terceiro Reich, LTI, por exemplo, é de uma pobreza gritante:
Poucas palavras foram cunhadas pelo Terceiro Reich, talvez
nenhuma. A linguagem nazista usa empréstimos do estrangeiro e
absorve muito do alemão pré-hitlerista. Mas altera o sentido das
259
palavras e a frequência de seu uso. Transforma palavras que
pertenciam a uma pessoa ou a um pequeno grupo em
propriedade de todos, requisita para o partido o que antes era
propriedade comum e, dessa forma, envenena palavras e formas
sintáticas. Adapta a língua ao seu sistema terrível e, com ela,
conquista o meio de propaganda mais poderoso, ao mesmo
tempo o mais público e o mais secreto. Mostrar claramente o
veneno da LTI e advertir as pessoas contra ele parece-me mais do
que uma mera mania de professor. (KLEMPERER, 2021, p.
56).
Se compararmos o período de 2018 a 2022 no Brasil, ao
período da Segunda Guerra Mundial e ao nazismo na Alemanha,
observaremos enorme semelhança existente da linguagem utilizada,
na criação de sentidos, bem como a forma com que a repetição das
palavras e o seu poder vão dominando mentes. Klemperer (2009, p.
55), já nos alertara, ao escrever: “o nazismo se embrenhou na carne e
no sangue das massas por meio de palavras, expressões e frases
impostas pela repetição, milhares de vezes, e aceitas inconsciente e
mecanicamente”.
O regime nazista liderado por Adolf Hitler na Alemanha,
ainda ecoa em alguns setores da sociedade brasileira. Alguns grupos
extremistas e de ideologias fascistas ainda usam a retórica do nazismo
para promover suas ideias antidemocráticas e de ódio. No entanto,
esses grupos são minoritários e não representam a opinião da maioria
da sociedade brasileira, que é comprometida com a democracia e com
os valores da pluralidade e tolerância. É importante que as pessoas
denunciem esses grupos e suas ações e que a sociedade se una contra
o ódio e a intolerância.
Presenciamos o fanatismo atualmente, parece que essas
pessoas passaram por uma lavagem cerebral, referem-se ao presidente
260
eleito em 2018 como mito, repetem frases como um mantra, a
exemplo disso podemos citar o slogan da campanha “Deus acima de
tudo, Brasil acima de todos” e apropriam-se ainda, de símbolos
nacionais, como a bandeira. Vale dizer, que há no mínimo uma
contradição entre o que se propagava e o que se realizou, haja vista a
quantidade de notícias falsas que foram veiculadas na internet, porém
há que se pensar ainda que as fake news podem servir de justificativas
que são usadas para legitimar posições já existentes, ainda mais
quando se tem o ex-presidente, endossando tais posicionamentos.
O neofascismo e a extrema direita no Brasil são movimentos
políticos que surgiram na década de 1980 e que promovem uma
ideologia autoritária, racista, homofóbica e antidemocrática. Esses
movimentos ganharam visibilidade nas últimas décadas, principal-
mente devido ao aumento da polarização política e à ascensão de
líderes políticos que defendem essas ideologias. No entanto, a maioria
da população rejeita essas ideias e defende valores democráticos e
inclusivos. É importante combater o neofascismo e a extrema direita,
denunciando e impugnando a disseminação de ideias de ódio e
intolerância.
Em 2022 tivemos um ano bastante intenso politicamente, à
exemplo da pandemia, parecia estarmos vivendo em um universo
paralelo, quando assistíamos boquiabertos ao noticiário que só falava
de novas e absurdas leis que haviam sido sancionadas, sigilos
centenários, entrada e saída de ministros e secretários de governo e
depois, voltávamos aos nossos afazeres corriqueiros. Era um misto de
ansiedade, cansaço físico, mental e emocional, mas tentando juntar
forças para acender uma ponta de esperança.
A chegada das eleições e a derrota em segundo turno, de um
dos piores governantes que o país já teve, devido a uma série de
fatores, incluindo a falta de diálogo com a sociedade, a ausência de
261
políticas públicas eficazes e a promoção de discursos de ódio não
apagam os motivos que levaram ao golpe de 2016, nem tampouco
neutraliza tais discursos ou modifica o sentido das frases ou palavras
usadas pontualmente para diferenciar ou demonstrar o posiciona-
mento do interlocutor e nem isenta as atitudes preconceituosas dele e
de seus apoiadores, pelo contrário, eles ainda persistem.
Boa parte da população que viveu e vive estes momentos está
compondo uma massa aperceptiva que poderá trazer sérias
consequências para o futuro do país. É necessária uma tomada de
consciência.
§ 35. A massa aperceptiva que determina nossa percepção inclui
elementos constantes e estáveis, formados em nós pelas
influências constantes e repetitivas de nosso próprio meio
circundante (ou de nossos meios), e de elementos transitórios,
que aparecem cada vez de forma diferente, conforme as
condições de um momento dado. Obviamente, são esses
primeiros que são fundamentais, os segundos aparecem contra o
pano de fundo dos primeiros, modificando-os e complexi-
ficando-os. A parte constitutiva desses elementos primeiros é
formada, antes de tudo, o que é óbvio, por elementos verbais, ou
seja, simplesmente pelo conhecimento de uma língua [jazyk]
dada e pelo domínio de seus diversos estereótipos [sablony].
(JAKUBINSKIJ, 2015, p. 88).
Porém, agora havemos que superar, de maneira processual
este que foi um golpe político, social, com repercussões econômicas e
que afetou todos os brasileiros. A linguagem é expressão de uma
época, é o retrato de um tempo e de um país e que agora as palavras
que necessitam ecoar são amor, liberdade, igualdade, respeito,
empatia, democracia, preservação, cultura, ciência, educação e tantas
outras que nos remetem a muito trabalho, mas também a uma
262
sensação de paz, que há muito não sentíamos e que apenas um
governo progressista poderia proporcionar. De acordo com
Klemperer:
Um termo, uma conotação ou um valor linguístico só adquire
vida dentro de uma língua, só existe, de fato, quando seu sentido
consegue se inserir na linguagem de um grupo ou de uma
coletividade, nela adquirindo identidade própria.
(KLEMPERER, 2021, p. 98).
A língua é instrumento de nosso pensamento, nos ajuda a
construir nossos sentimentos e a formar nossa consciência. No
entanto, ainda que um presidente com ideais progressistas e propostas
democráticas de governo tenha sido eleito em 2022, a melhoria que
tanto almejamos não será imediata e nem fácil, haja vista os
acontecimentos de janeiro de 2023 na capital do nosso país, com
depredação de patrimônio público, mais um ato golpista.
Além disso, de 2016 a 2022, de acordo com Saviani (2020,
p.14), foi instalado no país cenário de desmonte da educação
nacional, caracterizado “[...] pelo corte de recursos destinados à
educação, à ciência e à pesquisa científica, pelo ataque à educação
pública com ameaças e iniciativas efetivas de privatização e com a
desqualificação e perseguição aos professores [...]”. Ainda assim, a
esperança de melhoria deste cenário, situa-se na educação escolar, por
meio dela será possível promover a aquisição do conhecimento, mas
conhecimento no sentido freireano, como ação transformadora da
realidade.
A educação em todos os seus níveis, desde a Educação Infantil
ao Ensino Superior, é de suma importância, mas nos limitaremos
nesse texto, a discutir, ensejando reflexões sobre os desafios
263
enfrentados pela Educação de Jovens e Adultos frente às políticas
públicas.
Algumas considerações sobre a EJA no contexto das reformas
Com a homologação da Base Nacional Comum Curricular
(BNCC) em dezembro de 2017, no governo de Michel Temer, onde
a equipe que compunha o Ministério da Educação era de especialistas
convidados e de representantes de grupos empresariais, como a
Fundação Lemann (notória entusiasta pela BNCC), constata-se em
pouco tempo a ruptura com a tradição de construção coletiva de
propostas curriculares a vigorar desde o início do processo de
redemocratização da sociedade brasileira. A despeito de propalada
consulta popular a elaboração da BNCC se revela excessivamente
normativo-prescritiva. Neste documento oficial há pouco ou quase
nada mencionado sobre a Educação de Jovens e Adultos. Em seu texto
introdutório a BNCC traz:
De forma particular, um planejamento com foco na equidade
também exige um claro compromisso de reverter a situação de
exclusão histórica que marginaliza grupos como os povos
indígenas originários e as populações das comunidades
remanescentes de quilombos e demais afrodescendentes e as
pessoas que não puderam estudar ou completar sua escolaridade
na idade própria. (BNCC, 2019, p. 15-16).
No entanto, no decorrer do texto, deste que é um documento
que norteará os currículos do Ensino Fundamental e Médio, não é
apresentada ou proposta qualquer reflexão sobre as necessidades e
especificidades do público da Educação de Jovens e Adultos,
264
limitando-se apenas a informar que determinados eixos e conteúdos
se aplicam a crianças, jovens e adultos.
O público da Educação de Jovens e Adultos, em sua maioria,
é composto por trabalhadores, jovens e adultos da classe operária, que
buscam, por meio da aquisição e elevação da escolaridade, uma
oportunidade de mudança de vida, não só em seu ambiente de
trabalho, mas também, em outros espaços da sociedade. Geralmente
são pessoas que trabalham durante o dia e estudam à noite, com
necessidades, diversidades, saberes e especificidades que devem ser
consideradas no processo de escolarização.
A título de remediar o descaso explícito com a EJA na BNCC,
em 25 de maio de 2021 o Ministério da Educação blica a
Resolução nº 01/2021 (BRASIL, 2021) a pretexto de alinhar a EJA à
Política Nacional de Alfabetização (PNA) e à BNCC, além de
regulamentar a Educação de Jovens e Adultos a Distância. Mas, quais
eram as diretrizes da PNA? Pergunte-se ao coletivo dos professores
dessa instância educativa se eles conhecem tal instituto legal e
provavelmente se ouvirá uma sonora negativa. A rigor, o documento
somente confirma o que já era tácito entre os estudiosos da EJA:
O novo surto de racionalização perversa da produção na
educação escolar exige patamares mínimos de leitura, escrita e
manipulação de números, o que corresponde, à (re)construção
social do lugar da EJA a uma posição forte e explicitamente
compatibilizada com o capitalismo interno em sua relação com
o capitalismo monopolista internacional. Ao reconhecer a
centralidade da educação e da qualidade do ensino nos
documentos oficiais, essa lógica revela-se materialmente pobre
em termos de um mínimo considerado formativo para jovens e
adultos trabalhadores, pois fortalece a perspectiva de que,
munidos com o mínimo, terá como disputar um lugar no
265
mercado se cada um for empreendedor de si mesmo
(ALVARENGA; RIBEIRO, 2022).
Diante desta constatação, em que a Educação de Jovens e
Adultos foi praticamente apagada do documento oficial que norteará
a reformulação dos currículos escolares e que os altos índices de
analfabetismo no país continuam a existir, é enfrentar o descaso com
a formação daqueles que, pelos mais variados motivos, foram deixados
à margem do processo de escolarização durante a infância. Além disso,
Para a concepção crítica, o analfabetismo nem é uma “chaga”,
nem uma “erva daninha” a ser erradicada, nem tampouco uma
enfermidade, mas uma das expressões concretas de uma realidade
social injusta. Não é um problema estritamente linguístico nem
exclusivamente pedagógico, metodológico, mas político, como a
alfabetização através da qual se pretende supe-lo. Proclamar sua
neutralidade, ingênua ou astutamente, não afeta em nada sua
politicidade intrínseca. (FREIRE, 1981, p.7).
A Educação de Jovens e Adultos, doravante EJA, não pode ser
confundida com alfabetização de adultos, é direito à escolarização, é
a educação para todos ao longo da vida no contexto de direito público
subjetivo. Assim sendo, os enfoques na construção do currículo para
essa modalidade de ensino, devem levar em consideração as exigências
da sociedade contemporânea, que evidenciam que apenas alfabetizar
os jovens e adultos não é suficiente, o que:
[...] impõem à EJA alcançar novas dimensões, propiciando a
formação integral do ser humano e a consciência de suas
potencialidades como ser criador, de modo a assegurar o acesso
aos bens culturais, aos meios de preservação do meio ambiente e
promoção do desenvolvimento sustentável, aos conhecimentos
266
científicos e tecnológicos necessários à participação social e
inserção no mundo do trabalho. O acesso à leitura e à escrita da
língua nacional, a compreensão das diversas linguagens, o
domínio dos símbolos e operações matemáticos, bem como dos
fundamentos das ciências sociais e naturais, constituem as bases
para o aperfeiçoamento constante dos indivíduos. Concebendo
o conhecimento como uma construção social fundada na
interação entre teoria e prática, e o processo de ensino
aprendizagem como uma relação em que predomina a troca de
saberes, os currículos da EJA devem abordar os conteúdos básicos
desde os princípios da educação popular em uma perspectiva
interdisciplinar.” (PAIVA; MACHADO, IRELAND, 2007, p.
28).
Nesse sentido, os currículos devem considerar também os
saberes, práticas, vivências e experiências anteriores e concomitantes
com os saberes escolares, pois, os alunos da EJA se envolvem em
práticas sociais formativas também fora da escola, com o intuito de
ampliar o que foi mencionado acima pelos autores e em concordância
com D’Ambrósio,
Não negamos que o conhecimento disciplinar, consequenteente
o multidisciplinar e o interdisciplinar, sejam úteis e importantes,
e continuarão a ser ampliados e cultivados, mas somente poderão
conduzir a uma visão plena da realidade se forem subordinados,
ao conhecimento transdisciplinar. (D’AMBRÓSIO, 2005, p.
105, grifo do autor).
Cabe destacar que diante das políticas implementadas,
vivenciamos ainda o fechamento de salas de aula da EJA na maioria
das escolas, com a justificativa que não há matrículas suficientes que
garanta o funcionamento dessas salas, o que é no mínimo incoerente.
Há que se examinar, dentre outros aspectos, se essas salas de aula estão
267
funcionando em escolas próximas ao público a quem se destinam,
pois de nada adianta se elas estiverem localizadas em bairros distantes
da moradia desses alunos.
Devemos considerar também, se é oferecido para esses alunos
uma refeição de qualidade no intervalo das aulas, pois na maioria dos
casos, os alunos saem do trabalho e vão direto para a escola, devemos
aqui pontuar que essa refeição é direito, conforme assegura a Lei nº.
11.947 de 2009 no artigo 1º. Incisos I e III:
I- o emprego da alimentação saudável e adequada,
compreendendo o uso de alimentos variados, seguros, que
respeitem a cultura, as tradições e os hábitos alimentares
saudáveis, contribuindo para o crescimento e o desenvolvimento
dos alunos e para a melhoria do rendimento escolar, em
conformidade com a sua faixa etária e seu estado de saúde,
inclusive dos que necessitam de atenção específica;
III- a universalidade do atendimento aos alunos matriculados na
rede pública de educação básica. (BRASIL, 2009).
Além da importância e total atenção que deve ser direcionada
aos currículos, à localização do atendimento, bem como a garantia de
direitos, devemos dispensar atenção também, aos profissionais que
atuarão nessa modalidade tão específica de educação.
Cabe destacar que diante das políticas implementadas,
vivenciamos ainda a escassez de concursos públicos no período de
2018 a 2022. O último concurso público em nível municipal para o
cargo de Professor de Educação Básica I, ou simplesmente PEB-I, na
cidade em que um dos autores deste texto reside, foi em 2016,
conforme Lei Complementar nº. 97/92 (LINS, 1992) e Lei
Complementar nº. 1267/11 (LINS, 2011), que preveem o Regime
Jurídico Estatutário e cria cargos no Quadro Permanente de Servidor
268
Municipal. Assim, há sete anos não se contrata professores efetivos
para a mencionada rede de ensino.
Há atualmente nas escolas dessa rede municipal, que atende a
Educação Infantil (modalidade creche e pré-escola), os anos iniciais
do Ensino Fundamental e EJA e uma escola cívico-militar que atende
os anos finais do Ensino Fundamental, duas categorias de professores,
os professores titulares de cargo efetivo e os professores contratados
em caráter temporário, conforme Decreto Municipal nº. 12764/21
(LINS, 2021). Porém, tanto para o cargo de professor titular, quanto
para o contrato de professor temporário, não há pré-requisito algum
que diferencie os profissionais que atuarão na Educação Infantil, nos
anos Iniciais do Ensino Fundamental ou com o público da EJA.
Com relação à rede de ensino estadual paulista, para o cargo
de Professor de Educação Básica I, ou simplesmente PEB-I da série
de classes de docentes, que atuam nos anos iniciais do Ensino
Fundamental, o último concurso público foi em 2005. Já para o cargo
de Professor de Educação Básica II, ou simplesmente PEB-II da série
de classes de docentes, que atuam nos anos finais do Ensino
Fundamental e Ensino Médio, o último concurso aconteceu no ano
de 2014.
Infelizmente, de modo geral, da mesma forma que acontece
no município citado, acontece também em âmbito estadual, os
profissionais que atuarão na EJA, modalidade com tantas
especificidades, não são diferenciados, no sentido de haver um melhor
preparo para a função que irão exercer.
Há, atualmente, nas escolas da rede pública estadual paulista,
três categorias de professores, os professores titulares de cargo efetivo,
os professores não efetivos (ocupantes de função atividade OFA)
estáveis ou categoria F, que, por meio da Lei Complementar nº.
1.010/2007 conseguiram estabilidade e os professores contratados em
269
caráter temporário ou categoria O. Os professores categoria F e os
professores categoria O foram admitidos pela Lei nº. 500/1974, que,
no artigo 1º. prevê que “[...] além dos funcionários públicos poderá
haver na Administração estadual servidores admitidos em caráter
temporário [...]” (SÃO PAULO, 1974). Para piorar um pouco mais
a situação, esta rede raramente oferece ou fomenta formações
específicas para os docentes que atuarão com a EJA.
A divisão profissional docente, estratifica e estimula
comparações em relação à carreira, à formação, ao salário etc. Se
pensarmos de maneira mais específica, os dados acima são
importantes para refletirmos sobre como essa modalidade de ensino é
pensada e organizada pela rede estadual paulista com a expansão dos
Centros Estaduais de Educação de Jovens e Adultos (CEEJA). A
resolução SE/75 de dezembro de 2018 regulamenta a organização e o
funcionamento do CEEJA que em seu Artigo 2º. explicita:
Os CEEJAs visam a assegurar atendimento individualizado, a
alunos, com frequência flexível, sendo organicamente
estruturados com o objetivo de atender preferencialmente o
aluno, que por motivos diversos, não possui meios ou
oportunidade de desenvolver estudos regulares, na modalidade
presencial, referente à(s) etapa(s) da educação básica que ainda
não cursou ou concluiu. (SEE, 2018).
Recorrendo aos pensadores, filósofos e estudiosos da Teoria
Histórico-Cultural, podemos afirmar a importância das interações
sociais para o processo de aprendizagem e desenvolvimento, o que
nesse modelo de escola é quase inexistente. De acordo com Xavier e
Miguel, que nos alerta sobre a flexibilidade, como uma maneira de
facilitar o acesso e a permanência dos estudantes, configurando “do
ponto de vista educacional como uma descaracterização e camuflagem
270
da realidade social a qual pertencem os sujeitos da EJA” (XAVIER;
MIGUEL, 2022, p. 162), há ainda a descaracterização do trabalho
docente, que resume-se em preparar material para que os alunos
estudem em casa, aplicar provas e oferecer orientação de estudo em
plantões de atendimento.
A mesma resolução, ao tratar dos docentes que atuarão no
CEEJA, cujo ingresso se dará através de processo seletivo de
credenciamento específico, enfoca o perfil profissional, a importância
da participação em cursos de atualização e aperfeiçoamento
profissional, a reflexão sistemática de sua prática docente, entre
outros. Porém, ao tratar dos temas acima mencionados no Artigo 14
parágrafo 1º., traz em seguida, no parágrafo 2º. que “Aos titulares de
cargo, fica vedado o afastamento do respectivo órgão de classificação,
nos termos do inciso III, do artigo 64, da Lei Complementar
444/1985, pela disciplina específica do cargo”. Vejamos o texto da lei
supracitada:
Artigo 64 O docente e/ou especialista de educação poderão ser
afastados do exercício de seu cargo, respeitado o interesse da
Administração Estadual, para os seguintes fins: [...]
III - exercer a docência em outras modalidades de ensino de 1º e
2º graus, por tempo determinado, a ser fixado em regulamento,
com ou sem prejuízo de vencimentos e das demais vantagens do
cargo [...] (SÃO PAULO, 1985).
Se é vedado aos titulares de cargo o afastamento de seus
respectivos órgãos de classificação para trabalhar nos CEEJAs, ainda
que de maneira implícita, está claro que sua função é mais importante
naquele do que neste local. Não é nossa intenção comparar os
profissionais, em mais bem capacitados ou não, em decorrência de
aprovação em concurso público, mesmo porque, há quase uma
271
década não há concurso de professores para esta rede. Porém, o
tratamento dado à EJA fica explicitado, pois, quando não há um
quadro de professores efetivos, a permanência dos professores fica
comprometida, já que na maioria das vezes o processo de contratão
é anual, o que refletirá, inclusive, na criação de vínculo
professor/aluno.
Seguindo com a questão da divisão dos professores em
categorias, não aquela “categoria professor”, a qual Arroyo se refere,
dando sentido de classe organizada ou cultura docente, que mesmo
naquela a que o autor faz referência há divisões, fragmentos, uma
unidade quebrada, diferenças por imagens sociais e autoimagens de
acordo com os níveis de ensino em que esses professores atuam, se na
Educação Infantil, Anos Iniciais, Anos Finais ou Ensino Médio. Nem
tampouco a esta:
Há fragmentos ainda mais complicados na categoria. Imagens e
autoimagens mais desencontradas. Penso na separação que se
lastra por mais de quatro décadas entre os profissionais do
magistério e os profissionais da gestão. Funções diversas,
distantes que vêm construindo um perfil de profissional da
Educação Básica desfigurado. É possível que a maioria dos
profissionais do sistema escolar pense que são normais essas
diversidades, que sempre foi assim, que em todos os sistemas
escolares do mundo a categoria é assim tão diversa. Não é
verdade. (ARROYO, 2011, p. 217).
O fato é que, estas políticas abrem precedentes para
contratação de tecnólogos e bacharéis, que com raras exceções, veem
o micro, estão pautados na lógica da competência, referenciam a
prática como alunos que foram outrora, não tem lastro nas teorias
272
pedagógicas, afetando diretamente os educandos, bem como suas
aprendizagens.
No contexto filosófico da educação, Freire referindo-se ao fato
de que ensinar exige reconhecer que a educação é ideológica, escreve:
Saber igualmente fundamental à prática educativa do professor
ou da professora é o que diz respeito à força, as vezes maior do
que pensamos, da ideologia. É o que nos adverte de suas manhas,
das armadilhas em que nos faz cair. É que a ideologia tem que
ver diretamente com a ocultação da verdade dos fatos, com o uso
da linguagem para penumbrar ou opacizar a realidade ao mesmo
tempo em que nos torna “míopes”. (FREIRE, 1996, p. 125).
Defendemos que, é necessária uma política séria, política de
Estado e não política de governo, uma política de formação e
capacitação dos professores que atuarão com o público da EJA, para
que a escola de fato, seja um ambiente acolhedor, de inclusão, que
valorize os saberes desse jovem e desse adulto, que sejam
desenvolvidas metodologias apropriadas, pois só assim, estaremos no
caminho de mudar os paradigmas, nos voltando para as reais
necessidades de aprendizagem dos alunos.
Mészáros (2007, p. 129), defende que “[...] nossa tarefa
educacional é simultaneamente a tarefa de uma transformação social
ampla emancipadora.”, nesse sentido, a educação não pode ser
pensada de forma isolada, deve ser pensada como processo coletivo,
promovendo indivíduos capazes de compreender e transformar a
realidade social em que vivem, vislumbrando como centralidade a
ruptura da lógica do capital, que estimula individualismo e
competitividade, além de visar o lucro.
273
Considerações Finais
Com o intuito de respondermos ao questionamento inicial,
discorremos por alguns pontos que julgamos ser imprescindíveis para
a compreensão de que não são poucos os desafios enfrentados pela
EJA frente às políticas públicas. Porém, sem ingenuidade, sabemos da
importância de pensar a EJA em um contexto de Educação Popular.
Acreditamos que a linguagem é expressão de uma época, o
retrato de um tempo e de um país, país este, onde agora as palavras
que ecoam são amor, liberdade, igualdade, respeito, empatia,
democracia, preservação, justiça, cultura, ciência, educação e tantas
outras que nos remetem a muito trabalho, mas também a uma
sensação de paz, que há muito não sentíamos e que apenas um
governo progressista poderia proporcionar. De acordo com o autor,
Um termo, uma conotação ou um valor linguístico só adquire
vida dentro de uma língua, só existe, de fato, quando seu
sentido consegue se inserir na linguagem de um grupo ou de
uma coletividade, nela adquirindo identidade própria.
(KLEMPERER, 2021, p. 98).
Precisamos melhorar o clima, o solo, porque de acordo com
JAKUBINSKIJ (2015), “o gérmen da estimulação verbal externa deve
ser lançado sobre um terreno preparado, pois só nesse caso ele vai
poder germinar”.
A língua pensada por nós, conduz nossos sentimentos e dirige
nossa mente. Se as palavras podem ser como minúsculas doses de
arsênico, podem também ser gotas diárias de esperança e de garantia
de democracia.
Não será um plantio fácil, haja vista os últimos
acontecimentos na capital do nosso país em janeiro de 2023, porém
274
o preparo do terreno foi iniciado, devemos agora adubar
proporcionando a aquisição do conhecimento no sentido freireano,
como ação transformadora da realidade.
Sob nosso ponto de vista, percebendo as escolas como
aparelho ideológico do Estado, sabemos que os problemas são de uma
natureza maior e tem implicações político-pedagógicas desde a
formação inicial e continuada dos docentes até a sua contratação,
permeando inclusive pela dissolução da luta da classe docente.
Nesse sentido, havemos que ressignificar a cultura
desenvolvida acerca dos mecanismos de controle do Estado, e
principalmente, promover mudanças nas concepções acerca de
educação, de EJA e de sociedade.
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278
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RESOLUÇÃO DE PROBLEMAS NA EJA:
DESCONSTRUINDO PARADIGMAS
Rosangela Marques Gobato Rocha
35
José Carlos Miguel
36
Introdução
Ao longo do tempo, a Matemática apresenta-se como um
campo de estudos de importância para a humanidade, com seu
alcance na escolarização básica indo muito além da análise de
números e operações, técnicas operatórias e procedimentos
algorítmicos, para se constituir como instrumental prático-utilitário
necessário à consolidação do processo de letramento e para o
desenvolvimento intelectual em sentido amplo.
Esta disciplina alia-se aos estudos e pesquisas nas diversas áreas
como das Ciências Naturais, tecnologias e sociedade, ou seja, o
conhecimento matemático é fundamental por sua dimensão prático-
utilitária, mas igualmente para fundamentação de todo o pensamento
científico conforme indicam investigações como as realizadas por
Pires (2008), Onuchic (2012), D’Ambrosio (2005; 2016), entre
outras.
35 Mestranda em Educação UNESP, Câmpus de Marília. email:rosangela.gobato@unesp.br
36 Livre-Docente em Educação Matemática. Professor Associado III vinculado ao Departa-
mento de Didática e ao Programa de Pós-Graduação em Educação da UNESP, Câmpus de
Marília.
280
O tema Resolução de Problemas tem sido objeto de discussões
no âmbito escolar, devido à constatação das dificuldades encontradas
pelos alunos em interpretar, compreender e solucionar problemas.
Indicadores de avaliação externa como o Programa Internacional de
Avaliação de Estudantes, PISA, apontam para o baixo desempenho
do alunado brasileiro na aprendizagem matemática, principalmente
no que tange à resolução de problemas (BRASIL, 2018). Diante
disso, surgiu o interesse de aprofundar os estudos nessa temática.
A Resolução de Problemas, em sua perspectiva metodológica,
é o eixo central das discussões apresentadas neste texto a fim de
analisar os procedimentos utilizados pelos alunos da Educação de
Jovens e Adultos (EJA) e reflexões sobre possíveis encaminhamentos
metodológicos necessários ao desenvolvimento da capacidade de
realização desta prática nas aulas de Matemática.
Isso posto, o objetivo principal da pesquisa consiste na análise
de alguns procedimentos de Resolução de Problemas pelos alunos
matriculados em uma sala de EJA. Considera-se como válida a
abordagem de Resolução de situações matemáticas de acordo com
uma prática voltada à compreensão dos conceitos envolvidos nos
algoritmos, que não necessariamente, devem estar presentes, nessas
atividades.
Assim, o procedimento metodológico se fundamenta em
pesquisa bibliográfica, análise documental e análise qualitativa de
situações matemáticas desenvolvidas em sala de aula relativamente à
temática da resolução de problemas.
De início, nota-se na literatura produzida sobre a temática que
o professor deverá oportunizar aos alunos momentos para pensar e
expressar ideias, diante das situações propostas. A interação com as
diversas formas utilizadas pelos alunos, também enriquece o processo
de aprendizagem. Reafirmando esta ideia:
281
Os alunos devem ser encorajados a fazer perguntas ao professor
e entre eles mesmos, quando estão trabalhando em grupos.
Assim, eles vão esclarecendo os pontos fundamentais e
destacando as informações importantes do problema, ou seja,
vão compreendendo melhor o que o problema pede e que dados
e condições possuem para resolvê-lo. (DANTE, 1991, p. 31).
Esta afirmativa mostra-se como um grande desafio enfrentado
pelo aluno da EJA, pois a maioria traz em sua trajetória escolar uma
experiência negativa. Frequentaram uma escola onde prevalecia a
educação por tentativas de transmissão de conteúdos, em que o
professor geralmente se posicionava como parte principal do processo
de ensino e aprendizagem. Uma escola que não permitia a atuação
protagonista do aluno na construção de ideias. Não havia diálogo.
Não havia espaço para questionamentos.
Paulo Freire traz reflexões acerca ¨de uma pedagogia
problematizante e não de uma ‘pedagogia’ dos ‘depósitos’,
‘bancária’”. (1987, p. 100). Na perspectiva de uma didática com a
prevalência de transmissão de conceitos, o educador se apresenta
como centro no processo de ensino, tendo como ação principal
conduzir os educandos à uma prática de armazenar conteúdos, sem
que haja reflexão. ¨Mais ainda, a narração os transforma em
“vasilhas”, em recipientes a serem “enchidos” pelo educador. [...]
Desta maneira, a educação se torna um ato de depositar, em que os
educandos são os depositários e o educador, o depositante. ¨ (2017,
p. 80).
Na contramão de uma educação bancária (FREIRE,1987),
acreditamos em uma educação voltada para o protagonismo do aluno.
Neste processo, a figura do professor não é descartada. Ao contrário,
caracteriza-se como um mediador no processo de apropriação de
novos saberes. Dessa forma, ¨o conceito mediação compreende tanto
282
as apropriações e intersecções entre cultura, política e fenômeno
educacional, quanto as apropriações, recodificações e ressignificações
particulares aos receptores. ¨ (SANCEVERINO, 2016, p. 457).
Reafirma-se a ideia de que durante este processo, cada educando i
atribuir sentido ao novo conhecimento de modo peculiar.
Quando o educando expõe seus pensamentos, explica como
compreendeu um problema proposto e demonstra o raciocínio que
utilizou para resolvê-lo, organiza ideias e reflete sobre aquilo que
aprendeu. Ao avaliar o caminho percorrido pelos colegas da turma a
a resolução, descobre novos caminhos para calcular.
Ao propor o trabalho com essa temática, é importante analisar
os objetivos que se pretende atingir. Um dos mais importantes é a
reflexão sobre novos conceitos e não o treino ou repetição de algo já
aprendido. Nesta perspectiva, Paulo Freire (2007, p. 86) afirma que:
Antes de qualquer tentativa de discussão de técnicas, de
materiais, de métodos para uma aula dinâmica assim, é preciso,
indispensável mesmo, que o professor se ache “repousado” no
saber de que a pedra fundamental é a curiosidade do ser humano.
É ela que me faz perguntar, conhecer, atuar, mais perguntar, re-
conhecer.
Na literatura consultada, ora a educação matemática de jovens
e adultos aparece como instrumento para conscientização política, ora
é associada à instrumentalização para inserção no mercado de
trabalho, sendo possível identificar ainda uma tendência de educação
matemática voltada para a exploração dos modos próprios de
raciocínio matemático do educando.
Sob o nosso ponto de vista, todas essas formas de
compreensão do constructo teórico-prático da educação matemática
de jovens e adultos devem ser consideradas como dialeticamente
283
articuladas, ou seja, notamos em todas essas tendências a preocupação
em situar o estudante em um processo de produção de sentidos de
aprendizagem e de negociação de significados matemáticos. No
entanto, na escolarização básica o exagero em procedimentos
algorítmicos pouco compreendidos pelo alunado resulta na aversão
ao conhecimento matemático e, em geral, em processos escolares
marcados pela tendência à infantilização dos educandos jovens ou
adultos:
No campo da educação de jovens e adultos, esse resgate das raízes
do indivíduo, de sua dignidade cultural, através do
reconhecimento de estratégias de resolução de problemas que
fogem da matemática convencional, atuam positivamente num
dos maiores inibidores da aprendizagem do aluno, que é seu
sentimento de autodesvalia (FANTINATO, 2004, p. 116).
Mais ainda: a aversão à Matemática escolarizada pelo aluno
da EJA provavelmente justifique uma ênfase maior nas ideias
matemáticas do que nos resultados dessa ciência; uma atenção mais
centrada nos motivos e necessidades de aprendizagem dos educandos;
nas relações de natureza transdisciplinar com outras áreas do
conhecimento; enfim, em conduta pedagógica a enfatizar mais as
situações matemáticas em sentido amplo do que problemas centrados
na forma como os matemáticos organizam a sua ciência. Pensar a
Matemática como conhecimento sistematicamente organizado deve
ser o ponto de chegada do processo de escolarização. O ponto de
partida deve ser a forma como essa ciência dialoga com a realidade,
consolidando-se como linguagem que tende à universalidade, um
conhecimento cuja desconsideração traz sérios danos ao
desenvolvimento do intelecto. Assim,
284
A Atividade de Estudo dos alunos das séries iniciais do ensino
fundamental é construída de acordo com o método de exposição
do conhecimento científico (ascensão do abstrato para o
concreto). O pensamento dos alunos durante a Atividade de
Estudo, tem algo em comum com o pensamento característico
dos cientistas, os quais expõem os resultados de suas investigações
por intermédio das abstrações, generalizações e conceitos teóricos
que funcionam no processo do abstrato ao concreto
(DAVIDOV, 2019, p. 216).
O diálogo com o autor é essencial: na escola, supostamente
positivista, o concreto é tratado muitas vezes como sinônimo de
manipulável, um ledo engano. Considere-se, por exemplo, que o
sujeito observe em um jornal um gráfico de setores circulares no qual
se registra que a quarta parte dos moradores de uma dada cidade de
200.000 habitantes é constituída por analfabetos. Se ele consegue, de
pronto, concluir que aproximadamente 50.000 habitantes da cidade
são analfabetos, ele chegou ao resultado mediante uma abstração,
reflexiva, e não empírica. O dado não estava explícito no gráfico, o
que poderia levá-lo à simples leitura, mediante abstração empírica.
Além disso, um detalhe importante: um gráfico não é concreto
manipulável, mas uma abstração, ou seja, na visão dialética, um
“concreto pensado”.
A rigor, não se retira fato matemático de material concreto,
qualquer que seja ele. Um fato matemático é sempre uma abstração,
ou seja, uma ação internalizada em pensamento. De fato, para
desenvolvê-lo, o sujeito precisa criar um sistema de ações coordenadas
em pensamento, inserindo nele as ações sobre a realidade, material ou
imaterial, e tirar conclusões. Desse modo, o material concreto,
quando usado adequadamente, pode ser relevante para auxiliar os
educandos e o docente no processo de mediação pedagógica a
285
conduzi-los, mediante a interação dialógica. Tal mediação não pode
se limitar à capacidade de comunicação verbal do professor tal como
ocorre nos processos tradicionais de mera transmissão de
conhecimento.
Por isso, a teoria histórico-cultural considera que os conceitos
provenientes dos conhecimentos empíricos se associam às ações
empíricas (formais) e os conhecimentos teóricos, os conceitos, são
associados às ações teóricas (substanciais). É necessário compreender,
no entanto, que a ação empírica e a ação teórica se complementam
dialeticamente, uma contribui para melhorar a compreensão que da
outra se tem. Daí, o conhecimento expressa o resultado do
pensamento, uma reflexão sobre a realidade, e o processo de sua
obtenção, ou seja, as ações mentais.
Partindo desses pressupostos, que definem o corolário
segundo o qual é a aprendizagem que orienta, guia, estimula o
desenvolvimento, nesse texto, sem a pretensão de esgotar o assunto, é
nossa intenção apresentar a perspectiva metodológica da resolução de
problemas como um processo voltado à valorização das heurísticas,
dos modos de pensar e da descoberta dos fatos matemáticos por
educandos da EJA.
Para tanto, o professor deve estar atento às respostas dos
alunos, pois elas trazem evidências do que já sabem e quais
procedimentos foram utilizados para a realização das atividades
propostas. Além disso, pensar em situações que despertem a
curiosidade dos alunos, o que não pode se constituir apenas em um
discurso pedagógico.
Por isso, a busca de encaminhamentos didático-pedagógicos
necessários à análise do problema em debate envolve três momentos:
contextualizar a EJA como modalidade de ensino e o papel da
Matemática nesse diapasão; discutir a perspectiva metodológica da
286
resolução de problemas no âmbito da educação de jovens e adultos;
e, finalmente, apresentar as conclusões decorrentes desse movimento.
A EJA para além da instrumentalização
para o mercado de trabalho
A Educação de Jovens e Adultos, está prevista na LEI
9.394 de 20 de dezembro de 1996 que estabelece as Diretrizes e Bases
da Educação Nacional, prevendo esta modalidade de ensino em seu
artigo 37 por meio da seguinte descrição: ¨A educação de jovens e
adultos será destinada àqueles que não tiveram acesso ou
continuidade de estudos no ensino fundamental e médio na idade
própria¨. Diante desta afirmativa, cabe ao Poder Público garantir aos
alunos da EJA, a oportunidade de concluir os estudos.
Essa é uma questão que permite uma reflexão mais ampla,
pois infelizmente a lei não tem sido cumprida, posto que as salas de
EJA não estão sendo ampliadas, nem ao menos as condições básicas
de permanência têm sido oferecidas. Pelo contrário, o que se observa
em quase todo o território nacional é o fenômeno do fechamento de
salas de aula de EJA porquanto os gestores da educação parecem
acreditar que matriculando as crianças na escola, progressivamente
mais cedo, resolverão o problema do analfabetismo. E o que fazer com
os mais de 10 milhões de brasileiros não escolarizados, os ditos
analfabetos absolutos? E com os cerca de 38 milhões de analfabetos
funcionais? Pior ainda, pouco consideram a ineficiência do sistema
escolar no qual aproximadamente um quarto das crianças inseridas na
escola não são alfabetizadas no primeiro segmento do ensino
fundamental.
No que se refere aos aspectos metodológicos, é necessária uma
análise minuciosa, pois a proposta pedagógica para esta modalidade
287
de ensino precisa ser elaborada a fim de atender às características deste
alunado. Portanto:
Com trajetórias de vida marcadas pela exclusão, particularmente
do direito à educação, quando chegam à escola os educandos da
EJA ainda enfrentam dificuldades para inserção em propostas
pedagógicas que desconsideram as suas rotinas e universos
culturais, bem como a imposição de currículos que não
contemplam seus conhecimentos anteriores e suas experiências
de aprendizagem não-formais, seja do contexto do trabalho, da
família e do convívio social (MIGUEL, 2021, p. 50).
Para falar da EJA, é importante caracterizar este público-alvo.
Trata-se, em sua maioria, de adultos que não concluíram os estudos
na idade própria. Por força do trabalho ou questões familiares, como
por exemplo, criação de filhos, muitos destes adultos “abandonaram
“a escola. Ao longo dos anos, sentem a necessidade de
aprimoramento dos saberes para melhorar suas condições de vida e
retornam à escola. O problema da EJA não deve, portanto, se resumir
ao processo de escolarização formal marcado pela perspectiva de mera
instrumentalização para o mercado de trabalho, mas de inserção na
cultura letrada de sujeitos envolvidos em rico universo de diversidade
cultural.
Assim como na educação de crianças, não podemos desprezar
os conhecimentos prévios desses indivíduos ao adentrarem no espaço
escolar. No caso da EJA, esta bagagem é mais ampla. São pessoas que
se constituíram como seres históricos, inseridos na sociedade com seus
modos próprios de pensamentos, no enfrentamento de desafios
diários. Neste contexto podemos afirmar que são pessoas experientes
em Resolução de Problemas, até para subsidiar a luta pela
288
sobrevivência em situações absolutamente excludentes do ponto vista
socioeconômico.
As ações pedagógicas a serem propostas para a EJA devem ser
pautadas em uma educação com o propósito de contribuir para a
formação integral do homem para que tenha uma participação ativa
na sociedade de maneira consciente; devem ser, portanto, crítico-
reflexivas. Assim:
A razão pedagógica está também associada, inerentemente, a um
valor intrínseco, que é a formação humana, visando a ajudar os
outros a se educarem, a serem pessoas dignas, justas, cultas, aptas
a participar ativa e criticamente na vida social, política,
profissional e cultural (LIBÂNEO, 2004, p. 5).
É de relevância pensarmos em propostas pedagógicas para a
EJA, a partir dos aportes culturais dos quais os educandos são titulares
ao serem inseridos no processo de escolarização formal, para que os
aprendizados sejam significativos. Logo, para contemplar a cultura, é
necessário compreendê-la em suas diversas nuances.
De acordo com esta ideia, Miguel afirma que “os
conhecimentos produzidos fora do contexto escolar, os fatores de
motivação para ingresso na escola, as questões geracionais, as
implicações relativas a questões de gênero, raça, etnia e os contextos
culturais evidenciam a diversidade cultural expressa pela EJA”. (2021,
p. 44)
Brandão (1986, p.15) faz encaminhamentos para uma
educação que tenha como base “uma cultura de classe”: “consciente”,
crítica, politicamente mobilizadora, capaz de transformar tanto os
símbolos com que se representa ao seu mundo, quanto a sua própria
dura realidade material”. É preciso pensar em um espaço onde as
discussões sejam práticas das aulas propostas, para além dos conteúdos
289
escolares. Ações de cidadania devem fazer parte das propostas
pedagógicas.
De fato, é necessário que o trabalho com a EJA tenha como
destaque os aspectos que caracterizam estes alunos, baseado em sua
cultura. Esta ¨inclui objetos, instrumentos, técnicas, e atividades
humanas socializadas e padronizadas de produção de bens, da ordem
social, de normas, palavras, ideias, valores, preceitos, crenças e
sentimentos.” (BRANDÃO, 1986, p.20).
Logo, evidencia-se a importância da elaboração de uma
didática voltada ao repertório cultural dos estudantes. Brandão afirma
que “a cultura é histórica, no sentido de que a atividade humana que
cria a história é aquele (sic) que faz a cultura”. (Brandão, 1986, p.22).
Partindo desde princípio:
o homem - sujeito que produz a cultura define-se mais por
signifi-la como um ato consciente de afirmação de si mesmo,
senhor do seu trabalho e do mundo que transforma, do que
simplesmente fazê-la de modo material (BRANDÃO, 1986,
p.22).
No que se refere à especificidade dos alunos da EJA, muitos
encontram-se motivados a retornarem à escola, a fim de
aprimoramento do conhecimento. Neste contexto, vale nos
atentarmos ao que diz Libâneo (2004, p.5):
Com efeito, as crianças e jovens vão à escola para aprender
cultura e internalizar os meios cognitivos de compreender e
transformar o mundo. Para isso, é necessário pensar estimular
a capacidade de raciocínio e julgamento, melhorar a capacidade
reflexiva e desenvolver as competências do pensar.
290
A educação para os jovens e adultos deve ser ofertada nos
pressupostos de uma educação que leve em consideração os sujeitos
envolvidos neste processo. Logo, não basta estar na escola. É preciso
que esta permanência seja eficaz. Sendo assim, ¨o problema não é
apenas alfabetizar ou educar basicamente a população, mas garantir
perspectivas de Educação Para Todos ao Longo da Vida¨ (MIGUEL,
2021, p. 45).
Complementando esta ideia, concordamos o seguinte modo
de pensar:
A formação do homem para a vida deve ser entendida como um
processo e como um resultado dessa preparação. Portanto, o
processo formativo deve propor a formação integral da
personalidade. Em outras palavras, a formação do homem
precisa ser multidimensional: cognitiva, mental, física, ética,
moral, afetiva, volitiva (AQUINO, 2017, p. 326).
Diante do exposto, evidencia-se a necessidade de ações
pedagógicas planejadas a fim de atender satisfatoriamente os alunos
da EJA.
A prática de Resolução de Problemas na EJA
Para aprofundamento das discussões acerca da temática, foi
elaborada uma aula com a proposição de resolução de situações
matemáticas de diversas naturezas, partindo dos pressupostos da
atividade orientadora de ensino (AOE). Este princípio parte de ações
voltadas para a organização do ensino para a apropriação de novos
conhecimentos. (MOURA, 1996).
Diante de demandas escolares, os alunos devem ser sujeitos
ativos perante as atividades a serem realizadas. Muitos se sentem
291
incapazes de realizar tal tarefa. Um fator a contribuir é provocar no
aluno, necessidades diante de uma demanda. Esta é ação do professor
que deve buscar ações orientadas para auxiliar os alunos. Logo:
A atividade orientadora de ensino tem uma necessidade: ensinar;
tem ações: define o modo ou procedimentos de como colocar os
conhecimentos em jogo no espaço educativo; e elege
instrumentos auxiliares de ensino: os recursos metodológicos
adequados a cada objetivo e ação (livro, giz, computador, ábaco
etc.). E, por fim, os processos de análise e síntese, ao longo da
atividade, são momentos de avaliação permanente para quem
ensina e aprende (MOURA, 2001, p. 155).
Ao abordar a temática de Resolução de Problemas na EJA
temos uma situação peculiar. O fato de a disciplina de matemática ser
caracterizada como a vilã do ensino formal torna-se mais intensa nesta
modalidade. Portanto é preciso desmistificar esta ideia, oportuni-
zando aos alunos o uso de conceitos matemático no cotidiano,
favorecendo assim uma atitude positiva em relação à Matemática.
¨Não basta fazer mecanicamente as operações de adição, subtração,
multiplicação e divisão. É preciso saber como e quando usá-las
convencionalmente na resolução de situações-problema. ¨ (DANTE,
1998, p. 13).
Na perspectiva da Resolução de Problemas, Dante (1998,)
afirma que os problemas podem ser caraterizados por problemas-
padrão, problemas-padrão simples, problemas- padrão compostos,
problemas-processo ou heurísticos, problemas de aplicação e
problemas de quebra-cabeça.
Com base no pensamento do autor, os problemas-padrão são
aqueles mais usuais na escola, geralmente usados para fixação de um
cálculo ou procedimento algorítmico, não exigindo uma estratégia,
292
de forma que os problemas-padrão simples envolvem geralmente
apenas um procedimento aritmético, ao passo que os problemas-
padrão compostos exigem a utilização de dois ou mais procedimentos
aritméticos para a resolução. Por sua vez, os problemas-processo ou
heurísticos exigem na busca de solução o desenvolvimento de
procedimentos matemáticos que não estão explícitos no enunciado,
ou seja, exigem uma estratégia para a resolução.
Em geral, podemos afirmar que os problemas-padrão são
exercícios de fixação e os problemas-processo ou heurísticos são
aqueles que exigem imaginação e raciocínio criativo na formulação de
uma estratégia de resolução conforme observamos em Toledo e
Toledo (1997), em Dante (1998), em Smole e Diniz (2001) ou em
Dante (2009).
Outras categorizações são encontradas nessas obras ou em
textos didáticos, paradidáticos e acadêmicos: problemas abertos (têm
mais de uma solução); problemas fechados (têm apenas uma solução)
ou problemas de aplicação (reportam-se a situações específicas da
realidade).
Considerando os conteúdos dessas obras consultadas,
desenvolvemos algumas situações matemáticas, adaptadas, no que
cabiam, à clientela de educandos do 1º segmento da EJA, ensino
fundamental visando analisar, em abordagem de natureza qualitativa,
as inciativas, dificuldades e progressos dos alunos face às ações para
resolução de problemas.
As atividades foram realizadas em uma turma de EJA
localizada em uma cidade do interior paulista. A sala é composta por
25 alunos. A faixa etária é de 25 a 70 anos, em média. A professora
atua na sala há cinco anos, tendo em vista que o seu cargo de EJA
passou a ser de caráter efetivo no município. Logo, possui pleno
293
domínio das caraterísticas de sua clientela, sendo possível identificar
as facilidades e fragilidades da turma.
Em relação ao aspecto pedagógico, grande parte dos alunos já
adquiriam as habilidades básicas de leitura e escrita, sendo que apenas
uma pequena parte da turma não possui domínio do sistema de
escrita. Recebem total auxílio da professora e de colegas mais
experientes.
Como aporte pedagógico, o município possui legislação
própria com base nas Diretrizes Curriculares Nacionais para a EJA
(BRASIL, 2000).
Para elucidar de maneira breve a ação realizada, foi possível
identificar que os alunos da EJA onde a atividade foi realizada,
apresentaram-se muito tímidos e inibidos. Comportamento
resultante de uma escola excludente, quando frequentada anterior-
mente, na qual prevalecia a transmissão de conteúdos, tendo o
professor como detentor do conhecimento como uma verdade
absoluta. Uma escola que não oportunizava momentos de discussões
e análises de diferentes hipóteses.
Sendo assim, desde o início ficou evidente a importância de
pensar em situações didáticas que favoreçam a participação ativa dos
alunos durante as atividades propostas, em processo de interação
dialógica, com a prevalência de momentos de trocas de experiências,
manifestação de dúvidas, sem o receio de repressão. A prática do
diálogo deve ser introduzida pelo professor em sala de aula. O
educador, por meio da relação dialógica poderá mediar experiências
de aprendizagem, propiciando ¨a preparação para captação do
mundo, para que eles compreendam a realidade que os cerca e possam
intervir nela, superando assim a situação de meros espectadores¨
(SANCEVERINO. 2016, p.459).
294
Logo, um espaço escolar deve ser um ambiente acolhedor,
com a prevalência de práticas pedagógicas que atendam às diversas
dimensões do sujeito, oportunizando momentos de discussões e
debates, respeitando suas individualidades. A respeito disso, podemos
nos apoiar no pensamento de Libâneo:
Em razão disso, uma didática a serviço de uma pedagogia voltada
para a formação de sujeitos pensantes e críticos deverá salientar
em suas investigações as estratégias pelas quais os alunos
aprendem a internalizar conceitos, competências e habilidades
do pensar, modos de ação que se constituam em
“instrumentalidades” para lidar praticamente com a realidade:
resolver problemas, enfrentar dilemas, tomar decisões, formular
estratégias de ação (LIBÂNEO, 2004, p.6) .
É pela mediação dialógica que o docente poderá conduzir os
educandos à abstração de determinada característica e generalizar o
objeto de estudo; a palavra assume o papel de instrumento do
pensamento e meio de comunicação. Quando o diálogo se torna
pouco presente, traz consequências para a apropriação de
conhecimento posto que para a teoria histórico-cultural o
desenvolvimento conceitual se relaciona à ideia de libertação humana
do contexto perceptual imediato pelo processo de abstração e
generalização.
Tal movimento se torna possível pela linguagem em contexto
filogenético, com o surgimento da fala; no âmbito ontogenético,
transitando do modo situacional para a abstração de pensamento
resultante do envolvimento do sujeito em atividades culturais
específicas; e, em dimensão sociocultural pelo efeito de práticas
culturais como letramento, alfabetização, escolarização ampliada e
inserção em processo de desenvolvimento científico, a consolidar a
295
transformação da natureza dos próprios conceitos. Por isso, a
comunicação nas aulas de Matemática é um dos principais
determinantes do sucesso ou do fracasso do processo de ensino e
aprendizagem.
Durante o acompanhamento da aulas para apoiar esse estudo,
os educandos revelaram dificuldades na aprendizagem matemática;
certa aversão à disciplina, especificamente à Resolução de Problemas,
conduta manifesta nas atitudes dos alunos. Até mesmo um deles
relatou a dificuldade com esta disciplina na infância.
Neste contexto, o espaço escolar onde ocorre a educação
formal deve se apresentar como um lugar atrativo para esses alunos.
As aulas a serem oferecidas devem privilegiar conhecimentos
significativos, para que haja sentido na educação. Isto posto, ¨o papel
da mediação pedagógica seria então o de recuperar o significado da
instituição escolar, o sentido do espaço educativo para a EJA¨
(SANCEVERINO. 2016, p.467)
Esperando por esta reação dos educandos, procuramos
estabelecer um ambiente seguro para a realização das atividades.
Abordamos a temática a partir de situações diárias caracterizando-as
como um problema: por exemplo, acaba-se o gás durante o cozimento
dos alimentos para serem servidos no almoço ou o pneu da bicicleta
furou, fazendo com que se encontre uma maneira de resolver a
situação. Encaminhamentos dessa natureza são importantes porque,
em geral, na escola problema tem sempre números, operações ou
fórmulas e, igualmente, uma única solução, sempre.
Em uma conversa breve com a professora, foi possível
identificar a inteira dedicação da docente para atender às necessidades
dos alunos. Ao observar o caderno deles, a professora relata a
metodologia utilizada, sendo ela baseada nas vivências e experiências
296
dos estudantes, atrelando assim os conteúdos voltados ao letramento
e ao conhecimento matemático.
Foi possível observar que situações matemáticas diversas
fazem parte do cotidiano das aulas. Segundo a professora, atividades
como estas estimulam o raciocínio dos alunos, tendo em vista que
muitos possuem idade avançada.
Algumas situações em sala relacionadas à Educação Especial
foram presenciadas. Segundo relatos da professora, há alunos que
apresentam déficit acentuado de aprendizagem, com extremas
dificuldades na apropriação de conceitos. Estes alunos possuem
indícios de deficiência intelectual.
Há um caso, em específico, de uma aluna com laudo médico
descrito com deficiência intelectual. Frequentava uma sala
especializada no município e depois foi encaminhada para a EJA,
onde se sente muito bem. É acolhida por todos. Situações cotidianas
são orientadas pela professora como uso de medicamentos e asseio
pessoal.
Diante do exposto, podemos refletir que muitas salas de EJA,
possuem características bem próximas a estas descritas. Por um lado,
alunos com defasagens em conteúdos escolares por ser ¨retirados¨ da
escola precocemente e por outro, alunos com algum tipo de
deficiência. Neste caso, a maior incidência é a deficiência intelectual.
Após esta breve análise, podemos dizer que “o quão complexo
é o processo de educação de jovens e adultos, rico em nuances de
abordagens e que se situa em um contexto de múltiplos
determinantes.” (MIGUEL 2021, p.32).
Para a organização das atividades propostas, utilizou- se a
estratégia de mesclar situações-problema que envolvem operações e
outras que não. Todas as situações analisadas na sala de aula foram
adaptadas com base na literatura específica sobre a temática abordada
297
no estudo: Toledo e Toledo (1997), Dante (1998; 2009), Smole e
Diniz (2001). Essa escolha foi motivada pelo fato de serem autores
com obras muito utilizadas nas escolas.
A primeira atividade proposta refere-se à situação matemática
descrita abaixo:
A turma da EJA resolveu desenvolver um projeto denominado
"Pipas no ar". Os 26 alunos vão confeccionar pipas para doar
para crianças carentes. Para tanto, vão se reunir no sábado, num
parque, para construir e empinar pipas. O concurso elegerá a
pipa mais bonita e a mais original. Uma comissão de alunos ficou
encarregada de fazer as compras. De repente, uma pergunta:
Com quantos reais cada um teria que contribuir? Faça um
inventário com os possíveis questionamentos que os educandos
fariam (pelo menos 4).
Inicialmente, a atividade foi apresentada aos alunos por meio
da leitura prévia do enunciado, tendo em vista que nem todos os
alunos se apropriaram dos procedimentos de leitura e escrita
convencional. Em seguida, a situação matemática foi lida novamente
de modo que os dados expressos no texto foram destacados de
maneira colaborativa. Esses dados foram registrados em um cartaz
afixado na lousa. Durante este momento, foi possível identificar uma
grande dificuldade de compreensão de fato, dos dados expressos para
que pudéssemos prosseguir com os trabalhos. Após questionamentos,
os alunos foram levados a refletirem sobre quais os procedimentos a
serem utilizados para resolver tal demanda: Quantas crianças seriam
beneficiadas pelo projeto? Uma aluna se manifestou dizendo que
seriam 26 crianças. Voltamos ao texto para identificar esta informação
e juntos, concluímos que 26 era a quantidade de alunos da EJA. E
que a quantidade de crianças carentes a serem beneficiadas era uma
298
primeira decisão a ser tomada pela turma para definir o
desenvolvimento do projeto.
Outro questionamento levantado foi: O que precisamos saber
para organizar a compra de materiais? Após discussões, alguns alunos
disseram que é necessário saber a quantidade de crianças para a
organização dos materiais. Por fim, chegamos aos dados finais da
situação matemática: Quais materiais e a quantidade dos mesmos para
ser providenciados, a fim de atender a proposta inicial: Projeto Pipas
no ar.
Neste momento, os alunos participaram, demonstrando
conhecimento sobre o assunto e assim, elencamos os possíveis
materiais a serem providenciados para a confecção das pipas: folhas
de seda, cola, bambu, dentre outros.
Esse tipo de situação matemática se revela rica para exploração
inicial da temática da resolução de problemas. Primeiramente, porque
mostra que nem sempre um problema envolve números ou operações
obrigatórias; depois, porque apesar disso pode suscitar reflexão,
conduzindo os educandos ao levantamento de hipóteses, ao
encaminhamento de possíveis soluções e, principalmente, pela
necessidade de escrever em ambiente matemático.
Na sequência do trabalho os estudantes poderiam proceder ao
levantamento do número de crianças a serem contempladas com as
pipas, a quantidade de material necessário para confeccioná-las, ao
levantamento e comparação de preços dos produtos a serem
adquiridos e, finalmente, a elaboração de um orçamento para o
projeto.
Mas, e se os educandos não sabem fazer cálculos aritméticos
básicos na forma escrita, ainda? Como fazer o orçamento?
Possivelmente, eles recorreriam à calculadora de um celular ou se
valeriam de estratégias de cálculo por eles utilizadas nessas situações.
299
Daí, um cálculo do tipo R$ 36,50, somados com R$ 27,80, se
transformariam em: 30 + 20 são 50; 6 mais 7 são 13; 0,50 mais 0,80
são 1,30; portanto, 50 somados com 13 são 63, mais 1,30, resultam
em R$ 64,30. Esses raciocínios, por vezes, são desenvolvidos com
tanta destreza mental que surpreendem os professores. Se essas
situações não ocorrem, cabe ao parceiro mais experiente, o docente,
provocá-las, para depois explorar os procedimentos matemáticos
escolarizados.
Freire (1987, p. 68) tem razão ao afirmar que “ninguém educa
ninguém, ninguém educa a si mesmo, os homens se educam entre si,
mediatizados pelo mundo”, haja vista o desconforto causado pelos
educandos em seus educadores quando, se recusando aos cânones
acadêmicos que não compreendem, apresentam soluções análogas à
formulada anteriormente a alguns problemas tradicionais na escola.
Mais ainda: “o educador problematizador re-faz, constantemente, seu
ato cognoscente, na cognoscitividade dos educandos. Estes, em lugar
de serem recipientes dóceis de depósitos, são agora investigadores
críticos, em diálogo com o educador, investigador crítico, também”
(FREIRE, 1987, p. 69, destaque do autor na palavra refaz).
(Rosangela, veja no seu livro os números das páginas e acerte essas
referências, de acordo com a sua edição do “Pedagogia do Oprimido”,
por favor).
Durante a proposta da situação matemática foi possível
refletir sobre a teoria baseada em L. Vigotski e particularmente
assumida como sustentação da pesquisa de L. V. Zankov,
denominada por Zona de Desenvolvimento Próximo (ZDP). De
acordo com esta teoria, durante o processo de organização do
pensamento, de aquisição de novos saberes, o indivíduo passa por dois
níveis de desenvolvimento, sendo o primeiro, o nível de
desenvolvimento atual, manifestado nas soluções independentes,
300
alcançado como resultados de ciclos já cumpridos. ¨O segundo nível
o constitui a zona de desenvolvimento mais perto e mostra a marcha
dos processos que se caracterizam por seu estado de formação, ainda
em trânsito do processo de maturação¨ (Zankov, 1984, p.13-14).
Neste nível, as soluções de problemas são encontradas com a ajuda do
professor, em uma ação realizada por meio de uma coletividade, pois
o aluno não consegue realizar a tarefa sozinho. Logo, aquilo que não
era realizado com autonomia, poderá ser feito sozinho em uma
situação futura. (Zankov, 1984).
Todas as ações que levaram às reflexões citadas foram
realizadas de maneira coletiva, a fim de oferecer suporte aos alunos
para a realização da atividade. Finalizamos a proposta e foi possível
concluir que a atividade em questão, foi explorada no coletivo, com a
contribuição dos alunos e auxílio do professor que conduziu a
atividade, onde reflexões importantes foram feitas.
A situação matemática não se apresentou de maneira
completa, de modo que dados necessários à sua resolução estavam
ausentes, ou seja, a ideia essencial é de que a situação matemática
apresentada não relacionava dados suficientes para a realização dela?
Não, pelo contrário, as manifestações dos educandos e da educadora
permitiram a realização do inventário solicitado; era esse o elemento
desconhecido da situação-problema. Um problema matemático não
deve ter obrigatoriamente números, fórmulas ou operações. O
pensamento teórico em Matemática não se constitui apenas com esses
conceitos matemáticos, mas com argumentação lógica, coerente e
articulada, devendo, sempre que necessário, se fazer uso daqueles
conceitos.
A continuidade da aula foi dada com a seguinte proposta de
atividade:
301
Um sitiante tem, em seu galinheiro, 2 gansos, 3 galos, 5 galinhas
com pintinhos, 7 galinhas sem filhotes, 6 perus e 8 patos.
Quantas galinhas há no galinheiro?
Todos os dados do texto foram coletados. Refletimos sobre a
informação irrelevante da tarefa: galinhas sem filhotes. Exceto esta
particularidade, trata-se de uma situação matemática convencional,
onde todos os dados necessários estão explícitos no problema,
portanto, grande parte dos alunos não demonstraram dúvidas,
realizando a atividade com sucesso.
Aparentemente, a situação-problema parece muito simples.
No entanto, cabe algumas considerações sobre essa situação
matemática e os seus possíveis desdobramentos em sala de aula.
Primeiramente, destaque-se a importância de apresentação aos
educandos de situações matemáticas nas quais devem selecionar os
dados relevantes ou irrelevantes para a resolução.
Por outro lado, se todos os educandos tiverem desenvolvido o
conceito de que galinhas são aves adultas que põem ovos e podem
gerar pintinhos o problema está resolvido: 12 galinhas. Porém, é
possível que algum educando questione se galos ou pintinhos,
principalmente estes, não podem ser galinhas. Eventualmente, algum
deles pode argumentar que ganso também é uma “espécie de galinha”
e querer somar todos os animais relacionados. Se isso ocorre, cabe
ampla discussão sobre os gêneros aves ou galináceos, dos quais
galinhas são espécies.
Partimos então para a seguinte situação matemática
explorada:
Para ir de minha casa à escola, tenho três caminhos diferentes:
passando pela padaria, passando pela igreja ou atravessando a
302
ponte. Eu posso ir à escola de bicicleta, de ônibus ou a pé. De
quantas maneiras diferentes eu posso ir de casa para a escola?
Foi realizada a leitura, como nas demais situações
matemáticas, e os dados foram coletados de maneira coletiva, a fim
de estabelecer um diálogo onde todos pudessem compreender a
discussão proposta. Neste momento também foi necessário o auxílio
direto do professor para a organização das ideias.
Os itinerários foram determinados: padaria, igreja e ponte. Os
meios de transportes também: bicicleta, ônibus e a. E assim, as
combinações foram feitas por meio de imagens. Inicialmente,
conduzidas pela professora e em seguida, após a apropriação dos
esquemas pelos alunos, sendo que eles participaram ativamente na
organização das diferentes possibilidades.
Esta situação-problema caracteriza-se por Problemas-
processos ou heurísticos (DANTE, 1995), permitindo ao estudante
refletir sobre diversas estratégias para se chegar à solução, sem que,
necessariamente a utilização de algoritmos.
Em geral, os alunos podem se valer inicialmente da
verbalização das possibilidades ou da sequenciação escrita, elaborando
esquemas para resolução. Eles podem se valer, também, de tabelas de
dupla entrada para a solução, colocando na horizontal (abscissas) os
locais por onde deveriam passar e na vertical (ordenadas) os meios de
transporte. Para finalmente, concluírem que basta multiplicar 3 por
3 para encontrar a resposta. Como tem sido na escola de EJA voltada
para a instrumentalização para o mercado de trabalho? Explora apenas
a multiplicação, sendo que muitos alunos fazem o cálculo
mecanicamente sem saber justificar o procedimento adotado.
Situações matemáticas como estas despertam o interesse dos
alunos, em detrimento aos problemas-padrão.
303
Por fim, encerramos as atividades propostas com a seguinte
situação matemática:
Quantos retângulos há na figura? (Só vale considerar
um retângulo isolado na figura ou retângulos
formados por dois ou mais retângulos consecutivos).
a) Tente desenvolver uma estratégia geral para
solucionar o problema.
b) Qual seria a resposta se a figura estivesse dividida
em cinco retângulos? E em seis?
Esta atividade foi a mais desafiadora para os alunos. Muitos
encontraram extremas dificuldades para identificarem os retângulos.
Apenas aqueles expressos de maneira explícita, foram reconhecidos
por todos. Os demais, por meio de agrupamentos, foram
contabilizados com o auxílio do professor. A professora titular da
turma acompanhou os alunos em todas as atividades propostas,
mesmo que observando de longe, porém nesta atividade, auxiliou-os
individualmente e em seguida, com demonstrações na lousa, de
maneira coletiva.
Na questão, os alunos precisavam ter o conceito de que
retângulos consecutivos se apresentam em sequência, isto é, um após
o outro. Daí, eles poderiam concluir que existem 4 retângulos
considerados isoladamente; 3 retângulos formados por 2 retângulos
consecutivos (os pares de retângulos AB, BC, CD); 2 retângulos
formados por 3 retângulos consecutivos (os ternos de retângulos ABC
e BCD) e que só existe 1 retângulo formado por 4 retângulos
304
consecutivos. Portanto, a solução do problema, seria: 1 + 2 + 3 + 4 =
10 retângulos consecutivos.
Construído esse sistema de relações, os alunos poderiam
concluir que se a figura fosse composta por 5 retângulos, como propõe
a questão b enunciada, a resposta seria 15 retângulos (5 + 4 + 3 + 2 +
1). E, se tivesse 6 retângulos, a resposta seria 21 retângulos (6 + 5 + 4
+ 3 + 2 + 1). E se apropriariam de uma generalização conceitual pela
observação, estabelecimento de relações e processo de descoberta.
Aprender Matemática pressupõe criar um sistema de relações,
coordenar ações e inserir os objetos nesse sistema. Isso exige levantar
hipóteses, testá-las, argumentar e tirar conclusões.
Chegamos à conclusão de que para esta atividade,
especificamente, seria importante, também, a exploração por meio do
manuseio de retângulos recortados, de mesmo tamanho, a fim de
realizar a sobreposição de figuras, para melhor compreensão dos
alunos. No entanto, o conceito matemático não seria retirado dos
cartões, como por vezes se acredita na escola, mas do estabelecimento
de relações coordenadas em pensamento, portanto, uma abstração.
A teoria histórico-cultural se revela absolutamente correta
quando afirma que um conceito se forma por ascensão do abstrato ao
concreto e não ao contrário.
Considerações Finais
De fato, a EJA configura-se como uma peculiaridade da
educação, pois os educandos desta modalidade demandam atenção
diferenciada dada a sua especificidade sociocultural. Possuem saberes
que devem ser potencializados com o ensino formal, por meio de
reflexões dos conhecimentos oriundos de suas vivências articulada-
mente ao conhecimento científico. De forma alguma os saberes
305
populares devem ser desprezados, pois constituem-se em
aprendizados historicamente construídos. Esses alunos carregam
tradições e costumes que são expressos pela cultura.
Como não validar o pleno domínio sobre medidas e
proporções de um trabalhador da construção civil que não concluiu
o processo de escolarização? Ou ainda, desconsiderar o conhecimento
dos educandos da EJA sobre ervas medicinais destinadas a diversos
problemas de saúde, das quais eles se utilizam cotidianamente e em
muitos casos são reconhecidos pela ciência?
É possível presenciar situações como essas em nosso cotidiano.
Outrora, ainda no magistério, por meio de uma prática de regência
nos anos iniciais, a autora deste texto recebeu a incumbência de
elaborar uma aula a partir da abordagem da cultura popular, por se
tratar da temática do Folclore. Então, levou para a turma de 3ª série
(atualmente, 4º ano do Ensino Fundamental), um cartaz com
exemplares de ervas destinadas a problemas de saúde. Uma
explanação a respeito das funções medicinais de plantas foi realizada.
Ao finalizar a apresentação, recebeu elogios da professora da sala pelo
domínio do assunto. Este mérito era da avó dela. Uma senhora que
não frequentou os bancos escolares devido às intercorrências da vida,
porém apresentava total domínio sobre plantas destinadas às
moléstias diversas. Sua leitura sempre foi para além das letras. Ela
conseguia ler o olhar, o falar, as atitudes das pessoas. Com ela, a autora
aprendeu assuntos que ultrapassa o conhecimento científico: respeitar
a condição humana.
Em relação à temática da pesquisa, é possível afirmar que
aspectos importantes devem ser considerados no que se refere à
Resolução de Problemas: o enunciado deve ser bem escrito, claro e
objetivo, sem ambiguidades. Do contrário, é provável gerar confusão.
A complexidade do problema deve estar ajustada à realidade da
306
turma. Logo, os alunos devem ser desafiados, levando em
consideração os conhecimentos prévios e propondo novos desafios
para que avancem.
Complementando esta afirmação, Libâneo (2004) nos orienta
que as práticas escolares em relação à didática devem ser organizadas
com o objetivo de propor situações em que os docentes poderão ¨
investigar como ajudar os alunos a se constituírem como sujeitos
pensantes e críticos, capazes de pensar e lidar com conceitos,
argumentar, resolver problemas, diante de dilemas e problemas da
vida prática”.
A temática é de extrema relevância, pois não basta a oferta do
ensino nas escolas. É preciso encontrar meios para sanar as dúvidas
dos alunos, promovendo a equidade. É notório a dificuldade na
resolução de problemas, mas será que os alunos são desatentos ou a
dificuldade está na compreensão dos conteúdos matemáticos?
Por certo, o insucesso do aluno não deve ser atribuído a ele
próprio. É importante que se faça uma análise de quais caminhos
foram percorridos, quais estratégias foram utilizadas e,
principalmente, o que pode ser feito a fim de elaborar novas
estratégias didáticas para atingir os objetivos antes estabelecidos.
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CONTRIBUÕES DA TEORIA DA ATIVIDADE
DE ESTUDO PARA O DESENVOLVIMENTO DE
CONCEITOS CIENTÍFICOS NA EJA
Josefina Kuingo Daniel
37
Stela Miller
38
1 Introdução
As transformações acentuadas nos processos socioeconô-
micos, em especial, nos modos de produção atuais, marcados pelas
influências da microeletrônica e das tecnologias digitais de
informação e comunicação, exigem progressivamente a formação de
trabalhadores relativamente alinhados com as produções científicas
face às relações históricas, políticas e culturais a determinar a
qualidade de vida dos cidadãos e a viabilização de instrumentos para
a tomada de consciência.
Pensar uma sociedade justa e democrática, preocupada com o
desenvolvimento sustentável e solidário, impõe aos processos
educativos da escolarização básica a difusão de conhecimento relativo
às relações entre ciência, tecnologia e sociedade, sem o que a busca de
37
Mestranda em Educação pela UNESP, Câmpus de Marília.
Professora do Liceu do Ensino Secundário, Moçâmedes, Angola.
38
Docente aposentada da UNESP, Câmpus de Marília.
Professora do Programa de Pós-Graduação em Educação, UNESP, Câmpus de Marília.
312
superação das desigualdades, de melhoria da qualidade de vida e de
afirmação da dignidade humana resulta sensivelmente prejudicada.
Assim, já há algum tempo, as tentativas de reorganização das
propostas curriculares apontam para a necessidade da integração entre
a educação e a vida cidadã, de forma que se espera de cada área de
conhecimento contribuições no sentido de melhor orientação para o
trabalho, relacionando a atividade educativa com os significados das
experiências de vida dos alunos (CONFINTEA, 1997; BRASIL,
1998).
No entanto, destarte a relevância desses encaminhamentos,
nos parece que ao estudar temas das ciências em geral, os estudantes
precisam se apropriar das bases lógicas e culturais a apoiarem as
explicações de natureza científica, discutindo as implicações éticas e o
alcance de tais explicações no contexto de constituição de visões de
mundo.
Em especial, no caso da abordagem da temática da EJA, tendo
em conta a sua complexidade, a formulação e o desenvolvimento da
atividade de estudo exigem encaminhamentos na busca de novas
direções teóricas, metodológicas e pedagógicas com vistas a dar
soluções nas situações baseadas no ato de ensino dos professores e de
aprendizado dos alunos. O tratamento metodológico dos conteúdos
da ciência deve conduzir os educandos à apropriação significativa dos
conceitos, desenvolvendo a capacidade de estabelecimento de relações
entre as ideias científicas e destas com a vida e o ambiente, sob pena
de resvalar para o tradicional apelo à mera reprodução memorística,
geralmente pouco compreendidas pelos estudantes.
A efetividade de teorias da aprendizagem desenvolvimental
envolve a consideração das condições especificas de implementação
curricular para o número de indicadores essenciais, sendo as que se
mais destacam: as principais formações psicológicas que surgem e se
313
desenvolvem não apenas em função do período etário, mas do
processo de escolarização; a atividade principal desse período que
determine o surgimento e desenvolvimento das formações
correspondentes; o conteúdo e os métodos de implementação
conjunta dessa atividade; as inter-relações com outros tipos de
atividades; um sistema de métodos para determinar os níveis de
desenvolvimento das formações psicológicas; a natureza da conexão
desses níveis com as peculiaridades da organização da atividade
principal e das outras atividades relacionadas a ela (DAVIDOV,
1995).
Com base na contribuição de autores da EJA pretendemos
nessa pesquisa visualizar a atividade de estudo voltada à apropriação
de conceitos científicos em suas componentes principais tendo em
conta o pensamento dos pesquisadores que abordaram essa área do
conhecimento. Existe uma mediação dialógica na abordagem da
ciência em relação às componentes estruturais, organizativa e
formativa da atividade de estudo em relação à EJA? Quais devem ser
as características fundamentais do processo de difusão de conceitos
científicos na EJA?
Para responder a essas indagações procedemos à ampla
pesquisa bibliográfica e à análise documental envolvendo a
organização de programas de ensino de conceitos científicos e suas
implicações para a EJA.
Assim, nesse texto pretendemos discutir como os conteúdos
ministrados aos alunos da EJA podem ser mediados no contexto da
Teoria da Atividade de Estudo com vistas à apropriação significativa
dos conceitos científicos e a otimização do desenvolvimento das ações
mentais.
314
2 Implicações pedagógicas da Teoria da Atividade de Estudo para
o ensino de conceitos científicos na EJA
Como fazer humano, a motivação para a aprendizagem de
conceitos científicos não deve se limitar aos interesses de descoberta e
consolidação das explicações, exigindo também fundamentos nos
objetivos de construção de determinado tipo de sociedade e seus
objetivos de dignificação da condição humana. O pensamento
científico voltado ao desenvolvimento social deve ser muito mais do
que um conjunto de definições prontas e nomenclaturas definitivas.
Ainda quando as finalidades e os procedimentos dos
programas de ensino pareçam bem delineados, o real sentido da ação
educativa pode ser obscurecido, caso as ideologias a envolvê-lo não
sejam desveladas pelo conhecimento lúcido daqueles que ensinam:
A educação é uma atividade teleológica. A formação do
indivíduo sempre visa a um fim. Está sempre “dirigida para”. No
sentido geral esse fim é a conversão do educando em membro
útil da comunidade. No sentido restrito, formal, escolar, é a
preparação de diferentes tipos de indivíduos para executar as
tarefas específicas da vida comunitária (daí a divisão da instrução
em graus, em carreiras etc.). O que determina os fins da educação
são os interesses do grupo que detêm o comando social (VIEIRA
PINTO, 2010, p. 35, aspas do autor).
Daí, em sua compreensão mais imediata, de difusão do
conhecimento científico, a educação não pode se reduzir a difundir as
motivações das ciências limitando-se apenas aos interesses de
descoberta, reprodução e consolidação das explicações dos
fenômenos, mas situar-se nos objetivos das sociedades, voltados para
o progresso material e desenvolvimento tecnológico. Esse conjunto de
315
interesses, fundados nas relações entre ciência e tecnologia, resultaram
em novidades científicas e tecnológicas recentes tais como a fibra
óptica, a revolucionar os modos de comunicação, as novas formas de
diagnóstico e tratamento de doenças e a energia fotovoltaica. Para
infortúnio da humanidade, esse avanço científico criou também a
bomba nuclear e sprays envolvendo substâncias que provocam o
buraco na camada de ozônio.
Pensar a produção de sentidos de aprendizagem da ciência
impõe a necessidade de percepção de que a sociedade produz ciência
e tecnologia e que estas transformam a própria sociedade. Mais ainda,
no caso da EJA, os educandos trazem para a escola um vasto repertório
de ideias e representações sobre fatos científicos que não podem ser
desconsiderados na mediação pedagógica.
Nessa discussão, de início, cabe desmistificar o papel das
histórias de vidas e da identidade cultural dos educandos da EJA na
apropriação de conceitos científicos. São históricas, e já bem
difundidas, as concepções de Vygotsky (2001) sobre a formação de
conceitos científicos. Para o autor, a apropriação de conceitos
científicos ocorre mediante ações de estudo planejadas e estruturadas
e envolve abordagem didática a se configurar mediante abstrações
formalizadoras, portanto, mais abrangentes do que os conceitos
espontâneos, sem, no entanto, desconsiderá-los, pois:
Independentemente de falarmos do desenvolvimento dos
conceitos espontâneos ou científicos, trata-se do desenvolvi-
mento de um processo único de formação de conceitos, que se
realiza sob diferentes condições internas e externas, mas continua
indiviso por sua natureza e não se constitui da luta, do conflito e
do antagonismo de duas formas de pensamento que desde o
início se excluem (VYGOTSKY, 2001, p. 261).
316
Sob esse ponto de vista, o desenvolvimento dos conceitos
espontâneos e científicos são processos interdependentes, ou seja,
intimamente interligados, e que exercem influências um sobre o
outro. Trata-se, na EJA, de conduzir os estudantes à compreensão da
ciência como um processo de produção de conhecimento,
consolidada como uma atividade humana, histórica e associada a
situações da ordem social, econômica, política e cultural.
A atividade de estudo, sistemática e planejada, começa logo
que o estudante entra na escola, sendo nesta fase que ele pode avançar
mais no desenvolvimento do pensamento teórico, dada a sua
proximidade com o conteúdo científico. Nos processos de EJA, essa
dimensão se amplia face às experiências anteriores do aluno, a aguçar
a capacidade de apropriação de conhecimento e possibilidade de
desenvolvimento de pensamento lógico e teórico, quando é inserido
na escola e interage na sala de aula com o professor e outros
estudantes.
A tarefa da escola é contribuir para desenvolver no aluno o
pensamento crítico-reflexivo de modo a arranjar condições de
interferir na realidade, transformando-a. O objeto da atividade deve
permitir ao aluno entrar em ação porque envolve aspetos históricos e
culturais, sendo inerentes a uma dinâmica da sua vida.
O desenvolvimento do processo de ensino e aprendizagem no
âmbito da atividade de estudo intervém criando a princípio no aluno
o motivo mediante as necessidades que ele enfrenta com a sua
realidade. Essa atividade direciona a pessoa com objetivo de saber
como agir e o que atingir através das ações; através das ações os alunos
criam motivos com base nas necessidades vivenciadas na sua realidade
conforme Davidov; Márkova (2019).
Os modos de ações ou de operações ajudam o aluno, mediante
ações coletivas, a se apropriar de conhecimentos pelo processo de
317
interiorização (individualidade), sendo que os processos vão se
particularizando ao longo da vida através das experiências com outros
(em todos os setores da vida na escola, nas relações humanas),
dependendo das condições materiais também para o desenvolvimento
do agir em qualquer situação.
Pelo debate em sala de aula acerca do que é um problema, um
diagnóstico de situação, uma explicação, bem como ao comparar
diferentes soluções, o educador contribuirá para o desenvolvimento
da autonomia intelectual dos estudantes, estimulando o uso de ideias
científicas, seja em sua ação escolar, seja na vida e no mundo do
trabalho:
Em primeiro lugar, é preciso deixar claro que a escola é um
espaço para trabalhar o conhecimento. Nesse aspecto,
permaneço na modernidade, pois afirmo que o conhecimento é
um instrumento importantíssimo para a construção do humano.
Não é por acaso que, dentre os seres vivos, apenas os humanos
produzam conhecimento. É o pensar que constitui o humano. O
pensar, o refletir, o conhecer, o dominar a cultura acumulada, as
formas de construção da sociedade, as tecnologias e as formas de
construí-las. Isso é o conhecimento. Por isso, coloco-me
radicalmente contra os movimentos e as políticas que banalizam
o conhecimento no interior das escolas, que não por acaso são
dirigidas para as escolas de massa, nas quais é suficiente que
certifiquem o maior número de alunos, mas não necessariamente
trabalhem os conhecimentos na sua formação. O conhecimento
fica reservado a pequenas elites, porque, como se sabe, o
conhecimento é um instrumento de poder (PIMENTA, 2002,
p. 31).
Impõe-se, então, a necessidade de relacionar os conheci-
mentos a ensinar com a presença dos fatos científicos na realidade do
aluno, explorando exemplos e temáticas de estudo ligados ao seu
318
cotidiano tais como a eletricidade e as formas de produção de energia,
a culinária ou as novidades científicas e tecnológicas presentes no
universo midiático, tais como os eclipses solares.
Essa mediação dos conceitos via atividade de estudo em
relação às temáticas dos programas de ensino, permite ao aluno
compreender o mundo à sua volta, interagindo com o meio social e
na sua relação com outras pessoas. Com base no estudo de Vargas e
Domingues (2013) podemos dizer que nesse modo de compreender
o processo de ensino e de aprendizagem, os alunos da EJA
reproduzem, transformam e criam algo novo naquilo que aprenderam
ou vão aprendendo devido às interações com a sociedade. É no
contexto de articulação dialética das relações entre o vivido, o
percebido e o concebido que se situam as possibilidades da
compreensão e exploração de fatos científicos nessa instância da
educação básica.
O vivido pode nem ser percebido com clareza; o percebido
pode ser motivador ou não; se o for, no entanto, pode se transformar
em necessidade de apropriação; mas, para apropriação efetiva é
necessário o trânsito entre as diversas representações semióticas de um
mesmo fenômeno. Para Duval (2007) lançar mão de diversas
representações de uma mesma ideia matemática, e ampliamos sua
constatação, de uma mesma ideia científica, é elemento central para
transformação dos modos de ensinar e aprender. Esse é o dilema a ser
enfrentado e compreendido pelos docentes da EJA para
transformação da cultura escolar, ainda muito marcada pela repetição
e memorização pouco compreensiva.
O fundamento dos conteúdos e conceitos científicos formam
no aluno modos de ações teóricas em um intercâmbio entre a escola
e a realização das relações básicas do aluno com a sociedade,
proporcionando uma melhor formação de atitudes (personalidade
319
individual) completada nessa fase e a sua capacidade de pensamento
(mental).
É nossa crença que a formação de um aluno da EJA com base
na valorização da atividade de estudo lhe permite deslumbrar um
valor subjetivo na manipulação dos objetos, interpretando
cientificamente cada fato abordado com auxílio do professor, segundo
a sua realidade. Nesse contexto cada ação tem o seu objetivo; esses
modos de ações vão criando motivos no aluno mediante as
necessidades, sentindo-se diferente naquilo que vai processando e
reagindo com o meio (relação dialética). A Atividade de Estudo é um
processo teórico da aprendizagem que permite ao aluno tornar-se um
sujeito ativo na transformação do seu próprio conhecimento
mediante os modos de ações, os motivos declarados ou implícitos para
aprender, as necessidades a atender, as tarefas estabelecidas, as
operações envolvidas, o conteúdo explorado, o controle e a avaliação
do processo, de acordo com o pensamento de Davidov (2019).
Para uma formação com vistas à aprendizagem organizada
com base na atividade de estudo o aluno precisa de motivação que
deve ser definida através de necessidades específicas. Porque quero
aprender? O motivo mobiliza e impulsiona o aluno a aprender. As
necessidades correspondem à indignação: para que aprender? Isso de
um certo modo ajuda o aluno segundo as suas necessidades, como um
estado de carência que vai revelando o homem atual e o criado
durante e depois da atividade.
Por isso, a atividade de estudo é uma atividade fundamental
pela qual o aluno desenvolve um pouco mais a percepção, a memória
e a imaginação, adquirindo novas capacidades e neoformações
psicológicas. Ela é importante porque não se limita apenas ao
pensamento empírico, mas por contribuir para o desenvolvimento do
conhecimento teórico.
320
O reconhecimento da ligação interna entre o conhecimento
científico e a Atividade de Estudo permite compreender essa
última como um fenômeno historicamente em desenvolvimento.
O rumo e o caráter do desenvolvimento da Atividade de Estudo
são determinados, por um lado, pelo desenvolvimento da ciência
e, por outro, pelas demandas da sociedade na transmissão dos
conhecimentos científicos para as novas gerações (REPKIN,
2019, p. 316).
Para se criar um ambiente de estudo no qual a mediação
pedagógica é dialógica e voltada ao desenvolvimento do pensamento
crítico-reflexivo, o educando da EJA deve ser orientado a formular
questões, diagnosticar e propor soluções para problemas reais tendo
por base fatos das Ciências Naturais, colocando em prática conceitos,
procedimentos e atitudes desenvolvidos no aprendizado escolar.
Na atividade de estudo são desenvolvidas as neoformações do
período escolar: análise, reflexão e planificação mental. Desse modo,
o aluno deve trabalhar com conteúdos do conhecimento científico,
sendo que a formação da atividade de estudo no aluno depende desse
conteúdo cientifico abordado, da metodologia de ascensão do
abstrato ao concreto e das formas de organização das ações de estudo
dos alunos. Pelo estabelecimento das ações, os seus objetivos e
condições de desenvolvimento, o aluno estabelece uma relação teórica
com a realidade e com os modos de orientação em função dessa
relação.
A base desses princípios se constitui na compreensão dialética
do pensamento, ou seja, na lógica dialética na qual o pensamento se
movimenta do geral para o particular. Ou seja, a construção do
conhecimento parte do observável e da análise das propriedades
externas do objeto e se movimenta passando pela abstração,
generalização e análise da essência do objeto voltando em movimento
321
ao concreto, agora pensado, nos termos conceituais de Kopnin
(1978).
No movimento indicado, trata-se de processo no qual
primeiramente o educando atua na dimensão sensorial-visual, faz a
generalização e abstração por meio de diferentes modelos; pela
generalização analisa suas singularidades e particularidades,
compreende a essência do objeto e constrói o conceito. Davidov
(1988, p. 133) é direto e objetivo nessa discussão, destacando que “o
pensamento teórico idealiza os aspectos experimentais da produção
dando-lhes, inicialmente, a forma de experimento cognitivo objetal-
prático e, depois, de experimento mental, realizado em forma de
conceito e por meio deste”. Dessa forma, mediante o processo
definido chega-se ao pensamento teórico.
No entanto, esse movimento dialético não é mecânico e nem
determinista posto que “o pensamento teórico não surge e nem se
desenvolve na vida cotidiana das pessoas, ele se desenvolve somente
em uma tal instrução, cujos programas se baseiam na compreensão
dialética do pensamento” (DAVIDOV, 1999, p. 6). Desta forma,
para os teóricos da educação desenvolvimental o principal papel da
escola é inserir o educando no processo de desenvolvimento do
pensamento teórico apropriando-se dos conhecimentos historica-
mente produzidos pela humanidade.
Com propriedade, o teórico estabelece que o conhecimento
humano se constitui em unidade com suas ações mentais de abstração
e generalização, isto é, o conhecimento não surge à margem da
atividade cognitiva do sujeito e não se consolida a priori. É processual,
portanto.
Os dados da realidade são trabalhados no plano mental
(análise, síntese, abstrações e generalizações), de forma que os alunos
precisam dominar os modos generalizados de ação, uma característica
322
essencial da atividade de estudo. A destacar: o conhecimento teórico
é diferente do empírico, constituindo elemento essencial da atividade
de estudo a capacidade de formulação e organização do pensamento
reflexivo. Nesse sentido, podemos constatar confluência relativa-
mente ao pensamento de Freire (2001):
Enquanto preparação do sujeito para aprender, estudar é, em
primeiro lugar, um que-fazer crítico, criador, recriador, não
importa que eu nele me engaje através da leitura de um texto que
trata ou discute um certo conteúdo que me foi proposto pela
escola ou se o realizo partindo de uma reflexão crítica sobre um
certo acontecimento social ou natural e que, como necessidade
da própria reflexão, me conduz à leitura de textos que minha
curiosidade e minha experiência intelectual me sugerem ou que
me são sugeridos por outros. Assim, em nível de uma posição
crítica, a que não dicotomiza o saber do senso comum do outro
saber, mais sistemático, de maior exatidão, mas busca uma
síntese dos contrários, o ato de estudar implica sempre o de ler,
mesmo que neste não se esgote. De ler o mundo, de ler a palavra
e assim ler a leitura do mundo anteriormente feita. Mas ler não
é puro entretenimento nem tampouco um exercício de
memorização mecânica de certos trechos do texto (FREIRE,
2001, p. 260, grifos do autor).
No contexto da Teoria da Atividade de Estudo, a formação
com vistas ao desenvolvimento do pensamento teórico do aluno
depende do conteúdo explorado, envolvendo aspectos a permitir a ele
a tomada de consciência para encaminhar as suas atividades pessoais,
capacidades consideradas superiores, no caso de análises teóricas ou
científicas.
Pensar o ensino de conceitos científicos na EJA, no contexto
da Teoria da Atividade de Estudo, exige inserir o educando em ações
voltadas à leitura, à observação, à experimentação, ao registro de
323
dados, à comparação entre explicações e à organização, comunicação
e discussão de fatos e informações. Trata-se de trabalho pedagógico
que não deve se limitar, portanto, à memorização de fatos científicos
e fórmulas. Uma fórmula é sempre uma representação semiótica de
um fato científico em sua versão sintética, acabada, uma síntese
formalizada.
Dessa forma, inserir os educandos da EJA em processo de
levantamento de hipóteses e testá-las, reconhecendo as regularidades,
implica em criar situações didáticas voltadas ao desenvolvimento da
capacidade de produzir textos informativos e outras formas de registro
tais como desenhos e esquemas, uma dimensão de leitura e
interpretação a se ampliar pela comunicação oral e discussão coletiva.
O processo de formação da atividade de estudo na
escolarização da EJA exige foco na tarefa de estudo mediante processo
coletivo e intercâmbio de atividades entre o professor e os alunos. Na
continuidade, o estabelecimento de objetivos voltados à tomada de
decisões sobre ações a realizar para a formação de interesses
cognitivos.
Trata-se de ação sobre o conteúdo científico pelo método de
ascensão do abstrato ao concreto, envolvendo transformação dos
dados e evidenciando a relação geral do sistema em análise, a
modelação, a transformação do modelo de organização de tarefa
particulares, o controle e a avaliação conforme Davidov (2019).
Em conformidade com a proposta da atividade de estudo, a
motivação exige interação não apenas com situações significativas de
aprendizagem, mas com outros educandos do processo, pelo
manuseio de novos objetos, por novas brincadeiras, voltadas a
orientar o aprendizado, de forma a se relacionar com os conteúdos,
assimilando-os pela articulação dialética entre os movimentos de
produção de sentidos de aprendizagem e de negociação de
324
significados da ciência, ambos voltados a envolver e a transformar o
próprio sujeito.
Ao discutir a mediação pedagógica na EJA, Sanceverino
(2016) estabelece que a realidade constitui-se de um sistema
articulado de conexões e mediações, cujos sentidos emergem de
apropriações e intersecções entre a cultura, a ciência, a política e o
fenômeno educacional. É um movimento transformador e construtor
da pessoa humana:
Pela mediação dialógica que acontece nas interações em sala de
aula, os sujeitos da aprendizagem produzem estratégias
intelectuais que vão lhes permitir produzir ou apropriar-se de
conhecimentos. Esse movimento dialógico potencializa a
mediação de si mesmo (internalização), permitindo que o sujeito
liberte-se da sua consciência ingênua e chegue a patamares de
significação que a simples exposição a estímulos ou experiências
físicas e cognitivas com os objetos de conhecimento não lhe
proporcionaria (SANCEVERINO, 2016, p. 460).
Pensar a Atividade de Estudo organizada com base em dados
científicos obtidos em diferentes fontes permite subsidiar discussões e
comparações pormenorizadas, com perspectivas para confronto com
noções supostamente de senso comum, por vezes consolidado em
educandos da EJA. Trata-se de oportunizar situações didáticas
envolvendo a produção de textos informativos, desenhos e esquemas,
entre outras formas de registro, incentivando a comunicação oral e a
discussão coletiva:
A palavra, enquanto signo, é revelada em toda atividade
pedagógica é pelo domínio da palavra que o sujeito torna-se
professor(a), que o aluno(a) vai se constituindo, é pela palavra
que ambos se identificam como docentes e discentes. É por meio
325
da palavra, de sua significação legítima, que esses sujeitos da
atividade pedagógica comunicam a realidade efetiva nas
condições reais de comunicação verbal. A palavra permite a
constituição do sujeito na e por meio da linguagem. Não se trata
aqui de lidar com uma palavra enquanto unidade da língua, nem
com a significação dessa palavra, mas sim com o enunciado
acabado e com um sentido concreto ou seja, seu conteúdo
(SANCEVERINO, 2016, p. 459).
Daí, a escola deve lidar com conceitos científicos,
estabelecendo relações entre as ideias, para tirar conclusões. A
problematização dos conteúdos pelo docente tem o condão de
mobilizar o interesse dos alunos e geralmente de contribuir para a
formação do hábito de refletir criticamente sobre as ideias envolvidas
no âmbito do processo de formação de conceitos científicos. Docentes
que assim agem, mantém uma atitude constante de instigar,
questionar e levantar hipóteses, ajudando os alunos na consolidação
dos raciocínios e na formulação de conclusões.
Por certo, a interação é uma das formas de criar interesse do
aluno por aprender, posto que ao ingressar na escola, por vezes, tem
um papel passivo porque tudo geralmente é baseado inteiramente na
orientação do professor.
Por exemplo, imaginemos o aluno que consegue definir e
identificar as grandezas físicas e suas medições através de partes do
corpo, como os pés e as mãos, ou mesmo por estimativas decorrentes
de sua vivência cotidiana. Na escola, pelo manuseio de instrumentos
e aparelhos de medições, como uma balança, o aluno consegui medir
e identificar a unidade de massa em quilograma, ou com termómetro
medir a temperatura do corpo humano em graus Celsius, bem como
o comprimento de uma mesa em metros. São unidades com as quais
o aluno pode interagir na relação com o ambiente novo, mediante a
326
realização dessas tarefas e através das ações desenvolvidas de modo
teórico o aluno avança na capacidade de estabelecimento de relações
e desenvolvendo o pensamento.
Na constituição da atividade de estudo na EJA é necessário
que o aluno se envolva e faça o seu papel na formação de hábitos de
estudo, de forma organizada e coerente, explorando as ações teóricas
através do uso e domínio das capacidades adquiridas. As formas da
aquisição das bases teóricas permitem alcançar a complexidade dos
problemas do dia a dia na sua realidade, tendo em conta que o
professor organiza as ideias e explora ações no plano mental, uma
atividade em conjunto com os alunos, com o objetivo de resolução
dos grupos de tarefas, particularizando métodos e procedimentos,
para a transformação qualitativa do modo de pensar e agir do sujeito,
ou seja, visando a transformação da personalidade.
Sem diálogo não há que se falar em atividade de estudo nem
em relação professor-aluno; é o movimento dialógico que capacita o
aluno e o ajuda a avançar no processo de apropriação de
conhecimento. Assim, a mediação pedagógica na EJA vai além de
uma simples interação, podendo-se atribuir um valor transformador
nas suas formas de compreensão da realidade.
Como indicado, os significados são construídos socialmente
por meio da linguagem e, portanto, tomam o diálogo como elemento
central de uma prática reflexiva. O diálogo é ação articulada e
intencional de controle, avaliação, orientação, estruturação,
organização e motivação no âmbito de todas as componentes que
visualizam e formam atividade de estudo de cada nível de
desenvolvimento do aluno na sua relação com a zona proximal ou real
do processo da atividade. Essas componentes impulsionam o interesse
do sujeito na busca de assimilação dos conhecimentos científicos.
327
Ensinar conceitos científicos não significa apenas uma
compreensão ampliada ou mais complexa dos fenômenos naturais e
tecnológicos, mas também proporcionar aos estudantes a
compreensão e reelaboração das linguagens. Isso implica que uma
atividade de estudo necessita ser orientada de modo preciso para que
o educando tenha clareza acerca do objeto de estudo, sobre o que vai
pesquisar.
A reflexão sobre a contribuição teórica de Vygotsky (1998)
nos conduz a pensar que na EJA é na troca com os outros sujeitos e
consigo mesmo que os conhecimentos, papeis e funções sociais vão
sendo internalizados, possibilitando a apropriação de novos
conhecimentos e o desenvolvimento da personalidade e da
consciência.
Os conceitos construídos ao longo da vida passam por um
processo de transformação e ressignificação, estabelecendo uma nova
relação cognitiva que resulta no desenvolvimento subsequente da
consciência e de vários processos internos do pensamento, além da
reconstrução da noção de concreto, agora, concreto pensado. Na
atividade de estudo da EJA o aprendizado começa muito antes dos
alunos frequentarem a escola; quando começam a estudar já tiveram
experiências com medidas, grandezas físicas, cálculos matemáticos,
materiais impressos, língua materna falada, ferramentas do trabalho e
equipamentos elétricos e/ou eletrônicos.
Nesse movimento dialético, o sujeito constrói o seu psiquismo
e recria a cultura numa complexa interação entre indivíduos, objetos,
símbolos, significados e visões de mundo compartilhadas pelo grupo
cultural no qual se encontra inserido, um processo de constante
transformação e geração de singularidades. Nesse processo de
construção de seu psiquismo e de si mesmo os enunciados do
estudante evidenciam a relevância da escolarização para desencadear
328
o desenvolvimento de suas funções psicológicas e de novas
identidades situando-o como quem pode agora intervir no seu
próprio progresso intelectual.
Conforme Vygotsky (1987; 1998) é a mediação que
proporciona a significação, pois o significado não é igual a palavra,
nem ao pensamento. Os significados são construídos socialmente por
meio da linguagem e portanto, tomam o diálogo como elemento
central de uma prática reflexiva. Ou seja, é pela mediação dialógica
nas interações de sala de aula que os sujeitos da aprendizagem
produzem estratégias intelectuais com a orientação e intervenção do
professor permitindo assim a produção ou adaptação ao
conhecimento.
Basicamente, o movimento dialético a envolver a constituição
da atividade de estudo para apropriação de conceitos científicos
engloba, sinteticamente, as seguintes ações:
a) Contextualização: situar o vivido e o percebido na relação
com o conhecimento novo do qual o educando precisa se apropriar,
ou seja, o conhecimento que deve ser concebido.
b) Historicização: resgatar o movimento de evolução histórica
das ideias científicas, relacionando ciência, tecnologia e sociedade.
c) Enredamento: articulação do conhecimento científico a ser
adquirido com outras áreas do conhecimento.
d) Modelagem: organização de formas de encaminhamento
dos modelos de representação semiótica do conhecimento novo.
Consolidar esse movimento didático no ensino de conceitos
científicos depende da abordagem transdisciplinar dos fenômenos
naturais, com ênfase na observação de fenômenos relativos à matéria
e energia associados aos seres vivos, ao meio ambiente e às tecnologias,
com grande visibilidade no cotidiano das pessoas e, por vezes,
presentes na atividade laboral cotidiana dos educandos da EJA.
329
Ressalte-se, ainda, a importância do estabelecimento de correlações
entre os fatos das ciências naturais, o desenvolvimento da
humanidade e a cultura em geral porquanto o processo de difusão do
conhecimento científico não é neutro.
O movimento dialético enunciado capacita o aluno, e o ajuda
a avançar da sua consciência de momento, de modo a atingir níveis
de significados cada vez mais elaborados, o que não seria possível sem
os estímulos, experiências físicas e cognitivas decorrentes das trocas
simbólicas no ambiente de estudo organizado e politicamente situado.
Considerações finais
Se observarmos com atenção a história do desenvolvimento
do pensamento científico visualizaremos representações muito
distantes daquelas apresentadas nas formulações encontradas nos
textos didáticos dos alunos, marcados pelo suposto rigor enfatizado
em uma forma dissociada da observação da realidade, seja esta
referente ao universo físico, seja relativamente à formas de pensar de
quem aprende.
Pensar sobre fatos científicos como coisa pronta, uma verdade
acabada, sem relacioná-los a uma dimensão social, política e
econômica tem imposto aos educandos lacunas no seu processo de
desenvolvimento intelectual.
Ao revisitar a literatura produzida sobre o ensino da ciência
na EJA, bem como na análise documental sobre as propostas de
renovação dos programas de ensino, é possível concluir que aprender
fatos científicos de maneira compreensiva supõe motivação para isso
e necessidade de aprender, propondo ao próprio sujeito de
aprendizagem interrogações e curiosidade.
330
Na EJA é fundamental pensar o fato científico como
mediação dialógica entre quem ensina e quem aprende, uma troca de
apreensões subjetivas, de formas próprias de percepção de ideias e
representações simbólicas. Esse diálogo científico constitui-se por
uma ão na qual educador e educandos apresentam as formas como
a eles se mostram os assuntos científicos, os conceitos e as situações-
problema para os quais buscam respostas. Sem isso, não há que se falar
em desenvolvimento do pensamento científico e, menos ainda, em
dialogia na escola.
De fato, a atividade de estudo pode contribuir para o
desenvolvimento do pensamento teórico por se constituir como
movimento intrinsecamente relacionado ao trabalho de levantamento
de hipóteses, análise, síntese, abstrações e generalizações dos objetos
científicos para chegar ao conhecimento de seus traços essenciais.
No processo de apropriação de conceitos científicos a
atividade de estudo deve destacar os fenômenos e conceitos com vistas
à promoção de aprendizagem significativa, se contrapondo à
memorização mecanicista de definições, contribuindo para ampliação
da capacidade do estudante da EJA de estabelecer relações entre as
ideias, tirar conclusões e aplicar o apreendido em diferentes situações.
Dialogia e discussões são encaminhamentos didáticos
obrigatórios. E a construção do currículo que responde à
complexidade da EJA baseia-se no contexto de ações mediadoras, se
constituindo pelo exercício do pensamento crítico-reflexivo como
fundamento, o que impulsiona os participantes do processo na busca
de estratégias inovadoras visando à resolução da situação-problema
envolvida na atividade.
Por fim, a vivência não pode ser pensada somente como a
situação pretérita vivida, mas igualmente o momento presente, a
envolver todas as influências ao redor de quem aprende, em especial,
331
os conhecimentos em processo de apropriação pela mediação do
professor e do material didático utilizado.
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VYGOTSKY, L. S. Pensamento e linguagem. São Paulo: Martins
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334
SOBRE O LIVRO
Catalogação
André Sávio Craveiro BuenoCRB 8/8211
Normalização
Taciana G. Oliveira
Diagramação e Capa
Mariana da Rocha Corrêa Silva
Assessoria Técnica
Renato Geraldi
Oficina Universitária Laboratório Editorial
labeditorial.marilia@unesp.br
Formato
16x23cm
Tipologia
Adobe Garamond Pro
EDUCAÇÃO DE JOVENS, ADULTOS E IDOSOS
Questões Teóricas, Implicações Práticas
Allan Alberto Ferreira
Cláudia Elaine Catena
Camila Aparecida da Silva
Carla Cristina Reinaldo Gimenes de Sena
Cyntia Graziella Guizelim Simões Girotto
Daniele Cristina de Paiva
Jaqueline Rodrigues Ferreira
Jessyca Eiras Jatobá Santos
José Carlos Miguel
Josena Kuingo Daniel
Letícia Florencio Vieira
Letícia Kondo
Maria Eduarda Tognette
Marisa de Fatima da Luz
Priscila Caroline Miguel
Raúl Esteban Ithuralde
Rodrigo Martins Bersi
Rogerio Gomes
Rosangela Marques Gobato Rocha
Stela Miller
Tarcísio dos Santos da Silva
Tiago Rodrigues da Silva
Yuri de Lira Lucas
A presente coletânea analisa
perspectivas teóricas, proposições para
encaminhamento metodológico e ten-
dências emergentes na organização de
programas de ensino na educação de jo-
vens, adultos e idosos, EJA, no contexto
de diversas áreas de conhecimento.
Compreendendo a EJA como dimensão
fundamental da concepção de Educação
Inclusiva, a obra materializa o princípio da
indissociabilidade entre ensino, pesquisa
e extensão universitária porquanto resul-
ta de ações e esforços coletivos voltados
à inserção dessa área de conhecimento
no contexto do debate acadêmico.
Em uma sociedade verdadeira-
mente democrática, um projeto educa-
tivo se consolida mediante um processo
contínuo de reexão sobre a prática polí-
tico-pedagógica, a começar pelo reconhe-
cimento dos tempos e espaços escolares.
No caso da educação de jovens, adultos e
idosos, o problema se reveste de maior
importância dadas as características es-
pecícas do perl identitário da cliente-
la e das suas histórias de vida, além das
marcas de uma trajetória de exclusão, não
apenas do direito à escolarização outrora
negado, mas também daqueles relacio-
nados à sobrevivência e à dignidade da
condição humana. Em uma sociedade de
classes, como é a brasileira, além da bru-
tal desigualdade na distribuição da renda
nacional, o acesso aos bens culturais tam-
bém se revela distante da universalização,
apesar de esforços a serem reconhecidos.
Nesse contexto, considerar uma
perspectiva de educação inclusiva exige
repensar o papel e a função da educação
escolar, seus objetivos, suas nalidades e
os valores a difundir. Cogitar a educação
de jovens, adultos e idosos em dimensão
inclusiva impõe reconhecer as particula-
ridades da clientela, suas necessidades,
anseios e motivações.
Pensar a educação como Direito Público
Subjetivo exige da sociedade civil orga-
nizada a persistência no desenvolvimen-
to de formas variadas de mobilização e
de organização dos espaços educati-
vos, o que envolve uma ressignicação
percuciente dos processos de ensino e
de aprendizagem com vistas ao atendi-
mento de demandas relacionadas à es-
pecicidade da clientela.
Trata-se de constituição de um
paradigma de organização dos progra-
mas de ensino no qual os conteúdos
curriculares não são fechados em si
mesmos, sendo compreendidos como
elementos conceituais para efetivação
da articulação entre teoria e prática,
promover aprendizagens e constituir
capacidades para desenvolvimento do
pensamento crítico-reexivo com vistas
à transformação da realidade, mas tam-
bém da cultura escolar.
Programa PROEX/CAPES:
Auxílio Nº 0039/2022
Processo Nº 23038.001838/2022-11
EDUCAÇÃO DE JOVENS, ADULTOS E IDOSOS
EDUCAÇÃO DE
JOVENS, ADULTOS E IDOSOS
Questões Teóricas,
Implicações Práticas
José Carlos Miguel
Rodrigo Martins Bersi
organizadores
questões teóricas, implicões poráticas
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