VOZES ESQUECIDAS DO
SERTÃO PAULISTA
formação e trabalho de professoras e
professores de escolas primárias rurais da
região de São José do Rio Preto/SP
(1940-1970)
Noely Costa Dias Garcia
Programa PROEX/CAPES:
Auxílio Nº 0039/2022
Processo Nº 23038.001838/2022-11
“Os excertos das entrevistas transcritos
na obra contêm o registro das memó-
rias, histórias e representações tecidas por
professoras e professor sobre o tempo em
que atuaram em escolas rurais. São narra-
tivas ricas em detalhes sobre o cotidiano
das salas de aula instaladas em meio rural,
são também perpassadas por emoção e
sensibilidade e, por conseguinte, ofere-
cem um quadro vivo de todo o trabalho
empreendido por essas pessoas naquelas
pequenas escolas”
Excerto do Prefácio escrito pela
Profa. Dra Sandra C. Fagundes de Lima
No livro “VOZES ESQUECIDAS DO SERTÃO PAULISTA: forma-
ção e trabalho de professoras e professores de escolas primárias rurais
da região de São José do Rio Preto/SP (1940-1970)”, apresentam-se
os resultados da pesquisa de Doutorado em Educação, cujo objetivo
foi analisar aspectos da história da formação, ingresso e trabalho de
professoras e professores de escolas primárias rurais estaduais perten-
centes à Diretoria de Ensino do município de São José do Rio Preto/
SP entre 1940 e 1970. O recorte inicial marca o período de iniciativas
da União com relação à expansão do ensino primário rural por meio
de investimentos, na construção de escolas e na formação de profes-
sores rurais, e o período nal justica-se pela extinção do modelo de
formação e adoção de novos modelos baseados na implantação da Re-
forma do Ensino de e Graus, pela Lei nº 5.692/71. A História
Oral foi utilizada na construção da trajetória de nove professoras e um
professor que exerceram a docência em escolas rurais no período deli-
mitado para o estudo. Os resultados obtidos indicaram que os docen-
tes tiveram uma formação inicial nos Cursos Normais Paulista, cujos
currículos não atendiam às especicidades da zona rural. O ingres-
so na carreira do magistério primário no estado de São Paulo esteve
atrelado à docência nas zonas rurais, exigência prevista na legislação
estadual desde o início da República. Desse modo, eles tiveram di-
culdades com as classes multisseriadas e a localização das escolas rurais,
geralmente de difícil acesso, contudo, muitos desaos foram dirimidos
com a produção de materiais de ensino, produção da merenda e com-
pra de cartilhas para as crianças, mas foram soluções individualizadas,
que a escola rural em São Paulo não recebeu um planejamento sis-
têmico quanto à formação e constituição curricular, depreendendo-se
que o ideário de progresso visava formar um cidadão urbano, tratan-
do o espaço rural como um resíduo a ser superado pela modernização.
VOZES ESQUECIDAS DO SERTÃO PAULISTA Noely Garcia
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VOZES ESQUECIDAS DO SERTÃO
PAULISTA:
formação e trabalho de professoras e professores de escolas primárias
rurais da região de São José do Rio Preto/SP
(1940-1970)
Noely Costa Dias Garcia
Noely Costa Dias Garcia
VOZES ESQUECIDAS DO SERTÃO PAULISTA:
formação e trabalho de professoras e professores de escolas primárias
rurais da região de São José do Rio Preto/SP
(1940-1970)
Marília/Oficina Universitária
São Paulo/Cultura Acadêmica
2024
UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA
FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS FFC
UNESP - campus de Marília
Diretora
Dra. Claudia Regina Mosca Giroto
Vice-Diretora
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Conselho Editorial
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Marcos Antonio Alves
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Renato Geraldi (Assessor Técnico)
Rosane Michelli de Castro
Conselho do Programa de Pós-Graduação em Educação -
UNESP/Marília
Henrique Tahan Novaes
Aila Narene Dahwache Criado Rocha
Alonso Bezerra de Carvalho
Ana Clara Bortoleto Nery
Claudia da Mota Daros Parente
Cyntia Graziella Guizelim Simões Girotto
Daniela Nogueira de Moraes Garcia
Pedro Angelo Pagni
Auxílio Nº 0039/2022, Processo Nº 23038.001838/2022-11, Programa PROEX/CAPES
Parecerista: Agnes Iara Domingos Moraes - Professora da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS),
da Unidade Universitária de Paranaíba.
Capa: imagem gratuita Pixabay
Ficha catalográfica
Serviço de Biblioteca e Documentação - FFC
Garcia, Noely Costa Dias.
G216v Vozes esquecidas do sertão paulista: formação e trabalho de professoras e
professores de escolas primárias rurais da região de São José do Rio Preto/SP (1940-
1970) / Noely Costa Dias Garcia. Marília : Oficina Universitária ; São Paulo :
Cultura Acadêmica, 2024.
402 p. :il.
CAPES
Inclui bibliografia
ISBN 978-65-5954-426-4 (Digital)
ISBN 978-65-5954-427-1 (Impresso)
DOI: https://doi.org/10.36311/2024.978-65-5954-426-4
1. Professores - Formação. 2. Prática de ensino. 3. Educação rural. 4. Escolas rurais
- São José do Rio Preto (SP) - 1940-1970. I. Título.
CDD 370.9
_____________________________________________________________________________
Catalogação: André Sávio Craveiro Bueno CRB 8/8211
Copyright © 2024, Faculdade de Filosofia e Ciências
Editora afiliada:
Cultura Acadêmica é selo editorial da Editora UNESP
Oficina Universitária é selo editorial da UNESP - campus de Marília
Dedico,
Aos meus pais,
Cláudio
e
Sebastian
a, por não
terem tido o mesmo direito à educação escolar.
A todos
os professores primários
colaboradores
desta pesquisa que trabalharam em escolas
rurais localizadas no interior paulista.
AGRADECIMENTOS
Aos professores entrevistados: Irce Elias da Costa, Ivanilde
Afonso Prudêncio, Jorge Salomão, Maria Alvarez Romano, Maria
Inês Salomão, Maria Nirce Previdente Sanches, Nilce Apparecida
Lodi Rizzini (in memoriam), Sônia Aparecida Azem, Palmira
Migueletti Marra da Silva, Yara Aparecida Aude (in memoriam), que
gentilmente se mostraram disponíveis e aceitaram compartilhar suas
vivências do passado, sem as quais este livro não seria possível.
[...] posso afirmar que como professora de escola primária rural, escrevi
capítulos importantes de minha própria história que enriquecem minha
vida. Sonhos, medos, inseguranças, que hoje estão distantes.
Acontecimentos alegres como a aprovação dos alunos ao término de cada
ano. O apoio, a amizade e a confiança dos pais e da Família Scaff. São
páginas vividas com leveza e sentimento de dever cumprido. Anos
intensos e inesquecíveis. Lições que se aprende e nunca serão esquecidas.
Nilce Apparecida Lodi Rizzini (2020)
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ABE - Associação Brasileira de Educação
ALESP - Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo
BDTD - Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia
CAPES - Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior
CEE - Conselho Estadual de Educação
CEFAM - Centros Específicos de Formação e Aperfeiçoamento do
Magistério
CNPq - Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico
CPP - Centro do Professorado Paulista
FAFI - Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras
FAFICA - Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Catanduva
GEPCIE - Grupo de Estudos e Pesquisa sobre Cultura e Instituições
Educacionais
GEPHEB - Grupo de Pesquisa em História da Educação Brasileira
GPHEELLB - Grupo de Pesquisa História da Educação e do Ensino
de Língua e Literatura no Brasil
HEM - Habilitação Específica para o Magistério
IBICT - Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia
Ibilce - Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas
IE - Instituto de Educação
IFMA - Instituto Federal do Maranhão
Inep - Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio
Teixeira
INPS - Instituto Nacional de Previdência Social
IPA - Instituto Penal Agrícola
LDB - Lei de Diretrizes e Bases
MA - Maranhão
MEC - Ministério da Educação
MG - Minas Gerais
MS - Mato Grosso do Sul
MT - Mato Grosso
PB - Paraíba
PE - Pernambuco
PI - Piauí
PND - Plano Nacional de Desenvolvimento
PR - Paraná
PUC-PR - Pontifícia Universidade Católica do Paraná
RJ - Rio de Janeiro
RO - Rondônia
SE - Sergipe
SENAC - Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial
SENAR - Serviço Nacional de Aprendizagem Rural
SP - São Paulo
TCC - Trabalho de Conclusão de Curso
TCLE - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
UEM - Universidade Estadual de Marin
UEMS - Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul
UFGD - Universidade Federal da Grande Dourados
UFMT - Universidade Federal de Mato Grosso
UFPB - Universidade Federal da Paraíba
UFPI - Universidade Federal do Piauí
UFRRJ - Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro
UFU - Universidade Federal de Uberlândia
UNESCO - Organização das Nações Unidas para a Educação, a
Ciência e a Cultura
UNESP - Universidade Estadual Paulista
Unesp - Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”
UNIR - Fundação Universidade Federal de Rondônia
UNISANTOS - Universidade Católica de Santos
UNIT - Universidade de Tiradentes
UNORP - Centro Universitário do Norte Paulista
UPE - Universidade de Pernambuco
SUMÁRIO
Prefácio | Sandra Cristina Fagundes de Lima....................................17
INTRODUÇÃO..........................................................................21
1 PRESSUPOSTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS DA
PESQUISA...................................................................................33
1.1 Pesquisas que subsidiam a discussão do objeto
1.2 Trilhas para construção dos fundamentos teóricos e
metodológicos
1.3 Caracterização dos professores participantes da pesquisa
2 SÃO JOSÉ DO RIO PRETO: ASPECTOS HISTÓRICOS E
EDUCACIONAIS.......................................................................75
2.1 Fragmentos históricos do município
2.2 Instrução elementar: antecedentes históricos do desenvolvimento
educacional rio-pretense
2.3 Vestígios das escolas primárias rurais em São José do Rio Preto
3 A EXPANSÃO DO ENSINO NORMAL NO ESTADO DE SÃO
PAULO E A VICISSITUDES DO MAGISTÉRIO PARA O MEIO
RURAL......................................................................................127
3.1 Escola Normal: expansão e consolidação de um lugar de formação
do professor primário paulista
3.2 Professor rural: uma formação ausente no estado de São Paulo?
3.3 A formação inicial e o meio rural
4 PROVIMENTO DAS ESCOLAS PRIMÁRIAS RURAIS........213
4.1 Entre o prescrito e o realizado: o ingresso na carreira docente
4.2 Itinerários percorridos no magistério rural
4.3 As escolas rurais: representações de uma realidade
5 O TRABALHO NA ESCOLA PRIMÁRIA NO MEIO
RURAL......................................................................................269
5.1 Idas e vindas: caminhos percorridos no meio rural
5.2 A organização do espaço nas classes multisseriadas
5.3 Matérias de ensino
5.4 Práticas docentes
5.5 Materiais escolares
5.6 Desafios da docência rural
5.7 Alunos das escolas primárias rurais
5.8 O relacionamento do professor com o meio rural
CONSIDERAÇÕES FINAIS.....................................................353
REFERÊNCIAS.........................................................................359
ANEXO A - Roteiro de entrevistas...............................................399
17
PRECIO
“Vozes esquecidas do sertão paulista: formação e trabalho de
professoras e professores de escolas primárias rurais da região de São
José do Rio Preto/SP (1940-1970)” foi o título da tese de doutorado
defendida por Noely em 2022, cuja profícua pesquisa engendrou este
livro que se constitui em mais uma indispensável referência à
historiografia da educação em geral e, em particular, à história da
educação rural.
A relevância do livro decorre não apenas do fato de contribuir
para uma temática que ainda prescinde de pesquisas para ser mais
amplamente compreendida, mas advém, sobretudo, da abordagem
densa empregada pela autora na apreensão de seu objeto. Ao recorrer
a fontes de natureza diversificada, organizar essa documentação em
quadros, gráficos, tabelas e mapas, ao empregar fundamentação
teórica apropriada e empreender uma análise criteriosa não só da
formação e do trabalho de professores de escolas rurais, mas também
das condições de funcionamento dessas escolas, Noely inscreve a sua
pesquisa no rol da bibliografia essencial para se conhecer uma parte
significativa da história da educação rural no país.
Emana desse rigor metodológico várias razões pelas quais o
livro de Noely deverá figurar entre as referências imprescindíveis aos
estudiosos da educação rural, dentre as quais destaco: a) a discussão
amplamente documentada sobre a formação e o trabalho de
professores primários das escolas rurais no município de São José do
Rio Preto; b) a relação entre a formação docente e o trabalho nas
https://doi.org/10.36311/2024.978-65-5954-426-4.p17-20
18
escolas instaladas em meio rural; c) a caracterização minuciosa das
escolas instaladas em meio rural no Município de São José do Rio
Preto; d) a proeminência dos sujeitos.
Com relação ao primeiro ponto, Noely empreende uma
jornada de investigação para a qual mobilizou um espectro ampliado
de fontes, que vão desde os documentos escolares, as muitas
legislações que regulamentaram tanto a formação quanto o trabalho
de professores rurais e culminam nas memórias das pessoas
entrevistadas. Como resultado, produziu uma discussão detalhada da
trajetória de organização da escola rural que transcende a discussão
regional, posto que se preocupa também em situar a situação local no
contexto nacional, e poderá ser apropriada por todos aqueles que se
debruçam sobre a história da escolarização rural com ênfase para as
normas que visaram regulamentar o trabalho e a formação docente,
bem como sobre os limites de sua aplicação.
No que concerne ao segundo aspecto, qual seja, a relação entre
a formação dos professores e a atuação na escola rural, a autora chama
atenção para uma realidade inquietante ao apresentar os relatos nos
quais as pessoas entrevistadas evidenciam que a despeito da formação
recebida antes de ingressarem na escola rural, no cotidiano das salas
de aula deparavam-se com inúmeros obstáculos para os quais não se
encontravam preparadas, sendo necessário despender muito esforço e
lançar mão de diferentes iniciativas para superar os problemas
existentes.
O terceiro ponto que destaco no livro consubstancia-se na rica
reconstituição do cenário das escolas rurais onde atuaram as pessoas
entrevistadas. Tratam-se de instituições localizadas na área rural em
São Paulo - ou seja, no estado mais rico de nossa federação e que,
19
não obstante a pujança econômica da região, apresentavam situação
de acentuada degradação cujos sinais eram perceptíveis, dentre outros
aspectos, nos prédios improvisados, classes unidocentes, multisse-
riadas, alto percentual de evasão e relativo isolamento docente. A fala
resumida de uma das professoras entrevistadas traduz bem como eram
precárias as escolas: Não tinha quase nada. Nada! Quase nada. A gente
não tinha apagador e giz, se você quer saber. Eu comprei isso tudo muitos
anos. Essa precariedade permite compreender um dos fatores que
promoveram a clivagem entre a formação e a atuação dos professores,
mais especificamente explica a insuficiência da formação recebida
para instrumentalizar o trabalho desenvolvido em escolas rurais nas
quais tudo faltava.
Relativamente ao quarto destaque, é conhecida a advertência
de Marc Bloch de que o historiador deve se portar como o monstro
da lenda e, tal qual esse, precisa farejar a carne humana. Entretanto,
para incorporar essa proposta não basta dizer que a história é o
processo que se constitui pela ação dos homens no tempo, isso é
fundamental, claro, mas não atende totalmente ao apelo apresentado
pelo historiador francês; para tanto, as pessoas devem estar presentes
de corpo inteiro em nossos escritos. Noely não só acedeu a esse desafio
como conseguiu execu-lo com êxito ao conferir notoriedade às
pessoas que outrora atuaram nas diferentes escolas rurais instaladas na
região de São José do Rio Preto, justamente aquelas cujas vozes,
segundo a autora, haviam sido esquecidas.
Os excertos das entrevistas transcritos na obra contêm o
registro das memórias, histórias e representações tecidas por
professoras e professor sobre o tempo em que atuaram em escolas
rurais. São narrativas ricas em detalhes sobre o cotidiano das salas de
20
aula instaladas em meio rural, são também perpassadas por emoção e
sensibilidade e, por conseguinte, oferecem um quadro vivo de todo o
trabalho empreendido por essas pessoas naquelas pequenas escolas.
Ao compor o seu livro com esses relatos, Noely
magistralmente permite-nos conhecer que, a despeito de sérias e
profundas dificuldades, essas pessoas deram uma inestimável
contribuição à alfabetização de muitas crianças cuja única
possibilidade de estudos localizava-se na escola instalada na fazenda
onde viviam ou em suas proximidades.
Essas não são todas, mas são algumas das razões pelas quais eu
recomendo a leitura do livro às pessoas envolvidas com a história da
educação primária, particularmente com a história da educação rural.
Sandra Cristina Fagundes de Lima
Uberlândia-MG, junho de 2022.
21
INTRODUÇÃO
Acredito
1
que as escolhas que fazemos ao longo de nossas
vidas estão relacionadas diretamente com a nossa maneira de ser,
pensar, viver e acreditar, como também, advêm de uma inquietação
de pesquisadora em buscar respostas para compreender os
acontecimentos ao seu redor com um olhar mais atento. No meu
caso, refletir sobre a formação de professores e o significado próprio
do seu papel na sociedade me fascina, uma vez que exige pensar e
refletir como o magistério se estabeleceu em diferentes momentos
históricos do país.
Quando criança, eu ouvia meu pai Cláudio Costa da Silva
(2018), sempre dizer:
Estudo bom, minha filha, era na minha época. A gente aprendia
tabuada e não esquecia. Mesmo a gente andando 8 km a pé para
chegar na escola e depois andar 8 km para voltar, aprendia mais que
hoje
2
. Eu tinha uma professora só! Ela dava conta de ensinar todo
mundo. Só que ela era muito brava. Tínhamos respeito por ela. Na
fazenda era até a 4ª série só. Eu nem cheguei a completar! Seu avô
dizia: aprendeu assinar o nome e ler um pouquinho estava bom
3
.
1
Do primeiro ao nono parágrafos, o texto foi, intencionalmente, redigido em primeira
pessoa.
2
Ao referir-se ao período hoje, está relacionado ao ano de 1987, em que eu havia iniciado
meus estudos na 1ª série do ensino primário.
3
Em todo o texto adotou-se a formatação em itálico para as citações de fontes orais, a fim de
diferenciar das demais citações.
22
Na fala deste homem que morou até os seus 33 anos de idade
na roça, traz muito do que foi a experiência de escolarização de
gerações de crianças de escolas rurais da década de 1950, de outras
localidades no Brasil. Ficou evidenciado em sua narrativa a
dificuldade de acesso à escola ao ressaltar a distância percorrida; a
conduta do professor em manter a disciplina da sala de aula e o pouco
do ensino que era fornecido, o qual se aprendia muito, apesar dele
não ter a oportunidade de concluir os estudos naquele momento.
Meu pai foi meu primeiro professor. Não chegou a concluir a
4ª série, pois segundo o meu avô, era o suficiente ler um pouquinho
e saber assinar o nome. O pouco que aprendeu na escola primária
rural onde estudou foi suficiente para me ensinar a ler, escrever e
contar. Todos os dias, antes de sair para a lidana roça, ele deixava
organizado o que eu deveria estudar. Após o dia exaustivo de trabalho
com a plantação e colheita de arrozsentava comigo e tomava toda
a lição. Naquele momento, caso eu errasse algo que fosse perguntado
por ele, era castigada com tapas e puxões de orelha. Esses momentos
foram marcantes em minha vida, embora não recorde minha idade na
época. Penso que tinha entre 6 e 7 anos, pois aos 8 anos, em 1987,
fui morar com meus tios Silvéria e Amauri, na cidade de
Paranaíba/MS, porque não havia mais a escola rural em que meu pai
e três irmãos estudaram, com isso, foi necessário mudar para o centro
urbano para que eu pudesse estudar
4
. No meu caso, a mudança foi
necessária porque a fazenda dos meus avós paternos ficava longe de
4
Amauri era meu tio paterno, e Silvéria minha tia materna, esta irmã da minha mãe e aquele,
irmão do meu pai. Ambos contraíram matrimônio, sendo, portanto, cunhados dos meus
genitores. Morei com eles três anos. Após esse período, meus pais construíram uma casa na
cidade e voltei a morar com eles. Meus avós tiveram 15 filhos. Meu pai tinha 13 anos na
época.
23
Paranaíba/MS, assim como de Aparecida do Tabuado/MS. A fazenda
ficava localizada entre esses dois municípios, com uma distância
aproximada de 50 km cada um. Com essa distância e a falta de escola
na zona rural, restou aos meus pais se mudarem para a cidade de
Paranaíba/MS.
Indagações como Estudo bom minha filha, era na minha
época, sempre estiveram presentes no meu processo de escolarização.
Buscava identificar nos meus professores a professora que o meu pai
falava. Nessa perspectiva, a minha trajetória como pesquisadora,
desde a graduação, foi realizar pesquisas relacionadas à temática de
formação de professores. O meu Trabalho de Conclusão de Curso
(TCC) em Pedagogia, na Universidade Estadual de Mato Grosso do
Sul (UEMS) - Unidade Universitária de Paranaíba, foi intitulado A
formação continuada como possibilidade de transformação da prática
pedagógica do professor em sala de aula, cuja pesquisa desenvolveu-se
em dois momentos: no primeiro momento, foi elaborada uma
entrevista semiestruturada junto aos representantes da Secretaria de
Educação do Estado de Mato Grosso do Sul, das escolas municipais
e das escolas privadas em Paranaíba; e, no segundo momento,
aplicou-se um questionário de perguntas abertas para os professores
que atuavam nas instituições das referidas Secretarias.
Nesse trabalho, analisei a formação continuada do professor
das séries iniciais das escolas municipais, estaduais e privadas do
município de Paranaíba/MS, a fim de compreender, na visão dos
professores, o que ela proporcionava de melhoria na prática docente.
Durante a realização da pesquisa de campo, deparei-me com
professores que tiveram uma formação diferente da minha. Conforme
me entregavam os questionários, faziam comentários que me
24
deixavam inquieta, especialmente ao deplorarem que os novos cursos
de formação de professores falhavam ao não aproximarem a teoria e a
prática
5
. Ademais, asseveravam que o professor recém-formado não
tinha domínio do conteúdo e muito menos da sala de aula. Questões
como essas me incomodavam. Queria entender como ocorria essa
formação que tanto eles defendiam. De que cursos eles estavam
falando? Por que o curso de Pedagogia não habilitava o professor? O
que eles aprendiam?
Nesse ínterim, tais indagações permaneceram ao finalizar o
TCC, pois naquele momento não era meu objeto de estudo, visto que
as questões foram surgindo na finalização da pesquisa. Nesse sentido,
meu interesse em saber como se constituía a formação e a prática dos
professores em Paranaíba aumentava. Foi então que me inscrevi no
curso de Especialização em Educação, Linguagem e Sociedade (lato
sensu) na UEMS - Unidade Universitária de Paranaíba. Contudo,
meu objeto de pesquisa alterou-se
6
para um estudo sobre a disciplina
Didática, ofertada na escola Normal, primeiro curso de formação
oferecido aos professores em Paranaíba.
A proposta desse estudo visava compreender como ocorreu a
formação dos primeiros professores do município e como suas
práticas foram se constituindo, pois a disciplina Didática tem por
finalidade preparar as normalistas para a realidade da sala de aula,
5
Cabe esclarecer, todavia, que a percepção docente quanto à prática de sala aula é uma crítica
recorrente no processo de constituição da profissão. Os professores consideram sua formação
inicial, bem como os cursos realizados ao longo de sua carreira, pífios em relação às práticas.
6
Meu objetivo inicial era estudar o livro didático, material considerado como suporte para
o professor no momento de executar seu trabalho em sala de aula. Esse objetivo surge após
questões apresentadas pelos professores durante a pesquisa de campo realizada na Graduação.
De acordo, com os professores se retirar o livro didático do “novo professor” ele não saberia
dar aulas.
25
sobretudo nas questões que envolvem aspectos metodológicos e
práticos. Dessa forma, apresentei como conclusão do curso de
Especialização a Monografia intitulada O ensino da disciplina Didática
no Curso Normal em Paranaíba (1967-1971)
7
.
Ao concluir essa pesquisa, permaneceram as inquietações
mencionadas que somadas aos interesses despertados com a
participação no Grupo de Pesquisa em História da Educação
Brasileira (GEPHEB), coordenado pelo professor Dr. Ademilson
Batista Paes, na UEMS - Unidade Universitária de Paranaíba
levaram-me a pesquisar sobre o curso Normal Estadual em
Paranaíba/MT. Desse modo, defendi a Dissertação de Mestrado DO
CURSO NORMAL AO MAGISTÉRIO: o curso Normal Estadual em
Paranaíba/MT (1967-1975). Nesse estudo, busquei contribuir para a
produção de uma história sobre a formação de professores primários
no município de Paranaíba, mediante o processo de criação e
funcionamento de sua Escola entre 1967 e 1975.
Os resultados mostraram que a cidade de Paranaíba, entre
1940 e 1960, contava com um número expressivo de professores
leigos que ministravam suas aulas apoiados em suas próprias
experiências como alunos ou com ajuda de pessoas com mais
conhecimentos, (GARCIA, 2015). Antes de 1967, a cidade contava
apenas com duas normalistas
8
formadas, vindas de Cuiabá/MT.
Para o Doutorado, a escolha do tema da pesquisa, da qual são
apresentados resultados finais neste livro, tem por escopo
compreender a formação docente, o ingresso na carreira e as formas
7
No período em estudo, a cidade de Paranaíba fazia parte do estado de Mato Grosso, que
veio a ser dividido no ano de 1977, passando a ser denominado Mato Grosso do Sul.
8
Liduvina Mota Camargo e Aracilda Cícero Corrêa da Costa (GARCIA, 2015).
26
de atuação de professores nas escolas primárias rurais na região do
município de São José do Rio Preto/SP, durante as décadas de 1940
a 1970.O interesse pelo tema surgiu durante a participação nas
reuniões do Grupo de Estudos e Pesquisa sobre Cultura e Instituições
Educacionais (GEPCIE), na Faculdade de Ciências e Letras
(UNESP), campus de Araraquara, coordenado pela professora Drª.
Rosa Fátima de Souza, em 2015.
A pesquisa faz parte de um Projeto de Investigação
9
coordenado por essa professora, cujo objetivo foi analisar a
profissionalização docente no Brasil, buscando compreender as
políticas públicas empreendidas em âmbito nacional e estadual para a
formação do magistério rural e as formas de recrutamento, carreira,
salários e condições de trabalho dos professores do campo. Dessa
forma, a cidade de São José do Rio Preto foi definida como espaço de
pesquisa, em virtude da escassez de trabalhos sobre o tema e, também,
para atender à necessidade de o Projeto incidir no estado de São
Paulo, uma vez que no estado de Mato Grosso do Sul estavam
sendo realizadas pesquisas com a mesma temática.
Com isso, o recorte temporal inicial (1940), marca o período
de iniciativas da União com relação à expansão do ensino primário
rural por meio de investimentos, na construção de escolas e formação
de professores rurais e o período final (1970) justifica-se pela extinção
do modelo de formação e adoção de novos modelos a partir da
implantação da Reforma do Ensino de 1º e 2º Graus, pela Lei nº
5.692/71.
9
Projeto financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
(CNPq), Processo nº 405240/2016-3, vigência 19/06/2017 a 18/06/2020.
27
As periodizações históricas, conforme analisa Le Goff (2015),
são ações do homem sobre o tempo. Tratam-se de recortes arbitrários
artificiais e provisórios, uma vez que [...] tem dupla utilidade:
permite melhor controlar o tempo passado, mas também sublinha a
fragilidade desse instrumento do saber humano que é a história(LE
GOFF, 2015, p. 29). Nesse sentido, a periodização reflete um ponto
de vista historiográfico, mas cotejado pelo historiador e suas fontes, já
que a concepção de tempo é multifacetada, com epistemologias
engendradas em áreas de conhecimento com as quais desenvolve
profícuos diálogos.
Nessa perspectiva, o tema de investigação deste livro inscreve-
se nos estudos do campo da História da Educação, no âmbito da
educação rural, que tem por objetivo geral analisar aspectos de
formação, ingresso e trabalho de professores e professoras de escolas
primárias rurais estaduais pertencentes à Diretoria de Ensino do
município de São José do Rio Preto/SP, entre 1940 e 1970.
Para isso, traçou-se como objetivos específicos:
Identificar os professores que atuaram nas escolas primárias
rurais estaduais da região do município de São José do Rio Preto,
entre 1940 e 1970.
Compreender como se deu o processo de formação para o
exercício da docência no magistério rural.
Verificar as formas de ingresso no magistério rural.
Analisar as práticas de ensino desenvolvidas pelos docentes nas
escolas primárias rurais.
Investigar as condições de trabalho e dificuldades enfrentadas
no exercício do magistério rural.
28
Nessa perspectiva, buscou-se responder às seguintes questões
norteadoras desta proposta de investigação:
Quem foram os professores primários que atuaram nas escolas
rurais do município de São José do Rio Preto, entre 1940 e 1970?
Como ocorreu o processo de formação dos professores rurais
no estado de São Paulo?
Onde e como foram formados?
Quais foram os critérios de ingresso no magistério?
A formação inicial auxiliou na prática docente rural?
Fez algum curso para atender o magistério rural?
Quanto tempo e como exerceram a docência no meio rural?
Quais foram as condições de trabalho e dificuldades
enfrentadas no exercício da docência rural?
Desse modo, trabalhou-se com hipótese preliminar de
investigação com o seguinte fato: Em virtude das iniciativas dos
governos paulistas no processo da expansão do Ensino Normal no
Estado, os professores das escolas primárias rurais estaduais da região
de São José do Rio Preto, em sua maioria, ao ingressarem no magistério
eram normalistas. Com isso, o início da profissão docente na zona rural
foi uma contingência neste Estado, de modo que os professores
permanecem nas escolas rurais até serem removidos para outros
estabelecimentos mais bem localizados.
Diante disso, a tese defendida, que resultou neste livro, é a de
que o professor primário no estado de São Paulo, entre 1940 e 1970,
teve uma formação inicial no Curso Normal, com base em um
currículo de escolas urbanas. Desse modo, as especificidades locais
não foram levadas em consideração, uma vez que o ingresso na escola
29
rural era uma exigência do estado de São Paulo para que essas
instituições tivessem docentes e não porque eram rurais, pois foi mais
um efeito geográfico, no intuito de promover a expansão do ensino,
ao contrário de uma preocupação com a educação rural em sua
especificidade. Por conseguinte, logo após completar o tempo
mínimo de efetivo exercício nessas escolas, os professores pediam
transferência para as urbanas mais próximas de suas residências.
Os dados estatísticos examinados (Tabela 1) possibilitaram
verificar uma mudança radical na composição demográfica do estado
de São Paulo, cuja urbanização acelerada, mormente a partir da
década de 1960, permite asseverar a ocorrência de diversas demandas
da sociedade, entre elas encontra-se a expansão da escolarização, mas
com ênfase diferenciada para o que então se denominava de Educação
Rural.
Tabela 1 - População do estado de São Paulo (1940-1970)
Ano
População total
%
*
Zona rural
%
*
1940
7.180.316
44,12
4.012.205
55,88
1950
9.242.610
51,97
4.438.399
48,02
1960
12.974.699
61,81
4.954.956
38,19
1970
17.771.948
80,33
3.495.709
19,67
Fonte: A Autora, com base em Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística do Brasil e do
estado de São Paulo (2018). * Percentuais aferidos pela Autora.
Inversamente à diminuição da população rural, observa-se,
nesse mesmo período, no Quadro 1, a seguir, um crescimento
expressivo de escolas primárias rurais, indicativo do processo de
expansão do ensino primário ocorrido no estado de São Paulo.
30
Quadro 1 - Número de escolas rurais no estado de São Paulo (1940-1970)
Ano
Número de escolas rurais
1940
4.539
1950
6.242
1960
10.340
1970
14.449
Fonte: Leite (2018).
Nota-se, em face dos dados apresentados, uma expansão das
escolas primárias rurais no estado de São Paulo entre 1940 e 1970.
Diante desses dados, levantam-se as questões: Como ocorreu o
processo de recrutamento de professores para trabalhar nessas escolas?
Qual era a formação desses professores? Havia docentes leigos?
Tiveram formação específica para trabalhar nas escolas rurais? Quais
eram as condições de funcionamento desses estabelecimentos?
Diante do exposto, vale ressaltar a relevância deste livro para
a história da educação rural paulista, em virtude dos poucos trabalhos
realizados sobre essa temática no estado de São Paulo, considerando
o grande número de escolas e professores rurais no período de 1940 e
1970. Além disso, faz-se necessário conhecer a realidade desse Estado
que possuiu características diferentes em relação aos demais estados
brasileiros, conforme pode ser verificado nos resultados de outras
investigações publicadas no livro História e Memória da educação rural
no século XX, organizado por Chaloba, Celeste Filho e Mesquita
(2020).
Com base nas considerações introdutórias, para organização
deste livro foram estruturados cinco capítulos. O capítulo inicial
Pressupostos teórico-metodológicos da pesquisa , traz a produção
historiográfica sobre a Educação Rural no estado de São Paulo e no
Brasil que subsidiou a discussão da pesquisa, bem como o caminho
trilhado pela pesquisadora na construção dos fundamentos teóricos e
31
metodológicos. Ainda, apresenta a caracterização dos docentes
entrevistados.
O segundo capítulo SÃO JOSÉ DO RIO PRETO: aspectos
históricos e educacionais busca reconstruir a história do município
por meio de fragmentos construídos durante a sua história e criação.
Na sequência, discorre sobre os aspetos históricos do
desenvolvimento educacional do município, bem como sobre os
vestígios das escolas primárias rurais estaduais.
No terceiro capítulo A expansão do ensino normal no estado
de São Paulo e a vicissitudes do magistério para o meio rural são
abordados aspectos históricos de formação de professores primários
paulistas. Nesse sentido, busca contextualizar a expansão e
consolidação da Escola Normal como lugar de habilitação específica
para o magistério, desde a criação da primeira instituição no estado.
Em seguida, discute sobre a possível ausência da formação do
professor rural no estado de São Paulo. No final, procede à
investigação sobre a formação inicial e o meio rural.
O quarto capítulo Provimento das escolas primárias rurais
busca cotejar as fontes documentais (escritas) e as orais (entrevistas)
para compreender as formas de ingresso na carreira docente no estado
de São Paulo entre as décadas de 1940 e 1970. As narrativas são
apresentadas de modo a revelar os itinerários percorridos pelos
professores no período em que lecionaram na zona rural, assim como
as representações da realidade das escolas rurais.
O quinto capítulo O trabalho na escola primária no meio
rural mostra o trabalho dos professores da região de São José do Rio
Preto. A princípio, discorre sobre a forma de organização do espaço
nas classes multisseriadas, as matérias de ensino e, nesse contexto,
32
como foram sendo desenvolvidas as práticas docentes.
Posteriormente, busca compreender como os professores faziam para
chegar às escolas, examinando as estratégias e táticas utilizadas por eles
para lidar com os desafios no exercício do magistério rural. Ainda,
apresenta, por meio das memórias docentes, representações dos
alunos das escolas primárias rurais, assim como o relacionamento dos
professores com o meio rural.
Para finalizar, são apresentadas neste livro as considerações
finais, buscando expor os resultados alcançados pela pesquisa.
33
1.
PRESSUPOSTOS
TRICOS-METODOLÓGICOS DA PESQUISA
Este capítulo traz a produção historiográfica sobre a Educação
Rural no estado de São Paulo e no Brasil que forneceu subsídios para
a discussão do objeto investigativo. Nessa perspectiva, são abordados
os procedimentos teóricos e metodológicos assumidos para execução
e efetivação da pesquisa. Ainda, procede-se à caracterização dos
docentes entrevistados com a finalidade de apresentar resumidamente
uma biografia de cada um deles.
1.1 Pesquisas que subsidiam a discussão do objeto
Com o objetivo de verificar o conhecimento acadêmico
produzido sobre Educação Rural no estado de São Paulo, realizou-se
o levantamento dos trabalhos nas seguintes plataformas de pesquisa:
Catálogo de Teses e Dissertações da Coordenação de Aperfeiçoa-
mento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), Biblioteca Digital
Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD), do Instituto Brasileiro de
Informação em Ciência e Tecnologia (IBICT). A priori, o diálogo
com a historiografia produzida é fundamental no itinerário
investigativo.
Com os termos de pesquisa já definidos, foram utilizados
como descritores de busca para a realização do levantamento os
34
seguintes termos entre aspas, a saber: formação de professores
rurais”; profissionalização no meio rural”; professores rurais”;
trabalho de professores rurais”; memória de professores rurais”;
ensino primário rural”; e escola primária rural”.
Desse modo, neste estudo, foram definidas três categorias:
escola primária rural, formação docente e trabalho de professores
rurais. Assim, os resultados da busca estão dispostos nos Quadros 2,
3 e 4, respectivamente, história da escola primária rural, história de
formação de professores rurais e trabalho de professores rurais e
memórias de professores rurais.
Destaca-se, entre os estudos consultados ao discutir a história
da escola primária rural, as sete pesquisas apresentadas no Quadro 2:
Quadro 2 - Teses e Dissertações com a temática: história da escola primária rural
Ano Instituição Região Tipo Autor(a) Título
1988 USP São Paulo Tese Álvaro Rizzoli
O real e o imaginário
na educação rural
(município de São
Carlos)
1997 USP São Paulo Dissertação
Marilda
Aparecida
Soares
Alcantara
Paulista
O ensino público
primário no Estado de
São Paulo, 1937-1945:
transformações e
continuidade
2010 UNESP Araraquara/SP Dissertação
Reginaldo
Anselmo
Teixeira
Grupo Escolar
Comendador Pedro
Morganti: estudo
histórico sobre a cultura
escolar de uma escola
primária do meio rural -
1942/1988
2013 UNESP Araraquara/SP Tese
Virgínia
Pereira da
Silva Ávila
História do ensino
primário rural em São
Paulo e Santa Catarina
(1921-1952): uma
abordagem comparada
35
2014 UNESP Marília/SP Dissertação
Agnes Iara
Domingos
Moraes
O ENSINO
PRIMÁRIO
TIPICAMENTE
RURAL NO ESTADO
DE SÃO PAULO: um
estudo sobre as granjas
escolares, os grupos
escolares rurais e as
escolas típicas rurais
(1933-1968)
2014 UFSCar São Carlos/SP Dissertação
Carolina
Moraes
Gimenes
Resgate histórico das
escolas rurais em São
João da Boa Vista - SP
2018 UNESP Bauru/SP Dissertação
Claudinéa
Soto da Silva
ESCOLAS RURAIS
COMO ESPAÇOS
FORMATIVOS: vozes
de professores que
atuaram na região de
Borebi/SP
Fonte: A Autora, com base no Catálogo de Teses e Dissertações da CAPES e na
Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações do IBICT.
Rizzoli (1988), em sua pesquisa de doutorado, analisou
entrevistas e histórias de vida, com o propósito de verificar como
indivíduos e grupos diferentes compreendem (e agem em
consequência) o significado da educação formal em uma perspectiva
classificada por ele como mais ou menosrural, entre 1945 e 1980,
em São Carlos/SP, tomando-se por base o contexto das
transformações econômicas, sociais e culturais. Foram entrevistadas
184 famílias residentes na zona rural de São Carlos e 64 famílias não
residentes
10
.
A pesquisa do autor supracitado indica que, em São Carlos,
existiram dois tipos de escola rurais: as isoladas, providas por
professores efetivos entre 1945 e 1946, e as de emergência, que eram
criadas de acordo com a demanda e pela pressão por parte dos
10
Trabalhavam nas propriedades rurais, mas residiam na zona urbana.
36
proprietários rurais ou pela política local, após 1958, na tentativa de
fixar a mão de obra no campo. Apesar das deficiências e barreiras
impostas pela realidade econômica, as escolas rurais de São Carlos
eram consideradas como um projeto para viver em sociedade.
Por ser um estudo estatístico, Rizzoli (1988) traz dados
importantes com relação ao número da população urbana e rural no
estado de São Paulo, entre o período de 1940 a 1970. Além disso, a
pesquisa apresentou o número de escolas rurais existentes em 1980,
na cidade de São Carlos. Segundo o autor, nesse período havia 46
escolas rurais. Os professores se constituíram em 97% do sexo
feminino, sendo 66% casadas, 76,7% contratadas e 23,3% efetivas.
A idade variava entre 20 e mais de 40 anos. Ainda, ressaltou que, nesse
período, 43% dos docentes possuíam curso superior completo em
Pedagogia.
Os alunos das escolas isoladas eram filhos de proprietários de
terras pequenas que não foram absorvidas pelas propriedades maiores,
o que era bastante comum na época. O autor revela as queixas dos
discentes que sofriam violências físicas por parte dos professores das
escolas rurais de São Carlos, concluindo que o comportamento
repressivo acabava afastando-os da escola. Mediante as narrativas, a
escola foi identificada como um local que inspirava terror, sendo um
dos fatores apontados pelo autor que contribuiu para o desinteresse
pela escola, aumentando a evasão escolar.
No estado de São Paulo, Paulista (1997) fez uma importante
contribuição para a temática em questão ao analisar as relações entre
as mudanças no ensino público primário paulista e o Estado Novo.
Com base nas ideias e na prática em torno da ampliação das
oportunidades educacionais em São Paulo, a autora discute as
37
mudanças na organização do ensino público primário, destacando a
dualidade da educação brasileira, com instituições de ensino para a
elite e a outra para as camadas populares. Além disso, ela buscou
apresentar as relações entre o crescimento urbano-industrial e a
atuação dos interventores no governo estadual paulista quanto à
oferta de vagas nas escolas públicas primárias.
Paulista (1997) estabeleceu as relações entre os objetivos
educacionais, a ideologia autoritária populista expressa pela política
de nacionalização do ensino, o controle dos conteúdos veiculados pela
escola, e a implantação de programas de assistência ao estudante. Por
fim, a autora analisou a importância do poder público estadual
paulista com relação à manutenção e expansão do ensino elementar,
por meio de dados estatísticos pesquisados no Anuário Estatístico do
Estado de São Paulo. Apesar das sucessivas reformas educacionais no
estado de São Paulo, conforme foi apresentado pela autora, houve um
crescimento significativo dos índices de escolaridade no final do Estado
Novo.
Com a mesma temática, Teixeira (2010) buscou reconstruir a
cultura escolar de uma escola primária rural no interior do estado de
São Paulo, criada nas terras da Usina Tamoio, no município de
Araraquara, no período de 1942 a 1988. Com base na análise de livros
de matrícula e de ponto, bem como de livros de atas de reuniões
pedagógicas, sua pesquisa mostrou como as normas imperativas da
burocracia eram assimiladas pelos docentes.
Nas atas de reuniões pedagógicas, o autor identificou a
normatização do trabalho docente, tais como: a postura em sala de
aula; como ministrar os conteúdos; como lidar com a disciplina dos
alunos; campanhas de higiene em sala; comemorações; festas típicas
38
da zona rural; e práticas de educação rural. As recomendações tinham
caráter disciplinador e prescritivo que buscava padronizar e
normatizar a rotina dos professores e alunos.
Suas análises assinalaram que essa escola primária contribuiu
para apresentar aos indivíduos do meio rural os aspectos e as
necessidades da vida moderna. Percebe-se, portanto, que a formação
recebida não favoreceu a emancipação do homem do campo, uma vez
que as práticas agrícolas desenvolvidas serviram mais para adaptar o
trabalhador rural ao sistema de produção capitalista do que para
direcioná-lo à agricultura de subsistência familiar.
No que se refere à organização e ao funcionamento do ensino
primário rural, Ávila (2013) realizou um estudo comparativo entre as
reformas do ensino do estado de São Paulo e Santa Catarina, no
período de 1921 a 1952, relacionando-as ao processo de construção
de uma política nacional para o ensino primário rural. A autora
enfatiza, ainda, que apesar do interesse do Estado com a educação
rural em 1930, as políticas educacionais priorizavam a população da
zona urbana em detrimento da zona rural, embora nesse período 70%
da população do Brasil residisse no campo. Mesmo havendo expansão
do ensino primário rural entre 1920 e 1940, não se estabeleceu no
Brasil uma ideia uniforme do ensino primário rural. Em São Paulo,
por exemplo, existiram dois tipos de escola primária: 1) as escolas
isoladas e os grupos escolares, localizados na zona rural, com o mesmo
programa de ensino das escolas urbanas; e 2) as escolas isoladas e
grupos escolares típicos rurais, voltados para um ensino de caráter
vocacional-agrícola. Para Ávila (2013), em Santa Catarina não houve
criação de escolas típicas rurais, apenas foram mantidas as escolas
isoladas na zona rural.
39
A pesquisa de Moraes (2014), por seu turno, analisou a
estrutura do ensino rural no estado de São Paulo, com a criação das
granjas escolares, dos grupos escolares rurais e das escolas típicas rurais
efetuadas entre 1933 e 1968. A autora verificou que o ensino ofertado
nas escolas estudadas estava consoante com a proposta do ruralismo
pedagógico, com pontos de aproximação entre os ruralistas e os
defensores de uma escola comum, constituindo num avanço para o
ensino primário rural no estado de São Paulo, malgrado as
precariedades de construção dos prédios, as condições de
funcionamento, bem como as práticas pedagógicas.
As granjas escolares, os grupos escolares rurais e as escolas
típicas rurais serviram para atender à demanda com relação à
formação de uma identidade nacional, fixação do homem no campo,
difusão do sanitarismo, formação para o trabalho, entre outras. No
entanto, a extinção dessas escolas foi decorrente, segundo Moraes
(2014), do declínio do sistema agrário e da ascensão do
industrialismo.
A pesquisa realizada por Gimenes (2014) também traz uma
importante contribuição para a temática ao analisar a educação rural
no Brasil, no estado de São Paulo e no município de São João da Boa
Vista. A autora aponta uma queda expressiva no número de escolas
rurais no município, demonstrando como a política de fechamento das
escolas isoladas rurais decorre de inúmeros fatores, que ultrapassam a
vontade individual de permanecer ou não no campo.
Os dados apontaram que, em 1937, existiram 14 escolas
rurais em São João da Boa Vista. Em 1976, o número de escolas
aumentou para 61 e, em 2013, restaram apenas duas escolas. Para
Gimenes (2014), os fatores relacionados com a ampliação da
40
educação rural foram os seguintes: redução do êxodo rural;
qualificação da mão de obra; e abertura das escolas rurais.
Entretanto, a Gimenes (2014) explica que as mudanças na
produção agrícola permitiram o aumento de empregos fixos, com o
benefício do regime de contratação de mão de obra e a política de
nucleação e agrupamento. Por outro lado, a municipalização do
ensino, bem como as políticas públicas vigentes para a criação de
núcleo habitacionais, ocasionaram o fechamento das escolas. A análise
da autora permitiu notar que as particularidades do município de São
João da Boa Vista e as diferenças entre as escolas localização,
contexto e perfil das famílias dos alunos revelaram a certeza da
impossibilidade de se pensar uma educação específica para escolas na
zona rural do município.
Baseada na História Oral, Silva (2018) investigou como as
escolas primárias rurais em Borebi/SP se tornaram espaços formativos
na década de 1980. Assim, valendo-se das narrativas dos seis professores
entrevistados, observou que a história das escolas rurais em Borebi foi
marcada por conflitos agrários, pela municipalização do ensino e pelo
fechamento de escolas rurais, ocasionando, assim, no final de 1990, a
extinção das escolas rurais naquela localidade.
As conclusões de Silva (2018) demonstraram as dificuldades
encontradas pelos professores em sua trajetória profissional, apesar de
o trabalho nas escolas rurais contribuir em suas formações, uma vez
que puderam se perceber não apenas como formadores, mas também
como aprendizes em formação. Os docentes buscavam conciliar
tempo, conteúdo, organização e espaço, além de alternativas e formas
diferentes de exercer funções para garantir a aprendizagem dos alunos
nas escolas rurais.
41
A consulta no Banco de Teses e Dissertação da CAPES, assim
como no Banco Biblioteca Digital do IBICT, incidiram sobre a
temática história de formação de professores rurais, como expressa o
Quadro 3.
Quadro 3 - Teses e Dissertações com a temática: história de formação de professores rurais
Ano Instituição Região Tipo Autor(a) Título
2001 UFRGS
Porto
Alegre/RS
Dissertação
Dóris
Bittencourt
Almeida
Vozes esquecidas
em horizontes
rurais: histórias
de professores
2010 UNEB Salvador/BA Dissertação
Lúcia
Gracia
Ferreira
Professoras da
zona rural:
formação,
identidade,
saberes e práticas
2015 UNESP Marília/SP Tese
Leila Maria
Inoue
Entre livres e
oficiais: a
expansão do
ensino normal
em São Paulo
(1927-1933)
2015 USP São Paulo Tese
Fernando
Henrique
Tisque dos
Santos
A vida do
pensamento e o
pensamento da
vida: Sud
Mennucci e a
formação de
professores rurais
2017 UEM Maringá/PR Tese
Thaís
Bento Faria
Paraná,
Território de
Vocação
Agrícola?!
Interiozação do
curso Normal
Regional (1946-
1968)
42
2018 UFSCAR São Carlos/ SP Tese
Jaqueline
Daniela
Basso
O ruralismo
pedagógico no
estado de São
Paulo nas décadas
de 1930 e 1940:
as escolas
normais, os
cursos de
especialização, as
escolas técnicas e
os clubes
agrícolas
2019 UNESP Marília/SP Tese
Agnes Iara
Domingos
Moraes
A circulação das
ideias do
movimento pela
ruralização do
ensino no Brasil
(1930-1950)
Fonte: A Autora, com base no Catálogo de Teses e Dissertações da CAPES e na
Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações do IBICT.
A pesquisa de Almeida (2001) apresenta análises da educação
rural no estado do Rio Grande do Sul, entre 1940 e 1960. Neste
estudo, a autora investiga a construção das identidades dos professores
rurais mediante o exame dos discursos que circulavam no magistério
rural, tais como as origens familiares, as formações educacionais, os
percursos profissionais, cuja finalidade era entender as realidades
educacionais vividas no meio rural.
Almeida (2001) contextualiza o ensino rural e da formação de
professores no Rio Grande do Sul com o processo histórico em todo
o país na década de 1950. O ensino no meio rural, conforme descreve
a autora, se torna uma preocupação social, seja por interesses
nacionalistas seja no sentido de se evitar a saída dessas populações de
seu ambiente original. A partir da década 1950 foram organizados
cursos intensivos de férias destinados à formação dos professores
43
primários rurais, assim como a expansão das escolas normais rurais
em parceria com a igreja católica. Das oito Escolas Normais Rurais
no estado, duas eram públicas e seis administradas por diferentes
ordens religiosas.
O currículo dessas escolas contemplava disciplinas específicas
para o meio rural, cujo objetivo dos cursos era capacitar e habilitar o
professor para o meio rural, exclusivamente. Entretanto, os cursos
intensivos de formação de professores chamaram atenção da autora
por não contemplar os conteúdos de Matemática, História e
Geografia.
Embora as políticas públicas da década de 1950 parecessem
valorizar o ensino rural, as diretrizes adotadas acabaram não
considerando as referências culturais no Rio Grande do Sul. As ideias
da ciência e da modernidade indicavam os caminhos que a educação
rural deveria seguir. Com relação aos professores, a autora constatou
a presença de docentes leigos que fizeram os cursos de férias, mas
atuavam em escolas com professores diplomados nas Escolas Normais
e aqueles formados por Escolas Normais Rurais.
Apesar das especificidades da pesquisa de Almeida, o trabalho
de Ferreira (2010) apresenta proximidade temática. Nesse aspecto,
esta autora examinou quem era o professor da zona rural no
município de Itapetinga, na Bahia, em 2008. O escopo era saber
como eram formadas a identidade profissional, os saberes e as práticas
pedagógicas. Para tal intento, foram utilizadas as abordagens de
pesquisa (auto)biográfica e história de vidas como recursos
metodológicos de análise e interpretação dos dados.
De acordo com a autora, as professoras em Itapetinga/BA
tiveram dificuldades para desenvolverem suas práticas pedagógicas
44
nas escolas rurais, em razão de sua formação inicial não contemplar
disciplinas que permitissem atuar em classes multisseriadas, além de
não terem recebido formação continuada que suprisse essa lacuna. Em
Itapetinga/BA, os saberes experienciais das professoras rurais foram
construídos na prática profissional, ou seja, no saber-fazer no
cotidiano do exercício da profissão. Entre as entrevistadas, 12 tinham
graduação em Pedagogia e duas possuíam Habilitação Específica para
o Magistério. No entanto, a única referência feita pelas professoras
com relação à formação para o meio rural foi do Programa
Despertar
11
, considerado como uma formação continuada, que
mesmo não sendo voltado para o meio rural, abordava questões
ambientais.
A formação de professores também é objeto de estudo de
Inoue (2015), que investigou a formação de professores em São Paulo
como parte da expansão do ensino normal no oeste paulista, entre
1927 (período da implantação da Reforma da Instrução Pública
Paulista pelo Diretor Geral Amadeu Mendes) e 1933 (período de
efetivação do Código de Educação elaborado por Fernando de
Azevedo). A autora pesquisou as estratégias adotadas para a expansão
do Ensino Normal, assim como a expansão da escolarização primária.
Como estudo de caso foram selecionadas duas escolas normais
localizadas, respectivamente, em Lins e Santa Cruz do Rio Pardo, por
terem sido criadas na vigência da Reforma de 1927 e por estarem em
uma das últimas regiões do estado a se desenvolver.
11
O Programa Despertar é um dos Programas de Promoção Social do SENAR-AR/BA,
implantado em abril de 2005, com o objetivo de promover a educação voltada para a
responsabilidade social, a qual deve alavancar mudança de valores, aliada à postura cidadã e
socioambiental (FERREIRA, 2010).
45
Na Reforma de 1927, Inoue (2015) evidenciou que as Escolas
Normais Livres (particulares e municipais) foram equiparadas às
Escolas Normais Oficiais (mantidas pelo estado) e o ensino foi
reduzido de cinco para três anos. Antes da Reforma, elas não eram
reconhecidas pelo governo, com isso, os normalistas formados por
estas instituições não tinham os mesmos direitos daqueles que eram
formados pelas Escolas Normais Oficiais. Esses professores só
poderiam trabalhar em escolas primárias particulares ou como
professores leigos nas escolas primárias rurais. Para a autora, o
fundamento da Reforma se convergia na falta de professores formados
no estado para prover as escolas rurais e isoladas no estado, em regiões
de difícil acesso.
Com a equiparação, o número de Escolas Normais Livres foi
superior àquelas Oficiais. No entanto, essa mudança não ocorreu de
forma homogênea em todas as regiões paulistas em virtude dos
aspectos políticos, econômicos e culturais. No caso específico do oeste
paulista, a expansão do Ensino Normal e do ensino primário estava
ligada ao crescimento das lavouras de café durante a década de 1940.
Faria (2017) investigou como ocorreu o processo de criação e
extinção do Curso Normal Regional, no norte do Paraná, nos
municípios de Londrina, Rolândia e Sertanópolis. As políticas
educacionais presentes entre 1946 e 1968 favoreceram a expansão
desses cursos, destacando a figura de Erasmo Pilotto, um dos
principais renovadores do estado, incentivador da formação da moça
do lugar”, que seria transformada em professora, responsável em fixar
o homem do campo no próprio meio, além de disseminar o conceito
de escola como centro de vida social e contribuir nas reflexões sobre
os problemas locais.
46
Desse modo, o Curso Normal Regional contribuiu para a
formação de professoras para a escola primária rural no estado do
Paraná, caracterizado como território com vocação agrícola. Faria
(2017) analisou a ideia de que o Curso Normal Regional conviveu
com a contrariedade entre o prescrito pelo centro e o praticado pelo
interior. O Centro foi definido como o lugar institucional que
elaborava estratégias de circulação de modernas ideias pedagógicas,
por meio da produção de documentos, circulares, ofícios, portarias,
ao passo que o interior constituía-se de sujeitos que estavam nas
Escolas Normais, mas que burlavam, posicionavam-se e modificavam
o cotidiano escolar.
Em relação às pesquisas que fazem menção à formação de
professores rurais, sobretudo com as propostas educacionais dos
defensores do Ruralismo Pedagógico, destaca-se o trabalho de Santos
(2015), com a biografia de Sud Mennucci. O autor buscou
compreender o pensamento educacional do intelectual e suas ações
sobre a formação de professores rurais, uma vez que sua atuação na
educação foi marcada pela defesa da criação de Escolas Normais
Rurais que pudessem formar professores disseminadores de
conhecimentos úteis ao meio rural, pautados em agricultura e saúde.
O objetivo era despertar no homem rural o amor pela terra e
promover a sua fixação no campo. Para Mennucci, conforme
evidencia Santos (2015), os professores formados em escolas Normais
das cidades eram considerados inaptos para trabalhar nas escolas
rurais por possuírem uma mentalidade urbana, pois pregariam o
conforto e os benefícios da vida urbana o que estimularia a migração
dos alunos para a cidade.
47
Santos (2015) identificou as ideias ruralistas de Sud
Mennucci em periódicos educacionais: a Revista Educação (1929-
1948); a revista Do Professor (1934-1939) e a Revista Brasileira de
Estudos Pedagógicos (RBEP 1949 e 1956). A justificativa da escolha
dessas revistas, segundo o autor, ocorreu por reunir uma diversidade
de opiniões ligadas ao campo educacional, tais como administradores,
inspetores escolares, diretores de escola, professores das escolas
normais e professores em exercício nas escolas paulistas sobre a
organização da escola rural e a formação de professores.
Além das revistas, o referido autor analisou seis livros escritos
por Sud Mennucci sobre a educação, a escola rural e a formação de
professores: Cem Annos de Instrução Pública (1822-1922); a segunda
edição de A crise Brasileira de Educação; O que fiz e pretendia fazer
(1932), Pelo Sentido Ruralista da Civilização (1935), Aspectos
piracicabanos da educação rural (1934) e Ruralização (1944). Assim, a
partir da biografia analisada, o Santos (2015) afirmou que Mennucci
foi o maior representante do Ruralismo no Brasil e no estado de São
Paulo.
Estabelecendo interlocuções com o trabalho de Santos
(2015), Moraes (2019) demonstrou como ocorreu a circulação das
ideias do Movimento pela Ruralização do ensino no Brasil, no
período de 1930 a 1950. Por meio de diversas ações promovidas por
uma rede de sociabilidade, Sud Mennucci foi definido pela autora
como o principal intelectual do período. Nesse sentido, a rede era
constituída por sujeitos que integravam o Movimento em defesa da
Ruralização do ensino, cuja evidência foi demonstrada por meio das
correspondências do Arquivo daquele intelectual.
48
De acordo com a autora, por meio da correspondência, foi
possível encontrar ressonâncias das propostas de Mennucci para
educação rural, além de vestígios da sua atuação, das representações,
construções de sentidos, entre outros. No conjunto das fontes
analisadas, foi constatada uma rede de sociabilidade entre Sud
Mennucci e outros sujeitos que não se restringia apenas aos defensores
da ruralização do ensino, mas também na esfera pública e pessoal.
Moraes (2019) assevera que os ruralistas se manifestaram no
âmbito da política, da economia, da cultura, e sobretudo no campo
educacional. Com isso, as ações dos ruralistas circulavam de várias
formas oralidade, escrita, imagens , sendo promovidas por
iniciativas públicas e privadas. Dessa maneira, as ideias do
Movimento pela Ruralização do ensino atingiram diferentes regiões
do país de variadas formas e conforme as especificidades de cada
região, como no caso da fundação das Escolas Normais Rurais no
Brasil, devido à grande rede de sociabilidade.
Do mesmo modo, a pesquisa de Basso (2018) estabeleceu
diálogos com as ideias do Ruralismo Pedagógico voltadas para as
discussões educacionais nacionais e paulista referentes à formação do
professor. O Ruralismo Pedagógico, como movimento educacional,
se materializou no estado de São Paulo nas décadas de 1930 e 1940.
Esse período foi marcado pela polarização entre aqueles que
defendiam a urbanização e os defensores da industrialização do país,
embora ambos desejassem a manutenção do poder oligárquico.
Contudo, os ruralistas almejavam uma escola voltada para o meio
rural, acreditando que isso manteria o homem naquele ambiente,
embasados no discurso de que o país tinha vocação rural. Para a
autora, eles defendiam a ideia da formação de professores tipicamente
49
rurais, habituados ao meio rural e às atividades voltadas à realidade
do campo, especialmente, a agricultura e o trato com os animais. De
tal modo, o professor não poderia ser formado nas Escolas Normais
tradicionais, pois elas estavam alicerçadas nos princípios urbanos,
sendo necessária uma instituição própria: a escola Normal Rural.
Em virtude da ausência de Escolas Normais Rurais no
estado de São Paulo, foram criados poucos cursos de especialização
agrícola. Entre eles, a autora faz referência aos Cursos de
Especialização Agrícolas e Clubes Agrícolas criados nos municípios de
São Carlos, Casa Branca, Espírito Santo do Pinhal e São Manuel. As
Escolas Normais Rurais não chegaram a ser criadas sob a alegação do
governo do estado de que essa instituição não era a solução adequada,
sendo preferíveis cursos de especialização para os professores rurais,
especialmente para aqueles com interesse de lecionar no meio rural,
uma vez que o número de escolas normais no estado era suficiente,
inflando as vagas para os professores, além de serem onerosas aos
cofres públicos.
Não há como negar que houve uma expansão das escolas
normais no estado de São Paulo. Conforme pode ser observado na
pesquisa de Basso (2018), foram criadas 282 escolas normais,
abrangendo 156 escolas normais livres, mantidas pela iniciativa
privada ou por ordens religiosas, e 109 Escolas Normais estaduais, o
que permitiu depreender acerca da supremacia do setor privado nessa
modalidade de ensino.
No Banco de Teses e Dissertação da CAPES, assim como no
Banco Biblioteca Digital do IBICT, os estudos sobre o trabalho de
professores rurais e memórias de professoras rurais destacam-se nas
seguintes pesquisas expressas no Quadro 4.
50
Quadro 4 -Teses e Dissertações com a temática: trabalho de professores rurais e memórias
de professores rurais
Ano Instituição Região Tipo Autor(a) Título
2017
Centro
Universitário
Moura
Lacerda
Ribeirão Preto/SP Dissertação
Roseli
Teresinha
Pereira de
Oliveira
Godoy
Os templos na
roça: entre
memória,
práticas e
representações
docentes na
escola rural
2018 UNESP Marília/SP Dissertação
Kamila
Cristina
Evaristo
Leite
Memórias de
professoras de
escolas rurais:
(Rio Claro-
SP, 1950 a
1992)
2018 UFU
Uberlândia
/MG
Dissertação
Danielle
Angélica
de Assis
Inventoras de
trilhas:
história e
memória das
professoras
das escolas
rurais do
município de
Uberlândia-
MG (1950 a
1980)
2019 UNIT Aracaju/SE Tese
Maryluze
Souza
Santos
Siqueira
Revolver a
terra, semear a
memória e
regar a
história: a
formação do
professor
primário rural
em Sergipe
(1946-1963)
Fonte: A Autora, com base no Catálogo de Teses e Dissertações da CAPES e na Biblioteca
Digital Brasileira de Teses e Dissertações do IBICT.
51
O primeiro trabalho, Godoy (2017) investigou como as
práticas das professoras rurais foram interpretadas e registradas nos
Termos de Visita, pelos inspetores de ensino, quando visitavam as
escolas, entre 1960 e 1970, no município de Fernando Prestes, cidade
jurisdicionada à Diretoria de Ensino de Taquaritinga, interior do
estado de São Paulo. Com o intuito de confrontar os registros dos
inspetores sobre as práticas das professoras rurais, a autora também
realizou entrevistas semiestruturadas com sete professoras que
lecionaram entre 1950 e 1970, com um tempo de 2 a 5 anos de
magistério rural, que, em sua maioria, encontravam-se relatadas nos
Termos de Visita.
Godoy (2017) comparou a inspeção escolar à vigilância.
Contudo, os termos de visita permitiam conhecer, entre outros
aspectos, o funcionamento da escola, a quantidade de alunos
matriculados, o número de meninas e meninos e as condições de
infraestrutura. Ademais, em relação à dimensão pedagógica, foi
possível constatar a organização da classe, a disciplina e os materiais
utilizados pela professora, além dos conteúdos ministrados.
Um ponto de inflexão importante foi saber como era
discutido quando um aluno estivesse com dificuldades de
aprendizagem em cálculo ou leitura. O desempenho da professora
também era registrado. Na concepção da autora, a ordem, o asseio, a
disciplina e o rigor no cumprimento dos conteúdos eram ilustrados,
na maior parte dos termos, como princípios importantes para a
organização de uma escola que atendesse à nova ordem política e
econômica.
Por outro lado, segundo Godoy (2017), as narrativas
assinalaram que o inspetor chegava à escola sem aviso prévio e
52
fiscalizava os procedimentos que deveriam ser realizados pelas
professoras que cumpriam com as funções que lhes eram incumbidas,
a seu modo, temendo que suas práticas fossem reprimidas.
A pesquisa de Leite (2018) também estabeleceu diálogos com
as duas temáticas, uma vez que a autora procurou analisar a profissão
docente no meio rural do município de Rio Claro/SP, com base em
análise da formação e carreira de cinco professoras de escolas rurais,
no período de 1950 a 1992. A metodologia utilizada baseou-se na
História Oral, por meio da qual foram identificados aspectos da
profissão docente das professoras de escolas rurais, enfatizando a
trajetória das professoras em relação à formação inicial, ao ingresso na
carreira docente, às práticas educativas, à formação em serviço, às
condições de trabalho e à sua relação com o meio rural.
Os resultados comprovaram que a formação inicial e a em
serviço das professoras não tiveram especificações com relação às
atividades agrícolas, pois haviam cursado o Magistério, além de
possuírem cursos de especialização, aperfeiçoamento e licenciatura em
Pedagogia.
O ingresso na carreira docente ocorreu mediante concurso de
títulos e, posteriormente, concurso de provas e títulos. As práticas
educativas, segundo a autora, estavam relacionadas ao cultivo da horta
escolar, à utilização de livros didáticos e à organização das classes em
fileiras conforme o ano/série.
Do mesmo modo, Assis (2018) procurou compreender como
as professoras das escolas rurais do município de Uberlândia, no
estado de Minas Gerais, organizaram suas práticas pedagógicas antes
e depois da lei 5.692/71, por meio da história e memória de seis
professoras, no período entre 1950 e 1980. A justificativa temporal
53
está relacionada ao momento em que cinco das professoras eram
leigas, bem como o processo de nucleação das escolas rurais no
município.
As transformações ocorridas a partir da lei 5.692/71
decorreram em melhorias dos prédios e na oferta de cursos de
formação para as professoras. Os cursos de formação docente
apresentavam um currículo abarcando o ensino rural, apesar de o
programa ser apostilado, com pouca aplicabilidade dos conheci-
mentos em salas de aula, pois não se relacionavam com as necessidades
e a realidade do meio rural. As professoras leigas de Uberlândia
trabalhavam com os conhecimentos adquiridos na prática e assim
construíram seus modos de caminhar, de modo que resultou na
alfabetização e escolarização da população rural do município.
Em sua pesquisa, Siqueira (2019) recorreu à memória de
professoras primárias rurais para compreender como se configuraram
as estratégias e táticas de formação e atuação do professor primário
rural em Sergipe, no período de 1946 a 1963. Segundo a autora, o
governo brasileiro elaborou um plano de educação rural embasado
nos Acordos de Cooperação Técnica com vistas a atender às
Recomendações da Organização das Nações Unidas para a Educação,
a Ciência e a Cultura (UNESCO), que incentivava os países a
expandirem e modernizarem seus sistemas de ensino. O plano
continha os seguintes pontos: 1- construção de escolas rurais; 2 -
formação de professoras rurais; 3 - aquisição de materiais didáticos; 4
- novos métodos de ensino; 5 - inserção e valorização de atividades
agrícolas; 6-acompanhamento e supervisão escolar, entre outros.
Em relação à formação dos professores, o governo sergipano
criou, em 1949, duas Escolas Normais Rurais, uma no município de
54
Itabaiana e a outra em Lagarto, visando atender às orientações do
Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio
Teixeira (Inep) para a formação do professor primário rural. No
entanto, o currículo da Escola Normal Rural era uma cópia do
currículo da escola normal da capital, sem contemplar os itens
presentes nos Acordos e Recomendações da UNESCO.
Foram entrevistadas 16 professoras de 8 municípios do Estado
de Sergipe que atuaram em escolas rurais entre 1946 e 1963. As
narrativas demonstraram desconhecimento dos projetos ou se
recusaram a executá-los. A maioria das professoras iniciou sua carreira
no magistério mediante convite ou indicação política, muitas eram
leigas e não tinham capacitação para atuar no meio rural. Apesar de o
Governo de Sergipe ter adotado estratégias para a formação de
professores (Escola Normal, Escola Normal Rural, cursos de
aperfeiçoamentos), foi confirmada a presença de professores leigos no
ensino primário rural.
O exame da literatura sobre a temática da educação rural,
conforme demonstrado acima, suscitou desenvolver a presente
pesquisa, com o recorte espacial na cidade de São José do Rio
Preto/SP e a delimitação temporal (1940-1970) justificados em razão
das profundas transformações políticas e sociais no país,
consubstanciada na modernização produtiva e inversão demográfica,
com a passagem da população rural para o espaço urbano.
No entanto, a dualidade campo versus cidade ainda revela um
Brasil moderno e um Brasil arcaico. Imperativo esse que se desdobra
na recuperação do processo de escolarização rural, já que as mazelas
sociais, malgrado a consolidação dos sistemas de ensino, descerram
um ensino público primário precário com a permanência histórica de
55
professores leigos, mas recuperados historicamente aqui por meio do
presente trabalho.
1.2 Trilhas para construção dos fundamentos teóricos e
metodológicos
Imersa no universo da educação, é possível verificar as várias
mudanças que ocorreram no campo da história da educação nas
últimas três décadas, seja em torno dos aspectos teóricos quanto aos
aspectos metodológicos, seja na ampliação dos objetos e fontes de
pesquisa. Desse modo, foi preciso traçar caminhos a serem
empreendidos na construção dos fundamentos teóricos e
metodológicos para a escrita da tese, que resultou nesse livro. Nessa
perspectiva, Barros (2010) esclarece que a teoria remete aos conceitos
e às categorias a serem empregadas para encaminhar determinada
leitura da realidade, com o objetivo de serem investigadas,
relacionadas a ações concretas e dirigidas à resolução de um problema.
Frente a essas considerações, os caminhos teóricos e
metodológicos trilhados foram capazes de elucidar os impasses e os
desafios que surgiram durante o processo investigativo, instigado,
sobremaneira, pelas discussões fundamentadas na perspectiva
apresentada pela Escola dos Annales. Essa corrente francófona
contribuiu para a ampliação de novos temas, novos objetos e novos
problemas, admitindo a subjetividade no exame dos documentos,
rompendo, desse modo, com a concepção metódica dos primeiros
historiadores profissionais que, notadamente, dominavam a
Universidade francesa no final do século XIX e início do século XX.
56
Para Burke (2010), os fundadores da Escola dos Annales
ampliaram a noção de documento, admitindo que a história possa ser
(re)construída com documentos escritos, ilustrações, sons, imagens,
ou qualquer outra maneira de registro. A intensa produção
historiográfica ao longo dos anos 1930 e 1970 proporcionou
mudanças nas formas de se pensar a história. Ao longo destes anos foi
possível perceber o surgimento de novos elementos de análises, bem
como apropriações de outras áreas do conhecimento para a
composição do que ficou conhecido como Nova História Cultural
(sobretudo de tradição francesa). Com isso, abre-se: [...] o leque de
possibilidades do fazer historiográfico, da mesma maneira que se
impõe a esse fazer a necessidade de ir buscar junto a outras ciências
do homem os conceitos e os instrumentos que permitiram ao
historiador ampliar sua visão do homem” (BURKE, 2010, p. 8).
Desse modo, nos últimos 50 anos, no campo da história da
educação, segundo Galvão e Lopes (2010, p. 32), valorizam-se
[...] cada vez mais os sujeitos esquecidosda história, como as
crianças, as mulheres, os negros, os índios e as camadas
populares. Sentimentos, emoções e mentalidades também
passam a fazer parte da história. Fontes até então consideradas
pouco confiáveis e científicas começam a fornecer indícios para
reconstruir o passado.
Nessa perspectiva, Prost (2008) esclarece que a história
acadêmica pode ser escrita mediante aos vestígios que o homem veio
deixando ao longo de sua existência no mundo, já que os fatos
históricos são afirmações de uma reconstituição por meio deles. Por
57
outro lado, na perspectiva de Certeau (2013, p. 47), a história é uma
representação do passado que surge por meio de um discurso:
Toda pesquisa historiográfica se articula com um lugar de
produção socioeconômico, político e cultural. Implica um meio
de elaboração circunscrito por determinações próprias: uma
profissão liberal, um posto de observação ou de ensino, uma
categoria de letrados etc. ela está, pois, submetida a imposições,
ligada a privilégios, enraizada em uma particularidade. É em
função desse lugar que se instauram os métodos, que se delineia
uma topografia de interesses, que os documentos e as questões,
que lhes serão propostas, se organizam.
De acordo com o autor, toda pesquisa histórica parte de um
lugar no qual o historiador está socialmente inserido. Por seu turno,
Chartier (1991) adverte que a atenção se desviou para novos objetos
(pensamentos, gestos coletivos perante a vida e a morte, as crenças e
os rituais, os modelos educativos, etc.) até então próprios da
investigação etnológica e para novas questões, em grande parte
estranhas à história social.
Nesse sentido, Chervel (1990), Chartier (1991) e Pesavento
(2014) entendem que várias são as fontes históricas possíveis para se
compreender um determinado momento histórico. Para os autores, a
utilização das fontes na construção de trabalhos na perspectiva da
História Cultural não visa encontrar a verdade sobre o cenário que se
estuda; entretanto, ocupando-se das práticas culturais do cotidiano,
busca a verossimilhança e enxerga outros sujeitos com suas histórias,
ou seja, representações de possíveis verdades.
Tendo em vista tais pressupostos, utilizou-se, portanto, as
premissas desenvolvidas pelos historiadores supracitados, bem como os
58
conceitos de estratégiade Certeau (2012) para analisar as ações do
Estado quanto à formação docente e ao ingresso no magistério rural no
estado de São Paulo e, de tática”, para examinar as diferentes maneiras
de atuação dos professores nas escolas rurais.
A esses domínios, as estratégias correspondem a um cálculo de
forças empreendida por sujeito detentor de algum tipo de poder, por
esta via [...] postula um lugar suscetível de ser circunscrito como algo
próprio e ser a base de onde se podem gerir as relações com uma
exterioridade de alvos ou ameaças(CERTEAU, 2012, p. 93, grifos do
autor). As táticas, ao contrário das estratégias resultam da
[...] ação calculada que é determinada pela ausência de um próprio.
Então nenhuma delimitação de fora lhe fornece a condição de
autonomia. A tática não tem lugar senão o outro. E por isso deve
jogar com o terreno que lhe é imposto tal como o organiza a lei de
uma força estranha. Não tem meios para se manter em si mesma,
à distância, numa posição recuada, de previsão e de convocação
própria: atica é movimento dentro do campo de visão do
inimigo, como dizia Von Bullow, e no espaço por ele controlado.
Ela não tem, portanto, a possibilidade de dar a si mesma um
projeto global nem de totalizar o adversário num espaço distinto,
visível e objetivável. Ela opera golpe por golpe, lance por lance.
Aproveita as ocasiões e delas depende, sem base para estocar
benefícios, aumentar a propriedade e prever saídas. O que ela
ganha não se conserva. [...] Em suma, a tática é a arte do fraco.
(CERTEAU, 2012, p. 94-95).
Dessas acepções, a estratégia e a tática estabelecem uma relação
de interdependência regulada entre o forte e o fraco, no contexto de
cada experiência social e individual. Nessa direção, [...] a tática é
59
determinada pela ausência de poder, assim como a estratégia é
organizada pelo postulado de um poder(CERTEAU, 2012, p. 95).
Nesse constructo, essa investigação tomou como base a
Metodologia da História Oral por ser um procedimento
metodológico que busca ouvir e registrar vozes até então esquecidas
de sujeitos sobre acontecimentos vividos com a “[...] finalidade de
criar fontes históricas” (FREITAS, 2006, p. 19).
Sob esse ponto de vista, Freitas (2006, p. 18) defende esse
método de pesquisa que [...] utiliza a técnica da entrevista e outros
procedimentos articulados entre si, no registro de narrativas da
experiência humana. Já Alberti (2013, p. 24) privilegia o pesquisador
na realização de entrevistas com sujeitos que [...] participaram de, ou
testemunharam, acontecimentos, conjunturas, visões de mundo,
como forma de se aproximar do objeto de estudo, pressuposto
similar ao defendido na obra de Siqueira (2019, p. 37):
[...] pedaços do passado e este vem marcado por
descontinuidades, silenciamentos, escolhas, interpretações,
repetições, omissões, contradições e sentidos por parte de quem
está sendo entrevistado. Dessa forma, as entrevistas se
transformam em fontes, em documentos, entendidos não numa
perspectiva de verdade, mas numa possibilidade de nos
aproximar do conhecimento de uma dada realidade.
Nesse sentido, a escolha pela metodologia da História Oral
recaiu sobre o ato de escuta das narrativas dos professores das escolas
primárias rurais, considerando, segundo Silva (2002, p. 429), que
antes de [...] nos apropriarmos de nossa capacidade narrativa
(contarmos histórias), nós ouvimos histórias”.
60
Sob esta ótica, por se tratar da reminiscência do passado,
buscou-se analisar os relatos admitindo-se distorções e contradições
entre o ato de recordar e o de esquecer. Assim, as narrativas foram
entendidas como representações construídas sobre a percepção de
uma realidade, onde, muitas vezes, “[...] a memória se orienta para o
passado e avança passado adentro por entre o véu do esquecimento.
Ela segue rastros soterrados e esquecidos, e reconstrói provas
significativas para a atualidade (ASSMANN, 2011, p. 53). Neste
caso, cabe dizer que os relatos não são cópia do real, mas uma
reconstrução feita com base nele.
Isto posto, as representações, são entendidas como “[...]
contraditórias e em confronto, pelas quais os indivíduos ou grupos
atribuem sentido ao seu mundo, são os suportes de suas práticas e
mobilizam estratégias simbólicas por meio das quais definem posições
e relações, construindo sua identidade(CHARTIER, 1991, p. 177).
A propósito, as representações são determinadas, segundo
Chartier (2002, p. 17), pelos interesses dos que as forjam.
As representações do mundo social assim construídas, embora
aspirem à universalidade de um diagnóstico fundado na razão,
são sempre determinadas pelos interesses de grupo que as forjam.
Daí, para cada caso, o necessário relacionamento dos discursos
proferidos com a posição de quem os utiliza. As percepções do
social não são de forma alguma discursos neutros: produzem
estratégias e práticas (sociais, escolares, políticas) que tendem a
impor uma autoridade à custa de outros, por elas menosprezados,
a legitimar um projeto reformador ou a justificar, para os
próprios indivíduos, as suas escolhas e condutas. (CHARTIER,
2002, p. 17).
61
A vista disso, na escuta das narrativas, o se tentou descobrir
a verdade nos relatos, mas compreender como em [...] diferentes
lugares e momentos uma realidade social é construída, pensada [...]”
(CHARTIER, 2002, p. 16-17). Assim, entende-se que a memória
[...] é um cabedal infinito do qual só registramos um fragmento
(BOSI, 1987, p. 3).
Sendo assim, a memória e o esquecimento não são coisas que
se tem ou perde, mas um percurso no tempo e no espaço que se
expressa em linguagens e formas da estruturação do eu (SEIXAS,
2013). Valendo-se dessa reflexão, pode-se dizer que a memória é
sempre uma construção feita no presente baseada em vivências do
passado.
Nessa cosmovisão, a metodologia da História Oral passou a
ser utilizada pelos pesquisadores que desejam ouvir experiências
vividas de sujeitos. Por sua vez, Meihy (2013) explica que existem três
gêneros distintos em História Oral: a história oral de vida, a história
oral temática e a tradição oral. Para o autor, [...] as duas primeiras
podem servir a projetos de bancos de histórias ou implicar análises
que superem o sentido da recolha, mas a tradição oral alude exames
longos e complexos, incapazes de sínteses” (MEIHY, 2013, p. 34).
No entanto, para este estudo, optou-se pela história oral
temática, porque o objetivo é promover discussões em torno de um
tema específico, pois ela [...] ressalta detalhes da história pessoal do
narrador que interessam por revelarem aspectos úteis à instrução dos
assuntos centrais(MEIHY, 2013, p. 34). É importante destacar que,
na história oral temática, admite-se o uso de roteiros e questionários,
tornando-lhes peça fundamental para aquisição dos detalhes
procurados (MEIHY, 2011).
62
Portanto, o modelo escolhido para utilizar nessa pesquisa foi
o da entrevista semiestruturada, ele é guiado por um roteiro
12
de
questões e, segundo Marconi e Lakatos (2010), permite uma
organização flexível e ampliada dos questionamentos à medida que as
informações vão sendo coletadas.
Desse modo, em relação à metodologia adotada,
primeiramente foi realizado durante o ano de 2019 e início de 2020,
um total de dez entrevistas com professores que iniciaram a docência
no meio rural entre as décadas de 1940 a 1970, na região
13
de São
José do Rio Preto, no estado de São Paulo, onde integraram a rede de
ensino público estadual. Todas as entrevistas foram realizadas no
município de São José do Rio Preto, sendo nove na casa dos próprios
professores e uma na casa de uma amiga da entrevistada, com uma
duração média de 2h10min cada.
É importante destacar que a localização dos professores
entrevistados percorreu um longo processo. Inicialmente, tentou-se
uma visita agendada na Diretoria de Ensino de São José do Rio Preto,
especificamente, no departamento Núcleo de Vida Escolar, para ter
acesso a documentos das escolas primárias rurais existentes, com o
intento de identificar os professores que atuaram no período
delimitado.
12
Este roteiro encontra-se no Apêndice A.
13
O projeto inicial de pesquisa visava como recorte espacial, o município de São José do Rio
Preto, entretanto, no decorrer da localização dos professores verificou-se que ao serem
contatados para a realização da entrevista, alegavam ter trabalhado neste município, logo, o
que se observou após as narrativas foi o exercício da profissão na região administrativa escolar
da Delegacia de Ensino de São José do Rio Preto, uma vez que, no período delimitado,
abarcava as cidades mencionadas pelos docentes, tais como: Bady Bassit, Cedral, Floreal,
Iracema, General Salgado, Guapiaçu, José Bonifácio, Mendonça, Monte Belo, Nhandeara,
Nova Aliança, Nova Lusitânia, Piragi, Poloni, Potirendaba, Planalto, São José do Rio Preto,
Tanabi.
63
Em seguida, no Centro do Professorado Paulista (CPP), a
professora Clélia Aparecida Vessechi, responsável pela direção do
estabelecimento, indicou diversos nomes e telefones. Todavia,
somente duas professoras da lista cedida por Vessechi aceitaram
participar da pesquisa. Contudo, após a realização das duas primeiras
entrevistas, as demais indicações foram sendo apontadas pelos
próprios docentes entrevistados, ao recordar de um colega que
também atuou no meio rural.
O critério adotado na escolha, assim como a quantidade do
número dos entrevistados, pautou-se no período de atuação no meio
rural entre as décadas de 1940 e 1970, na região de São José do Rio
Preto. As fontes orais foram gravadas em áudio mediante autorização
dos professores ao assinarem o Termo de Consentimento Livre e
Esclarecido (TCLE). É importante destacar que todos os
entrevistados autorizaram a utilização dos nomes próprios na
pesquisa. Em razão do consentimento, optou-se por apresentar os
nomes dos professores.
Finalizadas as entrevistas, deu-se início ao processo de
transcrição das narrativas, o qual, para Thompson (1998, p. 58),
destina-se [...] à mudança do estágio da gravação oral para escrito”,
procedimento este que ao transpor a fonte oral para a escrita deve-se
respeitar todos os erros, repetições, assim como situações que
estiveram presentes (pausas, risos, gestos corporais, etc.) durante a
gravação. O momento da transcrição é minucioso por ter como
objetivo transferir para o escrito absolutamente tudo o que foi
relatado.
Concluída essa fase, iniciou a textualização, entendida por
Meihy (2013) como um método para deixar uma narrativa clara, ou
64
seja, uma etapa de organização do texto, de modo a suprimir, por
exemplo, as perguntas feitas durante a entrevista. Sob essa perspectiva,
o texto [...] passa a ser dominantemente do narrador, que aparece
como figura única por assumir o exclusivismo da primeira pessoa
(MEIHY, 2000, p. 67). Assim, eliminam-se os vícios de linguagem
próprios da língua falada, as repetições desnecessárias, os erros
ortográficos e os detalhes externos registrados no texto de transcrição.
O trabalho de [...] textualização final da entrevista é de autoria do
historiador, sendo o depoente um colaborador para a fabricação desse
novo documento(MEIHY, 2013, p. 157). É importante ressaltar
que as entrevistas não passaram pelo processo de transcriação
14
por ser
esta uma etapa em que possiblidade de modificar a fala dos
entrevistados.
Nesse sentido, Thompson (1998) adverte que as entrevistas
devem ser realizadas de modo a respeitar as memórias e os
esquecimentos dos sujeitos pesquisados. Perante esse olhar, convém
advertir que a memória é permeada por esquecimentos e lembranças.
Assim sendo, Ferreira (2002, p. 321) entende que a memória é uma
construção [...] do passado, mas pautada em emoções e vivências; ela
é flexível, e os eventos são lembrados à luz da experiência subsequente
e das necessidades do presente”.
Num terceiro momento, a busca por fontes documentais foi
árdua e constante. Desse modo, procedeu-se à visita nos seguintes
locais: Secretarias de Educação Estadual e Municipal; Arquivo
14
Transcriação é um dos conceitos-chave das obras de Meihy (2000, 2013). Para o autor, a
transcriação “[...] se compromete a ser um texto recriado em sua plenitude. Com isso, afirma-
se que há interferência do autor no texto e que este é refeito várias vezes, devendo obedecer
a acertos combinados com o colaborador, que vai legitimar o texto no momento da
conferência” (MEIHY, 2000, p. 67).
65
Público Municipal; Diretoria de Ensino; Casa de Cultura;
Hemeroteca Municipal; Arquivo Público da Câmara de Vereadores;
Escola Estadual Voluntários 32; Escola Estadual Cardeal Leme;
Escola Estadual Ezequiel Ramos; Escola Estadual Arlindo dos Santos;
Escola Estadual Cenobelino de Barro Serra; Museu Histórico e
Pedagógico. Todos os locais foram em São José do Rio Preto/SP, a
fim de localizar fontes documentais produzidas no contexto da escola
primária rural pelos professores, tais como: planejamento, diários,
mapa de movimento, ata de reunião, livros de termo de visitas, entre
outros.
É importante ressaltar que as visitas, em todas as escolas
arroladas acima, ocorreram porque houve a indicação da possibilidade
dos arquivos das escolas primárias rurais pertencentes à Delegacia de
Ensino de São José do Rio Preto estarem arquivados em alguns desses
estabelecimentos. O indicativo por essas escolas sucedeu pelos
entrevistados ao rememorar que as reuniões pedagógicas ocorriam nos
grupos escolares da cidade de São José do Rio Preto. Contudo, não foi
localizado nenhum documento, em virtude de as escolas rurais não
existirem e por não haver indícios de onde se encontram ou mesmo se
ainda existem tais arquivos.
Cabe ressaltar que a busca do passado não é simples,
sobretudo ter acesso aos arquivos das instituições supramencionadas.
O descaso com os arquivos é recorrente no Brasil, pois ninguém quer
mexer com papéis velhos, a não ser o pesquisador que busca “[...]
garimpar os documentos nas condições mais ou menos precárias em
que se encontrarem” (BACELLAR, 2011, p. 45).
66
Desse modo, dos estabelecimentos visitados, na Diretoria de
Ensino, após inúmeras visitas, teve-se acesso a cinco
15
Livros de Atas
de Quadro de Exames, entre 1964 e 1975, relativos às de escolas
primárias rurais. No Arquivo Público Legislativo (Câmara de
Vereadores), foi disponibilizado para consulta um documento que
tinha como proposta a solução no atendimento aos alunos da zona
rural.
Realizou-se, também, no site da Assembleia Legislativa do
Estado de São Paulo (ALESP), o levantamento e a seleção de leis e
decretos que regulamentaram a formação e os recrutamentos dos
professores primários no estado de São Paulo.
Portanto, para a organização do instrumento de pesquisa, as
fontes foram definidas como documentos construídos por meio de
história oral (entrevistas) e impressos oficiais, sobretudo legislações,
relatórios dos inspetores escolares e sínteses estatísticas, assim como
livros atas de quadro de exames, requerimento, atestado de
transferência de servidor e fotografias cedidas por duas professoras
entrevistadas. Infelizmente, não foram localizados diários, cadernos de
planejamentos, provas, livros de termo de visitas, etc. Desse modo,
procurou-se unir fontes orais e impressas, não com o intuito de
completá-las, mas com objetivo de cotejá-las.
1.3 Caracterização dos professores participantes da pesquisa
[...] a história oral tem um poder único de nos dar acesso às
experiências daqueles que vivem às margens do poder, e cujas
vozes estão ocultas porque suas vidas são menos prováveis de
15
A pesquisa dos Livros de Atas de Exames Finais foi realizada na Diretoria de Ensino, na
presença do assistente do Núcleo de Vida Escolar Thiago Bertelli Pereira.
67
serem documentadas nos arquivos. (PAUL THOMPSON,
2002)
Buscou-se iniciar a discussão desse tópico com base nas
reflexões retratadas na epígrafe por Paul Thompson (2002), no
intuito de dar visibilidade por meio de narrativas sobre vivências e
experiências a personagens que tiveram uma importância significativa
na instrução primária paulista de crianças do meio rural.
Desse modo, a pesquisa utilizou-se de narrativas orais de nove
professoras e um professor, que ingressaram em escolas rurais
primárias entre 1940 e 1970, na região da Delegacia de Ensino de São
José do Rio Preto. Das dez entrevistas, oito foram realizadas ao longo
do ano de 2019 e duas no início do ano de 2020, e cada uma teve a
duração média de 2h10min. Todas as entrevistas foram realizadas no
município de São José do Rio Preto. A memória dos professores, nesta
pesquisa, foi examinada com base nos escritos de Thompson (1998,
p. 17), de que a memória de um pode ser a memória de muitos,
possibilitando a evidência dos fatos coletivos”.
As entrevistas foram direcionadas aos professores baseadas no
roteiro do Projeto Nacional nº 01/2016, Faixa C, financiado pelo
CNPq, aprovado pelo Comitê de Ética, conforme a CAAE nº
77270117.0000.5400, composto por questões abertas. A
identificação na pesquisa foi concedida por todos os professores
entrevistados, uma vez que todos assinaram o TCLE.
Os docentes entrevistados relataram as experiências no
Magistério em um questionário semiestruturado, deixando fluir as
narrativas, cuja síntese seguiu o necessário cotejamento com outras
fontes e bibliografia pertinente, procurando estabelecer o perfil do
professor rural, depreendendo de uma configuração similar de outros
68
lugares do estado de São Paulo. É importante salientar, com base nos
estudos de Halbwachs (2006), Thompson (1998) e Le Goff (2003),
que a memória dos docentes desempenhou um importante papel na
interpretação histórica da caracterização dos professores rurais, pondo
em relevo as experiências individuais e coletivas, assim como as
apropriações de diferentes grupos sociais sobre o passado.
Desse modo, com base nas narrativas e visando maior
aproximação dos leitores com os professores entrevistados, traçou-se
um perfil de cada um, tendo como principal documento os seus
próprios relatos.
Maria Alvarez Romano nasceu no dia 15 de julho de 1923,
no município de São José do Rio Preto. Filha de comerciante rural,
iniciou os estudos entre 5 e 6 anos de idade em uma escola rural,
entretanto, não finalizou o ensino primário nessa escola. O ensino
primário foi concluído em um Grupo Escolar de José Bonifácio.
Quando completou 21 anos, mudou-se para São Paulo,
matriculando-se no supletivo do Ginásio. Após o Ginásio ingressou
no Curso Normal no Colégio Anglo Latino, na capital paulista,
concluindo-o em 1948. Iniciou o magistério rural em 1940, como
professora leiga, atuando por 6 meses. Ela trabalhou por
31 anos no magistério, sendo 1 ano e meio dedicado ao meio rural.
Maria Nirce Previdentes Sanches nasceu no dia 25 de
fevereiro de 1946, no município de São José do Rio Preto.
Completou os cursos primário e ginasial no Grupo Escolar da cidade
de Poloni/SP, onde morava com os pais (pequeno proprietário rural)
e outros cinco irmãos. Iniciou o Curso Normal em 1963, na Escola
Normal Capitão Porfírio, em Monte Aprazível/SP, ao mesmo tempo
com o curso de Técnico em Contabilidade. Iniciou por duas vezes o
69
Curso de Pedagogia, em Batatais/SP, mas não o concluiu. Ingressou
na profissão docente no meio rural em 1967, aposentando-se com 26
anos e meio de docência, dos quais 4 anos foram dedicados às escolas
primárias rurais paulistas.
Sônia Aparecida Azem nasceu no dia 8 de fevereiro de 1948,
no município de São José do Rio Preto. Filha de fazendeiro, fez o
ensino primário no Grupo Escolar Ezequiel Ramos, o ginásio e o
Curso Normal no Instituto de Educação Monsenhor Gonçalves e
Pedagogia no Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas/
Unesp (IBILCE), que na época era denominava-se Faculdade de
Filosofia, Ciências e Letras (FAFI), em São José do Rio Preto. Iniciou
a carreira docente no meio rural em 1972. Aposentou-se com 35 anos
de magistério, dos quais 3 anos e meio foram dedicados ao meio rural.
Irce Elias Pires da Costa nasceu no dia 18 de julho de 1940,
no município de São José do Rio Preto. Filha de dentista, fez os cursos
primário e ginásio em São José do Rio Preto, e o Curso Normal no
Colégio Estadual e Escola Normal, em Mirassol. Depois de concluir
o Curso Normal, em 1959, cursou 1 ano de Aperfeiçoamento do
Magistério e 1 ano de Administração Escolar, além de estudar
Pedagogia em Ribeirão Preto, na Faculdade Moura Lacerda. Iniciou
Belas Artes no município de Araraquara/SP, mas não o finalizou.
Ingressou no magistério no meio rural em 1961, onde exerceu a
profissão por 5 anos, sendo removida para Diretoria de Ensino,
permanecendo até se aposentar.
Palmira Miqueletti Marra nasceu no dia 26 de junho de 1945,
no município de Potirendaba/SP. Filha de pequeno proprietário
rural, fez o primário no 7º Grupo Escolar de São José do Rio Preto,
o Ginásio e o Curso Normal no Instituto de Educação Monsenhor
70
Gonçalves, em São José do Rio Preto. Concluiu Licenciatura em
Geografia na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de
Catanduva/SP, Licenciatura em Estudos Sociais de 1º Grau na
Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Jales/SP, Especialização
em Geografia em Ribeirão Preto, na FAFI/Unesp e outros cursos que
foram ofertados na Delegacia de Ensino de São José do Rio Preto na
década de 1970. Ingressou na carreira docente no meio rural em
1972, permanecendo por um período de 3 anos e meio. Aposentou-
se com 35 anos de magistério.
Maria Inês Magnani Salomão nasceu no dia três de junho de
1946, no município de Nhandeara/SP. O pai trabalhava em uma loja
de tecidos (assalariado) e a mãe cuidava dos filhos e da casa. Cursou
o Normal no Instituto de Educação Monsenhor Gonçalves, em São
José do Rio Preto. Em 1969, iniciou a faculdade de Geografia no
município de Catanduva. Ingressou na carreira docente no meio rural
em 1966, lecionando por um período de 5 anos e meio. Exerceu o
magistério por 11 anos, aliás, até ser aprovada no concurso do
Instituto Nacional de Previdência Social (INPS), onde trabalhou até
o início de 1974, pois, em maio deste mesmo ano, assumiu o
concurso do Banco Nossa Caixa, lugar onde permaneceu até se
aposentar.
Jorge Salomão nasceu no dia 30 de dezembro de 1944, no
município de São José do Rio Preto. Filho de pais assalariados, o pai
era mascate e a mãe doméstica. Cursou o primário em sua cidade natal
e o supletivo (curso Madureza) por correspondência em Ibiporã.
Concluiu o Curso Normal em 1965, no Instituto de Educação
Monsenhor Gonçalves, em São José do Rio Preto. Além disso,
concluiu os cursos superiores de Pedagogia (1970), Direito (1973) e
71
História (1975). Sua primeira experiência como professor, assim que
finalizou o Curso Normal, foi com aulas particulares de Matemática,
em São José do Rio Preto. Em 1971, iniciou a carreira docente no
meio rural. Aposentou-se com 42 anos de magistério, dos quais
apenas 3 anos foram dedicados à zona rural. É importante ressaltar
que o professor Jorge Salomão é casado com a professora Maria Inês
Magnani Salomão.
Yara Aparecida Aude nasceu no dia 1 de setembro de 1941,
no município de Pirangi/SP, onde fez o ensino primário. O curso
ginasial e o Curso Normal foram concluídos em Bebedouro,
município mais próximo de sua moradia. Além de normalista,
diplomou-se em Matemática, na Faculdade de Filosofia, Ciências e
Letras, em Penápolis; e Pedagogia no Centro Universitário do Norte
Paulista (UNORP), em São José do Rio Preto. Iniciou a carreira
docente no meio rural em 1971. Exerceu o magistério por 27 anos,
sendo 10 anos consagrados à zona rural. A professora Yara faleceu no
dia 16 de maio de 2021, após complicações pulmonares.
Ivanilde Afonso Prudêncio nasceu no dia 6 de julho de 1936,
no município de Tabatinga/SP. Filha de ferroviário, fez o primário,
ginasial, Normal, Pedagogia e Estudos Sociais. O Curso Normal foi
concluído em 1957, no Colégio Estadual e Escola Normal de
Mirassol/SP. Diplomou-se em Pedagogia em 1974, pela Faculdade
de Ciências e Letras de Votuporanga/SP. Já o curso de Estudos Sociais
de 1º Grau foi finalizado em 1977, pela Faculdade de Educação de
Monte Aprazível. Em 1959, ingressou no magistério, no meio rural,
permanecendo por 3 anos. Aposentou-se com 30 anos de exercício da
profissão docente.
72
Nilce Apparecida Lodi Rizzini nasceu no dia 14 de março de
1936, no município de São José do Rio Preto/SP. De origem italiana,
os pais se dedicaram ao comércio de São José do Rio Preto, seu pai
era proprietário de uma oficina mecânica. Fez o curso primário (1943
a 1947) no Grupo Escolar Cardeal Leme, em São José do Rio Preto.
Cursou o ginásio no Colégio Santo André entre 1946 e 1949. Em
1953, concluiu o Curso Normal no Instituto de Educação
Monsenhor Gonçalves, em São José do Rio Preto.
No ano de 1957 ingressou no Curso de Pedagogia da FAFI
de São José do Rio Preto, finalizando-o em 1960. Ingressou na
carreira docente no meio rural em 1954, onde permaneceu por 7
anos. Após ser aprovada no Concurso para o magistério secundário,
no ano de 1962, se efetivou como professora da Escola Normal do
Instituto de Educação Capitão Porfírio de Alcântara Pimentel em
Monte Aprazível. No mesmo ano, ao ser convidada para ser uma das
instrutoras do Departamento da Faculdade de Filosofia, Ciências e
Letras (Ibilce) de São José do Rio Preto, das cadeiras de Psicologia e
História da Educação, ministrou aulas de História da Educação para
o Curso de Pedagogia e algumas disciplinas optativas para os demais
cursos da Faculdade, exercendo a função de 1962 a 1976.
Em abril de 1968 obteve o Diploma de Doutoramento em
Filosofia, continuando como professora da Faculdade até 1985,
quando solicitou aposentadoria. É importante ressaltar que o
primeiro contato com Nilce ocorreu no dia 2 de dezembro de 2019.
Após apresentar o projeto de pesquisa, foi mantido sempre contato
via e-mail, Messenger e telefone. No dia 22 de julho de 2020, foi a
última vez que a pesquisa falou com Nilce por telefone. Ela relatou
que havia sofrido uma queda em sua residência e foi preciso passar
73
por uma cirurgia, pois tinha quebrado tudo. Relatou que estava
acamada e que precisava passar por outra cirurgia.
A professora Nilce Lodi faleceu no dia 26 de julho de 2020,
após sofrer uma parada cardiorrespiratória, oriunda de duas cirurgias
realizadas por causa da queda em casa.
74
75
2.
SÃO JOSÉ DO RIO PRETO:
ASPECTOS HISTÓRICOS E EDUCACIONAIS
A discussão desse capítulo perpassa a contextualização
histórica do município de São José do Rio Preto, definido como o
lugar socialem que a pesquisa foi inserida. Desse modo, por lugar
social, instauraram-se os métodos, que se delineia uma topografia
de interesses, que os documentos e as questões, que lhes serão
propostas, se organizam. (CERTEAU, 2013, p. 47). Assim,
entendeu-se por lugar, o local onde se fala articulado com a produção
socioeconômica, política e cultural.
Procurou-se reconstruir aspectos históricos do sistema
educacional no município para entender o contexto de formação e
atuação dos docentes entrevistados.
2.1 Fragmentos históricos do município
A educação rural no estado de São Paulo tinha, no período
estudado, especificidades quanto ao processo de urbanização,
sobretudo se comparado com outros estados ou regiões do Brasil. A
mais destacada é o crescimento econômico paulista, caracterizado pela
concepção de modernização e progresso, pilares que transformavam,
na prática, os limites de área urbana e rural de cada município pela
crescente mecanização das áreas agrícolas, mas fundamentalmente
76
com a industrialização, sendo o agronegócio sua face mais
característica, apesar do termo ser de utilização mais recente.
Desse modo, o estudo sobre a educação rural no município
de São José do Rio Preto avança sob esse prisma, apresentando o
processo de constituição da cidade e os desdobramentos atinentes à
educação.
Sabe-se que a incorporação das terras mais a oeste do estado
de São Paulo está relacionada com a expansão da cultura do café.
Entre os fatores apontados por Carvalho (2004) a grande
disponibilidade de terras pouco exploradas e o tipo de solo foram os
responsáveis pela expansão e ocupação da região.
Nesse contexto, em meados do século XIX o café começou a
ser plantando na região oeste do estado, ocasionando o surgimento de
novos povoados. A cidade de São José do Rio Preto tem sua origem
em 1852, ano de fundação da Vila de São José do Rio Preto. Sua
localização geográfica colaborou para que, desde a sua fundação, se
revelasse como centro polarizador de toda a região.
São José do Rio Preto está localizado na região noroeste
paulista, cerca de 442km da capital São Paulo, como pode observado
no Mapa 1. Atualmente, ocupa uma área de 431,944km², com uma
população estimada de 464.983 (2020) habitantes, sendo o
11º município paulista mais populoso (INSTITUTO BRASILEIRO
DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 1958).