A lei na filosofia
de Hegel
Pedro Geraldo Aparecido Novelli
Pedro Geraldo Aparecido Novelli
A lei na filosofia de Hegel
  
 
A lei na filosofia
de Hegel
Marília/Oficina Universitária
São Paulo/Cultura Acadêmica
2024
Pedro Geraldo Aparecido Novelli
A lei na filosofia
de Hegel
Editora afiliada:
Cultura Acadêmica é selo editorial da Editora UNESP
Oficina Universitária é selo editorial da UNESP - campus de Marília
Copyright © 2024, Faculdade de Filosofia e Ciências
Ficha catalográfica
Novelli, Pedro Geraldo Aparecido.
N938l A lei na filosofia de Hegel / Pedro Geraldo Aparecido Novelli. – Marília : Oficina Universitária ; São
Paulo : Cultura Acadêmica, 2024.
167 p.
Inclui bibliografia
ISBN 978-65-5954-438-7 (Digital)
ISBN 978-65-5954-437-0 (Impresso)
DOI: https://doi.org/10.36311/2024.978-65-5954-438-7
1. Hegel, Georg Wilhelm Friedrich, 1770-1831. 2. Direito (Conceito filosófico). 3. Direito -
Filosofia. 4. Lógica. 5. Ciência e direito. I. Título.
CDD 193.5
Telma Jaqueline Dias Silveira –Bibliotecária – CRB 8/7867
Imagem capa: AdobeStock: 169727800 (05/03/2024)
Este trabalho está licenciado sob uma licença Creative Commons Attribution-NonCommercial-
NoDerivatives 4.0 International License.
UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA
"JÚLIO DE MESQUITA FILHO"
Campus de Marília
Diretora
Profa. Dra. Claudia Regina Mosca Giroto
Vice-Diretora
Profa. Dra. Ana Cláudia Vieira Cardoso
Conselho Editorial
Mariângela Spotti Lopes Fujita (Presidente)
Célia Maria Giacheti
Cláudia Regina Mosca Giroto
Edvaldo Soares
Franciele Marques Redigolo
Marcelo Fernandes de Oliveira
Marcos Antonio Alves
Neusa Maria Dal Ri
Renato Geraldi (Assessor Técnico)
Rosane Michelli de Castro
Parecerista:
Prof. Dr. Paulo Roberto Konzen
Professor Adjunto no Departamento de Filosofia da Universidade Federal de Rondônia (UNIR).
DeDicatória
À Sônia, lutadora
À Bárbara, desbravadora
À Débora, obstinada
agraDecimentos
Ao Prof. Dr. Oswaldo Giacóia Jr., pelo exemplo de generosidade
Às minhas professoras Marianne, Elisabetta e Yvonne
Aos amigos Alpan e Christa, Kurt e Ingrid, Manfred e Helga, Völker e
Martin.
Aos inspiradores Prof. Dr. Jaescke (in memorian), Christoph, Holger,
Jürgen, Annette, Catia, Bonsiepen, Niklas, Schneider, Schmidt, e Peter.
Às presenças de Ursula, Ulrike, Müller, Bornheim
À diretora do Hegel Archiv Profa. Dra. Sandkaulen.
epígrafe
“Um amor ininteligente pode ser pior do que o próprio ódio"
Hegel. Fenomenologia do Espírito.
S
Prefácio -------------------------------------------------------------------- 15
Introdução ---------------------------------------------------------------- 19
capítulo 1 - A     ---------------------------- 23
1.1 A lei na Lógica da essência
1.2 Lei e aparência
1.3 A lei e sua verdade no mundo
1.4 A lei na Lógica do conceito
1.5 A lei: mecanismo e organismo
1.6 A lei e o organismo desenvolvido
capítulo 2 - A   F    ---------- 51
2.1 A lei na filosofia do espírito
2.2 A lei e a sociedade civil burguesa: a sociedade civil burguesa
2.3 A relação entre a sociedade civil burguesa e o direito
2.4 O direito no ser-aí social
2.5 O sujeito do direito
2.6 A lei
2.7 A positividade
2.8 O direito como ciência
2.9 A lei e o sujeito livre: objeto e limite na lei
2.10 As formas da lei
2.11 A relação entre o indivíduo livre e a lei
2.12 A codificação
2.13 A lei e o tribunal: o tribunal e a sociedade civil burguesa
2.14 A lei e sua validade
2.15 O juiz e a lei
2.16 A lei: sociedade e Estado
2.17 O direito burguês: extensão e limite
2.18 Direito e segurança
2.19 A lei no Estado: o que é o Estado?
2.20 O Estado como um organismo legal: Estado e organismo
2.21 A lei e o Estado como organismo
2.22 O Estado como um organismo desenvolvido
2.23 A lei na sociedade civil burguesa e no Estado
2.24 O Estado político
2.25 Constituição e lei
2.26 O legislativo: a constituinte
2.27 O legislativo como poder constituído: a tarefa do legislativo
2.28 Responsabilidade e Método
2.29 A lei na Filosofia do Direito: a lei como promotora da liberdade
2.30 Lei e ética
2.31 O Estado legal
capítulo 3 - O        
 ------------------------------------------------------------------ 133
3.1 Montesquieu
3.2 Rousseau
3.3 Kant
3.4 Teorias da Restauração
3.4.1 Savigny
3.4.2 Haller
3.4.3 Fries
3.4.4 Schleiermacher
3.5 A teoria da lei e o espírito do tempo
3.6 A revolução francesa e seus filhos
3.7 A ascensão da sociedade civil burguesa
3.8 A lei em Hegel e a Alemanha
4 - R  P -------------------------------------------- 159
referências --------------------------------------------------------------- 163
| 15
P
A literatura dogmática oriunda de juristas, e aquela oriunda de
sociólogos e cientistas sociais acerca do fenômeno jurídico mais imediato
– a Lei – é ampla, relevante, abundante e divergente; para uns, a Lei é um
mecanismo de controle social, para outros, é a mera expressão do dever-
ser reconhecida através dos mecanismos de representação popular, para
alguns, é a Lei a corporificação dos interesses de reprodução do vigente
sistema econômico. Muitos são os modos de se circundar e explicitar este
fenômeno tão propriamente humano.
Entretanto a despeito desta profusão de abordagens, no âmbito
propriamente filosófico, em geral, e na literatura filosófica brasileira, em
particular, não se teve a atenção merecida ao fenômeno da Lei. Escassas
são as pesquisas acerca da Lei e a presente obra já insere, tanto o leitor
especializado como o não iniciado ao habitus filosófico nesta seara, neste
debate central, fornecendo-lhes um seguro aparato conceitual para a
inserção nas reflexões acerca da natureza conceitual da Lei.
A importância de um texto filosófico sobre o conceito de Lei é
central em diversas áreas do exercício filosófico, dado que a Lei enquanto
regularidade que ordena e direciona a objetualidade à um fim perpassa e se
faz efetivar, tanto na natureza, pense-se por exemplo nas leis da natureza,
assim como, naquelas dimensões propriamente humanas, pense-se, por
https://doi.org/10.36311/2024.978-65-5954-438-7.p15-18
Pedro Geraldo Aparecido Novelli
16 |
exemplo nas leis que regem a ordem econômica do mercado, lei de cogência
supranacional e, mesmo, naquelas que regem as condições de estruturação
da sociabilidade, de regulação e esvaziamento do conflito etc.
Sem dúvida há um consenso acerca da centralidade do conceito
de Lei para todos os ramos do saber, os quais, o utilizam profusamente.
Porém a centralidade de um livro sobre a Lei, em sentido filosófico, não
se limita às constatações a posteriori, acerca da Lei e sua importância
na atualidade, mas, adentra-se também ao dado a priori que precisa se
enfrentado no tocante à Lei, referente à sua natureza intrínseca. Sem esta
reflexão propriamente filosófica acerca da Lei, uma das suas principais
características que é a capacidade de ordenação da realidade se esvazia em
consensos particularistas acerca do ser-das-coisas.
No tema da Lei, filosoficamente falando, há sempre o risco perigoso
dos extremos; seja aquele que busca determinar a natureza da regularidade
a posteriori e que finda por ser um elogio vulgar e nominalista do
naturalismo, seja aquele que renunciando à ordem dos fenômenos busca
necessariamente e a priori o fundamento das leis. No presente caso, o leitor
irá se deparar com algo mais.
O leitor tem as mãos uma minuciosa, atenciosa e bem meditada
reflexão acerca da Lei na obra de Hegel. A escolha da reflexão acerca da
Lei no projeto filosófico hegeliano permite ao leitor fazer a experiência do
pensar acerca da Lei desde dois grandes eixos, quais sejam: (i) a incorporação
por Hegel em sua reflexão filosófica, dada sua localização na constelação
da modernidade filosófica, de toda a revolução científico conceitual que se
gestou no paradigma moderno-científico, e (ii) a constatação originalíssima
de Hegel de que as estruturas da sociabilidade moderna se organizam em
torno do direito.
Estes dois eixos permitiram a Hegel determinar como a Lei passa
a ter centralidade explicativa na tradução conceitual da realidade e como
se resolverá aquela tensão entre as determinações a priori e as a posteriori
no núcleo conceitual do fenômeno Lei. O leitor através desta obra poderá
acompanhar na reflexão hegeliana este desenvolvimento reflexivo.
A lei na filosofia de Hegel
| 17
No livro que o leitor tem em mãos há uma unidade entre a ordem
da exposição e àquela do conceito. Primeiro todo aquele que se debruçar
com o autor terá oportunidade e o grato prazer de refazer reflexiva e
argumentativamente a experiência de como a Lei explicita-se a si mesma
enquanto determinação a priori desde a Ciência da Lógica de Hegel. Neste
momento o leitor fará uma meditação metafísica de como é possível pensar
um a priori que se explicita, e não, um a priori que se é dado desde uma
realidade exterior ao próprio pensar, e aqui, parece-nos encontrar-se o
núcleo motor da Lei, em si.
Continuando a meditação e acompanhando o desenvolver da
reflexão o presente livro apresentará, num segundo momento, um marco
seguro de interpretação do Espírito Objetivo e o modo como a Lei faz a
experiência de seu conhecer e existir – reconhecer-se - nas instituições.
Neste momento da reflexão a perspectiva acerca da Lei não é apenas da
ordem do pensar, em si, mas do pensar que se pensa a si próprio em suas
formas históricas.
As diversas instituições se revelarão na reflexão do autor como
portadoras de uma intrínseca racionalidade legiferante. A Razão é portadora
de leis e são estão leis do pensar que deverão se explicitar fenomenicamente
nas instituições humanas através de seus agentes. O leitor guiado pelo
autor fará a experiência de descobrir nas instituições a natureza intrínseca
que subjaz as dimensões nomotéticas e hipotéticas da Lei.
No terceiro momento de sua reflexão o livro apresentará ao leitor (i)
um estudo comparativo acerca da Lei entre diversos e importantes autores
do período, permitindo retomar o diálogo de Hegel com a constelação na
qual o mesmo estava inserido (Savigny, Haller, Fries, Schleiermacher entre
outros); e (ii) uma análise dos eventos epocais a que Hegel fez experiência
e que seu conceito de Lei é central na interpretação hegeliana dos mesmo,
tais como a Revolução Francesa e a ascensão da sociedade civil burguesa.
Jorge Luis Borges nos diz que os livros são a extensão da memória e
da imaginação ao contrário das outras invenções humanas que são próteses,
extensões do corpo. Cada livro, em geral, possui assim um componente
autobiográfico. Advertiria ao leitor que neste livro se encontrará as reflexões
Pedro Geraldo Aparecido Novelli
18 |
de um experiente pesquisador com diversas instâncias internacionais em
centros de excelência na Hegel-Forschung.
Acrescentaria ao leitor, outra advertência, pois dado que o livro
que se tem em mãos é o resultado das reflexões do filósofo Pedro Geraldo
Aparecido Novelli, o qual, também é notório pela sua generosidade, pelo
afeto e pela pluralidade de perspectivas que abraça em seu exercício do
pensar, anteciparei nesta apresentação a certeza do prazer da leitura destas
reflexões hegelianas acerca da Lei, prazer que agora todos poderão ter!
Danilo Vaz-Curado R. M. Costa
Unicap
| 19
I
A lei é um elemento fundamental para um Estado e ou sociedade
tanto no sentido de sua importância e pertinência quanto na fundamentação
destes. A assunção da lei no Estado indica objetivos a serem perseguidos
evitando, assim, uma existência em comum calcada na arbitrariedade e na
indeterminação. Mais do que evitar e prevenir uma situação de guerra de
todos contra todos o que se busca com a lei é o estabelecimento da vida em
comum. Além disso, o Estado é efetividade da liberdade do todo e de todos
que são cada vez mais plurais e que podem ter na lei laços comuns. A lei,
por conseguinte, pode desempenhar um papel extremamente importante
na medida em que reflete o Estado e sua efetividade. O Estado de direito
determina-se, enquanto tal, como Estado da legalidade. Porém, é sempre
difícil encontrar uma unanimidade sobre a lei. Uns a tomam como uma
forma institucional de opressão, enquanto outros a tomam como a garantia
contra toda e qualquer opressão. Mesmo assim é possível determinar
uma compreensão comum através do aspecto da pura formalidade da lei.
Em sentido material cada frase do direito é abstrata e geral e em sentido
formal cada frase é uma lei enquanto resultado da decisão do legislativo.
A lei pode sempre ser determinada ou especificada, mas ela somente é
compreensível através do conceito. Ela é uma referência para a vida diária,
mas ela não pode resolver todos os problemas, se ela for entendida somente
Pedro Geraldo Aparecido Novelli
20 |
através dos aspectos materiais e formais. Portanto, faz-se necessária uma
teoria que considere o conteúdo da lei. Tal tarefa deve ser assumida pela
filosofia que pode indicar o que fundamenta os laços entre os membros
do Estado principalmente quando velhos laços são questionados e postos
em dúvida. Basta citar a experiência dos gregos antigos ao se depararem
com outros povos seja dominando-os ou sendo dominados por eles. O
Górgias de Platão é ilustrativo da relativização dos laços político-sociais
em Atenas após a derrota para Esparta. Uma teoria da lei pode inclusive
ser importante em períodos de crise da própria lei. Esta pode ser tratada
em termos de sua interpretação o que pode situar a lei no domínio da
subjetividade que muitas vezes chega a beirar a arbitrariedade. Se, por um
lado, a lei representa a objetivação da consciência humana em suas relações
envolvendo outras consciências, o mundo e a natureza, por outro lado, a
proliferação inflacionária de leis num Estado pode representar uma situação
perigosa. Leis demais e a identificação com normas positivas podem minar
o sentimento de confiança na sociedade que pode se compreender e sentir
muito mais cerceada do que promovida e protegida. Contraditoriamente
a lei se faz necessária aqui para regular a si mesma e muito mais do que a
atividade de indivíduos afastados do cotidiano da coletividade a lei objetiva
a prática na Ágora ou na arena política.
O objetivo do presente texto é apresentar a compreensão da lei na
filosofia de G. W. F. Hegel (1770-1831) tanto em seu conceito imediato
quanto a compreensão hegeliana da lei como crítica ao formalismo e ao
dogmatismo legalista. Tanto quanto possível busca-se o conceito de lei na
totalidade da filosofia hegeliana ou mais precisamente nos diferentes textos
nos quais o tema em questão seja considerado.
Para a realização da referida empreitada assumiu-se inicialmente
como principal fonte as obras originais de Hegel em alemão e, na
medida do possível, com a exposição através das traduções para a língua
portuguesa mais recentemente. Nesse sentido a Ciência da Lógica, a
Enciclopédia das Ciências Filosóficas em Compêndio e a Filosofia do Direito
aparecem como as referências centrais. A partir das obras indicadas
evidencia-se a lei sendo tratada em seu aspecto formal e material, ou seja,
A lei na filosofia de Hegel
| 21
forma e conteúdo se apresentam em relação de complementariedade e
constituinte uma da outro.
A partir da Ciência da Lógica a lei é apresentada como uma
categoria, ou seja, como a apreensão do que é, em suma, do ser, imediata e
mediatamente. A lei enquanto categoria é uma apreensão imediata porque
aparece como algo que aí está e até que deveria estar presente como que
naturalmente. A lei enquanto categoria mediata permite a efetividade do
ser ou aparece como mediação, como meio para o ser em sua realização.
Desde a Enciclopédia a lei é tomada como expressão da unificação
do que foi em algum momento posto à parte. Hegel avalia a história da
filosofia que precede seu tempo e reconhece a cisão entre sujeito e objeto.
Especificamente o mundo grego antigo se caracteriza por uma adesão,
não necessariamente sabida nesse mesmo período, ao objeto, sendo que a
modernidade assumiria a perspectiva do sujeito. A lei é tomada aqui como
a superação, ou melhor ainda, como a suprassunção da dicotomia sujeito-
objeto resultando na figura do absoluto. Expressão disso seria a assunção
da lei que vale para todos indistintamente de modo que, como se costuma
dizer, ninguém se encontraria acima da lei, mas também devendo-se
acrescentar que também ninguém se encontraria abaixo da lei.
Em sua obra Filosofia do Direito Hegel explora o caráter universal da
lei que se opõe a toda e qualquer arbitrariedade e indeterminação. Com
a lei se sabe o que fazer e até como fazer possibilitando que a consciência
subjetiva se veja na objetivação ou no ser aí. Ainda na mesma obra da
Filosofia do Direito Hegel afirma a importância da lei mesmo que ela se
apresente como um controle e cerceamento além do desejável. Hegel chega
a dizer que uma lei ruim é melhor do que nenhuma o que mostra muito
mais o significado da lei em si do que sua fenomenologia social.
A posição hegeliana diante da lei não deve, entretanto, ser confundida
com uma postura dogmática, pois ele também reconhece que nem tudo
pode e nem deve ser positivado, além do que ele também tem ciência
dos limites históricos da lei. Portanto, Hegel não considera a lei pela
lei como valiosa intrinsecamente em si, mas pela mediação que opera e
pela expressão do que é. Assim, procura-se com o presente texto expor
Pedro Geraldo Aparecido Novelli
22 |
como Hegel compreende a lei e através disso oferecer a crítica hegeliana à
legalidade formalista tanto no que diz respeito ao detrimento do aspecto
material da lei quanto ao fato de que a lei possa se sobrepor absolutamente
ao humano. Não se quer dizer com isso que Hegel relativiza o papel
da lei, por exemplo, no Estado, mas que a lei não é capaz por si só de
suplantar todas as mazelas de um contexto sociopolítico, mas que esta,
a lei, depende muito do humano contextualizado. Hegel aprendeu com
Montesquieu que, por exemplo, as condições naturais influenciam muito
a formação de uma consciência legal ou voltada às leis, pois a geografia
de uma localidade afeta a produção de bens, seu comércio e as relações
humanas. O próprio Hegel indica que o grau de desenvolvimento humano
determina a compreensão de delitos e da aplicação de penas. Conforme
Hegel a carência de educação, de formação cultural pode se traduzir em
penas por demais elevadas como a punição de delitos.
Além disso, Hegel deixa evidente o papel do pensamento filosófico
sobre a lei que se traduz pelo esclarecimento do conceito de lei e pela
explicação das questões que envolvem a elaboração da lei. Com isso Hegel
elucida sobre o que se fala quando a lei é posta em debate assim como
expõe o que está presente nos questionamentos daqueles que valorizam ou
deploram a lei.
| 23
C 1
A    
A teoria das leis já tem uma consideração anterior de Hegel em
relação à Filosofia do Direito de 1821, ou seja, na parte da “Enciclopédia
de 1817 na qual Hegel trata do significado para a eticidade. No tratamento
dispensado à eticidade Hegel se ocupa com o significado do conceito que
através da lei será realizado e determinado. Isso porque os seres humanos
devem ter certeza do que percebem como um acontecimento tanto na
natureza como na história. Tal certeza ou determinidade é apreendida
através do conceito. No acontecimento diferencia-se o determinado da
determinidade sendo que esta última se torna uma característica de todos
os objetos específicos e se constitui numa lei aplicável a todos estes objetos.
Porque o conceito deve ser o todo, ou pelo menos é o que apresenta o ser
e o pensar numa totalidade, Hegel procura alcançar esse aspecto universal.
Isso ganha corpo na Lógica da Essência como a lei da aparência.
Mas este ser, em que a essência se transforma, é o ser essencial,
a existência; um ser que saiu da negatividade e da interioridade.
Assim, a essência aparece [erscheint]. A reflexão é o aparecer
[Scheinen] da essência dentro dela mesma. As determinações da
mesma, encerradas na unidade, são pura e simplesmente apenas
como postas, suprassumidas; ou seja, ela é a essência imediatamente
idêntica a si dentro de seu ser posto. (Hegel, 2017, p. 133).
Pedro Geraldo Aparecido Novelli
24 |
E na Lógica do Conceito como a lei propriamente dita.
Na lei se destaca a diferença mais determinada da realidade ideal da
objetividade frente àquela externa. O objeto, enquanto totalidade
imediata do conceito, ainda não tem a exterioridade como
diferenciada do conceito que não está posto para si. Na medida em
que o objeto foi para dentro de si através do processo, entrou em
cena a oposição da centralidade simples frente a uma exterioridade
que está, agora, determinada como exterioridade, isto é, posta
como aquilo que não é em si e para si. (Hegel, 2017, p. 201).
Aqui a lei tornou-se uma categoria e um conceito filosófico
universal. Desse modo o que quer que seja passa a ser compreendido a
partir dessa perspectiva. Deve-se reconhecer aqui o entrelaçamento entre
a Lógica e a Filosofia do Real. A Lógica pretende a realidade e a realidade
pretende a logicidade. Aqui se trata do esforço do conceito, pois somente
este representa a lei em sentido ineludível, e não no espúrio, reduzido e
autoritário. Contudo, sempre há o perigo de se interpretar mal a relação
entre conceito e realidade, se não se retorna à compreensão decisiva do
conceito em si. Como exemplo pode-se citar a afirmação hegeliana de que
“O que é racional, isto é efetivo; e o que é efetivo, isto é racional” (Hegel,
2010, p. 41). A realidade não deve ser entendida como um resultado
da Lógica. Quando Hegel pretende entender a realidade em sua Lógica,
então se faz necessário ver o que aí está. Uma lógica que procura tratar o
movimento, deve, igualmente, ser entendida através do mesmo movimento
que resulta da realidade. Não se deve esquecer que a Lógica é uma crítica à
metafísica, porque a realidade deve ser entendida em diferentes maneiras.
Deve-se entender aqui a crítica não a toda metafísica, mas à metafísica que
dissocia sujeito e objeto e, principalmente, faz o segundo dependente do
primeiro. Hegel não aceita que o que se tornou uma realidade permaneça
enclausurado em si mesmo. Tudo obtém sua justificação, sua legitimação
através do pensamento enquanto é conceituado e trazido para o âmbito da
ideia. No entanto, a Lógica hegeliana não serve à legitimação da realidade,
pois ela é o movimento do pensamento sobre essa mesma realidade. Hegel
afirma a unidade entre sujeito e realidade que resulta de um encontro que
A lei na filosofia de Hegel
| 25
reúne o que sempre esteve unido, mas que havia sido separado. O sujeito
não é um a priori em relação à realidade nem é a realidade um a priori em
relação ao sujeito. A realidade é algo para o sujeito, que ele, por sua vez,
precisa trabalhar e entender. Isso não significa que a realidade seja o que
o sujeito quer. O sujeito somente pode entender a realidade porque ela aí
está e porque é o que o sujeito pode conhecer.
A lógica permite Hegel certificar-se sobre o que ele já acreditava, isto
é, que não há um ser que, em si, seja independente, senão que todo ser que
aparece como o outro do pensar é. Este é o ponto de partida do idealismo
absoluto. Daí, afirmar que a lógica é, em todos os sentidos, a ciência das
leis do pensar, parece legítimo. (Taylor, 1983, p. 2997).
A realidade política não encontra nenhuma fundamentação através
da Lógica, mas a Lógica é a fundamentação para a realidade política. A
compreensão de uma realidade política não significa sua legitimação,
porque a Lógica vai além do presente ou do estabelecido. A realidade
pode ser limitada, mas isso não tem sua razão de ser na Lógica. A Lógica
hegeliana afirma sempre o que é universal. Na verdade, a universalidade (die
Allgemeinheit) desenvolve-se através da particularidade (die Besonderheit)
e esse processo desenvolve ao mesmo tempo a própria particularidade (die
Besonderheit). Hegel está interessado na verdade e, ele procura alcançá-la
através de sua Lógica. Sua Lógica não é uma lógica do correto ou do certo.
A verdade significa, para Hegel, em strictu sensu, unidade da realidade
com seu conceito. Hegel dá o exemplo de um bom e verdadeiro amigo,
que nós entendemos, porque ele se comporta segundo o conceito de
amizade. O mesmo ocorre quando nos manifestamos a respeito de uma
verdadeira obra de arte ou de um Estado verdadeiro. Algo é ruim ou falso
quando se estabelece uma contradição entre o conceito de um objeto e sua
existência. Nesse sentido pode-se falar de um mau Estado. “Podemos fazer
uma representação correta de um tal objeto mau, porém o conteúdo dessa
representação é algo em si não verdadeiro. Noções corretas como essas, que
ao mesmo tempo são não-verdades, podemos ter muitas vezes na cabeça
(Hegel, 1995, § 24, A. 2).
Hegel descreve adiante a relação entre a pura correção e a verdade
e destaca a partir daí a diferença entre elas. “A idéia é a verdade; pois, a
Pedro Geraldo Aparecido Novelli
26 |
verdade é que a objetividade corresponda ao conceito – não que as coisas
exteriores correspondam a minhas representações; essas são somente
representações corretas, que Eu, este [aqui], tenho” (Hegel, 1995, § 213).
A correspondência da objetividade com o conceito significa para
Hegel a coincidência do conteúdo consigo mesmo. Este aspecto é central
na “Ciência da Lógica” de Hegel. Nesse sentido Hegel procura superar
o componente subjetivo do idealismo. Hegel afirma que o idealismo é
essencial para a filosofia, embora a ideia venha a ser compreendida como a
coincidência entre o objeto com seu conceito.
Um objeto é, se ele é idêntico a si mesmo, o que ele deve ser. “São
verdadeiros esses objetos quando eles são o que devem ser, isto é, quando
sua realidade corresponde ao seu conceito” (Hegel, 1995, § 213, A.).
Mas, o que significa dizer que o objeto deve ser o que é? Para tanto é
importante entender o momento do dever ser através da suprassunção da
moralidade pela eticidade.
Se um objeto, por exemplo, é verdadeiro, ele é efetivo, ou seja, ele
é objetividade subjetivada e, assim, ele será protegido contra o acaso. Ao
contrário, uma realidade que é a pura imediatidade, não é o que deve
ser, pois já está rompida, porque na pura imediatez ela não é também
verdadeira. A ideia, por sua vez, é a efetividade na medida em que atua.
Caso contrário, a ideia é um mero permanecer em si que, enquanto si, não
se pode reconhecer. Em outras palavras, a ideia é em si, no outro de si ou
em seu aparecer ou manifestar-se para além de seu ensimesmamento.
De igual modo, o objeto é o resultado da atividade do conceito. Desse
modo o objeto não é algo simplesmente dado, mas é o que o conceito,
com sua atividade, alcança. Levar ou elevar o objeto ao pensamento não
é abstrair o objeto, mas é concretizá-lo. Não é escondê-lo, mas é revelá-lo
ainda mais como o que é. Nesse sentido Hegel distingue objeto como
Gegenstand, ou seja, o que se opõe a ou que confronta e objeto como
Objekt (simplesmente o que aparece jogado aí). Muito mais do que um
objeto intencional (Gegenstand) Hegel afirma o objeto real (Objekt) que
não é objeto de conhecimento, de investigação, de consideração, mas é a
realidade em si. Hegel não quer, por isso, apresentar um derivado, mas o
A lei na filosofia de Hegel
| 27
que é, e é na relação com o sujeito pela ação do conceito. Desse modo o
objeto se efetiva, pois já é em si o que se torna para si.
Como Hegel entende o conceito da efetividade, é importante para
compreender o alcance de sua Filosofia do Direito na qual a lei aparece como
uma expressão do direito. A determinação mais alta que Hegel apresenta
é a diferenciação entre efetividade verdadeira e aparência. É interessante
notar que Hegel trata conjuntamente os conceitos de efetividade e dever
ser e tais conceitos são ligados ao campo da política.
[...] que a filosofia esteja bem consciente de que seu conteúdo não
é outro que o conteúdo originariamente produzido e produzindo-
se - no âmbito do espírito vivo, e constituído em mundo, [mundo]
exterior e interior da consciência; [e entenda] que o conteúdo da
filosofia é a efetividade. (Hegel, 1995, § 6).
O aspecto legal e moral é para Hegel ainda abstrato e pode somente
ser superado se o conceito de efetividade for entendido. Já se disse aqui
que tal suprassunção é representada pela eticidade, mas porque o legal e
o moral não realizam ainda a efetividade? Como Hegel chama a atenção
sobre o direito abstrato e a moralidade em sua Filosofia do Direito, o
aspecto legal e a moralidade não esgotam em si a totalidade do direito,
principalmente porque nos momentos apenas mencionados a perspectiva
subjetiva é extremamente determinante chegando a submeter a objetividade
à condução subjetiva.
A unidade do singular com o universal é a verdade de um objeto.
O objeto é verdadeiro se ele é idêntico consigo mesmo. Isso significa que
o singular contém em si a universalidade. A verdade da universalidade
significa que os indivíduos não são independentes uns dos outros, senão
que cada indivíduo se encontra ligado um ao outro. “O singular é o mesmo
que o efetivo, só que o singular proveio do conceito, por isso é posto como
o universal, como a unidade negativa consigo” (Hegel, 1995, § 163). Na
medida em que o que é legal e o que é moral se restringe ao atuar do
particular que ainda não se vê na coletividade, ambos permanecem como
o vazio da inefetividade seja porque se orientam pelo que tomam como
Pedro Geraldo Aparecido Novelli
28 |
pronto e acabado, seja porque desconsideram as relações sempre presentes.
“Essa realização do conceito – em que o universal é essa totalidade una,
retornada a si mesma, cujas diferenças são igualmente essa totalidade, e que
pelo suprassumir da mediação se determinou como unidade imediata – é
o objeto” (Hegel, 1995, § 193).
O ‘dever ser’, desde a moralidade, não será legitimado como uma
atividade subjetiva contra a efetividade. O ‘dever ser’ tem seu fundamento
na efetividade, ou seja, é idêntico a ela. A verdadeira efetividade é a
unidade da universalidade com a particularidade na singularidade. Assim,
o conceito encontra-se na efetividade e esta se desenvolve e se realiza
através da atividade do conceito. O conceito encontra-se na efetividade
que é racional e, ela somente pode ser racional porque ela é efetiva.
Assim algo é verdadeiro para Hegel quando é o que deve ser e é
o que deve ser quando é a verdade de fato, ou seja, se é efetiva e não
somente aparência.
O ‘dever ser’ é para Hegel mais do que uma afirmação ética e
política. É uma categoria lógica que está fundada na própria efetividade.
É importante assinalar que o ‘dever ser’, segundo Hegel, está fundado na
relação entre o infinito e o finito. O ‘dever ser’ é efetivo na finitude, mas
não pode ser aí limitado. A infinitude representa uma outra possibilidade,
que se situa entre o ‘aqui’ e o ‘agora’. Sempre procuramos determinar o
dever ser a partir do que temos e somos. O ‘dever ser’ alcança a verdade
através de sua universalidade em sua relação com o finito e o infinito. O
dever ser’ pode ser mais do que já foi desenvolvido no presente. Tudo
o que é deve ser entendido através do jogo entre infinito e finito. Tudo
somente existe na medida em que em si mesmo é passagem, por exemplo,
como o ser encontra sua essência no nada, isto é, num seu outro. Através
de tal processo tudo pode vir a ser. A finitude representa o vir a ser, que
também significa sua morte ou seu desaparecimento. Aqui temos a finitude
somente como oposição à infinitude. Se nos limitamos a tal aspecto, então
permanecemos no patamar do entendimento. Aqui o nada tem, então,
a última palavra. A finitude pode, contudo, atingir a universalidade, se
ela não for entendida tão somente como individualidade. A afirmação da
finitude é o seu contrário, isto é, “No seu conceito simples, o infinito pode
A lei na filosofia de Hegel
| 29
ser considerado, inicialmente, como uma nova definição do absoluto [...]”
(Hegel, 2016, p. 142).
A finitude tem um limite que não se encontra nela mesma, mas
é um limite que a liga ao seu contrário. Através desse limite a finitude
pode se conhecer melhor: seu limite é a infinitude que pode promover
a universalidade.
O conhecimento que a finitude é algo particular será desenvolvido
nesse encontro. O limite de alguma coisa não fica somente nela, mas também
em outras coisas, que a limitam, ou seja, nas relações que estabelece. O
limite é algo igualmente habitual e estranho porque algo pode limitar e,
ao mesmo tempo, ser limitado. Assim não é suficiente entender a finitude
como algo que tenha um limite, que seja entendido como algo exterior.
O finito não somente atinge seu fim no encontro com outras coisas, mas
também no reconhecimento de que sua finitude está nele mesmo. A morte
é o conteúdo do próprio finito. “Somente em seu limite e por seu limite,
Algo é o que é. Não se pode, assim, considerar o limite como simplesmente
exterior ao ser-aí; mas antes, o limite atravessa o ser-aí inteiro” (Hegel,
1995, § 92).
Todas as coisas que são limitadas têm sempre algo a ver umas com
as outras, ou seja, elas permanecem também em relação com outras coisas.
Isso significa que todas as coisas são mais do que elas são, mas elas são
também o que tem sido e aqui elas são o que deveriam ser. O limite é em si
o dever ser. Onde o fim se situa, estabelece-se a possibilidade de fazer algo
mais. O dever ser tem um duplo significado: por um lado é a possibilidade
de algo se tornar mais do que é, por outro lado é um limite, pois o dever ser
é somente dever ser. O dever ser é a positividade que mostra um caminho,
mas é ao mesmo tempo o nada, que sempre representa um limite.
Um ser-aí (ou Dasein) é o ponto de partida para um novo
movimento. É qualificado e se torna ‘alguma coisa’. ‘Algo’ conduz
a ‘outro’ por um processo de ‘alteração’, que envolve uma mudança
de ‘determinação’ que vai além de um ‘limite’. Alguma coisa
limitada é ‘finita’, mas a barreira implícita no ‘limite’ sempre exige
referência a um além, ou ‘infinito’, que poderia ser considerado
como um infinito regresso, um infinito outro do que, e daí
Pedro Geraldo Aparecido Novelli
30 |
limitado por, o finito (e daí ele mesmo finito), ou como um infinito
que inclui ambos finito e infinito limitado como componentes
complementares de uma única perspectiva. Quando nós pensamos
sobre uma singular perspectiva como uma unidade singular, muito
mais do que um complexo, nós temos o pensamento sobre ‘o ser
em si mesmo’ ou fürsichsein. (Burbidge, 1993, p. 96).
Porque o finito pode ir além de seu limite através do dever ser, acha-
se já aqui uma parte da origem do infinito. Se o dever ser está fundado no
finito, então sua suprassunção será afirmada. Essa suprassunção é necessária
para o próprio dever ser. A suprassunção do finito é assim a suprassunção do
dever ser e através dessa suprassunção o infinito é afirmado. Para Hegel isso
é necessário para superar as posições de Kant e Fichte. Para Hegel o limite
tornou-se universal como algo que não se pode superar ou o limite tornou-
se universal através do entendimento que superou o limite sem, contudo,
atingir o objetivo, pois o ‘dever ser’ é entendido como constituinte e não
como superador.
Quando Hegel critica o conceito de ‘dever ser’ ele busca alcançar a
efetividade. Hegel afirma contra Kant que a efetividade pode ser alcançada
e não deve ser entendida como uma aparência. Contra Fichte afirma
Hegel a efetividade como o lugar da verdade. A verdade do ‘dever ser’ é
a própria efetividade e a verdade da efetividade é o conceito. Ao dever
ser moral Hegel contrapõe o dever ser ético que atribui conteúdo ao
dever ser e não permanece na generalidade que se manifesta muito mais
como uma restrição. O dever ser ético exige a realização do sujeito em sua
individualidade que inclui, por exemplo, amor pela família e satisfação no
que professa como atividade social. Deixar isso de lado pode dar ao sujeito
paz de consciência, mas, ao mesmo tempo, ofende a mesma consciência
esvaziando a vida de seu significado.
O ‘dever ser’ é uma categoria ético-política, que Hegel entende
como Fichte, isto é, que ela tem um aspecto ontológico. Mas, o ‘dever ser’
afirma também sua superação na realidade e esta é completa no conceito.
O dever ser, a efetividade e o conceito são legitimados através da verdade,
A lei na filosofia de Hegel
| 31
porque algo é verdadeiro, se é assim como deve ser, ou seja, de acordo com
a efetividade e, desse modo, confirma o conceito.
Esses três momentos descrevem um progresso na ordem ou numa
ordem como ela é descrita. O limite é suprassumido nesse progresso. O
dever ser’ desenvolve-se na efetividade e essa compara-se com o conceito,
no qual está toda a verdade. Isso não é assim porque o conceito concentra
em si a verdade, senão porque o conceito reúne em si o movimento que
vem do ‘dever ser’. O conceito traz através de seu movimento a verdade
de algo, seja um pensamento ou uma coisa à apresentação, pois não
somente mostra, mas também demonstra a verdade desse algo para além
da trivialidade.
O pensamento, por outro lado, que busca estabelecer o limite
como categoria universal, trabalha na direção da verdade e na direção
do conceito de efetividade. Na direção da efetividade porque todas as
coisas são idênticas umas às outras. Todas as coisas que existem têm sua
efetividade no vir a ser. Tudo é o que é e também o que não é. Uma coisa
é mais o que ela é através das outras coisas do que é somente em si mesma.
Tornar-se mais não significa somente uma possibilidade, mas um ‘dever
ser’, que deve se tornar efetivo. E isso é assim porque o ‘dever ser’ não é
um puro consenso, mas a estrutura mesma da efetividade que, como tal,
deve superar o limite. A superação do limite não é somente a superação de
um limite individual como afirma Fichte. O ‘dever ser’ promove, segundo
Hegel, um movimento duradouro na direção do melhor. Esse movimento
começa com o finito. É precisamente o desenvolvimento do finito de onde
o melhor da efetividade se desenvolve. Assim também dessa forma o finito
supera seu limite. Aqui se pode ver a relação entre o infinito e o finito.
Através da possibilidade de se tornar mais finito recebe sua ligação com o
infinito. A posição de Hegel é também uma crítica à “fúria da destruição
que nenhuma realização promoveria. Seria uma razão para uma mudança
constante na qual nada poderia por muito tempo se estabelecer. Trata-se
de uma utopia ruim que não poderia aceitar nenhuma materialização. Isso
implica também que a história é somente um processo duradouro eterno,
no qual nada pode se tornar efetivo. Nesse sentido nenhum objetivo poderá
ser alcançado na história porque tudo será entendido somente como finito.
Pedro Geraldo Aparecido Novelli
32 |
È importante para Hegel criticar esse modelo de dever ser porque em
Kant e Fichte o universal é uma abstração que os indivíduos não podem
alcançar. Desde seus primeiros textos Hegel procurou apreender a dimensão
da representação que busca comunicar algo a outro de forma persuasiva.
Através desse processo, ou seja, da consideração da representação e da
separação que ela promove pelo expediente do “é como se” Hegel procurou
também superar a separação entre finito e infinito. O finito neutraliza-
se no infinito, mas na medida em que o infinito se manifesta o finito é
igualmente afirmado. “Não é no suprassumir da finitude em geral que a
infinitude devém em geral, mas o finito mesmo é apenas isso, tornar-se isso
pela sua natureza. A infinitude é sua determinação afirmativa, aquilo o que
ele é verdadeiramente em si” (Hegel, 2016, p. 143).
Ser em si significa desenvolver o conformar-se ao conceito e mostrar o
conceito verdadeiro de uma coisa em sua essência, isto é, o que ela deve ser.
No finito, que em infinito se desenvolve, vir a ser e ‘dever ser’ coincidem.
O finito afirma sua unidade com seu contrário, isto é, com o infinito.
Quando o limite e o ‘dever ser’ são negados através do finito,
eles não permanecem esquecidos nem são eliminados. Eles são níveis
importantes para o universal, mas eles não têm a última palavra. Eles
devem ser entendidos como elementos do processo. O finito, por
exemplo, desenvolve-se no infinito e não através de uma figura estranha,
senão através de sua força interior. É uma exigência do próprio finito. Seu
objetivo é o infinito. Aqui não é importante o finito enquanto tal, mas o
desenvolvimento que o finito deve percorrer. Embora o finito seja negado
através do contato com o infinito ele é ao mesmo tempo afirmado porque
ele pode aqui se conhecer melhor. Assim o finito ingressa no campo do
infinito. O finito participa do infinito e assim o mau infinito se desenvolve,
pois, a verdadeira infinitude é a superação, ou melhor, a suprassunção de
toda determinação que a finitude apresenta como ser-aí. Essa nulidade
do finito é a negação do negativo. A referência é sempre o finito que é
abandonado. Essa realidade deve retornar ao finito no qual o dever ser
deve ser encontrado. “[..] o finito é finito apenas em relação com o dever
ser ou com o infinito e o infinito é infinito apenas em relação com o finit
(Hegel, 2016, p. 147).
A lei na filosofia de Hegel
| 33
A relação entre o finito e o infinito deve ser pensada através da
perspectiva do ‘dever ser’. Há a indeterminada solução da contradição
entre o finito e o infinito e aparece assim na efetividade exterior, mas esta
também é a apresentação do ‘dever ser’ na exterioridade. Esse conflito
intenso e duradouro deve reger a relação entre finito-infinito e representa o
dever ser’ ou como a relação deve ser, a contínua suprassunção do existente.
A novidade em Hegel é como ele entende o ‘dever ser’ e como através
do movimento da história a determinação da efetividade se dá. Isso é o
que Hegel apresenta no seguinte texto: “[...] no progresso infinito, está
presente também a relação deles. É, primeiramente, o finito; então, vai-se
além disso, esse negativo ou além do finito é o infinito; em terceiro lugar,
vai-se novamente além dessa negação, surge um novo limite, novamente
um finito” (Hegel, 2016, p. 152).
O verdadeiro infinito está sempre em relação com outro que ele
procura superar. Isso significa que ele está em constante relação com o
finito. Segundo Hegel é assim que o finito deve ser sempre entendido e que
a efetividade dada deve ser tratada. A vida se funda nesse momento muito
embora tal não deva ser um limite. O finito é o começo para superar a si
mesmo. Superar o finito e deixá-lo de lado não é o objetivo do infinito. O
infinito tem uma relação positiva com o finito, pois o infinito se completa
no finito. Nesse sentido, o infinito encontra seu dever ser no finito.
Limitados no finito temos a impressão de que não poderemos alcançar
a meta ou o objetivo final. Contudo, procuramos sempre fazer melhor. Cada
geração pensa que pode alcançar o melhor. Na verdade, cada geração de seres
humanos assume corretamente como se o melhor fosse possível. Para Hegel é
assim que agimos. A geração seguinte pode dizer que a anterior não fez bem-
feito ou que cometeu muitos erros. A geração presente pode se aproveitar do
que a anterior realizou e procurar fazer melhor e, isso precisamente porque
ela pode fazer algo diferente. Por isso, pode ser dito que tal busca é a busca
pelo universal. Embora exista a consciência de que o universal não pode ser
alcançado, mesmo assim ele é buscado tanto quanto é possível. Segundo
Hegel tal trabalho é inútil, pois “O bem, o absolutamente bom, realiza-se
eternamente no mundo, e o resultado é que já se realizou em si e para si e
não precisa esperar por nós” (Hegel, 1995, § 212, A.).
Pedro Geraldo Aparecido Novelli
34 |
A vida permanece sempre sob a perspectiva de que nós ainda não
alcançamos seu objetivo. A ilusão, que nós não reconhecemos em nós,
de que não somente temos algo a fazer senão que também podemos fazer
melhor, desenvolve a história na direção do melhor. “É nessa ilusão que
vivemos, e, ao mesmo tempo, somente ela é o [fator] atuante, em que
repousa o interesse no mundo” (Hegel, 1995, § 212, A.).
Quanto mais abertamente a ilusão se revela tanto mais forte o
infinito se desenvolve. Teoria e prática acham-se aqui em relação dialética
na qual a inteligência e a vontade se encontram. A inteligência quer fazer o
mundo, como ele é. A vontade de entender o mundo como ele deveria ser.
Enquanto Kant e Fichte entendem o mundo como aparência, que necessita
legitimação, para Hegel o mundo é alcançado pelo trabalho da vontade. A
vontade reconhece que o mundo não é assim como deveria ser e, por isso,
ela trabalha para implantar o reino do ‘dever se’ nele. Dessa perspectiva
a vontade sabe que seu objetivo nunca será plenamente satisfeito. Isto
significa que Kant e Fichte têm razão porque a efetividade não se altera.
É possível mudar o entendimento da realidade, mas a realidade mesma é
inatingível. Hegel aceita a primeira parte do argumento, mas ele se recusa
a dar a última palavra à segunda parte do argumento. “A vontade sabe o
fim como o que é seu, e a inteligência apreende o mundo como [sendo]
o conceito efetivo. Essa é a verdadeira posição do conhecimento racional
(Hegel, 1995, § 234, A.).
A nulidade e o efêmero não são a verdadeira essência do mundo.
Sempre fica algo de tudo, do que foi feito, mas não se pode obter tudo.
Portanto, mais e melhor é possível. O ‘dever ser’ desenvolve-se no que
aqui está, isto é, no ser. O ‘dever ser’ e o ser são postos em relação à
identidade por Hegel. Não se deve esquecer que, para Hegel, o ser é o vir
a ser. Portanto, Hegel procura desenvolver uma ordem estável, que, no
entanto, não é uma ordem estática. A meta de Hegel é dar sustentação a
essa atividade. “[...] porque o bem, o fim último do mundo, é somente,
enquanto continuamente se produz, e entre o mundo espiritual e o mundo
natural subsiste ainda a diferença, de que, enquanto o natural retorna
constantemente sobre si mesmo, no espiritual, contudo, ocorre também
uma marcha para a frente” (Hegel, 1995, § 234, A.).
A lei na filosofia de Hegel
| 35
Segundo Platão e Aristóteles a moral existe numa ordem racional
que reúne os fenômenos naturais e humanos. A razão é a própria estrutura
do mundo. Acomodar-se à razão para se comportar tem como significado
integrar-se à essa estrutura do mundo. Razão e ser humano são realidades
que estão fundamentadas no próprio mundo. O ser humano precisa
reconhecer e respeitar tal ordem porque quanto mais ele se acomoda a ela
tanto mais ele participa da razão.
Essa situação altera-se a partir do século 17. A descoberta desse
século foi a ideia de sujeito. O mundo exterior fica sob o domínio da
dúvida e o sujeito torna-se o único ponto seguro a partir do qual tudo deve
ser fundamentado e se desenvolver.
A concepção kantiana, senão a principal, mas certamente uma
das principais compreensões da subjetividade, pressupõe uma enfática
compreensão da razão. Kant protestou contra a concepção de que, por
exemplo, o bem pudesse ser identificado com o interesse e a razão com uma
estimativa ou uma avaliação. Com Kant o dever ser passa a estar fundamentado
na vontade autônoma. Essa vontade rejeita todas as normas exteriores, isto é,
todas as relações com a natureza. Tal perspectiva foi enfaticamente afirmada
também na concepção de Hobbes. O conteúdo do ‘dever ser’ deve somente
ser fundamentado na razão que deve tornar-se um critério formal para todas
as atitudes. O critério material será, então, recusado. O sujeito moral deve ser
absolutamente livre e deve somente aceitar a lei, que brota de sua vontade. A
ordem natural e objetiva não deve ser mais aceita.
Hegel afirma, como Kant, que o sujeito deve ser totalmente
livre, mas ele procura desenvolver essa liberdade na objetividade e na
universalidade. Um sujeito autônomo é uma ideia entendida por Hegel
diferentemente de Kant. Assim, a diferença entre natureza e espírito será
salientada. O sujeito reconhece sua identidade nesse conflito. No entanto,
Hegel entende autonomia diferentemente de Kant. Este deseja uma ação
sem contradições e Hegel não vê como o conteúdo concreto da moral seja
possível. Se o concreto é esquecido, deve-se voltar para a efetividade, pois
somente ela permanece como referência. Para dar conta disso, Kant busca
harmonizar a vontade particular com seus interesses.
Pedro Geraldo Aparecido Novelli
36 |
Nesse sentido, um conceito de liberdade é necessário que, por um
lado, possibilita a determinação do conteúdo da ação e, por outro lado,
a superação da ideia de que a sociedade deva ser compreendida como o
simples resultado de interesses particulares.
Hegel pensa que isso é possível se a existência e a efetividade do
espírito forem reconhecidas. O espírito não se identifica com a atividade
humana no sentido de se esgotar nela, mas ele está presente nela. O espírito
pode fundamentar a atividade humana e torná-la significativa. A atividade
humana pode se reconhecer no espírito.
A autonomia é assim preservada, pois a vontade não será mais
influenciada por uma autoridade exterior. A vontade encontra sua
fundamentação na efetividade e, aqui ela se nega e se desenvolve. Ela
se nega porque ela deve estar em relação com outras vontades. Ela se
desenvolve porque através de outras vontades é que ela se torna o que ela
é. A determinação da vontade não é somente um limite, mas também é
uma relação que permite várias possibilidades. A convicção ou a certeza não
possui nenhuma legitimação no isolamento. “Mas o sistema objetivo desses
princípios e obrigações e a reunião do saber subjetivo com esse apenas estão
ali presentes do ponto de vista da eticidad” (Hegel, 2010, § 137).
A ação individual também pode ser legitimada, se ela for entendida
a partir da relação entre finito e infinito. A subjetividade reconhece a
realidade efetiva no significado do presente e na atividade eficaz de sua
abstração. “Essa subjetividade [...], que conteúdo é bom e ao mesmo tempo
o poder ao qual o Bem, que inicialmente apenas é representado e devendo
ser, é devedor de ter uma efetividade” (Hegel, 2010, § 138).
Permanece-se na abstração se o sujeito não desenvolve sua ação
na efetividade.
No entanto, não se pode entender a subjetividade como se ela
fosse simplesmente um meio para a universalidade. A subjetividade não
trabalha com esquemas que já estão de antemão prontos. A subjetividade
particular efetiva a universalidade e possibilita que ela passe do nível
abstrato ao concreto. O universal está presente no particular e fala a
língua do particular, ou seja, o universal encontra-se na limitação da vida
A lei na filosofia de Hegel
| 37
diária. O que não pode ser esquecido é que o que ocorre no particular
não é tudo. O particular mostra em si mesmo que não pode tudo. Ele não
avança além do aqui e agora. Há também na particularidade o esforço
para continuar a existir. De fato, o particular quer existir eternamente e,
assim é, porque sua essência é seu contrário. O que para a particularidade
é sua perda na universalidade, para a universalidade é a possibilidade para
a particularidade continuar a existir.
Há também ações de indivíduos, de particulares ou grupos que
podem alterar a história e essa alteração pode trazer um novo conteúdo
para a atual eticidade. Todas as mudanças representam sempre uma exceção
perante as quais os indivíduos podem reagir.
É através desse trabalho que os indivíduos podem alcançar sua
identidade. Através desse esforço ocorre uma renovação na história. A
história atual é reconhecida e, ao mesmo tempo, um novo elemento é
obtido ou porque ele é aceito ou porque toda a sociedade se protege dele.
1.1 a lei na lógica Da essência
No segundo livro da Lógica a lei é sistematizada. Quando Hegel
procura entender a lei, ele separa certeza de percepção. O mundo da
percepção encontra-se no campo do movimento no qual tudo está sempre
em agitação. Contudo, o caos não rege aqui porque esse movimento é
racional. Assim deve-se encontrar aqui um conceito. Um tratamento do
conjunto dos momentos do movimento é também um indício que se pode
encontrar aí uma ordem. Há uma questão que se põe sobre o que deve
permanecer e o que deve desaparecer.
Esse interior é, de um lado, a identidade abstrata; mas de outro
lado contém, por isso, também a multiplicidade, porém como
diferença interior simples, que permanece idêntica a si mesma na
alteração dos fenômenos. Essa diferença simples é o reino das leis
do fenômeno, sua tranquila cópia universal. (Hegel, 1995, § 422).
Pedro Geraldo Aparecido Novelli
38 |
1.2 lei e aparência
O princípio da mudança tem sua raiz na lei na medida em que é a
diferença interior simples ou até imediata diante da realidade. No mundo
onde movimentos e aparências são infinitos, a lei reúne diferentes aparências
sem atentar para seus aspectos particulares. A compreensão reflexiva reúne
também diferentes aparências, mas afirma somente o aspecto relativo das
mesmas. Entretanto a lei efetiva aqui a produção de uma relação entre duas
aparências. A lei é o meio entre duas diferentes aparências que se mostram
como sendo independentes e antagônicas. “A lei é, portanto, o positivo da
mediação daquilo que aparece” (Hegel, 2017, p. 158).
Através da lei a essência se torna determinada, pois enquanto relação
entre o que é e o que aparece se põe pela lei uma unidade. A essência já é
a relação do ser consigo mesmo, mas é também a passagem ao conceito.
Esse aspecto da essência, ou seja, da relação que constitui a lei, reúne
diferentes fenômenos. A lei regula a relação entre as aparências e, revela
assim, o caráter da essencialidade, na medida em que permanece o que é
constitutivo para a relação. No universal há tantas possibilidades que são
válidas mesmo para a aparência. A lei brota dessa situação. A lei reúne
o universal como é representado na efetividade. A lei não é a própria
representação do universal, senão uma capacidade de esclarecimento do
universal e mostra como a efetividade pode ser vivida. Naturalmente há
aqui uma determinação do universal e também da vida, mas isso não
significa que ela deva ser tomada como uma limitação. “A experiência
contém propositalmente lei, isto é, uma associação entre duas aparências,
que se uma é posta de antemão naturalmente a outra segue” (Hegel, 1996a,
p. 209, tradução nossa).
A lei reúne juntos os conceitos do universal e da aparência.
Contudo, como já foi anteriormente mencionado, a lei em Hegel deve ser
entendida como uma categoria. Como uma categoria a lei está fundada na
efetividade. A lei não é uma decisão arbitrária que será imposta à sociedade.
A lei é uma reflexão determinada, um movimento, que começa como uma
reflexão exterior. É uma intervenção do pensamento na imediatez do ser.
A lei não é redutível aos fenômenos aos quais ela retorna. “[...] cada uma é
A lei na filosofia de Hegel
| 39
essencialmente ser posto, ou seja, é somente na medida em que a outra é
(Hegel, 2017, p. 159).
A lei se torna efetiva através de seu estabelecimento, pois afirma a
efetividade e não qualquer realidade ou uma determinação mental. A lei
em si já é um resultado que se desenvolveu, ou melhor, que se tornou
efetiva a partir de uma relação. O estabelecido mostra-se nas normas que
descrevem a relação entre o que é e o que é desejado. “Esse ser posto é,
doravante, o essencial e o verdadeiramente positivo. A expressão alemã
Gesetz (lei) contém igualmente essa determinação” (Hegel, 2017, p. 159).
O entendimento vê no mundo um grande número de leis, como
se elas fossem a totalidade da efetividade. No entanto, o entendimento
não vê a relação entre as diferentes leis. Mesmo assim, a multiplicidade
de leis que o entendimento já mostra é, para Hegel, uma indicação da
estrutura do mundo. Já que a lei deve sempre estar fundada na razão, então
a estrutura do mundo deve ser igualmente racional. Posto que, segundo
Hegel, o mundo é imanente também através de sua aparência, a lei deve
ser entendida como algo efetivo.
A lei não está, portanto, além do aparecimento, mas está
imediatamente presente dentro dele; [...]” (Hegel, 2017, p. 160).
A aparência não deve ser entendida como uma situação simples e
vazia, pois uma determinação é mostrada. A contradição entre o fenômeno
e a aparência é solucionada pela lei e, assim, a lei mostra-se como a essência
da aparência. Isso não significa que a lei seja o pano de fundo da aparência.
A lei não se antecipa à aparência, mas como essência ela está na aparência.
Portanto, é falso entender que o mundo e a lei estejam separados um
do outro. A afirmação da lei é a concomitante afirmação do mundo.
Naturalmente pode-se dizer que o mundo e a lei sempre estão em oposição
um em relação ao outro, mas um não pode ser pensado sem o outro. “[...]
ambos são uma totalidade, e o mundo existente é, ele mesmo, o reino das
leis [...]. A existência regressa para dentro da lei, como para dentro de seu
fundamento; o aparecimento contém ambos [...]” (Hegel, 2017, p. 160).
A totalidade é a meta da lei, mas não através da identificação com a
aparência, porque essa identidade é abstrata. Também aqui a totalidade e a
Pedro Geraldo Aparecido Novelli
40 |
identidade não devem ser entendidas como harmonia ou tranquilidade. A
lei não ignora os diferentes aspectos nem também aceita tudo o que ocorre
na vida, mas permanece intocável diante da multiplicidade da vida. A lei
não pode reagir a tudo nem determinar tudo, mas deve governar sobre
tudo. A lei permanece como uma referência.
O conceito de lei é sempre genérico se não é definido na efetividade.
Para Hegel, a lei está sempre presente, pois a efetividade é racional e
a lei é o resultado da razão. Ao contrário, para Kant, a efetividade é
um caos que a razão deve trazer à ordem. A razão não se encontra na
exterioridade, senão tem ela a tarefa de construir a efetividade. Segundo
Hegel, a exterioridade já é racional embora ela também possa ser caótica.
A razão também está presente no caos. Nesse sentido Hegel procura
compreender a perspectiva do entendimento.“[...] toda efetividade é
regida-por-lei” (Hegel, 2005, p. 120).
A lei rege o mundo. A lei está em toda parte e nada pode ocorrer
sem uma razão ou sem a razão. O que não tem sentido deve também ter
uma razão. Isso não significa que a razão legitima tudo nem que tudo seja
correto. No entanto, tudo pode ser entendido e deve ser entendido através
da e na perspectiva da relação.
1.3 a lei e sua verDaDe no munDo
Hegel não entende a lei como um imperativo que rege o mundo de
algum modo. A lei está presente no mundo e recebe a forma, isto é, a figura
que na história se desenvolve. Antes da história não há lei, mas somente na
história e pela história. Entretanto, não é com a lei que se alcança a verdade
do mundo porque esse nível também deve ser superado. Ao contrário, a lei
afirma a suprassunção do acaso e do arbítrio. Nem tudo é permitido, nem
deve acontecer.
Também a lei deve ser suprassumida. A dialética que também
caracteriza a lei, rege inclusive a própria lei. A lei é algo obtido. Ela se
move entre o que deveria ser e o que poderia ser. A lei não é tudo, mas é
um elemento no caminho do todo. A lei deve esclarecer o mundo todo,
A lei na filosofia de Hegel
| 41
mas ela não pode tudo, pois, por exemplo, ela não é a totalidade da
aparência, mas sua parte essencial. “O aparecimento é uma multidão de
determinações mais próximas que pertencem ao isto ou ao concreto e
não estão contidas dentro da lei, mas estão determinadas por um outro
(Hegel, 2017, p. 160).
Há espaço aqui para uma oposição entre lei e eventualidade. Uma lei
não pode estar preparada para todas a situações, mas a lei não compartilha
do movimento do resultante e passageiro. Isso pertence à aparência.
O reino das leis é o conteúdo quieto do aparecimento; esse é o
mesmo conteúdo, mas que se apresenta numa alternância inquieta
e como reflexão para dentro do outro. Ele é a lei como a existência
negativa, a qual pura e simplesmente se altera, o movimento do
passar para (termos) contrapostos, [...] A lei não contém esse lado
da forma inquieta ou da negatividade [...] (Hegel, 2017, 161).
Somente na validade empírica a lei pode ser entendida. Isso vale para
o dia a dia dos seres humanos. Aqui a lei pode ser confundida com uma
regra. A lei é como a regra e caracterizada através da semelhança uniforme,
mas a regra não é lei. A regra, pode-se dizer, é uma aparência, mas essa
aparência nega a verdade toda que a lei representa. O entendimento
compreende a lei sempre como algo muito inflexível e assim forma a
tendência de conceber a lei de direito como regularidade de fato.
Para Hegel, a realidade não é regida nem pelo caos nem pelo acaso.
Tudo tem sempre uma razão para acontecer. Isso significa que a razão
reina sobre tudo. Desse modo, a realidade é sempre racional. A lei deve
ser entendida nesse contexto. A racionalidade da realidade é representada
pela lei. A lei aparece como o universal muito embora ela não seja toda a
universalidade. Mais do que algo natural a lei é uma necessidade, pois a lei
sempre afirma que o acaso não é soberano e no convívio humano não pode
reinar como tal.
Pedro Geraldo Aparecido Novelli
42 |
1.4 a lei na lógica Do conceito
Hegel ocupa-se também com o subjetivo ou lógica do conceito na
parte sobre “A objetividade”. Na objetividade, a doutrina hegeliana sobre
o mundo se desenvolve. A objetividade é como uma categoria a mais alta
representação do ser. As categorias que constituem o mundo serão aqui
enriquecidas. A lei tem nesse ponto seu lugar central porque ela representa
a ligação entre as categorias. Essa ligação é uma necessidade para afirmar a
unidade. A lei representa uma ordem que rege e esclarece um determinado
fenômeno. A lei pertence à estrutura interna do fenômeno porque todos os
fenômenos são sempre racionais. A lei não é uma interpretação arbitrária
dos fenômenos ou do mundo, mas deve ser a interpretação verdadeira
destes na medida em que um fenômeno é esclarecido. A lei não significa
nenhuma limitação do fenômeno porque ocorre uma determinação através
da lei e como tal há a possibilidade para um novo desenvolvimento. Ao
mesmo tempo, a lei busca elevar o fenômeno ao nível da universalidade e,
assim, o trabalho da lei é negado, pois o universal não será aqui limitado.
A lei representa a unidade do mundo na objetividade. Assim o
mundo será aqui contemplado como um sistema. “[...] a objetividade é
o conceito real que surgiu de sua interioridade e que passa para o ser-aí
(Hegel, 2018, p. 60).
Isso significa que todas as categorias da Lógica devem ser renovadas.
Assim deve ser porque a objetividade não está limitada nas formas universais
da concretude e da percepção do objeto. Embora Hegel caracteriza o
mundo através do mecanismo e do quimismo ele não quer dar a entender
que a objetividade somente determina a natureza.
[...] no entanto há que reivindicar, de outro lado, para o mecanismo
expressamente o direito e a significação de uma categoria lógica
universal, e, por isso, não há que limitar-se simplesmente àquele
domínio da natureza do qual a determinação dessa categoria foi
retirada. (Hegel, 1995, § 195, A.).
A lei na filosofia de Hegel
| 43
A análise do objeto, segundo Hegel, não o entende como uma
oposição ao sujeito. Ambos não são a mesma coisa, mas eles não podem
ser entendidos, cada um, em sua verdade se permanecerem limitados na
oposição entre si. A objetividade já é por si e em si que já suprassumiu a
oposição sujeito-objeto. A relação sujeito-objeto vai de uma compreensão
externa a um entendimento interior. Esse momento interior encontra na
lei seu ponto mais alto porque é pela lei que a relação será decifrada, mas a
lei é sempre uma parte que conjuga dois momentos.
A lei pode atingir tal patamar, pois ela se renova no conceito. Todas
as novas categorias se desenvolvem através de seu movimento imanente.
Trata-se da lei da lei que se desenvolve. Cada categoria não é suficiente
em si mesma. Ela sempre está em relação com outras categorias, mas ela
tem em si essa mesma relação. Nesse sentido, a lei partilha da essência do
conceito. Uma categoria tem em si a possibilidade de desenvolver uma
outra categoria. Esse puro movimento da categoria afirma a necessidade
através da demanda pela outra. Esse movimento não é independente da
própria categoria nem da outra. É um movimento interior que também
é exterior. É da natureza da categoria tornar-se mais ou ir na direção do
universal. Essa direção enfatiza o chamado da exterioridade, do conceito,
que também é a interioridade.
1.5 a lei: mecanismo e organismo
“O objeto enquanto totalidade imediata do conceito, ainda não tem
a exterioridade como diferenciada do conceito, que não está posto para si
(Hegel, 2018, p. 201).
Hegel procura mostrar que a lei não é uma imposição. Ela já está
na natureza, onde todos os objetos são entendidos como se eles fossem
independentes e imediatos. Hegel esclarece essa compreensão através da
ideia de mecanismo e organismo e da crítica que se faz necessária.
Segundo o ponto de partida do mecanismo formal, os objetos têm
uma relação uns com os outros, mas eles permanecem através dessa relação
exterior independentes. Em sua essência eles não são influenciados. “Na
Pedro Geraldo Aparecido Novelli
44 |
medida em que o objeto foi para dentro de si através do processo, entrou
em cena a oposição da centralidade simples frente a uma exterioridade que
está agora, determinada como exterioridade, isto é, posta como aquilo que
não é em si e para si” (Hegel, 2018, p. 201).
No entanto, o processo mecânico, para Hegel, é deficitário, pois ele
permanece somente na exterioridade e, ao mesmo tempo, não possibilita
o enriquecimento dessa situação. O objeto manifesta o conceito que,
segundo sua essência, deve ser objetivo. O objeto participa da essência do
conceito. Através do objeto o conceito afirma que ele não deve permanecer
isolado na subjetividade. Aqui se está no caminho da unidade do conceito
como sujeito-objeto, ou seja, unidade do ideal e do real. “[...] como o
sujeito-objeto, além disso; como a unidade do ideal e do real; do finito e do
infinito; da alma e do corpo; como a possibilidade que tem, nela mesma,
sua efetividade; como aquilo cuja natureza só pode ser concebida como
existente [...]” (Hegel, 1995, § 214).
No mecanismo há somente uma representação limitada do
conceito. Ou os objetos são limitados em si mesmos ou nos outros. A
superação dessa dicotomia é o enriquecimento do próprio objeto. “As
leis, os costumes, as representações racionais em geral, são, no espiritual,
semelhantes comunicáveis, os quais compenetram os indivíduos de uma
maneira inconsciente, e se fazem valer dentro deles” (Hegel, 2018, p. 193).
O objeto é influenciado através de cada relação exterior. É também
influenciado pela sua natureza interior. “[...] o objeto mecânico é, em geral,
objeto enquanto, produto, porque aquilo que ele é, é nele somente através
da mediação de um outro” (Hegel, 2018, p. 194-195).
Individualidade e universalidade são reunidas aqui na relação
uma com a outra, pois o objeto sempre tem sua individualidade e, ao
mesmo tempo, participa do conteúdo de outro objeto. Na medida em
que a individualidade é superada, a universalidade é apresentada como
oposta à particularidade. “Em virtude da relação com a exterioridade
aquele idêntico ou ideal da individualidade é um dever ser; é a unidade
em si e para si determinada e autodeterminante do conceito, à qual aquela
A lei na filosofia de Hegel
| 45
realidade exterior não corresponde, chegando, portanto, apenas até o
tender” (Hegel, 2018, p. 202).
No entanto, a universalidade é aqui ainda entendida como central.
O que se entende por objeto é sumarizado pela universalidade. Os objetos
permanecem em sua independente existência e são separados de seu
centro. Não há nenhuma unidade verdadeira com o centro. Esse é aqui
ainda um dever ser. Embora o centro seja uma unidade comum, ele não
consegue alcançar a unidade com os objetos. O centro é uma unidade
para os objetos, mas não nos objetos. Falta ainda aos objetos a verdadeira
exterioridade que o centro não pode provocar. A verdadeira exterioridade
é somente total se também a interioridade acontece.
Mas a individualidade é, em si e para si o princípio concreto
da unidade negativa, enquanto tal, ela mesma totalidade, uma
unidade que se dirime nas diferenças determinadas do conceito, e
permanece dentro da sua universalidade igual a si mesma, com isso
o centro expandido através da diferença dentro da sua idealidade
pura. (Hegel, 2018, p. 202).
A contradição será resolvida. Essa relação negativa será entendida
e regulada. A regularização significa que o desenvolvimento pode
ser entendido. Não há nenhum controle através dessa regularização,
mas pode ser dito que isso diz algo a respeito da essência dos objetos.
A particularidade, assim como o centro, é o princípio de uma unidade
negativa, ou seja, ambos têm algo a ver um com o outro, mas também não,
pois permanecem independentes um do outro. O conceito de totalidade
deve reunir todas as partes. Esse é o pensamento de Hegel sobre o todo e a
parte. A tarefa hegeliana é mostrar que a verdade somente pode e deve ser
entendida como um sistema.
O mundo deve ser entendido assim. Aristóteles já dizia que o
mundo é uma ordem, mas para Hegel isso é insuficiente, pois diferentes
partes são organizadas ou podem ser sem, contudo, atingir a totalidade.
Assim se tem um organismo que é representado como sendo independente
e autônomo. Um sistema já é um avanço porque congrega vários objetos,
Pedro Geraldo Aparecido Novelli
46 |
mas isso não é ainda suficiente porque podem existir vários sistemas que
somente guardam uma relação marcada pela exterioridade entre eles. A
verdade, porém, deve ser o todo. Nesse ponto se está a caminho da unidade
do sistema ou de um único sistema.
O organismo é, em Hegel, uma categoria filosófica. Por isso, um
organismo pode ter um conteúdo preciso no conceito. Isso significa que
um organismo já é racional, mas aqui a natureza ainda domina e, nessa
instância, a totalidade ainda não é atingida. Por outro lado, é possível ver
um organismo como algo racional, pois o conceito já está presente aqui.
Por isso, se tem, nesse ponto, uma melhor possibilidade para entender
o conceito de Estado em Hegel, Um organismo reúne em si diferentes
partes. Todas as partes têm uma tarefa específica que ordena a totalidade
do sistema. Nessa unidade a verdade pode ser vista como absoluta, mas a
verdade deve também ser afirmada na unidade de um sistema.
A ideia de unidade na filosofia hegeliana não deve ser entendida
através de uma lógica da identidade. Dois pensamentos sempre têm uma
relação um com o outro, mas essa relação será plena através de um terceiro
pensamento. Um elemento não pode ser entendido sem o outro. Portanto,
uma conclusão, para Hegel, é sempre alcançável através de uma terceira
situação, mas essa situação não é independente das anteriores. Há aqui
algo novo que somente através das duas situações anteriores pode ocorrer
e, numa terceira situação, será apresentada. A efetividade é encontrada na
conclusão. Ela é sempre a totalidade.
A relação somente é possível através de uma determinação que é uma
representação. Assim coloca-se a totalidade no caminho da universalidade
à individualidade. Através da individualidade a universalidade recebe uma
existência plena como a efetividade. Essa deve resolver a relação entre
unidade e particularidade. A partir disso deve a totalidade ser alcançada.
Aqui se está na ideia de organismo em Hegel que deve ser entendida como
uma totalidade. Um organismo reúne diferentes objetos. Enquanto tal,
um organismo é um centro que se apresenta como um absoluto. Cada
objeto também pode ser visto em si como um centro que, ao mesmo
tempo, é relativo, porque existem muitos outros centros. Essa centralidade
A lei na filosofia de Hegel
| 47
relativa dá margem à exterioridade entre o centro absoluto e o objeto.
Somente na conclusão pode tudo ser adequadamente compreendido
porque aí tudo se torna efetivo. Ao mesmo tempo, um sistema pode ser
bem entendido quando ele foi concluído. Assim ele atinge sua totalidade
e, consequentemente, pode ser superado.
Um sistema se põe relativamente junto a subsistemas autônomos.
Cada subsistema aparece como um sistema independente, mas essa
independência ou autonomia afirma somente o sistema central. A
independência entre os diferentes subsistemas não é reconhecida. Cada
elemento está ligado com os outros. “É só por meio da natureza dessa
concluir-juntamente”, por meio dessa tríade de silogismos com os mesmos
termini, que um todo é verdadeiramente entendido em sua organização
(Hegel, 1995, § 198).
Através da tríade, procura Hegel alcançar a solução plena porque ela
representa a situação sumarizada, fundamentada e necessária. Um sistema
mostra-se nessa situação como o resultado de um processo que considera
todos os elementos.
Os diferentes subsistemas promovem o centro através de um sistema
na medida em que eles se dirigem a uma conclusão. Esse sistema é um
centro absoluto, mas o processo de particularização será realizado sob
o controle da unidade. “Essa realidade, que corresponde ao conceito, é
aquela ideal, diferente apenas daquela apenas tendencial; a diferença, que
é unicamente uma pluralidade de objetos, acolhida em sua essencialidade
e na universalidade pura” (Hegel, 2018, p. 202).
O sistema de três conclusões mostra a realidade porque ela apresenta a
totalidade. A pluralidade de objetos e sua exterioridade representa a relação
entre eles através de uma ideia unitária. Os objetos têm um determinado
objetivo e uma determinada tarefa que eles devem perseguir. Isso significa
uma ordem através de um sistema de organismo. Aqui eles são uma
totalidade organizada. “Essa idealidade real é a alma da totalidade objetiva
anteriormente desenvolvida, a identidade em si e para si determinada do
sistema” (Hegel, 2018, p. 202).
Pedro Geraldo Aparecido Novelli
48 |
O centro da vida é a alma como doadora da vida. O conceito do
sistema segue a mesma ideia. O todo é apresentado como um organizado
autônomo. Todos os momentos individuais de um sistema são entendidos
na ideia do todo. Também o isolamento somente pode ser entendido através
da perspectiva do todo. Esse aspecto é importante para se entender melhor a
filosofia do direito de Hegel. Os diferentes objetos são reunidos num centro.
Por que deveriam os mesmos reagir assim? Por que eles não permanecem
dispersos? Nenhum elemento vivo dirige-se voluntariamente para a sua
morte. No reino da natureza a vida luta pela sua continuidade, mas isso
também significa sua limitação. Sobre isso se perguntaram Hobbes, Locke
e Rousseau. Ao porquê deixaria o ser humano a natureza, responde Hegel,
de uma forma particular. O que querem os indivíduos? Não deveriam eles
ter uma alma comum? Os objetos reúnem-se em sistemas porque isso deve
ser melhor para eles. O que eles ganham com isso? O fato é que os objetos
não permanecem em si e a explicação já é a afirmação de uma organização
interior.“O ser-em-si e para-si objetivo resulta, por conseguinte, em sua
totalidade mais determinada como a unidade negativa do centro, a qual se
divide em individualidade subjetiva e em objetiva externa, nesta conserva
aquela, e a determina numa diferença ideal” (Hegel, 2018, p. 202).
O mundo é uma realidade diferenciada que mostra a exterioridade
e a interioridade. No entanto, o mundo não é regido pela diferença ou
pela diferença absoluta porque um fim sempre será alcançado e como tal
poderá ser identificado. Ao mesmo tempo, o mundo não é regido pela
identidade porque ele não permanece limitado. O mundo partilha do reino
do conceito e aqui o mundo se torna um vir a ser. Assim há um princípio
e, segundo tal princípio, o conceito deve ser determinado para tornar-se
efetivo. O mesmo ocorre com o mundo cuja diferença traz a unidade.
1.6 a lei e o organismo DesenvolviDo
“Essa unidade autodeterminante que reconduz absolutamente a
objetividade externa na idealidade é o princípio do automovimento; a
A lei na filosofia de Hegel
| 49
determinidade desse animador, a qual é a diferença do próprio conceito, é
a lei” (Hegel, 2018, p. 202).
A lei também pode ser entendida, em Hegel, como um meio para
as categorias desenvolvidas do organismo. A lei é aqui uma determinação
para todo vivente. A determinação de um organismo desenvolve-se através
da lei. Esse desenvolvimento assume a forma de um organismo. Essa forma
não é independente de seu conteúdo porque a forma já está no conteúdo
embora ela não esteja determinada. Quando um organismo é determinado
ele assume a forma de uma singularidade e essa singularidade deve ser
expressa através da lei.
A lei realiza o que o princípio contém. A realização do princípio é a
efetividade e essa se realiza pela lei.
A lei será a “centralidade concreta” de um organismo que será
concreto. O organismo encontra sua exterioridade através da lei como uma
determinação e esse é também o processo do conceito que se desenvolve
nessa diferença, ou seja, enquanto um todo organizado e que se dá na sua
apreensão de organizado seja no pensamento, seja no discurso, seja no
mundo. A diferenciação do conceito e sua concomitante identificação. A
diferença é apresentada e afirmada na lei enquanto apreensão da efetividade.
A lei diz muito sobre os objetos, o mundo, os seres humanos e suas
relações, em geral. Os objetos, o mundo e os seres humanos são organizados
através da diferença. Suas relações são regidas pela diferença. É normal que
haja diferença entre os seres humanos, mas as diferenças não devem separar
os seres humanos uns dos outros. Ao contrário, estes podem encontrar algo
em comum entre si através da diferença. Individualidade e universalidade
devem se ligar através da lei numa conclusão que não nega a particularidade
em sua totalidade, senão que a promove, porque sua fonte é a diferença.
A lei é assim um resultado livre dos diferentes que se determinam uns nos
outros enquanto ação de sua intenção. “Apenas o mecanismo livre tem
uma lei, [...]” (Hegel, 2018, p. 202).
O que é mostrado de fora é entendido através da lei como conteúdo.
Não se trata de acaso, senão da essência de um sistema. Esta ordem interior
não está presente antes do desenvolvimento do sistema, mas se efetivará
Pedro Geraldo Aparecido Novelli
50 |
na construção do sistema. A lei será encontrada nos objetos. “Remeter
a interação das substâncias a uma harmonia preestabelecida nada mais
significa senão fazer delas uma pressuposição, isto é, algo que é subtraído
do conceito” (Hegel, 2018, p. 191).
A forma que um sistema assume é a lógica conceitual da lei. No
entanto, essa determinação da lei não limita o conceito. O conceito será
desenvolvido em sua lógica e receberá na categoria da centralidade a
categoria que traz a unidade. A unidade afirma a lei e sua efetividade. A
lei não é somente a realidade para a representação do que acontece, mas
também porque a lei é a consciência da realidade. A lei é parte e meio na
descrição de um sistema. Uma parte que apresenta o sistema, mas que não
exclui nenhuma outra característica do sistema. É um meio porque o sistema
será construído através da lei. Entender a lei como parte e meio ajuda a
reconhecer a afirmação e necessidade do sistema como interdependentes.
Será esclarecido que a interdependência é uma necessidade. Não se trata de
uma casualidade senão de uma rigorosa necessidade que está fundamentada
no conceito. O conceito deve seguir esse caminho e a efetividade pode
somente, segundo o conceito, provocar o princípio fixo de um sistema
e se tornar seu centro. A lei não é somente uma regulamentação, senão
mais, então “[...] uniformidade é, certamente, uma regra; mas não uma lei
(Hegel, 2018, p. 202).
A lei não é nenhuma arbitrariedade do sujeito nem uma coação
do objeto. O sujeito se vê na lei e a reconhece como um produto de sua
consciência e o objeto vê sua experiência concreta. A necessidade é aqui a
grande diferença entre a lei e a norma. A norma fica no nível do inválido.
“[...] a essência da lei – quer se refira à natureza externa, quer à ordem
ética do mundo – consiste em uma unidade inseparável, em uma conexão
interna necessária de determinações diferentes” (Hegel, 1995, § 422).
A lei está viva na natureza e no espírito. Assim será entendida a
lei na filosofia do espírito objetivo, mas já está claro que a lei se situa na
estrutura da efetividade e aqui ela é um princípio de ordem imanente. A
lei não é um critério de conteúdo na efetividade que prova a conformidade
de um sistema.
| 51
C 2
A   F 
 
2.1 a lei na filosofia Do espírito
A filosofia hegeliana vai da lógica passando da filosofia da natureza
à filosofia do espírito. Aqui a efetividade será tratada intensamente.
Embora Hegel procure afirmar as categorias na efetividade, elas já estão
desenvolvidas de antemão através do conceito. O interesse de Hegel
localiza-se no nível entre a lógica e a ciência empírica, ou seja, na relação
complementar dessas instâncias.
A filosofia do espírito objetivo significa que o espírito deve se
desenvolver na exterioridade. A objetivação do espírito é sua atividade
imanente que também mostra como o objeto deve ser entendido. Essa
compreensão é a consciência da própria efetividade. Isso não significa
que se deva limitar-se ao objeto e ao seu domínio. Também a filosofia do
direito, como uma parte da filosofia do espírito, não precisa ser limitada
ao tema das normas do direito para que se efetive nessa determinação.
As ações humanas devem ser fundamentadas através da razão. Não se
buscam novas verdades senão as antigas que devem ser conceituadas e
provadas. É especialmente importante para Hegel mostrar como é o
direito na efetividade e que não se trata de uma casualidade. Isso não é
o trabalho de um sujeito isolado que considera isso tudo. Nesse contexto
Pedro Geraldo Aparecido Novelli
52 |
há na filosofia do espírito objetivo em Hegel a indicação que o objeto
não deve ser entendido em sua singularidade como a efetividade. Como o
objeto deve ser entendido em relação com outros objetos ou em sistema,
deve o indivíduo, igualmente, ser entendido na sociedade. O indivíduo é,
especialmente, na sociedade moderna, frequentemente entendido somente
em sua particularidade. A ideia é que o indivíduo tem o fundamento de
sua vida em si e sua relação com os outros indivíduos não é essencial para
isso. O Estado é a suprassunção da alienação que os indivíduos encontram
em relação uns com os outros porque os indivíduos aprendem através do
Estado que eles são promovidos e confirmados uns pelos outros.
A descrição da relação entre os indivíduos não é fortemente normativa
em Hegel. Num primeiro momento a razão deve ser aqui reconhecida para
que em seguida o papel das normas seja esclarecido. A fundamentação
das normas não deve ser procurada no passado ou encontrada numa
determinação atemporal. O sujeito moderno, para Hegel, é um sujeito
autônomo que não pode ser encontrado na natureza. O sujeito autônomo
é regido pelo princípio da liberdade e a liberdade deve ser procurada em
razão do Estado. “A liberdade é uma característica tão fundamental da
vontade quanto o peso é dos corpos” (Hegel, 2000, § 4, A, tradução nossa).
A liberdade é a alma da filosofia do direito de Hegel. O sistema de
direito é a busca de Hegel para conceituar a liberdade e mostrar como ela
será desenvolvida. O direito não se limita à determinação positiva, mas
considera todas as ações humanas. O direito deve ser entendido como o
reino da liberdade porque o direito é o lugar privilegiado da liberdade.
A liberdade deve ser entendida na ideia de um sistema e nesse sentido o
indivíduo não pode reger a liberdade.
“[...] essencialmente enquanto pensar” (Hegel, 1995, § 469) é a
liberdade e ela se torna efetiva na vontade. A vontade livre é a liberdade.
Somente através da vontade livre pode o direito tornar-se efetivo.
Afirmar a liberdade é algo importante, mas efetivamente é mais
importante saber como a liberdade pode ser vivida. Esse é também o
objetivo de Hegel em sua filosofia do direito. O ponto de partida é um eu
concreto, que quer.
A lei na filosofia de Hegel
| 53
Isso não significa que o eu tem que ser considerado em sua
particularidade. O eu tem muito mais a ver com consciência. A consciência
não está ainda determinada nesse nível. Trata-se de um momento isolado
que é vazio e simples. A autoconsciência do eu é, então, a superação desse
isolamento porque algo mais do que o próprio eu é reconhecido. Na
medida em que o eu se reconhece como eu universal, ele partilha esse
reconhecimento com os outros. A consciência universal isolada torna-
se, então, uma realidade universal e todos os ‘eus’ são trazidos juntos. A
consciência do eu é uma ação que o eu realiza.
Isso é sempre algo que o eu faz. Na ação a vontade se torna presente,
se objetiva e com isso o momento puro será negado. A vontade é o
fundamento da liberdade na medida em que ela se determina em uma
situação concreta embora ela não deva ser limitada em sua escolha. A
liberdade não está fundamentada num determinismo metafísico, senão
que tem seu fundamento na capacidade da vontade de se determinar, isto
é, de se autodeterminar.
O conceito de vontade é abstraído de uma situação concreta. A
vontade encontra sua liberdade no que ela faz e, por isso, pode se reconhecer,
pois isso não lhe é estranho. Isso deve ser entendido como uma relação
que a vontade estabelece. A liberdade deve sempre ser afirmada através
da superação da individualidade. “[...] sou livre, quando estou comigo
mesmo” (Hegel, 1999, p. 30, tradução nossa).
A vontade deve sempre ter uma forma, mas ela é muito mais do
que a concretização de seu conteúdo. Portanto, o direito é o querer dos
indivíduos que são institucionalizados de acordo com a vontade dos
mesmos. A lei é a expressão dos indivíduos na sociedade, entendida
como produto e conteúdo de uma vontade racional. O direito deve ser
fundamentado na relação dos indivíduos. Portanto, não se trata de um
puro movimento e, por isso, não pode ser a temporalmente determinado.
Com isso, cada figura do direito deve ser uma auto relação.
A realidade é a forma institucionalizada da vontade e o indivíduo
deve reconhecer isso. Uma sociedade não é regida através de uma situação
metafísica na qual o indivíduo não pode fazer coisa alguma e deve aceitar
Pedro Geraldo Aparecido Novelli
54 |
tudo. Não se trata aqui da realização da essência como entendia Aristóteles.
Ao contrário, a essência é aqui o resultado da atividade dos homens. Esse
resultado é sempre obtido através de uma relação. Dessa forma a liberdade
não pode ser uma escolha isolada. Deve ser uma relação com o conceito
objetivo. Cada indivíduo deve participar da vida da sociedade e a liberdade
não é plenamente obtida se aqui poucos indivíduos participarem. Ao
mesmo tempo, um indivíduo inconsciente, nega a liberdade em sua
universalidade, pois representa uma ameaça para determinados interesses
já que sua vontade é espaço de manipulação, mas na universalidade ele
também sofre a reação contrária como sua negação.“O reconhecimento e
o direito de que o que é necessário pela razão na sociedade civil-burguesa e
no Estado, ao mesmo tempo esteja mediado pelo arbítrio é a determinação
mais próxima disso que principalmente na representação universal se
chama liberdade” (Hegel, 2010, § 206).
Não há liberdade sem a suprassunção da particularidade. A consciência
deve tornar-se autoconsciência. O indivíduo não deve ser oprimido, mas
sua individualidade somente pode ser afirmada na coletividade.
A Filosofia do Direito também tem a tarefa de tornar concreto o
conceito abstrato de liberdade. Por isso, a lei deve entrar na conclusão da
Filosofia do Direito. A lei será o resultado da vontade livre. Dessa forma, a
verdade da liberdade não está no começo. Acontece no desenvolvimento,
na objetivação, pela qual sua verdade pode ser reconhecida.
Hegel critica o direito natural que se sustenta independentemente
de sua realização porque a liberdade pressupõe a consciência. O direito
natural, por isso, permanece na pura abstração. Aqui a liberdade se
encontra no reino na exterioridade. Nesse aspecto Hegel critica a
perspectiva formal e empírica do direito natural. Segundo o conceito
hegeliano de natureza humana, não é possível fundamentar o direito na
natureza social e racional dos seres humanos, porque a liberdade, para
Hegel, somente se realiza no Estado. O direito natural é a forma elementar
do espírito objetivo de onde se desenvolvem a propriedade, o contrato, a
injustiça e a punição. Aqui o aspecto privado é realçado. O direito natural
está fundamentado na vontade livre da pessoa na sua exterioridade. A
liberdade é, segundo a concepção de Hegel, o fundamento do direito que
A lei na filosofia de Hegel
| 55
se tornará um limite na medida em que ele possibilita o desenvolvimento
da liberdade na vida cotidiana.
A moralidade não é também a verdade da liberdade. A liberdade
permanece ainda nesse nível como algo interiorizado. A efetividade da
liberdade deve ser encontrada na eticidade. A liberdade já é alcançada na
família, mas ainda numa forma rudimentar. Na sociedade civil burguesa a
unidade mostrará sua face real, porque nesse ponto uma complexa relação
se desenvolverá. Os conhecidos laços naturais devem ser superados. Assim
a lei recebe a condição para a sua melhor compreensão.
2.2 a lei e a socieDaDe civil burguesa: a socieDaDe civil
burguesa
Para se entender a lei na sociedade civil burguesa, deve-se tratar
inicialmente do conceito de sociedade civil burguesa. Hegel observa
que a sociedade moderna sofre uma grande influência de sua estrutura
econômica. Embora Hegel não tenha a experiência de Marx, ele reconhece
que o indivíduo deve ter suas necessidades diárias satisfeitas. Na sociedade
civil burguesa o indivíduo se encontra de alguma forma sozinho e
deve fazer algo para continuar a viver. Através de outros indivíduos ele
reconhece sua individualidade que ele deve suprassumir. Ele deve aprender
o que liga sua vida com a dos outros indivíduos. O limite da família será
superado através da relação com outras famílias. “A pessoa concreta, que
enquanto particular é a si fim, como um todo de carecimentos e como
mescla de necessidade natural e de arbítrio, é um princípio da sociedade
civil burguesa [...]” (Hegel, 2010, § 182).
O indivíduo pode nesse ponto reconhecer-se na afirmação de seu
direito e de sua obrigação. Uma sociedade não pode existir sem o mínimo
de ordem. Essa ordem se implanta através da atividade da vontade livre.
Cada indivíduo aprende tal ordem no início e a confirma por meio de
determinadas atitudes.
As necessidades dos indivíduos não são satisfeitas por si. Elas são
somente satisfeitas através da propriedade de outra pessoa. A troca de bens
Pedro Geraldo Aparecido Novelli
56 |
tem seu pressuposto na satisfação da necessidade. Nesse ponto encontram-
se os seres humanos para satisfazer suas necessidades particulares. Um fim
racional se estabelece por meio disso. Cada membro da sociedade afirma
sua subjetividade e ao mesmo tempo afirma a outra subjetividade. Assim
a subjetividade universal será posta como a base para a subjetividade
particular. A economia produz uma quantidade de reações complexas entre
os seres humanos na esfera na produção e da distribuição. Aqui se situa a
sociedade civil burguesa que será assim uma medida autônoma entre a
família e o Estado.
[...] em sua efetivação assim condicionada pela universalidade,
funda um sistema de dependência multilateral, de modo que, a
subsistência e o bem-estar do singular e seu ser-aí jurídico se
entrelaçam na subsistência, no bem-estar e no direito de todos,
fundados sobre isso, e apenas são efetivos e assegurados nessa
conexão. (Hegel, 2010, § 183).
No entanto, nem todos os seres humanos são trazidos para uma
relação entre si pela sociedade civil burguesa. O indivíduo tem ainda
uma relação exterior com os outros através da esfera do mercado. Aqui o
indivíduo está sob o domínio da abstração porque ou ele se encontra como
consumidor ou produtor. Os indivíduos são em relação uns aos outros
dependentes e opositores. Parece que somente através da posse o indivíduo
será reconhecido. Na medida em que cada um procura beneficiar-se da
propriedade do outro para alcançar a satisfação absoluta, a posse será
afirmada como a base das relações exteriores. No entanto, o interesse
particular parece ser a negação da eticidade. Então, importante seria a
atitude particular.
No entanto, pode-se apenas indagar: não seria essa forma de
sociedade uma realidade vazia? Teria ainda o espírito espaço e vez onde
somente reina o fim subjetivo e arbitrário?
A lei na filosofia de Hegel
| 57
Visto que o seu fim é a satisfação da particularidade subjetiva mas,
na vinculação com os carecimentos e com o livre arbítrio dos outros,
a universalidade se faz valer, assim esse aparecer da racionalidade na
esfera da finitude é o entendimento, o aspecto que importa nessa
observação e que constitui o elemento reconciliador dentro dessa
esfera mesma. (Hegel, 2010, § 189).
Particularidade e universalidade devem ser entendidas, interpretadas
e relacionadas na sociedade civil burguesa. Entretanto, os indivíduos ainda
estão em situação de relação atomizada, mas são ao mesmo tempo trazidos
em relação uns com os outros. Desse modo encontram-se os indivíduos em
situação de alienação e isolamento. Alienação e isolamento são orientados
através do mesmo fim. Embora seja um fim racional, ele se move, assim se
pode dizer, sozinho. É uma racionalidade interior que ainda está fechada em
si. Particularidade e universalidade passam necessariamente pela sociedade
civil burguesa rumo à unidade, mas antes devem construir a eticidade.
Expressado inicialmente de modo abstrato, isso dá a determinação
da particularidade, que de fato se vincula com a universalidade de
modo que essa é seu fundamento, mas ainda apenas interior, e por
causa disso é de maneira formal, aparecendo apenas no particular.
Essa relação de reflexão apresenta, por isso, inicialmente a perda da
eticidade, ou aí ela é enquanto a essência necessariamente aparente
(Enciclopédia das Ciências Filosóficas, § 64 s., § 81 s.), constitui o
mundo do fenômeno do ético, a sociedade civil burguesa. (Hegel,
2010, § 181).
O mundo da eticidade é somente aparência na sociedade civil
burguesa, ou seja, uma simples existência. Contudo, na medida em que
a aparência mostra a essência, já existe aqui eticidade. A aparência não é
a totalidade da efetividade, mas ela já está presente aí. A sociedade civil
burguesa é rica em relações que se representam como determinações. A
universalidade pode ser encontrada nessa esfera porque ela deve ir através
da determinação.
Pedro Geraldo Aparecido Novelli
58 |
A sociedade civil burguesa é um meio para uma unidade universal e
nesse sentido ela é limitada pela determinação formal da relação de reflexão
sob a ação dos indivíduos. Aqui será afirmada a divisão entre o indivíduo e
a efetividade. A eticidade pode entrar agora na aparência.
Nessa aparência os seres humanos são determinados através de duas
esferas: a esfera do mercado que será determinada pela lei econômica e
a esfera do direito determinada pela lei do direito. Ambas as esferas
são uma forma da universalidade. A primeira é determinada através da
finalidade arbitrária e individual. Os seres humanos são regidos pelas
leis que são determinadas pela atividade das ocorrências econômicas. A
lei deve aí reger a multiplicidade das coisas. O entendimento promove
uma tal regulamentação, mas a efetividade será sempre fragmentada e cada
parte não parece ter nada a ver com a outra. Quantidade de dinheiro e
desenvolvimento dos preços são reunidos, mas a lei que rege tal fenômeno
é independente de outras leis que regem o sistema econômico. Há tantos
aspectos que podem influenciar a economia que a arbitrariedade e o acaso,
na medida em que imperam, fazem impossível uma ética.
2.3 a relação entre a socieDaDe civil burguesa e o Direito
O direito é a segunda instância de intermediação na sociedade
civil burguesa. A universalidade ética encontra espaço na sociedade civil
burguesa através do direito. Os institutos de direito desenvolvidos mostram
a efetividade social. A razão será mostrada na organização da justiça. O que
antes ainda era abstrato deve agora ser procurado como concretização do
mundo. A vontade deve proceder agora à realização de seu ser objetivo.
A administração do direito é somente um momento do direito: as
formas da liberdade, e com isso a eticidade, devem ser buscadas no princípio
do direito. “O princípio desse sistema de carecimentos tem, enquanto
particularidade própria do saber e do querer, a universalidade sendo em si
e para si, a universalidade da liberdade apenas abstrata, por conseguinte,
enquanto direito de propriedade dentro de si, [...]” (Hegel, 2010, § 208).
A lei na filosofia de Hegel
| 59
A particularidade como princípio reúne os homens através de suas
necessidades ou de suas relações que, para Hegel, já se constituem na
fonte da pessoa jurídica e da propriedade. “a) Posse que é propriedade; - a
liberdade é aqui, a vontade abstrata em geral ou, por isso mesmo, a de uma
pessoa singular que apenas se relaciona a si” (Hegel, 2010, § 40).
Liberdade, direito legal e propriedade estão ligados um ao outro na
sociedade civil burguesa e todos os sujeitos afirmam sua particularidade. A
unidade é a unidade na particularidade. Todos os indivíduos são ao mesmo
tempo afirmados e negados porque eles constroem o todo que ainda não
foi estabelecido pela satisfação das necessidades de todos. Contudo, a
sociedade civil burguesa tem a subjetividade legal como um momento
de sua organização. “O elemento relativo da vinculação recíproca dos
carecimentos e do trabalho para eles tem inicialmente sua reflexão dentro
de si, em geral na personalidade infinita, no direito (abstrato)” (Hegel,
2010, § 209).
A particularidade é afirmada no conceito de pessoa. A pessoa
permanece uma determinação abstrata se não atinge a universalidade. A
sociedade civil burguesa tem seu início numa abstração e essa sociedade
somente pode subsistir se superar tal abstração. Isso significa também
a superação da abstração da pessoa. O direito significa a superação da
abstração através da afirmação das instituições de direito para todas as
pessoas e isso deve vir da própria pessoa. O direito será universal porque ele
é sempre interior, isto é, participa da essência do ser, ou seja, do que é como
o que vem a ser e se apresenta como o que é aí. Nesse sentido o direito é um
desenvolvimento e não uma dedução. Hegel procura entender o direito
de seu tempo e, para tanto, ele se empenha em analisar as instituições
então existentes. Sua experiência e o que ele viu da história de seu tempo
mostram a Hegel o desenvolvimento da razão, embora tudo possa também
ser tomado como aparência. Contudo, o ponto decisivo para Hegel é o que
tem sido que rege nossas vidas e é também resultado de nossa atividade.
Não se deve entender tudo isso como uma compreensão do entendimento
senão como trabalho da razão que procura considerar o todo.
Vontade livre, auto relação e autodesenvolvimento são conceitos
pelos quais as instituições de direito se desenvolvem. Esses não são conceitos
Pedro Geraldo Aparecido Novelli
60 |
estranhos à sociedade civil burguesa porque os mesmos encontram-se na
base dessa sociedade.
Esses conceitos conduzem, porém, também a contradições, pois eles
são, ao mesmo tempo, uma crítica das instituições que possibilitam e cuja
essência mais ou menos realizam.
Aqui o historicismo e juntamente o direito natural serão criticados,
pois não entendem a história como um processo dinâmico. Hegel evita toda
separação entre o conceito e a história e assim as formas do direito de um
determinado tempo devem ser entendidas como atividade da razão, ou seja,
dos seres humanos na história. O direito não é uma mera regulamentação
das necessidades, pois antes de tudo o direito é uma condição da liberdade
e, enquanto tal, é fundado pela mesma liberdade. As instituições do direito
abstrato em si são sustentadas na sociedade civil burguesa. Isso significa
sempre que tudo isso não é algo estranho à sociedade civil burguesa.
Posteriormente quando o direito for considerado não será mais tomado de
fora da sociedade.
2.4 o Direito no ser- social
A administração do direito é a condição da efetividade do direito
abstrato desenvolvido em institutos de direito. “Mas é essa esfera do relativo,
enquanto cultura, ela mesma, que dá ao direito o ser-aí, enquanto é algo
universalmente reconhecido, sabido e querido e, mediado por esse ser sabido
e ser querido, tem validade e efetividade objetiva” (Hegel, 2010, § 209).
O direito filosófico abstrato deve ser superado, porque ele contém
um dever ser inefetivo e o que é de fato relevante é a realização do direito
que ocorre no interior das relações humanas. Na sociedade civil burguesa
a propriedade é uma categoria central porque todos os indivíduos querem
satisfazer suas próprias necessidades. Por trás de tudo existe a ideia de que
todos os indivíduos têm direito à propriedade. A propriedade não deve
ser enclausurada somente na ideia de posse, mas deve ser entendida como
tudo o que possa ser objeto do direito que também possa ser obtido através
da força de trabalho. Através da propriedade o indivíduo pode satisfazer
A lei na filosofia de Hegel
| 61
suas necessidades e assim a liberdade será realmente possuída. O direito
deve garantir a propriedade, mas essa garantia deve estender-se a todos os
membros da sociedade. O direito se efetiva na medida em que tal garantia
se efetiva. Contudo, quando indivíduos se encontram em situação de
severa carência o direito torna-se uma mera abstração e a sociedade fica
ameaçada em sua base. Aqui a liberdade não é mais um fundamento,
mas um conceito vazio e, como um conceito vazio não possibilita a vida
de um povo, toda a comunidade encontra-se em perigo. “O sistema das
necessidades não pode subsistir sem o direito” (Ilting, 1975, p. 168).
O direito é uma condição da sociedade civil burguesa. Na medida em
que sua condição é a propriedade, que significa superar a necessidade, tal
sociedade deve ser controlada pelo direito. Isso exige que o direito assuma
uma forma. Tal forma é o resultado da compreensão da história. O direito
deve ser um meio e não um fim. “Com isso se teria o pensamento do direito,
devendo o indivíduo ser educado para o pensar e não simplesmente para
as sensações e ajustar os objetos às formas da universalidade e igualmente
direcionar à vontade para a universalidade” (Hegel, 2000, § 209, A.,
tradução nossa).
O direito deve ser encontrado nas atitudes dos seres humanos, pois
elas não devem ser orientadas pela arbitrariedade. Isso é possível desde que
a sociedade procure educar seus membros nessa linha. O direito promove
a consciência dos indivíduos. Quanto mais os indivíduos reconhecerem
o direito tanto mais ele se tornará efetivo. Essa consciência significa a
participação na construção da sociedade, ou seja, reconhecer o aspecto
coletivo da comunidade. “Na sociedade civil cada um é fim. Tudo o mais
não é ele” (Hegel, 2000, § 182, A., tradução nossa).
Cada um se realiza através do outro. Cada um é em si um fim, mas
todos são meio e fim ao mesmo tempo e, dessa forma, afirma-se a relação.
A dependência entre os indivíduos será inconscientemente afirmada. A
sociedade civil burguesa será mais e mais fundamentada, mas esse processo
deve ser um processo aberto. A sociedade civil burguesa não pode separar-
se do direito e o direito não pode ser pensado fora da sociedade. Os seres
humanos não estão simplesmente reunidos em sociedade, mas aí eles se
manifestam e se confirmam.
Pedro Geraldo Aparecido Novelli
62 |
A jurisprudência destaca-se de fato primeiramente como um
determinado nível de instrução da essência da comunidade que
se deve mostrar historicamente. Em contextos patriarcais o direito
não tem ainda seu significado real. Nos despotismos orientais o
direito é ainda algo subordinado. O sistema de necessidade é uma
condição essencial para o surgimento do direito. Por isso, irritam-se
os seres humanos por terem que executar o direito que surge desse
terreno. (Ilting, 1975, p. 168).
È importante como os seres humanos estão juntos porque o direito
tem aí sua forma. É aí, onde os seres humanos vivem, cuja forma sempre
é um resultado de seu trabalho, o que para eles, contudo, nem sempre é
consciente, que o direito tem seu espaço.
2.5 o sujeito Do Direito
Cada forma efetiva do direito está primeiramente fundada numa
forma ética. Não se trata de um imperativo, mas de uma referência que
representa e desenvolve diferentes formas do direito. “[...] sê uma pessoa e
respeita os outros enquanto pessoas” (Hegel, 2010, § 36).
Esse imperativo já foi afirmado no direito romano. O cristianismo
observa que através desse imperativo o valor dos seres humanos é infinito.
O protestantismo aprofundou essa ideia que também teve um significado
profundo na revolução francesa. Para Hegel, ele significa a igualdade dos
seres humanos.
Segundo Hegel, a sociedade civil burguesa deve efetivar esse
princípio porque ela se encontra na esteira da história onde o princípio
é promovido através de outras instituições. A sociedade civil burguesa
nasceu do desenvolvimento da história. Não se pode dizer que ela seja a
sociedade ideal para o cristianismo, mas também não se pode afirmar o
contrário. Tudo o que precedeu a sociedade civil burguesa não desapareceu
simplesmente, senão que se desenvolveu, mas não é a universalidade
consciente.
A lei na filosofia de Hegel
| 63
Pertence à cultura, ao pensar como consciência do singular na
forma da universalidade, o fato de que eu seja apreendido enquanto
pessoa universal, no que todos são idênticos. O homem vale assim,
porque ele é homem, não porque ele é judeu, católico, protestante,
alemão, italiano, etc. (Hegel, 2010, § 209).
Cada indivíduo deve reconhecer em sua particularidade a
universalidade, pois, cada um é o local do direito. Nenhuma sociedade
pode se desenvolver plenamente sem fomentar a personalidade de seus
membros.
A maior promoção que a indústria poderá deixar arranjar é
uma estrita e firme jurisprudência. A isso pertence ainda como
fundamento que a propriedade está disponível em sua plena
realidade. Numa terra onde vivem escravos e submissos não pode
ocorrer coisa alguma. (Hegel, 1983, p. 168).
O Estado afirma o que a sociedade já reconhece em cada indivíduo,
ou seja, que todos os indivíduos são livres e iguais. A liberdade e a igualdade
são os fundamentos da vida em comum, que ainda não se reconhecem na
medida em que os indivíduos ficam enclausurados na sociedade. O Estado
mostra abertamente o que a sociedade civil burguesa é muito embora esta
ainda não seja consciente disso. A concessão do direito a cada indivíduo
deve ser o fundamento do direito universal. O que na particularidade é
reconhecido será a afirmação da universalidade.
Há cerca de mil e quinhentos anos que a liberdade da pessoa
começou a florescer graças ao cristianismo e tornou-se princípio
universal entre uma parte, aliás, pequena do gênero humano. Mas
apenas ontem, por assim dizer, que a liberdade da propriedade foi
reconhecida aqui e ali como princípio. (Hegel, 2010, § 62).
A ordenação e as instituições do direito são as grandes conquistas
da sociedade civil burguesa. Liberdade e igualdade foram objetivadas
Pedro Geraldo Aparecido Novelli
64 |
e isso significa, ao mesmo tempo, a superação da subjetividade porque
são afirmados princípios. A liberdade não é um conceito abstrato e nem
uma experiência empírica restrita. No entanto, nos encontramos ainda nas
formas abstratas da liberdade e da igualdade, pois somente o direito dos
sujeitos será afirmado. “Que os cidadãos “são iguais perante a lei” [isto]
encerra uma alta verdade, mas que, assim expressa, é uma tautologia; pois
por ela só se exprime o estado legal em geral: que as leis imperam” (Hegel,
1995, § 539).
Sem a lei, a liberdade ou a igualdade serão vagas e obscuras na
sociedade civil burguesa. Então, a lei tem uma dupla função: por um
lado, tornar claro o que todos sabem e reconhecem e, por outro lado,
promover o desenvolvimento desses saberes e reconhecimento numa forma
institucionalizada. Um princípio, qualquer que ele seja, somente se realiza
plenamente através de sua determinação. Isso significa que o princípio
deve ser afirmado na história, visto que aí ele é confirmado.
2.6 a lei
A filosofia hegeliana encontra-se no campo da filosofia prática, isto
é, na indicação efetiva de como a vida deve ser vivida, porém não em
função de um dever ser e, sim, segundo o que já é, e isto é o que a filosofia
deve esclarecer. Isso significa entender melhor a vida. O direito, enquanto
forma de compreensão da vida, se desenvolve e se torna efetivo através da
atividade humana tanto através do que é feito intencionalmente quanto
através da prática cotidiana. “O direito deve se estabelecer e a isso pertence
o fato de que o direito encontra sua universalidade na consciência, não na
consciência de todos, mas para a consciência” (Ilting, 1975, p. 645).
O direito somente pode ser melhor entendido através de seu
desenvolvimento porque o direito deve ser, como um conceito, a
efetividade e, aqui nessa totalidade será apresentada sua verdade. A lei é o
local por excelência para a determinação do direito. Direito e lei não são
independentes um do outro. Para Hegel eles estão intimamente ligados.
“O que em si é direito é posto em seu ser-aí objetivo, isto é, determinado
A lei na filosofia de Hegel
| 65
para a consciência pelo pensamento e conhecido como o que é direito
e como o que vale, [é] a lei; e o direito, essa determinação, é o direito
positivo em geral” (Hegel, 2010, § 211).
O direito deve se estabelecer, pois somente assim ele pode se
desenvolver e se realizar. Esse é o processo que o direito deve percorrer. O
estabelecimento é o momento da efetividade do direito. Esse momento é
sempre a negação do direito porque a determinação deve ser assumida. A
determinação mostra também que a determinidade tem muitos problemas,
mas isso não pode ser senão assim, no sentido de que a efetividade já é
“boa” e ou adequada, posto que ela é o desenvolvimento para tudo.
Os comportamentos e os costumes dados de uma sociedade civil
burguesa são as condições da lei. A lei é sempre o resultado e não um
pressuposto de uma comunidade. A lei é desenvolvida através do trabalho
do pensamento, e do pensamento determinado ou historicamente
localizado. É o que um povo reconhece e precisa, para continuar a viver. A
lei é o que a vontade tem feito.
Não há aqui nenhuma reflexão exterior ou uma interpretação vazia
da realidade. A lei é uma resposta de uma sociedade para uma dada situação.
Pôr algo como universal, - isto é, levá-lo à consciência enquanto
universal, - é, como se sabe, pensar; pois, assim, reconduzindo
o conteúdo à sua forma mais simples, o pensar lhe dá sua
determinidade última. O que é direito, somente pelo fato de tornar-
se lei, recebe com isso não apenas a forma de sua universalidade,
porém sua determinidade verdadeira. (Hegel, 2010, § 211).
O estabelecimento do direito tem uma dimensão muito produtiva.
O direito se realiza através da atividade dos seres humanos na medida
em que uma norma se desenvolve em lei como uma referência para a
comunidade. A lei será um momento importante da comunidade porque
uma nova estrutura deve ser desenvolvida através da novidade da lei. A
lei produz um novo contexto o qual, por sua vez, através dela, produzirá
uma nova sociedade. A lei será um fenômeno universal da sociedade que
Pedro Geraldo Aparecido Novelli
66 |
encontra sua forma na particularidade do sistema de direito. Com tudo
isso a alienação da sociedade será influenciada através da ação da lei.
Hegel afirma sempre o trabalho espiritual através da atividade e da
história humanas como o fundamento de toda construção. A realidade
humana não deve ser entendida isenta de problemas, mas ela é o que os seres
humanos têm feito ou alcançaram. Isto é seu trabalho. No entanto, o direito
não permanece numa relação exterior com a realidade, porque, embora o
direito deva ser uma referência prática, ele se mantém independente perante
uma dada situação ou da situação na qual se encontra. O direito é sempre
histórico, mas, ao mesmo tempo, precisa superar os condicionamentos
históricos que o caracterizam para que se torne universal, isto é, destinado
a todos os indivíduos, inclusive aqueles que o possibilitam. Desse modo,
o direito não deve ser limitado pela sua situação de origem. Por isso, há
sempre a possibilidade do direito se desenvolver e a realidade ser elevada
a um nível mais alto. O conceito do direito pode examinar e aprimorar a
multiplicidade que caracteriza a realidade através da atividade do pensar, mas
o direito afirma, por primeiro, que ele é efetivo e real para a universalidade
e, além disso, o direito ultrapassa sua efetividade descrita e presente em sua
efetividade escrita. O direito deve ser sempre compreendido no processo
dinâmico da relação entre o que é e o que deve ser. Tal relação possibilita o
desenvolvimento contínuo do direito.
O direito é promovido na relação entre a determinidade verdadeira
e a universalidade determinada. É aqui que toma lugar a formulação das
leis. Nem todas as expressões do direito serão contempladas, pois as regras
do direito e cláusulas gerais escondem escolhas subjetivas. A racionalidade
somente é obtida através de sentenças determinadas e específicas de direito.
A base genérica é a porta de entrada para os juízos subjetivos. Assim, não
basta dizer que se deve amar, mas é necessário dizer como se deve amar. A
vida se manifesta nesse nível, ou seja, de sua determinação ou explicitação.
Quando o direito é determinado através de cláusulas genéricas, é impossível
fiar-se no aspecto material das leis. Forma e matéria devem se encontrar
no direito e somente assim o direito alcança a determinidade universal e a
universalidade determinada da racionalidade.
A lei na filosofia de Hegel
| 67
A lei descreve a estrutura interna de uma sociedade. É uma
interpretação da sociedade civil burguesa e, como tal, ela mostra como a
cultura de uma comunidade se transforma em lei. A descrição não é tudo
o que a lei produz, pois ela também indica qual direção a sociedade civil
burguesa deve seguir. Assim, a lei representa o esforço para estabelecer uma
medida justa.
Segundo Hegel, a lei realiza sua tarefa ao superar o dualismo entre
forma e conteúdo nos relacionamentos humanos.
[...] na representação do ato de legislar não tem simplesmente
diante de si um momento pelo qual algo se torna enunciado como
regra de conduta válida para todos; porém o momento essencial
interno é, para esses outros, o conhecimento do conteúdo em sua
universalidade determinada. (Hegel, 2010, § 211).
A lei sempre encontra seu fundamento na sociedade. A relação que
os seres humanos mantêm entre si é o aspecto mais importante. É aqui que
as normas desempenham um papel específico, porque serão organizadas as
relações travadas pelos seres humanos em suas formas e conteúdos. O sujeito
deve se reconhecer na lei, pois é pela lei que ele atingirá a universalidade.
É precisamente na objetividade que o sujeito deve viver com os outros
conjuntamente. Os sujeitos encontram a universalidade na particularidade
da lei. A lei regula o que deve ser universal para cada sujeito.
Toda lei é, ao mesmo tempo, a negação e a afirmação de uma
sociedade. Trata-se de uma negação porque nem tudo é permitido e, de
uma afirmação porque determina o que uma sociedade quer. Na sociedade
civil burguesa o direito será determinado de uma maneira particular porque
nessa sociedade os elementos econômicos são extremamente importantes.
A lei jamais é independente do que acontece na sociedade. A lei brota
do esforço que os seres humanos despendem para regular suas vidas.
Nesse sentido, a lei tem considerado a história como a matéria prima por
excelência de sua forma e de seu conteúdo. Assim, a perspectiva positivista
pode ser evitada, visto que tal tendência não reconhece o desenvolvimento
da história e assume toda transformação como expressão do relativismo. A
Pedro Geraldo Aparecido Novelli
68 |
consequência dessa posição é a compreensão da lei como algo que sempre
esteve presente na realidade humana e, portanto, intocável. A história seria
então, por conseguinte, reduzida à lei, pois esta regularia desde todo o
sempre tudo o que aconteceu e viesse a acontecer.
Contudo, a lei deve ser entendida como atividade humana, pois,
na sociedade civil burguesa, as leis são interpretações da mesma atividade
também da sociedade. Tais interpretações não são confrontadas com outras
interpretações, senão com a própria realidade e com sua mudança que aí
se manifesta.
A sociedade civil burguesa introduz a universalidade ética. No
entanto, a universalidade ética não é ainda aqui em si e para si porque
as leis possuem um significado na particularidade, ou seja, a lei é
importante na medida em que ela realiza um fim particular e específico.
Os cidadãos normalmente entendem a lei como algo exterior às suas vidas
e com uma tarefa determinada e limitada. Aqui se permanece no nível da
universalidade formal. Um nível mais elevado da universalidade somente
pode ser alcançado através do reconhecimento da história. Nenhum
pensamento previamente estabelecido pode fundar a lei sem a história. Se
essa perspectiva não é entendida, então o sujeito não se reconhece numa
lei e se tornará vítima de um sistema legalista. Embora possa ser dito que
aqui o direito já é, de fato, efetivo, deve-se, porém, enfatizar que nesse
momento o sujeito ainda não conseguiu liberdade alguma, pois ele não é
aqui dono de sua própria vida. Sua relação com o sistema de direito é de
exterioridade porque este sistema é tomado como independente do sujeito.
A fundação do direito a partir de uma sociedade e de sua necessária
evolução na história não significa, certamente, de forma alguma,
um abandono da razão humana, da vontade humana e das atitudes
em favor do estabelecimento, da realização, do desenvolvimento e
elevação do direito. Com isso não se considera somente a essência do
direito, senão também a sociedade formula uma tarefa determinada
aos seus juristas. (Schöneburg. 1983, S. 641).
A lei na filosofia de Hegel
| 69
A materialização do direito reflete sempre os interesses da sociedade,
mas pode ser que nem todos os interesses sejam aí reafirmados. Mesmo
assim, os direitos afirmados devem ser reconhecidos ou não serão aceitos
e a sociedade toda correrá grande perigo. Num tal contexto a punição
será supervalorizada porque vários interesses estão em jogo, mas certos
interesses representam os interesses de uma parte da sociedade. Muito
embora este não seja um desenrolar desejado, ele sempre é possível, pois as
próprias normas são representações dos interesses da sociedade. Isso não é
ainda a expressão ideal do espírito, porém é, ao mesmo tempo, a afirmação
do caminho que deve ser percorrido. Não são possíveis alterações aleatórias
sem cair no arbítrio. Desse modo, se o estado atual de coisas for alvo de
críticas, ele será corrigido por outras normas e não pelo voluntarismo.
2.7 a positiviDaDe
O direito deve se tornar positivo e somente pela lei ele será estabelecido,
ou seja, será efetivo. É a razão que deve realizar tal estabelecimento ou
então acreditar-se-á que uma vez o direito se tenha estabelecido, ele o faça
por conta própria.
Embora a facticidade seja importante para a formulação de uma
lei, a lei não tem nesse aspecto sua legitimação, mas na atividade da
razão, que trata a facticidade sem, contudo, deixar-se reduzir à mesma. A
positividade tem sua origem na história e afirma sempre sua identificação
com o absoluto. Assim, a lei pode se dividir entre o que está vivo e o
que está morto no direito. Essa divisão pode ser encontrada no duplo
desenvolvimento da positividade.
O direito é positivo, de maneira geral a) pela forma de ter
validade em um Estado, e essa autoridade legal é o princípio
para o conhecimento do mesmo, a ciência do direito positiva. b)
Segundo o conteúdo, o direito recebe um elemento positivo aa)
mediante o caráter nacional particular de um povo, do grau de seu
desenvolvimento histórico e da conexão de todas as relações que
pertencem à necessidade natural; bb) mediante a necessidade de
que é preciso que um sistema de direito legal contenha a aplicação
Pedro Geraldo Aparecido Novelli
70 |
do conceito universal à natureza de ser particular dos objetos e dos
casos que se dá de fora, - uma aplicação que não é mais pensamento
especulativo e desenvolvimento do conceito, porém subsunção do
entendimento; yy) mediante as últimas determinações que são
exigidas para a decisão na efetividade. (Hegel, 2010, § 3).
A lei se origina, em sentido formal, independentemente da atividade
racional dos indivíduos e sua validade deve ser encontrada nas relações de
fato entre os indivíduos num sistema jurídico. “Positivo aqui não se opõe
ao negativo, senão é o que é posto, que vale” (Hegel, 2000, § 3; tradução
nossa).
O direito atinge sua validade através da positividade. A sistematização
do direito nos institutos de direito tem sua efetividade somente através do
direito positivo. “A doutrina, cujo conteúdo contém também a forma da
posição sendo, assim, válido, tem sua validade na sociedade. Toda lei, toda
sensatez, principalmente o que vale, tem a forma da sociedade” (Hegel,
1991, p. 201, tradução nossa).
Ao nível do positivo o em si do direito obtém o para si, isto é, ele
atinge sua efetividade, porque ele deve se desenvolver na exterioridade.
Através da positividade o direito é afirmado como direito válido. A razão
é aqui também promovida, porque ela deve ser efetiva e na positividade
formal a validade do direito alcança um alto desenvolvimento na medida
em que ela independe da aprovação dos indivíduos. “O sagrado no direito
é, que é simplesmente seguro, o que se eleva acima da opinião subjetiva,
e que é contra esta como um muro, a qual a vontade subjetiva deve se
submeter” (Ilting, 1982, p. 83).
O direito também tem sua expressão nas frases jurídicas, que são
uma parte da ordem do direito. No entanto, a validade do direito não
reside nesse aspecto, pois o direito deve se fundamentar sobre o conceito.
Isso significa que a palavra representa algo. A palavra é a expressão do
pensamento humano e também o esforço do conceito para compreender
o direito. “Nesta identidade do ser-em-si e do ser-posto tem apenas
obrigatoriedade, enquanto direito, o que é lei” (Hegel, 2010, § 212).
A lei na filosofia de Hegel
| 71
Todos os direitos de um sujeito permanecem pura especulação, a
menos que sejam transformados na positividade de certas leis.
Dessa forma o direito é sempre expressão de uma época. O direito
tem a ver com tudo o que acontece num determinado tempo. Entretanto,
o direito é um momento específico que sempre é diferente e tal diferença
fundamenta uma diferenciação na sociedade. Aqui encontram-se o hábito
e a lei e esta se tornará algo exterior. O que a sociedade constitui no hábito,
será exteriorizado pela lei, mas isso também é uma alienação do hábito.
O indivíduo toma a lei como sua negação porque ele não tem qualquer
contato com o processo de formação da lei e também por causa do
cumprimento da eticidade como obrigação pública. Significa também que
para o indivíduo há o risco de se mostrar um direito como algo morto, mas
o indivíduo não possui ainda toda a consciência necessária desse aspecto.
Contudo, Hegel entende que devemos diferenciar entre o positivo vivo e
o positivo morto. O direito vivo está ligado à vida diária e aos membros
de uma sociedade. O direito se tornará mais efetivo na medida em que for
afirmado na eticidade da sociedade. O direito positivo vivo é um processo
do pensamento. O direito encontra sua validade nesse campo e não na
sua positividade. Quando se afirma o contrário, então o direito morto
sobrepujou a realidade. Aqui a continuidade do direito se transformará
num problema para toda a sociedade porque o direito se tornou inútil e
estranho para todos. Hegel vê muito mais problema com a positividade
material do que com a formal. “Mais do que em qualquer outro tempo,
entende-se, na atualidade, que a diferença entre a materialidade do direito
e o direito em si e para si, remeteria a sua racionalidade ou legalidade
(Hegel, 1971, p. 88).
O que diz respeito ao conteúdo do direito positivo aplica-se
igualmente à sua forma. Desse modo se afirma a racionalidade da forma
do direito positivo e, concomitantemente, de sua matéria. Segundo Hegel
o conteúdo de uma lei pode ser problemático, mas este participa também
da razão. No entanto, o aspecto problemático põe a questão se e quanto o
direito pode se confirmar na lei. O que se apresenta numa lei é a procura
pelo desenvolvimento do conceito. Expressa-se sempre mais do que se
reconhece, mas se trata também de um limite, pois nem tudo pode ser
Pedro Geraldo Aparecido Novelli
72 |
considerado. A contingência viabiliza uma quantidade considerável de
possibilidades. Isso pode ser trabalhado pela atividade da razão, mas nem
tudo pode ser legitimado. Somente quando o direito se expõe na realidade
vivida pelos seres humanos, precisamente onde questões novas e públicas
podem ser respondidas, é que ele se coloca sobre a influência viva do
espírito universal.
O elemento histórico e cultural é uma dimensão importante do
direito. O presente deve ser entendido para que um sistema de direito se
apresente.
Deve-se também notar que em todas as sociedades modernas as
relações entre os seres humanos não são idênticas. O conteúdo das leis
varia, dessa forma, de uma sociedade para outra. “Quando se considera um
povo, uma constituição de direito, deve-se atentar para as relações entre o
contexto, a terra, a história, o caráter nacional, a religião, as ocupações, o
clima, etc” (Ilting, 1982, p. 84 e seguintes)
Assim, cada sociedade desenvolve seu sistema de direito conforme
entende sua própria situação. Esse reconhecimento é a compreensão das
condições do momento. “Um código penal pertence, sobretudo, a seu
tempo e à situação da sociedade civil burguesa nele” (Hegel, 2010, § 218).
A lei deve sempre ser entendida a partir da história de uma
sociedade e, a história, é o que acontece porque os seres humanos agora
estão vivos. Nenhuma lei pode ignorar a história. O momento histórico
e a lei são interdependentes. Na medida em que a história é entendida, a
lei, igualmente, é entendida. Portanto, uma lei pode tornar-se estranha
não sendo mais compreensível, pois não possui mais nenhuma relação
com seu tempo.
Os aspectos históricos e culturais são sempre o pano de fundo de
uma lei, que se mostra em seu estabelecimento.
O problema aqui é a identificação da lei com uma dada situação.
A lei não deve ser reduzida a uma determinada situação. A lei atinge a
universalidade quando ela procura atingir um determinado estado de coisas.
A lei vale para toda a sociedade e não somente para os indivíduos. O que
A lei na filosofia de Hegel
| 73
a sociedade afirma para cada membro demonstra também a universalidade
desse determinado direito.
Através da lei o direito realiza sua função porque a lei também é uma
deliberação. Com isso se expressa a funcionalidade do sentido. O sentido,
conhecido já por todos, será afirmado como lei pública que todos desejam
e acreditam.
No direito positivo, por isso, o que é conforme a lei é a fonte do
conhecimento do que é direito ou, propriamente, o que é de direito;
- nessa medida, a ciência do direito positivo é uma ciência histórica,
que tem a autoridade por seu princípio. De resto, o que pode
ainda acontecer é Coisa do entendimento e afeta a ordem externa,
a ordenação, a consequência, a aplicação ulterior e semelhantes.
(Hegel, 2010, § 212).
A formulação de uma lei é algo muito complexo porque uma dada
situação deve ser determinada, superada e ao mesmo tempo elevada. Essa
formulação significa sempre um grande avanço para a sociedade. Isso
significa que a sociedade não está limitada pela sua experiência empírica.
Com a lei ela atinge um nível mais alto de desenvolvimento. Contudo, não
é suficiente a capacidade de formular para legitimar o direito porque aqui
somente a opinião objetiva pode ser enfatizada. O direito filosófico mostra-
se nas estruturas de base da sociedade, mas o problema dessa perspectiva é
que a facticidade é esquecida. O direito permanece sob o domínio de um
grupo de especialistas que podem ditar as condições para todo um povo.
O direito encontra suas condições na situação cultural e social de uma
sociedade. Aqui afirma-se o indivíduo e a comunidade, pois o interesse do
indivíduo é o interesse da comunidade. O mesmo vale para a comunidade.
O elemento cultural e social significa também que a determinação deve ser
afirmada. O direito não existe em qualquer lugar nem num espaço vazio.
Essa definição tem também a consequência de que o direito tem um papel
específico nesse contexto. O direito não é simplesmente uma presença
passiva na história, mas se põe aí ativamente. A lei traduz essa atividade
através da decisão, ou seja, do que deve e do que não deve ser feito. Com
Pedro Geraldo Aparecido Novelli
74 |
isso um limite será atingido e, ao mesmo tempo, mostrar-se-á o limite da
própria lei, pois a lei não pode compreender tudo.
Mas, além da aplicação ao particular, o ser-posto do direito inclui
dentro si a aplicabilidade ao caso singular. Com isso entra na esfera
do não determinado pelo conceito, na esfera do quantitativo (do
quantitativo para si ou enquanto determinação do valor quando
da troca de um qualitativo frente a um outro qualitativo). A
determinidade conceitual apenas dá um limite universal, no interior
do qual ainda realiza-se um ir-e-vir. Mas é preciso que esse [ir-e-vir]
seja interrompido em vista da efetivação, com o que intervém uma
decisão arbitrária e contingente no interior desse limite. (Hegel,
2010, § 214).
Embora a lei apresente um grande desenvolvimento na
compreensão de uma sociedade, há o problema de que a lei deve ser
cumprida. Mas, os seres humanos devem ser preparados para essa
atitude visto que isto não pode ser garantido por princípios filosóficos.
Depende do sistema de condições civis para que uma sociedade diga
para quê e quando um indivíduo é responsável. “A maioridade deve ser
demarcada e delimitada, mas não se deve esperar tal determinação do
conceito” (Ilting, 1983, p. 173).
A lei não pode abarcar todos os casos. Dessa forma, o direito não deve
igualmente considerar todas as casualidades mesmo porque a racionalização
não possibilita que sempre se encontre uma decisão adequada. A experiência
passada pode ser uma referência para as decisões do presente e deve também
ser pertinente para a comunidade. Caso contrário, o momento histórico
perder-se-á. O código penal permite que várias decisões sejam tomadas,
porém se trata de uma mera decisão ou de uma aparente decisão. Pode se
tratar de uma mera decisão na medida em que os indivíduos cumprem o
que está escrito sem, contudo, considerar a viva situação de fato ou, ainda,
pode se tratar de uma aparente decisão porque os diferentes indivíduos
não têm nenhuma relação uns com os outros. O que está escrito numa lei
ou num código é uma importante referência sobre a qual uma sociedade
se estabelece. Toda lei ou código resulta de algo que já é um importante
A lei na filosofia de Hegel
| 75
fundamento para uma dada sociedade. Há sempre princípios universais
que permanecem vazios e abstratos se não se desenvolvem na vida de uma
sociedade. Assim, por exemplo, Hegel entende a família como uma base
do Estado. Ao nível do Estado as decisões gerais serão tomadas, mas elas
não devem ser tomadas contra a família, pois, do contrário, o Estado
trabalharia contra si próprio.
A lei tem o aspecto positivo de prevenir as meras decisões e, ao
mesmo tempo, tem o lado negativo de promover a irracionalidade quando
alguém se prende em demasia a sua letra.
A razão é ela mesma que reconhece que a contingência, a contradição
e a aparência têm sua esfera e seu direito, delimitados, e ela não se
esforça para reconduzir tais contradições ao igual e ao justo, aqui
somente ainda está presente o interesse da efetivação, o interesse do
que seja determinado e decidido em geral, seja qualquer o modo
que se queira (no interior de um limite). (Hegel, 2010, § 214).
Hegel procura capturar o momento da irracionalidade no direito. É
através da razão, visto que o direito deve ter um objetivo racional, que a
irracionalidade deve ser entendida no momento decisório. Não há direito
sem a decisão ou sem o momento do sujeito. Trata-se de um momento
difícil no sistema de direito se somente o sujeito for afirmado. Contudo,
este é um momento importante para as instituições do direito. Novamente
se põe o problema do conteúdo na estrutura do direito, pois se trata da
forma, da necessidade e da superação da sociedade. O sistema de direito
deve ser protegido na medida em que aí, o próprio direito é afirmado
com algo extremamente importante para a sociedade. Obviamente
sempre existem falhas no sistema de direito, mas isso não significa que o
direito pode ser negado. O conceito do direito sempre supera a forma e o
conteúdo do direito, mas não se pode encontrar o direito senão na forma
e no conteúdo que ele assume.
A lei significa também que a realidade pode e deve ser entendida.
A razão estabelece a lei e também a reconhece não como um bloqueio da
Pedro Geraldo Aparecido Novelli
76 |
efetividade. A efetividade é mais do que a lei estabelece, mas a lei pode
proteger a efetividade contra a arbitrariedade.
A positividade mostra que a Filosofia do direito também tem um
limite. A lei, como um desenvolvimento da razão, afirma também o papel
da contingência e do arbítrio. Como não pode prever tudo, a justiça
absoluta também não pode ser obtida. “Uma das determinações da lei se
traduz pela adequação da justiça na concreta oposição à violência.que a
torna impossível” (Hegel, 1996, p. 486; tradução nossa)
A filosofia mesma não existe fora da história, pois, embora ela possa
ser o mais alto desenvolvimento do espírito, ela não pode fazer tudo. A
filosofia tem uma tarefa específica em todas as sociedades, mas ela é sempre
o resultado de seu tempo e, por isso, ela somente pode atingir o melhor
possível de cada tempo.
[...] Platão podia abster-se de recomendar às amas de leite de
nunca ficar em descanso com as crianças e de sempre as embalar
em seus braços, igualmente Fichte podia abster-se de construir o
aperfeiçoamento da administração pública dos passaportes, como
se designou, até o ponto em que devesse inscrever neles não apenas
a sinalização dos suspeitos, mas também pintar nos passaportes seu
retrato. Em semelhantes exposições, nenhum traço de filosofia se
pode ver, e ela pode tanto melhor abandonar essa ultrassabedoria,
enquanto ela deve justamente mostrar-se mais liberal sobre essa
multidão infinita de objetos. (Hegel, 2010, p. 42).
2.8 o Direito como ciência
A filosofia do direito de Hegel considera um tempo determinado
e suas características. Ele procurou entender tal situação. Talvez se deva
fazer o mesmo na atualidade, mas isso será uma tarefa do presente. No
entanto, a análise de Hegel pode ainda ser importante e atual, mas não
se deve procurar em sua compreensão uma resposta para um problema
atual. Então, entende-se que a liberdade deve ser também, hoje em dia,
um valor vital e que a filosofia pode ajudar a avaliar esse elemento nas
A lei na filosofia de Hegel
| 77
instituições desenvolvidas. Por outro lado, há aspectos do direito sobre
os quais a filosofia tem pouco ou quase nada a dizer. Às vezes o direito
positivo alcança mais do que a reflexão filosófica.
O direito filosófico enquadra o sujeito nos limites de si mesmo e
o direito natural limita o sujeito através de um elemento exterior. Ou o
sujeito deve tomar todas as decisões ou deve aceitar o que existia antes dele.
Hegel superou tal dualismo porque, para ele, nenhum direito pode existir
sem que haja relação entre o sujeito e a vida com a qual ele se depara. “O
direito natural ou o direito filosófico é diverso do direito positivo, mas seria
um grande equívoco transformar isso, pretendendo que seriam opostos
e em conflito; aquele está antes em relação a esse como na relação das
Institutas para com as Pandectas” (Hegel, 2010, § 3).
O sujeito deve se determinar ou deve ser determinado? Segundo
Hegel, essas questões são problemáticas na medida em que devem ser
separadas uma da outra para serem respondidas. A autodeterminação
pode ser arbitrária e a determinação exterior não pode ocorrer sem o
reconhecimento do sujeito. Através dessa relação a positividade encontra
sua existência. Contudo, Hegel procura dar direito à positividade. Isso
significa que a positividade não é soberana, mas que ela desempenha um
papel muito importante e, ao mesmo tempo, possui limites. Uma lei,
que não pode ser legitimada filosoficamente, é somente uma lei positiva,
porque não atingiu o nível da razão. A partir da perspectiva hegeliana
esse pode ser o problema das sociedades modernas nas quais a filosofia
não oferece uma resposta rápida. No entanto, a filosofia hegeliana não é
uma filosofia eterna que pode solucionar as questões de todos os tempos,
senão é uma sugestão à história para entender seu tempo. Nesse aspecto
Hegel procura oferecer sua resposta. Cada sociedade deve procurar
tornar-se racional, mas ela deve também entender, em cada tempo, o que
deve ser entendido como racional. Isso se deve ao fato de que a lei está
sempre em confronto com a filosofia.
“Dado que o ser-posto constitui o aspecto do ser-aí, no qual
pode entrar também a contingência da vontade própria ou de outra
particularidade, assim o que é lei, no seu conteúdo, pode ser ainda diverso
do que é em si o direito” (Hegel, 2010, § 212) .
Pedro Geraldo Aparecido Novelli
78 |
O direito abstrato se mostra na relação exterior que se estabelece
entre os indivíduos ou entre os Estados. É nas relações travadas pelos
seres humanos que o direito se determina e que, também, a arbitrariedade
e a contingência encontram seu espaço. O Estado pode alcançar a
universalidade através do conhecimento de sua situação. Cada Estado
considera primeiramente seu interesse e somente depois o interesse dos
outros Estados é pensado. De igual modo é pensada a universalidade.
Num primeiro momento, o interesse particular é tomado como interesse
da comunidade e, num segundo momento, cada Estado já sabe que possui
uma determinada organização que o distingue dos demais Estados. A lei
positiva pode se opor à universalidade quando a totalidade não está mais
em vista. Pode-se legalmente legitimar um não direito porque este não é
mais válido ou afirmar sua continuidade através da violência. A situação
que deriva de tal contexto pode ser observada por todos os membros da
sociedade e, consequentemente, provocar a reação dos mesmos. “Que a
violência e a tirania possam ser um elemento do direito positivo, isso é
contingente e não concerne à sua natureza” (Hegel, 2010, § 3).
O ilícito não deve ser tratado como uma impossibilidade que não
pode ter nenhuma efetividade. Não se trata de um acaso, muito embora é
pela lei positiva que ele pode ser afirmado. A filosofia hegeliana considera
sempre o que é e não o que deve ser. O acaso não possui existência alguma
e pertence à uma realidade que não é vivida. Por isso, Hegel não trata do
acaso de forma intensa, senão o que é ou que é racional. O acaso não pode
ser visto de antemão e, segundo Hegel, a filosofia não se ocupa com o
que pode ser ou não. O acaso está no futuro e, assim, não deve reger nem
determinar a vida humana.
A filosofia não tem a tarefa de desenvolver as leis históricas. A filosofia
pode investigar o direito filosófico e, ao mesmo tempo, as condições
que o efetivam. A positividade não deve ser o trabalho da filosofia. Essa
tarefa pertence a uma determinada ciência. “No direito positivo, por isso,
o que é conforme a lei é a fonte do conhecimento do que é direito ou,
propriamente, o que é de direito – nessa medida, a ciência do direito
positivo é uma ciência histórica, que tem a autoridade por seu princípio
(Hegel, 2010, § 212).
A lei na filosofia de Hegel
| 79
A ciência do direito não deve fazer um trabalho melhor do que a
filosofia, mas deve, isto sim, aprimorar uma parte muito importante do
direito. Como uma ciência autônoma a jurisprudência deve preencher sua
tarefa. O estabelecimento das leis promove o trabalho de um especialista,
para o qual o filósofo não está preparado.
A ciência do direito deve reconhecer sua sociedade e também saber
que ela é resultado dessa sociedade. Tal ciência é sempre uma parte da
história e se encontra igualmente sob a influência da mesma. “De resto,
o que pode ainda acontecer é Coisa do entendimento e afeta a ordem
externa, a ordenação, a consequência, a aplicação ulterior e semelhantes
(Hegel, 2010, § 212).
Cada lei é única perto das outras, mas elas devem permanecer em
relação umas com as outras. Essa relação é validada através de uma ordem
exterior de uma ciência do direito. A relação entre as leis não deve ser mero
acidente, senão expressão de um determinado trabalho que os homens têm
feito. Assim, se trata de uma referência externa para que as leis se realizem.
Essa referência se desenvolve na história e possui sua característica
determinada. Tal característica é o que essa ciência, como uma organização
sistemática do direito, produz.
Visto que, de uma parte, a ciência positiva tem não apenas o
direito, mas também a obrigação necessária de deduzir, a partir
de seus dados positivos em todas as singularidades, tanto os
progressos históricos bem como as aplicações e as ramificações das
determinações jurídicas dadas e de mostrar sua consequência [...]
(Hegel, 2010, § 212).
A ciência do direito pode se identificar com o direito e, isso, ela
o fez com frequência na história. Contudo, se trata de uma redução
perigosa, pois a ciência do direito desempenha um papel determinado e
importante e, sua tarefa advém da sociedade na qual se encontra. Ela tem
seu fundamento na vontade livre que ela mesma representa. A ciência do
direito pode perder a distância necessária em relação à sua atividade, que
ela pode sempre recuperar na medida em que deixa seu lugar vago. Isso
Pedro Geraldo Aparecido Novelli
80 |
significa que a ciência do direito deve refletir sobre seu fundamento. Aqui
a filosofia e outras ciências podem contribuir através de suas perspectivas
para incrementar esse processo.
Apesar disso, a jurisprudência deve permanecer uma ciência
autônoma. Nesse sentido a jurisprudência pode fazer seu trabalho, mas
permanece limitada à sua tarefa porque ela não deve fazer tudo, senão o
que equivale à sua determinação. A jurisprudência não deve considerar
o direito filosófico, pois dela se espera que regule as ações do cotidiano
humano. O trabalho da jurisprudência é específico, mas é também
técnico e, esse aspecto, não alcança mais do que uma solução exterior que
frequentemente é identificada com a promoção do direito. A estrutura
social nem sempre é pensada em termos do direito positivo, mas a ação
entre ambos deve ser tematizada. A ciência do direito pertence ao grupo de
ciências humanas e, como tal, deve ter em vista a perspectiva humana, que
ela abandona, se se reduz à análise matemática.
2.9 a lei e o sujeito livre: objeto e limite na lei
A lei é a atitude que as relações humanas organizam na sociedade
civil burguesa. A economia promove determinadas relações, que, embora
tenham forte influência, não devem delimitar o conteúdo da lei. “Matéria
ulterior lhe é fornecida pelos direitos e pelas obrigações que decorrem da
própria administração do direito, do Estado etc” (Hegel, 2010, § 213).
O direito legal ultrapassa a sociedade civil burguesa e pode também
ser encontrado na esfera da família, mas terá sempre com essa esfera uma
relação de exterioridade, pois o direito legal da família deve ser externo.
O conteúdo de uma lei positiva somente pode ser o que se relaciona
com a atitude que, essencialmente, tem sua natureza não segundo
a interioridade, mas, sim, segundo a exterioridade. A lei somente
pode se relacionar com o que é exterior. Trata-se aqui de uma relação
do exterior com o exterior e, somente o que é exterior segundo sua
natureza pode aqui se considerar. Esse é um aspecto importante da
consideração sobre a avaliação da legislação. Nas velhas legislações
A lei na filosofia de Hegel
| 81
encontrava-se freqüentemente o mandamento moral, mas muito
mais como lei positiva da tirania. (Ilting, 1975, p. 650-651).
“O objeto da lei somente pode ser o que sua natureza, de acordo
com seu desempenho exterior, pode ser promovido” (Ilting, 1982, p. 540).
A lei não pode ou não deve considerar mais do que a exterioridade
porque é para isso que ela é pensada. Os seres humanos somente podem
entender uma lei na exterioridade. Assim, a lei tem aqui seu limite, que
pertence à sua essência. Se a lei procura atingir o nível moral, ela perde
sua função porque não se garante através da lei o melhoramento dos
seres humanos. Há aqui suficiente fundamento para dizer que, segundo
Hegel, o cumprimento da lei não fará o ser humano melhor nem permitirá
qualquer identificação com o nível ético. Um povo, que cumpre sua lei,
não é necessariamente um povo bom, porque o que pode significar ‘bom’,
não deve ser reduzido à legalidade. Pode ser dito que esse povo segue sua
lei, mas mais do que isso seria uma projeção. Contudo, um povo pode
entender, num determinado tempo, que a observância da lei deve ser
expressão do bem. No entanto, essa é a compreensão de um dado povo em
seu tempo. Esse é um outro lado do direito positivo cujas consequências
perigosas já foram tratadas anteriormente. “No entanto, é incompreensível
articular algo como lei que não tenha sua natureza confirmada na atitude
como algo que se possa tornar válido. Assim, encontram-se quantidades de
ditados, pelos quais nada se dita” (Ilting, 1982, p. 541).
A lei não deve sustentar tudo, pois, para Hegel, o ser humano é
sempre um sujeito autônomo, isto é, capaz de tomar decisões que muitas
vezes não se encontram amparadas pela lei.
2.10 as formas Da lei
Não é possível promover a lei somente segundo seu conteúdo sem
considerar sua forma. Ambas dependem uma da outra e uma não pode se
desenvolver bem sem a outra.
Pedro Geraldo Aparecido Novelli
82 |
A lei possui diferentes formas que, segundo Hegel, encontram seu
ser-aí’ no hábito ou na codificação moderna. Hegel também reconhece o
direito baseado no costume como lei. “Diferencia-se lei na medida em que
são entendidas leis de costume ou de outra maneira” (Hegel, VdR 19/20,
1983, p. 170).
A lei do costume pode também realizar o conceito de lei. A lei,
propriamente dita, não é aqui negada, pois a lei de costume é também
uma referência para as atitudes humanas. A comunidade se comporta
segundo leis de costume porque tais leis representam o comportamento da
comunidade. Elas são estruturadas muito embora não tenham nenhuma
sistematização ou codificação formal.
Hegel compara a lei inglesa casual e o código napoleônico. Segundo
Hegel, o código napoleônico é muito melhor, pois as normas são funcionais,
claras e universalmente determinadas. Com esse código a comunidade
reúne os aspectos exteriores de sua vida.
2.11 a relação entre o inDivíDuo livre e a lei
A preferência de Hegel também tem seu fundamento na moralidade
cuja relação para com o sujeito se opõe à lei. A formulação da lei é o
distanciamento da compreensão moral. “O direito de nada reconhecer do
que eu não distingo como sendo racional é o direito supremo do sujeito
[...]” (Hegel, 2010, § 132).
[...] deve o homem, em geral, possuir expressamente uma noção
da diferença entre o bem e o mal; as determinações, tanto éticas
como morais, não devem reivindicar uma autoridade sobre ele
somente como leis e prescrições exteriores, ser cumpridas por ele,
mas ter em seu coração disposição, consciência, discernimento
etc, seu consentimento, seu reconhecimento, ou mesmo sua
fundamentação. (Hegel, 1995, § 503).
A lei na filosofia de Hegel
| 83
O sujeito autônomo é mais uma vez aqui salientado, mas contra essa
autonomia se põe a lei independente do indivíduo. A lei não deve negar a
autonomia do sujeito, mas isso ocorre na medida em que o sujeito não se
reconhece na lei. O assim denominado tratamento objetivo da lei procura
fazê-la estranha ao sujeito pelo distanciamento que se promove. Desse
modo o sujeito não entende a lei como um fomento de sua subjetividade,
senão como seu contrário e sua negação. “[...] e o direito do racional
enquanto direito do objetivo sobre o sujeito [...]. Quem quer agir nessa
efetividade está, precisamente com isso, submetido a suas leis e reconheceu
o direito da objetividade” (Hegel, 2010, § 132).
O indivíduo deve reconhecer somente o que é racional ou deve
simplesmente aceitar a lei como algo independente dele?
Segundo Hegel, o sujeito somente segue o direito que ele entende
como racional.
Nesse campo objetivo, o direito ao discernimento está em
vigor enquanto discernimento do legal ou do ilegal, enquanto
discernimento do direito vigente, e o discernimento delimita-se à
sua significação mais próxima, isto é, a um conhecimento enquanto
familiaridade com o que é legal e, nessa medida, obrigatório.
(Hegel, 2010, § 132).
O que é afirmado na lei deve estar fundamentado no direito. O
sujeito tem o legítimo direito de se opor à lei, se, por exemplo, o dever
assim afirma, que a lei deve substituir o direito. A participação do sujeito
deve, no caso da lei, ser mais do que uma atividade exterior, isto é, o sujeito
deve sempre se reconhecer no reconhecimento da lei. “A obrigatoriedade
para com a lei inclui, da parte do direito da autoconsciência (§ 132
com a anotação), a necessidade de que as leis sejam tornadas conhecidas
universalmente” (Hegel, 2010, § 215).
A política contradiz a legítima expectativa do sujeito porque ele
se sente tratado como um objeto na sociedade sem conhecer os critérios
para tanto. Isso significa que os indivíduos são manipulados. “O direito
Pedro Geraldo Aparecido Novelli
84 |
não deve aparecer para mim como uma obscuridade do destino” (Ilting,
1963/1964, p. 39)
O reconhecimento da lei significa também o reconhecimento de toda
a ordenação do direito. O sistema de direito desenvolvido é um resultado
do que os seres humanos obtiveram através de um árduo trabalho na
história. Se se reduz o direito à propriedade privada, ao somente poder se
apropriar, então se tem o retorno ao feudalismo porque aí quase nenhum
ser humano pode se reconhecer com tal. Pode-se ter aqui uma expressão
refinada da injustiça.
Pendurar as leis tão alto, que nenhum cidadão as possa ler,
como fez Dionísio o Tirano, - ou enterrá-las no aparato amplo
dos livros eruditos, de compêndios de decisões de juízes e de
opiniões divergentes, de hábitos, etc e, além do mais, numa língua
estrangeira, de modo que o conhecimento do direito vigente
apenas seja acessível àqueles que se aplicam em estudá-lo, - é um e
o mesmo ilícito. (Hegel, 2010, § 215).
É claro que conhecimento exterior não é suficiente, porque embora
o sujeito já o possua, é necessário que seja atingível. A comunidade deve
ter acesso à lei. O acesso deve ser público, mas isso pode ser insignificante
se os membros da comunidade não estiverem preparados para tanto. O
sujeito deve entender a lei, isto é, ter a capacidade de entender o texto e de
se reconhecer nele. O texto deve ser a expressão de seu tempo.
2.12 a coDificação
A codificação, como a forma adequada da lei, é fácil de fazer. O
código descreve o que se deve fazer e o que não se deve fazer. É a tarefa da
comunidade determinar o que ela considera bom e mau. Aqui deve se tornar
claro se o indivíduo pode se reconhecer aí. Um código tem significação
direta para a vida do indivíduo e, por isso, ele deve dar sua aceitação ou
não. “[...] e 2. o da forma da universalidade, que está na cultura, o da
forma do pensamento, pelo qual o espírito é objetivo e efetivo para si,
A lei na filosofia de Hegel
| 85
nas leis e nas instituições, em sua vontade pensada, enquanto totalidade
orgânica” (Hegel, 2010, § 256).
O espírito se explicita na regulamentação da relação entre os seres
humanos. O código mostra sempre como a eticidade de um povo é
entendida. Esse entendimento representa também a universalidade, que
deve ser acessível.
Uma codificação é possível por causa da preparação de um povo através
da história. Não se trata de uma ideia de alguém, que inadvertidamente
formulou e de modo irresponsável sugeriu. Uma codificação deve emanar
das condições de seu tempo. Os seres humanos não podem prever os
problemas relacionados aos acontecimentos futuros. No presente estão
todas as condições para toda codificação.
A codificação considera sempre uma matéria que é significativa para
um povo. Ela permanece como uma referência histórica, ou seja, como
uma determinação no tempo e espaço. O código é o resultado de uma
vontade livre. São os seres humanos que fazem a codificação e não devem
se transformar em vítimas da mesma. Uma mudança se justifica se a
codificação se torna estranha ou alheia para um povo. “[...] de outra parte,
a natureza da matéria finita conduz a uma busca de determinação sem fim
(Hegel, 2010, § 216).
A codificação já reconhece em sua estrutura que ela tem um limite
quando se consideram as exceções e as cláusulas. Com isso se afirma que
nenhuma lei é infinita ou que possui uma validade eterna. A lei permanece
sempre dependente de sua história. Embora uma codificação possa ser
reformada, não se deve concluir que ela é ineficiente.
Por uma parte, o âmbito das leis deve ser um todo fechado, acabado,
por outra parte, é carecimento contínuo de novas determinações
legais. Mas como essa antinomia recai na especialização dos
princípios universais, os quais permanecem firmes, distintos de sua
especialização, são compreensíveis e apresentáveis para si. (Hegel,
2010, § 216).
Pedro Geraldo Aparecido Novelli
86 |
A codificação é um trabalho importante porque ela reúne as leis num
sistema para o qual deve haver um princípio de que as leis são consistentes
e universais. O problema de uma codificação é que ela não pode prever
todas as mudanças da história e, assim, será necessário atualizá-la ou, caso
contrário, ela se transformará numa abstração.
Mas é essencial discernir que a natureza da matéria finita mesma
traz consigo o que nela a aplicação também das determinações
racionais em si e para si, as determinações universais dentro de
si, que conduz ao progresso ao infinito. - Exigir de um código
a perfeição, que seja absolutamente acabado, que não deva ser
capaz de nenhuma determinação ulterior, - uma exigência que é,
principalmente, uma enfermidade alemã, - e pela razão de que ele
não pode ser tão perfeito, não o deixar chegar à efetividade, ambas
[as exigências] repousam no desconhecimento da natureza dos
objetos finitos, [...] (Hegel, 2010, § 216).
“[...] irracional seria querer que nenhuma árvore pudesse vir de
novos ramos”(Hegel, 2000, § 216)
A lei escrita tem a vantagem de que todos os membros de uma
sociedade se encontram numa situação que podem entender seu fim.
Contudo, há um consenso entre os indivíduos numa comunidade e
a expressão pública desse consenso é a codificação. Isso significa que os
indivíduos deram um grande passo na direção do desenvolvimento do
direito, mas o indivíduo pode reagir diferentemente em relação a isso. Isso,
porém, pode contribuir para o futuro desenvolvimento da codificação.
Aqui torna-se possível distinguir uma simples rejeição da afirmação da
autonomia do sujeito.
2.13 a lei e o tribunal: o tribunal e a socieDaDe civil burguesa
A decisão se a autonomia se afirma ou não é uma função que o
Estado desenvolve. Na medida em que o Estado é um avanço contraposto
à sociedade, pois ele é universal, a função de determinar a autonomia deve
A lei na filosofia de Hegel
| 87
ser controlada pelo Estado. Os tribunais serão sistematizados se forem
uma práxis para a comunidade. Os indivíduos na sociedade civil burguesa
devem contemplar a lei como um meio privilegiado para seus fins. Se
outro meio for escolhido para que os fins sejam atingidos, a lei estará em
perigo, pois já não será mais reconhecida como uma intermediação entre
os indivíduos e sua realidade.
Essa libertação é no sujeito o rigoroso trabalho contra a mera
subjetividade do comportamento, contra a imediatidade do desejo,
assim como contra a vaidade subjetiva do sentimento e o arbítrio
do bel prazer. Que ela seja esse rigoroso trabalho constitui uma
parte do desfavor que recai sobre ela. (Hegel, 2010, § 187).
A lei afirma o direito presente na sociedade civil burguesa cuja
tendência é tudo superar. O movimento interminável da sociedade civil
burguesa mostra-se como o pressuposto da vida na comunidade e, a lei,
por sua vez, torna-se um momento de resistência em defesa do sujeito.
A lei afirma a competência do direito também quando este não está
claramente determinado. “O direito abstrato é um direito de coação [...]”
(Hegel, 2010, § 94).
Na codificação nós nos encontramos ainda numa abstração se o direito
ainda não se tornou uma experiência viva. A efetividade do direito pode
ser encontrada na práxis. A lei obtém sua efetividade através da efetividade
e, esta é representada através dos seres humanos em situações organizadas.
As instituições têm características universais que devem representar toda a
comunidade. Não há aqui nenhuma representação perfeita, mas o interesse
universal deve ser aqui considerado.
2.14 a lei e sua valiDaDe
A atividade do direito significa também que o mesmo não pode
superar a abstração sem uma estrutura determinada, que, de fato, não é
a melhor, mas que já contempla os interesses individuais, embora sem se
reduzir a eles.
Pedro Geraldo Aparecido Novelli
88 |
O direito, que entrou no ser-aí na forma da lei, para si, defronta-
se autonomamente com o querer e o opinar particulares sobre o
direito e tem de se fazer valer como universal. Esse conhecimento
e essa efetivação do direito no caso particular, sem o sentimento
subjetivo do interesse particular, concernem a um poder público, o
tribunal. (Hegel, 2010, § 219).
Os tribunais devem ser a voz da lei e eles falam a todos sem
favorecimento. Por isso, os tribunais devem ser neutros em sua função.
Através da neutralidade eles alcançam a universalidade e recebem sua
legitimidade.
A lei é o resultado da vontade livre, mas com o tribunal a vontade
livre será considerada como a validade da lei independente da concordância
dos sujeitos. O tribunal é também o estabelecimento da lei pelo qual o
dever se transforma em querer, pois não há imperativo sem imperador. O
direito é um dever porque por primeiro ele é algo que foi quisto. O que é
quisto é sempre um querer localizado.
A lei afirma o direito pelo qual se regulam as atitudes dos seres
humanos e se corrigem as falsas. O direito desenvolve também um sistema
de força que se efetiva através da pena. A estrutura do sistema de direito
tem como objetivo.a proteção dos indivíduos e isso significa garantir-lhes
seus direitos. Isso pode resultar em violência para alguns indivíduos, mas
essa violência é controlada.
A violência se tornará através da atividade do tribunal uma
exclusividade do Estado. Dessa forma, toda violência estranha poderá ser
regulada. “O membro da sociedade civil burguesa tem o direito de estar no
tribunal, assim como o dever de se apresentar ao tribunal e de retomar seu
direito em litígio apenas pelo tribunal” (Hegel, 2010, § 221).
Embora existam diversas instâncias decisórias na sociedade, é
importante que o tribunal permaneça o último. O tribunal deve produzir
uma condição segundo a qual tudo deve ser público e transparente. Assim,
toda a comunidade pode seguir tudo e criticar, se houver uma dúvida na
neutralidade do tribunal.
A lei na filosofia de Hegel
| 89
2.15 o juiz e a lei
Aqui há um problema com as pessoas que constituem o tribunal.
Quão neutro pode ser o juiz? Deve ele ter uma atitude mecânica ou possuir
um conhecimento detalhado da lei inclusive em suas implicações sociais?
Cada caso, segundo Hegel, significa sempre uma novidade que
como tal deve ser tratada. A lei nunca pode ser mais do que a realidade,
embora um único caso pode ter uma única decisão. Contudo, a decisão é
um momento da efetivação. Por isso, o juiz não pode ser uma máquina de
decisões. Ele também participa da história e deve, portanto, considerá-la.
Sua função não é mero ativismo. “Na medida em que há conflitos segundo
o emprego da lei, aí o juiz tem seu lugar, de fato necessário, caso contrário,
a decisão poderia advir de um procedimento maquinal” (Hegel, 2000, §
211, A., tradução nossa).
Boas leis não são independentes do movimento da história e, além
disso, o juiz também pode ainda decidir o contrário. “Os juízes são órgãos,
servidores da lei, mas ainda têm modificações que ainda envolvem a
aplicação, a decisão, uma vez que a lei ainda tem latitude e não pode ser
assim determinada” (Ilting, 1982, p. 535).
A lei não tem a última palavra, pois esta pertence à história. Por
conseguinte, o juiz deve desenvolver o direito, pois uma fé cega na lei não
é uma representação racional. A lei rege sobre o mundo objetivo e sobre
isso o juiz deve sempre se manifestar.
“Deve-se distinguir o uso da lei sobre um caso corrente e
a aplicação de uma determinação legal através da sentença do juiz
(Ilting, 1982, p. 536).
O juiz deve sempre ter uma consciência abrangente de sua comunidade
para que, com isso, ele não se torne vítima de uma interpretação mecânica
da lei. O direito é mais do que o direito do juiz, embora o direito esteja
vivo na atividade do juiz. O estudo da lei evita que o direito subjetivo
domine. A codificação atinge transparência e racionalidade, que pode ser
perdida, se ficar sob a interpretação formal e dogmática de um juiz que não
é independente de seu costume.
Pedro Geraldo Aparecido Novelli
90 |
A legitimidade é a referência para o juiz, pois ele é membro de uma
sociedade e aqui ele tem “[...] por sua ocupação os interesses universais, da
situação social [...]” (Hegel, 2010, § 205). A função do juiz deve dominar
seus interesses pessoais, mas não deve haver aqui espaço para ilusão alguma.
A decisão de um juiz é sempre a decisão concreta e não um juízo genérico
que aqui não pode ser inteiramente obtido.
O direito alcançou um nível alto através do desenvolvimento da
lei na sociedade civil burguesa. A organização do direito é um avanço
em relação ao costume e ao hábito porque se tornou uma determinação
instituída que a sociedade publicamente escolhe e afirma.
A sociedade civil burguesa mostra, desse modo, seu fundamento no
que se segue, ou seja, o Estado. A interdependência e também dependência
da sociedade civil burguesa se encontra numa esfera mais ampla na qual os
tribunais serão afirmados como instituições estatais.
2.16 a lei: socieDaDe e estaDo
O Estado fará a lei efetiva. O direito positivo deve ser fundamentado
na sociedade civil burguesa e não somente na esfera do Estado porque o
Estado não é nenhuma realidade isolada na história. O Estado somente
pode se tornar efetivo na medida em que pondera os momentos que estão
por vir.
O Estado hegeliano não é nenhum Estado totalitário que tudo faz ou
que tudo pode ordenar. O Estado não pode exercer o controle sobre todas
as situações. Há na vida diária mais do que o Estado pode reconhecer. O
Estado se baseia e, também a sua atividade, sobre o que a comunidade
afirma como racional e universal. Suas leis serão apenas formais se sua
estrutura organizacional seguir o presente e sua necessidade.
Os direitos pessoais e individuais não são regulados através do
Estado, e, mesmo assim, devem ser respeitados. Há setores da sociedade
que o Estado não deve tratar porque eles pertencem ao dispensável.
A lei na filosofia de Hegel
| 91
2.17 o Direito burguês: extensão e limite
Embora os direitos individuais pessoais não caiam sob a atividade
das leis eles recebem um tratamento ético por causa dos institutos de
direito existentes que têm uma referência para a comunidade. “Na
administração da justiça, a sociedade civil burguesa, na qual a ideia se
perdeu na particularidade e desintegrou-se na separação do interno e do
externo, reconduz-se a seu conceito, à unidade do universal sendo em si
com a particularidade subjetiva, [...]” (Hegel, 2010, § 229).
A lei significa o desenvolvimento da justiça porque o ser humano é
reconhecido como sujeito do direito. Cada lei escrita afirma a racionalidade
e a segurança do direito devido à sua característica pública. “A justiça é
uma dimensão na sociedade burguesa: boas leis deixam o Estado florescer
(Hegel, 2000, § 229, A.).
No entanto, o Estado é a unidade do universal e do particular que
são seus limites. “[...] contudo essa [se situa] no caso singular e aquela na
significação do direito abstrato” (Hegel, 2010, § 229).
Há indivíduos na sociedade civil burguesa que entendem a
universalidade como um meio para seus fins particulares e, outros que
somente através da punição a reconhecem como efetiva. Esse direito ainda
é deficitário na medida em que os sujeitos permanecem sob os interesses
da sociedade civil burguesa. “Porém, tal direito, como um círculo vicioso,
relaciona-se somente à proteção do direito enquanto tal do bem-estar como
algo exterior. Contudo, esse bem é determinação essencial no sistema da
carência” (Hegel, 2000, § 229, A., tradução nossa).
O Estado de direito liberal não garante o direito do singular por
causa de seus interesses particulares, mas o Estado de bem-estar social já se
anuncia quando o interesse do singular é afirmado.
Pedro Geraldo Aparecido Novelli
92 |
2.18 Direito e segurança
Não é nenhum acaso quando o indivíduo não pode satisfazer suas
carências. A sociedade civil burguesa não pode satisfazer inteiramente todas
as carências. Hegel reconhece que as instituições do direito não podem
produzir muito quando a estrutura da sociedade é fortemente determinada
através de grandes necessidades. Quando Hegel considera a polícia e as
corporações ele mostra que a polícia procura ajudar as pessoas pobres, mas
ela não pode fazer mais do que trazer essas pessoas sob o princípio da
sociedade civil burguesa. Porém, tais pessoas não podem ser facilmente
integradas na sociedade.
A polícia representa um papel no direito como proibição ou
fiscalização do direito. A lei não pode ter aqui mais do que um caráter
dogmático porque a polícia aplica a lei. A polícia representa também a
regulamentação da força do Estado. A lei afirma o direito como uma
expressão externa do mesmo, mas esse não se limita somente à lei. O direito
tem seu fundamento na lei e na história. Aqui o absoluto se efetiva e assim
é vivo. O vivente é livre quando afirma sua essência. Isto é assim porque
a lei é o resultado e como tal não pode ser reduzida a algo defeituoso. A
positividade é um momento importante do direito, mas ela também deve
ser superada. A universalidade pode ser atingida se todos os seres humanos
reconhecerem sua liberdade porque todos a têm. Dessa forma, o direito não
somente protege a liberdade, mas também a promove. A polícia sempre se
tornará mais ativa na sociedade se a liberdade não se efetivar. A liberdade
não se trata de mera abstração, senão que deve se tornar a vida de todos os
membros da comunidade.
Contudo, segundo Hegel, isso permanece como uma tarefa da
sociedade civil burguesa que ela, devido à sua estrutura interna, não pode
negligenciar, ou seja, que a libertação das carências é um objetivo da
sociedade, mas isso não significa que o objetivo se efetivará para todos.
Nesse sentido, o direito desenvolve para seu tempo um instrumentário
para que o objetivo possa ser alcançado. Isso significa a implantação da
administração como um grupo determinado.
A lei na filosofia de Hegel
| 93
Caso se impuser à classe rica o encargo direto, de manter [...] a
subsistência dos carecidos, sem ser pelo trabalho, o que seria
contrário ao princípio da sociedade civil burguesa e ao sentimento
de seus indivíduos de sua autonomia e honra; - ou se fosse mediada
pelo trabalho (mediante a oportunidade desse), assim seria
aumentada a quantidade de produtos, em cujo excesso e em cuja
falta de um número de consumidores eles próprios produtivos [...].
Aqui aparece que a sociedade civil burguesa, apesar do seu excesso
de riqueza, não é suficientemente rica, isto é, não possui, em seu
patrimônio próprio, o suficiente para governar o excesso de miséria
e a produção da populaça. (Hegel, 2010, § 245).
Esse momento do direito é necessário na medida em que a
especialização é o que alguns devem assumir na comunidade. Isso é
também uma tendência da sociedade civil burguesa, que procura entender
tudo através da perspectiva da carência. O direito, assim organizado, pode
desenvolver uma determinada compreensão segundo a qual o mesmo
direito se tornará aplicável. Uma consequência é que o direito se tornará
uma efetividade exterior, mas que os sujeitos não mais entendem como
resultado de suas livres vontades.
O problema da sociedade civil burguesa não reside somente no fato
de que ela se divide entre os que possuem e os que não possuem, senão que
ela promove a tendência que diferentes grupos existam. As corporações de
grupos procuram atingir seus objetivos e isso força uma outra organização
da sociedade. A sociedade civil burguesa será assim destruída na medida
em que o interesse individual supere o interesse universal. “Certamente,
a alta supervisão do Estado deve estar sobre eles, porque, caso contrário,
ossificariam, se esconderiam e afundariam em uma guilda miserável”
(Hegel, 2000, § 255, A., tradução nossa).
A sociedade civil burguesa obtém precisamente o contrário do que
ela almejou quando ela realiza seu princípio, pois ela afirma o bem para
todos, muito embora não possa realizá-lo ela mesma.
O que a sociedade civil burguesa afirma somente pode ser atingido
através de outras instâncias. Ela necessita de uma perspectiva universal que
Pedro Geraldo Aparecido Novelli
94 |
possa reinar sobre todas as particularidades da sociedade ou dela mesma.
Essa perspectiva encontra-se no Estado que aparece como um resultado
lógico da sociedade civil burguesa.
O Estado não surge do nada, senão que já encontra na sociedade
civil burguesa aspectos importantes como o reconhecimento da própria
liberdade e da lei como uma referência das atitudes. Contudo, ainda
domina aqui o nível da particularidade que somente através do Estado
poderá ser superado.
2.19 a lei no estaDo: o que é o estaDo?
“Santo, o que une os espíritos, mesmo que fosse apenas leve como
o junco da coroa; a coisa mais sagrada que é profundamente pensada -
eternamente faz os espíritos de alguns” (Hegel, 2000, § 142, N., tradução
nossa).
O Estado deve, segundo Hegel, afirmar-se segundo o conceito de
união, unidade e unificação. Desse modo a filosofia do direito continua a
se desenvolver.
Mas ele tem uma relação inteiramente outra com o indivíduo, visto
que ele é o espírito objetivo, assim o indivíduo mesmo tem apenas
objetividade, verdade e eticidade enquanto é um membro dele. A
união enquanto tal é, ela mesma, o conteúdo verdadeiro e o fim,
e a determinação dos indivíduos é levar uma vida universal; [...]
(Hegel, 2010, § 258).
O Estado é a elevação da sociedade civil burguesa ao nível da
universalidade, ao nível da referência de um princípio de constituição.
Um povo encontra em seu Estado uma aproximação de sua história e
é convocado a deixar sua particularidade na sociedade. Hegel não fala
somente sobre o aspecto político. Isso significa que o espírito de um povo
não pode ser limitado somente em seu nível político, pois esse momento
está ligado a outros.
A lei na filosofia de Hegel
| 95
Com o princípio da unidade o contraste indivíduo-universal é
superado. No Estado a carência singular não representa mais a referência
para a interdependência entre os indivíduos.
O Estado é a efetividade da ideia ética, - o espírito ético enquanto
vontade substancial manifesta, nítida a si mesma, que se pensa, e
se sabe e na medida em que sabe. No costume, ele [o Estado] tem
sua existência imediata e, na autoconsciência do singular, no saber
e na atividade do mesmo, a sua existência mediata, assim como
essa, mediante a disposição de espírito nele [no Estado], como sua
essência, seu fim e seu produto da sua atividade tem sua liberdade
substancial. (Hegel, 2010, § 257).
O Estado é o espírito exterior que se manifesta na particularidade.
Ele é a universalidade que se mostra como vivente na particularidade. O
que aqui a efetividade será não é o resultado da humanidade que pode
ser entendida divinamente ou naturalmente. Isso será alcançado pela
consciência que é autoconsciência. No Estado a determinação da vontade
se desenvolverá numa organização. O indivíduo recebe sua significação
na comunidade como alguém cuja essência se põe na relação com os
outros. Um povo não se constitui através de sua carência senão através
da socialização da construção espiritual que é mais do que a carência. “O
homem, que poderia viver sozinho, seria um animal ou um deus” (Hegel,
1983, p. 210).
Para Hegel o indivíduo será nesse sentido conhecido e reconhecido,
pois ele se reconhece no Estado porque ele se vê no outro e aceita viver
conjuntamente. Ao nível do Estado o indivíduo não deve mais ser
conduzido através de uma relação instrumental senão que ele deve viver no
reino da eticidade. O indivíduo deve através de sua atividade apropriar-se
de sua natureza. A relação dos indivíduos é, por isso, condicionada, porque
eles dependem uns dos outros. A vontade universal deve aqui reinar sobre
todas as relações. A universalidade do Estado reside no fato de que todo
indivíduo o quer, ou seja, que na particularidade o Estado será efetivo
através dessa unidade de vontades.
Pedro Geraldo Aparecido Novelli
96 |
O Estado não é nenhuma superorganização senão uma forma da
sociedade que deve ser melhor para os indivíduos porque não é algo
nem exterior nem estranho. O Estado será o que o indivíduo também
livremente quer, se não permanecer sob o domínio da carência. O Estado
deve ser vivido como “a efetividade da liberdade concreta” e a “efetividade
da ideia ética” (Hegel, 2010, §§260, 257).
2.20 o estaDo como um organismo legal: estaDo e organismo
Não é suficiente para o Estado ter o sentimento da unidade e da
liberdade. O Estado que é efetivo não se deixa reduzir ao sentimento. O
sentimento mostra somente que o Estado aí está, mas é necessária uma
referência para que possa se desenvolver.
Um organismo é, para Hegel, a referência para o Estado. Essa ideia
não era inteiramente nova na época de Hegel, Esse termo é uma metáfora
que Hegel não somente emprega como uma comparação, pois para ele tal
termo implica num conteúdo preciso.
No organismo se trata de unidade e da unificação. Há no organismo
uma estrutura especial que ajuda a entender a unidade. A sociedade
moderna é tão plural que é difícil determinar como todas as suas partes
poderiam se associar. A efetividade da vida da comunidade não reside
unicamente na ideia de organismo, mas essa ideia mostra, para Hegel,
muito bem como essa efetividade se realiza.
Um organismo é um sistema, no qual o Estado se tornará um todo,
que poderá organizar-se a si mesmo para atingir o bem para todos. O
Estado procura sempre alcançar um estado harmônico e isso deve valer para
todas as suas partes, pois do contrário a própria harmonia do organismo
será destruída.
A lei na filosofia de Hegel
| 97
2.21 a lei e o estaDo como organismo
O Estado, como organismo, é a afirmação da liberdade através da
diferenciação e, assim, a liberdade se tornará efetiva. “O ético somente é
racional na medida em que se distingue, na medida em que seu conceito se
difunde” (Hegel, 1983, p. 127).
A liberdade como princípio do mundo da vida em comum deve ser
determinada no tempo. Assim deve ser para que com isso os indivíduos
tenham uma experiência viva e significativa. Enquanto princípio abstrato
a liberdade não é suficiente. O conteúdo da liberdade deve ser totalmente
claro como a liberdade praticada. Isso traz como consequência o fato de
que a consciência tem um caráter essencialmente institucional, pois uma
liberdade universal abstrata não é efetiva.
Segundo Hegel o movimento de base da diferenciação da liberdade
deve conduzir ao início da eticidade. A lei é, nesse contexto, a relação de
diferentes subsistemas dos quais o organismo se desenvolve. Na sociedade
civil burguesa o direito é somente entendido como uma possibilidade para
obter algo. Dessa forma, a lei é aqui principalmente uma teoria normativa
que o direito pode garantir para cada um.
A eticidade é a ideia da liberdade enquanto Bem vivente, que tem
na autoconsciência seu saber, seu querer, e pelo agir dessa, sua
efetividade, assim como essa tem, no ser ético seu fundamento
sendo em si e para si e seu fim motor, - [a eticidade é] o conceito
da liberdade que se tornou mundo presente e natureza da
autoconsciência. (Hegel, 2010, § 142).
O ético ainda é indeterminado se permanece somente na objetividade.
Deve ser assumido para que se torne efetivo e determinado. Essa é a tarefa
da subjetividade que dá ao ético uma forma concreta.
O espírito será concreto quando os indivíduos reconhecerem
sua liberdade nas relações da sociedade. Através dos outros e com os
outros a liberdade deve superar sua abstração. A substância ética deve
Pedro Geraldo Aparecido Novelli
98 |
se desenvolver em espírito ético que é o que significa o reconhecimento
da própria liberdade. Esse reconhecimento efetiva-se sempre através de
uma interação. Não se trata primordialmente de uma identidade senão
de uma diferenciação pela qual a liberdade será efetiva. O Estado não
reúne indivíduos porque eles são iguais, mas porque eles procuram juntos
alcançar a igualdade. Dessa forma os indivíduos são sempre determinados
através do princípio da diferença pelo qual a liberdade será mais efetiva se
eles procurarem a superação das diferenças. Quando os indivíduos atuam
desse modo eles elevam a liberdade ao nível do conceito. Contudo, isso
não é uma mera identidade porque o conceito se tornará instituição pela
qual a vida somente é possível na forma da comunidade. A lei recebe aqui
também seu significado porque a instituição representa uma ordem da
comunidade e a lei deve ser o pressuposto dessa ordem.
A forma objetivada da vontade expressa-se através da lei.
O Estado, como realidade da vontade universal, é resultado de um
longo processo de formação. Hegel reconhece que a origem do Estado se
confunde com interesses particulares de famílias que buscam preservar seu
status social e econômico e que não vislumbram de imediato o processo que
provocam com a formação do Estado. Certamente os indivíduos entendem
a lei como algo que sempre existiu, porém isso também afirma o alcance
universal da lei que não somente através da aprovação dos indivíduos será
efetiva. As leis são o que um povo já reconhece em suas relações.
A lei é a vontade universal [...]. Não é, aliás, necessário que
cada indivíduo seja por si consciente desta vontade ou a tenha
encontrado. Também não é necessário que cada indivíduo tenha
declarado a sua vontade e, em seguida, daí tenha tirado um
resultado geral. Por isso, também não ocorreu na história efetiva
que cada cidadão singular de um povo tenha proposto uma lei, e,
em seguida, se tenha posto de acordo com os outros a propósito da
lei. (Hegel, 1989, p. 300).
A sociedade civil burguesa já mostra que a lei não pode ser obtida
nem pela dedução nem pela decisão. É através das relações entre os
A lei na filosofia de Hegel
| 99
indivíduos que ela se fundamenta. Na solidão não há consciência. A
consciência reconhece se é autoconsciência e, assim é, se se encontra com
outra consciência. A particularidade deve ser abandonada para que se
alcance a universalidade. “Unificação nas leis – unidade como unidade
consciente, ciente, manifestada, pensada – isto é, como liberdade enquanto
tal” (Hegel, 2000, § 157, N., tradução nossa).
A liberdade é o fundamento das leis e ela deve ao mesmo tempo
ser o resultado que as leis devem sempre procurar atingir. “Nesse sentido
explicita Antígona, ninguém saberia de onde vem a lei: ela seria eterna.
Isso significa que a lei seria em si e por si, uma determinação fluente da
natureza da coisa” (Hegel, 2000, § 144, A., tradução nossa).
As leis são o desenvolvimento da eticidade e seu conteúdo não é
nenhuma dedução da unidade senão que é encontrado na história. As leis
não são a universalidade senão uma parte do sistema que elas mostram.
Na totalidade de um sistema as leis recebem sua determinação completa.
“[...] que o ético seja o sistema dessas determinações da ideia constitui sua
racionalidade” (Hegel, 2010, § 145). O contexto histórico é o fio condutor
para todas as leis que não podem esquecer tal aspecto. A eticidade é
também o que os seres humanos experimentam em seu cotidiano uns com
os outros.
O sistema da eticidade não é nenhum sistema estático e, por isso,
seu conteúdo está sempre em movimento, mas isso significa, não obstante,
que um direcionamento preciso pode ser determinado. A exteriorização da
eticidade na lei tem a liberdade como meta, mas ela deve permanecer sob
o conceito da liberdade o que possibilita possuir uma perspectiva crítica.
Não se prova a abstração da lei em seu sistema de conformidade senão
através das instituições onde a liberdade será concretizada. A lei é abstrata
quando não se efetiva e não quando permanece como formulação mental.
Hegel não identifica também as leis individuais com um momento
da determinação da ideia da liberdade porque ele não afirma um Estado
concreto senão o conceito de Estado. Contudo, Hegel pode mostrar quais
devem ser as condições do conteúdo das leis. Nesse sentido, o Estado deve
ser entendido através de suas condições e assim as leis se desenvolvem,
Pedro Geraldo Aparecido Novelli
100 |
segundo o que é necessário, para afirmar a liberdade. A lei encontra-se na
eticidade, mas ela somente se revela no organismo desenvolvido do Estado.
2.22 o estaDo como um organismo DesenvolviDo
Um organismo é um sistema organizado com subsistemas. A
comunidade estatal pode ser conceituada a partir desses subsistemas.
O Estado enquanto espírito de um povo ou essência comum é a
principal unidade e nele estão os subsistemas da família, da sociedade
civil burguesa e do Estado político. A sociedade civil burguesa divide-se
nos níveis substancial, reflexivo e universal. O nível reflexivo se desdobra
em corporações. O Estado político estrutura-se em monarquia, governo e
legislativo.
Diversas manifestações e estruturas são apresentadas a partir de
diferentes figuras. As figuras são também a procura para conceituar
diferentes sistemas sociais. Esses diferentes momentos representam a
variedade de possibilidades e interesses, mas um sistema, que deve ser
estável e livre, pode se desenvolver somente a partir dessa diferença. Cada
parte deve relacionar-se uma com a outra com essa multiplicidade e, assim,
cada uma obtém seu autoconhecimento através da outra e na outra. Cada
membro encontra sua forma e seu conteúdo em cada outro membro. Como
no organismo, cada parte é reunida até que o todo atinja sua estabilidade.
Isso significa que cada momento deve ser integrado. “O Estado, como
espírito vivo, absolutamente só é como um todo organizado, distinto em
atividades particulares, que, procedendo do conceito único (embora não
sabido como conceito) da vontade racional, produzem continuamente esse
todo como seu resultado” (Hegel, 2010, § 539).
A família, a sociedade civil burguesa e o Estado político são
momentos orgânicos do Estado. A família e a sociedade civil burguesa, que
inicialmente são abstratas, serão posteriormente momentos importantes
do conceito de Estado. Desse ponto de vista a família e a sociedade civil
burguesa recebem uma nova valoração, na medida em que continuam a
existir se o Estado, de fato, se constituiu. O Estado não é ainda aqui uma
A lei na filosofia de Hegel
| 101
instituição política. “A ideia efetiva, o espírito que se cinde a si mesmo nas
duas esferas ideais de seu conceito, a família e a sociedade civil burguesa,
enquanto sua finitude, a fim de ser, a partir de sua idealidade espírito
efetivo infinito para si, [...]” (Hegel, 2010, § 262).
O Estado não tem somente uma relação com a família e a sociedade
civil burguesa senão que ele também as trata como membros. Família e
sociedade civil burguesa não permanecem estranhas ao Estado, pois elas
serão seu fundamento.
A família e a sociedade civil burguesa não são momentos acidentais,
mas são figuras históricas que são necessárias no Estado.
A reprodução e a socialização do Estado burguês são funções da
família pelas quais o Estado será promovido. Dessa forma, a liberdade
ainda não é efetivamente diferenciada.
As condições que a liberdade necessita para sua efetivação, ela recebe
na sociedade civil burguesa.
[...] no desenvolvimento da sociedade civil burguesa, a substância
ética adquire sua forma infinita, que contém dentro de si os dois
momentos: 1. O da diferenciação infinita até o ser-dentro-de-si
sendo-para-si da autoconsciência, e 2. O da forma da universalidade,
que está na cultura, o da forma do pensamento, pelo qual o espírito
é objetivo e efetivo para si, nas leis e nas instituições, em sua vontade
pensada, enquanto totalidade orgânica (Hegel, 2010, § 256).
O sujeito deve se reconhecer na sociedade civil burguesa e procurar
desenvolver aí seu interesse. Cada um deve ser responsável por si. Assim,
ele deverá ser livre e aqui o Estado será atestado. Isso tudo se reflete na
lei e será também o pressuposto para a autotransparência do espírito. A
sociedade civil burguesa deve ser pensada em conjunto com o Estado.
A liberdade da sociedade civil burguesa promove o desenvolvimento da
liberdade que somente no Estado será efetiva.
O Estado produz, segundo Hegel, sua própria existência, no sentido
de que isso é a sua essência. Ao mesmo tempo, a lei é um resultado esperado
Pedro Geraldo Aparecido Novelli
102 |
por causa da característica estatal. Como um organismo, o Estado hegeliano
pode se organizar e isso é mais abrangente do que o Estado político, pois
outros níveis também devem ser tratados.
A sociedade civil burguesa deve ser entendida assim, visto ter esta,
mais possibilidades do que a família.
Esse é um aspecto importante da filosofia hegeliana. O nível seguinte
mostra sempre o quão importante foi o momento anterior. Se o passado
pudesse continuar, seria possível melhorar, mas para a consciência presente,
o passado não é mais o que era.
Os indivíduos da multidão, visto que eles mesmos são naturezas
espirituais e, com isso, contém dentro de si o duplo momento, a
saber, o extremo da singularidade, que sabe e quer o substancial,
e por isso alcançam o direito a esses dois aspectos, na medida em
que eles são efetivos, tanto como pessoas privadas quanto como
pessoas substanciais, – nessas esferas alcançam, em parte, o outro,
de modo que eles, em parte, tenham sua autoconsciência essencial
nas instituições, [...] (Hegel, 2010, § 264).
Através da consciência do novo nível, ou seja, do Estado, os cidadãos
podem obter uma compreensão mais abrangente. Embora permaneça o
aspecto funcional da sociedade civil burguesa, a particularidade será
superada. As instituições existem para o interesse universal do Estado e
não mais para os interesses particulares.
A lei recebe também aqui uma nova determinação.
2.23 a lei na socieDaDe civil burguesa e no estaDo
“Frente às esferas do direito privado e do bem-estar privado, da
família e da sociedade civil burguesa, o Estado é, de uma parte, uma
necessidade exterior e seu poder superior, cuja natureza de suas leis estão
subordinados e são dependentes dela, [...]” (Hegel, 2010, § 261).
A lei na filosofia de Hegel
| 103
A lei na sociedade civil burguesa envolve a unidade. O princípio da
unidade é o ponto de partida da lei na sociedade civil burguesa. A lei é
para o princípio da unidade, na universalidade objetiva, o poder da razão
na necessidade.
No Estado, a eticidade deve ser entendida como em relação com um
alto princípio que não pode ser atingido somente na eticidade. A lei não
encontra sua verdade plena na sociedade civil burguesa, mas descobre toda
a sua verdade no Estado.
Se diz com freqüência que o objetivo do Estado é a felicidade dos
cidadãos. Embora seja verdadeiro, isso não se aplica facilmente
aos cidadãos, pois não se trata simplesmente da satisfação de
necessidades subjetivas. Se o Estado for tomado como meio para a
satisfação, ele se colocará sob tênues fundamentos. (Hegel, 2000, §
265, A., tradução nossa).
2.24 o estaDo político
Na esfera do Estado político diferencia-se o Estado como espírito de
um povo.
Mas o espírito não é apenas enquanto essa necessidade e
enquanto um reino do fenômeno, porém é enquanto idealidade
dos mesmos e enquanto lhe é interno, é objetivo e efetivo para si;
[...]” “A necessidade na idealidade é o desenvolvimento da ideia
no interior de si mesma; [...] enquanto substancialidade objetiva
é, na diferenciação com a anterior, o organismo do Estado, o
Estado político propriamente dito e sua constituição” (Hegel,
2010, § 267).
O Estado político é um momento, uma parte de cada organização
humana. Ele é tão importante como a família e a sociedade civil burguesa
que também recebem um significado maior na esfera do Estado. O Estado
político organiza a universalidade e essa é sua tarefa. A família, assim
como a sociedade civil burguesa, limita-se a interesses particulares. Aqui a
Pedro Geraldo Aparecido Novelli
104 |
universalidade é entendida como a expansão da particularidade. O Estado
político vai um passo adiante na medida em que procura considerar os
diferentes interesses. O universal constituído será o único fim do Estado
político, isto é, família e sociedade civil burguesa são compreendidas
como uma sociedade e não mais como dimensões opostas. Ambas as
esferas existentes serão consideradas como conteúdo do Estado político
e aqui se desenvolve a identidade do espírito. Esta é a ideia do Estado
como organismo que reúne diferentes aspectos que anteriormente somente
haviam aparecido como elementos opostos. Essa capacidade será efetiva
no Estado, embora já esteja anunciada no Estado político. Na medida em
que o Estado político tem sucesso em organizar a sociedade civil burguesa,
então se tem aqui somente um sistema fechado que se mostra como centro
absoluto. O desenvolvimento de estruturas políticas transforma um povo
em Estado.
Nas esferas existentes a lei não encontra nenhuma proteção, senão
que mostra a exigência de um nível mais complexo.
No Estado se altera a positividade da lei porque esta não permanece
mais sob a referência da sociedade civil burguesa. As instituições são agora
fundamentadas numa esfera mais ampla quando o Estado é a base de
validade normativa.
O Estado político não deve ser uma simples determinação oposta
às outras esferas. Ele não se relaciona como a família e como a sociedade
civil burguesa entre si. O Estado político somente pode organizar outras
esferas e se desenvolver num organismo, numa estrutura, na medida em
que reconhece que a família e a sociedade civil burguesa são também
autônomas. Cada parte de um organismo é vivente e, embora possa ser
delimitada, é um momento racional. O organizador não se determina a
partir do organizado. É independente do que organizou, muito embora
esteja ligado a este. Essa é a significação de um organismo que não é
fundamentado como o Estado. Assim, o Estado não é determinado através
da estrutura econômica porque é abrangente e não deve permanecer
unicamente sob a determinação econômica.
A lei na filosofia de Hegel
| 105
O Estado hegeliano é influenciado por muitos fatores, mas isso
não significa nenhuma determinação unilateral. O Estado também está
fundamentado na convicção de seus membros. Esta já é a base para as
instituições políticas, pois o Estado não é o resultado da violência, senão
do melhor que os cidadãos podem conseguir. “A disposição do espírito
torna seu conteúdo determinado particularmente dos diversos aspectos do
organismo do Estado” (Hegel, 2010, § 269).
Não se deve entender como se o Estado brotasse de forma imediata,
senão que esse Estado permanece em relação com diferentes momentos
dos quais nenhum é predominante.
O Estado político é um sistema complexo que deve considerar
diferentes fenômenos.
Esse organismo é o desenvolvimento da ideia até suas diferenças e
até a efetividade objetiva delas. Esses diferentes aspectos são assim os
diversos poderes, e as ocupações e atividades deles, através dos quais
o universal se produz, e, no caso, visto que eles são determinados
pela natureza do conceito, de maneira necessária, e igualmente
visto que sua produção é pressuposta, se conserva, - esse organismo
é a constituição política. (Hegel, 2010, § 269).
O Estado é determinado através de sua tarefa e essa tarefa é trazer
à universalidade à particularidade. A força do Estado desenvolve-se na lei
que deve ser para todos a universalidade na particularidade.
É também função do Estado trazer as esferas particulares e as
casuais sob a realização da partilha da universalidade. A referência, a
administração e os tribunais devem ser reunidos sem que os juízes percam
sua independência. “Portanto, em tempos modernos tem o príncipe o
direito de nomear o juiz que é inteiramente independente” (Hegel, 1983,
p. 157, tradução nossa).
O monarca é uma terceira força do Estado que traz ao sistema a
competência de decidir.
Pedro Geraldo Aparecido Novelli
106 |
c) a subjetividade enquanto última decisão da vontade, o poder
do príncipe, - no qual os poderes distintos são reunidos em uma unidade
individual, que é assim o ápice e o começo do todo, - a monarquia
constitucional” (Hegel, 2010, § 273).
O monarca representa também a unidade do Estado que tem na pessoa
do monarca sua instituição. Esse é também o momento da efetividade. Isso
significa igualmente que a individualidade deve ser pensada no Estado. O
monarca, como indivíduo ligado aos indivíduos no Estado é, porém, mais
do que a unidade deles e sua individualidade.
2.25 constituição e lei
Segundo Hegel, a relação entre lei e constituição deve ser entendida
através de seu papel no Estado político. A constituição está intimamente
ligada à ideia de unidade.
A forma especulativa da teoria, quaisquer que sejam as razões
teóricas que a tornasse inevitável, foi conquistada e demonstrada
apenas na medida em que não só era capaz de descrever essas
condições de vida em toda a sua complexidade, mas também de
entender e fazer transparente em sua forma conceitual peculiar,
que só pode ser obtida dela: apenas a ideia especulativa é concreta.
(Henrich, 1982, p. 428, tradução nossa).
A vida é ordenada em sua complexidade através da constituição. A
sociedade civil burguesa e o Estado político são subsistemas que também
organizam e entendem sua complexidade. No caso da sociedade civil
burguesa, as leis e as instituições desempenham esse papel determinado.
“Essas instituições fazem a constituição, isto é, a racionalidade desenvolvida
e efetivada no particular [...]” (Hegel, 2010, § 265).
A constituição política dirige-se à vida da comunidade na ordem
política. “A constituição política é [...] a organização do Estado e o processo
A lei na filosofia de Hegel
| 107
da sua vida orgânica em vinculação consigo mesmo, [...]” (Hegel, 2010,
§ 271).
Essas duas constituições têm respectivamente sua própria tarefa
e cada uma afirma o que é para si particular. “À constituição pertence
em seguida a organização do poder do Estado, que enquanto tal quer a
universalidade, assim como pertence a isso as instituições do particular”
(Hegel, 1983, p. 227, tradução nossa).
O conceito de constituição hegeliano não opõe o Estado ao
indivíduo, senão que procura reunir e integrar todas as partes do sistema
em relação à unidade. Somente assim a totalidade pode ser atingida. “O
Estado deve perpassar em sua constituição todas as relações” (Hegel, 2000,
§ 274, Z., tradução nossa).
A forma da constituição é importante, pois através dela as relações
serão ordenadas. Num primeiro momento a constituição será mostrada
como lei. Ela encontra assim sua verdadeira essência.
Visto que o espírito apenas é enquanto efetivo, enquanto o que ele
se sabe, e o Estado, enquanto espírito de um povo, igualmente é a lei
compenetrando todas as suas relações, os costumes e a consciência
de seus indivíduos, a constituição de um povo determinado
depende, em geral, do modo e da cultura da autoconsciência do
mesmo, [...] (Hegel, 2010, § 274).
Uma ética universal é construída através da constituição. Todas as
relações são ordenadas na comunidade se a constituição é tomada como a
principal referência.
2.26 o legislativo: a constituinte
As leis são uma forma racional e transparente para a constituição na
comunidade. Tudo o que é possível não está somente aqui, mas essa situação
é aqui efetiva. “Que o direito e a eticidade e o mundo efetivo do direito e
do ético se apreendem pelo pensamento, que se deem pelo pensamento a
Pedro Geraldo Aparecido Novelli
108 |
forma da racionalidade, a saber, a universalidade e a determinidade, esta, a
lei, [...]” (Hegel, 2010, p. 38).
Segundo Hegel, um Estado, que está fundamentado na razão, deve
compreender sua constituição nas leis. “Contudo, o Estado também tem
uma doutrina, visto que suas instituições e o que, em geral, vale para ele a
respeito do direito, da constituição, etc, estão essencialmente enquanto lei
na forma do pensamento, [...]” (Hegel, 2010, §270).
Se a constituição deve assumir a forma de lei, isso significa, que o
mundo ético deve pensar um Estado vivo. A lei formula o que é afirmado
pelo povo em seu cotidiano. Nesse sentido, uma constituição não é uma
mera descrição, senão uma sistemática formulação das instituições políticas
existentes. O aspecto técnico de uma constituição também considera o
material jurídico, dos processos civil e penal. Isso tudo já era efetivo na
sociedade civil burguesa, mas deve ser ampliado na esfera do Estado para
todos os membros. “O que assim se chama fazer uma Constituição, em
razão dessa inseparabilidade, nunca se encontrou na história, tampouco
como fazer um Código de leis; [...]” (Hegel, 1995, § 540).
Uma codificação somente é possível a partir das relações existentes.
Cada desenvolvimento vem sempre da vida de um povo que se efetivou.
Hegel utiliza esse aspecto para criticar o partido do rei no conflito
envolvendo a constituição de Württenberg. Uma grande alteração
ocorreu nesta localidade e, ao mesmo tempo, desenvolveram-se novas
relações políticas. Uma nova expressão dessa vida é necessária e essa deve
ser uma nova formulação da constituição, na medida em que significa o
esforço para compreender uma nova realidade. A nova constituição não
deve ser a restauração de velhas situações, senão a consideração da nova
vida estabelecida.
A constituição tem seu conteúdo político e isso também significa a
determinação das relações sociais. O primeiro aspecto deve ser pesquisado,
mas o segundo pode ser observado na vida diária. “A constituição é racional
à medida que o Estado diferencia e determina dentro de si sua atividade
eficaz segundo a natureza do conceito, [...]” (Hegel, 2010, § 272).
A lei na filosofia de Hegel
| 109
A consideração da situação histórica não é suficiente para tornar a
constituição racional, mas ela não deve ser descuidada. O critério decisivo
é a adequação da constituição ao conceito. Isso significa que cada elemento
ajuda a construir a unidade orgânica. A distribuição do poder não deve
ser isolada de outros aspectos da sociedade, porque, caso contrário,
o organismo não poderia mais existir, pois, então, haveria somente a
afirmação da particularidade. Cada elemento contém sua autonomia
quando permanece em união com outros na universalidade. Somente
assim a liberdade pode ser alcançada. O Estado tem a tarefa de atestar a
liberdade na universalidade e torná-la também efetiva.
Cada elemento do poder deve, segundo Hegel, completar o outro
e esse é o sinal de que cada um não limita o outro, senão que o deve
promover.
Hegel já afirma que a lei deve ter essa relação. As leis da constituição
organizam a universalidade no sentido de que cada elemento deve cooperar
com o outro. A particularidade não será suprimida, senão que desenvolve
seu significado na universalidade.
O aspecto legal da constituição desenvolve instituições que garantem
sua observância. Esse nível não é superior à própria constituição e sua
universalidade. Uma estrutura de segurança é necessária, mas isso não
pode ser entendido supra historicamente.
As leis constitucionais têm sua efetividade quando são reconhecidas
na vida do indivíduo.
A garantia de uma constituição, isto é, a necessidade de que as leis
sejam racionais e a sua efetivação seja assegurada, reside no espírito do
conjunto do povo, a saber, na determinidade segundo a qual ele tem a
consciência-de-si de sua razão [...]” (Hegel, 1995, § 540).
Quando um povo não está convencido que a constituição pode
realizar a justiça, ela não será aceita, isto é, não tem, para este povo, nenhuma
referência efetiva com a vida. A constituição deve tornar-se racional num
momento efetivo. O Estado afirma sua força na medida em que as leis são
Pedro Geraldo Aparecido Novelli
110 |
racionais. “[...] e então, ao mesmo tempo, na organização efetiva, enquanto
desenvolvimento daquele princípio” (Hegel, 1995, § 540).
A racionalidade e a efetividade da constituição são garantidas
através dos momentos subjetivo e objetivo. Dessa forma o que se tem é
a influência momentânea de um dos momentos, mas não o seu domínio.
A constituição pressupõe aquela consciência do espírito e, inversamente,
o espírito pressupõe a constituição, pois o espírito efetivo mesmo tem a
consciência determinada de seus princípios, somente enquanto estão
presentes para ele como existentes” (Hegel, 1995, § 540).
A relação entre a lei e a constituição garante a racionalidade da
constituição baseada na transparência e síntese das leis. Para Hegel, esse
aspecto deve ser assumido pela constituição.
A lei recebe uma complexa relação na esfera do Estado. Ela já está
presente na família assim como na sociedade civil burguesa, mas não é
ainda nessas esferas uma expressão da liberdade. Esta é promovida aí através
das relações dos grupos individuais. Isso já se mostra na passagem da lógica
da essência à lógica do conceito. Aqui a lei possui uma nova interpretação
como uma categoria da lógica subjetiva. A lei deve representar a liberdade
em sua estrutura e deve também ser a característica principal do Estado.
A liberdade se realiza na sociedade. A liberdade é um princípio, mas
ela se efetiva na lei. Lei e princípio não são o mesmo, mas a lei deve fazer
um princípio concreto e determinado. O princípio se mostra na lei e a lei
afirma o que é o mundo ético. Aqui se realiza a filosofia.
No Estado a lei não significa mais uma formalidade, senão o
desenvolvimento objetivo da liberdade. A lei deve também garantir sua
validade. Embora a lei se efetive mais no Estado, já é um momento da
efetividade da vida em comum na comunidade, mas a lei não possui
nenhum fundamento prévio, senão que precisa ser afirmado no presente.
A relação princípio-lei é ao mesmo tempo dialética e orgânica, ou seja,
ambos se completam mutuamente e não permanecem mais isolados em
seus lugares. Não é suficiente afirmar um princípio, se não for claro nem
preciso o que se deve fazer e especialmente como. Aqui a lei desempenha
um importante papel. A lei diz como a ação humana deve ser. Ela representa
A lei na filosofia de Hegel
| 111
sempre o esforço de agarrar a história presente. Ela não é também uma
ordem definitiva, mas é a forma externa da liberdade. A constituição deve
possuir também essa determinação e assim ela estará ligada à vida.
Contudo, Hegel não reduz a constituição nem ao seu aspecto formal
nem escrito. Esse é também um momento da constituição. O conceito é
abrangente como sua identificação. A constituição articula a vida de um
povo no que se faz, se acredita e se deseja e, isso tudo, deve sempre ser
entendido em relação à história.
As relações na sociedade são sempre resultado das relações dos
indivíduos, que estes travam entre si. Trata-se de um processo que sempre
está em movimento. Por isso, todas as constituições têm essa referência.
Ela permanece entre uma determinação e a renovação dessa determinação.
Um povo, que atenta ao espírito do mundo constrói sua constituição.
O que daí se permite se transformará em hábito, e posteriormente,
será feito lei, e para outros virá o ônus que assumirão. A constituição
é a vida substancial de um povo, na qual todas as suas relações serão
mergulhadas. (Hegel, 1983, p. 229, tradução nossa).
Na medida em que a constituição representa o processo da vida ela
não deve ser alterada por ativismo político, senão através da consciência da
liberdade. A constituição representa mais do que o momento político de
uma sociedade, mas representa também cada aspecto de um povo.
O ponto de partida de Hegel não passa por um conceito de
constituição normativa do movimento constitucional do século XIX,
que somente aceitava uma constituição se uma vasta gama de direitos do
Estado. Fosse garantida. O conceito implica, de fato, também um modelo
normativo, mas, segundo Hegel, o conceito não pode ser limitado a esse
único momento. A constituição hegeliana não é rica em determinações,
senão que as normas têm somente a tarefa de evitar o despotismo.
A liberdade deve ser a experiência cotidiana de uma sociedade
que tem uma constituição como referência. Dessa forma as normas
desempenham um papel quando a liberdade é exageradamente afirmada
pela individualidade.
Pedro Geraldo Aparecido Novelli
112 |
Por isso, o Estado, como momento político da sociedade, deve
ser organizado através da universalidade. O Estado político deve se
organizar para essa tarefa, assim como deve evitar que seja reduzido à
uma particularidade. Portanto, o Estado deve ser transparente. O Estado
não deve ser alguma esfera que o povo não mais reconheça ou não possa
entender porque o povo deve participar na estrutura interna do Estado.
Hegel fala do poder constituído da constituinte para formular a
constituição. Uma constituição não contém sua racionalidade porque ela
está no Estado, senão porque ela representa o conceito racional de uma
investigação existente. Essa investigação já está presente no Estado político
e deve ser caracterizada através da constituição.
O monarca tem a tarefa de atualizar a constituição na medida em
que ele a deve adequar às relações alteradas de sua sociedade. Segundo
Hegel, o indivíduo tem uma função importante na construção do Estado.
Por isso, o monarca, enquanto um indivíduo especial, deve conduzir essa
atividade.
2.27 o legislativo como poDer constituíDo: a tarefa Do
legislativo
A tarefa do legislativo também se constitui como um momento do
poder do Estado. É um momento particular que tem a universalidade
como fim. O legislativo deve também através de seu trabalho determinar
o universal.
Essa instância é uma representação popular que deve ser independente
dos outros poderes. Na sociedade civil burguesa e no Estado político o
poder legislador é conduzido através da particularidade. Somente no
Estado a tarefa do legislativo será universalizada.
No poder legislativo, enquanto totalidade, inicialmente são ativos
os dois outros momentos [:] o monárquico, enquanto lhe compete a
decisão suprema, - [e] o poder governamental, enquanto momento
consultivo, com conhecimento concreto e visão geral do todo, de
A lei na filosofia de Hegel
| 113
seus múltiplos aspectos e dos princípios efetivos que ali se tornaram
estáveis, assim como com o conhecimento dos carecimentos do
poder do Estado em particular, - enfim, o elemento estamental.
(Hegel, 2010, § 300).
Para Hegel a atividade de uma parte significa a participação de toda
a comunidade. Somente assim a totalidade pode se tornar efetiva, se cada
parte se reconhece em relação com cada uma das outras partes. O poder
legislativo organizado deve considerar a totalidade, posto que ele mesmo
pertence à essa totalidade. Seu interesse deve ser o interesse universal.
Embora o legislativo seja um meio, esse aspecto tem seu fundamento em
todos os outros aspectos que conjuntamente possibilitam a efetividade.
“Pertence às falsas opiniões sobre o Estado o fato de membros do governo
quererem se dissociar do corpo legislativo enquanto participantes da
constituinte” (Hegel, 2000, § 300, Z., tradução nossa).
Há ainda um terceiro momento do poder legislativo. É o momento
dos elementos das classes ou de parte da sociedade que, até agora, não
encontrou nenhum espaço no Estado. A participação no Estado deve
significar a participação na universalidade, pois somente aqui a liberdade
pode ser efetiva. Cada parte será afirmada aqui, porém não assumida como
predominante.
[...] os deputados do povo ou mesmo de que o povo tem de entender
melhor o que lhe serve melhor e que teria incontestavelmente a
melhor vontade para esse melhor. O que concerne ao primeiro
ponto, assim é antes o caso de que o povo, na medida em que
com essa palavra se designa uma parte particular dos membros
de um Estado, expressa a parte que não sabe o que quer. (Hegel,
2010, § 301).
Para Hegel a liberdade deve determinar cada parte do Estado. A
liberdade é assim afirmada na subjetividade. Nenhuma parte pode ser
um limite para uma outra parte. Um Estado livre significa a afirmação da
liberdade para todos os indivíduos.
Pedro Geraldo Aparecido Novelli
114 |
O elemento estamental tem a determinação de que o assunto
universal, não é apenas em si, mas também para si, isto é, de
que o momento de liberdade formal subjetiva, a consciência
pública, enquanto universalidade empírica das maneiras de ver
e dos pensamentos dos muitos, chegue ali à existência. (Hegel,
2010, § 301).
O elemento classista tem a tarefa de realizar a mediação entre
a liberdade subjetiva e a objetiva. O legislativo estabelece a lei da
comunidade como a forma objetiva da liberdade. A organização do Estado
deve promover a vontade individual e se isso se efetiva cada indivíduo
é representado no Estado. A universalidade do Estado deve considerar o
sujeito em sua autonomia, ou seja, que cada um deve ser entendido como
momento essencial da determinação do universal. O conteúdo é somente
melhorado quando o aspecto formal é também pensado. Cada lei tem a
vontade livre como seu conteúdo, mas há também o aspecto formal que
se desenvolve de todas as partes. Na sociedade civil burguesa e também no
Estado político a lei tem seu conteúdo na vontade livre, mas a participação
do indivíduo não é ainda aqui afirmada. No Estado a constituição é essa
afirmação na medida em que um organismo não pode ignorar sua parte.
A participação no processo político é, para Hegel, a busca pela
promoção da relação do indivíduo e da sociedade. Se isso não ocorrer,
então os funcionários do Estado podem ser responsabilizados, como
base, por todos os problemas da sociedade. Por isso, o processo político
e a participação no mesmo devem ser a promoção do indivíduo na
universalidade. Essa é a referência para a representação.
Considerados órgãos mediadores, os estamentos estão entre o
governo em geral, de uma parte, e o povo dissolvido em esferas
particulares e em indivíduos, de outra parte. Sua determinação
exige deles tanto o sentido e a disposição de espírito do Estado
e do governo como os interesses das esferas particulares e dos
[indivíduos] singulares. (Hegel, 2010, § 302).
A lei na filosofia de Hegel
| 115
As classes devem ser a ligação entre o governo e o povo. O direito
será efetivo na esfera do Estado quando governo e povo se reunirem.
Ao mesmo tempo, essa posição tem a significação de uma mediação
comum com o poder governamental organizado, de modo que o
poder do príncipe não seja isolado enquanto extremo isolado e
não apareça por causa disso como um mero poder dominador e
como arbítrio, nem que os interesses particulares das comunas, das
corporações e dos indivíduos se isolem [...]. (Hegel, 2010, § 302).
A mediação será efetiva através da classe e não permanecerá assim
somente uma afirmação teórica. A possibilidade de aproximação do
governo e do povo deve ser efetiva.
O momento classista no legislativo pode também construir uma
oposição contra o governo, mas isso deve ser sempre mediado pelo
Estado. As classes são um meio para o povo atingir o governo quando a
particularidade domina a universalidade na vida da comunidade. O sistema
bicameral é, segundo Hegel, a mediação que pode desenvolver a estrutura
da sociedade civil burguesa. As câmaras representam a organização da
comunidade que deve considerar a pluralidade. Ao mesmo tempo, essa
mediação representa o momento da objetividade de uma sociedade.
Os membros compartilham todos os direitos e encargos com os
cidadãos (compartilham, v. V.); sim, como foi mostrado, eles fazem
sacrifícios duros por meio de sua posição política [...]. Por outro
lado, existe essa classe, a primeira e a persistente ao princípio,
mais próximo do Estado como tal. (Hegel, 1983, p. 269, tradução
nossa).
Embora o próprio Estado deva promover o momento da junção
classista, não deve, ao mesmo tempo, assumir qualquer influência sobre
seu desenvolvimento, na medida em que o governo é uma parte do Estado
e, como tal, não pode esquecer as outras partes que o constituem. Segundo
Hegel, a primeira câmara é muito confiável porque ela é assegurada
institucionalmente. Essa segurança vem da proximidade com o povo
Pedro Geraldo Aparecido Novelli
116 |
que pode se reconhecer nela. “Para a posição e a significação políticas
ele é precisamente constituído, na medida em que seu patrimônio é
independente tanto do patrimônio do Estado como da insegurança da
indústria, da busca do ganho e da variabilidade da posse em geral, - [...]”
(Hegel, 2010, § 306).
A segunda câmara reúne principalmente pessoas que são
determinadas pelo nascimento, o que, para Hegel, representa um acaso.
Por isso, a primeira câmara representa a necessidade objetiva do Estado
e, a partir dessa perspectiva, a segunda câmara deve canalizar os interesses
especiais da sociedade civil burguesa ao nível do legislativo.
Visto que a delegação dos deputados ocorre para a deliberação e
para a decisão sobre os assuntos universais, ela tem o sentido de
que pela confiança são determinados a isso tais indivíduos, os quais
entendem melhor de tais assuntos do que os que delegam, como
também de que eles não façam valer o interesse particular de uma
comuna, de uma corporação, contra o interesse universal, porém
façam valer essencialmente este último. (Hegel, 2010, § 309).
O particular deve igualmente ser determinado, pois, caso contrário,
não será representado. O conhecimento da particularidade significa
também o conhecimento da universalidade, ou seja, de cada parte da
particularidade que possui interesse específico. Dessa forma, a determinação
dos representantes deve ser feita a partir da organização das classes de ofício.
Na outra parte do elemento estamental da sociedade civil burguesa,
o qual exteriormente, por causa da multidão de seus membros,
mas essencialmente por causa da natureza de sua determinação e
ocupação, apenas pode intervir mediante deputados. Na medida
em que esses são delegados pela sociedade civil burguesa, é de se
supor imediatamente que essa o faz enquanto o que ela é, - com
isso, não como dissolvida atomisticamente nos [indivíduos]
singulares e apenas se reuniria em um instante, sem outra atitude
para um ato isolado e temporário, porém enquanto articulada,
além disso, nas suas cooperativas constituídas, que recebem desse
modo uma conexão política. Em sua legitimação para tal delegação
A lei na filosofia de Hegel
| 117
de deputados, convocada pelo poder do príncipe, assim como na
legitimação do primeiro estamento a aparecer (§307), a existência
dos estamentos e a sua assembleia encontram uma garantia própria,
constituída. (Hegel, 2010, § 308).
Para Hegel, uma tal estrutura de eleição de representantes
possibilita que diferentes interesses sejam contemplados. O indivíduo
não é somente um meio para a universalidade no Estado, senão que deve
ter uma relação direta com este. Por isso, a representação é sempre a
determinação do particular na medida em que esse momento tem seus
interesses e suas necessidades. “A delegação dos deputados, enquanto
procede da sociedade civil burguesa, além disso tem o sentido de que os
deputados estejam familiarizados com seus carecimentos especiais, seus
obstáculos, seus interesses particulares, e que eles mesmos lhe pertençam
(Hegel, 2010, § 311).
A determinação dos deputados sofre inúmeras influências dos
diferentes aspectos da sociedade. Para Hegel, é muito importante que o
membro, enquanto deputado, tenha, da sociedade um conhecimento de
cada uma de suas esferas, e uma firme convicção pelo Estado. Os candidatos
para a deputação não devem ser escolhidos por características agradáveis,
senão que seu envio deve representar a comunidade. A eleição oferece a
possibilidade de se partilhar de um Estado mais forte, mas os cidadãos
devem ser confirmados em sua participação.
Visto que ela procede, segundo a natureza da sociedade civil
burguesa, de suas diversas corporações, e o modo simples dessa
marcha não é perturbado por abstrações e por representações
atomísticas, assim ela preenche imediatamente com isso esse ponto
de vista, e o eleger, em geral, é algo supérfluo ou se reduz a um jogo
medíocre da opinião e do arbítrio. (Hegel, 2010, § 311).
Não é suficiente possuir o direito de votar. Isso não significa que
a participação do cidadão no Estado seja facilmente promovida. A
organização da eleição pode enfraquecer a posição dos deputados contra
Pedro Geraldo Aparecido Novelli
118 |
o governo e o monarca. Os deputados afirmam a universalidade porque o
direito de votar deve tomar corpo em toda a sociedade, porém os deputados
representam interesses particulares e isso pode sempre contemplar uma
parte da comunidade. Não é a particularidade que os deputados devem
determinar, senão que a universalidade deve determinar a particularidade.
Os deputados diferenciam-se dos modelos classistas feudais porque
eles são independentes e também se orientam por interesses universais.
“Com isso eles não têm a relação de ser mandatários comissionados ou que
transmitem instruções, tanto menos que a reunião tem a determinação
de ser uma assembleia viva, em que se delibera em comum, se instrui e
convence reciprocamente” (Hegel, 2010, § 309).
Para Hegel há sempre interesses particulares em todas as representações
do povo e isso também vale para a passagem de um sistema político antigo
a um moderno. O pensamento feudal caracteriza-se pela particularidade
embora as organizações dos grupos sejam muito fortes.
Hegel afirma que a relação entre representantes e indivíduos
representados não se orienta através da identidade, senão através da
confiança na representação. Por isso, eles são delegados. “A representação
funda-se na confiança, mas confiança é algo bem diferente, como se
eu desse a esse momento minha aceitação” (Hegel, 2000, § 309, A,
tradução nossa).
Ao mesmo tempo os representantes incorporam o interesse do
universal. Eles recebem sua aceitação de determinados grupos que desejam
considerar seus interesses, mas o interesse domina toda a sociedade
e o Estado moderno diferencia-se das formas passadas tomando a
universalidade como fim de todos, isto é, o interesse particular se torna
o interesse universal porque o interesse universal se torna o interesse do
particular. Cada indivíduo tem seu interesse considerado na medida em
que o interesse universal é objetivado.
Quando os deputados são considerados como representantes, assim
isso tem um sentido organicamente racional apenas se eles não
são representantes de [indivíduos] singulares, de uma multidão,
porém representantes de uma das esferas essenciais da sociedade,
A lei na filosofia de Hegel
| 119
representantes de seus grandes interesses. O representar, com isso,
também não tem mais a significação de que um esteja no lugar
de um outro, porém de que o interesse mesmo está efetivamente
presente no seu representante [...]. (Hegel, 2010, § 311).
Isso é ainda uma parte da sociedade que pode desenvolver a educação
da vontade estatal. Os representantes afirmam somente sua própria vontade
quando esta não é idêntica ao que eles representam. Contudo, eles têm
a tarefa de promover os representados de modo que assim eles possam
participar mais fortemente da vida do Estado.
Todos os juízes, funcionários públicos e portadores de poder
público não são somente trabalhadores especializados, senão que devem
também continuar a educar a sociedade e, isso é o que efetivam através
de sua atividade.
O estamento universal, precisamente o que se dedica ao serviço
do governo, imediatamente tem de ter em sua determinação o
universal por fim de sua atividade essencial; no elemento estamental
do poder legislativo, o estamento privado chega a uma atividade
eficaz e a uma significação políticas. (Hegel, 2010, § 303).
O funcionário tem uma relação particular com o Estado. Ele não
trabalha para si, senão para todo o povo porque é isso que se afirma no
Estado. Ele não desempenha sua atividade para um desconhecido, senão
que cumpre uma obrigação universal. Ele não pode combater o Estado
porque sua atividade é a afirmação do Estado. Por isso, ele não pode boicotar
o Estado, pois isso significaria que ele age contra si mesmo. Contudo, ele
não deve identificar o Estado com o governo.
Na classe deve-se fazer o mesmo. O interesse universal deve sempre
ser procurado. Segundo Hegel, nem todas as pessoas na sociedade podem
levar a isso porque elas são determinadas por diferentes influências.
Portanto, os representantes são responsáveis por uma futura eleição
e quando os escolhidos devem estar preparados para tanto. Mas, como
pode a sociedade estar segura de que o interesse universal será procurado
Pedro Geraldo Aparecido Novelli
120 |
pelos representantes indiretos? Uma reação geral da sociedade contra a
estrutura do Estado pode ser um sinal de que o interesse da particularidade
é afirmado. A verdadeira estrutura de um Estado não é sua administração,
senão todo o povo juntamente com o governo, os deputados e a justiça.
Um povo que não mostra nenhuma reação ilustra também como este povo
pode ou quer participar na vida do Estado porque ele mais ou menos se
encontra nesse Estado.
Não somente as pessoas não devem votar, ou seja, não todas, porque
elas podem não estar bem-preparadas para essa tarefa e, ao mesmo tempo,
nem todas as pessoas do povo podem ser candidatas a representantes.
Por isso, o Estado deve ser organizado através de eleições indiretas. As
corporações e outras organizações na comunidade podem preparar
alguém para a atividade de representar o povo, mas isso não significa
absolutamente que este alguém seria qualificado. A seleção acurada dos
potenciais candidatos não é muito interessante para o direito de votar.
2.28 responsabiliDaDe e métoDo
A determinação e o estabelecimento do universal é a tarefa do
legislativo e, o que acontece no Estado é sua atividade. O legislativo liga-se
à vida no Estado.
A lei, como uma determinação e estabelecimento do universal, não
é uma instância de decisão. A lei é muito mais o esforço para realizar a
determinação. Na medida em que é importante tornar-se livre, isso se
afirma, se a efetividade é alcançada. Por isso, a liberdade deve se realizar
através de sua determinação. Embora a liberdade seja negada através da
determinação, ela é, ao mesmo tempo, afirmada, pois ela é efetiva como
uma experiência viva. Para tanto, o conhecimento da relação viva da
comunidade é o pressuposto. “O poder legal não faz a lei, mas somente a
descobre e formula” (Marx, 1981, p. 260, tradução nossa).
A matéria do legislativo é o que já está presente na vida diária. A
vida de um povo deve sempre ser o ponto de partida. O legislativo não
consegue nada mais do que já é praticado. A lei já está, de algum modo,
A lei na filosofia de Hegel
| 121
pronta, mas necessita de um esclarecimento para se tornar exterior. Dessa
forma a lei será reconhecida e respeitada. A lei é sempre o que um povo
tem cultivado, mas sem o determinar. Contudo, o legislativo não deve
se reduzir ao que já existe. As relações existentes podem ser distorcidas,
promovidas ou destruídas. Assim, o legislativo tem também a tarefa de
uma transformação quando esta se faz necessária.
A transformação tem sua expressão no estabelecimento porque o
direito não é obtido quando o reconhecimento ocorre, senão juntamente
com a relação desejada. Esse aspecto já é uma realidade presente na vida de
um povo e é um outro pressuposto para a lei. “[...] dado que não se pode
fazer um sistema de leis novas segundo seu conteúdo, porém de conhecer
na sua universalidade determinada o conteúdo legal que aí está presente,
isso é, de apreender pensando, - com adição da aplicação ao particular, -”
(Hegel, 2010, § 211).
O legislativo começa sempre com o que já está determinado. Todas
as modificações devem considerar o presente, isto é, não mais do que é
vivido, pode ser apresentado como uma modificação.
Por isso, a tarefa do legislativo não é a descrição do presente, mas o
que uma comunidade tem afirmado, é o que o legislativo deve estabelecer.
Contudo, há aqui um aspecto importante da lei. A consideração formal
reduz o conteúdo ao texto e sempre protege o texto. Nesse sentido a lei
é independente de seu verdadeiro conteúdo, ou seja, a vida de um povo.
O legislativo deve também decidir sobre as questões de um povo na vida
diária na medida em que nem tudo pode ser previsto sob as leis dadas. Essa
decisão não é somente para o povo, senão que para toda a comunidade.
Esse aspecto do pensamento hegeliano conduz a um potencial poder
democrático. Toda a sociedade participa desse processo, mas mesmo sem
que todos necessariamente saibam disso. Contudo, o trabalho de reunir não
pode ser feito por todos. Portanto, um órgão tem essa tarefa determinada
que é, porém, também um momento do governo do Estado.
O legislativo tem seus materiais legais particulares no direito
particular, no direito penal e no direito processual, a lei em relação à
formação das corporações na comunidade.
Pedro Geraldo Aparecido Novelli
122 |
O legislativo é uma instância constituída e não constituinte. O
legislativo submete-se ao domínio da constituição mais forte do que outras
instâncias na comunidade porque, apesar das novas leis, a constituição
permanece.
O legislativo tem uma importante competência traduzida na
obtenção de leis para a comunidade. “A elevação da doação pública e
cujo emprego é somente um negócio, que sua natureza é capaz segundo a
determinação universal plena” (Hegel, 1983, p. 262, tradução nossa).
A competência do orçamento é também desenvolvida ao nível do
legislativo. Isso significa o decreto sobre o dinheiro da comunidade, isto
é, o imposto. Esse dinheiro deve retornar à comunidade. Como, para
onde e quanto são determinadas instâncias que devem ser caracterizadas.
A competência do corpo do legislativo determina-se também nos limites
para com o governo e o monarca.
O poder do governo deve ser limitado, o que é feito pelo conceito de
regulamentação. A determinação é idêntica à lei no sentido de que é também
universal. Ela é uma referência para o governo que deve se determinar. No
universal a lei perde sua força e sua função. Um governo que somente tem
uma determinação abstrata pode sempre ser influenciado através de uma
sociedade civil burguesa forte. “Objeto da eficácia classista sobretudo são
todos os negócios universais do Estado. Limites particulares não se deixam
aqui estabelecer. Lei e medida disciplinar não são claramente distinguíveis
(Hegel, 1983, p. 261, tradução nossa).
O monarca tem, para Hegel, uma tarefa particular no Estado. Ele
pode ser um limite em relação ao governo. No entanto, não é sua função
governar através da arbitrariedade. Além disso, o monarca tem também
a importante decisão sobre a guerra e a paz, contratos legais do povo e
envolvendo os militares. Tais situações não devem ser decididas através de
normas. “As prestações, que se vinculam com defesa do Estado contra os
inimigos, somente pertencem à obrigação de que trata a próxima seção
(Hegel, 2010, § 299).
Esta é a tarefa exclusiva do monarca. Para Hegel, este é um nível para
ser atingido, ou seja, que a lei deve tratar a vida concreta, pois este é o lugar
A lei na filosofia de Hegel
| 123
no qual um povo afirma sua existência. A lei deve sempre permanecer nessa
relação. A legislação ocorre no processo legislativo.
O processo legislativo começa com uma iniciativa legal. Contudo,
é uma iniciativa do Estado que o legislativo deve apoiar. Essa é uma
atividade que o Estado deve melhorar. Sem isso, a lei e a atividade do
legislativo permanecem um fenômeno vazio. O monarca tem o poder de
conduzir o governo nessa direção. O governo, por sua vez, deve promover
o desenvolvimento do legislativo. O legislativo pode reconhecer melhor,
as necessidades da sociedade, através da atividade do governo e, assim,
formular as leis que são adequadas às situações. Por isso, o governo deve
somente efetivar as leis cuja necessidade ele reconhece. O monarca encarna
a integração do governo e do legislativo especialmente quando estes não se
reconhecem mais um no outro. O processo legislativo é um processo que
se efetiva entre ambas as instâncias mencionadas, isto é, entre governo e
legislativo.
Ao mesmo tempo, a ciência jurídica encontra aqui uma melhor
compreensão na medida em que ela também deve ser integrada nesse
processo.
Ao nível do legislativo o consenso se dá pela fala e contra fala.
Contudo, observa Hegel, que isso não possa garantir a liberdade porque
ela somente é encontrada na consideração científica. Porém, na fala e na
contra fala diferentes interesses podem ser tratados. Esse método promove
a formação contínua do legislador e mostra como o plano pode ser melhor
desenvolvido. Com isso, o acaso não possui nenhum espaço nas decisões
importantes do Estado. A subjetividade também será afirmada como a fala
da liberdade deve expressar.
A opinião pública dos debates desempenha um papel central na
mediação da liberdade objetiva e subjetiva. Com isso, o direito sobre a
opinião pública é afirmado. O povo pode acompanhar todos os debates
porque os deputados devem buscar o bem para a sociedade e, a limitação
do direito da opinião pública para o povo pode ser a afirmação da
particularidade. O sujeito é autônomo na medida em que ele está informado
e sabe o que se passa em sua comunidade em sua organização. “[...] assim
Pedro Geraldo Aparecido Novelli
124 |
o momento do conhecimento universal recebe inicialmente sua expansão
mediante a publicidade dos debates dos estamentos” (Hegel, 2010, § 314).
O objetivo do legislativo é pôr a lei em vigor e disso partilha o
monarca através de sua assinatura. No entanto, isso é apenas algo exterior
no Estado porque o monarca não assume nenhuma influência interna no
processo legislativo. “O momento do poder real num Estado pacífico é
meramente formal” (Hegel, 1983, p. 275, tradução nossa).
Todas as partes do Estado participam na formulação da legislação na
medida em que cada um se interesse pela formulação das leis. O governo
toma a iniciativa de organizar o direito quando nas câmaras a voz da
sociedade civil burguesa é ouvida como clamor que expõe a necessidade de
regulamentação institucional. Na disputa entre governo e sociedade civil
burguesa o monarca interfere para determinar a solução do impasse.
Os indivíduos têm o direito de falar publicamente contra o Estado
político e não é uma exclusividade do Estado porque já se manifesta no
âmbito da sociedade civil burguesa. O Estado assume tal aspecto e promove
a integração de todos os cidadãos. O direito de falar contra o Estado deve
significar uma expressão da participação e pertença do indivíduo nesse
mesmo Estado, porém será uma expressão vazia quando tal fala não tiver
competência para tanto, isto é, quando o indivíduo permanecer limitado
na particularidade.
A liberdade subjetiva formal, de que os [indivíduos] singulares como
tais tenham e externem seu julgar, opinar e aconselhar próprios sobre os
assuntos universais tem seu fenômeno no conjunto que se chama opinião
pública” (Hegel, 2010, § 316).
Contudo, esse direito não teve qualquer lugar institucional no
conceito de Estado hegeliano. É possível se ter a impressão de que se
trata quase de algo arbitrário. Isso também pode ser um sinal claro de
que Hegel teria muito bem diante de si o Estado de seu tempo. Censura e
conservadorismo eram muito fortes conforme Hegel permite reconhecer
em suas Lições. Contudo, permanece central na filosofia hegeliana a
questão da liberdade e, daí, o não silêncio diante da censura e da crítica
continuada ao Estado tem certamente muito significado em Hegel.
A lei na filosofia de Hegel
| 125
2.29 a lei na filosofia Do Direito: a lei como promotora Da
liberDaDe
A liberdade deve ser entendida através da perspectiva do universal.
A liberdade tem seu verdadeiro significado na comunidade porque
aí se experimenta a vida com outros. Por isso, a lei e uma teoria da lei
representam uma teoria da eticidade. Contudo, a liberdade não tem sua
total definição na esfera do espírito objetivo senão que somente no espírito
absoluto. Na medida em que os homens vivem em comunidade a liberdade
tem aqui uma expressão específica, isto é, a liberdade na sociedade. Lei e
liberdade devem ser entendidas, segundo Hegel, em relação à proximidade,
mas esta afirmação tem sempre uma dimensão histórico-objetiva. Ela é o
resultado de uma filosofia se essa filosofia considera a história. A liberdade
é o fundamento da lei e também seu objetivo. “Porque mais cedo, em 30,
40, ainda tem sido o que (a lei) (a Lei), como sublinhou nomeadamente
o medo, o respeito, o respeito pela lei, que já foi tão longe. A formação do
mundo tomou um rumo diferente. A ideia tem estado na vanguarda de
tudo o que se aplica “ (Hegel, 1973, p. 96).
No início da Filosofia do Direito, Hegel afirma a liberdade como
vontade livre que quer a si mesma e ao outro. “O reconhecimento e o
direito de que o que é necessário pela razão na sociedade civil burguesa e
no Estado, ao mesmo tempo, esteja mediado pelo arbítrio é a determinação
mais próxima disso que principalmente na representação universal se
chama liberdade” (Hegel, 2010, § 206).
Na Filosofia do Direito a liberdade deve ser entendida tanto como
liberdade objetiva quanto como liberdade subjetiva.
A liberdade será objetivada através das instituições e encontrará na
lei sua forma concreta.
As leis exprimem as determinações-de-conteúdo da liberdade
objetiva.
As leis exprimem a auto relação numa forma objetiva. Elas refletem
o que significam as ações dos indivíduos. O indivíduo não é reduzido à
vida da comunidade porque a vida da comunidade também é sua vida.
Pedro Geraldo Aparecido Novelli
126 |
Ambas são ligadas por uma relação orgânica. O que o bem universal
representa é escolhido na comunidade e tem sua expressão na lei. A lei é
uma garantia para o desenvolvimento do sujeito na medida em que uma
organização se desenvolve e promove outras possibilidades. Nesse sentido
a liberdade é protegida. “O homem não é livre por natureza senão pelo
processo da educação que em grande parte ocorre no âmbito da sociedade
civil burguesa na qual as funções centrais se dão e que remetem ao todo de
um sistema” (eunissen, 1982, p. 317-318; tradução nossa)
O reconhecimento do indivíduo que pela lei afirma sua vida, significa
a identidade entre sua ação e o que é estabelecido. A lei é entendida como
a essência do sujeito na medida em que representa a relação entre os
indivíduos e a relação é o fundamento do eu. Em todos os outros efetiva-se
também a essência dos seres humanos. Portanto, a lei é a expressão de uma
sociedade na qual os indivíduos se reconhecem como cada um se reconhece
no outro. “[...] segundo a forma, num agir determinando-se segundo leis e
princípios pensados, isto é, universais” (Hegel, 2010, § 258).
Assim entende Hegel a liberdade. Portanto, a lei não é introduzida,
segundo ele, como algo exterior senão que deve ser entendida como a
própria vontade do indivíduo.
De outra parte, elas não são para o sujeito algo estranho, porém
esse dá o testemunho do espírito delas, enquanto na medida são
sua essência própria, em que tem seu autossentimento e vive como
num elemento não diferente de si – uma relação que é imediata,
ainda mais idêntica que a própria crença e a confiança. (Hegel,
2010, § 147).
Se a lei for reconhecida não como outra coisa senão como a própria
vontade, então a liberdade estabeleceu seu verdadeiro conteúdo.
Nesse nível o indivíduo não desaparece, mas tem aí mais espaço
do que na sociedade civil burguesa. Isso possibilita o estabelecimento de
corporações e da opinião pública. Aqui a liberdade subjetiva será afirmada.
A lei na filosofia de Hegel
| 127
Contudo, essa relação exterior não é limite para a liberdade subjetiva
nem a objetiva. Embora todas as instituições representem a afirmação da
liberdade objetiva, elas também são a afirmação da liberdade subjetiva que
é o pano de fundo necessário. A realidade desenvolvida é sempre a realidade
pensada. “Assim, são produzidas por meio das funções dos diversos
estamentos – que a partir de sua particularização geral se singularizam
ainda mais – e por meio de toda a atividade e preocupação privada dos
Singulares” (Hegel, 1995, § 538).
A relação entre a liberdade subjetiva e a liberdade objetiva deve ser
entendida através da relação dialética, ou seja, o subjetivo não pode ser
reduzido à uma expressão exterior no objetivo nem este pode desenvolver
sua própria existência sem aquele.
O desenvolvimento da liberdade subjetiva significa também a criação
de limites porque a liberdade objetiva não reconhece limite algum e ela
pode, assim, prejudicar a sociedade. A lei é tal limite.
Hegel não identificaria um catálogo de liberdade com uma estrutura
legal porque o catálogo seria abstrato demais para ele, porque não entende
a realidade como um processo vivo.
É um progresso infinitamente mais importante na educação,
ela tem avançado o conhecimento dos fundamentos básicos das
instituições do Estado e tem sido capaz de compreender estes
princípios em frases simples como (...) catecismo elementar, mas
por causa da generalidade, que fazem apenas princípios para uma
legalidade como os mandamentos mosaicos e os famosos direitos
do homem e do cidadão do novo tempo. (eunissen. 1982, p.
318-328, tradução nossa).
Para Hegel, um catálogo de princípios legais detalhados não é garantia
de liberdade se todos os momentos da sociedade não são considerados.
A liberdade não é real na generalidade mas somente se ela se desenvolve
a partir da vida. A liberdade é definida na vida de um povo e ele deve
reconhecer essa vida em todos os seus aspectos.
Pedro Geraldo Aparecido Novelli
128 |
Hegel não partilha de todas as representações de seu tempo que se
empenhava numa codificação universal. O que é afirmado na universalidade
e não tem expressão alguma na vida permanece uma abstração vazia. A
igualdade, por exemplo, não pode simplesmente ser contida num catálogo
se a realidade não for reconhecida. Um Estado pode devido a tal perspectiva
tornar-se inviável.
Para Hegel é importante saber como um direito pode se desenvolver
na realidade. Desse modo, a lei tem aqui a tarefa de conceituar a realidade.
É na realidade que a liberdade é afirmada.
O direito somente é real se ele se desenvolve numa lei concreta e
viva. Os direitos humanos representam um céu que deve estar ligado à terra
senão permanece sem significado para os seres humanos. A estabilidade de
um Estado reside nessa ligação ou, melhor dito, na experiência disso na
vida diária.
A Filosofia do Direito de Hegel é um projeto de direito nas leis. O
direito universal é também o direito dos indivíduos. Com isso o indivíduo
é pensado no Estado. Contudo, há determinações que como a religião,
por exemplo, pelas quais nem todos os indivíduos encontram-se ligados,
pois no âmbito do Estado há diferentes possibilidades de escolha como, no
caso citado, a diferença de confissões. Embora o indivíduo seja assegurado
na vida objetiva, a liberdade é interdependente tanto subjetiva quanto
objetivamente e, a lei, que deve ser racional, precisa reunir esses extremos.
Por essa relação a liberdade é garantida.
Liberdade e lei permanecem, para Hegel, em relação de proximidade.
A lei torna a liberdade real através de sua determinação e a liberdade
determina sempre qual é o objetivo da lei.
2.30 lei e ética
Não obstante, a filosofia de Hegel não é um catálogo detalhado
de regras senão muito mais se trata de uma teoria de atitudes corretas.
A formulação de leis significa uma perspectiva ética que escolhe
A lei na filosofia de Hegel
| 129
uma determinada atitude. Essa escolha tem seu fundamento no fato
de que a vida pode ser melhor se ela for organizada através de uma
regulamentação. “Enquanto são essas determinações substanciais, elas
(as leis) são para o indivíduo [...] - obrigações vinculadas para sua
vontade” (Hegel, 2010, § 145).
A compreensão hegeliana de ética não é independente de seu
tempo e de suas relações históricas concretas. Os seres humanos não se
reúnem porque eles são bons ou maus, mas eles se tornarão bons ou maus
na reunião que estabelecerem entre si. Não há nenhum dever a priori que
não seja resultado de uma relação desenvolvida. “A retidão é o universal,
o que pode ser exigido em parte no jurídico, em parte no ético” (Hegel,
2010, § 150).
O direito é um dever que os seres humanos assumem em sua
história. Eles podem criar o direito, pois este é uma atividade dos mesmos.
O fundamento, para tanto, os seres humanos encontram em sua história
e não em algum lugar alheio ao seu senhorio. Os seres humanos não são
vítimas da história, mas seus protagonistas. Por isso, a lei é a superação da
separação entre ser e dever.
“[...] é uma lei eterna, que não tem seu fundamento na vontade
deste indivíduo, mas que é em si e para si; a absoluta vontade pura de
todos, que tem a forma do ser imediato” (Hegel, 2005, p. 301).
Contudo, o dever ser não se reduz ao ser. O que o dever ser será
não é alheio aos seres humanos na medida em que uma determinada
consideração da vida de uns com os outros já é uma condição.
O dever ser pode promover a liberdade somente se se desenvolve na
realidade e, por isso, não pode ser unicamente prescritivo, mas também ser
descritivo. Sem esse momento toda autoridade pode se tornar arbitrária.
A lei pode somente ser efetiva através da mediação. Essa mediação
encontra a liberdade no tratamento da vida que se experimenta. Não é
suficiente tratar somente uma dada situação porque ela pode ser uma
descrição vazia, porém o estágio ético pode ser atingido se a liberdade
Pedro Geraldo Aparecido Novelli
130 |
for tomada como referência. Com isso, uma afirmação prescritiva não é
reduzida à descrição porque ela é também prescritiva.
Para Hegel as leis são mandamentos que devem ser efetivos e assim
não apresentar somente um dever abstrato. “A substância que se sabe
livre, em que o dever-ser absoluto é igualmente ser; tem efetividade como
espírito de um povo” (Hegel, 1995, § 514).
As afirmações hegelianas devem sempre ser vistas sob a luz dos
acontecimentos de seu tempo. Um regime absolutista não pode aceitar
nem compreender uma nova visão da lei. Segundo Hegel a lei não deve ser
nenhuma descrição da vida senão a expressão de um nível que a sociedade
alcançou. A lei somente pode apresentar um princípio ético se ela considera
tanto o ser quanto o dever ser. O dever ser significa o desenvolvimento da
liberdade. A liberdade afirma-se na vida concreta e ainda nas perspectivas
dessa vida.
Hegel não identifica o dever ser com a facticidade. O dever ser não
contém em si toda a compreensão da ética e do direito.
Por outro lado, Hegel entende a lei como um nível ético do Estado,
mas ele não reduz toda ação correta à ação legalmente estabelecida. Porque
a lei não deve ser entendida como um totalitarismo legal.
Desse modo, a lei não deve ser cegamente respeitada. A lei se
desenvolve através de um processo de reflexão. Portanto, deve ser tratada
nesse sentido. “O que agora se aplica, não se aplica pela força, menos ainda
pelo hábito e costume, mas pelo entendimento e pela razão” (Hegel, 2000,
§ 316, A, tradução nossa).
A formulação da lei numa sociedade deve sempre ser uma atividade
livre. Ao mesmo tempo, a observação da lei deve ser orientada pela
liberdade. “O Estado não é mero fornecedor de leis senão que nele eu me
vejo mais livre” (Ilting, 1963/1964, p. 326, tradução nossa).
A lei não é o último horizonte da ação humana, mas este horizonte
deve ser encontrado na história do mundo. O Estado é a melhor referência
para a ação do indivíduo, porém isso somente pode ser afirmado na história
do mundo.
A lei na filosofia de Hegel
| 131
2.31 o estaDo legal
O Estado é, até o momento, a melhor referência na história, se a lei
deve ser a forma institucional da liberdade. O direito é o ser aí da vontade
livre que atinge na lei seu nível ético. “Que o direito e a eticidade e o
mundo efetivo do direito e do ético se apreendem pelo pensamento, que se
deem pelo pensamento a forma da racionalidade, a saber, a universalidade
e a determinidade, esta, a lei, [...]” (Hegel, 2010, p. 38).
Estado e lei desenvolvem-se juntos. Se a lei é o fundamento do
Estado, isso significa que esse Estado tem sua sustentação e seu poder
na vontade universal. A soberania do Estado reside na unidade de seus
cidadãos. Sem isso afirma-se a força da arbitrariedade do particular.
Porque a soberania é a idealidade de toda a legitimação particular,
assim jaz ali o mal-entendido, que também é muito habitual,
de tornar a soberania por um mero poder e arbítrio vazio, e por
sinônimo de despotismo. Mas o despotismo caracteriza, em geral,
a situação de ausência de leis, em que a vontade particular como
tal, quer seja a de um monarca ou a de um povo (Oclocracia),
vale como lei, ou antes, vale em lugar da lei [.] pelo contrário, na
situação legal, constitucional, a soberania constitui o momento
da idealidade das esferas e das ocupações particulares [...] (Hegel,
2010, § 279).
Segundo Hegel, um Estado é soberano quando cada parte dele
participa da totalidade. Nas leis, o Estado objetiva sua substância como
sua estrutura interna.
O princípio da lei é sempre a liberdade. Com isso se estabelece o
princípio mais alto do Estado.
A verdadeira diferença [que há] entre essas formas e a autêntica
monarquia repousa no conteúdo dos princípios vigentes de direito,
que têm no poder do Estado sua efetividade e garantia. Esses
princípios são os princípios desenvolvidos nas esferas precedentes,
da liberdade, da propriedade, e, em todo caso da liberdade pessoal,
Pedro Geraldo Aparecido Novelli
132 |
da sociedade civil, de sua indústria e das Comunas da atividade
regular, dependente das leis, das autoridades particulares. (Hegel,
1995, § 544).
Os poderes devem estar ligados pela lei vigente. Desse modo, o
Estado é organizado de forma sólida. Na medida em que a lei é identificada
com a vida cotidiana ela também assume a forma de uma instituição e,
assim, é assegurada contra a arbitrariedade.
Desse modo, o Estado hegeliano avança em seu desenvolvimento se
não se deixa reduzir ao momento presente. Contudo, o Estado hegeliano
deve ser entendido pela lei. A lei é reconhecida pelos indivíduos que
também são o reconhecimento que o Estado necessita. Estado e indivíduo
estão ligados um ao outro e Hegel obtém novamente a eticidade
mediatizada mesmo reconhecendo a destruição da eticidade imediata da
cidade-estado grega. Através dessa unidade, Estado-indivíduo, o espírito
realiza sua objetividade.
| 133
C 3
O      
  
A teoria do Estado de Hegel é o resultado do que ele acentua em sua
filosofia, isto é, a história. Sua filosofia é a procura de uma resposta para
os problemas de seu tempo. Ele não obtém uma solução para o que ainda
não é efetivo em seu tempo. Ele se empenha através de sua filosofia para
entender seu tempo e sua realidade. Assim, sua filosofia é a compreensão
de seu tempo. “A história da filosofia não é uma coleção de opiniões casuais
senão um contexto necessário (Hegel, 1970, p. 15, tradução nossa).
3.1 montesquieu
Montesquieu é o primeiro pensador político moderno que
influenciou Hegel embora este já tenha identificado seus temas de interesses
já na filosofia antiga.
Nesse sentido a obra imortal de Montesquieu fundamentou-
se sobre a individualidade e o caráter de um povo e, se ele não
elevou isso ao nível da idéia, pelo menos não deduziu da razão as
leis e as conquistas nem as abstraiu da experiência e as elevou a
algo universal senão que desde as mais elevadas manifestações da
legalidade até as mais simples determinações da sociedade burguesa
indo até os testamentos, o casamento, etc tão somente do caráter
Pedro Geraldo Aparecido Novelli
134 |
do todo e de sua individualidade tudo conceituou. (Hegel, 1996a,
p. 524, tradução nossa).
Para Hegel Montesquieu superou o caráter não histórico do
iluminismo. É digno de menção que Montesquieu tenha desenvolvido tal
diferenciação a partir da perspectiva do iluminismo. Montesquieu mostrou
que não há uma lei universal para todos os povos senão que um povo depende
de sua realidade. Sua natureza, clima, religião, história nacional, etc tem uma
grande influência sobre a compreensão de lei. A circunstância de um povo
Montesquieu chama de espírito que a lei representa. Essa é uma representação
universal da qual a lei singular deve ser entendida. A dependência significa
também uma relação entre o que deve ser e o que é. Segundo Montesquieu
a lei não é uma ordem abstrata senão que uma compreensão desenvolvida da
circunstância de vida de um povo. Nesse sentido a lei também é descritiva
e aí o espírito de um povo se expressa. “O Espírito em Montesquieu tem
diante de si a lei e isso distingue esse pensador, pois ele é único nesse campo
(Hegel, 1982, p. 85, tradução nossa).
Hegel entende que Montesquieu liga a lei ao nível positivo e isso
significa a aproximação com a vida concreta dos seres humanos. “No que
concerne ao elemento do direito positivo, mencionado inicialmente no
parágrafo, Montesquieu indicou a consideração histórica verdadeiro ponto
de vista autenticamente filosófico, [...] (Hegel, 2010, § 3).
Embora a necessária dimensão histórica do direito seja importante,
deve ser ao mesmo tempo tratada a positividade. O direito positivo está,
segundo Montesquieu, e também Hegel, em relação com o direito natural.
Montesquieu entende uma lei positiva como o resultado de uma situação
específica de uma sociedade histórica e não como uma mera repetição do
que já é dado pela natureza.
Montesquieu diferencia-se de Hegel porque ele não oferece a resposta
certa embora tenha feito a pergunta correta. Em parte, ele permanece no
tratamento positivo do direito e em parte no tratamento natural. Hegel, ao
contrário, relaciona a lei com a razão e obtém uma síntese que Montesquieu
não alcançou. Para Hegel o infinito encontra-se no finito.
A lei na filosofia de Hegel
| 135
3.2 rousseau
A ideia da interdependência entre o finito e o infinito encontra-se nas
abordagens feitas por Rousseau. Ele procurou, assim como Montesquieu,
oferecer uma filosofia para seu tempo. Rousseau é muito importante para
Hegel na medida em que ele afirmou a ideia de contrato e a desenvolveu.
O contrato é, para Rousseau, um resultado da atividade da razão, porém
ele não destacou o papel da história e neste ponto Hegel se distancia dele.
Apesar disso, Rousseau fundamentou, para Hegel, de forma correta
a filosofia do Estado e a teoria da lei.
No que diz respeito à investigação desse conceito, Rousseau teve o
mérito de ter estabelecido, como princípio do Estado, um princípio
que não apenas segundo sua forma (como algo do impulso da
sociabilidade, da autoridade divina), porém segundo o conteúdo,
é pensamento, e, de fato é o próprio pensar, a saber, a vontade.
(Hegel, 2010, § 258).
O conceito de vontade universal da filosofia de Rousseau é um avanço
muito importante. A lei é, para Rousseau e para Hegel, uma expressão
da vontade universal quando a comunidade se envolve no processo de
escolha do fim a ser alcançado. Somente através da universalidade a lei
pode garantir o direito e a liberdade. Contudo, Hegel não coincide em
tudo com Rousseau, mas diferencia-se de forma significativa.
Visto que ele apreendeu a vontade somente na forma determinada
da vontade singular (como posteriormente também Fichte), e a
vontade universal não enquanto o racional da vontade em si e para
si, porém apenas enquanto o coletivo, que provém dessa vontade
singular enquanto consciente; assim a união dos singulares no
Estado torna-se um contrato, que com isso tem por fundamento
seu arbítrio, sua opinião e seu conhecimento expresso caprichoso,
[...] (Hegel, 2010, § 258).
Pedro Geraldo Aparecido Novelli
136 |
O ponto de partida de Rousseau não é uma situação histórica e,
desse modo, a relação entre o Estado e o singular é resolvida pelo viés da
individualidade. “O Estado deve insistir em ser vontade universal, que, se
diz, é em si e para si, vontade existente ou vontade do indivíduo, sendo
este atomista, conforme o Contrato Social de Rousseau (Hegel, 1970, p.
358, tradução nossa).
Por isso, Rousseau somente consegue o nível da comunidade, mas
não da universalidade, o que faz com que nele o contrato se fundamenta
mais sobre a ideia do indivíduo. A diferença entre a vontade universal
e a vontade de todos representa a dificuldade de Rousseau afirmar a
universalidade. Hegel vê em Rousseau muito mais a afirmação de ‘uma
vontade e não ‘da’ vontade, ou seja, a afirmação da vontade de parte da
comunidade.
A diferença acima mencionada entre o simplesmente comum e o
verdadeiramente universal encontra-se expressa de uma maneira
pertinente no bem conhecido Contrat social de Rousseau. Ali se
diz que as leis de um Estado deveriam emanar da vontade universal
(da volonté générale) mas não precisariam absolutamente, por isso,
ser a vontade de todos (volonté de tous). Rousseau teria, a respeito
da teoria do Estado, elaborado algo de mais profundo se tivesse
sempre conservado ante os olhos essa diferença. A vontade universal
é o conceito da vontade, e as leis são as determinações particulares
da vontade fundada nesse conceito. (Hegel, 1995, § 163).
Para Hegel a lei é a expressão da verdadeira universalidade e não
resulta de uma maneira automática atomística como em Rousseau.
Apesar desse aspecto crítico, Rousseau, segundo Hegel, desenvolveu
a filosofia política. “Hume e Rousseau são ambos pontos de partida para a
filosofia alemã (Hegel, 1971, p. 311, tradução nossa).
Como a revolução francesa teve uma grande influência sobre a
filosofia hegeliana, Hegel também reconhece que Rousseau foi responsável
por um aspecto muito importante da revolução.
A lei na filosofia de Hegel
| 137
Por causa disso, tendo chegado ao poder, essas abstrações, de um
lado, desde que sabemos algo do gênero humano, produziram, o
primeiro espetáculo prodigioso de instaurar, então, inteiramente
a partir do início e do pensamento, a constituição de um grande
Estado efetivo com a reviravolta de todo subsistente e dado e, de
querer lhe dar meramente por base, o pretensamente racional [;]
de outra parte, porque são apenas abstrações desprovidas de ideias,
elas fizeram dessa tentativa o acontecimento mais horrível e mais
ofensivo. (Hegel, 2010, § 258).
Rousseau confirmou em sua filosofia o conceito de liberdade e
essa confirmação somente pode se tornar efetiva na medida em que se
desenvolve em formas institucionais.
Contudo, o problema que Rousseau tão bem mostrou não pode
encontrar sua solução na França porque “[...] assim também a liberdade
absoluta passa de sua efetividade que a si mesma se destrói, para uma outra
terra do espírito consciente-de-si (Hegel, 2005, p. 410).
O princípio de uma ordem institucional será pronunciado através da
filosofia alemã e a dimensão da liberdade alcançará o princípio da história
universal. “Ao se revolucionar o reino da representação, a realidade não se
sustentará mais (Hegel, 1970, p. 253, tradução nossa).
3.3 Kant
Hegel reconhece Kant como o filósofo que entendeu o princípio
da revolução francesa. Kant apresentou a liberdade e a vontade como os
fundamentos da lei e embora Rousseau já tivesse tematizado tal tema, Kant
foi o primeiro a lhe dar um tratamento filosófico. “É um grande passo
adiante colocar o princípio que a liberdade seja o último anjo ao qual o
homem se volte e que por nada se deixa impor (Hegel, 1996a, p. 367) “A
vontade se determina por si só e tudo o que é legal e moral se apoia nela
(Hegel, 1996a, p. 365).
Pedro Geraldo Aparecido Novelli
138 |
Hegel entende a liberdade como um processo que se efetiva na
história. A revolução francesa é uma expressão da liberdade na medida em
que enfatizou a universalidade, porém os problemas derivados da revolução
devem ser solucionados. Hegel e Kant coincidem, por isso que critérios
universais devem ser determinados. Ao mesmo tempo, devem ser evitadas
a arbitrariedade e a inconseqüência. “[...] a determinação dos indivíduos é
levar uma vida universal [...] (Hegel, 2010, § 258).
Muito embora Kant tenha enfatizado a universalidade como central
para a lei, Hegel critica que em Kant a universalidade se desenvolva
somente até a generalização. A generalização não apresenta nenhum
critério para a lei na medida em que o conteúdo não desempenha nada
importante na compreensão kantiana. Segundo Hegel o conteúdo deve
ser tomado como uma determinação. Não é somente importante agir, mas
também, sobretudo muito importante como agir. “Mas por essa razão é
que o examinar não vai longe, porque justamente o padrão de medida é
a tautologia; indiferente ao conteúdo, acolhe em si tanto este conteúdo
quanto o oposto (Hegel, 2005, p. 298).
Segundo Hegel da afirmação formal do dever ser não deriva conteúdo
algum. Além disso, tal afirmação é resultado da dedução de uma estrutura
organizacional ideal.
O fato de não existir nenhuma propriedade contém para si tão
pouco uma contradição, quanto o fato desse ou daquele povo
singular, dessa ou daquela família etc, não exista, ou então o fato de
que, de modo geral, nenhum ser humano viva. Se, aliás, for fixado
e pressuposto para si que a propriedade e a vida humana devam ser
respeitadas, é então uma contradição cometer um roubo ou um
homicídio; [...] (Hegel, 2010, § 135).
Kant negligencia que uma lei somente pode conter seu significado
a partir da interdependência geral, da totalidade das instalações sociais em
mudança. A história não desempenha papel importante para Kant porque
ela pode representar uma limitação ao princípio do dever ser.
A lei na filosofia de Hegel
| 139
Hegel também critica Kant por seu dualismo do interior e do
exterior, da legislação jurídica e moral porque Kant diferencia entre lei
jurídica e lei moral. A lei do Estado é, para Kant, segundo Hegel, uma
regra abstrata. “[...] cada um em todos e todos em cada um decidem a
mesma coisa (Kant, 1966, p. 46, tradução nossa).
A lei do Estado permanece sempre algo exterior, isto é, como uma
iniciativa do Estado através da legalidade do comportamento. Segundo
Kant esse aspecto não é nem moral nem ético na medida em que esse
atributo somente pode ter fundamento no reconhecimento interior.
A separação entre moralidade e legalidade, da ética e filosofia do
direito é, para Hegel, a negação de todo direito possível na sociedade. Um
princípio universal que não se fundamenta na ordem estabelecida significa
uma porta aberta para a arbitrariedade. A legalidade não é somente uma
busca para alcançar a moralidade senão que deve ser efetiva, e ao mesmo
tempo deve a moralidade reconhecer a legalidade.
As regras autoimpostas já são, segundo Hegel, formais porque elas
não obtêm a determinação do conteúdo que somente pode ser conseguido
na comunidade. “Vale dizer: tais leis ficam somente no dever-ser, mas não
têm nenhuma efetividade, não são leis, mas apenas mandamentos (Hegel,
2005, p. 298).
Sem o componente fático a lei não pode preencher o conceito de lei.
É isso, para Hegel, que Kant não considera ou não quer considerar, porque
segundo Kant a determinação da liberdade não pode garantir a dimensão
universal.
Contudo, Hegel não quer entender a liberdade através de uma
definição. A questão para Hegel é como a liberdade é entendida e vivida
no presente. As instituições não são meras limitações à liberdade, mas,
ao contrário, são o que precisamente favorece e promove a liberdade. No
entanto, as instituições são também limitações, mas somente no sentido
de que na comunidade nem tudo é permitido ou deveria ser. A moralidade
que não se reconhece nas leis do Estado permanece apenas na esfera da
exterioridade. A legítima afirmação do sujeito moral somente ocorre nas
leis do Estado.
Pedro Geraldo Aparecido Novelli
140 |
Hegel diferencia sua compreensão de vontade da compreensão
kantiana. Essa diferença pode proporcionar um desenvolvimento
significativo da relação entre liberdade e lei.
A determinação kantiana (Kant, Doutrina do Direito, Introdução)
e também universalmente admitida, segundo a qual o momento
principal é “a delimitação de minha liberdade ou arbítrio, de modo
que possa coexistir com o arbítrio de cada qualquer um, segundo
uma lei universal”, - de uma parte apenas contém uma determinação
negativa, a da delimitação, e de outra parte, o [aspecto] positivo,
a lei universal ou a assim chamada lei da razão, a concordância do
arbítrio de um com o arbítrio do outro, o que vem a ser a conhecida
identidade formal ou a tese da contradição. A definição mencionada
do direito contém o parecer, principalmente difundido desde
Rousseau, segundo o qual o que deve ser o fundamento substancial
e o primeiro não é a vontade enquanto vontade sendo em si e para
si, enquanto vontade racional, o espírito não é enquanto espírito
verdadeiro, mas como indivíduo particular, enquanto vontade do
indivíduo singular em seu arbítrio próprio. Segundo esse princípio,
uma vez admitido, o racional pode manifestar-se enquanto
delimitando essa liberdade, assim como não pode manifestar-se
como o que é racional de modo imanente, mas somente como um
universal exterior, formal. (Hegel, 2010, § 29).
Em Hegel é a vontade, como vontade livre, que se quer vontade livre.
A liberdade será promovida através dos outros e não limitada. A liberdade
individual e social não se opõe uma à outra senão que se complementam.
Quando a lei não é entendida como resultado da relação a um outro e não
como condição para a liberdade, então permanece-se no nível da sociedade
civil burguesa. Essa é a compreensão do liberalismo segundo a qual as
instituições e as leis somente são tomadas como limitações. A liberdade
somente será efetiva, segundo a compreensão hegeliana, através das formas
institucionalizadas na sociedade. A revolução francesa afirmou a liberdade
como um valor universal e Hegel procura, através de sua filosofia, efetivar
esse valor.
A lei na filosofia de Hegel
| 141
A teoria hegeliana da lei é também uma solução para o problema da
forma concreta da liberdade. Contra as outras teorias de seu tempo, a teoria
hegeliana parece ser somente negativa. Portanto, Hegel criticou teóricos
como Fries, Savigny, Schleiermacher e Haller devido à compreensão desses
da lei como uma limitação absoluta ou como uma negação da liberdade.
Porque a lei deve ser racional, a posição contrária à lei representa a
decadência da filosofia.
3.4 teorias Da restauração
3.4.1 savigny
Savigny foi um importante defensor da ciência do direito no tempo
de Hegel. A posição de Savigny sobre a influência da revolução francesa e
sua compreensão do direito romano é de interesse para Hegel. Savigny, por
sua vez, toma a posição hegeliana com a única que merece consideração em
relação a sua doutrina. “O que eu culpo Hegel não é sua arrogância contra
as ciências, mas que essa arrogância se estende a tudo no mundo, inclusive
aos seus alunos que abandonam todo contexto religioso (Stoll, 1929, p.
287, tradução nossa).
Apesar de haver um duro debate entre Savigny e Hegel, há também
inúmeras coincidências entre ambos. Ambos entendem o direito positivo
como uma interpretação da sociedade de seus tempos e não como a decisão
isolada de uma autoridade. “[...] todo direito através do costume e da
crença popular, [...] através de uma força que lhe é inerente, não através da
arbitrariedade de um legislador (Savigny, 1973, p. 106, tradução nossa).
Numa totalidade burguesa o direito positivo deve ser entendido
como um momento. O objeto da ciência do direito deve ser encontrado na
história e também trabalhado na mesma história. Nesse sentido a ciência
do direito é autônoma na medida em que se estabelece com a história em
interdependência mútua. Assim, a ciência do direito não fica restrita ao
direito natural.
Pedro Geraldo Aparecido Novelli
142 |
O direito reconhecido deve ser preparado e desenvolvido. Este
necessita de um determinado sistema que deve ser a jurisprudência. A
preparação do direito será desse modo a tarefa de especialistas.
Hegel e Savigny coincidem também com respeito ao direito positivo
que tem um sentido funcional e decisionista. Apesar disso tudo se mostra
a diferença entre ambos quando o conceito de direito positivo e de lei é
tratado.
Pode-se aqui, fazer notar a forma particular da má consciência
moral, que se anuncia na espécie de eloquência de que se ufana
essa superficialidade, e, no caso, inicialmente, em que ela está mais
desprovida de espírito, que ela mais fala de espírito, em que ela
discursa de maneira mais morta e mais insípida, introduz a palavra
vida e na vida, em que ela faz notório o maior dos egoísmos da
arrogância vazia e traz com mais frequência a palavra povo na boca.
(Hegel, 2010, p. 37).
A compreensão de Savigny de espírito de um povo está fundada
na natureza, ou seja, ele é mais algo natural que deve ser desenvolvido,
mas nada será daí construído. Esse conceito diferencia-se daquele que
Montesquieu já havia desenvolvido. O espírito de um povo, para Savigny,
não é o resultado de diferentes fatores como a história, o clima, etc. A
naturalidade do conceito de espírito de um povo é, para a filosofia de
Hegel, uma apresentação totalmente estranha, pois a natureza não possui
aí, para Hegel, significado central. Ao contrário, o ponto central é o espírito
e embora com a natureza se dê uma revelação do absoluto, porém o véu
permanece sempre.
O espírito de um povo é o resultado desse processo de formação.
Isso significa que é a liberdade que se encontra na raiz do espírito e não a
determinação natural. A natureza pode ganhar uma determinidade através
do espírito, mas não pode tê-la por si só. No espírito a ligação com a
natureza será atingida. Em Savigny a separação entre natureza e espírito é
mantida.
A lei na filosofia de Hegel
| 143
Direito e lei são, para Savigny, simplesmente dados a um povo.
O desenvolvimento do direito será igualmente um processo natural
espontâneo. A ciência do direito deve refletir o espírito de um povo no
direito. A lei deve ser uma gramática do hábito. Savigny afirma como
Hegel que a lei se desenvolve a partir do uso e do costume, mas, para
Hegel, costumes e leis devem ser entendidos a partir do princípio da
liberdade. Os costumes e as leis desenvolvem-se na história e em cada
momento deve ser considerado um novo esclarecimento. A liberdade,
para Hegel, permanece sempre como o pano de fundo que promove na
sociedade o desenvolvimento continuado do direito. Savigny vê a finitude
como a infinitude no sentido de que ele entende um momento histórico
como toda a história, ao contrário de Hegel, que afirma a finitude somente
na infinitude, ou seja, que a história é conceituada sempre em contínuo
desenvolvimento e na medida em que a história sempre pode compreender
o absoluto como algo novo e não como uma eterna repetição.
Hegel afirma que a Escola Histórica do Direito tem uma
compreensão não crítica da história. Muito embora ela considere a história
não a reconhece como um processo.
Examinar, tais como aparecem no tempo, a emergência e o
desenvolvimento das determinações jurídicas – essa tarefa
puramente histórica tem seu mérito e sua apreciação em sua própria
esfera, assim como o conhecimento de sua consequência inteligível,
que procede de sua comparação com as relações de direito já ali
presentes, mas ela se situa fora de toda relação com o exame
filosófico, na medida em que, com efeito, o desenvolvimento a
partir das razões históricas não se confunde com o desenvolvimento
a partir do conceito e que a explicação e a justificação históricas não
alcançam a significação de uma justificação válida em e para si.
(Hegel, 2010, § 3).
A Escola Histórica do Direito sustenta sua legitimação no presente
através do passado. Contudo, segundo Hegel, a história por si só não pode
fornecer uma legitimação, pois a mera afirmação de algo não indica que
possua existência efetiva.
Pedro Geraldo Aparecido Novelli
144 |
Com isso Hegel critica a apresentação de lei em Savigny.
Pendurar as leis tão alto que nenhum cidadão as possa ler,
como fez Dionísio o Tirano, - ou enterrá-las no aparato amplo
dos livros eruditos, de compêndios de decisões de juízos e de
opiniões divergentes, de hábitos, etc e, além do mais, numa língua
estrangeira, de modo que o conhecimento do direito vigente
apenas seja acessível àqueles que se aplicam em estudá-lo, - é um e o
mesmo o ilícito. - (Hegel, 2010, § 215) [...] os juristas que possuem
um conhecimento particular da lei, freqüentemente tomam isso
como seu monopólio e quem não é do ramo não deve ter o que
dizer. (Hegel, 2000, § 215, A., tradução nossa).
Para Hegel, Savigny esconde o direito dos cidadãos. Embora Savigny
entenda e lei como a expressão do espírito de um povo, este não é, para ele,
senão uma associação cultural, porém não uma dimensão política. O povo
será promovido através de um grupo de especialistas preparados. O direito
não é tarefa de todos os seres humanos na sociedade porque o conceito
de povo não é entendido num sentido empírico como uma sociedade de
cidadãos. Por isso, o direito romano tem grande significado para Savigny.
O direito não é para todos, senão para alguns que serão promovidos através
de certos grupos.
Savigny era contrário à codificação, pois nem todas as pessoas
poderiam entendê-la e, mais importante ainda, porque ele entendia que o
direito romano ainda teria atualidade. Contra Savigny, argumenta ibaut
que a Alemanha estaria precisando de um novo cânone legal. Para ibaut
uma comissão de juristas deveria realizar tal tarefa. No entanto, havia sido
estabelecido o código napoleônico, mas após sua derrota a questão era
qual codificação teria validade. Para Hegel o código napoleônico havia
superado o código romano e, assim, este perdera sua validade. Para Savigny
a revolução francesa havia prejudicado a Alemanha somente exteriormente
o que permitia que o direito romano fosse reestabelecido.
Para Savigny a codificação é uma tarefa eterna e, portanto, nega uma
legislação escrita do direito na vida de um povo, impedindo, assim, sua
contínua construção. Uma história não se deve buscar num livro de leis.
A lei na filosofia de Hegel
| 145
Para Savigny um livro de leis é um momento fixo da vida de um povo e
não é o resultado do desenvolvimento da história. A ciência do direito
desenvolve-se a partir do direito romano como a instância que pode definir
e sistematizar o direito. Nesse sentido, a ciência do direito será, para Hegel,
a fonte do direito em Savigny. Assim, o direito romano pode ter uma nova
validade através da ciência do direito.
A crítica de Hegel a Savigny vai direto ao centro de sua teoria. A lei
escrita está, para Hegel, contrariamente a Savigny, enraizada na vida do povo.
É uma ilusão [crer] que eles [os direitos consuetudinários], pela
sua forma de serem enquanto hábitos, devem ter a vantagem de
ter passado à vida (-fala-se hoje em dia, sobretudo, com mais
frequência, precisamente da vida e da passagem à vida, em que se
versa da matéria mais morta e dos pensamentos mais mortos -), pois
as leis vigentes numa nação, por terem sido escritas e compiladas,
não cessam de ter seus hábitos. (Hegel, 2010, § 211).
A afirmação de que um livro de leis inibe o desenvolvimento da
ciência do direito é uma falsa compreensão da natureza do finito. Um livro
de leis não é nenhuma posição definitiva e acabada, mas tão somente uma
referência que reúne o finito e o infinito.
Exigir de um código a perfeição, que seja absolutamente acabado,
que não deva ser capaz de nenhuma determinação ulterior, - uma
exigência que é, principalmente, uma enfermidade alemã, e pela
razão de que ele não pode ser tão perfeito, não o deixar chegar a
algo chamado imperfeito, isto é, não o deixar chegar à efetividade;
ambas [as exigências] repousam no desconhecimento na natureza
dos objetos finitos [...]. Lê plus grand ennemi du bien, c’est lê
mieux [...]. (Hegel, 2010, § 216).
A lei escrita significa sempre uma descrição (descritiva e prescritiva)
completa da vida de um povo, porém não representa uma limitação para
o desenvolvimento futuro da lei na medida em que sua promoção se
encontra na vida.
Pedro Geraldo Aparecido Novelli
146 |
As leis universais no passado eram os dez mandamentos. Agora
podemos ver que um código não pode ser completo, pois “Não
matarás” encerra igualmente algo absurdo. Todo código pode ser
melhor e isso o esforço da reflexão pode afirmar, pois o melhor, o
mais elevado e o mais belo podem ainda ser melhor, mais elevado e
mais bonito. (Hegel, 2000, § 216, Z., tradução nossa).
Somente uma codificação, que é nacional, clara e determinada pode
reconhecer os sujeitos modernos e, desse modo, ser legítima. Se assim não
for o indivíduo permanece desconsiderado e o desenvolvimento da história
também não é promovido. Um livro de leis é um reconhecimento público
de que cada cidadão é membro do Estado e, como tal, deve participar
da vida do Estado. Assim, o indivíduo não permanece um estranho ao
Estado e, este não é a negação do indivíduo. “Negar a uma nação culta ou
a seu estamento dos juristas a capacidade de fazer um código, [...] - seria
uma das mais graves afrontas que se poderia fazer a uma nação ou àquele
estamento (Hegel, 2010, § 211).
A concepção de lei de Savigny é, segundo Hegel, concentrada e
fixada nos juristas. A massa popular será entendida como serva dos juristas.
Nesse sentido o povo não sabe o que autonomia significa porque não deve
escolher nem reconhecer, pois somente deve se deixar conduzir.
3.4.2 Haller
Haller é um outro pensador da Restauração e crítico de Hegel que
ele acima de tudo critica por causa de sua compreensão da relação entre
Estado e lei.
O outro contrário do pensamento que consiste em apreender
no conhecimento o Estado como um elemento racional para
si; é tomar a exterioridade do fenômeno, da contingência da
miséria, do carecimento da proteção, da força, da fortuna etc.
– não como momentos do desenvolvimento histórico, porém
pela substância do Estado. [...] Tal fantasia que consiste em não
A lei na filosofia de Hegel
| 147
ver o que há de infinito e de racional [...] nunca se apresentou
tão pura como na Restauração da Ciência do Estado do Sr. V.
Haller. (Hegel, 2010, § 258).
Haller é defensor da compreensão legitimista patriarcal feudal do
Estado que Hegel entende como um advogado da Restauração.
[...] o Sr. v. Haller lançou-se a algo contrário [...] no ódio
mais amargo contra todas as leis, toda legislação, todo direito
determinado formalmente e legalmente. O ódio à lei, ao direito
determinado legalmente, é o Schiboleth pelo qual o fanatismo, a
imbecilidade e a hipocrisia das boas intenções se revelam e se fazem
conhecer infalivelmente o que eles são [...]. (Hegel, 2010, § 258).
Como consequência disso Haller entende as leis burguesas ao nível
do direito natural. Elas são na realidade “inúteis visto que elas se entendem
por si mesmas a partir da lei natural (Hegel, 2010, § 258).
As leis são, para Haller, não mais do que instruções ao juiz. Os
cidadãos não têm a jurisdição como seu direito, senão enquanto graça de
seu príncipe. Assim, o povo não é entendido como elemento do Estado.
Não se reconhecer como sujeito e permanecer sempre dependente de uma
instância superior que sempre sabe o que é o melhor para ele.
O Estado deve, para Hegel, como também a lei, ter sua substância
na vontade livre. Se assim não fosse, permaneceriam os seres humanos no
reino animal no qual os poderosos governariam. Nesse contexto o direito
será algo privado. Isso significa que nem todos são livres na sociedade.
Haller quer uma sociedade que não tenha nenhuma relação com o presente
fazendo com que ela não obtenha efetividade alguma.
Haller afirma a lei como tarefa exclusiva do Estado e seu Estado
pode definir tudo. Este Estado tem no seu poder o fundamento da lei. Para
Hegel, ao contrário, o Estado somente obtém poder através da lei.
Hegel e Haller coincidem somente num ponto: ambos entendem
a Reforma como a preparação para a revolução francesa, porém a
Pedro Geraldo Aparecido Novelli
148 |
compreensão das consequências é diferente. Para Hegel a Reforma significa
um desenvolvimento positivo e, para Haller, a Reforma é a possibilidade
para que a fé católica novamente se renove.
A filosofia do subjetivismo também representa para Hegel um perigo
para a liberdade constitutiva das leis. Por isso, Hegel também critica os
seguidores de Fichte.
3.4.3 fries
Há ainda uma outra forma de subjetivismo que é o subjetivismo
da arbitrariedade e da ignorância. Ele mantém que a forma mais
elevada de conhecimento é o saber imediato como um fato da
consciência e que é algo aceito. [...]. Essa arbitrariedade deu a si
mesma a inteira liberdade – a liberdade dos fumantes – de um
poético ou profético ponto de vista. Eis Fries. (Hegel, 1986, p.
418- 419, tradução nossa).
Para Hegel, Fries desenvolve uma mera interpretação empírica
do subjetivismo. Além dessa representação Hegel critica Fries por sua
compreensão da realidade política alemã. Para Fries o povo alemão deve
reestabelecer o antigo império. Nesse contexto Fries defende a xenofobia e
o antisemitismo o que faz com que Hegel o critique duramente.
Um comandante supremo dessa superficialidade que se chama
filosofia, Sr. Fries, teve a coragem, por ocasião de uma cerimônia
pública solene, cuja reputação se tornou duvidosa, de expor em um
discurso cujo objeto era o Estado e a constituição do Estado a [...]
representação [...]. (Hegel, 2010, p. 36).
Tal subjetivismo não promove nenhuma determinação concreta
da liberdade. O que a verdade é permanece sempre obscuro e incerto
porque não há nenhuma clara determinação científica da verdade.
Como consequência dessa perspectiva não fica explícito como a vida em
A lei na filosofia de Hegel
| 149
comum será organizada. Fries é um defensor do acaso, pois o sujeito
somente se conhece numa experiência interiorizada. Fries não reconhece
a liberdade exteriorizada nas instituições. As leis são a forma mais elevada
nas afirmações filosóficas, porém, para Fries, as formas objetivas devem
ser deixadas de lado.
[...] a rica articulação do ético dentro de si, que é o Estado, a
arquitetônica de sua racionalidade, a qual, pela diferenciação
determinada das esferas da vida pública e de suas legitimações e
pelo rigor da medida, [...] [a superficialidade consiste em] deixar
este edifício formado fundir-se no caldo do “coração, da amizade e
do entusiasmo (Hegel, 2010, p. 37).
Em Fries a liberdade não é entendida como um processo de
desenvolvimento nem como essência da comunidade. Por isso, para ele a
liberdade não possui nenhum aspecto histórico efetivo.
Nesse sentido a liberdade não se realizará no presente da sociedade
e ao mesmo tempo não receberá nenhuma forma concreta porque uma tal
sociedade não pode reconhecer a lei.
3.4.4 scHleiermacHer
Uma outra forma de subjetivismo desenvolveu-se no campo religioso
e, para Hegel, é representada por Schleiermacher.
Schleiermacher postula um contraste entre fé e razão do qual se
segue uma incompatibilidade entre religião e filosofia. A fé deve encontrar
seu fundamento somente no sentimento.
Desespero com respeito ao pensar, à verdade, sobre a absoluta
objetividade, assim como também incapacidade de se dar a si
mesmo uma base segura ou espontaneidade de ação, induz a nobre
alma a abandonar a si mesma ao sentimento e procurar na religião
algo fixo e estável. (Hegel, 1996a, p. 417-418).
Pedro Geraldo Aparecido Novelli
150 |
Tal perspectiva encontra-se em oposição à compreensão hegeliana da
relação entre religião e filosofia. Hegel diferencia cada uma delas segundo
seu nível de conhecimento.
A subjetividade religiosa de Schleiermacher reduz tudo, para
Hegel, a meras determinações religiosas de relações. “Reside nisso, mais
especificamente, que tal consideração toma também a figura da piedade;
pois ela não tentou se autorizar! Mas é com a devoção e a Bíblia que ela
presumiu dar-se a legitimação suprema para desprezar a ordem ética e a
objetividade das leis (Hegel, 2010, p. 37).
Na medida em que o sentimento é o fundamento da religião
verdadeira significa que a lei estatal é um limite inadequado. Crucial é
a vida em comum, mas não o Estado mesmo. As relações na sociedade
devem, então, ser regidas pelas leis do coração. Uma tal concepção
entende a sociedade como uma comunidade. Por isso, a religião deve, para
Schleiermacher ficar em oposição à ordem legal.
Hegel também não afirma que a ordem legal seja fundada sobre si
mesma. Hegel funda essa ordem na religião na medida em que a religião
também é uma forma de expressão do absoluto. O espírito objetivo
pode somente repousar no absoluto. Contudo, Hegel não quer colocar a
religião como a mais alta expressão do absoluto, mas também não quer, ao
contrário, tomá-la como o ópio do povo.
Para Hegel a lei é a expressão do espírito de um povo. O espírito se
desenvolve através da religião (como um nível seu) ao espírito absoluto.
Um povo encontra o primeiro nível de sua consciência na religião, mas essa
representação encontra-se dependente da ideia da religião mesma e de seu
significado para o indivíduo. Essa representação tem influência direta sobre
a relação entre os seres humanos, quando se desenvolve uma ordem legal.
Hegel não separa a religião da história do mundo. Para ele o cristianismo
promoveu a liberdade entre os seres humanos principalmente através da
fé protestante que afirmou a liberdade dos seres humanos no espírito. A
consciência deve ser promovida na religião e esta deve ser a promoção
da consciência. Um Estado ruim significa também uma religião ruim na
medida em que a religião deve sempre apoiar o Estado.
A lei na filosofia de Hegel
| 151
Hegel concorda com Schleiermacher quando este afirma o significado
decisivo da religião para a ordem legal. Contudo, Hegel se volta contra a
ideia de Scheleimacher de que o Estado deve ser governado pela religião.
A ordem legal representa uma ordem independente e, embora essa ordem
tenha o absoluto como objetivo, não pode ser facilmente identificada com
o absoluto. A religião deve se reconhecer como um meio. Segundo Hegel
o Estado representa a vontade universal e como tal deve superar todas as
afirmações da particularidade. Sem a mediação nem a teoria nem a práxis
podem se efetivar.
A verdade da religião encontra-se para além dos limites da própria
religião e ela não realiza sua missão se ela tão somente afirma a si mesma.
3.5 a teoria Da lei e o espírito Do tempo
Uma teoria da lei não somente se desenvolve através do debate entre
diferentes pensadores senão também através da consciência de seu tempo.
Isso significa a consciência do problema de uma certa situação. Por isso,
Hegel procura apreender seu tempo no pensamento, ou seja, a história.
“(...) assim a filosofia é também seu tempo apreendido em pensamentos.
É tão insensato presumir que uma filosofia ultrapasse seu mundo presente
[...] (Hegel, 2010, p. 43). O estudo de Hegel não se situa fora do mundo.
Há uma resposta sobre o presente através de formas concretas que se
desenvolveram na história. Portanto, a lei é a expressão da política de
um tempo. Nesse sentido o idealismo hegeliano é o desenvolvimento do
idealismo de seu tempo.
Toda teoria conceitua sempre, segundo Hegel, seu tempo, porém o
problema é como o tempo deve ser conceituado. Para Hegel esse é o ponto
no qual se encontra a diferença decisiva entre as filosofias.
Pedro Geraldo Aparecido Novelli
152 |
3.6 a revolução francesa e seus filHos
A revolução francesa desempenha um papel importante na filosofia
hegeliana. A revolução obtém uma expressão na filosofia de Hegel que
não se ocupa somente com as instituições positivas do Estado senão
também com o desenvolvimento de uma teoria que a mesma revolução
pode promover. Na medida em que a revolução francesa afirma a liberdade
como o valor universal Hegel se esforça por desenvolver sua efetividade.
Os velhos conceitos do direito são destruídos pela revolução. A
vida é agora diferentemente compreendida e ao mesmo tempo uma nova
reforma do direito é organizada. Enfrentar essa perspectiva significa que
“[...] os últimos 25 anos, os mais ricos que a história do mundo já teve e
os mais instrutivos para nós porque pertencem ao nosso mundo e nossas
representações pertencem a eles (Hegel, 1996b, p. 507).
A liberdade deve estar, segundo Hegel, no centro de toda ordem.
Através da revolução francesa a necessidade da lei é afirmada como
fundamento da legitimação do direito. As leis promovem um sistema
da liberdade. A revolução francesa introduziu o princípio da liberdade
na efetividade das instituições estatais. Isso foi uma referência para o
século 19.
Liberdade, igualdade e racionalidade são afirmadas no conceito
de lei e sempre como realidade universal que se mostra na forma
institucionalizada.
A lei universal é a forma de ação promovida do Estado. “Na revolução
francesa eram somente algumas poucas e simples determinações que
podiam ser reconhecidas como o verdadeiro conteúdo da vontade pública
que é a recusa ao poder feudal e o domínio da lei (Hegel, 1983, p. 260)
Antes da revolução francesa afirmava-se um direito positivo baseado
nos costumes através da sabedoria, do privilégio e do prazer. A lei escrita
afirma um conceito enfático de codificação contra o feudalismo, o
tradicionalismo e a arbitrariedade do rei.
A lei na filosofia de Hegel
| 153
Hegel entende seu conceito de lei como o trabalho teórico da
promoção da revolução. As relações devem ficar sob o primado da liberdade
que a própria liberdade através da lei concreta viabiliza. A teoria da lei
de Hegel significa a superação da época feudal. Essa superação somente
é obtida na história. A lei é sempre um processo, um desenvolvimento
contínuo como o conceito de liberdade que com a revolução francesa
tornou-se universal. Por isso, o espírito na teoria da lei de Hegel é o espírito
da revolução francesa.
O avanço da revolução francesa encontra-se na afirmação dos
direitos humanos, mas é mais efetivo e forte através das codificações que
esclarecem os direitos humanos. O código napoleônico formula como
os direitos humanos devem ser respeitados. O código define claramente
o que fazer e sem isso não se poderia alcançar efetividade alguma. “O
código napoleônico contém todos os grandes princípios da liberdade, da
propriedade e da eliminação de tudo aquilo que provém do feudalismo
(Hegel, 1983, p. 172-173).
Um pequeno código de leis era algo incomum no tempo de
Hegel. As leis gerais da Prússia estavam em 19.000 parágrafos. O código
napoleônico era pequeno comparado com os códigos então existentes,
porém era abrangente no sentido de que afirmava a liberdade individual na
universalidade. Contudo, o código napoleônico necessitaria uma continua
reelaboração que nem todos entenderam no tempo de Hegel. Segundo
a compreensão de Hegel a revolução francesa foi um grande sucesso e
suas conquistas deveriam ser assumidas pelos alemães. Por isso, o código
napoleônico deveria ainda ser desenvolvido.
Um Estado moderno poderia ser efetivo através do desenvolvimento
de um código de leis. A restauração e as forças liberais das agremiações
eram uma limitação para futuros desenvolvimentos da lei. “O código
napoleônico numa ocasião solene foi queimado e pode ser considerado
um fenômeno triste entre nossos jovens. Uma grande parte daqueles que
escreveram e gritaram contra o código de Napoleão compreenderam muito
bem que lhes era algo muito perigoso (Hegel, 1983, p. 172).
Pedro Geraldo Aparecido Novelli
154 |
Hegel afirma a revolução francesa e o código de Napoleão como
referência para toda legislação. Com isso Hegel também afirma seu tempo
na medida em que essa avaliação tem um significado universal.
3.7 a ascensão Da socieDaDe civil burguesa
A sociedade civil burguesa e o mundo do trabalho industrial
encontram seus fundamentos na revolução francesa e isso Hegel reconheceu
claramente. Sua teoria da lei considerou esse contexto.
Esse é o pano de fundo para que se compreenda a positividade
da lei. A lei tem sempre um significado no Estado no qual os diferentes
poderes são desenvolvidos. No tempo de Hegel a perspectiva liberal era
muito forte. A lei deve ser independente do Estado e orientar-se pela lei
consuetudinária. A jurisprudência do tribunal de justiça e a tolerância do
legislativo são a expressão da compreensão corrente no tempo de Hegel.
Essas eram as principais características da sociedade civil burguesa, ou seja,
de tudo reduzir ao nível privado. Hegel contradiz essa tendência através da
compreensão de organismo já presente em sua Lógica. Uma parte de um
sistema não pode ser significativa sozinha. A lei mostra também a relação
entre as diferentes partes e afirma o todo. Isso tem como consequência a
necessidade da positividade do direito.
A positividade significa um desenvolvimento formal e de conteúdo
do direito. A positividade reflete também o movimento da história contra
o domínio da tradição e da dedução.
Contudo, a positividade não é o fim da lei. Nem tudo pode ficar
sob o governo da lei e na sociedade civil burguesa a ordem pode sempre
ser instável. A lei é na sociedade civil burguesa a compreensão de uma
situação histórica concreta. Essa perspectiva já seria afirmada pela própria
burguesia. A lei é nesse contexto a confirmação da história na medida em
que a sociedade civil burguesa é o resultado de um processo.
A lei na filosofia de Hegel
| 155
3.8 a lei em Hegel e a alemanHa
O que foi há pouco mencionado é reconhecido por Hegel, pois ele
procura entender a Alemanha nesse quadro.
Entretanto, Hegel viu muito bem que a revolução francesa teve uma
influência decisiva sobre seu desenvolvimento da Alemanha. O dualismo
da sociedade civil burguesa e do Estado monárquico já era uma realidade
no século 19. A monarquia influenciou na Alemanha a construção de um
novo Estado. A sociedade civil burguesa reagiu em relação a esse Estado.
Ela queria mais autonomia e a lei poderia, por um lado, restringir o
Estado monárquico e, por outro lado, promovê-lo se esse pudesse garantir
a autonomia. O monarca teria seu poder limitado na medida em que
promovesse a sociedade civil burguesa. A lei é marcada na sociedade civil
burguesa através da característica e interesses dessa situação. Por isso,
afirma Hegel em sua Filosofia do Direito que a lei deve ser delimitada.
Hegel também esclareceu através de sua teoria da lei como a sociedade civil
burguesa se desenvolve. A lei não é nenhum desenvolvimento exterior para
além da sociedade senão que é a expressão de uma sociedade. A autonomia
de uma sociedade deve sempre ser fundamentada na experiência interior
da sociedade e não em interesse político ou plausibilidade econômica. A
verdade da lei se encontra em sua constituição ontológica, isto é, não se
trata de nenhuma escolha ou decisão arbitrária.
A sociedade civil burguesa representa um progresso em relação à
monarquia e esse progresso não é, segundo Hegel, uma afirmação teórica.
O Estado é também constituído segundo as influências da sociedade
civil burguesa. Os indivíduos são afirmados veementemente através da
atividade da sociedade civil burguesa, porém o Estado como um todo não
deve somente ficar sob essa influência. Uma sociedade civil burguesa forte
não significa necessariamente um Estado forte. Um Estado forte precisa de
uma classe educada de funcionários públicos que sejam orientados para o
bem comum.
Isso significa a capacidade de uma sociedade de se organizar. Isso
se encontra na base de toda codificação porque um código representa a
compreensão do pensamento de um povo através de um texto escrito.
Pedro Geraldo Aparecido Novelli
156 |
Os governantes que têm dado um código a seus povos, ainda que
apenas uma compilação informe, como Justiniano, mas, ainda mais,
os que têm dado um direito nacional, enquanto código ordenado
e determinado, não apenas se tornam os seus maiores benfeitores
e com gratidão são enaltecidos por eles, mas eles também têm
exercido nisso um grande ato de justiça. (Hegel, 2010, § 215).
Para Hegel um código deve sempre ser orientado para e pela vida.
Isso significa que a história e o que faz a experiência de um povo devem
ser considerados. Essa perspectiva garante o contínuo desenvolvimento
do direito em lei. Essa atividade dos seres humanos é também a afirmação
da razão.
Hegel não favorece nenhum modelo de lei sob o ponto de vista do
conteúdo. Ele percebeu a influência do passado nas diferentes codificações
de seu tempo. O feudalismo, por exemplo, estava muito vivo na estrutura
social prussiana. A procura para implantar no tempo de Hegel na
Alemanha os resultados da revolução francesa afirmou, principalmente,
somente a particularidade. Hegel não endossa isso, mas a superação de
toda perspectiva particular.
A reforma representa, para Hegel, o movimento revolucionário na
Alemanha que poderia se desenvolver através do impulso da revolução
francesa. Fosse o partido da reforma conduzido ao governo e tornar-se-ia
mais e mais conservador e não sustentaria mais seu próprio projeto de
promoção da liberdade. O reflexo dessa tendência era a lei que colocou a
universidade sob o controle do governo.
A Filosofia do Direito de Hegel deve também ser entendida como
a expressão de sua resignação diante dessa situação, pois ele não parece
mais aqui ser tão otimista quanto no início de seu tempo em Berlim.
“[...] assim é então o tempo no qual vingou o Estado junto ao governo
do mundo efetivo com também o reino do pensamento mesmo (Hegel,
1996a, p. 400).
A Filosofia do Direito coloca-se com a difícil tarefa de encontrar e
assegurar o racional. As perspectivas não são, para Hegel no seu tempo,
A lei na filosofia de Hegel
| 157
nesse sentido, muito boas no contexto histórico da Filosofia do Direito.
“Quando a filosofia pinta seu cinza sobre cinza, então uma figura da vida
se tornou velha e, com cinza sobre cinza, ela não se deixa rejuvenescer,
porém apenas conhecer; a coruja de Minerva somente começa seu voo com
a irrupção do crepúsculo (Hegel, 2010, p. 44)
Hegel vê a limitação da doutrina científica e do trabalho de pesquisa
como algo problemático, mas ele entende também como a afirmação do
Estado na medida em que tal cerceamento significa uma reação contra a
arbitrariedade e o liberalismo.
A imprensa deve, segundo Hegel, ser regulada através da lei. Nem
tudo pode ser simplesmente dito. O povo tem sempre o direito de ser
informado, mas não através de considerações arbitrárias porque isso pode
desacreditar a imprensa. Para Hegel uma lei ruim é melhor do que a
arbitrariedade.
Hegel não separa o conteúdo da lei de sua forma na medida em que
ambas conjuntamente afirmam a universalidade. “Essa indeterminidade
da matéria e da forma não deixa às leis a esse respeito alcançar aquela
determinidade que é exigida da lei e faz do juízo igualmente uma decisão
totalmente subjetiva [...] (Hegel, 2010, § 319).
A formulação de leis representa um grande desenvolvimento, porém
a simples forma da lei não é suficiente. A opinião pública afirma também
uma determinada universalidade através da arbitrariedade. O problema
é qual universalidade deve ser determinada. A diferença encontra-se na
relação com a lei. A arbitrariedade não deve se tornar uma lei e, a lei não
deve ser tratada arbitrariamente. “Essa fala do governo com o povo sobre
os interesses de um e de outro é um dos grandes elementos da força dos
povos francês e inglês (Hegel, 1970, p. 209).
A teoria da lei de Hegel não afirma a capacidade absoluta do
indivíduo, senão a necessidade de reconhecer a vontade do povo. A lei não
é uma forma de constrangimento e não se identifica com as pessoas senão
com as funções que são desenvolvidas no Estado.
Pedro Geraldo Aparecido Novelli
158 |
Contra a censura das publicações científicas Hegel argumentou que
tais não eram opiniões, mas que teriam a verdade do presente.
Para Hegel a tarefa da história mundial é a efetivação da liberdade
na forma da lei. Seu tempo não realizou essa tarefa, mas ele indica que
este poderia ser o problema do futuro. “Essa colisão, esse entrave, esse
problema é diante do que a história se encontra e tem que resolver no
futuro (Hegel, 1999, p. 536).
A liberdade tem seu desenvolvimento na história e Hegel entende
que ela poderia ser efetivada através das reformas em seu tempo, caso isso
não viesse a acontecer restaria a ameaça da revolução.
| 159
4
R  P
O conceito de lei em Hegel promove, por um lado, a discussão
sobre a lei, o Estado e a ciência do direito, por outro lado, promovem a
preparação da filosofia prática. Sua teoria contém também sua teoria da
eticidade. A liberdade fica sempre no centro e deve ser concreta.
A Filosofia do Direito e a Lógica estão em íntima relação uma com
a outra. Hegel afirma que a Lógica apresenta a realidade. A Filosofia do
Direito é uma resposta prática à vida no tempo de Hegel. Por isso, essa
prática é entendida através da Lógica. Não se trata de coerção alguma, mas
de convencimento através da razão que a Lógica pode atingir na realidade
através da Filosofia do direito.
Na sociedade civil burguesa é desenvolvida uma teoria da recuperação
judicial. Uma sociedade industrial tem como uma determinação necessária
a lei civil. A sociedade será interpretada através das leis. As leis encontram-
se na história dessa sociedade. Lei e sociedade encontram-se, para Hegel,
em íntima relação uma com a outra. Com isso o direito natural é superado
como direito positivo. Estamos aqui no campo do reconhecimento do
domínio da razão na história. A razão deve governar tudo, porém Hegel
reconhece que a razão não pode atingir tudo. Nem tudo pode ser positivado,
ou seja, colocado sob a égide da lei. A lei sozinha não pode determinar
um sistema legal completamente. A ciência do direito, que Hegel entende
Pedro Geraldo Aparecido Novelli
160 |
como autônoma, é sempre dinâmica e deve também dirigir um contínuo
desenvolvimento do direito.
A formulação da lei significa a afirmação da liberdade como algo
universal porque todos os membros de uma sociedade devem ser livres.
Contudo, os seres humanos são livres na efetividade, isto é, em suas
vidas diárias e não abstratamente. Portanto, a lei pode afirmar a liberdade.
O direito, como a liberdade, não pode ser encontrado completamente na
lei e pode aí ser também enclausurado. A solução de Hegel aceita tal risco
na medida em que a realidade está sob o controle do ser humano. Sem isso
fica-se sob o domínio da arbitrariedade.
No entanto, Hegel procura sugerir uma direção precisa. Um Estado
somente pode ser efetivo quando ele realiza um sistema universal da
liberdade. Isso significa também que o desenvolvimento das estruturas o
qual possibilita a participação dos cidadãos. Os cidadãos devem efetivar essa
possibilidade no Estado. O Estado deve estar em íntima relação com seus
cidadãos porque eles são o Estado. Isso significa a passagem da representação
feudal dos estamentos para a representação nacional moderna.
Para Hegel a liberdade encontra sua forma legal na lei. Não quer
dizer somente que algo deve ser feito senão que também como algo deve
ser feito. A revolução francesa é com isso sempre o fundamento. Para os
problemas atuais novas compreensões devem ser desenvolvidas porque
Hegel procura entender seu tempo, mas ele não teve a intenção de abarcar
todos os tempos.
A Lógica hegeliana pode ainda oferecer um local para a discussão
atual da lei. A lei, para Hegel, não deve ser posta sem fundamento algum.
A Lógica é também um esclarecimento sobre o significado da lei na medida
em que a Lógica considera a realidade.
A Lógica mostra o desenvolvimento das categorias na direção da
universalidade, onde, o que é melhor, sempre é. Ao mesmo tempo a
liberdade deve atingir esse nível. Além disso, a liberdade é a forma e o
conteúdo da lei que somente assim encontra sua justificação. Contudo, a
identificação da liberdade e da lei não deve ser uma limitação da liberdade
A lei na filosofia de Hegel
| 161
porque um catálogo ou um código não pode estabelecer as relações vivas
da sociedade.
A teoria da lei de Hegel afirma também o papel da razão e da
história. Ambas permanecem atuais na medida em que a afirmação do
direito não é nenhuma experiência interior senão que somente na história,
no vivido, pode ser fundamentada. A determinação da lei deve acontecer
publicamente.
A lei não pode regular tudo porque o que é estabelecido não pode
ser facilmente mudado. Isso significa que há sempre um conflito entre a
realidade e a lei.
Na medida em que a lei encontra seu fundamento da história e nela
se desenvolve, a lei tem a tarefa do tratamento duradouro da vida. Com
isso ela pode se modificar sem perder seu contexto. Para Hegel a lei não
pode ser substituída no Estado moderno sem substituir ao mesmo tempo
esse Estado. A lei não é nenhuma norma que tem sua validade em uso.
O verdadeiro conteúdo da lei e também sua forma verdadeira é a
possibilidade do ser humano ser o senhor de sua vida. Os seres humanos
devem criar as leis através de sua atividade racional. Com isso os seres
humanos criam a liberdade que sempre deve ser universal. Na medida em
que a lei deve atingir todos os seres humanos ela ultrapassará o momento
presente e será válida para a universalidade.
162 |
| 163
R
obras De Hegel
HEGEL, G. W. F. Briefe von und na Hegel. Herausgegeben von Johannes Hoffmeister.
Berlin: Akademie Verlag, 1970. Band I: 1785-1812.
HEGEL. G. W. F. Vorlesungen über die Geschichte der Philosophie. Herausg. von Eva
Moldehauer und Karl Markus Michel. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1971.
HEGEL, G. W. F. Vorlesungen über Rechtsphilosophie 1818-1831. Edition und
Kommentar in 6 Bänden, hrsg. von K.H. Stuttgart: Ilting, 1973.
HEGEL, G. W. F. Philosophie des Rechts. Die Vorlesung von 1819/20 in einer Nachschrift.
hrsg. von D. Heinrich, Frankfurt a. M.: Suhrkamp, 1983 (Vorlesung 1819/20).
HEGEL. G. W. F. Vorlesungen über Rechtsphilosophie 1818-1831. Edition und
Kommentar in 6 Bänden, hrsg. von K.H. Stuttgart: Ilting, 1982.
HEGEL. G. W. F. Grundlinien der Philosophie des Rechts. Herausg. von Eva Moldehauer
und Karl Markus Michel. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1986.
HEGEL. G. W. F. Propädeutik. Herausg. von Eva Moldehauer und Karl Markus
Michel. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1989.
HEGEL, G. W. F. Vorlesungen über die Philosophie der Religion. Herausg. von Eva
Moldehauer und Karl Markus Michel. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1991.
HEGEL, G. W. F. Enciclopédia das Ciências Filosóficas em compêndio. Trad. de Paulo
Meneses et al. São Paulo: Loyola, 1995. 3 v.
Pedro Geraldo Aparecido Novelli
164 |
HEGEL, G. W. F. Nürnberger und Heidelberger Schriften 1808-1817. Herausg. von Eva
Moldehauer und Karl Markus Michel. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1996a.
HEGEL, G. W. F. Jenaer Schriften 1801-1807. Herausg. von Eva Moldehauer und Karl
Markus Michel. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1996b.
HEGEL, G. W. F. Vorlesungen über die Philosophie der Geschichte. Herausg. von Eva
Moldehauer und Karl Markus Michel. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1999.
HEGEL, G. W. F. Grundlinien der Philosophie des Rechts. Herausg. von Eva
Moldenhauer und Karl Markus Michel. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 2000.
HEGEL, G. W. F. Fenomenologia do Espírito. Trad. de Paulo Meneses et al. Petrópolis:
Vozes, 2005.
HEGEL, G. W. F. Linhas fundamentais da Filosofia do Direito. Trad. de Paulo Meneses et
al. São Leopoldo: Unisinos, 2010.
HEGEL, G. W. F. Ciência da Lógica. A doutrina do ser. Trad. de Christian G. Iber et al.
Petrópolis: Vozes, 2016.
HEGEL, G. W. F. Ciência da Lógica. A doutrina da essência. Trad. de Christian G. Iber
et al. Petrópolis: Vozes, 2017.
HEGEL, G. W. F. Ciência da Lógica. A doutrina do conceito. Trad. de Chrstian G. Iber
et al. Petrópolis: Vozes, 2018.
bibliografia secunDária
BURBIDGE, B. Kupperss natur als organismus: schellings fruhe naturphilosophie
und ihre bedeutung fur die modern biologie.Bulletin of the Hegel Society of Great
Britain,Cambridge, v. 27, p. 32-33, 1993.
HENRICH, D. Logische form und reale totalität. Über die begriffsform von Hegels
eingentlichen Staatsbegriff. In: HENRICH, D.; HORSTMANN, R. P. (Hrsg.): Hegels
Philosophie des Rechts. Die theorie der rechtsformen und ihre Logik. Stuttgart: Klett-
Cotta, 1982. S. 428-450.
ILTING, K. H. Die struktur der Hegelschen rechtsphilosophie. In: RIEDEL, M.
(Hrgs.). Materielien zu Hegels rechtsphilosophie. Frankfurt a. M.: Suhrkamp, 1975. Bd. 2.
S. 52-78.
ILTING, K. H. Hegels auseinandersetzung mit der aristotelischen politik.
Philosophisches Jahrbuch, Freiburg, v. 71, S. 38-58, 1963/1964.
ILTING, K. H. Rechtsphilosophie als phänomenologie des bewusstseins der freiheit.
In: HEINRICH, D.; HORSTMANN, R. P. (Hrsg.). Hegels Philosophie des rechts. Die
theorie der rechtsformen und ihre logik. Stuttgart: Klett-Cotta, 1982. S. 225-254.
A lei na filosofia de Hegel
| 165
KANT. I. Metaphysik der Sitten. Hrsg. von K. Vorländer. Hamburg: Meiner, 1966.
MARX, K. Zur kritik der Hegelschen rechtsphilosophie. Kritik des Hegelschen
Staatsrechts. In: MARX, K; ENGELS, F. Werke Bd. 1. Berlin: Dietz Verlag, 1981. S.
201-333.
SAVIGNY, F. K. von Vom Beruf unserer zeit für gesetzgebung und rechtswissenschaft.
In: HATTENHAUER, H. (Hrsg.). ibaut und Savigny. Ihre programmatischen
schriften mit einer Einführung. München: Verlag Vahlen, 1973, p. 102.
SCHÖNEBURG, K. H. Rechtsnormen: historisch-dialektisch begründet? In:
HEINRICH, D. Kant oder Hegel?: über formen d. begrundung in d. philosophie
Stuttgarter Hegels Kongreß 1981. Hrsg. von Dieter Henrich. Stuttgart: Klett-Cotta,
1983. S. 641- 651.
STOLL, A. Friedrich Carl von Savigny. Ein Bild seines Lebens mit einer Sammlung
seiner Briefe. Berlin: C, Heymann, 1929. Bd. 3: Professorenjahre in Berlin, 1812-1842.
TAYLOR, C. Hegel. Cambridge: Cambridge University Press, 1983.
THEUNISSEN, M. Die Verdrängte Intersubjektivität in Hegels Philosophie des
Rechts. In: HORSTMANN, R. P.; D. HENRICH (Hrsg.). Hegels philosophie des rechts.
Die theorie der rechtsformen und ihre logik. Stuttgart: Klett-Cotta, 1982. S. 317-381.
166 |
| 167
S  A
peDro geralDo apareciDo novelli
Professor Assistente Doutor do Departamento de Filosofia da Faculdade
de Filosofia e Ciências – FFC – Da Universidade Estadual Paulista Júlio de
Mesquita Filho – UNESP – Campus de Marília
Professor do Programa de Pós-graduação de Filosofia da FFC – UNESP
– Marília
Vice-presidente da Sociedade Hegel Brasileira – SHB – 2017-2021
Vice coordenador do Grupo de Trabalho Hegel – GT Hegel – da Anpof
– 2017-2020
catalogação na publicação (cip)
Telma Jaqueline Dias Silveira
CRB 8/7867
normalização
Elizabete C. de Souza de Aguiar Monteiro
CRB - 8/7963
capa e Diagramação
Gláucio Rogério de Morais
proDução gráfica
Giancarlo Malheiro Silva
Gláucio Rogério de Morais
assessoria técnica
Renato Geraldi
oficina universitária
Laboratório Editorial
labeditorial.marilia@unesp.br
formato
16 x 23cm
tipologia
Adobe Garamond Pro
Goudy Old Style
2024
sobre o livro
A lei na filosofia
de Hegel
Pedro Geraldo Aparecido Novelli
Pedro Geraldo Aparecido Novelli
A lei na filosofia de Hegel
  
 