Estamos diante de uma Educação
Inclusiva que não se materializa de fato e in-
tegralmente. Mesmo com a universalização
do ensino, não cessou no espaço escolar o
processo de exclusão de indivíduos e grupos
considerados fora dos padrões homogenei-
zadores. Por outro lado, as próprias políti-
cas públicas educacionais parecem ignorar
a diferença, propondo incluir o “diferente”,
como se a ele faltasse algo, ou mesmo conce-
bendo que detém algo que foge aos outros,
vistos como normais, muitas vezes ignoran-
do e silenciando as vozes das pessoas com
deciência e até os seus familiares: é um lado
perverso da biopolítica.
Transversalmente às lutas que possi-
bilitaram os avanços da Educação Inclusiva,
além da própria conexão com o ativismo,
existem fatos que estão à margem, inclusive
às vezes recostados não na própria política
de Educação Inclusiva, mas nos dispositivos
de inclusão, inclusive com alianças de gru-
pos não identitários, porém, que muitas ve-
zes possuem demandas e objetivos comuns,
cujas relações igualmente apresentam singu-
laridades próprias.
Apresentam-se os ativismos jurídi-
co e o legislativo como forma de resistên-
cia, instrumentos de defesa para a inclusão
de pessoas com deciência na escola e na
defesa da renovação de políticas públicas
para o atendimento destas populações. O li-
vro aborda prismas desta temática tomando
como referencial teórico e analítico, as no-
ções foucaultianas de governamentalidade,
biopolítica, anormalidade e segurança, apre-
sentando um pensar em relação à Educação
Inclusiva sobre o enfoque jurídico e legisla-
tivo na relação com governamentalidade e a
biopolítica, o que confere ao trabalho origi-
nalidade.
O livro aborda o tema da inclu-
são de pessoas com deciência no campo
educacional, correlacionando o ativismo
dos poderes legislativos e judiciário e a
perspectiva do cumprimento das leis que
regem as políticas de inclusão no Brasil,
desde a Constituição de 1988. Os ativis-
mos dos referidos poderes são decorren-
tes, sobretudo, das lutas por direitos civis
demandadas individualmente ou por co-
munidades de pessoas com deciência.
É apresentada uma temática relevante
para os debates sobre aspectos importan-
tes para a nossa Educação, para o nos-
so ensino, para o Ensino de História e,
especialmente, para análise daquilo que
se prescreve como inclusivo e daquilo
que realmente se materializa como tal
em nossas escolas. O Estado e os pode-
res públicos constituídos devem estar
conectados quanto à racionalidade de
normatização das diferenças, sintonizan-
do políticas de inclusão que fortaleçam
e respeitem a condição da pessoa com
deciência, garantindo a sua presença
como elemento ou sujeito a direitos, na
esfera dos direitos individuais e também
no âmbito da esfera pública.
A obra ressalta o poder das po-
líticas educacionais como elemento de
transformação, especialmente quando
exprimem a potência da capacidade da
pessoa com deciência, respeitando a sua
diferença, que é única, sendo os ativis-
mos determinantes para a construção de
redes de ensino inclusivas e importan-
te meio de assegurar políticas públicas
educacionais que contemplem – e res-
peitem, eticamente, estas diferenças. O
livro poderá interessar àqueles e àquelas
que se interessam em debruçar sobre a
“militância” do legislativo e do judiciário
acerca da inclusão, particularmente no
campo do Direito e da Educação.
DELINEAMENTOS JURÍDICO-NORMATIVOS DA EDUCAÇÃO INCLUSIVA
iago Vaceli Martins
Programa PROEX/CAPES:
Auxílio Nº 0039/2022
Processo Nº 23038.001838/2022-11
Há mais de 25 anos, os direitos e garantias associados à Educação Inclusiva
vêm sendo dispostos em documentos legais, apontando para um avanço
das políticas sociais inclusivas e do próprio sistema educacional inclusivo.
Na planicação da Educação Inclusiva posta no Brasil, enaltece-se um
discurso de atingimento e consolidação de igualdade, da justiça, da busca
pela diminuição das diferenças e do atendimento das garantias e direitos
constitucionalmente assegurados. Contudo, o Estado ainda se omite em
relação a muitas demandas da pessoa que possui deciência. Assim, estru-
turam-se os ativismos, nas dimensões Judicial e Legislativa, com o escopo
de atuação para garantir esses direitos previstos em lei, bem como para
ampliá-los. O livro problematiza os ativismos e, em certo ponto, propõe
a sua compreensão a partir das noções de governamentalidade, em seus
jogos para o estabelecimento do biopoder e da reinterpretação da biopo-
lítica feita no presente, utilizando-se a genealogia da normalidade para
abarcar a crítica em relação aos ativismos e sugerir, no que se refere à go-
vernamentalização, reexão nas possibilidades desses ativismos sob outro
enfoque, o da contraconduta e o da resistência. Destacando a necessidade
de respeito ético das diferenças, este livro apresenta a articulação e a con-
tribuição efetiva, tanto do campo da educação como do campo do direito.
DELINEAMENTOS JURÍDICO-NORMATIVOS DA
EDUCAÇÃO INCLUSIVA:
problematização a partir das noções foucaultianas de
governamentalidade e biopolítica
Thiago Vaceli Martins
Thiago Vaceli Martins
DELINEAMENTOS JURÍDICO-NORMATIVOS DA
EDUCÃO INCLUSIVA:
problematização a partir das noções foucaultianas de
governamentalidade e biopolítica
Marília/Oficina Universitária
São Paulo/Cultura Acadêmica
2023
UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA
FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIASFFC
UNESP - campus de Marília
Diretora
Dra. Claudia Regina Mosca Giroto
Vice-Diretora
Dra. Ana Claudia Vieira Cardoso
Conselho Editorial
Mariângela Spotti Lopes Fujita (Presidente)
Célia Maria Giacheti
Cláudia Regina Mosca Giroto
Edvaldo Soares
Marcelo Fernandes de Oliveira
Marcos Antonio Alves
Neusa Maria Dal Ri
Renato Geraldi (Assessor Técnico)
Rosane Michelli de Castro
Conselho do Programa de Pós-Graduação em Educação -
UNESP/Marília
Henrique Tahan Novaes
Aila Narene Dahwache Criado Rocha
Alonso Bezerra de Carvalho
Ana Clara Bortoleto Nery
Claudia da Mota Daros Parente
Cyntia Graziella Guizelim Simões Girotto
Daniela Nogueira de Moraes Garcia
Pedro Angelo Pagni
Auxílio 0039/2022, Processo 23038.001838/2022-11, Programa PROEX/CAPES
Capa: Vinícius de Melo Cardoso
Parecerista: Divino José da Silva -Departamento de Educação e Programa de Pós-graduação em Educação da
FCT/UNESP/Presidente Prudente
Ficha catalográfica
Serviço de Biblioteca e Documentação - FFC
Martins, Thiago Vaceli Martins.
M386d Delineamentos jurídico-normativos da educação inclusiva: problematização a
partir as noções foucaultianas de governamentalidade e biopolítica / Thiago Vaceli
Martins. – Marília : Oficina Universitária ; São Paulo : Cultura Acadêmica, 2023.
188 p.
CAPES
Inclui bibliografia
ISBN 978-65-5954-370-0 (Impresso)
ISBN 978-65-5954-371-7 (Digital)
DOI: https://doi.org/10.36311/2023.978-65-5954-371-7
1. Foucault, Michel, 1926-1984. 2. Educação - Filosofia. 3. Educação inclusiva.
4. Biopolítica. 5. Poder judiciário e questões políticas. I. Título.
CDD 371.334
_____________________________________________________________________________
Catalogação: André Sávio Craveiro BuenoCRB 8/8211
Copyright © 2023, Faculdade de Filosofia e Ciências
Editora afiliada:
Cultura Acadêmica é selo editorial da Editora UNESP
Oficina Universitária é selo editorial da UNESP - campus de Marília
À minha família, que compreendeu e apoiou as minhas
iniciativas intelectuais: minha companheira, Eliane de Carli
Cardoso, e meu filho Gustavo Henrique Cardoso Vaceli,
que cor e sentido para a minha vida. Amo vocês.
Agradecimentos
Ao Prof. Pedro Angelo Pagni, pelo exemplo de paciência e
generosidade, por sua orientação precisa, sua atenção e sua
confiança.
Aos meus colegas do Grupo de Pesquisa GEPEF - Grupo
de Estudos e Pesquisa em Educação e Filosofia, porque me
acolheram com amizade.
Sumário
Prefácio.......................................................................................11
Introdução..................................................................................15
1 | História e Políticas Públicas da Educação Inclusiva................27
1.1 Aspectos históricos da Educação Inclusiva
1.2 Marcos das políticas de Educação Inclusiva no Brasil
2 | Dimensões e Perspectivas do Ativismo Judicial e do Ativismo
Legislativo...................................................................................55
2.1 Do ativismo judicial
2.2 Do ativismo legislativo
2.3 Dos limites do ativismo judicial e do ativismo legislativo
3 | Ativismo Judicial e Ativismo Legislativo e a Educação Inclusiva
...................................................................................................71
3.1 O ativismo judicial e o ativismo legislativo sob a ótica da
governamentalidade e da biopolítica
3.2 Um olhar sobre a Educação Inclusiva à luz da biopolítica de
Michel Foucault
4 | Do Paradigma da Anormalidade no que se Refere às Questões
de Inclusão das Pessoas com Diferença........................................97
4.1 Perspectivas sobre o lugar do diferente a deficiência como
acontecimento
5 | Ativismos Judicial e Legislativo como Dispositivo Jurídico de
Segurança..................................................................................119
5.1 Incursões no Município de Maracaí: Análises de casos
práticos e documentos legais
Considerações Finais sobre a Problematização Proposta............165
Referências................................................................................173
Sobre o autor.............................................................................187
11
Prefácio
O presente livro é resultado de pesquisa de dissertação
desenvolvida no PPGE/FFC/UNESP/Marília. Transposta ao
formato de livro, a pesquisa se desenvolveu a partir das experiências
do autor na cidade de Maracaí, SP.
Reputando-se, advogado de formação, entre os anos de
2013 e 2016 o autor trabalhou na Câmara Municipal de Maracaí
na função de assessor de coordenação, tendo assumido a função de
assessor jurídico entre os anos de 2017 e 2020. Nestes períodos
acompanhou os trabalhos das comissões permanentes do legislativo
local, especialmente a Comissão de Constituição, Justiça e Redação
e Comissão de Educação, também promovendo a análise de toda a
produção legislativa em ambos os períodos, especificamente em
relação ao aspecto legal. A posição no legislativo local possibilitou
os primeiros contatos com as associações municipais, especialmente
da ADEM Associação dos Deficientes de Maracaí, bem como
com lideranças comunitárias, munícipes com deficiência e seus
familiares. Esta interação social foi fator preponderante e
determinante para as reflexões acerca dos direitos e garantias
previstos em documentos legais, inclusive municipais, e a realidade
posta no dia a dia da comunidade.
No ano de 2018 o autor ingressou no Programa de Pós-
graduação em Educação na Unesp/Marília, idealizando pesquisar
academicamente as perspectivas da Educação Inclusiva suscitando
https://doi.org/10.36311/2023.978-65-5954-371-7.p11-14
12
os instrumentos dos ativismos judicial e o legislativo,
interrelacionando os campos da Educação, História e do Direito,
tomando como referencial teórico e analítico, as noções
foucaultianas de governamentalidade, biopolítica, anormalidade e
segurança.
Em 2021, com a pesquisa e o desenvolvimento da
dissertação em cursos, houve uma fundamental mudança de
perspectiva do ponto de vista do autor, que antes era sujeito
externo dessa engrenagem político-educacional-legislativa: sendo
eleito vereador, na cidade de Maracaí, SP, passou, então, a ser
agente catalisador, vendo-se, de certo modo, inserido dentro do
objeto de estudo.
O fato de se reputar representante do legislativo local
oportunizou a potencialização das experiências, inclusive com a
possibilidade de apresentação de muitas proposições visando não
apenas a constituição de direitos, mas buscando a efetuação das
diferenças no campo democrático. Concomitantemente, houve
ampla análise de situações concretas na cidade de Marac, SP,
tanto em relação às questões levadas ao Poder Judiciário quanto no
comportamento do Poder Legislativo local, sendo importantíssima
para o amadurecimento e a reflexão a respeito do tema.
As demandas agenciadas pelas lutas locais em Maracaí, SP,
repercutiram, portanto, no desenvolvimento da pesquisa sendo
determinantes para a reflexão da temática. Identificou-se grande
número de pais e interessados nas questões de enfrentamento
relacionado à falta de inclusão na rede municipal de ensino,
principalmente quanto aos alunos diagnosticados com o TEA
(Transtorno do Espectro Autista). Na atuação legislativa houve
13
encontros quadrimestrais com o grupo informal “TEA COM
AMOR” referenciado ao Transtorno do Espectro Autista, sendo
um campo profícuo para identificação das questões da Educação
Inclusiva na cidade. Ainda que os encontros tivessem como escopo
o entendimento de questões de atuação como parlamentar,
reflexamente foram importantíssimos para o entendimento das
práticas educacionais estruturadas.
O problema principal elencado na obra está no
entendimento de um discurso que enaltece a existência de uma
Educação Inclusiva, pautado na ideia de igualdade, da justiça, da
busca pela diminuição das diferenças e do atendimento das
garantias e direitos constitucionalmente assegurados.
Essa Educação Inclusiva deveria ter uma conexão com a
racionalidade de normatização das diferenças, sintonizando
políticas de inclusão que fortalecessem e respeitassem a condição da
pessoa com deficiência. Mais ainda, essa Educação Inclusiva
deveria garantir a presença da pessoa com deficiência na escola,
como elemento ou sujeito a direitos, na esfera dos direitos
individuais e também no âmbito da esfera pública. Mas esta
inclusão não se materializa integralmente de fato.
Então advém o denominado ativismo, que se estrutura nas
dimensões judicial e legislativa. Ele atua para garantir esses direitos
previstos em lei, bem como para ampliá-los. Propõe-se a reflexão
destes ativismos, a partir da filosofia de Foucault, buscando
elementos para entender esse Ativismo, problematizando e
propondo a sua compreensão a partir das noções de
governamentalidade. Também se utiliza a genealogia da
normalidade para abarcar a crítica em relação aos ativismos e
14
sugerir, no que se refere à governamentalização, reflexão nas
possibilidades desses ativismos sob outro enfoque, o da
contraconduta e o da resistência.
Que a reflexão dos resultados sobre a temática proposta
neste livro possa reputar-se fonte de valor e de interesse para
ensaios, críticas e novos delineamentos, multiplicando-se e se
materializando nos vários âmbitos da sociedade.
15
Introdução
Este l
ivro apresenta a articulação das eventuais ações
desenvolvidas pelos ativismos judiciário e legislativo, a fim de
propiciar a efetuação da Educação Inclusiva, regulamentada em lei,
sobretudo para o público das pessoas com deficiência, com vistas a
atender a uma demanda de suas lutas e dar consecução aos direitos
civis que conquistaram, ao longo das últimas décadas, no Brasil.
Para tanto, analisam-se esses direitos conquistados pelas pessoas
com deficiência, materializados na jurisprudência brasileira, desde a
Constituição de 1988, à luz da categoria foucaultiana de
biopolítica e de governamentalidade, para então se compreender e
discutir a função dos ativismos, tanto judiciário quanto legislativo.
Ao localizar o terreno de emergência desses ativismos, do ponto de
vista dessa perspectiva filosófica e com esse recorte histórico,
pretende-se enunciar alguns de seus limites, de sorte a fazer frente à
efetuação das políticas inclusivas, assim como as possibilidades de
seus ator
es atuarem junto às lutas locais e transversais
empreendidas pelas pessoas com deficiência e suas respectivas
comunidades.
Propõe-se a reflexão e analisar os delineamentos jurídico-
normativos da Educação Inclusiva, problematizando-os, a partir
das noções foucaultianas de governamentalidade e biopolítica,
assim como discutir o lugar ocupado e ações que podem ser
empreendidas pelo ativismo judiciário e o ativismo legislativo, na
16
consecução dos direitos conquistados pelas pessoas com deficiência
e suas respectivas participações para a sua ampliação, no Brasil.
Precisamente, objetiva: a) analisar a legislação específica sobre as
conquistas das pessoas com deficiência, no plano político-
educacional, partindo da Constituição de 1988 e de outras
legislações que as regulamentaram, no Brasil, até 2021; b)
compreender essa legislação e as políticas de inclusão estatais
voltadas à educação, à luz das categorias mencionadas para
identificar os vetores da governamentalidade nos quais atuam os
ativismos judicial e legislativo, assim como se reiteram a
positividade da biopolítica da população ou a sua face negativa,
excludente de parte dessa mesma população; c) situar como esse
ativismo se manifesta em alguns casos emergentes da ação do autor
como ator jurídico e legislativo e, se, para além dos vetores antes
identificados, existem algumas atuações em meio a lutas
transversais e delas decorrentes, no que concerne às demandas por
políticas e educação inclusivas, por parte das pessoas com
deficiência, no Município de Maracaí.
A partir dos objetivos gerais expostos, pontua-se,
especificamente, a problematização, a partir de noções
foucaultianas de governamentalidade e biopolítica, das questões
relativas à pessoa que possui deficncia, de modo a buscar pela
perspectiva filosófica a compreensão de sua categorização como
registro de anormal. Também se apresenta uma reflexão sobre
aspectos históricos das políticas públicas de Estado, nas últimas
décadas, centralmente das políticas públicas da Educação Inclusiva,
com destaque para os marcos históricos dessas políticas, no Brasil,
além de refletir acerca da temática apresentada com o pensamento
17
de Michel Foucault, construir a percepção da ordem que se
apresenta, dos processos voltados às pessoas com deficiência, que
lutam por tal inclusão. Na obra, expõem-se dimensões e
perspectivas do ativismo judicial e do ativismo legislativo e refletir
sobre esses ativismos, do ponto de vista da governamentalidade e
da biopolítica, além de também observar as dimensões do próprio
processo de inclusão. Também se ressalta o movimento da pessoa
com deficiência, no sentido de procurar formas de garantir por si
sua ppria inclusão, de propor ações judiciais para assegurar esse
objetivo e, assim, avançar no estudo no campo das resistências,
especificamente sobre os processos que extrapolam um registro de
inclusão que não está ainda, por assim dizer, preso no dispositivo,
propriamente dito.
Observaram-se situações práticas relativas à inclusão no seu
aspecto educacional, com acontecimentos que reportaram a
deslocamentos nas práticas escolares, com efeitos na produção dos
sujeitos, os quais possibilitariam a emergência dessas práticas de
subjetivação, vislumbrando-se o multidimensionamento das formas
de inclusão, no campo educacional, que não ficam adstritas apenas
à permanência da pessoa na sala de aula regular.
A análise de situações concretas ocorreu na cidade de
Maracaí-SP, tanto em relação às questões levadas ao Poder
Judiciário quanto no comportamento do Poder Legislativo local, e
foi importantíssima para o amadurecimento e a reflexão a respeito
do tema. A pesquisa teve início no ano de 2018 e, no ano de 2021,
houve uma fundamental mudança de perspectiva. Isso ocorreu, na
medida em que o autor, que antes era sujeito externo dessa
engrenagem político-educacional-legislativa, foi eleito vereador, na
18
cidade de Maracaí-SP. Passou, então, a ser agente catalisador,
vendo-se, de certo modo, inserido dentro do objeto de estudo,
propondo a atuação do legislativo local, não na constituição do
sujeito de direitos, mas no sentido de efetuação das diferenças no
campo democrático.
O espaço legislativo pode conformar um campo estratégico
nas lutas transversais e no campo da diferença, taticamente
importante para ampliar os espaços democráticos e ampliar o papel
efetivo das políticas sociais, mesmo em um ambiente político-
econômico neoliberal, funcionando como um campo de
resistência.
Ao longo do tempo, as pessoas com deficiência reivindicam
visibilidade social e garantia de direitos civis. Importantes
conquistas foram alcançadas, no que se refere a esses sujeitos,
contudo, às duras penas, a partir de esforços incessantes, desafios e
grandes lutas. Dados do IBGE (2010) apontam que 45,6 milhões
de brasileiros declararam ter algum grau de dificuldade em pelo
menos uma das habilidades investigadas (enxergar, ouvir, caminhar
ou subir degraus), ou possuir deficiência mental/intelectual, o que
corresponde a 23,92% da população brasileira, números que
indicam a necessidade de implementação de efetivas políticas
blicas, no campo da deficiência.
Conforme a Constituição Federal, a saúde e a assistência
pública, de proteção e da garantia das pessoas com deficiência são
de competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal
e dos Municípios. A análise crítica e a transformação das
infraestruturas físicas vigentes afasta as barreiras arquitetônicas que
eventualmente limitem a mobilidade e a autonomia das pessoas
19
com deficiência é relevante. Mais do que isso, é imprescindível
acolher as pessoas com deficiência e respeitar as suas diferenças,
com uma convincia solidária e fraterna. Para a consecução desses
objetivos, a bandeira dos direitos humanos e a proposta de políticas
de inclusão em relação às pessoas com deficiência, principalmente
pela Educação Inclusiva, são relativamente recentes, no Brasil, e, a
despeito da existência de normas e regulamentos, a sua efetivação é
complexa.
Principalmente a partir da década de 1990, passou-se a
debater um sistema educacional inclusivo, com uma Educação
Inclusiva e de qualidade para todos, com a valorização das
diferenças, idealizando a inclusão de estudantes com deficiência,
nos contextos escolar e também social.
A busca por uma escola inclusiva não é simplesmente
proporcionar aos alunos com deficiência um lugar sico
na classe regular, é a escola preparar-se para recebê-lo,
acreditar em seu potencial, respeitar sua dignidade, não
temê-lo como diferente, não querer torna-lo igual,
assumir o desafio de fazer da escola [...] um local
privilegiado de encontro com o outro. Este outro que é,
sempre e necessariamente, diferente. (MANTOAN,
2002, p. 30).
A inclusão se também por outros elementos, gradientes e
categorias, como pela acessibilidade, pelo projeto pedagógico
adequado à realidade individual do aluno, com respeito aos limites
do educando e pela existência, quando necessário, de um professor
auxiliar, em sala de aula, acompanhando a pessoa com deficiência,
20
de forma que haja uma mediação cognitiva, linguística e cultural
no processo de ensino, e que lhe condições de uma real
integração social na comunidade em que vivem.
Assim Sassaki (1997, p. 41) define a inclusão:
Um processo pelo qual a sociedade se adapta para poder
incluir em seus sistemas sociais gerais pessoas com
necessidades especiais e, simultaneamente, estas se
preparam para assumir seus papéis na sociedade. [...]
Incluir é trocar, entender, respeitar, valorizar, lutar
contra exclusão, transpor barreiras que a sociedade criou
para as pessoas. É oferecer o desenvolvimento da
autonomia, por meio da colaboração de pensamentos e
formulação de juízo de valor, de modo a poder decidir,
por si mesmo, como agir nas diferentes circunstâncias da
vida.
O desenvolvimento da inclusão escolar, no Brasil, se deu
como um movimento complexo e multifacetado. De um lado,
atende às demandas provenientes da luta social das pessoas com
deficiência, de seus familiares, das associações civis, de agentes
políticos e de agentes públicos, de membros da comunidade, pela
efetivação de direitos básicos e de maior equidade. De outro, ela é
fruto de todo um conjunto de repercussões da política neoliberal e
da economia global, o qual exige do Estado brasileiro e de seu
governo a adesão a alguns protocolos oficiais internacionais em
torno dos Direitos Humanos e a uma gestão interna que procure
satisfazer aquelas demandas, integral ou parcialmente, como uma
condição para que participe de certos organismos internacionais e
21
de financiamento. Paralelamente a esse duplo movimento, em
linhas gerais, se desenvolve toda uma legislação e regulamentos que
garantem às pessoas com deficiência o direito de acesso e de
permanência na Educação Básica e, mais recentemente, no Ensino
Superior, nas três últimas décadas.
Este é o objeto central desta obra, auxiliando a
compreender como as pessoas com deficiência, gradativamente,
foram alçando ao status de sujeito de direitos, por mais
problemática que seja tal designação, visto que, ainda hoje, isso não
é de todo verdadeiro e, muitas vezes, ocorre a partir de
condições desiguais, das possibilidades da própria família, ou seja,
no âmbito do direito individual e o público. Não vem ao caso
declinar as omissões dos sucessivos governos, no cumprimento da
legislação, tampouco do Estado, no atendimento de um direito
fundamental, mas de constatar que, se algumas ações ocorrem
nesse campo jurídico, acontecem por meio de certo ativismo do
Judiciário e de atores que concorrem para o funcionamento desse
aparato.
O texto constitucional apresenta uma previsão de garantia
da educação para todos, em todos os níveis e de forma igualitária,
em um mesmo ambiente, de modo a atingir o pleno
desenvolvimento humano e o preparo para a cidadania das pessoas
com ou sem deficiências. As pessoas com deficiência, os seus
familiares e interessados recorrem ao Poder Judiciário, a fim de
buscar o reconhecimento de seus direitos e garantias previstos em
lei. Trata-se do denominado ativismo judicial, tido como
importante instrumento para defesa do direito fundamental
(BARROSO, 2009, p. 09).
22
Sendo dever do poder público fornecer, de maneira
eficiente e especializada, a concretização dos direitos e garantias de
acordo com as leis, cabe ao ativismo judicial ser um dos vieses a
propugnar o signo da resistência, na medida em que as pessoas com
deficiência e a sociedade civil não devem conformar-se com uma
omissão do Estado, uma violação de um de seus direitos, o qual é
categórico e provém da própria condição de cidadão.
A educação é, afinal, um direito de todos e não basta
incluir somente: é preciso ir além, oferecendo condições para a
permanência daqueles que até então foram privados do Ensino
Regular, tornando real a existência de uma sociedade plural e justa,
igual para todos.
As lutas e desafios, ao longo de cadas, fomentaram não
apenas as leis e normas de garantia da Educação Inclusiva, mas
também disposões e decisões do Poder Judiciário, enunciativas do
ativismo judicial, revelando uma forma de reivindicação da
sociedade civil quanto a seus direitos de inclusão. Ademais, outros
embates e desafios ocorreram, de modo transversal, que não
implicam somente a efetuação dos direitos conquistados por essas
pessoas, como igualmente a possibilidade de sua ampliação, ao
atender às demandas das comunidades e movimentos sociais, em
torno dos quais se articulam e se organizam. Esses movimentos
levaram a um segundo ativismo, o legislativo, que essas
comunidades e movimentos passaram a atuar mais proximamente a
seus representantes, nas Câmaras Municipais, Assembleias
Estaduais e Nacionais, objetivando a concretização de direitos
determinados e a sua ampliação, mediada por atores políticos que
23
agem no sentido de representá-los, como requerido em uma
democracia representativa.
Tanto esses ativismos quanto os regulamentos da Educação
Inclusiva coexistem num contexto em que se radicalizaram as
políticas de ódio contra tudo o que é diferente dos padrões
majoritários e em que o governo identitário das diferenças,
segundo Pagni (2019), parecem definir quem vive e quem morre,
mediante o atendimento de suas demandas; ora, analisá-los sob a
ótica das categorias foucaultianas de governamentalidade e
biopolítica parece ser uma forma de recolocar a discussão em
outros termos, os quais menos afeitos à tese de que bastaria às
pessoas com deficiência se tornarem sujeitos de direito que
automaticamente estariam incluídas. Tampouco a de que o
ativismo judicial por si assumiria a tarefa de concretizar, em
termos de direitos, o que não foi concedido a esses sujeitos,
colocando os atores desse campo e do aparato judicial como
verdadeiros heróis, isentos em suas pretensões políticas, prontos
para efetivar a justiça! Muito menos que o ativismo legislativo seria
o único caminho para que as suas vozes ecoassem na cena blica,
numa visão estrita de política representativa, que desconsidera a
realidade e a subjetividade desses atores políticos nas lutas
empreendidas por esses movimentos e comunidades mencionados,
por vezes atuando de costas para eles.
Dessa perspectiva, o livro apresenta o ativismo judicial e o
ativismo legislativo como importantes mecanismos de
materialização das políticas de Educação Inclusiva, identificando-
os, contudo, como tecnologias de governamentalidade, ascendente
e descendente. Na articulação da área da Educação com a do
24
Direito, elege-se essas formas de ativismo em suas funções
estratégicas nos jogos de poder e, sobretudo, de
governamentalidade, lançando mão dos paradoxos da biopolítica,
um campo fértil para sua atuação junto às comunidades e aos
movimentos das pessoas com deficiência, ao lado de suas lutas
locais e transversas, capazes de ampliar seus direitos civis e, mais do
que isso, sua participação na vida democrática. O texto
problematiza o ativismo e, em certo ponto, propõe a sua
compreensão, a partir das noções de governamentalidade, em seus
jogos para o estabelecimento do biopoder e da reinterpretação da
biopolítica feita no presente, utilizando-se da genealogia da
normalidade para questionar a base médica associada ao aparato
jurídico que regulamenta a vida, no âmbito biopolítico da
população.
O livro se desenvolve em seis capítulos: o primeiro capítulo
trata dos aspectos históricos da Educação Inclusiva, com destaque
para os marcos históricos das políticas de Educação Inclusiva, no
Brasil, além de breve análise das políticas de Estado, nas últimas
décadas. O segundo capítulo apresenta dimensões e perspectivas do
ativismo judicial e do ativismo legislativo, além de discorrer sobre
os seus limites. O terceiro capítulo propõe pensar os ativismos, do
ponto de vista da governamentalidade e da biopolítica, além de um
olhar sobre a Educação Inclusiva, à luz da biopolítica de Michel
Foucault, organizando conceitos de biopolítica e de
governamentalidade, centrando no modo como ocorreu uma
espécie de governo da deficiência, centrada na repartição
normalidade e anormalidade. É nesse capítulo que as noções
foucaultianas de povo e população, as perspectivas sobre o lugar do
25
diferente a deficiência como acontecimento se delineiam para
além do escopo jurídico das políticas de governamentalização
estatal que incidem sobre a inclusão das pessoas com deficiência. O
quarto capítulo referencia a anormalidade como paradigma quanto
às questões de inclusão das pessoas com deficiência e discorre sobre
perspectivas sobre o lugar do diferente a deficiência como
acontecimento. O quinto capítulo discorre sobre o ativismo
judicial e o ativismo legislativo como dispositivo jurídico de
segurança, e foca-se no problema da implementação dos ativismos,
constatando-se, de fato, certa omissão, que obriga o ativismo
judiciário; apresenta-se tamm o ativismo legislativo, como
dimensão de transformação social, e se problematiza a que ponto
o ativismo legislativo não poderia auxiliar na configuração de uma
inclusão mais ampla, advinda dos movimentos comunitários, das
associões etc.; abordam-se ainda as lu
tas transversais não
capturadas pelos ativismos, compreendendo isso na ótica da
governamentalização de Foucault, refletindo em ativismos mais
abertos às lutas locais e transversais, para além dos corpos da pessoa
com deficiência, além de se apresentar questões sobre pesquisa
realizada na cidade de Maracaí, referenciadas pelo ativismo judicial
e o ativismo legislativo, suscitando perspectivas e ilações a partir
dessas pesquisas e, ao final, expondo um território de ensaio sobre
ativismo judiciário e ativismo legislativo por vir. O sexto capítulo
apresenta as considerações finais sobre a problematização proposta,
ressaltando a potencialização da capacidade da pessoa com
deficiência e o respeito da sua diferença.
Thiago Vaceli MARTINS
26
27
Capítulo 1
História e Políticas blicas da Educação Inclusiva
1.1 Aspectos históricos da Educação Inclusiva
Com a Constituão Federal de 1988, a inclusão social
passou a ser um imperativo do Estado brasileiro. O texto
constitucional expressamente previu, pela inclusão social, um
conjunto de ações que visassem a garantia da participação
igualitária de todos, na sociedade, independentemente da classe
social, da condição física, da educação, do gênero, da orientação
sexual, da etnia, entre outros aspectos.
Pela inclusão social objetiva-se, sobretudo, possibilitar que
todos os cidadãos tenham oportunidades de acesso a bens e
serviços, como saúde, educação, emprego, renda, lazer, cultura etc.,
principalmente através de políticas públicas com vistas à eliminação
das desigualdades historicamente acumuladas, de maneira a
garantir a igualdade social.
No campo da educação, a inclusão social confirmou-se
como centro de estudos e de políticas educacionais, objeto de ões
biopolíticas, prescrições, com finalidades e objetivos: o governo
materializa pautas, com o objetivo de regular a população,
mediante táticas e discursos que vão se produzindo e efetivando na
28
escola, a qual, aliás, tem seu funcionamento regulamentado, com
caminhos pré-estabelecidos, por meio de parâmetros e resoluções.
O paradigma da Educação Inclusiva ensejou importantes
avanços em relação ao direito das pessoas com deficncia à
educação escolar, que foram frutos de lutas históricas, sociais, as
quais buscaram a constituição de políticas públicas que
contemplassem uma educação de qualidadeindistintamente, para
todos os alunos, e expressam, decorrem das finalidades reais das
políticas blicas.
A política educacional inclusiva se potencializa com a
presença do aluno com deficiência em salas de aulas regulares, em
todos os graus, com o estabelecimento de relações eficazes,
favorecendo o equilíbrio e a igualdade entre estudantes com
necessidades educacionais especiais e os demais estudantes,
assegurando a inclusão no contexto escolar e social, como
condões, portanto, para a materialização das finalidades de
objetivo desta política.
O processo de democratização da educação se materializa
de modo abrangente com a universalização do acesso e,
concomitantemente, com a inclusão geral e irrestrita, a despeito de
padrões homogeneizadores da escola. O movimento da inclusão
escolar revela-se na defesa do direito de todos os alunos de estarem
juntos, de maneira inclusa e integrativa, aprendendo e
participando, sem nenhum tipo de discriminação. Contudo, a
inclusão do estudante com deficncia no âmbito educacional é, no
contexto histórico e de uma forma geral, política negligenciada
pelo Estado, e os aspectos e instrumentos da inclusão são pautadas
29
por discussões e desafios, a partir das individualidades que ficam de
fora das políticas públicas prescritas.
Em um contexto geral, o tipo de deficiência ou
especificidade apresentado pelo aluno foi acolhido, discursiva-
mente, de maneira diferenciada, em cada momento histórico.
Muitos falsos discursos de integração em verdade camuflavam a
rejeição ou o descrédito pelas possibilidades de integração da pessoa
com deficiência ao grupo, reveladora de que o sujeito da inclusão
era tido como fora da linha da dita normalidade, como se a
diferença não fosse algo intrínseco ao processo de educação, pois,
em verdade, não se pensava em escola para todos, de forma
igualitária e justa.
A Educação Inclusiva vem delineada nessa relação da
inclusão social na dimensão educacional, propondo a valorização e
o acolhimento da diferença por meio da inclusão, em busca da
equidade, com respeito às diversidades, com a prática pedagógica
centrando-se na participação e aprendizagem de todos e para todos,
sem exceção.
Antes mesmo da promulgação da Constituição Federal de
1988, houve movimentos e lutas em prol da Educação Inclusiva
que merecem o destaque, pois foram importantíssimos na medida
que estimularam o raciocínio crítico e a reflexão sobre as pessoas
com deficiência, e o seu lugar no espaço da sociedade, inclusive em
relação às políticas públicas educacionais, e a falta delas.
O século XX apresentou um certo avanço, com um olhar
diferenciado e relação às pessoas com deficiência, com ações que
relativamente favoreceram o cenário educacional, inclusive muitos
trabalhos científicos foram publicados. No início do culo XX é
30
fundado o Instituto Pestalozzi - 1926, instituição especializada no
atendimento às pessoas com deficiência mental; em 1945, é criado
o primeiro atendimento educacional especializado às pessoas com
superdotação na Sociedade Pestalozzi, por Helena Antipoff; e em
1954 é fundada a primeira Associação de Pais e Amigos dos
ExcepcionaisAPAE.
Estabelecimentos de Ensino Regular, que prestavam
atendimento especializado para pessoas com deficiência, foram
criados nas esferas pública e particular, sendo importantes para o
desenvolvimento da Educação Especial no País, com atendimento
às pessoas com deficiências visual, sica, auditiva, mental e
múltipla, em organizações não governamentais, bem como em
todos os níveis de governo: federal, estadual e municipal. Ideias e
debates foram surgindo e convergiu-se para a busca de novas
práticas em relação à pessoa com deficiência, propondo a extinção
das instituições especializadas, objetivando o estabelecendo a
prática educativa numa perspectiva mais inclusiva.
Em 1961, através da Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional (LDB), Lei 4024/61, o Estado formalmente compromis-
sou-se com a educação das pessoas com deficiência. Houve, pois,
um enquadramento da educação dessas pessoas no sistema geral de
educação, com o objetivo de integração e delineando o apoio
financeiro às entidades privadas. Esta LDB direciona o direito dos
excepcionais à educação, preferencialmente dentro do sistema geral
de ensino, ainda que isso não tivesse sido colocado na prática, em
muitas das esferas sociais. Isso porque as escolas não estavam
preparadas para acolher essa população, e a pessoa com deficiência
que ingressava, na maioria das vezes não permanecia.
31
A Constituição Nacional de 1964 estabeleceu o Plano
Nacional de Educação, e com a Emenda Constitucional de 1969,
deu-se a execução desse Plano. Em 1971, pela Lei nº. 5.692/71,
alterou-se a LDB de 1961, ao definir tratamento especial’ para os
alunos com “deficiências físicas, mentais, os que se encontrem em
atraso considerável quanto à idade regular de matrícula e os
superdotados”. Mas essa alteração não promoveu, ainda, a
estruturação de um sistema de ensino com capacidade de atender
as necessidades educacionais especiais. Também reforçou o
direcionamento dos alunos com deficiência para as classes e escolas
especiais.
Em 1973 criou-se o CENESP - Centro Nacional de
Educação Especial (transformado em 1986 pelo MEC em
Secretaria de Educação Especial), que apresentou como finalidade a
promoção de educação que contemplasse as pessoas com
deficiência, até mesmo de forma abrangente em todo o território
nacional. Mas não saiu do papel esta ideia, pois na prática, não
houve um acesso universal à educação, e aquela concepção de
políticas especiais ainda era o referencial temático da educação de
alunos com deficiência. O ano de 1979 foi marcado pela
instituição do Ano Internacional das Pessoas Deficientes (AIPD),
com alguns grupos começando a organizar-se por si, nas lutas pelos
seus direitos. Este evento foi importante por se conformar uma
primeira organização formal que não foi representada por
especialistas, com busca de organização pelos próprios interessados.
Destes movimentos das próprias pessoas com deficiência,
em Brasília, no ano de 1980, ocorreu o primeiro Encontro
Nacional de Entidades de Pessoas Deficientes, reunindo
32
participantes de todo o País. A década de 1980 foi, aliás, uma
década importante para a política pública educacional inclusiva, da
criação da Comissão Nacional do Ano Internacional das Pessoas
Deficientes, em ação conjunta com a ONU (Organização das
Nações Unidas), com o lema Igualdade e Participação Plena. Nos
anos seguintes apareceram novas organizações como a Federação
Brasileira de Entidades de Cegos, a Organização Nacional de
Entidades de Deficientes Físicos, a Federação Nacional de
Integração de Surdos e a Associação de Paralisia Cerebral do Brasil
(APCB). Esses movimentos e estruturações no início da cada de
1980, apresentaram uma dimensão que destoava do segmento
organizado pelo Estado e pelas instituições assistenciais, pois foram
articulações e programações pelos próprios interessados. Assim,
houve um envolvimento cada vez maior com interesse na
sistematização de uma educação de fato universalizada e com
qualidade, com as pessoas com deficiência, pais e grupos
comunitários tensionando os governos neste sentido.
A nova Constituição brasileira colocou a educação como
um direito de todos e dever do Estado e da família, determinando
o atendimento educacional especializado às pessoas com
deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino (item III
do art. 208). A Constituição Federal de 1988 trouxe, tamm,
como um dos seus objetivos fundamentais, “[...] promover o bem
de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e
quaisquer outras formas de discriminação (art. , inciso IV), e
previu a educação como um direito de todos, garantindo o pleno
desenvolvimento da pessoa (art. 205), além de estabelecer a
33
igualdade de condições de acesso e permanência na escola (art.
206).
A Constituição, ao menos na letra da lei, previu uma
consolidação um paradigma jurídico e político relevante para a
Educação Inclusiva, rompendo com certa disposição das políticas
que tinham um viés assistencialista e terapêutico, em relação à
Educação Especial, pelo MEC. A partir desse marco, passa-se a
contextualizar uma interpretação da Educão Especial como um
conjunto de práticas ou tecnologias destinadas a um público
específico com dificuldades de aprendizado, que, ao adentrar na
escola, passa a recebê-las como um serviço e um direito.
O Atendimento Educacional Especializado (AEE) deveria
ser ofertado, preferencialmente, na rede regular de ensino, mas na
prática as pessoas com deficiência quando entravam nas escolas
comuns eram novamente encaminhadas às instituições
especializadas, sob um pretexto de que não estavam preparadas
para se acolher essa população.
Ressalta Veiga-Neto (2012, p. 14):
No campo da educão, destacam-se as propostas de
mudanças nos paradigmas do conhecimento e nos
produtos do pensamento, a cultura e a arte. Neste
mundo complexo e de profundas transformações,
também ficam mais complexas as práticas educativas e
torna-se inquestionável uma nova forma de organização
do trabalho das instituições e dos processos de formação
inicial e continuada de professores, como um novo
posicionamento de todos os que trabalham na educação.
34
No ano de 1989, foi elaborada a Lei 7.853, que
criminalizou o preconceito, e isso consolidou o reconhecimento
das identidades das pessoas com deficiência. Sem vida, um
grande passo. Outro passo importante foi a formalizão, em 1990,
do Estatuto da Criança e do Adolescente Lei
8.069/90, a qual, em seu artigo 55, determina que os pais ou
responsáveis têm a obrigação de matricular seus filhos ou pupilos
na rede regular de ensino.
O movimento pela inclusão escolar teve sua emergência na
década de 1990, inclusive com o Ministério da Educação (MEC)
realizando algumas ilações nos materiais e programas elaborados.
Formalmente, no Brasil, a Educação Inclusiva somente começou a
fundamentar-se a partir da Conferência Mundial de Educação
Especial, em 1994. Nessa Confencia, houve a proclamação da
Declaração de Salamanca, definindo políticas, princípios e práticas
da Educação Especial e influindo nas Políticas Públicas da
Educação (BRASIL, 1994).
A Declaração de Salamanca foi outro marco importante
para a Educação Inclusiva, colocando a escola regular como o
espaço adequado de democratização das oportunidades
educacionais, um ambiente de integração, de forma ampla, tanto
em relação aos espaços sociais como em salas de aulas regulares:
[...] escolas deveriam acomodar todas as crianças
independentemente de suas condições físicas, intelectu-
ais, sociais, emocionais, linguísticas ou outras. Aquelas
deveriam incluir crianças de origem remota ou de popu-
lação made, crianças pertencentes a minorias linguísti-
35
cas, étnicas ou culturais, e crianças de outros grupos
desvantajados ou marginalizados. (BRASIL,1994).
A Declaração de Salamanca se compromete com a
construção de um sistema de Educação Inclusiva para todos os
alunos. Sendo o Brasil signatário, passou a por obrigação legal
concretizar a formulação das políticas públicas da Educação
Inclusiva, além disso se notando gradual aumento das matrículas
de alunos com deficiência, no Ensino Comum. Também em 1994,
o Ministério da Educação e Cultura MEC publicou a Política
Nacional de Educação Especial, orientando o processo de
integração nacional (BRASIL, 2008). Como ponto positivo,
condicionou o acesso dos estudantes com necessidades educativas
especiais às classes comuns do Ensino Regular. Mas não obteve o
êxito de sistematizar uma política pública educacional de
valorização dos diferentes potenciais de aprendizagem, no Ensino
Comum.
Dois anos mais tarde, em 1996, houve a edição da Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei 9.394/96. Por essa
LDB, houve a disposição de que as redes de ensino deveriam
disponibilizar todos os recursos necessários para o atendimento
igualitário entre os estudantes com necessidades educacionais
especiais e os demais estudantes. Entre as garantias didáticas
diferenciadas, o currículo, os métodos, as técnicas, os recursos e a
qualificação dos professores. Tratou-se de um viés de igualdade e
integração.
A LDB, regulamentando e definindo, portanto, a Educação
Especial, previu a acessibilidade do ensino para criaas, jovens e
36
adultos com necessidades educacionais especiais, seja por alguma
deficiência, seja por transtorno global do desenvolvimento ou
superdotação, garantindo que todos sejam integrados na educação
regular. Assim, a Educação Inclusiva abrange a Educação Especial,
o se restringindo a ela.
Essa LDB ressaltou a necessidade de aproximação e
convivência, revendo o conceito de Educação Especial:
Parágrafo único. O Poder Público adotara, como
alternativa preferencial, a ampliação do atendimento aos
educandos com necessidades especiais na própria rede
pública regular de ensino, independentemente do apoio
as instituições previstas neste artigo. (BRASIL, 1996,
Art. 60).
Apresentou um compromisso do poder blico em ampliar
as ações inclusivas, no País. A Educação Especial relaciona-se às
pessoas com necessidades especiais, no campo da aprendizagem,
em razão de deficiência em qualquer dos seus aspectos, quer físicos,
quer sensoriais, quer ainda mentais ou múltiplos, de quaisquer
características. Assim, passa-se a destacar documentos importantes
e frisar os marcos históricos, especialmente nos últimos 25 anos,
relacionados à Educação Inclusiva e à Educão Especial.
1.2 Marcos das políticas de Educação Inclusiva no Brasil
Importante diferenciar a razão governamental que es
associada ao que chamamos hoje de políticas de Estado e o
governo, no sentido estrito ligado a uma determinada gestão do
37
Estado. Por exemplo, a inclusão educacional foi implementada
como política de Estado, porém, ela pode ser mais ou menos
incrementada por determinados governos do que por outros.
Observando as gestões dos últimos 25 anos, é possível constatar
fases de incrementação de políticas de Estado, nos governos de
Fernando Henrique Cardoso, Luís Inácio Lula da Silva e Dilma
Roussef, ao lado de modelos de gestão refratários, como de Michel
Temer e Jair Bolsonaro, com, por exemplo, ataques a pilares
fundamentais.
Mesmo que a legislação caminhe para a possibilidade de
inclusão, existem discursos que se efetivam para extirpar o sujeito
do contexto geral. Porém, para se firmar, a arte de governar
neoliberal implica que o próprio sujeito da Educação Especial se
torne visível, o que produz, simultaneamente, a inclusão e a
exclusão. Revela-se um processo inclusivo de viés capitalista, onde
os sujeitos o capacitados para atuar no mercado e perpetuar uma
lógica neoliberal, e na tentativa de igualar as condições de
participação dos sujeitos, o país cada vez mais se inscreve em uma
lógica capitalista e em uma racionalidade (neo)liberal” (LOPES;
REICH, 2013, p. 214). Essa perspectiva repercute na normalidade
de um grupo e baliza uma sociedade normalizadora, com o Estado
materializando processos de normação e normalização com viés
econômico que influencia em índices de exclusão. Toda inclusão
supõe certa exclusão, e nessa dimensão desponta o termo
in/exclusão a partir do conceito de crítica compreendido por
Foucault:
38
Grafar in/exclusão aponta para o fato de que as atuais
formas de inclusão e de exclusão caracterizam um modo
contemporâneo de operação que não opõe a inclusão à
excluo, mas as articulam de tal forma que uma
opera na relão com a outra e por meio do sujeito, de
sua subjetividade. (VEIGA-NETO; LOPES, 2011,
p.124).
Como vai formando a população, as vidas individuais
passam a ser reguladas não apenas por instrumentos, por políticas
públicas, mas por si mesmas, às vezes por critérios até mesmo mais
rigorosos de controle ou de autocontrole. Passam a fazer parte de
um jogo a regular cada vez mais. Por outro lado, o governo se
destina a um contingente populacional, e parte fica de fora. O que
significaria esse “ficar de fora”? Seria ter a vida deixada à própria
sorte por parte desses setores sociais? Mas isso não significaria
torná-los desassistido e, portanto, sujeitos à própria sorte e aos
riscos de morte de uma existência sem regulamentação? São
perguntas instigam e que tocam na análise dos temas ora
propostos. Isso porque toda vida qualificada supõe certa regulação
e governamento. Nesse sentido, o projeto filosófico de Michel
Foucault confere instrumentos estabelecidos e valorosos para a
compreensão acerca desse governar e ser governado. É um prisma
de fazer parte do mundo. Na acepção Foucaultiana o tem a
possibilidade, de não ser governado de alguma forma. O ativismo
judicial e o ativismo legislativo devem ser vetores de materialização
das políticas públicas educacionais inclusivas, com práticas
concretas, que impactem de fato, nestas vidas tidas desviantes, em
toda a sua potência.
39
Em 1999, pelo Decreto 3.298, dispôs-se sobre a Política
Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência.
Como destaque desse Decreto, aparece a previsão de uma atuação
complementar da Educação Especial ao Ensino Regular, definindo
a Educação Especial como uma modalidade transversal a todos os
níveis e modalidades de ensino.
A partir dos anos 2000, foi, de fato, implantada uma
política denominada Educação Inclusiva. No ano de 2001, houve
dois documentos importantes com relação à Educação Inclusiva:
pela Resolução CNE/CEB, foram instituídas as Diretrizes
Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica e a criação
do Plano Nacional de Educação, com a Lei 10.172. Nas
Diretrizes, importantes questões foram determinadas, como o
dever de matrícula de todos os alunos: as escolas deveriam se
organizar para atender a pessoa com deficncia e dar plenas
condições ao estudante.
Outro ponto impositivo e positivo: o sistema escolar
deveria concretizar uma educão de qualidade para todos,
também promovendo a eliminação das barreiras que impedem o
acesso à escolarização, com destaque para os artigos 2º e 7º:
Artigo Os sistemas de ensino devem matricular todos
os alunos, cabendo às escolas organizar-se para o
atendimento aos educandos com necessidades educacio-
nais especiais, assegurando as condições necessárias para
uma educação de qualidade para todos.
Artigo O atendimento aos alunos com necessidades
educacionais especiais deve ser realizado em classes
40
comuns do ensino regular, em qualquer etapa ou
modalidade da Educação Básica. (BRASIL, 2001, on-
line).
Note-se que o Estado transfere às escolas uma
responsabilidade que é inerente à sua competência legal, com
relação ao atendimento aos educandos com necessidades educacio-
nais especiais.
O Plano Nacional de Educação, instituído pela Lei nº
10.172, com a duração de dez anos, destacou como objetivo a ser
alcançado a produção da “[...] construção de uma escola inclusiva
que garanta o atendimento à diversidade humana.” (BRASIL,
2008).
Em 2002, o Conselho Nacional de Educação publicou as
Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores
da Educação Básica, em vel superior, curso de licenciatura, de
graduação plena. Como política pública de Educação Inclusiva,
frisa-se a definição no sentido de que, na organização do seu
currículo, as instituições de Ensino Superior devem prever
formação docente voltada para a atenção à diversidade, com estudo
sobre especificidades dos alunos com necessidades educacionais
especiais.
No ano de 2003, o MEC implementou o Programa
Educação Inclusiva: Direito à Diversidade. Interessantes políticas
de caráter inclusivo foram dispostas, como o apoio à transformão
e planificão de um sistema educacional inclusivo, bem como a
garantia do acesso universal à escolarização. O atendimento
41
educacional especializado é ofertado e busca-se a formação de
professores, para atuar na dimensão da Educação Inclusiva.
Também se definiu a realização de Seminário Nacional de
Formação dos coordenadores municipais e dirigentes estaduais, a
prestação de apoio técnico e financeiro, além de firmar a orientação
para a sistematização da formação de gestores e educadores dos
municípios-polo e de abranncia, até disponibilizando-se
referenciais pedagógicos para a formação regional.
Em 2004, dois outros documentos interessantes, no campo
da Educação Inclusiva, são produzidos: publicação, pelo Ministério
Público Federal do dossiê “O Acesso de Alunos com Deficiência as
Escolas e Classes Comuns da Rede Regular e o Decreto
5.296/04, que regulamentou as Leis 10.048/00 e 10.098/00.
Pelo dossiê, assegurava-se o direito à escolarização de alunos com e
sem deficiência no Ensino Regular e, pelo segundo referido
Decreto, fixavam-se normas e critérios para a promoção da
acessibilidade às pessoas com deficiência ou com mobilidade
reduzida, pretendendo garantir a promoção da acessibilidade
urbana, também apoiando ações para o acesso universal aos espaços
públicos.
No ano de 2005, houve a implantação dos cleos de
Atividade das Altas Habilidades/Superdotação NAAH/S, em todos
os estados e no Distrito Federal, sob três eixos: o atendimento
educacional especializado, a orientação às famílias e a formação
continuada aos professores.
A ideia era constituir uma organização da política de
Educação Inclusiva, no sentido de atender os alunos da rede
pública de ensino. Especificamente quanto ao Núcleo de
42
atendimento ao aluno, o objetivo era a identificação das
necessidades educacionais especiais dos alunos e a prestão do
atendimento suplementar para que eles explorem áreas de interesse,
aprofundem conhecimentos adquiridos e desenvolvam
habilidades.
Em 2006, importante diploma internacional foi editado: a
Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência,
aprovada pela ONU, em 2006, da qual o Brasil é signatário, a qual
prevê, de forma clara e objetiva, que as pessoas com deficiência
devem ter a oportunidade de participar ativamente das decisões
relativas a programas e políticas, especialmente nas questões que
lhes dizem respeito diretamente:
Artigo 7
Crianças com deficiência
1. Os Estados Partes tomarão todas as medidas
necessárias para assegurar às crianças com deficiência o
pleno exercício de todos os direitos humanos e
liberdades fundamentais, em igualdade de oportuni-
dades com as demais crianças.
2. Em todas as ões relativas às crianças com
deficncia, o superior interesse da criança receberá
consideração primordial.
3. Os Estados Partes assegurarão que as crianças com
deficiência tenham o direito de expressar livremente sua
opinião sobre todos os assuntos que lhes disserem
respeito, tenham a sua opinião devidamente valorizada
de acordo com sua idade e maturidade, em igualdade de
oportunidades com as demais crianças, e recebam
43
atendimento adequado à sua deficiência e idade, para
que possam exercer tal direito. (BRASIL, 2007a).
A importância desse documento passa pelo reconhecimento
da diversidade das pessoas com deficiência, possibilitando o acesso
a todas as modalidades de ensino, com os Estados-partes se
compromissando com a programação de um sistema de educação
inclusivoem todos os níveis de ensino.
Como o Brasil é signatário da citada convenção, a
participação das próprias pessoas com deficiência na elaboração das
políticas públicas a elas destinadas, inclusivas ou não, deveria ser
obrigatória. E, não sendo cumpridos os objetivos e disposições
legais, seria possível em tese denúncia na Organização das
Nações Unidas ONU –, bem como ajuizamento de ação judicial
para buscar a proteção legal de direito assegurado formalmente.
Registra-se que, no âmbito internacional, os primeiros
marcos mais relevantes sobre as políticas públicas referentes às
pessoas com deficiência relacionaram-se com organismos
internacionais, como a Organização das Nações Unidas (ONU),
Banco Mundial (BM), Fundo das Nações Unidas para a Infância
(UNICEF), Organização dos Estados Americanos (OEA).
No ano de 2007, o Governo fez expedir o Decreto
6.094, que dispõe sobre a implementação do Plano de Metas
Compromisso Todos pela Educação, pela União Federal, em
regime de colaboração com Municípios, Distrito Federal e Estados.
Pelo Decreto, o acesso e a permanência no Ensino Regular e o
atendimento às necessidades educacionais especiais dos alunos
deveriam ser garantidos. Além disso, formaliza o direito certo e
44
preciso do ingresso nas escolas públicas, estabelece núcleo para a
formão de professores para a Educação Especial. Também foi
prevista a implantação de salas de recursos multifuncionais, com
estruturação de acessibilidade arquitetônica dos prédios escolares e
o acesso e permanência das pessoas com deficiência, na Educação
Superior.
Deve haver uma complementaridade, com o aluno com
deficiência na sala de recursos com atendimento específico, mas
também presente na classe comum com o acompanhamento
contínuo do professor regular e do professor auxiliar, especialista,
complementando-se o processo de ensino-aprendizagem. Todos,
independentemente de suas características, das suas diferenças,
devem acessar a escola comum, que é o espaço adequado e viável
para a escolarização das pessoas.
Em 2008, foi expedido o Decreto 6.571, o qual dispõe
sobre o atendimento educacional especializado voltado à garantia
de recursos aos estudantes que efetivamente estejam matriculados
em escolas públicas e recebendo atendimento educacional
especializado. O referido Decreto foi revogado, em 2011, pelo
Decreto 7.611, que apresentou os seguintes objetivos do
atendimento educacional especializado: promover condições de
acesso, participação e aprendizagem no Ensino Regular e garantir
serviços de apoio especializado, de acordo com as necessidades
individuais dos estudantes; garantir a transversalidade das ações da
Educação Especial no Ensino Regular; fomentar o
desenvolvimento de recursos didáticos e pedagógicos que eliminem
as barreiras no processo de ensino e aprendizagem; e confirmar as
45
condições para a continuidade de estudos nos demais níveis, etapas
e modalidades de ensino.
Também em 2008, um Grupo de Trabalho nomeado pela
Portaria 555/2007, prorrogada pela Portaria 948/2007,
apresentou ao Ministro da Educação a Política Nacional na
Perspectiva da Educação Inclusiva (BRASIL, 2008). As escolas de
diferentes veis passaram efetivamente a receber mais matrículas
de crianças com deficiências, especialmente Transtornos Globais
do Desenvolvimento (atualmente, denominado Transtorno do
Espectro Autista-TEA) e Altas Habilidades/Superdotação.
A Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da
Educação Inclusiva (BRASIL, 2008) traçou o histórico do processo
de inclusão escolar no Brasil, para embasar “[...] políticas blicas
promotoras de uma Educação de qualidade para todos os alunos”,
e trouxe a garantia o direito ao acesso. E, em 2009, nova Resolução
(BRASIL, 2009b) da Câmara de Educação sica do Conselho
Nacional de Educação, instituindo Diretrizes Operacionais para o
Atendimento Educacional Especializado na Educação Básica,
modalidade Educação Especial, estabeleceu as formas possíveis de
atendimento. Pela Resolução, os sistemas de ensino devem
matricular os alunos com deficiência, transtornos globais do
desenvolvimento e altas habilidades/superdotação nas classes
comuns do Ensino Regular. Por outro lado, também se faculta o
Atendimento Educacional Especializado (AEE), que é ofertado em
salas de recursos multifuncionais ou em centros de Atendimento
Educacional Especializado da rede pública ou de instituições
comunitárias, confessionais ou filantrópicas sem fins lucrativos.
46
A matrícula do aluno com deficiência em escolas especiais
e/ou centros de atendimento especializado fica condicionada à
matrícula do aluno na escola regular. Tal resolução/movimento no
campo jurídico, a qual repercute no campo dos direitos, representa
um importante marco para a política pública de Educação
Inclusiva, na medida em que se identifica um movimento de
incluo, não como possibilidade, uma escolha, mas como um
movimento de inclusão de conotação de obrigação – e dever.
Em 2011, pelo Decreto 7.611, alterou-se o Decreto
6.253, de 2007, dispondo sobre a Educação Especial, o
Atendimento Educacional Especializado. E no ano seguinte, 2012,
houve, pela Lei 12.764, a instituição da Política Nacional de
Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro
Autista, inserindo os autistas enquanto pessoas com deficiência e,
automaticamente, o que, via de consequência, a identifica
enquanto Público-Alvo da Educação Especial.
Pela Lei 12.796, de 2013, definiu-se o conceito de
Educão Especial enquanto modalidade (em todos os níveis de
ensino) de educação escolar oferecida, preferencialmente, na rede
regular de ensino para educandos com deficiência, transtornos
globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação.
No ano de 2015, pela Lei 13.146, temos a instituição da Lei
Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência Estatuto da
Pessoa com Deficiência (2015), formalizando a educação como
direito da pessoa com deficiência. Pelo Estatuto, é direito a
existência de um sistema educacional inclusivo, em todos os veis
e aprendizado ao longo de toda a vida. O Estado deve criar,
desenvolver, implementar, incentivar, acompanhar e avaliar o
47
sistema educacional inclusivo, em todos os veis e modalidades.
Tratou-se, sobretudo, de um documento legal que é resultado de
anos de lutas e energias em prol da construção de uma sociedade
mais justa, trazendo soluções práticas para todas as áreas de
políticas públicas.
Recentemente, pelo Decreto 10.502 (BRASIL, 2020), o
Governo Federal editou a Política Nacional de Educação Especial:
Equitativa, Inclusiva e com Aprendizado ao Longo da Vida
(BRASIL, 2020). Entre os aspectos do documento, a segregação
de estudantes em classes e escolas especiais e tal dimensão que
desarticula importantes conquistas históricas da política de
Educação Inclusiva. O Decreto tem sua constitucionalidade
questionada, diante de alguns prismas, como, por exemplo, a
possibilidade de nivelar alunos por habilidades acadêmicas
colocando em salas separadas os que, segundo elas, conforme
critério próprio, demonstrem envolvimento com as atividades
escolares e os que não o façam. Também referência a criação de
centros ou classes especiais, para atender alunos com deficiência
mental, conceito, aliás, que não é utilizado desde 2004 pela
Organização Mundial da Saúde.
Sem dúvida, o mencionado decreto muito sinaliza o quadro
político do Brasil neste momento, o qual revela um momento de
questionamento governamental em relação à ciência, com
contingenciamento de recursos, cortes de bolsas de estudos e de
falta de incentivo à pesquisa. Deparamo-nos com posturas que, ao
invés de estimular a inclusão, exclui:
48
Atualmente, encontra-se em marcha uma verdadeira
agenda regressiva que mina as conquistas alcançadas
pelas políticas inclusivas no ps, com vistas a
restabelecer a ordem ditada pelo homem branco,
heterossexual, de preferência de classe média-alta e
cristão, a qual reativa os devires majoritários, quando se
sentem ameaçados pelo que acusam de ser o caos
produzido pelos devires minoritários que ganharam
corpo na esfera blica, nas últimas décadas (BROWN,
2019; CHAMAYOU, 2020). Essa agenda conservadora
naturaliza as desigualdades resultantes das difereas
étnico-raciais [...] apoia discursos de retirada de direitos
das pessoas com deficiência, para se firmar por meio do
Estado e, mesmo o contrariando, com a complacência e
estímulo do neoliberalismo econômico. Essas medidas
de força e contenção adotadas pelo Estado neoliberal se
efetivam no âmbito da própria democracia, incrustando
nela elementos fascistas que
a esvaziam sem eliminá-la
formalmente. (PAGNI; SILVA; ALMEIDA, 2021, p.
3).
Outro aspecto ligado aos questionamentos sobre legalidade
do Decreto é que esse documento legal, por sua natureza, é emitido
sem qualquer análise e disposição legislativa. Para Aranha (2003, p.
11), quanto à instalação da política educacional inclusiva,
[...] um projeto a ser construído por todos: família,
diferentes setores da vida pública e população leiga.
Necessita planejamento, experimentação, de forma a se
identificar o que precisa ser feito em cada comunidade,
49
para garantir o acesso das pessoas com deficiência do
local e de outras comunidades aos recursos e serviços
nela dispoveis. Não se instala por decreto, nem de um
dia para outro. Mas que se envolver efetiva e
coletivamente, caso se pretenda um país mais humano,
justo e compromissado com seu próprio futuro e bem-
estar.
No dia 18 de dezembro de 2020, o Decreto 10.502, que
instituiu a política, foi suspenso pelo Supremo Tribunal Federal,
por ferir os princípios de Educação Inclusiva presentes na legislação
brasileira.
Com efeito, quando aludimos a políticas públicas sobre a
Educação Inclusiva, devemos pensar de forma macro, entender
todas as suas dimensões, sendo importante destacar uma alteração
legislativa sobre o prisma da acessibilidade, que, sem vida,
repercute na questão de estudo: trata-se da alteração da Lei
8.429/92 pela Lei 14.230/21.
A Lei 8.429/92 dispõe sobre a responsabilização dos
agentes políticos. O artigo 11 (BRASIL, 1992) da citada lei
prescrevia que o descumprimento das normas de acessibilidade
seria punível, isto é, se um gestor fosse omisso sobre o tema,
poderia sofrer sanções legais, como multa e, também, suspensão
dos direitos políticos, podendo vir a ser impedido de concorrer em
futuras eleições. Ocorre que a Lei 14.230/21 (BRASIL, 2021a),
em vigência desde 25 de outubro de 2021, alterou profundamente
a Lei 8.429/92 e suprimiu essa previsão legal. Essa modificação
representa inequívoco retrocesso social, retira direitos
conquistados, viola a Constituição Federal e outras legislações e
50
representa empecilho para a construção de uma sociedade mais
inclusiva para todas as pessoas.
Ora, o direito à acessibilidade, conquistado após muitos
anos de luta, é um direito essencial que se encontra incluído no
conceito do mínimo existencial, sendo a acessibilidade funda-
mental, pois é mediante ela que as pessoas com deficiência têm
acesso a todos os demais direitos, como a educação. Essa alteração
legislativa repercute no ativismo judiciário, pois pela disposição
legal que foi revogada seria possível buscar no aparato Judiciário a
efetivação daquilo que o Poder Executivo não estaria cumprindo
constitucionalmente.
Este é um mapeamento, um panorama dos documentos e
legislações da implementação da política de inclusão, no Brasil. No
sistema educacional brasileiro atual, duas dimensões
educacionais para o aluno com deficiência: de um lado, as escolas
comuns, programatizadas segundo a Constituição Federal e
legislações infraconstitucionais, sistematizadas pela Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional LDBEN e, de outro
lado, a Sala de Recursos. Pela Sala de Recursos, o professor da
Educação Especial trabalha a complementação e/ou suplementação
curricular, utilizando equipamentos e materiais específicos.
A pluralidade humana e o compromisso com a valorização
das difereas refletem no índice de desenvolvimento humano e no
próprio grau de civilização de uma sociedade. A participação
efetiva da criança com deficiência na escola comum faz da
sociedade um mundo melhor e colabora com o desenvolvimento
das mais variadas competências, como a comunicação, a linguagem
e o relacionamento interpessoal. O pleno acesso ao sistema
51
educacional pode otimizar a expressividade do processo de
aprendizagem e da construção da autonomia.
É preciso avaliação das políticas educacionais propostas
para serem materializadas de maneira contínua e sistematicamente
planejada, com valorização da diversidade. A escola inclusiva
depende de convicção e compromisso, da prática pedagógica
efetiva. Mas ela não acontece, em sua integralidade, sem atuação do
Estado, na formalização de política pública, adequada à realidade.
É direito da criança com deficiência uma educação de
qualidade, com a organização da escola, de sorte que a atenda sem
nenhum tipo de discriminação e que reconheça a sua diferença. O
acesso de todas as pessoas com deficiência às escolas comuns é,
aliás, o meio mais eficaz de combate às atitudes discriminatórias.
Os documentos legais, reconhecendo as diferenças
individuais dos estudantes, devem assegurar à pessoa com
deficiência a permanência na escola e o acesso à educação, em
todos os seus graus, mesmo que para isso seja necessária uma
reformulação das práticas educacionais. Sendo necessariamente
obrigatórias as reformulações das práticas escolares, deve-se
valorizar os saberes distintos para a constituição de um currículo
real, acompanhamento pedagógico, e espaços e tempos escolares.
A escola deve ser ambiente de acolhimento humano,
portanto, diverso, e as poticas públicas devem partir desse
pressuposto, de maneira a assegurar condições para esse diverso,
valorizando as subjetividades, trabalhando com a heterogeneidade
e, principalmente, estimulando o potencial educativo dessas
diferenças.
52
Contudo, a percepção é de que ainda prevalece um
distanciamento entre as leis e as normatizações cujo texto preveem
a garantia de um amplo, irrestrito e integral direito à Educação
Inclusiva às pessoas com deficiência e a respectiva materialização.
O Estado tem sido omisso quanto à concretização dos
preceitos da Constituição, não dando efetividade às políticas de
Educação Inclusiva, sendo desidioso no dever de prestação que lhe
é imposto, violando negativamente, assim, o texto constitucional.
Nessa direção, o Estado não pode omitir-se, deixando de cumprir,
em maior ou em menor extensão, uma imposição prevista no texto
constitucional, reduzindo ou suprimindo um direito previsto em
lei. Deve o Estado materializar prestações positivas.
Do claro distanciamento entre as previsões legais, as quais
asseguram os direitos e garantias das pessoas com deficiência, e não
são efetivadas integralmente, no dia a dia, surgem as emergências
do ativismo judiciário e do ativismo legislativo. O ativismo
judiciário atua nos limites da lei, com relativas variações de sua
aplicação, conforme a apreciação do caso em concreto, que é até
onde o ordenamento jurídico pode ir, isto é, são conformados em
um caso analisado judicialmente. Por sua vez, o ativismo legislativo
atua, legitimando algumas dessas variações, dando-lhe maior
generalidade e amplitude ou, mesmo, criando outras leis e
regulamentos, no âmbito político-institucional-legislativo,
atingindo, assim, a população, ainda que eventualmente possa ter
sido iniciado a partir de um contexto específico e singular.
Esse ativismo legislativo, portanto, além de conformar uma
sensibilidade de estar ao lado da comunidade e das pessoas com
deficiência ao lado da qual o judiciário também poderia estar
53
empreende ações que podem repercutir nas lutas de toda uma
comunidade, alterando as leis, mudando-as, ampliando-as, desde
que o agente político-legislativo encampe essa luta da sociedade, a
qual, aliás, tem o dever de representar, pela função legislativa que
exerce e que o legitima como porta-voz da comunidade no
Parlamento. Essas lutas do ativismo legislativo têm maior potencial
de repercussão em relação aos reflexos singulares do ativismo
judicial e, pela sua característica de se localizar no campo
estritamente político, possuem limites em razão do campo
institucional representativo e governamental no qual se inserem.
O ativismo legislativo reputa-se profícuo espaço de debate,
da previsão e concretização das políticas educacionais inclusivas e
da confirmação dos direitos e garantias da pessoa com deficiência,
do destaque de estratégias que possibilitem a ampliação das leis, o
envolvimento e a participação dessas pessoas ou de suas
comunidades, às vezes, para além do jurídico e do político-
institucionalizado, local ideal de resistência.
54
55
Capítulo 2
Dimensões e Perspectivas do Ativismo Judicial
e do Ativismo Legislativo
O ativismo judicial e o ativismo legislativo são
instrumentos que podem ser exercidos para a concretização dos
direitos sociais e coletivos, e, portanto, também os individuais, em
uma vertente de controle de políticas públicas. No campo
educacional ees surgem como emergência na constatação de um
lapso, uma omissão, entre a previsão legal dos direitos relacionados
à Educação Inclusiva e a perceão de sua inexistência ou ineficácia
e insuficiência, em dada realidade.
No ativismo judicial, uma atuão estatal, após
intervenção na justiça, em face de uma situação singular. Seus
efeitos, em princípio, são, portanto, individuais. Por outro lado, o
ativismo legislativo tem um viés coletivo e plural, e seus reflexos
podem transcender para toda a sociedade, tendo como princípio
motor a atuação em uma Assembleia Legislativa, seja ela federal,
estadual ou municipal.
2.1 Do Ativismo Judicial
O ativismo judicial vem recostado na idealização de se
possibilitar e determinar medidas assecuratórias de direitos
56
estabelecidos na Constituição Federal, principalmente quando, na
análise do caso em concreto, se projetarem discussões acerca de
direitos sociais, econômicos e culturais, cuja inércia pode,
potencialmente, afetar condições essenciais à sobrevivência de um
indivíduo.
De acordo com Barroso (2009, p. 11),
[...] existem inúmeros precedentes de postura ativista do
STF: a) “a aplicação direta da Constituição a situações
não expressamente contempladas em seu texto e
independentemente de manifestação do legislador
ordinário, como se passou em casos como o da
imposição de fidelidade partidária e o da vedação do
nepotismo; b) a declaração de inconstitucionalidade de
atos normativos emanados do legislador, com base em
critérios menos rígidos que os de patente e ostensiva
violação da Constituição, de que são exemplos as
decisões referentes à verticalização das coligações
partidárias e à cláusula de barreira; c) a imposão de
condutas ou de abstenções ao Poder blico, tanto em
caso de ircia do legislador – como no precedente sobre
greve no serviço público ou sobre criação de município
como no de políticas públicas insuficientes, de que
têm sido exemplo as decisões sobre direito à saúde.
Sobre as espécies de ativismo, Gomes (2009, p.01) ensina:
[o] ativismo judicial possui duas espécies: “há o ativismo
judicial inovador (crião, ex novo, pelo juiz de uma
norma, de um direito) e o ativismo judicial revelador
57
(crião pelo juiz de uma norma, de uma regra ou de
um direito, a partir dos valores e princípios
constitucionais ou a partir de uma regra lacunosa, como
é o caso do art. 71 do CP, que cuida do crime
continuado). Neste último caso o juiz chega a inovar o
ordenamento jurídico, mas não no sentido de criar uma
norma nova, sim, no sentido de complementar o
entendimento de um princípio ou de um valor
constitucional ou de uma regra lacunosa.
O Poder Judiciário, em situações excepcionais, pode
determinar a adoção de medidas que assegurem direitos previstos
constitucionalmente, principalmente os que o reconhecidamente
essenciais, como a educação.
A participação do Poder Judiciário na implementação das
políticas públicas e da própria Constituição acaba por modificar a
clássica estrutura da jurisdição dos séculos passados, dando margem
a uma nova conceão, vocacionada à efetividade da tutela
jurisdicional e à concretização das políticas públicas, dos direitos
fundamentais e da própria Constituição.
Ao ocupar as brechas do sistema legal existente, abre-se
terreno para que o jogo de poder e a tomada de decisões políticas
encontrem nesse aspecto a possibilidade de se explicitar, conforme
o ponto de vista defendido por um ou outro juiz, interpelando
todo o princípio de suposta isenção defendida pela tradição
jurídica.
58
2.2 Do Ativismo Legislativo
O Poder Legislativo municipal é composto por Vereadores
que são eleitos pelo povo. Atuando em forma de funções, quando o
parlamentar trabalha a partir de sua competência legislativa, ele
representa os cidadãos ou parte deles. Assim, o ativismo legislativo
nada mais é do que a atuação indireta do cidadão, na busca pela
materialização de um direito que é seu, legitimamente. Trata-se de
um modelo de democracia pelo qual o povo delega o seu poder de
decisão a outras poucas pessoas, as quais deverão tomar decisões
por ele. Pela concentração do poder em mãos de poucas pessoas,
além de criar oportunidades para fins próprios e a grupos
associados, configura-se tática de governamento, de controle da
população.
O agente estatal atua em face de sua função, isto é, não gere
direitos próprios, mas do Estado, do cidadão, do povo, conforme,
até mesmo, destacado no parágrafo único do art. da
Constituição Federal:
Art. A República Federativa do Brasil, formada pela
união indissolúvel dos Estados e Municípios e do
Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de
Direito e tem como fundamentos: [...] Parágrafo único.
Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de
representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta
Constituição. (BRASIL, 2016).
Assim, quando o parlamentar pauta legislativamente um
interesse coletivo, quando se empenha em prol de uma luta que
59
tenha um viés social, ele atua na execão e concretização de
interesses públicos, e suas ões nada mais são do que dimensões de
responsabilidade intrínseca à natureza do mandato político que lhe
é conferido pela própria sociedade.
Trata-se, pois, de uma visão moderna do ativismo, trazendo
novas perspectivas ao desenvolvimento social.
2.3 Dos limites do Ativismo Judicial e do Ativismo Legislativo
É importante entender que a estrutura de Estado, no Brasil,
é composta pela tríade de poderes contemplados pela Constituição
Federal, sendo independentes e harmônicos entre si, onde cada
poder tem suas funções típicas. Ao Poder Judicrio, em princípio,
cabe a interpretação e o respeito às leis, ou seja, o limite de suas
atribuições é dado pela lei, resolvendo conflitos, realizando e
observando as normas. O Poder Legislativo, por outro lado, tem
como função típica fiscalizar e legislar. Finalmente, o Poder
Executivo tem por fuão característica os atos de chefia de estado,
chefia de governo e atos de administração.
Os ativismos judiciais e os legislativos interferem e
repercutem na esfera de decio do governo próprios do Poder
Executivo, em que pese, lembre-se, não haver sua previsão legal.
Quando se pensa no ativismo judicial, é o juiz de direito
quem faz no caso apresentado, seu juízo de valor quanto a
determinada situação, contextualizada em um ambiente
educacional. Observe-se que não uma construção, um âmbito
de convergência, de pluralidade de opiniões, concepções e visões de
mundo de atores do campo educacional. Logo, qual a certeza de
60
que a decisão se a mais acertada, no sentido de favorecer a pessoa
com deficiência? Ademais, essa decisão será isolada, não trazendo a
amplitude e a abrangência, para que os efeitos dessa decisão
sobreponham todos os muros das barreiras postas individualmente
por cada vida desviante, mesmo porque cada vida tem a
peculiaridade e a característica dela mesma: é uma vida apenas, sem
qualquer outra igual.
No ativismo judicial, uma materialização de direitos e
garantias pela atuação independente dos membros do Judiciário, a
fim de intervir no controle de atos administrativos, no
cumprimento de preceitos e normas, em um caso específico. A
atuação é além da legislação, sem respaldo legal, repercutindo em
entendimento criativo de um Tribunal, interpretação nova do
direito, muitas vezes precedente a uma lei, interpretação legal de
forma ampla, não comtemplada na própria lei. Nisto, o ativismo
judicial difere dos denominados atos de judicialização, pois estes,
ainda que também necessitem de provocação, atuando além de
suas competências, se baseiam em lei, cujas decisões têm teor
político, voltadas para a efetivação de políticas blicas, entre
outros, com interferência em outros poderes, em função da
legislaçãoprincípios e regras.
Na intervenção do Poder Judiciário, muito se questiona se
não estariam os juízes interferindo em um campo próprio do
Executivo, o qual especificamente faz a gestão pública e executa,
porque os conteúdos das ações e das postulações das políticas
públicas envolvem a viabilidade orçamentária para implementá-los,
quer dizer, é a denominada reserva do possível, que justifica a não
efetivação de uma prestação educacional no caso em concreto,
61
diante de uma questão financeira. No ativismo judicial, temos
ainda uma questão: os representantes do Judiciário figuram nessa
posição por concurso blico, provas e títulos e não são, portanto,
eleitos, escolhidos diretamente pela comunidade, como são os do
Legislativo e Executivo, decorrendo dessa circunstância o
questionamento de sua legitimidade. uma fenda nessa
neutralidade, quando o juiz, no caso em concreto, a partir de suas
experiências, convicções e entendimento, decide conforme
dimenes principiológicas constitucionais e legais, que não estão
previstas formalmente e expressamente em leis.
Confira-se:
As críticas ao ativismo residem na questão de que juízes
e Tribunais não têm legitimidade democrática para, em
suas decisões, insurgirem-se contra atos legalmente
instituídos pelo poder eleito pelo povo. (SILVA, 2019).
O ativismo legislativo não possui um conceito e limites
definidos em lei ou na doutrina, e pode se manifestar de diversas
maneiras, inclusive como a criação de normas contrárias às decisões
do Poder Judiciário ou aos atos do Poder Executivo, contornando
tais decisões/atos e esvaziando sua efetividade. O ativismo
legislativo é pautado na edição de leis que visem à mudança de
comportamentos sociais, editadas para responder a determinados
interesses e coletivos e também individuais que tenham a natureza
de direito social.
Quando se programam e se materializam, portanto, quer na
esfera judicial, quer na esfera legislativa, políticas públicas de
Educação Inclusiva que não estão previstas inicialmente na lei e são
62
planificadas de forma impositiva em relação à postura de governo,
estamos diante dos chamados ativismos judiciais e ativismos
legislativos.
Embora se reconheça o ativismo, tanto judicial como o
legislativo, como importantes estimulantes, vetores de
transformação e materialização de uma potica pública educacional
inclusiva postulada, esse instrumento é amplamente questionado
nas esferas de debates dos saberes jurídicos.
O argumento raso e abstrato é de que o Poder Executivo
não ensina o Judiciário a julgar, o Judiciário não legisla, o
Legislativo o governa, e nenhum poder “diz ao outro o que
fazer”. Ora, não se trata de simplesmente extrapolar o exercício de
atividades, as quais, em princípio, não lhe dizem respeito. É muito
mais que isso: é fazer justiça no caso em concreto, é possibilitar que
o estudante com deficiência seja acolhido no ambiente escolar e
que esse espaço seja um local igualitário, mas não apenas
abstratamente, que se implementem condições da potencialidade e
otimização da sua própria subjetivação.
É importante que prevaleça o dever de colaboração, de
cooperação, de controle reprocos dos Poderes Judiciário,
Executivo e Legislativo, buscando-se o bem comum e se
assegurando os direitos individuais relativos à educação,
permitindo-se que excepcionalmente um poder extrapole seu
âmbito inicial de atuação, com incidência na função pica do
outro, afastando a individualidade jurídica, com o objetivo nas
boas consequências.
Streck (2004, p. 19-20) discorre sobre a origem da
modernização do Judiciário:
63
No deslocamento do centro de decisões do Legislativo e
do Executivo para o plano da jurisdão constitucional,
no Estado Social e Democrático de Direito, que
propicia, por meio de mecanismos jurídicos, a forte
atuação do Poder Judiciário, pela Carta Política que o
legitima e fortalece.
A conformação de conteúdo pelo Poder Judiciário ou a
inovação de instrumentos de políticas públicas educacionais pelo
Poder Legislativo não afetam o princípio da separação de poderes,
pois a intervenção representa um novo olhar para a diferença,
tratando-se de um importante canal de garantia dos direitos,
conforme o entendimento, aliás, do Supremo Tribunal Federal, de
acordo com decisões recenssimas (BRASIL, 2021d, p. 31),
dispostas em manual próprio, de agosto de 2021, sobre a Política
Nacional de Educação Especial:
3.1 Direito à educação da pessoa com deficiência.
EMENTA: Referendo de medida cautelar em ação
direta de inconstitucionalidade. Decreto 10.502, de
30 de setembro de 2020. Política Nacional de Educão
Especial: Equitativa, Inclusiva e com Aprendizado ao
Longo da Vida. Ato normativo que inova no
ordenamento jurídico. Densidade normativa a justificar
o controle abstrato de constitucionalidade. Cabimento.
Artigo 208, inciso III, da Constituição Federal e
Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas
com Deficiência. Educão inclusiva como paradigma
constitucional. Inobservância. Medida cautelar deferida
referendada. 1. O Decreto 10.502/2020 inova no
64
ordenamento jurídico. Seu texto não se limita a
pormenorizar os termos da lei regulamentada (Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional), promovendo
a introdução de uma nova política educacional nacional,
com o estabelecimento de institutos, serviços e
obrigações que, até então, não estavam inseridos na
disciplina educacional do país, sendo dotado de
densidade normative a justificar o cabimento da presente
ação direta de inconstitucionalidade […]
A Constituição estabeleceu a garantia de atendimento
especializado às pessoas com deficiência preferencial-
mente na rede regular de ensino (art. 208, inciso III). A
Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas
com Deficiência primeiro tratado internacional
aprovado pelo rito legislativo previsto no art. 5º, § 3º,
da Constituição Federal e internalizado
por meio do Decreto Presidencial 6.949/2009 veio
reforçar o direito das pessoas com deficiência à educação
livre de discriminação e com base na igualdade de
oportunidades, pelo que determina a obrigação dos
estados partes de assegurar um sistema educacional
inclusivo em todos os níveis. […] O paradigma da
educação inclusiva é o resultado de um processo de
conquistas sociais que afastaram a ideia de vivência
segregada das pessoas com deficiência ou necessidades
especiais para inseri-las no contexto da comunidade.
Subverter esse paradigma significa, além de grave ofensa
à Constituição de 1988, um retrocesso na proteção de
direitos desses indivíduos. 4. A Política Nacional de
Educação Especial questionada contraria o paradigma da
educação inclusiva, por claramente retirar a ênfase da
65
matrícula no ensino regular, passando a apresentar esse
último como mera alternativa dentro do sistema de
educação especial. Desse modo, o Decreto
10.502/2020 pode vir a fundamentar políticas públicas
que fragilizam o imperativo da inclusão de alunos com
deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e
altas habilidades ou superdotação na rede regular de
ensino. 5. Medida cautelar referendada.
É firme o entendimento deste Tribunal de que o Poder
Judiciário pode, sem que fique configurada violação ao
princípio da separação dos Poderes, determinar a
implementação de políticas públicas em defesa de
direitos fundamentais. 2. Para se chegar a conclusão
diversa daquela a que chegou o Tribunal de origem,
quanto às necessidades especiais dos autores e à fixação
da proporção numérica de professor/aluno por sala de
aula, seria necessário o reexame do conjunto fático-
probario dos autos. Incidência da Súmula 279 do
STF.
A atuação acontece pela omissão estatal e não contemplação
absoluta e integral dos direitos fundamentais, contendo os excessos
do Executivo, que extrapola o que está definido constitucional-
mente.
Não existe confusão entre a discricionariedade do
administrador (liberdade de escolha, à luz de critérios de
conveniência e oportunidade) com os conceitos jurídicos
indeterminados que precisam de uma certa valoração por parte do
intérprete. A valoração do caso concreto, de natureza inclusiva, não
é uma atividade discricionária, sendo passível, portanto, de
66
controle judicial e legislativo, na busca pela sua afirmação e
materialização.
Defende-se, assim, a competência de todos os Poderes
(Executivo, Judiciário e Legislativo) de atuar em relação ao outro,
em dimensões específicas, em situações de não concretização de um
direito e garantias previstos na Constituição Federal, especifica-
mente no tocante às políticas públicas do incluído.
A Constituição Federal de 1988 consagra o princípio da
separação dos poderes, especificamente no seu art. 2º, dispondo:
“São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o
Legislativo, o Executivo e o Judiciário.”
o vedação de proibão de interferência ou
delimitação entre os poderes, senão em relação às competências de
cada um, formalizando, contudo, o dever de colaboração, de
cooperação, de controle recíprocos:
Em princípio, o Poder Judiciário não deve intervir em
esfera reservada a outro Poder para substituí-lo em juízos
de conveniência e oportunidade, querendo controlar as
opções legislativas de organização e prestação, a o ser,
excepcionalmente, quando haja uma violação evidente e
arbitrária, pelo legislador, da incumbência constitucional.
No entanto, parece-nos cada vez mais necessária a revisão
do vetusto dogma da Separação dos Poderes em relação ao
controle dos gastos públicos e da prestação dos serviços
básicos no Estado Social, visto que os Poderes Legislativo
e Executivo no Brasil se mostraram incapazes de garantir
um cumprimento racional dos respectivos preceitos
constitucionais. (KRELL, 2002, p. 22).
67
Montesquieu, na sua obra O Esrito das leis
(MONTESQUIEU, 2000), com base nos trabalhos de Aristóteles
(Política) e de John Locke (Segundo Tratado do Governo Civil), no
período da Revolução Francesa, trouxe fundamentos para a
denominada Teoria da Separação dos Poderes, conhecida também
como “Sistema de Freios e Contrapesos”.
O “Sistema de Freios e Contrapesos planifica a
problemática sobre determinada interferência de um poder sobre o
outro. Deve-se centralizar a busca pelo bem comum de todos,
permitindo-se que excepcionalmente um poder extrapole seu
âmbito inicial de atuação, com incidência na função típica do
outro, afastando a individualidade jurídica, com o objetivo nas
boas consequências.
O Superior Tribunal Federal (BRASIL, 2012a), sobre o
caráter programático das regras e os direitos e garantias
constitucionalmente assegurados, direciona-se no sentido de que,
para assegurar um direito, é dever solirio da União, do Estado e
do Município providenciá-lo. O caráter programático das regras
não poderá se converter em promessa constitucional
inconsequente, isto é, não pode o Estado a despeito de invocar
normatizações constitucionais silenciar-se e omitir-se frente a
direitos e garantias constitucionalmente assegurados ao povo, com
a sua integral efetivação.
Os operadores do Direito, na esfera judicial e mesmo na
legislativa, não devem cingir-se apenas a referenciais e abordagens
descritas como técnicas formalistas, manuais, textos didáticos e
ensinamentos da doutrina. Devem ir além, aprofundar o estudo do
caso, multidisciplinarmente, envolvendo-se na concepção, na
68
gestão da política pública, formulando e propondo ajustes para o
aperfeiçoamento e a execução de políticas, aumentando a sua
efetividade.
Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de
representantes eleitos ou diretamente, nos termos da Constituição,
e, sendo assim, todos, o Judiciário, o Legislativo e o Executivo, têm
o seu caráter político em prol de uma ação comum, ainda que
incerta: julgar, legislar e governar, o à margem do comum, mas
no acolhimento do comum e, principalmente, das diferenças que
forçam a regulamentação social e a biopolítica a se abrir a eles. O
comprometimento ético e político deve ser um dos horizontes,
para além das questões relativas à igualdade e à justiça, em termos
abstratos dos Direitos Humanos, ou de uma Sociedade Plural e
Inclusiva, em termos teleológicos. O ativismo tem uma conotação
bastante importante e estratégica, nas lutas locais e transversais.
As tensões entre os debates, quanto à harmonia e total
independência entre os poderes, levam muitas vezes a minar o
ativismo e, via de consequência, a cercear um importante elemento
estruturante, o qual pode fazer a diferença para aquela vida
desviante, que historicamente é marginalizada, colocada em
escanteio pelas políticas públicas educacionais.
Outras críticas quanto ao ativismo vêm à tona, como a
colocação da judicialização como causa da ineficiência e
atravancamento do Poder Judiciário. O atual ministro do STF,
Gilmar Ferreira Mendes, pontua:
O modelo de convivência entre o controle difuso e
concentrado produziu, na democracia brasileira, o
69
fenômeno da judicialização da potica com contornos
desconhecidos nas democracias maduras. Derrotadas nas
arenas majoritárias, as minorias políticas procuram
revogar na Justiça as decisões da maioria. A politizão
dos atores judiciais criou o ambiente atual, em que
vigoram cerca de um milhão de liminares. (MENDES
apud MACIEL; KOERNER, 2012, p. 117).
Também quem tente limitar os ativismos e o processo
de judicialização, invocando a ventilada denominada cláusula da
reserva do possível orçamentário, através de verbas públicas
disponíveis à política pública, instrumento ao qual procura
condicionar uma postulação firmada em juízo à existência de
valores orçamentário-financeiros. É o mercado, o instrumento
neoliberal, ditando políticas sociais e individuais, regulando quem
deve viver e quem morre.
Na tentativa de minar o ativismo, aqueles, ainda, que
tentam apresentar um dualismo entre o ativismo em si e o processo
de judicialização, desqualificando o primeiro, considerando-o
como uma questão de vontade do juiz, o qual romperia com a
noção de rule of law, na medida em que, a partir disso, em suas
manifestações, o juiz sempre exercerá sua discricionariedade e,
entre os pontos de vista, poderia alinhar-se àquele mais próximo
das suas preferências subjetivas. Isso representaria, portanto, um
perigo, porque vinculado a um ato de vontade do julgador,
reputando-se um risco à democracia, com o risco de decisões
tomadas com pretenso fundamento na opiniãoblica.
O Estado de Direito (Rule of Law) é um valor ético, porque
ele exige que o Estado trate os sujeitos como iguais perante a lei
70
(“tese da igualdade”). Por conseguinte, se, no caso em concreto,
pelo ativismo, é possível uma ressignificação de uma política
pública educacional posta, com a finalidade de garantir o amplo
acesso à educação, na sua esfera inclusiva, como poderia ter por
concepção que uma afronta à rule of law? Pelo contrário, a
atuação jurisdicional e mesmo a parlamentar emergem desse
sentido de igualdade.
Deve-se contemplar a garantia do cumprimento racional
dos respectivos preceitos constitucionais, com o ativismo, em todas
as formas postuladas, estruturando-se, em caso de omissões
inconstitucionais, como importante canal de garantia dos direitos,
principalmente quando se constatar a omissão estatal e a não
contemplação absoluta e integral dos direitos fundamentais
(criando condições para o exercício do direito à educação, bem
como condições reais, com estruturas, instituições e recursos
humanos) e individuais (igualdade de acesso, com vistas ao seu
pleno desenvolvimento, considerando suas características e
potencialidades), assegurando a observação de garantias sociais,
econômicas, culturais e educacionais, cuja inércia pode
potencialmente afetar condições essenciais à sobrevivência do
indivíduo, e, conforme estudos planificados, associados à órbita do
incluído.
71
Capítulo 3
Ativismo Judicial e Ativismo Legislativo
e a Educação Inclusiva
3.1 O ativismo judicial e o ativismo legislativo sob a ótica da
governamentalidade e da biopolítica
Neste tópico, propõe-se a reflexão sobre os ativismos
judiciais e legislativos, do ponto de vista da governamentalidade e
da biopolítica. Os ativismos, em que pese se tratar de importantes
formas de acolhimento de uma diferença, constituem formas e
tecnologias de governamentalidade.
A presença dos estudantes com deficiência na escola, muitas
vezes garantida, diretamente ou reflexamente pela lei, pelo ativismo
judicial, nos mostra que o tratamento diferenciado tem que ser
para outros que ainda não têm o estigma da anormalidade.
A partir da ótica foucaultiana da biopolítica, identifica-se o
lugar ocupado pela pessoa que busca a inclusão, na qualidade de
sujeito de direitos, como legitimada nas esferas dos direitos
individuais e tamm no âmbito da esfera pública, levando-se em
conta que o Estado não es conectado com a racionalidade de
normatização das diferenças e tem em vista a manutenção das
relações de domínio e de poder.
72
Ao refletirmos acerca da temática apresentada, com o
pensamento de Michel Foucault, o evidencia-se a construção de
uma percepção da ordem que se evidencia, dos processos voltados
às pessoas com deficiência, as quais lutam por tal inclusão. Os
discursos anunciativos da ordem do processo de aprendizagem sob
a ótica da inclusão moldam-se na concepção de normalização. Esses
discursos dispersam a realidade contemplada, são organizados
conforme a ordem e o interesse do Estado, em contraponto com as
considerações de quem foi excluído e luta para que a inclusão
aconteça.
Nos vários escritos e obras, Foucault relaciona elementos
do Direito, inclusive para diagramar relações estruturais de poder,
verdade e subjetividade ou, ainda, de soberania, disciplina e
biopolítica, além de associar o Estado e as artes de governar à razão
de Estado e de direito.
A vida ativa e produtiva, livre e sem opressão, é perspectiva
planificada no próprio direito à vida, conforme demonstra
Foucault (1999a, p. 136):
O “direito” à vida, ao corpo, à saúde, à felicidade à
satisfão das necessidades, o “direito acima de todas as
opressões ou alienações”, de encontrar o que se é e tudo
o que se pode ser, esse direito” tão incompreensível
para o sistema jurídico clássico, foi a réplica política a
todos esses nossos procedimentos de poder.
O discurso inclusivo é fortemente atrelado à governamen-
talidade neoliberal, sendo incorporado à formação discursiva da
educação para todos. A inclusão escolar como uma governamen-
73
talidade, a qual é delineada na gestão da vida dos grupos que
compõem a população, emerge como um direito que busca a
efetivação de espaços de valorização e concretização das
diferenças.
3.2 Um olhar sobre a Educação Inclusiva à luz da biopolítica de
Michel Foucault
Passa-se a discorrer agora sobre a dimensão da Educação
Inclusiva sob a perspectiva da filosofia de Michel Foucault,
principalmente de governamentalidade e biopolítica, explicitando
um referencial teórico que fundamentou a pesquisa de Mestrado,
fornecendo os elementos necessários e imprescindíveis para o
desenvolvimento do texto, problematizando os marcos jurídicos e
colaborando no delineamento do ativismo legislativo e também do
ativismo judiciário, principalmente ao elucidar certa compreensão
das lutas e discussões sobre a inclusão.
A utilização de Foucault para a abordagem do tema de
pesquisa não é tarefa simples, pois o filósofo o teve a Educação
Inclusiva como o tema central e específico do seu desenvolvimento
filosófico. Aliás, Foucault não escreveu diretamente sobre a própria
educação. Contudo, a educação é atingida pelas imersões em
Foucault, de forma transversal. O filósofo francês ponderou
análises sobre aparelhos, sobre instituições de sequestro”, as quais
tomam o corpo da pessoa e estabelecem modos de vida, princípios
de convivência comuns, na sociedade. Dentre os aparelhos, temos
as fábricas, as prisões, a igreja e a escola.
74
Existe algo de muito curioso nestas instituões. É que,
se aparentemente elas são todas especializadas as
fábricas feitas para produzir, os hospitais, psiquiátricos
ou não, para curar, as escolas para ensinar, as prisões
para punir –, o funcionamento destas instituições
implica uma disciplina geral da existência que ultrapassa
amplamente as suas finalidades aparentemente precisas.
É muito curioso observar, por exemplo, como a
imoralidade (a imoralidade sexual) constituiu, para os
patrões das fábricas do começo do século XIX, um
problema considerável. E isto não simplesmente em
função dos problemas de natalidade, que se controlava
mal, ao menos no nível da incidência demogfica. A
razão é que o patronato não suportava a devassidão
operária, a sexualidade operária. Pode-se perguntar,
igualmente, por que nos hospitais, psiquiátricos ou o,
que o feitos para curar, o comportamento sexual, a
atividade sexual é proibida. Pode-se invocar
um certo
número de razões de higiene. Elas são, no entanto,
marginais com relação a uma espécie de decio geral,
fundamental, universal de que um hospital, psiquiátrico
ou não, deve se encarregar não da função particular
que exerce sobre os indivíduos, mas também da
totalidade da sua existência. Por que nas escolas não se
ensina somente a ler, mas se obrigam as pessoas a se
lavar? Existe aqui uma espécie de polimorfismo, de
polivalência; de indiscrição, de não-discrão, de
sincretismo desta função de controle da existência.
(FOUCAULT, 2003, p. 118-119).
75
No ponto de interseão entre a perspectiva foucaultiana e
o pensamento pedagógico, encontramos o sujeito, diferenciando-se
a concepção na maneira de vislumbrar o sujeito, pois, enquanto
Foucault o entende como uma invenção moderna, a maioria das
correntes pedagógicas o têm como entidade pré-existente, como
um a priori a ser trabalhado, a ser educado.
Importante apresentar definições e conceitos de
governamentalidade, de povo e população, a partir das locuções
filosóficas, fundamentais para a compreensão da análise dos
acontecimentos emergentes, tratados nesta obra.
3.2.1 Governamentalidade
As postulações de Foucault são ferramentas importantes
para a compreensão dos discursos que fundamentaram a Educação
Inclusiva. Estudar as dimensões e as perspectivas de Foucault, seus
estudos e reflexões, trazem luz para a visualização de como a
Educação Inclusiva se materializou, ao longo da história,
possibilitando perceber as dificuldades e lutas dessa população.
A vida sempre foi colocada no centro da política. Desde a
modernidade, houve uma mudança, a qual começou no próprio
período medieval, com o aparecimento dos impérios e estados
soberanos: o rei que se coloca como alguém que cuidava da polis,
tinha como soberano o direito sobre a vida e a morte dos seus
súditos (KRITSCH, 2002).
Na passagem para a modernidade, não se pergunta mais
sobre a vida ou a morte, mas, de outro modo, não apenas como
possibilidade de vida e morte, uma situação de que tudo que é
76
feito, menos centralizado em relação a um único soberano, as várias
artes de governos religiosas, pedagógicas, psiquiátricas –, que
permitam à população ter sua vida mais intensificada, produtiva,
útil para o Estado. É relevante trazer a noção de biopolítica, posta
por Foucault (1999), como uma série de tecnologias de poder para
governo e controle da vida das populações: produção e delimitação
dos modos de existir, materializando-se por normas, determinões
de lugares e modos de funcionamento dos grupos e populações.
Foucault (1988) indica, ainda, uma anátomo-política que dociliza
os corpos, tornando-os úteis e previsíveis.
Das estratégias de controle, da sua composição, emerge o
biopoder poder sobre a vida. Quando o Estado busca estratégias
de Educação Inclusiva, ele tem por objetivo esférico criar
mecanismos que tornem os indivíduos e os sujeitos corpos dóceis e
úteis.
Importante compreender o estabelecimento da relação
entre a Educação Inclusiva e a arte de governar, as quais contêm
em si o processo de gestão de vida da população, em uma
perspectiva da biopolítica e da governamentalidade. A arte de
governar se pronunciou nas microrrelações de poder do sujeito
humano, no movimento das relações de produção e de poder, do
caminho externo para o interno e do interno para o externo. Sobre
artes de governar, remete-se às discussões no curso Segurança,
território e população (1978) e também às aulas proferidas por
Michel Foucault, em especial a aula dede fevereiro de 1978.
As artes liberais se revelam, em seu contexto, como
formulações que se firmam com o escopo de controle tanto dos
sujeitos quanto dos corpos, de forma conectada, com o
77
envolvimento do sujeito, que ao mesmo tempo, faz o controle de si
e é controlado na população pelo Estado. Para Foucault (2008b), é
a governamentalidade que elabora, racionaliza e centraliza o poder.
O entendimento de governamentalidade é bem delimitado
em Foucault (2008b, p. 143-144):
Governamentalidade é o conjunto constituído pelas
instituições, os procedimentos, análises e reflexões, os
cálculos e táticas que permitem exercer esta forma bem
específica, embora muito complexa, de poder que tem
como alvo principal a população, por principal forma de
saber a economia política e por instrumento técnico
essencial os dispositivos de segurança.
Em segundo lugar, porgovernamentalidadeentendo a
tendência, a linha que força que, em todo o Ocidente, e
desde muito, para a preeminência desse tipo de poder
que podemos chamar de “governo” sobre todos os
outros soberania, disciplina e que trouxe, por um
lado, o desenvolvimento de toda uma série de saberes.
Enfim, por “governamentalidade”, creio que deveria
entender o processo, ou antes, o resultado do processo
pelo qual o Estado de justiça da Idade Média que nos
séculos XV e XVI se tornou o Estado Administrativo,
viu-se pouco a poucoGovernamentalizado”.
Pela governamentalidade, projeta-se a arte de governo
como uma ciência política que se programa em vários aspectos,
além do político, como o geral e o social, objetivando a utilidade
do homem com o controle e dependência, e até mesmo ligado à
formatação de sua própria identidade pelas tecnologias de si.
78
A racionalidade governamental tem por especificidade e
característica a forma das funções de governo pelo Estado: se, antes,
o Estado tinha, pela soberania, o domínio no aspecto territorial,
uma nova articulação de estrutura de poder, extrapolando a
dimensão territorial, emergindo agora sobre populações. Por sua
vez, governamento, em amplo sentido, refere-se aos “[...] modos de
ação mais ou menos refletidos e calculados, porém todos
destinados a agir sobre as possibilidades de ação dos outros
indivíduos.” (FOUCAULT, 1995b, p. 247).
O governo dos corpos é exercido não apenas pelo Estado,
mas por vários organismos de cooptação, como as famílias, a
escola, o trabalho, dentre outros, em uma complexa e dinâmica
rede de relações de saber-poder-subjetivação, formando um
dispositivo político e histórico. No âmbito das pesquisas sobre o
poder, na filosofia de Foucault, percebem-se enunciações
conceituais de vários níveis, sendo evidente a discussão do poder
disciplinar em contraponto com a problemática do poder
soberano. Sobre esse poder, em meados do culo XVI, cabia à
teoria clássica da arte da soberania o direito de “fazer morrer ou
deixar viver” como atributo fundamental.
Nos séculos XVII e XVIII, passa-se a se modificar e a se
constituir em uma nova abordagem, na disciplina, em que o
problema da vida vem a ser primordial e o direito de “fazer viver e
de deixar morrer se torna o destaque. Desde o século XVIII, o
poder em torno da vida se organizava principalmente de duas
formas articuladas: ele opera no indivíduo (poder disciplinar) e,
também, sobre a população (biopoder).
79
Assim, a constituição do biopoder se reveste de uma
dualidade, ao longo da história, fundando-se como anátomo-
política do corpo humano (no século XVII) e pela biopolítica da
população, por meio da organização do poder sobre a vida e seus
processos biológicos (século XVIII):
Ao que essa nova cnica de poder não disciplinar se
aplica é diferentemente da disciplina, que se dirige ao
corpo a vida dos homens, ou ainda, se vocês
preferirem, ela se dirige não ao homem-corpo, mas ao
homem vivo, ao homem ser vivo; no limite, se vocês
quiserem, ao homem-espécie. Mais precisamente, eu
diria isto: a disciplina tenta reger a multiplicidade dos
homens na medida em que essa multiplicidade pode e
deve redundar em corpos individuais que
devem ser vigiados, treinados, utilizados, eventualmente
punidos. E, depois, a nova tecnologia que se instala se
dirige à multiplicidade dos homens, o na medida em
que eles se resumem em corpos, mas na medida em que
ela forma, ao contrário, uma massa global, afetada por
processos de conjunto que o próprios da vida, que o
processos como o nascimento, a morte, a produção, a
doença, etc. (FOUCAULT, 2005, p. 289).
Se, antes, o poder tinha por interesse a individualização,
através das disciplinas de adestramento e controle, ele passa a
outras formas de atuação, sob outras vertentes, tendo por destaque,
por conseguinte, nascimento, morte, proliferação, saúde.
O poder, assim, não se estabelece apenas de baixo para
cima, numa linha vertical, firmando-se no que Foucault classificou
80
como biopoder e biopolítica. A temática da governamentalidade
reflete nos procedimentos de governo dos corpos presente tanto
na totalidade biopolítica quanto na individualidade disciplinar –, a
dinâmica de governo. Enquanto, disciplinarmente, o objetivo é o
corpo do indivíduo, pela biopolítica, foca-se na população, como
um corpo-espécie, um corpo vivo, concebido como apoio dos
processos biológicos: mortalidade, natalidade, saúde, longevidade,
morbidade etc. Instaura-se, assim, uma relão de várias
engrenagens que levam à biopolítica da população com as funções
sociais estruturando um governamento da população, e entram na
nossa vida, e vão internalizando, criando – a partir dos dispositivos
um conjunto de engrenagem, como se fosse uma máquina
estruturante.
Isso se por lculo de poder e de suas estratégias, as
quais, por meio da governamentalidade, adentram na nossa vida
ordinária e, de certo modo, nós vamos nos subjetivando por esse
mecanismo. Contudo, não se pode perder de vista que é pprio de
cada vida vivenciá-la com toda a sua própria plenitude, com
amplas e reais condições de saúde, alimentação e educação, direitos
fundamentais básicos, que reportam ao mínimo existencial, sendo
fundamento do Estado Democrático de Direito.
Enaltece-se a figura dos sujeitos políticos e de direitos,
porém, essencialmente, seu agir ocorre em função dos elementos
estruturantes da governamentalidade, a partir de concepções
econômicas, em função da renda acumulada e do ganho, da forma
de usar essa renda para o consumo, para satisfazer e realizar nossos
desejos, de certa maneira, através de uma economia. A vida, como
corpo biológico, torna-se objeto de uma estrutura, uma mecânica
81
do poder, em um Estado preocupado com a administração da vida
individual e populacional, almejando regular a sua vida e
normalizar seus corpos.
Quando o aparato judicial, admoestado, analisa a
postulação da pessoa com deficiência, avalia, decide e promove a
regulação da sua vida e da normalização daquele corpo individual.
Emerge desse aspecto um ativismo judicial, com a concretização de
direitos de um caso específico, mas também uma regulação jurídica
da vida desse indivíduo.
Trata-se de ponto de emergência de ativismo, advindo com
os Direitos Humanos. O movimento, que razão ao ativismo
judiciário, também influencia legislativamente, quando a
população, que se faz representar na Câmara Municipal por
parlamentares, objetiva a ampliação de seus direitos, ainda que se
reconheça que esse movimento não escapa também de se
categorizar como modo de regulação jurídica. Assim, se o ativismo
judiciário apresenta uma forma descendente de poder e de
governamentalidade, exigindo que o que está prescrito em lei seja
cumprido pelo Estado e pelos governantes, isto é, pelo Executivo, o
ativismo legislativo amplia o acervo legal, garantindo que os
direitos daqueles setores da população que até então não tinham
acesso ao estatuto jurídico de cidadania sejam garantidos,
efetuando sua forma vetorialmente ascendente do biopoder.
Pelo biopoder, assegura-se o ajuste da população aos
processos econômicos, com o controle dos corpos no aparato
produtivo. Segundo Foucault (2008), tanto a sujeição dos corpos
quanto o controle sobre as populações são obtidos por
mecanismos, por tecnologias de poder:
82
[...] o que vemos surgir agora [não é] a ideia de um
poder que assumiria a forma de uma vigincia exaustiva
dos indivíduos para que, de certo modo, cada um deles,
em cada momento, em tudo o que faz, esteja presente
aos olhos do soberano, mas o conjunto dos mecanismos
que vão tronar pertinentes, para o governo e para os que
governam, fenômenos bem específicos, que não são
exatamente os fenômenos individuais, se bem que os
indivíduos figurem de certo modo e os processos de
individualização sejam bem específicos. É uma
maneira bem diferente de fazer funcionar a relação
coletivo/indivíduo, totalidade do corpo social/frag-
mentação elementar, é uma maneira diferente que vai
agir no que chamo de população. E o governo das
populações é, creio eu, algo totalmente diferente do
exercio de uma soberania sobre a mesmo o grão mais
fino dos comportamentos individuais. (FOUCA
ULT,
2008, p. 87).
De acordo com Foucault (1999, p. 298), "[...] à velha
mecânica do poder de soberania escapavam muitas coisas, tanto
por baixo quanto por cima, no vel do detalhe e no nível da
massa." O biopoder legitimava um modo de governar como um
movimento em que corpos são treinados com intenção produtiva
incluindo aqueles que antes estavam excluídos e segregados, de
uma maneira individualizante. Pela biopolítica, estendeu-se de
forma geral o gerenciamento da vida de quem estava
marginalizado, pois a disciplina das condutas individuais não
bastava e a arte de governar” sobressaía como importante
dispositivo.
83
O que caracteriza o biopoder não é uma regulação estatal
da população: existe um conjunto de procedimentos e técnicas que
interferem nas relões de poder e no controle dos pontos comuns
entre o indivíduo e a população. As técnicas disciplinares que
estruturavam as formas tradicionais de poder, desde o século XIX,
são incorporadas pelo biopoder, acentuando um discurso de
cuidado com a população, onde o alvo é, agora, a “[...]
multiplicidade dos homens, o na medida em que eles se
resumem em corpos, mas na medida em que ela forma, ao
contrário, uma massa global, afetada por processos de conjunto que
são próprios da vida.” (FOUCAULT, 2005, p. 289).
A sociedade, portanto, é organizada para gerir a vida da
população, empreendendo os esforços para administrar a
população, numa racionalidade de governamento que pretende
maximizar a vida dessa população. Afirma Foucault (2008b, p. 30):
“É que a linha de organização de uma biopolítica’ encontra seu
ponto de partida.”
A governamentalidade neoliberal desponta, criando-se
determinados mecanismos, como institucionalização de leis (por
exemplo, aquelas criadas para o atendimento de pessoas com
deficiência) e as instituições escolares e suas adaptações etc.,
colaborando com a efetivação da lógica de novas tecnologias de
governo de sujeição e subjetivação. No neoliberalismo, ocorre um
maior ativismo, seja jurídico, seja legislativo, porque o avanço do
ativismo legislativo tende a buscar a ampliação de direitos da
população até então excluída da vida política por sua condição
étnico-racial, de gênero ou de orientação sexual e de deficiência,
encontrando atores políticos que os representem, levando adiante
84
os seus vetores ascendentes pela luta em prol da governamen-
talidade, a fim de fazer parte de um governo biopolítico da
população e, sobretudo, à sua inseão no mercado econômico.
Por sua vez, o ativismo judiciário atua de certo modo
forçando os agentes públicos, sobretudo os governantes e o
Executivo, a cumprirem as conquistas legais, numa forma
descendente de garantir direitos à população em geral e,
particularmente, àqueles setores nos quais a vida não se encontra de
todo regulada, propiciando a sua integração numa racionalidade
econômica que compreende a todos e que passa a ser condição
neoliberal para a cidadania.
É na conjuntura jurídica e política da biopolítica que a
inclusão escolar das pessoas com deficiência emerge associada à
lógica econômica neoliberal. O neoliberalismo não se enquadra
apenas na relação de dominação, no âmbito da exploração, mas
perpassa, e sobrepõe, também aquilo que faz do nosso modo de
vida individual, de certa maneira consumista. O neoliberalismo
está recostado bem ali, nos planos de luta e de dominação onde o
sujeito vai se formando, como classe determinada, como
subalterna, de exploração, que chega a próprio ponto de ser preso
por uma individualidade que ele próprio escolheu. o é mais o
Estado que faz isso com a gente, mas também o Estado. Nós
próprios provocamos. Logo, não dominação apenas biogica.
Pagni (2015, p. 95) argumenta: “O que permanece intacto
nesse jogo é o esvaziamento de sentidos para reduzir a vida à sua
racionalização, sequer gica, somente econômica.” Uma rie de
dias e medidas são estabelecidas sobre o corpo social, como
controle de mortalidade, de natalidade, situões que permitem ao
85
Estado gerir situões chamadas como normais, para aumentar a
potencialidade, a produtividade do Estado. Por meio desse
aparelho, o Estado também controla as artes psiquiátricas, interna
os loucos, postula a prevenção de saúde, uma série de políticas
relacionadas à arte de governo, am de vários outros controles.
Aliás, cada indivíduo da população se autogoverna, tendo desde
cedo vetores de como deve ser a sua conduta na vida pública, como
proceder etc.: é a anátomo-política do corpo. Um corpo docilizado,
que se dociliza quase por vontade ppria: um Eu preciso
obedecer!
Em tudo o que é desregulado do corpo social o Estado
intervém. Seja pelos mecanismos de certas tecnologias, de
instrumentos disciplinares, seja pelo uso letimo da força policial.
É assim que, de certo modo, funciona o estado moderno,
compreendido sob o prisma da biopolítica e que também utiliza
vários dispositivos para tornar a vida mais produtiva. É a vida
como objeto político.
Admite-se a intervenção, inclusive, uma violência não
regulada por lei, estruturada e instituída jurídica e politicamente,
[des]qualificando-se de relevo jurídico a própria vida. Pela
emergência moderna da biopolítica, o Estado atua cada vez mais no
sentido de amenizar as formas soberanas de violência estatal, para
utilizar outras tecnologias que regulam, normalizam a vida, sem
recurso à excessiva dominação. Questionando-se a violência estatal,
aparece uma espécie de ativismo, ao qual coincide com as
demarcações dos Direitos Humanos, que, contudo, no presente,
têm-se mostrado insuficientes, por se respaldar em um conjunto de
metanarrativas universalistas, globais, por vezes colonizadoras,
86
ignorando as lutas locais, transversas, e as forças ingovernáveis de
registro.
O ativismo legislativo se constitui em um parceiro
importante para o ativismo judicial. Embora representada por
parlamentares, no Poder Legislativo, é a comunidade que deveria se
fazer presente. A sistemática eleitoral tem por objetivo que todas as
minorias em tese se façam presentes na esfera legislativa de
debates. Nessa perspectiva, cria-se a oportunidade e um campo
fértil de reconhecimento das lutas e ampliação, no sentido não
somente de operar conforme a lei, como também de forçar a sua
extensão a movimentos e setores da população regulada que a
extrapola, numa efetiva militância em prol de um sujeito que se
integra ao Estado Democrático de Direito.
O ativismo judiciário e o ativismo legislativo podem
também ser formais, em prol de um sujeito de direitos idealizado,
nem sempre proveniente das lutas locais e transversais, algo que
geralmente acontece nos termos nos quais os descrevemos
anteriormente, isto é, como facilitadores dos vetores ascendente e
descendente de governamentalidade biopolítica. O contexto
admite e favorece a possibilidade de que o sujeito de direito seja
regido pelas regras do mercado e da economia, assujeitando-se a
uma racionalidade econômica em relação à pessoa que possa desejar
se sentir incluída. Aliás, o desejo passa a ser quase um imperativo,
nos processos de subjetivação neoliberais, como salientado por
Pagni (2021).
Logo, revela-se a necessidade de o ativismo judicial e o
ativismo legislativo estarem acoplados às lutas que extrapolassem as
suas respectivas racionalidades (jurídica ou legal e legislativa ou
87
retórica) e a interpelassem, encontrando como caminho
institucional sua atuação junto ao Legislativo ou ao Judiciário:
nesse aspecto, tem-se uma forma de tornar efetiva sua luta em prol
do sujeito de direito qualificado pela diferea e, estrategicamente,
efetuar sua afirmação nos embates da governamentalidade
biopolítica. Todavia, parece ser necessário compreender como os
modos de ativismo deveriam atuar como defensores e ampliadores
dos direitos dos sujeitos que carregam em si, não somente as
diferenças que os atravessam, em geral, mas particularmente,
aquele/as denominado/as pessoas com deficiência.
3.2.2 Povo e população
A partir da ideia de Foucault quanto à governamentalidade
(REVEL, 2011), extrai-se a concepção do encontro entre as
técnicas de dominação exercidas sobre os outros e as técnicas de si,
conseguindo-se desdobrar que o ativismo teria essa face
descendente, prescritiva e, portanto, atuaria no sentido de que o
Estado cumpra a legislação e também a face ascendente da
governamentalidade, que atua pelo campo legislativo, que amplia,
de alguma forma, que gera uma tensão no Poder Judiciário, para
haver uma intervenção de um poder sobre o outro, de sorte que
sejam ouvidos segmentos organizados.
Realça-se o pensamento de que, no ativismo, é indigno
falar pelo outro, de que se deve abrir espaço para que cada um fale
por si próprio, assuma posições por si pprio, como deveria ser
sempre, não apenas no campo legislativo, mas no campo judiciário,
na vida política, no sentido estrito da palavra.
88
A abertura de espaço para o outro, como uma emancipação
ética do excluído, remete à ideia de diferenciação e pertencimento,
que Agambem (2010, p. 173) apresenta como povo e população.
Importante diferenciar o entendimento de povo, no senso
comum e na filosofia política. No senso comum, povo se associa ao
conjunto de indivíduos, que, num dado momento histórico,
constitui uma nação, sujeita a um determinado regime jurídico. Na
filosofia política, a ideia de povo alinha-se na análise e
desenvolvimento da atividade política, na democracia, referenciada
por um estado social e mesmo como forma de administrar a
comunidade, criando, legitimando, orientando e controlando o
poder que a governa.
Agambem (2010, p. 173) cita, como fratura de biopolítica,
o movimento de força centrífuga a que o povo busca fugir, de não
captura:
O povocarrega, assim, desde sempre, em si, a fratura
biopolítica fundamental. Ele é aquilo que não pode ser
incluído no todo do qual faz parte, e não pode pertencer
ao conjunto no qual es desde sempre incldo. Daí
as contradições e as suas aporias às quais ele lugar
toda vez que é evocado e posto em jogo na cena política.
Ele é aquilo que desde sempre, e que deve, todavia,
realizar-se; é a fonte pura de toda a identidade, e deve,
porém, continuamente redefinir-se e purificar-se através
da exclusão, da ngua, do sangue, do território. Ou
então, no polo oposto, ele é aquilo que falta por essência
a si mesmo e cuja realização coincide, portanto, com a
própria abolição.
89
Povo, aqui, não traz o sentido de organização, de
administração. Povo, pensando no movimento de captura, tem a
força que aponta para o caos. o tem política que faça caber
todos dentro, relacionando-se a uma forma de se expressar
diferente, de quem não cabe no corpo social, que, de certa maneira,
os próprios corpos não adentram, como margem da população,
apresentando a ideia de ser esférico de população, de estar na
margem, de possuir certos dispositivos que o empurram para fora.
O povo sempre resiste ao enquadramento. certos
aspectos de governo da população que não estão dominados. São
acontecimentos vistos pelo Estado, que observa a desregulação e
muitas vezes a resolve pelo braço armado, pela força. Decorrem
dessa questão outras formas de regulação, para que as pessoas se
sintam governadas.
Por mais que a biopolítica queira, sempre vai haver
conflito, pois ela não consegue sedimentar. um controle da
vida, mas também a possibilidade de pensar a vida como norma
vital, como linha de fuga, de possibilidade de resistir, de resistência.
Atualmente, está havendo um refluxo das políticas
afirmativas e de inclusão como observado anteriormente –,
vislumbrando-se a exisncia de corpos marcados pela diferença.
Ora, o povo é múltiplo, não é individualizado, por mais que se
tente individualizá-lo. Criam-se dispositivos, mecanismos para
poder incluir, todavia, no aspecto formal, porque as práticas
continuam sendo excludentes, de excão, de estado de exceção e
de sítio. São tão excludentes que criam uma película protetora, um
muro tão forte, que se ignora quem morre e fica à deriva.
90
O ingovernável é um corpo social que a todo momento as
formas de governo objetivam excluir. Ele o Estado, governo
quer transformar tudo em termos birios, em cálculos, de sorte a
procedimentalizar seu governo. O ingovernável é o corpo social ou
comum desse povo que se exprime e afronta essa forma de
governamentalidade da população, ficando à sua margem e criando
um terreno de disputa. É esse terreno, margem e afronta do povo
à própria população governável que caracteriza a fratura da
biopolítica, segundo Agamben (2015).
Existe uma tensão que se apresenta na relação da crítica
da governamentalização para o público e que conduz determinadas
políticas de inclusão.
No caso brasileiro e do Plano Nacional de Educação
Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva, lançado em 2008 e
descrito no primeiro capítulo, se delinear, segundo Pagni
(2019), essa forma de governo da vida, que também sugere seu
acompanhamento por uma política de morte. Diz ele:
É nesse delineamento geral em relação à governamen-
talidade estatal brasileira que a PNEEPEI pode ser
situada, decorrendo de ações estatais no âmbito de
políticas públicas com a finalidade ampliar o governo
sobre a população, integrando setores do povo ou
capturando a força ativa da chamada multidão para
torná-los igualmente produtivos e, principalmente,
incl-los ao Mercado […]
A sua particularidade em relação à fratura fundamental
da biopolítica diz respeito nem tanto ao reparo de uma
longa história local em razão de nossa formação
91
sociocultural, mas de uma das multiplicidades acidentais
e de ficits de desempenho, associado às condições
corporais das pessoas com deficiência, que se postula
superada ou regulada por meio de tecnologias de
biopoder e, especialmente, de sua implementação na
educação escolar. Menos estigmatizadas que outras
diferenças, a deficiência foi vista no período com certa
condescendência, seja pelo veio religioso que assume
para alguns, seja por não representar uma ameaça tão
grande para outros, ao ponto de ser pouco vista como
um novo monstro revolucionário. Contudo, como
demonstrado em outra ocasião (Pagni, 2017a), os
acidentes que caracterizam ontologicamente o que se
pode designar de deficiência pode vir atravessado por
vários outros signos, relacionados, às questões étnico-
raciais, às condições sociais de pobreza, ao gênero ou à
sexualidade, dentre outros que podem exprimir e,
principalmente, serem vistos
como sintoma de alguma
ameaça ou capaz de representar algum perigo para os
demais. (PAGNI, 2019).
As pessoas com deficiência estão, a priori, fora do sistema;
são consideradas não parte da população, mas integrantes do povo.
Da constatação de que a falta de políticas e ações sociais efetivas
ocorre, não apenas em relação a um grupo certo e determinado de
pessoas, expresso em um determinado signo, mas se de modo
multidimensional, de variados signos, faz surgir um envolvimento
coletivo, alianças pluriformas na busca de direitos.
Abre-se, por consequência, uma interessante perspectiva
com relação à inclusão daquele que não faz parte da população
92
governável, não pertencendo ao conjunto que está incluindo: o
surgimento de envolvimento coletivo e alianças daqueles, na busca
por políticas sociais.
Essas alianças aparecem com mais potência nas ações
legislativas, tendo reflexos, portanto, no ativismo legislativo, que
o Poder Legislativo possui composição funcional e programática
estruturada para representar todas as esferas e segmentos da
sociedade.
Quando emergem as políticas ligadas à inclusão, é preciso
reflexão e a postulação de uma pergunta: até que ponto as políticas
querem que essa população ascenda e participe da vida pública?
Amplia-se a noção de cidadania. E d? Essas políticas ou o Estado,
com seus dispositivos judicos, por si só, garantem a participação
efetiva do segmento da população, na esfera pública?
As políticas somente abrem o espaço, após muita pressão
dos movimentos sociais, e a funcionalidade se materializa com o
contraponto de uma batalha daqueles que se sentem perdendo o
privilégio.
Em algumas de suas obras, Foucault contextualiza a
Ciência Política e de Teoria do Estado, na qual a “população
ganha espaço central e se torna o sujeito político por excelência. Se,
antes, o soberano era exercido como um poder de causar a morte,
na sociedade do controle, administra-se a manuteão e a utilidade
da vida, fazendo-a crescer. O objeto de governo do soberano o
será mais o indivíduo, mas uma massa, uma população:
O povo é aquele que se comporta em relação a essa
gestão da populão, no próprio nível da populão,
93
como se não fizesse parte desse sujeito-objeto coletivo
que é a população, como se se pusesse fora dela, e, por
conseguinte, é ele que, como povo que se recusa a ser
populão, vai desajustar o sistema. (FOUCAULT,
2008, p. 57).
Essa citação do filósofo francês indica que o povo é parte da
população, mas fica à margem. Mesmo com uma simbiose, de
diferenciação ética de população e povo, mantém-se uma
obediência aparentemente voluntária. Ainda que o Estado seja
biopolítico, de controle dos corpos, a população aceita como certa
naturalidade, porque deseja o enquadramento, ativada por um
sentimento de segurança e pertencimento. Desobedecer pressupõe
a divisão, pois se torna o modo de viver que não age de acordo com
a norma. Obedecer causa a sensação de pertencimento, união e
segurança.” (GROS, 2018, p. 25).
Foucault esclarece que o motor da obediência é o desejo
(2008, p. 95). A obediência da população ao gerenciamento
acontece, de maneira naturalizada, por causa do desejo, do qual as
artes de governo precipuamente se entranharam. Logo, o desejo é
artificialmente criado e ferido pelo governamento, que produz o
interesse coletivo pelo jogo de desejo e, como se não houvesse um
“eu”, a sociedade vai agenciando, como se houvesse apenas
máquinas que vão sendo sobrepostas e superpostas. Tudo, de modo
artificial, é p-concebido, pré-estabelecido.
Em Nascimento da Biopolítica (2005), Foucault relaciona o
liberalismo com os problemas específicos da vida das populações,
postulando demonstrar que o neoliberalismo é condição de
compreeno da biopolítica. No neoliberalismo, o mercado é o
94
centro das relações, não apenas comercias e empresariais, mas
também sociais, estimulando-se a concorrência e a participão dos
homens livres. E do movimento de otimização da participação
visualizam-se as ações de biopolítica, com um gerenciamento da
vida das populações.
Enfatiza Foucault:
A medicina não deve mais ser apenas o corpus de
técnicas da cura e do saber que elas requerem; envolverá,
também, um conhecimento do homem saudável, isto é,
ao mesmo tempo uma experiência do homem o do
ente e uma definição do homem modelo. Na gestão da
existência humana, toma uma postura normativa que
não a autoriza apenas a distribuir conselhos devida
equilibrada, mas a reger as relações sicas e morais do
indivíduo e da sociedade em que vive. Situa-se nesta
zona fronteiriça, mas soberana para o homem moderno,
em que uma felicidade orgânica, tranquila, sem paixão e
vigorosa, se comunica de pleno direito com a ordem de
uma nação, o vigor de seus exércitos, a fecundidade de
seu povo e a marcha paciente de seu trabalho. (2008, p.
37-38).
A medicina surge, pois, como uma estratégia utilizada pelo
Estado, no âmbito da biopolítica.
A inclusão caracteriza-se como dimensão de dispositivo de
subjetivação, com os indivíduos combatendo suas deficiências, com
vistas a procurar a eficiência e a mitigar os desvios. O interesse do
governo estatal, quando fomenta práticas educacionais inclusivas,
95
o é o reconhecimento das diferenças, de prestigiar e enaltecer a
subjetividade presente em cada corpo, porém, de estimular sua
integração, de forma condicionante, sem se ater à ideia de que cada
pessoa com deficiência carrega suas especificidades e peculiaridades
próprias. O viés é apenas econômico-financeiro.
96
97
Capítulo 4
Do Paradigma da Anormalidade no que se Refere às
Questões de Inclusão das Pessoas com Diferença
É relevante o debate sobre o quanto a Educação Inclusiva
estruturada é eficiente e eficaz ou não na consolidação dos
objetivos educacionais em relação ao estudante com deficiência. As
políticas blicas educacionais foram concebidas desde o seu início
sob a perspectiva do “normal”, sem se ater à individualidade que
existe em cada um, própria da concepção de que somos, por
natureza, todos diferentes.
A pessoa com deficiência, historicamente, é tida
inicialmente e essencialmente como o anormal, remetendo-se
sua condição de ser humano a um certo descompasso com o que se
pré-concebia como o normal. O paradigma científico que embasa a
ideia de anormalidade também é visualizado pelas noções
foucaultianas de governamentalidade e biopolítica. Pela perspectiva
filosófica, é possível compreender a categorização e o registro do
anormal; mais do que isso, depreende-se que a normalização é
posta como uma estratégia de biopolítica.
A normalização parte do assinalamento do normal e do
anormal, das diferentes curvas de normalidade para se determinar a
norma, correlacionando-se à medicina psiquiátrica, analisando o
desvio do modelo-padrão, do comum.
98
Sobre as práticas de normalização operadas na escola e o
processo sob a dimensão da naturalização da sua presença, com
enquadramento pela curva de normalidade, o autor ressalta:
Nas disciplinas, partia-se de uma norma e era em relação
ao adestramento efetuado pela norma que era possível
distinguir depois o normal do anormal. Aqui, ao
contrário, vamos ter uma identificação do normal e do
anormal, vamos ter uma identificação das diferentes
curvas de normalidade, e a operação de normalização vai
consistir em fazer essas diferentes distribuições de
normalidade funcionarem umas em relão as outras e
[em] fazer de sorte que as mais desfavoráveis sejam
trazidas as que são mais favoráveis. (FOUCAULT,
2008, p. 83).
Conforme Foucault (2006), “[...] a operação de
normalização consistirá em fazer interagir essas diferentes atribui-
ções de normalidade e procurar que as mais desfavoráveis se
assemelhem às mais favoráveis”; ora, para a concepção da ideia de
anormal, o filósofo francês produz uma espécie de genealogia das
figuras que, desde a psiquiatria, encarnam o signo da anormalidade
como desvio do normal.
Aliás, a caracterização relacionada à ideia de biopoder traz
uma demarcação de fronteiras entre normalidade e desvio.
gestões dos corpos, lançamento de estatísticas, de registo e
comparação de dados e de fatos, de observação das características
daqueles que podem ser considerados como sujeitos perigosos ou
fora da norma, categorizados como anormais:
99
Para isso, esses saberes vislumbram em grupos
particulares, culturas locais, etnias situadas e indivíduos
desajustados aos ditos padrões civilizatórios, às leis e às
normas instituídas, por vezes tomados como universais,
um fenômeno a ser registrado e diagnosticado como
uma ameaça a ser combatida, corpos a serem reeducados
individualmente quando possível e segregados ou
confinados quando o. Enfim, fenômenos que
objetivavam e materializavam determinados modos de
existência comuns ou comunidades, grupos ou, mesmo,
indivíduos significados como corpos desviantes ora da
norma médica ora da normação social. É essa espiral de
governamentalidade que vai do geral ao particular, do
coletivo ao individual, que esses saberes diagnosticam o
que escapa aos padrões, não se ajusta às leis nem se
adequa às normas, conferindo as diferenças que
produzem no tecido social o registro do desvio da
normalidade, na medida em que lhe é
imputado um
estado de anormalidade e um estigma social,
inicialmente inspirado no corpo orgânico-individuali-
zado e aos poucos num corpo (da) espécie ou do
homem, cuja universalidade repousa na população
regulada. (PAGNI, 2021).
A norma destaca-se como elemento que disciplina e regula,
aplicando-se ao corpo e às populações, controlando o corpo e os
fatos. Desde essa concepção, observam-se, por conseguinte, dois
problemas articulados: um que se relaciona à natureza dessa
distinção e diferenciação entre os estados normal (ou fisiológico) e
100
anormal (ou patológico), e uma segunda contextualização, quanto
ao papel exercido pela clínica, na diferenciação.
A avaliação sobre o estado fisiológico normal é posta, não
pelo cientista, mas por uma relação necessária com as ideias
dominantes no meio social no qual estão imersos o indivíduo
doente e o médico. Por isso, no ativismo judiciário, isto é, na ação
proativa da Justiça com respeito às decisões que envolvam a política
educacional inclusiva, como pressuposto um chamado estado de
normalidade que pré-condiciona, com p-conceitos e juízo de
valor sobre a caracterização. Ora, pode existir determinada lei ou
norma, por exemplo, que repercute na vida da pessoa, a qual,
porém, nem sempre requer uma lei. Foi assim que, historicamente,
transformou-se o louco em delinquente, a pessoa com deficiência
em monstro, colocando aquele que não se encaixa no conceito p-
concebido como objeto de reclusão, ao longo da hisria.
É nesse campo e com um recorte histórico que nos remete à
genealogia da anormalidade que se circunscreve a ideia de anormal
com a qual até hoje convivemos e na qual o ativismo judiciário
muitas vezes se pauta. Importante fazer um recorte histórico,
quanto ao nascimento da escola, nos séculos XVII e XVIII, com os
primeiros sistemas públicos de educação como instituição
disciplinar, num tempo e espaço, para fazer com que as crianças se
adaptassem a uma rotina de aquisição de tempos e valores, de saber
que vão passar por um autocontrole, pois vão participar de
avaliações; deveria ter-se modificado, e se modificou.
Ela aparece como sistema da normalização. Junto com
outras instituições, vem para corrigir e normalizar, trazendo a
discussão sobre o normal e o anormal. Começa-se a criar a figura,
101
imagem de algumas instituições, como a psicológica, as associações,
como as de lares, que vão cumprir papel específico, como a
correção. No século XVI, tínhamos os monstros, escória da
sociedade; no século XVII, houve a inclusão dos pestíferos, os quais
se acolhiam, na sociedade, mas ficavam na sombra passando
gradativamente a ganhar espaço nas discussões:
Algumas pistas sobre a emergência da inclusão do
discurso médico e nas tecnologias do poder podem ser
encontradas na obra de Foucault (2010), Os anormais,
particularmente na passagem em que o autor aborda a
substituição do modelo de segregação e exclusão para o
de inclusão dos doentes, dos loucos, no âmbito das
cidades europeias, entre o final do século XVII e meados
do XVIII. (PAGNI, 2017a).
Toda ideia de normalidade, que começa a aparecer no final
do culo XVII, início do XVIII, foca em personagens que
emergem no âmbito dos aspectos médicos, mas principalmente
jurídicos, aqui em razão da análise de em que medida essas pessoas,
quando cometem algum ato ilícito, m condições de responder ou
o pelos próprios atos. No século XVIII, as pessoas com
deficncia, tidas como desviantes, os doentes, os loucos, eram
tratados como anormais e vistos como alguém a corrigir, relegados
ao isolamento. A dimensão muda no culo XIX, passando a serem
como alguém a recuperar, com sentidos de normalização. A
alteração, contudo, tem um viés de produtividade econômica. O
problema é que as diferenças, os desvios, representam ameaça para
a efetiva produtividade, nos termos em que ela foi empreendida
102
pelo capital, pois significam um rompimento com a homoge-
neidade. Assim, até contemporaneamente, buscam-se formas de
corrão de desvios, de tentar incluir dentro da norma os corpos
que são chamados desviantes, formas que de certo modo foram
historicamente desqualificadas.
A inclusão estrutura-se, portanto, como elemento corretivo
dos desvios, para aproximar o corpo da norma. Desde o final do
século XX e início do século XXI, o sentido de exclusão de morte
social e de vida ignorada pelo Estado passa a ter a conotação de não
participação de alguns, em espaços e grupos culturais, identitários,
econômicos e sociais, com a reclusão se tornando uma condição de
reeducação e inclusão social. Associando o conceito de saúde ao de
normalidade, como frequência estatística, qualquer anomalia passa
a ser tida como patologia. Assim, qualquer variação do tipo
específico – essa é a definição que Canguilhem (1990, p. 89) de
anomalia será considerada como uma variação biológica de valor
negativo e, consequentemente, como algo que deve sofrer uma
intervenção curativo-terapêutica.
Objetivando agora o apenas tratar de curar, mas de
antecipar, de prevenir, criam-se estratégias que têm como alvo os
anormais, com a psiquiatria se instituindo enquanto defensora da
ordem social, estabelecendo vínculos diretos entre um desvio de
conduta e um estado anormal, passando a se centrar na
anormalidade, progressivamente, como um estado anormal que
estigmatiza e condena quem é identificado com essa condição de
registro. As formas indicadas por Canguilhem como para definir o
normal, a partir do patológico, também demonstram que uma
normatividade, uma força vital nessas vidas.
103
Sobre a nova psiquiatria, frisa Foucault (1999, p. 291):
O que importa para essa nova psiquiatria é o
comportamento, seus desvios e suas anomalias: ela toma
como referência o desenvolvimento normativo.
A anormalidade era tratada de um modo diferente, por
Foucault, compreendendo-a não pelo viés da medicina, mas no
campo social, da governamentalidade, no campo macropolítico.
Foucault (1999, p. 299) assinala:
[...] a partir da noção de degeneração e da análise da
hereditariedade surge um novo tipo de racismo que é
diferente do racismo étnico. Um racismo contra o
anormal, contra sujeitos que eram portadores de um
estigma, de um defeito qualquer.
Esse racismo se define e se legitima como um meio de
defesa da sociedade. Nele, ao que tudo indica, algumas formas de
ativismo judiciário podem garantir a legitimidade de certas teorias
da degenerescência e respaldar certas formas de sobreposição de
uma raça sobre outra, segundo se viu, ao longo da história
brasileira, em relação aos dispositivos legais de exclusão dos negros,
indígenas, mulheres, homossexuais e pessoas com deficiência de
participação na vida blica. Contudo, mais recentemente, -se o
ativismo judicial atuar em sentido contrário, no âmbito das
políticas educacionais inclusivas, para garantir direitos de um ou
outro dos sujeitos, amenizando essa espécie de racismo de Estado,
mas a diluindo em outros modos de exclusão, os quais amenizam,
104
sem romper de vez com a estrutura social desigual e excludente na
qual fomos formados. Na verdade, supomos que suas práticas se
apoiam numa ideia da anormalidade, por vezes associada a um
racismo de Estado, que, no neoliberalismo, alcança o ponto de
fazer com que cada um deva responsabilizar-se pela própria vida,
para que se sinta incluído.
Na escola, embora estruturalmente se busque a formação
de um determinado tipo de conduta das crianças e dos jovens,
reforçou-se certo dispositivo de inclusão, o qual, ao mesmo tempo
que inclui, exclui, como fartamente retratado pela literatura:
A inclusão pode ser entendida como um conjunto de
práticas que subjetivam os indivíduos a olharem para si e
para o outro, fundadas em uma divisão platônica das
relações; também pode ser entendida como uma
condição de vida em luta pelo direito de se autorre-
presentar, participar de espaços públicos, ser contabi-
lizado e atingido pelas políticas de Estado. [...] pode ser
entendida como conjunto de práticas sociais, culturais,
educacionais, de saúde, entre outras, voltadas para a
população que se quer disciplinar, acompanhar e
regulamentar. (VEIGA-NETO; LOPES, 2011, p. 126).
As instituições que garantem o acesso e o atendimento a
todos são, por princípio, includentes, mesmo que, no
decurso dos processos de comparação e classificação, elas
venham a manter alguns desses “todos (ou muito
deles...) em situação de exclusão. Isso significa que o
mesmo espaço considerado de inclusão pode ser
considerado um espaço de exclusão. Conclui-se que a
105
igualdade de acesso não garante a inclusão e, na mesma
medida, não afasta a sombra da exclusão. (VEIGA-
NETO; LOPES, 2007, p. 958).
A noção de anormalidade com base no campo da medicina
transpassa por todas as áreas, como psiquiatria, pedagogia, e
alcança e influencia até os saberes jurídicos, os quais também
embarcam na forma de anormalização da vida, identificando quem
é normal e o. No campo jurídico, discussões científicas foram
objetos principiológicos, no âmbito da Educação Inclusiva,
entretanto, também aparece uma mescla do poder jurídico com o
psiquiátrico, para legitimar quem tem condição de assumir
responsabilidade pelos seus atos; ademais, comparece ainda uma
ideia de como se pode evitar a disseminação de criminosos e,
nesse ponto, entra a ideia da educação.
A escola inclusiva é uma irmã desse movimento
psiquiátrico, mas em outro contexto: um contexto em que a escola
passa a ter outras demandas, precisando ter gente capacitada no
mercado, independentemente de sua posição. E começa a ter um
público consumidor; nesse âmbito, o dispositivo de inclusão se
insere, mas continua se reportando a toda a pré-condição de
estigma, evidenciando suas relações de poder e o papel político de
exclusão que ocupa, mesmo quando objetiva incluir.
As políticas de inclusão emergem no contexto do
liberalismo e aparecem no registro marcado nos dispositivos de
subjetivação, como se a inclusão constituísse um imperativo.
Entretanto, a pessoa com deficiência, condicionada pela política
educacional inclusiva, possui uma força tida como ingovernável, e
106
o caráter que exprime a sua diferença deve ser potencializado em
todos os ambientes, principalmente na escola:
Os corpos desviantes individual e socialmente –, sob o
signo do(s) povo(s) que escapavam a essa forma de
governo estatal e de sua regulação, ficariam a mercê do
que se denominou de biopolítica, compreendida como a
forma moderna de governo da vida da população. Esta
nova modalidade de governo tem como objetivo
aprimorar e intensificar a vida da população, protegendo
- a da morte mediante uso de diferentes artes de
governar e de tecnologias de biopoder. Esse(s) povo(s)
seria(m) constituído(s) de homens infames, estranhos, os
monstros ou, mais precisamente, os anormais, dentre
tantas outras denominações que se colocam ao lado da
vida ingovernável e sobre a qual se dirigem as
tecnologias de biopoder. Assim, essas existências foram e
ainda são distribuídas nos hospitais psiquiátricos, nas
escolas, nas prisões e instituições que se ocupam em
isolá-las e investem na correção de seus corpos
incorrigíveis para enquadrá-las às regulações do Estado e
devolvê-lo
s à normalidade da população governável.
(PAGNI; SILVA, 2019, p. 4).
O ingovernável era visto como algo conservador,
relacionado às revoltas, à classe trabalhadora. No início do culo
XVIII, o ingovernável tem novos contornos, caracterizados por
povos que começam a reivindicar direitos e políticas sociais,
questionando suas defasagens, sua situação no campo
concorrencial. Logo, percebe-se que o ingovernável é gerador da
107
revolta, por si, papel este que o é – portantoexclusivo da classe
trabalhadora.
Em um amplo aspecto, o que essa forma de governo da
vida faz é buscar codificar para tentar controlar, pela própria
multiplicidade das exisncias. Dentro de tantos signos que ele tem,
ele passa ser o louco, ele agora é a pessoa com deficiência, o
esquizofrênico. São signos que identificam uma espécie de registro,
que leva pessoa com diferença a, agora, o apenas ser excluída
socialmente, mas também estigmatizada. Assim, reputam-se
figuras, registros que, ao mesmo tempo, incluem e se tornam
exceção. É uma inclusão excludente: inclui-se o louco, mas é
isolado em asilo; inclui-se a pessoa com deficiência, porém, esta é
colocada em instituições especializadas.
Isso aparece nas sociedades disciplinares e demonstra que
usamos certos princípios dentro de s mesmos. Aceitam-se
registros, a despeito de uma segurança, que é postulada, que está,
contudo, previamente internalizada em cada um, pelos dispositivos
de governamentalidade.
Esse aspecto interno é uma disposição de subjetivação, para
que não sejamos excluídos, quase como uma racionalidade
subjetiva, encarnada pelo corpo.
Como visto, houve uma construção histórica, social e
cultural da pessoa com deficncia, e o conceito de normalidade se
originou do campo médico, depois extrapolou para os demais
saberes, incluindo o jurídico, para trazer um signo ao corpo
desviante, o qual, em princípio, não é capturado pelas estruturas
regulares do poder. Quando se analisam os instrumentos do
ativismo judiciário e do ativismo legislativo, tem-se, de forma
108
nítida, que eles se pautam no mesmo paradigma da anormalidade,
no que se refere às questões de incluo das pessoas com diferença.
Não a clara percepção de que, em que pese o discurso
anunciativo de alcance do processo de universalização da educação,
não se dá visibilidade à potencialidade de suas diferenças, ainda que
contraponham aos sistemas institucionais onde ocorrem. As
mesmas regras que “registram” a pessoa com deficiência como
anormal são as que, na sua essência, descaracterizam a sua própria
diferença.
4.1 Perspectivas sobre o lugar do diferente
a deficiência como acontecimento
Os corpos das pessoas com deficiência, as suas vidas
singulares, não têm um encaixe perfeito aos seus enquadramentos
normativos médicos e jurídicos, tampouco são harmonizáveis à
lógica do empreendedorismo e da racionalidade gerencial
neoliberal, que tudo reduz ao econômico. Como ingovernáveis que
são, geram continuamente debates políticos sobre suas formas de
expressão, de correção e de governo.
A Educação Inclusiva surge como um dispositivo, o qual,
em verdade, coloca a pessoa com deficiência dentro do sistema de
governamentalidade e em um registro no governo da vida ou da
biopolítica. No neoliberalismo, essas pessoas são alinhadas a uma
engrenagem econômica, com determinantes que visam tanto a o
empresariamento de si, como ao dos outros, com a vida submetida
aos desígnios do capital. O empresariamento se revela natural-
mente, como sofisticadas formas e instrumentos de concorrência,
109
com o modelo de empresa repercutindo e influenciando nos
amplos espaços da vida social, em uma lógica de racionalidade
neoliberal.
O sujeito empreendedor é uma figura criada nesse
contexto, e as falhas individuais acabam sendo atribuídas a uma
vontade do indivíduo, mascarando o dever das instituições de dar
as respostas às obrigões sociais pelas políticas inclusivas, todo
um engenho, um lançamento, uma estruturação dessa vida dentro
de uma racionalidade econômica. Valorizam-se e se enaltecem as
potencialidades da pessoa com deficiência, projetam-se as suas
capacidades. No entanto, a concepção da pessoa com deficiência
não se pela sua individualidade, mas pela diferença, como
registro. A pessoa, que antes estava à margem, é capturada e agora
participa da sociedade. Contudo, a que preço? Às vezes, essa
potente vida deseja unicamente ser livre:
É esse sujeito ético que as políticas de inclusão
procuram, por um lado, tornar presente, no que se refere
às condições de capacitação e às potencialidades de suas
capacidades, e, por outro, fazer invisível em suas
diferenças. E buscam calar-se em relação às suas
resistências, enquadrando-os em um jogo cujas regras se
alteram para que seus resultados reflitam sobre o ganho
de outrem e a satisfação pessoal de cada um. O que
permanece intacto nesse jogo é o esvaziamento de
sentidos para reduzir a vida à sua racionalização, sequer
lógica, somente econômica. Não se trata mais, desse
modo, de incluir para requerer desses sujeitos que se
diferenciam como anormais apenas a sua presença como
110
objetos, nos termos em que emergem na Idade Clássica
na análise de Foucault (2001), mas como sujeitos que
participam ativamente desse jogo, com suas capacidades,
qualificações e limitações, subjugando-se, mais do que às
suas regras para poder simplesmente jogar, a um
dispositivo de inclusão que depende da expectativa de
outrem em relação ao seu desempenho. (PAGNI, 2015,
p. 95).
As postulações de inclusão, mediante dispositivos e
mecanismos, cuidam de buscar um eu pré-formatado, o qual se
adequa aos dispositivos de subjetivação:
[...] a um modo de ser em que a diferença a tônica, e
o a identidade. Insisto, neste caso, nesse processo de
subjetivação em que a poética teria um lugar
privilegiado, em consonância com aquela atitude do
sujeito, para que este se ocupe de si, antes de ter
qualquer autoconhecimento, desgarrando-se do eu ao
qual se aprisiona, para ser outro (de si) (PAGNI, 2014).
[...] admitir que, ao ins da integrão ao discurso e às
políticas da inclusão, possibilidade de que, para ser
outro de si, o estranhamento suscitado na relão com
outrem e a diferença propiciada pela deficiência dele seja
algo que o produz e o move, quando não o comove.
Parece nascer de uma relação como essa um pensar
imanente da diferença, de uma ontologia, provocado por
um outro que se apresenta como uma alternativa a ser
incluído, porque convoca não a eficiência, mas a
deficiência, que, por sua vez, se constitui no móvel [...]
111
uma linha para fazer aproximações, fomentam um eixo
de pertencimento que fossiliza os sujeitos, quando, na
verdade, deveriam buscar a ampliação das relações e
processo de subjetivação, num devir do sujeito ético, de
sua (trans)formação como tal e de seu posicionar-se no
mundo. (PAGNI, 2015, p. 96).
A racionalidade econômica se planifica quase numa
encruzilhada, onde os feixes disciplinares atravessam a vida da
pessoa com deficiência, cooptando-a, como se ela não desejasse, e,
ainda assim e concomitantemente, acontece uma “negociação”,
uma espécie de “pacto”, que o sujeito troca e aceita, para ser
incldo, de um lado; de outro, estabelece-se a racionalidade
gerencial, não macropolítica, mas micropolítica, sobretudo por
intermédio de dispositivos.
Subsiste uma espécie de submissão a uma realidade
econômica sobre os corpos que carregam em si o signo da
diferença, uma subjetivação distribuída, enlaçada pelo consumo.
Em verdade, atribui-se aos corpos uma menoridade, uma pecha de
ser menos que os outros, sendo estes, os outros, indiferentes à
demanda daquelas minoritárias histórica e culturalmente
subjugadas.
Por intermédio das políticas de inclusão, o que se propõe,
no fundo de tela, são formas de enquadramentos dos sujeitos, com
pretensão de homogeneizar esses corpos. O que se faz, na prática e
ao longo da história, é colocar signos em quem es à margem e
não é capturado, categorizando pela condão social, pela
vulnerabilidade financeira, pelo gênero e pela sexualidade, pela
eficiência ou ineficiência.
112
Como contrapartida do registro social de uma diferença,
como a deficiência, lançam-se no âmbito geral certas
compensações. Contudo, por mais que se tenha uma tentativa de
inclusão compensatória, que se tente de alguma maneira
compensar os seus ficits, para tentar ter uma vida normal, nunca
o será. O sujeito pode ser próspero, profissionalmente, mas isto
não o exclui do tulo e do registro, de ser uma pessoa com
deficiência – e o signo marca e acompanha.
Na dimensão da estética, ética e política, identifica-se um
corpo individual que o se ajusta às técnicas e tecnologias
existentes. Todavia, ao invés de categorizá-lo por não se enquadrar,
deveríamos compreendê-lo. Dentro de uma ética, seria interessante
a construção de um mínimo de instrumentos para decodificar os
atores, a partir de elementos comuns. Ainda que existam várias
comunidades, o corpo social o as enxerga, ignorando modos de
vida singulares. Não as enxergamos inadvertidamente, diga-se de
passagem, porque sequer existe a percepção de que estão ali.
A maior poncia da pessoa com deficiência é a sua
expressividade, as lutas de reconhecimento e destaque para o seu
próprio lugar de fala. Porém, as políticas públicas, ao invés de
ressaltarem e evidenciarem a vida, a questionam e a ignoram.
A deficiência deve ser ressaltada e valorizada:
Ao invés de evitar a deficiência de todos e programar a
eficiência, parece ser estrategicamente importante ma-
pear os déficits e as deformações causadas por acidentes
não para supe-los, mas para acolhê-los na sua insupera-
bilidade e para potencializar a convivência com esses
limites constitutivos de si mesmos. Nesse trabalho ético
113
consigo mesmo, produzida na relação com a deficiência,
os seus atores podem buscar uma linha de fuga não
somente para compensar esses seus déficits ou para
neutralizar os efeitos dos acidentes que lhes acometem,
visando suas outras potencialidades, como também para
fazer daquilo que é neles insuperável uma potência
passiva, que configura o que são e suas formas de existir.
Não se trata, com isso, por meio desse processo de
subjetivação apaziguar as tensões constitutivas dessa
relação consigo para se chegar a um ethos estável, guiado
pela consciência e exprimível pela linguagem, mas de
torna-las visíveis, expondo publicamente seus modos de
existência em devir e partilhando com outrem as suas
formas de expressividade possíveis. Justamente porque o
que move tais processos de subjetivação mencionados
independem parcialmente dessa consciência e dessa
linguagem, eles podem encontrar brechas em relação ao
que lhes subjuga, ao mobilizar forças e imagens
responsáveis tanto pela criação de formas de vidas outros
quan
to pela sua potencialização e afirmação no mundo,
distinguindo dos existentes e, consequentemente, se
singularizando no que diz respeito ao modo como se
apresentam no mundo. (PAGNI, 2016, p. 367).
Nessa linha, emergem os ativismos judiciário e legislativo
como tensionadores do status quo, que podem desencadear o
alargamento de um paradigma inicial posto, ora questionado. Esses
ativismos se vinculam em princípio, a um campo restrito, às lutas
pelo reconhecimento, a partir de determinadas pautas individuais.
Com o ativismo judicrio e o ativismo legislativo, pode-se pensar
114
em legitimar a sua expressividade, as lutas por reconhecimento e
destaque para o lugar de fala da pessoa com deficiência.
Esses registros mais inviabilizam do que atuam, no sentido
de perceber as pessoas com deficiência e as suas comunidades. O
ponto de passagem desses ativismos situa-se na possibilidade
momentânea de fugir das linhas de controle e de registro, de
enquadramento dos sujeitos, com o alargamento dos seus limites
estruturantes, possibilitando a repercussão efetiva na vida da pessoa
com deficiência.
O Poder Judiciário, potencialmente, tem um limite maior
do que o Poder Legislativo, pois nele o ativismo pode atuar em
múltiplas dimensões e prismas, alargando o campo jurídico para a
satisfação de um interesse individual. Contudo, as decisões não
atingem de forma geral e abrangente toda a comunidade e, dessa
perspectiva, vislumbra-se que o ativismo legislativo, embora tenha
um campo de partida mais restrito e idealizado, reúne mais espaço
para caminhar ao lado da comunidade, de encampar lutas coletivas
e de materializar políticas de inclusão societárias.
As lutas locais e transversais podem transcender,
repercutindo de modo abrangente, alterando e transformando a
realidade social, e, para isso, é determinante uma sucessão de ações,
do envolvimento de vários atores do corpo social, como o
interessado particular, as associações, segmentos, agentes políticos,
comunidade acadêmica, atuando, de maneira coordenada ou não.
Aliás, ressalta-se a importância da efetiva articulação acadêmica, da
sua atuação proeminente frente aos discursos postos, descortinando
realidade que muitas vezes está sobreposta por discursos
romantizados.
115
Entende-se que os corpos trazem na sua potência formas de
expressividade e eles demonstram certa resistência. E isso é visto
como negativo pelos atores. Quer-se, em verdade, a condução cega,
a homogeneidade. Todos somos capturados do mesmo modo pela
máquina capitalista. Quem não tem um problema, físico, orgânico,
é mais facilmente capturado, porque a máquina está mais elaborada
para capturar os “corpos normais”, organizados. As pessoas a quem
nós tratamos como pessoas com deficiências, são menos facilmente
capturadas, porque a máquina encontra nos seus corpos a
dificuldade de conexão. Eles não o diretamente capturados. O
corpo das pessoas com deficiências, às vezes, não consegue se
enquadrar mesmo na classificação das pessoas com deficiência. A
propósito, pelos diagnósticos instrumentalizam-se categorizações
das pessoas com deficiência em dada classificação. Contudo, não
existe uma uniformização, mesmo dentro
dessas classificações, pois
pessoas que não se encaixam. Sim, pois cada um carrega sua
própria singularidade, que se organizada no seu próprio ethos.
Por mais que haja uma tentativa de controle da vida, ela
o é de todo controlável, pois suas condições não permitem
controlar-se, de forma integral. Pelo prisma acontecimental, pode
ser pensada a deficiência como diferença, relacionando-se à sua
performatividade e expressão:
O que se deve entender por "acontecimentalização"? Uma
ruptura absolutamente evidente em primeiro lugar. Ali
onde se estaria bastante tentado a se referir a uma
constante histórica, ou a um tro antropogico
imediato, ou ainda a uma evidência se impondo da
mesma maneira para todos, trata-se de fazer surgir uma
116
"singularidade". Mostrar que não era "tão necessário
assim"; o era o evidente que os loucos fossem
reconhecidos como doentes mentais; não era tão evidente
que a única coisa a fazer com um delinquente fosse
interná-lo; não era tão evidente que as causas da doença
devessem ser buscadas no exame individual do corpo etc.
Ruptura das evidências, essas evidências sobre as quais se
apoiam nosso saber. nossos consentimentos, nossas
práticas. Tal é a primeira função teórico-política do que
chamaria de "acontecimentalização". (FOUCAULT,
2012b, p. 339).
Da ão de massificar o enquadramento surgem os
encontros dos sujeitos, um local de imersão de seus atores políticos
na comunidade e lutas das pessoas com deficiência, e dessa
aproximão delineiam-se os ativismos, o judiciário e o legislativo,
que atuam a partir desses acontecimentos.
Pagni (2015, p. 98) faz ilações sobre as relações das pessoas
com deficiência com o outro, contextualizando a provocação de
sentidos e impressões:
Esses encontros fortuitos, por vezes, e persistentes, por
outras, possibilitaram, mais do que sinais, um
fortalecimento inicial para enfrentar o seu acidente
ocorrido na juventude, fazendo dele e das condições
resultantes para si um acontecimento a ser acolhido,
graças a esse preparo para o impreparável e a uma
formação sem fim, propiciada por um outro com o qual
aprendia cotidianamente e enfrentava suas limitações
existenciais para, nessa mesma existência, firmar-se,
117
pensar-se, exprimir-se. Essa relação com outro, que
compreende não apenas outras pessoas ou outrem, como
também outras coisas, livros, etc. ou, mesmo, um outro
de si mesmo, suscitado em tal relacionamento, que
parece válido para aquele que, antes de ter um acidente
qualquer, havia vivido sem encarná-lo como
acontecimento, fazendo a diferenciação entre um antes e
um depois essa relação, afirmo, é ainda mais
importante para aqueles que nasceram com alguma
deficiência, por um acidente genético, por exemplo. Isso
porque, para estes últimos o um antes e um depois,
um sempre acidente com o qual devem se relacionar,
muitas vezes, com certa revolta, que se manifesta ao se
perceberem como deficientes por um acidente que
provém de sua condição genética, pelos estigmas sociais
que os cercam e pela impossibilidade, por mais que o
desejem, de superar ess
as condições estabelecidas de fora,
por um outro, por um outrem e pelo mundo.
Simplesmente, são deficientes, assim nasceram e sempre
seo dessa forma, salvo se forem incluídos, ainda que
pouco se sintam em condições para tal, no sentido de
ultrapassar aquelas barreiras às quais estão
condicionados. Neste caso também, se um preparo
ou uma formação, ela deve implicar nessa relação com o
próprio acidente, no mobilizar da revolta para a sua
afirmação na vida e para o seu acolhimento como um
acontecimento que os torna, em alguns aspectos,
deficientes e, em outros, lhes permite ver nessa
deficiência a sua diferença.
118
Para além de pensar a diferença e a própria deficiência
como acontecimentos, é preciso perceber e reconhecer a pessoa
como ela é, na sua ppria ética e subjetividade, acolhendo-a na sua
individualidade e diferenciação.
119
Capítulo 5
Ativismos Judicial e Legislativo como
Dispositivos de Segurança
A partir dos conceitos e ferramentas filosóficas postas por
Foucault, principalmente sobre a biopolítica e a governamen-
talidade, transpassando pela concepção do ativismo judicial e
legislativo, delineado no campo dos saberes jurídicos, entende-se
que tanto os processos de judicialização, no ativismo judicial, como
a atuação parlamentar, na dimensão do ativismo legislativo,
compreendem um movimento no qual os poderes judicial e
legislativo se tornam instituições estruturantes e mediadoras do
viver.
Se, para a confirmação de uma política blica educacional
de inclusão, é necessária a postulação de uma forma do ativismo
judicial ou do ativismo legislativo, intervindo para a materialização
de uma rede inclusiva ou de uma individualidade, uma
subjetividade, essa política inclusiva também não escapou dos
mecanismos de controle social impostos pelo poder hegemônico,
revelando-se uma estruturação de gestão coletiva de vida, do corpo
da população, consubstanciando uma governamentalidade.
Sobre as formas múltiplas descentralizadas de biopolítica,
Hirschl (2008, p. 55) aponta:
120
o desenvolvimento das intervenções biopolíticas ocorre
cada vez mais de maneira velada, amparadas por um
saber-poder que as legitima, e emanadas de centros de
poder cada vez mais descentralizados.
Na sua concepção, como demonstrado anteriormente, os
ativismos são dispositivos de governamentalidade, ascendente e
descendente, subordinados a uma cartilha neoliberal.
Quando se recorre ao Poder Judiciário e/ou ao Poder
Legislativo, para garantir a atenção a um direito individual ou
mesmo a uma política comum associada a um grupo, inevitavel-
mente se insere numa lógica, relacionada à dominação.
O jogo de governamentalidade também é um jogo de
governamentalização e crítica. Essa crítica alinha-se à ideia de
resistência, de rebelião, irrefletida contra determinada espécie de
governo (FOUCAULT, 1995). Se o muito consciente, clara, no
caso do ativismo se voltar à não implementação de uma política
social, que deveria existir, pelos seus próprios fundamentos e
natureza.
Por dispositivos entendem-se os elementos e mecanismos
importantes na filosofia de Foucault, especialmente nos estudos
sobre os mecanismos disciplinares, na compreensão da modelação
do sujeito moderno. Revelam-se no conjunto de regras e ações que
atuam distintamente na sociedade e regem nossa conduta
(FOUCAULT, 2005, p.19).
Assinala Foucault:
Através deste termo tento demarcar em primeiro lugar,
um conjunto decididamente heterogêneo que engloba
121
discursos, instituições, organizações arquitetônicas,
decisões regulamentares, leis, medidas administrativas
[...] O dispositivo é a rede que se pode estabelecer entre
esses elementos [...] Em segundo lugar, [...] entre estes
elementos, discursivos ou o, existe um tipo de jogo,
ou seja, mudanças de posição, modificações de funções,
que também podem ser muito diferentes. Em terceiro
lugar, [...] o dispositivo tem [...] uma função estratégica
importante. (FOUCAULT, 2000, p. 244).
O termo aparece nas obras de Foucault acerca da
genealogia do poder, na relação de dispositivos que atravessam o
espectro de uma sociedade disciplinar e ainda como elemento
estruturante e instrumentalizador da arte de governar, ligada e
direcionada a fenômenos biológico-populacionais.
Castro (2009, p. 124) salienta:
O dispositivo é a rede de relações que podem ser
estabelecidas entre elementos heterogêneos: discursos,
instituições, arquitetura, regramentos, leis, medidas
administrativas, enunciados científicos, proposições
filosóficas, morais, filantrópicas, o dito e o não dito. 2)
O dispositivo estabelece a natureza do nexo que pode
existir entre esses elementos heterogêneos. Por exemplo,
o discurso pode aparecer como programa de uma
instituição, como um elemento que pode justificar ou
ocultar uma prática, ou funcionar como uma
interpretação a priori dessa prática, oferecer-lhe um
campo novo de racionalidade. 3) Trata-se de uma
formação que, em um momento dado, teve por função
122
responder a uma urgência. O dispositivo tem, assim,
uma função estratégica.
O dispositivo aparece, em Foucault, desde as primeiras
ilações sobre o poder disciplinar a as formulações sobre o
biopoder e a governamentalidade, estruturado em várias dimen-
sões: dispositivos de poder, dispositivos de saber, dispositivos
disciplinares, dispositivos psiquiátricos, dispositivos de segurança,
dispositivos militares, dispositivos de soberania, dispositivos
políticos de pocia e dispositivos de sexualidade (FOUCAULT,
2008b).
A expressão “dispositivo de segurança” esintrinsecamente
ligada aos “riscos” de uma política sobre a “população”, conjunto
de viventes, com o foco de análise das ações humanas, a partir do
princípio utilitário da adequação:
É que, na verdade [...] essa liberdade deve ser compre-
endida no interior das mutações e transformações das
tecnologias de poder. E, de uma maneira mais precisa e
particular, a liberdade nada mais é que o correlativo da
implantação (mise en place) dos dispositivos de
segurança. (FOUCAULT, 2008a, p. 50; p. 63).
A noção de “segurança” emerge do contexto biopolítico,
como instrumento de regulação da ação o governo e a relação com
a população:
[...] a segurança, ao contrário da lei que trabalha no
imaginário e da disciplina que trabalha no comple-
123
mentar da realidade, vai procurar trabalhar na realidade,
fazendo os elementos da realidade atuarem uns em
relação aos outros, graças a e através de toda uma série
de análises e de disposições específicas. De modo que se
chega, a meu ver, a esse ponto que é essencial e com o
qual, ao mesmo tempo, todo o pensamento e toda a
organização das sociedades políticas modernas se
encontram comprometidos: a ideia de que a política não
tem de levar até o comportamento dos homens esse
conjunto de regras, que são as regras impostas por Deus
ao homem ou tomadas necessárias simplesmente por sua
natureza má. A política tem de agir no elemento de uma
realidade que os fisiocratas chamam precisamente de
física, e eles vão dizer, por causa disso, que a política é
uma física, que a economia é uma sica. (FOUCAULT,
2008a, p. 49, p. 62).
Na regulação da ão do governo e na relação com a
população, existe uma microfísica de poder, a qual remete a certo
ativismo, no campo judicial e no campo legislativo. Esses ativismos
estão ligados a uma terminologia do campo do Direito, do mínimo
existencial, que se articula à consciência do próprio valor da pessoa
humana referenciada aos direitos constitucionais mínimos, como
direito à educação, saúde, saneamento, moradia, educação,
assistência e previdência social, assim como o acesso à justiça, que,
se não são cumpridos por uma prestação positiva do Estado,
podem serem tese – tutelados, corrigidos.
Torres (2009, p. 19) ensina que o “[...] núcleo ou mínimo
existencial’ está na ética e no exercício da liberdade do indivíduo,
na proteção dos direitos humanos em sociedade e sua extensão
124
abrange tanto direitos individuais quanto sociais de
desenvolvimento humano.”
O ativismo judicial associa-se à “[...] participação mais
ampla e intensa do Judiciário na concretização dos valores e fins
constitucionais, com maior interferência no espaço de atuação dos
outros dois Poderes(BARROSO, 2009), sendo caracterizado pela
aplicação direta da Constituição a situações não expressamente
contempladas em seu texto, e independentemente da manifestação
do legislador ordinário, pela declaração de inconstitucionalidade
dos atos normativos emanados do legislador, com base em critérios
menos rígidos que os de patente e ostensiva violação da
Constituição, e pela imposição de condutas e abstenções ao poder
público, notadamente em matéria de políticas públicas.
Quanto ao ativismo legislativo, não se encontra na doutrina
e na jurisprudência brasileira, e mesmo nos textos legais, sua
definição, com base em um postulado jurídico-normativo.
Contudo, a própria a atuação legislativa, em si, é um dispositivo
de atuação e decorre da própria missão parlamentar, no sentido de
que, quando atua, o parlamentar não o faz por si, mas pela função
que lhe é delegada pela comunidade, esculpida no dever de atuação
de acordo com o interesse da coletividade, ainda que grupos
específicos tenham sido determinantes para a sua eleição.
As atuações no Judiciário e no Legislativo sejam elas
naturais, sejam iniciadas a partir de um movimento incitante são
compreendidas não como princípios éticos ou uma exigência
democrática, mas como uma “técnica de poder”, como dispositivo
de segurança do governo, a governamentalidade anunciada por
Foucault, instrumento de intervenção da biopolítica.
125
Trata-se de formas tecnológicas do aparelho estatal, pelos
dispositivos jurídicos existentes, de controle dos processos da vida,
decidindo quais as vidas merecem ser vividas, na sua
potencialidade. As decisões são tomadas, assumindo-se antes que
somente um posicionamento político, um nítido exercício de
biopoder, na medida em que coopera para caracterizar que vidas
merecem ser vividas, quais não m a mesma sorte, deixando-as à
margem do direito a existir.
Agamben (2002), enunciando o aparato judico-político
como instrumento delimitador e condicionante do que deve ser
incluído em relação ao que deve ser excluído, indica que a decio
sobre a vida politicamente relevante está condicionada à esfera
jurídica, a qual estabelece os limites além dos quais have somente
“vida sacra”. Por sua vez, Foucault (2008c) indica que o termo
biopolítica deve ser tomado sob dois aspectos, intrinsecamente
relacionados: (1) em sentido geral, como um “poder sobre a vida e
a morte”; (2) em sentido específico, como estatização da vida
biológica”, isto é, como [...] o conjunto de mecanismos pelos
quais aquilo que, na espécie humana, constitui suas características
biogicas fundamentais vai poder entrar na política, numa
estratégia geral de poder.” (FOUCAULT, 2008c, p.3).
Verifica-se uma certa relação entre poder-política-vida”,
com estratégia de administração dos corpos, e a vida inserta numa
gestão calculista, gerenciando e controlando a vida das pessoas e
das populações, por meio de mecanismos disciplinares e
mecanismos regulamentadores.
Enfatiza Gonçalves:
126
No caso específico da biopotica, a judicialização e a
jurisdicionalização se tornaram relevantes em termos de
economia política mundializada e no plano dos
contratos de empresariamento da vida que se tornam
cada vez mais recorrentes, na medida em que somos
incentivados a contratar e a estabelecer cláusulas para os
chamados empreendimentos cotidianos. (2011, p. 22).
Os movimentos de ativismo judicial e legislativo
desencadeiam conflitos políticos nas estruturas de governo e nas
questões como o direito à educação, o acesso e a permanência no
ambiente escolar, bem como na existência de elementos
estruturantes para a sua integral materialização, provocando
efetivos impactos sociais. De um lado, o governo pretende que
todos sejam inseridos no âmbito educacional, de outro, não
uma estruturação adequada para receber o aluno. O argumento
geral, em circulação, é o de que a escola, estruturalmente, seja no
ambiente físico, seja no pedagógico, não está preparada para ser
flexível e condicionada à subjetividade de cada pessoa com
deficncia.
Por intermédio dos ativismos mencionados, um
tensionamento que gera impactos sociais, quer no plano
governamental, quer na programação escolar e mesmo no
comportamento de outras pessoas com deficiência, de sorte que se
percebe uma direção, um caminho a percorrer. Os ativismos,
afinal, consistem em um reconhecimento de uma falha de gestão
política até educacional e, na lacuna vislumbrada, impondo-se
ao Estado a necessidade do fornecimento de determinada
prestação.
127
Essas ações, além de serem vistas como um caminho
natural na busca pela confirmação de um direito postulado, no
caso, a Educação Inclusiva, seja pela omissão do poder público, seja
pela falta de texto legal que contemple a plenitude de condições
para o exercício de sua Educação Especial, também projetam
técnicas de governo, no sentido de possibilitar ao governamento
assumir o controle sobre o corpo dos indivíduos. O poder sobre o
corpo pelo governo, em suas múltiplas dimensões recosta-se na
instrumentalização, ou não, de ações do Judiciário ou do
Legislativo, exercício o qual Foucault enuncia como o “fazendo
viver e deixando morrer”, um gerenciamento da vida.
Como técnica de poderes que são, os ativismos relacionam-
se a um dispositivo de exclusão e inclusão, como outro qualquer,
fixando diretrizes as quais o sistema educacional deveria assumir
legitimamente, no caso do Judiciário, e como um terreno de luta,
no Legislativo. Em ambos os ativismos, trata-se de um jogo de
poder com uma investidura biopolítica, que, embora assuma ares
de uma suposta neutralidade e preocupação com o bem comum,
constituem ões nitidamente políticas.
Na perspectiva foucaultiana, o objetivo da biopolítica é o
controle racional das populações, o controle sobre a vida, e a
atuação funcional dos órgãos de governo nada mais é do que
instrumento de intervenção da biopolítica, mediante dispositivos
jurídicos contemporâneos. As atuações, nas dimensões judiciais ou
legislativas, aparecem nos discursos como parte de um contexto em
que o Estado não garantiu o pleno exercício de um direito devido,
e os ativismos surgem como mecanismos legais de efetivação de um
direito ou garantia. aqui duas dimensões: a primeira recosta no
128
interessado, como sujeito de direitos; e uma segunda se estrutura
na tentativa de assegurar uma política educacional que seja
inclusiva, referente à gestão estatal.
O poder sobre a vida faz parte da governamentalidade e de
sua maquinaria, pela política pública educacional inclusiva que se
materializa, um plano de ação alinhado às técnicas disciplinares
ativismos –, que agem sobre o indivíduo-corpo, tornando possível
a regulão de um aspecto específico que pode vir a orientar um
investimento político pelo governo estatal, o qual produz efeitos
conjuntos sobre a população.
Esses ativismos são intervenções biopolíticas, amparadas
por um saber-poder que as legitima, emanadas de centros de poder.
O saber é constituído como poder, no sentido de confirmar e
legitimar as estruturas existentes. Na verdade, trata-se de uma
atividade de governamentalidade, na medida em que subsiste como
instância de consolidação da dominão.
Quanto ao prisma do ativismo judicial, Luz (1991, p. 22)
discorre:
A judicialização ocorre atrelada à difusão do recurso ao
Poder Judiciário para mediar, regrar e punir os efeitos
dos desacordos nos contratos do cotidiano das
existências, no plano das normas sociais também. Não se
trata apenas de mera “intromissão” do Judiciário em
nossas vidas, que ele ocorre por encomendas de
diferentes atores sociais, por transformarmos as nossas
relações, que poderiam ser de forma mais direta, em
relações terceirizadas, por meio das figuras do juiz, do
129
advogado, dos promotores, entre outros operadores
judicos.
No registro judicial, o processo de judicialização, segundo
Barroso (2009, p. 34), “[...] envolve uma transferência de poder
para juízes e tribunais, com alterações significativas na linguagem,
na argumentão e no modo de participação da sociedade.”
Na sua essência, contudo, os ativismos judiciário e
legislativo configuram-se como um dispositivo de aparelhamento
da governamentalidade, como prática de controle social, de
controle dos corpos, visto que selecionam quais as vidas merecem
ter a efetivão de um direito, de uma garantia, de uma política
pública educacional que impacta de forma determinante no seu
viver.
Os ativismos, enquanto “técnica de poder, interferem
diretamente na geso da vida; entretanto, podem ser ferramentas
importantes para a garantia do nimo existencial, também
elementos de otimização da política pública educacional,
possibilitando a correção dos seus rumos ou implementão, de
modo abrangente, conferindo uma eficácia forçada à política social.
No contexto do Homo Sacer, configurado por Agamben
(2007, p. 16) como característica da política moderna, revelam-se o
direito e o fato, em uma zona de irredutível indistinção:
[...] o espaço da vida nua, situado originariamente à
margem do ordenamento, vem progressivamente a
coincidir com o espaço político, e exclusão e inclusão,
externo e interno, os e zoé, direito e fato entram em
uma zona de irredutível indistinção.
130
Na estruturação dos ativismos, ainda que programados
como tecnologias do biopoder, o direito e o fato encontram
ambiente ideal e fértil para o debate, o encontro e a ressignificação,
incitando os espaços e práticas escolares a olharem com mais
detalhamento para todos os sujeitos educacionais partícipes da cena
educacional, atuando na desconstrução de todas as barreiras
existentes (urbasticas, arquitetônicas, nos transportes, nas
comunicações, atitudinais e tecnológicas) e em todos os âmbitos,
sejam eles administrativos, como a adequação do espaço escolar, de
seus equipamentos e materiais pedagógicos, sejam pedagógicos,
como o da qualificação dos professores e demais profissionais
envolvidos – com amplo movimento dos professores, não apenas os
da Educação Especial, mas também os do Ensino Regular, em
busca do especial na Educação, procurando o aprimoramento de
sua qualidade, com uma escola efetivamente inclusiva.
Sobre o alinhamento dos professores, de Educação Especial
e do Ensino Regular, para a construção de um sistema de educação
democrático, que privilegie a diversidade, Carvalho (2000, p. 150)
frisa:
[...] tanto o ensino regular e a educação especial devem
se unir nos esforços de satisfazer as necessidades
educacionais de todos os alunos. De pouco adiantará se
todo esse movimento for conduzido por aqueles
comprometidos com a educação especial. Na verdade, o
processo de inclusão deve começar e se manter no desejo
de todos os educadores. As mudanças necessárias se
efetivarão quando estivermos juntos: os da educação
especial e os do ensino regular, em busca do especial na
131
educação, isto é, em busca do aprimoramento de sua
qualidade.
O sistema educacional deve garantir o convívio com as
diferenças, mas também efetivar planejamento de programas
educacionais, que atenda todos os alunos, indistintamente. Tais
planejamentos e programas precisam partir das pessoas que estão a
ser incluídas e, assim, todas as demais pessoas e processos didático-
pedagógicos passam pelo planejamento, de sorte que nessa
perspectiva, igualmente, as políticas precisam ser elaboradas.
As políticas públicas educacionais o devem existir em
razão de uma determinão legal, uma imposição de lei, como uma
inclusão estritamente jurídica. Elas devem ser materializadas,
porque é preciso um olhar diferenciado e exclusivo da
individualidade, do corpo pulsante e latente.
O desafio posto é a compreensibilidade da disposição
educacional firmada, com o impulso de novas ações inclusivas que
se materializem, tendo como centro a própria pessoa com
deficiência, na sua diferenciação ética. Mesmo que a sua
materialização seja pelo ativismo judicial e pelo ativismo legislativo,
porque essa compreensibilidade te de existir o que e o quanto é
de direito da pessoa, especificamente em ambiente pedagógico.
132
5.1 Incursões no Município de Maracaí:
análises de casos práticos e documentos legais
5.1.1 Da pesquisa relacionada ao Ativismo Judiciário
No campo do ativismo judiciário, foram delineadas
pesquisas com base em casos concretos na cidade de Maracaí,
estado de São Paulo. Concernem a situações levadas ao Poder
Judiciário, que envolvessem questões direta e indiretamente ligadas
à Educação Inclusiva, relacionadas ao corpo desviante, e diferente.
A proposta seria visualizar e correlacionar como o Poder Judiciário
enfrentou, ao longo dos anos, as questões que foram judicializadas
em decorrência da falta de atenção e proteção desse grupo.
Por conta da pandemia internacional da COVID-19,
normas e decretos regulamentadores foram expedidos, no sentido
de regular o acesso aos tribunais os fóruns. Essas restrições e
mesmo as recomendações de distanciamento, de certa maneira,
prejudicaram o acesso aos processos físicos que poderiam trazer
elementos estruturantes para a pesquisa e desenvolvimento do
texto. Logo, as pesquisas das questões judiciais relativas às políticas
públicas, no seu aspecto educacional, ficaram limitadas apenas às
entrevistas e contatos com pessoas que confrontaram e enfrentaram
determinada realidade posta. O texto baseou-se em desenvolvi-
mento de investigação que foi modulada, realizada de forma
remota e não presencial, o que, se, por um lado, também
resguardou os perigos de eventual transmissão do contágio da
COVID-19, por outro, impossibilitou um aprofundamento das
experiências vividas, o que, sem dúvida, traria uma sensibilidade e
riqueza, o com respeito à estratificação dos fatos em si, mas de
133
envolventes percepções que apenas um toque ou um olhar é capaz
de produzir.
O Art. 23, inciso II, da Constituição Federal prevê que é
competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e
dos Municípios tratar da sde e assistência pública, da proteção e
da garantia das pessoas com deficncia:
Art. 23. É competência comum da União, dos Estados,
do Distrito Federal e dos Municípios: [...] II - cuidar da
saúde e assistência pública, da proteção e garantia das
pessoas portadoras de deficiência. (BRASIL, 2016).
Após a promulgação da Constituição Federal de 1988, o
direito à educação passou a ter uma abordagem essencialmente
jurídica, e não política e técnica. Tanto que na década de 1990 e
nos anos seguintes várias leis e decretos trouxeram regulamentações
e disposições sobre a matéria.
Todos devemos estar cientes da importância da Educação
Inclusiva para a efetiva inclusão das pessoas com deficiência, na
sociedade, garantindo até mesmo o respectivo atendimento
educacional especializado na rede regular de ensino.
Em um contexto nacional, as decies judiciais sobre a
temática da Educação Inclusiva têm se orientado no sentido
positivo, de afirmação do ativismo judicial em questões referentes à
Educação Inclusiva, a qual se reporta importante direito funda-
mental social. Sobre a concretização dos direitos fundamentais
sociais, o Supremo Tribunal Federal (STF), quando do julgamento
da ADPF 45, tratou sobre a violação a Constituição Federal
134
brasileira por comportamento omissivo ou comissivo do poder
público:
Se o Estado deixar de adotar as medidas necessárias à
realização concreta dos preceitos da Constituição, em
ordem a torná-los efetivos, operantes e exeqüíveis,
abstendo-se, em conseqüência, de cumprir o dever de
prestação que a Constituição lhe impôs, incidirá em
violão negativa do texto constitucional. Desse non
facereou non praestare, resulta a inconstitucionalidade
por omiso, que pode ser total, quando é nenhuma a
providência adotada, ou parcial, quando é insuficiente a
medida efetivada pelo Poder Público. A omissão do
Estado - que deixa de cumprir, em maior ou em menor
extensão, a imposição ditada pelo texto constitucional -
qualifica-se como comportamento revestido da maior
gravidade político-jurídica, eis que, mediante inércia, o
Poder Público também desrespeita a Constituição,
também ofende direitos que nela se fundam e também
impede, por ausência de medidas concretizadoras, a
própria aplicabili
dade dos postulados e princípios da Lei
Fundamental. (RTJ 185/794-796, Rel. Min. CELSO
DE MELLO, Pleno). É certo que não se inclui,
ordinariamente, no âmbito das funções institucionais do
Poder Judiciário - e nas desta Suprema Corte, em
especial -a atribuição de formular e de implementar
poticas públicas (JOSÉ CARLOS VIEIRA DE
ANDRADE, “Os Direitos Fundamentais na
Constituição Portuguesa de 1976”, p. 207, item n. 05,
1987, Almedina, Coimbra), pois, nesse domínio, o
encargo reside, primariamente, nos Poderes Legislativo e
135
Executivo. Tal incumncia, no entanto, embora em
bases excepcionais, poderá atribuir-se ao Poder
Judiciário, se e quando os óros estatais competentes,
por descumprirem os encargos político-jurídicos que
sobre eles incidem, vierem a comprometer, com tal
comportamento, a eficácia e a integridade de direitos
individuais e/ou coletivos impregnados de estatura
constitucional, ainda que derivados de cláusulas
revestidas de conteúdo programático. Cabe assinalar,
presente esse contexto consoante proclamou esta
Suprema Corte que o caráter programático das regras
inscritas no texto da Carta Política “não pode converter-
se em promessa constitucional inconseqüente, sob pena
de o Poder Público, fraudando justas expectativas nele
depositadas pela coletividade, substituir, de maneira
ilegítima, o cumprimento de seu impostergável dever,
por um gesto irresponsável de infidelidade governa-
mental ao que determina a própria Lei Fundamental do
Estado.
(BRASIL, 2014).
O direito à educação é tido como um dos componentes do
mínimo existencial. As pessoas com deficiência, para usufruir do
seu direito, necessitam de prestações especiais, sem dúvida, e é
dever do poder público fornecer, de forma eficiente e especializada,
a concretização dos direitos e garantias desse grupo.
Discorreu o Ministro Dias Toffoli sobre o mínimo
existencial:
A cláusula da reserva do posvel - que não pode ser
invocada, pelo Poder Público, com o propósito de
136
fraudar, de frustrar e de inviabilizar a implementação de
poticas públicas definidas na própria Constituição -
encontra insupevel limitação na garantia constitu-
cional do mínimo existencial, que representa, no
contexto de nosso ordenamento positivo, emanação
direta do postulado da essencial dignidade da pessoa
humana.
A noção de “mínimo existencial”, que resulta, por
implicitude, de determinados preceitos constitucionais
(CF, art. 1º, III, e art. 3º, III), compreende um
complexo de prerrogativas cuja concretização revela-se
capaz de garantir condições adequadas de existência
digna, em ordem a assegurar, à pessoa, acesso efetivo ao
direito geral de liberdade e, também, a prestações
positivas originárias do Estado, viabilizadoras da plena
fruição de direitos sociais sicos, tais como o direito à
educação, o direito à proteção integral da criança e do
adolescente, o direito à saúde, o direito à assistência
social, o direito à moradia, o direito à alimentação e o
direito à segurança.
Declaração Universal dos Direitos da Pessoa Humana,
de 1948 (Artigo XXV). A Proibição Do Retrocesso
Social Como Obstáculo Constitucional À Frustrão E
Ao Inadimplemento, Pelo Poder Público, De Direitos
Prestacionais. - O princípio da proibição do retrocesso
impede, em tema de direitos fundamentais de caráter
social, que sejam desconstituídas as conquistas
alcançadas pelo cidadão ou pela formação social em que
ele vive. - A cláusula que veda o retrocesso em matéria
de direitos a prestações positivas do Estado (como o
direito à educão, o direito à saúde ou o direito à
137
segurança pública, v.g.) traduz, no processo de
efetivação desses direitos fundamentais individuais ou
coletivos, obstáculo a que os veis de concretizão de
tais prerrogativas, uma vez atingidos, venham a ser
ulteriormente reduzidos ou suprimidos pelo Estado.
Doutrina. Em conseqüência desse princípio, o Estado,
após haver reconhecido os direitos prestacionais, assume
o dever não de torná-los efetivos, mas, também, se
obriga, sob pena de transgressão ao texto constitucional,
a preservá-los, abstendo-se de frustrar - mediante
supressão total ou parcial - os direitos sociais
concretizados. (BRASIL, 2004).
Nesse caso específico, o Judiciário estabelece uma medida
para o cálculo do biopoder. Pelo biopoder, iniciam-se investimen-
tos políticos na educação, efervescendo o discurso da educação
como direito humano, como direito de todos e dever do Estado.
Embora positiva, a maneira de regulação não deixa de ser um jogo
de biopoder ou de como aqueles que estão fora podem adentrar a
ele, recebendo, nesse sentido, o mínimo, quando, em verdade, dão
em troca muito mais, em razão do esforço que despendem para tal.
Deve-se enfatizar e assegurar a inclusão dos alunos com
necessidades educacionais especiais, nas classes comuns, abolindo
qualquer prática segregacionista.
Oliveira (2007, p. 32) ressalta:
A política inclusiva objetiva oportunizar a educação
democrática para todos, considerando ser o acesso ao
ensino blico de qualidade e o exercício da cidadania
um direito de todos; viabilizar a prática escolar da
138
convivência com a diversidade e difereas culturais e
individuais, e incluir o educando com necessidades
educacionais especiais no ensino regular comum. Essa
política de educação inclusiva aponta para a
democratização do espo escolar, com a superação da
exclusão de pessoas que apresentam necessidades
especiais e da dicotomia existente entre o ensino comum
e a educação especial por meio de suas classes especiais.
O preceito foi refoado em nível internacional, pelas
disposições da Conveão sobre os Direitos das Pessoas com
Deficiência da ONU, a qual, em seu artigo 24, traz o compromisso
dos Estados-Partes com a Educação Inclusiva:
Artigo 24. Educação.
2.Para a realização desse direito, os Estados Partes
assegurarão que:
a) As pessoas com deficiência o sejam excluídas do
sistema educacional geral sob alegação de deficiência e
que as crianças com deficiência não sejam excluídas do
ensino pririo gratuito e compulsório ou do ensino
secundário, sob alegação de deficiência; [...] (BRASIL,
2007a).
É imprescindível a garantia da educação para todos, em
todos os níveis e de forma igualitária em um mesmo ambiente,
de modo a atingir o pleno desenvolvimento humano e o preparo
para a cidadania das pessoas com ou sem deficiência.
Não é mais possível negar a qualquer pessoa com
deficiência o acesso à escola regular, e deve ser oferecido todo o
139
auxílio escolar para pessoas com deficncia matriculadas em escola
regular:
O Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei 13.146/15)
estabelece que a matrícula de pessoas com deficiência é
obrigatória pelas escolas particulares e não limita o
mero de alunos nessas condições por sala de aula; – As
provas dos autos denotam que havia vaga na turma de
interesse da autora, mas não para uma criança especial,
pois teriam atingido o mero ximo de 2 alunos
por turma; Em que pese a discricionariedade
administrativa que a escola tem para pautar os seus
trabalhos, a recusa em matricular a criaa especial na
sua turma não pode se pautar por um critério que não
es previsto legalmente. A Constituição Federal e as leis
de proteção à pessoa com deficiência são claras no
sentido de inclusão para garantir o direito básico de
todos, a educação; Não na lei em vigor qualquer
limitação do número de crianças com deficiência
por
sala de aula, a Escolasequer comprovou nos autos que
na turma de interesse da autora havia outras duas
crianças com deficiência e também o grau e tipo de
deficiência matriculadas, – Dano moral configurado
– R$20.000,00. Recurso Provido. (BRASIL, 2017).
Várias outras decisões judiciais foram no mesmo sentido,
revelando-se que esse tipo de atuação é elemento relevante de
estruturação e consolidação das políticas públicas educacionais
inclusivas.
140
No desenvolvimento da pesquisa, deparou-se com duas
situações relacionadas à imposição, via judicial, de professor
auxiliador em favor de crianças que necessitavam de acompanha-
mento específico, na sala comum. O relato dos responsáveis indica
que muitos pais e interessados não sabem o caminho jurídico de
tutela de direitos a seguir. Essas situações envolvem dois casos de
Educação Inclusiva e ativismos judiciais, entre os anos de 2018 e
2020, atinentes a crianças entre 10 e 11 anos, diagnosticadas com
Autismo ou Transtorno do Espectro Autista TEA, grau médio.
O TEA é um transtorno do desenvolvimento que leva ao
comprometimento, na comunicação e na interação social.
As mães perceberam problemas no relacionamento das
crianças com pessoas do ambiente escolar, reclusão, dificuldade de
assimilação cognitiva. Houve procura pela direção escolar e pela
Secretaria Municipal de Educação. Contudo, notou-se mais do que
omissão: percebeu-se até um certo desdém em relação às
circunstâncias e características próprias dos filhos. Uma das mães
tem um segundo problema com respeito à Educação Inclusiva, que
é o fato de residir em um Distrito, longe cerca de trinta
quilômetros da cidade. Isso é mais um obstáculo, no tratar das
situações diárias que envolvem o filho.
Nos dois casos, a intervenção judicial se deu mediante ação
proativa e direta do Ministério Público, por meio da Promotoria de
Justiça local, assegurando-se a participação de um professor
auxiliar, durante o curso das aulas, na classe regular.
141
5.1.2 Da pesquisa referente ao Ativismo Legislativo
Atribuem-se ao Poder Legislativo a formulação e a
implementação de políticas públicas. Porém, nem todas as
demandas existentes foram contempladas, pois cada caso específico
possui suas pprias singularidades e características. Assim, a
atuação legislativa, parlamentar pode ser propulsora de mudanças e
transformações da comunidade, dos interesses sociais e, também,
individuais.
O ativismo legislativo, portanto, pode ser concretizado não
apenas como garantidor de um direito previsto em lei, mas como
um instrumento de ampliação dos direitos. Podemos ressaltar que,
em tal ativismo, se delineia uma política de inclusão que tenha a
participação dos beneficiários dela, e não que seja formulada a
partir da concepção idealizada e abstrata de especialistas.
O ativismo legislativo aparece como forma de biopolítica
descendente e ascendente. Ascendente, na medida em que a
formalização de uma política pública de viés educacional, pelo
ativismo, possibilita a contemplação, a instrumentalização de
determinada política, a qual vai irradiar, interferir no campo
educacional prático, colocado sob perspectiva; e descendente, pois,
quando tensionadas, essas estruturas de poder, inseridas no
contexto dessa governamentalidade neoliberal, destaca novos
registros, novas significâncias, para capturar o corpo desviante.
A experiência como assessor da Câmara Municipal de
Maracaí permitiu ao autor relacionar-se com importantes
segmentos e associações da comunidade e visualizar as atuações
políticas em relação à pessoa com deficiência. As lutas locais
142
demonstram que foi importante e positiva a implantação de um
certo ativismo, o quanto foi relevante a criação de um registro,
mesmo dentro desse dispositivo, pois é possível visualizar outras
formas de resistências que emergem, outros modos de vida que se
tornam perceptíveis.
Na Câmara Municipal de Maracaí, analisando os acervos
de leis que tivessem por objeto a política educacional inclusiva, até
dezembro de 2020 identificou-se uma única legislão existente, a
Lei Municipal 1.852/2013, de 23 de setembro de 2013
(MARACAÍ, 2013). Esta norma instituiu a política municipal de
mobilidade urbana e tratou do acesso amplo e democrático ao
espaço urbano, priorizando os meios de transporte coletivos e não
motorizados, de maneira inclusiva e sustentável. Pode-se sustentar
que essa lei não teve como centro específico questões diretas
educacionais, mas situações reflexas, pois, se, de um lado, o
transporte não traz a perspectiva de interferir diretamente no
processo ensino-aprendizagem e no ambiente da escola em si, por
outro lado, pode ser elemento imperioso e a determinante para
viabilizar condões de a pessoa com deficiência estar no espaço
escolar.
A partir de 2021, com o autor na posição de Vereador
eleito no Município de Maracaí, rias proposições legais e
dispositivos normativos foram materializados, rompendo com o
status quo de inércia e morosidade no Legislativo local. Reconhece-
se a existência das tensões que existem no ambiente legislativo, no
sentido inegável de o ativismo legislativo ser uma espécie de
governamentalidade liberal, com a ação parlamentar reputando-se
elemento estruturante e dispositivo de biopolítica. Porém, a
143
posição estratégica parlamentar atraiu formas diversas,
pluridimensionais, tanto de atuação como de enxergar a
programatização das políticas públicas educacionais inclusivas.
A partir do ano de 2021 houveram iniciativas legislativas na
Câmara Municipal de Maracaí, com aspectos inclusivos,
principalmente no campo educacional: a) o levantamento de todas
as pessoas com deficncias do município - Lei n.° 2.426/21
(MARACAÍ, 2021f); b) o condicionamento de espaços públicos
com ampla acessibilidade - Lei n.° 2.399/21 (MARACAÍ, 2021e);
c) a expedição de registro para as pessoas com autismo - Lei n.°
2.377/21 (MARACAÍ, 2021c); d) a reserva de vagas nos programas
de estágio para estudante com deficncia - Lei n.° 2.365/21
(MARACAÍ, 2021a); e) a reserva de vagas para a pessoa com
deficiência em programa de frente de trabalho - Lei n.° 2.372/21
(MARACAÍ, 2021b); f) a isenção de taxa de concurso público e
processo seletivo para a pessoa com deficiência - Lei n.° 2.393/21
(MARACAÍ, 2021d); g) a obrigatoriedade de brinquedos
adaptados, nos parques infantis - Lei n 2.399/21 (MARACAÍ,
2021e); h) a criação da Semana Municipal da Conscientização do
Autismo - Lei n.° 2.442/21 (MARACAÍ, 2021g); i) a criação do
Conselho Municipal das Pessoas com Deficiência - Lei n.°
2.450/21 (MARACAÍ, 2021h); J) a destinão de emenda
impositiva parlamentar para a aquisição de um veículo automóvel
para a ADEM Associão dos Deficientes de Maracaí - Lei n.°
2.358/20 (MARACAÍ, 2020); K) a destinação de emenda
impositiva parlamentar para o desenvolvimento do Projeto Amor
e Arte” - Lei n.° 2.474/21 (MARACAÍ, 2021i).
144
Conforme pesquisa delineada, os contornos das propostas
legislativas tiveram origem nas demandas populares de resistência.
Do ponto de vista de perspectivas de transformação da pessoa com
deficiência, por exemplo, as leis municipais poderão repercutir
nessas formas de vida, em sua qualidade e em sua potencialização.
Pelo levantamento das pessoas com deficiência, será possível
melhor defesa dos direitos e destinação de políticas mais
adequadas, de acordo com a deficiência; o destaque dos locais
públicos com ampla acessibilidade possibilitará a democratização
dos espaços sociais e o registro das pessoas com autismo bem como
a expedição de carteira de identificação do autista possibilitarão o
atendimento prioritário nos locais públicos e privados, mesmo
educacionais.
Ademais, a reserva de vagas para o aluno com deficiência
nos programas de estágio ensejauma imersão dentro do ambiente
escolar, uma ampla visão da estrutura educacional, de sorte a
trazer-lhe perspectivas; a frente de trabalho municipal é uma ação
social municipal para a pessoa desempregada desenvolver atividade
por um período específico, sem concurso público, em atividades
mais técnicas a reserva de vagas para os trabalhadores com
deficiência possibilitará que, eventualmente, eles estejam presentes
no espaço da escola, por meio do referido programa; a isenção de
pagamento de taxas de processo de seleção à pessoa com deficiência
pode estimular que ela participe de concursos e seletivos, até
mesmo com vistas nas mais diversas funções, como, por exemplo,
professor, agente educacional, monitor, reputando-se atores do
processo educacional; a obrigatoriedade de brinquedos adaptados
favorece a democratizaç
ão do acesso e, mais do que isso, a interação
145
de todos os alunos, estimulando a colaboração e a tolerância,
podendo proporcionar no ambiente escolar melhor adaptação e
interação da pessoa com deficiência com os demais estudantes.
Por outro lado, a Semana Municipal da Conscientização do
Autismo é sistematizada pela Secretaria de Educação, que pode
desenvolver ações de conscientização social nas escolas, as quais
contribuem para a disseminação de informações sobre a síndrome
do autismo; a criação o Conselho Municipal das Pessoas com
Deficiência possibilitará otimizar o espaço de debate, oferecendo
melhores condições de vida, impactando no dia a dia da pessoa
com deficiência e essa participação política é um grande passo
para a concretização de demandas sensíveis à pessoa com
deficiência.
Finalmente, com relação às políticas relacionadas à ADEM
Associação dos Deficientes de Maracaí –, esclarece-se que essa
instituição desenvolve ações com o público adulto e presta
atendimento especializado para pessoas com deficncia e suas
famílias, as quais tiveram suas limitações agravadas por violões de
direitos, como exploração da imagem, isolamento, confinamento,
atitudes discriminatórias e preconceituosas, dentre outras que
reforçam a dependência e comprometem o desenvolvimento da
autonomia. Assim, a ADEM não atua diretamente no campo
pedagógico, mas suas ações têm reflexos no campo educacional. A
respeito das proposições em favor da ADEM, a aquisição do
vculo otimiza sua autonomia, principalmente no tocante à
acessibilidade e o Projeto Amor e Artevolta-se ao trabalho com
artesanatos e esquadrias, além de atividade motora com profissional
da área da Educação Física.
146
Os relacionados processos legislativos são formas de
governamentalidade, no sentido de que trazem um signo, um
registro à pessoa com deficiência. o ões que atuam dentro de
uma lógica de enquadramento em determinadas funções, situações
específicas, no entanto, trazem aspectos positivos, confirmando que
nem toda caracterização de governamentalidade é negativa.
As ões que almejam a proteção o, na sua esncia, um
ato de resistência, de enfrentamento. Na pesquisa, alguns
depoimentos de pais indicaram que a constituição dos direitos e
peculiaridades da pessoa com deficiência, em sala de aula, gera uma
tensão com a própria rede escolar, com a direção de escola, como se
a proteção àquela subjetivação significasse algo negativo e
demonstrasse uma ruptura com a linearidade, a normalidade do dia
a dia escolar. Questões assim precisam ser esclarecidas com a
comunidade escolar, para que as crianças não sofram perseguições.
5.1.3 Perspectivas a partir das pesquisas relacionadas ao ativismo
judicial e ao ativismo legislativo no município de Maracaí
Nem todas as lutas em prol da inclusão são capturadas
pelos ativismos, judicial e parlamentar, movimentos que ocorrem,
respetivamente, no âmbito do Poder Judiciário e do Poder
Legislativo.
As lutas que almejam a estruturação e a materialização de
um aspecto educacional específico, em qualquer das suas
dimensões, vão muito mais além de colocar o aluno com
deficiência na classe comum: corporificam-se como vetores
transversais das lutas e desafios em relação à política pública de
147
Educação Inclusiva, revelando-se em várias faces, por movimentos
de seus principais interessados, principalmente pelas pessoas com
deficiência, assim como de outros signos e movimentos que as
atravessam, conforme a concepção agambeniana de povo.
Na filosofia de Agamben, o homo sacer comparece como o
principal exemplo da vida abandonada, uma figura que surge do
mundo, a partir do seu desligamento com ele, de sua exclusão. Esse
homo sacer tem sua condição humana minimizada, como estado de
exceção em que a vida é capturada e sob o donio da vontade
soberana. Ele aparece, na modernidade, por meio das pessoas que
estão fora do sistema, excluídas por determinado signo, como a
pobreza, a cor, ou a deficiência:
É esta estrutura de bando que devemos aprender a
reconhecer nas relações políticas e nos espaços públicos
em que ainda vivemos. Mais íntimo que toda
interioridade e mais externo que toda a estraneidade é,
na cidade, o banimento da vida sacra. Ela é o nómos
soberano que condiciona todas as outras normas, a
espacialização originaria que torna possível e governa
toda a localização e toda territorialização. E se, na
modernidade, a vida se coloca sempre mais claramente
no centro da política estatal (que se tornou, nos tempos
de Foucault, biopolítica), se, no nosso tempo, em um
sentido particular mas realíssimo, todos os cidadãos
apresentam-se virtualmente como homines sacri, isto
somente é possível porque a relação de bando constituía
desde a origem a estrutura ppria do poder soberano.
(AGAMBEN, 2010, p. 110).
148
A pessoa com deficiência que não teve a sua subjetividade
incorporada, no plano educacional, é o homo sacer moderno. Essa
subjetividade pode se materializar de diferentes formas, como o
desconhecimento dos instrumentos de direito para viabilizar seu
acesso ao conhecimento, a falta de informações sobre como dar
ensejo aos ativismos, a inexistência de acessibilidade adequada, um
processo de aprendizagem que não capta a sua realidade e que,
portanto, integra apenas parcialmente, a falta de um professor
auxiliar, um profissional que lhe ofereça a otimização dessa vida, e
material pedagógico adequado, além da existência de espaços e
tempos específicos.
Se a Educação Inclusiva não se revela apenas pela presença
das pessoas com deficiência, na sala de aula comum, regular, é
certo que a inclusão das pessoas com deficiência transborda para
fora do campo educacional, correlacionando-se em dimensões
multidisciplinares fundamentais, como a saúde e a assistência. Por
isso, é importantíssima a articulão e a cooperação entre os
diversos setores.
As questões associadas ao ativismo vão muito além da
regulação da vida, emergente com a biopolítica, seus paradoxos e
com o nascimento do neoliberalismo: um limiar do ativismo, o
qual auxilia na definição soberana de quem deve ser protegido para
viver e de quem deve ser exposto para morrer:
Quando o biológico incide sobre o político, o poder
não se exerce sobre sujeitos de direito, cujo limite é a
morte, mas sobre seres vivos, de cuja vida ele deve
encarregar-se [...] a vida e seus mecanismos entram nos
cálculos explícitos do poder e saber, enquanto estes se
149
tornam agentes de transformação da vida. (PELBART,
2003, p. 05).
Os processos de inclusão também estão capturados pela
vertente concorrencial e pelo controle biopolítico:
Os efeitos dessa inclusão formal, por assim dizer, podem
corresponder aos esperados pelas políticas blicas.
Ademais, eles facultam uma concorrência entre os
especialistas para saber qual modelo de acessibilidade do
espaço sico, qual programa de adaptação de conteúdos
curriculares, qual métodos de ensino, estratégias
didáticas de disciplinamento e de avaliação são as mais
adequadas para essas políticas estatais, que no fundo são
capitaneadas pela livre iniciativa privada. Dessa
perspectiva hegemônica, o que escapa ao formalmente
instituído pela lei, pelos saberes especializados e pelas
tecnologias oficializadas ou reconhecidas como as
melhores, para essa adaptação funcional desses
indivíduos e o para o controle biopolítico de suas vidas
designadas de deficientes, raramente são levadas em
conta. (PAGNI, 2016, p. 349).
Os ativismos podem e devem ser encarados de uma forma
positiva, sendo produtos das transformações ocorridas no Direito,
com o advento de um novo texto constitucional, que marca a
passagem da concepção de Estado Social para a de Estado
Democrático de Direito. Os ativismos dão vida à democracia de
que tanto se fala, acolhendo o comum, com um agenciamento na
esfera jurídica, favorecendo uma democracia ilimitada, sem limites
150
pré-concebidos. O desejo revelado é derivado do reconhecimento
de direitos, passando pela ineficiência do Estado em implementá-
los. Depreende-se uma dependência do aparelho de governamento,
como se ele não fosse a materialização das ações empreendidas
pelos ts poderes, os quais, por sua vez, atribuem ao ente abstrato
uma rie de responsabilidades que tamm são suas. Pelo
deslocamento proposto, através dos ativismos judicial e legislativo,
relacionados às questões da governamentalidade, deixa-se menos
aberta a possibilidade, vislumbrando nesse ativismo uma corres-
ponsabilidade dos poderes, com forte participação comunitária e
até popular.
A pesquisa que colaborou para este livro concentra-se
igualmente nas demandas agenciadas pelas lutas locais, decorrentes
da implementação das políticas de inclusão nas escolas, tendo
como centro a atuação do autor dentro do ativismo legislativo na
cidade de Maracaí. Neste município identificou-se grande número
de pais e interessados que destacaram questões de enfrentamento
relacionado à falta de inclusão na rede municipal de ensino, quanto
aos alunos diagnosticados com o TEA (Transtorno do Espectro
Autista).
A Lei Federal 12.764/12 (BRASIL, 2012a) prevê, com
relação ao TEA, o direito à educação, dispondo que, em casos de
comprovada necessidade, a pessoa com transtorno do espectro
autista incluída nas classes comuns de Ensino Regular terá direito a
acompanhante especializado. Os direitos do aluno diagnosticado
com TEA abrangem um Plano de Educação Individualizado PEI
e o currículo personalizado. O PEI tem em vista que o aluno
receba os benefícios educacionais em ambientes menos restritivos,
151
possibilitando ainda instruções específicas para o referido aluno
com certa deficiência, de acordo com as necessidades acadêmicas,
sociais e comportamentais exclusivas. Aliás, os pais são figuras
importantíssimas na criação de metas e na concretização do PEI. O
currículo personalizado objetiva garantir a adaptação do currículo à
pessoa com TEA, sem profundas alterações dos conteúdos, e deve
ser um documento trabalhado e concretizado pela escola.
Reportando-se a Maracaí, não houve identificão de um
Plano de Educação Individualizado e currículo personalizado para
o ano de 2022, com flagrante ofensa à vida da criança e do jovem
com o diagnóstico do TEA. Com efeito, no mês de março de
2022, ainda se constatou casos gravíssimos, sem o devido
acompanhamento do professor auxiliar, técnico profissional
pedagógico.
Passaremos a abordar alguns casos da cidade de Maracaí,
porém, com a finalidade de proteger suas identidades e de zelar
pela discrição, o autor os mencionacomo atinentes a Responsável
1, Responsável 2 e Responvel 3. Serão todas situações que
envolvem o TEA. Lembrando que, nos casos de TEA, o autismo
varia de acordo com o grau de funcionalidade e dependência do
paciente, sendo três graus, com o grau 1 mais funcional e exigência
de pouco apoio, e o grau 3, no qual o paciente é mais dependente e
precisa de um suporte substancial.
O primeiro caso, referente à Responsável 1, o diagnóstico e
o laudo apontam para um grau dio. Em meados do mês de
fevereiro, véspera do início das aulas, a direção escolar informou
que não havia qualquer professor auxiliar destacado, e o
responsável deveria encaminhar ofício à Secretaria Municipal.
152
Houve um certo acolhimento emocional da direção, que bem
orientou o responsável acerca de como proceder, para tentar
materializar o seu direito. Porém, a inexisncia do PEI e do
currículo personalizado prejudicaram a criança, de forma aviltante,
comprometendo seu ano escolar.
Ainda com relação a esse caso, um outro paradigma,
concernente aos medicamentos necessários para a criança manter-se
calma, inclusive no ambiente educativo. A Secretaria de Saúde local
tem atrasado constantemente a viabilidade dos remédios, o que
gera transtorno e impacta nos ânimos e bem-estar da criança,
principalmente na escola. O Responsável 1 procurou o autor,
relatando o ocorrido, com a finalidade de intercessão em favor da
criança, pois estaria com receio de procurar o Ministério Público
local, para tomada de provincias, em razão de um dos pais
reputar-se servidor público e ter receio de represálias.
A segunda situação relaciona-se ao Responsável 2. Trata-se
de um grau 1 de TEA, todavia, a criança ainda está matriculada na
creche municipal. O responsável entende que a criança necessita de
um acompanhamento relativo, principalmente pelo fato de que a
sala de aula conta com cerca de vinte crianças, entre 4 e 5 anos, e
qualquer emergência colocaria em apuros o professor, o qual é o
único responsável pela sala. A direção escolar se recusa a destacar
um professor auxiliar, sob o argumento de que a Lei 12.764/12
prevê o direito ao citado professor apenas quando se tratar de sala
de Ensino Regular. A responsável informou que, em anos
anteriores, teve sucesso no destaque de uma segunda pessoa na sala,
contudo, teve quearmar um barraco”. [sic].
153
O terceiro caso é o mais grave. O Responsável 3 possui dois
filhos, gêmeos, e ambos com diagnóstico de TEA, sendo um deles
também diagnosticado com epilepsia. Em anos anteriores, a
direção escolar separou as crianças em duas salas, prejudicando o
desenvolvimento de ambos. A Resolução da questão se deu após
intervenção do Ministério Público. Em 2022, novos problemas.
Em razão da questão de epilepsia de uma das crianças, é necessário
tomar medicamentos específicos, que, de acordo com a sua rotina,
eram ingeridos no período da tarde. Procurando a escola, o
Responsável 3 foi informado de que havia vagas no período da
tarde, fato que o levou a parar de ministrar o remédio, pensando
em quando as crianças voltariam a estudar. Em atendimento
médico, o Responsável 3 foi advertido pelo profissional e passou a
ministrar novamente o medicamento, como determinado.
O Responsável 3 voltou à escola e houve um atendimento
com certo desinteresse e desestimulador. Em contato com uma
segunda escola, também foi informado de que não haveria vagas,
pois o único professor auxiliar da unidade estava acompanhando
uma classe com dois alunos com deficiência. O Responsável 3
procurou o autor, o qual agiu no sentido de interceder para que as
crianças fossem matriculadas no período matutino, nessa segunda
escola, conforme era do interesse do Responsável 3. Aliás, não era
um interesse do Responsável 3, mas uma emergência quanto à
necessidade das crianças, isto é, não se tratava de um “capricho”. O
contato do autor com a unidade escolar e também com a Secretaria
de Educação ocorreu no início de março do ano de 2022.
Na segunda quinzena de março, as crianças ainda não
estavam na rede municipal de ensino. Vale destacar o prejuízo
154
educacional pela falta de atendimento correto nas unidades
educacionais do município. Essas crianças estavam prejudicadas
pela falta de PEI e de um currículo personalizado, imagine-se,
portanto, iniciar o ano letivo somente 30, 60 dias depois do início
regular.
Da identificação de outras situações que também remetem
às problemáticas relacionadas à Educação Inclusiva, organizou-se
um movimento sob a coordenação do autor, com encontros
quadrimestrais com os pais e/ou responsáveis de crianças com
deficiência, com o interesse de trocas de experiências e de
informões, de compartilhamento e disseminação de ideias,
programas e projetos, um espaço propício ao debate, de pensar a
questão da Educação Inclusiva municipal, as dificuldades
encontradas, disposições de quando e como agir, com o interesse
precípuo de levar às crianças e jovens com deficiência uma vida
digna, a garantia de que a eles serão oportunizadas condições de
otimizarem ao máximo sua capacidade, cujo limite sejam as
condições próprias da sua subjetividade, da sua existência.
Estes encontros têm sido muito importantes para as pessoas
com deficiências, e algumas questões que surgiram de debate no
grupo, hoje é uma realidade na comunidade, como a lei
Municipal 2.442/2021 (MARACAÍ, 2021). Esta lei teve origem
no Projeto n.° 035/021 de iniciativa do autor (MARAC, 2021),
que propôs ações de conscientização do Autismo, a ser
desenvolvida em programas anuais na primeira semana de abril.
Após o advento da lei, a Secretaria Municipal de Educação
promoveu palestra ministrada pela psicopedagoga Milena Steger,
Adaptação curricular para estudantes com necessidades
155
educacionais”, com foco nas principais dificuldades dos alunos
com necessidades especiais, principalmente TDAH, Dislexia e
Autismo. Houve uma mobilização da rede municipal, estando
presentes vários profissionais da Prefeitura de Maracaí: professores,
diretores, agentes educacionais, motoristas, equipes técnicas etc.
Foi muito importante, tanto para a reflexão sobre o tema
como para tratar de questões que impactam no dia a dia da rede
municipal. Sem dúvida, um ótimo passo para as transformações
educacionais, mas ainda muito tímido, pois muito que
percorrer, deixando as prescrições para trás e lançando-se no
sentido da materialização, de modo a impactar, de fato, no dia a
dia da criaa e do jovem com deficiência.
As reivindicações e o engajamento, ou a falta destes,
diferem conforme o local. No mês de setembro de 2021, um grupo
da cidade de Serra, Estado de Espírito Santo, acampou, por cerca
de trinta e um dias, no espaço da Prefeitura Municipal, com o
objetivo de cumprimento e atenção da lei de inclusão. Trata-se de
um protagonismo, exemplo de luta, um movimento que teve a
liderança das mães do Coletivo es Eficientes Somos s”. A
ocupação apenas teve um desfecho com a assinatura de um termo
de ajustamento de conduta, entre Prefeitura Municipal e o
Ministério Público, havendo o reconhecimento de violação de um
direito coletivo. É um exemplo de resiliência, de persistência e
insistência, de resistência. Foi um ato sem apoio político, sem
relação com o ativismo legislativo, muito menos judiciário, de uma
tentativa de tensionar a porta, de buscar a visibilidade, criar
espaços, ser acolhido.
156
Historicamente, a pessoa com deficiência sempre foi alvo
de preconceito. Inúmeras ações de enfrentamentos, com derrotas e
vitórias, de reconstruções, de se organizar para exigir seus direitos,
de promover o reconhecimento e a valorização de suas
características, foram importantíssimas para a relativização desse
preconceito. Foram esforços incessantes e contínuos, para
neutralizar as diferenças, o paradigma da normalização. É de suma
importância que a pessoa com deficiência participe ativamente das
discussões de seu interesse, como qualquer outra, da organização
civil, ocupando seu lugar de poder e de direito como cidadã.
A política educacional inclusiva tem como um dos seus
pressupostos, ou objetivos, levar a pessoa com deficiência para a
sala de aula, para normalizá-la ou ao menos apresentar e corroborar
a tese de que ela estaria apta para certas funções; contudo, na
prática, o que se sobrepõe é um certo estranhamento e dissabor
pelos “normais”, os quais não aceitam muito bem as pessoas com
deficiência, além de os professores, por vezes, não terem a
capacitação especial para lidar com a situação.
Muitas crianças são, até mesmo, incluídas por vieses o
educacionais, fora da escola, como, por exemplo, relações
extrainstitucionais, cumprindo um papel formativo não posto pela
escola.
O Estado, que se propôs governar a infância, se aturdido
com tal situação; a formação continuada do professor, às vezes, tem
até excedido nos recursos, mas preparando pouco e mal, para atuar
nesses casos no sentido produtivo. O que tem sido feito o está
sendo suficiente nem na especialidade nem no campo geral da
educação.
157
Hoje, o ambiente político indica que muito dos corpos que
estamos vivendo o cabem mais nas definições políticas,
conceituais, morais, e não estamos sendo capazes de colher a
multidão que chegou à escola faz muito tempo, e que agora chega à
Universidade.
As referências o dão conta de explicar tudo. A inclusão
está acontecendo, a resistência tamm, e na forma de
sociabilidade. Muitos movimentos que refletem no sistema
educacional inclusivo ocorrem em locais e espaços que ainda não
foram totalmente capturados pela estrutura de poder, como, por
exemplo, organizações e reuniões em grupos, nas mídias sociais, de
pessoas não identitárias pela sua diferença em si, todavia, pelo
signo de anormalidade.
Emergem outras formas de atuação, outros espaços que
buscam a potencialização da subjetivação, como debates e
encontros da comunidade acamica, a proatividade de
organizações representantes das pessoas com deficiência, enfim,
(re)organizações de múltiplas instâncias sociais. Sobre as
características e posições dessas associações, tem-se diversidade de
pensamentos sobre a Educação Especial, como, por exemplo, se
constatou em audiência pública realizada pelo Supremo Tribunal
Federal, no s de agosto de 2021, a fim de discutir a Política
Nacional de Educação Especial Equitativa, Inclusiva e com
Aprendizado ao Longo da Vida (PNEE), instituída pelo Decreto
10.502/2020, que pre a implementação, pela União, em
colaboração com os estados, o Distrito Federal e os municípios, de
programas e ações para a garantia dos direitos à educação e ao
atendimento educacional especializado aos alunos com deficiência,
158
transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou
superdotação.
Na audiência, representantes da sociedade civil e de órgãos
relacionados aos direitos das pessoas afetadas pelo decreto
apontaram que a PNEE discrimina e segrega os alunos com
deficiência, ao incentivar a criação de escolas e classes especializadas
e bilíngues de surdos, de sorte a impedir experiências importantes
vividas no ambiente escolar inclusivo. Contudo, também houve
posicionamentos de que a PNEE amplia direitos, respeita a
liberdade de escolha e promove a diversidade pedagógica,
avançando no direito de escolha entre a inclusão em classes comuns
e o atendimento em classes especiais, sendo a norma baseada no
direito de as pessoas com deficiência escolherem a melhor
alternativa para sua educação, inclusive promovendo a diversidade
pedagógica e fortalecendo a Educação Inclusiva de modo geral, e
o apenas no contexto de escolarização. Mas respeito à liberdade
de escolha é para quem sabe e conhece o que de melhor a
escolher.
Na reunião, o diretor-geral do Instituto Benjamim
Constant, João Ricardo Melo Figueiredo, pontuou que a escola
especializada condições para que a pessoa com deficiência seja
um cidadão pleno, com autonomia e espaço no mundo do
trabalho, sem a necessidade de tutela do Estado. Por outro lado, a
Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão enfatizou que o
Decreto 10.502/2020 é um retrocesso em matéria de direitos
humanos, ressaltando que a escola regular deve estar pronta e
estruturada para ser acessada por todos, e a existência de escolas
especializadas é contrária à ideia de educação verdadeiramente
159
inclusiva, a qual pressupõe toda uma mudança na estrutura do
sistema educacional. Também contestando o Decreto, houve
destaque de que caberia ao Estado mudar escolas, eliminar barreiras
e não segregar pessoas ou grupos, pois a escola é um espo
coletivo.
Assim, percebe-se que multiplicidade de posições e
debates, e as próprias associações e segmentos têm pontos de vistas
diferentes sobre o tema, mesmo aqueles que se relacionam
diretamente com os interessados, a pessoa com deficiência.
As lutas transversais podem deslocar a atenção para as ações
de resistência, ultrapassando barreiras geográficas. Os enfrenta-
mentos podem ser nos tribunais, academicamente ou no seu espaço
de vincia, sendo importante notar como determinadas lutas
ampliam a potência do bios a que se referem.
O ativismo judicial e o ativismo legislativo o
instrumentos de propulsão da Educação Inclusiva, sob uma ótica
distinta daquela genealogicamente afilhada à psiquiatria, cuja ação
implica a correção do desvio pela norma, sob um paradigma de
anormalidade. A transversalidade que repercute dos ativismos
judicial e legislativo ativam uma outra dimensão, que é o
entendimento sobre a própria vida do incluído, destacando sua
importância no prisma da esfera pública e não apenas de direitos
individuais.
5.1.4 Ativismo Judiciário e Ativismo Legislativo por vir
O pensamento, na busca de situações práticas relativas à
inclusão no seu aspecto educacional, foi identificar acontecimentos
160
que colaborariam com o entendimento dos deslocamentos nas
práticas escolares e os seus efeitos na produção dos sujeitos,
procurando acontecimentos que ensejariam a emergência de
práticas de subjetivação na história do presente.
Os ativismos judiciário e o legislativo, na sua essência,
carregam dispositivos jurídicos de poder e de ação política no
aparato judiciário e estatal, podendo ser compreendidos tatica-
mente como meios de garantir não somente a governamentalidade
ascendente e descendente, como também local ideal de lutas locais
e transversais, tornando-se menos um adjetivo (jurídico ou
legislativo) e mais ativismo (político), em sentido estrito.
Não se nega que os ativismos judicial e legislativo,
apresentados como instrumentos garantidores de uma política
educacional inclusiva, na esfera individual ou coletiva, tenham seus
próprios limites, que, muitas vezes, suas performances, ainda que
discursivamente alinhadas ao interesse social, podem se estruturar
em inclinações pessoais que não correspondem à realidade. A título
de exemplo, o ativismo legislativo pode ser efetivado mediante uma
demanda inovadora, do ponto de vista parlamentar, todavia,
também pode carregar em si a propensão eleitoreira. O ativismo
judiciário pode ser enaltecido como postura proativa na
interferência de maneira regular e significativa nas opções políticas
dos demais poderes, entretanto, não são raras as constatações de
que Tribunais da mesma jurisdição decidem de forma totalmente
diferente casos similares, a despeito de inclinações e
particularidades pessoais, tanto do julgador quanto do sujeito que
postula uma prerrogativa.
161
De outro lado, também se depara com a dificuldade do
acesso à informação, mesmo pelas forças existentes na estrutura de
poder, também nas próprias instituições escolares. O
desconhecimento da informação gera distorções e mais exclusão,
pois, pelo processo de ativismos, se permite empenhar uma
quantidade expressiva de recursos para o atendimento de alguns, os
quais acessam o Judiciário ou buscam a intercessão do Legislativo,
em detrimento do atendimento de muitos outros cidadãos,
incluindo os que, na mesma condição educacional, não acessam os
poderes.
Contudo, os ativismos são instrumentos que têm condições
de sistematizar uma política pública educacional inclusiva, que
potencializa a vida da pessoa com deficiência, construindo-se
espaços para que esta viva a sua expressão, valorizando suas
experiências, seus sentidos e realidades. A partir dos ativismos
judicial e legislativo, é possível a concretização de políticas como
valor de afirmação, de valorização de igualdade, de participação
efetiva nos processos coletivos e/ou individuais, com perspectiva de
influência e determinação ligadas à pessoa com deficiência e sua
inclusão de fato e não apenas de direito, na política educacional
inclusiva. Os ativismos podem se firmar mediante funções
estratégicas nos jogos de poder, fortalecendo movimentos das
pessoas com deficncia, como instrumentos de enfrentamentos
capazes de ampliar direitos civis e, mais do que isso, de otimizar a
participação da pessoa com deficiência, na vida democrática.
lutas locais que não estão condicionadas pelo ativismo e
são tão, ou mais importantes, que as políticas de inclusão: são
dispositivos produzidos nas lutas ascendentes das pessoas com
162
deficiência que não o capturáveis e, como acontecimentos, são
impossíveis de serem previstos na sua integralidade. Elas têm suas
próprias singularidades e variedades, revelando-se no modo como a
inclusão vai repercutir na vida das pessoas, na sua família, nas
associações civis, com o entendimento sobre a própria vida do
incluído, na sua posição junto à esfera pública, e não apenas de
direitos individuais.
Dessas lutas e das conexões entre os sujeitos, percebem-se
novas formas e prismas de ativismos que podem surgir e se
estabelecer, anunciativas de novas formas e dimensões de ativismos,
nas esferas judicial e legislativa, como o mandato compartilhado, o
mandato coletivo, o mandato de especialização temática, o
mandato participativo itinerante, a participação em conselhos e
fundos municipais, as emendas impositivas e a organização
comunitária para a iniciativa legislativa.
Os mandatos compartilhados funcionalmente têm caráter
novidadeiro e ilustram o que de mais transversal nas lutas,
pertinente ao ativismo legislativo, abrindo a possibilidade de
mobilização diante de causas que os afetam, adotando sistemática
de votação, com distribuição de poder de voto de maneira
individualizada para cada coparlamentar. Em geral, mandatos
compartilhados primam pela pluralidade e heterogeneidade de um
grupo médio a grande de coparlamentares, sem ambição de ser
uma síntese da vontade da sociedade, mas também sem o viés de
promover uma visão marcadamente ideológica. Como, em regra, as
decisões são tomadas em maioria, é possível um movimento em
rede em razão de um interesse comum de um grupo, com
interesses próprios.
163
Os mandatos coletivos, por sua vez, em geral se conhecem
por atuarem em causas sociais parecidas, e, por serem
marcadamente ideológicos, ensejam a atuação em razão de uma
mesma visão de mundo. Os mandatos de especialização temática
têm por objetivo áreas de atuação, voltados com a qualidade da
elaboração de propostas legislativas, possibilitando o direciona-
mento de uma determinada pauta, em razão de interesses
específicos. Mediante os mandatos participativos itinerantes,
encontros em bairros ou regiões entre o parlamentar e suas bases,
permitindo o debate das pautas da casa legislativa, que são
debatidas de forma ampla. Na participação em conselhos e fundos
municipais, é possível criar oportunidades para a participação da
sociedade na gestão das Políticas Públicas, e, via de consequência,
estar em um local estratégico, na órbita das decies políticas.
Com as emendas impositivas, o parlamentar tem a
oportunidade de impor determinada execução orçamentária ao
Poder Executivo, dentro do orçamento municipal, possibilitando,
assim, o acolhimento de demandas próprias de um sujeito ou de
um grupo de sujeitos. E, finalmente, pela organização comunitária,
é possível, inclusive, a iniciativa legislativa, sendo um instrumento
da democracia direta ou democracia semidireta, que torna
oportuno, à população, apresentar projetos de lei, desde que
subscritos por porcentagem do eleitorado, o que, dada sua
complexidade e pela burocracia dos requisitos procedimentais, tem
sua aplicabilidade dificultada, principalmente pela constatação da
não participação popular na defesa dos interesses coletivos e mesmo
individuais.
164
São ativismos judicial e legislativo por vir, no sentido de
que suas concepções e sistematizações dependem do
amadurecimento da própria comunidade, quanto à importância do
seu envolvimento na conformação das programatizações.
165
Considerações Finais sobre a Problematização Proposta
As políticas de Educação Inclusiva são estruturadas sob o
espectro da proteção à igualdade, à justiça, da busca pela
diminuição das diferenças e do atendimento das garantias e direitos
individualmente e constitucionalmente assegurados.
A despeito do delineamento judico-normativo, em função
de uma análise mais profunda e complexa das políticas públicas,
especificamente as educacionais, revela-se uma cultura com
direcionamento à consagração dos próprios interesses do Estado,
depreendendo-se, desse aspecto, a governamentalidade, cujo fundo
de tela nada mais é do que um viés do neoliberalismo intrinseca-
mente enraizado no país.
Por meio do biopoder, estruturam-se dispositivos de
inclusão. Ainda que sejam modos de governamentalidade, sob o
viés de gestão econômica, são positivos, propiciando reflexões,
como a própria busca de uma alternativa a partir do dispositivo
de inclusão –, no processo de subjetivação, para uma vida mais
potente e feliz, um campo de maior expressividade das diferenças.
Historicamente, a esc
ola, pela educação, significou um
espaço de privilégio de um grupo, com políticas públicas
legitimadas para reproduzir a ordem social. A partir do processo de
democratização da educação, evidencia-se o paradoxo inclusão/
exclusão. Mesmo com a universalização do ensino, o cessou o
166
processo de exclusão de indivíduos e grupos considerados fora dos
padrões homogeneizadores da escola.
Em um contexto geral, mesmo as próprias políticas
públicas educacionais parecem ignorar a diferença, propondo
incluir o “diferente”, como se a ele faltasse algo, ou mesmo
concebendo que detém algo que foge aos outros, vistos como
normais.
Busca-se “normalizar” os diferentes, com um pretexto
aparentemente justificável; contudo, o interesse é outro, de sentido
econômico, com vistas ao estímulo do empreendimento de si. Se
assim não fosse, necessitaria a pessoa com deficiência apelar ao
Poder Judicrio ou aguardar a materialização de novas demandas
legislativas, para ter garantido um direito líquido e certo de estar
matriculado em determinada escola? Ou de, em razão de sua
diferença e presente uma necessidade emergente, buscar apoio,
junto ao Poder Legislativo, com o objetivo de garantir a presença
de um professor auxiliar, especial e técnico, em sala de aula, para
acompanhá-lo no processo de aprendizagem?
O processo de ensino-aprendizagem traz, na sua
perspectiva, um desejo por normalizá-lo”; no entanto, pergunta-
se: com base em que conceito de normalização? Na relação
estruturante, quem realmente é o “especial”, o diferente, o
“normal”? Obviamente, o incluído não pode ser visto apenas como
um objeto, nessa mecânica.
A partir da perspectiva do filósofo Michel Foucault, ficou
delineada a percepção de que o cenário da Educação Inclusiva, no
Brasil, se estrutura através da concepção da governamentalidade
neoliberal, e a pessoa com deficiência ainda é tido como mero
167
prospecto, como instrumento e objeto do mecanismo da
engrenagem econômica que rege as relações do Estado.
Contemporaneamente, a política de incluo é uma aposta
do Estado para manter o controle da informação e da economia.
Aliás, está atrelada à constituição do sujeito como empresário de si
mesmo. Para Klaus (2013), a inclusão social de todos, na
atualidade, é uma estratégia fundamental para o funcionamento da
governamentalidade neoliberal, e as questões sobre a capacidade de
opções de mobilidade de uma população se relacionam ao
investimento para obter uma melhoria na renda e também na sua
vida, repercutindo em comportamentos contemponeos, em
termos de empreendimento individual, de empreendimento de si
mesmo com investimento e renda.
Pagni (2015, p. 93) referencia um alinhamento dos
resultados do investimento educacional, na escola e a família,
destacando a racionalidade para qualificar e capacitar seus
elementos, a fim de que também se tornem sujeitos econômicos,
oferecendo-lhes as condições para que alcancem o grau máximo
possível para si mesmos, no jogo concorrencial existente, e
demandando-lhes que mobilizem as forças e a potencialidade
disponíveis para melhor se empreenderem no mercado. As
mobilizações que refletem desde a infância até a emancipão
jurídica do indivíduo, também aquelas condições materiais, afetivas
e informacionais, são exigidas pela escola e pela família, para o seu
desenvolvimento cognitivo, seu desempenho e sua
performatividade.
Em um quadro de igualdade social, as políticas públicas
educacionais devem ser coerentes e correlacionadas com formas de
168
vida plurais e que acolham a diferença do modo mais equitativo
possível, tensionando verdades p-estabelecidas.
Nessa direção, cabe ao Estado criar condições de
materialização de ões reconhecidas como inclusivas, visando a
garantir a participação de todos em distintos espaços. Assim, é
dever do Estado promover o atendimento educacional especia-
lizado às pessoas com deficncia, preferencialmente na rede regular
de ensino, e a diretriz deve ser integral, conforme a avaliação das
condições pessoais deste aluno.
A sociedade idealizada deve quebrar todas as barreiras, quer
econômicas, quer sicas, com novas regras e novas possibilidades
de participação no jogo social, a partir do olhar da própria pessoa
com deficiência.
Na implementação das políticas educacionais, são
necessárias a sensibilização e a qualificação de todos os sujeitos
envolvidos no processo, impondo-se a análise e a consideração
humanística da pessoa com deficiência, vislumbrando-a a partir de
suas próprias diferenças, propondo-se uma valoração da sua
diversidade, fixando-se parâmetros não quantitativos, mas de
qualidade, da educação voltada aos sistemas educacionais de
inclusão, concretizando uma política e um processo de aprendi-
zagem que realmente contemple as diferenças.
Os direitos e as garantias do educando incluído estão
dispostos não apenas em leis, mas em princípios constitucio-
nalmente assegurados. É necessário neutralizar a diferença, o
paradigma da normalização, de que ser diferente é “normal”.
O espaço escolar, de uma maneira abrangente, deve ser
ambiente que otimize a capacidade de compreender o outro, de
169
trabalhar em equipe, de criatividade, como uma relação ensino-
aprendizagem capaz de favorecer potencialidades dos estudantes,
dos saberes, e mesmo a reflexão do educador sobre sua prática
pedagica, estimulando a criatividade, e que seja um fértil
caminho para o desenvolvimento de habilidades sociais e
emocionais.
A interatividade vai acontecer em toda a sua
potencialidade, se houver uma estrutura adequada e eficiente, de
acordo com a subjetivação individual de cada aluno. Contudo, não
se pode deixar se enganar: mesmos os processos inclusivos estão
capturados pelo viés concorrencial e pelo controle biopotico.
O direito à educação pela pessoa com deficiência
compreende, especialmente, um âmbito social, do reconhecimento
das crianças, jovens e adultos especiais como cidadãos e de seu
direito de estarem integrados o mais plenamente possível, na
sociedade, além de um âmbito educacional, com um ambiente
escolar sensibilizado para uma perfeita integração.
A Educação Inclusiva não deve focar-se apenas no acesso à
escola, à educação, mas respeitar seu acidente, sua diferença. É
preciso reconhecer as diferenças da deficiência, as quais devem ser
respeitadas e trabalhadas para que, de fato, exista uma política
pública educacional inclusiva, com o aluno com deficiência
maximizando suas experncias, dentro de seu universo de
possibilidades.
Não se trata apenas de inserir, mas de atuar
cooperativamente, disponibilizando todos os recursos e elementos
para satisfazer as necessidades educacionais do aluno com
deficiência, promovendo aprendizagens significativas, independen-
170
temente das características, condições e limitações individuais,
reconhecendo as particularidades dos sujeitos, associadas à ideia de
natureza individual.
A Educação Inclusiva pode ser determinante inclusive na
integração efetiva da pessoa com deficiência, na sociedade, e a
escola inclusiva deve proporcionar um ambiente de aprendizagem
escolar focado nas expectativas dos alunos, entendendo a diferença
como um fator positivo; pode ser transformadora da configuração
social, um espaço de ampla circulação de todas as diferenças, de
respeito, tolerância e de convivência, de ampla sensibilização dos
indivíduos para as necessidades presentes e para a responsabilidade
dos sujeitos.
A inclusão se faz das mais diversas formas, gradientes,
prismas, como um currículo versátil aplicado à sala de aula regular,
a avaliação de forma contínua e cumulativa com prevalência dos
aspectos qualitativos sobre os quantitativos –, em adequadas
condições dos professores, monitores, acesso físico bem
estruturado, cursos de formação dos educadores, propiciando o
desenvolvimento das potencialidades de cada aluno, criação de
uma rede de apoio à inclusão, estabelecimento de serviços
imprescindíveis para o atendimento da individualidade específica
de cada aluno, com uma biblioteca adequada (formatada para o
aluno, nas suas características, como acesso sico, o acesso virtual,
acervos em braile, prazos diferenciados de devolução, assistentes
para acesso ao acervo, assistentes para leitura etc.)., ações de
comunicação visual.
171
É importantíssimo todo o apoio individual para ensejar ao
aluno com deficiência a aproximação de comportamentos
adaptativos comuns à sua idade e ao meio onde se encontra.
A deficiência está no meio, não nas pessoas. Quanto mais
acessos e oportunidades uma pessoa possui, menores serão as
dificuldades consequentes de sua característica. Aliás, quando o
aluno com deficiência está na classe comum, não é apenas ele que
se transforma, mas a ppria sociedade e, até mesmo, os demais
alunos, os quais têm a oportunidade de ser mais solidários e
cooperativos, tolerantes, proporcionando a expectativa de uma
comunidade melhor.
A deficiência deve ser ressaltada e valorizada, e é preciso
estar atento às estratégias de poder e empreender mais volume à
vida, de força invisível, modificando e expandindo a comunidade,
com mais liberdades às formas éticas.
Cabe ao Estado criar condições de materialização de ações
reconhecidas como inclusivas, visando a garantir a participação de
todos em distintos espaços. Deve-se receber o aluno da maneira
como ele é, respeitando sua subjetividade, acreditando no seu
potencial, compreendendo a importância da escola como um local
privilegiado de encontro com o outro, sendo este outro sempre e,
necessariamente, diferente.
Emergem os institutos do ativismo judicial e ativismo
legislativo, dinamizando a participação ativa da política pública
educacional na construção da vida pessoal do aluno com
deficiência, com uma existência feliz e de qualidade.
A partir da seleção e análise de intervenções judiciais e
legislativas ocorridas no Município de Marac e estudos sobre
172
decisões judiciais contemporâneas sobre o tema Educação
Inclusiva, destaca-se a evolução dos ativismos, como preceito
primordial de posicionamento não apenas do Direito, mas da
Justiça, o que, no caso em tela, é consagrada pela integral efetivação
dos direitos e garantias, com eficientes e eficazes ões de inclusão.
Os segmentos representativos da sociedade civil especificamente
associados às pessoas com deficiências, na cidade de Marac, ainda
têm atuação discreta na luta pela educação igualitária, estando
alheios às relações éticas com as diferenças.
As políticas educacionais municipais devem focar-se na
potencialização da capacidade da pessoa com deficiência, respeitan-
do a sua diferença, que é única, sendo o ativismo determinante
para a construção de redes de ensino inclusivas e importante meio
de assegurar políticas públicas educacionais que contemplem e
respeitem, eticamente, estas difereas.
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Sobre o autor
Mestre em Educação pela Universidade Estadual Paulista
Júlio de Mesquita Filho - UNESP/Marília. Membro do grupo de
pesquisa "Educação e Filosofia", linha de pesquisa "Biopolítica,
diferea e resistência na práxis educativa
1
" é colaborador da
Equipe Editorial da Revista Instituto de Políticas Públicas de
Marília
2
. Formado em Bacharel em Direito pela Faculdade de
Direito de Marília, Fundação de Ensino Eurípides Soares da
Rocha, é Pós-graduado em Direito Civil e Direito Processual Civil
pela UNIVEM - Centro Universitário Eurípedes de Marília.
Também Pós-graduado em Direito Administrativo pela Universi-
dade Anhanguera, Uniderp - LFG, e Pós-graduado em MBA
Gestão Estratégica de Negócios, pela mesma Universidade. Pós-
graduado (bolsa integral) em MBA curso de Direito, Políticas
Públicas e Controle Externo, pela Uninove - Universidade Nove de
Julho e Pós-graduado (bolsa integral) em MBA curso Cidades
Inteligentes e Sustentáveis, pela mesma Universidade.
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SOBRE O LIVRO
Catalogação
André Sávio Craveiro Bueno CRB 8/8211
Normalização
Kamilla Gonçalves
Diagramação
Mariana da Rocha Corrêa Silva
Capa
Vinícius de Melo Cardoso
Assessoria Técnica
Renato Geraldi
Oficina Universitária Laboratório Editorial
labeditorial.marilia@unesp.br
Formato
16x23cm
Tipologia
Adobe Garamond Pro
Estamos diante de uma Educação
Inclusiva que não se materializa de fato e in-
tegralmente. Mesmo com a universalização
do ensino, não cessou no espaço escolar o
processo de exclusão de indivíduos e grupos
considerados fora dos padrões homogenei-
zadores. Por outro lado, as próprias políti-
cas públicas educacionais parecem ignorar
a diferença, propondo incluir o “diferente”,
como se a ele faltasse algo, ou mesmo conce-
bendo que detém algo que foge aos outros,
vistos como normais, muitas vezes ignoran-
do e silenciando as vozes das pessoas com
deciência e até os seus familiares: é um lado
perverso da biopolítica.
Transversalmente às lutas que possi-
bilitaram os avanços da Educação Inclusiva,
além da própria conexão com o ativismo,
existem fatos que estão à margem, inclusive
às vezes recostados não na própria política
de Educação Inclusiva, mas nos dispositivos
de inclusão, inclusive com alianças de gru-
pos não identitários, porém, que muitas ve-
zes possuem demandas e objetivos comuns,
cujas relações igualmente apresentam singu-
laridades próprias.
Apresentam-se os ativismos jurídi-
co e o legislativo como forma de resistên-
cia, instrumentos de defesa para a inclusão
de pessoas com deciência na escola e na
defesa da renovação de políticas públicas
para o atendimento destas populações. O li-
vro aborda prismas desta temática tomando
como referencial teórico e analítico, as no-
ções foucaultianas de governamentalidade,
biopolítica, anormalidade e segurança, apre-
sentando um pensar em relação à Educação
Inclusiva sobre o enfoque jurídico e legisla-
tivo na relação com governamentalidade e a
biopolítica, o que confere ao trabalho origi-
nalidade.
O livro aborda o tema da inclu-
são de pessoas com deciência no campo
educacional, correlacionando o ativismo
dos poderes legislativos e judiciário e a
perspectiva do cumprimento das leis que
regem as políticas de inclusão no Brasil,
desde a Constituição de 1988. Os ativis-
mos dos referidos poderes são decorren-
tes, sobretudo, das lutas por direitos civis
demandadas individualmente ou por co-
munidades de pessoas com deciência.
É apresentada uma temática relevante
para os debates sobre aspectos importan-
tes para a nossa Educação, para o nos-
so ensino, para o Ensino de História e,
especialmente, para análise daquilo que
se prescreve como inclusivo e daquilo
que realmente se materializa como tal
em nossas escolas. O Estado e os pode-
res públicos constituídos devem estar
conectados quanto à racionalidade de
normatização das diferenças, sintonizan-
do políticas de inclusão que fortaleçam
e respeitem a condição da pessoa com
deciência, garantindo a sua presença
como elemento ou sujeito a direitos, na
esfera dos direitos individuais e também
no âmbito da esfera pública.
A obra ressalta o poder das po-
líticas educacionais como elemento de
transformação, especialmente quando
exprimem a potência da capacidade da
pessoa com deciência, respeitando a sua
diferença, que é única, sendo os ativis-
mos determinantes para a construção de
redes de ensino inclusivas e importan-
te meio de assegurar políticas públicas
educacionais que contemplem – e res-
peitem, eticamente, estas diferenças. O
livro poderá interessar àqueles e àquelas
que se interessam em debruçar sobre a
“militância” do legislativo e do judiciário
acerca da inclusão, particularmente no
campo do Direito e da Educação.
DELINEAMENTOS JURÍDICO-NORMATIVOS DA EDUCAÇÃO INCLUSIVA
iago Vaceli Martins
Programa PROEX/CAPES:
Auxílio Nº 0039/2022
Processo Nº 23038.001838/2022-11
Há mais de 25 anos, os direitos e garantias associados à Educação Inclusiva
vêm sendo dispostos em documentos legais, apontando para um avanço
das políticas sociais inclusivas e do próprio sistema educacional inclusivo.
Na planicação da Educação Inclusiva posta no Brasil, enaltece-se um
discurso de atingimento e consolidação de igualdade, da justiça, da busca
pela diminuição das diferenças e do atendimento das garantias e direitos
constitucionalmente assegurados. Contudo, o Estado ainda se omite em
relação a muitas demandas da pessoa que possui deciência. Assim, estru-
turam-se os ativismos, nas dimensões Judicial e Legislativa, com o escopo
de atuação para garantir esses direitos previstos em lei, bem como para
ampliá-los. O livro problematiza os ativismos e, em certo ponto, propõe
a sua compreensão a partir das noções de governamentalidade, em seus
jogos para o estabelecimento do biopoder e da reinterpretação da biopo-
lítica feita no presente, utilizando-se a genealogia da normalidade para
abarcar a crítica em relação aos ativismos e sugerir, no que se refere à go-
vernamentalização, reexão nas possibilidades desses ativismos sob outro
enfoque, o da contraconduta e o da resistência. Destacando a necessidade
de respeito ético das diferenças, este livro apresenta a articulação e a con-
tribuição efetiva, tanto do campo da educação como do campo do direito.
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