O que torna a animação
um documento diferente dos
outros audiovisuais?
O que deve ser priorizado no
momento de analisar o assunto
de um lme de animação?
Quais são as etapas que
devem ser consideradas no
momento de elaboração do
resumo?
Quais fontes documentais
auxiliam esse processo?
As características da
animação podem infl uenciar
a etapa de elaboração do
resumo?
São inúmeras as perguntas
em torno do processo
de análise e descrição de
documentos audiovisuais, e
este livro busca refl etir em
torno dessa problemática por
meio da análise de diferentes
instituições.
Admeire da Silva Santos
Sundström é doutora em Ciência
da Informação pela Universidade
Estadual Paulista “Júlio de
Mesquita Filho” (Unesp).
Atualmente trabalha como
Professora Adjunta na Linnaeus
University, Växjö-Suécia, no
Departamento de Cultual Science.
TRATAMENTO TEMÁTICO DE ACERVOS DE ANIMAÇÃO
Admeire Sundström
Os documentos audiovisuais trazem para a Ciência
da Informação brasileira inúmeros desafi os referentes
a identifi cação de seu assunto principal, e torna mais
complexo o momento de elaboração de resumo e
identifi cação de palavras-chave para sua respectiva
catalogação. Norteado por tais problemáticas, este livro
encontra na animação seu objeto de estudo e apresenta
discussões teóricas e casos
práticos sobre os métodos
utilizados no tratamento
temático da animação. Os casos
analisados correspondem às
seguintes instituições: Museu
de Cinema de Animação Lula
Gonzaga (MUCA), Museu de
animação de Belo Horizonte
(MUABH), Produtora Anaya e
Cinemateca Brasileira.
TRATAMENTO TEMÁTICO
DE ACERVOS DE
ANIMAÇÃO:
as abordagens de arquivos,
bibliotecas e museus
Espera-se que esta obra possa contribuir
para o processo de análise e descrição
de documentos audiovisuais no contexto
de unidades de informação, bem como
despertar o interesse pelos documentos
audiovisuais que também necessitam do
olhar da Ciência da Informação.
Editorial
Editorial
Editorial
Editorial
Admeire da Silva Santos Sundström
2
3
ADMEIRE DA SILVA SANTOS SUNDSTRÖM
TRATAMENTO TEMÁTICO DE ACERVOS
DE ANIMAÇÃO: AS ABORDAGENS DE
ARQUIVOS, BIBLIOTECAS E MUSEUS
4
5
Admeire da Silva Santos Sundström
Tratamento temático de acervos
de animação: as abordagens de
arquivos, bibliotecas e museus
Coedição:
6
UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA
JULHO DE MESQUITA FILHO - CAMPUS
DE MARÍLIA
Diretora
Profa. Dra. Claudia Regina Mosca Giroto
Vice-Diretora
Profa. Dra. Ana Cláudia Vieira Cardoso
Conselho Editorial
Mariângela Spotti Lopes Fujita
(Presidente)
Célia Maria Giacheti
Claudia Regina Mosca Giroto
Edvaldo Soares
Franciele Marques Redigolo
Marcelo Fernandes de Oliveira
Marcos Antonio Alves
Neusa Maria Dal Ri
Renato Geraldi (Assessor Técnico)
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ASOCIACIÓN DE EDUCACIÓN E
INVESTIGACIÓN EN CIENCIA DE
LA INFORMACIÓN DE
IBEROAMÉRICA Y EL CARIBE
Presidente
Marta Lígia Pomim Valentim
Vice-presidente
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Secretaria
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Tesorero
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Vocal
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Júnior
Fiscal
Jairo Guadamuz Villalobos
Comisión de Evaluación
María Teresa Múnera Torres - Universidad de Antioquia (UdeA) - Colombia
Oswaldo F. de Almeida Júnior - Universidade Estadual de Londrina (UEL) -
Brasil
Marta Lígia Pomim Valentim - Universidade Estadual Paulista (UNESP) -
Brasil
Llamada nº 01/2022, de la Asociación de Educación e Investigación
en Ciencia de la Información de Iberoamérica y el Caribe (EDICIC),
titulado “Publicación de libros resultantes de estudios académicos
investigación científica desarrollada en el ámbito de EDICIC”.
7
Copyright © 2023, Faculdade de Filosofia e Ciências e EDICIC
Capa: Mariana Cantisani Pádua
Ficha catalográfica
Sundström, Admeire da Silva Santos
S954t Tratamento temático de acervos de animação: as abordagens
de arquivos, bibliotecas e museus / Admeire da Silva Santos
Sundström. - Marília: Oficina Universitária; São Paulo: Cultura
Acadêmica; San José (Costa Rica): Editorial EDICIC, 2023.
161p.
Inclui Bibliografia.
ISBN 978-65-5954-409-7 (Digital)
ISBN 978-65-5954-408-0 (Impresso)
DOI: https://doi.org/10.36311/2023.978-65-5954-409-7
1. Tratamento temático. 2.
Documentos Audiovisuais. 3.
Acervo de Animação. I. Sundström, Admeire da Silva Santos. II.
Título.
CDD: 025.172
CDU: 026.06
Marta Lígia Pomim Valentim | Bibliotecária
CRB-SP 003663/O
Cultura Acadêmica é selo editorial da Editora UNESP
Oficina Universitária é selo editorial da UNESP -
campus de Marília
8
9
AGRADECIMENTOS
Meus sinceros agradecimentos à Coordenação de Aperfeiçoamento
de Pessoal de Nível Superior (CAPES) pelo financiamento desta
pesquisa.
À Cassia Dias Santos, pela leitura cuidadosa!
Ao João Batista Ernesto de Moraes, pela orientação durante a
elaboração desta pesquisa.
10
11
LISTAS DE FIGURAS
P.
Figura 1
-
Fotograma da animação Kaiser................
38
Figura 2
-
As aventuras de Virgolino........................
39
Figura 3
-
Macaco feio... macaco bonito..................
40
Figura 4
-
MUCA.....................................................
51
Figura 5
-
Zootrópo no MUCA.................................
53
Figura 6
-
Inventário do MUHAB.............................
59
Figura 7
-
O vento, Sávio Leite.................................
65
Figura 8
-
Acervo da Produtora Anaya.....................
68
Figura 9
-
Castelo de vento......................................
69
Figura 10
-
Tipos de acervos audiovisuais..................
112
Figura 11
-
Modelo de Lasswell.................................
121
12
13
LISTA DE QUADROS
P.
Quadro 1
-
Cronologia da animação........................
34
Quadro 2
-
Técnicas de animação...........................
45
Quadro 3
-
O vento.................................................
63
Quadro 4
-
Ãgtux....................................................
70
Quadro 5
-
Balançando na gangorra........................
81
Quadro 6
-
Ãgtux: contar histórias..........................
82
Quadro 7
-
O menino e o mundo............................
86
Quadro 8
-
Uma história de amor e fúria................
88
Quadro 9
-
MEOW..................................................
89
Quadro 10
-
Até que a sbórnia nos separe................
92
Quadro 11
-
Dossiê Rê Bordosa................................
94
Quadro 12
-
Sinfonia amazônica...............................
97
Quadro 13
-
Guida....................................................
99
Quadro 14
-
Boi Aruá................................................
101
Quadro 15 -
Wood e Stock: sexo, orégano e
rock'n'roll............................................. 102
Quadro 16
-
Animando.............................................
104
Quadro 17 -
Elementos para representação de
filmes em unidades de informação.......
116
Quadro 18 -
Características dos resumos por
Domínguez-Delgado, López-Hernández.
126
Quadro 19 -
Modelo de Albrechtsen, Pejtersen e
Cleal para indexação colaborativa de
filmes....................................................
131
14
15
SUMÁRIO
P.
1 INTRODUÇÃO...............................................................
17
2 ANIMAÇÃO...................................................................
19
2.1 História da Animação no Brasil..................................
33
2.2 Técnicas e Linguagem da Animação............................
42
3 INSTITUIÇÕES DE ANIMAÇÃO NO BRASIL......................
47
3.1 Museu de Cinema de Animação Lula Gonzaga
(MUCA)......................................................................
49
3.2 Museu de Animação de Belo Horizonte (MUABH)......
57
3.3 Produtora Anaya........................................................
66
3.4 Cinemateca Brasileira................................................
72
4 DOCUMENTO AUDIOVISUAL NA UNIDADE DE
INFORMAÇÃO...............................................................
109
4.1 Elaboração de Resumo em Acervos Fílmicos no Brasil
114
4.2 Elaboração de Resumo em Acervos Televisivos..........
120
4.3 Indexação Colaborativa de Filmes..............................
128
4.4 Segmentação de Vídeos.............................................
133
5 CONSIDERAÇÕES..........................................................
141
BIBLIOGRAFIA.................................................................
145
NOTAS.............................................................................
155
SOBRE A AUTORA............................................................
161
16
17
1
INTRODUÇÃO
A visualização como etapa do processo de análise de
assunto, é um elemento pouco abordado na área da Ciência da
Informação. Como reflexo disso, o tratamento temático, etapa que
envolve a análise de assunto, elaboração de resumo e indexação de
documentos audiovisuais é guiada por metodologias distintas que
são elaboradas para sanar a necessidade técnica das instituições. No
caso das bibliotecas, muitas metodologias partiram do princípio
utilizado para documentos escritos.
O que se pode observar é que, mesmo com várias
ferramentas de segmentação de vídeo e outras tecnologias que
auxiliam a identificação de assunto do audiovisual disponíveis no
mercado, muitas instituições, como no caso das instituições
brasileiras, o possuem recurso financeiro para a adoção de tais
recursos e, além disso, há muitas dúvidas no que se refere ao que
deve ser observado para se elaborar um resumo do documento
audiovisual, seja este documento presente na biblioteca, no arquivo
ou no museu.
Ao levar em conta esses aspectos, este livro busca responder
as seguintes perguntas: O que torna a animação um documento
diferente dos outros audiovisuais? O que deve ser priorizado no
momento de analisar o assunto de um filme de animação? Quais são
as etapas que devem ser consideradas no momento de elaboração
do resumo? Quais fontes documentais auxiliam esse processo? As
características da animação podem influenciar a etapa de
elaboração do resumo?
Para responder a tais perguntas, este livro conta com três
capítulos além desta introdução, o primeiro capítulo intitulado
Animação, apresenta o conceito de animação, as técnicas e
linguagem de animação e uma breve história da animação no Brasil.
Além disso, detalha as características da animação que podem ser
relevantes no momento de análise de assunto, bem como, enfatiza
os elementos que tornam esse tipo de documento diferente dos
demais audiovisuais.
18
O capítulo: As instituições de animação no Brasil, é baseado
no resultado de 4 entrevistas, análise de 3 websites e 4 documentos
fornecidos ou disponíveis publicamente pelas instituições
analisadas, que são: o Museu de animação Lula Gonzaga, Museu de
animação de Belo Horizonte, Produto Anaya e Cinemateca Brasileira.
Neste capítulo, é apresentado quais as características da animação
são relevantes para o animador, como esses aspectos são
representados dentro de um resumo, o que é relevante para elas no
momento de elaborar o resumo e como ações dentro das
instituições podem ter um papel importante durante esse processo.
Portanto, o capítulo foca nos elementos relevantes durante o
tratamento temático e como o processo de análise de assunto vem
sendo feito nessas instituições analisadas.
O documento audiovisual na unidade de informação
apresenta as metodologias existentes para a análise de assunto e
elaboração de resumo de filmes de ficção, documentos televisivos e
documentários. Também é apresentada a indexação colaborativa e
a como a animação é tratada na instituição Billy Ireland Library
Museu.
Acredita-se que pesquisas que envolvem o audiovisual são
relevantes para área da Ciência da Informação pois buscam modos
de ler, analisar, sintetizar e descrever a imagem em movimento,
tornam possível o diálogo entre arquivos, bibliotecas e museus e
demonstram que o conjunto de documentos classificados como
audiovisual necessitam de abordagens que consideram as
particularidades desse tipo de documento.
Convém ressaltar que esta pesquisa é resultado de uma tese
de doutorado defendida em 2021 intitulada Garantia e hospitalidade
cultural no tratamento temático de acervos de animação. Portanto,
as informações aqui publicadas fazem parte dos resultados dessa
tese. A pesquisa utilizou o conceito de Garantia e hospitalidade
cultural como um princípio viável para nortear a construção de um
método para a análise de assunto de acervos de animação.
19
2
ANIMAÇÃO
A animação corresponde ao ato de dar movimento a algum
objeto inanimado. Desse modo, envolve um processo trabalhoso
quer requer muito tempo, dedicação e criatividade para sua
realização. E existe uma vasta variedade de objetos que podem ser
animados, e para animá-los o animador pode encontrar inúmeras
técnicas que devem estrar em consenso com sua criatividade e
objetivo da produção. Além disso, enquanto resultado do ato dos
objetos em movimento, a animação pode resultar em inúmeros
produtos. E esses produtos muitas vezes são artísticos, em outros
produtos comerciais.
Dentre os produtos resultados da animação estão os jogos,
filmes fotorrealista, propagandas, diagnóstico por imagens, cartoon,
anime, filmes de animação, entre outros. Nota-se, portanto, que as
diferentes técnicas utilizadas para produzir animação influenciam na
sua definição, que pode ser um conceito relacionado ao ato de dar
movimento, como também pode ser entendido como o produto.
Ao considerar tais aspectos é que esta pesquisa optou por
elaborar uma revisão literária para entender o que é animação.
Sendo assim, o primeiro ponto de partida foi uma busca pelo viés
etimológico da palavra, então, compreende-se que: A palavra
animar vem do verbo latino animare, que significa tornar vivo ou
encher de respiração
1
” (Wright, 2013, p.1, tradução livre). A origem
da palavra remete, portanto, ao ato de dar vida a um objeto
inanimado. Contudo, essa definição pode se tornar complexa,
principalmente, quando se leva em consideração alguns elementos
envolvidos na produção.
Além de estudos acadêmicos, a animação conta com
algumas instituições que também discutem aspectos conceituais e
que são referências no trabalho com animação. Posto isto, convém
citar The Society for Animation Studies (SAS), fundada em 1987, por
Harvey Deneroff, a instituição se define como uma organização
dedicada a estudar a teoria e história da animação. A SAS tem espaço
20
para debates em torno do universo da animação, promove eventos
anuais itinerários, publicações de livros e periódicos.
Outra instituição é a Association of International Film
Animation (ASIFA), que define animação como “not live-action”, o
que parte de uma contraposição com o conceito de live-action para
sustentar a definição. O próprio termo live-action apresenta
contradições, pois ele pode ser entendido como prática
cinematográfica que utiliza atores reais, o filme propriamente dito.
Bem como, pode ser definida como a adaptação com atores reais de
algo que originalmente foi ou é uma animação, tal qual o filme
Aladim, lançado em 2019, por exemplo. O filme em questão conta
com várias adaptações, mas durante a Década de 1990 se
popularizou com uma versão em animação produzida pela Disney.
Como visto, as instituições se preocupam com os estudos em
torno da animação e veem a importância de uma construção teórica.
E, no caso da ASFIA, a definição é distinta da origem etimológica. O
conceito trabalhado pela instituição traz mais um ponto ao centro
do debate, que é a questão híbrida presente em determinadas
produções. Esta pesquisa entende que os filmes híbridos são
produções que contam com mais de uma técnica para a elaboração
do filme ou outra produção.
Quando essas produções correspondem a um filme torna-se
possível trazer alguns exemplos de filmes live-action que utilizam
recursos animados em algumas cenas, pois a animação se mescla aos
elementos reais e o objetivo é passar a sensação de aquela animação
pertence àquele universo. Convém citar como exemplo o filme Ex
Machina, que é considerado live-action; no entanto, a robô
interpretada pela atriz Alicia Vikander tem partes do seu corpo que
evidência a presença de animação enquanto recurso técnico. Nesse
caso, os recursos são aplicados de modo quase imperceptíveis pois
objetivam passar a impressão de realidade.
Outros filmes também que apresentam esse elemento
híbrido são: Avatar, Alita: anjo de combate e As aventuras de Phi.
Todas essas possibilidades têm feito essa definição, por meio de
contraposição com live-action, ficar menos útil. A animação, nesses
exemplos, é empregada na realidade trabalhada no filme e, muitas
21
vezes, a intenção é a hiper-realidade, sendo esta compreendida
como a representação de algo não real, inseridos no universo do
filme como realidade.
Além da questão híbrida, há também outras diferenças entre
live-action e animação, o que é pontuado de modo direto por
Husbands e Ruddell (2018), e para elas:
Primeiro, a animação é produzida quadro a quadro ou
em incrementos animados por computador, enquanto
o cinema de ação ao vivo é filmado em tempo real. Em
segundo lugar, a animação é inteiramente construída,
enquanto a ação ao vivo tem um ‘mundo profilmico’
que existe na frente da câmera
2
(Husbands & RuddelL,
2018, p.6, tradução livre).
Basicamente, as autoras buscam a diferença em dois
elementos: o primeiro corresponde ao modo de captar a imagem, na
animação ela é construída, independente do recurso, e no live-action
ela é captada. O segundo ponto volta-se para o que é de fato captado
durante o processo de elaboração; na animação é a construção de
algo que não está no mundo real e na live-action é a captação de
uma realidade que existe para ser filmada, ou uma realidade
construída diante da câmera. Quando as autoras elaboram um
paralelo com o conceito de realidade, elas não levam em
consideração o aspecto filosófico da palavra e desconsideram a
imaginação como realidade.
Desse modo, alguns autores abordam a questão da hibridez
e a realidade, e como esses elementos interferem quando se busca
conceituar a animação. O primeiro autor é Hilty (2013), para ele a
animação está cada vez mais realista e a quantidade de filmes
híbridos, no qual mescla elementos reais com os digitais, influenciam
diretamente em como definir a animação. Com base nisso o autor
faz a seguinte afirmativa “[...] a animação está se tornando cada vez
mais realista e a relação entre o produtor e o consumidor está se
tornando cada vez mais realista”. O avanço tecnológico ampliou as
possibilidades de produções e deu voz a novos produtores.
Por outro lado, Hayward (2000) considera essa questão
híbrida e entende que a animação pode estar presente em filmes
22
live-action, pois para ela a animação é a criação de movimento em
elementos inanimados, que independentemente da técnica utilizada
fotografias, stop-motion, desenhos a mão, computadorizados e
outros pode ser compreendido como animação. Dessa maneira, a
animação é entendida como um recurso técnico que pode estar
presente em várias modalidades de produção.
É possível identificar o sentido etimológico da palavra
animação na forma como Hayward (2000) trabalha tal conceito. A
autora cita como exemplo os cartoons que, na perspectiva do senso
comum, podem ser tratados como similares, mas que para ela há
uma diferença. A definição, nas palavras da autora é: “Cartoons é o
termo geralmente usado para descrever curtas-metragens
animados, diferentemente do termo de animação ou filmes de
animação’ para longas-metragens
3
” (Hayward, 2000, p.18, tradução
livre). Convém ressaltar também que o termo cartoon, que significa
estudo ou / e esboço, remete à origem estética que se deu nas tiras
e quadrinhos de jornais, com um viés crítico e satírico.
Ao complementar a definição de cartoon, a autora insere a
questão da dinâmica do uso do espaço, a composição dos
dispositivos e a cor. Outra diferença trabalhada pela autora está no
âmbito da narrativa, no qual Hayward salienta três princípios visuais:
“[…] tamanho (caracteres grandes e pequenos), fortes verticais
contra horizontais e cores (vermelho contra verde)
4
” (Hayward,
2000, p.19, tradução livre). Além desses, a evolução das técnicas
permitiu a presença do som, realismo e antropomorfismo. Desse
modo, a autora pontua que a animação não representa o real, se
difere do conceito de cartoon e no fim ela atrela o conceito de
animação ao modo de criar movimento.
Em Hayward (2000) a questão da não realidade volta a ser
retomada no conceito de animação, assim como pontuado por
Husbands e Ruddell (2018). Mas, em Hayward (2000), a autora
aponta aspectos estéticos que influência na narrativa e que estão
presentes na animação para embasar o argumento de que a
animação não representa a realidade, sendo eles: tamanho, formas
e cores.
23
Na contramão o que foi pontuado por Hayward (2000) e
Husbands e Ruddell (2018) no que se refere à relação com a
realidade da animação, vale ressaltar o ponto de vista de Hilty
(2013), que faz a seguinte afirmação: “Uma parte significativa do
apelo da animação é derivada de sua relação complexa com o ‘real’.
Para uma mídia tão fortemente associada ao ilusório e ao fantástico,
como realidades lembradas ou virtuais, a animação é altamente
dependente do mundo físico” (Hilty, 2013, p.16). Para o autor, o real
a que se refere pode abarcar também elementos que compõe o
imaginário coletivo.
Além dessa vertente dos autores que buscam um
contraponto entre o que é real e fictício para entender a animação,
há também estudos que argumentam que a animação pode ser
interpretada como um gênero cinematográfico. Essa concepção se
embasa no fato da animação contar com recursos únicos em sua
produção. No entanto, em alguns casos, quando a busca pela
definição parte do produtor, ela pode ser entendida como um
gênero ou também como um meio de expressão. Além disso, há
alguns fatores que podem ser considerados na elaboração dessa
definição.
Isto posto, cabe citar o estudo de Denslow (1997) que, com
o olhar voltado para a comunidade internacional de animação,
composta por professores, pesquisadores e produtores, comenta
que essa discussão ainda não foi concluída e que: “As definições de
animação variam entre si por muitos motivos, incluindo
desenvolvimento histórico, requisitos de produção e marketing e
preferência estética
5
(Denslow, 1997, p.1, tradução livre).
Denslow (1997) também pontua sobre a presença da
tecnologia utilizada no momento de definir animação, o autor afirma
que essa atitude é muito importante para o contexto acadêmico,
pois, embora a academia necessite da estabilidade nos conceitos, tal
definição pode ser ajustada para se adequar aos novos aparatos
tecnológicos.
A vista disso, os que buscam a definição por meio das
técnicas utilizadas para a sua produção, podem encontrar, nesse
caminho, divergências teóricas entre os produtores e os estudos de
24
ordem acadêmica. O estudo de Denslow (1997) menciona essa
situação e o autor argumenta que as vertentes que buscam seus
meios de produção para encontrar a definição: denotam uma
limitação no tratamento da animação e ao que ela tem a oferecer
enquanto arte. Denslow (1997) também afirma que a dificuldade em
definir animação com base na mídia de fabricação se dá devido à
abrangência de possibilidades.
O autor apresenta vários questionamentos sobre definir o
que animação partindo das tecnologias utilizadas para a produção,
além do mais, ele afirme que “Todas as definições de animação
devem ser repensadas no contexto de mudanças tecnológicas
6
(Denslow, 1997, p.1, tradução livre).
Então, qual é o problema real em definir algo como
Animação? É o tempo necessário para criá-lo?
Quantos filmes foram considerados o produto de
muitos anos de trabalho dedicado? O fator
determinante é a existência real de quadros
separados? Se um computador está lidando com
imagens separadas internamente, mas para o artista
ou visualizador esses quadros são sempre vistos como
parte de um movimento constante, isso ainda pode
ser animação? Outro problema é o uso de controle de
desempenho em tempo real ou não em tempo real?
Se for fácil de criar rapidamente, será considerado
animação ou outra coisa, como bonecos eletrônicos?
7
(Denslow, 1997, não paginado, tradução livre).
É importante refletir sobre os processos envolvidos na
produção no momento de definir animação, pois, de certo modo, as
técnicas utilizadas expressam a criatividade e intenção do produtor
que entram em diálogo com o que ele quis expressar. Ainda mais que
no passado as técnicas utilizadas eram limitadas devido aos poucos
recursos existentes; o que vem sendo superado devido ao avanço
tecnológico. Mas também, se toda vez que um novo recurso for
descoberto interferir no conceito de animação, não seria, então,
essa nova produção outro gênero?
Desse modo, convém ponderar que: Isso também poderia
servir como uma definição de animação, pois o que é animação
25
senão o desejo de tornar real o que existe na imaginação?
8
(Denslow, 1997, não paginado, tradução livre). Novamente, mas um
estudo toca na importância de entender o que a animação
representa ou pode representar. Pois quando a animação é
conceituada com base no que ela quer representar e não com base
na técnica, o conceito se encaminha para o viés artístico e as técnicas
passam a ser consideradas preferências estéticas.
Até o momento, alguns elementos foram apontados como
influências para a conceituação da animação, a saber: contraposição
com o conceito de live-action, a representação ou não da realidade,
a imaginação dos animadores e a etimologia da palavra. Todavia,
existem alguns estudos que buscam a definição por meio da
contraposição com a imagem fixa. De tal modo, cabe trazer Aumont
e Marie (2008), que também pontuam sobre animação, e para os
autores:
Utiliza-se este termo para designar as formas de
cinema nas quais o movimento aparente é produzido
de forma diferente da simples filmagem analógica. A
técnica mais frequente consiste em fotografar, um a
um, desenhos cujo encadeamento produzi
automaticamente a impressão de movimento, em
virtude do «efeito phi» (Aumont Marie, 2008, p.23,
grifo nosso).
Do ponto de vista técnico, os autores correlacionam a
produção da animação com o uso da fotografia, mesmo afirmando
que ela se difere da filmagem analógica. Em contrapartida, eles
deixam esse viés mais complexo, pois trabalham com a concepção
de que a imagem na animação é produzida propriamente para criar
a ilusão do movimento. E assim aparece a importância do efeito phi,
destacado pelos autores, que é uma ilusão de ótica na qual uma
sucessão de imagens pode criar a ilusão de movimento, o termo foi
introduzido em 1912, por Max Wertheimer.
Os autores também argumentam sobre a dualidade da
animação:
O filme de animação foi muitas vezes considerado
pelos teóricos, por um lado, como uma espécie de
26
laboratório figurativo, levando ao seu máximo as
possibilidades da imagem em movimento, e por outro,
como um revelador ideológico do cinema em geral
(dado que em particular considera-se o género
«desenho animado» destinado às crianças) (Aumont
& Marie, 2008, p.23, grifo nosso).
Algumas técnicas utilizadas para produzir animação fazem
uso da fotografia, por exemplo, o stop motion. O conceito da
animação apresentado pelos autores Aumont e Marie está mais
atrelado ao que a animação representa, que seria essa união entre a
busca por técnicas realistas mais adequadas para a representação
das formas reconhecíveis na natureza. No entanto, o uso do termo
fotografia, imagem e/ou desenho podem trazer contradições não só
no que se refere à técnica, mas também na forma de lidar com a
expressividade da animação. Esses termos citados interferem
também no modo de compreender a palavra movimento, como
citado pelos autores “impressão de movimento”.
Outros autores também discutem a presença da fotografia
como recurso técnico presente na produção da animação e, em
alguns dos estudos, eles abordam a interferência desse recurso na
busca pela definição. Um desses autores é Luz (2009), que
proporciona uma reflexão em torno da característica de imagens em
animação e afirma que elas são criadas para simular o movimento,
como destacado no trecho a seguir:
A animação é assim dissociada de tudo o que não é
gerado a partir de movimento, como a rotoscopia ou
o mocap, pois animação é criação da ilusão de
movimento e em vez da representação de
movimento. Podemos dizer que a animação está para
o desenho, tradicional ou digital, como o cinema para
a película. A animação não é capturada do mundo real,
mas sim processada a partir de movimentos
artificiais, continuando a oferecer novas
possibilidades narrativas ou expressivas aos
animadores que usem tecnologia tradicional ou
digital, porque a animação não tem regras definidas,
27
ela é fruto da arte que acontece entre fotogramas.
(Luz, 2009, p.922-923, grifo nosso).
Portanto, quando se cria a imagem para a animação os
movimentos são considerados artificiais. Dessa maneira, a
concepção de
9
McLaren se faz presente nessa definição, pois o que
acontece entre os frames é o que realmente deve ser levado em
consideração. Essa simulação do movimento reflete também no
modo de entender a linguagem da animação que será discutida em
outro tópico desta pesquisa.
A leitura de Luz (2009) complementa a definição proposta
por Aumont e Marie (2008), mas Luz (2009) considera elementos
tecnológicos diversos para atingir esse fim. O autor complementa
que a busca pela representação da realidade ocorre por meio de
técnicas diversas; e a utilização de tecnologias para a construção de
imagens, que simulam a realidade: ainda se associam ao mundo real.
Ao que a literatura indica, as discussões em torno do termo
fotografia aguçam vários debates e refletem em torno da
compreensão do sentido de simulação do movimento e imagem em
movimento. Além de Aumont e Marie (2008) e Luz (2009), que
concordam no que se refere ao uso do termo imagem e fotografia,
há autores que discordam dessa perspectiva.
Convém trazer alguns contrapontos para esta discussão. O
primeiro se respalda na leitura de Senna e Gamba Júnior (2016), os
autores utilizam a terminologia cinema de animação e afirmam que
este não possui movimento para ser fotografado. “No cinema de
animação não há movimento a ser fotografado
concomitantemente, pois o movimento é criado frame a frame pelo
animador [...]” (Senna & Gamba Júnior, 2016, p.44, grifo nosso).
O segundo contraponto encontra-se em Andrade (2007) que
também reflete sobre o uso da palavra “imagem”; em vez de
desenho, presente em algumas definições de animação. A autora
acredita que a utilização desse termo ocorre justamente por causa
das inúmeras técnicas utilizadas para a produção da animação. O
exemplo apresentado por ela também é da animação stop-motion.
A animação produzida por meio da técnica stop-motion faz
uso da fotografia, sendo esta colocada em movimento por meio de
28
técnicas computadorizadas; o que pode variar é o elemento
fotografado, dentre os elementos é possível encontrar: massa de
modelar, lego, bonecos e muitos outros. Mas a fotografia é algo
imprescindível nessa técnica, sendo assim, esta pesquisa acredita
que o termo imagem pode ser associado à animação.
Para Marques (2018), independentemente de o movimento
ser desenhado ou fotografado, a autora afirma que o que caracteriza
uma animação é a montagem. “Ao dispor em sequência uma série
de desenhos ou imagens, estamos montandoum movimento. Ao
posicionar a câmera frente a uma cena, um objeto, estamos
compondo um quadro” (Marques, 2018, p.49). Ainda de acordo
com autora, essa composição e montagem, são responsáveis pela
noção de tempo e espaço que são sintonizados ao som.
Há também as abordagens que consideram definir animação
por meio de uma visão mais holística do processo de produção,
usualmente, tais definições olham para animação como um artefato
artístico. Como um exemplo dessa visão encontra-se a definição de
Wells (2016), para ele a animação é uma reconstrução do que está
na imaginação e independe da técnica utilizada. Esse processo de
recriar a imaginação pode ser feito por meio de distintas técnicas, e,
para esse autor, a técnica utilizada dialoga com a expressividade e
criatividade do animador.
Wells (2016) acredita que a animação apresenta outros
elementos em comum, sendo estes primordiais no momento de
caracterizar algo como animação. Esses elementos são detalhados
na obra do autor e também são entendidos como fundamentos da
linguagem da animação.
A animação é a forma de expressão mais dinâmica
disponível para pessoas criativas. Animação é uma
arte e artesanato interdisciplinar e interdisciplinar,
abrangendo desenho, escultura, modelagem,
performance, dança, ciência da computação, ciências
sociais e muito mais. Possui uma linguagem distinta
que lhe permite criar a arte do impossível. Tudo o que
pode ser imaginado pode ser alcançado. Este
vocabulário único pode ser usado em uma variedade
de maneiras diferentes - por exemplo, desenho
29
tradicional ou cel, CG ou animação em stop-motion -
mas crucialmente, qualquer técnica usada (e há
muitas mais) ela pode servir a mais do estranho dos
desenhos animados ao mais abstrato dos filmes de
vanguarda e tudo mais
10
(Wells, 2016, p.6-7, tradução
livre).
Essa abrangência de técnica para expressar a intenção do
produtor/animador faz com que cada obra possua sua própria
identidade. Sendo assim, o conceito trabalhado por Wells (2016)
está mais relacionado ao modo de dar o movimento à animação, que
consiste na criação do movimento a partir do mundo real, nesse
caso, a imaginação é incluída como parte do mundo real.
Outra autora que também considera a animação como essa
busca pela construção da imaginação é Wright (2013), a autora
trouxe a etimologia da palavra no início deste capítulo e convém
retomar suas palavras quando ela define animação. Para a autora o
universo da animação conta com regras próprias e, mesmo que os
elementos trabalhados sejam frutos da imaginação, o respeito a tais
regras faz com que esse universo pareça real ao telespectador. A
autora trabalhou muitos anos produzindo animação, o que mostra
que o seu conceito representa também o olhar das produtoras,
nessa perspectiva vale destacar a seguinte fala de Wright (2013):
Podemos pegar nossos sonhos mais infantis ou os
mundos mais malucos que podemos imaginar e trazê-
los à vida. Na animação, podemos reestruturar
completamente a realidade. Pegamos desenhos,
argila, fantoches ou formas em uma tela de
computador e os fazemos parecer tão reais que
queremos acreditar que estão vivos. A fantasia pura
parece confortável na animação, mas para a animação
funcionar, o mundo da fantasia deve ser tão
verdadeiro consigo mesmo com suas próprias regras
ininterruptas que estamos dispostos a acreditar
11
(Wright, 2013, p.1, tradução livre).
Além desses pontos já destacados em Wright (2013), ela
ainda afirma que a animação é algo visual e na qual as leis da física
não se aplicam; as piadas são rápidas e os personagens apresentam
30
um grande poder de metamorfose. “A animação usa extremos - tudo
é exagerado
12
” (Wright, 2013, p.1, tradução livre). Convém ressaltar
que, de acordo com o texto da autora, ela possui larga experiência
da empresa Hanna-Barbera e sua definição claramente se pauta nas
características das animações produzidas pela empresa.
Além dos autores que fundamentam o viés da definição por
meio da característica das produções, há também os que partem do
ponto de vista histórico, como é o caso de Bendazzi (2020). O autor
constrói uma análise da perspectiva histórica e afirma que
“Animação é tudo o que as pessoas chamam de animação nos
diferentes períodos da história
13
” (Bendazzi, 2020, p.1, tradução
livre). O autor chega a essa conclusão após apresentar as diferentes
técnicas utilizadas ao logo do tempo e que as pessoas nomeiam de
animação, para ele diferentes períodos nomeiam diferentes técnicas
de animação. Ele afirma que entre 1895 e 1910 o que é nomeado
hoje de live-action era considerado animação.
Dois outros pontos importantes são considerados por
Bendazzi (2020), o primeiro é: “Além disso, a palavra animação não
existia como substantivo - era usada apenas como adjetivo com o
cartoon’: cartoon animado (como usado anteriormente)
14
(Bendazzi, 2020, p.2, tradução livre). O segundo ponto apresentado
pelo autor é: “O substantivo animação começou a ser utilizado pelo
especialista francês nos anos 1950, quando se consolidou um
movimento cultural internacional entre Paris e Cannes que atribuiu
um significado específico a essa forma de arte
15
” (Bendazzi, 2020,
p.3, tradução livre). Portanto, para o autor, o mais importante é
entender o que leva as pessoas a definir certas produções como
animação.
Como observado durante o debate conceitual de animação,
são inúmeros os pontos que interferem durante a busca pelo
conceito, sendo eles: o ponto de vista etimológico da palavra, os
elementos utilizados para sua elaboração, sua intenção, seus
fundamentos e outros. Recentemente, Husbands e Ruddell (2018)
também elaboraram uma revisão do conceito e destacaram a
complexidade que é definir animação.
31
Husbands e Ruddell revisaram as perspectivas da produção
e da academia, e decidem explorar essa complexidade pelo ponto
comum da animação, que foi apontado nas pesquisas como sendo a
ilusão da vida e a metamorfose. As duas concepções partem do
modo de construir o movimento, a ilusão da vida, cujo respaldo elas
buscam em McLaren, respalda esse conceito quando diz que:
“Animação não é a arte dos desenhos que se movem, mas a arte dos
movimentos desenhados
16
” (Mclaren apud Husbands & Ruddell,
2018, tradução livre).
A arte de utilizar o que o ocorre entre os desenhos para dar
vida à animação não se aplica a todos os tipos de animação, as
autoras citam o exemplo de formas animadas de abstratas e
logotipos de empresas, por exemplo. Desse modo, elas afirmam que
a ilusão da vida não pode ser norteadora no momento de buscar um
ponto em comum entre todos os tipos de animação na busca de uma
definição unificada.
A metamorfose é compreendida como a mudança de um
desenho para o outro, ou o modo como alguns elementos são
trabalhando na animação como o meio ambiente, por exemplo.
Assim, ambos podem ser pensados a partir do movimento na
animação, mas que pode ser problemática entender esses dois
elementos como presentes em toda animação na busca pela
definição de o que é animação (Husbands & Ruddell, 2018).
Logo, as autoras entendem que ao observar o que é emitido
pode ser importante para elucidar essa questão. Pois “Na verdade,
examinar a animação em termos expectorais abre oportunidades
para explorar não apenas o que a animação é, mas também o que
ela pode fazer - o que pode nos mostrar e nos permitir sentir
17
(Husbands & Ruddell, 2018, p.10, tradução livre).
Por trás dessa ideia de analisar o que a animação desperta,
está o telespectador, pois é través dele que é possível entender as
experiências afetivas, psicológicas e culturais. Husbands e Ruddell
(2018) realçam que as abordagens podem se divergir tanto na
vertente teórica escolhida, quanto no público ou a técnica utilizada
na animação. Citam alguns estudos que recorrem a essa abordagem,
mas salientam que “Ao considerar as experiências diversas e
32
distintas que as animações nos oferecem, torna-se bastante claro
que qualquer teoria universalizante ou descrição da supervisão da
animação não será suficiente
18
” (Husbands & Ruddell, 2018, p.10,
tradução livre). Portanto, as autoras concluem que os estudos na
animação devem ser algo continuou, para se buscar novos modos de
entendê-la e defini-la.
A complexidade em conceituar animação reflete
diretamente no momento de recuperar e construir o percurso
histórico desse material. Por um lado, é possível recuperar estudos
que apontam como o primeiro registro de animação a imagem que
simula o movimento, como a lanterna mágica; de outro lado, há
pesquisas que apontam as pinturas rupestres como primeiros
indícios, pois consideram os traços entre os desenhos uma
referência ao movimento, constatando, dessa maneira a origem da
animação.
Nesta pesquisa, optou-se por entender como origem da
animação na lanterna mágica porque se entendeu que foram as
primeiras imagens que simulam a realidade de modo animado com
a intenção de criar o movimento. Vislumbrou-se, por meio da
discussão conceitual, que não é só a questão tecnológica que
influência do dinamismo desse conceito, a expressividade e o modo
de conceituar os demais elementos também utilizados na produção,
influenciam diretamente.
No âmbito de uma unidade de informação, no qual se parte
do pressuposto de que lida com documentos diversos, a animação
pode ser entendida como um documento. E como tal, deve ser ter
estratégias para a análise do seu conteúdo de forma com que sua
temática possa ser expressa em forma de conceitos. Mas como visto,
há uma diversidade na definição de animação, e acredita-se que isso
influencia no como esse documento deve ser abordado. Por
exemplo, a animação enquanto imagem em movimento: analisa-se
as imagens separadamente? A animação enquanto montagem,
analise-se a quadro a quadro? E ainda, a animação enquanto
elemento artístico, analise-se a partir de tal representatividade?
Nesta pesquisa, acredita-se que animação pode ser
entendida como um documento que contém informação
33
audiovisual. É a representação de elementos reais ou não elaborada
por meio de recursos tecnológicos diversos. A animação pode,
então, ser constituída tanto por desenho, quanto por fotografia, pois
a finalidade desses elementos é simular o movimento. Ressalta-se,
que tal definição pode se divergir dentre das instituições arquivo,
biblioteca e museu. Após as escolhas pontuadas, convém apresentar
a história da animação e focar em quando ela surgiu no Brasil.
2.1 História da Animação no Brasil
Ao trazer o conceito de animação na perspectiva do
tratamento temático é possível observar que a forma como esse
documento é definido pode influenciar na forma como ele será
tratado. De mesma importância está a compressão da história da
animação. Pois é observando tais elementos que se entende a
origem desse documento, tanto em técnicas utilizadas, como em
reconhecimento dos principais percursores do campo no Brasil.
Convém iniciar essa exposição baseando-se em Halas e
Manvell (1979), que ao analisarem a história da animação na
perspectiva de sua finalidade. Assim, os autores afirmam que ela
poderia ser dividida em quatro fases. A primeira delas os autores
nomearam de “malabarismo e mágica”, acredita-se que essa fase foi
definida dessa maneira, pois no início a animação era apresentada
de modo ilusionista. A segunda fase, marcada pela Década de 1920,
corresponde ao perídio de “afirmação do desenho animado”, aqui
os autores esclarecem que a animação era um complemento ao
filme de entretenimento comercial.
A terceira fase, em torno dos anos 30 e 40, é definida como
[...] o período da experimentação técnica” Halas e Manvell (1979)
afirmam é a fase em que a animação se desenvolveu como
entretenimento de longa-metragem. E eles finalizam afirmando que
a quarta fase, que se iniciou na Década de 1979 e segue até os dias
atuais, corresponde à “utilização da animação para todos os fins”, o
que abarca não apenas entretenimento e comercial, mas também o
educativo.
34
Como é possível observar em Halas e Manvell (1979), contar
a história da animação envolve a exposição de fatos históricos,
aspectos técnicos utilizados para a produção de animação, nomes de
animadores, origens de técnicas, lançamento de filmes que
quebraram paradigmas para época, e muitos outros. Desse modo, a
seguir encontra-se a Quadro 1, que foi estruturada pensando nesses
dados.
Convém ressaltar que havia divergências sobre a precisão
das datas, e quando isso ocorreu, optou-se por considerar as
informações dispostas no texto mais recente, sendo ele em Wright
(2013).
Quadro 1: Cronologia da animação
1645
Athanasius Kircher, cria a lanterna mágica.
1736
Pieter van Musschenbroek, aperfeiçoa a descoberta de
Kirche e inseri mais lanterna criando movimento.
1825
John A. Paris of England made a simple optical toy, the
thaumatrope
1832
Joseph Plateau of Belgium invented the phenakistiscope
1834
William George Horner cria o Zootrópio
1868
John Barmes Linnet, cria o flipbook.
1877
Emile Reynoud aperfeiçoa o Zootrópio e cria o praxinoscópio
1892
Emile Reynoud cria o Teatro Óptico
1895
Criação do cinematógrafo pelos irmãos Lumière
1896
George Mèliés cria o stop motion
1899
Arthur Melbourne, no Reino Unido, fez Matches: An Appeal
1908
Fantasmagorie: uso de história em quadrinhos. Frame a
frame Émile Cohl
1911
Little Nemo, de Winsor McCay, que insere novos conceitos a
animação
1913
John Randolph Bray, fez o primeiro cartoon comercial
1914
Produção do primeiro curta metragem Gertie the Dinosaur,
por Winsor McCay.
1915
Felix the Cat, de Otto Messmer.
1915
Criação do rotoscópio, por Dave Fleischer
1916
William Randolph Hearst, abre um estúdio de animação e
insere imagens em quadrinhos.
35
1916
A primeira animação é produzida no Brasil, Kaiser por Seth
(Álvaro Marins).
1920
Pat Sullivan (an Australian), Max Fleischer, and Paul Terry,
criam um estúdio de animação de maior sucesso até então.
1923
É fundada a Walt Disney
1928
Paul Terry, dirige a primeira animação com som: Dinner
Time
1928
Curta-metragem da Disney Steamboat Willie. Surgimento de
Mickey Mouse.
1932
A Disney insere cor e som nas animações
1932
Technicolor insere cor nas animações por meio do Flowers
and Trees
1934
Criação do stereoptical process.
1937
O filme a Branca de neve e os sete anãos ganha Oscar
1937
The Old Mill, introduz Disney’s multiplane camera.
1941
Criação da The United Productions of America
1950-60
Eastern European Schools of Animation
1958
Surgimento de estúdios japoneses
1963
Astro Boy foi a primeira animação japonesa a ser exibida nos
EUA
1972
É fundada a Hanna & Barbera Austlia, devido ao baixo
custo das produções no país.
1985
Primeiro The Hiroshima Animation Festival
1990
A Walt Disney Animation Australia foi inaugurada em Sydney
1995
Toy Story
Fonte: Hayward (2000, p.12-15), Sadoul (1963), Wright (2013, p.13-37).
Ao observar o Quadro 1, nota-se que período de
“malabarismo e mágica” foi marcado por produções que utilizavam
repetições de imagens e truques visuais para surpreender os
telespectadores; as imagens em movimentos estavam atreladas a
truques visuais e as exibições eram associadas a truques de mágicas.
Outro aspecto relevante é que em 1645, Athanasius Kircher cria a
lanterna mágica, que, de acordo com Barbosa Junior (2002),
consistia em uma caixa iluminada que refletia os desenhos feitos em
um espelho.
Apesar do destaque da Walt Disney na animação, o
dicionário de cinema ressalta que a empresa não foi a pioneira na
36
área. Por exemplo, A leitura Wright (2013) aponta Arthur
Melbourne, no Reino Unido, em 1899, com a animação Matches: An
Appeal, sendo a primeira animação já produzida. No entanto, os
estudos de Barbosa Junior (2002), apontam Thomas Alva Edson
como o percursor da animação e a animação Humorous phases of
funny faces, do ano de 1906, produzida por James Stuart Blacktom
como a primeira animação produzida na história.
Após a fase ilusionista, inicia-se, então, a fase de “afirmação
do desenho animado”. E aqui cabe destacar a produção feita no ano
de 1920, pelos irmãos Fleischer, nomeada de: Out of the Inkwell,
uma série baseada em um palhaço chamado Koko. A empresa dos
irmãos veio à falência, mas eles seguiram trabalhando com
animação na empresa Paramount e criaram personagens como Bety
Boop e o Marinheiro Popeye (Hayward, 2000, p.12). Como
mencionado na Quadro 1, Dave Fleischer foi o criador do rotoscópio
e do stereoptical process. O primeiro consiste, basicamente, no
redesenho de imagens reais; o segundo emprega a profundidade nas
imagens utilizadas. Ambas as criações foram utilizadas pela Walt
Disney.
O período de “afirmação do desenho animado”, foi também
um período de experimentação de novas técnicas de produção, bem
como, da necessidade de capacitação profissional para atender à
crescente demanda de produção. É nesse contexto que a Walt
Disney começa a se destacar, por ter mais dinheiro e recursos
técnicos, acabava atraindo mais os animadores, pois muitas vezes a
forma de capacitação existente era durante a produção da
animação.
Dessa maneira, a Walt Disney tem uma importância para a
animação, pois a empresa tinha um trabalho de capacitação
profissional para os membros envolvidos nas produções, e tendo em
vista que naquele tempo não havia um curso especificamente
voltado para formação e capacitação do animador, as empresas que
produziram a animação eram as responsáveis pelo treinamento do
pessoal. Assim, as pessoas que saíam da Walt Disney acabavam
formando outras empresas de animação, como A Warner Bros e
MGM, por exemplo.
37
Em 1932, a Disney insere som e cor na animação, e isso foi
um marco muito relevante para a animação, de acordo com Halas e
Manvell (1979, p.16), que afirmam: “A cor, a música e os efeitos
sonoros combinaram-se para elevar o desenho animado um novo
nível de maturidade como entretenimento no cinema”. Em 1937, o
filme A branca de neve e os sete anõesganha o Oscar, e coloca
ainda mais em evidência os trabalhos da Disney.
O pioneirismo no uso de recursos técnicos e criativos na
produção da animação, refletiu diretamente na comercialização de
animação, fazendo com que os EUA se destacassem no mercado.
Com o tempo, o país começou a dominar o mercado
cinematográfico, pois vários países, principalmente da Europa,
estavam em processo de recuperação econômica após a Segunda
Guerra Mundial.
É importante ressaltar a relação entre os investimentos nas
produções e as questões políticas vigentes tiveram muita influência
no protagonismo de países que exportavam animação. Em alguns
casos, como em Cingapura, por exemplo, houve um investimento
por parte do governo para a produção de animação, e isso ocorreu
por meio da criação do Singapore Animation Fiesta e também por
meio do Asian MIP, de 1998, que, de acordo com Wright (2013,)
promoviam às emissoras e produtores a possibilidade de venda de
seus produtos
Outro meio utilizado para angariar fundos eram as
produções de comerciais, com essa solução os animadores e demais
envolvidos poderiam ter recurso necessário para capacitar os
envolvidos, adquirir melhores tecnologias e produzir animações que
eles realmente queriam, desse modo, eles arcavam com os custos
das produções. Outro modo de tornar os custos das produções mais
baixos eram as coproduções internacionais (Wright, 2013).
Os poucos estudos que trazem o histórico da animação
brasileira refletem o esquecimento dado aos percursores da
animação no Brasil ao longo do tempo, muitos trabalhos pioneiros
na animação foram perdidos. De acordo com o documentário da
UNIVESP, as primeiras animações brasileiras foram elaboradas por
38
cartunistas no início do Século XX, pois estes tentando inserir
movimentos nos personagens dos quadrinhos.
Como explanado na Quadro 1, a primeira animação
brasileira foi Kaiser, produzida por Álvaro Martins, que trabalhou
como ilustrador em jornais por 40 anos. A animação era uma sátira
ao último imperador alemão Guilherme Segundo, infelizmente, a
animação se perdeu e o único registro existente é um fotograma.
Mas, no Ano de 2013, o documentário Luz, anima, ação, de Eduardo
Calvet, reúne um grupo de animadores que, com base no fotograma
que sobrou, recriaram a animação em uma miscelânea de várias
técnicas.
Figura 1: Fotograma da animação Kaiser
Fonte: Wikipédia - Fotograma da animação Kaiser, de Álvaro Marins, o Seth
(1917)
19
.
As dificuldades que culminaram no desaparecimento de
Kaiser são também notadas em outras produções brasileiras. Os
animadores e demais interessados em animação, não contavam com
investimento financeiro e nem cursos para a capacitação. Toda a
produção era reflexão de dedicação e criatividade por parte dos
interessados. Luís Sá é outro cartunista que trabalhava com charges
39
e campanhas publicitárias, mas que se interessava por animação,
suas produções foram feitas na Década de 1930 e seus personagens
com maiores destaques eram: Bolão, Reco-Reco e Azeitona. Os
negativos de Sá, de suas primeiras animações, infelizmente se
perderam.
O Departamento de Imprensa e Propaganda do Estado Novo
foi responsável pela censura de materiais, como foi o caso dos filmes
de Luiz Sá, que teve seus filmes perdidos por conta da censura do
período. De acordo com Moreno (1978), durante o período de 1938-
39, um dos filmes se perdeu no laboratório e o outro foi vendido para
um vendedor de projetores, que dividiu o filme em vários pedaços e
distribuía de brindes para os clientes que compravam projetores na
loja.
Figura 2: As aventuras de Virgolino
Fonte: Animation Info - Curta-metragem produzida, dirigida e animada pelo
quadrinista Luiz Sá (1930)
20
.
Luís Seel e João Stamato também produziram na Década de
1930 e a animação deles foi recuperada, o curta se chamava Macaco
feio Macaco bonito. A animação é inspirada na animação Betty
Boop, criação de Max Fleischer e desenhada por Grim Natwick. A
animação brasileira de Seel e Stamato mostra as aventuras de um
macaco que foge do zoológico, mas é possível identificar também
uma mensagem de valorização a cultura local brasileira.
Ao observar o primeiro enquadramento da tela logo se
percebe em destaque a frase “Os nossos macacos são legítimos”; nas
40
cenas seguintes nota-se a presença de personagens da animação
americanas, como o caso do de maior sucesso o Mickey, ainda que
presos em jaulas. A animação apresenta apenas alguns segundos,
segue o quadro abaixo com algumas imagens.
Figura 3: Macaco feio... macaco bonito
Fonte: Cinemateca Brasileira - Fotografia de filme brasileiro de
Luiz Seel (1929)
21
.
Moreno (1978) destaca também a produção Dragãozinho
manso, de Humberto Mauro e Manoel P. Ribeiro, em 1942, que foi a
pioneira na animação com bonecos. O autor também relata que após
essa produção os dados históricos apontam que as produções
elaboradas em 1950 eram voltadas para educação em saúde.
Outra produção recuperada em pesquisas brasileiras é
Sinfonia amazônica, produzida por Anélio Latini Filho, considerada o
primeiro longa-metragem brasileiro que foi ao cinema em 1951 e, de
41
acordo com Monteiro (2013), a produção levou oito anos para ficar
pronta. O longa se inspirou no folclore da região norte para contar a
origem da natureza, a trilha sonora foi produzida por Altamiro
Caíme. Durante sei anos, Latini Filho fez aproximadamente 500 mil
desenhos e elaborou técnicas para atingir seu objetivo (LIÇÕES DE
ANIMAÇÃO, UNIVESP, 2012). Mas, de acordo com Moreno (1978), o
filme foi condenado na distribuição, o que obrigou o seu produtor a
fazer propaganda para se manter.
O filme foi exibido no Brasil e, mesmo com todas as
dificuldades e falta de apoio para a produção, conseguiu ser
destaque mundial, pois conseguiu conciliar imagem e som, e ainda
inovou em algumas técnicas utilizadas. No Brasil a animação ganhou
vários prêmios, a saber: “[…] os troféus Estatueta Saci de Cinema, de
1954, Prêmio da Comissão Nacional de Folclore da UNESCO, Premio
do Instituto Brasileiro de Educação, Ciência e Cultura (IBECC), Prêmio
Estatueta ‘o Índio’, do Jornal de Cinema e Prêmio do Festival
Nacional Cinematográfico do Rio de Janeiro” (Moreno, 1978, p.85).
No Ano de 1967 é fundado o Centro de estudos de Cinema
de Animação (CECA), composto por estudantes da Escola de Belas
Artes, que produziam pequenos filmes com a intenção de difundir a
prática da animação. Por um período, eles estabeleceram parceria
com o Grupo Fotograma, e produziram vários curtas-metragens. O
Grupo Fotograma deixou de existir em 1969, mas integrantes do
Grupo, que contavam com pessoas de diversos Estados brasileiro,
continuaram a produzir animação (Moreno, 1978).
Em 1971 Álvaro Henriques Gonçalves produz Presente de
Natal, conhecido como o primeiro filme de animação em cores
produzido no Brasil, o filme encontrou dificuldades em ser
distribuído, como pontua Moreno (1978). No ano seguinte, Ypê
Nakashima criou o segundo longa-metragem colorido no Brasil
chamado Piconzé, 1972. O filme foi exibido em Portugal em 1977, foi
um sucesso entre o público infantil, mas Nakashima, para se manter
nas produções de animação, igualmente a outros animadores,
produzia propagandas para conseguir se manter financeiramente no
ramo da animação.
42
O Brasil não contava com recursos materiais e financeiros
para produção de animação. Os animadores interessados em
produzir, tomavam iniciativas próprias para a execução de seus
projetos. As animações americanas que chegavam ao Brasil serviam
como exemplos para as produções locais. Os recursos para as
produções de conteúdo, também chegava ao nosso país de forma
tardia, Moreno (1978) afirma que essa situação era um reflexo da
ausência de investimento por parte do Estado.
Ainda de acordo com Moreno (1978) Maurício de Sousa foi
o primeiro a romper as barreiras impostas pela ausência de
reconhecimento e investimento das animações nacionais, pois se
tornou o primeiro a vender no Brasil e se manter financeiramente.
Apesar de ter iniciado com gibis, foi também um dos percursores e
tem destaque da animação nacional.
Como visto, o cenário da animação no contexto brasileiro foi
impactado negativamente pela ausência de investimento financeiro
para sua produção e qualificação de profissional. Acredita-se que
isso também reflete na ausência de meios de preservação das
produções pioneiras da animação brasileira, o que direta ou
indiretamente, também influência a ausência de fontes documentais
sobre tais animações. Como visto, há vários casos em que não foi
possível recuperar nem mesmo as próprias animações.
O seguinte tópico irá abordar as técnicas e linguagem da
animação, e irá apresentar as características da animação que
podem ser relevantes no momento de descrição desse documento
na unidade de informação. Pois tais elementos podem ser
importantes no momento de compor os dados de identificação do
material.
2.2 Técnicas e Linguagem da Animação
O uso do termo linguagem está associado aos processos de
comunicação humana, seja ele fonético ou escrito. No que se refere
à animação, quando se usa o termo linguagem, compreende-se que
este se refere aos elementos inerentes à animação. Dessa maneira,
43
o uso da palavra linguagem pode significar os sistemas utilizados por
determinado fenômeno para transmitir uma informação.
Acredita-se, que o uso da palavra linguagem ocorre pelo fato
de haver uma corrente de estudos que acredita que a animação não
é classificada como uma vertente da ficção ou que ela seja uma
ramificação de qualquer outro gênero cinematográfico. Dentro
dessa concepção, a animação é algo único e que apresenta
características que não se assemelha a outros gêneros
cinematográficos. “A animação tem uma linguagem específica que
se assemelha ao princípio da cinematografia que se produz com uma
filosofia artística única. Ambos devem ter sua própria linguagem e
simbolismo
22
” (Yuh-Shihng & Yan-Hong, 2018, p.477, tradução livre).
A linguagem da animação também pode ser interpretada
por viés artístico. Para os autores Senna e Gamba Júnior (2016), na
essência da animação, há algo particular que reflete essa linguagem.
Para eles, a linguagem da animação “[...] é o princípio que comunica
conteúdos espirituais” (Senna & Gamba Júnior, 2016, p.36).
Em síntese, o que se pode apontar até o momento é que, o
termo linguagem pode se referir a dois elementos: as características
particulares da animação e o conjunto de técnicas e ferramentas
utilizadas durante a produção de uma animação. A primeira
abordagem é embasada por Wells e Moore (2016), que também
pode ser encontrada nos estudos de Besen (2008).
Na perspectiva da primeira concepção, a linguagem é
entendida como um conjunto de expressões, isto é, um conjunto de
elementos e códigos particulares ao mundo da animação, em
primeiro momento, tais elementos podem parecer ilógico, mas são
importantes para o cenário cômico muitas vezes presentes na
animação (Wells & Moore, 2016). Convém, então, observar os
aspectos distintos da animação:
Metamorfose: a habilidade de facilitar a mudança de
uma forma para outra sem edição. Condensação: o
grau máximo de sugestão na quantidade mínima de
imagens. Antropomorfismo: a imposição de traços
humanos aos animais, objetos e ambientes.
Fabricação: a criação física e material de figuras e
44
espaços imaginários. Penetração: a visualização de
"interiores" psicológicos / físicos / técnicos
inimagináveis. Associação simbólica: o uso de signos
visuais abstratos e seus significados relacionados
23
(Wells & Moore, 2016, p.82, tradução livre).
Os autores ainda afirmam que conhecer todos esses
elementos que compõe a linguagem é importante no momento de
saber aplicar durante a escrita do script. Para eles, as técnicas
utilizadas na produção são modos de produzir. A prática deve estar
sempre em sintonia com a teoria. Para os autores, cada técnica
diferente irá facilitar mais a comunicação de um desses elementos.
Quando os autores falam na questão da animação para
crianças, eles afirmam que os elementos devem ser de fácil
compreensão para as crianças e que crie empatia. Enfatizam que é
necessário ser bem colorido e ao mesmo tempo com designs
simples, nos quais os personagens devem ser claramente retratados
assim como as questões nas quais eles são envolvidos. Deve-se,
também, usar linguagem simples e priorizar a transmissão da
mensagem por meio de emoções, ações e dos códigos estabelecidos
de performances convencionais. “Além de criar situações divertidas
e dramáticas, tente incluir um tema construtivo e humano para
incentivar e apoiar o desenvolvimento infantil
24
” (Wells & Moore,
2016, p.82, tradução livre).
De acordo com o Besen (2008) os princípios gerais da
animação são: Analogy, Caricature, Movement, Fantasy, Reality e
Control. E também apresenta os princípios da produção, sendo:
ideias, scripts e storyboards.
Esses elementos intitulados como fundamentos da
animação que os autores definem como a linguagem da animação, é
algo recorrente no meio dos produtores, pois eles também
acreditam que a animação segue os mesmos princípios. A leitura de
Wright (2013), por exemplo, afirma que é importante os escritores
de animação entenderem como a animação é produzida para então
produzir também, pois para ela os processos seguidos é o que ela
chama de um caminho geral.
45
A segunda concepção de linguagem na animação está
atrelada às técnicas utilizadas para produzir, e assim, acredita-se que
a linguagem é entendida nessa concepção como os meios utilizados
para se expressar, isto é, são as ferramentas escolhidas para
transmitir a mensagem. Ao olhar nessa direção, se percebe que a
animação se constitui uma forma de arte, e ao assumir isso, a
linguagem diverge de acordo com quem a produz.
Uma vez assumido que o cinema de animação é uma
forma de arte e como tal possui sua própria
linguagem, é importante estabelecer como esta
linguagem constitui a ela mesma ou é constituída por
aqueles que produzem filmes de animação.
Recordando rapidamente, para Pareyson o problema
da construção de uma linguagem na arte passa
prioritariamente pela técnica, pois para ele não é o
conteúdo que determina a formatividade, mas sim a
matéria; e na ação da técnica sobre esta matéria
(Senna & Gamba Júnior, 2016, p.40).
Mas ao entender a linguagem de animação como técnica
utilizada para se expressar, percebe-se que a linguagem está em
constantemente reconfigurando, já que base para se pensar a
linguagem parte de suas bases de técnicas utilizadas para a produção
(Cruz, 2006).
Como afirmado anteriormente, a linguagem pode abarcar os
elementos técnicos utilizados. Mas, atualmente, a animação conta
com inúmeras possibilidades de recursos técnicos que podem ser
utilizados para sua produção. Esta pesquisa, não visa esgotar todas
essas possibilidades, mas trouxe na Quadro 2 alguns exemplos de
recursos técnicos utilizados na animação.
Quadro 2: Técnicas de animação
Técnica
Características
Stop-motion
“O processo de animação stop-motion é trabalhoso,
exigindo que cada cena seja fotografada após ser
movido e modificado incrementalmente
25
”. Pode
incluir animação de recortes e animação de argila (Clay
Animation).
46
Flip Book
Imagens organizadas dentro de um livro, quando as
ginas são viradas de modo acelerado, é possível
trazer a impressão de movimento.
Mocap
Captura movimentos reais e faz uma animação em
cima do movimento capturado.
Cel Animation
Conhecida também como animação tradicional, ou
animação 2D, cel é abreviação para celuloide. E a
técnica consistem em fazer desenhos a mão no
celuloide.
Animação 3D
Animação elaborada inteiramente me meio digital,
conhecida como animação computação gráfica.
Fantoche
Animação que utiliza fantoches ou marionetes.
Rotoscopia
É uma animação construída por meio de uma imagem
filmada, pois o desenho é elaborado com base em uma
imagem pré-existente.
Fonte: Wells e Moore (2016), Brostow e Essa (2001).
As técnicas apresentadas acima tiveram muita evolução com
o avanço da tecnologia computacional, e muitas delas ainda são
utilizadas, algumas como certo incremento tecnológico. Acredita-se
que o termo linguagem se associa a técnica pelo fato de que as
escolha de como a animação será produzida é entendida como uma
preferência estética para expressar a criatividade do animador e o
viés da animação. Esse tipo de característica pode ser percebido com
mais ênfase em animações não comerciais.
Como afirmado, existe muito mais técnicas além das
apresentadas na Quadro 2, e o avanço tecnológico aumenta as
possibilidades de surgimento de novas técnicas. Após as discussões
teóricas aqui apresentadas, convém observar as instituições
analisadas e como tais instituições compreendem a animação e
como as características dessas animações influenciam no momento
de organização dessa informação.
47
3
INSTITUIÇÕES DE ANIMAÇÃO NO BRASIL
O presente capítulo apresenta o resultado referente à
pesquisa de campo e traz as informações sobre quatro instituições
que lidam exclusivamente ou contam com um grande acervo de
animação. As instituições são as seguintes: Museu de Cinema de
Animação Lula Gonzaga (MUCA), Museu de Animação de Belo
Horizonte (MUABH), Produtora Anaya e Cinemateca Brasileira. As
três primeiras instituições lidam exclusivamente com animação, já a
Cinemateca conta com um acervo mais diversificado, mas foi
abordada nesta pesquisa devido à sua importância e sua situação de
referência no tratamento de acervos audiovisuais no Brasil.
As informações sobre as três primeiras instituições foram
obtidas por meio de entrevista semiestruturada, que ocorreram
online mediante a permissão de gravação por parte dos
entrevistados. Todas as entrevistas foram feitas na plataforma
Zoom. A ordem de apresentação dos dados segue a ordem de
realização e tabulação das entrevistas.
A primeira entrevista ocorreu com o Rafael Buda, no dia 20
de abril de 2020, ele é produtor e idealizador do MUCA. A segunda
entrevista foi concedida no dia 21 de abril de 2020 por Tiago Delacio,
filho de Lula Gonzaga e funcionário e idealizador do MUCA. Como
ambas fazem parte do Museu de animação de Pernambuco, as
informações serão dispostas no mesmo subtópico.
No dia 27 de abril ocorreu a primeira entrevista com Sávio
Leite, professor do Centro Universitário de Belo Horizonte UNA,
produtor de animação, organizador do Festival de Animação, Múmia
e idealizador do MUABH. A primeira conversa durou cerca de 40
minutos, mas Sávio tinha um compromisso. Ainda assim, a conversa
deu ênfase à criação do Museu de animação de Belo Horizonte
MUABH, do qual Sávio é o idealizador. Na segunda conversa ocorreu
no dia 06 de maio de 2020, que abordou: as influências durante a
produção de animação, a importância dos festivais para a animação,
a diferença entre o acervo da Leite Filmes e do Acervo do museu e
48
um pouco sobre os processos de sistematização e organização
dentro das produtoras.
A última instituição entrevistada foi com Tania Anaya, que
falou em nome da sua produtora a Anaya Produções (2020). O
procedimento foi o mesmo utilizado com as outras instituições, isto
é, optou-se pela entrevista semiestruturada e o uso das informações
disponíveis no site da produtora cujo uso também foi solicitado
durante a entrevista. Todas as imagens utilizadas nesta pesquisa
tiveram o uso autorizado pelos entrevistados durante as entrevistas
e também através de um formulário de solicitação.
A Cinemateca Brasileira foi a única instituição consultada
nesta seção que as informações não foram obtidas por meio de
entrevista
26
. As informações apresentadas neste capítulo foram
obtidas através da análise de conteúdo da página da instituição, mais
especificamente, na seção da Filmografia Brasileira (FB), análise do
Manual de Catalogação de filmes (2002) e do Relatório anual de
atividade (2017). Dessa maneira, o que norteou a obtenção de
informação foi o interesse em descrever a forma como a instituição
procede no tratamento temático da informação audiovisual e como
são apresentados os resumos dos filmes de animação.
Outra análise importante feita no site da Cinemateca que é
o resumo propriamente dito do acervo de animação disponível no
site da instituição. Os critérios para a escolha dos filmes foram os
seguintes: primeiro, buscou-se trazer os filmes das produtoras
analisadas nesta pesquisa; depois, buscou-se trazer os longas
metragem de animação brasileiro que, de acordo com a Associação
Brasileira de Críticos do Cinema (ABRACCINE), eram os melhores
filmes de animação produzidos no Brasil.
É importante salientar que está pesquisa não pretende
desqualificar nenhuma produção que não esteja presente na lista da
ABRACCINE, a escolha por tal lista se justifica devido à importância
da instituição em questão, o que fornece a esta pesquisa um ponto
de referência reconhecido pelos pares. Assim, os filmes analisados
seguem a ordem estabelecida pela ABRACCINE
27
, e não foram
escolhidos aleatoriamente no sistema da instituição.
49
3.1 Museu de Cinema de Animação Lula Gonzaga (MUCA)
O MUCA foi inaugurado em 09 de dezembro de 2017, es
localizado na cidade de Gravatá, Pernambuco. Caracteriza-se como
o primeiro museu da América Latina voltado exclusivamente para
animação, o que reforça a sua importância de preservação e
memória para a animação em estância regional e nacional. O
surgimento do MUCA está atrelado à vida do próprio Lula Gonzaga
que, de acordo com Rafael Buda e Tiago Delácio, se divide em quatro
etapas: produtor/realizador de animação, educador (ao
compartilhar as técnicas de produzir animação), difusor (por meio
dos festivais) e preservador da memória (a criação do museu).
Para se tornar um produtor, Lula Gonzaga passou por vários
obstáculos na vida. Nasceu em Recife, em 1942 e, com uma infância
humilde, só foi ao cinema pela primeira vez aos 15 de idade, o que
contribuiu para a descoberta de sua vocação. O filme que Lula
assistiu foi: Os últimos dos moicanos. No entanto, em um
depoimento a Buccini (2016), ele afirmou que ao ler cordel, ainda na
infância e antes de ir ao cinema pela primeira vez, ele imaginava as
gravuras em movimento, o que deixava implícito o interesse pela
animação.
Em outra oportunidade, Lula também menciona que o
contato e o interesse pela arte também foram motivados pelo
período em que trabalhou com o tio no Mercado da Casa Amarela:
“Nessa época, ficava observando os bonecos de barro na feira, os
cordéis, aquilo me encantava. Com quinze anos fui pela primeira vez
ao cinema, o Rivoli, também em Casa Amarela. Ali foi plantada na
minha cabeça a semente de juntar artesanato com cinema”
(Cultura.Pe, online, 2018). Ao completar 18 anos ele se muda para o
Rio de Janeiro com o objetivo de tentar trabalhar com cinema
(Buccini, 2016, p.1-2).
De acordo com os estudos de Buccini (2016), Lula Gonzaga é
considerado o primeiro animador profissional de Pernambuco. Lula
produziu três filmes autorais e individuais, para Buccini (2016) suas
obras apresentam um forte viés político, e as obras são:
Vendo/Ouvindo (1972), contra o consumismo desenfreado e um
capitalismo desumano que deixa feridas na sociedade, em Cotidiano
50
(1980), ou uma denúncia poética, política e social da seca no sertão
em A Saga da Asa Branca (1979)” (Buccini, 2016, p.14).
Os aspectos relacionados à vida de Lula Gonzaga
caracterizam o museu e norteiam a produção da documentação
museológica. O interesse em criar o espaço esteve atrelado às etapas
da vida de Lula Gonzaga, como descrito por Rafael Buda e Tiago
Delácio. Dessa maneira, o museu é um espaço para a educação em
arte de produção de animação e o espaço reservado para a memória
da animação nacional. Além de preservar a história da animação em
Pernambuco, o museu também estreita a ligação entre aqueles que
queiram produzir animação e não sabem por onde começar, pois
proporcionam as ferramentas e conhecimento necessários para tal.
A característica da animação, que é ensinada no museu, é
descrita na web página do museu que a descreve como: “O Museu
de Cinema de Animação Lula Gonzaga (MUCA) é um espaço
dedicado à formação técnica e preservação de obras, como também
para propagar a magia das imagens em movimento anteriores ao
cinema digital” (Informação online). Observa-se, então, que o museu
conta com equipamentos utilizados para a produção artesanal da
animação. Rafael Buda e Tiago Delácio afirmam que a intenção do
museu é transmitir aos visitantes a sensação de que qualquer pessoa
pode produzir animação, razão pelo qual eles prezam por artefatos
de produção de baixo custo e recursos manuais, não digitais.
O museu tem também a característica de ser itinerante, e já
levou oficinas em lugares distantes dos grandes centros de
produções, Rafael Buda relata que Lula Gonzaga já realizou oficinas
de animação em tribos indígenas, acampamentos do Movimento
sem Terra- MST, centro de candomblé, em praias, escolas, igrejas e
muitos outros lugares. “O cinema de animação, que nós
desenvolvemos, a gente caracteriza como cultura popular, porque a
gente tenta jogar luz na cultura da nossa população […] (Entrevista
concedida por Rafael Buda)”.