ISBN 978-65-5954-366-3
Do governo d
as difer
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o paradigma de inclusão
RETRATOS
FOUCAUL
TIANOS DA
DEFICIÊNCIA E DA
INGOVERNABILIDADE
NA ESCOLA:
Pedro Angelo Pagni
RETRATOS FOUCAUL
TIANOS DA DEFICIÊNCIA E DA INGOVERNABILIDADE NA ESCOLA:
Do governo d
as difer
enç
as a ou
tr
o paradigma de inclusão
Pedro Angelo Pagni
O livro “Retratos foucaultianos da
de
fi
ciência e da ingovernabilidade na
escola: do governo das diferenças a outro
paradigma de inclusão” problematiza o
paradigma cientí
fi
co no qual se apoiam as
perspectivas da educação inclusiva e suas
políticas estatais no Brasil, com vis-tas a
indicar-lhes outros caminhos à luz das
fi
loso
fi
as da diferença. Ao discutir os
limites e as possibilidades do pensamento
de Foucault para retratar a temática,
ela-bora uma interlocução com os
intelec-tuais contemporâneos franceses e
italia-nos desse
fi
lósofo, especi
fi
camente,
para abordar essa temática educacional.
Con-vida à re
fl
exão, dessa forma, o leitor
dis-posto a pensar nesse outro paradigma
de inclusão – menos cientí
fi
co mais
estéti-co-político –, produzido pela
cartogra
fi
a do encontro com os corpos
heterotópicos da de
fi
ciência e suas
ingovernabilidades propiciadas pela sua
presença na escola.
“Podemos dizer que a obra que temos em mãos foi produzida em meio a guerra!
Não uma guerra armada, sangrenta ou interestatal. Também não uma guerra
civil clássica entre grupos organizados dentro de um mesmo Estado-nação. Se,
por um lado, não me re
fi
ro a uma guerra “tradicional”, tampouco ela pode ser
entendida como metáfora ou exagero retórico: ela é real. Trata-se de uma
guerra cotidiana e generalizada, que produziu seus inimigos ao ser travada
efetivamente em meio à população e contra ela; mais especi
fi
camente, contra
determinados grupos que escapam ao ideal normativo ancorado na
padronização do capital--competência que deve responder às demandas
subjetivas do neoliberalismo.
(...)
É em meio a esse quadro de funcionamento de uma guerra civil cada vez mais
cruel e generalizada que surge este livro. “Retratos foucaultianos da de
fi
ciência
e dos corpos ingovernáveis na escola: entre o governo das diferenças e outro
paradigma de inclusão” surge como um respiro em meio ao caos! Sem dúvida,
trata-se de um livro-resistência, um livro que entra no combate para lutar
contra os fascismos cotidianos, contra a exclusão, contra o apagamento de
determinadas existências.”
KAMILA LOCKMANN | prefaciadora do livro
Professora Associada do Instituto de Educação, do Programa de Pós-Graduação em Educação
(PPGEDU) e do Programa de Pós-Graduação em Educação em Ciências (PPGEC) da
Universi-dade Federal do Rio Grande. Editora Chefe da Revista Brasileira de Educação
Especial - RBEE, desde 2022 Bolsista Produtividade em Pesquisa do CNPq - Nível 2.
Pedro Angelo Pagni é Doutor em
Edu-cação (1999) e Livre-docente em
Filo-so
fi
a da Educação (2011) pela UNESP.
É Professor Associado do Departamen-to de
Administração e Supervisão Es-colar e do
Programa de Pós-graduação em Educação
da Faculdade de Filoso
fi
a e Ciências da
UNESP, onde atua no ensino, na pesquisa e
na extensão com a Filoso
fi
a da Educação.
Nessa área, é bolsista produtividade em
pesquisa do CNPq (Nível 1-D) e autor de
vá-rios livros, dentre os quais se destacam:
Biopolítica, de
fi
ciência e educação: outr
os
olhar
es sobr
e a inclusão esc
olar
(Editora
UNESP, 2019);
Ética, tr
ansversalidade e
de
fi
ciência: desa
fi
os da arte de viver à edu-cação
(CRV. 2018);
Experiência Estética, f
ormação
humana e arte de viver: desa
fi
os à educação
esc
olar
(Edições Loyola, 2014).
Programa PROEX/CAPES: Auxílio Nº 0039/2022,
Processo Nº 23038.001838/2022-11
Apoio: CNPq - processo Nº 309798/2021-3
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Oficina Universitária ; São Paulo : Cultura Acadêmica, 2023.
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978
-
65
-
5954
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366
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presso
)
ISBN 978
-
65
-
5954
-
367
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(Digital)
DOI:
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.org/10.
36311/2023
.978
-
65
-
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-
367
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1. Fou
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926
-
1984.
2. Educação
-
Filosofia. 3. Educação inclusiva. 4.
Biop
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I. Título.
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371.
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© 2023,
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1999,
p.
22)
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e
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cotidiana.
(ALLIEZ,
LAZZARATO,2020,
p.
27)
Podemos
dizer
que
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que
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(2021),
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2021,
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73).
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al.
,
2021,
p.
224).
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se
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Guerras
entre
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se,
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(2021),
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2021,
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30).
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mas
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pela
guerra.
Como
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ou
Foucault
(1999),
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se
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que
surge
es
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.
“
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nos
d
a Deficiência
e
d
a Ingov
ernabilida
de
n
a Escola:
do
govern
o das difere
nças a
outro para
digma de
inclusã
o
”
surge
como
um
respiro
em
me
io
ao
caos!
Sem
dúvid
a,
trata
-
se
de
um
livro
-
resistência
,
um
l
ivro
que
en
tra
no
combate
para
luta
r
contra
os
fascismo
s
cotidianos
,
contra
a
excl
usão,
contra
o
apagam
ento
de
dete
rminad
as
formas
de
existências.
Com
o
int
uito
de
an
alisar
as
modulações
diagramáticas
que
compre
endem
o
governo
das
diferença
s,
Pe
dro
Pag
ni
sai
do
l
ugar
comum
e
con
fer
e
singularid
ade
às
suas
d
iscussões
ao
p
erpassar
por
distintas
ên
fases
que
mater
ializam
sua
análi
se
genealógic
a.
Por
meio
de
uma
aborda
gem
não
convencio
nal,
o
aut
or
acio
na
o
campo
da
13
educaç
ão
e
da
filosofia
para
oferecer
ao
leitor
um
itinerár
io
re
buscado,
pelo
qual
tran
sitaram
suas
pesquisas
nos
últimos
anos.
Ao
propor
uma
in
terf
ace
ent
re
educ
ação
e
specia
l/inclusiv
a
e
os
estu
dos
foucaultia
nos,
o
autor
nos
revel
a
novas
facet
as
que
pod
em
ser
anal
isadas
considerando
o
presente
brasileir
o.
Essas
no
vas
faces
evidencia
m
a
potencialida
de
e
a
at
ualidad
e
do
livro
em
questão,
o
qual
não
simpl
esmente
reproduz
ou
ref
orça
discuss
ões
já
conhec
idas,
mas
n
os
brin
da
co
m
n
ovas
problematizaç
ões
que
possibilita
m
a
construção
de
outras
fe
rramen
tas
teór
icas,
extremament
e
nece
ssárias
para
pe
nsar
o
presente.
Já
se
tornou
moed
a
forte
entr
e
as
pesquisas
pós
-
estruturalistas,
dizer
que
as
políticas
de
inclusão
governam,
que
normalizam,
q
ue
apagam
as
di
ferenças.
É
recorre
nte
também
as
a
sserti
vas
sob
re
o
funciona
mento,
junto
à
governamentalida
de
neoliberal,
de
um
imperativo
da
inclusão,
o
qual
se
susten
ta
co
mo
uma
regra
geral
do
neoliberalis
mo
cu
ja
pre
missa
ancora
-
se
no
pressupos
to
de
n
ão
de
ixar
ninguém
de
fora.
Assegurar
a
participaçã
o
de
todos.
Garantir
o
acesso
de
todos
.
Não
permi
tir
que
ninguém
e
nenhum
grupo
se
ja
e
xcluído.
Esses
princípios
to
rnaram
-
se
os
mobiliza
dores
de
um
a
racio
nali
dade
neoliberal
que
fazia
da
inclusão
a
estra
tégia
fund
ament
al
para
conduzir
a
vida
dos
sujeitos.
Pedro
retoma
tais
discussõe
s,
mas
vai
além,
c
ontextu
alizando
-
as
historicame
nte
e
convi
dando
o
leitor
a
r
efletir
sobr
e
a
forma
c
omo
tais
afirmaçõe
s
podem
ou
não
continu
ar
a
ser
amplamente
acion
adas
em
nosso
presen
te.
Por
um
lado,
podemos
d
izer
que
o
livro
acomp
anha
as
discussõe
s
contem
porâneas
qu
e
vêm
sen
do
amplamen
te
desenv
olvida
s
pelos
estud
os
pós
-
es
truturalis
tas
no
campo
da
educacio
nal.
As
contrib
uições
de
autores
co
mo
Fo
ucault
e
14
Deleuz
e
para
p
ensar
a
edu
cação,
embora
não
sejam
hegemônica
s,
vêm
crescendo
consid
eravelme
nte
no
B
rasil
e
no
m
un
do
,
faz
endo
com
que
as
ferram
ent
as
disponív
eis
por
tais
pensador
es
se
tornem
cada
vez
mais
úteis
par
a
an
alisar
os
discur
sos
e
práticas
que
sust
entam
a
ed
ucação
contemp
orânea.
Por
outro
lado
,
no
q
ue
se
re
fere
ao
campo
da
Educação
Esp
ecial
e
I
nclusiva,
o
l
ivro
p
arece
se
constituir
n
um
movimen
to
de
contraco
rrente
cujo
de
safio
enc
ontra
-
se
j
ustamente
na
aprese
ntação
e
consoli
dação
de
o
utras
formas
de
o
lhar
para
esse
campo,
para
al
ém
das
teorias
críticas
,
para
al
ém
da
apres
entaç
ão
de
possibilida
des
met
odológi
cas
q
ue
muitas
vezes
dida
tizam
a
nossa
relação
com
o
outro
,
m
as
também
para
além
do
q
ue
as
próprias
pesquisa
s
pós
-
estrutu
ralistas
vêm
apont
ando.
Sem
cair,
portanto,
n
uma
pedagogizaçã
o
da
relaç
ão
com
o
outro,
o
l
ivro
divide
-
se
em
duas
grandes
partes.
Na
primeira,
retoma
discussõ
es
acerca
dos
con
ceitos
fouca
ultianos
de
biopolítica
e
governam
entalida
de
par
a
en
fatizar
que
as
base
s
de
an
coragem
das
políticas
de
inclu
são
consistem
em
tomar
a deficiência
sob
o
signo
da
anorm
alidad
e
cuja
tentativa
de
correção
e
normalização
são
levada
s
à
cabo
pelos
dis
positiv
os
discipli
nares
de
uma
anáto
mo
-
política
do
corpo
huma
no
e
pelos
dispos
itivos
biopolíticos
que
pretendem
fazer
viver
a
população.
Ao
analisar
as
modulações
e
desloca
mentos
que
compre
endem
o
governo
das
diferenças
nos
ú
ltimos
ano
s,
P
ed
ro
perpassa
por
essas
distintas
ênfases
até
chegar
a
uma
governam
entalida
de
que
n
ão
só
resp
onde
às
de
mandas
subjetivas
do
neoliberalis
mo,
mas
almeja
racionalmente
o
aniquila
mento
das
diferença
s
por
sua
tendênc
ia
tanatopolítica
ou
necro
política.
É
ne
sse
momento
que
perceb
emos
que
o
livro
se
propõe
a
levar
adian
te
o
já
dito
em
estudos
e
pesquisas
anteriores,
con
vi
dando
15
o
leitor
a
refletir
so
bre
as
reconfiguraç
ões
atuai
s
que
vivemos
a
educaç
ão
inclusiv
a
contemporâ
nea.
Ao
analisar
a
“Política
Naci
onal
de
Ed
ucação
Espe
cial
na
perspectiva
da
Educação
inclusiva”
(
PNEEPEI
-2008)
e
os
deslocamentos
pro
duzidos
di
ante
de
publicaç
ão
da
“Política
Naci
onal
de
Ed
ucação
Especial:
equitativ
a,
inclusiva
e
com
aprendiza
do
ao
lon
go
da
vida”
(PNEE
-2020),
Pedro
evidencia
q
ue
paralelamente,
a
e
ssa
governa
mentalizaçã
o
e
statal
a
inclusão
funciona
com
o
um
dispositivo
de
subjet
ivação
seletivo,
por
vezes,
racista
on
de
aqu
eles
corpos
que
e
scapam
de
tal
normativida
de
passam
a
ser
excluído
s,
negando
-
lhes
o
direi
to
a
uma
e
ducação
capaz
de
pote
ncializar
a
singu
laridad
e
de
suas
existências
no
espaço
co
m
um
da
escola.
De
forma
persp
icaz
e
nad
a
ingênua
,
o
aut
or
problema
tiza
o
decret
o
10.502/2020
mostr
ando
o
movi
mento
de
p
recari
zação
da
educaç
ão
inclusiva
que
ele
enseja
na
atuali
dade
e a
ê
nfase
que
denota
aos
processos
de
excl
usão.
São
justamente
essas
anál
ises
q
ue
lev
am
o
autor
a
compre
ender
o
movimento
que
ele
denomina
de
uma
fratura
na
biopolít
ica,
o
qual
transforma
a
existência
do
cor
po
deficiente
em
uma
ameaça
e,
eve
ntualmente,
em
alvo
de
r
essentim
ento,
de
excl
usão
e
de
violê
ncia.
É
assim
que
o
aut
or
no
s
c
on
vid
a
a
refletir
sobre
a
face
tanatopolít
ica
da
gover
namental
idade,
a
qual
se
faz
present
e
em
algum
as
das
ações
do
Governo
Feder
al
na
atuali
dade,
assim
como
em
várias
redes
sociais
e
movimentos
que
fomentam
discurso
s
de
ódi
o
contra
tudo
o
q
ue
lhe
é
estranho.
Eis
a
guerra
civil
genera
lizada
que
opera
por
meio
do
neoliberalis
mo,
especia
lmente,
em
su
a
face
mais
conservad
ora
e
fascist
a.
É
n
esse
quadro
que
P
edro
vai
anal
isando
os
processo
s
de
inclusão
e
exclusão
como
fenômenos
manifestos
pelas
distintas
16
condiç
ões
so
ciais,
econômicas
e
políticas
de
cada
época,
enfatizando
distintas
faces
que
ora
assume
m
ênfases
mais
in
clusivas,
aind
a
q
ue
para
classificar
e
anular
as
diferença
s,
ora
explicitam
se
m
temor
suas
ofensiva
s
fascist
as
que
desprezam
o
outr
o,
produzem
excl
usão,
morte
social
e
até
me
smo
leg
itimam
o
ex
ter
mínio
das
diferenç
as.
Como
que
ain
da
insatis
feito
com
suas
análises
produzidas
até
esse
momento,
Ped
ro
se
gue
para
a
segu
nda
parte
do
livro,
onde
nos
convid
a
a
r
efletir
sobre
o
papel
da
inclu
são
em
relação
à
democracia e
ao
modo
com
o
foi
se
constitu
indo
uma
política
majoritária
de
subjet
ivação
que
eme
rgent
e
com
c
erto
popu
lismo
a
utoritário
em
nosso
país,
ancorado
num
agir
por
re
flexo
e
não
por
reflexão.
Nest
a
parte
do
l
ivro,
o
autor
discute
a
possibilida
de
de
construirm
os
uma
prática
reflexi
va
na
escola,
como
um
certo
antído
to
a
esse
agir
reflexo
e
ap
oiado
numa
particula
r
form
ação
é
tica
de
si
.
Pedro
nos
brin
da
com
a
possibilidade
de
constr
uirmos
um
a
éti
ca
suste
ntada
por
processos
outros
de
subje
tivação
,
onde
a
relação
com
a
diferença
possa
funcionar
com
o
agen
ciad
ora
de
uma
vida
co
mum
por
vir.
O
livro
é
po
ten
te
par
a
pensa
r
uma
possibilidade
de
relação
com
o
ou
tro
q
ue
passe
ao
lado
ou
à
parte
das
política
s
inclu
sivas
instituci
onalizadas
,
que
recorrentemen
te
a
gem
na
via
do
apagame
nto
e
da
normaliza
ção
da
difer
ença,
ou
aind
a,
mais
recenteme
nte,
pela
via
da
exclusão.
As
f
errame
ntas
da
filosofia
da
e
ducação,
enriquec
em
as
análi
ses
desenvolvid
as
e
nos
per
mite
m
ol
har
para
as
força
s
ingovern
áveis
da
dif
er
en
ça
na
escola,
c
ujas
existências
poderiam
se
r
vistas
com
o
positivas
e
cria
tivas,
an
tes
de
n
egati
vas,
incapazes
ou
despotencia
lizadas
.
T
alvez
este
ja
aí
o
que
o
autor
chama
de
um
novo
parad
igma
da
educaç
ão
inclusiva,
o
qual
encontra
na
rel
ação
com
a
diferença
a
potência
da
cri
ação
de
modos
outros
de
existência
que
17
provoq
ue
em
cada
um
de
nós
ce
rt
a
mo
biliza
ção
dos
devires
minoritár
ios
pautad
os
n
uma
vi
da
comum.
Entre
tanto,
precis
amos
compre
ender
que
p
ara
afirm
ar
a
potência
desses
modos
de
existência
outros
se
torn
a
fundame
ntal
estabel
ecer
um
compromi
sso
radical
com
a
dem
ocracia.
Não
aquela
democracia
q
ue
cede
a
isonomia
quantitativa
e
anul
a
as
diferenças
qualitativ
as,
como
be
m
tematizou
Pedro
nest
e
livro.
Mas
uma
democracia
que
ative
em
c
ada
um
de
nós
uma
t
ensão
éti
ca
impulsiona
da
pelos
devires
minoritár
ios
cap
azes
de
co
nstruir
uma
vida
comum
baseada
no
princípio
da
justiça
universal.
A
g
uerra
mobilizad
a
p
elo
neolibera
lismo
c
ontra
o
caráte
r
ingo
vernável
da
democracia
precisa
enc
ontrar
trav
as
que
impeçam
seu
curso.
P
ara
isso
,
precisamos
ati
var
nosso
“si
polític
o”
num
ato
c
oletiv
o
de
resistência
ao
que
nos
é
inaceitá
vel
no
tempo
presente.
P
ara
isso,
é
preciso
aprender
a
lição
que
nos
ens
ina
Gros
(2018,
p.
16)
quando
diz
que:
[...]
a
democr
acia
é
al
go
muito
difer
ente
do
que
uma
for
ma
institucional
caracte
rizada
por
boas
práticas
ou
proc
ediment
os,
ins
pirada
pela
defe
sa
d
as
li
ber
da
d
es
[...].
Me
smo
se
ela
d
eve
s
er
isso,
a
democra
cia
d
esi
gn
a
tam
bém
uma
tensã
o
ética
no
ínt
imo
de
ca
da
pe
ssoa,
a
exig
ênc
ia
de
reinterrogar
a
polít
ica,
a
aç
ão
públ
ica,
o
cur
so
do
mu
ndo
a
partir
de
um
si
po
lític
o
que
contém
um
pri
ncípio
de
justiça
univer
sal.
Inte
rrogar
a
política,
a
aç
ão
pública
e
o
curso
do
m
undo
parec
e
ser
a
nossa
responsabilidad
e
n
este
tempo
presen
te.
Responsa
bilidade
esta
assumida
de
forma
ética
por
Pedro
Pagni
ao
se
lançar
na
escrita
de
ste
livro,
o
q
ual
não
poderia
cheg
ar
em
hora
mais
18
aprop
riada.
Trat
a
-
se
de
um
a
obra
que
nos
oferece
possibilida
des
de
resistência
às
barbárie
s
q
ue
constituem
o
no
sso
pres
ente.
Em
tempos
de
desmantela
mento
da
demo
cracia,
da
pro
pagação
de
d
iscursos
de
ódio,
do
fortalecimento
de
prática
s
excludentes
e
do
avanço
de
ofensiva
s
violentas
e
fascistas,
e
ste
livro
constitui
-
se
numa
decl
aração
de
h
umani
dade!
Um
livro
que
declara
sua
hu
man
idade
e
sua
preo
cupação
co
m
o
curso
do
m
undo
ao
denuncia
r
os
desmontes
da
educaç
ão
inclusiva
e
ao
mostrar
as
(bio)pot
ências
que
podem
ser
produzidas
na
rel
ação
com
a
alteridade
deficiente
e
sua
s
formas
out
ras
de
existência
.
Rio
Gr
ande
,
10
de
jane
iro
de
2023.
Kamila
Lockm
a
nn
1
1
Professora
Ass
ociada
do
Ins
tituto
de
Educaçã
o,
do
Programa
de
Pós
-
Gradu
ação
em
Ed
ucaçã
o
(PPGEDU)
e
do
Program
a
de
Pós
-
G
radua
ção
em
Ed
ucaçã
o
em
Ciência
s
(PPGEC)
da
Universidade
Federa
l
do
Rio
Grande.
É
Ed
itora
Chefe
da
Revista
Brasile
ira
de
Ed
ucaçã
o
Especial
-
RBEE
,
desde
2022
e
foi
ed
itora
assoc
iada
da
mesma
revista
pel
o
per
íodo
de
2019
-
2021.
É
membro
da
Dir
etoria
da
Associa
ção
Bras
ileira
de
Pesquisadores
em
Educ
açã
o
Espe
cia
l
(ABPEE).
Bol
sista
Produtiv
idade
em
Pesq
uisa
do
CNPq -
Nível
2.
19
A
pres
en
t
ação
Em
um
de
seus
últimos
cursos
no
Collège
de
France
,
Mich
el
Foucault
(2012)
discute
a
emergência
da
parresía
,
is
to
é,
do
falar
franco
e
verdade
iro,
a
partir
da
vi
da
que
se
tem
e
da
verdade
que
a
potenciali
za,
situa
ndo
-a
no
âmbito
da
dem
ocracia.
No
c
aso
da
democracia
ateniense,
d
iz
o
filósofo
francês
que
so
men
te
al
guns
t
êm
o
direito
de
se
p
ronunciar
publicame
nte,
a
saber:
os
cid
adãos
livre
s.
Independ
entemen
te
do
que
c
onsist
a
essa
sua
liberdade,
isso
significa
que
t
odos
pod
em
ex
por
publicamente
suas
verdade
s
e,
portanto,
aquilo
que
são
etica
mente
ou,
simplesmente,
seu
ethos
.
Dessa
form
a
se
produziria
m,
no
espaço
público,
difer
enças
qualitativas,
represen
tando
et
hos
dis
tinto
s.
A
dis
puta
entre
esses
ethos
instaur
aria,
quantitativ
amente,
uma
verdad
e
comum,
em
raz
ão
de
a
maioria
considerá
-
la
não
somente
verdade
ira,
como
também
melhor
para
a
vida
de
toda
a
polis
.
Diante
de
uma
verdade
prepo
nderant
e,
dada
por
uma
is
onomia
quantitativ
a,
as
diferenç
as
qualitativa
s,
étic
as
e
comuns
não
deixavam
de
exi
stir,
mesm
o
assi
m.
Ao
con
trário,
tais
di
fe
ren
ça
s
qualitativas
eram
f
oment
adas,
porq
ue
del
as
dependiam
o
aprimora
mento
da
esfera
pública
e
a
inclusão
de
mais
vidas
nos
process
os
decis
órios
e
políticos
da
cidade.
Para
Foucaul
t
(2011),
genealogicam
ente,
a
democracia
no
Mun
do
Ocidental,
desde
seu
nascimento,
enfr
enta
esse
p
aradoxo
,
qual
se
ja,
o
de
se
pretender
ser
o
g
overno
i
so
nômic
o
da
maioria,
porém,
t
en
do
que
conviver
com
as
diferenças
éticas,
20
qualitativ
as,
poderíamos
d
izer,
das
minoria
s,
com
espa
ço
e
vazão
para
que
form
as
de
vida
po
uco
con
sideradas
tenham
voz
e
vez,
na
esfera
pública,
isto
é,
possam
agir
parr
esiasticamente,
dan
do
contornos
a
sua
existência
política.
Dessa
maneira,
é
possível
sust
entar
que
o
problema
da
dem
ocracia
se
configu
ra
nem
ta
nto
sob
re
quais
as
estratégias
e
táticas
para
se
fo
rmar
a
maioria
em
termos
quantita
tivos,
mas
quem
terá
direito
a
assumir
sua
co
ndição
de
fala,
na
vid
a
pública,
de
expre
ssar
o
que
pensa
e o
que
vive,
como
um
modo
de
exis
tência
que
se
exp
õe
no
m
und
o
,
com
vista
s
a
tensi
oná
-
lo,
problematizá
-
lo,
transform
á
-
lo.
Até
a
modernida
de,
por
assim
dizer,
o
papel
da
filosofia e
da
educaç
ão
foi
o
de
dar
con
to
rno
a
essas
fo
rmas
éticas
de
vida.
Com
vistas
a
governá
-
las,
assim
como
facultar
-
lhes
um
autogov
erno,
por
intermédi
o
da
transm
issão
de
ve
rdades
e
de
exercícios
os
quais
lhes
permitiss
em
se
ocup
ar
con
sig
o
me
smas,
essas
artes
auxi
liaram
cada
cidad
ão
a
ave
riguar
se
essas
verdades
transmitidas
eram
c
ond
izent
es
com
as
da
própria
vida,
revendo
-
as
e
readequan
do
-
as
às
leis
e à
mo
ral
da
cidade.
Em
t
al
pro
cesso
ético
-
formativ
o,
e
sses
cid
adãos
con
frontaram
e
ssas
últimas,
q
uando
as
verdades
não
se
conforma
ssem
às
pres
crições
mo
rais
e
regu
lamentações
inst
ituídas,
arriscan
do
a
sua
própria
vi
da,
ao
expô
-
la
publicamente
e
ao
apres
entá
-
la
como
mais
uma
vida
verdadeira.
Essa
vida,
distinta
da
valori
zada,
pediria
passage
m
e
valoraç
ão,
p
ara
que
fosse
digna
co
mo
qualquer
out
ra,
vista
como
pa
rte
da
esfera
públi
ca
e,
portanto,
partic
ipante
da
vi
da
política
na
polis
.
Embor
a,
no
cristianism
o,
essas
arte
s
tenham
assumido
uma
função
e
exerc
ício
de
po
der
pa
storal,
al
inhad
as
ao
d
ireito
do
sobera
no
sobre
a
vid
a
alheia
e a
morte
de
seus
súditos,
q
uan
do
confrontados, a
21
varied
ade
de
ascese
s
e
de
sub
jetivações
q
ue
produziu
–
e
as
quais
não
vamos
e
xplorar
aq
ui
–
sugere
cer
ta
pluralidade,
porém,
já
com
uma
tendência
centr
alizadora
e
condut
ora
em
to
rno
da
figura
do
sag
rado,
do
divino
e
de
suas
e
scrituras.
Na
mode
rnidade,
essa
tendência
se
acen
tua,
grosso
modo
,
repartindo
-
se
com
políticas
estatais
e,
no
que
ficou
conhecido
como
liberalismo,
facultou
a
l
iberdade
e
a
concorrência
par
a
manter
a
pluralidade,
no
âmbito
da
economia
política.
Por
out
ro
lado
,
buscou-
se
g
arantir
a
homogeneizaç
ão
dos
costum
es,
via
mo
ralização
da
população,
utilizand
o
-
se
de
uma
sé
rie
de
dispositiv
os
discipl
inares
e,
de
p
oi
s,
de
segu
rança,
p
ara
susten
tar
o
seu
governo,
por
m
eio
de
ar
tes
de
governos
,
como
a
pedagógica
,
a
religios
a,
a
médica,
a
psiquiá
trica
etc.
Os
corpos
desvia
ntes
–
individu
al
e
socialmen
te
–,
sob
o
sig
no
do(s)
povo(s)
q
ue
escap
ava(m)
a
essa
espécie
de
go
verno
estatal
e
de
sua
regulaçã
o,
fi
cariam
à
m
ercê
do
q
ue
se
denom
inou
biopolítica
,
compreendida
co
mo
a
fo
rm
a
moder
na
de
governo
da
vi
da
da
populaçã
o.
Essa
no
va
mo
dalidade
de
governo
tem
como
objetiv
o
aprimora
r
e
inte
nsi
fic
ar
a
vida
da
populaçã
o,
prot
egend
o
-a
da
mort
e,
mediante
o
uso
de
difere
ntes
arte
s
de
governar
e
de
tecn
ologias
de
biopoder
.
Esse(s)
povo(s)
seria(
m)
const
ituído(s)
de
hom
ens
infame
s,
estran
hos,
os
monstros
ou,
mais
precisamente,
os
anorm
ais,
d
ent
re
tant
as
outras
denominações
as
quais
se
colocam
ao
lado
da
vida
ingovern
ável
e
sobre
a
q
ual
se
dirigem
as
te
cnol
ogias
de
biopoder.
Assim,
essas
existências
f
oram
e
ai
nda
são
distribuí
das
nos
hospitais
psiquiátr
icos,
nas
escolas,
nas
pris
ões
e
insti
tuições
que
se
ocup
am
em
isolá
-
las
e
investem
na
corre
ção
de
seus
corpos
incorrigív
eis,
p
ara
enquadrá
-
los
às
regulações
do
Estado
e
d
evolvê
-
lo
s
à
normalida
de
da
populaçã
o
governáv
el.
22
Esse
estranhamento
ético
ao
julgamento
moral
vigente
no
liberalismo
é
result
ado
do
efeito
desse
tipo
de
governa
mentalidade.
A
fim
de
comp
reender
essa
forma
de
governa
mentalida
de,
recorreremo
s
ao
pensamento
de
Mich
el
Foucault,
no
pri
meiro
cap
ítulo
deste
livro,
com
o
intuito
de
a
nal
isar
os
seus
efeitos
de
poder,
decorrent
es
de
uma
dife
renciação
é
tica
que
ind
uz
a
uma
reo
rganiz
ação
do
go
verno
de
sses
corpos
e
subjet
ividade
s,
isto
é,
movimentos
que
se
contrapõem
à
normalizaçã
o
que
lhes
é
i
mposta
e
da
qual
tentam
escapar.
Tal
modo
de
re
gulação
e
de
governo
da
vida,
se
g
undo
no
ssa
hipótese,
imputa
-
lhes
uma
norm
a
extern
a,
por
vezes
científic
a,
pre
nhe
de
um
saber,
o
qual,
em
n
ome
de
ameni
zar
a
violência
q
ue
pode
co
lo
car
fim
a
essas
vidas,
as
violentam
simbolic
amente,
p
ara
fazê
-
las
una,
en
quadrad
a
a
padrões
q
ue,
em
última
inst
ância,
propiciam
a
governamentalida
de
da
populaçã
o.
A
questão
é
que
essas
v
idas,
n
ão
obstante
os
int
entos
da
governa
mentalid
ade,
se
configuram
em
for
ças
cen
trífugas,
eng
ajando
-
se
em
lutas
transversais
que
in
terromp
em,
pert
urbam,
afron
tam
as
formas
de
governa
mentalidade
estata
l,
em
suas
configu
rações,
quer
ascendent
es,
que
r
descenden
tes,
obrigando
a
biopolít
ica
e
os
se
us
dispositivos
de
biopoder
a
se
re
config
urarem,
minando
-
as
para
incluí
-
las.
É
ne
sse
re
gistro
q
ue
gostaríamos
de
discutir
e
problematiza
r
um
para
digma
2
científico
de
incl
usão
q
ue
decorre,
primeiro,
de
um
a
2
Util
izar
emos
aqui
a
no
ção
de
par
adigma
desenvolvida
p
or
Giorg
io
Agambe
n
(2009).
Par
a
o
filósof
o
italiano
,
diferentemente
de
Th
omas
Kuh
n
(2011),
o
para
digma
não
se
restringe
às
regras
da
ciê
ncia
n
ormal
n
em
à
sua
prescrição
à
comuni
dade
c
ientíf
ica,
tamp
ouco
à
e
strut
ura
de
sua
s
tr
ansfor
mações,
nos
ter
mos
postu
lados
pela
filosofia
da
ciência
.
Ao
cont
rário
disso,
o
pa
radigma
é
visto
por
ele
como
“[
...]
um
objeto
singu
lar,
que,
valendo
-
se
de
outr
os
da
mesma
classe,
defina
a
intel
igibilida
de
do
c
onjun
to
de
que
é
parte
e
que,
ao
mesmo
tempo,
o
con
sti
tui.
”
(AGAMBEN,
2009,
p.
25,
tra
dução
nossa).
23
administra
ção
do
s
parado
xos
da
biop
olítica,
tent
ando
preenc
her
sua
fratura
atual,
uma
vez
que
procura
incluir
o
povo
com
o
objet
o
de
um
govern
o
da
popula
ção,
po
rém,
resvalan
do
em
sua
face
tanatopolít
ica,
nos
termos
n
os
quais
se
rá
an
alisad
o
na
segunda
parte
de
ste
li
vro,
a
partir
das
considerações
de
Mic
hel
Foucaul
t
(2008)
e
Giorgio
Agamben
(2004).
Posteri
ormente,
na
medida
em
qu
e
e
sse
po
vo
atu
a
como
uma
força
centrípeta
em
pro
l
desse
governo
da
população,
verifica
-
se
a
ne
cessidad
e
de
distribuí
-
lo,
de
separá
-
lo
em
setores
em
torno
dos
quais
possam
ser
governados
e
com
os
quais
se
identifiqu
em
por
biosso
cialid
ades,
alimenta
ndo
parte
das
ações
pol
ít
ic
as
a
propósito
da
gove
rnamen
talização
estatal,
sobretudo
as
que
se
apo
iam
em
termos
como a
diversidade
e o
multicultur
alismo,
como
ve
remos
na
continuidade
desse
se
gundo
capítul
o.
Por
fim,
essa
parte
do
livro
se
e
ncerra
co
m
uma
an
álise
acerca
do
s
efeitos
d
essas
estratégias
dos
jogos
de
biopod
er
e
de
governamen
talização
da
biopolítica
neoliber
al,
nas
políticas
p
úblicas
brasileira
s,
focaliza
ndo
tan
to
o
Plan
o
Nacion
al
de
Educação
Especi
al
na
Perspectiv
a
da
Educação
I
nclusiva
como
suas
limitações
atuai
s,
fre
nte
à
necessi
dade
da
emer
gên
cia
de
um
parad
igma
estético
capaz
de
se
contrapor
à
su
a
atual
co
nfiguraç
ão
científica.
Na
segunda
parte
do
livro
,
intere
ssa
-
nos
retomar
o
papel
da
inclusão
em
relação
à
democracia
e
ao
modo
com
o
fo
i
se
converten
do
em
um
disp
ositivo,
j
untament
e
com
toda
uma
po
lítica
majoritá
ria
de
subjet
ivação,
emergente
com
ce
rto
populismo
au
toritário,
em
no
sso
país,
q
ue
consiste
na
produção
de
um
agir
por
reflexo.
Gostaríamo
s
de
discutir,
primeiro,
um
outro
olh
ar
sobre
a
ontologia
da
deficiência,
a
partir
de
sua
ingoverna
mentalida
de,
depois,
os
desaf
ios
da
filosofia
da
educação
para
lidar
com
as
questões
aí
emerge
ntes,
sug
erindo
a
24
hipótese
de
que
poderia
ser
p
ensad
a
co
mo
uma
prática
refle
xiva
na
escola,
c
omo
um
c
erto
antídot
o
a
esse
agir
re
flexo
e
ap
oiado
numa
particula
r
formação
ética
de
si.
Contudo,
para
essa
ética
sustentado
ra
de
process
os
outros
de
subjetivação
,
a
relaç
ão
com
o
outro
e
a
diferença
que
eventualmen
te
encarn
am
funcionam
c
omo
agenciad
ores
de
uma
vida
c
omum
em
curso
ou
por
vir.
É
n
essa
vi
da
comum,
no
s
agenc
iamentos
produzidos
pe
las
diferenç
as
e
pe
la
mobilizaç
ão
de
suas
forças
ingovernáve
is
que
e
nten
demo
s
ser
possível
ver
emergir
outro
parad
igma
estétic
o
para
a
in
clusã
o
educacion
al
e
seus
dispositivos.
Seria
imprescindíve
l
recorrer,
par
a
tanto,
à
carto
grafia
dos
corpos
desvia
ntes
na
esco
la
e
a
uma
h
eter
otopol
ogia
co
mo
ferram
entas
da
filosof
ia
da
ed
ucação,
ao
mesmo
tempo
que
um
debat
e
ontoló
gico
sobre
a
ontologia
da
diferença
e,
par
ticularmente,
da
deficiência
c
omo
uma
das
canal
izado
ras
das
forças
ingoverná
veis
que
poderia,
em
sua
presença
e
c
irculaç
ão
institucional,
ser
vista
como
positiva
e
cr
iativa,
ante
s
que
negativ
a
e
desp
otencia
lizada.
Nesse
sentido,
encerramos
est
e
livro
apres
entando,
à
luz
desse
paradigma
estético,
algum
as
indica
ções
para
se
p
ensar
o
ingove
rnável
da
deficiência,
sua
radicalidade
ontológica
e
seus
devires
clandestinos,
na
instituição
escola
r.
Dessa
forma,
procuramo
s
dar
um
tratamen
to
teórico
e
conc
eitual
à
emer
gência
desse
o
ut
ro
paradigma
de
inclusã
o,
cuja
discus
são
será
apro
fun
dada
nas
pesquisas
subseque
ntes,
o
casião
em
que
a
dentrarem
os
ao
território
empír
ico
e
ao
c
ampo
em
que
esses
corpos
se
movi
mentam,
na
escola
.
Nesse
percurso
,
me
todolo
gicamente,
retrata
mos
Foucault
no
sentido
tanto
de
re
correr
a
algum
as
fotograf
ias
quanto
de
d
ar
n
o
vo
tratamento
às
catego
rias
depreendidas
de
sua
obra,
de
sorte
a
abordar
25
questões
não
abo
rdadas
por
seu
pensamento,
co
mo
aque
las
relativa
s
a
esse
outro
parad
igma.
Isso
implica:
ora
retratarmos
seu
pensament
o
para
utilizar
suas
categor
ias
e
dar
um
novo
tratamen
to
a
elas,
em
face
de
questões
co
mo
a
da
d
eficiência,
a
da
ingovernabilidad
e
e
a
da
inclusão,
emerg
entes
de
um
horizonte
histórico
distinto
d
aque
le
no
qual
se
inscre
ve
seu
pensament
o;
ora
compormos
esses
retrato
s
co
m
outros,
deri
vados
de
font
es
contemporâ
neas
do
pensamento
filosófic
o,
elab
orando
uma
composição
ímpar
para
nos
auxiliar
a
melhor
focar
os
desafios
de
nosso
present
e,
no
que
diz
respeito
ao
enfrentame
nto
dessas
questões.
Nesse
sentido,
propomo
-
nos
diagr
amar
as
lutas
em
torno
do
s
quais
as
re
feridas
questões
se
inscreve
m
e
diag
nosti
car
a
emergência
de
modos
de
subjeti
vação
q
ue
escapam
à
governamentalid
ade
neolibera
l,
par
a
a
qual
o
p
rojeto
filosófic
o
foucaultia
no
nos
dá
um
aporte
parcial,
mas
reconhecend
o
aí
sua
insuficiência
e
a
n
ecessidad
e
de
trab
alhar
em
um
limiar
que
somente
po
de
se
r
ultr
apassado
por
nós,
na
medida
em
q
ue
o
delinea
mos
c
omo
um
terr
eno
de
pesquisa
,
no
qual
estamos
imersos
como
element
os
e
atores
de
uma
n
ova
confi
guração
de
f
orças.
De
modo
mais
circunscri
to,
delimitamos
essa
co
nfiguraç
ão
de
forças
ao
s
corpos
heter
otópicos
que
passam
a
h
abitar
o
te
mpo
e
o
espaço
escolar
,
produzi
ndo
movime
ntos
a
partir,
historica
mente,
da
implementa
ção
d
as
políticas
de
inclusão
ed
ucacio
nal,
em
nosso
país.
Inte
ressa
-
nos
discutir
como
a
pre
sença
desses
corpos
singulares
interpelam
os
dispositivos
de
inclusão
i
nstaurad
os,
retiran
do
os
atores
dessa
in
stituiçã
o
de
seu
c
entr
o
de
g
ravidad
e.
Ao
in
dicar
outro
s
ce
ntros
em
to
rn
o
dos
quais
a
presença
desse
s
corpos
orbita
e
ao
dar
visibilida
de
ao
s
mo
vimen
tos
dos
demais
atores
,
para
e
ncon
trarem
uma
força
de
g
ravidad
e
que
lhes
seja
próxima,
procuramos
assi
nalar
26
como
podem
agir
enquanto
um
co
rp
o
comum,
em
suas
diferença
s,
potenciali
zar
uma
nova
c
ircul
ação
de
d
esejo
e
queb
rantar
as
relações
de
poder
em
c
irculação
em
in
st
ituições
como
a
esco
la,
em
pleno
avanço
do
neoliberalis
mo.
Com
o
diagrama
de
ssas
c
onfigura
ções
e
os
indícios
desse
c
orpo
c
omum,
em
suas
diferenças,
esboça
dos
nes
te
livro,
espera
-
se
tangencia
r
os
contor
nos
de
outro
paradigma
de
inclusão,
o
qual,
ao
oferecer
subsí
dios
para
c
arto
grafar
esse
território
,
mobilize
educad
ores
se
nsíve
is
à
p
resen
ça
daqueles
co
rpos
heterotó
picos
e
pesqu
isadores
desejantes
de
t
ornarem
inteligíveis
os
moviment
os
que
produzem,
no
c
ontexto
escolar
em
que
at
uam.
Aproveita
mos,
por
f
im,
para
agr
adecer
ao
s
integrantes
da
equipe
da
pesqui
sa
re
latada,
sem
os
quais
não
teria
chegado
ao
cabo,
com
os
resu
ltados
e
discussões
ap
resen
tadas,
co
mo
parte
de
um
trabalh
o
comum
que
procurei
sintetizar
aqui.
Nomea
damente,
agrade
ço
aos
pesquisa
dores
Divino
José
da
Silva,
Ale
xandre
Filordi
de
Carvalh
o,
Alexand
re
Simão
de
F
reit
as,
Jordi
Masso
Castillas,
Fernand
o
Barc
ena,
Eugénia
Vilela,
Nacho
Calderón,
Ja
son
Wosniack,
Sílvio
Gallo,
César
Leite,
Alexsan
dro
Rodrigue
s,
Raphae
l
Valério,
alé
m
dos
estudan
tes
Jo
nas
Rangel
de
Almeida
,
C
in
Falchi,
Tiago
Pereccini,
Kaliny
Ferraz,
Angélica
Mat
os,
Lian
Oliveira,
B
runa
Amaral,
Alef
e
So
uza
.
Minha
gratidão
também
à
profes
sora
Kamila
Lockm
ann
por
escr
ever
o
prefácio
des
te
l
ivro,
co
m
a
prom
essa
de
uma
profícua
parc
eria.
Por
fim,
me
us
agradecimentos
ao
apoio
do
C
NPq
(proce
sso
n.
303798/2017-3),
em
bol
sa
PQ
-1D
concedida
para
o
desenvolv
imento
da
pes
quisa,
cujos
result
ados
e
discussão
são
expostos
nes
te
livro.
27
PA
R
T
E
I
28
29
C
A
P
Í
T
U
LO
1
A
corr
eção
dos
de
s
vios
ins
crit
os
no
c
orpo
individual
e
sua
norm
alizaç
ão:
a
spe
ct
os
anát
om
o
-
p
olít
icos
da
inc
lusão
O
present
e
capítulo
v
isa
a
abor
dar
uma
d
as
bases
de
ancora
gem
das
políticas
de
inclusão
e,
particular
mente,
do
paradigma
científico
que
lhe
dá
sustentação
(ao
reun
i
r
vários
saberes
e
engendrar
tecnologia
s
de
sujeição)
.
Essa
base
consist
e
no
trato
da
defi
ciência
como
si
gno
da
an
ormal
idade
,
cuja
tentativa
de
corre
ção
consistiri
a
em
ajust
á
-
la
à
nor
ma,
pelos
dispositivos
dis
ciplin
ares
,
e
regulá
-
la
como
forç
a
produtiva
a
certas
formas
de
governo
biopo
lítico
da
populaçã
o.
A
fim
de
subsidiar
uma
re
flexão
mais
agud
a
sobre
essa
questão,
esboç
amo
s
a
segu
ir
c
ertos
elementos
para
uma
genealo
gia
da
anorm
alidad
e,
assim
co
mo,
por
ele
s,
demonstr
amo
s
a
importância
da
construção
de
um
paradigma
científic
o
médico
-
psiquiátrico
que
supo
mos
est
ar
à
base
dessas
políticas,
s
eguindo
as
indicações
de
Georges
Canguilh
em
(2009) e
Mich
el
Fo
ucault
(2006, 2010).
Inte
ressa
-
nos
,
particularmente,
localizar
na
co
nstrução
história
desse
paradigma
algum
as
configurações
de
sses
signos
da
anorm
alidad
e
e,
esp
ecialment
e,
encontra
r
uma
desig
nação
para
a
deficiência,
identificando
sua
emergência
históric
a
e
seu
reg
i
st
ro
epistêmico,
além
do
en
redam
ento
nas
relações
de
poder
n
as
quais
nasce
u
e,
podem
os
acresc
entar
,
nos
aco
mpanh
a
até
o
presente.
C
om
30
esse
moviment
o,
esper
amos
problemat
izar
aspectos
de
sua
valoraç
ão
neg
ativa,
apropr
iados
pelo
atual
mod
elo
normativo
adotad
o
pel
as
políticas
de
inclusão,
de
sort
e
a
visl
umbrar
a
potencialidade
d
os
corpos
que
a
encarnam
,
intr
oduz
ind
o
uma
n
oção
de
ingov
ernáv
el
–
alheia
ao
vocábulo
d
esses
f
ilósofos
franceses
–
p
ara
compreender
melhor
os
v
etores
de
resistênci
a
ao
dispos
itivo
engendr
ado
por
el
as.
1.1
Do
pat
ológi
co
ao
anormal
:
a
anorm
alidade
com
o
som
bra
do
hom
e
m
A
sociedade
moderna
encontrou
na
normaliza
ção
um
a
maneira
de
regula
mentar
o
corpo
-
espécie
ou
a
vida
da
população
com
padrões
cie
ntíficos,
supo
sta
men
te
un
iversais,
apoi
ando
-
se
no
desenvolv
imento
da
Med
icin
a
Soci
al
e,
particula
rmente,
das
práticas
clínicas
no
século
XI
X.
Como
sugeriu
Canguilh
em
(2007),
esse
proce
sso
se
deu
da
seguinte
maneira
,
na
His
tória
da
Medicina.
Primeiro,
a
partir
do
e
st
udo
do
patológico
ou
do
que
se
concebeu
como
anor
mal
3
,
isto
é,
do
s
desvios
observ
ados
nas
vari
ações
do
comportam
ento
orgâ
nico
em
determinado
meio,
manif
esto
sintomatic
amente
por
aquilo
que
se
denominou
doen
ças
e
toda
a
sua
taxionomia
.
Posterior
mente,
com
o
desenvolv
imento
de
vários
conceitos
de
orgân
ico
e
de
meio
,
no
s
q
ua
is
se
apo
iaram
3
Destaca
Canguilhe
m:
“O
anormal,
en
quanto
a-
normal
,
é
posterior
à
defin
i
c
ão
do
norma
l,
é a
negac
ão ló
gica
deste.
No
entanto,
é a
anteriorid
ade
his
t
ó
rica
do
futur
o
anor
mal
que
p
rovoca
uma
inte
n
c
ão
n
ormat
iva.
O
n
ormal
é
o
efeito
ob
tido
pela
execu
c
ão
do
proje
to
n
orma
tivo,
é a
norma
man
ifestada
no
fa
to.
Do
ponto
de
v
ista
do
fato
há,
portan
to,
uma
rela
c
ão
de
exclus
ão
entre
o
nor
mal
e
o
anorma
l.
Es
sa
negac
ã
o,
por
é
m,
est
á
subordin
ada
à
opera
c
ã
o
de
negac
ã
o,
à
corre
c
ão
reclamada
pel
a
anormali
dade.
Nã
o
há,
por
tanto,
nenhum
paradoxo
em
dizer
que
o
anormal,
que
logicame
nte
é o
segundo,
é
existencialmente
o
prime
iro.”
(2009,
p.
111)
31
historicam
ente
as
ciências
que
ora
os
restrin
giram
respec
tivamente
ao
biológico
e
ao
meio
físico,
ora
os
ampliaram
quanto
às
suas
vari
áveis
fisiológica
s,
bioquímic
as,
genética
s,
de
um
lado
,
teológica,
me
cânica,
sociológica
,
de
outro,
frequentem
ente,
partindo
do
e
rro
diagn
osticad
o
de
cert
a
inadapt
ação
para
um
pro
cesso
de
adaptação
4
do
organ
ismo
ao
meio.
Por
fim,
e
ssa
ad
aptação
–
justificada
em
seu
regist
ro
teológic
o
ou
mecânico
5
–
pressupo
ria
um
registro
da
n
orma
geral
,
que,
em
tese,
comp
reendesse
a
sua
inscrição
corpór
ea
sing
ular
e
a
sua
dispersão
ou
vari
ed
ade
em
rel
ação
à
espécie,
padron
izando
essas
últimas
com
recursos
estatísticos
a
uma
média
gera
l
no
qual
se
apoiaria
a
primeira
e
desig
naria
os
or
ganismos
que
estiv
essem
ins
critos
4
De
a
cordo
com
o
fil
ósof
o
da
ciência,
existem
“[...]
dois
tipos
de
var
ia
c
õ
es
em
rela
c
ão
à
nor
ma,
s
obre
a
anormali
dade
da
s
q
uais
p
ode
ac
ontecer
que
se
tenh
a
de
decidir,
a
f
im
de
to
mar
ce
rtas
d
ecis
õ
es
de
ord
em
pr
á
ti
ca:
va
ria
c
õ
es
que
afet
am
um
mesmo
ind
iv
í
duo
conforme
o
tempo,
varia
c
õ
es,
em
deter
mina
do
m
omento,
de
um
indiv
í
d
uo
para
outro,
em
uma
esp
é
cie.
Esses
dois
tip
os
de
varia
c
õ
es
são
essenciais
para
a
sobreviv
e
ncia.
A
adapt
abilid
ade
depe
nde
da
variabi
lidade.
Mas
o
estudo
da
adapt
abilidad
e
deve
sempre
l
evar
em
conta
toda
s
as
circunst
a
n
cias.
Não
basta,
no
caso,
proceder
a
medida
s
e
a
test
es
de
laborat
ó
rio,
é
preciso
e
studar
tamb
ém o
meio
fí
sico
e
o
mei
o
social
,
a
n
utri
c
ã
o,
o
mod
o
e
as
condi
c
õ
es
de
trabalho
,
a
situa
c
ão
econ
o
mic
a
e
a
edu
ca
c
ão
da
s
diferentes
classes,
pois
sendo
o
nor
mal
consider
ado
como
o í
ndice
de
uma
a
ptid
ão
ou
de
uma
adapt
abilid
ade,
é
preci
so
sempre
ind
agar
em
rela
c
ão
a
que
circunst
a
ncia
e
para
que
finali
dade
se
deve
deter
minar
a
adapt
abilidad
e
e
a
ap
tid
ã
o.
(2009,
p.
123)
.
5
“Segundo
o
prime
iro
deles,
o
ser
vivo
se
adapta
de
ac
ordo
com
a
procura
de
satisfa
c
õ
es
f
uncion
ais;
segundo
o
o
utro,
o
ser
vivo
é
adaptado
pel
a
ac
ão
de
necessidades
de
ordem
mec
a
n
ica,
fí
sico
-
qu
í
mi
ca,
ou
bi
ol
ó
gica
(os
outros
seres
vivos
da
biosfe
ra).
Na
primeira
interpreta
c
ã
o,
a
adap
ta
c
ão
é
a
solu
c
ão
de
um
proble
ma
de
ide
al
a
ser
a
tingido
conc
ilian
do
os
dados
re
ais
do
meio
com
as
exig
e
ncia
s
do
ser
vivo;
na
segunda
inte
rpreta
c
ã
o,
a
adapta
c
ão
exprime
um
es
tad
o
de
e
quil
í
brio
c
ujo
limite
infe
rior
define,
pa
ra
o
or
ganismo,
o
pior
,
q
ue
é
o
risc
o
de
morte.
Mas
tanto
em
uma
q
uanto
em
outr
a
te
ori
a,
o
mei
o
é
cons
idera
do
com
o
um
fato
fí
sico,
e
não
como
um
fa
to
b
iol
ó
gico,
como
um
fato
c
onsti
tu
í
do
e
não
com
o
um
fato
a
ser
const
itu
í
do.”
(CANGUILH
EM,
2009,
p,
129
-
130).
32
fora
da
curva
de
re
gistro
de
no
rmalida
de
(incluindo
os
desvios
toleráveis)
com
o
“ano
rmal”.
Segund
o
o
próp
rio
Can
guil
hem
(2009),
uma
d
as
t
arefas
de
seu
livro
O
normal
e
o
patológico
teria
sido
a
de
problematiza
r
esse
modo
de
compr
eender
o
norm
al
e
a
normalida
de
,
estabelecid
o
pela
prática
clínica
e
pel
a
Medicina.
Essa
crítica
se
pauta
na
denú
ncia
de
que
o
patológ
ico
é o
paradigma
da
ciê
nci
a
e
da
normalid
ade,
e
não
o
erro
que
denunc
ia
o
d
esequilíbrio
or
gânico,
suas
crises
fr
ente
ao
meio
e
sua
singular
idade
e
variaç
ão
quanto
à
no
rma.
Tal
erro
não
se
ria
apen
as
sinônim
o
de
uma
adaptaç
ão
do
organismo
ao
meio,
mas
uma
ruptura
de
seu
equilíbrio
, a
q
ual
n
ão
po
de
ser
compreend
ida
int
egra
l
e
objeti
vamente,
po
is
traz
consigo
elementos
subjet
ivos
q
ue
interf
erem
t
anto
no
diagnóstico
do
parado
xo
do
sin
toma
explicitado
na
superfície
de
in
scri
ção
com
o
algo
anorm
al
e
sua
nece
ssária
corre
ção
para
retomar
uma
supost
a
normalida
de
quanto
na
prescr
ição
de
finida
a
partir
d
esse
paradigma
de
normal.
Diante
de
ssa
limitação
,
não
se
poderia
conce
ber
a
relação
ent
re
o
organismo
e
o
meio
como
um
proce
sso
adaptativo
,
em
que
o
primeiro
se
adap
ta
ao
segundo
,
nem
estender
e
ssa
adaptaç
ão
como
algo
restrito
ao
mund
o
físico,
a
postulados
teológ
icos
ou,
mesmo
,
a
condições
sociais
,
sem
abarcar
a
sua
vari
edade,
transve
rsalid
ade
e
complexidad
e.
Essas
considerações
l
evam
Canguilhem
(2009)
a
defender
q
ue
tal
rel
ação
é
con
struída,
isto
é,
c
omo
um
“fato
construí
do”
que
se
acopla
a
su
a
representa
ção
e
o
seu
consequente
registro
interpreta
tivo
6
,
vari
ando
em
su
as
configuraç
ões
,
con
forme
as
6
Nas
palavras
do
filósof
o:
“[...]
se
considera
rmos
a
rela
c
ão
or
ganismo
-
meio
como
conseq
u
e
ncia
de
uma
atividade
verdadeiramente
biol
ó
gica,
como
a
proc
ura
de
uma
situa
c
ão
na
q
ual
o
ser
v
ivo,
em
vez
de
sofrer
in
flu
e
ncia
s,
re
col
he
as
i
nfl
u
e
ncia
s
e
as
33
perspectiva
s
em
jogo
e,
por
assim
dizer,
seus
condici
onantes
sociopolít
icos.
Afinal,
ressa
lta
ele:
Nessas
condi
c
õ
es,
o
normal
e o
anormal
são
determi
nados
não
tanto
p
elo
encontro
de
duas
sé
ries
causais,
indep
endentes
—
o
organ
ismo
e
o
meio
—,
mas
,
sobret
udo,
pela
quantidad
e
de
energi
a
de
que
o
agente
org
a
nico
di
sp
õe
par
a
delimit
ar
e
estr
uturar
esse
camp
o
de
exper
i
e
ncias
e
de
empr
eendimento
s
a
que
chamamo
s
nosso
meio.
Mas
—
perguntar
-
se
-á
—,
como
ac
har
í
amos
a
medida
dessa
qu
antidade
de
energia?
Essa
medi
da
deve
s
er
procurada
apenas
na
hist
ó
ria
de
cada
um
de
nó
s.
Cada
um
de
nós
fixa
suas
no
rm
as
ao
escolher
seus
model
os
de
exerc
í
cio
.
A
no
r
ma
do
corredor
de
fundo
não
é
a
m
es
ma
do
sprinter
.
Cad
a
um
de
nós
mu
da
suas
pr
ó
pr
i
as
normas,
em
fun
c
ão
da
idade
e
de
s
uas
n
or
mas
anterior
es.
A
nor
ma
do
antigo
sprinter
não
é
mai
s
sua
norma
de
campe
ã
o.
É
normal,
isto
é,
conforme
à
lei
bi
ol
ó
gi
ca
do
envelh
ecimento,
que
a
r
edu
c
ão
progressi
va
das
mar
gens
de
seg
ura
n
c
a
acarrete
a
diminui
c
ão
d
os
ní
veis
de
r
esi
st
e
ncia
às
a
gres
s
õ
es
do
mei
o.
As
norm
as
de
um
velho
seri
am
cons
ider
adas
como
def
ici
e
ncias
do
mesmo
homem,
quand
o
adulto.
Es
se
reco
nhecimento
da
r
elatividade
individua
l
e
cro
nol
ó
gica
das
no
rm
as
não
repr
esenta
um
ceticismo
d
iante
da
multipl
icidade
,
e
sim
to
ler
a
ncia
diante
da
varied
ade.
(CANGUILHEM, 2009,
p.
130).
qualidade
s
que
correspo
ndem
a
sua
s
exig
e
ncias,
ent
ão
os
meios
nos
quais
os
seres
vivos
est
ão
colo
cados
est
ão
del
imita
dos
p
or
el
es,
centrado
s
neles.
Nesse
s
entido,
o
organ
ismo
não
est
á
jogado
em
um
mei
o
ao
qual
ele
tem
de
se
dobrar,
mas
,
ao
contr
á
rio,
ele
estru
tura
seu
meio
ao
mes
mo.”
(CANGUILHE
M,
2009,
p.
130).
34
É
para
essa
varie
dade
de
graus
de
anormali
dade,
contrari
ando
a
sua
sep
aração
de
nível
e
admitindo
a
sua
multiplicida
de
quanto
à
função
e
à
idade,
den
tre
o
utras
v
ariávei
s
intervenient
es
na
vida
,
objeto
de
inves
tigaçã
o,
que
o
filósofo
da
ciência
cha
ma
no
ssa
at
enção
.
C
lama
por
certo
rec
onhecim
ento
de
suas
for
mas
sin
gulares
e
do
que
denomina
no
rmativ
idade
,
que,
para
ele,
é
“[...]
a
capacid
ade
biológica
de
questiona
r
as
norma
s
usuais
por
oc
asi
ão
de
situa
c
õ
es
crí
ticas
”,
aferi
ndo
“[...]
a
sa
ú
de
pela
grav
idade
das
cri
ses
o
rgâni
cas
supe
radas
pela
instauração
de
uma
no
va
ordem
fis
iológica
co
mo
o
que
foge
do
padrão
definido
pela
média
.”
(C
ANGUI
LHEM
,
2009,
p.
130).
É
esse
acúm
ulo
de
cri
ses
superadas
,
a
inst
auração
dessa
no
va
ordem
orgânica
e
sua
potenciali
zação
energética
que
dão
fo
rma
às
vidas
singul
ares
e
concorrem
par
a
reg
ulamentar,
de
acord
o
c
om
no
rmas
vitais
construí
das
no
jogo
ent
re
o
organism
o
-
meio
social,
a
multiplicida
de
e
as
d
ife
rença
s
q
ue
form
am
o
cor
po
-
espécie
ou,
se
preferi
rem,
o
corpo
s
oci
al
–
posteriorme
nte
ch
am
ado
por
Mi
chel
Foucault
(1997)
de
popu
lação.
Nesse
sentido,
Georges
Canguilhem
(2009),
já
nos
ano
s
1940,
te
ve
o
mérito
de
assinalar
que
a
d
esignação
do
de
svio
a
um
corpo
(singula
r
e/ou
espécie)
c
omo
registro
de
anormalida
de
implica
não
direta
mente
um
a
“i
nadapt
ação
social
”,
nem
ce
rto
anarqu
ismo
em
relação
às
n
ormas
sociais
,
mas
constitui
um
a
c
ondiç
ão
adaptativa
inscrita
enquan
to
poss
ibilidade
na
existência
humana
e,
portanto,
a
ser
respeitada.
Para
essa
condiç
ão,
o
“[...]
homem
adap
ta
seus
instrume
ntos
e,
indiretam
ente,
se
us
órgãos
e
se
u
comporta
mento
a
determinada
matéria,
a
dete
rminada
sit
uação”
(
CANGUILHEM
,
2009,
p.
129),
produzindo
um
a
var
iedade
de
uso
s
técnicos
e
de
organis
mos
,
os
quais
,
ao
se
guiarem
por
sua
no
rmativ
idade
,
35
singulariza
m
as
formas
de
existência
e
d
eter
minam
os
fluxos
das
vi
das.
As
fo
rmas
de
regulamentaç
ão
so
cial
destas
e
de
normalizaçã
o
d
aquelas
são
importantes
para
a
vi
da
comum
e
para
a
formaç
ão
do
co
rpo
-
espécie
da
população
a
ser
governa
da
por
essas
regras.
Afinal,
não
exi
ste
vida
sem
regras,
talvez,
com
um
modo
de
funcionamento
desco
nhecido,
que
des
via
da
média
e
da
normalidade
que
nos
é
familiar,
gerando
estranhame
nto.
Mas
também
essas
regras
não
poderiam
estagnar
a
vid
a
,
em
se
u
jo
go
adaptativo
com
o
mei
o
,
nem
em
sua
potência
ou
em
seu
pulso,
tampouco
subo
rdiná
-
la
a
uma
plena
adapt
ação
modela
r,
or
gânica
e/ou
social,
como
prete
ndido
pela
ciência
norm
al
e
por
c
erto
paradigma
de
normalidad
e,
justificad
os
por
princ
ípios
teológi
cos,
biológicos
ou
socioló
gicos.
Assim,
esse
princípio
adap
tativo
e
su
a
interpr
etação
dever
iam
se
mover,
ta
nto
quanto
o
jo
go
e
ntre
organis
mo
e
meio,
torna
ndo
a
superfíc
ie
de
inscriçã
o
do
corpo,
o
n
de
esse
j
ogo
da
vi
da
repercut
e
,
um
campo
fértil
para
a
emergência
dos
sintom
as
de
ano
rmalid
ade.
Dessa
perspectiva
,
a
ano
rmal
idade
seria
não
ap
enas
certo
estad
o
pa
tológico
do
organismo
,
em
razão
do
qual
seria
jul
gado
inapto
socialm
ente
,
na
medida
em
que
extra
pola
as
n
ormas
e
afr
onta
a
no
rmalida
de
estabeleci
da
com
o
um
regi
stro.
Seri
a
também
–
e,
principal
mente
–
um
campo
de
inscriçã
o
habit
ado
pelo
mo
vim
ento
ou
de
vir
produzido
pela
in
adaptação
do
organismo
singula
r
ao
me
io
(físico,
ambiental,
social)
e
às
norm
as
(científicas,
técnicas,
so
ciais),
com
sua
consequen
te
busca
por
uma
melhor
rel
ação
e
equilíbri
o
aprimora
do,
derivando
d
aí
sua
potência
como
desvi
o
normativo
e
o
reconhec
imento
d
essa
sua
força
mestra.
Nes
sa
ace
pção
de
Canguil
hem
(2009),
por
mais
q
ue
fuja
dessa
fo
rça,
a
an
ormali
dade
36
acomp
anha
o
homem,
meta
foricamente
falando
,
com
o
a
sua
própria
sombr
a.
Embor
a
Fo
ucault
(2007)
t
enha
tard
ado
a
a
nali
sar
a
normati
vidade
as
sinalad
a
por
e
sse
filósof
o
–
só
o
re
conheceu
em
seu
último
e
nsaio
,
a
meu
j
uízo
em
raz
ão
de
sua
ate
nção
à
ética
e
à
sexuali
dade
–,
e
le
n
ão
demorou
a
incorporar
e
apro
fundar
a
sua
crítica
ao
modelo
clínico
e
ao
julgamento
de
sua
co
nseq
uent
e
“inadap
tação
social”
do
chamad
o
“anorm
al”,
ta
mpouco
a
ta
ngenciá
-
la
em
ta
is
análi
ses
– como
ve
remos
a
seguir.
Problematizou
,
em
sua
genealogia
,
o
princípi
o
de
exclusão,
que
constitu
i
tanto
os
s
aberes
médic
os
quan
to
as
relações
de
poder
nos
quais
se
apoiam,
ressaltand
o
c
erta
imponderab
ilidade
para
abarcar
a
potência
do
prazer
que
as
rege.
1.2
O
c
orpo
org
ânic
o,
a
s
ua
me
cânica
inst
intual
e
a
sua
ec
onom
ia
do
prazer:
por
um
a
ge
nealogia
da
an
ormali
dade
O
pró
prio
Canguilhem
(2009,
anexo
),
no
en
saio
que
retoma
seu
livro
de
1943,
menciona
o
Naissance
de
Clinique
como
um
desdobr
amento
de
sua
anál
ise
7
,
mas
o
que
talvez
não
pre
via
era
o
quanto
a
sua
crítica
ao
para
digma
científico
no
q
ual
se
apoi
ariam
os
saber
es
médicos
e
psiqu
iátricos
se
ria
incrementa
da
por
Mich
el
Foucault
,
su
bsequenteme
nte,
ao
compreen
dê
-
la
na
esfera
d
as
relações
de
poder,
em
algum
as
de
suas
obra
s,
e
retomar
a
questão
da
anorm
alidad
e
em
dois
de
se
us
c
ursos
,
no
Co
llège
de
France
: “O
poder
psiquiátr
ico
” (1973-1974) e “
Os
anormais
” (1974-1975).
7
“
Em
pági
nas
admirá
veis
e
comoven
tes
da
Naissance
de
la
clin
ique
,
Michel
Foucaul
t
mostr
ou
como
Bichat
fez
‘o
olhar
médico
gir
ar
sobre
si
mesmo’
para
pedir,
à
morte
,
expli
cação
da
vida.”
37
No
primeiro
curso,
Foucaul
t
(2006)
associa
a
psiquiatria
a
um
tipo
de
saber
q
ue,
para
alé
m
de
patologizar
c
ert
as
condiç
ões
mentai
s
nas
qua
is
se
inscre
vem
determinados
corpos,
serve
com
o
regis
tro
para
apres
ent
á-
los
com
o
desvi
antes
da
nor
ma
médica
e
exc
luí
-
los
do
convívi
o
so
ci
al
ou,
mesmo
,
p
ara
incluí
-
los
desde
que
sejam
enclausurado
s
em
instituições
desti
nadas
à
sua
correçã
o.
Demonstra
,
dessa
forma
,
como
esses
sa
beres
psiquiátricos
,
em
seu
desenvolv
imento
histórico
nos
séculos
XVII
I
e
XIX
,
exercem
sobre
esses
cor
pos
desviantes
esse
pod
er
centr
ífugo,
que
os
e
xpulsa
para
fora
do
con
vívio
ou,
quan
do
os
inclui
para
correç
ão,
os
mantém
à
dist
â
n
cia,
separados
por
assim
dizer
do
co
rpo
socia
l.
E,
como
g
ostaria
de
infe
rir,
ao
se
legitimar
naqueles
saberes
uma
fo
rma
de
regul
ament
ação
de
situa
ções
em
que
se
encontram
e
sses
corpos
desvian
tes,
para
não
dizer
,
de
subjugação
por
correção
de
seus
desv
ios
e
e
xclusão
do
s
corpos
incorrigíve
is.
Assim
,
inicia
cert
a
e
lucid
ação
de
o
quanto
e
ssa
legitimidade
é
problemática
,
na
medida
em
que
se
susten
ta
em
saberes
científicos
que
arrog
am
o
significado
ple
no
do
desvio
inscrito
no
cor
po,
o
qual
serve
de
registro
para
o
seu
julgament
o
(moral)
disti
ntivo
em
relação
à
n
orma
e
p
ara
posterior
con
denação
,
no
que
se
re
fere
à
lei,
racion
alizan
do
-o
segund
o
um
princípio
de
exclusão.
Tal
elabor
ação
ganha
m
aior
precisã
o
his
tórica
e
filosófica
no
curso
“Os
ano
rmais”.
Nele,
Mich
el
Fo
ucault
(2010)
anali
sa
historicam
ente
a
descontinuidade
entr
e
os
par
adigm
as
modernos
da
anorm
alidad
e
,
na
passagem
do
século
XVII
para
o
XVIII,
elucidan
do
como
o
modelo
inclusiv
o
da
peste
substituiu
o
da
exclusão
dos
leprosos
,
em
termos
da
governamenta
lidade
estat
al
e
das
tecnologias
médic
o-
soc
ia
is
Circun
screve
também
as
três
for
mas
de
de
svio
sobre
38
as
quais
atuam
es
se
poder
soberano
e
as
suas
ramifica
ções
(médica,
jurídica,
pedagógica)
,
em
torno
dos
corpos
qualificados
,
co
mo
o
do
indiscipli
nado,
o
do
monstro
e o
da
crianç
a
masturbad
ora.
São
esses
trê
s
e
lemen
tos
e
suas
respectiv
as
formações
complementa
res
na
história
que
formam
os
c
hamado
s
incorrigíveis
,
que
inter
essam
ao
propósito
deste
livro
,
jus
tamente
p
orque
,
a
par
tir
deles
,
é
possíve
l
vislumbra
r
cert
a
força
transg
ressora
às
tecnologias
psiquiátr
icas
e
méd
icas
,
aos
dispositivos
normativos
posterior
mente
criado
s
par
a
a
sua
event
ual
corre
ção
–
at
é
porque
,
em
outra
o
casião
,
dei
maio
r
relev
o
à
pass
agem
do
mod
elo
da
incl
usão
do
pestífer
o
em
substitu
ição
ao
da
exclusão
do
leproso
(P
AGNI
,
2017b).
Ess
as
três
figuras
de
marcam
um
desenho
importa
nte
,
no
projeto
foucaultian
o
,
a
fim
de
carac
teriz
ar
o
quanto
os
eleme
ntos
de
uma
vi
da
codificada
pela
biologia
fo
ram
utilizad
os
par
a
legitimar
julgamentos
morais,
prescreve
r
penas
e
atos
punitivos
contra
a
incorrigib
ilidade
ma
nifesta
por
seus
corpos
,
demostrando
o
exercício
do
poder
sobre
a
car
ne,
a
sua
c
ircunscrição
e
eventual
interdiçã
o.
Sugere
m
ain
da
as
demarc
ações
de
t
erritório
em
torn
o
da
qual
a
psiquiatria
se
desen
volveu,
conjunta
mente
à
Me
dicin
a,
influenci
ando
os
saberes
e
as
tecnologias
produzidos
em
campo
s
q
ue
vão
da
jurisp
rudência
à
moralidad
e
i
mper
ante
,
alicer
çada
tanto
pela
soci
ologia
quanto
pel
a
psicologia
,
passan
do
pela
pedago
gia.
Afinal,
são
esses
saberes
que
v
isam
a
c
aracte
rizar
o
desvi
o
desses
corpos
e
etiquet
á-
los
com
um
dos
signos
da
ano
rmali
dade
,
para,
então,
submeter
a
sua
cond
ição
de
inscrição
a
um
regist
ro
suposta
mente
cie
ntífico
através
do
qual
pod
em
ser
representados
socialmen
te
e
governad
os
por
arte
s
c
apazes,
se
não
de
co
rrigi
-
los,
ao
menos
de
isolá
-
los
do
mun
do
soc
ial,
aband
oná
-
lo
s
à
própria
sorte
ou,
39
aind
a,
in
cluí
-
los
na
engrenagem
produtiva.
Dessa
maneira
,
as
su
as
forças
e
potencialidades
poderiam
ser
n
eutralizad
as
ou
utilizada
s,
desde
que
não
se
apresentem
c
omo
possibil
idade
de
suble
vação,
de
desregu
lação
ou,
mes
mo,
de
c
urto
-
circuitar
as
redes
de
socia
bilidad
e
e o
co
rpo
so
cial
da
populaçã
o.
Esses
desvios
representam,
afin
al,
um
perigo
para
a
sua
governam
entalida
de
e
alimentam
cer
tos
ra
cismos
étnicos,
incorp
orados
aos
aparelhos
e
às
políticas
dos
Est
ados
Modernos
,
a
partir
do
final
do
século
XIX
e
início
do
XX.
Um
olhar
genealógic
o
de
ssa
rep
resentaçã
o
do
perigo
pode
ser
verificad
o,
inicialm
ente,
n
as
figuras
designa
das
como
monstro
s,
no
final
do
sé
culo
XVII
e
meados
do
XVIII
,
as
quais
nascem
em
situação
disforme
c
om
respeito
à
natureza,
violando
a
le
i
n
atural
e
tornando
difícil
qualquer
regu
lament
ação
jurídica
sobre
se
us
at
os.
Denota
m
aind
a
um
deslocamento
dos
grandes
mo
nstros
enquant
o
fig
uras
len
dárias
,
como
K
ing
Kon
g
,
para
os
pequenos
,
que
indicam
o
aparec
imento
das
pequenas
monstru
osidades
ordinár
ias
de
nom
inadas
anom
alias.
Es
s
as
pequenas
monstruos
idades
se
coloca
m
na
genealogia
da
ano
rmalid
ade,
tais
qua
is
apare
cem
com
os
i
rmão
s
siamese
s,
os
hidrocefálicos,
os
hermaf
roditas
–
a
berraç
ões
que
n
asc
em
no
so
lo
das
famílias
e
que
mais
tard
e
f
oram
con
sider
adas
“[...]
como
mo
de
lo
de
todas
as
pequenas
discrepâ
ncias”,
funcionando
co
mo
uma
espécie
de
“princípi
o
de
in
tel
igib
ilidad
e
de
tod
as
as
fo
rmas
–
que
circ
ulam
da
forma
de
moeda
miúda
–
da
anormal
idade
.”
(F
OUCAULT,
2010,
p.
48).
Na
passag
em
do
sé
cul
o
XVIII
ao
XIX,
e
sse
princípio
de
inteligibil
idade
assume
um
a
fig
uração
tautológica
e é
aplicado
à
base
das
determinações
da
anormal
idade
,
po
r
vezes,
send
o
ap
resent
ado
como
causa
natur
al
de
desvios
e
da
própria
deli
nquência.
De
ssa
40
form
a,
nas
palavras
de
Foucaul
t
(2010,
p.
49):
até
o
sécu
lo
XX,
“[...]
o
ano
rmal
é
no
fun
do
um
monstro
cotidiano
,
um
monstro
banali
zado.
..
algo
com
o
um
monstro
pá
lido
.”
A
figura
do
i
ndi
víduo
a
ser
corrigi
do
se
a
presenta
,
nesse
período
,
como
um
segundo
eleme
nto
da
ano
rmalidad
e,
porém,
num
context
o
diferente.
Se
a
primeira
aparece
co
mo
um
a
“viol
ação
da
nature
za”,
essa
segunda
surge
num
cont
exto
em
que
a
família,
ali
ada
a
c
ertas
instituições
,
como
a
escola,
a
igreja,
dent
re
out
ras
,
encontra
nesse
s
disp
ositivos
do
poder
discip
linar
um
desafi
o
p
ara
docilizar
os
corpos
e
discip
linar
os
indivíduos.
Por
sua
vez,
q
uan
do
estes
não
se
adaptam
às
n
ormas
de
seu
funcionamento,
funcionam
com
o
um
fenômen
o
corrent
e
e,
no
limite,
o
se
u
desvio
c
omo
sujeito
à
correção
nece
ssária
e
mpreend
ida
por
e
ssas
instituições.
Mai
s
do
que
a
excepciona
lidade
do
monstro,
o
indivíduo
a
se
r
co
rrigido
é
mais
frequen
te
co
mo
figura
de
um
a
ano
rmali
dade
p
assível
de
ser
domada
e
dis
ciplinada,
emb
ora
se
apres
ente
vinculado
a
dis
túrbios
aberrant
es
,
como a
primeira
figura.
Enfim,
a
firma
Foucault
(2010,
p.
50):
O
que
defin
e
o
indi
víduo
a
s
er
corrigido,
portanto,
é
que
ele
é
incorrig
ível.
E,
no
entanto,
par
adoxalmente,
o
incorr
igível,
na
medida
em
que
é
incorrigí
vel,
r
eq
uer
um
certo
número
de
interv
enções
específi
cas,
em
t
or
no
de
si
,
de
sobre
intervençõe
s
em
relação
às
técnicas
familiare
s
e
corr
iqueir
as
de
educação
e
de
correçã
o,
i
s
to
é,
uma
nov
a
tecnolog
ia
de
reeducação
,
de
sob
recorreçã
o.
É
e
sse
“eixo
da
corrigível
incorrigibi
lidade”
que
,
no
sé
culo
XIX
,
se
tornou
o
suporte
para
as
ins
tituições
específicas
para
os
anorm
ais.
Afinal,
conclui
Fo
ucault
(2010,
p.
50):
“
Mo
ns
tro
41
empalidecid
o
e
b
analizad
o,
o
anormal
do
sé
culo
XI
X
também
é
um
incorrigív
el,
um
incorrigível
que
vai
se
r
posto
no
cent
ro
de
uma
aparel
hage
m
de
correção.”
A
terc
eira
figura
que
se
apr
esenta
na
base
da
anormali
dade
é
a
do
indiv
íduo
masturbador.
Diferen
temente
do
monstr
o
,
que
é
figura
da
excepcionalidade
e
do
indivíduo
a
ser
corrigido
,
cu
ja
frequên
cia
é
ordi
nária,
o
onanista
ap
arece
na
passag
em
do
sé
culo
XVIII
e
XIX
como
uma
figura
quase
universal
,
isto
é,
co
mo
uma
prática
corren
te,
desen
volvida
por
quase
todo
m
un
do
em
segredo,
toda
via
,
com
o
diz
Foucault
(2010,
p.
51),
“[...]
que
ninguém
comunica
a
ninguém”
.
Sob
esse
segredo
da
masturbação
q
ue
recaiu,
nesse
períod
o,
so
bre
quase
todos
os
males
,
a
psiquiatria
identificou
o
princípio
de
uma
série
de
patologias,
singularizando
-
as
,
na
medida
em
q
ue
todo
m
un
do
pratica
,
m
as
somente
algun
s
contraem
doenç
as
extrem
as.
É
esse
parado
xo
etiológico
que
se
o
bserva
até
o
sécul
o
XX
,
na
esfera
da
sexuali
dade
e,
especialm
ente,
d
as
anomal
ias
sexuais,
já
presentes
nas
axiomátic
as
que
ant
ecederam
essa
etiologia
e
que
e
ncont
raram
na
infância
o
nas
cime
nto
de
ssa
prática
condenável
–
a
m
asturbaç
ão
–,
cujo
combate
se
orquestrou
com
camp
anhas
p
úblicas
e
com
um
a
articu
lação
coordenada
entre
vári
as
instituiçõ
es,
de
ntre
as
quais
se
dest
aca
a
escola.
O
sentido
de
sse
combate
foi
o
de
evitar
que
e
ssas
anom
alias
e
desvi
os
sexuais
emer
gissem
no
mo
mento
da
vida
quando
a
sexuali
dade
irrompe
e
as
descober
tas
sexuais
acont
ecem
,
ou
seja,
na
infân
cia.
Em
funç
ão
dessas
trê
s
figuras
que
,
por
sua
vez
,
se
complementa
m
e
se
intercambia
m
e
ntre
si
,
como
exposto
,
te
ria
nasci
do
um
conj
unto
de
saberes
e
de
poder
es
que
se
ded
icaram
à
correção
das
anomali
as,
in
cidindo
sobre
os
desvios
e
def
ormações
dos
42
corpos
nas
quais
se
inscreve
m
,
po
r
esse
olh
ar
al
heio
e
ajui
zador
.
É
assim
que
o
mons
tro,
figura
que
alinha
a
animalidade
ao
re
ino
humano,
mescl
a
ndo
as
espécies
e
os
dois
sexos
(ou
gêneros),
que
mistura
vida
e
mor
te
e
as
fo
rmas
de
sobre
vida
daqueles
que
n
ascem
com
defor
mações
físi
cas,
se
revela
como
uma
tran
sgressão
dos
limites
naturai
s,
das
classi
ficaçõe
s,
dos
enquadramentos
sociais
e
das
leis
jurídic
as.
Afinal,
“[...]
só
há
monstruosidad
e
ond
e
a
desordem
da
lei
natural
vem
t
ocar,
ab
alar,
inquietar
o
direito”
(FOUCAU
LT,
2010,
p.
54) –
do
jurídico
ao
canônico,
passand
o
pel
o
reli
gioso.
Diferen
temente
da
enfermida
de,
a
mo
nstruos
idade
emerge
como
uma
“[...]
irregularidade
natural
que,
quando
apare
ce,
o
direito
nã
o
consegu
e
fu
ncion
ar”,
ven
do
-
se
obrigado
a
interrog
ar
seus
fundam
entos,
s
uas
práticas,
ou
se
calar
e
“[...]
apel
ar
a
outros
sistemas
de
referênc
ia,
ou
a
inventar
uma
o
utra
c
asuís
tica
.”
(F
OUCAULT
,
2010,
p.
54).
Nela
se
encont
ra
a
origem
de
uma
patologia
que
indic
ia
um
crime,
um
pe
cado
,
uma
culpa,
poderíamos
acresce
r,
um
desv
io
em
relação
à
norm
a
e
um
déficit
que
jam
ais
permite
chegar
ao
s
padrões
de
produtividad
e
esperada
socialme
nte.
T
anto
o
c
ri
me
quanto
a
revolt
a
est
ão
inscritos
em
seu
corpo,
por
isso,
o
regist
ro
da
anorm
alidad
e
lhe
é
atri
buído,
primeiro
pela
psiquiatria
,
tornando
-
se
um
problema
de
in
st
itucionalizaç
ão
e
de
higie
niz
ação
social,
s
en
do
visto
como
um
peri
go.
Ao
incorrigí
vel
,
após
inúmeras
tentativa
s
de
r
eeducação
e
de
correção
,
também
é
a
tribuído
esse
perigo.
B
usca
-
se
na
incorrigib
ilidade,
analogament
e
à
monstruosidade,
uma
justificativa
funcional,
como
se
por
essa
acep
ção
de
ciênci
a
na
qual
se
sustenta
a
psiquiatr
ia
e a
medicina
social
pudesse
conhecer a
disf
un
çã
o
orgânica
que
caracteriza
essa
out
ra
exc
epcionalidade
mais
frequente:
a
da
quele
43
ou
daquela
que
não
se
do
bra
aos
dispos
itivos
discipl
inares,
cujo
c
orpo
não
se
dociliza
,
em
raz
ão
da
natureza
inst
intiva
que
extrapola
o
regist
ro
biol
ógico.
A
psiquiatr
ia
de
meados
do
s
éc
ulo
XX
n
ão
poupa
esforç
os
para
compreend
er
a
mecânica
desse
in
stin
to
e
as
form
as
como
age
nci
á
-
lo,
ain
da
num
plano
psicof
isiológico
e
anatômico,
de
sorte
a
corrigir
seus
fluxos
mediante
o
is
olamento,
a
inte
rnação
asilar,
acomp
anhad
os
de
tr
atame
nto
s
traumáticos
,
c
omo
os
de
choq
ue
e,
posterior
mente,
farmacológicos.
No
campo
jurídico
,
a
c
riminali
zação
da
in
corrig
ibilidade
ocorre
entr
e
a
reclusão
social
pelo
si
stema
prisional
e
pelos
hospitai
s
psiquiátr
icos,
uma
vez
q
ue
os
crimes
c
uja
imputação
identifique
sua
prática
em
f
unç
ão
de
qualquer
desraz
ão,
debilidad
e
intelectual
o
u,
mesmo,
vulne
rabilidade
qu
e
demarquem
sua
vida
pregres
sa,
têm
e
ssas
condiç
ões
considerad
as
como
aten
uantes.
Nesse
sentido,
a
sintomatolo
gia
psiquiátri
ca
concorreu
p
ara
que
as
p
enas
tivessem
esses
at
enuan
tes,
porém,
reconhecend
o
a
incorr
igibilida
de
–
esse
limite
transg
ressor
in
trans
ponível
–
e
recomendand
o
a
reclusão
e
o
isolamento
socia
l
desse
s
indivíduos,
pois
a
ameaça
de
se
u
desvio
seria
uma
espécie
de
desr
egulação
social,
um
a
anomia
s
ocial
que
amplificav
a
a
anorm
alidade
.
Foi
no
âmbito
desse
registro
social
que
certas
artes
de
governo
,
como
a
pedagógica
,
e
d
etermin
adas
institu
ições
,
com
o
a
escola,
no
século
XIX,
foram
mobilizadas
p
ara
co
rrigir
os
des
vio
s
inscritos
no
corpo,
espec
ialmente,
no
co
rp
o
infantil,
coloca
ndo
-o
no
caminho
da
normalidade,
evitando
sua
di
spersão
na
anomalia
e,
sobretudo,
na
anom
ia.
Para
os
in
corrigív
eis,
nesse
espaço
utópic
o
em
que
a
escola
se
tornou
(FOUCAULT,
2019), a
contenção
de
seus
corpos
desv
iantes
em
instituiç
ões
c
riadas
p
ar
a
esse
fim,
co
mo
as
rese
rvadas
aos
44
delinque
ntes,
os
hospícios
e,
poster
iormente,
as
associaç
ões
dest
inadas
ao
s
anor
mais
ou
aos
excepcionais
cuja
am
eaça
fosse
mais
branda,
poderia
fazê
-
las
se
t
ornar
espaços
igualmente
hererotó
picos
capaze
s
de
comp
ensar
,
corrig
ir,
isolar,
invisibi
lizar.
Depen
dend
o
do
grau
–
e
isso
é
fundam
ental
–
da
ame
aça
para
si
e,
principalmente,
para
outrem
,
tal
como
fo
i
definido
ao
l
ongo
da
primeir
a
metad
e
do
século
XX,
a
correção
de
pequenas
monstruosidades
da
ano
rmali
dade
poderia
ocorrer
na
própria
escola,
reservan
do
-
se
a
ela
um
es
paço
apartad
o
–
heterotópico,
po
r
assim
dizer
–,
de
sua
con
cepção
utópica,
homogene
izadora
e
unive
rsalista
de
seu
p
apel
normalizador.
Nesse
espaço
heterotópic
o
,
ao
co
rpo
das
cri
anças
e
joven
s
que
t
rouxesse
inscrit
a
a
ano
rmalid
ade
seri
a
conferida
uma
at
enção
vigilant
e
e
cuidados
especia
is.
Esse
destaque
dado
à
e
scola
pare
ce
ser
importante
para
compre
ender
o
seu
papel
de
a
gente
públic
o
corretivo
, o
qual
,
mesmo
diante
das
atu
ais
políticas
de
inclusão,
p
arece
acom
panh
á
-
la,
no
s
termos
farta
mente
documentado
s,
por
exemplo
,
pela
historiografia
da
Educação
Especi
al
(JANUZ
ZI,
1992;
BUEN
O,
1993;
MAZZOTTA,
1996).
Nota
-
se
que,
no
fin
al
do
sécu
lo
XIX
e
iní
cio
do
XX,
a
escola
at
ua,
concomitantem
ente
a
outras
art
es,
na
co
rreção
e
no
governo
desse
s
corpos,
tenta
ndo
neutralizar
o
poder
do
desv
io
que
enc
arnam
,
ant
es
que
se
tornem
ameaças
p
ara
o
adulto
e
para
a
sociedade
.
P
osteriorm
ente,
essa
concep
ção
impre
gnará
o
ol
har
de
profess
ores,
de
pesquisa
dores
e
de
especia
listas,
mesmo
ao
trat
arem
de
uma
escola
inclusiva
,
torna
ndo
-
se
um
de
safi
o
a
ser
ve
nc
ido
pelos
atores
d
essa
instituição,
pela
sua
regul
ament
ação
e
pelos
seus
dispositiv
os.
Isso
significa
salienta
r
ce
rta
dificuldade
em
superar
e
ssa
concepção,
ao
longo
da
segunda
metade
do
sé
culo
XX
e
meados
do
45
XXI,
já
que
se
deb
ate
com
os
problemas
e
struturante
s
cr
iados
por
esse
regist
ro
genea
lógico,
p
ertencente
às
dema
rcações
do
sécul
o
XIX.
O
primeiro
d
esses
problemas
se
refe
re
à
vis
ão
médico
-
psiquiátr
ica
–
po
r
vezes,
clínica
–
na
q
ual
os
saberes
de
sse
ram
o
da
Pedagog
ia
,
mobilizado
para
aqueles
cuidados
ao
ano
rmal
,
se
anco
raram
e
as
su
as
respectivas
tecnologia
s
utilizada
s
para
a
co
rreção
dos
des
vios
i
nscritos
em
seu
c
orpo,
por
uma
condição
de
registro
que
só
se
fixou
com
a
d
escober
ta
da
infância
e
da
deficiência
–
da
infância
da
defi
ciência e
da
constante
deficiência
da
i
nfância.
Ess
a
descoberta
fez
com
que
o
governament
o
da
vid
a,
por
um
lad
o,
acom
panh
asse
event
uais
indícios
de
qualquer
anomalia
nessa
etapa
de
seu
desenvolv
imento,
diagnos
ticando
-a
precoceme
nte
na
in
fânci
a,
por
meio
de
al
gumas
tecn
ologi
as
,
como
o
exame,
para
lhe
propor
um
tratamento,
an
tes
que
ganh
asse
co
rpo
na
adultez
e
se
manifest
asse
de
modo
a
pouco
se
te
r
a
fa
ze
r,
restan
do
a
essa
an
ormal
idade
se
r
colo
cada
à
parte
do
c
onvívio
s
oci
al
ou
integr
ada
a
ele,
reconhecend
o
a
sua
deficiência.
Com
esse
diagnóst
ico
e
acompanhame
nto
precoce
,
as
possibilida
des
de
que
esse
adulto
fosse
funcional,
tives
se
seu
c
orpo
otimizado
como
força
de
trabalho
e a
sua
vida
normalizada
dentro
de
padrões
aceitáveis
seriam
maiores,
mes
mo
reconhece
ndo
a
sua
anomalia
c
omo
uma
cond
iç
ão
estrut
urante,
como
um
estado
de
anorm
alidad
e
e a
possibili
dade
de
ser
visto
como
um
estigma.
Desse
ponto
de
vista
,
conforme
Foucault
(2010),
a
infância
foi
vista
pela
ps
iquiatria
como
primeir
a
etapa
de
combate
para
corri
gir
incorreç
ões
,
ante
s
que
se
torn
assem
estrut
urantes
da
ano
rmalid
ade
do
indivídu
o,
estab
elecendo
-a
como
uma
espéci
e
de
terreno
de
emergênci
a
do
desvio
e
de
experimentação
de
toda
uma
tecnologia
da
anomalia
e
de
saberes
que
ampliarão
seus
domínios
da
patologia
46
biológica,
passando
pela
mecânica
dos
instintos
até
chegar
à
sexuali
dade.
Esse
destaque
à
se
xualidad
e
é
important
e,
pois
vem
a
se
torn
ar
de
algo
v
el
ado
a
pro
pagado
,
d
en
tro
de
certa
codificação
suposta
mente
médico
-cie
ntí
fica.
Dessa
forma,
se,
antes,
a
sexual
idade
era
um
campo
em
to
rno
do
qu
al
se
silenciava
,
a
partir
de
ent
ão
ele
se
vê
abarc
ado
por
toda
um
a
tecnologia
positiva
de
poder.
Ao
in
vés
de
c
alá
-
la,
tal
tecnologia
força
a
sexu
alidade
a
revelar
-
se
como
um
âmbito
de
dispu
ta
do
poder
po
r
saber
es
e
técnicas
,
co
mo
a
psiquiatria,
a
psicanálise
e a
sexolog
ia,
p
or
um
l
ado,
e
a
extrapolar
-
se
num
prazer
que
desborda
os
limites
da
pele,
como
uma
potência
outra,
inapreens
ível,
a
qual
n
ão
se
con
verte
em
ato,
tampouco
se
esgota
no
desejo,
difundindo
-
se
sem
ser
plenamente
apree
ndid
a,
por
o
utro.
Nesse
cont
exto
de
circulação
do
prazer
e
de
sua
apreensão
por
saber
es
especializados
,
a
sexual
idade
infantil
foi
o
segund
o
problema
para
o
q
ual
Mich
el
Foucault
(2010)
ch
ama
a
aten
ção.
P
ara
isso,
o
filósofo
francês
circunscreve
suas
anál
ises
à
prática
da
mastur
bação,
considerada
no
séc
ulo
X
IX
como
um
sintoma
de
anor
malid
ade
e,
de
um
modo
mais
amplo,
com
o
uma
economia
do
praze
r,
com
seus
fluxos
e
contenç
ões
.
8
E
ssa
economia
,
de
acordo
com
ele
,
começa
a
s
er
8
A
restrição
das
intensidades
do
pra
zer
e
das
potenc
ialida
des
do
desejo
aos
saberes
desse
camp
o
psiqu
iátric
o
só
se
tornou
possível
frente
a
ce
rta
conten
çã
o
e,
até
mesmo,
viol
ência
con
tra
os
extravasamentos
que
produze
m
no
corpo,
alimen
tados
por
r
itos
e
disp
ositiv
os
pastorais
de
exame
q
ue
remontam
à
sua
concep
ção
c
omo
carne.
Nessa
carne,
a
lei
re
percute
ostensivamente
e
a
culp
a
é
sentida
pelo
ato
de
transgressão
de
cer
ta
experiência
(interior)
que
cone
cta
o
humano
aos
an
imais
e
ao
cosmos
,
por
assim
dizer
,
sendo
expiada
pel
a
sua
confis
são.
Na
carne,
ob
jeto
desses
saberes,
a
ciência
a
tua
configurando
essa
c
ura
pela
fala
ou
pela
confissão,
em
técnica
reveladora
de
si,
expia
dora
da
culpa
e,
també
m,
reparadora
dessa
falta
produzida
pela
interdiçã
o
do
prazer.
A
difere
nciação
feita
por
Fo
uca
ult
(2010,
p.
160)
é
a
47
decodificada
pelos
sabe
res
mencionad
os,
a
ser
u
sada
nas
artes
de
gestão
do
corp
o
produzida
s
no
período
e
a
ser
sacr
amen
tada,
desde
esse
tempo
,
com
o
uma
espécie
de
autogove
rno
da
vida.
Embor
a
o
autor
util
ize
suas
análi
ses
p
ara
evidenciar
as
consequências
dessa
economia
p
ara
a
e
levação
do
estatuto
da
anorm
alidad
e
a
um
est
ado
e
para
a
sua
estigmatização
enq
uanto
corpo
que
encarna
a
defi
ciência,
essa
dimensão
perma
nece
n
uma
inscr
ição
de
aspectos
obscuros
em
sua
obra
ou,
com
o
pref
er
im
os
e
xpressar
aqui,
como
um
a
alusão
ao
ingovernável
do
governo
d
es
sas
existência
s,
as
quais
se
inscre
vem,
de
sde
e
ntão
,
no
cenári
o
médico,
psicológico
e
pedagó
gico.
Para
vislumbrar
e
sse
in
governável
,
bast
aria
observar
o
seguinte:
“O
a
ntig
o
exame
er
a,
no
fun
do,
o
inventário
da
s
relações
permit
idas
e
proibida
s.
O
novo
exame
vai
ser
um
p
ercurso
meticuloso
do
corpo,
uma
espécie
de
ana
tomia
da
volúpia.
É
o
cor
po
com
s
uas
diferentes
partes,
o
corp
o
co
m
sua
s
diferentes
sensações,
e
não
ma
is,
ou
em
to
do
caso
mui
to
men
os,
as
leis
da
união
legíti
ma,
que
va
i
con
stit
uir
o
pr
incípio
da
artic
ulação
dos
pec
ados
de
l
uxúria
.
O
corpo
e
seus
pr
azeres
é
que
se
tornam,
de
certo
modo,
o
códig
o
do
carnal,
muito
mais
q
ue
a
forma
requer
ida
par
a
a
un
ião
l
egítima
.”
É
a
expiação
da
carne
que
se
torna
o
obj
eto
de
codi
ficaçã
o
desses
saberes
relacion
ados
à
sexualidade
e
de
s
uas
tecnolog
ias
específicas
de
poder
,
dentre
elas
o
exame.
Inclu
sive,
essa
codifica
ção
da
carne
procu
ra
ultrapassar
certa
“cartografi
a
pe
camin
osa
do
corp
o”,
ist
o
é,
as
proibiç
ões
relacio
nadas
aos
toques
,
à
mastu
rbação,
às
palavras
suja
s
e
à
oitiva
excita
nte
ou
por
nográ
fica,
el
egendo
-
as
c
omo
um
camp
o
de
in
scr
ição
da
proibiç
ão
corpóre
a
a
ser
confessada,
para
se
centrar
na
probl
emática
do
p
razer
e
do
desejo.
Não
seria
mais,
porta
nto,
segu
n
do
ele,
o
prob
lema
escolástico
da
distinçã
o
ent
re
os
atos
e
os
pensamentos
p
roib
idos,
sendo
tan
to
o
pr
ime
iro
quanto
o
segundo
conden
ados
em
razão
de
seu
p
otencia
l
perigo
para
uma
existência
pur
a,
mas
uma
“espécie
de
f
isiolog
ia
mor
al
da
carne”,
na
qual
a
infração
da
lei
deixa
de
corresponder
parcialm
ente
ao
“mode
lo
j
uríd
ico
da
penitência”,
passando
a
s
er
conduz
ida
por
uma
“dialé
tica
do
deleite”,
que
circunscreve
o
prazer
e
o
desejo
ao
próprio
corp
o.
Sobre
esse
corp
o
de
pr
azer
e
de
desejo
ope
raria
o
exame,
inves
tind
o
sobr
e
suas
faltas
e
falhas,
encar
nando
as
inf
rações
,
para
c
urá
-
las
n
essa
operação
em
que
se
faz
d
iscur
so.
48
modo
com
o
a
carn
e
foi
carto
grafada
e
codificada,
em
instituiçõ
es
como
as
escola
s
m
od
ern
as,
seguindo
as
próprias
indicações
de
Foucault
(2010).
Se
os
colégios
e
os
seminários
medievais
se
responsabiliza
ram
por
interdita
r
o
cor
po
na
carn
e,
p
rescrevendo
a
pen
itê
nci
a
e o
exame
de
consciência a
todo
jov
em
que
se
permitis
se
,
em
ato
e
pensamento
,
certos
d
esvios
e
transgressões
se
xuais,
coube
à
escola
moderna
mod
elar
o
co
rpo
solitário
e
deseja
nte,
policiando
a
infância
e
conduzindo
as
suas
práticas
corpór
eas,
regulan
do
seus
p
razeres
e
se
us
eventuais
sentimentos
,
obtidos
n
as
relaç
ões
com
os
demais
corpos.
Ne
ssa
passage
m
constitutiv
a
da
escola
moderna,
segund
o
Foucault
(2010,
p.
166), o
“ad
olescente
m
asturbador”
se
torn
ou,
pouco
a
pouco,
uma
figura
inquietante,
c
hegando
a
se
tor
nar
um
escân
dalo,
como
veiculado
nas
camp
anhas
de
fin
ais
do
séc
ulo
XIX
e
meados
do
XX.
Objet
o
de
inv
estimento
de
um
disciplina
mento
para
que
seu
corpo
se
torn
asse
dócil
e,
ao
m
esmo
tempo,
útil,
esse
corpo
em
fo
rmação
torn
a
impresci
ndível
uma
medicina
e
um
a
pedagogia
que
converta
m
o
problema
do
s
praz
eres
da
carne
num
desejo
que
supre
a
falta
e,
portanto,
pode
ser
cod
ificado
com
o
mecanis
mo
instintivo
que
circul
a
no
cor
po
e é
elab
orado
na
forma
de
tecnolog
ias
do
eu.
Tudo
no
co
rpo
que
escape
a
e
ssa
(so
bre)codificação,
que
exceda
energeticame
nte
o
de
sejo
el
aborado
,
re
percutind
o
a
intensidad
e
do
prazer
na
relação
consigo
ou
com
outrem
e
revelando
uma
as
sinat
ura
de
inscriç
ão
é
trat
ado
como
de
svi
o
e como
anomali
a.
Convulsõ
es,
con
traturas,
espasm
os,
deformidades
nos
f
luxos
que
escapam
a
esse
código
e
seus
apa
ratos
instintuais
são
sintomas
de
anorm
alidad
e
e,
enquan
to
tais,
marc
as
a
serem
t
ratad
as
pela
psiquiatr
ia,
a
sexologia
e
a
psicaná
lise,
por
meio
de
tecnologia
s
e
49
elabora
ções
do
eu
que
aplai
nam
a
subjetividad
e.
Afin
al,
e
sses
saberes
e
suas
tecnologias
colabo
ram
para
dar
a
tais
sintomas
e
sua
caus
a
um
regist
ro
de
inteligibi
lidade
,
o
qual
visa
a
evitar
qualquer
coisa
q
ue
remeta
ao
antigo
“distúrbio
carnal”
e,
moderna
mente,
dem
arcar
como
de
svio
as
re
sistênci
as
do
co
rp
o
a
ess
as
fo
rmas
de
discipli
namento,
isto
é,
contra
poderes
pro
duzidos
pela
intensif
icaçã
o
do
p
razer,
q
ue
t
ransbor
dam
(refletidamente
ou
não)
cert
a
economia
do
prazer.
1.2
O
e
st
igma
da
deficiência,
os
pe
rigos
de
s
ua
incorr
igibilidad
e
e
i
ngove
rna
bil
idade
No
âmbito
dessa
economia,
jul
gava
m-
se
os
sintomas
dos
desvios
se
xuais
adultos,
patologizando
-
os
ou
mesmo
os
criminali
zando,
assim
como
r
econhecendo
q
ue
a
sua
corre
ção
deveri
a
começar
pe
lo
alc
ance
de
suas
causas
infantis
e,
na
real
idade
,
evitand
o
a
sua
eclos
ão
na
própria
infân
cia,
em
instituições
com
o
a
família
e
a
escola.
Ao
h
erdarem
o
“domínio
da
carn
e”
do
poder
pastora
l,
essa
ação
coordena
da
de
sabe
res
médicos
e
institu
ições
socia
is
começa
“um
controle
higiênic
o
e
com
pretensões
científicas
da
sex
ualidade
”,
exercend
o
sobre
ela
um
d
omínio
psiqu
iátrico
e
ped
agógico
,
o
qu
al
se
estende
–
c
om
al
gumas
variaçõ
es
importantes,
sobretudo
ap
ós
os
eventos
de
m
aio
de
1968
9
–
até
o
tempo
presen
te.
9
Esses
eventos
produzir
am
uma
maior
ab
ertura
para
se
falar
de
se
xualidad
e
e é
sob
o
entusiasmo
provo
cado
pelo
s
acon
tecimen
tos
de
ma
io
de
1968
que
Michel
Fouca
ult
escreve,
c
ombaten
do
a
hipótese
repressiva
e
o
caráter
restritivo
da
s
scie
ncias
sexualis
(1997).
É
verda
de
que
ta
mbém,
com
esses
eventos,
há
um
aci
rramento
nos
saberes
e
poderes
sobre
esse
t
erreno,
de
um
lad
o,
agen
ciamen
tos
de
con
tracon
duta
s,
exprimin
do
o
largo
espectro
dos
atos
amor
osos
ou
erótico
s
na
vida
ínti
ma
dos
50
O
e
ixo
de
sse
dom
ínio
se
deu
em
razão
da
descoberta
do
sistema
nervoso,
substitu
to
p
arcial
da
carne
cristã,
possibilitando
uma
anatomia
política
do
corp
o,
supostamen
te
científica,
10
à
luz
da
qual
se
poderia
do
min
ar
o
prazer
n
ele
circ
ulante,
ord
enar
sua
energia
,
através
de
certa
organ
ização
fisioló
gica
,
e
aparel
har
se
us
ins
tinto
s
em
face
de
um
dese
jo
cap
az
de
torn
á
-
lo
útil,
dirigind
o
suas
forças
para
o
trabalh
o
pro
dutivo
e
p
ara
certa
sujeiç
ão
aos
ap
arelh
os
estatais.
Concomita
ntemente
às
camp
anhas
antimasturba
tória
s
do
sécul
o
XIX,
a
escola
reivindicou
para
si,
em
países
como
Fran
ça
e
Al
emanh
a,
um
terreno
fértil
para
uma
educaç
ão
que
teria
com
o
eleme
nto
de
troca
o
domín
io
sobre
o
corp
o
sexual
da
cri
an
ça.
Isso
implica
admit
ir
que
os
pais
c
onfiari
am
o
corp
o
d
as
c
rianças
à
escola
,
para
que
essa
instituição
o
tornasse
apto,
produtivo
,
gover
nável,
sem
interferir
sobre
se
u
desenvo
lviment
o
sexual,
a
car
go
da
família.
A
sexualid
ade
d
as
crianças
foi
a
armadilha
na
qual
os
pais
caíram.
[...]
Ela
foi
um
dos
vetor
es
da
constituição
d
essa
família
sólida
.
Ela
f
oi
um
dos
instrumentos
de
tr
oca
q
ue
permit
iram
de
slocar
a
cr
ian
ça
do
me
io
da
sua
fam
ília
p
ara
homossexuais
(
em
torno
do
qua
l
procurou
da
r
um
con
torno
atual
à
chamada
estética
da
existênci
a),
e,
de
outro,
todos
os
maquin
ismos
tecn
ológi
cos,
cie
ntífi
cos,
enfim,
os
dispos
itiv
os
de
sexualidade,
que
consis
tira
m
em
capturá
-
los,
co
nferindo
a
eles
uma
regu
lamentaç
ão
capaz
de
empreender
o
governo
bi
opol
ítico
da
popu
lação.
10
Refe
rimo
-
nos
ao
supos
tame
nte
cie
ntífic
o,
po
is,
em
relação
à
crianç
a
mast
urbadora,
há
uma
série
de
inferênci
as
in
justif
icadas
,
não
c
omprova
das,
conce
rnentes
à
sintoma
tolog
ia
do
adulto,
como
a
velhice
preco
ce,
a
impotên
cia
e
a
infer
tilida
de,
is
to
é,
por
toda
uma
etiol
ogia
que
remetia
ao
dispên
dio
energético
das
descargas
da
masturbaç
ão
infantil.
Ao
mes
mo
te
mpo,
os
tra
ços
de
jovens
esquálidos,
com
olhe
iras,
sem
forças
e
com
doenças
constantes,
indicav
am
essa
transgressão
no
ato
de
s
ua
ocorrê
ncia,
q
ue,
com
f
requênc
ia,
j
ustifica
ria
seus
even
tuais
desvios
adul
tos
e
cer
ta
proli
feração
de
anormais
.
51
o
es
pa
ço
i
nstitucionalizad
o
e
normalizado
da
educação.
Foi
essa
moeda
fic
tíci
a,
sem
valor,
essa
mo
eda
falsa
que
f
icou
na
mão
dos
pais;
uma
moeda
fa
lsa
que
os
p
ais,
no
entanto,
como
voc
ês
sab
em,
têm
um
gr
and
e
apr
eço,
[...].
Deem
-
nos
seus
filhos
e
o
po
d
er
de
vocês
sobre
o
c
orpo
sexual
del
es,
sobre
o
cor
po
de
praze
r,
ser
á
mantid
o.
E
ago
ra
os
psicanalistas
com
eçam
a
di
zer:
“A
nós,
a
nós
,
o
cor
po
de
pr
a
zer
da
criança!”;
e
o
Estado,
os
p
sic
ólogos,
os
psicopa
tologist
as,
etc
.
di
zem:
“A
nós,
a
nós
,
essa
e
ducação!”
Aí
é
que
está
a
grand
e
tapeação
na
qual
o
pod
er
dos
pais
caiu.
Poder
fict
ício,
mas
cuja
or
ganização
fi
ctíci
a
permiti
u
a
cons
tituição
r
eal
desse
espaç
o
[...]
substancial
ao
q
ual
a
grande
família
relacional
se
enc
olheu
e
se
restr
ingiu,
e
no
interior
do
qual
a
vida
da
criança,
o
corpo
da
crianç
a
foi
ao
mesmo
temp
o
vigiado,
valoriza
do
e
sacralizad
o.
(
FOUC
AULT,
2010,
p.
224
-225).
É
no
âmbito
dessa
inquietude,
provoc
ada
p
elo
o
lhar
da
família
medicaliza
da,
q
ue
a
psiquiatria
se
d
esenv
olve,
na
segunda
metade
do
sé
cul
o
XI
X,
desenha
ndo
uma
linha
de
con
tinuidade
das
anom
alias
(nat
urais,
da
a
usênci
a
de
corre
ção
ou
da
sexual
idade
)
da
infância
até
a
vida
adulta
,
como
um
estad
o
estrut
ural
do
indivíduo.
A
partir
de
en
tão
,
a
psiquiat
ria
p
assa
a
estigmatizar
os
in
divíduos
q
ue
manifestam
alguma
anoma
lia
e
preconcebê-
la,
n
ão
mais
como
exclusivame
nte
derivad
a
de
uma
patologia
diagnosticá
vel,
m
as
de
uma
con
dição
que
p
ode
ser
identificada
pelas
suas
mar
cas
físic
as,
pelo
seu
fenótipo
e
pelos
ato
s
corporais.
Essa
co
nfig
uração
acerca
da
an
ormal
idade
se
evidencia
no
curso
de
Mi
chel
Foucault
em
an
álise
,
ao
se
report
ar
a
um
caso
parad
igmático
–
de
nt
re
tantos
que
extrapola
m
a
sua
arqueogenea
logia
52
e
que
faz
parte
de
sua
cas
uística:
o
caso
de
Ch
arles
Jouy
.
Tal
caso
ocorreu
quan
do
e
sse
jovem
adulto,
no
século
XIX,
foi
acusado
de
ter
cometido
abuso
se
xual
co
ntra
uma
menina,
provoc
ando
en
orme
s
reações
na
aldeia
onde
ambo
s
viviam,
na
Fran
ça.
A
garota
teria
con
tado
ao
s
pais
o
ab
uso
,
os
quais
,
por
usa
ve
z,
o
teriam
denunc
iado
à
polícia.
O
próprio
gover
nante
da
aldeia
te
ria
se
incumbido
de
assumir
o
c
aso
e
lev
á-
lo
à
just
iça
,
que,
por
se
u
turn
o
,
recorre
u
aos
psiquiatr
as
para
con
statar
a
idiotia
de
Jo
uy
e
de
sua
debilidade
,
qu
e,
em
face
des
se
diagnóstico
médi
c
o,
o
julgou
in
capaz
de
recon
hecer
a
gravid
ade
de
seu
ato
sexual,
sendo
encami
nhado
ao
s
anat
ório
.
Em
tal
caso,
segundo
Foucault
(2010a,
p.
261),
[o]
ato
e
os
estig
mas
se
referem
–
um
e
outros,
e
de
c
er
to
modo
no
mes
mo
plano,
mesmo
se
sua
natureza
é
diferente
– a
um
esta
do
permanente,
a
um
estado
constitutivo,
a
um
estado
congênito
.
As
dism
orfias
do
co
rpo
são,
de
ce
rto
modo,
as
con
sequênc
ias
fís
icas
e
estrutur
ais
desse
est
ado,
e
as
ab
errações
de
co
nduta,
prec
isamen
te
as
q
ue
valeram
a
Jouy
sua
inculpação,
s
ão
sua
s
c
onsequênc
ias
i
nstintivas
e
dinâmica
s.
Não
se
trata
,
nesse
caso
,
de
de
marcar
o
excesso
com
o
um
a
energia
que
tran
sgrida
ao
mecanismo
instintua
l
e
ao
fu
ncionament
o
biológico,
mas
de
diagnostica
r
a
sua
insuficiência
,
a
sua
falta
e
a
inte
rrupção
de
um
funcionamento
an
átomo
-
fisiológico
do
corpo
,
q
ue
o
impede
de
torn
ar
-
se
útil
e
produtivo
.
São
os
seus
déficits
que
passam
a
in
tere
ssar,
ao
que
t
udo
indica
,
apare
cendo
aí
um
es
tado
de
anomalia
, o
qual
,
mais
tard
e,
será
conhecido
co
mo
deficiência.
53
Consider
ando
esses
aspectos
da
falta
diagnosticada
e
do
déficit,
em
segund
o
lugar,
a
psiquiatria
ultrapass
ou
o
registro
de
inscriçã
o
da
patologia,
deslocando
para
a
mecânica
do
instinto
o
signo
da
anomal
ia.
Re
ssalta
F
ouc
aul
t
(2010,
p.
262):
Não
há
doe
nça
i
ntrínseca
ao
i
nstinto,
há
uma
espéc
ie
de
desiqu
ilíbrio
funcional
do
c
onjunto,
uma
espéci
e
de
dispo
sitivo
r
uim
nas
es
truturas,
que
faz
que
o
i
nstinto,
ou
certo
númer
o
de
instintos,
se
po
nha
a
fu
nc
io
nar
“normalmente”,
de
aco
rdo
com
seu
regi
me
próprio,
ma
s
“anormalmente”
no
sentid
o
de
que
esse
regime
próp
rio
não
é
controlad
o
po
r
i
nstâncias
que
d
everi
am
prec
isamente
assumi
-
l
os,
situá
-
los
e
del
i
mita
r
sua
a
ção
.
Isso
significa
dizer
que
,
no
caso
de
Cha
rles
Jouy,
o
não
acomp
anham
ento
de
suas
facu
ldades
superio
res
com
seu
desenvolv
imento
biol
ógico
e
seu
corpo
sexual
produz
iram
esses
déficits,
a
pon
to
de
poderem
ser
ave
riguados
pelas
dimensões
de
seus
próprios
órgãos
,
mar
cas
fenotípicas
e
dimensões
físic
as
de
seus
ossos.
Foram
esses
aspectos
,
os
quais
se
i
nscrevem
num
corpo
orgânic
o
individual
e
se
exp
ressam
em
sua
superfície
,
que
serviram
para
justific
ar
se
u
ret
ardo
e
a
mani
festação
de
ímpetos
animais
tão
descontr
olados,
i
ngoverná
veis
por
ele
próprio.
A
sua
imbecilidade
é
def
in
ida
,
assim
,
c
omo
fr
uto
dessa
condição,
de
aco
rdo
c
om
o
diagnosticado,
assim
co
mo
a
de
todos
aqueles
cuja
superfície
de
inscrição
física
passa
a
ter
dimens
ões
estran
has
de
o
ssos,
órgãos
e
músculo
s,
disfu
nções
instin
tuais
agressi
vas
ou
comportam
entos
n
ão
condize
ntes
ao
engenho
mental
espera
do
por
parte
do
indiví
duo
em
ge
ral
e
universa
lmente
al
mejado
54
pela
psiquiatria.
Daí
em
diante
,
é
esse
des
envolvimen
to
geral
da
subjetiv
idade
e
a
sincroni
a
dos
três
aspectos
relacion
ados
aos
fatores
biológicos,
instintua
is
e
sexuais
q
ue
a
constituem
,
q
ue
começa
m
a
servir
de
parâmetro
para
o
diagnóstico
e
par
a
o
regi
stro
científ
ico
da
divisão
entre
o
normal
e
o
anorm
al,
apresentan
do
-
se
co
mo
um
parad
igma
moderno
para
d
iversas
art
es
ou
tecnologia
s
de
governo
,
como
as
médicas,
as
psicol
ógicas,
as
pedagóg
icas
e
as
jurídicas.
O
terceiro
mov
imen
to
empree
ndido
pela
psiquia
tria
com
repercussão
ampla
nessas
arte
s
de
govern
o,
na
segunda
metade
do
XIX,
é
o
de
,
n
essas
situaç
ões
,
não
mais
estabelecer
um
mo
ment
o
de
ruptura
da
adultez
com a
infân
cia,
mas
de
identificar
a
continuidad
e
de
uma
etapa
a
out
ra,
reconhece
ndo
ce
rt
a
imbecilidade
presumid
a
como
uma
infantilidade
do
dé
bil,
enqu
anto
se
recomenda
tod
a
uma
série
de
diagnósticos
prematuro
s
e
tecnologias
,
para
q
ue
se
evite
a
mani
festação
dessa
c
on
di
ção
de
registr
o
ou
essa
defasa
gem.
Foucault
(2010,
p.
266)
compre
ende
q
ue
a
psiquia
tria
vê
na
infân
cia,
em
suas
rela
ções
estr
atégicas
de
pod
er,
uma
“armadilh
a
para
pegar
adulto
s”.
E,
ao
faze
r
isso,
salie
nta
a
gen
erali
zação
do
saber
e
do
poder
psiquiá
trico
par
a
terrenos
que
ul
trapassam
a
patologia.
C
onstituem
-
se,
dessa
fo
rma
,
num
lócus
de
an
álise
dos
comporta
-
mentos
e
de
cond
ução
das
c
ondut
as
,
na
medida
em
que,
juntame
nte
com
o
utros
saber
es
e
tecnologia
s,
julgam,
e
stig
mati
zam
e
exc
luem
os
indivídu
os,
tor
nando
o
cor
po
em
que
se
in
screvem
os
desvios
em
registr
os
que
condicionam
a
sua
existência
a
esse
est
ado
de
an
omalia,
ao
redor
do
qual
a
de
ficiência
orbitou
subsequen
temente.
Tanto
a
inspeção
psiquiátrica
das
c
ondut
as
das
cri
anças,
at
uand
o
no
se
nt
id
o
de
p
revenir
ano
malias
adul
tas,
quanto
o
tratamento
de
sua
emergênci
a
no
madurê
s
,
por
m
eio
da
retomada
dos
traumas
infantis,
55
poderiam
evitar
situaçõe
s,
como
as
prove
nientes
de
casos
co
mo
os
de
Jouy.
Essa
situ
ação
foi
percebida
pela
transv
ersalidade
de
deforma
ções
manifestas
e
disfuncionalidades
que
repe
rcutem
no
corpo,
de
um
fluxo
e
circulação
de
instintos
e
de
uma
economia
do
prazer
,
cujo
objeto
daq
ui
p
ara
diante
serão
objetos
da
psiquiatr
ia,
identifica
ndo
aí
t
raços
de
infantilidade
e
de
debilidade
no
adulto,
os
quais
podem
ser
ant
ecipado
s
com
acui
dade
,
no
corp
o
in
fan
til.
No
âmbito
psiqu
iátrico,
esses
indicadores
c
orpóreos
[...]
serão
s
ubm
eti
das
de
pl
eno
dir
eito
à
inspeçã
o
psiquiá
trica
t
odas
as
condut
as
da
criança,
pelo
menos
na
medi
da
em
q
ue
s
ão
c
apa
zes
de
f
ixar
,
de
bloqu
ear,
de
deter
a
conduta
do
adulto,
e
se
re
produzir
nel
a.
E,
inv
ersamente,
serão
psiquia
trizáve
is
to
da
s
as
co
ndutas
do
adulto,
na
medida
em
que
pode
m,
de
uma
manei
ra
ou
de
ou
tr
a,
na
for
ma
da
semelhança,
da
analog
ia
ou
da
rel
ação
causal,
s
er
rebatidas
sobr
e
e
tr
ansportadas
p
ara
as
co
ndutas
da
criança.
Percu
rso,
por
conseguinte,
integ
ra
l
de
to
da
s
as
conduta
s
da
criança,
pois
elas
podem
tr
azer
consigo
uma
fixação
adulta;
e,
i
nvers
amente,
percurs
o
t
ota
l
das
condu
tas
do
ad
ul
to
para
desv
endar
o
que
p
ode
haver
nelas
em
matér
ia
de
tr
aço
s
de
infant
ilidade.
É
esse
o
primeiro
efeito
da
generalização
que
é
levada
po
r
essa
probl
ematização
da
infância,
ao
próp
rio
âmago
do
c
ampo
da
psiquiat
ria.
Em
segundo
luga
r,
a
p
ar
tir
dessa
prob
lematizaçã
o
da
infân
cia
e
da
infantilid
ade,
vai
ser
possíve
l
integrar
u
ns
aos
outros
três
el
ementos
que
h
avi
am
ficado,
até
então,
separa
dos.
Esses
tr
ês
elem
entos
são:
o
pr
a
zer
e
s
ua
economia;
o
ins
tinto
e
sua
mecânica;
a
56
imbecilida
de
ou,
em
todo
caso,
o
retard
o,
com
sua
in
ércia
e
suas
carências.
(F
OUCAULT
, 2010,
p.
267).
Ao
considera
r
esses
t
rês
elementos
,
a
psiquiatria
do
sécul
o
XIX
estende
,
dessa
man
eira,
a
patologizaçã
o
do
instin
to
por
me
io
de
sua
mecân
ica,
separan
do
-a
da
economia
do
prazer,
centrando
a
imbecilida
de
,
ora
c
omo
uma
extrap
olação
desta
última
,
na
forma
de
delírio,
o
ra
como
uma
inércia
instintu
al,
gerando
a
demência.
Mai
s
do
que
o
seu
desenvolvimento
anatômic
o
-
biológic
o
não
corresponder
ao
de
suas
faculdad
es
intelectuais,
e
ss
e
mod
o
de
patologização
do
instinto
se
rve
para
julgá
-
lo,
seja
par
a
vislumbrar
aspectos
de
eve
ntuais
correç
ões,
seja
para
reconhecer
a
sua
inércia,
reiterar
se
u
retardo
,
neutraliza
ndo
ce
rtas
potências
n
ocivas
identif
icadas
com
o
prazer
sexual
e
sua
economia
.
Esse
julgamen
to
negativo
em
rel
ação
ao
corpo
sexual
do
anorm
al,
onde
os
prazeres
circul
am
e
podem
curto
-
circuitar
as
relações
de
poder
,
no
tecido
social,
gera
a
nomia
s
e
interpela
os
limites
da
própria
normalidade
;
os
praz
eres,
assi
m,
são
vistos
ora
como
ameaç
a
a
ser
evitada,
corri
gida
e
anulad
a,
o
ra
como
uma
força
ingovern
ável,
a
ser
deixada
à
própria
sorte,
encl
ausurada
em
instituiç
ões
ou
excluída
da
esfera
pública.
Para
is
so
,
é
ne
cessário
eleva
r
o
regi
stro
da
deficiência
a
um
estad
o
ge
ral
do
c
orpo
orgânic
o,
instintual
e
sexual,
como
uma
con
dição
pessoal
que
encarna
o
registro
na
an
ormal
idade,
à
sua
conseque
nte
identif
icação
co
m
um
estigma,
q
ue
e
n
tra
em
circul
ação
pelos
discursos
e
pelas
suas
formações
soci
ais.
Nos
caso
s
como
de
Charles
J
ouy,
porém,
as
person
agens
do
pequeno
masturbador,
do
gran
de
mo
nst
ro
e
daq
uele
que
n
ão
se
dobra
às
disciplinas
se
fun
dem,
ao
de
monstrar
q
ue
a
sua
dinâmic
a
instintua
l
57
é
pa
tológica,
seus
prazeres
estão
descol
ados
dessa
mecâ
nica
e
ocorrem
num
n
íve
l
inf
ant
il,
co
mo
se
esse
traço
de
infanti
lidade
d
eter
minas
se
o
seu
retardo
.
Por
sua
vez,
se
,
ne
ssa
defasa
gem
e
ntre
o
in
stin
to
e
o
prazer,
a
debil
idade
emerge
co
mo
um
a
força,
inscrevendo
sobre
se
u
corpo
o
registro
do
retardo,
o
caso
pode
ser
generalizáv
el
, como
f
az
a
psiquiatr
ia,
encontrando
uma
lei
geral
no
registr
o
da
ciência
e
na
transf
ormação
da
exceç
ão
em
anorm
alidade
a
ser
comba
tida.
Esse
movimento
é
at
é
h
oje
utilizado
pelos
sa
beres
e
técnicas
médicas,
psicológica
s,
peda
gógicas,
ao
t
ratar
de
uma
generalizaçã
o
honestame
nte
impos
sível,
uma
vez
que
o
caso
está
entr
e
a
exceção
e a
regra,
a
diferença
de
uma
singularida
de
e
o
co
mum
desenhado
po
r
essas
diferenças
.
11
É
nessa
ge
neral
ização
e
regi
stro
em
que
esse
sabe
r
opera
como
científic
o
e
médico,
mas
o
proble
ma
é
q
ue,
com
o
menciona
do,
ne
m
to
do
verdad
eiro
nem
t
odo
le
gít
imo,
el
e
conver
te
esse
registro
em
um
estado
de
d
esequilíbrio,
isto
é,
numa
condi
ção
de
que,
sem
ser
patológico,
de
ixa
de
ser
normal.
Assim
,
a
di
sfunção
,
o
des
e
quilíbrio,
cer
tas
def
asagens
são
dete
rmin
adas
como
um
estado
de
anomalia
ou
de
anormali
dade
,
sem
que
esteja
implicado
com
alguma
morbidez,
contudo,
que
re
percuta
co
mo
uma
c
on
dição
congêni
ta
ou
adquirid
a
do
indivíduo.
Despatolo
gizou
-
se
12
o
objeto
,
p
ara
se
gener
alizar
a
con
diçã
o
de
anormal.
O
ra,
foi
ne
cessário
elevar
a
co
n
diç
ão
particular
a
um
11
Mais
do
que
uma
nota
,
valeria
aqui
um
capítu
lo
sob
re
a
c
asuísta
em
Fouca
ult
ou,
como
prefere
Jud
ith
Revel
(2005),
o
lugar
de
seus
ca
sos
literá
rios
em
s
ua
anarque
ogenealog
ia.
Na
medida
em
q
ue
não
é
o
pr
opósit
o
deste
capítulo,
retomar
emos,
em
outros
mo
men
tos
do
liv
ro,
senão
a
casuísti
ca,
ao
me
nos
os
casos
fouc
aultianos.
12
Em
t
orno
desse
p
onto
central,
ocor
reu
uma
transfo
rmação
profunda
do
pode
r
psiquiá
trico,
herda
do
desde
e
ntã
o,
construind
o
-
se
nov
as
teor
ias,
tecnol
ogias
e
nosogr
afia.
P
rimeir
o,
ao
invés
de
se
centr
ar
nos
sin
tomas
das
doen
ças,
essa
58
estad
o
geral,
isto
é,
“[...]
uma
espécie
de
fundo
causal
permane
nte”
, à
luz
do
qua
l
se
d
ese
nvolv
em
“cert
o
nú
me
ro
de
p
rocessos”
e
de
“[...]
episódi
os
que
,
estes
sim,
serão
precisamente
do
ença
.”
E
continua
Foucault:
[...]
o
es
tado
é
a
b
ase
anormal
a
partir
da
qual
as
doen
ças
se
tor
nam
possíveis.
[...]
O
estad
o
é
um
verd
adeiro
discrimina
nte
radical.
Quem
é
sujeito
a
um
estad
o,
q
uem
é
portad
or
de
um
esta
do,
não
é
um
indiv
íduo
n
ormal
.
Por
outro
lado,
esse
est
ado
que
caracteriza
um
indiv
íduo
d
ito
anormal
tem
a
s
eguinte
particula
ridade:
sua
fecundi
dade
etiológ
ica
é
to
tal,
é
absoluta.
[...]
Pode
hav
er
do
enç
as
fís
icas
que
se
conecta
m
a
um
estado;
pod
e
haver
doe
nç
as
psicológ
icas.
Pode
ser
uma
defo
rmidade,
um
distúr
bio
funcional
,
um
impulso,
um
ato
de
d
elinquênc
ia,
a
embri
aguez.
Em
suma,
tu
do
o
que
pode
ser
pato
lógico
ou
desv
iante,
no
c
omportamento
ou
no
cor
po,
pod
e
ser
efetiv
amente
produzido
a
partir
do
estad
o.
É
que
o
es
tado
não
c
onsiste
em
traços
mai
s
ou
men
os
a
centuados.
O
estado
consiste
essencialmente
nu
ma
espéc
ie
de
défic
it
geral
da
s
instâncias
de
coord
enação
do
indiv
íduo
.
Distúrbio
ger
al
no
jogo
das
excitaçõ
es
e
das
inibiçõe
s;
lib
er
ação
descontínua
e
nosogr
afia
or
ganizo
u
e
descreveu
uma
série
de
“sín
dromes
de
anomalias,
como
síndr
omes
anor
mais”
,
derivando
daí
“[...]
toda
u
ma
série
de
condut
as
aberrantes
,
desviantes
etc.
”
(FOUCAULT,
2010,
p.
271).
Segundo
,
ao
re
toma
r
o
delírio
como
um
sinto
ma
capaz
de
subtr
air
o
prazer
aos
códigos
de
uma
mecâ
nica
do
instin
to,
se
poderia
“[...]
reconverter
o
an
ormal
em
doença
”
produzin
do
uma
“sind
romatol
ogia”
(ib
id.,
272),
tornando
possível
u
ma
“[
...]
verda
deira
medicin
a
ment
al,
um
a
v
erdade
ira
psiquia
tria
do
anormal”.
Por
fim,
com
essa
nova
nosogr
afia,
uma
no
ção
de
“estado”
aparec
e
e
ganha
centralid
ade,
nesse
panor
ama
ps
iquiá
trico
do
século
XIX,
o
q
ual
acompa
nhou
o
XX,
abrangendo
e
servindo
de
f
unda
men
to
para
outr
os
ca
mpos
de
atuação
e
parcerias
técnicas
co
m
a
peda
gogia,
por
exemplo.
59
imprev
isível
do
que
deveri
a
ser
inib
ido,
integr
ado
e
controla
do;
ausên
cia
de
unidade
di
nâmica
–
é
i
sso
tudo
que
caracteriza
o
estado.
(
2010,
p.
273,
grifo
s
meus
)
.
Com
e
ssa
n
oção
,
a
psiquiatria
acolh
e
em
seu
campo
de
saber
qualquer
condut
a
“[...]
a
par
tir
do
moment
o
em
que
ela
é
fis
iológica,
psicológica
,
sociol
ógica,
moral
e
até
jur
idicamente
desviante”
(2010,
p.
274),
descobrindo
um
conj
unto
estrutural
que
funciona co
nforme
seu
desenvolv
imento,
isto
é,
conforme
a
sua
interrupç
ão
ou
a
sua
regress
ão
a
um
estági
o
anterior.
É
à
luz
dessa
no
ção
que
o
de
svio
se
qualifica
e
a
deficiência
se
apresenta
co
mo
uma
con
diç
ão
de
determ
inados
indivíduos,
os
qua
is
a
carregam
em
seu
c
ampo
de
inscriçã
o
corpór
ea,
n
ão
tend
o
como
escapar
desse
regis
tro,
desse
estad
o
geral
e,
c
onsequ
entemente,
desse
estigma.
Assim,
juntamente
com
a
deficiência
e
o
e
stado
da
anorm
alidad
e
que
a
carac
te
riza,
nasce
o
estigma
so
cial
de
que
m
o
encar
na
como
signo
.
A
defic
iência
é
como
uma
etique
ta
q
ue,
ao
ser
colad
a
à
pele,
nada
a
faz
s
air
e
que
serve
para
di
ferenciar
esse
indivíduo
dos
demais:
não
po
r
su
as
qualid
ades,
potencial
idades,
porém,
po
r
seus
limites,
disfunções
e
défic
its.
Em
torn
o
desses
conjuntos
estruturais
a
psiquiatr
ia
desenvolv
e
sua
s
n
ovas
teo
rias
,
no
sé
culo
XI
X
e
XX,
gerando
perguntas
sobre
o
“est
ado
anorm
al”,
como
também
teorias
que
extrapolam
o
co
rpo
individual
,
par
a
tratar
do
co
rpo
-
espéci
e,
escavan
do
seu
fundo
opa
co,
suas
he
ranças
.
13
É
o
e
studo
da
13
Afinal,
dest
aca
o
f
ilósof
o:
“Que
corpo
pode
pr
oduzir
um
es
ta
do,
um
esta
do
q
ue,
justa
men
te,
mar
que
o
cor
po
de
um
indiv
íduo
in
teiro
e
de
maneir
a
defini
tiva?
Donde
a
necessidade
(e
aí
de
semb
ocamos
em
outr
o
imenso
edifíci
o
te
óric
o
da
psiquia
tria
do
fim
do
século
XIX)
de
des
cobrir,
de
certo
modo,
o
cor
po
de
fund
o
que
vai
jus
tific
ar,
explicar
por
sua
causalid
ade
própria
,
o
ap
areci
mento
de
um
60
hereditariedade
que
en
gendra
,
do
f
inal
do
sécul
o
XIX
ao
XX
,
as
grandes
teorias
da
degener
ação,
ou
seja
,
dos
efeitos
d
essa
ance
stralid
ade
so
bre
o
corpo
de
fun
do
do
anorm
al.
Afinal,
essa
é
a
peça
teórica
maior
da
medicalização
do
an
ormal
e,
conforme
ressalta
Foucault
(2010,
p.
275),
q
ue
torn
a
a
psiquiatria
“[...]
a
ciência
da
proteção
cie
ntífica
da
sociedade
”,
convertendo
-a
por
meio
dessas
teorias
“na
ciência
de
pr
oteção
biológica
da
espécie
.”
Seguindo
o
filóso
fo
fra
ncê
s,
é
possível
derivar
d
esse
cuidado
biológico
do
co
rpo
um
a
espécie
de
biopolí
tica
e
dela
compree
nder
o
quanto
e
ssas
teorias
da
degener
ação
concorreram
para
o
que
denominou
“racismo
étn
ico”
14
, com
toda
s
as
s
uas
implicações
para
o
extermínio
nazista
e
as
políticas
dos
Es
tados
Fascist
as
do
sécul
o
XX.
Nesse
contexto,
a
figura
da
ano
rmalid
ade
–
q
ue
aglutina
o
monstro,
o
pequeno
mastu
rbador
e
aquele
que
recusa
a
discipli
na
–
se
apresenta
como
um
degenerado,
is
to
é,
“[...]
aquele
que
é
portad
or
do
perigo”,
indiví
duo
que
é
vítima,
sujeit
o,
portador
desse
estado
de
desfunc
ionamen
to.
Esse
corpo
de
fun
do,
esse
cor
po
que
está
atrás
do
anorm
al,
o
que
será
?
É
o
corpo
dos
pais,
é
o
cor
po
dos
ancestrais,
é
o
corp
o
da
famíl
ia,
é
o
cor
po
da
hereditariedade.”
(FOUCAULT,
2010,
p.
274).
14
Particu
larmente,
frisa
Foucau
lt:
“O
racismo
q
ue
nasce
da
psiquia
tria
dessa
ép
oca
é
o
r
acism
o
cont
ra
o
anormal,
o
racism
o
contra
indiv
íduos
que
sendo
portador
es
seja
de
um
estado
,
seja
de
um
estigma,
seja
de
um
defei
to
qualque
r,
podem
tran
smitir
a
seus
herdeiros,
da
maneir
a
mais
aleatória,
as
consequências
imprevis
íveis
do
mal
que
tra
zem
em
si,
ou
a
ntes,
do
não
norma
l
que
tr
azem
em
si.
É
um
rac
ismo
que
nem
ta
nto
terá
a
pr
ote
çã
o
de
um
gr
upo
contra
outro,
quanto
a
detecçã
o,
no
in
terior
mesmo
de
um
gr
upo,
de
todos
os
que
pode
rã
o
ser
efetivament
e
portad
ores
de
per
igo.
Racismo
int
erno,
r
acism
o
que
pos
sibil
ita
filtrar
tod
os
os
indiví
duos
no
inter
ior
de
uma
sociedade.
Claro,
entre
r
acismo
e
o
racism
o
tradic
ional
,
que
era
essencialmente,
no
Ocidente,
o
racismo
antissemita,
houve
log
o
toda
uma
série
de
interferências,
mas
sem
que
ja
mais
te
nha
hav
ido
organ
izaçã
o
efetiva
muito
coerente
dessas
duas
forma
s
de
ra
cismo
a
ntes
do
nazismo
precisamente.”
(FOUCAULT,
2010,
p.
277)
61
pois,
faça
ele
o
que
f
aça,
“
[...]
é
inacessí
vel
à
pen
a”
e,
se
ja
como
for,
“[...]
será
i
ncurável
.”
(FOUCAULT,
2010,
p.
278).
Aí
começa
uma
caça
a
essa
no
va
con
figuração
do
an
ormal,
o
qual
encarna
o
perigo
não
somente
p
ara
os
seu
s
herdeiros,
com
o
ta
mbém
para
t
ornar
anorm
al
o
corpo
da
espéci
e
com o
contágio
de
suas
difer
enças
e,
co
m
isso
,
desregu
lar
a
bi
opol
ítica
da
população.
É
cont
ra
essa
ame
aça
que
a
governamentalida
de
da
populaçã
o
se
alt
era,
estra
tegicamente,
para
governar
as
diferença
s
expressas
nos
jogos
do
biopoder
,
n
ão
ap
enas
nos
corpos
q
ue
a
en
carnam
e
a
individualiza
m,
como
também
naqueles
q
ue
afro
ntam
as
expectativa
s
de
regulá
-
lo
s
biologicament
e
como
um
corp
o
-
espécie,
ou
seja,
nos
corpos
q
ue
chamarem
os
mais
adian
te
de
co
mun
s.
1.3
O
i
ngove
rnáve
l
do
c
orpo
em
sua
pot
en
ciali
dade
de
curt
o
-
circuitar
o
b
i
opod
e
r
Aquele
que
é
visto
co
mo
ano
rmal,
socialmente,
por
seu
estigma,
passa
a
ser
designado
por
e
ssa
sua
co
ndi
ção
ou
seu
est
ado,
represen
tando
s
empre
o
per
igo
da
ano
mia
so
cial
do
corpo
-
espécie.
O
problema
é
que
esse
processo
de
despatologiza
ção
e
de
g
enerali
zação
do
estado
anômalo
serviu
para
que
outro
s
ca
mpos,
como a
sociologia
e
a
antropologia,
deslocas
sem
esse
estad
o
de
an
omia
p
ara
o
âmbito
dos
fe
nômen
os
sociais
e,
também,
do
corpo
individua
lizado,
encontr
ando
nas
resistência
s
a
d
eter
minadas
form
as
de
governo
da
populaçã
o
sintomas
de
um
a
desregulaçã
o
da
ordem,
os
quais
ameaçam
a
funcionalidade
dos
sistemas
e
do
s
modos
sociais
de
produção
vigent
es.
Para
isso,
esse
s
saberes
vi
slumbram
,
em
grup
os
particula
res,
cult
uras
locais,
etnias
situad
as
e
indivíduos
desajust
ados
62
aos
ditos
padrões
civilizatórios
,
às
leis
e
às
no
rmas
instituídas,
p
or
vezes
tomados
como
uni
versais,
um
perigo
a
ser
combatido,
reeducado
,
quand
o
possível
e
segr
egado
ou
confin
ado,
quando
n
ão,
corporificado
em
determinados
modos
de
existên
cia
co
muns
ou
comunidades,
grupos
ou,
mesmo,
indivíduos.
Nessa
espiral
de
governa
mentalidade
,
q
ue
vai
do
geral
ao
particula
r,
do
coletivo
ao
individua
l,
esse
s
sab
eres
diagn
osticam
o
que
difere
d
esses
padrões,
dessas
leis
e
n
ormas,
co
nferindo
às
dif
erenças
que
produzem
,
no
teci
do
so
ci
al
, o
registro
do
desvi
o
da
normalidade
,
uma
vez
q
ue
a
el
as
é
imputado
um
e
stado
de
anorm
alidade
e
de
um
estigma
social,
inspira
do
num
paradigma
de
corpo
orgânico
e
individuali
zado.
An
alogam
ente
a
e
ste
últ
imo
e
ao
disposit
ivo
do
poder
psiquiátrico
d
escr
ito
anteriorment
e,
essas
diferenças
e
desvio
são
trat
ados
por
tecnologia
s
específicas
par
a
tal
propósito
correci
onal
ou
larg
ados
à
própria
sor
te
,
como
parte
de
um
darwinismo
so
cial,
gerencia
dos
por
um
apare
lho
de
gove
r
no
estatal
que
atua
co
mo
agenciad
or
das
di
versas
ar
tes
de
gover
no
respon
sáveis,
na
medida
do
(im)possív
el,
at
uando
seja
num
sentido,
seja
no
o
utro,
seja
em
am
bos
.
Dessa
forma
,
procura
-
se
estend
er
esse
gover
no
do
corpo
-
espécie
da
populaçã
o
–
c
om
suas
medidas,
médias
estatístic
as
e
redução
a
um
a
bíos
apr
eensível
pela
biologia
–,
a
uma
anáto
mo
-
política
do
corpo,
com
vistas
a
uma
totalização
e
à
p
rodução
de
estados
de
domi
nação
,
por
meio
de
seus
opera
dores,
das
tecnol
ogias
de
p
oder
e
dispositiv
os
discipli
nares,
de
segurança
e,
por
que
não
menc
iona
r,
de
inclusã
o.
Vetorialme
nte
descend
ente,
e
ssa
forma
soberana
de
governam
entalida
de
el
ege
como
ameaça
qualquer
fo
rça
que
a
desestab
ilize,
desr
egule
ou
afro
nte
o
seu
funciona
mento
hierárquico
,
as
suas
rela
ções
estruturad
as
de
poder,
do
mesmo
mod
o
que
protege
63
aqueles
que
consi
dera
com
o
passíve
is
de
in
tegração
a
um
governo
biopolít
ico
da
população,
at
ravés
de
tecnologias
de
reconheci
mento,
por
sua
cap
acidade
de
ampliar
a
sua
funcionalidad
e,
a
sua
produtivida
de
e o
seu
domíni
o.
No
entant
o,
contr
a
certa
tend
ência
à
totalizaçã
o
a
esses
estados
ou
ao
mo
do
com
o
se
en
raízam
nos
process
os
de
subje
tivação
,
insurge
m
-
se
críticas
aos
jogos
de
gove
rnamen
talização
em
curso
e
um
a
espécie
de
indocilida
de
(FOUCA
ULT,
1980),
a
qual
indica
formas
de
dizer
não
ou
de
mani
festação
cont
ra
às
form
as
de
govern
o
da
populaçã
o
in
stauradas.
Isso
implica
afi
rmar
que
há
resistência
s
a
e
ssas
fo
rmas
de
govern
o
biopolí
tico
da
população,
por
e
em
suas
diferentes
artes,
produzind
o
uma
sé
rie
de
lutas,
algu
mas
d
elas
vetorialmente
ascend
entes,
outras
específ
icas
e
localizada
s,
por
vezes
t
ransversai
s.
O
problema
dos
acontecime
ntos
decorrent
es
dessas
lutas
localizada
s
e
transve
rsais,
desse
s
confl
itos
de
governamenta
lidade
e
jogos
de
poder
,
isto
é,
os
acontec
imentos
q
ue
f
azem
com
que
as
singularidades
das
existência
s
e
a
produção
das
diferenç
as
subjet
ivas
de
seus
encontr
os,
é
que,
muitas
vezes
,
sejam
vistos
como
disfun
ção,
d
esregula
ção,
desvio,
patologia
soci
al
a
ser
contida,
reg
ulamen
tada,
normaliza
da.
E,
vale
insistir
,
e
ssa
foi
a
maneira
pela
q
ual
o
poder
psiqui
átrico
se
tornou
biopoder
,
alme
jando
corrigir
o
incorrigíve
l,
se
ja
pelo
domínio
do
biológico,
se
ja
por
um
a
mecânica
instintual
em
esf
era
mais
ampla,
seja
pela
co
dificação
prévia
de
uma
economia
do
prazer,
com
vistas
a
governar
o
ingove
rnável
das
exis
tências
e a
circul
ação
do
prazer
que
o
produz.
Para
contingenciar
os
perigos
da
de
sregul
amentação
q
ue
represen
tam
uma
varie
dade
de
dispositiv
os
,
fo
ram
criad
o
s,
em
termos
estra
tégicos
globais,
de
sort
e
a
abarcar
eleme
ntos
não
discursivos
com
64
os
discursivo
s,
contingent
es
e
descontí
nuos
com
c
ert
a
reg
ularidade
e
continuidade,
aglutinando
essa
hete
rogen
ia
em
homogen
ia,
funciona
ndo
como
uma
espécie
de
opera
dor
en
tre
o
govern
o
biopolít
ico
da
popu
lação
e
a
an
átomo
-
política
do
corp
o.
Dos
dispositiv
os
do
poder
p
astoral
aos
dispositiv
os
de
s
egurança,
passando
pelos
discipli
nares,
de
sexual
idade
,
d
en
tre
out
ros,
a
c
riação
de
cada
qual,
historicame
nte
e
n
as
lutas
locais,
ganha
uma
con
otação
genealóg
ica,
sen
do
utiliza
do
s
não
apenas
para
articu
lar
o
inarticulá
vel,
como
também
par
a
distri
buir,
acom
odar
as
heterotopias
,
as
con
tracondu
tas
e
as
resi
stênc
ias,
tentand
o
també
m
cativ
á
-
las
nesse
jogo
de
gov
ernamentaliza
ção,
de
suje
itá
-
las
ou
de
pact
uar
fo
rmas
de
subjet
ivação
majoritárias
.
O
que
é
visto
co
mo
perigo
é
cercado,
estrategica
mente,
por
uma
série
de
cuidados
de
gestão
por
parte
do
governo
biopolític
o
da
populaçã
o,
ao
m
esmo
tempo
que
por
disposi
tivos
c
apazes
de
neutraliza
rem
sua
ocorrênci
a,
tentando
evit
ar
acontecimentos
q
ue
coloqu
em
em
risc
o
o
go
verno
dos
v
ivo
s,
que
gerem
o
caos,
a
escassez
e
a
morte.
Mas
o
q
ue
repr
esenta
perigo?
Do
anormal
estigmatiza
do
aos
estigmas
dos
desvios
q
ue
indi
cam
anomia
so
cial,
pas
sando
pe
la
própria
estigmati
za
ção
de
toda
a
di
fer
enç
a
,
q
ue
se
encarn
am
em
corpos
singulares,
grupo
s
ou
comunidades
cujos
encontr
os
com
os
demais
corpos
curt
o
-
circuitam
as
relações
,
po
r
vezes
frágeis
,
do
tecido
social.
Quanto
mais
inapreensíveis
,
incontro
láve
is
e
ingoverná
ve
is
são
vistos
tanto
esses
encon
tros
quanto
aque
las
singularida
des
,
a
ameaça
represen
tada
parece
ser
maior,
mas
também
maior
seria
a
potência
de
extrapol
arem
os
limites
do
biopoder
e
ampliar
em
a
fratura
da
biopolít
ica,
dad
a
a
sua
força
desr
eguladora.
Não
o
bstan
te
essa
métrica,
as
med
idas
e
stra
tégicas
e
xercidas
na
biopolíti
ca
da
populaçã
o
65
contra
o
q
ue
se
denomina
po
vo
são
historic
amente
d
efinidas,
conforme
suas
c
ond
ições
locais
e
a
particular
idade
de
lutas
ascend
entes
ou,
mesmo,
tr
ansve
rsais.
Nessa
história
,
os
dis
positivos
são
criado
s
tanto
para
exercer
a
domin
ação
sobre
um
ou
mais
dos
segmentos
da
população,
se
ja
por
sua
co
ndição
social,
seja
é
tni
co
-
rac
ial,
de
gênero,
de
ori
ent
ação
sexual
,
de
defi
ciência
assinalad
a
como
ameaça
,
em
fun
ção
de
sua
anomia
ou
anorm
alidad
e,
qu
anto
p
ar
a,
estrategicamente,
el
eger
quais
desses
desvios
devem
se
r
corrigi
dos,
quais
dif
erenç
as
nece
ssitam
ser
neutraliza
das
e
qua
is
inves
timentos
de
governo
ocorrem
,
nessa
dire
ção
regulado
ra.
Assi
m,
esses
dispositivos
oferec
em
ce
rta
segurança
às
existências
singul
ares
ou
co
muns
q
ue
os
e
nc
arnam
,
em
t
roc
a
de
sua
int
egração
à
racio
nali
dade
política,
às
leis
e
às
no
rmas
instituída
s
n
os
jogos
do
biop
oder
em
curso.
Por
sua
vez
,
aquel
as
existências
que
não
se
sujeitare
m
a
isso
pe
rma
necem
à
margem
da
gover
namentalida
de
da
populaçã
o
c
omo
povo,
estan
do
sujeit
as
a
tod
a
sort
e
de
violência,
ostensivida
de,
se
ndo
tratadas
como
caso
de
polícia
ou,
então,
de
omissão
,
mesmo
por
parte
do
govern
o
estatal,
deixando
-
os
à
próp
ria
sorte,
num
a
vida
de
ex
ceção
e
com
risco
de
mo
rte,
co
ntrari
ando
a
aposta
do
fazer
viver
da
biopolítica.
O
que
chama
ate
nção
é
que
esse
pacto
é
propag
ado
em
nome
de
ce
rta
liberdade
e
de
escolha
pessoal
ent
re
o
contrato
ou
a
supost
a
vida
liberta,
desde
que
os
riscos
se
jam
assumidos
pelo
indivíduo
e
fiquem
sob
sua
responsa
bilidade
,
em
um
govern
o
estatal
minimizad
o
e,
por
vezes,
deliberada
mente
o
misso.
Contudo,
esse
pacto
também
se
dá
em
razão
de
lutas
ascendentes
,
para
que
certos
segmentos
sociais
–
a
q
ue
denominarem
os
povo
–
se
sintam
integrad
os
ao
governo
biopolít
ico
da
popula
ção
e,
em
razão
de
seus
atores
,
que
carregam
no
66
corpo
os
desvios
e
m
arcadores
da
diferença
(racial
,
de
gênero,
de
deficiência,
de
o
rientação
sexual,
de
c
ondi
ção
so
cioeco
nôm
ica
ou
de
classe)
,
de
mandare
m
a
ampliaçã
o
de
direitos
civis,
por
vezes
individuais
,
par
a
que
sej
am
incluídos
ao
se
u
aparat
o
juríd
ico.
Es
sas
lutas
são
mais
uma
va
riável
,
c
ujas
tensões
e
co
nf
litos
nos
jogos
de
governam
entalida
de,
possuindo
histór
ias
particular
es
e
cabendo
às
suas
respectivas
genealogia
s
de
screvê
-
las,
se
jun
tam
às
lutas
que
atravess
am
esses
desvios
e
diferença
s
muitas
vezes
tomadas
de
m
odo
não
identitá
rio
–
as
diferença
s
da
d
ife
rença
–,
cham
adas
de
transve
rsais.
Não
pretendemos
nos
deter
,
n
este
livro
,
em
u
ma
d
essas
genealog
ias,
m
as
persistir
n
esse
esquema
tismo
–
talvez,
b
astante
motivado
por
uma
historicidade
sing
ular
–
para
dizer
que,
dependendo
das
lutas
e
do
que
esses
desvi
os
ou
diferenç
as
represen
tam
como
ameaça,
historicamente
falando,
esses
dispositivos
em
questão
excluem
alg
umas
d
elas
,
para
larg
á-
las
à
própria
sorte,
enquant
o
in
cluem
out
ras
,
para
lhes
oferecer
seguran
ça,
como
veremos
no
próximo
capítu
lo.
E,
analo
gamen
te,
parte
de
movimentos
e
de
indivídu
os
que
os
encarn
am
usa
deter
minadas
tecnologia
s
de
reconhec
imento
para
acat
ar
esse
contrato,
pact
uar
com
essa
forma
de
governam
entalida
de
e
se
r
integra
d
a
como
elemento
da
população
governáv
el,
co
nferindo
organi
cidade
ao
corpo
social
e
ao
singular
um
lugar
(tópico)
,
no
jogo
de
gover
namental
ização.
Há,
porém,
uma
outra
parte
deles
que
permanec
e
na
inorganicid
ade
desse
cor
po
soc
ial
,
em
sua
singular
heterotopia,
dad
a
a
inapreensividad
e,
a
incorrigibilida
de
e
a
ingoverna
mentalidade
que
a
at
ravessa
m,
funcionand
o
com
o
um
p
ovo
que
hab
ita
as
margens
da
populaçã
o
governá
vel,
sem
a
possibilidade
de
qualqu
er
pacto
de
67
governab
ilidade
ou
gover
namentalizaç
ão,
como
um
fora
do
jogo
do
biopoder
que
cons
tante
men
te
o
af
eta,
c
ausa
de
medo
de
insur
gên
cia
e
também
de
disputas
de
governamentalidad
e.
É
no
âmbito
de
ssas
disputas
que
os
d
ispositiv
os
15
se
instauram
,
sobretudo
no
lib
eralismo,
com
os
propósit
os
anunc
iados.
Nesse
esquematis
mo
geral
,
a
defici
ência
é
vista,
hipotetica
mente
falan
do,
como
um
m
al
menor
e,
talvez,
avaliada
como
um
desvi
o
men
os
perigoso
e
a
di
fer
enç
a
com
m
enor
efeito
ameaçad
or,
se
c
omparado
a
o
utros
desvios
sociais,
é
tnico
-
raciais,
de
gênero
e
de
orien
tação
se
xual.
Isso
porque
os
aspec
tos
da
apre
ensão
biológica
da
deficiência
–
sua
consequente
nosologi
a
ou
até
mesmo
patologiza
ção
e
laudo
médico
–
se
sobrep
õe
m
aos
aspectos
da
economia
do
prazer
circulante
ne
sses
corpos,
analog
amente
ao
que
ocorre
com
uma
mecânica
instintiva
utilizada
p
or
tecnologias
de
15
Num
a
entrev
ista
con
cedida
a
Alain
Grosric
hard,
Fouca
ult
(1990,
p.
244)
diz
utili
zar
o
term
o
disp
ositi
vo
,
pr
imeiro,
para
“[...]
demarcar
um
conjun
to
decidida
mente
heterogêneo
q
ue
engloba
discursos,
insti
tuições,
or
ganiza
ções
arquite
tônica
s,
decis
ões
reg
ulame
nta
res,
leis,
medida
s
admini
strativa
s,
enun
ciados
cient
íficos,
pr
oposi
ções
filos
ófica
s,
morais
e
filantróp
icas”,
apresentando
-
se
como
uma
rede
que
articul
a
todos
esses
elem
entos,
eng
lobando
tanto
o
dito
q
uanto
o
não
dito.
Em
segundo
lugar,
a
natureza
da
relação
entre
esses
elementos
heterogêneos
permi
tiria
“jus
tific
ar
e
mascarar
uma
prática
que
per
manece
muda”,
funcio
nando
como
sua
reinterpret
ação
e
dando
acesso
a
um
“
novo
ca
mpo
de
racio
nalidade”,
const
ituind
o
-
se
como
um
jogo
que
impl
ica
“mu
danças
de
posição,
modifi
cações
de
funções”,
e
nfim,
lances
que
alteram
ou
rea
firmam
a
sua
configura
ção
e
regras.
Em
terceiro
lugar,
como
esse
jogo
ocorr
e
em
deter
minado
momento
his
tór
ico,
ele
responde
a
uma
urgênc
ia
e,
ao
mesmo
te
mpo,
os
lances
possuem
um
sentido
estratégico
para
aqueles
que
funciona
como
“ma
triz
do
dispos
itivo”,
compreendendo
a
gove
rnamentali
dade
da
populaç
ão
e
as
luta
s
em
prol
desse
govern
o,
complexamente
te
ci
da
por
movi
mentos
vetor
ialmen
te
descendentes,
ascendentes
e
transversos,
co
m
vistas
a
con
trol
ar
ou
domina
r
o
que
escapa
aos
compon
entes
desse
j
ogo
de
poder
.
68
correção
e
de
reabilita
ção
,
as
quais
tentam
obscurecer
suas
incorrigib
ilidades
e
neutraliza
r
suas
for
ças
ingov
ernáveis
,
tornando
-
as
respectiva
mente
disci
plinadas
e
governáv
eis.
É
bastante
sintomático
o
fato
de
q
ue
,
em
muitas
deficiências,
especialmen
te
quand
o
trazem
algum
compromet
imento
intelectua
l
–
mas
não
só,
porque
acont
ece
também
no
cruzamento
de
várias
de
las
–,
o
indivíduo
que
a
encar
na
é
tr
atado
como
cr
iança,
com
um
a
infância
p
rol
ongada
ou,
mesmo,
infantiliza
do,
des
ignand
o
esse
seu
corpo
como
assexuado,
impotente,
incap
az
até
de
reconhec
er
uma
dinâmica
instintual,
dependente
de
outrem
,
jurid
icamente
menor.
Efetiva
mente
o
são,
segundo
os
parâmetros
jur
ídicos,
científicos
e
tecn
ológicos
,
que
se
apoi
am
num
regi
me
determinado
de
racio
nalid
ade
e
de
ve
rdade,
mas
não
o
seriam
para
o
utros
regimes
,
os
quais
levasse
m
em
co
nt
a
a
normatividad
e
de
su
a
existência
singular,
para
usar
a
exp
ressão
de
Canguilh
em
(1990),
ou,
mesmo,
a
ingovernab
ilidade
,
em
termos
da
ext
rapolaç
ão
de
ssa
anáto
mo
-
política
do
c
orpo
p
ara
a
qual
co
ncorre
o
poder
psiquiátric
o,
nos
ter
mos
anteriorm
ente
men
ciona
dos.
Esses
regimes
não
fora
m
levados
em
con
ta,
de
sde
ent
ão,
salvo
quand
o
se
in
surgiram,
se
reb
elaram,
afron
tando
todos
os
dispositivos
disciplina
res
e
normativos
que
serviram,
durante
o
liberalis
mo,
p
ara
desqualifica
r
e
sses
corpos
previamen
te
co
mo
atores
e,
por
sua
c
ondi
ção,
trata
ndo
-
os
com
o
um
elemen
to
na
govern
amentali
dade
biopolí
tica
da
p
opulação
:
sujei
to
à
exclusão
ou
a
uma
inclusão
re
gulada
pelo
apare
lho
e
statal
e
pelas
instituiç
ões
e
legitimada
pe
lo
s
aber
médico
-
psiqu
iá
tric
o
,
nos
termos
anali
sados
anteriorm
ente.
A
questã
o
que
merece
ser
discu
tida,
porém,
é
que
essa
ingovernab
ilidade,
para
fazer
vi
sível
essa
su
a
di
fere
nciação
,
se
69
estendeu
ao
corpo
social,
em
busca
de
se
empoderar
e
de
se
torn
ar
ator,
mais
recente
mente
desig
nado
com
o
um
sujeito
de
d
ireitos,
embora
e
sse
empoderament
o
viesse
acom
panhado
de
sua
despotencia
lização
polític
a.
Com
o
dese
nvolvime
nto
da
governam
entalida
de
biopo
lí
tica
da
população,
cuja
noção
iremos
retomar
,
no
p
róximo
capítulo,
instauro
u
-
se
uma
cri
se
no
go
verno
dessa
e
outras
diferenças,
justamente
em
raz
ão
de
sua
eventual
ingovername
ntalidad
e.
Esta
beleceu
-
se,
d
ess
e
mo
do
,
uma
modul
ação
do
biopo
der
,
na
medida
em
que
o
governo
de
tais
diferença
s
deixa
de
ser
e
laborad
o
racionalmente
segu
ndo
o
mo
delo
do
poder
discipli
nar,
isto
é,
no
sen
tido
de
corrigir
os
seus
respectivos
desvios
a
uma
no
rma
únic
a,
confor
me
uma
racion
alidad
e
q
ue
os
particul
ariza
e
os
dife
re
,
de
aco
rdo
com
normas
específicas,
ag
rupadas
em
biossocia
lidades
ou
identidades
forjad
as
em
to
rno
do
s
direitos
civi
s,
governadas
,
denominad
os
aqui
co
mo
um
explícito
governo
das
difer
enças.
70
71
C
A
P
Í
T
U
LO
2
Do
perig
o
das
dif
e
renç
as
do
cor
po
comu
m
à
s
ua
gove
rnam
ent
ali
dade:
a
inc
lusão
como
est
rat
ég
ia
biopolítica
É
bastante
conhecida
a
in
terpretaç
ão
acerca
de
que,
em
suas
últimas
obr
as
e
cursos
minis
trados
no
Collèg
e
de
France
,
Michel
Foucault
se
ocup
ou
do
e
ixo
da
étic
a
do
sujeito
e,
particu
larmente,
da
governam
entalida
de.
Não
somente
diver
sos
comen
taristas
mencio
-
naram
essa
interpretação,
como
também
o
próprio
Foucault
,
no
curso
de
1983,
intitulado
“
Governo
de
si
e
dos
outro
s
”,
quan
do
circunscre
ve
o
q
ue
pro
curou
fazer
até
en
tão
como
t
en
do
sid
o
uma
“história
do
pens
amento
”,
entendend
o
este
últi
mo
como
uma
análise
dos
“[...]
focos
de
experiência,
nos
quais
se
articu
lam
uns
sob
re
os
outros:
primeiro,
as
fo
rmas
de
um
s
aber
possível;
segundo,
as
matrizes
normativa
s
de
co
mpo
rtame
nto
so
bre
os
indivíduos;
e
e
nfi
m
os
modos
de
existência
virtuai
s
para
sujeit
os
possíveis
.”
(2010, p. 4).
Nos
cursos
ministrados
entre
1978
e
1984,
nota
-
se
também
o
mod
o
co
mo
se
desenvolv
em,
guiados
por
aquilo
que
ironicame
nte
chamo
u
de
anarquealo
gia.
Contudo,
o
aut
or
não
aprofunda
esse
termo,
ignorand
o
-o
na
f
ace
arqu
eológica
em
que
evidencia
as
r
elações
do
poder
com
o
sab
er
e
de
sde
o
curso
intitulado
“
Segurança,
territ
ório
e
populaçã
o
”,
de
1978,
na
face
genealógi
ca
de
se
u
proj
eto
filosófico
,
72
onde
privilegia
o
que
cham
a
de
o
problema
do
gover
no
ou
da
governam
entalida
de.
Este
é
o
problema
q
ue
ganha
centralidade
em
seu
pensamento
e
que
intere
ssou
a
esta
pesquisa.
Para
Foucaul
t
(2008b),
o
problema
da
go
vernament
alidad
e
emerge
no
sécu
lo
XVI
com
a
p
assagem
de
um
governo
,
centra
lizado
pelo
sobera
no
,
para
um
governo
múl
tiplo
,
produ
zido
pelas
suas
múltipla
s
art
es
,
as
quais
e
xigem
a
mobilização
de
um
a
ciência
ou
de
uma
reflexão
específica
para
regulá
-
l
as,
indepe
ndente
parcia
lmente
de
um
únic
o
governante
ou
de
qualquer
outra
fig
ura
q
ue
as
centralize.
Distribu
ídas
entre
as
ar
tes
de
govern
o
de
si
mesmos
que
implicam
m
certa
n
ecessidad
e
da
consciência
moral,
de
governo
so
bre
a
famí
lia,
recorren
do
à
ciênci
a
econômica
,
e
de
gove
rno
estrita
mente
estat
al,
mobilizad
or
de
uma
ciência
política,
tais
fo
rmas
de
governo
pod
em
ter
t
anto
um
sentido
de
continuidade
asce
ndente
quan
to
descend
ente.
O
primeiro
sen
tid
o
vetori
al
da
governa
mentalidad
e
compreend
e
uma
séri
e
de
condiç
ões
para
quem
assum
e
o
pos
to
de
sse
govern
o
polí
tico
do
Est
ado,
que
parte
de
um
governo
de
si
(moral)
e
de
suas
famílias
(e
conômico),
constituind
o
-
se
em
uma
espécie
de
pedago
gia
do
príncipe,
nem
sempre
efetiv
ada
na
modernidade,
todav
ia,
que
serve
como
um
filtro
p
ara
o
governante,
e
xcluindo
aqueles
indivíduos
que
não
atendem
a
essas
exigências.
O
segund
o
sentido
suge
re
que
,
um
a
vez
governado
o
Estado
,
os
pais
sab
em
governar
bem
a
família
e,
c
onsequent
emente,
bem
se
cond
uzem
c
omo
indivídu
os,
num
a
di
re
ção
descente
de
exemplarida
de,
por
assim
di
zer,
que
modername
nte
foi
conquis
tada
gr
aças
à
presença
da
fo
rça
policial
e à
tenta
tiva
de
conter
o
que
esc
apa
do
que
se
pode
gove
rnar,
a
sabe
r,
a
populaçã
o.
A
emergên
cia
da
populaç
ão
é
considerada
como
a
73
con
dição
ne
cessária
p
ara
essa
p
assage
m
do
poder
sobera
no
ao
que
se
denominou
sua
b
iopolítica.
Em
linhas
gerais,
a
biopolítica
se
car
acteriza
com
o
um
govern
o
da
po
pulação
c
omo
um
corpo
social
regula
do
objetiv
amente,
com
a
pretensão
de
um
controle
biológico
da
vi
da
(
bíos
),
em
ní
vel
societário,
g
raças
ao
s
dados
demográficos,
de
mo
rtalida
de
e
natal
idade
,
dent
re
o
ut
ros
,
os
quais,
calculado
s
estatisticame
nte
,
fornecem
elementos
técnic
os
e
científicos
para
empreender
uma
forma
racion
al
de
gover
no
de
ssa
população
circunscri
ta.
Est
a
última
emerge
no
séc
ulo
XVIII,
após
o
d
esgaste
da
família
co
mo
eixo
da
economia
e
com
a
sua
emergên
cia,
com
o
um
corp
o
social
a
ser
objetivame
nte
governado
por
múltiplas
artes
de
gover
no
,
que
teri
am
se
constituí
do
para
form
ar
e
arregimentar
toda
uma
racio
nalid
ade
estat
al
desen
volvida
para
regulamentar
esse
gover
no
da
populaçã
o.
Por
sua
vez,
e
sse
gover
no
opera
filtrando
o
que
provém
do
povo
,
para
q
ue
o
que
se
supõe
de
ingoverná
vel
nessa
espera
n
ão
chegue
ao
governo
estatal
,
e
e
xercendo
sobre
esse
último,
quan
do
as
medidas
ped
agógic
as,
médicas,
psiquiátricas
,
são
insuficient
es,
o
controle
polic
ial
,
a
fim
de
que
não
destrua
nem
o
Estado
nem
a
populaçã
o
a
q
uem
governa
.
Foucault
(2008b,
p.
57)
explici
ta
por
que
isso
oc
orreria
:
O
povo
é
aquele
que
se
comp
or
ta
em
r
elação
a
essa
g
est
ão
da
popula
ç
ão
no
própr
io
ní
vel
da
popu
lação,
co
mo
se
não
fizesse
p
arte
d
esse
sujeito
-
o
bje
to
coletivo
que
é
populaçã
o,
como
se
se
pusesse
fo
ra
d
ela,
e,
por
cons
eguinte,
é
el
e
que,
como
p
ovo
qu
e
se
recus
a
a
ser
população,
v
ai
d
esajustar
o
sistema
.
74
Com
o
int
uito
de
ev
itar
o
desajuste
do
sistema
pelo
po
vo
,
a
força
policial
é
necessária
p
ara
g
aranti
r
o
governo
da
po
pulação,
definind
o
bem
suas
margens
como
um
objeto
bem
esquad
rinh
ado
e
mantendo
a
ordem
do
governa
mento
estatal.
Po
r
sua
vez,
as
artes
de
govern
o
são
impres
cindíveis
para
atuar
moralmente
e
economi
-
camente
,
a
fim
de
governa
r
os
indivíduos
proven
ientes
do
povo,
ampliando
o
seu
al
cance
para
aqueles
corpos
q
ue
se
diferenciam
de
um
eu
captur
ado
e
que
integr
a
m
como
um
dado
a
mais
a
população.
Todavi
a,
na
razão
de
sse
governo
biopo
lítico
da
populaç
ão,
q
ue
unifica
essas
arte
s
e
julga
o
q
ue
d
eve
ser
reprimido
pel
a
força
policial,
já
se
observa
clar
amente
um
princípio
de
exclusão
,
ao
mesmo
tempo
q
ue
uma
pressão
por
inclusã
o,
por
parte
daqueles
que
se
sentem
fo
ra
de
sse
corpo
social,
dem
arcado
por
aquil
o
que
se
denomina
,
biolo
gi
-
camente
,
es
pécie,
a
saber:
o
povo.
Embor
a
Fo
ucault
(2007)
não
chegue
a
e
sse
ponto
,
em
suas
análi
ses
so
bre
o
governo
biopolít
ico
da
população,
o
utros
filósofos
contemp
orâneos
ajudam
a
precisa
r
melh
or
a
amb
iguidade
represen
tada
por
essa
signific
ação
de
povo,
como
é o
caso
de
Hardt
e
Negri
(2005),
quan
do
a
substituem
pela
noção
de
multidão
,
16
e,
16
Para
Negri
(2004),
a
multi
dão
se
caracteriza
por
um
c
onju
nto
de
singularidad
es
–
e
não
propr
iamente
um
a
unidade
–
que
emergem
da
ima
nência
própria
à
vi
da,
representando
um
a
classe,
por
sua
mobil
idad
e
e
p
rodu
tividad
e,
ao
mesmo
tem
po
que
sugerindo
uma
p
otência
,
na
medida
em
que
implicam
uma
luta
p
or
essa
mesma
vida,
pelas
for
mas
comuns
q
ue
compreendem
e
pela
liberdad
e
e
alegria
que
almejam
.
Diferentemente
do
que
a
tra
dição
da
filosofia
polític
a
denomin
ou
Povo,
a
multi
dão
desaf
ia
qual
quer
poss
ibilidad
e
de
representá
-
la
em
u
ma
totalid
ade
e
em
uma
uni
dade,
em
razão
de
sua
multipli
cidade,
pois
,
suste
nta
Negri,
além
de
sua
incomensurável
singu
lari
dade,
el
a
é
“a
carne
da
vida
”
(
NEGR
I,
2004,
p.
17),
se
const
ituind
o
com
o
um
ator
social
a
tivo
,
que
se
articula,
se
auto
-
orga
niza
e,
por
vezes,
protagon
iza
tra
nsfor
mações
r
adicais
on
tológi
cas,
do
setor
produ
tivo
e
da
biopolí
tica,
evidenciando
ruptur
as
com
as
formas
de
governo
hegemônica
s
da
75
principal
mente,
de
Aga
mben
(2004),
q
uando
a
reafi
rma
para
considera
r
sua
ambig
uidade
ou
designá
-
la
co
mo
uma
fratura
fundame
ntal
da
biopolítica.
De
so
rte
a
d
ar
continência
e
relação
de
continuidade
ao
uso
da
no
ção
foucaultia
na
de
biopolítica
,
para
explo
rar
essa
ambiguidade,
recorrer
-
se
-á
aqui
a
esta
última
po
siçã
o,
pois,
seguindo
Agam
ben
,
é
possível
consid
erar
não
somen
te
a
ambiguida
de
semântica
do
conceito
de
p
ovo
,
como
também
uma
repartiçã
o
que
comporta
a
id
eia
de
um
suje
ito
unitário.
Isso
significa
conside
rar,
em
suas
palav
ras,
“[...]
o
conjunt
o
Povo
como
co
rp
o
político
integral”
q
uan
to
uma
o
scilaç
ão
compreendida
pelo
“[...]
subconjun
to
pov
o
como
multiplic
idade
fragmentár
ia
de
corpos
ca
rentes
e
excluídos
.” (
AGAMBEN
, 2004,
p.
184).
É
essa
repartição
que
implicar
ia
uma
fratura
do
que
se
p
ode
chamar
de
povo
,
cong
regan
do
,
de
um
lado
, “[...]
uma
inclu
são
que
se
pretende
sem
re
síduos”,
e,
de
outro
“[...]
uma
exc
lusão
que
se
sab
e
sem
esperanç
a”,
melhor
diz
en
do,
“[...]
em
um
extremo,
o
est
ado
total
dos
cidadãos
integrados
e
sober
anos,
no
outro,
a
esc
ória
–
corte
do
s
milagres
ou
cam
po
–
dos
miseráveis,
dos
oprimidos,
dos
vencidos
.”
(A
GAMBEN
, 2004,
p.
184).
Sob
essa
ótica
, “[...] a
constitu
ição
da
espé
cie
hum
ana
em
um
corpo
pol
í
tic
o
passa
por
uma
ci
são
fundamental”
compreendida
por
essa
categoria
de
po
vo
–
vida
nua
(povo)
e
existência
polític
a
(Povo),
exclusão
e
inclus
ão,
zoe
e
bíos
–,
constituin
do
-
se
numa
fratura
fundame
ntal
da
bio
política
,
on
de
se
luta
por
mais
ou
menos
inclusã
o
populaç
ão
e
alternat
ivas
a
outr
os
modos
de
vi
da
com
um.
Nã
o
vamos
nos
a
ter
aqui
às
críticas
–
com
as
qua
is
concor
damos
– a
essa
noção
de
multidão
,
por
corp
orifi
car
a
noçã
o
de
povo,
emprestando
a
ele
uma
visão
subs
tantiva
da
resistência
e
do
nov
o
sujei
to
da
r
evolução
no
capitalism
o
avançado
,
mas
apenas
ch
amar
a
atenç
ão
para
que
há
várias
forma
s
de
preencher
ou
de
oc
upar
a
fra
tura
fundamental
da
biopolítica
.
76
por
parte
dos
q
ue
se
c
onsi
deram
excluídos,
i
ntegração
às
f
ormas
de
governam
entalida
de
exist
entes
ou
po
r
suas
radi
cais
transfor
mações
(
AGAMBEN
, 2004).
Assim,
vê
-
se
nessa
fratura
fundame
ntal
da
biopolítica
tanto
a
ampliaçã
o
das
form
as
existent
es
de
go
vernam
entalid
ade
quanto
a
insurrei
ção
con
tra
el
as,
eman
adas
ou
agenc
iadas
a
partir
de
um
corpo
comum
,
o
q
ual
,
em
sua
multiplicid
ade,
pode
ser
acolhido
sob
e
sse
sign
o
de
povo
,
enqua
nto
a
população,
nos
termos
an
t
es
descrito
s,
se
cara
cteriza
sob
certa
unidade
do
que
se
pode
den
omina
r
,
na
trad
ição
clássica
,
co
mo
categoria
de
Povo.
Em
um
caso
,
o
corpo
comum
c
om
sua
ingover
nabilidade,
noutro
, o
corp
o
-
espéc
ie
regu
lado
e
gover
nável
da
população
q
ue
compreend
e
o
primeiro,
abri
gando
-o
em
sua
margem,
ora
como
uma
espécie
de
for
ça
centrípeta
que
o
mo
ve
para
o
cen
tro
,
ora
co
mo
uma
fo
rça
cen
trífuga
que
o
expulsa
para
fo
ra,
dependendo
desse
d
iagrama
de
forças
e
de
seu
uso
estratégic
o
para
a
gove
rnamen
talização
estatal,
isto
é,
de
se
us
jogos
de
governam
entalida
de.
É
esse
di
agrama
que
se
modifica
co
m
o
desenvolv
imento
da
governam
entalida
de
e
c
om
a
cri
se
das
arte
s
liberais
de
gover
no
ou,
em
uma
p
alavra,
do
liberalismo,
assim
como
em
se
us
jogos
de
governam
entalida
de
bus
cam,
estr
ategicamen
te,
uma
maior
ou
menor
inclusão/ex
clusão
desse
corpo
comum
,
ch
amado
de
povo.
Discutir
a
inclusão
sob
esse
prisma
significa
e
ntend
ê
-
la
com
o
parte
d
e
sse
govern
o
biopolí
tico
da
popu
lação
que
inclu
i
a
população
para
excluir
o
corpo
comum
do
pov
o
que
congrega
múltiplas
diferenç
as
ou,
ao
menos,
que
possui
um
princípio
de
exclusão
implícito.
O
obj
etivo
da
análi
se
de
sse
governo
é
não
só
inte
grar
o
povo
a
cert
a
r
egulaç
ão
da
populaçã
o
gove
rnável,
como
também
c
ompr
eend
er
sua
s
lutas
,
para
77
que
faç
a
parte
desse
estatu
to
de
governável
e
de
suje
ito
de
direit
o
ou
de
cid
adania,
evoca
ndo
a
sua
função
em
manter
a
be
rto
esse
campo
de
disputa
ou
ocu
par
suas
brechas,
na
medida
em
que
rest
a
sempre
um
resíduo,
uma
sombra
de
in
governável.
Nesse
sentido,
significa
também
denu
nciar
os
momentos
históricos
em
que
os
efeitos
do
biopoder
que
produ
zem
em
r
elação
àqueles
corpos
comuns
,
habitad
os
pelo
anarquis
mo
das
diferenças
inscritas
nos
cor
pos
singulares
e
modos
de
existência
s
ímpares,
extrapolam
sua
positividade
,
convert
endo
-
se
em
estados
de
dom
inação
so
bre
eles
e
em
uma
gove
rnamen
talização
que
almeja
r
acionalmente
seu
aniqu
ilamento.
Nessa
perspectiv
a
, à
b
iopolítica
seria
restituíd
a
sua
sombra
de
sobe
rania,
co
mo
ocorreu
co
m
o
a
dven
to
do
fascism
o
e
do
nazism
o,
nos
termos
denunciados
po
r
Foucaul
t
(2008b).
Ou,
então,
regidos
pelo
es
tado
de
exceção
e
pelo
paradigma
do
campo
de
con
cent
ração,
essas
vi
das
n
uas
seri
am
objetos
de
uma
política
de
mor
te,
isto
é,
uma
tan
a
topolítica
que
se
sobrepõe
à
biopolítica
da
populaç
ão,
com
o
intuit
o
de
aniquila
r
o(s)
p
ovo
(s)
que
não
se
ajustam
aos
enquadra
mentos
normativos
da
sombra
da
razão
gover
namenta
l
estatal,
como
sugere
Agamben
(2004).
O
u,
aind
a,
na
terminologia
mais
recente,
não
se
trataria
apenas
de
uma
política
de
morte,
mas
do
aniquilame
nto
étnico
de
povos
inteiros,
um
a
necropolítica
(MB
EMBE,
2018),
ap
oiada
no
paradigma
da
plantati
on
e
de
uma
colonizaçã
o
avassalad
ora,
e
xtensiva
ao
s
coloni
zadores
que
apre
nderam
a
aniquilar,
sem
qualquer
enlutamento
(BUTLER,
2018),
inclusive
dos
seus.
É
esse
problema
que
se
prete
nde
dis
cutir
,
subsequ
entement
e,
ao
anal
isarmo
s
os
efeitos
de
algumas
políticas
de
inclusão
,
no
Brasil,
enquant
o
,
n
este
capítulo
,
se
almeja
anal
isar
essas
modulações
78
diagr
amáticas
que
comp
reendem
esse
governo
das
diferenças
.
Ao
anali
s
á-
las,
genealogica
mente,
interessa
situar
a
sua
passag
em
de
um
a
política
e
stra
tégica
da
r
azão
govername
ntal
p
ara
um
dispositivo
de
subjet
ivação
,
o
qual
vem
operar
e
se
radicalizar
c
om
o
adv
ento
do
neoliberalis
mo,
co
n
fo
rme
veremos
no
próximo
capítu
lo
,
assum
i
n
do
contornos
particular
es
em
nosso
país.
2.1
Da
g
over
nam
en
t
ali
dade
ao
gove
rno
biop
olítico
das
diferenças
Vivemos
na
era
da
"governamentalidade",
aquela
que
f
oi
descobe
rta
no
séc
ulo
XVIII.
Governam
entali
zação
do
Estado
que
é
um
fen
ômeno
parti
cularmente
tortuoso,
p
ois,
embor
a
efetiv
amente
os
prob
lemas
da
governamentalida
de
e
as
técnicas
de
governo
tenham
se
tomado
de
fato
o
único
intuito
polític
o
e
o
único
espaço
real
da
luta
e
dos
em
ba
tes
polític
os,
essa
govern
amenta
lização
do
Es
tado
foi,
a
pes
ar
de
tudo,
o
fenômeno
que
permitia
ao
Estad
o
sobr
evive
r.
E
é
possível
que,
se
o
Estado
existe
tal
co
mo
ele
existe
agora,
seja
preci
samente
gr
aç
as
a
ess
a
governamental
idade
que
é
ao
mes
mo
temp
o
ex
terior
e
i
nterior
ao
Estado,
já
que
são
as
táticas
de
govern
o
qu
e,
a
cada
instante
permitem
defin
ir
o
que
d
eve
ser
do
âmbito
do
Estado
e
o
que
e
não
deve,
o
que
é
público
e
o
que
é
privado
,
o
que
é
estatal
e
o
que
é
não
-
estatal.
P
ortanto
,
se
quiser
em,
o
Estado
em
sua
sobrevivê
ncia
e
o
Estado
em
s
eus
limites
só
devem
ser
compr
eendidos
a
p
artir
das
tática
s
gerais
da
gover
namentali
dade.
(FOUCAU
LT,
2008b,
p.
145).
Para
o
filósofo
f
ran
cês,
a
governam
entalida
de
do
Estado
moderno
assume
e
ssa
co
nfig
uração
e
ado
ta
e
ssas
f
orm
as
cal
culada
s
e
79
refletida
s
de
governo
da
população.
No
sé
culo
XX,
as
suas
configu
rações
aprof
undam
os
dispositivos
de
seg
urança
que
r
equerem
e,
ao
mesmo
tem
po,
colocam
no
cent
ro
dessa
raci
onal
idade
a
economia
–
não
mais
restrita
ao
governo
familia
r,
mas
ao
gover
no
das
coisas,
denuncia
ndo
uma
cri
se
ain
da
mais
rad
ical
das
cham
adas
ar
tes
liberais
de
governo
e
do
liberalis
mo.
En
quanto
tal,
o
liberalismo
na
sce
como
uma
arte
de
govern
o
frugal
, com o
objetiv
o
mitigar
os
ex
cessos
policiales
cos
da
governa
mentalizaç
ão
e
statal
emergent
e
e
to
rnar
possíve
l
o
suje
ito
de
inter
esse,
c
ondi
ção
básica
par
a
que
a
ciência
se
torne
irredutíve
l
ao
poder
soberano.
É
contra
os
ex
cessos
do
poder
sobera
no
que
as
artes
liberais
de
govern
o
buscam
l
iberação
.
Assim,
o
liberalismo
emerge,
segun
do
Foucault
(2008),
em
oposição
à
governam
entalida
de
soberana,
contra
pondo
-
se
à
estrita
submissão
do
súdito
ao
senho
r,
postula
ndo
form
as
de
liberdade
que,
embora
sejam
disputad
as
em
termos
unive
rsais,
oscilam
em
relaç
ão
às
su
as
possibilida
des
e
limites,
de
pendendo
d
as
v
ariaçõe
s
(l
iberdade
de
mercad
o,
do
direito
à
liberdade,
da
l
iberdade
de
exp
ressão,
de
ntre
outras)
em
to
rno
das
quais
se
con
figuram.
Com
isso,
essa
governamentalid
ade
inaug
ura
uma
form
a
particula
r
de
gov
erno
que
“consome
liberdade”
e,
porta
nto,
se
obri
ga
também
a
pro
duzi
-
la,
a
organizá
-
la,
num
jogo
probl
emático
em
q
ue
ela
n
ão
existe
sem
uma
sér
ie
de
mecan
ismos
de
co
ação,
de
obediência,
de
subo
rdinação
.
Nesse
jogo,
diz
Fo
ucault
(2008,
p.
88),
“[...]
a
liberdade
é
algo
que
se
fabrica
a
todo
instan
te”
e
o
libera
lismo
é
esse
tipo
de
fabricação
em
que
a
suscita,
a
prod
uz,
a
cons
ome,
regula
ndo
-
a
sobretudo
no
que
se
refere
aos
cálculos
sob
re
os
seus
custo
s.
O
princíp
io
de
sse
cálculo
é
o
que
se
denom
ina
s
egu
rança,
pois
é
ela
que
baliza
a
art
e
libe
ral
de
governo.
Ele
cumpre
um
p
apel
80
regula
dor
,
na
medida
em
que
a
li
berdade
de
un
s
inter
fere
na
de
outr
os
ou
a
ausên
cia
dela
n
ão
suprime
o
de
senv
olv
imento
individ
ual
o
u,
aind
a,
o
seu
excesso
não
concorre
para
a
destruição
.
Pr
oteger
o
coletivo
do
individu
al,
os
trabal
hado
res
da
empres
a,
a
economia
do
merc
ado
do
Est
ado
e
vice
-
versa,
ou
seja,
evitar
e
ssas
e
outras
formas
em
que
a
l
iberdade
figure
como
um
perigo
ou
uma
ameaça,
conju
ntament
e
com
os
advindos
de
aciden
tes
históric
os,
sociais
ou
individuais
(co
mo
o
decorrente
das
doe
nças
,
pe
stes,
epidemia
s,
anom
alias
e
outro
s)
que
inter
romperiam
esse
jog
o.
E
nfatiza
o
fi
lósof
o
francês:
Em
suma,
a
tod
os
ess
es
impedi
mentos
–
zelar
para
que
a
mecânica
d
os
int
eresses
nã
o
provoque
per
igo
nem
p
ara
os
indivíd
uos
nem
para
as
co
leti
vidades
–
de
vem
corr
esponder
estratégias
de
s
eguranç
a
que
são,
de
c
ert
o
modo,
o
inverso
e
a
pr
ópria
condição
do
li
ber
alis
mo.
A
liberdade
e
a
segur
ança,
o
jogo
liberdade
e
segur
ança
–
é
is
so
que
es
tá
no
âmago
dessa
razão
governamental
[...].
Liberdade
e
segur
ança
–
é
isso
que
vai
a
nim
ar
internamente,
de
certo
modo,
os
problema
s
do
que
chamarei
de
econom
ia
do
po
d
er
pr
ópri
a
do
liberal
ismo.
(FOUCAU
LT,
2008,
p.
89)
.
Essa
economia
do
po
der
difere
daquela
praticada
pelo
govern
o
sober
ano.
Se
a
sobera
nia
protegia
seu
sú
dito
con
tra
ame
aças
extern
as,
o
liberalismo
protege
o
indivíduo
dos
perigos
,
tanto
internos
quanto
ex
ternos.
Assi
m,
o
liberalism
o
emerge
com
art
es
de
governo
que
n
ão
ape
nas
manipulam
intere
sses,
com
o
tamb
ém
gerencia
m
os
perigos
e
os
mecanis
mos
de
seguran
ça
e
de
liberdade,
com
a
finali
dade
81
de
que
i
nd
ivíduos
e
c
oletivida
des
fiquem
menos
exp
ostos
às
ameaç
as.
E,
n
essa
direção,
toda
uma
cul
tura
do
perigo,
n
esse
contexto
geral,
emerge
no
sécul
o
XIX,
co
njuntamente
à
disse
minação
da
má
xima
do
“viver
perigosamente”
,
inst
ada
pelo
libera
lismo.
Com
e
ssa
c
ultura,
aparece
m
igua
lmente
temores
distintos
daqueles
que
sinal
izavam
o
perigo
nos
séculos
anterior
es,
com
o
as
guerras,
a
fome
e
as
pestes,
frut
os
de
cat
ástrofes
natu
rais
e
acidentes
extern
os
ou,
mesmo,
internos,
estados
de
an
ormali
dade
ou
de
anom
ia.
S
ão
t
emores
que
se
referem
a
cert
a
inseguran
ça
e
a
nece
ssidade
de
se
ide
nti
ficar
as
ameaç
as
e
co
mbatê-
las
por
meio
de
saber
es
e
tecnologia
s,
tais
como
os
apres
entados
pela
medicina
e
pela
psiquiatr
ia,
e
vitan
do
-
os
po
r
e
ssas
arte
s
liberais
,
em
n
ome
de
ce
rt
a
degeneres
cência
do
cor
po
orgânico
ind
ividual
ou,
mesmo,
do
co
rp
o
-
espécie.
Os
ef
eitos
pr
oduzidos
por
essa
libera
lização
(da
economia
aos
instintos)
são,
em
decorrên
cia,
a
criaç
ão
de
dispositivos
disciplinares
que
docilizam
o
corpo,
coa
gindo,
vig
iando
e
pu
nind
o,
exemp
lificado
para
tal
em
um
paradigma
como
o
do
panóptico
(FOUCAULT
,
1991),
com
vistas
a
normalizar
o
c
orpo
individ
ual
e
regular
o
co
rpo
de
uma
recém
-
emer
gente
população.
Cont
ra
esse
exc
esso
de
co
ação
instituci
onal
e
de
ext
rapolação
da
segurança
,
p
ara
b
arrar
os
instintos
em
no
me
de
seu
c
ontrole,
por
sua
ve
z,
uma
de
manda
por
m
ais
liberalida
de
aparec
e
para
con
trabalan
çar
e
ssa
nova
art
e
liberal
de
govern
ar,
i
nsufla
ndo,
pr
oduzindo
e
amplia
ndo
as
li
berdades
“[...]
em
meio
de
um
‘a
mais’
de
controle
e
de
in
terve
nção
.”
(FOUCAULT,
2008,
p.
92).
Na
realidad
e,
o
c
ontrole
f
unciona
com
o
o
principal
motor
da
liberdade,
a
partir
do
séc
ulo
XX
e
d
as
variáveis
fo
rm
as
de
Welfare
State
82
que
se
dissemi
nam
pelo
mundo
,
em
contra
posição
à
liberdade
do
merc
ado
e
da
tenta
tiva
de
assegurar
à
população
governável
um
a
série
de
direitos
que
os
façam
se
reconhec
er
como
tais,
ou
seja
,
co
mo
sujeito
s
de
direitos.
Essa
razão
gover
namental
,
com
tod
as
as
suas
artes
de
governo
,
proc
ura
asse
gurar
a
esses
suje
itos
o
acesso
à
saúde
,
à
educaç
ão
e
a
ben
s,
passand
o
pela
aposen
tadori
a,
seguros
mais
diversos
contra
os
acid
entes
da
existência,
den
t
re
outros,
oportunizand
o
a
el
es
uma
séri
e
de
seg
uridade
s
que
lhes
g
aranti
riam
uma
existência,
independen
te
de
acidentes
como
a
perda
do
emprego,
as
doenças
e o
envelhec
imento,
cus
teadas
pelo
Estado
.
Se
,
ante
s
disso
,
os
dispositivos
de
segurança
já
vi
nham
se
configurando
em
meio
aos
mecanismos
de
discipli
na
17
e
ao
contro
le,
a
começar
p
elo
princ
ípio
de
evitar
o
per
igo,
17
Em
se
u
curs
o
Seguran
ça,
T
erritóri
o
e
População
,
M
ichel
Fouca
ul
t
(2007)
consider
ou
que
os
dis
posit
ivos
disc
iplina
res
são
me
canismos
q
ue
congrega
m
sua
s
forças
de
modo
centrípeto,
en
quanto
os
dispos
itivos
de
segurança
a
organ
izam
de
maneir
a
cen
trífuga
,
isto
é,
ampliando
cada
vez
mais
os
circ
uito
s,
integrando
a
populaç
ão
por
meio
de
sua
aparente
liberali
zação,
in
trond
uzind
o
-a
n
esse
jogo
e
com
ela
incluin
do,
por
exemplo,
o
delin
quen
te
a
um
suje
ito
col
etivo,
o
pov
o
a
uma
populaç
ão
governável.
Em
seg
undo
lugar,
a
disp
linarizaç
ão
“não
deixa
escapar
nada”,
sufoca
e
estabece
um
contr
ole
detalhado
,
enquanto
as
te
cnologia
s
de
segurança
a
tuam
no
âmbito
de
um
la
issez
-
faire
indispensável,
de
ixando
fazer
e
natur
alizando
os
pro
cessos
de
pr
oduçã
o
para
que
se
c
ons
tituam
com
certa
liberalid
ade
e
os
j
ustif
ica
em
fa
ce
a
cer
ta
seg
urança
da
po
pulação
(F
OUCAULT,
2007,
p.
59).
P
or
fim,
a
discipl
ina
dec
odifica
o
proib
ido
e
o
pe
rmitido
em
conson
ância
co
m
a
l
ei,
determ
inando
antes
o
que
se
deve
proi
bir
do
que
per
mitir
,
enqua
nto
q
ue
a
segurança
distan
cia
-
se
do
pr
oibid
o
par
a
apreender
até
que
pon
to
as
coisas
podem
se
prod
uzir,
q
uer
seja
m
desejáveis
ou
nã
o.
Em
suma
,
diz
F
oucaul
t
(2007,
p.
61),
“a
lei
proíbe,
a
discip
lina
prescreve
e
a
segurança,
sem
proibi
rnem
prescrever,
ma
s
dando
-
se
evi
dentemente
algunsinstrum
entos
de
proibição
e
de
presc
rição,
a
segurança
temessencialment
e
por
funçã
o
responder
auma
realid
ade
de
maneir
a
que
essa
resposta
anule
essa
realidad
e
a
que
ela
responde
-
anu
le,
ou
limite,
ou
freie,
ou
regule.
Essa
regulação
no
elementoda
realid
ade
é
que
é,
creio
eu,
funda
men
tal
nos
dispos
itivos
de
segurança."
83
de
fabricar
li
berdade,
de
sde
que
em
um
m
eio
seguro
para
o
cor
po
orgânico
e
para
o
corpo
soci
al
governáv
eis,
com
esse
adven
to
,
estrutura
-
se
no
aparelh
o
est
atal
em
n
ome
do
planejamento
racio
nal,
de
uma
gove
rnamen
talidade
liberal
que
asseg
ura
para
liberar
e
libera
para
con
ferir
segur
ança,
ten
do
como
gr
ande
mediador
ora
o
Estado,
ora
o
Mercado
,
para
garan
ti
r
a
biopolít
ica
da
popula
ção.
No
desenv
olvimen
to
dessa
liberaliza
ção,
um
a
cri
se
imanente
às
artes
liberais
de
governo
se
arrast
a,
desde
a
dé
cada
de
trinta
do
século
passad
o,
um
a
ve
z
que
,
para
alé
m
de
sses
do
is
polos,
interv
êm
suas
outras
variáv
eis
,
no
que
tang
e
à
segurança
e
à
liberdade,
tornand
o
-o
aind
a
mais
co
mplexo.
Diz
o
filós
ofo
francês:
Pode
hav
er
outr
a
form
a
de
cris
e,
que
será
devi
da
a
in
flaçã
o
dos
mecanis
mos
compensatóri
os
da
liberdade
.
Ou
seja,
para
exercí
cio
de
c
ertas
liberdade
s,
co
mo
por
exemp
lo
a
liberdade
de
mer
cado
e a
leg
islação
an
timonop
olista,
pode
haver
a
formação
de
um
jugo
legislati
vo
qu
e
será
exper
imentado
pelos
parcei
ros
do
merc
ado
como
um
excesso
de
inter
vencionismo
e
um
excesso
de
imposi
ções
e
de
coe
rção.
Pode
haver
,
num
nív
el
muito
mais
loc
al
então,
tudo
o
que
pod
e
ap
arecer
como
revolta,
intoler
ância
discip
linar.
Há,
enfim
e
sobret
udo,
processos
de
saturação
que
fa
zem
com
que
os
mecani
smos
p
rod
utore
s
da
liberd
ade,
os
mesmos
que
fo
ram
convocados
p
ara
assegu
rar
e
fabrica
r
essa
liber
dade,
produza
m
na
verdade
efeit
os
destruti
vos,
que
p
r
eva
l
ec
em
a
té
mesmo
sobre
o
qu
e
produzem
.
É,
di
gamos
assim
,
o
equívo
co
de
todos
esses
disposit
ivos
que
poder
íamos
chamar
de
“
liberógen
os
”,
de
todos
esses
di
spositiv
os
destinados
a
produzi
r
a
liber
dade
e
84
que,
ev
entualmente,
pod
em
vir
a
prod
uzir
exatamente
o
inverso.
(FOU
CAULT,
2008,
p.
93).
É
possíve
l
situar
no
movimento
dessas
crise
s
das
arte
s
liberais
e,
em
esp
ecial,
no
âmbito
de
sses
dispositivos
d
estina
dos
à
fabricaç
ão
da
li
berdade
,
as
primeiras
políticas
públicas
de
inclusão,
conju
ntament
e
ao
que
se
identificou
co
mo
justiça
so
cial,
emerge
ntes
com
os
servi
ços
prestados
pelo
aparelh
o
e
statal
que
adot
a
essa
racio
nalid
ade
go
ver
nament
al,
co
mo
parte
de
atend
imento
de
deman
das
do
alarg
amento
de
uma
populaç
ão
governá
vel,
in
cluin
do
aos
seus
princípios
jurídicos
regula
tórios
e
a
um
a
vid
a
qualific
ada
normalizada
setores
populares
que
estariam
fora
de
la.
Supos
tamente
mais
l
ivre,
porém,
desassist
ido
pela
governam
entali
dade
estata
l,
esse
setor
seria
percebid
o
por
seus
integrantes
–
in
div
íduos
proven
ientes
do
que
denomi
namos
an
teri
orm
ente
de
pov
o
–
co
mo
um
me
io
de
melhoria
de
s
uas
condiç
ões
socioec
onômica
s
e
de
acesso
ao
estatut
o
de
sujeit
o
de
direitos
próprios
à
populaçã
o.
Com
isso,
eles
buscam
um
contrato
nos
qua
is
poderiam
usufruir
de
segurança
jurídica
e
liberdade
para
atuarem
publicamen
te
como
parte
do
co
rp
o
soc
ial
regulado,
tornand
o
-
se
econ
omic
amente
viáveis
e
socialmen
te
produtivos
,
na
governamental
idad
e
biopolítica
inst
aurada
com
a
Soci
al
-Democracia.
O
p
reço
p
ago
ne
sse
cálculo
de
biopoder
é
sua
sub
ordin
ação
à
le
i
e
à
normação
de
sua
existência
,
para
participa
r
desse
jogo
e
obter
,
em
contrapartida
,
uma
libe
ração
relativa
a
um
campo
de
atuação,
con
cedida
e
regulada
socialmente,
on
de
poderia
m
dar
vazão
ao
s
seus
instintos,
libertar
-
se
sexualmen
te
e
usufruir
de
uma
economi
a
do
praze
r,
porém,
com
equilíbrio,
com
mode
ração
e
parcialmente
para
não
comprometer
o
planificado,
nem
85
colocar
em
ris
co
a
r
acionali
dade
e
statal
q
ue
os
govern
a.
Nada
que
extrapola
sse
o
planific
ado
por
essa
rac
ion
alidade
est
atal
e
po
r
essa
planificaç
ão
governamen
tal
poderia
se
r
incluído,
nem
mes
mo
o
ingovern
ável
de
sses
in
div
íduo
s
ou
do
s
corp
os
so
ciais
que
os
movem
,
seu
cao
s
e
multiplicid
ade,
com
o
q
ual
deveria
m
negocia
r
subjetiv
amente
e
abri
r
mã
o
para
uma
vida
qualificad
a
segundo
os
princípios
biopolític
os.
Sob
o
p
retexto
de
q
ue
repr
esentam
o
per
igo
para
tal
e
para
sua
organ
ização
societária,
essa
racio
nali
dade
governam
ental
age
como
uma
força
centrípeta
,
no
sen
tid
o
de
trazer
para
d
entro
esse
povo,
aind
a
que
su
a
dispe
rsão
atu
e
no
sentido
de
força
s
cent
rífugas,
produzind
o
um
e
spaço
p
actuado
,
de
equilíbrio,
c
onsc
ient
emente
deliberado
com
o
c
on
d
iç
ão
para
se
torn
ar,
juridicamente,
suje
ito
de
direitos
e,
politica
mente,
ter
sua
participação
represen
tativa
nos
canais
a
utorizados
da
esfer
a
pú
blica,
mu
itas
vezes,
com
o
movi
men
tos
civis
organizad
os.
T
al
racionalida
de
se
empreende
na
fo
rma
de
serviços
públicos,
voltado
s
a
um
público
c
arent
e
,
se
m
e
ntrar
na
sua
especific
idade,
embora
muitas
d
emand
as
ad
venham
de
forças
vetorialm
ente
ascendent
es
,
para
que
a
den
trem
n
esse
território
pactuad
o
do
sujeit
o
de
direitos
e
atuem
co
mo
parte
desses
moviment
os
civis.
É
também
no
contexto
d
esse
t
erritório
e
moviment
os
sociais
que
as
lutas
em
prol
dos
Direitos
Humanos
se
estruturam
,
após
a
Seg
unda
Guerra,
conferindo
a
e
las,
doutrinári
a
e
juridic
amente
um
tom
universalis
ta,
co
mo
um
a
alternativ
a
às
suas
particula
ridade
e
de
mandas
locais,
a
ponto
de
tentar
compreend
ê
-
las
de
um
p
onto
de
vista
cosmopo
lita
e
por
um
c
unho
pro
gressist
a
,
no
qual
se
apoiou
como
uma
ve
rtente
global
que
se
estendeu
e
se
organiz
ou
,
como
previsto
desde
en
tão.
86
É
p
ossível
inferir
que
se
inst
aura
m,
ne
ssa
racion
alid
ade
mais
global,
cert
as
espécies
de
colo
nialismo
e
de
racismo
estatal
traves
tida
s
sob
esse
p
on
to
de
vista
universal
do
hom
em
e
de
uma
racion
alidad
e
únic
a,
que
n
ão
ve
m
ao
caso
discutir
,
n
este
moment
o,
mas
que
gostaria
de
apre
sentar
com
o
um
desdobr
amento
d
essas
form
as
de
govern
o
liberais
e
de
suas
artes,
produ
zidas
com
os
disp
ositivos
de
segurança
e
com
os
mod
os
como
g
anham
apoio
e
stra
tégico
da
governam
en
-
talizaçã
o
est
atal
,
c
om
a
dissemina
ção,
no
con
tinent
e
europ
eu,
dos
Estado
s
de
Bem
-
Estar
Socia
l,
no
seu
formato
de
prestação
de
serviços
sociais
e
de
políticas
públicas –
for
temente
in
flue
nci
ado
pelo
model
o
econômic
o
keynesia
no.
Não
é
po
ssível
desenvolv
er
aqui
os
efeit
os
geopolí
ticos
q
ue
esse
mod
elo
político
ce
ntrado
no
sujei
to
de
di
reito
assumiu,
em
disputa
com
outros
modelos
liberais
ou
mesmo
socialis
tas
,
em
ple
na
Gu
erra
-
fri
a,
mas
apenas
salientar
também
o
quanto
,
nesse
clima
gera
l
de
dispu
tas,
de
co
nquistas
de
liberdade
,
nos
terren
os
jurídi
cos
e
polít
ico
s
,
se
torn
am
um
campo
de
bat
alhas
ou,
para
usar
a
exp
ressão
de
Foucault
(2006),
de
cert
a
continuidade
da
guerra
de
r
aças
,
mesmo
com
t
oda
promessa
de
p
az
que
era
colocada
em
circul
ação,
concomitantem
ente
à
emergê
ncia
do
neolib
eralismo.
Contudo,
começa
se
pe
rceber,
desde
então
,
q
ue
as
diferença
s
singul
ares
q
ue
compõem
o
c
or
po
comum
que
am
eaça
o
cor
po
-
espéci
e
da
populaçã
o
são
governada
s
por
um
biopoder
que
protege
a
sua
raz
ão
governam
ental
e
statal
e,
por
assim
dizer,
todo
o
sistema
político
que
a
compreende.
Para
isso,
cede
a
esse
co
rpo
comum
ou
a
esse
povo
um
espaço
biopolítico,
oferecend
o
seg
urança
a
cad
a
sujeito
de
i
nteresse
que
o
com
põe
e
con
dições
para
que,
mes
mo
d
ian
te
de
seu
e
ventual
desvio,
a
correção
ocorra,
se
não
por
uma
n
orm
a
médica,
po
r
uma
regul
ação
jurídica
que
pro
cura
co
rrigir
desigualdades,
reconhecend
o
87
socialmen
te
os
se
us
direit
os,
mas
exigindo
deles
um
autogov
erno
de
suas
forças
ingoverná
veis
e
responsab
ilizando
-
os
pelo
que
faz
delas
,
na
esfera
pública.
Não
obsta
nte
esse
movim
ento
ocorra
por
norm
as
ger
ais
,
esses
sujeito
s
q
ue
compõe
m
o
corpo
comum
devem
se
ajustar
ao
co
rpo
-
espécie
da
popu
lação
;
a
e
sse
veto
r
descend
ente
da
governam
en
-
talidade
se
so
ma
um
vet
or
ascendent
e
,
porque
esses
sujeit
os
abre
m
mão
de
sua
even
tual
ingovernabil
idade
e
de
seu
ethos
,
por
se
reconhec
er
como
um
de
svi
o
a
ser
corrigido
com
o
auxílio
de
tecnologia
s
específ
icas,
dispositivos
de
re
conhe
cimen
to
e
polít
icas
de
inclusão
so
cial
geridas
p
ela
raci
onal
idade
gover
namental
estatal.
Tal
reconhec
imento
não
se
dá
somente
em
razão
dos
saber
es
médicos,
antropológ
icos
ou
juríd
icos
e
de
s
uas
re
spectivas
teorizações
em
circul
ação,
com
o
também
desse
gerencia
mento
da
vida
empreendid
o
pela
governam
entaliza
ção,
em
parte
pelas
d
eman
das
que
esses
mesmos
su
jeitos
que
constituem
o
co
rp
o
co
mu
m
apresentam,
em
parte
como
uma
estratégia
estat
al
e
de
sua
razão
governamental
,
para
dirimir
as
ame
aças
trazidas
pela
ação
org
aniz
ada
d
esse
povo
e
pe
la
expre
ssão
de
suas
d
iferença
s,
n
eutra
lizando
aq
uelas
p
ara
apl
ac
á-
las
ou,
mesmo,
in
visib
ilizando
-
as
por
uma
apare
nte
har
monização
produzida
por
essa
govername
ntalidade,
a
qual
obscurece
a
guerra
de
raças
em
torno
da
qual
se
co
nst
ituiu.
2.2.
N
eoli
ber
alis
mo,
racismos
e
dispos
it
ivos
de
inclusão:
gove
rno
identitário
das
diferenças
Ao
anali
sar
o
ordoliberalis
mo
ale
mão
e
os
neoliber
alismos
francês
e
esta
dunidense,
Miche
l
Foucault
(2008)
desenvolve
outros
88
deslocame
ntos
dessa
crise.
Como
acirram
ento
do
jogo
da
liberdade
e
da
seguran
ça
e,
portanto,
desse
conflito
,
na
me
dida
em
que,
ao
pôr
em
xeque
o
mod
elo
do
sujei
to
de
direitos
no
qual
se
apoiou,
o
filósof
o
francês
coloca
em
cena,
com
ainda
mais
evi
dê
nc
ia
do
que
h
avia
ocorrid
o
com
os
fisiocratas
do
sé
culo
X
VII,
o
suj
eito
econôm
ico
o
u,
mais
precisament
e,
o
h
omo
oeconom
icus
.
Em
l
inhas
gerais,
esse
deslocame
nto
da
crise
da
liberdade
do
campo
jurídico
par
a
o
cam
po
econômic
o
teri
a
ocorri
do
para
cont
rabalanç
ar
as
supo
stas
ingerência
s
do
Estado
no
merca
do
e
o
aumento
da
dívida
pública,
tornand
o
questioná
veis
os
se
us
investimentos
em
política
s
públicas
e
essa
racio
nalid
ade
gover
namental
de
of
erecer
seg
urança
à
população,
especialm
ente
aquel
as
que
se
destinam
a
ampliar
sua
base
co
mo
o
sujeito
de
direit
os
,
ao
incluir
setor
es
popular
es.
Tanto
o
ordolib
eralismo
quanto
os
neolibera
lismos
menciona
dos
se
cen
trariam
numa
maio
r
liberdade
do
mer
cado
em
relação
à
sua
reg
ulação
pelo
Estado
,
assim
como
se
contrapõe
m
ao
endividam
ento
deste
último
,
por
seu
investime
nto
n
as
po
lítica
s
volt
adas
à
seguridade
s
ocial.
E,
embora
n
ão
seja
objeto
de
uma
análi
se
apurada
pelo
filósofo
francês,
tanto
um
quan
to
o
utro
deslocam
ess
e
tipo
de
incl
usão
ai
nda
muito
m
arcad
o
por
sua
regra
negativ
a
–
a
de
não
exclusão
–
para
resta
belecer
cri
térios
acerca
do
limiar
da
pobreza
da
população,
da
desigualdade,
da
distribuição
da
renda
e
da
proteção
dos
t
rabalh
adores,
at
ravés
de
uma
c
ompensação
de
of
erta
de
serviç
os
públicos
de
saúde,
de
ed
ucação,
de
aposentadoria
etc.
Enfim,
teriam
encontr
ado
o
solo
fér
til
p
ara
a
proliferaçã
o
da
liberdade
e
o
mercad
o
de
trabal
ho
e,
depois
,
que
o
de
cons
umo
fosse
visto
como
o
me
io
para
que
a
ig
ualdade
se
efe
tuasse
segundo
as
c
apacid
ades,
o
mérito
e
as
competênc
ias
individu
ais,
evita
ndo
,
segu
ndo
suas
teorias
,
uma
horda
89
de
desordeir
os,
aproveitador
es,
ociosos
,
servido
s
po
r
uma
governam
entalida
de
e
statal
,
a
q
ual
,
ao
in
vés
de
sua
se
guridade
promover
o
arre
fecimento
das
lutas,
fomentava
-
as
em
no
me
de
um
a
ilimitada
democracia
(C
HAMAYIU,
2020).
No
ordoliberalismo
al
emão,
gestado
na
Escola
de
Friburgo
,
segundo
Foucault
(2008,
p.
143),
o
problema
é
o
de
“[...]
com
o
conseguir
articular
a
legitimida
de
de
um
Est
ado
com a
l
iberdade
dos
parceiro
s
econômicos,
admitindo
-
se
q
ue
a
segunda
deva
fundar
a
primeira”
ou
servir
-
lhe
de
caução.
No
contexto
após
a
Segunda
Guerra,
para
essa
perspectiv
a
governamental
,
trata
va-
se
de
reconst
ruir
a
Alemanha
de
um
modo
distinto
daqu
ele
q
ue
deu
hiper
poderes
ao
Estado
Nacio
nal
Socialista
,
po
r
um
l
ado,
radicalizando
os
questiona
mentos
a
uma
governa
mentalidade
estat
al
quase
ilimitada
frente
à
econ
omia
,
experienci
ado
s
durante
a
República
de
Weimar
,
e,
por
o
utro,
combatendo
suas
tentativas
recentes
de
restabelec
er
para
tal
governamenta
lidade
uma
racio
nali
dade
qu
e
corri
gisse
o
irraciona
lismo
do
mer
cado.
Desse
pon
to
de
vista
,
o
ordolibera
lismo
postula
ree
ncontrar
uma
“[...]
raci
onal
idade
eco
nômi
ca
que
vai
permitir
anular
a
irra
cionalidade
soci
al
do
capitalism
o”
(FOUCA
ULT,
2008,
p.
145),
ado
tand
o
como
estrat
égia
a
liberdade
do
me
rcado
c
omo
regulador
da
governament
alidade
estatal,
colocando
aquela
nos
cálculo
s
desta
e
co
mo
modo
de
limitação
dos
event
uais
excessos
cometidos
pelo
Estad
o.
Para
essa
espécie
de
neoliberalis
mo,
o
essenci
al
do
merc
ado
não
estar
ia
na
troca
nem
a
sua
equivalênc
ia,
mas
na
concor
rência,
assumindo
com
isso
um
a
política
produto
ra
de
desigualdade
,
na
medi
da
em
que
ela
estabelece
e
scalas
de
acum
ulação
de
riqueza,
atribuindo
a
sua
conquista
às
competênc
ias
individuais
.
Para
al
ém
do
q
ue
postulam
,
em
termos
de
90
política
econômica
,
é
preci
so,
contu
do,
lidar
co
m
essas
consequências
que
insuf
lam
partidos,
si
ndicatos
e
trabalh
adore
s
a
reagir
e,
também,
colocar
limites,
se
não
ao
acúmulo
de
riquezas,
ao
menos
à
pobreza
gerada
pela
sua
adoção
como
raci
onalid
ade
governa
mental.
É
n
essa
direç
ão
que
e
ssa
ve
rsão
do
neoliberalis
mo
desenvolv
e
um
estilo
governam
ental
vigilante
,
no
sentido
de
evitar
os
monopólios
decorr
entes
da
empresa
concorren
cial,
d
esenvolv
er
ações
regulado
ras
,
crian
do
mol
duras
que
interfira
m
sobre
setores
estra
tégicos
da
economia
e
políticas
sociais
q
ue
v
isem
à
man
uten
ção
de
um
poder
aquisitivo
mínimo,
cuidados
com
a
seg
uridade
individual
e a
sua
privatiza
ção.
Dessa
maneira
,
não
se
trata
de
buscar
promover
a
ig
ualdade
em
termos
jurídico
s
ou
o
pleno
em
pre
go
para
essa
dinâmica
con
correncial,
gar
antin
do
certa
proteção
da
socieda
de
do
merc
ado
–
co
mo
proposto
pe
lo
Est
ado
de
Bem
-
Es
tar
Soc
ial
–,
porém,
de
manter
requis
itos
m
ínimo
s
p
ara
a
concorr
ência,
protegen
do
aquela
de
ste
,
sem
o
dispêndio
da
governam
entali
zação
estat
al
e
a
adoção
de
uma
r
acion
alidade
sociológica
capaz
de
perscrutar
o
limiar
da
pobreza,
os
setores
que
mere
cem
regu
lação
e,
sobretu
do,
proteçã
o
pri
vadas.
No
que
concerne
às
políticas
sociais
do
ordoliberalismo
,
n
ão
há
refe
rências
direta
s
a
event
uais
políticas
inclusivas
,
nesse
momento
posteri
or
ao
pós
-
gue
rra,
na
Alem
anha.
Afinal,
as
dem
andas
decorren
tes
dos
diverso
s
movimentos
q
ue
reivindic
am
direitos
civis
para
se
integrar
à
gover
namentalid
ade
da
populaçã
o,
nos
quais
essas
políticas
se
apoiam,
somente
sur
gir
ão
de
maneira
mais
explícita
no
s
países
em
que
a
multiplici
dade
e
a
diversidade
cultura
l,
assim
como
as
lutas
en
tre
capital
e
trabalh
o,
se
mover
am
para
um
a
razão
governam
ental
q
ue
procurasse
desloc
á-
la
s
par
a
um
a
espécie
de
91
govern
o
das
diferenças
,
nos
termos
em
que
a
retrate
i
,
em
out
ras
ocasiões
(P
AGNI
, 2021),
onde
estas
fosse
m
vista
s
como
uma
ameaça
para
a
re
gulam
ent
ação
bio
política
e
necessit
asse
m
ser
evitada
s
a
t
odo
custo.
Não
se
trataria
de
evit
á-
las
pelo
uso
da
forç
a
policia
l
pres
ente
no
governo
da
população,
m
as
integrá
-
las
por
meio
de
uma
racio
nalid
ade
govername
ntal
que
compr
eendess
e
o
multicultu
-
ralismo,
of
erece
ndo
juridi
camente
a
cada
luta
em
pro
l
da
diversidade
o
reconh
ecimento
de
sua
identidade
co
mo
sujei
to
de
direit
o
e
aos
embates
trabalhista
s
um
a
re
gulação
q
ue
cada
vez
mais
respon
sabi
-
lizasse
o
trabalhado
r
pela
sua
própr
ia
empregabilida
de.
Em
contrapartida,
de
veriam
acatar
o
c
ampo
econômico
ao
redor
do
qual
concorrem
e
demonstra
m
a
sua
capaci
dade
e
se
u
val
or,
como
qualquer
outro
sujei
to
cap
az
de
prospe
rar,
de
se
distinguir
individualm
ente
no
me
rcad
o
e
de
se
satisfa
zer
co
m
o
con
sumo
propiciado
pela
renda
e
com
o
reconhecime
nto
so
cial
advindo
de
sua
prosperida
de
e
conômica.
De
fato
,
as
políticas
in
clus
ivas,
não
o
bst
ante
essa
possibilida
de
aberta
pelo
Welfare
State
,
ao
propor
maior
segurança
da
sociedade
em
relação
ao
me
rcado
an
te
a
crise
das
artes
liberais
de
governo,
decorre
m
de
ssas
de
mandas
emergentes
n
uma
conjun
tura
da
economia
política
neoliber
al,
a
q
ual
as
utiliza
racionalme
nte
,
para
que
os
princípios
regula
dores
do
me
rcado
adentrem
a
governamenta
lidade
biopolítica
da
população
e
as
diferença
s
entr
em
em
se
us
cálculo
s
de
biopoder,
co
nform
e
veremos
mais
adiante
.
Na
interpreta
ção
de
F
o
ucau
lt
(2008,
p.
199),
o
n
eolibe
-
ralismo
não
tem
o
papel
de
co
rrigir
os
efeitos
destruidores
do
m
ercado
sobre
a
sociedade,
m
as
inte
rv
ém
sobre
est
a
última,
na
sua
trama,
“[...]
para
q
ue
os
mecanismos
conco
rrenciais,
a
cada
instante
e
em
cada
92
po
nto
de
sua
esp
essura
social,
po
ssam
ter
o
papel
de
reguladores”
,
objetivando
com
isso
“[...]
a
constituiçã
o
de
um
regulador
de
merc
ado
geral
da
sociedade
.”
Es
se
é
um
traç
o
com
um
dos
neoliberalis
mos
an
alisados
por
ele,
porém,
cad
a
q
ual
tem
sua
particula
ridade
e,
a
me
u
juízo
,
sugerem
indí
cios
de
políticas
inclusivas
distintos
.
No
caso
do
ordolibera
lismo,
são
perceptív
eis
três
tend
ência
s
em
relação
a
essas
últimas.
A
primeira
se
refere
a
política
s
de
re
nd
a
destinada
aos
que
se
situam
no
limia
r
na
pobreza,
por
um
temp
o
determinado
ou
n
ão
,
em
raz
ão
do
desempreg
o,
refletindo
certa
desigualdade,
mas
oferecendo
con
diç
ões
para
que
esse
s
indivíduos
atendidos
tenham
o
portunidade
de
consum
o
e
de
se
requalificar
,
a
fim
de
ade
ntrar
ao
me
rcado
de
trabalh
o.
Essa
recoloca
ção
no
trabal
ho
implica
uma
segunda
tendência,
uma
ve
z
q
ue
a
seguridade
e
os
seus
fundos
advêm
do
invest
imen
to
privado,
conqu
istado
nos
períodos
de
emprego
,
e
de
sua
contribuiçã
o
finance
ira
individ
ual
,
p
ara
que
receba
atendimen
to
nesses
momentos
.
Sob
esse
aspecto
no
ordoliber
alismo
aind
a
se
comp
ensa
o
plen
o
empreg
o
com
essa
fo
rma
de
investim
ento
na
qualificaçã
o
profission
al
,
de
sorte
q
ue
a
seg
uridade
seja
coberta
pelo
próprio
trabal
hado
r,
culminand
o
para
isso
num
a
t
erceira
tendência
,
asso
ciada
à
composição
de
ssas
políticas
com
a
d
as
redes
públicas
de
saú
de,
de
educação
e
de
assistênci
a
socia
l,
com
seus
dispositiv
os
correcionais
em
relação
aos
doentes,
ao
s
idosos,
ao
acident
es,
as
deficiências.
Essa
tercei
ra
tendência
demonstra
que
o
n
ão
com
pleto
abando
no
de
formas
de
gove
rnamen
talização
instituídas
pelo
ordoliber
alismo
alem
ão
,
de
influ
ê
ncias
bism
arkiana,
keynes
iana
e
da
própria
soc
ial
-democracia,
as
quais
,
com
e
ssas
polític
as
so
ciais,
defendia
m
a
sociedade
do
mercado.
Sugere
também
q
ue,
co
mo
93
menciona
do
ac
ima,
se
referem
mais
às
polít
icas
sociais
b
astante
con
centradas
na
relaç
ão
capital
e
tr
abalho,
ac
ú
mul
o
de
riquez
a
e
limiar
de
po
br
eza,
do
q
ue
às
políticas
inclusivas
q
ue
se
propõ
e
m
governar
as
d
iferenças,
já
que
essas
par
ecem
ain
da
não
ser
vistas
como
uma
ame
aça
e
a
exclusão
,
com
reclusão,
isolam
ento,
interdição
daqueles
q
ue
se
desvi
am
da
norm
a
,
uma
consequênci
a
admissível
p
ara
tal
razão
governa
mental.
Contudo,
é
justam
ente
essa
face
do
ordoliber
alismo
ale
mão
que,
segundo
F
oucault
(2008,
p.
242),
acomp
anha
se
u
proje
to
de
uma
economia
de
mercad
o
concorr
encial,
acarret
ando
uma
“[...]
ren
ovação
instituciona
l
em
torn
o
da
revalo
rização
da
unidade
‘
empresa
’
como
agen
te
e
conôm
ico
fundam
ent
al
”
e,
com
isso
,
ren
ova
a
arte
lib
eral
de
governo
,
aprese
ntan
do
uma
re
sposta
à
su
a
crise
,
no
período
poster
ior
à
Segunda
Guerra.
Essa
respost
a
foi
disseminada
nas
décad
as
su
bsequentes
a
algun
s
países
euro
peus,
co
mo
a
França.
Ne
sse
país,
com
sólida
tradi
ção
sindical,
maior
pluralidade
de
partid
os
políticos
,
de
acirra
mento
consta
nte
d
as
lutas
entre
capital
e
t
rabalho
e
de
uma
economia
polític
a
ma
is
pr
óxima
ao
ke
ynesianismo,
os
impact
os
desse
projeto
de
econ
omia
e
de
sociedad
e
regul
ado
pelo
me
rca
do
encontr
a
m
um
terre
no
ma
is
árido
,
porém,
que
adent
ra
m,
afetan
do
particula
rmente
a
sua
seg
uridade
soc
ial
regida
pela
gover
namen
-
talizaçã
o
e
statal
e
pel
a
renúncia
ao
pleno
emprego
,
como
seu
mote
.
De
acord
o
com
o filósofo fra
ncês, o cre
scimento
do
desempr
ego
e
da
infl
ação,
assim
co
mo
as
dificuldades
de
equilíbrio
da
b
alança
comercial,
no
fina
l
dos
anos
1960
e
meados
de
1970,
teriam
ge
rado
o
que
se
denomi
nou
crise
no
regime
de
invest
imentos,
decorrentes
de
erros
nos
invest
imentos
e
do
que
com
eçou
a
se
aventar
como
de
uma
94
maior
reg
ulação
por
parte
do
merc
ado
da
g
overn
amentali
zação
estat
al
france
sa.
Foi
nesse
context
o,
seg
undo
F
oucault
(2008,
p.
271),
q
ue
“[...]
a
i
nte
gração
total,
sem
restrições,
da
economia
francesa
n
uma
economia
inter
na,
euro
peia
e
mundial”
apare
ce
como
única
maneira
de
poder
retifica
r
opç
ões
errôneas
de
investimento
feitas
no
períod
o
precede
nte
,
provo
cad
as
por
uma
rac
ional
idade
gover
namenta
l
dirigista.
Dentr
e
os
aspectos
questio
nados
desse
dirigismo
e
stavam
a
política
econômica
de
pleno
empr
ego,
o
combate
à
desv
aloriz
ação
e
uma
polí
tica
de
cobertura
social
de
riscos,
utiliza
da
como
um
mo
delo
de
guerra
ou
de
solidarieda
de
social
,
no
qual
a
go
vername
ntaliz
ação
estatal,
independente
mente
do
infortúnio
q
ue
event
ualmente
o
corra
para
um
a
pessoa,
exigia
que
a
coletivida
de
inteira
de
ve
sse
se
responsab
ilizar
por
ela.
Nesse
sentido,
frisa
Fouc
au
lt
(2008,
p.
273),
as
políticas
sociais
franc
esas
que
até
en
tão
eram
de
“c
onsum
o
colet
ivo”,
vol
tadas
para
a
“redistr
ibuição
de
re
nda”
e
p
ara
o
“
con
junto
da
po
pulação”,
“com
apenas
al
guns
setores
privileg
iados”,
de
ntre
eles
o
d
as
famílias
,
começam
a
ser
criticadas
como
um
campo
e
quivocado
de
investimen
tos,
atingindo
diretamente
os
gastos
estatais
com
a
seguridade
social.
No
enta
nto
,
o
neoliber
alismo
francês
in
staurado
por
Giscard
d
’Estaing
se
p
autará
numa
se
paração
e
n
tre
a
política
econômica
que
faculta
o
crescime
nto,
a
empregab
ilidade
e
o
con
sumo
interno
, e
a
solidariedade
e
a
justiça
socia
l,
propond
o
a
existência
de
dois
sistemas
supostamen
te
impermeáveis
ent
re
si
e
susten
tados
em
um
princípio
de
não
e
xclusão.
Contud
o,
haveria
algo
em
com
um
entre
a
economia
e
a
sociedade,
o
m
ercado
e
a
governamentalida
de
estatal,
t
al
q
ual
n
as
demais
form
as
de
neoliber
alismo,
a
saber:
o
de
que
95
a
economia
é
um
jogo,
o
qual
permeia
toda
a
sociedade,
se
desenvo
lve
entre
parceiros
e
que
cabe
ao
Est
ado
definir
as
suas
regras.
Salienta
Foucault
(2008,
p.
278):
Quais
s
ão
essas
regras?
Elas
devem
ser
tais
que
o
jogo
econômic
o
seja
o
mais
ativo
possível,
q
ue
benefic
ie,
por
consegui
nte,
o
ma
ior
nú
mer
o
possível
de
pessoas,
com
simple
smente
-
e
é
aqui
q
ue
vamos
ter
a
superfície
de
contato
s
em
penetraç
ão
real
do
econômico
e
do
soc
ial
-
uma
regra,
uma
regra
de
cer
to
mo
do
suplementar
e
incondicio
nal
no
jog
o,
a
s
aber
,
de
que
d
eve
ser
imp
ossível
que
um
dos
parc
eiros
do
jogo
e
conômico
perca
tudo
e,
por
causa
disso,
não
possa
mai
s
continua
r
a
jo
gar
.
Cláusu
la,
po
r
assim
diz
er,
de
salvaguarda
do
jogad
or,
reg
ra
limitativa
que
não
alter
a
em
nada
o
desenr
olar
do
jogo,
mas
impede
que
alguém
fique
total
e
definitivamente
for
a
de
jogo.
Espécie
de
contrato
so
cia
l
ao
revés:
no
contrato
social,
fazem
pa
rte
da
sociedade
os
que
ace
it
am
o
co
ntrato
e,
virtualmente
ou
em
ato,
o
as
si
nam
,
até
o
momento
em
que
del
e
se
e
xc
lu
em.
Na
ideia
de
um
jo
go
eco
nômic
o
há
o
seguin
te:
ninguém
originari
amente
part
icipa
do
jogo
econ
ômico
por
qu
e
qu
er,
por
consegui
nte
cabe
a
sociedade
e
a
re
gra
do
jogo
imp
osta
pelo
Esta
do
faz
er
que
nin
gu
ém
sej
a
excluído
de
sse
jogo
no
qual
esta
pessoa
se
viu
envolvi
da
sem
nunca
ter
desejad
o
explici
tamente
part
icipar
dele
[...].
A
regra
da
não
excl
usão
emergente
do
jogo
e
conômi
co
,
a
se
r
garant
ida
pela
governa
mentalizaçã
o
estatal
,
é
justamen
te
o
pont
o
de
contato
e
ntre
o
mercado
e
o
Estado
,
no
neolibe
ralismo
fr
ancês,
segundo
esse
autor.
Para
t
ant
o,
o
ap
arelh
o
e
statal
deveria
garan
tir
a
96
participa
ção
nesse
jo
go
econômico
e
uma
segurid
ade
soci
al
q
ue
funci
onasse
seguindo
essa
regra
inclusiva,
por
assim
dizer,
para
q
ue
todos
se
integrassem
coleti
vamente
ao
merca
do,
l
ug
ar
onde
se
obtém
a
ren
da
n
ecessária
para
o
cons
umo,
o
capital
p
ara
in
vestime
ntos
acert
ados
e
a
co
ncorrência
q
ue
permite
o
l
ivre
desem
penho.
Não
fo
i
à
toa
a
adoção
de
medidas
de
política
econ
ômica
,
na
França
, como
as
relac
ionad
as
ao
imposto
negativo,
isto
é,
um
subsídio
de
sti
na
do
à
populaçã
o
cuja
ren
da
seria
insu
ficiente
p
ara
um
determinado
n
ível
de
consumo,
sobretudo
para
que
poss
ibilitassem
se
recoloc
ar
em
termos
de
trabal
ho
e
se
rein
troduzir
no
jogo
econômi
co.
Segura
mente,
essas
medidas
deve
riam
abran
ger
a
todos
dessa
populaçã
o
,
sem
faz
er
com
que
el
a
d
e
sse
p
referência
ao
ben
efício
concedido,
em
ve
z
do
trab
alho
,
e
a
um
m
odo
de
existência
assisten
cial
,
mais
do
que
ao
jogo
econômic
o,
com
ressalva
s
aos
ca
sos
dos
idosos
e
do
s
deficientes
,
a
quem
o
auxílio
estatal
rep
resentaria
uma
co
mpensação
das
políticas
sociais
c
usteadas
pelos
fun
do
s
de
aposentador
ia
e
assist
encial,
respect
ivament
e.
Embo
ra
a
questão
seja
de
es
colh
a
ent
re
benefício
conce
dido
e
t
rabalho
,
assist
ência
e
economia
,
segu
ndo
e
ssa
ótica
neolibera
l
,
o
importante
seri
a
q
ue
to
dos
tivesse
m
uma
rend
a
que
lhes
permitiss
e
c
erto
n
ível
de
co
ns
umo
,
devend
o
as
política
s
sociais
atuarem
p
ara
tal,
cumprindo
um
papel
regulado
r,
de
solidariedade
e
de
compromisso
com
a
mobilidade
de
ssa
mesma
popula
ção
assistida
provi
sória
ou
permanent
emente.
Se,
anal
ogament
e
ao
o
rd
oliberalismo,
essa
políti
ca
soc
ial
neoliberal
se
ocup
a
do
limiar
de
pobreza
,
p
ara
não
ce
if
ar
a
ren
da
e
o
consumo,
necessári
os
ao
jogo
econômic
o,
de
mo
do
distinto
ad
ota
como
princí
pio
um
a
não
exclusão
e,
ain
da
q
ue
de
fo
rma
parci
al
ou
neg
ativa,
uma
inclusã
o.
O
q
ue
salta
aos
olhos
é
que
inclusão
aqu
i
se
97
refere
a
uma
regra
do
jo
go
econômic
o
par
a
que
todos,
independen
temente
de
sua
co
ndição
(desempregad
o,
idosos
,
deficientes),
possam
at
uar
no
mercad
o,
consumir
me
rcadori
as
no
limiar
definido
co
mo
adequado
para
a
própria
polí
tica
econômica
e
por
esse
tipo
de
racion
alidade
gover
namenta
l
neolib
eral.
Não
se
trat
a,
portanto,
de
uma
amplia
ção
da
participa
ção
da
povo
ma
is
pobre
nem
da
populaçã
o
q
ue
necessita
de
assist
ência
par
a
o
seu
govern
o
biopolít
ico,
muito
menos
na
cena
pública
e
na
vida
política
,
m
as
de
int
egração
a
um
jogo
econômico
e a
um
a
de
sua
s
regras
,
que
cabe
ao
Estado
g
aranti
r
a
todos,
co
m
vistas
a
que
cada
um
possa
re
spirar
certos
ares
de
liberdade
,
em
sua
atuação
no
jogo
concorrencial
do
mercado,
a
satisfazer
se
us
desejos
com
produtos
em
ci
rculação
e
a
ter
sua
prosperida
de
ostentada
pe
lo
consu
mo
e
m
edida
pe
la
sua
ren
da.
Nesse
sentido,
o
que
importa
é
n
ão
excluir
esse(s)
povo(s)
do
jog
o
econômic
o,
do
me
rcado
e,
portanto,
de
sua
con
dição
de
sujeito
econômic
o
–
e
não
mais
de
direitos
–,
com
séri
as
implicações
jurídic
as,
morais
e
políticas
.
Afinal,
uma
vez
satisfeita
essa
c
ondi
ção
econômica
,
a
responsa
bilidade
est
atal
chega
ao
limit
e
,
tanto
econômic
o
q
uanto
polític
o
,
de
sua
raz
ão
governamental,
pode
ndo
se
restringir
a
esse
mínim
o
,
qua
nto
às
suas
políticas
sociais.
A
de
nominação
Estad
o
mí
ni
mo
,
empregada
para
designar
o
neoliberalis
mo
,
se
aplica
diretamente
à
minimizaç
ão
das
políticas
sociai
s,
justific
ad
a
pelos
seus
altos
custo
s
,
do
po
nto
de
vi
sta
econômic
o,
muitas
vezes
ignorando
q
ue
numerári
o
bem
m
aior
é
investido
p
ara
a
governam
ent
alização
estatal
com
a
re
gulação
do
merc
ado
financeiro,
as
p
erdas
de
arr
ecadaç
ão
fiscal
co
m
instituiç
ões
finan
ceiras,
com
grandes
proprietários
e
fortun
as,
maximizando
a
atuação
do
Est
ado,
especialmente
nos
setor
es
da
economia
que
o
98
aglutinam
e
no
capital
finance
iro.
O
me
smo
se
refere,
segundo
Cham
ayou
(2020),
qu
ando
essa
relação
do
livre
merc
ado
é
desestab
ilizada
por
uma
democracia
sem
limites,
gerand
o
osci
lações
e
crises
econômicas,
em
virt
ude
dessa
dimensão
política
da
gove
rnamen
talização
estatal,
exigindo
de
sse
ap
arelho
uma
inte
rvenção
totalitária
,
como
ocor
reu
em
vário
s
países
da
América
Latin
a,
como
o
Chile,
o
qual
servi
u
de
labora
tório
p
ara
experiência
global
neoliber
al
,
durante
os
ano
s
1970.
Voltaremos
a
esse
ponto
,
no
tercei
ro
ca
pítulo,
qua
ndo
nos
referir
mos
aos
modelo
s
neolib
erais
e
de
políticas
de
inclu
são
adotados
em
nosso
país
;
mas
,
an
tes,
gost
ar
íamos
de
expor
a
radic
alidade
do
neolibera
lismo
e
staduniden
se
ou
o
chamad
o
anarcolib
eralismo
protagon
izado
pela
Esco
la
de
Chicago
,
segundo
a
ótica
foucau
ltiana,
que
posteriorme
nte
ganhou
o
m
un
do
globaliza
do,
figuran
do
des
de
ent
ão
c
omo
uma
política
econômica
à
qual
rarame
nte
países
depend
entes,
periféricos
o
u,
mesmo,
do
Sul
conseguir
am
escapar.
Diferen
temente
das
polític
as
neol
iberais
anter
iores,
con
forme
Foucault
(2008),
o
neolibera
lismo
nos
Est
ados
Unidos
não
decor
re
somente
de
um
a
tentati
va
de
desvenci
lhament
o
dos
cust
os
das
políticas
sociais
e
de
se
us
efeitos
políticos
provoc
ados
pelo
Welfare
State
,
mas
de
uma
co
njuntura
e
de
uma
história
de
formação
econômica
particulares
.
Essas
particularida
des
se
re
lacio
nariam
,
se
não
a
uma
racio
nalid
ade
go
vername
ntal,
ao
menos
a
uma
t
radição
em
que
o
liberalismo
“[...]
é
toda
uma
maneira
de
ser
e
de
p
ensar”,
isto
é,
um
a
“[...]
rel
ação
entre
governan
tes
e
governad
os,
muito
mais
do
que
uma
técnica”
de
uns
em
rel
ação
aos
outro
s
(FOUCA
ULT,
2008,
p.
301).
É
por
isso
que,
diferen
temente
da
Fran
ça
,
onde
as
ques
tões
se
con
centram
em
to
rno
dos
serviços
públicos
,
naquele
país
,
o
99
problema
da
liberdade
n
ão
se
aprese
nta
co
mo
“uma
alterna
tiva
política”
,
mas
co
mo
uma
“[...]
espécie
de
reivind
icação
glo
bal,
multiform
e,
am
bígua,
com
ancora
gem
t
anto
à
direita
quanto
à
esquerda
.” (2008,
p.
301).
Além
de
n
ão
se
concentrar
em
tor
no
das
lutas
ent
re
capita
l
e
trabalh
o
protagonizada
pelos
sindicatos,
o
Ne
w
De
al
no
rte
-
ameri
cano
foi
produzido
po
r
lutas
a
propósito
da
ampliação
de
direitos
civis
p
ara
a
populaçã
o
negra
e
latina,
em
rede
com
outros
movimentos
de
out
ros
sujeito
s
de
intere
sses,
dent
re
eles
as
comunidades
lo
cai
s,
os
gays
,
as
lésbi
cas,
os
deficientes,
den
tre
outras,
a
partir
do
s
an
os
1970.
Por
meio
da
go
vernam
ental
ização
estatal,
e
sses
sujei
tos
alçam
à
c
o
ndi
ç
ão
de
ter
seus
direitos
rec
onhecidos
juridicame
nte,
inclusive,
p
ara
terem
segurança
e
exercerem
sua
libe
rdade
enquanto
sujei
tos
econômicos
,
engendr
ando
uma
situ
ação
distinta
de
emer
gência
do
neoliberalism
o,
diante
da
crise
liberal
produzida
pelas
de
mand
as
particulares
daqueles
moviment
os
so
ci
ais,
distri
buídos
lo
calme
nte
,
em
fun
çã
o
de
sua
fo
rça
ingovern
ável,
de
nt
ro
do
mode
lo
federativo
es
tadunidens
e.
Nesse
contexto,
a
governamen
talização
estat
al
encon
trou
condiç
ões
favoráveis
para
a
fabri
cação
de
políticas
sociais
,
des
de
os
anos
1960,
de
stinad
as
a
governar
a
diversidade
par
ticular
de
sua
form
ação
cultural,
admini
strando
as
suas
dem
andas
por
direitos
civis
e
negocia
ndo
ou
neutraliz
ando
a
adesão
dessa
po
pulação
que
se
se
nti
a
segrega
da,
graç
as
às
tecnol
ogias
sociais
de
in
clusão
,
co
nforme
anali
sado
em
outra
ocasião
(PAG
NI,
2019a)
e
retomado
p
ara
salientar
a
sua
rele
vância
,
ao
de
marcar
uma
raci
onal
idade
utilizada
para
governar
as
diferenç
as.
Este
pare
ce
ser
um
marco
referencial
,
genealog
icamente
import
ante,
para
se
compree
nder,
se
não
as
políticas
,
ao
menos
os
dispositivos
de
inclusão
q
ue
favore
ceram
100
taticamen
te
e
fo
ram
incrementados
estrategica
mente
pela
racio
nalid
ade
governa
mental
neo
liberal
forj
ada
nos
Est
ados
Unido.
Centra
da
na
teoria
do
capital
humano,
de
ac
ordo
com
Foucault
(2008),
tal
racio
nali
dade
propugn
aria
q
ue,
distintamente
de
sua
força,
o
trabal
ho
comportaria
um
capital,
isto
é,
“um
a
aptidão,
uma
competência”
,
convertend
o
aquele
q
ue
o
executa
,
distribuíd
o
em
seus
fatores
físicos
e
psicológicos
,
em
uma
“máquina”
,
e
o
se
u
produto
em
uma
r
enda
,
a
qual
,
por
sua
vez,
se
ria
destinada
ao
c
on
sumo.
Enquan
to
“máq
uina”
,
haveria
uma
“duração
de
vi
da”
;
o
corpo
teria
também
uma
“utilizib
ilidade”,
com
sua
“obsolesc
ência”
e
“envelh
ecimento”
,
deve
ndo
ser
consid
erado
conjuntamente
co
mo
parte
da
durabilidade
de
sse
capital,
com
a
competência
do
trabalh
ador,
que
lhe
fac
ultaria
maior
ou
menor
re
nda,
mais
ou
menos
consumo,
maior
ou
men
or
status
e,
por
conseguin
te
,
r
econhecim
ento
social
como
o
h
umano
d
esse
capital
(2008,
p.
309).
Um
h
umano
é
verdade
q
ue
já
se
fun
de
num
h
omo
oecon
omicus
,
que
não
é
somen
te
movido
pelo
consumo,
pelo
reco
nheciment
o
so
cial
pelo
i
nte
rcâm
bio
do
capita
l
acumulad
o
e
que
o
defi
ne
com
o
hum
ano,
como
também
é
objeto
de
investimento
afetivo,
finance
iro,
conforme
sua
con
dição
e
possibilida
des
,
nesse
jo
go
econômic
o.
Para
gerir
tal
investimento
,
seria
preciso
compreend
er
segundo
essa
teoria
a
composição
desse
capital,
distr
ibuindo
em
uma
composição
de
um
núc
leo
inato,
hereditário
ou
ge
néti
co,
advindo
com o
nascime
nto,
com
outro
formado,
adquir
ido
ao
long
o
da
vida
e
que
o
qualifica
m
por
su
as
competências,
ante
s
do
q
ue
somente
suas
capaci
dades.
Ou
seja,
a
“máquin
a”
é
constituída
por
um
equipamento
genétic
o
com o
q
ual
nasce
mos,
um
co
rpo
que
indica
,
de
aco
rdo
com
suas
capac
idades
,
at
é
onde
se
pode
chegar,
o
que
se
po
de
ag
uentar,
e
101
que
se
tr
ansform
a,
se
incrementa
,
conforme
os
sab
eres
com
os
quais
se
relac
iona,
as
tecnologias
que
apre
nde
e
manipula,
acumul
ando
ou
agrega
ndo
ao
capital
valor
es
que
o
qualificam
,
segu
ndo
a
pro
cura
e
a
ânsia
por
ino
vação
do
merca
do.
Nesse
aspecto,
o
da
aquisiçã
o
desses
valores
e
de
qualif
icação
do
capital
,
é
que
o
huma
no
se
div
ersifica,
distinguind
o
-
se
em
ter
mos
econômicos
, conforme a
renda
obtida
e o
consum
o
prop
iciado.
Nesse
campo
também
o
ca
pital
é
tribu
tário
dos
maiores
e
dos
menores
investimentos
financeiros,
sendo
que
a
educaç
ão
ocup
a
um
luga
r
estratégico
nesse
jogo
econômico,
na
medida
em
que
o
qualifica
para
o
in
terc
âmbio,
para
a
disputa
,
enquant
o
jogador
,
e
para
a
inovação
dos
l
ance
s,
com
consequent
e
melhor
obtençã
o
de
resultad
os,
se
ja
a
renda
para
o
consumo,
seja
a
acumul
ação
fi
nance
ira.
Contudo,
seg
undo
o
fil
ósofo
francês,
o
equipament
o
genético,
o
cuidado
com
sua
p
rog
ramação
e,
se
necessá
rio,
correção,
são
igualmente
cen
tra
is
p
ara
q
ue
a
vida
aí
pulsante
possa
ser
medid
a
quanto
às
suas
possibil
idades,
aos
se
us
riscos
e
eventuais
in
ve
stimen
tos
:
[u]m
dos
int
eresses
atuais
da
aplicação
da
gen
ética
às
populaç
ões
humanas
é
possibilit
ar
rec
onhecer
os
indivíd
uos
de
risc
o
e
o
tipo
de
ris
co
que
os
ind
ivíduo
s
corr
em
ao
longo
da
exi
stência.
[...]
a
par
ti
r
do
mo
mento
em
que
se
pode
estabel
ecer
quais
são
os
indivídu
os
de
risco
e
quais
s
ão
os
ri
scos
para
que
a
união
de
indiv
íduos
de
risco
produza
esta
produ
za
um
indiví
duo
que
terá
esta
ou
aquela
caracter
ística
de
que
será
por
tad
or,
pod
e
-
se
p
erfei
tamente
imaginar
o
seg
uinte:
que
os
bons
equipamentos
genéticos
–
isto
é,
[os
]
que
pod
erão
produzir
indiv
íduos
de
ba
ixo
ri
sco
não
ser
á
noc
ivo
,
nem
par
a
el
es,
nem
par
a
os
seus,
nem
102
para
a
socieda
de
–,
esses
bons
eq
uipamento
s
genétic
os
v
ão
se
tornar
uma
coisa
rara,
e
na
medida
em
que
s
erá
uma
coisa
rara
p
od
erão
per
feitamente
[entrar
],
e
s
erá
perf
eitamente
normal
q
ue
entrem,
em
circuitos
ou
em
cálculos
econ
ômicos,
i
sto
é,
em
opções
alter
nativas.
(2008
,
p.
313).
Ao
ent
rar
nesse
circuito
do
cálculo,
a
pro
dução
desse
s
indivídu
os
com
“e
quipamentos
genét
ico
s
raros”
e,
portanto,
que
exigem,
se
n
ão
menos
investimento,
uma
maior
potencialida
de
para
sair
à
fren
te
na
concorrência
n
eolibera
l,
reg
ula
as
uniões,
a
escolha
dos
parceiro
s
matrimoniais,
assim
como
as
condições
pa
ra
se
ter
um
filho,
visto
que
ser
ão
consid
erad
a
s,
nessa
métrica
,
as
própria
s
c
ondiç
ões
here
ditárias,
cult
urais
e
socioeconômicas
dos
côn
juges.
Não
se
trata
,
nesse
cuidado
gerencial
com
os
equipamen
tos
genét
icos
e
sua
reproduç
ão,
segundo
Fouc
aul
t
(2008,
p.
314),
de
uma
reediçã
o
“no
s
termos
tradicionais
do
rac
ismo”,
m
as,
ao
contrário
,
de
contro
lar,
de
filtrar
e
de
melhor
ar
o
capita
l
hum
ano
do
s
indivíduos,
com
essa
utilizaçã
o
da
genética
e
do
aprimoramen
to
de
se
u
equipamento.
O
racismo
,
ao
que
par
ece,
porém,
atu
a
de
outra
fo
rma.
Não
por
meio
de
suas
po
lítica
s
sociais
ou
de
sua
om
issão
,
por
parte
da
gove
rnamen
talização
es
tatal,
que
conc
orre
para
a
excl
usão
de
setor
es
específic
os
da
população,
como o
g
rifado
anteriormente
com
o
o
povo
caótico
q
ue
se
ar
reg
imen
ta
à
margem
desse
objeto
de
governo,
mas
pelos
dispositiv
os
de
subjet
ivação
que
a
apoiam,
mesmo
q
uando
se
dizem
inclusivo
s,
e
que
funciona
m
por
segregação
do
outro
,
para
a
afirmaç
ão
de
uma
existência
individua
l
totalizadora.
Como
v
eremos
,
essa
é
uma
condi
ção
impr
escindíve
l
para
o
apri
moramento
do
ca
pital
humano,
descentr
alizando
o
racis
mo
de
Estado
e
ramificando
-
o,
já
103
que
se
t
orna
parte
de
um
modo
de
exist
ência
e
uma
subje
tivação
que
funciona
median
te
dispositivos
que
cris
talizam
devires
majoritár
ios
em
si
mesmos,
c
omo
complemento
a
toda
dominação
enc
etada
na
esfera
pública
de
identidades
majoritá
rias
–
homem,
hetero,
branco,
classe
média
al
ta,
d
entre
outros
–
con
tra
os
ch
amados
moviment
os
minoritár
ios
que
se
i
nsurgem.
Afinal,
aquel
es
representa
m
a
normalidade
instituída
pela
biopolítica,
mes
mo
diante
da
l
iberação
desses
e
de
sua
c
aptura
pe
la
raci
onali
dade
governam
ental
neoliber
al
,
para
evitar
que
as
lutas
travadas
por
esses
mo
vimen
tos
civis
,
co
m
sua
multiplicida
de
e
tr
ansversali
dade
,
aprofun
de
m
os
parad
oxos
de
ssa
política
da
vida
e
despertem
os
devires
minoritário
s
nas
existências
singul
ares
de
c
ada
indivíduo
e
n
as
formas
co
muns
que
p
roduzem
,
com
seus
encontros
.
É
e
ssa
outra
fo
rma
de
r
acismo
,
segundo
Deleuze
e
Guattari
(2004),
que
p
arece
prep
onderar
,
dessa
man
eira,
no
âmbito
do
s
modos
de
existê
ncia
neol
iberais
,
po
r
assim
dizer,
ainda
que
h
aja
aí
também
um
jogo
b
astante
flexível
en
tre
os
dispositivos
de
segurança
e
as
arte
s
liberais
en
saiadas,
sendo
talvez
e
ssa
flexibilidad
e
q
ue
relativize
excess
ivamente
a
vida
qu
e
pulsa
ne
ssas
existência
s,
tornando
-a
esvazi
ada,
objeto
de
um
maquinismo
coletiv
o
ou,
mesmo,
de
uma
máquina
abstrata
de
rostidade.
Embor
a
a
perspectiva
da
teoria
do
cap
ital
h
umano
não
afaste
atitudes
racist
as
ad
vindas
de
tal
uso
da
genética,
portanto,
o
que
t
orn
a
objeto
de
disputa
po
lí
tica
nesse
m
odo
de
neoliberalis
mo
é
o
gerenciame
nto
do
aprimor
amento
de
sses
equipame
ntos
,
dado
com a
aquisiç
ão
de
capital
cul
tural
q
ue
os
c
apacitam
e,
sobretu
do,
de
tecnologia
s
que
os
qualific
am
para
conc
orrer
e,
liv
reme
nte
,
atuar
com
o
ca
pital
f
ormado,
i
nicialmente,
no
j
ogo
econômico.
Por
isso
,
a
104
educaç
ão,
respons
ável
pela
a
quisição
do
capital
humano,
se
apres
enta
como
um
setor
estratégic
o
ne
sse
g
eren
ciam
ento
da
vida
,
matizado
por
essa
racion
alidad
e
gov
ernamenta
l,
pois
é
vista
como
uma
prática
cujo
investimen
to
correto,
em
termos
financeiros,
po
de
trazer
maior
ou
menor
retorno
ou
l
ucro
par
a
os
investidores
e,
con
sequ
entem
ente,
para
t
oda
a
sociedade
,
na
m
edida
em
que
todos
se
co
nvertam
em
capital
humano,
sejam
a
nálogos
aqueles
que
inv
estem
ou,
mais
precisamen
te,
seja
m
empreendedor
es.
N
esse
caso,
seri
a
p
reci
so
qualificar
o
que
seri
a
e
sse
“investim
ento
educacional”,
isto
é,
s
egundo
Foucault
(2008,
p.
315),
não
que
se
esper
e
os
neoliberais
p
ara
medir
os
efeitos
desse
investimen
to,
mas
para
compreendê
-
los
,
num
sentido
mais
amplo
e
variado
do
“simpl
es
apren
dizado
escolar
”
ou
“profissio
nal”,
no
sentido
estrit
o
da
qualifica
ção
da
mão
de
obra
para
o
trabal
ho.
Tratar
-
se
-
ia
de
“constituiçã
o
de
uma
competência
-
máq
uina”,
a
q
ual
se
calcula
de
sde
os
investim
entos
afetivos
dispen
sados
pelos
pais
a
se
us
filhos,
medidos
pe
lo
tempo
passado
junto
s,
até
os
cu
idados
,
em
função
do
n
ível
cultural
dos
proge
nitores,
que
facul
tam
maior
ou
menor
aquisição
de
cultura
pelas
crianç
as
e
jovens
,
passando
pelo
gerenciame
nto
das
questões
r
elaci
onadas
à
s
aúde,
à
reabilitação,
responsá
veis
pela
f
or
maç
ão
inicial
de
seu
capital
humano
e,
particula
rmente,
de
uma
atitude
empreendedor
a
q
ue
d
aria
prosseguime
nto
c
ontin
uad
o
a
t
al
formação
,
na
escola
e
em
o
ut
ras
instituiç
ões.
O
aprendiza
do
esc
olar
es
tabeleceria
,
para
tal
teoria
,
essa
linha
de
continuidade
na
fo
rmação
de
competência
s
a
se
r
agregada
a
essa
máquina
e,
dada
a
sua
r
acio
nalid
ade
empresaria
l,
reprod
uzir
essa
aptidão
empreendedor
a
em
se
us
alunos.
Isso
implicaria
faz
ê
-
los
105
aprender
a
empreend
er
a
si
me
smos,
se
não
c
omo
um
capital
real,
como
um
eu
virtual
que
proj
eta
a
concorr
ência,
a
aut
o
s
supe
ração
dos
limites
e
déficits
individua
is,
a
ino
vação
nece
ssária
ao
jogo
econômic
o
–
lug
ar
da
conquista
de
sua
autonomia
e,
ao
me
smo
tempo,
do
reconhec
imento
so
cia
l
como
suje
ito
prósp
ero,
po
rque
empreendedor
,
empreend
edor
po
rqu
e
ativo,
ativo
po
rque
replicante
dessa
competênc
ia
-
máquina.
Ao
mesmo
tempo
,
essa
máquina
teria
de
se
mostrar
flexível,
capaz
de
i
novar
-
se
com
o
ingresso
de
atores
ou
jogador
es
novos,
suje
itos
do
recon
hecimento
ou
da
justiça
social,
como
os
negros,
os
deficient
es,
os
imigrantes,
as
mulhere
s,
de
nt
re
outros
g
rupos
min
oriz
ados
que
aspiram
a
esse
lug
ar
no
jogo
jurí
dico,
mas
também
no
econômi
co.
Aliás,
são
e
sses
suje
itos
que
se
to
rn
am
paradi
gmas
de
cert
a
racion
alidade
e,
principalment
e,
de
ssa
ideia
de
que
todos
são
in
vestid
ores,
todos
são
empreen
dedores,
ao
menos
de
si
mesm
os.
Foucault
(2008,
p.
317)
utiliza
,
para
i
sso
,
o
migr
ante
nos
Estado
s
Unidos
como
exemplo:
[...]
o
mig
rante
é
um
i
nvestidor
.
Ele
é
empr
esário
de
si
mesmo,
q
ue
faz
um
c
er
to
númer
o
de
des
pesas
de
investi
mento
par
a
obt
er
c
er
ta
mel
horia.
A
mobilida
de
de
uma
populaçã
o
e a
capacida
de
que
ela
tem
de
faz
er
opções
de
mobilidade,
que
são
op
ções
de
investi
mento
p
ara
o
bt
er
uma
melhor
r
enda,
tudo
iss
o
permite
reintroduzir
ess
es
fenôme
nos,
não
c
omo
pur
os
e
simples
ef
eitos
de
mecanis
mos
econômic
os
q
ue
s
uperariam
os
indiv
íduos
e,
de
certo
mod
o,
os
l
igariam
a
uma
imen
sa
máqui
na
que
el
es
não
do
minariam;
permite
anali
sar
tod
os
esses
comportamento
s
em
termo
s
de
empree
nd
imento
106
individ
ual,
de
empr
eendimento
de
si
mes
mo
com
investi
mentos
e
renda.
O
exemplo
é
intere
ssante
e,
se
o
comp
ararmos
ao
model
o
francês
em
q
ue
a
deficiência
é
al
go
a
ser
evitado,
parece
se
delinear
um
para
digma
de
in
clusã
o
no
qual
se
empree
nder
é
auto
s
superar
os
próprios
limites,
dese
jar
sempre
mais
,
segundo
os
critérios
da
prosperida
de
econô
mica
e
metrifica
da
p
elo
consum
o,
im
plicand
o
inclusive
aqueles
indivíduos
q
ue
se
sentem
f
ora
do
governo
da
populaçã
o,
à
sua
margem,
que
r
por
suas
cond
ições
socioecon
ômicas
ou
culturais,
quer
por
suas
condições
de
gên
ero,
étnico
-
raciai
s,
de
deficiência
o
u,
mesmo,
outras.
No
c
aso
da
deficiência,
a
moeda
de
troca
é
assum
ir
uma
postura
exemplar
de
autossupe
ração,
como
retrat
ado
em
outra
ocasião
(PAG
NI,
2019a),
mostrar
-
se
como
competênc
ia
-
máquina,
me
smo
que
suas
condições
h
ered
itárias
ou
corporai
s
a
presente
m
um
a
lto
risco
de
investime
nto,
mas
o
que
importa
é
se
articular
à
maquinaria
in
stitu
cional
parametrizada
por
uma
racion
alidad
e
gerenc
ial
e
po
r
empreen
dedoris
mo
com
o
fo
rm
a
de
existência
.
Conjuntame
nte
aos
demais
registros
identitári
os
da
diferença
o
u,
simples
mente,
das
políticas
de
diversidade
,
o
q
ue
est
á
em
j
ogo
nessa
racio
nalidade
e
subjet
ivação
é
o
endivida
mento
real
,
econômic
o.
Vários
desse
s
segmentos
da
população,
em
geral
setore
s
minorizad
os
pel
a
go
vername
ntaliz
ação
estatal,
ao
investirem
em
sua
educaç
ão,
suas
próprias
e
de
seus
filhos,
em
países
como
os
Estado
s
Unidos
,
a
ssume
m
créditos
impagáveis,
s
imilares
aos
imo
biliá
rios,
aos
quais
se
sujeitam
e
veem
s
uas
existências
se
rem
consumidas
pe
lo
pagam
ento
d
essas
dívidas
individuais,
n
ão
as
trat
and
o
como
polít
ica
107
econômica
ne
m
como
uma
governamentalidade
a
ser
as
cendente
ou
transv
ersalmente
combati
da
por
esse
povo.
Ao
mesmo
tempo,
essa
dívida
min
a
qualquer
disposi
ção
subje
tiva,
como
fo
rm
a
de
resistên
cia,
de
rebeldia
ou
de
ingovernab
ilidade,
um
a
vez
q
ue
os
mecanismos
dessa
maquinaria
m
ais
ampla,
os
seus
dispositivos
de
subje
tivação
remetem
a
uma
minorização
ontológica
que
os
faz
se
sentir
menos
(SILVA
;
ALMEIDA
;
PAGNI,
2021),
e
não
mais
(potentes),
empoder
ando
-
se
p
ara
esse
modo
de
existência
neoliberal
(CHAMA
YOU,
2020)
e
se
esqui
vando
da
criação
de
se
us
m
odos
outros
de
potencializaçã
o
das
diferenças
que
constituem
o
corpo
comum
.
A
estratégia
adot
ada
pela
r
acion
alidade
neoliber
al
da
biopolít
ica
é
a
de
gove
rnar
essas
diferenças
,
de
sorte
a,
estrategica
mente,
sep
ará
-
las
,
aproveitando
se
us
movimentos
ascend
entes
de
governa
mentalidade
desenv
olvidos
pel
o
corpo
comum
,
em
geral,
po
stula
dos
por
razões
bioidentitár
ias
,
no
sentido
de
garan
tir
direitos
às
s
uas
condições
de
sujeito
s
relativa
s
às
ide
ntidades
étn
ico
-
raciais
,
de
gênero,
de
orie
ntação
se
xual
ou
de
deficiência
(e
m
suas
diversas
disfunciona
lidades
sin
gulares
ou
múltiplas),
assim
com
o
produzida
s
por
agrupa
mentos
e
movi
mento
s
soci
ais,
por
vez
es
marcado
s
pela
auto
produção
de
biossociabilidades
,
isto
é,
segundo
Rabinow
(1999),
em
torno
de
caracterís
ticas
bioidentitária
s
(genética
s,
fenotípicas,
dent
re
outras)
,
que
c
ada
vez
mais
restrin
gem
uma
ampliação
do
c
ontrol
e
biológico
da
vida
, no
seu
nível
m
ol
ecular.
108
2.3.
N
em
dive
rsi
dade,
nem
mult
i
cult
uralis
mo:
diferença
e
democracia
na
biopolítica
É
num
solo
movediço
com
o
esse
q
ue
a
diversidade
cul
tural
emerge.
Num
primeiro
momento,
tenta
-
se
apreen
der
objetiv
amente
,
com
essa
term
inologia
,
a
particu
laridade
de
cada
povo
e
de
sua
cultura;
depois,
inclu
em
-
se
ne
ssa
categori
a
element
os
anteriorm
ente
natura
lizados
,
como
os
de
deficiência
,
as
questões
de
se
xualidad
e
e
gênero,
os
a
spectos
raci
ais
e
ét
nicos,
dent
re
outros.
Isso
significa
dize
r
que
a
no
ção
de
diversidade
ganha
re
levo
maior
,
na
medida
em
que
procura
se
p
autar
no
conhecim
ento
particular
,
fenomênic
o,
do
q
ue
cara
cteriza
o
diverso
da
cultura
valo
rada
co
mo
prioritária
,
erud
ita,
central,
com
suas
g
radaçõ
es
até
as
form
as
mais
primitivas
de
vi
d
a.
Gera
-
se
assim
uma
classifi
cação
entre
cultos
ou
civili
zados
e
bárbaros,
com
suas
even
tuais
gradações
,
as
quais
servem
ao
efetivo
exercíci
o
de
poder
,
no
âmbito
da
política
liberal,
especialment
e
para
justificar
determinas
exclusões,
interdições
o
u,
mesmo,
mo
stra
r
o
quanto
algun
s
do
s
corpos
demarcáv
eis
em
determinada
cult
ura
n
ão
são
subtraídos
ao
s
en
quad
ramentos
da
nossa,
e
vi
ce
-
versa,
mas
sempre
estabel
ecendo
um
“nosso
”,
mais
verdadei
ro,
à
luz
do
qual
um
ou
tro
passa
a
ser
menos
valoriza
do.
É
dessa
maneira
que
uma
ma
ioria
passa
a
ser
co
nst
ituída
pelo
sign
o
da
diversidade,
desde
que
cada
se
r
diverso
,
em
n
ome
da
espécie,
se
do
bre
a
essa
h
ierarquia
estabeleci
da
,
assumin
do
os
juízos
determ
inantes
da
filosofia
e
os
enquadra
mentos
categór
icos
das
ciências,
isto
é,
dos
sa
beres
e
dos
poderes
q
ue
a
estruturam
e
a
convert
em
em
tecnologia
de
biopoder.
Est
e
é
o
condici
onante
q
ue
regula
essa
espécie
de
go
vername
ntalidad
e
biopol
ítica
da
populaçã
o
e,
109
após
Segunda
G
uerra,
passa
a
vig
orar
em
nív
el
g
lobal,
co
m
suas
respectiva
s
variaçõ
es
e
particulariza
ções
em
cada
Est
ado
Naci
onal
–
ou
o
que
restou
deles
,
com
a
globalização
da
economia.
P
ara
isso
,
apoia
-
se
em
unive
rsais
,
no
q
ue
concerne
ao
s
direitos
de
to
das
as
culturas
e
modos
de
existência
ou
ethos
,
que
,
por
sua
vez
,
se
generaliza
m
para
os
di
versos
campos
de
sab
er
científico
e
susten
tam
as
políticas
sociais
e
os
dispositivos
de
segurança
,
para
proteger
essas
vidas
do
povo
e
para
regul
ar
seu
s
de
svios,
resg
uar
dando
as
funções
estatais
e
as
garanti
as
para
promover
a
livre
concorrência
e
a
prosperida
de
ind
ivid
ual.
Entre
tanto,
c
om
o
avan
ço
do
n
eoliberalis
mo,
particular
mente
de
sua
versão
n
orte
-
ameri
cana
–
post
eriorment
e,
globa
lizada
–,
não
é
apen
as
o
Est
ado
q
ue
se
torna
m
íni
mo,
destitui
ndo
parte
dessas
políticas
e
dispositivos,
ao
questionarem
a
su
a
viab
ilidade
e
as
consequências
do
que
fico
u
conhe
cido
como
aç
ões
afirmativas
,
na
agenda
social,
como
também
s
ão
as
vi
das
em
geral,
em
sua
multiplicida
de
e
plura
lidade,
que
se
individ
ualizam
e
se
torn
am
pa
rte
do
cálculo
econômic
o
de
um
mod
o
aind
a
mais
capila
rizado.
Por
meio
de
um
a
raci
onalid
ade
única,
estritamente
lig
ada
à
econom
ia,
ao
s
inputs
e
outputs
e
à
eficiência,
n
esse
momento,
a
vi
da
(
bíos
)
é
considerada
ap
enas
em
seu
sentido
produt
ivo,
assim
como
os
corpos
que
a
e
ncarnam
e,
particu
larmente,
asso
ciada
a
um
desejo,
que
só
se
(in)satisfaz
no
c
onsum
o
–
produzindo
um
ciclo
no
qual,
p
ara
se
satisf
azer
,
é
preciso
r
enda
e,
po
r
sua
vez,
para
obtê-
la
,
é
preciso
v
ender
o
trabal
ho
representa
do
pelo
capital
humano
acumul
ado.
A
caracterís
tica
dessa
con
figu
ração
da
biopolítica,
de
ac
ordo
c
om
Foucault
(2008),
é
que
o
neoliberalismo
se
to
rna
um
modo
de
existência
,
on
de
o
que
impera
é
o
homo
oecono
micus
,
premido
por
110
uma
racio
nalid
ade
que
o
for
ça
a
admitir
que
a
única
possibilidade
de
conduzir
sua
vida
e
aden
trar
ao
mun
do
é
cal
culando
-a
segund
o
um
pragmatis
mo
em
q
ue
os
meios
j
ustificam
o fim,
e o
fim
cego
é
aquela
satisfaç
ão
solipsista,
individualista
,
narcisista.
Por
sua
vez,
para
se
satisf
azer
, é
nece
ssário
um
constante
preparo,
para
o
q
ual
a
educ
ação
inicial
e
a
formaç
ão
con
tinuad
a
seri
am
estra
tégicas
,
a fim
de
que
o
seu
capital
hum
ano
fosse
f
orm
ad
o
e
pude
sse
obter
ma
is
vant
agen
s
,
no
jogo
concorrenc
ial,
o
que
,
por
se
u
t
urno
,
exige
um
governo,
um
investimen
to
e
uma
adm
inistraç
ão
consta
nte
so
bre
si
mesmo,
a
sua
transf
ormação
em
pequena
empres
a
ou,
co
nf
orm
e
sugere
Fouc
ault
(2008), como
empreen
dedo
r
de
si.
No
âmbito
desse
movi
mento
e
de
um
austero
governo
de
si,
em
que
o
autoempr
eendiment
o
ganh
a
centralida
de,
faz
endo
-
se
incorp
orar
à
vida
individual
e
às
fo
rmas
de
vida
da
população
,
atravé
s
de
regimes
de
ve
rdade
e
de
técni
cas
de
biopoder
c
ada
ve
z
mais
irrefletidas,
o
gover
no
de
qu
alquer
diferenç
a
que
escape
à
i
dentidade
subjetiva
da
existência
indi
vidual
e
da
multiplicida
de
representa
da
pelo
povo
assume
a
prerrogati
va
dessa
governam
entalida
de
e,
co
nsequentemen
te,
da
biopolític
a
neoliber
al.
Se,
como
visto
em
o
ut
ra
o
casião
(
PAGNI,
2019a),
o
imperativo
mo
ral
q
ue
se
pre
screve
e
se
coloc
a
em
ci
rculação
,
nessa
atual
c
onfi
guração
,
é
a eficiên
cia e
o
desempenh
o
,
no
que
se
re
fere
a
uma
an
átomo
-
política
dos
corpos,
a
biopolítica
neoliberal
apela
à
diversidade
como
princípio
de
r
egulação
do
corp
o
social
e
ao
multicultur
alismo
,
para
q
ue
o
povo
seri
a
for
çad
o
a
integra
r
-
se
ao
s
seus
dispositiv
os
jurídico
-
políticos
e
ao
s
dispositiv
os
de
seguran
ça
da
populaçã
o.
Essa
fo
rma
particular
de
gover
namento
ganha
centralida
de
,
na
biopolítica
neo
liber
al,
por
sua
vez,
assumi
ndo
o
seguint
e
contorno.
Por
um
lado
,
as
políticas
econ
ômicas
sub
jugam
os
111
indivídu
os
às
tecnologias
de
biop
oder
,
se
autogov
ernando,
por
vezes,
ao
faze
r
uso
de
seus
corpos
como
núcleos
de
uma
espéc
ie
de
servi
dão
inadvertida
.
Por
outro,
ao
pro
curar
governar
as
diferenças
susc
itadas
por
essa
relaç
ão
dos
indivíduos
con
si
go
mesm
os,
c
om
se
us
próprios
corpos
e,
sobretudo,
expressas
em
suas
manifestações
comun
s
na
esfera
pública,
como
povo
que
resist
e
à
sua
int
egração
à
população.
Embor
a
isso
aconteça
também
com
as
luta
s
em
prol
d
os
direitos
e
da
constituição
de
políticas
estatais
para
regular
essa
forma
de
gov
ern
ament
o
do
p
ovo
,
com
vista
s
a
incluí
-
lo
como
parte
do
govern
o
da
populaçã
o,
es
te
último
se
dá
de
um
modo
difer
enciado.
Isso
porque
,
p
ara
gerir
o
cao
s
representado
pelo
p
ovo,
assim
como
pela
multiplic
idade
que
emblematicamen
te
ap
resentam
,
nas
relaçõ
es
de
governo,
ess
e
tipo
de
govern
o
passa
a
ocorrer
a
partir
de
norm
as
difusas,
criad
as
com
a
pretensão
de
capt
urar
cada
diferença
proveni
ente
dessa
pressão
ascendent
e
e
re
d
uzi
-
la
a
uma
identidade
jurídica
ou
política
,
p
ara
ameniz
ar
as
lutas
de
sses
distintos
modos
de
existência
.
Assim,
procuram
ajustá
-
las
ao
que
denom
inam
diver
sidade
cultura
l
,
sem
que
isso
rompa
com
a
rac
ion
alidade
econômica
que
preside
à
biopolí
tica,
m
as
a
otimize,
r
elativizand
o
os
regimes
de
verdades
instigados
por
e
ssa
mesma
racional
idade.
Graças
a
essa
relativizaç
ão
e à
cir
culação
de
norm
as
,
as
quais
,
uma
vez
de
term
inad
as
por
saberes
decorr
entes
do
esqua
drinhamento
dos
segme
ntos
da
quela
pa
rcela
popu
lar
posta
à
ma
rgem,
nos
alinha
m
ao
signo
do
multicu
lturalis
mo
e
de
políticas
afirma
tivas
,
de
sorte
a
melhor
govern
á-
los
e
a
i
nclu
í
-
los
à
raci
onal
idade
que
suposta
mente
os
incluiria
ao
governo
da
população
na
biopolíti
ca
neoliberal.
É
importante
destacar
as
heterotopias
produzidas
por
esse
s
modos
de
existência
consid
erados
anômicos
da
biopolít
ica
n
eoliber
al,
q
ue
112
encorpam
ce
rta
frag
ilidade
e
dif
erenci
ação
ética
insur
gentes
con
tra
a
normalidade,
qualif
icando
as
norm
as
vitais
q
ue,
potencialmente,
poderiam
desesta
bilizar
a
regu
lação
vigente
do
c
orpo
social.
Ne
ssas
circunstâncias,
quan
do
essas
f
ormas
de
existência
são
vi
stas,
elas
são
forçad
as
a
se
manter
à
margem
da
biop
olítica
e
lançadas
ao
mundo
,
já
que
se
esq
uivam
da
norm
a,
da
média
e
do
desvio
-
padrão
das
cara
cterísticas
gerais
que
objet
ificam e
ci
rcunscrevem
quem
faz
parte
da
população,
caso
n
ão
des
ejem
se
r
design
adas
co
mo
vi
das
que
não
merecess
em
ser
vividas.
Este
é o
seu
peso
no
jogo
do
biopoder
e o
seu
sign
o
de
excl
usão,
m
esmo
se
f
alando
em
políticas
de
inclusão,
pois,
caso
não
se
dob
re
aos
regula
mentos
sociais
e
a
cer
ta
no
rmaliza
ção
individual
vigentes
,
est
á
expos
ta
a
uma
vida
se
m
lei,
ao
extermí
nio
e
à
própria
mor
te
,
co
nfo
rme
ver
e
mos
no
pr
óximo
capítulo
.
O
probl
ema
é
que
essas
vi
das
se
co
nfiguram
em
fo
rças
centrí
fugas
e
em
um
corp
o
comum
,
e
ngajand
o
-
se
em
lutas
transversais
que
interr
ompem,
perturbam,
afront
am
as
form
as
de
governa
-
mentalida
de
e
stata
l,
em
su
as
configuraç
ões
,
que
r
ascend
entes
,
qu
er
descend
ente
s,
obrigand
o
a
biopolítica
e
os
se
us
dispositivos
de
biopoder
a
se
reconfig
urarem,
minand
o
-os
para
in
cluí
-lo
s.
De
ssa
perspectiva
,
ou
o
Estado
elabo
ra
políticas
públicas
para
propicia
r
essa
inclusão
aos
disposi
tivos
de
segurança
e
ofertar
-
lhes
certa
atar
axia
identitár
ia
,
a fim
de
os
inte
grar
ao
m
ercado
de
con
sumo
e
ap
lacar
os
desejos
desses
segmentos
popular
es
no
consum
o,
co
mo
fo
i
re
alizado
na
refo
rmulação
do
neoliberalis
mo
à
brasileir
a
da
última
d
écada,
seguind
o
um
a
tendênc
ia
global.
Ou,
en
tão
,
exp
õe
d
ire
tamen
te
ao
jogo
do
merc
ado
e
à
r
acion
alidade
econômic
a
ess
as
vid
as,
aproveita
ndo
suas
f
orças
para
empurrá
-
l
as
p
ara
fora
do
sistema
de
vez,
deixando
-
as
à
própria
sort
e,
para
mo
rrer,
ou,
mobilizando
as
d
emais
113
forças
contra
ela
com
o
mesmo
propósit
o,
deixando
intact
a
a
con
figuração
biopolítica,
sob
o
crivo
da
omissão
e
statal
e
da
tanatopolít
ica,
como
tem
o
corrido
há
dois
anos
,
no
B
rasil
,
e
q
ue
parec
e
ser
uma
tendência
atual
em
curso.
No
que
tang
e
à
primeira
tendência,
a
rebeldia
popular
e
as
múltipla
s
impulsividades
de
um
corp
o
c
omum
ingover
nável
são
tratad
as
como
objetos
de
gove
rno
,
em
que
os
su
jeitos
q
ue
repre
sentam
podem
ser
induz
idos
a
se
subordinare
m
a
nor
mas
e
regim
es
de
verdade
,
pela
se
dução
da
reade
quação
geral
destes
p
ara
a
inclusã
o
daqueles,
dando
-
lhes
uma
sen
sação
de
potência
e
de
maior
justiça
social
.
E
nquant
o
i
sso,
suje
itam
-
se,
de
maneira
consent
ida
,
a
essa
o
utra
forma
de
gov
ern
amento,
mais
tênue,
capaz
de
suposta
mente
compre
ender
a
sua
disp
ersão
e
diversidade.
Isso
ocorre
em
r
azão
de
sua
dem
anda
ascendente
por
inclusão
nos
regulament
os
jurí
dico
-
políticos
estatais
se
r
co
rroborada,
graças
ao
seu
enquadr
amento
a
uma
das
ide
ntidades
inteligív
eis
,
pela
racio
nalid
ade
econômica
,
os
quais
tanto
os
dispositivos
de
reconheci
mento
so
cia
l
qu
anto
o
multicultur
alismo
procuram
traduzir
,
sob
o
signo
da
diversida
de.
A
conquista
de
direit
os
jurí
dicos
ne
sses
camp
os
e
o
atendimen
to
de
uma
demanda
importante
de
vários
moviment
os
minoritár
ios
de
ace
sso
às
arte
s
de
gover
no
educaci
onais
e
o
seu
reconhec
imento
à
participa
ção
na
esfera
pública
for
am
de
extrema
importânc
ia.
Contudo,
em
gran
de
medida
,
não
somente
for
am
insuficie
ntes
p
ara
que
esses
movimentos
se
concreti
zassem
de
maneira
efetiva,
co
mo
também
os
dis
positivos
de
segurança
e,
podemos
dize
r,
de
inclusão
p
roduziram
uma
contrapartida
ética
complexa
e,
contradit
oriamente,
muita
s
vezes,
uma
co
ncepção
política
ide
ntitária,
inscreve
ndo
-
os
n
um
jogo
no
qual
as
reg
ras
não
e
scapam
da
flexível
114
rearti
culação
do
capital
no
neoliberalis
mo.
Essa
contrad
ição,
por
assim
dizer,
ent
re
o
que
pro
pagam
as
políticas
estatais
de
inclusão
e
os
disposit
ivos
que
implementa
m,
ten
do
como
o
bjeto
os
docu
mentos
oficiais
e
um
conj
unto
de
prática
s
discursi
vas,
de
epist
e
mes
e
de
mecanismos
de
subjugação
,
con
siste
no
ponto
c
entr
al
de
n
ossa
discussão
do
próximo
capítulo
.
Afinal,
para
admitir
e
ssa
forma
de
inclusão,
esses
su
jeitos
–
e
todos
nós
–
teriam
que
abr
ir
mão
do
que
são
como
se
res,
do
e
thos
que
os
constitui
e
das
d
ifer
enças
q
ue
exprimem,
justa
mente
por
não
serem
passíveis
de
regulaçã
o,
de
domínio
ou
de
pl
eno
go
verno
,
seja
por
si,
se
ja
pelos
outros.
Já
que
e
stão
sujeito
s
a
con
viver
co
m
o
cont
ingen
te,
com
os
efeitos
do
s
acident
es
em
seus
corpos
e
com
o
ingovernáv
el
dos
acontecime
ntos
que
os
desapossam
de
uma
identidade,
obrigand
o
-
os
a
viver
na
di
feren
ça,
ontol
ogicament
e
f
alando
,
e
a
convive
r
com
um
devir
que
lhes
exige
improvisar
existencialm
ente,
tais
modos
de
existência
traduze
m
essas
vi
das
sing
ulares
e
exprimem
suas
formas
de
viver
com
o
o
utro.
Assim
,
elas
s
ugerem
outra
forma
de
governam
entalida
de:
vetorialmen
te
t
ransversal,
ante
s
que
ascenden
te
ou
desc
enden
te;
on
tologica
mente
radical,
já
que
d
essubje
tivant
e
,
pois
produzida
pela
dife
renç
a
suscit
adas
pelo
acidental,
o
que
to
rna
a
sua
vida
etica
mente
frágil
e
a
sua
expressivi
dade
necess
itante
de
tradução
;
enfim,
politicament
e
i
ngovernáve
l
,
na
medida
em
q
ue
,
ne
sse
seu
núcleo
subjet
ivo
,
en
cont
ra
-
se
a
biopotência
da
cri
ação
de
modos
outros
de
exist
ência
e,
com
isso,
formas
distintas
(inoper
osas)
de
vida
comum,
impondo
à
democracia
ver
o
disse
nso
como
seu
móvel,
a
visibilida
de
de
sua
diferenç
a
co
mo
disposi
tivo
de
in
clusão
e
o
con
vívio
com o
diferente
como
o
seu
fim.
115
Talve
z
esse
seja
o
perigo
vislumbrado
pela
segu
nda
tendênc
ia
que
se
manifesta
,
na
atuali
dade
,
pois
o
ódio
e a
violência
com
que
se
tem
materializa
do
reflete
a
escolha
de
um
ou
mais
signos
,
no
âmbito
que
no
s
com
põe
m
com
o
suje
itos
e
que
co
rporificam
a
d
ifer
ença
,
numa
superfície
que
possa
ser
d
estruída,
submetid
a
a
toda
so
rte
de
violência
e,
se
for
para
a
estabilidade
da
segurança
e
da
regul
ação
da
biopolít
ica
da
popu
lação,
de
eli
minação.
A
final
,
pen
sa
a
maior
ia
form
ada
por
meros
indivíd
uos
q
ue
a
impulsionam
e
a
pro
pagam
–
diz
ou
p
ensa:
“ant
es
se
ja
c
om
e
le
do
que
comigo”
–,
acio
nando
o
dispositiv
o
de
segurança
e
mobiliza
ndo
tod
o
o
medo
q
ue
a
expos
ição
de
si,
de
suas
dife
renças
éticas
p
odem
r
epresenta
r
a
outrem
e
a
governam
entalida
de
biopolít
ica
neolibera
l.
É
preciso
admitir
que
uma
espécie
de
servi
dão
maquínica
,
p
ara
usar
a
exp
ressão
de
Mauri
zio
Lazz
arato
(2015),
tomou
conta
desses
sujeito
s,
torna
ndo
-
os
impermeáveis
a
um
agir
reflex
ivo,
j
ulgand
o
suas
próprias
ações,
sem
se
le
var
pela
manipulaçã
o
do
ódio
e
p
ela
mobilizaç
ão
do
medo,
refrean
do
esse
agi
r
por
reflexo,
men
cion
ado
anterior
mente,
que
se
apropriou
de
um
a
maioria.
Ora
, é
essa
maioria
que
ago
ra,
ao
i
nvé
s
do
dissen
so
e
da
d
ife
ren
ça,
reina
em
supo
sta
harmo
nia,
mas
se
unifica
em
guerra
contra
tudo
aquilo
e
todos
aqueles
que
pert
urbem
essa
soberania
m
anca,
acord
ando
-
os
de
um
sonho
dogmátic
o
de
s
er
vid
ão
individualizad
o
,
pa
ra
despertar
para
uma
prática
de
autômato
s,
onde
a
servid
ão
é
maquí
nica,
engendr
ada
pelo
siste
ma
e
re
produzida
sistematica
mente
em
vári
as
esferas
de
sua
vida,
como
força
coletiva
de
um
corpo
-
espécie
e
c
omo
um
governo
biopolít
ico
da
po
pulação
.
É,
portanto,
e
ssa
maioria
q
ue,
por
me
io
dos
empreendi
mentos
do
próprio
neolibera
lismo,
passa
de
um
modelo
mais
tê
nue
de
fascismo
ou
de
pré
-
fascism
o,
na
esfera
micropo
lítica
da
116
vida,
para
um
modelo
no
qual
a
tana
topolítica
po
de
se
to
rn
ar
política
de
Estado
e
legitima
r
um
extermínio
das
difer
enças.
Nos
últimos
ano
s,
essa
tendência
vinha
se
revelan
do
com
a
multiplica
ção
do
s
caso
s
de
violência
cont
ra
qualquer
um
designado
“difer
ente”.
Algo
que,
muitas
vezes,
foi
t
ratado
co
mo
um
con
j
unto
,
embora
grande,
de
casos
isol
ados,
cujas
vítimas
provo
caram
os
agres
sores
a
agir
assim,
com
violência,
mas
,
na
conjuntura
atual
,
esses
sujeito
s
e
stão
livres
p
ara
ag
ir
se
m
refl
exão,
sem
julgam
ento,
sem
compaixã
o,
co
ntra
o
que
designa
m
de
“min
orias”,
indicando
-
os
co
mo
uma
ame
aça
à
ordem
p
ública e à
p
az
individua
l
ou
a
um
a
ataraxi
a
, a
qual
em
nad
a
se
compara
à
anti
ga,
mais
sug
erindo
um
grau
extr
emo
de
conform
ismo.
Com
esta
breve
d
e
sc
ri
ção
,
não
há
como
igno
rar
que
um
a
democracia
em
q
ue
as
difer
enças
qualitativa
s
são
an
uladas
pela
isonomia
quantita
tiva
p
erd
e
sua
potência
e
se
encon
tra
ameaç
ada
por
toda
uma
sorte
de
modos
de
vida
f
ascistas.
Diferentemente
do
q
ue
postulav
a
Foucault
(2004),
em
se
u
prefácio
ao
A
nti
-
Édipo
,
tais
modos
de
vida
tendencialme
nte
asc
en
de
ram
ao
Estado
(Liberal)
e
passaram
a
gerenciar
a
face
obscura
da
biopolítica:
a
tanatopolítica
ou
a
necropolí
tica.
E
est
a
é
só
a
ponta
de
um
ice
berg a
se
r
desvendado
no
present
e,
pois
a
democra
cia
–
enten
dida
exclu
sivamente
co
mo
o
govern
o
da
maioria
–,
ao
in
vés
de
respeitar
as
di
feren
ças
qualita
tivas,
as
alian
ças
e
as
lutas
das
minorias
taticamente
pe
los
se
us
direitos
e
estrategica
mente
pela
afir
mação
de
suas
v
idas,
tende
a
interd
itá
-
las.
Ao
mesmo
tempo
que
as
políticas
estatais
preferem
explicita
mente
se
al
iar
aos
blo
cos
e
con
omic
amen
te
neoliberais,
parad
oxalmente,
propagan
deiam
política
s
de
costu
mes
ultracon
servadores.
Co
m
e
ss
e
parado
xo
próprio
ao
que
Cham
ayou
117
(2020)
classificou
com
o
liberalismo
aut
oritário
,
a
ntes
de
capt
urar
qualquer
forma
de
reb
elião
ou
regular
os
aconteci
mentos
das
alian
ças
entre
as
difer
enças
,
por
políticas
voltadas
à
diversidade
ou
q
ue
abraçam
o
relativismo
do
multicultu
ralismo
e
fomenta
m
o
m
er
cado
de
consumo,
rea
rticulando
o
capitalis
mo
avanç
ado,
a
gove
rnamen
talização
esta
tal
p
arece
optar
por
re
troceder
a
uma
política
de
costumes
ultraconse
rvadora,
es
trategica
mente
cent
rada
no
combate
às
dife
renças
ou
na
sua
subordi
nação
a
um
governo
identitár
io.
Este
pare
ce
ser
um
dos
novos
p
aradoxo
s
da
biopolítica
,
reinterp
retando
o
enuncia
do
pelo
fil
ós
ofo
francês,
algumas
décadas
atrás
, e
voltando
seu
o
lhar
p
ara
um
país
perifér
ico
do
capita
lismo.
Com
esse
paradoxo
,
chegou
-
se
a
uma
política
e
statal
que
aten
de
tanto
ao
s
gr
andes
oligopólios
econômic
os
quanto
a
uma
maioria
conservadora,
a
qual,
durante
an
os
,
viu
a
outra
ten
dênc
ia
neoliberal
da
biopolítica
–
a
que
chama
de
comunista,
sem
qualquer
rigor
–
como
uma
afronta.
Com
efeit
o
,
de
al
gum
a
ma
neira
,
tal
tendência
teria
favorecido
ao
outro
–
a
e
sse
p
ovo
caótico,
rebelde
,
anárqui
co,
a
esse
monstro
cuja
diferença
não
fo
i
domesticada
e
foi
beneficiado,
sem
que
sua
vida
se
qualific
asse
para
tal
–,
enquant
o
aos
integrantes
da
popu
lação
governáve
l,
ob
edien
te,
dócil
,
mesmo
qualifica
do
s,
foram
impelidos
a
amargar
a
crise
e
per
der
seus
privilégios
.
Esta
foi a
lame
ntação
que
se
viu
pr
oliferar
e
circular,
num
murmurin
ho
sem
fim
,
que
p
assou
d
as
palavra
s
ao
vento
à
ação
contra
os
supostos
privilegia
dos.
Tal
l
ame
nto
consiste
num
ato
reflexo,
irreflet
ido,
co
mo
muitas
frases
q
ue
circu
laram
e
circulam,
se
m
mais
argum
entos,
num
a
lógica
que
não
é
rac
ional,
mas
movida
p
elo
ressentim
ento
e
pelos
afetos.
118
Nessa
esfera
em
que
não
se
sabe
atuar
,
co
mo
intelectuais,
dever
-
se
-
ia
reint
roduzir
a
refl
exão
,
s
egundo
Eliane
B
rum
(2017),
como
f
orm
a
de
resistência
;
Resisti
r
nes
te
momento
é
tamb
ém
dei
xar
de
reag
ir
por
refl
exo
–
e
passar
a
r
eagir
a
partir
da
reflexão.
Quando
tudo
parec
e
caótico,
q
uan
do
t
udo
fica
meio
mis
tur
a
do
e
parec
ido,
é
prec
iso
olha
r
par
a
os
f
atos.
O
lh
ar
p
ara
os
f
atos
com
to
da
a
atenção.
São
eles
que
nos
ap
ontam
ond
e
es
tão
as
verda
des
e
no
s
aj
ud
am
a
enxer
gar
ond
e
est
á
a
manipulação,
assi
m
co
mo
a
falsificaç
ão.
O
p
ensamento
é
ainda
a
melho
r
forma
de
resistênci
a.
A
perg
unta
é:
como
isso
seri
a
possível
,
na
atual
conjuntura,
se
fomos
coloc
ados
ou
nos
colocamos
de
escanteio,
justamen
te
por
essa
maioria,
ao
mesmo
te
mpo
q
ue
também,
salvo
casua
lmente,
n
ão
estivem
os
ao
lado
daque
las
lutas
transver
sas,
en
cetadas
pelas
minorias
,
para
e
xpressar
suas
diferencia
ções
éticas
e
oc
up
ar
um
l
ugar
de
expre
ssão
na
esf
era
públic
a?
Pois
bem,
mais
do
que
uma
pergunta
a
mais,
est
e
é
nosso
de
safio
atual
,
para
q
ue
ain
da
tentemos,
co
mo
intelectua
is,
trabal
har,
aprender
e
ensinar
o
p
ensar
,
mas,
q
uem
sabe
,
provocan
do
muito
mais
a
outrem
e
a
nós
mesmos
ao
exe
rcício
do
julgar
reflexivo
sob
re
o
que
somo
s,
n
osso
lug
ar
no
mun
do
e
na
re
lação
com
os
seus
demais
atores
so
ciais.
Para
isso
,
seria
importante
avaliar
em
qu
e
erramos,
mas
também
c
onsider
ar
como
essas
di
feren
ças
ética
s
produzidas
n
as
relações
in
terpes
soais
provocam
esse
trabalho
refl
exivo
sobre
si
e,
ao
mesmo
tempo,
q
ue
formas
de
alian
ça,
menos
espontâ
neas,
dari
am
e
xpressividade
às
fo
rmas
de
vida
singular
e
comum
q
ue
dif
erem
do
instituído.
S
eriam
tais
diferença
s
éticas
e
o
119
que
agenciam
de
re
flexividade
,
em
cada
um
de
nós
,
uma
esperança
de
nossa
saída
dos
estados
de
letargia,
de
conformismo,
de
morbid
ez
,
de
sorte
a
nos
col
ocarmos
em
prontidã
o
e
re
sistir?
Não
se
trata
de
postular
que
as
“dife
renças
nos
un
e
m”, como
defendido
por
An
dr
ew
Sa
lomon
(2011),
em
seu
livro
Muito
longe
da
árvore
,
acred
itand
o
have
r
uma
alian
ça
política
e
ntre
h
omosse
xuais,
anões,
autista
s,
trissômicos,
pobres,
dent
re
o
utras
qualidades
de
existência
nas
quais
incide
alg
um
tipo
de
dife
re
nci
ação
ética
,
to
davia,
de
vislumbrar
have
r,
co
mo
suge
re
Jud
ith
B
utle
r
(2017),
possíveis
alian
ças
políticas
transversas
e
ntre
essas
várias
diferença
s
,
que,
eventual
mente,
podem
potencializar
a
emergênc
ia
de
uma
vida
comum,
apoi
ada
em
uma
ética
de
coab
itação
,
cap
az
de
aglutinar
as
forças
de
multidões
pouco
visíveis
e
de
outros
a
tores
sociais
,
na
esfer
a
pública,
mape
ando
os
sentidos
dessas
vidas
q
ue
e
xprimem
sua
resistência
às
atuai
s
form
as
de
biopoder.
Começar
pe
lo
te
stemunho
d
os
frac
assos
de
uma
geneal
ogia
histórica
escr
ita
a
contrapelo
e
pelo
enuncia
do
de
qu
e
,
p
ara
estarmos
ao
l
ado
dessas
lutas
,
na
co
stura
de
suas
alian
ças
,
é,
sem
dúvida,
um
aprendizado
de
resistênc
ia
neste
contex
to
,
entre
tanto
,
antes
de
começar
a
fazer
isso,
aind
a
é
pr
eciso
assinalar
o
alcan
ce
desse
governo
das
diferenças
,
sobretud
o
no
modo
com
o
passou
a
se
imiscuir
em
process
os
de
subjeti
vação
como
um
dispositiv
o
q
ue
alimenta
c
ert
a
racio
nalid
ade
subjet
iva,
por
assi
m
dizer,
e
xcludente
,
sobrev
iven
-
cialista
,
para
n
ão
dizer
racista.
120
2.4
A
emergên
cia
da
incl
usão
com
o
dispositivo
de
s
ubjet
ivação
no
neoliberalism
o
Essa
raci
onal
idade
de
govern
o,
di
ante
das
diferenças
afirmad
as
por
esse
s
mov
imentos,
trazida
s
em
seu
cor
po
de
inscr
ição
e
enun
ciadas
em
sua
co
ndiç
ão
de
regi
stro,
favorec
eu,
de
um
lado
,
o
atendimen
to
a
uma
séri
e
de
reivindica
ções
de
direitos
civis,
co
m
vistas
a
torn
ar
mais
igualitá
ria
a
sua
con
corrência como
suje
ito
econômic
o,
mas
também
com
o
ato
r
político
,
no
t
erreno
das
lutas
por
reconhec
imento
(ALMEIDA,
2021).
Em
contrapartid
a,
o
ap
arelho
estat
al
encontrou
na
racion
alidade
gerencia
l
uma
form
a
de
gerir
e
governar
essas
diferenças
,
so
b
o
sign
o
da
diversidade
e
das
políticas
que
se
sincronizavam
ao
multiculturalis
mo
(GALLO,
2018),
governand
o
por
tecnologia
s
políticas
de
divisão
e
apoi
ado
na
normatizaçã
o
específica
da
vi
da
de
cad
a
um
do
s
segmentos
em
disputa,
satisfazendo
as
suas
demand
as
identitár
ias
ou,
até
mesmo,
as
chamad
as
biodentidades
(PAGNI,
2020).
Uma
vez
a
ten
dida
s
provisoriamente
essas
d
eman
das
jurí
dicas
e
soc
iais,
no
jogo
de
gov
ernamen
talizaç
ão
e
crítica
aí
imperantes,
a
afirmaç
ão
das
diferença
s
movida
pelas
forç
as
do
ingover
náveis
se
arref
ece,
se
neutrali
za,
sendo
captu
rada
por
dispos
itivos
que
con
duzem
o
desejo
desse
s
atores
políticos,
prime
iro
,
para
a
sua
reali
zação
como
sujei
tos
de
direitos
e,
concomi
tantemen
te,
co
mo
sujeito
s
econôm
icos.
Esse
processo
ocorre
por
meio
de
tecnol
ogias
de
reconhec
imento
e
dispositiv
os
de
inclusão
que
atuam
com
vistas
a
aproxima
r
a
reg
ulação
biopolí
tica
da
populaçã
o
dos
códigos
,
dos
ritos
e
da
expressiv
idade
da
vi
da
c
omum
en
gen
drada
por
esse
s
movimentos
e
as
existências
sin
gulares
de
seus
atores
em
face
da
normalidade
,
121
principal
mente
a
in
div
idualida
de
co
m a
q
ual
se
identificam.
É como
se
,
no
jogo
do
biopoder
existente
,
a
identidade
f
os
se
negociad
a
por
uma
concessão
em
troc
a
da
prosper
idade
econômica,
da
renda
obtida
com
capit
al
huma
no
e
do
consum
o
que
mede
o
status
quo
,
no
neoliberalis
mo.
Através
d
aquelas
tecnologias
de
reconhecime
nto
,
busca-
se
aproxima
r
as
reinvindicações
de
cada
segmento
de
ssa
população
em
luta,
movid
os
por
te
rem
reconhec
idas
suas
identidades
como
jogador
es
de
uma
econom
ia,
novos
sujeitos
da
ju
stiça
s
ocial
e
atores
de
uma
política
min
imi
zada,
ou,
mesmo,
despolitizada
o
por
tratar
diretame
nte
das
particularida
des
de
sses
movimentos,
tendo
em
vista
limitar
a
democ
racia.
Por
sua
ve
z,
os
dispositivos
de
inclusã
o
atuam
na
capila
ridade
micropolí
tica
como
uma
espécie
de
privatizaçã
o
das
con
dutas
da
populaçã
o,
aspirand
o
a
govern
á-
la
por
blocos,
segmentand
o
-
a,
fabricando
um
pac
to
subjeti
vo
em
que
os
ind
ivíduos
cedem
aos
reg
ulam
entos,
às
no
rmas
e
às
tecnologias
de
reconhec
imento
,
instituíd
as
em
troc
a
de
ad
entr
arem
nesse
j
ogo
de
biopoder
on
de
o
sujei
to
econômic
o
preval
ece
so
bre
os
sujeito
s
de
direitos
.
Tai
s
disposi
tivos
funciona
m,
dessa
forma,
com
o
uma
espécie
de
imperativ
o
mo
ral
adotado
por
c
ada
indivíduo
co
mo
contraparte
de
sua
sobrevivê
ncia
,
ante
s
de
tudo,
mediante
a
proteção
de
se
us
direitos
individuais
,
tan
to
do
mercad
o
quanto
do
s
efeitos
da
política
–
e
não
some
nte
a
estatal,
como
também
aquela
que
con
duz,
segun
do
vertent
es
autoritá
rias
do
neolibera
lismo,
a
uma
democracia
ilimitada
(CHAMA
YOU,
2020).
É
por
meio
desses
dis
positiv
os
que
se
i
nstaura
um
processo
de
despolitiza
ção
da
política,
segundo
Cham
ayou
(2020),
um
a
ve
z
que
esta,
primeiro,
se
reduz
a
um
gere
nciament
o
da
vida
privad
a,
movida
122
por
ce
rto
empreendim
ento
particula
r
de
si,
desenvolvido
na
esfera
econômica
co
mo
capital
humano,
conforme
ve
remos
mais
adiant
e
, e
na
jurídic
a
,
como
um
di
reito
que
se
rest
ringe
aos
seus
interesses
estritame
nte
individua
is,
à
defesa
de
seu
patrimônio
e
à
libe
rdade
de
sua
prosperidade
econômica.
Em
segundo
lugar,
qualqu
er
inte
rvenção
so
bre
a
ex
istência
particula
r
do
indivíduo,
diante
do
pacto
subje
tivo
pelo
qual
abriu
mão
de
s
ua
singular
idade
p
ara
aderi
r
ao
imperativo
da
inclusã
o
e
às
norm
as
do
governo
biopolítico
da
populaçã
o,
p
assa
a
ser
vista,
conjunt
ament
e
co
m
out
ras
dem
andas
próprias
do
jogo
político
democrático
–
como
aq
uelas
q
ue
se
exprime
m
a
partir
de
diferenças
que
n
ão
se
en
quadram
n
os
escaninh
os
da
di
versidade
normalizada
–,
enquanto
for
mas
de
limitar,
cativar
e
aprisionar
esse
sujeito
econômic
o.
Sob
es
se
pris
ma
,
tudo
que
o
tirasse
de
sua
segurança
econ
ômica
para
jogar
esse
sujeito
em
qualquer
insegurança
ju
rídica
ou,
mesmo,
pol
ítica
,
fren
te
a
uma
democracia
ilimi
tada
,
fari
a
tremer
sua
subjet
ivação
majorita
riamente
mediana
,
para
a
qual
to
do
sin
al
de
rebeldia
é
percebido
com
o
um
risco
de
mort
e
e
temido
ante
o
que
o
am
eaça
a
si
mesmo,
seja
real,
seja
imaginariamen
te.
Afinal,
é
sobre
esse
terreno
que
as
fo
rças
da
racional
idade
governam
ental
at
uam
,
de
so
rte
a
con
duzi
r
os
desejos
desse
s
indivídu
os,
aumen
tand
o
seu
s
temores
em
face
do
desconhecid
o,
ao
outro
e
a
qualquer
li
beração
que
o
retire
dessa
c
ondi
ção
de
sujeito
econômic
o,
gerencia
ndo
os
excessos
daqueles
s
ob
re
a
superfície
de
seus
corpos
,
co
m
vistas
a,
de
um
l
ado,
minimizá
-
los
,
p
ara
que
cada
qual
te
nda
a
se
satis
fazer
em
forma
de
totalizaçã
o
soc
ial
que
se
esgota
no
cons
umo,
instituída
c
omo
e
xpressão
da
sobe
rania,
e,
de
outro
la
do,
instigando
-
os
a
sentirem
cor
poralmente
a
sua
circul
ação
em
si
como
123
um
sig
no
de
uma
dívid
a
real
ou
não
como
h
omo
oeconom
icus,
maximizando
seu
resse
ntim
ento
e
sua
se
nsação
de
défici
t
ontol
ógi
co
frente
a
outrem.
Essa
ra
zão
gerencial,
uma
vez
inte
grad
a
a
esse
proce
sso
de
sub
jetiv
ação,
passari
a
a
conduzir
a
vi
da
do
indivíduo
segundo
um
cálculo
q
ue,
no
limit
e,
almeja
o
recon
hecimento
so
cial,
objetivando
se
empre
sariar
,
a
fim
de
supe
rar
,
a
to
do
instante
,
seus
déficits
co
mo
sujeito
econôm
ico
ativo
e
se
equipar
ar
a
essa
racio
nalid
ade
totalizad
ora
,
que,
em
tese,
o
incluiria.
Para
tal
propósi
to
,
qualqu
er
déficit
fu
ncional
passa
a
ser
visto
como
algo
a
ser
evitado,
con
fo
rme
menciona
do,
fa
zendo
uso
não
mais
dos
mesmos
ap
aratos
psiquiátr
icos
que
tornaram
inculpável,
juridic
amente,
Cha
rles
Jouy
,
por
seus
delitos,
no
final
do
século
X
IX.
Diante
de
toda
crítica
aos
métodos
eugênic
os
que
se
apo
iaram
em
teorias
da
degeneraçã
o
raci
al
e
que
tornaram
inimpu
tável
de
culpa
o
jovem
delinquente
,
co
m
a
respectiva
ampliaç
ão
de
sua
cond
ição
de
menorida
de,
ta
nto
a
psiquiatria
qua
nto
a
jurisprudê
ncia
camin
haram
em
outra
di
reção
,
no
sen
tido
não
mais
de
com
preen
der
a
d
isfunç
ão
como
um
desequ
ilíbrio
estrutural
entre
a
sua
dimensã
o
orgân
ica,
a
mecânica
in
stin
tual
e a
econo
mia
libidinal.
Esse
desequilíbr
io
passou
a
se
r
ain
da
mais
investido
,
em
termos
de
desenvolvim
ento
da
bioquímica
do
or
ganismo
e
da
produção
de
psicofármacos
q
ue
atuam
com
a
finalidade
de
apree
nder
os
fluxos
de
prazer
que
c
irculam
pelo
corpo
e
dos
afetos
produzidos
nos
en
con
tros
com
o
utros
corpos,
mediante
a
codificação
de
um
sujeito
q
ue
passou
a
ser
o
cérebr
o.
Foram
d
écadas
de
desenvolvime
nto
da
psiquiatria
e
de
uma
ciência
jurídica
que
aprendeu
a
prometer
ao
sujeit
o
de
direitos
uma
inclusão,
p
autada
no
isolament
o
das
instituições
asi
lares,
de
maneira
a
g
aranti
r
os
re
sultados
laboratoriais
e
clínicos
o
btido
s
nesse
terre
no
124
de
exc
eção.
Tais
resul
tados
g
aranti
ram
tod
a
sorte
de
experi
mento
sobre
o
c
orp
o
al
heio
do
louc
o,
dos
alco
ólatras,
dos
drogados,
den
tre
outros
delinquentes
ou
incorrigíveis
–
de
eletrochoques
à
c
astraç
ão
química,
p
assando
pela
experime
ntação
de
drogas
e
de
fárm
acos
,
os
quais
,
gradativ
amente,
gan
haram
te
rreno
no
mercad
o,
com
as
indústria
s
farmacê
uticas
e,
posteri
ormente,
em
grandes
oligopólio
s
econômic
os.
Graças
à
exceçã
o
,
à
custa
de
vidas
não
qualificadas
,
como
as
de
Jouy,
chegou
-
se
à
propositura
de
dispositivos
psiquiátricos
de
inclusão,
também
ch
amados
de
medicaliza
ção
da
existência,
acomp
anhad
os
de
uma
proposta
de
regul
ação
da
vida
in
tegralm
ente
biológica
e
de
se
u
contr
ole
propriamen
te
molecular
,
p
ara
usar
uma
expre
ssão
de
Deleuze
(198
7).
Diante
de
um
sujeito
cerebral
(ORTEGA,
2003),
as
disfu
nções
podem
se
r
m
apeadas
e
t
ratadas
farmacologic
amente,
recon
figurando
não
some
nte
a
vida
org
ânica,
com
o
também
a
mecânica
inst
int
ual
e a
economia
libidi
nal,
a
po
nto
de
tr
an
sform
ar
a
vida
em
algo
virtu
almente
administrá
vel,
qualificada
como
produtiva
e
potencial
izada
para
o
empoderamento
neoliber
al.
P
ara
i
sso,
alé
m
do
poder
ilimitado
de
correção
atribuído
aos
psico
fármacos,
todo
um
conju
nto
de
técnicas
psiquiá
tricas
e
psicológica
s
foram
mobilizadas
para
o
tratamento
clínico-
terapêutico
,
com
vi
stas,
se
n
ão
a
re
duzir
tudo
ao
domín
io
dos
saber
es
médicos
ou
das
ciências
psi
,
pautados
no
mapeamento
neurocientífico,
ao
menos
a
acompan
har
particu
-
larmente
cad
a
dinâmica
instintua
l
e
libidinal
,
no
sentido
de
tor
ná
-
la
resiliente,
cap
az
de
sup
ortar
os
desafios
de
uma
máqui
na
-
competência
e
da
alta
produtividade
exigida
pelo
corpo.
Não
se
trata
ape
nas
de
incluir
,
atravé
s
d
essas
tecnologias
,
persona
gens
com
o
Charles
Jouy,
corrigi
r
o
seu
ret
ardo
e
t
ornar
seu
corp
o
-
máquina
produt
ivo
como
125
qualquer
out
ro
,
nessa
confi
guração
neolibera
l
da
biopol
í
tica,
porém,
numa
alteridade
reversa
,
de
faze
r
como
se
todos
se
senti
ssem
em
dívida
e
com
déficits
,
para
que
o
superassem
pela
abjeção
de
se
tornare
m
como
ele,
excluído
s,
marginali
zados.
Aliás,
juntamente
com
a
resiliência
q
ue
combateria,
em
cada
um
,
os
seu
s
pequenos
déficits
vistos
como
grandes
monstruosidad
es
ou
barreiras
,
mesmo
p
ara
a
sua
progres
são
pesso
al
e
econômica,
outras
tecnologia
s
de
confi
ssão
e
de
cura
se
processariam,
resta
belecendo
a
sombra
daquele
desequilí
brio
pelas
palavras
de
ordem
e
terapi
as
motivacio
nais
que
auxilia
m
a
gerenc
iá
-
los
e,
principalmen
te,
a
evit
á-
los.
O
co
rpo
o
qual
se
depreende
d
aqui,
re
duzido
a
um
gerente
principal
o
cérebr
o,
agora
pare
ce
ser
não
mais
o
do
retardo
em
ra
zão
da
disfun
ção
criad
a
entre
o
orgâ
nico,
o
insti
ntual
e o
libid
inal,
mas
o
do
c
aren
te
de
vid
a
comu
m,
já
que
,
maquinad
o
pe
lo
socius
,
per
de
completame
nte
sua
potencia
lidade
so
c
ia
l
,
para
se
totalizar
nesse
gerenciame
nto
individuali
zado,
restrito
a
um
organismo
coman
dado
pelo
cérebro,
uma
máquina
sem
vi
da
,
s
alvo
pelos
impulsos
do
s
psicofármacos
que
ain
da
a
faze
m
pulsar.
É
nesse
campo
farmacopol
ítico
que
o
ingoverná
vel
produzido
desse
desequilíb
rio
p
assa
a
se
r
cercado
e
conduzido
po
r
medicamentos
que
dopa
m
,
para
incluir,
docilizam
,
p
ara
p
astore
ar
e
para
to
rnar
essa
vida
em
sobressal
tos
o
último
redut
o
de
alguma
resis
tência.
Pre
ci
ado
(2018)
cogita
que
n
ão
seríamos
mais
humanos,
uma
vez
q
ue
nosso
organismo
já
ultra
passou
qualquer
barreira
an
te
os
agrotóxic
os,
os
anticoncepc
ionais,
os
hormôni
os
consumidos
por
dé
cadas,
restan
do
apen
as
os
excess
os
dessas
fo
rças
ingovernáv
eis
que
nos
f
azem
viver
e,
por
vezes,
po
r
artif
ícios
que
no
s
faz
em
h
abitar
a
margem
dessa
existência
imunizada
,
incomum,
co
mo
última
front
eira
de
qualquer
126
resistência
e,
assi
m
que
e
scavada,
pronta
para
ser
ca
çada,
incluída
no
sentido
desse
di
spos
itivo
de
subj
etivaç
ão.
Sob
esse
aspecto,
talv
ez,
esse
dispositivo
assuma
sua
face
mais
aguda
,
a
qu
al
se
asso
cia
a
uma
raci
onali
dade
segregaci
onista
ou
racis
ta,
nos
termos
anterior
mente
mencionad
os,
pois
n
ão
admite
o
que
excede,
ta
mpouco
des
e
quilib
ra
com
força
superior
à
quela
de
sua
captura
.
que
,
aind
a
com
alguma
flexibi
lidade
ou
com
vistas
a
aprimora
r
o
capital
huma
no,
não
pen
etre
nesse
limiar
da
inclusão.
Tudo
que
lhe
e
scapa
pare
ce
alimentar
uma
reatividade
violenta
e
o
sentimento
de
ód
io
,
que
frequent
emente
fun
cionam
com
o
uma
válvula
de
esc
ape
ou
de
descarg
a
das
energias
de
praze
r
não
satisfeita
s
no
consu
mo.
Por
sua
vez,
esse
mecanismo
subjetivo
clama
par
a
que
funcione
co
m
descargas
pro
gramadas
por
um
gregarismo
em
pro
l
do
que
o
faz
sentir
-
se
inclu
ído
,
que,
por
vez
es,
beira
a
subserviênci
a
cega
às
instituições
religiosa
s,
partidá
rias,
filantrópicas
ou
qualquer
uma
capaz
de
suprir
uma
vid
a
comum
vazia,
em
busca
de
um
regime
de
verdade
que
a
sal
ve
,
em
vida
,
de
toda
ameaç
a
que
perturbe
e
sse
recan
to
idílico.
Procura
-
se
,
dessa
f
orma,
por
um
lado
,
a
quem
se
possa
c
hamar
de
irmão,
amigo,
compa
nheiro,
patriota,
cid
adão
de
bem,
p
ara
compensa
r
o
esfacelame
nto
do
tecido
social
e
o
empobreciment
o
afetivo
pro
vocado
pe
la
totalização
individualiz
ante,
por
vezes
narcí
sica,
pr
oduzida
pela
existência
neoliber
al
em
circul
ação.
Por
outro,
a
partir
dessa
imersão
em
um
corp
o
social
se
m
vida
comum
e
imune
aos
efeitos
da
comunhã
o
vital,
almeja
-
se
eleg
e
r
os
inimig
os
a
quem
combater,
violenta
r
e
exercer
uma
autori
dade
supostament
e
legitimada
po
r
práticas
raci
stas
e
de
exclusão
,
co
nt
ra
quem
está
fo
ra
desse
se
u
c
írculo
e
o
am
ea
ce,
no
que
concerne
ao
despertar
de
seus
127
devires
minor
itários.
Afinal,
são
eles
ou
eu
a
te
rem
a
vida
exposta
ao
risco
da
morte,
se
m
p
roteçã
o
ou
cuidado
da
go
vername
ntalid
ade
privatis
ta
estatal!
Esse
pare
ce
ser
o
jogo
no
qual
o
prazer
ci
rcula
e
se
conve
rte
em
ódio
con
tra
todo
desequilíbr
io
dec
orrente
da
diferença
da
diferença
–
sua
ou
de
outr
em
– e
de
um
ódi
o
cujo
extravas
ament
o
se
conve
rte
em
prazer
,
na
violênc
ia
con
tra
o
que
lhe
pare
ce
estran
ho,
porém,
é-
l
he
muito
famil
iar.
De
fato,
ele
suscita
um
a
face
obscura
desse
modo
de
ser,
desestab
iliza
-o e
inci
ta
sua
ingovernamental
idade,
muitas
vezes
mobilizada
por
esse
s
coletivos
e
fo
rm
as
de
governa
-
mentalida
de
populista
s,
emulando
o
pov
o
para
essa
econ
omia
afetiva,
canali
zand
o
p
ara
aí
sua
revo
lta,
sua
sub
jetivaçã
o
clandest
ina
e,
eventual
mente,
criativ
a.
Eis
o
quart
o
aspecto
que
os
dispositivos
de
inc
lusão
operam,
mi
nando
as
resistência
s
enc
etad
a
s
pelas
f
orças
que
congregu
em
esse
ingoverná
vel
comum,
que
venha
a
f
azer
pulsa
r
o
corpo
soci
al
e
interpe
lar
sua
racio
nalid
ade
governamental
premid
a
pelo
cálculo
e
conômico
e
pela
raci
onalidad
e
ge
renci
al.
Ao
torn
ar
ilimitada
a
dem
ocraci
a,
esse
ingovernável
que
conf
ronta
os
lugares
majoritá
rios
dos
poderes
e
o
desagrega
,
em
virtude
dos
d
evires
minoritár
ios
que
p
roduz
com
as
di
feren
ças
comun
s
que
faz
circ
ular
,
nece
ssita
ser
tornad
o
i
nteligível,
cap
turado
e
neutraliza
do,
compond
o
esses
três
aspectos
os
q
ue
compre
endem
os
disposi
tivos
de
in
clu
são,
sobretud
o
numa
esfera
micropolític
a.
Nesse
caso
,
não
se
trata
ape
nas
de
criar
um
corpo
orgânico
ou
utópico
co
ntr
a
o
corpo
heteretó
pico
18
q
ue
se
pronu
ncia
,
mas
também
18
As
hetoroto
pias
são
expressas
pelos
“[..
.]
indivíduos
cujo
comp
ortamen
to
é
desviante
relativamente
à
média
ou
à
norma
exigida
”
em
uma
dada
sociedade.”
(FOUCAULT,
2019,
p.
22)
.
128
de
criar
uma
máqu
ina
-cérebro
sem
co
rpo
vivo,
só
com
pele,
sem
vid
a
comum,
somente
com
corp
o
soc
ial
ou
co
rpo
-
espé
cie,
para
reco
bri
-
lo
biopolit
icamente.
A
inclusão
seria
assim
,
co
mo
um
dispositiv
o,
a
aderênci
a
a
essa
pele
sem
co
rp
o
pulsante
e
esse
soci
us
sem
vi
da
com
um,
despolitiza
ndo
e
ssa
última
e
despotencia
lizando
a
primeira,
para
que
qualquer
anomia
seja
evitada
,
ant
es
que
re
mediada.
Acontec
e
q
ue
o
c
orpo
é
heterotópico
em
espaços
determ
inados,
resultando
em
movi
men
tos,
do
me
smo
modo
q
ue
a
sua
reunião
em
um
cor
po
comum
ocorre
em
redes
e
ocasionalme
nte,
sem
precisar
quan
do
e
onde,
residi
ndo
aí
a
temív
el
for
ça
do
ingovern
ável.
Por
sua
vez
,
a
inclusão
co
mo
um
dis
positivo
funciona
como
um
a
maneir
a
de
dirigi
-
la
para
o
que
po
de
ser
normatizado
em
termos
de
cor
po
individual
ou
regul
ado
e
nquanto
cor
po
socia
l,
movendo
-
se
conforme
esse
jogo
de
governam
entaliza
ção
e
r
esistência,
não
o
fixan
do
e
facultando
-
lhe
maior
liberdade,
desde
que
es
ta
não
se
torne
ilimitada
como
a
demo
cracia,
se
ajuste
à
razão
govername
ntal
do
estad
o
e,
princ
ipalmente,
à
raci
onali
dade
ec
onômi
ca.
O
problema
é
que
os
dispositiv
os
de
inclusão,
os
quais
produzi
ram
esse
maquinis
mo,
q
uando
conver
tidos
em
subje
tivação
,
procuram
neutraliza
r
qualquer
possibilid
ade
de
rebeldia
,
e
nquanto
suas
tecnologias
atuam
como
artes
de
guerra
,
no
sentid
o
de
bloquear
qualquer
saí
da
da
norma
e
de
perseg
uição
do
des
vio,
exigin
do
de
todos
os
corpos
que
os
encarnam
ou
não
um
funciona
men
to
n
ormal,
uma
funci
onalid
ade
q
ue
traz
p
ara
c
ada
um
ma
ior
ou
menor
sobrec
arga.
A
exigência
consta
nte
que
p
ressupõe
m
tai
s
dispositivos
é
a
de
q
ue
cada
máquina
-
competente
supere
os
déficits
e
cada
co
rpo
individuali
zado
ensa
ie
p
ag
ar
uma
dívida
infinita
,
para
continuar
existindo,
ge
rando
um
parado
xo
persistente:
quanto
mais
se
de
seja
a
129
inclusão
,
mais
se
se
nte
fora,
como
um
sentimento
de
que
ain
da
n
ão
se
fez
o
sufi
cien
te
e,
me
smo
que
se
faça,
a
dissemina
ção
de
uma
sensaç
ão
de
que
nada
o
será
,
par
a
se
sentir
incluíd
o,
ser
reconhecido
socialmen
te
e
aceito,
in
depe
nden
teme
nte
da
diferen
ça
que
cad
a
q
ual
encar
na
em
si
mesmo,
em
seu
corpo.
Por
sua
vez,
esse
cálculo
medido
pe
la
raci
onali
dade
econômica
sempre
aumenta
a
dívida
,
visto
que
se
trata
de
uma
sen
sação
que
se
realiza
na
at
uação
do
sujei
to
e
conômico
e
no
consum
o,
possuin
do
um
resultado
real
de
endivid
amento
nesse
campo,
num
desc
ontrole
en
tre
a
rend
a
ob
tida
e
o
g
asto
efetuado
par
a
que
o
desejo
se
realize
e
a
existência
se
afirme
,
com a
prosperida
de
provis
oriament
e
obtida.
Isso
ocorre
em
g
ran
de
m
ed
ida
,
p
orque
a
racio
nalid
ade
gerencial
q
ue
o
provoca
advém
de
um
princípi
o
econômico
da
razão
governa
menta
l
–
de
não
exclusão
–,
o
qual
foi
produzido
co
m
as
macropolíticas
do
neoliberalis
mo
,
capilarizando
-
se
em
dispositiv
os
de
subjeti
vação
que
a
radica
lizam
no
gerencia
mento
da
própria
existência
individ
ual,
despotencia
lizando
suas
singula
ridades
e
suas
form
as
de
agen
cia
-
me
nto
com
un
s,
seus
encontros
e
acontecimen
tos.
Essa
despotencia
lização
da
vida
produz
e
é
produzida
pela
despolitização
dessa
racional
idade
,
como
forças
de
g
overn
amentali
dade
comple
-
mentares
que
criam
um
campo
min
ado
p
ara
qualquer
f
or
ça
insurgen
te,
armad
ilhas,
enfim,
para
evitar
qualquer
resistência,
por
mais
que
continuem
existindo,
já
que
n
ão
há
biopoder
sem
ela
ou,
melhor
seria
dize
r
,
biopotênc
ia.
Foucault
não
caminha
nessa
direç
ão,
nem
u
ltrapass
a
esse
limiar,
ficando
som
ente
na
descr
ição
genealógica
dos
dispositivos
de
biopoder
,
além
de
n
ão
elege
r
a
inclusão
como
dispositivo
–
prefere
anali
sar
a
sexual
idade,
cart
ografan
do
a
zo
na
o
bscura
da
erótica
grega
130
compara
tivamente
à
emer
gência
do
s
códigos
matrimoniais
cristãos
e
da
sciencia
sexual
is
,
co
nform
e
mencio
nado
anteriormente.
Não
obstante
essa
cart
ograf
ia
da
economia
do
prazer
seja
importante
para
compre
ender
a
potencializa
ção
e
a
politização
da
inclusão
c
omo
dispositiv
o,
ela
n
ão
foi
desenvolvi
da
pelo
filósofo
francês
p
ara
ab
ordar
esse
tema,
sobretudo
quando
el
a
d
eriva
de
uma
fo
rma
de
acolh
imen
to
na
re
lação
co
m
o
o
ut
ro
e
de
uma
outra
fo
rma
de
vi
da
co
mum
,
advinda
de
um
cí
rculo
afetivo,
resultante
de
encontros
de
corpos,
q
ue
escap
a
a
e
ssa
racional
idade
g
overnamenta
l
e
à
subjet
ivação
neoliberal
,
mesmo
em
vista
de
sua
variedade
e
diversida
de.
É
essa
ingovernabilidade
que
inte
ress
a
dest
acar
aqui
,
nem
tanto
para
demons
trar
,
como
Cham
ayou
(2020),
uma
face
que
co
loca
em
xeque
as
ar
tes
liberais
de
governo
e,
port
anto
,
a
própria
biopolítica
da
populaçã
o,
mas
para
focá-
la
no
âmbit
o
de
lutas
t
ransversais,
loca
is,
que
se
manifesta
na
micropolí
tica
anteri
ormente
desenhada
e
nela
se
apresenta
de
fo
rma
a
desarticu
lar
os
dispositivos
de
inclusão
,
em
diversas
instituiçõ
es,
de
ntre
el
as
,
na
escola.
Para
i
sso,
é
nece
ssário
caracte
rizar
qual
é
esse
terr
eno
,
por
meio
de
cartograf
ias,
da
criaç
ão
de
tecnologia
s
e
de
ou
tros
modos
de
subjet
ivação
,
os
quais
,
estrategica
mente,
d
ão
relevo
às
fo
rmas
de
vida
com
um
que
a
compre
endem
e
que
se
insurge
m
cont
ra
a
raci
onali
dade
governam
ental
da
qual
derivam.
É
preciso
ainda
definir
os
horizontes
históric
os
nos
quais
tais
dispositiv
os
emergem
,
par
a
su
stent
ar
e
ser
suste
ntado
por
políticas
sociais
deno
minadas
inclusiva
s,
en
feixa
ndo
um
conju
nto
de
práticas
em
torn
o
das
quais
um
passado
sedimentado
e
relaçõ
es
de
d
ominaçã
o
ou
de
poder
estra
tificadas
são
trazidas
à
baila
,
como
uma
espécie
de
acert
o
de
cont
as
com
as
chamadas
artes
liberais
de
govern
o,
por
vezes
131
pelo
que
não
fo
ram,
se
omitira
m
ou
empreendera
m
como
um
braço
que
atua
na
periferia
d
esde
o
u,
melhor
seria
dize
r,
p
ara
perpetuar
o
sistema
n
ervoso
do
cent
ro
do
capitalismo.
É
o
q
ue
ocorre
no
s
casos
latino
-
american
o
s
e,
pa
rticularment
e,
no
brasilei
ro,
conforme
veremos
no
próximo
capítulo,
on
de
elaborar
emos
um
d
iagrama
desses
dispositivos
de
inclusão
e
dos
embates
que
o
constitu
em.
132
133
C
A
P
Í
T
U
LO
3
A i
nclusão
e
duc
ac
io
nal
no
Brasil
ent
re
fluxo
e
ref
luxos
:
d
o
governo
biop
olít
ico
das
dif
ere
nças
à
s
ua
te
ndência
t
anatopolítica
Nos
países
da
América
Lat
ina,
d
esd
e
a
segunda
metade
dos
anos
1960
até
meados
de
1980,
as
políticas
econômicas
neoliberais
conco
rreram
com
apelos
nacio
nais
desenvolvimen
tistas
,
q
uando
não
foram
la
boratórios
do
que
Cham
ayou
(2020)
denomi
nou
teorias
liberais
autor
itárias
.
N
esses
países
,
observou
-
se
especialment
e
a
presença
de
um
Estado
fo
rte
,
em
termos
do
co
mbat
e
e
re
pressão
militar
aos
movimentos
de
camponeses
,
trabal
hado
res
e
estu
dantes,
advindos
da
sociedade
civ
il
or
ganiz
ada
na
década
anterior
–
com
apoio
de
se
tores
da
I
greja
Católica,
de
Sind
icatos
e
P
artidos
Políticos
,
num
espectro
ideológic
o
mais
próxi
mo
ao
marxis
mo.
Identifica
dos
como
a
pri
ncipal
ameaça
de
ingovernabilida
de,
fre
nte
à
as
censão
do
que
cham
ava
de
comunis
mo,
em
plena
Guerra
F
ria,
tais
movime
ntos
sociais
traziam
dem
andas
q
ue
colocari
am
em
xeque
uma
economia
agrária
pautada
no
latifúndio,
um
a
indus
trialização
estrategica
mente
marcada
pela
produção
de
bens
de
con
sumo
e
no
incr
eme
nto
de
um
setor
terc
iário
para
satisfaz
er
o
crescente
merc
ado
interno.
A
essa
polít
ica
econômi
ca
desenvolv
imentista
se
mes
cla
o
investimen
to
e
statal
nos
setor
es
estratégic
os
da
economia
–
ene
rgia,
construção
naval
e
aeroviári
a
e
petróleo
–,
ao
mesmo
tempo
que
tod
a
134
sua
r
egulaç
ão
econômica
se
pe
rfaz
em
r
espeito
a
marco
s
internacio
nais
do
livre
comé
rcio,
com
f
oment
ação
de
um
a
liberdade
de
mercado
interno
e
um
protecionismo
industrial
,
para
a
limentá
-
lo.
Esse
modelo
polític
o
-
econômico
,
ad
otado
até
a
abertura
democrática,
teve
as
políticas
sociais
re
traí
das
aind
a
mais
,
duran
te
o
período
,
e
a
cogi
tação
de
qualquer
in
cl
usão
social
se
rvia
com
o
p
arte
de
um
discurso
assistencia
lista,
alimentado
por
muitas
insti
tuições
que
del
e
se
beneficiaram
financeira
mente,
utiliza
dos
para
re
forçar
traço
s
de
uma
governamentalidad
e
est
atal
paterna
lista
–
ou
melhor
seria
denominá
-
la
o
ligárquica
.
Desde
o
c
hamado
Est
ado
Novo
(1937-1945),
fe
z
p
are
de
nossa
form
ação
cultural
cert
a
cul
tura
colonizada
e
paternalis
ta,
na
qual
o
p
ovo
vê
o
Est
ado
co
mo
um
benfeit
or
que
conce
de
ao
s
mais
pobres
,
os
qua
is
apr
endem
que,
se
não
se
resignam
ante
o
ofer
ecido
e
se
rebelam,
são
punidos
pela
força
policial.
Isto
,
como
se
já
n
ão
bastasse
o
castigo
de
viver
à
margem
de
qualqu
er
governamen
talidade
biopolít
ica
da
populaç
ão,
como
p
ovo
desqua
lificado
e
sem
qualquer
mecanismo
de
se
guranç
a,
compensa
tório
ou
n
ão.
Não
se
pretende
escavar
arqueologicamente
essa
cultur
a
e
s
uas
prática
s,
deixando
essa
taref
a
p
ara
outra
pesquis
a,
mas,
segurament
e,
se
e
ncontraria
no
próprio
pro
cesso
de
colon
izaçã
o,
no
e
xterm
ínio
e
na
catequiza
ção
dos
povos
originários
,
que
aqui
residiam,
os
t
raços
dessa
cultura
paternalis
ta
que
fo
ra
imposta
a
fe
rro
e
fogo,
a
despe
ito
do
q
ue
também
ocorreu
com
a
co
lonização
e
spanho
la
,
na
América
Latin
a.
Na
particula
ridade
desses
traç
os,
porém,
se
vislum
braria
,
na
co
nstrução
da
soberania
bras
ileira
um
p
assado
esc
ravagist
a
no
qual
os
povos
african
os
for
am
captu
rados
e
trazidos
ao
país
para
o
trabalh
o
agrícola
nos
grandes
latifú
ndios
de
c
ana
-
de
-
açúcar
e,
posterior
mente,
de
cacau
135
e
de
café,
as
marc
as
profundas
p
ara
nossa
fo
rmação
cultural
.
Ne
las
se
reite
ra
riam
mais
do
que
um
paternalismo
próprio
de
uma
socieda
de
que
se
erigiu
,
na
passag
em
do
Império
para
a
República,
numa
form
a
bastan
te
particular
de
oligarquia
e
numa
segr
egação
marcada
por
um
racis
mo,
quase
sempre
dissimula
do
em
face
do
qu
e
se
classificou
como
misci
genação
racial.
Se
ess
e
registro
cultural
fo
i
fe
it
o
a
fórceps
de
um
modelo
colonizador
e,
disf
arçadam
ente,
racista
do
ponto
de
vista
étnico,
ao
qual
o
racis
mo
de
Estado
,
anter
iormente
dest
acado,
somente
o
abarcou
par
a
justif
icar
a
r
acion
alidad
e
governament
al
ad
otada
–
sem
combatê-
lo
pelas
art
es
liberais
–,
co
m
os
movimentos
migrat
órios
europe
us
e
orientais
de
meados
do
século
XX
,
essa
diversidade
cultural
apen
as
se
aprofun
dou
ai
nda
mais.
É
po
ssível
verificar
,
nesse
context
o
histórico
,
a
demarcaç
ão
ainda
mais
intensa
do
que
denominam
os
anteriormente,
com
Fo
ucault
(2007),
gu
erra
de
raças
,
no
âmbito
dessa
cultura
e,
portanto,
in
staurado
em
micropodere
s
cujas
pr
áticas
se
distribuem
pelas
arte
s
liberais
e
n
as
instituições,
ao
esquad
rinh
ar
e
ugenica
mente
um
cuidado
co
m
eventuais
misturas
,
por
pa
rte
da
racionali
dade
governam
ental
es
tatal,
como
ta
mbém
organ
izar
a
pop
ulação
em
função
de
sua
posição
eco
nômica,
tradição
política
ou,
mesmo,
c
ondiç
ão
racial
,
introduzindo
e
sses
marcado
s
n
os
cálculos
do
biopoder
e do
corpo
comum
que
os
encarnam.
A
literatura
do
períod
o
é
b
astante
pródiga
,
co
n
for
me
demonstrado
por
Figueir
edo
(1991),
Roberto
Sc
hwarz
(1977)
e
Roberto
da
Matta
(1985),
em
personage
ns
q
ue
en
carnam
e
ssa
distribu
ição,
perfaze
m
esses
cálculos,
evidenciando
,
de
um
lado,
a
replicaçã
o
de
uma
hierarquia
social
alice
rçada
na
casa
g
rande
e
na
senz
ala,
e,
de
outro
,
a
construção
de
um
a
raciona
lidade
ast
uciosa
que,
136
subjetiv
amente,
esc
aparia
à
le
talida
de
dessa
go
vername
ntaliz
ação
estat
al
nela
assentad
a,
mas
sem
in
surgir
-
se
contra
ela,
pactuand
o
com
ela
uma
fo
rmação
econômica
subm
issa
e
partil
hando
pequenos
benefíc
ios
,
em
t
roca
de
maior
arrefecim
ento
p
ara
a
luta
e
para
atuaçõe
s
políticas
decisiva
s
n
esse
terreno.
N
ão
vem
ao
c
aso
retomar
genealog
icamente
esses
processos
de
subje
tivação,
parcia
lmente
desenvo
lvidos
em
outra
ocasião,
tampouco
retoma
r
os
pr
ecedentes
de
uma
fo
rmação
cultural
que
conduziu
e
fo
i
conduzida
pela
gove
rnamen
talização
estatal
brasileir
a
,
to
davia,
é
oport
uno
compre
ender
que
esse
s
aspectos
agenciam
parte
d
as
políticas
sociais
volt
adas
ao
governo
biop
olítico
da
populaç
ão,
assi
m
como
a
luta
por
direitos
civi
s,
por
parte
de
certos
movi
men
tos
sociais
,
co
mo
os
afrod
escendent
es,
os
feminista
s,
os
das
comunidades
de
pe
ssoas
com
deficiência,
muita
s
v
ezes
articulados
aos
decorren
tes
das
luta
s
de
classes.
Tais
p
olíticas
,
c
ujo
epicentr
o
foi
maio
de
1969,
as
quais
se
espal
haram
por
to
do
mund
o
e,
embora
te
nham
su
a
consonância
também
no
B
rasil
,
f
oram
retraíd
as
em
raz
ão
da
Ditatura
Civil
Militar,
ganhand
o
mais
visibilidad
e
e
força
com
a
Abertura
Democrática,
a
partir
de
1985.
Se,
por
um
l
ado,
e
ssa
ret
ração
d
as
políticas
sociais
fez
com
que
,
em
termos
de
governa
mentalidade
estat
al
,
países
como
o
B
rasil
deixasse
m
de
ter
um
acúmulo
de
se
rviços
que
pr
otege
sse
a
populaçã
o
e
incluíss
e
aqueles
que
e
stivesse
m
for
a
do
cálculo
do
biop
oder,
compensa
ndo
as
desigualdades
históricas
e
aprim
orando
sua
form
ação
cul
tural
–
ai
nda
que
na
con
diçã
o
de
dependência
–,
por
outro,
prod
uzi
u
uma
dema
nda
sufocada
pela
política
econômica
adotad
a.
Por
sua
vez,
e
sse
j
ogo
de
de
ma
nda
por
po
lític
as
sociais
e
sua
retraç
ão,
em
fac
e
das
exigência
s
da
econom
ia
int
ernac
ional
e
da
137
inse
rção
brasileira
ne
ssa
economia
de
cunho
neolib
eral,
pavimenta
o
caminho
para
o
neolib
eralismo
à
brasileira
,
const
ruído
em
p
ouco
mais
de
duas
dé
cadas
de
reabe
rtura
democrática
.
O
problema
enfrentado
ne
sse
jogo
foi
–
e
continua
sen
do
–
de
uma
pro
fu
nd
a
e
scassez
de
polític
as
públicas
de
stina
da
s
à
população
governáv
el,
salvo
de
siste
mas
de
saúde
,
de
educação
e
de
seguri
dade
e
assistên
cia
soci
al
de
qual
idade
duvid
osa,
p
ara
um
a
alta
de
manda.
Como
con
seq
uênci
a
,
h
ouv
e
um
aumento
significa
tivo
da
pobreza
e
da
desigualdade
social,
medidas
por
índices
de
desenvolvimento
humano,
de
r
enda
per
cap
i
ta
,
dent
re
outros,
reveland
o
um
a
radical
ização
das
injustiças
sociais
duran
te
o
período
da
Ditatur
a
Civil
Militar
b
rasileira
e
um
fracasso
,
do
ponto
de
vista
das
políticas
sociais
,
de
sua
política
econ
ômica
nacional
-
desenvolvim
entista.
Foi
em
fun
ção
da
Asse
mblei
a
Nacio
nal
Constituinte
e
da
elabo
ração
da
Constituição
de
1988
q
ue
vários
de
sses
movimentos
sociais
se
mobilizara
m
,
aparecendo
na
cena
pública
,
de
sde
ent
ão
,
para
empreend
er
uma
governamentalida
de
ascend
ente
em
busca
de
direitos
civis
e
de
re
conhe
cim
ento
soci
al
p
ara
um
p
ovo
at
é
ent
ão
excluíd
o
da
bio
polí
tica
da
população,
com
vis
tas
à
sua
inclusão
c
o
mo
sujeito
de
direitos
,
embora
de
ntro
do
s
princípios
de
uma
racio
nalid
ade
econômica
como
a
apre
sent
ada
no
capítu
lo
anterior
.
Nesse
sent
ido,
e
sse
corpo
comum
se
organizou
em
to
rno
de
suas
respectiva
s
iden
tidades
étnico
-
raci
al,
de
gênero
e
de
orien
tação
sexual,
de
deficiênc
ia,
alme
jando
e
sse
proc
esso
de
incl
usão
jurídica,
desenca
deando
desde
a
promulgação
da
ch
amada
Constituição
Cidadã
uma
série
de
lutas
,
para
que
esses
direit
os
gerai
s
fossem
garant
idos
em
r
egulament
ações
e
specíficas,
como
ocorre
no
c
aso
das
políticas
de
inclusão
educacion
al.
138
Nesse
campo,
observaram
-
se
conqu
istas
importantes
,
no
que
tang
e
ao
direito
de
as
pessoa
s
com
defi
ciência
se
matricular
em
nas
escolas
regul
ares
,
na
E
ducação
B
ásica,
assim
como
tod
a
a
política
de
cotas
e
de
ace
sso
do
s
afrodescen
dentes,
dos
povos
quilombolas
e,
gradativ
amente,
indígenas,
dos
estudantes
de
es
colas
públicas
e
em
con
dição
de
vul
nerabilidade
soci
oeconômica
ao
e
nsi
no
supe
rior.
Talve
z
não
fiqu
e
tão
cl
aro
o
motivo
de
t
erem
sido
essas
diferenças
objetos
de
govern
o,
e
não
outras,
como
as
relacio
nadas
às
questões
de
gênero,
de
orient
ação
se
xua
l
o
u,
mesmo,
as
que
congregam
o
co
rpo
comum
do
povo,
com
seu
s
atravessa
mentos
e
agenci
amentos.
Mai
s
do
que
isso
,
acerca
de
quais
são
as
consequênc
ias
tana
topolíticas
para
aqueles
que
fiquem
de
fora
desse
governo,
sobr
etudo
num
m
omento
de
refluxo
das
conquista
s
jurí
dicas,
empreendido
por
um
c
erto
populismo
autoritár
io
q
ue
joga
com
as
fo
rças
ingovernávei
s
de
sse
povo
,
a
fim
de
imprimir
mais
exclusão
e
violência
co
ntra
alg
umas
dessas
diferenças
que
congregam,
em
de
trime
nto
de
um
trata
mento
mais
ame
no
com
o
ut
ras
,
co
m
as
quais
vislumbram
maior
familiar
idade
ou
menos
am
eaça
ao
m
odo
de
se
r
majoritár
io.
Neste
tercei
ro
capítulo
da
primeira
parte
do
livro
,
pret
ende
-
se
compree
nder
melhor
as
modula
ções
de
sse
govern
o
das
diferenças
em
que
se
apoi
aram
as
políticas
de
inclusã
o
e
ducaci
onal
,
no
Bra
sil,
entendend
o
seus
fluxo
s
e
as
consequên
cias
de
seus
refluxos.
Dentre
os
docume
ntos
que
a
promo
veram,
elege
-
se
aqui
a
análi
se
do
Plano
Na
ci
o
nal
de
Educação
Espe
cial
na
Perspectiva
da
Educação
I
nclusiva
(PN
EEPEI),
publicado
em
2008,
co
mo
um
marco
important
e
para
ess
e
propósito,
be
m
como
o
parad
igma
no
qual
se
apoia
e
os
efeitos
obtidos
co
m
sua
consec
ução,
até
2016,
quand
o
uma
série
de
refluxos
apare
cem
,
até
o
Decreto
Presidencial
n°
139
10.502/2020,
o
q
ual
,
embor
a
suspenso
por
deter
minação
judicial,
procurou
retorn
ar
a
existência
de
escolas
e
cl
asses
especiais,
com
ap
oio
de
alg
umas
co
munidades.
In
teressa
a
essa
di
scussão
entend
er
o
que
estaria
em
j
ogo
e
que
impediria
a
em
ergê
nci
a
de
outro
para
digma
de
inclusão,
basead
o
men
os
na
geneal
ogia
da
anormal
idade,
mais
n
uma
oitiva
do
que
demanda
o
co
rpo
co
mu
m
com
suas
diferenças
,
enquant
o
uma
estratégia
de
governamenta
lidade
emergen
te
das
lutas
desses
movimentos.
Para
compreendê
-
los
em
um
reco
rte
genealógic
o
,
opto
u
-
se
por
retroc
eder
a
alg
uns
aspectos
da
gove
rnament
alização
estatal
bras
ileira,
assim
como
as
de
mandas
por
seu
vetor
a
scendente
de
governam
entalid
ad
e
fo
ram
se
dando
com
a
governamentaliza
ção
estat
al
republicad
a
,
em
artic
ulação
com
a
institui
ção
escola
r,
no
sentido
de
carto
grafar
algumas
linhas
das
forças
ingovernáveis
de
seus
atores
.
Assim,
pretende
-
se
esqu
ematizar
uma
resp
osta
sobre
o
porquê
de
determin
adas
dife
renças
serem
privilegia
das
,
enquant
o
out
ras
deix
adas
à
pr
ópria
sorte,
além
d
os
efeitos
disso
no
âmbito
dessa
micropolít
ica
que
,
po
uco
a
pouco
, foi-
se
priv
atizando.
3.1
P
or
um
a
br
eve
gene
alogia
do
cor
po
com
um
em
suas
diferenças
na
e
ducação
e
s
cola
r
brasileira:
e
ns
ai
ando
uma
hipót
es
e
Com
o
d
esenv
olvimento
da
psiquiatria,
no
séc
ul
o
XI
X,
a
infância
foi
descoberta
com
o
a
possibilida
de
de
e
vit
ar
determinados
distúrb
ios,
uma
etapa
da
vida
p
ara
preve
nir
ce
rtas
ano
rmali
dades
ou,
aind
a,
dia
gnosticar
um
estado
de
anormal
idade
,
her
editário,
que
acomp
anha
dete
rminadas
f
ormas
de
existência
,
des
de
o
nasc
imen
to.
Dessa
mane
ira,
produziu
-
se
, com
o
registro
dos
desvi
os
desses
corpos
140
que
convivem
co
m
déficits
corrigíveis
ou
n
ão
por
tec
nologias
específicas,
ce
rto
estigma
e,
co
m
ele,
tod
a
uma
ontologia
do
de
svi
o,
por
assim
dizer.
Ao
in
vés
de
e
ssa
ontologia
co
rrigir
certa
deficiência
ontoló
gica,
isto
é,
do
ser
menos
imputado
por
toda
forma
de
racismo,
ela
o
reite
ra,
pois
se
apoia
em
saberes
,
para
que
se
p
ossa
exercer
determ
inados
t
ipos
de
poderes
e
esquadr
iar
os
desvios
por
defic
iência
e,
posteriorme
nte,
co
ndi
ção
raci
al,
de
gênero,
de
orien
tação
sexual,
dent
re
outros.
O
estigma
q
ue
primeiro
rec
aiu
sob
re
a
ano
rmali
dade
implicou
uma
an
átomo
-
polí
tica
do
co
rpo
e,
conseque
ntement
e,
um
a
espéci
e
de
racis
mo
étnico,
po
r
que
,
a
partir
de
le
,
fo
i
po
ssível
a
p
rodução
de
teorias
de
degen
eração
e
de
dogm
as
raci
ais.
De
aco
rdo
co
m
Foucault
(2010,
p.
277),
[o]
r
ac
is
mo
que
nasce
da
psiquiat
ria
dess
a
époc
a
é
o
rac
ismo
contra
o
anormal,
o
ra
cismo
contr
a
indivídu
os
que
sendo
portad
ores
seja
de
um
estado,
seja
de
um
esti
gma,
seja
de
um
defei
to
qualquer,
podem
trans
mitir
a
se
us
herdei
ros,
da
maneir
a
ma
is
al
eatória,
as
consequênc
ias
imprev
isívei
s
do
mal
qu
e
trazem
em
si,
ou
antes,
do
não
normal
que
tr
azem
em
si.
É
um
rac
is
mo
qu
e
nem
tanto
terá
a
pr
oteç
ão
de
um
grup
o
contr
a
outro,
quanto
a
detecçã
o,
no
interior
mesmo
de
um
gru
po,
de
to
dos
os
que
po
d
erã
o
s
er
ef
etiva
mente
portadore
s
de
perigo.
Ra
c
ismo
interno,
rac
ismo
que
poss
ibilita
fi
lt
rar
todos
os
ind
ivíduo
s
no
interior
de
uma
soci
edade.
Claro,
entre
r
acis
mo
e
o
rac
ismo
tradicional,
que
er
a
es
senci
almente,
no
Ocidente,
o
r
ac
is
mo
antissemita
,
houve
logo
toda
uma
séri
e
de
inter
ferênci
as,
mas
s
em
que
jamais
tenha
hav
ido
141
organização
efetiva
mu
ito
coerente
dessas
duas
for
mas
de
rac
ismo
antes
do
nazi
smo
prec
isamente.
Se,
em
países
co
mo
o
Brasil,
não
foi
propriament
e
o
antissemit
ismo
que
g
rassou,
m
as
um
racismo
,
o
qual
,
conform
e
demonstrado
anteriormen
te
,
se
incrusto
u
na
form
ação
da
população
bras
ileira
como
uma
ave
rsão
aos
povos
indígenas
e
aos
n
egros,
marcada
por
teorias
de
degeneraç
ão
e
por
prática
s
(da
psiquiatria
à
antropolog
ia)
que
designaram
certa
inf
erioridade
biológica
a
tais
etnias
ou
às
sua
s
misturas
,
certa
incorrigib
ilidade
em
suas
c
ondut
as
e
certa
de
vassidão
sexu
al
no
modo
de
se
r.
Ao
refazer
esse
pe
rcurso,
genealog
icamente,
verifica
-
se
que
as
técnicas
antropológic
as
que
med
e
iam
os
órgãos
e
os
o
ssos
c
ran
i
ano
s
,
p
ara
demonstrar
a
superio
ridade
do
tipo
caucasian
o
sobr
e
os
demais
,
em
meados
do
século
XX,
foram
análog
as
à
quelas
utilizadas
pela
psiqu
iatria
do
século
XIX
,
descritas
por
Foucault
(2010),
para
rel
atar
caso
s
parad
igmáticos
como
o
de
Char
les
Jouy
19
,
dentre
outros
de
sua
casu
ística,
os
qua
is
representa
m
perigo.
19
Esse
personagem
foi
des
crito
pelo
filósofo
francês,
n
os
te
rmos
apresentado
s
anterio
rmente,
como
alguém
c
uja
debilida
de
foi
incapaz
de
f
rear
seus
impulsos
sexuais
e
imped
ir
de
abu
sar
de
uma
garo
ta,
em
uma
ald
eia
francesa.
Levado
à
justiça
pelo
crime,
a
ps
iquia
tria
intercedeu
a
seu
fav
or,
em
razão
de
suas
medidas
fís
icas
e
de
seus
órg
ãos
não
estarem
de
ntr
o
da
média
n
ormal
,
incl
uindo
seus
genitais,
assim
como
o
seu
desenvolvimento
intelec
tual
estar
aqué
m
e
não
c
ontr
olar
seus
ímpe
tos,
sendo
con
sider
ado
alguém
q
ue,
desde
sua
in
fância
,
era
anormal,
idi
ota,
não
podend
o
a
ele
ser
imp
utada
culpa
alguma,
mas
pode
ndo
ser
r
ecomen
dado
o
seu
internam
ento
numa
in
stitu
ição
asilar,
dado
que
poder
ia
c
olocar
em
risc
o
a
comuni
dade.
É
c
uri
oso
q
ue
J
ouy
pod
eria
ser
codif
icado
pelo
c
onheci
mento
aná
tomo
-
funcional
da
é
poca
e
seu
mecanis
mo
i
nstin
tual
poder
ia
até
ser
conh
ecido
pela
psiquiatria
,
dia
gnost
icando
o
seu
retardo
conj
unta
mente
com
a
sua
docilida
de,
mas
a
sua
sexuali
dade
j
ama
is
fora
decifra
da,
talvez
p
orq
ue
imp
lica
sse
mesmo
uma
142
Foram
am
eaças
como
essa
que
o
es
tado
da
ano
rmalidade
e
se
u
estigma
tro
uxeram,
por
vezes
,
geran
do
um
a
si
tuação
de
anomia
,
que,
no
caso
brasileiro,
é
interpretad
a
por
sua
constituição
étnico
-
ra
ci
al
transf
ormada
em
questão
,
no
fi
nal
do
sé
culo
XIX,
impulsiona
da
a
partir
da
segunda
década
do
século
XX
e,
posteriorme
nte,
diagn
osticad
a
como
uma
espécie
de
racism
o
est
rutural
contra
os
afrod
escendent
es.
Se,
no
fi
nal
do
séc
ulo
XIX,
as
condições
estruturai
s
da
raç
a
e
de
sua
miscigena
ção,
junta
mente
com
no
sso
clima
e
con
diçõ
es
geográ
ficas,
er
am
co
nside
radas
impeditivos
p
ara
o
desenvolvime
nto
social
brasileir
o
e
a
i
nstauração
de
um
E
stado
Moderno,
em
meados
do
sécul
o
XX,
o
que
se
veri
fica
são
as
primeiras
movimentações
eugênica
s
n
as
grandes
cidades,
particula
rmente
no
Rio
de
Janeiro
e
em
S
ão
P
aulo.
Alg
uns
m
édicos
,
co
mo
Rena
to
Kehl
,
f
un
d
am
ass
ociações
eugênicas
,
prescreven
do
uma
série
de
medidas
mé
dic
o
-
sociais
e
de
higiene
,
q
ue
visam
a
conter
a
miscigenação
raci
al,
a
devassi
dão
sexual
por
ela
repr
esentada
como
signo
de
um
desgov
erno
do
povo
a
ser
regulado
por
uma
séri
e
de
proibições
le
gais
e
de
normas
que
passar
iam
a
reger
esse
governo
bio
político
da
po
pulação.
Desses
movimentos
eugênicos
e
de
h
igie
nização
soci
al
fizeram
parte
alg
uns
dos
princ
ipais
protagonistas
da
Esc
ola
Nov
a
,
no
Br
asil,
como
Fernando
de
Azevedo,
o
qual
adota
essas
m
edidas
co
mo
parte
dos
ensina
mentos
curriculares
e
das
funç
ões
educ
acionai
s
bras
ileiras,
dado
o
seu
t
eor
cien
tíf
ico
e
a
sua
capac
idade
de
fomentar
um
a
tendência
geral
de
embranquecimento
de
no
ssa
população.
Propõe
,
para
tal
,
uma
e
ducaç
ão
do
c
orpo
(PAGNI,
1994),
c
entr
ada
em
um
caixa
p
reta,
ingovernável
como
qua
lque
r
outra
,
pos
ta
em
xeque
pel
o
p
erigo
de
sua
impuls
ivida
de
sem
freios.
143
govern
o
da
infância
em
qu
e
os
seus
corpos
,
uma
vez
normalizad
os
pelo
ensi
no
,
os
t
orn
am
ú
teis
e
p
rodutivos,
a
lém
da
docilização
habitual.
Aqueles
corp
os
desvia
ntes
das
no
rmas
e
incorrigíve
is,
embora
postulasse
uma
escola
comum
par
a
todos,
seri
am
exc
luídos
e
destinados
a
outras
institu
ições
de
co
rreção
e,
por
vezes
até,
de
segrega
ção
social.
Se
esse
projeto
se
co
rporifica
no
mo
vime
nto
pe
la
ren
ovação
educac
ional
,
no
Brasil,
durante
os
anos
1930, é
porque
enca
rna
essas
medidas
de
higienizaç
ão,
corre
ção
e
no
rmalização
da
existência
das
infân
cias,
utilizando
padrões
científ
icos
p
ara
essa
e
ducação
e
um
a
homogene
ização
curricular
até
os
15
an
os
,
para
que
,
posteriorme
nte
,
se
diferencie
no
nível
gina
sial
e
cole
gial,
form
an
do
as
elites
no
en
sino
superio
r,
para
en
tão
f
orm
ar
as
m
assas.
D
essa
form
ação
moderna,
os
corpos
das
infân
cias
negras
não
e
stão
,
em
princípio
,
excluídos
–
a
té
porque
algu
mas
cri
anças
adent
ram
à
escol
a
pública
e
seguem
o
curso
de
seus
estu
dos
;
poré
m,
essa
parece
ser
a
pouca
presenç
a
dessas
infân
cias
a
exceç
ão
que
justifica
a
regra
,
porque
, com
uma
populaç
ão
em
formaç
ão
,
nos
g
randes
centros,
a
maioria
do
s
negros
e
mestiços
reside
em
sua
perifer
ia
ou
nos
cortiços
do
c
entro
.
Sã
o
mão
de
obra
barata
para
pequ
enos
serviços,
ve
ndo
o
que
restou
de
suas
religiões
de
matriz
af
ricana,
ativida
des
como
se
us
jogos
,
a
exemplo
da
capoeira
e
rodas
de
sam
ba,
serem
criminali
zados.
São
p
rát
icas
fo
ra
da
lei
,
porque
reú
nem
a
maland
ragem,
os
favel
ados
e
todos
aqueles
resulta
ntes
das
mistura
s
raciais
,
resulta
ntes
da
re
lação
se
xual
se
m
os
códigos
pastorais
ou
mesm
o
a
regul
ament
ação
médica
,
sem
a
cultura
erudita
apre
ndida
nas
escola
s
e
que
sup
õe
ce
rt
o
acesso
à
civilização
,
num
país
perifé
rico
co
mo
o
Brasil.
Sem
c
ontar
a
causa
de
sse
estigma
:
as
in
surreições
,
como
as
do
144
vintém
ou
a
revolta
da
vacina,
de
meados
do
sécu
lo
XX,
produzindo
o
que
sociólogos
,
como
Fernando
de
Azeved
o
,
começa
sse
m
a
denominar
anomia
,
segui
ndo
a
sociologi
a
durkheimian
a
.
Ou
se
ja,
é
como
se
o
corpo
-
espéci
e
não
regulame
ntado
pela
s
chamada
s
Ciências
do
Soc
ial
e
pelos
agencia
mentos
estatais
o
u,
simplesmente,
o
p
o
vo
repre
sentasse
um
perigo
maior
do
que
os
corpos
sing
ulares
passíveis
de
ser
normaliza
dos
pelos
dispositiv
os
disciplina
res
e,
quand
o
isso
n
ão
fosse
possível,
viravam
cas
o
de
pol
ícia.
É
o
caos
representa
do
por
esse
povo
,
cuja
maioria
de
negros
e
mestiços
poderia
significar
o
per
igo
na
codificação
d
aquelas
ciências
e
das
for
mas
de
governamentalidad
e
estat
al
que
amed
rontava
os
n
ossos
coloniza
dores
,
os
imigrantes
europe
us,
sentindo
a
am
eaça
à
s
ua
f
orma
de
d
omin
ação,
por
um
lado,
e
se
detend
o
como
um
a
elite
diri
gente,
po
r
outro,
a
implementar
modos
de
assegurar
a
ig
ualdade
,
regulamentar
e
ssas
vid
as
tão
dispe
rsas
e
ofertar
servi
ços
públicos
mín
imos
que
lhes
asse
gurasse
m
a
sobrevivê
ncia.
Se
a
regulame
ntação
da
vida
dos
negros
se
dá
dessa
man
eira,
na
Esc
ola
Nova,
as
art
es
de
governo
empreendidas
pelos
seus
principais
pioneiros
,
no
Brasi
l
,
n
ão
de
ixam
de
também
de
ma
rc
á-
la
por
uma
proposta
de
coed
ucação,
isto
é,
de
uma
e
ducação
que
incluísse
também
o
gêner
o
feminino
,
no
acesso
ao
ensino
público,
porém,
administr
ado
pe
las
característica
s
an
átomo
-
fisiológica
s
do
corpo
da
mul
her,
conced
endo
-
lhe
um
ensino
próprio,
em
sep
arado
do
currículo
e
da
escola
para
o
gênero
masculino.
O
mesmo
se
o
bserva
aind
a
nesse
mesmo
contex
to
,
em
rel
ação
ao
s
ano
rmais
ou
ao
s
dé
beis,
os
quais
deveriam
ser
separ
ados
em
escolas
distintas,
enquanto
as
escolas
vo
ltadas
aos
indi
víduos
normais
deveri
am
ser
distribuíd
a
s
em
145
turmas
,
confo
rme
os
testes
de
inteligência
administra
dos
p
ela
psicologia
nas
cente
e
aplicado
s
pelos
esp
ecialistas
.
Nessa
perspectiva
,
as
artes
de
governo
empreendida
s
na
escola
renovada
brasileira
,
n
ão
obstante
os
dispos
itivos
disciplina
res
utilizados,
se
apoi
avam
n
uma
normalizaçã
o,
distribuindo
as
diferença
s
étn
ic
o
-
raciai
s,
de
gênero
e
de
(des)funcion
alidade
por
escalas
supostamente
cie
ntíficas,
gere
nciando
-
as
de
forma
hierárqui
ca
e,
quase
sempre,
marcad
a
por
um
a
escal
a
hierárquic
a
em
q
ue,
universa
lmente,
os
signos
do
branco,
do
masculino
e
do
n
o
rm
al
ocup
avam
o
to
po
das
condições
,
para
que
a
elite
se
fo
rmasse,
enquant
o
os
demais
se
distribuiria
m
por
um
governo
biopolítico
da
populaçã
o.
Esse
foi
o
modelo
de
escola
republicana
q
ue,
desde
os
anos
1930,
se
instaurou
nos
círcul
os
intelectuais
bras
ileiros
e,
posterior
mente,
fo
i
se
implementa
ndo,
com
o
at
ra
so
de
algumas
décad
as,
garant
indo
o
acesso
de
certos
setores
da
população
co
m
essa
barreira
par
a
a
permanência
do
povo,
assim
co
mo
outro
s
serviços
de
saúde
e
de
assistên
cia
so
c
ial
,
outras
polí
ticas
pública
s,
as
quais
fizeram
da
desigualdade
uma
c
aracterís
tica
da
governamentaliza
ção
estat
al
bras
ileira.
Em
bora
o
debat
e
sobre
a
questão
racial
t
ivesse
encontra
do
teses
q
ue
apontavam
para
o
embranquecime
nto
da
pop
ulação
bras
ileira,
c
aso
se
dese
nvolvesse
um
controle
estatal
dos
casame
ntos
,
das
medidas
de
higie
ne
e
da
educação
,
também
s
erv
ia
para
assin
alar
que
a
misc
igenação
era
parte
consti
tutiva
de
nossa
fo
rmação
cultural
,
uma
particu
laridade
no
ssa
co
m
a
qual
a
cultura
brasileira
teri
a
de
se
146
defron
tar,
ap
roveitan
do
ce
rta
po
tenci
alidade
e
positividade
dessa
condição,
co
mo
a
feita
por
Gilberto
Freyre
(1987).
20
Nesse
embate
en
tre
a
n
egativida
de
e
a
positivid
ade
das
mistura
s
raciai
s,
se
m
dúvida,
e
sta
última
tenta
integr
ar
a
um
mesmo
desenvolv
imento
civilizat
ório
e,
portanto,
universal
,
a
etnia
africana
e
a
miscigenaçã
o
raci
al
ocorri
da
no
Brasil.
Não
raro,
F
reyre
(1987)
argumen
ta
o
quanto
a
ausê
ncia
de
desenv
olvimento
econ
ômico
e
de
modernizaç
ão
o
corre
,
n
ão
pela
p
resen
ça
dessa
mistura
e
da
etn
ia
african
a,
mas
por
out
ras
variáveis
que
c
ongreg
aram
a
no
ssa
form
ação
social,
como o
clima
e
uma
hierarquiza
ção
oligárquica
a
ser
superada.
Advoga
,
ain
da,
o
quanto
a
cultura
af
ricana
se
incorporou
à
nossa,
mais
por
prá
ticas
e
ritu
ais
do
que
pelo
agen
ciame
nto
estatal
ou
religios
o,
refutan
do
os
determinismos
biológicos
que
poderiam
reintrodu
zir
uma
hierarqui
a.
Reconhec
e
haver,
assim,
certa
disponibili
dade
do
negro
à
civilizaçã
o,
mo
stran
do
a
utilidade
de
se
us
corpos
e
de
sua
força
de
trabal
ho,
re
cus
ando
também
a
an
tig
a
20
Afirma
o
autor:
“[a]
verda
de
é
que
no
Brasil,
ao
cont
rário
do
que
se
observa
em
outros
países
da
Amé
rica
e
da
Áfr
ica
de
recente
coloniza
ção
europeia
,
a
c
ultura
primitiv
a
–
ta
nto
a
ame
ríndia
quanto
a
africana
–
não
se
vem
isol
ando
em
bol
ões
duros,
se
cos,
indig
estos,
in
assi
miláv
eis
ao
siste
ma
socia
l
do
eur
opeu.
Mui
to
menos
estr
atifi
cando
-
se
em
ar
caísm
os
e
curi
osidades
e
tnogr
áficas.
Faz
-
se
sentir
a
presença
viva,
útil,
ativa,
e
não
apenas
pitor
esca,
de
elemen
tos
com
a
tuaçã
o
cr
iador
a
no
desenvolvimento
nacio
nal.
Nem
as
relações
sociais
entre
as
dua
s
raças,
a
conquis
tador
a
e
a
indígena
,
aguçaram
-
se
nunca
na
antipatia
ou
no
ódio
cujo
rang
er,
de
tão
adstringente,
chega
-
nos
aos
ou
vidos
de
todos
os
países
de
c
olonizaç
ão
ang
lo
-
saxôn
ica
e
prote
stante
.
Suaviz
ou
-
se
a
qui
o
óleo
lúbrico
da
profunda
misc
igenaçã
o,
quer
a
l
ivr
e
e
danada,
q
uer
a
regular
e
cristã
sob
a
bênção
dos
padres
e
pelo
incita
mento
da
Igreja e
do
Esta
do.”
(
FREY
RE,
1987,
p.
160).
147
domesticaçã
o
escravo
crata,
assim
como o
estigma
de
sua
ociosidade
e
malevolência
,
associ
ada
ao
seu
ímpeto
sexual
.
21
Para
Freyre
(1987),
ain
da,
essa
volúpia
teria
sido
muito
mais
um
vício
da
e
ducação
em
ci
rculação
na
Cas
a
Gran
de
e
na
Se
nzala,
que
deveri
a
ser
c
ombatido,
desde
a
tenra
idade,
do
que
um
problema
do
clima
:
[t]anto
o
excesso
de
mi
mo
de
mulher
na
c
ri
aç
ão
dos
meninos
e
até
dos
mulatinhos,
c
omo
o
extr
emo
opost
o
–
a
liberdade
par
a
os
menino
s
bra
nco
s
c
edo
vad
iar
em
com
os
moleque
s
safados
na
bag
ace
ir
a,
deflor
arem
negrinhas
,
emprenha
rem
escravas,
abusarem
de
animais
–
consti
tuíram
vício
s
de
educação,
talvez,
insepa
ráveis
do
regi
me
de
econ
omia
escravocrata,
dentro
do
qu
al
se
formou
o
Brasil.
Vícios
de
educ
ação
que
explicam
me
lho
r
do
que
o
cl
ima,
e
incomparav
elmente
mel
hor
que
os
duvidos
os
ef
eitos
de
miscigenação
sobre
o
sistem
a
sexual
do
mestiço,
a
p
reco
ce
inicia
ção
do
menino
bras
ileiro
na
vida
erótic
a.
(FREY
RE,
1987
,
p.
375).
Esses
v
ícios,
um
a
vez
explicados
pela
antropol
ogia
cultural,
poderiam
auxilia
r
-
nos
a
combatê
-
los
,
por
meio
de
uma
educação
da
infân
cia.
No
âmbito
da
proposta
cient
ificista
da
Escol
a
No
va,
aliam
-
21
A
essa
ameaça,
a
rgumen
ta
ele,
“[n]ada
nos
autor
iza
a
concluir
ter
sido
o
negro
quem
tr
ouxe
ao
Brasil
a pegajenta
l
uxúria
em
que
n
os
senti
mos
todos
prend
er,
mal
atingida
a
adolescência.
A
pr
ecoce
volup
tuosidad
e,
a
f
ome
de
mul
her
que
aos
tre
ze
ou
quator
ze
anos
faz
de
todo
bra
sileir
o
um
don
-
juan
não
vem
do
c
ontág
io
ou
do
san
gue
da
‘raça
inferior
’
mas
do
s
istema
econôm
ico
e
socia
l
de
n
ossa
for
mação;
e
um
po
uco,
talvez,
do
cl
ima;
do
ar
mol
e,
gross
o,
morn
o,
q
ue
cedo
n
os
parece
predis
por
a
os
ch
ame
gos
do
amor
e
ao
mesmo
tempo
nos
afastar
de
tod
o
esforço
persistente.”
(FREY
RE,
1987,
p.
320).
148
se
a
psiquiatria
e
a
antropologia
cult
ural,
p
ara,
se
não
rei
terar
uma
inferio
ridade
do
s
negros
e
os
limites
estruturais
de
nossa
miscigenaçã
o
racial,
ao
menos
combater
esses
vícios
advindos
de
uma
educaç
ão
pregress
a,
em
n
ome
de
ce
rt
a
in
tegração
co
rdial
e
civilizatória,
sem
violência
s.
Essa
foi
uma
out
ra
face
dos
dispositiv
os
cr
iados
pela
Escol
a
No
va
,
para
compor
o
govern
o
das
infân
cias,
reiterando
uma
correção
dos
desvios
e
um
combate
na
idade
ce
rt
a,
a
fim
de
que
os
negros
e
a
miscigena
ção
n
ão
contin
uassem
a
colocar
o
desenvo
lvimento
econômic
o
e
a
mod
ernizaç
ão
em
ri
sco
:
c
o
rreção
biológica
s
em
embranqu
ecer
o
corpo,
correção
de
uma
mecânica
instintual
destinada
ao
ócio
do
s
meninos
para
otimizar
seus
corpos
ao
trab
alho
e
correção
da
ingov
ernável
volúpia
sexual
recob
erta
pe
las
peles
n
egras
,
tornand
o
-a
equilibrada
,
co
ntid
a,
regulamenta
da
pela
Igreja
e
pe
lo
Estado
.
O
ace
sso
d
esse
povo
ao
apar
elho
e
scolar
repre
sentaria
e
ssa
possibilida
de
de
docili
zação
num
projet
o
de
esc
olarização
proposital
mente
am
bíguo
,
para
objetivar
um
proc
esso
cultural
de
embranqueci
mento,
em
vez
de
corpo,
de
alma
,
em
n
at
uralizaç
ão
ocorrid
a
por
um
c
orp
o
orgân
ico
que
o
equipar
a
ao
s
outro
s
corpos
com
órgãos,
objetos
da
biologia
.
T
rata
-
se
da
n
eutralizaç
ão
de
uma
cultura
ance
stral
e
de
um
a
vi
da
pulsante
,
cujas
relações
amo
rosas
extrapola
m
os
códig
os
do
poder
pasto
ral
e
do
pod
er
d
isciplinar.
Essas
formula
ções
remete
m
-
nos
inclusiv
e
a
outro
estil
o
de
exis
tência
e
filosofias
africanas
que
soment
e
mais
recen
temen
te
c
omeç
aram
a
ser
estud
adas
,
em
nosso
país,
implicand
o
inclusive
um
m
odo
out
ro
de
pen
sar,
o
qual
rompe
os
p
aradig
mas
ocidentais
e
eurocêntri
cos
da
nossa
e
ducação
fil
osófica
.
149
A
E
sco
la
N
ova
que
eugeniza
é
a
mesma
que
neutra
liza,
estabel
ecendo
uma
do
minação
que
extrapola
e
ign
ora
os
jogos
de
poder,
integrando
as
inf
âncias
negras
,
p
ara,
em
t
roc
a,
exigir
uma
existência
normaliza
da,
conce
bida
segundo
os
critérios
do
colonizador
e
de
seus
devires
majoritários.
“Neu
tralize
seus
d
evires
minoritár
ios,
seu
devir
negro
e
seja
como
um
de
nó
s,
de
alma
branc
a,
aind
a
que
o
si
gno
de
sua
diferenç
a
esteja
na
pele
!
D
o
bre
-
se
ao
rac
ismo
étnico
e
e
mbranqueça
,
mescl
and
o
-
se
aos
corpos
brancos,
mas
sem
contagiá
-
lo
co
m
sua
cul
tura
anc
estral
nem
com
su
a
economia
do
prazer,
embora
isso
já
te
nha
oco
rrido
em
nossa
form
ação
cult
ural.”
Por
conseguinte
,
co
mo
fazer
para
eliminar
o
m
al
,
cuidando
das
infânci
as
sem
discriminá
-
las
por
uma
arte
de
governo
e
por
tecnologia
s
pedag
ógicas
cuj
a
isenção
e
obj
etividade
seriam
capaze
s
de
tal
propósito,
tor
nar
universal
o
que
é
singular
,
ver
o
adulto
ra
ci
o
nal
na
crian
ça
e
a
populaçã
o
nesse
povo
ain
da
n
ão
formado?
Esse
foi
o
desafi
o
que
os
def
ensor
es
tanto
de
ssa
ten
dênci
a
ao
e
mbranque
-
cimento
q
uan
to
do
incr
emen
to
da
miscigena
ção
parecem
ter
em
comum,
emb
ora
com
propósitos
t
ão
dive
rsos.
O
governo
das
infân
cias
pela
educação
,
com
o
intu
ito
de
fo
rma
r
a
populaçã
o
governáv
el
,
estratif
icada
em
elites
e
populares
,
foi
o
pon
to
ne
ut
ro
desse
primeiro
mov
imento
relativo
à
questã
o
r
acial,
jogando
sobre
a
arte
de
governo
ped
agógi
ca
a
responsabilid
ade,
den
tr
e
o
utras,
de
corrigi
r
os
desvios
em
rel
ação
ao
povo
negro
e
seus
devires
convulsi
vos,
ao
es
tado
de
anomia
soc
ial
que
produ
ziriam.
Algo
parecido
se
dar
ia
quanto
à
pretensão
desse
mod
elo
de
escola
,
com
as
su
as
artes
de
governo
hierarquiza
ntes,
por
nív
el
de
quociente
de
inteligência,
de
se
parar
os
mais
dos
menos
intelige
ntes,
os
norma
is
dos
an
or
mais,
conferindo a
esses
últimos
um
de
stin
o
para
150
outras
instituições
cap
azes
de
abrig
á
-
los
e
corrigi
-
los
.
Por
fim,
a
lgo
semelhante
oco
rre
també
m
em
relaç
ão
à
coedu
cação,
is
to
é,
ao
direit
o
de
a
mulher
te
r
acesso
à
educação
escola
r,
porém,
em
escolas
sep
aradas
dos
meninos,
com o
intu
ito
de
evitar
a
ingovernab
ilida
de
erótica
dos
rapaze
s.
A
questão
que
se
compartilha
aqui,
contud
o
, é
a
de
q
ue
esse
s
devires
nunca
se
limitar
am
apen
as
às
pautas
identitárias
,
n
em
unif
icaram
as
lutas
em
to
rno
da
asce
nsão
ao
governo
estatal,
em
busca
de
reco
nheciment
o
e
direito
s.
Os
d
evires
negros
,
anormai
s,
femininos
e
os
corpos
q
ue
encarnavam
esse
s
desvi
os,
estad
os
ou
condiç
ões
minoritár
ias
e
que
se
tornaram
estigma
soci
al
ou
uma
menos
valia
foram
–
e
continu
am
se
ndo
–
at
ravess
ados
por
outros
devires
e
sig
nos,
lutas
tran
sversais
r
elativas
aos
direitos
civis,
provo
cadas
por
condições
de
vulnera
bilidade
soc
ioeco
nômi
ca
,
por
acidentes
ou,
mesmo,
po
r
diferença
s
efetivas
de
um
co
rpo
c
omum
.
Embo
ra
a
n
ossa
percepção
se
restrin
ja
mais
às
questões
raciai
s
q
ue
parec
em
ter
constituíd
o
,
até
os
anos
1950,
a
principa
l
am
ea
ça
ao
governo
biopolítico
da
populaçã
o
bras
ileira
,
o
co
rpo
do
anor
mal
e
da
mulher
também
for
am
represen
tados
co
mo
um
p
erigo
à
disfunci
onalidad
e
produtiva
exigida
pelo
industria
lismo
e
a
cert
a
erotização
das
relações
entre
os
gêneros.
Nesse
período,
n
ão
fo
i
difícil
constat
ar
a
r
arefação
do
ac
esso
à
esco
larização
pela
s
crianças
e
adolesc
entes
negros,
a
exclusão
das
pessoas
com
de
ficiência
e
certo
desprezo
à
educação
feminina
,
até
porque
uma
red
e
pública
m
ais
bem
constituíd
a
s
omen
te
foi
possível
em
boa
parte
dos
estados
da
fed
eração
proximamente
aos
anos
1980.
Nesse
sentido
,
a
maioria
das
crianç
as
e
adolescent
es
negros
ou,
desde
muito
cedo,
fo
ram
obriga
dos
a
trabalh
ar
para
sobrevive
r,
ou
se
evadi
r
am
da
escola
,
por
resistir
à
sua
normatização,
ao
discip
lina
-
151
me
nto
e
à
violê
ncia
simbólica
e
xercida
em
seu
i
nte
rior.
No
caso
dos
anorm
ais,
quand
o
não
destinados
a
escolas
de
cegos
,
como
a
Benjami
n
Consta
nt
,
no
Rio
de
Jane
iro
,
ou
de
surdos
,
esp
alhadas
pelo
eixo
Sul
-
Sudeste
,
eram
encaminhad
os
a
a
ssociaç
ões
cri
adas
para
abrig
ar
os
deficientes
intelectuais,
reabil
itar
os
deficientes
físicos,
enfim,
constitu
ídas
à
part
e
do
sistema
escolar
em
formação
no
B
rasil
(BUEN
O,
1993;
MA
ZZOTA,
1996;
J
ANUZZI,
2012
).
Grada
tivamente,
as
escola
s
separad
as
por
gêneros
f
oram
se
torna
ndo
escolas
mistas
,
em
meados
do
s
anos
1960,
porém,
com
atividades
ou
discipli
nas
do
currículo
sendo
oferec
idas
se
paradame
nte
,
como
a
Educação
Física,
em
razã
o
da
exposição
corp
oral,
e
as
dest
inad
as
à
form
ação
profissional,
as
quais
ac
arretav
am
funções
distintas
para
meninos
e
meninas
–
po
r
exemplo,
Artes
Indus
triais
p
ara
eles,
Prendas
Domésticas
para
el
as.
Os
poucos
negros
que
freque
ntaram
os
bancos
escolares
e
che
garam
ao
ní
vel
médio
pas
saram
por
situa
ções
de
violência
,
vivenci
ando
na
própr
ia
pele
os
ra
cismos
em
circulação
no
meio
so
cial
e
nessa
instituição,
co
m
a
particularida
de
do
acesso
a
um
a
cul
tura
universal,
em
tese
erudita,
mas
marcada
por
um
vi
és
colonizador
e
eurocên
trico.
Aqueles
qualificados
como
anormais
eram
barrados
bem
ant
es
disso
,
quand
o
não
persistiam
;
entretanto,
muitas
vezes
,
não
recebi
am
o
reconheci
mento
devido,
salvo
pelo
viés
assistencia
lista
e
pelo
esforço
quase
sempre
visto
como
um
virtuosis
mo
,
apes
ar
de
sua
deficiência.
O
mesmo
ocorria
com
as
mulhere
s
que
tinh
am
no
s
curso
s
normais
o
seu
destino,
se
ndo
excluíd
a
s
de
q
uase
tod
as
as
outras
modalidades
de
ensi
no
secundário
ou
eram
vista
s
com
desconfiança
,
quand
o
alçavam
a
esse
nível
de
ensino,
já
q
ue
a
repre
sentaç
ão
social
152
que
dela
s
f
aziam
ain
da
era
a
de
sua
fo
rmação
par
a
o
casame
nto,
p
ara
a
maternida
de
ou,
no
limite,
para
a docência.
Esse
ce
nário
só
começa
se
alte
rar
com
a
mo
bi
lização
do
moviment
o
neg
ro
verifi
cado
no
campo
d
as
art
es
e
do
teatro
,
a
partir
dos
an
os
1950,
incrementa
do
com
as
lutas
pelos
direitos
civis
dos
afrod
escendent
es
norte
-
american
os
,
nos
anos
1960,
que
reivin
dicavam
,
n
um
a
sociedade
segregacio
nista
como
a
dos
Estados
Unidos,
prática
que
os
integ
rasse
às
instituições
soci
ais,
d
entre
el
as
as
escol
as,
nos
term
os
salientado
s
por
vários
ativistas,
com
o
Bell
Hooks
(2013).
Com
as
lutas
feministas
decorr
entes
dos
movimentos
de
m
aio
de
1968,
a
postulaçã
o
de
te
r
os
mesm
os
direitos
que
os
ho
mens,
do
voto
adquirido
algumas
décadas
ante
s
,
às
escolas
e
à
unive
rsidade,
passand
o
pela
defesa
de
ter
condições
equitativ
as
pa
ra
competir
com
o
gênero
masc
ulino
no
merc
ado
,
constituiu
as
pautas
principais
dos
moviment
os
que
c
omeçaram
a
reperc
utir
no
Brasil
,
em
plena
Ditatura
Civil
Militar,
sem
con
tar
as
inúmeras
mulheres
que
fizeram
parte
da
resistência
a
essa
última,
sen
do
torturadas
e
mort
as,
ao
longo
desses
an
os
de
chumbo,
juntame
nte
co
m
outros
militantes
de
partidos
de
esquer
da.
Algumas
dé
cadas
ante
s
dos
anos
1960,
começa
a
hav
er
,
em
outros
países
,
como
os
Estados
Unidos,
levantes
de
comun
ida
des
surdas,
exigindo
frequentar
escolas
e,
naqu
elas
a
el
as
dest
inadas,
eleger
seus
diretores
e
reit
ores
(S
AC
K
S,
2010),
com
vi
stas
a
ampliar
su
a
represen
tatividade,
tend
o
efeitos
semelhan
tes
em
esc
olas
de
stinadas
às
pessoas
co
m
deficiênc
ia
,
no
Brasil.
É
inegável
que
a
inspiraçã
o
desses
movime
ntos
i
nternacionais
serviu
par
a
que,
tran
sversalme
nte,
alg
umas
dessas
lutas
gan
hassem
adesões
,
em
nosso
país,
quase
tod
as
el
as
usan
do
as
in
st
ituições
escolar
es
como
seus
abrigos
ou,
melhor
seri
a
dizer,
como
trincheira
,
153
mesmo
so
b
fo
rt
e
vigilânc
ia
do
s
dispositivos
discipl
inares,
ag
ravada
pelo
liberalismo
autori
tário
empr
eendido
p
elo
reg
ime
de
exceção
da
Ditatura
Militar.
I
sso
significa
perceber
que,
do
po
nto
de
vista
instituci
onal,
as
primeiras
c
hamas
dessas
lutas
por
direitos
civis
emergiram
n
ão
dos
partidos,
nem
dos
sindic
atos,
mas
de
organizaçõe
s
sociais
n
ão
cl
assistas,
assim
como
de
determina
dos
movimentos
,
como
o
estudanti
l
,
q
ue,
con
trarian
do
a
vigilância
e
toda
a
disciplina
empreendida
nas
escolas
secu
ndárias
e,
com
um
pouco
mais
de
liberdade,
n
as
unive
rsidades,
se
ap
resentar
am
nesse
ce
nário
res
tritivo
como
foc
os
de
resistê
ncia.
Nesse
momento,
an
alogame
nte
ao
que
se
observ
ou
até
o
fim
da
D
itatura
Civil
Milit
ar
e
o
c
omeç
o
do
processo
de
Abertura
Política,
ai
nda
se
tenta
va
assinal
ar
e
ssas
lutas
por
diferença
s
,
m
arcada
s
pe
la
defesa
e
afi
rmação
das
identidades
do
afrod
escendent
e,
das
mul
heres
e
d
as
pessoas
com
de
ficiência.
Isso
não
quer
dizer
q
ue
esse
s
primeiros
ativistas
de
tai
s
moviment
os
que
congregaram
a
busca
ascendente
a
um
governo
biopolít
ico
da
populaçã
o
bra
sileira
–
por
meio
de
lutas
por
reconhec
imento
dessas
identidades
insc
ritas
em
seus
corpos
,
minimizand
o
a
menor
valia
de
seu
regist
ro
ci
vil
e
exigindo
direito
s
similares
aos
demais
integra
ntes
do
co
rpo
so
cial
–,
p
assaram
ilesos
pelas
insti
tuições
educativas
e
universid
ades.
A
cultura
à
qual
devia
m
se
sujeitar
par
a
sob
reviver,
juntame
nte
co
m
uma
sér
ie
de
rituais
nem
sempre
tão
objetiv
os
com
o
os
alme
jados
pe
la
ar
te
de
governo
pedagó
gica,
mas
a
qu
e
se
d
obravam
,
p
ara
alcan
çar
o
suce
sso
e
a
prosperida
de
escolar
e,
q
uem
sabe,
a
mobilidade
socia
l
para
alg
uns
,
não
só
foram
seu
sup
orte,
como
tamb
ém
g
erar
am
uma
séri
e
de
estranhame
ntos
.
Sem
o
mínimo
de
se
gurança
propiciada
por
uma
biopolít
ica
da
população
e
por
seus
dispositivos,
cri
ados
por
um
154
modelo
de
bem-
est
ar
jamais
al
cançado
em
nosso
sol
o,
esses
corpos
viram
seus
supo
stos
desvios
serem
corrigido
s
pe
la
força
re
al
ou
simbólica
e,
por
uma
negociaç
ão
empreen
dida
para
que
autoprese
rvação
ocorresse
,
com
hábitos
bast
ante
en
tranhad
os
em
nossa
cultura,
como
o
jeitinho,
a
aparen
te
cordialidade,
a
represen
tação
da
mulher,
de
ntre
out
ros,
retr
atados
por
Da
Matta
(1985) e
Fre
i
re
Cos
ta
(1994).
Foram
concretizados
nas
brechas
de
ssa
instituição,
em
sua
heterotopia
,
is
to
é,
nos
contraespaço
s
de
seu
ambiente,
produzid
o
po
r
“[...]
indivíduos
cujo
compor
tamento
é
desviante
relativame
nte
à
média
ou
à
norm
a
exigida
.”
(FOUCAULT,
2019,
p.
22).
Em
geral,
to
das
as
instituições
sociais
ti
veram
que
se
relac
ionar
c
om
esse
indivíduo
e
sua
diferença
expressa
na
superfície
de
se
u
corp
o
heterotópic
o
.
Algumas
del
as,
concedendo
a
eles
um
lugar
sagrado
,
como
as
sociedades
primitivas
,
e
a
seu
corpo
,
um
móvel
catali
s
ador
de
mudan
ças;
o
utras,
como
a
n
ossa,
destinando
-
os
a
ocup
ar
um
lugar
espec
ífico,
de
reclusão,
de
is
olamento,
ou
mesmo
de
inclusão,
um
a
vez
que
a
sua
corporeidade
diferenciada
seri
a
vista
como
um
sin
al
de
am
eaça,
de
perigo,
a
ser
vigiado,
punido
e
controla
do
para
p
roteger
os
demais.
O
cor
po
he
terotópico
desse
indivídu
o
é
sig
no
de
forças
ingovernáveis
,
as
quais
,
ol
hadas
retrospect
ivamente,
para
doxalmente,
tanto
ame
açam
a
norm
alidade
utopicame
nte
const
ruída
pela
biopol
ítica
da
população
e
o
rganizad
a
por
art
es
de
governo
em
instituições
,
como
a
escola,
q
uanto
produto
ras
de
utopias
lo
cais,
que
a
e
ssa
última
resis
tem,
esc
apando
à
sua
governa
mentalidade
e
exp
ressa
nas
difer
enças
q
ue
encarnam.
Sejam
aq
uelas
diferença
s
encarn
adas
por
e
sses
indivíduos
pelos
e
feit
os
dos
aciden
tes
,
como
no
cas
o
das
deficiências,
pela
co
ndiç
ão
é
tnic
o
-
155
racial,
de
gênero
e
de
sexualid
ade
ou,
mesmo,
produzid
as
ontologica
mente
pe
la
sociedade,
como
relativa
s
à
v
ulnerabilida
de
e
à
violência
social,
paren
tal,
de
n
tre
outras,
to
das
el
as
produzem
heterotopia
s
que
pe
rturbam
a
utopia
de
um
a
raz
ão
governamenta
l
planificada
,
ao
mesmo
tempo
que
produzem
utopias
locais,
comunitá
rias,
as
qua
is,
por
vezes
,
são
transversais
e
atuam
em
redes
.
Por
sua
vez,
essas
utopias
loca
is
decorrem
do
fato
de
e
sse
corpo
singular
,
em
suas
diferenças
,
estar
sempre
habi
tado
de
o
utros
corpos,
construí
do
em
sua
rel
ação
a
eles
e
com
o
mun
do
22
,
buscando
corporificar-
se
em
tempos
e
espaços
circunscritos,
por
o
nde
transita
,
mostrar
-
se
ao
que
ve
io
a
essa
mesma
comunidade
na
qual
se
movimenta,
ao
mesmo
te
mpo
que
procurand
o
cata
lisar
esses
de
vires
decorren
tes
dessas
f
orças
aqui
d
enomin
adas
in
governávei
s.
Neste
livro
,
classifica-
se
esse
co
rp
o
de
comum,
isto
é,
aquele
q
ue
congrega
as
diferença
s
expressas
por
esses
indivíduos
desvian
tes
e
se
us
corpos
heterotó
picos.
No
caso
específico
da
escol
a
,
as
pro
messas
aí
circulantes
,
proveni
entes
de
teoria
s
peda
gógicas
e
utopias
universais
,
nem
sempr
e
se
cumpriam
.
Q
uando
se
revelavam
eficiente
s
para
alguma
22
Ressalta
Fouca
ult:
“Meu
cor
po
está,
de
fato,
sempre
em
outro
lugar,
ligado
a
todos
os
o
utros
lugares
do
m
undo
e,
na
verdade,
e
stá
em
out
ro
lugar
que
não
o
mundo.
P
ois,
é
em
to
rno
dele
que
as
c
oisas
estão
disposta
s,
é
em
relação
a
ele
-
e
em
relação
a
ele
como
em
relação
a
um
sobera
no
-
que
há
um
acima,
um
abaixo,
uma
direita
,
u
ma
esquerda,
um
di
ante,
um
atrás,
um
p
róxim
o,
um
l
ongínq
uo.
O
corpo
é
o
pont
o
zer
o
do
mun
do,
lá
on
de
os
ca
minhos
e
os
espa
ços
se
cruza
m,
o
corpo
está
em
par
te
alguma:
ele
está
no
coração
do
mundo,
este
pequeno
ful
cro
utópico,
a
pa
rtir
do
qual
eu
son
ho,
falo,
avanço
,
imagin
o.
percebo
as
coisas
em
seu
lugar
e
t
ambém
as
nego
pelo
poder
indefinid
o
das
utopias
que
imagino.
Meu
corpo
é
como
a
Cidade
do
Sol,
não
tem
lugar,
mas
é
dele
que
saem
e
se
irradiam
tod
os
os
lugares
possíveis,
reais
ou
utópi
cos.”
(2019,
p.
14).
156
mobilida
de
social,
ajust
a
v
am
-
se
às
de
mandas
econômicas
de
uma
racio
nalid
ade
e
a
uma
economia
da
prosperid
ade
,
que
,
ao
invés
de
valoriza
r
a
co
r
da
p
ele,
as
marcas
de
gêner
o
e
as
disfuncionalidades
ou
deficiências
e
xpressas
corpora
lmente
,
contin
uava
m
a
at
rair
a
ostensivida
de
dos
olhares,
da
violência
o
u,
mesmo,
de
uma
brutal
indiferença
.
Dessa
maneira
,
expuseram
as
f
orças
que
ag
enciam
esses
corpos,
as
existência
s
minoritár
ias
que
en
carnam
,
não
em
term
os
quantitativ
os,
mas
em
virt
ude
dos
devire
s
q
ue
mobiliza
ram
e
continu
am
a
agenci
ar,
deslocando
a
normalizaç
ão
e
xcessiva,
a
governam
entalida
de
instit
uída
e
a
reg
ulação
biopolítica
da
população,
provocan
do
essas
form
as
reat
ivas
de
violência,
senão
real,
simbólica
.
S
inaliza
m,
também,
para
uma
dificuldade
em
vencer
o
racis
mo,
mesmo
com
con
quistas
no
âmbito
do
s
direitos
civis
e
das
políticas
de
inclusão
,
como
as
advin
das
desde
a
c
hamada
No
va
República,
no
Brasil
.
Afinal
,
t
ais
existê
ncias
múltiplas
que
encar
nam
esse
corpo
comum
,
c
omo
quaisque
r
outras,
pois
atrave
ssadas
por
o
utras
condiç
ões
e
acidentes,
e
xp
õem
uma
vulnera
bilidade
insuperável
e
uma
fr
agilidade
que
es
pelha
um
corpo
soc
ial
fra
gmenta
do,
es
condid
o
pelos
projetos
de
formação
cult
ural
e
por
suas
n
arrativas
em
disputa,
prop
agadas
em
nome
de
governos
da
população
da
q
ual
faziam
(e
n
ão
faziam)
pa
rte,
mostrand
o
uma
fratura
da
biopolí
tica
à
bra
sileira.
Na
medida
em
que
a
el
aboração
da
Constituição
de
1988
intensific
ou
as
lutas
pelo
acesso
à
esco
larizaç
ão
,
por
parte
daqueles
integrantes
do
p
ovo
que
asp
iravam
a
e
sse
governo
da
população
e
políticas
inclusiva
s
que
g
a
rantiriam
sua
perma
nência
n
as
instituiçõe
s
de
e
nsino
–
da
Educação
Bási
ca
ao
Ensino
Su
perior
–,
um
estra
tégico
govern
o
de
suas
diferenças
emerge,
primeiro,
em
sua
discu
ssão
e,
depois,
na
própria
g
overname
ntaliz
ação
estatal.
No
debate
,
as
pautas
157
identitár
ias
se
afirma
m,
ca
da
uma
em
defesa
do
sign
o
com
o
qual
cada
um
desse
s
movime
ntos
mais
se
identifica,
vibrando
,
por
vezes,
c
om
a
conquista
de
uma
outra
difer
ença,
mas,
ta
ticamente,
per
sistindo
para
sua
inclusão
particula
r
como
parte
desse
gove
rno
biopolítico
da
populaçã
o.
Na
re
gulamen
tação
da
e
ducação
para
todos
,
postulada
pela
Constituiç
ão,
além
de
out
ras
bande
iras
co
nquistad
as,
assist
iu
-
se
a
to
da
uma
série
de
medidas
que
vi
sam
a
afi
rmar
essas
diferenças
identitár
ias
por
políticas
estatais,
assim
co
mo
operar
uma
forma
de
inclusão
inicial
mente
seletiva
,
em
meados
do
s
an
os
2000
e,
posterior
mente,
um
pouco
mais
ampla
,
porém,
se
mpre
privilegiand
o
um
ou
outro
desses
si
gno
s
repres
entados
pelos
seus
respectivos
moviment
os.
A
suspeita
é
a
de
que
,
quanto
mais
e
sse
mo
vime
nto
a
propósito
de
um
dos
signos
das
diferença
s,
se
jam
eles
afrod
escendent
es,
sejam
feministas
ou
de
pessoas
com
deficiênc
ia,
mesclado
a
uma
con
dição
socioeconô
mica
ou
sociocultur
al,
represen
tar
um
a
am
eaça
de
desregulaç
ão
ou
exprimir
com
maior
virulên
cia
as
forças
ingovernáveis
de
seu
corpo
comum
,
mais
imediatam
ente
esse
governo
ope
ra,
recon
hecen
do
sua
identidade
e
concedend
o
alg
uns
dir
eitos
civis
reivindicados.
Para
i
sso,
alia
-
se
a
constitu
intes
e,
gradati
vamen
te,
come
çam
a
ter
sua
r
epresenta
ção
nas
câmaras
legislativas,
in
clu
indo
no
debate
polític
o
pa
rtidário
e
na
legislaçã
o
suas
p
autas
e
reivindicações
,
a
começar
pe
lo
moviment
o
afrod
escendent
e
e
o
das
p
essoas
co
m
deficiênci
a,
aos
poucos
os
relativos
ao
s
movimentos
indígenas,
LG
BTQIA+,
femin
ista,
de
nt
re
outr
os,
os
quais
compreendem
o
q
ue
e
stamos
designand
o
de
reconhec
imento
i
dentitário
e
de
inclusão
nos
direito
s
civis.
158
No
campo
polít
ico
-
ed
ucacional
,
e
ssas
ações
surtem
e
feito
co
m
a
parceri
a
de
quadros
polític
os
de
partidos
q
ue
se
localizam
num
quadro
ideológico
de
esquerda
ou
de
ce
nt
ro
-
e
squerda
,
os
quais
reconhec
em
,
po
r
exe
mplo
,
as
dem
andas
d
os
movimentos
negros
,
articula
da
s
às
classes
trabal
hador
as,
desenvolve
ndo
uma
sé
rie
de
medidas
co
m
apoi
o
de
parl
ament
ares
,
como
Flores
tan
Fernand
es.
Esse
intelectua
l
desempe
nha
um
papel
de
extre
ma
importâ
ncia
,
não
somente
com
o
p
arlamentar,
como
também
como
pesquisador
,
q
ue,
desde
os
anos
1950,
protago
nizou
estud
os
socio
lógicos
so
bre
a
questão
racial
bras
ileira
(B
ASTIDE;
F
ERNANDES,
1959).
Na
sua
atuação
par
lamentar,
t
odavia,
a
al
iança
de
Flores
tan
Fernandes
(1989)
co
m
setores
desse
mo
vime
nto
se
faz
ain
da
mais
explícita,
como
d
emonstra
do
no
livro
S
ignificado
do
Prote
sto
Ne
gro
Não
vem
ao
caso
discutir
a
sua
ação
parlamentar
e
o
quan
to
interfe
ri
u
nas
conquistas
subse
quentes,
m
as
apen
as
regist
rar
que
se
inaugura
,
n
e
sse
momento,
uma
forma
de
atuação
política
na
qual
o
saber
acadê
mico
se
faz
prese
nte
,
para
legitimar
esse
s
movimen
tos
de
governa
-
mentalida
de
ascenden
tes,
com
vistas
a
con
trabala
nçar
os
saberes
positivista
s
que
naturaliza
vam
as
mesmas
ques
tões
,
a fim
de
reiterar
o
racis
mo
est
rutural
e a
visão
oligárqu
ica
bras
ileira.
Desenho
análo
go
ocorre
,
q
uase
à
mesma
época,
co
m
os
defensor
es
das
pautas
assoc
iadas
às
p
essoas
com
d
eficiência,
que
prov
êm
originalment
e
das
de
mandas
de
ce
rt
as
associações
,
como
as
Associaçõ
es
de
Pais
e
Amigos
dos
Excepc
ionais
(APAEs),
Associaçõ
es
de
Assist
ênci
a
à
C
ri
an
ça
com
deficiê
ncia
(AAC
Ds),
Asso
ciaçõe
s
de
Surdos
,
em
vários
estados
bra
sileiros,
den
t
re
out
ras.
Nesse
caso
,
além
de
al
guns
atores
que
represen
tam
a
sua
o
rgani
zação
,
no
campo
parlamenta
r,
a
participação
de
profissionais
dos
ca
mpos
da
Educação
159
Especia
l,
da
Terapia
Ocupaciona
l,
da
Fisiotera
pia,
da
Fonoaudi
ologia,
da
Psicologia
e
da
Me
dici
n
a,
que
já
atua
vam
na
reabilita
ção
de
cri
anças
e
jovens
em
instituições
especializad
as
e
de
pesquisa
dores
responsáve
is
pela
p
rod
uç
ão
de
saberes
técnico-
científico
s,
para
legitima
r
essas
prá
ticas
,
no
meio
univ
ersitário
,
tiveram
pape
l
de
d
estaque
ne
sse
movi
men
to
pe
la
garant
ia
dos
direitos
das
pesso
as
com deficiência e
de
seu
ac
esso
à
escola
regular.
Assim
com
o
acontec
eu
na
relação
do
movimento
negro
com
as
Ciências
Sociais
,
esses
saberes
especializados
qualificaram
as
reivindicaç
ões
dessas
associa
ções
e
com
unidades
l
oca
is
de
pessoas
com
deficiência
ou
de
seus
familia
res
,
tanto
para
o
meio
acadêmi
co
quan
to
para
a
ação
polític
o-
parla
mentar,
ge
rand
o
uma
mesc
la
de
demand
as
por
inc
lusão
ed
ucacion
al
em
escola
s
reg
ulares,
não
sem
alguma
polêmica
e
a
d
efin
ind
o
por
paradigma
científico
bastant
e
m
arcado
pelos
sab
eres
médico
-
psi
quiátr
icos
–
abord
ado
no
primeiro
capít
ulo
–
e
pelo
objetivo
de
corri
gir
o
d
esvio
,
de
so
rte
a
aproximá
-
lo
o
máximo
possíve
l
da
no
rm
a
médica.
Até
hoje,
pode
-
se
dizer
que
esse
é
o
paradigma
dominante,
sendo
som
ente
parcialment
e
alt
erado
p
elo
qu
e
a
literatura
internacio
nal
denominou
modelo
so
cia
l
de
deficiência
,
apropria
do
recentem
ente
em
nosso
país,
apó
s
a
implementaçã
o
das
primeiras
políticas
inclusivas,
as
quais
datam
de
finais
dos
anos
1990 e
meados
de
2000,
ou
seja,
em
decorrência
de
sua
implementação,
com
tod
as
as
barreiras
e
resistências
que
enfrentou
e
enfrenta
até
o
present
e
momento,
co
mo
verem
os
nos
pró
ximos
subitens
des
te
capítulo.
É
com
e
ssa
apro
ximação
que
os
sa
beres
médico
-
psiquiát
ricos
se
associ
am
às
Ciências
Soc
iais
e
aos
saberes
psis
,
mais
recenteme
nte
na
esfera
acad
êmic
a,
assi
m
co
mo
flertam
com
as
filosofias
,
n
os
termos
160
que
vimo
s
ensai
ando
,
nos
últimos
anos
,
se
ja
para
fomentar
a
construção
de
outro
s
paradig
mas
de
inclusão,
se
ja
para
denunciar
os
abusos
de
poder
desses
saberes
em
re
lação
aos
co
rpos
defi
cientes,
ignora
ndo
a
sua
ontologia
e
os
modos
de
existênc
ia
ou
normatividad
e
que
pro
duzem
(PAGNI
,
2019a).
É
desse
ponto
de
vista
mai
s
interdisciplina
r
,
com
ac
en
to
na
filosofia
da
diferença
,
que
se
elabo
ra
,
neste
livro
,
es
sa
hipótese
so
bre
um
lugar
estratégic
o
ocup
ado
pelo
governo
d
as
dife
renças
,
na
definiçã
o
das
pessoas
co
m
deficiênci
a
c
omo
“púb
lico
-
alvo
”
das
políticas
el
aboradas
pela
governamenta
lização
estatal
para
a
Educação
Básic
a,
des
de
os
anos
2000
até
a
publicação
da
Lei
nº
13.146,
em
06
de
ju
lho
de
2015,
resp
onsável
por
regulame
ntar
a
inclusão
d
esse
público
,
mediante
um
estatuto
p
ara
car
acteri
zar
tais
p
essoas
(BRAS
IL,
2015).
Ao
me
s
mo
tem
po
,
p
rocura
-
se,
a
partir,
primeiro,
dos
Parâmetr
os
Curriculares
Nacion
ais,
publicad
os
em
2008,
l
ançar
os
primeir
os
passos
para
flexibilizar
o
currí
culo
escolar
p
ara
abo
rdar,
nesse
me
smo
n
ível
de
ensi
no
,
em
sua
trans
versali
dade,
elementos
referen
tes
às
questões
de
gênero
e
de
sexual
idade
,
éticas
e
étn
ico
-
raciais
.
Concomita
ntemente
a
essa
flexibilizaçã
o
curricular
,
que
pode
ser
problematiza
da
de
modo
an
álogo
à
inclusão
d
as
p
essoas
com
deficiência,
em
r
azão
tanto
do
paradigma
científic
o
,
q
ue
trata
d
as
questões
de
gênero
e
de
sexualidad
e
(FALCH
I,
2015),
quanto
o
tom
moralizant
e
com
que
a
ét
ica
é
abord
ada
(PAGNI,
2018),
não
se
pode
ignora
r
a
i
ntrodução
de
conteúdos
curricul
ares
sobre
a
H
istória
e
a
Cultura
Afro
-
B
rasi
leira
na
Ed
ucação
Bás
ica,
pela
Lei
n
o
10.639/
2003,
tampouco
a
implementa
ção
das
c
o
tas
r
aciais
dest
inadas
ao
ensi
no
superio
r
,
por
algu
mas
unive
rsidades
,
como
a
U
ERJ
e
a
U
nB,
em
161
2002,
e,
dep
ois,
a
sua
sanção,
assoc
iada
a
cotas
socioec
onômic
as
e
aos
estudantes
de
escolas
públicas,
pela
Lei
nº
12.711/2012.
É
fato
que
t
ais
leis
procuraram
garan
tir
não
ape
nas
o
acesso
de
afrodes
cendentes
aos
saberes
de
sua
cultura
afro
-
brasileira
,
ain
da
que
mitigada
por
certa
epis
temologia
do
c
onhecimento
que
,
pouco
a
pouco
,
foi
s
en
do
problema
tizada,
mas
também
a
sua
matrícula
,
por
reserva
de
vag
as
no
ens
ino
supe
rior,
me
smo
q
ue
posteriormen
te
ve
nh
a
acopl
ada
à
co
ndi
ção
de
ter
frequenta
do
a
escola
pública
.
Essas
g
arant
ias
facultam
,
no
caso
tanto
de
um
signo
da
difer
ença
quanto
de
outro,
marcados
por
su
a
identidade
mediante
o
registro
(d
iagnóstico)
ou,
at
é
mesmo
no
caso
da
lei
de
c
otas,
autode
clara
ção,
a
matrícula
desses
sujei
tos
de
direito
na
Educ
ação
B
ásica
e
no
Ensino
Superior
,
respectiva
mente,
porém,
se
m
antever
a
discussã
o
d
as
condições
instituci
onais
de
sua
permanênc
ia.
Essa
discuss
ão
adve
io
somente
com
a
implementaç
ão
dessa
forma
de
governo
das
diferenças
e
de
dispositiv
os
de
incl
usão
,
que,
em
geral,
procuraram
incluí
-
las
conforme
su
as
bioidentid
ades
23
,
destinando
a
el
as
um
con
junto
de
tecnologia
s
de
reconheci
mento
e
de
biopoder
,
cujos
saberes
foram
conco
rreram
p
ara
legitima
r
a
presença
desses
corpos
nas
instituiç
ões
escolar
es,
tão
positivo
qua
nto
qualqu
er
tecnologia
de
biopoder.
Contudo,
restritos
a
determina
dos
espaç
os
e
te
mpo
s,
on
de
circulam
suas
fragilidades
e
o
nde
suas
f
orças
ingovernáveis
se
23
Ao
se
apropr
iar
da
n
oção
de
bios
sociab
ilidade
(
RABINOW,
1999)
e
de
s
ua
utili
zação
por
Francisco
Ortega
(
2003),
para
argumenta
r
que
elas
se
formam
median
te
um
pr
ocedime
nto
ascé
tico,
Pagni
designou
as
bi
oident
idades
com
o
"[...]
traç
os
fisionô
micos,
geno
típic
os
e
fenotí
picos,
característica
s
comportamen
tais
,
dentre
outr
os,
de
finidos
por
códig
os
genéticos,
ant
ecipando
os
riscos
que
corre
mos
e
antecip
ando
os
acidentes
que
eventualmente
teremos."
(2019a,
p.
77).
Em
torno
desses
tr
aços
b
iológic
os,
vár
ios
grup
os
ou
com
unidades
se
ar
ticulam
para
reiv
indicar
direi
tos
civis
,
em
lutas
de
afirmaç
ão
ident
itária
de
suas
diferenças.
162
encontr
am
co
m
outr
os
corpos
heterotópic
os,
e
ssas
te
cnologias
e
saber
es
evitam
a
for
mação
de
um
co
rpo
comum
virulen
to,
o
q
ual
interpel
e
esse
s
últimos
por
out
ras
experiências,
relatos
e
modos
de
existência
,
prática
s
q
ue
se
contrapo
nham
à
quelas
instituídas
sob
o
sino
da
normalidade,
ainda
que
em
sua
dispersão
.
Com
efeito,
as
norm
as
que
reg
em
agor
a
a
in
stituiçã
o
admite
m
maior
var
iação,
inclusive
em
rel
ação
às
biossocia
bilidades
instituíd
as,
entretanto
,
há
uma
limitação
dada
se
gundo
critérios
biológic
os,
antropoló
gicos,
socioló
gicos,
ou
seja,
científicos
,
dent
ro
desse
paradigma
de
inclusã
o,
evit
an
do
que
as
múltiplas
di
feren
ças
se
encontrem,
fo
ment
em
esse
corpo
comum
,
agenciem
os
seus
devire
s
minoritários
de
um
povo
que
falta,
para
usar
a
e
xpressão
de
Deleuze
e
Guatta
ri
(1996).
É
e
sse
efeito
neutraliza
dor
d
as
f
orças
ingovernávei
s
q
ue
se
propõe
o
governo
d
as
diferenças
presentes
n
esses
dispositiv
os,
que
decorre
ram
das
política
s
de
in
clu
são.
A
começar
pe
la
fo
rma
com
o
procuraram
conduzir
e
sse
po
vo
a
um
modelo
identitário
e
a
um
cálculo
de
p
oder
em
t
orn
o
do
qual
,
uma
vez
cedi
do
s
os
direitos,
tanto
umas
quanto
outras
d
ife
renças
se
identific
ariam
com
um
mo
de
lo
de
sujeito
normaliza
do
e
regu
lado
dado
–
emb
ora
bast
ante
de
flacion
ado
–, o
qual
toda
raciona
lidade
de
gover
no
estat
al
almejaria
e o
mercado
econômic
o
m
ovimentaria
,
no
ne
oliberalis
mo,
co
mo
v
isto
no
capítulo
anteri
or.
A
distr
ibuição
d
essas
identidades
por
um
merc
ado
que
abrig
asse
a
todos
e
a
le
is
que
fosse
m
com
un
s
ao
co
rp
o
so
cial
seria
outro
pont
o
at
ravés
do
qual
se
riam
garant
idas
as
existência
s
daqueles
corpos
heterot
ópicos
q
ue
se
do
brassem
a
o
c
up
ar
um
território
particula
r,
desde
que
n
ão
afetasse
m
os
demais
territórios
habit
ados
pela
populaçã
o
governável
e
pelo
c
orpo
soci
al
regulado
.
Foi
e
ssa
forma
de
distr
ibuição
de
território
s
mais
bem
delimitados
po
r
163
tecnologia
s
específicas
e
pela
aquisição
de
saberes
comun
s
ao
s
do
corpo
so
cia
l
e
de
reconh
ecimento
do
tra
tamento
diferenciado
de
suas
identidades
q
ue
m
arcou
esse
governo
das
di
fe
ren
ças
,
na
ed
ucação
bras
ileira,
apesar
de
muitas
te
re
m
ficado
in
icia
lmente
de
fo
ra,
enquant
o
as
re
lacio
nadas
ao
s
corpos
afrod
escendent
es
e
ao
s
que
enc
arnam
as
deficiê
ncias
fo
ram
se
governado
com
peso
s,
po
r
assim
dizer,
disti
ntos
.
Em
razão
de
um
passad
o
colonial
e
escravag
ista,
a
im
agem
que
se
foi
t
endo
e
que
se
sedi
mentou
,
na
memória
de
um
co
rpo
negro
, o
qual
,
ao
mes
mo
tempo
,
atrai
pelo
seu
vigor
ou
pela
sua
libido,
represen
ta
ndo
uma
ameaça
pe
la
sua
ingovernabilida
de
,
é
o
que
–
ao
que
tudo
indica
–
aquil
o
que
mais
se
pro
cura
capt
urar
pelas
políticas
de
inclusão,
restringin
do
-o
parcia
lmente
à
sua
ident
idade
e
a
um
a
forma
de
governo
cujo
limiar
sempre
é
o
uso
a
utorizado
e
racion
al
da
força.
Refere
-
se
aqui
a
uma
identidade
parcial,
porque
,
no
que
se
refere
à
polític
a
de
c
otas
,
pouco
a
pou
co
foi
se
asso
ciando
a
uma
discussão
é
tnica
ma
is
ampla
– com
povos
indígenas
e
quilombolas
–,
quase
sempre
associ
ados
ao
s
determina
ntes
m
arcadore
s
socioec
onômicos,
ligados
à
re
lação
en
tre
classe
e
raç
a,
la
rgamente
discutida
pela
tradi
ção
sociológic
a
brasileira
.
Somente
a
partir
dos
an
os
1990
e
2000,
ce
rtas
intelectuais
negras
,
como
Léli
a
Gonzal
es
e
Sue
li
Carneiro,
p
ara
citar
somente
do
is
nomes,
começam
também
a
colocar
em
circulaç
ão
não
ap
enas
uma
lógica
de
reparação
à
dom
inação
a
q
ue
foi
submetid
o
o
po
vo
negro,
como
ta
mbém
a
afirmação
da
cult
ura
e
de
saberes
ancest
rais
afri
canos
que
formaram
o
mo
do
de
ser,
send
o
inscrito
nos
cor
pos
afrod
escendent
es
e
respon
sabilizando
-
os
por
fo
rmar
o
corpo
co
m
um
da
sociedade
bras
ileira.
Um
corpo
c
omum
n
ão
margina
l,
mas
c
uja
164
centralida
de
so
men
te
e
xiste
em
razão
de
um
pa
ssado
de
resis
tência
e
de
luta
que
almeja
,
no
presente
,
com
por
os
d
evires
da
biopolítica
da
populaçã
o
bras
ileira
,
na
expectativ
a
de
sse
po
vo
que
falta
por
vir,
ainda
que
,
para
tanto,
as
barreiras
de
um
racismo
é
tni
co
-
estrut
ural
se
jam
muito
mai
ores
do
que
qualquer
outra.
De
maneira
um
po
uco
distinta,
c
omo
mencionado
no
fin
al
do
primeiro
capítulo,
as
pessoas
com
deficiência,
para
e
sse
governo
das
diferença
s
,
parecem
repres
entar
uma
menor
ameaça,
em
virtude
não
some
nte
de
seu
corpo
orgânic
o
te
r
si
do
mais
decodificado
pel
os
saber
es
e
esq
uadrin
hado
pelos
poderes
que
tenta
m
conter
se
u
mecanismo,
ainda
que
n
ão
completamente
a
sua
ec
onomia
libidi
nal.
Mas
também
porque
,
num
governo
estatal
,
co
mo
o
bra
sileiro,
no
q
ual
o
governo
biopolític
o
da
população
é
entrem
eado
por
cert
a
inte
rvenção
reli
giosa
,
em
quase
toda
a
sua
histór
ia,
a
fragilida
de
desses
corpos
é
vista
com
cert
a
c
omplacência
,
mobili
zando
algumas
prática
s
assisten
ciais,
dent
re
um
o
lhar
compadec
ente
so
bre
e
ssas
“pobres
almas”.
Ademai
s,
por
mais
que
a
deficiência
se
imponha
com
o
um
sign
o
a
ser
evit
ado
,
no
neo
liberalismo
gl
obal,
como
al
go
que
de
svi
a
o
corpo
da
pro
dução,
a
racio
nali
dade
do
empreendime
nto
de
si
e
as
suas
fragilida
des
do
impera
tivo
da
autossu
peração
,
tal
como
anali
sado
em
outra
o
casião,
por
ela
me
sma,
é
vista
co
mo
uma
potê
nci
a
de
vid
a
em
que
seria
remota
a
possibilida
de
de
virar
ato.
Poderia
até
ser
considerada
como
uma
forç
a
ingovern
ável,
des
regula
dora
do
sistem
a,
mas
control
ável
,
em
virtude
de
sua
inoperância.
Talvez,
por
isso
,
na
retóri
ca
não
apenas
acadêm
ica,
mas
i
gual
men
te
em
circ
ulação
no
senso
comum,
propu
gna
e
sse
caráter
m
enos
ameaçad
or
ao
signo
d
essa
diferença
in
scrita
nos
corpos
que
encar
nam
a
d
eficiência,
em
suas
165
heterotopia
s,
muitas
vezes,
faz
endo
de
seu
governo
,
por
meio
das
políticas
de
inclusão
,
um
tom
mais
pe
rformativo
para
justificar
a
prest
ação
de
certos
servi
ços
clínicos,
tecnologias
de
reabili
t
ação
q
ue
visam
a
co
rrigir
o
desvio,
sem
,
por
vezes
,
vê
-
lo
como
parte
de
um
corpo
comum
,
marcad
o
pela
multiplic
idade
e
movi
do
por
for
ças
ingovern
áveis.
É
preciso
dizer
que
tais
forças,
entretanto,
não
são
tão
inocent
es
assim,
algo
q
ue
a
implementaç
ão
das
política
s
de
in
clu
são
tem
revelad
o,
sobretud
o,
na
pragmá
tica
das
lutas
empreendid
as
por
esse
corpos
heterotópicos
cuja
regulam
ent
ação
se
buscou
por
meio
de
um
gov
erno
identitá
rio
d
as
diferença
s,
seja
selec
ionando
as
ma
is
ameaçad
oras
para
ab
rig
á-
la
s
formalmente
aos
direitos
civis
,
sejam
as
menos
perigosas
p
ara
corrig
ir
seu
s
desvios.
Tal
governo
n
ão
ap
enas
deixa
de
fo
ra
as
múltiplas
diferença
s
que
compõem
o
corpo
comum
,
que
arr
egimentam
suas
forç
as
e
com
ela
desr
egulam,
mesmo
em
sua
inoperos
idade,
utopia
s
e
instituiç
ões
so
ciais,
deixando
-
as
à
própria
sorte,
como
também
mobiliza
,
em
to
rn
o
da
defesa
e
da
af
irmação
de
suas
(bio)identid
ades,
uma
g
uerra
de
todos
indivíduos
c
ontra
tudo
o
que
di
fe
re
de
um
eu
identitár
io
o
u,
mesmo,
de
grupos
carac
teriz
ados
pelo
gênero,
pela
etnia,
pe
la
o
rientaç
ão
sexual,
pela
funcionalidade,
pela
condi
ção
socioeconômica,
de
n
tre
outros
m
arcadore
s.
Não
obstante
esses
problema
s
gerais
,
que
serão
explorados
na
sequência
do
livro
,
ao
nos
determ
os
sobre
a
PNEEP
EI
e
os
efeitos
de
sua
implemen
tação
,
nos
últimos
an
os
,
é
i
negável
que
,
sem
essas
políticas
in
clusiv
as
e
laboradas
com
base
no
para
digma
c
ientí
fico
esboça
do
e
voltada
s
ao
gover
no
das
diferenças
endereçados
,
seus
questiona
mentos
não
teriam
sido
possívei
s,
f
azen
do
par
te
de
um
166
ho
rizo
nte
histórico
determinado
e
de
limites
mais
perceptíveis
,
no
present
e.
Essas
políticas
foram
g
estad
as
nos
governos
de
partidos
de
centro
-
esquerda
e
de
modelos
econ
ômic
os
que
,
embora
n
ão
deixasse
m
de
embarcar
na
glo
balização
neoliber
al,
re
parasse
m
a
ausênc
ia
de
polític
as
so
ciais
e
as
prop
usesse
m
como
um
m
eio
de
compensa
r
as
desigualdades
socioeconômicas.
Não
se
pretend
e
aq
ui
traçar
uma
an
álise
dessas
po
lítica
s,
já
exaustiv
amente
exami
nadas
pela
literatur
a,
m
as
ap
enas
denunciar
eventuais
ab
usos
de
poder
e
o
quanto
,
ao
serem
propo
stas
,
re
spald
aram,
de
um
lado,
um
parado
xo
fundam
ent
al
da
biopolítica
,
isto
é,
a
emergência
de
uma
tanotop
olíti
ca
no
curso
de
sua
implemen
tação;
de
outro,
ta
lvez
nos
ajude
m
a
pensar
a
proveniênc
ia
de
uma
política
de
ód
io
c
ontra
as
diferenças
q
ue
emergiram
,
de
maneir
a
virulen
ta
,
nos
últimos
seis
anos.
Num
caso
recente,
fartame
nte
exp
lorado
pela
imprensa
,
um
jovem
negro
é
asfixi
ado
pelo
seg
urança
de
um
supermercad
o
até
a
morte.
Poster
iormente,
ficou-
se
saben
do
q
ue
o
inoportuno
assassin
ado
era
um
deficiente
i
ntelectual
e
que
o
crime
teria
ocorrido
inadvertida
mente
pel
o
seguran
ça,
at
endo
-
se
apen
as
a
uma
suspeita
decorren
te
do
estigma
da
cor
de
su
a
pele.
A
in
culpab
ilidade
a
tribuída
a
Jouy,
menci
onada
por
Foucaul
t
(2010),
não
foi
po
ssível
n
um
caso
como
esse
e
em
tantos
outros
,
noticiados
ordinariament
e.
A
cor
da
pele
ocultou
sua
deficiência e
a
justiç
a
foi
feit
a
pelas
próprias
mãos
de
um
cid
adão
que,
na
c
ondiç
ão
de
se
gurança,
se
investiu
dos
dis
cutíveis
poderes
de
polícia
de
executar
conforme
a
suspeita
–
sobret
udo,
se
for
adolesc
ente
e
negro
–
e
depois
jul
gar
se
agiu
ou
não
corretament
e.
Esse
c
aso
mostra
que
a
cor
da
pele
é
a
responsável
por
julgamentos
sumários
como
esse
e
tantos
outro
s
,
em
nosso
país
,
que,
mesmo
com
167
as
políticas
em
c
urso,
os
vícios
da
má
-
educ
ação
perma
necem,
pois
veem
no
ingover
nável
que
circul
a
nesses
corpos
e
na
pe
le
negra
um
alarme
para
q
ue
o
dispositivo
de
inc
lusão
ope
re
de
mo
do
que
a
autoprese
rvação
determine:
“A
ntes
ele
do
que
eu!
É
uma
questão
de
vida
e
morte!”
Embor
a
o
desmonte
das
políticas
de
inclusão
co
ntin
ue,
esse
dispositiv
o
de
inclusão
permanece
aceso,
re
ativado
a
todo
o
momento
,
e
os
inimigos
históricos
já
est
ão
de
fin
ido
s,
junta
ndo
-
se
a
eles
,
ago
ra,
por
nítida
p
rovoc
ação
dos
d
evires
majoritá
rios
de
m
achos,
brancos,
supostamente
heteros,
os
d
evires
travestis
e
trans
gêneros.
Em
torno
dessa
econom
ia
do
ódio
é
po
ssível
pensar
no
significado
da
pe
le
negra
e
do
r
osto
br
anco,
para
essa
política
atu
al
,
do
ro
st
o
normaliza
do
(ou,
por
vezes
,
harmoniza
do)
para
esconder
as
marcas
fenotípicas
da
deficiência,
congr
egando
uma
série
de
bin
ômios
e
uma
lógica
disjuntiv
a
que
justif
ica
,
por
mei
o
da
identifica
ção
do
ini
migo
no
outro,
a
possibilidade
de
sua
aniquilação,
denominada
a
nteriormente
racis
mo
,
no
sentido
de
ope
rar
com
o
um
dispositiv
o
no
pro
cesso
de
subjet
ivação
majoritário
empree
ndido
pelo
neo
liberalis
mo
.
3.
2
Ent
re
a
biopol
ít
ica
da
população
e a
t
anat
opolít
ica
do
povo:
a
P
N
EEPEI
A
Política
Naci
onal
de
E
ducação
Especial
na
Perspectiva
da
Educ
ação
Inclusiva
(PNEEEI)
,
publicad
a
co
m
e
ssa
espe
cificação
(
BRASIL
,
2008),
foi
elaborad
a
por
uma
comissão,
escolhida
pe
lo
Ministéri
o
da
Educ
ação
,
co
m
a
colab
oração
de
pesquisador
es
represen
tativos
do
campo
e
ducacio
nal
e
especia
lizados
na
subdiv
isão
empreendida
pela
áre
a
de
Ed
ucação
Especial.
A
sua
publica
ção
se
168
constitu
iu
como
um
marco
tanto
das
política
s
públicas
para
es
sa
área
quanto
da
co
rporificação
dos
esforços
de
tratá
-
las
em
ní
vel
n
acional
,
à
luz
de
uma
perspectiva
inclusiva.
Ao
partir
de
um
diagn
óstico
s
ob
re
o
crescime
nto
das
matrícula
s
de
alun
os
co
m
deficiência
nas
escolas
púb
licas
e
priv
adas,
desde
a
publica
ção
do
Pl
ano
Nacional
de
Educação
(B
R
ASIL
, 2001),
o
d
ocume
nto
em
apreço
se
concentra
em
alg
uns
objetivos
p
ara
as
políticas
públicas,
que
podem
ser
re
sumidos
a:
ampliar
o
sen
tido
transversal
da
Educaç
ão
Especi
al
,
desde
a
Edu
cação
Infanti
l
à
Superio
r;
adapt
a
r
os
currícul
os
e
o
atendi
mento
educaci
onal
especiali
zado,
garan
tindo
a
continuidade
da
esc
olarizaç
ão
de
pessoas
com
deficiê
ncia
em
níveis
de
ensino
cada
ve
z
mais
elevados;
incrementar
a
formação
de
profess
ores
para
atuar
com
tais
pesso
as
na
escola
comum
e,
q
u
and
o
necessár
io,
em
seu
atendimento
especiali
zado;
promov
er
a
s
ua
acessibilida
de
urbanístic
a,
arquitetô
nica,
nos
mobiliários
e
equipamentos,
bem
como
a
participa
ção
de
su
as
famílias
e
das
comunid
ades
nesse
tipo
de
atendimen
to
que
lhes
é
prestado.
Aprese
nta
também
uma
sér
ie
de
desaf
ios
p
ara
a
re
aliz
ação
d
esses
objetivos,
com
vi
stas
a
garan
tir
não
somente
a
ampliaçã
o
das
matrículas
,
como
também
o
efetivo
ace
sso
e,
principalme
nte,
a
permanênc
ia
de
ssas
pesso
as
na
escola,
proporci
onando
-
lhes
con
dições
de
i
gual
dade
no
alcance
d
os
saberes
e
prática
s
em
circulação,
de
acessibilidade
ao
s
meios
para
deles
se
apropria
r
e
de
dignidade
n
as
relações
de
sociabilidad
e
produzidas
nessa
instituição.
Com
essas
diretrizes
ger
ais,
a
PN
EEEI
servi
u
de
parâmetro,
juntament
e
com
outr
os
doc
umentos
sob
re
a
in
clusão
social
e
as
prática
s
afirmativas
,
p
ara
as
políticas
oficiais
do
seto
r,
assim
c
omo
169
criou
um
paradigma
importante
p
ara
o
seu
re
spectivo
campo
de
estudo,
que
concen
tro
u
pa
rte
sig
nificativa
da
pro
duç
ão
intelec
tual
na
área.
Contud
o,
há
muito
ainda
por
se
fazer
:
não
some
nte
na
esfera
estat
al
e
no
âmbito
das
políticas
governamen
tais,
com
o
também,
e
principal
mente,
n
as
prática
s
e
nos
saberes
em
circ
ulação
n
as
esco
las,
na
formação
de
prof
essores
e
na
partici
pação
das
famílias
e
das
comunidades
de
pessoas
com
deficiência.
Ao
menos
é
essa
a
avaliação
con
tid
a
em
estu
dos
recentes
,
os
quais
assinalam
para
a
necessid
ade
de
continu
ar
com o
p
rocesso
sua
implementaçã
o,
al
ém
de
c
orrigir
o
seu
curso
em
rel
ação
a
algun
s
de
seus
aspe
ctos.
No
delineamento
geral
co
m
respeito
à
governamentalidad
e
estat
al
brasileir
a
,
anteriorment
e
esboçado,
a
PNEEEI
pode
ser
situad
a,
decorrendo
de
ações
estatais
no
âmbito
de
política
s
públicas
com
a
final
idade
ampliar
o
governo
so
br
e
a
popu
lação,
integrand
o
setores
do
po
vo
ou
capt
urando
a
forç
a
ativa
do
corpo
comum
para
torná
-
los
igualmente
produ
tivos
e,
es
peci
almen
te
,
in
clu
í
-
los
no
mercad
o.
Não
obstante
e
ssas
terem
sido
as
deman
das
também
de
sses
setores
,
em
ge
ral,
graças
às
sua
s
lutas
e
às
organizaç
ões
de
diverso
s
moviment
os
da
socied
ade
civi
l,
como
uma
forma
ascendente
de
governam
entalida
de
e
de
sua
participação
na
esfera
pública,
particula
rmente,
essa
Política
corres
ponde
aos
anseios
das
p
essoas
com
deficiência,
das
orga
nizações
de
seus
fa
miliares
e
em
comunidades,
in
depe
ndent
e
ment
e
do
mo
do
com
o
tenha
si
do
elabo
rada
e
de
sua
repres
entatividade
,
f
rent
e
ao
público
ao
qual
se
destina.
Em
o
utras
pal
avr
as,
mais
do
que
uma
conce
ssão
do
Estad
o,
as
suas
metas
e
ações
fo
ram
resultante
s
de
uma
negoc
iação
e
ntre
o
que
fora
reiv
indicado
po
r
esse
público
e o
entend
imento
so
bre
o
que
seria
possíve
l
para
o
momento
,
compreend
endo
to
da
uma
percepção
e
170
inteligibil
idade,
alcançad
as
no
jogo
biop
olítico
desempenhado
por
essas
comunidades
e
por
profissionais
da
área,
em
um
horizo
nte
históric
o
-
instituciona
l
bast
ante
favo
rável.
A
sua
particularida
de
quan
to
à
fratura
fundam
ental
da
biopolítica
diz
respeito
nem
tanto
ao
reparo
de
uma
longa
história
local
,
em
razão
de
nossa
f
ormação
sociocultu
ral,
mas
de
uma
d
as
multiplicida
des
acidenta
is
e
de
déficits
de
desem
penho
,
asso
ciado
s
às
condiç
ões
corporais
das
pe
ssoas
com
deficiência,
q
ue
se
postula
m
superada
s
ou
regulada
s
po
r
me
io
de
te
cnol
ogias
de
biopoder
e,
especia
lmente,
de
sua
implementação
na
ed
ucação
es
colar.
Duran
te
o
período
de
el
aboração
da
PNEEEI
,
a
estratégia
utili
zada
foi
a
de
filtr
ar
a
deficiência
dos
demais
signos
das
diferenç
as
constit
utivas
desse
cor
po
comum
,
conferindo
a
ela
certa
particular
idade
,
a
qual
se
aplica
a
determ
inados
sujeito
s
,
para
que
p
ossam
ser
t
ratado
s
por
tecnologia
s
específicas,
de
atendimento
ou
de
Educação
E
specia
l,
de
stinadas
a
esse
público
em
t
orno
do
qu
al
se
aglutinam.
É
p
ossível
pondera
r
ainda
que,
se
considera
rmos
as
condições
de
sua
elaboraç
ão
e a
composição
da
com
issão
de
especialista
s,
os
signos
que
aglutina
m
e
sse
público
aind
a
são
d
istribuíd
os
pelas
especia
lidades
de
c
ada
defici
ência,
conforme
uma
tradição
da
arqueologia
dos
sa
beres
da
Educaç
ão
Especia
l,
d
estin
adas
ao
atendimen
to
de
deficie
ntes
intelectua
is,
físico
s,
auditiv
os
e
vi
suais,
repartidos
ne
ssas
modalidades.
Por
sua
vez,
tal
repartiçã
o
e,
algum
as
vezes,
os
cruzamentos
de
ssa
s
modalidades
significar
am
sujei
tos
específic
os,
filtrad
os
seus
d
em
ais
signos
e
t
raços
constitu
tivos,
para
ser
em
objetos
de
seu
atendi
mento,
durante
a
implementa
ção
da
PNEEEI,
n
eutraliza
ndo
sua
eventual
ameaça
p
ara
torná
-
los
sujei
tados
soc
ialm
ente
a
uma
sér
ie
de
dispositivos
,
os
quais
,
171
ao
n
os
g
overnarem,
enquadra
-
os
a
determinadas
cond
utas
e
comportam
entos.
A
esse
procedimento
denom
inou
-
se
anterior
mente
correção
do
desvi
o
em
di
re
ção
à
n
orma,
se
ja
ela
médica
,
s
eja
de
re
gulação
jurídica,
algo
que
às
vezes
se
altera
um
pouco
,
na
medida
em
que
as
discussõ
es
em
Educação
Especi
al
se
apro
ximam
de
um
modelo
social
de
inclusão.
Mesmo
assim,
percebe-
se
,
ne
sse
modelo
,
a
atuação
por
parâmetr
os
similares,
com
alguma
concessão
a
e
sses
modos
de
vida,
mas
se
m
de
ixar
a
enq
uadrá
-
los
em
uma
perspectiva
de
sociedade
futura,
idealizada,
em
q
ue
a
tolerância
ao
diferente
se
justifiqu
e
por
certo
pad
rão
civiliza
tório
ou
teleologia
emancipatória
.
To
davia,
o
que
se
obse
rva
nessa
mo
dulação
em
rel
ação
aos
saberes
especializados
é
que,
em
gr
ande
medida,
ela
aco
mpanh
ou
a
implem
entação
da
PNEEPEI,
sobretud
o
por
que
foram
se
ap
resent
ando
algumas
barreiras
p
ara
tal
e
os
prof
i
ssio
nais
da
ed
ucação
foram
notando
a
complexida
de
da
chamad
a
educ
ação
inclusiva
,
nos
con
textos
instituci
onais
da
escola.
Algu
mas
levaram
à
formaç
ão
de
um
campo
perceptiv
o,
es
tético,
que
,
por
si
só,
já
permitiria
um
julgamento
bastan
te
positivo
dessa
Política,
especialmente,
no
que
se
refere
aos
aprendizados
q
ue
trouxe
ao
s
pesquisador
es
e
profissionais
p
ara,
inclusive,
ensaiare
m
a
constitu
ição
de
outro
para
digma,
c
omo
aprese
ntado
a
seguir.
Não
fosse
m
os
re
fluxos
sofridos
no
campo
da
governa
-
mentaliza
ção
e
statal
que,
desde
2016,
vem
se
p
rocessando
e
que
culminou
em
decret
os
como
o
nº
10.502/2020,
ple
iteando
o
retorno
das
escolas
e
classes
especia
is,
provav
elmente
esse
parad
igma
tive
sse
se
desen
volvido
ou,
apesar
desses
retroces
sos,
a
n
ecessi
dade
de
desen
volvê
-
lo
se
tor
nou
ainda
mais
evidente
,
porque
ele
mostra
que,
172
paralela
mente
a
essa
governamentalizaç
ão
estat
al
,
chei
a
de
refluxo
s
, a
inclusão
funciona
com
o
um
dispositivo
de
subjet
ivação
seletivo,
por
vezes,
racista
qu
anto
à
relação
com
outre
m
e,
em
especial,
com
as
diferença
s,
nos
ter
mos
anterior
mente
esboçados.
Ant
es
de
discutir
esse
ponto
,
n
este
li
vro
,
é
nec
essário
enten
der
quais
foram
os
principais
efeitos
positivos
da
PNEEPEI.
A
PNEEPEI
trouxe
efeitos
importan
tes
,
não
so
men
te
na
ampliaçã
o
das
matrícula
s
d
as
pe
ssoas
com
deficiência
nas
escolas
regulare
s
brasileira
s,
co
mo
também,
e
principalment
e,
no
terreno
conquistado
com
as
s
uas
presença
s
corpór
eas
,
nessa
s
instituiçõ
es.
As
presença
s
desses
corpos
produziram
muitas
situa
ções
defensivas
,
por
parte
de
professores
,
diretores
e
funcionários,
as
quais
ain
da
não
foram
ven
cidas,
pois
afro
ntaram
um
a
cultura
instituc
ional
normativa,
de
tratamento
hom
ogêneo
dos
e
studant
es,
de
poder
es
e
de
saber
es
instituíd
os,
deslocando
-
os
de
se
us
respectivos
lugare
s
.
24
Se
,
por
um
lado,
tal
presença
ampliou
o
desenvolvimen
to
de
al
guns
dispositivos
regula
dores
e
de
control
e,
mobilizando
uma
sé
rie
de
recurso
s
e
de
tecnologia
s
para
a
atividade
e
scolar
(adaptaç
ão
curricul
ar,
AEE
etc.),
com
vis
tas
a
criar
uma
escola
inclus
iva,
por
outro,
as
condições
formais
e
jurídicas
para
que
esse
s
corpos
hab
itassem
o
terreno
e
scolar
foi
de
extre
ma
importâ
ncia
estratégica
par
a
a
conquista
de
algu
mas
24
Recentemente,
a
deficiên
cia
tem
sofr
ido
afrontas,
incl
usive
e
infel
izmente,
do
próprio
M
inistér
io
da
Educação
,
sobretudo
verbalizando
que
os
deficientes
atrapalham
a
escola.
N
otícia
vinculada
na
mídia
nacional,
dis
ponível
em:
https://www.c
orreiobraziliense
.co
m.br/euestu
dante/
2021/08/4944022
-
ministro
-
da
-
educaca
o
-
aluno
s
-
c
om
-
defic
ien
cia
-
atrapalham.ht
ml
;
https:/
/notic
ias.
uol.com.
br/pol
itica/
ultima
s
-
notici
as/2021/08/17/ro
mario
-e-
minis
tro
-
tro
cam
-
ofensas
-
apos
-
fala
-
so
bre
-
al
unos
-
com
-
defic
ienci
a.htm
,
e
em
https://www.y
outube.com/watch?v=OigXZDk9zn4
,
entre
ou
tros
v
eíc
ulos
nacion
ais.
Acesso
em:
10
set.
2022.
173
trincheira
s
nas
lutas
em
prol
de
sua
maior
expressão
e
participa
ção
na
esfera
pública
da
sociedade
br
asileira.
De
aco
rdo
co
m
Pagni
(2019b),
a
fo
rma
co
mo
esses
corpos
habit
am
o
espaç
o
escolar
conco
rreu,
primeiro,
para
multiplicar
a
aten
ção
dessa
instituição
e
de
seus
atores
para
cert
as
singularidades
deman
dadas
pela
proximidade
de
suas
presença
s
e
propiciada
s
pela
convivên
cia
com
as
dif
erenças
produzidas
nos
en
cont
ros
com
elas.
Em
segundo
lugar,
tal
aten
ção
provoc
o
u
certa
infle
xão
e
pistemológ
ica
em
um
campo
de
sa
beres
e
tecnologias
especializad
os,
destinados
à
correção
de
seus
desvios
e
aproxi
mação
de
cert
o
padrão
de
normalidade
na
escola
,
na
medida
em
q
ue
esse
s
corpos
os
interpelas
sem.
Essa
inflexão
re
sultou,
de
um
lado,
no
questiona
mento
interno
desse
s
saber
es
e
tecnologias
qu
anto
aos
seus
limites
de
diagnóst
icos
e
protocolo
s
que
se
respald
am
na
distribuição
e
especiali
zação
do
trato
das
deficiências
segu
ndo
catego
rias
de
registro
(DA,
DV,
DI,
DF
,
A,
AH
etc.),
pois
alg
un
s
desses
corp
os
aprese
ntavam
,
em
sua
inscrição
,
form
as
múltiplas
ou
cruzad
as
de
déficits
(surdo
-
cego,
de
bilid
ade
intelectual
com
lim
itaçõe
s
físicas
etc.)
ou,
mesmo,
eram
at
ravessad
os
por
outras
diferenças
(rel
acion
adas
à
sua
con
dição
de
gênero,
ori
ent
ação
sexual,
étnico
-
racial
,
socioec
onômica,
d
entre
outras),
sen
do
necessári
o
reelab
orar
os
modelos
teóricos
exist
entes
,
para
compreendê
-
las
em
sua
complexida
de.
De
out
ro
lado
,
esses
sab
eres
especializa
dos
fo
ram
mobilizados
,
estrategica
mente
,
para
se
con
centrar
em
tecnolog
ias
de
adaptaç
ão
curricular,
em
recursos
de
Auxílio
Educ
acion
al
Especializa
do,
dent
re
outras
técnicas
volt
adas
a
e
sses
corpos
e
ao
público
por
eles
constitu
ídos
,
na
e
scola
–
denominados
público
-
alvo
da
Educação
174
Especi
al
–,
oferecen
do
-
lhes
um
tra
tamento
dife
renciado
e
potenciali
zando
o
questionamen
to
se
tal
di
ferenc
iação
não
deveria
ser
estendida
também
para
o
utros
estudantes
não
diagnosticados
e
q
ue
revelavam
dificuldades
de
aprendizado.
Graç
as
a
esse
duplo
moviment
o,
a
presença
desses
corpos
na
escola
problema
tizou,
assim,
tanto
um
paradigma
de
saberes
e
te
cnol
ogias
e
spec
ializados
que
se
pautam
ainda
na
distribuiç
ão
das
defi
ciências
e
na
distinçã
o
entr
e
o
norm
al
e
o
ano
rmal
quanto
em
um
mo
del
o
h
omog
enei
zado
r
e
normalizad
or
de
aprendizad
o
e
de
ensi
no,
pratic
ado
hegem
onia
-
camente
na
instituiçã
o
escolar
.
Por
fim,
ainda
co
mo
parte
crucial
dos
efeitos
e
stra
tégicos
das
políticas
inclusiv
as
desencadea
dos
pel
a
PNEEPEI
,
obser
vou
-
se
a
emergênci
a
de
um
pa
radigma
da
inclusão
diverso
daqueles
estabel
ecidos
pelos
saber
es
e
pelas
tecnologia
s
especializa
das
no
s
qua
is
se
f
undou
.
Ess
e
paradi
gma
de
corre
do
terre
no
fértil
inst
aurado
pelas
prática
s
que
as
políticas,
sab
eres
e
tecnologias
criaram
.
ao
propiciar
a
presença
e o
encontr
o
dess
es
corpos
aos
quais
se
atrib
u
i
algu
m
des
vio
da
no
rma
co
m
os
dos
demais
atores
,
gerando
aconteci
mentos,
experiência
s
de
convi
vência
com
as
dif
ere
nça
s
que
agen
ciam
e
de
aprendizado
de
alteridade
po
uco
i
maginad
os
por
todos
esse
s
dispositiv
os
de
poder,
toma
dos
como
focos
de
resis
tência
e
de
produção
de
sub
jetivações
o
utras,
que
somente
po
uco
a
po
uco
começam
a
ser
m
apeado
s
e
percebidos.
Referimo
-
nos
aqui
a
in
úmeros
relatos
ouvido
s
de
estudantes
e
demais
atores
da
escola,
os
quais
sugerem
ter
aprendido
mais
eticamente
com
a
presenç
a
desses
corpos,
de
seu
esfor
ço
ou,
mesmo,
de
sua
impossibilidade
de
ad
aptação
a
certos
princípios
normativos
e
de
e
ficiênc
ia
al
mejad
os
pelo
s
seus
profess
ores
–
traduzidos
pelo
currículo
escola
r
e
exa
mes
de
to
da
175
ordem
–
do
que
c
om
os
saber
es
em
ci
rculação
e
códigos
morais
prescritos
na
instituiç
ão.
Muitos
af
irmam
ai
nda
ter
encontrad
o
na
relação
com
esses
corpos
cert
a
abertura
par
a
suas
próprias
deficiências
ou,
mesm
o,
um
aprendizado
para
admitir
suas
diferenças
e
exprimi
-
las
.
ne
sse
espaç
o
público.
Em
fun
ção
desse
cí
rculo
afetivo,
da
amizade
aí
emergente
e
do
apren
dizado
da
alterida
de
proporcionada
pelo
encontro
de
co
rpos
heterotó
picos
co
m
suas
próprias
heteret
opias
e
dev
ires
minoritários
comun
s,
t
odo
um
te
rreno
emergiu
para,
com
o
passar
dos
an
os,
con
sagrar
uma
inclusão
efetiva
e
um
paradigma
outro
advindo
desse
terreno
est
ético
das
relações
éticas
com
as
diferenç
as,
embora
fossem
pouco
reconhecida
s
como
tais
pelos
saberes
e
pe
las
tecnologias
especiali
zadas,
sem
co
ntar
os
modelos
pedagó
gicos
hegemônic
os
em
circul
ação
,
na
instituição
esco
lar.
Hipotetica
mente,
o
pou
co
reconheci
mento
desse
paradigm
a
ocorre
,
p
orque
escapa
tanto
ao
princíp
io
corre
tivo
adot
ado
pel
os
saber
es
e
pe
las
tecnologia
s
especia
lizadas
que
prescrevem
aos
desvios
desses
corpos,
em
sua
repartiç
ão
normativa,
o
aju
ste
a
um
a
normalidade
ge
ral
concernente
ao
s
modelos
pedagógicos
q
ue
gerem
essa
sua
incorrigibi
lidade
ou
ingovernab
ilidade,
ajustan
do
-
o
s,
assim,
a
certa
utopia
homogeneiza
dora,
o
u,
mesmo,
a
certa
repartiçã
o
distribu
tiva
, com
vistas
a
invisibili
zá
-
los,
obscurecê
-
lo
s
e
miná
-
los
em
suas
resistê
ncias,
em
suas
virtuais
singularidades
e
em
suas
potências
heterotópic
as
,
na
escola
.
Contudo,
se
esse
para
digma
emergiu
e
outras
conquistas
se
de
ram,
em
decor
rência
da
PNEEPEI
e
de
o
utros
m
arcos
oficiais
das
políticas
inclus
ivas
das
últimas
dé
cadas,
no
presente
,
el
as
se
encontram
bastant
e
ame
açadas
–
e
n
ão
ap
enas
no
que
concerne
à
interdiçã
o
dessa
forma
de
in
clusão
emergente
e
de
avanço
s
,
no
campo
176
epistemol
ógico,
m
as
do
risc
o
mesmo
que
co
rre
m
esses
corpos
e
essas
vidas
atrave
ssadas
pela
defi
ciência,
em
face
de
um
populismo
de
direita
e
de
sua
lig
ação
com
o
neoliber
alismo.
Não
vamo
s
nos
ater
à
an
álise
desse
cenário
mundial
,
co
m
suas
repercu
ssões
em
nosso
pa
ís,
tão
be
m
re
tratado
por
Jo
sé
Gil
(2019),
todav
ia,
gostaríamos
de
situar
um
campo
específico
–
em
to
rno
das
disputas
estatais
–
no
q
ual
essas
ameaças
vêm
o
correndo
em
no
sso
país,
de
sde
2016.
Após
o
impedime
nto
da
Presidenta
Dilma
Rousse
ff,
os
rumores
so
bre
a
ediç
ão
de
n
ovas
diretrizes
ou
de
um
decreto
p
ara
a
Ed
ucação
Especial,
in
clusive
com
alg
umas
ame
aças
de
se
reti
rar
a
perspectiva
de
inclus
ão
apont
ada,
foram
frequentes
,
até
o
momento
em
que
foi
publicado,
em
30
de
setemb
ro
de
2020,
o
Decreto
Pre
sidencial
n°
10.502,
o
qu
al
instituiu
a
Política
Nacio
nal
de
Educ
ação
Especial:
Equitat
iva,
Inclusiva
e
com
A
prendiza
do
ao
Longo
da
Vida
(BR
ASIL,
2020a).
Posteri
or
mente,
e
sse
decreto
foi
suspen
so
pelo
Supremo
Tribunal
Federal,
m
as
se
tornou
um
fan
tasma
,
cuja
ameaça
constante
p
are
ce
nos
ro
ndar,
principalmen
te
com
a
publicaç
ão
da
PNEE:
Polít
ica
Nac
ional
de
E
ducação
Especial
,
com
o
mesmo
subtítu
lo
(2020b),
que
propõe
as
dir
etrizes
para
esse
campo.
Essa
política
adve
io
parale
lamente
com
uma
sér
ie
de
o
utras
estratégia
s
política
s
de
ataq
ues
do
at
ual
gover
no
aos
Direitos
Humanos
,
a
saber:
a
extinção
de
Ministérios
ou
Secret
arias
Especiais
voltados
a
proteger
da
violência
as
populações
vulneráveis,
as
pesso
as
com
deficiência
,
de
n
tre
out
ros,
sugerin
do
um
desmonte
do
pou
co
que
foi
conquistado
,
nas
últimas
déc
adas
,
no
âmbito
das
Políticas
de
Incl
usão
no
Brasil.
Nesse
clima
geral,
o
decreto
menci
onado
e
seus
fantas
mas
emergem,
limita
ndo
o
q
ue
cham
amos
aq
ui
de
efeit
os
estra
tégicos
importantes
das
políticas
inclusivas
pós
-
PNEEPEI
e
177
potenciali
zando
seu
alinha
mento
ao
neolibera
lismo,
espec
ialment
e,
a
sua
face
mais
somb
ria.
Ora,
visto
que
o
decreto
e
a
PNEE
d
estin
aram
a
Política
de
Educação
Espe
cial
para
a
eq
uidade
e
a
inclusão,
asso
ciando
-a
ao
aprendizado
“
ao
lon
go
da
vi
da
”
–
e
xpressão
empreg
ada
para
efetiva
r
uma
forma
de
aprender
a
aprend
er
vo
ltad
a
p
ara
o
empreendiment
o
de
si
e
a
formação
do
capita
l
humano
–,
perceb
e
-
se
o
tom
que
assume.
Segund
o
a
co
nsideração
V
do
artigo
2º,
capítulo
I,
do
de
creto
n°
10.502,
a
política
de
e
ducação
com
aprendizado
ao
l
ongo
da
vida
pode
ser
entend
ida
como
[...]
c
onjunto
de
medidas
planejadas
e
implementadas
para
garantir
opor
tunid
ades
de
desen
volvimen
to
e
aprendizado
ao
lo
ngo
da
existên
cia
do
educando,
com
a
perce
pção
de
que
a
educação
não
acontece
apenas
no
âm
bi
to
escolar,
e
de
que
o
aprendi
za
do
pode
ocorr
er
em
outr
os
momentos
e
context
os,
for
mais
ou
inform
ais,
planejados
ou
casua
is,
em
um
process
o
ininterrupto
.
(BR
AS
IL
,
2020a).
O
probl
ema
não
é
conside
rar
esse
carát
er
con
tinuad
o
da
educaç
ão
escolar,
mas
nã
o
levar
em
c
onta
suas
diferenciaçõ
es
que
conco
rrem
para
a
for
maçã
o
gera
l,
pensand
o
estra
tegica
mente
a
escola
como
um
l
ugar
on
de
es
sas
diferença
s
se
manifest
am
e
se
t
o
rna
m
públicas
,
ju
ntamente
com
as
negociações
de
governa
mentalida
de
que
se
apre
nde
para
se
co
nviver
co
m
elas.
Esse
esvaziamento
da
escola
e
de
sua
função
pública
se
alinha
às
ideias
de
aprendiza
do
contínu
o
,
ao
longo
da
vid
a,
important
es
para
a
form
ação
do
capit
al
h
umano
e
de
um
suje
ito
restrito
ao
seu
empreendim
ento
no
merca
do,
ado
tando
para
su
a
vida
uma
postura
gerencial
cuja
racion
alidade
econômica
178
impera,
sobre
tudo
se
ju
stifica
ndo
a
precariz
ação
da
vida.
O
que
passa
a
imperar
é
a
perspectiva
de
adotar
p
ara
si
a
responsabilidade
de
incluir
-
se
a
e
ssa
governa
mentalida
de
ou,
lon
ge
del
a,
perecer
-
se.
Assim
acaba
também
funci
onando
o
disposit
ivo
subjetivo
de
in
clus
ão,
captura
seus
sujeitos
,
desde
o
desejo
par
a
q
ue
habite
m
tal
cen
ário
e,
então,
ostentar
os
c
orpos
que
conso
me.
No
mesmo
artigo
e
capítulo,
o
D
ecreto
n°
10.502
recriou
as
figuras
das
e
scolas,
das
c
lasse
s
especiais
e
das
e
scol
as
e
classes
bilíngu
es
para
surdo
s,
delin
eand
o
as
escolas
reg
ulares
inclusivas
como
“[...]
instituiç
ões
de
ensi
no
que
oferecem
atendimento
educacional
especiali
zado
aos
educand
os
da
ed
ucação
especial
em
cl
asses
re
gulares,
classes
especializa
das
ou
salas
de
rec
ursos
.”
(BR
ASIL,
2020a).
Apesar
de
o
d
ocum
ento
discrimin
ar
posteriormen
te
os
planos
de
desenvolv
imento
individua
l
e
escola
r
c
omo
parte
do
planejame
nto,
com
o
acompan
hamento
e
a
avaliação
envolv
endo
as
famílias
e
os
profissiona
is
especializado
s,
o
que
procura
evidenciar
é
um
a
aten
ção
individuali
zada,
reto
rnando
ao
s
paradi
gmas
corre
tivos
nos
q
uai
s
se
apoi
aram
os
saberes
e
tecnolo
gias
especializados
anteriormente
questiona
dos
e,
talve
z,
retroced
endo
à
sua
func
ion
alidad
e
clínica.
A
e
ssa
aten
ção
individua
lizada
se
somou
a
perigosa
reint
rodução
de
cl
asses
especiais
nas
escolas
regulares
e
das
escolas
especiais
como
con
cor
rente
s
e,
o
que
parec
e
mai
s
complicado,
independen
temente
dessas
últimas.
Esse
aspecto
reve
la
uma
face
restritiva
do
de
creto
e
se
us
fan
tasmas
,
q
uando
,
de
um
lado
,
no
capítulo
I,
artigo
segundo,
con
cebe-
se
a
E
ducação
E
special
c
omo
“[...]
modalidade
de
e
ducação
escolar
oferecida,
prefere
ncialment
e,
na
rede
regular
de
ensino
aos
educandos
com
deficiência
,
transto
rnos
globais
do
desenvolvime
nto
e
al
tas
habilidades
ou
su
per
dotação
.”
Assim,
179
restrin
ge
a
priori
não
s
omen
te
o
público,
com
o
também
to
rna
a
matrícula
e
a
permanência
das
p
essoas
com
de
ficiência
nas
escolas
regulare
s
ou
especiais
ob
jetos
de
escolha
(“p
referencia
lmente”
),
deixando
essa
de
cisão
sob
a
responsabilida
de
da
família
,
em
interlocuç
ão
com
as
“equipes
multid
isciplina
res".
Nessa
lógica,
par
ece
que
a
governamentaliza
ção
estatal,
enc
arnad
a
da
figura
do
Governo
F
ederal,
estaria
responsabiliza
ndo
os
profissiona
is
especializad
os
e,
principalmente,
as
famílias
a
tomarem
a
decisão
por
outr
em,
por
quem
justamen
te
essa
mes
ma
polític
a
quer
abrir
m
ão.
Mais:
é
como
se
o
Estad
o
,
que
deveri
a
garant
ir
as
condiçõe
s
para
asse
gurar
a
essas
pe
ssoas
com
deficiência
e
seus
familiares
o
direito
ao
acesso
à
educação
regular,
dividis
se,
ou
talvez
ren
egasse
,
a
sua
responsabilid
ade
de
age
nte
públic
o
com
out
ras
organiza
ções
não
governam
entais
,
co
mo
as
escolas
especializadas
,
as
equipes
multidisci
plinares
e
as
própria
s
famílias
,
as
quais
,
não
obstante
a
sua
função
pública,
atendem
aos
interess
es
p
rivados.
O
p
ior
é
q
ue
o
decreto
te
nt
a
fragili
zar
ain
da
mais
o
direito
de
acesso
dessas
p
essoas
com
deficiência
à
escola
regul
ar,
uma
ve
z
que
de
fine
o
preferenc
ialmente
–
e
não
o
exclusiv
amente
–,
abri
ndo
uma
bre
cha
aos
interesses
não
some
nte
privados,
m
as
privatis
tas,
e
ameaçan
do
a
ordem
jurídica
e
os
inv
estimentos
,
para
que
a
escola
regular
inclusiva
ocorra
nas
instituições
públicas
.
Esses
são
al
guns
dos
f
antasmas
q
ue,
mesmo
com
a
suspe
nsão
do
D
ecreto
n°
10.502,
ain
da
nos
assomb
ram,
já
q
ue
a
PN
EE
publicada
sob
seus
princípios
conti
nua
servindo
como
diretr
iz
para
a
Educ
ação
Especial
e
Inclusiva.
Sob
os
aspect
os
levantad
os,
c
omparativamen
te
à
PNEEPEI,
o
decreto
asse
vera
ai
nda
m
ais
o
alinha
mento
das
pol
ítica
s
brasileira
s
ao
dispositiv
o
de
inc
lusão
qu
e
retroalimenta
o
neolibera
lismo,
ag
ora,
180
porém,
mostrand
o
a
sua
fac
e
mais
o
bscura
,
pois
o
público
a
que
se
destina
é
aind
a
mais
restr
ito
e
distribuído
em
c
ategorias
e,
o
q
ue
é
pior,
responsabilizand
o
o
indivídu
o
e
seus
familia
res
para
que
o
efetuem,
já
que
a
resp
onsabilida
de
estatal
se
furta
ao
seu
papel
.
Quanto
a
essa
s
re
striç
ões
,
elas
podem
se
r
notadas
quand
o
o
decreto
se
refere
ao
público
-
alvo
da
Educ
ação
Especial,
agora
o
oficializand
o
conforme
as
deman
das
dos
especia
listas,
ao
q
u
al
d
edic
a
to
do
o
capítulo
III,
artigo
5º,
em
seu
parágrafo
único,
não
deixando
marg
em
para
que
outras
diferença
s
p
ossam
ser
contemplada
s
,
nem
q
ue
escapem
às
n
ormas
médicas
em
torno
da
s
qua
is
foram
e
laborad
as.
Em
re
lação
à
distribuiçã
o
de
sse
público,
ta
nto
o
decreto
quanto
o
PNEE
parecem
operar
de
modo
a
atender
a
certas
comunidades,
como
a
dos
sur
dos,
e,
an
alog
amente
à
disputa
escolar
regular
e à
escola
especial,
estrategica
mente,
instaurar
c
erta
separ
ação
em
suas
dem
andas
e
moviment
os,
como
se
preferiss
em
negocia
r
em
particula
r
ou
mesmo
desfa
zer
alianç
as
,
para
faze
r
preval
ecer
es
sa
política,
em
detri
mento
de
tantas
out
ras
em
circulação
e
em
conf
lito
com
essa.
Isso
significa
ampliar
mais
a
restrição
do
que
o
aten
dime
nto
de
referi
da
política
par
a
esse
público,
operada
na
P
NEEPEI,
e,
pior,
produzir
certa
segrega
ção
sob
a
prome
ssa
da
inclusão
,
na
medida
em
que
se
privilegia
m
alg
umas
comunidades
,
em
d
etrim
ento
de
out
ras,
queren
do
tr
azer
os
de
mais
para
o
seu
l
ado
,
co
m
a
oficializaçã
o
de
classes
e
escola
s
espe
cializadas.
Isso
n
ão
quer
dizer
que
e
ssas
últimas
não
poderia
m
at
uar,
co
mo
em
geral
atuam,
na
forma
de
red
e
com
as
escolas
regul
ares.
O
problema
é
que
se
t
rata
de
um
a
política
mais
de
om
issão
do
que
de
cumprir
essa
missão
,
responsabilizando
-
se
por
e
sse
ou
tro
para
lhe
oferecer
condições
efetivamente
equita
tivas
e
inclusiva
s
,
no
181
sentido
de
maio
r
abertura
e
convivên
cia
co
m
a
diferença
–
e
não
concorrência
gerada
em
t
orno
de
bioidentidade
s
e
operada
por
distribu
ição.
Se,
por
fim
,
a
PNEEP
EI
não
abran
geu
maior
participa
ção
dessas
comunidades
e
movimentos
,
em
pro
l
dos
direito
s
das
pessoas
com
deficiênc
ia
–
den
tre
outras
dif
erenças
,
poderíamos
acrescer
–,
o
decreto
selec
iona
q
uem
são
os
partícipes
dessas
comunidades,
a
despeito
da
participaç
ão
de
espec
ialistas,
produzindo
uma
consulta
paliativa
e
aleatória
,
para
não
enfrentar
os
vários
projetos
em
d
isputa
nesse
campo,
tampouco
promover
uma
discussão
mais
polit
izada
ou,
até
mes
mo,
mais
qu
alificada.
Nessa
b
reve
comp
aração,
pode
-
se
diz
er
que
,
se
,
em
re
lação
à
PNEEPEI,
o
D
ecreto
n°
10.502,
que
institu
iu
a
P
olítica
Nacional
de
Educação
Especia
l,
ainda
em
vigência,
represe
ntou
um
retrocess
o
em
relação
às
políticas
inclus
ivas,
ao
atropelar
a
possib
ilidade
de
que
vários
acúm
ulos
obtidos
com
se
us
efeitos
positivos
fossem
aproveita
dos
e,
particula
rmente,
que
a
in
clusã
o
p
assasse
de
um
dispositiv
o
escol
ar
restrito
a
d
etermi
nadas
dif
eren
ças
a
um
conjunt
o
de
práticas
que
a
ve
ria
de
outro
m
odo
e
poderi
a
concorrer
para
reformar
a
própria
escola
pública
brasileira
.
Tal
vez
e
sse
fo
sse
o
alvo
do
decreto
e
continua
se
ndo
a
dos
fant
asmas
q
ue
nos
assom
bram
,
após
sua
suspe
nsão,
com
a
publicação
da
PNEE
e
de
out
ras
medi
das
que
vêm
sen
do
adotadas
na
escola
pública
e
que
con
correm,
mais
do
que
para
seu
esvaziamento,
p
ara
a
dest
ruição
das
conquistas
propiciada
s
com
as
políticas
de
inclusão
escola
r
brasileiras
.
O
que
se
percebe
é
que
suas
teses
gera
is
aind
a
e
stão
em
circulação
e
os
agentes
que
o
el
aboraram,
conjuntame
nte
com
al
gumas
corporaç
ões
que
o
apoi
aram,
continuam
a
propagá
-
la
s
em
n
ome
de
ce
rta
v
isão
privatista,
pragmátic
a
–
porque
resolve
algum
as
situaç
ões
particular
es
de
famílias
182
e
de
p
arcelas
de
comunidades
de
pe
ssoas
com
deficiência,
co
mo
o
relevo
dado
às
classes
e
escolas
especializadas
–,
minando
qualquer
possibilida
de
de
uma
ação
co
mum
nesse
t
erreno.
Govern
ar
para
separar
e
dar
voz
à
queles
grupos
que
o
apoiam
parec
e
t
er
sid
o
a
tônica
do
govern
o
Bol
sonaro
,
insi
nuando
um
tom
majoritá
rio
tão
rui
doso
que
muitas
vezes
faz
ac
redi
tar,
mesmo
aos
mais
céticos,
que
são
minoria
e
que
,
se
não
cedere
m,
se
afast
arem,
deixando
-
os
conduzir
os
demais,
co
rrem
o
risco
de
serem
extermi
nados.
Pe
rcebe-
se
clara
mente
a
fo
rma
como
e
ssa
forma
de
gove
rnamen
talização
atua
,
no
s
entid
o
de
mobilizar
a
ingovernab
ilidade
de
partes
desse
corpo
comum
de
dete
rminadas
comunidades
de
pesso
as
com
deficiê
ncia
,
par
a,
utilizando
a
retóri
ca
de
que
as
medidas
de
inc
lusão
for
am
insatisfatória
s
ou
insuficient
es
para
essa
biossocialida
de,
melhor
seria
o
ret
o
rno
das
escola
s
e
classes
especiais.
Mobilizando
o
ressenti
mento
de
in
úmeras
experiências
neg
ativas
de
c
rianças
e
adolescen
tes
com
deficiê
ncia
,
nas
escolas
regulare
s,
especialm
ente
de
seus
responsáveis
legais,
esses
refluxos
em
relação
às
políticas
com
inclusão
ti
veram
algum
apoio
dessas
comunidades
ou,
ao
meno
s,
acende
ram
um
aler
ta
pa
ra
a
ne
cessidad
e
de
que
qualquer
política
elabo
rada
para
t
al
público
deveria
ser
ob
jeto
de
amplo
de
bat
e
e,
principalmente,
com
a
parti
cipação
de
seu
s
destinatár
ios.
Além
d
esse
ale
rta,
o
q
ual
já
vinha
sendo
fe
ito
pela
literatura
e
circulava
em
vários
movim
entos
que
insistiam
que
“nenhum
a
política
deveria
ser
feita
para
nós
sem
nó
s”,
outro
asp
ecto
importante
a
ser
dest
acado
é
q
ue
,
com
esses
refl
uxos
da
gove
rnamental
ização
estat
al
em
relaç
ão
à
educ
ação
inclusiva
,
se
percebeu
que
há
um
dispositivo
de
subjet
ivação
mais
p
rofundo
e
ingovernáve
l
,
que
cond
uz
as
183
deman
das
pela
af
irmação
dessa
e
de
outras
difer
enças,
quase
sempre
inadvertid
o
e
indócil,
o
qual
pode
ser
co
nduzido
par
a
um
governo
d
as
diferença
s
que
ta
nto
al
ime
nte
o
d
esejo
de
eliminar
o
out
ro
,
para
se
afirmar
individua
lmente
(desde
que
se
jam
atend
idas
as
condições
de
segurança
p
ara
a
su
a
de
ficiência
ou
diferença
particular)
,
quanto
a
form
ação
de
um
co
rp
o
co
mum
q
ue
po
ssa
ser
h
abitad
o
po
r
ela
e
produzir
f
orm
as
de
in
cl
usã
o
o
utras,
decorrent
es
do
enco
ntro
dos
corpos
he
terotópicos
e
de
seus
devires
minoritários
comu
ns.
Mesmo
diante
desse
qua
dr
o
atual
b
astant
e
desan
imador,
pergun
ta
-
se:
h
averia
ain
da
alguma
possibilida
de
de
continuarmo
s
a
pen
sar
nos
focos
de
resistênci
a
provoca
dos
pelos
corpos
deficientes
e
de
seus
encontros
com
outro
s
corpos
,
no
t
erreno
escolar
,
à
luz
de
outro
paradigma
de
inclu
são
capaz
de
vi
slumbrar
em
sua
heterotopia
a
potencialid
ade
de
forç
as
disru
ptivas
da
epistemol
ogia,
não
somente
dos
saberes
e
tecnolog
ias
especializa
dos,
co
mo
ta
mbém
da
escola
enquant
o
uma
institu
ição
utópica,
no
sentido
post
o
por
Michel
Foucault
(2009)?
Est
a
é
a
questão
que
ser
á
discutida
na
segunda
pa
rte
deste
livro
.
3.3
A
d
eficiê
ncia
com
o
a
me
aça,
a t
anatopolít
ic
a,
os
r
efluxos
da
PN
EEEI
e
um
out
ro
pa
rad
igma
de
inclusão
Algun
s
estudos
que
anali
sam
a
pe
rspec
tiva
da
in
clusã
o
adotad
a
na
Educ
ação
Es
pec
ial
,
em
nosso
país
,
do
pon
to
de
vista
da
categoria
foucaultia
na
de
biopolítica
(
VEI
GA
-
NET
O;
LOPES
,
2011),
vê
m
caracte
rizando
parte
dos
dispositivos
de
in
/exclusão,
isto
é,
q
ue
aten
dem
provisoria
mente
às
relaçõ
es
de
merc
ado
e
de
um
Estado
neoliberal,
d
emarcan
do
uma
rel
ação
de
inclusão
,
por
um
l
ado,
184
enquant
o
e
xclu
i
cert
as
particularidades
do
incluído,
para
adapt
á
-
lo
a
tal
de
mand
a.
Particu
larmente,
vim
os
assi
nalan
do
que,
p
ara
além
dessa
interdiçã
o
proposta
por
certo
par
adigma
de
inclusã
o,
eles
in
tro
duze
m
as
pessoas
com
defi
ciência
em
uma
fratura
fundam
ental
da
biopolítica
,
na
medida
em
que
se
alinh
am
às
figuras
do
povo
,
em
dete
rmin
ada
con
figuração
neoliberal.
Avançan
do
um
po
uco
mais
na
ma
neira
como
esse
parad
igma
científico
de
incl
usão
se
subordina
ao
mercado,
pode
-
se
argume
ntar
que
as
pesso
as
com
deficiência
,
dessa
perspectiv
a
,
de
veriam
se
subordin
ar
à
r
acion
alidade
econômica
e
em
um
jogo
concorrencial
no
qual
,
necessar
iamente,
se
empreendam
a
si
me
smos
e
se
coloquem
como
jogador
es
em
desvantagem
–
dizíamos
,
na
infân
cia:
c
afé
-
com
-
leite
–,
descon
siderando
a
potencialida
de
de
se
us
m
odos
de
existência
.
Quando
a
consideram
,
trata
-
se
de
justific
ar
q
ue
ta
nto
e
ssas
q
uanto
quaisqu
er
pessoas
que
se
form
am
na
escola
almejam
a
constitu
ição
de
um
capital
hum
ano,
um
pouc
o
mais
privile
giado
pa
ra
alg
uns,
menos
para
outro
s,
dependendo
dos
riscos
que
impliquem
e,
justame
nte,
de
um
potenc
ial
adaptativo
que
lhe
s
permita
ser
flexível
no
pe
rfil
constitu
ído,
de
acordo
co
m
sua
oferta
no
mercado,
e
eficiente
na
função
p
ara
a
q
ual
os
contratam,
de
acordo
co
m
as
exigências
de
produção
(P
AG
NI
, 2019a).
É
a
e
sse
extremo
que
se
chega,
caso
atuemos
de
ntro
d
essa
lógica
e
raci
onalid
ade,
se
não
en
dossadas,
ao
menos
quase
n
ão
questiona
das
pela
perspe
ctiva
inclusiva
assum
ida
no
PNEEEI
e
mantid
a
em
sua
implem
entação.
Afin
al,
qualquer
ade
são
a
uma
perspectiva
inclus
iva
sem
interp
elar
o
que
ela
implica
,
nas
relaç
ões
de
poder
na
sociedade
e
nas
redes
que
se
entret
ecem
na
escola,
desconsi
dera
o
que
a
prese
nça
desse
out
ro
in
terpela
em
nós
(S
KLIAR
,
185
2003),
porque
no
s
faz
tratá
-
los
como
diferent
es
se
m
mais
e
nos
f
az
querer
que
se
subordi
nem
à
ve
rdade
q
ue
adotamos
p
ara
vi
ver,
às
norm
as
que
compreen
dem
essa
vida,
aos
dispositiv
os
de
segurança
e
de
reg
ulament
ação
que
produz
em
,
para
que
façamo
s
parte
de
uma
populaçã
o,
homoge
neizada
pelo
signo
de
uma
deter
minada
ci
dadani
a
e
governa
da
pelas
tecn
ologia
s
do
biopoder
.
Se,
an
tes,
já
e
ra
difícil
enfrentar
o
de
safio
de
disc
utir
esse
cen
ário
e
a
inte
rpe
laç
ão
que
a
particularida
de
dessa
difer
ença
ética
e
de
sua
ontologia
provo
ca
em
nós
–
a
transf
ormaç
ão
sub
jetiva
e
os
process
os
de
su
bjeti
vação
que
produzem
–,
com
os
descaminhos
das
políticas
oficiais
não
teríamos
as
condições
objetiv
as
sequ
er
para
criar
um
campo
de
percepção
,
ne
ssa
direção.
Isso
si
gnifica
admitir
que
os
interditos
atuais,
resulta
ntes
d
esse
refluxo
n
as
políticas
estata
is
bras
ileiras,
to
rnari
am
ain
da
mais
difícil
,
dia
nte
de
ssa
s
condições
,
de
tornarm
os
visíveis
e
inteligív
eis
esse
s
modos
de
existência
compre
endidos
n
as
multiplic
idades
das
pessoas
e
do
lugar
ocupad
o
,
em
alg
umas
d
elas
,
pelos
signos
q
ue
as
designam
defici
entes,
assi
m
como
os
efeit
os
dos
acidentes
q
ue
enc
arnam,
que
as
constituem
de
alguma
form
a
e
com
os
quais
s
ão
obri
gadas
a
co
nviver.
Foi
o
ca
mpo
de
percepção
desse
ethos
,
por
assim
dizer,
o
principal
afe
tado
pela
tendência
at
ual
em
s
uspender
a
perspe
ctiv
a
inclusiva
em
implementa
ção
,
c
omo
vi
sto
no
capítu
lo
anterior,
po
is,
se
,
ante
s
,
h
avia
propiciado
um
reconheci
mento
dos
limites
do
paradigma
científic
o
de
inclusã
o
adot
ado,
agora
o
radica
liza,
t
ransf
orman
do
aquele
mo
do
de
existência
denomina
do
deficiente
em
uma
ame
aça
e,
eventual
mente,
em
um
dos
alv
os
do
ressentimento,
da
excl
usão
e
da
violência
.
186
No
âmbito
da
fratura
fu
ndamental
da
biopo
lítica
,
as
tecnologia
s
do
biopod
er
colocam
a
vid
a
no
cen
tro
do
s
cálculos
do
poder
e,
enquan
to
tal,
aval
izam
as
vidas
que
vale
m
mais,
podem
ser
qualifica
das
e
são
di
gnas
de
serem
vividas,
diferenciando
-
as
daqu
elas
que
val
em
menos,
que
são
infames
ou
sequer
merecem
viver.
Desse
po
nto
de
vista
,
a
defin
ição
estatística
de
uma
médi
a
pel
a
qual
se
dá
o
contorno
a
um
a
população
(como
índices
de
morte,
n
asc
imentos,
casamen
tos
etc.)
e
a
de
finiçã
o
de
pa
drões
p
ara
o
seu
govern
o
a
uxiliam
a
eleger,
co
m
aqueles
cálculos,
os
destinatários
da
ate
nção
e
stata
l,
da
distribu
ição
de
seus
dispos
itivos
de
seg
urança
e
acesso
a
certa
proteção
,
para
q
ue
a
vida
se
qu
alifique
(
bíos
),
p
ossa
ser
r
egulamentada
e
aceder
a
essa
forma
de
governamen
talidade,
chamad
a
de
b
iopolític
a.
A
e
ssa
espécie
de
governamenta
lidade,
vetorialment
e
descend
ente
(do
Estado
à
população),
inte
ressa
inclu
ir
todas
as
vidas,
independen
te
men
te
de
sua
valo
ração,
o
que
é
p
osi
tivo,
porém,
p
ara
que
assim
se
julgue
,
é
n
ecessário
que
algo
fiq
ue
de
fora
,
para
que
sejam
incluídas
e,
muitas
vezes,
dependendo
do
que
fiqu
e
de
fora
,
al
guns
modos
de
existência
acabam
por
se
r
lan
çad
os
à
deriva,
à
margem,
deix
ad
os
à
própria
sorte.
Uma
parte
das
pe
ssoas
co
m
d
eficiência,
especialm
ente
aque
las
q
ue,
ao
ter
condições
de
se
e
xpressar
publicamen
te
por
si
mes
mas
ou
po
r
seus
f
amiliar
es
e
amigos,
amen
izaram
essas
for
mas
mais
radic
ais
de
excl
usão,
compreendida
s
pelo
próprio
jog
o
e
mpreendido
pelas
políticas
de
inclusão
,
nessa
última
dé
cada.
Afinal,
ela
s
se
benefici
aram
dos
d
ire
itos
conquistados
e,
ain
da
q
ue
co
m
sacrifícios
maiores
e
mais
dificuldades,
o
cup
aram
postos
de
t
rabalho
,
g
raças
ao
proc
esso
de
escolari
zação
por
q
ue
passar
am,
den
tre
outr
os
fator
es
que
ag
regaram
ao
capital
hum
ano
uma
qualifica
ção.
187
Em
geral,
nesse
p
assado
recente,
é
possíve
l
dize
r
que
os
corpos
deficientes
e
suas
for
mas
comun
s
de
vida
suposta
mente
não
ameaçaram
t
ão
fro
nt
almen
te
a
raci
onalidad
e
econômica
da
biopolít
ica.
Tal
vez
isso
tenha
ocorrido
em
virt
ude
de
certa
cultura
popular
ou
religios
a
,
a
qua
l
,
de
cert
a
maneira
,
acab
ou
por
amortec
er
seus
efeitos
sobre
o
governo
da
população
,
no
Brasil.
Contudo,
as
pessoas
com
deficiência
também
pod
em
ser
vista
s
com
o
ame
aça,
quand
o
se
us
corpos
e
fo
rma
s
co
muns
de
vida
são
atraves
sados
por
signos
q
ue
potencia
lizam
um
even
tual
aconteci
mento
insurrecional.
Dentre
esses
signos,
podemos
d
estacar
os
relac
ionados
à
visibilida
de
dada
aos
efeitos
dos
acidentes
sob
re
si
e
as
deforma
ções
sofri
das
em
sua
própria
c
arne
,
em
determinados
contextos
ou
po
r
sua
asso
ciação
a
signos
outro
s
,
como
os
da
experiência
co
m
a
pobreza
,
da
diferença
de
gênero,
das
ques
tões
étn
ico
-
raciais,
em
outras
situações
que
c
urte
-
circuitem
relações
prepondera
ntes
de
poder
ou
de
domin
ação
existentes
.
Nesses
casos,
q
uando
esses
signos
ou
os
acide
ntes
encarn
ados
nos
corp
os
deficientes
e
em
suas
fo
rmas
c
om
uns
de
vida
nos
atravess
am
e
f
azem
deles
c
anais
de
sua
express
ão,
as
governam
entalida
des
estatais
e,
mais
recentemente,
as
intervenções
do
me
rcad
o
p
rocuram
corri
gi
-
los
e
regu
lá
-
los
,
para
q
ue
n
ão
interrompa
m
os
fluxo
s
e
a
ação
das
r
edes.
Logo
,
ao
obscur
ecerem
essa
fratura
fundam
ental
da
biopolítica
,
tais
fo
rm
as
de
co
rreção
ou
de
regul
ação
estat
al
ou
privad
a
tornam
imperceptív
el
a
sua
con
figu
ração
como
pa
rte
do
po
vo
,
para
melhor
submeter
a
população
ao
seu
govern
o.
Quando
isso
não
é
possív
el
,
em
razão
de a
multiplici
dade
dos
signos
persistir
sobre
a
superfície
desse
s
corpos
e
do
caos
de
suas
188
form
as
comun
s
de
existência,
essas
fo
rmas
de
vi
da
são
d
eixadas
à
própria
sorte,
isto
é,
a
um
j
ogo
mais
de
mor
te
que
de
vida.
Em
outras
palavras,
opera
sobre
essas
vid
as
uma
tanatopolít
ica
da
qu
al
o
Estado
se
e
xime
e
o
me
rcado
alimenta
,
para
que
po
ssa
proliferar
suas
redes,
crian
do
um
campo
minado,
sem
leis,
sem
no
rmas,
sem
qualquer
tipo
de
reg
ulação
25
,
em
meio
a
uma
sociedade
excess
ivamente
contr
olada
,
sob
o
espectro
da
biopo
lític
a.
É
alg
o
pró
ximo
a
e
ssa
reconfi
guração
biopolítica,
at
ravés
dessa
sua
face
tanatopolítica,
que
se
observa
,
em
al
gumas
das
ações
do
Governo
Federa
l
,
na
atualidad
e,
assim
como
se
disseminam
em
várias
redes
–
mais
ai
nda
n
as
cham
adas
redes
sociais
–,
fomentando
um
discurso
de
ódio
contra
t
udo
o
que
lhe
é
estr
anho
p
ara
asseg
urar
uma
vida
normalizada,
apaziguad
a
e
re
gulada,
den
tro
dos
parâmetros
atuais
da
biopolítica.
Ao
mesmo
tempo
,
sua
frat
ura
fundam
ental
,
ante
s
de
se
r
apre
sentada
como
suturada,
re
cuperada,
evitando
qualquer
reação
,
é
vista
com
indifere
nça,
e
xpon
do
a
violência
con
tra
dete
rminad
as
formas
de
diferenç
a
como
algo
le
gítimo
e
con
side
ran
do
natural
a
om
issão
d
as
políticas
e
stata
is
,
a
fim
de
asseg
urar
o
q
ue
25
Aga
mben
(2004)
denomina
esse
estado
de
exceção
como
o
modo
com
que
a
vida
nua
se
perfaz
na
biopolí
tica,
numa
espécie
de
tanato
política
que
a
habit
a
e
que
tem
como
parad
igma
o
ca
mpo
de
concent
ração.
Não
vamos
ade
n
trar
a
essa
análise,
mas
somente
alertar
que,
em
nosso
cas
o,
pa
rece
desnecessário
chega
rmos
a
tanto,
por
um
lado,
e
desconsiderar
que
essas
vida
s
estão
num
jogo
de
poder
no
q
ual
a
sua
potênc
ia
pode
se
consti
tuir
n
uma
ameaça,
por
outro
,
aos
estados
de
dom
inação
vigente
e,
ma
is
recentemente,
aos
estados
de
vi
olên
cia,
para
usar
o
diagnóst
ico
de
Frédéric
G
ros
(2009).
Tais
estados
b
usca
m
legit
imidad
e
na
esfera
pública
ou
na
vida
privada,
para,
r
aciona
lmente,
exercer
sob
re
esses
cor
pos
e
essas
vida
s
que
denota
m
algum
a
fragi
lidade
em
relação
aos
signos
que
incor
poram
ou
expressam,
toda
sorte
de
v
iolên
cia,
j
usti
fica
ndo
-a
como
necessária
par
a
man
ter
i
ntacta
a
segurança
dos
dema
is.
189
amenize
a
precari
edade
da
queles
corpos
e
das
formas
de
vida
comuns
que
os
aglutinem.
Se,
por
um
lado,
p
arece
se
r
ne
cessário
resis
tir
urge
ntem
ente
a
essa
re
config
uração
atual
q
ue
potencializa
os
esta
dos
de
domi
nação
e
de
violência
c
ontra
as
dif
erenç
as
éticas
e
sair
de
um
aparen
te
e
sta
do
de
conformismo,
por
ou
tro,
não
é
possível
ignora
r
as
linhas
de
continuidade
e
nt
re
e
sses
últimos
e
o
paradigma
científico
de
incl
usão
,
adotad
o
no
neoliberalism
o.
É
possí
vel
dize
r,
incl
usive,
que
um
é
o
desdobr
amento
de
o
ut
ro
e
que
esse
re
sultado
da
radic
alização
desse
parad
igma
,
nessa
direçã
o,
o
nde
sua
face
tanatop
olítica
se
torn
a
explícita
,
o
corre
em
razão
de
movimentos
de
resistência
s
anteriores
a
eles,
reali
zados
em
nível
mic
ro
e
macropolítico.
São
esses
mo
viment
os
que,
também,
servem
de
justificativa
par
a
o
recrudescimento
,
po
r
parte
do
Estad
o
e
do
merc
ado
,
c
ontra
eles,
s
egund
o
um
a
óti
ca
bastan
te
con
servadora
,
na
atualid
ade,
criminalizand
o
-
os
e
tornand
o
-
os
válvulas
de
e
scape
da
ten
são
soci
al
decorren
te
de
uma
fratura
biopolítica
habi
tada
pela
imprevisibilidade
do
p
ovo,
do
cao
s
que
o
compreend
e
e
de
sua
multiplicidade,
de
sua
ingover
nabilidade
e
de
sua
inapreensibilida
de
pel
as
fo
rmas
de
governo
em
curso,
pelas
tecnologia
s
do
biopoder
e
pelos
modos
de
sua
subjugação.
Em
n
ível
microp
olítico
,
os
dispositiv
os
jurí
dico
-
políticos
e
morais
que
dispe
rsaram
esse
paradigma
pel
as
d
iversas
artes
de
govern
o,
dent
re
elas
as
pedagógica
s
ou
pedagógic
o
-
terapêutica
s,
colocam-
no
em
ci
rculação
e
o
materializara
m
em
quase
to
das
as
instituiç
ões,
com
maior
relevo
n
as
escolas.
Ele
exige
das
pe
ssoas
com
deficiência
um
p
reço
al
to
demais
a
pagar
,
p
ara
serem
incluídas
em
uma
racio
nali
dade,
um
re
gime
de
verdade
e
normatividad
e,
os
quais
são
os
que
reconhec
emos
como
nosso
s,
de
parte
de
uma
população
190
submetida
àq
uelas
form
as
de
governam
entalida
de
existent
es.
Por
su
a
vez,
essa
exigência
implica
que,
no
auto
governo
almej
ado,
tais
pe
ssoas
abram
mão
de
parte
do
que
s
ão,
de
sua
singularida
de
como
ser
e
de
seu
próprio
m
odo
de
h
abitar
no
m
un
do
–
isto
é,
de
se
u
ethos
–
em
no
me
de
uma
espécie
r
egulada,
de
uma
vida
supostamente
qualific
ada
e
de
uma
paz
e
vent
ualme
nte
prometida
co
m
essa
in
clusã
o.
Ao
se
assujei
tarem
a
tal
deman
da,
as
p
essoas
com
deficiênc
ia
e,
quando
não
têm
con
diç
ões
de
faz
er
e
ssa
escolha,
seus
f
amiliares
,
cui
dadores
ou
amigos
tent
am
igno
rar,
esconder
ou
neutraliza
r
os
seus
déficits
e
limitações
ou,
en
tão,
mostra
r
a
todo
custo
que
foram
superado
s.
Por
um
lad
o,
a
negativida
de
com
que
os
corpos
deficientes
e
as
s
uas
for
mas
comun
s
de
vida
são
vistas
reforça
os
dispositivos
de
biopoder
vetorialmen
te
descendentes
,
que
os
desqua
lificam
e
os
despotencia
lizam,
veiculando
um
prejulgamento
de
que
são
vidas
frágeis
e,
em
razão
de
sua
fraq
ueza,
merece
m
ser
vividas
,
porque
nelas
se
vislum
bra
um
traço
de
hu
mano,
ao
mesmo
tempo
que
reconhec
emos
nesse
ges
to
o
que
nos
restou
de
h
umanidad
e.
Paradox
almen
te,
por
o
ut
ro
l
ado,
essas
vi
das
dão
continuidade
a
uma
cultura,
cuja
gênese
p
ode
ser
enc
ontr
ada
em
m
eados
do
s
é
cu
lo
passado
,
segundo
Peter
Sloterdij
k
(2012),
no
princípio
da
ascética
atléti
ca
adot
ada
por
pessoas
com
defic
iência
que
se
aprese
ntam
co
mo
prova
de
serem
capaz
es
de
se
e
quipararem
a
qualquer
p
essoa
e
c
omo
possibilida
de
de
sua
t
enacidad
e
moral
,
para
superar
as
próprias
fraque
zas
,
ser
disposta
como
um
exemplo
aos
dema
is.
É
essa
exemplaridade
que,
ao
nutrir
um
princípio
de
desemp
enho
subsequen
temente
adotad
o
no
desenvolvimento
da
biopolít
ica
neolibera
l,
é
assumid
a
como
princípio
sub
jetivo,
identitár
io,
erigido
c
omo
imperativ
o
para
a
cultura
fitness
191
contemp
orânea,
como
demonstrado
po
r
Pag
ni
(2017c).
Concomita
ntemente,
ao
re
cobrir
a
negatividade
em
cir
culação
do
s
corpos
deficientes
e
suas
formas
de
vid
a
comum,
um
a
fal
ácia
aten
uante
sob
re
sua
precar
iedade,
ame
nizadora
e
des
potenciali
zadora
de
sua
fragilidade,
em
nome
de
um
a
h
umani
dade
vazia
,
é
colocada
em
circulação
,
servindo
co
mo
uma
espécie
de
descu
lpa
para
a
nossa
indiferença
ou,
simple
sme
nte,
de
ausênci
a
de
percepção
de
sua
potente
difer
ença.
Esses
pa
recem
ser
os
jogos
de
p
oder
compre
endidos
por
e
ssa
con
figuraç
ão
biopolítica
,
mais
bem
explo
rada
em
outra
ocasião
(
PAG
NI
,
2017a)
e
b
revemente
recuperada
aqui
,
para
assi
nalar
que
,
so
b
o
para
digma
de
sua
cientificida
de
,
esse
jogo
recobre
–
inclusive,
no
camp
o
sem
iológico
–
,
o
q
ue
resta
ou
excede
à
potência
de
uma
vida
compree
ndida
pelos
corpos
def
icientes
e
pela
s
suas
form
as
comuns
de
existência
.
Historicame
nte,
o
que
restou
de
ssa
potência
de
vi
da
demarc
ou
esse
s
corpos
e
form
as
comun
s
de
existência,
d
es
de
a
emergênci
a
das
política
s
de
in
clu
são
,
no
Brasil,
ameniz
ando
as
hostilida
des
c
ontra
elas
,
na
medida
em
que
n
ão
esta
riam
à
altura
do
imperativo
da
eficiência e
do
princípio
do
d
esempenho
na
biopolít
ica
em
curso.
To
davia,
os
seu
s
excessos
,
que
já
eram
co
nsiderados
uma
afron
ta,
no
presente,
passar
am
a
ser
vistos
tamb
ém
como
um
ingovern
ável
a
ser
con
tido
,
re
freado
e
governad
o
a
todo
cus
to,
portanto,
como
uma
ameaça
n
ão
tão
evidente,
nessa
con
juntura
atual
,
quanto
a
dos
travestis,
de
t
ran
s
gêneros,
de
negros
e
de
mulheres
cuja
violência
tem
sido
estampada
com
dados
es
tatísticos
,
diariamente
,
na
mídia
.
Para
isso,
a
ado
ção
de
ações
mais
duras,
como
aque
las
que
se
estabel
ecem
para
outros
signos
da
difer
ença
assinal
ados
anterior
-
192
mente,
p
assam
a
vi
gorar,
e,
na
c
onjuntura
política
at
ual,
g
anhar
am
um
conto
rno
mais
assustad
or.
Nesse
sentido,
chega
-
se
a
aven
tar
a
possibilida
de
do
retorno
das
instituições
asi
lares
,
em
termos
de
políticas
de
saúde
mental
e,
em
termos
an
álogos
,
do
retorno
d
as
classes
especiais
nas
escolas
regul
ares,
em
termos
de
Educação
Especia
l,
ao
se
propor
uma
saíd
a
da
cham
ada
perspectiva
inclusiva,
com
vis
tas
a
conter
esses
excessos,
apoian
do
-
se
em
tec
nologias
e
saber
es
suposta
mente
mais
modern
os.
Nesses
casos,
essa
s
medidas
macropolítica
s
,
em
termos
estatais
,
favorece
riam,
na
esfera
p
rivad
a,
tanto
os
oligopólios
hospitalar
es
e
escol
ares,
que
se
afirmaram
como
empresa
s
par
a
a
qual
a
lo
ucura
e
a
deficiência
seriam,
respectivame
nte,
um
negóc
io
lucrativo
e
um
desn
ecessári
o
investiment
o
de
alto
risco
–
n
uma
cl
ara
opção
de
i
sol
amen
to
–
quanto
a
família
ou
cuidadore
s
,
os
quais
,
por
mais
compreensível
que
s
eja
esse
gesto
–
não
e
stariam
dispostos
a
arcar
com
o
ônus
dessa
con
vivência
familiar,
terceiriza
ndo
os
cuidados
para
com
os
doe
ntes
menta
is
e
as
pessoas
c
om
deficiência.
São
essas
estratégia
s
q
ue
imobilizam
a
fr
atura
fundament
al
b
iopolítica
na
atuali
dade
e,
de
ssa
maneira
,
em
termos
macropolít
icos,
o
Gover
no
Federal
apenas
cumpriria
a
sua
fu
nção
de
oferecer
segurança
a
essas
pessoas
e
às
sua
s
famílias,
investindo
recursos
públicos
n
aquelas
empresas
pri
vadas
para
su
bsidiar
e
sse
auxílio
e
se
livrando
desse
gasto
considerado
excessivo
para
um
Estad
o
que
de
veria
ser
mínimo.
Ao
eximir
de
responsabili
dade
esse
m
esmo
Estado
,
com
i
sso,
deixaria
à
própria
sorte
essas
pessoas
e
ao
jogo
de
merc
ado
a
definiçã
o
de
regras,
de
tecnolog
ias
e
de
lan
ces
para
seu
s
cuidados,
preferenc
ialmente,
f
azen
do
dessas
vidas
pa
rte
de
uma
disputa
para
até
onde
suportam
e
perm
item
o
aband
ono,
e
xplorando
ao
máximo
sua
193
precar
iedade,
sua
fragilidade
e
sua
despotencializaçã
o.
A
pergun
ta
que
se
pode
faze
r
,
à
luz
des
sa
interpretaçã
o
,
é
a
seguinte:
afinal
,
que
ameaça
repres
enta
a
heterotopia
dos
corpos
defici
entes
e
as
suas
form
as
co
muns
de
vida
par
a
um
sistema
tão
rac
ion
alme
nte
blindado
e,
em
termos
biopolíticos
,
com
tantos
disposit
ivos
de
reg
ulação
da
vida?
Es
sa
questão
é
simila
r
à
enunciada
por
Peter
Paul
Pe
lbart
(2007), o
qual,
após
argume
ntar
q
ue
a
vid
a
foi
levada
ao
e
xtremo
,
ao
ser
re
duzida
à
mera
so
brevivên
cia,
visl
umbra
na
imanência
q
ue
escapole
ao
s
imperativos
do
biopoder
reinante
e
no
s
corpos
que
a
comportam
alg
uma
potência
capaz
de
tran
sbordá
-
lo:
uma
espécie
de
biopot
ência
que
resi
ste
e
ticame
nt
e
e
se
insurge
politica
mente
co
ntr
a
essa
atual
config
uração
da
biopolít
ica.
Pelbart
se
i
nd
ag
a
,
se
um
corpo
é
poder
de
se
r
afetado
,
como
e
ntão
preservar
e
ssa
capaci
dade
de
afecção
,
sen
ão
atrav
és
[...]
de
uma
certa
fra
queza
:
“[...]
como
te
r
a
forç
a
de
estar
à
altura
de
sua
própria
fraquez
a,
ao
invés
de
permanecer
na
fraqueza
de
cultivar
ape
n
as
a
fo
rça?”
(
PELB
ART
, 2007,
p.
69).
É
essa
i
ndagaç
ão
absurda
que
tem
f
eito
com
que
se
encontre
na
fraqueza
dos
corpos
deficientes
e
de
suas
form
as
comuns
de
vida
uma
biopotência
a
ser
cultivada.
É
ela
ta
mbém
que,
uma
vez
posta
em
circul
ação,
nos
faz
perc
eber
ne
sses
corpos
e
formas
comuns
a
possibilida
de
de
p
rodução
de
agen
ciam
entos
capaz
es
de
no
s
mobilizar
,
p
ara
que
revejamos
n
ossa
in
serção
no
jogo
do
biopoder
,
instigando
-
nos
a
uma
inflexão
éti
ca
e,
ao
mesmo
tempo,
a
um
posiciona
mento
político.
Esse
tem
si
do
um
movim
en
to
necessário
para
se
en
focar
as
linhas
q
ue
desenham
outro
p
aradigma
de
inclusão
ou,
co
mo
suge
rido
mais
radicalmente
por
Carl
os
Skliar
(2003),
sequer
continuar
falan
do
sob
re
inclusão,
q
uem
sabe
,
para
perceber
194
melhor
o
que
se
p
assa
cono
sco,
no
encontro
com
a
positividade
e
a
potencialida
de
que
se
materia
lizam
ne
sses
modos
de
existência,
com
esses
corpos
deficie
ntes
e
as
fo
rmas
que
assume
m
n
um
corpo
com
um
que
destoa
do
so
cia
l
ou
do
co
rpo
-
espécie
so
br
e
o
qual
a
gove
rnamen
alização
estatal
pretende
governar
biopoliticame
nte
a
populaçã
o.
É
um
paradigma
q
ue,
an
tes
de
se
foc
ar
na
força
autos
s
upe
radora
da
defici
ência
ou
na
sua
exemplaridade
,
enquant
o
proce
sso
de
subjetivaç
ão
que
reitera
certa
tenacidade
moral
para
torn
ar
os
corpos
produtivos,
advoga
um
a
rel
ação
da
alteridade
com
esse
outre
m,
com
o
que
tra
z
de
potente
em
relação
,
não
à
fo
rça
que
cultiva,
mas
à
s
ua
fragilida
de.
É
essa
f
ragilida
de
que
lhe
pro
duz
uma
singularid
ade
ou
uma
dife
ren
ça
no
enc
ontr
o
c
onosco
,
que,
ao
não
ser
julgad
a
previament
e
co
mo
negat
iva,
pode
produzir
c
erta
familiar
idade
em
razão
da
própria
fraqueza
de
nossas
forças,
de
n
ossos
déficits
e
da
nec
essidade
de
termos
que
aprend
er
a
con
viver
com
a
nossa
fragilidade.
Esse
é
um
de
vir
comum
ent
re
a
biopotência
desses
corpos
,
instaurad
o
no
enc
ontro
com
nosso
s
corpos
,
os
quais
,
por
mais
in
certo
s
e
imprec
iso
s
que
sejam,
produz
em
si
gnos
a
partir
de
se
u
acontecime
nto,
que
permanece
m
aind
a
pouco
decifrados,
pensa
dos
e
vistos
,
no
â
mbito
das
pesquisas
em
di
versos
campos
discipli
nares.
Não
se
trat
a
de
postular
,
c
om
base
n
a
composição
da
ciência
com
a
arte
e
a
filosofia,
um
no
vo
para
digma
inte
rdisciplinar
para
abordar
o
ass
unto
,
embora
também
julguemos
a
carência
dessa
condição.
Afinal,
co
mo
explicita
do
anterior
mente,
estamos
entend
endo
a
noção
de
para
digma
de
maneira
um
pouco
difer
ente
da
filosofia
da
ciência,
ma
is
próximo
ao
modo
como
Agambe
n
(2009) o
compre
endeu.
Ao
contrário
de
ssa
compreens
ão
mais
restr
ita,
nest
a
, a
195
atitude
investi
gativa
em
que
se
dispõe
m
essas
f
ormas
de
apre
ndizado
ético
inspira
c
erto
cuidado,
pois,
como
suge
re
novamente
A
ga
m
ben
(2007),
por
vezes
i
sso
implica
pr
ofanar
um
terreno,
en
quadrá
-
lo,
regulamen
tá
-
lo,
aind
a
que
em
termos
de
elabor
ação,
ret
irando
de
si
sua
potência
do
encon
tro
com
os
corpos
e
corroborando
para
a
despotencia
lização
de
suas
formas
comuns
de
vida
na
escola.
Por
i
sso,
entend
emos
que
essa
é
uma
co
ndiç
ão
delicada
e
que
represen
ta
um
desafi
o
maior,
talvez
até
a
adoção
do
impera
tivo
ético
da
indignidad
e
de
falar
pelo
outro
,
nos
termos
enu
nciados
por
F
oucault
(2004).
Nes
se
caso
de
falar
pelas
pessoas
com
deficiência
ou,
quan
do
elas
est
ão
impossibil
itadas,
pelos
se
us
f
amiliar
es
e
amigos
mais
próximos,
mais
do
que
um
procedimento
cien
tífi
co
objeti
vo,
p
are
ce
ser
uma
defesa
subjet
iva
,
p
ara
que
os
pesqu
isadores
que
se
colocam
em
seu
lugar
de
fala
não
se
desloq
uem
em
relação
à
sua
identidade
e
tenh
am
apazi
guadas
suas
consciências.
É
nec
essário
,
para
mud
ar
e
ssa
atitude
,
nos
dispormos
a
tentar
e
ntrar
n
essa
experiência
que
no
s
desloca
,
a
recon
hecer
honesta
mente
os
limit
es
do
s
conc
eito
s,
procedi
mentos
e
técnicas
de
que
nos
apropr
iamos
,
p
ara
abord
á
-
lo,
sejam
eles
filosófic
os,
sejam
cie
ntíficos
e
a
rtísticos
,
e,
ao
tra
tá
-
lo,
antes
de
fazê
-
lo
empirica
mente,
co
mo
um
processo
mesmo
de
experim
entação,
em
que
o
principal
ex
peri
mento
somo
s
nós
mesmos,
privilegia
r
nossos
processos
de
subjet
ivação,
nos
quais
o
que
importa
,
estilist
icamente,
não
é
a
ferramenta
utilizada
,
m
as
seu
result
ado
o
u,
melhor
seria
dize
r,
o
p
roduto
de
seu
en
saio
.
Nesse
sentido,
mais
do
que
criticar
os
limites
do
parad
igma
científico
da
inclusã
o
no
qual
se
apoiaram
as
Políticas
Incl
usivas
e
ntre
seus
fluxo
s
e
refluxo
s
,
à
luz
dos
desafios
ético
-
polític
os
assinal
ados,
é
preciso
re
ver
as
estratégia
s
dos
campos
de
saberes
e
técnicas
q
ue
196
legitimara
m
suas
a
ções,
inclu
sive
aquel
as
que
se
postul
am
no
presente
e
visam
a
dissolver
a
sua
perspectiva
inclus
iva.
Se
áreas
como
a
Educação
Espe
cial
resp
aldaram
a
sua
constituição
num
esforço
em
fazer
com
que
a
Educ
ação
abarca
sse
uma
perspectiva
inclusiva
,
ela
também
re
correu
ao
s
recurso
s
científicos
e
técnicos
mais
especiali
zados
,
rest
ringindo
-
se
ao
público
atendido
sob
a
den
ominação
p
essoas
com
deficiência.
Isso
carac
teriza
q
ue,
também,
desenvo
lveu
um
tipo
de
circun
scrição
dos
corpos
e
das
form
as
comuns
de
vid
a,
anteriorment
e
menc
ionadas,
a
um
olh
ar
recheado
de
signos
e
de
conceitos,
tal
co
mo
exposto
ne
ste
capítulo
,
desenv
olvidos
por
aquela
área
,
ao
lon
go
de
déc
adas.
Não
obstante
tod
o
o
acúmulo
havid
o
n
esse
campo
,
de
sde
finais
de
1990
26
,
as
su
as
concepç
ões
f
oram
de
termi
nan
tes
na
elabo
ração
d
essas
políticas
inclusiv
as
e
em
sua
implementaçã
o.
Não
apen
as
porq
ue
,
co
m
elas
,
se
p
rocurou
con
struir
um
metadiscur
so
capaz
de
f
undamen
tar
práticas
de
en
sino
e
tecnolog
ias
em
curso
de
elabo
ração,
nem
sempre
afin
ada
ou
comprometida
com
ele,
co
mo
26
Podem
os
enfatiz
ar
a
imp
ortâ
ncia
que
t
eve,
no
âm
bito
de
suas
pesquisas,
a
aprox
imação
de
perspectivas
a
ntropol
ógicas
,
co
mo
as
de
Gilberto
Vel
ho
(2003),
para
destacar
as
variáveis
culturai
s
da
de
ficiên
cia
e
mini
mizar
suas
dete
rminaç
ões
biologi
zante
s.
Al
go
análogo
ocorreu
também
com
a
apropri
ação
de
f
onte
s
sociol
ógicas
,
com
o
as
de
Erving
Goffman
(1988),
e,
m
a
is
recentemente,
as
dos
teóri
cos
i
ngleses
dos
Desabilities
Studies
,
nos
term
os
sugeridos
por
Gusta
vo
Martins
Piccolo
(2014),
a
f
im
de
compreender
sociol
ogicame
nte
as
representações
socia
is
e
a
dime
nsão
s
ociop
olítica
da
d
eficiên
cia.
No
camp
o
da
psic
olog
ia,
destaca
mos
a
cent
ralidade
de
trabalhos
como
os
de
L
ígia
Amaral
(1998)
e,
ma
is
recentes,
por
certa
leitur
a
da
p
sicolog
ia
hist
órico
-
cultural,
par
a
ampliar
as
fon
tes
da
p
sicolog
ia
compor
tamen
tal
e
para
fun
dame
ntar
o
pa
radigma
de
in
clus
ão
em
curs
o.
Isto
,
sem
conta
r
todo
o
alerta
sobre
a
armadilha
que
seria
apoiá
-
l
o,
numa
promessa
que
traria
consig
o
a
sua
face
excludente,
nos
te
rmos
assinalados,
dentre
outros
,
p
or
Carlo
s
Skliar
(
2001,
2003)
.
197
também,
mesmo
com
suas
va
riadas
referências
te
óricas,
pers
istiu
numa
postura
hie
rárquica
e
especializa
da,
q
uase
sem
c
ontar
,
em
sua
construção
,
com a
participaçã
o
dos
inte
ressados,
ou
se
ja,
das
próprias
pessoas
co
m
deficiência
ou,
na
impossibilida
de
de
se
manifestarem
,
de
seus
familiar
es
e
a
migos
.
Salvo
como
objetos
de
suas
pesquisas
ou
como
sujeito
s
empíricos
,
em
boa
parte
das
produ
ções
desse
campo,
esses
últimos
rarame
nte
foram
vistos
co
mo
at
ores
das
políticas
públicas
para
o
setor
ou,
então,
como
partíci
pes
ativ
os
das
mesmas,
ficando
a
sua
el
aboraç
ão
e
desenvolvim
ento
por
conta
dos
especialista
s.
Talve
z
vigo
rasse
nesse
par
adigma
científic
o
,
no
qual
se
apoi
aram
as
políticas
de
inclusão
educ
acion
al
impleme
ntadas
,
um
a
percepção
de
que
,
co
mo
part
e
de
um
sen
so
co
mum
,
pouc
o
te
riam
a
opinar,
desc
onsidera
ndo
que
não
est
ávamos
tratando
de
um
a
comunidade
científica,
mas
de
uma
disputa
política
e
de
uma
comunidade
q
ue
pro
cura
se
inserir
na
esf
era
pública
e
influenciar
as
políticas
públicas
re
ivin
dicada
s
por
e
la.
Ou,
na
pio
r
das
hipóteses,
vigo
rasse
n
esse
campo,
co
ntraditoriam
ente
ao
discurso
da
inclusão
e
das
cap
acidad
es
das
pessoas
com
defi
ciências
para
assumire
m
uma
vida
qualificada,
também
uma
preconcepção
de
que
são
como
sujeito
s,
pré
-condicionando
o
se
u
lugar
de
e
nunci
ação
ou
de
expre
ssão
a
um
lug
ar
do
qual
,
embora
ocupem,
n
ão
podem
falar
por
si.
Nesse
sentido
,
foram
visto
s
somente
como
inform
antes
dos
si
gnos
decifrados
pelos
cie
ntist
as
ou,
no
limite,
pela
n
ormaliz
ação
em
curso
pretendida
também
por
seus
fa
miliares
e
amigos,
quando
se
deparam
com
uma
limitação
intra
nsponível.
O
que
no
s
parece
cont
unden
te
,
porém,
é
que
a
sua
fragilida
de,
onde
a
sua
potência
poderia
se
r
visl
umbrada,
foi
a
198
primeira
a
ser
ignorada
nos
seis
últimos
anos,
co
m
os
discurso
s
em
circul
ação
e
hegemônicos
na
pasta
do
Ministério
da
Ed
ucação
.
Ao
contrári
o
disso,
nos
discursos
em
cir
culação
n
essa
past
a
,
s
ão
reafi
rmadas
as
teses
obje
tivas
de
suas
ações
,
neutral
izando
qualquer
politizaçã
o
p
ossível
e
as
sinalan
do
a
iniquidade
de
qualqu
er
metadiscu
rso
que
postul
e
a
perspectiva
inclusiva,
em
razão
de
sua
suposta
carg
a
ideológica
,
vista
como
alheia
aos
pa
râmetros
cie
ntíficos
da
racion
alid
ade
emprega
da.
Além
de
co
rroborar
a
r
acion
alidad
e
econômica
do
neoliberalis
mo
e
radicaliza
r
o
seu
apo
io
em
critérios
aind
a
mais
objetivis
tas
,
se
m
se
perguntar
pelos
f
ins
de
ssa
recon
figuração
biopolítica,
essa
p
ostura
advém
de
uma
tendência
já
encontr
ada
em
ci
rculação
no
pró
prio
camp
o
e,
mesmo,
na
defesa
de
certa
perspectiva
de
Educação
I
nclusiva,
vista
com
o
universa
lmente
justa,
mas
isenta
de
colora
ções
ideológicas
ou
de
posicioname
ntos
políticos.
Este
é o
aspecto
a
ser
prob
lematizad
o
,
na
segunda
par
te
des
te
livro
,
poi
s
evid
encia
uma
das
razões
pelas
quais
os
sa
beres
e
técnicas
que
prod
uz
são
utilizada
s
pelos
órgãos
executor
es
de
ssa
política
e
inadvertida
mente
aprop
riada
pelos
profissiona
is
que
atuam
n
esse
campo,
se
m
as
devidas
críticas
e
proposta
s
para
seu
r
eord
enam
ento
geral,
mant
endo
intacta
boa
parte
d
as
ações
que
pr
escrev
e.
Isso
ocorre
porque
e
ssa
perspectiva
de
inclusão
se
asse
nta
numa
epist
e
me
,
a
qual
,
ao
regular
seus
sabere
s,
ignora
suas
relaç
ões
com
o
poder
e
minimiza
a
sua
t
ransvers
alid
ade
,
tanto
no
currí
culo
escolar
qu
anto
n
as
áreas
de
conhecim
ento
que
o
com
preendem.
Se
as
r
elações
de
poder
pouco
são
observad
as
, n
as
políticas
de
educaç
ão
inclusiv
a
,
essa
transversal
idade
é
r
econh
ecida,
o
que
se
poderia
in
fer
ir
que,
para
tanto,
ao
meno
s
a
multi
e
a
199
interdisc
iplinaridad
e
,
requeri
das
p
ara
tal
propósito
,
deve
riam
ser
levad
as
em
cont
a
,
amplia
ndo
as
suas
mar
gens
para
d
ar
conta
de
se
us
objetos,
problema
s
ou,
mesmo,
reformular
suas
concepções
de
sujeito
s
e
de
métodos
p
ara
suas
pe
squisas.
Di
ferentemente
disso
,
parec
e
que
a
ár
ea
po
uco
caminhou
nesse
sentido
de
ampliar
suas
margens
de
inte
rface
com
out
ros
campos
do
conhe
cime
nto
científico,
da
filosofia
e
das
art
es.
Mui
to
pouco
também
promo
veu,
com
a
aprop
riação
de
metodolo
gias
de
outros
campos
ou
criad
as
p
ara
tal,
uma
maior
circ
ulação
dos
discurso
s
enunciad
os,
dos
relatos
de
experiência
e
dos
testemu
nhos
das
pessoas
com
deficiência
ou,
na
impossibi
lidade,
de
seu
s
familiares
e
amig
os
a
pr
opósito
do
que
pensam,
imaginam,
deseja
m,
creem
ou
sentem,
diante
dos
m
und
os
que
habitam.
Segura
mente,
essa
atitude
ge
ral
,
juntame
nte
co
m
uma
compreensã
o
da
inc
lusão
como
alg
o
q
ue
se
d
esti
na
a
outras
diferenças
,
a
um
c
or
po
comum
que
a
lmeja
f
azer
parte
do
gov
erno
biop
olítico
da
populaçã
o
e
n
ão
somente
de
sua
fa
ce
tanato
política
,
nos
termos
expre
sso
s
nest
e
capítulo,
a
uxiliaria
a
ampliar
o
campo
de
percepçã
o
e
de
inteligibilida
de
acerca
de
suas
de
mandas
.
Possibilitaria
também
facult
ar
às
pes
quisas
,
nessa
área
,
sair
de
um
registro
em
que
as
pesso
as
com
deficiência
são
t
ratadas
como
meros
objet
os,
informantes
ou
sujeito
s
passi
vos
de
protocolos
científ
icos,
para
emergirem
na
cena
como
atores
.
Permitiria,
com
i
sso,
i
gual
men
te
uma
dimensão
um
pouco
mais
próxima
ao
real
a
respeito
de
suas
relações
com
as
diferen
tes
forma
s
de
in
cl
usão
,
de
como
os
seus
co
rpos
nelas
tra
nsitam
e
formam
modos
co
m
uns
de
vida
,
em
instituiç
ões
como
a
escola,
dent
re
o
utras,
após
a
implementa
ção
das
política
s
dest
inadas
às
pessoas
com
de
ficiência.
Dessa
maneira
,
poderiam
oferecer
o
ut
ro
200
po
nto
de
vista
p
ara
aval
iar
e
stas
ú
ltimas,
e
ma
is
preciso
,
porque
decorren
te
do
público
a
quem
se
destinam
e
visto
do
in
terior
dos
dispositiv
os
inst
aurados.
To
davia,
poucos
estudos
f
oram
elaborados
nessa
direção,
embora
os
q
ue
para
aí
con
fluíram
trouxeram
re
sultados
bastan
te
significativ
os.
Em
um
de
sses
estudos
,
Ana
Cristina
Boher
Gilbert
(2012)
nos
ajuda
a
compreender
c
erta
semiologia
dos
discursos
propagados
por
livro
s
escritos
e
filmes
p
reparados
por
pais
de
p
essoas
com
deficiência,
assim
c
omo
slogans
em
cir
culação
na
própri
a
imprensa
acerca
de
um
sentido
para
sua
eve
ntual
inclusão.
Em
o
utro
estud
o,
Ign
ácio
Calderón
Almendros
(2014),
ao
an
alisar
a
trajet
ória
de
seu
irmão
Rafae
l,
sugere
que
outro
pa
radigma
de
inclu
são
teria
s
ido
encontr
ado
por
ele
,
na
mú
sica,
ou
seja,
em
uma
arte
que
requer
uma
forma
de
aprend
izado
e
de
h
armoni
zação
dos
contrapontos
,
de
maneira
bastante
particular
.
Por
su
a
vez
,
n
ossas
pesquisa
s
utilizar
am
as
c
rôn
icas
de
Elian
e
Brum
(2006),
para
evidenciar
um
paradigma
de
in
clusã
o
que
se
dá
pelo
gesto
e
pe
lo
ol
har,
isto
é,
num
plano
estético
no
qual
a
relação
com
as
pesso
as
co
m
deficiência
ocorre
e
n
um
trab
alho
etopoiético
sobre
si,
assim
como,
num
pla
no
biopo
lí
tico
,
em
que
os
c
orpos
deficientes
e
suas
f
ormas
co
muns
de
vida
são
atraves
sados
por
signos
outros,
que
os
contex
tualizam
numa
re
alidade
sociocultural
como
a
bras
ileira.
S
ão
esses
signos
que
os
impregnam
e
que
co
nferem a
esse
s
corpos
e
fo
rmas
c
o
mun
s
de
vida,
na
co
njuntura
at
ual,
a
potência
de
serem
vistos
como
um
a
ameaça
política.
Assim
s
ão
as
lutas
travada
s
para
capt
urá
-
los
e
seus
esc
apes,
no
pl
ano
pré
-
discursivo
ou
no
de
uma
semiótica
a-
significant
e,
a
qual
nos
faz
encontr
ar
n
es
sas
linhas
de
fuga
um
des
locamento
de
um
paradigm
a
científico
sobre
o
qual
a
inclus
ão
201
vem
se
ndo
governa
da
para
uma
esfera
ou
um
paradigma
estético,
onde
a
sua
emergência
acontece
provisoriame
nte
na,
co
m
a
e
pela
diferença
com
outrem.
Sob
tal
paradigma
,
se
ria
p
ossíve
l
apreender
a
imanência
de
ssas
vidas,
m
apear
o
mo
do
c
omo
se
encontram
e,
ao
se
depar
arem
com
uma
singularidade
outra
–
uma
vez
afetad
as
–,
se
us
respectivos
deslocame
ntos
e
processos
de
subje
tivação
.
O
que
se
postula,
por
consegui
nte
,
de
um
mo
do
mais
modesto
ao
desloc
amento
proposto
por
F
élix
Guattari
,
em
uma
entrevista,
qu
ando
sug
ere
que
a
psicaná
lise
passe
de
um
paradigma
científico
p
ara
um
paradigma
estético,
é
apree
nder
“[...]
essa
dimensão,
a
mais
próxima
da
criativid
ade,
a
mais
próxima
de
um
desenvol
vimento
de
linha
s
narrati
vas
de
cons
truções
formais
que
per
mitem
cartografar
uma
subjetiv
idade
que
não
está
já
ai
,
mas
que
e
st
a
já
ai
n
um
moviment
o
de
devir
.” (
GU
ATTARI
, 2010,
p.
8).
Aquém
de
um
métod
o
car
tog
ráfico e
mais
próximo
ao
modo
como
a
étic
a
da
amizade
atualizou
a
estética
da
existê
ncia
foucaultiana
(
PAGNI
,
2016,
2018),
vimos
nos
ace
rcand
o
de
o
utr
a
con
figu
ração
metodol
ógica
,
no
sentid
o
de
ssa
compreensão
da
imanência
dos
corpos
def
icientes
e
de
suas
f
ormas
comuns
de
vida,
compreendend
o
que,
em
muitos
casos,
há
a
emergência
de
o
utro
paradigma
da
inclusão
já
em
curso
,
na
escola,
relatad
o
por
muitos
c
olegas
e
amigos
de
pessoas
com
def
iciê
ncia.
Afinal,
apó
s
de
z
ano
s
de
sua
presença
nessa
instituiçã
o,
e
las
colo
cam
em
cir
culação
relatos
so
bre
os
aprendizados
éticos
com
essa
a
mizade,
o
devi
r
c
omum
deficiente
que
produze
m
e
a
importânc
ia
em
conviv
er
com
os
próprios
déficits,
sugerin
do
um
camp
o
de
formação
subjetiva
e
de
resistê
n
cia.
202
O
problema
é
que
rarame
nte
s
ão
vistos
e,
quan
do
o
são,
se
torn
am
objetos
de
uma
cam
panha
difamat
ória
e
do
ódio,
co
mo
a
que
se
vê
na
atu
alidade
,
ou,
c
om
justifica
tiva
em
cert
as
especia
lidades,
se
afirma
que
emergem
paralela
mente
à
escola
,
n
ão
l
hes
dizendo
respeito
,
porque
n
ão
se
r
eferem
à
aquisiçã
o
de
conhecime
ntos
pela
qual
e
ssa
instituiçã
o
e
se
u
c
urrículo
são
respon
sáveis,
tampouco
ao
trabalh
o
de
acompan
hamen
to
especializa
do,
psicológic
o
ou
psicopedag
ógico
que
a
fav
oreceria.
Assim,
deveriam
ser
consider
ados
como
restos
que
não
ca
bem
em
nossos
c
ampo
s
de
especializa
ção,
sendo
ignorados
em
sua
potência
presente
no
campo
de
fo
rmação
ético
-
subjetiva
e
de
resistên
cia,
já
que
,
no
limite,
são
vistos
co
mo
form
as
de
sociabilid
ade
ou
de
subje
tivação
que
ext
rapolam
o
almejado
pelas
artes
de
governo,
pelas
especialida
des
curricul
ares
ou
atividades
escolar
es.
Temos
defendido
que
esse
é
um
campo
ao
qual
a
Filosofia
da
Educação
deve
ria
est
ar
at
ent
a
e
i
ntervir
,
conjunta
mente
com
out
ras
áreas
da
Edu
cação,
das
Ciências
Human
as
e
das
Artes.
Pensamos
também
que
essa
ação
multidisc
iplinar
permitiria
aind
a
que
os
filtros
das
pessoas
com
deficiên
cias
se
amplie
m
,
de
mod
o
a
abran
ger
a
multiplicida
de
de
seus
signos
e
de
tratá
-
la
s
como
pessoas,
co
mo
qualquer
um,
sem
a
necessida
de
de
um
tratame
nto
diferencia
do,
o
u,
melhor
seri
a
dizer,
com
um
modo
de
t
ratar
a
todos
diferent
emente
,
conforme
as
suas
singularida
des.
Isso
implica
sai
r
de
um
registr
o
discipli
nar
para
atuar
de
outr
a
maneira
,
com
o
utras
estratégias
e
composição
de
saberes
e
técnicas.
Dessa
forma,
não
se
trata
de
uma
disputa
pe
lo
território
a
ser
map
eado,
tampouco
prescindir
do
apoio
de
outras
áre
as
,
como
a
Educação
Especial,
mas
de
realizar
conju
ntament
e
um
p
rocesso
de
rec
ompor
os
sabe
res,
desterritorializa
r
203
campos
,
p
ara
que
se
possa
ver
emer
gir
novas
f
ronteiras
e,
sobretu
do,
mudar
as
relações
de
poder
que
os
fixam,
est
agnan
do
sua
transitiv
idade
ent
re
a
vida
e a
escola.
Para
isso,
necessitamos
ir
al
ém
de
t
ratar
esses
corpos
deficientes
co
mo
restos
de
no
sso
saber
e
ver
suas
f
orm
as
co
muns
de
vida
com
o
limitantes
de
nosso
poder
,
na
escola.
Ne
sse
sentido,
precisamos
aprender
a
tratá
-
los
como
biopotênc
ias
,
co
rrendo
o
ri
sco
do
que
i
sso
signif
ica
e
do
que
agenciam
em
cada
um
de
nó
s
,
no
tempo
present
e.
204
205
PA
R
T
E
I
I
206
207
C
A
P
Í
T
U
LO
4
Do
biopoder
à
biopotência:
o
ing
overnável
e a
radical
idade
ontológica
da
def
iciênc
ia
Toute
institutio
n
impose
à
not
re
corps,
même
dans
ses
structures
involonta
ires,
une
sér
ie
de
modèl
es,
et
donne
à
notre
intelli
gence
un
savoir,
une
possibi
lité
de
prév
ision
comme
de
projet.
No
us
retrou
vons
la
con
clusion
suivan
te:
L’homme
n’a
p
as
d’in
stin
cts,
il
fait
d
es
instituti
ons.
L’homme
est
un
animal
en
trai
n
de
dépouiller
l’
espèce.
Aussi,
l’inst
inct
traduirait
-
il
les
urgenc
es
de
l’anima
l,
et
l’institu
tion,
l
es
exigen
ces
de
l’ho
mme:
l’
urg
enc
e
de
la
faim
devi
ent
chez
l’homme
r
evendic
ation
d’avoir
du
p
ain.
Finalemen
t,
le
problème
de
l’instinc
t
et
de
l’in
stitut
ion
s
era
saisi,
à
son
point
le
plus
ai
gu
,
non
pas
dans
l
es
«
soci
étés
»
animales,
mais
d
ans
l
es
rappo
rts
de
l’
animal
et
de
l’homme,
quand
l
es
exig
ences
de
l’
homme
po
rtent
sur
l’animal
en
intégrant
cel
ui
-
ci
dans
des
institutio
ns
(to
témisme
et
domestica
tion),
q
uand
les
u
rgences
de
l’animal
rencontr
ent
l’
homme,
s
oit
pour
le
f
uir
ou
l’
attaquer,
s
oit
po
ur
en
attendre
nourritur
e
et
protectio
n.
(D
ELEUZ
E,
1955,
p.
XI)
.
27
27
Na
traduçã
o
brasi
leira:
“Não
há
t
endências
sociais,
mas
somente
mei
os
sociais
de
satisfazer
as
tendências,
meios
que
são
origin
ais
porq
ue
são
s
ociais
.
Toda
insti
tuição
impõe
a
nosso
corp
o,
mes
mo
em
suas
estru
turas
invol
untá
rias,
uma
série
de
208
Es
sa
conclusão
da
apre
sent
ação
de
Gilles
Deleu
ze
à
coleção
Texts
e
document
s
philosophics
,
org
anizada
por
Geor
ges
Cangui
lhem,
em
1955,
pare
ce
aglutin
ar
os
problemas
em
to
rno
dos
quais
uma
série
de
estudos
f
oram
desenv
olvidos
,
nos
anos
de
1960
e
1970,
send
o
signos
de
uma
época
que
ainda
n
ão
se
find
ou.
Gilles
Deleuze
e
Fél
ix
Gua
tt
ari
(2004)
re
tom
aram
a
temática
,
em
O
A
nti
-
Édipo
,
publicado
em
1973.
Certos
f
ilósof
os
,
como
Jean
-
Franço
is
Lyot
ard
(1981,
1990),
vi
ram
n
esse
de
b
ate
a
poss
ibilidade
da
elab
oração
de
uma
economia
po
lítica
libidinal,
problematiza
ndo
os
dispositivos
q
ue
a
empreend
em,
enqu
anto
out
ros,
com
o
Mi
chel
Foucault
(1988),
mesmo
sem
propor
algo
dessa
n
atureza,
teve
a
respeit
o
da
qu
estão
da
erótica
e
dos
dispositiv
os
de
sexual
idade
o
centr
o
orbita
l
de
sua
obra
–
se
o
considera
rmos
no
g
iro
que
deu
,
em
se
u
projeto
,
a
partir
da
publicaç
ão
dos
volume
s
da
Históri
a
da
Sexu
alidade
,
algo
que
vinha
ensai
ando
desde
seus
cursos
sob
re
o
tema,
publ
icados
postumame
nte.
Tendo
em
vista
esse
cont
exto
filosófico francês,
em
que
maio
de
1968
te
ve
um
papel
históric
o
decisiv
o,
essa
aprese
ntação
de
Deleuz
e
soa
como
um
pren
úncio
,
e
a
con
clusão
a
que
chega
sobre
o
modo
c
omo
o
in
stin
to
é
maquinado
pela
in
stitu
ição
re
ssoa
como
o
model
os
e,
dá
à
nossa
in
telig
ência
um
sab
er,
uma
p
ossib
ilida
de
de
previsão,
assim
como
de
pr
ojeto.
Nós
reencontramos
a
c
onclu
são
seguinte:
o
home
m
não
te
m
instint
o,
el
e
faz
insti
tuiçõe
s.
O
home
m
é
um
an
imal
se
despoja
ndo
da
espécie.
Assim,
o
in
stin
to
tr
ad
uziria
as
urgên
cias
a
nimais
e
a
instit
uiçã
o
as
urgências
do
homem:
a
urgê
ncia
da
fome
to
rna
-
se
no
homem
a
reivin
dicação
de
ter
pão.
Fina
lmente
o
probl
ema
do
ins
tinto
e
das
institui
ções
será
apren
dido,
em
seu
ponto
mais
agudo,
não
nas
“soc
iedades”
a
nimais
,
mas
nas
relações
do
animal
e
do
h
omem,
quando
as
exigências
do
homem
incidem
s
obre
o
a
nimal
integrando
-o
em
insti
tuições
(t
otemis
mo
e
dome
sticaçã
o),
qua
ndo
as
urgências
do
an
imal
encontram
o
home
m,
seja
par
a
dele
f
ugir
ou
atacá
-
lo,
seja
par
a
de
le
esperar
a
limento
ou
proteçã
o.”
(DELEU
ZE,
2005,
p.
137,
grifos
no
origin
al).
209
emblema
de
uma
geração
de
intelectua
is
so
bre
os
quais
Georges
Canguil
hem
tev
e
gran
de
influência,
juntamente
com
Georges
Bataille
e
Maurice
Blanchot
.
É
como
se
essa
geração
tive
sse
legado
àquela
uma
heran
ça,
rev
italizada
a
partir
dos
acontec
imentos
históricos
de
1968
e
da
in
qui
etude
d
essa
geração
de
intelectu
ais
france
ses,
os
qua
is
firmar
am
em
se
u
horizonte
o
problema
político
de
que
qualquer
alternativ
a
para
os
impass
es
do
capitalism
o,
no
período,
passaria
necessa
riamente
p
elo
ensai
o
de
novos
process
os
de
subje
tivação
que
escapasse
m
às
suas
ama
rras
e
capt
uras.
A
ssume
m
,
para
tanto
,
reacender
o
deb
ate
sobre
a
vicissitu
de
instintual,
as
sua
s
tendências
em
al
cançar
o
prazer
ou
a
sat
isfação
do
dese
jo
como
meio
de
li
beração
da
fixidez
da
subjetivida
de
c
onstruída
pelos
jogos
de
poder
instituídos
por
esse
mo
do
de
produç
ão
e
a
possibilidade
de
romperem
as
minas
postas
pelos
agencia
mentos
instituc
ionais,
como
móveis
de
uma
intensa
luta
para
a
con
secução
daq
uelas
tendências,
a
re
forma
e
a
transf
ormação
dessas
mesmas
instituiçõ
es.
A
questão
que
se
discute
nest
e
capítul
o
é
a
de
sab
er
em
q
ue
medida
essa
e
quação
entr
e
as
instituições
e
os
insti
ntos
foi
se
torna
ndo
uma
zona
indiscerníve
l,
a
ponto
de
o
hom
em
não
fazer
in
st
ituição,
mas
se
r
usado
por
ela
,
p
ara
manipular
as
suas
tendências
e
colocar
os
instintos
no
ce
nt
ro
dos
jogo
s
de
p
oder
instituídos
,
principa
lmente
em
sua
possí
vel
gestão.
A
instituiç
ão
faz
isso
,
ao
dei
xar
de
regular
a
existência
singular
daqueles
q
ue
a
h
abitam
,
como
n
orm
a
p
ara
imperar
sobre
ela
como
uma
le
i,
pa
rticulariza
ndo
-a
e
individu
alizando
-a
como
uma
totalidade
a
ser
en
carnad
a
e
produzir
o
autoc
ontrole
necessário
para
af
astar
os
excessos
instintua
is
e
reduzi
r
a
emergência
de
tendências
contrasta
ntes
às
me
dianas.
210
Por
seu
turn
o,
os
instinto
s
n
ão
satisfeit
os
por
essa
r
egulaç
ão
instituci
onal,
ne
m
pelo
autocontrole
impos
to
ao
corpo
si
ngular,
parecem
ser
mobilizados
por
tendência
s
comuns,
algumas
vezes,
para
destruir
a
tudo
que
represente
alg
um
es
tranh
amen
to
a
esse
eu
totalizad
o,
alimentando
o
ódio
cont
ra
o
outro
e
ao
q
ue
afe
te
essa
individuali
zação,
(re)pro
duzindo
a
sua
estratificaçã
o,
a
fi
xação
de
seus
fluxos
e
a
limitação
de
sua
economia
libidina
l.
Raramen
te,
esses
instintos
se
re
únem
p
ara
c
riar
ou
p
ara
fo
rçar
a
cr
iação
de
espaços
outros
na
instituiç
ão,
dando
lug
ar
ao
estr
anho,
ao
diferenciado
e
ao
que
excede
a
regulação
de
seus
fluxo
s,
potencializando,
em
vez
d
as
existência
s
sing
ulares,
pr
ocessos
de
subjetivação
que
r
eorgani
zam
suas
forças
em
to
rno
de
ten
dência
s
com
uns.
Al
iás,
e
sses
tendent
es
desvios
comuns
e
os
excess
os
instit
uais
de
existência
s
singulares
são
vistos
pela
instituição
e
por
toda
a
ma
quinaria
coletiva
q
ue
a
compreend
e
com
o
uma
ame
aça
a
ser
e
vit
ada
e
co
mo
um
acon
tecimento
cujo
planejame
nto
poderia
preve
nir,
dirigindo
a
sua
f
orça
desregulador
a
para
um
fim
permitido
e
para
práticas
que
neutraliza
ssem
seus
efeitos
de
poder,
mantend
o
intacta
a
hi
erarquia
e a
dominaçã
o
existentes.
Nesse
registr
o,
a
f
orça
destruti
va
dos
i
nst
intos
gera
uma
zona
de
risco
para
o
c
orpo
q
ue
singularmente
se
desvi
a
de
seu
enquadra
mento
institucio
nal
e
de
um
padrão
soc
ial
,
u
ma
zona
na
qual
o
que
se
supõ
e
útil
socialmente
e
gover
nável
emerge
co
mo
uma
força
ingovernável,
desen
cadead
a
por
uma
pot
ê
n
cia
inconsc
iente
aind
a
n
ão
capturad
a
ou,
que
m
sabe,
incapturá
vel.
É
essa
força
que
irrompe
n
uma
sé
rie
f
ragment
ada
de
aconteci
mentos
históricos
,
que
den
otam
uma
cr
ise
de
governamenta
lidade
que
nos
intere
ssa
discutir
aqui,
juntamente
com
essa
potência
de
di
ferenc
iação
que
re
percute
nos
corpos
ditos
desviantes.
Afinal,
a
h
ipó
tese
d
este
capítulo
é
a
de
211
que
aí
par
ece
ser
po
ssível
encontrar
um
indício
afe
tivo
e
um
terreno
estético
de
emergê
ncia
dessa
fo
rç
a,
onde
a
inteligibilida
de
das
aç
ões
individuais
destoa
das
reações
específica
s
produzid
as
pelas
tendências
comuns
lançad
as
sobre
es
se
organismo
e
onde
a
consciê
ncia
de
seu
sentido
soc
ial
é
subs
tituída
pela
comunhão
múltipla
e
caótica
resulta
nte
dos
encontr
os
dos
corpos
heterotóp
icos
que
h
abitam
a
instituição.
Uma
vez
cir
cunscri
to
o
terreno
e
os
pon
tos
de
irrupção
o
nde
emergem
,
pa
rece
ser
possível
no
s
encontr
armos
com
a
in
umanidad
e
da
e
ducação,
q
uando
focamos
esse
campo.
Afinal,
como
sugere
Lyot
ard,
“tod
a
e
ducação
é
in
umana”,
se
con
siderarmos
as
contradiçõ
es,
jogos
de
poder
e
terror,
mesmo
a
referen
te
à
“‘
boa
maneira
’
de
educ
ar
as
crianças”,
o
que,
por
um
lado
,
ge
ra
certa
melancolia
,
e,
por
outro,
faz
surg
ir
uma
“fo
rça
inumana
desregu
ladora”
(1997,
p.
12).
É
desse
po
nto
de
vista
que,
especific
amente,
gostar
ia
de
situar
esse
ingovernáv
el
da
deficiência,
dest
acando
a
sua
radic
alidade
on
toló
gica
e
os
devir
es
clandestinos
que
nutrem
essa
força
inumana
desregula
dora
e
compõe
m
suas
fo
rmas
de
subjet
ivação.
Para
i
sso,
vamo
s
estabelecer
uma
inte
rloc
ução
com
a
obra
de
Mich
e
l
Foucault
e
al
guns
de
seus
intérpret
es
e
críticos
,
de
sorte
a
situar
melhor
esse
prob
lema,
sobretudo
fren
te
aos
dispositiv
os
de
inclusã
o
ins
titucional
izados,
em
pa
rticular,
nas
escolas,
utiliza
ndo
-
os
como
exemplo
d
aquela
cap
tura
do
prazer
em
co
ncorrência
com
outras
fo
rmas
de
comunhã
o
e
de
(bio)potência
de
ssas
form
as
de
existência
ditas
defic
ientes
.
212
4.1
O
i
ngove
rnáve
l
da
deficiência,
s
ua
r
adic
alidade
ont
ológ
ica
e
se
us
de
vir
es
com
uns
No
livro
Socie
dade
ingo
vernável
,
Grég
oire
Chamay
ou
(2020,
p.
22)
argume
nta
que
,
d
ifer
ente
men
te
da
governa
mentalida
de
,
que
designa
“[...]
uma
disposiç
ão
interna
ao
o
bjeto
de
ser
co
nduzido,
sua
propensã
o
a
de
ixar
-
se
dirigi
r,
a
docilidade
ou
a
ductil
idade
dos
governad
os”,
a
ingovern
abilidade
se
caracter
iza
co
mo
“[...]
uma
contra
dispo
sição
indomá
vel,
um
espírito
de
insubo
rdin
ação,
uma
recusa
de
ser
governado”
de
de
term
inad
a
form
a.
Nada
de
novo
,
se
levarmos
em
c
onta
as
consideraç
ões
de
Michel
Foucaul
t
(1997)
sobr
e
a
crítica
e
a
governamentaliz
ação.
A
novidade
assin
alada
por
es
se
autor,
contudo,
é o
f
ato
de
compreender
essa
ingovernabi
lidade
co
mo
“uma
situação
hipotética
”,
“uma
conjun
tura”
que
poderia
result
ar
“[...]
de
uma
disf
unção
ou
da
falência
do
ap
arelho
gover
namental,
mes
mo
que
os
gover
nos
se
mostrem
dóceis
.”
(CHAMAY
OU,
2020,
p.
22-23).
Isso
significa
identificá
-
la
como
um
“fenôm
eno
de
para
lisia
instit
ucional”,
o
qual
pode
resultar,
por
ex
emplo,
de
inúmera
s
c
ausas,
dentre
el
as
de
um
moviment
o
de
d
esobediên
cia
civil.
Arg
umenta
Chamayou
(2020,
p.
23):
De
modo
esquemáti
co,
a
cri
se
de
governabilidade
pod
e
ter
duas
gra
nde
s
pola
ridades:
a
de
bai
xo,
do
s
gove
rnados,
e
a
de
c
ima,
dos
governantes
;
e
duas
gr
an
des
modal
idades:
a
revolta
ou
a
pa
ral
is
aç
ão,
g
overn
ados
reb
eldes
ou
governantes
impotentes
–
e
ambos
os
asp
ect
os
p
od
em
evid
entemente
se
co
mbinar.
Lênin
teorizava
que
apen
as
quando
“os
‘de
baixo’
não
quer
em
e
os
‘de
c
ima’
não
213
pod
em
continuar
vi
vend
o
da
f
orma
antiga”
a
“cris
e
governamental
”
é
capaz
de
se
tran
sform
ar
em
cr
ise
revoluci
onária.
A
asp
iração
d
esse
auto
r
pare
ce
ser
a
do
despertar
dessa
cri
se
revoluci
onária.
Para
Foucault,
s
egundo
Chamay
ou
(2020,
p.
23-24),
a
crise
da
governamentalida
de
não
se
tratar
ia
somente
de
uma
“re
volta
das
con
dutas”,
como
também
de
um
“
blo
que
io
”
do
“dispositiv
o
geral
de
go
vernam
entalid
ade”,
ocasi
onad
o
por
razões
endóg
enas,
irredutí
veis
às
crises
econômicas
do
capitalismo,
ai
nda
q
ue
a
e
las
articula
do.
De
acordo
com
ele,
Foucault
teria
vislu
mbrado
que
o
que
estaria
“[...]
prestes
a
ser
bloqueado
era
a
‘
art
e
libera
l
de
governar
’,
que
não
d
eve
ser
en
tend
ida
(ser
ia
um
an
acron
ismo)
c
omo
o
neoliberalis
mo
no
pod
er,
mas
como
aquilo
que
,
no
“liber
alismo
embutido”
,
ch
amam
de
um
a
forma
de
compr
omisso
in
stáv
el
como
resultado
da
asso
ciação
ent
re
economia
de
merc
ado
e
intervenci
onismo
k
eynesia
no.
”
(CHAMAYOU,
2020,
p.
24).
A
diferença
seria
a
de
que
,
ao
fazer
i
sso,
o
filósofo
francês
teria
perspectiva
do,
com
o
bloqu
eio
do
dispositivo
da
“arte
liberal
de
govern
o”,
re
arranjos
significativ
os.
Desse
po
nto
de
vista,
a
sociedade
seria
ingovernável
,
não
em
si,
m
as
na
form
a
com
o
a
queremos
governar
,
atu
almente,
o
que
implicaria
concluir
que
não
haveria
ingovernab
ilidade
ab
soluta,
somente
relati
va,
sendo
n
essa
di
feren
ça
que
resi
de
o
objeto
e
o
d
esa
fi
o
constitutivo
de
tod
a
arte
de
go
vernar.
Não
é
à
toa
que
situa
esse
aut
or
a
explosão
d
essa
ingovernab
ilidade
a
partir
de
maio
de
1968
com
os
movimentos
q
ue
de
lá
para
cá
estimula
ram
lutas
identitárias
ascend
entes,
assim
como
lutas
transversais
(com
alian
ças
ou
não
),
apresentan
do
-
se
com
o
moviment
os
múltipl
os
da
sociedade
civil,
d
ecorrente
s
de
embates
214
locais
e
suscitad
ores
de
devires
minoritários,
cont
ra
os
qua
is
,
por
sua
vez,
se
pro
duziram
fo
rmas
globais
de
governament
alidad
es
re
ativas,
com
vista
s
a
co
ntê
-
l
os,
integrá
-
los
ou
incl
uí
-
los
como
parte
da
repartiçã
o
do
governo
biopolítico
da
população
.
Não
obstante
essa
esquematiza
ção
geral
acerca
do
que
se
p
ode
chamar
de
cri
se
de
go
ve
rnamentalidad
e
das
instituiç
ões
–
em
gran
de
medida
,
porque
os
ins
tintos
múltiplos
e
os
agencia
mentos
das
fo
rças
inum
anas
desregulador
as
se
insurg
em
inadvertida
mente
con
tra
os
dispositiv
os
nela
i
nstaurad
os
–,
é
po
ssível
,
no
projeto
fi
losófico
de
cada
um
de
sses
filósofos
,
encontrarmos
elementos
para
p
ensar
a
ingovername
ntalidad
e
desses
corpos
,
no
âmbito
não
somente
do
corpo
-
espécie
ou
da
biopolí
tica
da
popula
ção,
como
também
no
individual
ou
no
de
sua
anáto
mo
-
polític
a,
nos
ter
mos
an
alisado
s
na
primeira
parte
d
este
l
ivro
.
Se
e
sse
f
oco
na
bio
polí
tica
da
populaçã
o
nos
permit
iu
com
preend
er
a
enverg
adura
das
form
as
de
governam
entalida
de
desc
endente,
dos
agencia
mentos
cole
tivos
e,
conseque
ntement
e,
dos
efeitos
de
poder
sob
re
os
processos
de
subjet
ivação,
prova
velmente,
esse
vislumb
re
dos
des
vios
nos
ajudaria
a
pen
sar
nas
re
sistênci
as
desses
corpos
a
dispositivos
disciplina
res,
de
normalizaçã
o,
de
segurança
e
de
inclusão
q
ue
articulam
essa
micropolít
ica
com
aquela
macropolítica
.
Muitas
vezes,
esse
alinhamento
e
articul
ação
dos
dispositivos
provoca
m,
para
além
do
agen
ciamen
to
de
poder
e
de
governam
entalida
de
necessário
ao
maquinismo
social,
fo
rma
s
de
domin
ação
e
promove
m
tendênc
ias
de
vida
fascista
s,
ocorrentes
na
existência
ordinária
e
no
mundo
comum,
as
qua
is
impreg
nam
nossas
prática
s,
ges
tos
e
hábi
tos
,
tor
nando
-
os
opera
ntes,
naturali
zados
e,
por
vezes,
obscuros,
por
mais
normalizados
q
ue
possam
parece
r.
Nesse
215
esquadro
teórico,
pare
ce
ser
oportu
no
retoma
r
a
di
scussão
acerc
a
de
como
se
poder
ia
passar
do
biopoder
para
uma
anál
ise
da
biopotênc
ia
desses
corpos
heterotópicos
denominados
deficiências
,
q
ue
compõe
m,
junta
mente
com
out
r
as
diferença
s,
o
que
ch
amamo
s
de
corpo
comum
,
isto
é,
um
co
rp
o
que
,
d
ist
inta
mente
do
corp
o
-
espéc
ie
ou
da
popula
ção
go
vernável
atual
,
com
o
uma
so
mbra
popular,
um
povo
q
ue
fal
ta,
cujos
devi
res
margeiam,
af
ro
nt
am
e
h
abitam
a
biopolít
ica.
O
que
sign
ificaria
le
var
em
conta
,
todavia,
a
(bio)pote
ncialidade
desses
se
res,
a
ingoverna
bilidad
e
desse
s
corp
os
que
trazem
inscritos
esses
déficits
e,
de
ce
rto
modo,
uma
(de?)on
tologia
dessa
deficiência,
que
for
çam
nas
rel
ações
com
outros,
na
medida
em
que
out
rem
não
e
steja
fechado
a
isso,
um
ol
har
para
devires
minoritár
ios
q
ue
também
são
seus?
Para
responder
parcia
lmente
a
essa
pergunta,
teríamos
de
ultrapassar
o
projeto
foucau
ltiano,
uma
vez
q
ue
n
ão
dari
a
conta
de
respond
er
a
e
ssa
questão
específica,
c
aminhan
do
,
na
sequência
,
com
alg
umas
reflexões
q
ue
vimos
fazend
o
co
m
Catherine
Malabou
(2014)
e
os
“
mil
platôs
”
de
Gilles
Deleuz
e
e
Fe
lix
Guattari
(2012)
so
bre
a
radic
alidad
e
ontológica
da
deficiência.
Devemos
pen
sar
a
de
ficiência
n
ão
enqua
nto
um
est
ado
de
anorm
alidad
e
ou
um
registro
so
cial
q
ue
predet
ermina
o
julgamen
to
negativo
dessa
designação,
mas
co
mo
os
efeitos
de
uma
fo
rça
desregu
ladora
que
se
inscrevem
no
corpo.
Tais
e
feitos
podem
se
singulariza
r
,
em
função
não
som
ente
de
parâme
tros
biológicos
de
normalidade,
da
reg
ulação
de
uma
mecânica
i
nstintua
l
e
da
predet
erminaçã
o
de
uma
eco
nom
ia
do
prazer,
p
orém,
do
acide
nte
que
o
atravessa,
da
in
operância
de
se
u
maquinismo
e
da
recriaç
ão
de
o
utra
216
forma
de
subje
tivação
em
que
a
dinâmica
libidinal
ocorre
,
por
me
io
da
interposição
de
sua
face
energética
à
mecânica
instituída
.
Ao
ser
pen
sada
dessa
f
orma,
segundo
um
paradigma
estético
e
uma
economia
do
p
razer,
a
deficiência
é
um
m
odo
de
existência
cujo
proce
sso
de
subje
tivação
se
compõe
po
r
mú
ltiplo
s
d
evires
,
como
quaisqu
er
o
utros.
Cont
udo,
esses
devire
s
são
agenciados
majorita
riamente
em
t
orno
d
esse
se
u
sig
no
–
que
lhe
é
atribuído
e
q
ue
o
desi
gna
socialmente
–,
mas
que
,
em
sua
singular
idade,
se
integra
com
o
utros
d
evires
minoritá
rios
(e
majoritários
)
qu
e
o
at
ravessam,
configuran
do
uma
linha
clandestina
do
s
corpos
q
ue
os
enc
arnam
e
dos
seres
que
os
potenciali
zam
, como
forma
de
vida
que
se
afirma
na,
com a e
pela
dife
rença.
É
e
ssa
diferença
particular
,
que,
como
o
ut
ra
qualq
uer,
perturba
pela
dife
renciação
suscitad
a
e
pel
a
revolta
dos
devire
s
alhe
ios
que
provoca
,
em
seus
eventuai
s
encontr
os.
Esses
últimos
pod
em
ou
não
se
tornar
um
aconte
cimen
to
,
tanto
para
outrem
quanto
para
essa
forma
de
subjeti
vação
que
produz,
dependen
do
do
cont
exto,
da
abertura
do
tecido
soci
al
e
da
percepçã
o
p
ara
seu
aco
lhim
ento
por
esse
outro
e
do
trabal
ho
é
tico
de
si
,
de
sua
exp
ressão
e
de
potencial
idade
de
afecção
.
No
caso
específico
dessa
dife
renciação
,
o
que
se
po
de
di
zer
é
q
ue,
an
tes
de
ser
um
e
stad
o
de
anomalia
que
se
at
ribui
a
qualquer
um
,
a
partir
de
um
diagnóstico
médico
-
psi
quiátric
o
ou
um
estigma
que
se
co
la
ao
seu
corp
o
por
ultrapassar
o
desvio
-
p
adrão,
a
sua
relação
com o
ac
iden
te
praticame
nte
a
dem
arca
de
maneira
decisiv
a.
Referim
o
-
nos
aqui
aos
efeitos
que
o
acidente
c
ausa
sobr
e
esse
corpo
com
o
qual
se
faz
coinci
dir
e
ssa
des
ignaç
ão
de
deficiente,
em
razão
de
suas
deformações
fenotípicas
,
de
suas
disfunções
orgân
icas,
de
seus
desvios
instintuais
,
que
o
t
orn
am
di
fere
nci
ad
o
,
se
com
parado
217
à
mé
dia
dos
demais
indivíduos,
sem
c
onta
r
a
sua
enigmática
economia
do
prazer
,
que
e
scapa
àquela
controladamente
instituída
.
Nesse
corpo
sing
ular
se
inscreve
m
e
sses
efeitos
pro
vocados
por
e
ssa
força
alheia
à
von
tade
individual
ou
ao
que
classificamos
modernam
ente
de
s
ujeito
,
po
r
se
r
motivada
por
acontecim
entos
históric
os
trauma
tizantes
o
u,
mesmo,
po
r
acide
ntes
em
seu
sentid
o
ontoló
gico.
Para
Catherine
Malabou,
esses
“[...]
acontecimentos
sã
o
puras
forças
que
golpeiam,
dilaceram
e
furam
a
contin
uida
de
subjet
iva,
não
autoriza
ndo
nenhuma
just
ific
ação
ou
retomada
da
psique
.”
(2014,
p.
29-30).
Decorrent
es
de
acidades
,
eles
produziriam
uma
p
lastic
idade
destru
tiva
,
como
um
princípio
de
não
adap
tação
orgânica
.
Tal
plasticida
de
implica
ria
a
“[...]
possibilida
de
de
mu
dar
de
identidade
por
destrui
ção,
a
possibili
dade
da
metamorfose
aniquil
adora”,
pois
“[...]
n
ão
aparece
co
mo
um
a
virtualidade
constante
do
ser,
inscrita
ne
le
a
título
de
eventua
lidade,
compreendida
em
seu
sentid
o
biológico
e
ontológ
ico
.”
(
MALABOU,
2014,
p.
30).
Ao
c
ontrário
disso,
a
dest
ruição
ense
jada
por
essa
plasticidade
“perm
anece
um
acide
nte”,
como
uma
“propriedad
e
da
espécie”
que
inscreve
a
destruição
como
possível,
em
uma
e
strutura
existencial,
não
reduzin
do
a
um
acaso
p
ara
a
sua
ocorrência,
tampouco
a
algo
que
possa
ser
previsto
por
alg
um
es
tatuto.
A
on
tol
ogia
do
acid
ente
é
como
“uma
lei
lógica
e
biológi
ca”,
m
as
que
“[...]
n
ão
se
permite
antecipar
nada
sobre
seus
pr
óprios
casos”,
somente
sen
do
surpreendida
por
el
es
e
pelo
acontec
imento
da
de
struição
co
mo
seu
efeit
o
possíve
l
–
n
ão
nece
ssário
–
sobre
uma
existência
(MALABO
U,
2014,
p.
30).
É
de
ssa
maneira
que
a
pl
asticidade
destr
utiva
pro
voca
existencialme
nte
certa
explosão
da
identida
de
e
um
esfacelame
nto
da
subj
etividade.
Afinal,
218
essa
fo
rça
de
destruição
repe
rcute
so
bre
o
co
rpo
e
di
lace
ra
a
existência,
a
ponto
de
fr
agmentá
-
la
e
de
o
indivíduo
não
mais
se
reconhecer
nela
ou
somente
reconhecê-
la
parcialment
e,
como
assinalad
o
por
Pagni
(2019a).
Malabo
u
(2014,
p.
14)
argumenta
q
ue
“[...]
o
fenôm
eno
da
plasticida
de
patológica
,
de
uma
plasticidade
que
n
ão
con
serta”,
n
em
adapta
o
organismo
a
sua
nova
f
orma,
“[...]
corta
o
fio
da
vida
em
dois,
ou
em
vários
segmentos
que
não
reencont
rarão
mai
s”,
exigindo
uma
fenomenol
ogia
própria
a
se
r
decodifi
cada
e
escrita.
É
ess
a
fenomen
ologia
q
ue
a
filósofa francesa
procura
ret
ratar
,
ao
considera
r
algum
as
transfor
mações
ocorridas
na
identidade
subjet
iva
,
em
casos
de
pacientes
com
Alzheimer,
dando
visibilidade
às
su
as
linhas
de
deriva,
embora
sem
se
report
ar
diretamente
às
cur
vas
enunciativa
s
e
aos
processos
de
subjet
ivação
propriame
nte
dit
os
– como
talvez
fosse
mais
adequado
a
uma
carto
grafia.
De
qualquer
fo
rma,
e
ssas
linhas
s
eriam
gerida
s,
antes
do
que
pela
astúcia,
estrat
agemas
ou
máscaras
tipológicas
,
por
uma
ontologia
e
uma
clandestinidade
existencial
que
tornaria
irrecon
hecíve
is
tais
sujeito
s
para
si
mesmo
s,
já
que
sua
escultura
interior
,
moldada
não
em
sua
ap
arênc
ia
e
xterna,
mas
pelos
sinais
da
fo
rça
da
plastic
idade
destru
tiva
para
a
q
ual
não
há
saíd
a,
salvo
acei
tar
a
t
ransformaç
ão
que
provoca
sobre
o
corpo.
Dessa
f
orma,
a
pl
asticida
de
de
strutiv
a
“[...]
torna
possí
vel
a
apari
ção
ou
a
for
mação
da
alteridade
lá
on
de
o
o
ut
ro
falta
absolu
tamente”
(MALABO
U,
2014,
p.
17),
uma
vez
que
,
par
a
tais
pac
ientes
,
só
é
p
ossível
buscar
uma
forma
de
fuga
,
contornand
o
a
identidade
que
os
desert
ou
,
deixando
-
os
à
deriva
com
o
indivíduos.
Essa
de
riva
não
decorre
de
uma
interdição
dos
instintos
ou
pel
o
bloqueio
de
seus
fluxo
s
ou
tendências
,
at
ravés
de
disposit
ivos
que
219
os
org
anizam
e
os
dirigem
no
ambien
te
instituc
ional,
para
u
sar
express
ões
de
F
oucault
(1990).
Tampouco
é
produzida
por
alguma
máquina
abstrata
de
rostidade,
nos
termos
lit
erais
de
Deleuz
e
e
Guattar
i
(2004).
Trata
-
se
de
uma
forç
a
de
strutiva
com
a
qual
e
sses
corpos
arcam,
constituindo
os
seus
órgão
s
ou
sua
reorganizaçã
o,
até
com
certa
sabedor
ia
corpórea
,
por
assi
m
dizer,
que
se,
por
um
lado
,
limita
o
seu
emparelham
ento
a
uma
mecânica
instintua
l
ou
a
uma
economia
lib
idinal
prévia,
por
outro,
cria
artesan
almen
te
um
maquinismo
inconsciente
sin
gular,
d
ist
into
do
conhec
ido
como
norm
al
e
provo
cativo
de
su
a
re
gulação
maquínica
coletiva
praticada
pela
institu
ição.
Aquele
maquinis
mo
nem
sempre
é
visível
pela
instituiç
ão,
entretanto,
é
comum
que
nel
a,
ao
aglutinar
as
d
ife
renças
em
t
o
rno
do
vazio
co
m
que
pratica
e
ssa
forma
de
alteridade,
haja
a
reun
ião
de
devires
clandesti
nos
ao
red
or
de
c
erta
intercon
exão,
se
m
qualquer
comu
nicação
(GIL,
2019).
É
precis
o
destacar
que
os
efeitos
de
-
formativos
,
defeitos
funcionais
e
desvios
instintuais
provoca
dos
por
essa
fo
rça
sobre
o
co
rpo
e
que
ne
le
se
inscrev
em
– e
não
apenas
sob
a
superfíc
ie
da
pele
–
co
nstituem
um
a
form
a
de
alterida
de
com
o
acident
e,
isto
é,
com
esse
outro
de
si
que
falt
a,
q
ue
esfacela
qualquer
identidade
e
que
faz
com
que
esses
cor
pos
se
t
ornem
irre
conhecíveis
para
si
m
esmos.
Essa
forma
ímpar
de
alteridad
e
dos
pa
cientes
com
Alzh
eim
er
,
salientada
por
Mal
abou
(2012),
pare
ce
ser
familiar
à
con
vivência
com
os
efeitos
c
ausados
pelos
seus
acident
es
e
produtor
es
de
déficits
em
suas
form
as
de
vida
ou
os
mod
os
de
exis
tência
de
nominados
deficientes.
Difer
entemente
de
um
est
ado
de
registro
méd
ico
do
qual
não
e
scapam
,
por
sua
cond
ição
de
inscriçã
o,
desse
po
nto
de
vista
,
é
220
essa
con
vivência
co
m
os
efeitos
do
s
acidentes
sob
re
o
cor
po
q
ue
demar
ca
esses
modos
de
e
xistência,
sendo
o
enc
ontro
com
tais
ef
eitos
um
primeir
o
indício
da
possibilidade
de
seu
corpo
defo
rmado,
disfuncio
nal,
em
déficit,
se
tor
nar
p
ara
si
um
acontecimen
to
.
Assim,
escapam
a
um
a
c
ondi
ção
de
regi
stro
(m
édica,
antropol
ógica,
sociológica
)
,
para
se
constitu
ir
num
campo
de
inscrição
do
acontecime
nto,
da
diferença
que
pro
duz
em
e
d
as
fo
rças
desregu
ladoras
q
ue
exprimem,
evide
nciando
por
esse
prisma
sua
potência
,
ne
m
sempre
con
vertida
em
at
o,
mas
sempre
uma
p
ulsação
da
bíos
.
Por
essa
razão,
a
co
nvivência
com
esses
efeitos
se
torn
a
constitu
tivo
desse
m
odo
de
ser
e
se
apres
enta
com
o
uma
das
condições
do
humano
,
similarme
nte
a
outras
,
como
as
r
elaci
onadas
à
fragilidade
e
à
finitude
do
homem,
porém,
despertando
-
as
para
sua
inumanidad
e
e
p
ara
os
devire
s
outro
s
co
muns.
Nisso
co
nsiste
a
sua
radical
idade
ontoló
gica,
pois,
na
medida
em
que
esses
seus
efeitos
suscitam
altera
ções
d
emand
adas
tanto
pela
institu
ição
quan
to
pelo
instint
o,
ela
constitu
i
uma
experiê
ncia
com
uma
fo
rça
destrutiva
produzida
por
uma
relação
on
tológica
cuja
localizaç
ão,
previsão
e
racio
nalid
ade
ou
regularid
ade
são
imprevisív
eis
para
a
existência.
Essa
radic
alidade
ontoló
gica
que
o
acidente
p
ro
voca,
nos
modos
de
existência
em
ge
ral,
conforme
pensamos
,
assume
uma
con
figuração
ímpar
em
re
lação
às
form
as
de
vida
cujo
sign
o
da
de
ficiência
se
sobreleva
,
dando
co
rpo
a
um
devir
minoritário
–
o
dos
déficits
–,
em
detr
imen
to
de
outr
os
(
ligados
ao
s
gênero,
à
sex
uali
dade,
às
condições
de
vulne
rabilidade
ou
étnico
-
raciais,
de
ntre
outras,
igualmente
minoritár
ios).
Se,
por
um
lado,
t
al
rad
icali
dade
produz
um
déficit
ontológico,
nos
te
rmos
anteriorm
ente
men
cion
ados,
por
outro
,
ela
de
marc
a
um
a
singular
221
subjet
ivação.
Por
mais
que
se
te
nte
c
apturar
essa
fo
rma
de
subjet
ivação.
instituciona
lmente,
mobili
zando
par
a
tanto
os
saberes
médico
-
psiqu
iátricos
,
suas
tecnologias
ou,
mesmo,
dispositiv
os
mais
complex
os
para
corresp
ond
ê-
la
a
um
“ser
menos”,
es
ses
corpos
foge
m
a
essa
cap
tura,
qu
ase
como
uma
co
ndi
ção
exis
tencial
de
suas
tendênc
ias
insti
ntuais,
sem
síntese
prévia,
talvez,
so
men
te
a
posteri
ori
e,
em
geral,
em
afron
ta
ao
instituído.
Este
,
a
nosso
ver
,
é o
impasse
do
co
rpo
,
em
q
ue
se
enfatiza
o
sign
o
da
deficiência
sobre
outro
s
devires
,
os
quais,
na
sua
significâ
ncia
,
não
se
de
ixa
m
capt
urar
e
se
mantêm
li
teralmente
vivo
s.
Assevera
Malabou
:
“[...] a
sí
ntese
de
uma
alma
e
de
um
co
rpo
outro
s
em
sua
própria
deserç
ão
é
ai
nda
uma
fo
rma,
um
t
odo,
um
sistema
,
algo
vi
vo
.”
(2014,
p.
22).
Essa
re
missão
ao
vi
vo
e
às
fo
rças
evoca,
segura
mente,
a
ingovern
abilidade
desse
s
modos
de
existência
,
da
circul
ação
de
seus
instintos
e
de
uma
economia
do
prazer,
q
ue
ultrapa
ssa
o
saber
biológic
o
e
as
tecnologias
do
eu,
despertando
os
devires
animais,
fême
as,
negros,
jun
tamente
com
os
deficientes
,
de
sorte
a
suscitar
em
o
utrem
um
deslocamento.
Quem
sabe
até
invoquem,
com
isso,
uma
rebelião
desses
de
vires
em
torno
do
co
rpo
deficiente,
um
a
familiarid
ade
e
um
jogo
que
afro
nta
a
monoton
ia
majoritá
ria
dos
d
evires
brancos,
máscu
los,
heteross
exuais
,
e
uropeus,
que
nos
dão
um
rost
o.
Sob
esse
asp
ecto
,
não
se
poderia
mais
se
referi
r
a
esses
devires
provoca
dos
em
redor
de
um
va
zio
co
m
o
qual
pratic
am
a
alteridad
e,
den
otadamen
te
por
sua
ausê
ncia
de
um
códi
go
prévio
qualquer
ou
de
uma
gramática
que
o
subjugue,
a
uma
rel
ação
estratific
ada
de
indivídu
o,
já
que
sequ
er
a
identidade
para
tal
se
tem
,
naqueles
corpos
acometidos
pela
fo
rça
d
estrutiva
do
acidente.
Somente
os
enc
ontros
222
desses
corpos
que
trazem
inscritos
os
efeit
os
do
s
acidentes
e
que
exprimem
a
potê
ncia
do
si
gno
da
deficiência,
d
entre
out
ros
que
os
atravess
am
e
os
quais
mobi
lizam
n
essa
rel
ação
com
outrem,
pod
eriam
agen
ciar
esse
s
devires.
Se,
desse
pon
to
de
vista,
não
se
po
de
reportar
a
uma
re
lação
individuali
zada
e
também
não
se
p
ode
aludir
a
uma
força
coletiva
,
como
pro
dução
de
uma
máquina
abstrata,
é
po
ssível
tratar
de
uma
força
d
ispersa,
caóti
ca,
que
se
re
úne
em
to
rno
do
com
um
e
dos
devires
que
comungam.
Essa
comunhão
se
dá
em
funç
ão
das
diferenças
ontoló
gicas
,
as
quais
podem
se
agluti
nar
t
anto
por
c
ritérios
identitár
ios
ou
significa
ntes,
isto
é,
dos
signos
atribuído
s
a
um
ou
outro
de
vir
minoritário
da
espécie
ou
do
povo
que
falta
–
deficie
nte,
negro,
índio,
trav
esti,
em
situação
de
vulnerabilid
ade
soci
al
ou
fragilida
de
de
qualquer
tipo
–
quanto
por
crité
rios
de
inclusão
disjuntiv
a
ou
de
ali
anças
inconfess
áveis
–
dad
a
aleatoriamen
te
pelas
lutas
transversais
de
governa
mentalida
de,
pelos
jogos
de
poder
e
pe
la
criação
de
sub
jetivações
i
nsurgentes
que
resistem
ou
produzem
linha
s
cland
estinas
às
hegemônic
as
no
ca
pitalismo.
Esses
de
vires
q
ue,
juntame
nte
com
uma
rostidade
clandesti
na,
dão
pulso
à
vid
a
po
ssuem
um
móvel
destruti
vo,
mas
que,
ao
mesmo
tempo,
desesta
biliza
e
força
outro
fluxo
em
outrem,
por
mei
o
de
uma
economia
do
prazer
de
sconhecida,
ainda
que
pe
rceb
ida
como
vital.
E,
mesmo
nesse
potenc
ial
destrutivo,
se
interpõe
à
destruição
interp
osta
pela
regulament
ação
do
sis
tema
em
seu
maquin
ismo
c
apitalista
e,
em
especial,
nas
tendências
fascistas
que
se
maquinam
com
o
neoliberalis
mo.
Essa
percepção
desa
fia
a
filosofia
a
trab
alhar
sem
a
regularid
ade
de
uma
lei,
ao
mesmo
tempo
biológica
e
ontológica
,
ou
racio
nalid
ade
p
révia,
conclam
ando
-a
a
aten
tar
a
ess
es
acidentes
,
a
os
223
efeitos
que
produze
m
ne
sses
corpos
e
aos
acont
ecimentos
resultante
s
de
seus
encontros
com
out
ros
corpos,
demandando
para
tanto
a
parceria
com
outras
artes.
Assim,
ao
me
smo
te
mpo
que
esse
mó
vel
destrut
ivo
ao
qual
a
vida
re
siste
impacta
tanto
os
fluxos
libidinais
quanto
a
sua
maqui
nação
empreendida
pelas
instituições
,
no
sentido
de
co
ordená
-
los,
dirigi
-
los
e
c
on
duzi
-
lo
s,
ele
também
desafi
a
os
corpos
a
se
encont
rarem
co
m
out
ros
,
produzin
do
um
a
biopotência
a
ampliar
a
fratura
biopolítica,
com
uma
po
stura
de
abertura
a
alian
ças
ent
re
as
diferença
s
significadas
que
a
pro
movam
,
na
criação
de
um
co
mum
por
vir.
Desafia
ain
da
p
ara
tal
a
mobilização
da
filosofia
em
al
iança
com
as
art
es,
para
al
ém
da
adoção
de
um
paradig
ma
científico
ce
go
com
re
spei
to
ao
camp
o
estético
da
emergência
do
aconteci
mento
desses
encontros
de
c
orpos
q
ue
fariam
os
de
vires
minoritários
circularem
,
afro
ntan
do
os
majoritários,
assim
como
agenciar
em
um
inconscie
nte
maquí
nico
para
o
qual
as
intensidades
do
prazer
e
os
fluxos
do
de
sejo
pote
ncializassem
a
criação
de
uma
tr
ans
-
subjet
ivação
-
comum.
4.
2 A
potência
do
re
t
ardo
de
Jou
y
e a
clan
des
t
in
idade
do
de
vir
deficiente
na
e
scol
a
Para
essa
última
possibilid
ade,
quem
sabe
,
a
deficiên
cia
como
um
si
gno
que
se
sobrelev
a
a
outras
diferença
s
se
ria
vista
,
não
para
minorizar
o
ser
por
su
a
face
i
numan
a,
todavi
a,
p
ara
se
colocar
em
face
da
encar
nação
d
esse
sig
no
como
um
a
potênc
ia
irrupt
iva
e,
portanto
,
como
í
ndi
ce
da
criaç
ão
de
modos
de
existênc
ia
out
ros
e
de
retroalim
entação
da
(
bíos
)
política.
Não
temos
condiç
ões
de
224
desenvo
lver
aqui
o
quanto
as
tecnologias
e
os
dis
positivos
de
inclus
ão
são
f
ormulados,
conjunt
ament
e
a
to
do
um
aparat
o
político,
a
f
im
de
promover
essa
maquinaç
ão
institucional
dos
instintos
e
minar
qualquer
in
surgência
de
su
as
fo
rças
in
govern
áveis,
dentre
as
quais
aquel
as
que
se
p
roduzem
na
e com a
deficiê
ncia.
Com
efeito,
e
sses
corpos
não
somente
desaf
iam
a
normalidade
reinant
e,
suas
regularid
ades,
como
também
trazem
à
luz
a
sombra
do
acid
en
te
para
os
demais,
assim
como
a
possibilidade
de
se
c
onviver
com
essa
som
bra
,
não
de
modo
somente
a
iluminá
-
la,
como
também
a
habitá
-
la
em
se
u
limiar
de
existência
e,
ao
mesmo
temp
o,
no
trabalh
o
artístic
o
de
sua
re
criação
.
Nessa
arte
,
o
material
não
seria
constitu
ído
apen
as
pe
l
os
órgãos
do
cor
po
bio
lógi
co,
tampouco
pel
a
codificação
da
m
ecânica
instin
tual,
como
também,
e
pri
ncipalmente
,
por
t
oda
um
a
economia
dos
fl
uxos
de
prazer
insubordináve
is
à
cogniçã
o
–
o
que
acarret
a
a
impossibilidade
do
retardo
, como
no
caso
de
J
ouy
,
porém,
de
compr
eender
essa
confi
guração
co
mo
um
mo
do
singular
de
vida
–,
a
uma
harmonia
orgânica
cen
trada
no
sistema
nervoso
ou
a
um
desen
ho
analítico
prévi
o
da
libido.
Sob
essa
ó
tica
,
a
in
culpab
ilidade
atribuída
a
J
ouy
,
em
razão
de
seu
retardo
,
isto
é,
ao
seu
ato
ser
inculpáve
l
,
uma
vez
que
em
seu
c
orpo
adulto
hab
ita
va
um
a
co
gnição
infantil,
se
a
retomássemos
à
g
uisa
de
conclusão,
seria
justamen
te
e
ssa
difer
ença
que
nos
inte
ressaria
como
fon
te
de
sua
po
tênc
ia
e
como
obj
eto
de
uma
carto
grafia,
assim
co
mo
fez
Ferna
nd
Delign
y
(2018),
em
sua
obra.
Quando
esse
o
utro
não
significa
o
acon
teci
men
to
que
enca
rna
diante
do
aci
den
te
sofrido,
essa
carto
grafia
pode
ajud
ar
ao
menos
aqueles
que
comunga
m
co
m
eles
devires
minoritár
ios
a
pe
rcebê-
los
co
mo
afe
cção
e
a
acol
hê
-
los
c
o
mo
uma
potência
p
ura.
De
f
at
o,
não
são
todos
os
q
ue
,
co
mo
re
tratad
o
225
por
Deleuze
(2001),
ao
anal
isar
a
obra
do
poeta
Joe
Busque
t,
enc
arnam
e
ssa
fer
ida.
Se
o
acidente
divide
a
vida
em
um
ante
s
e
um
depois,
há
p
ara
alguns
corpos
feri
das
que
nunca
se
fech
am
,
estão
a
li
como
um
sempre
acidente,
desde
o
nascimen
to,
n
ão
havendo
qualquer
out
ro
tipo
de
experimentaç
ão
da
existênci
a
,
sem
os
efeitos
deste
último.
Ou,
ain
da,
po
de
-
se
diz
er
que
há
caso
s
em
q
ue
a
vi
da
se
dá
por
ela
mesma,
com
um
a
org
anização
de
órgã
os
bastante
singular,
com
uma
mecânica
in
stin
tual
própria
e
uma
erótica
ou
econ
omia
libidinal
(in)comum,
nos
quais
ela
é
somente
experimentada
p
elo
acident
e,
não
fazen
do
del
e
experim
entação,
se
subjetivan
do
nessa
sua
forma
bruta
em
que
o
encontro
com
ela
acontecer
só
se
to
rn
a
acontecime
nto
para
esse
outro
,
jamais
para
si
ou
de
maneira
muito,
muito
particu
lar
,
para
si
próprio
.
Isso
significaria
que
esse
“em
si
”
da
deficiência
seria
ele
me
smo
insondá
vel
e,
portanto,
passíve
l
de
aproxim
ação
no
p
rocesso
de
alteridad
e
apen
as
por
um
terceiro,
por
outrem,
desde
que
e
sse
outrem
pudesse
,
por
associaç
ões
de
familiaridade
e
de
jogos
(de
linguage
m)
específic
os
,
projetar
-
se
nele
par
a
sair
de
si,
inoperosa
mente,
afetiva
mente.
Esse
nos
p
arec
e
se
r
o
gesto
éti
co
mais
importante
e
mais
genera
lizável
de
ssa
rel
ação
com
a
deficiência,
em
sua
radi
calid
ade
ontoló
gica,
ao
m
esmo
tempo
o
ato
político
mais
subversivo
a
nos
permitir
valo
rar
ne
ssas
vidas
e
corpos
que
a
encarna
m
como
um
sig
no
significáv
el
ou
não
um
pote
nci
al
de
“ser
mais”,
porque
mais
intensa
e
potente
para
a
criaç
ão
da
existênc
ia
e
par
a
liberar
sua
ingovernab
ilidade,
mesmo
em
con
text
o
como
os
atuais
,
que
a
denegam
.
Dessa
form
a,
talvez
tivéssemos
um
ho
mem
que
f
az
instituição
,
n
ão
sem
instinto,
mas
com
uma
inuman
idade
que
est
á
226
present
e
e
em
cujos
dev
ires
minoritários
se
insurgiriam
contra
a
inumanidade
do
sistema,
p
ara
usar
uma
e
xpressão
de
L
yotard
(1997),
e,
poderíamos
acrescer,
de
majo
ração
subjeti
va
q
ue
segrega
,
p
ara
eliminar
o
minoritário
em
nós,
faz
en
do
morrer
o
seu
móvel:
a
diferença
suscit
ada
pelo
aconte
ci
mento
de
seu
e
ncont
ro
e
a
percepção
aguda
de
sse
devir
clandestino
de
sua
própria
deficiência.
Nesse
caso
, a
percepção
dessa
pot
ê
n
cia
funcionaria
como
um
start
p
ara
o confronto
com
a
dispe
rsão
normativ
a
movida
por
fo
rma
s
de
govername
ntaliz
ação
neolib
eral
–
por
vezes,
até
incitadas
por
lutas
identitár
ias
–,
e
no
encontro
com
as
diferenças,
produzindo
subj
etivações
outras,
à
luz
dos
devires
que
atravessam
o
povo
que
falta
(DELEUZE,
1997).
Se
e
sses
d
evires
suger
em
uma
re
lação
de
rostidade
c
om
esse
outro,
em
busca
de
tentar
se
have
r
com
e
sses
devires,
de
sorte
a
produz
ir
uma
p
erforman
ce
q
ue
exprime
mais
um
deles
–
qual
seja,
o
mais
animalizado,
o
mais
ne
gro,
o
mais
mul
her,
o
mais
minorizado,
o
mais
deficiente,
enfim,
ou
o
m
enos
coloniza
do
do
inconscie
nte
–, o
encontro
com
eles
provoca
,
senão
uma
correção
do
déficit
ontológico,
ao
menos
uma
af
irmação
(ex
pressiva)
de
uma
existência
ímpar,
pulsante,
ontologicame
nte
marcad
a
pela
singularid
ade
e
pela
dife
ren
ça.
A
p
recarie
dade
te
m
rosto
de
mulher,
negra
e
pobr
e,
assim
como
capt
ura
esses
de
vires
que
circul
am
e
repe
rcutem
no
rosto,
em
torno
do
qu
al
se
unifica
m,
se
subordin
am
a
um
a
significância
e
subjet
ivação,
que
os
e
xclui
,
para
faze
r
prep
onde
rar
o
do
h
umano
branco,
masculino,
hetero,
de
classe
médi
a
-
alta.
Apesar
da
pressão
social
dos
moviment
os
so
ciais
e
do
s
esforços
de
algun
s
gover
nos,
no
Brasil,
essa
exclusão
produ
zida
por
uma
máquina
ab
strata
de
significâ
ncia
e
subjetivação
,
como
visto
anteri
ormente,
não
cesso
u
de
227
organ
izar
a
excl
usão
soci
al
dos
povos
negros
e
pobres,
lançan
do
-
os
às
garras
das
força
s
de
repressão
policial
e
ao
apare
lho
judiciá
rio.
Afin
al,
os
devire
s
minoritári
os
do
m
undo
são
acompanhados
pelas
investidas
neoliberais
que
empobrec
em
os
povos
e
brutali
zam
seus
inimigos
.
Desde
esse
empobrec
imento
e
brutaliz
ação,
tais
devire
s
são
frequent
emente
cap
turado
s
e
b
arrados,
na
aurora
do
florescime
nto,
submetidos
a
uma
e
ducação
do
rost
o
e
a
fo
rmas
de
seu
governo
,
em
instituiç
ões
como
a
escola.
Ante
s
disso
,
não
é
po
ssível
ignorar
o
te
rreno
de
disputa
política
e
semiológic
a
a
propósit
o
do
rosto,
c
omo
destac
am
Deleuze
e
Guattari
(2004,
p.
50):
“O
rosto
é
uma
política
.”
Essa
política
consi
ste
em
definir
os
enquadra
mentos,
a
paisag
em
e
o
rosto
a
se
r
enfocado,
produzido
social
men
te
po
r
uma
“máquina
abstrata
de
rosti
dade”,
isto
é,
por
uma
“[...]
m
áquina
que
opera
uma
rostificaçã
o
de
to
do
o
corpo,
de
suas
imediações
e
de
s
eus
objetos,
uma
paisigifica
ção
de
todo
s
os
mund
os
e
meios.
”
(D
ELEUZE;
GUATTAR
I,
2004,
p.
49).
Por
su
a
vez
,
essa
máquina
de
rostidade
efetua
“[...]
agenciamentos
de
poder
b
astante
particulares
que
impõem
a
significâ
ncia
e
a
subjet
ivação”,
funcionando
autoritária
e
despoticam
ente
na
unificação
em
to
rn
o
de
um
rost
o
e
gerando
cer
to
imperial
ismo
semio
lógico,
com
o
esmagamento
de
quaisquer
out
ros
e
se
protegendo
das
ame
aças
vind
as
de
fora.
En
fatiz
am
os
autores:
Trata
-
se
de
uma
abolição
organizad
a
do
cor
po
e
das
coordenada
s
corpora
is
p
el
as
quai
s
passavam
as
semiótica
s
po
lívoc
as
ou
multidime
nsiona
is.
Os
corp
os
se
rão
disciplin
ados,
a
corpor
eidade
ser
á
desf
eita,
promover
-
se
-á
a
caça
dos
d
evires
animais,
levar
-
se
-á
a
desterrit
orializa
ção
a
um
novo
limita
r,
já
que
se
saltará
dos
estr
atos
org
âni
cos
228
aos
es
tratos
de
sign
ificânc
ia
e
de
subjetivação.
(
DELEUZE
;
GUATTA
RI,
2004,
p.
49).
O
rost
o
se
perf
az,
assim,
como
um
port
a
-
voz
político
que
impõe
uma
det
ermin
ação,
c
açando
todos
os
demais
devire
s
n
ão
apreensíveis
pela
semi
ologia
signi
fica
nte
e
se
sobrepo
ndo
à
corporeid
ade
em
t
orn
o
da
qual
repe
rcute.
Dife
rente
men
te
do
racismo
primitivo,
no
qual
a
f
igura
do
Outro
se
vislumbra
na
figura
do
estra
ngeiro,
para
esse
s
filósofos,
o
racis
mo
europ
eu
procede
p
or
determ
inações
de
d
esvios
d
as
normalizações:
“[...]
em
função
do
Homem
Bra
nco
que
pretende
in
tegrar
em
ondas
cad
a
vez
mais
excên
tricas
e
re
tardadas
os
traço
s
que
n
ão
são
conformes
”,
seja
p
ara
tolerá
-
las
em
de
term
inad
as
condições
e
contex
tos,
seja
par
a
apag
á
-
las
diante
da
incap
acidade
de
“[...]
suport
ar
a
alteridade.
”
(DELEUZE;
GUATTAR
I,
2004,
p.
44).
O
ra,
de
sse
ponto
de
vista
raci
sta,
“[...]
não
existe
e
xterior,
não
existem
pesso
as
de
f
ora”,
mas
“[s]ó
existem
pessoas
que
deveri
am
ser
como
nó
s”,
sendo
esse
o
seu
cr
ime,
for
mado
por
c
adeias
de
significantes
simultâneas
e
escolhas
subjeti
vas
que,
ante
s
de
detecta
r
as
“par
tículas
de
um
outro”,
se
p
ropag
am
por
m
eio
de
“[...]
o
ndas
do
me
smo
at
é
a
ext
inçã
o
daquilo
que
não
se
dei
xa
identifica
r
(ou
que
só
se
deixa
identif
icar
a
partir
de
tal
ou
q
ual
desvio)
,
e,
ao
m
esmo
tempo,
a
sua
cruel
dade.”
(DEL
EUZE;
GUATTAR
I,
2004,
p.
44-45).
Para
Deleuze
e
Guattari
(2004),
esse
racismo
se
justif
icaria
em
razão
de
a
p
rodução
do
ro
st
o
ocorrer
por
me
io
de
uma
“máquina
abstrat
a”,
a
qual,
mesmo
não
f
azend
o
do
rost
o
um
uni
versal,
funcio
na
no
sen
tido
de
compreend
ê
-
lo
em
uma
or
dem
de
raz
ões
e
em
uma
cadei
a
de
significan
tes,
concer
nente,
primeiro,
à
sua
unidade
ou
o
seu
229
elemen
to
e,
segu
ndo,
ao
seu
julgamento
ou
escolh
a.
Isso
significa
admitir
que
o
ros
to
é
definido
em
fun
ção
de
uma
uni
dade
ou
de
um
elemen
to
caract
eriz
ado
po
r
uma
coisa
ou
out
ra,
biunivocame
nte
determinado
–
por
exemplo,
homem
ou
mulher,
branco
ou
negro
etc.
–,
a
partir
do
q
ual
é
fe
ita
a
escolha
po
r
um
dos
elementos
,
co
m
a
subseque
nte
ne
gação
do
outro.
Mais
do
q
ue
um
procedimento
lógico,
essa
ne
gação
pela
máquina
abst
rata
rejeita
“rostos
n
ão
-
conformes
ou
com
are
s
susp
eitos”
,
para
certos
níveis
de
e
scolhas,
enquant
o,
p
ara
todas
as
outras
que
e
scapam
à
relação
biunívoc
a,
oper
a
no
sentido
de
demar
car
os
seus
desvios
,
ontol
ogicamen
te
fal
ando.
De
ssa
form
a,
ressalt
am
os
autores,
instauram
-
se
“[...]
relações
binárias
entre
o
q
ue
é
aceito
em
uma
primeira
escolha
e
o
que
não
é
tolera
do
em
uma
segunda
,
em
uma
t
erceira
et
c.”
(
DELEUZE;
G
UATT
ARI,
2004,
p.
45).
O
exemplo
que
mencionam,
em
relação
a
travesti,
é
emblemátic
o:
“[...]
não
é
nem
um
homem
ne
m
um
a
mulhe
r”,
po
is
“[...]
a
rel
ação
binária
ent
re
o
‘não’
de
primeira
categoria
e
um
‘s
im’
de
categoria
seguinte
que
tant
o
p
ode
marc
ar
uma
tolerâ
ncia
sob
cert
as
condiç
ões
quanto
indicar
um
inimigo
que
po
de
se
abat
er
a
qualquer
preço.”
(
DELEUZE;
GU
ATTAR
I,
2004,
p.
47).
O
que
importa
,
porém,
seri
a
que
a
má
quina
abstrat
a
nos
inscreva
e
nos
reconheça
em
certos
enquadres,
detectando
nossos
desvio
s,
p
ara
que
a
máquina
de
rostidade
opere
,
de
modo
a
generaliza
r
e
o
rden
ar
n
ormalidad
es,
similarmen
te
ao
s
disposit
ivos
psiquiátric
os
de
poder
descritos
po
r
Foucault
(2010),
porém,
utilizados
c
omo
um
maquinismo
para
explo
rar
a
sua
face
política
,
em
um
sentido
ma
is
amplo.
A
sua
dimensão
e
ducacional
aparec
e,
po
r
sua
vez,
desde
o
cristia
nismo,
quand
o
o
c
ont
role
é
exe
rcido
com
respeito
ao
rosto
e
à
230
paisagem,
no
sentido
de
compô
-
los
e colocá-
los
em
uma
dada
ordem
hierárq
uica,
a
qual
exclui
o
que
não
apr
eend
e
em
seus
códigos
pré
vios
e a
um
a
raz
ão,
produzindo
uma
desterritoria
lização
absol
uta.
Até
que
po
nto
essa
edu
cação
cristã
conduziu
a
uma
pedagogia
do
rosto,
que
engessa
as
figuras
do
professor
e
do
alun
o,
restringindo
-
as
a
se
us
papéis
e
agencia
mentos
de
poder,
pare
ce
se
r
al
go
ai
nda
a
ser
discu
tido.
É
possí
vel
asse
gurar,
pelo
exposto
anter
iormente,
porém,
que
a
pedago
gia
corroborou,
no
caso
brasileiro,
não
some
nte
essa
educ
ação
do
rost
o
apo
iada
nos
operad
ores
do
maquinismo
abst
rato
da
rostidade,
co
mo
também
redun
dou
em
um
racismo,
sobretudo
no
que
tan
ge
ao
s
povos
negros
e
a
tod
as
os
devires
minoritários
que
caracte
rizam
o
po
vo
qu
e
falta
.
É
inegável,
co
mo
demonstrado
na
primeira
parte
d
este
l
ivro
,
q
ue
tais
devi
res
do
co
rpo
co
mum
de
sse
povo
foram
manipu
lados
para
produ
zir
um
dispositi
vo
de
incl
usão,
o
qual
,
quando
não
governa,
inte
grand
o
-o
à
populaçã
o,
e
xclui
e,
p
or
vezes,
mata.
Nesse
registro,
o
racis
mo
em
relaç
ão
aos
de
vires
defici
entes
opera
por
meio,
mais
do
que
da
identifica
ção
de
uma
ame
aça
por
um
proce
sso
de
seleçã
o
e
escol
ha
ale
atória,
de
um
a
conde
nação
inscrita
por
essa
máquina
abstrata
na
pele
e
num
rosto
norm
alizado,
para
não
dizer
harmonizad
o,
qu
e
encarna
não
propriament
e
uma
individualid
ade,
mas
t
oda
uma
economia
e
organi
zação
do
poder.
Essa
economia
suprime
tud
o
o
q
ue
possa
advir,
quer
do
c
orpo
heterotópic
o
,
qu
er
dos
devires
min
oritá
rios
do
p
ovo
que
fal
ta,
assim
como
os
reún
e
em
to
rno
de
um
espírito
úni
co
,
universal,
majoritá
rio,
o
qual
discrimina
tudo
o
que
dele
escapa.
Nisso
consi
ste
a
rostificação
que
estigmatiza
,
preconcebe
e
discrimina,
p
ode
ndo
até
m
atar.
Ela
“[...]
n
ão
opera
po
r
semelhança,
mas
por
ordem
de
razõe
s”,
231
consi
stindo
n
uma
op
eração
“[...]
muito
mais
incons
cient
e
e
maquínica
que
faz
passar
todo
o
cor
po
pel
a
supe
rfície
e
sburacada”,
onde
o
ro
sto
desempen
ha
um
papel
de
“[...]
sobrecodifi
cação
para
todas
as
[suas]
partes
desco
difi
cadas”,
e
não
de
image
m
ou
de
modelo
(DELEUZE;
GU
ATTARI,
2004,
p.
35).
Nesse
sistema
de
rostidade,
repercut
em
os
sign
ific
ante
s
e
as
suas
cade
ias,
resultand
o
n
um
ro
sto
que
torn
a
re
dundantes
as
red
undânc
ias
de
signific
ância
e
re
ssoa
os
embates
daquel
es
devire
s
da
subjetivida
de,
co
nstruindo
uma
lousa,
para
que
o
significante
se
inscreva,
e
esc
avando
os
buraco
s,
a
fim
de
que
a
subjetivaç
ão
o
atravesse,
não
apenas
co
mo
consciência
ou
paixão
,
m
as
também
como
força
e
desej
o,
inconsciente
e
maquinicame
nte.
É
nesse
âmbito
que
se
pod
e
aludir
a
ce
rt
a
ult
rapassage
m
da
barreira
da
rostidade
e
pensa
r
o
rost
o
para
al
ém
da
fo
rma
estanque
,
que
organiza
não
somente
o
corpo,
como
também
os
agenciame
ntos
de
poder.
E,
conclui-
se
,
provisor
iamente,
ta
mbém
em
discutir
a
possibilida
de,
se
não
de
um
a
educação
sem
ros
to,
ao
menos
de
um
a
desrostific
ação
que
p
ode
at
ravessar
o
muro
de
n
osso
r
acis
mo,
reconhec
ê
-
lo
em
f
unção
do
modo
co
mo
repe
rcute
so
bre
o
n
os
so
próprio
ros
to
e
desfigurá
-
lo,
p
ara
que
a
fo
rça
do
olh
ar
severo,
que
recrimina,
estigmatiza
,
mata
as
in
fânci
as
negras
,
deficientes,
pobres,
trans,
conju
ntament
e
ao
seu
governo
peda
gógico,
entrem
em
deri
va.
Para
tal
intento,
é
melhor
lidar
com a
sua
face
mais
inumana,
menos
codi
ficada,
mais
inconscien
te,
mais
at
inente
à
art
e
do
que
à
filosofia,
q
ue
implica
encontr
ar
,
na
superfície
desse
rosto,
de
sua
lo
usa
ou
de
seu
muro
branco
,
uma
d
eriva
obscura
e
um
dev
ir
clandes
tino,
cujas
forç
as
conduzem
a
o
utras
f
ormas
de
subje
tivação
e
a
outra
maquinar
ia
abst
rata.
Uma
vez
que
o
ro
sto
é
polític
o,
desfazer
o
rosto
232
também
o
é,
e
ncontra
ndo
en
tre
os
devire
s
com
os
quais
se
ocupa
esse
maquinismo
um
devir
clandesti
no,
o
qual
flexi
ona
o
arco,
para
q
ue
a
flecha
rompa
c
om
a
rostidade
i
nstaur
ada
e
uma
ordem
de
razão
na
qual
redun
dam
os
rac
ism
os
de
to
das
as
espécies.
Mas,
para
tanto,
é
preciso
assumir,
prudentemen
te,
os
traço
s
da
rostidade
que
pretendem
escapar
de
seu
maquinismo
abs
trato,
desfazendo
o
r
osto
inst
aurado
p
ara
“
atravess
ar
o
muro
do
significa
nte,
romper
com
o
buraco
negro
da
s
ubjeti
vidade”,
conhecendo-o
m
elho
r
e
map
eando
suas
linhas
de
fuga.
Não
se
trata
de
um
retorno
a
um
corpo
polívoco,
nem
a
devires
anim
ais
que
c
aracteri
zaram
algu
mas
for
mações
sociais
primitiva
s,
tampouco
de
uma
reterritorializa
ção
em
que
a
cabeça
volta
a
assum
ir
o
se
u
protagonismo,
n
um
co
rpo
organizado,
muito
menos
retomar
o
corpo
dos
renega
dos
como
aqueles
que
encarn
am
devire
s
minoritár
ios
e
co
rporificam
ce
rta
clandestinidade.
Ao
cont
rário
disso,
essa
fuga
pode
ser
encont
rada
no
interior
do
própr
io
rosto,
o
q
ual
apaga
suas
reminiscência
s
e
ignora
os
de
vires
nômades,
a
fim
de
se
fixar,
ag
enc
iando
toda
um
a
economia
do
poder,
mas
que
po
de
encontr
ar
no
pró
prio
inconsciente
colo
niz
ado
os
sentidos
de
sua
captura
e
de
sua
e
ventual
de
riva,
de
sua
desrostifica
ção:
É
somente
no
inter
ior
do
rosto,
do
f
undo
de
s
eu
bu
raco
negro
e
em
seu
mur
o
br
anco
que
os
tra
ços
de
rosti
dade
po
d
erã
o
s
er
liberados,
co
mo
os
pássa
ros;
não
voltar
a
u
ma
cabeça
primiti
va,
mas
inventar
as
combinaç
ões
nas
qu
a
is
esses
tr
aços
de
pais
ageidade,
eles
mesmos
libe
rado
s
da
paisagem,
com
tra
ços
de
picturalidade
,
de
mu
sica
li
dade
,
eles
mesmo
s
l
ib
erad
os
de
seu
s
respect
ivos
códi
gos.
(DELEUZ
E;
GUATT
ARI,
2004,
p.
59-60).
233
Se
a
máquina
abstr
ata
da
rostidade
fun
ciona,
desterr
ito
-
rializando
relativ
a
ou
absolutamente
a
multip
licidade
dos
devires
ao
redor
de
uma
unidade
que
a
nega,
ela
também
diag
rama
os
seus
t
raços
aind
a
n
ão
codificados,
como
um
val
or
positivo
cap
az
de
criar
novas
máquinas
,
especialm
ente
q
uando
opera
uma
verdadei
ra
“desro
stifi
cação”.
Esse
parec
e
se
r
,
também,
o
trab
alho
implícito
ao
govern
o
p
edagó
gico
das
in
fânci
as
negras
,
q
ue
far
ia
com
que
a
educaç
ão
do
rost
o
na
qual
se
apoia
e
a
rostidade
na
qual
seus
planos
se
e
fetua
m
seja
m
revista
s,
reformul
ada
s,
dando
contorn
os
a
o
utras
form
as
de
governa
mentalida
de,
c
apazes
não
de
tolerar,
nem
de
aceit
ar,
mas
de
acolher
as
in
fâncias
cujos
corpos
heterotópi
cos
se
aprese
ntam
na
escola
,
graças
às
políticas
de
inclusão
,
as
quais
,
independen
temente
dos
limites
qua
nto
aos
efeitos
do
biopoder
anteriorm
ente
an
alisado
s,
tro
uxeram
p
ara
o
in
terior
dessa
instituição
uma
potência
ímpar
,
isto
é,
uma
biopotê
ncia.
Conforme
Deleuze
e
Gua
ttari,
seria
a
“desrostifica
ção”
que
“[...]
libera
de
algu
m
m
odo
cab
eças
pesq
uisado
ras
que
desfazem
em
sua
passag
em
os
est
ratos,
que
atravess
am
os
muros
da
significância
e
iluminam
buracos
de
subjetividade”
,
abate
ndo
as
árvores
e
nraiz
adas
em
p
rol
de
rizomas
e
conduzindo
os
fluxos
em
“[...]
linhas
de
desterritor
ializaçã
o
po
sit
iva
ou
de
fug
a
c
riadora.
”
(DELEU
ZE;
GUATTAR
I,
2004,
p.
60). É
nessa
perspectiva
aberta
pelos
filós
ofos
da
diferença
que
podemos
conc
lamar
a
c
riação
de
f
orm
as
outras
de
rostidade,
de
signi
ficação
e
subjetividade,
reconhec
endo
a
semi
ologia
mista
em
que
se
movem,
são
c
apturadas
e
escapam
.
Para
essa
rostidade,
há
um
a
espécie
de
educaç
ão
do
r
osto
em
que
a
difer
ença
não
p
ode
ser
apreendida
pelos
atuai
s
dispositivos
de
inclusão,
tampouco
se
r
enq
uadrada,
visto
que
se
de
bruça
so
bre
as
sua
s
234
forças
mais
inum
anas,
se
us
devi
res
minoritár
ios
e
u
ma
deri
va
sem
fim,
em
tor
no
da
q
ual
se
produ
ziria
um
encontro
co
m
as
diferença
s,
de
nt
re
as
quais
as
agen
ciadas
pelas
inf
âncias
n
egras.
Afinal,
se
é
para
começar
mos
por
algum
momento
da
vida
esse
p
rocesso
de
educação
do
rosto,
que
seja
pela
in
fância,
momento
no
q
ual
o
rosto
começa
a
organ
izar
o
c
orpo
infante,
d
ar
-
lhe
e
receb
er
fo
rma
ai
nda
num
c
orpo
sem
órgãos
.
Aí
também
se
enco
ntraria
a
potência
da
vid
a
em
e
stado
bruto,
com
os
devires
em
circul
ação,
sem
um
a
p
refiguração
de
majoraç
ão
e
de
minora
ção
prévia,
facult
ando
a
p
rod
uç
ão
de
uma
outra
rostidade,
de
sde
que
a
cab
eça
pesquisador
a
dos
educad
ores
estive
sse
atenta
aos
seus
traços
e
devires
clandes
tinos,
dent
re
os
quais
se
d
estacam
os
devi
res
negros
.
As
infân
cias
negr
as,
n
esse
processo,
constitu
em
um
t
raço
do
ro
st
o
e
da
co
r
da
pele
que
corporifica
toda
a
história
de
luta
de
sua
form
ação
com
o
um
povo
que
falta,
cujos
devires
não
se
do
bram
ao
governo
biopolític
o
da
populaçã
o,
tampouco
à
sua
art
e
peda
gógica,
um
virtual
que
amplie
a
sua
fratura
e
provo
ca
derivas,
instigando
os
educadores
a
lib
erarem
suas
cabeça
s
pesqui
sadoras.
Ao
dirigi
-
las
p
ara
out
ras
searas,
compondo
a
paisagem
com o
rosto
em
diacronia
com
a
rostidade
existente
,
vislumbra,
em
seus
traços
clandestinos
,
t
oda
uma
c
artogr
afia
q
ue
se
apresenta
para
ser
desbrav
ada,
out
ras
form
as
de
subje
tivação
e
de
alteridade
a
serem
construí
das
por
essas
cabe
ças
pesq
uisadore
s,
em
bu
sca
de
linhas
de
fuga
com
essas
i
nfânc
ias
negras,
deficientes,
tran
s
e
de
um
trabal
ho
meticulos
o
sobre
seus
ethos
,
p
ara
q
ue
outros
d
evires
minoritários
também
sejam
percebid
os,
além
d
as
tecnol
ogias
de
recon
hecimento
s
identitár
ios.
235
Ope
rar
nesse
terreno
dos
devire
s
minoritá
rios
de
um
povo
que
falta
p
arece
ser
a
am
bição
dessa
cart
ograf
ia
pro
duzida
pelas
cabeç
as
pesqui
sadoras:
e
laborar
u
ma
c
artog
rafia
para
tal
e,
à
luz
dela,
tecer
alian
ças
po
ssíveis,
táticas
e
estratégicas,
parecem
-
nos
ser
seu
desafio
político,
no
prese
nte.
Ta
lvez
uma
carto
grafia
polític
a,
mais
do
que
uma
pedagogia
,
como
o
ro
st
o
que
agora
se
afirma
em
uma
diferença
que
extrapola
toda
codifi
cação
,
pela
sua
potência
e
pe
la
sua
possibilida
de
de
t
ransfo
rmar
su
a
saída
ou
fug
a
em
re
versão,
transf
ormação
,
aliada
a
outros
devi
res
minoritá
rios
de
um
povo
q
ue
falta
e
às
diferenças
ensejadas
pelos
seus
encontr
os.
Saber
que
desa
fios,
para
isso
,
e
ssas
cabeça
s
teriam
que
enfrent
ar
e
qual
seri
a
o
papel
da
arte
heterotópic
a,
assoc
iada
a
o
utros
sabe
res,
e
da
filosofia
,
na
carto
grafia
que
d
ecodifica
essas
diferença
s
,
é
a
ta
refa
do
próximo
capítulo
deste
l
ivro
.
236
237
C
A
P
Í
T
U
LO
5
Re
sist
ê
ncias
ao
cot
idiano
e
sc
olar
de
exc
eção
:
o
ing
overnável,
a
deso
bediên
cia
e o
julg
ar
refle
xivo
O
sobres
salto
e
nc
ar
nou
-
se
no
s
dias
.
N
ão
é
mais
inerente
ao
cotidiano
,
mas
o
próprio
cotidiano
.
Temos
vivid
o
no
B
ras
il
(e
acredito
que
em
boa
p
ar
te
do
mun
do),
aos
espasm
os.
Um
espasmo,
outro
espasmo,
mais
um
espasm
o.
A
c
ada
noite,
d
ormi
mos
(ou
tentamos
dormi
r)
sem
sa
ber
o
que
acontec
erá
no
pa
ís.
[…]
O
sobressa
lto
tece
a
experiê
ncia
—
tanto
a
coletiva,
a
maneira
como
es
tamos
co
m
os
outros
,
como
a
individu
al,
nos
so
mod
o
de
estar
com
nós
mes
mos.
Acusam
os
o
impacto
nas
nossa
s
víscera
s,
o
senti
mos
na
ansiedade
mist
ura
da
aos
goles
de
café,
mas
não
somos
capazes
de
dimensionar.
É
assim
q
ue
a
ex
ceção
vai
se
infiltr
ando
nas
h
or
as
—
e
tamb
ém
nas
almas.
E
é
assim
também
que
ela
mina
a
nossa
resi
stênci
a.
C
o
mo
pers
istir,
então?
(B
RUM
, 2017).
Ao
an
alisar
a
con
juntura
po
lítica
bras
ileira,
Elian
e
B
rum
(2017)
argume
nta
que
o
cotidian
o
de
exceção
em
que
vi
vemos
n
ão
é
somente
uma
obscuridad
e
d
as
contradições
presentes
em
no
ssa
demo
cracia,
co
mo
també
m
a
instau
ração
de
um
hábito
de
deixar
de
pen
sá
-
la,
ou
seja,
de
de
i
xar
de
agir
co
m
reflexã
o
para
agir
por
ref
lexo
.
Para
a
cronista,
seri
a
esse
h
ábito
em
circulaç
ão
a
princ
ipal
fo
rça
238
responsá
vel
po
r
min
ar
parte
significat
iva
de
nossas
resistência
s
e
po
r
criar
uma
situaç
ão
de
letargia
subjet
iva
e
de
confor
mismo
que
te
m
nos
impelid
o,
em
vez
de
a
n
ão
ace
itar
o
inaceitá
vel,
a
suportar
o
insupo
rtável
,
no
pres
ente.
O
prese
nte
capítulo
se
propõe
ap
rofundar
um
p
ouc
o
mais
o
diagnóst
ico,
recorre
ndo
a
uma
t
radição
filosófica
concernent
e
à
ontolo
gia
do
presente,
a
fi
m
de
tentar
compreender
as
fo
rmas
de
subord
inação
at
ual
que
be
iram
o
extrem
o
servilismo
e
admitem
a
domin
ação
como
forma
de
sobrevivên
cia
,
por
parte
de
uma
populaçã
o
gov
ernável
no
neoliberalism
o
biopolític
o.
Analisa
tamb
ém
até
q
ue
ponto
a
escola
conco
rreu
para
t
al
situaç
ão
de
servilismo
e,
especia
lmente,
para
a
veic
ulação
de
um
agi
r
por
reflexo
,
no
l
ugar
de
um
agi
r
com
reflexão
,
adestrando
-
no
s
a
ace
itar
o
inaceitável
,
no
present
e.
Por
fim,
disc
ute
em
que
med
ida
as
formas
atuais
de
suje
ição
dos
atores
da
escola
ocorrem
em
fun
ção
da
ausênc
ia
da
filosofia
na
educaç
ão
ou
de
sua
pres
ença
distante,
po
uco
efetiv
a
—
muitas
vezes
apoi
ada
em
juízos
determina
ntes
—
o
u,
ai
nda,
por
postular
um
tipo
de
refl
exão
artificialme
nte
cal
cada
em
juízos
ref
lexivos,
sem
experiencia
r
efe
tivamente
a
interpela
ção
dessas
práti
cas
filosóficas,
do
que
somos
como
educador
es
e,
principalme
nte,
co
mo
formador
es
nos
cursos
de
grad
uação
e
pós
-
grad
uação.
Esper
o,
nesse
percurso,
apre
sentar
a
escola
como
um
problema
filosófico,
no
presente
,
e
a
ética
de
seus
atores
enquanto
um
móvel
agenci
ado
por
f
ocos
de
resistência,
cuja
ocorrência
af
ron
te
o
funcionamento
escol
ar
atual
e
fomente
process
os
de
subje
tivação
que
se
i
nsurjam
contra
o
agi
r
r
eflexo,
os
estados
de
se
rvidão
e
a
do
minaç
ão
projetada
pe
lo
neoliberalis
mo.
239
5.1
S
ub
jetividad
e
,
biopode
r
e
se
rvi
dão
m
aq
uínica
na
e
sc
ola
neoli
bera
l
A
falta
de
horizonte
p
ara
os
joven
s,
assim
como
a
frustraç
ão
para
os
professores
de
um
a
geraç
ão,
parece
ser
um
sintoma
de
nosso
atual
context
o
político
,
no
capitalis
mo
av
ançado
,
e,
par
ticularmente,
no
neolibera
lismo
à
brasileira
.
Vivem
os
ce
rto
incômod
o
com
o
excessi
vo
con
formismo
de
gr
ande
parte
da
população
ou,
o
que
seria
dizer
o
mesmo,
pel
a
p
erda
da
capacid
ade
de
vislumbrar
a
possibilida
de
de
um
su
jeito
singular
ou
coletiv
o
qualqu
er
assumir
a
taref
a
de
rup
tura
política
com
o
p
assado,
inclusive
ac
eitan
do
o
q
ue
poderíam
os
chamar
de
in
a
ceitável.
Não
se
trata
mais
de
espera
r
q
ue
um
sujeito
universal
ou,
mais
precisamen
te,
uma
classe
soc
ial
,
como
o
proletar
iado
,
assuma
a
tarefa
histórica
da
ação
revolucion
ária
capaz
de
nos
emancipar
s
ocialmente,
livrando
-
nos
do
ju
go
da
do
minação
política,
co
mo
postulou
Karl
Marx
,
no
século
XIX.
O
a
rgumen
to
de
que
o
proletar
iado
nada
mais
teria
a
perder
,
na
c
onjug
ação
de
forças
do
modo
de
produção
capitalis
ta,
devendo
sair
do
rei
no
da
necessi
dade
par
a
o
da
liberdade
,
por
m
eio
da
consciência
de
cl
asse
e
de
seu
papel
revo
lucionário,
pratica
mente
se
inv
erte
u
,
no
sé
culo
XX.
De
sde
ent
ão,
viu
-
se
n
ão
somente
o
mo
do
de
produção
p
assar
por
diversas
c
rises
e
so
breviver,
demonstrando
t
oda
a
sua
plasticidade,
como
também
o
aprimora
-
me
nto
de
suas
formas
de
subo
rdinaç
ão
subjetiva,
obr
igando
inc
lusive
a
ce
rta
ad
aptação
ou
flexibiliza
ção
do
s
sujeitos,
se
não
à
ideolo
gia
dominante,
ao
men
os
às
práticas
de
dom
inação
e
dispositivos
de
sujeição
que
extrapolam
o
tolerá
vel,
colocando
sob
controle
sua
240
existência
p
rodutiva
e,
ao
mesmo
tem
po,
tes
tan
do
os
limites
de
sua
própria
vida.
Sob
e
ssa
óti
ca,
Theod
or
Ado
rno
e
Max
Ho
rkh
eime
r
(1986),
ao
elaborarem
o
conceit
o
de
indústria
cultural
e
explo
rarem
os
elemen
tos
do
antis
semitismo,
demonst
raram
tanto
o
abaulamen
to
da
subjetiv
idade
—
que,
p
ara
al
ém
de
uma
minima
moral
ia
,
se
dobra
à
semicult
ura
e
dá
vazão
a
tendências
totalitária
s
—
quanto
sua
captura
por
uma
psicologia
median
a,
que
a
faz
extrapola
r
a
re
ific
ação
da
consciência
e
oper
ar
segundo
os
reb
aixados
padr
ões
da
audição
,
do
gosto,
e
nfim,
da
estét
ica
da
cult
ura
.
28
Nesse
campo,
ainda
seria
possíve
l
ce
rta
reati
vação
da
memória
i
nvoluntár
ia,
ce
rta
sensibilid
ade
,
a
qual
,
nos
suje
itos
n
ão
completamente
reificados,
ain
da
mobilizaria
suas
forças
p
ara
resis
tir
ao
s
efeitos
d
essa
f
orma
de
do
minação
e,
sobretu
do,
se
t
orn
ar
conscient
es
,
atravé
s
da
autorre
flexão
so
bre
si
mesmo
s,
evit
and
o
a
vazão
de
su
as
tendências
totalitária
s
mais
profund
as.
Se
a
aposta
nas
fig
uras
da
consciê
ncia
e
do
trabal
ho
autorrefl
exivo
foram
marcan
tes
para
a
tradi
ção
crítica,
na
primeira
metade
do
sécu
lo
XX,
ao
d
eslocar
a
disputa
ideoló
gica
das
tendências
objetivas
(sociopolítica
s)
para
o
campo
da
subjetivida
de
e
do
inconscie
nte
psicológico,
subsequ
entemente
a
análise
se
torn
ou,
se
não
problemát
ica,
ao
menos
limitada
para
abran
ger
os
problemas
do
28
Se
fôssemos
mais
adiant
e,
na
an
álise
dessa
p
erspectiva,
encontra
ríamos
na
análise
dos
frankfurti
anos
bons
elementos
para
dia
gnosti
car
c
omo
essa
forma
de
dom
ínio
ou
de
aut
odomín
io
da
existência
in
cide
sobr
e
o
corp
o,
a
po
nto
do
Körper
(corp
o
morto)
substi
tuir
o
Liber
(corpo
vivo)
,
tal
com
o
expresso
no
excurso
“Interesse
pelo
corpo”
(ADORNO;
HORK
HEIM
ER,
1986).
É
assim
que
a
forma
de
do
minaçã
o
emergente
após
a
Segu
nda
Guerra,
vislu
mbrada
por
eles,
mina
a
vida
e
danifica
sua
s
instân
cias
ma
is
ínfi
mas.
241
extrem
o
contr
ole
subje
tivo
e
da
administra
ção
da
vida
empreendid
os
pelo
capitalism
o
avan
çado.
Com
vistas
a
melhor
d
iagno
sticar
esse
context
o,
go
star
íamos
de
nos
circunscre
ver
aos
l
imiare
s
do
projet
o
foucau
ltiano,
qu
ando
ele
tent
a
dar
prosseguim
ento
à
tradição
crítica
,
aborda
n
do
o
que
den
omina
anáto
mo
-
polític
a
do
cor
po
e
biopol
ítica
da
população,
apres
entando,
em
vez
de
um
a
face
negativ
a
da
racio
nalid
ade
tecnológic
a
exerc
ida
sobre
o
co
rpo
individual
e
d
as
políticas
estatais
sobre
o
cor
po
social,
sua
fa
ce
pro
dutiva.
Nessa
anál
ise,
segundo
P
eter
Dews
(1996),
o
filósofo
francês
dilui
o
p
eso
co
nce
di
do
ao
sujeito
,
coloca
ndo
-o
em
questão
p
ara
se
dedicar
ao
s
se
us
devire
s
éticos
e
proces
sos
de
subj
etivaç
ão.
Em
to
rno
da
problemátic
a,
de
um
lad
o,
Foucaul
t
(2008)
procura
mostrar
como,
no
ordol
iberalism
o,
a
biopolític
a
se
con
figura,
chegando
ao
neoliberalis
mo
no
rte
-
american
o
como
a
ext
ensão
da
racio
nali
dade
econômica
p
ara
os
níveis
mais
pro
fundos
da
vi
da,
con
figurando
o
neoliberalis
mo
co
mo
um
modo
de
existência,
nos
termos
enfoca
dos
no
segund
o
capítulo
da
primeir
a
parte
deste
l
ivro
,
por
intermédio
da
form
ação
do
capital
huma
no
e
por
um
autogovern
o
em
que
o
empresar
iamento
de
si
é
o
mote.
De
outro
lado
,
Fo
ucault
(2004,
2010,
2011)
procura
desna
turalizar
a
maneira
como
esse
autogove
rno
se
estruturou
em
vista
do
governo
do
outro
,
da
identifica
ção
consciente
com
um
eu
e
da
fo
rma
enigmática
como
e
sse
si
,
q
ue
procura
se
ocup
ar,
é
f
ugidi
o
e
resiste
às
f
ormas
de
auto
consciência,
retorn
ando
ao
pensamen
to
antigo,
medieval
e
ao
s
auspícios
da
modernidade
,
p
ara
problematizar
e
in
dic
ar
outras
tradições
abando
nadas,
vislum
brando
produzir
modos
outros
de
sub
jet
ivação
no
prese
nte.
242
Isso
significa
dizer
q
ue
o
filósofo
francês
não
chegou,
em
razão
de
sua
morte,
nem
a
mapear
esses
modos
de
subje
tivação
e
as
formas
de
existê
ncia
em
que
se
encarnariam
esse
cuidado
ético
e a
resistência
aos
processos
de
sub
ordinação
mais
verticais,
tampouco
a
avanç
ar
num
diagn
óstico
mais
detal
hado
dos
desdobrame
ntos
da
biopolítica
pós
-1980,
deixando
ab
erto
(como
não
poderia
de
ixar
de
ser)
seu
projeto
filosófic
o.
Muit
os
f
oram
—
e
são
—
os
intelectuais
que
procuraram
ou
b
uscaram
desenv
olver
o
laço
sem
nó
he
rdad
o
do
legado
foucaultiano.
Ent
re
eles,
Maurizio
Lazz
arato
(2017)
anali
sa
criticamen
te
o
projeto
,
à
luz
de
um
a
glosa
do
velh
o
Marx
e
dos
instigantes
diagnóst
icos
de
Gilles
Deleuze
e,
principa
lmente,
F
élix
Guattar
i.
A
anál
ise
in
di
ca
uma
d
as
possibilida
des
de
inte
rpre
tar
o
nosso
tempo,
inclusive
os
desdobrament
os
do
neo
li
beralismo
,
no
Estado
bra
sileiro
na
últim
a
déc
ada.
É a
ela
que
vamo
s
nos
ater.
Em
Fouc
ault
(1994),
é
p
ossível
vislumbrar
dois
processos
de
sujeição
social
pelos
quais
o
sujeit
o
se
forma
:
um
, o
qual
implica
a
su
a
subord
inação
a
out
rem
e
out
ro
,
uma
espécie
de
ide
ntif
icaç
ão
com
modelos
de
individu
ação
e
representa
ções
de
eu.
Maur
izio
Lazzar
ato
(2015,
2017)
pare
ce
acrescer
um
tercei
ro
proces
so,
identificado
por
ele
de
servi
dão
maquínica
,
que,
junta
mente
com
os
dois
primeiros,
se
responsab
ilizaria
pela
formação
do
sujei
to
individuado
no
capitalism
o
avançado
e
no
neolibera
lismo.
Para
ele,
a
suje
ição
implicaria
tecnologias
de
gover
no
que
se
apropria
m
de
sabe
res,
de
práticas
discursi
vas
e
de
im
agen
s,
mobilizando
as
representa
ções
(po
líticas
e
lingu
ísticas),
p
ara
produzi
rem
“suje
itos
polític
os”
ou
tão
simplesmente
“e
us”,
com
o
“sujeito
s
i
ndividuados”,
fixan
do
-
os
por
uma
sujei
ção
social
a
uma
“identidade,
um
sex
o,
um
a
prof
issão
e
tc.”,
isto
é,
um
a
“[...]
cilada
243
semiótica
e
representa
tiva
da
qual
ning
uém
escap
a
.”
(LAZZARATO,
2017,
p.
172).
Po
r
su
a
vez,
a
servid
ão
maquínica
desenvolve
sua
forma
de
gover
namental
idade
po
r
meio
de
“[...]
técnicas
não
represen
tativas,
operacion
ais
,
di
agramát
icas
que
funcionam
explo
ran
-
do
subjetiv
idades
parciais,
mo
dulares
e
subindividuai
s”,
pois
ela
produz
o
“divid
ual”,
assimilando
o
homem
aos
elementos
do
maquinismo
e
o
sujeito
a
uma
“[...]
fonte
de
troca
e
de
transform
ação
de
info
rmação”,
n
ão
requerendo
d
ele
sua
psicologia
,
interiorida
de,
consciência e
repre
sentação
(LAZZARATO
,
2017, p.173).
Ao
distinguir
essas
du
as
for
mas
de
con
trol
e
da
subj
etividade
que
se
empreendem
,
no
presente
,
e
trat
á-
las
como
complementares,
o
fil
ósofo
italiano
oferece
pistas
preciosa
s
par
a
compreender
mos
po
r
qu
e
ace
itamos
o
inacei
tável
,
na
atual
idade
,
sobretud
o
q
uan
do
descreve
o
funciona
mento
tanto
da
suje
ição
quanto
dessa
form
a
de
servidão
emergente
no
neoliber
alismo.
A
firma
Lazzarato
:
A
sujei
ção
funciona
a
partir
do
duali
smo
sujeito
/objeto,
enquanto
a
servidão
não
distingue
o
or
ganis
mo
e
a
máquina,
nem
o
sujeito
e o
objeto,
ta
mp
ouco
o
homem
e a
técnica.
A
relação
do
homem
com
a
técnica
é,
no
s
doi
s
casos,
radicalmente
di
stinta.
Na
sujeição,
trata
-
se
de
uma
relação
de
uso
e
de
ação
.
A
máqu
ina
é
ao
mesmo
tempo
um
objeto
exteri
or
com
o
q
ual
o
ho
mem
se
relaciona
como
s
ujei
to
“agente”
(trab
alhador
ou
us
uár
io
)
e
c
omo
um
mei
o
entr
e
dois
sujeitos.
Na
se
rvidão,
a
relação
é
de
“comunicação
mútua
e
interio
r”
entre
o
humano
e
a
máquina.
A
su
jeição
e
a
servidão,
a
subjetiv
ação
e
a
dessubj
etivaçã
o
nos
permite
m
enriq
uecer,
amplia
r
e
até
mes
mo
modificar
o
conceito
de
biopode
r
de
Foucault.
O
conceito
e
as
p
rá
tic
as
de
244
governamental
idade
mud
am
sensivelme
nte
pois,
par
a
se
exerc
er,
devem
se
instalar
no
cruz
amento
entre
a
sujeição
e a
servidão
. (
LAZZARATO
, 2017,
p.
173-174).
Na
constituição
do
sujeito,
a
pe
rspe
ctiv
a
foucaultiana
admitira
apen
as
as
faces
da
su
jeição
soc
ial
dada
pelo
governo
do
o
ut
ro
(língua,
o
Est
ado,
as
le
is,
a
n
orma
etc.)
e
pel
a
escol
ha
consciente
da
identidade
ou
de
um
eu,
com
o
uma
espécie
de
autoconsc
iência
de
si.
Por
su
a
vez
,
Laz
zarato
(2015)
acrescenta
have
r
um
a
fo
rm
a
de
se
rvidão
parad
oxalmente
volun
tária
e
cega,
a
q
ual
se
dá
por
intermédio
de
uma
semiótica
mista,
isto
é,
na
q
ual
agem
tanto
sign
os
codificados
ou
codificáveis
quanto
assignifi
cante
s,
que
ain
da
não
f
oram
e
nem
se
sabe
se
serão
significados,
enriq
uec
endo
a
anál
ise
foucaultia
na
sobre
o
biopoder
e
lh
e
co
nfe
rin
do
maior
atuali
dade.
Para
o
filós
ofo
italia
no,
se
ri
a
essa
s
emiologia
a
r
espons
ável
por
mobilizar
e
movimentar
o
que
n
ão
fosse
passível
da
representa
ção
e
da
consciência,
colocando
em
ci
rculação
e
gerindo
to
da
u
ma
maquinar
ia
coletiva
,
atravé
s
de
image
ns
que
se
interpõe
m
e
se
sedimenta
m
entre
o
corpóreo
e
a
consciência,
muitas
vezes
d
an
do
uma
fal
sa
impressão
de
coerência
em
relação
à
opinião
e
à
crença
adquirid
a
e/ou
profe
ssada.
Mais
do
q
ue
uma
composição
racio
nal,
tais
signos
res
pondem
àquilo
q
ue
é
mais
primitiv
o
no
q
ue
restou
do
sujeito
e
mobili
zam
seus
afetos
,
para
permanecerem
s
eguros,
quer
na
caracte
rização
de
um
eu
idêntico
,
que
supo
stame
nte
escolhem
,
qu
er
nas
regras
e
nos
dispositiv
os
de
seg
urança.
Essa
re
gul
amentaç
ão
e
dispositiv
os
investem
o
sujeito
de
flacion
ado
de
um
a
estabilidade,
inclusive
emocional,
e
de
um
a
certeza
de
sobreviv
ência,
aind
a
q
ue
para
isso
qualquer
sen
sação
de
liberdade
ou
de
vivênc
ia
de
va
ser
con
tid
a,
obscurecida,
expulsa.
245
O
gestor
dessa
economia
dos
afetos,
por
assim
dizer
,
não
é
mais
a
razão
dos
sujeit
os
ou
a
sua
consciê
ncia,
já
que
o cá
lculo
de
vida
a
subo
rdinou
econômic
a
e
instrume
ntalmente,
to
davia,
são
as
imagens
da
mídia,
as
red
es
soci
ais,
ent
re
outros
dispositivos
da
tecnologia
moderna.
São
el
as
que
coman
dam
os
sujeito
s
em
termos
do
autogover
no
subjet
ivo
e
racional
,
em
que
o
mais
importante
é
agir
por
reflexo,
no
âmbito
micropolítico,
para
ma
nter
intacta,
em
term
os
macropolí
ticos,
a
dominação
exercida
p
elo
capital
financeiro.
É
nessa
con
juntura
biopolítica
que
o
corpo
p
assa
a
ser
o
objeto
de
cont
role
ma
is
corta
nte
pela
serv
idão
maquínica
,
poi
s
ela
atua
so
bre
uma
subjetivid
ade
disforme,
em
seus
signos
decompostos,
sobre
os
vetores
de
subjeti
vação
huma
nos
e
não
humanos
que
a
atrav
essam,
reduzin
do
-a
a
uma
c
arcaça,
um
co
rpo
individuado.
Esse
mesmo
co
rpo
é
movido
pela
n
ecessidade
de
composiç
ão
(tat
uagen
s,
músc
ulos,
hormôni
os,
sexuali
dades)
, com o
in
tuito
de
sign
ific
á-
lo
e
lh
e
conferir
certa
identidade
p
elo
sujeit
o,
in
dividuando
-
o,
por
um
l
ado,
e,
ao
mesmo
tempo,
tornand
o
-o
refém
de
uma
busca
infinita,
qual
se
ja,
a
de
que
jam
ais
ela
se
rá
ap
lacada,
de
finida
ou
con
cluída,
por
outro
.
Assim,
o
resgate
de
sse
corp
o
é
co
mo
uma
dívida
infinita,
similar
à
quela
do
capital
financeir
o
ao
qual
se
acopla
,
na
contempora
neidade
,
e
pela
qual
somos
capturado
s
constantem
ente,
torna
ndo
cativa
no
ssa
subjetiv
idade
e
demarcad
a
por
um
profun
do
vazio.
A
gen
eal
ogia
desse
gover
no
do
h
omem
endividado,
segund
o
Lazzarat
o
(2017),
se
inicia
co
m
a
dívida
dos
es
tudantes
para
se
formarem
nas
uni
versidades
no
rte
-
ame
ricanas
,
por
ém,
se
instaura
com
a
própria
forma
como,
na
lógica
e
na
racio
nalidade
econômica
,
é
apreendida
na
escol
a
neoli
ber
al
e
que
ocupa
um
lugar
estr
atégico
no
capitalis
mo
avan
çado.
E
mbora
o
filósofo
italiano
n
ão
ad
en
tre
a
essa
246
particula
ridade,
ao
retomarmos
Foucaul
t
(2008), é
p
ossível
sustent
ar
que
a
educaç
ão
po
ssui
e
sse
papel
estratég
ico
,
na
biopolítica
neolib
eral
,
porque
cabe a
ela
formar
o
capital
humano
É
a
e
ducação
que,
uma
vez
map
eada
quais
as
possibilidades
here
ditárias
de
êxito,
empr
eende
os
i
nvestimentos
con
fo
rm
e
os
risc
os
e
os
retornos
ou
lucro
s
obtidos
c
om
cad
a
um.
Tal
mapeamento
começa
ainda
na
educaç
ão
familia
r,
quando
os
pais
veem
os
cuida
dos
iniciais
de
se
us
filhos
como
uma
espécie
de
investime
nto
de
longo
prazo
e
on
de
po
ssam
dispo
r
par
te
de
um
capita
l
hu
mano
her
editário.
Trata
-
se
de
investimento
que
é
compreendid
o
pelos
pais
desde
o
afeto
que
de
sp
endem
,
ocu
pando
parte
de
se
u
tempo
precioso,
a
té
as
possibilida
des
de
aprimor
amento
que
po
dem
ser
ofe
rtadas
a
seus
filhos
o
u,
m
elhor,
investidas,
dependendo
do
c
apital
q
ue
têm
acumul
ado.
Com
esse
investi
mento,
os
pais
esperam
que
os
sabere
s,
as
habilidades
e
as
competên
cias
adquiridos
por
seus
filh
os
,
a
partir
dessa
composição
here
ditária,
por
assi
m
dizer,
p
ossa
m
serv
ir
de
base
e
serem
aprimora
dos
na
escola,
a
mpliando
-
os
de
sorte
a
a
gregar
valor
ao
capital
humano
em
que
originalme
nte
investir
am
e,
um
a
ve
z
ampliado,
capacitá
-
lo
para
a
sua
venda
no
mercad
o
e
para
a
obtençã
o
de
uma
rend
a
nece
ssária
ao
consumo.
Afinal,
é
no
c
onsumo
que
os
seus
filhos
realizaria
m
seus
dese
jos,
mos
trando
-
se
bem-
sucedido
s,
caso
obtivess
em
a
renda
para
tal
e
um
c
apital
huma
no
diferenciado
decorren
te
d
esse
pro
cesso
de
empr
eendimento
de
si,
aprendido
co
mo
um
instrume
nto
de
sobrevivê
ncia
e,
ao
me
smo
tempo,
p
ropagado
como
uma
pr
omessa
de
libe
rtação
no
neolibera
lismo.
O
problema
é
q
ue
essa
satisfaç
ão
é
tão
passag
eira
e
instantânea
para
eles
,
quanto
a
restrição
de
se
us
desejos
ao
c
onsumo,
fazend
o
-
os
247
se
resse
ntir,
n
esse
processo
de
empreendime
nto
de
si
q
ue
se
inicia
estrategica
mente
na
escol
a,
de
uma
insuficiência
consta
nte,
a
qual
demanda
au
to
s
supe
ração
e
sacrifícios,
n
em
sempre
recompens
ados
com
um
se
ntimento
de
maior
li
beração.
Por
isso
,
essa
demanda
ex
ige
uma
educ
ação
continuada
por
toda
a
vida
que,
de
um
lado,
evoca
um
consta
nte
empreendi
mento
sobre
si
,
com
base
na
percepção
,
pe
lo
sujeito
,
de
su
as
f
alhas
e
da
identifica
ção
do
s
déficits
a
serem
corrigid
os,
em
busca
de
uma
perfeição
que
jamai
s
virá,
salvo
com
a
exte
nuação
da
máquina
corpórea,
com
o
de
sgaste
psíquico
—
que
le
va
às
raias
da
loucura,
como
uma
patologia
social.
De
outro
lado
, a
sua
promessa
de
l
iberaç
ão
nunca
se
cumpre
,
pois
a
posse
e
o
consumo
de
mercadori
as
também
não
satisfazem
esse
mesmo
sujeito
(ou o
que
del
e
restou),
salvo
no
momento
em
que
ele
se
lança
à
caç
a
da
próxima
novidade
do
mercado.
Seu
móvel
p
are
ce
ser
uma
ascética
esporti
va
,
p
ara
usar
uma
expressã
o
de
Sloterd
ijk
(2012),
que
marca
a
subjetivid
ade
pela
q
ual
a
ed
ucação
se
responsab
iliza
no
presen
te.
Assim,
ant
es
de
promover
qualquer
reforma
mo
ral
ou
psicoló
gica
necessária
ao
progress
o
e
à
civilização,
ela
coloca
todos
numa
disputa
política
sem
éti
ca
e
numa
bárbara
deforma
ção:
a
de
que
deve
mos
agir
p
ara
sobrevive
r
e
nos
dar
bem
no
sistema,
sendo
que
,
p
ara
alc
ançar
o
êxito
,
v
ale
tudo,
inclusive
de
ixar
que
os
reflex
os
nos
coma
ndem.
Ocorre
,
ne
ssas
circunstâncias,
al
go
similar
ao
mo
do
como
o
corpo
do
escravo
é
usado
(
AGAMB
EN,
2017;
GROS,
2018),
manipulado,
se
m
qualquer
índice
reflex
ivo,
automatica
mente.
De
fato,
q
uem
usa
e
manipula
e
sse
corpo,
responsabiliz
ando
-
se
por
isso
,
é
o
senhor
e
ncarn
ado
pelo
cap
ital
financeiro
e
por
toda
uma
maquinar
ia
coletiva
que
atrave
ssa
o
controle
da
subj
etividade
,
com
248
suas
respectivas
disputas
e
jogos
de
poder
,
no
present
e.
É
e
ssa
racio
nalid
ade
econômica
q
ue
compreende
a
todos
na
escola
neoliberal.
Graças
aos
se
us
dispositivos
inclusivos
—
nos
termos
sugerid
os
,
em
outra
o
casião
,
por
Pag
ni
(2019b) —,
tal
racion
alidade
almeja
integrar
a
todos,
independent
emente
de
seu
ethos
e
dos
acident
es
ou
significaç
ões
que
os
torn
am
defi
cientes,
af
rodes
-
cendent
es,
povos
indígena
s,
cis
ou
transgêner
os,
enfim,
p
ara
colocá-
los
à
margem
ou,
mais
recent
emente,
incl
uí
-
lo
s
pelas
política
s
est
atais
como
parte
de
um
governo
da
população
,
na
biopolítica
neolibera
l.
No
pro
cesso
de
inclusã
o,
o
“povo”
—
para
us
ar
a
terminologia
de
Fo
ucault
(2007)
e
Agamben
(2004)
—,
até
então
considerado
o
monstro
do
Estad
o
mo
de
rno
e
sujeito
à
regu
lament
ação,
foi
também
distribu
ído
em
f
unções
sociais
segund
o
suas
característica
s
here
ditárias,
seus
riscos
de
investi
mento
e
suas
potencialida
des
de
sucesso.
Na
escola
neoliberal,
os
seus
múltiplos
segm
ento
s
f
oram
separad
os
em
classes
,
q
uan
do
estu
dantes,
class
ificados
em
nív
eis
,
quand
o
aferid
as
as
habilidades
dos
profess
ores
e
diretore
s
para
alcanç
arem
rankings
especí
ficos
e
do
q
ual
partici
pam
os
demais
funcio
nários
dessa
instituiçã
o.
Assim,
f
oram
reg
uladas
as
s
uas
ações
em
conformidade
com
o
q
ue
ve
m
s
endo
prescrit
o
pelas
políticas
estatais
ou
pela
concorrência
do
mercado,
q
uase
inadvertida
mente,
como
“bons
funci
onário
s”,
onde
cada
qual
—
estudant
es,
professor
es,
diretores
,
funcionários
—
concorre
pelo
seu
espaço
,
desde
cedo.
Acredita
m
se
autop
roduzir
subjetiva
mente
,
dessa
maneira
,
em
ter
mos
do
sucesso
alcanç
ado
e
dos
bens
adquiridos
futurame
nte
no
mer
cado,
enquant
o
se
esfac
elam
e
são
condenados
a
aum
entar
os
dados
de
atendimen
to
psiquiátr
ico,
cada
vez
maiores.
249
A
lógica
impera
nte
na
con
figuraç
ão
atual
da
escol
a
é
a
da
regul
ação
do
mer
cado,
gerencia
da
pelo
fluxo
de
inve
sti
mento
do
capital
fin
anceiro,
media
da
por
agentes
fun
cionais,
os
quais
,
por
sua
vez,
fo
rmam
out
ros
elementos
,
igualmente
funcionais.
A
e
ducaç
ão
escolar
consome
boa
parte
das
imagens,
cren
ças
e
sentidos
post
os
em
circul
ação
pela
mídia,
pela
s
redes
vi
rtuais
,
no
presente.
Reforç
a
o
já
vigente
em
uma
vid
a
que
vive
e
age
por
reflexo
,
ampliand
o
a
visão
comum
de
que,
na
reflexã
o,
os
sujeito
s
se
defrontam
com
o
seu
lado
mais
difíc
il,
obscuro
e
temido.
Afinal,
refl
etir
seria
en
trar
em
cont
ato
com
e
ssa
espécie
de
vida
refle
xa,
besta
—
diria
P
elbart
(2007)
—
produzida
em
série,
em
unísso
no,
para
se
poder
pertencer
a
uma
populaçã
o
e
se
pô
r
no
cent
ro,
graç
as
ao
prop
agado
temor
do
po
vo
e
das
margens.
Na
esc
ola
,
esse
temor
ap
arece
por
me
io
de
si
gnos
em
circul
ação,
como
aqueles
manifestos
na
ind
isci
plin
a,
na
pr
esenç
a
d
os
corpos
desv
iantes
que
resist
em
à
normaliza
ção
funcio
nalment
e
imposta
por
esse
s
agentes,
que
também
os
dessubjet
ivam
e
os
deslocam,
faz
en
do
com
que
modulem
seus
olhares
e
reflitam
sobre
a
prec
ariedad
e
desse
outro:
tão
estranho,
porque
intim
amente
fa
miliar.
É
verdade
que
esse
foi
o
movimento
que
fez
com
que
a
escol
a
funci
onasse
com
o
um
dispositiv
o
de
normalizaçã
o
individua
l
dos
corpos
e
de
reg
ulação
da
populaçã
o,
aprimora
ndo
a
biopolítica,
de
sorte
a
disciplinar
os
ingove
rnáveis,
a
corrig
ir
os
incorrig
íveis
e
a
torn
ar
civiliza
do
o
bárbaro
,
com
toda
a
inf
ini
dade
e
variedad
e
de
teorias,
téc
nicas
e
práticas
que
se
gera
m,
nessa
t
ensã
o.
Mas
o
que
fez,
então,
essa
te
nsão
pen
der
na
biopolítica
neolibera
l
para
uma
forma
de
governam
ento
tão
vetori
almente
desc
en
d
en
te
e
vertica
l,
embora
anacrô
nica,
tão
empresar
ialmente
in
umana,
desconsiderando
a
sua
250
inumanidade
p
roveniente
desse
traço
animalesc
o,
incorrigíve
l
e
ingovern
ável?
Esta
é
questão
a
q
ue
gostaríamos
de
respond
er
, a
segui
r,
pois
vemos
no
modo
de
i
nstituiçã
o
desse
ol
har
e
de
sua
fu
ncio
nalidade
na
escola
a
emerg
ência
de
uma
n
ova
form
a
de
p
oder
pastoral,
em
continuidade
às
anteriores
,
porém,
mais
perversa.
Fazemos
tal
afirmaç
ão
,
na
m
edida
em
que
vemos
na
nova
modalid
ade
de
pod
er
maior
obscuridade
o
u,
podería
mos
dizer,
cent
rada
n
uma
gestão
do
s
afetos
que
extrapola
a
conhec
ida
razão
subjeti
va,
facu
ltand
o
mo
dos
outros
de
irr
acionalismos
e
de
fascismo
s.
Ademais,
nessas
sombras
—
e
não
mais
nas
luzes
—
se
p
ode
vislumbrar
out
ro
contorno
para
as
discussõ
es
sobre
e
sse
cam
po
de
at
uação
,
no
âmbito
da
filosofia
da
educaç
ão.
5.2
Da
c
orreção
da
m
ons
t
ruos
ida
de
à
hum
anização
pelo
mon
st
ro
na
es
col
a
A
análi
se
de
Fré
déric
Gro
s
(2018)
é
surpreendente
mente
provocat
iva
para
abordar
mos
a
questã
o
anteriorme
nte
enun
ciada.
Ao
tratar
da
escola,
ele
afir
ma
que
se
u
papel,
desde
sua
origem,
sempr
e
foi o
de
que
“[...]
nela
se
aprende
a
obedec
er
.” (2018,
p.
29).
Emb
ora
encontr
e
a
gênese
do
enunciado
na
ped
ago
gia
de
Kant
e
nas
preocupa
ções
de
Foucault
so
bre
os
anormais,
ele
não
os
responsabiliz
a
por
isso.
Muito
ao
contrário,
ressalta
que
Kant
j
amais
exaltou
uma
“[...]
obed
iência
fanática
e
estúpida
.”
(2018,
p.
29).
Bastaria
ler
,
para
isso
,
se
u
e
nsaio
sobre
a
Aufklärung
ou
me
smo
vislumbrar
na
su
a
pedago
gia
a
distinção
en
t
re
“disciplina”
e
“in
strução
”.
251
Co
nfo
rm
e
suge
re
a
interpr
etação
de
Gro
s,
ao
fazer
a
distinção,
a
pedagogia
kantian
a
compre
ende
que
“[...]
a
inst
rução
é
aprendizag
em
da
autonomia,
aquisiçã
o
de
um
juí
zo
crític
o,
dom
ínio
racio
nal
dos
conhecimen
tos
elementa
res”,
não
somente
uma
“[...]
ingestão
p
assiva
de
informa
ções
que
se
dev
e
recita
r
gaguej
ando
.”
(2018,
p.
28).
Para
se
chegar
a
tal
in
strução,
é
necessári
o
um
momento
de
“docilidade
cega”,
ch
amada
de
disciplina
,
pelo
filósof
o
de
Königs
berg.
Um
mome
nto
pro
visório,
negativo,
com
base
numa
obediênc
ia
que
domést
ica
e é
ca
pital
para
transfo
rmar
a
“animal
idade
em
humani
dade”
,
se
rv
in
do
de
ali
cerce
para
o
suje
ito
assim
educado
construi
r,
grada
tivamente,
sua
au
tonomia.
A
formaç
ão
do
humano
passa
por
esse
sentido
negativ
o,
discipli
nar,
de
obediência
cega
a
quem
cond
uz,
porém,
ne
cessário
para
que
o
sujeito
formad
o
pedagogicame
nte
che
gue
à
autonomia.
Esse
s
egundo
mo
mento
pare
ce
ter
sido
esquecido,
fazen
do
com
que
a
obediênc
ia
cega
prevaleça
e
boa
parte
do
s
discurso
s
pedagó
gicos
em
circul
ação
p
ropague
que
esse
é
o
m
eio
para
chegar
à
autonomia,
pratica
mente
se
desco
mpromet
endo
c
om
a
face
instruti
va,
crítica
,
emancipat
ória,
transformada
em
sl
ogan
v
azio
,
no
presente.
Reitera
-
se,
assim,
um
se
dei
xar
conduzir
po
r
o
utrem,
cegamente,
como
um
hábito
in
corporado
e
natura
lizado,
con
struindo
uma
postura
de
passiv
idade
na
condu
ção
e
até
certo
de
leite
no
q
ue
chamam
os
de
conformismo
com
essa
situ
ação
,
nas
relações
de
pod
er.
Não
foi
casual
o
i
ntere
sse
de
Foucault
pelos
ingovernáv
eis
ou,
melhor
seria
dizer,
incorrigív
eis
.
29
A
incorrigibilida
de
desse
s
29
“O
in
corrig
ível”
—
diz
Gros
—
“[...]
é
o
in
divíduo
incapaz
de
se
submeter
às
norma
s
do
coletiv
o,
de
aceitar
as
re
gras
socia
is,
de
respeitar
as
l
eis
pú
blicas.
São
estudantes
tur
bule
ntos,
pre
guiços
os,
incapazes
de
seguir
orde
ns;
os
m
aus
operár
ios
252
indivídu
os
brota
do
fun
do
de
uma
“animal
idade
reb
elde”
,
combatida
pela
ped
agogi
a
desde
Kant,
em
vista
de
fo
rm
ar
uma
h
umani
dade
normal.
Ne
sse
â
mbito
propria
mente
dito,
des
obedecer
“[...]
é
se
deix
ar
escorregar
ladeira
abaixo
na
selv
ag
eria,
ceder
às
facilid
ades
do
instinto
an
árquico
.”
(G
ROS
,
2018,
p.
28).
Daí
a
persis
tência
pedagó
gica
das
i
nstituiçõe
s
escola
res
em
d
isseminar
o
apr
endizado
da
obediênc
ia
,
no
s
termos
anterior
mente
salie
ntados,
com
vista
s
a co
m-
bater
o
monstro
ameaçador
da
incorrigib
ilidade
e
da
des
obediência
.
Todavi
a,
o
aprend
izado
da
obediência,
co
mo
um
momento
do
processo
de
e
duc
ação
escola
r
,
não
significa
a
cega
abs
olutização
da
obediênc
ia,
mas
uma
obediência
por
vezes
mínima
,
permitindo
q
ue
,
mesmo
em
instituições
moraliza
dor
as
e
disciplinares
,
h
aja
e
spaço
para
um
respiro
ético,
para
um
a
formação
ético
-
polític
a
que
ultrapas
se
seus
espaço
s,
tempos
e
técnicas
instituídos.
Com
o
ten
ho
defen
dido
em
outras
ocasiões
(
PAGNI
,
2018a),
nesse
s
e
spaços,
tempos
e
técnicas
de
constitu
ição
de
si,
nesse
âmbito
ético
formativo,
os
atores
da
escola
têm
se
forma
do,
a
despeito
do
currículo,
da
discip
lina,
da
mor
alidade
aí
instituída.
O
problema
é
q
ue
,
segu
ndo
pond
era
Gros
(2018),
se
,
antes
,
a
escola
procurav
a,
de
alg
um
modo,
integ
rar
o
i
ncorrig
ível
n
uma
taref
a
quase
salvacionista
de
corrigi
-
lo
e
n
ormalizá
-
lo,
de
fazer
o
desobedi
ente
obedec
er,
reconhecendo
se
u
monstr
o,
co
m
o
capitalis
mo
avançado
,
ocorreu
uma
in
versão,
q
ual
se
ja,
a
de
que
o
desleixados,
embro
madores
,
os
margin
ais
recal
cit
rantes,
o
p
rision
eiro
que
se
mpre
regressa
pa
ra
tr
ás
da
s
grades.
O
in
divíd
uo
inc
orrigív
el
é
aq
uele
diante
do
qual
os
aparelhos
discip
linar
es
(a
escola,
a
Igreja,
a
fábric
a…)
confessam
sua
imp
otência
.
Por
mais
q
ue
seja
vigia
do,
p
unido,
por
mais
q
ue
lhe
im
ponha
m
sanções,
o
subme
tam
a
exercíci
os,
ele
con
tinua
incapaz
de
pro
gresso,
in
apto
para
formar
sua
natur
eza
e
superar
seus
instin
tos
.”
(
201
8,
p.
27
-
28)
.
253
verdadei
ro
b
árbaro
é
outro:
justamente
o
mais
obediente
funcionário
,
o
exemplar,
o
tot
alme
nte
civilizado.
De
sde
a
Segunda
Gue
rra
e
da
experiência
totalitária
do
s
éculo
p
assado,
argume
nta
ele
,
surpreen
deram
figuras
com
o
a
de
Eichmann
ou
a
do
“aluno
dócil”.
É
a
essa
monstruos
idade
inédita
que
o
autor
se
refere,
a
do
funci
onário
zeloso,
a
do
executor
implacável.
Todos
eles
respondendo,
desde
a
segunda
modernidade,
ao
ch
amado
da
escola
—
o
ap
rend
er
a
obedec
er
—,
sendo
ig
ualme
nte
alunos
exemplar
es,
calado
s,
que
agem
mais
por
reflexo,
na
expec
tativa
de
que
adv
enha
alguma
reflex
ão,
sem
que
jamais
venha,
re
sta
ndo
some
nte
a
ob
ediência
ou,
se
preferirem,
a
superob
ediência
.
Tr
ata
-
se,
c
on
forme
fri
sa
Gros,
de
se
“[...]
fazer
autôm
ato
” (2018,
p.
32,
grifos
no
original)
.
Nesse
caso,
não
se
trata
mais
de
um
a
oposição
en
tre
homem
e
animal,
mas
entre
homem
e
máquina,
pois
não
é
ma
is
a obediência
que
nos
tornaria
huma
no
s,
m
as
seri
a
a
desobediênc
ia
que
humanizaria
.
Com
isso,
Gro
s
postula
o
problema
da
obediência
n
uma
perspectiva
étic
a,
e
não
de
um
ponto
de
vista
m
oral
ou
moraliza
nte,
abordan
do
-o
sob
o
âng
ulo
do
sujei
to
político
e
ar
gumentando
q
ue
tal
sujeito
“[...]
co
nstr
ói
para
si
certa
‘
relação
’ a
pa
rtir
da
qual
se
autoriza
a
realizar
determinada
co
isa,
faz
er
isto
e
não
aquilo
.”
(2018,
p.
33).
Com
isso
,
a
dmite
a
existência
de
estilísticas
éticas
diferentes
sobre
certos
probl
emas
,
como
da
sexual
idade
,
das
relações
interpess
oais,
dent
re
ou
tros,
à
luz
da
qual
julg
a,
respei
ta
ou
transgrid
e
as
le
is
públicas
,
obedecend
o
-
as
ou
n
ão,
o
u,
sim
plesm
ente
,
se
rebelan
do,
existindo
ou
afro
ntand
o
civilment
e
o
que
e
stá
instituído
mo
ral
e
juridic
amente.
É
essa
negação,
rebeldia
,
in
subordi
nação
que
e
star
ia
na
b
ase
das
atitudes
críticas,
assumid
a
s
do
pon
to
de
vista
n
ão
do
254
determinism
o
da
r
azão
prática
ou
da
psicologia
de
cada
qual,
mas
de
um
antidetermi
nismo
ou
de
juízos
re
flexivo
s,
de
uma
ética
que
se
inscreve
mais
como
uma
antipsic
ologia
que
atua
no
co
ntr
aponto
da
pedago
gia,
aludindo
a
um
campo
estético.
Escapam
dessa
forma
de
universais
e
de
fundamentos
que
se
articu
lam
em
t
orno
de
juízo
s
determ
inantes
op
erados
pelos
seus
agent
es
–
psicó
logos,
pedag
ogos
–
para
regular
o
comportamento
indivi
dual
e
to
rna
r
governável
o
indócil
da
infâ
ncia
e
ingov
ernável
dos
p
ovos
que
acede
m
à
escola.
Por
mais
funcion
al,
tecnológica
ou
m
ecânica
que
essa
subord
inação
tenha
se
tornado,
porém,
some
nte
em
al
guns
momentos
ela
foi
total
p
ara
seus
agentes
e,
na
m
aioria
das
vezes
,
at
uou
no
sentido
de
ser
defere
nte,
como
suger
e
G
ros
(2018,
p.
44),
isto
é,
dissimula
da
no
sen
tido
de
acatar
o
que
os
seus
superiores
ou
a
autori
dade
hierárqui
ca
prescreve,
para
cometer
pequenas
desobedi
ências
con
tra
o
prescrito,
essa
autoridad
e
e
hierarqui
a,
rebeland
o
-
se
contra
el
a.
Esse
mesmo
teatro
vê
-
se
em
relaç
ão
àqueles
estudantes
a
quem
se
dirigem,
mostr
ando
que
nada
têm
de
pacie
nte
total,
tra
zen
do
em
si
mesmos
germes
singulare
s
de
insubo
rdin
ação
e,
em
com
um
co
m
out
ros
indivíduos,
indícios
de
uma
rebelião
que
os
incendeiam
e
os
fazem
insurgir
cont
ra
as
au
torid
ades
e
as
h
ierarquias
instituíd
as.
Basta,
porém,
serem
cobrados
pela
responsabilida
de
de
se
us
atos,
que
eles
age
m
,
ta
nto
n
um
caso
quanto
no
outr
o,
infantilme
nte,
escondendo
-
se
e
afirmando
não
se
r
em
os
autor
es
n
em
os
at
or
es
,
apen
as
os
agenciador
es
ou
executores
do
at
o,
responsabili
zando
a
outrem
–
a
e
ssa
autori
dade
e
a
ess
a
h
ierarquia
–
pelas
orden
s
d
aí
advin
das
e
das
quais
sã
o
somente
simp
les
mensa
geiros.
É
essa
mistificaç
ão
ética
,
s
egundo
Gros
(2018,
p.
45),
que
colo
ca
no
cá
lculo
255
do
biopoder
esse
jogo
de
obediência
e
de
desobed
iência,
servindo
a
uma
racio
nalid
ade
calculista
,
para
justif
icar
tan
to
a
rebelião
quanto
a
obediênc
ia
cega
,
desd
e
que
,
num
caso
e
n’out
ro
,
atue
m
some
nte
com
o
elemen
to
s,
jamai
s
como
ato
r
es
.
Se
a
escola
segue
o
refluxo
gera
l
do
capitalism
o
avançad
o,
em
seus
empreen
dimentos
mais
obscuros
está
o
estabelecimen
to
da
con
dição
subje
tiva
da
governam
entalidad
e,
que
seu
s
agentes
aprendem
par
a
sobrevive
r
den
tro
de
la.
Por
i
sso,
tais
agentes
se
identifica
m
c
om
e
sse
agi
r
reflexo,
me
smo
quan
do
teoricame
nte
se
u
pendor
se
ja
faz
er
a
pre
nder
e
form
ar
para
o
exercício
da
refl
exão
e,
parad
oxalmente,
par
a
o
ac
olh
ime
nto
daquilo
que
mobiliza
o
exercíc
io:
o
in
côm
odo
ou
o desconforto
susc
itado
pelas
relações
com
outros
agentes
-
elementos,
pote
ncialmente
atores
.
Para
ir
da
potência
ao
at
o,
o
regime
de
aprendizado,
de
exercício
e
de
re
lação
deveri
a
ter
outras
condiçõ
es,
e
ntre
as
quais
a
possibilidade
de
não
ade
são,
de
discussão
e
de
dissen
são,
al
é
m
da
defesa
de
o
utra
ordem
de
verdade,
distinta
,
por
vezes
,
daquela
in
stituída
co
mo
únic
a
,
na
es
cola.
Foi
essa
forma
de
poder
d
isciplinar
q
ue
per
maneceu
nos
dispositiv
os
de
segurança
da
escola
,
sob
um
a
disp
ersão
denominada
inclusão.
Tai
s
dispositiv
os
procuram
incorporar
ao
coletivo
regulamen
tado
o
que
est
ava
fora
dele,
concl
amand
o
a
sua
adesão
ao
que
o
r
egula.
O
probl
ema
é
o
que
o
regula
ser
um
re
gime
de
verdade,
enquant
o
as
vidas
q
ue
e
stavam
fora
e
escap
am
à
re
gulação
vive
m
sob
outro
regime,
por
vezes,
o
utras
no
rmas
e
form
as
de
existência,
implicando
mais
uma
multiplic
idade
de
sing
ularidades
do
que
uma
suposta
unidade.
Assim
,
tais
vidas
deman
dam
um
trabalho
de
si
,
por
parte
dos
atores
da
escola
,
so
bre
o
devi
r
que
p
rovocam,
indo
na
con
tramão
de
um
olh
ar
fixo
,
do
agir
reflexo
e
dos
rituais
aí
256
inst
aurados
pela
racio
nali
dade
econ
ômica,
pois
invo
cam
um
ethos
pela
afirm
ação
de
sua
diferenç
a,
ao
mesmo
tempo
que
agenci
am
uma
diferença
,
na
iden
tidade
func
ional
fixada.
Não
nos
referimos
à
instauraç
ão
de
um
relativismo
em
det
rime
nto
de
uma
úni
ca
verdade,
todavia,
a
uma
multiplicidade
de
form
as
de
existência
e
de
vi
das
que
vivam
tais
ve
rdades,
multiplicando
seus
sentidos
na
e
scola.
Isso
já
vem
ocorrend
o,
emb
ora
tanto
essas
vidas
quanto
as
verdade
s
que
corp
orificam
sejam
p
ouc
o
vistas
po
r
se
us
agentes
.
Exce
ção
s
ão
aqueles
que,
ten
ta
ndo
se
livrar
de
seu
registro
funcional
p
ara
se
vere
m
atores,
acab
am
e
xpressand
o
-
as
e
transf
orman
do
essa
instituição
em
e
spaço
vital,
me
smo
n
ão
se
propondo
isso
,
p
ara
a
efe
tuação
de
um
trabalh
o
ético
-
reflexivo
sobre
si,
só
po
ssível
n
uma
re
lação
co
m
o
out
ro,
com
o
diferen
te,
co
m
o
estra
nho.
O
t
rabalho
que
se
encon
tra
na
b
ase
da
fo
rmação
ética
implica
tanto
um
t
rabalho
de
si
quanto
uma
abertura
em
relação
ao
outro,
al
go
se
cundariz
ado
pelos
dispositivos
da
escol
a
e
pe
lo
o
lhar
produzido
pelos
seus
agentes
,
pelo
currícul
o
e
pe
la
verdade
aí
instituíd
a,
fazen
do
co
ng
raç
ar
um
conformismo,
simi
lar
ap
enas
àquele
veiculado
no
tempo
pres
ente.
A
cegueira
do
ol
har
do
s
agentes
acontec
e,
p
orque
o
tempo
present
e,
co
m
sua
se
rvidão
maquínica
,
nos
instiga
a
ver
na
igualdade
normalizada
um
m
odo
de
alimentar,
mais
do
que
a
diferença
étic
a,
um
individualis
mo
sem
precedentes,
que
ne
m
aco
lhe
o
o
utro,
nem
nos
faz
nos
ocu
par
eticamente
do
que
so
mos.
Mai
s
do
q
ue
cegueira
,
esse
olha
r
é
e
xpressão
cabal
de
um
conformismo
“modern
o”.
Segu
ndo
Gros
(2018,
p.
107),
tal
c
onformism
o
está
relacionad
o
à
ig
ualdade
de
normalizaçã
o
por
me
io
da
qual
“[...]
a
ordem
do
mundo
se
t
orna
para
nós
aceitável,
e
quase
desejável
”,
a
pon
to
de
os
poderes
decisórios,
os
257
comunica
dores
e
marqueteiros
já
terem
percebido
isso
há
muito,
fazen
do
cin
tilar
no
lag
o
dessa
con
form
ação
“[...] o
fantasma
de
um
si
liso,
luminoso”,
para
faz
er
com
q
ue
n
ele
mergulhe
nosso
narcisi
smo
e
aí
morramos.
Analogam
ente
ao
que
se
dá
na
adesão
ao
coletivo,
o
trabalh
o
subje
tivo
de
romper
com
e
sse
narci
sismo
pare
ce
se
r
necessá
rio,
princi
palmente
se
considerarmo
s
o
diagnós
tico
anteriorm
ente
ventila
do
da
i
nversão
da
monstruos
idade
e
se
o
estender
mos
tamb
ém
à
instituiçã
o
e
scolar.
Se
,
ante
s
,
cabia
à
e
scola
corrig
ir
o
inco
rrigível,
normalizar
o
anorm
al,
docilizar
os
corpos
da
populaçã
o
,
fo
rçando
-
os
a
um
certo
regulamen
to
e
deixando
suas
margens
abert
as
par
a
o
mundo
,
seu
desafi
o
,
agora,
é
olhar
para
essas
ma
rgens
e
acolhe
r
as
d
ife
renças
ant
es
corrigi
das,
normalizada
s
e
docilizadas
,
para
humanizar
o
obediente
funcional,
aquele
q
ue
ag
e
por
reflex
o,
adere
ao
cole
tivo
e
ali
menta
seu
narcisis
mo,
re
tirando
de
les
e
de
todos
nós
o
confo
rmismo.
Quem
sabe,
assim,
diante
desse
nosso
desa
fio,
aban
donar
íamos
a
resi
gnação
em
relação
ao
trabalh
o
de
si
imp
erante,
para
assumir
a
sua
afirm
ação,
ao
mesmo
te
mpo
que
teríamos
,
na
alteridade
com
o
o
ut
ro
,
a
possibilida
de
de
um
co
mum
emergen
te,
vivo,
potent
e,
ato…
Na
relaç
ão
com
o
utro,
pare
ce
se
mostr
ar
relevante
um
nece
ssário
trabalho
de
si,
i
mportante
para
a
form
ação
ética
na
qual
os
juízos
reflexi
vos
são
centra
is
e
para
a
mpliarmos
os
foc
os
de
resi
stência
às
fo
rmas
de
sujei
ção
empreendidas
pe
la
biopolítica
neoliberal.
Cabe
pergun
tar,
porém:
em
que
esquadro
se
situa
esse
t
rabalho
de
si
,
no
qual
se
obedece
a
certa
verdade
,
para
desobedece
r
a
outra
s?
Na
perspectiva
que
reatualiza
o
Foucaul
t
tardio,
abert
a
por
Gro
s
(2018),
desobedec
e
-
se
ante
a
prerro
gativa
de
que
ninguém
pode
p
ensar
p
or
ninguém.
Não
se
trata
de
um
singularismo
estéril
ou
da
re
cuperação
258
de
um
eu
esvaz
iado
,
na
contemp
oraneida
de,
mas
de
um
a
pre
rrogativa
de
que
ninguém
pode
decidir
por
outrem,
salv
o
nas
condições
especiais
de
menoridade
compr
ovada,
cabendo
a
cad
a
qual
assumir
o
lugar
de
d
eci
são
e
de
ass
unção
de
uma
po
stura
diante
da
vid
a,
de
sua
própria
vi
da,
assi
m
como
um
po
sicio
name
nto
no
m
undo,
seja
pela
sua
linguagem,
seja
pela
expressão
ou
presença
.
É
precis
o
d
esobed
ecer
a
par
tir
do
ponto
em
que
nos
descob
rimos
insub
stituívei
s,
no
sentido
precis
o
de
f
azer
a
exper
iência
do
indelegáve
l,
do
que
“cabe
a
mi
m
f
azer
”
(
mea
res
a
gitur
)
e
que
não
posso
tr
ansferir
a
mai
s
ninguém
a
taref
a
de
p
ensar
o
verd
adeiro,
de
decidir
sobre
o
justo,
de
deso
bedecer
ao
que
me
pa
rec
e
indel
egável
. (
GROS
, 2018,
p.
156).
Esse
“suje
ito
indeleg
ável
”,
continua
ele
,
é
o
que
nos
f
az
fugir
de
qualquer
individua
lismo,
relativism
o
ou
subjetiv
ismo
,
na
medida
em
que
a
rel
ação
com
sua
in
delegabilidade
é
“precisament
e
o
princípio
de
human
idade
”,
que
no
s
f
az
sen
tir
insubs
tituíveis
e
à
alt
ura
de
nos
colocar
a
serviço
de
um
bem
comum.
Por
i
sso
,
a
rel
ação
não
se
enl
aça
co
m
qualquer
“ensimesmamento
satisf
eito”
ou
“narcis
ismo
consumi
dor”,
os
quais
sal
vam
o
sujeito
no
próprio
quintal
e
no
se
u
jardim
secr
eto.
Ao
cont
rário
disso
:
Sentir
em
si
o
eu
[sic
]
indelegáv
el
não
é
se
s
entir
convocado
a
“ser
si
mesmo”
par
a
além
das
uniform
idades
socia
is,
nã
o
é
p
o
der
sup
or
tar
por
mai
s
temp
o
o
intolerá
vel.
Descobr
ir
em
si
o
eu
[pref
iro
si]
indel
egável
é
se
sentir
chamado
a
ag
ir
para
os
outros,
a
f
azer
exist
ir
ess
a
ju
sti
ça
cuja
u
rgê
ncia
259
sentim
os.
O
contrário
pol
í
tic
o
que
requer,
enfim,
ser
ele
própr
io
é
o
si
indeleg
ável
q
ue
ex
ige
a
dignidade
universal
.
(
GROS
, 2018,
p.
157).
Alcan
çar
tal
dignidade
pressupõe
uma
atitude
presente
na
desobedi
ência
ativa,
não
individua
l,
m
as
civil,
na
d
issidênc
ia.
Tr
ata
-
se
de
s
entir
-
se
i
nsubstituív
el
para
servir
a
outre
m,
de
alm
ejar
justi
ça
e,
especia
lmente,
a
dignidade
dos
exc
luídos,
entrand
o
em
dissidência
civil,
no
e
ntanto,
com
uma
postura
ética,
não
politiqueir
a
nem
pragmátic
a,
consona
nte
à
desobedi
ênci
a
daqueles
que
fo
ram
expurgado
s
da
ordem
civil
e
com
a
composição
das
po
tências
que
congrega
m.
Nessa
perspectiv
a,
não
é
possí
vel
delega
r
a
tarefa
a
outrem
,
imag
inár
io
ou
não,
por
qualquer
raz
ão
que
seja,
porém,
d
eve
-
se
assum
i
-
la
politicamente
co
mo
algo
co
mu
m
ao
q
ual
nos
sentimos
obrigad
os,
et
ica
mente
comprometid
os,
porq
ue
ela
só
poderá
se
efetivar
co
m
nosso
e
ngajamento.
Afinal,
de
aco
rdo
com
Gros,
o
sentimento
de
obrig
ação
em
re
lação
ao
com
um
despertar
ia,
q
uem
sabe,
“[...]
a
urgência
de
repelir
a
nossa
inércia,
de
nos
de
scobrir
solidários
e
de
nos
sublevar
.” (2018,
p.
157-158).
Gros
oferece
um
se
ntid
o
próprio
à
ética
de
si
,
ao
atualizar
as
análi
ses
fo
ucault
ianas
sobre
o
cuidado,
en
contr
ando
aí
a
resistência
responsá
vel
por
potenc
ializa
r
a
dissidência
e a
sublevação
.
A
potência
dessas
fo
rmas
particular
es
de
resistê
ncia
só
se
ri
a
possíve
l
na
relação
com o
ou
tro.
Não
se
refere
a
um
out
ro
qualque
r,
mas
ao
s
outro
s
que
escapam
da
reg
ulação
e
da
normalidade,
c
uja
vid
a
pre
cária
i
nduz
a
criar
sua
própria
norma
para
regul
ar
a
existência,
em
geral,
à
margem
da
população,
ou,
na
f
ran
ja
do
povo,
com
o
uma
fratura
da
biopolítica
,
conforme
asseve
ra
Agamben
(2004).
Entretanto,
tal
relação
supõe
uma
obe
diência
in
terio
r,
à
luz
da
qual
experiment
a
o
intoleráv
el
e
260
decorre,
em
sí
ntese,
de
um
a
rebelião
íntima
em
torn
o
da
qual
se
mobilizam
s
uas
for
ças
para
resistir,
dissen
tir
e
se
insurgir.
Esse
é
o
campo
fecundo
da
r
elação
com
o
es
tranho,
com
o
difer
ente
(
PAGNI
,
2018b,
2019a,
2019b),
para
voltar
a
si
instigado
por
uma
relação
imanente
com
o
cor
po,
o
gesto
e
toda
a
ae
sthesis
decorrente
do
encontr
o
com
o
co
rpo
alh
eio.
É
n
esse
encontro
de
corpos
,
nessa
dimensão,
que
o
o
ut
ro
agencia
em
si
sua
trans
formação
mais
profun
da
,
e
o
t
rabalho
q
ue
suscita
ade
nsa
a
subjetividade,
promovendo
um
a
exp
ressividade
ética
que
é,
em
si
mesma,
na
sua
performatividade
públic
a,
política
.
E,
na
escola,
e
sse
encontro
se
dá
para
além
do
tempo
regu
lamentado,
do
saber
e
do
e
spaço
disciplin
ar,
do
currículo
que
cap
acita,
para
se
faze
r
present
e
em
sua
margem,
por
vez
es,
co
mo
acont
ecimento.
São
os
corpos
deficient
es,
afrode
scendentes
,
transgê
neros,
f
emin
ino
s
,
q
ue
produze
m
essa
i
nvoc
ação
de
deslocame
nto,
de
descentra
mento,
de
dessubje
tivação
,
a
qual
agencia
um
tr
abalho
de
si
dos
suje
itos
indelegáveis
,
dos
atores
das
esco
las,
daqueles
que
n
ão
suport
am
mais
o
insupor
tável
e
se
insurgem
cont
ra
a
or
dem
(i
m)posta,
denunci
ando
seu
anacron
ismo
,
m
as
ta
mbé
m
anu
nciando
outr
os
processos
de
subjet
ivação,
de
formas
de
vida
singul
ares
e
de
existê
ncia
comun
s.
5.3
O
t
rabalho
ético
de
si
e o
j
ulg
ar
reflex
ivo
:
des
af
ios
para
o
fil
osof
ar
na
e
ducação
Justament
e
por
no
s
dirigirmos
a
pesquisa
dores
e
estudantes
de
filosofia
da
educ
ação,
parec
e
important
e
in
terp
elar
um
pouco
de
nossa
co
laboraç
ão
par
a
a
formaç
ão
de
sse
sujeito
(político)
superob
ediente,
q
ue
age
por
reflex
o,
report
ando
-
me
um
pouco
m
ais
261
ao
q
ue
Frédé
ric
Gros
(2018)
enten
de
por
trabalh
o
ético
e,
diria
eu,
formativo
(em
suas
diferentes
e
stil
ísticas).
Até
po
rque
a
fo
rma
co
mo
ele
dir
ige
n
osso
olha
r
p
ara
e
sse
trabalh
o
é
um
a
maneira
de
corrigir
uma
das
fo
rmas
pelas
quais
temos
insistido
n
as
pesquisas
de
sse
campo,
seja
com
Mich
el
Foucaul
t,
se
ja
com
H
annah
Arendt
,
de
modo
por
vezes
p
ou
co
preciso
e
dis
tante
do
que
nos
levaria
a
refletir
so
bre
o
conformismo,
não
some
nte
dos
agent
es
escolares,
di
ante
do
agir
reflexo
e
obedient
e,
como
também
do
nosso
,
pe
squisadore
s,
estudantes
e
professor
es
de
filosofia
da
educação.
Isso
significa
nos
perguntarmos
sobre
os
porquê
s
de
a
filosofia
da
educação
não
dar
ate
nção
ao
s
corpos
desviantes
e
ao
s
agenciam
entos
prod
uzidos
por
seus
encontros
,
na
escola?
Não
é
possíve
l
responder
à
pergunta
por
um
cami
nho
mais
curto
,
no
qual
bastari
a
discutir
o
sentido
teórico
-
con
cei
tu
al
da
pesquisa
na
área
ou
de
seu
ensino.
De
fato
,
ess
e
é
um
sentido
comum
pelo
qual
muitos
daqueles
que
atuam
nesse
campo
esboçam
uma
respost
a,
argume
ntan
do
que
o
papel
da
filosofia
na
e
ducaçã
o
é
fundame
ntar
conceitua
lmente
as
teo
rias
pedagógica
s,
oferecendo
as
base
s
de
susten
tação
teórica
par
a
as
práticas
morais
prescrita
s
pela
ed
ucação
e
para
os
princípios
didático
s
do
ensi
no
ou,
e
ntão
,
sup
rir
criticame
nte
as
limitações
dessas
práticas,
tecnolog
ias
e
teorias
com
um
(meta)discurso
capaz
de
legitimá
-
las
epistem
ologicamente
e
de
proporci
onar
uma
justifica
ção
par
a
os
saberes
científic
os
que
pretendem
to
rná
-
las
razo
áveis,
plausíveis
e
eficie
ntes.
A
filosofia
da
ed
ucação
estaria
muito
dista
nte
dos
encontr
os
dos
corpos
des
viantes
,
na
escola,
dos
a
cont
ecimen
tos
daí
decorre
ntes
ou
de
quaisqu
er
outr
os,
pois
sua
preo
cupação
é
com
o
que
p
ode
ser
conhecid
o,
com
o
fenômeno,
ou
com
o
que
po
de
ser
pré
-
con
figurado
,
262
a
partir
das
re
gras
da
razão
,
das
categoria
s
do
entend
imento
ou
m
esmo
dos
esquematism
os
da
imag
inação
.
Nesse
caso,
dado
o
c
aráter
trans
cendenta
l
e,
se
quiser
mos,
analít
ico
da
verdade
proposta
por
t
al
parad
igma
filosófico
-
educacion
al
,
não
somente
a
escola
não
seria
um
problema,
e
si
m
uma
i
deia
universal
,
co
mo
também
o
dever
ser
da
educaç
ão
ou
do
ensino
dos
estudantes
seria
preconce
bido,
do
mes
mo
modo
que
esses
próprios
atores
seriam
representa
ções
de
sujeitos
típicos,
idea
is
ou
no
rmalm
en
te
represe
ntados,
com
vistas
a
se
submeter
a
um
i
deal
transc
endental
que
os
formaria
e
os
torn
aria
humanos
.
Talvez,
inadver
tidamente,
t
al
paradigma
re
iterasse
aqui
a
inversão
assin
alada
por
Gro
s
(2018)
e
associasse
a
f
ormação
do
funcio
nário
obedie
nte
à
figura
do
autô
mato,
daquele
que
age
por
reflexo,
indiferente
ao
fato
de
que
nele
residiria
o
mo
ns
tro
contemp
orâneo,
e
não
o
huma
nizado
pel
a
educação
.
Embor
a
a
va
riação
do
que
seja
e
sse
i
deal
tran
scenden
tal
de
humano
e
de
humani
dade
se
ja
imensa
,
na
filosofia
ocidental,
fo
i
a
tradi
ção
humanista
—
para
aglutinar
imprecisamente
toda
essa
varied
ade
de
concepções
—
que
substantivou
esse
(met
a)discurso
e,
enquant
o
tal,
esse
paradi
gma,
prod
uzindo
um
d
uplo
princí
pio
de
exclusão:
o
primeiro
,
do
que
não
po
de
ser
apreendido
do
real
,
em
razão
dos
limites
do
conh
ecimento
e
das
regra
s
racio
nais
do
pensamento;
o
segundo
,
do
que,
em
f
unção
disso
,
passa
a
se
r
um
a
interdiçã
o
ou
exceção
re
al
para
aqueles
que
não
se
enquadram
em
tais
categoria
s
de
suje
ito,
de
humano
,
de
norma
l,
d
entr
e
outras,
as
quais
separam
o
mons
tro
do
homem
e
vice
-
ve
rs
a.
Não
vamos
retomar
aqui
a
crítica
foucaultiana
ao
humanismo.
Tam
pouco
faremos
digressõe
s
acerca
desse
paradi
gma,
para
usa
r
out
ra
expre
ssão
de
Foucault
(1984),
em
vista
de
mos
trar
certa
coerência
com o
po
nto
de
vista
adot
ado
—
263
a
saber:
o
da
ontologia
do
presente
—,
pois
também
em
outras
ocasiões
já
delineamos
esse
t
raçado,
ao
retomar
a
discu
ssão
a
propósito
do
en
saio
kan
tiano
so
bre
o
iluminismo
e
o
que
ente
nde
como crítica (P
AGNI
, 2014).
Nessa
direção,
Gro
s
(2018)
retoma
a
interpreta
ção
foucau
ltiana
sobre
a
saída
da
menorida
de,
ao
argument
ar
que
o
mote
do
que
nos
inter
pela
,
no
pr
esente
,
e
c
onfere
o
utro
se
ntido
à
for
ma
ção
do
hom
em
é a
atitude
de
cora
gem,
reelab
orada
de
fo
rma
precisa
:
Coragem
de
ver
dade,
c
ora
gem
de
pens
ar
em
s
eu
própr
io
nome.
Esse
exercí
cio
do
j
uíz
o
é
também
o
que
S
óc
rat
es
chama
de
“exame,
ou
seja,
a
forma
prim
eira
do
cuidad
o
que
cada
um
deve
ter
de
si
me
smo.
Podem
-
se
seguir
os
elos
de
ssa
longa
cadeia
de
equivalê
ncia
ética:
ilumin
ismo
=
ma
iori
a
[maior
idade]
=
cor
agem
=
juí
z
o
crít
ico
=
exame
=
cuida
do
de
si
=
pens
amento.
Não
fazer
nada,
n
ão
decidir
nada,
nã
o
empreend
er
nada
sem
suspen
dê
-
lo
par
a
um
exame
lúcido,
para
essa
discu
ssão
interior
que
é
o
outr
o
nome
do
pensamento
.
(G
ROS
, 2018,
p.
164).
A
aç
ão
re
flexiva
decorre
desse
pensamento,
de
sua
fo
rma
de
julgar
, à
luz
de
um
diagnóstico
que
tem
como
horizonte
o
pr
esent
e
e,
sobretu
do,
o
q
ue
somos
nós
nesse
pres
ente.
Um
“nós”
que
n
ão
corres
ponde
a
uma
alma
deterior
ada
vista
como
obj
eto
dista
nte
da
crítica
dos
juízos
e
de
sua
su
spensão
,
que
clama
por
enquadrá
-
la
e
tratá
-
la
filosoficamente
segun
do
as
re
gras
da
razão
e
as
cate
gorias
a
priori
do
entendiment
o
ou
dos
esquematis
mos
da
imagin
ação
—
para
contin
uarmos
com
K
ant
(2010),
na
interpretaç
ão
de
J
ean
-
F
ran
ço
is
Lyot
ard
(1993)
—,
mas
um
corpo
que
sobreviv
e,
um
a
pele
q
ue
resiste
264
e
um
a
vida
ingovernáv
el
,
abran
gend
o
um
a
refle
xividade
que
advém
da
indeterminaçã
o
da
experiência
e
de
um
devir
a
post
eriori
,
que,
mais
do
que
fo
rmar,
defor
ma.
É
essa
de
formaç
ão
que
n
os
detém,
pois
nela
pare
ce
est
ar
uma
das
c
haves
para
desativar
o
ag
ir
re
flexo
q
ue
habitou
as
prática
s
pedagó
gicas
,
para
ampliar
o
apre
ndizado
de
uma
superobedi
ência
na
escola,
cujo
f
im
é
formar
bo
ns
funcio
nários
e
empr
eendedores
de
si,
que
corrobo
ram
tanto
a
serv
idão
maquínica
quanto
a
propag
ação
de
monstros
incapazes
de
julgar.
Por
sua
vez,
tal
agir
reflexo
se
i
mpregna
nessas
práticas
,
porque
o
olh
ar
dos
educa
dores
ta
mbém
se
fixou
n
um
parad
igma
de
educaç
ão
q
ue
co
nverte
seu
trabalh
o
n
uma
atividade
funcional
e
em
um
conju
nto
de
tecnologia
s
quaisquer
e a
si
próprios
em
verdadeiro
s
autôm
atos.
Para
Gros
(2018),
é
a
crítica
dos
juízos
que
permitir
ia
al
go
mais
do
que
uma
crítica
vaz
ia,
nos
termos
muitas
vezes
postulados
pela
filosofi
a,
articula
da
ao
que
já
está
determinado
ra
cio
nal
mente
e
com
um
sentido
ap
aziguado
r,
prop
agando
um
a
“[...]
desobediênc
ia
não
sustentada
pela
consciência
crítica
de
valores
tr
ansc
endentes,
pela
convicção,
esclarecida
p
or
um
sentido
mo
ral
superior,
de
leis
que
dom
inam
a
human
idade
e
o
tempo
.”
(p.
167).
Ao
co
ntrário
disso,
a
crítica
dos
juíz
os
deveria
in
voc
ar
,
a
partir
da
imanente
resistência
da
pele
e
potência
ingov
ernável
do
co
rpo
,
um
ge
sto
dis
sidente,
proporci
onado
pela
“exp
eriência
de
uma
impossib
ilidade
étic
a”,
afinal
,
enfatiza
Gros
(2018,
p.
167),
o
dissidente
“[...]
desobedec
e
porque
já
não
pode
mais
conti
nuar
a
obedecer
.
”
É
essa
experiência
de
uma
impossibilida
de
sentida
no
corpo
que
faz
a
pe
le
vibrar
e
instaura
uma
ten
são
,
a
qual
,
uma
vez
consciente,
obriga
a
rupt
ura
com
o
que
nos
incomoda,
pois
n
os
265
impede
de
cont
inuar
a
obedecer
e
nos
impe
le
a
uma
n
egaç
ão
do
que
nos
aprisiona
e,
ao
n
ão
se
r
dialética
,
p
roduz
um
estrondo,
um
curto
-
circuito
em
nossa
consonâ
ncia
co
m
deter
minadas
no
rmas,
regula
mentações
e
formas
de
governo
ou
a
utogover
no.
Por
sua
vez,
é
esse
estrondo
proven
iente
da
impossibil
idade
de
cont
inuar
a
obedecer
e
da
vi
bração
da
pele
que
se
insurge
co
ntr
a
as
f
ormas
de
governo
das
quais
en
saiamos
liberar
-
nos,
curto
-
circuitando
as
relaç
ões
de
p
oder
aí
existentes
,
que
p
rovoca
m o
acontecime
nto
da
resistência
e o
gesto
da
dissidência
:
“Dissid
ênci
a”:
é a
disso
nânci
a
de
uma
voz
no
con
cer
to
monocórd
ico
de
sse
conformismo
que,
re
petimos,
só
expre
ssa
um
universal
de
con
traband
o
e
de
substituiç
ão.
Dissidência
“cí
vica”:
essa
impossibilidade
inte
rio
r
forma
no
suje
ito
uma
dobra
que
é
vestíg
io
da
human
idade
com
o
valo
r,
exigência,
ten
são
.
(
GROS
,
2018,
p.
168-169).
Essa
do
bra
nos
impele
a
ju
lgar
refle
xivamente,
tratan
do
a
ten
são
sentida
no
co
rpo
e
repercuti
da
na
p
ele
,
de
um
modo
singular
e,
por
v
ezes,
com
um
,
o
que
implica
tratar
o
agi
r
refle
xivo
não
co
mo
uma
habilidade
do
pen
sar
a
ser
adquirida
na
es
cola,
como
mais
uma
competênc
ia
a
ser
agrega
da
ao
capital
hum
ano
a
ser
fo
rmado
na
escola.
Na
verdade
,
a
refer
ida
dobra
é
sentida
na
re
laç
ão
com o
ou
tro
como
uma
af
ecção
e
comu
nicada
de
alg
uma
forma
a
destinatários
que
a
ressentem,
ven
do
,
na
su
a
proposição
de
apl
acá
-
la
e
elaborá
-
la
,
uma
possibilida
de
de
harmoniza
r
as
diferentes
voz
es
,
por
meio
de
266
consens
os
quanto
a
seu
signi
ficado
e,
sobretudo,
a
seus
sentidos
na
esfera
púbica.
Esse
é
um
do
s
caminhos
utilizados
p
ara
afrouxar
um
p
ou
co
mais
as
relações
de
poder
estabelecida
s
e
promover
um
sentimento
comum
de
ma
ior
liberação
.
Um
caminho
que
ent
ende
que
o
julg
ar
reflexi
vo
é
o
me
io
pelo
q
ual
se
constitui
a
elevação
do
sen
so
co
m
um
ao
bom
sen
so,
resp
onsável
pela
form
ação
do
gosto
e
parametriza
do
por
um
a
estética
do
belo
ou,
para
ser
um
po
uco
mais
rigoroso
,
em
termos
da
t
erceira
crítica
kant
iana,
do
sentimento
(do
)
belo
q
ue
mobilizar
ia
e
ssa
pas
sage
m,
produzind
o
os
c
onsen
sos
e,
gradativa
-
mente,
alç
ando
tal
org
aniz
ação
so
cial
a
estados
cada
vez
mais
inclusivos
.
Para
is
so,
a
ten
são
mencionada
seri
a
apl
acada
por
um
pr
ocesso
reflexi
vo
em
que
os
juízos
a
posteriori
se
articu
lariam
às
regras
da
raz
ão
e
às
ca
tegorias
a
priori
do
ent
endimento,
reelab
orando
as
categoria
s
a
priori
,
p
ara
harmonizá
-
las
às
categor
ias
a
poster
iori
,
m
ediad
as
pe
lo
esquematis
mo
da
imaginaç
ão.
De
uma
perspectiva
de
confi
guraçã
o,
seja
trans
cendental
—
nos
termos
esboça
dos
po
r
Jürgen
Hab
ermas
e
outros
filósofos
cont
emporâ
neo
s
—,
seja
naturalizad
a
—
com
o
em
John
Dewey
e
Richar
d
Rort
y
—,
do
desenvolvime
nto
da
sociedade
e
de
sua
eman
cipação,
e
sse
primeiro
c
amin
ho
ten
tou
arrefecer
o
jogo
de
f
orças
e
a
violência
instituída
nas
relações
de
poder
e,
gradativ
amente,
pr
opor
uma
s
ociedade
mais
inclusiva,
por
assim
dizer,
produ
zida
por
uma
comunic
ação
livre
de
violência
.
Esquema
ticamente
30
,
o
o
utro
caminho
ampliaria
a
i
ntensi
-
dade
da
te
nsão
sentida
pel
o
corpo
e
repercut
ida
na
pele,
com
o
um
30
Haveria,
aind
a,
um
terceiro
camin
ho,
menos
kantiano
,
mais
e
spinoza
no,
pauta
do
num
registro
étic
o,
com
s
uas
t
eoria
s
das
forças
e
da
inten
sidade
dos
afetos,
ainda
267
acontecime
nto
produtor
de
ce
rta
do
bra
subjeti
va,
na
medida
em
que
a
aprese
ntasse
publicamente,
aglu
tinando
experiências
comun
s
que
não
pude
ssem
ser
tradu
zidas
linguisticam
ente
e,
em
sua
inefabilidade
,
fossem
exp
ressas
,
a
fim
de
co
ntagiar
os
seus
destinatár
ios,
estabel
ecendo
a
pa
ralogia
e o
dissenso
en
t
re
ele
s.
Nesse
caso
,
o
que
se
verifica
é
a
maior
visibilida
de
das
relações
de
poder
e,
particularmente,
a
intensificação
das
afecções
que
evidenciam
os
se
us
jogos,
fazen
do
com
que
o
sujeito
que
se
do
bra
à
te
nsão
aí
prod
uzida
a
julg
ue
reflexiva
mente
como
um
afet
o
e
uma
percepção
para
os
quais
não
há
categoria
s
a
prio
ri
da
sensibilida
de
nem
do
entendi
mento,
tampouco
um
esquematism
o
da
imagin
ação,
o
qual
possibil
ite
sua
harmonizaçã
o
com
as
regras
da
r
azão.
Uma
t
ensão
efetiva
p
ara
a
qu
al
não
se
tem
uma
re
sposta
imediata
nem
mediad
a
por
e
ssas
facu
ldade
s,
mas
que,
ao
co
ntrário,
as
desacomoda
,
já
que
os
afetos
e
as
percepções
af
rontam
as
categoria
s
do
entendim
ento
e
as
regras
prévi
as
da
r
azão,
justamente
porque
a
imag
inação
,
ao
invés
de
articular
os
j
uízos
reflexi
vos
com
os
determ
inantes
,
por
meio
de
esquematismos,
desartic
ula
-
os.
Assim,
t
al
ten
são
joga
(com
)
a
reflexiv
idade
,
num
dev
ir
sem
finalidade
a
p
riori
,
mobilizando
um
sentimento
(do
)
sublime
e
proporci
onando
um
julgamento
sin
gul
ar
ao
sujei
to,
atravé
s
da
experiência
e
dos
acontecimentos
que
a
atrave
ssa
m.
E,
por
assi
m
pouco
explorado
e,
talvez,
mai
s
desa
fiador.
Esse
camin
ho
teri
a
com
o
base
a
ética
das
int
ensidades
dos
af
etos
—
alegres
ou
tristes
—
n
os
ter
mos
que
foram
reto
mados
por
Deleuze
(2002,
2017)
e,
num
a
tradução
mais
agud
a,
por
Deleuze
e
Guattari
(2011).
Mas,
dado
q
ue
ainda
não
a
compreendemos
a
contento
,
embor
a
tal
caminh
o
seja
mais
instig
ante
do
que
os
outros
dois,
ao
nos
remeter
a
uma
economia
dos
afetos,
nós
o
expl
orar
emos
no
próx
imo
capí
tulo.
Com
outro
olhar,
ele
tam
bém
vem
sendo
analisado
por
Vla
dimir
Safatle
(
2016)
,
invoca
ndo
o
q
ue
deno
mina
círculo
dos
af
etos
e,
em
outr
a
variação
dessa
ch
ave
de
le
itura,
já
ha
via
sido
explorado
por
Jean
-
Fançois
L
yotar
d
(1981,
1990),
desde
o
início
d
os
an
os
1970.
268
dizer,
de
uma
perspectiv
a
ética
imanente
—
como
almejado
por
J
ean
-
Franço
is
Ly
otard
ou
mesm
o
sob
a
ó
tica
de
um
a
igualdade
política,
como a
pos
tulada
por
Jacques
Rancièr
e
—, o
que
se
vê
é
que
os
juízos
reflexi
vos
at
uam
s
ob
re
as
diferença
s
en
tre
o
pens
ar
e
o
re
pres
entad
o,
a
c
omun
icação
e
o
incomunicá
vel,
não
at
uando
sobre
o
bom
senso
capaz
de
form
ar
consens
os
nas
comunidades,
t
odavi
a,
m
ergulh
ado
no
dissen
so.
É
ne
sse
mergulho
que
se
pode
enc
ontr
ar
um
sentido
imanente
e
um
sensus
communis
cuj
a
forma
de
o
rgani
zação
se
dê
pela
intensidad
e
dos
afetos
e
de
sua
incomunicabilida
de,
ao
mesmo
tempo
que
seu
de
vir
se
desenhe
pelas
relações
entre
os
difer
entes
modos
de
vida
e
do
poder
ou
da
po
tênc
ia
que
exprimem,
sem
que
isso
impl
ique
sua
supre
ssão
,
em
no
me
do
fim
da
violência.
Almeja
-
se,
n
esse
jogo,
evitar
estados
de
domin
ação,
microfascis
mos
in
staurado
s
no
cotidiano
,
em
nome
de
alguma
teleologia
,
uma
razão
trans
cendenta
l
ou
m
esmo
a
p
resunção
de
um
a
regul
ação
m
ora
l
superio
r,
pois
pautad
a
n
uma
ideia
unive
rsal
de
h
umani
dade,
de
socieda
de,
de
eman
cipação
.
Sob
essas
condições
,
o
ju
ízo
reflexivo
é
sua
única
arma,
o
sentimento
(do
)
subl
ime,
sua
convivên
cia
e
o
d
issenso
,
o
me
io
em
que
se
vive,
com
a
possib
ilidade
de
julgar
se
esse
viv
er
potencializa
mais
ou
menos
a
vi
da
singula
r
e
se
amplia
as
possib
ilidades
do
b
em
viver
comum.
Tanto
n
um
q
uanto
nou
tro
camin
ho,
o
ag
ir
reflexivo
ganha
outra
conotaçã
o,
saind
o
de
um
regi
stro
de
enqua
dramento
do
determinism
o
categóric
o,
de
onde
tem
ope
rado
a
ciê
ncia
que
o
legitima,
e
da
instância
regulamentado
ra
-
tra
nscendenta
l
da
razão
,
na
qual
vem
se
apoi
ando
o
(met
a)discurso
filosófico
,
p
ara
conferir
superio
ridade
e
val
or
de
verdade
à
sua
justif
icação
em
vá
rio
s
campos,
269
entre
el
es
o
da
ed
ucação.
Nesse
caso,
o
agi
r
re
flexivo
poderia
se
r
o
proce
sso
não
apenas
para
elabo
rar
um
a
teoria
educaci
onal
pelo
pesquisa
dor,
como
também
para
o
profess
or
preparar
as
questões
que
atravess
am
sua
prática
pedagógica
,
constitui
ndo
-
se
numa
das
formas
de
p
ensar
reflexivame
nte
sobr
e
a
e
ducaç
ão,
como
sugeriu
Seve
rino
(2000),
o
u,
por
as
sim
dizer,
um
modo
de
fazer
filosofia
da
educ
ação
em
sentido
estrito.
Não
obsta
nte
o
auto
r
qualificar
as
perspectivas
teórica
s
que
se
ocup
am
da
dim
ensão
esté
tica
da
relação
e
ducati
va,
ag
lutinando
-
as
em
torno
do
q
ue
denomina
de
“sensibi
lidade
desejant
e”
(S
EV
ERINO
,
2000,
p.
307),
pou
cas
d
elas,
compreendida
s
em
sua
particular
idade,
optam
por
enfocar
a
ed
ucação
como
p
rerrogativa,
como
fon
te
ou
como
obj
eto
do
d
esejo,
m
as
preferem
vislum
brar
,
na
sensibil
idade,
na
experiência
e
nos
encon
tros
dos
corpos
,
sol
o
favorável
para
a
emergênci
a
dos
juí
zos
re
flexivos.
É
n
esse
campo
sensíve
l
das
práticas
educat
ivas
que
a
esc
ola
poderia
ser
pe
nsada
como
um
pr
oblema
filosófic
o,
e
n
ão
ape
nas
form
al
ou
teórico,
entreta
nto,
co
mo
um
problema
vi
vo,
pulsante
e
inde
term
inado
,
própr
io
ao
trato
da
fi
losofia
como
art
e
do
p
ensar
e
do
julgar
re
flexivame
nte
—
sem
se
arrogar
o
lugar
de
fundamento
último.
Par
a
tanto,
outros
parad
igmas
filosófic
o
-
ed
ucacionai
s
po
deriam
se
colocar
em
dispu
ta
com
esse
—
e
assim
vem
ocorrend
o
,
nas
ú
ltimas
décadas
—,
onde
o
campo
es
tético
se
sobrepõe
à
fundamen
tação
metafísica
ou
científica,
abr
indo
possibilida
des
em
termos
filosóf
icos
de
sua
articula
ção
com
a
ética
e
a
política.
A
questão
que
perma
nece,
porém,
é
que,
mesmo
no
desenho
desse
outro
paradigm
a,
as
pes
quisas
em
filosof
ia
da
educação
se
aventuram
a
ade
ntrar
o
campo
dos
corp
os,
dos
acon
tecimentos
e
dos
270
agenciam
entos
que
seus
encontros
propicia
m
,
na
es
cola.
No
entanto
,
apen
as
os
tang
enciam
,
poi
s
não
se
o
cupam
em
cr
iar
ferram
ent
as
menos
analíticas,
mais
cart
ográfi
cas,
para
decodifi
car
a
expressividade
desses
corpos
e
interpret
ar
os
acontecimentos
suscitados
por
seus
encontros
,
permit
indo
-
se
asso
mbrar
com
o
estranhamento
q
ue
agen
ciam
e
aí
enc
ontrar
o
que
restou
de
nossa
huma
nidade.
Para
essa
arqueolog
ia
nos
têm
f
altado
ferrame
ntas,
assim
como
a
humildade
de
reverte
r
uma
p
ostura
do
pesquisa
dor
que
se
acostu
mou
a
olhar
do
alto
e
que
n
ecessita
,
ago
ra,
se
não
ras
tejar,
ao
menos
convive
r
c
om
es
se
outro,
cri
an
do
com
e
le
sentidos
e
cami
nhos
diver
sos
para
o
agir
reflexi
vo
na
educação,
em
contraposiçã
o
a
seu
ag
ir
reflexo
atual.
Se
esse
limite
é
percep
tível
no
âmbito
das
pesquisas
e
faz
com
que
alg
uns
de
nós,
pesquisad
ores,
nos
interpe
lemos
sobre
o
estranhame
nto
de
que
tanto
fal
amos
para
filo
sofar,
ele
é
ain
da
maior
no
que
diz
res
peito
ao
ensino
e
à
docência
de
filosofia
da
ed
ucação
,
nos
cursos
de
form
ação
de
profes
sores.
A
razão
é
qu
e
,
aí,
ante
s
de
nos
ocuparmo
s
em
armar
os
futuros
profess
ores
co
m
boas
ferrame
ntas
e
experiência
s
com
um
ethos
filosófico
mais
adequad
o
à
docência
e
a
seu
campo
de
at
uação,
particu
larmente
a
escola,
nós
no
s
preocupam
os
com
a
t
ransmissão
de
conceitos
decor
rentes
da
histór
ia
da
filosofia,
da
leitura
de
textos
clássicos
ou
da
filosofia
da
educação
.
Por
vezes,
po
uco
temos
sido
cap
azes
de
focar
as
questões
emerg
entes
do
agir
reflexivo
e
da
atuação
docente
,
na
escola,
de
tratar
a
docência
c
omo
um
problema
filosófico
e
suas
questões,
como
nece
ssárias
para
o
exercíci
o
do
julgamento,
da
alterid
ade
com
o
o
ut
ro
e
do
trabal
ho
de
si,
ai
nda
que
,
em
termos
ini
ciais
,
i
ntrodutóri
os,
já
que
essas
práticas
acomp
anharão
esses
fut
uros
profissionais
,
ao
longo
da
vida
(P
AGNI
,
2010).
271
Tanto
uma
form
ação
mais
clássic
a
quanto
uma
mais
pautada
por
exerc
ícios
filos
óficos
sã
o
comp
lementares
,
mas
a
ên
fase
excessi
va
em
uma
delas
pode
corroborar
form
as
distintas
de
c
onformism
o
e
de
agires
refl
exos
,
na
escola
:
de
um
lado,
com
um
aprendiza
do
mecânico
e
inadvertido
do
po
nto
de
vista
filosófico,
sem
v
ín
cul
o
reflexivo
com
a
experiência,
e,
de
out
ro,
um
experimentalismo
vazio,
c
arent
e
de
densidade
conc
eitual
e
elaboraç
ão
filosófica.
Enc
ontr
ar
um
t
ermo
adequ
ado
na
form
ação
dos
futuros
professores
pare
ce
se
r
o
principa
l
desafi
o
para
os
profess
ores
de
filosofia
da
ed
ucação
dos
cursos
inicia
is
e
cont
inuad
os
de
fo
rmação
docente.
Ir
ao
s
limiares
das
pesquisas
de
campo
pode
nos
auxiliar
nessa
condição,
assi
m
como
int
erpe
lar
-
n
os
sobre
o
nosso
papel
atual
,
revert
endo
uma
posição
hierárquica
à
q
ual
nos
acostuma
mos
,
no
âmbito
dos
saber
es
pedagógicos
e
do
ju
í
zo
det
ermi
nan
te
c
omo
fundamento
da
educação
.
Nas
n
ossas
práticas
acadêm
icas,
nós
nos
habituamo
s
aos
jogos
de
pod
er
atuais.
Tudo
isso
requer
outra
atitude
jun
to
aos
corpos
desviantes
e
aos
acontecim
entos
decorren
tes
de
no
ssos
encontros
,
na
escola.
Talve
z
essa
atitude
de
reversão
nos
auxilie
a
desp
ertar
também
de
no
ssa
in
érc
ia
e,
q
uem
sab
e,
de
uma
letargia
replic
ada
em
nossas
práticas,
pelas
razões
anteriorm
ente
expostas,
deixando
de
falar
do
ag
ir
e
do
julg
ar
reflexi
vo
,
para
exe
rcitá
-
los
cotidiana
mente
em
nossas
vidas
tão
capturad
as
pelos
dispositiv
os
de
biopoder
do
neolib
eralismo.
Quem
sab
e,
assim,
façamos
,
de
um
cotidiano
de
exce
ção,
um
cotidiano
de
ação
reflexi
va
e
de
julgam
ento
crítico,
c
ontrapondo
-
nos
aos
estados
de
d
ominação
e
ao
s
microfasc
ismos
que
nele
se
instauram?
Começan
do
por
nos
livrar
do
modo
co
mo
eles
se
impregnam
so
bre
nós
e
nos
captura
m,
o
que
só
pare
ce
p
ossível
na
re
lação
com
o
que
nos
é
es
tranho
e
c
apaz
de
agen
ciar
em
nós
uma
profund
a
272
transf
ormação
.
É
no
âmbito
dessas
relações
dos
corpos
desviantes
e
dos
ac
ontecimen
tos
d
ecorrentes
de
seus
enc
ontros
na
es
cola
q
ue
parec
e
ser
p
ossí
vel,
ma
is
do
que
t
ratar
essa
instituição
c
omo
pr
oblema
filosófic
o,
nos
pôr
à
prova
e
nos
(trans)formare
m
como
professor
es
de
filosofia
da
ed
ucação
de
cu
rsos
de
fo
rmação
de
educador
es,
forçan
do
-
nos
a
enxergar
as
so
mbras
que
raramen
te
vemo
s
e,
com
elas,
sai
r
de
nosso
co
nforto,
para
dei
xar
de
aceitar
o
que
há
muit
o
já
ac
eitamos
de
bom
grado:
o
ina
ceitável.
273
C
A
P
Í
T
U
LO
6
A
poss
ibilidade
de
uma
in
clus
ão
po
r
vir:
d
a
he
te
rotopol
ologia
à
c
art
ograf
ia
do
cor
po
c
omum
A
perspectiva
abe
rta
por
e
sse
lug
ar
o
cupado
pela
filosofia
,
na
arqueolog
ia
dos
saber
es
s
obre
a
deficiência
e
em
uma
genealogia
da
inclusão
educ
acion
al
,
propõe
-
se
oc
upar
o
limiar
entr
e
o
perceber
e
o
pen
sar,
que
tange
ncia
essa
economia
dos
afetos
ou
erótica,
por
meio
de
sua
aproxi
mação
de
um
t
erreno
aqui
d
enomi
nado
estétic
o.
Almeja
uma
análi
se
da
proven
iência
dos
movime
ntos
produ
zidos
por
esses
corpos
que
en
carnam
as
diferença
s,
m
apean
do
sua
s
heterotop
ias
e
utopias
locais
,
p
ara
posterior
carto
grafia
dos
devire
s
e
d
os
agenciam
entos
comun
s
qu
e
provo
ca
m,
nesse
c
onte
xto
particular
da
inclusão
ed
ucacion
al
brasileira
,
como
ensaiam
os
na
pesquisa
cujo
s
resultado
s
apresentamos
nos
capítulos
anteri
ores
deste
livro
.
Assim
descri
tos,
objetivou
-
se
dar
maior
visibilid
ade
à
presença
dos
corpos
que
en
carnam
as
diferenç
as
–
particu
larmente,
a
deficiência
–,
auxiliar
na
diag
ramação
dos
devi
res
minoritários
que
c
olocam
em
circ
ulação
e
nos
mapas
de
seus
agenciamentos
co
mun
s,
assim
como
discutir
filosoficamente
o
quanto
esses
movim
entos
produzi
ram
uma
crise
que,
des
de
su
a
emergê
ncia
h
istórica
,
af
ronta
o
paradigma
atu
al
de
inclusão.
Para
Foucaul
t
(2019),
a
h
eterotop
ologia
é
uma
ciência
cujo
sonho
é
est
udar
os
espaços
heterotópicos
em
que
se
movimenta
m
os
274
corpos,
interna
ou
externament
e
às
instituições,
com
vistas
a
mape
ar
como
habitam
esses
espa
ços
e,
em
seu
interio
r,
lutam
por
uma
utopi
a
local,
dando
vis
ibilidade
aos
se
us
devires
e,
por
vezes,
aos
enuncia
dos
criado
s
a
partir
de
suas
ações.
Esses
espaços
também
fo
ram
vislumbrado
s,
muitas
vezes,
como
o
olh
ar
do
colonizad
or
sobre
a
colônia,
que
vi
am
em
su
a
li
beração
n
ormativ
a
certo
p
araíso
da
liberdade,
ou
como
as
v
arandas
de
casa
,
que
recebem
os
viajantes
e
os
abrig
am
na
sua
passag
em
,
desde
que
n
ão
aden
trem
porta
ad
e
nt
ro
de
sua
intimidade
ou,
ainda,
co
mo
um
n
avio
suje
ito
aos
acidentes
do
mar,
às
v
ariaçõe
s
do
vent
o
e
aos
mapas
utilizados
pelo
timon
eiro.
Essas
imagens
podem
ser
relac
ionad
as
aos
dispos
itivos
de
inclusão
,
na
medida
em
que
o
co
rp
o
que
enca
rna
as
diferenç
as
fo
ram
vistos
como
espa
ços
de
maior
liberdade
,
q
ue
rep
resentam
uma
ame
aça
para
esse
olh
ar
coloniz
ador,
se
os
se
us
de
vires
são
contidos
direcionados
a
certo
regram
ent
o
s
oci
al
para
o
qual
o
e
stranho
permaneça
próximo
e,
ao
mesmo
tempo,
à
distância
para
prese
rvar
a
intimidade
ex
istente
e
comandados
por
car
tas
náuti
cas
supostamente
objetivas
,
em
virtude
dos
saberes
específicos
e
tecnologias
capaz
es
de
neutraliza
r
o
perigo
com
um
que
representam.
Esse
perigo
fo
i
aqui
represen
tado
por
corpos
q
ue,
embora
tenham
sid
o
conhecidos
pela
funci
onalid
ade
de
seus
órg
ãos
ou
até
mesmo
pelo
m
ecanismo
de
seus
instintos,
não
foram
codificado
s
em
sua
f
orça
vital
e
economia
libidinal,
por
mais
que
al
guns
saberes
especializa
dos
o
tenham
tentado,
apre
sent
ando
-
se
como
supe
rfície
de
inscrição
dos
acontecime
ntos,
atraves
sada
por
acid
ente
s
i
ncontor
náveis
,
cat
ali
s
ador
de
intensidades
de
prazer
e
gestor
de
forças
ingover
náveis
que
fazem
pulsar
a
vida,
mesmo
quan
do
o
seu
c
ont
role
a
de
seje
sem
pulso:
morta
.
275
Não
é
propriamen
te
a
hetero
topolog
ia
que,
no
projeto
foucau
ltiano,
se
responsabiliza
pel
a
dinâmica
q
ue
denomi
na
erótica,
por
assim
dizer,
mas
a
cart
ogr
afia,
co
nfo
rme
revela
,
em
uma
passag
em
de
seus
Subjeti
vidade
e
verdade
(1979-1980),
qu
ando
anal
isa
a
passage
m
da
erótica
grega
ao
dispositivo
de
sexual
idade
no
q
ual
se
apoiou
o
código
cristã
o
e,
depois,
a
c
hamada
sciencias
sexua
lis
.
Em
reali
dade,
Foucault
(1988,
2016)
aí
apen
as
pro
curou
carto
grafar
a
erótica
grega,
não
ten
do
de
senvolvido
em
seu
projeto
,
de
maneira
mais
detida,
incl
usive
em
face
de
cert
a
ec
onomi
a
do
prazer
,
à
luz
da
qual
problemat
izou
a
c
entrali
dade
do
de
sejo
abordada
por
Deleuze
e
Guattar
i
(2010,
2017).
Com
o
intu
ito
de
e
laborar
uma
cartog
rafia
que
permi
ta
essa
mútua
interpelação
desses
filós
ofos
da
diferença
,
em
torno
de
uma
economia
dos
afetos
,
metodolo
gicamente,
inte
ressa
a
esta
pesquisa
,
na
pass
agem
dessa
heterotopo
logia
a
uma
carto
grafia
,
encont
rar,
metodolog
icamente,
não
s
omen
te
um
devi
r
foucaultia
no
em
Deleu
ze,
com
o
também
um
devir
del
euz
i
ano
em
Fo
ucault.
Para
auxilia
r
ne
sses
di
agramas,
no
e
ntrecruz
amento
dessas
duas
trajetór
ias
filosóficas,
o
projet
o
foucau
ltiano
entra
com
sua
casu
ística
p
ara
exprimir
o
que
Jud
ith
Re
vel
(1984)
ch
ama
de
casos
literários
,
isto
é,
casos
que
não
são
exceçã
o,
mas
expre
ssão
de
uma
singularid
ade
que
não
cabe
no
arquivo
a
rqueológic
o,
nem
no
registro
genealóg
ico,
mas
fig
ura
singularidades.
São
persona
gens
co
mo
Herculi
ne
Barbi
n,
Ch
arles
Jo
uy,
Pierre
Rivière,
dent
re
outros
,
q
ue
operam
ne
sse
campo
de
sua
casuística,
pro
vocando
a
emerg
ência
de
um
limiar
, o
qual
os
conc
eitos,
os
s
aberes
cien
tíficos
e a
s
ensibilidad
e
anest
esiada
pelos
juízos
determina
ntes
e
reflex
ivos
não
consegue
m
acessar,
abri
ndo
-
se
a
um
a
criação
de
outr
as
fo
rmas
de
existência
,
n
ão
subjetivávei
s
,
a
priori
,
m
as
somente
a
post
eriori
,
com
uma
espécie
de
276
descri
ção
ficcional
pr
ópria
d
as
artes
e
catali
sada
por
sua
filosofia
que
gosta
de
habitar
limiares
,
como
a
infâmia.
Por
sua
ve
z,
o
projeto
deleuz
o
-
guatt
ariano
ent
ra
com
os
personagens
conceit
uais
q
ue
cumpre
m
função
análoga
de
interpe
lação
do
que
somos
nós
,
no
pr
esente,
inco
mod
ando
o
leitor
e
colocando
em
xeque
nosso
s
modos
de
existência,
porém,
tais
personagens
n
ão
são
cri
ados
dos
arquivos
históric
os,
mas
saem
d
as
pág
inas
literária
s,
da
ficção,
de
cer
ta
hipérbole
nos
traços
e
caricat
ura
dos
rostos.
T
anto
a
casu
ística
foucau
ltian
a
quanto
o
per
sonagem
conc
eitual
d
ele
uzo
-
guatt
ariano
t
angen
ciam
os
corpos
que
encar
nam
as
diferenças
,
anteriorm
ente
menci
onados,
como
uma
figuração
literár
ia
e
que
brota
de
um
terreno
artí
stico
,
antes
do
que
pr
opriamente
do
estét
ico,
que
po
dem
se
r
mo
biliza
dos
para
que
e
sta
pesquisa
se
aproxime
um
pouco
mais
de
sua
materialid
ade.
Para
is
so,
elegemos
a
figura
de
Charles
Jouy
e
as
implicações
de
seu
retardo
–
uma
vez
que
a
pandemia
da
COVI
D
-19
limitou
o
acesso
a
uma
invest
igação
de
maior
envergadura
,
no
te
rreno
e
mpírico
dessas
figura
s
–
p
ara
toda
uma
an
átom
o
-
política
que
levou
a
sua
con
dição
an
ômala
a
um
est
ado
de
perman
ente
degenerescê
ncia,
utilizad
o
para
minorizá
-
lo
e
t
orn
á
-
lo
inculpáve
l
juridica
mente
pe
los
seus
ato
s,
mas
também
conde
ná
-
lo
a
permanent
e
exclusão
,
mesmo
ante
a
sua
event
ual
inclusão,
d
adas
as
suas
caracter
ísticas
fenotípicas
e
sua
ingovernabi
li
dade.
Ess
a
ingovernabilida
de
se
refere
não
so
men
te
às
dificuldades
do
governo
de
corpos
heterotópic
os,
tampouco
de
imprimir
sobre
a
sua
diferença
o
re
gistro
de
um
s
igno
de
am
eaça,
como
desenvolvido
por
uma
corren
te
auto
ritária
do
liberalismo,
no
s
termos
assin
alado
s
po
r
Gregórie
Cham
ayou
(2020),
mas
a
um
a
economia
do
s
afetos
ou
uma
erótica
d
estoante
da
nor
ma
médica
e
da
277
mecânica
instin
tual
,
de
codificadas
como
norma
is
,
pelos
sab
eres
psiquiátr
icos
e
tecnologias
,
de
on
de
prov
êm
as
fo
rças
ing
overnáveis
que
reg
em
e
ssa
existência
si
ngular,
a
qual
produz
devires
minoritários
,
a
partir
de
se
us
déficits
fu
ncionais
ou
deficiê
ncia
,
em
to
rno
dos
quais
se
prod
uz
em
form
as
de
vida
co
muns.
Se
e
ssas
form
as
com
uns
de
existênc
ia
interpelam
a
comunidade
ou
a
ald
eia
francesa
na
qual
vive
o
persona
gem,
ger
ando
um
rebuliço,
o
que
dirá
para
nós
ho
je
a
potência
desse
retardo
,
numa
época
em
q
ue
ralent
ar
o
tempo
an
te
a
eficiência
co
mo
impera
tivo
moral
de
nossa
vida
e
em
que
um
corpo
caótic
o,
sem
sua
funci
onalid
ade
orgânica
e,
mais
recentem
ente,
cerebral
,
no
seu
comando,
repre
senta
sempre
um
a
ame
aça?
Diante
d
es
se
questiona
mento
e
esq
uadro,
p
arece
ser
po
ssível
aproximar
c
asos
parad
igmáticos
c
omo
e
sse,
elaborados
por
Foucault
(2010),
do
que
Deleuz
e
e
Guattari
(2004b)
de
nominaram
personagens
conceituais
,
se
não
pelo
mod
o
como
relaciona
m
a
percepção
ao
pen
sar
–
bastante
claro
s
,
no
t
erreno
estétic
o
d
esses
últimos
,
e
ob
scuro
,
nos
critérios
arquiv
istas
de
h
istoria
dor
do
primeiro
–,
ao
menos
pelos
efeitos
q
ue
produze
m
o
u,
melhor
seri
a
dizer,
por
sua
funcionalida
de.
Na
verdade
,
para
esse
s
últimos
,
o
personage
m
conceitual
opera
interpeland
o
um
estad
o
de
funciona
lidade
e
de
normalidade
instau
rados
pelos
conceitos
e
pelos
percept
os,
desacomodando
ce
rt
a
estrut
uração
de
saber
es
e
tecnol
ogias
tão
bem
estruturadas
em
um
d
ispositiv
o
, o
qual
,
gradativ
amente,
se
inc
orpora
aos
hábitos
e
aos
processos
de
subjet
ivação,
rompendo
-
os
por
me
io
de
im
agen
s
bastan
te
incomu
ns.
É
o
c
aso
do
Idiota
de
Dostoievsk
y
ou
do
escrivão
(Bartleby)
de
Melville,
retoma
dos
por
Deleu
ze
e
Guarrari
(1997,
2004b),
porém,
é
também
o
de
vários
personage
ns
da
lit
eratura
que
re
tratam
278
como
seus
p
erson
agens
(re
ais
ou
ficcionais)
funciona
m
co
mo
interc
essores
,
na
instituiç
ão
ed
ucativa,
seja
em
instituições
asilares,
co
nf
orme
revelado
por
Ferna
nd
D
elig
ny
(2015,
2018),
na
primeir
a
metade
do
século
passado,
seja
em
escola
s
regulares
,
entre
seus
muros
ou
para
fora
deles,
como
Maximillien
,
no
li
vro
de
Dan
iel
Penn
ac
(2008),
em
mea
dos
dos
an
os
2000,
ou,
mesmo,
de
pe
rsona
gens
bras
ileiros
, como
Eva
e
Israe
l
,
da
coletânea
de
cr
ôni
cas
de
A
vida
que
ninguém
vê
,
de
El
iene
Brum
(2006).
Em
g
rande
medida
,
e
sses
persona
gens,
que
auxiliam
a
pesquisa
a
circunscr
ever
um
espectr
o
literário,
não
podem
ser
cla
ssificados conform
e
uma
diferença
que
os
identifiqu
e,
pois
são
uma
multidão
del
as
que
po
voam
se
us
corpos,
atravess
ad
os
por
condições
de
gênero,
étnico
-
raciais,
de
de
ficiência,
de
vulnerabilid
ade
socioeconômica
,
dent
re
out
ras
q
ue
os
singulariza
m
e,
ao
assim
fazê
-
lo,
os
torn
am
p
ouco
comu
ns
ou
inc
omu
ns
para
a
sociedade
que
habitam.
Por
vezes,
e
sse
aspecto
os
condena
à
rec
lusão,
à
marginaliza
ção,
à
e
xclusão
ou,
até
mesm
o,
a
uma
in
clusão
-
exclude
nte,
nos
termos
a
nte
rior
mente
salientados
,
n
ão
po
r
uma
questã
o
de
destino,
nem
de
direito,
mas
de
vi
da
ou
morte,
lanç
ando
-o
s
a
uma
batalh
a
infinita.
A
po
tên
cia
expressa
por
esse
s
person
agens
que
for
çam
as
barreiras
e
os
muro
s
que
os
cercam
para
um
fora,
se
m
porvi
r,
é
análo
ga
à
de
muitos
de
nosso
s
alun
os
, com
quem
tem
os
convivido
na
universi
dade:
vulneráveis
em
situação
soci
oeconômica,
negros,
trans
gêneros,
gays
ou
lésbicas,
deficientes.
Remetem
também
a
uma
experiência
familiar
do
nascimento
e
do
convívio
com
minh
a
filh
a
com
Síndrome
de
Do
wn
,
que
me
for
çam
cotidia
namente
a
enf
rentar
os
meus
devire
s
majoritários
de
mac
ho,
branco,
assalari
ado,
normotíp
ico,
heteros
sexual,
anal
ogam
ente
aos
afetos
que
cada
um
279
daqueles
corpos
suscit
a
nos
atores
da
unive
rsidade
ou
de
qualquer
instituição
educ
ativa.
De
ssa
forma,
os
af
etos
que
provoc
am
lançam
o
pesquisa
dor
a
um
cam
po
de
empirici
dade,
onde
não
exist
em
dados
a
serem
coletados
,
mas
uma
experiên
cia
-
limite
a
ser
vivida,
par
a
us
ar
a
expre
ssão
de
David
Lapoujade
(2017),
q
ue
o
coloca
ao
l
ado
de
cada
um
deles
na
batalha
pe
la
vid
a,
pela
sua
afirmação
de
diferença
s.
Não
se
trata
mais
de
testemunhar
,
mas,
co
mo
suge
re
e
sse
intérprete,
def
endê
-
los,
estar
ao
lado
,
lutar
j
untos
com
ali
anças
imprevisíve
is,
para
não
dizer
impossíveis,
m
as
que
só
são
visl
umbradas
na
batalh
a,
nela
emergindo
com
o
uma
fo
rça
ingove
rnável
que
se
apossa
dos
demais
e
os
entu
siasma
a
lut
ar.
É
esse
reg
istro
estético
do
qual
parte
esta
pesq
uisa
,
em
busca
do
primeiro
objetiv
o
an
ter
iorm
ente
enunciad
o,
em
n
ada
se
asse
mel
hando
ao
que
se
conhec
e
como
pesquisa
empírica.
Ao
cont
rário,
e
le
se
relacio
na
a
uma
experiência
vital
pela
qual
o
pesquisad
or
é
tomado
–
se
não
estiver
totalmente
imunizad
o
dos
afetos
e
indiferen
te
ao
que
provo
cam
–,
tornando
-
o
poroso
e
pe
rmeável
aos
movi
mentos
aberrantes
d
esses
corp
os
povoados
pelas
d
ifer
enças
e
abertos
ao
seu
acolhimento,
ou,
co
mo
se
postula
na
pesquisa,
dar
-
lhes
visibilida
de
na
cen
a
pública
da
inclusão
educac
ional
bras
ileira.
São
tais
movim
entos
que
propiciarão
,
na
continuid
ade
de
ssa
pesquisa
,
rechea
r
de
o
ssatura
e
carn
e
os
persona
gens
menciona
dos,
num
j
ogo
de
familia
ridade
q
ue
tangenc
ia
as
s
uas
presença
s
na
instituição
educat
iva,
n
uma
fabul
ação
que
persiste
em
sinali
zar
a
diagr
amação
de
como
f
orçam
p
assage
m
p
ara
se
i
ncluir
em
seus
tempos
e
esp
aços,
margea
ndo
estrategicame
nte
a
heterocroni
a
e
a
heterotopia
da
escola
,
de
sort
e
a
afi
rmar
uma
vida
at
é
ent
ão
invisível
e
faze
r
emergir
aí
uma
crítica
radi
cal
do
atu
al
paradigma
de
inclusã
o,
280
quiçá,
a
principal
fissura
da
crise
que
se
ar
rasta
desde
sua
emergência
histórica.
Refere
-
se
,
nes
se
caso
, a
uma
inclusão,
se
não
in
-
excludente,
ao
menos
alimentada
p
elo
nomadismo
dos
de
vires
minoritários
e
pelos
agenciame
ntos
c
om
uns
que
produzem,
muitas
vezes
interpelada
pelo
at
ual
dispos
itivo
de
inclusão
brasileir
a
como
um
a
espécie
de
intrusão,
desvi
o
d
as
no
rmas
e
tran
sgressão
à
no
rmalidade
i
nstaurada
pelos
saberes
especiais
e
tecnol
ogias
que
te
nta
m
governar
essas
vidas
,
na
escol
a.
Entre
tanto,
é
preciso
sab
er
se
esse
paradigma
não
se
ria
também
cap
turado
pela
su
a
format
ação
normativa,
neutrali
zando
a
presença
dessas
vi
das
com
se
us
movimentos
ab
errante
s
e
distorcendo
os
modos
c
omo
suas
expressões
corpo
rais
se
apresentam,
represen
tando
-
os
como
de
sejam
que
sejam
vi
stos
e
dirigindo
sua
economia
erótica
para
esse
ol
har
mediano
-
normal
izado,
por
vezes
gerencia
ndo
essas
últimas
e
mantendo
à
distância
os
afetos
que
provocam
,
mediante
pr
ocedimentos
fr
ios,
tecn
ologias
e
saberes
suposta
mente
ob
jetivos.
Esse
é
o
questiona
mento
que
prete
nde
colocar
à
prova
esse
conj
unto
de
imagens,
fabulaçõ
es
e
persona
gens
conceitua
is
criados,
dando
-
lhe
s
não
somente
o
ssatura,
como
também
consistê
ncia
histórica,
quem
sabe,
um
a
in
clu
são
por
vir,
isto
é,
que
provenh
a
do
corpo
comum,
dos
devires
minoritário
s
que
ag
enci
am
e
das
diferença
s
que
sin
gul
armen
te
afi
rmam
,
na
me
dida
que
habitam
heterotopic
amente
cert
os
espaços
,
como
a
escola,
gerando
heterocr
onias
e
utopias
loca
is,
para
não
dizer,
trincheiras
e
focos
de
resistência
.
281
6.1.
À
gui
sa
de
um
a
concl
usão
inconclu
siva
Neste
livro
,
consider
ou
-
se
que
o
caráte
r
inovador
da
e
ducação
inclusiva
não
re
side
na
sua
form
ulação
en
quanto
po
lí
ticas
pública
s,
às
quais
venho
te
cend
o
crític
as
bast
ante
contundentes
,
há
algun
s
anos.
Tampouco
na
sua
constituiçã
o
como
um
disposit
ivo
de
poder
e,
mais
recentem
ente,
c
omo
um
dispositivo
de
subjet
ivação
,
que
se
materializa
m
e
aparelh
am
a
instituição
es
colar,
os
quais
ven
ho
tentando
d
iagram
ar
,
na
atuali
dade.
Ao
contrári
o
disso,
resid
e
em
compreend
ê
-
la
em
su
as
repercus
sões
para
a
transfo
rmação
dessa
instituição,
pelo
en
gendrament
o
de
processos
de
subjet
ivação
out
ros
,
provoca
dos
pela
pres
ença
d
esses
corpos
h
eter
otópicos,
dos
moviment
os
aberran
tes
decorrentes
de
seus
devire
s
e
de
agenciam
entos
comun
s
produzido
s
pel
as
su
as
diferenças
(L
APOUJ
ADE
, 2017).
Esses
corpos,
movime
ntos
e
agencia
mentos
,
não
obsta
nte
qualquer
crítica
q
ue
se
po
ssa
faze
r
às
política
s
inclusivas,
parad
oxalmente,
só
e
stão
aí,
positivament
e,
em
razão
d
elas,
das
relações
de
poder
q
ue
re
organi
zaram
e
da
governa
mentalida
de
que
colo
caram
em
jog
o,
alterando
parcia
lmente
as
rela
ções
de
fo
rças
, com
vistas
à
raz
ão
governamen
tal
e
ao
biopoder
–
é
verd
ade
–,
mas
que
trouxeram
c
onsi
go
uma
série
de
forç
as
ingov
ernáveis
,
de
devires
clandesti
nos
e
de
linhas
de
fuga
que
escapam
à
regu
lamen
tação
proposta
e
à
normaliza
ção
empreendida
,
ne
ssa
instituição,
pelos
dispositiv
os
de
pode
r
e
de
subjetivação
que
a
atrave
ss
am.
A
questão
é
que,
porém,
no
que
co
ncerne
aos
a
contecimen
tos
produzidos
po
r
essas
f
orças,
de
vires
e
linhas,
quand
o
não
invisibil
izados
por
todo
um
aparato
de
poder
institucio
nal
e
de
282
subjet
ivação,
são
m
anejad
os
por
um
conjunt
o
de
saberes
té
cnicos
e
científicos
q
ue
os
enquadra
m
e
por
juízos
que
os
determinam
,
segundo
certa
fen
omenologia
do
identificá
vel,
do
aparen
te,
do
empírico,
sem
se
dar
conta
de
seus
limites,
do
s
efeit
os
de
poder
que
inst
auram
para
a
sua
normalizaçã
o
e
da
pot
ência
de
vida
que
ev
ocam.
O
p
ior
é
a
despote
ncializaçã
o
q
ue
esses
saberes
e
tecnologia
s
especiali
zados
produz
em
,
nesse
esquadro,
conjun
tamente
com
a
predet
erminaçã
o
de
seus
mo
viment
os
como
f
enômeno
estético
e
com
a
despolitização
do
age
nci
amento
de
seus
devire
s
comun
s,
diagr
amado
com
o
uma
micr
opolítica
estática
e
privatizada
que
amplia
sua
invisibilidad
e
,
para
ma
nte
r
intacta
a
macropolí
tica
capitalís
tica
neoliberal.
Afinal,
eles
são
vistos
por
esses
saberes
e
tecnol
ogias
especiali
zados:
ora
como
desvios
que
necessit
am
ser
corrigidos
,
p
ara
que
se
integrem
à
norma
(sob
a
ótica
dos
saberes
médicos)
ou
à
normalidade
(sob
a
ótica
dos
saberes
sociológic
os,
psicoló
gicos),
o
ra
como
suje
itos
de
direito
,
cu
ja
falta
de
leis
exi
ge
uma
r
egulaç
ão
outra
a
integrá
-
los
ao
quad
ro
do
cidadão
e
do
humano
(em
termos
jurídic
os)
–
replica
ndo
aí
uma
disputa
em
torno
do
significado
do
q
ue
seria
esse
hum
ano
uni
ve
rsa
l
–,
ora
co
mo
su
jeitos
de
inte
resse
,
cuja
correção
implica
t
or
nar
todos
esse
s
corpos
funcionais
e
indifer
entement
e
produtiv
os
ao
capital
(economicamente).
Por
vezes,
esses
sa
beres
e
tecn
ologi
as
especializa
dos
atuam
de
maneira
articulada
e
nt
re
si,
dependendo
d
as
estratégia
s
de
govern
o
que
se
es
tabel
ecem
sobre
ess
as
forças,
devires
e
linhas
produzidas
pelos
corpos
heterot
ópicos,
seus
movimentos
abe
rrante
s
e
devi
res
comuns
e
dos
efeitos
de
poderes
que
repercutem
sobre
sua
superfície,
sua
identifica
ção
e
capt
ura.
Me
smo
assim,
essa
rep
ercussão,
identificação
283
e
capt
ura
não
apreendem
as
for
ças
que
excedem
a
esse
s
corpos,
os
devires
que
mobilizam
suas
diferenças
e
os
agencia
mentos
comun
s
que
con
tagiam
os
demais
atores,
r
estand
o
alg
o
de
in
governável
,
de
clandesti
no
e
de
in
surg
ente
cont
ra
toda
tentativa
de
indiferencia
ção,
de
imunizaç
ão
e
de
dom
inação.
No
limite,
elas
têm
seus
fluxo
s
desvi
ados,
conduzidos
p
ara
outras
finalidade
s
e
para
a
formaç
ão
de
proces
sos
de
sub
jetivaç
ão
majoritá
rios,
co
mo
o
corre
em
cada
um
de
seu
s
campo
s
de
registro:
quand
o
o
des
vio
q
ue
lhes
atribui
a
medicina
é
sup
er
ad
o
em
seus
déficits
,
demons
trando
o
potencial
de
ag
ir
co
n
form
e
a
n
o
rm
a;
quand
o
a
identidade
de
sua
diferença
é
reconhecida
fo
rmal
ou
juridic
amente
co
mo
um
cidadão
qualquer
ou
um
se
r
humano
co
mo
outro
qualquer;
q
uan
do
tanto
os
défi
cits
funcion
ais
quanto
as
diferença
s
encarnad
as
são
contornad
os,
a
ponto
de
se
torn
arem
produti
vos
e
funciona
is
ao
sistema
,
em
sua
mais
ext
rema
potencialida
de
vital,
a
intensificação
do
p
razer
provenien
te
desses
corpos,
ex
pressa
em
seu
s
movimentos
e
circulantes
pelos
agenciam
entos
de
seus
devires
,
se
esgota
m
num
a
mora
lidade
atlética
,
na
conquista
de
direitos
identitár
ios
e
no
co
nsu
mo
de
me
rcadori
as.
Exercem
,
d
essa
forma
,
so
bre
os
corpos
heterotópic
os,
seus
moviment
os
ab
errant
es
e
seus
devire
s
comun
s
uma
violência
simbólica,
rep
resen
taci
onal
,
q
ue,
por
v
ezes,
se
efet
ua
e
se
legiti
ma
em
outros
campos
ações
de
e
xclusão,
me
smo
quan
do
tenta
incl
uí
-
lo
s,
pois,
como
frisei
em
outra
o
casião,
e
sse
é o
pre
ço
q
ue
pag
am
para
se
r
incluídos
–
a
de
sfigur
ação
de
seu
ethos
,
em
nome
de
um
imperativo
moral
atlético,
a
cond
ução
de
seu
fluxo
de
prazer
para
a
sat
isfaç
ão
de
um
eu
narcísico
e
de
intensifica
ção
da
vida
,
no
territó
rio
autorizado
socialmen
te,
quase
semp
re
ligado
ao
con
sumo
(
P
AGNI
, 2019a).
284
Algun
s
d
esses
corpos
até
pod
em
ser
condicionados
às
modulaç
ões
e
ao
s
maquinismos
materializa
dos
pelos
dispositivos
de
subjet
ivação
do
tempo
present
e,
m
as
a
sua
singular
idade
e
os
agenciam
entos
dos
devi
res
co
muns
q
ue
mobilizam
,
com
suas
diferença
s
,
se
sobrepõe
m,
atrain
do
sobre
si
afetos
estra
nhos
,
de
t
ão
familiar
es
ou
familiar
es
de
tão
estranh
os,
gerando
repulsa
e
paixão
,
um
sentimento
parad
oxal
,
de
t
ão
perturb
ador.
Ele
s
reagem
a
uma
racio
nalid
ade
estritam
ente
alice
rçada
no
cálculo
do
biopoder,
aos
juízos
do
entend
iment
o
ou
categoria
s
q
ue
os
en
quadram,
ab
rindo
-
se
a
um
novo
ter
reno,
onde
o
saber
científico
não
os
alcança,
tampouco
os
conceit
os
filo
sóficos
e
os
esquematism
os
artísticos
i
solados,
poi
s
emergem
de
uma
experiência
singular,
somente
alinh
avados
por
um
saber
produzido
com
e
sse
outro
,
uma
ve
z
que
,
em
se
u
corpo
,
se
inscreve
uma
história,
em
seus
movimentos
,
um
modo
de
habit
ar
o
mundo
, e,
na
con
flu
ên
cia
de
se
us
devires
c
omuns
,
uma
possibilidade
de
nel
e
est
ar.
São
esses
in
dí
cios
que
se
dispõe
m à
investi
gação,
com
saberes
inovador
es
,
na
medida
em
que
trat
am
de
uma
novida
de
que
aind
a
não
se
tornou
visível
ao
mundo
,
assi
m
como
requerem
outro
o
lhar
para,
metodologica
mente,
diag
ramá
-
los
em
seus
jogos
de
poder,
mapeá
-
los
em
suas
resistência
s
e
cartog
rafá
-
los
no
delineame
nto
de
process
os
minoritár
ios
de
subj
etivaç
ão,
aval
iand
o
seu
potencial
para
desloca
r
o
campo
e
pistêmico
e,
em
especia
l,
o
devi
r
é
tico
da
pe
squisa.
A
nosso
ver
,
esses
são
os
principa
is
desa
fios
da
pesquis
a
,
nesse
campo
,
que
não
apen
as
contribui,
porém
,
renova
o
o
lhar
sobre
a
educaç
ão
inclusiv
a,
sugerindo
um
outro
paradi
gma,
menos
científic
o,
mais
estético,
men
os
filosófico,
mais
artís
tico.
Um
para
digma
que
emerge
no
preparo
e
nos
cursos
de
form
ação
de
professor
es
,
v
isto
que
285
percebem
tanto
os
limites
dos
sa
beres
aí
aprendidos
em
seu
dec
urso
quanto
os
devires
despert
ados
por
essa
pre
sença
próxima
,
d
os
quais
procuram
se
esquiva
r
,
em
nom
e
de
certa
cientificidade
pedagógic
a.
Ao
menos,
na
prática,
esse
co
nfronto
arque
ogenealó
gico
te
m
a
finalidade
de
t
o
rná
-
lo
s
problema
s
filosófico
s
para
si
e
parte
de
um
exercíc
io
prepa
ratório
p
ara
q
ue
os
experienci
e
,
com
cert
a
abert
ura
para
os
agenciament
os
com
uns
que
esse
s
processos
de
subjet
ivação
múltiplos
provoca
m
na
es
cola.
No
f
undo,
o
que
se
ensai
ou
aqui
foi
que
os
profess
ores
e
profe
ssoras,
por
um
lado,
se
pe
rcebam
pesquisadores
,
em
se
u
curso
de
form
ação,
dando
-
se
co
nta
de
que
os
saberes
produzidos
e
neles
transmitid
os
são
insu
fici
en
tes
p
ara
abarcar
em
e
ssas
presenças
próximas
que
entraram
na
escola
,
aí
encontrand
o,
graças
e
ape
sar
das
políticas
estatais
in
clusivas,
um
ambiente
de
hostilida
de
e,
parad
oxalmente,
de
acolhimento.
Por
outro
,
os
resultados
do
livro
são
um
co
nvi
te
para
q
ue
pesquisador
es
façam
desse
te
rreno
um
campo
de
experimenta
ção
filosóf
ica
e
artística
,
propond
o
que
suas
pesquisas
en
videm
esforços,
independen
temente
de
sua
e
specia
lidade,
p
ara
transpor
seus
limites
co
nceituais
e
dar
visibilida
de
ao
que
aind
a
não
foi
conceptualiza
do,
tampouco
conhecid
o,
se
ndo
objeto
de
uma
arte
heteroto
pológic
a
ou
cartográfica,
à
q
ual
os
conce
itos
podem
se
ali
ar
,
tanto
qu
anto
os
saberes,
diplomaticam
ente,
p
ara
to
rnar
aquele
acolhimen
to
maior
que
a
hostil
idade,
ve
ndo
na
dif
erença
dessas
vidas
a
possibilida
de
não
de
t
rat
á-
las
de
modo
diferenciado,
mas
de
m
odo
comum
,
com
o
todas
as
outras
e
as
no
ssas,
rompendo
com
a
monocórd
ia
da
didática,
a
generalida
de
do
currículo
e
o
desenho
universal
d
as
regula
mentações
que
reg
em
a
esc
ola.
286
Nesse
duplo
movime
nto
,
d
efronta
-
se
filosof
icamente
com
esses
sa
beres
advindos
de
outras
tradições,
criand
o
-
se
eleme
ntos
artístic
os
capaz
es
de
dar
visibilidade
aos
seus
contrapontos
,
aos
saberes
tradiciona
is
hegemônicos
e
su
as
lin
has
de
erro
dec
orrentes
dessa
sua
con
dição
on
toló
gica
e
de
modos
de
vida
que
os
e
xpressam
,
à
luz
do
s
quais
podem
to
rnar
mais
próxima
s
e
ssas
p
resenças.
Aproxima
r
-
se
dessas
presen
ças,
se
m
violentá
-
las
ou
do
min
á
-
las,
preservan
do
o
seu
modo
de
existência
sing
ular
e
convivendo
com
el
as
numa
rel
ação
em
comum
com
a
dif
eren
ça
que
produzem
e
q
ue
també
m
pr
ovoca
em
cada
um
de
nós
cert
a
mobilizaçã
o
dos
devi
res
minori
tários
parece
ser
um
dos
desafios
da
con
strução
de
outro
par
adigma
de
ed
ucação
inclusiva
.
P
ara
isso
,
é
nece
ssário
que,
esteticam
ente,
diminuamos
as
brechas,
porém,
não
nos
imunizemos
por
completo
dessas
p
resen
ças,
em
especi
al
dos
afet
os
que
despertam
e
dos
devi
res
que
mobiliza
m
em
cada
um
de
nós,
incli
nando
-
nos
a
um
e
xercício
ético
na
re
lação
com
esse
out
ro
no
qual
,
se
a
alterid
ade
não
é
tot
alme
nte
po
ssível,
a
familiar
idade
com
essa
estranheza
com
um
nos
contagie
e
nos
entusias
me
a
um
porvir
jun
tos,
h
abitad
o
por
no
ssas
diferença
s
e
po
r
suas
convi
vências
–
confluentes
ou
não.
Se,
de
ssa
for
ma,
ino
vamos
em
rel
ação
ao
q
ue
vimos
desenvo
lvendo
,
nas
pesquis
as
anteriores
,
po
r
o
ut
ro
l
ado,
reiteramos
algun
s
aspectos,
co
mo
os
salienta
dos
a
segui
r.
As
consid
erações
aqui
reunid
as
implicam
admitir
que,
conc
omit
ante
ment
e
à
d
imen
são
epistêmica
,
o
gesto
par
a
acolher
essa
presença
próxima,
não
p
ara
dom
iná
-
lo
ou
conduz
i
-
lo,
mas
par
a
passo
-a-
passo,
cam
inh
ar
ao
seu
lado,
reque
r
uma
abertura
ética
aos
aconteci
mentos
q
ue
su
as
heterotopia
s
suscitam
,
para
o
registro
histórico
de
suas
u
topias
loca
is,
aos
movime
ntos
i
nscritos
em
suas
difer
enças
e a
os
agenci
amento
s
dos
287
devires
minoritários
q
ue
p
roduzem
em
cada
um
de
nó
s.
Pen
samos
que,
p
ara
isso,
é
preciso
ade
n
tr
ar
a
e
sse
terreno
e
sentir
essa
presença
próxima,
dei
xan
do
que
el
a
adve
nha,
por
vezes,
nos
des
concerta
ndo
e
nos
obrigando
a
nos
desapr
opriar
de
nosso
s
saberes,
poderes
e
segurança
, como
ator
es
que
atuam
nas
es
colas
e
pesquisam
os
limiar
es
dessa
atuaç
ão,
em
busca
da
potência
suscitada
pelo
se
u
encontro.
Num
rela
to
de
Ca
rlos
Sklia
r
,
parece
ser
po
ssível
“
pegar
no
ar
”
o
que
quero
di
zer
com
essa
inte
rrupção
de
nosso
s
m
odos
de
habitar
o
mundo
:
A
mãe
se
s
enta
em
frente
a
mi
m,
do
o
utro
lado
de
uma
longa
escrivaninha.
Somos
muit
o
jovens
e,
co
ntudo,
a
vi
da
nos
colocou
em
l
ugares
tão
opostos,
tão
desigua
is,
que
é
impossí
vel
ol
har
-
nos
com
o
somos
fo
ra
d
aqui:
ser
es
c
omo
quaisquer
outr
os.
Ela
é
mãe
de
um
menino
com
problemas
–
es
tá
inquieta
,
cheia
de
dor
no
c
orpo
.
Eu
um
profissional
–
s
em
gr
aça,
temeros
o
de
mostrar
mi
nha
s
mãos,
carregado
de
palavras
difíce
is.
“Prec
iso
que
r
esp
ond
a
algumas
perguntas”,
di
go
-
l
he
num
tom
cerimon
ial
que
não
p
rovém
de
minha
garganta,
mas
de
um
lugar
ma
is
lon
gínq
uo,
talvez
desé
rtico.
El
a
ass
ente,
por
que
está
ali
par
a
isso:
para
sentar
-
se
e
as
sentir.
A
assimet
ria
de
vozes
se
torna
cada
v
ez
mai
s
profun
da,
mais
abismal.
Pergunto
:
“Co
m
que
idade
s
eu
filh
o
começ
ou
a
f
al
ar?
Quando
começou
a
an
dar
?
Co
mo
reage
q
ua
ndo
al
gu
ém
fala
com
ele?
Co
mo
gos
ta
de
br
in
ca?
Ele
fala
enquanto
br
in
ca?
O
que
gosta
de
de
sen
ha
r?
Ele
co
nhece
estrutur
as
288
gramaticais
complexa
s?”
–
e
assim
uma
perg
unta
atrás
da
outra,
até
c
an
sar
.
Quando
levanto
os
olhos
do
questioná
rio
par
a
enc
ontrar
suas
re
spost
as,
el
a
está
me
olhando
co
m
mal
-
estar
.
Ou
talvez
do
extremo
mais
agu
do
da
fúria.
-
Mas
o
sen
hor
já
vi
u
o
meu
filho?
-
Não
–
resp
ondo
-
lhe
–
mas
tenho
aqui
seu
histór
ico,
que
já
olharei.
A
mãe
me
toma
o
braço
e,
furios
a,
me
conduz
até
a
por
ta.
-
Poi
s
aqui
est
á
ele.
O
se
nhor
está
vendo?
Nunca
começou
a
fa
lar
,
nunca
cami
nhou,
não
bri
nca
,
não
faz
nada
quan
do
alguém
f
ala
e
não
reconhec
e
sequer
o
p
róprio
pai.
O
menino
estava
pro
strado
numa
austera
cadeira
de
r
odas,
o
olha
r
perdido
ou
nunca
ach
ado
,
os
de
dos
n
ulos,
seu
rost
o
detido
na
paralis
ia
de
algum
vazio
de
s
eu
corpo.
E
se
fo
ram
.
E
me
deixaram
com
min
ha
es
crivaninha,
com
m
eu
question
ário
e
mi
nha
ignorânc
ia.
Durante
anos
tenho
tentado,
em
vão,
encontr
ar
essa
mãe
e
esse
menino
par
a
pedir
-
lhes
p
erdão.
Ainda
q
ue,
de
alg
um
modo
,
já
o
fiz
:
jamais
voltei
a
perguntar
alg
uma
coisa
a
al
guém
sem
ter
conve
rsado
antes.
(SKLIAR,
2014,
p.
154-
155).
Essa
p
assage
m
re
trata
o
q
ue
poderíamos
ch
am
ar
daquele
desconcer
tamento
inesquec
ível,
q
ue
nos
f
az
buscar
nesse
encont
ro
um
aprendizado
co
m
a
d
if
ere
nç
a
e
que
passa
a
dem
andar
mais
um
gesto
de
acolhimento
do
que
de
defesa.
Um
gesto
m
ínimo
que
n
ão
está
somente
na
re
lação
entre
o
sabe
r
docente
e
suas
te
cnolo
gias
ou,
mesmo,
na
sua
atuação
ou
performa
tividade
,
como
ator
de
sse
ambiente
esc
olar,
entretanto,
está
em
to
do
can
to
,
em
to
do
lugar,
289
endereç
ado
po
r
out
ros
atores
que
,
muitas
vezes,
sem
ter
o
m
esmo
poder,
a
mesma
autorid
ade
h
ierárquica,
o
promov
em
e
nt
re
p
ares,
crian
do
uma
rede
com
um
que
acolhe
a
dif
eren
ça
e
a
enreda,
fazen
do
-
a
simplesmente
ser
mais
uma
de
n
tre
t
antas
outras,
medidas
n
ão
p
elo
que
valem
,
em
termos
ontológic
os
e
de
biopoder,
mas
pela
singularid
ade
de
seus
afetos,
q
ue
intensific
am
e
agen
ciam
os
de
vires
minoritár
ios
co
mun
s.
Ouvi,
c
omo
pai,
inúmeros
relatos
de
o
utros
p
ai
s
–
e,
sobretu
do,
mãe
s
–
que
dizia
m
que
seus
fi
lho
s
somente
h
aviam
si
do
incluídos
pelas
ali
anças
de
pode
r
e
pelos
encontros
afe
tivos
promovidos
pelos
outros
alun
os,
alg
uns
também
e
stigmatiza
dos,
encontr
ando
aí
seu
ref
úgio,
out
ros
tão
despr
evenidos
quanto
abertos
ao
ac
olh
ime
nto
,
se
m
t
roc
a
de
suas
pres
enças
próximas.
Muitos
deles
revelan
do
que,
co
m
essas
p
resenças,
apren
deram
e
ticame
nt
e
mais
do
que
qualquer
sentido
moralizante
que
seus
mestr
es
pro
curaram
ensinar
,
na
escola
.
Outro
s
afirman
do
que
,
com
elas,
apren
deram
n
ão
somente
um
a
troca
afe
tiva,
m
as
o
cuidado
que
lhes
era
dispe
nsad
o
e
que
jamais
aprende
ram
em
outro
lugar,
nem
com
suas
f
amílias,
tampouco
na
socieda
de,
aind
a
muito
men
os
com a
marginalid
ade.
Foram
encontr
os
dessa
naturez
a
que
me
sugeriram
a
inclusão
como
um
gesto,
tão
be
m
ret
ratado
n
este
exce
rto
de
Eli
ane
Brum,
ao
narrar
a
história
de
um
o
lhar
,
is
to
é,
a
história
de
um
jovem
adulto,
conhecido
como
louc
o,
pobre,
mendigo
,
que
ro
ndava
a
escola,
n
um
lugar
tão
miserável
qua
nto
ele,
porém,
que
encont
rou
,
no
olh
ar
da
profess
ora
Eliana
e
dos
a
luno
s
dela,
o
acolh
imento
de
que
precisava
para
se
sentir
incluído
:
290
O
mundo
é
salvo
tod
os
os
dias
por
pequeno
s
ges
tos.
Diminutos,
invisíveis.
O
mun
do
é
salvo
p
elo
avesso
da
import
ância.
Pelo
a
ntônimo
da
evidência.
O
mundo
é
salvo
por
um
olha
r.
Que
env
olve
e
afaga.
Abarca.
Resgata.
Reconhec
e.
Salva.
Inclui.
(BRU
M,
2006,
p.
22).
São
desse
s
gestos
que
nasce
m
outros
paradi
gmas
de
inclusão,
os
quais
alimentam
as
luta
s
pela
afir
mação
da
diferença
,
para
que
habitem
as
br
echas
e
diminu
am
a
fratura
biopolítica,
ao
m
esmo
tempo
q
ue
potencializa
m
as
existência
s
vividas
nesses
corpos
heterotó
picos,
mobil
izando
em
cada
um
de
nós
os
devire
s
minoritár
ios
prov
ocados
por
suas
diferença
s
,
a
fim
de
que
nos
permitam
vislumbrar
agen
ciamentos
c
omuns
,
que
escap
am
às
formas
de
c
ontrol
e
soc
ial
vigent
e
p
ara
aprimorar
os
modos
de
v
ida
democrática
.
Contud
o,
s
eu
efeit
o
mais
produtivo
é
aquele
suscit
ado
nesse
s
corpos
,
em
sua
singularidade,
o
ntol
ogi
camen
te
f
alando
,
na
medida
em
que
dei
xam
de
se
s
enti
r
como
“ser
menos”
,
nos
cálculos
do
biopoder
vigentes,
par
a
se
expre
ssar
co
mo
um
“ser
mais”,
nos
termos
salie
ntado
s
por
Mbem
be
e
reinterpreta
dos
por
Pe
lbart
(2018),
mobilizando
em
tor
no
de
si
uma
inte
nsificação
da
vida
,
que
estremec
e
a
biopolítica
neoliberal
–
a
mesma
que
procura
neutralizá
-
la,
dominando
-a
p
elo
ex
cesso
de
raci
onal
idade
econ
ômica
e
consumismo.
É
o
que
nos
inspira
uma
outra
crônica
de
El
iane
B
run
(2006),
intitula
da
“Eva,
con
tra
as
almas
deformad
as”,
com
a
qual
concluímos
es
te
livro
.
Essa
crôn
ica
cont
a
a
h
is
tória
de
Eva,
uma
mulh
er
n
egra,
pobre,
que
nas
ceu
com
paralis
ia
cerebral
e
que
enfr
entou
toda
so
rte
de
estigmatiza
ção
para
poder
estudar,
se
formar
como
professora
e
291
passar
em
con
curso
público,
sempre
mobilizand
o
a
outrem
por
piedade,
contudo,
renu
nciand
o
a
esse
sentim
ento
para
mostrar
suas
potencialida
des,
sua
força
–
uma
força
enquanto
expressão
de
sua
singular
diferença
,
que
assombra
e
fascin
a,
a
ponto
de
ser
mais
do
que
amada,
odi
ada
pela
sua
persistência.
Escreve
a
cronis
ta:
Eva
é
mulher,
negra
e
po
bre.
Eva
treme
as
mãos
.
T
udo
isso
até
aceitam.
O
que
não
lhe
perd
oam
é
ter
se
recusado
a
ser
coitada.
O
que
não
per
doa
m
a
Eva
é,
sendo
mulher,
negra,
po
bre
e
deficie
nte
física
ter
completado
a
universi
dade.
E
neste
país.
Tod
as
as
ficha
s
er
am
contr
a
ela
e,
ai
nd
a
as
si
m,
Eva
ousou
venc
er
a
aposta
.
E
po
r
isso
a
condenaram.
Atenção
para
as
p
al
avr
as
de
Eva:
–
A
cada
vez
que
me
d
erruba
rem
eu
vou
levantar
com
mais
forç
a.
Não
q
uero
s
aber
de
der
rota.
Derrota
nunc
a
estev
e
nos
meus
plan
os.
E
coi
tad
o
é
quem
me
cha
ma.
A
vida
é
pró
dig
a
em
parad
oxos.
O
de
Eva
é
que
a
od
ei
am
por
que
não
p
odem
sentir
pen
a
d
ela.
E
o
do
mundo
é
q
ue
as
piore
s
deforma
ções
s
ão
as
i
nvisí
veis.
(BR
UM,
2006,
p.
101-102).
Não
seri
a
e
ssa
f
ala
de
Eva
que
escoa
e
ecoa
en
tre
as
brechas
que
tenta
mos
fe
char,
com
a
educaç
ão
inclusiv
a,
alg
o
a
ouvirmos
em
alto
e
bom
som
,
junta
mente
com
t
odas
as
outras
vozes
q
ue
multiplica
m
as
diferenças
ou,
mesmo,
as
não
vo
zes
ex
pressas
pelos
corpos
heter
otópicos
,
um
re
cado
de
que
um
de
seus
efeitos
foi
possibili
tar
que
apareçam
e
que
agora
dev
emos
no
s
esfor
çar
por
enxergá
-
los
,
na
escola?
Mais
do
que
i
sso,
ao
ver
os
moviment
os
aberran
tes
que
produze
m,
não
chegou
o
mome
nto
em
que
precisamos
292
not
ar
que
as
diferença
s
não
h
abitam
somente
esses
corpos,
como
também
a
todos
os
de
mais,
incluindo
os
nossos,
pensa
ndo
a
escola
como
um
l
uga
r
de
se
u
encontr
o,
e
não
de
seu
silencia
mento?
Com
essas
questões,
cuja
re
sposta
implica
uma
atitude
ética
frente
ao
mu
ndo
e
o
mo
do
de
h
abitar
as
brechas
ai
nd
a
não
f
echadas
pela
biop
olítica
neoliberal
e
pelo
dis
positivo
de
in
cl
usão
educac
ional
,
concluímos
o
presente
livr
o
,
convi
dando
os
seus
leit
ores
para
que
as
pensemos
con
jun
tamen
te,
sem
qualquer
compro
misso
com
um
a
respo
sta
unívoca.
293
R
efer
ênci
as
ADORN
O,
Theodor
;
HORKHE
IMER,
Ma
x.
In
teresse
p
elo
Corpo.
In
:
ADORNO,
Theodor
;
HOR
KHEIMER,
Max.
Dialética
do
Esclarecim
ento.
2.
ed.
Rio
de
Janeir
o:
Zahar,
1986.
p.
215-220.
AGAMBEN,
Giorgio.
Hom
o
Sacer:
o
poder
sobera
no
e a
vida
nua
I.
Be
lo
Horizo
nte:
Edit
ora
U
FMG,
2004.
AGAMBEN,
Giorgio.
Profana
c
õ
es.
São
Pau
lo:
Boitempo,
2007.
AGAMBEN,
Giorgio.
Signatura
Rerum.
Bu
enos
Aires:
Ad
riana
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Acesso
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o paradigma de inclusão
RETRATOS
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DEFICIÊNCIA E DA
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NA ESCOLA:
Pedro Angelo Pagni
RETRATOS FOUCAUL
TIANOS DA DEFICIÊNCIA E DA INGOVERNABILIDADE NA ESCOLA:
Do governo d
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o paradigma de inclusão
Pedro Angelo Pagni
O livro “Retratos foucaultianos da
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ciência e da ingovernabilidade na
escola: do governo das diferenças a outro
paradigma de inclusão” problematiza o
paradigma cientí
fi
co no qual se apoiam as
perspectivas da educação inclusiva e suas
políticas estatais no Brasil, com vis-tas a
indicar-lhes outros caminhos à luz das
fi
loso
fi
as da diferença. Ao discutir os
limites e as possibilidades do pensamento
de Foucault para retratar a temática,
ela-bora uma interlocução com os
intelec-tuais contemporâneos franceses e
italia-nos desse
fi
lósofo, especi
fi
camente,
para abordar essa temática educacional.
Con-vida à re
fl
exão, dessa forma, o leitor
dis-posto a pensar nesse outro paradigma
de inclusão – menos cientí
fi
co mais
estéti-co-político –, produzido pela
cartogra
fi
a do encontro com os corpos
heterotópicos da de
fi
ciência e suas
ingovernabilidades propiciadas pela sua
presença na escola.
“Podemos dizer que a obra que temos em mãos foi produzida em meio a guerra!
Não uma guerra armada, sangrenta ou interestatal. Também não uma guerra
civil clássica entre grupos organizados dentro de um mesmo Estado-nação. Se,
por um lado, não me re
fi
ro a uma guerra “tradicional”, tampouco ela pode ser
entendida como metáfora ou exagero retórico: ela é real. Trata-se de uma
guerra cotidiana e generalizada, que produziu seus inimigos ao ser travada
efetivamente em meio à população e contra ela; mais especi
fi
camente, contra
determinados grupos que escapam ao ideal normativo ancorado na
padronização do capital--competência que deve responder às demandas
subjetivas do neoliberalismo.
(...)
É em meio a esse quadro de funcionamento de uma guerra civil cada vez mais
cruel e generalizada que surge este livro. “Retratos foucaultianos da de
fi
ciência
e dos corpos ingovernáveis na escola: entre o governo das diferenças e outro
paradigma de inclusão” surge como um respiro em meio ao caos! Sem dúvida,
trata-se de um livro-resistência, um livro que entra no combate para lutar
contra os fascismos cotidianos, contra a exclusão, contra o apagamento de
determinadas existências.”
KAMILA LOCKMANN | prefaciadora do livro
Professora Associada do Instituto de Educação, do Programa de Pós-Graduação em Educação
(PPGEDU) e do Programa de Pós-Graduação em Educação em Ciências (PPGEC) da
Universi-dade Federal do Rio Grande. Editora Chefe da Revista Brasileira de Educação
Especial - RBEE, desde 2022 Bolsista Produtividade em Pesquisa do CNPq - Nível 2.
Pedro Angelo Pagni é Doutor em
Edu-cação (1999) e Livre-docente em
Filo-so
fi
a da Educação (2011) pela UNESP.
É Professor Associado do Departamen-to de
Administração e Supervisão Es-colar e do
Programa de Pós-graduação em Educação
da Faculdade de Filoso
fi
a e Ciências da
UNESP, onde atua no ensino, na pesquisa e
na extensão com a Filoso
fi
a da Educação.
Nessa área, é bolsista produtividade em
pesquisa do CNPq (Nível 1-D) e autor de
vá-rios livros, dentre os quais se destacam:
Biopolítica, de
fi
ciência e educação: outr
os
olhares sobr
e a inclusão esc
olar
(Editora
UNESP, 2019);
Ética, tr
ansversalidade e
de
fi
ciência: desa
fi
os da arte de viver à edu-cação
(CRV. 2018);
Experiência Estética, f
ormação
humana e arte de viver: desa
fi
os à educação
esc
olar
(Edições Loyola, 2014).
Programa PROEX/CAPES: Auxílio Nº 0039/2022,
Processo Nº 23038.001838/2022-11
Apoio: CNPq - processo Nº 309798/2021-3