ISBN 978-65-5954-361-8
EDVALDO SOARES
Lógica Formal: da lógica aristotélica ao cálculo sentencial bivalente
Edvaldo Soares
Lógica
Formal
DA LÓGICA ARISTOTÉLICA AO CÁLCULO
SENTENCIAL BIVALENTE
O objetivo da obra é abordar os temas centrais da
Lógica Clássica, desde a silogística de Aristóteles
até o cálculo dos predicados de primeira ordem.
A ênfase será dada na construção de estruturas
formalmnte válidas e, na determinação da
validade de argumentos. Para tanto será seguido o
seguinte plano: Na primeira apresentamos alguns
conceitos preliminares (históricos e filosóficos) em
relação à lógica. Na segunda parte abordaremos
a chamada lógica tradicional, com especial
destaque à construção de silogismos (Categóricos
e Hipotéticos) e, na terceira, os fundamentos do
cálculo proposicional e do cálculo de predicados
de primeira ordem.
Advertimos que esta é uma obra para não iniciados
e, como tal, com o risco de cometer algumas
imprecisões, se utilizará de uma linguagem o
menos técnica possível.
Edvaldo Soares
Professor de Neurociências e Bioestatística do
Departamento de Educação e Desenvolvimento
Humano da Universidade Estadual Paulista –
UNESP – Campus de Marília SP.
DA LÓGICA ARISTOTÉLICA AO CÁLCULO
SENTENCIAL BIVALENTE
Lógica
Formal:
Marília/Oficina Universitária
São Paulo/Cultura Acadêmica
2023
E S
DA LÓGICA ARISTOTÉLICA AO CÁLCULO
SENTENCIAL BIVALENTE
Lógica
Formal:
Editora afiliada:
Cultura Acadêmica é selo editorial da Editora UNESP
Oficina Universitária é selo editorial da UNESP - campus de Marília
Copyright © 2023, Faculdade de Filosofia e Ciências
Ficha catalográfica
Soares, Edvaldo.
S676l Lógica formal : da lógica aristotélica ao cálculo sentencial bivalente / Edvaldo Soares. – Marília :
Oficina Universitária ; São Paulo : Cultura Acadêmica, 2023.
312 p. : il.
Inclui bibliografia
ISBN 978-65-5954-361-8 (Impresso)
ISBN 978-65-5954-362-5 (Digital)
DOI https://doi.org/10.36311/2023.978-65-5954-362-5
1. Lógica. 2. Silogismo. 3. Lógica simbólica e matemática. I. Título.
CDD 160
Telma Jaqueline Dias Silveira –Bibliotecária – CRB 8/7867
Imagem capa: Edvaldo Soares.
Este trabalho está licenciado sob uma licença Creative Commons Attribution-NonCommercial-
NoDerivatives 4.0 International License.
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"JÚLIO DE MESQUITA FILHO"
Campus de Marília
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Vice-Diretora
Profa. Dra. Ana Cláudia Vieira Cardoso
Conselho Editorial
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Claudia Regina Mosca Giroto
Edvaldo Soares
Marcelo Fernandes de Oliveira
Marcos Antonio Alves
Neusa Maria Dal Ri
Renato Geraldi (Assessor Técnico)
Rosane Michelli de Castro
Parecerista
Prof.ª Dr.ª Maria Cláudia Cabrini Grácio
Professora Associada do Departamento de Ciência da Informação da Faculdade de Filosofia e
Ciências, UNESP/campus de Marília.
AgrAdecimentos
Agradeço aos colegas e amigos de UNESP: Renato Geraldi pelas inestimáveis
orientações e encaminhamentos junto à Comissão de Publicações e à Editora Cultura
Acadêmica da UNESP – Marília SP; Gláucio Rogério de Morais, que atuando de
forma competente e talentosa na Comissão Permanente de Publicações (CPPub) e
na Editora Cultura Acadêmica, diagramou esta obra. Também agradeço à colega
Elizabete Cristina de Souza de Aguiar Monteiro pela exaustiva revisão das normas de
publicação e, por fim, à Professora Drª . Maria Cláudia Cabrini Grácio que, com sua
competência e gentileza, revisou esta obra.
Para as minhas estrelas:
Mãe, Maria Luiza; Isadora e Maria, filhas!
6 |
S
ApresentAção ------------------------------------------------------------- 11
CApítulo I
ConCeItos prelImInAres
1. Aspecto formal e material ------------------------------------------------------------ 15
1.1. Relação forma-conteúdo ------------------------------------------------------ 18
1.2. Objeto da Lógica --------------------------------------------------------------- 19
1.3. Tipos de sentenças e de argumentos ----------------------------------------- 20
1.4. Os Argumentos ----------------------------------------------------------------- 27
1.4.1. Argumentos Categóricos ----------------------------------------------- 27
1.4.2. Argumentos Hipotéticos ----------------------------------------------- 28
1.4.3. Estrutura dos argumentos ---------------------------------------------- 31
1.5. Divisão da Lógica -------------------------------------------------------------- 36
1.6. Princípios da Lógica Clássica ------------------------------------------------- 37
1.6.1. Não-Contradição -------------------------------------------------------- 38
1.6.2. Identidade ---------------------------------------------------------------- 38
1.6.3. Terceiro Excluído -------------------------------------------------------- 39
1.6.4. Tríplice Identidade ------------------------------------------------------ 40
8 |
1.6.5. Dictum de Omini et Nullo ---------------------------------------------- 41
1.6.6. Dictum de Omini -------------------------------------------------------- 41
1.6.7. Dictum de Nullo --------------------------------------------------------- 41
1.7. As Lógicas Não-Clássicas ------------------------------------------------------ 42
1.8. Evolução da Lógica ------------------------------------------------------------ 47
CApítulo II
lógICA trAdICIonAl ClássICA
2.1. A Silogística Aristotélica ------------------------------------------------------- 61
2.1.1. Bases da silogística aristotélica ----------------------------------------- 62
2.1.1.1. Ideia ---------------------------------------------------------------- 63
2.1.1.2. Juízo ---------------------------------------------------------------- 71
2.1.1.3. Raciocínio --------------------------------------------------------- 72
2.1.1.4. Termo --------------------------------------------------------------- 75
2.1.1.5. Proposição Categórica -------------------------------------------- 93
2.1.1.6. Silogismo Categórico --------------------------------------------- 111
2.1.1.6.1. Validade e invalidade -------------------------------------- 114
2.1.1.6.2. Regras de Inferência --------------------------------------- 118
2.1.1.6.2.1. Regras dos Termos ---------------------------------- 118
2.1.1.6.2.2. Regras das Premissas -------------------------------- 126
2.1.1.6.2.1. Figuras e Modos do Silogismo Categórico -- 134
2.1.1.6.3. Silogismo Categórico: método axiomático ------------- 144
2.1.1.6.4. Diagramas de Venn ---------------------------------------- 154
2.1.1.7. Silogismos Categóricos Atípicos -------------------------------- 172
2.1.1.7.1. Silogismos Hipotéticos ------------------------------------ 187
2.1.1.7.2. Silogismo Disjuntivo -------------------------------------- 188
2.1.1.7.3. Silogismo Conjuntivo ------------------------------------- 191
2.1.1.7.4. Silogismo Condicional ------------------------------------ 193
Lógica Formal: da lógica aristotélica ao cálculo sentencial bivalente
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CApítulo III
lógICA sImbolICA ClássICA
3.1. Cálculo Proposicional --------------------------------------------------------- 201
3.1.1. Regras dos conectivos lógicos ------------------------------------------ 205
3.1.1.1. Classificação das sentenças -------------------------------------- 213
3.1.2. Validade dos argumentos ----------------------------------------------- 216
3.1.2.1. Método das matrizes lógicas ------------------------------------- 217
3.1.2.2. Método de dedução formal -------------------------------------- 229
3.1.2.2.1. Regras de inferência --------------------------------------- 230
3.1.2.2.2. Regras de equivalência ------------------------------------ 241
3.1.2.2.3. Método de dedução formal e determinação de validade 254
3.2. Cálculo dos Predicados -------------------------------------------------------- 262
3.2.1. Determinação de validade ---------------------------------------------- 266
3.2.2. Tradução e Inferências assilogísticas ----------------------------------- 281
3.2.3. Legitimidade e consistência argumentativa -------------------------- 300
ConsIderAções FInAIs ------------------------------------------------------------------- 305
reFerênCIAs ------------------------------------------------------------------------------- 307
10 |
| 11
A
O espírito científico proíbe que tenhamos uma opinião sobre questões
que não compreendemos, sobre questões que não sabemos formular
com clareza. Em primeiro lugar, é preciso saber formular problemas.
(Gaston Bachelard)
Desde os tempos de Aristóteles (384-322 a.C) havia uma preocupação
com a criação de métodos ou sistemas para se avaliar a legitimidade ou a
validade de argumentos, tanto na linguagem comum, como na linguagem
das ciências. (HEGENBERG, 1995). O termo ‘lógica’ originou-se do
substantivo grego Ʌȯγός, o qual significa “palavra, dito, máxima, sentença
e, do adjetivo Λογικός, utilizado para qualificar um raciocínio como
“lógico, conveniente”.
Entretanto, a lógica, entendida como ramo de estudo ou disciplina
recebia a designação de Διαλεκτκή (dialética). O termo έπιστήμη, utilizado
para designar ‘conhecimento’, também foi relacionado àquilo que se
entendia por Lógica (PEREIRA, 1951). O certo é que a lógica passou por
grandes transformações. Como descreve Hegenberg (1995, p. VI), “de
arte da conversação’ e, logo depois ‘arte da argumentação’, a Lógica muito
cedo se transformou em ‘Teoria da Dedução’ (Lógica sensu stricto)”.
12 |
Mais tarde, pela influência da matemática, especialmente da Teoria
dos Conjuntos, a lógica passa a tomar a forma que apresenta atualmente,
considerando sua complexidade e áreas de aplicação
O objetivo da obra é abordar os temas centrais da Lógica Clássica,
desde a silogística de Aristóteles até o cálculo dos predicados de primeira
ordem. A ênfase será dada na construção de estruturas formalmnte válidas
e, na determinação da validade de argumentos. Para tanto será seguido o
seguinte plano: Na primeira apresentamos alguns conceitos preliminares
(históricos e filosóficos) em relação à lógica. Na segunda parte abordaremos
a chamada lógica tradicional, com especial destaque à construção de
silogismos (Categóricos e Hipotéticos) e, na terceira, os fundamentos do
cálculo proposicional e do cálculo de predicados de primeira ordem.
Advertimos que esta é uma obra para não iniciados e, como tal, com
o risco de cometer algumas imprecisões, se utilizará de uma linguagem o
menos técnica possível.
Edvaldo Soares
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CApítulo I
C P
Dizemos que um pensamento ou raciocínio é lógico quando se
mostra evidente, certo ou razoável. Por exemplo, é lógico que, se alguém
cometer algum crime, estará sujeito às sanções previstas em lei; é lógico que,
se um comerciante atender mal seus clientes, corre o risco de os perder. Por
outro lado, consideramos ilógico se alguém afirmar que, por exemplo, o
sol é quadrado; que no Direito brasileiro nenhuma pessoa tem direito ao
contraditório e à ampla defesa; que todo comerciante, para aumentar seus
lucros deve fraudar o fisco.
Em síntese, para o senso comum, afirmar que uma expressão ou
ideia é lógica equivale a aceitar que a mesma é evidente, óbvia, defensável,
coerente. Mas, se para o senso comum, o termo lógica apresenta esses
significados, como ele é definido pela Filosofia e pela própria Lógica
enquanto ramo de conhecimento ou ciência?
Geralmente, nos tratados de Filosofia e mesmo nos compêndios
tradicionais de Lógica, encontramos a concepção de que lógica é a arte
de pensar corretamente ou, que a lógica é um estudo dos modos corretos
do pensamento; ou seja, uma descrição da forma correta de raciocínio.
14 |
Assim, estaria a lógica relacionada ao uso da razão, entendida como “[...]
faculdade por intermédio da qual concebemos, julgamos e raciocinamos,
isto é, refletimos, pensamos.” (COSTA, 1980, p. 2).
Da análise da definição de Costa (1980) se pode observar que o
termo razão possui sentidos diversos, entre os quais podemos destacar:
a) capacidade de bem julgar; b) capacidade de distinguir entre o bem
e o mal; c) faculdade do pensamento discursivo; d) capacidade de agir
coerentemente, etc.
Como tivemos a oportunidade de observar no início deste texto,
um fato comum que envolve o conceito de lógica ocorre ao fazer uso da
expressão ‘é lógico’ quando se acredita que um raciocínio, ideia ou uma
observação qualquer faz sentido ou, quando corresponde à realidade ou
ainda, quando apresenta coerência. Por outro lado, a Lógica é abordada
de diferentes formas e, assim, o conceito de ‘lógica’ se mostra variável,
especialmente em função de seu objeto. Para compreendermos tais
variações selecionamos três autores: Granger (1956); Lalande (1996) e
Hegenberg (2002).
Granger (1956, p. 191), enfatizando a finalidade da lógica, afirmaque
a lógica formal “[...] objetiva instituir, interpretar e criticar a linguagem
explícita e provida de regras rigorosas de conexão, apta a exprimir o nosso
pensamento, seja esse de um objeto geral ou de objetos descritos pela
ciência. Consiste assim, numa regulamentação do pensamento simbólico.”.
Lalande (1996) concebe a lógica formal como o estudo dos conceitos,
juízos e raciocínios, considerados nas formas em que são enunciados, e
abstração feita da matéria a qual se aplicam com vista a determinar in
abstracto as suas propriedades, a sua validade, os encadeamentos, e as
condições sob as quais se aplicam ou se excluem uns aos outros. Nesse
sentido, a lógica é uma ciência. Por outro lado, Hegenberg (2002)
afirma, considerando o aspecto metodológico, ser a lógica um poderoso
instrumento (organon) para efetuar a análise de argumentos.
Mas, será que toda a lógica é formal e todo sistema formal é lógica?
A resposta é negativa. Consideraremos nesta obra, como lógica formal,
Lógica Formal: da lógica aristotélica ao cálculo sentencial bivalente
| 15
apenas os chamados sistemas formais interpretados; ou seja, sistemas que
possuem uma interpretação de acordo com a qual se possa entender que
ele almeja cânone de argumento válido; que possua linguagem (sintaxe e
semântica), sistemas e axiomas para alcançar tal pretensão, em oposição
aos sistemas formais não-interpretados, que podem ser entendidos como
apenas uma coleção de marcas ou símbolos ou mesmo de interpretações
de fundo epistemológico. Entretanto, é importante destacar que sistemas
formais não-interpretados também estão no âmbito da lógica (ABE, 2016;
SANT’ANNA, 2003; PINTO, 2001).
São muitas as questões, para as quais não temos a pretensão de
responder, que norteiam o estudo da lógica formal e servem de base para
avaliar os sistemas formais, bem como para refletir sobre o alcance da lógica
formal. Entre essas questões, destacamos algumas levantadas por Haack
(2002) O que significa dizer que um argumento é válido? Que enunciado
se segue de outro? Que é um enunciado e logicamente verdadeiro? A
validade deve ser explicada relativamente a algum sistema formal? O que
tem a ver ser válido com ser um bom argumento? Como os sistemas lógicos
ajudam a avaliar argumentos informais? Há uma lógica formal correta?
Como se reconhece um argumento válido ou uma verdade lógica? Se há
diversas lógicas, como elas se dividem e se caracterizam? O significa formal
no vocabulário lógico?
1. AspeCto FormAl e mAterIAl
Se, para o senso comum, a Lógica seria um estudo da correspondência
entre o discurso e a realidade, em sentido mais estrito, para outros, a Lógica,
se apresenta como uma metodologia de análise e construção de raciocínios
e argumentos em âmbito formal. Conceber que a Lógica trabalha em
âmbito formal significa dizer que ela se preocupa exclusivamente com
a estrutura do argumento e não com o conteúdo dos seus enunciados.
Vejamos o seguinte argumento:
16 |
Se todos os juristas modernos são positivistas e se todo Procurador da República
é jurista moderno, então podemos concluir que todo procurador da República
é positivista.
Neste argumento temos três sentenças:
1
a
. Todos os juristas modernos são positivistas.
2
a
. Todo procurador da República é jurista moderno.
3
a
. Todo procurador da República é positivista.
Se fosse solicitado, por exemplo, para que um profissional da área do
Direito, supostamente leigo em relação à lógica, emitisse um julgamento
acerca da logicidade do argumento apresentado, provavelmente ele o
consideraria destituído de lógica. Tal profissional estaria cometendo um
grande equívoco! Mas por qual motivo?
Pelo simples fato de que estaria ele analisando, a partir do seu
conhecimento na área do Direito e da realidade que o cerca, a verdade
de cada uma das sentenças do argumento apresentado. Nessa perspectiva,
teria corretamente concluído que todas as três sentenças são falsas. Porém
isso não significa que o argumento em questão não tenha ‘lógica’!
O que queremos demonstrar é que o papel da lógica determinar a
verdade ou falsidade das sentenças. Esse papel caberia às diversas ciências,
ao senso comum, à observação, etc.
Assim, a lógica não busca, e, nem possui instrumentos para definir
se cada uma das sentenças corresponde à realidade ou não. Em outros
termos, a lógica não tem a pretensão de avaliar a verdade ou falsidade de
sentenças (premissas) e de raciocínios . O que a lógica pretende analisar
é se o argumento está estruturalmente bem construído ou não. Portanto,
podemos adiantar que o argumento apresentado, apesar das sentenças
Lógica Formal: da lógica aristotélica ao cálculo sentencial bivalente
| 17
falsas’, apresenta uma boa estrutura ou, como diriam os lógicos mais
eruditos, uma boa forma que garante a logicidade do argumento
1
.
A maneira mais simples para ‘deixar de lado’ o conteúdo e se ater à
forma é mediante a adoção da simbolização do argumento por meio de
variáveis. Por exemplo, o argumento apresentado anteriormente poderia
ser assim simbolizado:
Todo x é y.
Todo k é x.
Todo k é y.
2
Ao prescindir da matéria ou conteúdo das sentenças por meio da
substituição das constantes (jurista moderno, positivista e procurador da
república) por variáveis (x, y e k), resta apenas a forma, ou seja, a estrutura
do argumento. Em relação à estrutura não mais se aplicam as categorias
de ‘verdadeiro’ ou de ‘falso’. A ela só podem ser atribuídas as categorias
de válida ou inválida
3
. Em outros termos, ao se realizar uma descrição
abstrata de uma linguagem como um conjunto de relações, substitui-se a
linguagem natural por uma linguagem lógica, ou seja, por uma linguagem
”L”.
Assim, um argumento que apresenta uma forma válida é o argumento
cuja conclusão decorre formalmente do que foi afirmado ou negado
anteriormente nas sentenças, independente do conteúdo das mesmas.
Em síntese, como aqui tratada, a Lógica objetiva analisar formalmente
argumentos ou raciocínios com a finalidade de determinar a validade
dos mesmos. Para tanto, a lógica vai se utilizar de metodologias e regras
específicas (COPI, 1965, 1978).
Alguns autores, como Gortari (1988, p. 208), entendem a forma como oposto de conteúdo.
x= Jurista Moderno; y= Positivista e k = Procurador da República.
Lalande (1996, p. 425-426) atribui ao termo forma, no âmbito do Direito, o conjunto das regras a serem
seguidas no processo, em oposição ao fundo, que constitui o objeto particular da questão considerada. Ou
seja, também ocorre aqui a distinção clássica entre matéria e forma.
18 |
1.1. relAção FormA-Conteúdo
Das observações feitas na seção anterior decorre uma questão: Qual
é a relação entre forma e conteúdo? A princípio, diríamos que nenhuma,
em termos de lógica formal, conforme podemos verificar ao analisar os
quadro 1:
Quadro 1 Conteúdo e forma
ARGUMENTO 1 ARGUMENTO 2
Todos os Homens são animais.
Ora, todos mamíferos são animais.
Logo, todos os homens são mamíferos.
Todos os animais são mamíferos.
Ora, todos mamíferos são homens.
Logo, todos os animais são homens.
CONTEÚDO FORMA CONTEÚDO FORMA
Verdadeiro Inválida Falso Válida
Todos os seres humanos são animais.
Ora, todos os cientistas são seres humanos.
Logo, todos os cientistas são animais.
Nenhum homem é filósofo.
Ora, alguns filósofos não são existencialistas.
Logo, nenhum homem é existencialista.
ARGUMENTO 3 ARGUMENTO 4
Todos os seres humanos são animais.
Ora, todos os cientistas são seres humanos.
Logo, todos os cientistas são animais.
Nenhum homem é filósofo.
Ora, alguns filósofos não são existencialistas.
Logo, nenhum homem é existencialista.
CONTEÚDO FORMA CONTEÚDO FORMA
Verdadeiro Válida Falso Inválida
Fonte: Elaborado pelo autor
Apesar de não existir correspondência necessária entre forma
e conteúdo, é possível a ocorrência de argumentos com forma válida
e conteúdo falso ou vice-versa, bem como argumentos com forma
inválida e conteúdo falso ou vice-versa. Porém, é importante considerar
que a perfeição de uma argumentação em linguagem natural está
em apresentar a verdade sob uma forma coerente e correta, o que
Lógica Formal: da lógica aristotélica ao cálculo sentencial bivalente
| 19
demanda necessariamente conhecimento acerca da matéria, objeto da
argumentação em questão, bem como da estruturação lógica. No caso
dos operadores do Direito, por exemplo, um argumento bem elaborado
é, segundo Rodriguez (2002, p. 158), aquele que, “[...] em conteúdo e
forma misturam-se para levar a persuasão.”.
1.2. objeto dA lógICA
O objeto próprio da lógica formal é a estrutura do argumento.
Por argumento entendemos uma série de enunciados (afirmativos
ou negativos; particulares ou universais, categóricos ou hipotéticos;
dedutivos ou indutivos, conjuntivos ou disjuntivos) dos quais se infere
uma conclusão. Na lógica tradicional clássica, os antecedentes de uma
conclusão em um argumento são denominados premissas (COPI, 1965,
1989; MARITAIN, 1986), conforme podemos observar no quadro 2.
Aqui os trataremos como hipóteses.
Exemplo:
Quadro 2 – Premissas e conclusão
PREMISSA Todos os países de economia liberal estão
sujeitos às oscilações do mercado. Todos os
países de economia liberal estão sujeitos às
oscilações do mercado.
PREMISSA Alguns países latino-americanos são países
de economia liberal. Alguns países latino-
americanos são países de economia liberal.
CONCLUSÃO Alguns países latino-americanos estão
sujeitos às oscilações do mercado.
Fonte: Elaborado pelo autor
No argumento anterior as duas premissas (também chamadas de
hipóteses) têm a função de dar sustentação à conclusão. O processo pelo
qual chegamos a uma conclusão a partir das premissas dadas recebe o
nome de inferência.
20 |
Uma inferência só poder ser considerada ‘válida’ ou ‘inválida’.
Existem diversas formas para se realizar um processo de inferência.
A escolha de uma dessas formas depende, em grande parte, do tipo
de argumento a ser construído. Na linguagem natural, a qual envolve tanto
a linguagem cotidiana como a linguagem das ciências e da filosofia, tipos
diferentes de sentenças e, mesmo de argumentos aparecem, na maioria
das vezes, combinados, o que demanda um trabalho de análise bem mais
apurado e rigoroso, dada à complexidade dessas combinações. Vejamos a
caracterização dos tipos de sentença e a estruturação dos principais tipos
de argumentos:
1.3. tIpos de sentençAs e de Argumentos
Sentença pode ser concebida como uma simples frese ou oração.
Em termos jurídicos como qualquer decisão ou despacho. Ainda pode
significar um preceito moral ou religioso ou mesmo, uma frase que
exprima uma resolução inabalável. Em termos de ‘Lógica’, uma sentença
é a expressão de uma proposição, a qual, conforme salientado, só pode
ser falsa ou verdadeira. Em outros termos, uma sentença não deve conter
variáveis livres. Por variáveis livres entendemos aquelas que podem assumir
valores diversos em uma mesma sentença.
Um conjunto de sentenças é chamado de teoria e, as sentenças
individuais podem ser denominadas teoremas. Em lógica tradicional
clássica, o conjunto de sentenças relacionadas dão origem a um argumento
(HEGENBERG, 1995; HOUAISS; LALANDE, 1998; VILLAR, 2001).
Conforme observado, os argumentos são constituídos por sentenças,
designadas tecnicamente como ‘premissas’ e ‘conclusão’. As sentenças
que não apresentam conectivos lógicos (‘e’, ‘ou’, ‘se ... então’, ‘se e, ...
somente se’) são denominadas, na lógica tradicional clássica de sentenças
categóricas. As sentenças construídas a partir de sentenças atômicas por
meio da aplicação de conectivos são definidas como sentenças hipotéticas,
as quais podem ser categóricas, conjuntivas, disjuntivas, condicionais ou
sentenças bicondicionais. Esses cinco tipos de sentenças podem combinar-
se, formando argumentos de maior complexidade.
Lógica Formal: da lógica aristotélica ao cálculo sentencial bivalente
| 21
Sentenças categóricas são sentenças simples, que afirmam ou negam
um predicado a um determinado sujeito. De acordo com Copi (1989)
as premissas desse tipo normalmente são analisadas como asserções sobre
classes, afirmando ou negando que uma classe esteja incluída em outra,
seja no todo ou em parte.
Por exemplo, se afirmo que, todos os juízes de direito são formados
em Direito, incluímos, no todo, a classe de juízes de direito na classe dos
formados em Direito. Ou seja, todo membro da primeira classe é também
membro da segunda. Mas, ao afirmar que algumas pessoas formadas em
Direito são promotores de justiça, incluímos, em parte, a classe das pessoas
formadas em Direito na classe dos promotores de justiça.
Ou seja, afirmamos que alguns membros da classe dos formados
em Direito são também membros da classe dos promotores de justiça. Ao
afirmar que nenhum ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) está
cumprindo pena de privação de liberdade, estamos afirmando que, ‘todos
membros da classe dos ministros do STF, estão excluídos da classe dos que
estão cumprindo pena de privação de liberdade. Por outro lado, quando
afirmamos que alguns ministros do STF não são oriundos da magistratura,
estamos afirmando que, pelo menos um membro da classe dos ministros
do STF, está excluído da classe dos que exerceram a magistratura.
Considerando a possibilidade de negação desse tipo de sentença,
podemos definir quatro formas para as sentenças categóricas
4
. São elas:
a) As que afirmam que uma classe esteja incluída em outra no todo.
Exemplo:
Toda pessoa tem direito a recurso efetivo para as jurisdições
nacionais competentes contra os atos que violem os direitos
fundamentais reconhecidos pela Constituição ou pela lei.
5
Na lógica tradicional clássica (aristotélica), as sentenças singulares também podem ser categóricas. Por
exemplo, a sentença “O Código de Direito Civil é a Constituição do homem comum” (Miguel Reale) é
uma sentença categórica.
Artigo 8
o
da Declaração Universal dos Direitos Humanos.
22 |
b) As que afirmam que parte de uma classe esteja incluída em outra.
Exemplo:
Alguns juristas são adeptos da definição do crime como
ação tipicamente antijurídica.
c) As que negam que uma classe esteja incluída em outra no todo.
Exemplo:
Ninguém pode ser arbitrariamente privado da sua
propriedade.
6
d) As que negam que parte de uma classe esteja incluída em outra.
Exemplo:
Alguns juristas não são adeptos da definição do crime como
a ação típica e antijurídica, admitindo a culpabilidade
somente como mero pressuposto da pena
7
.
As sentenças hipotéticas se classificam em: conjuntivas, disjuntivas,
condicionais ou bicondicionais.
Sentenças conjuntivas são aquelas que combinam dois enunciados
simples, mediante a palavra (conjunção) “e”, formando assim um
enunciado composto, ou seja, um enunciado que contém outro enunciado
como componente. Por exemplo, a sentença “O crime habitual não admite
tentativa” é um enunciado simples. Por outro lado, no exemplo a seguir
temos um enunciado complexo do tipo conjuntivo:
Exemplo:
Homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos
termos desta Constituição
8
.
Leia-se “Nenhuma pessoa ...”. (ONU, 1948, art. 17, 2).
Cf. BITENCOURT, C. R. Manual de direito penal: parte geral. 2000. v. 1, p. 273.
BRASIL. Constituição Federal, 1988, art. 5, I.
Lógica Formal: da lógica aristotélica ao cálculo sentencial bivalente
| 23
Neste exemplo temos duas sentenças simples:
1) Homens e mulheres são iguais em direitos e,
2) Homens e mulheres são iguais em obrigações.
Ambos os enunciados simples estão unidos pela partícula “e”.
Mas poderíamos perguntar: a partícula “e” que une os termos Homens
e mulheres também não indica uma conjunção? A resposta é negativa! A
partícula “e” que une, neste caso, Homens e Mulheres indica uma relação
entre duas classes
9
. Por exemplo, a sentença, Mirabete e Damásio escreveram
obras de Direito Penal, não expressa conjunção, mas uma relação existente
dentro de um mesmo conjunto, ou seja, o conjunto dos que escreveram
obras de Direito Penal
10
. Ou melhor, não há sentido de adição, de soma, de
união entre duas classes. Já no primeiro exemplo (Homens e mulheres são
iguais em direitos e obrigações) ocorre a união de duas classes: 1) A classe
ou conjunto dos que são iguais em direitos e, 2) A classe ou conjunto dos
que são iguais em obrigações.
Sentenças disjuntivas ou alternativas são as que combinam dois
enunciados simples pela partícula “ou”, formando assim um enunciado
composto que pode apresentar-se em dois sentidos, os quais são
denominados de sentido fraco e de sentido forte
11
. Os enunciados de
sentido fraco são inclusivos, ao passo que os de sentido forte são exclusivos.
Na inclusão, a expressão “ou” pode ser traduzida como “um ou outro;
possivelmente ambos”. Na exclusão, a expressão “ou” significa “pelo menos
um e no máximo um”, ou seja, “um ou outro”.
Exemplos:
a) Disjunção Fraca ou Inclusiva
Sou médico ou sou neurologista
12
.
Em alguns casos considera-se como conjunção. Por exemplo, na sentença ‘João e Maria foram à praça’ =
João foi à praça ‘e’ Maria foi à praça.
10
Essa posição aqui apresentada não é consenso entre os estudiosos da lógica.
11
Em latim existem duas palavras diferentes para expressar os dois sentidos da expressão “ou”. A palavra vel
designa a disjunção fraca, enquanto a palavra aut corresponde ao sentido forte.
12
CF, art. 5, II.
24 |
b) Disjunção Forte ou Exclusiva
A administração direta de uma unidade militar será
exercida pelo comandante ou, na sua ausência, pelo
subcomandante.
No primeiro exemplo temos que a primeira sentença (sou médico)
e a segunda (sou neurologista) não são excludentes, mas sim inclusivas.
Em outros termos, as duas ações podem ocorrer simultaneamente, sem
a possibilidade de existência de contradição entre elas. Por outro lado, no
segundo exemplo podemos notar que a ação (exercer a administração direta
de uma unidade militar) não pode ser exercida pelo comandante e pelo
subcomandante ao mesmo tempo.
As sentenças condicionais ou implicativas são caracterizadas pela
combinação de dois enunciados simples mediante a colocação do termo
se” antes do primeiro enunciado (antecedente) e do termo “então
antes do segundo enunciado (consequente). Os enunciados ou sentenças
condicionais também recebem a denominação não muito precisa de
hipotéticas.
Nas sentenças condicionais, intuitivamente, se pressupõe algum tipo
de relação entre as sentenças antecedentes e consequentes. Ou seja, para o
senso comum, pressupõe-se que a ocorrência do consequente depende da
ocorrência do antecedente.
Exemplo:
Se o governo é incompetente, então denunciar a
incompetência não se constitui em ofensa ao governante.
Os enunciados simples desse exemplo são: 1) O governo é incompetente
e 2) Denunciar a incompetência não se constitui em ofensa ao governante. O
primeiro enunciado ou sentença, colocada logo após a expressão “se” recebe
a denominação de antecedente ou de implicante e, a segunda, colocada
logo após a expressão “então” recebe a denominação de consequente ou de
Lógica Formal: da lógica aristotélica ao cálculo sentencial bivalente
| 25
implicado. Observe que, o fato ‘1’ implica na ocorrência do fato ‘2’. Porém,
a exemplo da expressão “ou”, a expressão “se ... então” pode apresentar
sentidos diversos. Observe os exemplos a seguir:
1) Se todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em
direitos e as mulheres africanas são seres humanos, então, as mulheres
africanas nascem livres e iguais em dignidade e em direitos.
2) Se o argumento é contraditório, então o argumento não é coerente.
3) Se um indivíduo for submetido a uma lesão em uma parte do cérebro,
denominada hipocampo, então, apresentara déficits na formação de
novas memórias.
4) Se meu recurso for julgado improcedente, então, comprarei dez
quilos de bananas.
No primeiro exemplo temos que, o consequente (as mulheres africanas
nascem livres e iguais em dignidade e em direitos) decorre, logicamente do
seu antecedente (se todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade
e em direitos e as mulheres africanas são seres humanos). Dessa forma, se dá
uma conexão de ordem lógica.
No segundo exemplo, o consequente (o argumento não é coerente)
decorre do seu antecedente (se o argumento é contraditório) só em virtude
da definição da palavra contraditório, que significa “não coerente”. Aqui a
conexão é de ordem definidora.
No terceiro exemplo, o consequente (apresentara déficits na formação
de novas memórias) não decorre do seu antecedente (se um individuo for
submetido a uma lesão em uma parte do cérebro denominada hipocampo)
apenas pela lógica ou pela definição dos seus termos; a conexão tem que
ser descoberta empiricamente, pois a implicação, neste caso enunciada é
causal e, portanto a conexão seria de ordem causal.
Por fim, no quarto exemplo, o consequente (comprarei dez quilos
de bananas) não decorre do seu antecedente (se meu recurso for julgado
26 |
improcedente) pela lógica, por definição dos termos, ou porque haja qualquer
lei causal. Este enunciado é apenas circunstancial e dele não decorre nenhuma
necessidade. Nesse caso, a conexão é denominada como de decisão.
Podemos observar, mediante os exemplos acima, que há diferentes
tipos de implicação entre antecedentes e conseqüentes (SANFORD,
2003) e que a determinação do tipo de implicação envolvida é importante,
principalmente para aqueles que se preocupam com uma análise mais
crítica e rigorosa do discurso, quer seja ele jornalístico, cientifico, jurídico,
filosófico ou mesmo cotidiano.
Sentenças bicondicionais caracterizam-se pela combinação de dois
enunciados simples mediante a colocação do termo “se, e somente se,” antes
do primeiro enunciado e do termo “então” antes do segundo enunciado.
Alguns autores, como por exemplo, Hegenberg (1995) sugerem de a
expressão “se e somente se” seja posta entre os dois enunciados.
Exemplos:
a) Um ato, mesmo que nocivo, não será considerado crime se e somente
se não houver lei anterior que o defina.
b) Se, e somente se, o governo conseguir realizar uma ampla reforma
fiscal, então o país voltará a crescer de forma satisfatória.
Observe nos dois exemplos acima que há uma relação de dupla
condicionalidade entre as sentenças antecedentes e conseqüentes, de tal
forma que, os condicionantes são condições suficientes e necessárias para a
ocorrência do condicionado. Por outro lado é importante considerar que,
a relação de ‘necessidade’ só ocorre quando o enunciado for tautológico,
como por exemplo: Se, e somente se, ocorrer P, então ocorrerá P.
Assim como fizemos em relação às sentenças condicionais, é um
interessante exercício de lógica determinar o tipo de conexão (lógica, causal,
etc.) existente entre os enunciados que compõe as sentenças bicondicionais.
Descritos os principais tipos de sentenças, passemos agora à descrição
dos tipos básicos de argumentos que são de interesse da lógica.
Lógica Formal: da lógica aristotélica ao cálculo sentencial bivalente
| 27
1.4. os Argumentos
Em termos de lógica formal clássica analisaremos dois tipos básicos
de argumentos: os argumentos categóricos e os argumentos hipotéticos.
Ambos os tipos serão mais profundamente explorados nos capítulos que
tratam especificamente dos silogismos e da lógica simbólica de primeira
e de segunda ordem
13
. Por enquanto vamos apenas nos ater as devidas
distinções, sem ainda nos preocuparmos com a análise da validade dos
mesmos.
1.4.1. Argumentos CAtegórICos
Por argumentos categóricos entendemos aqueles compostos por
enunciados afirmativos e/ou negativos, diretos e explícitos. São argumentos
formados a partir de sentenças simples, ou seja, compostas apenas por
sujeito, predicado e um verbo de ligação (cópula), conforme é possível
observar na Figura 1:
Figura 1 – Elementos das sentenças categóricas simples
Fonte: Elaborado pelo autor
13
Advertimos que nossa classificação não esgota a tipologia dos argumentos.
28 |
1.4.2. Argumentos HIpotétICos
De acordo com a Lógica Tradicional Clássica, são argumentos que
apresentam conjecturas, possibilidades, contingências para a realização ou
não da conclusão. Esses argumentos podem seguir uma classificação geral
dos enunciados (tipos de sentenças), a qual nomeia os tipos: conjuntivos,
disjuntivos, condicionais e bicondicionais.
Estruturalmente os argumentos hipotéticos são semelhantes aos
categóricos, ou seja, são formados por premissas antecedentes e uma
consequente (GOBLOT, 1929; MARITAIN, 1986; TELLES JÚNIOR,
1962; VRIES, 1952).
São denominados conjuntivos os argumentos formados por premissas
nas quais aparece(m), em pelo menos uma delas, a conjunção e’. O termo
‘e, nesse tipo de sentença, sempre apresenta a função de unir duas ou mais
sentenças simples.
Exemplos:
1) Nenhum homem pode ser ao mesmo tempo, em um mesmo processo, réu
e juiz. Ora, Pedro, naquele momento atuava como juiz em um processo.
Portanto, Pedro não era réu naquele processo
14
.
2) Todo o ser humano tem direito à liberdade de opinião e de expressão. Ora,
todos participantes da greve dos estudantes são seres humanos. Logo, todos
participantes da greve dos estudantes têm direito à liberdade de opinião e de
expressão.
3) Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos
15
.
Ora, todos os seres humanos têm direito a um julgamento justo. Portanto,
aqueles que nascem livres e iguais em dignidade e em direitos tem também o
direito a um julgamento justo.
14
As realidades não podem se dar ao mesmo tempo e espaço; porém podem se inverter em tempo e espaço
diferentes.
15
Artigo 1 da Declaração Universal dos Direitos Humanos.
Lógica Formal: da lógica aristotélica ao cálculo sentencial bivalente
| 29
Os argumentos disjuntivos são formados por premissas onde
aparecem dois ou mais enunciados unidos pela expressão “ou”. Como
salientamos acima, esse termo pode aparecer tanto no sentido de inclusão
como no sentido de exclusão total.
Exemplos:
1) Se, fixados os alimentos, sobrevier mudança na fortuna de quem os supre
ou de quem os recebe, poderá o interessado reclamar do juiz, conforme as
circunstancias, exoneração, redução ou agravação do encargo
16
. Ora, não houve
mudanças na fortuna de quem supre ou de que recebe os alimentos. Portanto,
não há como solicitar redução ou agravação do encargo.
2) Os crimes podem ser dolosos ou culposos ou ainda preterdolosos. Ora, no
assassinato do caseiro dos Roschenfield o réu realmente quis matar a vitima
e, para isso utilizou-se de arma de fogo de grosso calibre. Logo, o crime não
poderia ser considerado preterdoloso ou culposo
17
.
No primeiro exemplo temos um argumento disjuntivo inclusivo,
dado que as duas possibilidades (ocorrer mudança na fortuna de quem
supre e ocorrer mudança na fortuna de quem recebe) não são excludentes.
Já no segundo exemplo, a disjunção é exclusiva, dado que não ser possível
que as três tipificações (doloso, culposo e preterdoloso) sejam aplicadas ao
mesmo evento.
Os argumentos condicionais ou implicativos apresentam, em sua
formulação, pelo menos uma premissa contendo dois enunciados simples
conectados mediante a expressão “Se ... então”.
16
BRASIL. Código Civil, 2006, art. 401.
17
Crime doloso ocorre quando o agente quis o resultado ou assume o risco de produzi-lo. Para que haja dolo
e necessário que haja vontade e conhecimento. Crime preterdoloso é definido “como o crime cujo resultado
vai além da intenção do agente, isto é, a ação voluntária inicia dolosamente e termina culposamente”, dado
que o resultado efetivamente produzido estava fora da abrangência do dolo (Cf. BITENCOURT, 2000, p.
204-205 e p. 231-232).
30 |
Exemplos:
1) Se o Congresso Nacional pode aprovar o estado de defesa e a intervenção
federal, então é de sua competência suspender qualquer uma dessas medidas.
Ora, aprovou-se no Congresso Nacional o estado de defesa. Logo, o Congresso
Nacional tem competência para suspender tal medida.
2) Conforme o art. 11º do Código Civil brasileiro, se dois ou mais indivíduos
falecerem na mesma ocasião, não podendo averiguar se algum dos comorientes
precedeu aos outros, (então) presumir-se-ão simultaneamente mortos
18
. Ora,
não houve a possibilidade de averiguar qual deles faleceu primeiro. Logo,
presume-se que ambos faleceram simultaneamente.
Os argumentos bicondicionais são formados por pelo menos um
antecedente que contenha enunciados simples conectados pela expressão
se, e somente se, então ....
19
.
Exemplos:
1) Se, e somente se estudarmos, então desenvolveremos nossa capacidade
cognitiva e nossas potencialidades profissionais. Ora, estudaremos. Portanto,
desenvolveremos nossa capacidade cognitiva e nossas potencialidades
profissionais.
2) Em se tratando de delegação para instauração de inquérito policial militar
(IPM), deverá aquela recair em oficial de posto superior ao do indiciado.
Somente se não for possível a designação de oficial de posto superior ao do
indiciado, então poderá ser feita a indicação de um oficial de mesmo posto,
desde que mais antigo. Ora, não existe na Unidade Militar em questão oficial
de posto superior ao do indiciado. Logo, deverá ser indicado um oficial mais
antigo, de mesmo posto do indiciado
20
.
Realizada a tipologia dos enunciados e dos principais argumentos
estudados pela lógica formal, cabe responder duas questões fundamentais:
18
Apesar de não aparecer a expressão “então” no texto original, presume-se a sua existência, dado que o texto
é claramente condicional.
19
Em alguns casos a expressão “somente se” é substituída pelo termo “”, que indica exclusividade.
20
Cf. Código de Processo Penal Militar (CPPM), Art. 7. (BRASIL, 1969).
Lógica Formal: da lógica aristotélica ao cálculo sentencial bivalente
| 31
1) Qual a estrutura básica dos argumentos;
2) Como, em argumentos mais complexos, determinar o que são
antecedentes e o que e conseqüente?
21
1.4.3. estruturA dos Argumentos
A partir das caracterizações feitas, podemos, de forma sintética,
afirmar, conforme já destacado, que um argumento, nada mais é do que
uma seqüência de enunciados dos quais, um deles é conclusão e os outros
são premissas (hipóteses), as quais, hipoteticamente, teriam por finalidade
provar ou pelo menos justificar a conclusão (conseqüente). Entretanto,
nem sempre as premissas provam a conclusão. Existem maus argumentos,
que nem por isso deixam de ser considerados como argumentos. Assim,
considera-se que uma conclusão em um argumento ‘válido’ deve decorrer
das premissas antecedentes apresentadas no argumento.
Dessa definição temos então que um argumento deve conter
necessariamente um conjunto de finito de premissas e uma conclusão,
independente do fato das premissas sustentarem ou não a conclusão. O
processo pelo qual obtemos uma conclusão de premissas recebe o nome
de inferência.
Exemplos:
1) Os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros que
preencham os requisitos estabelecidos em lei
22
.
Todos os cargos, empregos e funções públicas são funções que devem ser exercidas
com competência, honestidade e justiça.
Logo, as funções que devem ser exercidas com competência, honestidade e justiça
são acessíveis aos brasileiros que preencham os requisitos estabelecidos em lei.
21
A resposta a essas questões, bem como o entendimento da estrutura dos argumentos, são fundamentais
para que, na continuidade de nosso estudo, possamos traduzir argumentos da linguagem natural para a
linguagem formal, bem como para determinarmos a validade ou não dos argumentos em questão.
22
CF., Art. 37, I.
32 |
2) Todo ato criminoso segue um caminho, um itinerário a percorrer entre o
momento da idéia e da sua concretização
23
. Os atos de corrupção, praticados
contra a Fazenda Publica, são atos criminosos e, como tais também seguem um
caminho, um itinerário, que vai da idealização até o ato propriamente dito.
3) Se uma boa argumentação deve primar pela correção lingüística, coerência
lógica e pela utilização de dados verdadeiros e, considerando que uma petição
judicial não deixa de ser uma peça argumentativa, então, infere-se que uma
petição judicial deve primar pela correção lingüística, coerência lógica e pela
utilização de dados verdadeiros.
Dos exemplos apresentados acima temos:
Quadro 3 – Antecedentes e conseqüente
Exemplos Antecedente P1
24
Antecedente P2 Conseqüente
1
Os cargos, empregos
e funções publicas são
acessíveis aos brasileiros
que preencham os
requisitos estabelecidos
em lei.
Todos os cargos,
empregos e
funções públicas
são funções que
devem ser exercidas
com competência,
honestidade e justiça.
As funções que
devem ser exercidas
com competência,
honestidade e
justiça são acessíveis
aos brasileiros
que preencham os
requisitos estabelecidos
em lei.
2
Todo ato criminoso
segue um caminho, um
itinerário a percorrer
entre o momento
da idéia e da sua
concretização.
Os atos de corrupção,
praticados contra a
Fazenda Pública, são
atos criminosos.
(Os atos de corrupção,
praticados contra
a Fazenda Pública)
seguem um caminho,
um itinerário, que vai
da idealização até o ato
propriamente dito.
3
Uma boa
argumentação deve
primar pela correção
lingüística, coerência
lógica e pela utilização
de dados verdadeiros.
Uma petição judicial
não deixa de ser uma
peça argumentativa.
Uma petição judicial
deve primar pela
correção lingüística,
coerência lógica e pela
utilização de dados
verdadeiros.
Fonte: Elaborado pelo autor
23
Adaptada de Mirabete (1996, p. 153).
24
Utilizaremos P1, P2 (...) para indicar: Primeira Premissa; Segunda Premissa, etc.
Lógica Formal: da lógica aristotélica ao cálculo sentencial bivalente
| 33
Para determinar se ‘existe argumentação’ podemos nos valer de alguns
indicadores, denominados de Indicadores de Inferência. Esses indicadores
podem ser de dois tipos: Indicadores de Premissas e Indicadores de Conclusão.
Advertimos que a compreensão desses indicadores é essencial à tradução
de um argumento em linguagem natural para a linguagem formal
25
e,
conseqüentemente, analisar a validade ou não de um argumento. Vejamos
quais são alguns dos principais indicadores
26
:
Quadro 4 - Indicadores de inferência
Indicadores de Premissa Indicadores de Conclusão
Pois Logo
Desde que Portanto
Como Assim
Porque Por conseguinte
Assumindo que
Então (quando não utilizado como
termo copulativo em sentenças
implicativas)
Visto que Dessa maneira
Admitindo que Conseqüentemente
Isso é verdade porque Assim sendo
A razão e que Segue-se que
Em vista de Implica que
Como conseqüência de Acarreta que
Como mostrado pelo fato que Inferimos que
Dado que Deduzimos que
Sabendo-se que Acarreta que
Supondo que Desta forma
Ora Daí
Conclui-se que ou Concluímos que
Fonte: Elaborado pelo autor
25
Problema da tradução.
26
A lista apresentada não esgota todos os indicadores.
34 |
Os argumentos em linguagem natural
27
nem sempre seguem uma
ordem preestabelecida como apresentado até agora. Ou seja, primeiro as
premissas antecedentes e depois a premissa conseqüente ou conclusão. Em
função disso, devemos nos ater aos indicadores de inferência, para podermos
determinar a função de cada uma das premissas presentes no argumento
em questão. Vejamos alguns exemplos (Quadros 5 e 6):
Quadro 5 – Indicadores de premissa e de conclusão - A
Exemplos
Indicadores de
Premissa
Indicador de
Conclusão
1
Concluímos que os pensadores neotomistas
são críticos do capitalismo selvagem,
porque todos os críticos do capitalismo
selvagem são defensores de uma política
econômica voltada para a justiça social,
supondo que os pensadores neotomistas
são defensores de uma política econômica
voltada para a justiça social.
Porque
Supondo que
Concluímos que
2
Sabendo-se que o investimento em
educação é um dos fatores determinantes
para o crescimento econômico, então
seremos forcados a não aceitar uma política
governamental eminentemente monetarista.
Segue que o atual governo não considera a
relação entre educação e crescimento, dado
que o atual governo segue uma política
eminentemente monetarista.
Sabendo-se
Dado que
Segue que
3
Deduzimos que realmente houve crime
de estelionato, pois as assinaturas estavam
falsificadas e diversas transações na
BOVESPA foram feitas sem a autorização
dos diretores da corretora de valores e ainda
admitindo que esses fatos criaram um
grande prejuízo ao Tesouro Nacional.
Pois
Admitindo que
Deduzimos que
Fonte: Elaborado pelo autor
27
Estão incluídos nessa categoria os argumento em linguagem cotidiana, os argumentos presentes nos meios
de comunicação, no meio jurídico, nas diversas ciências, etc.
Lógica Formal: da lógica aristotélica ao cálculo sentencial bivalente
| 35
Postos em ordem teríamos (Quadro 6):
Quadro 6 – Indicadores de premissa e de conclusão - B
Antecedente P1 Antecedente P2 Conseqüente
1
Todos os críticos do
capitalismo selvagem são
defensores de uma política
econômica voltada para a
justiça social.
Os pensadores
neotomistas são
defensores de uma
política econômica
voltada para a justiça
social.
Os pensadores
neotomistas são críticos
do capitalismo selvagem.
2
(Se) o investimento em
educação é um dos fato-
res determinantes para o
crescimento econômico,
então seremos forcados a
não aceitar uma política
governamental eminente-
mente monetarista.
O atual governo
segue uma política
eminentemente
monetarista.
O atual governo não
considera a relação entre
educação e crescimento.
3
As assinaturas estavam
falsificadas e diversas
transações na BOVESPA
foram feitas sem a
autorização dos diretores
da corretora de valores.
Esses fatos criaram
um grande prejuízo ao
Tesouro Nacional.
Houve crime de
estelionato.
Fonte: Elaborado pelo autor
Apresentamos alguns conceitos preliminares em relação à lógica
tradicional clássica. Entretanto, a ‘Lógica’ nos dias atuais não se reduz à
lógica clássica. Em função disso se faz necessário apresentar uma breve
noção acerca da divisão da Lógica e, a seguir os princípios da Lógica
Clássica, objeto deste estudo.
36 |
1.5. dIvIsão dA lógICA
Os mais antigos tratados de lógica, ainda seguindo uma tradição
medieval, dividiam aquilo que eles definiam como a arte de raciocinar
corretamente em dois grupos: Lógica Menor ou Formal e Lógica
Maior ou Material, cujo conjunto foi denominado de Lógica Antiqua
(HEGENBERG, 1995).
De acordo com esta perspectiva, a lógica menor estudaria
simplesmente a forma dos argumentos, procurando determinar a validade
ou invalidade dos mesmos. Já a lógica maior se ocuparia da matéria, ou
seja, do conteúdo dos argumentos. A lógica maior buscava determinar
a verdade ou falsidade das proposições contidas em um argumento. O
principal objeto da lógica maior seria a argumentação como instrumento
de saber, de busca da verdade e, por este fato, muitas vezes foi denominada
de metodologia (MARITAIN, 1986).
A divisão entre lógica maior e lógica menor predominou até o
século XVII. Seu principal fundamento está no pensamento de Aristóteles
(384-322 a.C), em especial nas obras Categorias, De Interpretatione e nos
demais quatro livros do Organon. Atualmente a lógica propriamente dita
se restringe ao aspecto formal. A chamada lógica maior, por sua vez, passou
a fazer parte das ciências e da filosofia.
Com desenvolvimento da lógica moderna (matemática), a partir dos
estudos de diversos filósofos e matemáticos, entre os quais cabe destacar:
G. Boole (1815-1564), A. de Morgan (1806-1871), W.S. Jevons (1835-
1882), G. Frege (1848-1925), B. Russell (1972-1970), N. Whitehead
(1861-1947), Peano (1858-1932), D. Hilbert (1862-1943), L. E. J.
Brower (1881-1966), K. Gödel (1906-1978) entre outros, o panorama da
lógica modificou-se.
A partir desses autores, independentemente das diferentes
tendências e abordagens de cada um deles, a lógica seguiu, em sua forma
contemporânea, uma tendência formalizadora, aproximando-se muito mais
da matemática, da física e da computação do que da filosofia especulativa
propriamente dita. As múltiplas correntes dessa ‘nova lógica’ consideravam
Lógica Formal: da lógica aristotélica ao cálculo sentencial bivalente
| 37
a lógica como ciência positiva e rejeitavam o caráter normativo da lógica
tradicional, recusando-se a admitir qualquer ingerência da metafísica nas
pesquisas lógicas.
A partir dessa tendência, muitos autores passaram a denominar a
chamada lógica menor de lógica antiga ou lógica tradicional, ao passo que a
lógica matemática ou simbólica passa a ser denominada de lógica moderna
28
ou nova lógica. Essa visão em relação à lógica moderna pode ser observada,
por exemplo, em Quine (1944, p. 11), quando afirma que “[...] a lógica
antiga está para a nova lógica, menos como outra ciência anterior, do que
como um fragmento pré-científico da mesma disciplina.”.
Porém, há ainda outro impasse: a questão da denominação lógica
clássica. Por lógica clássica entende-se, em primeiro lugar, uma lógica
bivalente. O núcleo central da lógica clássica é o cálculo de predicados
clássico de primeira ordem, com ou sem igualdade. Esse núcleo estende-se
também às teorias de conjuntos. Se levarmos em consideração esse critério,
podemos considerar a lógica antiga (aristotélica) como sendo uma lógica
clássica. Também podemos considerar aquelas lógicas, que unidas a uma
metafísica essencialista, mas que são bivalentes e normativas, como é o caso
da lógica neotomista de Jacques Maritain como sendo clássica.
1.6. prInCípIos dA lógICA ClássICA
A lógica formal clássica é regida fundamentalmente por três princípios:
princípio de não-contradição
29
, de identidade e do terceiro excluído. Esses
princípios são fundamentais à demonstração clássica
30
e, portanto norteiam
as operações lógicas e servem de fundamento para uma rigorosa teoria da
argumentação.
28
Gortari (1988) considera que a lógica antiga vai do período helenístico e romano até Boécio e que a
lógica moderna é aquela que se desenvolve a partir da segunda metade do século XV. Já a chamada lógica
contemporânea, desenvolve-se a partir de Boole.
29
Também traduzido como Princípio de Contradição.
30
Devemos levar em consideração que para demonstrar algo, se faz necessário recorrer a uma generalidade
ou principio maior. Prosseguindo assim, chegaríamos a um princípio último, cuja evidência não pode
ser demonstrada. Também importante destacar que tais princípios não se mostram fundamentais à
demonstração em sistemas não clássicos.
38 |
1.6.1. não-ContrAdIção
O princípio de não-contradição, considerado o mais importante dos
princípios da lógica clássica, afirma que algo não pode ser e não ser ao mesmo
tempo. Ou em outros temos, algo não pode ser e deixar de ser ao mesmo
tempo. Esse princípio é orientado ontologicamente, ou seja, a afirmação é
de que uma coisa não pode existir e não existir ao mesmo tempo. Por
exemplo, a qualidade de vermelho aplicada a uma rosa, não pode existir e
não existir ao mesmo tempo ou, um ambiente não pode ser frio e quente
ao mesmo tempo.
Na lógica formal simbólica utiliza-se da seguinte notação para
expressar o princípio de não-contradicão: ¬ (p ¬ p)
31
, o que significa
que entre duas proposições contraditórias, uma delas é falsa. Na prática
essa lei serve para garantir que uma teoria não conduza a teoremas ou
conseqüências do tipo A e não-A”. De certo modo tal princípio garante a
racionalidade, evitando expressões
32
e raciocínios destituídos de coerência,
como muitas vezes podemos observar na linguagem natural.
A aplicação desse princípio ao meio jurídico é interessante, dado
que no ordenamento jurídico existem prescrições contraditórias, o que não
invalida o princípio. No caso da contradição existente no ordenamento
jurídico, a solução geralmente utilizada e a aplicação da regra: Lex posteriori
derrogat priori
33
.
1.6.2. IdentIdAde
Esse princípio afirma a identidade de uma coisa consigo mesma, ou
seja, o que é, é e, enquanto é, não pode deixar de ser. Em outros termos,,
uma coisa é sempre idêntica a ela mesma. Poderíamos traduzir dizendo que
sempre A = A. Em lógica formal simbólica utiliza-se da seguinte notação
31
‘¬’ significa negação; ‘’ simboliza ‘e’, no sentido de conjunção e, ‘p’ simboliza uma sentença atômica, ou
seja, uma simples.
32
Existe uma série de pérolas, que com intenção poética ou não, exemplificam como “assassinar” tal princípio,
tais como: “o mundo é vasto e pequeno”; “o morto sobreviveu”; “a vida é feia, mas é bela”.
33
Ou seja, a lei posterior derroga a anterior. Observa-se que este não e o único critério.
Lógica Formal: da lógica aristotélica ao cálculo sentencial bivalente
| 39
para expressar o princípio da identidade
34
: (p p)
35
, o que significa “se
p então p
36
.. Além disso, o princípio denota um conteúdo existencial,
pressupondo-se o princípio atribuído a Parmênides de Eléia
37
que pode ser
traduzido pela seguinte expressão: o que é, é; o que não é, não é; o ser é
38
; o
não ser não é”. Por exemplo, a expressão “o que não e proibido é permitido
traduz o princípio da identidade.
Em um primeiro momento tal princípio parece ser completamente
inútil, pois qual a vantagem de expressar uma idéia por ela mesma? Ou,
de que vale expressar uma mesma idéia utilizando-se de termos diferentes?
Em que acrescenta, por exemplo, dizer que “real é aquilo que existe na
realidade”?
Em relação à questão apresentada é importante destacar que
o princípio de identidade vai muito além das ‘paráfrases’ mas sim à
relação entre referência e referente. O que está em jogo são três questões
fundamentais: a questão da definição, a questão da interpretação e a questão
da tradução
39
.
1.6.3. terCeIro exCluído
De acordo com o princípio do terceiro excluído, não há meio termo
entre o ser e o não ser. Ou seja, uma coisa é ou não é. Assim como o princípio
de não-contradicão, o terceiro excluído é um princípio fundamentalmente
ontológico. Em lógica formal simbólica utiliza-se da seguinte notação para
expressar o princípio do terceiro excluído: (p ¬ p), o que significa que
entre duas proposições contraditórias (isto é, quando uma é a negação
da outra), uma delas necessariamente será verdadeira. Esse princípio, que
34
Também conhecido como Princípio da Identidade Proposicional.
35
O símbolo ‘’ utilizado na lógica simbólica indica uma relação de ‘condição’.
36
Ou nos dizeres de Russell: “once true, always true; once false, always false”.
37
O princípio de Parmênides, aparentemente, choca-se com o principio de outro filosofo grego, Heráclito de
Éfeso, segundo o qual “uma coisa é e não é ao mesmo tempo”. Para um estudo mais aprofundado de tais
autores sugerimos CHAUI, M. Introdução à historia da filosofia: dos pré-socráticos à Aristóteles. São Paulo:
Companhia das Letras, 2002. p. 64-107.
38
O “ser e” = o ser existe; o “ser não e” = o ser não existe.
39
Na Idade Media os escolásticos aconselhavam: “antes de qualquer discussão dê-se o sentido que devem ter
as palavras no decorrer dela”.
40 |
também recebe a denominação de Princípio da Exclusão do Meio, é aplicado
principalmente em questões de matéria necessária, ou seja, questões em
que não há a possibilidade de ocorrência no mesmo espaço e tempo de um
evento intermediário. Por exemplo, não existe meio termo entre “fazer” e
não fazer”. Aplicando tal principio ao Direito, infere-se que quando duas
normas são contraditórias, uma delas carece de validade.
Em relação aos três princípios, é importante observar que os mesmos
não se valem de uma orientação de dupla apreciação. Ou seja, a orientação
da lógica clássica não trabalha com o binômio bem e mal, mas de bem e de
não bem; de mal e não mal.
Por isso, dizer que a lógica clássica nos obriga a optar pela apreciação
bem ou mal seria um absurdo; seria o mesmo que dizer que ela nos obriga
a escolher se uma rosa é vermelha ou amarela. Nessa perspectiva podemos
afirmar que o Princípio de Não-Contradição nos obriga a escolher entre os
juízosa rosa é vermelha ou a rosa é branca”, enquanto o Princípio do Terceiro
Excluído nos mostra que “a rosa pode ser vermelha ou não vermelha”, ao
passo que o Princípio da Identidade nos diz que “uma rosa é uma rosa”.
Porém, se na realidade concreta, a rosa é vermelha, amarela ou azul, não é
a lógica que nos vai dizer, mas a experiência.
Além desses três princípios fundamentais podemos ainda elencar
outros dois princípios, cuja aplicação em lógica formal, matemática e em
teoria da argumentação tem se mostrado constante. São eles: Princípio da
Tríplice Identidade e Dictum de Omni et Nullo.
1.6.4. tríplICe IdentIdAde
Pode ser assim enunciado: Duas coisas idênticas a uma terceira são
idênticas entre si. Dessa primeira redação podemos inferir que: se duas coisas,
das quais uma é idêntica e, outra não é idêntica a uma terceira, essas duas
coisas são necessariamente diferentes entre si. Em matemática tal princípio
assume a seguinte redação em sentido positivo: Duas quantidades idênticas
a uma terceira são iguais entre si. O Princípio da Tríplice Identidade pode ser
traduzido pela seguinte expressão:
Lógica Formal: da lógica aristotélica ao cálculo sentencial bivalente
| 41
Se A = C
Se B = C
A = B
Porém, para que o princípio seja válido é necessário que o terceiro
elemento seja exatamente o mesmo. Dito de outra forma, não se admite
analogia ou aproximação na aplicação de tal princípio.
1.6.5. Dictum De Omni et nullO
Tal princípio pode ser assim enunciado: Tudo o que se afirma
ou se nega de uma classe inteira, se pode afirmar ou negar a qualquer de
seus membros. Esse é um dos princípios fundamentais dos argumentos
categóricos (silogismos categóricos)
40
. Tal princípio se divide em duas partes:
1.6.6. Dictum De Omni
41
Conforme o dictum de omni , tudo o que é afirmado universalmente
de um sujeito é afirmado de tudo o que está contido nesse sujeito. Um
conceito se afirma universalmente quando o sujeito não contém indivíduo
algum do qual não possamos afirmar o atributo. Em síntese, o todo abrange
as partes. Por exemplo, segundo esse princípio, a validade da sentença
todos os procuradores da república são bacharéis em Direito decorre de que,
necessariamente, não exista um só procurador da república que não seja
formado em Direito.
1.6.7. Dictum De nullO
42
O dictum de nullo pressupõe que, tudo o que é negado de uma classe
inteira de objetos é necessariamente negado a todos os objetos pertencentes
a essa classe, ou em outros termos, o que for negado universalmente
43
a um
40
Cf. Gortari (1988, p. 144).
41
Dito do todo.
42
Dito de nenhum.
43
Nega-se universalmente um conceito quando não se afirma de nenhum individuo contido no sujeito.
42 |
sujeito deverá necessariamente ser negado a tudo o que está contido nesse
sujeito. Por exemplo, a validade da sentença “Nenhum sistema jurídico está
livre de contradições” está condicionada, necessariamente, à impossibilidade
de que haja um só sistema jurídico que seja livre de contradições.
Esses princípios, de forma geral, fundamentam o que conhecemos
por Lógicas Clássicas, em especial a Lógica Tradicional Aristotélica.
Entretanto, conforme já destacado, para além da lógica clássica aristotélica
há a lógica matemática ou simbólica clássica
44
. Importante destacar ainda
que, o desenvolvimento da lógica foi marcado pelo surgimento de vertentes
ou escolas não-clássicas.
1.7. As lógICAs não-ClássICAs
Por lógicas não-clássicas entendemos aquelas lógicas que ampliam
ou completam, restringem ou modificam os princípios da lógica clássica.
De forma geral dividem-se em: a) complementares da clássica e, b)
alternativas ou heterodoxas ou mesmo rivais da lógica clássica. No primeiro
grupo, também classificado como lógicas ampliadas, destacam-se as lógicas
modais, as lógicas temporais, as lógicas deônticas, as lógicas epistêmicas, as
lógicas imperativas, as lógicas de preferência entre outras.
Entre o grupo das alternativas ou heterodoxas, podemos destacar as
lógicas paracompletas, as lógicas não reflexivas, as lógicas de implicação
causal, as lógicas intuicionistas, as lógicas quânticas, as lógicas fuzzy
entre outras. Porém, há casos em que as lógicas heterodoxas podem se
tornar complementares da clássica. Na nossa concepção, nessa categoria
se enquadram as chamadas Lógicas Paraconsistentes, as quais têm entre
seus principais idealizadores, o pesquisador brasileiro Newton Carneiro
Affonso da Costa.
Um panorama geral da lógica contemporânea mostra ainda a
existência de diversas correntes em lógica, entre as quais podemos citar:
a lógica indutiva, a lógica husserliana, derivada das investigações da
44
Cálculo de Predicados de Primeira Ordem e Cálculo Sentencial Bivalente
Lógica Formal: da lógica aristotélica ao cálculo sentencial bivalente
| 43
fenomenologia de Husserl (1859 – 1938); a lógica dialética
45
, derivado
do pensamento de Hegel (1770 – 1831) e a dialógica ou nova retórica
ou ainda teoria da argumentação, que se dedica à análise da estrutura da
linguagem não formalizada.
A partir dessas considerações podemos apresentar um quadro geral
da divisão da lógica formal (Quadro 7).
Quadro 7 – Divisão da lógica formal
LÓGICA FORMAL
CLASSICAS
Lógica Menor ou
Lógica Antiga
Lógica Aristotélica,
incluindo a
Silogística.
Lógica Simbólica
clássica
Cálculo de
Predicados de
Primeira Ordem
Cálculo Sentencial
Bivalente
O CLASSICAS
Complementares
da Clássica
ou
Ampliadas
Lógica Epistêmica
Clássica
Lógica Modal
Clássica
Lógica Clássica da
Deôntica
Lógicas Intencionais
Clássicas
Lógica Indutiva
Clássica
Heterodoxas
Lógicas
Paracompletas
Lógicas
Paraconsistentes
Lógicas Quânticas
Lógicas Relevantes
Lógicas Modais
Paraconsistentes
Lógicas Polivalentes
Lógicas Fuzzi
Lógica de
Lukasiewicz
Fonte: Elaborado pelo autor
45
Acerca da lógica dialética, pode-se consultar Lefebvre (1979).
44 |
Sobre o quadro acima é importante advertir que tal divisão
deve ser tomada com cautela. Alguns sistemas, como a lógica temporal
podem ser definidos como sistemas complementares ou ampliativos.
Também, importante destacar que, o cálculo sentencial não é uma
‘lógica independente’ do cálculo dos predicados (MENDELSON,
1997; SHOENFIELD, 1967). Da mesma forma, a silogística pode ser
concebida como parte do cálculo dos predicados (BOCHENSKI, 1966;
LUKASJEWICZ, 1970, 1977).
Apesar das divisões apresentadas salienta-se que a lógica atual é
essencialmente simbólica. De acordo com Costa, (1980, p. 1) “[...] na
realidade a lógica, no seu estado presente de evolução, é, por motivos óbvios,
simbólica e matemática, e não levar em conta tal fato seria simplesmente,
proceder de maneira anacrônica.”.
As lógicas não-clássicas apresentam características próprias, conforme
podemos observar no quadro 8:
Lógica Formal: da lógica aristotélica ao cálculo sentencial bivalente
| 45
Quadro 8 – Lógicas não-clássicas
Ampliadas
Lógica Epistêmica
Lógica do conhecimento, que trata das
proposições conhecidas como verdadeiras,
falsas e das conhecidas como indeterminadas.
Lógica Modal
Estuda as inferências entre proposições
modais; ou seja, trata da possibilidade,
da necessidade, da equivalência estrita e a
implicação por meio da lógica proposicional.
As proposições modais classificam-se em:
possíveis, impossíveis, contingentes e
necessárias.
Lógica Deôntica
Lógica que se baseia na substituição
das noções de verdade, falsidade e
indeterminação, pelas noções do que é
obrigatório, proibido e permitido. Também
se ocupa da moral e da ética, porém sem
determinar normas ou princípios.
Lógica Intencional
Ocupa-se dos predicados empíricos e suas
relações.
Lógica Indutiva
Ocupa-se das inferências indutivas.
Heterodoxas
Lógica Paraconsistente
Derroga o principio de contradição.
Lógicas Polivalentes
Sistema lógico no qual e possível que as
formas contidas em dado sistema admitam
mais de dois valores.
Lógica Intuicionista
Lógica que considera a prova como uma
operação mental e não como uma seqüência
de formulas. Admite o infinito em potencia.
Rejeita o principio do terceiro excluído
46
.
Lógica Fuzzi
Seu objetivo e descrever raciocínios
corriqueiros, muitas vezes imprecisos, uma
vez que incluem predicados vagos, como?
Comprido, demorado, pesado, etc.
Lógica de Lukasiewicz
Lógica trivalente que, diferentemente da clássica,
admite três valores de verdade: 0, 1 e ½, com
a peculiaridade de que: se A= 1, então A’=0; se
A=0, então A’=1; se A= ½, então A’= ½.
Fonte: Elaborado pelo autor
46
Sobre a lógica intuicionista, ver Granger (1993).
46 |
Considerando o desenvolvimento da lógica, suas características e
aplicações, temos hoje várias escolas, dentre as principais podemos destacar
o logicismo, o formalismo e o intuicionismo (Quadro 9):
Quadro 9 – Principais escolas da lógica
Características Principais Representantes
LOGICISMO
Considera que a matemática é
redutível à lógica, sendo um ramo
dessa última. Dessa forma, todas
as proposições das matemáticas
(especialmente da aritmética e,
portanto da análise) podem ser
enunciadas mediante o vocabulário
e a sintaxe da lógica matemática,
dado que todos os conceitos
matemáticos são derivados da lógica.
Isso se daria a partir da dedução
lógica e de definições explicitas.
Julius Wilhelm Richard
Dedekind (1831 – 1916)
Friedrich Ludwig Gottlob
Frege (1848 – 1925)
Bertrand Arthur William
Russell (1872 – 1970)
FORMALISMO
Dá-se este nome a qualquer escola
que procura explicar a matemática
enfatizando seus aspectos formais,
independentemente do significado
de suas asserções. Considera que
as proposições de uma ciência
(não somente da matemática) são
puramente formais e se baseiam
unicamente em convenções sobre
definições de símbolos.
David Hilbert (1862 –
1943)
INTUICIONISMO
Corrente oposta ao formalismo,
dado que considera que uma prova
e uma operação mental e não uma
seqüência de formulas. Acreditam
que a formalização no estilo de
Hilbert constitui unicamente
um modo de exposição. Para
os intuicionistas, o formalismo
confunde as normas sintáticas
contingentes da expressão
lógica com normas matemáticas
provindas de um conteúdo e de
uma significação intuitiva.
Luitzen Egbertus Jan
Brouwer (1881 – 1966)
Arend Heyting (1898 –
1980)
Fonte: Elaborado pelo autor
Lógica Formal: da lógica aristotélica ao cálculo sentencial bivalente
| 47
Para mais bem contextualizar os pressupostos aqui apresentados é
fundamental contextualizar. Para tanto, passaremos a uma breve descrição
de como se deu a evolução da lógica.
1.8. evolução dA lógICA
Podemos, de forma sucinta, dividir a historia da lógica em três períodos:
Período Aristotélico, Período Booleano e Período Contemporâneo.
O Período Aristotélico vai desde as sistematizações de Aristóteles (384
- 322 a.C), passando por toda a Idade Média, até o início do século XIX. Isso
não significa que antes de Aristóteles não ocorreu interesse e sistematização
em relação à lógica. Kneale e Kneale (1991, p. 14) afirmam que: “[...] certo
pensamento lógico se fez antes de Aristóteles e que teve sua origem na crítica
do raciocínio factual de todos os dias e que ajudou a dar origem a uma
tradição independente de Aristóteles, a dos Megáricos e dos Estóicos.
47
Ou seja, enquanto os peripatéticos se preocupavam em preservar o
legado de Aristóteles, os megáricos e os estóicos desenvolviam uma forma
completamente diferente de abordar a lógica formal (LUKASIEWICZ,
1970). Segundo Mates (1967), na verdade essas duas escolas estavam, já
naquele período, desenvolvendo o cálculo sentencial.
Em relação aos estóicos, é importante destacar o desenvolvimento
da distinção entre ‘uso’ e ‘menção’ e, guardadas as devidas proporções, a
semelhança da lógica megárica com a teoria desenvolvida por G. Frege
(1848-1925). Os lógicos estóicos e megáricos também deram especial
atenção ao sentido dos conectivos ou operadores lógicos: e, se ... então
e ao conectivo ou. Apesar das importantes contribuições dos estoicos
e megários,, Platão (429-348 a.C) e Aristóteles, de forma critica os
denominavam de ‘erísticos’; ou seja, criadores de argumentos frívolos.
47
O estoicismo é uma escola fundada na Grécia por Zenão de Cítio. A Escola Megárica foi fundada por
Euclides (não o mesmo dos teoremas), discípulo de Sócrates e contemporâneo de Platão. Na geração
posterior a Aristóteles descaram-se Diodoro Crono e Philo. no início do século III a.C
48 |
Apesar da existência de uma tradição anterior a Aristóteles, esse
filósofo é considerado por muitos autores, especialmente os ligados à
tradição clássica, o primeiro sistematizador da lógica, sendo a obra Primeiros
Analíticos apontada como o primeiro tratado sistemático de lógica formal.
As obras de Aristóteles que abordavam a lógica
48
foram reunidas,
após sua morte, em um tratado que recebeu o nome de Organon, que
significa instrumento da ciência.
Entre as obras que compõe o Organon podemos citar: Categorias
(ou pelo menos a sua primeira versão); Tópicos, com seu apêndice De
Sophisticis Elenchis, cujo tema central é o raciocínio dialético, entendido
como “raciocínio que provém de opiniões que são geralmente aceitas”,
em oposição ao raciocínio demonstrativo; Peri Hermeneias ou De
Interpretatione, cujo título em grego significa “acerca da exposição”. O
objetivo principal era, conforme Kneale e Kneale (1991), determinar que
pares de frases seriam opostas e, de que maneira. Ainda fazem parte desse
conjunto duas obras: Os Primeiros Analíticos e os Segundos Analíticos.
Essas duas obras contém o pensamento mais maduro e sistematizado
de Aristóteles em relação à lógica. Os Primeiros Analíticos tratam
especialmente da forma dos argumentos (silogismos), incluídos aí suas
figuras e modos. Os Segundos Analíticos, em íntima relação com o anterior,
continua o desenvolvimento da teoria dos silogismos
49
. Por outro lado, a
obra Tópicos é considerada a mais significativa para o estudo da dialética
aristotélica. Para Aristóteles, a dialética se identifica como um ‘método
para a obtenção da verdade. Nessa perspectiva, a dialética é uma forma, um
instrumento (órganon) para solucionar as aporias, ou seja, as ambiguidades
naturais da linguagem, identificando-se assim, com uma ‘lógica da verdade
procurada’ (AUBENQUE, 1962).
No início dos Tópicos Aristóteles assim apresenta assim a proposta
do escrito:
48
A palavra lógica só adquiriu o seu sentido moderno cerca de 500 anos mais tarde, quando foi usada por
Alexandre de Afrodisias (KNEALE; KNEALE, 1991, p. 25).
49
Cf. Alcofarado (1993).
Lógica Formal: da lógica aristotélica ao cálculo sentencial bivalente
| 49
Nosso tratado se propõe encontrar um método (μέθοδος) de
investigação graças ao qual possamos raciocinar, partindo de
opiniões geralmente aceitas (ἐξ ἔνδοξα), sobre qualquer problema
que nos seja proposto, e sejamos também capazes, quando
replicamos a um argumento, de evitar dizer alguma coisa que nos
cause embaraços (μηθὲν ἐροῦμεν ὑπεναντίον). (ARISTÓTELES,
Tópicos, 1978, I, 1 100a 18-25).
A lógica, desde Aristóteles até o século XVII, não sofreu grande
evolução, mesmo porque o Organon, como um todo, só se tornou acessível,
na versão em latim, a partir do século XIII. Os pensadores medievais que se
dedicaram à lógica, como por exemplo, Boécio (470-525), Pedro Abelardo
(1079-1142
50
e Guilherme de Ockham (1285?-1349) contribuíram para
com a sistematização as obras de Aristóteles conhecidas no período. No
período medieval a lógica foi um importante instrumento para a solução
de problemas teológicos. Entre esses problemas se destacava o Problema
dos Universais
51
(BOEHNER; GILSON, 1991). Em relação a Guilherme
de Ockham, importante destacar a obra Summa Logicae, na qual Ockham
se ocupou de uma lógica trivalente (GILSON, 1995).
Petrus Hispanus (1205-1277), que se tornou o papa João XXI, foi
outro autor importante para o desenvolvimento da lógica medieval. A obra
Summulae Logicalis de Petrus Hispanus teve grande expressão na Idade
Média, tendo sido utilizada como livro-texto ao longo de pelo menos dois
séculos, alcançando mais de 150 edições.
Para melhor contextualizar o desenvolvimento da lógica medieval,
é importante destacar que o século XIII foi marcado pelo surgimento
das grandes Universidades, entre as quais se destacaram as de Paris e a
de Oxford. Principalmente na Universidade de Paris os ensinamentos de
50
O século XII foi marcado pela existência de duas correntes: os chamados dialéticos (Pedro Abelardo,
por exemplo), que defendiam a utilização da lógica como instrumento para a teologia e os antidialéticos
(Bernardo de Claraval e Pedro Damião p. ex.), que consideram a lógica nociva e irrelevante à teologia e ao
magistério (BOEHNER; GILSON, 1991).
51
Para uma melhor compreensão da lógica medieval indicamos a leitura das obras de Pedro Abelardo (Lógica
para Principiantes, 1994) e de Porfírio (Isagoge: Introdução às Categorias de Aristóteles, 1994).
50 |
Aristóteles tinham especial relevância, tornando-se depois também objeto
de interesse para os intelectuais de Oxford
52
.
O século XVII foi marcado pelo surgimento da Lógica de Port
Royal. Port Royal era um mosteiro situado nas cercanias de Paris. Ali,
Antoine Arnould (1612-1694) escreveu, em 1660, a Grammaire Génerale
et Raisonnée, conhecida como a Gramática de Port Royal. Em 1662,
juntamente com Pierre Nicòle (1625-1695), Arnauld publicou a obra
Logique, ou L’art de Penser, conhecida como Lógica de Port Royal. Essa
obra serviu, por cerca de duzentos anos, em várias partes da Europa, como
referencia para os estudos de lógica e semântica
53
.
A partir do século XVII, a lógica passa a tomar nova direção com a
proposta de construção de uma lógica científica, simbólica ou matemática.
Gottfried Wilhelm Leibniz (1646-1716) foi primeiro filósofo
a vislumbrar a construção de uma lógica científica. Leibniz propôs um
projeto arrojado de ligação entre as operações algébricas e as operações
lógicas. Também propôs a criação de símbolos universais que facilitassem
as operações lógicas, o que resultaria numa álgebra da linguagem, bem como
numa linguagem universal, à qual todas as linguagens naturais poderiam
ser traduzidas e testadas. Para Leibniz, a lógica tradicional permitia
demonstrar verdades conhecidas, mas não descobrir novas verdades. Em
função dessa limitação da lógica tradicional, Leibniz procurou estabelecer
uma Scientia Universalis ou uma linguagem totalmente racional, destituída
de ambiguidades e constituída pela manipulação, segundo regras, de
símbolos convencionais. Duas ideias principais dominavam a concepção
leibniziana acerca da lógica:
1) A de uma característica universal, linguagem simbólica destinada a
traduzir o sistema dos conhecimentos científicos por meio de um código de
sinais representando as noções elementares.
52
Jacques Le Goff, na obra Os Intelectuais na Idade Media. São Paulo: Brasiliense, 1989, traça um interessante
panorama do surgimento das Universidades na idade media.
53
Segundo Hegenberg (2002, p. 170) nessa obra, embora houvesse uma critica ao pensamento cartesiano,
há uma clara adesão às regras do método de Descartes, bem como uma rejeição à noção aristotélica de
Analítica Priora.
Lógica Formal: da lógica aristotélica ao cálculo sentencial bivalente
| 51
2) A de um cálculo lógico, operando sobre os sistemas expressos nessa ideografia
de modo a reduzir o trabalho do raciocínio dedutivo a simples transformações
de fórmulas.
Leibniz elaborou ensaios variados nesse sentido, baseando-se em
analogias entre as propriedades das operações algébricas e das operações
dedutivas, sem, no entanto chegar a constituir um método ou sistema
definitivo (COSTA, 1971).
As propostas de Leibniz foram desenvolvidas, ainda de forma de
forma incipiente pelo matemático Johann Heinrich Lambert (1728 –
1777), o qual tinha como projeto a geometrização do conhecimento e
a mensuração como principal critério de investigação. Porém, tanto os
escritos de Leibniz como os de Lambert, apesar da importância para a
Lógica e para a Filosofia da Lógica, não encontraram muita ressonância
na época. Somente no século XIX, com os logicistas ingleses é que essas
propostas encontram repercussão.
Entre esses logicistas destacam-se George Boole (1815-1864)
54
,
Augustus De Morgan (1806-1871) e William Stanley Jevons (1835-
1882) entre outros. A partir desses pensadores, a lógica passou a empregar
conceitos provenientes da matemática, especialmente da álgebra. Em
1847, Boole publica Mathematical Analysis of Logic e, nesse mesmo ano, De
Morgan publica a obra Formal Logic, na qual faz as primeiras investigações
sobre a lógica das relações. Surgia assim a lógica simbólica clássica, também
denominada por alguns autores como lógica matemática
55
. Inaugura-se,
a partir desses autores, o chamado Período Booleano, caracterizado por
avanços importantes para o desenvolvimento da lógica contemporânea.
A lógica simbólica e matemática de Boole é considerada uma síntese
entre o um pré-formalismo aristotélico e o simbolismo leibniziano, cuja
54
Boole conseguiu criar um sistema simbólico para a lógica.
55
O desenvolvimento dessa lógica será mais profundamente estudado nos capítulos posteriores. Para um
contato com o sistema booleano pode-se consultar Almeida (1943).
52 |
grande importância é o desenvolvimento de uma álgebra
56
da lógica; um
método que repousa sobre o emprego de símbolos dos quais se conhecem
leis gerais de combinações e cujos resultados admitem uma interpretação
coerente (HAILPERIN, 1986). Seu sistema binário é caracterizado pela
introdução de dois símbolos: 1 e 0, os quais são assim interpretados
(Quadro 10) :
Quadro 10 – Interpretação – sistema binário
1 0
Universo lógico, classe de todos os
objetos concebíveis.
Nada lógico, a classe que não contém
nenhum objeto.
Fonte: Elaborado pelo autor
Em síntese, o sistema booleano se apresenta como uma álgebra espacial
dos símbolos 1 e 0. Algumas de suas expressões podem ser interpretadas
como vínculos entre classes e proposições, ao passo que as transformações
representam processos de raciocínio, tomando as proposições gerais, a
forma de equação (COSTA, 1971; HAILPERIN, 1986). Desse modo,
Boole conseguiu obter um conjunto de regras de cálculo lógico, graças
às quais se efetuam mecanicamente, por meio de simples transformações
algébricas, longas e complexas cadeias dedutivas, que na realidade não se
distingue muito da lógica clássica (ACHINSTEIN; BARKER, 1969).
O desenvolvimento da Lógica no período contemporâneo pode ser
dividido em duas etapas. A primeira, que vai do final do século XIX até
1930 e, a segunda, que vai de 1930 até o final do século XX.
Em relação à primeira etapa, observa-se que por volta de 1880, a
relação entre lógica e matemática se inverte, ou seja, de uma matematização
da lógica, passa à uma logicização da matemática
57
. Destaca-se nesse
processo Friedrich Ludwig Gottlob Frege (1848 – 1925) e sua proposta
de fundamentar logicamente a matemática. Outro desenvolvimento
56
Podemos considerar de forma geral a álgebra como a parte da matemática elementar que generaliza a
aritmética, introduzindo variáveis que representam os números (HOUAISS, 2001, p. 155).
57
Conforme Costa (1992, p. 19), a tese central do logicismo pode ser assim resumida: “a matemática reduz-se
à lógica”. Aqui lógica assume muito mais um sentido de logística ou lógica matemática.
Lógica Formal: da lógica aristotélica ao cálculo sentencial bivalente
| 53
importante no período foi a criação, por parte de Cantor (1845-1918),
da teoria dos conjuntos. O período também foi marcado pelo surgimento
de novas antinomias que abalaram o edifício da matemática. Porem, até
Giuseppe Peano (1858 – 1932), os pesquisadores se interessavam apenas
pela ‘pura lógica’. A partir desse autor, a lógica também assume o caráter
de instrumento de demonstração matemática.
G. Frege não seguiu de forma estrita a tradição booleana,
considerando seu distanciamento do método algébrico; por outro, lado,
foi um dos autores que mais contribuíram com o desenvolvimento da
teoria da quantificação e do método proposicional ou lingüístico
58
.
O principal objetivo de Frege, na sua primeira obra, Begriffsschrift,
foi a construção, baseada na linguagem da aritmética
59
, de uma linguagem
formalizada do pensamento, ou seja, um sistema de notação mais regular
do que o da linguagem natural e, conseqüentemente mais rigoroso, no
sentido de garantir mais exatidão no processo de dedução. Tal proposta
estava na contramão do chamado método retórico
60
(KNEALE; KNEALE,
1991). Frege foi o primeiro a conceber um sistema lógico formal que
procurava desenvolver em detalhes a tese denominada logicismo, proposta
primeiramente por Leibniz.
O logicismo seria, de acordo com Haack (2002, p. 36) a tese de que
a aritmética é redutível à lógica”. Ou seja, pressupõe que os enunciados
aritméticos podem ser expressos em termos puramente lógicos, bem como
derivados de axiomas lógicos. Para estabelecer as bases do logicismo, Frege
conseguiu derivar de seus axiomas lógicos os postulados de G. Peano para
a aritmética.
A obra de Frege é, para Costa (1971), ao mesmo tempo, uma análise
do raciocínio dedutivo e uma teoria da aritmética que pretende demonstrar
58
Para se ter uma compreensão do desenvolvimento do pensamento de Frege ver o texto de Paulo Alcoforado
in.: FREGE, G. Lógica e filosofia da linguagem. São Paulo: Cultrix, 1978. p. 11-30.
59
Importante salientar que Aristóteles já havia utilizado a intervenção da aritmética e também da utilização de
letras para exprimir generalidades. Entende-se por aritmética a parte da matemática que estuda as operações
básicas: soma, subtração, divisão e multiplicação.
60
O método retorico objetiva a persuasão e sustentação de uma tese mediante a fundamentação eloquente
baseada na verossimilhança.
54 |
a tese de que toda a matemática pode ser deduzida de premissas puramente
lógicas. Em função de suas propostas, muitos historiadores da lógica, Frege
foi um dos autores que mais contribuíram para o desenvolvimento da
moderna lógica. Bochenski (1957), por exemplo, qualifica Frege como o
mais eminente pensador no campo da lógica matemática.
Muitas das ideias de Frege são encontradas, de forma menos
sistemática, nas obras de C. S. Peirce (1839-1914), o qual propôs um
simbolismo adequado para a lógica e desenvolveu partes da chamada
teoria da quantificação, além de demonstrar importantes resultados da
teoria das relações (MATES, 1967). Porém, o processo de redução de toda
matemática à aritmética teve seu ponto culminante com Peano, que, em
1899, propôs uma axiomática da aritmética elementar (BOCHENSKI,
1957; REALE; ANTISERI, 1991).
O marco para a renovação das pesquisas lógicas se deu com
a publicação dos três volumes da obra Principia Mathematica
61
, de
Alfred North Whitehead (1861-1947) e Bertrand Russell (1872-1970)
(LINSKY, 2011).
Esses autores, desenvolvendo em larga medida o programa de Frege,
defendiam a tese logicista, ou seja, de que a matemática e a lógica eram
idênticas e que toda a matemática pura trata exclusivamente de conceitos
definíveis em termos de um pequeno número de conceitos lógicos.
Pode-se afirmar que Whitehead e Russell realizaram o sistema
dedutivo mais completo até então construído, ao mesmo tempo em que
propuseram um simbolismo que depois se generalizou. Esses autores
levaram às últimas conseqüências a tese de Frege: a matemática pura,
incluíndo, além da geometria, a própria dinâmica racional, contém
exclusivamente os conceitos fundamentais da lógica.
Porém, entre 1901 e 1902, Russell colocou em crise a fundamentação
da aritmética efetuada por Frege, baseada na lógica das classes. Isso ocorreu
61
Os três volumes do Principia Mathematica foram publicados respectivamente em 1910, 1912 e 1913
(LINSKY, 2011).
Lógica Formal: da lógica aristotélica ao cálculo sentencial bivalente
| 55
a partir da descoberta de uma antinomia
62
que mostrava como uma
proposição, correta segundo os fundamentos de Frege, era autocontraditória.
A partir da antinomia de Russell, outras foram formuladas, levando assim,
a não aceitação, de forma ingênua, do conceito de conjuntos, o que
provocou sua revisão
63
.
Ainda nessa primeira etapa do desenvolvimento da lógica
contemporânea, se dá o desenvolvimento da escola formalista. Enquanto
os membros da escola logicista, entre os quais Frege, Peano e mesmo
Russell, acreditavam em um mundo objetivo, existente por si mesmo,
de entes e relações matemáticas, o qual o pesquisador deve descobrir
e não inventar, a escola formalista sustentava que um ente matemático
existe quando definido de modo não-contraditório, independente do
real (REALE; ANTISERI, 1991).
O criador e principal representante do formalismo foi o matemático
David Hilbert (1862-1943). De acordo com Costa (1992), o formalismo
nasceu do desenvolvimento do chamado método axiomático
64
. Ainda
segundo Costa (1992):
O método axiomático é de grande importância. Em primeiro
lugar, conduz à economia de pensamento: quando se estuda
axiomática abstrata, está-se, concomitantemente, tratando de
diversas teorias, a saber, todas as que se ‘enquadram’ na axiomática
em apreço. Em segundo, podem-se investigar, por intermédio,
problemas relevantes, tais como a da equivalência de duas teorias,
independência de axiomas, etc. (COSTA, 1992, p. 49).
62
Antinomias são paradoxos (par de proposições contrárias ou mesmo contraditórias) que conduzem a
contradições, mesmo de a eles são aplicados padrões de raciocínio normais ou aceitáveis (HEGENBERG,
1995).
63
É importante salientar que o programa logicista não está isento de criticas. Para Costa (1992, p. 30), “[...]
a redução da matemática à lógica só teria sentido se fosse completa e apresentasse vantagens.”, o que não
ocorreu.
64
Em principio podemos definir axioma como um tipo teorema, ou seja, principio considerado com válido,
do qual se parte para fazer uma demonstração. Também considerada como fórmula reconhecida como
válida pela lógica que se adota como fundamento de uma teoria matemática (GORTARI, 1988).
56 |
Observa-se, porém, que tal método não era novo. No caso da
matemática o referido método já era aplicado desde Euclides de Alexandria,
na obra Elementos (Στοιχεῖα), escrita entre os anos de 330 e 320 a.C. Essa
obra apresenta uma estrutura lógico-dedutiva que permite a obtenção de
vários resultados a partir de poucos princípios, divididos em axiomas e
postulados. Ou seja:
[...] parte-se de determinadas noções tidas como claras (ponto, reta,
etc.) e de certas proposições admitidas sem demonstração.”, como
por exemplo: ‘dois pontos distintos individualizam uma reta’.
(COSTA, 1992, p. 50).
As proposições, no contexto euclidiano, são classificadas em
duas categorias: axiomas e postulados. Os axiomas compunham-se de
enunciados comuns a todas as ciências como, por exemplo, a ideia de que
o todo é igual à soma das partes”. Os postulados exprimiam propriedades
essencialmente geométricas. Atualmente não se utiliza a distinção entre
axiomas e postulados (SANT’ ANNA, 2003).
O método axiomático também foi adotado por David Hilbert, o
qual considerava que a matemática trata sempre da estrutura dedutiva dos
sistemas formais. Para ele, o rigor matemático poderia existir em qualquer
ramo da ciência em que a matemática estivesse de alguma forma subjacente.
A segunda etapa do período contemporâneo ocorre a partir de
1930 e é especialmente marcada pelos trabalhos de Kurt Friedrich Gödel
(1906-1978), o qual desenvolveu os chamados teoremas de incompleteza
ou incompletude das lógicas de ordem mais elevada, o que provocou a
impossibilidade de existência de um sistema axiomático, de caráter
completo e consistente
65
para a aritmética elementar dos números
naturais. Esses teoremas, de acordo com Mates (1967, p. 288), tiveram
profundos reflexos sobre a filosofia da matemática, “[...] mostrando uma
65
Diz-se consistente um sistema cujo conjunto de proposições não apresentam incompatibilidade, ou seja,
seja, onde não haja proposições contraditórias e, conseqüentemente não permita a dedução de proposições
contraditórias. Por sistema completo, considera-se aquele em que não há nenhuma formula do sistema que
não seja um teorema do mesmo sistema. Também é considerado um sistema completo quando toda a
fórmula do mesmo é verdadeira (GORTARI, 1988).
Lógica Formal: da lógica aristotélica ao cálculo sentencial bivalente
| 57
vez por todas que a verdade matemática não pode ser identificada ao
que seja dedutível de qualquer particular conjunto de axiomas”. Ou
seja, os teoremas de Gödel admitem não ser possível derivar de qualquer
conjunto de axiomas puramente lógicos todas as verdades da aritmética
(HAACK, 2002). Tais teoremas, datados de 1931, foram assim expostos
por Granger (1956, p. 276):
I. Numa teoria dedutiva convenientemente definida, e que contenha os axiomas
da aritmética, existem proposições indecidíveis (ou seja, existe “F” tal que nem F
nem ¬ F sejam demonstráveis).
II. Numa teoria dedutiva definida como a precedente, não se pode provar a não-
contradicção desta teoria.
Atribui-se também a Gödel a primeira demonstração da completude
da lógica elementar.Ainda nesse período, Alonzo Church (1903-1995)
contribuiu para demonstrar as limitações do programa hilbertiano, ao
publicar em 1936 seu teorema que afirma: “Para uma teoria dedutiva
convenientemente definida e que contenha os axiomas da aritmética, não
existe procedimento efetivo de decisão para as proposições demonstráveis.
(CHURCH, 1936 apud GRANGER, 1956, p. 276).
Assim como Gödel, Alfred Tarski (1902-1983) trouxe importantes
contribuições para a lógica, contribuindo para aclarar o escopo e os limites
do mecanismo dedutivo (COSTA, 1997). Em matemática alcançou
resultados importantes no tocante a decidibilidade de várias teorias
matemáticas. Um dos textos mais importantes de Tarski é o ensaio, datado
de 1934, intitulado O conceito de verdade nas linguagens formalizadas, no
qual aborda a semântica dos sistemas formais
66
.
Nesse trabalho, Tarski trata do conceito de verdade como
correspondência; como consonância com os fatos. O conceito de verdade
como consonância com os fatos assim é expresso por Tarski (2007, p. 161):
66
Cf. Tarski (1991).
58 |
“[...] a afirmação ‘a neve e branca’ é verdadeira se, e somente se, a neve for
branca.”.
Nessa perspectiva, para Tarski, se houver uma definição de verdade
como consonância de afirmações de fatos, não haverá um critério de
verdade e ocorrerá possibilidade de erro ao se afirmar que uma teoria é
verdadeira.
Alan Mathison Turing (1912-1954), matemático formulador da
teoria geral dos processos computáveis foi outro pesquisador de destaque
no período. Turing propôs a formalização dos conceitos de algoritmo
e computação. Foi o criador do conceito de uma máquina universal,
chamada ‘Maquina de Turing’.
Para Turing, tal ‘máquina’ poderia ser programada para computar
qualquer função descrita formalmente; seria dotada de uma memória
infinita e sofreria influência de seus estados passados. Em função de sua
proposta, Turing é considerado o pai da computação e da inteligência
artificial (COPELAND, 2004).
Atualmente, a lógica é um campo independente da filosofia, da
matemática e da computação. As áreas de pesquisa mais comuns em
lógica são: lógica e computação; teoria dos conjuntos, teoria dos modelos,
lógica e teoria das categorias, lógica algébrica, semânticas de valoração,
lógicas não clássicas, lógica e linguagem entre outras. Essas áreas de
pesquisa são fundamentais no mundo contemporâneo, em especial
para o desenvolvimento de tecnologias que envolvem a computação e,
para a solução de problemas voltados para a economia, administração,
neurociências entre outros.
Entretanto, mesmo com o desenvolvimento excepcional ocorrido e
que ainda ocorre nas pesquisas e aplicações da lógica contemporânea, a
lógica tradicional, especialmente no que se refere à teoria do silogismo e
aos princípios da lógica tradicional, não perdeu o seu valor. Pelo contrário,
como pudemos observar, a lógica atual têm seus fundamentos na lógica
aristotélica ou surgiram como crítica a esse sistema, como é o caso das
chamadas lógicas não clássicas. A compreensão da lógica tradicional
Lógica Formal: da lógica aristotélica ao cálculo sentencial bivalente
| 59
aristotélica, ainda hoje se mostra importante para o entendimento da teoria
da argumentação e de suas aplicações em diversas áreas do conhecimento,
como por exemplo, nas áreas do Direito, do Marketing, da Educação, da
Psicologia etc.
60 |
| 61
CApítulo II
L T C
2.1. A sIlogístICA ArIstotélICA
O estudo da lógica dos silogismos ou lógica menor aristotélica
compreende a análise do processo de raciocínio. Ou seja, considerando o
Órganon
1
, vai desde a formação das ideias (conceitos) até a elaboração dos
argumentos (silogismos) propriamente ditos. O interessante é que, nesse
“longo caminho”, há, conforme a a visão aristotélica, uma divisão
2
entre
pensamento e linguagem (ARISTÓTELES, 2005).
Ou seja, conforme essa teoria, algumas operações são meramente
mentais e antecedem a formação da expressão lingüística de tais operações.
Daí a definição, pelos mais antigos, da lógica como “arte de pensar
corretamente”. Nesse sentido, a lógica seria a tradução do pensamento, do
raciocínio correto. Por exemplo, o filósofo neoescolástico Jacques Maritain
(1882-1971)
3
assim define a lógica:
A Lógica estuda a razão como instrumento da ciência ou meio de
adquirir e possuir a verdade. Pode-se defini-la a arte QUE DIRIGE O
Mas não os Primeiros Analíticos
2
Divisão aqui não tem sentido de dicotomia.
3
Maritain (1986) usa a expressão “Lógica da razão correta” como sinônimo de “Lógica Menor” .
62 |
PROPRIO ATO DA RAZAO, isto é, que nos permite chegar com ordem,
facilmente e sem erro, ao próprio ato da razão. (MARITAIN, 1986, p. 17).
Os estudiosos da lógica de tradição aristotélica, especialmente os
medievais (escolásticos) e os modernos neoescolásticos, concebem que o ato
da razão, ou seja, o raciocínio, não é uma atividade simples, mas complexa,
composta de vários atos ou operações mentais ordenadas em seqüência:
simples apreensão, formação do conceito ou da idéia, formação do juízo e
formação do raciocínio propriamente dito. Como expressões (lingüísticas)
dessas operações mentais decorrem o termo como expressão da idéia ou
conceito; a proposição como expressão do juízo e o argumento ou o silogismo
como expressão do raciocínio.
4
Dessa forma, o estudo da lógica menor
clássica, segundo Vries (1952) compreende seis partes: idéia e termo; juízo
e proposição; raciocínio e argumento (silogismo).
O estudo pormenorizado dessas partes da lógica é a fonte das regras
que regem a construção de argumentos categóricos dedutivos e, como tal,
não deve ser visto apenas como uma “arqueologia da lógica”, cujo único
interesse é de caráter puramente histórico. Passemos à compreensão das
bases da silogística aristotélica.
2.1.1. bAses dA sIlogístICA ArIstotélICA
A lógica de tradição aristotélica parte de uma visão que poderíamos
classificar modernamente, de forma imprecisa, de ‘dualista’. Ou seja,
considera que há, de forma antecedente, a construção operações puramente
mentais que seguem uma sequência: formação das ideias ou conceitos
singulares, a partir de uma simples apreensão, dos juízos acerca de tais
conceitos e, por fim dos raciocínios, construídos a partir desses juízos.
A ‘expressão’ lingüística ou material dessas operações mentais seriam,
conforme a tradição aristotélica, os termos, as proposições e o silogismo.
Passemos agora para a caracterização de cada um desses elementos que
constituem a base da silogística aristotélica.
Não há correspondente “material” para a simples apreensão, a qual pode ser concebida como um processo
psicológico relacionado com a percepção.
Lógica Formal: da lógica aristotélica ao cálculo sentencial bivalente
| 63
2.1.1.1. IdeIA
De acordo com a concepção aristotélico-tomista, seguida pelos
pensadores neoescolásticos
5
, uma ideia ou conceito
6
se forma a partir do
contato do indivíduo com a realidade, ou seja, por meio da experiência
sensível
7
. Considerando esse critério, a simples apreensão seria o primeiro
ato da mente, entendida aqui como inteligência, pelo qual o homem toma
contato com o real e, conseqüentemente forma “ideias” acerca da realidade
percebida
8
.
A ideia formada a partir da simples apreensão é uma abstração do
real, do qual ainda nada se afirma ou nega; é uma simples imagem ou
representação mental. Esse ato primeiro de simples apreensão, mesmo
sendo imperfeito, está na origem de nosso conhecimento intelectual,
conforme o pensamento de matriz neoescolática (MARITAIN, 1986;
SOARES, 2003a).
Como imagem mental, uma ideia não consegue abstrair todos os
elementos da realidade, mas somente algumas características desse objeto,
seguidores de Aristóteles e de Tomás de Aquino (1224-1274) acreditavam
que somos capazes de abstrair, antes de tudo e, de forma direta, as essências
9
ou objeto de conceito, os quais os lógicos denominavam também de
conceito objetivo. Essas essências, segundo a tradição aristotélica-tomista,
determinariam o próprio ser do objeto, fazendo com que o mesmo pudesse
ser distinto e distinguível de outros objetos cuja natureza fosse diferente
(ALVIRA; CLAVELL; MELLENDO, 1986).
Dessa maneira, dividia-se o objeto da simples apreensão, em objeto
material e objeto formal. O primeiro seria qualquer coisa que possa ser
Tal concepção acerca da teoria do conhecimento não se justifica na atualidade. Dado o objetivo dessa obra,
nos limitaremos a descrever tal concepção. Para melhor fundamentação sugerimos como literatura básica às
obras HESSEN, J. Teoria do conhecimento (2000) e COSTA, N. C. A. O Conhecimento cientifico (1997).
Utilizaremos aqui ‘conceito’ como sinônimo de ‘ideia’, seguindo a tradição da Lógica Menor.
De acordo com essa concepção, a mente do homem ao nascer seria como uma folha em branco (Tabula
Rasa), a qual seria preenchida a partir das experiências sensíveis.
A Teoria do Conhecimento de Aristóteles é o fundamento da teoria da formação dos conceitos na lógica
formal clássica.
9
Segundo Alvira, Clavell e Mellendo (1986), “A essência, pois, se define como aquilo por que uma coisa é o que
é”. Dessa forma essência está em oposição a acidente, o qual é definido como “[...] determinação ou qualidade
causal ou fortuita que pode pertencer ou não a um sujeito determinado.” (ABBAGNANO, 1982).
64 |
apreendida pelo pensamento. O segundo, a essência ou a natureza das
coisas apresentadas à inteligência. Tais objetos da simples apreensão, ainda,
podem ser divididos, conforme Maritain (1986) em: objeto incomplexo e
objeto complexo.
Os incomplexos são os objetos simples, indivisíveis, como por
exemplo, o objeto ‘Homem’, o qual, segundo tal concepção, tem uma só
essência, ou seja, segundo a referida tradição, ‘animal racional’. Nesse caso,
temos um objeto incomplexo em si mesmo e, segundo o modo de conhecer,
dado que temos uma só essência e uma única apreensão inteligível. Ou
seja, há uma identidade direta entre ser ‘homem’ e ser ‘racional’. Porém, se
a ideia apresentada fosse ‘animal racional’, teríamos um objeto incomplexo
em si mesmo, porém complexo segundo o modo de conhecer pois, teríamos
duas apreensões inteligíveis (animal + racional).
Os objetos complexos são aqueles cuja natureza é divisível por si
mesma, ou seja, apresentam várias essências. Por exemplo, promotor
de justiça, ou seja: animal racional + formado em direito + membro do
Ministério Público que representa a sociedade. Nesse exemplo temos
um objeto complexo em si mesmo e segundo o modo de conhecer, dado
que existem várias essências apresentadas por meio de varias apreensões
inteligíveis. Porém, alguns objetos podem ser complexos em si mesmos e
incomplexos segundo o modo de conhecer, como por exemplo, o objeto
advogado’, o qual possui duas essências apresentadas à inteligência (Direito
e homem que possui esta ciência), mas uma única apreensão inteligível.
Feitas essas distinções teóricas, as quais envolvem uma ontologia e
uma teoria do conhecimento de fundo aristotélico-tomista, às quais estão
na base da lógica antiga ou da chamada Lógica Menor, passemos agora ao
estudo das ideias propriamente ditas.
As ideias podem, conforme a tradição aristotélica, ser classificadas de
acordo com os critérios de perfeição, compreensão e extensão.
Uma ideia (conceito mental) é tanto mais perfeita quanto mais
exatamente ela corresponder ao objeto real, o qual foi base para sua
formação. Essa correspondência (ideia / conceito – objeto real) deve se
dar tanto em relação às características essenciais como quanto às suas
Lógica Formal: da lógica aristotélica ao cálculo sentencial bivalente
| 65
características acidentais. Assim, segundo o critério de perfeição, uma ideia
pode ser classificada de acordo com sua adequação, clareza e diferenciação,
conforme podemos observar nos quadros 11, 12 e 13:
Quadro 11 – Classificação das ideias quanto à adequação
ADEQUAÇÃO
ADEQUADA INADEQUADA
Uma ideia é adequada quando esgota a
cognoscibilidade
10
do objeto apreendido
pela mente.
Exemplo: A ideia de relâmpago é direta e
faz referência a um só objeto. Quando
evocada, a mente forma de imediato uma
imagem única, sem a menor confusão, sem
a necessidade de contextos explicativos.
Quando não esgota a cognoscibilidade do
objeto apreendido pela mente.
Exemplo: Quando a ideia clarão é evocada,
sem um contexto explicativo, a mente não
consegue identificar de forma objetiva o
que está sendo expresso na realidade. Ou
seja, clarão pode ser referência para uma
série de coisas.
Fonte: Elaborado pelo autor
Quadro 12 – Classificação das ideias quanto à clareza
CLAREZA
CLARA OBSCURA
Quando os elementos apreendidos pela
mente são suficientes para distinguir
uma determinada ideia de outras classes
diferentes de ideias.
Exemplo: A ideia de Homem (Ser Humano)
é clara, pois os elementos percebidos são
suficientes para distingui-la de outras,
como por exemplo, das ideias de árvore,
elefante, casa, etc.
Quando uma ideia não oferece elementos
distintivos suficientes para distingui-la de
outras ideias.
Exemplo: A ideia de objeto voador não
apresenta elementos distintivos suficientes
para identificá-la e muito menos para
diferenciá-la de outras ideias. Por exemplo,
a ideia de objeto voador pode estar fazendo
referencia a um avião, a um pássaro, a um
satélite, etc.
Fonte: Elaborado pelo autor
10
Capacidade de se dar a conhecer a mente humana; capacidade de se desvelar, de ser percebido. Porém, tal
conceito comporta necessariamente a intencionalidade de uma mente que conhece.
66 |
Quadro 13 – Classificação das ideias quanto à diferenciação
DIFERENCIAÇÃO
DISTINTA CONFUSA
Quando apresentar todos os elementos
possíveis (essenciais e acidentais)
necessários à individuação.
Exemplo: A ideia de Juiz de Direito da 2
a
Vara Criminal da Comarca de São Paulo,
Dr. Sigmund Freud Justus oferece todos os
elementos necessários ao entendimento e à
individuação.
Quando não apresenta elementos
suficientes à individuação.
Exemplo: A ideia de Juiz, não apresenta
elementos individualizadores suficientes.
Não sabemos quem, de onde e do que.
Fonte: Elaborado pelo autor
De acordo com o critério de perfeição, uma ideia pode ser ao mesmo
tempo inadequada, obscura e confusa. Por exemplo, a ideia de ‘quadro’ não
esgota a cognoscibilidade, a não se em um contexto muito bem definido.
Também nessa ideia (quadro), os elementos não são suficientes para
distingui-la de outras ideias. Ou seja, a ideia ‘quadro’ pode fazer referência,
por exemplo, a quadro/obra de arte, a quadro/situação, etc. Além disso, a
ideia ‘quadro’ não fornecer elementos individualizantes (SOARES, 2003a).
Por outro lado, se uma ideia for distinta, consequentemente ela será
clara e adequada. Por exemplo, a ideia Juiz de Direito da 2
a
Vara Criminal da
Comarca de São Paulo, Dr. Sigmund Freud Justus é adequada, clara e distinta.
Segue-se, porém, que uma ideia adequada e clara não é necessariamente
distinta. Por exemplo, a ideia de Juiz de Direito é adequada, clara, porém,
não distinta.
Em relação à compreensão, se concebe que uma ideia é tanto mais
passível de ser compreendida quanto mais simples ela for. Ou seja, quando
menor for a decodificação necessária à sua compreensão. Em outros termos,
a compreensão de uma ideia se avalia de acordo com o conjunto das notas
que o caracterizam.
Lógica Formal: da lógica aristotélica ao cálculo sentencial bivalente
| 67
O sentido de compreensão aqui utilizado não se apresenta como
sinônimo de perfeição, ou seja, uma ideia simples pode ser inadequada,
obscura e confusa, ao passo que uma ideia composta pode ser adequada,
clara e distinta. Uma ideia quanto à compreensão pode ser classificada
como simples ou composta (SOARES, 2003a).
Quadro 14 – Ideias simples e compostas
SIMPLES COMPOSTA
Quando consta de um só elemento
significativo.
Quando consta de dois ou mais elementos
significativos.
Exemplo: Ser
11
Exemplo: Homem = (Animal + Racional +
Mamífero + Social + etc.)
Fonte: Elaborado pelo autor
Se a compreensão é medida em função da amplitude das suas
notas, a extensão de uma ideia é mensurada em relação à quantidade de
elementos aos quais ela pode ser aplicada. De acordo com Goblot (1929),
a extensão de uma ideia é o número de indivíduos contidos no gênero
12
. A
extensão de uma ideia aumenta conforme a quantidade de objetos por ela
abrangidos. Ou seja, a denominação de quantidade refere-se à posição em
termos de conjunto.
Considerando a compreensão como relacionada à significação de
uma ideia, podemos identificá-la com a qualidade e, sendo a extensão
o conjunto de indivíduos aos quais podemos aplicar a idéia, podemos
identificá-la com a quantidade. Relacionando qualidade e quantidade,
podemos notar que quanto mais amplo for uma ideia ou conceito, tanto
menos distinto será. Ou seja, a extensão e a compreensão das ideias estão
entre si em razão inversa.
11
Simplicidade aqui não se refere à capacidade de entendermos o conceito. Se assim fosse, o conceito ser seria
o mais complexo de todos.
12
O gênero seria uma idéia universal que representa o elemento comum possuído por várias espécies. A
espécie representaria toda essência de um grupo, ao passo que a diferença seria o conceito universal que
representaria o elemento distintivo de cada espécie e, que unida ao gênero, formaria a espécie (SOARES,
2003a, p. 26).
68 |
Do exposto decorre o seguinte principio:
Quanto maior a extensão, menor a compreensão e, quanto
maior a compreensão, menor a extensão.
Por exemplo, a ideia de livro é mais extensa que a ideia de ‘livro de
lógica’, que por sua vez é mais extensa do que a ideia de ‘livro de lógica
simbólica’, de tal forma que a ideia de ‘livro’ é ‘de menor’ compreensão que
a de ‘livro de lógica’, que por sua vez apresenta menor compreensão que a
de ‘livro de lógica simbólica’.
Observe a representação abaixo (Figura 2), na qual A = livro de lógica
simbólica; B = livro de lógica e C = livro, e veja que a menor extensão (A)
está relacionada diretamente com a maior compreensão, ao passo que a
maior extensão (C) está relacionada à menor compreensão.
Figura 2 – Extensão e compreensão
Fonte: Elaborado pelo autor
Relacionada à questão da relação entre extensão e compreensão,
temos ainda que levar em consideração a relação entre as chamadas ideias
superiores e as ideias inferiores. Definem os lógicos clássicos que a ideia
Lógica Formal: da lógica aristotélica ao cálculo sentencial bivalente
| 69
contida ou inferida é superior à ideia que implica ou inferente, conforme
podemos observar na Figura 3:
Figura 3 – Ideias superiores e inferiores
Fonte: Elaborado pelo autor
Ou seja, tudo o que é ‘ser humano’ é ‘animal’; nem tudo o que
é ‘animal’ é ‘ser humano’ e, tudo o que é ‘juiz’ é ‘ser humano’. Porém,
nem tudo o que é ‘ser humano’ é ‘juiz’. A ideia de animal é implicada ou
inferida pela ideia de homem, ou seja, faz parte de suas notas institutivas
e é, portanto, superior, ao passo que a ideia de ser humano é inferente em
relação a animal, sendo, portanto inferior. Em relação à ideia de ‘juiz’,
temos que ‘ser humano’ é superior (inferido) e ‘juiz’ e inferior (inferente).
Tal concepção se aplica também às categorias de gênero, espécie e indivíduo.
Observe que a introdução da categoria de diferença, conforme
podemos observar (Quadro 15), se faz necessária:
70 |
Quadro 15 – Gênero, diferença e espécie
GÊNERO DIFERENÇA ESPÉCIE
Animal + Racional
13
= Homem
Fonte: Elaborado pelo autor
A partir dessas observações é possível construir o seguinte quadro
(Quadro 16) onde podemos observar a sequência que parte do mais geral
(gênero) ao particular, considerando as diferenças específicas:
Quadro 16 – Do gênero ao indivíduo
Gênero Espécie Nacionalidade Profissão Individuo
Animal Humana Brasileira Advogado Miguel Reale
Fonte: Elaborado pelo autor
Salientamos que outras classificações ainda fazem parte da análise
dos conceitos ou ideias, tais como a de ideias concretas e ideias abstratas;
ideias coletivas e ideias divisivas. Porém, dado o caráter dessa obra, tais
caracterizações não serão abordadas
14
. Importante considerar que as
ideias ou conceitos apresentam diferentes significados, considerando, por
exemplo, a corrente de pensamento ou escola filosófica.
Por exemplo, o conceito de ‘ideologia não é o mesmo para Karl
Marx, Freud ou Leonardo Boff. Também é importante destacar que as
ideias não são entes estáticos. Elas são dinâmicas e evoluem historicamente
e,. em função dessa dinamicidade decorre a necessidade da clareza no
processo de argumentação. Se as ideias não forem bem definidas podemos
ter como resultado dilemas e paradoxos e, na melhor das hipóteses,
discussões inúteis.
13
Segundo várias escolas filosóficas, a definição de homem como animal racional é extremamente reducionista.
14
Para um aprofundamento acerca da questão dos conceitos sob a ótica da chamada lógica menor, sugerimos
a leitura de Maritain (1986) e Goblot (1929).
Lógica Formal: da lógica aristotélica ao cálculo sentencial bivalente
| 71
2.1.1.2. juízo
Assim como a ideia, o juízo é uma operação do intelecto. Emitimos
juízos quando afirmamos ou negamos algo, formando assim uma
sentença
15
. Dessa maneira, podemos afirmar que a construção de juízos
é a segunda operação do nosso intelecto. Ou seja, primeiro percebemos,
formamos a ideia e, depois julgamos, ou seja, atribuímos ou não uma
predicação à ideia. Por exemplo, quando pensamos “Direito não é sinônimo
de Justiça” estamos formando um juízo, nesse caso, negativo, considerando
que estamos negando certa qualidade (ser sinônimo de justiça) à uma ideia
ou conceito (Direito).
Portanto, aos juízos cabem as propriedades de serem ‘afirmativos
ou ‘negativos’ e, também de serem ‘verdadeiros’ ou ‘falsos’. Dessa forma,
podemos existe a possibilidade de ocorrerem juízos afirmativos verdadeiros
ou falsos e, de juízos negativos verdadeiros ou falsos. Ou seja, como podemos
observar no quadro abaixo, os critérios para classificar a verdade ou falsidade
são diferentes para determinar afirmação ou negação (Quadro 17).
Quadro 17 – Critérios de classificação dos juízos
JUIZO
Afirmativo Negativo
Quando é atribuída uma determinada
qualidade.
Quando se nega (não é atribuída) uma
determinada qualidade.
Verdadeiro Falso
Quando corresponde a realidade Quando não corresponde á realidade.
Fonte: Elaborado pelo autor
15
Segundo Jacques Maritain (1986, p. 109), o juízo é o “[...] ato do espírito pelo qual o espírito compõe ao
afirmar ou divide ao negar.”.
72 |
É importante salientar que os seguidores da lógica antiga adotam
como critério de verdade o critério correspondencial, segundo o qual, um
juízo é considerado verdadeiro quando fizer referência à realidade, ou seja,
quando corresponder à realidade. Devemos destacar que, para esse tipo de
realismo, as coisas existem independentemente da posição da consciência,
não distinguindo, em absoluto, entre a percepção e o objeto percebido.
Não concebe que as coisas não são dadas em si mesmas, imediatamente, na
sua corporeidade, mas somente como conteúdos da percepção e mediadas
por uma serie de fatores
16
.
Porém, existem outros critérios de verdade, como por exemplo o
critério coerencial, o critério pragmático entre outros. Como postura
teórica assumimos, em relação a essa questão, a posição de Frege, em seu
artigo Über Sinn und Bedeutung, de 1892, citado por Costa (1997, p. 152):
Somos assim conduzidos a identificar o valor de verdade de
uma proposição com sua denotação. Por valor de verdade de
uma proposição, entendo o fato de que ela é verdadeira ou
falsa. Não há outro valor de verdade. (FREGE, 1892 apud
COSTA, 1997, p. 152).
2.1.1.3. rACIoCínIo
Por fim, chegamos à terceira operação mental, ou seja, o raciocínio.
Antes de tudo é importante esclarecer que raciocinar não é sinônimo de
pensar! Podemos, por exemplo, pensar em nossas dívidas sem, no entanto,
raciocinar sobre como pagá-las. Além do mais, quantas pessoas que, até
pensam, mas não raciocinam?
Para Hegenberg (1975), raciocinar significa pensar discursivamente,
pensar de maneira coerente, com um propósito em vista
17
. Mais
estritamente, em termos de raciocínio lógico, raciocinar corresponde ao
processo de inferir
18
. Existem diversas formas de raciocinar. Porém, o que
16
Aristóteles adotava uma posição um pouco diferente, denominada de realismo natural, pois acreditava que
as propriedades percebidas pertencem também às coisas, independentemente da consciência cognoscente
(HESSEN, 2000, p. 93).
17
Obviamente podemos ‘pensar discursivamente’ sem raciocinar em sentido lógico, tal como trata Hegenberg
(1975). Podemos ‘pensar’ como forma de distração, convencer, sem o objetivo de concluir, sem fazer
inferências.
18
Hegenberg (1995) também define raciocínio como um encadeamento de argumentos.
Lógica Formal: da lógica aristotélica ao cálculo sentencial bivalente
| 73
define um tipo de raciocínio é a maneira pela qual se dá o processo de
inferência, ou seja, a forma pela qual, de juízos formados chegamos a uma
determinada conclusão. Duas das formas de inferência são a dedução e a
indução, as quais também são tratadas como métodos.
O Raciocínio dedutivo é, enquanto operação mental, aquele cuja
conclusão decorre de um ou mais juízos formulados previamente ou
previamente dados.
No processo dedutivo, a conclusão, de certa forma, já está implícita
nas premissas. Portanto, o objetivo da conclusão, em uma dedução, é
explicitar o conteúdo dos juízos, não acrescentando assim, algo de novo
em relação a eles
19
, ao passo que os juízos servem para fundamentar e/ou
explicar a conclusão obtida.
Assim como em outros tipos de raciocínio
20
, os dedutivos são
constituídos por premissas e por conclusão.
Por exemplo, a sentença implicativa (a) pode ser estruturada em
forma de argumento categórico (b):
(a) Todos os procuradores da republica são homens interessados em defender os
interesses da sociedade brasileira. Alguns ministros do Supremo Tribunal
Federal já foram procuradores da república, então podemos concluir que
alguns dos ministros do Supremo Tribunal Federal estão ou estiveram,
interessados na defesa dos interesses da sociedade brasileira.
(b) Todos A são B
Alguns C são A
Alguns C são B
21
19
Tradicionalmente o argumento dedutivo é caracterizado como aquele que partindo de uma premissa universal,
conclui por uma particular. Porém esta definição é limitada para caracterizar todos os processos dedutivos.
20
Ha ainda uma outra divisão, oriunda da tradição aristotélica e amplamente adotada pelos manuais de lógica
clássica. Nela os argumentos em dois tipos: Apodítico, também chamado de demonstrativo e Dialético.
No primeiro tipo, o raciocínio sempre parte de uma premissa considerada verdadeira, de forma tal que a
conclusão sempre será verdadeira, ou seja, “necessária”. No segundo tipo, ao contrário do primeiro, não
sabemos se as premissas são verdadeiras, de forma tal que não se pode inferir pela verdade necessária da
conclusão (HEGENBERG, 1995).
21
A = procuradores da republica; B = homens interessados em defender os interesses da sociedade brasileira;
C = ministros do Supremo Tribunal Federal.
74 |
O raciocínio indutivo pode ser caracterizado como aquele que,
partindo de juízos particulares, chega a uma generalização absoluta ou
relativa. Ao contrário da dedução, a indução, pelo fato de seus juízos serem
construídos a partir da observação empírica, fornece em sua conclusão
elementos que não estavam implícitos nas premissas.
Apontam os críticos da indução como método, que a conclusão,
nesse tipo de procedimento, não tem ‘peso de verdade absoluta’, dada à
impossibilidade da formação de juízos a partir de uma observação exaustiva
da realidade, ou seja, do objeto tratado. Tal limitação também decorre da
impossibilidade em conhecer e de controlar todas as variáveis envolvidas
na formação dos juízos (SOARES, 2003b). Assim, uma conclusão obtida
indutivamente será sempre provável ou relativa.
Porém, para melhor caracterizar a indução como processo mental
22
,
preferimos os critérios de indução completa (afirmação a respeito de todos
os membros de uma classe, com base no exame de todos e de cada um
deles) e de indução ampliativa (raciocínio que chega a uma conclusão a
respeito de todos os membros de uma classe, partindo da observação de
alguns membros da mesma).
Exemplos:
a) Indução Completa
A ala de pediatria do Hospital XVXXX conta com quatro profissionais
permanentes: uma médica, uma fisioterapeuta, uma enfermeira e um
técnico de enfermagem.
A médica possui cabelos negros.
A fisioterapeuta possui cabelos negros.
A enfermeira possui cabelos negros
O técnico de enfermagem possui cabelos negros.
Portanto, todos os profissionais da ala de pediatria do Hospital XVXXX
possuem cabelos negros.
22
Para uma melhor caracterização da indução como método ver Soares (2003b).
Lógica Formal: da lógica aristotélica ao cálculo sentencial bivalente
| 75
b) Indução Ampliativa
23
Uma médica, uma fisioterapeuta, uma enfermeira e um técnico de
enfermagem atuam na ala de pediatria do Hospital XVXXX são
profissionais da área da saúde.
A médica possui cabelos negros.
A fisioterapeuta possui cabelos negros.
A enfermeira possui cabelos negros
O técnico de enfermagem possui cabelos negros.
Portanto, todos os profissionais da área da saúde que atuam no Hospital
XVXXX possuem cabelos negros.
Feitos os devidos esclarecimentos em relação às operações mentais,
tais como concebidas pela Lógica Tradicional, passemos agora ao
estudo do termo, proposição e do silogismo enquanto, respectivamente,
representações linguísticas da ideia, do juízo e do raciocínio.
2.1.1.4. termo
Enquanto que a ideia é definida como uma imagem mental, fruto
de um processo de abstração, o termo é a expressão linguística, simbólica
ou material de uma ideia. Ou seja, o termo significa, simboliza uma ideia.
Por ser um sinal convencional, substitui uma ideia (conceito)
24
. De acordo
com Maritain (1986, p. 70), “[...] as palavras ou termos são os sinais das
ideias, ou conceitos, e as ideias ou conceitos são os sinais das coisas.”. Essa
dinâmica de significação se dá, conforme Maritain (1986), a partir de um
processo de suplência, a qual pode ser formal ou material.
A suplência é formal quando o termo substitui o objeto significado.
Por exemplo, ao discorrer sobre um objeto conhecido, não há a necessidade
de sua presença física. A simples evocação do ‘nome’ traz à ‘mente’ a
imagem do objeto.
23
Indução incompleta
24
Significa quer dizer que torna a idéia um sinal (palavra, som, figura...), deixando de ser uma operação
mental. Sendo significada uma idéia pode ser comunicada, compartilhada. Conforme Maritain (1986, p.
70), o termo é “um sinal articulado que significa convenientemente um conceito”.
76 |
Quando o termo significa o próprio sinal, ou seja, quando o sinal
evoca a si mesmo e não ao objeto em si, a suplência é denominada material.
Por exemplo, a expressão “inconstitucionalidade tem vinte e uma letras”,
faz referência ao próprio termo e não ao objeto por ele significado.
Os termos ainda podem ser classificados em duas categorias:
categoremáticos e sincategoremáticos. Os termos do primeiro grupo
significam um objeto concreto ou abstrado. Por exemplo, os termos
cérebro’ e ‘justiça. Já os do segundo grupo significam uma ‘modificação’ de
alguma coisa. Por exemplo, os termos, ‘algum’, ‘todo’, ‘nenhum’, ‘depressa’,
alto’, ‘difícil’, etc.
Na Lógica Tradicional, os termos são classificados segundo os
critérios de compreensão, função e de extensão.
Um termo, entendido como representação de uma ideia, também
poder ser classificado quanto à sua perfeição; porém, dado que um termo
significa uma ideia, essa ‘perfeição’ será reduzida à própria significação. Ou
seja, um termo pode ser classificado, isoladamente, de acordo com a sua
capacidade de evocar, de referenciar um objeto específico
25
. Em síntese,
partindo desses critérios adotados pela Lógica Tradicional, enquanto
expressão linguística de uma ideia, os termos podem ser classificados,
quanto à compreensão, como unívoco, equívoco ou análogo:
O termo será unívoco quando substituir uma ideia clara de um
único objeto ou classe. Por exemplo, o termo ‘mulher’. Podemos observar
que, na frase ‘uma mulher é suspeita de ter cometido o crime’, há clareza
do significado do termo ‘mulher, ou seja, é possível inferir que o suspeito
de ter cometido o crime se trata de um ser humano do sexo feminino.
O termo será equívoco quando apresenta a propriedade de ser
aplicado à várias ideias ou conceitos diferentes. Ou seja, quando o
mesmo sinal pode representar conceitos pertencentes à diferentes classes.
Por exemplo, o termo ‘processo. Observe as seguintes expressões: (a) O
25
Segundo Wittgenstein (1995), na obra Investigações Filosóficas, a significação de um termo depende de seu
uso. Assim, um termo fora de um contexto nada significa. Porém, para a lógica clássica, um termo isolado
ainda pode significar uma idéia ou conceito.
Lógica Formal: da lógica aristotélica ao cálculo sentencial bivalente
| 77
processo, cujo réu é o Sr. Martin Saint-Laurent, estava disponível no cartório
da 3
a
vara civil da capital paulista e, (b) Os cursos de Direito no Brasil estão
passando por um processo de reestruturação.
Na primeira expressão (a) o termo ‘processo’ significa conjunto de
documentos e papeis referentes a um litígio, ou seja, os autos. No segundo
exemplo (b), o termo ‘processo’ apresenta sentido de uma ação continuada.
Mas, não e difícil compreender o sentido que o termo ‘processo
assume em ambas as frases! Então qual a razão de classificá-lo como equívoco?
A razão é simples! Se o termo ‘processo for apresentado isoladamente, sem
o contexto, fica impossível determinar o seu significado exato.
O termo é classificado como análogo quando é utilizado de forma
conotativa, ou seja, em linguagem figurada e, de forma que a ideia por ele
representado tenha uma semelhança com a ideia original. Por exemplo,
na expressão ‘aquele advogado ficou uma fera quando o juiz proferiu a
sentença’, o termo ‘fera’ é análogo, ou seja, representa o estado de espírito
do advogado como sendo semelhante ao de um animal selvagem.
Em termos de função, para a lógica do silogismo categórico, uma
palavra ou termo pode exercer duas funções: sujeito ou predicado. Disso
decorre a classificação dos termos como termo sujeito (TS) e termo
predicado (TP).
Exemplo:
O crime de ação única é aquele cujo tipo penal contém apenas uma modalidade de conduta.
TS TP
Os termos restantes (o, é) são classificados como palavras lógicas ou
termos sincategoremáticos. Deve-se salientar que para a Lógica Tradicional,
em enunciados categóricos, todos os verbos que não são de ligação (cópula),
78 |
são traduzidos para uma forma substantiva pois, em sentenças categóricas,
só existe a cópula, ou seja, o verbo de ligação.
Exemplo:
Os crimes principais independem da prática de delito anterior.
Traduzindo para a linguagem do silogismo categórico teríamos:
Os crimes principais são independentes da prática de delito anterior.
TS TP
Porém, como em nosso idioma nem sempre é possível ou
esteticamente plausível tal adaptação, utilizamos, com o objetivo de
facilitar a análise, o seguinte critério: quando não ocorrer a cópula, ou
seja, quando não estiver presente o verbo de ligação, consideraremos o
verbo na sua forma natural, ou seja, tal como aparece na sentença, como
sendo parte do predicado (SOARES, 2003a). Tomemos como exemplo a
seguinte sentença: A vontade constitui elemento indispensável à ação típica de
qualquer crime. Seguindo esse critério temos (Quadro 18):
Quadro 18 – Classificação dos termos sujeito (TS) e predicado (TP)
A vontade
constitui elemento
indispensável à ação típica
de qualquer crime.
Termo Lógico Termo Sujeito (TS) Termo Predicado (TP)
Fonte: Elaborado pelo autor
A extensão de um termo está relacionada à quantidade. Ou seja,
determinamos a extensão de um termo considerando a ‘quantos’ elementos
de um conjunto ele se refere. Por exemplo, quando se afirma que ‘todos os
Lógica Formal: da lógica aristotélica ao cálculo sentencial bivalente
| 79
magistrados são formados em direito’, se está fazendo referência à totalidade
(em termos de quantidade) dos elementos pertencentes ao conjunto dos
magistrados. Importante ressaltar que, ao determinar a extensão de um
termo, se deve antes, determinar se o termo é, em relação à função, termo
sujeito (TS) ou termo predicado (TP). Tal identificação é importante, pois,
TS e TP seguem regras próprias de classificação quanto à extensão.
Quanto à extensão o termo sujeito (TS) pode ser classificado como
universal, particular ou singular (Quadro 19):
Quadro 19 – Classificação dos termos quanto à extensão
UNIVERSAL
Quando faz referência a todos ou a
nenhum elemento de um conjunto.
PARTICULAR
Quando a referência é feita a alguns
elementos de um conjunto.
SINGULAR
Quando a referência é feita a um
elemento de um conjunto.
Fonte: Elaborado pelo autor
As expressões ou palavras mais comuns que indicam a extensão de
um termo sujeito (TS) são (Quadro 20):
Quadro 20 – Expressões indicativas de extensão
Indicativas de Universalidade
Todo(a), Todos(as), Nenhum, Nenhuma,
A totalidade, etc., ou qualquer expressão
que denota a totalidade de um conjunto.
Indicativas de Particularidade.
Estes(as), Aqueles(as), Alguns, Algumas,
A maioria, A minoria, etc., ou qualquer
expressão de denota parte de um
conjunto.
Indicativas de Singularidade.
Este(a), Aquele(a), Esse(a), Aquilo, Isto,
além dos nomes próprios.
Fonte: Elaborado pelo autor
80 |
Exemplos:
1) Todos os homens são mortais.
Figura 4Termo sujeito (TS) universal
Fonte: Elaborado pelo autor
2) Nenhum homem é destituído de direitos.
Figura 5Termo sujeito (TS) universal
Fonte: Elaborado pelo autor
A partir da observação dos gráficos acima, se pode notar que, no
primeiro, a totalidade do conjunto dos homens (TS) pertence ao conjunto
dos mortais (TP). Porém, não se pode afirmar que a totalidade do conjunto
dos mortais pertence ao conjunto dos homens. Já no segundo gráfico, a
Lógica Formal: da lógica aristotélica ao cálculo sentencial bivalente
| 81
totalidade do conjunto dos homens (TS) não pertence ao conjunto dos
destituídos de direito (TP), bem como a totalidade do conjunto dos
destituídos de direito não pertence ao conjunto dos homens.
Termo Sujeito Particular
1) Alguns juristas são positivistas.
Figura 6Termo sujeito (TS) particular
Fonte: Elaborado pelo autor
2) Alguns crimes não são crimes dolosos.
Figura 7Termo sujeito (TS) particular
Fonte: Elaborado pelo autor
82 |
3) Alguns médicos não são neurologistas.
Figura 8Termo sujeito (TS) particular
Fonte: Elaborado pelo autor
Em relação aos três exemplos da particularidade do TS podemos
notar, no primeiro exemplo, que somente alguns membros da totalidade
do conjunto dos juristas (TS) pertencem à totalidade do conjunto dos
positivistas (TP) e vice-versa (Figura 6). O segundo exemplo é mais
interessante, pois, temos que somente uma parte da totalidade do conjunto
dos crimes (TS) pertence ao conjunto dos crimes dolosos (TP). Porém, a
totalidade do conjunto dos crimes dolosos pertence ao conjunto dos crimes
(Figura 7). Já no terceiro exemplo fica evidente que, parte da totalidade do
conjunto dos médicos (TS) não pertence à totalidade do conjunto dos
neurologistas (TS) e vice-versa (Figura 8).
Lógica Formal: da lógica aristotélica ao cálculo sentencial bivalente
| 83
Termo Sujeito Singular
Exemplos:
1) Miguel Reale é filósofo do direito
26
.
Figura 9Termo sujeito (TS) singular
Fonte: Elaborado pelo autor
2) Este homem não é neurocientista.
Figura 10Termo sujeito (TS) singular
Fonte: Elaborado pelo autor
26
Em termos de uma linguagem mais formal, podemos traduzir para “Miguel Reale pertence ao conjunto dos
filósofos do direito”.
84 |
Em alguns enunciados categóricos não aparecem os indicadores de
quantidade (todos, alguns, etc.) do termo sujeito. Nesses casos costuma-se
dizer que o termo sujeito é indefinido quantitativamente. Normalmente
o indicador de quantidade vem substituído pelas expressões ‘os’ ou ‘as’,
as quais, muitas vezes são equivocadamente traduzidas como ‘Todos’ /
Todas’. Além disso, é comum que o termo sujeito venha sem precedência
alguma.
Exemplos:
1) Os magistrados europeus não são adeptos de uma interpretação mais social
da lei.
2) Memória é a capacidade de alterar o comportamento em função de
experiências passadas..
Nesses casos, os estudiosos da Lógica, ligados à tradição aristotélica,
utilizam um critério, o qual denominaremos por ‘critério essencial’ e, do
qual decorrem duas regras:
1) quando o termo predicado for essencial o termo sujeito será universal
27
e,
2) quando o termo predicado for acidental
28
o termo sujeito será particular.
Para determinar se o predicado é essencial, basta observar se ele
atende aos critérios de gênero ou diferença específica,
27
‘Essência’, de acordo a concepção da metafísica aristotélica-tomista, “é aquilo que faz com que uma coisa
seja o que ela é e não outra” (ALVIRA; CLAVELL; MELLENDO, 1996). Desta concepção decorre que um
predicado só é essencial se puder ser aplicado somente àquela espécie e aos indivíduos daquela espécie.
28
Acidentes são características ou predicados que não definem o objeto.
Lógica Formal: da lógica aristotélica ao cálculo sentencial bivalente
| 85
Exemplo:
Os homens são animais.
Neste exemplo, animal é gênero e homem é espécie. Assim, o conjunto
dos homens está contido no conjunto dos animais, o que torna o termo
homens neste caso, universal, conforme o diagrama a seguir (Figura 11):
Figura 11Termo sujeito (TS) universal
Fonte: Elaborado pelo autor
Alguns autores adotam o critério de essência no sentido de diferença
específica. Tal critério, quando aplicado à realidade concreta, se mostra
reducionista. Por exemplo, adotando o critério de diferença específica, no
enunciado “Os homens são animais, o termo ‘homens é particular pois, o
predicado ‘animais não se aplica somente a ‘homens’, mas também à outras
espécies, o que torna o predicado (‘animais’) acidental e não essencial.
Apesar dessa limitação, nada impede que tal critério seja aplicado,
considerando que não se pode ignorar que, a lógica formal, conforme a
concebemos, não se ocupa do conteúdo das sentenças ou, do significado
dos termos.
86 |
Em relação à determinação da ‘quantidade’ do termo predicando,
conforme apresentado, adota-se a regra: ‘quando o termo predicado for
acidental, o termo sujeito será particular’. Vejamos o exemplo:
Exemplo:
Os homens são brasileiros.
Neste exemplo, ‘ser brasileiro não faz parte da essência de homem,
mas é apenas uma contingência, um acidente e, como tal, não define o
termo ‘homem’, tornando-o assim particular, conforme o diagrama abaixo
(Figura 12):
Figura 12Termo sujeito (TS) particular
Fonte: Elaborado pelo autor
A representação acima indica que nem todos os homens são
brasileiros; ou seja, apenas aponta para o fato de que apenas alguns homens
são brasileiros.
Essas duas regras só são quando a ‘quantidade’ do termo sujeito for
indeterminada. Ou seja, poderão ser utilizadas apenas nos casos em que
não existir, na sentença, um quantificador precedendo o termo sujeito ou,
quando não houver, na sentença, outra expressão indicando a quantidade.
Lógica Formal: da lógica aristotélica ao cálculo sentencial bivalente
| 87
Quando os quantificadores são explícitos, independente da verdade
ou não do enunciado, segue-se o quantificador dado. Por exemplo, no
enunciado Todos operadores do direito são defensores de uma sociedade mais
justa”, o termo, operadores do direito, deve ser tomado universalmente,
independentemente do fato de de que tal enunciado não corresponda à
realidade concreta.
Considerando, por exemplo, as seguintes sentenças: [1] ‘os
magistrados europeus não são adeptos de uma interpretação mais liberal
da lei’ e, [2] ‘crimes podem ser praticados por uma ou por várias pessoas’,
podemos questionar: 1) os predicados das sentenças em questão só podem
ser aplicados aos sujeitos dos enunciados? e, 2) Sem os predicados indicados
em cada enunciado, os respectivos sujeitos, deixariam de pertencer às
classes às quais pertencem?
Observemos o seguinte quadro, elaborado a partir das regras
apresentadas (Quadro 21):
Quadro 21 – Determinação de quantificadores de TS e TP
Termo Sujeito (TS) Termo Predicado (TP)
Os magistrados europeus
não são adeptos de uma
interpretação mais social da lei.
Particular Universal
Crimes podem ser praticados
por uma ou por várias pessoas.
Particular Particular
Fonte: Elaborado pelo autor
Do quadro acima é possível concluir, respondendo aos
questionamentos acima apresentados que: a) Os predicados das sentenças
[1] e [2] não pertencem apenas aos seus respectivos sujeitos e, b) Se os
predicados, nos enunciados apresentados, fossem retirados ou suprimidos,
não fariam com que os respectivos sujeitos deixassem de pertencer aos
conjuntos ou classes aos quais pertencem.
88 |
A classificação do termo predicado (TP), conforme o critério de
extensão, não se dá pelos indicadores de quantidade, como acontece
com a classificação do termo sujeito (TS). Ela depende da qualidade do
enunciado. Em termos de qualidade, um enunciado pode ser ‘afirmativo
ou ‘negativo’. A partir dessa particularidade são aplicadas duas regras para
que se possa determinar a extensão do termo predicado de uma sentença
categórica. São elas:
1) Quando a sentença for afirmativa o termo predicado será particular
29
2) Quando a sentença for negativa o termo predicado será universal
30
Em relação à primeira regra (Quando a sentença for afirmativa
o termo predicado será particular), por exemplo, na expressão ‘Todos os
homens são animais, o termo sujeito (TS) deve ser tomado em sentido
universal pois faz referência à totalidade dos membros do conjunto dos
homens. Por sua vez, o termo predicado (TP) deverá ser tomado em
sentido particular, considerando que a sentença não indica a totalidade
dos membros do conjunto dos animais. Ou seja, o enunciado não afirma
que ‘todos os animais são homens, mas que, seguramente ‘alguns’ animais
o são, conforme podemos observar no diagrama abaixo (Figura 13):
Figura 13 – Sentenças afirmativas: TP particular
Fonte: Elaborado pelo autor
29
Uma sentença é considerada afirmativa quando o predicado convém ao sujeito.
30
São negativas aquelas sentenças cujo predicado não convém ao sujeito.
Lógica Formal: da lógica aristotélica ao cálculo sentencial bivalente
| 89
Observe a seguinte sentença e a sua respectiva representação gráfica
(Figura 14):
O Direito, como um todo, contém normas reguladoras da vida do cidadão.
Figura 14 – Sentenças afirmativas: TP particular
Fonte: Elaborado pelo autor
Esta sentença não afirma que o TP (normas reguladoras da vida
do cidadão) se restringe à totalidade do conjunto do Direito. Em outros
termos, existem outras normas que regulam a vida do cidadão, além das
normas advindas do Direito. Portanto, o TP é particular.
O mesmo critério se aplica às sentenças do tipo: Alguns homens
são vegetarianos. Neste exemplo fica evidente que apenas uma parte da
totalidade do conjunto dos ‘homenspertence à totalidade do conjunto
dos ‘vegetarianos’.
Na tentativa de interpretação de sentenças do tipo‘alguns homens
são neurocientistas ’ pode ocorrer um problema. Observe a representação
a seguir (Figura 15).
Figura 15Representação 1: “alguns homens são neurocientistas
Fonte: Elaborado pelo autor
90 |
Conforme podemos visualizar na representação acima, o TS
claramente é particular, dado que ‘nem todos os homens são neurocientistas.
Por outro lado, o gráfico indica que, ‘todos os neurocientistas são homens’.
Ora, se assim ocorre, então qual o motivo de classificarmos o TP como
particular?
A resposta é que, em primeiro lugar, o diagrama acima não representa
a sentença! A representação gráfica correta seria (Figura 16):
Figura 16Representação 2: “alguns homens são neurocientistas
Fonte: Elaborado pelo autor
Em segundo lugar, é imperativo que, conforme já destacado, a
lógica formal não analisa o conteúdo dos enunciados! Ou seja, a análise
lógica não tem instrumentos para determinar se, na realidade, todos os
neurocientistas pertencem à classe de homens.
Em relação à segunda regra (Quando a sentença for negativa o termo
predicado será universal), vejamos a seguinte sentença:
Algumas entidades filantrópicas não são legalizadas.
Lógica Formal: da lógica aristotélica ao cálculo sentencial bivalente
| 91
Ao definirmos termos sujeito e termo predicado nesta sentença,
tomamos o termo sujeito (entidades filantrópicas) em sentido particular,
pois, a referência é feita apenas a ‘alguns’ elementos da totalidade do
conjunto das ‘entidades filantrópicas’.
Entretanto, de acordo com a regra apresentada, o termo predicado
(legalizadas) deve ser tomado em sentido universal, considerando que, o
conjunto “entidades legalizadas” é ‘negado’ à todas as entidades filantrópicas
referidas na sentença.
Ou seja, uma ‘negação’, de acordo com os critérios da lógica clássica
aristotélica, nunca se dá de forma parcial, mas sim, de forma total.
Vejamos a simbolização da expressão, onde: A = entidades filantrópicas; B
= entidades legalizadas e Ab = entidades filantrópicas legalizadas e AnB =
entidades filantrópicas não legalizadas (Figura 17).
Figura 17 – Critério para sentenças negativas
Fonte: Elaborado pelo autor
No diagrama (Figura 17) é possível observar que a categoria de
entidades legalizadas (B) está totalmente negada ao subconjunto das
entidades filantrópicas não legalizadas (AnB). Ou seja, Nenhuma entidade
legalizada é alguma entidade filantrópica não legalizada.
Da mesma maneira, em uma expressão negativa do tipo Nenhum S é
P, estamos negando a todos os S a possibilidade de pertencer ao conjunto
P, conforme podemos verificar no diagrama seguinte (Figura 18):
92 |
Figura 18 – Sentenças universais negativas
Fonte: Elaborado pelo autor
A partir das considerações em relação à classificação dos termos sujeito
e predicado podemos construir o seguinte quadro-resumo (Quadro 22):
Quadro 22 – Classificação dos TS e TP: quadro resumo
Quantificador
Termo
Sujeito (TS)
Partícula de
Negação
Cópula
Termo
Predicado (TP)
Todo
S
(Universal)
é
P
(Particular)
Algum
S
(Particular)
é
P
(Particular)
Algum
S
(Particular)
não é
P
(Universal)
Nenhum
S
(Universal)
é
P
(Universal)
Fonte: Elaborado pelo autor
Não raramente surgem expressões ou sentenças cuja formulação
ambígua torna complexa a identificação de sua qualidade (afirmativa ou
negativa), o que às vezes pode acarretar uma classificação equivocada
dos termos. Nesses casos específicos, se po aplica uma regra simples
de sinais, onde representaremos a negação (nenhum; não; não é) pelo
Lógica Formal: da lógica aristotélica ao cálculo sentencial bivalente
| 93
sinal de “-“ e a afirmação (sim; é; são) pelo sinal de “+”, conforme segue
abaixo (Figura 19):
Figura 19 - Regra de sinais para classificação de sentenças
Fonte: Elaborado pelo autor
Exemplos:
1) Nenhum S não é P = Todo S é P
2) Todo S não é P = Nenhum S é P
No primeiro exemplo temos uma sentença afirmativa, dado que
temos a combinação de duas negações (- - = +). Ou seja, a expressão
Nenhum não é’ equivale à expressão ‘Todos são’; o que significa que, neste
caso, o TP é particular. No segundo exemplo, temos uma sentença negativa,
dado que ocorre a combinação de uma afirmação com uma negação
31
(+
- = -). Ou seja, a expressão ‘Todo não é equivale à expressão ‘Nenhum é; o
que significa que o TP é universal.
2.1.1.5. proposIção CAtegórICA
Proposição lógica pode ser definida uma oração declarativa que pode
ser valorada como verdadeira ou falsa. As proposições lógicas categóricas
são sentenças formadas por meio da ligação entre dois termos: um termo
sujeito (TS) e um termo predicado (TP). Tal ligação se dá mediante uma
cópula’ ou verbo de ligação.
31
Não seria incorreto dizer que não há combinação, mas uma negação direta.
94 |
Como expressão lingüística ou material de um juízo, a proposição
é considerada como um discurso acabado que atribui ou não atribui uma
predicação a um determinado sujeito.
Dizemos que existe uma proposição somente quando uma sentença
apresenta sentido lógico, ou seja, quando expressa um juízo. Por exemplo,
a expressão A água %$#@” não é considerada uma proposição, dado que
não tem sentido lógico.
Ou seja, o sujeito não está relacionado ao predicado de forma
coerente; não afirma ou nega algo em relação ao sujeito. Aqui cabe relembrar
que, o sentido lógico, não pode ser confundido com ‘verdade’ no sentido
de correspondência com a realidade. Por exemplo, o enunciado nenhum
homem é brasileiroé uma proposição falsa, considerando a realidade por
nós conhecida. Por outro lado, tal proposição apresenta sentido lógico.
As proposições podem ser classificadas em função de sua qualidade e
em função de sua quantidade (extensão).
Em relação à qualidade, as proposições podem ser afirmativas ou
negativas. Por exemplo, a proposição ‘toda criança tem direito à educação
é uma proposição afirmativa, pois, o predicado é atribuído ao sujeito, ao
passo que a proposição nenhum ser humano será mantido em estado de
escravidão”, é negativa, considerando que o predicado não é atribuído ao
sujeito. A síntese da classificação das proposições em relação ao critério de
qualidade pode ser observada no quadro abaixo (Quadro 23):
Quadro 23 – Classificação das proposições conforme o critério de qualidade
AFIRMATIVA NEGATIVA
Quando o predicado é atribuído ao
sujeito.
Quando o predicado não é atribuído ao
sujeito.
Exemplos Exemplos
Todo s é p.
Alguns s são p.
Nenhum s é p.
Alguns s não são p.
Fonte: Elaborado pelo autor
Lógica Formal: da lógica aristotélica ao cálculo sentencial bivalente
| 95
A extensão ou quantidade de uma proposição é determinada pela sua
capacidade de comunicar um determinado predicado a um determinado
sujeito. Nesse sentido, a extensão depende da amplitude dessa comunicação.
Ou seja, ‘a quantos’ sujeitos de determinada classe se aplica o predicado.
Assim, de acordo com esse critério uma proposição pode ser universal ou
particular (Quadro 24).
Quadro 24 – Distribuição do TP
UNIVERSAL PARTICULAR
Quando o predicado é atribuído ou
não atribuído universalmente, ou seja, a
todos os elementos de um conjunto.
Quando o predicado é atribuído ou
não atribuído particularmente, ou seja,
somente a alguns dos elementos de um
conjunto.
Exemplos Exemplos
Todo s é p.
Nenhum s é p.
Alguns s são p.
Alguns s não são p.
Fonte: Elaborado pelo autor
A quantidade de uma proposição é sempre determinada pela extensão
do termo sujeito. Na prática isso significa que, para determinar a extensão
de uma proposição, basta analisar os quantificadores do termo sujeito ou,
quando for o caso, aplicar as regras relativas aos termos indefinidos.
Desde as formulações lógicas mais antigas, a partir da combinação
dos critérios de extensão e qualidade, convencionou-se classificar as
proposições em quatro tipos: A, E, I e O
32
, conforme podemos observar
no quadro geral dos tipos de proposições (Quadro 25):
32
A utilização dessas vogais tem ocorrido desde a Idade Média. Não são encontradas nas obras de Aristóteles.
96 |
Quadro 25 – Quadro geral dos tipos de proposições categóricas de forma
típica
TIPO QUALIDADE EXTENSÃO EXEMPLO RELAÇÃO
A AFIRMATIVA UNIVERSAL Todo S é P
33
S está
completamente
incluído em P.
E NEGATIVA UNIVERSAL Nenhum S é P
S está
completamente
excluído de P.
I AFIRMATIVA PARTICULAR Algum S é P
S está
parcialmente
incluído em P.
O NEGATIVA PARTICULAR Algum S não é P
S está
parcialmente
excluído de P.
Fonte: Elaborado pelo autor
A partir deste quadro geral dos tipos de proposições, podemos
verificar a distribuição dos termos sujeito e predicado em cada tipo de
proposição. Nesse caso, distribuir significa tornar o termo universal, ou
seja, se um termo (sujeito - TS ou predicado - TP) é universal, dizemos que
está distribuído, conforme podemos observar no quadro abaixo:
Quadro 26 Tipos de proposições e distribuição dos TS e TP
Tipo da
Proposição
Qualidade
da
Proposição
Extensão da
Proposição
Extensão do
TS
Extensão do
TP
A afirmativa universal universal Particular
E negativa universal universal Universal
I afirmativa particular particular Particular
O negativa particular particular Universal
Fonte: Elaborado pelo autor
33
S = sujeito e, P = predicado.
Lógica Formal: da lógica aristotélica ao cálculo sentencial bivalente
| 97
Em função da distribuição, temos outro quadro, denominado
Quadro de Distribuição (Quadro 27):
Quadro 27 – Quadro de Distribuição
Tipo da
Proposição
Qualidade da
Proposição
Extensão da
Proposição
Distribuição
do TS
Distribuição
do TS
A afirmativa universal sim o
E negativa universal sim Sim
I afirmativa particular não o
O negativa particular não Sim
Fonte: Elaborado pelo autor
Conforme as relações estabelecidas entre os diversos tipos de
proposições, criou-se, na Idade Média, um quadro, chamado de Quadro de
Oposição, também denominado por Hegenberg (1995, p. 10) de “quadro
aristotélico. Esse quadro não se encontra nos textos de Aristóteles
34
, mas,
conforme Kneale e Kneale (1991, p. 58), “dá um resumo útil da sua
doutrina”.
No Quadro de Oposição (Figura 20), a partir de uma análise
quantitativa e qualitativa, estão estabelecidas as diferenças entre as
proposições e, conseqüentemente as regras decorrentes da relação entre os
diferentes tipos de proposições
35
.
34
O quadro geral de oposição, também chamado quadrado lógico ou quadrado dos opostos, tem origem
obscura. Entretanto, se atribui a aceita a Boécio (480-524) a versão final (BLANCHÉ et al., 1996).
35
Conforme Kneale e Kneale (1991, p. 57), “[...] combinando a distinção entre universal e particular com a
distinção entre afirmativo e negativo obtêm-se uma classificação quaternária de frases declarativas gerais [...]”.
98 |
Figura 20 – Quadro Geral de Oposição
Fonte: Elaborado pelo autor
A relação entre os diferentes tipos de premissas é regulada por
regras, as quais recebem a denominação de: regra de contrariedade; regra
de contraditoriedade; regra de subcontrariedade e regra de subalternação-
superalternação.
São contrárias entre si as sentenças do tipo A e E. Afirma a regra ou
postulado acerca da relação entre sentenças contrárias:
Não podem ser verdadeiras ao mesmo tempo, mas podem ser
falsas ao mesmo.
Essa regra decorre do fato de que, as sentenças contrárias, diferem
em termos de qualidade (afirmativa/ negativa), porém, não diferem em
termos de quantidade, considerando que ambas são universais. Analisemos
alguns exemplos dessa relação:
Lógica Formal: da lógica aristotélica ao cálculo sentencial bivalente
| 99
1) Todos os homens são mortais [A]
Nenhum homem é mortal [E]
2) Todos homens são médicos [A]
Nenhum homem é médico [E]
Nos exemplos dados
36
é possível visualizar claramente a regra.
Enquanto no exemplo 1, uma sentença é verdadeira e a outra é falsa, no
exemplo 2, as duas sentenças são falsas. O mesmo pode ser observado nos
exemplos 3 e 4::
3)
Todo Código de Direito Penal deve prever penas alternativas à
privação de liberdade.
[A]
Nenhum Código de Direito Penal deve prever penas
alternativas à privação de liberdade.
[E]
4)
Todo jurista defende que o Código de Direito penal deve ser
substituído por um Código de Direito Social.
[A]
Nenhum jurista defende que o Código de Direito penal deve
ser substituído por um Código de Direito Social.
[E]
São contraditórias entre si as sentenças do tipo A e O e as sentenças
do tipo E e I. Diz a regra acerca da relação entre sentenças contraditórias:
Não podem ser falsas ou verdadeiras ao mesmo tempo.
Esta regra decorre do fato de que as sentenças contraditórias se
diferenciam tanto em termos de qualidade como em termos de quantidade.
36
Estes exemplos foram utilizados como ilustração por critérios meramente didáticos, ou seja, foi utilizada
a análise dos conteúdos das sentenças. Tal procedimentos não faz parte da Lógica, conforme salientado
anteriormente no decorrer deste texto.
100 |
Exemplos:
1) Todos os homens são mortais
Alguns homens não são mortais
[A]
[O]
2) Nenhum homem é mortal
Alguns homens são mortais
[E]
[I]
3) Todo jurista defende que o Código de Direito penal deva ser
substituído por um Código de Direito Social.
Alguns juristas não defendem que o Código de Direito penal deva
ser substituído por um Código de Direito Social.
[A]
[O]
4) Nenhum jurista defende que o Código de Direito penal deva ser
substituído por um Código de Direito Social.
Alguns juristas defendem que o Código de Direito penal deva ser
substituído por um Código de Direito Social.
[E]
[I]
Nos exemplos acima apresentados podemos verificar que, se uma das
sentenças for falsa, a outra necessariamente deverá ser verdadeira e vice-
versa. Ou seja, se, por exemplo, a sentença ‘todos os homens são mortaisfor
tomada como verdadeira, necessariamente a sentença alguns homens não
são mortais será necessariamente tomada falsa e, vice versa.
São subcontrárias entre si as sentenças do tipo I e O. Em relação às
subcontrárias aplica-se a seguinte regra:
Não podem ser falsas ao mesmo tempo, mas podem ser, em alguns
casos, verdadeiras ao mesmo tempo.
Ou seja, se uma sentença (I ou O) é falsa, a outra necessariamente
será verdadeira. Por outro lado, se uma é verdadeira, a outra, talvez também
será verdadeira
37
. Isso ocorre porque as sentenças dessa relação diferem
37
Conforme Maritain (1986, p. 158, nota 43), “[...] em matéria necessária, isto é, quando o Pr pertence à
essência do S, suas proposições subcontrárias não podem ser verdadeiras ao mesmo tempo. Exemplo: Algum
homem é mortal, Algum homem não é mortal. Em tal caso (mas em tal caso somente) podemos, como na
oposição de contradição, concluir da verdade de uma subcontrária à falsidade da outra.”.
Lógica Formal: da lógica aristotélica ao cálculo sentencial bivalente
| 101
apenas em qualidade, mas não em termos de quantidade. Destacamos que
tal formulação da regra é encontrada autores como Maritain (1986) e
Copi (1978).
Exemplos:
1) Alguns juízes são juspositivistas. [I]
Alguns juízes não são juspositivistas. [O]
2) Alguns juízes são divorciados. [I]
Alguns juízes não são divorciados. [O]
Assim, se, por exemplo, a sentença alguns juízes são juspositivistas
for tomada como ‘falsa’, a sentença alguns juízes não são juspositivistas é
necessariamente tomada como verdadeira. Por outro lado, se a sentença
alguns juízes são juspositivistas for tomada como ‘verdadeira’, a outra poderá
ou não ser tomada como ‘verdadeira’.
Outros autores, como por exemplo, Liard dão a seguinte formulação
para as subcontrárias: A particular afirmativa e a particular negativa podem
ser igualmente verdadeiras e falsas, pois, nem uma e nem outra tomam o
sujeito em toda sua extensão e a parte do sujeito considerada em uma pode
não ser a parte do mesmo sujeito considerada em outra. (LIARD, 1979,
p. 37).
Exemplo:
Alguns juízes são oniscientes. [I]
Alguns juízes não são oniscientes [O]
Podemos, conforme o critério de Liard (1979), afirmar que ambas as
sentenças são falsas, considerando que, ‘na realidade concreta’, a verdade é
que, ‘nenhum juiz é onisciente’. Porém, consideramos que tal análise não
deve ser feita. Para efeito de uma lógica formal mais rigorosa, os termos
102 |
devem ser tomados estritamente como variáveis proposicionais, das quais
não conhecemos o conteúdo!
As relações de subalternação se dão entre as sentenças dos tipos A e I
e entre as sentenças dos tipos E e O. As de superalternação entre as de tipo
A e I e entre as de E e I, conforme podemos visualizar no quadro seguinte
(Quadro 28):
Quadro 28 – Subalternação e Superalternação
SUBALTERNAÇÃO SUPERALTERNAÇÃO
A E A E
I O I I
Fonte: Elaborado pelo autor
Em termos práticos, as sentenças de tipo I são subalternas às de tipo
A e, por sua vez, as de tipo A são superalternas em relação às de tipo I. O
mesmo se dá na relação entre as sentenças de tipo E e as de tipo I
38
. Afirma
um postulado geral ou regra
39
acerca dessas relações:
Da verdade do todo, podemos inferir pela verdade das partes, mas
da verdade das partes, não podemos inferir pela verdade do todo.
38
Recordando: A = Universal Afirmativa; I = Particular Afirmativa; E = Universal Negativa e, O = Particular
Negativa.
39
Em termos simples, a relação subalternação - superalternação poderia ser assim exemplificada: Se formos a
uma festa de aniversário e comermos somente um pedaço do bolo, não podemos afirmar que todo o bolo
estava gostoso. Porém, se tivéssemos comido todo o bolo, poderíamos afirmar com certeza que cada parte
do bolo estava gostosa.
Lógica Formal: da lógica aristotélica ao cálculo sentencial bivalente
| 103
Em decorrência das relações entre os diferentes tipos de premissas e,
das regras que regem essas relações, podemos construir um quadro resumo
de inferências ou quadro de relações
40
, conforme segue (Quadro 29):
Quadro 29 – Quadro de Relações
Se A é verdadeira então E é falsa I é verdadeira O é falsa
41
Se E é verdadeira então A é falsa I é falsa O é verdadeira
Se I é verdadeira então E é falsa A é indeterminada O é indeterminada
Se O é verdadeira então A é falsa E é indeterminada I é indeterminada
Se A é falsa então O é verdadeira E é indeterminada I é indeterminada
Se E é falsa então I é verdadeira A é indeterminada O é indeterminada
Se I é falsa então A é falsa E verdadeira O é verdadeira
Se O é falsa então A é verdadeira E falsa I é verdadeira
Fonte: Elaborado pelo autor
Observa-se que, no quadro de relações apresentado acima,
encontramos algumas senteças cujo resultado é indeterminado. Porém,
antes de esclarecermos o motivo da indeterminação existente nas relações
entre alguns tipos de sentenças, cabe relembrarmos que os valores ‘V’ e ‘F’
expressos no referido quadro não indicam que uma sentença é, na realidade
concreta, verdadeira ou falsa. Indica somente valores comparativos formais,
decorrentes de uma relação hipotética.
Uma sentença será considerada indeterminada quando, em relação
a outra sentença, puder ser, em alguns casos verdadeira e, em outros casos
falsa. Para compreender as razões de indeterminação, mais uma vez, para
fins didáticos, lançaremos mão, de exemplos, cujo conteúdo é sabiamente
falso ou verdadeiro.
40
Se seguirmos a regra das subcontrárias, tal como formulada por Liard (1979), o quadro se modifica.
41
Leia-se: Se considerar uma sentença do tipo A como verdadeira:, por conseqência, uma sentença do tipo E
será falsa; uma do tipo I será verdadeira e, uma do tipo O, por consequência, será falsa.
104 |
Exemplos:
1) [I] Alguns homens são mortais (V)
[A] Todos homens são mortais (V)
2) [ I ] Alguns homens são biólogos (V)
[A] Todos homens são biólogos (F)
No primeiro exemplo, o predicado é necessário enquanto que, no
segundo exemplo, o predicado é contingente (acidental). Essa diferenciação
de valores, em decorrência do predicado, acarreta diferentes possibilidades
na ocorrência de valores (V e F). Para a lógica formal, como não se considera
qual é a possibilidade correta em termos de realidade concreta, opta-se
pela indeterminação. Podemos assim, visualizar nos quadros abaixo (30a a
30g) as possibilidades de ocorrência de valores a partir das características
(necessário ou contingente) dos predicados
42
:
Quadro 30a - Relação I/O
I Alguns homens são mortais V
O Alguns homens não são mortais F
I Alguns homens são médicos V
O Alguns homens não são médicos V
Quadro 30b - Relação O/E
O Alguns homens não são imortais V
E Nenhum homem é imortal V
O Alguns homens não são médicos V
E Nenhum homem é médico F
42
Nos exemplos que se seguem, em cada conjunto de quadros, o primeiro terá um predicado necessário
(imortal) e, o segundo um predicado contingente (médico).
Lógica Formal: da lógica aristotélica ao cálculo sentencial bivalente
| 105
Quadro 30c - Relação O/I
O Alguns homens não são imortais V
I Alguns homens são imortais F
O Alguns homens não são médicos V
I Alguns homens são médicos V
Quadro 30d - Relação A/E
A Todos os homens são imortais F
E Nenhum homem é imortal V
A Todos os homens são médicos F
E Nenhum homem é médico F
Quadro 30e - Relação A/I
A Todos os homens são imortais F
I Alguns homens são imortais F
A Todos os homens são médicos F
I Alguns homens são médicos V
Quadro 30f - Relação E/A
E Nenhum homem é mortal F
A Todo homem é mortal V
E Nenhum homem é médico F
A Todo homem é médico F
106 |
Quadro 30g - Relação E/O
E Nenhum homem é mortal F
O Alguns homens não são mortais F
E Nenhum homem é médico F
O Alguns homens não são médicos V
Elaborados pelo autor
Dessas relações é possível construir um quadro das possíveis variações
de valor de relação considerando o tipo de predicado
43
(Quadro 31):
43
Os dados do quadro das possíveis variações de valor devem ser interpretados ou lidos da seguinte forma: Se
uma sentença de tipo ___ cujo predicado seja _________e, se considerarmos esta sentença como sendo
_______, então a sentença de tipo ____ terá valor _____. Nesse caso, a relação é de _________ e a
diferença entre as duas sentenças é de _____________. Por exemplo: Se uma sentença de tipo I cujo
predicado seja necessário e, se considerarmos esta sentença como sendo V, então a sentença de tipo A terá
valor V. Nesse caso, a relação é de subalternação e a diferença entre as duas sentenças é de quantidade.
Lógica Formal: da lógica aristotélica ao cálculo sentencial bivalente
| 107
Quadro 31 - Possíveis variações de valor de relação
44
Hipótese
Forma do
Predicado
Valor Sentença Valor Relação Diferença
I Necessário V então A V Subalternação Quantidade
I Acidental V então A F Subalternação Quantidade
O Necessário V então E V Subalternação Quantidade
O Acidental V então E F Subalternação Quantidade
I Necessário V então O F Subcontrariedade Qualidade
I Acidental V então O V Subcontrariedade Qualidade
O Necessário V então I F Subcontrariedade Qualidade
O Acidental V então I V Subcontrariedade Qualidade
A Necessário F então E V Contrariedade Qualidade
A Acidental F então E F Contrariedade Qualidade
E Necessário F então A V Contrariedade Qualidade
E Acidental F então A F Contrariedade Qualidade
A Necessário F então I F Superalternação Quantidade
A Acidental F então I V Superalternação Quantidade
E Necessário F então O F Superalternação Quantidade
E Acidental F então O V Superalternação Quantidade
Fonte: Elaborado pelo autor
Portanto, em decorrência de: a) nem sempre conhecermos o
conteúdo das premissas ou a significação dos termos; b) não sabermos se
um predicado é necessário ou contingente e, c) não podermos determinar
se uma sentença é objetivamente verdadeira ou falsa, é que a expressão
‘indeterminada é utilizada para caracterizar determinadas relações entre
as sentenças.
44
Este quadro, devido à natureza deste estudo, só tem valor ilustrativo. Continuaremos a adotar o valor de
indeterminação pelos motivos já levantados.
108 |
Além desses aspectos, é importante salientar que, formalmente,
não podem existir duas possibilidades, pois as possibilidades decorrem
do conteúdo, da realidade, e não da forma, a qual é o objeto de estudo
da lógica. Por exemplo, analise e tente responder a questão levantada na
seguinte proposição:
Se afirmar que ‘algum X é Y’ é uma expressão verdadeira,
qual seria o valor da expressão ‘todo X é Y’?
Ao tentar responder o questionamento, partindo dos termos
(sujeito e predicado) apresentados sob a forma de variáveis, é impossível,
objetivamente, determinar valores ‘V’ ou ‘F’ para a expressão ‘todo X é Y.
Dessa forma a expressão classifica-se como indeterminada.
Outro tema importante para o estudo da lógica tradicional aristotélica
se refere à possibilidade de conversão de proposições.
Converter uma proposição significa inverter, ou seja, trocar o sujeito
pelo predicado e vice-versa, sem modificar o sentido da proposição. Assim,
uma proposição convertida deve conter exatamente os mesmos termos
da proposição original. São possíveis três formas ou modos de conversão:
simples, acidental, por negação, por contraposição e por obversão.
Na conversão simples
45
não há alteração na quantidade da proposição.
Nesse caso, a conversão se dá pela transposição ou troca do sujeito e do
predicado da proposição. Só é possível realizar esse tipo de conversão em
sentenças do tipo I e, em sentenças do tipo E (Quadro 32).
Exemplo:
Quadro 32 – Conversão simples
Proposição Original Proposição Convertida
Nenhum homem é onisciente. Nenhum onisciente é homem.
Alguns filósofos são marxistas. Alguns marxistas são filósofos
Fonte: Elaborado pelo autor
45
Muitas vezes a conversão simples é denominada só como conversão.
Lógica Formal: da lógica aristotélica ao cálculo sentencial bivalente
| 109
Quando ocorre a modificação da quantidade, ou seja, de universal
para particular, diz-se que a conversão é acidental ou por acidente. Tal
tipo de conversão também é denominada conversão por limitação. Nesse
tipo de conversão, o termo predicado, ao tomar lugar do sujeito torna-se
particular. Esse tipo de conversão pode ser feita em sentenças do tipo A e,
em sentenças do tipo E (Quadro 33).
Exemplo:
Quadro 33 – Conversão acidental
Proposição Original Proposição Convertida
Todos os magistrados são bacharéis em
direito.
Alguns bacharéis em direito são
magistrados.
Nenhuma lei é ente imutável. Algum ente imutável não é lei.
Fonte: Elaborado pelo autor
A conversão por negação é aplicada unicamente às sentenças de tipo
O. Tal operação consiste em transformar a proposição original (particular
negativa) em proposição afirmativa equivalente. Isso é feito, por exemplo,
transferindo a negação da cópula para o predicado (Quadro 34).
Exemplo:
Quadro 34 – Conversão por negação
Proposição Original Proposição Convertida
Alguns profissionais não são pessoas honestas.
Alguns profissionais são pessoas não honestas.
ou
Algumas pessoas não honestas são
profissionais.
46
Fonte: Elaborado pelo autor
46
Preferimos essa formulação.
110 |
No caso da conversão por contraposição acrescenta-se a negação aos
termos ora invertidos, porém sem modificar a quantidade da proposição.
Ou seja, modifica-se apenas a qualidade da proposição. A conversão por
transposição pode ser aplicada em sentenças de tipo A e em sentenças de
tipo O (Quadro 35).
Exemplo:
Quadro 35 – Conversão por transposição
Proposição Original Proposição Convertida
Todos os metais são corpos simples. Todos os não metais são corpos não simples.
Alguns bacharéis em direito não são
advogados.
Alguns não advogados são bacharéis em
direito.
Fonte: Elaborado pelo autor
A conversão por obversão, a rigor, pode ser aplicada em todas as
proposições categóricas de forma típica. Tal operação consiste na troca
da qualidade do quantificador, porém sem alterar a quantidade. Ou seja,
passamos de ‘negativa’ para ‘afirmativa’ e vice-versa. Apesar de ser possível
aplicar a conversão por obversão â todas as proposições categóricas, esse
tipo de conversão só é válida entre sentenças dos tipos A e E e, entre
sentenças dos tipos I e O (Quadro 36).
Exemplos:
Quadro 36 – Conversão por obversão
Proposição Original Proposição Convertida
Todo metal é condutor de eletricidade. Nenhum condutor de eletricidade é não
metal.
Nenhum marxista é neoliberal. Todo marxista é não neoliberal.
Alguns socialistas são liberais. Alguns socialistas não são não liberais.
Alguns teólogos católicos não são liberais. Alguns teólogos católicos são não liberais.
Fonte: Elaborado pelo autor
Lógica Formal: da lógica aristotélica ao cálculo sentencial bivalente
| 111
O entendimento dos mecanismos de conversão é importante para
a tradução de proposições de linguagem natural para a linguagem formal.
Retomaremos a questão da conversão na parte referente às Inferências
Imediatas e do Silogismo Categórico como teoria axiomática. Feitas essas
observações, passaremos, a seguir, do silogismo categórico.
2.1.1.6. sIlogIsmo CAtegórICo
Assim como a proposição é uma expressão linguística (material)
de um juízo, da mesma forma, um silogismo (συλλογισμός) é um dos
tipos de expressão linguística de um raciocínio. O termo silogismo
significa ‘ligação. Abbagnano (1982) relata que a palavra ‘silogismo
significa, em suas origens, ‘cálculo’, tendo sido empregada por Platão
para definir qualquer tipo de raciocínio. Mais tarde o termo foi utilizado
por Aristóteles para determinar o tipo perfeito de raciocínio dedutivo.
Aristóteles nos Primeiros Analíticos
47
, assim o definia: “O silogismo é um
discurso no qual, sendo colocadas certas coisas, alguma outra coisa que
não são esses dados resulta necessariamente deles em razão apenas desses
dados.” (IDE, 1997, p. 107).
Tecnicamente o silogismo é um dos modelos de argumentos
derivados da dedução. Para Copi (1978, p. 167) o silogismo nada mais
é do que um “[...] argumento em que uma conclusão é inferida de duas
premissas.”. Dessa definição infere-se que um silogismo categórico de forma
típica, ou seja, aristotélico, apresenta uma estrutura definida, ou seja, é
formado por duas sentenças antecedentes (premissas) e, uma consequente
ou consecutiva (conclusão).
Exemplo:
Todo político liberal é democrata. (Primeira Premissa)
Alguns políticos liberais são socialistas. (Segunda Premissa)
Alguns socialistas são democratas. (Conclusão)
47
Em grego, Ἀναλυτικῶν προτέρων
112 |
O silogismo dado acima pode ser ‘simbolizado’ ou formalizado
a partir da substituição dos termos sujeito (TS) e predicado (TP) por
variáveis
48
, a exemplo do quadro a seguir (Quadro 37):
Quadro 37 – Substituição dos TS e TP por variáveis
Premissa Antecedente 1 Todo L é D.
Premissa Antecedente 2 Alguns L são S.
Premissa Conclusiva Alguns S são D.
Fonte: Elaborado pelo autor
Observa-se, a partir da formalização apresentada acima, que o
silogismo categórico, é formado por apenas três termos. No caso do
exemplo dado, L, D e S. Desses três termos, um deles (L) é repetido nas
duas premissas antecedentes, sem no entanto, aparecer na conclusão. Esse
termo, repetido nas duas premissas antecedentes, figura na estrutura como
um termo de ligação, sem o qual seria impossível concluir o raciocínio,
pois, sem ele, não haveria relação ou ligação entre os termos S e D , como
podemos observar no diagrama abaixo (Figura 21):
Figura 21 – Diagrama de um silogismo categórico da forma típica
Fonte: Elaborado pelo autor
48
L = político liberal; D = democrata e S = socialista.
Lógica Formal: da lógica aristotélica ao cálculo sentencial bivalente
| 113
O termo que atua como ‘elo de ligação’ entre os demais termos que
integram o silogismo categórico da forma típica recebe a denominação de
Termo Médio, o qual é simbolizado pela letra (M). Os outros dois termos
são denominados Termo Maior, simbolizado por (T) e, Termo Menor,
simbolizado por (t). Considerando o exemplo anterior temos (Quadro 38):
Quadro 38 Termos M, T e t conforme exemplo acima
Termo Médio L
Político Liberal
49
Termo Maior D Democrata
Termo Menor S Socialista
Fonte: Elaborado pelo autor
Para identificar o termo maior (T) e o termo menor (t) em um
silogismo categório da forma típica, desde o século XVII, se adotou
arbitrariamente a sugestão de João Filopono de Alexandria (490 – 570
d.C), segundo a qual, o termo maior (T) deve ser definido a partir do
predicado da conclusão e, o termo menor (t), a partir do sujeito da
conclusão (KNEALE; KNEALE, 1991).
Exemplo:
Todo S é P Termo Maior (T)
Alguns S são G Termo Menor (t)
Logo, alguns G são P
Seguindo a regra, P aparece como predicado na conclusão e, assim
é, conforme a convenção, denominado termo maior (T). G aparece na
conclusão como sujeito, sendo assim denominado de termo menor (t). Por
outro lado, S é o termo médio (M), pois é o termo que repete nas duas
premissas antecedentes.
49
Não há necessidade de levarmos em conta o plural dos termos.
114 |
A partir disso convencionou-se denominar as premissas antecedentes
de premissa maior como aquela que contém o termo maior e, premissa
menor como a que contém o termo menor. A conclusão normalmente
recebe a denominação de premissa conseqüente ou premissa conclusiva ou
simplesmente conclusão.
2.1.1.6.1. vAlIdAde e InvAlIdAde
Antes da apresentação das regras que fundamentam a construção
de um silogismo categórico da forma típica, façamos um breve exercício
mental: a) leia os silogismos contidos na tabela abaixo (Quadro 39) e, b)
determine quais os silogismos poderiam ser considerados como ‘inválidos’.
Quadro 39 – Exemplos de silogismos categóricos da forma típica
I Todos os animais são mortais.
Todos os homens são mortais.
Logo, todos os homens são animais.
II Nenhum socialista é capitalista.
Alguns capitalistas são neoliberais.
Logo, nenhum socialista é neoliberal.
III Todo democrata é liberal.
Alguns liberais são partidários das teorias
de Keynes.
Logo, alguns democratas também são
partidários das teorias de Keynes.
IV Todo cavalo é animal.
Todo homem é animal.
Logo, todo homem é cavalo.
V Nenhum homem é animal.
Alguns animais são mamíferos.
Logo, nenhum homem é mamífero.
VI Todo homem é mortal.
Alguns mortais são galinhas.
Logo alguns homens são galinhas.
Fonte: Elaborado pelo autor
Lógica Formal: da lógica aristotélica ao cálculo sentencial bivalente
| 115
Se, a partir da análise dos argumentos acima, a conclusão foi a de
que todos os seis argumentos são inválidos, então a análise está correta. Por
outro lado, se os argumentos I, II e III foram entendidos como válidos e,
os argumentos IV, V e VI, como inválidos, a avaliação está incorreta.
Essa avaliação incorreta provavelmente ocorreu pelo fato de ter siso
considerado o ‘conteúdo’ das premissas que os compõe. Ou seja, houve
confusão entre forma e verdade, dado que os argumentos I e IV; II e V e,
III e VI apresentam a mesma forma, conforme se pode observar no quadro
abaixo (Quadro 40):
Quadro 40 – Estrutura dos silogismos I, II, III, IV, V e VI
I/IV II/V III/VI
Todo X é Y
Todo H é Y
Todo H é X
Nenhum X é Y
Algum Y é N
Nenhum X é N
Todo X é H
Algum H é Y
Algum X é Y
Fonte: Elaborado pelo autor
A partir da representação gráfica da estrutura de cada um desses
silogismos, é possível visualizar (Figura 22a) que, nem sempre, a conclusão
decorre das premissas apresentadas:
Figura 22a – Representações gráficas para conclusões dos argumentos
dados (Quadro 40)
IV
No diagrama I/IV, apesar de todo X ser Y e
todo H ser X, não corre que todo H seja X.
116 |
II/V
Conform o diagrama II/V, apesar de
enhum X ser Y e, algum Y ser N, que
algum N é X, o que não está de acordo com
a conclusão de que nenhum X seja N.
III/VI
De acordo com o diagrama II/VI, apesar de
todos X ser H e algum H ser Y, ocorre, que
nenhum Y é X, o que contradiz a conclusão
de que algum X Y
Poderiam ser construídas, para os silogismos apresentados,
representações nas quais a conclusão decorresse das premissas que a
antecede?
A resposta é afirmativa. Porém, o fato de “poder representar”,
conforme indica a conclusão, não os torna válidos. Vejamos (Figura 22b):
Figura 22b – Representações gráficas para possibilidades de conclusão
I/IV
Todo X é Y
Todo H é Y
Todo H é X
Lógica Formal: da lógica aristotélica ao cálculo sentencial bivalente
| 117
II/V
Nenhum X é Y
Algum Y é N
Nenhum X é N
III/VI
Todo X é H
Algum H é Y
Algum Xé Y
Essa possibilidade de ‘representar’ ou não a conclusão decorre de uma
estrutura falha dos argumentos. Ou seja, as premissas desses argumentos, tal
como foram dispostas, não estão corretamente estruturadas para sustentar
uma única conclusão.
Para a construção de silogismos, nos Primeiros Analíticos
50
,
Aristóteles apresenta os princípios para a construção de silogismos válidos
(ARISTÓTELES, 1986). Tais princípios foram discutidos durante a Idade
Média e, a partir deles, se definiu oito regras de inferência.
Além de servir à elaboração de silogismos formalmente válidos,
essas regras servem para determinar a validade ou não de um silogismo
categórico de forma típica. As oito regras de inferência são divididas em
dois grupos: regras referentes aos termos e regras referentes às premissas
(KNEALE; KNEALE, 1991; SMITH, 1989).
50
Analíticos Anteriores
118 |
2.1.1.6.2. regrAs de InFerênCIA
Conforme apresentado, as oito regras de inferência para os silogismos
categóricos da forma típica se dividem em dois grupos: as regras referentes
aos termos e as regras referentes às proposições. Alguns autores reduzem
essas regras à três (MARITAIN, 1986); outros, a seis (COPI, 1989).
Adotaremos, neste texto, a versão de oito regras, tal como formuladas pelos
filósofos escolásticos na Idade Média
51
.
2.1.1.6.2.1. regrAs dos termos
As quatro regras relativas aos termos são:
1) Um silogismo categórico da forma típica deve conter somente três termos:
médio, maior e menor.
2) O termo médio deverá ser pelo menos uma vez universal. Ou seja, deverá
estar pelo menos uma vez distribuído nas premissas antecedentes.
3) O termo médio não pode entrar na conclusão.
4) Os termos (maior ou menor) não podem estar distribuídos na conclusão
se não estiverem distribuídos nas premissas antecedentes. Ou seja, qualquer
que seja o termo (T ou t), não pode ser universal na conclusão enquanto é
particular na premissa.
No que se refere à primeira regra (o silogismo categórico da forma
típica deve conter somente três termos: médio, maior e menor) observe o
seguinte exemplo:
Toda tentativa para pôr fim à violência deve ser aprovada por todas
as nações.
51
Há inúmeras críticas em relação à doutrina do silogismo categórico. Não é o caso discuti-las nessa obra.
Porém, acreditamos que tais críticas não invalidam a importância da teoria dos silogismos e muito menos a
coloca como sendo de interesse puramente histórico.
Lógica Formal: da lógica aristotélica ao cálculo sentencial bivalente
| 119
Todas as ações dos EUA no Iraque são tentativas de pôr fim à violência.
Logo, todas as ações dos EUA no Iraque devem ser aprovadas por todas
as nações
52
.
Observe que, no exemplo acima, o termo médio (M) apresenta
sentido diverso nas premissas antecedentes. Na primeira premissa, o termo
médio (tentativa para pôr fim à violência) é identificado como ‘ações de
promoção da paz’ e, na segunda premissa, é identificado como ‘ações de
guerra ou de intervenção militar’. Resulta disso que o silogismo, apresentado
como exemplo, tem quatro termos, o que o torna inválido, considerando
a regra em questão. Essa falácia
53
normalmente ocorre quando, um dos
termos apresenta sentido diferente, tornando assim, o silogismo inválido.
O mesmo ocorre no seguinte exemplo:
Nenhum juiz pode atuar como julgador em processos nos quais parentes
próximos figurem como interessados.
Ora, alguns juízes costumam marcar faltas que não existiram.
Logo, alguns daqueles que costumam marcar faltas que não existiram
não podem atuar como julgadores em processos nos quais parentes
próximos figurem como interessados.
Agora, consideremos o seguinte silogismo:
Todos os marxistas convictos são partidários da estatização.
Ora, alguns marxistas não são adeptos das teorias de Keynes.
Portanto, alguns partidários da estatização não são adeptos
das teorias de Keynes.
Da mesma forma que os silogismos exemplicados anteriormente,
este silogismo também é falacioso, pois, o termo médio assume sentido
52
Adaptado de Copi (1989, p. 184).
53
Falácia, neste capítulo, deve ser entendida como “falácia formal”; ou seja, raciocínio que têm problemas de
estrutura formal. Raciocínio inválido.
120 |
diferente na primeira e na segunda premissa. Na primeira premissa, faz
referência ao conjunto de marxistas convictos e, na segunda, se refere ao
conjunto de marxistas. Considerando que marxistas convictos é um
subconjunto de marxistas, podemos inferir que, se pode ser marxista e, não
ser convicto, conforme podemos atestar no diagrama seguinte (Figura 23):
Figura 23 – Diagrama do argumento
Fonte: Elaborado pelo autor
Assim, como os termos ‘marxistas’ e ‘marxistas convictos’ não
apresentam o mesmo sentido, são considerados, no silogismo categórico
de forma típica, como termos diferentes.
Salientamos que, nesse tipo de falácia formal, nem sempre é o termo
médio que se apresenta com sentido diverso. Tal fato também pode ocorrer
com os termos maior e/ou menor, quando apresentam sentido diverso na
conclusão em relação à antecedente.
Exemplos:
1) Todos os animais racionais são seres vivos.
Ora, o homem é ser vivo.
Logo, o homem é animal.
Lógica Formal: da lógica aristotélica ao cálculo sentencial bivalente
| 121
2) Nenhum paciente sem comprometimento de memória é portador de
demência de Alzheimer
Alguns pacientes sem compromentimento de memória são idosos.
Logo, alguns idosos institucionalizados não são portador de demência de
Alzheimer
Em relação à segunda regra dos termos (O termo médio deverá ser pelo
menos uma vez universal. Ou seja, deverá estar pelo menos uma vez distribuído
nas premissas antecedentes
54
), no exemplo abaixo, temos que o termo médio
(M) é particular em ambas as premissas antecedentes.
Exemplo:
Todos procuradores da república são bacharéis em direito.
Todos os grandes juristas brasileiros são bacharéis em direito.
Logo, todos grandes juristas brasileiros são procuradores da república.
Apesar da alta probabilidade das premissas antecedentes serem
verdadeiras, no exemplo dado, tal forma de silogismo é inválida. A
invalidade, nesse caso, decorre da não distribuição do termo médio.
Ou seja, o termo médio é particular tanto na premissa maior quanto na
premissa menor, considerando que sentenças do tipo A não distribuem o
termo predicado. Quando isso ocorre, o termo médio não pode sustentar
a conclusão.
Observe os diagramas a seguir (Figura 24), considerando que P
= Procuradores da República, B = Bacharéis em Direito e, J = Grandes
Juristas Brasileiros:
54
Existe uma moderna interpretação dada por James T. Culberston (Mathecatics and logic for digital devices.
Princeton: N. J., D. Van Nostrand Company, Inc., 1958, p. 99) que afirma que o termo médio deve estar
distribuído somente uma vez. Porém, continuaremos a adotar a interpretação tradicional que afirma que o
termo médio deve estar distribuído pelo menos uma vez.
122 |
Figura 24 – Possibilidades de representação
Fonte: Elaborado pelo autor
Nos diagramas acima, temos representadas as duas premissas
antecedentes (todos os P são B e todos os J são B). Porém, a conclusão, no
diagrama I, não decorre a conclusão de que todos os J são P. Por outro lado,
no diagrama II, a partir das mesmas premissas representadas no diagrama
I, ocorre a conclusão de que, todos os J são P.
A partir dessas representações podemos afirmar que, quando o termo
médio não está distribuído, podem decorrer duas ou mais conclusões
diferentes, o que em lógica formal clássica é inaceitável, considerando os
princípios de Não-Contradição e do Terceiro Excluído.
De estruturas imperfeitas, mesmo considerando a verdade das
antecedentes, se pode inferir conclusões bizarras, tal como a que segue:
Lógica Formal: da lógica aristotélica ao cálculo sentencial bivalente
| 123
Todos os asnos são animais.
Todos os homens são animais.
Portanto, todos os homens são asnos.
Conforme salientado, em um silogismo categórico da forma típica
válido, das premissas antecedentes decorre, por inferência, uma única
conclusão.
Exemplo:
Todo X é Y.
Todo H é X.
Logo, todo H é Y.
Neste exemplo temos o termo médio
distribuído na premissa maior.
Figura 25 – Representação gráfica para exemplo de distribuição de termo
médio
Essa é a única forma possível de
representação do silogismo apresentado
anteriormente.
Fonte: Elaborado pelo autor
A terceira regra dos termos (o termo médio não pode entrar na
conclusão) parte do princípio de que, quando o termo médio entra na
124 |
conclusão, ocorre uma repetição, de forma parcial ou integral, de uma das
premissas antecedentes. Isso torna o raciocínio circular. Ou seja, nada é
acrescentado ou subtraído.
Exemplo:
Toda planta é ser vivo.
Todo animal é ser vivo.
Logo, todo ser vivo é planta ou animal
55
.
É importante destacar novamente que o termo médio, no silogismo
categórico de forma típica, tem a função de relacionar as duas premissas
antecedentes. Vejamos o exemplo seguinte e sua respectiva representação:
Figura 26 – Representação gráfica - termo médio
Todo X é Y
Todo H é X
Todo X é H
Fonte: Elaborado pelo autor
No diagrama é possível visualizar que, das antecedentes, não decorre
a conclusão indicada no exemplo pois, considerando a representação das
premissas, a conclusão deveria ser: Todo H é Y.
A quarta regra dos termos (Os termos (maior ou menor) não podem
estar distribuídos na conclusão se não estiverem distribuídos nas premissas
antecedentes. Ou seja, qualquer que seja o termo, não pode ser universal na
conclusão enquanto é particular na premissa) pode ser subdividida em duas:
55
Esse silogismo também fere a 2
a
. regra dos termos. Ou seja, o M não é pelo menos uma vez universal.
Lógica Formal: da lógica aristotélica ao cálculo sentencial bivalente
| 125
1) O termo maior (T) não pode ser particular na antecedente e universal na
conclusão.
2) O termo menor (t) não pode ser particular na antecedente e universal na
conclusão.
O não cumprimento dessas duas regras acarreta duas falácias,
denominadas ilícito maior e ilícito menor.
1) Ilícito Maior: ocorre quando o termo maior (T) é particular na
antecedente e universal na conclusão.
Exemplo:
Todos criminosos devem ser punidos com rigor.
Alguns homens não são criminosos.
Logo, alguns homens não devem ser punidos com rigor.
Nesse argumento, o termo maior (punidos com rigor) é particular na
premissa maior e universal na premissa consecutiva
56
, configurando assim
a falácia do ilícito maior.
1) Ilícito Menor: ocorre quando o termo menor é particular na premissa
menor e universal na conclusão.
Exemplo:
Nenhuma norma jurídica pode contradizer o princípio da dignidade humana.
Ora, algumas leis contradizem o princípio da dignidade humana.
Logo, nenhuma lei é norma jurídica.
56
As sentenças de tipo O distribuem o termo predicado, enquanto que as de tipo A não distribuem o termo
predicado.
126 |
No exemplo dado, o termo lei(s) é particular na premissa menor
e universal na conclusão. Considerando que, o termo ‘lei(s)’, é o termo
menor do silogismo, configura-se, no exemplo, a falácia do ilícito menor.
Advertimos que a regra dos ilícitos não pode ser aplicada de forma
inversa. Ou seja, não se concebe a formulação de que ‘o termo não pode
ser particular na conclusão e universal na premissa’. Na lógica tradicional
clássica é imprescindível que se atenha, de forma estrita, ao que prescreve
a regra.
2.1.1.6.2.2. regrAs dAs premIssAs
Em relação às premissas, as quatro regras são:
1) De duas premissas particulares nada podemos concluir.
2) De duas premissas negativas não podemos inferir conclusão alguma.
3) De duas premissas afirmativas não podemos ter uma conclusão negativa.
4) A conclusão deve seguir sempre a premissa mais fraca.
A primeira regra para as premissas (de duas premissas particulares
nada podemos concluir). Tendo em vista que são particulares as premissas
do tipo I e do tipo O, as seguintes combinações de premissas antecedentes
tornariam inválido, conforme a regra em questão, um silogismo categórico
da forma típica: I e I; I e O; O e I e, O e O
57
.
Exemplo:
Alguns economistas são defensores da adoção de uma Política de cunho
neoliberal, a qual defende o Estado Mínimo.
Ora, alguns partidários do socialismo são economistas.
Portanto, podemos afirmar que alguns partidários do socialismo são
defensores da adoção de uma política de cunho neoliberal, a qual defende
o Estado Mínimo.
57
A = Universal Afirmativa; E = Universal Negativa; I = Particular Afirmativa e, O = Particular Negativa.
Lógica Formal: da lógica aristotélica ao cálculo sentencial bivalente
| 127
Neste exemplo temos duas premissas antecedentes particulares (tipo
I) e, uma conclusiva, também do tipo I. Se formalizarmos
58
o raciocínio do
exemplo acima e construirmos a representação das premissas antecedentes
desse silogismo categórico, teremos (Figura 27a):
Figura 27a – Diagrama de silogismo com antecedente de tipo I
Alguns E são N
Alguns S são E
Logo _______
Fonte: Elaborado pelo autor
Considere, porém que, a partir desse mesmo silogismo, podemos
construir uma segunda representação (Figura 27b):
Figura 27b – Diagrama de silogismo com antecedente de tipo I
Fonte: Elaborado pelo autor
58 E = economistas; N= defensores da adoção de uma política de cunho neoliberal [...] e, S = partidários do
socialismo.
128 |
Na primeira representação gráfica, a conclusão derivada seria: alguns
S são N. Ou seja, alguns partidários do socialismo são defensores da adoção de
uma política de cunho neoliberal [...]. Na segunda representação teríamos
uma conclusão contraditória àquela que aparece na primeira representação:
Nenhum S é N, ou seja, nenhum socialista é defensor da adoção de uma
política de cunho neoliberal, a qual defende o Estado Mínimo.
Assim, as premissas antecedentes desse argumento, sendo ambas
particulares, não são suficientes para sustentar uma única conclusão. Em
outros termos, da estrutura desse silogismo podermos derivar mais de uma
conclusão. Além disso, no referido silogismo, o termo médio não aparece
distribuído nas antecedentes, o que também determina a invalidade do
silogismo. Vejamos outro exemplo:
Algumas pessoas favoráveis a uma ampla e radical reforma do
judiciário nunca leram a Constituição de 1988.
Ora, alguns membros do Conselho Nacional de Justiça não são
favoráveis a uma reforma ampla e radical do judiciário.
Logo, alguns membros do Conselho Nacional de Justiça nunca
leram a Constituição de 1988.
A partir da formalização dos antecedentes desse raciocínio temos
59
:
Alguns F não são C.
Alguns J não são F.
Logo __________.
Esta estrutura pode ser representada em forma de diagramada da
seguinte maneira (Figura 28):
59
F = Pessoas favoráveis a uma ampla e radical reforma do judiciário; C = Pessoas que leram a Constituição
de 1988, J = Membros do Conselho Nacional de Justiça.
Lógica Formal: da lógica aristotélica ao cálculo sentencial bivalente
| 129
Figura 28 – Diagrama de silogismo com antecedente de tipo O
Fonte: Elaborado pelo autor
Dessa representação podemos derivar pelo menos duas conclusões:
uma do tipo O (Alguns J não são C) e uma do tipo I (Alguns J são C), as
quais são subcontrárias
60
. Isso significa que, se considerarmos a conclusão
de tipo O como sendo a ‘verdadeira’, então a possibilidade da ocorrência
de uma conclusão de tipo I será, como já vimos, ‘indeterminada’. Ou seja,
pode ser ‘falsa’ ou ‘verdadeira’. Por outro lado, se partir do princípio que a
opção de conclusão de tipo O é ‘falsa’, então, necessariamente a conclusão
I será ‘verdadeira’ e vice-versa. Então, qual a opção correta? Não sabemos!
Além desse problema, temos que levar em consideração que,
sentenças de tipo I e sentenças de tipo O não são equivalentes. Pelo
processo de obversão, por exemplo, para que uma sentença do tipo O, seja
equivalente a uma sentença do tipo I, seria necessário que, pela regra de
obversão, apresentar a seguinte formulação: Alguns J são não C.
A segunda regra das premissas que preconiza: ”de duas premissas
negativas não se pode inferir conclusão alguma”. Ou seja, são inválidas,
nos silogismos categóricos de forma típica, as seguintes combinações de
premissas antecedentes: E e E; E e O; O e E e, O e O.
60
Sentenças subcontrárias não podem ser falsas ao mesmo tempo, mas podem, em alguns casos, serem
verdadeiras ao mesmo tempo.
130 |
Exemplo:
Nenhum princípio ou norma jurídica deve ser ambíguo.
Ora, algumas leis não são ambíguas.
Logo, algumas leis são princípios ou normas jurídicas.
Simbolizando as antecedentes desse silogismo podemos obter a
seguinte estrutura
61
:
Nenhum P é A.
Alguns L não são A.
Logo, ___________.
Tal estrutura pode ser representada graficamente da seguinte maneira
(Figura 29a):
Figura 29a – Diagrama de silogismo com antecedentes de tipo E/O
Aqui a conclusão seria: algumas leis são
princípios ou normas jurídicas, o que está
conforme a conclusão sugerida pelo
exemplo.
Fonte: Elaborado pelo autor
Porém, a estrutura do raciocínio apresentado no exemplo, poderia
também ser representada por este outro diagrama (Figura 29b):
61
P = Princípio ou norma jurídica, A = Ambíguo, L = Lei.
Lógica Formal: da lógica aristotélica ao cálculo sentencial bivalente
| 131
Figura 29b – Diagrama de silogismo com antecedentes de tipo E/O
Aqui teríamos a conclusão de que:
Nenhuma lei é princípio ou norma jurídica,
o que não está de acordo com o nosso
exemplo.
Fonte: Elaborado pelo autor
As premissas antecedentes (E – Universal Negativa e O – Particular
Negativa), apresentadas no exemplo anterior, não oferecem elementos
suficientes para sustentar uma única conclusão, conforme pode ser
observado nos diagramas. Tal estrutura de silogismo fere o princípio de
contraditoriedade, dado que pode derivar tanto uma conclusão de tipo I
como uma conclusão de tipo E.
A terceira regra das premissas (de duas premissas afirmativas não
podemos ter uma conclusão negativa) informa que das combinações de
antecedentes dos tipos A e I; I e A e, I e I
62
não é possível inferir uma
conclusão negativa, ou seja, consequentes dos tipos E e O.
Em relação a essa regra, segundo a interpretação de Goblot (1929),
a relação dos extremos com o termo médio não prova necessariamente que
estão unidos. Porém, não prova que estão separados
63
. Isso significa afirmar
que, duas premissas afirmativas exprimem uma inclusão, de forma tal que
a conclusão não pode ser excludente.
Exemplo:
Podemos afirmar que todos os homens são racionais.
Ora, alguns homens são filósofos racionalistas.
Portanto, alguns filósofos racionalistas não são racionais.
62
Essa (I e I) combinação de antecedentes também fere a primeira regra das premissas: de duas premissas
particulares nada se pode concluir.
63
Extremos significa termo maior e termo menor.
132 |
Diagramando o silogismo acima temos (Figura 30):
Figura 30 – Diagrama de silogismo com antecedentes afirmativas (A/I)
Fonte: Elaborado pelo autor
Na representação acima temos que a classe dos ‘homens’ está incluída
na classe dos ‘racionais’ e, que parte da classe dos ‘filósofos racionalistas’,
está incluída na classe dos ‘homens’. Além disso, o argumento não
afirma que ‘todos os filósofos racionalistas sejam homens, mesmo que a
‘realidade’ assim nos aponte. Também não há indicação formal de que
todos os filósofos racionalistas ‘não sejam homens’. Por fim, da estrutura
dada,, não podemos afirmar que ‘alguns filósofos racionalistas não sejam
racionais’ levando-se em consideração que, existe a possibilidade de que
todos possam ser.
Dado que a conclusão (negativa) desse argumento decorre de
premissas antecedentes afirmativas, consequentemente temos uma
conclusão absurda, caso seja considerado o que foi afirmado nas
antecedentes
64
.
A quarta regra afirma que “a conclusão deve seguir a premissa mais
fraca”. Segundo Hegenberg (1995), as premissas mais fracas são premissas
que apresentam quantidade particular e/ou a qualidade negativa. Para
64
No exemplo dado também cometeu a falácia de ilícito maior.
Lógica Formal: da lógica aristotélica ao cálculo sentencial bivalente
| 133
facilitar a compreensão dessa regra, na Idade Média, Pedro Hispânico
(1210-1277) cunhou dois princípios
65
:
a) Se uma premissa é particular, a conclusão é particular.
b) Se uma premissa é negativa, a conclusão é negativa.
Exemplos:
Quadro 41 – Derivação das conclusões a partir das premissas mais fracas
1
Todos X são Y.
Alguns X são M.
Todos M são Y.
A
I
A
2
Todos X são Y
Nenhum Y é M.
Todos M são X.
A
E
A
Fonte: Elaborado pelo autor
Observemos a seguir as representações dos silogismos apresentados
nos exemplos acima (Figura 31a e 31b):
Figura 31a – Representação 1
Na representação, não decorre a conclusão
de que ‘Todo M seja Y’. Além disso, ao
inferir a conclusão ‘Todo M é Y’, se comete
um Ilícito Menor.
Fonte: Elaborado pelo autor
65
Cf. MEIRINHOS (2002).
134 |
Figura 31b – Representação 2
Na representação, não decorre a conclusão
de que ‘Todos M são X’.
Fonte: Elaborado pelo autor
Nesses dois exemplos a conclusão não segue a premissa antecedente
mais fraca. De forma geral, podemos dizer que, se a relação entre as premissas
for de particularidade (e para isso basta haver uma premissa particular),
a conclusão deverá representar uma particularidade. Se a relação for de
negação, a conclusão deve expressar a relação de negação e, se for de ambas
(particularidade e negação), é imperativo que expresse as duas.
Em síntese, a validade dos silogismos categóricos de forma típica ou,
silogismos aristotélicos depende da observação de regras definidas
66
.
2.1.1.6.2.1. FIgurAs e modos do sIlogIsmo CAtegórICo
A figura ou figuração de um silogismo categórico de forma típica
é determinada a partir do ‘lugar’ ocupado pelo termo médio (M) nas
premissas antecedentes (T e t). Assim, dependendo da posição ocupada,
pode o termo médio exercer a função de sujeito (TS) ou predicado (TP).
A partir da possibilidade de combinação, são definidas quatro figuras
possíveis: Sub-Pre; Pre-Pre; Sub-Sub e Pre-Sub
67
.
66
Tais regras são consideradas mais ou menos intuitivas. Importante destacar que Aristóteles considerava que
todos os argumentos poderiam ser reduzidos à forma do silogismo. Hoje sabemos que isso não é verdade
(GRANGER, 1993; KNEALE; KNEALE, 1991; LUKASJEWICZ, 1977).
67
Sub = sujeito e Pre = predicado.
Lógica Formal: da lógica aristotélica ao cálculo sentencial bivalente
| 135
a) SUB-PRE: Nessa figura, o termo médio aparece como termo sujeito
(TS) na premissa maior e como termo predicado (TP) na premissa menor
68
:
M - T
t - M
t - T
Exemplo:
Todos filósofos escolásticos são humanistas.
Todos seguidores de Tomás de Aquino são filósofos escolásticos.
Logo, todos seguidores de Tomás de Aquino são humanistas.
b) PRE-PRE: O termo médio aparece como termo predicado (TP), tanto
na premissa maior, como na premissa menor.
T - M
t - M
t - T
Exemplo:
Todos juristas positivistas defendem a interpretação objetiva da
legislação penal.
Ora, alguns desembargadores não defendem a interpretação objetiva
da legislação penal.
Portanto, alguns desembargadores não são juristas positivistas.
c) SUB-SUB: O termo médio aparece como termo sujeito (TS) tanto na
premissa maior como na premissa menor.
M - T
M - t
t - T
68
Não podemos nos esquecer que premissa maior é a antecedente que contém o termo maior e, premissa menor
é a antecedente que contém o termo menor.
136 |
Exemplo:
Nenhum pessimista acredita que a sociedade possa se tornar
mais justa.
Ora, alguns pessimistas são operadores do direito.
Logo, alguns operadores do direito não acreditam que a
sociedade possa se tornar mais justa.
d) PRE-SUB: Em um silogismo da quarta figura, o termo médio se
apresenta como termo predicado (TP) na primeira maior e termo sujeito
(TS) na premissa menor.
T - M
M - t
t - T
Exemplo:
Alguns neurocientistas são críticos do reducionismo.
Todos críticos do reducionismo são seres pensantes.
Logo, alguns seres pensantes são neurocientistas.
Conforme Maritain (1986, p. 212), a quarta figura também é
denominada de ‘primeira figura indireta ou ‘figura galênica’ em homenagem
ao filósofo e médico Galeno (131-200) que a considerava como uma figura
à parte. A quarta figura só foi considerada como tal, a partir da Idade
Média, ou seja, não foi cogitada por Aristóteles. Alguns pensadores, como
por exemplo, Hegel (1770 – 1831), não a considera como uma figura em
si
69
(HEGEL, 1995, 2015). Porém, não encontramos inconveniente em
considerá-la como figura legítima.
69
Para Kant a primeira figura seria a única legítima, sendo as demais passíveis de serem reduzidas a ela
(KANT, 1998).
Lógica Formal: da lógica aristotélica ao cálculo sentencial bivalente
| 137
Ao passo que as figuras são definidas a partir do ‘lugar’ ocupado
pelo termo médio (M) nas premissas antecedentes (T e t), os modos do
silogismo categórico de forma típica são definidos a partir dos ‘tipos’ das
três premissas que o compõe. Por exemplo:
Silogismo Modo
Todo X é Y
Algum X é Z
Logo, algum Z é Y
A
I
I
No exemplo acima temos um silogismo do modo AII, pois sua
premissa maior é universal afirmativa (Tipo A); a premissa menor é
particular afirmativa (Tipo I) e, a conclusão é particular afirmativa (Tipo I).
A combinação dos tipos de sentenças (A, E, I e O) geram sessenta
e quatro modos possíveis para os silogismos categóricos da forma típica,
conforme podemos observar no quadro de modos do silogismo categórico
70
(Quadro 42):
Quadro 42 – Modos do Silogismo Categórico
Quadro dos Modos do Silogismo Categórico
AAA AAE AAI AAO AEA AEE AEI AEI
AIA AIE AII AIO AOA AOE AOI AOO
EAA EAE EAI EAO EEA EEE EEI EEO
EIA EIE EII EIO EOA EOE EOI EOO
IAA IAE IAI IAO IEA IEE IEI IEO
IIA IIE III IIO IOA IOE IOI IOO
OAA OAE OAI OAO OEA OEE OEI OEO
OIA OIE OII OIO OOA OOE OOI OOO
Fonte: Elaborado pelo autor
70
Abreviaremos modos por mod.
138 |
Multiplicando a quantidade de modos (64) pelo número de figuras
(4), é possível construir 256 estruturas diferentes para os silogismos
categóricos de forma típica. Desse total,, apenas alguns são válidos pois,
grande parte deles fere pelo menos uma das oito regras de inferência para
o silogismo categórico de forma típica.
Por exemplo, da simples aplicação das as quatro regras dos termos
71
ao quadro de modos do silogismo categórico de forma típica, podemos
considerar, de antemão, os seguintes modos como inválidos (Quadro 43):
Quadro 43 – Modos inválidos do silogismo categórico de forma típica a
partir das regras dos termos
AAA AAE AAI AAO AEA AEE AEI AEO
AIA AIE AII AIO AOA AOE AOI AOO
EAA EAE EAI EAO EEA EEE EEI EEO
EIA EIE EII EIO EOA EOE EOI EOO
IAA IAE IAI IAO IEA IEE IEI IEO
IIA IIE III IIO IOA IOE IOI IOO
OAA OAE OAI OAO OEA OEE OEI OEO
OIA OIE OII OIO OOA OOE OOI OOO
Fonte: Elaborado pelo autor
Ou seja, eliminado os modos acima a partir das regras dos termos,
restam 12 modos que, construídos em cada uma das quatro figuras, gera
48 possibilidades que, dependendo da figura, podem ser válidas ou não.
Dessas 48 possibilidades, algumas, a partir da aplicação das regras referentes
às premissas serão eliminadas. Restarão então as seguintes estruturas ou
formas válidas para um silogismo categórico da forma típica nas figuras
Sub-Pre (Quadro 44), Pre-Pre (Quadro 45), Sub-Sub (Quadro 46) e Pre-
Sub (Quadro 47):
71
1) de duas antecedentes particulares nada podemos inferir; 2) de duas antecedentes negativas nada podemos
inferir; 3) de duas antecedentes afirmativas não se infere uma negativa e, 4) a conclusão deve ser inferida a partir
da premissa mais fraca.
Lógica Formal: da lógica aristotélica ao cálculo sentencial bivalente
| 139
Quadro 44 – Silogismos Válidos para a 1
a
Figura - Sub-Pre
MODO EXEMPLO DENOMINAÇÃO
72
NOTÃO
73
AAA
Todo M é P
Todo S é M
Todo S é P
BARBARA MAP, S AM: SAP
EAE
Nenhum M é P
Todo S é M___
Nenhum S é P
CELARENT MEP, S AM: SEP
EIO
Nenhum M é P
Algum S é M
Algum S não é P
FERIO MEP, S IM: SOP
AII
Todo M é P
Algum S é M_
Algum S é P
DARII MAP, S IM: SIP
AEO
Todo M é P
Nenhum S é M
Algum P não é S
FAPESMO MAP, S EM: POS
IEO
Algum M é P
Nenhum S é M
Algum P não é S
FRISESOMORUM MIP, SEM: POS
Fonte: Elaborado pelo autor
72
Os modos válidos receberam essa denominação na Idade Média, com o objetivo de facilitar a memorização.
A artífice dessa nomenclatura foi Pedro Hispânico ou Petrus Hispanus. As três primeiras vogais da palavra
indicam o modo do silogismo. Por exemplo CELARENT é um silogismo do modo EAE.
73
Para o entendimento da notação, considere: a) M = termo médio; P e S são os demais termos; b) a letra
que aparece no meio indica o tipo da proposição. Por exemplo, SAP é uma proposição de tipo A e, c) ; (dois
pontos) indica a conclusão.
140 |
Quadro 45 – Silogismos Válidos para a 2
a
Figura - Pre-Pre
MODO EXEMPLO DENOMINAÇÃO NOTÃO
AEE
Todo P é M
Nenhum S é M
Nenhum S é P
CAMESTRES PAM, SEM: SEP
EAE
Nenhum P é M
Todo S é M
Nenhum S é P
CEARESE PEM, SAM: SEP
EIO
Nenhum P é M
Algum S é M
Algum S não é P
FESTINO PEM, SIM: SOP
AOO
Todo P é M
Algum S não é M
Algum S não é P
BAROCO PAM, SOM: SOP
Fonte: Elaborado pelo autor
Lógica Formal: da lógica aristotélica ao cálculo sentencial bivalente
| 141
Quadro 46 – Silogismos Válidos para a 3
a
Figura - Sub-Sub
MODO EXEMPLO DENOMINAÇÃO NOTÃO
AAI
Todo M é P
Todo M é S
Algum S é P
DAPAPTI MAP, M AS: SIP
EAO
Nenhum M é P
Todo M é S
Algum S não é P
FELAPTON MEP, M AS: SOP
IAI
Algum M é P
Todo M é S
Algum S é P
DISAMIS MIP, M AS: SIP
AII
Todo M é P
Algum M é S
Algum S é P
DATISI MAP, M IS: SIP
OAO
Algum M não é P
Todo M é S
Algum S não é P
BOCARDO MOP, M AS: SOP
EIO
Nenhum M é P
Algum M é S
Algum S não é P
FERISON MEP, M IS: SOP
Fonte: Elaborado pelo autor
142 |
Quadro 47 – Silogismos Válidos para a 4
a
Figura - Pre-Sub
MODO EXEMPLO DENOMINAÇÃO NOTÃO
AAI
Todo P é M
Todo M é S
Algum S é P
BRAMANTIP PAM, MAS: SIP
EIO
Nenhum P é M
Algum M é S
Algum S não é P
FRESISON PEM, MIS: SOP
EAO
Nenhum P é M
Todo M é S
Algum S não é P
FESAPO PEM, MAS: SOP
AEE
Todo P é M
Nenhum M é S
Nenhum S é P
CAMENES PAM, MES: SEP
IAI
Algum P é M
Todo M é S
Algum S é P
DIMATIS PIM, MAS: SOP
Fonte: Elaborado pelo autor
Independente do conteúdo das premissas, essas são as formas ou
estruturas válidas para os silogismos categóricos da forma típica. Entretanto,
alguns estudiosos da Lógica consideram algumas dessas formas discutíveis.
Para Hegenberg (1995), a questão das formas do silogismo categórico é
uma questão delicada, pois envolve considerações relativas à existência de
objetos nas classes determinadas pelos termos.
Por exemplo, Copi (1989) acredita que nenhum silogismo categórico
válido de forma típica com uma conclusão particular pode ter duas
premissas universais, pois, segundo ele, as premissas universais careceriam
de conteúdo existencial pelo fato de não afirmar a existência de objetos de
uma espécie determinada, como acontece nas premissas particulares
74
.
74
Não consideraremos a posição de COPI (1989). Adotaremos, nesta obra, um critério puramente formal.
Lógica Formal: da lógica aristotélica ao cálculo sentencial bivalente
| 143
O quadro de formas válidas também seria alterado se considerássemos
a interpretação de Culberston (1958), segundo a qual, o termo médio não
pode ser duas vezes universal. Assim considerando, conforme Hegenberg
(1995), teríamos os seguintes casos discutíveis:
1
a
. Figura: AAI e EAE
2
a
. Figura: EAO e AEO
3
a
. Figura: AAI e EAO
4
a
. Figura: AAI, EAO e AEO
Apesar da pertinência da discussão sobre a validade desses
silogismos considerados como ‘discutíveis’, continuaremos adotando uma
interpretação puramente formal e conforme as oito regras apresentadas.
Por fim, é importante salientar que, muitos autores modernos
consideram a teoria do silogismo como inútil. Tal visão decorre
principalmente do pensamento empirista
75
, particularmente de John Stuart
Mill (1806-1873). Mill acreditava que as leis lógicas do pensamento têm
fundamento na experiência e, que o silogismo é estéril, dado que não faz
progredir a ciência, pois, segundo ele, tudo já está presente nas premissas
(HESSEN, 2000).
Nesse sentido, conforme Ide (1997), o silogismo, na visão de Mill,
é tomado como sinônimo de dedução, no sentido clássico, ou seja, de
aplicação de uma lei geral a um caso particular, tal como ocorre em um
exemplo clássico e, ao mesmo tempo estéril, encontrado em muitos
manuais de lógica:
Todos homens são mortais.
Sócrates é homem.
Logo, Sócrates é mortal.
75
Os lógicos medievais também contribuíram com essa concepção ao utilizarem a silogística para, muitas
vezes, construírem argumentos bizarros e inúteis ou para justificar determinadas posições teológicas.
144 |
É importante destacar que o tipo de silogismo como exemplificado
acima nunca foi utilizado por Aristóteles em suas obras que tratam da
Lógica. A silogística clássica não tem por finalidade tratar esse tipo de
argumento. A importância de um silogismo está em seu mecanismo, ou
seja, em relacionar duas premissas não próximas. O estabelecimento de
relação entre premissas possibilita nova e melhor compreensão. Essa seria
a utilidade e a importância dos silogismos categóricos de forma típica.
Dessa forma, a silogística clássica não deve ser tratada como uma mera
construção estéril cujo único valor seria o valor ‘arqueológico’.
2.1.1.6.3. sIlogIsmo CAtegórICo: método AxIomátICo
O método axiomático, considerado como método de construção
de sistemas dedutivos, existe desde a antiguidade. Aristóteles, por
exemplo, considerava que a ciência dedutiva deveria partir de princípios
indemonstráveis (WILDER, 1952). Porém, a grande obra de referência
para o método axiomático foi Elementos, de Euclides (330 - 275 a. C.)
(KRAUSE, 2002).
Podemos definir o método axiomático como uma forma de
organizar “o conhecimento de uma determinada área ou teoria da ciência”.
Tal organização parte da escolha, segundo um critério definido, de alguns
enunciados da teoria a partir dos quais todos os outros enunciados
serão derivados por inferência lógica. Esses enunciados definidos são
denominados axiomas, enquanto que os enunciados derivados logicamente
dos ‘axiomas’, são chamados ‘teoremas’ (GARRIDO, 2001, p. 285).
Assim, através do método axiomático é possível deduzir, mediante
regras fixadas previamente, todas as asserções do sistema, salvo aquelas que
se consideram como axiomas ou postulados do sistema
76
. Além da função
de organizar, o método axiomático também permite a verificação da
correção das conclusões derivadas (WILDER, 1952). Em outras palavras,
axiomatizar significa encontrar um sistema de axiomas de uma teoria e
76
Axioma é uma premissa considerada necessariamente verdadeira. É o fundamento de uma demonstração,
apesar de ser ela mesma indemonstrável.
Lógica Formal: da lógica aristotélica ao cálculo sentencial bivalente
| 145
demonstrar, a partir desses axiomas, as proposições dessa teoria. Para tanto
há que se definir fórmulas, regras e um método.
Para aplicação do método axiomático ao silogismo categórico de
forma típica, se considera, como fórmulas comprovadamente válidas, os 14
modos válidos do silogismo categórico de forma típica, chamados modos
aristotélicos, nas figuras 1, 2 e 3 e, os 5 modos na figura 4, conforme os
quadros seguintes
77
.
Para tradução das notações considerar: M = termo médio; P = termo
maior e, S = termo menor. As letras (A, E, I e O), no centro indicam o
tipo da sentença ou premissa. Dessa forma, PAM é uma sentença de tipo
da A. Passemos agora aos quadros das fórmulas válidas para as figuras Sub-
Pre (Quadro 48), Pre-Pre (Quadro 49), Sub-Sub (Quadro 50) e Pre-Sub
(Quadro 51):
Quadro 48 – Silogismos Válidos para a Primeira Figura (Sub-Pre)
MODO NOME NOTAÇÃO
AAA BARBARA MAP, S AM: SAP
EAE CELARENT MEP, S AM: SEP
AII DARII MAP, S IM: SIP
EIO FERIO MEP, S IM: SOP
AEO FAPESMO MAP, S EM: POS
IEO FRISESOMORUM MIP, S EM: POS
Fonte: Elaborado pelo autor
77
Como já salientamos, no período medieval os modos válidos receberam nomes mnemônicos. Por exemplo,
as vogais em BARBARA significam o modo AAA.
146 |
Quadro 49 – Silogismos Válidos para a Segunda Figura (Pre-Pre)
MODO NOME NOTAÇÃO
EAE CESARE PEM, SAM: SEP
AEE CAMESTRES PAM, SEM: SEP
EIO FESTINO PEM, SIM: SOP
AOO BAROCO PAM, SOM: SOP
Fonte: Elaborado pelo autor
Quadro 50 – Silogismos Válidos para a Terceira Figura (Sub-Sub)
MODO NOME NOTAÇÃO
AAI DARAPTI MAP, MAS: SIP
EAO FELAPTON MEP, MAS: SOP
IAI DISAMIS MIP, MAS: SIP
AII DATISI MAP, MIS: SIP
OAO BOCARDO MOP, MAS: SOP
EIO FERISON MEP, MIS: SOP
Fonte: Elaborado pelo autor
Quadro 51 – Silogismos Válidos para a Quarta Figura (Pre-Sub)
MODO NOME NOTAÇÃO
AAI BRAMANTIP PAM, MAS: SIP
AEE CAMENES PAM, MES: SEP
IAI DIMATIS PIM, MAS: SOP
EAO FESAPO PEM, MAS: SOP
EIO FRESISON PEM, MIS: SOP
Fonte: Elaborado pelo autor
Lógica Formal: da lógica aristotélica ao cálculo sentencial bivalente
| 147
Definidas as fórmulas, passe-se agora à definição das regras de
inferência para a dedução.
Como regras serão utilizadas as regras de conversão ou, regras de
inferências, algumas das quais já foram anteriormente apresentadas e
discutidas na seção anterior.
Devemos antes de continuar, esclarecer que, por inferência se entende
o raciocínio mediante o qual a conclusão depende, por necessidade lógica,
das proposições antecedentes, pela mediação de um termo comum entre
essas proposições, ou seja, do termo médio
78
.
Nas inferências imediatas
79
, o termo médio (M) não é necessário,
pois uma proposição é inferida de outra diretamente. Em outros termos,
são inferências que envolvem uma só premissa. Porém, esse processo só é
possível a partir de algumas regras, as quais serão aqui utilizadas no método
axiomático aqui proposto. São elas: Subalternação; Conversão; Conversão
por Limitação; Contraposição e, Obversão.
A subalternação é a regra que afirma que podemos derivar PAP
80
a partir de SAP. Por exemplo, da afirmação “todos os filósofos são
inteligentes”, podemos derivar “todos os inteligentes são inteligentes”.
A conversão permite a troca do sujeito pelo predicado, mantendo
o mesmo quantificador, ou seja, conservando sua extensão. A regra só é
válida para sentenças dos tipos E e I, não devendo ser aplicada às sentenças
do tipo A e O. A conversão produz como resultado o mesmo juízo. Por
exemplo, se ‘nenhum x é y’, então ‘nenhum y é x’ e, se ‘algum x é y’, então
algum y é x’ (GORTARI, 1988). Em síntese, podemos enunciar a regra de
conversão da seguinte maneira: De SEP é possível derivar PES e, de SIP é
possível derivar PIS.
78
Conforme Maingueneau (1997), o processo de inferência trata-se de uma proposição tirada de uma outra
através de uma regra, consciente ou não.
79
Todos os tipos de inferências imediatas foram estudadas por Aristóteles nos Tópicos. Na Idade Média, foram
examinadas mais algumas inferências imediatas. Entre elas, a obversão e a contraposição.
80
P = predicado; S = Sujeito; A = Sentença Universal Afirmativa; E = Sentença Universal Negativa; I =
Sentença Particular Afirmativa e 0 = Sentença Particular Negativa. A negação é simbolizada por:
148 |
Exemplos:
1) De ‘nenhum neopositivista é existencialistapodemos derivar: ‘nenhum
existencialista é neopositivista’.
2) De ‘algum positivista é filósofo do direitopodemos derivar: ‘algum filósofo
do direito é positivista’.
A conversão por limitação é a regra pela qual se infere um juízo
particular a partir de um juízo universal. Em termos práticos, essa regra
permite que, de SAP derivar PIS e, que, de SEP se derive POS.
Exemplos:
1) De ‘todo marxista é materialistapodemos derivar: ‘alguns materialistas
são marxistas’.
2) De nenhum neurocientista é mentalistaé possível derivar que ‘algum
mentalista não é neurocientista’.
Para a validade desse tipo de inferência é necessário admitir que,
por exemplo, a classe dos ‘neurocientistas’ é não vazia. Ou seja, se, por
exemplo, da proposição ‘todo marciano é filósofo’, fosse derivada a proposição
de que ‘algum filósofo é marciano, esta seria inválida caso não houvesse
marcianos’, ou seja, se a classe de marcianos fosse vazia. Isso ocorre porque
a proposição ‘todo cientista é filósofopode ser aceita como verdade (na falta
de um marciano que não seja filósofo), porém, a proposição ‘algum filósofo
é marciano, só será verdadeira se realmente houver um.
Existe também a possibilidade de se assumir a Hipótese Existêncial
ou Importação, considerada como a concepção ou hipótese de que todas
as classes S e P, bem como seus complementos (não S e não P), envolvidos
nas proposições categóricas são não vazias. Podemos tratar a lógica dos
silogismos com ou sem importação existencial; sem ela, algumas regras não
serão válidas. Nesse texto assumiremos a hipótese existencial como válida.
Lógica Formal: da lógica aristotélica ao cálculo sentencial bivalente
| 149
A contraposição consiste em substituir o predicado de uma
proposição, trocando ao mesmo tempo a qualidade da proposição. Na
lógica tradicional clássica, é um tipo de inferência imediata que consiste
na troca do sujeito pelo complemento do predicado e do predicado
pelo complemento
81
do sujeito. Essa operação somente é válida para as
proposições dos tipos A e O. Ou seja, de SAP se pode derivar ¬PA¬S
(Todo cientista é filósofo = Todo não filósofo é não cientista) e, de SOP, é
possível derivar ¬PO¬S (Algum cientista não é filósofo = algum não filósofo é
cientista). A partir dessa regra, podemos derivar ainda (Quadro 52):
Quadro 52 – Derivações por contraposição
De ¬SAP derivamos ¬PAS
De SA¬P derivamos PA¬S
De ¬SA¬P derivamos PAS
De ¬SOP derivamos ¬POS
De SO¬P derivamos PO¬S
De ¬SO¬P derivamos POS
Fonte: Elaborado pelo autor
A obversão consiste em substituir o predicado de uma proposição pelo
seu complemento e, ao mesmo tempo, inverter a qualidade da proposição.
Na lógica tradicional clássica, é um tipo de inferência imediata que consiste
na troca da qualidade do quantificador, tomando o complemento do termo
predicado. Em síntese, é a troca da qualidade (de negativa para afirmativa
e vice-versa) e troca do predicado pelo seu complemento. Tal regra só é
válida entre sentenças dos tipos A e E e entre I e O, conforme podemos
observar no quadro abaixo (Quadro 53):
81
Representaremos o complemento de P por não P.
150 |
Quadro 53 – Derivações por obversão
De SAP derivamos SE¬P
De SEP derivamos SA¬P
De SOP derivamos SI¬P
De SIP derivamos SO¬P
Fonte: Elaborado pelo autor
No quadro seguinte é possível visualizar exemplos de obversão
(Quadro 54):
Quadro 54 – Exemplos de obversão
JUÍZO Tipo OBVERSO Tipo
Alguns x são y I Alguns X não são não y O
Alguns X não são y O Alguns x são não y I
Alguns y não são x O Alguns y são não x I
Alguns não x são não y I Alguns não x não são y O
Nenhum não x é não y E Todo não x é y A
Todo x é y A Nenhum x é não y E
Todo y é x A Nenhum y é não x E
Nenhum x é y E Todo x é não y A
Fonte: Elaborado pelo autor
Conversão, obversão e contraposição são regras lógicas de
equivalência. Por exemplo, de SAP, por obversão, derivamos SE¬P, e
novamente, por obversão, de SE¬P, derivamos SA¬¬P. Assumindo que
¬¬P equivale a P, obtemos (lendo como equivale): SAP SE¬ P.
Lógica Formal: da lógica aristotélica ao cálculo sentencial bivalente
| 151
Aristóteles, ao demonstrar que bastava considerar os silogismos da
primeira figura como perfeitos, ou seja, autoevidentes, desenve uma teoria
dos silogismos como axiomática. Partindo desse princípio, observou-se, mais
tarde, que todos os demais silogismos são passíveis de serem demonstrados
ou provados, por meio das regras de subalternação, conversão, conversão
por limitação, contraposição e obversão. De acordo com Bochenski
(1957), mais tarde Aristóteles considerou que bastavam os dois primeiros
(BÁRBARA e CELARENT). Posteriormente, teria ele considerado que,
também os silogismos das figuras 2 e 3, poderiam ser tomados como
axiomas
82
. Assim, de forma geral, ao assumir como axiomas, Bárbara e
Darii, os demais silogismos se demonstram como teoremas.
A ideia da prova, nesse primeiro exemplo, consiste em assumir como
hipóteses as premissas (maior e menor) de Celarent e, a partir de Bárbara,
obter a conclusão de Celarent. Vejamos a operação (Figura 32):
82
Há muita confusão nos textos sobre as regras adicionais que Aristóteles teria usado para obter estas
derivações.
152 |
Figura 32 – Exemplo de aplicação de método axiomático
Portanto, partimos das hipóteses MEP e SAM e concluímos SEP.
Ou seja, demonstramos Celarent.
Os demais exemplos adotam sistemática semelhante. O método é
o mesmo, porém, as regras a serem utilizadas podem variar conforme as
Lógica Formal: da lógica aristotélica ao cálculo sentencial bivalente
| 153
premissas tomadas como hipótese e, de acordo com as premissas derivadas.
Vejamos:
1) Darii /- Ferio
1. MEP (Hipótese, premissa maior de Ferio)
2. SIM (Hipótese, premissa menor de Ferio)
3. MA¬P (de 1, por Obversão)
4. SI¬P (de 3 e 2 , por Darii)
5. SOP (de 4, por Obversão)
Portanto, partimos das hipóteses MEP e SIM e concluímos SOP,
ou seja, demonstramos Ferio.
Para a figura 2, temos como exemplo as seguintes derivações:
1) Celarent /- Cesare:
PEM (Hipótese, premissa maior de Cesare)
SAM (Hipótese, premissa menor de Cesare)
MEP (de 1, por Conversão)
SEP (de 3 e 2 por Celarent)
Portanto, de PEM e SAM, concluímos SEP, ou seja, Cesare.
2) Festino /- Baroco:
PAM (Hipótese, premissa maior de Baroco)
SOM (Hipótese, premissa menor de Baroco)
PE¬M (de 1, por Obversão)
SI¬M (de 2, por Obversão)
SOP (de 3 e 4 por Festino)
154 |
Portanto, de PAM e SOM e concluímos SOP, isto é, Baroco.
Para os modos da figura 3:
1) Darii /- Darapti:
MAP (Hipótese, premissa maior de Darapti)
MAS (Hipótese, premissa menor de Darapti)
SIM (de 2 por Conversão por Limitação)
SIP (de 1 e 3 por Darii)
Portanto, de MAP e MAS concluímos SIP, isto é, Darapti.
É importante salientar que, a aplicação do método axiomático pode
ser utilizada para determinar a validade ou não de um silogismo categórico.
O silogismo é considerado válido se a conclusão for provada; inválido caso
não seja provada..
2.1.1.6.4. dIAgrAmAs de venn
Outra maneira para testar a validade dos silogismos categóricos de
forma típica é a aplicação de uma técnica elaborada pelo matemático e
lógico inglês John Venn (1834-1923). Tal técnica, exposta na obra Symbolic
Logic consiste na utilização de diagramas que se intersectassem para
mostrar relações entre as classes ou as condições de verdade das proposições
(KENEALE; KNEALE, 1991).
Para determinar a validade de um silogismo categórico da forma
típica, procede-se a representação de ambas as premissas em um diagrama.
Para tanto, são necessários três círculos que se interceptam, lembrando que
as premissas antecedentes de um silogismo categórico de forma típica são
compostas de três termos (menor, médio e maior)
83
, conforme podemos
observar no diagrama seguinte (Figura 33).
83
Representaremos estes termos segundo a seguinte simbolização: Termo Menor (S); Termo Maior (P) e
Termo Médio (M).
Lógica Formal: da lógica aristotélica ao cálculo sentencial bivalente
| 155
Figura 33 – Exemplo de diagrama composto por três termos
Fonte: Elaborado pelo autor
Ao desenhar o diagrama é importante que os três círculos se
interceptem em uma determinada região, a qual representa os elementos
comuns aos três conjuntos (S, P e M).
Diagramando dessa forma, temos as oito classes referentes ou
representadas pelo conjunto, conforme podemos observar no diagrama
seguinte (Figura 34):
156 |
Figura 34 – Diagrama representando as oito classes considerando os
conjuntos (S, P e M):
Fonte: Elaborado pelo autor
Os elementos das oito classes representadas pelo diagrama de Venn
significam (Quadro 55):
Quadro 55 – Significado das classes no diagrama de Venn
SPM Todo S que não é P e não é M
SPM Todo S que é P, mas não é M
SPM Todo P que não é S e não é M
SPM Todo S que não é P, mas é M
SPM Todo S que é P e é M
SPM Todo P que não é S, mas é M
SPM Todo M que não é S e não é P
SPM Nenhum S que não é S, nem P e nem M
Fonte: Elaborado pelo autor
Lógica Formal: da lógica aristotélica ao cálculo sentencial bivalente
| 157
A partir desse quadro podemos diagramar qualquer proposição
categórica da forma típica.
O primeiro passo para determinar a validade de um silogismo
categórico da forma típica é construir o diagrama. A seguir, devemos
representar no diagrama as premissas antecedentes, uma de cada vez, de
forma a sombrear a área que indica que a classe correspondente é vazia.
Observe que, se ao diagramar as premissas, a conclusão automaticamente
aparece no diagrama, então o silogismo apresenta forma é válida. Caso
contrário, a forma do silogismo será inválida. Vejamos, antes de aplicarmos
tal regra, como se dá, por exemplo, a diagramação de uma única premissa
(Figura 35):
Figura 35 – Exemplo de diagramação de uma única premissa
Todo S é P
Fonte: Elaborado pelo autor
Onde:
SPM Todo S que não é P e não é M
SPM Todo S que não é P, mas é M
158 |
Ou seja, sombreamos a parte do diagrama que exclui S do conjunto
P, excluindo assim o que não está indicado nas premissas.
O segundo passo consiste em, a partir da diagramação das premissas,
observar se a conclusão é procedente ou não. Caso seja procedente, o
argumento será válido, caso contrário, o argumento será inválido. Observe
o argumento abaixo e sua diagramação (Figura 36):
Exemplo:
Todo S é M
Todo M é P
Todo S é P
Diagramando temos:
Figura 36 – Diagramação do argumento
Fonte: Elaborado pelo autor
Observe que ao diagramarmos a primeira premissa (cinza claro),
excluímos todos os S que não se sobrepõe a M. Ao diagramarmos a segunda
premissa (cinza escuro), excluímos todos os M que não estão sobrepostos a
P. Ainda podemos notar que, a classe dos S que não são P, está sombreada,
Lógica Formal: da lógica aristotélica ao cálculo sentencial bivalente
| 159
ou seja, todos os S que sobraram são P. Portanto, o argumento é válido,
pois é isso que afirma a conclusão.
Os silogismos simbolizados a partir dos diagramas de Venn não
precisam seguir, necessariamente, os simbolismos acima descritos. Pode-se
simbolizar direto a partir dos termos, seguindo os mesmos passos. Observe
(Figura 37):
Todos os promotores de justiça são bacharéis em direito.
Todos os juízes de direito são bacharéis em direito.
Logo, todos os juízes de direito são promotores de justiça.
Figura 37 - Diagrama de Venn – Representação
Fonte: Elaborado pelo autor
Observe que alguns juízes de direito não são bacharéis em direito (área
mais escura), o que não corresponde à conclusão do argumento. Portanto,
o argumento apresentado é inválido.
Os exemplos expostos tratam de silogismos do tipo AAA. Quando
um argumento contiver uma premissa do tipo E, a técnica será a mesma
(Figura 38):
160 |
Nenhum H é G.
Todo G é M.
Nenhum M é H.
Figura 38 - Diagrama de Venn – Representação
Fonte: Elaborado pelo autor
No silogismo apresentado acima, a primeira premissa afirma que os
conjuntos H e G não apresentam elementos comuns, por isso sombreamos
a área em que os dois conjuntos se sobrepõe (preto). A segunda premissa
afirma que G é um subconjunto de M. Portanto, sombreamos a área
de G que é extensa a M (cinza claro e preto). A conclusão afirma que
nenhum M é H. Porém, o diagrama apresenta ainda uma área em que M
está sobreposto à H (cinza escuro). Portanto, não há correspondência com
conclusão, o que torna o silogismo inválido.
Alguns silogismos categóricos se apresentam com uma premissa
particular (seja ela negativa ou afirmativa). Nesses casos, aconselha-se
diagramar primeiro a premissa universal (Figura 39).
Lógica Formal: da lógica aristotélica ao cálculo sentencial bivalente
| 161
Exemplo:
Todos P são M.
Alguns S são M.
Alguns S são P
84
Figura 39 - Diagrama de Venn – Representação
Elaborado pelo autor
Para diagramar a segunda premissa deste argumento, deve-se colocar
o símbolo ‘Xno limite entre S e M. Porém, onde exatamente, se esta
parte sobreposta possui regiões (classes): SPM e SPM, conforme podemos
observar na figura 40:
84
S= termo menor; P= termo maior e M = termo médio.
162 |
Figura 40 – Sobreposições de regiões no diagrama
Fonte: Elaborado pelo autor
As premissas não nos dizem onde colocar o x. Se o colocarmos
arbitrariamente corremos o risco de inserir no diagrama, informações
além daquelas apresentadas, o que tornaria o diagrama inútil. Porém,
se colocarmos o x no limite entre SPM e SPM, podemos diagramar
exatamente o que a segunda premissa afirma (que existe pelo menos um
S que é M), sem nada acrescentar. Desta forma, o diagrama completo das
duas premissas seria (Figura 41):
Lógica Formal: da lógica aristotélica ao cálculo sentencial bivalente
| 163
Figura 41 – Diagramação completa das premissas
Fonte: Elaborado pelo autor
Se analisarmos o diagrama acima, veremos que a conclusão não
procede, pois a representação não indica que alguns S são P. Para que essa
conclusão procedesse, deveria o ‘X aparecer na parte sobreposta dos dois
círculos superiores, em SPM ou e, SPM, o que não acontece. Dessa forma,
temos um argumento inválido.
Observando atentamente o diagrama, veremos ainda que a classe
SPM não está vazia, ou seja, ela significa a classe dos S que não são P.
Outra forma de resolvermos a validade dos silogismos categóricos
por meio dos diagramas de Venn, é diagramar cada uma das premissas
e só depois construir o diagrama completo. De acordo com esta técnica
devemos sombrear as regiões vazias, como no método anterior e colocar o
sinal + no caso das regiões não vazias.
Cada premissa poderá ser representada conforme o indicado pelos
diagramas seguintes (Figura 42a, 42b, 42c e 42d):
164 |
Figura 42a – Possibilidade para representações de premissas no diagrama
de Venn
Fonte: Elaborado pelo autor
Lógica Formal: da lógica aristotélica ao cálculo sentencial bivalente
| 165
Figura 42b – Possibilidade para representações de premissas no diagrama
de Venn
Elaborado pelo autor
166 |
Figura 42c – Possibilidade para representações de premissas no diagrama
de Venn
Elaborado pelo autor
Lógica Formal: da lógica aristotélica ao cálculo sentencial bivalente
| 167
Figura 42d – Possibilidade para representações de premissas no diagrama
de Venn
Fonte: Elaborado pelo autor
Por meio dessas representações, podemos construir diagramas das
premissas e, determinar a validade de argumentos categóricos, como no
exemplo abaixo:
Nenhum político honesto é corrupto.
Alguns intelectuais são políticos honestos.
Logo, alguns intelectuais não são corruptos.
Simbolizando o silogismo por meio de variáveis temos:
168 |
1
a
. Premissa: Nenhum P é C
2
a
. Premissa: Alguns I são P
Conclusão: Alguns I não são C.
Diagramando o silogismo temos (Figuras 43a, 43b e 43c)
Figura 43a – Diagrama da primeira premissa
Elaborado pelo autor
Lógica Formal: da lógica aristotélica ao cálculo sentencial bivalente
| 169
Figura 43b – Diagrama da segunda premissa
Elaborado pelo autor
Figura 43c – Diagrama da conclusão
170 |
A partir dos diagramas construídos verifica-se que o silogismo
apresentado é válido, pois, os diagramas apontam para a conclusão de que
existem alguns intelectuais que não são corruptos’, ou seja, ‘alguns I são C’.
A técnica dos diagramas de Venn é uma inovação em termos de
método para determinar a validade ou não silogismos categóricos. Tal
técnica não contradiz a forma clássica de análise, baseada nos princípios
da lógica clássica tradicional, bem como os princípios elaborados pelo
matemático Leonhard Euler
85
, o qual representou graficamente as quatro
formas aristotélicas das proposições, de acordo com o seguinte esquema
(Figura 44):
Figura 44 – Representações de Euler
Todo A é B:
85
Letrres ‘a une Princese d´Allemagne escritas em 1761 e publicadas em S. Petersburgo em 1768.
Lógica Formal: da lógica aristotélica ao cálculo sentencial bivalente
| 171
Nenhum A é B:
Algum A é B:
Algum A não é B:
Elaborado pelo autor
172 |
Desenvolvemos até aqui a teoria do silogismo categórico de forma
típica, sua estrutura, modos, figuras e, métodos para determinar a validade
ou não desse tipo de argumento. Porém, nem todos os silogismos seguem
a forma clássica, como já havia observado Aristóteles. Alguns silogismos,
mais próximos à retórica, apresentam estruturas diversas. São os chamados
silogismos atípicos ou irregulares.
2.1.1.7. sIlogIsmos CAtegórICos AtípICos
Silogismos categóricos de forma atípica ou irregulares são aqueles
que, apesar de serem redutíveis à forma categórica típica, se apresentam
diversamente da forma clássica ou tradicional. Entre esses silogismos,
destacam-se os seguintes tipos: sorites, silogismos sem forma ou informes,
entimema, epiquerema, polissilogismo e o silogismo expositório.
Um sorite
86
é uma cadeia de silogismos categóricos
87
no qual a
conclusão de cada um é a premissa do seguinte, salvo o caso do último,
que é a conclusão final. Em outros termos, é aquele tipo de silogismo
cujo predicado de uma premissa anterior se torna o sujeito da seguinte,
conforme podemos observar nos esquemas a seguir:
Figura 45 – Esquema de construção de Sorite
Sujeito 1 Predicado 1
Sujeito 2 Predicado 2
Sujeito 3 Predicado 3
Sujeito 4 Predicado 4
Fonte: Elaborado pelo autor
86
O termo sorite, que vem do grego, significa acumulação.
87
Não há limites para o número de premissas que compõe um sorite.
Lógica Formal: da lógica aristotélica ao cálculo sentencial bivalente
| 173
Seguindo este esquema (Figura 45), teríamos, por exemplo:
A é B
B é C
C é D
D é E
Essa cadeia de silogismos pode apresentar, segundo a lógica clássica,
só duas formas, segundo a configuração do silogismo: forma aristotélica e
forma goclênica.
No sorite aristotélico, a conclusão é formada pela união do termo
sujeito (TS) da primeira premissa com o termo predicado (TP) da última
premissa. De acordo com Telles Júnior (1962), o sorite aristotélico sempre
é apresentado na figura Pre-Sub. Esquemáticamente teríamos:
A é B
B é C
C é D
A é D
Exemplo 1:
Paulo exerce função política.
Todo (aquele) que exerce função política responde pelos seus
atos.
Todo (aquele) que responde pelos seus atos está em pleno gozo
de suas faculdades mentais.
Logo, Paulo está em pleno gozo de suas faculdades mentais.
174 |
Simbolizando teríamos:
P é F
F é R
R é M
P é M
Exemplo 2:
Paulo é homem.
Todo homem é cidadão.
Todo cidadão tem direito à defesa quando se sente lesado em
seus direitos.
Todo ser que tem direito à defesa quando se sente lesado
em seus direitos tem livre arbítrio para optar por uma ação
judicial ou não.
Logo, Paulo tem livre arbítrio para optar por ação judicial
ou não.
A forma goclênica foi discutida por Rudolf Goclênius (1547-
1628)
88
na obra Isagoge in Organum Aristotelis (1598). Nessa formulação, a
conclusão é sempre formada pela união do termo sujeito da última premissa
com o termo predicado da primeira. Esse tipo de sorite, diversamente da
forma aristotélica, sempre se apresenta na figura Sub-Pre. Esquematizando
teríamos:
A é B
C é A
D é C
D é B
88
Goclênius (Rudolph Göckel der Älter) cujo nome foi latinizado como Rudolf Goclenius foi um filósofo
escolástico alemão, lógica, metafísica e ética na Universidade de Marburg.
Lógica Formal: da lógica aristotélica ao cálculo sentencial bivalente
| 175
Exemplo:
Todo cidadão que não perdeu, ou não têm suspensos os seus
direitos políticos, tem direito ao voto.
Todo cidadão responsável pelos seus atos é um cidadão que não
perdeu ou não têm suspensos os seus direitos políticos.
Todo policial militar é cidadão responsável pelos seus atos.
Logo, todo policial militar tem direito ao voto.
Maritain (1986, p. 279) apresenta o seguinte exemplo de sorite
goglênico:
Todo ser dotado de instintos tem movimentos irrefletidos;
Todo animal é dotado de instintos;
Todo homem é animal;
Pedro é homem;
Logo, Pedro tem movimentos irrefletidos.
Nos exemplos, o sujeito da 1
a
premissa passa é tomado como
predicado da segunda premissa. Na 3
a
premissa, o sujeito da 2
a
passa a ser
predicado e, na 4
a
temos o sujeito da 3
a
como predicado.
D é I
A é D
H é A
P é H
P é I
Para determinarmos a validade formal de um sorite, seja ele
aristotélico ou goclênico, se deve analisar:
176 |
1) Se os termos utilizados, como elo entre as premissas (suposto termo
médio), apresentam o mesmo sentido/significado e, se são pelo menos uma
vez universais.
2) Se as premissas não são todas particulares.
3) Se os termos sujeito e predicado na conclusão não se apresentam em
quantidade maior do que se apresentam nas premissas.
4) Se a conclusão segue as premissas mais fracas.
5) Se o sorite não é formado somente por premissas negativas.
6) Se segue uma das formas válidas (aristotélica ou goclênica).
Caso o sorite atenda a todas as exigências acima elencadas, estará
de acordo com as regras formais do silogismo categórico e, portanto, será
válido. Na sequência podemos observar o exemplo de um sorite inválido:
Todo X é Y
Todo Y é R
Todo R é S
Todo R é X
Nesse exemplo, o sorite não se apresenta sob a forma aristotélica ou
goclênica. Diagramando suas premissas temos (Figura 46):
Figura 46 – Diagramação de sorite atípico
Fonte: Elaborado pelo autor
Lógica Formal: da lógica aristotélica ao cálculo sentencial bivalente
| 177
A partir do diagrama se pode vizualizar que não há correspondência
com a conclusão de que Todo R é X, Na representação procede que ‘nem
todo R seja X. Dessa forma, o silogismo apresentado é inválido. A forma
correta ou válida para tal sorite seria:
Todo X é Y
Todo Y é R
Todo R é S
Todo X é S
89
Outra forma de silogismo atípico ou irregular é o epiquerema.
Segundo Maritain (1986), epiquerema é o silogismo no qual uma
premissa ou ambas são acompanhadas de prova(s). A prova, geralmente,
objetiva determinar a causa do fenômeno retratado pelas premissas
90
, daí a
denominação de proposição causal.
Exemplo:
Nenhum condenado pode votar, pois têm suspensos os direitos
políticos equanto durar os efeitos da condenação.
Ora, X é condenado, porque foi julgado culpado pelo crime de
latrocínio.
Logo, X não pode votar.
Para determinar a validade de um epiquerema basta aplicar as regras
formais do silogismo categórico à(s) parte(s) não explicativa(s). Isso se torna
mais simples aplicando a simbolização ao silogismo proposto, conforme o
exemplo abaixo:
Nenhum C é V
X é C
X não é V
89
Temos um exemplo de sorite na forma aristotélica.
90
Gortari (1988) considera o epiquerema como silogismo dialético ou retórico, considerando-o, inclusive
como um dos argumentos que se opõe ao silogismo filosófico. Tal posição foi defendia por Aristóteles.
178 |
Diagramando o epiquerema exemplificado acima temos (Figura 47):
Figura 47 – Diagramação de epiquerema
Fonte: Elaborado pelo autor
No diagrama é possível constatar que a conclusão (X não é V) procede
das premissas antecedentes. Portanto, temos um silogismo (epiquerema)
válido.
O entimema, também denominado silogismo truncado ou ainda,
silogismo incompleto, é um modelo de silogismo que oculta uma das
premissas, deixando-a subentendida. É considerado uma forma de
raciocínio sretórico (GORTARI, 1988). Esse tipo de argumento é comum
na linguagem natural, inclusive na linguagem científica, pois, quem o
elabora acredita que a premissa suprimida é óbvia e, assim, não necessita
ser apresentada.
Um silogismo entimemático ou incompleto pode ser classificado em
três ordens distintas, conforme a premissa suprimida (oculta).
O entimema de primeira ordem ocorre quando a premissa maior
(T) do silogismo não é enunciada.
Exemplo:
Alguns membros de sociedades anônimas são grandes
investidores do mercado de capitais e, portanto, podemos
afirmar que, alguns grandes investidores do mercado de
capitais são capitalistas.
Lógica Formal: da lógica aristotélica ao cálculo sentencial bivalente
| 179
Para identificar qual a premissa maior que foi suprimida nesse tipo
de raciocínio, adota-se o seguinte procedimento, conforme a sequência
apresentada:
1) Determinar qual o termo menor.
2) Determinar qual o termo maior.
3) Determinar qual o termo médio.
4) A partir da identificação feita anteriormente, determinar os
componentes da premissa maior.
5) Construir a premissa maior, inserindo os quantificadores, de
forma a não transgredir as oito regras do silogismo categórico de
forma típica e, posicionar o termo médio na sua posição correta, ou
seja, respeitando não apenas a função (qualidade) como também a
quantidade.
6) A partir dessa estrátegia é possível inferir que a premissa maior (T)
do silogismo exemplificado acima é ‘todos os membros de sociedades
anônimas são capitalistas’.
O entimema de segunda ordem ocorre quando a omissão se dá em
relação à premissa menor, conforme o exemplo a seguir:
Todo caso de embriagues completa e fortuita pode excluir a
culpabilidade. Portanto, a forte pressão emocional pode excluir
a culpabilidade.
Seguindo o mesmo procedimento utilizado para o entimema de
primeira ordem, é possível definir a premissa menor (t) do exemplo acima
como: ‘alguns casos de embriagues completa e fortuita podem ser causadas
por forte pressão emocional’.
No entimema de terceira ordem
91
, só é fornecida a conclusão. Ou
seja, tanto a premissa maior como a premissa menor estão ocultas. Dessa
forma, as justificativas da conclusão apresentada não são explicitadas. Os
91
São comuns na linguagem da propaganda e, muitas vezes é utilizado em textos jornalísticos.
180 |
motivos” que levam à conclusão dada ficam em aberto. Isso dificulta ou
mesmo impede a determinação do termo médio (M) em silogismos mais
complexos, uma vez que os procedimentos adotados para os entimemas de
primeira e de segunda ordem são insuficientes.
Exemplo:
Alguns internos da Fundação Casa não apresentam condições
de avaliar todos os seus atos.
Para determinar quais são as premissas maior e menor, mediante a
conclusão apresentada, nos são dados os respectivos termos menor (t) e
maior (T). Como não é apresentado o termo médio (M), um entimema de
terceira ordem, pede capacidade de raciocínio analítico e conhecimento em
relação ao tema tratado. Ora, como isso raramente é possível, o entimema
de terceira ordem gera impasses quando da tentativa de determinar o termo
médio e, em decorrência, definir quais premissas foram suprimidas.
Porém, algumas estratégias podem auxiliar na tentativa descobrir
quais premissas formam o argumento ou, pelo menos, quais premissas
seriam possíveis:
1) Colocar a conclusão no seu lugar correto.
2) Determinar os termos (maior e menor).
3) Determinar os quantificadores e a figura, seguindo é
claro, as regras formais.
4) Preencher o espaço destinado ao termo médio.
Seguindo estes passos temos:
Nenhum termo médio apresentam condições de avaliar
todos os seus atos.
Alguns internos da Fundação Casa são termo médio.
Logo, alguns internos da Fundação Casa não apresentam
condições de avaliar todos os seus atos.
Lógica Formal: da lógica aristotélica ao cálculo sentencial bivalente
| 181
A partir dessa construção, podemos ‘tentar’ determinar o termo
médio. Por exemplo, poderíamos conceber que o termo médio como: “ser
humano imaturo fisiologicamente e psicologicamente”. Feito isso, por
exemplo, teríamos:
Nenhum ser humano imaturo fisiologicamente e
psicologicamente apresentam condições de avaliar todos os seus
atos.
Alguns internos da Fundação Casa são seres imaturos
fisiologicamente e psicologicamente.
Logo, alguns internos da Fundação Casa não apresentam
condições de avaliar todos os seus atos.
Ressaltamos que, a validade dos silogismos entimemáticos está
condicionada às regras formais do silogismo categórico de forma típica.
Porém, dificilmente é possivel determinar a validade de um entimema na
sua origem, considerando que o emissor não o apresenta de forma completa,
cabendo assim, ao receptor que determinar a(s) premissa(s) suprimida(s).
Assim, a validade de um entimema depende da construção realizada pela
receptor, ou seja, de de quem fornece a(s) premissa(s) omissas(s) e, não de
quem emite o enunciado. Em decorrências dessas dificuldades e limitações,
trabalhar entimemas de terceira ordem se torna um desafiador exercício de
raciocínio dedutivo.
Os polissilogismos, a exemplo dos sorites, se apresentam como
encadeamento de silogismos. Porém, nos polissilogismos, a conclusão de
um silogismo é a premissa de outro silogismo e, assim, consecutivamente,
conforme o número de silogismos que o compõe. Conforme Gortari (1988)
o polissilogismo é uma cadeia de dois ou mais silogismos configurados
de forma tal que, a conclusão de cada um deles se converte em uma das
premissas do seguinte. Também é denominado de silogismo composto.
182 |
Exemplo:
Todo homem que goza de perfeita saúde física e mental é
responsável pelos seus atos.
Ora, todo ser responsável pelos seus atos é racional.
Portanto, todo homem que goza de perfeita saúde física e
mental é racional.
Ora, todo ser racional é livre.
Portanto, todo homem que goza de perfeita saúde física e
mental é livre.
Ora, todo ser livre tem direito de ir e vir,
Logo, todo homem que goza de perfeita saúde física e mental
tem direito de ir e vir.
Para que um polissilogismo seja válido formalmente, é necessário
que cada um dos silogismos que o compõe o sejam, segundo as regras do
silogismo categórico de forma típica. Dessa maneira, para determinar a
validade de um polissilogismo, se adota os seguintes procedimentos:
1) Decompor o polissilogismo, destacando cada um dos silogismos que o
compõe.
2) Verificar a validade de cada um deles, segundo as oito regras que regem
os silogismos categóricos de forma típica.
Aplicando esses procedimentos ao exemplo citado acima, temos:
1
º
Silogismo:
Todo homem que goza de perfeita saúde física e mental é
responsável pelos seus atos.
Todo ser responsável pelos seus atos é racional.
Logo, todo homem que goza de perfeita saúde física e mental
é racional.
Lógica Formal: da lógica aristotélica ao cálculo sentencial bivalente
| 183
2
º
Silogismo:
Todo homem que goza de perfeita saúde física e mental é
racional.
Todo ser racional é livre.
Logo, todo homem que goza de perfeita saúde física e mental
é livre.
3
º
Silogismo:
Todo homem que goza de perfeita saúde física e mental é livre.
Todo ser livre tem direito de ir e vir.
Logo, todo homem que goza de perfeita saúde física e mental
tem direito de ir e vir.
Analisando cada um dos silogismos que compõe o polissilogismo,
conforme as oito regras que regem o silogismo categórico de forma típica,
se pode verificar que todos são validos, e que, portanto, o polissilogismo
também o é.
Observe, porém, o seguinte exemplo (Figura 48):
Figura 48 - Epiquerema
Elaborado pelo autor
184 |
Da análise dos silogismos que compõe o polissilogismo dado acima,
a partir das oito regras do silogismo categórico de forma típica, se pode
identificar, no primeiro silogismo um ilícito menor e, no terceiro, um
ilícito maior. Portanto, o polissilogismo acima apresentado não é válido.
Os silogismos informes ou sem forma, conforme Telles Júnior (1962),
são aqueles que se apresentam sem forma rigorosamente lógica, conforme
o modelo aristotélico clássico. Ou seja, um silogismo apresentado sem
técnica, o qual não se apresenta de acordo com as figuras e formas válidas de
um silogismo categórico de forma típica. Esse tipo de silogismo é comum
na linguagem cotidiana, conforme podemos observar no exemplo abaixo:
Exemplo:
Senhores jurados,
A acusação de que este homem é totalmente responsável pelo
crime de homicídio culposo não é procedente, pois segundo os
laudos formulados por especialistas na área da saúde mental,
entre eles renomados psiquiatras e psicólogos, o acusado
apresenta grave distúrbio mental, causado por um quadro de
psicose-maníaco-depressiva, bem como um grave quadro de
esquizofrenia; fato este que, prova que o acusado não está em
pleno gozo de suas faculdades mentais e, conseqüentemente da
sua razão.
E, senhores Jurados, o direito define que nenhum homem
pode ser responsável pelo crime de homicídio culposo quando
apresenta distúrbios mentais que o impedem do uso da razão.
Para determinarmos a validade ou não de silogismos informes, se
adota a seguinte metodologia:
1) Reduzir o silogismo à forma categórica, determinando premissas
antecedentes e a premissa conclusiva.
2) Se necessário, simbolizar o argumento por meio de variáveis (X,Y,Z....).
Lógica Formal: da lógica aristotélica ao cálculo sentencial bivalente
| 185
3) Testá-lo, conforme os critérios de validade do silogismo categórico, ou
seja, das oito regras.
Aplicando esses procedimentos ao exemplo citado temos:
Nenhum doente mental é responsável por crime de homicídio
culposo.
Ora, o acusado é doente mental.
Logo, o acusado não é responsável por crime de homicídio
culposo.
Ou ainda utilizando as variáveis:
Nenhum D é C
A é D
A não é C
Aplicando as regras formais do silogismo categórico, se pode concluir
que o silogismo apresentado é válido.
Outro exemplo ilustrativo de silogismo informe é apresentado por
Van Acker (1971, p. 98):
A defesa pretende que o réu não é responsável do crime por ele cometido.
Essa alegação é gratuita. Acabamos de provar por testemunhos
irrecusáveis que, no perpetrar o crime, o réu tinha uso perfeito da
razão, nem pode fugir ‘as graves responsabilidades deste ato.
Aplicando os procedimentos indicados, o silogismo apresentado
pode ser assim reduzido:
Quem perpetrou um crime, no uso da razão, é responsável pelo
ato.
Ora, o réu perpetrou um crime, no uso da razão.
Logo, o réu é responsável pelo ato.
186 |
Na exposição acerca dos silogismos categóricos de forma típica foi
possível notar que, para que haja uma ligação formal necessária entre as
premissas antecedentes, o termo médio (M) deve, além de apresentar-se
com o mesmo sentido e significação, ser pelo menos uma vez universal.
Entretanto, no silogismo expositório, o termo médio é um termo singular:
Exemplo:
Miguel Reale foi um dos grandes idealizadores do novo Código
Civil brasileiro. Ora, Miguel Reale foi um dos maiores juristas
do século XX. Portanto, um
92
dos maiores juristas do século
XX foi um dos grandes idealizadores do novo Código Civil
brasileiro
93
.
Será tal forma de argumentar um verdadeiro silogismo?
Apesar de sua aparência silogística, cabe ressaltar que alguns autores
não o consideram como verdadeiro silogismo. Por exemplo, Maritain
(1986, p. 259) assim se expressa em relação a esse tipo de silogismo:
“Importa notar que o silogismo expositório só tem a aparência exterior do
silogismo, e em realidade não é um silogismo: não é uma inferência, é uma
simples apresentação sensível ou exposição aos sentidos [...].
De acordo com Telles Júnior (1962), esse tipo de raciocínio serve
apenas para expor um pensamento com evidência. Apesar de também
não o considerarmos como verdadeiro silogismo, mas uma importante
forma de exposição
94
que está presente na linguagem natural, optamos,
de forma arbitrária, classificá-lo entre os silogismos categóricos de forma
atípica ou irregular. Esse tipo de argumento pode ser construído em todas
as figuras e modos do silogismo categórico de forma típica, e, portanto,
estão submetidos, âs mesmas regras que regem a construção do silogismo
categórico de forma típica.
92
um dos = algum dos
93
O termo médio, nesse silogismo, é um termo singular (Miguel Reale). Assim como no silogismo categórico.
94
O silogismo expositório, apesar de pouco explorado pelos lógicos, é de grande importância para a lógica
jurídica.
Lógica Formal: da lógica aristotélica ao cálculo sentencial bivalente
| 187
Em relação às dificuldades que nos impõe a singularidade do
termo médio (M) no silogismo expositório, a solução encontrada por
Copi (1989) foi a de considerar as proposições singulares afirmativas
como afirmativas universais e, as singulares negativas como negativas
universais. Por exemplo, a sentença: ‘Miguel Reale foi um dos grandes
idealizadores do novo Código Civil brasileiro, corresponderia a: Todas
as coisas que são Miguel Reale foram dos grandes idealizadores do novo
Código Civil brasileiro’.
Porém, para que tal conversão seja lícita, é necessário que o termo
médio (M) seja estritamente singular. Além disso, para que tal forma de
raciocinar seja útil, o temo médio (M) deverá ter conteúdo existencial.
Ou seja, deve existir ‘na realidade’. Caso contrário, tal forma em nada
acrescenta, ou seja, é uma forma estéril de raciocínio.
Além dos silogismos categóricos da forma típica e os de forma
atípica, a Lógica Clássica Aristotélica também se ocupou dos chamados
silogismos hipotéticos.
2.1.1.7.1. sIlogIsmos HIpotétICos
Podemos definir como hipotético aquele silogismo cuja premissa
maior é uma sentença composta de duas proposições unidas entre si por
partículas que podem denotar condição, disjunção ou conjunção e, cuja
premissa menor afirma ou nega uma das proposições da premissa maior.
Observe a estrutura seguinte (Quadro 56):
Quadro 56 – Estrutura de um silogismo hipotético
Se X é Y então Y é X
1
a
Premissa -
Premissa Maior
Partícula Proposição Partícula Proposição
Ora, X é Y
2
a
Premissa -
Premissa Menor
Logo, Y é X Conclusão
Fonte: Elaborado pelo autor
188 |
De acordo com Alejandro (1970), os silogismos hipotéticos são
classificados em três tipos, conforme a denotação dada pelas partículas
(disjunção, condição ou conjunção). São eles: silogismo disjuntivo,
silogismo condicional ou implicativo e silogismo conjuntivo.
2.1.1.7.2. sIlogIsmo dIsjuntIvo
Silogismo disjuntivo é aquele cuja premissa maior é uma sentença
formada por duas proposições unidas pela partícula disjuntiva ‘ou’ e, cuja
premissa menor afirma ou nega uma das proposições da premissa maior.
Exemplo:
Ou falamos a verdade ou mentimos.
Ora, falamos a verdade.
Portanto, não mentimos.
O silogismo disjuntivo caracteriza-se pela a exclusão de uma das
proposições que compõe a primeira premissa ou premissa maior. Em
decorrência, não pode haver uma terceira possibilidade, ou seja, um
meio termo no qual as duas possibilidades denotadas pelas proposições
sejam verdadeiras. Isso equivale a dizer que uma premissa disjuntiva deve
expressar dois juízos, de forma tal que um deles seja verdadeiro e o outro
falso. Assim, a disjunção deverá ser completa. Caso contrário, temos a
disjunção é imprópria e consequentemente, o silogismo, inútil.
Para que uma disjunção seja considerada própria, se deve partir do
princípio de que é impossível que os dois elementos da disjunção possam
ocorrer ao mesmo tempo e, no mesmo espaço. Em outros termos, a
disjunção deve ser exclusiva.
Conforme apresentado, o silogismo disjuntivo é aquele no qual
vários termos ou enunciados estão unidos pela partícula ‘ou’. Conforme
Alejandro (1970), nessa ‘união’, apenas um dos enunciados deve ser
Lógica Formal: da lógica aristotélica ao cálculo sentencial bivalente
| 189
verdadeiro. Por esse motivo, quando um dos enunciados de uma disjunção
é afirmado, o outro é automaticamente negado. É a partir dessa condição
que o silogismo disjuntivo se apresenta apenas em duas figuras válidas
denominadas: Ponendo-Tollens e Tollendo-Ponens.
Na figura Ponendo-Tollens, quando afirmada a primeira parte da
sentença ou enunciado da disjunção pela premissa menor, nega-se a
segunda parte da sentença ou enunciado da disjunção na conclusão.
A ou B
Ora, A
Não B
Essa figura, conforme a qualidade das proposições da premissa
maior (negativa ou afirmativa), pode se dar em quatro modos diferentes
(Quadro 57):
Quadro 57 – Modos da Figura Ponendo-Tollens
Primeiro Modo Segundo Modo Terceiro Modo Quarto Modo
A ou B
Ora, A
Não B
A ou não B
Ora, A
B
Não A ou B
Ora, não A
Não B
Não A ou não B
Ora, não A
B
Fonte: Elaborado pelo autor
Na figura Tollendo-Ponens, quando negada a primeira parte da
disjunção pela premissa menor, afirma-se a segunda parte da mesma na
conclusão:
A ou B
Ora, não A
B
190 |
Assim, como o Ponendo-Tollens, o Tollendo-Ponens se dá em quatro
modos diferentes, conforme o quadro abaixo (Quadro 58):
Quadro 58 – Modos da Figura Tollendo-Ponens
Primeiro Modo Segundo Modo Terceiro Modo Quarto Modo
A ou B
Ora, não A
B
A ou não B
Ora, não A
B
Não A ou B
Ora, A
B
Não A ou não B
Ora, A
Não B
Fonte: Elaborado pelo autor
Em todas as figuras e modos do silogismo disjuntivo, duas regras são
fundamentais:
1) Afirmada a primeira parte da disjunção, nega-se a segunda.
2) Negada a primeira parte da disjunção, afirma-se a segunda.
Dessas regras decorre que, em uma disjunção válida, nunca podemos
negar ou afirmar a segunda parte da disjunção pela premissa menor e
concluir pela afirmação ou negação da primeira parte da disjunção. Caso
isso ocorra, o silogismo disjuntivo será inválido, como se pode observar
nos exemplos seguintes:
Exemplo 1:
Seremos honestos ou estelionatários.
Ora, seremos estelionatários.
Logo, não seremos honestos.
H ou E
Ora, E
Não H
Lógica Formal: da lógica aristotélica ao cálculo sentencial bivalente
| 191
Exemplo 2:
Seremos honestos ou estelionatários.
Ora, não seremos estelionatários.
Logo, seremos honestos.
H ou E
Ora, não E
H
Apesar de o primeiro exemplo ‘parecer lógico’, o segundo já não
parece, pois podemos inferir que, o fato de não sermos estelionatários não
significa que sejamos honestos.
2.1.1.7.3. sIlogIsmo ConjuntIvo
O silogismo hipotético conjuntivo é aquele cuja premissa maior é
uma proposição hipotética conjuntiva. Ou seja, é aquele cuja premissa
maior é formada por duas sentenças ou proposições unidas pela partícula
conjuntiva “e”.
Exemplo:
Ninguém foi, durante a II Guerra, simultaneamente herói e
vilão.
Ora, Mascarenhas de Morais foi herói durante a II Guerra.
Logo, Mascarenhas de Morais não foi vilão durante a II
Guerra.
Na estrutura de um silogismo conjuntivo, verificando-se a primeira
parte da conjunção, exclui-se a segunda. Dessa maneira, a conjunção, só
pode ocorrer em uma única figura: Ponendo-Tollens. A figura Tollendo-
Ponens não é admissível, uma vez que os dois elementos da premissa maior
podem ser falsos ao mesmo tempo. No caso da figura válida (Ponendo-
Tollens), a premissa menor “põe” um dos membros na premissa maior;
a conclusão nega o outro membro, como podemos verificar no exemplo
anterior. Estruturalmente temos:
192 |
A e B
Ora, A
Não B
A ou B
Ora, B
Não A
Dessa constatação segue a regra que afirma:
Da verdade de um membro se deduz a falsidade do outro. Porém, não é
admissível que, da falsidade de um membro, se deduza a verdade do outro.
Ou seja, as estruturas abaixo, seguindo a regra exposta, seriam
absolutamente incorretas ou inválidas:
A e B
Ora, não A
B
A ou B
Ora, não B
A
Assim, como ocorre nos silogismos disjuntivos, também nos
conjuntivos, não pode ocorrer que as partes da conjunção se dêem ao
mesmo tempo; ou seja, simultaneamente. Caso isso aconteça, temos
uma conjunção imprópria, a qual não seria de interesse da lógica. Veja o
exemplo seguinte:
Exemplo:
Paul Marcinkus foi arcebispo na Cúria Romana no pontificado
de Paulo VI e presidente do Banco do Vaticano.
Ora, Paul Marcinkus foi presidente do Banco do Vaticano.
Logo, Paul Marcinkus foi arcebispo na Cúria Romana no
pontificado de Paulo VI.
Lógica Formal: da lógica aristotélica ao cálculo sentencial bivalente
| 193
A conjunção, no exemplo acima, é imprópria. O que temos, na
realidade, não é uma conjunção de duas sentenças, mas sim, uma sentença
simples (categórica). Não há silogismo, mas um raciocínio circular.
2.1.1.7.4. sIlogIsmo CondICIonAl
O silogismo hipotético condicional ou implicativo é aquele cuja
premissa maior é uma sentença composta por duas proposições. O primeiro
elemento da condição recebe o nome de condicionante e é colocado entre
os termos ‘Se’ e, o segundo elemento, o qual recebe a denominação de
condicionado, vem posicionado logo após da expressão ‘então’ (Figura 49).
Figura 49 – Estrutura do silogismo hipotético condicional
Se A então B
CONDICIONANTE CONDICIONADO
Fonte: Elaborado pelo autor
O silogismo condicional se apresenta sob duas figuras: Ponendo-
Ponens ou simplesmente Ponens e Tollendo-Tollens ou Tollens.
Na figura Ponens, quando afirmado o condicionante, afirma-se
necessariamente o condicionado:
Se A então B
Ora, A
B
Conforme Alejandro (1970), para melhor compreensão do processo
condicional, considerara-se não ser possível que, de um condicionante
verdadeiro, tenhamos um condicionado falso. Essa figura pode apresentar-
se em quatro modos distintos (Figura 50):
194 |
Figura 50 – Modos do silogismo hipotético condicional na figura Ponendo-
Ponens
Primeiro Modo Segundo Modo Terceiro Modo Quarto Modo
Se A então B
Ora, não A
B
Se A então não B
Ora, A
Não B
Se não A então B
Ora, não A
B
Se não A então não B
Ora, não A
Não B
Fonte: Elaborado pelo autor
Na figura Tollens, quando negado o condicionado, nega-se o
condicionante. Ou seja, se o condicionado é falso, é porque necessariamente
o condicionante o é.
Se A então B
Ora, não B
Não A
A figura tollendo-tollens pode apresentar-se nos seguintes modos
(Figura 51):
Figura 51 – Modos do silogismo hipotético condicional na figura Tollendo-
Tollens
Primeiro Modo Segundo Modo Terceiro Modo Quarto Modo
Se A então B
Ora, não B
Não A
Se A então não B
Ora, B
Não A
Se não A então B
Ora, não B
A
Se não A então não B
Ora, B
A
Fonte: Elaborado pelo autor
Outros modos possíveis não seriam válidos.
Lógica Formal: da lógica aristotélica ao cálculo sentencial bivalente
| 195
Exemplo:
Se um detento cometer homicídio dentro do presídio, então esse
detento deverá ser julgado.
Ora, esse detento será julgado.
Logo, esse detento cometeu homicídio.
Nesse exemplo, a premissa menor afirma o condicionado. Porém
o fato da verdade do condicionado, não significa necessariamente que
ele decorra daquele condicionante. Em outros termos, no caso acima,
o detento poderia ser julgado por outro crime que não o de homicídio.
Observe o exemplo a seguir:
Se tomar veneno então morre.
Ora, não toma veneno.
Logo, não morre.
Nesse caso, a premissa menor nega o condicionante. A conclusão se
dá, então, pela negação do condicionado. Todavia, o fato da não ocorrência
do condicionante não significa necessariamente a não ocorrência do
condicionado. Em outros termos, nesse caso, alguém poderia não ter
tomado veneno, mas ter morrido em decorrência de causas diversas.
Dessa maneira, consideramos como válidos, apenas os modos tollens
e ponens.
Encerramos aqui o capítulo sobre a lógica tradicional clássica.
Porém, conforme indicado, a lógica tradicional clássica não se restringe à
teoria dos silogismos. Nesse sentido cabe citar um trecho da obra As Ideias
Fundamentaes da Mathematica (1929), de Manuel Amoroso Costa (1885
– 1928), considerado um dos primeiros estudiosos da Lógica no Brasil:
Analisando a dedução matemática, geômetras e filósofos
reconheceram de há muito tempo que ela não cabe na lógica dedutiva
clássica, a silogística de Aristóteles, desenvolvida pela Escolástica e pouco
196 |
modificada desde então. A dedução matemática não se faz apenas por
silogismos, porém sobretudo de acordo com outros tipos de raciocínio que
os trabalhos recentes isolaram, e que merecem, não menos que o silogismo,
ser considerados como leis extrínsecas do pensamento. Daí a ampliação
moderna da lógica formal, servida por um algoritmo simbólico análogo ao
da matemática, e possuindo todos os caracteres de um rigoroso algebrismo
(COSTA, 1929).
Passemos agora ao estudo da chamada Lógica Simbólica Clássica,
no que se refere ao Cálculo Proposicional e ao Cálculo dos Predicados de
Primeira Ordem.
| 197
CApítulo III
L S C
Entendemos por lógica simbólica ou matemática o tratamento da
lógica formal por meio de uma linguagem formalizada ou cálculo, cujo
propósito é eliminar as ambigüidades e as deficiências lógicas existentes na
linguagem natural. O termo ‘lógica simbólica’ é utilizado como sinônimo
de lógica matemática ou simplesmente de cálculo lógico. Essa lógica com
traços da matemática começou seu desenvolvimento no século XVII, com
Leibniz (1646-1716). De acordo com D’Ottaviano e Feitosa (2003, p. 5):
Leibniz, em seu Dissertatio de arte combinatória, publicado em
1666, introduz o projeto da construção de um sistema exato e
universal de notação, uma linguagem simbólica universal baseada
em um alfabeto do pensamento, a língua characterica universalis,
que deveria ser como uma álgebra. Essa linguagem propiciaria um
conhecimento fundamental de todas as coisas. Leibniz acrescentou
a seu trabalho o projeto da construção de um calculus ratiocinator,
ou cálculo da razão.
198 |
O projeto de Leibniz, de um ‘calculus ratiocinatur’ não foi realizado.
Porém, é inegável sua contribuição para o desenvolvimento da lógica
moderna
1
(FIGUEIREDO, 2004).
Conforme Hegenberg (1995, p. 23), dá-se o nome de cálculo
a qualquer sistema logístico. Os dois mais conhecidos são o Cálculo
Proposicional e o Cálculo dos Predicados (ou cálculo funcional).
A lógica simbólica - matemática é expressa em símbolos e fórmulas.
Como ciência da demonstração, consiste no estudo das relações formais
existentes entre proposições (cálculo proposicional) independente de
qualquer interpretação que se possa estabelecer ou, de valores de verdade
que se possa atribuir.
Os fundamentos da lógica matemática clássica estão baseados no
cálculo proposicional
2
, o qual é considerado como uma extensão da lógica
de Boole (1815 – 1864). Como extensão do cálculo proposicional, temos
o cálculo dos predicados, o qual, de acordo com Costa (1997), é o cerne
da lógica tradicional.
No cálculo dos predicados se dá a introdução de variáveis e de
quantificadores, que serve à análise da natureza interna das proposições
e constitui um instrumento importante para atingir o rigor no raciocínio
matemático.
Na atualidade, a lógica matemática desenvolveu outros instrumentos
poderosos como: a completitividade, a decidibilidade, a recursividade entre
outros. Tais instrumentos estão vinculados diretamente aos problemas dos
fundamentos da matemática (GORTARI, 1988, p. 294-295).
Uma das principais características da lógica matemática (simbólica)
é a utilização, em larga escala, de uma linguagem formalizada, próxima
à linguagem matemática. Os símbolos, notações e abreviaturas mais
utilizadas são (Figura 52):
Apenas aspectos gerais do programa de Leibniz influenciaram os lógicos que o sucederam (D’OTTAVIANO;
FEITOSA, 2003).
O Cálculo Proposicional é um sistema com o qual são examinadas as proposições simples ou atômicas (p, q,
r, s, ....), combinadas com os conectivos.
Lógica Formal: da lógica aristotélica ao cálculo sentencial bivalente
| 199
Figura 52– Símbolos, notações e abreviaturas mais utilizadas na lógica
simbólica (matemática) clássica
Símbolos Tradução
p, q letras sentenciais
x, y variáveis individuais
¬
negação (não)
disjunção (ou) – não exclusiva
conjunção (e)
implicação material (se ... então)
bi-condição (se e somente se)
equivalência
quantificador existencial (pelo menos um)
quantificador universal (para todo)
=
igualdade
diferença
/-
conseqüência (logo, portanto)
wff fórmula bem-formada (well-formed formula)
see se e somente se
{ }
conjunto
pertinência ao conjunto
φ, ω,ψ
Denotam fórmulas
Fonte: Elaborado pelo autor
Os símbolos mais utilizados sofreram algumas modificações ao longo
da evolução da lógica, como também podem variar de uma escola para
outra. Assim, a utilização de determinada notação também pode variar em
diversos manuais de lógica. Por isso é importante conhecer as principais
200 |
notações para que não haja equívocos quanto à interpretação. Entre as
principais variações simbólicas temos (Quadro 59):
Quadro 59 Variações simbólicas
Usual
3
Peano –
Russel
Hilbert Variantes Lukasiewicz
Negação ¬ p ~P P — P, ¬ P Np
Conjunção p q P. Q P & Q PQ , P Q Kpq
Disjunção p q P Q P Q PQ Apq
Condicional p q P Q P Q Cpq
Bicondicional p q P Q P ~Q P←→ q Epq
Quantificação
Universal
(x)
(x)F(x) (x)F(x)
X
F(x),
ΛxF(x)
∏x Φx
Quantificação
Existencial
(x)
(x)F(x) (Ex) F(x)
xF(x)
,
Λx
F(x)
∑x Φx
Fonte: KNEALE; KNEALE, 1991, p. 527
Em relação à lógica matemática, alguns autores, ligados à filosofia, se
mostraram reticentes. Entre eles, Jacques Maritain (1892-1971), na década
de 1940, assim se expressava em relação à álgebra lógica:
Arte de substituir o trabalho racional pelo manuseio regrado de
sinais ideográficos (Logística), disciplina cujos fundamentos são em
si mesmos absolutamente estranhos à Lógica verdadeira ou arte do
trabalho racional, dependendo aliás, em quase todos os Logísticos,
de uma concepção geral (Lógica da Relação) que destrói a sã
filosofia do raciocínio (MARITAIN, 1986, p. 313).
Autores atuais, ligados à área do Direito, também não conseguem
ver na lógica simbólica um instrumento eficiente. Por exemplo, Dantès
Nascimento, na obra Lógica aplicada à advocacia – técnica de persuasão,
É a notação mais utilizada. Nesse texto seguiremos essa notação.
Lógica Formal: da lógica aristotélica ao cálculo sentencial bivalente
| 201
acredita que a Lógica Simbólica não é adequada ao estudo e análise do
Direito (NASCIMENTO, 1991).
Porém, o desenvolvimento e aplicações das lógicas de tradição
matemática tem demonstrado que tais autores se equivocaram. Atualmente,
por exemplo, são desenvolvidos estudos envolvendo a lógica aplicada ao
Direito. Além disso, a Lógica, na sua concepção atual, tem se mostrado
importante para a epistemologia, para a filosofia das ciências, para estudos
quem envolvem lingüística aplicada – análise do discurso e teoria da
argumentação, computação, neurociências, etc. Em relação à evolução
da lógica matemática e sua aplicação atual, Newton Costa (1997, p. 80)
observa que:
A lógica (dedutiva) progrediu muito nos últimos cem anos. Ela
pode ser encarada como disciplina matemática pura ou como
disciplina aplicada. Sob a primeira perspectiva, ela faz parte da
matemática, versando sobre estruturas tais como linguagens formais
(abstratas), semigrupos livres, álgebras monádicas [...]. Do prisma
da aplicação, a lógica tem a ver especificamente, com a teoria da
inferência válida, converte-se em teoria abstrata da argumentação.
Feitas essas considerações iniciais, passemos ao estudo do Cálculo
Proposicional e do Cálculo dos Predicados.
3.1. CálCulo proposICIonAl
No livro IX da obra Ética a Nicômaco, Aristóteles define que o
homem é por natureza um animal político (ARISTÓTELES, 1991, I, 2,
1253 a 2 e III, 6, 1278 b, 20). Ou seja, estamos em constante relação
com outros seres humanos, dialogamos, elaboramos juízos, raciocinamos
e comunicamos nossas ideias. A comunicação dessas ideias se dá por meio
de uma linguagem, composta por símbolos e de significados, sem os quais
seria impossível a comunicação.
Quando tratamos da Lógica, quer seja ela antiga ou moderna, estamos
igualmente tratando de um tipo de linguagem, que de forma semelhante à
202 |
linguagem natural, pressupõe símbolos e significados, ou seja, assim como
a linguagem natural, pressupõe uma sintaxe e uma semântica.
Por sintaxe lógica entendemos o conjunto de símbolos, de variáveis
proposicionais ou variáveis atômicas que denotam uma proposição
declarativa atômica. Podemos definir uma sentença atômica como aquela
que contém apenas um verbo. Para representar uma proposição atômica
são utilizadas letras do alfabeto (a, b, c, d, e, f, ...) (Quadro 60).
Quadro 60 – Sintaxe lógica - exemplos
PROPOSIÇÃO VARIÁVEL
Todo número par é divisível por dois. a
2> 1 b
x-2 = y c
O projeto de lei foi aprovado. d
Fonte: Elaborado pelo autor
A linguagem natural, porém, não é formada só por proposições
simples. Na realidade, combinamos várias sentenças simples para nos
comunicar. Assim, também a lógica, se utiliza de combinações de sentenças
simples para formar raciocínios mais complexos.
A linguagem do cálculo proposicional, sendo uma linguagem lógica
(L) permite exprimir fatos simples e a conexão entre tais fatos. Na Linguagem
‘L’ do Cálculo Proposicional, também chamado de Cálculo Sentencial, essa
combinação de sentenças atômicas se dá por meio de conectores, os quais
podem ser de conjunção, disjunção, implicação, bicondição e negação, os
quais são expressos por meio de símbolos, conforme se pode observar no
quadro seguinte (Quadro 61):
Lógica Formal: da lógica aristotélica ao cálculo sentencial bivalente
| 203
Quadro 61 – Linguagem ‘L’ do cálculo proposicional: conectivos lógicos
Quadro de Conectivos para o Cálculo Proposicional
RELAÇÃO TRADUÇÃO
(Linguagem Natural)
CONECTIVOS
(Linguagem Lógica)
CONJUNÇÃO e
DISJUNÇÃO ou
IMPLICAÇÃO Se então
BICONDIÇÃO Se e somente se
NEGAÇÃO o
¬
Fonte: Elaborado pelo autor
A semântica do cálculo proposicional seria o significado da sintaxe.
Trata da relação entre os diversos símbolos. Dado que estamos trabalhando
com sistemas dedutivos clássicos e, portanto a partir de valores binários,
fundados no sistema booleano, a semântica do cálculo proposicional
reduz-se somente a dois valores: V (1) e F (0)
4
.
Esses elementos constituem, portanto, a linguagem formal do
cálculo proposicional, ou seja, a Linguagem L do Cálculo Proposicional, a
qual nos permite expressar e traduzir sentenças um pouco mais complexas
(Quadro 62).
Além das variáveis atômicas e dos conectivos, ainda fazem parte da linguagem do cálculo proposicional os
parênteses ( ) e colchetes [ ], os quais tem a finalidade de dar maior clareza às sentenças mais complexas,
como veremos mais adiante.
204 |
Quadro 62 – Esquema de tradução para a linguagem ‘L’ do cálculo
proposicional
Exemplo: Simbolização
Se houver uma queda de juros até o segundo semestre, então o país
crescerá mais que 0,70% ao ano.
p q
1
a
Sentença atômica houver uma queda de juros
até o segundo semestre
p
2
a
Sentença atômica
o país crescerá mais que
0,70% ao ano.
q
Tipo da Relação Implicação
Fonte: Elaborado pelo autor
Quando unimos duas sentenças atômicas mediante um conectivo,
temos uma sentença molecular. Por exemplo, a sentença se todos formos
justos, então estaremos contribuindo para o desenvolvimento de uma sociedade
melhor” (p q, onde: p = sermos justos e q = estar contribuindo para o
desenvolvimento de uma sociedade melhor) é uma sentença molecular. As
relações formais mais simples entre sentenças podem ser representadas,
conforme o quadro seguinte (Quadro 63):
Quadro 63 – Representação formal para o cálculo proposicional
SENTENÇA
REPRESENTAÇÃO
FORMAL
RELAÇÃO
Estudei e ganhei o prêmio. p q Conjuntiva
Estudo ou
5
ganho o
prêmio.
p q Disjuntiva
Se estudar então ganho o
prêmio.
p q Condicional
Somente se estudar ganho
o prêmio.
p q Bicondicional
Não estudei. ¬ p Negação
Não ganhei o prêmio ¬ q Negação
Fonte: Elaborado pelo autor
Disjunção não exclusiva.
Lógica Formal: da lógica aristotélica ao cálculo sentencial bivalente
| 205
Antes de iniciarmos um estudo específico das regras que regem os
conectivos lógicos no cálculo proposicional, é importante esclarecer que,
na linguagem L podem existir fórmulas sem sentido, como por exemplo,
a fórmula [¬ ((p) ].
Para distinguir essas seqüências sem sentido das fórmulas realmente
significativas, utiliza-se o conceito de wff (well-formed formula) ou
fórmula bem formada. Esse conceito é definido pelas regras de formação,
as quais constituem a gramática do cálculo proposicional. As regras de
formação empregam letras do alfabeto grego, as quais propositadamente
não fazem parte do sistema de simbolização do cálculo proposicional, e
tem por finalidade representar formas válidas. Entre essas regras podemos
destacar três:
1) Qualquer letra sentencial que denota uma sentença atômica é uma wff.
2) Se φ e Ψ são wff’s, então ¬φ e ¬Ψ também são wff’s.
3) Se φ e Ψ são wff’s, então (φ Ψ); (φ Ψ); (φ → Ψ) e (φ ↔ Ψ) são
wff’s.
Dessa maneira, qualquer coisa não estabelecida como wff por alguma
dessas regras, não é uma wff
6
.
Feitas essas observações, podemos agora retornar ao nosso estudo das
regras que regem os conectivos lógicos.
3.1.1. regrAs dos ConeCtIvos lógICos
Não basta a simbolização e o significado dos símbolos para que se
tenha uma linguagem natural ou uma linguagem formal. São necessárias
regras que regem a conexão entre as diversas sentenças
7
. Na Linguagem L
do Cálculo Proposicional cada relação é regida por regras específicas e claras.
Devemos levar em consideração que as wff’s complexas são construídas a partir das simples, por aplicações
repetidas das regras de formação. Para maior detalhes sobre as wff’s podemos consultar J. NOLT e D.
ROHATYN. Lógica. São Paulo: McGraw-Hill, 1991, p. 95-96.
Devemos lembrar que uma sentença pode ser um fato simples ou um fato composto, constituído de vários
fatos conectados por certos conectivos.
206 |
São as chamadas regras dos conectivos lógicos para as sentenças moleculares
conjuntivas, disjuntivas, condicionais, bicondicionais e de negação.
A regra para as sentenças conjuntivas (p q) afirma que, ‘uma
sentença molecular conjuntiva só será verdadeira, em sentido lógico-
formal, se as duas sentenças atômicas que a compõe forem verdadeiras ao
mesmo tempo’.
Por exemplo, a afirmação “o advogado ganhou a causa e recebeu seus
honorários“, só será verdadeira se as duas sentenças atômicas que a compõe
forem verdadeiras. Ou seja, se por acaso, o advogado ganhar a causa e não
receber os seus honorários, a sentença toda (o advogado ganhou a causa e
recebeu seus honorários) será falsa (Quadro 64). A partir dessa regra, podemos
construir a seguinte representação gráfica, onde p = o advogado ganhou a causa
e q = recebeu os seus honorários, V = é verdadeiro e F = é falso:
Quadro 64 – Representação: regra para sentenças conjuntivas
1
a
Sentença 2
a
Sentença
O advogado ganhou a
causa.
O advogado recebeu os
honorários.
O advogado ganhou a causa
e recebeu os honorários.
p q p q
V V V
V F F
F V F
F F F
Fonte: Elaborado pelo autor
Para as sentenças disjuntivas (p q) se aplica a regra segundo a qual,
para que, uma sentença molecular disjuntiva seja verdadeira, basta que
apenas uma das sentenças atômicas que a compõe seja verdadeira’.
Por exemplo, na sentença “o advogado defende a causa ou
estuda para o concurso da magistratura”, podemos dizer que, para que
Lógica Formal: da lógica aristotélica ao cálculo sentencial bivalente
| 207
a mesma seja verdadeira, basta que um dos elementos que a compõe
o seja, desde que a disjunção não seja exclusiva (SOARES, 2003a),
conforme podemos observar na representação gráfica abaixo, onde: p =
o advogado defende a causa e q = o advogado estuda para o concurso
da magistratura (Quadro 65):
Quadro 65 – Representação: regra para sentenças disjuntivas não exclusivas
p q p q
V V V
V F V
F V V
F F F
Fonte: Elaborado pelo autor
Nesse caso, a disjunção é entendida em seu sentido não exclusivo,
correspondente ao termo em latim ‘vel’. No exemplo citado, é perfeitamente
possível que o advogado defenda a causa e estude para o concurso.
Porém, a disjunção poderá, em certos contextos, adquirir o caráter
de exclusão, correspondente ao termo em latim ‘aut. Nesse caso pode
ocorrer que ‘p’, possa suceder ’q’, mas não podem manifestar-se ambos
(HEGENBERG, 1975). Quando isso ocorrer, é viável fazer uso da fórmula
p w q’ (p ou q, mas não ambos), conforme o quadro abaixo (Quadro 66):
Quadro 66 – Representação: regra para sentenças disjuntivas exclusivas
p q p w q
V V F
V F V
F V V
F F F
Fonte: Elaborado pelo autor
208 |
Exemplo:
O indivíduo assume sua cadeira no senado ou continua
ocupando o cargo de procurador da república.
Onde: s = o indivíduo assume sua cadeira no senado e,
r = continua ocupando o cargo de procurador da república.
Quadro 67 – Exemplo - regra para sentenças disjuntivas exclusivas
s r p w q
V V F
V F V
F V V
F F F
Fonte: Elaborado pelo autor
Note que, pelo menos no que se refere à legislação brasileira, seria
impossível o indivíduo ocupar os dois postos simultaneamente. Em
decorrência disso, temos uma disjuntiva exclusiva. Ou seja, admitindo
uma, exclui-se a outra.
As sentenças moleculares condicionais ou implicativas (p q) são
regidas pela regra segundo a qual ‘uma implicação ou condição só será falsa
quando o condicionante for verdadeiro e o condicionado for falso’.
Por exemplo, na sentença se o réu for condenado a mais de vinte anos
de reclusão, então ele terá direito a protesto por novo júri, temos (Quadros
68 e 69):
Lógica Formal: da lógica aristotélica ao cálculo sentencial bivalente
| 209
Quadro 68 – Sentenças moleculares condicionais: condicionante e
condicionado
CONDICIONANTE CONDICIONADO
Réu for condenado a mais de vinte anos
de reclusão.
Ele tem direito a protesto por novo júri
Fonte: Elaborado pelo autor
Por definição, condicionante é a condição pela qual se produz ou
se modifica algo. Condicionado é aquilo, cuja possibilidade, depende de
outro fator, ou seja, de uma condição.
Observe que, no exemplo apresentado, o ‘recurso está condicionado
ao fato do réu ser condenado a mais de trinta anos de reclusão. Uma
condição é dita ‘suficiente’ quando sua presença produz um determinado
evento. Uma condição ‘necessária’ é a que resulta, como o próprio termo
indica, necessária com relação a uma solução determinada, se ela é um
antecedente lógico indispensável, ou seja, se não puder ser substituída por
alguma outra hipótese.
A partir do exemplo dado, podemos, conforme a regra, construir
uma tabela onde: p = o réu ser condenado a mais de trinta anos de reclusão e,
q = o recurso é automático.
Quadro 69 – Representação: regra para sentenças condicionais
p q p q
V V V
V F F
F V V
F F V
Fonte: Elaborado pelo autor
210 |
Observe que, se a proposição molecular p q é válida, então
podemos afirmar que a proposição atômica p é suficiente para que a
proposição atômica q seja válida e, que q é condição necessária para p.
As sentenças moleculares bicondicionais (p « q) são regidas pela
regra que afirma: ‘uma sentença molecular bicondicional só será verdadeira
quando as duas sentenças atômicas que a compõe forem verdadeiras ou
falsas ao mesmo tempo’ (Quadro 70).
Por exemplo, a sentença: somente se o promotor apresentar denúncia
é que então poderemos respirar aliviados, só será verdadeira se, as duas
sentenças atômicas que a compõe, forem verdadeiras, ou seja, ‘se o promotor
entrar com a açãoese respirarmos aliviados’ ou, em outra hipótese, se forem
falsas: ‘se o promotor não entrar com a açãoe não respirarmos aliviados’,
conforme podemos observar no quadro abaixo, onde: p = o promotor
apresentar denúncia e, q = poderemos respirar aliviados.
Quadro 70 – Representação: regra para sentenças bicondicionais
p q p q
V V V
V F F
F V F
F F V
Fonte: Elaborado pelo autor
Ocorre, nesse caso, uma relação de condição necessária e suficiente.
Ou seja, uma condição que, quando é posta, gera sempre uma determinada
conseqüência e, quando não se apresenta, exclui tal conseqüência. No
exemplo dado, se a proposição molecular p q é válida, então podemos
afirmar que a proposição atômica q seja uma condição necessária e
suficiente para que a proposição molecular p seja válida e vice-versa. Em
outros termos, condição necessária e suficiente é aquela cujo comprimento
é indispensável para que se produza ou modifique alguma coisa. Sem
Lógica Formal: da lógica aristotélica ao cálculo sentencial bivalente
| 211
ela, não ocorre o evento. Em lógica só é válida para as bicondicionais.
Uma proposição molecular bicondicional do tipo p q recebe essa
denominação porque é equivalente à sentença (p q) (p q).
Além dos conectivos, a negação (¬) também faz parte da linguagem
do cálculo proposicional clássico. Negar significa dar o valor ou significado
contrário ao significado original, conforme podemos visualizar no quadro
seguinte (Quadro 71):
Quadro 71 – Atribuição de valores para sentenças negativas
p ¬ p
V F
F V
Fonte: Elaborado pelo autor
A síntese das regras dos conectivos lógicos é apresentada no quadro
seguinte (Quadro 72):
Quadro 72 – Regras para os conectivos lógicos
Quadro Geral de Regras Para os Conectivos
CONECTIVOS REGRAS
Basta que um elemento seja falso para que
o conjunto seja falso.
Basta que um elemento seja verdadeiro
para que o conjunto seja verdadeiro.
Só será falso quando o condicionante for
verdadeiro e o condicionado for falso.
Só será verdadeiro quando as duas
sentenças atômicas que compõe a
premissa forem verdadeiras ou falsas ao
mesmo tempo.
Fonte: Elaborado pelo autor
212 |
Não é raro encontrar sentenças complexas que apresentam dois ou
mais conectivos. Tal ocorrência pode gerar dúvidas em relação à maneira
de associá-los, interferindo diretamente na interpretação das sentenças. A
consequência dessa dificuldade, por sua vez, está relacionada ao problema
de tradução da linguagem natural para a linguagem L do CP
8
. Por exemplo,
para sentença p q r, na qual: p = estudo, q = trabalho e r = ganhar
dinheiro; teríamos duas interpretações possíveis:
a) (estudo ou trabalho) e ganho dinheiro – representada por: (p q) r
b) Estudo ou (trabalho e ganho dinheiro) – representada por: p (q r)
Nesse caso, qual seria a fórmula correta?
Para evitar tais inconvenientes e dúvidas, utilizamos símbolos
ou marcadores específicos. São eles: parênteses ‘( )’, colchetes ‘[ ]’ e
chaves ‘{ }’, utilizados para auxiliar na tradução exata e, também, para
determinar o conectivo principal de um enunciado.
Exemplo:
Se o Congresso Nacional continuar aprovando proposições contrárias
aos interesses dos governistas e se ainda continuar aprovando medidas
de interesse da oposição, então poderemos ter uma grave crise
institucional.
Simbolizando essa sentença molecular, sem a utilização da pontuação,
teríamos a seguinte tradução: p q s, onde: p = Congresso Nacional
continuar aprovando proposições contrárias aos interesses dos governistas; q =
Congresso Nacional continuar aprovando medidas de interesse da oposição e, s
= acontecer uma grave crise institucional.
Para identificar qual o conectivo principal basta, no caso do exemplo
acima, questionar: quando teremos uma grave crise institucional? A resposta
seria: quando o Congresso Nacional continuar aprovando proposições
contrárias aos interesses governistas e, se continuar aprovando medidas de
interesse da oposição.
A tradução da linguagem natural para a linguagem L do CP, para
essa sentença seria:
Linguagem Lógica do Cálculo dos Predicados
Lógica Formal: da lógica aristotélica ao cálculo sentencial bivalente
| 213
(p q) s
O importante, no caso de tradução de uma linguagem natural para
uma linguagem “L”, é manter o sentido da sentença molecular e, quando
for o caso, do argumento como um todo.
Passemos agora à classificação das sentenças ou proposições na
linguagem L do C P.
3.1.1.1. ClAssIFICAção dAs sentençAs
Podemos, a partir de regras específicas, classificar as proposições
ou sentenças
9
(wff’s) do cálculo proposicional em três tipos: tautológicas,
contraditórias e contingentes.
São consideradas sentenças tautológicas aquelas cujo valor se
apresenta sempre como ‘V’, independente da verdade dos termos que a
compõe. Dos três tipos, é o mais importante, pois se aplica a todos os casos
possíveis. Nesse sentido podemos afirmar que a validade de uma sentença
tautológica é universal (Figura 53).
Exemplo:
Figura 53 – Tautologia
Quando a última
coluna da tabela
é construída
somente por
valores ‘V’, temos
uma tautologia.
a (a c)
a c a c
a (a c)
V V V V
V F V V
F V V V
F F F V
Fonte: Elaborado pelo autor
Uma sentença é uma fórmula bem formada com valor booleano (0 ou 1) e, sem variáveis livres. Utiliza-se
‘V’ ou ‘F’ nesse sentido estrito, ou seja, como valores e, não como critério de ‘verdade’ ou ‘falsidade’ tal
como utilizados na linguagem natural.
214 |
São denominadas contraditórias ou inconsistentes as proposições
que sempre apresentam valor ‘F’. Nesse caso, a última coluna da tabela é
sempre constituída por F’s (Figura 54).
Exemplo:
Figura 54 – Contraditórias
p
¬ p
p ¬ p p
¬ p
V F F
F V F
Fonte: Elaborado pelo autor
São classificadas como contingentes as sentenças compostas, nas
quais, a última coluna da matriz apresente valores ‘V’ e ‘F’, conforme
podemos observar no exemplo abaixo (Figura 55):
Exemplo:
Figura 55 – Contingentes
p ¬ p
p ¬ p p ¬ p
V F F
F V V
Fonte: Elaborado pelo autor
A partir dessa classificação podemos avaliar expressões mais
complexas, conforme o exemplo a seguir (Quadro 73):
Lógica Formal: da lógica aristotélica ao cálculo sentencial bivalente
| 215
Exemplo:
Quadro 73 – Representação de sentenças complexas na linguagem ‘L’ do
Cálculo dos Predicados
[(p q) r)] [p (q r)]
p q r p
q q r (p
q) r p (q r) [(p
q) r)] [p (q r)]
V V V V V V V V
V V F V F F F V
V F V F V V V V
V F F F V V V V
F V V F V V V V
F V F F F V V V
F F V F V V V V
F F F F V V V V
Fonte: Elaborado pelo autor
Tal expressão é, conforme a classificação dada, tautológica,
considerando que os valores da sentença são todos ‘V’, como se pode
observar na última coluna da tabela acima.
A partir dessas regras podemos determinar se uma sentença (wff)
é uma tautologia, se é contingente ou contraditória (inconsistente). Por
exemplo, dada a sentença:
Quadro 74 – Sentença inconsistente - exemplo
(¬p ¬ q) (p q)
p q ¬p ¬ q (¬p ¬ q) (p q) (¬p ¬ q) (p q)
V V F F F V F
V F F V V F F
F V V F V F F
F F V V V F F
Fonte: Elaborado pelo autor
216 |
Considerando que todos os valores para a sentença são formados por
F’, temos uma contradição ou uma sentença inconsistente (Quadro 74).
Por sua vez, a sentença (¬p q) (p s) é contingente, pois temos
a ocorrência de valores ‘V’ e ‘F’ distribuídos na última coluna do quadro,
conforme podemos verificar abaixo (Quadro 75):
Quadro 75 – Sentença contingente - exemplo
p q s ¬p (¬p q) (p s)
(¬p q) (p s)
V V V F V V V
V V F F V F V
V F V F V V V
V F F F V F V
F V V V V F V
F V F V V F V
F F V V F F F
F F F V F F F
Fonte: Elaborado pelo autor
Entretanto, a identificação dos tipos de sentenças (tautológicas,
contraditórias e contingentes) não é suficiente para determinar a validade
de argumentos. Para tanto há a necessidade de aplicação de métodos
específicos.
3.1.2. vAlIdAde dos Argumentos
Existem vários métodos que podem ser utilizados para determinar a
validade de um argumento na linguagem L do CP. Nessa obra abordaremos
dois: o método das matrizes lógicas e o método dedutivo (axiomático).
Lógica Formal: da lógica aristotélica ao cálculo sentencial bivalente
| 217
3.1.2.1. método dAs mAtrIzes lógICAs
O método mais utilizado para determinar a validade de argumentos
na linguagem L do cálculo dos predicados é o método das tabelas-verdade
ou das matrizes lógicas. Mediante essa técnica, é possível determinar, a
partir da aplicação das regras de inferência, se um argumento está bem
estruturado ou não, ou seja, se é válido ou não.
As matrizes fornecem um teste rigoroso e completo para determinar
a validade ou não de argumento da linguagem “L” do CP, bem como para
as tautologias. As tabelas se constituem em um teste específico que pode
ser executado por um computador. Segundo Nolt e Rhohatyn (1991), esse
teste dá uma resposta após um número finito de operações. Nesse sentido,
podemos afirmar que as tabelas constituem um algoritmo
10
.
Quando existe um algoritmo que determina se as formas de um
argumento expressas em um sistema formal são válidas ou não, esse sistema
diz-se decidível. Nesse sentido, as matrizes garantem a decidibilidade do
CP. Vejamos o seguinte argumento:
Se perdermos a ação, então teremos que indenizar. (1
a
. Premissa)
Ora, perdemos a ação. (2
a
. Premissa)
Logo, teremos que indenizar. (Conclusão)
Simbolizando o argumento:
p q (1
a
. Premissa)
p (2
a
Premissa)
˫
q (Conclusão)
Desse argumento podemos gerar a seguinte matriz (Quadro 76):
10
O termo algoritmo é utilizado “para fazer alusão a processos de cálculo com símbolos (não obrigatoriamente
numéricos), adotando regras bem determinadas – e que, a par disso, conduza à solução de qualquer
problema de certa classe fixa de problemas” (HEGENBERG, 1995).
218 |
Quadro 76 – Matriz lógica
Sentença
Atômica
Sentença
Atômica
1
a
Premissa 2
a
Premissa Conclusão
p q p q p q
V V V V V
V F F V F
F V V F V
F F V F F
Fonte: Elaborado pelo autor
Entretanto, como construir uma tabela ou matriz? Para a construirmos
devemos seguir alguns passos:
1. Simbolizar o argumento, utilizando-se dos conectivos
corretamente e, se necessário, da pontuação.
2. Verificar determinar quais e quantas sentenças atômicas compõe
o argumento. No exemplo anterior, verificamos que o argumento
é composto de apenas duas sentenças atômicas (p e q).
3. Verificar quantas premissas compõe o argumento. No exemplo
anterior, o argumento é composto por três premissas (duas
premissas antecedentes e, uma conclusiva).
4. Construir a tabela-verdade (matriz), considerando que o número
de linhas nos quais serão distribuídos os valores ‘V’ e ‘F’ ou, ‘1’
e ‘0’ será determinado mediante a aplicanção da fórmula ‘2
n’
, na
qual: ‘2’ representa os valores V e F e n’, o número de sentenças
atômicas
11
. Dessa forma, como dado no exemplo anterior, no
qual temos duas sentenças atômicas, o número de linhas será
igual a quatro (2
2
= 4).
11
Contam-se somente as linhas onde serão atribuídos os valores.
Lógica Formal: da lógica aristotélica ao cálculo sentencial bivalente
| 219
5. Dividir as colunas considerando: o número de sentenças atômicas
e o número de premissas. No exemplo anterior, como temos
duas sentenças atômicas e três premissas, a tabela apresentou
cinco colunas
12
.
6. Distribuir os valores das sentenças atômicas, considerando
que a distribuição deve considerar a combinação de todas as
possibilidades, como no exemplo anterior. Para realizar essa
distribuição de forma correta, sugere-se o seguinte procedimento:
7.
a) Contar o total de linhas nas quais serão distribuídos os valores
(por exemplo, suponha uma tabela com um total de 8 linhas nas
quais serão distribuídos os valores V e F).
b) Verificar o número de colunas onde serão distribuídos os
valores (por exemplo, considere uma tabela com de 3 colunas
nas quais serão distribuídos os valores V e F).
c) Dividir o número de linhas por dois (2), de forma que, na
primeira coluna, tenhamos, em sequência, metade de valores V’s
e, metade de F’s (por exemplo, em uma matriz onde os valores V
e F estão distribuídos em 8 linhas, na primeira coluna da tabela
estarão dispostos, na sequência, 4 V’s e 4 F’s).
d) Dividir novamente, o resultado da divisão anterior por dois
(2), de tal forma que, na segunda coluna, tenhamos ¼ de Vs, ¼
de F’s, ¼ de Vs e ¼ de F’s (supondo 4 Vs e 4 F’s, haverá, após a
divisão, na sequência, 2 Vs, 2 F’s, 2 Vs e 2 F’s).
e) Dividir, novamente, o resultado da divisão anterior por dois
(2), de forma tal que, na terceira coluna, se obtenha, na sequência,
1 V, 1 F, 1 V, 1 F, 1 V, 1 F, 1 V e, 1 F, de tal forma que, sempre,
na última coluna o resultado será uma alternância de 1 V e 1 F.
Feitas essas observações, observe o exemplo abaixo (Figura 56):
12
Nos casos em que temos que decompor sentenças atômicas, o número de colunas pode aumentar.
220 |
Figura 56 – Construção de uma matriz com três sentenças atômicas (p, q
e z)
Primeria
Coluna
Segunda
Coluna
Terceira
Coluna
p q z
V V V
V V F
V F V
V F F 8 Linhas
F V V
F V F
F F V
F F F
3 Colunas
Fonte: Elaborado pelo autor
8. Aplicar as regras dos conectivos.
9. Verificar a validade do argumento, aplicando a seguinte regra
ou princípio:
De premissas verdadeiras, a conclusão deverá ser verdadeira
para que o argumento seja considerado válido.
Quando nos referimos a premissas verdadeiras (V), estamos nos
referindo a todas as premissas do argumento e, somente às linhas nas quais
todas elas aparecem com valor ‘V’, conforme o exemplo abaixo (Figura 57).
Lógica Formal: da lógica aristotélica ao cálculo sentencial bivalente
| 221
Figura 57 – Análise das linhas da tabela
1ª. Premissa 2ª. Premissa 3ª. Premissa Conclusão
Estas linhas e va-
lores não interes-
sam. pois, a regra
não faz referência
a essas linhas, mas
apenas àquelas nas
quais temos todas
as premissas V.
V V F V
F V V F
V F V V
V V V F
Neste caso, portanto, só nos
interessa a linha 4 da matriz.
Fonte: Elaborado pelo autor
Da mesma forma procede a análise dos argumentos nos exemplos
abaixo:
Exemplo 1:
Se medidas sócio-educativas não forem aprovadas, então não teremos
diminuição no índice de criminalidade.
Ora, a medidas sócio-educativas foram aprovadas.
Logo, teremos diminuição no índice de criminalidade.
Simbolização:
¬ p
¬ q
p
˫
q
222 |
Matriz / Tabela:
Sentença
atômica
Sentença
atômica
Negação Negação
1
a
Premissa
2
a
Premissa
Conclusão
p q ¬p ¬q ¬ p ¬ q p q
V V F F V V V
V F V F F V F
F V F V V F V
F F V V V V F
Fonte: Elaborado pelo autor
A partir da matriz acima, verifica-se que o argumento é inválido,
pois na linha quatro, temos a primeira e a segunda premissa com valores ‘V’
e, conclusão ‘F’, o que infringe o princípio que afirma que: ‘de premissas
verdadeiras, a conclusão deverá ser verdadeira para que o argumento seja
válido’.
Exemplo 2:
Somente se o governo aprovar as medidas e prover os meios para o
seu cumprimento, é que então teremos uma melhoria nas condições de
vida dos trabalhadores.
Ora, o governo aprovou as medidas e não proveu os meios para seu
cumprimento.
Assim, não teremos uma melhoria nas condições de vida dos
trabalhadores.
Simbolização:
(p q) s
p ¬ q
˫
¬ s
Lógica Formal: da lógica aristotélica ao cálculo sentencial bivalente
| 223
Matriz / Tabela:
1
a
Premissa 2
a
Premissa Conclusão
p q s ¬ q (p q) (p q) s p ¬ q ¬ s
V V V F V V F F
V V F V V F F V
V F V F F F V F
V F F V F V V V
F V V F F F F F
F V F V F V F V
F F V F F F F F
F F F V F V F V
Fonte: Elaborado pelo autor
Da tabela acima se pode concluir que o argumento é válido, pois, as
premissas ‘V’, resultaram uma conclusão com valor ‘V’ e, ainda em função
de não ocorrer,, em nenhuma das linhas, um só caso em que, de premissas
com valores ‘V’, decorressem conclusão ‘F’.
Porém, se, hipoteticamente, um argumento gerasse a seguinte tabela
(Figura 58):
Figura 58 – Exemplo de invalidade a partir da matriz lógica (tabela-
verdade)
1
a
. Premissa 2
a
. Premissa Conclusão
V V V V V V
V V F V V V
V F V V V V
V F F V V V
F V V V V V
F V F V V V
F F V V V V
F F F V V F
Fonte: Elaborado pelo autor
224 |
O argumento não seria considerado válido, pois, independentemente
de quantas linhas satisfizeram a regra, uma só que não a satisfaça, tornará
o argumento inválido.
Retomando o método para construção da matriz, voltemos ao
exemplo anterior:
(p q) s
p ¬ q
˫
¬ s
Para construção da matriz não podemos ignorar que, sempre,
as chaves, colchetes e parênteses, bem como as negações devem ser
solucionados (as) de antemão. Seus valores deverão ser determinados antes
de se iniciar a solução das premissas, ou seja, antes de se atribuir valores
às premissas. Observe o mecanismo de resolução para as matrizes lógicas
(Figura 59):
Figura 59 – Mecanismo de resolução
Fonte: Elaborado pelo autor
Lógica Formal: da lógica aristotélica ao cálculo sentencial bivalente
| 225
Observamos ainda que, a colocação das sentenças atômicas na tabela
não segue uma ordem alfabética, mas sim a ordem tal como elas aparecem
nas sentenças.
Vejamos mais alguns exemplos:
Exemplo 3:
Se João for escolhido para candidato à presidência, então Saulo será
escolhido para candidato à vice-presidência. Se Pedro for escolhido
candidato à presidência, então Saulo será escolhido candidato à vice-
presidência. Ou João é escolhido para candidato à presidência, ou
Pedro é escolhido para candidato à presidência. Portanto, Saulo será
escolhido candidato à vice-presidência.
1
o
Passo: Simbolizar (não considerando a disjunção como exclusiva).
j s
p s
j n p
˫
s
2
o
Passo: Construir a matriz e determinar a validade:
Premissa 1 Premissa 2 Premissa 3 Conclusão
j s p j s p s j
n
p s
V V V V V V V
V V F V V V V
V F V F F V F
V F F F V V F
F V V V V V V
F V F V V F V
F F V V F V F
F F F V V F F
226 |
Raciocínio válido, pois, não ocorrem na matriz casos que, de
premissas com valor V, decorressem uma conclusão com valor F. Mesmo,
nesse caso, se considerássemos a disjunção como exclusiva teríamos um
argumento igualmente válido. Vejamos:
j s
p s
j w p
˫
s
Premissa 1 Premissa 2 Premissa 3 Conclusão
j s p j s p s j w p s
V V V V V F V
V V F V V F V
V F V F F V F
V F F F V V F
F V V V V V V
F V F V V V V
F F V V F F F
F F F V V F F
Exemplo 4:
Somente se vencermos a ação e receberemos honorários advocatícios
então poderemos comprar um novo computador. Se comprarmos um
novo computador então daremos aumento salarial para a secretária.
Ora, demos aumento salarial à secretária. Portanto, vencemos a ação e
compramos o computador.
Lógica Formal: da lógica aristotélica ao cálculo sentencial bivalente
| 227
sImbolIzAndo:
[(v h) c]
c s
s
˫
v c
Construção dA mAtrIz (tAbelAverdAde):
Sentenças
Atômicas
1
a
Premissa
2
a
Premissa
3
a
Premissa
Conclusão
v h c s v h [(v h) c] c s s
v c
V V V V V V V V V
V V V F V V F F V
V V F V V F V V F
V V F F V F V F F
V F V V F F V V V
V F V F F F F F V
V F F V F V V V F
V F F F F V V F F
F V V V F V V V F
F V V F F F F F F
F V F V F F V V F
F V F F F V V F F
F F V V F V V V F
F F V F F F F F F
F F F V F F V V F
F F F F F V V F F
Fonte: Elaborado pelo autor
228 |
Temos acima, portanto, um argumento inválido.
Alguns autores apresentam outra forma para a construção das
matrizes. A principal justificativa para essa forma é evitar erros ao comparar
os dados da tabela (Figura 60).
Exemplo:
Figura 60 – Alternativa para construção de matrizes (tabelas-verdade)
p → (q ¬ r)
p q r p
(q
n
r)
V V V V V V V F
V V F V V V V V
V F V V F F F F
V F F V V F V V
F V V F V V V F
F V F F V V V V
F F V F V F F F
F F F F V F V V
Valores lógicos para a
conjunção (q n ¬ r)
Valores lógicos para a sentença
toda. oberve que tal valor é
obtido a partir do conectivo
principal da sentença.
Fonte: Elaborado pelo autor
Embora o método das matrizes seja adequado para testar a
validade de qualquer argumento, na prática se torna inviável, em termos
de manipulação, quando ocorre um número excessivo de premissas e,
conseqüentemente de sentenças atômicas. Por exemplo, em um argumento
Lógica Formal: da lógica aristotélica ao cálculo sentencial bivalente
| 229
no qual ocorrem seis sentenças atômicas, teríamos uma tabela de (2
6
), ou
seja, com 64 linhas, o que é difícil de manipular.
Outro método, igualmente eficiente e mais adequado no caso de
argumentos que apresentam número elevado de sentenças atômicas, é o
método de dedução. Por meio dele podemos deduzir, mediante sequências
elementares de raciocínio e da aplicação de regras de equivalência, a
conclusão a partir das premissas dadas. Tal procedimento é denominado
método axiomático ou método de dedução formal
13
.
3.1.2.2. método de dedução FormAl
O método dedutivo (axiomático) é, juntamente com o método das
matrizes lógicas, um dos meios pelos quais podemos testar a validade de
um argumento
14
. Um axioma, conforme já exposto, pode ser definido
como qualquer fórmula considerada como ponto de partida para se obter
novas fórmulas e, também, para provar as conclusões. Nesse sentido, faz
parte de todo o sistema axiomático um conjunto de regras de inferência.
O Cálculo Proposicional nos fornece um sistema de regras de
inferência que são capazes de gerar todas as formas válidas de argumento,
expressáveis na linguagem do cálculo proposicional e somente as fórmulas
válidas, mediante uma série de etapas simples e precisas de raciocínio,
denominadas derivação ou prova, onde, cada etapa numa derivação, é uma
instância de regras.
13
A aplicação do método axiomático na determinação de validade de argumentos na linguagem L do cálculo
dos predicados é semelhante ao que estudamos anteriormente, quando aplicamos o método axiomático aos
silogismos categóricos (inferências imediatas).
14
O método axiomático apresenta uma grande vantagem operacional, dado que por meio do método das
matrizes, considerando que a construção da tabela de um argumento com grande quantidade de sentenças
atômicas, fica praticamente inviável. Por exemplo, se fôssemos testar um argumento que contém oito
sentenças atômicas, teríamos que construir uma tabela de 256 linhas, o que seria operacionalmente
complicado.
230 |
3.1.2.2.1. regrAs de InFerênCIA
Em lógica simbólica clássica, são em número de dez as regras de
inferências, das quais podemos derivar outras, bem como realizar o processo
de prova por meio da dedução. São elas: modus ponens, modus tollens,
dupla negação, conjunção, simplificação, adição, silogismo hipotético,
silogismo disjuntivo, dilema construtivo e dilema destrutivo.
De acordo com a regra de modus ponens (MP), de um condicional e
seu antecedente, podemos inferir o seu conseqüente:
a b (condicional, onde a = antecedente e b = conseqüente)
a (antecedente)
˫
b (conseqüente)
O MP é representado através da seguinte formulação:
pq, p q
Figura 61 – Modus Ponens: representação
Modus Ponens
(MP)
p q
p
˫
q
Fonte: Elaborado pelo autor
Em síntese, a regra de modus ponens indica que:
1) Se uma condicional (p q) apresenta valor ‘V’ e,
2) A hipótese ‘p’ do condicional apresenta valor ‘V’, então,
3) A conclusão do condicional apresentará, necessariamente, valor ‘V’.
Lógica Formal: da lógica aristotélica ao cálculo sentencial bivalente
| 231
Da formulação do MP podemos construir a seguinte tabela:
p q p q p q
V V V V V
V F F V F
F V V F V
F F V F F
Modus Ponens
Fonte: Elaborado pelo autor
A regra de modus tollens (MT) prevê que da negação do consequente,
podemos negar o antecedente. Ou seja, sempre que p q apresenta valor
‘V’, é possível inferir que ¬ p também tem valor ‘V’. Normalmente o MT
é representado mediante a seguinte formulação:
p q, ¬ q ˫ ¬ p
Figura 62 – Modus Tollens: representação
Modus Tollens
(MT)
p q
¬ p
˫
¬ q
Fonte: Elaborado pelo autor
Da formulação do MT podemos construir a seguinte tabela:
232 |
p q p q ¬ q ¬ p
V V V F F
V F F V F
F V V F V
F F V V V
Modus Tollens
Fonte: Elaborado pelo autor
Conforme a regra da dupla negação (DN), também conhecida como
regra de eliminação de negação (¬E), de uma wff da forma ¬¬ φ, se pode
inferir φ
15
, conforme regra elementar da matemática:
Valor Valor Resultado
- - +
- + -
+ + +
+ - -
De acordo com a regra da introdução de conjunção (
I), de quaisquer
wffs φ e ψ, podemos inferir a conjunção φ ψ. A introdução de conjunção
é assim representada: p, q ˫ p q.
Figura 63 – Introdução de conjunção
p q p q
V V V
V F F
F V F
F F F
Introdução de Conjunção (
I)
Fonte: Elaborado pelo autor
15
Usamos a letra grega ‘ö’ para indicar que essa regra é geral. Ou seja, aplica-se à todas as wffs, tanto atômicas
como compostas.
Lógica Formal: da lógica aristotélica ao cálculo sentencial bivalente
| 233
Determina a regra de simplificação (S) ou eliminação de conjunção
(
E) que, de uma conjunção podemos inferir qualquer um dos seus
conjuntos ou elementos
16
, conforme podemos verificar através das
fórmulas: a) p q, p /- q e, b) p q, q ˫ p.
Figura 64 – Simplificação (eliminação de conjunção)
p q p q p q
V V V V V
V F F V F
F V F F V
F F F F F
a) Eliminação de Conjunção (
E)
p q p q q p
V V V V V
V F F F V
F V F V F
F F F F F
b) Eliminação de Conjunção (
E)
Fonte: Elaborado pelo autor
A regra de adição afirma que, de quaisquer wffs φ e ψ, podemos
inferir a adição φ ψ. A adição é assim representada:
p, q ˫ p q.
16
Alguns autores chamam a Introdução de Conjunção de Conjunção e a Eliminação de Conjunção de
Simplificação.
234 |
Figura 65 – Adição
p q p q
V V V
V F V
F V V
F F F
Adição (A)
Fonte: Elaborado pelo autor
De acordo com a regra de conjunção (C), de wff’s φ, ψ, podemos
inferir a conjunção φ ψ, conforme a representação:
p, q ˫ p q.
Figura 66 – Conjunção
p q p q
V V V
V F F
F V F
F F F
Conjunção (C)
Fonte: Elaborado pelo autor
O silogismo hipotético (SH) é um raciocínio válido tomado como
regra de inferência. De acordo com essa regra, de um evento (p) implica
um segundo evento (q) e, se esse segundo evento (s) implica um terceiro
(s), então, o primeiro evento (p) também implica o terceiro (s). Portanto,
Lógica Formal: da lógica aristotélica ao cálculo sentencial bivalente
| 235
um silogismo hipotético é caracterizado por, a partir de hipóteses, chegar a
uma conclusão, a partir da relação entre elas. Sua fórmula é:
pq, q r ˫ p r.
Figura 67 – Silogismo Hipotético
Silogismo
Hipotélico
(SH)
p q
q s
˫
p s
Fonte: Elaborado pelo autor
Da formulação do SH podemos construir a seguinte tabela
(Quadro 77):
Quadro 77 – Tabela SH
p q s pq q r p s
V V V V V V
V V F V F F
V F V F V V
V F F F V F
F V V V V V
F V F V F V
F F V V V V
F F F V V V
Silogismo Hipotético (SH)
Fonte: Elaborado pelo autor
236 |
O Silogismo Disjuntivo (SD)
17
é uma regra do cálculo proposicional
também denominada regra de ‘eliminação’ ou ‘eliminação da disjunção
(
E ). De acordo com a regra SD, da ocorrência de uma conjunção (p
q) e, na hipótese de negação de ‘p’, se pode concluir por ‘q’. O silogismo
disjuntivo apresenta a seguinte formulação:
p q, ¬ p ˫ q.
Figura 68 – Silogismo Disjuntivo
Silogismo Disjuntivo
(SD)
p n q
¬ p
˫
q
Da formulação do SD podemos construir a seguinte tabela
(Quadro 78):
Quadro 78Tabela SD
p q
p q
¬ p q
V V V F V
V F V F F
F V V V V
F F F V F
Silogismo Disjuntivo (SD)
Fonte: Elaborado pelo autor
17
Na lógica tradicional clássica o silogismo disjuntivo é conhecido como modus tollendo ponens.
Lógica Formal: da lógica aristotélica ao cálculo sentencial bivalente
| 237
O Dilema Construtivo (DC) é a regra que afirma que, se duas
condicionais, como por exemplo, (p q) e (r s) apresentam valor ‘V’ e,
se, isoladamente, um dos antecedentes também apresenta valor ‘V’, então,
um pelo menos também apresentará valor ‘V’. Ou seja, se p implica q, r
implica s, e se, p ou r apresenta valor ‘V’, então q ou q apresenta valor ‘V’.
Formalmente temos:
(p q) (r s), p r ˫ q s
Figura 70 – Dilema Construtivo
Dilema Construtivo
(DC)
(p q) (r s)
¬ p n r
˫
q n s
Fonte: Elaborado pelo autor
Da formulação do DC podemos construir a seguinte tabela:
238 |
Quadro 79Tabela DC
p q r s p q r s (p q) (r s) p r q s
V V V V V V V V V
V V V F V F F V V
V V F V V V V V V
V V F F V V V V V
V F V V F V F V V
V F V F F F F V F
V F F V F V F V V
V F F F F F F V F
F V V V V V V V V
F V V F V F F V V
F V F V V V V F V
F V F F V V V F V
F F V V V V V V V
F F V F V F F V F
F F F V V V V F V
F F F F V V V F F
Dilema Construtivo (DC)
Fonte: Elaborado pelo autor
O Dilema Destrutivo (DD)
18
é uma regra de inferência que afirma
que, de duas condicionais, como por exemplo (p q) e (r s) que
apresentam valor ‘V’ e, se pelo menos um de seus consequentes apresentar
valor ‘F’, isso implica que, um dos antecedentes apresentará também valor
18
O DC é considerado uma versão disjuntiva do MP, enquanto, o DD é a versão disjuntiva do MT (HURLEY,
2008).
Lógica Formal: da lógica aristotélica ao cálculo sentencial bivalente
| 239
‘F’’. Ou seja, se p implica q e, r implica s e, se q ou s apresentar valor ‘F’,
então p ou r apresentarão valor ‘F’. O DD apresenta a seguinte formulação:
(p q) (r s), ¬ q ¬ s ˫ ¬ p ¬ r.
Figura 70 – Dilema Destrutivo
Dilema Destrutivo
(DD)
(p q) (r s)
¬ q n ¬ s
˫
¬ p n ¬ r
Fonte: Elaborado pelo autor
Da formulação do DD podemos construir a seguinte tabela
(Quadro 80):
240 |
Quadro 80Tabela SD
p q r s ¬p ¬q ¬r ¬s p q r s (p q) (r s) ¬ q ¬ s ¬ p ¬ r
V V V V F F F F V V V F F
V V V F F F F V V F F V F
V V F V F F V F V V V F V
V V F F F F V V V V V V V
V F V V F V F F F V F V F
V F V F F V F V F F F V F
V F F V F V V F F V F V V
V F F F F V V V F F F V V
F V V V V F F F V V V F V
F V V F V F F V V F F V V
F V F V V F V F V V V F V
F V F F V F V V V V V V V
F F V V V V F F V V V V V
F F V F V V F V V F F V V
F F F V V V V F V V V V V
F F F F V V V V V V V V V
Dilema Destrutivo (DD)
Fonte: Elaborado pelo autor
Essas regras de inferência são válidas em si mesmas, sendo, portanto,
tomadas como axiomas para o método de dedução ou método axiomático.
De forma sintética essas regras podem ser assim apresentadas (Quadro 81):
Lógica Formal: da lógica aristotélica ao cálculo sentencial bivalente
| 241
Quadro 81 – Regras do Método Axiomático
Modus Ponens (MP) p q, p ˫ q.
Modus Tollens (MT) p q, ¬ q ˫ ¬ p.
Dupla Negação (DN) ¬¬ p ˫ p
Introdução de Conjunção (I)
p, q ˫ p
q
Simplificação (S) ou Eliminação de Conjunção (E)
p
q, p ˫ q ou p
q, q ˫ p
Adição (A) p, q ˫ p
q
Conjunção (C) p, q ˫ p
q
Silogismo Hipotético (SH) p q, q r ˫ p r
Silogismo Disjuntivo (SD) p
q, ¬ p ˫ q
Dilema Construtivo (DC) (p q)
(r s), p
r ˫ q
s
Dilema Destrutivo (DD) (p q)
(r s), ¬ q
¬ s ˫ ¬ p
¬ r
Fonte: Elaborado pelo autor
Além das regras de inferência aqui apresentadas, no método
axiomático são utilizadas, no processo de dedução e no processo de prova,
as equivalências lógicas.
3.1.2.2.2. regrAs de equIvAlênCIA
De acordo com Hegenberg (1975), duas sentenças se dizem
equivalentes () se, intuitivamente falando, afirmam a mesma coisa.
Certas equivalências são de grande utilidade, simplificando a tarefa de
simbolizar apropriadamente sentenças da linguagem natural. Em outros
termos, duas proposições são equivalentes quando tem o mesmo valor de
verdade. As equivalências utilizadas no método dedutivo são: equivalência
De Morgan, comutação, associação, distribuição, dupla negação, transposição
– contraposição, implicação material, equivalência material, exportação,
equivalência e, tautologia. Vejamos abaixo as principais equivalências e suas
respectivas tabelas (Quadros 81a a 91):
242 |
De mOrgan:
Quadro 81a - Tabela De Morgan I
¬ (p q) (¬ p ¬ q)
19
p q ¬p ¬q (p q) ¬ (p q) (¬ p ¬ q)
V V F F V F F
V F F V F V V
F V V F F V V
F F V V F V V
De Morgan
Os valores, nas duas colunas são exatamente iguais. Ou
seja, as sentenças são equivalentes.
Fonte: Elaborado pelo autor
Quadro 81b - Tabela De Morgan II
¬ (p q) (¬ p ¬ q)
p q ¬p ¬q (p q) ¬ (p q)
(¬ p ¬ q)
V V F F V F F
V F F V V F F
F V V F V F F
F F V V F V V
F F V V F V V
De Morgan
Fonte: Elaborado pelo autor
19
Utilizaremos este símbolo como sinônimo de equivalência. Observe como as duas proposições apresentam
o mesmo valor verdade em todas as linhas.
Lógica Formal: da lógica aristotélica ao cálculo sentencial bivalente
| 243
cOmutaçãO:
(p q) ( q p)
Quadro 82a - Tabela Comutação I
p q (p q) ( q p)
V V V V
V F V V
F V V V
F F F F
Comutação
Fonte: Elaborado pelo autor
(p q) ( q p)
Quadro 82b - Tabela Comutação II
p q (p q) ( q p)
V V V V
V F F F
F V F F
F F F F
Comutação
Fonte: Elaborado pelo autor
244 |
assOciaçãO:
[ p (q r) ] [ (p q) r ]
Quadro 83a - Tabela Associação I
p q r (q r) (p q) p (q r) (p q) r
V V V V V V V
V V F V V V V
V F V V F V V
V F F F V V V
F V V V V V V
F V F V V V V
F F V V F V V
F F F F F F F
Associação
Fonte: Elaborado pelo autor
Lógica Formal: da lógica aristotélica ao cálculo sentencial bivalente
| 245
[ p (q r) ] [ (p q) r ]
Quadro 83b - Tabela Associação II
p q r (q r) (p q) p (q r) (p q) r
V V V V V V V
V V F F V F F
V F V F F F F
V F F F F F F
F V V V F F F
F V F F F F F
F F V F F F F
F F F F F F F
Associação
Fonte: Elaborado pelo autor
246 |
DistribuiçãO:
[ p (q r) ] [ (p q) (p r) ]
Quadro 84a - Tabela Distribuição I
p q r (q r) (p q) (p r) p (q r) (p q) (p r)
V V V V V V V V
V V F V V F V V
V F V V F V V V
V F F F F F F F
F V V V F F F F
F V F V F F F F
F F V V F F F F
F F F F F F F F
Distribuição
Fonte: Elaborado pelo autor
Lógica Formal: da lógica aristotélica ao cálculo sentencial bivalente
| 247
[ p (q r) ] [ (p q) (p r) ]
Quadro 84b - Tabela Distribuição II
p q r (q r) (p q) (p r)
p (q r)
(p q) (p r)
V V V V V V V V
V V F F V V V V
V F V F V V V V
V F F F V V V V
F V V V V V V V
F V F F V F F F
F F V F F V F F
F F F F F F F F
Distribuição
Fonte: Elaborado pelo autor
Dupla negaçãO:
Quadro 85 - Dupla Negação
p ¬¬ p
p ¬p ¬¬p
V F V
F V F
Dupla Negação
Fonte: Elaborado pelo autor
248 |
transpOsiçãO – cOntrapOsiçãO:
(p q) (¬q ¬p)
Quadro 86 - Tabela Contraposição
p q ¬p ¬q (p q) (¬q ¬p)
V V F F V V
V F F V F F
F V V F V V
F F V V V V
Transposição – Contraposição
Fonte: Elaborado pelo autor
implicaçãO material:
(p q) (¬p q)
Quadro 87 - Tabela Implicação Material
p q ¬p (p q) (¬p q)
V V F V V
V F F F F
F V V V V
F F V V V
Implicação Material
Fonte: Elaborado pelo autor
Lógica Formal: da lógica aristotélica ao cálculo sentencial bivalente
| 249
Equivalência Material:
(p q) [(p q) (q p)]
Quadro 88 - Tabela Equivalência Material
p q ¬p p q q p (p q) (p q) (q p)
V V F V V V V
V F F F V F F
F V V V F F F
F F V V V V V
Equivalência Material
Fonte: Elaborado pelo autor
250 |
expOrtaçãO:
[(p q) r ] [p (q r)]
Quadro 89 - Tabela Exportação
p q r
p q
q r (p q) r p (q r)
V V V V V V V
V V F V F F F
V F V F V V V
V F F F V V V
F V V F V V V
F V F F F V V
F F V F V V V
F F F F V V V
Exportação
Fonte: Elaborado pelo autor
Lógica Formal: da lógica aristotélica ao cálculo sentencial bivalente
| 251
equivalência:
(p q) [(p q) (¬p ¬q)]
Quadro 90 - Tabela Equivalência
p q ¬p ¬q p q ¬p ¬q (p q) (p q) (¬p ¬q)
V V F F V F V V
V F F V F F F F
F V V F F F F F
F F V V F V V V
Equivalência
Fonte: Elaborado pelo autor
tautOlOgia:
p (p p)
Quadro 91a - Tabela Tautologia I
p p p
V V
F F
Tautologia
Fonte: Elaborado pelo autor
252 |
p (p p)
Quadro 91b - Tabela Tautologia II
p p p
V V
F F
Tautologia
Fonte: Elaborado pelo autor
De forma sintética as equivalências podem ser assim apresentadas
(Quadro 92):
Lógica Formal: da lógica aristotélica ao cálculo sentencial bivalente
| 253
Quadro 92 – Quadro de equivalências
Quadro Geral de Equivalências Lógicas
Equivalências Fórmulas
De Morgan
¬ (p q) (¬ p ¬ q)
¬ (p q) (¬ p ¬ q)
Comutação
(p q) ( q p)
(p q) ( q p)
Associação
p (q r) (p q) r
p (q r) (p q) r++
Distribuição
p (q r) (p q) (p r)
p (q r) (p q) (p r)
Dupla Negação p ¬¬ p
Transposição/Contraposição (p q) (¬q ¬p)
Implicação Material (p q) (¬p q)
Equivalência Material (p q) (p q) (q p)
Exportação (p q) r p (q r)
Equivalência (p q) (p q) (¬p ¬q)
Tautologia
p (p p)
p (p p)
Fonte: Elaborado pelo autor
As equivalências, assim como as regras, se mostram essenciais para
a aplicação do método de dedução ou método axiomático no sentido
de determinar a validade de argumentos formulados na linguagem L do
cálculo dos predicados (L do CP), conforme trataremos a seguir.
254 |
3.1.2.2.3. método de dedução FormAl e determInAção de
vAlIdAde
Um axioma é qualquer fórmula que consideramos como ponto
de partida em nossas deduções, sobre as quais vamos aplicar as regras de
inferência para obter novas fórmulas. Assim, partindo de certas fórmulas
(dadas como axiomas), pretende-se provar uma dada conclusão. Nesse
sentido, as regras aplicadas serão as regras de inferência e as de equivalência.
Um argumento será logicamente válido, se levar à conclusão proposta
(SOARES, 2003a; HINTIKKA, 2011).
Exemplo:
Dado o argumento, prove sua conclusão:
Se aplicarmos 0,4mg de Diazepan em ratos da linhagem Wistar
normais, observaremos diminuição de atividades que indicam estados
de ansiedade.
Se aplicarmos drogas estimulantes em ratos Wistar com lesão
hipocampal, notaremos um baixo efeito estimulante.
Aplicamos 0,4 mg de Diazepan em ratos Wistar normais ou aplicamos
drogas estimulantes em ratos Wistar com lesão hipocampal.
Ora, não notamos um baixo efeito estimulante.
Portanto, observamos a diminuição de atividades que indicam estado
de ansiedade.
Simbolizando o argumento dado temos:
p q
r s
p r
¬ s
˫
q
Lógica Formal: da lógica aristotélica ao cálculo sentencial bivalente
| 255
Para aplicação do método de dedução para ‘provar’ a validade do
argumento, se deve seguir uma sequência de estratégicas, conforme
indicado abaixo:
1) Tomar as premissas
20
(prem.), com exceção da conclusão, como
hipóteses (hip.) e, as enumerar:
1. p q ................. hip. prem. 1
2. r s ................. hip. prem. 2
3.
p
r
................. hip. prem. 3
4. ¬s ................. hip. prem. 4
2) Considerando que o objetivo da aplicação do método é provar
a conclusão, aplicando as regras, temos, nesse exemplo, que chegar à
conclusão ‘q’. Inicia-se então a aplicação das regras:
Observe que as hipóteses (premissas) 2 e 4 podem ser tomadas como
premissas de um argumento Modus Tollens (MT)
21
, no qual, sabemos que a
conclusão seria a negação do antecedente condicional, ou seja:
r s
¬ s
Obtivemos r aplicando a
fórmula de MT.
˫
¬ r
Dessa forma, podemos então acrescentar a nova premissa (¬ r),
prosseguindo a numeração:
5. ¬ r ................. de 2, 4 por MT
22
.
20
Partimos do princípio que as premissas são V. A abreviação hip. prem. deve ser lida como hipótese premissa.
21
Estamos tomando MT como axioma.
22 Observe que devemos deixar explicitamente mencionadas as hipóteses utilizadas, bem como a regra.
256 |
Observe que a hip. 3 indica p
r, enquanto a linha 5, recém criada,
indica ¬ r. Ora, se considerarmos p
r, ¬ r, temos as premissas de um
Silogismo Disjuntivo, do qual deduzimos p, conforme segue abaixo.
p r
¬ r
Obtivemos p aplicando a
fórmula de SD.
˫
p
Acrescentemos essa nova premissa na seqüência, ou seja, na sexta
linha, a exemplo da dedução anterior:
6. p ................. de 3 e 5 por SD.
Analisando cuidadosamente, percebemos que, podemos usar a hip. 1
(p q) e a premissa 7 (p) e, construir um argumento do tipo Modus Ponens
(MP), cuja conclusão seria q:
p q
p
Obtivemos q aplicando a
fórmula de MT.
˫
q
Acrescentemos essa nova premissa na seqüência, ou seja, na sétima
linha, a exemplo da dedução anterior:
7. q ................. de 1 e 6 por MT.
Mas, qual era mesmo o propósito inicial?
Lógica Formal: da lógica aristotélica ao cálculo sentencial bivalente
| 257
Não seria o de demonstrar, ou seja, de provar a conclusão? Qual era
essa conclusão? Não era a proposição q?
Ora, atingimos a conclusão desejada, logo alcançamos nosso objetivo
e, portanto terminamos o ‘exercício’, tendo a certeza de que a conclusão
decorre logicamente das premissas.
No processo de dedução podemos e, às vezes somos obrigados, a
utilizar as equivalências. Quando usar?
Não existe ‘receita pronta’. Depende de cada problema e, cabe
àquele se propõe solucioná-lo, escolher a estratégia mais viável. Observe
abaixo alguns exemplos da aplicação das regras de equivalência e de regras
de inferência:
Exemplos:
a) Conjunção e Simplificação:
1. (f a) (c b) .................. hip.prem. 1
2. f a .................. de 1 por S.
Eliminou-se as
conjunções pela
aplicação da re-
gra de Simplifi-
cação.
3. a .................. de 2 por S.
4. c b .................. de 1 por S.
5. c .................. de 4 por S.
6. b .................. de 4 por S.
7. c a .................. de 5 e 3 por C.
As sentenças 5 e 3 pela regra de conjunção.
258 |
b) Silogismo Disjuntivo e Simplificação:
Deduza a conclusão da fórmula:
m t, p ¬ t ˫ m
1 m t ................. hip. prem. 1
2 p ¬ t ................. hip. prem. 2
3 p ................. de 2 por S.
4 ¬ t ................. de 2 por S.
5 m ................. de 4 e 1 por SD
É importante observar, por exemplo que, ao afirmarmos que
tomamos as premissas 4 e 1 por SD, estamos indicando que as tomamos
exatamente nessa ordem.
c) Modus Ponens, Modus Tollens e Silogismo Disjuntivo:
Deduza a conclusão:
p (q r); p s; (s t) (t u); v (¬ u ¬ r); v ˫ ¬ q
1 p (q r) .......... hip. prem 1.
2 p s .......... hip. prem 2.
3 (s t) (t u) .......... hip. prem 3.
4 v (¬ u ¬ r) .......... hip. prem 4.
5 v .......... hip. prem 5.
6 ¬ u ¬ r .......... 5, 4 MP.
7 ¬ u .......... 6 S.
8 ¬ r .......... 6 S.
Lógica Formal: da lógica aristotélica ao cálculo sentencial bivalente
| 259
9 s t .......... 3 S.
10 t u .......... 3 S.
11 ¬ t .......... 7, 10 MT.
12 ¬ s .......... 11, 9 MT.
13 p .......... 12, 2 SD.
14 q r .......... 13, 1 MP.
15 ¬ q .......... 14, 8 MT.
d) Silogismo Hipotético:
1 a b .......... hip. prem. 1.
2 c (b d) .......... hip. prem. 2.
3 e c .......... hip. prem. 3.
4 e .......... hip. prem. 4.
5 c .......... 4, 3 MP.
6 b d .......... 2, 5 MP.
7 a d .......... 1, 6 SH.
e) Dilema Construtivo:
1 (a b) (b c) .......... hip. prem 1.
2 d e .......... hip. prem 2.
3
d a
.......... hip. prem 3.
4 a b .......... 1 Simpl.
5 b c .......... 1 Simpl.
6 a c .......... 4, 5 SH
7
e c
.......... 2, 6 e 3 DC
260 |
Até agora trabalhamos mais especificamente com a técnica de
dedução formal aplicada a argumentos em linguagem ‘L’ do CP. Porém,
é importante salientar que O método de dedução formal é aplicável em
argumentos de linguagem natural. Para tanto se faz necessária a tradução
da linguagem natural para a linguagem L do cálculo dos predicados.
Vejamos a seguir os principais passos desse processo.
Exemplo:
1) Prove a conclusão do seguinte argumento:
Se analisarmos bem a questão, seremos favoráveis à absolvição dos
acusados. Ora, se considerarmos as condições formais inerentes à
questão, então seremos favoráveis à absolvição dos acusados, se formos
justos.
Se quisermos dar uma boa solução, devemos considerar as condições
formais inerentes à questão. Considero então que se formos favoráveis à
absolvição, seremos justos. Logo, se analisarmos bem a questão, seremos
justos.
Vejamos os principais passos para a prova:
1
o
. Passo: simbolizar as sentenças atômicas mediante a utilização de
variáveis, conforme o quadro seguinte (Quadro 93):
Quadro 93 – Simbolização de sentenças atômicas
Sentenças atômicas
Variáveis
atômicas
analisar bem a questão. a
ser favorável à absolvição dos acusados. b
considerar as condições formais inerentes à questão. c
ser justo. d
querer dar uma boa solução. e
Fonte: Elaborado pelo autor
Lógica Formal: da lógica aristotélica ao cálculo sentencial bivalente
| 261
2
o
. Passo: simbolizar o argumento
a b
c (b d)
O objetivo é demonstrar
ou provar a conclusão do
argumento!
e c
b d
˫
a d
Importante observar que se deve seguir a mesma estrutura do
argumento original. Para tanto se faz necessário identificar os conectivos
lógicos em cada uma das premissas do argumento.
3
o
. Passo: tomar as premissas do argumento como hipóteses, ordenando-
as por número, conforme aparecem no argumento original. Não se deve
incluir a conclusão.
262 |
Se quiséssemos reconstruir o argumento, considerando as premissas
que foram adicionadas com a aplicação das regras de inferência, teríamos:
Se analisarmos bem a questão, seremos favoráveis à absolvição dos
acusados.
Ora, se considerarmos as condições formais inerentes à questão, então
seremos favoráveis à absolvição dos acusados, se formos justos.
Se quisermos dar uma boa solução, devemos considerar as condições
formais inerentes à questão. Ora, queremos dar uma boa solução.
Também queremos considerar as condições formais inerentes
à questão. Considero então que se formos favoráveis à absolvição,
seremos justos. Logo, se analisarmos bem a questão, seremos justos.
Finalizamos assim o estudo dos principais fundamentos do cálculo
proposicional (CP), os quais servirão como base para a compreensão do
cálculo dos predicados (CPr). Porém, antes de iniciarmos o estudo do
cálculo dos predicados, é mportante destacar que, enquanto o CP é mais
geral, o CPr é uma extensão do CP, sendo assim, mais especializado. Nesse
sentido, o CPr permite lidar com um conjunto de entidades com a ajuda
de quantificadores, ao passo que o CP não lida com conjuntos de entidades
que apresentam quantificadores (todos, alguns, nenhum, alguns não são).
Além disso, o CPr possibilita a analise das relações entre sujeito e predicado,
o que não é feito no C P.
Passemos então para o estudo do CPr.
3.2. CálCulo dos predICAdos
Conforme já destacado, no Cálculo Proposicional, as sentenças são
analisadas como unidades individuais, ou seja, não são divididas. Não há
análise de igualdades ou diferenças. Já, o Cálculo dos Predicados de Primeira
Ordem, mesmo sendo uma extensão do cálculo proposicional ou sentencial
e como tal, seguindo os mesmos princípios, considera os elementos que
compõe cada sentença. Considere a seguinte sentença:
Lógica Formal: da lógica aristotélica ao cálculo sentencial bivalente
| 263
Todo F é M.
Todos F são G.
Alguns M são G.
Se fôssemos simbolizar este argumento na Linguagem L do Cálculo
Proposicional, considerando que o argumento acima é composto por três
sentenças atômicas, teríamos:
p
q
˫
r
Ora, não é possível determinar a validade de tal sentença mediante
as técnicas do cálculo proposicional. Há a necessidade da utilização de
técnicas um pouco mais apuradas; técnicas que levem em consideração
a estrutura interna das sentenças e, conseqüentemente, uma linguagem
mais rigorosa e mais completa, na qual, qualidades e relações sejam
explicitadas. Tais elementos serão fornecidos pela Linguagem L do Cálculo
dos Predicados (CPr).
Vejamos primeiramente as bases do cálculo de predicados para, mais
tarde, aprofundarmos um pouco mais a questão da tradução. Iniciemos
pela linguagem do cálculo dos predicados.
Faz parte da linguagem do cálculo dos predicados (Quadro 94):
Quadro 94 – Linguagem ‘L’ do Cálculo de Predicados
Constantes Individuais a, b, c ... Indicam as sentenças atômicas
Variáveis Individuais x, y, z... Indicam função
Quantificadores
e
Indicam quantidade (algum e todo
respectivamente)
Conectivos lógicos , ,, ¬ Conectam as sentenças atômicas
Fonte: Elaborado pelo autor
264 |
Observe no exemplo abaixo como esses elementos se distribuem em
um argumento de primeira ordem:
x (p(x) q(x))
x (q(x) s(x))
˫
x (p(x) s(x))
No argumento acima temos: p, q e s como constantes individuais; x
como variável individual e e como quantificadores.
A rigor, o cálculo dos predicados de primeira ordem, segue a mesma
estrutura de relação da silogística clássica, como podemos observar na
figura abaixo (Figura 71):
Figura 71 – Quadro de oposição para o cálculo dos predicados de primeira
ordem
x (a(x) b(x)) x (a(x) ¬ b(x))
x (a(x) b(x)) x (a(x) ¬ b(x))
Fonte: Elaborado pelo autor
Essas proposições foram classificadas como:
Lógica Formal: da lógica aristotélica ao cálculo sentencial bivalente
| 265
Quadro 94 – Equivalências da silogística clássica com a lógica de primeira
ordem
Proposição Característica Tipo
Tradução para Lógica
de Primeira Ordem
Todo a é b. Universal Afirmativa A
x (a(x) b(x))
Alguns a são b. Particular Afirmativa I
x (a(x) b(x))
Nenhum a é b. Universal Negativa E
x (a(x) ¬b(x))
Alguns a não são b. Particular Negativa O
x (a(x) ¬b(x))
Fonte: Elaborado pelo autor
Dessa forma temos a seguinte tradução para a linguagem natural,
conforme apresentado no Quadro 95:
Quadro 95Tradução da linguagem ‘L’ da lógica de primeira ordem para
a linguagem natural
Tipo Notação Tradução
23
A
x (a(x) b(x))
Dada qualquer coisa no universo, se x é ‘a’, então x
é ‘b’, ou seja, dado qualquer x no universo, se x é ‘a
x é ‘b’.
I
x (a(x) b(x))
Existe, pelo menos, um x, tal que x é ‘a’ e x é ‘b’ ou
existe, pelo menos, um x, tal que x é ‘a x é ‘b’.
E
x (a(x) ¬b(x))
Dada qualquer x no universo, se x é ‘a’, então x não
é ‘b’ ou, dado qualquer x no universo, se x é ‘a
x ¬ ‘b’.
O
x (a(x) ¬b(x))
Existe, pelo menos, um x tal que x é ‘a’ e x não é ‘b
ou Existe, pelo menos, um tal x tal que x é ‘a x ¬
b.
Fonte: Elaborado pelo autor
23
As formulações apresentadas não esgotam a possibilidade de tradução.
266 |
Tal como no cálculo proposicional, podemos determinar a validade
de um argumento no cálculo de predicados de primeira ordem a partir do
método das matrizes lógicas (tabelas – verdade), bem como do método de
dedução. Porém, algumas peculiaridades do cálculo dos predicados devem
ser esclarecidas. Vejamos como proceder na determinação da validade:
3.2.1. determInAção de vAlIdAde
Observemos o seguinte argumento:
Todos os cidadãos maiores de 18 anos são obrigados a votar.
Ora, alguns cidadãos maiores de 18 anos são estudantes de direito.
Logo, alguns estudantes de direito são obrigados a votar.
Para determinar a validade desse argumento de primeira ordem,
devemos seguir os seguintes passos:
1. Atribuir variáveis para os termos sujeito e predicado em cada uma
das premissas (Quadro 96):
Quadro 96 – Atribuição de variáveis
1
a
. Premissa
Todos os cidadãos maiores de 18 anos são
obrigados a votar.
Todos c são o.
2
a
. Premissa
Alguns cidadãos maiores de 18 anos são
estudantes de direito.
Alguns c são d.
Conclusão
Alguns estudantes de direito são obrigados a
votar
Alguns d são o.
Fonte: Elaborado pelo autor
2. Traduzir o argumento para a linguagem de primeira ordem
24
(Quadro 97):
24
Podemos traduzir diretamente as premissas para uma linguagem de primeira ordem, antes de atribuir
variáveis. Elas ficariam da seguinte maneira: 1
a
. Premissa: “Dada qualquer coisa no universo, se essa coisa
é cidadão maior de 18 anos, então essa coisa é obrigada a votar”; 2
a
. Premissa: “Existe pelo menos uma coisa
no universo que é cidadão maior de 18 anos e é estudante de direito” e, Conclusão: “Existe qualquer coisa no
universo que é estudante de direito e é obrigada a votar.”
Lógica Formal: da lógica aristotélica ao cálculo sentencial bivalente
| 267
Quadro 97Tradução da linguagem natural para linguagem ‘L’ de
primeira ordem
Premissas Originais Tradução Simbolização
Todos c são o.
Dada qualquer coisa no universo, se
essa coisa é c, então essa coisa é o.
x (c(x) o(x))
Alguns c são d.
Existe pelo menos uma coisa no
universo que é c e é d.
x (c(x) d(x))
Alguns d são o.
Existe pelo menos uma coisa no
universo que é d e é o.
x (d(x) o(x))
Fonte: Elaborado pelo autor
3. Simbolizar o argumento:
x (c(x) o(x))
x (c(x)
d(x))
˫
x (d(x)
o(x))
4. Retirar os quantificadores existenciais:
c o
c
d
˫
d
o
5. Construir a tabela e determinar a validade conforme as regras do
cálculo proposicional (CP) (Quadro 98):
268 |
Quadro 98 – Construção da matriz lógica (tabela-verdade)
Variáveis
Primeira
Premissa
Segunda
Premissa
Conclusão
c o d c o c d d o
V V V V V V
V V F V F F
V F V F V F
V F F F F F
F V V V F V
F V F V F F
F F V V F F
F F F V F F
Fonte: Elaborado pelo autor
Portanto, a partir da matriz acima, se pode afirmar que o argumento
é válido, pois, de premissas com valor ‘V’ (1
a
e 2
a
), a conclusão apresenta
valor ‘V’
25
.
Também, utilizando os mesmos critérios para o cálculo proposicional,
podemos afirmar que as premissas 1 e 2 são premissas contingentes.
Observe o seguinte argumento:
Nenhum superior hierárquico pode obrigar um subordinado a realizar
tarefas incompatíveis com a sua função.
Alguns militares não são superiores hierárquicos.
Portanto, alguns militares podem obrigar um subordinado a realizar
tarefa incompatível com a sua função.
25
Se aplicarmos as regras do silogismo categórico nesse argumento, obteremos a mesma prova de validade.
Lógica Formal: da lógica aristotélica ao cálculo sentencial bivalente
| 269
Se aplicarmos as regras do silogismo categórico de forma típica,
veremos que tal argumento não é válido, pois é formado por duas premissas
negativas. Entretanto, traduzindo o referido argumento para a linguagem
L do CPr e, aplicando o método das matrizes lógicas, o resultado seria o
mesmo? Vejamos:
1) Designação das variáveis:
Superior hierárquico s
Obrigar um subordinado a realizar tarefas incompatíveis com a sua
função
f
Militar m
2) Simbolização:
x (s(x) ¬f(x))
1
a
Premissa
x (m(x) ¬s(x))
2
a
Premissa
x (m(x) f(x))
Conclusão
3) Eliminação dos quantificadores:
s ¬f 1
a
Premissa
m ¬s 2
a
Premissa
m f Conclusão
270 |
4) Construção da tabela e teste de validade:
Variáveis Negação 1
a
Premissa 2
a
Premissa Conclusão
s f m ¬f ¬s s ¬f m ¬s m f
V V V F F F F V
V V F F F F F F
V F V V F V F F
V F F V F F F F
F V V F V V V V
F V F F V V F F
F F V V V V V F
F F F V V V F F
Fonte: Elaborado pelo autor
Portanto, o argumento é inválido, a exemplo da silogística clássica.
Também podemos testar os silogismos categóricos de forma atípica
mediante a utilização do cálculo dos predicados de primeira ordem, bem
como testar argumentos mais complexos envolvendo outros conectivos
lógicos. Vejamos alguns exemplos:
Exemplo 1: Sorite Aristotélico
Alguns cidadãos exercem função política.
Todo (aquele) que exerce função política responde pelos seus atos.
Todo (aquele) que responde pelos seus atos está em pleno gozo de suas
faculdades mentais.
Logo, Alguns cidadãos estão em pleno gozo de suas faculdades mentais.
Assim como no exemplo anterior, vamos definir as variáveis e,
proceder a tradução para a linguagem L do CPr, conforme o quadro abaixo
(Quadros 99 e 100):
Lógica Formal: da lógica aristotélica ao cálculo sentencial bivalente
| 271
Quadro 99 Varáveis e termos: tradução
Variáveis Termos
c cidadãos
p exercer função política
r responder pelos atos
m gozo das faculdades mentais
Fonte: Elaborado pelo autor
Quadro 100 Tradução para a linguagem ‘L’ do cálculo dos predicados
de primeira ordem
Simbolização das Premissas
em Linguagem Natural
Tradução para o Cálculo dos
Predicados de Primeira Ordem
1
a
Premissa Alguns c são p x (c(x) p(x))
2
a
Premissa Todo p é r x (p(x) r(x))
3
a
Premissa Todo r é m x (r(x) m(x))
Conclusão Alguns c são m x (c(x) m(x))
Fonte: Elaborado pelo autor
Realizada a tradução, segue a construção a matriz e, a verificação
da validade, considerando as regras dos conectivos lógicos, conforme
apresentado no quadro seguinte (Quadro 101):
272 |
Quadro 101 – Construção da matriz lógica e verificação de validade
Variáveis 1
a
Premissa
2
a
Premissa
3
a
Premissa
Conclusão
c p r m c p p r r m c m
V V V V V V V V
V V V F V V F F
V V F V V F V V
V V F F V F V F
V F V V F V V V
V F V F F V F F
V F F V F V V V
V F F F F V V F
F V V V F V V F
F V V F F V F F
F V F V F F V F
F V F F F F V F
F F V V F V V F
F F V F F V F F
F F F V F V V F
F F F F F V V F
Fonte: Elaborado pelo autor
O sorite aristotélico apresentado no exemplo anterior é válido! De
premissas com valor V, obtivemos uma conclusão com valor V.
Lógica Formal: da lógica aristotélica ao cálculo sentencial bivalente
| 273
Exemplo2: Sorite Goclênico
Todo cidadão que não perdeu, ou não têm suspensos os seus direitos
políticos, tem direito ao voto.
Todo cidadão responsável pelos seus atos é um cidadão que não perdeu
ou não têm suspensos os seus direitos políticos.
Todo policial militar é cidadão responsável pelos seus atos.
Logo, todo policial militar tem direito ao voto.
Seguindo os mesmos procedimentos, conforme o exemplo anterior:
Quadro 102 Varáveis e termos: tradução
Variáveis Termos
c Cidadão que não perdeu, ou não têm suspensos os seus
direitos políticos
v Ter direito ao voto.
r Cidadão responsável pelos seus atos
m Policial militar
Fonte: Elaborado pelo autor
Quadro 103Tradução para a linguagem ‘L’ do cálculo dos predicados
de primeira ordem
Simbolização das Premissas
em Linguagem Natural
Tradução para o Cálculo dos
Predicados de Primeira Ordem
1
a
Premissa Todo c é v x (c(x) v(x))
2
a
Premissa Todo r é c x (r(x) c(x))
3
a
Premissa Todo m é r x (m(x) r(x))
Conclusão Logo, Todo m é v x (m(x) v(x))
Fonte: Elaborado pelo autor
274 |
Aplicando a matriz (Quadro 104):
Quadro 104 – Construção da matriz lógica e verificação de validade
Variáveis 1
a
Premissa 2
a
Premissa 3
a
Premissa Conclusão
c v r m c v r c m r m v
V V V V V V V V
V V V F V V V V
V V F V V V F V
V V F F V V V V
V F V V F V V V
V F V F F V V F
V F F V F V F V
V F F F F V V F
F V V V V F V V
F V V F V F V V
F V F V V V F V
F V F F V V V V
F F V V V F V F
F F V F V F V V
F F F V V V F F
F F F F V V V V
Fonte: Elaborado pelo autor
Portanto o silogismo goclênico apresentado como exemplo é valido,
pois, de premissas com valor V, obtivemos também uma conclusão com
valor V.
Da mesma forma que nos silogismos categóricos tradicionais,
também é possível aplicar ao cálculo dos predicados as regras de inferência.
Para isso, se toma como axiomas os silogismos válidos da lógica tradicional
clássica e, a partir daí se aplica as regras de inferência
26
.
26
É interessante retomar os conceitos da aplicação do método axiomático aos silogismos categóricos.
Lógica Formal: da lógica aristotélica ao cálculo sentencial bivalente
| 275
Assim como na silogística clássica, o método de dedução formal
depende de regras e axiomas ou fórmulas comprovadamente válidas.
Tomemos como axiomas as mesmas formas tidas como comprovadamente
válidas pela lógica tradicional clássica. Como regras, adotaremos as regras
de inferência do silogismo categórico de forma típica, nas quatro figuras:
primeira figura - Sub-Pre, segunda figura - Pre-Pre, terceira figura - Sub-Sub
e, quarta figura - Pre-Sub.
Da primeira figura (Sub-Pre) são tomados como axiomas (Quadro 105):
Quadro 105 – Axiomas da primeira figura sub-pre
Modo Nome Notação
Notação do
Cálculo dos
Predicados de
Primeira Ordem
Fórmula sem
Quantificadores
AAA BARBARA MAP, S AM: SAP
x (m(x) p(x))
x (s(x) m(x))
x (s(x) p(x))
m p
s m
s p
EAE CELARENT MEP, S AM: SEP
x (m(x) ¬p(x))
x (s(x) m(x))
x (s(x) ¬p(x))
m ¬p
s m
s ¬p
AII DARII MAP, S IM: SIP
x (m(x) p(x))
x (s(x) m(x))
x (s(x) p(x))
m p
s m
s p
EIO FERIO MEP, S IM: SOP
x (m(x) ¬p(x))
x (s(x) m(x))
x (s(x) ¬p(x))
m ¬p
s m
s ¬p
AEO FAPESMO MAP, S EM: POS
x (m(x) p(x))
x (s(x) ¬m(x))
x (p(x) ¬s(x))
m p
s ¬m
p ¬s
IEO FRISESOMORUM MIP, S EM: POS
x (m(x) p(x))
x (s(x) ¬m(x))
x (p(x) ¬s(x))
m p
s ¬m
p ¬s
Fonte: Elaborado pelo autor
276 |
Da segunda figura (Pre-Pre) são tomados como axiomas (Quadro 106):
Quadro 106 – Axiomas da segunda figura pre-pre
Modo Nome Notação
Notação do
Cálculo dos
Predicados de
Primeira Ordem
Fórmula sem
Quantificadores
EAE CESARE PEM, SAM: SEP
x (p(x) ¬m(x))
x (s(x) m(x))
x (s(x) ¬p(x))
p ¬m
s m
s ¬p
AEE CAMESTRES PAM, SEM: SEP
x (p(x) m(x))
x (s(x) ¬m(x))
x (s(x) ¬p(x))
p m
s ¬m
s ¬p
EIO FESTINO PEM, SIM: SOP
x (p(x) ¬m(x))
x (s(x) m(x))
x (s(x) ¬p(x))
p ¬m
s m
s ¬p
AOO
BAROCO PAM, SOM: SOP
x (p(x) m(x))
x (s(x) ¬m(x))
x (s(x) ¬p(x))
p m
s ¬m
s ¬p
Fonte: Elaborado pelo autor
Lógica Formal: da lógica aristotélica ao cálculo sentencial bivalente
| 277
Da terceira figura (Sub-Sub) são tomados como axiomas (Quadro 107):
Quadro 107 – Axiomas da terceira figura sub-sub
Modo Nome Notação
Notação do
Cálculo dos
Predicados de
Primeira Ordem
Fórmula sem
Quantificadores
AAI DARAPTI MAP, M AS: SIP
x (m(x) p(x))
x (m(x) s(x))
x (s(x) p(x))
m p
m s
s p
EAO FELAPTON MEP, M AS: SOP
x (m(x) ¬p(x))
x (m(x) s(x))
x (s(x) ¬p(x))
m ¬p
m s
s ¬p
IAI DISAMIS MIP, M AS: SIP
x (m(x) p(x))
x (m(x) s(x))
x (s(x) p(x))
m p
m s
s p
AII
DATISI MAP, M IS: SIP
x (m(x) p(x))
x (m(x) s(x))
x (s(x) p(x))
m p
m s
s p
OAO BOCARDO MOP, M AS: SOP
x (m(x) ¬p(x))
x (m(x) s(x))
x (s(x) ¬p(x))
m ¬p
m s
s ¬p
EIO FERISON MEP, M IS: SOP
x (m(x) ¬p(x))
x (m(x) s(x))
x (s(x) ¬p(x))
m ¬p
m s
s ¬p
Fonte: Elaborado pelo autor
278 |
Da quarta figura (Pre-Sub) são tomados como axiomas (Quadro 108):
Quadro 108 – Axiomas da quarta figura pre-sub
Modo Nome Notação
Notação do
Calculo dos
Predicados de
Primeira Ordem
Fórmula sem
Quantificadores
AAI BRAMANTIP PAM, MAS: SIP
x (p(x) m(x))
x (m(x) s(x))
x (s(x) p(x))
p m
m s
s p
AEE CAMENES PAM, MES: SEP
x (p(x) m(x))
x (m(x) ¬s(x))
x (s(x) ¬p(x))
p m
m ¬s
s ¬p
IAI DIMATIS PIM, MAS: SOP
x (p(x) m(x))
x (m(x) s(x))
x (s(x) ¬p(x))
p m
m s
s ¬p
EAO
FESAPO PEM, MAS: SOP
x (p(x) ¬m(x))
x (m(x) s(x))
x (s(x) ¬p(x))
p ¬m
m s
s ¬p
EIO FRESISON PEM, MIS: SOP
x (p(x) ¬m(x))
x (m(x) s(x))
x (s(x) ¬p(x))
p ¬m
m s
s ¬p
Fonte: Elaborado pelo autor
As regras utilizadas nesse sistema dedutivo (axiomático) serão as de
subalternação, conversão, conversão por limitação, contraposição, obversão
27
.
Vejamos a seguir a formulação de cada uma delas na linguagem L do CPr
(Figura 72):
Figura 72 – Regras de dedução – sistema axiomático para a linguagem
L do CPr
Subalternação
28
De Derivamos
x (s(x) p(x)) x (p(x) p(x))
27
Essas regras foram tratadas no Capitulo II desta obra.
28
Podemos derivar PAP a partir de SAP.
Lógica Formal: da lógica aristotélica ao cálculo sentencial bivalente
| 279
Conversão
29
De Derivamos
x (s(x) ¬p(x)) x (p(x) ¬s(x))
x (s(x) p(x)) x (p(x) s(x))
Conversão por Limitação
30
De Derivamos
x (s(x) p(x)) x (p(x) s(x))
x (s(x) ¬p(x)) x (p(x) ¬s(x))
Contraposição
31
De Derivamos
x (s(x) p(x)) x (¬p(x) ¬s(x))
x (s(x) ¬p(x)) x (¬p(x) ¬¬s(x))
x (¬s(x) p(x)) x (¬p(x) s(x))
x (s(x) ¬p(x)) x (p(x) ¬s(x))
x (¬s(x) ¬p(x)) x (p(x) s(x))
x (¬s(x) ¬p(x)) x (¬p(x) ¬s(x))
x (s(x) ¬¬p(x)) x (p(x) ¬¬s(x))
x (¬s(x) ¬¬p(x)) x (p(x) ¬s(x))
Obversão
De Derivamos
x (s(x) p(x)) x (s(x) ¬¬p(x))
x (s(x) ¬p(x)) x (s(x) ¬¬¬p(x))
x (s(x) ¬p(x)) x (s(x) ¬¬¬p(x))
x (s(x) p(x)) x (s(x) ¬¬p(x))
Fonte: Elaborado pelo autor
29
De SEP eu posso derivar PES e de SIP eu posso derivar PIS.
30
Permite que de SAP eu possa derivar PIS e que de SEP eu possa derivar POS.
31
De SAP podemos derivar ¬ PA¬S e de SOP, podemos derivar ¬PO¬S.
280 |
O método consiste, conforme já destacado, em deduzir uma fórmula
a partir de outra fórmula tomada como axioma. A fundamentação é a
mesma utilizada para os silogismos categóricos, conforme pode ser
observado nos exemplos a seguir:
Exemplos:
1. Demonstrar a conclusão de Ferio a partir de Darii
1. m ¬ p (Hipótese, premissa maior de Ferio)
2. s m (Hipótese, premissa menor de Ferio)
3. s ¬ p (de 1 e 2 , por Darii)
2 . Demonstrar a conclusão de Cesare a partir de Celarent :
a. p ¬ m (Hipótese, premissa maior de Cesare)
b. s m (Hipótese, premissa menor de Cesare)
c. m ¬ p (de 1, por Conversão)
d. s ¬ p (de 3 e 2 por Celarent)
3. Demonstrar Baroco a partir de Festino
i. p m (Hipótese, premissa maior de Baroco)
ii. s ¬ m (Hipótese, premissa menor de Baroco)
iii. p ¬¬ m (de 1, por Obversão)
iv. s ¬ ¬ ¬ m (de 2, por Obversão)
32
v. s ¬ p (de 3 e 4 por Festino)
4. Demonstrar Darapti a partir de Darii:
5. m p (Hipótese, premissa maior de Darapti)
6. m s (Hipótese, premissa menor de Darapti)
7. s m (de 2 por Conversão por Limitação)
8. s p (de 1 e 3 por Darii)
32
As linhas 3 e 4 são desnecessárias. As incluímos só para efeito de exemplificação.
Lógica Formal: da lógica aristotélica ao cálculo sentencial bivalente
| 281
Conforme já salientamos, os argumentos não se reduzem aos
argumentos em linguagem L. Para o tratamento de argumentos na
linguagem natural é importante melhor compreender a tradução da
linguagem natural para a linguagem do cálculo dos predicados de primeira
ordem e, os métodos para determinação de validade formal das chamadas
inferências assilogísticas ou inferências de forma atípica.
3.2.2. trAdução e InFerênCIAs AssIlogístICAs
Antes de iniciarmos a análise dos argumentos de forma atípica,
devemos aprofundar um pouco mais o tema da tradução da linguagem
natural para a linguagem lógica. Tal entendimento é fundamental para
a aplicação correta dos princípios da lógica, especialmente do cálculo de
predicados de primeira ordem.
Iniciemos com a análise de sentenças simples, ou seja, compostas de
apenas sujeito e verbo, os quais serão tratados como unidades independentes.
Nesse sentido, é sabido que um sujeito pode vir acompanhado de diferentes
verbos:
Exemplos:
P estuda
P trabalha
P canta
Também é de conhecimentos que um verbo pode ser aplicado a
sujeitos diferentes.
Exemplos:
J trabalha
P trabalha
M trabalha
282 |
Existem ainda outras unidades da linguagem natural que
normalmente aparecem, quando o verbo é transitivo. Tais unidades,
como por exemplo, o objeto (direito e/ou indireto), devem igualmente ser
consideradas.
Exemplos:
Lins Silva fundou a Academia Brasileira de Direito.
Manuel Amoroso Costa foi um dos primeiros autores de
lógica moderna no Brasil.
Além disso, um verbo transitivo pode apresentar vários
objetos:
Exemplo:
Não me consideraram culpado, mas ainda ficou a dúvida.
Dessa forma, vários elementos entram na formulação de uma simples
sentença e, uma tradução mais rigorosa deve levá-los em consideração.
Observamos que os advérbios e as preposições, para efeito de
tradução para a linguagem L, podem ser englobados nos verbos, conforme
podemos observar no exemplo seguinte (Figura 73):
Figura 73 – Exemplo - Tradução considerando advérbio e preposição
Vamos freqüentemente ao museu de arte sacra.
Advérbio Preposição
Constituem-se um predicado
complexo
Fonte: Elaborado pelo autor
Lógica Formal: da lógica aristotélica ao cálculo sentencial bivalente
| 283
Por outro lado, as conjunções merecem um pouco mais de atenção.
Em alguns casos é possível parafrasear a sentença, fazendo com a mesma
apareça como uma sentença molecular. Por exemplo:
Nadir e Fabio são oficiais de justiça.
como
Nadir é oficial de justiça e Fábio é oficial de justiça
Nesse caso, a expressão “e” foi traduzida como um conectivo
sentencial, ou seja, como uma conjunção. Mas, nem sempre isso é possível.
Veja o seguinte exemplo:
Maria e Pedro vivem juntos.
Temos aqui um predicado complexo. No esquema de tal sentença os
nomes (sujeitos) são colocados em lugares apropriados, ou seja:
___________1
e
___________2
vivem juntos.
Vejamos outro exemplo:
Francisco assaltou Maria e Pedro no mesmo dia.
Ou seja:
___________1
assaltou
___________2
e
___________3
no mesmo dia.
Observe que os esquemas são diferentes. Isso nos leva a considerar
que todos os elementos que compõe a sentença devem ser levados em
consideração.
Além disso, é importante lembrar que, na lógica tradicional
(silogística), traduzíamos todos os verbos, mais ou menos da seguinte
maneira:
284 |
Carlos anda = Carlos é andante
Carlos come = Carlos está comendo
Ou seja, ignorávamos a questão da permanência própria de “é” e, de
realidade temporária, própria de “está” (HEGENBERG, 1973)
33
.
A partir dessas considerações, é possível refinar um pouco mais
o processo de simbolização de sentenças dadas em linguagem natural.
Vejamos as seguintes sentenças:
1) Marcos é procurador do município.
2) Paulo é advogado.
3) Otávio é réu.
Para melhor traduzirmos tais sentenças, vamos introduzir variáveis
(c
1
, c
2
, c
3
, etc.) para indicar os objetos do universo, ou seja, os sujeitos.
Também serão utilizadas as letras P
1
, P
2
, P
3
, etc., para indicar os atributos,
ou seja, os predicados. Dessa forma, teríamos, para as sentenças acima, a
seguinte equivalência, conforme a padronização ou convenção indicada
(Quadro 109):
Quadro 109 Variáveis – objetos (sujeitos) e atributos (predicados)
c
1
Marcos
c
2
Paulo
c
3
Otávio
P
1
Procurador do Município
P
2
Advogado
P
3
Réu
Fonte: Elaborado pelo autor
33
Conforme Hegenberg (1973, p. 5-6), “[...] a análise aristotélica apresenta duas limitações em relação a essa
questão: 1) Exagerado realce ao verbo ‘ser’, sem estabelecer diferença entre os vários significados que admite.
2) Não efetua separação nítida entre predicados simples e predicados compostos.”.
Lógica Formal: da lógica aristotélica ao cálculo sentencial bivalente
| 285
A partir da atribuição das equivalências, conforme indicado acima,
as sentenças apresentadas, podem ser simbolizadas da seguinte forma:
P
1
c
1
P
2
c
2
P
3
c
3
Marcos é procurador do município. Paulo é advogado. Otávio é réu.
Na linguagem L do Cálculo dos Predicados, convencionaremos, a
princípio, utilizar sempre letras maiúsculas para indicar predicados e letras
minúsculas para indicar sujeitos.
Conforme Hegenberg (1973) é comum a utilização de “letras
sugestivas” em vez das variáveis (P e c). Tais letras sugestivas seriam, por
exemplo, as iniciais dos nomes e dos atributos (predicados), conforme o
quadro abaixo:
Pm Ap Ro
Marcos é procurador do município. Paulo é advogado. Otávio é réu.
Tal procedimento pode ser adotado quando não há margem para
equívocos ou contradições. Equívocos e contradições podem ocorrer
quando vários predicados e/ou nomes têm a mesma inicial. Quando isso
acontece devemos utilizar outras variáveis.
Exemplo:
Carlos c
Campos h
Carmelo m
Padre p
Pedreiro d
Pobre e
Fonte: Elaborado pelo autor
286 |
Note que até agora simbolizamos apenas sentenças com predicados
monádicos, ou seja, predicados que se associam a um só sujeito para formar
a sentença. Salientamos, porém, há predicados diádicos, triádicos, n-ádicos.
No caso dos predicados monádicos, há uma só ‘vaga’ a ser preenchida.
Por exemplo:
Paulo é psiquiatra.
_____ é psiquiatra.
Tal sentença poderia ser representada da seguinte maneira:
Ap ou Ac
1
Na introdução ao cálculo dos predicados foi observado que nos
utilizamos, normalmente da variável x. Tal utilização é feita para referir-se
a objetos (sujeitos) não especificados do universo. Tal variável desempenha
o mesmo papel que os pronomes desempenham na linguagem natural.
Exemplo:
Ela é neurocientista.
Simboliza-se por: Ax
Nesse caso temos uma sentença aberta. Sentenças abertas podem ser
transformadas em sentenças fechadas mediante a substituição da variável
por uma constante (nome).
Exemplo:
Maria Luiza é neurocientista.
Simbolizando: As
34
34
A = neurocientista e s = Maria Luiza.
Lógica Formal: da lógica aristotélica ao cálculo sentencial bivalente
| 287
O uso dos quantificadores (; ), como já tivemos oportunidade de
estudar, são fundamentais no processo de tradução. Eles servem também
para transformar sentenças abertas em sentenças fechadas. Observe a
seguinte sentença aberta:
x é Procuradora do Estado de São Paulo.
Para essa sentença podemos usar o quantificador existencial para
proceder à tradução, a qual ficaria da seguinte maneira:
x
( x é Procuradora do Estado de São Paulo)
Essa expressão é lida da seguinte forma:
Existe
35
um x tal que x é Procuradora do Estado de São
Paulo.
Supondo que x se refira ao universo das mulheres. A sentença então
tomaria a seguinte forma natural:
Algumas mulheres são Procuradoras do Estado de São
Paulo.
Assim como utilizamos o quantificador existencial, podemos fazer o
mesmo como o quantificador universal.
Exemplo:
x
(x é racional)
Tal sentença poderia ser lida da seguinte forma: “qualquer que seja x,
x é racional” ou, de modo mais natural, “todos x são racionais”. Substituído
35
“Existe” deve ser entendido no sentido de que “existe pelo menos um(a)”. Ou, se modo mais natural,
existem Procuradores do Estado de São Paulo”.
288 |
a variável por uma constante, como por exemplo, pelo conjunto dos
Homens, teríamos “Todos os homens são racionais”.
Outro detalhe importante refere-se à simbolização das relações.
Observe os exemplos seguintes:
1) Mauro era réu e vítima.
2) Mauro e Pedro foram acusados injustamente.
A primeira sentença pode ser assim simbolizada:
Rm Vm
Porém, a segunda sentença não admite tal tradução. Na segunda
sentença temos uma relação entre duas pessoas, ou seja, um predicado
diádico, que exige dois nomes na composição da sentença:
___________1
e
___________2
foram acusados injustamente.
Representaremos os predicados diádicos por letras afetadas de índices
superiores
36
: P
2
.
Assim, teríamos na representação da segunda sentença algo como:
A
2
mp
Onde: A = acusados injustamente; m = Mauro; p = Pedro.
Sentenças cujos predicados indicam relações do tipo: maior que,
menor que, mais extenso que, etc. podem ser simbolizadas da seguinte
maneira:
Exemplo:
O Código Civil é mais extenso que a Lei de Diretrizes
Orçamentárias (LDO).
E cl
36
Indicando o fato de que são diádicos.
Lógica Formal: da lógica aristotélica ao cálculo sentencial bivalente
| 289
Onde: E = mais extenso; c = Código Civil; l = LDO.
Ainda sobre o problema da tradução da linguagem natural para a
linguagem formal, é importante observar algumas locuções da linguagem
natural, por vezes apresentam alguma dificuldade quando da tradução para
a linguagem formal. Por exemplo, a sentença:
Todos os admiradores do positivismo são ou não-democratas
ou legalistas.
Apesar de parecer não temos, na sentença anterior, uma disjunção,
embora contenha o conectivo “ou”. Se bem observarmos o sentido da
sentença, veremos que ela não tem o mesmo significado de: Ou todos os
admiradores do positivismo são não-democratas ou todos os admiradores do
positivismo são legalistas.
Substituindo os termos por variáveis e introduzindo os quantificadores,
veremos que o primeiro enunciado é corretamente simbolizado como:
(x) [E(x) (¬B(x) S(x) )]
O segundo enunciado deverá ser simbolizado como:
{(x) [E(x) ¬B(x)]} {(x) [E(x) S(x)]}
Outro problema comum de tradução refere-se às sentenças exceptivas.
Em primeiro lugar, devemos levar em conta os modos alternativos de
simbolizar tais proposições. Veja, por exemplo, as seguintes sentenças:
Todos, exceto os condenados por improbidade administrativa, são
elegíveis, salvo os condenados por improbidade administrativa, todos
são elegíveis.
Somente os condenados por improbidade administrativa não são
elegíveis.
290 |
Esses tipos de sentença são tradicionalmente denominados de
proposição exceptiva. Em termos de tradução, temos que, qualquer
proposição dessa forma pode ser traduzida como uma conjunção de duas
proposições gerais, como por exemplo:
{(x) [P(x) ¬E(x)]} {(x) [¬P(x) E(x)]}
Em geral, as proposições exceptivas são consideradas como
bicondicionais quantificadas. Assim, tais sentenças poderiam ser traduzidas
como uma proposição geral não composta, a qual seja a quantificação
universal de uma função proposicional que contém o símbolo bicondicional:
(x) [E(x) ¬P(x)]
37
É importante considerar que proposições exceptivas, muitas vezes,
têm sentido explicativo. Entretanto, nem sempre isso é tão claro. Trata-se
de a questão de interpretar a sentença e, para que isso seja possível, muitas
vezes há a necessidade de conhecer o contexto.
Bem, feitas essas observações, passemos agora à simbolização de
sentenças e de argumentos um pouco mais complexos. Vejamos o seguinte
argumento:
João é mais perigoso que Antônio.
Antônio é mais perigoso que Cândido.
Logo, João é mais perigoso que Cândido.
Simbolizando tal argumento teríamos a seguinte forma:
P ja
P ac
P jc
37
Pode ser lida da seguinte forma: Qualquer um é elegível se e somente se não for condenado por improbidade
administrativa.
Lógica Formal: da lógica aristotélica ao cálculo sentencial bivalente
| 291
Retomemos a primeira sentença: “João é mais perigoso que Antônio,
a qual tem a seguinte estrutura:
___________1
é mais perigoso que
___________2.
Se inserirmos os quantificadores e, se tomarmos a sentença como
aberta, ela assumiria notação um pouco diferente. Por exemplo, as
sentenças:
1) Há alguém que é mais perigoso que João.
2) Ninguém é mais perigoso que João.
3) Alguém é mais perigoso que todos.
Assumiriam as seguintes notações:
1)
x
P xj
2) ¬
x
P xj
3)
y
x
P xy
Assim, ampliamos nossa linguagem lógica, o que facilita a tradução de
sentenças do tipo: “algo está entre a e b”, a qual teria a seguinte formulação:
x
Exab.
É importante salientar que não há processo mecânico para realizar a
simbolização de sentenças. É necessário, em primeiro lugar, que a sentença
original seja entendida e, somente depois, reexpressa em linguagem
simbólica, com o cuidado de manter o sentido original.
Também é importante preservar a formulação clássica dada aos
quantificadores. Ou seja, sempre pede conjunção () e sempre pede
implicação ().
Vimos até agora as bases do cálculo dos predicados de primeira ordem.
Se bem observarmos, todos os argumentos considerados até agora eram da
292 |
forma tradicionalmente denominada de silogismos categóricos. Porém, na
linguagem natural, cotidiana, nem todos os argumentos seguem o modelo
tradicional, como inclusive já tivemos oportunidade de estudar no tópico
acerca dos silogismos de forma atípica da lógica tradicional clássica. Ou
seja, nem todas as sentenças podem ser expressas sob as formas de:
(x)
[a(x) b(x)];
(x) [a(x) ¬ b(x)];
(x) [a(x)
b(x)] e
(x) [a(x) ¬ b(x)].
Vejamos as seguintes sentenças:
1) Todos os magistrados são bacharéis em direito.
Simbolizando teríamos:
x
(m
x
b
x
), o que seria a formulação clássica.
2) Os desertores serão mortos se capturados
38
.
O sentido para tal sentença seria:
Qualquer objeto do universo é tal que se ele é desertor e é capturado, então é
morto.
Simbolizando teríamos:
x
[(Dx Cx) Mx]
3) Se todo magistrado é bacharel em direito e se os bacharéis em direito
conhecem a Constituição, então o magistrado conhece a Constituição.
Teríamos aqui a seguinte formulação:
Para todo x (se x é magistrado e x é bacharel em direito)
e para todo Y (se y é bacharel em direito então y conhece
a Constituição) então x conhece a Constituição).
Para essa formulação é possível a seguinte tradução:
38
HEGENBERG (1975, p. 172).
Lógica Formal: da lógica aristotélica ao cálculo sentencial bivalente
| 293
x
{[ x magistrado x bacharel em direito)
y
(y
bacharel em direito y conhece a Constituição)] x
conhece a Constituição.
Ou, adotando um sistema ‘abreviador’ onde:
M = x é um magistrado
B = x é um bacharel em direito
C = x conhece a Constituição
Teríamos:
x
[(Mx Bx)
y
(By Cy) Cx]
Passemos agora para a caracterização e análise de argumentos.
Vejamos os exemplos:
Exemplo 1:
Todo ato ilegal é passível de pena e contrário ao direito.
Alguns atos ilegais são imorais.
Portanto, algumas coisas passíveis de pena são imorais.
Tal argumento não é passível de ser traduzido para a forma tradicional.
Porém, poderíamos traduzi-lo da seguinte maneira:
(x) [A(x)( P(x) ¬D(x) )]
(x) [A(x) I(x)]
(x) [P(x) I(x)]
39
39
A(x) = existe um (x) que é ato ilegal; P(x) = existe um (x) que é passível de pena; D(x) = existe um (x) que
é contrário ao direito e I(x) = existe um (x) que é imoral.
294 |
Observe que procuramos sempre preservar o sentido original das
sentenças que compõe o argumento.
Exemplo 2:
O argumento:
Os administradores públicos e servidores da justiça ou são
pessoas idôneas ou são perfeitamente justas.
Qualquer um que lida com processos criminais deve ser um
servidor da justiça ou uma pessoa perfeitamente justa.
Os administradores públicos, e somente os administradores
públicos, são pessoas idôneas.
Alguém lida com processos criminais.
Portanto, algum servidor da justiça é perfeitamente justo.
Pode ser simbolizado como:
(x) [A(x) S(x)] (I(x) C(x))]
(x) [P(x) (S(x) C(x)]
(x) [A(x) I(x)]
(x) [P(x)]
˫ (x) [S(x) P(x)]
Exemplo 3:
Qualquer um pode combater a violência se melhorar a educação e
se investir em Prevenção – salvo se não tiver vontade política. Ora,
o Congresso não demonstra vontade política e não quer melhorar a
educação. Logo, o Congresso não pode combater a violência.
x
{[Cx (Mx Px)] ¬¬ Vx}
¬ (Vc Mc)
˫ ¬ Cc
Lógica Formal: da lógica aristotélica ao cálculo sentencial bivalente
| 295
Agora voltamos à questão fundamental: como determinar a validade
de argumentos na linguagem L do Cálculo dos Predicados?
Podemos utilizar as matrizes lógicas (tabelas-verdade), bem como do
método de dedução formal (axiomática).
Para a adoção do método das matrizes lógicas, devemos recordar
que, sempre e, em primeiro lugar, devemos eliminar os quantificadores
e as variáveis. Assim teríamos, no caso do exemplo anterior, a seguinte
formulação:
{[C (M P)] ¬¬ V}
¬ (V M)
˫ ¬ C
296 |
Testando mediante a matriz temos (Quadro 111):
Quadro 111 – Matriz para o argumento:{[C (M P)] ¬¬ V}, ¬ (V
M), ¬ C
1
a.
P 2
a.
P C.
C M P V (M
P) [C
(M
P)] (V
M) {[C
(M
P)]
¬¬ V} ¬ (V
M) ¬ C
V V V V V V V V F F
V V V F V F F V V F
V V F V F F V F F F
V V F F F F F V V F
V F V V F F F F V F
V F V F F F F V V F
V F F V F F F F V F
V F F F F F F V V F
F V V V V F V F F V
F V V F V F F V V V
F V F V F F V F F V
F V F F F F F V V V
F F V V F F F F V V
F F V F F F F V V V
F F F V F F F F V V
F F F F F F F V V V
Fonte: Elaborado pelo autor
Temos, portanto, um argumento inválido, pois, de premissa com
valor ‘V’ decorreu conclusão com valor ‘F’ em várias linhas da tabela.
A outra forma de determinarmos a validade de um argumento é
mediante a utilização do método de dedução (axiomático).
Observamos que a sistemática é a mesma utilizada no Cálculo
Proposicional; ou seja, são utilizadas as mesmas regras de inferência, bem
como as equivalências lógicas
40
. A diferença consiste no processo de
simbolização, próprio no cálculo dos predicados. Vejamos alguns exemplos:
40
Não cabe a utilização das regras das inferências imediatas nesse tópico. Utilizaremos somente as mesmas
regras e equivalências usuais no Cálculo Proposicional.
Lógica Formal: da lógica aristotélica ao cálculo sentencial bivalente
| 297
Exemplo 1:
Todo ato ilegal é passível de pena e fere os direitos fundamentais.
Alguns atos ilegais são imorais.
Portanto, algumas coisas passíveis de pena são imorais.
Simbolizando teríamos:
x
[Ax (Px Dx)]
x
(Ax Ix)
x (Px Ix)
Aplicando o método axiomático (Quadro 112):
Quadro 112Verificação de validade do argumento mediante o método
de dedução (axiomático) para o argumento:
x
[Ax (Px Dx)],
x
(Ax
Ix), x (Px Ix)
1
x
[Ax (Px Dx)] hip. prem 1.
2
x
(Ax Ix) hip. prem 2.
3 Ax Ix De 2 por EE
4 Ax (Px Dx) De 1 por EU
5 Ax De 3 por Simpl.
6 Px Dx De 4 e 5 por MP.
7 Px De 6 por Simpl.
8 Ix Ax De 3 por Conj.
9 Ix De 8, por Simpl.
10 x (Px Ix) De 7 e 9 por Conj.
Fonte: Elaborado pelo autor
298 |
Observe que, nesse exemplo, foram mantidos os quantificadores e
a variável. Porém, tal procedimento não é aconselhável, considerando que
pode gerar alguma confusão. Vejamos outros exemplos:
Exemplo 2:
Todos os tribunais devem ser constituídos por pessoas que respeitem os
direitos humanos e, todas as pessoas que respeitam os direitos humanos
devem lutar contra a violência. Ora, todas as pessoas que lutam contra a
violência buscam a paz e todas as pessoas que buscam a paz participam
ativamente das discussões coletivas. Portanto, todos os tribunais devem
ser constituídos por pessoas que buscam a paz.
Simbolizando o argumento temos a seguinte formulação:
x
(Tx Rx)
x
(Rx Vx)
x
(Vx Px)
x
(Px Ax)
˫
x
(Tx Px)
Excluindo-se os quantificadores e as variáveis temos:
(T R)
(R V)
(V P) (P A)
˫ T P
Ao aplicar o método axiomático (dedutivo) não podemos ignorar
que, o objetivo principal do processo é provar a conclusão do argumento.
Assim temos:
1 (T R) (R V) Hip. Prem. 1
2 (V P) (P A) Hip. Prem 2.
3 T R De 1 por Simpl.
4 R V De 1 por Simpl.
5 V P De 2 por Simpl.
Lógica Formal: da lógica aristotélica ao cálculo sentencial bivalente
| 299
6 P A De 2 por Simpl.
7 T V De 3 e 4 por SH
8 T P De 7 e 5 por SH
Portanto, temos provada ou demonstrada a conclusão do argumento.
Exemplo 3:
x
[(Ax Bx) T]
x
(Bx Cx)
x
(D E)
D A
˫ E C
1 (A B) (B C) Hip. Prem. 1
2 D E Hip. Prem 2.
3 D A Hip Prem. 3.
4 A B De 1 por Simpl.
5 B C De 1 por Simpl.
6 A C De 4 e 5 por SH
7 E C De 2, 6 e 3 por DC
Apesar da relativa facilidade apresentada na tradução e prova dos
argumentos anteriores, é importante salientar que, ao simbolizarmos
proposições gerais que resultem da quantificação de funções proposicionais
mais complicadas, devemos ter cautela a fim de não nos deixarmos iludir
pelo caráter enganoso da linguagem corrente. Ou seja, é fundamental
bem compreender o significado de sentenças expressas em linguagem
natural. É só a partir dessa compreensão que é possível expressar com rigor
os significados em termos de funções proposicionais e quantificadores, ou
seja, proceder a tradução para uma linguagem L.
300 |
3.2.3. legItImIdAde e ConsIstênCIA ArgumentAtIvA
Além de podermos provar a conclusão de um argumento mediante
o método axiomático, podermos também determinar se um argumento
é consistente ou inconsistente. Por argumentos consistentes entendemos
aquele em que é impossível, a partir de suas premissas, deduzir uma
contradição, como por exemplo, A
¬ A. Em síntese, um argumento é
consistente quando não podemos, mediante suas premissas, obter uma
conclusão contraditória.
Em relação à legitimidade de um sistema de regras de inferência,
podemos afirmar que um sistema é legítimo quando qualquer conclusão
deduzida com seu auxílio é resultado das premissas das quais foi obtida
(MATES, 1967). Nesse sentido, podemos afirmar que, se as regras forem
legítimas serão naturalmente consistentes.
Vejamos o seguinte argumento:
Não argumento corretamente durante o júri ou meu cliente será
absolvido. Não se dá que não argumento corretamente durante o
júri e não ocorre a absolvição de meu cliente. Acresce que não houve
absolvição ou não houve argumentação correta durante o júri..
Acontece que houve argumentação correta. Portanto, meu cliente será
absolvido.
Tal argumento pode ser assim simbolizado:
1
a
. P ¬ A w C
41
2
a
. P ¬ (¬ A
¬ C)
3
a
. P ¬ C
¬ A
4
a
. P A
Concl. C
41
Observe que a disjunção é exclusiva.
Lógica Formal: da lógica aristotélica ao cálculo sentencial bivalente
| 301
Aplicando o método de dedução temos:
1 ¬ A w C Hip. Prem. 1
2 ¬ (¬ A ¬ C) Hip. Prem. 2
3 ¬ C ¬ A Hip. Prem. 3
4 A Hip. Prem. 4
5 (¬ A ¬ C) ¬ (¬ A C) De 1 por Eq.
6 ¬ (¬ A C) De 5 por Simp.
7 A ¬ C De 6 por Eq.
8 ¬ C De 3 e 4 por SD
9 ¬ A ¬ C De 5 por Simp.
10 ¬ A De 8 e 9 por SD
Observamos contradição nas linhas 4 e 10. Portanto, temos um
argumento incoerente ou contraditório. Na linha 8, também, obtivemos
uma conclusão contraditória à conclusão do argumento apresentado.
Mas, se aplicarmos o método das matrizes, qual seria o resultado
para tal argumento? Vejamos (Quadro 113):
Quadro 113 – Aplicação do método de matrizes lógicas para o argumento:
¬ A w C, ¬ (¬ A ¬ C), ¬ C ¬ A, A, C
1 P 2 P 3 P 4 P Concl.
A C ¬ C ¬ A (¬ A ¬ C) ¬ A w C ¬ (¬ A ¬ C) ¬ C ¬ A A C
V V F F F V V F V V
V F V F F F V V V F
F V F V F F V V F V
F F V V V V F V F F
Fonte: Elaborado pelo autor
302 |
Na tabela referente ao argumento apresentado, podemos observar
que não há uma só linha, da qual possamos determinar a validade ou
invalidade do mesmo. Vejamos outro exemplo:
Exemplo 2:
Se formos favoráveis às medidas restritivas de crédito, haverá protestos
dos empresários. Mas, se houver protestos dos empresários, haverá
queda na produtividade. Uma redução de carga tributária, porém,
evitará a queda na produtividade. Em verdade, fomos favoráveis às
medidas restritivas de crédito e haverá redução de carga tributária.
Conclui-se que não haverá queda na produtividade.
Simbolizando o argumento temos:
R P
P Q
T ¬ Q
R
T
˫ ¬ Q
Aplicando o método dedutivo temos:
1 R P Hip. Prem. 1
2 P Q Hip. Prem. 2
3 T ¬ Q Hip. Prem. 3
4 R T Hip. Prem. 4
5 R Q De 1 e 2 por SH
6 R De 4 por Simp.
7 T De 4 por Simp.
8 Q De 5 e 6 por MP
9 ¬ Q De 3 e 7 por MP
Lógica Formal: da lógica aristotélica ao cálculo sentencial bivalente
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Temos também um argumento inconsistente, dado que podemos
obter tanto a conclusão do argumento (¬ Q) como sua contraditória (Q),
a partir das premissas dadas.
A matriz para este argumento assim se apresenta (Quadro 114):
Quadro 114 – Aplicação do método de matrizes lógicas para o argumento:
R P, P Q, T ¬ Q, R T, ¬ Q
Prem. 1 Prem. 2 Prem. 3 Prem. 4 Conclusão
R P Q T ¬ Q R P P Q T ¬ Q R T ¬ Q
V V V V F V V F V F
V V V F F V V V F F
V V F V V V F V V V
V V F F V V F V F V
V F V V F F V F V F
V F V F F F V V F F
V F F V V F V V V V
V F F F V F V V F V
F V V V F V V F F F
F V V F F V V V F F
F V F V V V F V F V
F V F F V V F V F V
F F V V F V V F F F
F F V F F V V V F F
F F F V V V V V F V
F F F F V V V V F V
Fonte: Elaborado pelo autor
Assim como a matriz construída para o argumento anterior, nessa
tabela não encontramos linhas que possam indicar a validade ou não do
argumento em questão.
304 |
Em relação à simbolização (tradução), ressaltamos que a lógica não
se presta à tradução de qualquer tipo de sentença da linguagem natural, a
não ser que tal sentença seja passível de uma interpretação e tradução para
a linguagem lógica. Além disso, a tradução de sentenças deve apresentar
um objetivo específico. Caso contrário, estaríamos apenas realizando um
exercício infrutífero.
Em segundo lugar, dificilmente conseguimos realizar uma tradução
perfeita. Ou seja, não podemos esperar correspondência simples e direta
entre a forma de uma sentença em linguagem natural e sua contraparte
em linguagem L. Devemos sim, fazer o melhor possível com os meios
disponíveis. Ou seja, se deve buscar o que objetivamente significa uma
sentença em linguagem natural e, a partir disso, encontrar uma sentença em
linguagem L que, relativamente à interpretação dada, tenha, na medida do
possível, o mesmo significado. Isso requer, além do conhecimento técnico,
certa dose de criatividade. Não podemos nos esquecer que esse ‘ideal’ pode
ser limitado pelo fato de que, o ‘receptordecodifica a mensagem conforme
sua visão de mundo. Por isso, tentativas de criar regras simples e de fácil
manipulação para a simbolização de sentenças da linguagem natural é
tarefa praticamente impossível.
| 305
ConsIderAções FInAIs
O que possuímos é, em breve, unicamente um método mecânico de
autenticação de demonstrações da verdade quantificacional, e não um
critério mecânico para a própria verdade quantificacional. Sabe-se,
com efeito, que um tal critério é impossível. A demonstração deste fato
é devida a Church (1936) (QUINE, 1944, p. 106).
Procuramos abordar nesta obra de caráter teórico e técnico os
elementos fundamentais da chamada Lógica Clássica, a qual inclui,
entre outros temas, a silogística de Aristóteles, o Cálculo Proposicional
e o Cálculo dos Predicados de Primeira Prdem. Mediante a abordagem
adotada procuramos oferecer subsídios tanto para construção de estruturas
formalmente válidas, análise e, determinação da validade de argumentos
tanto em linguagem natural como na linguagem ‘L’.
Porém, o que foi aqui tratado e a forma pela qual foi tratado, está
muito longe de esgotar os assuntos vinculados à Lógica Clássica, seja
ela antiga ou moderna. Também é importante destacar que a Lógica
atualmente apresenta inúmeras aplicações que vão da lingüística, passando
pela computação, pela inteligência artificial até as ciências médicas e
306 |
neurociências. Porém, ainda está longe de oferecer mecanismos robustos
tanto para a análise da linguagem natural ou para a compreensão do
comportamento humano. Nessa perspectiva, ainda temos muitos caminhos
a percorrer e, desafios a enfrentar.
O autor
| 307
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CAtAlogAção nA publICAção (CIp)
Telma Jaqueline Dias Silveira
CRB 8/7867
normAlIzAção
Elizabete Cristina de Souza de Aguiar
Monteiro
CRB - 8/7963
CApA e dIAgrAmAção
Gláucio Rogério de Morais
produção gráFICA
Giancarlo Malheiro Silva
Gláucio Rogério de Morais
AssessorIA téCnICA
Renato Geraldi
oFICInA unIversItárIA
Laboratório Editorial
labeditorial.marilia@unesp.br
FormAto
16 x 23cm
tIpologIA
Adobe Garamond Pro
Adobe Myngjo
Times New Roman
Symbol
2023
sobre o lIvro
ISBN 978-65-5954-361-8
EDVALDO SOARES
Lógica Formal: da lógica aristotélica ao cálculo sentencial bivalente
Edvaldo Soares
Lógica
Formal
DA LÓGICA ARISTOTÉLICA AO CÁLCULO
SENTENCIAL BIVALENTE
O objetivo da obra é abordar os temas centrais da
Lógica Clássica, desde a silogística de Aristóteles
até o cálculo dos predicados de primeira ordem.
A ênfase será dada na construção de estruturas
formalmnte válidas e, na determinação da
validade de argumentos. Para tanto será seguido o
seguinte plano: Na primeira apresentamos alguns
conceitos preliminares (históricos e filosóficos) em
relação à lógica. Na segunda parte abordaremos
a chamada lógica tradicional, com especial
destaque à construção de silogismos (Categóricos
e Hipotéticos) e, na terceira, os fundamentos do
cálculo proposicional e do cálculo de predicados
de primeira ordem.
Advertimos que esta é uma obra para não iniciados
e, como tal, com o risco de cometer algumas
imprecisões, se utilizará de uma linguagem o
menos técnica possível.
Edvaldo Soares
Professor de Neurociências e Bioestatística do
Departamento de Educação e Desenvolvimento
Humano da Universidade Estadual Paulista –
UNESP – Campus de Marília SP.