O livro “Educação de Jovens e Adultos: Marcos Conceituais, Práticas e
Políticas” se insere no âmbito de um conjunto de ações desenvolvidas
por docentes e discentes da UNESP, Câmpus de Marília, no sentido de
ampliar o debate sobre a Educação Popular e, particularmente, da EJA,
no contexto acadêmico. Analisa princípios relativos à consolidação des-
sa área de conhecimento como vasto campo teórico, bem como ques-
tões da prática pedagógica, da formação de educadores e de políticas
públicas, aspectos relevantes para persecução dos Objetivos de Desen-
volvimento Sustentável – ODS 04 - referentes à Educação de Qualidade
e Redução de Desigualdades.
Considera-se que a formação do ser humano omnilateral impõe o reco-
nhecimento da cultura e da sociedade na qual educador e educandos
estão inseridos, conhecer o signicado das coisas e do mundo à luz da
cultura a qual pertencem, bem como os comportamentos e condutas
que caracterizam os processos sociais que inuenciam a educação como
um todo e delimitam o processo de construção de uma sociedade solidá-
ria e preocupada verdadeiramente com a sustentabilidade.
Basicamente, os estudos se situam no contexto da Educação Popular,
seja na vertente a concebê-la no seio dos movimentos populares, seja na-
quela desenvolvida no contexto do Estado, administrador do excedente
econômico. Os estudos se orientam no contexto da dialogia e Filosoa
da Linguagem de Bakhtin e pelos pressupostos da teoria histórico-cultu-
ral, um vasto arco de princípios teóricos relativos ao pensamento de Vy-
gotsky e seguidores, sendo que a perspectiva educativa de Paulo Freire
se constitui como referência de Filosoa da Educação.
Trata-se de um processo de busca de construção de uma identidade te-
órica para a educação de jovens, adultos e idosos cujo princípio pedagó-
gico fundamental é o da incorporação da cultura e da realidade vivencial
dos educandos como conteúdo ou elemento para orientação da práti-
ca educativa. Assim, o livro é de interesse para a formação inicial de
professores, para docentes que ensinam na EJA e para prossionais das
redes de ensino envolvidos com orientação técnico-pedagógica e forma-
ção inicial ou continuada de educadores.
Na sociedade de classes, a possi-
bilidade de oferecimento de educação
a todas as pessoas depende do grau de
desenvolvimento geral dela, fator de-
terminante para acesso de seus mem-
bros a formas superiores de cultura,
além de sustentar a execução de for-
mas mais complexas de trabalho pro-
dutivo. De fato, o desenvolvimento da
educação é função direta do interesse
da sociedade em aproveitar para seus
ns coletivos a força de trabalho de
cada um de seus componentes. Assim,
a educação não é conquista meramente
individual, mas uma função da socieda-
de. É o processo pelo qual a socieda-
de forma seus membros em função de
seus interesses.
Por certo, o processo de repro-
dução social pela educação envolve con-
tradições já que traz em seu bojo a pos-
sibilidade de adaptação dos indivíduos
ao estado existente, mas igualmente a
perspectiva de progresso, de ruptura
do equilíbrio supostamente existente,
da criação do novo, da transformação
social, enm. É pelo anseio de progres-
so pessoal que as pessoas procuram a
escola, a qual, na sociedade de classes
exerce papel dúbio: pode fomentar a
alienação, mas ao mesmo tempo contri-
bui para a emancipação.
Por isso, há quem compreenda
a Educação Popular como processo sis-
temático de formação, fortalecimento
e instrumentalização das práticas e dos
movimentos sociais e populares, de-
senvolvido fora das amarras do Estado,
portanto. E há quem defenda que o Es-
tado, administrador do excedente eco-
nômico, deva responder pela garantia
do direito inalienável da população à
educação de qualidade socialmente re-
ferenciada.
No Brasil, progressivamente se
consolida a concepção de que a Educa-
ção de Jovens e Adultos EJA - é parte
do movimento da Educação Popular e
que o problema da baixa escolarização
e, principalmente, do analfabetismo de
amplo segmento da população brasilei-
ra não se resolverá sem o envolvimento
de toda a sociedade civil organizada e
o advento de profundas reformas mul-
tiestruturais. Assim, paralelamente ao
Estado educador proliferam-se iniciati-
vas de Educação Popular no âmbito de
entidades de classes, associações de
moradores, sindicatos, partidos polí-
ticos, movimentos de luta pela terra e
por moradia, igrejas, etc.
É com esse olhar que o presente
livro discute a concepção de Educação
de Jovens e Adultos, o seu lugar no âm-
bito da Educação Popular e os princípios
de sua formulação no contexto de mo-
dalidade da educação básica tal como
consolidado na legislação educacional
brasileira.
Programa PROEX/CAPES:
Auxílio Nº 0039/2022
Processo Nº 23038.001838/2022-11
EDUCAÇÃO DE JOVENS, ADULTOS E IDOSOS: Marcos Conceituais, Práticas e Políticas
EDUCAÇÃO DE
JOVENS,
ADULTOS E IDOSOS
Marcos Conceituais
Práticas
Políticas
José Carlos Miguel
Rodrigo Martins Bersi
organizadores


EDUCAÇÃO DE JOVENS, ADULTOS E IDOSOS:
Marcos Conceituais, Práticas e Políticas
Organizadores:
José Carlos Miguel
Rodrigo Martins Bersi
José Carlos Miguel
Rodrigo Martins Bersi
(Orgs)
EDUCAÇÃO DE JOVENS, ADULTOS E IDOSOS:
Marcos Conceituais, Práticas e Políticas
Marília/Oficina Universitária
São Paulo/Cultura Acadêmica
2023
UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA
FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIASFFC
UNESP - campus de Marília
Diretora
Dra. Claudia Regina Mosca Giroto
Vice-Diretora
Dra. Ana Claudia Vieira Cardoso
Conselho Editorial
Mariângela Spotti Lopes Fujita (Presidente)
Célia Maria Giacheti
Cláudia Regina Mosca Giroto
Edvaldo Soares
Marcelo Fernandes de Oliveira
Marcos Antonio Alves
Neusa Maria Dal Ri
Renato Geraldi (Assessor Técnico)
Rosane Michelli de Castro
Conselho do Programa de Pós-Graduação em Educação -
UNESP/Marília
Henrique Tahan Novaes
Aila Narene Dahwache Criado Rocha
Alonso Bezerra de Carvalho
Ana Clara Bortoleto Nery
Claudia da Mota Daros Parente
Cyntia Graziella Guizelim Simões Girotto
Daniela Nogueira de Moraes Garcia
Pedro Angelo Pagni
Auxílio 0039/2022, Processo 23038.001838/2022-11, Programa PROEX/CAPES
Imagem da capa: Foto gratuita (https://www.pexels.com/pt-br/foto/lampada-ao-lado-dos-livros-na-prateleira-
2767814/)
Parecerista: Alberto Luiz Pereira da Costa - Professor adjunto do Instituto de Ciências Exatas, Naturais e Educação da
Universidade Federal do Triângulo Mineiro, atuando no Curso de Licenciatura em Educação do Campo habilitação
em Ciências da Natureza e Matemática
Ficha catalográfica
Serviço de Biblioteca e Documentação - FFC
E24 Educação de jovens, adultos e idosos: marcos conceituais, práticas e políticas / José
Carlos Miguel, Rodrigo Martins Bersi (org.).Marília : Oficina Universitária ;
São Paulo : Cultura Acadêmica, 2023.
399 p. : il.
CAPES
Inclui bibliografia
ISBN 978-65-5954-390-8 (Impresso)
ISBN 978-65-5954-389-2 (Digital)
DOI: https://doi.org/10.36311/2023.978-65-5954-389-2
1. Educação de jovens e adultos. 2. Prática de ensino. 3. Educação popular. I.
Miguel, Jo Carlos. II. Bersi, Rodrigo Martins. III. Título.
CDD 374
_____________________________________________________________________________
Catalogão: André Sávio Craveiro BuenoCRB 8/8211
Copyright © 2023, Faculdade de Filosofia e Ciências
Editora afiliada:
Cultura Acadêmica é selo editorial da Editora UNESP
Oficina Universitária é selo editorial da UNESP - campus de Marília
Agradecimentos
À Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho
UNESP. À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de vel
Superior Brasil (CAPES) Código de Financiamento 001,
Programas de Excelência Acadêmica -PROEX.
Sumário
Apresentação | José Carlos Miguel e Rodrigo Martins Bersi..........................11
Prefácio | Alberto Luiz Pereira da Costa.....................................................31
Projetos de Vida de Pessoas Idosas e a Educação de Jovens e Adultos:
aproximações possíveis............................................................................39
Jefferson Mercadante
Valéria Arantes
Educação Matemática na EJA: o contexto da teoria da atividade de estudo
...............................................................................................................71
José Carlos Miguel
Relações Dialéticas em Paulo Freire e G. W. F. Hegel: práxis educadora
como momento da liberdade.................................................................115
Rafael de Melo Ferreira
Fabrício Mendes Pereira
Implicações da Pandemia COVID-19 na Educação de Jovens e Adultos
.............................................................................................................139
Rafael Seidinger de Oliveira
Daniel Vieira Sant’Anna
Paulo Alexandre Filho
A Importância da Filosofia no Ensino da Educação de Jovens e Adultos
.............................................................................................................163
Maria Caroline Belfante
Educação de Jovens e Adultos (EJA): políticas públicas e ausência de
formação continuada de professores em atividade..................................181
Alexandra Rocha Okidoi Felipe
Elma Karine Costa Cardoso
Rafaela Carneiro de Farias
A Pesquisa na Formação Inicial do Professor: possibilidades de dlogos com
a Educação de Jovens e Adultos.............................................................215
Fábio Borges dos Santos
Manuela Cristina Torcia Moreti
A Luta Histórica da Educação Popular pelo Direito a EJA: abordagem
filosófica sobre o tema da tolerância.......................................................235
Letícia Florêncio Vieira
Jessyca Eiras Jatobá Santos
EJA: uma educação para humanização...................................................253
Letícia de Campos Lauretti da Silva
Shirlei Calógero de Araújo de Oliveira
Renata de Fátima Fazolin Ferres de Souza
Por uma Metodologia da Amorosidade nas Práticas de Alfabetização da
EJA: cotejos entre Freire e Bakhtin........................................................275
Ana Caroline Chepak de Souza Ferreira
Diversidade no Contexto da Educação de Jovens e Adultos....................301
Julinha Aparecida Andrade de Souza Mello
Mirtes Rose Andrade de Moura Mariani
Avaliação da e para as Aprendizagens na Educação de Jovens e Adultos
(EJA): mudanças no percurso formativo................................................325
Luiz Felipe Garcia de Senna
Rodrigo Aparecido Ribeiro da Silva
Educação de Jovens e Adultos entre Tecnologias Digitais e Políticas blicas
em São Paulo........................................................................................357
Rodrigo Martins Bersi
João Paulo Francisco de Souza
A Importância do Ler e Escrever na EJA: relato com uma turma do interior
paulista.................................................................................................377
Yngrid Karolline Mendonça Costa
William da Silva Pasini
11
Apresentão
O livro “Educação de Jovens, Adultos e Idosos: marcos
conceituais, práticas e políticas” se constitui em esforço coletivo de
docentes e discentes da UNESP, Câmpus de Marília, para contribuir
no sentido de maior inserção da Educação Popular e particularmente
da Educação de Jovens e Adultos (EJA), enquanto oferta obrigatória
pelo Estado, no contexto do debate acadêmico e político.
É fato que a educação de jovens, adultos e idosos
progressivamente se coloca como amplo espaço de reflexões teóricas,
mas ainda se nota certo descaso das políticas públicas, seja no sentido
de reconhecimento dessa instância da educação básica, seja para com
as implicações inerentes ao tão propalado objetivo de desenvolvi-
mento social e econômico na realidade brasileira. Contradito-
riamente, observa-se o fenômeno do fechamento de salas de aula e a
consequente redução de vagas na EJA, a exigir em algumas situações
a intervenção judicial para a garantia do direito inalienável à
escolarização, reconhecido na Constituição Federal e na legislação
educacional dela decorrente.
Reconhecidamente, vivemos um tempo no qual a
desigualdade e a discriminação social progressivamente se tornam
politicamente aceitas, arrefecendo de certo modo a atuação de agentes
sociais e políticos nesse contexto, de modo que ao movimento de
enfrentamento se impõe força cada vez maior dentro e fora do
contexto institucional, exigindo uma nova epistemologia política.
https://doi.org/10.36311/2023.978-65-5954-389-2.p11-30
12
Não se consolida esse movimento sem a efetividade de políticas
públicas definidas com o objetivo de superação de, entre todos os
indicativos de exclusão, dois dos mais evidentes, o analfabetismo e a
baixa taxa de escolarização de amplo segmento da população
brasileira, seguramente dimensões da vida nacional a envolverem
maior contingente de sujeitos.
No conjunto dos textos a compor a coletânea, firma-se a
convicção de que para além da dimensão política, o movimento
necessário preconiza um encaminhamento teórico e metodológico
que se pauta por uma contínua vinculação entre educação e
sociedade. Impõe o reconhecimento da especificidade da Educação
Popular, caracterizada pela diversidade, a exigir o reconhecimento da
identidade cultural e das histórias de vida.
Assim, a transformação da realidade marcada pela exclusão
educacional deve ter como partida a prática social na qual docentes e
discentes podem se posicionar diferentemente porquanto são agentes
sociais diferenciados; a problematização como reflexão acerca de
questões que precisam ser resolvidas e o conhecimento necessário para
tanto; a apropriação de instrumentos teóricos e práticos necessários
ao equacionamento dos problemas postos pela prática social; a catarse
como efetiva incorporação dos instrumentos culturais, transformados
agora em elementos ativos da transformação social; e, por fim, a
própria prática social, com a ascensão dos alunos ao vel sintético no
qual se encontrava o professor no ponto de partida, de modo a reduzir
também a precariedade da ntese dialética, por uma compreensão
mais orgânica. Diversos estudiosos, como o leitor poderá constatar no
livro, abordam essas questões, uma herança acadêmica a se estabelecer
principalmente a partir do legado de Paulo Freire.
13
Por certo, várias definições de educação põem em destaque a
ideia de transmissão de conhecimento, de socialização dos bens
culturais, estabelecendo como o seu objetivo principal o exercício da
cidadania. Compreende-se, então, a educação como uma ação
transformadora que tem como referencial o ideário de pessoa
humana, buscando fazer prevalecer valores que lhes são inerentes tais
como a dignidade, o respeito e o seu aprimoramento, a partir de
características e peculiaridades individuais.
Assim, a cultura pode ser compreendida como o produto, o
resultado, a modificação que ocorre no sujeito ou no meio ambiente
em função da ação do seu imaginário, da sua educação ou da sua
instrução. Seria a resultante da construção do sujeito que se tornará
culto ao enriquecer a sua personalidade pela apropriação de saberes
academicamente constituídos e politicamente situados, tendo
apreendido os modos de viver de seu povo e a capacidade de utilização
das conquistas tecnológicas de sua geração.
Sob o nosso ponto de vista, em uma sociedade de classes a
educação cumpre duplo papel absolutamente contraditório, ora
contribuindo para a transformação social, ora reforçando o papel de
alienação, a depender das ações postas em prática, dos sujeitos e
invariantes envolvidos. Igualmente, é possível dizer que cultura é um
conceito bilateral, ou seja, o homem cria a cultura e é influenciado
por ela. Ambos os conceitos se referem à socialização, isto é,
pressupõem o preparo do homem para o desempenho de papéis
necessários ao ajustamento social, à sua inclusão como membro de
uma determinada cultura.
Por isso, a cultura pensada como o movimento de luta política
constitui grupos, de modo que a significação da cultura popular
14
resulta da polarização ideológica na afirmação de uma cultura contra
a outra.
A consolidação das relações entre cultura, educação, sociedade
e democracia pressupõe a formação de cidadãos preparados para a
participação ativa nos procedimentos de tomada de decisão e de
controle do exercício de poder. Isso traz consequências para a
organização dos currículos da educação básica, ainda marcados pela
perspectiva tecnicista, pelo paradigma técnico-linear, claramente
voltado para a instrumentalização do mercado de trabalho. Se isto é,
de certo modo, necessário, até por contemplar o desejo das pessoas
por empregabilidade, também o é almejar uma tendência curricular
orientada pelo paradigma dinâmico-dialógico, cuja dimensão de
abordagem é a linguagem, seja na vertente de busca do consenso entre
as pessoas, seja na vertente relativa ao exercício do poder político.
Pensar deste modo traz consequências para a organização das
instâncias de formação, seja a escola, sejam os movimentos sociais:
compreender a amplitude real do processo de apropriação de
conhecimento, isto é, que não se aprende apenas e tão somente na
escola; ampliar o espectro da tomada de decisão; acreditar que a
apropriação de conhecimento é algo prazeroso; e, que todo
conhecimento, de caráter científico ou comunitário, deve ser
valorizado, o que implica na criação de ambientes colaborativos de
ensino, aprendizagem e liderança.
Isso é o que sustenta os anseios de construção de uma
sociedade democrática, livre e plural, dotada do atributo da tolerância
e do respeito pelo outro e pelas diferenças. O momento nacional é
altamente propício para essa reflexão.
15
A formação do ser humano omnilateral impõe o
reconhecimento da cultura e da sociedade na qual educador e
educandos estão inseridos, conhecer o significado das coisas e do
mundo à luz da cultura a qual pertencem bem como os
comportamentos e condutas que caracterizam os processos sociais que
influenciam a educação como um todo e delimitam o processo de
construção de uma sociedade solidária e preocupada verdadeiramente
com a sustentabilidade.
Está posto o fato de a educação, por si, não ter o condão de
mudar o mundo, mas pode transformar mentalidades, contribuindo
para o advento de uma nova cultura com valores que se voltam para
a humanização, para o respeito à natureza e para o desenvolvimento
sustentável e solidário. Vida, ciência, cultura e democracia são valores
universais, mas um depende do outro para se completar.
Não por acaso, a educação é concebida como o processo pelo
qual a sociedade forma seus membros à sua imagem e em função de
seus interesses. Nenhum educador consciente de sua responsabilidade
profissional pode negar que a educação tem caráter intencional e
consolida um processo histórico, existencial e cultural tal como se
sustenta no legado cultural deixado por Freire (2011)
1
. Mais que um
método, o legado de Freire, em seu conjunto, representa para nós uma
Filosofia de Educação. E uma tremenda contribuição cultural para o
desenvolvimento dos povos de todo o mundo.
Considerar de forma articulada as relações entre educação,
cultura, ciência e democracia implica em pensar a formação de um
1 FREIRE, Paulo. Ação Cultural para a Liberdade e outros escritos. São Paulo: Paz
e Terra, 2011.
16
sujeito capaz de revisões, de reinterpretações, o despojamento de
preconceitos, a argumentação segura e respeitosa, a capacidade de
diálogo, a preocupação com os fenômenos sociais e naturais.
Constitui ação processual cuja marca fundamental é o
encontro de consciências no ato da aprendizagem haja vista que a
educação, elemento fundamental da cultura de um povo, é uma
socialização de uma consciência a outra, de alguma coisa que um
se apropriou e o outro ainda não. Implica uma transformação de
personalidade porque modifica a personalidade do educador e
simultaneamente a dos educandos.
Nesse sentido, a articulação necessária entre educação,
ciência, cultura e democracia parece exigir a superação da visão
tradicional de que é o desenvolvimento do ser humano que conduz à
aprendizagem para assumir o corolário de que é a aprendizagem que
conduz ao desenvolvimento da condição humana no sentido
preconizado pela teoria histórico-cultural.
Por isso, a socialização do conhecimento, a depender da forma
como for conduzida ou vivenciada e dos espaços de ocorrência, pode
direcionar comportamentos e condutas das pessoas e tomando como
base o conceito de cultura subjetiva ela envolve o modo como uma
pessoa interpreta a realidade, incluindo as suas crenças, valores e
caracteres de personalidade. Isso explica em grande monta o
negacionismo e o obscurantismo marcantes no momento nacional.
De fato, a cultura possibilita a constituição de uma visão de
mundo, a qual se materializa no processo de civilização. É uma
construção complexa envolvendo conhecimentos, crenças, arte,
moral, costumes, leis e outros hábitos e capacidades adquiridos pela
pessoa humana em uma dada sociedade.
17
Com base nessas ideias e relações conceituais, a coletânea de
textos que ora apresentamos envolve universo teórico amplo, mas rico
em nuances e matizes do processo educativo. Passemos, então, a
enunciar os fundamentos básicos de cada um dos estudos que o
compõem.
No primeiro capítulo da coletânea, denominado Projetos de
Vida de Pessoas Idosas e a Educação de Jovens e Adultos:
aproximações possíveis”, os autores Jefferson Mercadante e Valéria
Arantes buscam aproximar a Educação de Jovens e Adultos na
perspectiva da Educação ao Longo da Vida das recentes pesquisas
acerca de projetos de vida de pessoas idosas, partindo do pressuposto
de que a velhice é um fenômeno heterogêneo e desigual e de que a
capacidade de realização de projetos é um processo inerente à
condição humana, independente, portanto, da fase ou momento de
vida do sujeito. Para tanto, primeiramente foi realizada importante
revisão de literatura acerca dos pressupostos fundamentais desse
debate: a velhice e o processo de envelhecimento; a Educação de
Jovens e Adultos na perspectiva da educação como um direito de
todos; e o conceito de projetos de vida. Em seguida, a investigação
compreendeu uma etapa bibliográfica, na qual se apresentou o
levantamento bibliográfico de pesquisas em nível de mestrado e
doutorado registradas na Biblioteca Digital Brasileira de Teses e
Dissertações que tratam da temática de projetos de vida de pessoas
idosas estudantes da Educação de Jovens e Adultos. Os resultados
apontam a educação como uma importante ferramenta para a ruptura
com o paradigma de uma velhice desprivilegiada de sentido, abrindo
possibilidades para pensar um novo modo de envelhecer, com
respeito às expectativas, sonhos e projetos de vida das pessoas idosas.
18
Verificou-se, contudo, que ainda são raras no Brasil as pesquisas com
ênfase nessa temática, sobretudo quando se considera o sujeito da
Educação de Jovens e Adultos. Desse modo, buscaram lançar luz
sobre os processos de envelhecimento com a construção e/ou
ressignificação de projetos de vida de pessoas idosas estudantes da
Educação de Jovens e Adultos com vistas ao fortalecimento de uma
perspectiva educacional que entende a educação como engrenagem
da transformação social e, por isso, defendem o acesso a contextos
educativos de qualidade como contributo aos processos de
envelhecimento com sentido para além de si.
Por sua vez, José Carlos Miguel, no texto “A educação
matemática na EJA no contexto da teoria da atividade de estudo”,
aborda o encaminhamento didático-pedagógico necessário para a
formação de conceitos matemáticos, considerando-se a prevalência no
ensino de Matemática de suas dimensões empírica, instrumental e
utilitária, as quais pouco contribuem para o desenvolvimento efetivo
do pensamento teórico, este definido no contexto do estabelecimento
de relações e de coordenação de ações. O autor parte da hipótese de
que a atividade de estudo é fator determinante para a formação dos
educandos por exercer papel preponderante na formação dos
conceitos e na constituição do pensamento teórico. Para isso,
desenvolve ampla pesquisa bibliográfica em repositórios de artigos
científicos, teses e dissertações, bem como o levantamento de
indicadores de desempenho dos estudantes e análise documental
acerca do conceito e da estrutura da atividade de estudo e do conteúdo
matemático envolvido, enfatizando-se as dinâmicas entre os sujeitos
no ambiente escolar, caracterizando essa cultura e as perspectivas
teórico-metodológicas para a sua transformação. Foram levantados
19
dados sobre baixo rendimento escolar na área do conhecimento tendo
como base os indicadores de avaliação em larga escala, os invariantes
dos processos de formação inicial e continuada de educadores e
marcas dos processos de difusão do conhecimento matemático na
escolarização inicial. Os resultados indicam que a formação do
pedagogo que ensina Matemática nesse vel de ensino exige além da
compreensão dos processos didático-metodológicos, os
conhecimentos específicos desta ciência para ter a condição de
ensinar. Assim, o pensamento empírico se forma nas relações diretas
com a realidade objetiva, apropriando-se do conhecimento imediato
e disposto nas propriedades concretas e sensoriais do objeto. No
entanto, se o pensamento empírico não é suficiente para o pleno
desenvolvimento das funções intelectuais, também não pode ser
compreendido como uma representação verbal qualquer, percebida
imediatamente pelas vias sensoriais. Ele sempre tem um papel no
processo, mas é preciso reconhecer que um pensamento racional,
cognoscitivamente complexo e formado a partir de bases empíricas,
ou seja, o pensamento teórico avança, sendo concebido por
intermédio da formação de conceitos teóricos e científicos, os quais
são refletidos em ações mentais. O que impõe a transformação da
cultura escolar.
Rafael de Melo Ferreira e Fabrício Mendes Pereira, no terceiro
capítulo, apresentam instigante discussão denominada Relações
Dialéticas em Paulo Freire e G. W. F. Hegel: Práxis Educadora como
Momento da Liberdade” na qual buscam compreender os paralelos,
através das semelhanças e diferenças estabelecidas, entre os
pensamentos de Paulo Freire e G.W. F. Hegel, visando contribuir
para a prática educacional como ação libertadora. Estabelecem que
20
ambos buscam responder os problemas diferentes e característicos de
seu tempo. E, por isso, tomaram caminhos diferentes para respondê-
los. De modo geral, defendem que pode-se compreender que ambos
os autores analisam as relações humanas como relações dialéticas
intimamente ligadas. Concordam que ninguém está no mundo e,
portanto, estão colocados, ora como iguais, ora como opostos.
Concluem no estudo que a educação surge, para cada um, como o
momento no qual o indivíduo se percebe como livre. A diferença
entre ambos está no modo como a libertação e a educação se
relacionam.
No desenvolvimento do artigo denominado Implicações da
Pandemia da Covid-19 na Educação de Jovens e Adultos” os autores
Rafael Seidinger de Oliveira, Daniel Vieira Sant’Anna e Paulo
Alexandre Filho estabelecem que diante da pandemia da Covid-19,
ações de saúde tiveram que ser introduzidas junto à população como
estratégia para frear a contaminação do Coronavírus que se espalhava
bruscamente. Sendo assim, vários setores da sociedade foram
impactados de alguma maneira. Na área da educação, as aulas
presenciais foram interrompidas e passaram a acontecer de forma
remota com o auxílio das tecnologias, sendo que ante a essa mudança,
os problemas sociais se tornaram ainda mais nítidos, principalmente
para os estudantes que se encontram em situação de vulnerabilidade,
onde se concentra grande parte dos alunos da Educação de Jovens e
Adultos (EJA). Logo, este estudo promove uma reflexão sobre as
dificuldades enfrentadas por esses alunos em um contexto de
pandemia. Para tanto, foi realizada uma pesquisa bibliográfica em
artigos científicos e feita uma análise documental em documentos do
Ministério da Educação a fim de analisar os obstáculos enfrentados
21
por eles. Como método de pesquisa foi realizada uma triangulação
das fontes de obtenção de dados com informações de pesquisas que
aconteceram na Região Sul, Norte e Nordeste do Brasil. Neste
sentido, foram observadas semelhanças entre as dificuldades
encontradas pelos estudantes da EJA, bem como sinalizados alguns
motivos da evasão desses alunos.
Maria Caroline Belfante escreve o capítulo denominado “A
importância da Filosofia no ensino da Educação de Jovens e Adultos”.
Este trabalho debate a importância do ensino de filosofia na educação
de jovens e adultos e seus múltiplos aspectos, como sua relevância
para o desenvolvimento cultural, a criação de consciência crítica,
compreensão e defesa da democracia e a luta pela disseminação e
prevalência da ciência contra as fake news na pandemia. Os alunos da
EJA são, em sua maioria, pessoas de maior vulnerabilidade social, logo
a filosofia permite que essas pessoas possam desenvolver um
pensamento crítico e autônomo sobre sua realidade. Para o
desenvolvimento deste trabalho, o método utilizado foi a pesquisa
bibliográfica e a análise documental sobre os dramas e as tramas a
envolverem a situação na qual todo o mundo se viu repentinamente
situado. Como resultado efetiva-se uma reflexão sobre a relevância
desta disciplina para o desenvolvimento educacional pleno dos
alunos.
Discutir a formação de educadores para a EJA é a preocupação
central de Alexandra Rocha Okidoi Felipe, Elma Karina Costa
Cardoso e Rafaela Carneiro de Freitas no artigo denominado
“Educação de Jovens e Adultos (EJA): políticas públicas e ausência de
formação continuada de professores em atividade”. Nele, as autoras
discutem elementos da formação de professores para a Educação de
22
Jovens e Adultos (EJA), as políticas blicas voltadas para essa ação e
as dificuldades provocadas pela ausência de formação específica para
esses docentes. Como fundamentação teórica, realizaram uma
pesquisa bibliográfica com autores que se ocupam com a temática,
contribuindo com reflexões importantes sobre as políticas públicas e
a necessária formação continuada dos docentes da EJA, temática
ainda pouco presente na formação inicial de educadores. A conclusão
a que chegamos é que de fato persistem os desafios e as dificuldades
relativamente a este tipo de educação, assim como confirma a
necessidade de formação urgente e necessária de todos os envolvidos,
a partir do interior da própria escola.
No desenvolvimento do estudo “A Pesquisa na Formação
Inicial do Professor: possibilidades de diálogos com a educação de
jovens e adultos” os autores Fábio Borges dos Santos e Manuela
Cristina Torcia Moreti procedem a reflexões acerca de possibilidades
de contribuição do estudo da Educação de Jovens e Adultos durante
a formação inicial do professor, tal como possibilidade de elucidação
do papel mediador e humanizado que este profissional deve ter
durante toda sua trajetória profissional. Apresentam também
referencial teórico relevante sobre a temática e discutem o seu lugar
de destaque na formação inicial do professor, bem como as
contribuições que a Educação para Jovens e Adultos apresentam nesse
sentido.
Letícia Vieira Florêncio e Jessyca Eiras Jato Santos fazem
no capítulo denominado “A Luta Histórica da Educação Popular pelo
Direito à EJA: abordagem filosófica sobre o tema da tolerância” uma
interessante reflexão a respeito da insuficiente atenção dedicada à
educação das pessoas jovens adultas e idosas (EJA) inseridas num
23
movimento histórico de exclusão promovido pelo Estado, que com a
indefinição de uma efetiva política nacional para esta modalidade de
ensino, provoca a invisibilidade daqueles que não se enquadram no
ideal de humanidade hegemônico (seja ele em termos culturais,
epistêmicos ou de padrões de funcionamento). Em meio a esta trama
se acentua a exclusão de modo a perpetuar as desigualdades existentes
no contexto social brasileiro. Nesse sentido, a visão promovida pela
Educação Popular na década de 1960 no Brasil promove novos ares,
ao trazer a reinvenção da criatividade e do compromisso com a
educação, voltando-se para as especificidades das pessoas jovens,
adultas e idosas analfabetas inseridas em diversos contextos de
diferentes culturas compondo a sociedade brasileira sendo, elas
mesmas, produtoras de cultura, uma vez que ante a tantas ausências
do Estado, articulam e buscam adquirir saberes justamente porque o
conhecimento sobre as dinâmicas das opressões que as interconectam
é essencial para sua sobrevivência como titulares de direitos. Neste
sentido, as autoras analisam filosoficamente a relação do Estado e as
restritas medidas para garantia do direito público e subjetivo à
educação para as pessoas jovens adultas e idosas, estudantes da EJA,
face à política neoliberal de conceber a Educação como uma
mercadoria, revelando intolerância com os arcabouços teóricos
reunidos junto aos movimentos sociais, especialmente o Movimento
de Educação Popular.
O texto produzido por Letícia de Campos Lauretti da Silva,
Shirlei Calógero de Araújo de Oliveira e Renata de Fátima Fazolin
Ferres de Souza promove interessante reflexão sobre a Educação de
Jovens e Adultos em uma perspectiva dialógica e humanizadora.
Trata-se de composição resultante de ações formativas e de atuação
24
profissional, considerando as discussões sobre o valor das vivências
dos jovens e adultos em seu processo de desenvolvimento humano. A
pesquisa é composta por uma análise bibliográfica e documental,
estabelecendo que os resultados das reflexões elaboradas apontam
para repensar o diálogo e a escuta nas salas de aulas da EJA, a fim de
conhecer os saberes e as vivências dos alunos dessa modalidade da
educação como ponto de partida para avançarem nas aprendizagens
essenciais ao processo de humanização de jovens e adultos.
Ana Caroline Chepak de Souza Ferreira, em artigo
denominado “Por uma Metodologia da Amorosidade nas Práticas de
Alfabetização da EJA: cotejos entre Freire e Bakhtin cumpre bem o
objetivo declarado de estabelecer um diálogo entre os teóricos,
buscando trazer suas proposições acerca da apropriação da leitura e da
escrita numa perspectiva humanizadora, dialógica e de valorização do
outro. Para tanto, a autora explora os conceitos bakhtinianos e
freireanos que concernem ao campo da linguagem, atentando o olhar
à singularidade do diálogo e à sua importância como ponto de partida
na construção do conhecimento científico; e, num segundo
momento, se debruça sobre as possibilidades de práticas nas salas de
aula da EJA, destacando a importância da relação professor-aluno no
processo de ensino-aprendizagem. Nas considerações finais estabelece
que as práticas de alfabetização da EJA ora pendem para o lado de
ações infantilizadas, ora pendem para uma reprodução do Ensino
Médio; nesse sentido, destaca a ausência de políticas blicas capazes
de valorizar as especificidades da EJA. Além disso destaca a
importância da alfabetização como um grande diálogo amoroso, que
permita a construção de sentidos a cada educando, e consequente-
mente, sua pronúncia de mundo.
25
É no contexto de indefinições que pairam sobre a EJA no
atual momento histórico que Julinha Aparecida Andrade de Souza
Mello e Mirtes Rose Andrade de Moura Mariani abordam em seu
texto “Diversidade no Contexto da educação de Jovens e Adultos” a
Educação de Jovens e Adultos como uma modalidade de ensino que
ultrapassa a concepção de formação para o letramento e deve ser
concebida como um processo de formação direcionado à
emancipação dos sujeitos. Com base nesse pensamento, discutem
como problemática central a necessidade de que a diversidade seja
discutida e refletida no contexto da Educação de Jovens e Adultos
(EJA). Trataram como objetivo geral analisar a questão da diversidade
no contexto da educação de jovens e adultos no Brasil. Procederam a
um aprofundamento e contextualização histórica sobre a EJA no
contexto brasileiro; exploraram aspectos relacionados à diversidade no
contexto educacional de jovens e adultos; e, por fim, desenvolveram
algumas reflexões sobre a efetivação da EJA e possíveis caminhos para
uma escolarização formativa e emancipatória. A metodologia
utilizada para o desenvolvimento do artigo envolveu caráter teórico
exploratório, com abordagem qualitativa, consistindo em uma revisão
bibliográfica. Verificaram a importância da EJA para a sociedade
constatando, porém ainda existirem muitos obstáculos a serem
superados para que se torne um espaço de ensino e aprendizagem
voltado para a emancipação dos sujeitos, por meio de uma formão
ampla, diversa, ética e critica.
Luiz Felipe Garcia de Senna e Rodrigo Aparecido Ribeiro da
Silva nos brindam no capítulo denominado “Avaliação da e para as
aprendizagens na Educação de Jovens e Adultos (EJA): mudanças no
percurso formativo” com importante debate ainda a carecer de
26
aprofundamento na EJA. Neste trabalho apresentam reflexões de dois
professores de Língua Portuguesa sobre o papel da avaliação das e para
as aprendizagens na Educação de Jovens e Adultos (EJA) a partir dos
relatos de experiência dos docentes. Consideram tratar-se de uma
modalidade de ensino que atende a um público heterogêneo e que o
planejamento pedagógico precisa dialogar com isso. A avaliação é
uma prática social presente dentro e fora das instituições de ensino,
sendo que os alunos da EJA trazem consigo representações baseadas
nas vivências anteriores de escolarização. Segundo os autores, cabe,
então, ao professor da EJA oportunizar situações diferenciadas de
ensino e avaliação que proporcionem novas e boas vivências para os
estudantes. A metodologia da produção é qualitativa e a análise foi de
caráter descritiva, que os dados apresentados resultaram das
experiências dos professores/autores. Por fim, declaram esperar que o
trabalho contribua com as discussões sobre avaliação na EJA e reforce
que a modalidade pode e deve ser trabalhada fora de modelos
tradicionais, dialogando, assim, com a realidade dos educandos.
No texto denominado Educação de Jovens e Adultos entre
tecnologias digitais e políticas públicas em São Paulo” os autores
Rodrigo Martins Bersi e João Paulo Francisco de Souza discutem,
com base em análise bibliográfica e documental, aspectos das políticas
públicas para a EJA, organizando um conjunto de interessantes
reflexões sobre a inter-relão dialética entre as tecnologias digitais de
informação e comunicação e a EJA. O artigo reflete criticamente
sobre a formação histórica da EJA, analisando com propriedade os
Centros Estaduais de Educação de Jovens e Adultos (CEEJA) no
estado de São Paulo, as consequências de alinhamento da EJA à Base
Nacional Comum Curricular, os limites e as possibilidades da EJA a
27
Distância e do advento das tecnologias digitais como suportes de
linguagem em atividades de letramento digital. Concluem afirmando
que a formação histórica da EJA como campo de reflexões teóricas e
de políticas públicas revela embates entre concepções nesta área do
conhecimento, influenciando a construção curricular, a produção de
materiais didáticos, os constructos legais, o financiamento e os
objetivos da EJA.
Yngrid Karolline Mendonça Costa e William da Silva Pasini,
profissionais de uma rede que desenvolve ações na EJA, buscam na
pesquisa acadêmica elementos para (re)pensarem as práticas vigentes,
em busca de aperfeiçoamento pessoal e profissional. Com esse
intento, buscam na pesquisa bibliográfica, na análise documental e no
relato de sujeitos da EJA subsídios necessários para o ensino da leitura
e escrita, um campo pesquisado por eles desde a graduação e agora,
com experiência em EJA, procuram explorar melhor sobre a
compreensão que os alunos matriculados em uma das escolas dessa
rede de ensino dissertam a respeito da importância do ler e do escrever
para suas vidas, além de compreender os motivos que os levaram à
escola novamente. O texto que apresentam traz indicativos relevantes
para a organização dos programas de ensino nessa área do
conhecimento, sugerindo o cuidado necessário com a percepção dos
sujeitos, com o autoconceito que desenvolvem, com o resgate de sua
identidade cultural e histórias de vida.
Como encaminhamento à guisa de conclusão da apresentação
da obra, cumpre estabelecer, portanto, sua persecução na definição e
consideração das motivações que levam jovens e adultos à escola,
marcando a postura frente aos conhecimentos, bem como as formas
de percepção da realidade. A diversidade de interesses, costumes,
28
valores e atitudes são identificadas, por vezes, como elementos que
dificultam as relações pessoais e o próprio desenvolvimento da aula.
Desconsiderar a diversidade cultural e a singularidade dos sujeitos da
EJA pode fazer com que qualquer situação fora de um padrão previsto
seja tratada como desvio, como problema do educando, e não um
desafio político-pedagógico para a escola.
Reconhecer a diversidade e a singularidade com vistas ao
acolhimento dos jovens e adultos da EJA requer da instituição escolar
despir-se de preconceitos, ter disponibilidade, munir-se de informa-
ções, propiciar reflexões e, caso necessário, buscar ajuda de outros
profissionais e instâncias da sociedade civil.
Contribuir para o desenvolvimento das potencialidades dos
jovens e adultos da EJA pressupõe o respeito às suas necessidades
específicas e aos saberes construídos ao longo da vida. Não se trata de
preencher vazios daquilo que não estudaram quando crianças, mas de
proporcionar aprendizagens que possibilitem a maximização de seu
desenvolvimento intelectual, para a efetiva compreensão da realidade
vivida com vistas à sua transformação.
É pelo estímulo, pela valorização e pela oferta de subsídios
para enriquecimento das manifestações e produções dos alunos que
se pode contribuir para que eles se reconheçam como produtores de
cultura, como sujeitos de direitos.
Acolher os sujeitos da EJA é tarefa complexa que envolve lidar
com emoções, motivações, valores e atitudes, responsabilidades e
compromissos. Impõe valorizar os conhecimentos que trazem para a
escola, o processo de socialização nas situações de ensino e de
aprendizagem, as dúvidas, as inquietações, as realidades sociocul-
29
turais, a jornada de trabalho sempre exaustiva e os eventuais
desencontros de trajetórias escolares anteriores.
O sujeito educando da EJA é alguém que evolui e se
transforma continuamente; seu processo de desenvolvimento
intelectual relaciona aprendizagem, interação com o meio social e os
processos de mediação. Por vezes, o seu autoconceito minimiza suas
próprias capacidades, manifesta insegurança, teme ser ridicularizado
e se declara incapaz de aprender. E tem pressa, mantendo com o
conhecimento uma relação imediatista, geralmente desconsiderando
aquilo que não como de utilidade imediata.
Para ensiná-los impõe-se um professor que reconheça a
atualidade do legado da EJA, seja capaz de refletir sobre a sua
singularidade, pense a educação como direito humano e como ato de
humanização. E que seja epistemologicamente curioso, como diria
Paulo Freire...
Por fim, esperamos que o livro possa contribuir para o debate
sobre a EJA, estimulando a reflexão de gestores, docentes, discentes e
outros estudiosos acerca de uma problemática educacional a exigir
diversos olhares para melhor encaminhamento.
Desejamos uma boa leitura a todos.
José Carlos Miguel
Rodrigo Martins Bersi
Organizadores
30
31
Prefácio
Alberto Luiz Pereira da Costa
1
“(...) estamos no momento de não silenciar em face
do discurso que diz da impossibilidade de mudar o
mundo porque a realidade é assim mesmo”
(Paulo Freire).
Educação Popular como um sonho para o
futuro de possibilidades...
Sonhar a Educação Popular hoje é uma semente para ser
cultivada nos nossos lares, quintais e até nos jardins comunitários.
Tenho um carinho especial pelas concepções freireanas. No meu
tempo de menino na escola básica, estudei os anos finais do Ensino
1
Graduação em Licenciatura em Matemática pela Faculdade de Ciências e
Tecnologia da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, FCT,
Unesp, mpus Presidente Prudente, Mestrado em Educação para Ciência e a
Matemática pelo Centro de Ciências Exatas da Universidade Estadual de Maringá,
UEM | PR, Doutorado em Educação pela Faculdade de Ciências e Tecnologia da
Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, FCT, Unesp, Câmpus
Presidente Prudente, Pós-doutoramento em Sociologia na Faculdade de Economia
da Universidade do Algarve | PT. Professor Adjunto II vinculado ao Departamento
de Educação em Ciências, Matemática e Tecnologias do Instituto de Ciências
Exatas, Naturais e Educação da Universidade Federal do Triângulo Mineiro.
Coordenador do Programa Interfaces entre Artes, Ciências & Matemática e do
Laboratório Lematec |UFTM.
https://doi.org/10.36311/2023.978-65-5954-389-2.p31-38
32
Fundamental II em uma Escola da Secretaria Municipal de Educação
da Prefeitura de São Paulo que foi inaugurada na gestão da Prefeita
Luiza Erundina e na época Paulo Freire era o Secretário de Educação
do Município de São Paulo. Naquele momento, com a inauguração
de uma escola municipal na periferia de São Paulo, foi um período
especial e de alegria para toda a comunidade do bairro, pois a escola
apresentava uma arquitetura inovadora, com sala de leitura, um pátio
grande, quadra para esporte, cozinha, área verde, sala de aula
equipada com televisão e vídeo cassete, entre outros aparatos que a
escola foi beneficiada na gestão de Paulo Freire. Realmente uma
revolução no local, pois naquela ocasião o bairro tinha apenas uma
escola municipal de pequena estrutura, de madeira do Ensino
Fundamental I.
quando iniciei na carreira de professor (PEB II) da escola
básica, em meados dos anos 2000 fui trabalhar no Projeto de
Educação de Jovens e Adultos em uma Escola da Secretaria Estadual
de Educação na periferia de São Paulo, mais especificamente no
externo sul da zona sul, região de Parelheiros/SP, lugar que morei
durante um bom tempo de minha vida. Para atuar na Educação de
Jovens e Adultos é preciso da pedagogia do compromisso, e demanda
um exercício permanente de criticidade, de compromisso popular
perante a comunidade e nas ações educativas e formativas.
Aceitei o desafio de prefaciar o livro “Educação de jovens,
adultos e idosos: Marcos Conceituais, Práticas e Políticas organizado
pelos professores Dr. Jo Carlos Miguel e Prof. Me. Rodrigo Martins
Bersi, pois é uma temática essencial no processo de formação para
futuros profesores. Ao ter contato com este livro revisito a minha
trajetória de professor, e reflito o quanto a EJA esteve e ainda está
33
presente no meu ciclo de formação e nos projetos de extensão
universitária e de pesquisa que desenvolvo na universidade que
trabalho. Desejo que este despertar de lembranças também seja uma
experiência para você leitor. Pois, este tema requer coragem para
atuação, haja vista que os projetos de Educação Popular e de
Educação de Jovens e Adultos são considerados “projetos menores” e
até mesmo projetos marginais no âmbito da investigação e
investimentos.
Geralmente, quando se fala nestas políticas públicas, estamos
também falando a respeito da justiça social, dos direitos humanos e
da própria responsabilidade que o estado tem para a formação de
milhares de pessoas que viveram e vivem à margem do contexto
educacional. Abordar este tema é emergente, e a pedagogia deve
reformular perguntas que sejam coerentes e motivadoras no que diz
respeito a expansão do conhecimento para este público alvo. Pessoas
que não puderam estudar na idade certa, efetuam sua matrícula em
cursinhos populares ou na Educação de Jovens e Adultos para se
aperfeiçoarem pelo currículo escolar. É justo o incentivo de abertura
de salas de aula no período noturno para abraçar a comunidade
trabalhadora que tanto clama pela alfabetização, pela leitura, pelo
conhecimento na resolução de problemas matemáticos e científicos.
O discurso ideológico, com os dizeres que não é possível abrir
novas salas de aula em escolas estaduais e municipais, é um discurso
do descaso, do abandono, da exclusão, do individualismo que impera
nas camadas social, econômica e política brasileira. É histórico o
abandono com a educação brasileira, não é por acaso que ainda hoje
temos milhares de pessoas jovens, adultas e idosas que não sabem ler
e nem escrever ou são analfabetos funcionais. Um absurdo!
34
A obra intitulada “Educação de jovens, adultos e idosos:
Marcos Conceituais, Práticas e Políticas” é dividida em 14 capítulos,
com uma apresentação e um prefácio. Os organizadores comentam
na apresentação que a obra é um esforço de docentes e discentes do
Programa de Pós-Graduação em Educação da Unesp Câmpus
Marília e com apoio financeiro da CAPES. O livro é uma
contribuição para Educação Popular e particularmente para a
Educação de Jovens e Adultos, uma vez que estas políticas públicas de
educação requerem maior atenção no meio acadêmico.
Estamos vivenciando um momento que precisamos cada vez
mais escrever a respeito de nossa prática pedagógica, e este material
vem nesta direção apresentando projetos exitosos que foram
desenvolvidos por professores e professoras, e seus orientandos de
mestrado e doutorado. Os pesquisadores expõem uma bagagem
interessante entre a escola básica e a universidade pública e privada.
Estes projetos apresentados são inovadores e representam temáticas
emergentes que devem ser visitadas e revisitadas, em projetos de
investigação que tratam com amorosidade o ambiente educacional,
como sentido de vida criativa e de bem-viver para as pessoas jovens,
adultas e idosas.
O livro é constituído com uma variedade de temas, entre eles:
Projetos de vidas para a educação de jovens, adultos e idosos; O
estudo da educação matemática na educação de jovens e adultos nos
anos iniciais do ensino fundamental; A relação de Paulo Freire e
outros autores; As implicações da pandemia na educação de jovens e
adultos; A importância da filosofia no ensino da educação de jovens
e adultos; As políticas públicas do EJA e a ausência de formação
continuada para professores em exercício; Pesquisa na formação
35
inicial de professores e o diálogo com a EJA; Educação Popular e EJA;
Educação de jovens e adultos para humanização; Aproximações entre
Paulo Freire e Bakhtin; Diversidade no contexto da educação de
jovens e adultos; Avaliação da aprendizagens na educação de jovens e
adultos; Educação de jovens e adultos entre tecnologias digitais e
políticas públicas em São Paulo; Ler e escrever na EJA.
Estas são as temáticas e as linhas de pesquisa deste coletivo
que se debruçam em investigações sobre a Educação de Jovens e
Adultos e sua relação com ambiente educacional, gestão escolar,
didática, formação inicial e continuada, políticas públicas e entre
outras. Estudar a EJA e a Educação Popular é como diz Paulo Freire
(1996, p. 35)
2
: “a aceitação do novo que não pode ser negado ou
acolhido porque é novo, assim como o critério de recusa ao velho
não é apenas cronológico. O velho que preserva sua validade ou que
encarna uma tradição ou marca uma presença no tempo continua
novo”.
Desta forma, estes textos trazem reflexões críticas sobre o
processo formativo, as políticas públicas e a prática docente, haja vista
que é o papel do pesquisador e da pesquisadora ter um olhar atento,
crítico e curioso para ações educativas que se movem em direção a
solidariedade social para construirmos uma sociedade mais justa,
equilibrada e igualitária. É exigido do pesquisador e da pesquisadora,
do professor e da professora um bom senso para avaliar e analisar as
práticas educativas que estão sendo exitosas em comunidades
educacionais, nas cidades, nas periferias, no campo e na floresta.
2
FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à ptica educativa. São
Paulo: Paz e Terra, 1996.
36
Assim, é fundamental pensar a pesquisa como experiência educativa
do pesquisador(a), sujeito e objeto como capacidade de aprender e
ensinar em busca da construção de conhecimentos.
De acordo com Paulo Freire (1996, p. 72) “Há uma relação
entre a alegria necessária à atividade educativa e a esperança. A
esperança de que professor e alunos juntos podemos aprender,
ensinar, inquietar-nos, produzir e juntos igualmente resistir aos
obstáculos a nossa alegria”. Nas concepções freireanas, a esperança
“faz parte da natureza humana”. Neste sentido, as pesquisas que
tratam a respeito da educação de jovens e adultos e idosos, são
investigações de esperança que buscam retratar um mundo que
muitas vezes é deixado de lado por ser “considerado inferior” como
diz Paulo Freire. No entanto, para fazer pesquisa é essencial um ser
curioso, um ser da procura, da construção e difusão do conhecimento.
“O exercício da curiosidade a faz mais criticamente curiosa, mas
metodicamente “perseguidora’ do seu objeto. Quanto mais
curiosidade espontânea se intensifica, mas, sobretudo, se ‘rigoriza’,
tanto mais epistemológica ela vai se tornando” (FREIRE, 1996, p.
87).
Este livro é fundamental para educadoras e educadores,
pesquisadoras e pesquisadores, intelectuais brasileiros ou estrangeiros
que pretendem enveredar nos estudos da Educação de Jovens e
Adultos e Educação Popular. Os textos dialogam com a realidade de
cada pesquisador e pesquisadora que estão dentro ou fora da sala de
aula. A obra organizada por José Carlos Miguel e Rodrigo Martins
Bersi nos remete a coerência intelectual, ou seja, uma sintonia que
nos afasta do abismo fatalista cotidiano, e suaviza a distância entre a
comunidade e sua relação à realidade vivenciada no ambiente escolar.
37
Assim, vamos esperançar em sonhos possíveis na Educação
Popular e Educação de Jovens e Adultos, pois esta é primordial como
alavanca para a libertação dos povos e a inclusão de novos atores nos
diálogos que estão em evidência na atualidade. Não será possível
manter a exclusão de milhares de pessoas fora da escola, fora do
exercício de compartilhamentos de saberes populares e científicos. A
aproximação é emergente e a universidade tem um papel fundamental
neste ajuntamento de saberes e fazeres populares e tradicionais. Esta
obra busca evidenciar a aproximação necessária de colaboração e
partilha de conhecimentos.
Por fim, o caminho é a solidariedade e acreditar utopicamente
que ações de melhorias poderão ser realizadas, principalmente para
pessoas que tanto ficaram esquecidas e vulnerabilizadas na história da
educação do país. Que a educação floresça na organização social e
solidária com os movimentos de resistência à procura da
transformação, da modificação e de sonhos e esperança sobre o
futuro.
Abraço Fraterno.
Parelheiros, SP, dia chuvoso de 7 de janeiro de 2023.
Alberto Luiz Pereira da Costa
38
39
Projetos de Vida de Pessoas Idosas e a Educação de
Jovens e Adultos: aproximações possíveis
Jefferson Mercadante
1
Valéria Arantes
2
Introdução
Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios
Contínua (PNAD), realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE) em 2017, apontam que a população idosa
brasileira manteve a tendência de envelhecimento dos últimos anos e
ganhou 4,8 milhões de idosos desde 2012, superando a marca dos
30,2 milhões em 2017 de pessoas acima de 60 anos de idade
(BRASIL, 2018a). Os 4,8 milhões de novos idosos em cinco anos
correspondem a um crescimento de 18% desse grupo etário, que tem
se tornado cada vez mais representativo no Brasil (BRASIL, 2018a).
No Brasil e no mundo, previsões demográficas anunciam um
cenário catastrófico marcado pelo aumento potencial de pessoas
1 Doutorando em Educação pela Faculdade de Educação da Universidade de São
Paulo. Pedagogo Comunitário de Ensino Fundamental e Educação de Jovens e
Adultos na Escola Municipal Dr. Roberto Shoji, município de Praia Grande/SP.
jeff.mercadante@usp.br
2 Professora Livre-Docente da Faculdade de Educação da Universidade de São
Paulo e diretora do Núcleo de Pesquisas em Novas Arquiteturas Pedagógicas.
varantes@usp.br
https://doi.org/10.36311/2023.978-65-5954-389-2.p39-70
40
idosas contrastando ao reduzido índice de nascimentos, destacando-
se desse contexto, sobretudo os riscos econômicos para os fundos de
previdência. Segundo informações da revisão 2018 da Projeção de
População do IBGE, que estima demograficamente os padrões de
crescimento da população do país, em 2060 um quarto da população
brasileira (25,5%, cerca de 58,2 milhões de idosos) deverá ter mais de
65 anos (BRASIL, 2018b). Nesse contexto, o envelhecimento afeta a
razão de dependência da população
3
, que em 2018 esteve em 44%,
enquanto que de acordo com a projeção deverá ser de 51,5% em
2039, aumentando gradativamente nos anos seguintes, até chegar em
67,2% em 2060 (BRASIL, 2018b). Na maré desse infortúnio, o
Brasil passava dois anos pela maior reforma no sistema
previdenciário das últimas cinco décadas, mudança justificada à época
pelo déficit previdenciário, caracterizado como insustentável.
A PNAD aponta, ainda, que à medida que o corte etário
aumenta, cresce também o número de pessoas sem frequentar a escola
(BRASIL, 2018a). Assim, o Brasil tem hoje mais da metade de sua
população adulta, economicamente ativa, sem educação básica e sem
perspectivas de concluí-la. Da mesma forma, a taxa de analfabetismo
no Brasil, continua sendo maior à medida que o corte etário aumenta,
chegando a corresponder a 10,7% da população entre 55 a 64 anos
de idade e, maior ainda entre as pessoas com 65 anos ou mais,
somando 20,7% desse grupo (BRASIL, 2020). Tal panorama desvela
3 A razão de dependência da população é representada pela relação entre os
segmentos considerados economicamente dependentes (pessoas com menos de 15
anos e pessoas de 65 anos ou mais de idade) e o segmento etário potencialmente
produtivo (pessoas entre 15 a 64 anos), resultando na proporção da população que,
em tese, deveria ser sustentada pela parcela economicamente produtiva.
41
a importância dos estudos acerca do fenômeno do envelhecimento e
suas relações com a educação destinada àqueles que não tiveram
acesso ou continuidade de estudos na idade própria, a Educação de
Jovens e Adultos (EJA).
Estimativas como as descritas acima, costumam negligenciar,
contudo, que vida longa não é um problema e sim um direito
(DEBERT, 1999). Com isso, Debert (1999) quer dizer que o
fenômeno chamado envelhecimento configura-se temática urgente de
pesquisa não tão somente pelos alarmantes índices demográficos, mas
especialmente porque trata do “bem mais precioso: a vida humana”
(TOURAINE, 1986 apud DEBERT, 1999, p. 13). A Educação de
Jovens e Adultos por sua vez, costumeiramente reduzida a uma visão
compensatória, deve ser concebida como um direito de todos ao
longo da vida, compreendida na perspectiva da Educação Popular,
valorizando o tema da “vida” como pilar da educação e possibilitando
o exercício efetivo da cidadania (GADOTTI, 2016).
Assim, propomos para este trabalho, apresentar e articular os
pressupostos teóricos que fundamentam nosso entendimento acerca
de: 1) caracterizar a velhice como um fenômeno heterogêneo e
desigual (DEBERT, 1999) e compreender em que consiste o processo
de envelhecimento; 2) compreender projetos de vida como um
processo inerente à condição humana, independente, portanto, da
fase ou momento de vida do sujeito (MACHADO, 2006) e; 3)
entender a Educação de Jovens e Adultos na perspectiva da educação
como um direito de todos ao desenvolvimento pleno da
personalidade humana, não se limitando, portanto, às crianças e
jovens (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 1948).
42
Esse estudo é parte de uma pesquisa em andamento, em nível
de doutorado, vinculada à Faculdade de Educação da Universidade
de São Paulo, que tem como objetivo principal identificar os projetos
de vida de estudantes adultos e idosos na modalidade de Educação de
Jovens e Adultos, visando compreender o lugar que a educação
assume na construção e/ou ressignificação desses projetos. A
investigação compreenderá uma etapa bibliográfica e uma etapa
empírica; entretanto, no presente trabalho, nos debruçaremos sobre a
pesquisa bibliográfica e de análise documental realizada até o
momento para a construção, apresentação e articulação dos
pressupostos fundamentais citados no parágrafo anterior, destacando
a urgência da temática dos projetos de vida de pessoas idosas público-
alvo da EJA.
Envelhecimento e velhice: mudanças de paradigmas
Na história da humanidade, o envelhecimento usualmente
aparece como uma etapa do ciclo da vida marcada por um período de
estagnação, de declínio e perdas, de desespero e temor da morte, sem
possibilidades de crescimento, participação e envolvimento nos mais
variados contextos (STUART-HAMILTON, 2002). Nessa perspec-
tiva, todas as transformações pelas quais passam as pessoas mais
velhas, acabariam por resultar em prejuízos ao bem-estar psicológico
e à boa qualidade de vida, fazendo com que os sujeitos mais velhos
vivenciem sentimentos negativos relativos ao abandono, a uma
possível inutilidade, falta de autonomia, de controle sobre o meio e
sobre si mesmo (KHOURY; GUNTHER, 2006).
43
Na atualidade, ao falarmos sobre pessoas idosas, se tomamos
como referência a Organização Mundial da Saúde (OMS), sua base é
a idade cronológica: a partir de 65 anos em países desenvolvidos e de
60 anos em países em desenvolvimento. A marca cronológica aparece
também no Estatuto do Idoso (BRASIL, 2003), que reconhece as
pessoas acima de 60 anos como idosas, ainda que, para a garantia de
alguns direitos, como a aposentadoria, seja utilizado outro recorte
etário para uma parcela da população, sendo considerados aptos no
caso do sexo masculino, apenas os indivíduos acima de 65 anos.
Entretanto, para Schneider e Irigaray (2008), a idade cronológica não
deve ser a única forma de mensurar o processo de envelhecimento,
uma vez que este é entendido como uma:
[…] interação de fatores complexos que apresentam uma
influência variável sobre o indivíduo e que podem
contribuir para a variação das intempéries da passagem do
tempo. A etapa da vida caracterizada como velhice, com
suas peculiaridades, pode ser compreendida a partir da
relação que se estabelece entre os diferentes aspectos
cronológicos, biológicos, psicológicos e sociais. Essa
interação institui-se de acordo com as condições da cultura
na qual o indivíduo es inserido. Condições históricas,
políticas, econômicas, geográficas e culturais produzem
diferentes representações sociais da velhice e também do
idoso (SCHNEIDER & IRIGARAY, 2008, p. 585).
Nesse sentido, concordamos que o envelhecimento não é
marcado cronologicamente, acontecendo somente a partir do
momento em que se completa 60 anos de idade. Envelhecer
44
configura-se como um processo simultaneamente dinâmico e
contínuo que se se ao longo de toda a vida. Torna-se necessário,
portanto, desenvolvermos uma visão mais complexa desse fenômeno,
considerando as diferentes idades: cronológica, marcada pela
passagem do tempo; biológica, pelas modificações corporais e mentais
do processo de envelhecer; social, pelos hábitos e status social obtidos
pelo indivíduo para ocupar papéis sociais ou expectativas em relação
a pessoas da sua idade; psicológica, relacionada a capacidades
psicológicas, mas também ao senso subjetivo de idade (NERI, 2005).
Assim, na teia das conceituações acerca do envelhecimento,
entendemos esse período como constituinte do desenvolvimento
humano, caracterizado pela exposição a acontecimentos e transições
de ordem biológica, psicológica e sociocultural, mas também como
um período de organização de estratégias de confrontação e de
resolução de conflitos, a partir do potencial adaptativo que cada
indivíduo possui, mas, sobretudo, das oportunidades que lhe são
ofertadas, concebendo as pessoas mais velhas não como sujeitos
determinados a passar passivamente pelos acontecimentos e
mudanças que marcam suas vidas com aspectos negativos do processo
de envelhecimento (FONSECA, 2005), mas como sujeitos ativos e
capazes de promover ganhos e influências da subjetividade na vivência
deste período do desenvolvimento humano e em seus projetos de vida
(ALMEIDA, 2005).
Projetos de vida e a busca de um envelhecimento com sentido
O conceito de purpose, traduzido para o português como
projeto de vida, “compreende tanto o aspecto de uma projeção futura
45
que faz sentido para o sujeito, quanto a importância que assume para
a constituição de sua identidade” (PINHEIRO, 2013, p. 91), de onde
vem a ideia de que as pessoas podem ter uma intenção estável sobre o
futuro que as motiva e as leva à persistência de agir no presente em
conformidade com seus objetivos e metas (DAMON, 2009). De
acordo com Damon:
[…] a constituição de um projeto de vida exige que o
sujeito conheça a si próprio e ao mundo que o cerca, para
que saiba identificar as necessidades, os problemas e os
conflitos presentes no meio, ao mesmo tempo em que
analisa suas características e suas possibilidades realistas de
ação, para assim formular objetivos de longo prazo. Faz-se
necessário que o sujeito compreenda de que forma
capacidades, crenças, valores e aspirações pessoais podem
servir de base para a realização de algo que contribua com
a sociedade e com o mundo (DAMON, 2009 apud
PINHEIRO, 2013, p. 92).
Nesse sentido, apresentar um projeto de vida significa
engajar-se e comprometer-se com seus objetivos, direcionando metas
para alcançá-los, os compreendendo como significativos para si
mesmos e de modo que possam impactar o mundo para além de si
(BRONK, 2014). Assim, na condição de produzirem sentido à
existência humana e comprometerem o sujeito em ações cotidianas
na busca de objetivos, os projetos de vida contribuem para vivências
mais positivas.
Contudo, uma vez que consideramos a velhice como um
fenômeno heterogêneo, na confluência entre as experiências pessoais
46
e os contextos sociais e culturais de uma determinada época e lugar,
faz-se necessário utilizarmos como referencial teórico estudos do
campo da antropologia que apontam para uma produção de projetos
de vida diretamente relacionada com a constituição do sujeito em sua
complexa construção de identidade em interação com o mundo.
Nesse sentido, contamos com as contribuições de Boutinet
(2002) trazidas em seu livro intitulado Antropologia do projeto e,
alinhada à mesma perspectiva, a obra Projeto e Metamorfose de
Gilberto Velho (1994), que apresenta as inter-relações entre os
projetos pessoais e as possibilidades oferecidas pelo contexto.
Assim, a questão do projeto de vida, na perspectiva de Velho
(1994), está imbricada ao que ele chama de “campo de possibili-
dades”, entendido como uma dimensão sociocultural, um espaço para
formulação e implementação dos projetos marcado pelos determi-
nantes da história pessoal de cada um e as possibilidades que lhes são
oferecidas dentro deste cenário. Em decorrência disso, Velho (1994)
lança mão do conceito de “metamorfose”, a partir do qual se entende
que as trajetórias dos sujeitos ganham consistência com o
delineamento mais ou menos elaborado de projetos com objetivos
específicos. Em concordância a esta ideia, Boutinet (2002) acredita
que o projeto é o inédito que estabelece uma relação com uma
experiência adquirida, situada nas histórias pessoais.
Tais apontamentos levam-nos a perceber o quanto os projetos
de vida são capazes de mudar os sujeitos e de serem mudados por eles.
Nesse mesmo sentido, vemos nas considerações de Machado (2006)
o viver como um contínuo projetar, o que evidencia a necessidade de
todo ser humano em buscar algo.
47
Desde o nascimento, somos lançados como um jato para
frente (pro jactum), escolhendo metas, constituindo
caminhos, articulando trajetórias vitais. [...] Em nosso
trajeto, levamos em consideração as balizas que nos
orientam no espaço moral, os valores que compõem o
cenário de todos os projetos (MACHADO, 2006, p. 60).
As teorias que trazem embasamento para o nosso debate
apontam, portanto, para o fato de que os projetos articulam-se
sobremaneira com o contexto vivenciado por quem os projeta, em um
jogo que envolve o individual e o social. Velho (1994) revela,
contudo, que esta concepção não pretende negligenciar
arbitrariamente as singularidades dos sujeitos que projetam, tendendo
apenas a destacar o espaço em que os projetos são construídos.
Dessa forma, Pinheiro (2013) ressalta que as imbricações
entre projeto de vida e campo de possibilidades ajudam a análise de
trajetórias e biografias enquanto expressão de um quadro cio-
histórico, sem esvaziá-las arbitrariamente de suas peculiaridades e
singularidades. Assim, a abordagem de projetos de vida de sujeitos
idosos público-alvo da EJA deve ser enriquecida pelo viés da
psicologia, direcionada a aspectos que tocam à constituição do
psiquismo humano, uma vez que compreendemos que os projetos de
vida comportam diversos quadros do funcionamento psíquico
humano, incluindo a moralidade.
Tais considerações abrem caminho para ampliarmos o estudo
dos projetos de vida em suas relações com o papel da educação para
adultos e idosos em processo de construção de saberes, uma vez que
essas interações produzem efeitos, mobilizam sistemas de interesses
sócio-políticos e ideológicos que podem ou não se reproduzirem em
48
termos de significação e/ou reorientação de projetos para os sujeitos
estudados.
Assim, entendemos projeto de vida nesse contexto, tal como
pontuado por Costa (2022), como um conjunto de intenções de um
sujeito ou de um grupo que negociam de modo dinâmico e singular
com a realidade concreta e que, a partir disso, organizam modos
significativos de ser e/ou agir no mundo, tendo em vista o que
conhecem a respeito de si mesmos e a partir das contradições do
contexto em que vivem.
Desse modo, no processo de envelhecimento, os projetos de
vida, ao possibilitarem aos idosos manter objetivos na busca de
realização pessoal e transformação social, permitem aos mesmos lidar
com os marcos cronológicos, biológicos, sociais e psicológicos
inerentes a essa etapa da vida com força pessoal e perseverança. A
Educação de Jovens e Adultos surge, nesse contexto, no horizonte de
novas possibilidades para as pessoas idosas que não tiveram
oportunidades de escolarização na idade considerada ideal.
A educação de jovens e adultos na perspectiva da educação
popular e da educação ao longo da vida
A história da EJA compreende a luta pelo direito de acesso,
permanência e conclusão da escolarização com qualidade
concomitantemente com inúmeras outras lutas: direitos à saúde, ao
trabalho, à moradia digna, à igualdade de gênero, ao respeito às
diversidades, dentre outras que a constituem como educação ao longo
de toda a vida e pela construção de uma sociedade inclusiva, espaço
de vivência e convivência para todos (MACHADO, 2016). Segundo
a Lei 13.632, sancionada no dia 07 de março de 2018, que altera
49
a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996 e inclui
como um dos princípios norteadores do ensino brasileiro o direito à
educação e aprendizagem ao longo da vida.
Art. 37. A educação de jovens e adultos será destinada
àqueles que não tiveram acesso ou continuidade de estudos
nos ensinos fundamental e médio na idade própria e
constituirá instrumento para a educação e a aprendizagem
ao longo da vida (BRASIL, 1996).
Assim, a modalidade de Educação de Jovens e Adultos na
perspectiva de uma educação ao longo da vida, surge na tentativa de
romper com o paradigma de uma modalidade comumente vista como
compensatória e de suprimento da escolaridade, fortalecendo uma
função reparadora, equalizadora e qualificadora, com base na
igualdade de direitos e no reconhecimento da alteridade própria,
possibilitando o exercício efetivo da cidadania. Nesse sentido, o papel
da educação aparece como importante contributo para a formação de
uma consciência crítica sobre a realidade vivida e para o engajamento
em sua transformação.
No Documento Nacional Preparatório a VI Conferência
Internacional de Educação de Adultos a EJA é compreendida,
também, como constituinte da educação que se ao longo da vida
com o propósito de humanizar e emancipar todos os indivíduos
(BRASIL, 2009). Resgatamos, nesse sentido, o compromisso político
garantido no âmbito da Educação de Jovens e Adultos com todos os
indivíduos. Ou seja, situamos dentre eles, o atendimento às pessoas
idosas como um grupo que deve ser respeitado em suas
especificidades, conforme pontua o mesmo documento, “pensar
50
sujeitos da EJA é trabalhar para, com e na diversidade”, diversidade
essa transformada em desigualdade no Brasil (BRASIL, 2009, p. 28).
Assim, resgatamos nosso argumento de que, uma vez que a
velhice é tomada como um fenômeno heterogêneo parece-nos
urgente pensar os estudantes idosos da Educação de Jovens e Adultos
na sua relação com as condições sociais em que estão inseridos. Isso,
porque nesse caso, são elas que prevalecem sobre os demais
determinantes, sendo o modo como a velhice é representada e, por
conseguinte, a forma como ela é tratada nos diversos espaços sociais
uma questão determinada historicamente, resultado de um projeto de
sociedade marcado pelos ideais capitalistas (MUHL, 1999).
O direito à educação para pessoas idosas também é garantido
pelo Estatuto do Idoso, o qual assegura que é dever do Poder Público
criar oportunidades de acesso a uma educação com currículos,
metodologia e materiais didáticos que atendam suas especificidades:
Art. 21. O Poder blico cria oportunidades de acesso
do idoso à educação, adequando currículos, metodologias
e material didático aos programas educacionais a ele
destinados.
Art. 22. Nos currículos mínimos dos diversos níveis de
ensino formal serão inseridos conteúdos voltados ao
processo de envelhecimento, ao respeito e à valorização do
idoso, de forma a eliminar o preconceito e a produzir
conhecimentos sobre a matéria (BRASIL, 2003).
Apesar disso, documentos como as Diretrizes Curriculares
Nacionais para a Educação de Jovens e Adultos (BRASIL, 2000)
sequer mencionam a palavra idoso; enquanto outros, como a Base
51
Nacional Comum Curricular (BRASIL, 2018c) nem ao menos
apresentam orientações gerais à modalidade. Nesse sentido, existe
uma nova bandeira em defesa da garantia aos direitos dos idosos de
acesso à educação que preconiza a inclusão na legislação da palavra
“idoso” na modalidade de Educação de Jovens e Adultos, tornando a
consolidada sigla EJA em EJAI (Educação de Jovens, Adultos e
Idosos), o que envolve o tão somente a elaboração de propostas
pedagógicas coerentes e concernentes ao contexto do sujeito idoso,
mas a garantia de políticas educacionais que oportunizem a sua inserção
social para que possam ser valorizados e tenham sentimento de
pertencimento a este mundo(SERRA; FURTADO, 2019, p. 160).
Assim, Machado (2016) destaca que, ao lado de todas as lutas
travadas na EJA, a luta pelo direito a escolarização de qualidade é uma
bandeira que precisa ser retomada como um compromisso ético-
político.
Digo isto porque há, sobretudo nas últimas décadas, uma
perda do sentido da escola como um espaço de aprender e
ensinar, de acessar e produzir conhecimento, de aguçar o
potencial do pensamento crítico e reflexivo. Para todas as
gerações isto é um grande prejuízo, mas para jovens e
adultos trabalhadores resulta na inviabilidade de seu
retorno ao processo de escolarização, pois se perde o
sentido da luta pelo acesso à escola, que esta não
consegue cumprir seu principal papel, que é o de produzir
e lidar com o conhecimento transformador da realidade de
desigualdades sociais numa perspectiva emancipatória dos
trabalhadores (MACHADO, 2016, p. 432).
52
Machado (2016, p. 434-435) aponta uma visão ainda muito
marcada por propostas mitigadas por “uma clara herança das
experiências de campanhas, turmas do Mobral e organização de
classes de suplência”, que defendiam, em grande parte, a necessidade
de reduzir tempo e conteúdo para que o aluno finalizasse brevemente
aquilo a que se tinha proposto fazer, “porque ele tinha pressa e o
mercado de trabalho que o esperava, também”. A autora pontua certa
veracidade no argumento, uma vez que os jovens e adultos que
retornam a escola, de fato, não querem perder tempo; entretanto, a
questão que se coloca diz respeito à superficialidade dessa promessa
ilusória, afinal, “sair de um processo de escolarização o quanto antes,
não importa se o conhecimento foi ou não acessado e produzido ali
[...] emprega trabalhadores apenas porque têm um certificado para
apresentar?” (MACHADO, 2016, p. 435). A essa questão somamos
ao debate o lugar da pessoa idosa na EJA: será que para esse público a
categoria trabalho ocupa lugar central dentre as razões que o faz
retornar ao processo educativo? Por fim:
até que ponto tudo o que acumulamos de propostas e
consensos em relação ao que julgamos ser uma educação
de qualidade de fato compartilha com seus sonhos, com
sua visão de mundo e, sobretudo, consegue dar conta de
um universo tão abrangente de sujeitos, que vão desde os
adolescentes de 14 anos mais um dia, matriculados
regularmente na EJA; passando pelos jovens das periferias
das grandes cidades, muitos deles expulsos das escolas
diurnas; pelos adultos e idosos (MACHADO, 2016, p.
446).
53
É, pois, nesse movimento entre olhar para o estudante idoso
da Educação de Jovens e Adultos e nos questionarmos sobre como o
processo escolar pode abrir possibilidades de mudanças de
mentalidades que somos convidados a pensar na construção e/ou
ressignificação de seus projetos de vida. Não se trata, portanto, de
discutir a EJA apenas com base em políticas públicas, ainda que essa
seja uma dimensão fundamental para o seu sucesso, mas é recorrendo
ao que dizem os alunos e seus projetos de vida que precisamos
repensar as práticas pedagógicas mediadoras do processo de ensino e
aprendizagem na Educação de Jovens e Adultos.
O que dizem as pesquisas?
São várias as pesquisas, tais como as de Damon (2009), Pátaro
(2011), Danza e Arantes (2014), Pinheiro e Arantes (2015), Arantes;
Araújo; Pinheiro; Moreno e Sastre (2017) que vêm apontando para a
importância de se discutir a construção de projetos de vida no interior
das instituições educativas. Nesses estudos, os pesquisadores
demonstram que, de modo geral, quando os sentimentos positivos,
como felicidade, bem-estar e realização atuam reforçando e trazendo
novos significados aos objetivos delineados pelos sujeitos,
vislumbram-se projetos de vida que os orientam e atribuem sentido
às suas vidas (ARANTES; PINHEIRO; AMANDO, 2019). Assim,
analisar os projetos de vida de pessoas idosas configura-se como uma
continuidade desse caminho teórico.
Nesse caminho, a tese de doutorado de Costa (2022),
Interfaces da Psicologia e da Educação nos processos de envelhecimento:
entre horizontes e jornadas, nos traz importantes apontamentos.
54
Primeiro, a autora identificou em extensa pesquisa bibliográfica o
dado de que os estudos sobre projetos de vida se referem
predominantemente aos jovens, seguido das pesquisas sobre crianças,
depois adultos e, somente por último, acerca das pessoas idosas.
Segundo Costa (2022), uma das hipóteses que explicam esse dado é a
equivocada relação entre a elaboração de projetos de vida e a escolha
profissional, que acontece tipicamente na juventude.
A pesquisa de Costa (2022) contou também com uma
investigação empírica, realizada em duas etapas: a primeira, com
entrevista a dez adultos e idosos que voltaram a estudar no vel
superior e pós-graduação após os 55 anos de idade e; a segunda, com
a proposição de questionários a 118 adultos e idosos com idade entre
55 e 91 anos, envolvidos ou não com atividades de educação formal.
Os dados empíricos de Costa (2022) apontam para uma forte relação
entre o acesso à educação por toda a vida e o processo de
envelhecimento significativo.
Portanto, tendo em vista as aproximações ora apresentadas e
a necessidade de nos debruçarmos sobre essa interface, fez-se
necessária para o desenvolvimento deste trabalho, uma criteriosa
pesquisa bibliográfica, atenta, sobretudo, ao que diz respeito aos
projetos de vida de pessoas idosas especificamente no contexto da
Educação de Jovens e Adultos, uma vez que pensar esse público é dar
voz a velhices com cor e classe social. Assim, nossa etapa bibliográfica
abrangeu publicações nacionais sobre a presente proposta. A base de
dados utilizada foi a Biblioteca Digital Brasileira de Teses e
Dissertações (BDTD), desenvolvida e coordenada pelo Instituto
Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (IBICT), que
55
integra os sistemas de informação de teses e dissertações existentes nas
instituições de ensino e pesquisa do Brasil.
Para tanto, utilizamos descritores relacionados à temática dos
projetos de vida de pessoas idosas no contexto da EJA a partir dos
seguintes parâmetros de busca: I. Os descritores foram digitados nas
formas singular e plural, bem como nos gêneros masculino e
feminino, fazendo uso do símbolo asterisco (*) para ativar tal função
na base de dados. II. As buscas foram conjugadas, ou seja,
apareceram trabalhos exatamente com o conjunto formado pelas três
palavras e/ou expressões elencadas, a saber: a) projet* de vida +
educação de jovens e adultos + idos*; b) projet* de vida + educação
de jovens e adultos + velh*; c) projet* de vida + educação de jovens e
adultos + velhice; d) projet* de vida + educação de jovens e adultos +
envelhecimento; e) projet* de vida + educação popular + idos*; f)
projet* de vida + educação popular + velh*; g) projet* de vida +
educação popular + velhice; h) projet* de vida + educação popular +
envelhecimento; i) projet* de vida + educação ao longo da vida +
idos*; j) projet* de vida + educação ao longo da vida + velh*; k) projet*
de vida + educação ao longo da vida + velhice; l) projet* de vida +
educação ao longo da vida + envelhecimento; III. Fizemos uso das
aspas nas expressões “projet* de vida”, “educação de jovens e adultos”,
“educação popular” e “educação ao longo da vida”, uma vez que esse
recurso impede a ocorrência de trabalhos com o uso separado das
palavras de cada expressão; IV. As buscas foram realizadas em todos
os campos disponíveis na ferramenta de pesquisa da BDTD, a saber:
título, autor, assunto, resumo português, resumo ings, editor, ano
de defesa; V. Não delimitamos o ano de defesa da dissertação ou tese
56
para que fosse possível identificar todas as publicações disponíveis
sobre a temática registradas na BDTD.
A busca resultou em um total de apenas 9 (nove) trabalhos,
entre dissertações e teses, na soma de todos os conjuntos de
descritores. Os dados com o levantamento quantitativo das
dissertações e teses para cada conjunto de descritores buscado podem
ser verificados na Tabela 1. O material identificado foi submetido a
leituras sucessivas para obtenção de informações e dados necessários
ao desenvolvimento deste trabalho, seguindo os procedimentos
metodológicos da investigação bibliográfica apontados por Salvador
(1986, apud LIMA; MIOTO, 2007, p. 41) para o qual a pesquisa
deve ser orientada a partir das seguintes etapas: a) leitura de
reconhecimento do material, b) leitura exploratória, c) leitura
reflexiva ou crítica, d) leitura interpretativa. Desse modo,
primeiramente fizemos uma leitura de reconhecimento das
dissertações e teses identificadas em nossa busca.
Quadro 1 - Resultado das buscas realizadas na BDTD
CONJUNTO DE DESCRITORES
DE
TRABALHOS
3
3
1
envelhecimento
1
1
0
0
0
0
57
0
0
envelhecimento
0
Fonte: Arquivo de dados da pesquisa.
Em um segundo momento, realizamos uma leitura
exploratória do material com o objetivo de verificar se as informações
e/ou dados selecionados interessavam de fato para o nosso estudo.
Para tanto, dedicamo-nos a leitura dos resumos, da introdução e da
metodologia de cada uma dessas produções para comprovar de fato a
existência das informações que respondem aos objetivos propostos. A
partir disso, construímos uma tabela sistematizando as seguintes
informações: descritores que geraram o resultado, autor, ano de
defesa, título, nível (mestrado ou doutorado), universidade, programa
de pós-graduação e objetivo geral do trabalho (Tabela 2).
Nessa etapa, ao cruzarmos os resultados de cada um dos
conjuntos de descritores, foi possível identificar que, do total de 9
(nove) trabalhos resultantes da busca inicial, 1 (um) mesmo trabalho
apareceu em 4 (quatro) conjuntos de descritores, enquanto outro
trabalho apareceu em 2 (dois) conjuntos de descritores. A partir disso,
resultamos em um total de apenas 5 (cinco) trabalhos, sendo 2 (duas)
teses e 3 (três) dissertações entre os anos de 2006 e 2020.
58
Quadro 2 - Caracterização das produções a partir de leitura exploratória
Descritores Autor Ano Título Nível Univers. Programa Objetivo geral
a) projet* de vida,
educação de jovens e
adultos, idos*
Maciel,
Mateus
Carmona
7
2020
Adolescência à margem:
projeto de vida na educação
de jovens e adultos
Mestrado
PUC-
Campinas
Programa de
Pós-Graduação
em Psicologia
Caracterizar quem são os
adolescentes da EJA e como
eles pensam seus Projetos de
Vida.
a) projet* de vida,
educação de jovens e
adultos, idos*
b) projet* de vida,
educação de jovens e
adultos, velh*
c) projet* de vida,
educação de jovens e
adultos, velhice
d) projet* de vida,
educação de jovens e
adultos,
envelhecimento
Silva,
Cibele Sales
da
8
2018
A experiência dos alunos
idosos no PROEJA e
PROEJA FIC
(Programa Nacional de
Integração da Educação
Profissional com a Educação
Básica na Modalidade de
Educação de Jovens e
Adultos do Nível
Fundamental e Médio) do
IFSP
Mestrado
PUC-São
Paulo
Programa de
Estudos
Pós-Graduados
em
Gerontologia
Analisar os efeitos do
PROEJA e PROEJA FIC
do Instituto Federal de
Educação Ciência e
Tecnologia de São Paulo
(IFSP), no cotidiano dos
alunos idosos, bem como as
razões em voltar a estudar,
suas expectativas e o modo
de sociabilidade que se
constitui nesse espaço
institucional.
a) projet* de vida,
educação de jovens e
adultos, idos*
e) projet* de vida,
Santos,
Patrícia
2019
O direito à escola: uma
análise a partir das narrativas
de vida de pessoas idosas não
Doutorado UFPB
Programa de
Pós-Graduação
em Educação
Analisar por que pessoas
idosas não alfabetizadas ou
com pouca escolaridade,
que residem no sertão
7
https://bdtd.ibict.br/vufind/Author/Home?author=Maciel%2C+Mateus+Carmona
8
https://bdtd.ibict.br/vufind/Author/Home?author=Silva%2C+Cibele+Sales+da
59
educação popular,
idos*
Fernanda da
Costa
9
alfabetizadas ou com pouca
escolaridade
paraibano, não têm
apresentado em suas
narrativas interesse em
frequentar a escola.
b) projet* de vida,
educação de jovens e
adultos, velh*
Nicolodi,
Elaine
10
2013
Políticas públicas de
reestruturação do ensino
médio: as reformas
implantadas pela Secretaria
de Estado da educação de
Goiás no período
2000-2010
Doutorado UFG
Programa de
Pós-Graduação
em Educação
Analisar as principais
diretrizes, bases e ações da
política educacional da
SEDUC/GO no período de
2000 a 2010.
b) projet* de vida,
educação de jovens e
adultos, velh*
de Fátima
Mendonça
Holmes,
Maria
11
2006
Prática pedagógica escolar
mediada pela ludicidade na
Educação de
jovens e adultos
Mestrado UFPE
Programa de
Pós-Graduação
em Educação
Investigar teorias e
metodologias educacionais,
mediadas pela ludicidade,
que contribuam para a
formão e o
desenvolvimento físico e
moral do aluno da EJA.
Fonte: Arquivo dos pesquisadores.
9
https://bdtd.ibict.br/vufind/Author/Home?author=Santos%2C+Patrícia+Fernanda+da+Costa
10
http://repositorio.bc.ufg.br/tede/browse?type=author&value=Nicolodi%2C+Elaine
11
https://repositorio.ufpe.br/browse?type=author&value=de+Fátima+Mendonça+Holmes%2C+Maria
60
A etapa de leitura exploratória possibilitou, ainda,
descartarmos 4 (quatro) das 5 (cinco) produções encontradas. Isso,
porque duas delas não traziam o descritor “velh*” relacionado a
pessoas público-alvo da Educação de Jovens e Adultos, tal como o
interesse de nossa pesquisa; uma terceira porque demonstrou em seu
objetivo geral investigar projetos de vida de jovens entre 15 e 18 anos,
diferenciando-se, assim, do perfil investigado em nossa proposta; e,
por fim, a quarta pesquisa foi descartada, pois, apesar de investigar
pessoas idosas não alfabetizadas ou com pouca escolaridade, os
sujeitos da pesquisa situavam-se fora do contexto de escolarização da
EJA.
A partir disso, detemo-nos a 1 (um) único trabalho que se
aproxima mais do nosso objeto de estudo, qual seja: projetos de vida
de pessoas idosas estudantes da modalidade de Educação de Jovens e
Adultos, para a realização de uma leitura reflexiva e, posteriormente,
interpretativa. Na dissertação intitulada A experiência dos alunos idosos
no PROEJA e PROEJA FIC (Programa Nacional de Integração da
Educação Profissional com a Educação Básica na Modalidade de
Educação de Jovens e Adultos do vel Fundamental e Médio) do IFSP,
Silva (2018) investigou os efeitos do PROEJA e PROEJA FIC do
Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia de São Paulo
(IFSP) no cotidiano dos alunos idosos com mais de 60 anos, bem
como suas razões em voltar a estudar, suas expectativas e o modo de
sociabilidade que se constitui nesse espaço institucional.
A investigação se deu por meio de pesquisa bibliográfica e
pesquisa empírica. Através de estudo bibliográfico e análise
documental, Silva (2018) apresenta o IFSP, bem como as políticas
sociais para o idoso e ações voltadas para o segmento a partir da
61
década de 70, além de um debate sobre a exclusão educacional e o
analfabetismo, culminando com a apresentação do PROEJA e
PROEJA FIC como proposta de integrar a Educação Profissional à
Educação de Jovens e Adultos.
a pesquisa empírica, foi composta pela realização de
entrevistas com 9 (nove) alunos do Instituto Federal de Educação
Ciência e Tecnologia (IFSP) que realizavam cursos específicos do
PROEJA dos campi Capivari, Cubatão e São Paulo e PROEJA FIC
do campus Avaré, tendo como recorte etário, idosos acima de 60 anos.
O tipo de entrevista aplicada foi a semiestruturada. A transcrição das
entrevistas foi dividida em três categorias iniciais de análise: 1) razões
em voltar a estudar e relevância da educação; 2) efeitos, experiência e
expectativas quanto ao Proeja; e 3) relação intergeracional.
É na análise sobre as razões em voltar a estudar e a relevância
da educação que o estudo aponta para a importância da mesma nos
projetos de vida desses idosos, mostrando que o anseio pela
escolarização esteve presente durante toda a vida desses sujeitos,
podendo ser realizado somente na velhice. Silva (2018) aponta vários
fatores que contribuíram para esse retorno nessa etapa da vida, dentre
eles a conclusão da criação dos filhos, a isenção tarifária nos
transportes públicos pela idade, o acesso a ofertas de vagas no âmbito
da EJA e, em alguns casos, maior tempo livre para estudar devido
estarem aposentados. Sobre as razões em voltar a estudar, os sujeitos
da pesquisa apontam o incentivo de amigos e familiares, o interesse
em aprender coisas novas e ter novas perspectivas de vida, indicando
que a motivação e os sonhos são fundamentais (SILVA, 2018). Além
disso, a análise dos efeitos do PROEJA no cotidiano de vida das
pessoas idosas indica que além da melhora na autoestima, no humor,
62
nas relações interpessoais e atividades cotidianas, houve uma
potencialização de seus projetos iniciais.
Se ao voltar a frequentar uma instituição de educação
inicialmente almejavam aprender, adquirir conteúdos
didáticos, a vivência escolar lhes proporcionou uma
restruturação dos sonhos, levando-os a elevar a autocon-
fiança, e se permitirem a ousar e desafiar seus limites, bem
como provocar mudanças positivas no seu projeto de vida
(SILVA, 2018, p. 90).
Os resultados apontaram a educação como uma importante
ferramenta na desconstrução de uma velhice desprivilegiada de
sentido, evidenciando uma ruptura com o paradigma da velhice
estigmatizada, abrindo possibilidades para pensar um novo modo de
envelhecer, com respeito às expectativas, sonhos e projetos de vida das
pessoas idosas.
Para pensar o lugar da educação na construção e/ou ressignificação
de projetos de vida de pessoas idosas
O presente trabalho buscou aproximar a Educação de Jovens
e Adultos das recentes pesquisas acerca de projetos de vida de pessoas
idosas, partindo do pressuposto de que a velhice é um fenômeno
heterogêneo e desigual e de que a capacidade de realização de projetos
é um processo inerente à condição humana, independente, portanto,
da fase ou momento de vida do sujeito.
A etapa bibliográfica de nossa investigação, na qual buscamos
identificar as pesquisas em nível de mestrado e doutorado registradas
63
na Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações que tratam da
temática dos projetos de vida de pessoas idosas estudantes da
Educação de Jovens e Adultos, nos possibilitou diagnosticar que ainda
são poucos os estudos que discutem os projetos de vida de adultos e
idosos e, mais raros ainda, os que olham para esse mesmo recorte
etário considerando os sujeitos privados da escolarização em sua idade
considerada ideal.
Pontua-se, portanto, a urgência de maiores investimentos de
pesquisa como apontam Arantes, Pinheiro e Amando (2019) para se
compreender como esses sujeitos podem organizar psiquicamente
seus objetivos, metas, desejos e interesses, de modo que lhes
proporcionem bem-estar, assim como lhes possibilitem mecanismos
para superação de dificuldades e uma atuação plena na sociedade a
partir da construção e/ou reorientação de seus projetos de vida.
Destaca-se, dessa forma, o importante papel da educação e a
constituição de seu espaço enquanto lugar de conhecimento, mas
também de elaboração de sentidos de vivências e experiências,
pessoais e coletivas, possibilitando a ressignificação dos seus sentidos
de vida.
As leituras exploratórias, críticas e interpretativas dos
trabalhos identificados nos possibilitaram não somente perceber a
baixa produtividade sobre a temática no contexto brasileiro, como
vislumbrar necessários caminhos para a delimitação de um percurso
metodológico para nossa própria pesquisa que compreenda as
peculiaridades do processo educacional das pessoas idosas, bem como
seus interesses e razões que o levaram ao retorno à escola. Nesse
sentido, ressaltamos ainda, a importância de o debate contribuir para
a elaboração de políticas públicas voltadas às práticas pedagógicas
64
mediadoras do processo de ensino e aprendizagem na Educação de
Jovens e Adultos, uma vez que esse segmento vem sendo ignorado em
documentos norteadores dos parâmetros de qualidade da educação
no país.
Assim, entendemos que o presente estudo vem contribuir, ao
relacionar os processos de envelhecimento com a construção e/ou
ressignificação de projetos de vida de pessoas idosas estudantes da
EJA, para o fortalecimento de uma perspectiva educacional que
entende a educação como engrenagem da transformação social e, por
isso, defende o acesso à contextos educativos de qualidade como
contributo aos processos de envelhecimento com sentido para além
de si.
Referências
ALMEIDA, V. L. V. de. Velhice e Projetos de Vida: Possibilidades e Desafios.
In: CÔRTE, B.; MERCADANTE, E. F.; ARCURI, I. G. (Org.). Velhice
Envelhecimento Complex(idade). São Paulo: Vetor, 2005, p. 93-110.
ARANTES, V.; ARAÚJO, U.; PINHEIRO, V. P.G.; MORENO, M. M.;
SASTRE, G. Youth purpose through the lens of the Theory of Organizing
Models of Thinking. Journal of Moral Education, v.46, p.245-257, 2017.
ARANTES, V. A.; PINHEIRO, V.; AMANDO, M. Projeto de vida na
velhice e suas dimensões afetivas: um estudo de caso. Revista Internacional
d'Humanitats, v. 22, n. jan./abr. 2019, p. 137-150. Disponível em:
www.hottopos.com/rih45/137-150VArantes.pdf. Acesso em: 25 jun.
2022.
BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei número
9394, 20 de dezembro de 1996. Brasília, DF: Senado Federal, 1996.
65
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm.
Acesso em: 01 mai. 2022.
BRASIL. Ministério da Educação. Conselho Nacional da Educação.
Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação de Jovens e Adultos.
Parecer CNE/CEB 11/2000. Brasília, DF: Senado Federal, 2000.
Disponível em:
http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/PCB11_2000.pdf. Acesso em
24 jun. 2022.
BRASIL. Lei 10.741, de 01 de outubro de 2003. Dispõe sobre o
Estatuto do Idoso e outras providências. Diário Oficial da União.
Brasília, 2003. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/l10.741.htm. Acesso em
24 jun. 2022.
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Continuada,
Alfabetização e Diversidade. Documento Nacional Preparatório à VI
Conferência Internacional de Educação de Adultos (VI CONFINTEA).
Brasília: MEC; Goiânia: FUNAPE/UFG, 2009.
BRASIL. INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E
ESTATÍSTICA. Diretoria de Pesquisa, Coordenação de Trabalho e
Rendimento. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua,
2017. Rio de Janeiro: IBGE, 2018a.
BRASIL. INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E
ESTATÍSTICA. Projeção da População 2018: número de habitantes do
país deve parar de crescer em 2047. 2018b. Disponível em:
https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-sala-de-imprensa/2013-
agencia-de-noticias/releases/21837-projecao-da-populacao-2018-numero-
de-habitantes-do-pais-deve-parar-de-crescer-em-2047. Acesso em: 14 jun.
2022.
66
BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular.
Brasília, 2018c.
BRASIL. INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E
ESTATÍSTICA. Diretoria de Pesquisa, Coordenação de Trabalho e
Rendimento. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua,
2019. Rio de Janeiro: IBGE, 2020.
BRONK, K. C. Purpose in life: a critical component of optimal youth
development. New York: Springer Science, 2014.
COSTA, M. O. Interfaces da Psicologia e da Educação nos processos de
envelhecimento: entre horizontes e jornadas. 200 f. TeseDoutorado
em Educação, Universidade de São Paulo, São Paulo-SP, 2022.
DAMON, W.; MENON, J.; BRONK, K.C. The development of purpose
during adolescence. Applied Developmental Science, v.7, n.3, 2003,
p.119-128.
DAMON, W. O que o jovem quer da vida? Como pais e professores
podem orientar e motivar os adolescentes. São Paulo: Summus, 2009.
DANZA, H.; ARANTES, V. Valores, Sentimentos e Projetos de vida: Um
estudo com jovens estudantes da cidade de São Paulo. Revista NUPEM
(Impresso), v.6, n. 10, 2014, p.169-189.
DEBERT, G. G. A reinvenção da velhice: socialização e processos de
reprivatização do envelhecimento. São Paulo: Fapesp, 1999.
FONSECA, A. M. Desenvolvimento humano e envelhecimento. Lisboa:
Climepsi Editores, 2005.
FRANKL, V. E. Man’s search for meaning. Boston: Beacon, 1946.
FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
67
FREIRE, P. Pedagogia da esperança: um reencontro com a pedagogia do
oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.
GADOTTI, M. Educação de adultos como direito humano. EJA EM
DEBATE, Florianópolis, Ano 2, n. 2. Jul. 2013, p. 12-29.
KHOURY, H. T. T.; GUNTHER, I. de A. Percepção de controle,
qualidade de vida e velhice bem-sucedida. In: FALCÃO, D. V. da S.; DIAS,
C. M. de S. B. (Org.). Maturidade e velhice: Pesquisas e intervenções
psicológicas Vol. II. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2006, p. 297-314.
LIMA, T. C. S. de; MIOTO, R. C. T. Procedimentos metodológicos na
construção do conhecimento científico: a pesquisa bibliográfica. Revista
Katálysis. 2007, v. 10, n. spe. Disponível em:
https://doi.org/10.1590/S1414-49802007000300004. Acesso em: 10 jul.
2022.
MACHADO, M. M. A educação de jovens e adultos. Após 20 vinte anos da
Lei no 9.394, de 1996. Revista Retratos da Escola, Brasília, v. 10, n. 19,
jul./dez. 2016, p. 429-451. Disponível em:
https://retratosdaescola.emnuvens.com.br/rde/article/view/687/706.
Acesso em 26 jun. 2022.
MACHADO, N. J. A vida, o jogo, o projeto. In: MACEDO, L.;
MACHADO, N. J.; ARANTES, V. A. (Org.). Jogo e projeto: pontos e
contrapontos. São Paulo: Summus, 2006.
MUHL, E. H. Apresentação. In: BOTH, A. Gerontogogia: educação e
longevidade. Passo Fundo: Imperial, 1999.
NERI, A. L. Palavras-chave em gerontologia. Campinas: Alínea, 2005.
68
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Declaração Universal dos
Direitos Humanos, 1948. Disponível em:
https://www.unicef.org/brazil/declaracao-universal-dos-direitos-humanos.
Acesso em: 12 jun. 2022.
PÁTARO, C.S.O. Sentimentos, emoções e projetos vitais da juventude:
um estudo exploratório na perspectiva da Teoria dos Modelos
Organizadores do Pensamento. 232 f. TeseDoutorado em Educação,
Universidade de São Paulo, São Paulo-SP, 2011.
PINHEIRO, V. P. G. Integração e regulação de valores e sentimentos
nos projetos de vida de jovens: um estudo na perspectiva dos modelos
organizadores do pensamento. 384 f. TeseDoutorado em Educação,
Universidade de São Paulo, São Paulo-SP, 2013.
PINHEIRO, V. P. G.; ARANTES, V. A.. Values and Feelings in Young
Brazilians’ Purposes. Paidéia (Ribeirão Preto), Ribeirão Preto, v. 25, n. 61,
2015, p. 201-209.
SANTOS, P. F. da C. O direito à escola: uma análise a partir das
narrativas de vida de pessoas idosas não alfabetizadas ou com pouca
escolaridade. 364 f. TeseDoutorado em Educação, Universidade
Federal da Paraíba, João Pessoa-PB, 2019.
SERRA, D. C.; FURTADO, E. D. P. Os idosos na EJA: uma política de
educação inclusiva. Olhar De Professor, 19(2), 2019, p. 149–161.
Disponível em: https://doi.org/10.5212/OlharProfr.v.19i2.0002. Acesso
em 24 jun. 2022.
SILVA, C. S. da. A experiência dos alunos idosos no PROEJA e PROEJA
FIC (Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a
Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos do
Nível Fundamental e Médio) do IFSP. 115 f. DissertaçãoMestrado em
Gerontologia, Faculdade de Ciências Humanas e da Saúde, Pontifica
Universidade Católica de São Paulo, São Paulo-SP, 2018.
69
SCHNEIDER, R. H.; IRIGARAY, T. Q. O envelhecimento na atualidade:
aspectos cronológicos, biológicos, psicológicos e sociais. Estudos de Psicologia
(Campinas). 2008, v. 25, n. 4, pp. 585-593. Disponível em:
https://doi.org/10.1590/S0103-166X2008000400013. Acesso em: 12 jun.
2022.
STUART-HAMILTON, I. A psicologia do envelhecimento: Uma
introdução. Porto Alegre: Artmed, 2002.
UNESCO. Relatório Global sobre Aprendizagem e Educação de
Adultos: o impacto da aprendizagem e da educação de adultos na saúde e
no bem-estar, no emprego e no mercado de trabalho e na vida social,
cívica e comunitária. Brasília: UNESCO, 2016.
70
71
Educação Matemática na EJA:
o contexto da teoria da atividade de estudo
José Carlos Miguel
1
Introdução
Em geral, os questionamentos relativos aos processos de
educação matemática na Educação de Jovens e Adultos EJA, anos
iniciais do ensino fundamental, apontam para uma abordagem
superficial dessa temática, constatando-se referências ao uso
inadequado de textos didáticos, por vezes pensados para as crianças e
o exagero na aplicação de procedimentos algorítmicos a contrastar
com as heurísticas por eles desenvolvidas em situações cotidianas. Em
consequência, esse modo de apresentação dos fatos matemáticos
coloca em segundo plano a ênfase nas ideias e conceitos matemáticos,
com vistas ao desenvolvimento de capacidades intelectuais voltadas à
resolução de problemas.
De fato, a ênfase exagerada em procedimentos algorítmicos
distantes dos modos de pensar de jovens e adultos ingressantes na
escola elementar, ou com baixa escolarização, contrasta com
estratégias de cálculo mental e estimativa desenvolvidas por eles na
1 Professor Associado III vinculado ao Departamento de Didática e ao PPGE,
Faculdade de Filosofia e Ciências, UNESP, Câmpus de Marília. Livre-Docente em
Educação Matemática pela UNESP, Câmpus de Marília.
https://doi.org/10.36311/2023.978-65-5954-389-2.p71-114
72
resolução de problemas e situações matemáticas do cotidiano.
Aprender Matemática é mais do que contemplar e repetir fórmulas e
técnicas operatórias.
Do mesmo modo, a compreensão de parte dos professores de
que nesta etapa da formação dos estudantes deva ser priorizada a
apropriação da língua materna em sua forma escrita ou oral,
relegando o ensino da Matemática a segundo plano, seja por
concepções inadequadas relativamente à educação matemática, seja
por vicissitudes da cultura escolar, conforme podemos constatar com
as pesquisas de Miguel (2018), Fonseca et al (2.011) e Nacarato
(2012), entre outros. Esses estudos reforçam o repertório de
problemas a serem analisados para melhor encaminhamento das ações
da educação matemática de base na EJA.
Acrescente-se a isso invariantes relativos à existência de uma
cultura escolar, de potencialidades e limitações diversas, consolidada
paralelamente a uma cultura acadêmica fomentadora das práticas
instituídas no campo da pesquisa. Por certo, optando-se por uma
opção crítica aos limites culturais estabelecidos na ação pedagógica da
escola, impõe-se a busca de compreensão do modo de funcionamento
dessa produção cultural e a base de sua sustentação, validação e
manutenção.
Assim, os desafios de compreender e/ou explicitar os dramas
e as tramas que envolvem a educação matemática em geral, e o ensino
de Matemática nos anos iniciais da EJA, em particular, implicam em
reconhecer as especificidades da cultura da matemática escolarizada
enquanto um fenômeno que se estabelece e perdura no decorrer de
muito tempo, de forma geral.
73
É por isso que Sriramam e English ao refletirem sobre o
constructo teórico da educação matemática apontam que a teoria
deve esclarecer sua ontologia, metodologia e epistemologia,
declarando que os educadores matemáticos precisam aproximar
pesquisa e prática, por meio de um sistema organizado de conhecimentos
que lhes permitam ver além das especificidades de cada uma e explicar
como elas funcionam juntas” (SRIRAMAM; ENGLISH, 2020, p. 5).
Ao se colocar tais condicionantes da educação matemática
impõe-se que o ensino significativo da Matemática nos anos iniciais
da EJA não pode se limitar à memorização da nomenclatura dos
conceitos e ideias matemáticas e das fórmulas e procedimentos
necessários ao desenvolvimento conceitual. Impõe-se pensar o uso
social do conhecimento matemático, as aplicações do pensar
matemático no contexto das atividades cotidianas das pessoas e,
particularmente, na evolução histórica das ideias matemáticas, em
geral decorrente da busca humana de registro e controle de objetos e
situações com vistas a melhorar a condição de vida.
Com estas preocupações, a metodologia de pesquisa
desenvolvida para a produção do presente texto envolve pesquisa
bibliográfica, levantamento sobre a temática em bases de dados e
análise documental sobre formas de encaminhamento didático
proposto nas reformas curriculares mais recentes, com vistas a
constituir a base de fundamentação teórica acerca da temática eleita.
Nota-se no amplo levantamento bibliográfico efetuado que
predomina na literatura especializada sobre o tema, e, em especial, na
configuração documental das propostas de organização curricular no
contexto brasileiro, uma abordagem teórica centrada predominan-
temente nos limites do referencial teórico piagetiano e, ainda que em
74
menor escala, nos pressupostos da abordagem comportamental,
fundada em princípios por vezes defendidos de forma equivocada
como de modelagem matemática.
A rigor, compreende-se a modelagem matemática como
instrumental metodológico do matemático que surge da necessidade
humana de compreender os fenômenos da realidade que o cerca para
interferir, ou não, em seu processo de constituição. Registre-se, então,
que a modelagem é muito mais do que uma mera padronização de
procedimentos algorítmicos imitativo-repetitivos para abordagem
matemática de determinado fenômeno.
Trata-se de processo que, no caso da aprendizagem de
conceitos, envolve aspectos figurativos e conotativos das instâncias do
vivido, do percebido e do concebido, portanto, concernentes à
criatividade, ao interesse pelo estudo e à imaginação de alunos e
professores. No entanto, ainda se nota tanto na configuração das
práticas de sala de aula quanto na formulação de pesquisas sobre tal
dimensão da metodologia de ensino certa negligência com o fato de
que toda coisa, concreta ou abstrata, é um sistema ou potencial
componente de um sistema e que os problemas devem ser abordados
de forma sistêmica, em sua totalidade, e não em unidades
fragmentadas.
Assim, a compreensão dos problemas que afetam o processo
de ensino e de aprendizagem da Matemática na escolarização inicial
da EJA requer uma abordagem de natureza global, ou seja, não apenas
o relacionamento dos invariantes entre si, mas também destes com a
realidade na qual estão inseridos. Grosso modo, uma via de mão
dupla:
75
Penso que posso constituir um processo no ambiente
educacional onde educador e educando aprendam juntos,
um com o outro. Para isso é necessário que as relações
sejam afetivas e democráticas, garantindo a todos a
possibilidade de se expressar. Partindo dos princípios de
que o educando é sujeito da própria aprendizagem e de que
quando ele chega à escola possui um conhecimento de
sua cultura, ocorre uma aprendizagem coletiva que resulta
do conflito entre o conhecimento antigo e o novo
conhecimento (MOURA, 2020, p. 147).
Em que pese a preocupação com a difusão do pensamento
matemático que observamos entre os investigadores da Educação
Matemática, a partir dos anos de 1.980, ainda se constata relativa
escassez de pesquisas nesta área do conhecimento, em especial, sobre
o significado da atividade matemática na EJA propriamente dita, o
ambiente no qual se constitui, e, principalmente, quanto às
influências dos fatores histórico-culturais na sua consolidação
enquanto dimensão de conhecimento.
É no contexto dessas formulações que o presente estudo se
justifica.
Desenvolvimento do tema
Como se indicou no preâmbulo, existem diversos fatores
condicionantes a serem considerados na discussão sobre as
dificuldades relativas à aprendizagem matemática na EJA; por outro
lado, constata-se também, no espaço escolar, pouco tempo destinado
às atividades reflexivas, significativas e instigantes proporcionadas
76
pelo resgate da identidade cultural dos estudantes e de suas histórias
de vida , que contribuam para o desenvolvimento de capacidades
intelectuais, voltadas ao avanço do raciocínio lógico e abstrato e do
pensamento teórico, como se coloca no contexto da Teoria Histórico-
Cultural.
Inicialmente, cumpre estabelecer que apesar das inúmeras
tentativas de renovação dos programas e da metodologia de ensino de
Matemática desenvolvidas nas últimas cadas no contexto brasileiro,
ainda se nota no cotidiano das escolas de ensino fundamental uma
forte tendência a tratar o conteúdo matemático como coisa pronta
abdicando-se da possibilidade de se pensar a aprendizagem
matemática como um processo de construção.
Um levantamento junto aos professores que trabalham com
Matemática na escolarização inicial acerca das razões de inserção desta
área do conhecimento nos programas de ensino possivelmente
apontará, de forma muito clara, que essa disciplina se insere de forma
marcante na vida cotidiana das pessoas.
Nesse modo de entender, justifica-se a presença da Matemá-
tica nos programas de ensino básico pelos seus aportes prático-
utilitários. Entende-se que o ensino de Matemática deve preparar o
educando para lidar com atividades que envolvam aspectos
quantitativos da realidade tais como as que se relacionam com
grandezas, contagens, medidas, cnicas de cálculo, etc. Advogamos,
tal como sugere expressamente o estudo de Moretti, Panossian e
Moura (2015), dentre outros pesquisadores, pela necessidade de um
programa de ensino de Matemática que considere a diversidade
cultural brasileira, algo para o qual a educação matemática brasileira
tem apontado perspectivas, ou seja, existem formas matemáticas de
77
pensar o mundo que não estão direcionadas simplesmente para fazer
cálculos.
Apesar disso, exceto pela presença nos textos didáticos de
alguns problemas sobre compra e venda, pagamento e troco,
formulados a título de adequação do conteúdo às necessidades dos
alunos, ainda assim, postos em situações repetitivas e pouco
instigantes, a Matemática tem sido apresentada, geralmente, de forma
totalmente desligada do que ocorre na prática social dos sujeitos da
aprendizagem.
A busca da construção de um projeto de escola que se adapta
às características da clientela em oposição ao ideal de escola que
adapta o aluno às suas condições de funcionamento tem se
constituído em aspecto central do debate sobre o tema do acesso e
permanência do alunado, com êxito, no sistema de ensino.
Por certo, para além da dimensão prático-utilitária, é
necessário pensar o conhecimento matemático enquanto possibili-
dade de desenvolvimento do raciocínio lógico, da capacidade de
argumentação, de generalização e de reflexão crítica, enfim, de lidar
com a linguagem simbólica em contextos e formas apropriados à
transformação social.
Essa discussão é antiga e nem de longe parece bem
encaminhada. Se consultarmos as pessoas sobre sua relação com a
Matemática escolar, poucas concordarão que esses objetivos
anunciados foram alcançados. Não parece exagero afirmar que nem
mesmo o objetivo mais imediato, o de natureza utilitarista, é
alcançado pela maioria dos alunos visto que não são raras as situações
em que as pessoas não conseguem lidar satisfatoriamente com
78
conceitos elementares da Matemática, seja em situações escolares, seja
em situações não escolares.
Um levantamento sobre as causas do fracasso escolar em
Matemática passa por problemas na formação do professor, por
metodologias de ensino inadequadas, pela falta de sintonia entre a
vida real e a matemática escolar e pela defasagem da escola tanto em
termos de assistência material, quanto de orientação técnico-
pedagógica aos seus professores.
Assim, prevalecem na escola basicamente duas posturas
didáticas que, via de regra, são postas como excludentes. Ora se
entende que para ensinar Matemática é necessário partir da realidade
dos alunos, concretizando-se os fatos matemáticos e tomando-se o
concreto como sinônimo de manipulável como se fosse possível
extrair dele o raciocínio matemático, ora se resvala para uma tentativa
de formalização excessivamente precoce e muito distante do modo de
pensar dos estudantes.
De fato, apesar das inúmeras tentativas de renovação dos
programas e da metodologia de ensino de Matemática desenvolvidas
nas últimas décadas no contexto brasileiro, ainda se nota no cotidiano
das escolas de ensino fundamental uma forte tendência a tratar o
conteúdo matemático como coisa pronta abdicando-se da
possibilidade de se pensar a aprendizagem matemática como um
processo de apropriação ou de construção.
Nacarato, Mengali e Passos (2009, p. 35) se apoiam em
Skovsmose (2008) ao atribuir ao professor:
[...] papel central na aprendizagem do aluno, mas de forma
a possibilitar que esses cenários sejam criados em sala de
aula; é o professor quem cria as oportunidades para a
79
aprendizagemseja na escolha de atividades significativas
e desafiadoras para seus alunos, seja na gestão de sala de
aula: nas perguntas interessantes que faz e que mobilizam
os alunos ao pensamento, à indagação; na postura
investigativa que assume diante da imprevisibilidade
sempre presente numa sala de aula (NACARATO;
MENGALI; PASSOS, 2009, p. 35).
De fato, nota-se no debate recente sobre a educação
matemática encaminhamentos no sentido de deslocar o foco do
discurso para o modo como o aluno aprende e para as influências de
fatores socioculturais na consolidação do pensamento matemático,
ampliando a discussão sobre como ensinar Matemática e
aprofundando aspectos fundamentais de reconhecidas conexões entre
tais dimensões.
Essa discussão também se faz presente nas últimas tentativas
de reorganização dos programas de ensino de Matemática.
Questionando a condução do aluno à aprendizagem matemática por
meio da reprodução de procedimentos algorítmicos e do acúmulo,
por vezes, sem compreensão, de informações, os Parâmetros
Curriculares Nacionais, PCNs, são explícitos:
É fundamental não subestimar a capacidade dos alunos,
reconhecendo que resolvem problemas, mesmo que
razoavelmente complexos, lançando mão de seus
conhecimentos sobre o assunto e buscando estabelecer
relações entre o conhecido e o novo. O significado da
atividade matemática para o aluno também resulta das
conexões que ele estabelece entre ela e as demais
disciplinas, entre ela e seu cotidiano e das conexões que ele
80
percebe entre os diferentes temas matemáticos. Ao relacio-
nar as ideias matemáticas entre si, podem reconhecer
princípios gerais, como proporcionalidade, igualdade,
composição e inclusão e perceber que processos como o
estabelecimento de analogias, indução e dedução estão
presentes tanto no trabalho com números e operações
como em espaço, forma e medidas (BRASIL, 1998, p. 29).
No caso específico da educação matemática elementar na EJA
o problema ganha conotações especiais, ou seja, trata-se de pensarmos
seriamente nos aspectos cognitivos e epistemológicos que influenciam
a ação didático-pedagógica nessa instância educativa.
Por certo, o escopo principal da ação de ensinar Matemática
é veicular ideias, estimulando o desenvolvimento do pensamento
autônomo, crítico e criador. No entanto, o exagero na forma de
veiculação da linguagem simbólica própria da Matemática, em que
pese a sua beleza formal singular, quando compreendida pelos
estudantes, é o aspecto central da maioria das dificuldades inerentes
ao processo ensino-aprendizagem dessa disciplina em função da
utilização inadequada desse modelo simbólico, o que prejudica o seu
aprendizado. O problema também é reconhecido no conjunto de
princípios inerentes à Base Nacional Comum Curricular, a BNCC:
Apesar de a Matemática ser, por excelência, uma ciência
hipotético-dedutiva, porque suas demonstrações se apoiam
sobre um sistema de axiomas e postulados, é de
fundamental importância também considerar o papel
heurístico das experimentações na aprendizagem da
Matemática (BRASIL, 2017, p. 263).
81
Destarte o pertinente debate sobre o lugar, ou o não lugar, da
EJA na BNCC face às tergiversações sobre a sua inseão no âmbito
do documento, revela-se necessário ao professorado, no entanto, a
compreensão da Matemática como componente de alfabetização, ou
seja, ela é inerente aos processos de leitura e de escrita, mas sua
abordagem nos anos iniciais do ensino fundamental não pode resvalar
para ações pedagógicas rigidamente hierarquizadas e distantes dos
modos de pensar de jovens e adultos não escolarizados.
Os sistemas de raciocínio lógico-formal criados a partir da
inserção dos educandos na aprendizagem matemática formalmente
organizada envolvem ideias e objetos fundamentais para a
compreensão de fenômenos da realidade, para a constituição de
sistemas de representações significativas e para argumentação
fundamentada nos mais variados contextos. Não se trata, porém, de
formar matemáticos precocemente.
O conceito de letramento matemático, com base nos marcos
referenciais da matriz de avaliação matemática do PISA (2012)
considera o envolvimento cotidiano dos sujeitos em situadas voltadas
a raciocinar matematicamente e utilizar conceitos, procedimentos,
fatos e ferramentas matemáticas para descrever, explicar e predizer
fenômenos. Nessas prerrogativas, o conjunto dessas ações auxilia os
indivíduos a reconhecer o papel que a matemática exerce no mundo,
contribuindo para a formação de cidadãos construtivos, engajados e
reflexivos, aptos a fazer julgamentos bem fundamentados e tomar as
decisões necessárias.
Ao apontar indicadores para uma organização curricular
voltada para o desenvolvimento dessas habilidades e competências, a
BNCC é enfática:
82
Os processos matemáticos de resolução de problemas, de
investigação, de desenvolvimento de projetos e da
modelagem podem ser citados como formas privilegiadas
da atividade matemática, motivo pelo qual são, ao mesmo
tempo, objeto e estratégia para a aprendizagem ao longo de
todo o Ensino Fundamental. Esses processos de
aprendizagem são potencialmente ricos para o
desenvolvimento de competências fundamentais para o
letramento matemático (raciocínio, representação,
comunicação e argumentação) e para o desenvolvimento
do pensamento computacional (BRASIL, 2017, p. 264,
destaques no original).
A despeito dos dramas e das tramas a envolverem as tentativas
de reorganização curricular, bem como das vicissitudes dos
indicadores de avaliação da educação, um matemático consciente
certamente não pode desconsiderar essas premissas ao pensar os
programas de ensino na EJA e o relevante papel da atividade
matemática na constituição do pensamento teórico. Mas é preciso
limites em sua formulação nessa área do conhecimento.
Assim, a discussão sobre os invariantes de constituição da
atividade matemática na EJA, em perspectiva de aprendizagem
desenvolvimental, tem se revelado profícua no debate acadêmico.
Dentre as críticas às formulações da BNCC devem ser relacionados
os exageros no discurso da Pedagogia das Competências; certa
desconsideração de avanços na discussão do conceito de letramento
matemático no contexto do Pacto Nacional pela Aprendizagem na
Idade CertaPNAIC (2013); além dos riscos de retomada da ênfase
exagerada na teoria dos conjuntos, a depender da compreensão dos
83
docentes sobre a temática do pensamento algébrico enfatizada na
BNCC:
As constantes mudanças curriculares que chegam à escola,
sem avaliar o impacto de propostas anteriores, sem
considerar a avaliação que (o) professor faz de seu trabalho,
tendem ao fracasso. Por outro lado, as avaliações externas
recaem em críticas ao trabalho docente e conduz os
professores à práticas de “preparão para responder à
questões de provas. Tais ões interrompem a autonomia
que foi sendo construída com os processos formativos, que
valorizava o protagonismo docente, desconsideram os
saberes acumulados por eles. Sem dúvida, o sucesso da
aprendizagem escolar depende essencialmente da clareza
que o professor tem do que deve ou não ser ensinado em
suas aulas, mas depende também do repertório de saberes
que permitem que ele compreenda as entrelinhas que estão
por trás de recomendações curriculares (PASSOS;
NACARATO, 2018, p. 132).
As críticas ao processo de formulação curricular baseado na
BNCC envolvem, também, a possibilidade de retrocesso
relativamente à abordagem tecnicista do currículo, tratado como
norma prescritiva, em detrimento da ação compartilhada, a partir da
noção de currículo real, em processo. Observa-se, com clareza na sua
formulação, a predominância do paradigma curricular técnico-linear,
pretensamente dimensionado na categoria trabalho, em detrimento
de perspectivas curriculares situadas nos limites do paradigma
circular-consensual, direcionadas pelas categorias de linguagem como
busca de consenso, evidentes em várias reformas curriculares estaduais
84
pós-80 e nos PCNs e, principalmente, do paradigma dinâmico-
dialógico, na categoria linguagem como poder, expressamente
definidas no contexto das teorias críticas, especialmente como se pode
constatar em Apple (2008), Freire e Faundez (1985) e Giroux (1982).
Sem embargo, as concepções sobre ensino de Matemática
influenciam, historicamente, as diretrizes curriculares para a inserção
dessa disciplina na educação básica. Em cada uma das tendências no
ensino da Matemática, Fiorentini (1995) mostra que é possível
apontar a concepção de Matemática, a forma como se processa a
produção do conhecimento matemático, os fins e valores atribuídos
ao ensino de Matemática, a visão de mundo subjacente, a perspectiva
inerente ao estudo e à pesquisa para melhoria do ensino de
Matemática e, consequentemente, a proposição da relação entre o
professor e o aluno inerente à concepção de ciência matemática.
Não é difícil constatar a predominância da tendência
formalista clássica e da tendência formalista moderna nas aulas de
Matemática da educação básica e, por consequência, na EJA. A
tendência formalista clássica se estabelece “pela ênfase às ideias e
formas da Matemática clássica, sobretudo ao modelo euclidiano e à
concepção platônica de matemática” (FIORENTINI, 1995, p. 5).
Destacam-se, nesta postura frente à Matemática e à educação
matemática, o ensino de caráter livresco e centrado na explanação do
professor, a postura passiva do aluno no processo de aprendizagem, a
preocupação com memorização de rmulas e incorporação de
procedimentos algorítmicos exaustivamente treinados, mediante ação
do professor e as inflncias dos livros didáticos.
Como contraponto à escola clássica tradicional e formalista,
acusada de não considerar o processo de desenvolvimento e nem as
85
diferenças individuais, a Pedagogia Nova influencia o que se pode
denominar de tendência empírico-ativista que se posiciona no
contexto do “aprender fazendo”. Por isso, dedica-se, na ação de
ensino, à pesquisa, à resolução de problemas e às atividades de caráter
experimental.
Minimizando a ênfase nas estruturas internas da Matemática,
explora as relações com as ditas ciências empíricas ou com situações-
problema do cotidiano dos educandos. O método de ensino tende às
formulações da modelagem matemática ou à resolução de problemas.
Para FIORENTINI (1995, p. 12):
A tendência empírico-ativista, como podemos observar,
procura valorizar os processos de aprendizagem e envolver
o aluno em atividade. A forma como estas atividades são
organizadas e desenvolvidas nem sempre é a mesma. [...].
Procuram organizar atividades mais diretivas, envolvendo
a aplicação do método da descoberta ou de resolução de
problemas. [...]. Desenvolver atividades ou materiais
potencialmente ricos que levem os alunos a aprender
ludicamente e a descobrir a Matemática a partir de
atividades experimentais ou de problemas, possibilitando o
desenvolvimento da criatividade (FIORENTINI, 1995, p.
12).
É em meio à influência americana na organização da educação
brasileira, vide os Acordos MEC-USAID, por exemplo, em função
dos apelos à modernização dos sistemas de ensino por conta da ânsia
pelo desenvolvimento tecnológico, naquele país e nos países
periféricos, que a tendência denominada por Fiorentini (1.995) como
86
“formalista moderna” se constitui. Obviamente, é pela influência do
movimento denominado de Matemática Moderna, enfatizando a
abordagem internalista da Matemática como um todo organizado e
supostamente coeso bem como as preocupações com a organização
curricular deste campo de conhecimento, em particular, que se
consolidam posturas didáticas fortemente enraizadas no cotidiano das
salas de aula. Segundo o autor:
A concepção formalista moderna manifesta-se na medida
em que passa a enfatizar a Matemática pela Matemática,
suas fórmulas, seus aspectos estruturais, suas definições
(iniciando geralmente por elas), em detrimento da essência
e do significado epistemológico dos conceitos. Isto porque
se preocupa exageradamente com a linguagem, com o uso
correto dos símbolos, com a precisão, com o rigor, sem dar
atenção aos processos que o produzem; porque enfatiza o
lógico sobre o psicológico, o formal sobre o social, o
sistemático-estruturado sobre o histórico; porque trata a
Matemática como se ela fosse “neutra” e não tivesse relão
com interesses sociais e políticos (FIORENTINI, 1995, p.
16).
Neste modo de pensar a veiculação do pensamento matemá-
tico, coloca-se ênfase no uso preciso da linguagem matemática, no
rigor e nas justificativas das transformações algébricas pelas
propriedades estruturais. Até o conteúdo geométrico é abordado com
ênfase no tratamento algébrico.
Valorizando-se exageradamente a linguagem da teoria dos
conjuntos, desconsidera-se que a Matemática não é toda ela formal e
87
dedutiva; o desconhecimento das vantagens e das limitações do seu
modelo formal reforça a prevalência de alguns aspectos do
pensamento matemático sobre os outros no processo de sua difusão
no ensino fundamental:
O objetivo da matemática moderna de tratar
simultaneamente rias estruturas determina sua forma.
Ela é necessariamente axiomática, dedutiva e abstrata. Ela
define um tipo de estrutura, um corpo, por exemplo, como
um conjunto de elementos e de relações que satisfazem
certos axiomas. Da mesma maneira que a geometria
euclidiana, a matemática moderna deduz teoremas a partir
de axiomas (ADLER, 1970, p. 63).
-se que tais dilemas não são recentes e nem estão bem
encaminhados nas práticas escolares. Excetuando-se algumas
experiências alternativas, o cotidiano escolar permanece muito
próximo do quadro relatado; o trabalho pedagógico continua
centrado no professor, na forma como concebe a educação e a
Matemática, e o educando continua, em geral, em atitude passiva.
Nota-se no cotidiano da escola pouca preocupação com a evolução
histórica e cultural dos fatos matemáticos, sendo que a sua essência
ou mesmo a concretude das ideias e conceitos são, por vezes, relegados
ao segundo plano.
Uma abordagem histórico-cultural da atividade matemática
revela sintonia com elementos da Teoria dos Campos Conceituais
(VERGNAUD, 1990) segundo a qual um conceito é formado por
uma terna que envolve uma gama de situações (S) que significado
ao objeto em questão; um elenco de invariantes (I) que trata das
88
propriedades e procedimentos necessários para definir esse objeto e
um arcabouço de representações simbólicas (R) as quais permitem
relacionar o significado desse objeto com as suas propriedades.
Desse constructo teórico emerge a tríade SIR, sendo que é
nesse contexto que o autor sustenta que é a análise das tarefas
matemáticas e o estudo da conduta do aluno, quando confrontado
com essas tarefas, que nos possibilita condições para analisar a sua
competência. Para o autor, é fundamental estudar um campo
conceitual ao invés de um conceito, ou seja, numa situação-problema
qualquer, nunca o conceito aparece isolado, por mais simples que ela
seja. Ele considera, então, um campo conceitual como um conjunto
de situações, cujo progressivo domínio exige uma variedade de
conceitos, de procedimentos e de representações simbólicas em
intrincado sistema de conexões.
Taxativamente, ele estabelece que:
O saber se forma a partir de problemas para resolver, quer
dizer, de situações para dominar. [ ....] Por problema é
preciso entender, no sentido amplo que lhe atribui o
psicólogo, toda situação na qual é preciso descobrir
relações, desenvolver atividades de exploração, de hipótese
e de verificação, para produzir uma solução
(VERGNAUD, 1990, p. 52).
A contribuição de Vergnaud nos permite compreender
situações evidentes no contexto do trabalho com fatos matemáticos
no ensino fundamental. Assim, os invariantes podem ser implícitos,
ou seja, as propriedades do objeto e os procedimentos para resolvê-los
são conscientes para o sujeito, ou explícitos, isto é, o sujeito faz uso
89
correto dos procedimentos, porém não m consciência das
propriedades que sustentam o procedimento que ele próprio usou
para resolver o problema. De fato, tais constatações acerca da
formulação de ideias matemáticas indicam que o desenvolvimento
cognitivo não é linear, oscila e ganha formas novas de expressão que
supera situações anteriores, incorporando-as.
Por isso, ao meu ver, ao contrário de Piaget, Vergnaud (1990)
não busca elaborar uma teoria geral para o desenvolvimento. Por
certo, ele procura relacionar o desenvolvimento do sujeito com as
situações que o mesmo é conduzido a resolver. Isso sugere que para o
autor é a aprendizagem a ão orientadora do desenvolvimento, não
o contrário; nesse sentido seu pensamento se aproxima da teoria de
aprendizagem desenvolvimental de Davidov (2020).
Destaque-se que, para ele, a cognição envolve elementos
intrinsecamente articulados às situações, ou seja, o processo de
desenvolvimento cognitivo, fortemente dependente das situações a
serem enfrentadas pelo sujeito, tem como cerne a elaboração de
conceitos, a conceitualização.
De fato, consideramos a atividade matemática na EJA, em
particular a que ocorre em processos de educação elementar, como
um processo sociocultural, ou seja, algo que se constitui em diferentes
culturas e grupos sociais que têm formas de veiculação do
conhecimento diferentes, pressupostos filosóficos diferentes e
diferentes metas a atingir. O sentido do processo de ensino e de
aprendizagem da Matemática difere, pois, tanto de sociedade para
sociedade quanto entre subgrupos de uma mesma sociedade.
Desse modo, Vergnaud (1990) nos conduz a pensar que as
questões sociais não modificam a natureza do conhecimento
90
matemático per se, mas envolvem complexas implicações na maneira
como os educadores concebem o ensino da Matemática e a própria
Matemática enquanto conhecimento científico.
Nesse modo de pensar, e, em decorrência do exposto, três
premissas acerca do pensamento de Vergnaud precisam ser
destacadas.
A primeira delas é que um conceito não se forma a partir de
um tipo único de situação didática, o que impõe a necessidade de
diversificarmos as atividades de ensino em um movimento que
permita ao sujeito a aplicação de determinado conceito em diversas
situações e que estabeleça a integração entre as partes e o todo. A
diversidade das situações exerce um papel importante na
conceitualização haja vista que fornece uma base para que os
educandos testem os seus modelos explicativos em outros contextos,
complementando os modelos explicativos constituídos ou
modificando-os.
Como exemplo, um educando adulto não escolarizado ao
efetuar a soma de 38 com 57, coma pelas dezenas (30 + 50 = 80);
junta as 8 unidades restantes da primeira parcela com 2 da segunda,
resultando em 90 no total em dezenas; e, finalmente, junta as 5
unidades restantes da segunda parcela para totalizar 95. A rigor, eles
fazem: (30 e 8) + (50 e 7) = 80 + 10 + 5, ou ainda 80 e 10 e 5.
Procedem assim pela analogia que fazem com o uso do
dinheiro, mas também porque é prático contar agrupando de 10 em
10 como registra a História da Matemática. E na escola? Negam-se
essas heurísticas e se impõe o procedimento algorítmico tradicional.
A segunda premissa indica basicamente a necessidade de uma
visão integradora do conhecimento, ou seja, não se analisa uma dada
91
situação com um conceito. Uma melhor apropriação do fato
matemático relaciona-se com atividades didáticas que permitam uma
visão generalizante do conhecimento. O constructo teórico de
Vergnaud (1990) conduz ao pensamento de que o trabalho com os
conceitos estruturantes de um determinado campo conceitual, de
forma minuciosa e por tempo suficiente, possibilita aos estudantes
uma visão integradora do que está sendo aprendido. Integra-se o que
se sabe com o que se deve aprender.
Uma terceira premissa que se deve defender a partir da
perspectiva teórica de Vergnaud é a de que sintonia entre a
progressão dos modelos pessoais e o processo de constituição de
modelos científicos, isto é, a construção e apropriação do conjunto
das propriedades de um dado conceito em todos os elementos de uma
situação é processo demorado, sendo que mesmo que se revelem falsos
no âmbito científico, alguns modelos explicativos intermediários
podem desempenhar papel fundamental na trajetória de
aprendizagem um sujeito cognoscente.
Apenas como exemplo dessa preocupação didática, recorro a
Nunes (2003). A autora estabeleceu que uma aprendizagem do
conceito de fração pode obter maior sucesso quando se explora esse
conceito em seus cinco significados: número, parte-todo, medida,
quociente indicado, razão e operador multiplicativo. A exploração
destes significados se revela fundamental posto que consolida as bases
conceituais de um trabalho que, além de possibilitar a continuidade
de estudos dentro da própria Matemática, consolida-se como tema de
grande aplicação nas demais ciências e na interpretação de dados
concretos da realidade socioeconômica.
92
Em geral, a abordagem do conceito de fração nos anos iniciais
do ensino fundamental se resume à exploração da relação entre parte
e todo, abdicando-se de interfaces importantes da formação do
conceito de proporcionalidade envolvidas na ideia de mero
racional e que tem implicações para a vida social nos aspectos relativos
à indexação da economia sob a forma de juros, percentuais e dados
estatísticos.
As representações matemáticas dos iniciandos na atividade
matemática diferem das evidenciadas por seus docentes, assim como
as representações entre os professores mudam bastante, a depender de
suas visões de mundo, da Matemática como ciência e da sociedade.
Por isso, do pensamento de Vergnaud (1990) é possível depreender
que as concepções e competências dos estudantes vão se
desenvolvendo ao longo do tempo, mediante experiências com um
grande número de situações, tanto no ambiente escolar quanto fora
dele.
Geralmente, os estudantes quando se deparam com uma nova
situação, usam o conhecimento adquirido através da experiência em
situações anteriores, buscando adaptá-lo a esta situação nova. Isso
posto, a apropriação do fato matemático se constitui, em geral, por
meio de situações e problemas com os quais o aluno detém alguma
familiaridade, ou, vale dizer, a origem do conhecimento matemático
tem características específicas e locais para o sujeito.
Com base em Vergnaud (1994) é possível estabelecer que é
inerente ao trabalho do professor identificar os conhecimentos que
seus educandos se apropriaram explicitamente e quais são aqueles por
eles utilizados corretamente, mas não incorporados à sua estrutura
conceitual de maneira explícita. Por isso, trata-se de processo de fato
93
complexo que os conceitos matemáticos consolidam seus sentidos
a partir de uma gama variada de situações, sendo que cada situação
normalmente não pode ser analisada com apoio em único conceito,
mas, decididamente, sua complexidade requer que se lance mão de
vários conceitos.
Essa postura docente de explorar diferentes formas ou
esquemas de abordagem de uma dada informação, ou especifica-
mente, de resolver um problema com dados matemáticos também
encontra ressonância na perspectiva teórica de Duval (2011). Para
esse autor, é possível compreender ou apreender a Matemática pela
utilização das representações semióticas do objeto matemático, ou
seja, o aluno precisa mobilizar tais representações para verdadei-
ramente conhecer.
Isso impõe a conversão instantânea de um objeto matemático
em outra representação de outro sistema semiótico, que for mais
significativo do ponto de vista cognitivo, para a efetiva resolução de
um determinado problema. Denomina-se função semiótica à
capacidade que um indivíduo tem de produzir imagens mentais de
objetos ou ações e fazer as suas representações.
De fato, o fenômeno da resolução de problemas exige a
conversão entre registros de representação; segundo (DAMM, 2007,
p. 35-47) para efetuar a conversão é necessário selecionar, no
enunciado, os dados pertinentes para a resolução, isto é, os números
indicados, os valores que lhes são atribuídos lexicamente e organizar
esses dados de maneira que a operação matemática a ser executada se
torne evidente e consistente.
Assim é que Duval definiu as funções de tratamento e de
conversão de registros como sendo:
94
Tratamento de registros de representação quando as
operações são realizadas dentro do próprio registro em que
ele foi enunciado e Conversão de uma representação em
outra quando um registro é transformado em outro
registro, podendo conservar a totalidade ou apenas uma
parte do registro dado como ponto de partida (DUVAL,
2007, p. 11-33).
Na maioria das vezes, a visualização dos objetos pode estar
relacionada ao fato de que o aluno não consegue explicitar o objeto
através de representações semióticas. Em relação ao nosso estudo, essa
não visualização prejudica a compreensão da Matemática.
Além desse fato, quando o educando não consegue entender
como se constrói esse objeto, pode haver uma perda da compreensão
adquirida, e o aluno apresenta limitações, por exemplo, para fazer
a conversão de uma tabela de valores construída a partir de uma
função para um registro gráfico.
Dessa forma, o acesso aos objetos matemáticos passa
necessariamente por representações semióticas. Destarte, a sua
compreensão pode estar condicionada à capacidade de permutação de
registros. Os objetos estudados foram: conceitos, propriedades e
estruturas que poderiam expressar diferentes situações para o ensino,
levando em consideração as diferentes formas de representação de um
mesmo objeto matemático.
Desse modo, é possível identificar dois níveis de complexi-
dade de compreensão das situações matemáticas exploradas. De
início, o trabalho dos alunos se resume em algumas formas de
tratamento e generalização, revelando limitações quanto à mobiliza-
ção de algumas representações, dificultando sobejamente as
95
conversões entre registros. O segundo nível envolve um entendi-
mento mais elaborado, avançando nos tratamentos numéricos e
algébricos e efetuando algumas conversões, provavelmente por dispor
de algumas formas de linguagens, o que permite manipulação de
situações mais elaboradas relativamente ao tratamento das
informações e conversões entre registros.
A rigor, é a função semiótica que possibilita o pensamento.
Essa forma de pensar a atividade matemática também encontra
respaldo em Vygotsky (1989), posto que para esse autor o
desenvolvimento das representações mentais está associado à
interiorização de representações semióticas iniciada pela língua
materna. Sem embargo, as dificuldades dos alunos para compreender
as ideias envolvidas nos conceitos matemáticos estão relacionadas ao
fato de que os professores, embora saibam lidar, de maneira geral,
com dados matemáticos, não têm explícitos os seus invariantes, bem
como não têm claro os diferentes significados que esses conceitos
podem assumir, em especial, as implicações para o seu uso cotidiano,
fato que os conduzem a difundir estratégias limitadas de ensino para
auxiliar seus alunos na busca de superação de falsas concepções sobre
a lide com as ideias matemáticas.
Tais formulações nos permitem situar nestas questões as
reflexões que se fazem necessárias para se estabelecer maior
aproximação entre o ideário pedagógico do docente e a zona de
desenvolvimento proximal dos alunos no sentido que se deve a
Vygotsky (2000). Esta adequação didática e pedagógica dificilmente
se estabelece sem uma relação dialógica entre professor e aluno,
colocando-se o professor como irrequieto investigador das ideias e
concepções dos alunos acerca das ideias matemáticas.
96
DUVAL (2007) se mostra preocupado com esta situação e ao
avançar na discussão, assegura que não se deve confundir um objeto
com a sua representação. Assim, o desenho de uma circunferência, a
própria palavra circunferência ou a equação da circunferência
constituem representações distintas que se referem ao objeto
conceitual circunferência, mas nenhuma delas é a circunferência de
fato, apenas a representam. Sem dúvida, são os registros que
permitem o acesso ao objeto e ao tratamento do objeto.
Ele estabelece, ainda, que a compreensão da informação ou da
atividade matemática se situa na mobilização simultânea de pelo
menos dois registros de representação, ou na possibilidade de trocar a
qualquer momento de registro de representação. A coordenação de
pelo menos dois registros de representação se manifesta pela rapidez
e a espontaneidade da atividade cognitiva de conversão.
Visando estabelecer uma relação conceitual interna entre
aprendizagem, que para ele é a fonte propulsora de desenvolvimento,
e o próprio desenvolvimento, Vygotsky (2000) propõe o conceito de
zona de desenvolvimento próximo. Trata-se de uma etapa do
desenvolvimento no qual o sujeito não consegue resolver determinada
situação ou tarefa sem a ajuda de um parceiro mais experiente. A zona
de desenvolvimento próximo indica que as situações ou tarefas
encaminhadas com apoio do outro logo serão resolvidas de forma
autônoma, isto é, o sujeito está próximo de um vel mais elevado de
desenvolvimento.
Por isso, Davidov (2019, p. 220) considera que a
aprendizagem orienta o desenvolvimento:
97
Assim, o conhecimento teórico, ao se constituir como o
conteúdo da Atividade de Estudo é, ao mesmo tempo, a
sua necessidade. A atividade humana se correlaciona com
certa necessidade, enquanto as ações são relacionadas aos
motivos. No processo de formação da necessidade da
Atividade de Estudo em alunos das séries iniciais do ensino
fundamental, tem lugar sua concretização na diversidade
de motivos que exigem das criaas a realização das ações
de estudo (Davidov, 2019, p. 220).
Nesse sentido, reconhecendo os impactos nas formas de
pensar e agir postos pelas transformações das relações sociais de
produção, pelas vias das práticas sociais cotidianas, das tecnologias
informacionais e pela progressiva diversificação cultural que
influencia os processos de ensino e aprendizagem, Libâneo (2004)
defende que a didática precisa incorporar as investigações mais
recentes sobre os modos de aprender e ensinar e sobre o papel do
educador na mediação do processo de formação dos educandos para
o pensar. Em síntese, é imperioso entender que o conhecimento
supõe o desenvolvimento do pensamento e que desenvolver o
pensamento supõe metodologia e procedimentos sistemáticos do
pensar. Para ele:
O suporte teórico de partida é o princípio vygotskiano de
que a aprendizagem é uma articulação de processos
externos e internos, visando a internalização de signos
culturais pelo indivíduo, o que gera uma qualidade auto-
reguladora às ações e ao comportamento dos indivíduos.
Esta formulação realça a atividade sócio-histórica e coletiva
dos indivíduos na formação das funções mentais
98
superiores, portanto o caráter de mediação cultural do
processo de conhecimento e, ao mesmo tempo, a atividade
individual de aprendizagem pela qual o indivíduo se
apropria da experiência sociocultural como ser ativo.
Todavia, considerando-se que os saberes e instrumentos
cognitivos se constituem nas relações intersubjetivas, sua
apropriação implica a interação com os outros
portadores desses saberes e instrumentos. Em razão disso é
que a educação e o ensino se constituem formas universais
e necessárias do desenvolvimento mental, em cujo processo
se ligam os fatores socioculturais e as condições internas
dos indivíduos (LIBÂNEO, 2004, p. 6).
Assim, o principal desafio para a Didática da Matemática é
explicar como a atividade de ensino pode contribuir para impulsionar
o desenvolvimento das capacidades cognitivas mediante a formação
de conceitos e o desenvolvimento do pensamento teórico bem como
explicitar os meios pelos quais os alunos podem potencializar a
apropriação de ideias matemáticas.
Davidov apud Libâneo (2004) estabeleceu que a atividade de
estudo tem como escopo a formação de abstrações e generalizações
por parte dos educandos de forma a constituir o pensamento teórico,
o que tem por base a apropriação das experiências socialmente
elaboradas, ou seja, conhecimentos e capacidades.
Em geral, as mudanças no desenvolvimento psíquico dos
sujeitos são de natureza qualitativa e ocorrem com base na
apropriação de procedimentos generalizados de ação no âmbito dos
conceitos teóricos. Por isso, o contdo da atividade de estudo é o
conceito teórico. Assim, o conteúdo do conceito teórico, que traduz
99
a relação objetiva do universal com o singular, expressa a existência
mediatizada pela reflexão e é essencial para a reprodução dos objetivos
e fenômenos.
Com base nessas formulações Libâneo (2004, p. 16) nos
informa que:
As pesquisas de Davydov tiveram origem na análise crítica
da organização do ensino assentada na concepção
tradicional de aprendizagem, que leva à formação do
pensamento empírico, descritivo e classificatório. Segundo
ele, conhecimento que se adquire por métodos
transmissivos e de memorização não se converte em
ferramenta para lidar com a diversidade de fenômenos e
situações que ocorrem na vida prática. Um ensino mais
vivo e eficaz para a formão da personalidade deve basear-
se no desenvolvimento do pensamento teórico. Trata-se de
um processo pelo qual se revela a essência e o
desenvolvimento dos objetos de conhecimento e, com isso,
a aquisição de métodos e estratégias cognitivas gerais de
cada ciência, em função de analisar e resolver problemas e
situações concretas da vida prática. O pensamento trico
se forma pelo domínio dos procedimentos teóricos do
pensamento, que, pelo seu caráter generalizador, permite
sua aplicação em vários âmbitos da aprendizagem
(LIBÂNEO, 2004, p. 16).
Daí, considerar a atividade matemática no contexto da
aprendizagem desenvolvimental implica na transformação da cultura
da Matemática escolarizada. O problema a ser resolvido, então, é o
que e como fazer para estimular as capacidades investigadoras dos
100
estudantes, contribuindo para que eles possam avançar no processo
de desenvolvimento de competências e habilidades mentais. Uma
ação pedagógica voltada para a formação de sujeitos pensantes,
críticos e reflexivos tem como dever histórico enfatizar em suas
investigações as estratégias e posturas mediante as quais os alunos
aprendem a internalizar conceitos, competências e habilidades, enfim,
modos de pensar e agir que possam se transformar em instrumentos
para atuação na realidade resolvendo problemas, tomando decisões e
formulando estratégias para intervenção no meio social.
Por isso, compreende-se que na teoria histórico-cultural
desenvolvida por Vygotsky e colaboradores, o conceito de mediação
semiótica é central. Pela teoria é possível deduzir que os processos de
incorporação da cultura e individualização possibilitam a passagem de
formas elementares de ação a formas mais complexas, mediadas.
Desse modo, sendo as funções psicológicas superiores
caracterizadas pelo uso de recursos mediacionais internalizados,
impõe-se enfatizar o espaço da intersubjetividade ou, do plano das
interações, o que, para a teoria histórico-cultural, significa evitar o
reducionismo tanto individualista quanto sociológico no estudo do
sujeito psicológico que pode ser dimensionado e compreendido na
dialética das interações das suas dimensões social e individual.
Com dimensão social e, portanto, coletiva, o desenvolvi-
mento cognitivo é sustentado, então, sobre o plano das interações,
consolidando o que Vygotsky (2000) denomina de desenvolvimento
proximal, o qual deve ser identificado em sua materialidade, sua
ocorrência concreta de capacidades emergentes que se manifestam em
alguma dimensão, embora se apoiando em meios não dominados
autonomamente.
101
A aprendizagem que se origina no plano intersubjetivo
constrói o desenvolvimento haja vista que:
A generalidade do conhecimento é entendida com base em
duas dimensões: o espaço de abrangência de aplicação do
conhecimento ao real, e o vel de sua independência em
relação ao imediato-concreto, ao sensível. Assim sendo, as
experiências é que fazem deslocar as funções psicológicas
nos contínuos de sensível-mediado e de restrito-abrangente
que têm o efeito de fazer avançar o desenvolvimento. A
“boa” aprendizagem é aquela que consolida e sobretudo
cria zonas de desenvolvimento proximal sucessivas (GÓES,
1991, p. 20).
Como consequência dessas ideias, o desenvolvimento
cognitivo não constitui para a teoria histórico-cultural um mero
desdobramento de características pré-formadas na estruturação
biológica dos genes. É o resultado da troca entre a informação
genética e o contato experimental, em circunstâncias reais de um meio
historicamente constituído por manifestações socioculturais, por
relações interpessoais, precipuamente. O que impõe recuperar a
dimensão etnográfica do processo de evolução histórica do
pensamento matemático.
Literalmente, os sistemas de signos produzidos na cultura, na
qual as pessoas estão inseridas, não são meros facilitadores das
atividades psicológicas, mas seus formadores. Nesse modo de
compreender o processo de apropriação do conhecimento, aprender
é a resultante de uma atividade tutorizada que ultrapassa a
contemplação e a experimentação espontânea dos estudantes. É uma
102
atividade que exige uma intervenção mediadora, envolvendo quem
aprende, quem ensina e a relação social entre eles.
Assim, a formação do pensamento se pela internalização de
processos mediadores desenvolvidos por e na cultura. É a apropriação
da bagagem cultural e não apenas a atividade e coordenação das ões
realizadas pelo indivíduo que responde pela formação de estruturas
formais da mente.
Esse processo de internalização da atividade se constitui pela
mediação da linguagem, sendo que nele os signos adquirem
significado e sentido. Por isso, a teoria realça a atividade sócio-
histórica e coletiva dos indivíduos na formação das funções mentais
superiores, enfatizando o caráter de mediação cultural do processo de
conhecimento e, paulatinamente, destacando a dimensão individual
da aprendizagem para estabelecer que o sujeito se apropria da
experiência sociocultural de forma ativa.
Libâneo (2004, p. 11) nos informa que para a Teoria da
Atividade que se destacarem temas como a atividade situada em
contextos, a participação como condição de compreensão na prática,
ou seja, como aprendizagem, a identidade, o papel das práticas
institucionalizadas nos motivos dos alunos, a diversidade cultural, etc.
Em sua compreensão:
As ideias de Davydov sobre o ensino desenvolvimental,
lastreadas no pensamento de Vygotsky, podem ser
sintetizadas nos seguintes pontos:
a) A educação e o ensino são fatores determinantes do
desenvolvimento mental, inclusive por poder ir adiante do
desenvolvimento real da criança.
103
b) Devem-se levar em consideração as origens sociais do
processo de desenvolvimento, ou seja, o desenvolvimento
individual depende do desenvolvimento do coletivo. A
atividade cognitiva é inseparável do meio cultural, tendo
lugar em um sistema interpessoal de forma que, através das
interações com esse meio, os alunos aprendem os
instrumentos cognitivos e comunicativos de sua cultura.
Isto caracteriza o processo de internalização das funções
mentais.
c) A educação é componente da atividade humana
orientada para o desenvolvimento do pensamento através
da atividade de aprendizagem dos alunos (formação de
conceitos teóricos, generalização, análise, síntese,
raciocínio teórico, pensamento lógico), desde a escola
elementar.
d) A referência básica do processo de ensino são os objetos
científicos (os conteúdos), que precisam ser apropriados
pelos alunos mediante a descoberta de um princípio
interno do objeto e, daí, reconstruído sob forma de
conceito teórico na atividade conjunta entre professor e
alunos. A interão sujeito-objeto implica o uso de
mediações simbólicas (sistemas, esquemas, mapas,
modelos, isto é, signos, em sentido amplo) encontradas na
cultura e na ciência. A reconstrução e reestruturação do
objeto de estudo constituem o processo de internalização,
a partir do qual se reestrutura o próprio modo de pensar
dos alunos, assegurando com isso, seu desenvolvimento
(LIBÂNEO, 2004, p. 11).
Embora longa, a citação é esclarecedora e absolutamente de
interesse do nosso estudo. A atividade matemática representa, então,
104
a ação humana que mediatiza a relação entre o homem, sujeito da
mesma, e os objetos da realidade, dando a configuração da natureza
humana.
Por sua vez, o desenvolvimento dos processos psicológicos
superiores, ou da atividade psíquica, tem sua origem nas relações
sociais do indivíduo situado em seu contexto social e cultural. Com
base nessas premissas, a teoria sustenta que o processo da educação e,
mais propriamente, o ensino, se constituem como formas universais
e necessárias ao desenvolvimento mental, processo marcado pela
influência dos fatores socioculturais e pelas condições internas das
pessoas, sejam crianças, jovens ou adultos em processo de
escolarização.
Resultados da discussão
A ciência matemática desenvolve um papel sociocultural
importante na inclusão das pessoas na sociedade, seja pelo apelo
prático-utilitário, seja pelas possibilidades de sustentação ao
desenvolvimento intelectual. Os resultados da pesquisa indicam que
ensinar Matemática é fornecer instrumentos para o homem atuar no
mundo de modo mais eficaz, formando cidadãos comprometidos e
participativos.
No entanto, a cultura da Matemática escolarizada ainda se
prende muito à ênfase nos procedimentos algorítmicos, contrariando
as tendências mais evidentes no ensino de matemática relativamente
às resoluções de problemas, modelagem matemática, história da
matemática, jogos e curiosidades, etnomatemática e novas
tecnologias.
105
É preciso que ao abordar a temática da atividade matemática
os docentes considerem as contribuições que cada tendência apresenta
em sua particularidade, atentando-se para o fato de que a utilização
de uma não exclui a abordagem de aspectos relevantes de outra. É
possível observar alguns pontos em comum entre elas e que podem
avançar a partir da apropriação do raciocínio gico-matemático por
parte dos estudantes da EJA:
1) Um ensino comprometido com o pensamento crítico-
reflexivo, as transformações sociais e a construção da
cidadania.
2) Desenvolvimento efetivo do pensamento teórico, mediante a
participação ativa do aluno no processo de ensino e
aprendizagem em um contexto de trabalho colaborativo e não
individual.
3) A busca de elaboração e apropriação de um pensar
matemático significativo para o aluno, vinculado à realidade,
explorando fatos que façam da própria atividade matemática,
uma atividade lúdica per se, instrumento para a sua
compreensão.
4) Utilização de recursos específicos e um ambiente que propicie
o desenvolvimento de sequências metodológicas que levem o
aluno a construir seu próprio conhecimento, estabelecendo
ações e construindo relações fundamentais para a
compreensão da atividade matemática como elemento
fundante para a tomada de decio.
Os alunos não conseguem desenvolver o pensamento teórico
em Matemática apenas fazendo operações, é preciso que formulem
ideias, estabeleçam relações entre elas, levantem hipóteses e tirem
106
conclusões. Portanto, o ensino de matemática não pode ser voltado
para uma metodologia em que o roteiro é apresentar uma aula
expositiva, seguida de exemplos, e por fim a resolução de diversos
exercícios sem a aproximação da realidade do estudante.
Ao longo da pesquisa que resultou neste texto pudemos
constatar que algumas atividades matemáticas de salas de aula e de
alguns livros didáticos são de interesse apenas da comunidade de
matemáticos, mas não fazem sentido para os alunos.
É necessário que os conteúdos contemplem a realidade no
qual os alunos estão inseridos, de modo que os exercícios
desenvolvidos façam sentido e sejam possíveis de serem usados no
cotidiano de alguma forma.
A apropriação e envolvimento com a atividade matemática
possibilita aos alunos a ampliação do alcance de suas capacidades
intelectuais, contribuindo para a estruturação do pensamento teórico,
para a agilização do raciocínio lógico-dedutivo, viabilizando a
aplicação na resolução de problemas, a explicação de fenômenos e
situações da vida cotidiana, bem como nas atividades do mundo do
trabalho e no apoio à construção de conhecimentos em outras áreas
curriculares.
No contexto da teoria histórico-cultural, a função de uma
proposta pedagógica coerente com os princípios anteriormente
enunciados é otimizar o conteúdo, além de melhorar o processo de
sua difusão, ou seja, os métodos de ensino e de formação, com vistas
ao exercício de influência positiva para o desenvolvimento de
habilidades, pensamentos, desejos e capacidades.
Uma proposta de ação didático-pedagógica nesses moldes,
visando estabelecer a base conceitual sobre a qual se assenta a
107
formação de conceitos em Matemática por estudantes do ensino
fundamental, pode contribuir significativamente para a renovação do
processo pedagógico por contemplar quatro momentos importantes
envolvidos na complexidade do processo ensino - aprendizagem,
quais sejam: quando ensinar? (consideração e intervenção no
desenvolvimento cognitivo do aluno); o que ensinar?, por que
ensinar?, para que ensinar? (estabelecer relações entre os conteúdos a
serem ensinados e o objetivo fundamental de se promover o
desenvolvimento intelectual e a autonomia do aluno como sujeito
pensante); como ensinar? (definir os procedimentos adequados para
mediação do processo); e, onde ensinar? (propiciar situações
pedagógicas em que o aluno possa aprender dentro e fora da escola).
Considerações finais
O posicionamento sobre as formas metodológicas de
encaminhamento da atividade matemática na EJA, em particular nos
anos iniciais do ensino fundamental, resulta de concepções teóricas
do professor sobre a Matemática enquanto ciência, a respeito da
Matemática escolarizada e do papel desse conhecimento na vida
cotidiana das pessoas.
Se a decisão sobre o que ensinar se sustenta nas concepções
que se tem de Educação, de sociedade e de Matemática, com todas as
suas implicações sociais, culturais, políticas e pedagógicas, é preciso
considerar que as ideias matemáticas fazem parte da formação geral,
devendo preparar o indivíduo para o exercício da cidadania pelo
desenvolvimento da capacidade de analisar, conjecturar, levantar
hipóteses e tomar decisões. Sua presença nos programas de ensino
108
fundamental se justifica principalmente pelo papel a que se presta de
formulação de modelos explicativos de dados quantitativos da
realidade imediata. Mas é preciso concordar que nem todos os
educandos serão matemáticos.
Assim, a relação entre o ato de ensinar e o de aprender
Matemática enquanto atividade significativa deve buscar o equilíbrio
entre o aspecto formativo e o informativo.
Com base nessas assertivas impõe-se o reconhecimento de que
a Matemática não está apenas na mente humana e nem na atividade
cotidiana. Por certo, o ensino desse conteúdo deve partir do que é
observável, ou seja, de situações contextualizadas, mas deve conduzir
os educandos às abstrações e generalizações que constituem o modo
matemático de pensar.
De fato, estabelecer critérios objetivos para definição do
processo de ensino e aprendizagem de Matemática na EJA revela-se
como indispensável quando se pretende um trabalho educativo que
se oriente pela ação pedagógica reflexiva e que se propõe a auxiliar o
desenvolvimento harmônico dos educandos.
Renovar o processo de ensino não significa apenas constatar
ou verificar os progressos ou as dificuldades de aprendizagem dos
alunos. Observar, compreender, registrar ou analisar uma dada
situação de aprendizagem constitui, no conjunto, apenas uma parte
do processo. Avançar no processo de renovação dos programas de
ensino de Matemática para além do levantamento e interpretação da
situação implica, de maneira irrefutável, em uma ação que possa
promover a melhoria da aprendizagem dos estudantes.
Por isso, à medida que se tem clareza dos objetivos a serem
alcançados e que podem ser comprovados a partir de critérios de
109
avaliação bem formulados cria-se um ambiente favorável para o
desenvolvimento de uma ão educativa que favoreça o crescimento
intelectual dos alunos. Em geral, na prática pedagógica em
Matemática constatamos uma avaliação centrada nos conhecimentos
específicos e na contagem de erros e acertos, sem muita preocupação
com o desenvolvimento intelectual. Avançar, então, de uma
concepção de avaliação somativa para uma concepção de avaliação
formativa, capaz de iluminar a prática pedagógica, nos obriga à
consideração dos erros dos alunos e de interpre-los para revigorar a
ação docente.
Interpretar as dificuldades de aprendizagem e os erros
cometidos pelos alunos com o objetivo de reorientar a ação
pedagógica reveste-se de alto teor pedagógico, fazendo com que eles
passem a ter um papel de natureza construtiva.
Trata-se de uma ação didática e pedagógica em Matemática
na qual se impõe considerar os avanços dos alunos em relação ao seu
estado de conhecimento anterior; compreender a forma como o aluno
interpreta uma dada situação e o encaminhamento para a solução;
e, interpretar as ferramentas e procedimentos utilizados para o
cumprimento da tarefa proposta, valorizando os conhecimentos
matemáticos utilizados pelo aluno.
Por fim, propiciar ao aluno a apropriação dos conceitos
matemáticos desenvolvidos em aula e pensar alternativas didáticas
para sanar as dificuldades, buscando consolidar o desenvolvimento da
capacidade de comunicar-se matematicamente, por ação verbal ou
escrita, é o constructo pedagógico necessário à consolidação da
atividade matemática em perspectiva desenvolvimental.
110
Nesse sentido, urge transformar a cultura da Matemática
escolarizada e superar a concepção da EJA como mera instrumen-
talização dos sujeitos para o mercado de trabalho.
Referências
ADLER, I. Matemática e Desenvolvimento Mental. São Paulo, Cultrix,
1970.
APPLE, M. W. Ideologia e Currículo. Porto Alegre, Artmed, 2008.
BRASIL. Ministério da Educação. Parâmetros Curriculares Nacionais:
Matemática. Brasília: MEC/Secretaria de Educação Fundamental, 1998.
BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular.
Brasília: MEC/Secretaria de Educação Fundamental, 2017.
BRASIL. Ministério da Educação. Pacto Nacional pela Alfabetização na
Idade Certa. Brasília: MEC/SEF, 2013.
DAMM, R. F. Representação, Compreensão e Resolução de Problemas
Aditivos. In: MACHADO, S. D. A. (Org.). Aprendizagem em
matemática: registros de representação semiótica.ed. Campinas/SP:
Papirus, 2007.
DAVIDOV, V. V. Conteúdo e Estrutura da Atividade de Estudo. In:
PUENTES, R. V.; CARDOSO, C. G. C.; AMORIM, P. A. P. (Orgs.).
Teoria da Atividade de Estudo: contribuições de D. B. Elkonin, V. V.
Davidov e V. V. Repkin. Uberlândia: EDUFU; Curitiba: CRV, 2019, p.
215-233.
111
DUVAL, R. Registros de representação semiótica e funcionamento cognitivo
da compreensão em Matemática. In: MACHADO, S. D. A. Aprendizagem
em Matemática: registros de representação semiótica. Campinas, Papirus,
2007.
DUVAL, R. Ver e ensinar Matemática de outra forma: entrar no modo
matemático de pensar os registros de representações semióticas.
Organização de Tânia M. M. Campos. Tradução de Marlene Alves Dias.
São Paulo, PROEM, 2011.
FIORENTINI, D. Alguns modos de ver e conceber o ensino da
Matemática no Brasil. Zetetiké, ano 3, v. 4. Campinas, 1995.
FONSECA, M. da C. F. R.; LOPES, M. da P.; BARBOSA, M. G. G.;
GOMES, M. L. M. & DAYRELL, M. M. M. S. S. O ensino de
Geometria na Escola Fundamental: Três questões para a formação do
professor dos ciclos iniciais. Belo Horizonte, Autêntica, 2011.
FREIRE, P.; FAUNDEZ, A. Por uma Pedagogia da Pergunta. Rio de
Janeiro, Paz e Terra, 1985.
GIROUX, H. Escola Crítica e Política Cultural. São Paulo, Cortez
Autores Associados, 1982.
GÓES, M. C. A natureza do desenvolvimento psicológico. Cadernos
CEDES, 24. Campinas, 1991.
IMENES, L. M. e LELLIS, M. Livro didático, porcentagem,
proporcionalidade: uma crítica da crítica. BOLEMABoletim de
Educação Matemática, Rio Claro-SP, v. 18, n. 24, p. 1-28, set. 2005.
LIBÂNEO, J. C. A didática e aprendizagem do pensar e do aprender: a
Teoria Histórico-Cultural da Atividade e a contribuição de Vasili
Davydov. Revista Brasileira de Educação. 27, Set/Out/Nov/Dez.
2004.
112
MIGUEL, J. C. Pressupostos teóricos e metodológicos da formação de
conceitos matemáticos por educandos dos anos iniciais da EJA. Tese de
Livre-Docência. Marília-SP, UNESP, 2018.
MORETTI, V. D.; PANOSSIAN, M. L. & MOURA, M. O. de.
Educação, educação matemática e teoria cultural da objetivação: uma
conversa com Luís Radford. Educão e Pesquisa. São Paulo, v. 41, n.
1, p. 243-280, jan./mar. 2015.
MOURA, R. Desenvolvimento sustentável na educação para vivermos
em comunidade. In: MATURANA, S. L. de. Educando(nos) com las
Comunidades. La Serena (Chile), Nueva Miranda Editores, 2020, p.
142152.
NACARATO, A. M.; MENGALI, B. L. S.; PASSOS, C. L. B. A
matemática nos anos iniciais do ensino fundamental: tecendo os fios do
ensinar e do aprender. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2009.
NACARATO, A. M. A comunicação oral nas aulas de Matemática nos
anos iniciais do ensino fundamental. Revista Eletrônica de Educação. São
Carlos, SP, UFSCar, v. 6, n. 1, p. 9-26, mai. 2012.
NUNES, T. Educação matemática: números e operações. São Paulo,
Cortez, 2003.
PASSOS, C. L. B.; NACARATO, A. M. Trajetória e perspectivas para o
ensino de Matemática nos anos iniciais. Estudos Avançados, v. 32, n. 94,
2018, p. 119-135.
SKOVSMOSE, O. Desafios da reflexão em Educação Matemática
Crítica. Campinas: Papirus, 2008.
113
SRIRAMAN, B. & ENGLISH, L. Surveying Theories and Philosophies of
Mathematics Education. In: SRIRAMAN B. & ENGLISH, L. Theories of
Mathematics Education Advance in Mathematics Education. Springer,
2010, p. 3-32.
VERGNAUD, G. La théorie de champs conceptuels. Recherches en
Didactiques de Mathématiques, 1990, vol 10, 2.3, p.p 133 – 170.
Pensée Sauvage, Grenoble, França.
VERGANUD, G.. Epistemology and Psycology of Mathematics Education.
In: NESCHER & KILPATRICK. Cognition and Pratice. Cambridge
Press, Cambridge, 1994.
VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente. São Paulo, Martins
Fontes, 2000.
VYGOTSKY, L.S. Pensamento e linguagem. São Paulo, Martins
Fontes, 1989.
114
115
Relações Dialéticas em Paulo Freire e G. W. F. Hegel:
práxis educadora como momento da liberdade
Rafael de Melo Ferreira
1
Fabrício Mendes Pereira
2
Introdução
O presente estudo tem como objeto estabelecer uma análise
comparativa entre os pensamentos de Paulo Freire e G.W.F. Hegel
no que diz respeito à educação, ou mais propriamente, à práxis
educacional. Embora sejam pensadores separados no espaço e no
tempo, ambos têm em seus pensamentos semelhanças e pontos em
comum que podem convergir, pelo menos inicialmente, para um
pensar sobre a educação escolar e, especialmente, sobre a educação de
jovens e adultos. O primeiro autor apresenta uma longa carreira
acadêmica no tocante à educação, tendo uma bibliografia intensa e
profícua nessa área do conhecimento. O segundo, contudo, não
possui uma obra exclusiva onde o objetivo seja pensar a educação.
Todavia, isso não quer dizer que não possamos retirar de seus escritos
temas pedagógicos.
1 Mestrando no PPGE da Universidade Estadual Paulista (UNESP/Marília). E-
mail: melo.ferreira@unesp.br
2 Mestrando da Universidade Estadual Paulista (UNESP/Marília). E-mail:
fabricio.mendes@unesp.br
https://doi.org/10.36311/2023.978-65-5954-389-2.p115-138
116
Neste sentido, Paulo Freire compreende a educação como o
processo pelo qual o ser-humano toma consciência de seu ser no
mundo e, a partir dela, transforma sua realidade. A educação, nesse
caso, é o caminho pelo qual o ser-humano se humaniza, e enquanto
humanizado, é livre. Educar, em seu pensamento, não é a simples
transmissão de conhecimentos e narrativas, é levar, aos oprimidos e
aos opressores o ser mais.
Contudo, se a educação é formar o ser-humano para o seu ser
mais é porque ele está numa condição de ser menos. Tal condição
aquém de sua vocação é proposital e mantida. A condição do ser menos
oprimidofaz parte de uma dinâmica de relações com o mundo e,
principalmente, com o outro; oprimido porque o opressor, e
vice-versa. oprimido porque o opressor necessita do oprimido para
ser opressor.
É uma relação dialética, isto é, as oposições opressor e
oprimido não são independentes uma da outra, mas existem
mutuamente. Ou seja, na vida em sociedade as relações são dialéticas
porque existem mutuamente, isto é, opressor na mesma medida
em que oprimido. Assim como a categoria do educando
porque a do educador.
A existência - dialética - do opressor e do oprimido, da qual
fala Freire, encontra suas raízes ideológicas no pensamento de Hegel,
na medida em que aquele compreende o ser-humano como resultado
entre vários fatores e que sua natureza é, também, histórica. O ser-
humano não está posto, pronto e acabado, desde o nascimento até a
morte, antes, em constante formação e mudança. A vida de todo ser
humano está colocada em constante transformação e mudança.
117
Nesse sentido, para Hegel, todo sujeito consciência-de-si
está em relação com outras consciências. E tal relação se põe pela
necessidade que as autoconsciências têm de existirem em relação umas
com as outras. Seja porque elas estão compartilhando o mesmo
mundo ético, seja porque precisam de reconhecimento mútuo para
chegar ao conhecimento de si mesmas. Acerca desse pensamento, é
conhecida a Dialética do Senhor e do Escravo que o Hegel apresenta
em sua Fenomenologia do Espírito.
Nesta obra, Hegel objetiva libertar a mente humana
consciência singular dos grilhões da dicotomia entre ser e não ser e
elevá-la até o conhecimento absoluto. Hegel rompe com os princípios
da identidade
3
e da não contradição
4
, ao afirmar que ser e não ser
constituem momentos diversos de uma mesma coisa. Ou seja, a
verdadeque é totalidadecontém em si o que é e o que não é.
Assim sendo, Hegel, ao publicar a Fenomenologia, queria
romper com a cisão entre ser e não ser e ir além da contradição pra se
chegar a verdade. Ele afirma que somente a opinião comum o fim
do movimento do conhecimento na contradição:
Com a mesma rigidez com que a opinião comum se prende
à oposição entre o verdadeiro e o falso, costuma também
cobrar, ante um sistema filosófico dado, uma atitude de
3 É o fundamento lógico que afirma que uma determinada coisa pode ser
idêntica a si mesma. Foi fundado por Parmênides na sua célebre frase: O ser é e o
não ser não é.
4 Foi formulado, inicialmente, por Aristóteles. Segundo esse princípio ou uma coisa
é ou não é. Não pode ser os dois ao mesmo tempo. A é B não pode existir
concomitantemente com o A é não B. Ou será um ou será outro. o terceiro
excluído.
118
aprovação e rejeição. Acha que qualquer esclarecimento a
respeito do sistema pode ser uma ou outra. Não concebe
a diversidade dos sistemas filosóficos como desenvol-
vimento progressivo da verdade, mas na diversidade
a contradição. (HEGEL, 2016, p. 24)
Hegel objetiva, portanto, mostrar que na diversidade mais
do que a contradição, também a unificação. Assim, a
Fenomenologia descreve o desenvolvimento da consciência, partindo
daquilo que é mais básico e fundamental até o mais complexo e
elevado.
Portanto, a Fenomenologia é uma obra de difícil acesso, mas
fundamental para a compreensão da História da Filosofia, aquela
abarca um conjunto de conhecimentos e temas variados, passando
por história, religião, política, arte e etc.
Nesse sentido, nenhuma outra passagem é mais emblemática
do que aquela que está na seção A do capítulo IV intitulada
Independência e dependência da consciência-de-si: Dominação e
escravidão. Também conhecida como dialética do senhor e do escravo.
Hegel começa a seção dizendo que “a consciência-de-si é em si e para
si quando e por que é em si e para si para uma Outra; quer dizer, é
como algo reconhecido.” (HEGEL, 2016, p. 142).
Para poder compreender a afirmação acima é necessário
compreender alguns pontos importantes da filosofia hegeliana.
Pois bem, tal filosofia é especulativa, o que significa dizer que
não está em repouso, mas em movimento (HEGEL, 2016). Ela não
é entendida como aquela filosofia estática presa ao princípio da
contradição ou princípio da identidade, antes, se mostra como a
união. Em sua Enciclopédias das Ciências Filosóficas em compêndio
119
volume 1: Ciência da Lógica § 79, Hegel apresenta a lógica que é
também a realidade é um todo composto de três partes:1)
entendimento; 2) dialético; 3) especulativo. “A lógica tem, segundo a
forma, três lados: a) o lado abstrato ou do entendimento; b) o
dialético ou negativamente-racional; c) o especulativo ou
positivamente racional.” (HEGEL 1995, p. 159).
O entendimento é o primeiro momento da consciência e da
lógica hegeliana. Entendimento é o lado da razão centrado na
oposição. Na Fenomenologia esse momento da lógica começa com a
figura da certeza sensível. É aquela forma de consciência – ou lado da
lógica fundamentada na dualidade entre o sujeito que conhece e o
objeto conhecido. Em outras palavras, a certeza sensível é a forma de
conhecer que compreende o objeto conhecido e o sujeito que conhece
como seres diferentes. Dizendo em outras palavras, um mundo
fora de mim e posso conhecê-lo através dos sentidos. É entendimento
porque contém em si a separação (dualidade) entre o sujeito que
conhece o mundo e o mundo em si. O sujeito é em-si:
O saber que, de início ou imediatamente, é nosso objeto,
não pode ser nenhum outro senão o saber que é também
imediato: - saber do imediato ou do essente. Devemos
proceder também de forma imediata ou receptiva, nada
mudando assim na maneira como ele se oferece e afastando
de nosso apreender o conceituar (HEGEL, 2016, p. 83).
O lado dialético da Lógica é a passagem de um ponto a outro,
mas ainda, sem unir as pontas. No caso da Fenomenologia o
momento dialético é a passagem da certeza sensível para a certeza de
si. Ou seja, na certeza sensívelmarcada pelo entendimentoeu sei
120
que um objeto diferente de mim oposto. Sei de mim em oposição
a outro. Todavia, na medida em que sei do objeto, sei de mim, afinal,
ao perceber um objeto, percebo a mim mesmo. Ao perceber um
objeto percebo que estou percebendo-o. O objeto, que era diferente,
é ao mesmo tempo, não diferente, porque sou eu. Mas não quer dizer
que o objeto não mais existe. De fato, a consciência é um outro em
relação ao objeto, mesmo percebendo-se nele. O sujeito é para-si.
Surgiu porém agora o que não emergia nas relações
anteriores, a saber: uma certeza igual à sua verdade, que
a certeza é para si mesma seu objeto, e a consciência é para
si mesmo seu objeto, e a consciência é para si mesma o
verdadeiro. Sem dúvida, a consciência é também nisso um
ser-outro, isto é: a consciência distingue, mas distingue
algo tal que para ela é ao mesmo tempo um diferente
(HEGEL, 2016, p. 135).
No desenvolver da consciência no conhecimento de si e do
outro, o terceiro momento lado –: o especulativo. Ele consiste
na unidade entre os diferentes. O sujeito é em-si e para-si. Hegel nos
um exemplo do especulativoda unidade entre os diferentes:
O botão desaparece no desabrochar da flor, e poderia dizer-
se que a flor o refuta; do mesmo modo que o fruto faz a
flor parecer um falso ser- da planta, pondo-se como sua
verdade em lugar da flor: essas formas não se
distinguem, mas também se repelem como incompatíveis
entre si. Porém, ao mesmo tempo, sua natureza fluida faz
delas momentos da unidade orgânica, na qual, longe de se
contradizerem, todos são igualmente necessários. É essa
121
igual necessidade que constitui unicamente a vida do todo
(HEGEL, 2016, p.24).
Como exemplo simplório, mas didático, temos: Uma pessoa,
que é ciumenta, mas que nunca se relacionou, não sabe que o é. Neste
caso, é ciumenta em si. Após um tempo, começa a se relacionar e,
neste caso, percebe-se como ciumenta. Ela é ciumenta para-si,
percebeu. A princípio, ela pode dizer que é a natureza dela ser
ciumenta, mas com o passar do tempo, percebe que precisa modificar
suas crenças, uma vez que seu ciúme está atrapalhando a relação. Essa
pessoa escolhe, então, terapia, para se compreender. Neste caso, é em-
si e para-si, porque é ela que se determina, que escolhe do que fazer
de si.
Munidos, então, com tais conceitos hegelianos, pode-se voltar
ao que fora dito a consciência-de-si é em si e para si quando e por que
é em si e para si para uma Outra; quer dizer, é como algo reconhecido.
(HEGEL, 2016, p. 142).
A filosofia hegeliana é essencialmente dialética. É possível
compreender a dialética hegeliana, de maneira geral como uma ntese
(união) dos opostos. A oposição é superação dos opostos pela síntese.
Convém aqui dizer que a palavra “superação não é, pelo menos não
na nossa língua portuguesa, adequada para descrevermos o sentido
original que guarda o termo em alemão Aufhebung. O sentido deste
termo, traduzido em português, como suprassumir/suspender/
superar, ainda não é suficiente. Portanto, para o melhor
entendimento deste conceito é necessário ir à própria obra hegeliana
a fim de termos uma compreensão correta acerca do significado de
Aufhebung: Suprassumir apresenta sua dupla significação verdadeira
122
que vimos no negativo: é ao mesmo tempo um negar e um conservar.
(2016, p. 94).
Toma-se uma semente: Ela é a tese, a semente origem ao
fruto (antítese), o fruto origem a outra semente (síntese). Portanto,
no pensamento de Hegel as dicotomias não são fixas e imutáveis.
Tudo está em movimento. Não se separa o sujeito de um lado
(idealistas) e o mundo de outro (materialistas), mas a síntese entre
mundo e sujeito.
O sujeito não está no mundo, não é apenas uma
singularidade naufragada no mar da vida. Pelo contrário, está em
constante relação com o mundo e com o outro que o circundam. Seu
nascimento se através do seu colocar-se no mundo físico como
contraposição, mas também em colocar-se como outro ante a um
(outro) sujeito.
Busca-se neste estudo estabelecer as relações de semelhanças
presentes nos pensamentos de Freire e Hegel, uma vez que o primeiro
se vale da obra do segundo direta ou indiretamente. Neste caso,
percebem-se os pontos convergentes: 1) o sujeito não está definido
desde seu nascimento, antes encontra na história do espírito a gênese
de sua formação; 2) a educação é o modo pelo qual o indivíduo chega
a compreensão de sua universalidade ou de seu ser mais. Analisar tais
pontos é um caminho para que se possa pensar a práxis educacional
como uma prática de liberdade e libertação.
Metodologia
Compreendem-se como procedimento metodológico as
leituras e análises bibliográficas concernentes ao tema proposto. Neste
123
sentido, pela natureza social do objeto de estudo, notada por ele
possuir especificidades como: ter um caráter temporal e mutável, por
lhe serem atribuídos sentidos social e historicamente, por possuir
identidade com o sujeito pesquisador, por ser intrínseca e
extrinsecamente ideológico, além de ser essencialmente qualitativo,
(LIMA; MIOTO, 2007) optou-se por uma pesquisa de caráter
qualitativo, pois é a que melhor embarca questões subjetivas da
educação.
Fundamentação teórica
Freire (2014) apresenta a práxis educacional como prática
libertadora do oprimido em relação ao seu opressor. A condição atual
do ser-humano é a condição da negação do ser de sua humanidade. A
negação se faz desumanização na medida em que coloca o oprimido
na condição do ser menos isto é, sujeito sem liberdade para
transformar seu mundo.
O oprimido o é na presença do seu opressor. Aliás, justamente
porque oprimido que opressor. Igualmente, opressor
porque oprimido. Esta é a relação dialética, onde as oposições não
estão separadas, mas compõem uma unidade. No caso, o oprimido
contém dentro de si o opressor, na medida em que o oprimido se
percebe como oprimido porque o opressor assim impõe. Se assim o é,
a condição para a libertação do oprimido passa, necessariamente, pelo
reconhecimento de si como condição necessária para a existência do
opressor. A práxis libertadora começa no momento em que o
oprimido se percebe como agente no mundo. De fato:
124
O grande problema está em como poderão os oprimidos,
que ‘hospedam’ o opressor em si, participar da elaboração,
como, como seres duplos, inautênticos, da pedagogia de sua
libertação. Somente na medida em que se descubram
‘hospedeiros do opressor poderão contribuir para o
partejamento de sua pedagogia libertadora. Enquanto vivam
a dualidade na qual ser é parecer e parecer é parecer com o
opressor, é impossível fazê-lo (FREIRE, 2014, p. 43).
Contudo, não basta apenas saber o processo, é necessária uma
prática libertadora, pois:
Não basta saberem-se numa relação dialética com o opressor
seu contrário antagônico -, descobrindo, por exemplo, que
sem eles o opressor não existiria (Hegel), para estarem de fato
libertados. É preciso, enfatizemos, que se entreguem à práxis
libertadora. (Idem, p. 49).
A educação é processo pelo qual o sujeito se liberta da relação
opressora a qual tem nela sua condição ontológica. Nesse ponto,
percebe-se a influência hegeliana no pensamento educacional, uma
vez que ideia da consciência de si fundamentada nas relações de
encontro com outras consciências é basilar ao pensamento de Hegel,
ainda mais no que diz respeito à formação do sujeito propriamente
dita. De fato, toda autoconsciência (consciência de si) está,
diretamente, relacionada com outras autoconsciências. De fato:
A consciência de si é em si e para si quando e porque é em si
e para si para uma Outra; quer dizer, é como algo
reconhecido [...] o duplo sentido do diferente reside na
125
[própria] consciência-de-si: [pois tem a essência] de ser
infinita, ou de ser imediatamente o contrário da
determinidade na qual foi posta. O desdobramento do
conceito dessa unidade espiritual, em sua duplicação, nos
apresenta o movimento do reconhecimento (HEGEL, 2016,
p. 142).
Neste momento que se dialética do senhor e do escravo. Nas
relações das autoconsciências o senhor e o escravo se reconhecem
mutuamente. São, ao mesmo tempo, a oposição e a união.
senhor porque escravo, e escravo porque senhor.
Convém, contudo, dizer que o reconhecimento não é obtido
à força ou por meio da violência, antes, é uma verdadeira reconciliação.
Isto quer dizer, todo reconhecimento verdadeiro é mútuo. Quando
a presença da violência ou da força para conseguir o reconhecimento
é porque ainda não foi compreendida a essência universal do ser-
humano, que é ser reconhecido e livre. Dizendo de outro modo,
aquele que forçosamente busca ser reconhecido por outro é porque
ainda não entendeu que esse reconhecimento é possível se ele
também reconhecer.
Esse reconhecimento duplo está presente, como dito, na
dialética do senhor e do escravo. Na relação entre duas
autoconsciências pode haver lutas. Isto é, para Hegel cada sujeito quer
encontrar sua verdade, mas isto é possível por meio da relação com
outras autoconsciências. Contudo, no desenvolver da história humana,
alguns sujeitos buscaram obter esse reconhecimento por meio da força
ao invés de encontrar sua verdade mutuamente. O senhor quer ser
reconhecido como senhor, mas obtém o reconhecimento não
verdadeiro por meio da luta e da submissão violenta do escravo. A
126
luta conflito entre os sujeitos pode resultar na morte ou na
submissão. Quando o sujeito cede à submissão por temer a morte,
a escravidão. Quando, contudo, o sujeito vence o medo da morte,
vem a tornar senhor do senhor. “Portanto, a relação das duas
consciências-de-si é determinada de tal modo que elas se provam a si
mesmas e uma a outra através da luta e da morte”. (HEGEL, 2016,
p. 145).
Na linguagem hegeliana, aquele que não arriscou a própria
vida e acabou escravo, não alcançou a finalidade de sua existência, ser
uma autoconsciência de si independente:
Sendo a vida tão essencial quanto a liberdade, a luta
termina antes de tudo, como negação unilateral, com a
desigualdade: [acontece] que um dos lutadores prefere a
vida, conserva-se como consciência-de-si singular, mas
renuncia a ser ser-reconhecido; enquanto o outro em sua
relação a si mesmo e é reconhecido pelo primeiro este é
subjugado: [é] a relação do senhorio e da servidão. A luta do
reconhecimento, e a submissão a um senhor, é o fenômeno
do qual surgiu a vida em comum dos homens (HEGEL,
2011, p. 204).
Na vida em sociedade a determinação de que quem se a
senhora e quem será a escrava. casos em que essa luta leva à morte
e outros, à situação opressora.
Paulo Freire, como pensador da educação, inicia o seu
processo de pensar a educação brasileira a partir da década de 1950.
Em um contexto de analfabetismo estrutural, com acelerado processo
de urbanização e industrialização, num momento em que votavam
127
somente os alfabetizados sem um concreto programa de alfabetização
da classe trabalhadora. Paulo Freire tem, nesse sentido, um objetivo:
alfabetizar a classe trabalhadora. Para isso, em 1963, na cidade de
Angicos ele consegue alfabetizar 380 camponeses em poucas semanas.
Ao invés de utilizar o método silábico, Paulo Freire parte da leitura
do mundo e por meio dela ensina as letras. Disto lança mão da
dialética onde o ser do mundo está em relação com os outros seres do
mundo, e deste modo, não ensinando somente a compreender a
palavras, mas a compreender as relações com o mundo, do ser em si:
E existência, porque humana, não pode ser muda,
silenciosa, nem tampouco pode nutrir-se de falsas palavras,
mas de palavras verdadeiras, com que os homens
transformam o mundo. Existir, humanamente, é
pronunciar o mundo, é modifica-lo. O mundo pronun-
ciado, por sua vez, se volta problematizado aos sujeitos
pronunciantes, a exigir deles novo pronunciar (FREIRE,
2014, p. 108).
O ser-humano é um ser que não está pronto e acabado, antes,
em processo de formação e construção constante. Em sua historicidade
diversas relações de opressão ou libertação se colocam. Manifesta-se a
importância da educação como processo de libertação.
Resultados
Desse modo, percebe-se que tanto para Hegel quanto para
Freire a superação da relação de opressão se dá: (1) pela tomada de
consciência do sujeito oprimido; (2) pela luta deste na busca da sua
128
libertação que passa pela inversão dialética, onde o escravo se torna
senhor do senhor (Hegel) ou o educando se torna educador do
educador (Freire).
Partindo deste ponto, na obra Pedagogia da Autonomia, Paulo
Freire traz valorização daquilo que o educando é valorizando seu ser
e sua experiência. De tal modo que a docência é possível havendo
discente, assim, para ser professor é necessário ser educando. Essa
troca entre professor e aluno permite que o professor aprenda ao
mesmo tempo em que ensina.
Ademais, nela Paulo Freire destaca o papel da pesquisa na
ação educativa, de modo que:
Não ensino sem pesquisa e pesquisa sem ensino. Esses
que-fazeres se encontram um no corpo do outro. Enquanto
ensino continuo buscando, reprocurando. Ensino porque
busco, porque indaguei, porque indago e me indago.
Pesquiso para constatar, constatando, intervenho,
intervindo educo e me educo. Pesquiso para conhecer o
que ainda não conheço e comunicar ou anunciar a
novidade (Freire, 2002, p. 14).
Destaca-se, ainda, o aspecto da criticidade, de modo que no
processo de ensinar é necessária a construção da crítica, onde no
processo crítico se apresenta a superação da condição ontológica do
ser menos. Assim:
[...] a curiosidade ingênua, sem deixar de ser curiosidade,
pelo contrário, continuando a ser curiosidade, se criticiza.
129
Ao criticizar-se, tornando-se então, permito-me repetir,
curiosidade epistemológica, metodicamente “rigorizando-
se” na sua aproximação ao objeto, conota seus achados de
maior exatidão. (Freire, 2002, p. 14).
De modo igualmente importante estão os aspectos da estética
e da ética, com reflexão crítica sobre a prática, “a prática docente
crítica, implicante do pensar certo, envolve o movimento dinâmico,
dialético, entre o fazer e o pensar sobre o fazer”. (Freire, 2002, p. 14).
Posto isto, Freire apresenta uma perspectiva pedagógica
voltada para a emancipação do ser quando este se reconhece não como
de quem se adapta, mas como quem se insere. Contudo, presença está
em um mundo onde em que forte presença de um discurso fatalista
se insere como resistência. (Freire, 2002, p. 60).
Esta inserção se contrariando a ideologia dominante, e a
ideologia para Freire (2002, p. 142) se constitui como uma forma de
poder. Onde:
O poder da ideologia me faz pensar nessas manhãs
orvalhadas de nevoeiro em que mal vemos o perfil dos
ciprestes como sombras que parecem muito mais manchas
das sombras mesmas. Sabemos que algo metido na
penumbra, mas não o divisamos bem. A própria ‘miopia’
que nos acomete dificulta a percepção mais clara, mais
nítida da sombra. Mais séria ainda é a possibilidade que
temos de docilmente aceitar que o que vemos e ouvimos é
o que na verdade é, e não a verdade distorcida (FREIRE,
2002, p. 142).
130
No processo de superação da realidade aparente se faz
necessário assumir um ponto de partida para além da aparência dos
fenômenos, pois enquanto na sua formação o processo de
educabilidade ocorre de modo a cristalizar a aparência dos fenômenos,
na superação pela via da transformação conceitual, onde para superar
a consciência no processo de educabilidade não apenas se dispõe a
dúvida em relação a própria realidade dos fenômenos e para este fim
é imprescindível que haja a radicalização consciente de modo que essa
dúvida seja extrapolada e alcance “o desespero” (MANTOVANI,
2011, p. 49).
Assim, a formação enquanto processo de libertação, onde o
oprimido alcança a libertação da consciência e assim, não se torna o
seu inverso, mas algo além. Na libertação da sua consciência não
mais quem é livre e quem é o oprimido. Nem educando nem
educador. De fato, e está a grande tarefa humanista e histórica dos
oprimidoslibertar-se a si e aos opressores(FREIRE, 2014, p. 41).
Na Pedagogia Crítica o objetivo é a autonomia do indivíduo,
onde todos m condição de ensinar e aprender, sendo a educação um
processo de troca e, portanto, essencialmente dialógico. Autonomia é
ter uma postura crítica diante da realidade onde o sujeito
consciente crítico intervindo criticamente e eticamente no mundo.
Pela transformação da realidade social. Assim, para Paulo Freire a
educação é uma ferramenta de transformação do mundo.
Assim, Paulo Freire no livro Pedagogia da Autonomia concebe
a prática educativa como práxis ética (FREIRE, 2015, p. 17) Este
pequeno livro se encontra cortado ou permeado em sua totalidade pelo
sentido da necessária eticidade que conota expressivamente a natureza da
prática educativa, enquanto prática educadora”. Ao educador,
131
portanto, é inerente sua ação ética. Educar é romper com as forças
heterônomas de opressão. Esta é a responsabilidade ética do educador,
a saber, libertar o educador da heteronomia social e política às quais
está preso o educando. Educar é despertar no educador sua vocação
ontológica para o ser mais(FREIRE, 2015, p. 19).
A grande força heterônoma da qual preconiza Freire é a
realidade social e histórica. É esta realidade condicionadora do ser,
contudo, realidade não determinista, isto é, sem espaço para
mudanças, mas sim, realidade aberta ao campo das possibilidades.
História condiciona, mas não determina. A grande força heterônoma
é a realidade de opressão e alienação na qual o educando está inserido,
de tal modo que não é possível ler as palavras antes de ler o mundo.
Ser heterônomo é ser alienado. Alienação é estar alheio às condições
de seu trabalho, de seu ser- no mundo. Isto é, alienação é:
(VÁSQUES, 1977, p. 406 407) Criação de um objeto no qual o
sujeito não se reconhece, e que se lhe antepõe algo alheio e independente,
e ao mesmo tempo, como algo dotado de certo poder de um poder que
se volta contra ele”. Educar é perseguir na dura direção de levar o
educando a sair de sua heteronomia para se tornar autônomo no
sentido de Freire (2015).
Portanto, no pensamento de Paulo Freire, o conceito de
autonomia ganha uma dimensão histórico-social-pedagógica. Ser
autônomo é, acima de tudo, ser capaz de modificar sua realidade
(FREIRE, 1997). Neste sentido, aqui, a heteronomia são as forças
externas ao indivíduo que o inviabiliza o Ser-mais. Isto é, relações
de poder e de opressão que marcam a pratica educacional.
Logo, pensar a relação entre autonomia e a educação
formadora é de suma importância. Pois, entende-se a autonomia
132
como o processo pelo qual o indivíduo pensa por si mesmo. O ser
autônomo é o ser capaz de pensar e refletir sobre si, sobre o outro e
sobre o mundo intricados em suas íntimas relações. E, a partir disso,
é capaz de autodeterminação e de agir em sua realidade, transformando-
a. Compreender o conceito de autonomia possibilita a formação de
indivíduos que agem em sua própria realidade.
Convém esclarecer que agir eticamente no mundo é buscar a
realização essencial a todo ser humano, a saber, a liberdade, o ser mais.
Somente onde a superação dicotômica oprimido/opressor,
educando/educador e etc., o agir eticamente no mundo. Todos
agem naquilo que é o bem comum.
Existindo as situações históricas e sociais que culminam nas
relações opressoras, em Freire urge a necessidade da exposição aos
oprimidos da gênese de suas explorações. Os oprimidos têm medo de
lutarem por suas liberdades. A pedagogia do oprimido tem, portanto,
o objetivo de expor as condições de opressão a fim de engajar os
oprimidos na luta para alcançarem a liberdade. Tal é a exposição:
A nossa preocupação, neste trabalho, é apenas apresentar
aspectos do que nos parece constituir o que vimos
chamando de pedagogia do oprimido: aquela que tem de
ser forjada com ele e não para ele, enquanto homens ou
povos na luta incessante de recuperação de sua
humanidade. Pedagogia que faça da opressão de suas causas
objeto da reflexão dos oprimidos, de que resultará o seu
engajamento necessário na luta por sua libertação em que
esta pedagogia se fará e refará (FREIRE, 2014, p. 43).
133
Em Hegel, a superação da relação de opressão senhor/escravo
se por meio o trabalho. O escravo trabalha para o senhor. E nesse
processo, é o escravo que se relaciona como o mundo, transformando-
o e transformando-se. No processo do trabalho o escravo se percebe.
que aquilo que ele fez e produziu é ele mesmo e, portanto, toma
consciência de si. A tomada de consciência da situação de escravidão
do escravo, tanto em Freire quanto em Hegel, não acontece
externamente, mas internamente. Por isso Freire diz que a pedagogia
tem que ser feita com o oprimido, não para ele. E Hegel afirma que a
consciência de si se faz pelo trabalho que o próprio escravo realiza.
Mas o sentido da potência absoluta em geral, e em
particular o do serviço, é apenas a dissolução em si; e
embora o temor do senhor seja, sem dúvida, o início da
sabedoria, a consciência é para ela mesma, mas não o é
ser-para-si, porém encontra-se a si mesma por meio do
trabalho [...] O trabalho [...] é desejo refreado, um
desvanecer contido, ou seja, o trabalho forma [...] a
consciência trabalhadora, portanto, chega assim à intuição
do ser independente, como [intuição] de si mesma (Hegel,
2016, p. 149-150).
No momento da tomada de consciência, em Hegel, a
inversão da relação dialética, pois o senhor se torna escravo e o escravo
senhor, pois o oprimido se percebe que é ele que trans-forma o mundo
e, portanto, é ele quem tem a capacidade de transformar sua realidade
conforme seu desejo, pois é independente, isto é, livre.
134
Mas, como a dominação mostrava em sua essência o
inverso do que pretendia ser, assim também a escravidão,
ao realizar-se cabalmente, vai tornar-se, de fato, o contrário
o que é imediatamente; entrará em si como consciência
recalcada sobre si mesma e se converterá em verdadeira
independência. (HEGEL, 2016, p. 149).
Considerações finais
Tanto Paulo Freire quanto Hegel apresentam pontos em
comum naquilo que diz respeito às relações entre as autoconsciências,
que perpassam muitas vezes, a relação dialética da opressão.
Contudo, mesmo havendo esse ponto em comum,
diferenças. Para Hegel, a libertação e a inversão dialética do escravo
se dão pelo trabalho disciplinado na modificação do seu mundo.
Enquanto para Freire a libertação se pela luta e pela prática
educacionalprática que liberta o oprimido e o opressor.
Hegel busca romper com a noção de consciência passiva,
científica e externa ao mundo e que interage com ele conhecendo-o,
uma vez que o sujeito não constrói a natureza, mas a conhece e
compreende através da razão. O rompimento acontece na medida em
que o mundo externo é resultado da própria consciência. Consciência
e mundo não é uma relação estática e fixa, mas uma união dialética.
Ambas são formadas mutuamente.
A realidade do mundo exterior é produção da consciência
porque ele próprio é manifestação dela. Por exemplo: Um carro
qualquer. Embora seja material e resultante de um processo
tecnológico utilizado através da razão, é uma manifestação da
135
consciência humana, manifestação da sua vontade e necessidade. O
carro material é a exteriorização da vontade consciente.
Ademais, o mundo não existe só, uma vez que a existência
dele se concebe em uma consciência e, de certo modo, é uma
produção sua. A cadeira enquanto objeto é um objeto para uma
consciência.
Portanto, o conceito hegeliano de formação não pode estar
desassociado do processo da formação do sujeito presente exposto na
Fenomenologia do Espírito. Acerca da formação, aqui identificado
como processo resultante da educação, Hegel não a compreende
como uma parte da Fenomenologia do Espírito, mas como o próprio
espírito. Isto é, a formação do sujeito é, essencialmente, o desenvolver
do espírito enquanto tal. A formação não é um momento da vida senão
que a própria vida.
Hegel, efetivamente, não tem nenhuma obra pedagógica
propriamente dita. Embora seu pensamento sistemático abarque a
totalidade em Ciência da Lógica, Filosofia da Natureza e Filosofia do
Espírito, contudo, não nenhuma obra dedicada exclusivamente a
este intento. Todavia, é errôneo também afirmar que Hegel nada
escreveu sobre a educação. A temática está presente ao longo de todas
as suas obras (GINZO, 1991).
De tal modo, que se pode perceber na Filosofia do Direito,
Lições sobre Filosofia da Religião, Lições sobre Filosofia da História entre
outras, o pensamento pedagógico hegeliano. Enquanto pensador
sistemático se reitera que pensar Hegel é pensar a totalidade
porquanto é unidade da multiplicidade. Convém dizer houve um
momento na biografia em que ele exerceu a função de Conselheiro
Escolar, na escola normativa (escola primária). Ao fim de cada curso,
136
nos anos de 1809, 1810, 1811, 1813, 1815 Hegel proferiu discursos
onde o conceito de formação aparece explicitamente muitas vezes.
Além desses discursos, encontramos também a carta escrita a seu
amigo Niethammer, em 1812. Assim como fragmentos do curso
sobre o Direito e os deveres da Religião. Todos esses escritos
encontram-se traduzidos e organizados na edição Escritos Pedagógicos
da Editora Fundo de Cultura Económica.
Educar no pensamento hegeliano e preparar o sujeito para a
vida em sociedade na medida em que se busca realizar no homem o
preparo para o agir ético, isto, pensando naquilo que será o bem
comum:
E no entanto, no donio mais restrito dos esforços
intencionais e das atividades docentes, é possível extrair, da
obra de Hegel, os elementos de uma doutrina da educação
cuja meta mais nobre consiste em vencer, no plano teórico
e no plano prático, a teimosia e os interesses egoístas, para
finalmente conduzi-los àquela comunidade do saber e da
vontade que é a condição primeira de toda via ética e
civilizada (PLEINES, 2010, p. 13).
E dizendo ainda mais:
[…] a tarefa da educação consiste não somente em tomar
as medidas necessárias para que o desenvolvimento natural
e espiritual transcorra, tanto quanto possível, sem entraves,
mas, também, para que a vida individual e comunitária seja
conduzida a sua mais elevada perfeição num discurso
refletido, num pensamento penetrante e numa ão
conforme à razão. Segundo a convicção de Hegel, isso
137
seria possível se, de um ponto de vista ao mesmo tempo
prático e poético, fossem ultrapassadas a separão
psicológica entre a vontade e a razão, assim como a
disjunção, imposta pela moral moderna, entre virtudes
éticas e dianoéticas. Com efeito, essas duas oposições
tendem a destruir a unidade da ação e confinam na
incapacidade de reconhecer-se em seus atos e em suas
obras. (Idem, p. 15).
De todo modo, ambos os pensadores podem contribuir para
pensar a educação como o caminho pelo qual o sujeito se torna
consciente-de-si no mundo. E, enquanto tal podem cumprir sua
vocação ontológica, que é ser livreser mais.
Referências
FREIRE, P. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática
educativa.51ª Ed. São Paulo: Paz e Terra, 2015.
FREIRE, P. Pedagogia do Oprimido. 57ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
2014.
FREIRE, P. Pedagogia da Autonomia. 3 ed. São Paulo: Paz e Terra,
2002.
HEGEL, G. W. F. Enciclopédia das Cncias Filosóficas, I - A Cncia da
Lógica. Trad. bras. Paulo Meneses e José Machado. São Paulo: Edições
Loyola, 1995.
HEGEL, G. W. F. Enciclopédia das Cncias Filosóficas, III - A Filosofia
do Espírito. ed. Trad. bras. Paulo Meneses e José Machado. São Paulo:
Edições Loyola, 2011.
138
HEGEL, G. W. F. Fenomenologia do Esrito. Tradução de Paulo
Meneses. 3 ed. Petrópolis: Vozes, 2005.
HEGEL, G. W. F. Escritos pedagógicos. Mexico: Fondo de Cultura
Económica, 1991.
LIMA, T. C. S; MIOTO, R. C. T. Procedimentos metodológicos na
construção do conhecimento científico: uma pesquisa bibliográfica. Rev.
Katálysis, Florianópolis, v. 10, n. spe, p. 37-45, 2007.
MANTOVANI, H. J. Hegel e Paulo Freire: Uma Pedagogia Crítico-
Dialética. Rev. Existência e Arte. São João Del Rei, VI, p. 42 – 56,
2011.
PLEINES, J. E. Friedrich Hegel. In: Silvo Rosa Filho (org.). Coleção Os
Educadores. Recife: Ed Editora Massangana, 2010.
VÁSQUEZ, Adolfo Sánchez. Filosofia da Práxis. Trad. Luiz Fernando
Cardoso.Ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977.
139
Implicações da Pandemia Covid-19 na
Educação de Jovens e Adultos
Rafael Seidinger de Oliveira
1
Daniel Vieira Sant`Anna
2
Paulo Alexandre Filho
3
Introdução
O interesse pela temática emerge das discussões
entusiasmadas ocorridas na disciplina “Abordagens Metodológicas da
Educação de Jovens e Adultos”, da UNESP Campus de Marília/SP.
Tais encontros aconteceram remotamente e subsidiaram o
desenvolvimento deste estudo.
Sabe-se que a pandemia da Covid-19 provocou mudanças na
estruturação e em alguns costumes predominantes na sociedade. Essas
modificações foram necessárias para barrar a proliferação do vírus que
se espalhava ligeiramente pelo mundo, sendo que na área da
educação, por exemplo, as aulas presenciais foram interrompidas e
passaram a acontecer de forma remota.
1 Mestrando em Educação. UNESP - Campus de Marília.
E-mail: rafael.seidinger@unesp.br
2 Doutorando em Educação. UNESP - Campus de Marília.
E-mail: daniel.santanna@unesp.br
3 Doutorando em Educação. UNESP - Campus de Marília.
E-mail: p.alexandre@unesp.br
https://doi.org/10.36311/2023.978-65-5954-389-2.p139-162
140
Devido a esse acontecimento, diversas pessoas foram
impactadas, em especial, os alunos em condições vulneráveis, na qual
se encontra grande parcela dos estudantes da Educação de Jovens e
Adultos (EJA). Sendo assim, esses discentes tiveram que trabalhar
paralelamente com seus estudos que aconteciam online. Somado a esse
fator, tem-se que muitos deles não têm familiaridade suficiente com
as tecnologias digitais, o que colabora para a evasão escolar desses
estudantes (CUNHA NIOR, et. al, 2020).
Frente ao exposto, tem-se o seguinte questionamento: Quais
as dificuldades que os estudantes da EJA tiveram diante da pandemia
da Covid-19? Na busca para responder essa indagação o estudo te
uma abordagem qualitativa e se realizada uma revisão bibliográfica
em artigos científicos de autores como o de Cunha nior et. al.
(2020) Lima et. al. (2020), Fantinato, Freitas e Dias (2020), Silva,
Freitas, Almeida (2021), Marques, Passos e Azevedo (2022), Vargas
e Gomes (2013), Souza e Menezes (2021), De Pierro (2005), Pasini,
Carvalho e Almeida (2020), Camargo (2021) e Gonçalves e Duarte
(2022). Além disso, será feita uma análise documental no documento
Parecer CNE/CP 15/2020, disponibilizado pelo Ministério da
Educação (2020).
Desse modo, o estudo tem como objetivo geral o de verificar
as dificuldades que os alunos da EJA tiveram durante o período
pandêmico, portanto, para que cumpra com o objetivo proposto será
analisado 3 (três) pesquisas de diferentes lugares do Brasil com a
finalidade de estabelecer semelhanças referentes às dificuldades desses
estudantes da EJA. O trabalho está dividido em três partes, a primeira
apresenta a fundamentação teórica do trabalho, na qual descreve
sobre os impactos da pandemia na EJA, a segunda relata o percurso
141
metodológico adotado neste trabalho e por último as considerações
finais para trazer uma reflexão sobre a temática estudada.
Fundamentação teórica
Nesta seção relatar-sesobre os impactos oriundos da Covid-
19 na área educacional e também sobre as características que
envolvem a Educação de Jovens e Adultos no contexto da pandemia.
Impactos da covid-19 na educação
Recentemente, espalhou-se desenfreadamente uma doença
originária em Wuhan, na China. Tal doença denominada de Covid-
19, provocada pelo vírus (SARS-CoV-2) tem um alto grau de
letalidade e transmissibilidade, o que levou a Organização Mundial
da Saúde (OMS) a declarar em 11 de março de 2020 que o mundo
estava em uma pandemia (CUNHA JÚNIOR, et. al, 2020).
Conforme crescia o número de contaminados, o isolamento
social foi necessário e recomendado pelas agências de saúde como
estratégia para barrar a proliferação do vírus, portanto, vários
estabelecimentos foram fechados, incluindo as instituições escolares
(CUNHA JÚNIOR, et. al, 2020). Aos poucos, cada unidade
federativa brasileira promulgou decretos para suspensão das aulas que
estavam acontecendo presencialmente. Em São Paulo, por exemplo,
líderes governamentais decretaram a parada obrigatória a partir do dia
13 de março, conforme apresenta-se no decreto 64.862:
142
No âmbito de outros Poderes, órgãos ou entidades
autônomas, bem como no setor privado do Estado de São
Paulo, fica recomendada a suspensão de: I - aulas na
educação básica e superior, adotada gradualmente, no que
couber; II - eventos com público superior a 500
(quinhentas) pessoas.
Logo, os gestores, professores e estudantes passaram a se
adaptar à nova demanda de ensino, ou seja, aulas presenciais passaram
a acontecer remotamente (LIMA, et. al, 2020). Segundo o Ministério
da Educação (2020), tal demanda estabelece a:
I elaboração de sequências didáticas construídas em
consonância com as competências e suas habilidades
preconizadas em cada área de conhecimento pela BNCC;
II utilização, quando possível, de horários de TV aberta
para programas educativos compatíveis com crianças e
adolescentes; III distribuição de vídeos educativos (de
curta duração) por meio de plataformas online, mas sem a
necessidade de conexão simultânea, seguidos de atividades
a serem realizadas com a supervisão dos pais ou
responsáveis; IV realização de atividades on-line
síncronas, de acordo com a disponibilidade tecnológica; V
oferta de atividades on-line assíncronas, de acordo com a
disponibilidade tecnológica; VI estudos dirigidos,
pesquisas, projetos, entrevistas, experiências, simulações e
outras; VII realização de avaliações on-line ou por meio
de material impresso a serem entregues ao final do período
de suspensão das aulas presenciais; e VIII utilização de
mídias sociais de longo alcance (WhatsApp, Facebook,
143
Instagram etc.), para estimular e orientar os estudos, desde
que observada a classificação etária para o uso de cada uma
dessas redes sociais (BRASIL, 2020, p. 13).
Apesar da Educação à Distância (EaD) estar firmada no país
a algum tempo, ela é empregada, quase que em sua maioria, nos
cursos superiores, a qual se tem uma infraestrutura adequada aos
estudantes. Por outro lado, na educação básica, essa prática não é
comum, além de que a Lei de Diretrizes e Bases da Educação 9394/96
estabelece que esse tipo de ensino deve ser realizado de modo
presencial. No entanto, a pandemia proporcionou uma
ressignificação no formato do processo ensino-aprendizagem,
forçando os alunos a utilizarem plataformas digitais que até então
eram poucos usadas em seu cotidiano (PASINI; CARVALHO;
ALMEIDA, 2020).
Diante disso, o cenário de medo e de instabilidade instaurado
pela pandemia do Covid-19, proporcionou a reinvenção das
atividades escolares. Nessa ocasião, foi utilizado fortemente o apoio
das tecnologias digitais que auxiliavam o ensino remoto, entretanto,
esse novo processo de uso das tecnologias foi bastante desafiador para
os docentes e para os discentes haja vista que muitos não têm domínio
das ferramentas tecnológicas e em especial, aos estudantes da EJA, que
além das dificuldades com os artefatos tecnológicos, precisavam
conciliar as atividades do trabalho com as da escola na modalidade
remota (SILVA; FREITAS; ALMEIDA, 2021).
Segundo o Ministério da Educação (2020) a pandemia levou
a suspensão das aulas, que por sua vez, pode acarretar retrocesso no
aprendizado dos estudantes, abandono escolar, tal como danos
estruturais e sociais como o stress familiar e aumento da violência
144
doméstica para as famílias, de modo geral. Logo, esses fatores citados
anteriormente atingem significativamente os estudantes da EJA, visto
que, grande parte deles são de baixa renda, com muitos em situação
de absoluta vulnerabilidade social, conforme será apresentado a
seguir.
Aspectos da educação de jovens e adultos
De acordo com o Documento Base Nacional Preparatório à
VI CONFINTEA (Conferência Internacional de Educação de
Adultos) do Ministério da Educação (2008) a EJA é uma modalidade
de ensino que recebe estudantes:
Negros, brancos, indígenas, amarelos, mestiços; mulheres,
homens; jovens, adultos, idosos; quilombolas, pantaneiros,
ribeirinhos, pescadores, agricultores; trabalhadores ou
desempregados de diferentes classes sociais; origem
urbana ou rural; vivendo em metrópole, cidade pequena
ou campo; livre ou privado de liberdade por estar em
conflito com a lei; pessoas com necessidades educacionais
especiais todas elas instituem distintas formas de ser
brasileiro, que precisam incidir no planejamento e
execução de diferentes propostas e encaminhamentos para
a EJA (BRASIL, 2008 p. 21-22).
Ainda neste sentido, Di Pierro (2005) coloca que o perfil dos
estudantes que buscam estudar na EJA são adolescentes e jovens
pobres que em sua trajetória apresentam insucessos e desistências e
retornam à escola com a finalidade de obter credenciais escolares
145
exigidas pelo mercado de trabalho bem como o de espaços de
aprendizagem, sociabilidade e de expressão cultural.
Levando em consideração que a EJA atende pessoas que por
vários motivos se afastaram das escolas, esses alunos, em geral, fazem
parte das classes menos favorecidas da sociedade, o que
consequentemente acarreta diversos problemas, inclusive o de acessar
às tecnologias, logo, a pandemia do Covid-19, impactou diretamente
esses estudantes, dificultando ainda mais o início ou a conclusão dos
estudos (FANTINATO; FREITAS; DIAS, 2020).
Cunha Júnior, et al. (2021, p. 3) seguem o mesmo raciocínio
quando afirmam que na pandemia do Covid-19:
A Educação de Jovens e Adultos (EJA) se apresenta como
uma das modalidades de ensino mais vulneráveis pela
interrupção das atividades escolares. Formada quase em sua
totalidade por estudantes que possuem histórico de
exclusão educacional, esse campo da educação que é
marcado pela negligência dos governos -se ainda mais
agravado, gerando um grande desafio para os sistemas de
ensino (CUNHA JÚNIOR, 2021, p. 3).
Para os autores quando falamos em EJA, referimos a homens
e mulheres proletários na qual “experienciam/experienciaram a
exclusão social em seus diversos aspectos, mas, prioritariamente,
quanto a negação de direitos e dentre eles, as condições de acesso e
permanência nos espaços escolares” (CUNHA JÚNIOR, et al, 2021,
p. 4).
De acordo com Fantinato, Freitas e Dias (2020), essa
categorização descrita por Cunha Júnior, et al. (2021) para se referir
146
aos estudantes da EJA como proletários, pode ser classificada também
em sujeitos subalternos
4
, e este termo deve ser resgatado, retomando
o significado que Gramsci lhe atribui ao se referir ao "proletariado",
ou seja, aquele cuja voz não pode ser ouvida" (ALMEIDA, 2010,
p.12). Logo, em tempos de pandemia são potencializadas a
desigualdade social em sujeitos subalternos na qual podem ser
considerados os estudantes da EJA.
Para Marques, Passos e Azevedo (2022, p. 406) a interação e
o convívio social no ambiente escolar entre esses estudantes são de
grande importância para a EJA, pois “nesse aspecto favorece a
aquisição do conhecimento proposto, sendo aprendido de uma forma
mais leve e prazerosa, a pandemia pode anular essas questões e
desmotiva tanto estudantes quanto os professores”. Partindo dessa
perspectiva, o ensino presencial se torna importante, pois auxilia a
interação desses sujeitos, colabora para a construção do aprendizado,
além de incluir esses estudantes em um espaço social, fator que não se
leva em consideração no período de ensino remoto (MARQUES;
PASSOS; AZEVEDO, 2022).
Ainda neste sentido, é fundamental que estes estudantes
participem de um processo de escolarização, pois além dos conteúdos
escolares desenvolvidos em sala de aula (leitura, escrita e cálculo) eles
vivenciam o significado de serem alunos e conhecem como funciona
a estrutura da escola em seus tempos e espaços, além de prover um
aprendizado relacionado a direitos, deveres de modo a conhecerem as
funções dos agentes da educação (VARGAS e GOMES, 2013).
4 Utilizado para indicar os setores marginalizados da sociedade.
147
Situando-se no âmbito da tese segundo a qual os sujeitos da
EJA se constituem no contexto das relações sociais, na vida em
sociedade, pela intermediação da cultura, em um conjunto de relações
a lhes dar sentido e significação para valores e crenças, Santos e Silva
(2020, p. 4, grifos dos autores) se apoiam em Oliveira (1999) para
estabelecerem que:
Refletir sobre jovens, adultos e idosos que estudam na EJA
nessa perspectiva significa considerá-los para além da
dimensão cognitiva a partir da qual são pensados no
processo histórico de escolarização. Também, implica em
desconstruir uma percepção homogênea sobre quem são os
estudantes, ultrapassando-se as categorias abstratas de
jovem e adulto para as quais se convencionam características
e lugares sociais. Sendo assim, os estudantes passam a ser
compreendidos não pelo que lhes falta quando comparados
às representações construídas em torno das categorias
abstratas mencionadas anteriormente, mas a partir das
situações vivenciadas ao longo da vida que produzem
subjetividades, saberes e modos diversos de existência
(Oliveira, 1999, p. 4).
Desse modo, pensar a inserção de jovens, adultos e idosos não
escolarizados ou com baixa escolarização na EJA implica considerar a
diversidade sociocultural, a vivência de inúmeras formas de exclusão
social e os saberes postos em desenvolvimento dentro e fora da escola.
Nesse sentido, os efeitos da pandemia Covid-19 foram superdi-
mensionados para essa clientela.
148
Metodologia
O interesse pela pesquisa surgiu das discussões que os
discentes do curso de pós-graduação tiveram ao longo da disciplina
de Abordagens Metodológicas da Educação de Jovens e Adultos
fornecido na Unesp - Campus de Marília e realizadas no primeiro
semestre do ano de 2022. Tais discussões favoreceram o interesse pelo
assunto.
Esta pesquisa foi dividida em três momentos, o primeiro foi
com a leitura flutuante em artigos disponibilizados na plataforma
Google Acadêmico, no Scielo e em leituras de artigos sugeridos durante
as aulas, essas leituras contribuíram para composição da fundamen-
tação teórica deste trabalho. Para a busca desses materiais, foi
colocado na barra de pesquisa palavras-chaves como: EJA, pandemia,
Covid-19 e evasão, posteriormente, foi feito um resumo expandido
com a finalidade de aprofundar mais sobre a temática e por fim
redigido o texto final.
Para a coleta de dados foi feito uma triangulação das fontes de
obtenção de dados, com informações de pesquisas que aconteceram
no sul, norte e nordeste do Brasil, cujos autores são de Camargo
(2021), Silva, Freitas e Almeida (2021) e de Gonçalves e Duarte
(2022). Além disso, na análise da pesquisa de Gonçalves e Duarte
(2022), foi feita uma nuvem de palavras com auxílio da plataforma
digital Mentimeter para representar as principais causas do abandono
escolar na EJA na vista dos profissionais que atuam nesta modalidade
de ensino.
149
Diante disso, esta pesquisa é de caráter descritivo, exploratório
e de abordagem qualitativa. Uma síntese dos métodos utilizados para
atingir o objetivo é descrita no Quadro 1.
Quadro 1: Método utilizado para cumprir com o objetivo
OBJETIVO
GERAL
OBJETIVO
ESPECÍFICO
MÉTODOS FONTES
Verificar as
dificuldades
que os alunos
da EJA
enfrentam
durante a
pandemia do
Covid-19
Analisar
pesquisas de
evasão de
estudantes da
EJA no período
da pandemia do
Covid-19
Pesquisa
Bibliográfica
e
Documental.
PARECER CNE/CP
Nº: 15/2020,
Documento Base
Nacional, Cunha Júnior
et. al. (2020) Lima et. al.
(2020), Fantinato,
Freitas e Dias (2020),
Silva, Freitas, Almeida
(2021), Marques, Passos
e Azevedo (2022),
Vargas e Gomes (2013),
Souza e Menezes
(2021), Di Pierro
(2005), Pasini, Carvalho
e Almeida (2020),
Camargo (2021),
(2021) e Gonçalves e
Duarte (2022)
Fonte: Elaborado pelos autores
Conforme apresenta-se o quadro 1 o objetivo da pesquisa foi
verificar as dificuldades que os alunos da EJA enfrentaram durante a
pandemia do Covid-19. Para que se cumprisse o objetivo geral foi
estabelecido como objetivo específico o de analisar pesquisas de
evasão de estudantes da EJA no período da pandemia, sendo que para
isso foi realizada uma pesquisa documental no Parecer CNE/CP de
150
Nº: 15/2020 do Ministério da Educação (2020) e no Documento
Base Nacional Preparatório para a VI CONFINTEA, realizada em
Belém-PA em 2008, bem como uma pesquisa bibliográfica a qual
segundo Gil (2002, p.44) é um tipo de pesquisa que “é desenvolvida
com base em material elaborado, constituído principalmente de
livros e artigos científicos”.
Após o levantamento bibliográfico e a metodologia será feita
relações entre as pesquisas mencionadas anteriormente na seção de
resultados e discussões e por fim serão apresentadas as considerações
finais da pesquisa.
Resultado e discussões
Sabendo que historicamente a EJA se encontra em um lugar
marginalizado e secundário na educação brasileira e diante das aulas
remotas, essa condição se intensificou, o que pode ser verificado na
narrativa de uma aluna de 18 anos matriculada numa turma da EJA,
no estudo de Souza e Menezes (2021, p.12):
Essa pandemia dificultou muito nossa vida, embora a gente
perceba que os professores tenha boa vontade de explicar
as atividades, nem todo os alunos tem acesso à internet,
assim nem todos vão conseguir aprender e passar de ano.
(pausa) Eu mesma não tenho internet, nem celular, pego
as atividades aqui na escola não consigo fazer tudo sem a
explicação do professor, principalmente matemática.
Como vai ser esse ano pra gente que não pode assistir as
aulas porque o tem celular, nem computador? Vai passar
151
sem saber nada diretora? (SOUZA; MENEZES, 2021,
p.12).
Uma pesquisa realizada por Camargo (2020), demonstrou
que de 21 estudantes que frequentavam as aulas remotas em uma
turma da EJA, 12 alunos desistiram. Pela significância, a seguir se
apresentado no quadro 2, a justificativa da desistência desses
estudantes:
Quadro 2 - Motivos da desisncia dos alunos
Quantidade de
alunos desistentes
Justificativa
1
desistiu porque encontrava-se no grupo de risco, não
dominava as tecnologias e o queria ficar saindo de casa
para pegar atividades impressas.
1
evadiu-se porque descobriu que estava grávida e
priorizava naquele momento o seu filho
2
alegaram que com a pandemia precisaram trabalhar de
motoboy, porque seus pais perderam o emprego devido
a pandemia.
8 Não quiseram participar ou não conseguiram contato.
Fonte: Elaborado pelo autor com os dados de Camargo (2020)
Conforme apresenta-se no quadro 1, é possível verificar que
diversos foram os motivos da evasão de seus estudos, como a falta de
domínio das tecnologias digitais, a gravidez ou o trabalho para ajudar
no sustento de suas famílias (CAMARGO, 2020).
Ao perguntar para os alunos que conseguiram finalizar seus
estudos quais foram as dificuldades encontradas, muitos responderam
que tiveram resistências em aprender os conteúdos das disciplinas de
152
exatas e de acessar as plataformas digitais disponibilizadas pelo
governo, logo, segundo a autora, a apreensão com os conteúdos, a
dificuldade de uso das tecnologias também contribuíram para o
aumento dessas desistências (CAMARGO, 2020).
Paralelamente a pesquisa de Camargo (2020), Silva, Freitas e
Almeida (2022) colocam que é necessário que a gestão e os professores
da escola façam o acompanhamento e apoiem esses estudantes
durante este período delicado a fim que os alunos da EJA consigam
terminar com êxito seus estudos.
Ainda para refletir sobre a pandemia, a pesquisa de Silva,
Freitas e Almeida (2022) realizada com estudantes da EJA, revela que
duas, das três estudantes estão matriculadas na EJA 2 (dois) anos,
ou seja, logo que começaram a estudar nesta modalidade a pandemia
se instaurou, o que causou muitas dificuldades logo no início. Por
outro lado, a terceira aluna a 3 (três) anos está cursando a EJA.
Neste contexto, duas das participantes da pesquisa disseram
que estão estudando devido à vontade de aprender e a terceira disse
que quer concluir os estudos por causa do diploma para permanecer
empregada (SILVA; FREITAS; ALMEIDA, 2021).
Quanto aos desafios enfrentados por elas com referência ao
ensino emergencial remoto, uma delas explicou ter dificuldades em
acompanhar as aulas, porque ela não tem um aparelho adequado e a
interação com o professor é dificultosa. A outra participante disse que
não consegue utilizar o Google Meet, por conta do trabalho, a última
relatou que não possui dificuldades para acessar as plataformas digitais
e que tem achado muito bom estudar online (SILVA; FREITAS;
ALMEIDA, 2021).
153
Foi indagado às estudantes como os professores estavam
trabalhando para facilitar o aprendizado no ensino remoto. Elas
responderam que os professores explicavam as atividades por meio do
Whatsapp, os quais auxiliavam os alunos de forma prática e que
tiravam as dúvidas sempre que solicitado. Sobre o método de ensino
empregado pelos professores, as estudantes responderam que as
atividades e o conteúdo eram enviados por Whatsapp. Outro fato
importante nesta pesquisa é que uma das estudantes destacou que
recebia cesta básica como auxílio para que dessa forma ela pudesse se
dedicar melhor aos seus estudos (SILVA; FREITAS; ALMEIDA,
2021).
Segundo um estudo realizado em um município no estado do
Amapá com o intuito de analisar a evasão escolar de estudantes da
EJA no período da pandemia do Covid-19, revelou que houve várias
dificuldades no que tange ao ensino remoto na EJA, mesmo os
profissionais buscando as melhores alternativas para ensinar esses
alunos de modo online, houve muitas desistências por parte desses
discentes (GONÇALVES; DUARTE, 2022).
A pesquisa consistia em uma entrevista com cinco perguntas
com professores e ou pedagogos que lecionam nas classes de EJA. Em
uma das questões, foi indagado a esses profissionais qual foi a maior
dificuldade que eles tiveram com relação ao ensino emergencial
remoto imposto pela pandemia. Para demonstrar as respostas desses
profissionais de forma mais visual foi elaborada uma nuvem de
palavras com as principais respostas conforme se apresenta na
Figura1.
154
Figura 1 - Nuvem de palavras
Fonte: Elaborado pelos autores
Diante da figura 1, é possível observar que a falta de
participação e a evasão foi citada com maior frequência pelos
entrevistados, além de outros motivos como a falta de acesso à
internet, o não comparecimento dos alunos nas aulas remotas, a falta
de artefatos tecnológicos, poucos recursos e o desinteresse pelo aluno,
conforme sinalizado em uma das falas de um professor:
O ensino remoto nas aulas do EJA foi desafiador, de um
lado tínhamos pouco recursos (só os recursos do próprio
professor) do outro a cobrança por um ensino de
qualidade. Ferramentas que não foram feitas para o ensino
a distância, exclusão de quem não tinha o equipamento
necessário para as aulas. E um desinteresse de grande parte
dos alunos por não conseguir acompanhar as aulas de
maneira satisfatória (GONÇALVES; DUARTE, p. 32,
2022).
155
A falta de infraestrutura adequada prejudica a qualidade dos
encontros síncronos e assíncronos, outro fator que contribui para a
evasão é a ausência de conhecimento relacionados ao uso dessas novas
tecnologias empregadas para o processo de ensino-aprendizagem
(GONÇALVES; DUARTE, 2022).
Perguntado aos profissionais quais seriam os principais
motivos da evasão desses estudantes temse a seguinte resposta do
profissional 1: “a maioria dos alunos afastados foram procurados, e os
motivos foram: mudança de endereço; insegurança com relação ao
momento pandêmico; e uma pequena parcela, sinalizou que não via
com qualidade o ensino híbrido (GONÇALVES; DUARTE, p. 32,
2022).
Isso foi reforçado pelo profissional 2, quando esse respondeu
que não houve aceitação desses estudantes pelo o ensino remoto
(GONÇALVES; DUARTE, 2022).
Esse pequeno exemplário de dificuldades para ensinar a
aprender na EJA sintetiza de forma simbólica, mas realista, um
quadro de acentuação da desigualdade educacional historicamente
situada na realidade brasileira.
A educação, teoricamente para todos, na prática ainda é de
poucos:
A reentrada no sistema educacional dos que tiveram uma
interrupção forçada seja pela repetência ou pela evasão, seja
pelas desiguais oportunidades de permanência ou outras
condições adversas, deve ser saudada como uma reparação
corretiva, ainda que tardia, de estruturas arcaicas,
possibilitando aos indivíduos novas inserções no mundo
156
do trabalho, na vida social, nos espaços da estética e na
abertura dos canais de participação (BRASIL, 2000, p. 9).
E as preocupações justamente elencadas no Parecer n.
11/2000 da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de
Educação, ao estabelecer diretrizes curriculares para a educação sica
de jovens e adultos, continuam atuais e acrescentando sérias
implicações didático-pedagógicas e estruturais decorrentes do reforço
desses condicionantes de desigualdade social aprofundado pela
pandemia COVID-19. Reforçam, ainda, a tese segundo a qual não se
resolve o problema do analfabetismo e da baixa escolarização de
amplo segmento da população sem amplas reformas multiestruturais
no seio da sociedade brasileira.
Por certo, amenizar o agravamento provocado exigirá
envolvimento de toda a comunidade escolar, da sociedade civil
organizada e, principalmente, da instituição de políticas públicas a
conceber a EJA não como despesa, mas como investimento social para
garantia seja de preceitos consagrados na Constituição Brasileira, seja
do paradigma de Educação para Todos ao Longo da Vida registrado
nos protocolos da UNESCO e na Declaração Universal de Direitos
Humanos, também subscritos pelo governo brasileiro, mas nunca
garantidos em sua plenitude.
Considerações finais
Conforme o estudo apresentado, conclui-se que a pandemia
ocasionada pelo Coronavírus proporcionou diversas mudanças na
sociedade e trouxe uma nova configuração de ensino, em particular,
no contexto da EJA. Em virtude dessa mudança, que ocorreu de
157
modo abrupto e repentino, ficaram ainda mais perceptíveis as
desigualdades sociais de nosso país.
Por conseguinte, os estudantes em condição social precária
tiveram maior dificuldades para acompanhar as aulas, visto que
muitos não tinham equipamentos adequados e/ou familiaridade com
as tecnologias, além de precisarem trabalhar para ajudar nos sustentos
de casa, situação essa na qual se encontra grande parcela dos alunos
da EJA. O estudo revela que a dificuldade nos conteúdos das
disciplinas de exatas podem trazer desconforto e contribuir para a
evasão desses estudantes.
Pode ser constatado também, que embora a tecnologia fosse
uma grande aliada para que os estudos não cessassem, é fundamental
para os discentes da EJA, participarem de aulas presenciais, pois eles
necessitam da interação e do convívio social para se desenvolverem.
Diante disso, com este estudo é possível verificar que houve
dificuldades semelhantes dos alunos da EJA nas diferentes regiões do
Brasil quando esses tiveram que continuar seus estudos em meio à
pandemia da Covid-19. Dificuldades como o acesso às aulas remotas
por falta de equipamentos adequados, ou ausência de habilidades para
uso das tecnologias digitais contribuíram para a evasão desses
discentes e apareceram como causa nas três pesquisas observadas.
É possível analisar que uma parte significativa dos estudantes
da EJA desistiram de frequentar as aulas, isso pode ser visto na
primeira e na terceira pesquisa analisadas, o que não foi possível
identificar no segundo estudo, talvez pela quantidade de alunos
pesquisados, três, e também ao suporte da cesta básica que a escola
oferece a uma das estudantes, o que pode servir como incentivo para
158
a aluna se dedicar aos estudos, levando em considerão todo cenário
econômico do país.
Ainda neste sentido econômico, foi possível observar que
houve desistência por motivos de trabalho, que familiares perderam
empregos na pandemia, e esses estudantes tiveram que ajudar no
sustento de casa para ajudar na renda familiar. Outro fato notado é
que muitos alunos não viam sentido no estudo remoto ocasionado
pela pandemia, o que também colaborou para a evasão.
Referências
ALMEIDA, S. R. G. Prefácio: apresentando Spivak. In G. Spivak (2010)
Pode o subalterno falar? (p. 7-18), Belo Horizonte, Brasil: Editora
UFMG, 2010.
BRASIL. Reexaminado pelo parecer CNE/CP 19/2020. Ministério da
Educação. 2020. Disponível em:
http://portal.mec.gov.br/docman/outubro-2020-pdf/160391-pcp015-
20/file. Acesso em: 29 jun. 2021.
BRASIL. Ministério da Educação. Documento Base Nacional
Preparatório à VI CONFINTEA. Desafios da Educação de Jovens e
Adultos no Brasil. Brasília, MEC, 2008. Disponível em:
http://portal.mec.gov.br/dmdocuments/confitea_docbase.pdf Acesso em
05 ago. 2022.
BRASIL. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação.
Câmara de Educação Básica. Parecer CNE/CEB n. 11/2000. Brasília,
MEC, 2000. Disponível em:
http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/pceb011_00.pdf Acesso em
05/08/2022.
159
CAMARGO, J. S. da S. M. de. EJA: evasão escolar em tempos de
pandemia. EVASÃO ESCOLAR EM TEMPOS DE PANDEMIA. 2020.
Disponível em:
http://www.periodicos.letras.ufmg.br/index.php/ueadsl/article/view/1757
9. Acesso em: 21 abr. 2022.
CUNHA JÚNIOR, A. S.; OLIVEIRA MATEUS, K. A. DE;
POMPONET LIMA, M. M.; MENEZES, M. C. DE; COSTA, S. B.
Educação de jovens e adultos (eja) no contexto da pandemia de Covid-19:
Cenários e Dilemas em Municípios Baianos. Revista Encantar, v. 2, p. 01-
22, 18 ago. 2020.
Di Pierro, M. C. “Notas sobre a redefinição da identidade e das políticas
públicas de educação de jovens e adultos no Brasil”. Educação &
Sociedade, vol. 26, n
o
92, outubro de 2005, p. 1115–39. DOI.org
(Crossref), https://doi.org/10.1590/S0101-73302005000300018
FANTINATO. M., VARGAS. A. & MOURA. J. (2020). "Não olha para
a cara da gente": ensino remoto na EJA e processos de invisibilização em
contexto de pandemia. Revista Latinoamericana de Etnomatemática,
13(1), 104-124. DOI: 10.22267/relatem.20131.44
GIL, A. C. Como elaborar projetos de pesquisa. 4. ed. o Paulo: Atlas,
2002
GONÇALVES, D. F; DUARTE, R. dos S. A evasão escolar na educação
de jovens e adultos em duas escolas estaduais no peodo da pandemia
nos anos de 2020 e 2021 no município de laranjal do jari/ap. 2022. 46 f.
TCC (Graduação) - Curso de Pedagogia, Instituto Federal de Educação,
Ciência e Tecnologia do Amapá –, Laranjal do Jari, 2022. Disponível em:
http://repositorio.ifap.edu.br/jspui/bitstream/prefix/627/1/TCC%20Final
-Dorico%20e%20Rodson-IFAP%202022.pdf. Acesso em: 05 jul. 2022
LIMA, F. V.; ALDEMAR BALBINO DA COSTA; CLÉBER LOPES;
SONIA MARIA CHAVES HARACEMIV. Educação não Presencial na
EJA do Paraná em Tempos de Pandemia: Uma Proposta Possível?.
160
Interacções, [S. l.], v. 16, n. 54, p. 106–125, 2020. DOI:
10.25755/int.21022. Disponível em:
https://revistas.rcaap.pt/interaccoes/article/view/21022. Acesso em: 12
abr. 2022.
MARQUES, J. E.; PASSOS, K. E. da S.; AZEVEDO, G. X. Aspectos da
evasão escolar na educação de jovens e adultos. Reeduc - Revista de
Estudos em Educação (2675-4681), [S.L.], v. 8, n. 1, p. 394-423, 14 dez.
2021. Universidade Estadual de Goiás.
http://dx.doi.org/10.31668/reeduc-ueg.v8i1.12618. Disponível em:
https://www.revista.ueg.br/index.php/reeduc/article/view/12618/8851.
Acesso em: 19 abr. 2022.
OLIVEIRA, M. K. de. Jovens e Adultos como Sujeitos de Conhecimento
e Aprendizagem. Revista Brasileira de Educação, n. 12,
set./out./nov./dez., p. 59-73, 1999.
PASINI, C. G. D; CARVALHO, E. de; ALMEIDA, L. H. C. A educação
híbrida em tempos de pandemia: algumas considerações. Observatório
Socioeconômico da COVID-19 (OSE), v. 9, 2020.
SANTOS, P. dos; SILVA, G, da. Os sujeitos da EJA nas pesquisas em
Educação de Jovens e Adultos. Educação & Realidade. Porto Alegre, v.
45, n. 2, e96660, 2020, p. 1-21.
SILVA, C. R. da; FREITAS, A. C. S. .; ALMEIDA, N. R. O. de . A EJA e
o ensino remoto emergencial: um olhar discente. Ensino em Perspectivas,
[S. l.], v. 2, n. 4, p. 1–10, 2021. Disponível em:
https://revistas.uece.br/index.php/ensinoemperspectivas/article/view/6626.
Acesso em: 15 abr. 2022.
SOUSA, G. S. de; MENEZES, M. C. de. Educação de jovens e adultos
(EJA) em tempos de pandemia da Covid-19: Reflexões sobre o cenário
exclusão e abandono. Seminário Nacional e Seminário Internacional
Políticas Públicas, Gestão e Práxis Educacional, v. 8, n. 12, 2021.
161
VARGAS, P. G.; GOMES, M. de F. C. Aprendizagem e desenvolvimento
de jovens e adultos: novas práticas sociais, novos sentidos. Educação e
Pesquisa, [S.L.], v. 39, n. 2, p. 449-463, 10 maio 2013. FapUNIFESP
(SciELO). http://dx.doi.org/10.1590/s1517-97022013005000005.
Disponível em:
https://www.scielo.br/j/ep/a/DnV8rmCjytnjF8KnLb5yfxC/?lang=pt.
Acesso em: 21 abr. 2022.
162
163
A Importância da Filosofia no Ensino da
Educação de Jovens e Adultos
Maria Caroline Belfante
1
Introdução
Este trabalho tem como objetivo geral explorar a importância
do ensino de filosofia para os alunos da EJA. Como objetivos
específicos, buscamos analisar como o ensino de filosofia pode
contribuir para gerar o pensamento crítico e sua importância no
exercício da cidadania de forma a propiciar o desenvolvimento de
valores democráticos, na política, na luta pelos direitos e no
desenvolvimento cultural.
Para que serve a filosofia? Esta, sem dúvida, é uma das
questões mais ouvidas por todos aqueles que se envolvem com ela.
os que dizem que a filosofia é a mãe de todas as ciências, a criadora de
questões; por outro lado é possível também ouvir que ela é a área dos
conceitos; tem os que afirmam que ela serve para problematizar e
outros, que ela veio para pensar soluções e respostas. Segundo
Deleuze:
1 Doutoranda em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da
Unesp, mpus de Marília. Professora da Rede Pública de Educação Básica do
Estado de São Paulo.
https://doi.org/10.36311/2023.978-65-5954-389-2.p163-180
164
Quando alguém pergunta para que serve a filosofia, a
resposta deve ser agressiva, visto que a pergunta pretende-
se irônica e mordaz. A filosofia não serve a nenhum poder
estabelecido. A filosofia serve para entristecer. Uma
filosofia que não entristece a ninguém e não contraria
ninguém, não é uma filosofia. A filosofia serve para
prejudicar a tolice, faz da tolice algo de vergonhoso. Não
tem outra serventia a não ser a seguinte: denunciar a
baixeza do pensamento sob todas as suas formas (...)
(DELEUZE, 1976, p. 87).
Não faltam visões acerca do que é a filosofia e qual a sua
utilidade. Mas afinal, como colocar tamanho pensamento abstrato na
realidade das pessoas? Ainda mais quando se trata da educação de
jovens e adultos, é importante ter em mente que se tratam de alunos
com uma marcada e notória dificuldade de acesso às coisas mais
básicas da sociedade. A dificuldade financeira é a primeira a ocupar
nossa mente e, junto com ela, vem desde a dificuldade de ter uma
alimentação equilibrada, assistência médica e odontológica, etc, até o
acesso à educação na idade própria. Elas provêm de uma
marginalização social e política quanto ao cumprimento pelo governo
de uma de suas funções mais básicas relativamente à população.
Tamanha dificuldade ao acesso ampliou-se ainda mais nos
últimos anos com a pandemia, a crise econômica e a conjuntura
política que o país está vivendo. Os alunos ficaram em boa parte do
tempo pandêmico com aulas online ou híbridas, o que causou
inúmeras defasagens no aprendizado, na escrita e no desenvolvimento
social dos mesmos. Muitos alunos da rede pública não tinham fácil
acesso às aulas on line ofertadas pelo aplicativo do governo estadual,
165
seja por não terem aparelhos tecnológicos em casa, ou quando
tinham, o acesso à internet era precário ou ainda, por vezes, havia um
único aparelho para dividir com os vários membros da família.
Se para os alunos dos ensinos fundamental e dio foi um
desafio aprender online na pandemia, considerando-se a relativa
facilidade que os jovens têm para utilizar a tecnologia, os alunos da
EJA tiveram mais esta dificuldade a enfrentar. Muitos não pertencem
à geração que cresceu imersa na tecnologia e por isso apresentam certa
dificuldade e estranheza com a mesma. Outro agravante a ser
considerado é que os que não são completamente alfabetizados
ainda. Junto com esta situação, vem a vergonha que os acompanham
durante a vida, um sentimento de inferioridade por estarem à margem
de algo tão simples como compreender, por exemplo, o preço de um
produto no mercado, não saber qual fila usar para pagar uma conta,
não poder ler uma notícia no jornal ou uma receita culinária. São
pessoas que vivem à margem da educação, um direito público
subjetivo garantido pela Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996
(Brasil, 1996), no Art..
Porém, a mesma lei que parece querer defender de um lado o
desenvolvimento educacional humano, prejudica a oferta da filosofia
como disciplina obrigatória, essencial na evolução de importantes
aspectos críticos e culturais nos alunos. Na Lei 9.394 de 1996, que
estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, consta no Art.
35, §2, que “a Base Nacional Comum Curricular referente ao ensino
médio inclui obrigatoriamente estudos e práticas de educação física,
arte, sociologia e filosofia” redação dada pela lei 13.415, de 2017.
Porém, no Art. 36, inciso IV, foi revogada a seguinte lei “serão
incluídas a Filosofia e a Sociologia como disciplinas obrigatórias em
166
todas as séries do ensino médio”. Também se encontra revogado o
inciso III, do parágrafo do Art. 36 que tem a seguinte redação:
“domínio dos conhecimentos de Filosofia e de Sociologia necessários
ao exercício da cidadania”. A filosofia não é interessante para aqueles
que querem manipular as pessoas, que são desonestos, falaciosos, com
discursos autoritários e preconceituosos. Ela é perigosa, pois protege
o povo dos que governam mal.
Problematizar todas essas situações e procurar os porquês
delas é a tarefa da filosofia na vida desses alunos. A filosofia faz-se
importante na medida em que torna o sujeito capaz de pensar de
forma crítica sobre sua realidade e enxergar as possibilidades de
mudança. Conhecer algo é o primeiro passo para poder mudá-lo. A
filosofia armas para que o homem não se sinta isolado e ingênuo
diante do mundo.
Desse modo, a metodologia adotada neste trabalho será a de
pesquisa bibliográfica e de análise documental, destacando-se os
elementos teóricos e legais a estabelecer e justificar o papel do ensino
de Filosofia nos programas de ensino da EJA.
A importância da filosofia na educação de jovens e adultos (EJA)
A filosofia é importante para que o indivíduo desenvolva o
pensamento crítico, a capacidade de julgar de forma consistente e
elaborada, não sendo facilmente convencido por discursos falaciosos.
Aquele que desenvolve o pensamento crítico é capaz de “ter a pulga
atrás da orelha” para notícias duvidosas, opiniões, forma-se no sujeito
parâmetros de julgamento para que ele tenha autonomia de formar
sua própria visão de mundo de forma fundamentada e não superficial.
167
A filosofia transforma o pensamento ingênuo em um pensar
elaborado, consistente, autônomo.
Ela é perigosa para aqueles que querem governar na mentira,
enganando e enfraquecendo o povo, por isso é tão desencorajada em
muitos governos. Quando não é retirada da obrigatoriedade do
ensino, é reduzida a uma carga mínima de uma ou duas aulas por
semana e apenas no ensino médio, para ensinar a história de um
pensamento que tem mais de três mil anos. Eles vendem o discurso
de que é preciso ter homens que tenham conhecimentos para o
trabalho, e claro que isto é importante, mas o ensino não pode se
resumir a isso.
O ensino técnico voltado para a rápida inserção no mercado
de trabalho é ótimo sob o ponto de vista econômico, tanto para o
trabalhador quanto para a empresa. Porém, sob o ponto de vista social
e cultural, esse tipo de ensino deixa a desejar, pois como é um curso
de curta duração, é bem focado e voltado para a parte prática. O
ensino técnico pode ser uma boa forma de auxiliar a formar pessoas
de forma rápida e objetiva, porém é necessário que a pessoa tenha
uma sólida e prévia formação artística, histórica e crítica. Tais
elementos são essenciais para a formação de um indivíduo consciente
e crítico; eles oferecem um olhar diferenciado para questões humanas
e sociais. O ensino de filosofia auxiliará justamente na criação desta
base tão importante.
A exemplo da importância do pensamento crítico mesmo em
questões que envolvam “apenas um trabalho cnico”, podemos citar
o caso da sociedade ale que era extremamente evoluída sob o ponto
de vista educacional técnico, mas que culminou em um sistema
nazifascista. No contexto deste modo de pensar, o aprendizado
168
meramente racional e técnico não é capaz de tornar o sujeito
consciente de suas ações e de seu impacto no mundo:
O olhar exclusivamente técnico sobre a realidade, que se
contenta com a simples mobilização dos mecanismos
intelectuais, sem que a estes seja inerente a atividade de
confrontação dos dados empíricos com os potenciais de
liberdade, corresponde ao exercício de uma racionalidade
subjetiva, que se restringe ao tratamento instrumental e
coisificado da realidade. (...) A ciência que se desenvolve
nos moldes positivistas, caracterizada pelo donio
patriarcal da natureza, pela produtividade cega e pela
ausência de autorreflexão, é tão patologicamente
comprometida, quanto a mentalidade fascista em suas
opiniões doentias (BUENO, 2021, p. 40).
A educação filosófica, neste sentido, é capaz de levar a refletir,
conscientizar também politicamente, visando uma sociedade livre de
totalitarismos, fascismo e extremismos. Pensar é trabalhoso, é difícil e
ainda, segundo a visão do senso comum, não traz resultados à vida
prática, muito menos benefícios, cria-se uma ideia de que o
pensamento pode até mesmo ser ruim. Pessoas questionadoras e
críticas podem ser vistas como “chatas”, “complicadas”, a sociedade
não aprendeu a valorizar o pensamento e sua real importância. É
importante quebrar tais preconceitos, superar a reprodução de
pensamentos prontos de forma automática, sair de um estado de
preguiça mental no qual todos estão sujeitos se não se esforçarem na
direção contrária.
169
Historicamente, o Brasil é um país colônia, marcado pela
exploração e que ainda tem como marco de desenvolvimento a
exploração direta ou indireta de recursos naturais e similares, como a
criação de gado e agricultura. Estas são atividades importantes e
essenciais, porém o objetivo aqui é salientar o quanto o país pode
perder por não investir em tecnologia e em estudos científicos e
humanísticos, podendo ter outras grandes fontes financeiras, que não
provenham exclusivamente de fontes naturais. A filosofia pode ajudar
a refletir sobre questões ambientais, sobre agricultura responsável, um
uso consciente dos recursos naturais, de modo a prevenir a escassez e
malefícios com outras vidas e com o ecossistema.
Podemos compreender a educação como uma parte essencial
da cultura. Um erro comum é, ao educar, buscar deixar o máximo
possível, a cultura enquanto conjunto de saberes e manifestações
simbólicas, literárias, filosóficas e artísticas de lado. É preciso deixar
de lado uma mentalidade simplista de que educar é saber fazer contas,
ler e escrever. É claro que tais elementos são indispensáveis, mas eles
precisam ser vistos de forma a articular outras disciplinas e
aprendizados para superar concepções educativas limitantes. Pode-se
treinar a leitura com textos históricos, pode-se aprender formas
geométricas analisando pinturas, treinar cálculo estudando geografia
e assim por diante. A cultura extrapola aquilo que é estudado na
escola, pois é viva, múltipla, complexa e mutante. Mas é na escola que
o aluno aprende que existe muito mais do que ele imaginava e neste
ponto a filosofia faz-se fundamental, pois ela é a disciplina responsável
por ir além através do pensamento, em cultivar um solo rtil mental
para dar à luz a ideias, a novas formas de conceber, de rever, de julgar
de forma equilibrada e mais justa possível. De fato:
170
Pois a cultura é a possibilidade de unificação entre a ação
(logo, o puro domínio das relações sociais) e a
representação, de tal sorte que tanto padrões culturais
quanto as suas instituições não são nem atuam como
valores “sobre”, a posteriori, mas, ao contrário, como
esquemas simbólicos que ordenam a ação social, tornando-
a possível, recobrindo-a de significados, fazendo-a
compreensível e, portanto, comunicável. Se a esfera da
ideologia está no que tipos determinados de homens
pensam sobre o que fazem e o que são, a dimensão da
cultura está nos sistemas ativos de codificações e
significados que os fazem fazer o que fazem e serem o que
são. Está anda no que dinamicamente torna socialmente
ativo e simbolicamente significativo um modo de vida de
uma classe social (BRANDÃO, 1986, p. 101, grifos do
autor).
Assim, o desenvolvimento da cultura também é uma
redescoberta dos valores locais, da cultura do lugar em que a escola se
encontra (COSTA; ARAÚJO, 2016, p. 4). A valorização e
reconhecimento da importância dos costumes e tradições faz parte da
conscientização que a filosofia pode ajudar a proporcionar. Pois, é
reconhecida a importância de conhecer e ampliar o leque cultural,
mas é de extrema relevância reafirmar a identidade cultural sua e de
seu povo, como marco simbólico que aquela população deixa no
mundo.
É importante destacar que a filosofia não se resume ao uso da
razão e da lógica, assim como uma ciência. Ela não é uma ciência, ela
está para além, é mais ampla, tanto que é possível fazer filosofia das
mais diversas coisas, como a filosofia da arte, a filosofia da ciência,
171
filosofia da informação, filosofia da mente etc. Ela pode trabalhar
temas como a música, a beleza, o amor, a fé, sua rigorosidade é com
a verdade e não com a metodologia científica. Ela possui seus próprios
métodos na busca da verdade, não se sujeita a uma área restrita do
pensamento, tanto que pode ser considerada como a mãe de todas as
ciências.
A escola deve ser o lugar de formação completa do estudante,
independentemente de sua idade. Se na escola, os estudantes não
aprenderem sobre classes sociais, história, a pensar, julgar com
criticidade, ética e moral, onde mais eles teriam acesso a isso? Tudo
isso faz parte do desenvolvimento cultural do homem, pois de que
forma ele compreenderá a importância de um quadro, de uma obra
de arte se ele não entender a verdadeira história por trás dele? Que
parâmetros o estudante terá para compreender e julgar um filme, um
livro, um acontecimento mostrado no jornal? O motivo de guerras,
da alta nos preços, os responsáveis e causadores de crises, e até mesmo,
a validade de vacinas?
A cultura, ao contrário do que muitos pensam, não é somente
aquilo que temos acesso quando vamos ao museu, à biblioteca ler um
clássico, ou vemos um filme de Almodóvar. Ela se encontra também
em nosso cotidiano, na capacidade de compreender e julgar a sua
complexidade. No âmbito da cultura, a filosofia faz-se importante
porque ajuda o discente a ter uma compreensão mais ampla das
organizações sociais, da arte, dos costumes e como tudo isso se
relaciona e influencia.
A democracia é o governo do povo, onde todos devem ser
ouvidos e terem seus direitos respeitados, além de acesso as mesmas
oportunidades. É preciso criar sujeitos conscientes e autônomos para
172
que possam construir uma sociedade saudável e mantendo os direitos,
deveres e ideais democráticos. Não podemos pensar em uma
democracia onde somente alguns tenham seus direitos garantidos.
Porém, sabemos que a realidade é diferente do ideal e estes alunos da
EJA demonstram parte desta realidade. É preciso que haja políticas
públicas que visem diminuir gritantes diferenças sociais. É preciso
garantir um mínimo às pessoas, como alimentação, moradia, saúde,
para que assim elas possam se dedicar à educação, que apesar de
essencial, é secundária, para alguém que tem de lutar pelo mínimo
diariamente. A própria pobreza e necessidade dos homens, os colocam
numa situação em que eles precisam se curvar às demandas do
mercado de trabalho para sobreviver. As jornadas e as condições de
trabalho parecem ser feitas para que não sobre tempo para pensar no
mundo ao seu redor e pessoas que não pensam acabam se tornando
passivas diante do sistema. É um ciclo vicioso no qual ele garante sua
constante manutenção.
O exercício democrático consiste em ouvir aquilo que o outro
tem a dizer, a partir do momento em que os que estão no poder
ignoram as necessidades mais básicas do povo, passamos a não ter
mais uma democracia. Na pandemia, as ofertas de superação das
dificuldades provindas do ensino on line, pareciam não ser suficientes
em relação ao tamanho do desafio. Os níveis de desemprego subiram
muito, como pensar em educação, como ter paz para aprender e
refletir, quando a família se encontra em crise e quando não
certezas sobre o amanhã? Além dos danos psicológicos que a
pandemia causou como um todo. Com a pandemia caminhando para
o fim, somente o vírus preocupa menos, pois a crise política e
econômica continua, o país caminha a passos lentos.
173
É preciso políticas públicas para garantir um mínimo a
população carente, investimentos na criação de empregos, trabalhar
para diminuir a inflação, porque tudo isso influencia no jovem e no
adulto que frequentam o EJA. Uma boa perspectiva de futuro vai
além de um apelo motivacional para os estudos; é necessário criar
condições para que estes jovens possam aprender, tenham tempo e
paz mental para se desenvolver. É preciso educar, garantindo meios
para tal e é preciso dar esperança, criar oportunidades.
A escola também precisa estar preparada para lidar com os
jovens e adultos. Tem de assumir uma postura diferente daquela com
a qual se tem com os alunos do ensino fundamental e dio. É
preciso respeitar a história de vida de cada um e a partir dela buscar a
construção do conhecimento, significando. A falta do professor poder
pensar sobre tudo isso também se relaciona com a falta do ócio
necessário em qualquer profissão, como um meio de repensar sua
postura e pensar um novo modo de ser, num ciclo de constante
desconstrução e reconstrução constante de si, natural do
desenvolvimento filosófico e artístico do homem.
Os alunos da EJA não devem ser infantilizados no momento
educacional, não é porque eles não compreendem a escrita e a leitura
que eles possuem o mesmo nível de desenvolvimento mental de uma
criança. É preciso tratá-los como os adultos, respeitar sua idade,
respeitar sua história de vida e quem ele é. Assim como precisa ser
feito com as crianças, deve-se ainda mais ser levado em conta as
particularidades do adulto.
É importante ter um material diferenciado para eles, com
exemplos e um funcionamento próprio voltado para este público.
Infelizmente, não é tãocil o acesso à materiais específicos, o que faz
174
com que muitas vezes os professores tenham que adaptar o material.
Porém ressalto, que essa adaptação se faz extremamente importante,
pois ele se torna uma forma de acolhimento dessas pessoas que são
mais vulneráveis em nossa sociedade. Ouvir também é um gesto de
amor, compreender os anseios, os desejos, os sonhos, é muito
importante até mesmo para que o professor possa ajudá-los e
incentivá-los na conquista.
O professor de filosofia os ajudará a superar certos
preconceitos internos e pessoais que muitos podem ter ao pensar que
não esperanças para pessoas “atrasadas”, muitos sentem-se
inferiores, acham-se menos capazes, quando na verdade, muitas vezes
eles são vítimas de um sistema que os oprimiu de uma forma que
antes não tiveram foas e ou condições para lutar por seu estudo. A
filosofia destrói preconceitos, ideias infundadas, mitos maléficos, mas
também permite a construção de um novo ser. A exemplo poderíamos
citar inúmeras filosofias, todas elas são conhecidas por direta ou
indiretamente possuírem um na dialética, na medida em que você
tem duas coisas distintas e a partir delas à luz a uma terceira
completamente nova. sempre a quebra com antigos preceitos e a
superação destes colocando novos no lugar.
As diferentes filosofias presentes na história do pensamento
ajudarão a ampliar a forma de encarar o mundo, serão apresentadas
ideias que muitas vezes eles nem sequer imaginaram, como ocorre
com qualquer pessoa ao iniciar na filosofia. A exemplo de uma, dentre
as várias teorias filosóficas que podem ser usadas como uma potência
positiva de vida, é a de Nietzsche. É um filósofo que sempre defendeu
a vida como potência máxima, que deve ser amada e afirmada,
incentiva a constante criação, descobrimento e superação de si como
175
forma de atingir uma elevação do homem (Nietzsche, 2011).
Aristóteles (1991), escreve interessantíssimas reflexões sobre o que é a
felicidade e o que é necessário para alcançá-la. Sartre (1987) reflete
bastante sobre a questão da liberdade e da responsabilidade humana
perante o mundo. O importante é que dentro da filosofia uma
pluralidade de pensamento tão grande, que é capaz de abranger as
mais diversas concepções de mundo e até mesmo de transformá-las e
ultrapassá-las.
Ao ensinar filosofia fora da academia, é importante mostrar a
aplicabilidade de determinado pensamento filosófico para que não
fique muito abstrato para aqueles que ainda não estão acostumados
com uma densa carga teórica. É importante ensinar compreender o
significado do pensamento por meio de exemplos práticos cotidianos
que os façam entender que a filosofia é algo que está constantemente
presente na vida deles, e não algo difícil e distante que está apenas nos
livros e na academia.
Nesta pandemia pudemos enxergar o grau de obscurantismo
e ignorância na qual grande parte da população está inserida. As fake
news dispersaram-se com grande facilidade por meios eletrônicos,
através de mensagens, vídeos, fotos criadas ou manipuladas para
confundir a população e como um rebanho, encaminhá-la para onde
era de desejo. As pessoas escolhem em quem acreditar não através de
critérios racionais e éticos, mas sim através da identificação com
aquele que anuncia a mensagem:
Desse modo, a busca e seleção de informações na internet,
por exemplo, passa a se pautar por critérios de afetividade
e identidade com o emissor, por conseguinte a confiança e
admiração pessoal nesta figura passam a ser mais
176
importantes para o reconhecimento daquele conteúdo
como verdade do que uma reflexão lógica e crítica a
respeito do mesmo (GUIMARÃES, DALESSANDRO,
2021, p. 26).
A população não tinha a capacidade crítica para diferenciar
uma notícia verdadeira da falsa, causando um caos sobre remédios
que seriam uma suposta salvação para o rus, que máscaras faziam
mal ao nosso corpo, que o Coronavírus não se passava de uma simples
gripe, que o vírus era uma arma química, que vacinas poderiam causar
sequelas graves no futuro ou até mesmo doenças. As fake news são
complexas e possuem “forte apelo popular por conta de uma
aparência de credibilidade, o que faz com que sejam disseminadas de
forma rápida e em escala massiva” (GUIMARÃES, DALES-
SANDRO, 2021, p 29-30); isso dificulta ainda mais a sua
identificação e o combate.
As fake news mostram-nos o quanto pensamentos são
importantes, porque eles tornam-se ações; a consequência de
pensamentos ignorantes na pandemia foram os mais de seiscentos e
oitenta mil mortos. Guerras, massacres, regimes totalitários, todos
começaram com pensamentos disfuncionais e ignorantes. Seria utopia
dizer que a filosofia seria capaz de mudar o mundo, mas sem dúvida,
ela seria capaz de transformar o pensamento de muitas pessoas contra
as atrocidades e a ignorância.
É preciso munir de defesas essas pessoas socialmente
fragilizadas para que elas não sejam mais instrumentos do caos, que
elas tenham condição de pensar, e sabemos que o pensamento, salva.
E que de fato, sejam sujeitos de aprendizagem e reconhecidos
enquanto agentes de cultura posto que:
177
[...] vivemos a experiência de uma cultura que, se de um
lado acelera os mecanismos sociais e pedagógicos da
concorrência e da competição, a ponto de aos poucos
transformar a própria educação em uma espera ansiosa de
um exame vestibular inextinguível, de outro lado
transforma competidores em assistentes ou praticantes de
tarefas uniformes e fáceis, dentro de um mundo onde todas
as coisas são pré-construídas, todas as questões antecipadas
e todas as dificuldades pré-solucionadas. Entre homens que
competem entre si, o próprio significado da diferença e da
competição é tão barateado que, sob a aparência de que
finalmente todas as pessoas podem fazer quase tudo, na
prática, não se faz quase nada, produtiva e criadoramente
(BRANDÃO, 1986, p. 122).
Considerações Finais
Conclui-se que a filosofia é parte fundamental na educação
não somente na idade considerada tradicionalmente como adequada,
como também na de jovens e adultos, pois ela desenvolve o
pensamento crítico, amplia o repertório cultural do indivíduo, torna-
o mais consciente de sua realidade, de suas responsabilidades, das
decisões políticas. A filosofia auxilia o desenvolvimento pleno do
homem, na contramão de um ensino exclusivamente tecnicista e
racionalista. Assim, faz-se de grande importância a defesa de sua
continuidade como disciplina obrigatória para os alunos, como forma
de criação de seres conscientes e na manutenção da democracia.
178
Referências
ARISTÓTELES. Os PensadoresAristóteles. Seleção de textos de José
Américo Motta Pessanha. edição. São Paulo: Nova Cultural, 1991. 2 v.
BRANDÃO, C. R. A educação como cultura. edição. São Paulo,
Brasiliense, 1986.
BRASIL. Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm. Acesso em
08/05/2022.
BUENO, S. F. Adorno, o fascismo e o mal. Marília: Oficina
Universitária; São Paulo: Cultura Acadêmica, 2021.
COSTA, A. C.; ARAÚJO, M. A. de. Filosofia da cultura e educação: as
implicações simbólicas e culturais regionais/locais na prática pedagógica
escolar no contexto de uma escola em feira de Santana/BA. In: XX
Seminário de Iniciação Científica da UEFS, 10, 2016, Feira de Santana.
Disponível em:
http://periodicos.uefs.br/index.php/semic/article/view/3162. Acesso em
15/07/2022.
DELEUZE, G. Nietzsche e a filosofia. Trad. Ruth Joffily e Edmundo
Fernandes Dias. Rio de Janeiro: Editora Rio, 1976.
GARRUTI, S. Considerações sobre o ensino de filosofia em EJA. Revista
Intersaberes, v. 9, n. 17, p. 32-44, 2014.
GUIMARÃES, J. A. C.; DALESSANDRO, R. C.. As fake News em um
contexto de pandemia pelo coronavírus: categorização temática de
notícias a partir de uma ferramenta de fact-checking. Informação em
Pauta, Fortaleza, v. 6, n. especial, p. 24-44, dez. 2021.
179
NICODEMOS, A.; SERRA, E.; ALVES, A. C. O.; SILVA, H. D. S.
Prática Docente em Geografia e História no contexto do Programa Nova
EJARJ. Revista Brasileira de Educação de Jovens e Adultos, v. 7, p. 1-
24.
NIETZSCHE, F. W. Assim falou Zaratustra. Trad. Paulo sar de
Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2011.
SARTRE, J-P. O existencialismo é um Humanismo; A imaginação;
Questão de método. São Paulo: Nova Cultural, Coleção Os Pensadores,
1987.
180
181
Educação de Jovens e Adultos (EJA):
políticas públicas e ausência de formação continuada de
professores em atividade
Alexandra Rocha Okidoi Felipe
1
Elma Karine Costa Cardoso
2
Rafaela Carneiro de Farias
3
Introdução
A Educação de Jovens e Adultos é uma das modalidades da
educação básica, que busca oportunizar a jovens e adultos, acima de
15 anos para o ensino fundamental, e acima dos 18 anos para o ensino
médio, a possibilidade de regularizarem sua situação escolar,
proporcionando o direito ao acesso à educação que lhes foi negado na
idade regular.
1 Mestranda em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da FCT,
Unesp, campus de Presidente Prudente. Professora do Ensino Básico Rede
Municipal de Bataguassu/MS e Rede Estadual de MS.
E-mail: alexandra.okidoifelipe@gmail.com
2 Doutoranda em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da
FCT, Unesp, campus de Presidente Prudente. Professora do Ensino Básico Rede
Pública Estadual da Bahia-BA. E-mail: elma_karine@yhaoo.com.br
3 Mestranda em Letras pelo Programa de Pós-Graduação em Letras da UFMS,
campus de Três Lagoas/MS. Professora do Ensino sico Rede Pública Estadual
de MS. E-mail: profrafaelaport@gmail.com
https://doi.org/10.36311/2023.978-65-5954-389-2.p181-214
182
Discutir acerca dessa modalidade se mostra um tema
relevante, pois, além de sua singularidade, ou de seu rico espaço para
pesquisa, ainda no país, oficialmente, um grande número de
analfabetos adultos, particularmente os desse segmento, que precisam
ter acesso às salas de aula. Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra
de Domicílio Contínua (PNADC), “no Brasil, em 2019, havia 11
milhões de pessoas com 15 anos ou mais de idade analfabetas”.
As pesquisas também apontam que esse resultado está ligado
diretamente à idade, ou seja, o grupo populacional com 60 anos, ou
acima dessa idade em estado de analfabetismo, é maior. Além do fator
idade, o direito à educação dos jovens e adultos se tem configurado
como um campo de disputa que envolve também a questão da
exclusão social.
Por isso, faz-se necessário um trabalho em conjunto com
todos os envolvidos no processo escolar, destacando-se o papel do
professor que, neste processo, se torna o mediador para auxiliar os
cidadãos que procuram a EJA.
Ressalta-se, aqui, a necessidade urgente de se discutir as
políticas públicas e a formação docente relativas aos profissionais que
atuam na modalidade, e à sua preparação, com a finalidade de
contribuir para o ingresso em sala de aula destes estudantes,
garantindo, assim, que sua aprendizagem tenha significado e que
aconteça de forma integral, entendendo-se com isso que contemple
toda a sua trajetória de vida, inclusive seus objetivos.
Com tais propósitos, o presente trabalho se propõe discutir a
EJA na perspectiva das suas políticas públicas e da ausência de
formação específica para os professores em atividade. Reafirma,
consequentemente, a necessidade de eles buscarem, por meio da
183
formação continuada, conhecimento para que possam ter um olhar
mais atento e com significado para esta modalidade.
Como fundamentação teórica, nos embasaremos nos estudos
de Arroyo (2006; 2016; 2018), Camargo Junior (2017), Di Pierro e
Haddad (2000), Gatti (2009), Freire (1992; 2006; 2018), Canário
(1988); Imbernón (2001; 2016) e Soares (2005; 2006).
A metodologia utilizada será pautada em uma revisão
bibliográfica, que, segundo Boaventura, “[…] consiste na análise e
síntese das informações, visando definir a linha de ação para abordar
o assunto ou problema e gerar ideias novas e úteis” (2007, p. 46).
Igualmente, procederemos à análise documental acerca de
indicadores sobre a EJA, de interesse para fundamentação da
pesquisa.
Compreendemos que, através desses elementos, será possível
propor alternativas ao trabalho da formação dos professores voltadas
à EJA e à sua importância social.
Sobre a educação de jovens e adultos
A EJA é uma modalidade de ensino da educação básica,
oferecida por diversas instâncias do sistema de educação e
movimentos sociais, que busca garantir o direito à educação em meio
a uma trajetória de campanhas e projetos descontínuos e instáveis que
se iniciaram ainda com a colonização do Brasil, com os jesuítas, que
tinham como objetivo difundir a católica (catequizar) entre os
indígenas - adultos e crianças -, além de os educar nos moldes dos
costumes portugueses e ensinar-lhes os serviços de mão de obra
exigidos naquele período.
184
Paula e Oliveira (2011) afirmam ainda que, após a saída dos
jesuítas, não foi diferente para a EJA. Segundo as autoras, muitas
práticas, até os dias atuais, estão impregnadas pelas influências desse
período inicial, como características do paradigma confessional e
conservador, aliado à descentralização das responsabilidades com a
educação. Segundo Romão e Gadotti (2007), o fato de em todo o
período imperial a educação de adultos ter sido responsabilidade das
províncias, que deviam arcar com todo o ensino das primeiras letras,
foi o motivo de o Brasil ter chegado ao final desse período com cerca
de 85% de sua população analfabeta.
Assim, somente a partir de 1930 a EJA começou a ser
reconhecida, precisamente no governo de Getúlio Vargas, que criou
o Plano Nacional de Educação (PNE), que garantia, de forma
gratuita, o ensino primário aos adultos. Para Haddad e Di Pierro
(2000, p.110), “pela primeira vez a educação de jovens e adultos era
reconhecida e recebia um tratamento particular”.
A sociedade começava a voltar os olhares para o analfabetismo
com duras críticas. Novamente, várias campanhas, serviços e eventos
começaram a discutir com maior rigor a Educação de Jovens e
Adultos, que chamava a atenção internacional pelo número
expressivo de analfabetos no País. O analfabetismo era comparado a
uma doença que estava afetando duramente a imagem da nação.
Escrevia Couto, ainda nos idos de 1933:
[…] analfabetismo é o cancro que aniquila o nosso
organismo, com suas múltiplas metástases, aqui a
ociosidade, ali o vício, além o crime. Exilado dentro de si
mesmo como em um mundo desabitado, quase repelido
para fora da espécie pela sua inferioridade, o analfabeto é
185
digno de pena e a nossa desídia é indigna de perdão
enquanto não lhe acudirmos com o remédio do ensino
obrigatório (COUTO, 1933, p. 190).
Sob o viés dessas cobranças, em 1963, o então presidente João
Goulart lançou a Campanha Nacional de Alfabetização, baseada nos
trabalhos do professor Paulo Freire, que apresentava resultados
satisfatórios no estado de Pernambuco. Freire trazia a proposta da
“educação libertadora”. O autor apresentava resultados positivos,
razão por que seu método começou a ser incorporado em todo o País,
chamando a atenção inclusive de outros países. Freire passou a ser
referência na educação de jovens e adultos na alfabetização, partindo
da realidade sociocultural dos discentes.
Tal campanha não teve continuidade devido ao Golpe
Militar, que criou, através da Lei 5.379/67, o Movimento Brasileiro
de Alfabetização (Mobral), o qual tinha como objetivo “atingir
11.400.000 analfabetos entre 1968 e 1971, para que se pudesse
pensar na extinção do analfabetismo até 1975” (PAIVA, 1987, p
293). Por sua vez o movimento recebeu duras críticas por seu método
ultrapassado, que não valorizava o indivíduo de forma integral.
Segundo Paula e Oliveira, os anos entre 1964 e 1985
representam:
[...] um rompimento histórico com os processos
democráticos e o retorno a concepções mais conservadoras
no âmbito da EJA. A ditadura militar esvaziou as ões
educativas de seu sentido ético, político e humanizador
(como defendia Freire), atribuindo à educação escolar um
caráter moralista e disciplinador, e, à EJA, uma posição
186
cada vez mais assistencialista, do qual a expressão xima
foi o Movimento Brasileiro de Alfabetização (Mobral). Por
outro lado, a sociedade, diante do cerceamento das
liberdades e dos direitos, via-se mobilizada a recuperar a
radicalidade das concepções e vivências progressistas e
enfrentar tais arbitrariedades alcançando uma crescente
organização política que culminaria com o fim da ditadura
e com o projeto de redemocratização do Brasil (PAULA;
OLIVEIRA, 2011, p. 18-19).
Por décadas, a modalidade foi organizada tomando por base
o ensino regular, como bem menciona Arroyo: [...] durante muito
tempo, construiu-se um pouco às margens, ou ‘à outra margem do rio”
(ARROYO, 2006, p.17). Consequentemente, não vínhamos tendo
políticas oficiais públicas de educação de jovens e adultos; isto é, por
não haver embasamento legal, as leis eram adaptadas a esta
modalidade.
No ano de 1988 ocorreu a promulgação da Constituição da
República Federativa do Brasil, que passou a ser um marco divisor na
Educação, especialmente na modalidade da EJA, por reconhecer os
direitos de jovens e adultos. Assim, a partir dessa Constituição, houve
um maior comprometimento do Estado com a educação daqueles que
não haviam tido acesso à escola na idade regular. Pelo Art. 208, “[...]
o dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia
de: I ensino fundamental obrigatório e gratuito, assegurada,
inclusive, sua oferta gratuita para todos os que a ele não tiveram acesso
na idade própria”. A partir desse momento, a EJA foi instituída como
uma modalidade que se impunha ao governo como obrigatória,
garantida por lei, na forma presencial ou não.
187
Na década de 1990 houve um conjunto de ações em favor
dessa modalidade de educação. Martins e Agliardi (2013) destacam
que o governo incumbiu os municípios a também se engajarem nesta
política. A partir de 1996, vários fóruns de EJA surgiram e foram
consolidados. Segundo Paula e Oliveira (2011), essas sessões
trouxeram para a história da modalidade a força da mobilização e do
debate em torno das políticas públicas.
Nesse contexto, dentre os eventos que marcaram oficialmente
a EJA, em 1996 foi estabelecida, através da Lei 9.394, a Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), com valorização
do desenvolvimento integral dos jovens e adultos. Começavam,
assim, uma organização e um reconhecimento maior para com os
jovens e adultos que passaram a frequentar a EJA.
Políticas públicas voltadas à EJA
Várias campanhas e eventos aconteceram na história da EJA.
A ressaltar, dois marcos de grande importância nos anos 1988 e 1996.
Segundo Camargo Júnior (2017), a Constituição da República
Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/88) apresenta um tratamento
específico sobre a educação em seu capítulo terceiro, Seção I, nos
artigos 205 a 214, ao reconhecer seu direito social a ser garantido pelo
Estado. Ainda segundo o autor, ao falar da obrigatoriedade da
educação básica, a Emenda Constitucional n. 59, de 11 de novembro
de 2009, mudou a redação presente no inciso I do Art. 208 da
CRFB/88, amparando a EJA. Conforme o inciso I, a “educação básica
e gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete) anos de idade, [passava a
188
ser] assegurada, inclusive sua oferta gratuita, para todos aqueles que a
ela não tiveram acesso na idade própria (BRASIL, 1988).
Dessa forma, quando a CRFB/88 afirma que o Estado tem o
dever de garantir a educação básica, inclusive na modalidade de jovens
e adultos, garante a essa população o direito à educação no contexto
do Direito Constitucional, o que denota uma conquista
inquestionável. Para Camargo Júnior:
[...] a CRFB/88 [é] a lei que rege todo o ordenamento
jurídico pátrio, considerada hierarquicamente superior,
toda e qualquer espécie normativa [...] no Brasil [...] não
pode legislar de maneira contrária, sob pena de padecer do
vício da inconstitucionalidade e, por conseguinte, ser
declarada nula (2017, p. 15).
Foi, conforme o autor, para que houvesse uma melhor
regulamentação do direito à educação, previsto na CRFB/88, que o
Congresso Nacional aprovou a Lei 9.394/96 (LDB), estabelecendo as
diretrizes e bases da educação nacional. Essa lei foi de grande
importância, pois em seu texto aparece a valorização do pleno
desenvolvimento da pessoa humana, além de buscar a mobilização da
sociedade.
Assim, após a LDB, vários documentos têm sido elaborados
com o fim de regulamentar o direito dos sujeitos jovens e adultos à
EJA. Segundo Camargo nior (2017), isso foi feito no intuito de
normalizar a criação de políticas públicas e também apresentar
orientações curriculares que garantissem uma educação efetiva a essa
modalidade educativa. São documentos criados com contribuições
tanto de movimentos nacionais, quanto internacionais, como as
189
conferências internacionais de educação de adultos (as conhecidas
Confinteas), que, desde o ano de 1949, trazem contribuições
relevantes para a promoção da EJA como política pública.
As diretrizes a serem seguidas pela EJA amparam-se nos
pareceres CNE/CEB 4/98 e CNE/CEB 15/98, que são, respectiva-
mente, as Diretrizes Curriculares para o Ensino Fundamental e
Médio. Contudo, fazia-se necessário, face às especificidades desses
alunos, que essas diretrizes fossem desvinculadas da idade escolar
própria da infância e da adolescência, guardando a apreensão e a
preservação de seus significados básicos, e fossem reorganizadas de
acordo com as necessidades do público da EJA (BRASIL, 2000).
Essas especificidades, às quais o texto do Parecer CNE/CEB
11/2000 se refere, tratam também das questões relativas à inserção
profissional que, segundo o mesmo parecer, merece especial destaque,
que os alunos do segmento, em sua maioria, são trabalhadores e
devem, portanto, receber uma educação que lhes permita melhoria de
vida.
Assim, o que consta no currículo do ensino médio, CEB
15/98, sobre uma carga horária passível de ser aproveitada em uma
provável habilitação profissional, tem um sentido maior para os
estudantes da EJA, pelo fato de que, em sua maioria, são pessoas
que fazem parte do mercado de trabalho. Isto explica o Parecer
CNE/CEB 11/2000, que afirma que os princípios constantes no
Parecer CNE/CEB 16/99, referentes à Educação Profissionalizante,
também devem guiar as diretrizes curriculares para a EJA.
A identidade própria da modalidade, sendo esta uma etapa da
educação básica, segundo o parágrafo único da Resolução CNE/CEB
1, será definida conforme:
190
[...] os perfis dos estudantes, as faixas etárias e se pautará
pelos princípios de equidade, diferença e proporcio-
nalidade na apropriação e contextualização das diretrizes
curriculares nacionais e na proposição de um modelo
pedagógico próprio, de modo a assegurar:
I - quanto à equidade, a distribuição específica dos
componentes curriculares a fim de propiciar um patamar
igualitário de formação e restabelecer a igualdade de
direitos e de oportunidades face ao direito à educação;
II - quanto à diferença, a identificação e o reconhecimento
da alteridade própria e inseparável dos jovens e dos adultos
em seu processo formativo, da valorização do mérito de
cada qual e do desenvolvimento de seus conhecimentos e
valores;
III- quanto à proporcionalidade, a disposição e alocação
adequadas dos componentes curriculares face às
necessidades próprias da Educação de Jovens e Adultos
com espaços e tempos nos quais as práticas pedagógicas
assegurem aos seus estudantes identidade formativa
comum aos demais participantes da escolarização básica
(BRASIL, 2000, p. 1-2).
Estes pressupostos devem ser assegurados mediante um
trabalho pedagógico elaborado em conjunto com a comunidade
escolar, com princípios que levem em consideração as especificidades
de cada educando, seus tempos de vida, suas características sociais e
culturais, que são individuais. Tais ações devem, ainda, fazer com que
a construção de conhecimentos se de forma recíproca entre
educandos e educadores, numa atuação mediadora entre alunos e
191
conteúdo, a fim de propiciar o diálogo e o compartilhamento de
saberes.
Assim, diante de indivíduos que procuram essa modalidade,
jovens e adultos amadurecidos e com vivência social consolidada,
cabe à EJA não apenas a função de ensinar, mas também a de formar
cidadãos conscientes e críticos, pois os sujeitos atendidos, em sua
maioria, advêm de classes populares e vulneráveis do ponto de vista
socioeconômico. Dessa forma, a formação de profissionais para atuar
na EJA torna-se um campo de investigação urgente e necessário.
Perfil dos estudantes da educação de jovens e adultos:
quem são esses cidadãos?
Se, por um lado, a Educação de Jovens e Adultos apresenta
descontinuidades, desencontros e incertezas, com campanhas
desconexas que perduram desde o descobrimento do Brasil, um ponto
é considerado comum: os cidadãos que compõem os estudantes desta
faixa educacional são, segundo Arroyo (2018), os que apresentavam
esse particular perfil em todas essas campanhas, e o continuam
mantendo. Prossegue o autor:
Desde que a EJA é EJA, esses jovens e adultos são os mesmos:
pobres, desempregados, na economia informal, negros, nos
limites da sobrevivência. São jovens e adultos populares.
Fazem parte dos mesmos coletivos sociais, raciais, étnicos,
culturais. O nome genérico - educação de jovens e adultos -
oculta essa identidade coletiva (2018, p. 19).
192
Segundo Dias et al. (2005, p. 50), [...] cabe destacar que os
sujeitos aos quais se destinam o fazer pedagógico da EJA m outras
especificidades que ultrapassam a condição de não criança, baixa
escolaridade e integrante das camadas populares”. Assim, torna-se nítido
que esses alunos vivenciam uma trajetória de vida que se constitui
numa questão complexa.
Por serem jovens e adultos à procura de trabalho ou de uma
oportunidade de ascensão, ou que estão nele inseridos, precisam
apenas da certificação geralmente exigida nas empresas.
Outro fator, que é importante mencionar no contexto geral,
é a experiência que esses cidadãos possuem, conforme mencionado
nos Cadernos da EJA, do MEC:
Os alunos e alunas da EJA trazem consigo uma visão de
mundo influenciada por seus traços culturais de origem e por
sua vivência social, familiar e profissional. Podemos dizer
que eles trazem uma noção de mundo relacionada ao ver e
ao fazer, uma visão de mundo apoiada numa adesão
espontânea e imediata às coisas que veem. Ao escolher o
caminho da escola, a interrogação passa a acompanhar o ver
desse aluno, deixando-o preparado para olhar. Aberto à
aprendizagem, eles vêm para a sala de aula com um olhar que
é, por outro lado, um olhar receptivo, sensível, e por outro,
é um olhar ativo: olhar curioso, explorador, olhar que
investiga, olhar que pensa (BRASIL/MEC, 2006, p. 5).
Neste sentido, é importante a percepção de que esses
indivíduos fazem parte de um coletivo social. Eles exercem
atividades formais ou informais, em casa ou no comércio; portanto,
193
eles possuem uma experiência de vida consolidada. Têm suas
identidades, cultura, histórias e saberes. Assim, não são pessoas a
serem redimidas pela educação escolar. São indivíduos detentores de
grande conhecimento de vida. Como afirmam Dias et al. (2005, p.
65), os sujeitos da EJA “são atores sociais que, enquanto membros de
uma sociedade, vivenciam tal experiência ativamente, ou seja, são
pessoas que ajudam a construir, cotidianamente, a história da
sociedade em que vivem”. Levando em consideração estes aspectos,
Arroyo (2005) afirma que “não é qualquer jovem e qualquer adulto.
São jovens e adultos com rostos, com histórias, com cor, como
trajetórias sócio-étnico-raciais, do campo, da periferia”. Então, para o
autor, o nome Educação de Jovens e Adultos oculta identidades
coletivas de negação de direitos, exclusão e marginalização, Por isso,
cabe à EJA se consolidar como política afirmativa de direitos coletivos
sociais, historicamente negados. É de suma importância reconhecer o
educando jovem/adulto como um sujeito de direito e direcionar o
olhar para os assuntos adequados a esta etapa da vida, enxergando
além do espaço escolar e englobando outros aspectos, como família,
trabalho e lazer.
Dessa forma, ao direcionarmos o olhar a essas especificidades
dos indivíduos da EJA, pelo reconhecimento de suas necessidades
como sujeitos de direito, percebemos o quanto é essencial que a
prática pedagógica seja conduzida no sentido de mostrar uma direção
ao sujeito, com foco em fornecer condições para seu pleno
desenvolvimento. Para tanto, são necessários profissionais capacitados
para atenderem a essa clientela, o que implica também saber, na
prática, atender às suas necessidades tanto cognitivas, quanto de vida.
194
Formação de professores:
desafios para atuar na educação de jovens e adultos
Ao abordarmos as especificidades dos educandos que buscam
a modalidade da EJA para concluir seus estudos, assim como ao
mencionar a necessidade formativa desses sujeitos não apenas como
alunos concluintes, mas como sujeitos críticos e humanizados,
levantamos a necessidade formativa do docente que atenderá a esses
indivíduos.
Para que essa educação libertadora, humanizadora e crítica
seja efetivada, o educador Freire (2018) sistematizou a discussão
acerca da importância do respeito às experiências e aos saberes
culturais dos alunos. Os “saberes nascidos de seus afazeres” devem ser
valorizados e serem o ponto de partida para a prática pedagógica. É
com base nesse diálogo entre o conhecimento de mundo e as
informações propostas pelo professor que os alunos vão refletir e, a
partir desta reflexão, construir o seu conhecimento escolar. A postura
adotada pelo referido estudioso, ao falar sobre a necessidade desse
diálogo, é bastante enfática, pois, segundo sua concepção, esta é uma
relação necessária para que haja uma reflexão crítica acerca da
realidade e do mundo, e d a transformação daquela. “Não palavra
verdadeira que não seja práxis. Daí, que dizer a palavra verdadeira seja
transformar o mundo (FREIRE, 2018, p. 44).
Esta proposta, pela qual o aluno é levado a assumir uma
postura crítica e ativa em relação ao seu aprendizado e também a ser
responsável pela construção de seu conhecimento, requer do
educador uma postura de sujeito democrático, que é a de um
mediador pronto a dialogar com o educando, tendo em vista uma
195
educação libertadora. O professor deve ser o guia solidário que
desperta no educando tanto a capacidade quanto a vontade de
aprender.
Contudo, Freire (2006) reitera que o papel do professor não
deve ser negado. Com isto, ele afirma ser necessária uma posição não
autoritária do educador.
Ademais, o lugar que ocupa de mediador dialógico - de quem
aprende e constrói o conhecimento junto com os alunos - não
significa necessariamente um professor cuja opinião seja vulnerável,
ou que não tenha conhecimento suficiente.
É justamente o contrário. Para que o professor tenha
segurança ao assumir esta postura diante de seus alunos, ele precisa
conhecer. Sua autoridade provém do conhecimento que se renova a
cada vez que o saber adquirido não responde mais às novas perguntas.
Segundo Giroux (2012), a educação é, em si, uma prática
política que se mostra imbuída de significação para ambas as partes -
professor e aluno. Logo, a visão freireana de educação como prática
libertadora deve considerar o aprendizado e as intenções de seu uso,
tanto pelo professor quanto pelo aluno, pois a noção de empodera-
mento do indivíduo se vale dessas ações, que a educação “[...] é
sinal da libertação e da transformação destinadas a desativar a voz
colonial e, em seguida, a desenvolver a voz coletiva do sofrimento e
da afirmação silenciada sob o terror e a brutalidade de regimes
despóticos (GIROUX, 2012, p. 8)”.
Assim, percebemos a importância do papel da educação como
meio pelo qual o sujeito pode vir a se tornar um ser consciente e livre.
Ora, essa condição é alcançada no momento em que se estabelecem
relações com outros indivíduos para, então, haver uma reflexão crítica
196
e coletiva acerca de sua condição. Dessa forma, o espaço escolar na
EJA precisa ser configurado de maneira que proporcione diálogos por
meio dos quais esses sujeitos possam refletir sobre sua realidade e
tornar-se capazes de expressar suas necessidades, tomar suas decisões
e atuar política e socialmente, com o fim de alcançar sua libertação.
Nessa perspectiva, é necessário que o professor seja visto como
um intelectual transformador, como, mais uma vez, sugere Giroux
(1997), e não como mero transmissor de conteúdos. Ao se colocar
nessa condição, o professor assume uma criticidade acerca de seu
papel e de sua profissão, em vez de estabelecer com seu aluno uma
relação sem diálogo, ou simplesmente bancária, como ensina Freire
(2018).
Assim, em relação à atuação do professor que atua na EJA,
muitos são os desafios que tornam a prática de ensinar cada vez mais
complexa, pois a formação acadêmica do professor é uma formação
que não se norteia pelo sentido de mostrar aos sujeitos que ali
frequentam suas especificidades e necessidades.
Para Arroyo, [...] “os educadores e educadoras da EJA ainda
não apresentam um perfil de formação específico; isso, devido ao [...]
caráter universalista, generalista dos modelos de formação de
educadores e esse caráter histórico desfigurado dessa EJA” (2006,
p.18).
Para este autor, a EJA, por muito tempo, esteve às margens da
educação e com isso a formação de professores seguiu o mesmo
caminho.
É importante, contudo, salientar a inexistência de uma
formação específica, e obrigatória, no âmbito da formação inicial da
graduação para formar o educador de jovens e adultos, ficando tal
197
formação, na maior parte das vezes, ao encargo da formação
continuada de professores e profissionais em EJA, tendo como
referência as Diretrizes Nacionais para o Ensino Fundamental e o
Ensino Médio e as Diretrizes Curriculares Nacionais para a formação
de professores (DCNs).
Porcaro (2011) igualmente afirma que um grande número de
educadores dessa modalidade de ensino não possui uma formação
específica, por duas razões principais. Primeiro, porque a maioria dos
professores apresenta licenciaturas cujos cursos acabam por não
contemplar a EJA como um de seus focos; a outra razão se deve à
baixa oferta de cursos/disciplinas voltados especificamente à formação
inicial do educador de jovens e adultos. Desse modo, tal formação
ainda se configura particularmente pelas e nas experiências no
trabalho, confrontadas com pressupostos teóricos que poderão
contribuir com as demandas do cotidiano e da prática social. Gatti
remete ao fato de que:
[...] concretamente, ampliou-se o entendimento sobre a
educação continuada, com esta abrangendo muitas
iniciativas que, na verdade, são de suprimento a uma
formação precária pré-serviço e nem sempre são
propriamente de aprofundamento ou ampliação de
conhecimentos. Isso responde a uma situação particular
nossa, pela precariedade em que se encontram os cursos de
formação de professores em nível de graduação. Assim,
problemas concretos das redes inspiraram iniciativas
chamadas de educação continuada (GATTI, 2008, p. 58).
198
Tal realidade revela a grande necessidade de que o professor
da modalidade não como pronta sua formação e que também
perceba a importância de que o ponto de partida para suas práticas
pedagógicas sejam as vivências dos sujeitos, pois uma das necessidades
de formação desse docente de jovens e adultos é a de conhecer as
especificidades do que seja ser um jovem e do que seja ser um adulto
que retorna às salas de aula.
Por isso, é indispensável que se entenda que a EJA é uma
modalidade que visa a garantir o acesso à educação aos que trilharam
um caminho de evasão da sala de aula em prol do trabalho.
Infelizmente, muitos projetos e programas não condiziam
com a realidade da modalidade e dos interesses daqueles aos quais
foram negados seus direitos educacionais. A EJA é uma dívida que
precisa ser reconhecida, pois, conforme o Parecer CNE/CEB n. 11,
de 10 de maio de 2000, feito pelo relator conselheiro Carlos Roberto
Jamil Cury:
[…] a Educação de Jovens e Adultos (EJA) representa uma
dívida social não reparada para com os que não tiveram
acesso a e nem domínio da escrita e leitura como bens
sociais, na escola ou fora dela, e tenham sido a força de
trabalho empregada na constituição de riquezas e na
elevação de obras públicas. Ser privado deste acesso é, de
fato, a perda de um instrumento imprescindível para uma
presença significativa na convivência social contemporânea
(BRASIL, 2000, p. 05).
Essa dívida não pode ser sanada sem um entendimento
profundo, primeiramente, do que é a EJA, e, segundo, do que ela
199
representa. Soares e col (2018) observam que “a Educação de Jovens
e Adultos (EJA) é um campo carregado de complexidades que carece
de definições e posicionamentos claros”. Dessa forma, não podemos
resolver os problemas de formação de professores da EJA a partir de
uma prática pedagógica que não condiga/seja coerente com a
realidade dos jovens e adultos.
Arroyo (2006) afirma haver uma tradição lamentável que não
respeita as habilidades e competências dos professores, ou as
especificidades requeridas pelo segmento educativo da EJA. A
organização das formações continuadas também não são valorizadas
de acordo com a necessidade de cada modalidade:
[…] aproveitar os professores de 1ª a 4ª, e de a dando
a eles certa “reciclagem” para que, em vez de falarem
criança ou menino, falarem jovem ou adulto, e talvez
resolvamos esse problema. Percebo que essa tendência es
lamentavelmente configurando-se em muitas administra-
ções municipais e estaduais. Dessa forma, sinceramente,
não tem muito sentido esse tema, aproveitemos o que
está e continuemos formando o que es sendo formado:
um professor generalista que poderá dar aula no diurno, a
crianças e adolescentes, e no noturno, a jovens e adultos
(ARROYO, 2006, p. 21-22).
Com a ausência de uma formação inicial para atuar com os
jovens e adultos, torna-se necessário que os docentes designados para
atuar nessa modalidade busquem uma adequada formação
continuada.
200
Essa prática, porém, não se deve limitar a um professor; pelo
contrário, faz-se necessário o apoio e o envolvimento de toda a
unidade escolar; caso contrário, estará fadada ao fracasso. Também
não se deve pensar em uma formação sem reflexão e mudança. É
necessário repensar as suas próprias práticas. Como bem ensina
Canário (1988), não é “possível pensar a ação da escola e dos
professores em termos novos mantendo os mesmos referentes no que
diz respeito às concepções e práticas de formação de professores”.
Importância da formação continuada para a formação
do professor da EJA
Conforme pontua Santos, a formação continuada pode ser
definida como[...] um espaço-tempo problematizador” (2011, p. 98),
dentro de um contexto no qual os sujeitos envolvidos são provocados
a fazerem reflexões acerca de suas práticas, [...] no sentido de buscar
ampliar e ressignificar o ensinar e o aprender em sala de aula e em outros
espaços educativos” (2011, p. 98).
A partir dessa perspectiva, o autor concorda com o que
afirmam Oliveira, Weschenfelder e Santos ao pontuarem que:
Essa é uma formão que não cessa no [...] ato de organizar,
sistematizar conhecimentos a serem construídos em
conjunto com educandos(as), ou seja, não pode significar
meramente a organização didático-pedagógica de saberes.
[...] precisamos constituir processos de formação
continuada investigando, analisando, compreendendo o
que, como, por que, para quê, a favor de quem, contra
quem estamos fazendo, pensando, construindo o que fazer
201
pedagógico. Esta prática requer, assim, a tessitura de novos
fios e redes teórico-metodológicas, de novos olhares
crítico-reflexivos acerca do que produzimos no contexto
concreto de vivência da práxis pedagógica (DIAS, 2005, p.
52).
Assim, a formação continuada é um processo que visa trazer
resultados significativos aos processos didáticos e também contribuir
para um desenvolvimento profissional coerente com a prática e que,
além disso, aborde as necessidades da instituição. Como coloca
Nóvoa, “a formação contínua deve contribuir para a mudança
educacional e para a redefinição da profissão” (2002, p. 38).
Dessa forma, ao se trazer para as discussões o processo de
formação contínua de professores, estão sendo pensados também os
processos que buscam dar autonomia aos docentes em seu
desenvolvimento profissional, assim como o de desenvolver ações
para uma prática pedagógica significativa.
Segundo Nóvoa, nas discussões dentro de um processo de
formação:
Os professores confrontam-se, com a necessidade de
reconstruir a identidade profissional, a partir de uma
interrogação sobre os saberes de que são portadores e sobre
a definição autônoma de normas e de valores. A formação
contínua pode desempenhar um papel decisivo nesse
processo de produção de uma nova profissionalidade
docente (NÓVOA, 2002, p. 51).
202
Para que a formação continuada, porém, seja efetiva, é
necessário um trabalho coletivo a partir do qual se possa fazer uma
análise das ações planejadas. Uma sugestão adequada de ação é
mencionada por Imbernón (2016), quando afirma que essa formação
deve ser baseada em um modelo investigativo a partir do qual os
docentes devem elaborar os próprios resultados ao relacioná-los com
as situações problemáticas práticas com as quais se deparam.
Em relação à formação continuada para o professor da EJA,
esta é mencionada na Resolução CNE/CEB 1/2000;
Art. 17 – A formação inicial e continuada de profissionais
para a Educação de Jovens e Adultos terá como referência
as diretrizes curriculares nacionais para o ensino
fundamental e para o ensino médio e as diretrizes
curriculares nacionais para a formação de professores,
apoiada em:
I ambiente institucional com organização adequada à
proposta pedagógica;
II investigação dos problemas desta modalidade de
educação, buscando oferecer soluções teoricamente
fundamentadas e socialmente contextuadas;
III desenvolvimento de práticas educativas que
correlacionem teoria e prática;
IV utilização de todos e técnicas que contemplem
digos e linguagens apropriados às situações específicas de
aprendizagem. (BRASIL, 2000b).
Dessa forma é reiterada a importância de uma formação
também do docente da EJA, que deve ser compreendida como espaço
203
de reflexão entre o que é feito, em como é feito e o que poderá ser
realizado de forma melhor.
Para Nóvoa:
A formação de professores não se constrói por acumulação
(de cursos, de conhecimentos ou de técnicas), mas, sim,
através de um trabalho de reflexividade crítica sobre as
práticas de re(construção) permanente de uma identidade
pessoal. Por isso é tão importante investir na pessoa e dar
um estatuto ao saber da experiência. (1995 p. 25).
A partir do conhecimento e das vivências do docente com as
especificidades dos sujeitos que estão nas salas de aula e das
especificidades da instituição, o professor deve vivenciar a troca de
experiências com seus pares e o planejamento de ações de mediação
do conhecimento. No processo de formação se vivenciam e se trocam
experiências que vão colaborar para a mediação do docente na
educação, como enfatiza FREIRE:
Não posso entender os homens e as mulheres, a não ser
mais do que simplesmente vivendo, histórica, cultural e
socialmente existindo como seres fazedores dos seu
caminho que, ao fazê-lo, se expõem ou se entregam aos
´caminhos` que estão fazendo e que assim os refazem
também (FREIRE, 1992, p. 97).
O campo da EJA, como mencionado, é repleto de
especificidades que o diferenciam do ensino regular. Neste sentido, é
basilar que o processo de formação continuada do educador de jovens
204
e adultos seja pautado por uma perspectiva crítico-reflexiva. Deve-se
buscar a prática de uma educação contextualizada que envolva os
diferentes espaços da seara da modalidade, bem como entender que a
prática de ensino é uma ação política que acompanha a prática
pedagógica do professor.
Giovanetti (2005, p. 243) pontua duas dimensões da atuação
profissional do educador que atua na EJA: “a dimensão prática (o
fazer, a intervenção profissional em si) e a dimensão teórica (o pensar,
a reflexão sobre a prática e a partir dela)”. A autora afirma ainda que,
além das duas dimensões referidas, um “terceiro elemento que se
faz presente na práxis profissional: a explicitação da intencionalidade
que orienta ambas” (GIOVANETTI, 2005, p. 243). Neste sentido, a
formação docente torna-se significativa a partir do momento em que
contribui para ressignificar sua identidade profissional.
A respeito dessa prática formativa contextualizada e
significativa, Imbernón afirma:
A formação terá como base uma reflexão dos sujeitos sobre
sua prática docente, de modo a permitir que examinem
suas teorias implícitas, seus esquemas de funcionamento,
suas atitudes etc., realizando um processo constante de
auto-avaliação que oriente seu trabalho. A orientação para
esse processo de reflexão exige uma proposta crítica da
intervenção educativa, uma análise da prática do ponto de
vista dos pressupostos ideológicos e comportamentais
subjacentes (IMBERNÓN, 2001 p. 48-49).
Neste sentido, torna-se irrefutável que ser um docente que
atua no campo de EJA implica ter disposição para refletir e fazer[...]
205
aproximações que passeiam entre os saberes legitimados no campo das
ciências e saberes experienciados e legitimados no reencontro com o espaço
escolar(AMORIM; DUQUES, 2007, p. 233).
Desse modo, envolver-se nos processos de formação implica a
contribuição de todos, de forma igual e cooperativa, de maneira que
todos possam ajudar a construir coletivamente o consenso quanto a
um plano de ão coletiva. Assim, compreender a formação como um
instrumento de intervenção real para transformação na direção de
uma sociedade mais democrática, humana, justa e solidária remonta
à ideia de participação.
Considerações Finais
A formação continuada, que envolve o docente que atua na
EJA, pode ser definida como um meio de resgatar a figura do
educador, tão carente do reconhecimento das especificidades de seu
campo de atuação. Afinal: “Ninguém nasce educador ou marcado
para ser educador. A gente se faz educador, a gente se forma, como
educador, permanentemente, na prática e na reflexão da prática”
(FREIRE, 1991, p. 58).
Para um preparo efetivo desses professores, contudo, é preciso
que essa formação seja tomada a partir do campo da prática desses
docentes e integre os conhecimentos necessários, as reflexões e as
especificidades selecionadas como importantes para a modalidade e
para planejar as mediações didáticas necessárias.
A realização deste trabalho permitiu mais uma oportunidade
de se reiterar tanto as dificuldades e a ausência de formação específica
para os professores que atuam na modalidade da EJA, como reafirmar
sua necessidade, além da imprescindibilidade de uma formação
206
continuada que, além de permitir a reflexão acerca da prática docente
e das singularidades da modalidade, também proporcionem o
planejamento de ações voltadas ao seu atendimento.
Não menos importante é evidenciar que a formação do
educador da Educação de Jovens e Adultos requer, no âmbito da
implementação das políticas públicas, mais seriedade quanto às
especificidades educativas inerentes aos educandos, pois, de acordo
com Soares (2006), e também apontado no corpo deste texto, a
pouca atenção às especificidades da EJA nos processos de formação
conduz à desqualificação profissional, levando professores do ensino
regular a atuar na EJA, o que compromete o trabalho e ‘despoten-
cializa’ os educandos em suas possibilidades de aprendizagem.
Assim, pensar na formação do professor da Educação de
Jovens e Adultos é pensar em seu sujeito-aluno, como bem colocado
por Leôncio Soares:
Os jovens e adultos populares não são acidentados
ocasionais que, ou gratuitamente, abandonaram a escola.
Esses jovens e adultos repetem histórias longas de negação
de direitos, histórias coletivas. As mesmas de seus pais,
avós, de sua raça, gênero, etnia e classe social. Quando se
perde essa identidade coletiva racial, social, popular dessas
trajetórias humanas e escolares, perde-se a identidade da
EJA e passa a ser encarada como mera oferta individual de
oportunidades pessoais perdidas (SOARES et al., 2005, p.
30).
207
As dificuldades e desafios sempre foram e continuam
presentes na Educação de Jovens e Adultos. A própria negligência
sobre como atuar com esses sujeitos pela formação adequada dos
docentes é como não aceitar suas histórias de vida, suas ricas
experiências, a bagagem que carregam. Portanto, a formação a partir
de dentro da escola, comprometendo os envolvidos, é uma
possibilidade que precisa ser refletida, pensada e anunciada.
Referências
ARROYO. M. G. Educação de jovens-adultos: um campo de direitos e de
responsabilidade blica. In: SOARES, Leôncio; GIOVANETTI, Maria
Amélia G. C.; GOMES, Nilma Lino (orgs.). Diálogos na educação de
jovens e adultos. Belo Horizonte: Autêntica, 2005. p. 19-50.
ARROYO, M. G. Formar educadores e educadoras de jovens e adultos.
In: SOARES, Leôncio. Formação de educadores de jovens e adultos. Belo
Horizonte: Autêntica, 2006. p. 17-32. Disponível em:
http://unesdoc.unesco.org/images/0014/001493/149314porb.pdf.
Acesso em: 11 mai. 2022.
AMORIM, A.; DUQUES, M. L. F. Formação de educadores de EJA:
caminhos inovadores da prática docente. Educação, 40(2), 2017. p. 228-
239. https://doi.org/10.15448/1981-2582.2017.2.22483
BOAVENTURA, E. M. Metodologia da pesquisa: monografia,
dissertação, tese. São Paulo: Atlas, 2007.
208
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Continuada,
Alfabetização e Diversidade. Cadernos da EJA. Trabalhando com a
educação de jovens e adultos. Alunas e alunos da EJA. Brasília: MEC-
Secad, 2006.
BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da Reblica Federativa do
Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidente da República, [2022]. Disponível
em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm.
Acesso em: 12 mai. 2022.
BRASIL. Conselho Nacional de Educação. Resolução CNE/CEB
1/2000. Estabelece as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação e
Jovens e Adultos. Brasília, 2000. Disponível em:
http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/CEB012000.pdf. . Acesso em:
12 mai. 2022.
BRASIL. Conselho Nacional de Educação. Parecer CNE/CEB
11/2000. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação de Jovens e
Adultos. Brasília, 2000b. Disponível em:
http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/PCB11_2000.pdf. Acesso em:
12 mai. 2022.
BRASIL. Conselho Nacional de Educação. Parecer CNE/CEB
04/1998. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação de Jovens e
Adultos. Disponível em: https://www.gov.br/mec/pt-
br/media/seb/pdf/d_c_n_educacao_basica_nova.pdf.
Acesso em: 12 mai. 2022.
209
BRASIL. Conselho Nacional de Educação. Parecer CNE/CEB
15/1998. Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio.
Disponível em: http://portal.mec.gov.br/programa-curriculo-em-
movimento-sp-1312968422/legislacao
Acesso em: 12 mai. 2022.
BRASIL. Conselho Nacional de Educação. Parecer CNE/CEB
16/1999. Trata das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação
Profissional de Nível Técnico. Disponível em:
http://portal.mec.gov.br/setec/arquivos/pdf_legislacao/tecnico/legisla_tecn
ico_parecer1699.pdf. Acesso em: 12 mai. 2022.
BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, LDB.
9394/1996. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm Acesso em 12 mai.
2022.
BRASIL. Ministério da Educação e Cultura. Lei 5.379 de 15/12/1967.
Pre sobre a alfabetização funcional e a educação continuada de
adolescentes e adultos. Brasília, DF: Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/1950-1969/l5379.htm
Acessado em 12 mai 2022.
CAMARGO JÚNIOR, B. S. A configuração do direito de aprender de
pessoas jovens e adultas no Brasil: uma análise no período de 2001 a
2015 em âmbito nacional. 2017. Dissertação (Mestrado em Educação) -
Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia - UESB.
CANÁRIO, R. A escola: o lugar onde os professores aprendem. Revista de
Psicologia da Educação. PUC- São Paulo, n.6, p. 9-27, 1988.
210
COUTO, M. No Brasil um problema nacional: a educação do
povo. Rio de Janeiro: Typ. Jornal do Comércio, p. 190, 1933.
DIAS, F. V. et al. Sujeitos de mudanças e mudanças de sujeitos: as
especificidades do público da educação de jovens e adultos. In: SOARES,
L. (Org.). Aprendendo com a diferença: estudos e pesquisas em educação
de jovens e adultos. Belo Horizonte: Autêntica, 2005. p. 49-82.
FREIRE, P. A Educação na Cidade. São Paulo: Cortez, 1991
FREIRE, P. Pedagogia da esperança: um reencontro com a Pedagogia do
oprimido. São Paulo: Paz e Terra, 1992
FREIRE, P.; SHOR, I. Medo e Ousadia, O cotidiano do Professor. São
Paulo: Paz e Terra, 2006.
FREIRE, P. Pedagogia do Oprimido. São Paulo: Cortez, 1987.
FREIRE, P. Pedagogia da Autonomia. São Paulo: Paz e Terra, 2018.
GARCIA, M. C. Estrutura conceptual da formação de professores. In:
Formação de Professores. Para uma mudança educativa. Porto: Porto Ed.
1999.
GATTI, B. Análise das políticas públicas para formão continuada no
Brasil, na última década. Revista Brasileira de Educação. Jan / Abr. 2008,
p 58.
211
GIOVANETTI. M. A.G.C. A formação de educadores de EJA: o legado
da educação popular. In: SOARES, L., GIOVANETTI, M.A.G. C.,
GOMES, N.L. (Org.). Diálogos na Educação de Jovens e Adultos. Belo
Horizonte: Autêntica, 2005, p.243-254.
GIROUX, H. A. Professores como Intelectuais Transformadores. In:
GIROUX, Henry A. Os professores como intelectuais: rumo a uma
pedagogia crítica da aprendizagem. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997,
157-164.
GIROUX, H. Alfabetização e a Pedagogia do Empowerment Político. In:
FREIRE, P., MACEDO, D. Alfabetização: leitura do mundo leitura da
palavra. São Paulo, Paz e Terra, 2012, p 1-27.
HADDAD, S.; DI PIERRO, M.C. Diretrizes de Política Nacional de
Educação de Jovens e Adultos: consolidação de Documentos 1985/94.
São Paulo, ago. 1994.
HADDAD, S.; DI PIERRO, M. C. Escolarização de jovens e adultos.
Revista Brasileira de Educação, São Paulo, v. n. 14, mai./ago. 2000. p.
108-130.
IMBERNÓN, F. Formação docente e profissional: formar-se para a
mudança e a incerteza. São Paulo: Cortez, 2001, p.48-49.
IMBERNÓN, F. A formão a partir de dentro. O que é formação em
escolas e não nas escolas? In: IMBERNÓN, F. Qualidade do ensino e
formação. Uma mudança necessária. São Paulo: Cortez, Ed., 2016.
Cap.9.
212
MARTINS, A. T. de O.; AGLIARDI, D. A. A Legislação de Educação de
Jovens e Adultos a partir da Constituição Federal de 1988. 2013.
Disponível em:
http://ucsobservatorios.com.br/uploads/2013/Politicas_de_EJA/Trabalho/
07_05_50_A_LEGISLACAO_DE_EDUCACAO_DE_JOVENS_E_A.p
df. Acesso em: 11 mai. 2022.
NÓVOA, A. Os professores e a sua formação. Lisboa: Publicações Dom
Quixote, 1995.
NÓVOA, A. Formação de professores e trabalho pedagógico. Lisboa:
Educa, 2002.
PAIVA, V. P. Educação Popular e Educação de Adultos. São Paulo,
Loyola, 1987.
PAIVA, V. P. Educação popular e educação de adultos. 4. ed. São Paulo.
Loyola, 1987, p. 293.
PAULA, C. R. de; OLIVEIRA, M. C. de. Educação de jovens e adultos
ao longo da vida. Curitiba: IBPEX, 2011. P 18-19.
IBGE. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua
(PNADC) 2019. Disponível em:
https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101736_informativo.p
df . Acesso em: 15 mai. 2022.
PORCARO, R. C. Os desafios enfrentados pelo educador de jovens e
adultos no desenvolvimento de seu trabalho docente. ECCCOS. Revista
Científica. V. 25, jan./jun. 2011: p. 39-57.
213
ROMÃO, J. E. & GADOTTI, M.. Educação de adultos: cenários,
perspectivas e formação de educadores. Brasília: Liber/IPF, 2007.
SANTOS, J. J. R. Saberes necessários para a docência na educação de
jovens e adultos, 2011. 188f. Tese Doutorado. Universidade Federal do
Rio Grande do Norte. Programa de Pós-graduação em Educação, Natal,
2011.
SOARES, L. J. G. (org.). Formação de educadores de jovens e adultos.
Belo Horizonte: Autêntica/SECAD-MEC/UNESCO, 2006.
SOARES, L.; GIOVANETTI, M. A. G. C.; GOMES, N. L. (orgs.).
Diálogos na educação de jovens e adultos. Belo Horizonte: Autêntica,
2018.
WESCHENFELDER, M. H. A matematização na educação de pessoas
jovens, adultas e idosas. Passo Fundo: UFP, 2003.
214
215
A Pesquisa na Formação Inicial do Professor:
possibilidades de diálogos com a
Educação de Jovens e Adultos
Fábio Borges dos Santos
1
Manuela Cristina Torcia Moreti
2
Introdução
Como justificativa de nosso tema de estudo, se faz necessário
considerar nos aspectos tangentes à formação inicial do professor,
comuns para qualquer modalidade de ensino que este profissional irá
trilhar depois de egresso, um recorrente questionamento acerca dos
currículos e projetos políticos pedagógicos de universidades tanto a
nível de graduação como pós-graduação, que formam professores
pesquisadores. Bem como apresentamos como objetivo geral a
necessidade de compreender em qual medida a pesquisa e as
atividades de pesquisa, apontadas por aparatos legais como
exigências curriculares nas Instituições de Ensino Superior (IES) de
1 Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Educação da UNESP, Câmpus
de Marília. Diretor da EMEF Prof. Antônio Ribeiro, Secretaria Municipal de
Educação, Marília, SP.
2 Mestranda do Programa de s-Graduação em Educação da UNESP, Câmpus
de Marília. Professora da Rede Municipal de Ensino de Marília e da Rede Particular
de Ensino de Marília.
https://doi.org/10.36311/2023.978-65-5954-389-2.p215-234
216
formação de professores acontecem de maneira positiva, e por
conseguinte, de que maneira e em quais aspectos a Educação para
Jovens e Adultos corrobora neste processo formador do professor.
Entendemos que, na medida em que se almeja uma melhora
significativa na atuação inicial do professor no chão da escola, quer
seja atuação em qualquer modalidade de ensino, existe uma
necessidade de convergir nosso olhar para a pesquisa como elemento
de formação inicial do professor, na medida em que a entendemos
como fator preponderante para a superação da dicotomia teoria-
prática existente na maioria das Instituições de Ensino Superior, as
IES, e que vai ser refletida na atuação desse profissional. Buscaremos
então levantar possibilidades de respostas a alguns objetivos
específicos norteadores da pesquisa bibliográfica realizada, a saber: a
Educação de Jovens e Adultos e suas especificidades contribuem em
que medida nesse processo de formação inicial? Qual o papel do
professor nessa modalidade de ensino, e como isso perpassa os limites
impostos para a EJA e alcança positivamente todas as esferas da
profissão docente?
Acreditamos que perceber o lugar da pesquisa na formação
inicial do professor, bem como percebe-la como possibilidades de
superação do distanciamento entre educando e educador, conferindo
caráter humanizado e emancipatório à educação pode se constituir
como um caminho para um avanço na qualidade da formação inicial
do professor em todas as modalidades de ensino, perpassando a
Educação de Jovens e Adultos e estendendo-se à construção de uma
práxis docente significativa às etapas e modalidades de ensino.
Possibilitando suscitar interfaces e reflexões sobre teoria e
prática, pesquisa e reflexão, formação inicial e humanização do
217
processo educativo, emergem os apontamentos que destacamos em
nosso trabalho, alicerçados na reflexão de que é preciso sempre
compreender as muitas variáveis que atuam em uma situação de
ensino aprendizagem, refletidas na modalidade de Educação para
Jovens e Adultos, bem como um todo nos processos educativos.
Metodologia
Com o grande desafio de estabelecer reflexões e relações
necessárias entre a EJA, a formação inicial do professor e a pesquisa,
este capítulo de livro fundamenta-se numa revisão bibliográfica e
documental acerca do tema proposto, dedicando-se à escolha de
autores considerados relevantes no campo da educação de jovens e
adultos, como também da formação inicial do professor.
Desse modo, por meio da escolha de um referencial teórico
relevante em suas contribuições, para o estudo da Educação de Jovens
e Adultos e a formação inicial dos professores, bem como a interface
com a pesquisa, buscamos um caminho metodológico que
proporcionasse apontamentos iniciais sobre o tema, bem como
emergência de reflexões. Nesse cenário, fizeram-se relevantes as
perspectivas de Freire (1996, 2007) e de Arroyo (2001) para discussão
sobre a EJA, e Morin (2000), Penitente (2018) e Ghedin (2015), para
refletirmos sobre o papel da pesquisa na formação do professor, a fim
de suscitar como isso reflete em uma melhora na qualidade
profissional que atinge o interior da escola.
Fundamentamos nossa escolha também por apontar alguns
documentos importantes para a trajetória da Educação de Jovens e
Adultos bem como para a formação inicial do professor e sua relação
218
com a pesquisa na medida em que os documentos escritos
possibilitam a materialização dos objetivos de seus idealizadores
abrindo espaços para questionamentos e possibilidades de seus
sentidos e subjetivações.
Primeiramente, apontaremos a Constituição de 1988
(BRASIL, 1988) sob a qual versam todos os dizeres legais sobre a
educação e seus atores no Brasil.
Se faz importante considerar também em nosso trabalho, a
Lei nº. 9.394 de 20 de dezembro 1996 que trata das Diretrizes e Bases
da Educação Nacional (LDB) (BRASIL, 1996), bem como as
Diretrizes Curriculares para a Educação de Jovens e Adultos por meio
do Conselho Nacional de Educação (Brasil, 2002). E, na medida em
que lançamos nossos olhares para os cursos de graduação para
formação de professores, destacamos a Lei 12.796/13 que altera a
LDB nº. 9394/96 (BRASIL, 2013).
A partir das leituras suscitadas por esses documentos, bem
como da revisão bibliográfica, foi possível realizar questionamentos e
apontamentos quanto ao trabalho docente, os quais explicitaremos a
seguir.
Fundamentação teórica:
educação de jovens e adultos: apontamentos de uma construção
histórica pautada por política pública
A trajetória da Educação de Jovens e Adultos no Brasil se faz
marcada por políticas públicas e projetos de governo que circuncidam
a Constituição e as legislações estaduais e municipais. Nesse sentido,
o contexto histórico da Educação de Jovens e Adultos (EJA) no Brasil
traduz-se em uma forma de compreender e referenciar a representação
219
teórica de uma política pública educacional que busca alicerçar uma
efetiva mudança no cenário educacional do país dando oportunidade
a pessoas que não tiveram acesso à escolarização no momento
adequado.
Podemos dizer que essa modalidade de educação se iniciou
no período de colonização do Brasil, quando os jesuítas se dedicavam
a alfabetizar tanto as crianças indígenas como índios adultos, em um
movimento de propagação da católica portuguesa atrelado a um
trabalho educativo muitas vezes debaixo de uma concepção de
domesticação dos indígenas aqui encontrados.
No ano de 1934 com a criação do Plano Nacional de
Educação é que teve início a efetivação de políticas públicas para a
efetivação da educação de jovens e adultos, estabelecendo como dever
do Estado e constitucional a garantia do ensino primário de caráter
integral e gratuito inclusive para adultos (FRIEDRICH, 2010). na
década de 1960, dando continuidade à Campanha Nacional de
Erradicação do Analfabetismo, iniciou-se o Movimento da Educação
de Base (VIEIRA, 2004). Na sequência, em 1967, o governo militar
cria o Movimento Brasileiro de Alfabetização, o conhecido
MOBRAL, a fim de alfabetizar funcionalmente e promover uma
educação continuada (STRELHOW, 2010). Em 1971 foi criado pela
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (nº. 5.692/71)
(BRASIL, 1971) o ensino supletivo no Brasil, sendo que em meados
da década 1980 foi estabelecida a Fundação Nacional para Educação
de Jovens e Adultos (Fundação Educar) a qual era atrelada ao
Ministério da Educação. Em 1996, com a Lei n. 9.394 de 20 de
dezembro (BRASIL, 1996), a qual tratava das Diretrizes e Bases da
Educação Nacional (LDB), houve então a regularização da Educação
220
de Jovens e Adultos (EJA) como uma modalidade de ensino
“destinada àqueles que não tiveram acesso ou continuidade de estudos
nos ensinos fundamental e dio na idade própria”. (BRASIL,
1996).
Sendo assim configurada como modalidade de ensino, a EJA
emergiu como uma política de Estado, cabendo ao governo os
investimentos e incentivos para tanto. E, em 5 de julho de 2000, na
ausência de uma especificação pela LDB de normas complementares
para essa modalidade de ensino, o Conselho Nacional da Educação
estabeleceu a Resolução CNE/CEB 1, de 5 de julho de 2000
(BRASIL, 2002), com Diretrizes Curriculares para a Educação de
Jovens e Adultos que objetivaram garantir a efetivação da EJA. Nos
últimos anos, pesquisas do IBGE apontam dados alarmantes acerca
da analfabetização no Brasil, como por exemplo no ano de 2019 em
que foi constatado que 6,6% dos jovens e adultos, ou 11 milhões de
pessoas, acima de quinze anos, ainda se encontram analfabetos.
Autores como Soares e Pedroso (2016) apontam para uma
lacuna de estudos e pesquisas acerca, tanto das especificidades dessa
modalidade de ensino, como da formação do professor de EJA. Nesse
ponto, na medida em que voltamos nosso olhar para a docência, se
faz relevante refletir em uma formação inicial que considere as
singularidades de sua modalidade de ensino em totalidade, com uma
premissa de considerar eixo norteador de sua formação as
especificidades das leituras de mundo de seus educandos e a partir
disso, construir suas práticas com embasamentos teóricos
consistentes. Sobre isso, Paulo Freire (1989, p. 9) aponta que “A
leitura do mundo precede a leitura da palavra”. Aluno seja ele adulto
ou criança, esteja ele na modalidade EJA, no Ensino Fundamental ou
221
Médio, haja vista que todos possuem vivências e significações
culturais e sociais as quais não podem ser desconsideradas na trajetória
escolar, bem como em seu processo de ensinoaprendizagem.
Interfaces do trabalho docente:
o professor da educação de jovens e adultos
Refletir acerca do trabalho docente traduz-se quase que como
obrigatoriedade refletir também acerca das especificidades dessa
profissão. Tantos sujeitos envolvidos neste processo, que se inicia na
formação inicial docente e sem perspectiva de findar-se, na medida
em que educar é um construir e descontruir-se constante. Na
Educação de Jovens e Adultos essas especificidades e pluralidades de
sujeitos emergem de modo potencial, envolvendo concisamente o
papel do professor, sua formação inicial e sua perspectiva e concepção
de educação. Portanto, considerar a construção do professor e suas
especificidades abarca a necessidade de refletir e discutir algumas
concepções de ensino ligadas historicamente à Educação de Jovens e
Adultos (EJA), assim como refletir no que entendemos como
especificidades e singularidades desta importante modalidade de
ensino as quais convergem para nosso objetivo maior, ou seja, suscitar
questionamentos e possibilidades que a Educação de Jovens e Adultos
permite emergir na formação inicial e na atuação docente, e que
perpassam os limites pré-definidos.
Na perspectiva de Freire (1996, 1980, 2007) o ser humano é
um sujeito sociocultural interativo, criador de cultura, dotado de
conhecimentos e experiências adquiridas ao longo da vida a partir de
um meio social no qual está inserido. Esses conhecimentos se
modificam, a partir das suas necessidades, e se reorganizam constante-
222
mente a partir das interações vivenciadas no determinado tempo
histórico (VARGAS, GOMES, 2013).
Nesse sentido, refletindo acerca das contribuições de Freire
(1987) e sua concepção de construção do ser humano e de uma
educação pautada numa educação popular e libertadora, se faz
necessário perceber que emergem, em um movimento emancipatório
de educação, a criticidade e potenciais possibilidades de transfor-
mação não somente da sociedade, mas também do educando,
resultando em um processo de ensino e aprendizagem humanizado, e
para além disso, um processo de ensino e aprendizagem significativo.
Para tanto, Paulo Freire (1987) mostrava-se defensor dos temas
geradores nos processos de ensino aprendizagem, os quais atuavam
como interfaces entre as experiências cientificas e as experiências
cotidianas, trazendo significação e diálogo da práxis pedagógica do
docente com a vida dos alunos na medida em que ao docente cabe o
papel de condutor dos processos de aprendizagem permeados pela
realidade dos alunos e, simultaneamente, atrelar essa realidade às
demandas científicas e curriculares ofertando uma formação integral
e emancipatória. (FREIRE, 1987).
Embora sujeitos inconclusos e cientes da sua inconclusão,
estão num processo de desenvolvimento e aprendizagem, seja na
educação formal ou pela vivência nos diferentes espaços sociais, o que
corrobora para a construção de diferentes representações, na
internalização dos diferentes papéis sociais, e principalmente, no seu
autorreconhecimento como ser humano, o que Freire chama de
objeto de consciência.
A conscientização implica, pois, que ultrapassemos a esfera
espontânea de apreensão da realidade, para chegarmos a uma esfera
223
crítica na qual a realidade se como objeto cognoscível e na qual o
homem assume uma posição epistemológica. (FREIRE, 1980, p. 26).
Nesse tocante, Freire (1987) sustenta suas ideias a partir da crítica ao
ensino tradicional, as quais não se limitam ao ensino para os jovens e
analfabetos marginalizados.
Considerando o ensino tradicional como aquele que surge, ou
melhor, se desenvolve, em uma tentativa homogeneizante da
estrutura social, emerge um aspecto necessário e premissa da função
social da educação: libertar de amarras e possibilitar ao educando alçar
conhecimentos, permeados e potencializados por suas experiências,
sua prática, seus questionamentos do mundo e do que o cerca. Por
outro lado, o contexto da escola tradicional está ligado à evolução do
conhecimento científico e à história da educação. O surgimento do
iluminismo foi o principal marco na discussão da sua função
educativa. A partir dele introduz-se a escola gratuita sob
responsabilidade do Estado, e com ela a perspectiva de uma escola
emancipadora por parte do povo, mostrando a luta de classes, a partir
desta nova realidade social.
Para Cambi (1999), o surgimento desta escola, teve contexto
na Revolução Francesa, o nascimento da burguesia e a sociedade
mercantilista, que rompe com ideologia de sociedade feudal, que pôs
em ação um intenso trabalho educativo que devia desenvolver nos
indivíduos a consciência de pertencer ao Estado, de sentir cidadãos de
uma nação, ativamente partícipes dos seus ritos coletivos de reviver
seus ideais e valores (CAMBI, 1999, p. 387). Sua organização de
ensino baseia-se na centralidade do professor que tem a função de
depositar o conhecimento que a ele pertence no seu aluno. Freire
denominou de educação bancária a verticalidade das práticas
224
pedagógicas que desconsideram o aluno como sujeito capaz de
construir suas representações e de assumir um papel ativo na sua
aprendizagem.
Não é de estranhar, pois, que nesta visão “bancária” da
educação, os homens sejam vistos como seres da adaptação, do
ajustamento. Quanto mais se exercitem os educandos no
arquivamento dos depósitos que lhes são feitos, tanto menos
desenvolverão em si a consciência crítica de que resultaria a sua
inserção no mundo, como transformadores dele; como sujeitos.
(FREIRE, 1996, p.64)
Segundo o autor, “na educação de adultos, por exemplo, não
interessa a esta visão bancária propor aos educandos o desvelamento
do mundo” (FREIRE, 1996, p. 65). Freire propõe uma educação
problematizadora, tendo como ponto de partida o conhecimento
prévio do estudante e a valorização destes saberes, por meio da
mediação pedagógica e da pedagogia dialógica que se fazem
propulsoras do movimento de ação-reflexão, práxis determinantes da
conscientização. O diálogo na relação pedagógica corrobora para que
os educandos organizem e reorganizem constantemente, de forma
reflexiva o seu pensamento. É através da mediação dialógica que
interação na sala de aula e os alunos se constituem sujeitos capazes de
construir conhecimento, se conhecer a si mesmo e ao outro, de fazer
correlações e significações. “Sem diálogo não comunicação e sem
esta não verdadeira educação” (FREIRE, 1987, p. 83).
A mediação pedagógica não se reduz à uma forma de
abordagem metodológica ou tipo de atividade a ser dada para a
realização dos alunos. Trata-se de uma postura perante o mundo, de
uma práxis política. A problematização defendida por Freire, não é
225
neutra, se difere de outras teorias com centralidade no aluno por
considerar o desenvolvimento do pensamento crítico, parte da
realidade e dos problemas sociais, da consciência da complexidade
que envolve as relações na sociedade de classes, mediações com a
cultura, com o campo investigativo e intervenções.
Quando pensamos em EJA, temos que considerar essa
perspectiva de sujeito histórico, social e cultural, que ao longo da vida
acumula experiências, assim como, as visões de mundo e
idiossincrasias advindas dessas experiências de vida. As intervenções
poderão desenvolver suas potencialidades dando sentido ou
reconstruindo saberes, partindo do senso comum e avançando ao
conhecimento científico e historicamente acumulado. Conforme cita
Arroyo (2001, p13.) “A EJA é uma modalidade que construiu sua
própria especificidade como educação, com um olhar sobre os
educandos”.
Fomentadas pelas Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional (LDB), nº. 9.394/96 (BRASIL, 1996), que resultaram na
elaboração das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de
Professores para a Educação Básica e para o Curso de Pedagogia, entre
2001 e 2005, corroboraram para possibilidade de mudanças nas
universidades, objetivando uma melhora na qualidade do ensino de
formação inicial do professor, bem como no acesso e na interpretação
positiva do aluno pesquisador com a pesquisa em sua graduação.
Entendemos, portanto, que os aspectos elucidados acerca da
Educação para Jovens e Adultos apresentados ao longo do nosso texto
se fazem intrínsecos e indispensáveis na formação inicial do professor,
que deveriam ser abordados e aprofundados nos cursos de formação
inicial de professores. Pensar em uma educação emancipatória, sem
226
distinção de modalidades a priori, em que educador e educando
constantemente se construam em um processo infinito de formação
exige uma superação da dicotomia teoria e prática no processo de
ensino-aprendizagem, muito postulado por Paulo Freire e
perpetuado nos caminhos do educador que se aventura pela Educação
de Jovens e adultos.
Nesse sentido, Soares e Pedroso (2016), vislumbram que, em
um cenário marcado por ausências, desde parâmetros oficiais acerca
do perfil do professor da EJA, até de especializações para atuação nessa
modalidade de ensino, surge uma construção pelos próprios
educadores do EJA de “uma proposta pedagógica que privilegie os
processos de formação dos jovens e adultos, sujeitos que tem voz e
questionamentos e que são formados em múltiplos espaços
(SOARES e PEDROSO, 2016, p. 259), possibilitando emergir o
novo no processo de ensino e aprendizagem. Formação docente
compreendida pelos autores Soares e Pedroso (2016, p. 260) como
“fenômeno tipicamente humano e inconcluso” e que se perpetua em
toda sua vida profissional numa dialética de construir e descontruir-
se somente possível se permeada pela pesquisa como intrínseca à sua
formação inicial.
O lugar da pesquisa na formação inicial do professor
No campo de estudos da formação de professores, a década
de 80 pode ser considerada um marco na medida em que se traduziu
como um novo olhar para as atividades educativas valorizando o papel
do professor pesquisador (PENITENTE, 2018) e consequente-
mente elucidando a importância de uma formação do professor
227
reflexivo indissociável à atividade de pesquisa, abarcando teoria e
prática, e reflexão e ação docente.
Pedro Demo (2000), no sentido de refletir a concepção de
pesquisa enquanto indissociável da formação docente, a entende para
além de um princípio científico, e sim como um princípio educativo.
Isso quer dizer que a pesquisa constitui-se em uma
mediação para a aprendizagem, assim como possibilidade
promotora da autonomia do sujeito aprendente. Isto
implica reelaboração e reconstrução do conhecimento e
não sua mera reprodução. Deste modo, a pesquisa como
mediação da aprendizagem, não pode ser algo de
especialista, mas uma mediação do processo de
aprendizagem numa sociedade de informação (GHEDIN,
2015, p. 60).
Desse modo, o questionamento e a reflexão, bem como o
entendimento de que o educando e suas realidades fazem parte do
processo educativo, são necessários para construção de novos
conhecimentos os quais superem o estado inicial do aluno e sua
relação com o saber, exigindo, segundo o autor, que o professor seja
um pesquisador, na medida em que este movimento coloca professor
e estudantes como sujeitos de um mesmo processo.
[...] ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as
possibili8dades para a sua própria produção ou a sua
construção. Quando entro em uma sala de aula devo estar
sendo um ser aberto a indagações, a curiosidade, às
perguntas dos alunos, as suas inibições; um ser crítico e
inquieto, inquieto em face da tarefa que tenho a de
228
ensinar e não de transferir conhecimento. (FREIRE apud
GHEDIN, 1995, p. 63).
Nessa vertente, a atuação do professor se faz, portanto, como
possibilidade de resistência atuando em esferas tanto técnicas como
políticas, construindo formas de práticas pedagógicas as quais
consideram as subjetividades dos sujeitos envolvidos no processo
educativo em uma teoria da experiência. Nessa concepção de
educador e de prática pedagógica atrelada à pesquisa, o professor
carrega a possibilidade de trazer a superfície “formas de conhecimento
histórico e subjugado que apontam para as experiências de
sofrimento, conflito, e de luta coletiva.” (ALMEIDA; GHEDIN;
OLIVEIRA, 2015).
Resultados e discussões
Conforme mencionamos em nosso caminho metodológico,
observamos por meio de alguns documentos e diretrizes, que assim
como a estruturação da modalidade ensino para Educação de Jovens
e Adultos é recente, as contribuições para esse campo da educação
também, de modo que se mostram quase que inexistentes no tocante
à formação desse professor. Percebemos que os avanços legais foram
permeados por políticas públicas muitas vezes de caráter velado
compensatório para essa categoria de alunos, no entanto, o fator
humano intrínseco a uma educação significativa mostrou-se presente,
e muito, na EJA.
Buscamos em nosso referencial teórico possibilidades de
interfaces das especificidades da EJA com a pesquisa em uma
formação inicial do professor que carregasse consigo as potenciali-
229
dades dessa modalidade de ensino as quais desvelam-se a todo instante
e se alinham com as necessidades de uma práxis educativa
significativa. É necessário considerar especificidades dos alunos dessa
modalidade de ensino, assim como entendemos que para qualquer
modalidade de ensino, isso se faz necessário em uma docência
reflexiva e dialogicamente formativa, na relação educando e educador.
Nesse sentido, percebemos que os professores como
intelectuais de formação pesquisadora, bem como atuação baseada
nos princípios da pesquisa se fazem relevantes em uma modalidade
de ensino como a Educação de Jovens e Adultos a qual se instaura
para uma faceta da sociedade tão necessitada de esperança bem como
de criticidade e emancipação. A possibilidade de fomentar a
construção de um saber crítico pelo professor corrobora para não
apenas uma leitura e reprodução do real, mas sim para uma
transformação, em um movimento de potencializar a educação que,
segundo Gallo (1999), produz também novas potencialidades.
Por fim, entendemos que a identidade docente, embora não
seja passível de homogeneização, ainda que na Educação de Jovens e
Adultos assim como nas outras modalidades, não se constrói apenas
na sua atuação profissional, mas sim em um exercício constante e
infinito de pesquisa, em um pensar a si mesmo e em um pensar o seu
trabalho pedagógico. Um processo que se centraliza não em métodos,
mas nos próprios sujeitos das ações educativas, desencadeado pela
pesquisa como parte do processo formativo, o qual valoriza a reflexão
ação, bem como a prática docente construída.
230
Considerações Finais
A mediação pedagógica não se reduz à uma forma de
abordagem metodológica ou tipo de atividade a ser dada para a
realização dos alunos. Trata-se de uma postura perante o mundo, de
uma práxis política. A problematização defendida por Freire, não é
neutra, se difere de outras teorias com centralidade no aluno por
considerar o desenvolvimento do pensamento crítico; parte da
realidade e dos problemas sociais, da consciência da complexidade
que envolve as relações na sociedade de classes, estabelecendo
mediações com a cultura, com o campo investigativo e intervenções.
Construir uma educação e uma práxis educativa desde o início
da formação do educador permeada pela pesquisa, pela investigação,
pela valorização e humanização do outro se faz prerrogativa para uma
emancipação dos principais envolvidos no processo, ou seja, os
educandos. A Educação para jovens e adultos, situada no contexto
dos postulados de Paulo Freire, alinhados às premissas de uma
formação inicial a qual objetiva um professor mediador do processo
educativo, possibilitam caminhos para uma educação cada vez mais
humanizada e menos facetada, na qual educando e educador se
constroem a todo instante.
À medida que consideramos a educação como processos de
“humanização, libertação e emancipação humana isso se reverbera nas
concepções de currículo e de práticas pedagógicas” (ARROYO,
2006).
231
Referências
ARROYO, Miguel. A educação de jovens e adultos em tempos de
exclusão. In: Revista Alfabetização e Cidadania. . 11, abril de 2001.
ARROYO, Miguel González. Educação de jovens-adultos: um campo de
direitos e de responsabilidade blica. In: SOARES, Leôncio;
GIOVANETTI, Maria Amélia Gomes de Castro; GOMES, Nilma Lino
(Org.). Diálogos na educação de jovens e adultos. Belo Horizonte:
Autêntica, 2006.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, de 05 de
outubro de 1988. Brasília: Senado Federal/ Secretaria Especial de
Editoração e Publicações.
BRASIL. Ministério da Educação. Lei nº 9.394 20 de dezembro de 1996.
Estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB/96). Diário
Oficial da União. Brasília: nº 248, 23 de dezembro, 1996.
BRASIL. Lei . 5.692, de 11 de agosto de 1971. Fixa Diretrizes e Bases
para o ensino de 1° e graus, e outras providências. Diário Oficial da
União, Brasília, DF, 12 ago. 1971.
BRASIL. Lei . 11.494, de 20 de junho de 2007. Regulamenta o Fundo
de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização
dos Profissionais da EducaçãoFUNDEB.
BRASIL. Resolução CNE/CP 1, de 18 de fevereiro de 2002. Institui
Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formão de Professores da
Educação Básica. Disponível em:
http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/res1_2.pdf Acesso em: 19 jun.
2022.
232
BRASIL. Lei 12.796, de 04 de abril de 2013. Altera a Lei n. 9.394, de 20
de dezembro de 1996, que estabelece as Diretrizes e Bases da Educação
Nacional, para dispor sobre a formação dos profissionais da Educação e
dar outras providências. Disponível em: http://
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-
%202014/2013/lei/l12796.htm .Acesso em: 23 mai. 2022.
CAMBI, Franco. A história da pedagogia. São Paulo: Unesp.1999.
DEMO, Pedro. Pesquisa. Princípio científico e educativo. 9. Ed. São
Paulo: Cortez, 2000.
FREIRE, Paulo. Conscientização, teoria e prática da libertação: uma
introdução ao pensamento de Paulo Freire. São Paulo: Moraes, 1980.
FREIRE, Paulo. Ação cultural para a liberdade e outros escritos. São
Paulo, Paz e Terra, 1987.
FREIRE, Paulo. Educação como prática de liberdade. 16. ed. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 2007.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. São Paulo: Paz e Terra, p. 57-
76. 1996.
FRIEDRICH, M.; BENITE, A. M. C.; BENITE, C. R. M.; PEREIRA,
V. S. Trajetória da escolarização de jovens e adultos no Brasil: de
plataformas de governo a propostas pedagógicas esvaziadas. Ensaio:
avaliação das políticas blicas educacionais. Rio de Janeiro, v. 18, n. 67,
p. 389-410, abr./jun. 2010.
GALLO, Sílvio. Educação, ideologia e a construção do sujeito. Perspectiva.
Florianópolis, v. 17, n. 32, p. 189-207, jul./dez. 1999. Disponível
em:https://periodicos.ufsc.br/index.php/perspectiva/article/viewFile/1053
0/10076 Acesso em: 01 jul. 2022
233
GATTI, B. A. Educação, escola e formação de professores: políticas e
impasses. Educar em revista. Curitiba: Editora UFPR, 2013, v. 50, p.51-
67.
GATTI, B. A. A; BARRETO, E. S. de S. Professores do Brasil: impasses e
desafios. Brasília: UNESCO, 2009.
GATTI, B. A. A; ANDRÉ, M. E. D. de A.; BARRETO, E. S. de S.
Políticas docentes no Brasil: um estado da arte. UNESCO, 2011.
GHEDIN, E.; OLIVEIRA, E. S.; ALMEIDA, W. A. Estágio com
Pesquisa. São Paulo: Cortez, 2015.
LIBÂNEO, J. C. Educação: pedagogia e didática – o campo investigativo
da pedagogia e didática no Brasilesboço histórico e buscas de
identidade epistemológica e profissional. In: PIMENTA, S. G. (org,)
Didática e formação de professores: percurso e perspectivas no Brasil e em
Portugal. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2000, p. 77-129.
MORIN, E. Os sete saberes necessários à educação do futuro. São Paulo:
Cortez, 2000.
PENITENTE, L. A. A. Professores e pesquisa: da formação ao trabalho
docente, uma tessitura possível. Formação DocenteRevista Brasileira de
Pesquisa sobre Formão de Professores, v. 4, n. 7, p. 19-38, 21 jun.
2018.
STRELHOW, T. B. Breve história sobre a educação de jovens e adultos
no Brasil. revista HISTEDBR On-line, Campinas, n.38, p. 49-59,
jun.2010.
SOARES, Leôncio José Gomes; PEDROSO, Ana Paula Ferreira.
Formação de Educadores na Educação de Jovens e Adultos (EJA):
Alinhavando Contextos e Tecendo Possibilidades. Educação em Revista,
Belo Horizonte, v.32, n.04, p. 251-268. Outubro-Dezembro 2016.
234
VARGAS, Patrícia.; GOMES, Maria F. C. Aprendizagem e
desenvolvimento de jovens e adultos: novas práticas sociais, novos
sentidos. Educ. Pesqui., São Paulo, ahead of print, abr.2013.
VIEIRA, M.C. Fundamentos históricos, políticos e sociais da educação
de jovens e adultos Volume I: aspectos históricos da educação de jovens
e adultos no Brasil. Universidade de Brasília, Brasília, 2004.
235
A Luta Histórica da Educação Popular pelo Direito à
EJA: abordagem filosófica sobre o tema da tolerância
Letícia Florêncio Vieira
1
Jessyca Eiras Jato Santos
2
Introdução
Na história da educação brasileira, pode-se afirmar que a
Educação de Jovens e Adultos (EJA) configura-se num seguimento
educacional de raríssima prioridade de investimento, comprometi-
mento político e econômico de governos e Estado, delineando uma
histórica defasagem de políticas públicas destinadas a esta modalidade
de ensino. De certo modo, podemos afirmar a prevalência de políticas
de governo face a políticas de Estado.
Apesar de ocupar uma posição de destaque nas agendas de
potenciais políticas públicas, pedagógicas, de financiamento, de
formação e profissionalização de educadores, historicamente consta-
1 Mestranda em Educação do Programa de Pós-Graduação em Educação da
Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, UNESP, Câmpus de
Marília.
2 Mestranda em Filosofia do Programa de Pós-Graduação em Filosofia da
Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, UNESP, Câmpus de
Marília.
https://doi.org/10.36311/2023.978-65-5954-389-2.p235-252
236
tamos as dimensões secundárias no âmbito da Educação de pessoas
jovens e adultas e idosas, sobretudo devido às dificuldades de
implementação, difusão e consolidação dessas mesmas políticas
educacionais que asseguram o direito à educação. O insucesso no
âmbito da EJA frente à meta de superação do analfabetismo,
mencionada nos compromissos assumidos pelo país em fóruns
internacionais, nos leva a crer que o Estado se movimenta de modo a
ampliar o abismo da exclusão, persistindo nos erros e na ausência de
uma Política nacional forte e duradoura que atenda os anseios destes
estudantes da EJA.
Paralelamente ampliando este quadro de exclusões percebidas
na EJA também encontramos pessoas jovens adultas e idosas que
apresentam comprometimentos auditivo, visual, mental, físico ou
múltiplos, submetidas em alguns casos a internações psiquiátricas de
longa permanência, sendo elas, corpos desviantes relativamente às
convenções normativas e classificadas e identificadas por suas
patologias pelo Estado e estruturas.
Desse modo, essas pessoas são mantidas invisíveis por séculos
em nossa sociedade, institucionalizadas em Hospitais Psiquiátricos
(quando se perdem o contato com a família) ou dentro de suas
próprias casas, impedidas durante séculos de desfrutar das
oportunidades sociais trazidas com a convivência humana no
ambiente escolar em uma sala regular de ensino. Pessoa com
deficiência é a expressão adotada pela ONU em 2007 na Convenção
sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, embora, cientes que
ainda estão em curso sobre melhores termos descritivos para definir a
deficiência, fazemos aqui a menção pela adoção nacional dessa
237
classificação. Ante a esta perspectiva é apresentada a exclusão da massa
ou o “povo” e aqui nos referimos à definição sociológica de Boff:
Sociologicamente “povo” aparece também como uma
categoria histórica que se situa entre massa e elite. Numa
sociedade que foi colonizada e de classe, aponta clara a
figura da elite: os que detém o ter, o poder e o saber. A elite
possui o seu ethos, seus hábitos e sua linguagem. Face a ela,
surgem os nativos, os que o gozam de plena cidadania
nem podem elaborar um projeto próprio. Assumem,
introjetando, um projeto das elites (BOFF, 2015, p.1).
O analfabetismo recrudesce nas classes populares entre as
pessoas idosas, afrodescendentes, imigrantes, pessoas que vivem na
zona rural ou de um modo geral, pessoas marcadas pelas
desigualdades nos níveis de renda e nos fatores socioeconômicos,
socioestruturais e socioculturais. Neste contexto político, econômico
e histórico-estrutural da miséria reflete as condições sociais da
desigualdade e reprodução da exclusão, inseridas na sociedade
brasileira por culos. Impulsionadas por esta expressiva demanda
social, ganham força as articulações e o movimento das reflexões
acerca de uma educação humanizadora.
As primeiras reflexões que tangem uma educação
humanizadora envolvendo a Educação de Pessoas Jovens e Adultas e
Idosas, tem como marco na história da EJA, O Seminário Regional de
Recife, ocorrido em 1958 como um evento preparatório para o II
Congresso Nacional de Alfabetização, e desde então, a difusão e
primeiras grandes contribuições do educador Paulo Freire para a
Educação Popular chamando a atenção para a necessidade de revio
238
dos métodos e processos educativos até então realizados e difundidos,
na perspectiva de assegurar uma maior participação dos estudantes da
EJA no seu processo de aprendizagem.
Paulo Freire afirmava: “O adulto analfabeto, suas condições
de vida e suas experiências existenciais deveriam determinar as
orientações e características dessa prática educativa” (BEISIEGEL,
2010, p. 17). A partir deste momento é apresentada e posta a circular
uma nova proposta de configuração na perspectiva política/
educacional nas elaborações de políticas públicas para EJA,
estabelecendo um compromisso político com a massa excluída ou sem
acesso à educação. Impunha-se trabalhar com o povo e não para o
povo, envol-lo em trabalhos de grupo, em debates e estudos que
favorecessem a formação da consciência e o preparo para o
autogoverno. Entre o movimento que imprime as transformações das
infraestruturas no pensamento do povo e a plena realização da
consciência crítica, existe uma abertura e é exatamente neste hiato que
se articulavam as atribuições especificas da Educação Popular,
conforme Beisiegel (2010).
Nas últimas cadas de 1950 e início de 1960, a EJA estava
em evidência e almejada como direito a ser perseguido e consolidado.
Havia a compreensão que a educação das pessoas jovens adultas e
idosas, além de assegurar a escolarização básica, exigindo uma
proposta específica no campo pedagógico e didático, deveria também
representar um instrumento de ação política, reconhecendo o saber
popular e atribuindo mais esse objetivo à educação das pessoas jovens
adultas e idosas, onde, consequentemente se poderia estabelecer um
amplo instrumento de valorização da cultura popular.
239
Paulo Freire ao assumir em meados de 1963 a recém-criada
Comissão Nacional de Cultura Popular e, posteriormente, a
coordenação do Programa Nacional de Alfabetização promovido pelo
Ministério da Educação, viabiliza a aplicação do seu próprio método
de alfabetização, de modo a estruturar articulações em âmbito estatal
e institucional para a mobilização e difusão da Educação Popular.
Nota-se neste período uma verdadeira reinvenção da criatividade e do
compromisso da educação no Brasil (BEISIEGEL, 2010).
Brandão (1986) destaca neste interim a produção do método
Paulo Freire dentro do Serviço de Extensão Cultural da Universidade
Federal de Pernambuco; as experiências douradoras de uma
“Educação Conscientizadora entre lavradores de Minas Gerais
através do Movimento de Educação de Base; a multiplicação de
trabalhos culturais e pedagógicos feitos pelos Movimentos de Cultura
Popular (MCPs) e pelos Centros Populares de Cultura (CPCs),
promovidos pela UNE e outras entidades regionais e locais de
organização estudantil; a montagem do Programa Nacional de
Alfabetização, pelo Mistério da Educação e Cultura, contudo, o
Movimento Estudantil, a Universidade, o Estado, a Igreja, faziam
juntos ou próximos os mesmos programas, ou programas semelhantes
que atendiam os mesmos princípios do Movimento Popular
articulando uma prática pedagógica que buscava então sua própria
identidade, contemplando a diversidade cultural da população
brasileira.
Posteriormente a este Movimento de Educação Popular,
sobretudo a partir de 1970, surgem novas correntes ideológicas postas
a movimentar um novo projeto hegemônico, cujo marco significativo
no campo da educação, foi e é o de transformá-la em mais uma
240
mercadoria. Paludo (2015) relata que a partir deste período, o mundo
assistiu a emergência de uma nova ordem internacional que se
constituiu para solucionar a situação de crise econômica do
capitalismo. O encaminhamento proposto em rumo a um dado
desenvolvimento, recolocou o mercado capitalista como instância
organizadora e reguladora do conjunto das relações sociais e sendo
assim a educação incorpora o objetivo de ser o meio de ampliação da
competitividade da economia nacional frente ao mercado
internacional (COSTA, 2013).
Neste contexto, a existência de corpos sob a condição e marcas
econômicas impositivas desde o sistema de exploração colonial até o
atual mercado capitalista, sinaliza a considerar a Educação como
mercadoria, logo, aquela pessoa excluída da oportunidade e acesso à
educação escolar torna-se um mero objeto diante da ausência do
sujeito na garantia do seu direito público subjetivo por parte do Estado
e governos. Nos referimos à definição de Kilomba (2020),
parafraseando Bell Hooks, ao conceituar sujeito e objeto:
[…] sujeitos são aqueles que tem o direito de definir suas
próprias realidades, estabelecer suas próprias identidades,
de nomear suas histórias. Como objetos, no entanto, nossa
realidade é definida por outros, e nossa história designada
somente de maneiras que definem (nossa) relação com
aqueles que são sujeitos. Essa passagem de objeto a sujeito é
o que marca a escrita como um ato político (KILOMBA,
2020, p. 28).
241
Para Foucault o corpo é um lugar absoluto, uma pequena
parcela existente no espaço com o qual direta e objetivamente faço
corpo. Segundo Foucault:
[…] O corpo é o ponto zero no mundo, onde os
caminhos e os espaços se cruzam, o corpo está em parte
alguma: ele está no corão do mundo, este pequeno fulcro
utópico, a partir do qual eu sonho, falo, avanço, imagino,
percebo as coisas em seu lugar e também as nego pelo poder
indefinido das utopias que imagino (FOUCAULT, 2013,
p.14).
A aproximação com o tema da tolerância se propõe a inter-
relacionar com o tema do respeito e valorização da diversidade que,
por sua vez, se correlaciona com a problematização dos pressupostos
acerca de um modelo ideal de pensamento, conduta e até mesmo de
ser. Uma única verdade, uma cultura que se sobreponha às outras,
assim como uma existência humana ideal (seja ela em termos estéticos
ou de padrão de funcionamentofísico ou intelectivo) manifesta-se
como opressão, razão pela qual uma democracia é possível somente
no seio da diversidade. Cardoso (2014) procura mostrar como o
significado da palavra tolerância, ainda presente em muitos
dicionários, pode ser desfavorável ou apresentar diferentes
interpretações. Ele teria como referência o sentido moderno de
tolerância, calcado em valores cristão e iluministas, trazendo a
conotação de suportar aquele que se apresenta como “anormal”,
pressupondo-se como parâmetro, ou modelo de humanidade, a
civilização europeia. Isso, segundo o autor refletiria uma atitude
colonizadora: […] suportar com paciência aquilo que é desagradável,
242
injusto, defeituoso. Foi assim que os europeus viam a necessidade de
tolerar os povos conquistados(CARDOSO, 2014, p.15).
O mesmo autor se refere a outro sentido moderno de
tolerância que traz o significado de aceitar com indulgência,
acentuando uma autopercepção daquele que tolera como sendo
superior aos tolerados. A associação do termo indulgência ao de
tolerância evidencia seu caráter discriminatório se remetido ao
significado de indulgência no contexto da colonização, para Cardoso:
A palavra indulgência liga-se semanticamente à clemência,
indulto, perdão, remissão das penas misericórdias. Isso nos
mostra que a relação europeu/indígena não foi vista
somente como uma relão entre o superior e o inferior,
mas também entre o bem e o mal. O modelo cultural era,
portanto, um modelo moral (CARDOSO, 2014, pg. 30).
Evidentemente, portanto, no pensamento liberal contempo-
râneo, a ideia de tolerância que ênfase ao respeito às diferenças
culturais de forma isolada é herdeira, trazendo uma dominação
“camuflada”, onde o dominador aceita aspectos aparentes e visuais da
cultura diferente (alimentação, arte, vestuário) e lhe impõe, outros
mais basilares como um modelo de valor, econômico ou epistêmico.
Quando Cardoso (2014) chama a atenção para o fato que pode
permanecer, de forma tácita, sob o conceito de tolerância a
sobreposição de uma cultura sobre outra, de um “tipo” de existência
humana sobre a outra, o autor ressalta que isso se sustenta em um
modelo moral. Isso pode implicar que subjacente a uma determinada
postura de tolerar (do superior que tolera o inferior) está o conceito
243
hierárquico de valor moral, onde uns indivíduos valem mais do que
outros.
A suspensão e perseguição do Movimento de Educação
Popular no período da ditadura militar brasileira (1964 1985),
implica na retomada, ressignificação, reconceitualização, refunda-
mentação do próprio movimento inserido no que Paludo (2015),
identifica de “o quarto tipo de dominação” dos países latino-
americanos, onde o mundo assistiu à emergência de uma nova ordem
internacional que se constituiu para solucionar a situação de crise
econômica do capitalismo. O encaminhamento proposto em rumo a
um dado desenvolvimento, recolocou o mercado capitalista como
instância organizadora e reguladora do conjunto das relações sociais,
deste modo, a educação incorpora o objetivo de ser o meio de
ampliação da competitividade da economia nacional frente ao
mercado internacional (COSTA, 2013). Para Mignolo:
[…] “no início do século XXI, o mundo es
interconectado por um único tipo de economia (o
capitalismo) e distinguido por uma diversidade de teorias
e práticas políticas. A teoria da dependência deveria ser
revisada sob a luz dessas mudanças. No entanto, me
limitarei a distinguir duas orientações gerais: por um lado
a globalização de um tipo de economia conhecido como o
capitalismo (que, por definição, visava a globalização desde
seu início) e a diversificação de políticas globais que estão
acontecendo, por outro, estamos presenciando a
multiplicação e diversificação de movimentos, projetos e
manifestações contra a globalização neoliberal
(MIGNOLO, 2017, p. 3).
244
A partir do pressuposto, podemos refletir que o conjunto de
valores morais estabelecido pelo trabalho, (dada a ênfase pelo sistema
do mercado capitalista) se sobrepõe em detrimento a outros inseridos
no comportamento social. Deste modo, a tolerância conciliada com
estes valores determina as regras da conduta dos corpos e os direitos
sociais que os mesmos corpos podem alcançar como garantia cidadã
perante o Estado. Mesmo que a educação de pessoas jovens adultas e
idosas (EJA) venha sendo gradativamente reconhecida como direito
aos excluídos e excluídas da oportunidade de realizar sua escolaridade
desde os séculos passados e formalizada em lei como direito, a partir
da Constituição de 1988 e reafirmado pela Lei de Diretrizes e Bases
de 1996, não encontramos um engajamento para a implementação
de uma política nacional para a EJA, nem mesmo houve um sistema
nacional de atendimento articulado que permita que todos cidadãos
e cidadãs acima de 14 anos, com ou sem deficiência possam, pela
escolarização, enfrentar os desafios de uma sociedade como a
brasileira (HADDAD, 2007).
Segundo Melanie Joy (2019) existem vários sistemas
opressores (racismo, machismo, capacitismo, especismo etc.) que
influenciam a forma como nos relacionamos e formam uma trama
complexa. A autora, contudo, propõe a existência de um sistema de
crenças abrangente que informa todos os sistemas opressivos
denominado por ela de poderarquia (powerarchy). A poderarquia,
segundo Joy (2019), seria um sistema não relacional organizado em
torno da crença em uma hierarquia de valor moral, ou seja, que parte
da ideia de que alguns grupos ou indivíduos são mais dignos de
consideração moral do que outros. Essa mentalidade implica a visão
de que alguns grupos ou indivíduos devem ser tratados de maneira
245
mais justa e compassiva e de que seu ponto de vista deve se sobrepor.
A hierarquia do valor moral, segundo Joy, significa que alguns grupos
ou indivíduos podem ter sua dignidade, ou o valor que têm em si
mesmos, invisibilizado ou violado. Na perspectiva ampla e social
segundo, Paludo:
O Estado moderno, liberal e burguês, encontra se com o
direito do cidadão, de forma abstrata, encobrindo as
desigualdades realmente existentes, disseminando a
impressão de que elas são naturais e colocando-se acima das
classes para efetivação do bem comum (PALUDO, 2015,
p. 232).
Esta nova condução do padrão de acumulação do capital, o
ataque sofrido pelas políticas de Estado de Bem-Estar” social foi
grande; a política pública foi estrategicamente redirecionada; o capital
se impôs na regulação da vida social; a ideia de direito humano e social
foi fortemente impactada; o consenso se tornou parâmetro para as
relações entre Estado e Sociedade e entre as classes sociais; e algumas
ocorrências envolvendo exclusão e inclusão social, republicanismo,
cidadania e democracia, ganharam destaque (PALUDO, 2015).
A crença em uma hierarquia no valor moral é um dos motivos
pelos quais não reconhecemos certos indivíduos como vítimas da
opressão. As pessoas precisam ter um certo status moral na sociedade
para serem reconhecidas como vítimas de violência. A ideia de que
uma pessoa tenha mais valor do que outra serve para o exercício de
poder de um indivíduo sobre outro e é, segundo Joy, moralmente
injustificável. O exercício de poder de uns sobre outros dispõe de um
sistema que o abriga e dissemina. Um sistema de dominação é
246
organizado em torno da ideia de que um indivíduo é mais digno do
que outro e o sistema justifica essa crença valorizando as supostas
qualidades inerentes deste tipo de indivíduo sobre os outros. Existe
um conjunto de mitos que sustenta o mito base, de que uns valem
mais do que outros, envolvem os conceitos de normalidade,
necessidade ou naturalidade do exercício de poder.
A partir do século XXI houve uma certa mobilização de ações
para ampliar o acesso a EJA, do mesmo modo que contemplar
algumas demandas específicas a esta modalidade de ensino, no
entanto, ao contrário do que se esperava, o governo se manteve
integrado ao modelo neoliberal, utilizando muitos dos princípios
dessa ideologia na orientação política, articulando concomitante-
mente a escolarização com educação profissional em alguns projetos.
A União retomou sua responsabilidade com o analfabetismo
transferindo essa pauta para o Mistério da Educação (MEC) e como
esta, houve algumas outras iniciativas, dentre elas: Programa Brasil
Alfabetizado (PBA), Programa Nacional de Inclusão de Jovens:
Educação Qualificação e ão Comunitária (Projovem), Programa
Nacional de Integração da Educação Profissional com Educação
Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos (Proeja),
Plano Nacional de Qualificação (PNQ) conforme Costa (2013).
O panorama que se observa na educação das pessoas jovens
adultas e idosas, segue apresentando uma descontinuidade em sua
implementação; a cada novo governo se renovam projetos e
programas, ressaltando a falta de um projeto nacional de ensino e
aprendizagem para EJA e sinalizando uma situação de dependência
das contingências locais (HADDAD, 2010). Mesmo que o Programa
Brasil Alfabetizado (PBA) tenha entrado em ão a fim de fazer a
247
justiça social a tantos excluídos e excluídas do direito a educação, nos
termos de Freitas (2014), e do mesmo modo, acolher iniciativas que
estavam sendo realizadas na área da alfabetização pela sociedade civil,
respeitando a diversidade de metodologias adotadas e estabelecendo
parcerias com entidades e órgãos locais, o programa não alcançou os
objetivos esperados nem garantiu a continuação às etapas
subsequentes a alfabetização.
O Programa Educação Inclusiva: direito à diversidade lançado
em 2003, pelo mesmo governo e dedicado principalmente à formação
continuada de gestores e educadores das redes públicas de ensino
promove meios de possibilitar o atendimento com qualidade ao
incluir nas redes de ensino regular os estudantes com deficiência,
transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/
superdotação (FREITAS, 2014). Contudo, ao longo do referido
documento que traçam os objetivos e metas do programa há,
sobretudo, referências às crianças e aos adolescentes, caracterizando
uma considerável exclusão as pessoas jovens adultas e idosas no debate
e nas pautas das implementações de políticas educacionais.
Como aponta Carvalho (2010) sem diversidade a democracia
se torna impensável. A democracia expressa num regime político deve
ser observada no seu conjunto estruturante perante a sociedade.
Paludo, embora evidencie a importância histórica do regime
democrático liberal reforça os teus limites diferenciando o que seria
uma democracia formal, a qual se vive, de uma democracia substantiva,
pela qual se deve lutar(PALUDO, 2015, p. 229).
Contudo, nesta perspectiva onde a “democracia não-
substantiva” é operante pelo Estado, é preciso desconstruir discursos
de superioridade que legitimam as diversas formas de opressão
248
(econômica, de gênero, racial, etc.) e violência que se institucio-
nalizam e que vertem para as dinâmicas interpessoais. Assim é preciso
desconstruir o discurso homogeneizante que estabelece um modelo
de existência ao qual todos devem se igualar (que se investigarmos a
fundo chegaremos na figura do homem, branco, hétero, europeu).
É preciso uma ruptura com esta tragédia humanitária que
provoca a invisibilidade de pessoas ou grupos ao visibilizar e favorecer
outros. Portanto, valorizar a diversidade e, por meio de novos valores
e da empatia fazer emergir o verdadeiro respeito às diferenças
humanas lhes garantindo direito para que possam exercer sua
cidadania, escrevendo sua própria história, na qual ilustra o próprio
ato da escrita, um ato de tornar-se, e, deste modo, emergir como um
ato político o movimento e expressão histórica da Cultura e Educação
Popular.
Considerações Finais
As ações e a luta das camadas populares, sobretudo no âmbito
da Educação Popular, têm trazido contribuições importantes para a
superação de concepções enraizadas sobre a Educação e, em especial,
na História da Educação Brasileira (REZENDE, 2013). Nesse
sentido, as articulações para o incentivo no campo da educação de
pessoas jovens, adultas e idosas requerem medidas concretas e efetivas
do poder público nas quais governos e Estado, no entrelaçamento de
um conjunto de ações e articulações apresentadas pelo próprio
Movimento de Educação Popular, pode garantir efetivamente o
direito subjetivo e público à educação, do mesmo modo que assume
249
o compromisso social com a humanização e a liberdade, enquanto um
princípio educativo essencial para o autogoverno.
É necessária a construção de um novo paradigma educacional
onde a tarefa prioritária seja a orientação e a aprendizagem voltadas à
produção de autonomia. Certamente o processo de tal natureza não
pode ser tão somente posto a movimentar por discursos ou intenções,
mas sem dúvidas por um espaço de produção de políticas
educacionais que sejam sólidas, resilientes e atentas à diversidade
cultural do povo brasileiro.
Referências
BRANDÃO, C. R. A questão política da educação popular. São Paulo.
Editora Brasiliense, 6 ª ed., 1986.
BEISIEGEL, C. de R. Paulo Freire. Recife: Fundação Joaquim Nabuco,
Editora Massangana, 2010.
BOFF, L. Povo em busca de um conceito. Disponível em
<https://leonardoboff.org/2015/01/29/povo-em-busca-de-um-conceito/ >
Acesso em 19 abril. 2022.
COSTA, C. B. Educação de Jovens e Adultos (EJA) e o Mundo do
Trabalho: trajetória histórica de afirmação e negação de direito à educação.
Paideia, Ano 10, n. 15, p. 59-83. Belo Horizonte, 2013. Disponível em:
<:http://revista.fumec.br/index.php/paideia/article/view/2403 > Acessado
em: 11 de maio de 2022.
CARDOSO, C. M. Fundamentos para uma Educação na Diversidade:
introdução conceitual para educação na diversidade e cidadania. São
Paulo: ed. UNESP, v. 2, 2014.
250
CARVALHO, C., A. Diversidade, democracia e cidadania: o
multiculturalismo desenha o futuro através da prática cidadã. Encontro
Nacional CONPEDI: Ceará, 2010.
FREITAS, M. A. de S. Estudantes com Deficiência intelectual na
Educação de Jovens e Adultos: Interfaces do Processo de Escolarização.
Dissertação (Mestrado)Universidade Federal de São Carlos, 2014
FOUCAULT, M. O corpo utópico, As Heterotopias. São Paulo: N-1
Edições, 2013.
HADDAD, S. A ação de governos locais na educação de jovens e adultos.
2007. Revista Brasileira de Educação, v. 12, n. 35, mai,/ago. 2007, p.
197-211. Disponível em :<
https://www.scielo.br/j/rbedu/a/nC5smz7HLbjrKbDHpCxzjmw/?format
=pdf&lang=pt > Acessado em: 13 de maio de 2022.
JOY, M. Powerarchy: understanding the Psycology of Opression for
Social Transformation. Oakland-USA: Berrett-Koehler Publishers, 2019.
KILOMBA, G. Memórias da plantação. Episódios de racismo cotidiano.
Rio de Janeiro, Cobogó, 2020.
MIGNOLO, Walter. Colonialidade: o lado mais escuro da modernidade.
Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 32 94 junho/2017.
PALUDO, C. Educação popular como resistência e emancipação humana.
Cad. CEDES, Campinas, v. 35, n. 96, p. 219-238, maio-ago., 2015.
Disponível
em:<https://www.scielo.br/j/ccedes/a/CK6NyrM6BhKXbMmhjrmB3jP/?f
ormat=pdf&lang=pt > Acessado em: 02 de abril de 2022.
251
REZENDE, R. M. G. de. A educação de jovens e adultos e os
movimentos sociais: alguns apontamentos. Trabalho & Educação, Belo
Horizonte, v. 22, p. 105-124, mai./ago., 2013.
RODRIGUES, O. M., et., al.. Diversidade e cultura inclusiva. São Paulo:
Unesp, 2014.
252
253
EJA:
uma educação para humanização
Letícia de Campos Lauretti da Silva
1
Shirlei Calógero de Araújo de Oliveira
2
Renata de Fátima Fazolin Ferres de Souza
3
Introdução
Ninguém ignora tudo. Ninguém sabe tudo. Todos
nós sabemos alguma coisa. Todos nós ignoramos
alguma coisa. Por isso aprendemos sempre
(FREIRE, 2005, p. 68).
Como seres históricos, aprendemos desde que nascemos a
partir de relações sociais vividas no seio da família e de outros
ambientes sociais, como a escola, por exemplo. Nesse processo de
1 Mestranda em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da
Unesp, mpus de Marília. Professora coordenadora no Sistema Municipal de
Ensino de Marília.
² Mestranda em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da
Unesp, mpus de Marília. Professora coordenadora no Sistema Municipal de
Ensino de Marília.
³ Mestranda em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da
Unesp, Câmpus de Marília. Diretora de Escola no Sistema Municipal de Ensino de
Marília.
https://doi.org/10.36311/2023.978-65-5954-389-2.p253-274
254
formação humana, também produzimos cultura e desenvolvemos
nossa inteligência e personalidade.
Neste estudo, perspectivamos estabelecer um diálogo entre os
princípios da Teoria Histórico-Cultural e a filosofia de educação que
emana do pensamento de Paulo Freire, um dos precursores da
Educação de Jovens e Adultos (EJA) no Brasil. Como se sabe, Paulo
Freire sempre defendeu o diálogo com os educandos da EJA,
geralmente pessoas muito simples, não como método, mas como
um modo de democratizar a educação, propondo uma relação
dialógica, no constructo de um processo de alfabetização
marcadamente dialético.
Nossa intenção de assim refletir sobre a EJA foi viabilizada
mediante a realização de uma pesquisa bibliográfica, com a
perspectiva de discutir sistematicamente a questão do valor dos
conhecimentos apropriados por cada jovem ou adulto no processo
de novas aprendizagens no seio da EJA. E também por alguns
procedimentos de análise documental face à compreensão da EJA
como instância da educação básica tal como preconizada na legislação
sobre a educação brasileira.
O material selecionado pela pesquisa bibliográfica favorece
reflexões sobre aspectos vitais na EJA, tal como considerar, para esse
nível da educação escolar, aquilo que os jovens e adultos trazem da
sua educação não escolar. Especialmente, aqueles conceitos e
aprendizagens adquiridos por meio das relações estabelecidas no
decorrer de suas vidas, utilizando-as como motivos para aprender
novas habilidades, avançando assim nos conhecimentos e no
desenvolvimento das máximas capacidades humanas por meio da
educação escolar. Concernente a esse assunto, para Vygotsky (2008,
255
p. 103), aprendizagem é: “um aspecto necessário e universal do
processo de desenvolvimento das funções psicológicas culturalmente
organizadas e especificamente humanas”.
No percurso da realização da pesquisa documental, tomamos
por base os seguintes documentos oficiais: a Constituição Federal de
1988 (BRASIL, 1988), a Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional, LDBEN 9394/96 (BRASIL, 1996), o Parecer CEB/CNE
n. 11/2000 sobre as Diretrizes Curriculares para a Educação de Jovens
e Adultos (BRASIL, 2000) e a Base Nacional Comum Curricular,
BNCC (BRASIL, 2017).
Em consonância com os pressupostos teóricos, tais
documentos fomentam a reflexão sobre os sujeitos da Educação de
Jovens e Adultos e em qual momento foi negado a estes o direito que
está assegurado na Constituição Federal (1988), em seu artigo 205:
“A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será
promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao
pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da
cidadania e sua qualificação para o trabalho.”.
Tal direito, de caráter público e subjetivo, a significar que é
direito de todos e obrigação do Estado a sua oferta, também está
expresso na LDBEN (1996) em seu art. ao garantir que “A
educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida
familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de
ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da
sociedade civil e nas manifestações culturais”.
Com essa compreensão, as considerações seguintes trazem
aspectos dessa revisão e análise da literatura, afirmando o valor dos
conhecimentos apropriados pelos alunos da EJA como ponto de
256
partida para novas vivências e aprendizagens no contexto da educação
escolar.
Reflexões sobre educação humanizadora:
implicações da teoria histórico-cultural para os processos de EJA
Neste texto, a perspectiva é tecer articulações entre EJA e
humanização, mediante aproximações entre princípios da Teoria
Histórico-Cultural e pressupostos elaborados por Freire (1967, 1996,
2005). Conforme Vargas e Gomes (2013), essa aproximação se
expressa por meio pela consideração do sujeito como historicamente
constituído, como agente de seu processo de desenvolvimento.
De acordo com Vygotsky (2008), o sujeito é ativo e
interativo, pois constrói conhecimento e constitui-se por
meio das relações interpessoais. É na troca com outros
sujeitos e consigo mesmo que seus conhecimentos, papéis
e funções sociais vão sendo internalizados, possibilitando a
construção de novos conhecimentos e o desenvolvimento
da personalidade e da consciência.
Freire (2007, 2008) compreende o ser humano como
um ser histórico, social, inconcluso, capaz de ter não
apenas sua atividade, mas a si mesmo como objeto de
consciência. Na condição de estar sendo, o ser humano
compara, valoriza, intervém, escolhe, decide, fazendo-se ser
ético. (VARGAS; GOMES; 2013, p. 451)
É, portanto, no contexto de uma conjuntura definida por
marcantes situações de desigualdade, em especial, de difereas
sociais, econômicas e de acesso aos bens culturais, que se firmam os
257
fenômenos de analfabetismo absoluto e de baixa escolarização de
amplo segmento da população brasileira.
Em sociedades assim constituídas, é o uso da palavra, escrita
ou falada, produto da atividade humana coletiva, uma capacidade
necessária a se desenvolver, não apenas para possibilitar o diálogo e a
pluralidade de vozes, mas principalmente para a dignificação da
pessoa, para a apropriação de signos culturais, valorizando as histórias
de vida e a identidade sociocultural, de forma a consolidar o proceso
de humanização. Sob esse ponto de vista, não é exagero afirmar que é
pela educação que o homem se faz humano, ao menos no sentido de
busca de racionalidade como elemento de distinção de outros
animais. O momento da sociedade brasileira exige isso, mais do que
nunca. Sem a capacidade de ler e escrever não que se falar, também,
em liberdade de expressão ou em democracia como valor universal.
Esses pressupostos se revelam presentes no contexto das
políticas para a EJA, podendo-se compreendê-los como constituintes
do espírito da legislação brasileira, a partir de documentos tais como
a LDBEN (BRASIL, 1996) e o Parecer n. 11/2000 sobre as Diretrizes
Curriculares para a Educação de Jovens e Adultos (BRASIL, 2000).
No entanto, na prática, a consolidação dessas políticas não se efetiva,
observando-se fechamentos de classes e vagas na EJA, reforçando a
desigualdade, pela supressão de direitos teoricamente reconhecidos.
A EJA é respaldada por meio do art. 37 da LDBEN (BRASIL,
1996), segundo a qual “[...] a educação de jovens e adultos será
destinada àqueles que não tiveram acesso ou continuidade de estudos
no ensino fundamental e médio na idade própria”, devendo ser
promovida de forma gratuita, considerando uma educação que
atenda às características dos alunos, assim como seus interesses, como
258
vivem e trabalham. Em acréscimo, essa educação tem por finalidade
propiciar o acesso e a permanência daqueles que trabalham no seio da
escola, por meio de ações que a garantam seus direitos sociais e seu
desenvolvimento humano.
O Parecer 11/2000, do Conselheiro Carlos Roberto Jamil
Cury, via Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de
Educação, CEB/CNE, analisa as Diretrizes Curriculares para a
Educação de Jovens e Adultos (BRASIL, 2000), esclarecendo que:
Não se pode considerar a EJA e o novo conceito que a
orienta apenas como um processo inicial de alfabetização.
A EJA busca formar e incentivar o leitor de livros e das
múltiplas linguagens visuais juntamente com as dimensões
do trabalho e da cidadania (BRASIL, 2000, p. 9-10)
Para além, o Parecer contribui para a defesa e a promessa de
uma educação para todos e que, pelas relações estabelecidas pelos
alunos, os mesmos ampliem seus conhecimentos para o trabalho e a
cultura.
[...] a educação de jovens e adultos representa uma
promessa de efetivar um caminho de desenvolvimento de
todas as pessoas, de todas as idades. Nela, adolescentes,
jovens, adultos e idosos poderão atualizar conhecimentos,
mostrar habilidades, trocar experiências e ter acesso a novas
regiões do trabalho e da cultura (BRASIL, 2000, p. 10).
Quanto à humanização, segundo Mello (2004), considerar o
ser humano como um ser histórico-cultural e em construção envolve
259
a compreensão de que, por meio das relações estabelecidas com os
outros e com a cultura historicamente acumulada, cada pessoa
constitui-se humanamente e desenvolve novas habilidades, capacida-
des e aptidões necessárias para viver de acordo com o momento
histórico.
Trazendo a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) para
a reflexão, criada para ser referência para elaboração dos currículos
escolares, ela determina quais são as aprendizagens essenciais que
todos os alunos devem desenvolver enquanto estiverem na educação
básica. O fragmento abaixo do texto introdutório do documento
destaca a importância de um plano educacional voltado para quem
não pode concluir os estudos em idade considerada apropriada:
De forma particular, um planejamento com foco na
equidade também exige um claro compromisso de reverter
a situação de exclusão histórica que marginaliza grupos
como os povos indígenas originários e as populações das
comunidades remanescentes de quilombos e demais
afrodescendentes e as pessoas que não puderam estudar
ou completar sua escolaridade na idade própria (BNCC,
2019, p. 15-16).
No entanto o documento referencia crianças, adolescentes,
jovens e adultos, mas não contempla especificamente a modalidade
de ensino da EJA, pois não é apresentado no decorrer do texto
reflexões sobre as singularidades desse público.
A rigor, o processo de construção da BNCC é um grande
exemplário de desacertos relativamente a essa instância da educação
básica. Na sua primeira versão (2015) não se notou formulação
260
minimamente consistente sobre a especificidade da EJA. Embora o
documento fizesse referência à busca de garantia, para todos, dos
“direitos de aprendizagem”, a equidade, a diversidade de sujeitos e,
como dito, a sua especificidade, foram absolutamente desconsi-
deradas.
Somente na segunda versão (2016) a EJA aparece, de forma
lacônica, na expressão “crianças, adolescentes, jovens e adultos”.
Igualmente, o desencontro se confirma na terceira versão (2017) e,
surpreendentemente, na versão da BNCC para o Ensino Médio
(2018), parecendo confirmar a sua inadequação para a EJA, pela
absoluta negligência com essa instância educativa.
Podemos constatar eno que uma lacuna uma vez que as
necessidades e interesses divergem entre as faixas etárias e fica
entendido que deve ser seguido o mesmo que é estabelecido para
quem cursa a escola em idade regular que não um programa
específico para a EJA. Parece valer tudo, inclusive a infantilização do
adulto, problema pedagógico recorrente na oferta desse ensino. Do
mesmo modo, esse descuido na BNCC parece justificar o fechamento
de vagas e salas de aula dessa modalidade de ensino.
Ainda que se pense que garantir os conteúdos destinados a
todas as pessoas certifica as diferentes modalidades da Educação
Básica garantindo os mesmos direitos de aprendizagem, refletir os
prejuízos dessa falta de especificidade se faz necessário, a justificar o
objeto desse estudo.
elementos que precisam ser considerados para garantir a
equidade de aprendizagem. Apontamos que uma ausência da
observância à singularidade das pessoas que se matriculam na EJA e
também falta de especificidade sobre quais conteúdos seriam
261
realmente relevantes diante dos objetivos pessoais que fizeram esse
aluno retornar à escola. Muitas vezes o retorno se devido ao
mercado de trabalho, acesso ao ensino superior ou, principalmente,
necessidades subjetivas individuais como adquirir um mínimo de
autonomia na velhice, sendo impossível ver esse aluno com os
mesmos olhos que são voltados para crianças. Essa falta de
direcionamento problematiza a ausência da especificidade dessa
modalidade.
Para justificar a incapacidade e a inércia para melhor
encaminhamento do problema, o governo federal publica, três anos
depois, a Resolução n. 01/2021, de 25 de maio de 2021, instituindo
Diretrizes Operacionais para a EJA, a pretexto de alinhar seus
pressupostos com a Política Nacional de Alfabetização e com a
BNCC.
São definidas quatro modalidades: EJA Presencial; EJA na
Modalidade Educação a Distância (EJA/EaD); EJA articulada à
Educação Profissional (cursos de qualificação profissional ou de
Formação Técnica de Nível Médio); e, EJA com Ênfase na Educação
e Aprendizagem ao Longo da Vida.
Nota-se a reafirmação, ainda que de forma sutil, de políticas
voltadas à minimização do papel do Estado no desenvolvimento de
ações específicas para essa área de conhecimento, a julgar pela
incapacidade do sistema público de atendimento, por exemplo, das
demandas relativas à EJA articulada à Educação Profissional, seja
pelas restrições orçamentárias na área de Educação, em geral, seja pelo
abandono do processo de expansão do sistema de ensino via institutos
federais de educação e tecnologia, forma reconhecida como
perspectiva de o Estado cumprir a sua função social e política, em
262
contraposição à entrega dessa dimensão da EJA para a iniciativa
privada.
Observa-se ainda, pelo olhar mais crítico, certa deturpação do
paradigma de Educação Para Todos ao Longo da Vida, instituído pela
UNESCO em decorrência da Declaração Universal de Direitos
Humanos e da V Conferência Internacional de Educação de Adultos,
a V CONFINTEA, realizada em Hamburgo, em julho de 1997. Na
forma da Resolução citada, EJA com Ênfase na Educação e
Aprendizagem ao Longo da Vida, pode-se concluir pela mera
certificação de situações instrucionais às quais os sujeitos se submetem
informalmente ao longo da existência, o que, embora tenha algum
valor formativo, de certo modo deturpa o paradigma internacional de
educação como instância de Direito Público Subjetivo. Ou será mero
acaso a exclusão da expressão “Para Todos” comparativamente às
prerrogativas da UNESCO?
Não seria ponderado concluir que a inclusão específica da EJA
no âmbito da BNCC seria a pronta solução para avanços
significativos dessa modalidade, porém a ausência da especificidade
corrobora para refletirmos o quanto a EJA ainda está marginalizada
pelas políticas públicas, tornando difícil acatar o discurso segundo o
qual o documento seja democrático e coletivo, uma vez que não está
voltado para todos, visando suas especificidades e particularidades.
Nessa direção, reflexões sobre uma educação humanizadora
para a EJA requerem entendimento sobre quais motivos orientam
jovens e adultos a retornarem para a educação escolar, e essa é uma
das primeiras ações dialógicas que deve acontecer nas salas de aula,
pois conforme afirma Vygotsky:
263
Necessidade é o ponto de partida para a aprendizagem,
para o querer aprender. O adulto é movido pelas
necessidades. Essas necessidades surgem, através das suas
experiências concretas, das suas atividades práticas.
(MOVIMENTO, 1994, p.4)
E continuando:
A preocupação com os princípios da Teoria Histórico-
Cultural em relação ao desenvolvimento da aprendizagem
do sujeito, no caso, o valor a ser dado às necessidades do
aluno-adulto, alia-se a um outro dado a ser considerado: o
aspecto social desse sujeito (ARENA, 2009, p.62).
Estudos que visam à compreensão integral do aluno-adulto
das classes de alfabetização fazem história desde as ações de Paulo
Freire, portanto, ao compreender que esse aluno não é uma “tábula
rasa”. Como afirma Freire (2005), torna-se fundamental reconhecer
seus saberes e vivências e buscar criar neles novas necessidades de
conhecimento.
Na EJA, os jovens e adultos pouco ou não escolarizados
oriundos, portanto, de uma cultura não escolar –, ao
ingressarem na escola, terão que se inserir e interagir com
os modos de funcionamento particulares da instituição.
Entretanto, o aprendizado desses sujeitos inicia-se muito
antes de frequentarem a escola, uma vez que eles aprendem
a lidar com as situações, as necessidades e as exigências
cotidianas da sociedade contemporânea. Portanto, quando
começam a estudar, tiveram experiência com medidas,
264
cálculos matemáticos, materiais impressos, língua materna
falada, ferramentas de trabalho e equipamentos elétricos
e/ou eletrônicos (VARGAS; GOMES; 2013 p. 453).
Essas ideias ratificam as argumentações de Freire (1996), de
acordo com o qual ensinar exige saber escutar e também
disponibilidade para o diálogo. Para Freire, dialogar é interagir com
o outro, respeitá-lo em sua forma de ser, é acolher suas necessidades e
dispor-se a construir uma nova história junto com o outro, a partir da
história que cada um traz consigo.” (PIN, 2014, p. 79).
Essas ações didáticas são essenciais na EJA, pois muitas vezes
os alunos chegam envergonhados pela condição de procurar o ensino
após anos sem frequentar a escola, e o diálogo e a escuta de seus
conhecimentos, interesses e necessidades podem motivá-los a
permanecer no espaço escolar.
Paulo Freire realiza esta conexão entre a educação popular e a
EJA na perspectiva de que não é possível realizá-la sem considerar as
especificidades dos sujeitos:
Não é possível a educadoras e educadores pensar apenas os
procedimentos didáticos e os conteúdos a serem ensinados
aos grupos populares. Os próprios conteúdos a serem
ensinados não podem ser totalmente estranhos àquela
cotidianidade. O que acontece, no meio popular, nas
periferias das cidades, nos campostrabalhadores urbanos
e rurais reunindo-se para rezar ou para discutir seus direitos
–, nada pode escapar à curiosidade arguta dos educadores
envolvidos na prática da Educação Popular (FREIRE,
2001, p. 16).
265
Segundo Galli e Braga (2017), para transpor a educação
bancária” e “a relação opressora”, que está presente na relação
professor /a e alunos /as, Freire (2003), é necessário uma proposta de
educação na qual os estudantes possam exercer o direito à fala, tendo
essa fala considerada e valorizada, e escutada por todos que fazem
parte do processo educativo pautado em uma relação horizontal.
[…] a educação problematizadora se torna uma forma de
libertação da relação entre opressor e oprimido ao
possibilitar que as pessoas se humanizem e busquem
conscientizar-se e compreender a realidade de forma crítica
...”. Para Freire (2003) a conscientização, como um
processo, acontece a partir do diálogo constituído entre as
pessoas (GALLI; BRAGA; 2017).
Assim, a proposta de Freire (2003) é para uma educação
problematizadora, que acredita que os educandos têm a capacidade
de se expressarem, de aprenderem e de ensinarem e que educadores e
educandos aprendem e ensinam nas relações entre eles, permeadas
pelo diálogo. (GALLI; BRAGA; 2017).
Tais situações também estão ligadas aos docentes da EJA,
contemplados no percurso da pesquisa, e nos move a refletir sobre o
lugar que esse educador ocupa e o que ele tem feito para contribuir
para um ensino que garanta a aprendizagem e o desenvolvimento de
seus alunos. Assim, destacamos que:
Faz parte, pois, do trabalho do professor universitário ou
de EJA, buscar caminhos pedagógicos que não se pautem
apenas pela exposição de conteúdos de maneira tradicional,
266
mas que busquem diversos recursos didático-pedagógicos,
na tentativa de ampliar as possibilidades de uso desses
recursos pelos educandos, a partir de suas demandas e
interesses, de forma mais apropriada às suas condições de
vida (MEDEIROS; ARAÚJO, 2019, p.8).
A humanização na EJA está integrada à escuta e ao diálogo e
corrobora com o que Freire (1996, p. 61) afirma: “Escutar [...],
significa a disponibilidade permanente por parte do sujeito que escuta
para a abertura à fala do outro, ao gesto do outro, às diferenças do
outro”.
Seria necessário, portanto, a elaboração das ações pedagógicas
que trouxessem o debate entre individualização e personalização, pois
como afirma Arena (2010), “entre trabalho individual e trabalho
personalizado, o respeito ao singular se situa na personalização,
especialmente quando se trata de idosos, pois têm a história de vida
construída”. Exemplificando:
O olhar personalizado e singular para o aluno-idoso na sala
de aula traz, com ele, as opções de práticas pedagógicas que
reordenam, recuperam, re-valorizam e re-significam a
cultura, os costumes antigos e os mais recentes, os desejos
velhos e novos, as expressões linguísticas impregnadas de
infância e outras mais (ARENA, 2010, p.59).
Isso significa que ao cultivar a escuta como ação didática na
EJA, o professor pode constituir cenários para o diálogo, para as
trocas, para o aprender juntos, criando condições para os jovens e
adultos socializarem o que sabem e sobre seus motivos para
267
aprender, para que assim possam constituírem-se como seres
humanos e produzirem cultura.
Em Freire (1996, p. 29), vislumbramos que: [...] nas
condições de verdadeira aprendizagem os educandos vão se transformando
em reais sujeitos da construção e da reconstrução do saber ensinado, ao
lado do educador, igualmente sujeito do processo”.
Entretanto, como sujeitos do processo de ensino e
aprendizagem, educador e educando precisam na dialogicidade,
preconizada por Paulo Freire, serem sujeitos “críticos, curiosos,
humildes e persistentes”, formando-se humanamente.
A educação, assim construída, não será alicerçada na
transferência do saber do professor para o sujeito da EJA, mas pautada
no conhecimento que estes sujeitos trazem da vida, das suas angústias
e desejos, de tudo que vivenciaram e daquilo que esperam e buscam
ao retornarem aos estudos, a maioria após jornadas difíceis de
trabalho.
Pensando na “própria história dos sujeitos”, acreditamos que
a educação acontece em outros lugares e nas experiências ao longo da
vida e que essas experiências precisam ser consideradas por nós
professores, então, o que é vivido fora da escola precisa adentrar a esta
e fazer parte do currículo para ir além, buscando o conhecimento
produzido ao longo da vida, afirmado por VIGOTSKY (2010, p.
456) apud Martinez (2017):
No fim das contas, a vida educa, e quanto mais
amplamente ela irromper na escola mais dinâmico e rico
será o processo educativo. O maior erro da escola foi ter se
fechado e se isolado da vida com uma cerca alta. A
educação é tão inadmissível fora da vida quanto a
268
combustão sem oxigênio ou a respiração no vácuo. Por isso
o trabalho educativo do pedagogo deve estar
necessariamente vinculado ao seu trabalho criador, social e
vital (VIGOTSKY, 2010, p. 456).
Com esta afirmação, fica evidente que não é possível
apresentar e trabalhar com conteúdos e “atividades” de outras turmas
e modalidades de ensino, e sim, de acordo com os documentos
oficiais, realizar um trabalho com os sujeitos da EJA respeitando o
que trazem de conhecimento e a partir destes conhecimentos “discutir
com os alunos a razão de ser de alguns desses saberes em relação com
o ensino dos conteúdos” (FREIRE, 1999, p.33). Com reflexão, ética
e criticidade, professor e aluno podem ampliar o conhecimento de
mundo e buscar um olhar crítico para a realidade com a qual se
deparam todos os dias, podendo assim, buscar mudar essa realidade.
Do mesmo modo que é um grande equívoco a escola e seus
professores pretenderem ensinar conteúdos prontos e
selecionados sem escutar os estudantes, também é um
grande erro a posição espontaneísta que defende que a
escola deve ensinar exclusivamente aquilo que os
estudantes querem. No primeiro caso, estamos lidando
com uma concepção de conteúdos definidos arbitraria-
mente, sem levar em conta os educandos concretos. No
segundo caso, se es lidando com conteúdos que
respondem, meramente, a interesses individuais que, por
vezes, não se conectam às situações-limites dos educandos
e a perspectivas de superão (SAUL; GIOVEDI; 2015,
p.139).
269
Assim, muitos questionamentos estão intrínsecos nessas
reflexões, como por exemplo: em qual momento da vida os sujeitos
da EJA “deixaram” a escola regular ou ainda, será que tiveram acesso
a ela?
E aqui estabelecemos um paralelo com a Educação Infantil:
as políticas públicas necessitam voltar seus esforços para a garantia de
vagas e de permanência da criança na escola para que possa, em uma
escola de qualidade, tornar-se sujeito no processo de ensino e
aprendizagem e ser entendida como um ser capaz de aprender e de
produzir cultura, continuamos com Paulo Freire:
[…] a educação não é a alavanca da transformação social,
mas sem ela essa transformação não se dá. Nenhuma nação
se afirma fora dessa louca paixão pelo conhecimento, sem
que se aventure, plena de emoção, na reinvenção constante
de si mesma, sem que se arrisque criadoramente. Nenhuma
sociedade se afirma sem o aprimoramento de sua cultura,
da ciência, da pesquisa, da tecnologia, do ensino. E tudo
isso começa com uma pré-escola (Freire, 1993, p.53).
As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil
(2010, p. 1), estabelece que a criança seja:
Sujeito histórico e de direitos que, nas interações, relações
e práticas cotidianas que vivência, constrói sua identidade
pessoal e coletiva, brinca, imagina, fantasia, deseja,
aprende, observa, experimenta, narra, questiona e constrói
sentidos sobre a natureza e a sociedade, produzindo cultura
(BRASIL, 2010, p. 1).
270
Contudo, como para a escola de Educação Infantil a
necessidade de ter o conceito de criança pautado nas relações e nas
vivências de um sujeito histórico e de direitos, sendo protagonista do
seu processo de aprendizagem e que produz cultura, como preconiza
a Teoria Histórico-Cultural, os jovens e adultos da EJA também
necessitam ser pensados nessa perspectiva de sujeitos históricos e
capazes, sendo considerada sua história de vida, os processos vividos
e as razões pelas quais voltou a estudar, o que implica em acolher,
escutar e dar significado ao que falam, pensam e desejam.
Que os educadores da EJA possam, por meio de um olhar
atento e de uma escuta sensível, conhecer e reconhecer a história de
vida de seus alunos, para dar a esses sujeitos visibilidade e avançar em
seus conhecimentos, com o objetivo que os tornem mais autônomos
e que possam enxergar na própria história motivos para estarem na
escola e com acesso a um currículo potencialmente humanizador, que
possam se reconhecer como sujeito de direitos.
A educação como direito, como nos garantem os documentos
da pesquisa, sucinta a relação do acesso à escola motivando a
permanência dos sujeitos nas mesmas para que tenham também
garantido o seu “pleno desenvolvimento da pessoa”, e para que com
isso possam ser reconhecidos e reconhecerem-se como sujeitos da
própria história e de seu país.
Considerações Finais
A educação de Jovens e Adultos é uma modalidade da
educação básica que visa garantir acesso à educação para aqueles que
por algum motivo não conseguiram na idade considerada própria, ou
271
seja, é uma modalidade que visa a superação para uma parcela da
população que em algum momento, por inúmeros fatores, foi vítima
de exclusão, tendo um direito básico negado. Consideramos,
portanto, que desvelar melhor essas exclusões para que possam
nortear as propostas políticas-pedagógicas é um caminho significativo
para prosseguir os estudos acerca do tema, uma vez que essa
modalidade permanece com pouco destaque nas discussões de
políticas públicas.
Como brevemente demonstrado neste texto, a escuta e o
diálogo devem ter lugar privilegiado nas salas de aula da EJA, como
fonte para conhecer os alunos e assim dar voz e vez a eles. São atitudes
e ações didático-pedagógicas essenciais para garantia de uma educação
humanizadora, propiciando novos campos de interpretações e de
pontos de partida para o processo de aprendizagem.
Após as reflexões desenvolvidas, argumentamos sobre as ações
docentes na EJA com base na escuta e no diálogo e que a valorização
da cultura do aluno é a chave para o processo de conscientização
preconizado por Paulo Freire, visando superar as práticas “bancárias”
em direção de uma educação cada vez mais desenvolvente.
Referências
ARENA, Dagoberto Buim. Alfabetização e Gênero: Mulheres idosas e
mulheres crianças. In: CAMARGO, Maria Rosa Rodrigues Martins de;
FURLANETTI, Maria Peregrina de Fátima Rotta. Educação de Pessoas
Jovens e Adultas: múltiplas faces de um projeto educacional. São Paulo:
Cultura Acadêmica Editora/UNESP, 2010, p. 54-69.
272
ARENA, Dagoberto Buim. Alfabetização do aluno-idoso: um desafio
emergente. In: GIROTTO, Cyntia Graziella Guizelim Simões; MIGUEL,
José Carlos. (Orgs.). Abordagens Pedagógicas do Ensino de Linguagens
em EJA. São Paulo: Cultura Acadêmica Editora/UNESP, 2009.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF,
1988.
BRASIL. Lei n. 9394, de 20 de dezembro de 1996. Institui Diretrizes e
Bases da Educação Nacional. Brasília: 1996.
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria da Educação Básica.
Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil: Secretaria de
Educação Básica. - Brasília: MEC/SEB: 2010.
BRASIL. Ministério da Educação. Portal do MEC. Base Nacional
Comum Curricular. Brasília: MEC, 2018. Disponível em:
<http://basenacionalcomum.mec.gov.br/download-da-bncc> Acesso em
julho de 2022.
BRASIL. Ministério da Educação. Conselho Nacional de
Educação/Câmara de Educação Básica. Resolução 01/2021 de 25 de
maio de 2021. Institui Diretrizes Operacionais para a Educação de Jovens
e Adultos nos aspectos relativos ao seu alinhamento à Política Nacional de
Alfabetização (PNA) e à Base Nacional Comum Curricular (BNCC), e
Educação de Jovens e Adultos a Distância. Brasília, MEC, 2021.
Disponível em: <https://www.gov.br/mec/pt-
br/media/acesso_informacacao/pdf/DiretrizesEJA.pdf> Acesso em:
14/08/2022.
BRASIL. Parecer CNE/CPN 11/2000 - Diretrizes Curriculares Nacionais
para a Educação de Jovens e Adultos. Brasília: MEC, 2001.
273
CAMARGO, Maria Rosa Rodrigues Martins de; FURLANETTI, Maria
Peregrina de Fátima Rota (Orgs.). Educação de pessoas jovens e adultas:
múltiplas faces de um projeto educacional. Aportes teóricos, práticas de
formação, contextos produzidos. São Paulo: Ed. UNESPCultura
Acadêmica/Pró-Reitoria de Extensão Universitária. 2010.
FREIRE, Paulo. Educação como Prática de Liberdade. Rio de Janeiro:
Paz e Terra, 1967. Disponível em:
http://www.gestaoescolar.diaadia.pr.gov.br/arquivos/File/otp/livros/educac
ao_pratica_liberdade.pdf. Acesso em: 24 abr. 2022.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática
educativa. 11. Ed. São Paulo: Paz e Terra, 1996. (Coleção Leitura).
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 49. reimp. Rio de Janeiro: Paz
e Terra, 2005.
FREIRE, Paulo. Professora sim, tia o: cartas a quem ousa ensinar. São
Paulo: Olho D’Água, 1993.
GALLI, Ernesto Ferreira; BRAGA, Fabiana Marini. O diálogo em Paulo
Freire: conceões e avanços para transformação social. Quaestio,
Sorocaba, SP, v.19, n. 1, p. 161-180, abr.2017.
GIROTTO, Cyntia Graziella Guizelim Simões; MIGUEL, José Carlos.
(Orgs.). Abordagens pedagógicas do ensino de linguagens em EJA. São
Paulo: Cultura Acadêmica Editora/ UNESP, 2009.
MARTINEZ, A. P. de A. in COSTA, S. A.; MELLO, S. A.
Teoria Histórico-Cultural na Educação Infantil:
conversando com professores e professoras.1ed.- Curitiba,
PR: CRV, 2017.
MEDEIROS, Blenda Carine Dantas de; ARAÚJO, Tiago Mathias de
Souza. Processos de ensino e aprendizagem de jovens e adultos:
Contribuições da teoria histórico-cultural. In: CONEDU- Congresso
274
Nacional de Educação- Avaliação Processos e Politicas, edição, 2019,
Fortaleza. Disponível em:
https://editorarealize.com.br/artigo/visualizar/62191. Acesso em: 24 abr.
2022.
MELLO, Suely Amaral. A escola de Vygotsky. In CARRARA, Kester
(Org.). Introdução à Psicologia da Educação. São Paulo: Avercamp,
2004.
MOVIMENTO DOS TRABALHADORES RURAIS SEM-TERRA
(MST). Alfabetização de Jovens e Adultos: Didática da Linguagem.
Cadernos de Educação. Porto Alegre: Coletivo Nacional de Educação do
MST, v. 4, 1994.
PIN, S. A. Educar o humano: construção do sujeito em Paulo Freire.
Frederico Westphalen: Pluma, 2014.
SAUL, Ana Maria; GIOVEDI, Valter Martins. Currículo e movimentos
sociais: uma prática na escola inspirada na pedagogia de Paulo Freire.
Revista Teias, v. 16.n. 43, p. 135-152, out./dez. 2015: A produção
biopolítica das definições curriculares no Brasil contemporâneo.
VARGAS, Patrícia Guimarães; GOMES, Maria de Fátima Cardoso.
Aprendizagem e desenvolvimento de jovens e adultos: novas práticas
sociais, novos sentidos. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 39, n. 2, p.
449-463, abr./jun. 2013. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S1517-
97022013005000005. Acesso em: 24 abr. 2022.
VYGOTSKY, Lev S. A formação social da mente. O desenvolvimento
dos processos psicológicos superiores. São Paulo: Martins Fontes, 1984.
275
Por uma Metodologia da Amorosidade nas Práticas de
Alfabetização da EJA: cotejos entre Freire e Bakhtin
Ana Caroline Chepak de Souza Ferreira
1
Introdução
A Educação de Jovens e Adultos surge no bojo do Brasil
Império em movimento concretizado por meio de ações esparsas e
descontínuas, inspiradas em um modelo europeu, tendo como
objetivo o reconhecimento e ascensão social por meio da
escolarização. Porém essa ascensão social não incluía a educação das
camadas populares, nesse sentido, temos num primeiro momento
uma ausência de políticas preocupadas com a educação dos sujeitos
trabalhadores, e, consequentemente mais da metade da população
brasileira constituída por analfabetos.
Dessa forma, podemos inferir que a educação em território
brasileiro se realizou em um movimento duplo: para a formação das
elites dirigentes o ensino voltava-se à formação geral, de característica
propedêutica, enquanto que para as camadas populares houve um
movimento de massificação da educação, ou seja, o ensino
caracterizava-se pelo seu aligeiramento, e concentrava-se na a
instrumentalização para o mercado de trabalho.
1 Mestranda em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da
UNESP, Câmpus de Marília. E-mail: ana.chepak@unesp.br.
https://doi.org/10.36311/2023.978-65-5954-389-2.p275-300
276
Em 1881 foi promulgado o Decreto 3029 que
posteriormente ficou conhecido como a “Lei Saraiva”, lei essa que:
[...] proibiu o voto de analfabetos, além de ter adotado
eleições diretas para todos os cargos eletivos do Império:
senadores, deputados à Assembleia Geral, membros das
Assembleias Legislativas Provinciais, vereadores e juízes de
paz. Estabeleceu ainda que os imigrantes de outras nações,
em particular a elite de comerciantes e pequenos
industriais, e os que não fossem católicos, religião oficial
do Império, poderiam se eleger, desde que possuísse renda
não inferior a duzentos mil réis. [...] na primeira eleição
sob o império da lei Saraiva, em 31 de outubro de 1881,
compareceram 96.411 eleitores, para um eleitorado de
145.296, menos de 1,5% da população e menos de 1%, se
considerados os eleitores comparecentes (BRASIL, 1881).
As consequências dessa legislação para a educação brasileira
surgiram no sentido de que na medida em que os cidadãos eleitores
precisavam dominar a leitura e a escrita, a instrução ganhou ainda
mais um valor simbólico na sociedade e o analfabetismo tornou-se
caso de vergonha e calamidade, e consequentemente, o sujeito
analfabeto passou a ser enxergado como um marginal, não
participante de seu contexto social e digno de pena.
Os reflexos dessa supervalorização da alfabetização podem ser
observados até hoje pois grande parcela da sociedade ainda
compreende a Educação de Jovens e Adultos como meras práticas de
alfabetização de jovens e adultos.
277
Atualmente temos observado na escola um aumento da carga
horária de português e matemática com a defesa de que são as
disciplinas exigidas no mercado de trabalho mesmo que não haja
emprego para todos e ainda, um apagamento das disciplinas que
permitem reflexões sócio filosóficas do currículo escolar, ou seja,
uma tendência a formação irreflexiva dos sujeitos da EJA.
Nesse sentido, esses estudantes se deparam ora com práticas
infantilizadas de alfabetização, ora com práticas extremamente
positivistas desvinculadas da vida cotidiana. Assim, acabam
encontrando dificuldades no processo de atribuição de sentidos e
construção de saberes. Dessa forma, perde-se a essência da educação
como educação humanizadora e ao longo da vida, de oferecimento
obrigatório pelo Estado, uma instância de Direito Público Subjetivo.
Não é possível ensinar o conteúdo desvinculado da vida.
Ensinar de forma racionalizada, por meio de fórmulas, de exemplos
desvinculados do cotidiano. É necessário ensinar por meio da
utilidade desse conhecimento. Assim, é possível valorizar a bagagem
trazida pelo aluno e mobilizá-lo como sujeito de sua aprendizagem.
Portanto, faz-se necessário o reconhecimento da cultura como
matriz da educação, ou seja, o professor deve partir da vida do povo
e problematizar essa vivência, transformando-a em conhecimento
científico.
Buscando esse entrelaçamento entre a vida dos sujeitos da EJA
e a educação como compromisso com o trabalho científico, o presente
texto tem como objetivo estabelecer um diálogo entre Freire e
Bakhtin buscando trazer suas proposições acerca da apropriação da
leitura e da escrita numa perspectiva humanizadora, dialógica e de
valorização do outro.
278
Para tanto, no tópico a seguir A linguagem como troca entre
sujeitos únicos”, para compor nosso referencial teórico, iremos explorar
conceitos bakhtinianos e freireanos atentando o olhar para a
importância da educação como prática dialógica entre sujeitos
singulares, localizados historicamente e mediatizados pelo mundo.
No desenvolvimento de nosso trabalhoPor uma educação ao
longo da vida: tecendo possibilidades de práticas em sala de aula da EJA”,
traremos algumas reflexões acerca do processo da apropriação da
leitura e da escrita atrelados ao âmbito da sala de aula, destacando o
papel das políticas públicas, da escola, do professor e do aluno no
processo de ensino e aprendizagem.
Por fim, nas considerações finais pudemos perceber que,
devido a uma constituição histórica de políticas dispersas e
descontínuas, a EJA como modalidade educacional ainda carece de
compreensão por parte do Estado e da sociedade como um todo, pois
ora é vista como próxima a Educação Infantil, ora próxima ao Ensino
Médio.
Dessa forma se faz necessário pensar em um currículo que seja
vivo, que acompanhe a vida dos sujeitos envolvidos no processo de
ensino e aprendizagem. Pensar em um Estado de bem-estar social para
além de um discurso do politicamente correto, mas de fato como ação
de combate à desigualdade, de promoção de uma sociedade humana
e justa, onde a educação é compromisso político.
A linguagem como troca entre sujeitos únicos
Mikhail Bakhtin (1895-1975) foi um filósofo russo que
revolucionou o campo da linguagem por meio dos seus estudos acerca
279
dos gêneros do discurso. Para o autor, é impossível analisar a
linguagem por meio de uma perspectiva formalista pois ela não é
passível de classificação, a linguagem é viva e pulsante e tem como
raiz as situações concretas da vida, ou seja, a linguagem emerge na
troca entre sujeitos imersos na cultura.
Paulo Freire (1921-1997) foi um grande educador brasileiro
que assim como Bakhtin, tinha um compromisso em refletir sobre a
vida dos homens. Para ele, a estruturação da sociedade conduziu a
dominação das consciências, ou seja, uma consciência dominante,
pertencente à elite, que oprime a classe popular. Nesse sentido, um
trabalho educativo comprometido com a libertação, com a
transformação social, deve necessariamente partir da ótica dessa
parcela da população excluída dos espaços escolares. Não se trata de
uma pedagogia para o oprimido, mas sim que parta dele e
problematize a realidade.
Bakhtin propõe um novo olhar para a linguagem, criticando
os estruturalistas e formalistas russos, enquanto Freire propõe uma
nova pedagogia, posicionando-se contra a consciência dominante,
trazendo a educação a partir da vida dos oprimidos. Dessa forma,
podemos perceber que a convergência entre os autores está justamente
no fato deles se posicionarem no âmbito da vida prática para criticar
a vida teórica.
Esse posicionamento, esse olhar para a vida da classe popular,
não significa negar o conhecimento científico, mas sim entender que
ele não é a única forma de conhecimento. Entender que assim como
ciência no trabalho do médico e do físico, também cncia no
trabalho do pedreiro, da quituteira, do cabeleireiro, etc. Entender que
o alimento da ciência está justamente na cultura popular.
280
A importância do resgate da valorização da cultura popular no
âmbito da educaçãono caso deste trabalho, de refletirmos acerca do
processo de alfabetização de jovens e adultos está no fato de
tomarmos como ponto de partida a concepção de linguagem trazida
por Bakhtin.
O autor indica que, ao se analisar uma obra literária, é
necessário atentarmos nosso olhar não em busca de uma estruturação
textual, mas sim aos laços, aos elos, às ligações entre a obra e a cultura.
Desse modo ele realiza uma crítica ao termolinguística, na medida
em que a linguística trata dos fatos da língua como um sistema
organizado, uma língua estruturada e imóvel. Assim, apropria-se do
termo linguagem como um conjunto em movimento que envolve o
relacionamento com o outro, articulando-se em enunciados.
Esses enunciados da linguagem não são equivalentes às
orações da linguística, pois os enunciados são vivos, modificam-se
devido às situações de vida e possuem uma parte material e imaterial.
As orações, analisadas de uma perspectiva linguística são fixas,
passíveis de classificação, imutáveis. Se em um exercício de português
nos é pedido para analisar a oração: “os indígenas usaram da violência,
para que não invadissem suas terras durante o descobrimento do
Brasil” iremos chegar à conclusão de que se trata de uma oração
subordinada adverbial final.
Porém, o enunciado parte das situações de vida de sujeitos
reais; portanto é ideológico e exige uma resposta. Dessa forma,
olhando de uma perspectiva da filosofia da linguagem precisamos
refletir acerca do processo de invasão portuguesa, do massacre dos
povos originários, talvez até problematizar o porquê do enunciado
trazer a figura do indígena como violento e nem sequer mencionar a
281
figura do invasor português. Entender que a invasão europeia, o
avanço do capitalismo – e consequentemente do desmatamento são
fatores que até hoje, contribuem para o apagamento dos povos
originários e de sua história.
Assim, com a finalidade de construir uma compreensão acerca
dos enunciados, iremos agora explorar o conceito de signo ideológico.
Todo signo é signo ideológico pois faz parte da cultura, e por fazer
parte da cultura tem um significado. Esse significado garante uma
estabilidade ao signo, porém o que se manifesta nunca é o significado
e sim o sentido.
Por exemplo, ao pensarmos na palavra mesa, o que seria uma
mesa? O seu significado consiste num objeto mobiliário constituído
por um tampo sob suportes ou pés. Mas então a escrivaninha ou um
balcão também se constituem em uma mesa? E o conceito de mesa
redonda? A mesa redonda consiste numa discussão em que todos os
sujeitos se encontram em de igualdade para estabelecerem
diálogos. A manifestação do signo nunca é seu significado, e sim o
sentido. Esse sentido é temperado por quem fala e quem escreve, e,
como consequência está carregado de valores e da cultura de quem o
manipula.
Dessa forma, o signo continua sendo aquele signo pois tem o
significado que o mantém, porém, o sentido se altera dependendo do
lugar, das pessoas e da situação que está sendo empregado. Portanto,
os enunciados consistem na manifestação objetiva e concreta, no
conjunto de signos ideológicos direcionados para o outro.
Em sua obra Gêneros do discurso, Bakhtin indica o enunciado
como unidade da comunicação discursiva, apresentando suas três
282
principais peculiaridades como sendo: a) a alternância dos sujeitos
falantes; b) a conclusibilidade; c) a escolha de um gênero discursivo.
Nos debruçaremos agora sob a primeira característica: a
alternância dos sujeitos falantes. Para o autor, todo enunciado possui
limites absolutamente precisos, o sujeito falante termina sua palavra
para receber a contrapalavra do outro, ou ao menos uma compreensão
ativamente responsiva.
Todo enunciado da réplica sucinta (monovocal) do
diálogo cotidiano ao grande romance ou tratado científico
tem, por assim dizer, um princípio absoluto e um fim
absoluto: antes do seu início, os enunciados dos outros;
depois do seu término, os enunciados responsivos de
outros (ou ao menos uma compreensão ativamente
responsiva silenciosa do outro, ou, por último, uma ação
responsiva baseada nessa compreensão) (BAKHTIN,
2016, p.29).
A conclusibilidade específica do enunciado indica sua
possibilidade de resposta, ou seja, de ocupar em relação a ele uma
posição responsiva. Esse acabamento do enunciado é determinado
por três elementos ligados de maneira intima em sua totalidade: 1) a
exauribilidade semântico-objetal; 2) o projeto de discurso ou vontade
de discurso do falante; 3) as formas típicas da composição e do
acabamento do gênero.
O primeiro elemento indica o caráter inesgotável dos temas
dos enunciados que vai se diferir nos diversos campos da comunicação
discursiva. O segundo elemento relaciona-se à intenção discursiva do
falante, pois essa intenção determina tanto a própria escolha do objeto
283
quanto os seus limites e a sua exauribilidade semântico-objetal
(BAKHTIN, 2016, p.37), o terceiro e último elemento trata da
escolha de determinado gênero do discurso realizada pelo falante, ou
seja, de que forma se construirá o enunciado.
Em síntese, o enunciado não é conclusivo, pois ele precisa
estar aberto para respostas. A conclusibilidade se pela capacidade
responsiva e dos sujeitos. Ou seja, a completude do enunciado se
pelo enunciado do sujeito outro.
A terceira peculiaridade do enunciado se concretiza na seleção
de um gênero do discurso por parte do falante. Ou seja, é escolhida
uma forma discursiva determinada pela especificidade de um dado
campo temático, pela situação concreta, pela composição dos
participantes, etc. E em seguida, o falante com toda sua
individualidade e subjetividade adapta-se ao gênero escolhido e o
diálogo se constitui em determinado gênero discursivo.
Assim, enunciados se articulam em gêneros do discurso,
nascendo por meio das relações entre as pessoas.
A língua materna sua composição vocabular e sua
estrutura gramaticalnão chega ao nosso conhecimento a
partir de dicionários e gramáticas, mas de enunciados
concretos que nós mesmos ouvimos e nós mesmos
reproduzimos na comunicação discursiva viva com as
pessoas que nos rodeiam. Assimilamos as formas da língua
somente nas formas dos enunciados e justamente com essas
formas. As formas da língua e as formas típicas dos
enunciados, isto é, os gêneros do discurso, chegam à nossa
experiência e à nossa consciência juntas e estreitamente
vinculadas. Aprender a falar significa aprender a construir
284
enunciados (porque falamos por enunciados e não por
orações isoladas e, evidentemente, não por palavras
isoladas) (BAKHTIN, 2016, p.38-39).
Podemos encontrar muito de Freire nessa citação,
principalmente quando ele escreve o que seria um de seus enunciados
mais populares “a leitura do mundo precede a leitura da palavra”.
(FREIRE, 1989). Percebemos então, que os enunciados não estão
somente nos escritos, mas também compõem os diálogos, e esses
diálogos estão banhados em determinada cultura e em determinada
situação histórica, constituindo-se em ideológicos.
Freire afirma que o diálogo é um encontro de homens,
mediatizados pelo mundo para pronunciá-lo, não se esgotando na
relação eu-tu (2019, p.109). Isso significa que a existência humana
não pode ser silenciosa, o existir humano exige uma pronúncia
transformadora.
Para tanto, esse diálogo transformador concretiza-se pela
palavra, palavra essa que não é qualquer palavra, ela é palavra-práxis,
é palavra ão-reflexão. Não pode pender para o lado da pura ão,
pois torna-se ativismo, assim como não pode pender para o lado da
pura reflexão pois torna-se uma mera palavra alienada e alienante. Se
essa palavra perde uma de suas dimensões o diálogo entre os sujeitos
no mundo se torna impossível.
Foi dessa forma que Paulo Freire alfabetizou centenas de
adultos: por meio de um diálogo amoroso que teve como ponto de
partida a investigação da vida do povo. Nosso grande Patrono da
Educação desenvolveu um método de alfabetização baseado nas
experiências de vida das pessoas.
285
Assim, ao invés de seguir as cartilhas de alfabetização, Freire
trabalhou com temas geradores que partiam da realidade de
determinado grupo de alunos. Por exemplo, um trabalhador rural
poderia aprender “plantação”, “cultivo”, “enxada” e ir ampliando o
repertório a partir da decodificação fonética dessas palavras. Dessa
forma, dividiu o seu método em três etapas, sendo elas: a investigação,
a tematização e a problematização.
Na primeira etapa, professor e alunos buscam no universo
vocabular existente as palavras e temas centrais em que concentrarão
seus esforços. Palavras do cotidiano do grupo. Após essa investigação,
o educador seleciona quais são os grandes temas em que essas palavras
se encontram.
Na etapa da tematização, esses temas antes investigados são
codificados e decodificados por meio de uma compreensão acerca de
seu significado social. Nesse momento, o professor cria associações
entre as palavras e situações da vida corriqueira, podendo apresentar
por exemplo utilizando novamente aqui o exemplo de trabalhadores
rurais imagens de pessoas cultivando para explicar a palavra “horta”,
e ainda, interligar essa “horta” e consequentemente a imagem das
pessoas cultivando – a palavra “enxada”, e assim por diante.
Na terceira etapa, aluno e professor problematizam a realidade
antes conhecida, superando o senso comum e marchando frente à
construção do conhecimento científico. Ou seja, o aluno não
aprenderia apenas a ler e a escrever, como criaria problematizações
acerca do próprio mundo que o cerca como um todo.
Essa atribuição de sentidos às aprendizagens partindo das
problemáticas trazidas pelos alunos foi extremamente inovadora para
um período que buscava conformar os alienados à sua alienação. Além
286
disso, essa aprendizagem temática e problematizadora de Freire tem
muita relação com os ideais acerca do signo bakhtiniano.
O signo se constitui como algo que reflete e refrata uma
realidade exterior, ele vai se consolidar como um conceito que remete
a algo que está fora dele. O signo tem um desenho histórico. Toda
palavra é signo e todo signo é ideológico porque se alguém fala
“casamento”, cada pessoa, grupo social ou sociedade irá enxergar o
casamento de seu determinado cronotopo, com base em sua própria
ideologia.
No caso da morte, ela existe e é universal do ponto de vista
teórico, mas isso adquire sentido e valor para cada um que a
morte do lugar em que ocupa. Todos são mortais, mas o modo de
viver não é. A morte é igual ela mesma, mas cada um a morte de
acordo com o seu lugar no mundo e enxerga isso de acordo com seu
sentido e valor.
Enfim, explorar a realidade dos estudantes e problematizá-la
é torna-la sígnica, pois o signo por mais que tenha um significado,
é apreendido em sua totalidade dependendo da construção profunda
realizada pelo sujeito, construção essa que se concretiza por meio
do valor axiológico do sujeito da aprendizagem, ou seja, do acréscimo
do “seu lugar”, da sua singularidade. O signo se torna signo se além
de seu significado for temperado pelo sentido do sujeito.
Na obra Para uma filosofia do ato responsável”, Bakhtin
afirma que a singularidade faz parte da natureza humana na medida
em que todas as situações de vida são irrepetíveis e logo, únicas. Dessa
forma, os seres humanos possuem uma responsabilidade de agir no
mundo, não porque são obrigados a isso, mas porque na sua ação
existe uma autoria que ninguém é capaz de exprimir. Se pensarmos
287
na frase “não o amo porque é bonito, mas é bonito porque o amo”
conseguiremos perceber que o existir enquanto humano exige uma
relação de não indiferença com os outros, e o lugar que cada um
ocupa o torna responsável.
Podemos relacionar essa autoria bakhtiniana com a pronúncia
transformadora de Paulo Freire, pois ambas as categorias se
relacionam ao ser no mundo, ao agir no mundo não de forma
alienante e alienadora, mas de forma política, compromissada,
pensando no bem-estar da sociedade. Até porque o fundamento do
diálogo é o amor, e para que seja possível estabelecer um diálogo
amoroso e transformador também se faz necessário assumirmos uma
postura de humildade perante o outro.
Ao fundar-se no amor, na humildade, na nos homens, o
diálogo se faz uma relação horizontal, em que a confiança
de um polo no outro é consequência óbvia. Seria uma
contradição se, amoroso, humilde e cheio de fé, o diálogo
não provocasse este clima de confiança entre seus sujeitos
(FREIRE, 2019, p.113).
Bakhtin afirma que somente o amor se encontra em condições
de afirmar e consolidar a diversidade de valor do existir enquanto
humano. Somente o amor pode ser esteticamente produtivo, somente em
correlação com quem se ama é possível a plenitude da diversidade
(BAKHTIN, 2017, p.129).
Dessa forma, cabe agora pensarmos na questão dessa
diversidade, nesse outro que muitas vezes está à margem da sociedade,
está fora das nossas preocupações, está longe de nossos sentidos. Ora
se não temos memória de nosso nascimento e tampouco enxergamos
288
a morte, o que temos é uma abertura incondicional e infinita de si,
dessa forma torna-se de extrema e insubstituível importância a visão
do outro.
Para o filósofo russo, o outro é a possibilidade da completude
humana. O autor vai afirmar que todos somos incompletos, ninguém
consegue enxergar a si mesmo. Dessa forma, o diálogo com o outro
permite um dizer capaz de promover a completude da humanidade.
Essa extra-localização ocupada pelo outro assim como revela
potencialidades, pode revelar ausências em cada um.
Novamente nos deparamos com a questão da significação da
pronúncia de mundo e do ato responsável. Se existe uma unicidade,
uma singularidade construída sócio-historicamente que reside em
cada ser humano, e se esse ser humano é responsável pela completude
do outro ele deve assumir o seu não-álibi no existir e dizer a sua
palavra, porque ninguém jamais o fará.
Freire também afirma que o homem é inconcluso e que busca
constantemente um “ser mais” e destaca o fato de que essa busca não
pode acontecer em solitude, pois os homens se realizam em
comunhão.
Ninguém pode ser, autenticamente, proibindo que os
outros sejam. Esta é uma exigência radical. O ser mais que
se busque no individualismo conduz ao ter mais egoísta,
forma de ser menos. De desumanização. Não que não seja
fundamental repitamos ter para ser. Precisamente
porque é, não pode o ter de alguns converter-se na
obstaculização ao ter dos demais, robustecendo o poder dos
primeiros, com o qual esmagam os segundos, na sua
escassez de poder (FREIRE, 2019, p.105).
289
Sabemos que vivenciamos um contexto capitalista de
desumanização de sujeitos e que alcançar a humanização parece um
caminho impossível, mas a pronúncia precisa alcançar a todos. O
diálogo implica necessariamente na esperança. Distanciar-se dos
monólogos e aproximarmo-nos dos diálogos constituem-se como
práticas fundamentais para alcançarmos a liberdade.
Nesse cenário de busca por um diálogo entre os homens,
enxergamos a necessidade de se desenvolver sujeitos autores que
pronunciem a sua palavra, que concretizem o seu projeto de dizer, e
para tanto precisamos pensar em uma educação capaz de quebrar o
silêncio.
Por uma educação ao longo da vida:
tecendo possibilidades de práticas em sala de aula
Conforme mencionado anteriormente, a convergência entre
os autores pode ser encontrada em seus posicionamentos a favor de
uma valorização da vida prática dos homens, de um afastamento dos
processos educacionais desumanizadores e de um resgate da cultura
popular.
Em Bakhtin, num contexto de Revolução Russa, nos
deparamos com uma crítica aos estruturalistas e formalistas, que
defendiam uma linguística racionalizadora e racionalizante, passível
de análise e classificação, organizada em tipos de texto e
despreocupada com a construção de sentidos.
Dessa forma, o autor irá defender a ideia de que a linguagem
não é passível de explicação teórica pois parte da vida dos homens,
portanto para além de ensinar uma língua formal que separa-se e
290
classifica-se em unidades, deve-se pensar em uma linguagem viva e
móvel, mostrar que ela parte justamente da boca dos outros e que está
sempre em movimento, constantemente servindo como arma
ideológica.
em Freire, encontramos uma crítica a educação bancária
que vinha sendo desenvolvida no Brasil. Uma educação tradicional,
que não buscava problematizar as grandes questões sociais e libertar
os sujeitos de sua condição desigual fruto de um capitalismo
massacrantemas sim, alie-los a sua própria condição.
Dessa forma, o educador irá propor uma pedagogia
libertadora que terá como ponto de partida justamente as questões da
vida cotidiana dos homens, ou seja, uma problematização da realidade
vivenciada, tendo como objetivo a construção do conhecimento
científico. Afinal o alimento do mundo da ciência é o mundo
popular.
Buscando então, essa aproximação da vida à escola,
utilizando-nos do aporte bakhtiniano e freireano, neste tópico
pretendemos construir algumas possibilidades de práticas em sala de
aula que trabalhem em uma perspectiva educacional de liberdade e de
autoria.
No caso do presente trabalho, temos como objetivo
problematizar as questões relacionadas às práticas de alfabetização de
jovens e adultos. Dessa forma precisamos iniciar nossa discussão
pensando que práticas são essas. Como se apresenta o cenário da
alfabetização na EJA?
A escola ao ensinar seu aluno a ler e a escrever se utiliza dos
tipos de textos, que vão funcionar como formas estáveis de escrita com
fórmulas para sua composição, por exemplo: carta, receita, bilhete,
291
etc., porém, essas formas estabelecem um molde, e uma vez que se
escapa desse padrão, automaticamente afasta-se da ciência. Quando
ensinamos na escola, a escrita que oferecemos aos sujeitos nem sempre
faz parte de um diálogo, oferecemos um objeto que não é dialógico,
é um objeto separado.
Existe uma tentativa de impor aos sujeitos uma linguagem
oral e escrita culta que é observada e praticada em documentos, porém
que não são exercidas. Desse modo, professores acabam se
posicionando ao lado das forças centrípetas da linguagem culta e
“asfixiam” a linguagem trazida pelos sujeitos.
Ou seja, o problema é que a escola ignora a realidade, ela cria
a própria realidade e acaba dizimando a vida. Traz no seu objetivismo
racionalista a morte da vida. Por exemplo, ao solicitar um texto escrito
sobre a água o professor tem como objetivo apenas avaliar se o
estudante entendeu que a água é insípida, inodora e incolor. Pouco
importa se a água que o sujeito bebe, lava suas roupas, cozinha seus
alimentos é buscada no rio todo dia pelas manhãs porque em seu
bairro não existe saneamento básico.
Bakhtin argumentará que ensinar o aspecto cnico
desvinculado da vida impossibilita a aquisição do sentido, e dessa
forma, o sujeito atuará como mero reprodutor de um esquema
textual, não estabelecendo uma relação de troca com o mesmo, muito
menos assumindo um ato de autoria.
[...] uma vez que esses esquemas abstratos, mesmo não
sendo apresentados diretamente como reflexo da
comunicação discursiva real, tampouco são completados
por alusões a uma maior complexidade do fenômeno real.
Como resultado, o esquema deforma o quadro real da
292
comunicação discursiva, suprimindo dela precisamente os
momentos mais substanciais. Desse modo, o papel ativo do
outro no processo de comunicação discursiva sai
extremamente enfraquecido (BAKHTIN, 2016, p.26-27).
Nesse cenário, a leitura se torna uma decodificação de códigos
inventados por um outro distante. Esses códigos irão adquirir
significação se, de seu lugar individual, singular, irrepetível, o sujeito
estabelecer uma troca dialógica. Ou seja, o ato de ler precisa tornar-
se uma negociação de sentidos com o outro.
Nessa direção como podemos trabalhar essa negociação de
sentidos com o gênero? Como escapar da teoricização da leitura e da
escrita? Em primeiro lugar se faz necessário compreender a bagagem
sócio-histórica trazida por cada estudante e trabalhar de forma a
ampliá-la. Quanto maior o repertório cultural, mais possibilidades de
se construir diferentes sentidos e atribuir novos “temperos” aos
escritos.
Enquanto ato de conhecimento e ato criador, o processo
da alfabetização tem, no alfabetizando, o seu sujeito. O fato
de ele necessitar da ajuda do educador, como ocorre em
qualquer relação pedagógica, não significa dever a ajuda do
educador anular a sua criatividade e a sua responsabilidade
na construção de sua linguagem escrita e na leitura desta
linguagem. Na verdade, tanto o alfabetizador quanto o
alfabetizando, ao pegarem, por exemplo, um objeto, como
laço agora com o que tenho entre os dedos, sentem o
objeto, percebem o objeto sentido e são capazes de
expressar verbalmente o objeto sentido e percebido. Como
eu, o analfabeto é capaz de sentir a caneta, de perceber a
293
caneta e de dizer caneta. Eu, porém, sou capaz de não
apenas sentir a caneta, de perceber a caneta, de dizer caneta,
mas também de escrever caneta e, consequentemente, de
ler caneta. A alfabetização é a crião ou a montagem da
expressão escrita da expressão oral. Esta montagem não
pode ser feita pelo educador para ou sobre o alfabetizando.
tem ele um momento de sua tarefa criadora (FREIRE,
1989, p.13).
A compreensão dos elos entre a leitura e escrita, o
entendimento da utilização daquela linguagem, somado ao fato da
relevância que essa linguagem possui para a vida dos sujeitos, deve ser
o combustível para as práticas em sala de aula. Se apenas dizemos aos
estudantes que estão aprendendo a escrever que antes de P e B
devemos utilizar a letra M, quantas vezes se necessário repetir para
que os estudantes memorizem aquela regra? Devemos explicar que a
utilização do M é por conveniência na hora da oralização. Explicar
que é mais fácil de se dizer M com P e B por serem fonemas bilabiais.
Bakhtin (2017) vai afirmar que do ponto de vista teórico, o
espaço e o tempo da vida de cada um se tornam insignificante. Porém
ao afirmar seu lugar único no existir único da humanidade histórica,
ou seja, desde o momento em que o sujeito se relaciona com a
humanidade em uma relação emotivo-volitiva, ele também se
relaciona com os valores por ela reconhecidos.
Dessa forma, se pensamos na apropriação da leitura e da
escrita ela não pode vir se não de um lugar de amorosidade, de um
lugar de curiosidade e investigação, pois como apontado por Freire
em seu relato sobre as práticas alfabetizadoras significativas:
294
Não eram, porém, aqueles momentos puros exercícios de
que resultasse um simples dar-nos conta de uma página
escrita diante de nós que devesse ser cadenciada, mecânica
e enfadonhamente “soletrada” e realmente lida. Não eram
aqueles momentos “lições de leitura”, no sentido
tradicional desta expressão. Eram momentos em que os
textos se ofereciam à nossa inquieta procura, incluindo a
do então jovem professor José Pessoa (FREIRE, 1989,
p.11).
Essa inquietação deve ser ensinada pelo professor pois ela
movimentará o diálogo. Ensinar as contradições presentes na
sociedade, indicando os direitos e deveres de todos, a importância da
participação coletiva nos movimentos sociais, nas tomadas de
decisões, etc. Enfim, ensinar o estudante a importância da sua voz em
uma sociedade que deseja silenciá-lo.
A construção histórica da EJA, caracterizada por ações
espaçadas e descontínuas do governo também se reflete no
preconceito que existe na sociedade frente à essa modalidade
educacional e aos sujeitos que se encontram dentro dela, pois quando
o Estado nega a educação ao sujeito da classe popular, ele também
está negando a sua especificidade humana, criando muros entre a
suposta elite que detém o saber, e ao restante da população, a quem o
saber foi negado.
São essas, pessoas adultas, geralmente analfabetas, perten-
centes à classe popular, e essencialmente trabalhadoras. Sujeitos que
se encontram inseridos na sociedade, exercem práticas sociais, e por
isso não sentem tanto a ausência da educação formal, pois “(...)
295
estão atuando como educados, apenas não em forma alfabetizada,
escolarizada”. (PINTO, 2000).
Justamente reside a importância de o educador partir da
leitura de mundo do estudante para alcançar a leitura da palavra, e
após a conquista desta, retornar sua leitura ao mundo novamente.
Educar significa contribuir para a formação de uma consciência
crítica sobre a realidade vivida e para o engajamento em sua
transformação. Constituindo a prática de intencionalidade como
prática político-pedagógica.
Atuar como educado implica em ser possuidor de um saber,
de histórias de vida, de uma bagagem de conhecimentos, portanto,
não como tratar os sujeitos da EJA como seres ignorantes ou tratar
o analfabetismo como uma doença a ser combatida. É um grande
equívoco da sociedade menosprezar o analfabeto, culpando-o por sua
própria situação de iletrado, quando ele nada mais é do que fruto de
um sistema excludente e segregativo.
Além disso, outro equívoco em relação aos adultos da EJA,
parte da ação docente, que ao não enxergar o educando como
educado e até mesmo por considerá-lo estagnado culturalmente
devido à sua condição de analfabeto, acaba por associá-lo à uma
criança, e dessa forma, utilizar de práticas alfabetizadoras
infantilizadas, desarticuladas com sua realidade social.
A criança ao iniciar sua vida escolar, não a faz por vontade
própria, pois a partir dos quatro anos de idade é obrigatória a sua
matrícula numa escola regular, dessa forma o intermédio de um
adulto responsável pela mesma. os adultos que frequentam a EJA
não são “motivados” por ações governamentais, mas sim por razões
pessoais. Essa diferença é extremamente importante para que não se
296
cometa o erro de relacionar a educação da criança com a educação do
adulto.
Ao trazer esses aspectos acerca do adulto, precisamos analisar
também a figura do professor, pois o mesmo necessita compreender
as especificidades do “ser adulto-trabalhador” e as motivações que
levaram esses sujeitos a buscarem a sala de aula, respeitando seus
conhecimentos prévios e almejando sempre a emancipação humana.
Em síntese, quando falamos de educação para todos ao longo
da vida falamos de direitos humanos. Não se trata de um compro-
misso com a formação de pessoas para o mercado de trabalho, mas
sim em um compromisso com a vida de pessoas localizadas sócio-
historicamente.
É necessário pensar em uma educação que concretize o
projeto de cada um. Pensar em uma educação para o jovem que
trabalha em período integral, mas que almeja o ingresso na
universidade; pensar em uma educação para a quituteira que deseja
aprender a escrever suas próprias receitas e socializá-las com seus
colegas, pensar em uma educação para a criança de periferia que tem
o sonho de ser jogador de futebol.
Além de entender a educação como compromisso, pensar
uma metodologia da amorosidade implica em enxergar no outro uma
possibilidade de completar-se no sentido bakhtiniano. Entender que
cada um abriga uma singularidade assim como uma potencialidade
para o aprender. Entender que o diálogo pode ser amoroso e que o
amor se constitui dialógico, portanto, o quefazer pedagógico não
pode se constituir de outra forma. Nas palavras de Manoel de Barros
pelo poema Biografia do Orvalho (2007):
297
A maior riqueza do homem é sua incompletude.
Nesse ponto sou abastado.
Palavras que me aceitam como soueu não aceito.
Não aguento ser apenas um sujeito que abre portas, que
puxa válvulas, que olha o relógio, que compra pão às 6 da
tarde, que vai fora, que aponta lápis, que a uva etc.
etc.
Perdoai.
Mas eu preciso ser Outros.
Eu penso renovar o homem usando borboletas.
É preciso renovar o mundo da ciência utilizando-se da mais
poderosa estratégia: a educação. Não uma educação alienante, não
uma educação elitista, mas uma educação que esteja firmada na
equidade e na noção da diferença. Lançar sementes num esperançar
constante. Guiar o educando a assumir-se como sujeito protagonista
da sociedade, mostrar que sua pronúncia possui valor e que o seu
silenciamento agrada aquele que o cala.
Considerações Finais
Se a educação está inserida num contexto desigual, também
será ela desigual. E foi esse o observado durante toda a trajetória da
EJA no Brasil, por meio do “atraso histórico” por parte do governo
para pensar as políticas de EJA, e o fato de que durante toda a
trajetória percorrida as ações que favoreciam essa modalidade
educacional eram ações espaçadas e descontínuas.
Ainda hoje a Educação de Jovens e Adultos sofre com a
consequência desse processo histórico, na medida em que por mais
298
que haja leis que subsidiem suas ações, ela ainda é classificada como
política governamental, submetida aos interesses de cada governo,
estando estes, articulados com os interesses do capital.
Nesse sentido, a falta de um entendimento acerca das
especificidades da EJA, ou seja, das necessidades dos sujeitos que a
frequentam, alcança os educadores e suas práticas, que com a ausência
de políticas que orientem o seu trabalho de forma clara, acabam
pendendo para práticas ora infantilizadas, ora similares ao Ensino
Médio tradicional.
Retornando ao nosso objetivo de estabelecer um diálogo entre
Freire e Bakhtin buscando trazer suas proposições acerca da
apropriação da leitura e da escrita numa perspectiva humanizadora,
dialógica e de valorização do outro podemos inferir que mesmo em
diferentes contextos históricos os autores convergem bastante em suas
proposições.
Essa orientação da educação pela vida dos homens, essa
construção do conhecimento científico por meio da problematização
da realidade social enriquece muito a aprendizagem dos estudantes no
sentido de que permite uma investigação pelo próprio sujeito da
aprendizagem. Promovendo assim a sua autoria, evidenciando a
importância do seu projeto de dizer.
Infelizmente a ideia que perpassa a sociedade capitalista é a
ideia da teorização da vida, da ciência absoluta orientando o viver, da
padronização e da perda do vínculo com o outro. Não espaço para
a vida prática, não espaço para o existir no mundo.
Nesse contexto, a escola se configura em um local que parece
distante aos sujeitos da EJA, pois o aprendizado parece descolado da
realidade. O ensino da leitura e da escrita apresentam-se como peças
299
de um quebra-cabeça, pois se esquece que a leitura do mundo precede
a leitura da palavra. A própria organização do ambiente escolar, a
relação que o professor estabelece com seus alunos, tudo isso pode
silenciar a autoria.
Assim, os sujeitos da EJA vão aprendendo que escrever é
reproduzir o que foi escrito, que a leitura nada mais é do que uma
decodificação de códigos criados por um alguém muito superior. E
assim criam-se alguns mitos escolares: que o aluno que tira uma nota
boa em matemática é o mais inteligente, ou que o estudante que gosta
de pintar ou de escrever nasceu com um dom etc.
Ensinar a autoria implica em enxergar as contradições
presentes na sociedade. Implica em entender que estamos inseridos
dentro de um sistema que nos afasta da educação em prol do
desenvolvimento econômico. E caminhando nessa direção, ensinar a
autoria implica em uma escola que voz aos alunos, que mostre que
a linguagem que se apresenta ali: que ocupa o espaço do quadro, que
está presente nos livros didáticos, que ocupa as estantes das bibliotecas
em formas de livros maravilhosos, é fruto da linguagem do povo, é
fruto deles.
Por mais que excluídos dos documentos oficiais, dos livros
tidos como científicos, são os sujeitos participantes da vida que
constituem o mundo, são eles que contém o gérmen da
transformação, pois toda a ação parte de uma necessidade.
Pensar uma metodologia da amorosidade nas práticas
pedagógicas implica, portanto em um professor que nunca está
acabado, pois busca continuamente ressignificar seus conhecimentos
em prol da garantia da aprendizagem de seus alunos. Um professor
que se constitui professor sendo professor. Que ama o que faz porque
300
entende o seu valor na vida dos estudantes e entende a importância
da vida dos estudantes na sua própria ação.
Referências
BAKHTIN, M.
A cultura popular na Idade Média e no Renascimento
: o
contexto de François Rabelais. São Paulo: Editora Hucitec, 2010.
BAKHTIN, M.M. Os gêneros do discurso. ed. São Paulo: Editora 34.
2016.
BAKHTIN, M.M. Para uma filosofia do ato responsável. São Carlos:
Pedro e João Editores. 2017. 160 p.
BRASIL. Lei, decretos e modelos relativos a última reforma eleitoral. Rio
de Janeiro, RJ. Decreto 3.029, de 9 de janeiro de 1881. Disponível em
<http://www2.senado.leg.br/bdsf/handle/id/227300>. Acesso em: 30.
Out. 2019.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 67 ed. Rio de Janeiro/São
Paulo: Paz e Terra, 2019. 256 p.
FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler: em três artigos que se
completam. São Paulo, SP: Autores Associados: Cortez, 1989.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 67 ed. Rio de Janeiro/São
Paulo: Paz e Terra, 2019. 256 p.
BARROS, Manoel de. Compêndio para uso dos pássaros (Poesia reunida
1937-2004) Quasi Edições, 2007.
PINTO, Álvaro Vieira. Estudo particular do problema da educação de
adultos. In: ______. Sete lições sobre educação de adultos. 11 ed. São
Paulo: Cortez, 2000. p. 79-89.
301
Diversidade no Contexto da
Educação de Jovens e Adultos
Julinha Aparecida Andrade de Souza Mello
1
Mirtes Rose Andrade de Moura Mariani
2
Introdução
Abordar a modalidade de ensino voltada para jovens e adultos
(EJA) no Brasil implica em considerar a complexidade presente na
escolarização de sujeitos que por múltiplos fatores não tiveram acesso
à educação formal e buscam, na tentativa de suprir o déficit
formativo, a formação através dessa modalidade de ensino. Ressalta-
se, nesse contexto que as complexidades presentes nas subjetividades
dos sujeitos que compõem essa modalidade de ensino, devem ser
refletidas e consideradas. Para Moura e Silva (2018, p. 13) os alunos
EJA “fazem parte de um grupo que, em algum momento de suas
vidas, distanciou-se do contexto escolar em vista de sua inserção no
trabalho, da evasão escolar, repetência ou outros fatores excludentes”.
1 Mestranda em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da
UNESP, Câmpus de Marília.
Professora da Rede Municipal de Ensino de Marília.
E-mail: julinha.andrade@unesp.br
2 Mestre em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da UNESP,
Câmpus de Marília. Professora da Rede de Educação sica do Estado de São
Paulo. E-mail: mirtes_mariani@hotmail.com
https://doi.org/10.36311/2023.978-65-5954-389-2.p301-324
302
Nesse sentido, verifica-se que a abordagem imperante sobre
escolarização através da modalidade EJA, ainda se caracteriza,
sobretudo, como uma maneira de reparar a perda ocorrida pelo fato
dos sujeitos terem sido excluídos, sendo que por uma rie de fatores
não tiveram a possibilidade de concluir o ensino na educação formal.
Apesar da ampliação relativa do acesso à escola, como bem afirma
Rodrigues (2018, p. 392), “A visão predominante continua a ser a
visão compensatória que atribui à educação de jovens e adultos a mera
função de reposição da escolaridade não realizada na infância e na
adolescência”.
A perspectiva de reparação ainda presente na escolarização na
EJA representa uma forma limitada de se pensar essa forma de ensino,
refletida em políticas públicas inconsistentes e pouco favoráveis à
formação integral dos sujeitos. Além disso, é observável a necessidade
de uma abordagem voltada para a diversidade do corpo estudantil que
forma os espaços de escolarização EJA, a apresentar realidades e
subjetividades complexas (MOURA, 2018).
Desse modo, o presente artigo apresenta como problemática
central a necessidade de que a diversidade seja discutida e refletida no
contexto da Educação de Jovens e Adultos (EJA). Têm-se como
objetivo geral analisar a questão da diversidade no contexto da
educação de jovens e adultos no Brasil. Como objetivos específicos
buscou-se um aprofundamento e contextualização histórica sobre a
EJA no contexto brasileiro; explorar aspectos relacionados à
diversidade no contexto educacional de Jovens e Adultos; e, por fim,
apontar algumas reflexões sobre efetivação da EJA e possíveis
caminhos para uma escolarização formativa emancipatória.
303
Base Metodológica
A metodologia utilizada para o desenvolvimento do presente
artigo é de caráter teórico exploratório, com abordagem qualitativa, a
partir de revisão bibliográfica e análise documental. Como aponta Gil
(2008, p. 27), “As pesquisas exploratórias têm como principal
finalidade desenvolver, esclarecer e modificar conceitos e ideias, tendo
em vista a formulação de problemas mais precisos ou hipóteses
pesquisáveis para estudos posteriores”. A pesquisa bibliográfica, por
sua vez, configura-se como passo inicial em toda pesquisa científica e
seu objetivo possui a finalidade de revisar a literatura existente. Para
Lakatos e Marconi (2003, p. 183): [...] a pesquisa bibliográfica não é
mera repetição do que foi dito ou escrito sobre certo assunto, mas
propicia o exame de um tema sob novo enfoque ou abordagem,
chegando a conclusões inovadoras”.
Nesse sentido, este estudo dispôs-se a resgatar, sistematizar e
relacionar os principais conceitos referentes à Educação de Jovens e
Adultos (EJA), buscando analisá-los com base na ideia de
Diversidade, bem como do contexto no qual se consolida a concepção
da EJA no Brasil. O corpus da pesquisa bibliográfica incluiu artigos
revisados por pares, dissertações, teses e livros, além de publicações
independentes. E iniciou se a pesquisa com as palavras chaves;
Educação de Jovens e Adultos; Diversidade; Sociedade.
A Educação de Jovens e Adultos (EJA) no contexto brasileiro
As diretrizes curriculares nacionais (BRASIL,2000, p.7)
enfocam que a Educação de Jovens e Adultos (EJA) configura-se
304
como uma modalidade básica de ensino que considera o perfil do
estudante, sua situação social, sua idade etc. e ultrapassa a concepção
de formação para o letramento, devendo ser concebida como um
processo de formação direcionado à emancipação dos sujeitos.
Embora de modo ideal a EJA deva ser concebida e aplicada de
modo a possibilitar a formação integrativa dos sujeitos, seu processo
histórico de formação perpassa concepções ultrapassadas, pautadas
em perspectivas utilitaristas e reducionistas, dadas as respostas tardias
às demandas.
Para Lima (2006) a EJA configura-se como uma modalidade
de ensino diferente da regular por estrutura, metodologia e
concepção, visto que deve contemplar os sujeitos que a compõe.
Devemos considerar que em um resgate histórico do projeto de
educação no contexto brasileiro, nota-se que muitos debates
ocorreram entre as décadas de 1910 e 1930, esta última marcada por
mudanças políticas, econômicas e pelo processo industrial no país,
mas somente em 1934 é que se criou algo pensado na educação de
forma constitucional, o Plano Nacional de Educação (PNE). Nele, a
garantia como direito constitucional implicava no ensino primário
integral, gratuito, de frequência obrigatória e extensiva aos adultos,
aqui se percebe um início no tratamento específico ao ensino de
adultos (PAIVA, 1987).
A década de 40 foi marcada pela criação de diversos projetos
como o Fundo Nacional de Ensino Primário (FNEP) e Instituto
Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira
(INEP) envolvendo a educação e, entre eles, a Campanha de
Educação de Adolescentes e Adultos (CEAA). Essa campanha
envolveu a Lei Orgânica do Ensino Primário, em 1946, que previa o
305
ensino supletivo e, em 1947, o Serviço de Educação de Adultos (SEA)
buscando reorientar e coordenar os trabalhos dos planos anuais desse
ensino supletivo (PAIVA, 1987; STRELHOW, 2010).
Desde então, era de interesse público a erradicação do
analfabetismo no país por questões políticas, principalmente pressões
internacionais como da Organização das Nações Unidas (ONU) e da
Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a
Cultura (UNESCO). E, novamente, foram criados campanhas e
projetos como Campanha Nacional de Erradicação do Analfabetismo
(CNEA) e Plano Nacional de Alfabetização de Adultos (PNAA) este
comandado por Paulo Freire, extintos, respectivamente em 1963 e
1964 (FRIEDRICH et al., 2010).
Em 1971, a Lei nº. 5.692 em seu Capítulo IV dispõe sobre o
Ensino Supletivo, que tinha por objetivo proporcionar aos jovens e
adultos a regularização escolar (BRASIL, 1971). A partir daí os
movimentos para a alfabetização de jovens e adultos permaneceram,
mesmo que com algumas oscilações nos indicadores de oferta e
mudanças de nomenclaturas. Em 1990, houve a descentralização
política da EJA passando para os municípios as responsabilidades
públicas.
A perspectiva de descaso com as necessidades de escolarização
de amplo segmento da população brasileira se escancara na atualidade
com o fechamento, sem critérios, de classes e vagas na EJA. Em 2015
houve o lançamento da 1ª versão da (BNCC), Base comum
curricular, CATELLI, (2017) chamou a atenção para ausência de
qualquer formulação referente a educação de jovens e adultos (EJA),
que é uma modalidade da Educação Básica. O texto somente cita que
os respectivos eixos e conteúdos serão usados para o ensino
306
aprendizagem das crianças, jovens e adultos. Não havia qualquer
consideração sobre a singularidade desta forma de ensino e
aprendizagem em relação ao aos seus indivíduos. Este fato foi motivo
de debate em encontros com educadores da educação de jovens e
adultos em diferentes situações. Tornou se claro que a base nacional
curricular comum, da forma que estava sendo proposta, era
inapropriada ao público da Educação de jovens e adultos.
No entanto, apesar de ter sido vagamente citada no
lançamento da segunda versão da BNCC, lançada em abril de 2016,
não houve mudanças significativas que valorizassem a especificidade
dos sujeitos dessa modalidade de ensino. Somente acrescentaram à lei
a expressão jovens e adultos. Desta forma, onde se lia “crianças e
adolescentes”, passou a figurar “crianças, adolescentes, jovens e
adultos”.
Ainda segundo Catelli (2017), em uma terceira versão da lei
a EJA deixou de ser mencionada outra vez reforçando os indícios de
que o presente documento não se aplicaria a esta modalidade. No ano
seguinte, em abril de 2018 foi lançada uma nova versão da base
curricular, para o ensino médio, e não qualquer menção a educação
de jovens e adultos.
Conclui-se que essa modalidade de ensino da educação básica
deveria ter capítulos exclusivos para a problematização e discussão
dessa especificidade ou talvez, aceitasse que essa Base Nacional
Curricular, a ela não se dedicou e então produzir um documento
específico.
Mais de três anos depois, em 25 de maio de 2021, é publicada
a Resolução 01/2021 (BRASIL, 2021) que define Diretrizes
Operacionais para a Educação de Jovens e Adultos, alinhando-a com
307
a Política Nacional de Alfabetização e com a BNCC, e admitindo o
seu oferecimento em quatro modalidades: EJA presencial, EJA na
modalidade Educação a Distância (EJA/EaD), EJA articulada à
Educação Profissional (cursos de qualificação profissional ou de
formação técnica de vel médio) e EJA com Ênfase na Educação e
Aprendizagem ao Longo da Vida.
Na Resolução é de se destacar alguns questionamentos
necessários. Se são diretrizes operacionais não deveriam mínima-
mente se reportar à precariedade ou inexistência de programas de
formação inicial e continuada para educadores da EJA e indicar
iniciativas para encaminhamento do problema? Qual seria a estrutura
para oferecimento da EJA/EaD que os alunos desse segmento da
educação básica raramente têm condições mínimas de sobrevivência
digna e não têm equipamentos necessários para acessar as aulas? Por
que a exclusão da palavra “todos” no paradigma da UNESCO,
subscrito pelo Brasil e não cumprido? “Ênfase na Educação e
Aprendizagem ao Longo da Vida” pode ter para muitos um
significado bem diferente de “Educação para Todos ao Longo da
Vida”. Seria apenas mais um mero dispositivo legal para certificação
de cursos e atividades, supostamente de EJA, sem muitos critérios?
Sabemos, que a inclusão da EJA na BNCC não traria
mudanças imediatamente, entretanto, a ausência total de propostas e
o esvaziamento da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização,
Diversidade e Inclusão do MEC (SECADI /MEC) a partir de 2016,
com a chegada de Michel Temer à presidência, vem apenas
reforçando o lugar marginal da educação de jovens e adultos no país.
Com a decisão do Conselho Nacional de Educação, no final
de 2018, permitindo que 80% da carga horária definida para a
308
Educação de jovens e adultos possa ser cumprida a distância,
instituiu-se mais uma opção de oferta de ensino aos jovens e adultos,
considerando a diversidade de sujeitos e suas possibilidades de
retornar aos estudos. Todavia, as consequências esperadas, serão as
ofertas de cursos ainda mais baratos, sem qualidades e oferecidos pela
iniciativa privada. E a consequente diminuição das ofertas de vagas
em cursos presenciais para essa fase da educação nas redes públicas. O
fenômeno do fechamento de salas de aulas e redução da oferta de
vagas na EJA tende a se ampliar.
A Resolução 1/ 2021 enfatiza a formação profissional e
merece ser analisada por vários aspectos. O documento insiste em
uma formação abstrata, sem dar maiores informações de como as
instituições educacionais serão instrumentalizadas para isso, sem
também considerar a especificidade dos indivíduos do direito à EJA.
Em paralelo, avanços importantes em termos de formação de
educadores observados com o desenvolvimento do Pacto Nacional
pela Aprendizagem na Idade Certa (PNAIC) foram praticamente
negligenciados.
Ao mencionar que a maior parte dos sujeitos do público-alvo
da Educação de Jovens e Adultos, o são pela necessidade de inserção
precoce no mercado de trabalho, a justificativa para não terem vivido
experiências escolares, ou -las interrompido, faz desse descaso pela
imposição de uma formação abstrata, no mínimo, algo desrespeitoso
com a trajetória de vida desses cidadãos e cidadãs. As diretrizes
operacionais ainda propõem para essa formação uma carga horária de
Língua Portuguesa e de Matemática ampliada, retirando do seu texto
disciplinas nas áreas da Humanidades e de Artes, algo que também
aconteceu, em alguma medida, no texto da Reforma do Ensino
309
Médio. A quais objetivos servem estas mudanças? A exclusão dessas
disciplinas não menos importantes do currículo escolar dos
estudantes das classes populares?
Deve-se a esses fatos, entre outros que, em muitas redes
estaduais e municipais, assistimos à derrocada da modalidade EJA;
redução de matrículas, fechamento de turmas e investimentos cada
vez menores. O número de estudantes vem diminuindo a cada ano:
em 2007, o Brasil possuía 4.985.338 matrículas na EJA, que
diminuiu para 3.598.716 em 2017. No estado de São Paulo a queda
é ainda mais acentuada pois em 2007 eram 930.948 estudantes e, em
2017, 446.449, ou seja, menos da metade do que havia dez anos
antes, de acordo com os dados do Censo Escolar (IBGE, 2019).
Do ponto de vista curricular, os estudos recentes vêm
identificando que não se possível avançar na educação de jovens e
adultos sem que se avance em políticas públicas na construção de um
currículo identificado com a diversidade de indivíduos pertencentes a
essa modalidade escolar.
Diversidade no contexto da Educação e Jovens e AdultosEJA
Aspectos relacionados ao tema da diversidade, na
contemporaneidade, tem sido abordado com mais frequência no
âmbito educacional. Ao considerar o contexto educacional brasileiro,
Moehlecke (2007, p. 462) salienta que “A questão da diversidade,
especialmente na última década, é cada vez mais presente no debate
educacional brasileiro”.
A conceituação do termo “diversidade” perpassa amplos
debates no âmbito das Ciências Sociais, da Filosofia, do Direito, da
310
Educação, da Política, entre outros. Contudo, ressalta-se que a
própria essência do termo direciona o entendimento da diversidade
humana, física, social, cultural e ambiental. Verifica-se que no
contexto das Ciências Humanas e Sociais, o termo diversidade, de
modo geral, é empregado no contexto da diversidade cultural.
Tal perspectiva sustenta-se na compreensão de que a
diversidade cultural emerge no âmbito dos movimentos sociais (Hall,
2003). Para Moehlecke (2009, p. 463) “Como direito à diferença, a
diversidade articula-se à exigência de reconhecimento na esfera
pública e política de grupos definidos como “minoritários”,
“subalternos”, e por certas formas de feminismo”.
Nesse sentido, o aspecto educacional no âmbito da
diversidade sobreleva-se como condição para a formação dos sujeitos.
Freire (1980, p.102) destacou que:
Os movimentos populares, ao correlacionarem educação e
transformação, possibilitaram a ampliação do
entendimento sobre cultura. Educação popular, cultura e
mudança social andam juntas, com o objetivo de
transformar pessoas, as práticas de educar e a sociedade.
Esta compreensão da relão da educação com a mudança
social perpassa além do conceito de cultura, pelo conceito
de história (FREIRE, 1980, p. 102).
Observa-se que a educação e a transformação coexistem na
medida em que sustentam práticas sociais inclusivas e possibilitam o
reconhecimento da diversidade com vistas a uma abordagem
equitativa. Nessa perspectiva, o conceito de educação intercultural
pode ser considerado de grande valia, por equacionar práticas
311
educacionais voltadas para a interação entre sujeitos de diferentes
grupos e contextos. Como apontam Araújo, Costa e Tavares (2018,
p. 42), em uma perspectiva intercultural:
A educação passa a ser entendida como o processo
construído pela relação tensa e intensa entre diferentes
sujeitos, criando contextos interativos que, justamente por
se conectarem dinamicamente com os diferentes contextos
culturais em relação aos quais os diferentes sujeitos
desenvolvem suas respectivas identidades, tornam-se um
ambiente criativo e propriamente formativo, ou seja,
estruturante de movimentos de identificação subjetivos e
socioculturais (ARAÚJO; COSTA; TAVARES, 2018, p.
42).
Ao considerar os aspectos histórico-culturais da sociedade,
observa-se a existência de hierarquias sociais em relação aos indivíduos
que não correspondem a convenções sociais estabelecidas pela
hegemonia da camada dominante. Desse modo, emerge a necessidade
de que discussões que versam as relações de diversidade, equidade e
complexidade, bem como aspectos relacionados ao processo
formativo de sujeitos que se encontram a margem social, sejam
abordadas no âmbito da Educação.
Verifica-se que as subjetividades dos sujeitos de diferentes
contextos socioculturais criam um ambiente fértil para a troca de
experiências e vivências. Em uma perspectiva educacional, as práticas
educativas devem ultrapassar a perspectiva positivista reducionista e
pautada na transmissão de conhecimentos. Tornam-se necessárias
práticas educativas que contemplem a complexidade que forma o
312
contexto na qual a instituição formativa, alunos e professores, estão
inseridos.
Ao abordar o contexto da educacional de jovens e adultos,
verifica-se a necessidade de que as práticas educativas compreendam
a heterogeneidade dos sujeitos que compõe a EJA, bem como as
relações e subjetividades que formam a complexidade existente no
escopo dessa modalidade de ensino.
As subjetividades que se constituem no complexo e
emaranhado contexto da EJA precisam ser compreendidas
além de um regime de verdades formado por práticas
disciplinadoras e discursos conformadores. Os jovens,
adultos e idosos precisam ter maximizadas suas vidas
mediante um conjunto de exercios e discursos que devem
estar à disposição, a fim de que eles mesmos operem
transformações em suas subjetividades (MOURA. SILVA,
2018, p.18).
Como pode ser observado, o emaranhado complexo existente
no contexto EJA requer que os parâmetros e políticas estabelecidas se
pautem em práticas inclusivas e equitativas, de modo potencializar as
situações de aprendizagem fomentadas na EJA. Um dos elementos
chave para a compreensão do ensino de Jovens, Adultos e Idosos é a
sensibilidade para com as diferentes histórias de vida e subjetividades
desses sujeitos que, embora não tenham conseguido a formação
educacional, buscam na EJA a possibilidade de uma escolarização.
Aspecto fundamental a ser considerado no âmbito da escolarização
EJA é a questão da diversidade.
313
Ao tratarmos de EJA, retomamos o discurso de diversidade
que institui formas de ser sujeito e precisam incidir no
planejamento e implementação de ações no contexto
educacional das salas de aula da educação de jovens,
adultos e idosos (MOURA, 2018, p.51).
Verifica-se que as questões relacionadas a diversidade devem
permear, de modo pontual, o planejamento das políticas educacionais
que regem, regulamentam e constituem a EJA. Como aponta Moura
(2018, p. 40) os sujeitos que fazem a EJA têm singularidades em suas
origens, histórias, valores, crenças, aprendizagem, que precisam ser
considerados nas geografias da EJA”.
Nesse sentido, ao equacionar a multiplicidade de fatores que
levaram o sujeito a não concluir o ensino regular, recorrendo à EJA
como possibilidade formativa, a diversidade deve ser considerada. Os
aspectos históricos-sócio-culturais que determinam aos sujeitos que
compõem a EJA ocupar a margem social deve ser considerado. Silva
Junior e Garcia (2018, p. 68) destacam a necessidade de compreender
a complexidade hierárquica social em que os alunos EJA estão
inseridos:
Uma realidade em que todos nós estamos inseridos, mas
que possui formas de exclusão significativas para certos
grupos, que foram histórica e politicamente marcados pela
marginalização, o dos sujeitos que foram e são considera-
dos fora do padrão ou da norma. Pertencem a este grupo
os negros, as mulheres, os grupos LGBTs, índios e pobres,
entre outros. Portanto, falar de inclusão e diversidade em
sala de aula não é apenas reconhecer a diferença, mas
314
compreendê-la a partir de uma leitura complexa de
dimensões políticas, históricas e culturais (SILVA
JUNIOR; GARCIA, 2018, p. 68).
É observável que a população que compõe os ambientes de
educação de jovens e adultos é formada por sujeitos pertencentes a
grupos sociais historicamente marginalizados. Tal aspecto reverbera
na modalidade EJA um caráter assistencialista e pouco formativo.
Como apontam Miranda e Pereira (2018, p. 186) “É visível no estudo
da história da Educação de Jovens e Adultos uma caminhada marcada
pela falta de coerência nos objetivos educacionais com a formação
para a cidadania crítica, o caráter de voluntariado que permeou”.
Nesse sentido, dentre os desafios que perduram no contexto
da educação EJA é uma mudança cultural na concepção desta
modalidade formativa. Para além disso, ações que vislumbrem uma
abordagem complexa no processo de formação dos Jovens, Adultos e
Idosos que compõem a EJA, com vistas a diversidade cultural e social,
bem como as múltiplas subjetividades existentes, se fazem necessárias.
O tema diversidade, embora esteja em voga no âmbito
educacional, deve, em lócus, ser explorado na modalidade de ensino
EJA, principalmente pela heterogeneidade do corpo estudantil que a
forma. Para além de uma abordagem da diversidade, faz-se necessária,
também, uma abordagem equitativa e contextual das unidades de
educação EJA. Para Tella (2018, p.132) uma abordagem alternativa
é possível “por meio de conteúdo curricular que supere o
eurocentrismo e que seja comprometido com a equidade educacional,
com a promoção e o reconhecimento da diversidade cultural, com os
ideais de direitos humanos”.
315
O aspecto equitativo do acesso à escolarização no âmbito da
EJA está presente na Resolução CNE/CEB nº. 1, de 5 de julho de
2000 em que no parágrafo I visualiza-se a necessidade de
proporcionar um patamar igualitário de acesso a escolarização: “I
Quanto à equidade, a distribuição específica dos componentes
curriculares a fim de propiciar um patamar igualitário de formação e
restabelecer a igualdade de direitos e de oportunidades face ao direito
à educação (BRASIL, 2000).
Os desafios no contexto da educação EJA permeiam a atuação
dos professores nesses ambientes. Conquanto, ao considerar que o
ensino da população com baixa escolarização ou analfabeta, ultrapassa
a função utilitarista de diminuição do analfabetismo ou dos
indicativos de formação na educação básica, uma nova e necessária
perspectiva se estabelece.
O compromisso da Educação de Jovens e Adultos vai além
do ato de alfabetizar, envolve aspectos ideológicos,
formadores de opinião, construtores de cidadania, nesta
perspectiva, as concepções de ensino devem estar pautadas
em todos e abordagens que considerem as caracte-
rísticas, as subjetividades e os contextos (SOBREIRA;
COSTA, 2014, p. 34).
Dessa maneira, para que a EJA se torne mais efetiva e eficaz
em seus processos, com vistas a uma formação crítica e emancipadora
a necessidade de mudança cultural na compreensão desta
modalidade de ensino, mas não somente. As autoras Rodrigues, Faria
e Jesus (2017) dissertam alguns desafios no contexto EJA que
extrapolam as relações existentes em sala de aula e direcionam a
316
necessidade de políticas públicas que subsidiem a permanência dos
alunos, a formação continuada dos professores, a facilidade no acesso
aos ambientes educacionais, entre outros, baseado nos runs EJA do
Brasil, sendo eles:
[…] conste da matriz curricular e nos Projetos Político
Pedagógicos de Curso (PPC) dos cursos de Pedagogia e
demais licenciaturas como disciplinas permanentes
/obrigatórias e nas ementas ao longo dos cursos; que haja a
divulgação enquanto chamada pública direcionada aos
jovens, adultos e idosos que não tiveram acesso, foram
excluídos dos sistemas de ensino, ou não tiveram
oportunidade de continuarem seus estudos; que seja
garantido o acesso a espaços escolares adequados e
próximos ao trabalho ou à moradia para que tenham
condições de chegarem/saírem do trabalho e se dirigirem
para as salas de aula da EJA; que haja condições de
permanência e sucesso no processo educativo para o qual é
necessária a contribuição de profissionais qualificados e
com formação permanente atendendo às especificidades
dos sujeitos que estudam na modalidade; a garantia de que
os profissionais que trabalharão com estes educandos
tenham tido na sua formação inicial disciplinas e
conteúdos que tratem da modalidade EJA, e que a
formação continuada dos educadores e demais
profissionais que com eles atuam esteja direcionada às
demandas dos sujeitos da modalidade (RODRIGUES;
FARIA; JESUS, 2017, p. 374).
317
A partir desses desafios, percebe-se que muito se diz sobre a
formação dos professores, seja ela enquanto na própria universidade
quanto em formação continuada e especializada. De acordo com
Passos (2018), os profissionais da EJA desfrutam de baixo
reconhecimento social da profissão, seja ela referente às más condições
de formação ou de trabalho (MARIN, 2010), além das dificuldades
apresentadas pelo sistema educacional brasileiro (DINIZ- PEREIRA,
2010). Esses aspectos acarretam diferentes situações que dificultam o
desempenho dos mesmos, seja em relação as aulas, didáticas,
dinâmicas, como também no processo avaliativo dos educandos,
visando a aprendizagem. Dessa forma, é importante que o professor
consiga conduzir uma dinâmica avaliativa coerente e equitativa a
“cada ão dos discentes diante do aprendizado adquirido em sala de
aula ou fora dela, respeitando sua bagagem trazida e adquirida”
(SOUZA; NASCIMENTO; SANTOS, 2016, p. 161).
Assim, é responsabilidade do professor desenvolver
metodologias condizentes para atender ao público da EJA, em
processo de avaliação comprometido em “obter informações e
subsídios capazes de favorecer o desenvolvimento dos alunos EJA e
ampliação de seus conhecimentos” (SOUZA; NASCIMENTO;
SANTOS, 2016, p. 164).
Verifica-se a importância da EJA para a sociedade, porém com
muitos obstáculos a serem vencidos para que se torne um espaço de
ensino e aprendizagem voltado para a emancipação dos sujeitos por
meio de uma formação ampla, diversa, ética e critica.
318
Considerações
Mediante o desenvolvimento do presente artigo, foi possível
identificar que a Educação de Jovens e Adultos possui um grande
potencial no contexto da formação dos sujeitos que não tiveram a
oportunidade de cursar o ensino regular. Conquanto, verificou-se que
o fomento de ações voltadas para questões de diversidade, bem como
uma visão complexa dos sujeitos que compõem a EJA demonstram a
possibilidade de um processo de mediação e fomento de
conhecimentos a professores e alunos, capaz de quebrar barreiras e
criar novas visões de mundo, entre o corpo heterogêneo que compõe
a EJA por meio das trocas de saberes conjuntos em prol da construção
de uma sociedade mais justa e equitativa do ponto de vista formativo
emancipatório.
Ao tratar das práticas educacionais que vislumbrem a
concretização de uma escolarização de qualidade visualiza-se, no
decorrer da história brasileira, que a EJA tem um papel fundamental
para a sociedade ao oportunizar o acesso a formação a sujeitos que
não puderam se escolarizar na idade certa. Portanto, é de extrema
importância discussões acerca da EJA no país, destacando seu caráter
de democratização do ensino. Verificou-se que a EJA vai muito além
de aspectos práticos voltados ao ensino, aprendizagem e alfabetização;
ela corresponde a uma reinserção do indivíduo na sociedade por meio
de uma formação crítica e emancipatória.
Por fim, conclui-se que a EJA desempenha papel fundamental
no processo formativo dos sujeitos e que necessidade de políticas
públicas voltadas a essa modalidade de ensino com vistas a uma
formação de qualidade, por meio do respeito à dignidade humana.
319
Como limitações do estudo, assume-se a necessidade de investigações
mais aprofundadas, no âmbito da Educação de Jovens e Adultos, que
abordem questões relacionadas à diversidade e à necessidade de
processos educacionais emancipatórios. Assim, espera-se que este
estudo inspire outras investigações que acrescentem a estas reflexões
iniciais abordagens mais específicas quanto ao papel da educação EJA
na construção de uma sociedade mais igualitária.
Referências
ARAUJO V. A.; COSTA T. B.; TAVARES M. Multiculturalismo,
interculturalismo e pluriculturalismo: debates e horizontes políticos e
epistemológicos. Revista-ambiente educação. São Paulo: Universidade
Cidade de São Paulo, v. 11, n. 1, p. 29-44 jan./abr. 2018.
BARRIOS, Juliana Bicalho de Carvalho Barrios. O abandono do ensino
dio regular pelos estudantes e a juvenilização da EJA: uma teia de
relações. 2018. 151f. Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade
Estadual de Londrina, Londrina, 2018.
BRASIL. Lei 5.692, de 11 de agosto de 1971. Fixa Diretrizes e Bases
para o ensino de 1° e graus, e outras providências. Brasília, 11 de
agosto de 1971.
BRASIL. Ministério da Educação. Conselho Nacional de
Educação/Câmara de Educação Básica. Resolução n. 01 de 05 de julho de
2000b. Brasília: MEC, 2000. Estabelece as Diretrizes Curriculares
Nacionais para a Educação e Jovens e Adultos.
BRASIL. Ministério da Educação. Conselho Nacional de
Educação/Câmara de Educação Básica. Resolução n. 01 de 05 de julho de
2000b. Brasília: MEC, 2000. Estabelece as Diretrizes Curriculares
Nacionais para a Educação e Jovens e Adultos.
320
BRASIL. Ministério da Educação. Conselho Nacional de
Educação/Câmara de Educação Básica. Resolução n. 01 de 25 de maio de
2021(*). Brasília: MEC, 2021. Institui Diretrizes Operacionais para a
Educação de Jovens e Adultos nos aspectos relativos ao seu alinhamento
à Política Nacional de Alfabetização (PNA) e à Base Nacional Comum
Curricular (BNCC), e Educação de Jovens e Adultos a Distância.
CATELLI JR., R. (org.). Formação e práticas na educação de jovens e
adultos. São Paulo: Ação Educativa, 2017.
DINIZ-PEREIRA, lio Emílio. Formação continuada de professores. In:
OLIVEIRA, Dalila Andrade; DUARTE, Adriana Cancella; VIEIRA, Lívia
Fraga. Dicionário Trabalho, profiso e condição docente”. Belo
Horizonte: Gestrado, 2010.
FREIRE, Paulo. Conscientização: teoria e prática da libertação: uma
introdução ao pensamento de Paulo Freire. São Paulo: Cortez & Moraes,
1980.
FRIEDRICH, Márcia et al. Trajetória da escolarização de jovens e adultos
no Brasil: de plataformas de governo a propostas pedagógicas esvaziadas.
Avaliação e Políticas Públicas em Educação, Rio de Janeiro, v. 18, n. 67,
p. 389-410, abr./jun. 2010.
GIL, A. C. Métodos e técnicas de pesquisa social. 6. ed. São Paulo: Atlas,
2008.
HALL, S. Da diáspora: identidades e mediações culturais. Belo Horizonte:
Ed. UFMG; Brasília: Unesco, 2003.
LAKATOS, E. M.; MARCONI, M. A. Fundamentos de Metodologia
Científica. São Paulo, SP: Atlas 2003.
321
LIMA, Elvira de Souza. Currículo e desenvolvimento humano. In:
MOREIRA, Antonio Flávio e ARROYO, Miguel. Indagações sobre
currículo. Brasília: Departamento de Políticas de Educação Infantil e
Ensino Fundamental, nov. 2006.
BRASIL. Ministério da Educação. Conselho Nacional de
Educação/Câmara de Educação Básica. Resolução n. 01 de 25 de maio de
2021(*). Brasília: Mec,2021. Institui Diretrizes Operacionais para a
Educação de Jovens e Adultos nos aspectos relativos ao seu alinhamento
à Política Nacional de Alfabetização (PNA) e à Base Nacional Comum
Curricular (BNCC), e Educação de Jovens e Adultos a Distância.
MARIN, Alda Junqueira. Precarização do trabalho docente. In:
OLIVEIRA, Dalila Andrade; DUARTE, Adriana Cancella; VIEIRA, Lívia
Fraga. Dicionário Trabalho, profiso e condição docente. Belo
Horizonte: Gestrado, 2010.
MIRANDA, Joseval dos Reis.; PEREIRA, Maria Susley.
Desenvolvimento histórico e marcos legais da educação de jovens e
adultos no brasil. In: GARCIA, Renata Monteiro.; SILVA, Marluce
Pereira. EJA, Diversidade e Inclusão: reflexões (im)pertinentes, João
Pessoa: Editora UFPB, 2018.
MOEHLECKE, Sabrina. As políticas de diversidade na educação no
governo Lula. Cadernos de Pesquisa, v. 39, n. 137, maio/ago. 2009.
MOURA, Carmen Brunelli. Laços intergeracionais na EJA. In: GARCIA,
Renata Monteiro.; SILVA, Marluce Pereira. EJA, Diversidade e Inclusão:
reflexões (im)pertinentes, João Pessoa: Editora UFPB, 2018.
MOURA, Carmen Brunelli.; SILVA, Marluce Pereira. O sujeito da EJA.
In: GARCIA, Renata Monteiro.; SILVA, Marluce Pereira. EJA,
Diversidade e Inclusão: reflexões (im)pertinentes, João Pessoa: Editora
UFPB, 2018.
322
PAIVA, Vanilda Pereira. Educação popular e educação de adultos. 5. Ed.
São Paulo: Loyola, 1987.
PASSOS, Joana Celia. Professores na educação de jovens e adultos:
inserção, precarização e formação continuada. Eccos, São Paulo, n. 47, p.
273-288, set./dez. 2018.
RODRIGUES, Edileuza Custódio. Exclusão versus emancipação:
aprendendo tendências pedagógicas. In: GARCIA, Renata Monteiro.;
SILVA, Marluce Pereira. EJA, Diversidade e Inclusão: reflexões
(im)pertinentes, João Pessoa: Editora UFPB, 2018.
RODRIGUES, Maria Emilia de Castro; FARIA, Maria do Rosário Teles
de; JESUS, Janaína Cristina de. Educação de jovens e adultos (eja) como
direito: O desafio do acesso e permanência na modalidade. Educativa,
Goiânia, v. 20, n. 2, p. 373-392, maio/ago. 2017.
SILVA JUNIOR, Nelson Gomes de Sant’Ana e.; GARCIA, Renata
Monteiro. Diversidade e inclusão. In: GARCIA, Renata Monteiro.;
SILVA, Marluce Pereira. EJA, Diversidade e Inclusão: reflexões
(im)pertinentes, João Pessoa: Editora UFPB, 2018.
SOBREIRA, Maria Liosa Fernandes; COSTA, Tamara Aline de Souza. A
importância da educação de jovens e adultos para construção da
cidadania: reflexões sobre o trabalho docente e suas implicações para vida
dos/as educandos/as. 2014. 108 f. TCC (Graduação) - Curso de
Pedagogia, Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, 2014.
SOUZA, Claudenôra Maria.; NASCIMENTO, Valter Oliveira.;
SANTOS, Patrícia Batista dos. O processo avaliativo na educação de
jovens e adultos: estudo de caso da escola municipal Suécia
Lagarto/Sergipe. Ciências Humanas e Sociais. Aracaju, v. 3, n.3, p. 159-
170, Outubro 2016.
323
STRELHOW, Thyeles Borcarte. Breve histórica sobre educação de jovens
e adultos no Brasil. Revista HISTEDBR, Campinas, n. 38, p. 49-59,
2010.
TELLA, Marco Aurélio Paz. Direitos humanos e educação anti-racista.
In: GARCIA, Renata Monteiro.; SILVA, Marluce Pereira. EJA,
Diversidade e Inclusão: reflexões (im)pertinentes, João Pessoa: Editora
UFPB, 2018.
UNESCO. Declaração de Hamburgo: agenda para o futuro. In:
CONFERÊNCIA INTERNACIONAL DE EDUCAÇÃO DE
ADULTOS, 5., 1997, Hamburgo.
324
325
Avaliação da e para as Aprendizagens na Educação de
Jovens e Adultos (EJA): mudanças no percurso formativo
Luiz Felipe Garcia de Senna
1
Rodrigo Aparecido Ribeiro da Silva
2
Introdução
Este trabalho tem como base as visões de dois professores
residentes em uma cidade do interior paulista. Ambos trabalharam
como professores de Língua Portuguesa em séries do Ensino
Fundamental (anos finais) e do Ensino Médio, na modalidade
Educação de Jovens e Adultos (EJA) ofertada pela Secretaria
Municipal de Educação de uma cidade do Centro Oeste Paulista. Os
profissionais trazem, neste trabalho, apontamentos sobre suas
vivências referentes à presença e ao papel da avaliação na formação de
jovens e adultos.
A avaliação é uma prática social presente no cotidiano de
todos os sujeitos, e é praticada por pessoas e instituições. Assim, todos
podem ser considerados agentes e receptores do ato avaliativo. Nos
1 Doutorando e Mestre em Educação pela Universidade Estadual Paulista "Júlio de
Mesquita Filho " (Unesp), campus de Marília-SP. E-mail: luiz.senna@unesp.br
2 Doutorando e Mestre em Letras pela Universidade Estadual Paulista "Júlio de
Mesquita Filho " (Unesp), campus de Assis-SP. E-mail: rodrigo.ribeiro-
silva@unesp.br
https://doi.org/10.36311/2023.978-65-5954-389-2.p325-356
326
modelos de ensino vigentes na atualidade, a avaliação tem um papel
central no percurso dos estudantes, tornando-se, para muitos,
sinônimo de aprendizagem e de ensino. Discutir e refletir sobre os
impactos da avaliação na formação dos educandos pode auxiliar na
melhoria das práticas docentes na educação de base.
Sobre o aluno da Educação de Jovens e Adultos (EJA)
Sabe-se que a Educação de Jovens e Adultos (EJA) é uma
modalidade voltada aos sujeitos que, por motivos diversos, não
concluíram a formação básica em idade esperada. O Brasil é um país
marcado por contradições e a própria história da EJA se constitui a
partir disso. Informações do Laboratório de Dados Educacionais da
Universidade Federal do Paraná (UFPR), levantadas por Ventura e
Oliveira (2020), demonstraram que, em 2015, cerca de 79 milhões
de pessoas apresentaram um nível de sub-escolarização, o que, por sua
vez, estaria acompanhado da diminuição de matrículas nas
instituições de ensino.
De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de
Domicílios (Pnad Contínua/IBGE) cerca de 10,1 milhões de
brasileiros (9,3%) estavam desempregados no segundo trimestre de
2022 e 4,3 milhões de brasileiros encontravam-se em situação de
desalento, ou seja, afirmavam não procurar mais emprego por terem
perdido a esperança de encontrar trabalho. Das pessoas em idade de
trabalhar, 31,1% não concluíram o Ensino Fundamental e 51,9%
concluíram o Ensino Médio. Somente 16,0% da população do país
em idade para trabalhar concluiu o vel Superior (IBGE, 2022).
327
Conforme Gerbelli (2021), a e baixa escolarização faz com
que os trabalhadores fiquem precarizados e acabem desempenhando
trabalhos em péssimas condições e, mesmo que visem melhorias no
rendimento financeiro, infelizmente os ganhos em geral não suprem
as necessidades do sujeito e de seus familiares. A partir de dados das
inscrições em avaliações como o Encceja (Exame Nacional para
Certificação de Competências de Jovens e Adultos), é possível obter
vislumbres sobre como é a vida dos alunos da EJA, pois, no caso das
inscrições para este exame, os participantes respondem questionários
sobre vida e trabalho.
Do total de pessoas inscritas na edição do Encceja de 2020,
15% disseram não ter jornada fixa; 10% afirmaram que trabalham
até 10 horas semanais; 14% que trabalham entre 31 horas e 40 horas
semanais; 31% até 44 horas semanais; e 24% trabalham acima de 44
horas semanais (INEP, 2020). Para Gerbelli (2021), os dados das
últimas edições do Encceja mostram que parte da força de trabalho
inserida no público-alvo da EJA não tem tempo para estudar e a outra
está inserida na informalidade e em subempregos.
A questão ainda é urgente, visto que em 2019, o Brasil
contava, na população com 15 anos ou mais, com 11 milhões de
pessoas analfabetas (6,6%). De acordo com a Pesquisa Nacional por
Amostra de Domicílios (Pnad Contínua/IBGE) de 2019, o
analfabetismo no país apresenta uma relação direta com a idade:
“Quanto mais velho o grupo populacional, maior a proporção de
analfabetos” (IBGE, 2019). Dessa maneira, as gerações mais novas
vêm recebendo um maior acesso à educação, enquanto as mais velhas
acabam não sendo atendidas devidamente e os índices acabam
328
diminuindo devido ao processo natural de envelhecimento da
população.
A diferença entre pessoas brancas e pretas ou pardas (segundo
as categorias adotadas pelo IBGE
3
) é significativamente grande. Em
2019, 3,6% das pessoas com 15 anos ou mais que se declaravam
brancas eram analfabetas, entre pessoas que se declararam pretas ou
pardas a porcentagem sobe para 8,9%. Novamente, quanto mais
velha a população maior é o número de pessoas analfabetas, sendo
que do grupo de indivíduos com 60 anos ou mais, a taxa de
analfabetismo é de 9,5% entre brancos e 27,1% entre pretos e pardos
(IBGE, 2019). Os dados contribuem ainda para ressaltar como a
estruturação da sociedade brasileira está permeada pelas questões de
raça e classe.
Para Gerbelli (2021), a presença negra em instituições formais
de ensino subsídio para analisar e compreender a diversidade
presente na EJA e, também, os processos de segregação e de racismo
estrutural brasileiro. A população negra no Brasil foi historicamente
impedida de usufruir de direitos básicos como a liberdade, a educação
e o trabalho devidamente remunerado, com isso, é a que mais sofre
com a precarização dos sistemas de ensino e ausência de políticas
públicas adequadas. Gerbelli (2021) reafirma as ideias de Gomes
(2011, p. 90), que salienta: “pensar a realidade da EJA, hoje, é pensar
a realidade de jovens e adultos, na sua maioria negros, que vivem
processos de exclusão social e racial.”
3 Ver, a esse respeito, OSORIO, Rafael Guerreiro. A classificação de cor ou raça
do IBGE revisitada. In: PETRUCELLI, José Luis. SABOIA, Ana Lucia Orgs).
Características Étnico-raciais da População: Classificações e identidades. Rio de
Janeiro: IBGE, 2013.
329
Na edição de 2019 do ENCCEJA, o número de inscritos foi
de 2.973.386 e cada candidato respondeu, no questionário, sobre o
“principal motivo que o faria voltar a estudar ou continuar
estudando”: cerca de 35% disseram que o principal motivo era
“conseguir um emprego melhor”; 30% que seria para “conseguir um
emprego”; 20% apontaram que gostariam de “adquirir mais
conhecimento, ficar atualizado”; e 10% disseram que queriam
“progredir no meu emprego atual.” (INEP, 2019).
A sinopse do ENCCEJA de 2020 apontou que a avaliação
contou com 1.608.135 inscritos. Cerca de 81% fizeram a prova para
concluir o Ensino dio e 19% para encerrar o Ensino Fundamental.
As mulheres foram 55% do total e os homens 45%, sendo que 33,5%
se declaravam brancos e 60,4% pretos ou pardos. Apenas 19%
mencionaram motivos ligados ao universo escolar para abandonarem
os estudos, constando entre os principais: Formas de ensino/avaliação
desestimulantes (28%); e Percepção de que os conteúdos das aulas
não serviam para a vida (19%). o contexto familiar envolve: Falta
de tempo para estudar (24%); Necessidade de trabalhar para ajudar a
família (20%); e Necessidade de ajudar nas tarefas de casa (19%)
(INEP, 2020).
Os dados do ENCCEJA demonstram a realidade de uma
parte da população brasileira que busca na educação uma maneira de
alcançar melhores condições de vida, pessoas que abandonaram os
estudos tanto por presenciarem aulas desinteressantes e desvinculadas
da vida fora do espaço escolar quanto pela necessidade de trabalhar e
ajudar no orçamento e nas atividades domésticas em suas residências.
Para Gerbelli (2021), tudo isso constitui parte de um amplo
e contínuo processo de desmonte das legislações que buscam garantir
330
direitos básicos de proteção social e trabalho digno. Tal processo
evidencia-se ainda por movimentos que cresceram a partir das
políticas neoliberais implementadas ainda nos anos 1990 no Brasil.
Mais recentemente, é possível mencionar as “reformas” destrutivas
para os trabalhadores como a Lei das Terceirizações (Lei 13.429,
de 31 de março de 2017) e a Reforma Trabalhista (Lei 13.467, de
13 de julho de 2017) que impactaram diretamente os indivíduos mais
pobres e menos escolarizados.
A Educação de Jovens e Adultos (EJA) de ontem e de hoje
Nossas reflexões sobre a avaliação na Educação de Jovens e
Adultos foram suscitadas em sua maior parte pela observação e pelos
relatos de estudantes ao longo de nossa prática docente, sendo que,
pelo menos uma parte desse período (cerca de um ano e meio) foi
marcada pela pandemia de Covid-19, que impôs alterações bruscas
nas relações educacionais e agravou problemas existentes (como
evasão, baixos investimentos, falta de planejamento, desigualdade na
oferta de vagas, cortes de orçamento, etc.), além de ter chamado a
atenção para questões menos observadas anteriormente, como o uso
massivo das tecnologias digitais e o descompasso gigantesco entre o
discurso oficial na esfera das decisões políticas e o atendimento das
reais necessidades educacionais da população brasileira.
Diferentemente do que ocorre em outras modalidades de
ensino, a Educação de Jovens e Adultos apresenta uma heteroge-
neidade muito grande no que se refere ao público atendido. Quanto
à faixa etária, encontram-se estudantes que até recentemente
cursavam o ensino regular até pessoas que estão na terceira idade, em
331
alguns casos avançando para além dos setenta anos. Trata-se,
portanto, de indivíduos que tiveram trajetórias de vida muito
distintas, com experiências educacionais anteriores as mais diversas,
bem como diferentes motivações para o abandono da escolarização e
para o retorno à escola. Entre os motivos mais relatados para o
abandono, estão a necessidade de ajudar financeiramente em casa por
meio do trabalho (geralmente informal), a falta de perspectiva e de
incentivo, bem como para cuidar dos filhos ou de pessoas adoentadas
na família. Quando, porém, consideramos o fator renda, é possível
observar um ponto em comum, pois a grande maioria do público
atendido na Educação de Jovens e Adultos, como no caso dos
estudantes que acompanhamos, é formada por pessoas provenientes
dos grupos sociais menos favorecidos, de baixa renda, que participam
de programas sociais de geração e distribuição de renda.
Quanto as razões para ter voltado aos estudos, os relatos que
mais ouvimos se referem à exigência do empregador (para aqueles que
trabalham em empresas instaladas na cidade), o desejo de concluir
uma formação em nível técnico ou superior, tirar a carteira de
motorista e “ter a chance de um emprego melhor”.
Para atender um público tão heterogêneo e com necessidades
educacionais distintas daqueles atendidos em outras modalidades, a
equipe escolar precisa estar atenta às especificidades desse público, de
modo a acolher, além de promover um maior engajamento, com
estratégias para enfrentar a evasão e o analfabetismo funcional, que
continuam sendo imensos desafios para o poder público.
O Observatório do Plano Nacional da Educação (OPNE)
acompanha as metas estabelecidas pelo Plano Nacional da Educação
instituído pela Lei no. 13.005/2014. Atendendo à Constituição de
332
1988, que confere ao país a obrigatoriedade de planejar o futuro do
ensino, o Plano visa aprimorar a qualidade da educação oferecida. As
esferas municipal, estadual e federal devem adequar seus planos à sua
realidade, considerando, porém, as orientações do PNE. No que se
refere à Educação de Jovens e Adultos, uma das metas era elevar a taxa
de alfabetização da população com 15 anos ou mais para 93,5 % até
2015 e, até o final de vigência (2024), erradicar o analfabetismo
absoluto e reduzir em 50% a taxa de analfabetismo funcional no país.
Os resultados parciais de um dos objetivos dessa meta indicam que,
em 2020, 94,2% dos brasileiros com mais de 15 anos sabiam ler e
escrever. Quanto ao segundo objetivo, os dados apontam, como
resultado parcial, que 29% das pessoas com mais de 15 anos eram
consideradas analfabetas funcionais em 2018.
Os alunos da Educação de Jovens e Adultos (EJA) geralmente
trazem consigo as ideias e representações que elaboraram a partir de
suas experiências precedentes sobre a educação, as práticas escolares e
os sujeitos envolvidos no processo educativo. Em relatos individuais
colhidos em situações de conversa dirigida ou espontânea sobre temas
direta ou indiretamente relacionados à ngua Portuguesa, muitas
dessas experiências foram definidas pelos próprios estudantes como
tendo sido traumáticas ou, no mínimo, desestimulantes. Elas
envolviam desde práticas corriqueiras (empreendidas tanto por alunos
como por profissionais da educação) como classificar os estudantes
entre os considerados capazes e aqueles que “sempre tiravam zero” ou
“passavam raspando” e o reforço de uma autoridade com frequência
centrada no professor, nos membros da gestão escolar e nos
instrumentos institucionais que de alguma maneira eram associados
pelos estudantes à legitimação de instâncias do poder.
333
Para Bourdieu (1983), as instituições de ensino estão inseridas
no campo educacional, entendido pelo autor como um local de
embates entre forças que desejam dominá-lo ou ocupar os espaços
mais centrais em sua organização. Historicamente, a educação no
Brasil foi utilizada como um instrumento de dominação e propagação
de valores que atenderiam os interesses dos mais poderosos. Com isso,
a organização das instituições de ensino, dos currículos escolares, bem
como o tipo de pedagogia, e a avaliação que é praticada decorrem dos
interesses dos grupos dominantes em cada contexto histórico e social
que os sujeitos integram.
Um campo sempre coexiste com outros, desta maneira, os
embates dos diferentes campos podem ter relações. Um exemplo é o
quanto o acesso à escolarização esteve relacionado na história do país
com a melhoria da qualidade de vida dos sujeitos. Sendo do interesse
de grupos dominantes manter limitado o acesso aos lugares
prestigiados, os jogos de poder tiveram e têm repercussões nos campos
políticos e econômicos fazendo com que decisões governamentais
limitassem ou impedissem o acesso dos “indesejados” ou que o custo
de manutenção de um estudante fosse exorbitante demais para que a
massa populacional pudesse pagar.
No Brasil do período colonial, a instrução pública foi
monopolizada pelos jesuítas por mais de duzentos anos (da chegada
da Companhia de Jesus ao país, em 1549, até sua expulsão, em 1759)
com a intenção de catequizar os nativos, vistos como ingênuos e
inferiores sob a perspectiva dos valores cristãos europeus. Em seguida,
ações foram tomadas para garantir a formação dos filhos dos
colonizadores que cresciam distantes da Europa. (SOUSA, 2013).
334
Desde o início, a educação, no que viria a ser o país atual, foi marcada
por jogos de interesses de classe e raça.
Nesse contexto, “[...] os colégios jesuíticos foram instrumento
de formação da elite colonial. [...]. Os instruídos serão descendentes
dos colonizadores. Os indígenas serão apenas catequizados
(RIBEIRO, 2010. p.11). A evangelização dos nativos serviu princi-
palmente para torná-los mais “dóceis”, mais propensos para servir de
mão de obra para os colonizadores, além de cumprir com a missão de
expandir o poder de influência da Igreja.
Os modelos de educação sempre estiveram associados aos
projetos vigentes no território nacional. No período ao qual nos
referimos, o Brasil colonial era considerado um celeiro de Portugal e
toda a sua infraestrutura econômica era dependente do Império, pois
da Colônia eram exportados os insumos básicos e para ela importados
os manufaturados (RIBEIRO, 2010).
Essa realidade pouco se alterou com a primeira Constituição
brasileira, datada de 1824 e de autoria de D. Pedro I. Como explica
Veronezi et al. (2019), o documento foi elaborado a partir de
influências francesas e espanholas, afirmou a educação como um
direito de todos os cidadãos, crianças e adultos. Neste momento
histórico, foram criados mecanismos para limitar o acesso de adultos
analfabetos ao ensino, além do reconhecimento como cidadãos
apenas das pessoas com determinado poder aquisitivo e que fossem
alfabetizadas. E dado o conceito restritivo de cidadania, a
Constituição de 1824 foi omissa em relação aos escravizados e aos
indígenas. A educação era um objeto de poder e, por isso, era pouco
acessível e, por mais que a presença católica diminuísse, a
escolarização intelectual continuou restrita a poucos.
335
Posteriormente, na Primeira República, dois aspectos
merecem destaque: primeiro, a exclusão das massas foi mantida ao
ignorar as desigualdades regionais e sociais existentes no país,
deixando aos Estados e Municípios a responsabilidade pela educação;
segundo, diversas reformas educacionais se iniciaram e muitos
movimentos apareceram com o intuito de garantir educação para
todos. Ainda assim, nenhuma mudança estrutural ocorreu e, na
década de 1920, mais de 70% da população acima dos cinco anos era
analfabeta, conforme relembra Veronezi et al. (2019).
Os primeiros movimentos estruturais de mudança surgiram
no período Vargas, com a intenção de atender a demanda do processo
de industrialização do país. O político ampliou então a oferta da
educação inicial e promoveu a educação profissionalizante. Pela
primeira vez, a alfabetização entrou no foco das políticas públicas do
país (PREUSS; MENONCIN, 2017).
Na década de 1930, a Educação de Jovens e Adultos começou
a ser desvinculada da educação em classes regulares, enquanto
políticas de promoção começaram a ser articuladas nos documentos
oficiais e nas ações estatais (VERONEZI et al., 2019). A EJA no início
do século XX foi marcada pela necessidade de preparação de mão de
obra para as novas demandas econômicas do país. Durante as décadas
seguintes, a discussão ganhou cada vez mais espaço. A partir da década
de 1940, parte do orçamento educacional no vel federal passou a
ser destinado para escolarização de jovens e adultos, aspecto que
sofreu alterações de acordo com os momentos políticos do país.
Entre as cadas de 1950 e 1960, os movimentos populares
intensificaram a pressão por mais acesso à educação, Paulo Freire teve
um importante papel ao se envolver com um projeto nacional de
336
alfabetização de perspectiva crítica e que fosse além dos saberes
escolares. Mais do que uma formação técnica, a educação para Freire
era um meio de transformação social por meio do desenvolvimento
da consciência crítica da realidade.
Com o golpe militar de 1964, o projeto educacional freireano
foi interrompido, movimentos sociais foram criminalizados
juntamente com qualquer iniciativa de educação popular. Entre as
iniciativas do período, é possível citar o Movimento Brasileiro de
Alfabetização (MOBRAL), criado pela lei 5.379/1967, e depois, o
Ensino Supletivo, estabelecido a partir de 1971 pela Lei de Bases e
Diretrizes Nacionais 5.692/71. Os dois programas continuaram
com o objetivo dos anos 1930 de formar mão de obra capacitada para
as demandas econômicas crescentes no país. Caprini e Corrêa (2015)
explicam que:
A LDBEN 5.692/71 contemplava o caráter supletivo da
EJA e pretendia escolarizar a maior parte possível da
população mediante baixo custo, de forma a suprir o
mercado de trabalho vigente; porém, concebia a leitura e a
escrita como meros decodificadores de caracteres
(CAPRINI; CORRÊA, 2015, p.318).
Uma questão ressaltada por Veronezi et al. (2019, p. 7), é a
de que o MOBRAL “foi precedido e coexistiu até 1971 pela Cruzada
da ão Básica Cristã, que era uma campanha semi-oficial dirigida
por evangélicos norte-americanos. A relação confusa entre ações de
escolarização com interesses religiosos parece transpassar os períodos
e contextos históricos do país. Preuss e Menoncin (2017, p.4)
afirmam que: “No período da ditadura militar, a EJA, oferecida pelo
337
governo, colaborou na manutenção da harmonia social e na
legitimação do regime autoritário, sustentando o mito de uma
sociedade democrática em um regime de excluídos.”
Conforme Freitas e Pires (2015), as diversas propostas de
oferecimento e ampliação de escolarização para jovens e adultos têm
servido no Brasil para qualificação de mão de obra para a realização
de serviços simples. Com isso, a avaliação recebe um papel secundário
na modalidade, não garantindo eficácia nem eficiência.
A EJA na sociedade do século XX apresentou-se como
consequência das contradições, das desigualdades que atravessam
toda a organização social do país. Nas últimas décadas, ela atendeu
principalmente trabalhadores pobres e rurais que não tiveram a
oportunidade de estudar no momento certo (SOUZA, 2015).
A noção de escolarização pública e para todos é recente. De
fato, da maneira como é conhecida na atualidade, nasceu com a
promulgação da Constituição Cidadã de 1988. Foi também com a
recente Carta Magna que a Educação de Jovens e Adultos (EJA)
voltou a ser objeto de discussão nacional. Na atualidade, sabe-se que
é direito de todos os brasileiros o acesso à saúde, à educação, à
segurança e à qualidade de vida. A implementação dos valores
democráticos encontra, ainda hoje, empecilhos. Conforme Veronezi
et al. (2019) e Gerbelli (2021), o limiar entre os séculos XX e XXI foi
mundialmente marcado por um crescente movimento neoliberal que
buscou diminuir o papel do estado, bem como os direitos básicos que
os sujeitos detêm nas sociedades democráticas.
338
Representações sociais sobre avaliação na EJA
Em um país com a trajetória política e histórica conturbada,
não é de se estranhar que muitos estudantes passem pela escolarização
com noções da avaliação apenas como instrumento de medida. Uma
noção que remonta aos tempos da colonização com a educação
jesuítica, pois a avaliação no trabalho pedagógico era promovida
constantemente e com rigor pelos padres, sendo os exames escritos e
orais os principais instrumentos de testagem da qualidade do trabalho
pedagógico (LUCKESI, 1999).
No geral, muitos dos estudantes da EJA com os quais
interagimos nos últimos anos demonstraram ver a avaliação como um
meio de imposição da autoridade dos professores e de validação do
saber. Assim, eles a definiram como meio de “dar nota”, “passar de
ano” ou “mostrar que não se sabe nada”. Ainda segundo essas
representações observadas, a avaliação é com frequência compre-
endida como sinônimo de “prova”, que acontece numa data
previamente definida e, a exemplo de exames de concurso, de
processos seletivos e de admissão em instituições de ensino superior,
é também um momento que exige preparação e atenção, contando
com uma dinâmica própria numa escala de valores pré-definidos com
foco nos possíveis resultados.
Essas representações estão ligadas à compreensão restrita e à
instrumentalização da avaliação como recurso de caráter
classificatório e/ou eliminatório, predominante na história da
escolarização no país. Uma avaliação pensada para legitimar
determinados habitus, conceito que pode ser compreendido como um
conjunto de técnicas, práticas e de crenças que são tanto coletivas
339
quanto individuais, que são adquiridas, primeiro, no ambiente
familiar e de formação inicial, e depois, nos espaços de convívio social.
Se, por um lado, ser avaliado pode de fato remeter a um
processo classificatório em contextos muito específicos (nos quais, de
alguma forma, se a necessidade de mensurar habilidades ou
conhecimentos), por outro, o predomínio dessas representações sobre
a avaliação no âmbito da educação pública diz muito sobre como
avaliar tem sido muitas vezes compreendido como uma ação pontual,
legitimadora de práticas autoritárias e excludentes e/ou desconectada
das reais necessidades de aprendizagem dos estudantes,
principalmente aqueles e aquelas que, além de lidarem com a
desigualdade estrutural agravada pela pandemia e pela crise
econômica, ainda enfrentam o desafio de voltar a uma escola que
pouco reflete sobre as especificidades dos estudantes da Educação de
Jovens e Adultos.
Dados da Organização das Nações Unidas para Educação,
Ciência e a Cultura (UNESCO, 2020) demonstraram que, em maio
de 2020, mais de 70% dos estudantes em todo o planeta passaram
por alguma política de suspensão das aulas presenciais por causa da
pandemia da Covid-19. No Estado de São Paulo mais de 4 milhões
de alunos matriculados nos Anos Finais do Ensino Fundamental e no
Ensino Médio. As aulas presenciais no estado paulista foram
suspensas por meio do decreto 64.864, de 16/3/2020, as
instituições escolares geridas pelo Estado seguiram a resolução Seduc-
28, de 19/03/2020, as prefeituras desenvolveram ações de acordo
com as realidades locais. A mudança repentina da rotina de
professores e alunos, assim como de toda a sociedade, geraram
impactos nas mais diversas áreas, em especial na educação. Como
340
apontou um estudo da Fundação Getúlio Vargas (FGV) de 2022,
produzido por Neri e Osorio (2022), a evasão escolar aumentou na
faixa etária de alunos entre 5 a 9 anos durante o período de pandemia.
O aumento foi de 1,41% para 5,51% entre 2019 e 2020, uma
elevação de 197,8%.
Conforme Caprini e Corrêa (2015), a avaliação na EJA deve
visar o contexto sócio-histórico-cultural do educando, os sujeitos
devem ser integrados e respeitados em suas individualidades. O
processo de agir diante das dificuldades não pode se reduzir ao
repassar conteúdo e a atividades mais fáceis ou diretivas para dar notas
que promovam os alunos. Docentes que desenvolvem atividades
avaliativas mais “simples para simplesmente “passar” alunos
contribuem com o que Bourdieu (2003) denominou de exclusões
dóceis, pois ainda que o sujeito permaneça no percurso de
escolarização e alcance o certificado de conclusão, ele não te os
saberes necessários para avançar nos meios profissionais e acadêmicos.
Assim, a avaliação acaba tendo como função legitimar as
desigualdades:
Nada é mais adequado que o exame para inspirar a todos o
reconhecimento da legitimidade dos veredictos escolares e
das hierarquias sociais que eles legitimam, que ele
conduz aquele que é eliminado a se identificar com aqueles
que malogram, permitindo aos que são eleitos entre um
pequeno número de elegíveis ver em sua eleição a
comprovação de um mérito ou de um ‘dom’ que em
qualquer hipótese levaria a que eles fossem preferidos a
todos os outros (BOURDIEU; PASSERON, 1992,
p.171).
341
Os processos avaliativos presentes no percurso escolar estão,
de muitas maneiras, organizados com a intenção de legitimar os
saberes tidos como mais relevantes pelas classes dominantes e,
consequentemente, excluir todos que destoem do esperado. Não se
trata de desmerecer os saberes científicos e acadêmicos, mas de
reconhecer que sujeitos que iniciam os percursos formativos de
lugares desiguais acabam tendo resultados também desiguais. Logo,
coloca-se em discussão o quanto o trabalho desenvolvido nas
unidades escolares é pensado com a intenção de impulsionar os
estudantes ou de perpetuar os papéis sociais estabelecidos. Para as
reflexões que são empreendidas aqui, o questionamento dos métodos
e papéis da educação por Paulo Freire se faz muito lido, na medida
em que nos obriga a repensar as práticas para reinventar inclusive as
concepções enraizadas sobre avaliação:
Ditamos ideias. Não trocamos ideias. Discursamos aulas.
Não debatemos ou discutimos temas. Trabalhamos sobre o
educando. Não trabalhamos com ele. Impomos-lhe uma
ordem a que ele não adere, mas se acomoda. Não lhe
propiciamos meios para o pensar autêntico, porque
recebendo as rmulas que lhe damos, simplesmente as
guarda. Não as incorpora porque a incorporação é o
resultado de busca de algo que exige, de quem o tenta,
esforço de recriação e de procura. Exige reinvenção
(FREIRE, 1979, p. 96).
Para Freire, a alfabetização deveria romper com práticas
tradicionais e instrumentalizadas da língua e aderir a uma prática
contextualizada que utilizasse de um conteúdo de expressão cultural.
342
Assim, o educador contribuiu para a produção de um novo conceito
e uma nova postura epistemológica para com os processos de
alfabetização e educação popular. Integrar e impulsionar o estudante,
romper com todos os processos anteriores de exclusão e
marginalização de seus saberes e vivências, fazer do sujeito um agente
de transformação da realidade social que nos cerca, tudo isso é apenas
parte do processo educativo que Freire propôs e do qual este trabalho
se encarrega, em especial, sobre como a avaliação pode fazer parte
destas mudanças.
Não se pretende aqui concluir que as concepções sobre
educação e avaliação (considerando as diferentes perspectivas dos
sujeitos envolvidos) determinam de alguma forma o sucesso, o
fracasso ou a estagnação escolar, e sim ressaltar que as representações
externadas pelos estudantes dessa modalidade servem como sinais de
alerta e importantes pontos de partida para repensar as práticas
educacionais, na medida em que dão forma a anseios, vivências,
expectativas e conflitos experimentados na rotina escolar, além de
demonstrarem que esses estudantes, ainda que muitas vezes não
consigam dar um nome reconhecível às suas percepções e crenças,
reagem efetivamente àquilo que é instituído, elaboram suas próprias
compreensões a esse respeito e se reconhecem, por meio das práticas
orais e escritas de uso social da língua, como membros de uma
coletividade e como construtores ativos de seu próprio percurso
pessoal e profissional.
A posição social da família do aluno produz efeitos diretos e
indiretos que perpassam a sua história, mas não a determina, visto
que, muitos alunos de classes populares conseguem obter sucesso no
percurso formativo e, também, certos estudantes abastados não se
343
desenvolvem como esperado. Como relembra Charlot (2003), o
sucesso ou fracasso dos percursos não decorrem de fatores simplistas,
mas de complexos e constantes produções individuais, as escolhas e as
suas experiências diárias moldam e alteram a maneira como os sujeitos
lidam e interpretam a realidade.
Antes de refletir sobre algumas práticas avaliativas que
contribuem para promover uma experiência escolar mais coerente
com as necessidades educacionais e mais capaz de fazer os estudantes
refletirem sobre seu próprio percurso formativo, é importante
considerar que a avaliação é pensada (e vivida) sob a perspectiva de
pelo menos três agentes fundamentais: a escola como um organismo
institucional, parte de um todo que se vale de instrumentos para, em
tese, medir ou avaliar a qualidade ou o estado dos processos de que se
encarrega; os educadores, cujas necessidades de buscar referências
para o processo de ensino-aprendizagem pedem que recorram a um
ou mais instrumentos de avaliação; e, por fim, os estudantes, que,
embora concebam a avaliação de diferentes maneiras, encaram-na na
maioria das vezes como parte necessária do modus operandi escolar,
trazendo, porém, como explicitado acima, suas representações
centradas no modelo ou na experiência mais tangível de avaliação
(escrita, majoritariamente objetiva, modular e de caráter
comprobatório).
A dificuldade de os estudantes da Educação de Jovens e
Adultos lidarem com a avaliação para além dessa concepção mais
reconhecível não tem origem apenas na naturalização e na legitimação
de algumas práticas avaliativas, mas também no alcance limitado de
muitas iniciativas e no caráter excludente que ainda marca a avaliação,
344
fatores que contribuem sobremaneira para criar uma espécie de visão
restrita a respeito do tema.
Conforme Souza (2015), muitos alunos da EJA veem a
avaliação apenas como um meio de alcançar notas e passar de série,
porém, na modalidade, a nota deve sim fazer parte do processo de
ensino e aprendizagem, pois ela apresenta a qualidade do aprendizado
do aluno. Com isso, o trabalho na EJA deve ser diferente do ensino
regular porque os sujeitos trazem consigo um imenso repertório de
saberes para a sala de aula. Portanto, suas vivências devem ser
respeitadas e integradas ao trabalho pedagógico, bem como às
propostas avaliativas.
A EJA é uma modalidade de ensino muito peculiar no sistema
educativo brasileiro porque ela integra vários grupos excluídos do
ensino regular e para eles oportunidade de concluir etapas da
escolarização. Nesse contexto, a avaliação deve servir para motivar as
aprendizagens dos alunos e auxiliar aos professores na melhoria de
suas estratégias de ensino.
Muitas vezes o desejo de objetividade por parte dos agentes
do processo educacional impede que se pense a avaliação como uma
prática fluida e integrada, fruto de deliberações coletivas e marcada
pelas subjetividades dos envolvidos, pelas dinâmicas do ensino e da
aprendizagem, e mesmo por disputas de interesses e poder em diversas
instâncias, bem como pelos constantes conflitos e reajustes no interior
dos grupos e das coletividades.
Ao tratar das relações entre a cnica, a cultura e a produção
coletiva de sentidos por meio das tecnologias intelectuais, Pierre Lévy
ressalta que “nada está decidido a priori” (2000, p. 9), ou seja, que os
papéis, as ações e os sentidos compartilhados no interior dos grupos
345
não são fixos nem dados de antemão, mas permanentemente
negociados e refeitos, conduzindo a deslocamentos, reelaborações,
mudanças mínimas na configuração das estruturas, alterações que,
por sua vez, podem operar grandes transformações.
No atual cenário constantemente reorganizado em função da
pandemia, das mudanças climáticas, das tecnologias digitais, dos
debates em torno dos avanços autoritários e da resistência de grupos
invisibilizados no processo histórico, faz-se extremamente necessário
pensar a avaliação a partir de uma perspectiva menos apriorística e
mais inclusiva, múltipla e coerente com as necessidades e realidades
da população estudante da Educação de Jovens e Adultos.
É preciso garantir a essa população os meios para que ela se
aproprie de fato dos instrumentos de mudança e de seu próprio
protagonismo, muitas vezes anulado pela ineficiência de políticas
públicas, pela dinâmica da desigualdade estrutural e pelas concepções
cristalizadas entre os detentores do poder. E, ainda considerando as
reflexões de Pierre vy (2000, p. 13), é preciso ter em mente que “os
agentes efetivos são indivíduos situados no tempo e no espaço”.
Avaliar para emancipar
De maneira genérica, a avaliação escolar pode ser classificada
como somativa e formativa. Para Fernandes (2008), a avaliação
somativa ocorre de maneira pontual e com a intenção de quantificar
os saberes adquiridos pelos estudantes. a avaliação formativa é
progressiva, processual e diagnóstica, ela ocorre durante o trabalho
pedagógico e visa acompanhar e estimular o desenvolvimento dos
estudantes.
346
Para Bourdieu (1992), a avaliação é um instrumento de
legitimação dos percursos sociais, é por meio dela que o capital
cultural é institucionalizado. O capital cultural apresenta o conjunto
de fatores sociais, familiares, econômicos e contextuais do sujeito e do
meio do qual participa. A avaliação legitima o capital cultural porque
em grande parte ele é adquirido por transmissão doméstica, a criança
recebe do grupo de origem os saberes e habilidades aprimorados pelas
gerações anteriores. Há, ainda, o capital econômico que somado ou
não ao capital cultural, facilita o trajeto de quem detém um maior
acúmulo dele.
É no cotidiano das instituições de ensino que os diferentes
capitais dos alunos são percebidos pelos professores por meio do
habitus estudantil que pode dialogar, ou não, com o que Silva (2005)
descreve como habitus professoral. Tanto professores quanto alunos
desenvolvem e utilizam de modos de ser e agir que seriam mais
valorizados de acordo com representações tradicionais de
escolarização e de ensino. Quando o foco está em selecionar os tidos
“melhores” e em quantificar os “resultados”, todos os estudantes que
demonstrem “dificuldade” ou uma “demora” nos processos de
aprendizagem são vistos como “indesejados” e “excluídos” do
processo pedagógico e consequentemente da escola.
Cabe ao docente repensar esta função e utilizar dos processos
avaliativos como meios de motivar os estudantes e não apenas
reafirmar o que ouviram durante toda a própria trajetória. Isso vai da
simples percepção de que a avaliação não se resume a um conjunto de
atividades, na perspectiva formativa, cada instrumento é tratado
como um apoio para mapear e trabalhar as necessidades dos
estudantes (FERNANDES, 2007).
347
Como esclarece Fernandes (2009), não se trata de abandonar
a avaliação somativa ou as atividades como provas, mas de utilizá-las
dentro de contextos específicos e objetivos bem estabelecidos. Logo,
é necessário que exista uma “relação muito próxima entre as tarefas
de avaliação e as finalidades do ensino” (FERNANDES, 2009a,
p.89).
As atividades selecionadas pelo professor expressam a visão
dele sobre o currículo e, como postula Freire (1996), toda ão
pedagógica é carregada de intenções e posicionamentos. A ação do
professor pode ter um caráter inclusivo ou excludente, pois cada
docente avalia de acordo com aquilo que valoriza nos processos de
ensino e aprendizagem. O cuidado com os processos avaliativos
decorre do peso que eles m na vida dos estudantes que podem ser
motivados ou desmotivados a partir do que vivenciam.
Minha presença de professor, que não pode passar
despercebida dos alunos na classe e na escola, é uma
presença em si política. Enquanto presea não posso ser
uma omissão, mas um sujeito de opções. Devo revelar aos
alunos minha capacidade de analisar, de comparar, de
avaliar, de decidir, de optar, de romper. Minha capacidade
de fazer justiça, de não falhar à verdade. Ético, por isso
mesmo, tem que ser o meu testemunho (FREIRE, 1996,
p. 38).
A avaliação pode e deve envolver o diálogo, pode e deve
envolver atividades interativas e não hierarquizadas, pode e deve ser
pensada a partir das necessidades dos estudantes, desta maneira ela
pode ser compreendida como:
348
[...] todo e qualquer processo deliberado e sistemático de
coleta de informação, mais ou menos participativo e
interativo, mais ou menos negociado, mais ou menos
contextualizado, acerca do que os alunos sabem e são
capazes de fazer em uma diversidade de situações
(FERNANDES, 2009, p.20).
Para isso, a avaliação pode envolver trabalhos escritos,
atividades de pesquisa e seminários, bem como trabalhos
diferenciados como de teatralização ou discussões sobre os temas
abordados. Em nosso caso, podemos mencionar que após alguns anos
de experiência na Educação de Jovens e Adultos, especificamente no
ensino de Língua Portuguesa, foram adotadas algumas estratégias de
avaliação que procurassem lidar não apenas com a multiplicidade dos
alunos como também com suas representações sobre a avaliação,
como parte do esforço de construir com os estudantes um percurso
formativo que os ajudasse a compreender seu próprio
desenvolvimento, a se autoavaliarem e se reconhecerem como
efetivamente responsáveis pelos próprios avanços.
A princípio houve muita resistência por parte das turmas, pois
segundo as representações que traziam a partir de suas experiências
pregressas, muitos questionavam a existência, no contexto da
disciplina, de poucas avaliações escritas sistemáticas realizadas de
forma periódica. Embora recorrêssemos ainda a avaliações escritas,
dada a organização estrutural do curso e as exigências próprias da
unidade escolar, outras experiências educacionais vividas pelos
estudantes durante as aulas passaram a ser não apenas contempladas
na avaliação como também discutidas e esclarecidas junto aos
estudantes, sob uma ótica não hierarquizante.
349
Uma experiência significativa relacionada à avaliação sob uma
perspectiva distinta da (re)conhecida comumente pelos estudantes foi
o trabalho realizado com a teatralização, que mobilizou os alunos de
uma sala multisseriada da Educação de Jovens e Adultos (6 ª e 7ª séries
dos Anos Finais do Ensino Fundamental) durante o primeiro
semestre de 2019. Após o estudo do gênero conto por meio de
narrativas de Stanislaw Ponte Preta e Ricardo Ramos, em que
características genéricas como tempo, espaço, enredo e foco narrativo
foram abordadas a partir dos conhecimentos trazidos pelos próprios
estudantes, foi realizada a proposta de produção individual de um
conto considerando tais características. Como as discussões
suscitassem a comparação entre o gênero conto e o gênero peça
teatral, surgiu entre os alunos a proposta de adaptar um dos contos
produzidos para a linguagem teatral e apresentar o resultado, na
forma de uma peça, para os colegas de outra turma.
Ao longo de todo o trabalho, em meio a orientações pontuais
e à discussão das estratégias mais viáveis para a realização da peça
(primeiro como texto produzido segundo o perfil genérico do texto
teatral e depois como peça encenada, que demandava estratégias
para adequação do discurso escrito ao oral, dinâmicas para explorar a
linguagem corporal e reflexões sobre o uso do espaço físico e de outros
recursos de cena), os estudantes se habituaram, em situações de debate
oral, escrita individual e coletiva, a avaliar seu próprio desempenho, a
aplicação de seus conhecimentos para a concretização do trabalho e a
compreender, por sua vez, os critérios de avaliação adotados pelo
professor. Tais critérios foram organizados em torno não de uma
avaliação escrita formal contendo os conteúdos desenvolvidos até
então, mas de um olhar que abrangesse todo o percurso, desde as
350
discussões iniciais a respeito do gênero conto até a apresentação da
peça, passando pelas abordagens e realizações concretas de cada
estudante.
As variadas práticas inseridas nesse contexto, que orientaram
para uma avaliação processual e não hierarquizada, permitiram que os
estudantes também se descobrissem “sujeitos de opções” e pudessem
vivenciar atitudes e desenvolver habilidades normalmente associadas
à figura do docente. Para recuperar o que diz Freire a respeito da
presença do professor, também os educandos se encontraram, em
muitos momentos, no exercício das capacidades de “analisar,
comparar, avaliar, de decidir, de optar, de romper” (FREIRE, 1996,
p. 38). À medida que incorporávamos à rotina atividades realizadas
de forma individual, em duplas, grupos maiores e mesmo
coletivamente, e que essas mesmas atividades passavam a compor o
espectro de experiências avaliáveis e ao mesmo tempo adaptáveis às
necessidades de aprendizagem naquele contexto, os estudantes
expressavam-se de maneira mais autônoma, utilizando as diversas
possibilidades que então se (re)abriam e se complementavam: leitura,
escrita, linguagem corporal, debates temáticos, rodas de conversas,
reuniões, esboços, esquemas, exploração de recursos audiovisuais e
exercício da retórica argumentativa.
Quanto às mudanças mais imediatamente perceptíveis
relacionadas ao trabalho com a a teatralização, é possível citar, em
primeiro lugar, um incremento na autoconfiança dos estudantes em
relação às suas próprias potencialidades, seguido de um
posicionamento mais crítico tanto em relação aos conteúdos
desenvolvidos durante as aulas de ngua Portuguesa como no que se
refere às diferentes abordagens avaliativas que então se tornaram
351
possíveis. Para além de ter ampliado o universo de práticas que podem
ser avaliadas ao longo do processo formativo, o trabalho gerou
também um maior engajamento nos estudantes e, segundo
depoimentos colhidos tempos depois, o trabalho com a linguagem
teatral marcou positivamente a experiência escolar dos envolvidos.
Considerações Finais
A Educação de Jovens e Adultos (EJA) teve diferentes
configurações e demandas no decorrer da história do Brasil. Ela
serviu como meio de dominação cultural, a sua oferta ou limitação
esteve relacionada aos interesses políticos e sociais vigentes em cada
contexto social e histórico. Na atualidade, a EJA se volta para as
demandas de acesso à formação escolar para todos que não a puderam
realizar na idade apropriada.
O público atendido na modalidade difere daquele observado
no ensino regular. Como mencionado, os educandos trazem consigo
um amplo repertório de experiências de vida e, também, muitos
saberes formais e informais que podem e devem ser apropriados e
trabalhados no contexto de sala de aula. A avaliação pode servir como
um dos vários meios de incluir os estudantes como efetivos agentes
no processo pedagógico, com atividades que envolvam discussões,
pesquisas, produções escritas e apresentações orais.
Mais do que pensar em um conjunto de instrumentos
avaliativos, o trabalho na EJA necessita de constantes processos de
reflexão sobre os objetivos propostos e os percursos trilhados nos
períodos de formação. Trabalhar com jovens e adultos que precisam
lidar com rotinas exaustivas de trabalho e de baixa remuneração é um
352
desafio para os docentes que necessitam reinventar suas práticas e
crenças pedagógicas. O planejamento não pode ser “simplificado”
com a intenção de “facilitar” a aprovação e, também, não pode ser
feito ignorando as realidades existentes dentro e fora de sala de aula.
Em ambos os casos, os mecanismos de exclusão são reforçados, e a
obtenção de um certificado de conclusão não significa automati-
camente aprendizado nem melhoria na condição de vida dos sujeitos.
Apenas um processo bem organizado e contextualizado
poderá impulsionar os estudantes da EJA para novos e melhores
lugares na organização social de nossa sociedade. Para isso, os
objetivos de aprendizagem precisam ser claros e alinhados com as
necessidades dos alunos, assim como a avaliação deverá se voltar para
o desenvolvimento dos estudantes e não para a mera mensuração ou
certificação de seus saberes.
As boas experiências pedagógicas e avaliativas devem surgir do
próprio cotidiano da sala de aula. O docente deve estar academi-
camente preparado e consciente politicamente de seu papel para,
então, perceber e agir diante das realidades que encontrar. No caso
deste trabalho, relatamos uma experiência avaliativa bem-sucedida
que envolveu a teatralização de contos produzidos pelos próprios
estudantes. Todos os encaminhamentos contaram com a ampla
participação dos alunos. Eles foram protagonistas e buscaram no
professor também os seus papéis de orientador, avaliador e auxiliador
nos projetos. Com o desenvolver dos trabalhos, foi possível observar
uma maior participação dos alunos nas atividades e uma mudança no
modo como eles lidavam com a escola, agora sob a perspectiva de que
não se tratava de um lugar para receber conteúdos, mas um espaço
353
construído e reformulado coletivamente, onde eles podiam criar e
transformar suas vidas.
Estas experiências motivaram a escrita deste trabalho,
principalmente por compreendermos que a Educação de Jovens e
Adultos (EJA) é uma modalidade de ensino essencial para o pleno
desenvolvimento de nossa sociedade, com mais pessoas instruídas e
motivadas para exercer sua cidadania num Estado democrático de
direito.
Referências
BRASIL. Decreto 13.429 de 31 de março de 2017. Altera a Consolidação
das Leis do Trabalho. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-
2018/2017/lei/L13429.htm>. Acesso em 12 de agosto de 2022.
BRASIL. Decreto 13.467 de 13 de julho de 2017. Altera a Consolidação
das Leis do Trabalho. Disponível em: <http://www.
planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/L13467.htm>. Acesso
em 12 de agosto de 2022.
BRASIL. Observatório do Plano Nacional de Educação. Disponível em:
https://www.observatoriodopne.org.br/meta/alfabetizacao-e-alfabetismo-
funcional-de-jovens-e-adultos. Acesso em 13 de agosto de 2022.
BOURDIEU, P. A dominação masculina. 3 ed. Rio de Janeiro: Bertrand
Brasil, 2003.
BOURDIEU, P. Algumas Propriedades dos Campos. In: Questões de
sociologia. Rio de Janeiro: Marco Zero, 1983, pp. 89-94.
BOURDIEU, P. Os três estados do capital cultural. In: Escritos de
Educação. Petrópolis: Vozes, 2017, pp. 79-88.
354
CAPRINI, L. V. N.; CORA, A. C. A. Avalião de matemática na
EJA: ponto de partida ou ponto de chegada? Revista Eletrônica Debates
em Educação Científica e Tecnológica, Espírito Santo, v.5, n.02, p. 315-
346, 2015.
CHARLOT, B. Relação com o saber. In: (Org.) BARBOSA, R. L.
Formação de educadores: desafios e perspectivas. 1 ed. São Paulo: Unesp,
2003. pp. 23-33.
FERNANDES, D. Avaliar para aprender: fundamentos, práticas e
políticas. 1 ed. São Paulo: Unesp, 2009.
FERNANDES, D. Limitações e potencialidades da avalião educacional.
Avaliação em educação, 2007. pp. 5-8
FERNANDES, D. Para uma teoria da avaliação no domínio das
aprendizagens. Estudos em avaliação educacional, v. 19, n. 41, 2008, pp.
347-372.
FREIRE, P. Educação como prática da liberdade. 9.ed. Rio de Janeiro:
Paz e Terra, 1979.
FREIRE, P. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Ed. Paz e Terra,
1996.
FREITAS, A.V.; PIRES, C. M. C. Panorama da avaliação da Educação de
Jovens e Adultos sob perspectivas da Educação Matemática. Horizontes,
v. 33, n. 1, 2015.
GERBELLI, C. V. C. A educação de jovens e adultos do precarizado e o
paradigma da dignidade provisória. Revista Trabalho Necessário, v. 19, n.
40, p. 124-147, 2021.Disponível
em:<https://periodicos.uff.br/trabalhonecessario/article/view/50844/3025
9>. Acesso em 12 de agosto de 2022.
355
GOMES, N. L. Educão de Jovens e Adultos e questão racial: algumas
reflexões iniciais. In: SOARES, Leôncio, GIOVANETTI, M. A. G. C.,
GOMES, N. L.(Orgs). Diálogos na Educação de Jovens e Adultos. 4. ed.
Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2011.
IBGE. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa Nacional
por Amostra de Domicílios Contínua Educação. Brasília: 2019.
Disponível
em:<https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101736_informati
vo.pdf>. Acesso em 12 de agosto de 2022.
IBGE. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa Nacional
por Amostra de Domicílios Contínua - Segundo Trimestre de 2022.
Brasília: 2022. Disponível
em:<https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/periodicos/2421/pnact_20
22_2tri.pdf>. Acesso em 12 de agosto de 2022.
INEP. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio
Teixeira. Sinopses Estatística do Encceja 2019, Brasília: Inep, 2019.
Disponível em:<https://www.gov.br/inep/pt-br/acesso-a-
informacao/dados-abertos/sinopses-estatisticas/encceja>. Acesso em: 12 de
agosto de 2022.
INEP. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio
Teixeira. Sinopses Estatística do Encceja 2020, Brasília: Inep, 2020.
Disponível
em:<https://download.inep.gov.br/informacoes_estatisticas/sinopses_estati
sticas/sinopses_encceja/sinopse_encceja_2020_.pdf>. Acesso em: 12 de
agosto de 2022.
LÉVY, P. As tecnologias da inteligência: o futuro do pensamento na era
da informática. Trad. de Carlos Irineu da Costa.1.ed. 9.reimpr. Rio de
Janeiro: Ed. 34, 2000 (Coleção TRANS).
356
LUCKESI, C. C. Avaliação da aprendizagem escolar: estudos e
proposições. São Paulo: Cortez, 1999.
NERI, M. C.; OSORIO, M.C. Retorno para a escola, jornada e
pandemia. FGV Social, Jan. 2022.Disponível em:
<https://static.poder360.com.br/2022/01/FGV_Social_Neri_RetornoPara
EscolaJornadaPandemia.pdf>. Acesso em: 15 de agosto de 2022.
PREUSS, R. T; MENONCIN, C. O processo de avaliação da
aprendizagem na educação de jovens e adultos em uma cidade do noroeste
do estado do Paraná. Revista Eletrônica Científica Inovação e
Tecnologia, v.8, n.17, 2017.
RIBEIRO, M. L. S. História da educação brasileira: a organização
escolar. Campinas: Autores associados, 2010.
SOUSA, A. C. G. et al. Avaliação da aprendizagem na educação de jovens
e adultos: olhar sobre a perspectiva discente. In: XI CONGRESSO
NACIONAL DE EDUCAÇÃO EDUCERE. Curitiba. Anais. 2013.
SOUZA, A. R. D. M. A educação de jovens e adultos: uma análise sobre a
avaliação da aprendizagem. In:VI Congresso Internacional em Avaliação
Educacional. Anais. 2015.
VENTURA, J.; OLIVEIRA, F. G. R. A travessia “do EJA” ao Encceja:
Será o mercado da educação não formal o novo rumo da EJA no Brasil?
Revista Internacional de Educação de Jovens e Adultos, Salvador, v. 03,
p. 80-97, 2020.Disponível em:
<https://www.revistas.uneb.br/index.php/rieja/article/view/9427>. Acesso
em 12 de agosto de 2022.
VERONEZI, B. C. et al.
Educação de jovens e adultos no Brasil: de onde
partimos, onde chegamos e aonde precisamos chegar. 2019. (Trabalho
Final de Curso na disciplina Política e Organização da Educação Básica II,
Licenciatura em Pedagogia). Universidade de São Paulo - USP, 2019.
357
Educação de Jovens e Adultos entre Tecnologias Digitais
e Políticas Públicas em São Paulo
Rodrigo Martins Bersi
1
João Paulo Francisco de Souza
2
Introdução
O capítulo faz uma reflexão histórica de caráter documental
baseada nas políticas públicas de Estado para a formação da Educação
de Jovens e Adultos (EJA). Situamos nossas reflexões no recorte
histórico da EJA na República tomando como fio condutor a
consolidação do campo como política pública de Estado e seus
projetos em disputa. Esta análise crítica das políticas no âmbito do
Estado organiza a exposição para pensar a inter-relação dialética entre
as Tecnologias Digitais e a EJA.
A partir da reflexão crítica sobre a formação histórica da EJA
iniciamos a análise das reformas das políticas públicas de Estado e em
especial ao contexto dos Centros Estaduais de Educação de Jovens e
Adultos (CEEJA) no Estado de São Paulo, do alinhamento à BNCC,
1 Doutorando e Mestre em Educação pela FFC, UNESP, Campus Marília.
Licenciatura Plena em História, UENP, Campus Jacarezinho.
2 Doutor em Educação, FFC, UNESP, Campus Marília. Mestre em Letras,
UNESP. Graduação em Letras Licenciatura Plena, UNESP. Professor na Educação
Básica, SEDUC.
https://doi.org/10.36311/2023.978-65-5954-389-2.p357-376
358
da modalidade de Educação à Distância (EaD) na EJA e das
Tecnologias Digitais como suportes de linguagem em atividades de
letramento digital.
Identificamos neste processo dois projetos em disputa que
podem ser categorizados em educação bancária com objetivo de
capacitar trabalhadores para ocupar postos de trabalho e a educação
libertadora com objetivo de desenvolvimento da consciência crítica,
de emancipação, de participação social, de humanização pela
apropriação dos bens culturais e da cultura, mas principalmente pela
valorização histórica e social dos sujeitos por meio de seus motivos e
necessidades de aprendizagem.
No âmbito das políticas públicas de Estado esta perspectiva
de educação libertadora está inscrita na proposta de educação ao
longo da vida pela perspectiva da educação como direito público e
subjetivo dos sujeitos, sendo um direito público por se tratar da
retratação de um direito negado pela sociedade ao sujeito e subjetivo
pois deve atentar-se aos motivos e necessidades dos sujeitos e portanto
valorizar a importância histórica e social dos sujeitos.
Na esteira das Tecnologias Digitais essas são interpretadas
como suportes de linguagem digital que por meio de atividades de
letramento podem promover pela ação dialógica a emancipação por
meio da inclusão digital e participação social em ambiente digital, o
desenvolvimento pela internalização deste suporte de linguagem e a
humanização pela apropriação da cultura e do acesso aos bens
culturais.
359
Formação Histórica da Educação de Jovens e Adultos no Brasil
Interpretamos como formação histórica da Educação de
Jovens e Adultos (EJA) no Brasil o processo de institucionalização da
EJA enquanto modalidade de ensino e dever do Estado como política
pública. Para tanto, mesmo que sua constituição seja complexa e
repleta de perspectivas de análise faz jus elaborar um panorama
histórico deste processo selecionando aspectos para a nossa reflexão
crítica, utilizando o recorte histórico da formação da república até as
atuais reformas que ocorreram nesta modalidade de ensino durante a
pandemia de COVID-19 tomando como fio condutor da análise a
constituição da educação de adultos como direito público, ou seja,
dever do estado pela via da reparação do direito negado de
escolarização em idade certa e subjetivo pois cabe ao indivíduo
integral os motivos e necessidades de desenvolvimento e
aprendizagem (MIGUEL, 2021).
Durante o processo histórico de constituição da EJA como
direito público e subjetivo e de educação ao longo da vida e dever do
Estado fica evidente a existência de múltiplos projetos políticos em
disputa para este campo e seus sujeitos, diferentes maneiras de
interpretar o problema do analfabetismo e da desescolarização e de
buscar soluções. A princípio na república a proposta de educação de
adultos se pôs a serviço do mercado de trabalho, em caráter supletivo
e para a construção da república e do Estado-Nação, atendendo a
necessidade de cidadãos letrados para exercer a cidadania e habilidosos
em seus postos de trabalho.
Na primeira república a educação figura como responsa-
bilidade descentralizada pelo poder público, cabendo à União
360
incentivar a educação básica, mas sem citar a educação de adultos e
determinando a exclusão de analfabetos do direito ao voto, tendo
constatado ainda pelo censo de 1920 um contingente de 70% da
população analfabeta (DI PIERRO, 2001). A partir da década de
1940 a educação de adultos começa a tomar a aparência de política
nacional pela criação do INEP que viabilizou recursos financeiros ao
ensino supletivo destinado a adolescentes e adultos, a partir desta
viabilização foram articulados movimentos de educação de adultos
em resposta às camadas populares que vinham se urbanizando e
ocupando postos de trabalho.
Ao final da década de 1950 os índices de analfabetismo
estavam em 46% e observa-se a instituição da EJA como política
pública de Estado para atender ao objetivo de constituição do Estado-
Nação, pelo direito social de cidadania às populações populares que
vinham se urbanizando no período e da necessidade de composição
de massa de trabalho capacitada. Até este período a perspectiva de
educação de adultos figura em caráter supletivo, com objetivo de
formar mão de obra capacitada e cidadãos capazes de exercer
minimamente a cidadania (DI PIERRO, 2001). no curso dos anos
de 1960 amadurecem os debates acerca da EJA como uma
modalidade própria da educação, com objetivos e métodos próprios,
como direito público e contando com diversos movimentos sociais
que corroboravam a ideia de EJA como direito do cidadão e dever do
Estado em caráter reparador (HADDAD, 2000).
Na busca pelo tratamento apropriado da EJA e de seus
sujeitos pelas políticas públicas de Estado são mobilizados
movimentos sociais de alfabetização de adultos que propunham
reconhecer as singularidades destes sujeitos, atribuindo à EJA o
361
caráter reparador de um direito público e subjetivo pois parte dos
sujeitos históricos e sociais a significação dos motivos da
aprendizagem e leitura de mundo. Porém, o movimento de definição
do local da EJA nas políticas públicas acabou recebendo forte impacto
no Golpe Cívico Militar de 1964 que encerrou os debates em curso e
movimentos populares de alfabetização e instituiu o MOBRAL em
1967 como principal estratégia de Estado para a alfabetização de
adultos. na década de 1970 no auge do controle Estatal do regime
militar tem-se a promulgação da LDBEN que foca os esforços na
resolução do analfabetismo, tomado à época como vergonha nacional,
buscando assim a construção de uma sociedade mais moderna,
portanto mais letrada, capacitada para o mercado de trabalho,
adestrada (DI PIERRO, 2015).
Durante o período de redemocratização do país após os
governos militares a partir de 1985 com a retomada do governo civil
iniciou-se um processo de retomada dos debates, efervescentes na
década de 1970, com a ocupação política do Estado por agentes
representativos da esfera civil e retomada dos diálogos. Este processo
de retomada culminou em 1988 na Constituição Federal que
reconhece a educação como direito do cidadão e dever do Estado, na
LDBEN em 1996 que traz a EJA como modalidade própria de ensino
e interpreta a educação como direito público e subjetivo dos sujeitos,
perspectiva incorporada à Constituição Federal pela Emenda
Constitucional 108/2020. A Emenda Constitucional 14 de
1996 institui o FUNDEB e inclui o combate ao analfabetismo dentre
os objetivos do fundo, incluindo a educação de adultos no fundo
financeiro com objetivo de garantir a qualidade, o acesso e a equidade
do direito à educação (DI PIERRO, 2001).
362
Se estabelece o reconhecimento da EJA como modalidade
própria de ensino destinada a jovens e adultos que não tiveram acesso
à educação em idade própria e a institui como instrumento de
educação ao longo da vida, devendo considerar os interesses e
condições de vida próprios dos sujeitos. O Parecer CNE/CEB
11/2000 e a Resolução CNE/CEB 1/2000 trazem as diretrizes
curriculares nacionais da EJA e atribui função reparadora,
equalizadora e qualificadora à EJA, a Lei 10.172/2001 do Plano
Nacional da Educação reconhece na EJA como a principal estratégia
de erradicação do analfabetismo e da necessária mobilização de
recursos humanos e financeiros e o Decreto 6094/2007 institui a
manutenção dos programas de alfabetização de adultos nos
compromissos do Todos pela Educação, é firmado o Programa Brasil
Alfabetizado e pelo Decreto 5159/2004 se institui a Secretaria de
Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (SECADI) como
uma secretaria do Ministério da Educação, com departamento
próprio para a Educação de Jovens e Adultos.
Esses dispositivos legais constituem políticas públicas de
educação como direito público e subjetivo dos sujeitos e dever do
Estado, reconhecendo suas especificidades e complexidade histórica
de formação do campo por conta da negação de direitos aos seus
sujeitos. Porém, com o advento da pandemia de COVID-19 e os
desdobramentos do impeachment de Dilma Rousseff foram realizadas
diversas reformas no âmbito do Estado que descontinuam as políticas
de direito público e subjetivo em diálogo desde a cada de 1970 e
que vinham ganhando fôlego em favor da retomada das perspectivas
de educação de adultos como instrumento de formação alienadora e
com foco na capacitação para o mercado de trabalho.
363
Reformas, Políticas Públicas e Escolarização nos
Centros Estaduais de Educação de Jovens e Adultos em São Paulo
Uma série de reformas no âmbito do Estado acabam por
impactar diretamente as políticas públicas para a EJA e outras
incidem diretamente sobre esta modalidade de ensino. A Emenda
Constitucional 95/2016 institui o teto de gastos, impedindo ações
previstas no plano de metas do Plano Nacional da Educação e outros
financiamentos e por meio do Decreto 10195/2019 são
exonerados quadro de pessoal do Ministério da Educação e a SECAD
é desmembrada em duas secretarias, sem um departamento próprio
para a EJA. Por meio de um processo conturbado instituiu-se a Base
Nacional Comum Curricular (BNCC) como orientação curricular
para todo o território nacional e modalidades de ensino para a
Educação Básica homologada pela Resolução CNE/CP 2/2017 e
instituída pela Portaria MEC 331/2018.
Na esteira das atuais reformas a Resolução MEC/CNE/CEB
01/2021 busca viabilizar o alinhamento da modalidade da EJA à
Base Nacional Comum Curricular, que está em vigência em território
nacional, mas sem fazer menção direta à EJA em suas normativas
(ALVARENGA, 2022). Este alinhamento adaptado recebeu
numerosas críticas pela comunidade especializada com destaque
especial ao Ofício 12/2020 dos Fóruns EJA Brasil e Fórum
Nacional Popular de Educação onde se manifestam contrários ao
alinhamento da EJA à BNCC e a Carta Aberta do GT 18 (Educação
de Jovens e Adultos) assinada por profissionais da educação na 14ª
Reunião da ANPEDSudeste em que argumentam em 11 pontos a
impossibilidade de alinhamento da EJA à BNCC.
364
Dentre as reformas a Resolução SEDUC 119/2021 no
âmbito dos CEEJA no Estado de São Paulo faz profundas
modificações nos módulos de funcionamento dessas instituições.
Ressaltamos a criação dos CEEJA no Brasil como uma reforma que
procurou superar de maneira qualitativa o ensino supletivo, criando
uma instituição própria e destinada a esta modalidade de ensino,
instituído em São Paulo pelo Decreto 40.987/1996, assim a
instituição dos CEEJA é parte do processo histórico de constituição
da EJA como dever do Estado e direito público e subjetivo dos sujeitos
pois busca reconhecer os projetos dos sujeitos, suas especificidades, as
necessidades e motivos de aprendizagem, reconhecendo na EJA uma
modalidade própria de educação básica e tendo no CEEJA o
reconhecimento de uma instituição totalmente voltada ao público
jovem e adulto não escolarizado.
As críticas às reformas no âmbito do Estado se consolidam em
diferentes frentes. O principal argumento está no reconhecimento das
especificidades e necessidades da EJA, de uma organização adequada
dos conteúdos, dos ritmos e objetivos da aprendizagem, dos motivos
de desenvolvimento dos sujeitos, do reconhecimento histórico e social
dos indivíduos, da necessária dialogicidade entre leitura de mundo e
desenvolvimento do sujeito, aspectos presentes nas diretrizes de
educação ao longo da vida e de EJA enquanto direito público e
subjetivo dos sujeitos.
O alinhamento da EJA à BNCC torna-se sinônimo de
massificação e de formação alienante nos moldes da educação
bancária, pois desconsidera o processo histórico de constituição da
EJA e de seu caráter reparador, também acaba por perder a perspectiva
da formação integral do ser humano como processo de humanização
365
e emancipação dos sujeitos, de conscientização social e leitura da
realidade. Ainda no curso das reformas nas políticas públicas do
Estado para a EJA vemos com afinco a inclusão da Educação à
Distância (EaD) de maneira generalizada, utilizando da formação
EaD como ferramenta para aligeirar o percurso formativo. Valoriza-
se assim a EJA a partir da educação profissionalizante e da Educação
à Distância em detrimento da perspectiva de Educação ao Longo da
Vida e da EJA como direito público e subjetivo dos sujeitos
(ALVARENGA, 2022).
O alinhamento da EJA à BNCC, a Educação à Distância no
âmbito da EJA e as atuais reformas nos módulos de professores e
funcionários dos CEEJA acabam dificultando a reparação do direito
à educação pelos sujeitos da EJA, servindo para uma formação
massificante e alienadora com foco na capacitação para o mercado de
trabalho sem reconhecer os motivos e necessidades dos sujeitos.
Diminuem os profissionais da educação na EJA, os módulos de
funcionários de maneira mais geral e consequentemente os tempos da
escolarização são impactados e o sujeito tem se convívio escolar
comprometido, retomando as perspectivas de educação bancária que
não combate o analfabetismo, mas promove a sua manutenção.
A educação enquanto direito público e subjetivo do cidadão,
como nosso foco para o exercício pleno da cidadania e para o
desenvolvimento, vislumbra a formação integral dos sujeitos, agindo
pela atenção as diversas dimensões da vida humana, preocupados com
a melhoria do bem-estar social e com a transformação social,
promovendo o acesso aos bens culturais e a práticas significativas por
meio de um processo formativo de educação libertadora, mais
sintonizada à proposta de educação ao longo da vida e de direito
366
público e subjetivo dos sujeitos. A educação ao longo da vida
reconhece a conscientização para a leitura crítica da realidade como
via de emancipação, de humanização e de desenvolvimento dos
sujeitos, perspectiva que reconhecemos como educação libertadora
em contraposição às políticas públicas de educação bancária que
viabilizam a estagnação social, domesticação e adaptação dos sujeitos
(DI PIERRO, 2001).
Educar nesta perspectiva emancipadora e de humanização é
essencialmente um ato político e um processo dialógico, histórico e
social, que pode ter função emancipadora, estando consciente do
potencial político e de desenvolvimento humano para a conscien-
tização e leitura crítica da realidade social (FREIRE, 2015). A partir
da perspectiva dialógica a educação libertadora é transformadora de
sujeitos e por isso modificadora da sociedade, parte do reconhe-
cimento dos sujeitos em sua profundidade histórica e social, atuando
nas várias dimensões da vida humana para uma formação integral,
omnilateral, que valorize a sua emancipação e o exercício pleno da
cidadania (MIGUEL, 2009). A prática docente nesta perspectiva é
capaz de modificar a realidade a partir das motivações próprias dos
sujeitos, que podem fazer novas leituras de mundo a partir do
processo de ensino e aprendizagem para uma efetiva inclusão social e
digital (PALUDO, 2015).
Para uma educação emancipadora apropriamo-nos da
formação integral, contemplando as múltiplas dimensões da vida
humana, tendo por objetivo o exercício pleno do direito público e
subjetivo da cidadania, estando conscientes do potencial político de
transformação social e de desenvolvimento dos sujeitos (MIGUEL,
2009). Desta maneira os sujeitos são vistos em sua profundidade
367
histórica, social e cultural, valorizando suas vivências e autonomia
enquanto agentes de seu próprio desenvolvimento, estrategicamente
valorizando suas identidades e vivências e reconhecendo-os enquanto
sujeitos históricos (GADOTTI, 2015). Compreender os sujeitos em
sua profundidade cultural, histórica e social escancara que não
existem coisas dadas ou inatas aos indivíduos, que todo
desenvolvimento é de construção histórica e social e que deve estar
devidamente situada na cultura e em sua perspectiva histórica
(VAIDERGORN, 2000).
Tecnologias Digitais e Educação de Adultos
em Contextos Dialógicos
Encarar a inter-relação entre Tecnologias Digitais e a EJA por
uma perspectiva dialógica significa assumir uma nova perspectiva de
sujeitos em relação com a sociedade e superar a noção de nativos
digitais e de educação bancária para assumir os sujeitos como
cidadãos, sujeitos integrais, históricos e sociais, que possuem seus
próprios motivos de aprendizagem e necessidades de desenvolvi-
mento, e que estão em contextos sociais de vulnerabilidade e de
negação de direitos, de exclusão social e assim forma-se uma
perspectiva dialógica de interpretação da EJA em que os sujeitos
internalizam a cultura e objetivam a sociedade neste fluxo de
modificar a realidade e de desenvolver-se no processo.
Para este processo de interpretação dos sujeitos da EJA no
âmbito das Tecnologias Digitais por uma perspectiva dialógica
utilizamos o conceito de tecnobiografias que contempla a experiência
vivida junto a essas tecnologias, do acesso a estes bens culturais, da
368
construção histórica do sujeito, suas heranças sociais e culturais, suas
interpretações e motivos de aprendizagem. Portanto, interpretar o uso
de Tecnologias Digitais parte de um olhar dialógico não excludente,
mas inter-relacional. Alinhado a este contexto para nossa reflexão
articulamos o conceito de hipermodernidade com objetivo de apontar
não para uma ruptura ou a superação dos paradigmas modernos, mas
do fenômeno de sua radicalização (BARTON, 2015).
A perspectiva dialógica do problema possibilita superar uma
visão dicotômica das tecnobiografias dos sujeitos da EJA, com suas
especificidades de local social, com os contextos hipermodernos ou da
cybercultura, que consiste numa sociedade altamente desenvolvida
tecnologicamente, muito ágil e ancorada no fluxo de informações
(COUTINHO, 2011; ROJO, 2015). Porém, não se trata de fadar
aos sujeitos da EJA o tulo de imigrantes digitais e eleger pelo critério
da idade quem são os nativos digitais e suas respectivas vantagens na
sociedade da informação ou hipermoderna, trata-se de visualizar a
inter-relação entre estes aspectos, suas contradições e tensões internas.
Sobre o uso das Tecnologias Digitais e seus contextos
hipermodernos, repletos de vivências digitais e equipamentos
tecnológicos, no início de 2020 temos mais um fator de profundas
modificações visto que as atividades escolares passaram para o
contexto digital ou removo por conta da eminência da pandemia de
COVID-19, o que tornou ainda mais aguda as diferenças sociais entre
os sujeitos da EJA e os contextos hipermodernos. As atividades
escolares passaram a ser em modalidade remota, trazendo a
emergência da utilização das Tecnologias Digitais para mediar as
atividades pedagógicas, não sendo naquele momento mais possível
por meio presencial.
369
Na perspectiva das atuais reformas das políticas públicas de
Estado para a EJA as Tecnologias Digitais aparecem como uma
alternativa para a Educação à Distância com objetivo de flexibilizar
os tempos e espaços escolares, possibilitando o estudo remoto dos
sujeitos e uma formação híbrida. Além desta perspectiva de formação
remota a utilização das Tecnologias Digitais no âmbito da educação
de adultos também aparece como instrumentalização técnica como
parte da adaptação para o mercado de trabalho, sendo o computador
objeto de estudo não como instrumento de desenvolvimento, mas
como ferramenta de adaptação ao mercado de trabalho e ao ensino
remoto.
A partir da perspectiva da educação ao longo da vida e
orientados pela perspectiva da EJA enquanto direito blico e
subjetivo dos sujeitos reconhecer as Tecnologias Digitais como
linguagem humana, o que amplia as possibilidades de desenvol-
vimento, somando-se à complexidade dos gêneros discursivos digitais
e dos multiletramentos possíveis na Cultura Digital (OLIVEIRA,
2014). Portanto, para a ação docente em EJA junto com as
Tecnologias Digitais as atividades de letramento são fundamentais,
pois envolvem o uso social da linguagem, envolvem a mediação para
o desenvolvimento e a prática socialmente situada e historicamente
contextualizada (MIGUEL, 2021). Reconhecemos no letramento
estratégia de desenvolvimento e de emancipação, promovendo uso
prático e historicamente situado da linguagem, para a conscientização
social e política e efetiva modificação da realidade e de
desenvolvimento do sujeito neste processo dialético.
O letramento digital se mostra como instrumento de
emancipação e de humanização pois propicia pelo uso socialmente
370
situado da linguagem digital o desenvolvimento pela apropriação de
novos conhecimentos e pela humanização por meio do acesso a
ferramentas tecnológicas, que por meio do uso socialmente situado e
consciente se efetiva a inclusão digital dos sujeitos da EJA na
hipermodernidade por uma perspectiva dialógica (ARIOSI, 2016).
Refletir sobre as ações significativas e as boas práticas com os sujeitos
da EJA diante da hipermodernidade e o letramento digital possibilita
uma real inclusão digital no sentido do exercício pleno do direito da
cidadania e ao acesso aos bens culturais também nestes ambientes.
Nesta perspectiva letramento digital é via principal para a inclusão
social dos sujeitos da EJA na Cultura Digital e para a apropriação
significativa das TDIC pelos sujeitos, buscando assim uma cidadania
digital e a emancipação também pela linguagem digital (BRAGA,
2015).
A emancipação dos sujeitos na cultura digital, além do pleno
exercício do direito e acesso aos bens culturais nestes ambientes, faz-
se necessário também reconhecimento do sujeito enquanto membro
e participante destes espaços, assim a valorização de suas identidades
está intimamente ligado à emancipação, não somente para essa busca
pelos temas geradores, mas também para a pronúncia de mundo em
ambientes digitais, modificando e sendo modificado neste
movimento dialético (SOARES, 2004). É pela via da emancipação
que identificamos como possível uma verdadeira inclusão social e
digital, possibilitando uma efetiva inclusão dos sujeitos na cultura
digital e nos contextos hipermodernos por meio da prática de
letramento digital (ROJO, 2015).
Nesta perspectiva corroboramos os argumentos de
impossibilidade de alinhamento da EJA à BNCC visto o necessário
371
reconhecimento de suas singularidades e necessidades de
aprendizagem, assim como da importância da profundidade histórica
e do local social do sujeito e de constituição do campo. A EJA é um
campo constituído a partir da negação do direito à educação em idade
própria e a partir deste preceito nos alinhamos com os dispositivos
legais da educação ao longo da vida e da EJA como direito público e
subjetivo, reconhecendo ainda nas Tecnologias Digitais suportes de
linguagem que pelo letramento são capazes de mediar uma educação
libertadora e humanizadora que viabilize o desenvolvimento a partir
da perspectiva dialética.
A inter-relação entre as Tecnologias Digitais, com seus
contextos hipermodernos e a EJA com seus sujeitos e local social pela
perspectiva da dialogia como prática de liberdade, a serviço de uma
educação libertadora, se faz pelo letramento digital com uso
socialmente situado da linguagem e na formação humanizadora pela
apropriação dos bens culturais de maneira autônoma, motivados pelas
necessidades dos sujeitos na inter-relação dialógica do sujeito e sua
leitura e pronúncia de mundo, atuando conscientemente nas
transformações sociais e de emancipação pela inclusão digital e
participação social com suportes digitais de linguagem.
Conclusão
A reflexão crítica sobre a formação histórica EJA como campo
de políticas públicas de Estado revela embates entre projetos e
políticas de públicas para a educação de adultos, que orientam o
currículo, os materiais, os investimentos, os dispositivos legais e
principalmente os objetivos para esta modalidade de ensino da
372
educação básica. A consolidação da EJA como uma modalidade
específica da Educação Básica a partir da perspectiva da educação ao
longo da vida como um direito público e subjetivo dos sujeitos revela
uma conjuntura social e um cenário complexo com projetos em
disputa e objetivos distintos.
Identificamos a partir a construção histórica dois projetos
principais: da educação bancária e da educação libertadora. No
primeiro temos uma perspectiva hegemônica e alinhada com as atuais
reformas de Estado, que modificam as políticas públicas para produzir
uma educação de adultos com fins alienantes e massificantes, que não
vislumbram a transformação social ou a superação de desigualdades,
mas a manutenção e a formação voltada para a capacitação para o
mercado de trabalho. Em se tratando de Tecnologias Digitais acabam
por propor ações de instrumentalização para compor postos de
trabalho, tratando os suportes digitais não pela perspectiva da
linguagem digital, mas pela ótica da instrumentalização dessas
ferramentas.
pela perspectiva da educação libertadora a educação ao
longo da vida é direito público e subjetivo dos sujeitos, atentas aos
motivos e necessidades dos sujeitos para a aprendizagem, de sua
profundidade histórica e local social, dispostos a refletir sobre a
realidade para formar uma consciência crítica motivados por seus
próprios objetivos de aprendizagem. As Tecnologias Digitais nesta
perspectiva se apresentam como linguagem digital e o letramento
digital se mostra como estratégia de desenvolvimento dialógico de
aproximação dos sujeitos da EJA com a hipermodernidade.
Na esfera das reformas nas políticas públicas de Estado o
embate entre os projetos de educação libertadora e educação bancária
373
se mostram em curso, definindo a cada novo dispositivo legal as
políticas para a EJA. A constituição do campo da EJA também reflete
estes embates, evidenciando um problema social e histórico no Brasil
que é o da negação do acesso à educação em idade própria e da
adequação dos métodos e objetivos a esta modalidade de educação.
Tomamos a educação ao longo da vida como norteadora das práticas
na EJA e nos atentamos aos projetos em disputa, evidenciando as
contradições no interior do campo e que enriquecem nossas reflexões.
A partir da perspectiva da EJA como direito público e
subjetivo dos sujeitos se reconhece a correção de um direito a
educação que lhe foi negado e dos motivos e necessidades desses
sujeitos, com especial importância à profundidade histórica e social
dos sujeitos. Na perspectiva dialógica da educação libertadora o
sujeito transforma a realidade e neste processo é transformado por
esta. A inter-relação da EJA com as Tecnologias Digitais deve se
atentar a relação das tecnobiografias dos sujeitos e a hipermo-
dernidade, tomando sempre as tecnologias pela perspectiva da
linguagem digital por meio de práticas de letramento digital junto aos
sujeitos da EJA como via de emancipação, de desenvolvimento e de
humanização.
Referências
ALVARENGA, M. S.; CORRÊA, N. B.; RIBEIRO, G. L. C. . A dialética
do lugar social da educação de jovens e adultos nas políticas curriculares
atuais. Revista Cocar (Online), v. 11, p. 1-20, 2022.
ARIOSI, C. M. F.; MIGUEL, J. C.. A formação do leitor na educação de
jovens e adultos e na educação do campo: desafios da formação docente.
Cadernos de Pesquisa em Educação PPGE.UFES, v. 1, 2016. p. 1-23
374
BARTON, David; LEE, Carmen. Linguagem online: textos e práticas
digitais. São Paulo: Parábola Editorial, 2015.
COUTINHO, C.; LISBOA, E. Sociedade da informação, do
conhecimento e da aprendizagem: desafios para a educação no século XXI.
Revista de Educação, Vol. XVIII, 1, 2011. p. 5-22
DI PIERRO, Maria Clara; HADDAD, Sérgio. Transformações nas
políticas de Educação de Jovens e Adultos no Brasil no início do terceiro
milênio: uma análise das agendas nacional e internacional. Cadernos
CEDES, v. 35, 2015. p. 197-217.
DI PIERRO, M. C.; RIBEIRO, Vera Masagão ; JOIA, Orlando . Visões
da educação de jovens e adultos no Brasil. Cadernos do CEDES
(UNICAMP), Campinas, n.55, 2001. p. 58-77.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 59. ed. Paz e Terra: Rio de
Janeiro, 2015.
HADDAD, S.; DI PIERRO, Maria Clara. Escolarização de jovens e
adultos. Revista Brasileira de Educação, São Paulo, v. 14, mai-agosto,
2000. p. 108-130.
OLIVEIRA, Maria Bernadete Fernandes de. Práticas de multiletramentos
na escola: por uma educação responsiva à contemporaneidade.
Bakhtiniana, São Paulo, 9 (2): 184-205, Ago./Dez. 2014. p. 184 - 205.
MIGUEL, José. Carlos (org.). Educação de Jovens e Adultos: diversidade,
inclusão e conscientização. Marília: Oficina Universitária; São Paulo:
Cultura Acadêmica, 2021.
PALUDO, Conceição. Educação popular como resistência e emancipação
humana. Cadernos CEDES, v. 35, 2015. p. 219-238.
375
ROJO, Roxane Helena R. Hipermodernidade, multiletramentos e
gêneros discursivos. 1 ed. São Paulo: Parábola Editorial, 2015.
SOARES, Magda. Letramento e alfabetização: as muitas facetas. Revista
Brasileira de Educação. [online]. 2004, n. 25, p. 5 - 17. Disponível em:
http://dx.doi.org/10.1590/S1413-24782004000100002.
VAIDEGORN, José (org.). O direito a ter direitos. Coleção polêmicas do
nosso tempo. Araraquara: Autores Associados, 2000.
376
377
A Importância do Ler e Escrever na EJA:
relato com uma turma do interior paulista
Yngrid Karolline Mendonça Costa
1
William da Silva Pasini
2
Introdução
Como anunciado anteriormente, este trabalho é resultado de
uma disciplina do Programa de Pós-Graduação em Educação na
UNESP, campus de Marília, que discorreu sobre a Educação de
Jovens e Adultos (EJA). Buscamos neste texto, enquanto autores,
atrelar as nossas realidades de pesquisa e profissão para ampliarmos,
ainda que minimamente, as pesquisas envolvendo a EJA. Desta
forma, participaram da pesquisa 14 sujeitos, respondendo um
questionário sucinto contendo 5 perguntas. Fomos escribas dos
alunos, tendo em vista que no momento de aplicação do questionário
estávamos no início do ano letivo e ainda não nhamos sujeitos
alfabetizados.
1 Doutoranda no Programa de Pós-graduação em Educação pela UNESP
Faculdade de Filosofia e Ciências Marília. Além disso, atua como Coordenadora
de Ensino Fundamental de uma escola da rede municipal de Marília.
2 Pedagogo licenciado pela UNESP Faculdade de Filosofia e CiênciasMarília.
Atua como Professor na rede municipal de Marília no Ensino Fundamental e na
EJA.
https://doi.org/10.36311/2023.978-65-5954-389-2.p377-398
378
Pautamo-nos sob o ponto de vista da Teoria Histórico-
cultural, principalmente sobre os estudos de Leontiev (2017) sobre a
atividade. Buscamos compreender por meio da fala desses sujeitos os
motivos e necessidades que os fizeram voltar a estudar. Além disso,
quisemos entender a concepção desses sujeitos acerca da importância
do ato de ler e escrever para cada um, afetados pelo texto de Vargas e
Gomes (2013).
Para a realização deste trabalho fizemos uma pesquisa
bibliográfica referente ao ensino de leitura e escrita na EJA, bem
como, uma análise documental, das Diretrizes que cercam essa
modalidade de ensino, para conseguirmos elencar perguntas coerentes
para os sujeitos que fizeram parte da pesquisa. Sobre a revisão
bibliográfica, Santos (2006) discorre:
[...] tem papel fundamental no trabalho acadêmico, pois é
através dela que você situa seu trabalho dentro da grande
área de pesquisa da qual faz parte, contextualizando-o. [...]
pode ser vista como o momento em que você situa seu
trabalho, pois ao citar uma série de estudos prévios que
servirão como ponto de partida para sua pesquisa, você vai
“afunilando” sua discussão (SANTOS, 2006, p. 2).
Fizemos ainda, a análise documental. Segundo Ludke (1986)
os documentos que se destacam na análise documental são leis,
regulamentos, memorandos, normas, diários pessoais, autobiografias,
jornais, revistas, livros, arquivos escolares etc. Para Phillips (1974, p.
187), documentos são “[...] quaisquer materiais escritos que possam
ser usados como fonte de informação sobre o comportamento
humano”.
379
Portanto, nosso trabalho se dividirá em três itens: 1- Direitos
da EJA: um breve percurso histórico, discorrendo sobre como foi a
conquista da Educação para Jovens e Adultos no Brasil; no item 2-
Necessidade do ato de ler e escrever: concepções de alunos da EJA, no qual
discorremos sobre o conceito de atividade, bem como, sobre a
apropriação da leitura e da escrita, confrontando com as falas trazidas
pelos alunos questionados. Por fim, no item 3- Motivos que
impulsionam: o que leva adultos a voltarem a estudar, analisaremos as
falas dos entrevistados sobre os motivos que os levaram à escola e se
notaram alguma melhora em sua vida após esse retorno.
Defendemos que a EJA deve ser considerada em sua
particularidade, pois, não podemos supor que nossas práticas ocorrem
da mesma forma com as crianças e os adultos. Os motivos e
necessidades que um e outro levam ao irem para a escola são distintas,
tendo em vista as condições e experiências de vida. Dentro de nossa
discussão, haverá um esforço para que esse posicionamento seja
fundamentado de maneira clara e objetiva.
Direitos da EJA: um breve percurso histórico.
Neste item discorremos brevemente acerca das lutas para
garantirem a Educação de Jovens e Adultos, quando o governo passou
a criar estratégias para esse nível educacional e por quais motivos.
Quando o Brasil foi colonizado pelos jesuítas a implemen-
tação de uma educação formal iniciou-se, de modo que eles se
dedicavam a alfabetizar (catequizar) crianças e adultos indígenas a fim
de propagarem a religião católica com o trabalho educativo. Porém,
após a chegada da família real, com a expulsão dos jesuítas a
380
responsabilidade da Educação passou a ser do Império.
(STRELHOW, 2010).
O autor pontua ainda que:
Em 1915 foi criada a Liga Brasileira contra o Analfa-
betismo que pretendia lutar contra a ignorância para
estabilizar a grandeza das instituições republicanas. Na
Associação Brasileira de Educação (ABE), as discussões
giravam em torno de uma luta contra esta calamidade
pública que tinha se instalado. O analfabetismo era
considerado uma praga que deveria ser exterminada. No
âmago destas discussões estava presente a ideia de que as
pessoas que não eram alfabetizadas deveriam procurar se
alfabetizar. Era necessário tornar a pessoa analfabeta um ser
produtivo que contribuísse para o desenvolvimento do país
(STRELHOW, 2010, p. 52).
Após registrar um índice de 72% da população adulta não
alfabetizada, os movimentos começaram a surgir para que essa realida-
de fosse alterada. Em 1930, segundo Frierich et al (2010) a Educação
de Jovens e Adultos passa a ser repensada a partir do Plano Nacional
de Educação, que estabelece a educação primária pública, de
frequência obrigatória e extensiva para adultos como direito
constitucional.
Com o enfraquecimento de propostas esquerdistas como base,
até pelo momento histórico passado pelo Brasil à epoca, a Lei de
5.379, de 15 de dezembro de 1967, criou o conhecido MOBRAL
(Movimento Brasileiro de Alfabetização). O documento deixa claro
381
que haverá uma expansão da obrigatoriedade do ensino dos 7 aos 14
anos, com extensão dasérie e que:
Parágrafo único. Essas atividades em sua fase inicial
atingirão os objetivos em dois períodos sucessivos de 4
(quatro) anos, o primeiro destinado a adolescentes e
adultos analfabetos até 30 (trinta) anos, e o segundo, aos
analfabetos de mais de 30 (trinta) anos de idade. Após êsses
dois períodos, a educação continuada de adultos
prosseguirá de maneira constante e sem discriminação
etária (BRASIL, 1967, s.p.).
A demanda que impulsionava essa política era, como estamos
habituados a ver atualmente, a necessidade do mercado de trabalho
em obter mão de obra qualificada. Desta forma, esse movimento
oferecia uma formação aligeirada, tendo em vista o item abaixo,
contido no plano de alfabetização que acompanhava a Lei citada
anteriormente.
6. Alfabetização funcional e educação continuada para os
analfabetos de 15 ou mais anos, por meio de cursos
especiais, básicos e diretos, dotados de todos os recursos
possíveis, inclusive audiovisuais, com a duração prevista de
nove meses. Será assegurada assistência técnica e financeira
para a ministração dêsses cursos (BRASIL, 1967, s.p.).
Podemos compreender, a partir dessa preocupação em uma
formação aligeirada, que as intenções por trás desta formação não
estavam eram as necessidades desses adolescentes e adultos não
letrados, e sim uma maneira de darem sustentação mínima que lhes
382
capacitasse para exercer o trabalho fabril. A característica que por
vezes ainda marca a EJA até os dias atuais é a de supletivo, resquício
desse período, em que, em poucas horas de estudo o sujeito adquiria
um diploma.
Outra problemática era a concepção da educação de jovens e
adultos. Acreditava-se que o ensino poderia ser realizado tal qual é
feito com as crianças e
ao mesmo tempo que se considerava adultos como
crianças, tinha-se a ideia de que os adultos eram mais fáceis
de alfabetizar, por isso, os alfabetizadores não necessitariam
de formação especializada, qualquer pessoa alfabetizada
poderia exercer a função de maneira voluntária.
(STRELHOW, 2010, p. 53).
Essa concepção de adulto responsável por sua situação de
exclusão social e de sujeito capaz de se alfabetizar facilmente perdurou
até os anos noventa. Muitos movimentos que vieram após o
MOBRAL, mudaram o nome, mas não conseguiram grandes avanços
para a área. Apenas em 2004, após a reformulação do Programa Brasil
Alfabetizado, a concepção sobre a erradicação do analfabetismo foi
delineada com novos aspectos.
Ainda assim, nos dias atuais, segundo os dados do IBGE
(2019), temos no Brasil ainda 11 milhões de pessoas não alfabetizadas
com 15 anos ou mais, correspondendo a 6,6% da nossa população.
Se pensarmos em dados futuros, considerando a pandemia,
possivelmente esse número se tornará ainda maior.
Vemos, portanto, a necessidade de políticas públicas que
compreendam os motivos e necessidades que levam os adultos a
383
buscarem a formação novamente. Abaixo, focaremos mais na questão
da língua e seu uso em sociedade, tendo em vista que o domínio da
leitura e da escrita serve como base para a apropriação de todos os
outros conteúdos da vida escolar e social.
Necessidade do ato de ler e escrever:
concepções de alunos da EJA
Como elencado acima, a discussão que será feita neste texto
se baseia na Teoria Histórico-Cultural (THC
3
), e neste item,
apresentaremos brevemente a atividade de estudo, a partir das
contribuições dos autores Puentes, Cardoso e Amorim (2020).
Porém, antes de adentrarmos na atividade de estudo, propriamente
dita, devemos compreender o conceito de atividade.
Para Leontiev (2017), a atividade é a forma como nós
adentramos a realidade objetiva, desta forma, tudo o que fazemos está
ligado a uma atividade em nossa vida concreta, e essa atividade é
também subjetiva, pois, cada sujeito terá necessidades diversas e viverá
para sanar essas necessidades.
Segundo o autor, nós, humanos, temos necessidades ligadas a
um objetivo, direcionadas a um objeto e vamos nos organizando
enquanto organismo e pensamento para sanar as nossas necessidades
e alcançar o nosso objetivo.
Toda necessidade adquire um conteúdo concreto segundo
as condições e a maneira como se satisfaz. O estado interno
3 Utilizaremos a sigla THC durante o texto para o termo Teoria Histórico-
Cultural.
384
de necessidade do organismo determina unicamente que é
indispensável mudar esse estado, ou seja, eliminar essas
necessidades. Mas a forma concreta em que se manifestam
depende das condições externas, daquilo que em
determinadas condições permite satisfazer praticamente a
necessidade. (LEONTIEV, 2017, p. 41).
Desta forma, não basta o sujeito sentir a necessidade em
realizar algo, o meio precisa dar as condições para que ele consiga
realizar. Tomemos como exemplo a aprendizagem de guiar um carro.
Quem procura os serviços para conquistar sua carteira de habilitação
tem sua realidade objetiva, dirigir, mas, as necessidades são subjetivas,
porque os fins desta ação variam de sujeito para sujeito. Podemos ter
quem queira conquistar sua carteira de habilitação para fazer uso
profissional, outros para facilitar o dia a dia, dentre outras
necessidades.
Se pensarmos na EJA, não basta o sujeito querer aprender a
ler e escrever (sentir essa necessidade), o meio, ou seja, a sua rotina
diária, seu trabalho, sua família, a cidade em que ele vive, precisam
dar as condições para que ele possa frequentar as aulas. Desta forma,
vemos que a concepção dos anos 60 discutida anteriormente, de que
bastava o sujeito querer ser alfabetizado não era suficiente, tanto mais
se tratando de um adulto com responsabilidades e cobranças
diferentes das de uma criança.
Assim, esse processo envolvendo as necessidades estão
internamente ligadas à atividade e vão se sofisticando ao longo do
nosso desenvolvimento, a partir da mediação do sujeito com o meio
em que ele vive. Elkonin (1987) discorre sobre algumas atividades-
guia ou atividades principais do desenvolvimento. Essas atividades são
385
alguns marcos potencializadores de nosso desenvolvimento de acordo
com determinado período de nossa vida e nos guiam para novas
formações psíquicas e sociais.
A atividade de estudo refere-se à atividade-guia da criança,
que corresponde ao período escolar, cuja finalidade são mudanças
qualitativas no psiquismo da criança devido ao desenvolvimento e
apropriação do pensamento teórico, intelectual.
O estudo, isto é, aquela atividade em cujo processo
transcorre a assimilação de novos conhecimentos e cuja
dirão constitui o objetivo fundamental do ensino é a
atividade dominante nesse período. Durante este, tem
lugar uma intensa formação das forças intelectuais e
cognitivas da criança. A importância primordial da
atividade de estudo está determinada, ademais, porque por
meio dela se mediatiza todo o sistema de relações da criança
com os adultos que a circundam, incluindo a comunicação
pessoal na família (ELKONIN, 1987, p.119).
O último item citado por Elkonin merece destaque. Sabemos
que nosso desenvolvimento ocorre por meio de nossas relações
externas, por isso, nosso desenvolvimento vai do interpsíquico para o
intrapsíquico (VIGOTSKI, 1995). Quando a criança emerge no
primeiro ciclo do ensino fundamental sua relação com os adultos e
com a sociedade muda, tendo em vista a notoriedade que tal período
representa, pois nele as crianças passam a ter contato com a cultura
escrita e com o conhecimento intelectual produzido ao longo de nossa
história.
386
De acordo com Elkonin (1987), a partir dos 18 anos, após
passar as atividades de estudo, o homem se prepara para o mundo do
trabalho, onde continua sofisticando o seu desenvolvimento. Ao
pensarmos na Educação de Jovens e Adultos, houve um rompimento
dessa formalidade de ensino/desenvolvimento, pois o momento em
que a atividade-guia era a de estudo (por volta dos 7 aos 13 anos),
muitos desses sujeitos, por algum motivo, foram privados do
ambiente escolar. Essa privação se reflete na vida adulta,
principalmente pela inapropriação da leitura e escrita, conhecimentos
essenciais para o mundo do trabalho e para as tarefas mais elementares
de nosso cotidiano.
Para discutirmos essas questões, buscamos além de
compreender o que a legislação e os autores defendem, termos a visão
dos próprios educandos imersos no processo de aprendizagem.
Tivemos 14 sujeitos respondentes, com apenas 5 perguntas, sendo
todas dissertativas. Fomos os escribas e aqui trazemos os relatos que
mais nos impactaram na fala dos sujeitos.
Algo que ficou evidente na fala dos alunos da EJA foi da
importância de lerem e escreverem para não serem ridicularizados ou
diminuídos pela sociedade, além da vergonha de admitirem não
terem esse conhecimento, como se fosse algo realmente transgressor,
de que fossem os únicos culpados.
Ao questionarmos se os alunos consideravam importante
saber ler, escrever e contar, obtivemos as seguintes explanações: É
importante porque você chegar em um lugar e as pessoas perguntam “você
sabe ler? Você sabe escrever? e é ruim você falar que o sabe. As vezes
tem fichas para preencher nos lugares.” (Célia, 48 anos).
387
A partir da fala desse sujeito, vemos que além da vergonha que
sente ao ser questionado sobre seu conhecimento acerca da leitura e
escrita, ele deixa de realizar uma ação que é corriqueira em nosso
cotidiano. Outro depoimento nos deixou impactados: Porque
quando sabemos ler podemos entrar e sair de qualquer lugar. Alguém que
não sabe ler nem escrever é como se fosse um cego, é guiado pelos outros.
(Rosangela, 50 anos).
O sentimento de vergonha nesse outro sujeito persiste, mas,
pelas suas palavras, sente como se houvesse uma venda em seus olhos,
que a impedissem de usufruir de seus direitos por conta da não
alfabetização. Na compreensão desse sujeito, a escola e a Educação
são o caminho essencial para que ele volte/comece a “enxergar”, para
que a venda lhe seja tirada dos olhos.
Ainda sobre a importância que os alunos dão à alfabetização,
outro sujeito responde: É importante para não ficar pedindo
informação para os outros, que questionam o porq parei de estudar.
Agora não vou parar mais, vou pegar firme.” (Rosineide, 43 anos).
Todos os depoimentos caminham na mesma direção. Ser
visto pelos olhos da sociedade como um sujeito não letrado é
vergonhoso e taxativo, ter que dar satisfação do porq deixou de
estudar, como se não compreendessem a importância dos estudos faz
com que muitos omitam a informação ou deixem de conhecer os
direitos que possuem.
De acordo com as autoras Vargas e Gomes (2013, p. 10-11)
“Vivemos num mundo de escrita, sendo tal aprendizado ferramenta
poderosa para se ler o entorno sob outras perspectivas, para se
construírem identidades leitoras e para que as pessoas sejam
capacitadas a reconstruírem a si mesmas e às práticas socioculturais.”.
388
Nos pareceu claro no relato dos sujeitos respondentes essa
necessidade de se reconstruírem e compreenderem melhor o mundo
em que vivem, tendo em vista que a imersão na cultura letrada e no
debate de ideias possibilita aos sujeitos compreenderem melhor o seu
entorno e lutarem por mudanças socioculturais.
Por outro lado, ao pensarmos na educação de jovens e adultos
não podemos considerar que este sujeito com muitas experiências de
vida, inclusive relacionadas ao mundo letrado, terá as mesmas
necessidades que uma criança que acaba de iniciar sua vida em idade
escolar, por isso, as aulas e o modo como esse nível de ensino se
organiza não deve ser pautado nas competências e atividades dadas às
crianças.
Na resposta de 8 sujeitos, apareceu a afirmação de que eles
não sabiam nada por não terem o domínio da língua escrita. Eles
precisam ser valorizados em seus saberes, tendo em vista que:
[...] o aprendizado desses sujeitos inicia-se muito antes de
frequentarem a escola, uma vez que eles aprendem a lidar
com situações, as necessidades e as exigências da sociedade
contemporânea. Portanto, quando começam a estudar,
tiveram experiências com medidas, cálculos matemáticos,
materiais impressos, língua materna falada, ferramentas de
trabalho e equipamentos elétricos e/ou eletrônicos
(VARGAS; GOMES, 2013, p. 5).
A escola precisa valorizar esses saberes e partir disso para o
trabalho ser motivador para os alunos. Freire (1978) falava sobre os
temas geradores quando trabalhava com a EJA. Portanto, reafirma-
mos que não podemos pensar na execução de aulas para os jovens e
389
adultos da mesma maneira que executamos e propomos às crianças.
O foco pode ser a alfabetização matemática e da língua materna, mas
os materiais e métodos a serem utilizados são diferentes, devem ser
pensados exclusivamente para a especificidade desse ensino.
Quando nos referimos ao educando jovem e adulto, não
nos reportamos a qualquer sujeito vivenciando a etapa de
vida jovem ou adulta, e sim a um blico particular e com
características específicas: sujeitos que foram excluídos do
sistema escolar (possuindo, portanto, pouca ou nenhuma
escolarização); indivíduos que possuem certas peculiar-
dades sócio-culturais; sujeitos que estão inseridos no
mundo do trabalho; sobretudo, sujeitos que se encontram
em uma etapa de vida diferente da etapa da infância
(OLIVEIRA, 2001 apud SOARES; PEDROSO, 2016, p.
263).
Para um ensino desenvolvente, o professor da EJA precisa ser
apenas o professor da EJA. Dizemos isso porque, como constatado
em alguns trabalhos (CAMARGO, 2015); (PORCARO, 2011);
(SOARES; SIMÕES, 2005), dentre outros, por vezes o professor da
EJA é um professor do ensino regular, seja ele dos anos iniciais ou
finais do ensino fundamental. Na maioria dos casos esse professor
além de ter a jornada no ensino regular, ele assume mais uma turma.
No nosso município, por exemplo, os professores que trabalham com
as salas de EJA são da rede municipal de ensino, dos primeiros anos
do ensino fundamental, que além de cumprirem sua carga horária,
optam por assumirem as salas para terem uma substituição. Assim,
390
por vezes, não tem o perfil ou o conhecimento necessário para o
trabalho com jovens e adultos.
O professor precisa conhecer o grupo, seus interesses e suas
necessidades. Ao adentrarem a escola esses sujeitos terão contato com
outro tipo de conhecimento, diferente das vivências que passaram boa
parte da vida tendo, eles terão acesso ao conhecimento científico
sistematizado e isso propiciará um novo nível de desenvolvimento
mental (VYGOTSKY, 2008). Além disso, o professor deve atuar no
que Vygotsky (2008) denomina de zona de desenvolvimento
iminente.
De acordo com o autor dois tipos de zona de desenvol-
vimento: real e iminente. A zona de desenvolvimento real reflete os
conhecimentos apropriados pelo sujeito, o que ele domina. Por
outro lado, a zona de desenvolvimento iminente é:
[…] a distância entre o nível de desenvolvimento
real, que se costuma denominar através da
solução independente de problemas, e o
desenvolvimento iminente, determinado através
da solução de problemas sob a orientação de um
adulto ou em colaboração com companheiros
mais capazes (VYGOTSKY, 2008, p. 97).
Por isso, a importância de o professor ter momentos de escuta
e observação atenta em sala, para que consiga identificar a melhor
maneira de afetar
4
seus alunos. No item seguinte, vamos explanar
4 Para nós, a palavra afetar ganha sentido de afetividade, é o modo como tentamos
dar sentido ao conhecimento ofertado ao sujeito.
391
sobre alguns dos motivos que levaram os sujeitos da nossa pesquisa de
volta à escola.
Motivos que impulsionam:
o que leva adultos a voltarem a estudar
Neste item faremos a análise dos motivos que levaram os 14
sujeitos respondentes a voltarem a estudar. Como ressaltamos no
início do texto, diferente das crianças em idade regular que iniciam
seus estudos, os motivos e necessidades que levam um adulto
analfabeto a voltarem para a escola são dos mais diversos: trabalho,
satisfação pessoal, necessidade pessoal, entre outros.
As autoras Vargas e Gomes (2013) em seu texto trazem as
falas de alguns sujeitos e em uma delas, o sujeito diz que o motivo que
o levou à EJA foi a necessidade de tirar sua carteira nacional de
habilitação (CNH). Para tirar a CNH ele precisava ser alfabetizado e
passar por todo o processo, então, o motivo e a necessidade eram
diferentes, mas estavam intrinsicamente interligados, assim como
conceitua Leontiev (1987). Elas discorrem que ao final, o sujeito
conseguiu tirar a sua CNH e, além disso, teve uma promoção em seu
cargo, porque os conhecimentos adquiridos na escola em outras áreas,
lhe possibilitou exercer melhor a sua função e lhe rendeu novas
possibilidades.
Desta forma, neste item, em nosso texto, vamos nos
aprofundar nos discursos dos sujeitos, trazendo conceitos teóricos que
sustentem a necessidade de repensarmos políticas públicas e
formações específicas para a EJA.
392
Quando analisamos a fala dos sujeitos de nossa pesquisa,
vemos o quanto eles dissertam sobre a importância que dão para a
aquisição desse conhecimento científico e intelectual que a escola
proporciona, que possibilita inicialmente a realização de tarefas
básicas do cotidiano, mas que para eles são angustiantes, por
dependerem de outras pessoas. A maioria de suas questões visa a
independência para ir ao mercado e tomar um ônibus. Lançamos para
os sujeitos a seguinte questão: Quais motivos te trouxeram à EJA? Célia,
que apareceu anteriormente também, dissertou Eu vim para ler e
escrever porque quem não estuda precisa ficar pedindo ajuda nos lugares
e muitas pessoas também zombam e “tiram sarro” e por isso que eu quero
aprender, para não depender [de ninguém]” (Célia).
Vemos no discurso de Célia que a dependência das pessoas
para realizar funções básicas do cotidiano é o que a levou de volta aos
estudos, além disso, a marginalização sofrida por ela, quando as
pessoas a discriminam por uma falta de conhecimento científico.
Rosangela em sua colocação, faz uma afirmação ainda mais
contundente da discriminação de quem não sabe ler e escrever. Ela
pontuaPorque eu quero aprender a ler e a escrever porque sem estudo a
gente não consegue um emprego. Eu quero ser alguém” (Rosangela).
Rosangela não reconhece em si os saberes das vivências que
acumulou durante a sua vida, ela se nega como sujeito pelo fato de
não ser alfabetizada. E não é assim que infelizmente, enquanto escola
e sociedade, perpetuamos esse discurso? Dizemos a todos, mas
principalmente para nossos alunos que eles precisam estudar para ser
alguém na vida. Então partimos do pressuposto de que quem não
estuda, não é ninguém? Não uma história ou um conhecimento
que possamos aprender com uma pessoa iletrada? Vimos acima que
393
não podemos desconsiderar as vivências dos sujeitos que nos chegam,
pelo contrário, devemos valorizá-las para que consigamos desenvolver
esse sujeito, dando-lhe a oportunidade de um conhecimento que ele
ainda não teve a oportunidade de experienciar, o científico.
Vanda, uma das alunas da turma, com 53 anos, traz uma das
razões pelas quais em sua época pausou os estudos Eu casei muito
menina, muito nova e não tive a oportunidade de estudar. Tudo que
precisa fazer tem que ficar pedindo para os outros, uma lista de compras
mesmo. Também quero aprender a dirigir (Vanda, 53 anos). Se
pensarmos na geração de Vanda, quantas mulheres não precisaram
abandonar os estudos para cuidarem da própria casa, por se casarem
novas? Muitas mulheres da idade de Vanda tiveram que retornar aos
estudos após alguns anos por exigência do mercado de trabalho, para
que pudessem ser inseridas. As que não tiveram a oportunidade de
voltar, dificilmente conseguem um trabalho formal e precisam ir para
as vias informais de trabalho.
Pensamos na taxa de analfabetismo, que conta ainda com 11
milhões de brasileiros, segundo os dados do IBGE (2019) e a partir
dos nossos sujeitos, tentamos imaginar qual seria a faixa etária da
maioria desses sujeitos. Dos 14 sujeitos da pesquisa, 11 estão na faixa
dos 45 aos 53 alunos e apenas 3 estão na faixa dos 30 aos 38 anos. É
espantoso saber que jovens não estejam alfabetizados após a
obrigatoriedade de frequência no ensino público, mas, se tomarmos
como base os nossos sujeitos, possivelmente veremos que grande parte
dos não alfabetizados se encontra na faixa acima dos 40 anos.
Além do desejo de aprenderem a ler e a escrever, alguns deles
relataram a necessidade de ler e escrever para conseguirem trabalhos
394
que exigissem menos esforço físico ou com uma carga diária menor
de trabalho.
Torna-se claro que, apesar de terem o conhecimento de
mundo, que lhes possibilita o trabalho em algumas áreas (construção
civil, diarista, serviços gerais), a falta do conhecimento científico lhes
impede de ter melhores condições de vida, tendo em vista as
exigências que o mercado de trabalho faz para a contratação de mão-
de-obra, com atribuições específicas para cada cargo, chamando de
mão-de-obra qualificadas.
Sabendo que esses sujeitos estavam dois meses
regularmente matriculados no curso e que por isso, alguns conceitos
estavam sendo introduzidos e apropriados, quisemos saber se eles
percebiam mudanças em sua rotina, após voltarem à escola. Todos
disseram que estavam sentindo mudanças, alguns estavam
reconhecendo letras, outros estavam conseguindo ler devagarinho e
dois pontuaram que estavam felizes porque aprenderam a fazer
contas.
Sobre a leitura e escrita, Rosangela, acima citada sobre o fato
de que não saber ler é como ser guiado por outras pessoas, ressaltou
que ela estava conseguindo ler placas de ônibus, não precisando
mais pedir ajuda das pessoas. Podemos inferir a partir deste relato que
após os primeiros meses de curso, ela começou a ver o mundo sem as
vendas de que se queixava.
Considerações
Tentamos, de forma sucinta, trazer algumas de nossas
inquietações suscitadas durante a disciplina atrelando questões
395
presentes em nossa prática, como professores da rede municipal de
ensino, inclusive com experiência em EJA.
O percurso histórico fez-se necessário para compreendermos
onde foi o ponto de partida da Educação de Jovens e Adultos.
Acreditamos que avançamos em pesquisas e estudos a partir desse
diálogo feito com o passado, para podermos projetar novas ações para
o presente em busca de um futuro com menos desigualdade social e
formativa.
A partir dos marcos históricos vimos o quanto a Educação de
Jovens e Adultos caminhou a passos lentos e o quanto ainda necessita
de um olhar mais específico, em busca de um mapeamento assertivo
que quantifique esse público e pense em alternativas mais viáveis para
sanar as demandas, principalmente as demandas relacionadas à
quantidade de turmas, horário das aulas e a formação de um professor
específico para esse nível de ensino. O modo como o curso ainda se
estrutura em muitas regiões não possibilita que os alunos se sustentem
nessa formação tardia.
Durante as respostas dos questionários sentimos o quanto o
não letramento interfere na compreensão que os sujeitos fazem deles
mesmos. Além de se sentirem à margem da sociedade, desconsideram
a sua existência como sujeito de direitos e de conhecimentos. O
trabalho do professor não esbarra apenas em questões de domínio
teórico, mas de quefazeres que retomem a confiança dos sujeitos,
atrelando os conhecimentos do cotidiano trazido por eles aos
conhecimentos científicos.
Esperamos que nosso olhar, que pouco foi desvendado na
área da EJA, seja melhor explorado adiante, em futuros trabalhos, pois
396
a discussão apenas se inicia aqui e visa contribuir para discutirmos e
ampliarmos o campo nos estudos de Educação de Jovens e Adultos.
Referências
BRASIL, Lei 5.379, de 15 de dezembro de 1967, que provê sobre a
alfabetização e a educação continuada de adolescentes e adultos.
CAMARGO, Poliana da Silva Almeida Santos. Representações sociais de
professores da educação de jovens e adultosEJA sobre sua formação
docente e sobre a afetividade no processo de ensino-aprendizagem. 2015.
Tese (Doutorado em Educação)Faculdade de Educação, Universidade
Estadual de Campinas, Campinas, 2015.
ELKONIN, D. Sobre el problema de la periodizacion del desarrollo
psíquico em la infância. In: SHUARE, M. (org.). La Psicologia evolutiva
y pedagogica en la URSS. Moscú: Editorial Progreso, 1987, p. 104-124.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 6. ed. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 1978.
FRIEDRICH et.al. Trajetória da escolarização de jovens e adultos no
Brasil: de plataformas de governo a propostas pedagógicas esvaziadas.
Ensaio: avaliação das políticas públicas educacionais. Rio de Janeiro, v. 18,
n. 67, p. 389-410, abr./jun. 2010.
LEONTIEV, A. N. As necessidades e os motivos da atividade. In:
LONGAREZI, A.M.; PUENTES, R.V. (orgs.) Antologia: ensino
desenvolvimental. Livro 1. (Coleção Biblioteca Psicopedagógica Didática.
Série ensino desenvolvimental. V. 4) EDUFU: Uberlândia, MG. 2017.
LUDKE, M.; ANDRÉ, M.E.D.A. Pesquisa em Educação: abordagens
qualitativas. São Paulo: Editora Pedagógica e Universitária, 1986.
397
PORCARO, Rosa Cristina. Caminhos e desafios da formação de
educadores de jovens e adultos. 2011. Tese (Doutorado em Educação)
Faculdade de Educação, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo
Horizonte, 2011.
PUENTES, R.V.; CARDOSO, C.G.C.; AMORIM, P.A.P. Teoria da
atividade de estudo: contribuições de D. B. Elkonin, V.V. Davidov e V.V.
Repkin. 2 ed. Curitiba: CRV, 2020. Coedição: Uberlândia, MG:
EDUFU, 2020.
REPKIN, V.V. Ensino desenvolvente e atividade de estudo. Ensino em
Revista, n.1, p.85-99, jan./jun. 2014.
SANTOS, L. F. A. dos. Apostila Metodologia da Pesquisa Científica II.
Faculdade Metodista de Itapeva, 2006.
SOARES, L.J.G.; PEDROSO, A.P.F. Formação de educadores na
educação de jovens e adultos (EJA): alinhavando conceitos e tecendo
possibilidades. Educação em Revista, v.32, n. 4, p. 251-268, out-dez,
2016.
SOARES, L. J. G.; SIMÕES, F. M. A formação inicial do educador de
jovens e adultos. Educação e Realidade, Porto Alegre, v. 29, n. 2, p. 25-
39, 2005.
STRELHOW, T. B. Breve história sobre a educação de jovens e adultos
no Brasil. Revista HISTEDBR On-line, Campinas, SP, v. 10, n. 38, p.
49–59, 2012. DOI: 10.20396/rho.v10i38.8639689. Disponível em:
https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/histedbr/article/view/863
9689. Acesso em: 18 ago. 2022.
VARGAS, P.G.; GOMES, M.F.C. Aprendizagem e desenvolvimento de
jovens e adultos: novas práticas sociais, novos sentidos. Educ. Pesquisa,
São Paulo, Ahead of print, abr, 2013.
398
VYGOTISKI, L. S. Obras escogidas. Tomo III. Madrid: Editora Visor,
1995.
VYGOTISKI, L. S. A formação social da mente: o desenvolvimento dos
processos psicológicos superiores. 7. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2008.
399
SOBRE O LIVRO
Catalogação
André Sávio Craveiro Bueno CRB 8/8211
Normalização
Taciana Soares de Oliveira
Diagramação e Capa
Mariana da Rocha Corrêa Silva
Assessoria Técnica
Renato Geraldi
Oficina Universitária Laboratório Editorial
labeditorial.marilia@unesp.br
Formato
16x23cm
Tipologia
Adobe Garamond Pro
O livro “Educação de Jovens e Adultos: Marcos Conceituais, Práticas e
Políticas” se insere no âmbito de um conjunto de ações desenvolvidas
por docentes e discentes da UNESP, Câmpus de Marília, no sentido de
ampliar o debate sobre a Educação Popular e, particularmente, da EJA,
no contexto acadêmico. Analisa princípios relativos à consolidação des-
sa área de conhecimento como vasto campo teórico, bem como ques-
tões da prática pedagógica, da formação de educadores e de políticas
públicas, aspectos relevantes para persecução dos Objetivos de Desen-
volvimento Sustentável – ODS 04 - referentes à Educação de Qualidade
e Redução de Desigualdades.
Considera-se que a formação do ser humano omnilateral impõe o reco-
nhecimento da cultura e da sociedade na qual educador e educandos
estão inseridos, conhecer o signicado das coisas e do mundo à luz da
cultura a qual pertencem, bem como os comportamentos e condutas
que caracterizam os processos sociais que inuenciam a educação como
um todo e delimitam o processo de construção de uma sociedade solidá-
ria e preocupada verdadeiramente com a sustentabilidade.
Basicamente, os estudos se situam no contexto da Educação Popular,
seja na vertente a concebê-la no seio dos movimentos populares, seja na-
quela desenvolvida no contexto do Estado, administrador do excedente
econômico. Os estudos se orientam no contexto da dialogia e Filosoa
da Linguagem de Bakhtin e pelos pressupostos da teoria histórico-cultu-
ral, um vasto arco de princípios teóricos relativos ao pensamento de Vy-
gotsky e seguidores, sendo que a perspectiva educativa de Paulo Freire
se constitui como referência de Filosoa da Educação.
Trata-se de um processo de busca de construção de uma identidade te-
órica para a educação de jovens, adultos e idosos cujo princípio pedagó-
gico fundamental é o da incorporação da cultura e da realidade vivencial
dos educandos como conteúdo ou elemento para orientação da práti-
ca educativa. Assim, o livro é de interesse para a formação inicial de
professores, para docentes que ensinam na EJA e para prossionais das
redes de ensino envolvidos com orientação técnico-pedagógica e forma-
ção inicial ou continuada de educadores.
Na sociedade de classes, a possi-
bilidade de oferecimento de educação
a todas as pessoas depende do grau de
desenvolvimento geral dela, fator de-
terminante para acesso de seus mem-
bros a formas superiores de cultura,
além de sustentar a execução de for-
mas mais complexas de trabalho pro-
dutivo. De fato, o desenvolvimento da
educação é função direta do interesse
da sociedade em aproveitar para seus
ns coletivos a força de trabalho de
cada um de seus componentes. Assim,
a educação não é conquista meramente
individual, mas uma função da socieda-
de. É o processo pelo qual a socieda-
de forma seus membros em função de
seus interesses.
Por certo, o processo de repro-
dução social pela educação envolve con-
tradições que traz em seu bojo a pos-
sibilidade de adaptação dos indivíduos
ao estado existente, mas igualmente a
perspectiva de progresso, de ruptura
do equilíbrio supostamente existente,
da criação do novo, da transformação
social, enm. É pelo anseio de progres-
so pessoal que as pessoas procuram a
escola, a qual, na sociedade de classes
exerce papel dúbio: pode fomentar a
alienação, mas ao mesmo tempo contri-
bui para a emancipação.
Por isso, há quem compreenda
a Educação Popular como processo sis-
temático de formação, fortalecimento
e instrumentalização das práticas e dos
movimentos sociais e populares, de-
senvolvido fora das amarras do Estado,
portanto. E há quem defenda que o Es-
tado, administrador do excedente eco-
nômico, deva responder pela garantia
do direito inalienável da população à
educação de qualidade socialmente re-
ferenciada.
No Brasil, progressivamente se
consolida a concepção de que a Educa-
ção de Jovens e Adultos – EJA - é parte
do movimento da Educação Popular e
que o problema da baixa escolarização
e, principalmente, do analfabetismo de
amplo segmento da população brasilei-
ra não se resolverá sem o envolvimento
de toda a sociedade civil organizada e
o advento de profundas reformas mul-
tiestruturais. Assim, paralelamente ao
Estado educador proliferam-se iniciati-
vas de Educação Popular no âmbito de
entidades de classes, associações de
moradores, sindicatos, partidos polí-
ticos, movimentos de luta pela terra e
por moradia, igrejas, etc.
É com esse olhar que o presente
livro discute a concepção de Educação
de Jovens e Adultos, o seu lugar no âm-
bito da Educação Popular e os princípios
de sua formulação no contexto de mo-
dalidade da educação básica tal como
consolidado na legislação educacional
brasileira.
Programa PROEX/CAPES:
Auxílio Nº 0039/2022
Processo Nº 23038.001838/2022-11
EDUCAÇÃO DE JOVENS, ADULTOS E IDOSOS: Marcos Conceituais, Práticas e Políticas
EDUCAÇÃO DE
JOVENS,
ADULTOS E IDOSOS
Marcos Conceituais
Práticas
Políticas
José Carlos Miguel
Rodrigo Martins Bersi
organizadores

