O LIVRO ILUSTRADO NA FORMAÇÃO
DE PROFESSORES DA EDUCAÇÃO INFANTIL:
em defesa da educação desenvolvente
Yaeko Nakadakari Tsuhako
Cyntia Graziella Guizelim Simões Girotto
O LIVRO ILUSTRADO NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES DA EDUCAÇÃO INFANTIL:
em defesa da educão desenvolvente
YAEKO NAKADAKARI TSUHAKO
Doutora em Educação pela UNESP- Marília (2022),
mestre em Educação pela UNESP- Marília (2016),
graduada em Pedagogia pela UNESP - Bauru (2008),
bacharel em Direito pela Instituição Toledo de Ensino
- Bauru (1992). Foi professora de Educação de Adultos
e Jovens, professora de Educação Infantil, coordenado-
ra de área de Educação Infantil na Secretaria Municipal
de Educação e diretora de EMEI na cidade de Bauru.
Atualmente participa de grupos de estudos da UNESP
- Marília e dedica-se à formação continuada de profes-
sores da Educação Infantil.
CYNTIA GRAZIELLA G. SIMÕES GIROTTO
Livre-docente em Leitura e Escrita pela UNESP
(2016). Pós-doutorado em Leitura e Literatura Infantil
pela Universidade de Passo Fundo (2015). Doutora em
Educação pela UNESP (1999). Mestre em Educação
pela UFSCAR (1995). Pedagoga pela UNESP (1992).
Atuou em instituições públicas e particulares. Desde
2000 é professora da UNESP - Marília, junto ao De-
partamento de Didática. Compõe, na mesma unidade
universitária, o quadro de orientadores do programa de
Pós-Graduação em Educação. Participa de grupos de
pesquisa da UNESP de Marília, de Presidente Prudente
e integra, ainda, o grupo de pesquisadores do CELLIJ
(Centro de Estudos em Leitura e Literatura Infantil e
Juvenil.
Programa PROEX/CAPES:
Auxílio Nº 0039/2022
Processo Nº 23038.001838/2022-11
O presente livro tem como alicerce a
perspectiva da teoria histórico-cultural e
a losoa da linguagem. Argumenta em
defesa de uma educação desenvolvente,
isto é, uma educação onde o professor
tem o papel de planejar ações de forma
consciente para promover o desenvolvi-
mento das funções psíquicas superiores
da criança; da importância do livro ilus-
trado na promoção do desenvolvimento
humano; da formação do professor como
essencial para mudanças nas práticas. De-
monstra a necessidade da apropriação do
conhecimento para o desenvolvimento
da consciência e elucida que tanto o adul-
to como a criança possuem capacidade
criadora para objetivar-se em produções
autorais, porém, o desenvolvimento de
tal capacidade está vinculado às condi-
ções sociais e ao processo educativo.
Com este livro, buscamos reetir sobre o papel fundamental da es-
cola para assegurar as condições necessárias para o desenvolvimen-
to das funções psíquicas superiores nas crianças, pois as funções
psíquicas são ferramentas essenciais para que as pessoas sejam, de
fato, sujeitos de sua história. Procuramos discorrer sobre a impor-
tância do processo de apropriação do conhecimento para a trans-
formação da prática com o livro ilustrado do professor e da pro-
fessora de Educação Infantil e apresentamos alguns princípios
didáticos para o trabalho com o livro ilustrado, demonstrando que
é possível promover o desenvolvimento da consciência, da imagi-
nação e da capacidade criadora por meio do processo de formação.
Desejamos que este livro possa inspirar os professores na busca
pela mudança de sua realidade, tornando-se autores de suas prá-
ticas em defesa da coletividade, do bem comum, da humanização
de nossas crianças, ou seja, em defesa da educação desenvolvente.
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O LIVRO ILUSTRADO NA FORMÃO DE
PROFESSORES DA EDUCAÇÃO INFANTIL:
em defesa da educação desenvolvente
Yaeko Nakadakari Tsuhako
Cyntia Graziella Guizelim Simões Girotto
Yaeko Nakadakari Tsuhako
Cyntia Graziella Guizelim Simões Girotto
O LIVRO ILUSTRADO NA FORMAÇÃO DE
PROFESSORES DA EDUCAÇÃO INFANTIL:
em defesa da educão desenvolvente
Marília/Oficina Universitária
São Paulo/Cultura Acadêmica
2024
UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA
FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS FFC
UNESP - campus de Marília
Diretora
Dra. Claudia Regina Mosca Giroto
Vice-Diretora
Dra. Ana Claudia Vieira Cardoso
Conselho Editorial
Mariângela Spotti Lopes Fujita (Presidente)
Célia Maria Giacheti
Cláudia Regina Mosca Giroto
Edvaldo Soares
Marcelo Fernandes de Oliveira
Marcos Antonio Alves
Neusa Maria Dal Ri
Renato Geraldi (Assessor Técnico)
Rosane Michelli de Castro
Conselho do Programa de Pós-Graduação em Educação
- UNESP/Marília
Graziela Zambão Abdian
Patrícia Unger Raphael Bataglia
Pedro Angelo Pagni
Rodrigo Pelloso Gelamo
Maria do Rosário Longo Mortatti
Jáima Pinheiro Oliveira
Eduardo José Manzini
Cláudia Regina Mosca Giroto
Auxílio Nº 0039/2022, Processo Nº 23038.001838/2022-11, Programa PROEX/CAPES
Ilustração da capa: Julia Mie Matsuguma e Taisa Iwata
Parecerista: Sandra Aparecida Pires Franco - Docente do Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade
Estadual de Londrina - UEL
Ficha catalográfica
Serviço de Biblioteca e Documentação - FFC
Tsuhako, Yaeko Nakadakari.
T882l O livro ilustrado na formação de professores da educação infantil: em defesa da
educação desenvolvente / Yaeko Nakadakari Tsuhako, Cyntia Graziella Guizelim
Simões Girotto. Marília : Oficina Universitária ; São Paulo : Cultura Acadêmica,
2024.
427 p. : il.
CAPES
Inclui bibliografia
ISBN 978-65-5954-429-5 (Digital)
ISBN 978-65-5954-430-1 (Impresso)
DOI: https://doi.org/10.36311/2024.978-65-5954-429-5
1. Educação. 2. Educação de crianças. 3. Livros ilustrados. 4. Professores
Formação. I. Girotto, Cynthia Graziella Guizelim Simões Girotto. Título.
CDD 370.71
_____________________________________________________________________________
Catalogação: André Sávio Craveiro Bueno CRB 8/8211
Copyright © 2024, Faculdade de Filosofia e Ciências
Editora afiliada:
Cultura Acadêmica é selo editorial da Editora UNESP
Oficina Universitária é selo editorial da UNESP - campus de Marília
Dedicamos este trabalho
às pessoas que caminham pela marginal, doando-se,
responsabilizando-se e trabalhando com amorosidade
por uma educação humanizadora.
Lista de Siglas
ATP - Atividade de Trabalho Pedagógico
ATPC - Atividade de Trabalho Pedagógico Coletivo
ATPI - Atividade de Trabalho Pedagógico Individual
CEPLLI - Centro de Estudos e Pesquisas em Leitura, Literatura e Infância
CAPES - Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
EMEI - Escola Municipal de Educação Infantil
GEGe - Grupo de Estudos dos Gêneros do Discurso
PPGE - Programa de Pós-Graduação em Educação
PNBE - Programa Nacional Biblioteca da Escola
PROLEAO - Processos de Leitura e Escrita: Apropriação e Objetivação
SME - Secretaria Municipal de Educação
THC - Teoria Histórico-Cultural
UNESP - Universidade Estadual Paulista
ZDP - Zona de Desenvolvimento Próximo
Sumário
APRESENTAÇÃO..............................................................................11
PREFÁCIO | Stela Miller..............................................................13
INTRODUÇÃO.................................................................................19
CAPÍTULO 1 | EM DEFESA DO LIVRO ILUSTRADO NA
EDUCAÇÃO INFANTIL...................................................................47
1.1 A importância da arte literária na Educação Infantil
1.2 Qual a relação entre o trabalho com o livro ilustrado e as funções
psíquicas superiores?
1.3 Formação de bases para a linguagem verbal escrita
1.4 A criança da Educação Infantil: algumas considerações sobre o
destinatário da educação
1.5 Palavras e imagens qualificando o psiquismo
1.6 Alfabetização visual: uma necessidade do contexto atual
CAPÍTULO 2 | FORMAÇÃO DE PROFESSORES E O
EXPERIMENTO DITICO-FORMATIVO COM A ARTE
LITERÁRIA.......................................................................................107
2.1 Formação de professores e a promoção do desenvolvimento humano
2.2 Planejamento do experimento didático-formativo em arte literária
CAPÍTULO 3 | O QUE DIZEM AS PROFESSORAS SOBRE O
LIVRO ILUSTRADO E A EDUCAÇÃO DESENVOLVENTE?......243
3.1-Apropriação do conhecimento e o desenvolvimento da consciência
3.2 O trabalho com o livro ilustrado e a educação desenvolvente
3.3 Formação continuada: mudança na dimensão objetiva e subjetiva do
professor
CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................393
REFERÊNCIAS.................................................................................407
SOBRE AS AUTORAS......................................................................425
11
APRESENTAÇÃO
Este livro foi produzido a partir de tese de doutorado,
concluída em 2022, que teve por objetivos: compreender como o
processo de apropriação do conhecimento pode transformar a
prática com o livro ilustrado do professor da Educação Infantil;
conhecer as especificidades do livro ilustrado; elencar princípios
didáticos para o trabalho com o livro ilustrado; refletir sobre a
importância da formação para apropriação do conhecimento e para
mudanças nas dimensões objetiva e subjetiva dos professores, bem
como demonstrar a possibilidade de qualquer pessoa desenvolver a
imaginação e a capacidade criadora.
O objeto de análise foi uma formação continuada de
professores da Educação Infantil sobre o livro ilustrado, realizada em
uma EMEI no horário de ATPC, tornando possível a explicitação e
a compreensão do processo de apropriação do conhecimento,
resultando em mudanças na dimensão objetiva e subjetiva das
professoras. A teoria histórico-cultural e a filosofia da linguagem
foram a referência para a realização da análise do objeto de pesquisa.
Ao longo dos capítulos argumentamos em defesa de uma
educação desenvolvente; uma educação que permita ao professor o
papel de planejar ações de forma consciente para promover o
desenvolvimento das funções psíquicas superiores da criança; da
importância do livro ilustrado na promoção do desenvolvimento
humano; da essencialidade da formação do professor para mudanças
12
nas práticas e da possibilidade do desenvolvimento da capacidade
criadora dos adultos e das crianças por meio da educação.
Procuramos demonstrar a necessidade da apropriação do
conhecimento para o desenvolvimento da consciência e para a
superação do sentimento de incapacidade nas professoras -
especialmente no que tange à produção autoral, a importância de
possibilitar condições materiais e psicológicas para a ocorrência de
mudanças nas práticas; a relevância da formação do professor e da
professora para que o trabalho com o livro ilustrado torne-se de fato
uma atividade desenvolvente para as crianças da Educação Infantil e
elucidar que tanto adultos quanto crianças podem desenvolver a
capacidade criadora e objetivar-se em suas produções autorais,
porém, o desenvolvimento de tal capacidade está vinculada às
condições sociais e ao processo educativo.
Esperamos que este livro possa trazer contribuições a todos
os professores e professoras da Educação Infantil para o trabalho com
o livro ilustrado; que alcancem as condições de planejar sua prática
de forma consciente e intencional, promovendo uma educação
desenvolvente.
Yaeko e Cyntia
13
PREFÁCIO
Stela Miller
Refletir sobre a formação de professores, em especial os que
trabalham na Educação Infantil, foi a preocupação central da tese de
doutoramento intitulada O livro ilustrado na formação de professores
da Educação Infantil: em defesa da educação desenvolvente, elaborada
por Yaeko Tsuhako Nakadakari, cujo conteúdo está sendo agora
apresentado neste livro. Passa pela crítica tanto à formação inicial,
como continuada desses profissionais cujo processo se dá, grosso
modo, de forma precária, não tendo, por essa razão, condições para
fornecer-lhes uma base sólida de conhecimentos e capacidades para
que sua atuação seja, de fato, transformadora e resulte no
desenvolvimento da criança como um sujeito que não só se aproprie
dos conteúdos próprios de seu processo de educação, mas também,
e principalmente, desenvolvam capacidades que lhes permitam
utilizá-los para compreender a sua realidade e nela atuar de forma
consciente e crítica.
Os desafios nessa área são muito grandes: há que se
considerar, além dos cortes financeiros para a manutenção dos
recursos físicos e humanos da rede de escolas públicas, a precariedade
cada vez mais acentuada da formação dada no ensino básico e o
processo de enxugamento curricular dos cursos de graduação
destinados à formação de professores, movido pelo “rebaixamento
https://doi.org/10.36311/2024.978-65-5954-429-5.p13-18
14
da formação teórica e científica no campo das ciências da educação
e das ciências pedagógicas” (FREITAS, 2020, p. 100), formação essa
que vem sendo substituída pelo trabalho de formuladores de
conteúdo prático-utilitário disponibilizado pronto para uso nos
manuais de ensino e de aprendizagem providos pelos órgãos oficiais.
Observamos, ao longo dos últimos anos, a instalação, em
nosso país, de “iniciativas que anunciam mudanças significativas no
processo educativo, marcadas por profundo retrocesso com a
implementação e retomada das políticas neoliberais regressivas,
excludentes”, que ocasionam transformações tanto no processo de
formação como de atuação de docentes, com consequências nefastas
para a formação dos educandos, pois “aprofundam a desigualdade,
instituem o individualismo, reforçam a meritocracia e o
empreendedorismo individual como formas de sobrevivência e
sucesso, afetando profundamente a formação humana integral de
nossos jovens e crianças” (FREITAS, 2020, p. 107).
Em posição frontalmente contrária a essa forma de pensar a
educação, a autora deste livro propõe a educação que desenvolve o
aprendiz educação desenvolvente ou desenvolvimental -, que o
considera como ser humano que se desenvolve por sua atividade, na
relação com o outro e com o conteúdo da cultura acumulada
histórica e socialmente. E o faz com base na ideia de que o processo
de educação e, em especial, o processo de ensino-aprendizagem
efetivado nas e pelas escolas determinam o caráter de seu
desenvolvimento psíquico (DAVIDOV, 1988).
Dentro desse enfoque, a formação de professores feita de
modo a dar condições adequadas ao exercício profissional adquire
relevância, pois da relação entre o professor e a criança e, por
15
extensão, entre os processos de ensinar e aprender, que estabelecem
as bases da ação do aluno sobre os objetos de conhecimento, depende
a direção na qual será encaminhada a transformação qualitativa de
seu psiquismo, o seu desenvolvimento como pessoa humana, que na
relação com outro e com o conteúdo cultural, age, aprende,
transforma-se e pode também transformar seu meio.
Nesse contexto, a prática pedagógica, em seu cotidiano, ao
trazer para os professores situações nas quais eles se veem diante de
novos desafios e problemas, nem sempre totalmente resolvidos com
o conteúdo da formação inicial, cria a necessidade de formação em
processo, ou educação continuada, com foco delimitado conforme
essa necessidade, o que permite a superação de eventuais questões
pontuais que se apresentam como obstáculos ao encaminhamento
do processo de educação das crianças feita em bases desenvolventes.
Para pensar um processo de formação de professores para a
Educação Infantil - mas também para outros níveis de escolari-
zação -, tanto inicial como continuada, é necessário considerar,
conforme defende a autora, o conteúdo, a forma de trabalhar esse
conteúdo e o destinatário do processo educativo. Sobre essa base são
pensados os planos de trabalho que conduzirão as ações dos
professores formadores e dos professores em formação, de modo que
estes últimos possam se apropriar de conhecimentos, desenvolver
habilidades e capacidades essenciais para que possam ampliar sua
compreensão a respeito de sua atuação no processo de formação das
crianças sob sua orientação.
Em um processo de formação assim pensado, é possível gerar
um movimento contínuo de transformações não apenas no modo
como os professores olham para sua prática e a avaliam do ponto de
16
vista de sua relevância para a formação dos pequenos, mas também,
e principalmente, como, a partir dessa tomada de consciência,
elegem os meios mais adequados para pensar as ações a serem
realizadas com as crianças de modo a orientá-las e conduzi-las no
processo de sua aprendizagem, momento essencial, “intrinsecamente
necessário e universal”, no curso do desenvolvimento das
“características humanas não-naturais, mas formadas histori-
camente” (VIGOTSKII, p. 115).
O conteúdo deste livro revela essa modalidade de processo
formativo por meio da análise da trajetória de professores de
Educação Infantil durante a experiência realizada em situação de
formação continuada, tendo como foco a questão da leitura e
produção de livros ilustrados. O trabalho realizado nesse processo de
formação visou a “compreender como o processo de apropriação do
conhecimento pode transformar a prática com o livro ilustrado do
professor da Educação Infantil”, nas palavras da própria autora.
Acompanhamos, durante a leitura do livro, as transformações
acontecidas no modo de pensar e agir desses professores e a forma
pela qual isso impactou o olhar deles para com as crianças: seres
pensantes, atuantes e capazes, que podem também apropriar-se das
propriedades que caracterizam o livro ilustrado e objetivar-se em
produções de histórias ilustradas autorais.
Fica bastante evidente o papel da aprendizagem como fonte
de desenvolvimento humano, como mobilizador desse desenvolvi-
mento. Com efeito, é a aprendizagem que “[...] faz nascer, estimula
e ativa na criança um grupo de processos internos de desenvolvi-
mento no âmbito das inter-relações com outros, que, na
continuação, são absorvidos pelo curso interior de desenvolvimento
17
e se convertem em aquisições internas da criança” (VIGOTSKII, p.
115). E não apenas da criança, mas de todo aquele que se encontra
inserido em situação em que está em jogo a apropriação de um
conteúdo cultural novo, como foi o caso dos docentes envolvidos no
processo de educação continuada focalizado neste livro.
A mesma atitude de busca de respostas para questiona-
mentos, de reflexão, de utilização de pensamento analítico para a
compreensão do objeto de estudo que é desenvolvida durante
processos de formação, quer inicial, quer continuada de professores
feito em bases desenvolventes, poderá ser também cultivada com as
crianças pequenas. Dar início, desde a infância, à formação de um
olhar perscrutador para o mundo é constituir uma base sobre a qual
os sujeitos aprendizes possam desenvolver condutas baseadas em
análise da substância dos objetos de seu conhecimento e uma forma
de pensamento que busca a compreensão de sua essência,
possibilitando, assim, condições adequadas para o enfrentamento
não apenas das situações do seu cotidiano, mas também de questões
e problemas mais complexos, mais difíceis e intrincados para cuja
solução é requerido esse tipo de formação. Superar processos
alienantes de formação faz-se não apenas necessário, mas urgente!
Referências
DAVIDOV, V. V. La enseñanza escolar y el desarrollo psíquico.
Investigación psicológica teórica y experimental. [S. l.]: Editora
Moscu Progreso, 1988.
18
FREITAS, H. C. L. de. BNC da formação: desafios atuais frente à
precarização da formação de profissionais da educação básica. In:
MENDONÇA, S. G. de L. et al. (Orgs.) (De)formação na escola:
desvios e desafios. Marília/SP: Oficina Universitária; São Paulo:
Cultura Acadêmica, 2020, p. 95-112.
VIGOTSKII, L. S. Aprendizagem e desenvolvimento intelectual
na idade escolar. In: VIGOTSKII, Lev Semenovich, LURIA, A. R.
e LEONTIEV, A. N. Linguagem, desenvolvimento e aprendizagem.
4. ed. Tradução Maria da Penha Villalobos. São Paulo: Ícone:
Universidade de São Paulo, 1988, p. 103-118.
19
INTRODUÇÃO
Observar uma situação pedagógica é olhá-la, fitá-la,
mirá-la, admirá-la, para ser iluminada por ela.
Observar uma situação pedagógica não é vigiá-la; mas
sim, fazer vigília por ela, isto é, estar e permanecer
acordado por ela, na cumplicidade da construção do
projeto, na cumplicidade pedagógica.
(FREIRE, 1996)
Enquanto estive na função de diretora da escola de Educação
Infantil do sistema municipal de Bauru, uma de minhas atribuições
era a coordenação pedagógica, envolvendo orientação na elaboração
de planejamentos e formação continuada dos professores na
perspectiva da Teoria Histórico-Cultural, que embasa a Proposta
Pedagógica da Educação Infantil do município.
Após o acesso e a apropriação de novos conteúdos sobre a
arte literária nas disciplinas de pós-graduação, comecei a observar as
práticas das professoras de minha unidade escolar em relação à
literatura infantil, aos planejamentos, às escolhas e ao uso dos livros
da biblioteca escolar e constatei que os conteúdos de arte literária e
as orientações presentes na Proposta Pedagógica do município não
estavam sendo compreendidos e trabalhados de forma coerente com
a teoria.
20
O que me levou à constatação dessas incoerências nas
práticas, em relação às orientações contidas na Proposta Pedagógica,
foi o fato de observar com frequência que algumas professoras
utilizavam os livros de forma aleatória, sem critério intencional de
escolha; outras utilizavam as mesmas histórias, mas sem a
preocupação de ampliar o repertório das crianças, trabalhando no
nível real de desenvolvimento delas, ou seja, no conhecimento que
as crianças já possuíam; os livros de imagem não eram utilizados e a
justificativa comum era que tais livros não possuíam letras,
dificultando a leitura e a compreensão. Esse fato demonstrou outro
dado importante: as professoras não compreendiam o poder das
imagens e, por consequência, não valorizavam a linguagem visual
como forma de expressão, passível de leitura e compreensão.
Outra observação relevante: ao serem questionadas sobre os
tipos de livros existentes na biblioteca da escola, se havia alguma
organização ou classificação dos livros de acordo com algum critério,
demonstravam o desconhecimento sobre a existência de diferenças
entre os livros com ilustração. Além disso, na visão delas, todo livro
com ilustrações ou qualquer livro de conteúdo infantil era
considerado, invariavelmente, de literatura infantil.
O objetivo geral do Ensino de Arte Literária na Proposta
Pedagógica para a Educão Infantil do município é:
Experienciar vivências mediadas por obras da literatura infantil,
por meio do vínculo ativo com a imagem artística sintetizada
na forma literária, inserindo-se no universo da cultura literária
a partir de um repertório diversificado de obras que: articulem
e explicitem a realidade em suas contradições; destaquem o
movimento da natureza, da sociedade e do pensamento; e
21
ampliem possibilidades de questionamento dos valores da
sociedade (ABRANTES, 2016, p. 542).
Constatei que o objetivo geral da Proposta Pedagógica para
a Educação Infantil do município não estava sendo compreendido e
contemplado nos planejamentos pelas professoras e percebi que não
havia um trabalho direcionado aos paratextos ou às estratégias de
leitura, visando promover a compreensão e a ampliação do
conhecimento de mundo.
Há muitas produções acadêmicas destinadas ao estudo de
literatura infantil, porém, constatei que as professoras da unidade
escolar não haviam tido acesso a esse conteúdo em sua formação na
graduação e nem na formação continuada e nesse aspecto eu me
identificava com elas. Isso se explica pelo fato de que todas nós
somos parte do mesmo contexto histórico de formação de
professores, no qual a arte literária não foi trabalhada de forma
minimamente adequada.
Além dessas constatações na unidade escolar, o local da
pesquisa, outras questões relevantes foram consideradas para a
escolha do tema. Uma delas foi a observação, por meio de pesquisa
anterior de mestrado, sob o tema “O ensino do desenho como
linguagem: em busca da poética pessoal”, que muitas escolas de
Educação Infantil estavam optando pela alfabetização das crianças
com o uso do caderno de linhas, focando exercícios de coordenação
motora, apostilas e livros didáticos repletos de exercícios mecânicos
e sem sentido, com o objetivo de melhor prepará-las para o ensino
fundamental. Porém, a alfabetização, nesses casos, não era
compreendida como um processo que ocorre nas relações sociais,
22
desde o nascimento da criança, em conjunto com a aquisição da
linguagem oral, gestual e visual. (TSUHAKO, 2016).
Discordo das referidas práticas, por considerar que o papel
da Educação Infantil é assegurar as condições necessárias para que o
desenvolvimento das funções psíquicas superiores nas crianças, nesse
caso específico, por meio da arte literária e das artes visuais presentes
no livro ilustrado. Assim, a presença de tais práticas torna-se um
problema na Educação Infantil, porque conteúdos essenciais para o
desenvolvimento da criança estão sendo substituídos por práticas
mecânicas, desprovidas de sentido e com ênfase na escrita como o
código e não como linguagem, formando crianças executoras, ao
invés de autoras.
A criança, ao se apropriar de diversas linguagens, além de
expressar seus conhecimentos e suas experiências, tornando-se
sujeito autor, terá, a partir das capacidades desenvolvidas por meio
dessas linguagens, a formação de bases para outras áreas de
conhecimento, como a linguagem escrita.
Segundo a Teoria Histórico-Cultural, isso ocorre porque o
psiquismo é um sistema em permanente articulação e reconstrução
das funções psíquicas superiores; é movimento no qual o uso dos
signos possui papel fundamental.
[...] o emprego de signos opera transformações que ultrapassam
o âmbito específico de cada função. O referido emprego não as
complexifica de modo particular, ou seja, não provoca apenas
transformações intrafuncionais não se trata da conversão, por
exemplo, da memória natural em memória lógica, da atenção
natural em atenção voluntária, da inteligência prática em
pensamento abstrato etc. As transformações específicas de cada
função determinam modificações no conjunto das funções do
23
qual fazem parte, isto é, do psiquismo como um todo
(MARTINS, 2011, p. 58).
Nesse sentido, quando a criança tem acesso e se apropria de
novos conhecimentos, concomitantemente ocorre a formação de
novas operações mentais de forma sistêmica, ou seja, integrada, pois
novas capacidades psíquicas promovem reciprocamente o seu
desenvolvimento global. A principal característica do processo de
apropriação é criar no homem novas aptidões ou funções psíquicas
(MARTINS, 2011).
As diferentes linguagens artísticas são contempladas na Lei
nº 13.278/2016, que fixa nas Diretrizes e Bases da Educação
Nacional (LDBEN) (BRASIL, 2016), o ensino da arte, nos
Referenciais Curriculares Nacionais da Educação Infantil (RCNEI)
(BRASIL, 1998), nas Diretrizes Curriculares Nacionais para a
Educação Infantil (BRASIL, 2010), e mais recentemente, na Base
Nacional Comum Curricular (BNCC) (BRASIL, 2017). Ao citar os
referidos documentos, o objetivo não é pôr em discussão a defesa ou
a crítica aos conteúdos existentes ou ausentes em tais documentos,
mas sobretudo reiterar a natureza de documentos oficiais em nível
federal, que reiteram a importância das diversas linguagens nas
práticas com as crianças da Educação Infantil, sem excluí-las ou
substituí-las por práticas comuns a outra etapa de ensino, garantindo
em parte os direitos infantis.
Sabendo-se o quanto o trabalho com as diferentes linguagens
possibilita o desenvolvimento das funções psíquicas, é fundamental
o papel dos professores e professoras no processo educacional, na
promoção do desenvolvimento das capacidades superiores da
criança. E isso será possível por meio do ensino planejado de forma
24
intencional, visando ao desenvolvimento integral da criança, em suas
máximas capacidades.
Conforme Martins (2011), a apropriação dos signos
culturais promove a transição do desenvolvimento biológico da
criança para a formação de sistemas funcionais. O signo pode ser
pensado como tudo que possui um significado, remetendo a algo
situado fora de si mesmo. Pode ser uma palavra, um desenho, um
som, um gesto, um objeto que comunica um significado e orienta a
conduta humana, possibilitando o desenvolvimento das funções
psíquicas superiores e uma vasta apropriação do patrimônio do
gênero humano, de forma que seu uso constitui o traço essencial das
formas superiores de conduta humana, porque permite ao ser
humano o rompimento da relação direta e imediata, própria dos
animais, com o ambiente.
Dessa forma, “os signos são instrumentos psicológicos que
regulam, desde fora, o pensamento e a conduta, e influenciam nas
relações humanas e na ação do homem num contexto sociocultural”
(PRESTES; TUNES; NASCIMENTO, 2013, p. 60). A relação do
homem com o seu entorno passa a ser mediada pelos signos
culturais.
A operação com signos, ou a criação e o uso dos símbolos, é um
fator muito importante na visão dialética de desenvolvimento e
na apropriação das formas culturais humanas, porque seus
efeitos repercutem na memória, na atenção, na percepção, no
pensamento e na vontade. Assim sendo, o desenvolvimento
psicológico e cultural da criança é fortemente afetado pela
operação com signos e pelas interações sociais (PRESTES;
TUNES; NASCIMENTO, 2013, p. 60).
25
Nesse sentido, o trabalho com a literatura infantil contribui
para a formação humana por possibilitar a operação com signos, a
compreensão e a apropriação da cultura. Segundo Arena (2010), a
língua é considerada parte da cultura e constituinte do gênero
discursivo da enunciação literária e aproximação efetiva e direta
entre leitor e literatura infantil. É fundamental, porque, pela palavra
signo pleno em um enunciado o pequeno leitor compreende
a cultura de uma época, em diálogo ininterrupto com o passado e o
presente. Dessa forma, o leitor desenvolverá, dialogicamente, seus
traços culturais. “Os aspectos histórico-culturais necessários à
formação humana afloram das relações entre os traços culturais tanto
do gênero literário infantil, quanto do leitor em formação”
(ARENA, 2010, p. 16).
O autor afirma ainda que:
A formação humana, alinhavada pelas relações histórico-
culturais, encontra na literatura, sobretudo na infantil, uma das
mais ricas manifestações culturais, pelas quais a criança-aluno
cria, recria e se apropria da cultura humana, com imaginação e
razão indissociadas. As vozes do outro cultural e histórico,
presentes na literatura infantil, ampliam e transcendem a
experiência do pequeno leitor. (ARENA. 2010, p. 33)
Devido à importância dos signos para o desenvolvimento
humano, fica ratificada a relevância da presença da literatura infantil
e das linguagens visuais presentes nos livros ilustrados, na Educação
Infantil, para que ocorra a apropriação dos conhecimentos e dos
procedimentos elaborados culturalmente.
Diante dessas considerações, há a necessidade de estudos e
pesquisas sobre os livros ilustrados e as artes visuais presentes neles,
26
sobre o desenvolvimento humano, sobre a formação de professores,
para que todos tenham condições de conduzir o processo de
aprendizagem de forma consciente, pensando e elaborando ações
pedagógicas mais apropriadas para promover o desenvolvimento das
crianças.
Compreendo que, ao se formular e sistematizar um aporte
teórico em relação ao trabalho com a literatura infantil, em
específico sobre os livros ilustrados, seja possível trazer contribuições
para a superação das dificuldades nas práticas pedagógicas dos
professores e professoras da Educação Infantil. Trata-se de uma área
a ser reconhecida e valorizada pela importância que tem no
desenvolvimento das funções psíquicas superiores das crianças e dos
adultos.
Uma possibilidade para a formação dos professores
Uma possibilidade para a conquista do preparo do professor
ou da professora é a formação em horário de Atividade de Trabalho
Pedagógico ATP1. O sistema educacional do município possui
Atividade de Trabalho Pedagógico Coletivo - ATPC, de duas horas
por semana, destinado ao estudo coletivo remunerado no ambiente
1 O professor ingressa na educação infantil do município por meio de concurso público,
com jornada básica de 20 horas de trabalho por semana, no cargo de professor especialista
adjunto, com a função de substituir o professor especialista. Por meio de outro concurso, o
de acesso, o professor especialista adjunto mudará de cargo, para o de professor especialista
em educação, passando a ter uma carga horária básica de 25 horas semanais de trabalho,
sendo 20 horas na docência e 5 horas em Atividade de Trabalho Pedagógico ATP, essas
5 horas são compostas de 2 horas de trabalho coletivo (ATPC) e 3 horas de livre escolha
do docente.
27
escolar e o diretor ou a diretora têm a responsabilidade de coordenar
esse estudo.
Penso que o horário de ATPC ainda não é o ideal para a
formação continuada. Ocorre em período noturno, com tempo
muito reduzido e, muitas vezes, o professor tem uma jornada de oito
horas de aulas e já chega exausto para a formação. Além disso, os
professores e professoras com o cargo de professor adjunto não têm
direito a participar do ATPC. Assim, se na escola há seis professoras
e apenas uma é especialista as demais são adjuntas somente a
especialista participará da formação continuada em horário de
ATPC. Essa realidade configura uma contradição, visto que,
geralmente, os professores adjuntos são iniciantes na carreira,
chegam inseguros; muitos nunca deram aulas na Educação Infantil
porque vieram de outros segmentos, de outras profissões ou são
recém-formados. Por esses e outros motivos necessitariam muito de
oportunidades de formação.
Apesar da existência dessas contradições e desafios, o horário
de ATPC representa uma conquista do direito de estudar em um
horário específico e remunerado, obtido após muitas reivindicações
realizadas dos professores, coordenadores, diretores e profissionais
coadjuvantes no processo de ensino-aprendizagem para que
pudessem dar continuidade à formação. Assim, vejo como
importante a valorização desse momento verdadeiramente utilizado
para a formação de professores e professoras, não para outros fins.
Para isso é importante que os envolvidos tenham consciência disso e
possam assumi-la com responsabilidade.
Mesmo não tendo ainda as condições ideais para a formação,
uma sistematização e organização por parte da coordenadora ou
28
coordenador pedagógico, do diretor ou diretora, no caso da
Educação Infantil desse município, é uma possibilidade para fazer
algo consistente em relação à formação dos professores.
Os responsáveis pela coordenação da formação continuada
também precisam ter uma base teórica sólida sobre o
desenvolvimento humano, ter conhecimento sobre o conteúdo das
diversas áreas do conhecimento contempladas na Proposta
Pedagógica da Educação Infantil do município, ou seja, esses
profissionais também necessitam de formação e acompanhamento,
para que tenham condões de desenvolver um trabalho sólido,
possibilitando mudanças nas práticas. Há necessidade de um
trabalho coletivo e nesse sentido a Secretaria da Educação exerceria
um papel fundamental. Essa ação, porém, depende da concepção
teórica e da vontade política de quem assume a gestão.
Diante dessas considerações, algumas questões direcionaram
a minha pesquisa: o trabalho com o livro ilustrado promove o
desenvolvimento das funções psíquicas das crianças e dos adultos?
De que forma? Os pressupostos da Teoria Histórico-Cultural e da
Filosofia da Linguagem podem contribuir e embasar o trabalho com
a literatura infantil e as artes visuais? A formação continuada no
espaço escolar em horário de Atividade de Trabalho Pedagógico
Coletivo (ATPC) pode conduzir à superação de práticas tradicionais
na Educação Infantil e promover a educação que desenvolve?
As minhas hipóteses iniciais eram: as práticas de escrita com
exercícios mecânicos e sem sentido, surgidas em decorrência de uma
formação inicial deficitária dos professores, que resultaram no
desconhecimento sobre o desenvolvimento infantil e sobre a
importância das diferentes linguagens, embora estejam presentes na
29
Proposta Pedagógica da Educação Infantil do município, para o
desenvolvimento do psiquismo; em especial, a arte literária e as artes
visuais, que formam as bases para a linguagem verbal. Os
professores, geralmente, apresentam práticas não promotoras do
desenvolvimento, por possuírem concepções ultrapassadas em
relação ao trabalho com crianças de Educação Infantil e visão de
“pré-escola” como “preparação para o ensino fundamental”. Por
falta de conhecimento teórico sobre a literatura infantil e de seus
elementos constitutivos, os livros de literatura não são utilizados de
forma plena, em suas variadas possibilidades de leitura e de
compreensão para a promoção do desenvolvimento da criança. Além
disso, muitos profissionais da educação não têm consciência sobre a
sua importância e o seu papel na formação humana.
Poderia sintetizar todas as hipóteses acima em uma hipótese
central - a falta de conhecimento, devido às lacunas na formação do
professor, resulta em práticas equivocadas, que não promovem o
desenvolvimento das máximas possibilidades das crianças. Uma
possibilidade para a mudança dessa realidade seria a formação dos
professores e das professoras que, com a apropriação do
conhecimento, teriam a oportunidade de desenvolver uma nova
prática com a arte literária, em especial, com o livro ilustrado e as
artes visuais presentes nele, qualificando as suas funções psíquicas e
também as funções psíquicas das crianças. Enfim, o trabalho com o
livro ilustrado pode promover o desenvolvimento dos professores e
das professoras se houver uma educação desenvolvente, ou seja, uma
educação com planejamento de ações de forma consciente para
promover o desenvolvimento das funções psíquicas superiores dos
educandos.
30
Método e procedimentos metodológicos
Nesta pesquisa argumento em defesa de uma educação
desenvolvente, ou seja, uma educação em que o professor tem o
papel de planejar ações de forma consciente para promover o
desenvolvimento das funções psíquicas superiores da criança.
Segundo Luria (1990, p. 218), as “características básicas da atividade
mental humana podem ser entendidas como produtos da história
social elas são sujeitas a mudanças quando as formas de prática
social se alteram; são, portanto, sociais em sua essência”. Assim, o
acesso ao conhecimento e a qualidade da educação ofertada às
crianças implicará o desenvolvimento delas.
Desse modo, a pesquisa se fundamenta na concepção de
Didática Desenvolvimental, na perspectiva da Filosofia da
Linguagem (FL), no Materialismo Histórico-dialético (MHD) e na
Teoria Histórico-Cultural (THC), embasada na tese de Vigotski,
“de que a instrução e a educação impulsionam o desenvolvimento
mental dos sujeitos que aprendem, e com isso contribuem para o
amadurecimento de novas formações intelectuais (AQUINO,
2017, p.325).
Na Didática Desenvolvimental, segundo Aquino (2017), os
objetos de estudo são sempre processos conscientes e dirigidos para
a obtenção de determinados fins cognitivos e mudanças na formação
da personalidade. Dessa forma, “a Didática Desenvolvimental
precisa de métodos que se adequem a natureza processual de seus
objetos de estudo. Um desses métodos é o experimento didático-
formativo” (AQUINO, 2017, p. 327).
O experimento didático-formativo, conforme Freitas
(2010), é um método que consiste em investigar as mudanças no
31
desenvolvimento do psiquismo por meio da formação dirigida dos
processos psicológicos investigados. É “experimento” por tratar-se de
pôr em prática uma intervenção pedagica por meio de determinada
metodologia de ensino, visando a promover as ações mentais do aluno
para que haja mudanças em seus esperados níveis futuros de
desenvolvimento. O “formativo” deve ser compreendido como uma
sucessão de ações e interações que produzirão mudanças nos sujeitos.
A ideia principal que orienta o experimento didático-
formativo é “que o processo de ensino-aprendizagem, organizado
conscientemente em determinadas condições, eleva a qualidade da
aprendizagem e do desenvolvimento integral dos escolares
(AQUINO, 2017, p. 337).
O mesmo autor ainda afirma que o ensino experimental é uma
das formas de aplicação da teoria de Vigotski sobre a Zona de
Desenvolvimento Próximo (ZDP), visto que o ensino experimental
não se organiza como adaptação ao nível de desenvolvimento real ou
atual dos escolares, “mas que utiliza aqueles procedimentos que
formam de maneira ativa e consciente, um novo nível de
capacidades para a apropriação integral do novo conteúdo de estudo”
(AQUINO, 2017, p. 340). Dessa forma, o autor, ressalta que o
método de experimento didático-formativo atua, ao mesmo tempo,
como método de ensino experimental que impulsiona o
desenvolvimento dos alunos. Por isso, para além de um método de
pesquisa, visa também potencializar a aprendizagem e o
desenvolvimento integral.
Para Aquino (2017), as etapas de um experimento didático-
formativo são a parte mais flexível do método e, por sua experiência na
condução da pesquisa experimental, aponta quatro etapas necessárias:
32
1) Revisão da literatura e diagnóstico da realidade a ser estudada:
esse momento envolve a pesquisa bibliográfica, revisão da literatura,
diagnóstico de necessidades sobre o estado geral da prática pedagógica
no nível de ensino e na disciplina investigada e a caracterização da
turma na qual o experimento será realizado. Assim, com os dados
coletados na primeira etapa, pode-se obter os três primeiros resultados
do experimento: “1) o quadro teórico da pesquisa, 2) o diagnóstico da
metodologia tradicional de ensino, 3) o diagnóstico do grupo de
alunos, dos professores e do contexto socioeducativo em que se
organiza a investigação” (AQUINO, 2017, p. 342).
2) Elaboração do sistema didático experimental: a partir dos
resultados obtidos na primeira etapa, será elaborado um plano de
ensino, que deve preservar os conteúdos da disciplina, mas em uma
organização superior, ou seja, a disposição didática dos conteúdos deve
“procurar o essencial-geral dos conceitos a serem ensinados. Depois,
procede-se à articulação coerente entre os objetivos, os conteúdos, os
métodos e os recursos necessários para o trabalho com cada uma das
unidades que integram o programa” (AQUINO, 2017, p. 343).
3) Desenvolvimento do experimento didático-formativo: nesse
momento, será aplicado o sistema didático experimental criado na fase
anterior e indicado para a geração de dados, além da técnica da
observação, permitindo o registro sistemático do comportamento,
aprendizagem e do desenvolvimento dos participantes. No período
final da fase experimental, podem ser aplicadas as entrevistas
semiestruturadas e nos casos possíveis é recomendada a aplicação de
uma avaliação escrita. Nesse momento, também deverá ser feita a
preparação dos dados para a análise.
33
4) Análise dos dados e elaboração do relatório: a análise se realiza
a partir de um conjunto de categorias elaboradas previamente e com
apoio nas evidências da aprendizagem e do desenvolvimento integral
dos alunos. Essas evidências surgem nas falas, nos comportamentos,
nos registros, nas atitudes, habilidades e valores manifestados pelos
participantes. “O movimento que fazemos com o auxílio da análise,
que parte da observação dos fatos, passa pela abstração do essencial e
logo elabora a generalização, é o que permite a elaboração das
conclusões do experimento didático-formativo(AQUINO, 2017, p.
349). O relatório tamm será elaborado nessa etapa, que deverá
conter a linguagem científica, visto que, a linguagem “reflete os
processos internos, a capacidade de análise e de pensamento, as
tendências do desenvolvimento, o grau de formalização e de
crescimento da ciência” (AQUINO, 2017, p. 349).
A partir das considerações acima, procurei esclarecer e justificar
a escolha do método experimento didático-formativo para a realização
da pesquisa, como também, possibilitar a compreensão de todo o
processo.
Os objetivos foram delineados pela perspectiva da THC e
pela Filosofia da Linguagem. Objetivo geral: compreender como o
processo de apropriação do conhecimento pode transformar a
prática com o livro ilustrado do professor e da professora de
Educação Infantil. E como objetivos específicos: conhecer as
especificidades do livro ilustrado; realizar o experimento didático-
formativo para possibilitar a aprendizagem sobre o livro ilustrado;
pesquisar princípios didáticos para o trabalho com esse tipo de livro,
visando ao desenvolvimento da capacidade de leitura e de expressão;
refletir sobre a importância da apropriação do conhecimento para
34
mudanças na dimensão objetiva e subjetiva dos professores;
desenvolver a imaginação e a capacidade criadora por meio de
formação.
Assim, para o desenvolvimento da pesquisa, primeiramente
foi realizado o levantamento sobre obras da literatura acadêmica
pertencentes à THC e à Filosofia da Linguagem, as quais forneceram
os pressupostos necessários para a formulação teórica de uma
concepção de desenvolvimento humano e de apropriação de
diferentes linguagens.
Como levantamento preliminar de obras, destaco: O
desenvolvimento do psiquismo (LEONTIEV, 1978), Linguagem,
desenvolvimento e aprendizagem (VIGOTSKI; LURIA;
LEONTIEV, 1988), Psicologia da idade pré-escolar (MUKHINA,
1995), Psicologia pedagógica (VIGOTSKI, 2010), Quarta aula: a
questão do meio na pedologia (VIGOTSKI, 2010), Linguagens
infantis: outras formas de leitura (MELLO; FARIA, 2005),
Periodização histórico-cultural do desenvolvimento psíquico do
nascimento à velhice (MARTINS; ABRANTES; FACCI, 2016), O
desenvolvimento do psiquismo e a educação escolar: contribuições à
luz da psicologia histórico cultural e da pedagogia histórico-crítica
(MARTINS, 2011), Marxismo e filosofia da linguagem
(VOLÓSHINOV, 2017) e Estética da criação verbal (BAKHTIN,
2011).
Também foram escolhidas obras sobre a literatura infantil e
a arte para compreensão teórica do conteúdo das linguagens e dos
conceitos específicos de cada uma, sendo: A história da arte
(GOMBRICH, 2013), A necessidade da arte (FICHER, 1959),
Arte e grande público: a distância a ser extinta (PEIXOTO, 2003),
35
Para ler o livro ilustrado (LINDEN, 2011), Fundamentos da
linguagem visual (VAZ; SILVA, 2016), Como usar a literatura
infantil na sala de aula (FARIA, 2016), Ler e compreender:
estratégias de leitura (ARENA; GIROTTO; MENIN; SOUZA,
2010), Práticas pedagógicas com textos literários: estratégias de
leitura na infância (GIROTTO; SOUZA, 2017), Crítica, teoria e
literatura infantil (HUNT, 2010), Livro ilustrado: palavras e
imagens (NILOLAJEVA; SCOTT, 2011); Pelos Jardins Boboli
(OLIVEIRA, 2008), Sintaxe da linguagem visual (DONDIS,
2015), Lendo imagens (MANGUEL, 2001) e Proposta pedagógica
da educação infantil do sistema municipal de ensino de Bauru/SP
(PASQULINI; TSUHAKO, 2016).
É importante esclarecer que, no município onde a pesquisa
foi realizada, não existe o cargo de coordenador pedagógico nas
escolas de Educação Infantil; essa responsabilidade acabada recaindo
sobre o diretor ou a diretora. Desse modo, no exercício do cargo de
diretora de uma escola de Educação Infantil, desde 2018, uma das
minhas atribuições é a formação continuada dos professores com
base na Proposta Pedagógica da Educação Infantil do município, na
perspectiva da THC. Assim, esse grupo já havia participado de
formação sobre alguns princípios básicos da THC, sobre o
desenvolvimento humano, periodização e funções psíquicas
superiores no ano anterior ao da realização do experimento didático-
formativo, antecipando a base teórica, contribuindo para a
compreensão e a articulação com as áreas do conhecimento que
seriam estudadas.
No primeiro momento, para a realização da pesquisa de
campo, pensei em desenvolver um trabalho com os livros ilustrados
36
de literatura infantil disponibilizados às escolas pelo PNBE, uma vez
que é um material de fácil acesso pelos professores de qualquer
unidade escolar municipal e pelas crianças que estudam em escolas
públicas, além dos conteúdos serem próximos da realidade da faixa
etária da Educação Infantil. Porém, essa opção foi ampliada para
outros livros, porque o grupo de professoras participantes da
pesquisa observou a necessidade de conhecer, durante o processo de
formação, o acervo da biblioteca da escola e pesquisar outros livros
para ampliar o repertório.
Participaram dessa formação seis professoras, todas com
graduação em curso de Pedagogia, cinco professoras são especialistas
em Educação Infantil e uma em Educação Especial. Todas são
efetivas, com tempo de exercício no cargo entre 5 e 25 anos e faixa
etária entre 32 e 52 anos.
Quatro professoras participaram da formação desde o início
da pesquisa, sem interrupções; uma professora teve uma interrupção
de seis meses, devido a uma licença maternidade, depois retornou à
formação; outra professora participou, no primeiro momento, a
distância, por não cumprir o horário de ATPC em nossa Unidade
Escolar, pois sendo especialista em Educação Especial, exerce sua
função de forma itinerante, colaborando em mais de uma escola por
semana. A professora especialista em Educação Especial trabalha em
colaboração com a professora de sala, responsável pela turma, daí a
importância das duas professoras a responsável pela sala e a
especialista em Educação Especial realizarem um trabalho
articulado e coerente em relação à concepção de educação e de
desenvolvimento humano, justificando sua inserção na formação e
na pesquisa.
37
Além disso, houve demonstração de interesse por parte da
professora da Educação Especial que, ao observar o trabalho
desenvolvido na Unidade Escolar, solicitou autorização para
participar dos estudos e ter acesso aos conteúdos, ao material de
apoio como os slides, textos, livros e, assim, obter orientação da
professora de sala e da diretora quando houvesse necessidade. A sua
participação a distância foi possibilitada por meio do estudo de
textos, de slides que eram utilizados nas ATPCs e, no segundo
semestre, passou a ter a participação presencial por mudar sua sede
para a nossa Unidade Escolar.
A Escola Municipal de Educação Infantil (EMEI), no qual
ocorreu a pesquisa, está localizada na periferia do município.
Funciona em uma casa adaptada devido a demolição do prédio sede
da escola para futura construção de um novo. Os espaços da casa
são pequenos em relação às escolas de Educação Infantil, não possui
área livre para playground, tanque de areia, o que limita o
atendimento às crianças.
Porém, apesar dessas limitações, são atendidas aproxima-
damente 100 crianças a partir de um ano e oito meses a cinco anos,
com turmas em período parcial e integral. As turmas são mistas, com
crianças do período integral e do período parcial. As turmas do
integral foram criadas devido à grande demanda de vagas por parte
de pais que trabalham.
A turma de crianças na faixa etária de um ano e oito meses a
dois anos, chamada de Infantil II, é composta por até dezesseis
crianças; a turma com crianças de três anos, Infantil III, é composta
por até vinte crianças; as turmas de crianças de quatro e cinco anos,
Infantil IV e V, atendem até vinte e cinco crianças por turma. Todas
38
as turmas possuem professoras com formação em pedagogia. Nas
turmas menores, de faixa etária de um ano e oito meses a dois anos,
além da professora de sala, há também uma funcionária auxiliar.
Em um segundo momento, a partir dos estudos teóricos,
foram selecionados alguns conteúdos específicos sobre literatura
infantil e artes visuais para elaboração dos planos que seriam
desenvolvidos durante o experimento didático-formativo com as
professoras da Unidade Escolar, em horário de ATPC, articulando
teoria e prática, por um período aproximado de um ano.
No terceiro momento, ocorreu o desenvolvimento do
experimento didático -formativo, no qual foi realizada a formação das
professoras em horário de ATPC, abordando a literatura infantil, em
específico o livro ilustrado e o livro de imagem, pintura a dedo,
produção de narrativas verbais e visuais.
Durante a formação, as professoras realizaram avaliações
diárias dos encontros; participaram de atividades práticas de criação
de narrativas; compartilharam os conteúdos da formação em arte
literária em uma troca de experiência com várias unidades escolares
de Educação Infantil do município, num evento organizado pela
Secretaria Municipal da Educação. Ao final da formação, as
professoras escolheram, entre suas várias narrativas, uma delas para
ilustrar. Houve um momento específico, ou seja, um encontro em
horário de ATPC para a apresentação do trabalho final, em que, cada
professora contou a sua história ao grupo participante da pesquisa.
É importante destacar como as avaliações diárias dos
encontros foram elaboradas em forma de “ponto de observação” e
tinham por objetivos: acompanhar a compreensão dos professores
em relação ao proposto em cada encontro; verificar os sentidos
39
atribuídos ao conteúdo, as dificuldades, o explícito ou o que não
ficou claro, para que pudesse ser retomado no próximo encontro.
O “ponto de observação”, conforme Martins (1996) é um
instrumento metodológico de avaliação com o objetivo de trazer à
tona os conteúdos discutidos e trabalhados durante os encontros,
possibilitando a apropriação do conhecimento, a verificação do que
se sabe e do que ainda para ser estudado.
Para a pesquisa, por se tratar de um experimento didático-
formativo, o objetivo de solicitar e analisar essas avaliações foi
verificar o processo de aprendizagem; se estava ocorrendo a
apropriação do conhecimento ou não; se as ações e interações
planejadas para a formação estavam produzindo mudanças nos
participantes e, por consequência, em suas práticas.
As atividades práticas foram propostas em vários momentos
da formação porque, conforme a THC, o processo de apropriação
do conhecimento é sempre ativo, aprendemos em atividade. A
pessoa reproduz em sua atividade as operações motoras e cognitivas
incorporadas no objeto para apropriar-se dele. Porém, a atividade do
sujeito em desenvolvimento é mediada pela ação de outro sujeito
mais experiente do que ele, que lhe serve de modelo, de referência
sobre o conteúdo cultural que está sendo apropriado.
Todas as produções, as avaliações e as ações dos professores
foram registradas por meio de escrita, fotografias e relatos em vídeos
que foram transcritos, para serem disponibilizados como dados.
As professoras, em concomitância com essa formação,
criaram também ações pedagógicas com as crianças de faixa etária de
dois a cinco anos, com o objetivo de promover o desenvolvimento
das capacidades de leitura de imagens e de expressão. As produções
40
das crianças foram registradas por meio de fotografias e vídeos.
Alguns desses registros foram selecionados para análise.
Após a formação das professoras, algumas produções em
vídeos de crianças em atividade foram enviadas pelas famílias aos
professores, porque em decorrência do isolamento social provocado
pela pandemia da COVID-19, o ensino passou a ser remoto.
Algumas dessas produções também foram coletadas como dados,
para se verificar os reflexos da formação das professoras no
aprendizado das crianças.
Foi solicitada às professoras uma avaliação escrita após a
formação, especificamente sobre a literatura infantil, livro de
imagens e a técnica de pintura a dedo. Esta última foi inserida no
processo de formação devido à necessidade do grupo de professoras,
que desconhecia a técnica de pintura, desejava aprendê-la para
utilizar com as crianças e nas ilustrações de suas histórias.
No decorrer da pesquisa, algumas mudanças foram
necessárias no planejamento, porque, em virtude do estudo
realizando durante esse processo, por exemplo, na área de Filosofia
da Linguagem, algumas concepções foram mudando e percebi a
necessidade de inserir outras formas de geração de dados para a
análise. Por compreender a importância do diálogo, de ouvir a fala
do outro “o ser da expressão é bilateral só se realiza na interação
de duas consciências (a do eu e a do outro) ; a penetração mútua
com manutenção da distância, que é o campo de encontro de duas
consciências, a zona do contato interior entre elas” (BAKHTIN,
2017, p. 60). Ao finalizar a formação, solicitei às professoras a
realização de um relato-síntese, por meio de vídeo ou áudio,
contando sobre o processo geral de formação em horário de ATPC
41
e destacando o mais significativo das vivências, seus sentimentos
diante dos novos desafios, entre outros assuntos.
A avaliação final escrita e o relato oral tiveram o objetivo de:
despertar um olhar mais amplo para o que foi vivenciado pelas
participantes da pesquisa; observar as percepções dos professores em
relação às mudanças ocorridas a partir dos conteúdos desenvolvidos;
trazer à consciência as dificuldades, as superações e conquistas. Por
fim, verificar se houve contribuições do experimento didático-
formativo realizado em horário de ATPC para mudanças nas
participantes, especialmente em suas práticas.
As narrativas e as ilustrações produzidas pelas professoras,
durante a formação, também foram registradas, objetivando
acompanhar o processo criador e gerar dados para a análise. Ao final
da leitura dos materiais produzidos, iniciou-se o agrupamento dos
itens comuns a cada tipo de dado, para obter os núcleos temáticos e
a realização das análises.
O quarto momento foi destinado à análise dos dados na
perspectiva da THC, da Filosofia da Linguagem e à elaboração do
relatório a partir dos núcleos temáticos organizados da seguinte forma:
Quadro 1 Núcleos temáticos
Apropriação do
conhecimento e o
desenvolvimento da
consciência.
-Sentimento de incapacidade: resquício da educação
tradicional;
-A necessidade de contextualizar a produção cultural
e desmistificar a questão do “dom”;
-A importância da avaliação diária para a apropriação
do conhecimento;
-A apropriação do conhecimento e a mudança do
olhar;
-Desenvolvimento da consciência: da resistência à
construção de novos sentidos;
-Compartilhar o conhecimento;
-Por meio da fala do outro eu me vi.
42
O trabalho com o livro
ilustrado e a educação
desenvolvente
-As vivências e o repertório como fonte de inspiração;
-A importância do acesso ao conteúdo específico de
cada área;
-Aprendizagem como processo ativo: a importância
de conhecer as técnicas;
-Formação do professor para autoria;
-O trabalho com o livro ilustrado e a educação
desenvolvente na Educação Infantil.
Formação continuada:
mudança na dimensão
objetiva e subjetiva do
professor
-A prática pedagógica como objetivação do professor;
-A mudança de concepção e da prática em relação ao
livro de imagens;
-Mudança na dimensão subjetiva do professor;
-Valorização da formação continuada pelo professor;
-Universidade e escola básica: um encontro possível e
necessário.
Fonte: Elaboração da autora, com base em dados da pesquisa (2021).
Estrutura da apresentação dos resultados
Para a exposição dos resultados, o livro foi organizado com
introdução, três capítulos e considerações finais.
A introdução discorre sobre a fundamentação teórica do
problema, o tema, as hipóteses, os objetivos, o levantamento das
produções acadêmicas, os procedimentos metodológicos e a
estrutura de apresentação do trabalho.
No primeiro capítulo, denominado “em defesa do livro
ilustrado na Educação Infantil”, foi pensado um percurso de escrita
que abordasse os motivos pelos quais o livro ilustrado é defendido
na Educação Infantil. Para isso, foi apresentada a importância da arte
para o desenvolvimento humano; contribuições do livro ilustrado
para o desenvolvimento das funções psíquicas superiores e sua
importância na criação de bases para a aquisição da linguagem visual
43
e linguagem verbal escrita e algumas considerações sobre o
desenvolvimento infantil.
No segundo capítulo, intitulado “formação de professores e
o experimento didático-formativo com a arte literária”, é
apresentada uma discussão sobre a formação de professores e os
desafios de trabalhar com a arte literária na Educão Infantil; a
formação de professores na escola e a necessidade da educação de
consciências. Em seguida, o plano do experimento didático-
formativo e o seu desenvolvimento na formação de professores, com
os objetivos e os conteúdos que acredito serem relevantes ao
professor para que possa olhar para a literatura infantil com mais
consciência e ter condições de fazer escolhas intencionais para suas
atividades, desenvolvendo a percepção e a capacidade criadora e, por
consequência, atingindo o desenvolvimento das crianças. Desse
modo pretendi contextualizar a formação de professores, geradora
dos dados para a pesquisa.
No terceiro capítulo, referente ao tópico: “o que dizem as
professoras sobre o livro ilustrado e a educação desenvolvente?,
foram analisados os dados gerados durante a formação de professores
sobre a arte literária, especificamente sobre o livro ilustrado. Essas
análises foram organizadas em três núcleos temáticos.
No primeiro núcleo temático, “apropriação do conheci-
mento e desenvolvimento da consciência”, foi analisado o processo
de apropriação dos professores; as relações com a aprendizagem que
contribuíram na mudança do olhar; recursos metodológicos que
conduziram à apropriação do conhecimento; a aprendizagem
gerando a necessidade de compartilhar os conhecimentos e a
44
importância do outro na formação e no desenvolvimento da
consciência.
No segundo núcleo temático, “o trabalho com o livro
ilustrado e a educação desenvolvente”, foram analisadas as questões
envolvendo uma formação desenvolvente; as concepções dos
professores sobre o desenvolvimento humano; a importância do
acesso à produção cultural e sua contextualização; a relevância do
repertório para a atividade criadora; formação para a autoria e a
contribuição do livro ilustrado para o desenvolvimento das funções
psíquicas superiores na Educação Infantil.
No terceiro núcleo temático, “formação continuada:
mudança na dimensão objetiva e subjetiva do professor”, foi
apresentada a análise das questões envolvendo o trabalho de
formação sobre o livro ilustrado e que contribuíram para mudanças
nas professoras, tanto na dimensão objetiva provocando
transformações em suas práticas como na dimensão subjetiva,
aumentando a autoestima, a segurança na elaboração das ações
pedagógicas; a valorização da formação continuada, gerando o
desejo por novos conhecimentos.
Também foi apresentada a análise das questões envolvendo
a percepção das professoras sobre a necessidade de o conhecimento
acadêmico chegar até às escolas de ensino básico para que ocorra
uma mudança na realidade educacional e da pesquisa no ambiente
escolar como possibilidade de aproximação entre a universidade e a
escola básica.
Nas considerações finais são apresentadas algumas reflexões
sobre o processo de formação e os princípios didáticos para o
trabalho com a arte literária, em específico com o livro ilustrado, que
45
se foram constituindo durante as análises; a importância de uma
educação para o desenvolvimento das funções psíquicas,
especialmente a imaginação e a atividade criadora, visando à
formação integral das crianças e dos adultos.
Esperamos, por meio deste trabalho, colaborar com os
diversos profissionais da educação, em relação às práticas com o livro
ilustrado, para a promoção de uma educação humanizadora.
46
47
Capítulo 1
EM DEFESA DO LIVRO ILUSTRADO NA
EDUCAÇÃO INFANTIL
A escrita nasceu da imagem, daí sua vocação para se associar
novamente a ela. A fórmula texto e imagem só tem alguma
significação se for reconhecido nesse ‘e’, não a marca indiferente
de uma colaboração acidental, mas o indício de um vínculo
essencial entre os elementos heterogêneos do visível reunidos
num mesmo suporte, que está na origem da escrita. Mas para
isso é indispensável também admitir que olhar não consiste em
identificar objetos ou em matar o outro, e sim em compreender
os vazios, ou seja, inventar. (LINDEN, 2011. p. 89)
A capacidade de compreensão e de invenção são
fundamentais para nos relacionarmos de forma consciente com a
realidade e transformá-la. Nesse sentido, se pretendemos formar a
capacidade criadora nos futuros adultos para que compreendam e
transformem sua realidade, é preciso criar as condições materiais e
psicológicas necessárias ao seu surgimento desde a infância. Assim,
as práticas pedagógicas nas escolas de Educação Infantil precisam ser
planejadas de forma intencional para promover o desenvolvimento
das funções psíquicas superiores, em especial a imaginação, visto
que, de acordo com Vigotski (2009), essa se configura como a base
de toda a atividade criadora e se manifesta em todos os campos da
48
vida cultural, tornando possível a criação artística, a científica e a
técnica.
Basta observarmos tudo ao nosso redor, construído pelo
homem, ou seja, todo o mundo da cultura é produto da imaginação
e da criação humana. Porém,
Nenhuma invenção ou descoberta científica pode emergir antes
que aconteçam as condições materiais e psicológicas necessárias
para o seu surgimento. A criação é um processo de herança
histórica em que cada forma que sucede é determinada pelas
anteriores (VIGOTSKI, 2009, p. 42).
Segundo Rodari (1982), em um processo criativo também
se manifesta uma mente questionadora e ativa, pois:
É “criativa” uma mente que trabalha, que sempre faz perguntas,
que descobre problemas onde os outros encontram respostas
satisfatórias (na comodidade das situações em que se deve
farejar o perigo). Que é capaz de juízos autônomos e
independentes (do pai, do professor e da sociedade), que recusa
o codificado, que remanuseia objetos e conceitos sem se deixar
inibir pelo conformismo. Todas essas qualidades manifestam-
se no processo criativo (RODARI, 1982, p. 164).
Se almejamos, portanto, mudar a realidade educacional em
favor de uma educação desenvolvente, devemos criar práticas que
ensinem as crianças a pensar, a questionar, a se expressarem de
variadas formas. Para isso é primordial combater as práticas
mecânicas e sem sentido, não promotoras do desenvolvimento das
crianças. Porém, a escola de Educação Infantil, de forma geral,
precisa assumir a sua responsabilidade na formação humana,
49
possibilitando condições à formação do sujeito autor. O trabalho
com o livro ilustrado na Educação Infantil pode contribuir para esse
objetivo, promovendo o desenvolvimento das crianças e dos adultos.
Para realizar algumas reflexões sobre a questão acima e
discorrer em defesa do livro ilustrado na Educação Infantil, pensei
em um percurso de escrita abordando os motivos pelos quais
defendo o livro ilustrado e sobre alguns conteúdos fundamentais ao
professor e à professora para desenvolver um olhar consciente em
relação à literatura infantil. O desenvolvimento das crianças es
intimamente ligado a condições para a realização de escolhas
intencionais e ao desenvolvimento da percepção e da capacidade
criadora do professor.
Desse modo, farei algumas considerações sobre a
importância da arte para o desenvolvimento humano, uma vez que
a literatura está inserida na arte; citarei algumas contribuições do
livro ilustrado ao desenvolvimento das funções psíquicas superiores
e sua importância na criação de bases para a aquisição das linguagens
visual e verbal escrita, destacando a relevância do desenho como pré-
história da escrita.
Além disso, por defender uma educação desenvolvente das
crianças da Educação Infantil, por meio do trabalho com o livro
ilustrado, vejo a necessidade de o professor e a professora se
apropriarem de conhecimentos sobre o desenvolvimento infantil e
sobre o conteúdo de cada área para terem condições de pensar em
formas mais adequadas de promovê-los.
Dessa maneira, justifico a importância de falar sobre alguns
princípios e conceitos, na perspectiva da THC e da Filosofia da
Linguagem para maior compreensão do processo de ensino-
50
aprendizagem da criança na Educação Infantil. Assim, na articulação
entre o destinatário e o conteúdo da área, o professor poderá planejar
suas atividades com autoria e intencionalidade.
1.1 A importância da arte literária na Educação Infantil.
Neste trabalho, procuro argumentar em favor da concepção
de arte como fonte de humanização e educação do homem,
concebida como produto da criação e do trabalho de indivíduos
histórica e socialmente constituídos, pois a sua “produção e fruição
congrega a totalidade dos aspectos humanos o sensível, o ético e
o cognitivo , a arte é portadora de todas as características e
possibilidades inerentes à vida humana em sociedade” (PEIXOTO,
2003, p. 94).
De acordo com Bazzo (2016), a literatura é considerada arte
promotora da humanização por ser um processo de formação pelo
qual se compartilha com o outro a alegria, a beleza, a emoção, o
espanto, a surpresa, a indignação, assim como a possibilidade de
novos horizontes, constituindo, dessa forma, uma necessidade
existencial para a humanidade.
É importante esclarecer que, segundo Zilberman (2003), a
literatura infantil atinge o estatuto de arte literária quando apresenta
textos de valor artístico a seus pequenos leitores e se afasta de sua
origem comprometida com a pedagogia. Sua afirmação se
fundamenta no fato de a literatura infantil ter sua origem ligada à
pedagogia no momento da constituição do modelo familiar burguês,
visto que, anteriormente não existia o conceito de “infância” e as
crianças e os adultos compartilhavam os mesmos espaços e eventos.
51
A concepção de uma faixa etária diferenciada, com interesses
próprios e com necessidades de uma formação específica, surgiu em
meio à Idade Moderna com a emergência de uma nova noção de
família centrada num núcleo unicelular, preocupado em manter sua
privacidade e estimular o afeto entre seus membros.
Com isso, houve uma valorização da infância, gerando maior
união familiar, mas também meios de controle do desenvolvimento
intelectual da criança e manipulação de suas emoções. Nesse sentido,
a literatura infantil e a escola foram requeridas para cumprir essa
missão, de forma que os primeiros textos para crianças foram escritos
por pedagogos e professores com objetivo educativo. Dessa maneira,
a escola perdeu sua neutralidade e tornou-se uma das instituições
encarregadas da conquista dos educandos “para a ideologia que a
sustenta, por ser a que suporta o funcionamento do Estado e da
sociedade” (ZILBERMAN, 2003, p. 22).
Na atualidade, infelizmente, observamos uma forte
tendência do sistema vigente na permanência dessa forma de pensar
em relação à função da escola, criando meios para o controle do
desenvolvimento da criança, no sentido de inseri-la dentro de regras
morais do pensamento burguês, de dogmas religiosos e outros
princípios, pregando a obediência cega às normas sociais.
Atualmente, por ainda manter forte ligação com a
pedagogia, a literatura infantil sofre prejuízos, pois ela “não é aceita
como arte, por ter uma finalidade pragmática; e a presença do
objetivo didático faz com que ela participe de uma atividade
comprometida com a dominação da criança” (ZILBERMAN, 2003,
p. 16).
52
Hunt (2010) argumenta em favor do livro de literatura
infantil, pois a suposição de que este seja inferior a outras literaturas
é uma grande contradição conceitual, sendo insustentável tanto em
termos linguísticos como filosóficos. Isso implica também uma
“improvável homogeneidade entre texto e abordagem autoral, uma
perspectiva ingênua da relação entre leitor e texto e uma total falta
de entendimento tanto das habilidades da criança-leitora como da
forma como os textos operam” (HUNT, 2010, p.48).
Devido à importância da escola para o desenvolvimento do
gosto pela leitura e também por possibilitar o intercâmbio com a
cultura literária, Zilberman (2003), defende um redimensio-
namento das relações existentes, para possibilitar a transformação da
literatura infantil no ponto de partida para um novo diálogo entre o
livro e seu destinatário. Nesse sentido, Girotto e Souza (2016, p. 30)
argumentam: “ao inaugurar a vida na esfera literária na idade pré-
escolar, há que se levantar pedagogicamente os caminhos não
utilitários, não didatizados, no entanto emancipadores, porque
humanizantes e humanizados, na composição das narratividades
literárias”.
O livro infantil, segundo Abrantes (2011), somente pode
contribuir para a educação e com o desenvolvimento do pensamento
na medida de sua realização literária, o que pressupõe a compreensão
multifacetada dos fenômenos e acontecimentos, reconhecendo a
realidade naquilo que ela é, apresentando o princípio do movimento
em vários sentidos, nas transformações no interior das histórias
infantis, na mobilização necessária do pensamento para que o leitor
possa criar sentidos a partir de suas próprias experiências.
53
Existe ainda outro problema envolvendo a produção
literária: o fato de o livro infantil tornar-se uma mercadoria para as
editoras e de os sistemas de educação pública e privada atuarem
como grandes compradores de livros. Em função disso, observa-se
uma infinidade de produções para crianças nem sempre de boa
qualidade, porque não tiveram um olhar de análise crítica em relação
ao conteúdo verbal e ao conteúdo visual; são produções simples ou
ruins e não valorizam a criança como ser em desenvolvimento, que
merece aprender com material de qualidade.
Além da qualidade deplorável em relação ao conteúdo verbal
e visual, segundo Andruetto (2012) grande parte dos livros
destinados ao setor infantil ou juvenil procura uma escrita dentro
dos padrões da norma culta; o politicamente correto, socialmente
correto, educacionalmente correto. Assim, são fabricados produtos
considerados adequados para a formação da criança ou para seu
divertimento. “E já se sabe que correto não é um adjetivo que cai bem
na literatura, pois a literatura é uma arte na qual a linguagem resiste
e manifesta sua vontade de desvio da norma (ANDRUETTO,
2012, p. 60).
A partir dessas considerações, torna-se visível a necessidade
de atenção e cuidado por parte dos professores e das professoras na
escolha de um livro para suas atividades, sendo importante observar
a presença do artístico em cada obra e a valorização da literatura
infantil como arte literária. Se estamos em defesa de uma educação
promotora do desenvolvimento da criança, o livro infantil será
importante na escola se o professor levar em consideração o potencial
emancipador e, ao mesmo tempo, humanizador da obra.
54
Nesse sentido, argumentarei em defesa do livro de literatura
infantil no segmento da Educação Infantil como arte literária,
porque a arte representa uma das formas de expressão da realidade
que, ao ser produzida não resulta apenas em objetos artísticos, mas,
dialeticamente, produz seu criador como um ser humano, pois a
obra
[...]vinculada a questões vitais, quando disponibilizada ao
grande público, pode propiciar a todos, inclusive pessoas leigas
ou desacostumadas ao contato com a arte, condições para a
fruição-criação estética, como forma de apropriação humana,
como parte significativa no processo de auto constituição do
homem no processo maior de construção histórica
(PEIXOTO, 2003, p. 95).
Conforme Vigotski (2010), cuidar da educação estética da
criança, por meio da arte, no processo de sua educação geral,
significa incorporá-la “à experiência estética da sociedade humana”
(p. 351) e, dessa forma, desenvolver capacidades e habilidades,
tornando possíveis as condutas relativas não apenas à apreciação das
obras de arte, mas também ao processo de sua produção.
É relevante esclarecer que, ao defender o ensino da arte
literária e das artes visuais na escola com seus conteúdos e
procedimentos, não se almeja a formação de artistas excepcionais ou
escritores famosos, mas o desenvolvimento integral do ser humano,
de suas funções psíquicas superiores, como a imaginação, a
percepção, o pensamento e a atividade criadora, embasando todas as
atividades humanas em qualquer área do conhecimento. Assim,
sempre que houver desejo ou necessidade de expressão, as pessoas
podem ter a liberdade de escolha, para exercerem sua atividade
55
criadora. “O que deve servir de regra não é o adornamento da vida,
mas a elaboração criadora da realidade, dos objetos e seus próprios
movimentos, que aclara e promove as vivências cotidianas ao nível
de vivências criadoras” (VIGOTSKI, 2010, p. 352).
Nesse sentido, Vazquez (1978), argumenta sobre a
concepção de uma sociedade de homens-artistas, na compreensão de
o próprio trabalho ser a expressão da natureza criadora do homem.
“O trabalho humano, como manifestação total das forças essenciais
do homem, já contém uma possibilidade estética que a arte realiza
plenamente” (VAZQUEZ, 1978, p. 325).
Segundo o autor, o desenvolvimento universal da
personalidade exige que todo homem seja, de certa maneira, um
homem-artista, isto é, um homem situado numa atitude criadora
diante das coisas e do mundo. Porém, em uma sociedade que
procura afirmar cada indivíduo em sua particularidade e na qual o
trabalho alienado é a expressão da negação da capacidade criadora
do homem, o desenvolvimento deste como ser criador em escala
universal, está comprometido.
A alienação do trabalhador ocorre quando o seu trabalho se
converte de atividade criadora, que é a essência do homem, em uma
atividade em que nega a si mesmo, pois não se reconhece em sua
atividade, nos produtos dela e nem em suas relações com o outro.
Na medida em que o homem não se reconhece em seus
produtos, nem se reconhece a si mesmo como sujeito criador,
também ele uma vez perdida a sua essência humana torna-
se objeto, coisa. Em suma, sua existência se coisifica, se torna
instrumento, meio ou mercadoria. [...] o resultado é que, em
geral, as relações humanas adotam a forma de relações entre
56
coisas e tudo se torna abstrato, impessoal, desumanizado
(VAZQUEZ, 1978, p. 273).
Sobre essa questão, é possível fazer uma relação com o
contexto atual2, ao observarmos a tentativa do sistema vigente em
promover, em nível nacional, a desumanização dos professores e
diretores de Educação Infantil, ao ofertar livros didáticos a esse
segmento, como uma solução aos problemas pedagógicos em sala de
aula.
Na tentativa de esclarecer a minha posição, farei algumas
considerações sobre prováveis consequências de um ato de aceitação
sem uma reflexão.
Devido à função de coordenadora de área de Educação
Infantil, exercida por sete anos, na Secretaria da Educação, tive a
oportunidade de conhecer e avaliar muitos livros didáticos voltados
à Educação Infantil e todos eles apresentavam exercícios mecânicos
como: ligar uma imagem a uma palavra; passar o lápis sobre
pontilhados; pintar algum desenho pronto, determinando inclusive
a cor; circular alguma palavra ou imagem, em nada contribuindo ao
desenvolvimento do pensamento e da atividade criadora das
crianças.
Também trabalhei com a formação de professores sobre o
ensino do desenho como linguagem e pude constatar, na maioria
2 Contexto atual: o governo vigente iniciou em 2019, com a eleição do presidente Jair
Bolsonaro, militar reformado que foi eleito no segundo turno, vencendo o candidato do
PT, Fernando Haddad. Desde o início de sua gestão envolveu-se em diversas controvérsias,
demonstrando ser extremamente conservador, defensor da ditadura militar e das ideias de
extrema direita. Durante a pandemia da covid-19, procurou minimizar os seus efeitos,
negando e desacreditando a ciência, o conhecimento e a educação. Em sua gestão, a
proposta de uso de livros didáticos na educação infantil foi enviada a todos os municípios.
57
dos cursistas, dificuldades ao desenharem uma árvore diferente, uma
casa ou uma pessoa. Todos os desenhos eram semelhantes,
estereotipados, sem autoria. E quando surgia algum desenho
diferente, a história da professora ou do professor também
apresentava algo diferente, como uma formação específica ou por
influência da família, pelo incentivo da mãe ou pai desenhista,
arquiteto, pintor e outros.
Nas minhas relações com o outro, por meio do diálogo com
os professores e professoras, costumo observar a ocorrência dessa
dificuldade não só em relação à atividade de desenho, mas em
qualquer atividade, quando são convidadas a exercerem sua autoria,
sua atividade criadora, como escrever um texto narrativo, uma
poesia, um artigo acadêmico, uma música e até mesmo o
planejamento de uma atividade. E confesso! Eu também me incluo
nesse grupo.
Penso que todos esses fatos relatados acima estão interligados
e, se as pessoas com tais dificuldades em relação à atividade criadora
quiserem saber os motivos, é só recorrer à sua própria história de
formação escolar. Procurem lembrar-se de como as atividades eram
propostas na infância. Geralmente, eram utilizadas cartilhas com
textos curtos e sem sentido para copiar, com exercícios de
coordenação motora, pontilhados para passar o lápis por cima,
desenhos estereotipados para colorir ou copiar, exercícios para
completar ou ligar, entre outros. No que essas propostas do passado
diferem dos atuais livros didáticos? Creio que não diferem.
E o resultado dessas práticas já conhecemos, ou seja, formam
pessoas acostumadas a dizer: Eu não sei escrever uma história”; Eu
não sei desenhar”; Eu não sei compor uma música”; Eu não sei
58
escrever uma dissertação, tese”; Eu não sei falar...”. Isso, porque
somos frutos de uma educação que visava a desenvolver apenas a
capacidade de executar ordens e nunca questionar, criar e, muito
menos pensar ou falar, limitando a nossa autoria, a nossa expressão,
o nosso desenvolvimento integral. Diante da iminência do retorno
de tais práticas por meio do livro didático, faço a seguinte indagação:
será que é isso mesmo que o professor, o diretor, o pai, a mãe e
demais responsáveis querem para os seus alunos ou filhos? Se
reproduzirmos as práticas equivocadas do passado, é isso que
teremos no futuro: pessoas com dificuldades para exercerem sua
autoria, apenas executores, ou seja, pessoas parciais.
Além disso, as pessoas que optaram por adotar os livros
didáticos produzirão um problema que atingirá não só as crianças,
mas também aos professores e diretores, que perderão sua autonomia
e sua autoria. O professor e o diretor que o orienta, ao preparar uma
aula, planejar uma atividade, não produzem apenas uma ação
pedagógica, mas dialeticamente produzem a si mesmos como seres
humanos que, diante ao mundo, percebem, conhecem, refletem,
pensam, sentem e tomam posição. Nesse sentido, o trabalho é
fundamental para o nosso próprio desenvolvimento. Dessa maneira,
tanto o professor, o diretor quanto as crianças têm a oportunidade
de desenvolver e aprimorar sua humanidade de forma integral.
Rodari (1982) critica a formação de homens “pela metade
e fala da necessidade de homens criativos, que façam uso da
imaginação, para mudar a realidade, pois:
Se uma sociedade baseada no mito da produtividade (e na
realidade do lucro) precisa de homens pela metade fiéis
executores, diligentes reprodutores, dóceis instrumentos sem
59
vontade própria é sinal de que está malfeita, é sinal de que é
preciso mudá-la. Para mudá-la, são necessários homens
criativos, que saibam usar sua imaginação (RODARI, 1982,
p.162).
Diante das questões levantadas acima, é preciso considerar
que, no campo da educação, um ato inconsequente implicará no
destino de outras pessoas, no desenvolvimento de outros seres
humanos ou no seu impedimento. Por isso, a importância de que os
educadores tenham consciência de cada um de seus atos, de suas
opções.
Na atual educação hegemônica, o trabalho na direção
humanizadora não é tarefa simples, mas acredito que por meio da
formação de professores, da apropriação do conhecimento sobre a
arte, neste caso, em específico, a arte literária, será possível
vislumbrarmos um campo de possibilidades para a melhoria das
práticas educacionais e para a recriação da realidade.
A própria arte alimenta essa esperança ao apresentar a
realidade como passível de mudança. Segundo Fischer (1959), a
função permanente da arte é recriar para a experiência de cada
indivíduo, a experiência da humanidade e, nesse processo de
recriação, a arte apresenta a realidade como passível de mudança e
pode elevar o homem de um estado de fragmentação a um estado de
ser íntegro, um ser total. Logo, a “arte capacita o homem a
compreender a realidade e o ajuda não só a suportá-la como a
transformá-la, aumentando-lhe a determinação de tor-la mais
humana e mais hospitaleira para a humanidade” (FISCHER, 1959,
p. 57).
60
Portanto, fica evidente a importância e a urgência da arte na
constituição integral do ser humano, por meio do desenvolvimento
de sua consciência, de sua imaginação, de sua capacidade criadora,
de sua capacidade para maior compreensão da realidade e de sua
transformação.
Para a formação dessas bases, é essencial que o trabalho seja
iniciado desde a Educação Infantil por meio da arte literária, dos
livros ilustrados e das linguagens visuais presentes nesses livros; que
as crianças aprendam a apreciá-los, conham os elementos
constitutivos das diversas linguagens, os procedimentos utilizados
nas produções; saibam se expressar por meio deles e aprendam a
questionar a realidade, tornando-se sujeitos ativos.
1.2 Qual a relação entre o trabalho com o livro ilustrado e as
funções psíquicas superiores?
Ao dissertar sobre as contribuições do livro ilustrado ao
desenvolvimento do psiquismo, a referência teórica utilizada é a
THC e a Filosofia da Linguagem, que afirmam que a fonte de
desenvolvimento psíquico humano é a experiência social na qual os
indivíduos se apropriam do patrimônio cultural humano.
Para se apropriar destes resultados, para fazer deles as suas
aptidões, os órgãos de sua individualidade, a criança, o ser
humano, deve entrar em relação com os fenômenos do mundo
circundante através de outros homens, isto é, num processo de
comunicação com eles. Assim, a criança aprende a atividade
adequada. Pela sua função, este processo é, portanto, um
processo de educação (LEONTIEV, 1978, p. 272).
61
Nesse sentido, torna-se fundamental o papel da escola e dos
professores na promoção do desenvolvimento do psiquismo das
crianças, porque a simples interação com o objeto, nesse caso
específico, com os livros ilustrados, não garantirá a sua apropriação,
a sua compreensão de forma plena, visto que, é necessária uma
atividade adequada. Isso implica que alguém apresente à criança as
propriedades do objeto, o seu uso social, como ocorre a sua
produção. Assim, “esse processo de apropriação do objeto e de
reprodução individual das qualidades humanas aí postas só acontece
na presença do outro que conhece e, por isso, ensina, de forma
intencional ou não, o uso social para o qual o objeto foi criado
(MELLO, 2016, p. 47).
Isso não diz respeito à criança, essa necessidade também
ocorre com o adulto diante de algo novo, como um conteúdo de
qualquer área do conhecimento que lhe seja inédito como um
instrumento musical desconhecido ou pertencente a uma cultura
diferente da sua, por exemplo. Será preciso que alguém lhe apresente
o objeto e explique o que é, para que serve, como funciona para que,
assim, possa entrar em atividade. Conforme Leontiev (1978), apenas
a partir da apropriação das objetivações da cultura, as faculdades e
capacidades nelas incorporadas se tornarão órgãos de nossa
individualidade.
Ao possibilitar à criança e ao adulto a apropriação das
objetivações humanas, visa-se ao desenvolvimento máximo do
psiquismo dos indivíduos, para terem condições de direcionar seu
destino de forma consciente e livre.
Para a psicologia histórico-cultural, um indivíduo será tão mais
desenvolvido psicologicamente quanto mais ele seja capaz de
62
conduzir de forma racional e livre seus processos psicológicos
por meio da incorporação, à sua atividade mental, da
experiência psíquica humana corporificada e sintetizada na
cultura. A própria existência do ser humano mais desenvolvido
é necessária ao desenvolvimento psicológico desde a infância
(DUARTE, 2016, p. 45).
Segundo Martins (2013), é por meio da atividade social que
os seres humanos se relacionam com a realidade objetiva,
satisfazendo suas necessidades e é para melhor captar e dominar a
realidade que o psiquismo humano se institui. Portanto, o
desenvolvimento do psiquismo humano e suas funções resultam da
própria natureza social e não de uma complexificação natural
evolutiva. “Vigotski postulou primeiramente que às características
biológicas asseguradas pela evolução da espécieo acrescidas
funções produzidas na história de cada indivíduo singular por
decorrência da interiorização dos signos, às quais chamou funções
psíquicas superiores(MARTINS, 2013, p. 39).
Dessa maneira, “o psiquismo se institui como imagem
subjetiva da realidade objetiva, construída histórico-socialmente por
meio da atividade que vincula o homem ao meio (MARTINS,
2013, p. 45). E podemos compreender por função psíquica a
capacidade de ação de que dispõe o nosso psiquismo no processo de
captação da realidade objetiva.
Segundo Pasqualini (2016), somos capazes de captar
sensorialmente imagens e sons e perceber mudanças no ambiente
por meio da sensação e percepção, que são funções psíquicas, bem
como, de fixar nossos sentidos em determinado estímulo do meio e
regist-lo no psiquismo por meio das funções da atenção e memória
63
e ainda podemos citar outras funções psíquicas superiores como a
linguagem, a imaginação, o pensamento, as emoções e os
sentimentos.
O traço essencial dos processos psíquicos superiores
exclusivamente humanos é o autodomínio da conduta, pois nos
tornamos capazes de dominar nosso próprio comportamento
mediante a internalização dos signos da cultura. Em outras palavras,
o autodomínio da conduta se realiza por intermédio do signo
(PASQUALINI, 2016, p.72).
O signo, de acordo com a citada autora, orienta a conduta
humana por comunicar um significado determinado, ou seja,
representa algo fora de si, podendo ser uma imagem, um gesto, um
desenho, um objeto, um som, uma forma, entre outros. Um
exemplo simples: quando me dirijo a um banheiro feminino público
e verifico, ao chegar em frente à porta, uma placa e percebo a
existência de uma imagem de um homem, um símbolo,
representando o sexo masculino, o desenho de um chapéu, por
exemplo, sei que se trata de um banheiro masculino. Ao olhar a
placa, não entro no banheiro mesmo necessitando, fazendo uso do
meu autodomínio da conduta, pois já internalizei os referidos signos.
Por conta disso, mudo o meu comportamento, indo em outra
direção em busca do banheiro feminino até encontrar uma placa
com um signo que o represente.
Conforme a criança vai aprendendo e se apropriando dos
signos e de seus significados, vai se desenvolvendo e o mundo vai
ganhando significado, sua conduta vai se tornando objeto de sua
consciência e de autodomínio.
64
Dessa forma, a apropriação dos signos possibilita o
desenvolvimento de funções psíquicas superiores e a apropriação do
patrimônio do gênero humano, de maneira que seu uso constitui o
traço essencial das formas superiores de conduta humana por
possibilitar ao ser humano o rompimento da relação direta e
imediata, própria dos animais, com o ambiente. Em outras palavras,
a relação do homem com o seu entorno é mediada pelos signos
culturais.
[...] A utilização de meios auxiliares e a passagem à atividade
mediadora reconstrói radicalmente toda a operação psíquica à
semelhança da maneira pela qual a utilização de ferramentas
modifica a atividade natural dos órgãos e amplia infinitamente
o sistema de atividade das funções psíquicas. Tanto a um como
a outro, o denominamos, em seu conjunto, com o termo
função psíquica superior ou conduta superior (VIGOTSKI,
1995, p. 95).
A partir dessas considerações, devido à importância dos
signos ao desenvolvimento das funções psíquicas superiores
presentes na linguagem verbal e visual, apresento esse forte
argumento em defesa do livro ilustrado na Educação Infantil para
que ocorra a apropriação dos conhecimentos e dos procedimentos
elaborados culturalmente.
Lembro que o simples contato externo da criança com os
fenômenos físicos e sociais ao seu redor não serão suficientes para a
apropriação, visto que tais aquisições se efetivam nos processos
educativos.
65
É pelo trabalho educativo que os adultos assumem o papel
decisivo e organizativo junto ao desenvolvimento infantil, e da
qualidade dessa interferência dependerá a qualidade do
desenvolvimento. Por essas razões os processos de educação e
ensino, promotores das complexas aprendizagens humanas,
assumem enorme importância na psicologia histórico-cultural
(MARTINS, 2010, p. 55).
Assim, a educação que possibilitará o máximo
desenvolvimento das pessoas é a educação escolar, visto que, socializa
os saberes científicos, artísticos, éticos e outras possibilidades de
superação dos conhecimentos cotidianos e, “para tanto, requer
ensino sistematizado e transmissão planejada entre as gerações, do
patrimônio cultural historicamente elaborado” (MARTINS, 2010,
p. 59).
A literatura infantil faz parte do patrimônio cultural
historicamente elaborado e requer um ensino sistematizado.
Zilberman (2003) argumenta em defesa da literatura infantil na
escola, visto que a criança, devido a sua circunstância social e por
razões existenciais, se vê privada de um meio interior para a
experimentação do mundo e, dessa forma, necessitará de um suporte
fora de si que lhe sirva de auxiliar.
Assim sendo, a literatura infantil poderá contribuir porque a
criança lida com dois elementos adequados para a conquista da
compreensão da realidade: uma história, que apresenta as relações
presentes na realidade, que não pode perceber por conta própria; e a
linguagem, a mediadora entre a criança e o mundo. Pela leitura se
propicia uma ampliação do domínio linguístico, porque a literatura
preencherá uma função de conhecimento: “o ler relaciona-se com
desenvolvimento linguístico da criança, com a formação da
66
compreensão do fictício, com a função específica da fantasia infantil,
com a credulidade na história e a aquisição de saber”
(ZILBERMAN, 2003, p. 45). Segundo a autora, a atuação da
literatura ocorre dentro de uma faixa de conhecimento, não porque
transmite ensinamentos morais e informações, mas porque permite
ao leitor a possibilidade de estender suas capacidades intelectuais e
afetivas.
Nesse sentido, Girotto e Souza (2016) afirmam que a escola
é ainda o espaço privilegiado para a formação do indivíduo e nele é
necessário contemplar os estudos literários, porque:
[...] estimulam o exercício da mente, a percepção do real em
suas múltiplas significações, a consciência do eu em relação ao
outro, a leitura de mundo em seus vários níveis e,
principalmente, dinamizam o estudo e conhecimento da
língua, da expressão verbal significativa e consciente
indispensável para a plena realidade do ser (GIROTTO;
SOUZA, 2016, p. 31).
Ao privilegiar os estudos literários na escola, é relevante
ressaltar: não é qualquer atividade, qualquer material ou conteúdo
que promoverá o desenvolvimento da criança. Assim, ao se planejar
o ensino na escola, em relação ao livro de literatura infantil, segundo
Zilberman (2003) e Girotto e Souza (2016), será importante que a
obra tenha uma função transformadora, emancipadora, não se
confundindo com uma missão pedagógica; deverá dar conta da
tarefa de conhecimento de mundo e do ser, propiciando elementos
à emancipação pessoal. Além disso:
67
Aproveitada na sala de aula em sua natureza ficcional, que
aponta a um conhecimento de mundo, e não como súdita do
ensino bem-comportado, ela se apresenta como elemento
propulsor que levará a escola à ruptura com a educação
contraditória e tradicional (ZILBERMAN, 2003, p. 30).
A partir dessa ideia, é inegável a importância da seleção dos
livros pelo professor ou professora, levando em consideração a
qualidade estética, porque a literatura infantil atinge o estatuto de
arte literária ao se distanciar de sua origem comprometida com a
pedagogia, ou seja, “quando apresenta textos de valor artístico a seus
pequenos leitores; e não é porque estes ainda não alcançaram o status
de adultos que merecem uma produção literária menor”
(ZILBERMAN, 2003, p. 26).
Assim, o prejuízo maior da literatura pode decorrer de sua
adesão à pedagogia, como incentivadora de comportamentos
socialmente adequados, suavizando a visão da criança para a
aceitação do sistema em vigor. Nesse caso, não haverá espaço para a
função transformadora do livro de literatura.
Para Munhoz, Girotto e Franco (2019), as obras literárias
tornam-se humanizadoras ao conduzirem o homem a uma dimensão
mais ampla da compreensão da realidade e das relações sociais. Por
meio delas, o sujeito pode se ver na sua realidade, conhecer seus
sentimentos e perceber o seu meio. As obras literárias possibilitam,
ainda, o desenvolvimento da imaginação, do pensamento, da
linguagem, da percepção e de outras funções psíquicas.
É importante também lembrar que as funções psíquicas
superiores, segundo Pasqualini (2016), não se desenvolvem em
atividades que não as requeiram. Ao demandar determinadas
68
capacidades psíquicas, a atividade faz com que essas funções se
desenvolvam. Por exemplo, ao se ler um livro para a criança, isso
exigirá dela concentração na história que está sendo lida, esforço para
compreender o que está sendo narrado, construção de imagens
mentais do que está sendo apresentado, memorização da narrativa.
Por consequência, essa ação, por se concentrar na história, coloca em
movimento a atenção; o pensamento, ao compreender a narrativa,
faz conexões e inferências; ao criar imagens da história, dos fatos, dos
personagens e cenários, estimula-se a imaginação; a percepção visual
aumenta ao observar as ilustrações e os seus detalhes; a memória é
requisitada ao registrar a história para recontá-la posteriormente; a
linguagem é reclamada e o vocabulário ampliado ao recontar, ao
dialogar sobre a história, falar sobre suas impressões e fazer
questionamentos.
Sendo assim, pode-se afirmar a existência de uma relação
entre o trabalho com o livro ilustrado e o desenvolvimento das
funções psíquicas superiores. Porém, deve-se reforçar que não é
qualquer conteúdo ou proposição que possibilitará o
desenvolvimento da criança, por isso, a necessidade de se questionar,
antes de propor qualquer ação às crianças, se a atividade requer a
mobilização das funções psíquicas delas. Se a resposta for negativa,
não haverá motivos para propô-la.
Enfim, tomando como base o princípio acima, considerando
que a atividade com o livro ilustrado requer e mobiliza diversas
funções psíquicas superiores, desenvolvendo-as, a presença do livro
ilustrado na Educação Infantil torna-se fundamental para a
formação das crianças, inclusive para possibilitar a criação de bases
para a linguagem verbal escrita.
69
1.3 Formação de bases para a linguagem verbal escrita
Para reforçar os argumentos em defesa do livro ilustrado na
Educação Infantil como promotor do desenvolvimento da criança,
apresentarei a relação entre a escrita e o desenho, a partir dos estudos
de Luria (2001).
Por muito tempo a escrita foi compreendida como um
hábito motor, como um problema do desenvolvimento muscular
das mãos ou como um problema de linhas e pautas. Porém, de
acordo com Vigotski (2000), a linguagem escrita é muito mais
complexa, visto que envolve sistemas de símbolos e signos cujo
domínio representa uma transformação profunda em todo o
desenvolvimento da criança.
Os processos de percepção, atenção, memória, linguagem
oral, pensamento e sentimentos configuram o todo a partir do qual
a linguagem escrita se edifica, por isso, o êxito nessa aquisição não é
um dado circunscrito ao momento no qual se “ensina a criança a
escrever”, mas, profundamente dependente daquilo que é chamado,
por Luria (1978), de pré-história da linguagem escrita.
Dessa forma, o domínio da linguagem escrita representa para
a criança o domínio de um sistema simbólico altamente complexo
e dependente, em alto grau, do desenvolvimento das funções
psíquicas superiores do comportamento infantil (MARTINS,
2011, p. 146).
Assim, a linguagem escrita tem uma longa história. Ela
começa muito antes de a criança começar a estudar a escrita
convencional na escola.
70
As origens deste processo remontam muito antes, ainda na pré-
história do desenvolvimento das formas superiores do
comportamento infantil; podemos até mesmo dizer que
quando uma criança entra na escola, ela já adquiriu um
patrimônio de habilidades e destrezas que a habilitará a
aprender a escrever em um tempo relativamente curto (LURIA,
2001, p. 144).
É importante lembrar que a escrita é uma função realizada
culturalmente por mediação. A condição fundamental exigida para
a criança ser capaz de tomar nota de alguma coisa, ideia ou frase é
que algum estímulo, que em si mesmo nada tem a ver com a ideia
inicial, é empregado como um signo auxiliar cuja percepção leva a
criança a recordar a tal ideia. Dessa forma, o escrever pressupõe “a
habilidade para usar alguma insinuação (por exemplo, uma linha,
uma mancha, um ponto) como signo funcional auxiliar, sem
qualquer sentido ou significado em si mesmo, mas apenas como uma
operação auxiliar” (LURIA, 2001, p. 145).
O autor esclarece ainda que, em um determinado momento
da evolução, os atos externos aqueles em que são manipulados,
os objetos do mundo exteriore os atos internos, que envolvem a
utilização das funções psicológicas, começam a tomar forma
indiretamente e técnicas de organização das operações psicológicas
internas são desenvolvidas para tornar sua execução mais eficiente.
O uso direto e natural de tais técnicas começa a ser substituído por
uma forma cultural por meio do uso de determinados expedientes
instrumentais auxiliares. Desse modo, os objetos passam a
desempenhar um papel funcional auxiliar. Por exemplo, o homem,
historicamente, em vez de tentar avaliar as quantidades visualmente,
aprendeu a usar um sistema auxiliar de contagem que, em vez de
71
confiar mecanicamente as coisas à memória, passou a registrar as
quantidades por meio da escrita. Portanto:
A escrita é uma dessas técnicas auxiliares usadas para fins
psicológicos; a escrita constitui uso funcional de linhas, pontos
e outros signos para recordar e transmitir ideias e conceitos.
Exemplos de escritas floreadas, enfeitadas, pictográficas
mostram quão variados podem ser os itens arrolados como
auxílios para a retenção e a transmissão das ideias, conceitos e
relações (LURIA, 2001, p. 146).
Para compreender como ocorre o processo de aquisição da
escrita e a função do desenho, será relevante conhecer a pré-história
da escrita, as circunstâncias que tornaram a escrita possível à criança
e os fatores proporcionadores do seu desenvolvimento, desde os
primeiros rabiscos ou cópias imitativas até a escrita simbólica.
Para Luria (2001), a história da escrita inicia-se quando a
criança realiza uma pré-escrita, caracterizando o momento
denominado de pré-instrumental, no qual a criança apenas imita os
adultos, fazendo rabiscos indistintos, pois ela ainda é incapaz de ver
a escrita como um instrumento de representação. Para a criança, o
ato de escrever é intuitivo; não é um meio para recordar ou
representar algum significado, mas é visto como um ato em si
mesmo, como se fosse um brinquedo, assimilado apenas em sua
forma exterior.
Nesse caso, Luria (2001) afirma que o ato de escrever é
dissociado de seu objetivo imediato e a criança não tem consciência
de seu significado funcional como signos auxiliares; seus rabiscos não
possuem nenhuma relação com as sentenças que lhe são ditadas
durante o experimento, mesmo sendo apresentados fatores como
72
tamanhos, quantidades e até mesmo a forma do objeto. Nada disso
influi nas anotações da criança. Por isso, os rabiscos são para ela,
como uma brincadeira; rabisca pelo prazer de rabiscar, faz garatujas,
porque o significado funcional da escrita ainda não foi aprendido.
Assim, não se pode falar que houve exatamente uma escrita, mas
apenas simples rabiscos.
Nesse processo, pode surgir a escrita topográfica, ou seja, uma
forma pela qual a criança utiliza seus registros gráficos como um
signo auxiliar da memória e organiza seus desenhos no espaço da
folha, realizando associações com as sentenças que lhes são ditadas.
Essas inscrições não são diferenciadas, porém, mantêm uma relação
funcional com a escrita, desempenhando o papel de um signo
primário. O signo gráfico primário o diferenciado não é um signo
simbólico que desvende o significado do anotado, ou seja, não
conduz a criança de volta para o conteúdo do que fora anotado
porque ele é apenas uma simples sugestão evocadora de certos
impulsos verbais que disparam processos de associação e cujo
conteúdo pode ser determinado por condições completamente
diferentes em relação à sugestão dada. Dessa forma, apenas sinaliza
que algum conteúdo anotado pela criança existe, mas não conduz a
ele, visto que é apenas uma sugestão, evocando uma reação
associativa no sujeito. Em termos psicológicos, essa marca gráfica
não é ainda uma escrita, mas apenas sua precursora (LURIA, 2001).
Um avanço nesse momento foi observado pelo citado autor,
quando ocorreu o estabelecimento de uma conexão entre a produção
gráfica e a sugestão apresentada. Por exemplo, ao começar a refletir
o ritmo da frase apresentada e registrar as palavras simples com linhas
simples enquanto as sentenças foram expressas por longos e
73
complicados rabiscos, o efeito primário deste ritmo produziu a
primeira diferenciação rítmica na escrita da criança. No entanto, essa
conquista ainda não faz com que a criança consiga marcar
graficamente o conteúdo de um termo que lhe foi apresentado.
Ainda é necessário que a atividade da criança comece a refletir não
só o ritmo externo das palavras apresentadas, mas também o
conteúdo, para o signo adquirir significado.
Conforme Luria (2001), dois fatores podem levar a criança
a produzir uma atividade gráfica diferenciada: o número e a forma,
pois, em situações experimentais, ao ser inserida a quantidade nas
sentenças ditadas às crianças, elas procuram utilizar signos para
representar o número dado. O autor acredita que a quantidade foi o
primeiro fator a contribuir para a mudança do caráter inexpressivo e
imitativo da atividade gráfica, em que, ideias e noções diferentes
passaram a ser expressas exatamente pelo mesmo tipo de linhas e
rabiscos.
Luria observou também a influência do fator quantidade
atrelado ao fator contraste na produção de uma escrita diferenciada.
Por exemplo, ao pronunciar a sentença: “Há duas árvores no pátio”
e a sentença “Há muitas árvores na floresta”, a criança tentou
reproduzir o mesmo contraste e por isso não pôde escrever as duas
sentenças com a mesma marca. Dessa forma, foi levada a produzir
uma escrita diferenciada. Assim, a atividade gráfica se torna um
instrumento funcional ou expediente auxiliar, que possibilita à
criança ler sua escrita.
Outra constatação importante do autor, quando as sentenças
eram ditadas às crianças, foi a diferenciação das marcas com relação
à cor, forma ou tamanho em evidência. As produções gráficas passam
74
a ter semelhança com a pictografia primitiva. Por meio de tais
recursos, a criança chega à ideia de usar o desenho como meio de
recordar e “o desenho começa a convergir para uma atividade
intelectual complexa. O desenho transforma-se, passando de simples
representação para um meio, e o intelecto adquire um instrumento
novo e poderoso na forma da primeira escrita diferenciada” (LURIA,
2001, p. 166).
Nesse sentido, o autor faz uma diferenciação entre a escrita
pictográfica e o desenho. Afirma que o desenho pode ser diferente
da escrita pictórica, porque se o desenho for espontâneo e a criança
se relacionar com ele apenas como um brinquedo, sem a intenção
ou função de meio que a leve a se lembrar de algum conteúdo, como
um expediente auxiliar, para expressar algo, será apenas um desenho.
Por exemplo, uma criança pode desenhar bem, mas ser incapaz de
compreender o uso instrumental de uma imagem como um símbolo.
Nesse caso, não será uma escrita. Essa é a diferença entre a escrita
pictográfica e o desenho: a compreensão da imagem como símbolo
ou signo.
A criança que apresenta um grau mais desenvolvido da
escrita pictográfica, ao retratar um objeto, supera a tendência de
retratá-lo em sua totalidade com os detalhes e começa a utilizar
apenas uma parte dele ou o seu contorno, simplificando-o. Luria cita
um exemplo da pesquisa: ao pedir para uma criança tomar nota de
alguma coisa difícil de expressar por meio de uma figura, o
pesquisador a incentivou à busca de meios para contornar o
problema. Foi solicitada a ela, a anotação de uma sentença: “
1000 estrelas no céu”. A criança desenhou uma linha horizontal,
representando o céu e em seguida, desenhou duas estrelas e parou.
75
O autor a questionou sobre quantas estrelas teria que desenhar. A
criança respondeu que apenas duas estrelas, porque se lembraria que
mil estrelas. Uma outra criança representou as estrelas,
desenhando o céu e uma janela através da qual se vê as estrelas,
reproduzindo uma situação global para resolver o problema. Nesse
sentido, constata-se a possibilidade de caminhos diferentes, como
nos exemplos citados, “em vez do objeto A, anotar o objeto B, que
se relaciona, de alguma forma, com A. Ou simplesmente anotar
alguma marca arbitrária em vez do objeto que acha difícil retratar”
(LURIA, 2001, p. 177). Esses dois caminhos levam da escrita
pictográfica à escrita simbólica.
Esse fato mostra que a criança está no processo de aquisição
de habilidades psicológicas que a conduzem para a escrita simbólica;
o símbolo começará a adquirir um significado funcional para ela.
O período de escrita por imagens, conforme Luria (2001)
apresenta-se plenamente desenvolvida entre os cinco e seis anos.
Assim, se as condições sociais forem favoráveis, fará o primeiro uso
da escrita como meio de expressão. E se essa escrita pictográfica
ainda não está desenvolvida nesse período, é apenas porque já
começou a ceder lugar à escrita alfabética simbólica, que a criança
aprende na escola, ou antes dela. Por isso, a importância de rever as
práticas de introdução precoce da escrita, que na maioria das vezes,
ocorrem de forma mecânica, podendo dificultar o processo de
aquisição da linguagem escrita e a expressão da criança. Isso posto,
reforço a importância de defender o desenho na escola como
linguagem e expressão da criança.
Segundo Vigotski (2000), é preciso ensinar à criança a
linguagem escrita e não a escrever as letras, levando à compreensão
76
interna da escrita para que essa aquisição se torne uma parte de seu
desenvolvimento. Desse modo e, por analogia, é preciso ensinar a
linguagem das imagens e não a imagem, a linguagem do desenho e
não o desenho, lembrando que o desenho para ser considerado uma
linguagem, deve ser compreendido como signo.
Luria (2001) afirma que o desenvolvimento ulterior da
alfabetização envolve a assimilação dos mecanismos da escrita
simbólica culturalmente elaborada e o uso de expedientes simbólicos
para o ato de recordação. Assim, a partir da análise do uso dos signos
e suas origens na criança, conclui que não é a compreensão que gera
o ato, mas é o ato que produz a compreensão, visto que o ato
frequentemente precede a compreensão.
Antes que a criança tenha compreendido o sentido e o
mecanismo da escrita, já efetuou inúmeras tentativas para
elaborar métodos primitivos, e estes são, para ela, a pré-história
de sua escrita. (...) no topo das formas primitivas da adaptação
direta aos problemas impostos por seu ambiente, a criança
constrói, agora, novas e complexas formas culturais; as mais
importantes funções psicológicas não mais operam por meio de
formas naturais primitivas e começam a empregar expedientes
culturais complexos. Estes expedientes são tentados
sucessivamente e aperfeiçoados e no processo, a criança também
se transforma (LURIA, 2001, p. 189).
É importante ressaltar que na Educação Infantil o ato de ler
e o ato de escrever como prática social é que contribuirão para o
desenvolvimento da capacidade de compreensão na criança,
legitimando a importância da presença da arte literária nesse
segmento, possibilitando os atos de leitura e de escrita.
77
Além disso, lembrando a relevância dos signos para o
desenvolvimento do psiquismo, o livro ilustrado combina dois níveis
de comunicação, o visual e o verbal. “Empregando a terminologia
semiótica, podemos dizer que os livros ilustrados comunicam por
meio de dois conjuntos distintos de signos, o icônico e o
convencional” (NIKOLAJEVA; SCOTT, 2011, p. 13).
Dessa maneira, ao considerar o desenho como signo que
constitui a pré-história da escrita e pertencente à linguagem visual,
penso que ao se trabalhar com o livro ilustrado, promovendo o
acesso das crianças às narrativas visuais e verbais presentes neles,
serão criadas condições para a formação de bases necessárias à
aquisição e à compreensão da linguagem escrita.
1.4 A criança da Educação Infantil: algumas considerações sobre
o destinatário da educação
Para o desenvolvimento de uma prática pedagógica
condizente com a concepção de educação desenvolvente, é
fundamental ao professor ter uma compreensão adequada sobre
como fazer a articulação entre a arte literária e o desenvolvimento
infantil. Isso implica uma discussão acerca do desenvolvimento
psíquico da criança.
Segundo Mello (2017), os estudos das últimas décadas
demonstram que as crianças não têm a inteligência e a personalidade
predefinidas ao nascer, mas estas vão se formando e se
desenvolvendo nas vivências que possuem desde que nascem. E as
vivências escolares são organizadas por adultos a partir de sua
compreensão sobre o papel da educação e da escola no
desenvolvimento humano e de como as crianças aprendem.
78
Vazquez (1978) afirma que diferentemente do animal, que
se relaciona de um modo unilateral com o mundo, o homem se
encontra numa relação múltipla, mediata e livre. A riqueza do
homem significa a riqueza de necessidades e de relações com o
mundo, ou seja, o homem se desenvolve plenamente de acordo com
as condições sociais.
Conforme a THC, o desenvolvimento integral de uma
pessoa não resulta apenas das transformações do organismo, pois o
desenvolvimento psíquico é determinado pelas relações sociais. Só
em convivência contínua com esse ambiente social é que o indivíduo
desenvolverá as características tipicamente humanas como a
linguagem, a consciência e a capacidade de agir de forma
intencional.
Nessa perspectiva, só será possível o desenvolvimento
humano nas diversas áreas do conhecimento, inclusive na arte
literária e nas artes visuais, se a criança for inserida num meio social
que lhe ofereça condições favoráveis de aprendizagem, levando em
consideração as especificidades de cada período do desenvolvimento
infantil. Dessa forma, “uma correta organização da aprendizagem da
criança conduz ao desenvolvimento mental, ativa todo um grupo de
processos de desenvolvimento, e essa ativação não poderia produzir-
se sem a aprendizagem” (VIGOTSKI, 1988, p. 115).
Assim sendo, pretendo abordar algumas questões sobre o
desenvolvimento da criança, refletir sobre como ela aprende, como
se relaciona com a realidade, pois, ao pensarmos sobre práticas em
arte literária promotoras do desenvolvimento da criança, torna-se
fundamental conhecermos o destinatário do processo educativo.
Para isso, é relevante conhecer a relação entre a aprendizagem e o
79
desenvolvimento; as conquistas essenciais de cada momento do
processo; as leis gerais que regem o desenvolvimento psíquico; as
circunstâncias particulares de desenvolvimento das crianças,
possibilitando ao professor um norte para a escolha dos conteúdos e
a melhor forma de trabalho, visando à promoção do
desenvolvimento em cada momento.
Segundo Vigotski (2001), na relação entre aprendizagem e
desenvolvimento, dois aspectos devem ser considerados: o primeiro,
denominado nível de desenvolvimento real, é constituído por
funções psicológicas efetivadas, pelas quais as crianças são capazes de
realizar determinadas tarefas sozinhas, mostrando o que elas
sabem. O segundo nível, é constituído pela Zona de
Desenvolvimento Próximo (ZDP) ou iminente, correspondente às
funções em vias de se desenvolver, possibilitando à criança a solução
de tarefas com o auxílio de adultos e outras crianças mais experientes.
É nessa zona de desenvolvimento que deverá incidir o trabalho do
professor com a criança.
Segundo o mesmo autor, o ensino que incide no nível real
de desenvolvimento da criança ou no que está distante dela, além de
suas possibilidades, será inócuo, ou seja, não promoverá o
desenvolvimento da criança. Por exemplo, ao se trabalhar apenas
com músicas que a criança já conhece, como aquelas veiculadas pela
mídia e memorizadas pela criança; com cores que a criançasabe;
com histórias de que a criança já se apropriou, isso tudo estará no
seu nível real; daí a importância de fazer a avaliação inicial e saber o
que a criança já conhece para propor novos desafios, atuando na
ZDP e promovendo o seu desenvolvimento.
80
Por outro lado, se os novos desafios forem distantes das
capacidades da criança, por exemplo, se ela está no momento das
garatujas desordenadas, de rabiscos, sem controle motor em relação
ao desenvolvimento do desenho e for solicitado a ela um desenho
figurativo ou a escrita do seu nome, isso estará distante de suas
condições reais, visto que a criança ainda não possui o controle dos
movimentos e as conquistas internas do psiquismo necessárias à
escrita de letras ou ao desenho figurativo, entendidas como signo e,
desse modo, fará apenas rabiscos desordenados e a proposta não
contribuirá para o seu desenvolvimento.
Nesse sentido, pode-se dizer que o processo de ensino-
aprendizagem na escola deve ser construído a partir do nível de
desenvolvimento real da criança, direcionando-se para estágios de
desenvolvimento ainda não alcançados, para o próximo
desenvolvimento, em busca de novos desafios. Assim,
[...] o ensino não pode se limitar a exercitar as funções psíquicas
já formadas (desenvolvimento real ou atual); é preciso colocar
em movimento e fazer avançar as funções psíquicas que estão
despontando no psiquismo da criança, ou seja, o ensino deve
mobilizar e provocar o desenvolvimento das capacidades
psíquicas que se encontram na zona de desenvolvimento
próximo da criança. (PASQUALINI, 2016, p.91)
É importante também esclarecer que, em cada momento do
desenvolvimento psíquico, o ser humano se relaciona com a
realidade de forma diferente. Do ponto de vista da THC, é relevante
considerar o desenvolvimento psíquico infantil não como um
processo meramente quantitativo ou evolutivo, mas como um
processo caracterizado por mudanças qualitativas, pela ocorrência de
81
saltos qualitativos, promotores de mudanças na forma de a criança
se relacionar com a realidade e com o mundo.
Para compreendermos a relação que a criança estabelece com
o mundo, necessário se faz abordar um conceito fundamental: o
conceito de atividade. Segundo a THC, a atividade é a ligação entre
o sujeito e o mundo. É um processo pelo qual o homem se relaciona
com o mundo para satisfazer suas necessidades. Desse modo, a
atividade se orienta para um motivo, ou seja, para um objeto que
atenda a uma determinada necessidade.
Conforme Pasqualini (2016), a atividade pode ser definida
como um processo desencadeado por um motivo e constituído de
uma cadeia de ações que se dirigem a fins particulares; desse modo,
a satisfação do motivo depende do encadeamento de todas as ações
que constituem a atividade como um todo. Por exemplo, a sensação
de fome indica a necessidade de alimento, leva-nos a pensar em qual
objeto poderia satisfazer essa necessidade. Ao delinearmos o objeto
refeição, para atender à necessidade fome este constitui um
motivo para o qual se desencadeará uma atividade. Essa atividade
envolverá diversas ações como ir ao supermercado, comprar os
ingredientes, voltar para a casa, preparar o alimento entre outras.
Cada ação isolada não atenderá o motivo. Por exemplo “ir ao
supermercado” não saciará a fome da pessoa, mas esta ação está
ligada ao motivo que a provocou; dessa maneira, cada ação está
orientada para um fim específico. Desse modo, o significado de uma
ação específica não encerra em si mesmo; não vamos ao
supermercado apenas para fazer as compras de ingredientes e
preparar o alimento, mas porque temos fome.
82
Para compreender a estrutura da atividade é importante
obter o conceito de operação. “As operações referem-se a como se
efetivam as ações, ou seja, o conceito de operação pode ser definido
como a maneira de se executar uma ação, maneira essa que depende
das condições nas quais a ação é realizada” (PASQUALINI, 2016,
p. 94). Como exemplo a autora cita as diferenças entre lavar a roupa
na máquina, no tanque ou à beira de um rio. A finalidade é a mesma,
ter roupas limpas para usar, porém as condições nas quais a ação se
realiza são diferentes, exigindo operações distintas.
Ao pensar sobre a apropriação, pela criança, da cultura no
contexto da escola, pode-se ilustrar o princípio da conversão de ações
em operações a partir do uso, por exemplo, de um pincel. No início,
dominar o uso do pincel será algo bem complexo para a criança,
tornando-se para ela uma finalidade em si, exigindo toda sua
atenção, a reorganização de seus movimentos naturais e a formação
de novas operações motoras e cognitivas. Quando a criança se
apropria do instrumento e passa a dominá-lo, o uso do pincel deixa
de ser uma finalidade em si mesma e torna-se uma operação
automatizada a serviço de uma ação mais complexa: a pintura.
Portanto, ao se apresentar um novo instrumento à criança, um novo
material, não é apropriado propor tarefas complexas, mas tarefas
exploratórias para que o uso do instrumento passe para o plano
operacional. Conforme a criança vai avançando, o professor poderá
propor tarefas mais complexas, para a formação de novas operações
motoras e cognitivas. (PASQUALINI, 2016)
Assim, a socialização e a apropriação, por parte da criança,
do patrimônio cultural ocorrem pela atividade e na relação com
outros sujeitos. As funções psicológicas encontram-se na
83
dependência dos processos concretos nos quais o sujeito es
envolvido, ou seja, na atividade. “O desenvolvimento desta atividade
condiciona as mudanças mais importantes nos processos psíquicos
da criança e nas particularidades psicológicas da sua personalidade”
(FACCI, 2004, p. 67).
De acordo com Pasqualini (2016) em cada período do
desenvolvimento, uma determinada atividade assume a primazia
como sua força motriz; essa atividade chamada dominante ou guia,
reorganiza e forma processos psíquicos. No período que abrange a
Educação Infantil, três são as atividades guias das crianças: no
primeiro ano de vida, a comunicação emocional direta com o adulto;
no período da primeira infância, a atividade objetal manipulatória;
na idade pré-escolar, o jogo de papéis.
Já nos primeiros dias de vida, a criança se expressa
emocionalmente por meio de gritos, choros, gestos e movimentos
para que suas necessidades sejam atendidas pelo adulto. Assim, vai
se formando outra relação entre o adulto e o bebê, conduzindo a
uma atividade de comunicação com o adulto, o contribui para o
surgimento da comunicação emocional direta. Nesse momento, a
comunicação tem um caráter emocional, porque se manifesta como
expressão mútua de afetos e emoções, sendo fundamental a interação
com o adulto, que ele converse com a criança, para essa comunicação
se desenvolver.
Mello (2017) salienta que essa comunicação com o bebê é a
primeira forma de escuta estabelecida na relação pedagógica e essa
escuta possibilita ao professor, compreender as necessidades
imediatas dos pequenos e também suas necessidades de
desenvolvimento. Isso “envolve a atenção ao tempo das crianças, aos
84
materiais que melhor desafiam sua atividade e incentivam seu
movimento, às relações que acolhem as crianças e favorecem uma
relação de segurança e confiança em nós, adultos(MELLO, 2017,
p. 89).
Dessa maneira, o adulto promoverá o desenvolvimento da
criança ao apresentar-lhe a realidade; ao proporcionar o contato com
objetos, incentivando sua manipulação, mostrando seu uso
funcional e qualificando os seus sentidos, a sua percepção. Assim,
torna-se importante a leitura para os bebês e a apresentação de livros
variados, contribuindo para o desenvolvimento da percepção, dos
sentidos e da linguagem.
Mello (2017) chama a atenção para o fato de que esse
processo vivido pela criança, formador de suas qualidades humanas
“depende de como a criança é afetada pelas situações, de como se
sente nas situações vividas. E, por isso, a forma como nós,
professores, relacionamo-nos com as crianças é tão importante
(MELLO, 2017, p.89).
Nesse movimento, a partir da comunicação emocional direta
com o adulto, outra atividade começa a ser gestada. A ação com os
objetos desponta como uma nova atividade guia, a atividade objetal
manipulatória, e a comunicação emocional começa a ceder o lugar a
uma colaboração prática. “Por meio da linguagem, a criança
mantém contato com o adulto e aprende a manipular os objetos
criados pelos homens, organizando a comunicação e a colaboração
com os adultos” (FACCI, 2004, p.68). O surgimento dessa
atividade ocorre aproximadamente entre 1 e 3 anos, momento em
que há assimilação dos procedimentos socialmente elaborados de
85
ação com os objetos. Por meio da atividade objetal manipulatória, a
criança se apropria da função social do objeto e de seu significado.
É fundamental nessa fase a ação do adulto destinada a
mostrar à criança a função específica do objeto e os procedimentos
corretos para seu uso, uma vez que, conforme Mukhina (1996), a
função do objeto é uma propriedade oculta, impossível de ser
revelada pela simples manipulação. A criança poderá, por exemplo,
manipular colheres; abrir e fechar as portas do armário, mas isso em
nada contribuirá para a compreensão da função do objeto. Apenas o
adulto poderá mostrar à criança para que serve a colher ou o armário.
Além de apresentar o uso social dos objetos, é importante
possibilitar livre escolha às crianças. Não basta manter os objetos
disponíveis aos olhos delas, é necessário o acesso das crianças aos
objetos em tempo integral e com liberdade. “E isso é possível quando
nós, adultos, sabemos que a criança está formando e desenvolvendo
funções psíquicas essenciais enquanto manipula objetos, brinca de
faz de conta, toma iniciativas independentes de nossa orientação
direta e controle” (MELLO, 2017, p. 90).
Desse modo, constata-se a importância de o adulto
possibilitar o acesso ao livro ilustrado à criança desde muito cedo,
apresentar seu uso social, criar na sala de aula um espaço com livros
de boa qualidade, para que a criança vá conhecendo narrativas
variadas e possa manipular e explorar livremente essa produção
cultural.
Quando a criança passa a dominar a ação com os objetos, ela
vai se emancipando da coerção das propriedades físicas dos objetos
na direção de um uso livre, até que surge a substituição do objeto;
dessa forma, começam a surgir as premissas para a formação do jogo
86
de papéis ou faz de conta e o interesse da criança voltar-se-á para o
mundo das pessoas. O foco será fazer o que os adultos fazem: as
relações sociais.
A criança experimenta a necessidade de fazer o que o adulto
faz e de agir com os objetos como o adulto age; porém, ela possui
limites operacionais e técnicos que a impossibilitam de executar as
operações. Assim, utiliza do faz de conta para solucionar a
contradição, satisfazendo a sua necessidade. Um exemplo disso
ocorre quando a criança tem o desejo de cozinhar como ae ou
como o pai, mas ela ainda não possui as condições necessárias para
manipular um fogão de verdade. Então ela brinca imitando a mãe
ou o pai cozinhando, brincando de casinha, utilizando brinquedos
ou panelas, pratos e talheres como se estivesse cozinhando.
O jogo de papéis surge de uma contradição que se apresenta
para a criança. “O que possibilita que a brincadeira seja a via de
solução dessa contradição é seu caráter não produtivo, ou seja, o fato
de que a brincadeira não está voltada para a geração de um produto
ou para obtenção de resultados objetivos(PASQUILINI, 2016, p.
129). O que importa para a criança nesse momento é a ação, isto é,
o processo de realização da brincadeira, e não o resultado. Dessa
maneira, ao brincar de jogo de papéis, a criança apropria-se do
sentido social das atividades produtivas humanas, formando as bases
para a sua própria conduta.
Segundo Mukhina (1996), para se caracterizar um jogo é
necessário conhecer o conteúdo do jogo, que é o que a criança
destaca como principal nas atividades do adulto; isso se altera de
acordo com o momento em que cada criança se encontra. Para as
crianças menores, por exemplo, o conteúdo principal é a ação com
87
os objetos; o jogo surgirá em função do objeto que a criança tem em
mãos, então se possui pratinho, faca e colher, fará de conta que es
comendo. Para as crianças um pouco maiores, o conteúdo do jogo
refere-se às relações entre as pessoas e, considerando os mesmos
objetos citados no exemplo anterior, poderá utilizar a faca para
cortar um alimento em várias partes e os colocará no prato para servir
às pessoas. Assim, o conteúdo do jogo de papéis para as crianças mais
velhas é o respeito às regras resultantes do papel que assumem. Nesse
momento, as crianças se preocupam em seguir rigorosamente as
regras e começarão a fazer questionamentos sobre a forma correta
dos acontecimentos. Poderão questionar a arrumação de uma mesa
para o jantar; a disposição das cadeiras, dos pratos e dos talheres na
mesa; como utilizar os talheres de forma correta; a sequência dos
alimentos; que a sobremesa será servida após a refeição, e não no
início.
A partir do conhecimento sobre o conteúdo do jogo, torna-
se fundamental o papel do professor nesse processo, para ampliar o
conhecimento das crianças sobre as atividades das pessoas e de suas
relações, ou seja, enriquecer o conteúdo do jogo, pois, “quanto mais
ampla for a realidade que as crianças conhecem, tanto mais amplos
e variados serão os argumentos de seus jogos (MUKHINA, 1996,
p. 157).
Para qualificar ainda mais o jogo de papéis é importante que
o adulto amplie o repertório das crianças com os livros de literatura,
visto que as narrativas constituem uma fonte de conhecimento
variado; apresentam personagens fictícios que passam a fazer parte
de suas brincadeiras; possibilitam às crianças, a partir das histórias
conhecidas, terem condições de reproduzirem e produzirem novas
88
narrativas em seus jogos. Além disso, os livros de literatura
apresentam diversos fatos da realidade e as mais variadas relações
sociais, contribuindo para a ampliação do conhecimento delas e, por
consequência, enriquecendo o conteúdo do jogo de papéis.
Mukhina (1996) afirma que o jogo de papéis é de grande
relevância para o desenvolvimento psíquico da criança, pois nele se
desenvolvem a atenção e a memória ativas. Enquanto brinca, a
criança se mantém concentrada e é levada a prestar atenção na
situação lúdica e nas regras. A necessidade de comunicação e os
impulsos emocionais obrigam a criança a concentrar-se e a
memorizar.
Conforme a autora, o jogo exerce grande influência sobre a
linguagem comunicativa. Por meio dele, a criança é introduzida no
mundo das ideias porque lida com objetos substitutos e, com isso,
aprende a manuseá-los e avaliá-los em um plano mental. O jogo
permite também à criança colocar-se no lugar de outra pessoa; prever
o seu comportamento e atuar como se fosse ela. Isso permite a
compreensão das relações sociais e contribui para o desenvolvimento
de sua imaginação, de sua personalidade e do autocontrole da
conduta.
Sobre essa questão, a arte literária se aproxima do jogo de
papéis na medida em que uma narrativa possibilita à criança, além
da vivência de emoções e sentimentos, pôr-se no lugar do outro, do
personagem; permite ainda a compreensão das relações sociais para
o desenvolvimento da imaginação e de outras funções psíquicas.
Mello (2016) ratifica que a leitura realizada pelo professor
forma e desenvolve a imaginação das crianças, “alimenta a
brincadeira de faz de conta com papéis sociais, e não apenas pela
89
ampliação dos temas que passam a ser conhecidos pelas crianças, mas
também pelo exercício da imaginação que sustenta a brincadeira(p.
54).
Assim vão se formando na criança as atividades produtivas,
aquelas que geram algum tipo de resultado como o desenho, a
pintura, a construção com colagem de materiais variados, a
modelagem, entre outros. A partir delas, a possibilidade de a
criança se propor a aprender algo, desenvolvendo a capacidade de
estabelecer fins para suas ações. As atividades produtivas contribuem
para o desenvolvimento psíquico infantil, permitindo à criança
imaginar com antecedência o que deveria fazer. “Isso cria condições
para o desenvolvimento da capacidade de planejamento da ação,
fundamental para a formação das formas superiores de atividade
humana” (PASQUALINI, 2016, p. 142).
Para contribuir com o desenvolvimento psíquico das
crianças, penso na possibilidade de algumas ações mais propícias a
esse momento. Por exemplo: propor às crianças a produção criativa
de narrativas de forma oral, tendo o professor como escriba, e a
ilustração das histórias criadas por elas. Também é um bom
momento para apresentar os elementos das artes visuais como as
formas, as cores, as texturas, as linhas e outros recursos de expressão
visual, fornecendo matéria prima à atividade criadora; possibilitar o
acesso ao trabalho de diversos escritores e ilustradores; contextualizar
as obras; apresentar o processo criador do escritor e do ilustrador;
apresentar algumas técnicas e materiais utilizados pelos autores em
suas produções.
Isso tudo com o objetivo de proporcionar material de
trabalho necessário para desenvolver a atividade criadora das crianças
90
em narrativas, em desenhos, em composições visuais nas ilustrações;
ou seja, criar condições para as crianças se expressarem e se tornarem
autoras de suas produções.
Ainda no período pré-escolar, com a atividade do jogo
surgem as premissas da atividade de estudo, quando aparecem
interesses que não podem ser plenamente satisfeitos com o jogo, o
que requer novas fontes de conhecimento para maior compreensão
da realidade. Em outros termos, “ao final do período pré-escolar, a
atividade de estudo, que surge como linha acessória, entra em
ascensão, preparando a transição ao novo período no qual a criança
se esforçará por ‘saber o que o adulto sabe” (PASQUALINI, 2013,
p. 93). Surge, então, a necessidade de obter os conhecimentos
escolares, científicos; conteúdos próprios da atividade que
promoverá o desenvolvimento na idade escolar.
Isso posto, torna-se evidente a necessidade de
intencionalidade por parte do professor, ao planejar as ações
pedagógicas na Educação Infantil, para uma prática comprometida
com a promoção do desenvolvimento da criança. É importante
lembrar que, para aprender, é fundamental a criança ser ativa no
processo e que as atividades façam sentido para ela. Para Mello
(2005, p. 32), “[...] aprender envolve atribuir sentido ao que se
aprende. Só a criança que entende o objetivo do que lhe é proposto,
e que atua motivada por esse objetivo, é capaz de atribuir um sentido
que a envolva na atividade”. Dessa forma, a criança precisa ser vista
como sujeito ativo.
A criança é tratada como sujeito quando:
[...] compartilhamos com ela o cuidado do seu corpo,
interpretamos indicadores de suas necessidades e seus interesses,
91
organizamos materiais na altura de suas mãos e olhos, quando
compartilhamos o planejamento da atividade, a organização do
espaço e a gestão do tempo quando elas são maiores. Ao fazer
isso, possibilitamos que elas estejam em atividade, isto é, que
estejam por inteiro na situação: com o corpo, a mente e a
emoção (MELLO, 2017, p. 90).
Todos sabemos que o conhecimento educa, mas para que
isso aconteça “é preciso educar nas crianças um sentido para o
conhecimento, ou seja, é necessário que cuidemos do mundo
interno das crianças, para que esteja aberto, interessado, curioso,
motivado pelo conhecimento, por saber mais, pela descoberta do
mundo externo (MELLO, 2017, p. 95).
Desse modo, é importante ressaltar que cada criança possui
suas especificidades, pois ela se modifica no processo de
desenvolvimento. Seu grau de compreensão da realidade se altera e,
a cada momento, o papel do meio e o significado dos elementos do
meio também se modificam. Daí a importância de conhecer a
criança e suas características em cada período de desenvolvimento,
conhecer o destinatário da educação, para que o professor tenha
condições de pensar em conteúdos e formas de ensinar mais
adequadas a cada período do desenvolvimento, valorizando a criança
como sujeito ativo e tornando possível uma educação desenvolvente.
1.5 Palavras e imagens qualificando o psiquismo
O livro ilustrado é uma forma de arte que combina dois
conjuntos distintos de signos, o icônico e o convencional
(NIKOLAJEVA; SCOTT, 2011). Os signos icônicos são aqueles em
92
que o significante e o significado estão relacionados por atributos
comuns, ou seja, quando existe uma representação direta de seu
significado pelo signo. A imagem de uma impressora no menu do
computador, por exemplo, é uma representação direta de uma
impressora; é um ícone e não se requer um conhecimento especial
para compreender um ícone simples. Os signos convencionais, por
outro lado, não possuem nenhuma relação direta com o objeto
significado. Assim, a palavra “imprimir” em um menu de
computador apenas transmite um significado, porém é preciso
conhecer o sistema de representação, saber o que as letras e as
palavras representam para compreendê-las.
Nos livros ilustrados, as figuras são signos icônicos
complexos e possuem a função de descrever ou representar. As
palavras são signos convencionais complexos, sua função principal é
narrar. Na leitura, também são diferentes. Os signos convencionais
são em geral lineares; os signos icônicos não são lineares e não
oferecem uma instrução direta sobre como lê-los. “A tensão entre as
duas funções gera possibilidades ilimitadas de interação entre a
palavra e imagem em um livro ilustrado” (NIKOLAJEVA; SCOTT,
2011, p. 14).
As autoras esclarecem que tanto as palavras como as imagens
deixam espaços que devem ser preenchidos pelos leitores com seu
conhecimento e experiência e, assim, surgem diversas possibilidades
de interação palavra-imagem.
O texto verbal tem suas lacunas e o mesmo acontece com o
visual. Palavras e imagens podem preencher as lacunas umas das
outras, total ou parcialmente. Mas podem também deixá-las
para o leitor/espectador completar: tanto palavras como
93
imagens podem ser evocativas a seu modo e independentes
entre si (NIKOLAJEVA; SCOTT, 2011, p. 15).
Em relação à relevância da literatura infantil no processo de
formação da consciência da criança, segundo Arena (2010), o
pequeno leitor, por meio da literatura infantil, apropria-se da cultura
do outro, de suas palavras e com elas forma a sua consciência. É
importante a leitura do enunciado do outro, permitindo o
“movimento dialógico entre leitor, autor e obra e, com isso, o
intercâmbio frutífero e necessário para a evolução do processo de
leitura como atribuição de sentidos (ARENA, 2010, p. 21).
A literatura promove o desenvolvimento do homem, porque
ela requer o uso da imaginação, base da atividade criadora. Assim:
[...] se é possível entender o pequeno leitor, da educação infantil
ou ensino fundamental, como um sujeito que se apropria da
cultura, que lida com os enunciados concretos, cheios de vida
da literatura infantil, que desenvolve, com isso, sua imaginação,
vital e necessária, quanto mais intensa for essa apropriação, mais
imaginação desenvolverá (ARENA, 2010, p. 31).
Nesse sentido, conforme Faria (2010), o texto literário
narrativo oferece ao leitor a possibilidade de experimentar uma
vivência simbólica por meio da imaginação suscitada pelo texto
escrito ou pelas imagens. A literatura é portadora de um sistema de
referências que permite a cada leitor organizar suas funções psíquicas
com o vivido e a sensibilidade que lhe é própria. Tornar-se leitor de
literatura é um vaivém constante entre a realidade e a ficção,
permitindo avaliar o mundo e situar-se nele. Nenhuma boa narrativa
de ficção explicita tudo. Existem “brancos, nos quais a articulação
94
entre o explícito e o não explícito é construída pelo autor de modo
a deixar pistas ao leitor, para que ele possa preencher esses “brancos”,
sendo preciso antecipar, induzir, pôr em relação diversas formas de
informação, para compreendê-las plenamente.
Nesse processo de diálogo com o livro de literatura infantil,
devido aos espaços existentes ao preenchimento com o
conhecimento do leitor, é possível perceber o quanto as funções da
imaginação e do pensamento são requisitadas.
Dessa forma, a literatura infantil assume o trabalho de
formação integral do homem, em especial de suas funções psíquicas
superiores e a “maturidade da imaginação no adulto dependerá do
seu desenvolvimento desde a infância e a literatura infantil tem lugar
destacado nesse processo” (ARENA, 2010, p. 32).
Além de promover o acesso à literatura infantil, é
fundamental, principalmente nos tempos atuais, ensinar a ler.
Assim, Oliveira (2008) justifica a importância do ler na atualidade,
porque a palavra está sendo vulgarizada e a imagem acrescida de
massificação mercantilista e ideológica. “Ler de forma consciente e
participativa a palavra e a imagem constitui, acima de tudo, um ato
de resistência cultural e social (OLIVEIRA, 2008, p. 44). A
preocupação com a imagem e com a configuração gráfica de um livro
deve ultrapassar a visão meramente estetizante, apoiada em questões
mercadológicas.
A imagem de um livro no psiquismo de uma criança pode se
estender por toda a vida adulta. Um indissipável vestígio em
nossa memória. A imagem é muito mais pregnante do que
qualquer palavra. Portanto, diante desse quadro, os ilustradores
e os projetistas gráficos têm uma grande responsabilidade: criar
95
não apenas a memória e o passado visual de seus leitores, mas
ainda acima de tudo formar e educar o olhar (OLIVEIRA,
2008, p. 45).
A leitura de uma imagem presente no livro de literatura
infantil, em específico no livro ilustrado, vai além da simples
apreensão denotativa do que está representado. Faria (2010) disserta
sobre a necessidade de ler entre as imagens, ler as cores, para além de
uma boniteza e de um esteticismo simplório de colorização; ler o
branco e o preto, ler as rupturas de páginas, ler a maquete, ler o
ritmo, a articulação do texto e da imagem; sua disposição relativa na
página dupla, unidade de base do livro. Isso tudo se aprende. É
preciso aguçar o olhar e aprender a decodificar todos estes elementos
constitutivos do sentido e dialogar com as artes visuais.
Um trabalho minucioso com as crianças, apontando ou
levando-as a descobrir esses elementos técnicos que fazem
progredir a ação ou que explicam espaço, tempo, características
das personagens etc. aprofundará a leitura da imagem e da
narrativa e estará, ao mesmo tempo, desenvolvendo a
capacidade de observação, análise, comparação, classificação,
levantamento de hipóteses, síntese e raciocínio. (FARIA, 2010,
p. 59)
Fica evidente a importância do processo de ensino, porque a
aquisição do conhecimento não é natural. A leitura de livros em sua
totalidade deve ser ensinada e conforme Queirós (2012, p. 95), “ler
também se aprende. Nem sempre deixar o aluno diante de um
monte de livros vai for-lo como leitor. Corre-se o risco de a
escolha recair sobre fatos de seu cotidiano, ler o que já se conhece
96
[...] ler é um trabalho que exige entendimento, descoberta,
confronto”.
Assim sendo, torna-se fundamental o acesso à arte literária,
ao livro ilustrado, ao processo de ensino de leitura dos livros de
literatura em sua plenitude, para a apropriação dos conhecimentos e
ao desenvolvimento do psiquismo da criança. Nesse processo de
ensino, inclui-se também o livro de imagem, pois atualmente tem
feito parte do acervo das bibliotecas das escolas públicas de Ensino
Básico. O livro de imagem é aquele que possui uma narrativa feita
com as ilustrações, sem a presença do texto verbal, mas nem por isso
sua leitura é mais simples. Trata-se de uma outra forma de atribuir
significados ao texto visual, que contribui também para o
desenvolvimento do psiquismo, pois a “ausência de palavras pode
fornecer um hiato que necessita da inteligência e da imaginação
para ser preenchido” (HUNT, 2010, p. 247).
Para que os livros de literatura sejam lidos e compreendidos
em sua plenitude e possam contribuir ao desenvolvimento das
funções psíquicas, é importante a realização de um trabalho no qual
a criança possa conhecer o campo da linguagem visual e os seus
elementos constitutivos.
Nesse sentido, Colomer (2017), afirma que as crianças
podem iniciar a aprendizagem da linguagem visual por meio dos
livros ilustrados, já que as ajuda a fixar-se neles, podendo aprender
as possibilidades expressivas da ilustração segundo a técnica
empregada, discutir sobre os recursos utilizados frequentemente: a
forma, a textura, o traço, o ritmo, as maneiras de usar a cor para
representar o volume ou a luz, a composição, e perspectiva, entre
outros.
97
É importante lembrar que os sentidos também são
desenvolvidos socialmente. Segundo Martins (2013), a própria
formação dos órgãos dos sentidos condiciona-se diretamente à
exposição dos estímulos ambientais e, dessa forma, a qualidade desse
desenvolvimento resulta não só de sua base fisiológica, mas da
cultura sensorial. “Sob privação de estímulos, sobretudo exógenos, o
organismo substitui o estado de vigília pelo adormecimento, pela
letargia, resultando em um déficit global da tonicidade cortical
necessária a qualquer atividade” (p.126).
Por isso a relevância de se ter como objeto da educação todas
as funções psíquicas como a sensação e a percepção, entre outras.
Além disso, a sensação e a percepção “representam os modos
primários de reflexo da realidade, pelos quais o homem caminha a
partir da apreensão de indícios específicos, advindos do exterior ou
interior, em direção à sintetização perceptiva destes(MARTINS,
2013, p.122). Portanto, representam uma “porta de entrada” para o
psiquismo.
Girotto e Souza (2016, p. 31) afirmam que “a percepção
auditiva e visual advém dos sentidos que possibilitam generalizações,
conceitos provisórios e hipóteses preliminares; brincar com o texto;
aprender com ele; internalizar significados; exteriorizar emoções”.
Desse modo, por meio dos sentidos, o texto é recebido e as crianças
constroem a lógica do enredo. Nesse processo, no qual as funções
psíquicas são requisitadas, elas também se desenvolvem.
Segundo Martins (2013), o ato perceptual não é um ato
simples e mecânico, mas atende a percursos distintos, dependentes
da relação do sujeito com objetos conhecidos ou desconhecidos,
exige mecanismos analítico-sintéticos, envolvendo a experiência
98
passada do sujeito, porque requer relações entre informações que
chegam e aquelas já existentes, realizando comparações entre
aspectos de uns com outros.
A partir disso, destaca-se a importância de ampliar o
repertório da criança em relação aos livros ilustrados e às imagens
presentes neles, apresentando os elementos das artes visuais e
incentivando práticas criativas por meio deles.
Luria (1990) argumenta que a percepção depende de práticas
humanas historicamente estabelecidas e exemplifica:
[...] as categorias familiares da percepção de cores (vermelho,
amarelo, verde, azul) ou da percepção de formas (quadrados,
triângulos, trapézios e assim por diante) somente expressam
regras perceptuais típicas dos seres humanos, cuja consciência
vem sendo formada sob a influência de categorias estabelecidas
durante um período de tempo, notadamente sob a influência
de determinados conceitos aprendidos na escola (LURIA,
1990, p. 38).
Desse modo, é fundamental ensinar a criança a olhar e a
perceber o que existe ao redor. Ensinar a fazer relações, comparações,
conexões; perceber as cores, os tons, as formas, texturas, linhas entre
outros elementos das artes visuais para que o olhar não se torne
passivo à percepção do mundo, pois “ao ativar seu olhar, o sujeito
mostra-se também expressivo” (AUGUSTO, 2014, p. 45).
Enfim, o conhecimento em arte contribui para tornar o
nosso olhar ativo. “A arte interpreta o mundo e dá forma ao informe,
de modo que, ao sermos educados pela arte, descobrimos facetas
ignoradas dos objetos e dos seres que nos cercam” (TODOROV,
2020, p. 65). A arte possibilita a ampliação do nosso olhar em
99
relação à realidade circundante, promovendo o desenvolvimento da
nossa percepção.
Após essas considerações, ratifica-se a importância da escola
no desenvolvimento da percepção visual, ao ensinar a ver, ao
promover o acesso das crianças à arte literária, às artes visuais
presentes nos livros ilustrados, ao favorecer o conhecimento sobre os
elementos visuais, tornando possível a leitura das narrativas e uma
maior compreensão da realidade, qualificando o psiquismo das
crianças, pois: [...] só podemos ver aquilo que, em algum feitio ou
forma, nós já vimos antes. Só podemos ver as coisas para as quais já
possuímos imagens identificáveis como só podemos ler em uma
língua cuja sintaxe, gramática e vocabulário já conhecemos
(MANGUEL, 2001, p. 27).
1.6 Alfabetização visual: uma necessidade do contexto atual
Cabral (2021), amparado por Bakhtin, ressalta que a arte
não pode ter um caráter trivial, porque é carregada de valor
axiológico. No ato de fazer arte, o criador imprime os seus valores
no objeto estético por meio do seu projeto de discurso, assumindo o
seu ato responsivo ao reagir a um acontecimento e responsável ao
assumir o seu posicionamento social em relação ao mesmo
acontecimento. “Nesse processo possibilita ao outro compreender a
si mesmo, bem como ao outro, o que contribui para a formação da
consciência do outro contemplador, observador, leitor [...]” (p.
78).
Nesse sentido, Oliveira (2008, p. 35) afirma que a autêntica
arte é uma comunicação humana entre os homens, portanto, passível
de leitura e perfeitamente compreensível. Com essa compreensão, o
100
autor afirma que o professor, ao ter em mãos um livro ilustrado,
pode dialogar com seus alunos sobre questões objetivas que fazem
parte de qualquer experiência visual como a composição, a linha, a
textura, a cor, entre outras.
O autor afirma ainda que a leitura de uma imagem é uma
aptidão adquirida. Isso reforça o que foi argumentado em itens
anteriores, pois a aquisição de qualquer conhecimento não ocorre de
forma natural. Tanto a leitura da arte, das imagens como a leitura
das narrativas verbais, necessita de um processo de educação, ou seja,
a leitura de livros deve ser ensinada em sua plenitude.
O acesso, desde a Educação Infantil, às obras de arte é
fundamental, visto que, conforme Vigotski (2010ª), o meio consiste
em uma fonte de desenvolvimento das qualidades humanas, no qual
estão presentes as formas ideais de desenvolvimento elaboradas pela
humanidade no decorrer da história. O contato com as produções
mais desenvolvidas no caso, o contato com as obras de arte
literária possibilitará, desde o início, o desenvolvimento infantil.
É no contato com as obras de arte e pelas ações que são
realizadas a partir daí que se pode desenvolver na criança a
atitude estética, a qual deve ser objeto de educação, de formação
geral. Para que surja essa consciência, é necessário um mínimo
de aprendizado das técnicas implicadas em cada tipo de arte, -
a própria criação da criança e a cultura das suas percepções
artísticas (VIGOTSKI, 2010, p. 351).
Fischer (1959) afirma que o trabalho de um artista é um
processo consciente e racional em que a obra de arte é o resultado da
realidade recriada, e não um estado de inspiração embriagante. Desse
ponto de vista, para o desempenho de um trabalho artístico é
101
necessário que a pessoa tenha conhecimento, domine, controle e
transforme a experiência em memória; a memória em expressão e a
matéria em forma, pois a emoção para o artista não é tudo; ele
precisa saber tratá-la e transmiti-la; precisa conhecer as regras criadas
pelo entorno, convenções, procedimentos, recursos e formas.
Construímos a nossa “narrativa por meio de ecos de outras
narrativas, por meio da ilusão do autorreflexo, por meio do
conhecimento técnico e histórico, por meio da fofoca, dos
devaneios, dos preconceitos, da iluminação, dos escrúpulos, da
ingenuidade, da compaixão, do engenho” (MANGUEL, 2001, p.
28).
Ao considerar a arte como realidade recriada, e que
construímos nossas narrativas por meio de outras narrativas, refuta-
se as concepções que alegam que, para fazer trabalhos artísticos, é
preciso que a pessoa tenha inspirações divinas ou talento natural para
determinada forma de expressão. A criação artística e outras formas
de produção autoral estão atreladas às condições sociais e a qualidade
de educação que o indivíduo recebeu.
A partir dessa compreensão, pode-se pretender a educação
do sentimento estético das crianças, ensinando-lhes os conteúdos de
artes; as convenções e os procedimentos fundamentais para o
desenvolvimento desse sentimento, possibilitando-lhes condições de
apreciar, compreender, realizar leituras de obras literárias e das
imagens presentes nelas, como também criar suas próprias formas de
expressão e, assim, humanizarem-se.
Para que os livros de literatura sejam lidos e compreendidos
em sua plenitude e possam contribuir para o desenvolvimento das
funções psíquicas superiores, vejo a necessidade de um trabalho com
102
as imagens de forma significativa, para que a criança possa conhecer
o campo da linguagem visual e os seus elementos constitutivos.
Nesse processo é importante o contato com as produções
artísticas de tempos e espaços diferentes para se conhecer não apenas
o processo de produção na linguagem visual em contextos variados,
mas também o seu desenvolvimento histórico; observar a evolução
dos materiais e técnicas para melhor compreender as produções
atuais e adquirir repertório para realizar leituras e desenvolver a
atividade criadora.
No início das minhas argumentações em defesa da
importância da leitura de imagens, o meu foco era a busca de uma
leitura mais significativa dos livros ilustrados e das imagens presentes
neles. No decorrer dos estudos, pude também ampliar a minha visão
sobre a importância e a abranncia de uma “alfabetização visual”
para os dias atuais, pois, segundo Dondis (2015), a alfabetização
visual se tornou vital para o ensino dos modernos meios de
comunicação, podendo se tornar o componente crucial de todos os
canais de comunicação do presente e do futuro, visto que a câmera,
o cinema, a televisão, além dos meios visuais que ainda estão por vir,
modificarão não apenas a nossa definição de educação, mas a própria
inteligência, impondo uma revisão de nossa capacidade visual básica.
Desse modo, a capacidade para criar e compreender as
mensagens visuais está se tornando uma necessidade vital, devendo
ser considerada com seriedade na educação; ela precisa rever suas
concepções, suas práticas e evoluir.
Na verdade, a expressão visual é o produto de uma inteligência
extremamente complexa, da qual temos, infelizmente, um
conhecimento muito reduzido. O que vemos é uma parte
103
fundamental do que sabemos, o alfabetismo visual pode nos
ajudar a ver o que vemos e a saber o que sabemos (DONDIS,
2015, p. 27).
A autora afirma que existe uma sintaxe visual. Há linhas
gerais para a criação de composições, há elementos básicos que
podem ser aprendidos e compreendidos por todos, artistas ou não, e
que podem ser usados em conjunto com técnicas manipulativas para
a criação de mensagens visuais claras. Assim, o conhecimento de
todos esses fatores pode levar à maior compreensão das mensagens
visuais.
O alfabetismo visual não é um sistema tão lógico e preciso
quanto a linguagem verbal, os símbolos em seu âmbito visual são de
grande importância. Saber como eles funcionam no processo de
visão e de que modo são entendidos pode contribuir para a
compreensão de como podem ser aplicados à comunicação visual.
Assim, o conhecimento da linguagem visual e de sua
gramática é essencial para diferentes profissionais que utilizam a
criatividade em seu trabalho (VAZ; SILVA, 2016).
Em relação aos profissionais da educação, o conhecimento
da linguagem visual é relevante pelo fato de que a formação básica
da maioria dos professores e das professoras ser deficitária nessa área.
Desse fato resultam as dificuldades na articulação entre texto e
imagens, na compreensão de textos, filmes, jornais, entre outros,
segundo Merian e Giovanni (2006).
Segundo as mesmas autoras, existe uma estreita relação entre
condições objetivas precárias de vida familiar e precariedade de
capital cultural básico obtido na vida escolar. Se o professor não
possui os conhecimentos básicos sobre a linguagem visual, terá uma
104
compreensão limitada da realidade e dificilmente terá condições de
oferecer esses conteúdos às crianças.
Além disso, a evolução da tecnologia e dos meios de
comunicação, que se utilizam cada vez mais de imagens, faz com que
a linguagem visual esteja muito presente na vida das crianças desde
muito cedo.
Com isso surge outra questão, levantada por Oliveira
(2008), referente ao fato de que o significativo contato com as artes
visuais, possibilitado à criança por meio de belos livros ilustrados,
diariamente, é ameaçado em virtude do “primeiro encontro ser
comumente feito por meio de imagens vulgares e colonizadoras
representadas por alguns quadrinhos, figurinhas, seriados de TV e
até mesmo por livros didáticos mal ilustrados” (OLIVEIRA, 2008,
p. 43).
O autor também faz uma crítica em relação à ausência de
ensino de leitura de imagens nas escolas de ensino fundamental e eu
incluo a Educação Infantil, pois, estão priorizando a alfabetização
convencional sem atribuir o devido valor à linguagem visual.
Infelizmente priorizamos para as crianças, de forma a
perversa, o aprendizado da leitura de palavras como atestado de
alfabetização. Seria mais conveniente se, nas escolas de ensino
fundamental, a iniciação à leitura das imagens precedesse a
alfabetização convencional. Certamente teríamos no futuro
melhores leitores e apreciadores das artes plásticas, do cinema e
da TV, além de cidaos mais críticos e participativos diante do
universo icônico que nos cerca. A própria posterior
alfabetização convencional seria muito mais agradável às
crianças (OLIVEIRA, 2008, p. 29).
105
A partir dessas questões levantadas, é possível constatar que
a alfabetização visual, principalmente para nós professores e
professoras, por trabalharmos com a formação de pessoas torna-se
fundamental para termos condições de realizar melhores escolhas de
materiais visuais às nossas crianças, visando desenvolver a capacidade
de leitura, de expressão e de compreensão da própria realidade.
Todos os componentes dos meios visuais são relevantes para
escola de Educação Infantil no que toca ao desenvolvimento da
percepção, do pensamento visual, da capacidade de compreensão e
de expressão. Além disso, é preciso considerar que as crianças estão
nascendo em um contexto no qual a tecnologia reina e a linguagem
visual é muito requisitada. É comum observarmos crianças desde
cedo tendo acesso à TV, ao computador, ao celular, demonstrando
que a educação visual se faz cada vez mais necessária, não só para
ampliar a compreensão dos livros de literatura, mas para a
compreensão da própria realidade.
Após as considerações sobre todo o conteúdo deste capítulo,
é possível ver a importância da literatura para a formação humana.
Mas, para que o trabalho com o livro ilustrado se torne uma
atividade desenvolvente na Educação Infantil, será necessário um
olhar criterioso para a escolha de livros; as propostas pedagicas
devem ser intencionais, visando o desenvolvimento das funções
psíquicas superiores das crianças.
Abrantes (2011), em sua pesquisa de doutorado, constatou
que na mesma sociedade produtora de livros de qualidade
questionável e com posicionamentos que privilegiam a produção da
passividade da criança, disciplina cega e obediência, também é
possível encontrar produções contrárias a essa posição, privilegiando
106
o questionamento, o inconformismo contra injustiças e revelando
contradições inerentes ao modo atual de reprodução da existência,
caracterizando-se como “instrumentos” a serviço da emancipação
humana.
A literatura, como afirma Andruetto (2012, p. 62), é “uma
das expressões mais importantes da cultura e uma construção social
que dá coesão e valor aos habitantes de um país e que, como tal,
precisa ser cuidada, estimulada e protegida por todos”.
A autora argumenta que a qualidade dos produtos fabricados
e vendidos para esse mercado depende em muito da qualidade dos
leitores que os professores conseguem formar:
A indústria existirá, então, igual e melhor igual, digo, em sua
produção, ou a mais potente -, mas editando livros de melhor
qualidade, se conseguirmos melhores destinatários, ou seja, se
formarmos leitores mais interessados, mais críticos, mais
entusiastas e mais seletivos (ANDRUETTO, 2012, p. 65).
Diante disso, percebe-se a importância de oferecer o que há
de melhor às crianças e, para que a prática escolar seja condizente
com esse objetivo, é fundamental ainda a formação continuada do
professor para apropriação dos conhecimentos sobre a arte literária;
o acesso a diversos tipos de livros para que, no momento de
selecionar livros para as suas práticas pedagógicas, suas escolhas
ocorram de forma consciente.
Com o objetivo de desenvolver essa ideia, farei no próximo
capítulo uma reflexão sobre a formação de professores e apresentarei
o experimento didático-formativo de formação de professores em
arte literária especificamente com o tema livro ilustrado.
107
Capítulo 2
FORMAÇÃO DE PROFESSORES E O
EXPERIMENTO DIDÁTICO-FORMATIVO COM
A ARTE LITERÁRIA
A maior riqueza do homem é a sua incompletude.
Nesse ponto sou abastado.
Palavras que me aceitam como sou eu não aceito.
Não aguento ser apenas um sujeito que abre
portas, que puxa válvulas, que olha o relógio, que
compra pão às 6 horas da tarde, que vai lá fora,
que aponta lápis, que vê a uva etc. etc.
Perdoai. Mas eu preciso ser Outros.
Eu penso renovar o homem usando borboletas.
(Manoel de Barros, 1998)
Na perspectiva da THC, o homem é um ser em constante
formação e a única aptidão com que nasce é a de desenvolver novas
aptidões, ou seja, as diversas capacidades. Para que isso ocorra, é
preciso o acesso ao conhecimento e à produção cultural. Em relação
aos profissionais da educação, acredito que uma possibilidade para
esse acesso é a formação continuada no ambiente de trabalho.
Pretendo nesse capítulo falar um pouco sobre a formação de
professores, refletir sobre alguns desafios, apresentar o planejamento
do experimento didático-formativo e os conteúdos para a formação
de professores e o seu desenvolvimento.
108
O experimento didático-formativo, conforme Freitas
(2010), é um método que consiste em investigar as mudanças no
desenvolvimento do psiquismo por meio da formação dirigida dos
processos psicológicos investigados e coloca em prática uma
intervenção pedagógica, visando a promover as ações mentais do
educando para que haja mudanças em seus esperados níveis futuros de
desenvolvimento.
A ideia que orienta o experimento didático-formativo,
conforme Aquino (2017), é que o processo de ensino e
aprendizagem, organizado de forma consciente e intencional, eleva
a qualidade da aprendizagem e do desenvolvimento integral dos
educandos. Assim, esse método visou a potencializar a aprendizagem
e o desenvolvimento dos participantes desta pesquisa.
2.1 Formação de professores e a promoção do desenvolvimento
humano
A opção por refletir sobre a formação de professores justifica-
se pelo fato de que, a precariedade da formação inicial e continuada
dos professores, que se foi constituindo historicamente, tem se
apresentado como um grande desafio, entre outros existentes e que
afetam a educação. Disso decorre a necessidade de investir em ações
que contribuam para a melhoria da formação e qualificação de
professores. Assim, tentarei levantar algumas questões sobre a
formação de professores e professoras, sobre a importância de se ter
a consciência dos problemas presentes nas escolas em decorrência da
formação deficitária, visando a superá-los e provocar mudanças.
A escola e os professores desempenham papel essencial na
formação da criança, porque o desenvolvimento não ocorre de forma
109
natural; as crianças, para se desenvolverem, precisam assimilar a
cultura humana, as experiências sociais, os conhecimentos, as
aptidões e as qualidades psíquicas do homem. Portanto, “a criança
não pode integrar-se à cultura humana de forma espontânea.
Consegue-o com a ajuda contínua e a orientação do adulto no
processo de educação e de ensino” (MUKHINA, 1996, p. 40).
É importante lembrar que o ser humano e seu psiquismo “se
formam sob condições que são histórico-sociais, isto é, os processos
intrapsíquicos derivam dos processos interpsíquicos por meio da
internalização dos signos” (MARTINS, 2012, p. 456). E é com base
nesse conhecimento que podemos destacar o papel do ensino e da
educação como fundamental à humanização dos indivíduos. O ser
humano só se torna humano, de fato, se, adquire as propriedades
representativas das máximas conquistas do seu gênero.
Nesse sentido, será imprescindível que todos os conteúdos a
que a criança ou adulto deve ter acesso sejam pensados, planejados e
sistematizados, visando à apropriação de conhecimentos, à
compreensão e à formação de sentidos e à capacidade de operar com
os signos. Assim, o desenvolvimento humano nas diversas áreas do
conhecimento, inclusive no artístico, literário, só será possível se a
criança e o adulto forem inseridos num meio social que lhes ofereça
condições favoráveis de acesso e aprendizagem.
É importante lembrar que o pedagogo é considerado
professor generalista e tem como função trabalhar com as diversas
áreas do conhecimento, tanto na Educação Infantil como no Ensino
Fundamental. No entanto, por meio de práticas e relatos de
professores, é possível perceber que os cursos de graduação nãom
dado conta da formação nas diversas áreas, e o que contribui para
110
esse quadro, trata-se da formação deficitária desde o ensino básico
dos professores, segundo Marin e Giovanni, (2006). Por
consequência, a falta de conhecimento resulta na reprodução e
perpetuação de práticas mecânicas e sem sentido nas escolas.
Se o professor não possuir o conhecimento específico de cada
área do conhecimento e sobre o desenvolvimento humano,
dificilmente terá condições de escolher os conteúdos de forma
intencional, para elaborar um planejamento pretendendo a
promoção do desenvolvimento da criança, ou seja, o seu ato de
ensinar estará comprometido.
Outra questão que contribui para um ensino fragilizado é a
constituição histórica das escolas de Educação Infantil e as
concepções que ainda hoje impregnam esse segmento. Segundo
Pasqualini e Martins (2008), a Educação Infantil ainda é uma tarefa
a se realizar no Brasil, na medida em que os modelos de Educação
Infantil implantados não são representativos daquilo que deveria ser
o trabalho educativo com esta faixa etária, visto que, historicamente,
a Educação Infantil vem sendo compreendida tanto como
equipamento de caráter assistencial-custodial quanto como
estratégia de combate à pobreza, prevenção do fracasso escolar,
preparação para o Ensino Fundamental ou mesmo sua antecipação.
Talvez uma possibilidade para se pensar na superação desse
cenário da Educação Infantil seja a promoção do acesso das escolas
às pesquisas, aos grupos de estudos, a cursos de formação de
professores e, por meio de cada trabalho de formação, explicitar a
importância do papel da educação na formação e na promoção do
desenvolvimento da criança, para que todos os envolvidos nesse
processo tenham consciência de sua responsabilidade social e possam
111
refletir sobre qual modelo de pessoa ou de sociedade pretendem
formar.
Em minha história de formação, percebo que também sou
fruto da mesma escola tradicional em que a maioria dos professores
se formou. Mas, foi por meio da contribuição de outros professores,
de estudos, pesquisas, trabalhos teóricos e práticos é que ocorreram
as mudanças mais significativas em minhas concepções e práticas
pedagógicas. Pude, também, adquirir maior convicção sobre a
importância da Educação Infantil na promoção do desenvolvimento
das crianças e, por isso, tenho fortes motivos para acreditar que, para
as escolas cumprirem de fato esse papel no desenvolvimento
humano, será essencial garantir uma formação consistente aos
professores desse segmento.
Ao assumir o cargo de diretora de escola de Educação
Infantil, assumi também a responsabilidade de promover a formação
continuada dos professores da unidade escolar; percebi a necessidade
de também me inserir no processo de formação continuada, porque
nessa concepção de desenvolvimento, a de que estamos em constante
formação, há sempre muito o que aprender, a pesquisar e estudar
para que as práticas pedagógicas sejam cada vez mais coerentes com
as necessidades de nossas crianças. Não vejo outra possibilidade, ao
pensar em mudanças, que não a de percorrer o caminho dos estudos
e de formação uma vez que é necessário adquirir o conhecimento
para compreender a realidade; ter consciência dos problemas e dos
desafios para buscar formas de superá-los, criando condições para
transformar essa realidade.
Por isso, nesse processo de formação, é fundamental a
apropriação de uma teoria sobre o desenvolvimento humano para
112
que as práticas sejam realmente eficazes para a promoção do
desenvolvimento das máximas capacidades humanas. Nesse sentido,
Pasqualini (2010) defende a relevância de conhecer as conquistas
essenciais de cada momento do processo, as leis gerais que regem o
desenvolvimento psíquico, bem como as circunstâncias particulares
de desenvolvimento das crianças, porque são esses aspectos que
possibilitarão ao professor um norte para a escolha dos conteúdos e
as formas de trabalho, intencionando à promoção do
desenvolvimento psíquico a cada momento. Será preciso, também,
por parte do professor, uma compreensão teórica sobre o conteúdo
a ser ensinado; que o professor domine sua essência em termos
conceituais para elaborar suas ações pedagógicas.
O conteúdo do ensino e a forma de ensinar devem levar em
consideração a criança ou ao adulto a quem se ensina, o destinatário
do ato educativo, ou seja, ao se elaborar um plano, o professor deverá
considerar a tríade: forma - conteúdo - destinatário. Essa ideia foi
sintetizada e formulada por Martins (2013, p. 297), como exigência
primeira do planejamento do ensino. De acordo com a autora,
“nenhum desses elementos, esvaziados das conexões que os
vinculam, pode, de fato, orientar o trabalho pedagógico”. Nesse
sentido, para que o professor ou a professora tenha domínio de suas
ações pedagógicas, segurança ao elaborar seus planejamentos de
forma intencional para promover a educação desenvolvente, se
essencial a apropriação do conhecimento sobre o conteúdo, a forma
e o destinatário.
Como tornar possível essa apropriação de conhecimentos
por parte dos professores e professoras? Como fazer chegar tais
conhecimentos à escola de educação básica? Ao observar a realidade
113
escolar, de forma geral, é possível perceber que a educação brasileira
enfrenta diversos desafios em relação à formação de professores,
resultando em muitas lacunas e, consequentemente, o baixo nível de
apropriação dos conhecimentos considerados essenciais para
possibilitar uma aprendizagem desenvolvente à criança.
Para solucionar o problema da qualidade da formação
profissional, conforme Silva (2014), para além das prescrições legais,
devem ser consideradas também as condições históricas reais nas
quais se exerce a profissão de professor. O autor destaca dois polos
do problema: O primeiro é o descaso das políticas educacionais
brasileiras para a formação básica das classes populares,
historicamente sob a responsabilidade de professores leigos,
obedecendo ao princípio de que, para as classes populares, bastaria a
formação elementar. O segundo refere-se às condições adversas para
o exercício da profissão no ensino básico, ao baixo reconhecimento
social da profissão, o que resulta na baixa procura por cursos de
licenciatura, evasão e altos índices de licença no trabalho.
O autor chama a atenção, ainda, para o fato de que a escola
que se submete às demandas de mercado, tem sua função restrita e
esvaziada. Não haveria, portanto, a necessidade de muitos anos de
escolaridade básica para formatação das classes populares para
engajá-las no sistema de produção, na formação de mão de obra
semiespecializada. Assim, “Não se justificariam investimentos na
formação e professores capacitados à formação omnilateral, de todos
os lados [...], em oposição à formação unilateral dirigida para a
técnica ou alguma outra dimensão, exclusivamente” (SILVA, 2014,
p. 87).
114
Merian e Giovanni (2006) destacam que apenas na década
de 1990 e início dos anos 2000, com a Lei nº 9.394/1996 que fixa
as Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), surgiram os
novos modelos de formação de professores, representados pelos
Institutos Superiores de Educão e pelo Curso Normal Superior.
Houve a normatização da formação em âmbito superior, indicando
o preparo de professores para a Educação Infantil e anos iniciais do
Ensino Fundamental. Entretanto, as autoras citam que esses cursos
implantados em diversas instituições por todo o país foram
marcados “por três traços de cultura: cultura do aligeiramento,
cultura da ambiguidade e cultura da racionalidade técnica”
(MERIAN e GIOVANNI, 2006, p. 139).
A partir da LDBEN de 1996, Fernandes (2014) afirma que
houve um amplo espaço para a divulgação das novas diretrizes para
os cursos de formação de professores, mas essas diretrizes foram
vinculadas ao discurso da necessária organicidade e identidade dos
cursos de formação, pautadas pela cisão teoria/prática e com ênfase
nas discussões descoladas da realidade escolar. Tais mudanças
ocorreram sem uma discussão coletiva, desconsiderando as
condições de trabalho e a cultura escolar presentes nas instituições
de ensino. Sendo assim, as diretrizes não possibilitaram a superação
dos problemas relacionados à formação de professores. Houve ainda
uma submissão às demandas de mercado, que:
Apoiados na prática dissociada da reflexão teórica, no
pragmatismo exacerbado e na pedagogia das competências, os
cursos, notadamente nas instituições privadas, passaram a fazer
da formação de professores uma mercadoria à disposição dos
consumidores, inclusive com a utilização dos recursos dos sites
115
de compras coletivas para divulgação e venda de produtos
(FERNANDES, 2014. p.112).
É um grande equívoco pensar a prática dissociada da reflexão
teórica, visto que ambas estão em relação. Saviani (2005) afirma que
a prática será mais coerente e consistente, mais qualitativa e mais
desenvolvida quando a teoria que a embasa for mais consistente e
desenvolvida e que uma prática será transformada se existir uma
elaboração teórica, justificando a necessidade da sua transformação,
propondo as formas de transformação. Isso significa pensar a prática
a partir da teoria. O autor destaca, ainda, a necessidade de se fazer o
caminho inverso; pensar a teoria a partir da prática, pois “se a prática
é o fundamento da teoria, seu critério de verdade e sua finalidade,
isto significa que o desenvolvimento da teoria depende da prática
(SAVIANI, 2005, p. 108). Nesse sentido, se as condições da prática
são precárias, também se criam desafios para o desenvolvimento da
teoria.
A formação de professores, segundo Fernandes (2014),
continua centralizada nas instituições privadas que estão usando das
aberturas legais para a flexibilização do ensino superior. Algumas
dessas instituições oferecem cursos de três anos, com períodos de
duração das aulas encurtadas, contratação reduzida de professores.
Além de problemas com a titulação dos docentes contratados,
montam núcleos comuns que juntam alunos de vários cursos com
um único professor, resultando em problemas que interferem na
formação dos alunos e criando lacunas com o risco de comprometer
as futuras gerações. Além disso,
116
Ao se formarem em instituições com grandes fragilidades, os
professores passam de vítimas a vilões, já que, ao irem para o
mercado de trabalho, se tornarão alvo de culpa e julgamentos
sociais, recebendo críticas acerca dos parcos conhecimentos que
dominam, o que refletirá no processo ensino-aprendizagem dos
alunos da educação básica (FERNADES, 2014, p. 114).
A autora também afirma que, por recomendações dos
organismos internacionais, a formação de professores deve ser rápida
e complementada posteriormente com a formação continuada.
Dessa forma, a responsabilidade de continuidade dessa formação é
transferida para o professor ou para as escolas.
Na perspectiva do organismo internacional, trabalhadas de
forma separada, as lacunas iniciais devem ser superadas com
esforços próprios dos professores que são encarados como
empresários de si mesmos (Ball, 2005) ou, por sua vez, das
escolas a quem são transferidas as responsabilidades de
formação que não foram cumpridas direta ou indiretamente
pelo poder público (FERNANDES, 2014, p. 117).
Penso que ter consciência sobre o processo de formação no
Brasil, o que o torna frágil e os principais desafios, seja importante
para todos os envolvidos com a educação, porque somos frutos desse
processo de formação e, ao refletirmos sobre ele, teremos condições
de obter maior compreensão da atual realidade educacional, da nossa
própria constituição como professores, de nossas concepções e
práticas, do motivo de nossas dificuldades e do que precisa ser
superado.
Merian e Giovani (2006) afirmam que o crescimento da
escolarização na denominada “escola de massas”, faz aumentar as
117
desigualdades reais, colaborando para perpetuar e aumentar as
desigualdades pelas quais os futuros professores serão responsabi-
lizados. Tal processo será intensificado devido às inúmeras turmas
de alunos que passarão por eles e à condição que permeará suas
práticas, ou seja, a falta de preparo escolar e cultural.
Contra essa tendência de aligeiramento do ensino destinado
às camadas populares, segundo Saviani (2006), será preciso defender
o aprimoramento do ensino destinado justamente às camadas
populares, por meio da priorização do conteúdo. “Os conteúdos são
fundamentais e sem conteúdos relevantes, conteúdos significativos,
a aprendizagem deixa de existir, ela transforma-se num arremedo,
ela transforma-se numa farsa” (SAVIANI, 2006, p. 55).
Nesse contexto de aligeiramento do ensino, é possível
visualizarmos a lógica do capital impregnando a formação de
professores, com a intenção de conservar a atual sociedade.
Também o professor deve ser padronizado, um operário a mais.
De pequena qualificação, pois muitos estão se formando em
faculdades de fim de semana. O processo de ensino precisa ter
a objetividade da produção industrial. Adotem-se, portanto,
objetivos concretos, pequenos, mensuráveis; façam-se
detalhados planejamentos de ensino. E disseminem-se manuais
coloridos, ilustrados e, acima de tudo, com livros do professor.
Com exercícios e perguntas e, acima de tudo, com respostas
[...]. Assim que o professor, tornado indiferenciado, for
dispensado, qualquer outro assume o seu posto, verifica o
caminho já percorrido e segue para o item seguinte do
planejamento [...] (OLIVEIRA, 1998, p. 22)
118
O empobrecimento do trabalho promovido pela alienação,
como aponta Martins (2012), expressa-se na dimensão objetiva, no
não atendimento da função social da atividade e, também, na
dimensão subjetiva, expressa nos sentimentos de falta de sentido e
de impotência, perda de esperança, de ideais. Por consequência, esses
sentimentos resultam em diferentes formas de sofrimento
psicológico ou outras formas de adoecimento dos professores.
Além disso, ao romper a articulação entre o trabalho e seu
resultado, a alienação cria grandes contradições na existência
humana, pois as pessoas deixam de ser sujeitos do desenvolvimento
de suas capacidades individuais, do seu destino, não desenvolvendo
sua atividade criadora nem a autoria de suas práticas pedagógicas,
convertendo-se em meros executores de tarefas. Apenas retomando
para si o controle consciente das transformações das circunstâncias e
de si mesmos, as pessoas estarão a caminho da superação da alienação
e das dissonâncias entre as dimensões objetiva e subjetiva do trabalho
social” (MARTINS, 2012, p. 464).
É importante reforçar, com base na citada autora, que o
produto do trabalho educativo se revela na promoção da
humanização dos homens, ou seja, na formação humana. Por isso é
fundamental a superação da alienação e o despertar de uma
consciência para a relevância da defesa do exercício da atividade
criadora dos professores, visto que:
A alienação, por exemplo, do operário da indústria
automobilística não compromete a qualidade do automóvel
que ele contribui para construir, mas a alienação do trabalhador
professor interfere decisivamente na qualidade do produto do
seu trabalho. O trabalho educativo pressupõe o homem diante
119
de outro homem de quem não pode estar estranho (alienado),
fundando-se numa relação que é por natureza interpessoal e
mediada pelas apropriações e objetivações desses homens
(MARTINS, 2011a, p. 5).
Sem a superação da alienação, as camadas populares
continuarão se formando a partir de conteúdos de aprendizagem
limitados, o que contribui para a manutenção do status quo,
portanto, de uma formação para a desumanização. Dessa forma, é
essencial que o professor ou a professora compreenda e se veja como
pertencente a uma classe social que, provavelmente, não é a
dominante e tenha conhecimento “da ideologia de dominação e a
explicitação da existência de apenas duas alternativas: ou se está a
serviço da manutenção do status quo da classe dominante ou a serviço
da luta pela abolição da sociedade de classe, isto é, do capitalismo
(MARTINS, 2012, p. 460).
Trata-se de uma questão bem complexa. Segundo a autora,
a reprodução até hoje bem-sucedida das condições de dominação
demonstra a poderosa força ideológica que, com seus inúmeros
meios e métodos, mobiliza os indivíduos que, mesmo sem
compreendê-la, atuam em seu favor. Assim:
(...) toda formação escolar deveria equipar os indivíduos com a
ideologia da classe a que pertencem para que possam se alinhar
à causa de sua própria emancipação. Mas, para tanto, essa
formação precisa promover a apropriação dos conhecimentos
historicamente acumulados, da cultura científica e teórica-
técnica, condição preliminar para a decodificação do real, para
a interpretação dos fatos, para a superação das aparências,
enfim, para a implementação da práxis (MARTINS, 2012, p.
461).
120
A temática sobre a formação de professores não se esgota
aqui. É muito mais ampla, mas não é meu objetivo aprofundar o
assunto neste trabalho, mas apenas tentar direcionar um pouco o
olhar para a nossa constituição enquanto profissionais da educação
e contribuir para a compreensão sobre as relações que permearam a
nossa formação; para o porquê das lacunas em nossos
conhecimentos, das nossas dificuldades e para a necessidade de
superá-las.
Para concluir a reflexão sobre a importância de ter
consciência dos fatos, podemos fazer um pequeno exercício de
memória e ilustrar a questão sobre a constituição do professor, a
nossa constituição, realizando uma retrospectiva de nossa própria
formação, desde a educação básica. Lembrando que somos seres
histórico-sociais, como foi a nossa formação? E quais os resultados
dessa formação?
Penso que todos possuem uma lembrança de algum
conteúdo que não compreenderam, de que não conseguiram se
apropriar ou de alguma disciplina que deixou lacunas e, no exercício
do magistério, perceberam a necessidade e a importância desse
conteúdo. Posso exemplificar a partir de minhas vivências. Iniciei o
meu percurso escolar a partir do ensino fundamental e, ao pensar
rapidamente sobre todo o percurso de formação, constato que essas
lacunas foram sendo geradas desde o início da minha história escolar,
inclusive em relação ao conteúdo das diversas áreas do conhecimento
como: artes, literatura, língua portuguesa, matemática, história,
entre outras.
Lembro que, nesse processo, as avaliações eram classifica-
tórias e os alunos eram categorizados entre bons e ruins, de acordo
121
com a nota. A avaliação não tinha o objetivo de verificar o conteúdo
que o aluno não sabia para, em seguida, ensiná-lo. Para exemplificar
essa questão, cito uma área específica em que o ensino foi mais
precário para mim: a matemática. Lembro-me que a memorização
era priorizada e incentivada. Assim, para conseguir fazer as atividades
eu tinha que decorar os conteúdos sem compreendê-los direito e
conseguia atingir a nota necessária para passar de ano, que poderia
ser a média. Então, o conjunto das avaliações, embora apresentasse
notas médias ou abaixo desse padrão, não servia para resgatar os
conteúdos não aprendidos pelos alunos. Novos conteúdos eram
apresentados, deixando lacunas no processo de aprendizagem.
Este pequeno, mas significativo exemplo, demonstra que tais
práticas ao priorizar apenas a memorização e a transmissão dos
conteúdos de forma mecânica não contribuíram para a
compreensão e a apropriação dos conhecimentos na referida área.
Também não contribuíram para qualquer outra área do
conhecimento, dado que essas práticas também eram recorrentes,
criando outras lacunas que resultavam em conhecimento superficial.
O conhecimento adquirido por métodos transmissivos e de
memorização, conforme Libâneo (2004), não se converte em
ferramenta para lidar com a diversidade dos fenômenos e situações
que ocorrem na vida prática. O ensino mais ativo e eficaz para a
formação da personalidade é aquele que se baseia no
desenvolvimento do pensamento teórico, e:
Trata-se de um processo pelo qual se revela a essência e o
desenvolvimento dos objetos de conhecimento e, com isso, a
aquisição de métodos e estratégias cognitivas gerais de cada
ciência, em função de analisar e resolver problemas e situações
122
concretas da vida prática. O pensamento teórico se forma pelo
domínio dos procedimentos lógicos do pensamento, que, pelo
seu caráter generalizador, permite sua aplicação em vários
âmbitos da aprendizagem (LIBÂNEO, 2004, p. 16).
Refletir, enfim, sobre o que foi levantado e denunciado pelos
diversos pesquisadores da educação em relação à formação de
professores; sobre as lembranças do nosso processo de formação,
sobre algumas práticas que foram utilizadas conosco, os resultados
de tais práticas e sobre a intencionalidade do sistema vigente na
limitação dos conteúdos nas formações, possibilita maior
compreensão sobre a nossa constituição enquanto ser humano e
profissionais da educação.
Nesse contexto, torna-se fundamental ao profissional da
educação ter a consciência de pertencer a uma classe social, que não
é a classe dominante e que, para se emancipar, terá que deixar de ser
passivo e indiferente, superando a condição de mero executor, de
alguém que somente segue apostilas e livros didáticos para tornar-se
sujeito autor, movendo-se em busca de novos caminhos e evitando
a reprodução das práticas equivocadas do passado, ou seja, aprender
a partir de sua própria história, promovendo o seu desenvolvimento
e construindo uma nova realidade.
Além dessas considerações, chegar à consciência dos
problemas e dos desafios poderá ser um ponto de partida para
superá-los, lembrando que, em relação à educação, nós, professores,
sempre nos situaremos nesse processo de formação continuada como
participantes e promotores de formações. Dependendo da nossa
opção, será possível colaborar ou não para o movimento da história
e para a promoção do desenvolvimento humano.
123
2.1.1 O desafio de trabalhar com a arte literária na
Educação Infantil
Com as considerações anteriores, é possível constatar que a
educação no Brasil, de forma geral, apresenta muitos desafios que se
refletem na Educação Infantil, já que tudo está concatenado. Além
das questões levantadas sobre a formação geral do professor, outros
desafios também surgem em decorrência desse processo como o
ensino da arte literária e artes visuais, por meio do livro ilustrado,
nesse segmento.
O trabalho com a arte literária e artes visuais constitui grande
desafio, porque a formação inicial e a formação profissional do
pedagogo, como já foi ressaltado anteriormente, possui lacunas, e
não seria diferente nessas áreas. O professor ao deparar-se com uma
turma de Educação Infantil, sendo um educador generalista, terá
que trabalhar com conteúdo das diversas áreas do conhecimento,
inclusive com as linguagens artísticas. E nesse momento surgem
muitas dificuldades e equívocos nas práticas.
Lembro que o trabalho com a arte possibilita o desenvolvi-
mento das funções psíquicas superiores e a criança ou o adulto
poderá atuar como sujeito ativo, autor de suas produções, pois “se o
homem, como ser verdadeiramente humano, é sobretudo um ser
criador, a arte é uma esfera onde essa potência de criação se explicita
renovada e ilimitadamente [...] graças à arte, enriquece-se e
aprofunda a nossa relação com a realidade(VÁZQUEZ, 1978, p.
114). Assim, o trabalho com a arte na escola se torna essencial.
A formação deficitária em relação à arte, desde o ensino
básico, resulta em ações pedagógicas que na maioria das vezes são
atos espontâneos ou de exercícios mecânicos. Como exemplo, nas
124
artes visuais, ainda é muito comum a pintura em desenhos prontos,
atividades meramente de coordenação motora e cópias. Tais ações
impedem que as crianças desenvolvam a imaginação, o pensamento
e a atividade criadora, formadoras das bases para a constituição do
sujeito autor. Esse mesmo processo pode ser observado nos trabalhos
com a linguagem verbal em que poucas são as práticas que
incentivam ou promovam o desenvolvimento da capacidade autoral.
Dessa forma, a potência de criação não é considerada e a
relação com a realidade torna-se limitada. É como se uma lente
“embaçada” mediasse a relação entre a realidade e o sujeito,
comprometendo sua compreensão de mundo.
Para melhorar esse cenário, faz-se necessário a formação
continuada de professores, possibilitando condições de se
apropriarem do conhecimento teórico para assumi-lo tanto no
discurso como na prática. Mas de que forma? “Entre a teoria e a
atividade prática transformadora se insere um trabalho de educação
das consciências, de organização dos meios materiais e planos
concretos de ação; tudo isso como passo indispensável para
desenvolver ações reais efetivas(VÁZQUEZ, 2011, p. 237).
Toda ação verdadeiramente humana, de acordo com
Martins (2012), pressupõe a consciência de uma finalidade que
precede a transformação concreta da realidade.
A atividade essencialmente humana é ação material, consciente
e objetiva, ou seja: é práxis. [...] que outra coisa não é, senão a
real dimensão autocriativa do homem, manifestando-se tanto
em sua ação objetiva sobre a realidade quanto na construção de
sua própria subjetividade (MARTINS, 2012, p. 457).
125
Segundo Rubinstein (2017), para o desenvolvimento do
homem e para o processo da educação é de fundamental importância
o crescimento da consciência. Ter consciência significa conhecer,
compreender os caminhos e as leis de desenvolvimento da sociedade,
as causas das dificuldades e as maneiras de supe-las. É ser
consciente:
[...] quem tem por inimigo inconciliável tudo quanto suje e
enfeie a vida humana. Uma consciência autêntica e eficaz
significa também o que acabamos de dizer. Formar no homem
essa atitude ante a vida constitui uma das tarefas capitais da
educação, e isso significa prestar uma ajuda real à edificação de
uma nova sociedade, à criação de certas relações novas e
humanas entre os indivíduos (RUBINSTEIN, 2017, p. 128).
Todo indivíduo é ao mesmo tempo objeto e sujeito da
educação. O citado autor afirma que o processo educativo é
inseparável da própria vida dos seres humanos, sendo que toda ação
humana se reflete no destino de outros indivíduos, contendo uma
determinada carga moral, positiva ou negativa. Exerce um
determinado efeito educativo, por isso a importância de que cada
pessoa tenha consciência de seus atos e os avalie.
Miller (2012) argumenta que é por meio do conhecimento
historicamente acumulado que se desenvolve o pensamento
científico, a consciência, que permite ao homem ver e pensar o
mundo para além das ideias pré-concebidas, das crendices, dos
tabus, das idiossincrasias, do senso comum, entre outros aspectos.
É preponderantemente por esse conhecimento que se
desenvolvem as consciências dos homens que passam a ter a
126
possibilidade de analisar e criticar o mundo das complexas
relações sociais, econômicas e culturais à sua volta e,
consequentemente, maior possibilidade de êxito ao inserir-se
nesse mundo (MILLER, 2012, p. 484).
Conforme Saviani (2012, p. 108), “quem faz o sistema são
os homens quando assumem a teoria na sua práxis. E quem faz o
sistema educacional são os educadores quando assumem a teoria na
sua práxis educativa”. Fica evidente, portanto, a relevância de uma
educação das consciências, de meios e planos de ações concretas,
para possibilitar a apropriação do conhecimento e, por
consequência, a prática transformadora.
Nesse sentido, a apropriação dos conteúdos das diversas
áreas do conhecimento, sejam eles filosóficos, científicos ou
artísticos, torna-se imprescindível para o professor, visto que, para
Saviani (2006), priorizar os conteúdos é a única forma de lutar
contra a farsa do ensino. O que isso significa?
[...] o domínio da cultura constitui instrumento indispensável
para a participação política das massas. Se os membros das
camadas populares não dominam os conteúdos culturais, eles
não podem fazer valer os seus interesses, porque ficam
desarmados contra os dominadores, que se servem exatamente
desses conteúdos culturais para legitimar e consolidar sua
dominação (SAVIANI, 2006, p. 55).
Ao defender essa ideia sobre a importância da apropriação
do conteúdo cultural, o objetivo é promover o desenvolvimento do
ser humano em sua integralidade, com autonomia, com a
capacidade criadora desenvolvida, para que seja possível criar as
127
condições necessárias para a transformação de sua realidade. No
entanto, para alcançar tal objetivo, penso que o conteúdo não pode
ser simplesmente transmitido como num ato mecânico; é
fundamental que qualquer conteúdo da Educação Infantil ou de
outros segmentos seja pensado, questionado, refletido, dialogado
com os alunos para que lhes faça sentido, para que se torne parte de
sua individualidade como instrumento de emancipação, pois eles são
os destinatários da educação.
Procurei trazer para a formação continuada do professor esse
mesmo pensamento sobre a educação e a importância da apropriação
dos conteúdos, porque ao possibilitar a apropriação de
conhecimentos que façam sentido ao professor, é possível que se
motivem a realizar as mudanças necessárias em suas práticas. Ao
dominar qualquer tipo de conhecimento, segundo Leontiev (1978),
o que tem importância decisiva é saber qual lugar ocupa o
conhecimento na vida do homem; se para ele é parte de sua autêntica
vida, como órgão de sua individualidade, ou somente uma condição
externa desta.
O sentido do trabalho educativo, tanto para os professores
como para as crianças, é fazer com que os conteúdos se tornem
órgãos de sua individualidade; é desenvolver nas pessoas uma relação
de respeito ao que estuda para que os conhecimentos se tornem
vivos. É preciso educar a atitude para com os conhecimentos, pois
esta é a essência do caráter consciente do estudo (LEONTIEV,
1978).
Não é possível contribuir para a formação integral das
pessoas se houver privação de acesso aos conteúdos culturais e
teóricos, resultando em limitações na compreensão da realidade, que
128
possivelmente terão como recurso de análise dos fatos e dos
acontecimentos, apenas o conhecimento empírico. O pensamento
empírico, segundo Martins (2011), se constitui com a representação
derivada diretamente da atividade sensorial do homem, expressa
verbalmente por palavras denominadoras, sendo uma forma
primária de se pensar que envolve as características distintas do
objeto tal como se revela em sua existência presente e imediata.
Por consequência, as pessoas que possuem apenas o
conhecimento empírico como referência poderão se tornar um alvo
fácil para os interesses e manipulação da classe dominante,
conduzindo-os facilmente à crença em notícias falsas (fake news), em
dogmas, a negação dos fatos, a negação da ciência, a negação da
educação, gerando a intolerância, a violência, a barbárie, a
indiferença em relação aos problemas sociais e a outras formas
desumanas de ação. Por isso, torna-se necessário combater,
relembrando e reforçando as palavras de Rubinstein (2017, p. 128),
tudo quanto suje e enfeie a vida humana”. O professor tem um
papel fundamental nessa luta, devido à especificidade de seu
trabalho: a formação de pessoas.
Penso que, por meio da formação continuada e da
apropriação do conhecimento, poderemos vislumbrar um momento
em que o professor consiga olhar para uma criança em sua
totalidade, como ser ativo, pensante e capaz. E tenham condições de
criar ações promotoras do desenvolvimento integral das crianças e
possibilitem a transformação da realidade.
Uma via para que esses conhecimentos cheguem até a escola
de educação básica, segundo penso, seria um diálogo entre a
universidade e as escolas de diversos segmentos que resultaria em
129
pesquisas formativas, cursos de formação de professores, divulgação
e compartilhamento de materiais, grupos de estudo para os
professores do ensino básico, entre outros. Porque, conforme o
relato das próprias professoras de educação básica, na maioria das
vezes, o conhecimento produzido nas universidades não chega às
escolas. Dessa forma, vejo esta pesquisa como uma possibilidade de
diálogo entre a universidade e a escola de Educação Infantil, por
meio de um trabalho de cooperação que promova o
desenvolvimento de todos os envolvidos.
Ao pensar sobre o momento crítico pelo qual passamos, em
função do contexto político e educacional vigente, vimos que muito
tem contribuído para o aumento da desvalorização e precarização do
ensino público; mais uma tentativa de converter a educação em
mercadoria, desqualificar o conhecimento e a ciência por meio da
negação de seus valores
É visível a necessidade urgente de nos colocarmos cada vez
mais na resistência e na luta em favor de uma educação pública que
acreditamos ser de qualidade, comprometendo-nos com a garantia
dos conteúdos. E, assim, seguir persistentemente em direção aos
nossos sonhos e desejos de que, em breve, as práticas escolares
possam trazer contribuições reais ao desenvolvimento integral das
crianças os futuros adultos proporcionando-lhes condições
para atuarem de forma consciente na transformação criativa de suas
realidades para construção de uma sociedade mais humana.
130
2.1.2 A formação de professores em horário de ATPC
Para que possamos perseguir nossos objetivos de trazer
contribuições reais para o desenvolvimento das crianças, será preciso
primeiramente pensarmos em possibilidades para ajudar o professor
e a professora a ter melhores condições de atuarem em suas práticas
de forma consciente e intencional. É o professor que, no exercício
de seu trabalho, possibilitará o desenvolvimento das crianças por
meio de uma educação desenvolvente. Foi pensando nessa questão
que a pesquisa envolveu a formação de professores de uma escola
municipal.
É importante esclarecer que no Sistema Municipal de
Ensino, no qual foi realizada esta pesquisa, devido à estrutura e ao
organograma da Educação Infantil, não existe a figura do
coordenador pedagógico; o diretor é o responsável pela parte
administrativa e pela coordenação pedagógica da escola.
Na função de coordenador pedagógico, o diretor tem como
principais atribuições a orientação na elaboração dos planejamentos,
a colaboração na organização das rotinas, a formação continuada dos
professores em horário de Atividade de Trabalho Pedagógico
Coletivo (ATPC) e em horário de Atividade de Trabalho
Pedagógico Individual (ATPI). Deve priorizar, durante a formação
dos professores, as diversas áreas do conhecimento e os respectivos
conteúdos presentes na Proposta Pedagógica da Educação Infantil
do município, na perspectiva da THC.
Foi nesse processo de formação de professores, ao estudar os
conteúdos presentes na Proposta Pedagógica da Educação Infantil
do município, especificamente, aqueles referentes à arte literária,
131
bem como, nas pesquisas e estudos sobre a arte literária em algumas
disciplinas do curso de pós-graduação, que observei a necessidade de
compartilhar os conteúdos com as professoras, para que elas tivessem
condições de conduzir o processo de ensino de forma consciente,
pensando e elaborando ações pedagógicas em arte literária, mais
apropriadas para o desenvolvimento das crianças. Acredito que, se o
professor ou a professora não possui conhecimento sobre a literatura
infantil, se nunca vivenciou produções de textos narrativos de forma
coletiva ou individual, certamente teria poucas condições de oferecer
esses conteúdos de forma adequada, para desenvolver a autoria das
crianças. O que me faz lembrar do ditado popular: “Ninguém dá o
que não tem”.
Desse modo, o horário de ATPC tornou-se uma
possibilidade para compartilhar os conhecimentos com todos os
professores, com o objetivo de superar as dificuldades e as práticas
equivocadas em relação à arte literária. Ao mesmo tempo, a
articulação da temática - livro ilustrado e o desenvolvimento
humano - ao projeto de pesquisa, que devido a minha condição de
diretora/coordenadora e, simultaneamente, de pesquisadora,
possibilitaria melhores condições para coordenar a formação,
criando uma via de mão dupla entre a universidade e escola de
Educação Básica, ratificando, ainda, a importância da metodologia
utilizada - o experimento didático-formativo, que será abordado no
próximo item, com o objetivo de oportunizar o acesso ao
conhecimento e mudanças nas práticas dos participantes.
132
2.2 Planejamento do experimento didático-formativo
com a arte literária
Por meio da descrição do processo de planejamento e de
execução do experimento didático-formativo, pretendo possibilitar
melhor visualização do todo: os objetivos para a escolha dos
conteúdos, os conteúdos, o seu desenvolvimento, os desafios
propostos, como ocorreu o processo de criação das narrativas, como
foi o processo de criação das ilustrações até a produção final.
A formação foi planejada e estruturada com uma carga
horária aproximada de 60 horas, divididas em 30 encontros de duas
horas, que aconteceriam às segundas-feiras, das 17h15min às
19h15min, na própria Unidade Escolar, na qual as participantes
ministravam as aulas. O restante dos horários das ATPCs do ano,
aproximadamente 18 horas ou nove dias, foi reservado para a
possibilidade de cursos e o atendimento às convocações da Secretaria
da Educação; para o desenvolvimento de conteúdos de outras áreas
que surgissem como necessidade urgente de formação, e para
possíveis revisões de conteúdos necessárias para a apropriação por
parte do professor.
Participaram dessa formação seis professoras. Apenas duas
professoras não puderam participar da formação completa; pois,
uma professora teve uma interrupção de seis meses, devido a uma
licença maternidade, depois retornou dando continuidade à
formação; outra professora participou, em um primeiro momento,
a distância, por não ter a sede para ATPC em nossa Unidade Escolar
e no segundo semestre, ela se transferiu para a nossa escola e passou
a participar presencialmente.
133
Em todos os encontros foi apresentada uma pauta da aula
para possibilitar o conhecimento do percurso do dia, contendo
sempre um item para avaliação em forma de “ponto de observação”,
que consistia em uma pergunta que deveria ser respondida ao final
do encontro.
O ponto de observação é um instrumento metodológico de
avaliação que era utilizado pelo “Espaço Pedagógico”, em todas as
aulas, assessorias ou palestras. O “Espaço Pedagógico”, coordenado
pelas professoras Madalena Freire, Juliana Davini e Mirian Celeste
Martins, foi uma escola de formação continuada, de cujos cursos eu
tive a oportunidade de participar.
Lembramos que o ponto de observação tem como objetivo
o exercício de trazer à tona os conteúdos que foram discutidos e
trabalhados durante os encontros para verificar:
[...] o que se sabe e, abrindo espaço também para o que ainda
não se sabe e que precisa ser pesquisado, estudado e pensado.
Liga-se assim ao planejamento, com encaminhamentos do
educador para a continuidade e aprofundamento do
conhecimento (MARTINS, 1996, p. 15).
Conforme a autora, o ponto de observação constitui a
avaliação da aula e se concretiza em uma pergunta escolhida no
início do encontro e que instrumentaliza o olhar para focalizar
aspectos que poderão trazer novas relações e questionamentos. Ele
recai sobre questões relativas ao aprendizado individual para que o
educando perceba o que aprendeu, o que foi mais significativo; em
que aspectos quer aprofundar o estudo, como foi sua participação
no grupo, entre outros. Com os pontos de observação registrados, o
134
professor coordenador tem um importante instrumento para o
planejamento e para suprir as faltas e necessidades que foram
percebidas nas avaliações.
Além da avaliação diária, foram utilizados, como prática
comum nos encontros antes de iniciarmos as discussões dos
conteúdos, alguns questionamentos sobre o que seria abordado para
saber as hipóteses das professoras; o que sabiam, o que não sabiam,
com o objetivo de conhecer o nível de desenvolvimento real.
Os conteúdos principais a serem trabalhados na formação
foram selecionados após estudos da bibliografia inicial. O objetivo
era formar uma base teórica sobre arte literária, ampliar o repertório
das professoras em relação aos livros ilustrados, livros de imagens;
estudar sobre paratextos, estratégias de leitura, tipos de livros com
ilustração, tipos de diagramação e alguns elementos da sintaxe visual.
Outros conteúdos que pudessem contribuir para o desenvolvimento
da atividade criadora e para a escolha intencional dos elementos
verbais e visuais também poderiam ser abordados para melhorar a
expressão das produções escrita e visual. Os contdos, enfim,
deveriam dar condições de se objetivarem em um livro ilustrado de
forma autoral.
Essa ideia de produção autoral surgiu devido ao fato de eu
acreditar que seja complicado para o professor ou para a professora
trabalhar com as crianças, visando a desenvolver a imaginação e a
autoria delas se a própria professora não acredita nessa possibilidade,
pois sente-se incapaz para escrever um texto narrativo ou para
desenhar ou ilustrar uma história.
O trabalho de formação e produção autoral de uma narrativa
não pretendia fazer com que as professoras vislumbrassem um futuro
135
como artistas ou escritoras profissionais, porque a literatura é um
campo muito amplo e complexo que demandaria formação e
conhecimentos específicos nessas áreas. Os objetivos foram:
proporcionar momentos de produção de textos, nos quais as
professoras pudessem de expressar por meio de palavras e imagens,
desenvolver a percepção, a imaginação, a atividade criadora e
vivenciar o processo criador, constatando que a capacidade autoral
pode ser desenvolvida em qualquer idade, desde que a pessoa seja
inserida em um processo de educação desenvolvente e, assim, ter
condições de oferecer um ensino significativo e desenvolvente
também às crianças.
É importante considerar que, conforme Vazquez (1978),
Marx e Engels concebiam uma sociedade na qual a criação artística
não seria nem a “atividade exclusiva em indivíduos
excepcionalmente dotados, nem tampouco uma atividade exclusiva
e única. É, por um lado, uma sociedade de homens-artistas, na
medida em que não apenas a arte, mas o próprio trabalho, é
expressão da natureza criadora do homem (MARX e ENGELS,
apud VAZQUEZ, 1978, p. 325).
Portanto, o próprio trabalho das professoras pode se tornar
a expressão de sua natureza criadora. Assim, todos os conteúdos
foram planejados de forma sequenciada para os encontros, com a
utilização de textos teóricos para embasar as formações e para o
estudo das professoras. Ao final da formação elas deveriam ter
condições de manifestar sua atividade criadora, objetivando-se em
suas produções.
No primeiro momento do planejamento foram selecionados
os conteúdos, textos de apoio e possíveis atividades para a realização
136
do experimento didático-formativo. No decorrer do desenvolvi-
mento da formação, algumas mudanças no planejamento foram
inevitáveis, devido às necessidades que foram surgindo. Alguns
conteúdos foram inseridos, e serão representados no quadro abaixo
com um recuo maior e com marcadores em forma de setas:
Quadro 2 - Planejamento do conteúdo
EXPERIMENTO DIDÁTICO-FORMATIVO
Conteúdo para a formação em ATPC.
Importância do acesso à literatura na escola:
Texto de apoio: A literatura infantil como produção
cultural e como instrumento de iniciação da criança no
mundo da cultura escrita. De ARENA, D. B. In: SOUZA, R.
J. de. Ler e compreender: estratégias de leitura, Campinas, SP:
Mercado de letras, 2010. p.13-44.
Texto de apoio: Arte literária. De ABRANTES, A. A. In:
Proposta Pedagógica para Educação Infantil de Bauru. p. 539-
561.
Texto de apoio: Poesia que transforma. De BESSA, B. Rio
de Janeiro: Sextante, 2018, p. 33-36, 121-123.
Texto de apoio: Contação de histórias. De
GONÇALVES, T. Revista Vida Simples. n. 208,
2019, p.44-49.
Paratextos:
Texto de apoio: Paratextos dos livros ilustrados. De
NIKOLAJEVA, M.; SCOTT, C. In: NIKOLAJEVA, M.;
SCOTT, C. Livro ilustrado: Palavras e imagens. São Paulo:
Cosac Naify, 2011. p. 305-324
Estrutura das narrativas, enquadramento das ilustrações:
Texto de apoio: Paratextos, narrativa e ilustrações: detalhes
que fazem a diferença. De SILVA, K. A. A. M. In: SOUZA,
R. J. de; GIROTTO, C. G. G. S. (org.). Práticas Pedagógicas
137
com textos literários: estratégias de leitura na infância.
Tubarão-SC: Ed. Copiart, 2017, p. 53-72
Estratégias de leitura
Texto de apoio: Estratégias de leitura: para ensinar os
alunos a compreender o que leem. De GIROTTO, C.G.G.S.
e SOUZA, R. N. In. SOUZA, R.J. GIROTTO, C.G.G.S.
Organizadoras. Ler e compreender: estratégias de leitura.
Campinas-SP. Mercado das Letras, 2010. P. 45-114.
Texto de apoio: O uso das estratégias de leitura em sala e
suas contribuições para a formação de crianças leitoras: uma
experiência com o livro “A casa sonolenta”. De PRIETO,
M.N. e LIMA, E. A. de. In. SOUZA, R.J. GIROTTO,
C.G.G.S. Organizadoras. Práticas Pedagógicas com textos
literários: estratégias de leitura na infância. Tubarão-SC: Ed.
Copiart, 2017. P. 189-202.
Texto de apoio: É um livro imagem, narrativa e
estratégias de leitura. De GONZAGA, M. M. In: SOUZA,
R. J. de; GIROTTO, C. G. G. S. (org.). Práticas Pedagógicas
com textos literários: estratégias de leitura na infância.
Tubarão-SC: Ed. Copiart, 2017. p. 141-151.
Livros ilustrados
Texto de apoio: O que é um livro ilustrado? O livro
ilustrado e outros que contém imagens. De LINDEN, Sophie
Van der. In. LINDEN, Sophie Van der. Para Ler o livro
ilustrado. São Paulo: Cosac Naify, 2011. P. 22-32
Tipos de diagramação:
Texto de apoio: Páginas e espaços do livro. De LINDEN,
Sophie Van der. In: LINDEN, Sophie Van der. Para Ler o
livro ilustrado. São Paulo: Cosac Naify, 2011. São Paulo:
Cosac Naify, 2011. p. 68-69
Aplicação dos códigos:
Texto de apoio: Função das molduras enquadramento,
desenquadramento, campo, extracampo e contracampo. De
LINDEN, Sophie Van der. In: LINDEN, Sophie Van der.
138
Para Ler o livro ilustrado. São Paulo: Cosac Naify, 2011. P.
71-77.
Articulação do texto com a ilustração; vários ambientes em um só plano;
várias ações em um só plano.
Texto de apoio: Articulação do texto com a ilustração. De
FARIA, M. A. In: Como usar a literatura infantil na sala de
aula. São Paulo: Contexto, 2016. p. 39- 53
Sintaxe visual
Texto de apoio: Artes visuais. De RODRIGUES, S. M. P.
et al. In. PASQULINI, J.C.; TSUHAKO, Y.N. (org.)
Proposta pedagógica da educação infantil do sistema
municipal de ensino de Bauru/SP. 1. Ed. Bauru: Secretaria
Municipal de Educação, 2016. p.443-503
Livro: Pssssssssssssiu! De TAVANO, Silvana e KONDO,
Daniel. São Paulo: Instituto Callis, 2012.
Livro: A parte que me falta. De SILVERSTEIN, S. Trad.
Alípio Correia de Franca Neto. São Paulo: Companhia das
Letrinhas, 2018.
Livro de imagem.
Texto de apoio: A narrativa no livro de imagem. De
FARIA, M. A. In: Como usar a literatura infantil na sala de
aula. São Paulo: Contexto, 2016. P. 55-82.
Texto de apoio: Leitura no livro de imagem: Um
passeio de “Ida e Volta” pelo livro de Juarez
Machado De SPENGLER, M. L. P. Dissertação de
mestrado pela Universidade do Sul de Santa
Catarina, Tubarão, 2010.
ATIVIDADES PRÁTICAS: CRIAÇÃO DE HISTÓRIAS.
-Criação de história coletiva a partir de sons.
-Criação de histórias a partir de um conhecimento que ajudou a
compreender a realidade.
139
-Criação de histórias a partir de acontecimentos reais. (Exemplo: Uma
vivência engraçada, uma surpresa que te deixou feliz; um fato que marcou a
sua vida, etc.)
Livros de apoio:
Pai, não fui eu! De BRENMAN, Ilan e CANTONE, Ana
Laura. São Paulo: All Books, 2013.
Vó, para de fotografar! De BRENMAN, Ilan e KARSTEN,
Guilherme. São Paulo: Melhoramentos Livrarias, 2018.
-Criação de histórias, a partir das lembranças da infância.
Livros de apoio:
A visita. De HIRATSUKA, Lúcia. São Paulo: Farol
Literário, 2012
Orie. De HIRATSUKA, Lúcia. Rio de Janeiro: Zahar,
2014.
O caminhão. De HIRATSUKA, Lúcia. São Paulo: Cortez,
2017.
- Criação de histórias a partir de palavras pré-escolhidas. (Binômios
fantásticos)
Livros de apoio:
Gramática da Fantasia. De RODARI, Gianni. Tradução:
Antônio Negrini. São Paulo: Summus, 1982.
A linha. De RUEDA, Claudia. Tradução: Ana Mortara.
São Paulo: Núcleo Edições, 2018.
Texto de apoio: Pintura a dedo: uma
possibilidade de trabalho significativo na educação
infantil. De TSUHAKO, Y e MILLER, S. In:
SANTOS, C. R. dos e MELO, E. S. do N. (Org.).
Políticas Públicas na Educação Brasileira: Educação
Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental 2.
Ponta Grossa-PR: Editora Atena, 2019.
140
Atividades práticas com pintura a dedo -
atividade criadora
-Representar, por meio da pintura, algo que tenha algum
significado importante, que acha bonito ou traz boas
lembranças.
-A partir da observação da obra de Salvador Dali: “A
persistência da Memória”, faça uma produção, inserindo
algo que tenha significado para você.
Mistura de técnicas, importância do repertório.
Processo criador de pintores e ilustradores.
Texto de apoio: Ensino de arte: uma atitude
pedagógica. (Picasso: um processo de 34 dias). De
MARTINS, M. C. F. D. et al. In: MARTINS, M. C.
F. D. et al. Didática do ensino de arte: a língua do
mundo: poetizar, fruir e conhecer arte. São Paulo:
FTD, 2010. p. 153-158
- Atividades práticas para a produção autoral:
Projeto de ilustração da história. “Esboço”
Leitura dos projetos de ilustração para o grupo.
Escolha da técnica a ser utilizada.
Elaboração das cenas ilustrativas e montagem do livro de
história.
- Apresentação das produções individuais (narrativas), para o grupo.
Fonte: Quadro elaborado pela pesquisadora.
2.2.1 Descrição da formação em ATPC: desenvolvimento do
experimento didático-formativo
A partir dos esclarecimentos iniciais e da visualização dos
conteúdos gerais, apresento a seguir, também em forma de quadros, a
141
pauta dos encontros, para melhor visualização dos conteúdos abordados
em cada um deles. Abaixo de cada quadro serão apresentados os
objetivos dos conteúdos da pauta, esclarecimentos sobre alguns
conteúdos teóricos, com o objetivo de possibilitar a compreensão do
conteúdo de cada encontro e a descrição de alguns procedimentos.
Lembramos que o planejamento esteve em movimento; foi
flexível para atender as necessidades que foram surgindo no percurso,
como a revisão de conteúdos e a inclusão de outros, para a compreensão
e apropriação por parte das professoras.
Quadro 3 - Pauta do dia 04/02/19
1-Ponto de observação: O conteúdo que me chamou mais a atenção hoje foi... porque...
2-Leitura: “O que não viu Chapeuzinho Vermelho” - (Mar Ferrero/ tradução Geruza
Zelnys)
3-Conteúdos:
-Apresentação da pesquisa, objetivos, conteúdos.
-Algumas considerações sobre a arte literária, objetivos e a importância da literatura
infantil para o desenvolvimento da criança.
-Livro de literatura infantil: paratextos.
Texto de apoio: Arte literária. De ABRANTES, A. A. In: Proposta Pedagógica
para Educação Infantil de Bauru. P. 539-561
Texto de apoio: Paratextos dos livros ilustrados. De NIKOLAJEVA, M. e
SCOTT, C. In. Livro ilustrado: Palavras e imagens. São Paulo: Cosac Naify,
2011. p. 305-324
4-Atividade prática:
-Escolher um livro da biblioteca, analisar os paratextos e apresentar ao grupo.
5-Avaliação
Fonte: Quadro elaborado pela pesquisadora.
Esse primeiro encontro teve como objetivos: apresentar a
pesquisa, a proposta de formação para o ATPC e os conteúdos de
forma geral, que seriam desenvolvidos no decorrer do ano e iniciar
o conteúdo sobre a arte literária especificamente sobre a literatura
infantil e os paratextos.
142
A escolha da leitura do livro “O que não viu Chapeuzinho
Vermelho”, de Mar Ferrero e tradução de Geruza Zelnys, teve como
objetivo utilizar a metáfora da história para refletirmos sobre a
importância de, por meio do conhecimento, usarmos uma nova
lente para melhor enxergarmos e compreendermos a realidade, como
também apresentar uma nova versão da “Chapeuzinho Vermelho”
para que tivessem outro ponto de vista sobre uma mesma história e
percebessem que os escritores também utilizam, como recurso de
criação, histórias clássicas como fábulas, contos de fada, entre
outros.
O ponto de observação teve como objetivo saber qual
conteúdo de cada encontro foi mais significativo, se houve
compreensão ou não, que dificuldades surgiram e se houve
mudanças na concepção. Dessa forma, foram utilizadas questões que
focassem os conteúdos, como: o conteúdo que mais chamou a
atenção hoje foi... porque...; o conteúdo que achei interessante foi...
porque...; hoje o que marcou mais foi... porque...; o conteúdo que
destaco... porque; o mais significativo de hoje foi... porque... Em
alguns momentos, o ponto de observação teve o objetivo de verificar
as dificuldades, levantar quais conteúdos precisariam ser revistos e
realizar os replanejamentos.
O conteúdo teórico incidiu sobre os objetivos da arte
literária na Proposta Pedagógica Municipal da Educação Infantil,
destacando a importância da literatura infantil para o
desenvolvimento da criança, com apoio do texto de ABRANTES,
Arte literária, que consta na Proposta Pedagógica para Educação
Infantil do município, nas páginas de 539 a 561.
143
Os paratextos tiveram como finalidade mostrar sua
importância na compreensão da leitura pelas crianças, tendo como
base o texto de Nikolajeva e Scott (2011), Paratextos dos livros
ilustrados, extraído do Livro ilustrado: palavras e imagens, páginas
de 305 a 324.
Antes de iniciar as discussões sobre os paratextos, foi feita
uma pergunta às professoras com o objetivo de conhecer as hipóteses
das professoras, seu nível de desenvolvimento real: Alguém sabe o
que são os paratextos?”
Cheguei com esse questionamento na formação e constatei
que as professoras nunca ouviram falar de paratextos até então.
Surgiram muitas brincadeiras em torno dessa temática, muitas
tentativas de associação, relação de palavras, mas nenhuma resposta
se aproximou da definição de paratextos. A partir daí ficou explícita
a necessidade de abordar esse conteúdo na formação, porque se eu
tinha a intenção de solicitar às professoras um trabalho com os
paratextos dos livros, como elas teriam condições de realizar essa
prática com as crianças sem conhecer o conteúdo?
Por saber que o desconhecimento desse conteúdo não ocorre
apenas em nossa unidade escolar onde foi desenvolvida a pesquisa,
vi a necessidade de falar um pouco sobre os paratextos, temática que
muito contribuiu para mudanças nas práticas com o livro de
literatura infantil; fato que foi comprovado, depois, em uma troca
de experiência sobre essa temática com cinco escolas, quando as
professoras de nossa unidade escolar constaram que nenhum
professor tinha conhecimento acerca do tema paratextos.
O termo “paratexto” foi utilizado por Gérard Genette
(2009) para definir todos os elementos que cercam e prolongam o
144
texto da obra para apresentá-lo, como também para torná-lo
presente, sob a forma de um livro; o “paratexto é aquilo por meio do
qual um texto se torna livro e se propõe como tal a seus leitores, e,
de maneira mais geral, ao público” (GENETTE, 2009, p. 9).
Os paratextos dos livros ilustrados costumam carregar um
percentual significativo de dados verbais e não verbais relevantes
para a formação do leitor. De acordo com Silva (2017), inicialmente,
as capas e as guardas tinham a função de acolher e preservar o miolo
do livro, a parte do texto. Atualmente, as capas e as guardas do livro
ilustrado possuem também a função de chamar a atenção, de instigar
a leitura e podem servir como auxílio à compreensão do texto.
Nikolajeva e Scott (2011) afirmam que pouca coisa foi
escrita sobre os paratextos, títulos, capas ou guardas de livros
ilustrados. Para as autoras, esses elementos são mais importantes
nesses livros do que nos romances, pois se a capa de um romance
infantil serve como decoração ou para promover um impacto geral,
em um livro ilustrado, muitas vezes, ela é parte integrante de uma
narrativa, principalmente quando sua ilustração não se repete nas
imagens internas do livro.
A narrativa pode começar na capa e chegar até a quarta capa.
É o que ocorre, por exemplo no livro de imagem “Ida e Volta”, de
Juarez Machado (2013), no qual a imagem da capa dá indícios de
que o personagem acabou de tomar banho. Por meio da
representação de pegadas (marcas de pés em cor azul) indicando a
saída do banheiro, essas pegadas continuam no decorrer da narrativa,
em ambientes variados e em ações diversas. O formato das pegadas
também vai mudando. Elas saem da casa, representando um passeio
com várias ocorrências. No decorrer da narrativa também são
145
inseridas outras pegadas, representando personagens diferentes e
outros elementos da narrativa. Na última página, a imagem dá
indícios de ter ocorrido um acidente envolvendo o personagem e
uma bicicleta. Ele suja os pés com tinta de cor verde e somente na
quarta capa é apresentado novamente o ambiente da casa, com
pegadas indicando que o personagem retornou com os pés sujos de
tinta e se dirigiu ao banheiro, o que sugere que o personagem está
no banho e faz o leitor retornar à primeira capa: o personagem
saindo do banho. E tudo recomeça, conforme a figura 1 abaixo:
Figura 1: Ida e Volta
Fonte: Foto da pesquisadora (livro: Ida e Volta/Juarez Machado)
Dessa forma, na possibilidade de uma atividade de leitura
com o referido livro, se o professor ou a professora não der atenção
aos paratextos, a narrativa não será vista de forma completa e, por
consequência, não será compreendida em sua totalidade.
O formato do livro, conforme Genette (2009, p. 22), “é o
aspecto mais global da realização de um livro e, portanto, da
materialização de um texto para uso do público [...]”. Para
Nikolajeva e Scott (2011), o formato é uma característica
146
importante do livro ilustrado e costuma variar muito. A escolha de
um formato não ocorre de forma aleatória, mas participa da
totalidade estética do livro.
Nesse sentido, segundo Linden (2011), o livro ilustrado
contemporâneo apresenta uma variedade de formatos, pois é
comum uma articulação das dimensões do livro com a organização
das mensagens a serviço da página ou da página dupla, como
também o tamanho e a localização das imagens e do texto. Assim, o
formato se torna determinante para a expressão.
A autora cita alguns exemplos de formatos mais comuns:
Formato vertical, mais alto do que largo, na maioria das vezes com
imagens isoladas, sendo comum imagens descritivas mostrando
retratos ou paisagens. Formato horizontal, mais largo do que alto,
favorecendo uma organização plana das imagens, a realização de
imagens sequenciadas e a expressão do movimento e do tempo.
Formatos irregulares, criados geralmente a partir de formas de
objetos, ou animais, por exemplo, um livro em forma de aquário, de
coelho. Formato acordeão, possui dobraduras horizontais,
permitindo um jogo entre a separação em páginas duplas e a
sequência da tira de papel.
É possível observar a existência de muitas possibilidades de
formatos. Nikolajeva e Scott (2011) afirmam que alguns criadores
de livros ilustrados optam por certos formatos convenientes ao seu
estilo pessoal, adaptando-os ao seu objetivo.
O título do livro também é parte importante do texto, visto
que, segundo Genette (2009, p. 76) “é o ‘nome’ do livro e, como
tal, serve para nomeá-lo, isto é, desig-lo”. Segundo Nikolajeva e
147
Scott (2011), muitos estudos empíricos apontam jovens leitores
escolhendo ou rejeitando livros por causa dos títulos
Os títulos mais tradicionais de livros infantis são os
chamados nominais, nos quais incluem o nome do personagem
principal. Outro padrão comum é a combinação de um nome e um
epíteto, por exemplo, “Uma lagarta comilona”, de Eric Carle, no
qual o epíteto “comilona” indica o conflito central da história. A
prática de ter o nome do personagem principal no título é, na
literatura infantil, um dispositivo narrativo didático para dar ao
leitor algumas informações diretas sobre o conteúdo do livro. Um
título nominal pode conter também, no lugar do nome do
protagonista, um objeto central da história como “O cofrinho da
Carlota”, de David Mckee (NIKOLAJEVA; SCOTT, 2011).
As autoras citam também outro tipo tradicional de título, o
narrativo, que resume a essência da história, por exemplo: “O passeio
de Rosinha”, de Pat Hutchins. O título também pode ser
desconcertante e, para exemplificar, as autoras citam o livro “Aldo”,
de John Burningham, no qual a pessoa do título não é o
protagonista, e só por meio das ilustrações é possível deduzir que
Aldo é um coelho, amigo imaginário da menina. Existem também
os títulos topográficos, por exemplo, os livros ilustrados “Onde vivem
os monstros”, “Ali do lado de fora”, de Maurice Sendak, que
significam lugares, ou são imaginários, não revelando o enredo ou o
conflito da narrativa; são simbólicos.
Os títulos de livros ilustrados são uma parte muito
importante das relações texto-imagem as quais contribuem para
todos os tipos de interação dentro dos próprios livros.
148
Em relação às capas, Linden (2011) afirma que a capa
constitui um dos espaços mais determinantes em que se estabelece o
acordo de leitura. Ela transmite informações, permitindo apreender
o tipo de discurso, o gênero, o estilo de ilustração, criando uma certa
expectativa no leitor. Essas indicações presentes nas capas podem
introduzir o leitor ao conteúdo.
As capas de livros ilustrados, segundo Nikolajeva e Scott
(2011), geralmente exibem uma imagem. Pode ser uma ilustração
que se repete dentro do livro ou pode ser original. No caso de uma
imagem que se repete dentro do livro, mesmo com pequena
variação, antecipa o enredo e, junto ao título, fornece informações
sobre a história, o gênero e o destinatário do livro. A escolha da
ilustração da capa reflete a ideia dos autores ou dos editores sobre o
episódio mais dramático ou atraente da história.
A primeira função das guardas, conforme Linden (2011), é
material. Elas ligam o miolo à capa e recobrem a parte interna da
capa, preservando a parte do texto. Se as guardas tiverem apenas essa
funcionalidade, apresentam neutralidade geralmente por meio da
cor branca. No livro ilustrado são mais comuns as guardas coloridas.
Nikolajeva e Scott (2011) afirmam que existem livros que
não possuem nenhuma guarda, tendo em seu lugar o frontispício ou
folha de rosto e, no interior da capa, a página de créditos. Porém,
grande número de criadores de livros ilustrados está descobrindo
variadas possibilidades de uso das guardas como paratextos,
contribuindo de diversas maneiras para a história.
Segundo as autoras, um recurso comum utilizado nas
guardas é retratar o personagem principal várias vezes, em diversas
ações, quase sempre não são mencionadas no livro. Na maioria dos
149
livros ilustrados, as guardas iniciais e finais são iguais; no entanto,
existem guardas que são usadas para enfatizar as mudanças ocorridas
ao longo do livro. Algumas guardas podem conter mapas, que não
são uma simples decoração, mas podem conter importantes
informações extras. Também podem ter a função de uma cena
introdutória e, em outras vezes, podem dar início a uma história.
Enfim, as guardas podem se somar à narrativa e até influenciar a
interpretação do leitor.
O frontispício ou folha de rosto, de acordo com Nikolajeva e
Scott, (2011), costuma conter o título, o nome do autor e do
ilustrador e, de forma opcional, o nome da editora. Alguns livros
ilustrados podem conter o falso rosto, ou seja, uma página somente
com o título, antes da folha de rosto, ou uma página de dedicatória.
É comum haver uma pequena ilustração na falsa folha de rosto, que
muitas vezes é um detalhe de alguma imagem do miolo. Às vezes
pode ocorrer de a narrativa iniciar no frontispício, por isso a
importância do olhar atento aos paratextos.
A quarta capa é um lugar estratégico, segundo Genette
(2009), porque pode conter muitas informações, por exemplo: uma
chamada, uma nota biográfica ou bibliográfica, um release, citações
ou apreciações elogiosas sobre obras anteriores do mesmo autor, uma
data de impressão ou o número do ISBN (International Standard
Book Number), entre outros.
Nikolajeva e Scott (2011) destacam que, em muitos livros
ilustrados, a quarta capa dá continuidade à imagem da capa; quando
abertas, constituem uma ilustração inteira. É comum as pessoas
terminarem de ler o texto verbal do livro supondo que a história se
encerrou, e fecham o livro sem dar atenção à quarta capa. No
150
entanto, vários autores contemporâneos de livros ilustrados estão
contestando essa convenção, deixando uma pista decisiva da história
na quarta capa.
Assim, as contribuições dos paratextos para o livro ilustrado
são importantes, porque costumam trazer uma porcentagem
significativa das informações verbais e visuais do livro. Por isso a
relevância de olharmos para eles com atenção e explorá-los durante
a leitura com as crianças, sensibilizando seu olhar para os detalhes,
contribuindo para a compreensão, justificando a importância desse
conteúdo na formação de professores.
Em relação a atividade prática, que foi a escolha de um livro
da biblioteca e análise dos paratextos, teve o objetivo de articular o
conteúdo teórico da aula à prática; verificar se houve compreensão e
apropriação do conteúdo e possibilitar que entrassem em atividade
de leitura e compreensão dos paratextos, levando em consideração
que a aprendizagem é um processo ativo.
Para os próximos eventos de formação ficou combinado que
uma professora, a cada encontro, seria responsável por escolher uma
história para apresentar às colegas com o objetivo de conhecer o
acervo da escola, incentivar a leitura e ampliar o repertório.
Possibilitar a ampliação do repertório teve a finalidade de
oferecer condições, a matéria prima para a imaginação, visto que o
processo de qualquer produção criativa, sendo artística ou não,
depende da diversidade das experiências da pessoa, do conhecimento
que ela possui. Assim, no ensino de todas as áreas, fica patente a
necessidade de ampliar a experiência da criança e, nesse caso
específico, a do adulto, para que se formem as bases para sua
atividade de criação, pois “toda obra da imaginação constrói-se
151
sempre de elementos tomados da realidade e presentes na
experiência anterior da pessoa” (VIGOTSKI, 2009, p. 20).
Além do objetivo de ampliar o repertório, a formação do
professor leitor é fundamental para se trabalhar a literatura com as
crianças. De acordo com Queirós (2012), quem é leitor tem
condições de indicar uma determinada obra, saberá incentivar as
crianças por meio do relato de sua experiência com a leitura, sobre o
conteúdo da obra, de suas emoções e sentimentos em relação a ela.
Se o professor é leitor possui o hábito da leitura - lê para seus
alunos, se encanta diante das histórias, das poesias, dos contos
fantásticos, também os alunos vão desejar ser leitores. Se o
professor comenta suas leituras, mobiliza os alunos para estar
com os livros, e esse prazer se cristaliza já na infância. E, uma
vez despertado, ele não nos abandona jamais (QUEIRÓS,
2012, p.95).
Quadro 4 - Pauta do dia 11/02 e 18/02/19
1. Ponto de Observação: O conteúdo que mais me chamou a atenção foi... Porque...
2-Leitura do livro: Não! (Marta Altés)
-Leitura apresentada pela professora Ana - Livro “Não vou dormir” Christiane Gribel
3- Conteúdos:
- Paratextos, estrutura das narrativas.
Texto de apoio: Paratextos, narrativa e ilustrações: detalhes que fazem a
diferença. De SILVA, K. A. A. M. In: SOUZA, R. J. de; GIROTTO, C. G. G.
S. (org.). Práticas Pedagógicas com textos literários: estratégias de leitura na
infância. Tubarão-SC: Ed. Copiart, 2017. p. 53-72
Livro analisado: Não! (Marta Altés- tradução de Gilda de Aquino)
4-Atividade prática.
Identificação dos elementos do livro, narrativa e ilustrações.
“O Leão e o Camundongo- Jerry Pinkney
5- Avaliação
152
Fonte: Quadro elaborado pela pesquisadora.
Para o desenvolvimento de algumas pautas foram necessários
mais encontros, visto que apresentavam conteúdos mais densos, os
quais necessitavam de revisão para melhor compreensão e
apropriação pelas professoras.
Os objetivos do segundo e do terceiro encontro foram: dar
continuidade à temática sobre os paratextos e conhecer a estrutura
das narrativas. O objetivo do ponto de observação foi avaliar se os
conteúdos fizeram sentido para as professoras e quais foram os mais
importantes.
A apresentação da tarefa, que foi a escolha e leitura do livro
“Não vou dormir”, de Christiane Gribel, pela professora Ana, teve
como objetivos: entrar em atividade de leitura, ampliar o repertório,
colocar em prática as observações e análises dos paratextos. A leitura
do livro Não!”, de Marta Altés, pretendeu o conhecimento e a
observação do livro que seria objeto de estudo do texto de apoio.
Com a atividade prática, por meio da observação e leitura do
livro de imagem “O Leão e o Camundongo”, de Jerry Pinkney, o
objetivo foi o de identificar alguns elementos do livro, ampliar o
repertório de livro de imagens, observar o enquadramento das
ilustrações e articular a leitura ao conteúdo teórico para uma melhor
compreensão.
153
Quadro 5 - Pauta do dia 25/02/19 e 04/03/19
1. Ponto de Observação: O conteúdo que mais me chamou a atenção foi... porque...
2-Leitura: “A casa sonolenta” - Audrey Wood, ilustrador Don Wood. Trad. Gisele
Maria Padovam.
3- Conteúdos:
-Estratégias de leitura
Texto de apoio: Estratégias de leitura: para ensinar os alunos a compreender
o que leem. De GIROTTO, C.G.G.S. e SOUZA, R. N. In. SOUZA, R.J.
GIROTTO, C.G.G.S. Organizadoras. Ler e compreender: estratégias de leitura.
Campinas-SP. Mercado das Letras, 2010. p. 45-114.
Texto de apoio: O uso das estratégias de leitura em sala e suas contribuições
para a formação de crianças leitoras: uma experiência com o livro “A casa
sonolenta”. De PRIETO, M.N. e LIMA, E.A. de. In. SOUZA, R.J. GIROTTO,
C.G.G.S. Organizadoras. Práticas Pedagógicas com textos literários: estratégias
de leitura na infância. Tubarão-SC: Ed. Copiart, 2017. p. 189-202.
4- Avaliação
Fonte: Quadro elaborado pela pesquisadora.
Os encontros dos dias 25/02/ e 04/03/2019 tiveram como
objetivo trabalhar o conteúdo sobre estratégias de leitura, utilizando
como suporte o texto de Girotto e Souza (2010) Estratégias de
leitura: para ensinar os alunos a compreender o que leem, extraído do
livro: Ler e compreender: estratégias de leitura, organizado pelas
professoras Renata Junqueira de Souza e Cyntia Graziella Guizelim
Girotto, bem como o texto de Prietto e Lima (2017) O uso das
estratégias de leitura em sala e suas contribuições para a formação de
crianças leitoras: uma experiência com o livro A casa sonolenta”, que
faz parte do livro Práticas Pedagógicas com textos literários:
estratégias de leitura na infância, também organizado pelas
professoras acima citadas.
154
Ao promover o desenvolvimento de um olhar sensível sobre
os elementos visuais presentes nas ilustrações e almejar a produção
autoral, vi a necessidade de fazer algumas considerações sobre as
estratégias de leitura para que, juntamente com as apropriações dos
conteúdos citados, as professoras pudessem aprimorar suas práticas
de leitura com as crianças.
Dessa forma, a concepção de leitura, de ensino e da
aprendizagem da leitura de literatura que embasa o estudo é a
“leitura como sinônimo de atribuição de sentido; ensino e
aprendizagem da leitura literária como processo de objetivação e
apropriação; e constituição do leitor como movimento dialético, e
resultado, sempre provisório, desse processo” (GIROTTO;
SOUZA, 2010, p. 46).
É fundamental lembrar que a criança, em suas relações
sociais, se tiver as condições favoráveis, poderá se desenvolver
plenamente, dado que o desenvolvimento humano nas diversas áreas
do conhecimento será possível se a criança for inserida num meio
social que ofereça condições favoráveis de aprendizagem
(LEONTIEV, 1978).
Nesse sentido os processos determinantes do conteúdo do
psiquismo, segundo Volochinov (2017), não se realizam no
organismo, mas fora dele. Dessa forma, os fenômenos psíquicos só
podem ser explicados por meio de fatores sociais determinantes da
vida concreta de um indivíduo nas condições do meio social.
De acordo com essas concepções, a educação assume papel
fundamental para o desenvolvimento das crianças. Sendo assim, um
trabalho voltado para as estratégias de leitura nas escolas poderá
155
contribuir para o desenvolvimento delas em relação à capacidade de
leitura.
Os livros, como objetos da cultura humana historicamente
produzidos para suprir uma função social, são a fonte de aptidão
humana que “se constitui no ato de ler como prazer estético, como
fruição do texto, como sedução da palavra. Isso significa que a
aptidão humana pela leitura, o prazer a ela ligado, assim como a
própria capacidade de ler não é inata, mas precisa ser socialmente
criada” (MELLO, 2016, p. 44).
Além disso, uma boa compreensão das leituras, das propostas
das atividades e o conhecimento sobre os vários recursos envolvendo
a produção de um livro ilustrado podem contribuir para o
desenvolvimento do processo criador das crianças na linguagem
verbal e visual. Nesse processo, reforça-se a necessidade de ampliar a
experiência da criança, para formar as bases para sua atividade de
criação e a qualificação da capacidade de compreensão.
Por meio de experiências vividas, a criança formará um
acervo de saberes e conteúdo do psiquismo, tornando possível a
compreensão e interpretação de um acontecimento, uma ação, um
enunciado. “Esse conteúdo do psiquismo constitui a ‘massa
aperceptiva’ de determinado indivíduo, por meio do qual ele
assimila uma estimulação externa” (JAKUBINSKIJ, 2015, p. 88).
Em relação à criação literária infantil, segundo Vigotski
(2009), muitas crianças escrevem mal porque não têm sobre o que
escrever, não possuem experiências anteriores. É comum, nas
escolas, a apresentação de temas sobre os quais elas nunca pensaram.
Nesse caso, a escrita pode não fazer sentido para elas visto que:
156
A criança escreve melhor sobre o que lhe interessa,
principalmente se compreendeu bem o assunto. Deve-se
ensiná-la a escrever sobre o que lhe interessa fortemente e sobre
algo em que pensou muito e profundamente, sobre o que
conhece bem e compreendeu. Deve-se ensinar a criança a não
escrever sobre o que não sabe, o que não compreendeu e o que
não lhe interessa (VIGOTSKI, 2009, p. 66).
A mesma premissa sobre a relevância das experiências
anteriores pode ser utilizada para a formação de leitores que
necessitam de um conhecimento prévio para uma boa
aprendizagem, entendimento e construção de significados.
Se os leitores não têm nada para articularem à nova informação,
é bem difícil que construam significados. Quando têm uma boa
bagagem cultural sobre um tópico, são capazes de entender o
texto. Mas quando sabem pouco sobre o assunto abordado ou
desconhecem o formato do texto, frequentemente, encontram
dificuldades (GIROTTO; SOUZA, 2010, p. 67).
As autoras ressaltam ainda a relevância de o professor
esclarecer às crianças a finalidade da leitura para que faça sentido a
elas. Do contrário, a proposta poderá desmotivá-las. Ao explicar-lhes
a finalidade e elaborar conjuntamente as propostas das práticas de
leitura, “considerando sua vida e vivenciando com elas as diversas
estratégias de leitura, o professor permite que, em sala de aula,
reapareça o interesse por essa atividade e haja necessidade de realizá-
la” (GIROTTO; SOUZA, 2010, p. 52). O conhecimento sobre
essas questões é importante para que possamos planejar as ações
pedagógicas, pensando em conteúdos e elementos da realidade
relevantes para ampliar as experiências das crianças.
157
No processo de ensino de leitura, o letramento ativo é
fundamental. Por meio dele os professores não são os únicos a
falarem, porque as ideias e os pensamentos das crianças são
considerados. Elas conversam entre si, dialogam com o texto, deixam
pistas de seus pensamentos, questionam fazem conexões, inferem,
debatem e discutem. Desse modo, o ler, desenhar, falar, escrever,
ouvir e investigar são as pedras angulares do letramento ativo
(GIROTTO; SOUZA, 2010).
Essa forma de leitura, que pressupõe a tomada de consciência
de estratégias de leitura, pode ser iniciada desde a Educação Infantil
por meio do acesso direto das crianças aos livros e aos diversos
suportes de textos para a prática de leitura.
Ao manusear os livros, antes mesmo de ler, os leitores ativam
conhecimentos prévios, podendo ser relacionados às ideias do texto.
O exercício de ativar essas informações interfere na compreensão
durante a leitura. A hipótese inicial sobre o que haveria no texto,
segundo o conhecimento prévio da criança, pode ser atualizada,
revista, avaliada, conforme ela inicia a compreensão daquilo que lê.
Na releitura, o uso do conhecimento prévio permite interferências
conscientes, porque, em alguns momentos, os leitores tentam
entender o significado de uma palavra pelo contexto ou por pistas
existentes no texto. Alguns leitores podem inferir sobre o autor do
texto, sobre os personagens da história, adivinhando suas
características físicas, psicológicas e seus objetivos na trama ou,
ainda, associar ideias do texto para reconhecer a ideia principal
(GIROTTO; SOUZA, 2010).
O leitor capaz de compreender os significados do texto
realiza um complexo exercício cognitivo quando lê. Esse movimento
158
do leitor é ativo e, de acordo com Girotto e Souza (2010, p. 51)
“relaciona ideias ao texto com seu conhecimento prévio, constrói
imagens, provoca sumarizações, mobilizando várias estratégias de
leitura. Assim, a atribuição consciente de significados ao texto faz
parte do processo de formação do leitor autônomo”.
Para as autoras, o professor, ao criar as situações adequadas
do letramento ativo “estabelece a possibilidade do leitor de,
enquanto lê, ativar explicitamente, por meio das estratégias, o
conhecimento prévio, estimulando-o a fazer conexões entre suas
experncias, seu conhecimento sobre o mundo e o texto”
(GIROTTO; SOUZA, 2010, p. 55).
Penso que seja relevante apresentar algumas estratégias de
leitura defendidas por Girotto e Souza (2010), para o professor
conhecer a proposta e utili-la em suas práticas. Para discutir sobre
algumas possibilidades na Educação Infantil, apresentarei as
seguintes estratégias: conexões, inferências, visualização,
sumarização e síntese.
a) Conexões: fazer conexões com as experiências pessoais
contribui ao entendimento e são os conhecimentos prévios e as
vivências que as possibilitam. As crianças fazem com frequência
conexões entre os livros e fatos de suas vidas. Quando escutam ou
leem uma história, começam a conectar temas, personagens e
problemas de um livro com o outro. Quando as crianças entendem
o processo da conexão, não param mais de prati-la. Ao fazerem as
conexões mobilizarão durante a leitura a imaginação e a formulação
de ideias. O professor e o aluno, ao lerem os textos, podem usar, para
estimular as conexões pessoais, o seguinte refrão: “Isto me faz
lembrar de...” (GIROTTO; SOUZA, 2010, p. 68).
159
As conexões, segundo as autoras, se apresentam de três
formas: a) de texto para texto, em que o leitor, ao ler o texto,
estabelece relações com outro texto do mesmo gênero ou de gêneros
diferentes. Por exemplo, ao ler o livro “O menino maluquinho”, de
Ziraldo, os leitores podem fazer remissão ao filme, relatando alguma
cena; ao ler uma nova versão da “Chapeuzinho Vermelho”, poderão
relacioná-la à versão clássica e assim por diante. As lembranças são
na realidade conexões que o leitor estabelece com o texto. Nesse
sentido, segue uma sugestão: os professores podem utilizar dos
contos de fadas e dos diversos livros que fazem releitura
contemporânea deles; b) de texto para o leitor; aquelas em que a
criança estabelece conexões com episódios de sua própria vida. Por
exemplo, ao ler “Dormir fora de casa”, de Ronaldo Simões Coelho
na cena em que o protagonista se prepara para dormir pela
primeira vez longe dos pais alguns leitores podem se lembrar de
uma situação parecida: quando dormiram pela primeira vez fora de
casa, como foi difícil se separar-se do seu ursinho de pelúcia ou como
foi desconfortável o colchão em que dormiu. O professor, com o
objetivo de trabalhar essa conexão, pode utilizar livros cujos temas
sejam facilmente reconhecidos pela criança, permitindo, assim,
estabelecer relações com suas vivências. c) conexões texto-mundo; são
aquelas estabelecidas entre o texto lido e algum acontecimento mais
global; por exemplo, da cidade em que o leitor vive ao mundo.
Assim, ao ler “Uma história de rabos presos”, de Ruth Rocha, a
criança pode fazer relações com o prefeito de sua cidade ou com
casos vistos na mídia.
Os leitores também podem fazer conexões com a natureza
dos textos e as características literárias, pois, ao se tornarem
160
conscientes desses elementos, as crianças saberão o que esperar
quando leem um livro de literatura infantil, um jornal, um manual,
ou quando veem uma propaganda.
b) Inferência: remete ao ler nas entrelinhas. A inferência é
realizada em nosso cotidiano com frequência. Por exemplo,
inferimos sobre as expressões faciais, linguagem corporal, tom de
voz; sobre informações visuais e “não visuais” de um texto. Esse tipo
de pensamento requer uma conclusão ou interpretação que não está
explícita no texto. Os leitores inferem quando utilizam seus
conhecimentos prévios e estabelecem relações com as dicas do texto
para chegar a uma conclusão, deduzir um resultado, tentar adivinhar
um tema etc. Em alguns momentos, as perguntas do leitor só são
respondidas por meio de uma inferência e, quanto mais
conhecimento os leitores adquirem, mais sensata será a inferência.
Para que os alunos aprendam a inferir, os professores podem ensinar
como agir durante a leitura, mostrando as dicas que cada texto
possui e como combiná-las com seu conhecimento prévio para fazer
inferências. Inferir o significado de palavras desconhecidas,
utilizando dicas do contexto para entender o vocabulário; inferir pela
capa, ilustrações e texto, com o objetivo de usar todos os aspectos de
um livro para descobrir significados; reconhecer o enredo e inferir
os temas da narrativa, visando a diferenciá-los (GIROTTO;
SOUZA, 2010).
c) Visualização: consiste em uma estratégia cognitiva muito
usada por nós sem percebermos. Como exemplo, utilizamos
desenhos para entender um problema matemático, para entender o
ciclo da água; quando uma pessoa nos pede informações sobre
direções, mentalizamos os percursos, os pontos de referência e outras
161
situações. Quando uma obra descreve, por exemplo, detalhes de um
objeto, de um cenário, de um personagem, vem em nossa mente
uma imagem sobre o que foi descrito e, dessa maneira, criamos uma
imagem da história em nossa mente. Portanto, visualizar é inferir
significados; por isso, a visualização é uma forma de inferência.
Quando os leitores visualizam, estão elaborando significados ao criar
imagens mentais, fazendo com que se eleve o nível de interesse e de
atenção. Para ajudar os alunos a praticarem o processo de
visualização, o professor pode sugerir, a qualquer momento da
leitura, a visualização sobre personagens, pessoas ou criaturas;
ilustrações ou características do texto; eventos ou fatos, espaços e
lugares. Também é possível visualizar, utilizando os sentidos, como
o olfato, audição, paladar e tato (GIROTTO; SOUZA, 2010.)
d) Sumarização: segundo Girotto e Souza (2010, p. 93),
“Sumarizar é aprender a determinar a importância, é buscar a
essência do texto”. Aquilo que determinamos ser importante em um
texto, de acordo com as autoras, depende do nosso propósito de
leitura. Por exemplo, ao ler uma ficção, o leitor está focado nas ações
do personagem, motivos e problemas que contribuem para o tema.
O texto não-ficcional apresenta problemas e assuntos específicos.
Dessa maneira, o leitor precisa focar na informação mais importante
para articular com o seu conhecimento e ampliar seu entendimento
sobre determinado tópico. Logo, as ideias importantes são aquelas
que o leitor quer se lembrar em função de sua finalidade, de seu
propósito de leitura. Para destacar as ideias importantes do texto, os
leitores precisam lê-lo, pensar sobre ele e fazer escolhas conscientes
sobre o que precisam lembrar e aprender, devem selecionar o
principal e reconhecer informações auxiliares. O professor pode
162
ensinar a criança a expressar o seu pensamento sobre o destacado,
dialogar sobre a questão, fazer anotações por meio de desenho ou
escrita para ajudar na memorização.
e) Síntese: as autoras argumentam que “A sintetização
acontece quando os leitores relacionam a informação com o próprio
pensar e modelam com seus conhecimentos” (GIROTTO;
SOUZA, 2010, p.103). Segundo as autoras, resumir e sintetizar
permitem atribuir sentido às informações relevantes que nos
rodeiam no cotidiano, pois não é possível lembrar-se de todas.
Quando os leitores resumem a informação durante a leitura,
conseguem selecionar o que é mais importante e ressignificam esta
passagem com suas próprias palavras, ajudando-os a memorizar e
atribuir significados aos fatos. O professor pode estimular a criança
a parar e pensar sobre o que leu, ajudando-a a se manter no texto e
a monitorar o próprio entendimento. Conforme as autoras, “ensinar
a resumir selecionar os fatos, ordenar eventos, parafrasear e
escolher o que é importante como um aspecto da síntese, é
fundamental para a formação do leitor autônomo” (GIROTTO;
SOUZA, 2010, p.104). As autoras ressaltam ainda que:
“Compreender é a base para que todas as crianças se engajem
completamente na leitura de livros de literatura e se tornem leitoras
autônomas. Para tanto, o ensino das estratégias é fundamental”
(GIROTTO; SOUZA, 2010, p.108).
Girotto e Souza (2016) argumentam que o contato assíduo
com o livro leva ao estabelecimento de um vínculo íntimo com este
objeto, pois em cada leitura estimulamos os processos de
compreensão e por meio deles é possível a construção de diversos
mundos. Contudo, essa constituição dependerá da atribuição de
163
sentidos provenientes das estratégias de leitura empregadas pelo
leitor, articulados com o seu conhecimento prévio. É importante
ressaltar que as palavras literárias permanecem no leitor como
vivência e são marcos da história de leitura de cada um. Essa história
vai se modificando à medida que vai estreitando a sua relação com a
atividade literária. Nesse movimento, a criança vai se humanizando.
Verificar o conteúdo mais significativo para as professoras e
as possíveis dúvidas foi o objetivo do ponto de observação dos dois
encontros.
A leitura do livro “A casa sonolenta”, de Audrey Wood,
ilustrado por Don Wood e com tradução de Gisele Maria Padovam,
teve como objetivos: desenvolver o olhar atento sobre os paratextos,
observar os elementos das artes visuais nas imagens e apresentar o
livro que seria o objeto de análise do texto de apoio indicado às
professoras.
Quadro 6 - Pauta dos dias 11/03,18/03 e 25-03/19
1-Ponto de Observação: O que mais me chamou a atenção foi... porque...
2-Leitura: Professora Lene - “Chapéu” Paul Hoppe
3-Conteúdos:
-Concluir a pauta do dia anterior (Estratégias de leitura)
-Importância da literatura para a criança; papel da escola; formação da poética pessoal.
Texto de apoio: A de literatura infantil como produção cultural e como
instrumento de iniciação da criança no mundo da cultura escrita. De ARENA,
D. B. In: SOUZA, R. J. de. Ler e compreender: estratégias de leitura,
Campinas, SP: Mercado de letras, 2010. p.13-44.
Texto de apoio - Poesia que transforma. De BESSA, B. Rio de Janeiro:
sextante, 2018, p. 33-36,121-123.
Texto de apoio: Poema “Se...” . De BESSA. B. In: BESSA, B. Poesia que
transforma. Rio de Janeiro: sextante, 2018 p.26.
164
18/03/2019 -Leitura de Texto:
O uso das estratégias de leitura em sala e suas contribuições para a formação
de crianças leitoras: uma experiência com o livro “A casa sonolenta”. De
PRIETO, M.N. e LIMA, E.A. de. In. SOUZA, R.J. GIROTTO, C.G.G.S.
Organizadoras. Práticas Pedagógicas com textos literários: estratégias de leitura
na infância. Tubarão-SC: Ed. Copiart, 2017. P. 189-202.
25/03/2019- Leitura de texto:
Paratextos, narrativa e ilustrações: detalhes que fazem a diferença. De SILVA,
K. A. A. M. In: SOUZA, R. J. de; GIROTTO, C. G. G. S. (org.). Práticas
Pedagógicas com textos literários: estratégias de leitura na infância. Tubarão-
SC: Ed. Copiart, 2017. p. 53-72
Fonte: Quadro elaborado pela pesquisadora.
Os encontros dos dias 11, 18, e 25/03/2019 tiveram como
objetivos dar continuidade ao conteúdo sobre estratégias de leitura,
utilizando como suporte os textos: O uso das estratégias de leitura em
sala e suas contribuições para a formação de crianças leitoras: uma
experiência com o livro “A casa sonolenta”, de Prieto e Lima (2017) e
Paratextos, narrativas e ilustrações: detalhes que fazem a diferença;
ambos do livro “Práticas pedagógicas com textos literários:
estratégias de leitura na infância”, organizado pelas professoras
Renata Junqueira de Souza e Cyntia Graziella Guizelim Girotto.
A apresentação e a leitura do livro “Chapéu”, de Paul
Hoppe, pela professora Lene, teve como finalidade ampliar o
repertório das professoras em histórias, entrar em atividade de leitura
e análise dos paratextos, desenvolver o hábito de leitura e conhecer
o acervo da escola.
Para falar sobre a importância da literatura infantil para a
criança, foi utilizado como apoio o texto de Arena (2010) A
literatura infantil como produção cultural e como instrumento de
165
iniciação da criança no mundo da cultura escrita, extraído da obra
organizada por Souza e Girotto (2010) sob o título “Ler e
compreender: estratégias de leitura”.
O estudo de um relato do poeta Bráulio Bessa3, contido no
livro “Poesia que transforma”, objetivou apresentar a importância
que teve a escola, os professores e o acesso à poesia e à literatura para
a formação de sua poética pessoal e sua constituição por meio do
outro.
Conforme a afirmação de Arena (2010), é pela palavra do
outro que o leitor se apropria da cultura humana. Desse modo, o
mundo construído pela palavra do outro, o aluno na escola, como
leitor de literatura infantil, passa a apropriar-se da cultura por meio
da palavra escrita, da palavra do outro” (ARENA, 2010, p. 19).
Para finalizar, foi lida a poesia “Se..., do poeta Bráulio
Bessa, para mostrar que, por meio da poesia, podemos nos
emocionar, ser incentivados a mudanças, pensar a realidade com
outras lentes e descobrir outras possibilidades como a renovação de
nossas esperanças. Serviu também para deixar uma mensagem
positiva ao comunicar o meu afastamento por um tempo em razão
de uma cirurgia.
3 Bráulio Bessa é poeta cearense que, aos 14 anos, começou a escrever poesias. Em 2011,
no meio de uma onda de ataques preconceituosos contra o povo nordestino,
principalmente, nas redes sociais, criou a página “Nação Nordestina”, uma vez que as
pessoas nordestinas estavam se sentindo inferiorizadas. Começou a mostrar o que o
Nordeste tem de bom e ficou conhecido como “embaixador da cultura nordestina na
internet”, o que o levou ao programa da Fátima Bernardes em 2015. Pouco tempo depois,
foi convidado a declamar seus poemas na TV Globo, obtendo um quadro fixo no programa
da Fátima Bernardes. Em 2017, seus vídeos foram os mais acessados e compartilhados na
plataforma on-line da TV Globo.
166
Para dar continuidade aos estudos, durante duas semanas,
nomeei uma professora para coordenar os próximos encontros e
indiquei dois textos, que foram utilizados anteriormente como
suporte teórico às aulas. Eles deveriam ser lidos na íntegra, nos dias
18 e 25/03, e complementar os conteúdos.
Quadro 7 - Pauta do dia 01/04/19.
1- Ponto de Observação: O conteúdo que destaco hoje... Porque...
2- Leitura: “É um livro (Lane Smith).
3- Leitura das avaliações Pontos de observação dos encontros anteriores, dos dias 18
e 25/03.
4- Conteúdo: Estratégias de leitura
Texto de apoio: É um livro imagem, narrativa e estratégias de leitura. De
GONZAGA, M. M. In: SOUZA, R. J. de; GIROTTO, C. G. G. S. (org.).
Práticas Pedagógicas com textos literários: estratégias de leitura na infância.
Tubarão-SC: Ed. Copiart, 2017. p. 141-151.
5-Avaliação
Fonte: Quadro elaborado pela pesquisadora.
A leitura de “É um livro”, de Lane Smith, teve como
finalidade o conhecimento do livro, o qual seria objeto de estudo do
texto de apoio, e para a ampliação de repertório.
A leitura dos pontos de observação dos encontros anteriores
teve por objetivo ouvir as professoras sobre o que compreenderam
das leituras e levantar as dificuldades encontradas, para que fosse
possível rever aspectos não compreendidos.
Foram retomados os estudos sobre estratégias de leitura,
utilizando o texto de apoio: É um livro: imagem, narrativa e
estratégias de leitura (GONZAGA, 2017), contido no livro “Práticas
Pedagógicas com textos literários: estratégias de leitura na infância”,
organizado pelas professoras Renata Junqueira de Souza e Cyntia
167
Graziella Guizelim Girotto com o objetivo de dar continuidade ao
conteúdo iniciado nos encontros anteriores.
O ponto de observação objetivou verificar qual conteúdo do
encontro foi mais significativo para cada professora.
Quadro 8 - Pauta dos dias 08/04, 15/04, 22/04 e 29/04/19
1-Ponto de Observação: O conteúdo que destaco hoje... Porque...
2-Leitura: “A parte que falta.” De Shel Silverstein. Trad. Alípio Correia de Franca
Neto. São Paulo: Companhia das Letrinhas, 2018.
3-Continuação do encontro anterior.
4- Conteúdo:
-Livros ilustrados
Texto de apoio: O que é um livro ilustrado? O livro ilustrado e outros que
contém imagens. De LINDEN, Sophie Van der. In. LINDEN, Sophie Van
der. Para Ler o livro ilustrado. São Paulo: Cosac Naify, 2011. P. 22-32
5- Orientações para os próximos ATPCs, estudo sem a presença da diretora.
Dia 15/04 leitura de texto:
O que é um livro ilustrado? O livro ilustrado e outros que contém imagens.
De LINDEN, Sophie Van der. In. LINDEN, Sophie Van der. Para Ler o livro
ilustrado. São Paulo: Cosac Naify, 2011. P. 22-32
Dia 22/04, leitura de texto:
Páginas e espaços do livro. De LINDEN, Sophie Van der. In: LINDEN,
Sophie Van der. Para Ler o livro ilustrado. São Paulo: Cosac Naify, 2011. (Tipos
de diagramação: dissociação; associação; compartimentação e conjunção.) p. 68-
69
Dia 29/04, leitura de texto:
É um livro imagem, narrativa e estratégias de leitura. De GONZAGA, M.
M. In: SOUZA, R. J. de; GIROTTO, C. G. G. S. (org.). Práticas Pedagógicas
com textos literários: estratégias de leitura na infância. Tubarão-SC: Ed. Copiart,
2017. p. 141-151.
6-Avaliação
Fonte: Quadro elaborado pela pesquisadora.
168
O ponto de observação do encontro teve como objetivo
avaliar o conteúdo mais significativo para as professoras e verificar as
possíveis dúvidas.
A leitura do livro “A parte que falta”, de Shel Silverstein, teve
como objetivo ampliar o repertório e observar o uso de formas e
linhas como recurso para a realização das ilustrações.
Neste encontro deu-se continuidade aos conteúdos do
encontro anterior e iniciou-se o conteúdo sobre os livros ilustrados,
tendo como texto de apoio O que é um livro ilustrado? O livro
ilustrado e outros que contém imagens de Sophie Van der Linden, que
consta no livro “Para Ler o livro ilustrado” (LINDEN, 2011). O
conteúdo teve como finalidade apresentar os diferentes tipos de
livros com ilustrações e esclarecer que nem todos os livros que
possuem ilustrações, ou que são elaborados para o público infantil,
são produções literárias.
Existe uma certa confusão em relação ao livro ilustrado e ao
livro com ilustração, fato percebido entre as professoras participantes
da pesquisa. No início consideravam todo livro para a criança como
livro ilustrado. Linden (2011, p. 23) esclarece que no Brasil, esse fato
é muito comum, pois “livro ilustrado’, ‘livro de imagem’, ‘livro
infantil contemporâneo’ ou mesmo ‘picture book’ são utilizados sem
muito critério, confundindo-se, de modo geral, com o ‘livro com
ilustração’ ou o ‘livro para criança’”.
Diante dessa constatação, vi a necessidade de falar um pouco
para as professoras sobre algumas diferenças entre os livros que
contém imagens destinadas às crianças nas bibliotecas das escolas de
Educação Infantil. É importante esse esclarecimento para que o
169
professor ou professora saiba escolher cada tipo de livro de forma
intencional, de acordo com seus objetivos.
Recorro a Linden (2011), fazendo uma diferenciação entre
o livro ilustrado e outros tipos de livros para criança que contenham
imagens, a partir da organização interna do objeto livro. Desse
modo, apresentei às professoras, de forma sucinta, segundo a citada
autora, a definição de livro ilustrado; livro com ilustração; histórias
em quadrinhos; livros pop-up; livros-brinquedo e livros interativos.
Os livros ilustrados são obras em que a imagem é
espacialmente preponderante em relação ao texto verbal e a narrativa
se faz de maneira articulada entre o texto verbal e a imagem.
Figura 1: Livro ilustrado
Fonte: Foto da pesquisadora (livro: Ana, Guto e o Gato Dançarino/
Stephen Michael King)
Em alguns livros, o texto verbal pode estar ausente e, nesse
caso, o livro é chamado de livro de imagem.
170
Figura 2: Livro de imagem
Fonte: Foto da pesquisadora (livro: Quando Maria encontrou João/ Rui de Oliveira)
Os livros com ilustração são obras que apresentam um texto
acompanhado de desenhos, imagens ou gravuras, porém, o texto
verbal é espacialmente dominante e autônomo do ponto de vista do
sentido; o leitor penetra na história por meio do texto verbal, que
sustenta a narrativa.
Figura 3: Livro com ilustração
Fonte: Foto da pesquisadora (livro: O Barbeiro de Sevilha/Ruth Rocha)
Já as histórias em quadrinhos, segundo a autora, apresentam
uma organização de página que corresponde principalmente a uma
171
disposição compartimentada, ou seja, os quadrinhos se encontram
justapostos em vários níveis. “A forma de expressão caracterizada não
pela presença de quadrinhos e balões, e sim pela articulação de
‘imagens solidárias’” (LINDEN, 2011, p. 25). Em nota, são
definidas como solidárias as imagens que, incluídas numa sequência,
apresentam a dupla característica de serem, ao mesmo tempo,
separadas e sobredeterminadas.
Figura 4: Histórias em quadrinhos
Fonte: Foto da pesquisadora
(Revista nº 14: Cascão/Mauricio de Souza, 2007)
Livros pop-up são um tipo de livro que no espaço da página
dupla acomoda sistemas de abas, encaixes, esconderijos, etc. que
permite mobilidade dos elementos e até mesmo um desdobramento
em três dimensões.
172
Figura 5: Livro pop-up
Fonte: Foto da pesquisadora (livro: A Joaninha /Todo livro)
Os livros-brinquedo são objetos híbridos, situados
geralmente entre o livro e o brinquedo, que contêm elementos em
três dimensões como pelúcia, figuras de plástico, dentre outros
materiais.
Figura 6: Livro brinquedo
Fonte: Foto da pesquisadora (livro: Zoe, a Zebra)
173
Os livros interativos são aqueles que se apresentam como
suporte de atividades variadas como pintura, construções, recortes,
colagens entre outros; podem conter materiais diversos para
atividades manuais como tintas, adesivos, tecidos, etc.
Figura 7: Livro interativo
Fonte: Foto da pesquisadora (Livro: O gatinho Rarrá/Ciranda Cultural)
É preciso atentar para o fato de que existe, atualmente, uma
grande produção de livros para crianças por diversos interesses, uma
vez que o livro se tornou uma mercadoria rentável e, com isso, nem
todos os livros lançados no mercado apresentam boa qualidade,
como também nem sempre o livro que vende mais é, por conta disso,
de literatura. Por isso a importância de o professor desenvolver um
olhar sensível, com base em conhecimento específico, para realizar
as escolhas de livros.
Para os próximos encontros, devido à necessidade de me
ausentar para tratamento de saúde, foi realizado, junto com as
professoras, um planejamento de leitura de textos que já tinham sido
utilizados como suporte nos encontros anteriores.
174
Quadro 9 - Pauta do dia 06/05 e 13/05
PAUTA: 06/05 e 13/05/19
1-Ponto de Observação: O conteúdo que destaco hoje é... Porque...
2-Leitura: Livro: “Ida e Volta” - (Juarez Machado)
Leitura: Professora Lis - O homem que amava as caixas. (Stephen Michael King)
3- Leitura das avaliações: Pontos de observação dos encontros anteriores
4 - Conteúdo:
- Tipos de diagramação: dissociação; associação; compartimentação e conjunção.
- Função das molduras enquadramento, desenquadramento, campo, extracampo e
contracampo.
Texto de apoio: Função das molduras enquadramento, desenquadramento,
campo, extracampo e contracampo. De LINDEN, Sophie Van der. In:
LINDEN, Sophie Van der. Para Ler o livro ilustrado. São Paulo: Cosac Naify,
2011. P. 71-77.
5- Avaliação
Fonte: Quadro elaborado pela pesquisadora.
A leitura do livro “Ida e Volta”, de Juarez Machado, teve
como objetivos observar a importância de se fazer a leitura dos
paratextos para maior compreensão da história, constatar a
importância de realizar ações para promover o desenvolvimento da
percepção visual das crianças, por meio da ampliação, por exemplo,
do repertório de desenho de marcas, conhecer pegadas de diferentes
animais, identificar desenhos de pegadas que se formam com a base
dos diferentes tipos de sapatos, reconhecer desenhos com
movimentos de objetos, suas marcas, etc. pois, quanto maior for o
repertório da criança, melhores condições ela terá de realizar a leitura
de imagens.
A professora Lis realizou a leitura do livro “O homem que
amava as caixas”, de Stephen Michael King, com o objetivo de
indicar o livro da biblioteca para o grupo e para ampliar o repertório.
A leitura das avaliações dos encontros anteriores teve o
objetivo de verificar os conteúdos que foram destacados como
175
importantes e retomar o que porventura tenha gerado dúvidas ou
dificuldades.
Os conteúdos planejados para o encontro foram: os tipos de
diagramação: dissociação, associação, compartimentação e conjun-
ção, e a função das molduras, enquadramento, desenquadramento,
campo e extracampo.
É importante apresentar esses conteúdos aos professores a
fim de possibilitar uma melhor compreensão da proposta, conhecer
a intenção das escolhas dos autores e compreender o discurso
veiculado nela.
Os tipos de diagramação, elencados para a discussão, são os
propostos por Linden (2011):
a) Dissociação: nesse tipo de organização, a imagem costuma
ocupar a página da direita, denominada pelos tipógrafos de “página
nobre”, pois é aquela em que o olhar se detém na abertura do livro,
e o texto fica na página esquerda. Esse formato foi herdado do livro
com ilustração tradicional. Nesse modelo, o texto geralmente é
impresso sobre um fundo homogêneo. Em relação à imagem, ela
pode “sangrar” no espaço da página ao lado ou ser emoldurada; pode
ainda apresentar desenhos com contorno ou vinhetas na página do
texto. Nesse tipo de livro ilustrado há uma situação de máxima
separação entre textos e imagens, no qual o leitor passa
sucessivamente da observação da imagem para a leitura do texto
alternadamente.
176
Figura 8: Dissociação
Fonte: Fotografia da pesquisadora (livro: Bicos quebrados/Nathaniel Lachenmeyer)
b) Associação: esse tipo de diagramação é o mais comum no
livro ilustrado, reunindo pelo menos um enunciado verbal e um
enunciado visual no espaço da página. Essa diagramação pode se
apresentar de diversas formas. Por exemplo, uma linha pode separar
o espaço do texto do espaço da imagem; a imagem pode ocupar o
espaço principal da página e o texto ficar acima ou abaixo dela; a
imagem pode também ocupar toda a página ou mesmo a página
dupla e sangrar a margem do papel e o texto se inscrever num espaço
da imagem; vários textos e várias imagens podem ainda se organizar
no espaço da mesma página ou da página dupla. A escolha dessas
diferentes estruturas resultará principalmente da intenção narrativa.
A sucessão rápida de imagens e textos curtos torna a leitura mais
dinâmica.
177
Figura 9: Associação
Fonte: Fotografia da pesquisadora (livro: Para que serve um livro? de Chloé
Legeay)
c) Compartimentação: nesse modelo de diagramação existe
uma proximidade com a diagramação das histórias em quadrinhos,
na qual o espaço da página ou da página dupla é dividido em várias
imagens emolduradas; o texto se inscreve próximo aos quadros ou
dentro de balões. Embora em alguns casos se assemelhem à história
em quadrinhos, no livro ilustrado, as imagens são maiores em
tamanho e quantidade.
Figura 10: Compartimentação
Fonte: Foto da pesquisadora (livro: O diário de Anne Frank em quadrinhos/
Ari Folman e David Polonsky)
178
d) Conjunção: a organização, neste caso, mescla diferentes
enunciados sobre o suporte, ocorrendo o contrário da diagramação
“dissociativa”. Os textos e as imagens não se encontram dispostos
em espaços reservados, mas articulados numa composição geral e, na
maioria das vezes, em página dupla. Há a apresentação de vários
enunciados, muitas vezes indistintos, entremeados e não justapostos.
Os textos integram a imagem e, dessa forma, as mensagens visuais
ou verbais se revelam conjunta e globalmente. Nesse tipo de
diagramação é difícil separar o texto da imagem, porque um
participa do outro em relação à expressão plástica. Os livros que
adotam esse tipo de organização com frequência desenvolvem um
discurso mais poético do que narrativo, possibilitando ao leitor uma
livre exploração das diversas mensagens.
Figura 11: Conjunção
Fonte: Foto da pesquisadora (livro: Que bicho será que botou o ovo? /
Ângelo Machado e Roger Mello)
É possível observar que a diagramação do livro ilustrado
contemporâneo se caracteriza por grande liberdade formal, visto que
o criador dispõe de muitas opções para se expressar por meio de
imagens e de muitas possibilidades de variações em relação à
organização da página.
179
Esses conteúdos tiveram o objetivo de apresentar diversos
recursos de diagramação e esclarecer que as escolhas da diagramação
pelos ilustradores são intencionais. Se existe a intenção de valorizar
uma determinada imagem, é concedido a ela um espaço específico
para maior destaque; uma “imagem pode também ocupar a
totalidade da página, ou mesmo da página dupla, e sangrar a margem
do papel” (LINDEN, 2011, p.68). Segundo a autora, as diferentes
estruturas terão implicações diversas e, dependendo da intenção
narrativa, ocorrerá a escolha em misturar textos com imagens,
associá-los ou distingui-los.
O objetivo de trabalhar as funções das molduras, o
enquadramento, desenquadramento, campo e extracampo foi:
apresentar conteúdos que possibilitariam melhor compreensão da
leitura das imagens, desenvolver a percepção visual, demonstrar que
esses recursos são escolhidos e utilizados pelos ilustradores de forma
intencional para expressar da melhor forma suas ideias em suas
narrativas visuais.
É importante esclarecer que a forma com que as imagens se
inserem na página não deixa de ter implicações para a percepção.
Uma imagem em uma moldura bem definida, ou emoldurada sem
contorno, ou uma imagem ocupando todo o espaço da página são
projetos distintos e podem ser portadoras de significado. A
composição, o ângulo de visão e a perspectiva são condicionados pela
forma e dimensão da moldura, podendo ter inúmeras implicações
para a leitura (LINDEN, 2011).
A primeira função da moldura, segundo a autora, é fechar
uma imagem, delimitar, marcar uma representação, definindo um
espaço narrativo coerente; uma unidade dentro da narrativa por
180
imagens. A dimensão de uma moldura tem um efeito fundamental
sobre a composição da imagem. Sua forma é muito variável e a
escolha se inclui entre as características do estilo dos ilustradores.
Algumas formas de moldura, por exemplo, a redonda, efetua
aproximações com a fotografia. Seu emprego na folha de rosto
(figura 13) ou na última página de um livro ilustrado condiciona a
função de prólogo ou epílogo à uma imagem.
Figura 13: Moldura redonda
Fonte: Foto da pesquisadora (livro: O Grúfalo/Júlia Donaldson e Axel Scheffler)
A autora revela ainda que a moldura pode ter uma função
separadora para distinguir a figura do fundo e para distinguir várias
mensagens existentes na narrativa, numa sequência de imagens,
conforme a figura 14 a seguir:
181
Figura 14: Função separadora
Fonte: Foto da pesquisadora (livro: O Grúfalo/Júlia Donaldson e Axel Scheffler)
A moldura é importante para diferenciar uma vinheta da
outra para que sejam lidas separadamente. Essa função também
distingue representações plásticas das verbais. Além disso, a moldura
pode estar presente apenas para ser transgredida. É comum imagens
cujos personagens ou elementos a ultrapassam: uma bola lançada,
algum objeto ou animal saindo da moldura, visando criar uma ilusão
de movimento, por exemplo, como na figura a seguir:
Figura 15: Transgressão
Fonte: Foto da pesquisadora (livro: O leão e o camundongo/ Jerry Pinkney)
182
A noção de enquadramento surgiu do cinema e acabou por
designar a posição da moldura em relação à cena representada.
Assim, se a cena se refere à vista de cima para baixo, se fala em
plongée” (figura 16), mas, se está relacionada à vista de baixo para
cima, se denomina “contra-plongée” (figura 17).
Figura 16: Plongée
Fonte: Foto da pesquisadora (livro: Pedro e o lobo/Sergei Prokofiev- adapt.
Heloisa Pietro)
Figura 17: Contra-plongée
Fonte: Foto da pesquisadora (livro: Pedro e o lobo/Sergei Prokofiev- adap.
Heloisa Pietro)
183
Essa noção de enquadramento acarreta implicações específicas
quando a criança é representada: em um enquadramento contra-plogée,
o ponto de vista será provavelmente interpretado como o da criança. O
plongée, provavelmente será o ponto de vista de um adulto, ou a partir
de uma posição alta, como de sobre uma árvore, por exemplo
(LINDEN, 2011).
A seleção do modo de ver a cena cria uma intimidade com o
leitor, com o tipo de visão que ele está usufruindo; se está olhando
tranquilamente a cena ou se está participando dela. “Todo esse material
sensorial que o ilustrador utiliza, permitindo que uma criança realize
uma leitura visual ordenada, é obtido pelo uso de perspectiva e do
ponto de vista escolhidos” (OLIVEIRA, 2008, p. 54).
Há ainda o recurso do desenquadramento no qual a moldura
pode não apresentar integralmente os personagens ou elementos
importantes da imagem; a moldura “corta” os personagens (figura18).
“Ela está ligada a um código e, nesse sentido, o leitor precisa aprender
a não interpretar como um simples ‘corte’” (LINDEN, 2011, p. 76).
Figura 18: Rinoceronte
Fonte: Foto da pesquisadora (livro: A vida selvagem: diário de uma
aventura/Claudia Rueda)
184
O enquadramento pressupõe a seleção de uma imagem
contendo um determinado campo observado de um determinado
ângulo com certos limites precisos. Assim, o campo seria a superfície
de representação delimitada por uma moldura e por um extracampo
que, embora não seja representado, existe em potencial.
Figura 19: Extracampo
Fonte: Foto da pesquisadora (livro: Para ler o livro ilustrado/Sophie Van Der Linden)
O contracampo é outro procedimento referente ao campo,
que foi tirado da linguagem cinematográfica, no qual a uma imagem
mostrando um campo específico, sucede-se outra que revela o
campo situado defronte. Por exemplo, “quando dois personagens
estão conversando, é possível mostrá-los de perfil de maneira a
inserir ambos dentro da moldura, mas também se pode optar por
mostrar, sucessivamente, em função do diálogo, um personagem de
frente (campo), e depois o outro (contracampo)” (LINDEN, 2011,
p. 77). (Figuras 20 e 21)
185
Figura 20: Perfil
Fonte: Foto da pesquisadora (livro Vozes do parque/Anthony Browne)
Figura 21: Frente
Fonte: Foto da pesquisadora (livro Vozes do parque/Anthony Browne)
Segundo Faria (2016), o enquadramento se completa pelos
planos em que a imagem é apresentada, havendo grande variedade,
aparecendo com frequência nas ilustrações dos livros infantis. Como
exemplificado por Vaz e Silva (2016), há um: Plano geral ou de
186
conjunto que “representa os personagens e um pouco mais do
cenário” (VAZ E SILVA, 2016, p. 234).
Figura 22: Plano geral
Fonte: Foto da pesquisadora (livro: O leão e o camundongo/Jerry Pinkney)
Plano médio ou aproximado, que “representa os personagens
da cintura para cima, permitindo ao leitor a visualização, de forma
mais detalhada, de suas expressões faciais e corporais” (VAZ E
SILVA, 2016, p. 234).
Figura 23: Plano médio
Fonte: Foto da pesquisadora (livro: O leão e o camundongo/Jerry Pinkney)
187
Primeiro plano, “representa o personagem na altura dos
ombros, com o objetivo de realçar suas expressões faciais e seu estado
emocional” (VAZ E SILVA, 2016, p. 235).
Figura 24: Primeiro plano
Fonte: Foto da pesquisadora (livro: O leão e o camundongo/Jerry Pinkney)
Plano detalhe; pormenor ou close-up cuja sua função consiste
em realçar um elemento da figura, “enquadra um detalhe da
anatomia do personagem ou de um objeto da cena, destacando um
pormenor que poderia passar despercebido pelo leitor” (VAZ E
SILVA, 2016, p. 235), que ressalta a dramaticidade da cena.
Figura 25: Plano detalhe
Fonte: Foto da pesquisadora (livro: O leão e o camundongo/Jerry Pinkney)
188
A montagem de um livro ilustrado, de acordo com Linden
(2016), consiste em organizar a sucessão das páginas duplas e trabalhar
com a ideia de continuidade. Os criadores também podem considerar
o espaço do livro aberto como um suporte expressivo em si, capaz de
escapar ao movimento de encadeamento de páginas.
Isso demonstra, segundo a autora, duas principais tendências
que regem a organização dos livros ilustrados: um conjunto vetorizado
que se inscreve numa continuidade, encadeando página a página como
sobreposição de espaços fixos sucessivos, quando cada página dupla
propõe uma configuração nova e coerente nesse espaço. Essa distinção
é importante porque a expressão do tempo, do movimento, as
modalidades da narrativa dependem dessas escolhas. É na sequência das
páginas que se constrói um discurso. “A organizão em dupla favorece
a fruição da leitura. O livro ilustrado, de modo particular, se baseia
nesse encadeamento. Mais que qualquer outro suporte, o discurso
completo é percebido na escala do livro, na sequência das páginas
viradas” (LINDEN, 2016, p. 87).
Quadro 10 - Pauta do dia 27/05/19
1. Ponto de Observação: Hoje o que marcou foi... porque...
2- Leitura do livro: “Quem soltou o PUM?- Blandina Franco e José Carlos Lollo.
3 - Conteúdos:
- Formação de novas sinapses (imagem do link -A Criança e Seu Desenvolvimento - O
desenvolvimento cerebral (primeirainfanciaempauta.org.br)
- Articulação entre imagem e texto.
- Narrativa no livro de imagem.
Texto de apoio: Articulação do texto com a ilustração. De FARIA, M. A. In:
Como usar a literatura infantil na sala de aula. p. 39- 53
Texto de apoio: A narrativa no livro de imagem. De FARIA, M. A. In: Como
usar a literatura infantil na sala de aula. São Paulo: Contexto, 2016. P. 55-82.
4- Avaliação
Fonte: Quadro elaborado pela pesquisadora.
189
A leitura do livro “Quem soltou o PUM?”, de Blandina
Franco e José Carlos Lollo, teve o objetivo de analisar a articulação
entre o texto e a imagem, realizar o exercício de leitura apenas do
texto verbal e posteriormente com as imagens para observar que elas
e o texto verbal, nesse caso, estão articuladas para possibilitar a
compreensão.
Uma imagem de um quadro sobre a formação de novas
sinapses foi apresentada ao grupo, para lançar uma reflexão sobre a
importância de proporcionar um ensino significativo aos alunos da
Educação Infantil. Segundo as indicações presentes na imagem, o
período em que ocorre maior desenvolvimento das funções
psíquicas, a linguagem, capacidades sensoriais e formação de novas
sinapses é na faixa etária de zero a seis anos.
Os conteúdos sobre a articulação entre texto, imagem e
narrativa no livro de imagens tiveram como textos de apoio
Articulação do texto com a ilustração e A narrativa no livro de imagem,
ambos de Faria (2016), contido no livro Como usar a literatura
infantil na sala de aula”, tendo como finalidade esclarecer a
importância de o professor e a professora ter acesso a esse
conhecimento para ter condições de ensinar a leitura de imagens às
crianças e promover o desenvolvimento da percepção visual.
É importante destacar que conhecer os recursos expressivos
utilizados pelos criadores de livros ilustrados contribui para melhor
compreensão da leitura visto que:
O livro ilustrado não é apenas texto e imagem, é texto e imagem
no espaço desse estranho objeto que é o livro. A disposição das
mensagens no suporte, o encadeamento do texto e das imagens,
190
sua diagramação, suas localizações também fazem sentido
(LINDEN, 2011, p. 86).
Segundo Faria (2016, p. 39) nos “bons livros ilustrados, o
texto e a imagem se articulam de tal modo que ambos concorrem
para a boa compreensão da narrativa. É possível afirmar que os livros
com ilustrações apresentam dupla narração”. A autora destaca que a
lógica textual e a lógica iconográfica estão articuladas para que haja
a compreensão, embora apresentem formas diferentes de leitura. Na
leitura da escrita, em nossa cultura, os olhos percorrem a linha da
esquerda para a direita e de cima para baixo; linha a linha, pela
trajetória do olhar. Na leitura de uma imagem, a trajetória do olhar
não é linear; percorre a ilustração em diversas direções, de acordo
com as características da imagem e conforme a intenção do
ilustrador. Assim, o ilustrador pode dirigir o olhar do leitor, levando-
o a percorrer a imagem em um determinado sentido; por exemplo,
no livro “Ida e Volta”, de Juarez Machado, no qual as pegadas da
personagem se orientam da esquerda para a direita.
Na relação entre o texto e a imagem, existem vários modelos
teóricos, mas no livro infantil, de acordo com Faria (2016), o mais
comum é a de repetição ou de complementaridade, dependendo dos
objetivos do livro e a própria concepção do artista sobre a ilustração
infantil. Em um livro com uma função pedagógica, de auxiliar da
alfabetização, por exemplo, ocorre a repetição do enunciado escrito
na imagem. Para a autora, a boa ilustração deve ser de
complementaridade, na qual, um dos dois elementos, devido sua
constituição, pode ter a faculdade de dizer o que o outro não
poderia.
191
Em relação à função de repetição, segundo Linden (2011), a
leitura da segunda mensagem não traz nenhuma informação
suplementar, dando ao leitor a sensação de ler a mesma mensagem
de forma diferente, induzindo a uma relação de redundância. Sobre
a complementaridade, a autora utiliza o termocolaboração”, por
expressar a ideia de textos e imagens trabalharem em conjunto em
vista de um sentido comum e, dessa maneira, considera-se “de que
modo se combinam as forças e fraquezas próprias de cada código.
Articulados, textos e imagens constroem um discurso único. Numa
relação de colaboração, o sentido não está nem na imagem nem no
texto: ele emerge da relação entre os dois” (LINDEN, 2011, p. 121).
Quanto à função da imagem, segundo Faria (2016, p.42),
“as funções da imagem no livro ilustrado seriam a de
‘criar/sugerir/complementar o espaço plástico’, quanto à descrição é
‘marcar os momentos-chave da ação na narrativa pela duplicação
visual’[...]”. A autora afirma que a imagem precisa concentrar
elementos de hiper significação da narrativa como: a) os elementos
estáticos, aqueles relacionados à descrição como o ambiente da
ocorrência da ação, as personagens e suas características, vestimentas,
lugar onde vivem, seus objetos, entre outros; b) os elementos
dinâmicos, que estão relacionados ao encadeamento da narrativa
como exprimir com clareza a ação, os gestos e as expressões
motivadoras das personagens, o ritmo da ação e a progressão da
narrativa.
Ao manusear um livro ilustrado, é possível perceber a
existência de uma estreita relação com a página dupla, na qual “a
organização das diferentes mensagens não necessariamente respeita
a compartimentação por página. Textos e imagens se dispõem
192
livremente na página dupla” (LINDEN, 2011, p. 65). Assim, ao se
segurar um livro ilustrado nas mãos, não há como prever a
organização interna dele, porque é o espaço de todas as
possibilidades.
O conteúdo sobre a narrativa no livro de imagem teve como
objetivo esclarecer que as histórias narradas por imagens possuem
aspectos que lhe são próprios e técnicas específicas. Um trabalho
minucioso com as crianças, indicando ou levando-as a descobrir
esses elementos técnicos que explicam o espaço, o tempo,
características das personagens, o movimento, entre outros,
“aprofundará a leitura de imagem e da narrativa e estará ao mesmo
tempo, desenvolvendo a capacidade de observação, análise,
comparação, classificação, levantamento de hipóteses, síntese e
raciocínio.” (FARIA, 2016, p.59).
O ponto de observação objetivou avaliar o conteúdo que foi
mais significativo para as professoras e o que mais as afetou.
Quadro 11 - Pauta dos dias 03/06 e 10/06/19
1- Leitura: “Não é uma caixa” - Antoinette Portis
2. Ponto de Observação: Foi interessante saber... porque...
3- Conteúdos:
- Continuação do conteúdo da aula anterior: Articulação entre imagem e texto e a
narrativa nos livros de imagem.
- Sintaxe visual
Texto de apoio: Artes visuais- De RODRIGUES, S. M. P. et al. In: Proposta
Pedagógica da Ed. Infantil - Bauru/ Artes, p. 443-503
-De onde vem a inspiração para escrever livros?
Sugestões de leituras da área do autor(a) dos seguintes livros:
193
All Books, 2013.
Vó, para de fotografar! De BRENMAN, Ilan e KARSTEN, Guilherme. São
Paulo: Melhoramentos Livrarias, 2018.
Orie. De HIRATSUKA, Lúcia. Rio de Janeiro: Zahar, 2014.
A visita. De HIRATSUKA, Lúcia. São Paulo: Farol Literário, 2012.
O caminhão. De HIRATSUKA, Lúcia. São Paulo: Cortez, 2017
4-Atividade prática: criação de histórias a partir de sons
5- Orientões para os próximos encontros e esclarecimento de dúvidas:
Leitura das pautas dos próximos encontros.
6-Avaliação
Fonte: Quadro elaborado pela pesquisadora.
A leitura do livro o é uma caixa” de Antoinette Portis,
teve como objetivo ampliar o repertório de histórias das professoras,
observar a articulação entre o texto escrito e o texto visual e
relacionar o faz de conta na história com os diversos significados e
sentidos que uma criança atribui a uma caixa, conforme o conteúdo
de seu repertório e de suas necessidades.
Em continuidade ao conteúdo do encontro anterior, sobre a
narrativa nos livros de imagem, também foram apresentados alguns
modelos de estruturas narrativas em livros infantis para possibilitar
às professoras mais um conteúdo a interferir em suas escolhas.
Segundo Faria (2016), os livros infantis apresentam
narrativas curtas, podendo ser consideradas contos. Conto é uma
designação de histórias e narrações tradicionais que, na sua origem,
eram orais em sociedades ágrafas, transmitidas de geração em
geração. “Perrault, na França, no fim do século XVII e os irmãos
194
Grimm, na Alemanha, no início do século XIX, recolheram contos
orais populares de seus respectivos países e os registraram por escrito,
segundo suas concepções e estilos” (FARIA, 2016, p. 23).
A partir da passagem do oral ao escrito, transformou a
narrativa em outro objeto, e “o conto se transforma em texto e em
seguida em livro, apoiado algumas vezes em ilustrações. E assim,
chegamos à literatura para crianças, que tem sua origem em contos
populares [...]” (FARIA, 2016, p. 24).
A literatura infantil abrange diferentes tipos de contos, entre
tradicionais e modernos. Para a autora, os contos tradicionais, como
os contos de fadas, contos maravilhosos, possuem relevância porque
tocam aspectos importantes de nossa natureza e de nossa história,
apresentando o ser humano como um ser de linguagem e de cultura,
para o qual todas as atividades de sobrevivência adquirem dimensões
imaginárias e simbólicas. “Por isso, os contos de fadas, lendas em
geral de todos os povos, fábulas e histórias populares continuam a
ser apreciados e a fascinar as crianças” (FARIA, 2016, p. 24).
Sobre os contos de fadas, Vigotski (2010, p. 361) afirma que:
“Como a brincadeira, o conto de fadas é uma educadora estética
natural da criança”. Porém, o autor faz uma ressalva e chama a
atenção para o “fantástico nocivo”, porque no psiquismo nada passa
sem deixar vestígios; tudo cria os seus hábitos, permanecendo para o
resto da vida. Se, por exemplo, a criança desde cedo se acostuma a
acreditar em “bicho papão”, no mendigo com sacos nas costas que
pega as criancinhas, “tudo isso não só lhe bloqueia o psiquismo
como, ainda pior, determina-lhe o comportamento. É absoluta-
mente claro que a criança ou teme, ou se sente atraída por esse
195
mundo mágico, mas nunca fica passiva em relação a ele”
(VIGOTSKI, 2010, p. 355). Assim:
A utilidade educativa decorrente da introdução do velho com o
saco nas costas no uso doméstico esgota-se na vantagem
imediata na intimidação através da qual pode-se conseguir que
a criança pare imediatamente com as suas traquinagens ou
cumpra alguma ordem. O mal daí decorrente pode refletir-se
em formas de comportamento humilhantes para o homem
muitos decênios depois (VIGOTSKI, 2010, p. 355).
O autor ainda denomina essa maneira de ensinar como
educação para a cegueira e para a surdez em relação ao mundo. Dessa
forma, a justificativa para uma obra fantástica é “o seu fundamento
emocional real, e não nos surpreende o reconhecimento de que, com
a supressão do fantástico nocivo, o conto de fadas ainda assim
continua sendo uma das formas da arte infantil” (VIGOTSKI,
2010, p. 359), visto que:
Em arte tudo é fantástico ou tudo é real, porque tudo é
convencional, e a realidade da arte significa apenas a realidade
daquelas emoções a ela relacionadas [...], para a criança é mais
importante saber que tal coisa em realidade nunca houve de que
se trata apenas de um conto de fadas, e que ela aprendeu a reagir
a isso como a um conto de fadas; logo, deixou de surgir por si
mesma a questão de saber se na realidade tal ocorrência é ou
não possível. Para se sentir satisfação com o conto de fadas não
há qualquer necessidade de acreditar no que nele é narrado
(VIGOTSKI, 2010, p. 358).
196
Essas questões tornam-se importantes durante as escolhas de
livros pois, dependendo do conteúdo de cada conto, o resultado
poderá ser diferente na formação da criança.
Sobre os contos modernos, Faria (2016) afirma que são
narrativas originais e não têm a ver com a tradição oral, porém
trazem uma renovação para o maravilhoso. Além disso, esses contos
“abordam o dia a dia das crianças, desde as situações mais banais do
cotidiano até temas sociais, existenciais, éticos, religiosos de nosso
tempo, com os quais, conscientemente ou não, os pequenos leitores
estão em contato” (FARIA, 2016, p. 24). A autora revela ainda que
as narrativas tradicionais ou modernas podem ser definidas como
“expressão de modificações de um estado inicial. Por isso, a estrutura
das narrativas é essencialmente temporal” (FARIA, 2016, p. 24).
A autora sintetiza as fases de uma narrativa da seguinte
forma: a) Situação inicial: apresenta um estado de equilíbrio ou um
problema; b) Desenvolvimento: é o “miolo” da narrativa, no qual se
concentram as tentativas de solução do problema, com ou sem ajuda
de pessoas, seja por meio de atos reais ou da ordem do maravilhoso;
c) Desenlace: este, pode ser feliz ou infeliz. No desenlace feliz, ocorre
a solução do problema e a recuperação do equilíbrio. No desenlace
infeliz, o problema não é resolvido e o equilíbrio inicial não é
recuperado.
Para exemplificar sobre os momentos de uma narrativa
conforme essa estrutura, apresentarei a história “O rato e a
montanha”, de Antonio Gramsci (2019). Esse autor nasceu na Itália,
era filósofo, jornalista e político; foi perseguido e preso pelo governo
fascista de Benito Mussolini. Escreveu essa história quando estava na
prisão e a enviou por meio de uma carta à sua esposa, pedindo que
197
ela lesse para seus filhos, pois era seu desejo que a história fosse
passada adiante. Ele faleceu na prisão aos 46 anos.
Na intenção de também contribuir para divulgá-la, escolhi
essa história para exemplificar a estrutura de uma narrativa, de
acordo com a estrutura citada por Faria (2016): situação inicial, o
desenvolvimento e o desenlace.
Trata-se de uma história que inicia com um menino
dormindo. Há um copo de leite pronto para quando ele acordar,
mas um rato bebe o leite. Essa é a situação inicial de equilíbrio.
O menino, sem ter o leite para tomar, chora; a mãe também,
porque não havia mais leite. O rato, desesperado, não quer que o
menino chore. Ele sabe onde conseguir mais leite. Dessa forma,
surge um problema para o rato, que é o fato de não ter mais leite
para o menino tomar, e o roedor sai à procura de uma solução.
O início do desenvolvimento ocorre quando, para tentar
solucionar o problema da falta de leite, o rato sai à procura de leite
e dialoga com uma cabra:
- Dona cabra, a senhora poderia me dar leite para o café da
manhã do menino?
- Poder, eu poderia...” - respondeu a cabra. - Se eu tivesse
capim para comer.
Então, o rato continua seu percurso e pergunta ao campo:
- Senhor Campo, poderia fazer brotar capim, para que a cabra
tenha o que comer?
- Posso fazer brotar todo o capim que você quiser, rato
respondeu o campo. - Desde que você consiga água para me
regar.
O rato vai até a fonte, mas a fonte foi arruinada pela guerra, e
a água escorreu.
198
- Poderia lhe arranjar muita água disse a fonte. - Mas para isso
eu preciso ser reparada
E o rato disse:
- Então, teremos de chamar o pedreiro!
- Consertar a fonte? perguntou o pedreiro ao rato. - Mas onde
conseguiremos as pedras para isso?
- As pedras vêm das montanhas, pensou o rato.
Assim, o rato decidiu ir até a montanha, encontrou suas
encostas e os cursos dos riachos secos. Homens de negócio haviam
derrubado tudo, e a montanha mostrava suas entranhas desprovidas
de terra. Então o rato contou para a montanha toda a história do
menino que não tinha leite para o café da manhã. E prometeu à
montanha que o menino, quando crescesse, replantaria pinheiros,
carvalhos e castanheiras. A chuva voltaria a formar riachos e a regar
o vale; as terras voltariam a ser férteis. Assim, o rato convenceu a
montanha, que lhe deu as pedras de que o pedreiro precisava. A fonte
recuperou sua água. O campo a bebeu. A cabra teve capim à vontade
e deu tanto leite que o menino poderia até tomar banho com ele.
Nesse momento, o problema inicial foi resolvido: a falta de
leite; mas a história não terminou aí. Havia outra questão ainda a ser
resolvida quando o menino crescesse. Assim a narrativa prossegue.
Quando o menino cresceu, cumpriu a promessa do rato e dessa
forma as árvores povoaram de novo as encostas da montanha, os
animais do bosque regressaram, o solo voltou a ser fértil e a
montanha recuperou todo o seu esplendor. Ao final, o menino disse:
-“Cumprimos nossa missão, meu amigo. Vamos ver como ficou?”.
Nessa cena, a imagem apresenta o menino olhando pela janela e, na
outra página dupla, mostra o que o menino vê, uma paisagem bem
199
diferente da inicial: a base das montanhas coberta de árvores e
também muitas outras árvores frondosas próximas à cidade.
Nessa narrativa é possível observar a evolução de um
problema aparentemente “menor” que, no decorrer da história, em
seu desenvolvimento, quando outras informações foram surgindo,
mostra a existência de um problema de âmbito maior por trás da
falta de leite inicial. Por meio de um esforço coletivo esse problema
também foi solucionado.
O livro apresenta-se em formato vertical, com capa dura, e
abre no sentido de baixo para cima, como um bloco de anotações
(figura 26). É interessante observar já na capa o indício do problema
e sua solução: de um lado da montanha há um homem plantando
árvores e, do lado oposto, a encosta da montanha reflorestada.
Figura 26: O rato e a montanha
Fonte: Foto da pesquisadora (livro O rato e a montanha/Antonio Gramsci)
A guarda inicial do livro também traz uma imagem dando
indícios do problema, apresentando árvores cortadas e secas e, na
200
guarda final, a imagem apresenta uma floresta verde, com pássaros
voando, dando indícios da solução do problema. Isso tudo contribui
para a formação de sentidos sobre a narrativa, reforçando a
compreensão.
Faria (2016) afirma que essa estrutura de narrativa também
está presente nos livros de imagens. Como exemplo, podemos citar
a história: “O gato Viriato, fazendo arte” (figura 27), de Roger Mello
(2002), nascido em Brasília; artista gráfico e autor de livros, peças
teatrais e histórias em quadrinhos.
Figura 27: O gato Viriato, fazendo arte
Fonte: Foto da pesquisadora (livro: O gato Viriato, fazendo arte/ Roger Mello)
O livro apresenta no início uma imagem representando a
situação de equilíbrio: um gato descansando tranquilamente. Na
segunda imagem surge um problema quebrando o equilíbrio: uma
lagartixa joga uma bolinha na cabeça do gato. Ele acorda e sai em
perseguição à lagartixa. Nessa dinâmica, ambos derrubam tintas de
cores diferentes; pisam nelas e passam por uma tela em um cavalete,
deixando vários borrões coloridos e marcas de pegadas. Para o
201
restabelecimento da situação inicial, surge o dono da tela que a pega
e a coloca debaixo do braço, enquanto o gato e a lagartixa o observam
temerosos. Na imagem final, o quadro aparece na parede de uma
sala, decorando o ambiente e tanto o gato como a lagartixa estão
com uma expressão orgulhosa, cena que restabelece o equilíbrio.
A autora também fala sobre a estrutura das historietas
moralizantes tradicionais. Também é relevante a apresentação às
professoras, para terem condições de distingui-las das demais
estruturas narrativas, porque conforme a autora, elas ainda são
comuns em livros didáticos, cartilhas e em alguns livros para
crianças.
A estrutura de uma história moralizante ocorre da seguinte
forma: a) Equilíbrio: reproduz a ordem adulta da sociedade, com
normas rígidas de comportamento; b) Problema: ocorre o
rompimento dessas normas; c) Desenvolvimento: o personagem sofre
as consequências do rompimento das normas como doenças,
privações, medo, assim por diante; d) Desenlace: o equilíbrio é
restabelecido; o personagem se arrepende e aceita a norma ou é
castigado.
Após conhecer os exemplos acima, podemos observar que
existe uma grande variedade de estruturas narrativas, entretanto, nas
histórias infantis, ainda predomina a estrutura tradicional das
antigas narrativas.
Nesse sentido, Faria (2016) sugere aos professores e as
professoras a apresentação de outras modalidades que possam
transgredir o modelo tradicional e proporcionar boas discussões em
sala de aula, principalmente, ao se analisar umas em contraste com
as outras.
202
Dessa forma, o professor ou a professora poderá utilizar os
livros em sua diversidade, mesmo aqueles que apresentam conteúdos
considerados “moralizantes” e tradicionais. Não seria uma questão
de bani-los da escola, visto que estão presentes em diversos lugares,
mas apresentá-los de forma consciente e com o objetivo de dialogar
e refletir com as crianças sobre seus conteúdos; conhecer produções
de diferentes contextos históricos e culturais, compreender as
contradições existentes neles, além de fazer questionamentos e
relações com a realidade.
O conteúdo sobre sintaxe visual, presente no texto sobre
artes visuais da Proposta Pedagógica da Educação Infantil, foi
abordado com o objetivo de rever os elementos que compõem um
texto visual, como o ponto, a linha, a cor, a forma, a tonalidade, a
textura, entre outros, para contribuir com a leitura de imagens e para
que as professoras tenham condições de possibilitar às crianças,
experiências com esses elementos, que é tarefa do ensino de Artes
Visuais:
[...] assegurar que as crianças vivam intensas experiências,
estabelecendo relações entre diferentes modos de utilização dos
elementos visuais (sintaxe visual), sendo capazes de [...]
interpretar composições (recepção/leitura) e de compor com
elas (criação) (RODRIGUES et al, 2016, p. 459).
Foi sugerido ao grupo a leitura da área do autor de alguns
livros como: “Pai, não fui eu! e “Vó para de fotografar!”, ambos do
escritor Ilam Brenman, além de “Orie, “A visita” e “O caminhão”,
de Lúcia Hiratsuka. Essa proposta teve o objetivo de pesquisar a
203
origem das ideias, ou seja, de onde esses autores obtiveram inspiração
para escrever suas histórias.
Tendo como finalidade desenvolver a imaginação, a
atividade criadora e demonstrar que é possível criar histórias a partir
de sons variados e de forma lúdica, foi proposta uma atividade
prática de criação de histórias a partir de sons, na qual as professoras,
no primeiro momento, explorariam diversos instrumentos como o
chocalho, reco-reco, castanhola de tampinhas, corneta de bexiga e
pau de chuva. Após essa exploração, fariam uma lista de coisas que
representassem os sons dos instrumentos por associação. Por
exemplo, a corneta de bexiga lembra o som do que? De navio, apito
do trem, de caminhão.
A partir do levantamento das palavras que “representam”
determinados sons, seria criada uma história coletiva. Uma
professora escolheria uma ou duas palavras da lista e os objetos
sonoros que as representam, para criar uma frase. A próxima
professora daria a sequência à história, com suas palavras escolhidas;
e assim sucessivamente, até a finalização. No final, a história deveria
ser apresentada por meio de leitura e de sonorização com os
instrumentos escolhidos.
Foi reservado um momento para organização dos próximos
encontros e para a leitura das pautas, com o objetivo de esclarecer
dúvidas sobre as pautas planejadas e orientar o grupo para as futuras
ações em minha ausência, devido a licença para tratamento de saúde.
O ponto de observação visou avaliar qual conteúdo foi mais
significativo para as professoras e se algum conteúdo não foi
compreendido.
204
Quadro 12 - Pauta do dia 17/06/19
1. Leitura: Professora Keli “Até as Princesas soltam pum.” - Ilan Brenman
Sugestão às professoras: pesquisar como o autor escreveu essa história, o que o motivou.
2. Ponto de Observação: Foi interessante saber... Porque...
3- Conteúdo:
- Atividade prática: criação de histórias a partir de palavras pré-escolhidas.
animais plantas
elem. da
natureza objetos sentimentos
Gato
Floresta
Vento
Chapéu
Alegria
Cachorro
Árvore
Chuva
Sapato
Tristeza
Pássaro
Flor
Rio
Chaves
Medo
Cobra
Fruta
Montanha
Relógio
Saudade
Macaco
Grama
Trovão
Caixa
Raiva
4- Avaliação
Fonte: Quadro elaborado pela pesquisadora.
A atividade de leitura foi escolhida pela professora Keli, que
apresentaria o livro “Até as Princesas soltam pum”, de Ilan Brenman.
Foi sugerido às professoras que pesquisassem o autor para
descobrirem o que o motivou para escrever tal história.
A proposta dessa atividade, além de ter como objetivos
ampliar o repertório de histórias, possibilitar a atividade de análise
dos paratextos e a interpretação das imagens do texto visual, também
visou a levá-las a conhecer um pouco dos autores que, por meio de
seus relatos sobre seu processo criador pudessem desmistificar o ato
de criação de histórias como algo inatingível para professoras ou
crianças. Buscamos mostrar, dessa forma, que as histórias surgem de
acontecimentos reais, de experiências do cotidiano, de lembranças
da infância, de desejos e sonhos; que as crianças devem ser
incentivadas para a elaboração de suas próprias histórias, para o
205
desenvolvimento da capacidade criadora e da imaginação. Segundo
Rodari (1982, p. 162), “A função criativa da imaginação pertence
ao homem comum, ao cientista, ao técnico: é essencial para
descobertas científicas bem como para o nascimento da obra de arte;
é realmente condição necessária da vida cotidiana”.
Na atividade prática foi sugerida a criação de uma história a
partir de palavras pré-escolhidas, dispostas em um quadro. Cada
professora escolheria uma palavra de cada coluna e com elas criaria
uma história.
A técnica de se colocar várias palavras em categorias
diversificadas, foi uma adaptação do ‘Binômio Fantástico’ de Gianni
Rodari, pois uma única palavra age “apenas quando encontra outra
que a provoca, que a obriga a sair do seu cotidiano binário e se
descobrir em novos significados. Não há vida onde não há luta”
(RODARI, 1982, p. 20). A proposta, contendo várias palavras de
campos semânticos diferentes, permitiu que elas pudessem escolher
as palavras de acordo com suas afinidades e experiências. Foi uma
ocasião para incentivá-las à criação, por meio do desafio na
elaboração de uma história com palavras “estranhas” umas às outras,
para exigir da imaginação e do pensamento soluções para a criação
de caminhos para à aproximação das palavras que resultassem num
texto, visto que
É necessária certa distância entre duas palavras, é necessário que
uma seja suficientemente estranha à outra e sua aproximação:
discretamente insólita, para que a imaginação se veja obrigada
a instituir um parentesco entre elas, para criar um conjunto
(fantástico) onde os dois elementos estranhos possam conviver
(RODARI, 1982, p. 21).
206
O ponto de observação teve o objetivo de avaliar e registrar,
para posterior discussão do grupo, qual conteúdo despertou seu
interesse e qual não.
Quadro 13 - Pauta do dia 24/06/19
PAUTA: 24/06/19 (sem a presença da diretora)
1- Ponto de Observação: Foi interessante saber... porque...
2- Leitura pelas professoras: (Sem registro)
3- Conteúdos:
- Atividade prática com criação de histórias por meio de experiências. Exemplos:
Alguma lembrança da infância;
Uma surpresa que te deixou feliz;
Um fato que marcou a sua vida,
Uma vivência engraçada,
Uma descoberta, etc.
4-Avaliação
Fonte: Quadro elaborado pela pesquisadora.
Este encontro foi coordenado por uma professora,
responsável por apresentar a pauta e recordar as orientações sobre a
atividade prática. Foi sugerida a criação de uma história a partir de
uma vivência engraçada, de lembranças da infância, de uma surpresa
feliz, da descoberta de um conhecimento que ajudou a compreender
a realidade ou de um fato que marcou a sua vida.
O objetivo dessa atividade prática foi possibilitar um
momento para a criação de narrativas a partir da vivência de cada
uma das professoras, tendo como exemplo os relatos de autores
como Ilan Brenman e Lúcia Hiratsuka, lidos e discutidos em
encontros anteriores. Tais relados, situados no espaço da área do
autor, revelam como tiveram a ideia da história e o que os motivou
a escrever. Na maioria das vezes foi a partir de suas vivências
207
Quadro 14 - Pauta do dia 29/07/19
1. Ponto de Observação: De tudo que revimos hoje sobre a criação de histórias, percebi
que foi mais fácil.........................................................................................................
porque....................................................................................e as dificuldades foram
..........................................................................................................................porque
..............................................................................................................................
2- Leitura: “As três perguntas” Texto e ilustrações de Jon J. Muth
3- Conteúdos:
-Rever o trabalho desenvolvido no mês de junho- dias: 03, 10, 17 e 24/06;
-Elencar e esclarecer as dúvidas, abordar os conteúdos que não foram desenvolvidos;
-Relato e leitura das tarefas - criação de histórias.
4-Avaliação
Fonte: Quadro elaborado pela pesquisadora.
A leitura do livro “As três perguntas”, de Jon J. Muth, teve
como objetivo ampliar o repertório de histórias das professoras,
possibilitar um momento de discussão sobre as três perguntas
presentes na narrativa: Qual é o melhor momento para fazer as
coisas? Quem é mais importante? Qual é a coisa certa a ser feita? Em
seguida, compartilhar os sentidos que essas questões têm para cada
uma, ouvir o que o outro pensa e refletir sobre o quanto uma obra
de literatura nos conduz a pensar a realidade e as questões que
permeiam a vida humana.
A recordação dos conteúdos anteriores teve o objetivo de
responder as dúvidas e superar as dificuldades que foram levantadas
nos encontros, durante a minha ausência, como também, abordar os
conteúdos que não foram desenvolvidos nesse período.
O relato sobre o processo de criação e a leitura das histórias
produzidas pelas professoras teve como objetivo compartilhar os
desafios enfrentados nesse processo e as dificuldades; observar que
muitas questões apontadas são comuns a todos, devido à formação
208
educacional que nos foi proporcionada, que não contribuiu para o
desenvolvimento da capacidade criadora não só em relação à criação
de textos verbais mas também para as diferentes linguagens artísticas;
possibilitar a atitude de escuta para conhecer as produções do outro,
expor suas impressões para o outro e contribuir com sugestões.
As atividades desenvolvidas em grupo possibilitam o olhar
sensível para a palavra do outro, para as apreciações e podem levar a
uma tomada de consciência do professor sobre sua condição de parte
de um grupo e de um determinado contexto.
O ponto de observação teve como objetivo avaliar, durante
o processo de criação de histórias, as facilidades e as dificuldades
encontradas pelas professoras, além de levantar as possíveis causas
das dificuldades. Tal levantamento teve o objetivo de iniciar uma
discussão sobre os resultados de práticas mecânicas e sem sentido e
pensar sobre qual educação queremos proporcionar às nossas
crianças. Ressalta-se que, se oferecermos a mesma educação que
tivemos, possivelmente as nossas crianças, no futuro, apresentarão
dificuldades semelhantes quando estiverem diante de um trabalho
ou atividade que exijam produção autoral.
Quadro 15 - Pauta do dia 05/08/19
1- Ponto de observação:
Recordar os conteúdos anteriores foi... porque...
2-Leitura de livro: “Bicos quebrados” de Nathaniel Lachenmeyer
3- Apresentação e análise dos livros pelas professoras, articulando aos conteúdos
estudados
4-Conteúdos:
-Estrutura de um livro, enquadramento, imagem sangrada.
(A recordação desses conteúdos foi solicitada pelo grupo diante às dúvidas e dificuldades
que surgiram em relação as partes de um livro e a imagem sangrada.)
209
campo, extracampo e contracampo de LINDEN, Sophie Van der. In: LINDEN,
Sophie Van der. Para Ler o livro ilustrado. o Paulo: Cosac Naify, 2011. P. 71-
77.
5-Avaliação
Fonte: Quadro elaborado pela pesquisadora.
A leitura do livro “Bicos quebrados”, de Nathaniel
Lachenmeyer, teve como finalidade ressaltar o potencial de uma
história para sensibilizar o leitor e levá-lo a refletir sobre questões
sociais e concepções que tem delas, pois a história aborda a relação
entre um morador de rua e um pardal que quebrou o bico, tendo
este um destino semelhante ao do morador de rua: dificuldades em
obter o básico para a sobrevivência, a indiferença social, a realidade
humana, e tantos outros sentidos que podem ser formados com a
leitura da obra. Outro objetivo importante constituiu em pensar
sobre o papel do trabalho com a arte literária para a formação
humana. Segundo Abrantes (2016), a arte desempenha funções que
extrapolam as solicitações imediatas da realidade, abordando-a em
uma perspectiva crítica e transformadora.
A obra de arte, ao representar o mundo, coloca problemas,
antecipa soluções, revela injustiças, ou seja, vincula-se a uma
atitude que reconhece o movimento da realidade humana a
partir da explicação, direta ou indireta, de suas principais
contradições. É nesse sentido que a arte (e, especificamente, a
literatura) pode cumprir papel formativo na existência
individual (ABRANTES, 2016, p. 545).
210
Foi sugerida às professoras a análise de alguns livros,
articulada aos conteúdos estudados, para ajudar na compreensão e
possibilitar a revisão dos conteúdos solicitados por elas, como: a
estrutura de um livro, enquadramento e imagem sangrada.
O ponto de observação visou avaliar a revisão dos conteúdos;
se estes atenderam às expectativas das professoras ou se houve
necessidade de retomar outros conteúdos.
Quadro 16 - Pauta dos dias 02/09 e 09/09/19
Pauta: Dia 02/09 e 09/09/19
Elaboração da apresentação da troca de experiência, seleção de livros que serão
levados para exemplificar; os tipos de livros com ilustração.
Estudo dos conteúdos para a apresentação na troca de experiência:
-Tipos de livros com ilustração
-Importância da literatura infantil para o desenvolvimento da criança
-Desenvolvimento da percepção visual: leitura de imagens
-Elaboração da apresentação.
Fonte: Quadro elaborado pela pesquisadora.
Nossa unidade escolar foi convidada pela Secretaria da
Educação para participar de uma troca de experiência com várias
escolas. O grupo de professoras aceitou o desafio e, ao receberem o
comunicado, foi possível observar que ficaram um pouco
apreensivas, no entanto sentiram-se valorizadas com o convite.
A escolha do tema foi livre, mas as professoras foram
unânimes ao escolher a literatura infantil para a apresentação, dando
indícios de que estavam se apropriando dos conteúdos trabalhados
na formação e que sentiam a necessidade de compartilhar as
descobertas e os estudos realizados em horário de ATPC. Essa troca
de experiência seria também uma grande oportunidade para as
professoras exercerem sua atividade criadora, a autoria na elaboração
211
de uma apresentação para várias escolas e, ao mesmo tempo, de
avaliarem seus conhecimentos. Dois encontros em horário de ATPC
foram disponibilizados às professoras, para organizar o material,
selecionar os conteúdos, fazer o estudo e elaborar a apresentação.
Quadro 17 - Pauta do dia 16/09/19
ainda mais brilhantes, leia ainda mais histórias.
Albert Einstein
PAUTA: Troca de experiência
1- Apresentação
2- Conteúdos:
Algumas Considerações sobre a Arte Literária;
Livros que contem imagens (Livros com ilustração; livros ilustrados, histórias
em quadrinhos; livros pop-up; livros-
didáticos);
Estratégias de Leitura (conexão, inferência e sumarização);
Paratextos;
Exemplo de articulação texto e imagens: Leitura do livro “Quem soltou o
PUM?” - Blandina Franco e José Carlos Lollo;
Componentes da imagem segundo a intenção do ilustrador. Exemplo: Ida e
Volta - Juarez Machado.
Apresentação de vídeo: Leitura do livro de Imagens “Ida e Volta” de Juarez
Machado, pela turma do Infantil 5
3- Para finalizar: Leitura do livro “Não vou dormir! de (Chritiane Gribel Orlando)
4-Avaliação. O que eu destaco da apresentação ... porque...
Fonte: Quadro elaborado pela pesquisadora.
A pauta foi elaborada pelo grupo de professoras,
considerando o tempo de aproximado de duas horas. Para realizar a
escolha dos conteúdos, pensaram primeiramente em um percurso
que pudesse contemplar os objetivos da arte literária contida na
Proposta Pedagógica do município e a inserção dos conteúdos que
aprenderam durante a formação em ATPC até aquele momento, que
212
conteúdos foram significativos para a mudança de olhar em relação
à literatura infantil e que acreditavam ser importantes também para
as professoras de outras unidades escolares.
Dessa forma, elencaram os seguintes conteúdos: objetivos
principais da arte literária na Educação Infantil; diferentes tipos de
livros com ilustração; principais estratégias de leitura com crianças;
importância dos paratextos para melhor compreensão do texto
principal; exemplo de articulação entre texto visual e verbal por meio
da leitura do livro “Quem soltou o Pum?”, de Blandina Franco e
José Carlos Lollo. No primeiro momento abordariam a leitura verbal
sem as imagens e, depois, com imagens; alguns componentes da
imagem segundo a intenção do autor, utilizando o livro “Ida e
Volta”, de Juarez Machado, para exemplificar.
A forma da apresentação dos conteúdos e a utilização dos
livros de literatura infantil tiveram o objetivo de compartilhar o
conhecimento de maneira prazerosa, possibilitar a compreensão dos
conteúdos e mobilizar as professoras por meio das leituras.
A apresentação de um vídeo, contendo as imagens do livro
“Ida e Volta” de Juarez Machado e as vozes das crianças lendo
imagens, teve por objetivo demonstrar que é possível trabalhar de
forma significativa com os livros de imagens na Educação Infantil e,
assim, desenvolver a capacidade de leitura visual.
Ao final, para concluir a apresentação, a professora Ana
planejou a leitura do livro “Não vou dormir”, de Chritiane Gribel
Orlando. Esse livro, segundo o seu próprio relato, passou a ter um
sentido especial para ela. Foi por meio dele que conseguiu visualizar
a articulação entre o texto visual e o texto verbal e dos recursos
utilizados pelo autor para melhor expressar suas ideias. Foi possível
213
observar que a professora teve a consciência de que essa descoberta,
a apropriação de um novo conhecimento, provocou um sentimento
de encantamento e alegria, e isso gerou a necessidade de
compartilhar esse resultado com as demais professoras.
A avaliação do encontro teve como objetivo verificar qual
conteúdo foi relevante e o porquê. Possibilitou também que as
professoras tivessem condições de avaliar o seu trabalho, sua forma
de compartilhar os conhecimentos, suas escolhas para pensar em
novos caminhos que aprimorem seu ensinar. A fala do outro
possibilita a nossa constituição enquanto pessoa, enquanto
profissional.
Para Bakhtin, é na relação com a alteridade que os indivíduos
se constituem. O ser se reflete no outro, refrata-se. A partir do
momento em que o indivíduo se constitui, ele também se altera,
constantemente. E esse processo não surge de sua própria
consciência, é algo que se consolida socialmente, através das
interações, das palavras, dos signos. Constituímo-nos sempre
através do outro (GEGE, 2019, p.13).
Quadro 18 - Pauta do dia 23/09/19
1-Ponto de Observação: Dos conteúdos de hoje, achei importante... porque...
2- Leitura: Prof.ª Keli -Livro “Lá e aqui”, autora Carolina Moreyra
3- Avaliação da troca de experiência do dia 16/09.
4 - Conteúdo:
- Quem é o ilustrador Juarez Machado?
Texto de apoio: Leitura no livro de imagem: Um passeio de “Ida e Volta pelo
livro de Juarez Machado. De SPENGLER, M. L. P. Dissertação de mestrado pela
Universidade do Sul de Santa Catarina, Tubarão, 2010.
5- Avaliação
Fonte: Quadro elaborado pela pesquisadora.
214
A leitura realizada pela professora Keli, do livro “Lá e aqui”, de
Carolina Moreyra, teve o objetivo de conhecer os livros da biblioteca e
ampliar o repertório.
Os objetivos da avalição da troca de experiência foram:
repensar o processo vivenciado por todas, revelar os motivos que as
conduziram para a escolha do tema, expressar os sentimentos, fazer um
levantamento do que foi significativo das avaliações orais feitas pelos
participantes da troca de experiência e apresentar conclusões sobre o
processo.
Foi apresentada a biografia do autor e ilustrador Juarez
Machado, tendo como texto de apoio a dissertação de mestrado de
Maria Laura Pozzobon Spengler: “Leitura no livro de imagem: um
passeio de ‘Ida e Volta’ pelo livro de Juarez Machado”. Esse conteúdo
teve como objetivo ressaltar a importância da contextualização das
obras literárias e a ampliação do conhecimento sobre os autores e
ilustradores para melhor compreensão das produções.
O objetivo do ponto de observação foi verificar o conteúdo que
foi mais significativo para cada professora.
Quadro 19 - Pauta do dia 30/09/19
1- Ponto de Observação: O que destaco hoje é ... porque...
2- Leitura: PSSSSSSSSSSSSSIU - Silvana Tavano e Daniel Kondo.
3 - Conteúdo:
-O uso dos elementos das artes visuais - a linha, a forma e as cores nas ilustrações, como
forma de expressão.
-Histórias: “A parte que falta” - Shel Silverstein e o livro “Psssssssssssssiu”, de Silvana
Tavano e Daniel Kondo.
4- Atividade prática: Criação de histórias.
- Criar uma história com elementos das artes visuais Linhas, cores e formas.
“Era uma vez uma linha...” ou uma cor, forma...
5- Avaliação
Fonte: Quadro elaborado pela pesquisadora.
215
O objetivo da leitura do livro “PSSSSSSSSSSSSSIU”, de
Silvana Tavano e Daniel Kondo e da recordação do livro “A parte
que falta, de Shel Silverstein, foi apresentar alguns elementos das
artes visuais como a linha, a cor e a forma utilizados pelos
ilustradores como recurso de expressão.
Quando alguma coisa é projetada, feita, desenhada, pintada,
construída, esculpida ou gesticulada, a substância visual da obra é
composta a partir de elementos básicos como a linha, a forma, a cor,
a textura, a composição entre outros. Esses elementos são a matéria-
prima de toda a informação visual em termos de opções e
combinações seletivas (DONDIS, 2015).
Dessa maneira, ao se pensar em contribuir para que a criança
e o professor possam realizar leituras visuais de forma mais
significativa e ter condições de desenvolver a capacidade criadora, é
importante trazer alguns elementos visuais que constituem a
matéria-prima básica da informação visual. Desse modo, apresento
alguns elementos para esclarecer os conteúdos desse encontro.
A linha, segundo Dondis (2015), pode ser definida como
um ponto em movimento ou como a história do movimento de um
ponto, pois “quando fazemos uma marca contínua, ou uma linha,
nosso procedimento se resume a colocar um marcador de pontos
sobre uma superfície e movê-lo segundo uma determinada trajetória,
de tal modo que as marcas assim formadas se convertam em registro
(DONDIS, 2015, p. 55).
Para a autora, a linha nunca é estática; é um elemento visual
inquieto e, apesar de sua flexibilidade, a linha é decisiva; tem
propósito e direção. Por existir apenas na imaginação, é o meio
indispensável para tornar visível o que ainda não pode ser visto. Ela
216
também é um instrumento presente nos sistemas de notação como a
escrita, a criação de mapas e a música. A linha pode assumir formas
diversas para expressar vários estados de espírito, a intenção de quem a
utiliza, seus sentimentos e emoções pessoais e, o mais importante, sua
visão.
Para o ilustrador, de acordo com Oliveira (2008, p. 123), a
linha é “a grafia e o alfabeto essenciais de sua imaginação, portanto,
muito mais que um simples contorno de seu pensamento narrativo”. A
linha também aparece no meio ambiente; por exemplo, em trincos de
uma parede, calçada, nos fios elétricos contra o céu, nos galhos de
algumas árvores sem folhas no inverno, entre outros. Nesse sentido é
importante ensinar às crianças a observarem a existência de vários tipos
de linhas no entorno para desenvolver a percepção.
Segundo Vaz e Silva (2016), as classificações da linha se
baseiam em seu movimento, podendo ser: reta, curva, contínua,
interrompida, em zigue-zague, aberta e fechada. Pode ser nomeada por
sua extensão, curta ou longa, e também por sua espessura, estreita ou
larga.
Figura 28: Linhas
Fonte: Foto da pesquisadora (livro: Fundamentos da linguagem visual/Vaz e Silva)
217
Sobre o elemento forma, segundo Wong (2010), tudo que é
visível tem forma. Forma é tudo o que pode ser visto, que tenha
formato, tamanho, cor, textura; que ocupa espaço, possui direção,
marca posição e é distinguível de um fundo. As formas podem ser
classificadas em tridimensionais aquelas que apresentam largura,
comprimento e altura; e bidimensionais - que apresentam apenas
comprimento e largura.
O autor apresenta alguns tipos de formas como: a forma
figurativa (figura 29), contendo um tema reconhecível. Pode ser
apresentada com realismo fotográfico ou com algum grau de
abstração, mas não a ponto de tornar-se tema irreconhecível. A
forma abstrata (figura 30), que não contém um tema reconhecível.
Essa forma “pode ter sido baseada em um tema que foi obliterado
após excessiva transformação, ou ter ocorrido na experimentação
com materiais, o que levou a resultados inesperados” (WONG,
2010, p. 148). As formas são naturais (figura31) quando o tema for
algo que se encontra na natureza como organismos vivos e objetos
inanimados existentes na superfície terrestre, nos oceanos ou no céu.
Formas feitas pelo homem (figura 32) são formas figurativas derivadas
de objetos e ambientes criados por ele como edificações, ferramentas,
mobiliário, brinquedos etc. Formas verbais (figura 33) “a linguagem
escrita é constituída por caracteres, letras, palavras e numerais que
tornam possível uma comunicação visual precisa. Uma forma
baseada em um elemento de linguagem escrita é uma forma verbal”
(WONG, 2010, p. 148).
218
Figura 29: Forma figurativa
Fonte: Foto da pesquisadora (livro: Princípios de forma e desenho/Wucius Wong)
Figura 30: Forma abstrata
Fonte: Foto da pesquisadora (livro: Princípios de forma e desenho/Wucius Wong)
219
Figura 31: Folha
Fonte: Foto da pesquisadora (livro: Princípios de forma e desenho/Wucius Wong)
Figura 32: Lápis
Fonte: Foto da pesquisadora (livro: Princípios de forma e desenho/Wucius Wong)
220
Figura 33: Letra A
Fonte: Foto da pesquisadora (livro: Princípios de forma e desenho/Wucius Wong)
Dondis (2015) aponta três formas básicas: o quadrado, o
círculo e o triângulo equilátero. Cada uma delas apresenta
características específicas e a elas se atribui vários significados; uns
por associação, outros por vinculação arbitrária. Por exemplo, ao
quadrado se associam enfado, honestidade, esmero e retidão; ao
triângulo, ação, conflito, tensão; ao círculo, infinitude e proteção.
Essas formas expressam três direções visuais básicas e significativas:
o quadrado expressa a direção horizontal e a vertical; o triângulo
expressa a direção diagonal e o círculo expressa a direção curva.
Todas essas direções visuais possuem um forte significado associativo
e representam um instrumento para a criação de mensagens visuais.
Outro elemento visual é a textura. De acordo com Vaz e Silva
(2016), quando tocamos um material e o percebemos como sendo
macio, áspero ou liso, estamos nos referindo à textura, a uma
“característica relacionada ao sentido do tato, e com a qual podemos
221
perceber a rugosidade ou a maciez de uma superfície” (VAZ e
SILVA, 2016, p. 50). Além da percepção tátil, a textura também cria
uma percepção visual, posto que, ao observarmos uma imagem,
sabemos por exemplo, mesmo sem tocar, que um tronco é mais
áspero do que um tecido, porque a nossa aprendizagem sensorial nos
possibilita essa análise.
A textura visual ou gráfica se caracteriza como um elemento
de preenchimento da superfície e pode ser utilizada para imitar
texturas naturais e artificiais. As texturas também podem pretender
a criação de padrões e são classificados em dois tipos: geométricas
(figura 34), formadas por figuras que apresentam construções
geométricas feitas de linhas retas e curvas; e as orgânicas (figura 35),
que se inspiram em padrões naturais, animais, vegetais ou minerais
(VAZ; SILVA, 2016).
Figura 34: Textura geométrica
Fonte: Foto da pesquisadora (livro: Fundamentos da linguagem visual/Vaz e Silva)
222
Figura 35: Textura orgânica
Fonte: Foto da pesquisadora (livro: Fundamentos da linguagem visual/Vaz e Silva)
Como elemento visual, Dondis (2015) revela que a textura
com frequência atua como substituto do tato, porém podemos
apreciar e reconhecer uma textura tanto por meio do tato quanto
pela visão ou pela combinação dos dois sentidos. O julgamento do
olho costuma ser confirmado pela mão, pela objetividade do tato. A
autora argumenta que, devido ao comportamento social,
condicionando as pessoas a não tocarem as coisas, os objetos em
lojas, ou as pessoas, existe uma mínima experiência tátil e, por
consequência, se porventura estivermos no escuro ou de olhos
vendados, teremos dificuldade de reconhecer uma textura. Enfim,
nossa maior experiência com a textura é ótica e não tátil. A textura
não é só falseada de modo bastante convincente nos materiais
impressos, nos plásticos, nas peles falsas, mas “também, grande parte
das coisas pintadas, fotografadas ou filmadas que vemos nos
apresentam a aparência convincente de uma textura que ali não se
encontra” (DONDIS, 2015, p. 71).
223
A cor é outro elemento visual importante. Vaz e Silva (2016,
p. 116) afirmam que a “cor é uma sensação luminosa transmitida,
pelo reflexo da luz em uma superfície, aos nossos olhos, que por meio
de um sofisticado mecanismo fisiológico a percebe como colorida”.
Sobre a cor na ilustração, Oliveira (2008), esclarece que, ao
ver uma ilustração, a cor não deve ser analisada a partir de seu
próprio significado isolado, pois somente quando “se relaciona com
a luz, com a sombra, com o momento psicológico dos personagens
ou com o atmosférico da cena representada, ela realmente alcança
sua plenitude expressiva. Logo, a cor deve ser analisada a partir de
sua relação com as outras cores” (OLIVEIRA, 2008, p. 51). A
qualidade da luz, conforme o autor, é um elemento importante no
processo narrativo, indicando se o ilustrador está utilizando a luz
diurna, noturna ou artificial.
Segundo Dondis (2015), a cor tem mais afinidade com as
emoções. É impregnada de informação e constitui uma fonte de
valor inestimável para os comunicadores visuais. No ambiente é
comum compartilhar significados associativos; relacionamos algo à
cor das árvores, do céu, da terra, do mar, entre outros elementos.
Também observamos a cor relacionada a significados simbólicos. O
vermelho pode ser associado à raiva, a uma bandeira, a uma capa do
toureiro; pode significar ainda o perigo, o calor, a luta, o sacrifício,
entre tantos outros objetos e ideias. Desse modo, a cor oferece um
grande vocabulário para o alfabetismo visual.
As cores são classificadas, de acordo com Vaz e Silva (2016),
em cores primárias, secundárias e terciárias, que se baseiam na
maneira de criar a cor, seja por meio da luz ou dos pigmentos,
definindo-as da seguinte forma: a) cores primárias são cores puras,
224
não são obtidas por meio de misturas; b) cores secundárias são as
obtidas pela mistura de duas cores primárias; c) cores terciáriassão
aquelas obtidas pela mistura de uma cor secundária com uma cor
primária.
Em relação ao elemento cor, creio ser importante rever e
ampliar a concepção sobre as cores primárias como o vermelho, o
azul e o amarelo, que é, geralmente, apresentada nos livros didáticos.
Porque, segundo Vaz e Silva (2016), as cores primárias são diferentes
de um sistema para o outro. Desse modo a percepção de cores é
separada em três grupos: síntese aditiva (cores-luz), síntese subtrativa
(cores pigmentos opacos) e síntese partitiva (cores pigmentos
transparentes).
A síntese aditiva (figura 36) é utilizada para as cores- luz,
incluindo os monitores e os sistemas de iluminação. As cores
primárias desse sistema são o vermelho, o verde e o azul-violeta. Esse
sistema é chamado de aditivo porque a soma das três cores básicas
primárias forma todos os matizes do espectro e, da mistura das três
em igual proporção, se obtém o branco. Na cor-luz, a mistura do
vermelho e do verde produz o amarelo; da mistura do vermelho e do
azul surge a magenta; a mistura do verde e do azul violeta produz o
azul celeste. É importante observar que as cores secundárias da
síntese aditiva são as cores primárias na síntese partitiva.
225
Figura 36: Síntese aditiva
Fonte: Foto da pesquisadora ((livro: Fundamentos da linguagem visual/Vaz e Silva)
A síntese subtrativa (figura 37) refere-se à síntese utilizada
para pigmentos opacos como tintas a óleo, acrílica e guache não
diluída. Suas cores primárias são: vermelho, azul e amarelo. A soma
dessas cores dá o preto, o cinza escuro ou marrom escuro. Com o
desenvolvimento de produção de tintas e pigmentos opacos tem-se
como cores primárias as mesmas dos pigmentos transparentes: o
magenta, o amarelo e o ciano. A síntese subtrativa baseia-se na
capacidade de absorção da luz pelas superfícies. Por exemplo, se a
luz é formada pelas cores vermelha, verde e azul, uma superfície que
tem a cor vermelha absorve as cores azul e verde e reflete a vermelha,
que será percebida pelo nosso sistema visual. Uma superfície amarela
absorverá a cor azul, refletindo os raios luminosos verdes e
vermelhos, dando-nos a percepção do amarelo. E em uma superfície
preta, a cor escura absorve a maior parte das cores, refletindo-as
muito pouco. Assim, a cor depende da luz para existir.
226
Figura 37: Síntese subtrativa
Fonte: Foto da pesquisadora ((livro: Fundamentos da linguagem visual/Vaz e Silva)
A síntese partitiva é utilizada para pigmentos transparentes e
pode ser obtida por mistura óptica: impressoras, outdoors, tinta
aquarela etc. Suas cores primárias são o magenta, o ciano e o
amarelo; a combinação dos três resulta no preto ou cinza escuro. A
inclusão do preto no sistema ocorre pela necessidade de corrigir e
ampliar o efeito de profundidade e de sombras. Ao utilizarmos uma
impressora, se acaba uma cor e sabendo que todas as cores derivam
de três, a impressão não fica perfeita. Por exemplo, se acabar a tinta
ciano, o que é verde na imagem, vai produzir o amarelo porque é o
ciano que compõe o verde. Como as cores utilizadas na impressão
são semitransparentes, é possível a partir da sobreposição, produzir
várias cores.
227
Figura 38: Síntese partitiva
Fonte: Foto da pesquisadora ((livro: Fundamentos da linguagem visual/Vaz e Silva)
Vaz e Silva (2016) citam o círculo de cores, (figura 39) como
uma ferramenta utilizada por estudiosos da cor e suas diversas
aplicações nas artes visuais, na arquitetura e no design. Esse círculo
é composto por cores primárias e secundárias distribuídas de forma
equidistante; as cores terciárias, são em número de seis e ficam entre
as cores primárias e secundárias. As cores terciárias são todas as
variações existentes entre as cores primárias e secundárias. O círculo
pode apresentar 12 divisões e três cores primáriasciano, magenta
e amareloe três cores secundárias: vermelho, verde e azul, e seis
cores terciárias.
228
Figura 39: Círculo das cores
Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/C%C3%ADrculo_crom%C3%A1tico
As cores complementares são aquelas que ficam do lado
oposto no círculo como o amarelo e o azul; são complementares
porque se situam em lados opostos. As cores análogas, são as cores
vizinhas de determinada cor; por exemplo, as cores análogas do
laranja são o amarelo e o vermelho (VAZ; SILVA, 2016).
Os autores salientam também que é possível ter outra
percepção por meio do círculo de cores: a percepção das cores
quentes e frias. As cores quentes são aquelas nas quais predomina o
amarelo e o vermelho e, do lado contrário, as cores frias nas quais
predomina o azul.
Para melhor compreender essa questão sobre cores quentes e
frias, Vigotski (2009, p. 28) nos auxilia: “Quando dizemos que o
tom azul claro é frio e o vermelho é quente, aproximamos a
impressão azul e a impressão fria apenas com base nos estados de
ânimo que ambos produzem em nós”. Conforme o autor, a
influência do fator emocional foi chamada pelos psicólogos de lei do
229
signo emocional comum, pela qual as impressões ou imagens
possuem um signo emocional comum, isto é, exercem uma
influência emocional semelhante nas pessoas, possuem um tom
afetivo comum.
As cores podem ser combinadas de forma harmônica que, de
diversas maneiras, podem apresentar efeitos diferentes, ter maior ou
menor contraste. Contraste é o fenômeno resultante da combinação
de cores que apresentam diferentes matizes ou valores tonais. Assim,
dependendo dos efeitos que o artista, desenhista, ilustrador, designer
pretendem obter, farão escolhas específicas. Por exemplo, podem
escolher combinações que transmitam tranquilidade ou outras que
provoquem os sentidos (VAZ; SILVA, 2016).
Outro conteúdo relevante é a classificação da cor segundo o
seu uso nas artes visuais como figurativas ou abstratas. O uso das
cores de modo figurativo ocorre quando se pretende imitar ou
representar as cores naturais de uma paisagem, objeto ou figura. A
abstração da cor pode ocorrer tanto em formas figurativas quanto
abstratas. O seu uso ocorre quando se pretende exagerar ou subverter
as cores naturais. Por exemplo, “conta-se que uma senhora, ao ver a
obra de Matisse, teria lhe dito: ‘Não existe uma mulher com o nariz
verde!’ A isso, o pintor respondeu: ‘Não é uma mulher, senhora. É
uma pintura!’” (VAZ; SILVA, 2016, p. 145).
Algo semelhante costuma acontecer com frequência nas
escolas de Educação Infantil, quando a professora, diante de alguma
produção da criança que não corresponde a cor real do objeto,
costuma dizer: “Não existe cachorro azul!”. “Não existe árvore
vermelha!”. No entanto, qualquer coisa pode existir na imaginação
de uma criança ou de um adulto e se tornar realidade por meio de
230
sua atividade criadora; ela pode expressar seu pensamento, suas
ideias e os seus sentimentos, utilizando as cores e outros elementos
visuais conforme sua vontade e seu objetivo.
Nesse sentido, ao se lançar desafios à criança ou ao adulto
para criarem algo como desenhos de coisas que não existem, por
exemplo, contribuímos para o desenvolvimento da imaginação, da
atividade criadora e da ousadia em subverter os usos comuns dos
materiais. Essa possibilidade também significa proporcionar a
compreensão de que o desenho, a pintura, a fotografia ou uma
ilustração é uma forma de representação da realidade e não a
realidade em si, então, qualquer cor ou qualquer outro elemento das
artes visuais pode ser utilizado nas produções.
Além dessa intenção de subverter, a cor também pode ser
utilizada para transmitir humor ou diversas emoções. Algumas cores
são consideradas mais “alegres ou “tristes. Em nossa cultura
ocidental, o amarelo é comumente associado à alegria; o vermelho,
à violência e os tons de cinza e azuis, à melancolia. A cor também
pode ter um aspecto simbólico, determinado por fatores sociais,
culturais, históricos e outros. Assim, as cores variam de significado
em diferentes contextos culturais. O pintor espanhol Pablo Picasso
criou uma série de pinturas monocromáticas em azul durante um
período conhecido como “período azul”; isso entre 1901 a 1904, e
nas obras desse período, a sensação de pobreza e tristeza foi ampliada
pela cor azul, muito utilizada pelo pintor. Desse modo o uso das
cores em “associações simbólicas nas obras de arte permite-nos
entender mais sobre seus contextos históricos e culturais [...]” (VAZ;
SILVA, 2016, p. 147).
231
A cor, enfim, tem grande força e pode ser usada para
expressar e intensificar a informação visual. Ela não só possui um
significado compartilhado por intermédio da experiência como
também possui um valor informativo específico, por meio da
vinculação de significados simbólicos. Além desses significados,
temos as nossas preferências pessoais por cores específicas e, é claro
que as nossas escolhas são menos simbólicas. Segundo Dondis
(2015, p. 70), “tenhamos ou não consciência disso, o fato é que
revelamos muitas coisas ao mundo sempre que optamos por uma
determinada cor”.
A composição, segundo Oliveira (2008), organiza e une todos
os elementos que participam de uma narrativa visual de forma
equilibrada, com a área útil de ilustração e com a página do livro.
Além de obter o equilíbrio plástico da página, a composição visa
também favorecer a leitura e a apreensão da narrativa. Dessa forma,
uma composição mal solucionada torna a ilustração confusa. É na
“harmonização de pesos e valores que a imagem se sustenta e ajuda
a provocar no pequeno leitor, no caso de uma ilustração, as emoções
e os sentimentos que o texto desperta” (OLIVEIRA, 2008, p. 61).
A função da composição também é a de transmitir a
intencionalidade do texto.
Por meio desses esclarecimentos, justificamos a importância
de trabalhar o conteúdo sobre alguns elementos das artes visuais na
formação de professores para melhor compreensão do livro ilustrado
e para o desenvolvimento da atividade criadora.
A atividade de criação de histórias a partir de elementos das
artes visuais teve como objetivo convidar as professoras para uma
produção autoral. Foi sugerido o elemento linha, como personagem
232
da narrativa, para incentivar o uso da imaginação e, por
consequência, a atividade criadora.
O ponto de observação teve o objetivo de avaliar o conteúdo
que foi significativo para as professoras.
Quadro 20 - Pauta do dia 07/10/19
Pauta do dia 07/10/19
1- Ponto de Observação: A minha dificuldade hoje foi ... porque...
2- Leitura de livros:
- “O gato Viriato fazendo arte” - Roger Mello
- “Dia de Sol” Renato Moriconi
3 - Conteúdo:
-Leitura das histórias elaboradas pelas professoras nos encontros anteriores, que foi a
criação de histórias com:
Uma vivência engraçada;
Algumas lembranças divertidas da infância;
Uma surpresa que o deixou feliz;
A descoberta de um conhecimento que ajudou a compreender a realidade;
Um fato que marcou a minha vida.
Texto de apoio: Contação de histórias. De GONÇALVES, Thiago,
ilustração de GOUVÊA, Tiago (Revista Vida Simples nº208/2019, p.44-49)
4- Avaliação
Fonte: Quadro elaborado pela pesquisadora.
A apresentação e leitura do livro “O gato Viriato fazendo
arte”, de Roger Mello, teve por objetivo ampliar o repertório de livro
de imagens, entrar em atividade de leitura de imagens, observar os
enquadramentos como recurso de expressão. A apresentação do livro
“Dia de Sol”, de Renato Moriconi, teve como finalidade realizar a
leitura de imagens, observar como o ilustrador utiliza as linhas, as
formas e os espaços como recursos de expressão.
O ponto de observação teve como objetivo verificar qual foi
a dificuldade do grupo em relação ao conteúdo.
233
A atividade de leitura das histórias elaboradas pelas
professoras nos encontros anteriores teve o objetivo de partilhar as
produções e ouvir as opiniões e as sugestões do outro.
A apresentação do texto “Contação de histórias”, de Thiago
Gonçalves, ilustração de Tiago Gouvêa, publicado na revista Vida
Simples, teve como objetivo mostrar a importância da contação de
histórias na vida das pessoas; o poder de transformação que possuem
e conhecer um pouco sobre a atividade da “Associação Griots- Os
contadores de História4.
Uma frase do autor foi destacada com o objetivo de refletir
sobre o papel da contação de histórias na atualidade: “Quando
partilhamos saberes e experiências, seja como ouvinte ou como
narrador, amenizamos um dilema da sociedade atual: uma imensa
saudade que sentimos uns dos outros” (GONÇALVES, 2019, p.
49).
4 Associação Griots: é uma instituição sem fins lucrativos na região metropolitana de
Campinas, fundada em 2003 por um grupo de amigos experientes na contação de histórias.
Essa instituição iniciou o trabalho no setor de pediatria do Hospital de Clínicas da
Unicamp, em Campinas/SP, contribuindo positivamente para o bem-estar de crianças, seus
familiares e a equipe de profissionais envolvidos no tratamento médico. Por meio da
literatura e da arte de contar histórias, colaboram para a humanização do ambiente
hospitalar. Atualmente, cerca de 150 voluntários fazem parte da equipe. Os “Griots”,
reconhecidos como pessoas sábias e comunicativas, eram contadores de histórias africanas
das regiões de Senegal, Gâmbia e Mali e tiveram um importante papel na evolução e
manutenção da cultura e tradição de todo o continente. Disponível em:
http://griots.org.br/2019/conheca-os-griots/
234
Quadro 21 - Pauta do dia 21/10/19
1-Ponto de observação: Da aula de hoje, o mais significativo foi... porque...
2-Leitura: Professora Lene - Nada ainda? - Christian Voltz
3- Avaliação diagnóstica- nível de desenvolvimento real na pintura a dedo
4- Conteúdos:
-Teoria sobre os movimentos da pintura a dedo e possíveis práticas
Texto de apoio: Pintura a dedo: uma possibilidade de trabalho significativo
na educação infantil. De TSUHAKO, Y. e MILLER, S. In: SANTOS, C. R. dos
e MELO, E. S. do N. (Orgs). Políticas Públicas na Educação Brasileira: Educação
Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental 2. Ponta Grossa-PR: Editora
Atena, 2019.
5- Atividade prática com pintura a dedo
6- Avaliação
Fonte: Quadro elaborado pela pesquisadora.
A leitura da históriaNada ainda?”, de Christian Voltz,
realizada pela professora Lene, teve como finalidade ampliar o
conhecimento sobre o acervo da escola, contribuir para a observação
dos diferentes recursos materiais utilizados pelo ilustrador para
compor as cenas, como o uso de mistura de técnicas: recorte e
colagem, construção com materiais variados, desenho com arame
etc. Isso visava a aguçar a percepção das professoras para essas
questões específicas da ilustração como também ampliar as
possibilidades de criação na realização de seus projetos de ilustração.
O conteúdo de pintura a dedo pretendeu a atender à
solicitação das professoras, uma vez que perceberam a necessidade
de conhecer a técnica e os procedimentos corretos, para trabalharem
com as crianças e terem opções de técnicas para ilustrar suas próprias
histórias.
Uma produção livre em pintura a dedo foi solicitada no
primeiro momento, com o objetivo de verificar o nível de
235
desenvolvimento real das professoras em relação à técnica e quais
suas dificuldades. Depois foram apresentados os movimentos, ou
seja, a sequência do desenvolvimento da pintura a dedo, com o
objetivo de possibilitar às professoras condições de realizarem a
avaliação das produções das crianças e observarem o seu nível real de
desenvolvimento. Com esses recursos seria possível o planejamento
das ações de forma intencional, atuando na zona de desenvolvi-
mento próximo, intencionando a promover o desenvolvimento das
crianças na pintura.
Foram apresentados os procedimentos corretos da técnica de
pintura a dedo e diversos riscadores como recursos para a produção
de uma pintura a dedo: palitos de sorvete, rastelinhos, garfinhos,
pentes, esponjas de cozinha, retalhos de tecidos, papéis, folhas e
flores secas, sementes e tinta creme.
Após o conteúdo teórico, foi sugerida uma atividade prática
em pintura a dedo com a disponibilização de variados materiais para
a realização da produção e teve como objetivo verificar se houve
apropriação do conhecimento e mudanças nas produções.
Quadro 22 - Pauta do dia 11/11/19
1- Ponto de Observação: A grande aprendizagem sobre a pintura a dedo foi...
2- Leitura: Eu vi! Fernando Vilela
3 - Conteúdos:
Pintura a dedo e atividade criadora.
-Explorar os materiais disponibilizados e representar, por meio da pintura, algo que
gosta, acha bonito, traz boas lembranças, etc.
-A partir da observação da obra de Salvador Dali: A persistência da Memória, faça uma
produção, inserindo algo que tenha significado para você.
3- Avaliação
Fonte: Quadro elaborado pela pesquisadora.
236
A leitura do livro “Eu vi!”, de Fernando Vilela, teve como
objetivo apresentar a importância de desenvolver o olhar da
imaginação, a percepção visual, ensinar as crianças e aos adultos a
olhar os detalhes, observar as formas, cores, texturas; perceber as
linhas existentes nas coisas, nos elementos da natureza, no que está
no entorno para terem repertório e desenvolver a atividade criadora.
Fernando Vilela relata, no final do livro, como fez suas ilustrações,
as pesquisas para produzir as imagens, os materiais e as técnicas
utilizadas, elucidando o seu processor criador.
Foi solicitado às professoras que fizessem uma atividade
prática com a pintura a dedo, com o objetivo de explorar o material
disponibilizado e incentivar a produção de uma pintura autoral.
Outra atividade prática foi a apreciação da obra de Salvador
Dali, “A Persistência da Meria”, (figura 40), com o objetivo de
ressaltar a importância da leitura de uma obra, esclarecendo que,
propor esse tipo de leitura possibilita:
[...] dar acesso, instigar o contato mais sensível e aberto
acolhendo o pensar/sentir do fruidor e ampliando sua
possibilidade de produzir sentido. É o processo de recriação
interna que não pode se restringir a um jogo de perguntas e
respostas (MARTINS, 2010, p.78).
237
Figura 40: A Persistência da Memória
Fonte: Foto da pesquisadora (livro: Surrealismo/Cathrin K. Leroy-Taschen)
A obra foi apresentada para leitura e em seguida foi solicitada
a sua representação por meio da técnica de pintura a dedo, com
inspiração nas cores e formas utilizadas por Salvador Dali, de algo
que tenha significado para cada professora. Por exemplo, o que é
importante em sua vida; o que tem marcado sua realidade atual, os
seus desejos, seus sonhos etc. O objetivo dessa atividade foi
possibilitar um momento de criação, contribuir para o
desenvolvimento da imaginação, da produção de sentidos e
compartilhar, por meio de sua obra, um pouco de interioridade com
as demais do grupo.
O ponto de observação teve como objetivo avaliar o que foi
mais significativo no processo de aprendizagem sobre a pintura a
dedo, o que não sabiam e aprenderam a partir da formação e refletir
sobre as possibilidades de trabalho com as crianças.
238
Quadro 23 - Pauta do dia 25/11/19
1- Ponto de Observação: O mais significativo foi... porque...
2-Leitura: ZOOM- Istvan Banyai
3 - Conteúdos:
-Organização do caderno de desenho - portfólio
-Mistura de técnicas, importância do repertório
-Processo criador de pintores e ilustradores.
Texto de apoio: Ensino de arte: uma atitude pedagógica. (Picasso: um
processo de 34 dias). De MARTINS, M. C. F. D. In: MARTINS, M. C. F. D.
et al. Didática do ensino de arte: a língua do mundo: poetizar, fruir e conhecer
arte. São Paulo: FTD, 2010. p. 153-158
4- Atividade prática: Projeto de ilustração do livro infantil. “Rascunho”
5- Avaliação
Fonte: Quadro elaborado pela pesquisadora.
A leitura do livro ZOOM”, de Istvan Banyai, teve por
objetivo ampliar o repertório de livros de imagem, contribuir para o
desenvolvimento da percepção visual, observar os diversos recursos
visuais utilizados pelo ilustrador para melhor expressar a sua
narrativa.
A apresentação do processo criador de Picasso na produção
da obra “Guernica” teve como objetivos esclarecer às professoras
que, criar uma obra, uma pintura ou uma ilustração, demanda
tempo, trabalho, estudo e a realização de vários esboços até chegar
ao trabalho final, visto que é um processo. Era preciso desmistificar
as produções dos artistas, pois nesse processo há muito
conhecimento envolvido, trabalho de pesquisa, formação específica
e escolhas intencionais para melhor expressar suas ideias. Enfim, as
obras de arte não surgem de uma inspiração divina, de um “dom”,
mas são decorrentes das condições materiais e das relações sociais
que afetaram cada pessoa em sua formação.
239
Ziraldo foi indicado às professoras para ser assistido em
horário de ATPI.
A atividade prática teve o objetivo de materializar as ideias
das professoras por meio de esboços simples de um projeto, a partir
do exemplo do processo de criação de Pablo Picasso e de Luciano
Tasso.
Quadro 24- Pauta do dia 02/12/19
1. Ponto de Observação: A minha dificuldade foi... porque...
2- Leitura: Auau, Miau , Piupiu - cile Boyer, tradução Marta Kawano.
3- Contdo: Atividades práticas
-Elaboração de esboço para ilustrar a história
-Leitura dos projetos de ilustração
-Escolha da técnica a ser utilizada.
4-Registro do nome das técnicas escolhidas para ilustrarem a história
5- Avaliação
Fonte: Quadro elaborado pela pesquisadora.
A leitura do livro “Auau, Miau, Piupiu” de Cécile Boyer,
tradução de Marta Kawano, teve por objetivo ampliar o repertório e
mostrar uma forma diferente utilizada pelo autor para representar os
personagens: o uso de letras para representar os sons produzidos
pelos personagens e, não, imagens de animais, como é mais comum.
O ponto de observação teve por objetivo levantar as
dificuldades encontradas pelos professores na elaboração do livro.
Os objetivos das atividades práticas foram: elaborar um
projeto de ilustração de histórias, compartilhar os projetos com o
grupo e eleger uma ou mais técnicas para realizar o projeto.
240
Quadro 25 - Pauta do dia 09/12/19
1-Ponto de Observação: Neste ano o que mais marcou na ATPC foi... porque...
2- Leitura:Você” - Stephen Michael King
3 - Conteúdo: Atividade prática
-Elaboração das cenas ilustrativas e montagem do livro de história.
4- Avaliação
Fonte: Quadro elaborado pela pesquisadora.
A leitura do livro “Você”, de Stephen Michael King, foi
apresentada às professoras com o objetivo de ampliar o repertório e
como mensagem de encerramento da formação, mostrando de
forma sensível e poética a importância do outro, do “você” em nossas
vidas.
O objetivo do ponto de observação foi avaliar o que foi mais
significativo para as professoras durante o ano na formação em
ATPC e o conteúdo da atividade prática intencionou à finalização
das ilustrações do livro de história pelas professoras.
Quadro 26 - Pauta do dia 17/02/20
1- Leitura: Ana, Guto e o Gato Dançarino” - Stephen Michael King
2- Apresentão das produções individuais (histórias), para o grupo.
Professoras e títulos das produções:
Keli: Qual a diferença entre o ovo que comemos e o ovo que vira pintinho?
Lene: Eu duvido!
Ana: A descoberta.
Leila: Uma história encrencada.
Lis: As Linhas amigas
Sara: Uma cidade diferente.
3-Avaliação final: Questões sobre arte literária, livro de imagens e pintura a dedo
Fonte: Quadro elaborado pela pesquisadora.
241
Essa foi a pauta de encerramento da formação, tendo como
objetivo principal apresentar todos os trabalhos autorais das
professoras para apreciação do grupo.
Antes das apresentações, li o livro “Ana, Guto e o Gato
Dançarino” de Stephen Michael King, como uma metáfora que
representa o que foi vivenciado pelo grupo, para ressaltar a
importância dos outros, dos nossos parceiros, para que ocorram
aprendizagens e mudança do olhar em relação à realidade,
possibilitando o desenvolvimento de nossas capacidades; enfim,
ressaltar que todas as pessoas são capazes de exercer sua atividade
criadora e escrever suas próprias histórias.
Ao final da aula, as professoras realizaram uma avaliação
sobre a arte literária, livro de imagens e pintura a dedo e, devido ao
curto tempo do encontro, algumas professoras concluíram as
avaliações em horário de ATPI, no decorrer da semana. As questões
tiveram o objetivo de proporcionar às professoras um momento para
pensarem sobre todo o percurso vivido, as dificuldades iniciais, a
superação, até chegarem à produção autoral e de refletirem sobre o
processo de formação em horário de ATPC. Essa avaliação e todos
os pontos de observação foram coletados como fonte de dados.
242
243
Capítulo 3
O QUE DIZEM AS PROFESSORAS SOBRE O
LIVRO ILUSTRADO E A EDUCAÇÃO
DESENVOLVENTE?
As crianças assimilam esse mundo, a cultura humana, assimilam
pouco a pouco as experiências sociais que essa cultura contém, os
conhecimentos, as aptidões e as qualidades psíquicas do homem.
É essa a herança social. Sem dúvida, a criança não pode
se integrar na cultura humana de forma espontânea.
Consegue-o com a ajuda contínua e a orientação do
adulto no processo de educação.
(MUKHINA, 1996)
Este capítulo tem por objetivo realizar a análise dos dados
gerados durante o experimento didático-formativo sobre arte
literária, mais especificamente sobre o livro ilustrado, conforme
descrição no capítulo anterior, desenvolvido com seis professores de
uma escola de Educação Infantil do sistema municipal de ensino de
uma cidade do interior paulista, no período de 2019 e 2020, em
horário de Atividade de Trabalho Pedagógico Coletivo – ATPC.
Com a análise dos dados, colocarei em discussão a
importância da apropriação do conhecimento para o desenvolvi-
mento da consciência, o trabalho com o livro ilustrado como
atividade desenvolvente das funções psíquicas superiores e da
244
capacidade criadora tanto das professoras como das crianças
numa relação de dependência do processo de ensino-aprendizagem.
A discussão será apresentada por núcleos temáticos,
organizando os dados por conteúdos relacionados. A escolha dos
temas para nomear cada núcleo e a sequência de análise, teve o
objetivo de representar o movimento no processo de desenvolvi-
mento humano, iniciando com a apropriação do conhecimento
acumulado historicamente. Conforme a citação da epígrafe, o
homem não nasce dotado das aquisições históricas da humanidade.
quem se apropria desse conhecimento no decurso da sua vida
adquire propriedades e faculdades verdadeiramente humanas. Assim
a criança, por meio da educação, da atividade e das relações sociais
nas quais está inserida, vai se desenvolvendo.
Os núcleos temáticos serão expostos na seguinte ordem:
apropriação do conhecimento e o desenvolvimento da consciência;
o trabalho com o livro ilustrado e a atividade desenvolvente;
formação continuada: mudança na dimensão objetiva e subjetiva do
professor.
A análise recairá sobre os dados gerados a partir dos registros
de avaliações diárias; avalições realizadas ao final do processo de
formação; relatos orais gravados em vídeos ou áudios transcritos;
produções dos professores e alguns registros de atividades das
crianças, realizadas na escola e outras enviadas pelas famílias devido
ao isolamento social decorrente da Covid-19. Tais registros tiveram
o objetivo de verificar as aprendizagens ocorridas a partir do
desenvolvimento do experimento didático-formativo.
Para preservar a identidade dos participantes, serão
utilizados nomes fictícios, representando as professoras e as crianças.
245
As produções autorais das participantes da pesquisa,
realizadas durante a formação, tiveram os seguintes objetivos:
superar o sentimento de incapacidade, desenvolver a imaginação e a
atividade criadora, possibilitar condições de desenvolverem essas
capacidades também nas crianças.
3.1-Apropriação do conhecimento e desenvolvimento da
consciência.
Esta pesquisa e as análises nela contidas m o respaldo da
Teoria Histórico-Cultural a qual concebe o homem como ser
histórico e social. Nessa concepção, o desenvolvimento do
psiquismo, da personalidade e da consciência estão condicionados às
relações sociais e ao acesso à produção cultural. Também se
fundamentam na teoria da Filosofia da Linguagem, de Volochinov,
Bakhtin e outros em que “o sujeito se constitui socialmente, através
de suas interações e seus diálogos” (GEGE, 2019, p. 82).
Para Bakhtin, é na relação com a alteridade que os indivíduos
se constituem. O ser se reflete no outro, refrata-se. A partir do
momento em que o indivíduo se constitui, ele também se altera,
constantemente. E esse processo não surge de sua própria
consciência, é algo que se consolida socialmente, através das
interações, das palavras, dos signos. Constituímo-nos e nos
transformamos sempre através do outro (GEGE, 2019, p. 13).
A partir dessas concepções, a experiência social é a fonte do
desenvolvimento psíquico da criança e do adulto; o papel do outro
é fundamental para oferecer as condições materiais necessárias para
o desenvolvimento de cada sujeito.
246
A internalização das conquistas humanas é possível quando
a criança se apropria do conteúdo cultural historicamente
acumulado. Nesse processo, o adulto é a fonte de desenvolvimento
da criança, apresentando-lhe a realidade; proporcionando o contato
com objetos, mostrando seu uso funcional, qualificando os seus
sentidos, apresentando os instrumentos utilizados no cotidiano e as
diversas formas de linguagens. Desse modo a criança irá se
humanizando.
A partir dessa compreensão, por meio dos aportes teóricos
apresentados nos capítulos anteriores, farei as análises intencionando
a percepção do processo de apropriação por parte das professoras.
Também apresentarei uma reflexão sobre algumas práticas relevantes
ao processo de apropriação do conhecimento e para o
desenvolvimento da consciência.
Este núcleo temático apresenta os seguintes itens:
Sentimento de incapacidade: resquício da educação
tradicional
A contextualização da produção cultural desmistifi-
cando a questão do “dom”
A importância da avaliação diária para a apropriação
do conhecimento
A apropriação da teoria para a mudança do olhar
Desenvolvimento da consciência: da resistência à
construção de novos sentidos.
Compartilhar o conhecimento com o outro
Por meio da fala do outro eu me vi
247
3.1.1 Sentimento de incapacidade: resquício da
educação tradicional
Para iniciar, lembro a importância de levar em consideração
o destinatário do ato educativo no decorrer da elaboração dos
planejamentos bem como da intencionalidade em promover uma
educação desenvolvente, por parte do professor. Por isso, faz-se
necessário a avaliação inicial, o diálogo com os educandos, a
verificação do nível real de desenvolvimento, descobrindo suas
hipóteses e suas concepções e, a partir desse conhecimento, elaborar
os possíveis encaminhamentos.
Por meio de um diálogo com as professoras, durante a
avaliação inicial, veio à tona um entrave para a apropriação do
conhecimento: o sentimento de incapacidade.
Em ações com a formação de professores, percebo frequente-
mente o surgimento, diante de alguma proposta nova, do
sentimento de incapacidade que isso gera. Esse fato fica mais
evidente quando é solicitada a eles uma produção autoral. Como
numa reação instintiva, logo ouço dos professores frases como “Eu
não sei escrever uma história!”. “Eu não sei desenhar!”. “Eu não sei
pintar!”
Essa reação é compreensível pelo fato de sermos frutos de
uma educação tradicional, limitadora da autoria, da expressão, que
privilegiou por décadas o desenvolvimento da capacidade de
execução de ordens.
Diante de uma realidade como essa, a apropriação do
conhecimento é condição essencial para a reversão dessa situação. Se
o professor tiver a oportunidade de conhecer um pouco de sua
história; ter consciência sobre a origem de seus medos, inseguranças,
248
receios, terá condições de iniciar um processo de mudança, pois ao
descobrir as concepções e a explicitação dos fatos geradores dessa
forma determinista de pensar, o porquê do sentimento de
incapacidade, desenvolverá a consciência e compreenderá a
constituição do professor, suas dificuldades e sua necessidade de
superá-las.
Na avaliação inicial das professoras, o sentimento de
incapacidade no grupo foi desvelado ao ser apresentada para elas a
ideia de escreverem uma história. Isso é expresso nas falas das
professoras, abaixo:
Keli: [A ideia pareceu] uma loucura e eu me senti incapaz,
porque acreditava que para escrever uma história teria que ter
ideias brilhantes.
Lene: [A ideia pareceu] impossível, eu me senti perdida, porque
nunca havia escrito.
Ana: A ideia pareceu assustadora, eu me senti desafiada, porque
não me sentia preparada.
Leila: [A ideia pareceu] um desafio quase impossível!
Lis: [A ideia pareceu] “assustadora”, eu me senti incapaz,
porque achava que não iria conseguir.
Sara: [A ideia pareceu] surreal e muito difícil, eu me senti
despreparada, porque nunca me proporcionaram essa
experiência antes.
As falas das professoras demonstram que a possibilidade de
elaboração de uma narrativa autoral causou medo, desespero,
assustou e foi vista como algo inatingível devido a esses sentimentos.
No dizer da professora Keli observa-se também uma
concepção de talento natural, ao se referir à necessidade de “ideias
brilhantes” para escrever uma história.
249
Há uma confirmação no dizer de todas as professoras: no
campo da educação, qualquer ato implicará no desenvolvimento ou
não de outros seres humanos, podendo deixar marcas positivas ou
negativas. No caso das professoras, a educação tradicional deixou
marcas negativas; manifestando-se em forma de sentimento de
incapacidade, embasada em uma concepção naturalista de
desenvolvimento, influenciando inclusive no desempenho
profissional.
Como será possível propor um trabalho com as crianças
visando ao desenvolvimento da capacidade criadora, se as próprias
professoras não acreditam nessa proposta? Se não houver a superação
da concepção de que a capacidade autoral é o destino apenas dos
talentosos ou aos possuidores de “dons”, será uma ilusão pensar em
educação desenvolvente.
Dessa maneira evidencia-se a necessidade de ações visando à
superação desse sentimento de incapacidade e da concepção
determinista sobre o desenvolvimento humano. Uma possibilidade
para desmistificar essa questão é a apresentação da história de vida,
de formação e o processo criador dos escritores, dos ilustradores, dos
artistas de forma geral. Pensando nessa possibilidade, foi incluída na
formação a contextualização das produções literárias para ela
selecionadas.
3.1.2 A contextualização da produção cultural desmistificando
a questão do “dom
Ao contextualizar o processo de produção dos autores,
pesquisar sobre os materiais e técnicas utilizadas e conhecer a sua
história, além de possibilitar a ampliação de repertório e o
250
desenvolvimento da atividade criadora, pode-se contribuir para a
desmistificação da concepção de “dom”, porque a história de
formação dos escritores e ilustradores, geralmente, envolve um
percurso de formação específica, trabalho ou formação em área
próxima como também muito estudo.
O trabalho de um artista é um processo consciente e racional
no qual a obra de arte é o resultado da realidade recriada (FISCHER,
1959). Desse ponto de vista, para ser um artista é necessário o
conhecimento sobre as regras criadas pelo entorno, convenções,
procedimentos, recursos e formas. Ao considerar a arte como
realidade recriada, refuta-se as concepções que defendem a
necessidade do “dom” ou do talento natural para determinada forma
de expressão. Para a concepção da Teoria Histórico-Cultural, é uma
questão de apropriação do conhecimento nas relações sociais.
Desse modo, demonstrar a realidade do artista, sua
formação, seu trabalho, contribui para a superação de hipóteses
equivocadas sobre o processo criador e a concepção de talento
natural. Incentiva-se, assim, a produção autoral. Podemos observar
esse fato no relato da professora Lene:
Lene: [...] uma coisa que me conformou, que me chamou muita
atenção nos nossos estudos, foi ver que mesmo os artistas, eles
não fazem, por exemplo, um desenho em 5 minutos, eles
demoram muito, eles fazem passo a passo o desenho. O Picasso
demorou um mês, por exemplo, para fazer a Guernica. Então,
isso daí me acalentou, no sentido de pensar assim, se ele
demorou tudo isso, então eu também posso me permitir
demorar.
251
Conhecer a realidade do autor ou do artista possibilita a
visualização da nossa condição de “não saber”, a falta de
conhecimento em algumas áreas e a formação deficitária a nós
oferecida, reforçando o fato de não ser uma questão de “dom”, mas
de apropriação do conhecimento. Além disso possibilita uma melhor
compreensão da produção do autor e acesso à sua história de vida.
Esse fato foi expresso na fala das professoras Sara e Leila:
Sara: Conhecer a vida do autor nos dá muitos indícios de suas
obras, detalhes que aparecem em suas obras e que foram fatos
relevantes de sua vida. Além de conhecermos o ser humano,
suas ideias, sonhos e valores.
Leila: Foi importante a observação de como os autores escrevem
a própria história, fatos do cotidiano, lembranças, porque as
histórias escritas são formas de guardar as lembranças de
acontecimentos importantes ou até mesmo algumas
idealizações.
Conhecer o percurso do autor e dialogar com sua história
provoca sensibilização, motivação para mudanças e a superação do
sentimento de incapacidade.
A professora Lene, ao conhecer a história de Juarez
Machado, ficou sensibilizada, fez conexões com a sua vida, conforme
sua fala, abaixo:
Lene: Porque com essas informações do autor, fazemos
conexões, por exemplo, com a década que eu nasci e com isso
fazemos inferências como a dificuldade que ele deve ter passado
por estar na ditadura. Enfim passa muita coisa em nossa cabeça
e concluímos que somos capazes e passamos isso para as crianças
também.
252
Apresentar o processo criador do autor, saber como ele
elabora suas histórias, de onde vem sua inspiração contribuem para
a compreensão da relação da imaginação com fatos da realidade,
tendo por base à atividade criadora porque “toda obra da imaginação
constrói-se sempre de elementos tomados da realidade e presentes
na experiência anterior da pessoa” (VIGOTSKI, 2009, p. 20).
De posse desse conhecimento, o professor se senti mais
tranquilo e capaz, como ocorreu com a professora Keli ao ver o relato
de alguns escritores.
Keli: A diretora disse: “Vamos trazer ideias para criar uma
história, vamos ver o Ilan Brenman, de onde ele tira suas ideias,
para criar uma história” [...] Vimos que são dos fatos do
cotidiano, do que acontece na vida dele, na vida das filhas dele,
as filhas dele são grandes inspirações para suas histórias. Então
isso nos trouxe um pouco mais de conforto, porque para a gente
falar sobre algo que a gente já vivenciou é mais fácil.
Isso reforça outra questão importante sobre o processo de
criação: a necessidade de ampliar o repertório da criança e do adulto,
enriquecer suas experiências, justificando a relevância da presença de
diversos livros de literatura, de trabalhos artísticos e de técnicas
diferentes nas escolas.
Ouvir o que as professoras m a dizer sobre a experiência de
conhecer um pouco dos autores, seu pensamento, sua história de
vida, ratifica o princípio da alteridade, na qual o indivíduo se
constitui e, nesse processo de constituição ele também vai se
alterando constantemente. Trata-se da importância do outro em
nossa formação. Essa mudança de concepção em relação ao
253
desenvolvimento humano é essencial ao professor na promoção da
educação desenvolvente.
3.1.3 A importância da avaliação diária para a apropriação do
conhecimento
Para a realização da avaliação diária foi utilizado o “ponto de
observação”, um instrumento metodológico de avaliação com
objetivo de trazer à tona os conteúdos discutidos e trabalhados
durante os encontros, possibilitando a apropriação do conhecimento
e a verificação do sabido e do não sabido, dando informações para a
elaboração do planejamento ou ao replanejamento, possíveis
encaminhamentos e para o aprofundamento do conhecimento
(MARTINS et alii, 1996).
Por meio desse instrumento de avaliação pude verificar os
conhecimentos não apropriados pelas professoras, retomar conteúdo
não compreendido, elaborar novas formas para dialogar com a sua
prática e rever os planos. Essa dinâmica, segundo as professoras,
contribuiu para a apropriação do conhecimento e foi apontada nas
falas das professoras como algo positivo.
Sara: A diretora leva o conhecimento e a prática, acho que fica
bem interessante, fica viva e rica a aquisição desse novo
conhecimento, através do processo de retomada, de repetição;
faz a gente realmente adquirir esse conhecimento. Concluo que
o conhecimento, a repetição e a vivência são importantes para
a apropriação de um novo conhecimento.
Ana: O resgate dos conteúdos foi muito produtivo e
esclarecedor, porque repetir é importante para memorizar os
nomes e para compreender melhor os conteúdos já vistos.
254
Keli: O resgate dos conteúdos foi interessante, porque esclareci
dúvidas sobre enquadramento e molduras.
A realização de ações com diferentes desafios em torno do
mesmo conteúdo também foi citada na fala das professoras Ana e
Sara como importantes para a compreensão. Desse modo, em
relação às crianças, é fundamental trabalhar um mesmo conteúdo
várias vezes, com desafios diferentes e com frequência. Dificilmente
uma criança se apropria, por exemplo, da técnica de pintura, de
desenho em apenas um dia. A mesma premissa serve para o adulto.
Essa forma de atuação é vista frequentemente nas escolas de
Educação Infantil onde as professoras propõem uma técnica
diferente por semana, sem sequência de atividade e sem frequência.
Numa semana se dá recorte colagem, na outra pintura de sopro,
depois pintura surpresa, depois desenho, etc. e isso não possibilita a
aprendizagem real de uma técnica.
3.1.4 Apropriação do conhecimento e mudança do olhar
A apropriação do conhecimento possibilita ao professor e à
professora uma melhor compreensão de sua realidade, a origem dos
fatos, dos acontecimentos e dos problemas. Nesse processo de
apropriação, o professor transformar-se, aprende a olhar para si e
para sua prática, busca caminhos para satisfazer suas necessidades,
muda seu pensamento, sua forma de agir, de ver as coisas, superando
certas convicções e apropriando-se de novos conceitos para ter
condições de também promover mudanças no outro.
Isso pode ser observado na fala das professoras, nas quais
expressam a mudança de olhar a partir da apropriação do
255
conhecimento, resultando numa percepção mais aguçada e no
surgimento de questionamentos em relação ao conteúdo dos livros.
Conforme o registro das professoras abaixo:
Keli: [...]o que também mudou na minha prática foi em relação
aos livros, então o olhar que nós tínhamos sobre o livro antes
da formação, primeiro a gente nem sabia diferenciar os tipos de
livro! A gente achava que todos os livros eram sobre a arte
literária, e não é! Hoje a gente sabe que não é!
Lene: Para mim, todo o conteúdo dado foi importante,
aproveito e me cobro nas aulas com as crianças porque entendo
que, com esses esclarecimentos, o olhar muda, o nosso, como
educadores e o das crianças. Passamos a observar tudo do livro:
a forma que está escrito, a posição das ilustrações e passamos a
questionar sobre o porquê e as intenções do autor.
A fala da professora Keli também reforça a importância do
conhecimento para a mudança da prática, pois com a mudança de
seu olhar em relação à arte literária, a literatura passou a ser vista
como um instrumento de transformação, e a sua escolha se tornou
mais consciente.
Keli: A gente procura os livros para ler para as crianças com
intencionalidade, pensando com aquele olhar, com aquele foco,
o que antes era natural - ah vou ler qualquer livro, - vou ler um
livro específico porque vou trabalhar tal coisa talvez, mas não
tinha o olhar para a transformação [...]
Por meio das falas das professoras a seguir é possível
constatar a apropriação do conhecimento, que contribuiu para o
desenvolvimento do olhar crítico sobre suas próprias práticas e a
256
percepção do fato de não saberem elaborar atividades com objetivos
apropriados, ou seja, com intencionalidade para promoção do
desenvolvimento da criança
Lis: Que eu me lembro bem, a gente contava histórias, eu
costumava seguir as coleções, começava uma coleção e ia até o
fim, mas a gente não tinha essa ideia real do que era, para que
servia o livro. A gente foi aprendendo. E aí a gente olha com
outros olhos, a partir do momento que a gente sabe, a gente
tem a obrigação de não fazer mais o errado e muitos livros a
gente percebe que não tinha nada a ver, não tinha objetivo
nenhum.
Sara: Não costumava fazer antes, por exemplo, a escolha de um
bom livro (que trouxesse uma reflexão/aprendizagem) e ter
ideia da minha intencionalidade.
Também se constata o olhar apurado a partir da
fundamentação teórica e, consequentemente, a valorização do
próprio conhecimento como ocorreu com as professoras Ana e Keli
nos relatos a seguir.
Ana: Muito legal perceber, enquanto folheamos os livros,
exemplo do livro “Não vou dormir”. Na hora que li para as
crianças, me encontrei, porque percebi tudo o que a teoria nos
disse anteriormente.
Keli: [...] para haver mudança de prática é necessário
conhecimento, a teoria, pois não podemos aceitar uma teoria
sem a prática e a prática sem teoria, os professores, quando não
m conhecimento, oferecem “qualquer coisa” e, muitas vezes,
isso não promove desenvolvimento da criança.
257
As falas das professoras mostram o surgimento de mudanças
em si, na sua forma de olhar a realidade e em relação as suas próprias
práticas decorrentes da apropriação do conhecimento.
3.1.5 Desenvolvimento da consciência: da resistência à
construção de novos sentidos
Segundo Martins (2012), toda ação verdadeiramente
humana pressupõe a consciência de uma finalidade que precede a
transformação concreta da realidade. Nesse sentido, o professor ou
a professora, ao perceber a finalidade de sua prática como promotora
do desenvolvimento da criança, começa a se preocupar em oferecer
uma melhor educação, mudando a sua prática. Isso foi expresso na
fala da professora a seguir.
Ana: [...] temos que nos preocupar com o psiquismo, porque
vimos que desenvolvemos a imaginação, o pensamento e a
linguagem. A criança tem que ser desafiada a fazer conexões e
inferências para desenvolver as funções psíquicas superiores.
Para o desenvolvimento do homem, no processo da
educação, é de fundamental importância o crescimento da
consciência. O ter consciência significa conhecer, compreender os
caminhos e as leis de desenvolvimento da sociedade, as causas das
dificuldades e as maneiras de superá-las (RUBINSTEIN, 2017).
O professor ao se apropriar do conhecimento desenvolve a
sua consciência e a sua prática se qualifica como ocorreu com a
professora Keli: ao ter consciência da importância da Educação
258
Infantil para o desenvolvimento do psiquismo da criança, seu
planejamento passou a ter outro significado, a intencionalidade.
Keli: [...] na Educação Infantil é o tempo onde o ser humano
desenvolve as funções psíquicas através das sinapses, conexões.
Por isso é importante o planejamento das atividades, tem que
ter intencionalidade para o desenvolvimento do psiquismo.
No processo de apropriação, conforme a consciência vai se
desenvolvendo, observa-se que a resistência ao novo conhecimento
vai cedendo o lugar à compreensão, gerando outros sentidos para o
conhecimento. Segundo Bakhtin (2011, p. 396): “A compreensão
como visão do sentido, não uma visão fenomênica e sim uma visão
do sentido vivo da vivência na expressão, uma visão do fenômeno
internamente compreendido, por assim dizer, autocompreendido”.
Esse fato pode ser observado no relato da professora Keli.
Keli: Eu me senti um pouco criança, diante dos desafios,
porque quando era lançado um desafio, a gente tem essa
dificuldade de aceitar que a gente não sabe, por conta da nossa
formação mesmo, que errar não era muito legal. Então quando
a diretora trazia um desafio para nós, no começo nos
incomodava muito! Mas hoje, na minha vida, eu vejo que eu
preciso deles [...]. Então, aquilo que era uma dificuldade, aquilo
que era uma complicação[...] virou algo muito bom! Algo que
mexe, é algo que te desestrutura, mas é uma desestrutura onde
você sabe para onde quer ir, que você quer melhorar, que você
acredita na educação pública de qualidade, você acredita na sua
importância, no seu papel enquanto professor formador.
259
Na fala da professora Lene, a seguir, também pode-se
observar a superação da resistência inicial, apontando como
importante nesse processo a apropriação do conhecimento, o estudo
sobre os ilustradores e o acesso a bons materiais para a atividade de
criação.
Lene: Hoje eu vejo que a diretora sempre tentava, sempre
queria desenvolver a nossa criatividade e fazer com que a gente
criasse. Vários momentos, por exemplo na ilustração de livros,
quando ela propunha a ilustração de livros, ela pedia para gente
desenhar, ilustrar e, a gente dizia: - Ah não! Ah a gente não sabe!
Não sabe! [...]
Mas aí ela trazia bons materiais, estudamos sobre vários
ilustradores[...]e a gente tendo boas referências, a gente
consegue fazer...
Segundo Miller (2012), o conhecimento historicamente
acumulado promove o desenvolvimento do pensamento científico,
da consciência, permitindo ao homem ver e pensar o mundo para
além das ideias pré-concebidas e das crendices. Por intermédio desse
conhecimento, se desenvolvem as consciências dos homens, que
passam a ter a possibilidade de analisar e criticar o mundo das
complexas relações sociais, econômicas e culturais à sua volta.
A análise crítica da realidade a partir da apropriação do
conhecimento e do desenvolvimento da consciência foi expressa na
fala da professora Keli. A partir dos estudos, ela percebeu a
importância do planejamento intencional e faz uma crítica em
relação à postura dos professores, por não elaborarem planejamentos
específicos para as novas turmas.
260
Keli: [...] eu vejo que o conhecimento, ele modifica a prática do
professor, ele transforma o ser humano. O professor ser
humano. Aquele que pensa e planeja. Não aquele que faz as
coisas de qualquer jeito. Não aquele que apenas pega aquele
caderninho amarelo, de 20 anos de uso. Não! Cada ano é um
desafio novo, cada ano é uma atividade nova, cada ano é uma
turma diferente, portanto cada ano é um ano, cada ano é um
planejamento. Os conteúdos são os mesmos, porque o
conteúdo científico ele é, mas a forma, como você vai aplicar
esse conteúdo é diferente, porque depende da particularidade
de cada turma, de cada grupo.
Por meio do conhecimento apropriado foi possível também
às professoras, a realização de análises críticas sobre o conhecimento
que possuíam antes da formação, conforme os registros a seguir:
Keli: O meu conhecimento era pobre, porque achava que todos
os livros eram de literatura e a prática era pobre, não escolhia
os livros com intencionalidade.
Lene: O meu conhecimento era limitado, porque não sabia
distinguir os diversos tipos de livros, minha prática era
elementar.
Ana: O meu conhecimento era pobre, porque eu pensava que
qualquer livro poderia ser literatura. A minha prática era muito
rotineira, embora procurasse sempre “bons livros” para meus
alunos.
Leila: O meu conhecimento era mínimo, porque não tive
oportunidade e nem busquei ampliar os meus conhecimentos,
a minha prática não proporcionava aos alunos a possibilidade
desse conhecimento.
Lis: O meu conhecimento era o tradicional, a criança não
usufruía da imaginação, porque meu conhecimento da
proposta era “raso”, minha prática era básica.
261
A análise das próprias práticas e a percepção de algumas
incoerências foi possível devido ao desenvolvimento da consciência
em decorrência da apropriação do conhecimento. Destaco, assim, a
relevância do desenvolvimento da consciência para a superação das
dificuldades dos professores no exercício de sua profissão e para as
mudanças nas práticas.
3.1.6. Compartilhar o conhecimento com o outro
A apropriação do conhecimento e o desenvolvimento da
consciência sobre a importância da teoria para as práticas, a
relevância do tema trabalhado gerou no grupo de professoras a
necessidade de compartilhar os conhecimentos obtidos na formação
com outros professores e, também, com os pais. Essa preocupação
em compartilhar o conhecimento foi expressa na fala da professora
Leila.
Leila: [...] a diretora proporcionou esses momentos de
aprendizagens e que bom seria se todos as professoras da rede,
todos os professores tivessem essa oportunidade de conhecer
esse tema trabalhado. Ela trabalhou conosco a literatura.
Poderíamos realizar um trabalho mais enriquecedor com as
crianças, porque eu acredito que todos, todos devem saber, não
só os professores, os pais também.
Penso que, ao defendermos uma educação desenvolvente e
humanizadora, desejamos que as pessoas sejam solidárias, pensem na
coletividade, no bem comum; que ajam de forma contrária à lógica
do capital, gerador da competição, do individualismo, da
intolerância, enfim, da desumanização.
262
As professoras, ao compartilharem seus conhecimentos,
tornam-se solidárias, se colocam no lugar do outro e desenvolvem
ações e atitudes humanizadoras. Além disso, o conteúdo, quando faz
sentido ao professor, torna o conhecimento instigante, gerando
segurança e o desejo de compartilhar com outros o aprendido. Isso
pode ser observado na fala da professora Keli:
Keli: Então quero dizer, tudo aquilo que é bom, tudo aquilo
que traz transformação precisa ser partilhado. E aí a gente pode
trazer esse conhecimento, esse conteúdo, trazendo as crianças
como representatividade, elas fazendo a leitura de um livro. O
conteúdo não ficou só com o professor[...]. Foi para as crianças
e aí nós podemos partilhar [...]
O desejo de compartilhar o conhecimento surgiu da
compreensão sobre a importância do tema para o desenvolvimento
da criança. O conteúdo sendo significativo ao professor, poderá
tornar-se uma motivação à superação do medo e da insegurança de
falar em público, por exemplo ou de participar de uma troca de
experiências envolvendo várias escolas. Isso ocorreu com o grupo de
professoras participantes da pesquisa, pois aceitaram participar de
uma troca de experiência. A superação da insegurança, expressa na
fala da professora Lene, a seguir, ocorreu com a possibilidade de ela
apresentar o resultado do seu trabalho por meio de um vídeo,
apresentando uma criança de sua turma proferindo um livro de
imagens com desenvoltura.
Lene: O sentimento foi de medo, insegurança, nervosismo,
porém tive vontade de compartilhar o meu trabalho e o vídeo
do meu aluno.
263
A professora Ana, conforme o relato a seguir, superou a
insegurança por meio do desejo de compartilhar com o outro o que
um outro havia compartilhado com ela, gerando a necessidade de
pôr em movimento os conhecimentos adquiridos.
Ana: Tive sentimentos misturados. Uma bagunça! Primeiro o
de sair correndo (o que estou fazendo aqui?) Mas em meio a
tanto nervosismo, surgiram sentimentos de compartilhar com
o outro aquilo que alguém compartilhou comigo.
Um conhecimento novo, ao afetar o professor, provoca
mudanças em sua concepção sobre os conteúdos. Isso foi constatado
durante a escolha do tema para a troca de experiência, todas foram
unânimes quanto ao tema: arte literária, para compartilhar, alegando
a novidade da temática. Isso foi expresso na fala da professora Lene.
Lene: O que motivou a escolha do tema foi: A novidade do
tema e o interesse em compartilhar com os colegas essa nossa
descoberta.
Observa-se também a satisfação sentida pelas professoras ao
compartilharem o conhecimento adquirido e perceberem a
contribuição dada aos professores participantes da troca de
experiências. Isso se manifesta na fala da professora Keli.
Keli: Tudo era compreendido como literatura e isso não é a
verdade. O espanto de outros amigos professores que não
tinham ideia desse conhecimento e que ampliaram o seu olhar
para esses novos conhecimentos. E quantos outros detalhes que
devem ser levados em conta nesse momento de leitura, que é
tão importante. Porque conseguimos plantar a semente da
264
curiosidade das novas formas de apresentar e trabalhar os
conteúdos.
Nas falas das professoras, fica evidente a importância da
apropriação do novo conteúdo, gerando um sentimento de
solidariedade e uma preocupação com o outro; por consequência,
vem o desejo de compartilhar o aprendido e contribuir para o
surgimento de mudanças na realidade educacional.
A professora Keli expressa o entusiasmo e o prazer em
compartilhar com as amigas o conteúdo apropriado.
Keli: [...] todas as pessoas com quem eu tenho a oportunidade
de falar sobre, eu falo eu partilho esse conhecimento com as
amigas, a gente saía da ATPC, eu não via a hora de poder
compartilhar com as amigas!
As falas das professoras dão destaque à apropriação do
conhecimento como fator responsável pela superação da
insegurança, dos medos, possibilitando a circulação dos conteúdos
entre os parceiros de modo colaborativo.
3.1.7. Por meio da fala do outro eu me vi
O desejo de aprender pode surgir pela ação do outro, que
desencadeia diálogos, faz apresentação ou relato de suas práticas que
deram certo e mostrando que é possível realizar um trabalho
pedagógico intencional e eficiente para o desenvolvimento das
crianças. Com isso, desperta no outro o desejo de trilhar os mesmos
caminhos. Lembramos que a “alteridade marca o ser humano, pois
265
o outro é imprescindível para sua constituição” (GEGE, 2019, p.
29).
Tal fato foi observado na troca de experiências, onde o grupo
de professoras participantes da pesquisa foi convidado a apresentar
um trabalho. Elas escolheram o tema arte literária. Nessa atividade
foi esclarecido ao público a escolha da temática e o processo de
aquisição do conteúdo da troca em formação, em horário de ATPC.
Após a exposição dos conteúdos, as professoras presentes se
inspiraram nas práticas apresentadas, viram o conteúdo como algo
novo e solicitaram a bibliografia. Esse fato foi expresso na fala da
professora Lene:
Lene: O que marcou: foi a questão de ter sido novidade o tema.
Porque algumas relataram que a literatura era todos os tipos de
livros mostrados: livros brinquedos, os didáticos e depois da
explicação da teoria, pediram bibliografia, se mostrando muito
receptivas e interessadas.
Nas avaliações da troca de experiências, as professoras
participantes do evento demonstraram desconhecimento sobre os
conteúdos apresentados, levando as professoras participantes da
pesquisa a se verem na fala do outro, a se colocarem no lugar do
outro, porque antes do experimento didático-formativo, elas
também desconheciam os conteúdos. A professora Keli expressa esse
fato em seu relato.
Keli: [...] nós fomos fazer a troca experiência com cinco escolas
e, eu observei que ninguém sabia o que eram paratextos, a gente
estava levando uma novidade para eles. [...] ninguém sabia,
assim como a gente também não sabia antes. E nós fizemos essa
266
troca de experiência presencial e fizemos também uma live, que
teve mais de 80 pessoas. E que também a gente notou que foi
novidade esse assunto para eles.
As falas anteriores mostram a importância da promoção de
encontros para que aconteça o compartilhamento de práticas entre
os professores no ambiente escolar, em outras escolas, em eventos,
cursos e outros, reforçando o fato de a aprendizagem e as mudanças
ocorrerem na relação e na ação com o outro.
A troca de experiência também evidenciou o quanto a
literatura infantil ainda é um tema desconhecido pela maioria dos
professores desse município, por esse motivo não é trabalhada de
forma plena, indicando a necessidade de formação nessa área.
3.2 O trabalho com o livro ilustrado e a educação desenvolvente
Neste núcleo temático, as análises pretendem trazer à
discussão, questões sobre formação desenvolvente, tendo como tema
desencadeador desse processo o trabalho com o “livro ilustrado”.
Conforme visto em capítulos anteriores, o desenvolvimento
psíquico se produz a partir dos processos de ensino-aprendizagem.
A partir da apropriação dos conhecimentos historicamente
acumulados pela criança, novas capacidades e funções psíquicas
serão desenvolvidas. Esse processo de apropriação da cultura ocorre
por meio de uma atividade adequada, ou seja, a atividade que
reproduz os traços essenciais da atividade humana encarnada no
objeto (PASQUALINI, 2016)
Estarão em pauta neste núcleo temático alguns fatores
relevantes ao desenvolvimento do professor como o acesso ao
267
conteúdo específico de cada área, a compreensão da aprendizagem
como processo ativo, a influência das vivências e do repertório para
a atividade criadora e as contribuições do livro ilustrado para o
desenvolvimento das funções psíquicas superiores.
Este núcleo temático apresenta os seguintes itens:
As vivências e o repertório como fonte de inspiração.
A importância do acesso ao conteúdo específico de cada
área
Aprendizagem como processo ativo: a importância de
conhecer as técnicas
Formação do professor para autoria
O trabalho com o livro ilustrado e a educação
desenvolvente na Educação Infantil
3.2.1 As vivências e o repertório como fonte de inspiração
Ao pensar no objetivo de desenvolver a atividade criadora
das crianças ou dos adultos, faz-se necessário ressaltar a importância
do conhecimento sobre a temática a ser trabalhada, proporcionando
conteúdos e elementos da realidade e ampliação das experiências
para ao desenvolvimento da imaginação.
Segundo Vigotski (2009, p. 14), a imaginação é a base de
toda a atividade criadora e manifesta-se em todos os campos na vida
cultural, possibilitando a criação artística, científica e técnica. “Tudo
que nos cerca foi feito pelas mãos do homem, todo o mundo da
cultura, diferentemente do mundo da natureza, tudo isso é produto
da imaginação e da criação humana que nela se baseia”. Assim,
268
quanto mais rico for o conhecimento, mais matéria-prima haverá
para a imaginação.
Isso deve ser levado em consideração também na criação
literária infantil estendendo-se também para o adulto porque
muitas pessoas escrevem mal por não terem sobre o que escrever, não
possuem experiências anteriores e, muitas vezes, lhes são
apresentados temas sobre os quais nunca pensaram ou têm pouco a
dizer. Neste caso, a escrita pode não fazer sentido para elas.
Essa questão também surgiu no processo de formão das
professoras. Elas estavam se sentindo inseguras para criar uma
história. A escrita fluiu e ganhou sentido para elas quando tomaram
consciência da presença das histórias em nossas vivências, em nosso
repertório, o que gerou satisfação na realização de suas produções.
Isso foi expresso na fala da professora Lene:
Lene: O mais significativo hoje foi a construção da história,
porque quando faz parte da nossa realidade, algo que aconteceu
e teve importância, a história torna-se rica em detalhes e muito
interessante para quem ouve.
Uma proposta de atividade com potencial para desvelar ao
professor sua capacidade de autoria decorrente de suas vivências e
repertórios, envolvendo sentimentos, emoções e conhecimentos,
promove a valorização das produções e a atividade ganha sentido.
Isso pode ser observado nas falas das professoras, a seguir:
Keli: O mais significativo hoje foi o poder de autoria e criação,
recordar as memórias da infância nos trazem saudades,
emoções, sentimentos guardados.
269
Lene: Eu pensei e voltei na minha infância, pensei no que eu
brincava e tudo mais e, construí uma história em cima da
minha infância e ficou uma história maravilhosa. [...] Foi
importante me colocar na história como sujeito da história,
porque quando faz sentido pra nós, fica mais leve e fácil.
Ana: O mais significativo hoje foi praticar a escrita de um livro
como as crianças, porque relembrei a época gostosa e criei uma
ideia para o livro.
Requisitar as vivências, em específico as memórias de
infância, possibilitou às professoras um exercício de se colocarem no
lugar da criança. Desse modo, perceberam sua forma de pensar, suas
preferências, o que é prazeroso ou ruim, o que deixa boas lembranças
e, com isso, desenvolveram a consciência sobre a importância de seu
trabalho na Educação Infantil. Esse fato foi expresso na fala da
professora Lene:
Lene: Com isso, eu percebi o quanto a infância é importante
para gente!
Tudo isso que eu vivi, foi preciso eu voltar para minha infância,
para construir uma história e, não de outra época. Aí eu tiro
disso que a gente não pode deixar passar de qualquer jeito o
tempo que a gente fica em sala de aula com as nossas crianças...
Além da importância de utilizar as vivências como fonte de
inspiração para as atividades criadoras, é preciso destacar também a
necessidade de ampliar o repertório das professoras e das crianças
sobre os conteúdos que envolvem a arte literária, o livro ilustrado,
oferecendo mais opções de escolha, de ideias, gerando maior
segurança ao ato criativo. Isso foi expresso na fala da professora Lene:
270
Lene: [...] para a gente ter o poder de escolha, a gente tem que
ter várias referências, porque senão, quando a pessoa não tem
boas referências, ela acha que é incapaz, porque ela não sabe
para onde correr, a quem recorrer e, quando você tem boas
referências, você pode escolher. [...] com essa formação se
começa a ter, a pensar em outras possibilidades e levar isso para
as crianças também, isso é importante.
Ampliar o repertório sobre o processo criador de diversos
artistas possibilita a desmistificação da ideia sobre a produção autoral
como algo simples para artistas e inatingível para pessoas comuns.
Também possibilita a compreensão sobre a aprendizagem e o ato
criador como processual, envolvendo conhecimento, pesquisas e
estudos. Esse esclarecimento pode ganhar significado para o
professor. Ele passa a ver-se no outro e descobre sua capacidade para
autoria, permitindo-se errar, rever, demorar, inovar, ousar etc. Isso
foi expresso nas falas das professoras a seguir:
Keli: O mais significativo hoje foi ver que o processo criador é
uma dialética de erros e acertos, é um ir e vir. O desafio que é
lançado, nos leva para arriscarmos a novos desafios.
Lene: O mais significativo hoje foi saber que o Picasso, ao
construir seus desenhos, fazia vários rascunhos para então,
finalmente chegar ao original ou chegar na fase final.
Ana: O mais significativo foi a compreensão de que tudo é
processo. A obra não nasce do nada. Tudo é ensinado.
Sara: Qualquer pessoa pode ser um artista e ela, para chegar à
arte finalizada, vai passar por um processo criador, rascunhos,
esboços, até chegar ao seu produto final. Sempre com tentativas
e erros, troca de algo por outra. E se apropriando de técnicas
que possam expressar sua ideia ou sentimento.
271
Lembrando a relação entre imaginação e realidade, baseada
no fato de que “toda obra da imaginação se constrói sempre de
elementos tomados da realidade e presentes na experiência anterior
da pessoa” (VIGOTSKI, 2009, p. 20), justifica-se a necessidade de
ampliação do repertório da criança e do adulto, enriquecendo suas
experiências e contribuindo no processo de criação.
3.2.2 A importância do acesso ao conteúdo espefico
de cada área
Ao pensar em um processo de formação, é relevante levar em
consideração o conteúdo específico de cada área e a forma de ensinar,
além de conhecer o destinatário do ato educativo. Desse modo, o
planejamento deverá considerar a tríade: forma conteúdo-
destinatário. Para o professor ter o domínio de suas ações
pedagógicas, segurança ao elaborar seus planos de forma intencional
e promover uma educação desenvolvente, será essencial a
apropriação do conhecimento sobre os elementos componentes da
referida tríade.
A formação deficitária do professor, contudo, desde o ensino
básico, resulta em ações pedagógicas na maioria das vezes
espontâneas ou de exercícios mecânicos, impedindo as crianças de
desenvolverem a imaginação, o pensamento e a atividade criadora.
Desse modo, ao oportunizar a apropriação de conhecimentos que
façam sentido ao professor, possivelmente teremos as mudanças
necessárias em sua prática.
Ao perguntar às professoras sobre suas percepções em relação
ao desenvolvimento da autoria e sobre o fato mais importante no
processo de formação, citaram o conhecimento específico na área e
272
o apoio da gestão na função de coordenadora pedagógica. Esses fatos
estão expressos na fala da professora Keli:
Keli: Foi [importante] o conhecimento na área e apoio da
gestão, porque o conhecimento “desvenda” nossos olhos, nos
faz ver de uma forma diferente e fazer escolhas assertivas,
intencionais. A mediação da gestora foi a base para meu
desenvolvimento.
Além do conhecimento, do estudo específico da literatura
infantil, também citaram a importância de pôr em prática com as
crianças o conhecimento aprendido, como foi expresso pela
professora Lis e reforçado pela professora Ana:
Lis: Foi fundamental o conhecimento, o estudo, a literatura e a
prática, por fim! Porque com mais segurança e estímulo,
finalmente consegui.
Ana: O que foi importante, foram os estudos em ATPC, os
conteúdos e os trabalhos realizados com as crianças, porque as
crianças já estavam preparadas, já sabiam como construir a
sequência de uma história e toda a riqueza que ela possui.
Quando a professora Sara argumenta “foi fundamental todo
o conhecimento sobre diagramação, formatação, uso, tipos de
imagens, suas intencionalidades, porque me trouxe informações
importantes para iniciar e organizar a minha criação”, ela torna
explícita a relevância do conhecimento dos conteúdos específicos
para a composição das ilustrações para a atividade criadora, como a
diagramação, as diferentes configurações imagéticas e tudo o que se
relaciona ao seu uso nessa composição.
273
Os elementos da sintaxe visual também foram apontados
como significativos, contribuindo para a compreensão de sua
importância para o desenvolvimento da percepção visual da criança,
conforme a fala da professora a seguir:
Keli: Foi interessante saber sobre a sintaxe visual. Porque é a
forma como “olhamos” o mundo e o abstraímos. [...] A
importância de saber os elementos: forma, cor, linha, ponto e
textura. Assim, a criança aprende a “ver” o mundo de forma
diferente.
A professora Ana, ao dizer que “foi interessante saber sobre
a sintaxe da arte, porque o ponto vira linha, que vira forma, que vira
textura e as possibilidades para trabalhar com a criança”, aponta o
conhecimento sobre o conteúdo da sintaxe visual como
possibilidade de ampliação das práticas.
O conhecimento específico das artes visuais também
motivou a criação de histórias, conforme a fala da professora Lis:
Lis: Foi interessante saber sobre os elementos das artes visuais,
porque despertou a curiosidade e a criação de histórias.
Nesse processo de formação foram desenvolvidos vários
conteúdos sobre o livro ilustrado e cada conteúdo teve um
significado especial para as professoras, provocando mudanças
internas na forma de ver e compreender a realidade e mudanças
externas, por meio de suas práticas. As falas das professoras, a seguir,
destacam os elementos da linguagem visual, pois possibilitaram uma
melhor compreensão das leituras.
274
Lene: O conteúdo que mais marcou foi o uso das cores,
formas... e formato do livro para expressar uma ideia, porque
noto que através de uma ou várias ideias inteligentes e simples,
pode-se transmitir muitas informações e mensagens.
Lis: O conteúdo que mais marcou foi ler nas “entrelinhas” das
imagens, porque é muito rico e desperta a criatividade e a
imaginação das crianças e elas gostam!
Para a professora Ana, o conteúdo significativo se relacionou
aos recursos gráficos utilizados em livros ilustrados como a imagem
sangrada. Segundo Linden (2011), a imagem sangrada é uma
imagem que ocupa a totalidade da página ou de página dupla. Ao
saber desse recurso, ela passou a observá-lo nos livros e a ensinar as
crianças a verem também:
Ana: O conteúdo que mais marcou foi sobre a imagem sangrada
eu não conhecia; depois disso, passei a vê-la em muitos livros,
porque o marco teórico determina os observáveis. Eu não
conhecia e me encantei e as crianças também.
As professoras Leila e Sara, em suas falas, afirmam a
importância do conteúdo sobre os paratextos, pois perceberam a
existência de informações que contribuem para a compreensão das
leituras.
Leila: O que mais me marcou foi a análise dos livros de história,
os paratextos, folha de rosto, enfim, informações extremamente
importantes para ampliar nosso repertório e enriquecer as aulas.
Sara: O conteúdo que mais marcou foi os paratextos (que são
todas as informações além do texto, que fazem parte da
interpretação geral da leitura tanto verbal ou icônica), porque
275
eu nunca tinha ouvido falar e faz toda diferença agora, na
compreensão e intencionalidade daquela leitura.
O conteúdo sobre estratégias de leitura foi citado pela
professora Keli como sendo o conteúdo mais marcante, pois
transformou sua vida e sua prática:
Keli: O que mais marcou foram as estratégias de leitura, porque
esse aprendizado eu pude trazer para minha vida, para a prática
com as crianças e hoje faço escolhas assertivas e intencionais dos
livros.
Por meio dessas falas evidencia-se a ocorrência da
apropriação do conteúdo específico sobre a literatura infantil e sobre
os recursos utilizados pelos autores como os elementos constitutivos
de uma narrativa verbal e visual, contribuindo para a realização de
leituras minuciosas, para o desenvolvimento da atividade criadora e
para ações mais significativas com as crianças.
Desse modo, o objetivo do trabalho educativo, tanto para os
professores como para as crianças, é dar sentido aos conteúdos,
possibilitando o surgimento de uma relação de respeito ao que se
estuda.
3.2.3 Aprendizagem como processo ativo: a importância de
conhecer as técnicas
No processo de formação, ressalto a importância de ouvir o
professor, verificar se ele tem conhecimento sobre os conteúdos
específicos de cada área do conhecimento e só depois solicitar a ele a
proposição de determinadas ações com as crianças. Caso se perceba
276
que ele não tem conhecimento, será necessário apresentar o
conteúdo em formação continuada.
Esse fato ocorreu com as professoras participantes da
pesquisa e percebi o desconhecimento sobre os procedimentos da
técnica de pintura a dedo. Desse modo, vi a necessidade de oferecer
uma formação específica. Esse desconhecimento foi expresso no
relato da professora Lene:
Lene: Eu estava trabalhando com as minhas crianças projetos
de flores e aí a diretora propôs também que eu fizesse pintura a
dedo com eles...
Aí eu falei: Mas eu não sei a técnica! Eu não sei fazer!
A partir da avaliação inicial, verifiquei o nível de
desenvolvimento real das professoras em relação à pintura a dedo e
ao desenho, ou seja, o que elas já conseguiam fazer sozinhas. A partir
desse diagnóstico sobre o desconhecimento das professoras em
relação aos procedimentos corretos da técnica, foi planejada uma
sequência de trabalho para incidir na ZDP delas em relação à
técnica. Era fundamental que pudesse lidar com as funções ainda em
processo de maturação e que requerem mediações do outro para se
desenvolverem. (VIGOTSKII, 1988).
Desse modo, inseri a pintura a dedo no planejamento do
experimento didático-formativo, pois se o meu objetivoalém de
produzirem suas narrativas era criar condições para as professoras
realizarem ilustrações em um livro, seria necessário possibilitar meios
para essa objetivação.
Assim, foi possibilitado às professoras um aprofundamento
conceitual da técnica e dos procedimentos adequados a sua
277
implementação e uma conscientização acerca de sua importância na
formação das crianças do segmento da Educação Infantil.
O trabalho com essa técnica tanto possibilita o domínio dos
conteúdos e elementos da linguagem visual como cor, textura,
formas, linhas e materiais diversos para a expressão do pensamento,
ideias e sentimentos, como o desenvolvimento da sensação, da
percepção tátil e visual, da imaginação, do pensamento, da
linguagem e da autoria das crianças, o que justifica sua relevância na
Educação Infantil (TSUHAKO; MILLER, 2019)
A realização dessa técnica envolve ações como molhar o
papel com esponja umedecida e depois colocar sobre o suporte
úmido pequenas porções de tintas, espalhando-as com as mãos por
toda a superfície do suporte. Finalmente, desenhar com os dedos, as
unhas, mãos fechadas, abertas, cotovelos e com materiais diversos.
(TSUHAKO; MILLER, 2019)
Para o professor ter condições de utilizar a técnica de forma
consciente e adequada a cada turma, vi a necessidade de explicitar os
momentos ou estágios da pintura a dedo, apresentada por Martins,
Picosque e Guerra (2010), desvelando a lógica interna do
desenvolvimento dessa técnica. Conforme Pasqualini (2010), captar
a essência interna ou traços essenciais do objeto significa desvendar
e explicar o movimento histórico de sua formação, decodificar sua
gênese, as determinações e mediações que o produzem e suas
tendências de desenvolvimento. A autora afirma que o domínio da
lógica interna do conteúdo instrumentaliza o professor em sua tarefa
de organizar a relação criança-conteúdo.
Quatro momentos ou estágios compõem o movimento das
ações para a implementação da técnica de pintura a dedo, citada por
278
Martins, Picosque e Guerra (2010). O primeiro momento
corresponde à exploração do material. Mexer com a tinta é mais
interessante do que deixar seu registro no papel. É comum a criança
pegar a tinta e brincar, pintar as mãos, o rosto, carimbar as mãos no
papel. O segundo momento caracteriza-se pelo espalhamento, ou
seja, é o momento no qual a criança inicia um trabalho de espalhar
a tinta, de cobrir o suporte, misturando as tintas com os dedos e as
mãos. Outro momento, o terceiro, é o do propósito, quando a
criança deixa marcas com os dedos e mãos, fazendo garatujas
desordenadas e ordenadas, além de outras formas. É um momento
associado aos movimentos do desenho, pois a criança faz desenhos
sobre a tinta e pelos movimentos podemos observar a evolução do
grafismo: das garatujas desordenadas para ordenadas e formas
fechadas. O quarto e último momento é o pictórico, quando as
formas dos desenhos são representativas, intencionais e simbólicas.
No pictórico ou figurativo, a criança começa a representar o que
percebe de sua realidade, surgindo a intenção de representar algo por
meio do desenho (TSUHAKO e MILLER, 2019)
Após as discussões acerca dos conceitos, dos momentos
implicados na realização da técnica, as professoras foram convidadas
a entrar em atividade para ousarem e explorarem todos os materiais
disponibilizados à realização de um trabalho com a técnica de
pintura a dedo. Nessa vivência, perceberam o princípio segundo o
qual todos nós aprendemos em atividade.
O primeiro momento foi para a exploração dos materiais, o
uso de linhas, pontos e formas variadas e pesquisa de possibilidades
de expressão de movimentos. Como pode ser observado nas
279
produções das professoras Keli e Lis, a seguir. (Figura 41 e Figura
42)
Figura 41: Exploração de linhas
Fonte: acervo da pesquisadora
Figura 42: Exploração de materiais
Fonte: acervo da pesquisadora
Para as professoras terem acesso aos elementos da linguagem
visual como cor, textura, linhas, formas, contraste etc., apresentei
esses elementos durante as experiências com a pintura a dedo,
procurando sensibilizar o olhar, mostrando o uso desses elementos
280
de forma intencional para expressão. Por exemplo, as cores frias
podem representar melhor um cenário noturno ou o sentimento
melancólico. Lembrando Vaz e Silva (2016), as cores quentes são
aquelas nas quais predomina o amarelo e o vermelho e, nas frias,
predomina o azul.
A seguir, é possível observar o uso das cores frias para
representar uma paisagem noturna e noções de luz e sombra, nas
produções das professoras Lene e Ana (Figura 43 e figura 44).
Figura 43: Céu com estrelas
Fonte: acervo da pesquisadora
Figura 44: Paisagem noturna
Fonte: acervo da pesquisadora
281
As cores quentes podem representar, por exemplo, o dia, um
pôr de sol, o sentimento de alegria etc. Como nos exemplos a seguir,
nos quais as professoras Ana e Lis utilizaram o vermelho, amarelo e
laranja para representar o entardecer (Figura 45 e Figura 46).
Figura 45: Passarinhos
Fonte: acervo da pesquisadora
Figura 46: Entardecer
Fonte: acervo da pesquisadora
Segundo Vaz e Silva (2016), as cores podem ser combinadas
harmonicamente de diversas maneiras e ter efeitos diferentes; podem
apresentar maior ou menor contraste. Desse modo, dependendo dos
282
efeitos que um o ilustrador ou artista pretendem obter, farão
escolhas específicas. Podem escolher combinações para transmitir
tranquilidade ou para provocar mais os sentidos. Podemos observar
esse efeito diferente, produzido pelas cores, nas duas figuras a seguir,
produções das professoras Lis e Lene (Figura 47 e Figura 48).
Figura 47: Lua
Fonte: acervo da pesquisadora
Figura 48: Sol
Fonte: acervo da pesquisadora
283
Oliveira (2008) afirma ser importante o ilustrador ter
intimidade com a utilização da teoria dos contrastes básicos das
cores, por exemplo, o contraste das cores quentes com as cores frias,
do claro e do escuro. Porque as inter-relações das cores são
identificáveis e analisáveis não apenas do ponto de vista formal, mas
também quanto à sua relação com a narrativa literária. Por isso, o
acesso ao conhecimento sobre essa questão é relevante ao professor e
à professora em suas escolhas intencionais durante uma produção
visual e para ter condições de ensinar às crianças a fazerem escolhas
também intencionais ao se expressarem.
Outra questão relevante foi o uso da cor de modo abstrato.
É comum as professoras cobrarem das crianças o desenho ou a
pintura de acordo com a realidade do objeto representado. Assim,
um coelho azul ou uma pessoa verde sofreria algum tipo de crítica
por parte do professor. É importante esclarecer que uma pintura ou
desenho deseja ser apenas uma forma de representação e a criança
pode utilizar livremente qualquer cor para sua expressão. O uso da
cor de modo abstrato, segundo Vaz e Silva (2016), ocorre quando se
pretende exagerar ou subverter as cores naturais. Uma árvore, por
exemplo, não precisa ser necessariamente verde; pode ser vermelha,
colorida, azul; assim como o céu, não precisa ser sempre azul, pode
ser vermelho, preto, verde, etc. Nas figuras a seguir estão alguns
exemplos do uso da cor de modo abstrato. São produções das
professoras Ana e Keli, que representaram árvore colorida e árvore
vermelha (Figura 49 e figura 50). E a professora Leila representou o
céu e o mar na cor verde (Figura 51).
284
Figura 49: Árvore 1
Fonte: acervo da pesquisadora
Figura 50: Árvore2
Fonte: acervo da pesquisadora
285
Figura 51: Céu verde
Fonte: acervo da pesquisadora
A textura também foi explorada pelas professoras de modo
tátil, por meio da utilização de tinta creme e de diversos riscadores.
Também viram a textura como recurso visual. A textura visual ou
gráfica, conforme Vaz e Silva (2016), se caracteriza como elemento
de preenchimento da superfície e pode ser utilizada para imitar
texturas naturais e artificiais. As texturas também podem pretender
a criação de padrões orgânicos, inspirando-se em padrões naturais
como em animais, vegetais ou minerais. Esses recursos foram
utilizados pelas professoras Lene (Figura 52) e Lis (Figura 53), na
representação de gramado e árvores.
286
Figura 52: Floresta
Fonte: acervo da pesquisadora
Figura 53: Paisagem diurna
Fonte: acervo da pesquisadora
Outro conteúdo importante foi o acesso às obras de arte.
Segundo da Teoria Histórico-cultural, o meio consiste em uma
fonte de desenvolvimento das qualidades humanas, no qual estão
presentes as formas ideais de desenvolvimento elaboradas pela
humanidade no decorrer da história. Assim, o contato com as
287
produções mais desenvolvidas contribuirá, desde o início, para o
desenvolvimento infantil. “É no contato com as obras de arte e pelas
ações que são realizadas a partir daí que se pode desenvolver na
criança a atitude estética, a qual deve ser objeto de educação, de
formação geral” (VIGOTSKI, 2010, p. 351).
As professoras, então, entraram em contado com várias
imagens de produções de artistas como a obra “Persistência da
memória” de Salvador Dali. Desse modo, elas puderam se inspirar
nas cores e em outros elementos utilizados pelo pintor ao realizar
suas produções. Isso pode ser observado na produção da professora
Lene (Figura 54):
Figura 54: A chave
Fonte: Acervo da pesquisadora
Finalizando as ações com a técnica de pintura a dedo, as
professoras refletiram na avaliação final sobre suas práticas anteriores
à formação, percebendo a transformação ocorrida, conforme o
registro das falas a seguir:
288
Keli: Meu conhecimento sobre pintura a dedo era pintar com
os dedos, porque não tinha noção do que seria, assim a prática
em sala de aula era zero, não realizava essa atividade.
Lene: Meu conhecimento sobre pintura a dedo era bem
limitado, porque desconhecia a técnica, assim a prática em sala
de aula era equivocada.
Ana: Meu conhecimento era mecânico, sem sentido, porque
ficava no espalhamento, depois na mistura de cores, depois no
livre, assim, a prática em sala de aula era meio pobre, sempre a
mesma coisa.
Leila: Meu conhecimento sobre pintura a dedo era limitado,
porque não havia me apropriado das técnicas e da prática em
sala de aula. Assim, apesar de considerar a importância não
tinha certeza quanto aos objetivos.
Lis: O meu conhecimento em pintura a dedo era basicamente
“desenhar” com tinta, porque achava que assim se fazia uma
“tela”, a minha prática era bem básica e quase não deixava as
crianças se sujarem. Triste né!
Sara: O meu conhecimento era literalmente como o próprio
nome diz, porque usava apenas os dedos na pintura, assim, a
prática era simples e direta.
Pode-se observar a mudança da prática ocorrida após a
apropriação do conhecimento sobre a técnica de pintura, porque
anteriormente as práticas estavam embasadas em um conceito de
técnica incorreto. A apropriação do conhecimento e os
procedimentos corretos na realização da pintura possibilitaram a
superação de práticas equivocadas; consequentemente, houve
mudanças nas práticas com as crianças.
Essas mudanças podem ser observadas nas produções das
crianças, que resultaram em trabalhos diferenciados devido os
conceitos e procedimentos apropriados pelas professoras durante a
289
formação. Como exemplo, cito um trabalho desenvolvido com uma
turma do Infantil IV, pela professora Lene, com crianças de quatro
anos, sobre o tema flores. As produções ficaram todas diferentes.
Surgiram flores com formas e cores diversas. O fundo da pintura e a
posição do suporte também variaram. Esse trabalho teve o objetivo
de desenvolver a imaginação e a autoria. Dessa forma, as produções
foram únicas e individuais, pois as crianças tiveram a oportunidade
de expressar o pensamento e as preferências. Pode-se observar o
resultado de uma educação desenvolvente promovido pela
professora (Figuras: 55, 56, 57, 58 e 59).
Figura 55: Céu vermelho
Fonte: acervo da pesquisadora
290
Figura 56: Céu preto
Fonte: acervo da pesquisadora
Figura 57: Céu azul
Fonte: acervo da pesquisadora
291
Figura 58: Céu verde 2
Fonte: acervo da pesquisadora
Figura 59: Céu amarelo
Fonte: acervo da pesquisadora
Em uma turma do Infantil V, com crianças de cinco anos, a
professora Ana desenvolveu um projeto sobre árvores em que
também foi utilizada a técnica de pintura a dedo. Por ter se
292
apropriado do conhecimento, Ana pôde trabalhar com as crianças
com o objetivo de promover o desenvolvimento da percepção visual,
da imaginação e da autoria. Desse modo, nenhuma árvore saiu igual.
A cor foi utilizada de modo abstrato, com contraste, surgindo
árvores, céu e terra de diversas cores, o que pode ser observado nas
produções das crianças; (Figuras: 60, 61, 62 e 63).
Figura 60: Árvore seca
Fonte: acervo da pesquisadora
Figura 61: Araucária
Fonte: acervo da pesquisadora
293
Figura 62: Árvore colorida
Fonte: acervo da pesquisadora
Figura 63: Árvore branca
Fonte: acervo da pesquisadora
A tarefa de espalhar a tinta na pintura a dedo, compor as
figuras no espaço, “exige da criança coordenação motora e tomada
de consciência sobre os próprios movimentos, desenvolvendo, ainda,
a percepção da criança, pois demanda observação e análise do espaço
da folha e sua ocupação, resultando em replanejamento e
294
reorganização da ação” (PASQUALINI, 2016, p. 97). Segundo a
autora, ao demandar determinadas capacidades e funções psíquicas,
a atividade promove o desenvolvimento dessas funções.
No período em que as professoras estavam desenvolvendo
esses projetos, uma amiga pesquisadora estava na Dinamarca,
visitando algumas escolas de Educação Infantil e dialogando com os
professores. Surgiu, então, o interesse por parte dessas professoras
em conhecer algumas práticas na área de artes, nesse segmento, no
Brasil. A pesquisadora solicitou o envio de alguns projetos de artes
para serem compartilhados. Enviei as imagens desses dois projetos
citados acima. Ela nos retornou dizendo que o trabalho foi elogiado
pelas professoras e nos relatou não ter visto nenhum trabalho
parecido nas escolas visitadas e que observou algumas práticas
também tradicionais por lá.
Esse fato relatado deixou as professoras muito felizes e
orgulhosas de suas práticas. Isso pode ser observado na fala da
professora Lene:
Lene: E a diretora ensinou passo a passo a técnica da pintura
dedo.
Eu fiz com as crianças e, foi elogiado até fora do país, eles
haviam feito telas. Então eu ensinei, dei vários riscadores para
eles, acompanhei as crianças... E eles fizeram uma produção.
Tinha 22 alunos e nenhuma saiu igual a outra, cada um
produziu a sua própria tela e ficou um trabalho maravilhoso!
Isso graças a formação que a gente teve.
Na fala da professora Lene é possível observar tamm a
valorização do outro no processo de apropriação do conhecimento,
porque a atividade do sujeito em desenvolvimento é mediada pela
295
ação de outro sujeito mais experiente do que ele, servindo-lhe de
modelo, de referência sobre o conteúdo cultural a ser apropriado.
O conhecimento sobre a técnica tornou a prática das
professoras mais segura e houve a percepção e a valorização do
conteúdo sobre a técnica de pintura a dedo como possibilidade de
desenvolvimento da autoria das crianças, conforme expresso nas falas
a seguir:
Keli: Minha prática mudou, porque após o conhecimento, vejo
a importância do trabalho com a pintura a dedo para a
formação da criança, enquanto autora e criadora.
Lene: A minha prática é mais confiante, porque vivenciei com
a minha turma o processo. O importante foi todo o conteúdo,
a prática vivenciada.
Ana: E a minha prática foi enriquecida, porque aprendi a criar
com diferentes materiais, fiz belíssimas produções. Foi
importante aprender as técnicas.
Leila: Proporcionou o conhecimento das técnicas e de como
trabalhar com as crianças, porque não tinha certeza do que fazer
para avançar no trabalho.
A prática e a teoria estão em relação. Segundo Saviani
(2005), a prática será mais coerente e consistente, mais qualitativa,
mais desenvolvida na medida em que a teoria que a embasa for mais
consistente e desenvolvida. Uma prática será transformada se existir
uma elaboração teórica justificando a necessidade da sua
transformação, propondo as formas de transformação, isso significa
pensar a prática a partir da teoria.
296
Com a apropriação da teoria, a prática começou a fazer
sentido às professoras, possibilitando ações mais claras e conscientes
e isso pode ser observado nas falas das professoras a seguir:
Keli: Concluo que a formação continuada em ATPC é
fundamental para o professor poder vivenciar a teoria na
prática, faz toda a diferença, agora esse conteúdo tem sentido e
significado.
Lene: A formação proporcionou ampliação dos meus
conhecimentos, porque agora tenho clareza do que ensinar e
como propor os desafios para os meus alunos a fim de promover
o seu desenvolvimento.
Conscientizaram-se não apenas da mudança em sua
capacidade de realização da técnica de pintura a dedo, mas também
da necessidade de mudar sua prática de ensino em relação a ela.
Pensar a prática a partir da teoria e com a apropriação dos
conhecimentos específicos de cada área a ser trabalhada contribuiu
para o desenvolvimento da atividade criadora e para autoestima das
professoras; por consequência, essas práticas foram levadas também
ao grupo de crianças. Para o professor acreditar nessa possibilidade,
é fundamental entrar em atividade e perceber sua capacidade. Isso
foi expresso na fala das professoras Keli, Lis e Lene, a seguir:
Keli: Porque experimentar a forma de “como fazer” e aprender
é fundamental para nosso aprendizado. Aprender “coisas
novas” nos desafia a desconstruir o que temos de “certo” dentro
de nós. Trazer a pintura a dedo e a técnica com as crianças irá
desenvolver nas crianças além da técnica, a autoria.
Lis: E a minha prática agora, com o conhecimento, é bem
diferente, porque percebi que a exploração da tinta é
297
importante para a criança “gostar” da pintura. O importante
foi abrir para um novo olhar, elevou minha autoestima, porque
também tive a oportunidade de criar.
Lene: Destaco a atividade prática, onde criamos uma história
sobre elementos das artes visuais, porque exercitamos nossa
criatividade e improvisação.
Segundo a Teoria Histórico-Cultural, o processo de
apropriação do conhecimento é sempre ativo. Para apropriar-se dos
objetos, que são produtos do desenvolvimento histórico, será
necessário que se desenvolva uma relação com eles, uma atividade
que reproduza os traços essenciais acumulados no objeto. A pessoa
deverá reproduzir em sua atividade as operações motoras e cognitivas
incorporadas no objeto.
Desse modo, ao entrarem em atividade na exploração de
materiais, em produções de pinturas com a técnica de pintura a
dedo, o contato com suportes e materiais diferentes possibilitou a
apropriação do conhecimento e uma melhor compreensão sobre as
práticas. Esse fato foi expresso na fala das professoras Lis, Sara e Ana,
quando foi perguntado o que a formação havia proporcionado a elas:
Lis: Proporcionou um olhar diferente, porque entendi que a
exploração do material é importante.
Sara: Proporcionou diversas experiências, porque fizemos o
passo a passo da pintura a dedo como a exploração,
espalhamento, a pintura em si, com diversos materiais e com
repertório visual ampliado.
Ana: Proporcionou novas autorias, suportes, materiais, técnicas
diferentes e o respeito com a produção do outro, porque cada
um tem o seu tempo, cada um tem o seu jeito.... Usamos os
mesmos materiais e cada um fez de um jeito lindo!
298
A realização de produções autorais contribuiu para a
superação do sentimento de incapacidade e para a percepção sobre a
importância da apropriação da técnica como conhecimento e da
aprendizagem como um processo ativo. Essa compreensão surgiu na
fala das professoras Lene e Sara, ao falarem sobre a formação:
Lene: Foi maravilhosa e encantadora! Porque de início temos a
impressão que não somos capazes de fazer produções, depois
que entramos em atividade, pudemos perceber que somos
capazes, basta sabermos a técnica.
Sara: Foi desafiadora e emocionante, porque conseguimos
ampliar nosso conhecimento e entender o passo a passo do
desenho e como através da aprendizagem da técnica,
ampliamos e melhoramos cada vez mais os traços, dando vida a
nossas ideias e criatividade.
Ficaram evidentes nesse item as contribuições do processo de
apropriação do conhecimento e a objetivação do professor em suas
produções para o seu próprio desenvolvimento, bem como
constatação de que a percepção visual pode ser desenvolvida por
meio do conhecimento e da intervenção do outro, ensinando-nos a
olhar.
Desse modo, ao argumentar em defesa da apropriação do
conteúdo cultural, o objetivo claro é promover o desenvolvimento
do ser humano em sua integralidade.
3.2.4 Formação do professor para autoria
Com o objetivo de melhor visualizar o desenvolvimento dos
conteúdos teóricos e da prática em direção à produção autoral,
299
apresentarei e analisarei as produções das professoras e também
algumas de suas falas.
Para obter os resultados expressos nas produções das
professoras foi necessária uma organização intencional das atividades
e de intervenções pensadas especificamente para cada momento,
visando à apropriação do conhecimento e ao desenvolvimento da
capacidade criadora.
A capacidade de compreensão e de invenção são
fundamentais para a relação consciente com a realidade e, por
conseguinte, transfor-la. Desse modo, se o objetivo é desenvolver
a capacidade criadora das professoras para compreensão e
transformação da realidade, é preciso criar condições materiais e
psicológicas para que isso ocorra.
Nesse sentido, a didática desenvolvimental, voltada para o
desenvolvimento humano, tem por finalidade criar as condições
objetivas e subjetivas para colocar os sujeitos em atividade de
aprendizagem desenvolvente.
Esse processo se realiza enquanto unidade apropriação-
objetivação, pois se intenciona, não apenas a internalização dos
conhecimentos, mas a mudança na forma de pensamento, de
modo que o sujeito se relacione teoricamente com a realidade,
pense e aja conceitualmente, portanto, desenvolva ações
mentais importantes para um novo olhar e uma nova ação sobre
o mundo objetivo. (PUENTES; LONGAREZI, 2017, p.219)
Assim, a organização pedagógica deve ser dirigida ao
desenvolvimento dos educandos, pois segundo Zankov, (2017), o
processo de desenvolvimento geral do escolar está determinado pelo
caráter do ensino.
300
A organização do ensino intervém ou atua como a causa,
enquanto o processo de desenvolvimento escolar atua como a
consequência. A relação de causa/consequência é importante
porque nela se manifesta a condicionalidade do processo de
desenvolvimento dos escolares (ZANKOV, 2017, p. 178).
Segundo os autores, fica evidente a relevância da organização
do trabalho pedagógico para a promoção do desenvolvimento dos
educandos. Desse modo, apresentarei algumas propostas de trabalho
e algumas produções das professoras, para análise, na tentativa de
refletir sobre essa questão.
Ao propor uma formação para a produção de textos, de
narrativas verbais ou visuais, não se visa à formação de escritores de
literatura, de artistas e nem à produção de textos literários ou de
obras de arte e, sim, ao desenvolvimento da capacidade de expressão
e de criação das professoras e das crianças.
Andruetto (2012) argumenta sobre a validade e a
necessidade de um espaço para a produção de textos na escola,
primando pela luta contra a domesticação da literatura, contra a
escolarização e as demandas de utilidade e rendimento. Nesse
contexto de produção de textos, o coordenador deve aguçar sua
percepção; ver por onde entrar e o modo de ação para saber por onde
impactar; buscar um caminho que conduza a uma valorização e ao
desenvolvimento das possibilidades de cada um, num movimento
para dentro.
A autora, ao propor um espaço para a produção de textos ou
oficinas de expressão de palavras e até oficinas de escritura, esclarece
o fato de não ser adequado chamar esses espaços de oficinas literárias,
porque “a literatura, como tal, é um horizonte muito vasto e seria
301
por demais ambicioso e contraproducente pretender de um espaço
de oficina[...] produtos que viessem a ser rotulados como literários
(ANDRUETTO, 2012, p. 79).
Feito esses esclarecimentos, dou início ao relato das práticas
e as análises das produções das professoras.
Realizei uma avaliação, antes da formação das professoras,
visando a conhecer o nível de desenvolvimento real em relação à
construção de narrativas. Questionei-as sobre suas experiências com
a escrita de histórias e a possibilidade de escreverem algumas
narrativas com as ilustrações. Nesse primeiro momento, todas
acharam a proposta muito difícil ou impossível, pois se sentiam
incapazes de escrever uma história.
Como disse antes, as professoras Keli e Lene, ao se
expressarem a respeito da proposta de escrita de uma história,
consideraram muito difícil a tarefa. Keli afirmou ser uma loucura e
se sentiu incapaz, porque acreditava que, para escrever uma história,
teria que ter ideias brilhantes. Lene assegurou que a ideia lhe parecia
impossível de concretizar, porque nunca havia escrito uma história
autoral.
Ao perceber a existência do sentimento de incapacidade,
elaborei um planejamento que contemplava o conteúdo teórico e
atividades práticas de construção de narrativas, na tentativa de
superar esse sentimento e desenvolver a capacidade criadora das
professoras.
Desse modo, o objetivo principal foi demonstrar que todos
são capazes de criar. Iniciei com uma proposta de criação de histórias
a partir de elementos diferentes como objetos sonoros, instrumentos
musicais e sugeri às professoras a exploração dos sons de objetos e
302
instrumentos: chocalho, reco-reco, castanhola de tampinhas,
corneta de bexiga e pau de chuva, por exemplo.
No final, a história foi proferida e sonorizada com os
instrumentos escolhidos. A história ficou da seguinte forma:
Lis: Era uma manhã ensolarada, acordei com o barulho do
trem... (corneta de bexiga)
Ana: De repente caiu a maior chuva. (pau de chuva)
Lene: Quando menos esperava, ouvi um barulho como se fosse
a queda de grãos, mas na verdade, era o barulho de uma grande
cascavel. (chocalho)
Keli: Ela estava de olho para comer a galinha da angola, que
com seu grito, assustou a cascavel, que fugiu. (castanhola de
tampinhas e chocalho)
Nessa produção coletiva, as professoras ficaram atentas à fala
do outro; deram continuidade à história com coerência, usaram a
imaginação e se divertiram muito. Elas constataram a possibilidade
de uma situação lúdica, de cuja elaboração narrativa todos
participaram com bom grau de envolvimento. Desse modo, poderão
propor situações lúdicas de criação de histórias às crianças. Isso foi
expresso na avaliação da professora Ana, a seguir:
Ana: Também foi muito interessante criar a história e vimos
que dá para criar com sons simples no grupo de crianças.
Esse tipo de atividade, além de desenvolver a imaginação e a
linguagem, é importante para a criança por oportunizar o uso de
recursos de representação em que um som torna-se um signo,
remetendo a uma outra coisa. O signo, conforme visto em capítulos
303
anteriores, pode ser pensado como tudo aquilo que possui um
significado, remetendo a algo situado fora de si mesmo. Por
exemplo, ao utilizar o chocalho na construção da narrativa, o som
do instrumento remeteu à imagem de uma cobra, um pau de chuva
remeteu à chuva, o som da corneta a um trem, e assim por diante.
Esse exercício de utilização de signos com as crianças
contribui para o desenvolvimento delas, pois, segundo a Teoria
Histórico-Cultural, a apropriação dos signos possibilita o
desenvolvimento de funções psíquicas superiores e uma vasta
apropriação do patrimônio do gênero humano. Assim, seu uso
constitui um traço essencial das formas superiores de conduta
humana, pois permite ao ser humano o rompimento da relação
direta e imediata própria dos animais com o ambiente. A
relação do homem com o seu entorno é mediada pelos signos
culturais.
Em outro encontro foi sugerido às professoras a criação de
uma história a partir de palavras p-escolhidas, dispostas em um
quadro. Cada professora escolheria uma palavra de uma coluna e
com elas criaria uma história.
A professora Lene escolheu as palavras: pássaro, árvore,
vento, sapato, alegria, e criou a narrativa a seguir:
Lene: Título “O sapato vermelho”
A minha infância foi permeada de muita simplicidade e alegria.
Não tinha contato com a tecnologia como celular, telefone,
televisão etc., pois isso não existia lá em casa.
Havia sim, um grande contato com a natureza e muitas amigas.
Cresci num delicioso quintal com pássaros que cantavam nas
lindas árvores frutíferas. O vento tocava o meu rosto enquanto
brincava com minhas amigas.
304
Roupas, sapatos, brinquedos? Quase não os tinha.
Só me lembro de um par de sapatos vermelhos que eu usava
para sair, eu era apaixonada por eles! Eu os usei tantas vezes,
que ficou muito velho, tinha que descartá-los, mas não queria
jogá-los, ninguém me convencia.
Um belo dia, fui procurá-los e não os encontrei... Depois de
tanta insistência, meu pai me revelou:
-Eu os enterrei no pé de uva!
Fiquei tão triste, tão triste, que ele desenterrou o par de sapatos
vermelhos e, a minha alegria voltou, mas logo pude perceber
que não tinha mais condições de usá-los.
Nesta proposta, professora Keli optou pelas palavras:
cachorro, grama, vento, chapéu e alegria, criou a seguinte narrativa:
Keli: Título “A montanha azul”
Numa tarde de domingo, no alto da montanha azul, o meu
chapéu voou a dançar com o vento em direção ao céu. Depois,
veio em minha direção e, uma grande alegria se formou dentro
de mim.
Quando ele pousou na grama verde, saí correndo para pegá-lo,
mas o meu cachorro Wasaby foi mais ligeiro, correu na direção
do chau e pulou dentro.
Ao chegar perto, vi aquele rostinho peludinho, com olhos
brilhantes, focinho molhado, língua de fora, olhando para
mim... ah... não resisti, peguei ele no colo e pus o chapéu na
cabeça.
Ficamos brincando ali, por muito tempo, até o entardecer,
depois retornamos para casa.
A professora Ana optou pelas palavras: floresta, macaco,
vento, chapéu e tristeza, criou a narrativa a seguir:
305
Ana: Título Um dia de curiosidade
Quando eu era criança, visitava sempre meus tios, que
moravam em uma fazenda.
Nos fundos da casa dos meus tios havia uma floresta. Era um
lugar lindo, que sempre me despertou a curiosidade para
conhecê-la. Certo dia resolvi ir até lá, pois queria saber quem
vivia naquele lugar.
Ao chegar no meio da floresta, encontrei um senhor, seu
Joaquim, que vivia ali sozinho, ou melhor, morava com seu
amigo Chico, um macaco muito travesso.
Naquele dia ventava muito e eu usava um chapéu que ganhara
de minha tia, que morava em outra casa da fazenda. Portanto,
se tratava de um chau muito estimado.
Logo ao chegar à casa de seu Joaquim, o macaco pegou o meu
chapéu. Eu corri muito atrás dele, tentando resgatar o meu
chapéu, mas o macaco, travesso que era, o atirou no rio que
cortava a floresta e eu não consegui resgatá-lo, que pena!
Acabei voltando para a casa de meus tios sem me despedir do
seu Joaquim, além de perder o meu chapéu. Senti uma
tristeza...
A professora Lis escolheu, para essa atividade, as palavras:
árvore, gato, chuva, caixa, e alegria, criando a seguinte narrativa:
Lis: Título- “Duas gatinhas
Tenho duas gatinhas, Ágata e Safira, que adoram fazer arte!
Num dia desses elas fugiram de casa.
-Onde será que foram?
Não sei se vocês sabem, mas o gato é um animal metódico,
gosta de rotina.
Acho que alguma coisa assustou as gatinhas, por isso, fugiram.
Nesse dia em que fugiram, procuramos em todos os lugares
possíveis e imagináveis.
306
E nada! Até que começou a chover...
Então, finalmente desceram de uma árvore, aí descobrimos
onde elas estavam...
Correram para dentro de casa. Dormiram o resto do dia em
suas caixas.
Elas são a alegria da casa!
Nas quatro produções citadas acima, resultantes de uma
mesma proposta, observa-se a expressão por meio de narrativas em
que cada professora escolheu palavras de mais afinidade, utilizando
a imaginação e as vivências na criação. Nessa forma de proposta,
quando há o exercício da expressão, não ocorre produção igual,
estereotipada, porque as pessoas são diferentes e as vivências são
únicas.
Ao escrever a narrativa, as professoras se inspiraram em fatos
ocorridos em suas vivências, em histórias que leram, no cachorrinho
que possuía, nas gatinhas de estimação, requisitando, durante a
produção, funções psíquicas como memória, imaginação,
pensamento e a atividade criadora
Isso reforça a seguinte tese: “toda obra da imaginação
constrói-se sempre de elementos tomados da realidade e presentes
na experiência anterior da pessoa” (VIGOTSKI, 2009, p. 20). Por
isso, no ensino da literatura fica explícita a necessidade de ampliar a
experiência da criança para que se formem as bases para sua atividade
de criação.
Uma forma de requisitar a imaginação e a atividade criadora
é sugerir o uso de palavras de diversos campos semânticos,
contribuindo para a descoberta de novos significados para elas. Esse
fato pode ser constatado nas produções das professoras acima, nas
307
quais a distância existente entre as palavras diferentes requisitou da
imaginação e do pensamento a instituição de um parentesco entre
elas, conduzindo a soluções em que os elementos estranhos
pudessem conviver.
Segundo Rodari (1982), as crianças conseguem aplicar
muito bem essa técnica e com divertimento; porém, nas escolas de
um modo geral, se ri muito pouco e a ideia de a escola ser tenebrosa,
rígida está entre as mais difíceis de combater.
O triste é perceber que, ainda hoje, após quase quarenta anos
dessa afirmação do autor, existem educadores com essa concepção
tradicional. Não valorizam o lúdico na Educação Infantil e no
Ensino Fundamental.
Outra proposta de atividade prática foi sugerida às
professoras, intencionando à criação de uma narrativa a partir de
uma lembrança de infância ou de um fato envolvendo um novo
conhecimento.
As memórias de infânciao um recurso utilizado com
frequência por alguns autores de livros infantis em suas criações. Isso
foi observado pelas professoras quando pesquisaram obras de autores
como: Ilan Brenman e Lúcia Hiratsuka.
No exemplo a seguir, a professora Lis utilizou uma
lembrança de infância e, também, um novo conhecimento. Criou a
seguinte narrativa:
Lis: Título “Uma dúvida”
Quando era criança, sempre viajava para Marília, para ir à casa
de meus avós.
Na estrada, gostava de admirar os eucaliptos e toda vez fazia a
mesma pergunta para mim.
308
“Como é que eles ficam tão certinhos? Será que nascem assim,
enfileirados?”
Eu acreditava que eles já nasciam todos organizados, lado a
lado.
Resolvi perguntar para minha mãe.
-Os eucaliptos já nascem lado a lado? Enfileirados?
E a minha mãe respondeu:
- Claro que não! São plantados lado a lado, para depois serem
cortados e vendidos.
Fiquei tão decepcionada com a resposta, que preferiria
continuar acreditando que nasciam enfileirados... Coisas de
criança!
A narrativa da professora Lis, além de demonstrar sua
capacidade de uso da memória, da imaginação, exercendo a
capacidade criadora, tem um conteúdo da narrativa que apresenta
também a forma de pensar de uma criança, como ela vê e
compreende a realidade a partir do que os olhos veem, em uma
construção simples de significados e de conceitos espontâneos.
A professora Leila também criou uma história inspirando-se
em fatos reais de sua infância, como pode ser observado no registro
a seguir:
Leila: Título “Uma história encrencada
Era uma tarde, após ter chegado da escola e almoçado, Leila
apenas lavou a louça do almoço e resolveu sair de bicicleta para
ir à casa de sua amiga Vanessa, para brincar.
Chegando lá, Vanessa convidou a Leila para brincar em um
campo em construção, sem muro, onde hoje é chamado de
“Distrital”, um campo com arquibancada e a casa do zelador.
309
Nesse campo, as amigas brincaram nos barrancos e com um
papelão, que encontraram, escorregaram barranco abaixo,
tornando a brincadeira hilariante.
Essa brincadeira estava tão divertida que nem perceberam o
tempo passar e, quando viram a hora, já havia passado do
horário que deveriam estar em casa, e seus pais são
preocupados. Leila já estava pensando em seu pai, que estaria
para voltar do trabalho e, se não a visse em casa, ficaria
preocupado.
Assustada com o horário, Leila correu para casa e, como a sua
mãe havia fechado o portão com cadeado, ela pulou o poro e
correu até o banheiro, para tirar aquela roupa toda suja de terra
do barranco e tomar um banho, pois se seu pai chegasse e a visse
naquela situação e ainda descobrisse que ela estava na rua,
ficaria furioso e com certeza, lhe daria um castigo. A suae
era mais maleável, ao contrário de seu pai que era bem rígido,
mas no final, seu coração sempre amolecia após dar uma bela
bronca naquela sua filha “menina moleca”, como a chamava.
A mãe de Leila, como sempre, ficou bem quieta para que seu
pai não desconfiasse de nenhuma “arte”.
Depois do sufoco, Leila ficou aliviada e feliz por ter passado
uma tarde maravilhosa, uma aventura inesquecível e a mais
divertida de sua infância!
Em relação à narrativa da professora Leila, observa-se que
além da capacidade de criação desenvolvida a partir das memórias
de infância, o conteúdo apresenta o que é mais significativo para
uma criança: como o brincar, os medos, a relação com os pais e
amigos.
A professora Leila optou pela história sob o título “Uma
história encrencada” para elaborar o seu livro ilustrado. Em suas
ilustrações trouxe conteúdos estudados na formação como a técnica
310
de pintura a dedo, recorte e colagem, a representação do tempo na
imagem por meio da um relógio e noções de figura e fundo. Isso
pode ser observado nas figuras a seguir:
Figura 64: Capa
Fonte: acervo da pesquisadora
Figura 65: Dedicatória
Fonte: acervo da pesquisadora
311
Figura 66: Final da aula
Fonte: acervo da pesquisadora
Figura 67: O morro
Fonte: acervo da pesquisadora
Figura 68: Brincar
Fonte: acervo da pesquisadora
312
Figura 69: Final feliz
Fonte: acervo da pesquisadora
Todas as narrativas criadas a partir das memórias de infância
levaram as professoras a refletirem sobre a importância das vivências,
sobre as marcas surgidas nesse período, possibilitando-lhes despertar
a consciência sobre a importância de seu papel na escola. Isso foi
expresso no relato da professora Lene:
Lene: Aí eu pensei, pensei e... comecei, voltei na minha infância
e pensei assim, no que eu brincava e tudo mais e, construí uma
história em cima da minha infância e ficou uma história
maravilhosa!
Com isso, eu percebi o quanto a infância é importante para
gente.
Tudo isso que eu vivi, foi preciso eu voltar para minha infância,
para construir uma história e, não em outra época.
Aí eu tiro disso que, a gente não pode deixar passar de qualquer
jeito o tempo que a gente fica em sala de aula com as nossas
crianças...
Essa atividade foi realizada de forma tranquila pelas
professoras. Alegaram ser mais fácil escrever a partir de suas
313
vivências, de suas memórias de infância; fato confirmado na fala da
professora Lene:
Lene: Achei tranquilo quando eu me remeti à infância e a
dificuldade foi até achar a história, pois estava querendo relatar
uma história recente, mas quando “voltei” à infância, não senti
dificuldade.
A partir do desafio de escrever, utilizando as memórias de
infância, a professora Lene escreveu sua narrativa com facilidade e o
mais importante: com essa proposta, ela pôde relembrar momentos
felizes de quando era criança e sentiu prazer em registrar um desses
momentos. A seguir, o registro de sua narrativa sobre um fato da
infância:
Lene: Título - “Duvido! ”
Era um dia lindo! Ensolarado, bem convidativo a brincadeiras.
Lene e sua amiga Rebeca estavam brincando no quintal, no
período da tarde.
A mãe de Lene estava trabalhando na horta quando resolveu
cortar um pé de pimenta, pedindo ajuda às meninas, para
colhê-las, mas alertou:
Vocês não coloquem as mãos nos olhos, nem na boca, pois
essa pimenta é muito ardida!
Fazer esse serviço só contribuiria para a brincadeira de faz de
conta: o brincar de casinha (de cozinhar), pois estavam no auge
da brincadeira.
Após colherem as pimentas, Rebeca, bem imponente disse:
Eu como essa pimenta!
Lene disse espantada:
-Imagina! Come nada! Minha mãe disse que é muito ardida,
você não ouviu?
314
Rebeca insistiu:
Eu como sim! Eu consigo!
Duvidando de sua imponência, Lene a desafiou:
Então come!
- Eu duvido!
Mais do que depressa, Rebeca deu uma mordida na pimenta
que acabara de colher e, imediatamente saiu correndo, gritando
e saltitando para a casa dela, sem que desse tempo da mãe de
Lene tomar o conhecimento e socorrê-la.
Lene ficou estática...
E constatou que a sua mãe tinha razão, a pimenta era ardida de
verdade!
Essa história foi escolhida pela professora Lene para ser
transformada em um livro ilustrado. A professora utilizou as técnicas
de pintura a dedo e desenho em suas ilustrações. Fez uso das cores,
das linhas e das texturas como recurso de expressão, conforme as
figuras a seguir:
Figura 70: Duvido
Fonte: acervo da pesquisadora
315
Figura 72: Pimentas
Fonte: acervo da pesquisadora
Figura 72: Brincadeira
Fonte: acervo da pesquisadora
Figura 73: Mãe
Fonte: acervo da pesquisadora
316
Figura 74: O desafio
Fonte: acervo da pesquisadora
Figura 75: Pimenta é ardida
Fonte: acervo da pesquisadora
Sua produção ganhou sentido e tornou-se importante para
ela, pois ao transformar sua história em um livro ilustrado, depois
em um vídeo, compartilhou com sua amiga “Rebeca” a personagem
da história que havia comido a pimenta. Ambas reviveram
momentos felizes da infância e essa história foi compartilhada
também com outras amigas em redes sociais. Essa produção
ultrapassou o âmbito escolar e contagiou a vida da professora Lene,
de sua família e de seus amigos, tornando-se algo de grande
317
importância para ela, contribuindo para a formação de sentidos
sobre a construção de narrativas autorais.
Outra proposta foi dada como opção às professoras: a escrita
sobre um momento relevante de suas vivências em que tiveram a
oportunidade de experimentar um novo conhecimento.
Essa proposta intencionou a elaborar narrativas com a
estrutura apresentada por Faria (2016), ou seja, narrativas definidas
como a expressão de modificações de um estado inicial. As
professoras deveriam criar uma situação inicial, apresentando um
estado de equilíbrio ou um problema; em seguida o
desenvolvimento da narrativa, no qual se concentram as tentativas
de solução do problema com ou sem ajuda de pessoas, por meio de
atos reais ou da ordem do maravilhoso e, por fim, o desenlace, que
poderia ser feliz com a solução do problema ou infeliz, em que
o problema não seria resolvido.
A professora Ana escolheu uma história de sua infância,
envolvendo uma descoberta, a apropriação de um novo
conhecimento: o que era um “Urutau”. A seguir, o registro da
narrativa criada pela professora Ana:
Ana: Título “A descoberta”
Um som assustador durante a noite... De onde vem? O que
será?
Houve uma época em que eu morei numa chácara e, com o
passar do tempo, notei que toda noite eu ouvia um barulho
assustador que parecia ser de um bicho. Um canto sofrido, meio
macabro! Eu me encolhia e tinha medo de dormir, mas o
barulho parecia vir de longe.
Certa noite, saí pela porta da cozinha e já estava na varanda
quando fui surpreendida pelo terrível canto, muito alto e, desta
318
vez, parecia estar perto... corri para dentro, tranquei a porta e
jurei nunca mais sair lá fora, depois de escurecer.
Um dia, ainda não havia escurecido de tudo, quando olhei para
uma árvore lá na rua, vi dois olhos amarelos acesos. Fiquei
estática!
Foi aí que meu irmão, surpreso e feliz, me disse:
-É um Urutau! Esse pássaro se camufla e fica parecido com o
tronco da árvore, mas quando anoitece, ele abre os olhos e, por
ser um animal noturno, consegue enxergar tudo por duas
fendas que tem nos olhos. Este deve ser o animal que te assusta
a noite.
Fiquei encantada, pois resolvi o meu problema e ainda aprendi.
Resolvi então pesquisar e me apaixonei por esse pássaro feio,
porém encantador.
O Urutau fica ali no tronco por muito tempo, bota e choca os
ovos, cria seu filhote na chuva e no sol sem sair do ninho. Seus
olhos amarelos ficam acesos durante a noite, como duas luzes
e, sua boca é enorme.
O Urutau não é muito bonito e parece ser bravo. Seu canto é
realmente sofrido e assustador, por isso é conhecido como ave
fantasma e também como urutago, em algumas regiões.
Durante a pesquisa, lembrei-me da minha avó, uma mulher
muito brava, que quando me ouvia chorar, logo dizia:
-Êta boca de urutago!
Quando eu era criança, não entendia o porquê dessa fala da
minha avó. Só hoje pude entender a semelhança entre a minha
boca, quando chorava e a do Urutau. Descobri também que a
minha avó era pior do que eu imaginava.
Na narrativa escrita pela professora Ana, observa-se a
apropriação dos conteúdos, com a criação de uma situação inicial, o
desenvolvimento e o desenlace no enredo.
319
A professora Ana, ao iniciar a narrativa de sua história,
despertou no grupo de professoras a curiosidade por saber sobre o
“Urutau”. Assim, pesquisaram em imagens da internet para
conhecê-lo, ouviram o seu canto triste em vídeos, confirmando o
relatado por Ana. Esse momento de produção de narrativas foi
também um momento de muita pesquisa e aprendizagem para
todas. Essa vivência foi vista pelas professoras como possível de ser
levada às crianças.
Ao observar o conteúdo da narrativa da professora Ana, pude
constatar também o quanto a criança necessita de acesso ao
conhecimento. Muitas vezes ela possui dúvidas simples, porém
causadoras de inquietações, medos e sofrimentos pelo
desconhecimento dos fatos e faz uso de sua imaginação para buscar
explicações fantasiosas para o fenômeno.
Para melhor compreender o medo da criança e a influência
da imaginação nesse processo, recorro a Vigotski (2009), lembrando
a relação entre a atividade de imaginação e a realidade, em que o
caráter emocional se manifesta de formas diferentes. As emoções e
sentimentos encarnam-se em imagens e a emoção parece possuir a
capacidade de selecionar impressões, ideias e imagens, dominando-
nos num determinado instante. Qualquer sentimento tem uma
expressão externa, corporal; e uma interna. Por exemplo, o
sentimento de medo se expressa internamente e externamente pela
palidez, tremor e alteração na respiração.
Todas as formas de imaginação criativa contêm em si
elementos afetivos. Isso pode ser verificado quando, por exemplo,
uma criança ou um adulto entra em seu quarto e ilusoriamente
percebe um vestido pendurado como se fosse alguém estranho que
320
entrou na casa. A imagem criada pela fantasia da pessoa é irreal,
porém o medo e o susto que vivencia são verdadeiros e reais para ela
(VIGOTSKI, 2009).
É essa lei psicológica que pode nos explicar por que
as obras de arte, criadas pela fantasia de seus autores,
exercem uma ação bastante forte em nós.
As paixões e os destinos dos heróis inventados, sua
alegria e desgraça perturbam-nos, inquietam-nos e
contagiam-nos, apesar de estarmos diante de
acontecimentos inverídicos, de invenções da
fantasia. (VIGOTSKI, 2009, p. 28)
Desse modo, podemos compreender os nossos sentimentos,
emoções; as inquietações surgidas ao lermos um livro ou ao
assistirmos um filme, uma peça de teatro, mesmo sabendo tratar-se
de uma invenção da fantasia. Esse conhecimento também contribui
para uma melhor compreensão do comportamento da criança diante
da proferição de algumas histórias; os seus medos e a importância de
ajudá-la na superação deles com amorosidade pois, “somente uma
atenção amorosamente interessada, pode desenvolver uma força
muito intensa para abrar e manter a diversidade concreta do
existir, sem empobrecê-la e sem esquematizá-la(BAKHTIN, 2017,
p. 128).
A professora Ana escolheu a história: “A descoberta” para
elaborar o seu livro ilustrado. Para a realização de suas ilustrações,
utilizou a técnica de pintura a dedo, desenho, recorte e colagem.
Observa-se em suas ilustrações a escolha de cores de forma
intencional para a representação das paisagens noturnas; uso de
textura, na representação de árvores, gramas; noções de figura e
321
fundo, de escala na representação os personagens, o que pode ser
verificado nas figuras a seguir:
Figura 76: A descoberta
Fonte: acervo da pesquisadora
Figura 77: No sítio
Fonte: acervo da pesquisadora
Figura 78: Um som estranho
Fonte: acervo da pesquisadora
322
Figura 79: Olhos amarelos
Fonte: acervo da pesquisadora
Figura 80: A pesquisa
Fonte: acervo da pesquisadora
Figura 81: A avó
Fonte: acervo da pesquisadora
323
Figura 82: Fim
Fonte: acervo da pesquisadora
A professora Keli, em relação à proposta acima, escolheu
uma história mais recente de suas vivências quando obteve o
esclarecimento de uma dúvida existente desde a sua infância: a
diferença entre o ovo que é consumido e o ovo destinado ao
nascimento de pintinhos. A seguir, o registro da narrativa criada por
ela:
Keli: Título “Qual a diferença entre o ovo que comemos e o
ovo que vira pintinho?
Qual a diferença entre o ovo de comer e o ovo que virava
pintinho? .... Essa dúvida sempre caminhou com a Ana,
guardada por vergonha de não saber tal conhecimento, até que
mais ou menos há 3 anos, ela foi convidada para passar o feriado
do dia dos professores na chácara de sua amiga Janete.
O dia estava ensolarado, um azul no céu como ela nunca viu.
Foram para a chácara bem cedinho, Ana e seus filhos - Gabriel
e Amanda.
A casa da chácara era bem simples, com um quarto, um
banheiro e uma cozinha aberta, onde ficaram cozinhando e
vendo as crianças brincarem. Tomaram café da manhã, que foi
pão com mortadela, café e bolo.
324
No decorrer do tempo, almoçaram e, após o almoço,
prepararam a piscina para nadar e, enquanto a piscina enchia,
foram andar por entre as árvores e conhecer a chácara, que é
bem arborizada, tem árvores frutíferas e não frutíferas.
De repente, as galinhas começaram a ciscar próximo delas, as
crianças jogavam milho e elas vinham comer, foi nesse
momento que Ana lembrou de uma dúvida, que tinha desde
criança: “Como as pessoas sabiam qual o ovo era para comer e
qual virava pintinho?”
E Ana fez essa pergunta para sua amiga Janete e ela logo
respondeu:
- O ovo que nasce pintinho é galado!
- Galado? O que é isso? Perguntou Ana.
A Janete respondeu:
- O ovo que a galinha choca é aquele que resultou do namoro
do galo com a galinha. Todas as galinhas têm um período de
botar ovos, mas aquele ovo que ela “choca” é galado, o ovo que
vira pintinho.
Então, desde aquele dia, a Ana nunca mais esqueceu desse
aprendizado, nem seus filhos, que sempre lembram dessa
história quando vão à chácara. É um conhecimento para a vida
inteira.
Na narrativa anterior, da professora Keli, é possível constatar
a possibilidade de as dúvidas existentes no pensamento de uma
criança perdurarem até a fase adulta, seja por vergonha ou timidez,
impedindo-a de fazer perguntas e obter as respostas para suas
inquietações.
Nesse sentido, é importante para o professor, no exercício de
sua profissão e em qualquer segmento, ter uma atitude de escuta em
relação ao educando criança ou adulto, permitindo-lhe fazer
questionamentos, expressar pensamentos e ideias.
325
Com isso, temos mais uma constatação do resultado das
práticas da escola tradicional refletidas na fase adulta. Se a relação entre
o professor e a criança é marcada pelo autoritarismo, ela sentirá medo
de fazer perguntas e, como no caso da professora Keli, o sentimento de
medo e vergonha em realizar perguntas poderá perdurar até a fase
adulta. Ela só conseguiu esclarecer a sua dúvida com a ajuda do outro
e pela existência de uma relação de confiança e amizade.
Esse fato conduz a alguns questionamentos: será que nós,
professores, permitimos que as crianças façam perguntas? Damos o
direito de voz a elas? Nunca é demais lembrar que nossas práticas de
hoje com as crianças se refletirão no futuro adulto.
A objetivação dessa história foi de grande significado para
professora Keli, despertando nela o desejo de transformar a sua história
em um livro ilustrado para ser compartilhado com as crianças e com
suas amigas professoras. Na ilustração da narrativa “ Qual a diferença
entre o ovo que comemos e o ovo que vira pintinho?”, ela utilizou o
desenho para realizar as ilustrações e recursos de representação,
expressando suas ideias e, ao mesmo tempo, criou soluções para
representar a forma figurativa, em especial, a forma da figura humana.
Conforme as figuras a seguir:
Figura 83: Qual a diferença
Fonte: Acervo da pesquisadora
326
Figura 84: O ovo
Fonte: Acervo da pesquisadora
Figura 85: A pergunta
Fonte: Acervo da pesquisadora
Figura 86: Sítio
Fonte: Acervo da pesquisadora
327
Figura 87: Café
Fonte: Acervo da pesquisadora
Figura 88: Árvores
Fonte: Acervo da pesquisadora
Figura 89: Galinhas
Fonte: Acervo da pesquisadora
328
Figura 90: A dúvida
Fonte: Acervo da pesquisadora
Figura 91: Diferença
Fonte: Acervo da pesquisadora
Figura 92: Pintinho
Fonte: Acervo da pesquisadora
329
Figura 93: Ovo frito
Fonte: Acervo da pesquisadora
Ao propor às professoras a escrita de fatos marcantes de suas
vidas, com a aquisição de um novo conhecimento, os objetivos
iniciais foram: retomar o conteúdo estudado na formação, estrutura
de uma narrativa, desenvolvimento da imaginação e a escrita autoral.
Porém, ao ler o conteúdo das narrativas, foi possível ver o quanto
uma escrita pode ser expressiva quando é oportunizada à pessoa a
expressão de seus pensamentos e sentimentos.
Segundo Andruetto (2012, p. 54) “Uma narrativa é uma
viagem que nos remete ao território de outro ou de outros, uma
maneira, então, de expandir os limites de nossa experiência, tendo
acesso a um fragmento de mundo que não é nosso”.
Por meio dessas narrativas tive a oportunidade de conhecer
um pouco do outro, do sentimento de cada uma delas, suas alegrias,
suas amarguras, seus pensamentos, suas vivências. Esse diálogo foi
um exercício de se pôr no lugar do outro, gerando a sensibilização
no grupo, melhor compreensão das atitudes de cada uma, o respeito
pelas diferenças e o nosso desenvolvimento.
330
Além disso, observo nessa proposta a utilização de fatos de
suas vivências na elaboração das narrativas de forma tranquila. Isso
reforça a importância do repertório para a atividade criadora.
Em um outro encontro, as professoras foram convidadas a
criarem, a partir de personagens que elas deveriam inventar,
utilizando os temas “linhas”, “formas” ou “cores”. A ideia de propor
esses temas surgiu após o estudo sobre o conteúdo da sintaxe visual,
os elementos das artes visuais. Alguns desses elementos possuem uma
diversidade de tipos, como exemplo a linha, que pode ser: reta,
curva, ondulada, grossa, fina, quebrada, espiralada etc. Devido a essa
diversidade, vi a possibilidade de transfor-los em personagens de
histórias, desenvolvendo, assim, a imaginação das professoras.
Além disso, devido ao desafio de dar vida a personagens não
existentes, escrever a partir de um personagem imaginário
contribuiria para o desenvolvimento da atividade criadora. O fato
de as professoras expressarem algumas preocupações e medos sobre
a proposta de ilustrar uma narrativa também reforçou essa opção.
Com a ampliação do conhecimento sobre linhas, formas e cores, a
proposta de ilustração por meio desses elementos seria algo viável,
pois estaria atuando na ZDP e não para além das possibilidades das
professoras.
Dessa forma, pensando em colaborar nas atividades de
ilustração, procurei trazer a história de alguns ilustradores, suas
produções e técnicas utilizadas na realização das ilustrações. Três
obras, em especial foram revistas, pois os ilustradores utilizam
elementos das artes visuais como a linha e a forma, apresentando a
possibilidade de expressão de ideias por meio do uso de poucos
elementos da linguagem visual, conforme a intencionalidade de cada
331
um. As obras revistas foram: “A parte que me falta”, de Shel
Silverstein (2018); “A linha”, de Cláudia Rueda (2018);
“Psssssssssssssiu!, de Silvana Tavano e Daniel Kondo (2012). Nessa
proposta de atividade, o objetivo específico foi o de focar alguns
elementos das artes visuais como as linhas e as formas, que eles
estão em evidência nas referidas obras.
É importante esclarecer que a apresentação de uma forma
menos complexa de ilustração não significa a imposição de limites
ou a valorização de apenas um tipo de proposta visual. Pelo
contrário, é fundamental à criança ter acesso a diferentes recursos
visuais, a obras de ilustradores conceituados, a produções culturais
mais elaboradas e, assim, obter a ampliação do repertório e das
condições de realizar escolhas intencionais para melhor expressar-se.
Desse modo, apresento a seguir a história criada pela
professora Lis, a partir da proposta do uso de elementos das artes
visais na criação de narrativas:
Lis: Título “Linhas amigas...
Certa manhã ensolarada e quente, a dona linha Ondulada
acordou preguiçosa e foi passear no parque.
Tamanha era sua distração que nem percebeu uma outra
“linha”, muito mal-humorada, que era conhecida como
senhora Quebrada”.
Nossa que braveza! Diziam as outras linhas.
As demais linhas nem se atreviam em cumprimentá-la.
Por distração da linha Ondulada, trombou com a linha
Quebrada e, ouviu logo um resmungo:
Rmm, olha por onde passa!
A linha ondulada não perdeu a chance de responder:
Bom dia senhora Quebrada, percebo que a senhora está bem
elegante hoje! Como consegue ter tanto charme?
332
Desconcertada, a senhora Quebrada ficou sem jeito e, pela
primeira vez, respondeu com gentileza:
Não fiz nada, acordei mais disposta.
Bem, nem preciso dizer que começou uma conversa bem
curiosa entre as duas.
Ficaram amigas e todas as manhãs se encontravam no parque
para conversarem.
Com o tempo, todos foram notando mudanças na linha
Quebrada, seus traços já não eram tão ríspidos, foram se
ondulando e as duas amigas já se pareciam tanto!
A senhora “Quebrada/ Ondulada”, começou a conversar mais
com as outras linhas, sorriu mais e fez novas amizades.
As linhas mudam todos os dias, se escolhem a mudança.
O livre arbítrio pode ser uma linha ondulada ou uma linha
quebrada.
A professora Lis escolheu essa narrativa para elaborar o livro
ilustrado e utilizou o desenho com lápis de cor e giz de cera em suas
ilustrações. A representação dos personagens, em forma de linhas,
não gerou grandes dificuldades à professora, pois se sentiu segura
para realizar a atividade proposta. Suas ilustrações podem ser
observadas nas figuras abaixo.
Figura 94: Capa
Fonte: Acervo da pesquisadora
333
Figura 95: Era uma vez
Fonte: Acervo da pesquisadora
Figura 96: Linhas
Fonte: Acervo da pesquisadora
Figura 97: Distração
Fonte: Acervo da pesquisadora
334
Figura 98: O encontro
Fonte: Acervo da pesquisadora
Figura 99: Diálogo inicial
Fonte: Acervo da pesquisadora
Figura 100: Diálogo
Fonte: Acervo da pesquisadora
335
Figura 101: Mudança
Fonte: Acervo da pesquisadora
Figura 102: Amizade
Fonte: Acervo da pesquisadora
Figura 103: Mais amigos
Fonte: Acervo da pesquisadora
336
Figura 104: Forma
Fonte: Acervo da pesquisadora
Abaixo segue outra produção com a mesma proposta de
criação e elementos das artes visuais como a ‘linha’, produzido pela
professora Sara sob o título “Uma cidade diferente”:
Sara: Título “Uma cidade diferente
Era uma vez uma cidade muito alegre e cheia de vida, seus
moradores eram linhas das mais diferentes formas e era
exatamente essa a beleza do lugar.
Eu sou uma Espiral muito divertida e maluquinha e assim
também eram meus amigos mais próximos.
Na escola onde passávamos a maior parte do dia, as linhas Retas
se destacavam entre as demais, pois eram mais objetivas em
tudo o que faziam, enquanto as outras formas assim como eu,
acabavam se enrolando, indo e voltando nos pensamentos até
chegarem no mesmo resultado.
Nesta cidade tinha um prefeito linha Grossa casado com uma
esposa linha Fina e ele, acostumado com a diversidade do seu
povo, promovia uma festa grandiosa, onde todos poderiam
mostrar suas habilidades e exaltar suas qualidades. Geralmente,
ao final das apresentações, surgiam amizades e novos amores.
E eu acabei me encantando por uma linha Curva que, ao ver
minha forma espiralada, se apresentou a mim na forma de
337
coração, foi amor à primeira ‘linha’, estávamos apaixonados um
pelo outro.
Assim começamos a escrever a nossa própria história: indo e
voltando, enrolando e desenrolando, subindo e descendo,
buscando construir uma nova linha das nossas vidas.
Nas duas produções apresentadas acima, das professoras Lis
e Sara, observa-se a criação de narrativas e de personagens originais.
Embora a proposta tenha sido a mesma para todas, nenhuma
produção saiu sequer parecida com a outra. Com isso, ratifica-se a
importância da apropriação do conhecimento sobre a temática, a
ampliação de repertório, o acesso às obras literárias e entrar em
atividade. A escuta da fala das professoras e a organização intencional
das ações também foram fundamentais nesse processo,
possibilitando condições para produção de narrativas.
Nesse processo de ilustração vivenciado pelas professoras, a
produção realizada pela professora Sara levou-me a uma reflexão
sobre o uso do lápis preto nas atividades de desenho. É comum, no
ambiente escolar, o uso do lápis preto apenas como um recurso que
permite o apagamento de suas marcas quando ocorre um erro ou na
realização de um esboço de desenho a ser colorido posteriormente.
Porém, é importante conceber o lápis grafite como um recurso
expressivo na linguagem visual, pois muitos artistas e ilustradores o
utilizam em suas produções.
O professor, se superar a concepção simplista do uso do lápis
preto, poderá oportunizar às crianças o uso dele como recurso
artístico, explorando os seus diversos tons, os efeitos de luz e sombra
etc.
338
Outra questão a ser considerada é a valorização das escolhas
das crianças para o exercício da autonomia e do desenvolvimento da
autoria. É frequente observar nas escolas crianças desenharem com
o lápis preto e, ao demonstrarem o desejo de não colorir, o professor
não permite tal opção, obrigando-as a seguir o padrão.
Segundo Rui de Oliveira, (2008), é importante oportunizar
às crianças a opção de ilustrar em preto e branco, por oferecer muitas
possibilidades e,
[...] até mesmo de ancestralidade na história da ilustração, tão
importante quanto a ilustração em cores. Talvez até pelo
grafismo e contragrafismo, ou seja, o preto e o branco do papel
que o ilustrador tem diante de si, sua aparente exiguidade de
recursos apresenta uma dificuldade de resolução muito mais
complexa do que quando o artista dispõe da possibilidade da
cor. (OLIVEIRA, 2008, p. 51)
Dessa forma, a professora Sara optou em fazer suas
ilustrações com o lápis grafite e a narrativa escolhida foi “Uma cidade
diferente”, conforme as figuras a seguir.
Figura 105: Uma cidade
Fonte: Acervo da pesquisadora
339
Figura 106: Agradecimento
Fonte: Acervo da pesquisadora
Figura 107: A cidade
Fonte: Acervo da pesquisadora
Figura 108: Linhas diferentes
Fonte: Acervo da pesquisadora
340
Figura 109: Linha espiral
Fonte: Acervo da pesquisadora
Figura 110: Medalhas
Fonte: Acervo da pesquisadora
Figura 111: Festa
Fonte: Acervo da pesquisadora
341
Figura 112: Amores
Fonte: Acervo da pesquisadora
Figura 113: Coração
Fonte: Acervo da pesquisadora
Nesse processo de produção de narrativas e ilustrações, as
professoras destacaram a importância das boas referências. Isso foi
expresso no relato da professora Lene:
Lene: E, uma coisa que eu não tinha nem pensado, que
desenhar só com linhas é possível, é uma outra opção para a
gente ter o poder de escolha, a gente tem que ter várias
referências, porque senão, quando a pessoa não tem boas
342
referências, ela acha que é incapaz, [...] quando você tem boas
referências, você pode escolher.
É importante lembrar que antes de propor a atividade de
elaboração de um livro ilustrado, apresentei uma sequência de
trabalho com a pintura a dedo, ampliando as opções decnicas ao
ato de ilustrar. O processo criador de alguns artistas e ilustradores
também foi apresentado, desmistificando o processo e a concepção
de “dom”.
No primeiro momento, foi solicitada às professoras a leitura
sobre algumas práticas de artistas e relatos de ilustradores, com a
intenção de conhecer o processo de criação e o trabalho de pesquisa
de imagens, de cenários, de objetos, de estudos; a elaboração de
projetos e esboços por parte deles. Após essa observação, as
professoras foram convidadas a elaborar um projeto de ilustração e
compartilhar com o grupo para obter contribuições. Foram
propostas escolhas das técnicas a serem utilizadas no projeto, a partir
das quais constatei a ampliação das opções na realização das
ilustrações, em especial, a técnica de pintura a dedo, pois três
professoras optaram por ela em seus projetos.
Ao observar as ilustrações apresentadas acima pude constatar
avanços nas produções em relação ao início da formação, pois as
professoras desconheciam os conteúdos da linguagem visual e se
sentiam incapazes de se expressarem por meio de imagens. Além
disso, percebi um cuidado em evitar os desenhos estereotipados,
principalmente no desenho de árvores.
A partir da avaliação e das análises de tais produções, vejo
outras possibilidades de continuidade dessa formação, por exemplo:
a ampliação dos estudos sobre a linguagem visual, o aprofunda-
343
mento do conhecimento sobre os seus elementos constitutivos, o
estudo das possibilidades de expressão corporal e facial no desenho
da figura humana, o conhecimento sobre outras técnicas; o desenho
com diferentes meios como o carvão, o giz cera, o lápis de cor; o
conhecimento sobre procedimentos de produção de efeitos de luz e
sombra, de profundidade, entre outras possibilidades para a
expressão, assim, melhorar as condições de trabalho com esses
conteúdos com as crianças.
No relato da professora Lene, abaixo, podemos confirmar
esse fato, pois após a apropriação das técnicas, do conhecimento
sobre os autores e outros conteúdos, começou a desenvolvê-los com
as crianças.
Lene: E, muitas vezes, nos estudos, a gente viu várias técnicas,
vários artistas. Então, isso começou a clarear para a gente né,
com a formação se começa a ter, a pensar em outras
possibilidades e a levar isso para as crianças também, isso é
importante!
As produções das professoras, além de significarem uma
avaliação final em relação à pesquisa, seriam ao mesmo tempo uma
avaliação inicial para um novo projeto de formação, um novo ponto
de partida: o nível real das professoras. Ao se verificar necessidades
nos professores ou nas professoras, novos encaminhamentos poderão
ser traçados para ajudá-los, atuando na ZDP. Lembramos que vemos
a ZDP como um indicador de que uma função está em
desenvolvimento (VIGOTSKII, 1988). O processo de ensino-
aprendizagem na escola necessita ser planejado, tomando como
ponto de partida o nível de desenvolvimento real, direcionando-o
344
para estágios de desenvolvimento ainda não alcançados, em busca de
novas conquistas (MELLO, 2005)
A partir das análises realizadas nesse item, é possível
confirmar que “Entre a teoria e a atividade prática transformadora
se insere um trabalho de educação das consciências, de organização
dos meios materiais e planos concretos de ação; tudo isso como passo
indispensável para desenvolver ações reais efetivas” (VÁZQUEZ,
2011, p. 237).
3.2.5 O livro ilustrado e a educação desenvolvente na
Educação Infantil
Neste item, analisarei algumas atividades relacionadas ao
trabalho com o livro ilustrado, realizadas na escola antes do
isolamento social, e outras, na forma de ensino remoto, com
registros fotográficos e vídeos enviados pelas famílias.
A EMEI onde ocorreu esta pesquisa atende crianças de um
ano e oito meses a cinco anos, com turmas em período parcial e
integral. As turmas são montadas de forma mista, com crianças
frequentando o período integral e crianças em período parcial. Por
uma questão de organização e para a viabilização das análises, optei
por selecionar produções de crianças da faixa de 4 e 5 anos das
turmas do Infantil IV e do Infantil V. Apenas em uma atividade
houve a participação de uma criança de dois anos da turma do
Infantil II, porque ela e o irmão, da turma do Infantil V, realizaram
a tarefa em conjunto. A minha opção por selecionar alguns registros
em forma de vídeo, para a análise, justifica-se pelo fato de possibilitar
a observação da criança em atividade e suas falas.
345
A análise das atividades realizadas pelas crianças intenciona
a refletir sobre o trabalho com o livro ilustrado como atividade
promotora do desenvolvimento das crianças da Educação Infantil.
A atividade “em sua forma desenvolvida pode ser definida
como uma cadeia de ações articuladas por um determinado motivo
(PASQUALINI, 2016, p. 96). Conforme a autora, a complexidade
desse processo ainda não está presente na conduta da criança
pequena. Na infância inicia-se a constituição da atividade, com
possibilidade de se complexificar e enriquecer, constituindo-se meta
do processo do desenvolvimento humano. Assim, a capacidade de
estabelecer finalidades para suas ações não surge naturalmente na
criança. A conquista dessa capacidade depende essencialmente das
condições de educação proporcionadas a ela.
Desse modo, é fundamental que o professor “ao propor
determinada atividade pedagógica, construa com a criaa
finalidades para suas ações; finalidades essas que a criança não apenas
compreenda, mas sinta-se inclinada ou motivada a perseguir, isto é,
que mobilizem a criança afetiva e cognitivamente” (PASQUALINI,
2016, p.97).
Conforme Leontiev (1988, p. 78), o desenvolvimento das
funções psíquicas superiores e da atividade estabelecem uma relação
de dependência entre si. Uma distinção apurada entre tonalidades
de cor, por exemplo, “é frequentemente o resultado da execução de
uma atividade tal como o bordado, mas essa distinção, por sua vez,
facilita uma escolha mais apurada das cores para o bordado, isto é,
torna possível uma execução ainda mais aprimorada dessa
atividade”.
346
Com a apropriação dos princípios básicos da Teoria
Histórico-Cultural e dos conteúdos específicos da arte literária, as
professoras mudaram suas práticas e passaram a organizar suas ações
de forma intencional, visando à promoção do desenvolvimento das
crianças, atuando na ZDP delas. Dessa maneira, o livro ilustrado e
o livro de imagem passaram a fazer parte dos planos com frequência.
Para possibilitar o acesso de todas as crianças ao livro
ilustrado, as professoras digitalizaram os livros e transformaram as
imagens em vídeos, enviando às crianças para a realização de
recontos.
A professora Keli, por exemplo, após ter apresentado o livro
“Ida e Volta” de Juarez Machado, dialogando com as crianças sobre
o observado nas ilustrações, propôs uma atividade de leitura de
imagens na qual mostrava a imagem do livro; cada criança deveria
proferir uma cena, possibilitando a participação de todos. Ficou
registrado em áudio a proferição das crianças.
O livro “Ida e Volta, segundo Spengler, (2010), foi o
primeiro livro de imagens feito pelo escritor e ilustrador brasileiro
Juarez Machado. O livro foi desenhado em 1969, publicado numa
coedição Holanda/Alemanha e depois na França e Itália, em 1975.
Apenas em 1976 foi publicado no Brasil. O livro possui uma
dinâmica bem interessante. Não apresenta o personagem principal
da narrativa. Mostra apenas indícios da pessoa que circula pelos
diversos ambientes e espaços, envolvendo-se em diversas situações.
Durante a narrativa, as imagens vão dando pistas, requisitando a
imaginação do leitor, a realização de inferências e conexões,
conduzindo a diversas opções de expectativa. A narrativa prende a
347
atenção dos leitores, que esperam ansiosamente o final da história para
descobrir quem é a pessoa misteriosa.
Para dar sequência ao trabalho, valorizar a participação das
crianças e dar sentido à atividade, foi realizado um vídeo com as
imagens do livro “Ida e Volta”, no qual as vozes das crianças foram
inseridas, criando um material coletivo do grupo de crianças do Infantil
V.
A leitura de imagens foi realizada por 18 crianças. Para
preservar a identidade delas, os nomes são fictícios. A proferição foi
transcrita abaixo:
Rodrigo: Ida e Volta- Juarez Machado
Letícia: Um homem saiu do banho e pôs a roupa e o sapato
Marcio: Sentou na cadeira e tomou o café
Elisabeti: Colocou uma música e dançou
Ofelia: O homem pegou o chau e saiu
Katia: O homem fechou a porta e pegou uma maçã
Kely: O homem jogou a maçã no lixo e um cachorro
acompanhou junto
Anderson: O cachorro parou no poste e fez xixi
Roberta: O cachorro foi na casinha
Gustavo: O homem comprou uma flor
Eduardo: Entregou uma flor pra uma senhora
Taísa: Ele encontrou uma pessoa com sapatos pequenos
Mariana: Era um homem com pernas de pau
Júlia: Ele jogou bola e quebrou o vidro da janela
Lucas: Ele encontrou uma loja de bicicleta e saiu andando com
ela
Patrícia: Ele desceu de bicicleta e caiu
Érika: O homem caiu da bicicleta e sujou o seu sapato e o seu
pé de verde
Rafael: O homem voltou pra casa e tomou banho.
Todas: Fim!
348
Com a leitura realizada pelas crianças de cinco anos, da
turma do Infantil V, fica evidente a importância do trabalho
desenvolvido pela professora com o livro de imagens, pois pode-se
observar a expressão das crianças por meio da linguagem; a
capacidade de captar detalhes das ilustrações; o uso da imaginação,
possibilitando a visualização dos personagens apenas pelos indícios,
ou seja, por meio das marcas de pegadas de cachorro, marcas de
sapatos, de pés, de pneu de bicicleta, inferindo sobre os personagens
e fatos, promovendo o desenvolvimento do pensamento.
Uma outra proposta de atividade foi apresentada às crianças
pela professora Ana. Ela utilizou sua narrativa autoral com o objetivo
de oportunizar a vivência de um processo de ilustração de livro. Ela
fez algumas adaptações em sua história sob o título “A descoberta”,
criada durante a formação, e propôs às crianças a realização das
ilustrações a partir do texto escrito. Todas as crianças receberam
várias folhas de papel vergê, contendo um texto impresso para, ao
final do projeto, montarem o livro ilustrado.
Para a criação de ilustrações, a professora Ana foi proferindo
o texto de cada página e as crianças discutiam sobre os desenhos mais
viáveis para representar o conteúdo proferido. Após as discussões,
elas realizaram as ilustrações. Abaixo, seguem algumas figuras para
exemplificar a produção das crianças.
349
Figura 114: A descoberta 2
Fonte: Acervo da pesquisadora
Figura 115: Dedicatória
Fonte: Acervo da pesquisadora
Figura 116: Ana
Fonte: Acervo da pesquisadora
350
Figura 117: Árvores
Fonte: Acervo da pesquisadora
Figura 118: Fantasma
Fonte: Acervo da pesquisadora
Figura 119: Árvore seca
Fonte: Acervo da pesquisadora
351
Figura 120: Descoberta do Urutau
Fonte: Acervo da pesquisadora
Figura 121: Olhos amarelos
Fonte: Acervo da pesquisadora
Figura 122: O Urutau
Fonte: Acervo da pesquisadora
352
Figura 123: A avó
Fonte: Acervo da pesquisadora
Com essa proposta, as crianças tiveram a oportunidade de
conhecer uma produção autoral da professora Ana e ilustrar sua
história, compreendendo que qualquer pessoa é capaz de produzir
um livro ilustrado.
Observei, nos desenhos feitos pelas crianças, o mesmo fato
observado nas produções das professoras: a superação do desenho
estereotipado de árvores. Isso reforça a questão de o professor
oferecer apenas o que ele sabe. Se faz desenho de árvores de forma
estereotipada, consequentemente ensinará às crianças a fazerem do
mesmo jeito, perpetuando a história do ensino tradicional.
Em outra proposta, o deo do livro de imagem “Ida e
Volta”, de Juarez Machado, citado acima, elaborado com a
gravação das vozes das crianças, foi enviado como tarefa de leitura
no ensino remoto. Para essa tarefa foi solicitado aos pais o envio de
um registro das crianças realizando a atividade, podendo ser em
forma de fotos, vídeos, desenhos etc.
Um registro dessa atividade, em formato de vídeo, foi
enviado por uma mãe de uma criança da turma do Infantil V. Nele
estão presentes duas crianças realizando uma leitura em conjunto. A
353
mãe propôs a cada criança a leitura de uma cena; uma de cada vez.
Uma criança era da turma do Infantil V, com cinco anos de idade e
a outra era a sua irmã, da turma do Infantil II, com dois anos. Segue
abaixo a transcrição do vídeo:
Enrico: Ida e Volta de Juarez Machado
Antonella: O homem trocou de roupa
Antonella: Tomou café e...
Enrico: (É a minha vez!) Ele ligou o som e daou
Antonella: Colocou o chapéu e saiu
Enrico: Ele saiu fora de casa e pegou uma maçã e as folhas
caíram. (Vai!)
Antonella: E o homem jogou no lixo a maçã e... (Vai!)
Enrico: O cachorro encontrou um poste fez xixi no poste
Antonella: O cachorro foi na casa
Enrico: O homem comprou uma flor
Antonella: Ele deu uma flor pra ela
Enrico: Ele encontrou alguém que tinha sapatos pequenos, um
homem com pernas de pau. (Vai!)
Antonella: Ele jogou bola no vidro e quebrou o vidro
Enrico: Ele encontrou uma loja de bicicleta e ele saiu com a
bicicleta
Antonella: E ele caiu e sujou o
O vídeo não estava na íntegra, pois a parte final havia sido
cortada. Não apareceu a última cena, mas foi possível observar que
as duas crianças conheciam a história na íntegra. O irmão mais velho
atuou como o parceiro mais desenvolvido, ajudando a irmã a prestar
atenção para realizar a proferição no seu momento, lembrando-a
sobre a sua vez de ler, dizendo: “É a minha vez!” Outras vezes
indicava a vez da irmã, dizendo: “Vai!”. Agindo desse modo, a ir
354
também aprendeu a esperar a sua vez e começou a agir como o
irmão, ao lembrá-lo do momento de sua leitura, dizendo: Vai!”.
Na transcrição desse vídeo e na transcrição do vídeo anterior,
o qual serviu para uma leitura coletiva da turma, é possível observar,
durante a atividade, a requisição das funções psíquicas, pois as
crianças prestaram atenção, observaram os detalhes das imagens,
utilizando a percepção visual; expressaram-se por meio da lingua-
gem, imaginaram os personagens apenas pelos indícios como marcas
de pegadas, inferindo sobre os personagens e acontecimentos.
Também foi requisitado o autocontrole da conduta quando cada
criança deveria esperar a sua vez para realizar a leitura. Nesse sentido,
quando as funções psíquicas são requisitadas em atividades que
façam sentido, elas se desenvolvem.
Com a continuidade do isolamento social, todas as
atividades passaram a ser remotas. As professoras começaram a criar
vídeos com as imagens dos livros e inserir áudios com suas vozes,
realizando a proferição das histórias. Depois esse material era
enviado às crianças para o reconto.
Um outro livro de imagem foi transformado em material
didático e enviado às crianças: “O gato Viriato fazendo arte, de
Roger Mello (2002).
Roger Melo é brasileiro, artista gráfico e autor de livros,
peças teatrais e histórias em quadrinhos. O livro citado apresenta um
gato descansando tranquilamente, quando uma lagartixa joga uma
bolinha na cabeça dele. Ele acorda e sai em perseguição à lagartixa e,
nessa dinâmica, ambos derrubam tintas de cores diferentes; pisam e
passam por uma tela em um cavalete, deixando vários borrões
coloridos e marcas de pegadas. Surge o dono da tela, que a pega e a
355
coloca debaixo do braço, enquanto o gato e a lagartixa o observam
temerosos. Porém, ao final, o quadro aparece na parede de uma sala,
decorando o ambiente, e tanto o gato como a lagartixa apresentam
uma expressão orgulhosa.
Na atividade com o livro de imagem “O gato Viriato fazendo
arte”, foi solicitada às crianças a leitura da narrativa visual.
Por meio do retorno dos registros das crianças em atividade,
constatei que a maioria realizou a leitura sem dificuldade. Em um
dos registros em vídeo enviado pelos pais uma criança explicando
o porquê do título do livro “O gato Viriato fazendo arte”.
No início do vídeo, a mãe solicita ao filho que conte à
professora o porquê de o livro ter tal nome. A criança era da turma
do Infantil V. Segue abaixo a transcrição da explicação da criança:
Mãe: Filho, conta para a professora por que o livro se chama
“O gato Viriato fazendo arte”
Enrico: Porque o gato estava correndo para pegar a lagartixa e
sem querer ele derrubou a tinta numa tela branca e o homem
veio, o dono da tela branca, e o gato correu, ele viu a tela toda
bagunçada e achou uma arte e colocou na parede da sala.
Mãe: E aquilo era uma obra de arte?
Enrico: Ele achou!
Pai: Era uma pintura?
Enrico: Por isso que se chama “o gato Viriato fazendo arte”.
Na fala de Enrico, observo a compreensão da narrativa visual
e também a compreensão do título do livro, sintetizando a história.
Quando a mãe lhe pergunta: “E aquilo é uma obra de arte?” Ele
responde: “Ele achou!”, demonstrando capacidade de análise e
inferência sobre o personagem, o dono da tela. Esse diálogo da
356
criança demonstra a requisição de várias funções psíquicas nessa
atividade com o livro ilustrado, principalmente a organização do
pensamento e da linguagem.
Outro vídeo, também de Enrico, foi enviado à professora do
Infantil V, pela mãe, no qual ele faz uma indicação de um livro: “O
Pequeno Príncipe”, de Antoine de Saint-Exupéry aos seus amigos da
escola.
A seleção do vídeo para análise justifica-se por apresentar
conteúdos trabalhados pelas professoras na fala da criança,
especialmente sobre alguns paratextos e, pelo desejo da criança em
fazer um vídeo para os amigos, demonstrando o gosto desenvolvido
por livros. O texto transcrito segue abaixo:
Enrico: Oi pessoal, eu tenho outro livro para vocês
Se chama O Pequeno Príncipe (passou o dedo sobre a escrita
do título)
Aqui tem a capa e o título (mostrou a capa)
Quem escreveu essa história foi ‘Antoine de Saint Exupery
(apontou o dedo para o nome do autor)
Quando a gente abre, tem a falsa folha de rosto (mostra a falsa
folha de rosto)
Depois a folha de rosto que é bem linda! (mostra a folha de
rosto que contém uma imagem do Pequeno Príncipe e
passarinhos)
Depois temos um monte de informações sobre o livro (mostra
outros paratextos)
E quando começa a história, é muito linda (mostra o miolo do
livro)
E quando a gente fecha, (mostra a contracapa) tem a imagem
do livro que estava na folha de rosto (o pequeno príncipe com
os passarinhos) E nós temos a contracapa (mostra a contracapa)
E eu recomendo para ler porque é uma história muito linda
357
Quem escreveu é um homem que é da França, é francês
E ele é muito lindo, eu recomendo para ler.
Enrico, de cinco anos de idade, fez a indicação de um livro,
utilizando palavras e denominando vários paratextos como capa,
título, autor, falsa folha de rosto, folha de rosto e contracapa de
forma correta. Esse fato demonstra a ocorrência de mudanças nas
práticas das professoras, inserindo o trabalho com paratextos e com
a contextualização da obra e do autor. Com isso, as crianças puderam
se apropriar desses conteúdos, passando a utilizar as nomenclaturas
com naturalidade em suas práticas de leitura, ou seja, essas crianças
nunca mais olharão para o livro ilustrado de forma superficial.
Ainda na fala de Enrico, constata-se, enquanto indica o livro,
a sua percepção aguçada ao identificar que a imagem presente na
folha de rosto também está na contracapa, confirmando o
desenvolvimento de sua percepção visual para as ilustrações e seus
detalhes.
Em outro vídeo enviado pela família de Enrico, uma
atividade de reconto da história “Nada ainda?”, de Christian Voltz.
O livro ilustrado, “Nada ainda?apresenta uma visão de recorte; o
leitor “vê” aquilo que o personagem Luís não vê. Ele plantou uma
semente, e “sabe” que seu Luís está enganado ao achar que a semente
plantada não deu nada. Segundo Linden (2011, p. 135):
Enquanto a imagem é resultado de uma focalização externa e o
texto tem focalização interna por meio do personagem de seu
Luís, o leitor já está envolvido como leitor onisciente. Não será
essa, aliás, uma forma de transformar o leitor em narrador? Seja
em voz alta, seja mentalmente, o leitor dá uma versão dos fatos
ao combinar o olhar externo com o interno.
358
Nesse sentido, podemos observar Enrico, em sua versão de
reconto da história, combinando o olhar externo com o interno.
Segue abaixo a transcrição do reconto e, depois, algumas imagens do
cenário construído por ele para recontar a história.
Enrico: Seu Luís
Nada ainda? Chama o nome do livro
Hoje o seu Luís cavou um buraco bem grandão
Ele jogou uma semente dentro do buraco
E daí ele enterrou a semente
E daí ele socou, socou, e socou a terra porque a semente gosta
de rodar pela terra socada
E no dia seguinte o seu Luís falou: - Nada ainda?
Tem que ter calma ele disse pro passarinho
No dia seguinte: - Nada ainda?
Perguntou o seu Luís
Ele falou pro passarinho
No dia seguinte
Nada ainda? Ele falou: -Vai dar certo! Pro passarinho
No dia seguinte: Nada ainda? Ele falou
No dia seguinte: Vai nascer!
No dia seguinte: Cansei!... Ele falou
No dia seguinte, no dia seguinte o passarinho pegou a flor e
começou a falar
-Eu vou dar para a minha namorada eu sei que ela vai gostar e
daí eu ganho um beijinho...
E o seu Luís falou: Nada ainda?
Fim da história!
359
A seguir, algumas imagens presentes no vídeo5, com o
cenário criado para a realização do reconto da história.
Figura 124: Semente
Fonte: Acervo da pesquisadora
Figura 125: O pássaro
Fonte: Acervo da pesquisadora
5 A atividade de reconto de história e a elaboração do cenário, presente no vídeo, é de
autoria de Enrico Rodrigues Saraiva, da turma do Infantil V.
360
Figura 126: Germinação
Fonte: Acervo da pesquisadora
Figura 127: A flor
Fonte: Acervo da pesquisadora
Figura 128: O pássaro e a flor
Fonte: Acervo da pesquisadora
361
Figura 129: Nada ainda
Fonte: Acervo da pesquisadora
A seguir, duas imagens do livro “Nada ainda?”, de Christian
Voltz, facilitando a visualização e a comparação do cenário
construído por Enrico, apresentado acima, e a obra enviada para o
reconto.
Figura 130: Seu Luís
Fonte: Acervo da pesquisadora
362
Figura 131: O pássaro 2
Fonte: Acervo da pesquisadora
Ao observar a transcrição do reconto de Enrico é possível
constatar a memorização da história, pois soube recontá-la na
sequência dos acontecimentos e de forma coerente. Também
utilizou de sua percepção visual, trazendo para a criação de seu
cenário muitos detalhes captados das ilustrações do livro, no qual a
linguagem, durante o reconto, foi conduzindo a inserção de novos
elementos na cena como a semente, o barbante representando a
semente germinando, a flor, o passarinho, que foi representado por
um aviãozinho e o seu Luís, construído por Enrico, utilizando
barbante, papel e rodinhas de carrinho.
É possível, ao observar o Enrico no vídeo, constatar a
apropriação da história, pois não precisou da ajuda da mãe em
nenhum momento para lembrar-se da história; recontou com clareza
e, ao mesmo tempo, manipulou os objetos do cenário, dando
movimento aos personagens e aos fatos. Ao comparar a ilustração do
livro e o cenário elaborado por Enrico, pude verificar a ocorrência
de soluções criativas na representação das ilustrações, demonstrando
uma percepção visual apurada.
Os vídeos enviados pelos pais de Enrico ressaltam também a
importância da atuação da família ou do responsável pela criança ao
363
possibilitar condições para realização das atividades, dando-lhe
atenção, realizando questionamentos, requisitando o pensamento e
contribuindo, assim, para o seu desenvolvimento.
Desse modo, vejo a relevância da orientação ou da formação
dos responsáveis pela criança em algumas questões do
desenvolvimento infantil e conteúdos escolares. E um espaço
possível de formação é na reunião de pais, porque os professores, ao
se apropriarem dos conhecimentos, terão condições de esclarecer os
pais sobre tais questões.
Segundo Luria (1988), é por meio da constante mediação
dos adultos que os processos psicológicos instrumentais mais
complexos começam a tomar forma, sendo eles os mediadores do
contato da criança com o mundo. Se os adultos tiverem
conhecimento, terão melhores condições de realizar mediações mais
qualitativas, contribuindo para o desenvolvimento da criança.
Em uma outra atividade, a professora Lene enviou para suas
crianças sua história autoral “Eu duvido”, já citada no item anterior,
transformada em vídeo e com a sua voz narrando a história. A
proposta teve o objetivo de desenvolver a linguagem por meio do
reconto e, também, de desenvolver a autoria com a proposta de
criação de uma história pela criança.
Desse modo, a criança deveria assistir ao vídeo e depois
realizar o reconto da história da professora Lene; em seguida contaria
um fato que aconteceu com ela, como sua professora havia feito.
Segue o reconto da história, em forma de diálogo com a mãe,
realizado por Levi, de quatro anos de idade, transcrito abaixo:
Levi: “Eu duvido”!
Mãe: Quem escreveu?
364
Levi: A professora Lene
Mãe: Pode contar a história.
Levi: Era um dia lindo, ensolarado e... e... e... a mãe achou que
era melhor colher um pé de pimenta, e pediu ajuda para as
meninas
Mãe: O que as meninas estavam fazendo?
Levi: Estavam brincando de faz-de-conta
Mãe: Aonde?
Levi: No jardim! No seu jardim.
Mãe: Tudo bem!
Levi: E daí, e... elas estavam muito, muito felizes e queriam uma
tarefa. Daí fazia uma tarefa
Mãe: O que a mãe falou filho?
Levi: A mãe disse, não coloque as mãos nos olhos, nem na boca,
e nem no nariz, né?
Mãe: Por quê?
Levi: Porque a pimenta é muito ardida! E... e... e... e daí ela
disse: -Eu como essa pimenta!
Mãe: Quem disse?
Levi: A... (pensou um pouco), deixo ver... a Rebeca!
Levi: E a Lene disse: Eu duvido! Você come? Eu duvido, que a
Lene disse, né?
Mãe: É.
Levi: Daí elas recolheram tudo e daí ela comeu só um
pedacinho e puf puf puf...(fez o gesto de cuspir a pimenta), fez
assim né?
Mãe: E fez o que mais?
Levi: Daí fugiu pra casa queimando a boca (levantou do sofá e
saiu pulando pela sala com as duas pernas juntas), pulando né?
Mãe: Que mais?
Levi: Depois ela disse: -A minha mãe tinha razão essa pimenta
é ardida mesmo!
Mãe: Quem disse isso?
Levi: A Lene! A professora Lene! Eu disse certinho né?
365
Mãe: Disse! Essa história, quem escreveu?
Levi: Foi a professora Lene!
Mãe: Ela inventou?
Levi: Ela inventou!
Mãe: Ela inventou ou aconteceu com ela de verdade?
Levi: Aconteceu com ela de verdade!
A criança entre três e quatro anos costuma utilizar, além da
linguagem verbal, a linguagem gestual e isso foi constatado no vídeo
enviado no qual Levi, ao contar a história, também gesticulava, fazia
movimentos de correr, de deitar; imitava uma pessoa cuspindo etc.
É fundamental ao professor e à professora conhecer o desenvolvi-
mento infantil para compreender a criança e para melhor orientar
suas ações, colaborando no seu desenvolvimento. O professor,
conhecendo a criança nessa fase, não ficará irritado quando ela, por
exemplo, ao contar sobre alguém que viu correndo, também fazer o
mesmo para mostrar como a pessoa correu; ou ao contar sobre a
ocorrência de uma queda, jogar-se ao chão para explicar como foi a
queda. Havendo essa compreensão, a relação será mais harmoniosa.
Após o reconto da história vivenciada pela sua professora
Lene, Levi foi desafiado a relatar algo acontecido com ele, seguindo
o exemplo de sua professora. Segue abaixo a transcrição:
Levi: Eu me lembrei,
Levi: Eu comi banana e eu chorava, chorava, chorava. Eu queria
mais banana, eu comia muito! E daí, o meu pai em vez de me
dar banana, me deu tetê, né? Não deu?
Mãe: Talvez!
Levi: E... Quando eu pedi mais “tetê”, ao invés de ... ele me deu
mamão!
366
Levi: E daí, quando eu comi todo o mamão, congelou o meu
cérebro (colocou as duas mãos na cabeça) e eu fiquei com a
barriga cheia (colocou as mãos na barriga) e eu não queria
comer mais nada!
Mãe: Não queria comer mais nada?
Levi: Daí fiquei assim relaxando de novo (se esticou no sofá
para explicar)
Levi: E daí eu não pedi mais nada, porque eu já estava
dormindo naquela hora, quando eu não aguentei mais ficar
acordado. Nem deu tempo de ver todo o episódio.
Mãe: Está bem!
Levi: E fim!
Mãe: E fim?
Levi: E isso aconteceu comigo né?
Mãe: Se você está dizendo... provavelmente!
Levi: Aconteceu comigo, você estava filmando, não estava?
Mãe: Agora eu estou filmando.
Levi: Você estava filmando aquilo lá que eu estava comendo e
eu queria mais e estava seguindo o meu pai!
Mãe: Ah... filmei, tem um filme mesmo disso seu! Tem mesmo!
Levi: Então! Aconteceu comigo!!!
Mãe: Tá bem!
Levi: Com o meu pai e com você, né?
Levi: E aconteceu com três, né? (mostrou três dedos)
Mãe: Não sei, acho que você tinha um ano
Levi: Eu acho que eu tinha dois anos! (mostrou dois dedos)
Mãe: Eu acho que era um!
Levi: Tá, talvez um ou talvez dois! Eu acho que era dois!
Mãe: Está bom
Levi: Eu já contei a minha história!
Mãe: Já?
367
Após encerrar essa gravação, a mãe achou o vídeo citado pela
criança no qual ele havia se inspirado para a criação de sua história e
o inseriu no registro da tarefa.
O vídeo é muito interessante. Levi teria um ano e pouco;
estava comendo fruta amassada, uma banana. Quando terminou a
banana do pratinho o pai disse: “Acabou! Fala acabou, filho!” e Levi
(bebê) começou a chorar. O pai foi buscar mais banana e Levi foi
correndo atrás do pai, chorando. O pai retorna com uma maçã, pois
a banana havia acabado. Levi come a maçã raspada e ao final,
aparentando satisfação, diz: “Abou!
Ao ver o vídeo de Levi, foi possível constatar a coerência de
seu relato atual após contar o que havia acontecido com ele quando
era um bebê. Ele preservou a essência do acontecimento, trocou
apenas o nome de um alimento e acrescentou alguns fatos. Dessa
forma, conseguiu recorrer à sua memória, lembrando do conteúdo
do vídeo e ajudou a mãe a se lembrar da existência dele, do vídeo
inspirador de sua história.
Esse material reforça a importância da família no auxílio da
criança em suas tarefas, de forma colaborativa, esclarecendo suas
dúvidas, realizando questionamentos e não fazendo a tarefa por ela.
Porque a criança, impedida de atuar como sujeito ativo, terá
limitações em seu desenvolvimento psíquico, no exercício da
autonomia e na capacidade criadora.
Outro fato observado foi o diálogo da mãe com o Levi,
ajudando-o na compreensão. Levi também fez perguntas à mãe,
solicitando a confirmação dos fatos, numa dinâmica de troca de
palavras. Nesse sentido, Gege (2019, p. 24) afirma: “Ouvir e falar
são movimentos de uma mesma atividade. Desta forma, nossas
368
respostas são formuladas a partir da nossa relação com a alteridade,
ou seja, são contrapalavras do outro. Troco signos alheios por
próprios. Desta forma é que construo a compreensão”.
Na transcrição acima, observo a atuação da mãe, ajudando
Levi na construção de sentidos em torno de suas tarefas, de suas
ações, o que resulta numa produção autoral de grande importância
para ele. Pode-se observar em sua fala o orgulho em relatar algo
ocorrido com ele, uma história pessoal e com sentido, expresso em
três momentos da seguinte forma: “E isso aconteceu comigo, né!”;
“Então! Aconteceu comigo!!!”; “Eu já contei a minha história”.
Isso explicita a importância de ouvir a criança, seus relatos;
de valorizar a sua história, mostrando a possibilidade de contá-la e
esclarecendo o fato de que todas as pessoas possuem uma história;
têm capacidade de escrevê-la e compartilhá-la com outros.
Além de requerer várias funções psíquicas superiores da
criança, essa proposta de atividade possibilitou-lhe a compreensão
sobre o significado de uma história pessoal, uma história sua,
contada a partir de suas vivências.
Sabendo dessa possibilidade, qualquer criança poderá
arriscar-se a contar suas histórias sempre que tiver vontade; suas
vivências e aventuras; poderá expressar seus sentimentos, ideias, criar
personagens fantasiosos ou reais e, assim, objetivar-se em suas
produções.
É relevante considerar, no exemplo anterior, a idade da
criança: quatro anos. Isso ajuda o professor a compreender a
importância de não subestimar a capacidade das crianças, mesmo
que sejam bem pequenas. É na relação com o parceiro mais
369
desenvolvido, por meio de bons modelos, que a criança obterá o seu
desenvolvimento.
Constato em todas as atividades propostas, citadas
anteriormente, a ocorrência de mudanças na dimensão objetiva das
professoras, ou seja, nas práticas, pois passaram a elaborar de forma
intencional os planejamentos e a criar novas atividades.
Enfim, as produções das crianças ratificam a importância da
formação do professor para o surgimento de uma educação
desenvolvente e o trabalho com o livro ilustrado poderá tornar-se
uma atividade muito importante, nesse aspecto, para as crianças da
Educação Infantil.
3.3 Formação continuada: mudança na dimensão objetiva e
subjetiva do professor
Neste núcleo temático discorrerei sobre o livro ilustrado na
formação continuada, contribuindo para a mudança do professor
nas dimensões objetiva e subjetiva. Segundo Martins (2012), o
empobrecimento do trabalho promovido pela alienação se expressa
na dimensão objetiva, referindo-se ao não atendimento da função
social da atividade e na dimensão subjetiva; na expressão dos
sentimentos de falta de sentido e de impotência, na baixa
autoestima, na perda de esperança, de ideias, o que pode gerar
diferentes formas de sofrimento psicológico ou adoecimentos.
Desse modo, creio serem importantes tais discussões com o
objetivo de refletir e superar o empobrecimento do trabalho
pedagógico decorrente da falta de conhecimento e das condições
precárias de trabalho, da falta de valorização dos professores e
professoras.
370
Este núcleo temático apresenta os seguintes itens:
A prática pedagógica como objetivação do professor;
A mudança de concepção e da prática em relação ao livro
de imagens;
Mudança na dimensão subjetiva do professor;
Valorização da formação continuada pelo professor;
Universidade e escola básica: um encontro possível e
necessário.
3.3.1 A prática pedagógica como objetivação do professor.
Nos itens anteriores foi discutida a importância da
apropriação do conhecimento para o desenvolvimento do professor,
pois ao nos apropriarmos do conteúdo cultural, promovemos o
nosso próprio desenvolvimento enquanto seres humanos. Com isso,
o professor terá melhores condições de compreender a sua realidade
e transformá-la por meio de suas novas concepções e práticas, ou
seja, criará atividades de forma intencional, objetivando-se em seus
planejamentos e tornando-se autor de suas práticas.
A apropriação do conhecimento possibilita ao professor
condições de realizar análises críticas de suas próprias práticas,
identificando ações mais adequadas às crianças. Podemos observar
esse fato nas falas das professoras a seguir:
Keli: [Não costumava fazer antes...] a escolha intencional do
livro.
Lene:[Não costumava fazer antes...] apresentar o autor, além de
mostrar os paratextos.
371
Leila: [Não costumava fazer antes...] a observação da capa,
contracapa, frontispício, folha de rosto, bem como se dá a
articulação dos textos do autor e do ilustrador.
Lis: [Não costumava fazer antes...] a leitura de imagens.
Sara: [Não costumava fazer antes...] a escolha de um bom livro,
que trouxesse uma reflexão/aprendizagem e ter ideia da minha
intencionalidade.
Ana: Hoje procuro com mais critérios os livros que vou
trabalhar, leio com antecedência, preparo a hora da leitura.
O professor, ao se apropriar dos conhecimentos, passa a
refletir sobre suas práticas, adquirindo condições de se objetivar em
suas ações, promovendo mudanças também nas crianças. Isso pode
ser o constatado na fala da professora Keli, a seguir:
Keli: Todos esses “novos conhecimentos” refletiram na minha
prática, pois me fez pensar, refletir, mudar e, consequentemente
as crianças aprenderam a ser mais reflexivas e questionadoras,
fazendo inferências e conexões com sua realidade.
Ao mudar o olhar por meio do conhecimento, objetivar-se
em suas práticas e perceber os resultados positivos de sua mudança,
o professor começa a confiar na teoria. Isso foi expresso no excerto
do relato das professoras a seguir:
Lene: Porque aí a gente começa a ter outro olhar, a gente
começa a ver outras possibilidades. E de repente, quando eu lia
um livro para a criança, já falando sobre os paratextos, diversas
vezes, de uma forma natural, quando, por exemplo, eu esquecia
de falar o nome do autor ou, às vezes, um pouco na pressa, não
falava o nome do autor ou do ilustrador, a criança me cobrava:
“- Professora, quem é o ilustrador? ”
372
“-Quem é o autor dessa história? ”
E aí passaram a ver a capa, contracapa, inclusive tem relatos e,
que eu mostrei em reunião de pais, as crianças fazendo a leitura
da capa, da contracapa e nomeando, por que as vezes a gente
acha que a criança não vai ser capaz... Ah é um termo, por
exemplo, frontispício, é um termo muito difícil para a criança,
mas eu tinha um aluno que falava frontispício. Então é preciso
acreditar e saber que é possível!
Keli: Eu percebi com o passar daquele ano letivo, que as
crianças aprenderam a ler sem precisar de atividades mecânicas,
na verdade os alunos, alguns já saíram alfabetizados do infantil
V. Ver essa mudança é muito bom, é muito necessário, é algo
assim extraordinário! Porque muitas vezes a gente não acredita
nesse tipo de prática, então você faz meio que desconfiando -
será que vai dar certo? E quando você vê que dá certo, que as
crianças aprendem, que as crianças se desenvolvem. Aí você
fala. -Valeu a pena!
Podemos observar nas falas acima a importância de não
subestimar a capacidade da criança e procurar levar a ela a cultura
mais elaborada, o que há de melhor, contribuindo para a
compreensão da realidade, ampliação do vocabulário e desenvolvi-
mento da linguagem.
Os relatos das professoras demonstram a possibilidade da
superação de uma prática alienada com a formação continuada. Foi
possível, nesse item, observar transformações ocorridas nas
professoras por meio da apropriação do conhecimento, contri-
buindo para o exercício da capacidade criadora, elaboração de novas
atividades e planejamentos intencionais; ou seja, objetivaram-se em
suas práticas.
373
3.3.2 A mudança de concepção e da prática em relação
ao livro de imagens
Antes de iniciar a formação das professoras, pude observar a
não utilização do livro de imagem devido ao desconhecimento de
sua importância para o desenvolvimento das crianças e também por
não saberem como utilizá-lo. Esse fato foi comprovado em uma
avaliação, quando as questionei sobre a concepção anterior à
formação sobre o livro de imagem. Isso pode ser observado no
registro das avaliações a seguir:
Keli: A concepção era de que o livro de imagens era qualquer
livro, pois não sabia a diferença entre eles e o uso era aleatório,
porque não tinha conhecimento da diferença.
Lene: A concepção do livro de imagens era de dificuldade de
interpretação e o uso era evitado, porque eu acreditava que
deveria interpretar o pensamento do escritor e tinha que ter um
único final e interpretação.
Ana: A minha concepção era muito pobre, o uso em sala de aula
era restrito apenas àquilo que eu via, a expressão dos
personagens, porque eu só despertava a atenção das crianças
para aquilo que eu sabia ver. Quando a gente sabe pouco, a
gente ensina pouco.
Leila: A concepção era de leitura difícil e o seu uso era sem
propósito, aleatório, porque não chamava muita atenção por
ser de leitura difícil.
Lis: A concepção sobre o livro de imagens era outra! Achava que
limitava a imaginação e o uso era raro, porque tinha muita
insegurança, não queria prejudicar as crianças.
Sara: A concepção sobre o livro de imagens era algo difícil de
ser trabalhado, pois eu me imaginava a única em conduzir a
história pra não dar muita interpretação e o uso era invalidado,
porque me causava ansiedade e preocupação em como
374
apresentá-lo às crianças, mesmo sabendo que eles eram
capacitados a ler através das imagens, pois em inúmeras vezes,
eu dizia às crianças menores, que ainda não conheciam o código
da escrita, que observassem as imagens e assim, saber do que se
tratava a história.
As falas acima explicitaram a necessidade de formação das
professoras em relação ao livro ilustrado, ao livro de imagem, e à
superação dessas concepções equivocadas, limitadoras da prática.
Após a formação oferecida, em que ocorreu apropriação do
conhecimento, houve uma mudança nas práticas delas,
demonstrando a importância da formação por meio do experimento
didático-formativo para que elas pudessem superar suas limitações,
suas inseguranças, sua descrença nas possibilidades dos alunos e,
assim, adquirissem condições para promoverem uma educação
desenvolvente.
É possível observar que a formação de professores
possibilitou o desenvolvimento da consciência, a mudança de olhar
e da prática em relação ao uso dos livros. Esse fato foi expresso no
relato da professora Lene, a seguir:
Lene: Vou contar que eu fugia de livros de imagens, eu não
gostava de contar para as minhas crianças o livro de imagens,
porque eu ficava agoniada, eu via que não tinha fim, não tinha
um único fim. E eu relatei isso para a Yaeko e daí, com as
formações, depois da formação eu mudei de opinião e vi o
quanto é maravilhoso as diversas opiniões, as várias opiniões das
crianças, dos adultos mesmo. Porque o que acontecia, eu tinha
uma opinião, outra pessoa tinha outra opinião, eu achava que
não sabia interpretar o livro, então eu fugia, depois que vi a
375
beleza de cada um ter a sua opinião, passei a amar o livro de
imagem e ver a beleza nisso, antes eu não tinha esse olhar...
Após a formação das professoras foi realizada uma avaliação
sobre a aprendizagem dos conteúdos referentes ao livro de imagem
com o objetivo de verificar mudanças ocorridas nas práticas.
Os registros a seguir apresentam mudanças nas concepções e
nas práticas das professoras.
Keli: [Hoje penso que] o livro de imagens é fundamental,
porque ele nos ensina a “ver” o mundo, apura o nosso olhar
para detalhes das imagens, mensagem, a intencionalidade do
autor e ilustrador ao escrever um livro.
Lene: [Hoje penso que] o livro de imagens é uma excelente
forma de se trabalhar, porque desenvolve o pensamento e a
linguagem oral dos alunos, além de nós educadores,
conhecermos melhor as crianças sem invadirmos seus espaços.
Ana: [Hoje eu penso que] o livro de imagens tem uma imensa
riqueza e que através dele a criança, com a intervenção do
professor, pode se tornar muito observadora, porque o
professor mostra a intenção do autor quanto a luz (dia ou
noite), perto, longe, maior, menor (como no quarto da menina
que não queria dormir...) pegadas no chão... chuva caindo...
Faz com que a criança perceba sem falar por ela.
Leila: [Hoje penso que] o livro de imagens é de extrema
importância assim como os outros, porque a criança
desenvolverá seu pensamento ao fazer a sua leitura.
Lis: [Hoje penso que] é muito rico, porque amplia a
imaginação, o processo criador das crianças enriquece.
Sara: [Hoje penso que] o livro de imagens é uma grande
oportunidade em desenvolver o pensamento das crianças,
porque através das análises pessoais, de cada um, eles vão
376
fazendo conexões e inferências e tudo isso traz interpretações
muito enriquecedoras ao seu psiquismo.
Nas falas acima, observo a contribuição do conteúdo sobre a
linguagem visual, possibilitando o desenvolvimento da percepção, o
surgimento de um olhar mais aguçado sobre a realidade, sobre os
livros e a realização de muitas inferências sobre as intenções dos
autores em suas obras. Houve mudança de concepção de educação
com a finalidade de promover o desenvolvimento da criança,
valorizando a intervenção intencional do professor. Também
compreenderam bem a ideia de que a aquisição do conhecimento
não é natural; é necessária a mediação do outro. Verifiquei ainda o
surgimento da conscientização da importância da leitura de imagens
para o desenvolvimento das funções psíquicas superiores das
crianças, como o pensamento, a linguagem, a imaginação, promoto-
ras do desenvolvimento da capacidade criadora.
Os relatos e as avaliações das professoras, neste item,
ratificam a importância da formação continuada e da apropriação do
conhecimento para a ocorrência de mudanças nas concepções e nas
práticas das professoras em relação ao livro de imagem.
3.3.3 Mudança na dimensão subjetiva do professor
As práticas autoritárias das escolas tradicionais, conforme
citado em capítulos anteriores, formam professores com sentimento
de incapacidade, inseguros nas diversas linguagens como o desenho,
a pintura, a escrita e a oralidade.
A concepção autoritária castra a expressão do desejo do
educando e do educador “quando defende a passividade, a
377
homogeneidade e doa mecanicamente o conhecimento, faz do
educando um mero repetidor de conhecimentos e de desejos alheios
ao que seu coração e intelincia sonham. Educa para a morte, pois
o desejo e a criação foram soterrados” (FREIRE, 1997, p. 8). Nesse
sentido, a autora define o autoritarismo como uma paixão triste,
geradora de medo, fantasia, desesperança, amargura, baixa
autoestima e incapacidade.
Quando isso ocorre com o professor, a apropriação do
conhecimento é condição essencial para reverter essa situação. Ao ter
acesso ao conhecimento e tomar consciência de sua história,
descobrindo a origem dos fatos, o porquê de seu medo e insegurança,
poderá iniciar o processo de mudança.
As falas das professoras abaixo demonstram mudanças em
suas práticas, em seus pensamentos, em decorrência da apropriação
do conhecimento, melhorando a autoestima e gerando a necessidade
de estudar mais. As professoras Keli e Lis expressam esse fato a seguir:
Keli: [...] eu me senti uma artista após a escrita do livro, porque
ver o trabalho final e compartilhar essa experiência me trouxe
muita satisfação.
Lis: Então, nossa trajetória foi uma aventura, para mim eu
cansei de falar isso, que você elevou minha autoestima, quanto
mais a gente estudava, mais a gente queria, mais a gente via que
não sabia e tinha vontade de aprender, [...] a gente saía da
ATPC com a cabeça fervilhando de ideias, cansada, porque
desde às 6 horas da manhã acordada, mas feliz e com as energias
renovadas.
A apropriação do conhecimento também provocou
mudanças no comportamento, na valorização da atividade de estudo
378
como fundamental à obtenção dos conteúdos teóricos e ao
crescimento pessoal, como foi expresso na fala das professoras a
seguir.
Leila: Hoje eu vejo assim, a doida das lives, porque não posso
ouvir falar de uma live de literatura, que eu já estou
participando e isso é muito bom, é bom para o nosso
crescimento, para a nossa aprendizagem. [...]E hoje eu vejo
como é claro esse conteúdo.
Lis: Concluo que estudar não tem fim. É bom, enriquece a alma
e o coração. Minha autoestima melhorou muito.
Ana: Percebo que a minha prática é totalmente outra e não
poderia ser diferente, porque o estudo tem que nos modificar.
Percebi em meus alunos o desejo de ouvir histórias. E quando
eu encontrava um livro de imagens interessante, não via a hora
de chegar na ATPC para contar para as colegas.
Propor às professoras o desafio de entrar em atividade,
visando a desenvolver a capacidade criadora, contribuiu também na
dimensão subjetiva, pois passaram a se sentir capazes de imaginar e
de criar suas produções. Isso pode ser observado nas falas das
professoras a seguir:
Keli: Ser “autor” de nossa própria vivência, nos valorizar
enquanto ser histórico cultural e também que somos capazes de
produzir, construir, ilustrar tudo que quisermos. Todos esses
“novos conhecimentos” refletiram na minha prática, pois me
fizeram pensar, refletir, mudar [...]
Lene: Foi interessante saber todo o conteúdo, porque a partir
dele (sintaxe visual) e das vivências, noto que somos autoras e
capazes.
379
Lis: A grande aprendizagem foi perceber que é possível criar e
gostar da criação. [...] vimos que temos a capacidade de criar,
imaginar.
Na fala da professora Lene observo, além da superação do
sentimento de incapacidade, a valorização do conhecimento que
possibilita a tomada de consciência sobre a necessidade de estudo,
de referências, de formação para ocorrer mudanças de fato, bem
como a importância do outro nesse processo.
Lene: Então hoje eu vejo assim, que do mesmo jeito que eu me
achava incapaz e que eu fui capaz de realizar, depois de estudos,
vi que qualquer pessoa pode fazer, qualquer ser humano pode
realizar o que quer que seja. Então hoje eu confio muito! Só que
para isso acontecer é preciso de boas referências, é preciso se
debruçar, é preciso levar o melhor para o outro, assim como nós
recebemos o melhor também.
O conteúdo, ao fazer sentido para o professor, torna-se órgão
de sua individualidade. Desse modo, o sentido do trabalho
educativo, tanto para os educadores como para as crianças, reside em
tornar os conteúdos e os conhecimentos órgãos de sua
individualidade. Não bastará a assimilação do significado do tema
dado, seja teórico ou prático; é preciso produzir na pessoa uma
relação adequada com respeito ao conteúdo estudado. Assim, os
conhecimentos adquiridos serão conhecimentos vivos e, ao mesmo
tempo, definirão sua atitude em relação ao mundo. É preciso educar
a atitude para com os conhecimentos, pois isso é a essência do caráter
consciente do estudo (LEONTIEV, 1978).
380
A professora Keli expressa esse fato por meio do seu relato
no qual o conteúdo desenvolvido no experimento didático-
formativo tornou-se órgão de sua individualidade, proporcionando
inclusive satisfação pessoal.
Keli: Então eu trouxe a arte literária para a minha vida,
enquanto pessoa e eu acredito que a minha formação foi [...]
uma transformação muito boa! Porque na verdade, no começo
a gente, muitas vezes, fica com medo e não acredita na teoria e,
quando você coloca a teoria na prática e você vê que dá certo.
Nem você acredita que você foi capaz de fazer determinadas
coisas.
[...] Você sabe porque está fazendo aquilo e porque você não dá
uma letra solta, descontextualizada, sabe porque você não dá
um desenho pronto para criança copiar, pintar ou preencher...
Isso é muito bom!
Desse modo, quando um conteúdo se torna órgão da
individualidade, ele passa a contagiar a vida do professor, suas
percepções, seus interesses e o seu comportamento. Isso pode ser
observado no relato da professora Leila:
Leila: Hoje aqui em casa eu, como assídua da biblioteca da
escola, em retirar livros, eu também passei, depois dessa
experiência de formação em ATPC, a adquirir livros também
aqui em casa, compro livros para mim e para os meus filhos. Eu
tenho dois filhos, um de 1 ano e 8 meses e outro de 6 anos. E
eu fico muito feliz por ver como eles estão encantados pela
literatura, como eles estão apaixonados por esse universo
literário. E além de estar sempre incentivando eles na leitura,
eu também procuro, sempre que tenho um tempinho, quando
381
não estou numa live, eu estou realizando a leitura de algum
livro, isso é gratificante e eu agradeço.
Com a apropriação do conhecimento, o professor passa a
compreender a sua realidade, a origem dos fatos, dos aconteci-
mentos, dos problemas. Desse modo, terá melhores condições de
buscar e obter as respostas para suas dificuldades em seu dia a dia.
Nesse processo de apropriação, o professor se transformará tanto na
dimensão objetiva como na subjetiva, pois aprenderá a olhar para si
e para sua prática, buscará caminhos para satisfazer suas
necessidades, mudará seu pensamento, sua forma de agir, de ver,
superando certas convicções, apropriando-se de novos conceitos e
terá condições de promover mudanças no outro, em suas crianças.
As mudanças ocorridas nas práticas são percebidas pelas
próprias professoras e foram expressas nas avaliações, conforme o
registro a seguir:
Lene: Percebo que minha prática nunca mais será a mesma,
porque agora atuo com mais confiança e permito e conduzo
com segurança as diversas opiniões que possam surgir, sem a
obrigatoriedade de um único final esperado para a história.
Leila: Percebo que a minha prática tem sido mais cuidadosa em
relação à pesquisa e leitura anterior, porque é preciso analisar a
qualidade da obra e proporcionar prazer na leitura.
Sara: Percebo que a minha prática ficou mais aprimorada e com
o olhar mais atento para o que é de fato literatura, porque o
conhecimento nos faz mudar as práticas pedagógicas.
Com a apropriação do conhecimento no decorrer da
formação, foi possível observar a prática do professor mais segura e
382
tranquila, contribuindo para mudanças na dimensão subjetiva;
encontrou sentido em sua profissão e passou a gostar mais da sua
prática. Esse fato foi expresso na fala da professora Lis:
Lis: Percebo que a minha prática é tranquila, até gosto muito
mais, porque tenho o conhecimento.
3.3.4 Valorização da formação continuada pelo professor
O desenvolvimento da criança em relação à arte literária,
envolvendo leitura, compreensão e produção autoral, dependerá das
propostas de ações dos professores e da elaboração de planos
intencionais para a promoção desse desenvolvimento.
Desse modo, é fundamental compreender a função da escola
como espaço privilegiado para a aquisição do conhecimento cultural
e ter consciência da importância de seu papel, enquanto professor
ou professora, na promoção do desenvolvimento humano. É
fundamental, para tanto, o professor estar inserido no processo de
formação continuada para que tenha melhores condições de
encontrar soluções para suas dificuldades diárias e exercer práticas
mais apropriadas para promover o desenvolvimento das crianças.
Ao lembrar dos resultados da formação em cursos, que eu
oferecia na função de coordenadora de área de Educação Infantil, e
depois, na função de diretora, com a formação continuada na escola,
pude perceber que as professoras, ao terem um acompanhamento
diário da diretora, possuem melhores condições de esclarecer suas
dúvidas, de superar os problemas surgidos em suas práticas diárias e
de elaborar ações mais apropriadas para suas crianças. A partir da fala
383
da professora Keli, que fez um dos meus cursos e, anos depois, foi
trabalhar na escola onde eu era diretora, confirma essa hipótese.
Prof.ª Keli: [...] quando eu não tinha conhecimento da teoria e
eu fiz o curso da Yaeko, (em 2010), aí eu comecei a estudar e
eu não entendi ao certo por que eu não podia trabalhar com as
letras soltas. Qual era o sentido de trabalhar o desenho todos os
dias, então tudo aquilo para mim era muito difícil de entender.
E aí quando eu fui buscar com a minha diretora da época, de
outra escola, ela também não soube me explicar e me disse que
eu estava no caminho certo, e eu dava letras soltas para as
crianças, números sem uma contextualização, sem uma função
social, então eu lia uma coisa na proposta e eu fazia outra, então
aquilo foi me deixando bem incomodada, em como trabalhar.
E hoje eu vejo o sentido e o significado do desenho e das letras,
a importância de cada um.
A professora Keli havia feito o curso de desenho e, quando
começou a estudar, várias dúvidas surgiram que não puderam ser
esclarecidas na época, porque o curso havia terminado e sua diretora
desconhecia o conteúdo. Ela só teve a oportunidade de esclarecer tais
dúvidas ao se transferir para a escola onde eu estava como diretora,
devido a possibilidade do acompanhamento diário. Portanto, a
formação na escola, em horário de ATPC, pode ter um resultado
melhor para as mudanças nas práticas se o diretor também tiver uma
formação consistente em relação aos conteúdos da Educação
Infantil.
A professora, ao perceber o desenvolvimento obtido com a
formação e a possibilidade de promover o desenvolvimento em suas
crianças, passa a valorizar a formação continuada na escola em
384
horário de ATPC, o que pode ser observado na fala das professoras
Ana e Sara, a seguir:
Ana: Concluo que a formação continuada em ATPC é
fundamental para o professor poder vivenciar a teoria na
prática, faz toda a diferença, agora esse conteúdo tem sentido e
significado.
Sara: Concluo que foi muito importante e enriquecedor ter me
apropriado de novos conhecimentos que fazem mudar as nossas
práticas, onde todos os envolvidos no processo de ensino-
aprendizagem só têm a ganhar.
É possível observar, além da valorização da formação obtida, o
surgimento do sentimento de gratidão pelo compartilhamento
do conhecimento e a satisfação em realizar um trabalho de
qualidade, conforme a fala da professora Leila:
Leila: Concluo que é necessário a busca pela formação para
ampliação do nosso conhecimento e ter um trabalho de
qualidade. Precisamos despertar o encantamento da criança
para este mundo da literatura. Este trabalho me deixou
extremamente satisfeita e encantada. Obrigada por
compartilhar!
A formação proporcionada às professoras trouxe também
para a discussão a importância do papel do diretor em oferecer
formação na escola, possibilitando condições de trabalho e incentivo
às professoras. Essa questão foi expressa na fala das professoras, a
seguir:
Leila:[...] só tenho a agradecer à diretora por ter proporcionado
esses momentos, por ter compartilhado esse conhecimento
riquíssimo e vejo como é importante, como foi importante para
385
ampliar o nosso repertório e como é importante também dar
condições de trabalho, incentivar as professoras.
Ana: Concluo que a nossa escola mudou totalmente sua prática
e conseguiu levar isso para as outras escolas, através de
encontros realizados pela prefeitura, em trocas de experiência.
Isso mostra a importância da formação do professor para o bom
desenvolvimento de seus alunos. E, para isso, é imprescindível
o olhar do gestor.
Lene: Então eu vejo que a formação da pessoa, da criança é
fundamental. Sempre tem algo a aprender e sempre a gente tem
que estar aberta aos desafios. E isso a diretora trouxe para gente
- sempre aprender, sempre estar aberto, tem que buscar. Então
hoje eu vejo que sou uma profissional melhor, por conta da
formação.
A professora Keli levantou outra questão importante nesse
processo: a formação oferecida pela gestora à equipe escolar,
inclusive aos profissionais de apoio, possibilitando a todos a
apropriação dos conhecimentos, criando condições para a
compreensão dos conteúdos e das práticas dos professores, tornando
as relações de trabalho mais harmônicas.
Keli: E também incluo aqui, no processo de formação, a
mudança das auxiliares e da cuidadora. Porque foi através desse
conteúdo que a cuidadora também aprendeu. Então esse
aprendizado, esse conteúdo não ficou somente para a
professora. Essa formação foi para a equipe escolar e, quando a
gestão tem esse olhar para a importância de dar formação à
equipe escolar, tudo se torna mais significativo dentro da escola.
Então, a cuidadora sabe porque você tem determinadas
perguntas naquele contexto. Elas podem trazer isso para a vida
delas. E foi exatamente o que aconteceu!
386
Portanto, ao desenvolver a consciência sobre a importância
da formação continuada para o seu próprio desenvolvimento
humano, melhorando a sua compreensão da realidade e qualificando
suas práticas, o professor supera a resistência inicial e passa a valorizar
a formação continuada na escola.
3.3.5 Universidade e escola básica: um encontro
possível e necessário
Para a realização de pesquisas, trazendo contribuições ao
desenvolvimento das crianças de escolas de ensino básico, creio ser
necessário pensar em possibilidades de ajudar o professor a obter
melhores condições de atuar em suas práticas de forma consciente.
Pois o professor, no exercício de seu trabalho, é o responsável pelo
desenvolvimento das crianças.
Após realizar pesquisas e estudos sobre a arte literária em
algumas disciplinas do curso de pós-graduação, percebi a
necessidade de compartilhar esses conteúdos com as professoras da
escola em que estava exercendo a função de diretora, criando
condições para qualificar o processo de ensino-aprendizagem.
Assim, o horário de ATPC tornou-se uma possibilidade para
compartilhar os conhecimentos com todas as professoras, com o
objetivo de superar práticas equivocadas com a arte literária. Devido
a minha condição de diretora, coordenava a formação e realizava o
acompanhamento diário do trabalho das professoras, ajudando-as na
superação das dificuldades e criando um elo entre a universidade e a
escola de Educação Infantil por meio da pesquisa.
387
A leitura e a análise dos relatos das professoras mostraram-
me a importância da escolha do experimento didático-formativo
para a geração de dados e para a promoção de mudanças nas
participantes. Algumas delas apontaram a questão da relevância de o
conhecimento acadêmico chegar até às escolas, como ocorreu com
esta pesquisa, envolvendo a formação de professores.
Em seus relatos, as professoras afirmaram a necessidade de
formação para o surgimento de mudanças nas práticas das escolas
públicas, porque muitas vezes o professor tem o desejo de ter uma
prática diferenciada e significativa, mas ele não sabe como fazer.
Dessa forma, o conhecimento mais elaborado da universidade é visto
por elas como essencial no ambiente da escola pública. Esse
pensamento foi expresso no relato da professora Lene:
Lene: Eu até estava pensando que precisava de uma pesquisa da
Universidade, com esse olhar para a escola, porque muitas vezes
o profissional, o educador não dá mais para o seu aluno porque
ele mesmo não tem... Como que eu ia falar de paratextos, se eu
mesma não sabia o que era! ...
Então hoje, eu me sinto muito, muito feliz mesmo de levar para
as crianças de escola pública e saber que muitos professores não
sabem o que é e, as minhas crianças já sabem, quem foi meu
aluno, saberá. (...). Então é isso...
Em outro relato observo um apelo para o conhecimento da
universidade chegar às escolas públicas como condição primordial
para ocorrência de mudanças na educação e nas práticas,
argumentando que a formação obtida na escola só foi possível
porque a diretora, enquanto pesquisadora, teve acesso ao
conhecimento acadêmico e compartilhou com as professoras.
388
Keli: Porque é um conhecimento que está na universidade e
que nós só tivemos acesso a ele por meio da nossa diretora, por
meio da formação. Então, também me fez refletir sobre isso. Se
na Universidade, tudo que é produzido lá dentro de valor, de
certa importância para o nosso desenvolvimento, para o
desenvolvimento do professor, esse conhecimento não chega
até nós se nóso tivermos alguém lá dentro, então isso foi algo
que me fez refletir muito mesmo. Se a gente quer a ponte entre
universidade e escola pública, tem que mudar, temos que criar
meios para que este conteúdo seja realmente ofertado aos
professores da escola pública e, assim, acredito que teremos,
tenho certeza absoluta que teremos um futuro bem melhor.
Nos relatos, as professoras concebem o conhecimento
acadêmico como mais elaborado, como o melhor, por isso deveria
chegar até às escolas. Também afirmaram que o acesso ao
conhecimento acadêmico só foi possível pelo fato de a diretora estar
na universidade, atribuindo as mudanças em suas práticas a esse fato
e aos estudos.
Lene: [...] é preciso levar o melhor para o outro, assim como
nós recebemos o melhor também. E nós recebemos isso, por
conta de a diretora estar na universidade estudando e ela
confiou na gente, viu que a gente era capaz, acreditou e trouxe
esse material, que era completamente desconhecido.
[...] E hoje eu não me vejo pegando um livro sem ler um pouco
do autor, sem saber a linha de pensamento dele, mas não foi
num passe de mágica que isso aconteceu, foi muito estudo,
muita vontade e muitas dúvidas que a gente tinha, a gente
superou com estudo mesmo.
389
Além de considerarem o conhecimento acadêmico como o
mais elaborado, fizeram uma crítica ao conhecimento que não
ultrapassa os muros das universidades, chamando-o de conheci-
mento vazio, que ganha vida apenas quando chega à escola e é
colocado em prática.
A apropriação do conhecimento possibilitou à professora
Keli tal reflexão e a valorização das pesquisas acadêmicas, do
conhecimento científico, manifestando o desejo de acesso a ele e a
presença desse conhecimento nas escolas, dando vida às práticas.
Keli: Acredito em uma ponte entre a universidade e a escola. Se
a universidade é o lugar onde é produzido o conhecimento mais
elaborado, ele precisa estar na escola. Nós da escola precisamos
ter mais acesso a essas produções, precisamos estar juntos lá na
sala de aula estudando, trazendo esses conteúdos. Porque o
conhecimento da universidade, sem ser aplicado na escola
pública, ele é vazio. Ele se torna algo vazio. Mas quando a gente
consegue trazer o conhecimento para a escola, ele tem vida!
Então não é algo somente produzido, mas é algo possível. E é
isso que faz a diferença!
Também foi apontado como fundamental ao desenvolvi-
mento dos professores a formação do diretor e, ao mesmo tempo, a
oportunidade de o conhecimento científico chegar até às escolas.
Keli:[...] a formação continuada dos professores em ATPC e
do diretor, são fundamentais para o nosso desenvolvimento.
Essa é uma oportunidade do conhecimento científico,
produzido nas universidades, chegar ao chão da escola, sair do
papel [...]
390
Por meio das falas das professoras ficou evidente a
necessidade da presença do conhecimento acadêmico nas escolas de
ensino básico para possibilitar mudanças nas práticas pedagógicas e
na realidade escolar, de forma geral. Não se trata, todavia, de
simplesmente trazer um conteúdo acadêmico e disponibili-lo ao
professor ou à professora para almejar uma mudança. Porque
durante o processo de formação, a partir dos relatos e das avaliações
das professoras, constatou-se a existência do conhecimento sobre
suas dificuldades, suas limitações na realização de planejamentos, na
elaboração das atividades, ou seja, tinham consciência de algumas
incoerências e dificuldades nas práticas, mas não sabiam como
superá-las. Por não possuírem conhecimento sobre o conteúdo
específico das áreas e conhecimento sobre o desenvolvimento
infantil, não tinham condições de realizar a articulação entre teoria
e prática, evidenciando desse modo a necessidade de criar condições
ao professor de se apropriar do conhecimento teórico e articulá-lo à
sua prática.
Esta pesquisa, na forma de experimento didático-formativo,
de modo cooperativo, possibilitou um vínculo entre a universidade
e a escola de Educação Infantil. Todos os envolvidos tiveram a
oportunidade de transformar sua dimensão subjetiva e objetiva por
meio da articulação teoria e prática, resultando na aquisição de
liberdade para a realização de escolhas conscientes e mudanças na
realidade escolar.
Enfim, é relevante lembrar, conforme Duarte, (2016, p.
122), que a liberdade é:
[...] um processo social no qual se unem objetividade e
subjetividade. Os seres humanos não se tornam livres pela
391
negação da objetividade da natureza, mas por seu
conhecimento e seu domínio. Para dominar a realidade externa
o ser humano precisa dominar sua atividade, que deve ser uma
atividade consciente.
392
393
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Se a atividade do homem se restringisse à mera
reprodução do velho, ele seria um ser voltado somente
para o passado, adaptando-se ao futuro apenas na
medida em que este reproduzisse aquele. É exatamente a
atividade criadora que faz do homem um ser que se volta
para o futuro, erigindo-o e modificando o seu presente.
(VIGOTSKI, 2009, p. 14)
Ao observar as escolas de Educação Infantil, percebo que
muitas práticas mecânicas e sem sentido do passado, com ênfase no
código escrito e em exercícios de coordenação motora ainda estão
muito presentes no contexto atual. Os conteúdos específicos desse
segmento como as diversas linguagens não estão sendo valorizados e
compreendidos como fundamentais para o desenvolvimento das
crianças.
É importante destacar que a criança, ao se apropriar de
diversas linguagens, das linguagens presentes no livro ilustrado por
meio de narrativas verbais e visuais, poderá ler, compreender a
realidade, ter condições de expressar seus conhecimentos e suas
experiências como sujeito autor e, a partir dessas capacidades
desenvolvidas, obterá a formação de bases para outras áreas de
conhecimento como a própria linguagem escrita.
O papel fundamental da escola é assegurar as condições
necessárias para que se desenvolvam nas crianças as funções psíquicas
394
superiores por meio de uma educação desenvolvente. As funções
psíquicas são ferramentas essenciais para que as pessoas sejam, de
fato, sujeitos de sua história. Para tanto, é necessário que o professor
se aproprie dos conhecimentos específicos da Educação Infantil e
transforme suas práticas.
Por meio das análises, no capítulo anterior, procurei
compreender como o processo de apropriação do conhecimento
pode transformar a prática do professor da Educação Infantil com o
livro ilustrado e, também, pôr em discussão alguns princípios
didáticos que podem contribuir para o trabalho com o livro
ilustrado, argumentando que é possível promover o desenvolvi-
mento psíquico por meio de um processo de formação.
Desse modo, trago para as considerações finais uma pequena
reflexão sobre alguns princípios didáticos que foram se constituindo
durante a pesquisa para o trabalho com o livro ilustrado,
intencionando ao desenvolvimento da capacidade de leitura e de
expressão. Ao pensar sobre tais princípios, pude também obter uma
melhor compreensão sobre o processo de apropriação do
conhecimento por parte das professoras.
Os princípios didáticos que destaco para o trabalho de
formação com o livro ilustrado, são:
Apropriação do conhecimento sobre a arte
literária/livro ilustrado.
A apropriação do conhecimento sobre a arte literária é
fundamental para possibilitar ao professor e a professora uma melhor
compreensão de sua realidade, a origem dos fatos, dos
395
acontecimentos e dos problemas em relação a sua prática
pedagógica. Além disso, por meio do processo de apropriação, o
professor transformar-se-á, aprenderá a olhar para si e para sua
prática, buscará caminhos para satisfazer suas necessidades,
mudando seu pensamento, sua forma de agir e obtendo condições
de também promover mudanças no outro. Um trabalho com as
crianças sobre a arte literária, com o objetivo de desenvolver as
funções psíquicas superiores e a capacidade criadora, só é possível se
os professores e as professoras acreditarem nessa proposta e
apropriarem-se dos conteúdos específicos dessa área. A criança, por
sua vez, ao ter acesso às produções literárias e apropriar-se dos
conteúdos que possibilitem uma melhor compreensão das narrativas
verbais e visuais, terá condições de exercer sua imaginação, seu
pensamento, sua expressão e sua atividade criadora, humanizando-
se.
Contextualização e ampliação do repertório em relação
às produções literárias.
Uma possibilidade para desmistificar a questão dos talentos
naturais é a apresentação da história de vida, de formação, do
processo criador e do contexto histórico das produções de escritores
e ilustradores. A formação dos profissionais conceituados envolve
um percurso específico: trabalho, formação na área, percepção de
contexto histórico e muito estudo. Isso reforça a concepção da THC,
de que é uma questão de apropriação do conhecimento nas relações
sociais e não uma questão de “dom”. Assim, apresentar o processo
criador dos autores, saber como eles elaboram suas narrativas verbais
ou visuais, de onde vem sua inspiração, o momento histórico da
396
produção, o repertório, contribui para a compreensão da relação da
imaginação com fatos da realidade. Além disso, é importante
destacar que é por meio da apropriação do conhecimento, da
ampliação do repertório, do acesso às diferentes produções culturais
em arte literária que será possível promover o desenvolvimento da
imaginação e da atividade criadora.
Avaliação do nível real de desenvolvimento
e a atuação na ZDP.
No processo de formação, ressalto a importância de dialogar
com a criança ou com o adulto, pois o diálogo faz com que “o
homem participe inteiro e com toda a vida: com os olhos, os lábios,
as mãos, a alma, o espírito, todo o corpo, os atos” (Gege, 2019, p.
29). Assim, o diálogo possibilita conhecer o outro, a criança, suas
hipóteses, sua forma de pensar, os conhecimentos que possui; ou
seja, permite-nos conhecer o seu nível de desenvolvimento real.
É importante também nesse processo avaliar as produções,
verificar o conhecimento sobre os conteúdos específicos de cada área
e só depois solicitar a realização de determinadas ações ou propor
novos encaminhamentos. Caso se perceba que a criança ou o adulto
não tenha determinado conhecimento, será necessário apresentar o
conteúdo, atuando na ZDP para que o mesmo seja apropriado.
Lembrando que o bom ensino, segundo a THC, é aquele que incide
na ZDP, promovendo o desenvolvimento psíquico do educando.
Compreensão da aprendizagem como processo ativo
Segundo a THC, o processo de apropriação do conheci-
mento é sempre ativo, ou seja, para se apropriar dos objetos, que são
397
produtos do desenvolvimento histórico, será necessário que se
desenvolva uma relação com eles, uma atividade que reproduza os
traços essenciais acumulados no objeto. A pessoa deverá reproduzir
em sua atividade as operações motoras e cognitivas incorporadas no
objeto para apropriar-se dele. Desse modo, ao entrarem em atividade
na exploração de materiais, em produções de pinturas ou desenhos
com técnicas variadas, o contato com suportes e materiais diferentes,
a produção de narrativas verbais e visuais possibilitará a apropriação
do conhecimento e a objetivação em produções autorais.
Trabalhar o livro ilustrado com o objetivo de promover o
desenvolvimento humano.
A função da escola é promover uma educação intencional
para o desenvolvimento integral das crianças. É importante ressaltar
que, no processo de formação, o que faz a diferença são as
oportunidades, o acesso ao conhecimento e a qualidade da educação
ofertada às crianças para o desenvolvimento das funções psíquicas
superiores. É nesse sentido que concebemos a educação
desenvolvente. Nesse processo, o exercício de utilização de signos
verbais e visuais, na apreciação e na criação de narrativas com as
crianças e com os adultos, contribui para o seu desenvolvimento,
pois segundo a THC a apropriação dos signos possibilita o
desenvolvimento de funções psíquicas e uma vasta apropriação do
patrimônio cultural. Assim, o seu uso constitui um traço essencial
das formas superiores de conduta humana, permitindo ao ser
humano uma relação com o seu entorno mediada pelos signos
culturais. Desse modo, o trabalho com o livro ilustrado deve ser
398
planejado de forma intencional para possibilitar a apropriação de
signos e promover o desenvolvimento das crianças e dos adultos.
Enfim, vários princípios foram levantados no decorrer das
análises e acredito que eles possam contribuir no momento do
planejamento de uma formação sobre a arte literária, em específico
sobre o trabalho com o livro ilustrado na Educação Infantil.
Trago também outra questão para reflexão que, devido a
minha condição de pesquisadora e tendo como participantes da
pesquisa as professoras da unidade escolar da qual eu era diretora,
levou uma professora a formular o seguinte questionamento: se
que se você fosse apenas uma pesquisadora de uma universidade e
não a diretora da escola, as professoras teriam participado da
pesquisa e realizado todas as atividades propostas durante a
formação?
Diante dessa questão penso que não tenho como confirmar
com certeza como seria os resultados da pesquisa, considerando a
hipótese de eu não ser a diretora. Porém, esse questionamento me
fez refletir sobre o processo de formação e analisar alguns relatos de
professoras sobre os seus sentimentos em relação a participação na
pesquisa.
Durante a análise, refleti sobre os procedimentos metodoló-
gicos utilizados e percebi que o diálogo com as professoras, o
exercício da escuta, da observação, as ações concretas para que
houvesse de fato a apropriação do conhecimento, articulando teoria
e prática, possibilitou o desenvolvimento da consciência das
professoras para que percebessem os novos desafios e a formação
como algo importante para seu próprio desenvolvimento; para a
mudança do olhar e para a transformação da prática. Por
399
consequência, ocorreu a valorização da formação e da pesquisa. Uma
professora da educação especial, inclusive, ao saber sobre processo de
formação que estava acontecendo na escola, solicitou à sua
coordenadora a transferência para a nossa unidade escolar a fim de
participar da pesquisa e das atividades propostas. Tal fato
demonstrou que as professoras desejam obter formação e se dispõem
a participar das atividades, de realizar os estudos. Isso pode ser
confirmado nas falas a seguir:
Professora Sara: Eu procurei a minha coordenação de educação
especial e disse que eu gostaria de mudar minha sede. E ela até
perguntou por q. Eu falei - Porque a formação aqui está
interessante, eu gostaria de participar. A diretora leva o
conhecimento e a prática, acho que fica bem interessante, fica
vivo e rico a aquisição do novo conhecimento. Além disso,
através do processo de retomada, de repetição, faz a gente
realmente adquirir o conhecimento. E foi assim, começamos
na parte da literatura primeiro, eu pegava o material e ela
sempre me passava o conteúdo [...] me dava uma aula a parte,
uma formação sobre o que estava acontecendo. E aí quando eu
entrei, ela fez aquela repescagem, uma retomada e foi muito
incrível!
Professora Lis: A gente gostava de estudar e nunca conseguia
terminar no horário os ATPC, a gente sempre ia além, porque
estava legal, estava bom, porque você sabia conduzir a
formação, é isso que o líder faz, faz o grupo se sentir bem, se
sentir seguro, se sentir capaz [...] Você foi um divisor de águas
para mim, mostrou que vale a pena a gente estudar, isso é muito
importante, abriu uma cortina, bem o mito da caverna!
Também recordei de uma experiência, quando era
professora em uma unidade escolar, pela qual tive a oportunidade de
400
receber uma formação durante seis meses de uma pesquisadora que
cursava o doutorado. Lembro que o grupo de professoras se envolveu
nos estudos, pois a forma de apresentação dos conteúdos foi por
meio de diálogos, articulando teoria e prática, contribuindo para a
apropriação. Por consequência, houve uma melhor compreensão das
nossas ações, gerando satisfação nas professoras em obter a formação.
Dessa forma, as atividades propostas por ela eram realizadas como
parte do processo, visando ao nosso desenvolvimento, ou seja, houve
o desenvolvimento da nossa consciência sobre a importância da
formação e da realização das atividades, pois os conteúdos faziam
sentido para nós. E foi com essa formação, oferecida no ambiente
escolar por uma pesquisadora, que me conduziu para outros estudos,
gerando em mim o desejo e a necessidade de aprofundar os
conhecimentos sobre a THC e o desenvolvimento humano.
Concluo, assim, reafirmando que a formação e as atividades
propostas foram aceitas pelas participantes da pesquisa, no primeiro
momento, pela necessidade de obterem formação em horário da
ATPC no exercício de suas funções; porém, o envolvimento e a
dedicação delas no processo não ocorreu pelo fato de eu ser a diretora
da escola, mas porque o conteúdo da formação gerou novos sentidos.
Tal fato deveu-se também à estrutura do experimento didático-
formativo, aos procedimentos utilizados e ao diálogo frequente.
Penso que isso tudo possibilitou o desenvolvimento da consciência
sobre a importância da formação, as professoras perceberam a
relevância de entrarem em atividade para a apropriação do
conhecimento sobre a arte literária, resultando no desejo de
desenvolver a capacidade autoral por meio da criação de narrativas
401
verbais e visuais e, por consequência, promoverem o desenvolvi-
mento das crianças.
Com as análises também procurei argumentar sobre a
importância da apropriação dos signos, do desenvolvimento da
imaginação e da capacidade criadora. Isso me fez lembrar de um
exemplo apresentado pelo educador José Pacheco, de Portugal. Em
uma palestra, há alguns anos, ele relatou o ocorrido em um grupo
de crianças para quem foi solicitada uma atividade de escrita com o
tema a Primavera’. Ao final da atividade, após recolher os trabalhos,
o professor percebeu uma produção sem nome. Então combinou
com as crianças de proferir o texto e, quem fosse o autor da escrita,
deveria levantar a mão. Ao iniciar com as palavras “A primavera é a
estação das flores...”, todas as crianças levantaram a mão, afirmando
ser autor do texto. Ao dar sequência à proferição, as crianças
permaneceram na hipótese inicial, porque todas as produções
estavam semelhantes, ou seja, sem autoria.
Com esse relato percebi como os modelos estereotipados
ocorrem não só em desenhos de árvores, casas, pessoas etc., mas
também na linguagem escrita, limitando a expressão e o
desenvolvimento psíquico das crianças e dos adultos.
Desse modo, afirmo que a prática de cópia de modelos
prontos não traz contribuições ao uso da escrita como linguagem e
ao exercício da atividade criadora. Creio ser válida essa compreensão
a qualquer forma de linguagem, apontando a urgência da extinção
de práticas sem sentido; não só na Educação Infantil, mas também
nos demais segmentos educacionais. É preciso criar condições para a
constituição do sujeito autor. Essas reflexões também justificam as
minhas ações na formação de professores e a preocupação com a
402
promoção do desenvolvimento da imaginação e da capacidade
criadora. É uma tentativa de desenvolver a consciência dos
educadores sobre a importância, para o psiquismo, da formação do
ser humano em sua integralidade.
A consciência, enquanto relação com o mundo, revela-se no
campo psicológico como um sistema de sentidos. O que distingue o
caráter consciente dos conhecimentos é o sentido que eles adquirem
para o homem. O que caracteriza o caráter consciente, a consciência
como atitude, não é a compreensão nem o conhecimento do
significado do que se estuda, mas o sentido que isso adquire para a
pessoa (LEONTIEV, 1978).
Assim, o processo vivenciado pelas professoras, intencio-
nando à formação para a autoria de narrativas verbais e visuais, para
a mudança de suas práticas até a materialização do livro ilustrado,
evidenciou a necessidade do desenvolvimento da consciência para a
superação do sentimento de incapacidade, demonstrando que todos
são capazes. Os conteúdos trabalhados e a importância da autoria
adquiriram novos sentidos para as professoras. Isso foi algo
marcante, observado também nas avaliações e nos relatos, como
expresso na fala das professoras a seguir:
Keli: (Neste ano o que mais marcou na ATPC). Ser “autor” de
nossa própria vivência, nos valorizar enquanto ser histórico
cultural e também que somos capazes de produzir, construir,
ilustrar tudo que quisermos.
Sara: (O mais significativo foi). Qualquer pessoa pode ser um
artista e ela, para chegar à arte finalizada, vai passar por um
processo criador, rascunhos, esboços, até chegar ao seu produto
final[...]. E se apropriando de técnicas que possam expressar sua
ideia ou sentimento.
403
Lene: (Relato). Então, hoje eu vejo assim, que do mesmo jeito
que eu me achava incapaz e que eu fui capaz de realizar, depois
dos estudos, qualquer pessoa pode fazer, qualquer ser humano
pode realizar o que quer que seja. Então, hoje eu confio muito!
A proposta de formação para a autoria a partir do livro
ilustrado, conforme discutido em capítulos anteriores, buscou o
desenvolvimento das funções psíquicas superiores como a
imaginação e a capacidade criadora, ou seja, “a elaboração criadora
da realidade, dos objetos e seus próprios movimentos, que aclara e
promove as vivências cotidianas ao nível de vivências criadoras”
(VIGOTSKI, 2010, p. 352).
É frequente as pessoas pensarem sobre a inexistência de
criação na vida de uma pessoa comum, mas esse ponto de vista,
segundo Vigotski, (2009, p. 15) é incorreto e o autor cita uma
analogia: “a eletricidade age e manifesta-se não só onde há uma
grandiosa tempestade e relâmpagos ofuscantes, mas também na
lâmpada de uma lanterna de bolso”.
Segundo o autor, a criação não existe apenas quando se criam
grandes obras históricas, mas por toda parte onde o homem imagina,
combina, modifica e cria algo novo, mesmo que esse novo se pareça
a um grãozinho se comparado às grandes invenções. Desse modo,
Se levarmos em conta a presença da imaginação coletiva, que
une todos esses grãozinhos não raro insignificantes da criação
individual, veremos que grande parte de tudo o que foi criado
pela humanidade pertence exatamente ao trabalho criador
anônimo e coletivo de inventores desconhecidos (VIGOTSKI,
2009, p. 16)
404
O desenvolvimento universal da personalidade exige que
todo homem seja, de certa maneira, um homem-artista, isto é, um
homem situado numa atitude criadora diante das coisas e do mundo
(VAZQUEZ, 1978).
Ao concluir essas considerações finais e pensando sobre todo
o percurso da pesquisa até a objetivação deste trabalho, pude
também visualizar o motivo que me mantém no caminho da
pesquisa e da formação: a constatação da possibilidade de mudança
na realidade subjetiva e objetiva das pessoas envolvidas na educação
das crianças, por meio da apropriação do conhecimento.
É muito provável que eu nem veja essa realidade
transformada de forma ampla, uma vez que tudo em relação à
educação é historicamente muito moroso. Ainda assim, são esses
desejos e sonhos que me colocam em movimento e alimentam a
minha convicção de que podemos fazer parte da história como
sujeitos ativos nos espaços onde atuamos. Ainda que não sejam
grandes esses espaços, mas em nossas relações com o outro, em
formações, em cursos, no trabalho, em grupos de estudos, por meio
das trocas verbais entre “Eu e o Outro e o Outro e Eu”, sempre será
possível contagiar ou afetar outros parceiros com esse desejo de busca
e criação de novos caminhos para a educação. Assim será possível
prosseguir “esperançando” e lutando por uma realidade mais justa
para todos.
Espero que este trabalho possa inspirar os professores na
busca pela mudança de sua realidade, pela emancipação; que
busquem ser artistas e autores de suas práticas; que consigam atuar
de forma solidária pela coletividade, pelo bem comum no sentido
405
contrário à lógica do capital, que gera a competição entre as pessoas,
o individualismo, a intolerância e a desumanização.
Desse modo, me inspiro nas palavras do professor Dagoberto
Buim Arena, em um encontro virtual (Aula pública6: Alfabetização
Humanizadora, NAHum, UNISUL, 15 de abril de 2021): Nesse
sistema, pessoas como nós caminhamos pela marginal, assim como
muitas pessoas anônimas caminharam e, que durante a sua história
de vida, fizeram a diferença na educação. É essa história não contada,
o submundo da alfabetização dos trabalhadores, que devemos
contar... Espero continuar a caminhada nessa margem, à margem
esquerda, seguindo os passos desses grandes educadores, que foram
mais do que educadores, eles foram militantes, como Freinet e Paulo
Freire, porque é com militância que se faz alfabetização
humanizadora.
É essa, enfim, a história escrita pela marginal que faz sentido
para mim e é por meio dela que desejo escrever a minha história. E
escolho um excerto da poesia de Bráulio Bessa (2018, p. 186) para
concluir o meu pensamento:
Há quem diga que é bobagem,
Que é loucura imaginar.
Mas não perco a esperança,
É imaginando a mudança,
Que se começa a mudar!
6https://www.youtube.com/watch?v=d8Z9ctFpWUg&ab_channel=NAHum-
N%C3%BAcleodeAlfabetiza%C3%A7%C3%A3oHumanizadora
(acesso 22 de maio de 2021)
406
407
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desenvolvimento do pensamento: a mediação da literatura infantil.
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SOBRE AS AUTORAS
Yaeko Nakadakari Tsuhako
Doutora em Educação pela Faculdade de Filosofia e Ciências da
Universidade Estadual Paulista: "Júlio de Mesquita Filho"- Campus
de Marília (2022), mestre em Educação pela Faculdade de Filosofia
e Ciências da Universidade Estadual Paulista: "Júlio de Mesquita
Filho"- Campus de Marília (2016), graduada em Pedagogia pela
Universidade Estadual Paulista: “Júlio de Mesquita Filho” - Campus
de Bauru (2008), bacharel em Direito pela Instituição Toledo de
Ensino (1992). Foi professora de Educação de Adultos e Jovens por
três anos, professora de Educação Infantil em uma escola municipal
de Educação Infantil EMEI, durante vinte anos, exerceu a função
de coordenadora de área de Educação Infantil no Departamento de
Planejamento, Projetos e Pesquisas Educacionais por sete anos e de
diretora de Divisão de Acompanhamento de Entidades Parceiras e
Escolas Particulares por um ano, na Secretaria Municipal da
Educação de Bauru, foi diretora de EMEI por cinco anos.
Atualmente participa do grupo de estudos PROLEAO "Processos de
leitura e de escrita: apropriação e objetivação" e do grupo CEPLII
Centro de Estudos e Pesquisas em Leitura, Literatura e Infância”,
dedica-se à formação continuada de professores da Educação
Infantil.
426
Cyntia Graziella Guizelim Simões Girotto
Livre-docente em Leitura e Escrita pela Universidade Estadual
Paulista (2016). Pós-doutorado em Leitura e Literatura Infantil pela
Universidade de Passo Fundo (2015). Doutora em Educação pela
Unesp (1999). Mestre em Educação pela Universidade Federal de
o Carlos (1995). Pedagoga pela Faculdade de Filosofia e Ciências
- Unesp - Marília (1992). Atuou em instituições públicas e
particulares: no CEFAM (Centro de Estudo, Formação e
Aperfeiçoamento do Magistério) e em três universidades como
professora de Didática e Supervisora de Estágio, além de
coordenadora da Pedagogia e de Avaliação Institucional. Ademais
foi professora de EJA (Educação de Jovens e Adultos) por 7 anos,
bem como de cursos de Pós-Graduação Latto Sensu, ministrando a
disciplina de Didática do Ensino Superior. Desde 2000 é professora
da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Câmpus
de Marília, junto ao Departamento de Didática. Compõe, na mesma
unidade universitária, o quadro de orientadores do programa de Pós-
Graduação em Educação. Participa dos grupos de pesquisa
"Implicações Pedagógicas da Teoria Histórico-Cultural" (Unesp -
Marília) e "Formação de professores e as relações entre as práticas
educativas em leitura, literatura e avaliação do texto literário”
(Unesp - Presidente Prudente). Integra, ainda, o grupo de
pesquisadores do CELLIJ (Centro de Estudos em Leitura e
Literatura Infantil e Juvenil), o grupo PROLEAO "Processos de
leitura e de escrita: apropriação e objetivação" e o CEPLLI “Centro
de Estudos e Pesquisas em Leitura, Literatura e Infância”.
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SOBRE O LIVRO
Catalogação
André Sávio Craveiro Bueno CRB 8/8211
Normalização
Kamilla Gonçalves
Ilustração da capa
Julia Mie Matsuguma e Taisa Iwata
Diagramação e Capa
Mariana da Rocha Corrêa Silva
Assessoria Técnica
Renato Geraldi
Oficina Universitária Laboratório Editorial
labeditorial.marilia@unesp.br
Formato
16x23cm
Tipologia
Adobe Garamond Pro
O LIVRO ILUSTRADO NA FORMAÇÃO
DE PROFESSORES DA EDUCAÇÃO INFANTIL:
em defesa da educão desenvolvente
Yaeko Nakadakari Tsuhako
Cyntia Graziella Guizelim Simões Girotto
O LIVRO ILUSTRADO NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES DA EDUCAÇÃO INFANTIL:
em defesa da educão desenvolvente
YAEKO NAKADAKARI TSUHAKO
Doutora em Educação pela UNESP- Marília (2022),
mestre em Educação pela UNESP- Marília (2016),
graduada em Pedagogia pela UNESP - Bauru (2008),
bacharel em Direito pela Instituição Toledo de Ensino
- Bauru (1992). Foi professora de Educação de Adultos
e Jovens, professora de Educação Infantil, coordenado-
ra de área de Educação Infantil na Secretaria Municipal
de Educação e diretora de EMEI na cidade de Bauru.
Atualmente participa de grupos de estudos da UNESP
- Marília e dedica-se à formação continuada de profes-
sores da Educação Infantil.
CYNTIA GRAZIELLA G. SIMÕES GIROTTO
Livre-docente em Leitura e Escrita pela UNESP
(2016). Pós-doutorado em Leitura e Literatura Infantil
pela Universidade de Passo Fundo (2015). Doutora em
Educação pela UNESP (1999). Mestre em Educação
pela UFSCAR (1995). Pedagoga pela UNESP (1992).
Atuou em instituições públicas e particulares. Desde
2000 é professora da UNESP - Marília, junto ao De-
partamento de Didática. Compõe, na mesma unidade
universitária, o quadro de orientadores do programa de
Pós-Graduação em Educação. Participa de grupos de
pesquisa da UNESP de Marília, de Presidente Prudente
e integra, ainda, o grupo de pesquisadores do CELLIJ
(Centro de Estudos em Leitura e Literatura Infantil e
Juvenil.
Programa PROEX/CAPES:
Auxílio Nº 0039/2022
Processo Nº 23038.001838/2022-11
O presente livro tem como alicerce a
perspectiva da teoria histórico-cultural e
a losoa da linguagem. Argumenta em
defesa de uma educação desenvolvente,
isto é, uma educação onde o professor
tem o papel de planejar ações de forma
consciente para promover o desenvolvi-
mento das funções psíquicas superiores
da criança; da importância do livro ilus-
trado na promoção do desenvolvimento
humano; da formação do professor como
essencial para mudanças nas práticas. De-
monstra a necessidade da apropriação do
conhecimento para o desenvolvimento
da consciência e elucida que tanto o adul-
to como a criança possuem capacidade
criadora para objetivar-se em produções
autorais, porém, o desenvolvimento de
tal capacidade está vinculado às condi-
ções sociais e ao processo educativo.
Com este livro, buscamos reetir sobre o papel fundamental da es-
cola para assegurar as condições necessárias para o desenvolvimen-
to das funções psíquicas superiores nas crianças, pois as funções
psíquicas são ferramentas essenciais para que as pessoas sejam, de
fato, sujeitos de sua história. Procuramos discorrer sobre a impor-
tância do processo de apropriação do conhecimento para a trans-
formação da prática com o livro ilustrado do professor e da pro-
fessora de Educação Infantil e apresentamos alguns princípios
didáticos para o trabalho com o livro ilustrado, demonstrando que
é possível promover o desenvolvimento da consciência, da imagi-
nação e da capacidade criadora por meio do processo de formação.
Desejamos que este livro possa inspirar os professores na busca
pela mudança de sua realidade, tornando-se autores de suas prá-
ticas em defesa da coletividade, do bem comum, da humanização
de nossas crianças, ou seja, em defesa da educação desenvolvente.
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