Educação profissional no Brasil do século XXI:
políticas, críticas e perspectivas vol. 2
Domingos Leite Lima Filho, José Deribaldo Gomes dos Santos,
Henrique Tahan Novaes (Org.)
Educação profissional no
Brasil do século XXI:
políticas, críticas e perspectivas
vol. 2
Domingos Leite Lima Filho
José Deribaldo Gomes dos Santos
Henrique Tahan Novaes
(Organizadores)
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Diante do cenário nada animador do Brasil contemporâneo,
ousamos entregar para leitura a coletânea Educação
profissional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e
perspectivas vol. 2. O presente volume não difere
essencialmente do primeiro, mas por ser uma segunda
publicação, indica a necessidade social de seu nascimento.
Haja vista que apenas um volume não foi suficiente para dar
conta de toda a gama de questões que cercam a educação
profissional no contexto de crise estrutural do capital. Na
moldura de crise crônica por que passa o capitalismo, o
seguimento educacional voltado para a profissionalização da
classe trabalhadora é eleito, de modo corriqueiro, como a
menina dos olhos para a solução dos problemas da produção
destrutiva capitalista.
As políticas estatais educativas, destacadamente a
profissionalizante, encontram-se hoje fortemente
associadas à venda do ensino. O grande capital incentiva,
sem nenhum constrangimento, uma determinada
especificidade educativa que forme as filhas e filhos da classe
trabalhadora para o aprendizado precário e precoce de
determinado oficio. A intenção dessa precariedade
formativa é apresentar garantias aos empregadores, ao
Estado e às agências internacionais de financiamento das
reformulações escolares, que o ensino está adaptado a uma
suposta era tecnológica. Ao fim e ao cabo, a força ideológica
da burguesia decadente de início do século XXI trafega a
necessidade de que esse recorte formativo, ainda que
precário e carente de humanismo, seja apresentado como a
saída para os problemas de desemprego, violência
campesina e urbana, desordenamento ambiental, dentro
inúmeros outros problemas criados pelo próprio capital.
Assim, é comum ouvir de jornalistas, religiosos, políticos de
direita, centro e esquerda, intelectuais diversos, artistas,
desportistas, entre muitos outros representantes de
distintos seguimentos da atrasada elite endógena, a defesa
da educação especificamente profissionalizate como
alternativa para os problemas da crise capitalista atual.
Para fazer valer o caráter contraditório do movimento
social, a educação, no nosso caso a destinada a formação
profissional de trabalhadoras e trabalhadores, não trafega
em leito linear. São muitas e de diversas ordens as
contradições moventes-motoras imanentes ao processo
educacional. Mesmo que a escola especificamente
profissionalizante entregue pelo capital aos
jovens-trabalhadores-estudantes tenha como intenção, no
limite de suas possibilidades, ensinar a escrever, contar e
apertar botão macatrônico, a dialética inerente ao tecido
social, apresenta muitas e incontáveis contradições.
Alguns arranjos educacionais espalhados pelo Brasil
procuram se opor à lógica de um capitalismo periférico que,
pela vontade de uma elite atrasada, apenas vê o que suas
míopes lentes permitem. Essas propostas, quase sempre
desenvolvidas em instituições públicas, procuram
implementar projetos educacionais que se oponham ao
desejo insano do capital em crise crônica.
O segundo volume de nossa coletânea, materializada na
presente publicação, reúne um considerável conjunto de
reflexões sobre o quadro sucintamente descrito acima. São
professoras e professores que se arvoram a vencer o difícil
obstáculo de investigar a educação profissional
contemporânea. Diante da dificuldade imposta pelo próprio
processo de avaliação da pós-graduação brasileira,
fortemente inclinada às publicações de Paperes, as pesquisas
aqui expostas procuram iluminar a problemática para além
do que costumeiramente se encontra publicado nos veículos
que tendem a alimentar a vaidade acadêmica.
Coube à articulação entre os seguintes veículos de pesquisa
materializar a publicação hora exposta: Grupo de Pesquisa
Organizações e Democracia (GPOD) da Faculdade de
Filosofia e Ciência da Universidade Estadual Paulista
(FFC-UNESP), ao Grupo de Pesquisa Trabalho, Educação,
Estética e Sociedade (GPTREES) da Faculdade de
Educação, Ciências e Letras do Sertão Central, da
Universidade Estadual do Ceará (FECLESC-UECE) e ao
Grupo de Estudos e Pesquisas em Trabalho, Educação e
Tecnologia (GETET) da Universidade Tecnológica Federal
do Paraná (UTFPR).
É lamentável constatar, mas é impossível omitir, que o
presente livro é desenvolvido e publicado durante a
pandemia de COVID-19; imposta à sociedade, em última
instância, pela insanidade do grande capital. No momento
em que esta redação é concluída, somente no Brasil, as
mortes contabilizadas pela pandemia já se aproximam de
650 mil. O cotidiano docente, inserido nesse cenário de
terror, compôs o entorno em que as corajosas exposições
que agora publicamos foram escritas.
O livro totaliza 12 comunicações que são divididas em dois
eixos intercalados: I – Educação profissional e políticas
educacionais; e II – A expansão das redes estaduais e federal
de educação profissional: críticas e perspetivas. As
exposições, sem abandonarem o caráter de totalidade
exigido pela natureza da ciência, ao dialogarem com a
problemática educativa brasileira, destacam recortes
específicos existentes nos Estados do Amazonas, Ceará,
Bahia, Espirito Santos, Maranhão, Rio Grande do Norte e
São Paulo.
Decididamente, a publicação posta agora sobre os próprios
pés, não espera de que a lê concordância irrestrita, elogios
cosméticos, tampouco comentários acríticos. A honestidade
da organização da coletânea, ao propor sua constituição,
objetiva que o rebatimento das exposições aqui expressas
sirva de reflexões críticas para a análise da educação
profissional no Brasil contemporâneo.
Agradecemos, antecipadamente, a confiança da leitura!
Domingos Leite Lima Filho (UTFPR)
José Deribaldo Gomes dos Santos (UECE)
Henrique Tahan Novaes (UNESP)
(Organizadores)
ISBN 978-65-5954-343-4
Educação profissional no
Brasil do século XXI:
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. 2
Marília/Ocina Universitária
São Paulo/Cultura Acadêmica
2023
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Educação profissional no
Brasil do século XXI:
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Editora aliada:
Cultura Acadêmica é selo editorial da Editora UNESP
Ocina Universitária é selo editorial da UNESP - campus de Marília
Copyright © 2023, Faculdade de Filosoa e Ciências
Ficha catalográca
E24 Educação prossional no Brasil do século XXI : políticas, críticas e perspectivas : vol. 2 / Domingos Leite
Lima Filho, José Deribaldo Gomes dos Santos, Henrique Tahan Novaes (organizadores). – Marília :
Ocina Universitária ; São Paulo : Cultura Acadêmica, 2023.
376 p. : il.
Coeditora: Lutas Anticapital
Inclui bibliograa
ISBN 978-65-5954-343-4 (Impresso ) (v. 2)
ISBN 978-65-5954-344-1 (Digital ) (v. 2)
DOI: https://doi.org/10.36311/2023.978-65-5954-344-1
1. Ensino prossional – Brasil – Séc. XXI. 2. Ensino técnico. 3. Educação e Estado. 4. Mercado de
trabalho. 5. Capitalismo. I. Lima Filho, Domingos Leite. II. Santos, José Deribaldo Gomes dos. III. Novaes,
Henrique Tahan.
CDD 373.240981
Telma Jaqueline Dias Silveira –Bibliotecária – CRB 8/7867
Este trabalho está licenciado sob uma licença Creative Commons Attribution-NonCommercial-
NoDerivatives 4.0 International License.
Editora LUTAS ANTICAPITAL
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Conselho Editorial:
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Bruna Vasconcellos (UFABC)
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Editora Lutas anticapital - Marília –SP
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UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA
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Humano (DMO) e do Programa de Pós-Graduação em
Educação da Universidade Estadual de Maringá (UEM) -
Campus Regional do Vale do Ivaí (CRV).
S
Prefácio
Eneida Shiroma
9
Apresentação
Domingos Leite Lima Filho, José Deribaldo Gomes dos
Santos e Henrique Tahan Novaes
19
Parte I – educação ProfIssIonal e PolítIcas educacIonaIs
1.
As inter-relações trabalho, tecnologia e cultura:
bases para a formação integral na Educação
Prossional e Tecnológica
Domingos Leite Lima Filho
25
2.
A política educacional para a promoção do
Ensino Técnico em Agropecuária Integrado ao
Ensino Médio do Centro Paula Souza: conquistas
e contradições
Henrique Tahan Novaes
49
6 |
3.
O caráter classista do ensino prossionalizante no
Brasil: elementos históricos e sociais
Josefa Jackline Rabelo, Maria das Dores Mendes Segundo e
Francisca Maurilne do Carmo
81
4.
A pedagogia da alternância nas pesquisas de pós-
graduação das universidades brasileiras
Luciane Maria Serrer de Mattos e
Domingos Leite Lima Filho
109
Parte II – a exPansão das redes estaduaIs e federal de educação
ProfIssIonal: crítIcas e PersPectIvas
5.
Relação capital-estado e a preparação da força
de trabalho nas escolas estaduais de educação
prossional
Ana Paula Monteiro de Carvalho, Fabio Queiroz e
José Deribaldo Gomes dos Santos
139
6.
Escolhas políticas privatizantes e o cenário de
inviabilização da rede pública estadual de escolas
prossionais no Espírito Santo
Marcelo Lima, Michele Pazolini e
Tatiana Gomes dos Santos Peterle
161
7.
Educação Prossional da Bahia: uma concepção
emancipatória
Ruy Braga Duarte
193
| 7
8.
Educação Prossional no Amazonas:
contribuições do Programa de Pós-Graduação
Prossional em Ensino Tecnológico do IFAM
Iandra Maria Weirich da Silva Coelho e
Nilton Paulo Ponciano
219
9.
Avanços e desaos na formação de professores
para a educação prossional: uma análise do/no
IFRN
Dante Henrique Moura e
Edilza Alves Damascena
243
10.
Dos limites do neodesenvolvimentismo à
ortodoxia neoliberal: o impacto na luta por uma
Educação Integral nos Institutos Federais
Manoel José Porto Júnior e
Mário Augusto Correia San Segundo
273
11.
Educação prossional no Maranhão no contexto
das políticas de expansão da Rede Federal de
Ensino
Lícia Cristina Araújo da Hora e
Ana Paula Ribeiro de Sousa
299
12.
Os processos de intervenções na rede federal de
educação ciência e tecnologia: descaracterização e
desmantelamento
Aline Cristine Ferreira Braga do Carmo
327
Sobre os Autores
365
8 |
| 9
P
Eneida Shiroma
1
Essa coletânea organizada por Domingos Leite Lima Filho, José
Deribaldo Gomes dos Santos e Henrique Tahan Novaes vem a público em
momento oportuno. Diante dos ataques sucessivos à classe trabalhadora, da
galopante expropriação de direitos, do desmonte da ciência e tecnologia, das
políticas sociais e, particularmente, da educação, o grupo de pesquisadores
aqui reunidos resiste e nos oferece lentes para leitura crítica das políticas da
Educação Prossional. Suas análises acuradas abordam as políticas de modo
contextualizado e procurando indicar suas determinações. Fundamentados
nos clássicos, utilizam as categorias da crítica da Economia Política para
compreender as políticas públicas de corte ultra neoliberal implementadas
pelo governo Bolsonaro que, desde o início do mandato, anunciara ao
Império que não vinha para construir nada, vinha para destruir. Dito e feito.
O perverso conjunto de contrarreformas implantadas em prejuízo dos
trabalhadores expressa as tentativas de o capital conter a queda tendencial
da taxa de lucro almejando superar as crises que cria. Defendendo seus
interesses, o grande capital ataca frontalmente o tripé da seguridade
social – previdência, saúde e assistência social – modicando a legislação
Professora do Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal de Santa Catarina.
Pesquisadora do Grupo de Estudos sobre Política Educacional e Trabalho (Gepeto/UFSC). Bolsista
Produtividade em Pesquisa do CNPq.
https://doi.org/10.36311/2023.978-65-5954-344-1.p9-18
10 |
maior para viabilizar o empresariamento e a gestão privada de instituições
públicas, com consequências desastrosas sobre a saúde e educação já
duramente golpeadas pela Emenda Constitucional n.95/2016 aprovada
no ilegítimo governo Temer.
Sob hegemonia do capital nanceiro, especialmente em países de
capitalismo dependente como o Brasil, a economia ancorada em produtos
primários deixa o país vulnerável diante da desaceleração de crescimento
de parceiros comerciais importantes, ocasionando a queda de preços das
commodities. Orientado por agências multilaterais, o governo implementa
ajustes subsequentes, retalha a Constituição, implanta reformas
administrativas transformando a educação em “serviço essencial”. Vimos
proliferar Organização da Sociedade Civil de Interesse Público, Fundações
Privadas e Associações sem e com ns lucrativos, visando assegurar a
sustentabilidade da nança mundializada.
A inserção da iniciativa privada no provimento da educação e, em
particular, da educação prossional e tecnológica é expressão clara do
puncionamento do fundo público pelo capital.
As formas da privatização da educação vêm sendo estudadas em
diversas perspectivas. O chamado Terceiro Setor (MONTAÑO, 2014)
ganha espaço no campo das políticas públicas, impactando a composição
de conselhos e a correlação de forças na formulação de políticas públicas.
Tentando diferenciar-se dessa perspectiva, Touraine propõe o Setor
dois e meio, anunciando-o como uma alternativa entre a antiga social-
democracia e a Terceira Via. Na análise de Rodrigo Castelo (2013, p.301),
Touraine busca posicionar a proposta dois e meio como centro-esquerda
e “teria como prioridade a inclusão social dos marginalizados por meio
do crescimento econômico e das políticas sociais de promoção e geração
de emprego e renda, enquanto a terceira via insiste nas políticas de
capacitação e empoderamento dos indivíduos.” Outras variantes foram
criadas nessa direção, anunciando um suposto “novo capitalismo”, um
lantrocapitalismo, tentando combinar harmoniosamente mercado com
justiça social, num discurso que busca a condescendência da sociedade
para com o “lucro do bem”.
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas vol. 2
| 11
Neste livro, os autores abordam, por diferentes ângulos, a
privatização da educação. Colocam em questão as iniciativas do chamado
Terceiro Setor, o ímpeto do capital-educador evidenciado nos programas
do Banco Mundial, do Sistema S e de institutos e fundações empresariais
que patrocinam projetos voltados à formação para o trabalho simples.
Os textos aqui reunidos tecem críticas ao desmantelamento das
instituições públicas, aos cortes orçamentários, às sosticadas formas
de controle, à implantação da gestão por resultados nas instituições de
educação prossional que chega ao extremo da nomeação de interventores
para a reitoria dessas instituições. É fundamental o alerta dos autores sobre
a necessidade de se fazer a crítica ao negacionismo e autoritarismo que se
avultaram no país no governo protofascista.
Não obstante essa difícil conjuntura, os pesquisadores analisam além
das políticas, as experiências e as práticas construídas em suas instituições,
indicando os Institutos Federais como um projeto em construção, inacabado,
em movimento, em des-envolvimento. Fazem-me recordar o assertivo iago
de Mello: - Faz escuro mas eu canto, porque a manhã vai chegar.
Com incentivo dos versos do poeta, ao avançar nos capítulos, o
leitor encontrará críticas ao existente e fundamentadas reexões sobre a
formação integral, a pedagogia da alternância, a perspectiva de formação
omnilateral e o papel mediador da educacao e do trabalho em direção à
emancipação.
A presente coletânea nos brinda com doze capítulos organizados em
duas partes: I – Educação prossional e políticas educacionais e II – A
expansão das redes estaduais e federal de educação prossional: críticas e
perspectivas.
A primeira parte aborda questões de natureza conceitual e sobre a
conjuntura atual .Domingos Leite Lima Filho, coordenador do Grupo
de Estudos e Pesquisas em Trabalho, Educação e Tecnologia (GETET/
UTFPR), apresenta um denso estudo sobre as As inter-relações trabalho,
tecnologia e cultura: bases para a formação integral na Educação Prossional e
Tecnológica. Aborda as concepções de trabalho, técnica, ciência, tecnologia
12 |
e cultura organicamente articuladas na obra de Álvaro Vieira Pinto. Ao
destacar “a importância de situar a tecnologia no plano das ações humanas
concretas”, Lima Filho contribui para a desfetichização da tecnologia
enfatizando que ela “participa e condiciona as mediações sociais, porém
não determina por si só a realidade, não é autônoma, nem neutra e nem
somente experimentos, técnicas, artefatos ou máquinas: é constituída por
conjuntos de saberes, trabalhos e relações sociais objetivadas”. A concepção
de Vieira Pinto de trabalho como ato humano de transformar a realidade
orientado pelo processo de hominização nos lembra da importância de não
arredarmos da luta pela criação de novas relações sociais de produção.
Henrique Tahan Novaes, membro do Grupo de Pesquisa Organizações
e Democracia (Unesp-Marília), aborda as Contrarreforma do Estado,
Terceiro Setor e educação prossional. Analisa as recongurações do Estado
em perspectiva histórica. Novaes problematiza a hegemonia do capital
nanceiro e suas implicações em países de capitalismo subordinado.
Dentre os desdobramentos desses fenômenos sobre a educação, o autor
destaca a o crescimento do Terceiro Setor e a mercantilização da saúde,
da previdência e da educação. Ressalta que, além do interesse econômico,
impera o político-ideológico de esvaziar a dimensão do direito universal do
cidadão e criar uma cultura de auto culpa pelas mazelas sociais.
Josefa Jackline Rabelo, Maria das Dores Mendes Segundo e Francisca
Maurilene do Carmo, pesquisadoras da UFC, fazem um resgate histórico
para discutir O caráter classista do ensino prossionalizante no Brasil:
elementos históricos e sociais. Retomando clássicos da história da educação
prossional abordam as principais peças legislativas até a Reforma do
Ensino Médio, instituída pela Lei Nº 13.415/2017, evidenciando as
estratégias de reprodução da dualidade estrutural na educação.
Fechando a primeira parte do livro, Luciane Maria Serrer de Mattos
e Domingos Leite Lima Filho, membros do GETET/UTFPR, apresentam
um balanço da produção sobre A pedagogia da alternância nas pesquisas
de pós-graduação das universidades brasileiras. Essa incursão por teses e
dissertações produzidas de 1969 a 2006 recupera a gênese da pedagogia
da alternância, seus fundamentos teórico-metodológicos e seus pilares
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas vol. 2
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fundamentais: formação integral, desenvolvimento do meio, associação
local e a alternância.
A segunda parte desta coletânea reúne estudos sobre a realidade da
Educação Prossional em vários estados – Ceará, Maranhão, Rio Grande
do Norte, Bahia, Espírito Santo, Rio Grande do Sul e Amazonas – realizadas
por pesquisadores de Universidades e Institutos Federais.
Ana Paula Monteiro de Carvalho, Fabio Queiroz e José Deribaldo Gomes
dos Santos, pesquisadores do Grupo de Pesquisa Trabalho, Educação, Estética
e Sociedade (GPTREES/ UECE) problematizam a Relação capital-estado e
a preparação da força de trabalho nas escolas estaduais de educação prossional.
Estudam as especicidades de monitoramento dos processos formativos
das escolas estaduais de Educação Prossional do Ceará que oferecem
Ensino Médio de tempo integral com currículos propedêutico e prossional
concomitantes. A análise documental privilegia dois documentos principais:
o Plano Plurianual e o Programa para Resultados do Banco Mundial. para
compreender a estrutura da política de formação prossional tendo em vista
desvelar a relação de subordinação do Estado ao capital. Problematizam o
ingresso meritocrático, o controle formativo prossionalizante, o Program for
Results e o controle do nanciador sobre a instituição educativa.
Aprofundando a reexão sobre formas de privatização, Marcelo
Lima, Michele Pazolini e Tatiana Gomes dos Santos Peterle (PPGE/
UFES) discutem Escolhas políticas privatizantes e o cenário de inviabilização
da rede pública estadual de escolas prossionais no Espírito Santo. Analisam
as políticas de educação no Espírito Santo, focando os programas Brasil
Prossionalizado, Escola Viva e Bolsa Sedu. Desenvolvem a tese de que tais
programas “operam de modo contraditório a interface ensino médio e
educação prossional, afastando a possibilidade de uma oferta estadual de
Ensino Médio Integrado à Educação Prossional Técnica de Nível Médio”.
Problematizam a oferta fragmentada do Ensino Médio e sua articulação
com o setor privado. Apresentam evidências, num estudo com fotograas,
que a oferta de ensino médio e Educação Prossional objeto de vários
programas permitiu, ao longo de governos, a transferência de recursos
públicos para iniciativa privada produzindo um saldo de obras inacabadas.
14 |
Indicam, dentre outras conclusões, a importância do controle social por
parte dos munícipes.
Ruy José Braga Duarte (UNEB) apresenta parte de sua tese de
doutoramento recém defendida, sobre a Educação prossional da Bahia:
uma concepção emancipatória. Apresenta uma síntese da proposta
curricular para a educação prossional da Bahia implantada entre 2008
e 2016. Trabalhando com as contradições, busca demonstrar que práticas
educativas de cunho social são possibilidades concretas da relação trabalho-
educação para a formação dos estudantes da rede pública estadual de
Educação Prossional e na implementação de políticas públicas para além
da hegemonia do capital.
Iandra Maria Weirich da Silva Coelho e Nilton Paulo Ponciano,
professores do IFAM, analisam a Educação Prossional no Amazonas:
contribuições do Programa de Pós-Graduação em Ensino Tecnológico do IFAM.
Pesquisam a Educação Prossional e Tecnológica no contexto amazônico
abordando as contribuições e impactos da pós-graduação articulada à
educação prossional. Dentre os resultados ressaltam a relevância social da
educação prossional para o desenvolvimento local e regional, bem como um
espaço estratégico na democratização da formação prossional e tecnológica.
Edilza Alves Damascena e Dante Henrique Moura (IFRN) abordam
Avanços e desaos na formação de professores para a educação prossional:
uma análise do/no IFRN. Discutem a política formativa desenvolvida
pelo Instituto aos próprios docentes, revelando importantes avanços
como o reconhecimento institucional da necessidade de ações formativas
especícas para os docentes da educação prossional. Problematizam o
notório saber” que se constitui em uma ferramenta legal que equipara
qualquer prossional, com titulação acadêmica ou não, aos docentes.
Paradoxalmente, a instituição formadora desvaloriza sua atividade m,
assumindo uma verdadeira política de não formação. Destacam dois grandes
desaos que pairam sobre a formação de professores: “a ausência de uma
política nacional sólida e a persistente negação da docência, sobretudo na
educação prossional, como um campo próprio de conhecimento”.
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas vol. 2
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Se não nascemos docentes, nos tornamos docentes, cabe indagar que
ações estão sendo desenvolvidas no IF para formar seus professores? Os
autores reportam a importância de ações formativas que discutam questões
didático-político-pedagógicas e as especicidades da modalidade educação
prossional. Procuram elucidar o lugar político-epistemológico da categoria
docência, e a imprescindibilidade da formação continuada que possibilite, aos
que atuam na EPT, a apropriação da base losóca da educação prossional
e tecnológica, os princípios e o projeto pedagógico da instituição.
O capítulo de Manoel José Porto Júnior e Mário Augusto Correia
San Segundo professores do IFSul e IFRS respectivamente, nos conduz por
um percurso Dos limites do neodesenvolvimentismo à ortodoxia neoliberal: o
impacto na luta por uma Educação Integral nos Institutos Federais.Analisam
as alterações no ambiente político e social no campo em disputas da
Rede Federal de EPCT. Baseados no materialismo histórico e dialético,
problematizam o contexto de criação dos Institutos Federais em meio às
políticas compensatórias, sob ideário neodesenvolvimentista que, mesmo
premido por políticas neoliberais, em sua heterodoxia, permitiu alguns
avanços contra hegemônicos. A conjuntura pós golpe de 2016 e o avanço
de um neoliberalismo ortodoxo, articulado com o neofascismo ascendente
deu margem à retrocessos danosos à Rede Federal EPCT e as perspectivas de
resistência. Os autores discutem esses dois primeiros pilares fundamentais
da construção do Institutos Federais: o ideário neodesenvolvimentista –
que busca conciliar neoliberalismo com justiça social limitada – e uma
visão naturalizada de tecnologia, descolada da luta de classes.
Na contracorrente, o movimento interno aos Institutos Federais,
dependendo da correlação de forças possibilita criar, aprovar e circular
documentos estruturados a partir de conceitos relevantes que apontam
para o trabalho como princípio educativo, a necessidade da educação
integral, omnilateral, que supere a dicotomia entre trabalho manual e
trabalho intelectual, politécnica, reexiva, crítica, política, a partir de uma
compreensão histórico-cultural do trabalho, das ciências, das atividades
produtivas, da literatura, das artes, do esporte e do lazer, sem dicotomias entre
conhecimentos gerais e especícos. Ou seja, os documentos institucionais
do IFRS, em geral, no que se referem às relações entre trabalho e educação,
16 |
contém orientações contra hegemônicas muito nítidas. Na visão dos autores
as ideias e propostas em torno da “educação politécnica possuíam maior
aceitação, diante de uma perspectiva de sociedade que entendia o combate
às desigualdades sociais como um horizonte a ser buscado, mesmo que de
forma limitada, sob o ideário neodesenvolvimentista”.
Lícia Cristina Araújo da Hora e Ana Paula Ribeiro de Sousa,
respectivamente professoras do IFMA e UFMA, pesquisaram a Educação
prossional no Maranhão no contexto das políticas de expansão da Rede Federal
de Ensino. Analisam as expressões contraditórias do cenário de expansão
do IFMA, abordando a exclusão econômica produzida nos territórios de
povos e comunidades tradicionais e as unidades de conservação de proteção
integral onde a Instituição se localiza. Desvelam a “economia invisibilizada
dentro da concepção produtivista que reforça desigualdades entre homens
e mulheres, desigualdades sociais, a exploração do trabalho, a dicotomia
campo e cidade, a dicotomia entre a escola em seu território”. Prevalece
o desenvolvimento excludente. Os Institutos Federais são chamados a
engajarem-se com: integração social, empregabilidade e assistencialismo. As
autoras trabalham com as categorias do método explicitando a contradição
da política de coalizão de classes, de um governo federal que “expandiu a
rede de instituições federais, possibilitando alternativas de formação da
classe trabalhadora em consonância com as diretrizes do mercado e em
nome da democratização do acesso à educação”. Alguns segmentos da
classe subalterna se sentem contemplados com as políticas de “alívio por
gotejamento” (FONTES, 2010), pelas políticas focais que trabalham para
a obtenção do consenso dos dominados, de maneira subordinada aos
interesses dominantes.
Aline Cristine Ferreira Braga do Carmo, docente do IFMT, discute
um fenômeno que ganha extensão no governo autoritário, Os processos de
intervenções na rede federal de educação ciência e tecnologia: descaracterização
e desmantelamento. As sucessivas tentativas de intervenção na Rede Federal
de Educação Ciência e Tecnologias promovidas pelo Governo Federal
entre 2019 e 2021. Os processos de intervenções buscam a retirada da
autonomia destas instituições e a descaracterização ambas previstas em sua
lei de criação, Lei n.11.892/2008. A pesquisa aborda diversas tentativas
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas vol. 2
| 17
intervencionistas na Rede Federal, especialmente o PL 11.279/2019, MP
914/2019, MP 979/2020, Indicações de Dirigentes Interventores, Proposta
de Reordenamento da Rede Federal e a Portaria 733/2021. Todas estas
medidas tomadas pelo executivo e direcionadas à Rede Federal buscam
alterar o modo de organização das Instituições Federais no que tange sua
autonomia, oferta e estrutura, aos moldes do contexto ultra neoliberal que
orienta o Estado brasileiro.
Essa breve apresentação dos estudos reunidos nessa coletânea
permite estimar sua grande contribuição para o avanço dos debates na
área, anunciando possibilidades, resgatando perspectivas, indicando
caminhos de superação, de organização escolar pensada em outras bases,
de formação integral vinculada necessariamente a um outro projeto de
escola e de sociedade.
Convido à leitura dessa importante coletânea, na expectativa de
que, como eu, os leitores ouçam o canto que contém. Apesar do frio, do
silêncio do outono, há cochicho de avermelhadas folhas secas, e sabemos:
a primavera virá, outros outubros virão.
Eneida Shiroma
Florianópolis, outono/2022
Faz escuro mas eu canto,
porque a manhã vai chegar.
Vem ver comigo, companheiro,
a cor do mundo mudar.
Vale a pena não dormir para esperar
a cor do mundo mudar.
Já é madrugada,
vem o sol, quero alegria,
que é para esquecer o que eu sofria.
Quem sofre ca acordado
defendendo o coração.
Vamos juntos, multidão,
trabalhar pela alegria,
amanhã é um novo dia.
iago de Mello (1965)
18 |
referêncIas
CASTELO, R. O social-liberalismo: auge e crise da supremacia burguesa na era
neoliberal. São Paulo: Expressão Popular, 2013.
FONTES, V. O Brasil e o capital-imperialismo: Teoria e história. Rio de Janeiro: Ed.
UFRJ, 2010.
MELLO, T. Faz escuro mas eu canto. São Paulo: Global, 2017.
MONTAÑO, C. (org.). O canto da Sereia. Crítica à ideologia e aos projetos do
“Terceiro Setor”. São Paulo, Cortez, 2014.
| 19
A
Menos de doer,
Mais de doar
Carlos Careqa e Chico César
Diante do cenário nada animador do Brasil contemporâneo,
ousamos entregar para leitura a coletânea Educação prossional no
Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas vol. 2. O presente
volume não difere essencialmente do primeiro, mas por ser uma segunda
publicação, indica a necessidade social de seu nascimento. Haja vista que
apenas um volume não foi suciente para dar conta de toda a gama de
questões que cercam a educação prossional no contexto de crise estrutural
do capital.
1
Na moldura de crise crônica por que passa o capitalismo,
o seguimento educacional voltado para a prossionalização da classe
trabalhadora é eleito, de modo corriqueiro, como a menina dos olhos para
a solução dos problemas da produção destrutiva capitalista.
Seguramente dois volumes não são sucientes.
https://doi.org/10.36311/2023.978-65-5954-344-1.p19-22
20 |
As políticas estatais educativas, destacadamente a prossionalizante,
encontram-se hoje fortemente associadas à venda do ensino. O grande
capital incentiva, sem nenhum constrangimento, uma determinada
especicidade educativa que forme as lhas e lhos da classe trabalhadora
para o aprendizado precário e precoce de determinado ocio. A intenção
dessa precariedade formativa é apresentar garantias aos empregadores, ao
Estado e às agências internacionais de nanciamento das reformulações
escolares, que o ensino está adaptado a uma suposta era tecnológica. Ao
m e ao cabo, a força ideológica da burguesia decadente de início do
século XXI trafega a necessidade de que esse recorte formativo, ainda que
precário e carente de humanismo, seja apresentado como a saída para os
problemas de desemprego, violência campesina e urbana, desordenamento
ambiental, dentro inúmeros outros problemas criados pelo próprio capital.
Assim, é comum ouvir de jornalistas, religiosos, políticos de direita, centro
e esquerda, intelectuais diversos, artistas, desportistas, entre muitos outros
representantes de distintos seguimentos da atrasada elite endógena, a
defesa da educação especicamente prossionalizate como alternativa para
os problemas da crise capitalista atual.
Para fazer valer o caráter contraditório do movimento social,
a educação, no nosso caso a destinada a formação prossional de
trabalhadoras e trabalhadores, não trafega em leito linear. São muitas e de
diversas ordens as contradições moventes-motoras imanentes ao processo
educacional. Mesmo que a escola especicamente prossionalizante
entregue pelo capital aos jovens-trabalhadores-estudantes tenha como
intenção, no limite de suas possibilidades, ensinar a escrever, contar e
apertar botão macatrônico, a dialética inerente ao tecido social, apresenta
muitas e incontáveis contradições.
Alguns arranjos educacionais espalhados pelo Brasil procuram
se opor à lógica de um capitalismo periférico que, pela vontade de
uma elite atrasada, apenas vê o que suas míopes lentes permitem. Essas
propostas, quase sempre desenvolvidas em instituições públicas, procuram
implementar projetos educacionais que se oponham ao desejo insano do
capital em crise crônica.
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas vol. 2
| 21
O segundo volume de nossa coletânea, materializada na presente
publicação, reúne um considerável conjunto de reexões sobre o quadro
sucintamente descrito acima. São professoras e professores que se
arvoram a vencer o difícil obstáculo de investigar a educação prossional
contemporânea. Diante da diculdade imposta pelo próprio processo de
avaliação da pós-graduação brasileira, fortemente inclinada às publicações
de Paperes, as pesquisas aqui expostas procuram iluminar a problemática
para além do que costumeiramente se encontra publicado nos veículos que
tendem a alimentar a vaidade acadêmica.
Coube à articulação entre os seguintes veículos de pesquisa
materializar a publicação hora exposta: Grupo de Pesquisa Organizações e
Democracia (GPOD) da Faculdade de Filosoa e Ciência da Universidade
Estadual Paulista (FFC-UNESP), ao Grupo de Pesquisa Trabalho,
Educação, Estética e Sociedade (GPTREES) da Faculdade de Educação,
Ciências e Letras do Sertão Central, da Universidade Estadual do Ceará
(FECLESC-UECE) e ao Grupo de Estudos e Pesquisas em Trabalho,
Educação e Tecnologia (GETET) da Universidade Tecnológica Federal do
Paraná (UTFPR).
É lamentável constatar, mas é impossível omitir, que o presente livro
é desenvolvido e publicado durante a pandemia de COVID-19; imposta
à sociedade, em última instância, pela insanidade do grande capital. No
momento em que esta redação é concluída, somente no Brasil, as mortes
contabilizadas pela pandemia já se aproximam de 650 mil. O cotidiano
docente, inserido nesse cenário de terror, compôs o entorno em que as
corajosas exposições que agora publicamos foram escritas.
O livro totaliza 12 comunicações que são divididas em dois eixos
intercalados: I – Educação prossional e políticas educacionais; e II – A
expansão das redes estaduais e federal de educação prossional: críticas
e perspetivas. As exposições, sem abandonarem o caráter de totalidade
exigido pela natureza da ciência, ao dialogarem com a problemática
educativa brasileira, destacam recortes especícos existentes nos Estados
do Amazonas, Ceará, Bahia, Espirito Santos, Maranhão, Rio Grande do
Norte e São Paulo.
22 |
Decididamente, a publicação posta agora sobre os próprios pés, não
espera de que a lê concordância irrestrita, elogios cosméticos, tampouco
comentários acríticos. A honestidade da organização da coletânea, ao
propor sua constituição, objetiva que o rebatimento das exposições aqui
expressas sirva de reexões críticas para a análise da educação prossional
no Brasil contemporâneo.
Agradecemos, antecipadamente, a conança da leitura!
Curitiba, Fortaleza e Marília.
26 de janeiro de 2022
Domingos Leite Lima Filho (UTFPR)
José Deribaldo Gomes dos Santos (UECE)
Henrique Tahan Novaes (UNESP)
(Organizadores)
Parte I
E  
 
| 25
Capítulo 1
A - ,
,   
    
  E
P  T
1
Domingos Leite Lima Filho
Introdução:
Este texto é produzido em um contexto de regressão social extrema.
É um momento difícil em que vivenciamos a dor e manifestamos nosso
sincero e profundo respeito solidário a todas as famílias que perderam entes
queridos dentre os mais de 620 mil brasileiros e brasileiras já falecidos, até
hoje, em decorrência da pandemia COVID-19. É a dura realidade que
vivemos e para muitos de nós isso não é só uma terrível estatística, estes
Versão ampliada do texto base para a Conferência de Abertura do II Seminário da Rede Gaúcha de Estudos
e Pesquisas sobre Educação Prossional e Tecnológica: ciência, cultura e tecnologia, proferida em 03 de
novembro de 2.021.
https://doi.org/10.36311/2023.978-65-5954-344-1.p25-48
26 |
números tem identidade e nome e trazem a dor da perda de uma mãe, um
pai, irmãos, parentes, amigos, colegas de trabalho, alunos ou ex-alunos.
Este contexto cruel da pandemia é, no caso brasileiro, precedido
pela ruptura institucional desencadeada a partir do golpe de 2016,
e dá continuidade ao avanço do neoliberalismo e a um conjunto de
contrarreformas sociais, cujo objetivo é recongurar o Estado visando
torna-lo ainda “mais mínimo” para a garantia de direitos sociais e “mais
máximo” aos interesses do grande capital nacional e internacional. A
ruptura, iniciada com o impeachment da presidenta Dilma Roussef,
prosseguiu com o governo golpista de Temer, com o controle das eleições
de 2.018 em que o arbítrio impediu a candidatura de Lula, e desembocou
no desgoverno deshumanitário, genocida, autoritário e negacionista de
Bolsonaro, provocando e amplicando continuamente a perda de direitos
sociais, elevação das taxas de desemprego, inação, crescimento da miséria
e fome para parcelas signicativas da população.
Neste transcurso, desde 2016 vêm sendo implementadas alterações
constitucionais e programas governamentais regressivos de caráter
neoliberal e neofacista, dentre os quais destacamos a reforma trabalhista,
a reforma da previdência, a alteração do marco regulatório da exploração
do petróleo do pré-sal (Lei n. 13.365/2016) e a Emenda Constitucional n.
95/2016, que congelou os investimentos sociais por vinte anos. No campo
da educação, além dos ataques do conservadorismo de direita, como o
escola sem partido”, a militarização de escolas públicas e a perseguição a
professores, destacam-se os retrocessos provocados pela contrarreforma do
ensino médio e pelos cortes orçamentários e intervenções nos institutos
federais de educação, nas universidades públicas e nas instituições de
fomento à pesquisa e pós-graduação com frequentes cerceios e ataques
governamentais a atuação e desrespeito à autonomia e às decisões
democráticas de suas comunidades.
Diante de tal problemática, o que temos vivenciado neste duro
período é o autoritarismo acompanhado de negacionismo, escárnio, ironia,
cinismo, manipulação da informação e não transparência e controle das
ações governamentais. Nesse sentido, é possível considerar que o Brasil
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas vol. 2
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vive um “estado de exceção”, na perspectiva defendida por Agamben
(2015), em que dispositivos legais são manipulados pelo Estado com vistas
a eximir os governos de limites à sua atuação, por exemplo com respeito
aos direitos dos cidadãos, caracterizando uma indeterminação entre o legal
(institucionalizado) e o ilegal (praticado pelo governo), entre a democracia
(formal) e o arbítrio governamental.
Com efeito, vivemos tempos sombrios e nós que olhamos a
realidade pela dimensão humanitária da justiça, da igualdade, da ética e da
democracia, vemos a necessidade da resistência e da luta pela superação.
Do contrário, há os que dizem “e daí”, há os veem o momento como uma
“janela de oportunidades”, como os empresários da educação e de outros
setores, ávidos pela privatização e pela apropriação dos recursos públicos.
Ou, ainda aqueles que veem a oportunidade de passar a boiada, enquanto
milhares morrem, milhões empobrecem, e o país literalmente pega fogo ou
ca às escuras ou sem oxigênio.
Contudo, mesmo em tempos sombrios, nestes em que as
piores pessoas perderam o medo de professar e praticar toda a sorte de
discriminações e arbítrios (ARENDT, 2010), há a possibilidade e mesmo
a necessidade da ação coletiva com vistas à construção de um novo tempo,
tempo de humanidade, de liberdade, de esperança.
É justamente nesta perspectiva que encaminhamos este texto, ou
seja, na necessidade de nestes tempos sombrios não perdermos a esperança,
mas a esperança da reexão e ação coletiva e ativa. Neste centenário de
nosso grande educador Paulo Freire vale relembrar que
É preciso ter esperança, mas ter esperança do verbo esperançar;
porque tem gente que tem esperança do verbo esperar. E esperança
do verbo esperar não é esperança, é espera. Esperançar é se levantar,
esperançar é ir atrás, esperançar é construir, esperançar é não
desistir! Esperançar é levar adiante, esperançar é juntar-se com
outros para fazer de outro modo. (FREIRE, 1992, p. 110-111).
Então, é neste quadro difícil de regressão social que produzimos
esta análise e é na direção contrária aos desmontes de direitos, de
28 |
instituições e de políticas sociais que a seguir vamos discorrer sobre a
temática da formação integral na educação prossional e tecnológica. O
texto busca enfrentar duas questões centrais: 1. A questão da tecnologia
e do trabalho e suas inter-relações com a ciência e a cultura: nisso, a
necessidade de produzir uma crítica às abordagens reducionistas do
determinismo tecnológico e da precarização do trabalho; 2. A concepção
educacional da formação humana integral: suas bases conceituais e seus
limites e possibilidades no capitalismo e na sociedade brasileira, em
particular em relação ao ensino médio integrado e sua problemática face
à atual contrarreforma do ensino médio.
Para a abordagem da primeira questão tomaremos como referência
a obra de Álvaro Vieira Pinto. Ao estudar a obra deste autor constatamos
que em seu arcabouço conceitual, tendo como ponto de partida o trabalho
como dimensão central da sociabilidade, estão indissociavelmente inter-
relacionados técnica, cultura, ciência e tecnologia, na constituição de todo
um complexo que caracteriza a sociedade humana, naquilo que o autor
denomina de produção social da existência. A partir desta perspectiva
teórico-metodológica, abordaremos a segunda questão, tendo como
referência elaborações do campo temático trabalho e educação brasileiro,
na perspectiva do materialismo histórico-dialético, e a centralidade
e experiência histórica da Rede Federal de Educação Prossional e
Tecnológica, sobretudo na oferta do ensino médio integrado.
a Inter-relação trabalho, cultura, cIêncIa e tecnologIa na
Produção socIal da exIstêncIa
Para embasar nossa reexão sobre a formação humana integral
tomaremos como referência a obra de Álvaro Vieira Pinto. Ao longo de
seus diversos livros, o autor constrói o conceito de produção social da
existência, tomando por base a inter-relação trabalho, cultura, ciência e
tecnologia para a constituição da sociabilidade humana.
Álvaro Vieira Pinto (1909 – 1987) foi um dos importantes intelectuais
brasileiros do século XX. Graduou-se em Medicina em 1932 e depois em
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas vol. 2
| 29
Matemática e Física. Profundo estudioso de losoa, destacou-se por sua
atuação na Faculdade de Filosoa da Universidade do Brasil e no Instituto
Superior de Estudos Brasileiros – ISEB. Exilado na ditadura militar, viveu
inicialmente na então Iugoslávia (entre 1964 e 1965) e posteriormente
no Chile (entre 1965 e 1968), onde travou convívio com Paulo Freire.
Publicou obras de destaque como “Consciência e realidade nacional”,
“Ciência e existência”, “El conocimiento crítico en demograae “Sete lições
sobre a educação de adultos. Uma importante obra do autor, somente
encontrada e publicada postumamente, é “O conceito de tecnologia”.
Em “Consciência e realidade nacional” (1960) o autor já destacava
a centralidade do trabalho para a produção da sociabilidade humana:
a adequação do pensamento à realidade material se faz mediante o ato
humano de transformar esta realidade, e a este ato chamaremos trabalho
(PINTO, 1960, p. 62).
Na citação anterior e noutras deste mesmo livro, como também em
outras obras de Álvaro Vieira Pinto, nota-se forte inuência das concepções
de Marx. Nesse sentido, observamos que a armação “A humanidade não
cria problemas que não esteja em condições de resolver” (PINTO, 1960,
p. 246) é praticamente uma repetição de Marx.
2
O mesmo ocorre com o
seguinte trecho: “O homem faz a História, mas não a faz por capricho ou
ao sabor de suas disposições subjetivas. Faz porque está submetido a um
mundo circundante, ... segundo relações inerentes ao processo geral ...
(PINTO, 1960, p. 345).
3
Álvaro Vieira Pinto destacou-se por sua crítica ao imperialismo e
pela defesa do nacionalismo e desenvolvimentismo, tendo educação,
trabalho, cultura e consciência como temas centrais de sua abordagem
a partir da defesa dos povos e nações do chamado Terceiro Mundo ou
países em desenvolvimento. No contexto do início dos anos de 1960, sua
atuação aproximou-se dos movimentos sociais em defesa das reformas de
base (urbana, agrária, universitária etc) e de cultura popular e do Centro
Ver Marx (2004).
“Os homens fazem a sua própria história, mas não a fazem segundo a sua livre vontade, em circunstâncias
escolhidas por eles próprios, mas nas circunstâncias imediatamente encontradas, dadas e transmitidas
(MARX, 1978, p. 17).
30 |
Popular de Cultura (CPC) da União nacional dos Estudantes (UNE),
destacando-se, neste âmbito, as obras “A questão da universidade” e “Por
que os ricos não fazem greve”.
“Em suas proposições para a realidade nacional colocava como
necessidade a superação da consciência ingênua pela consciência crítica,
que estaria assentada em dois complexos simbólicos fundamentais: a
cultura, porque memória social do trabalhar”, e a educação porque acesso
à possibilidade de trabalhar de forma cada vez mais elaborada”(FREITAS,
1998, p. 33).
Os livros “El pensamento crítico en demograa e “Ciência e Existência:
problemas losócos da pesquisa cientíca” foram escritos quando de sua
permanência no Chile como exilado. O primeiro foi publicado pelo Centro
Latino-Americano de Demograa (CELADE) em 1966 e o segundo, pela
Editora Paz e Terra, em 1969.
Em “Ciência e existência” Álvaro Vieira Pinto apresenta
sistematicamente suas concepções sobre a construção da sociabilidade
humana, isto é, sua ontologia, desenvolvendo articuladamente conceitos
como trabalho, técnica, ciência, tecnologia e cultura, como dimensões da
sociabilidade intrinsecamente inter-relacionadas ao desenvolvimento do
indivíduo e da sociedade. Ou seja, aqui encontramos a síntese do arcabouço
conceitual do autor acerca da inter-relação do trabalho, técnica, cultura,
ciência e tecnologia como base da produção social da existência humana,
explicativas tanto da singularidade da espécie humana, como da contínua
transformação das sociedades humanas. A citação a seguir, embora longa,
é elucidativa deste complexo conceitual:
À medida que as relações do homem com o mundo deixam de
ser as de um animal simplesmente adaptado ao mundo para se
converterem, simultaneamente com isso, em relações de adaptação
do mundo a ele, o que impõe a transformação deliberada e articial
da realidade exterior, aparece o trabalho como o modo pelo
qual o homem começa a produzir para si o mundo, os objetos e
as condições de que precisa para existir. A primeira coisa que o
homem produz é o mundo, entendido não simplesmente como
o ‘estar aí’ da existência inerte das coisas, mas o mundo tornado
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas vol. 2
| 31
humano pela presença do homem e pela organização social que,
pelo trabalho, lhe impõe. E o faz para produzir-se a si mesmo nele,
individualmente, e reproduzir-se, na espécie.... O homem passa
a ser, em extensão cada vez mais ampla, o criador das condições
que o criam. E isso se dá pela capacidade de intervir na natureza,
ação esta que se denomina trabalho. Ao agir sobre os corpos
circunstantes não apenas sua estrutura corpórea se vai modicando
e ganhando habilidades operatórias traduzidas em atos técnicos
e comportamentos lógicos [técnica e tecnologia] socialmente
coordenados que se acumulam e transmitem [educação],
formando os primeiros elementos da cultura; igualmente vai
criando a representação conceitual cada vez mais adequada e
correta das propriedades das coisas, do signicado dos fenômenos
e, deste modo, se capacita a converter-se em produtor eciente do
mundo’ onde se instala, e que reciprocamente o vai congurando
sicamente e intelectualmente, percebe-se, assim, que o processo
de hominização, cujo termo cultural último é o surgimento da
ciência, depende em todo o curso de um outro processo, o da
produção [social] da existência, que o homem conduz mediante
a prática do trabalho sobre a realidade física” (PINTO, 1969, p.
85, grifos nossos).
Poderíamos buscar outras passagens da produção de Álvaro Vieira
Pinto, onde se aprofunda a concepção de cada um destes conceitos, porém
o que veremos é que formam um complexo das múltiplas dimensões do
processo de hominização e da contínua transformação (complexicação)
da realidade circundante e do próprio ser. Mas, cada uma destas dimensões
constitui em si um complexo, que só tem existência concreta interligada às
demais dimensões do processo, de modo que, o homem pode ser denido
como um complexo de complexos, como armou Lukács, em “Para uma
Ontologia do Ser Social” (2012).
Ademais, da análise deste trecho podemos extrair a elaboração de
duas categorias fundamentais que permeiam toda a produção de Álvaro
Vieira Pinto: a produção social da existência é um movimento continuo
de transformação que só pode ser entendido se analisado sob o prisma
da contradição entre a vida e o meio (realidade existente) que necessita
32 |
de respostas para a sua continuidade viva, processo que somente pode ser
apreendido se considerarmos a totalidade e historicidade do agir e do
pensar humanos em que o trabalho, a técnica e a tecnologia, a cultura e a
ciência operam como mediações entre a nalidade para a qual os sujeitos
operam sobre o objeto da realidade concreta.
- Nesse sentido, dentro do processo mais amplo de produção social
da existência, o autor caracteriza a “ciência como atividade natural da razão
humana ao cumprir a exigência interior de apoderar-se intelectualmente,
por reexão subjetiva, dos processos do mundo exterior” (PINTO, 1969,
p. 63). Assim, a ciência faz parte do processo existencial do homem, pois
o que em cada momento [época histórica] se entendeu por ciência era
a forma mais perfeita que podia assumir então a capacidade humana de
compreensão e discernimento da realidade” (PINTO, 1969, p. 92).
E a reexão subjetiva necessita ser analisada sob o prisma dialético
da contradição:
Se por um lado a natureza domina a razão, pois a cria e lhe dá os
conteúdos ideativos originais, os dados do saber e as categorias que
os sistematizam, por outro lado deve dizer-se que a razão domina a
natureza, porque se vale das ideias que representam adequadamente
as propriedades das coisas para alterar os processos de interação
entre estas, penetrar na profundidade dos fenômenos, produzir
objetos e reações articiais, e sobretudo para violar a dependência
em que o pensamento de início se encontra de relação estrita de
simples apreensão dos dados materiais imediatos, o que tem lugar
mediante a criação de novas ideias a partir das já criadas. (PINTO,
1969, p. 69).
Álvaro Vieira Pinto considera o trabalho como a atividade
transformadora do mundo, isto é, “a relação permanente do homem
socialmente existente, com o mundo exterior, que deve transformar para
nele subsistir” (PINTO, 2005, p. 414). Acerca da ação humana sobre a
realidade, o autor chama a atenção para dois aspectos essenciais que devem
ser considerados: “a) o de que nunca a ação do homem na natureza é
individual, solitária e pessoal, mas sempre possui caráter social; b) o de que
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas vol. 2
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não se trata de uma ação simplesmente localizada no tempo, mas de uma
ocorrência histórica” (PINTO, 1969, p. 87).
Para Álvaro Vieira Pinto a técnica signica a acumulação qualitativa
do trabalho, que se manifesta em duas dimensões: a) no conteúdo da
técnica, que equivale ao fazer novo; b) na técnica como o novo criado
a partir do antigo, logo o desenvolvimento. Ou seja, a técnica como
progressiva racionalização da ação produtiva do homem sobre a natureza
opera uma dupla transformação: a) de natureza em si, para natureza para
si; b) de homem animal biológico para ser social.
No livro “Sete lições sobre educação de adultos”, Álvaro Vieira Pinto
apresenta um conceito de educação em sentido amplo, que corresponde
à existência humana em toda a sua duração e em todos os seus aspectos.
Assim, a) a educação é um processo, formação do ser no decurso do tempo,
portanto, é um fato histórico; b) é um fato existencial, o modo como o
homem se faz homem, constitutiva do ser humano; c) é um fato social,
movida pelo interesse de integrar todos os seus membros (reprodução).
O texto original do livro “O Conceito de Tecnologia”, 1410
laudas preparadas em máquina de escrever e cuidadosamente revisadas à
mão pelo próprio autor (última revisão em 1974), cou durante longo
tempo perdido no fundo de umas caixas guardadas por familiares e só
foi descoberto recentemente, sendo nalmente publicado em 2005. Nele
Álvaro Vieira Pinto aborda fundamentalmente o fenômeno da técnica e
do progresso tecnológico, considerando que o pensar sistemático sobre a
técnica constitui a tecnologia.
Álvaro Vieira Pinto é um crítico contundente das abordagens
deterministas que atribuem à tecnologia a condição de “motor da história”,
destacando o caráter ideológico e hierarquizador dessas concepções que
funcionam como suporte das relações geopolíticas centro-periferia.
Segundo o autor, não se trata de sacralizar ou demonizar uma suposta “era
tecnológica”, mas sim de considerar os contextos históricos, culturais e
sociais nos quais são produzidos e apropriados os conhecimentos cientícos
e tecnológicos, restituindo ao campo da ação humana e das relações sociais
34 |
a produção e apropriação das diversas técnicas e tecnologias, sob formas
de artefatos, saberes e fazeres, práticas cotidianas e processos produtivos.
Nesse processo contínuo de produção e reprodução do ser social em seu
devir histórico, complexo de complexos de determinações e mediações que
se dinamizam, a tecnologia é, conforme Álvaro Vieira Pinto, “memória
social do fazer novo”, inerente ao ser social que se produz e produz o
mundo ao seu entorno.
Em seu trabalho visando classicar as diversas acepções do termo
tecnologia, Álvaro Vieira Pinto (2005), destaca quatro signicados
principais: a) o primeiro signicado, etimológico, apresenta a tecnologia
em seu sentido primordial central, isto é, a epistemologia da técnica,
isto é, “a teoria, a ciência, o estudo, a discussão da técnica, abrangidas
nesta última noção as artes, as habilidades do fazer, as prossões e,
generalizadamente, os modos de produzir alguma coisa” (PINTO, 2005,
p. 21); b) no segundo, em que a tecnologia aparece como sinônimo de
técnica, temos a representação da linguagem de uso corrente, o senso
comum onde não se exige rigor e em que as duas palavras, ou a sua variante
know how, mostram-se intercambiáveis; c) a terceira acepção, relacionada
à anterior, é usualmente empregada quando se deseja referir ou aferir
comparativamente o grau de progresso das forças produtivas de determinada
sociedade, em relação à outras ou à outros tempos históricos; dessa forma,
tem-se “o conceito de tecnologia entendido como o conjunto de todas as
técnicas de que dispõe uma sociedade, em qualquer fase histórica de seu
desenvolvimento” (PINTO, 2005, p. 22); d) por m, o quarto signicado,
no qual a tecnologia é identicada como a “ideologia da técnica”.
Referindo-se criticamente a esta última acepção, porém mesclando
elementos da segunda e terceira acepções, o autor destaca a importância
de situar a tecnologia no plano das ações humanas concretas, orientadas
ao processo de humanização do mundo, mediante sua ação como sujeito
concreto da história, em contraposição às abstrações que acabam por
situar a discussão no nível do senso comum e a conferir um fetiche
à técnica e à tecnologia em si mesmas, do que resulta o processo de
ideologização. Nesse sentido, destaca o papel central da materialidade da
agência humana no processo:
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas vol. 2
| 35
O trabalhador sabe que a técnica da qual se utiliza tem por
nalidade a produção de bens. Esta simples proposição pertence
à consciência crítica, embora ainda extremamente elementar. Se
fosse prosseguida, a linha de pensamento assim iniciada levaria
à compreensão da natureza dialética da produção e à descoberta
da função do homem como único agente real de todo o processo.
Mas o desvio idealista a que é submetido o pensamento por efeito
da alienação enfeitiçadora conduz a outra direção, à sublimação,
à ideologização da técnica pelo progressivo desligamento de suas
bases materiais. Desprendendo-se cada vez mais dos suportes, a
técnica torna-se uma entidade suspensa no espaço, sem causa nem
relações temporais. Esse estado de levitação demonstra-se muito
apropriado para dar-lhe a aparência de divindade transcendente.
(PINTO, 2005, p. 290).
Para Álvaro Vieira Pinto, a técnica e a tecnologia são coetâneas ao
processo de hominização e estão presentes em todo ato humano, explicadas,
praticadas e justicadas pela necessidade da produção social da existência.
Assim, destaca “o caráter necessariamente técnico de toda criação humana,
seja no campo da produção material, seja no campo da produção ideal,
artística, losóca ou mitopoiética” (PINTO, 2005, p. 63).
Em seu posicionamento crítico às concepções que atribuem um
caráter excepcional e extraordinário à era atual, Álvaro Vieira Pinto,
propondo raciocínio distinto, observa que “Outra maneira consiste em
considerar extraordinário o tempo no qual vivemos não porque esteja
excluído da história, enquanto terminação dela, mas exatamente porque
o vê incluído no curso de uma história envolvente contínua, que confere
intrínseca historicidade e originalidade a todas as criações de qualquer
presente” (PINTO, 2005, p. 47).
Dessa forma, o autor conclui que, a rigor, “a expressão ‘era tecnológica
refere-se a toda e qualquer época da história, desde que o homem se
constituiu em ser capaz de elaborar projetos e de realizar os objetos ou ações
que os concretizam” (63). Ou seja, o ponto de partida para a compreensão
da técnica, da tecnologia e da sociedade que a elas produz e delas usufrui
é o trabalho, como categoria ontogenética, e as formas sociais que assume
36 |
no devir do processo civilizatório, isto é, as relações sociais de produção em
determinada época histórica. Sendo assim, “uma losoa tecnológica [da
tecnologia], para ser autêntica, tem que fundar-se na teoria das mudanças
no modo de produção social” (PINTO, 2005, p. 49).
Tendo em vista o exposto, concluímos que conceber plena
especicidade e autonomia à tecnologia, ou seja, desgarrá-la das bases do
processo social produtivo, leva à produção de uma espécie de “coisicação
da tecnologia em si e contribui com formas de alienação do ser social
que a produz. Ao contrário disso, nossa posição conceitual é a de armar
a tecnologia como essencialmente relacional, isto é, adotamos uma
perspectiva histórico-antropológica para a compreensão da tecnologia.
Sob esta perspectiva, sua produção e sua apropriação [da tecnologia]
constituem processos imersos em construções sociais complexas, como
forças intelectuais e materiais do processo de produção e reprodução social.
Como processo social, a tecnologia participa e condiciona as mediações
sociais, porém não determina por si só a realidade, não é autônoma, nem
neutra e nem somente experimentos, técnicas, artefatos ou máquinas: é
constituída por conjuntos de saberes, trabalhos e relações sociais objetivadas.
Portanto, mais que força material da produção, a tecnologia, como
processo de intervenção do ser social, em sua ação com os demais e sobre o
meio, indissociável das práticas sociais cotidianas, em seus vários campos/
diversidades/tempos e espaços, assume uma dimensão sociocultural,
uma centralidade geral, e não especíca, na sociabilidade humana.
Esta compreensão da tecnologia e de suas inter-relações com as demais
dimensões da sociabilidade humana, em uma perspectiva de totalidade
e historicidade, é fundamental para nossa concepção educacional da
formação humana integral.
a formação humana Integral: uma ePt Para a emancIPação
humana
Nosso ponto de partida para entender a formação humana
é considerar que os seres humanos se produzem historicamente e
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas vol. 2
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socialmente, em relação com os demais e com o meio. Processualmente,
ao longo da história, realizam sua produção, agem coletivamente buscando
realizar as necessidades demandadas à vida, no sentido de uma totalidade
que se assenta na unidade da produção da existência e da consciência.
No processo, estabelecem relações sociais, que demarcam sua produção
material e intelectual, nas quais o trabalho e a educação são mediações.
Nesse sentido, podemos considerar que “pelo trabalho, o ser humano se
humaniza, se cria, se expande em conhecimento, se aperfeiçoa” (LUKACS,
1978). Como ato e experiência da realização que produz objetivamente a
vida, o trabalho é base estruturante, princípio educativo, na medida em
que o ser verica o que é efetivo e útil para a produção de sua existência,
isto é sua humanidade. Ao mesmo tempo, ao conservar e reproduzir estes
atos ecazes à vida, desenvolve-se sua consciência. A necessidade de sua
apreensão reexiva e de sua transmissão para as gerações futuras é a tarefa
originária da educação. Portanto, a formação humana é um processo
que envolve a historicidade e a totalidade das relações sociais, numa
indissociabilidade entre trabalho, técnica e tecnologia, cultura e educação,
produção material e intelectual da vida. Nossas referências para esta
síntese são Marx, Lukács, Pinto e Saviani, entre outros. Ao defender para
os trabalhadores a unidade da instrução com o trabalho, composta pela
educação intelectual, física e tecnológica, Marx, e os demais autores que
se alinham à sua perspectiva, estão claramente sinalizando para a natureza
integral do processo de constituição do ser, ou seja, para a formação integral
do ser humano.
Em texto anterior (MOURA; LIMA FILHO; SILVA, 2015)
zemos uma discussão aprofundada da origem do conceito de educação
tecnológica em Marx e sua aproximação aos conceitos de politecnia e
formação humana integral. Com efeito, Marx, nas “Instruções para os
delegados do Conselho Geral Provisório da Associação Internacional dos
Trabalhadores”, de agosto de 1866, faz a defesa da união entre educação
e trabalho produtivo, destacando que a educação da classe trabalhadora
deve compreender:
38 |
Primeiramente: Educação mental [intelectual].
Segundo: Educação física, tal como é dada em escolas de ginástica e
pelo exercício militar.
Terceiro: Instrução tecnológica, que transmite os princípios gerais de
todos os processos de produção e, simultaneamente, inicia a criança
e o jovem no uso prático e manejo dos instrumentos elementares de
todos os ofícios. (MARX, 1982a, grifo do autor).
Esta mesma formulação é também apresentada por Marx em
“O capital”, cujo volume I foi publicado em 1867, bem como em “A
ideologia alemã”, de 1846, e na Crítica ao Programa de Gotha”, de
1875, e, ainda, no “Manifesto comunista”, de 1848, de Marx e Engels
4
.
Portanto, concluímos que “ao tratar de educação intelectual, física e
tecnológica, Marx está claramente sinalizando para a formação integral
do ser humano, ou seja, uma formação onilateral” (MOURA; LIMA
FILHO; SILVA, 2015, p. 1060).
Evidentemente, esta unidade e indissociabilidade ontológica
originária, foi quebrada pelos sucessivos modos de produção ao longo
da história, com a divisão social do trabalho, pela apropriação privada
da produção material e intelectual, incluídas aí a ciência e a tecnologia,
pelos processos de dominação econômica e subalternidade cultural,
estabelecendo-se a dualidade do trabalho material e intelectual, que
caracteriza as sociedades de classes, à qual corresponde uma dualidade
educacional. Este percurso histórico do capitalismo, no qual se estabelece
a dualidade do trabalho e da educação, torna-se ainda mais duro em
sociedades de capitalismo dependente e subalterno, como a brasileira,
provocando desigualdade e exclusão social extremas.
Ou seja, argumentamos que o enfrentamento da ruptura da
totalidade social e da redução ontológica do ser social, provocadas pelo
desenvolvimento das relações capitalistas de produção, constitui o processo
mais geral de luta social da classe trabalhadora por novas relações sociais de
produção. Entendemos que, como parte deste processo e inserida nas lutas
Ver Marx (1982b, 1996) e Marx e Engels (1997, 2007).
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sociais, a educação pode contribuir para a superação das relações capitalistas
de produção, mediante adoção de concepções e práticas educacionais
orientadas para uma formação humana integral, ou, do contrário, a
educação pode reiterar ou até mesmo aprofundar esta situação, mediante
adoção de concepções e práticas orientadas pela e para a fragmentação do
conhecimento e da formação. É, portanto, neste quadro que podemos situar
as disputas entre classes/fragmentos de classes sociais e projetos societários
que marcam, constituem e dividem a sociedade brasileira, por exemplo,
quando tratam dos objetivos e nalidades atribuídos ao Ensino Médio
– objeto da reforma atual e elemento central da Educação Prossional e
Tecnológica e dos Institutos Federais - evidenciando-se as disputas sociais
em torno de distintos direcionamentos para a formação dos trabalhadores.
Portanto, a concepção de formação humana integral está ancorada
em um projeto social da classe trabalhadora. Nas bases conceituais e
epistemológicas desse projeto educacional e social se defende a formação
humana integral, no seu sentido pleno, com acesso ao universo de saberes
e conhecimentos cientícos-tecnológicos, artístico-culturais e sócio-
históricos produzidos pela humanidade, que permitem compreender o
mundo, compreender-se no mundo e nele atuar na busca de melhoria
das próprias condições de vida e da construção de uma sociedade
socialmente justa.
Nesta concepção educacional arma-se a importância da totalidade,
historicidade e integração dos conhecimentos, de sua compreensão como
unidade, quebrando falsas dicotomias como as que se referem ao geral e
ao especíco, bem como a integração entre agir e conhecer, entre teoria
e prática. É, portanto, um projeto educacional, mas também social, no
sentido ético-político da democracia plena, um projeto educacional e
societário efetivamente comprometido com a emancipação humana.
A concepção de formação humana integral, tendo por base o trabalho
como fonte da produção material e intelectual da vida, é um projeto social
e educacional, que considera a educação como um direito subjetivo e
universal, nesse sentido, deve ser pública, gratuita e laica, em todos os
níveis e modalidades educativas. Por um lado, tem realizações, ainda que
40 |
parciais, na experiência republicana de democracias representativas. Por
outro lado, está ancorada em experiências históricas das lutas da classe
trabalhadora, tendo como referência losóca e política o materialismo
histórico e dialético. É o caso das proposições da Escola Unitária fundada
no trabalho como princípio educativo, com formulações originadas em
Marx e Engels e ulteriormente desenvolvidas por Gramsci e exemplos
concretos, tais como a Educação Politécnica, nas realizações da pedagogia
socialista, com referência nas obras de Pistrak e Shulgin, dentre outros.
Entendemos que mesmo nos marcos limitados da sociedade
capitalista dependente e excludente que caracterizam o Brasil, mas
considerando que a transformação social se faz junto com a transformação
das próprias circunstâncias, os institutos federais se constituem num espaço
de resistência e podem reunir as possibilidades para a construção de um
ensino médio integrado a educação prossional e tecnológica, que tenha
como referência e perspectiva a formação humana integral, tendo como
eixos estruturantes o trabalho, a ciência, a tecnologia e a cultura, podendo
contribuir como germe na construção de uma travessia para uma nova
realidade educacional e social no país.
Constituídos a partir de 2008, os Institutos Federais emergem das
centenárias escolas de aprendizes e artíces, que originalmente criadas em
1909 eram instituições da velha ordem, destinadas ao recorte educacional
e social de “pobres e excluídos” trabalhadores, destinados a uma formação
meramente operacional e prática. Ao longo da história educacional
brasileira estas instituições foram construindo uma identidade e marca
social, mas que também neste percurso era reconstruída e negada. Nesse
percurso, estas instituições, quase como uma exceção ao quadro geral de
desmonte e precarização que se abateu sobre as redes de educação básica
do país, mantiveram e expandiram uma rede qualicada, por dispor de
infraestruturas físicas adequadas e de quadro de professores e técnicos
educacionais com condições de trabalho, carreira e salários dignos, o que
lhes permite ser palco de possível realização de uma proposta educacional,
como a experiência do ensino médio integrado, que seja:
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas vol. 2
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- democrática, por seu caráter público e voltado para incluir social e
educacionalmente as camadas tradicionalmente excluídas;
- capilar geogracamente, espalhando-se pelos rincões do país;
- cientíca e ético-política, que busca integrar formação técnica,
cientíca e humanista;
- integral, na medida que concebe a unidade entre a formação
intelectual e a produção material da vida, em que a pesquisa
(produção do conhecimento) e o trabalho são categorias centrais.
Nesse sentido, consideramos que os Institutos Federais representam
uma experiência das mais positivas na sociedade brasileira para a construção
de uma educação democrática, cientíca, tecnológica, humanista, enm,
voltada ao desenvolvimento de todas as potencialidades humanas, uma
educação capaz de proporcionar aos estudantes o domínio dos processos
complexos de organização do poder na sociedade e da produção material
e intelectual da vida, egressos com plena capacidade de produzir e dirigir.
Como possibilidade de realização nos Institutos Federais aponto
ainda perspectiva educacional que considere o enfoque Ciência, Tecnologia
e Sociedade (CTS) como meio de favorecer uma mudança de postura
através da qual o ensino de ciências e tecnologia deixa de ser enfocado
em conteúdos distantes e fragmentados, baseados em conhecimentos
cientícos supostamente neutros e autônomos, e passa a ser enfocado em
situações vividas pelos educandos em seus contextos vivenciais cotidianos
(LINSINGEN, 2007, p.13)”, prestando-se atenção às circunstâncias sociais
do desenvolvimento, emprego e uso das tecnologias, às características
dos objetos técnicos e ao signicado de tais características assim como
às forças sociais e econômicas que determinam seu uso. Na educação, de
modo geral e na educação prossional e tecnológica, sobretudo no ensino
médio integrado, este processo também pode ser materializado mediante o
desenvolvimento da história social da produção dos conhecimentos e a sua
integração na perspectiva das categorias historicidade e totalidade. E esta
42 |
é também uma forma promissora de enfrentar limitações metodológicas
teóricas e práticas que a tradição disciplinar do conhecimento e das
prossões impõe ao processo educacional escolar.
Evidentemente estamos em um momento muito complicado,
porque todo o quadro de medidas que se abatem sobre a educação
básica e a educação prossional e tecnológica é muito regressivo. A
Resolução CNE/CP 001-2021, de 05/01/21, dá nova forma e conteúdo
às Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação Prossional e
Tecnológica (DCNEPT). Estas diretrizes veem completar o conjunto
de instrumentos legais e normativos que instituem a contrarreforma do
Ensino Médio, desencadeada a partir da MP n0 746/2016, convertida
na Lei 13.415/2017. Ainda integram essa contrarreforma as Diretrizes
Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (DCNEM - Resolução
CNE/CEB n 0 03/2018), a Base Nacional Comum Curricular (BNCC -
Resolução CNE/CEB n 0 04/2018) e a quarta versão do Catálogo Nacional
de Cursos Técnicos (CNCT - Resolução CNE/CEB n0 02/2020). Mas
recente ainda, o Decreto 10.656/2021, de 22/03/21, que regulamenta o
FUNDEB, busca denir o papel dos IFs na implementação do itinerário
da formação técnica prossional (previsto na Lei 13.415) via modalidade
concomitante, condicionando inclusive o acesso aos recursos do fundo.
De modo geral, estes instrumentos priorizam, claramente, a forma
concomitante da Educação prossional e tecnológica de nível médio
(EPTNM), o que é forte ameaça à continuidade da construção do Ensino
Médio Integrado (EMI) como perspectiva formativa voltada para uma
concepção de formação humana integral do cidadão. Estas medidas
reducionistas de conteúdos, de fragmentação curricular e de aligeiramento
do ensino médio e da educação prossional e tecnológica, instituídas no
contexto de autoritarismo e de negacionismo da ciência, expressam a
vinculação da política educacional a um modelo de inserção capitalista
dependente e subalterno, de um país cuja economia cada vez mais se limita
ao trabalho simples, com empregos e/ou ocupações de baixa qualicação
e alto grau de informalização, exibilização e perda de direitos sociais e
redução do valor real dos salários, produzindo a elevada precarização do
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas vol. 2
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trabalho que tem redenido as bases sociais da classe trabalhadora brasileira,
afetando de forma grave o futuro de amplos setores da juventude..
consIderações fInaIs
Tendo em vista as perspectivas conceituais acima descritas acerca
da inter-relação trabalho, tecnologia, ciência e cultura como base para a
formação integral na Educação Prossional e Tecnológica e a experiência
do ensino médio integrado em construção nos Institutos Federais, contudo
diante dos ataques regressivos da conjuntura presente, impõe-se a pergunta:
quais são os obstáculos e desaos que precisamos enfrentar para a defesa
dos institutos federais e do ensino médio integrado neles praticado?
Destacamos a importância da crítica ao autoritarismo e ao
negacionismo, pois de fato eles são obstáculos a uma educação que possa
enfrentar os desaos do tempo presente na perspectiva de construção de
uma nova sociedade: nesta, a educação terá necessariamente que ser direito
de todos, cientíca e democrática.
Falamos em educação cientíca, não somente no plano das ciências
naturais e tecnológicas, mas também no plano das ciências humanas e
sociais. Não há disjunção, é uma educação na perspectiva da formação
integral, humanista e tecnológica, tendo como foco a construção coletiva
de sujeitos críticos, ativos, transformadores.
Falamos em educação democrática, porque tem que incluir o direito
universal de todos(as) à educação em todos os níveis, aberta às diferentes
perspectivas losócas e culturais, uma educação laica e ético-política.
A defesa dos Institutos Federais não supõe que a forma atual em
que se encontram esteja já pronta e acabada, falta muita coisa a fazer. Nem
tampouco, podemos cair na ilusão de que os Institutos teriam a capacidade
de suprir as deciências das redes estaduais e municipais de educação.
Pelo, contrário, a plena recuperação destas é absolutamente necessária
para garantir a universalidade do direito à educação pública e de qualidade
socialmente referenciada a todos e em todos os rincões do país, para o
44 |
que condições de infraestrutura física e de provimento de prossionais
da educação com salários, condições de trabalho e carreira similares às
oferecidas aos Institutos é imprescindível. Contudo, entendemos que
a proposta original dos Institutos Federais traz muitos elementos de
positividade, como a capilaridade geográca, interiorização, o foco nas
tecnologias sociais, o diálogo com os arranjos produtivos e culturais locais,
a prioridade ao ensino médio integrado, entre outras. É por isso mesmo
que os Institutos Federais sofrem tantos ataques pela ordem presente, por
isso mesmo que precisamos defende-los, como realidade atual, ainda que
incompleta, mas também como movimento de construção, na travessia
para uma nova ordem social.
Então este é o dilema que temos que enfrentar: como construir
uma educação cientíca, humanista, ético-política e democrática em uma
sociedade atacada pela via do retrocesso autoritário e anticientíco?
A sociedade e a história se movem por contradições, ao lado da
adesão, há a resistência; ao lado, da conformidade há a rebeldia; ao lado
do obscurantismo, há o desejo e a necessidade do conhecimento e do novo
conhecimento; ao lado do imobilismo, há o movimento. O movimento é
a categoria principal da dialética. Como dizia Antônio Gramsci, o novo
está aí, submerso na putrefação (ainda que não aparente) do velho, mas
o novo, para emergir, precisa enfrentar e se sobrepor aos escombros da
velha ordem.
Nesse sentido, para nalizar, e em homenagem ao centenário de
Paulo Freire, gostaria de recordar aqui reexões por ele trazidas, no texto
“Desaos da educação de adultos ante a nova reestruturação tecnológica”,
disponível no livro “Pedagogia da Indignação: cartas pedagógicas e outros
escritos” (2000, p. 99 a 118), escrito em 26/04/1996. No citado texto,
Freire pergunta: de qual educação precisamos em tempo de tão rápidas e
inesperadas mudanças cienticas e tecnológicas?
Inicia a resposta destacando que compete “ao educador ou educadora
a tarefa de, ensinando conteúdos aos educandos, ensinar-lhes a pensar
criticamente” (FREIRE, 2000, p. 115).
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas vol. 2
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Dirigindo suas reexões ao tema da tecnologia e suas relações com
o processo social, defende uma “Educação em cuja prática se perceba uma
compreensão correta da tecnologia, a que recusa entendê-la como obra
diabólica ameaçando sempre os seres humanos ou a que a perla como
constantemente a serviço de seu bem-estar” (FREIRE, 2000, p. 117).
Ante a complexicação e sosticação do desenvolvimento
tecnológico, Freire destaca a importância central da educação:
A compreensão crítica da tecnologia, da qual a educação de que
precisamos deve estar infundida, e a que vê nela uma intervenção
crescentemente sosticada no mundo a ser necessariamente
submetida a crivo político e ético. Quanto maior vem sendo a
importância da tecnologia hoje tanto mais se arma a necessidade
de rigorosa vigilância ética sobre ela. De uma ética a serviço das
gentes, de sua vocação ontológica, a do ser mais e não de uma
ética estreita e malvada, como a do lucro, a do mercado. (FREIRE,
2000, p. 117).
E nessa perspectiva, Freire acentua sua crítica ao aligeiramento de
uma prossionalização estreita e meramente operacional, destituída dos
fundamentos ético-políticos e de cientícos-tecnológicos e histórico-
sociais. Apresenta, dessa forma, uma concepção de educação prossional,
na perspectiva da formação humana integral, pois sintetiza:
Por isso mesmo a formação técnico-cientíca de que urgentemente
precisamos é muito mais do que puro treinamento ou adestramento
para o uso de procedimentos tecnológicos. No fundo, a educação
de adultos hoje como a educação em geral não podem prescindir do
exercício de pensar criticamente a própria técnica. O convívio com
as técnicas a que não falte a vigilância ética implica uma reexão
radical, jamais cavilosa, sobre o ser humano, sobre sua presença no
mundo e com o mundo. (FREIRE, 2000, p. 118).
Enm, a perspectiva de educação como processo de conhecimento
do mundo e de si, de produção do mundo e de si e de transformação social:
46 |
O exercício de pensar o tempo, de pensar a técnica, de pensar o
conhecimento enquanto se conhece, de pensar o quê das coisas,
o para quê, o como, o em favor de quê, de quem, o contra quê,
o contra quem são exigências fundamentais de uma educação
democrática à altura dos desaos do nosso tempo. (FREIRE,
2000, p. 118).
Portanto, Freire destaca a importância fundamental da Ciência e
da Tecnologia (C&T), mas não de uma ciência e tecnologia quaisquer,
descompromissadas com a vida e servas do lucro, mas C&T, sim,
comprometidas com valores sociais humanitários e de preservação da
vida humana e do meio, enm, C&T produzidas a partir de decisões
democráticas da sociedade sobre sua concepção, produção e apropriação,
acessível a todos. Ou seja, uma C&T que sejam socialmente inclusivas.
Por isso, consideramos que os desaos para realizar uma educação
cientíca e tecnológica e de qualidade socialmente referenciada para
a juventude brasileira é seguirmos na luta contra o reducionismo e
a fragmentação da educação em todos os níveis e em todos os espaços,
seguirmos na luta contra os pragmatismos das formações práticas e
meramente utilitárias aos interesses do lucro e da exploração.
A tarefa da educação cientíca, tecnológica e prossional,
comprometida com a formação humana integral, é formar sujeitos
dotados de plenos conhecimentos da ciência, da tecnologia, da arte,
com autonomia, capacidade de reexão e com disposição para a crítica e
transformação social. A meu ver, este é o desao que os Institutos Federais
devem incansavelmente perseguir e eles estão rmemente conectados com
o combate à exclusão social e a produção de uma ciência e uma tecnologia
socialmente inclusivas. Esta é a tarefa da escola pública: desenvolver uma
concepção crítica da realidade e ativa ante ela, que permita a todos e a cada
um, não somente sobreviver, mas viver, construir e transformar.
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Capítulo 2
A    
  E T
 A I
 E M  C
P S:  

Henrique Tahan Novaes
Introdução
O Brasil é um país de capitalismo dependente e associado. De
acordo com Frigotto (2005) temos um capitalismo particular, esquisito,
ornitorrinco, com um sistema educacional público frágil, desintegrado e
relativamente pequeno, frente às imensas necessidades da população.
Para ele, as classes proprietárias brasileiras não quiseram ou não
puderam (em função da sua inserção associada e dependente na divisão
https://doi.org/10.36311/2023.978-65-5954-344-1.p49-80
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internacional do trabalho) construir um sistema educacional público de
qualidade, voltado para as maiorias.
Nosso país não fez reforma agrária e urbana. Boa parte dos nossos
cidadãos moram em barracos, favelas, casebres e puxadinhos de baixa
qualidade. Não conseguimos formar um sistema público de saúde de
qualidade e transporte de qualidade. Cerca de metade da população
em idade ativa não tem carteira assinada, vivendo de bicos, trabalhos
temporários, na informalidade e mais recentemente em trabalhos
terceirizados e uberizados (ANTUNES, 2019). Para piorar nossa tragédia,
a mercantilização da educação e da saúde caminhou a passos largos nas
últimas décadas de avanço do neoliberalismo. Diante disso, Frigotto
(2005) observa que se a nossa república é frágil, nossa democracia também
é frágil e restrita e supostamente a educação pública será frágil.
Uma rápida radiograa do Ensino médio nos mostra sua persistente
crise e a baixa escolaridade do povo brasileiro. Há problemas crônicos,
como subnanciamento da educação pública, condições de trabalho
docente inadequadas, falta de professores, plano de carreira insuciente,
não pagamento do piso salarial, formação inadequada dos mesmos para a
disciplina, salas superlotadas, ausência de laboratórios, internet intermitente
e computadores ruins (GERMANO, 2002; KUENZER, 2011; LEHER;
LAMARÃO, 2020).
Inúmeras avaliações nacionais e internacionais têm mostrado que
os alunos do 3º ano do Ensino médio não aprenderam os conteúdos
deste ano. Eles adquiriram os conhecimentos do 8º ou 9º ano do Ensino
Fundamental (SHIROMA et. al, 2002). Além disso, uma parcela é obrigada
a abandonar os estudos para sustentar a família (KUENZER, 2012;
VENCO; BRAZOROTTO, 2018). No PISA o Brasil está classicado na
posição número 66, o que signica um péssimo desempenho.
Venco e Brazorotto (2018) e Brazorotto (2020) destacam que apenas
10% da população brasileira concluiu o Ensino médio enquanto que países
centrais como a Alemanha tem cerca de 40% da população com o ensino
médio completo. De acordo com Nelson Piletti (2016, p. 1):
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas vol. 2
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As sucessivas crises do ensino médio – acho que não seria incorreto
falar de uma única e persistente crise, prolongando-se ao longo
de toda a nossa história, alimentada até mesmo pelas frequentes
mudanças a que foi submetido esse grau de ensino – conferem
certa razão a Darcy Ribeiro quando arma que “a crise da educação
brasileira não é um problema, é um programa”.
Este artigo pretende analisar a política do Centro Paula Souza para
promoção do ensino técnico em agropecuária integrado ao ensino médio.
Pretendemos vericar se há integração, como esta ocorre, as conquistas
desta política educacional bem como suas contradições.
Nos apoiamos em parâmetros estipulados Gameleira e Moura (2018),
bem como Ramos (2005) e Ciavatta (2005), para analisar se há integração
no Centro Paula Souza e como esta se dá. Estes pesquisadores utilizaram
os seguintes parâmetros : a) Conhecimento conceitual da proposta do
Ensino Médio Integrado; b) Formação docente inicial e continuada; c)
Existência de apoio pedagógico; d) Discussão sobre a integração curricular;
e) Justaposição de disciplinas; f) sobrecarga de trabalho docente; g) Práticas
integradoras inecazes ou pontuais/isoladas; h) Rotatividade de professores
da área técnica; i) concurso público para contratação de professores, j)
planejamento docente coletivo.
Também procuramos identicar as correntes teórico-pedagógicas
que defendem a educação integral e qual a concepção predominante do
Centro Paula Souza.
Observamos também a grande inuência de Institutos, Fundações
e ONGs na concepção da política de integração do Centro Paula Souza.
Como os resultados desta pesquisa já foram expostos em Novaes e Okumura
(2022), cabe neste artigo apenas destacar os aspectos principais.
Historicamente a Educação Prossional tendeu a especializar/
adestrar os trabalhadores tendo em vista a sua inserção, na melhor das
hipóteses, no mercado de trabalho.
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O decreto 5.154/2004 deu origem a inúmeras políticas educacionais
por parte do Governo Federal e dos Governos Estaduais tendo em vista
a implementação da integração, que pode ter resultado numa nova
perspectiva de educação no Brasil ou a adaptação da educação prossional,
sem grandes mudanças, tal como historicamente vem sendo feita no país.
Já existem estudos sobre a concepção da política educacional de
integração, tanto por parte dos seus criadores e defensores, bem como
dos seus críticos. Existem também alguns estudos principalmente sobre as
políticas educacionais de integração nos Institutos Federais, escolas técnicas
do Ceará, Paraná e Pernambuco, dentre outros, conforme destacamos nas
páginas acima. No entanto, apesar de encontrar alguns estudos sobre o
IFSP, não encontramos pesquisas sobre a política educacional de integração
do Centro Paula Souza, muito menos para o curso técnico em agropecuária
integrado ao ensino médio.
Dada a enorme importância do Centro Paula Souza para a educação
prossional no país e a novidade da integração, acreditamos que essa
pesquisa é imprescindível. Além disso, cabe destacar que o Curso técnico
em agropecuária integrado ao ensino médio é realizado em 33 unidades do
Centro Paula Souza, com cerca de 35 alunos em cada curso.
Sendo assim, em função a) da ausência de estudos sobre integração
no Centro Paula Souza, b) da ausência de estudos sobre integração num
curso bastante relevante para o interior paulista (agropecuária) e c) dada
a quantidade de alunos formados no curso de agropecuária, é importante
explorar este tema de pesquisa.
Adicionalmente, destacamos as nossas pesquisas realizadas nesta
área, tendo em vista a compreensão da reestruturação do campo,
impulsionada pelo avanço do agronegócio, sua incidência nos cursos
técnicos, bem como as reações dos agricultores familiares, camponeses e
movimentos sociais do campo tendo em vista a transição agroecológica
e a criação de escolas técnicas de agroecologia (NOVAES; SANTOS,
2019; PIRES; NOVAES, 2016).
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas vol. 2
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Cabe observar se a lei de 5.154/2004, mesmo com suas positividades,
pode ter resultado em algumas contradições, isto é, em propostas de
integração baixa ou nula no Centro Paula Souza e no aprofundamento
da dualidade estrutural da educação brasileira, que pesquisas como esta
poderão desvendar.
Numa perspectiva mais geral, cabe aprofundar os estudos que
vericam se a Reforma do Ensino Médio atual e o decreto 5.154/2004
conceberam o ensino médio integrado dentro de uma nova relação entre
escola e mundo do trabalho, no contexto da sociedade do conhecimento e
das inovações.
A proposta de Gaudêncio Frigotto (2005), Marise Ramos (2005)
e Maria Ciavatta (2005) de formação de um “cidadão integral”, que
compreenda (e transforme) as “relações sociais subjacentes a todos os
fenômenos”, pode estar se transmutando, dentro dos marcos do paradigma
da sociedade do conhecimento, na formação de colaboradores exíveis, que
vistam a camisa, adaptados a nova realidade da sociedade, mais líquida,
instável, dinâmica e intensa, que requer colaboradores que criem inovações.
No que se refere à integração, esta pode estar se transformando
em sobreposição de disciplinas consideradas de formação geral e de
formação especíca ao longo do curso técnico em agropecuária do Centro
Paula Souza, sem a construção da “relação entre conhecimentos gerais e
especícos” de forma contínua “ao longo da formação, sob os eixos do
trabalho, da ciência e da cultura” (RAMOS, 2005, p. 122).
O artigo foi estruturado da seguinte forma. A primeira seção retoma
o decreto 5.154/2004. A segunda seção aborda as distintas matrizes teóricas
que reivindicam a educação integral. A terceira seção analisa a política de
integração do Centro Paula Souza, suas conquistas e contradições, a partir
dos parâmetros estipulados pelo levantamento bibliográco.
Além da pesquisa bibliográca e documental, realizamos 2 entrevistas
com professores e obtivemos informações através de questionários com
coordenadoras pedagógicas e orientadores educacionais nas ETECs de
Garça, Presidente Prudente, Quatá e Paraguaçu Paulista.
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o decreto 5.154/2004: a PolítIca de Integração do lulIsmo
No governo Lula, o decreto 5.154/2004 resultou na criação dos
cursos técnicos integrados ao médio, que se desdobraram em inúmeras
políticas educacionais em todos os estados da federação. A mais importante
certamente é a criação dos Institutos Federais.
Para os Estados da federação foram destinados fundos públicos
signicativos para expandir as escolas técnicas estaduais ou criar cursos de
ensino médio integrado. Neles, foram criadas inúmeras escolas técnicas
ou cursos integrais, subsequentes ou concomitantes ao médio nas escolas
já existentes. Pereira (2020) e Belmino (2020) analisaram a política de
integração no Ceará.
Brazorotto e Venco (2018) e Brazorotto (2019) estudaram o IFSP
e o CEFET-MG. Ferreira e Garcia (2005) analisaram as experiências do
Paraná e Espírito Santo e Garcia (2009) aprofundou a análise da experiência
do Paraná.
Lima et al. (2022) estudaram a rede pública estadual de escolas
prossionais no Espírito Santo. Duarte (2022) estudou a educação
prossional na Bahia. Moura e Damascena (2022) analisaram os avanços
e desaos na formação dos professores para a educação prossional: uma
análise do IFRN. Hora e Sousa (2022) pesquisaram a educação prossional
no Maranhão no contexto das políticas de expansão da Rede Federal
de Ensino. Carvalho et. al (2022) pesquisaram a preparação da força de
trabalho nas escolas estaduais de educação prossional do Ceará.
Acácia Kuenzer (2017), no artigo “Trabalho e escola: a exibilização
do ensino médio no contexto do regime de acumulação exível” faz inúmeras
ponderações sobre o regime de acumulação exível e as incidências do novo
mundo do trabalho na política educacional, e vice-versa.
No que se refere à quantidade de vagas de ensino integrado, é preciso
destacar que a proposta da Reforma de Ensino Médio estipula somente
25%, o que pode ser interpretado como um baixo investimento em termos
de promoção de escolas de qualidade (KUENZER, 2017).
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas vol. 2
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No que se refere à qualidade da integração, Kuenzer (2017) observa
que esta nova proposta está, na melhor das hipóteses, adequada a nova fase
da sociedade do conhecimento, tendo em vista a formação de colaboradores
pró ativos e que a proposta de integração não rompe com a dualidade
estrutural da educação brasileira.
Na melhor das hipóteses forma de acordo com as competências
e atitudes demandadas pelo mercado de trabalho, pois sabemos que
historicamente o Brasil tende a excluir muito mais que incluir, tende a
deixar de fora, muito mais do que inserir jovens no mercado de trabalho.
As empresas demandam da educação prossional as chamadas
competências, atitudes e habilidades, tais como: exibilidade, colaboração,
cooperação, vestir a camisa, ser pró-ativo, trabalhar em equipe, integrar
conhecimentos para inovar, etc.
Esta nova forma de inclusão é chamada pela autora de inclusão
excludente. Ao que tudo indica, boa parte da população continuará vivendo
no desemprego ou subemprego, sem carteira assinada, onde estas novas
pedagogias não fazem muito sentido.
Outros autores acreditam que as escolas de ensino integral são de
melhor qualidade, pois há seleção dos alunos, os alunos cam o dia inteiro,
os prédios são melhores, há algum tipo de integração entre a educação geral
e a educação técnica, há laboratórios ou estes são melhores e os professores
com concursos. São também vitrine política de uma educação pública de
qualidade, que certamente rende muitos votos, pois muitos dos seus alunos
passam nos vestibulares das universidades públicas ou encontram melhores
oportunidades de emprego que os estudantes da escola pública em geral
(BELMINO, 2019).
Nossas pesquisas mostraram que essa tendência também faz parte
da realidade do Centro Paula Souza. Parcelas das camadas intermediárias
veem no Paula Souza a oportunidade de colocar seus lhos numa escola
melhor, tendo em vista a entrada no vestibular. De fato, as escolas técnicas
do Paula Souza não se comparam com a média das escolas estaduais.
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Kuenzer (2012, 2017) já observou que historicamente a educação
prossional sempre foi direcionada para os lhos da classe trabalhadora.
No entanto, com a queda da qualidade da escola pública em geral e a
queda da renda das camadas intermediárias, parcelas destas classes e destas
camadas têm colocado seus lhos nas escolas técnicas, por terem uma
qualidade melhor.
Integração, InterdIscIPlInarIdade, sIstema de comPlexos
e jornada de dIa InteIro: as dIstIntas matrIzes teórIco-
ePIstemológIcas
Edgar Morin (2000) é um dos autores mais conhecidos no debate
sobre as teorias da complexidade e da integração entre ensino geral e
técnico. Seu livro “Os sete saberes necessários à educação do futuro” tem
sido bastante utilizado pelos adeptos da integração.
Santomé (1998) é outro autor que tem grande inuência no campo
educacional. Seu livro “Globalização e interdisciplinaridade: o currículo
integrado”. No Brasil, o livro de Ivani Fazenda (1979) “Integração e
interdisciplinaridade no ensino brasileiro: efetividade ou ideologia?” e suas
pesquisas mais recentes zeram bastante sucesso nas últimas décadas.
No regime de acumulação exível, fala-se em colaborador que saiba
ver o todo, romper as gavetinhas do conhecimento, saber ligar especialização
com uma análise abrangente - sempre tendo em vista a inovação/ soluções
dos problemas da empresa capitalista.
Bemvindo (2016) e Vitor Bemvindo e Cosme Maciel (2020)
identicaram três matrizes de educação integral: a) a das escolas
politécnicas pensadas pelos revolucionários franceses, b) a matriz
anarquista, c) a matriz marxista.
A matriz marxista no Brasil tem duas principais correntes: a
pistrakiana, conforme veremos mais à frente, e gramsciana.
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas vol. 2
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Poderíamos complementar a concepção de Bemvindo e Maciel
(2020) com uma quarta matriz, a matriz de integração na perspectiva
de uma jornada de dia inteiro. Se estivermos certos, a concepção de
jornada de dia inteiro é a que pegou a partir de 2004 no Brasil e no
Centro Paula Souza.
O estudo de Nívea Vieira (2020) mostra a grande inuência das
Fundações na determinação da concepção de jornada de dia inteiro, como
parte das novas pedagogias do capital. Veremos na próxima seção – mas
já cabe adiantar aqui - o papel decisivo do chamado Terceiro Setor na
contrarreforma neoliberal da educação brasileira. Como parte dos Aparelhos
Privados de Hegemonia, eles participaram na concepção, implementação e
avaliação da educação brasileira.
Mas existem – ou ao menos existiam – outras concepções nesta
disputa pela direção da educação brasileira. De acordo com Luiz Carlos de
Freitas (2009), as pedagogas e pedagogos do Movimento Sem Terra têm
dado sua contribuição prática e teórica para a questão da integração, com
outra perspectiva epistemológica. Já existem no Brasil, principalmente
no Sul e sob controle do Movimento Sem Terra (MST), escolas que
implementaram parcialmente ou integralmente o sistema de complexos
ou de educação integral. Ao que tudo indica a Pedagogia do MST tem
uma certa inuência da perspectiva marxista. Já a perspectiva de Morin e
Santomé parecem derivar da concepção da Revolução Francesa.
A pedagogia do MST é herdeira dos pedagogos soviéticos dos anos
1910-1920, precursores da necessidade de integração e alteração substantiva
dos objetivos da escola pública. Krupskaya (2017), Pistrak (2002), (2009)
e (2013) e Shulgin (2013) deram suas contribuições para a teorização e
materialização dos sistemas de complexos. Para desenvolver a teoria dos
complexos, estes intelectuais zeram uma crítica radical à escola estatal
como simplicadora, anti-dialética, positivista, voltada para a dominação,
naturalização e fragmentação da realidade, que é fundamentalmente
complexa, dinâmica e contraditória. Nos termos de Gramsci (1982), a
fragmentação da realidade e o obscurecimento da mesma são fundamentais
para a manutenção da hegemonia do capital.
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Ao que tudo indica, a escola pública tem que em alguma medida
produzir alienação e obscurecimento dos principais determinantes dos
fenômenos sociais. Nos dias de hoje, seu objetivo é manter as crianças e
os jovens trabalhadores alienados dos grandes problemas da humanidade,
mesmo sabendo que a escola tem que transmitir algum conhecimento
especíco e internalizar os valores hegemônicos para a classe trabalhadora.
Combatendo o marxismo positivista, Moisey Pistrak (2002) e
Nadezdha Krupskaya (2017), dentre outros, defendiam a necessidade de
construção de uma teoria que explicasse a realidade de forma dialética,
dinâmica, contraditória, que ajudasse os trabalhadores a compreender
os principais determinantes de um fenômeno socioambiental, para
transformá-lo.
O coração do sistema de complexos, que une a teoria com a prática,
é o trabalho. Diferente da ligação abstrata, meramente fenomenológica,
idealista, da interdisciplinaridade, é no trabalho que se dá a ligação entre
teoria e prática. É no trabalho, na luta concreta, real, que se dá a relação
teoria e prática, e não na “interdisciplinaridade abstrata da academia
(FREITAS, 2009).
Sendo assim, a pedagogia do meio social, diferente de uma pedagogia
única e exclusivamente centrada no conhecimento, considera a escola
como parte de um sistema de agências formativas e o trabalho como o elo
do materialismo.
O sistema de complexos temáticos pressupõe os professores como
trabalhadores coletivos, pensando juntos, planejando juntos e avaliando
juntos. Em muitas escolas experimentais da primeira fase da revolução
russa, as professoras e professores viviam no mesmo espaço, moravam
juntos, cultivavam a terra, debatiam textos, o que certamente facilitava
a organização dos complexos temáticos. Se isso é verdade, o sistema de
complexos pressupõe a retomada do controle dos sistemas escolares pelos
professores, isto é, retomar o controle do processo produtivo da escola
(o que ensinar, como ensinar, como avaliar, como dividir o trabalho
educacional, os ns/sentido da escola e os métodos escolares, etc.)
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas vol. 2
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Cabe lembrar que o sistema de complexos não extingue as disciplinas,
ao contrário do que diz o senso comum. Krupskaya e Pistrak, dentre outros,
diziam que o professor continua sendo fundamental para o ato educativo.
Nos primeiros anos do que chamamos hoje ensino fundamental, tem
apenas uma professora, “integrando” os conhecimentos de diferentes áreas.
No que chamamos hoje ensino fundamental II, já temos um corpo de
professores especializados, que planejam como integrar as diferentes áreas
do conhecimento a partir de um complexo escolhido (NOVAES, 2022).
Outra corrente bastante inuente – que chegou a estar presente
no Ministério da Educação mas não teve força para ganhar a disputa
hegemônica é a gramsciana, representada por Gaudência Frigotto, Marise
Ramos e Maria Ciavatta.
Marise Ramos (2005) é enfática ao diferenciar sobreposição e adição
de integração. Marise Ramos é uma das principais expoentes da perspectiva
de integração gramsciana e participou – ainda que indiretamente – da
concepção da política de integração do lulismo. Para ela:
Reiteramos que a sobreposição de disciplinas consideradas de
formação geral e de formação especíca ao longo de um curso não
é o mesmo que integração, assim como não o é a adição de um
ano de estudos prossionais a três de ensino médio. A integração
exige que a relação entre conhecimentos gerais e especícos seja
construída continuamente ao longo da formação, sob os eixos do
trabalho, da ciência e da cultura (RAMOS, 2005, p. 122).
E Maria Ciavatta (2005), que tem uma visão bastante alinhada com
a Marise Ramos, arma que:
A formação integrada sugere tornar íntegro, inteiro, o ser humano
dividido pela divisão social do trabalho entre a ação de executar e a
ação de pensar, dirigir ou planejar. Trata-se de superar a redução da
preparação para o trabalho ao seu aspecto operacional, simplicado,
escoimado dos conhecimentos que estão na sua gênese cientíco
tecnológica e na sua apropriação histórico-social. Como formação
humana, o que se busca é garantir ao adolescente, ao jovem e ao
adulto trabalhador o direito a uma formação completa para a
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leitura do mundo e para a atuação como cidadão pertencente a um
país, integrado dignamente à sua sociedade política. Formação que,
neste sentido, supõe a compreensão das relações sociais subjacentes
a todos os fenômenos. (CIAVATTA, 2005, p.23).
Já é possível ponderar que, a partir de Mészáros (2005), sem
alterações concomitantes na forma como se organiza o trabalho e a
sociedade em geral, a política educacional de integração, por mais bem
intencionada que seja, tende a formar um trabalhador de luxo para o
mercado de trabalho. Em última instância terá que vender sua força
de trabalho, exível, engajada e pró-ativa tendo em vista as inovações
necessárias para a acumulação de capital.
Em outras palavras, se os partidos políticos ou os blocos no poder
não tem uma proposta de alteração radical do trabalho e da educação, é
muito provável que a formação de um “cidadão integral” (CIAVATTA,
2005) não se realize. Ela pode facilmente se transformar numa jornada
de dia inteiro para atender as necessidades de reprodução do modo de
produção capitalista.
PartIcularIdades da PolítIca de Integração do centro Paula
souza: conquIstas e contradIções
Breve histórico do centro Paula souza, dos cursos técnicos em
agroPecuária e da reestruturação do camPo
O Centro Paula Souza foi criado em 1969 para atender as demandas
de qualicação de mão de obra da indústria nos anos 1960-70. No contexto
do avanço das políticas de geração de emprego e renda dos anos 2000, ele
mais que duplicou suas vagas. Por sua vez, João Doria declarou num artigo
da Folha de São Paulo de 2020 que pretendia aumentar em 25% o número
de vagas (DORIA, 2020).
Voltando um pouco no tempo, Ianni (2019) nos mostra que nos
anos 1960, especialmente após o golpe de 1964, há o início de uma grande
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas vol. 2
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e longa reestruturação do campo e da cidade. Tudo leva a crer que a criação
do Centro Paula Souza tem a ver com esta reestruturação e que os cursos
de agropecuária são fruto da mesma.
Os militares chamaram o avanço destrutivo do capital de nova
fronteira agrícola e, no caso da Amazônia, adotam o slogan Integrar para
não entregar. Octavio Ianni (2019), no livro A ditadura do grande capital,
nos mostra o avanço destrutivo do capital rumo a novas regiões e fronteiras.
Mostra também o surgimento de novas corporações no Sul e Sudeste,
dedicadas ao abate de porcos, frangos e bois, além da instalação de grandes
corporações transnacionais produtoras de agrotóxicos, adubos sintéticos,
tratores e implementos agrícolas — os pilares da chamada revolução
verde. Novas rodovias são criadas, assim como portos, aeroportos e usinas
hidrelétricas, tendo em vista a criação das condições de produção do grande
capital. O autor mostra ainda a convivência de formas de trabalho arcaicas
no campo (como o trabalho análogo ao escravo) e o surgimento de um
novo proletariado rural.
Era para ter havido um salto industrializante no período ditatorial,
mas os estudos de Ianni (2019), Prado Jr. (2014) e Campos (2012)
nos mostram que os traços coloniais persistiram como marca do nosso
capitalismo, algo que se acentuou especialmente nos anos 1990, a ponto
de Sampaio Jr. Armar que estamos vivendo uma reversão neocolonial
(SAMPAIO JR, 2013).
Mesmo assim, é possível armar que o Estado de São Paulo foi o que
mais se industrializou, criando necessidades educacionais e de qualicação
que não se comparam com os demais estados da federação.
Em perspectiva histórica, o Estado de São Paulo sempre se colocou
a frente dos demais Estados da federação, oferecendo modelos de como a
educação do país deveria ser conduzida (SOUZA, 2008). O Centro Paulo
Paula Souza é tributário desta tradição, se antecipando em relação ao resto
dos centros de educação técnica e tecnológica do país, ao guiar o padrão
de educação prossional e tentar difundir sua concepção de educação para
o resto do país.
62 |
De acordo com informações ociais obtidas no site do Centro
Paula Souza,
O Centro Paula Souza (CPS) é uma autarquia do Governo do
Estado de São Paulo, vinculada à Secretaria de Desenvolvimento
Econômico (SDE). Presente em 365 municípios, a instituição
administra 224 Escolas Técnicas (Etecs) e 75 Faculdades de
Tecnologia (Fatecs) estaduais, com mais de 323 mil alunos em
cursos técnicos de nível médio e superiores tecnológicos.
Nas Etecs, mais de 226 mil estudantes estão matriculados nos
Ensinos Médio, Técnico integrado ao Médio e no Ensino Técnico,
incluindo habilitações nas modalidades presencial, semipresencial,
online, Educação de Jovens e Adultos (EJA) e especialização
técnica. As Etecs oferecem 224 cursos, voltados a todos os setores
produtivos públicos e privados.
Já as Fatecs atendem mais de 96 mil alunos matriculados em
86 cursos de graduação tecnológica, em diversas áreas, como
Construção Civil, Mecânica, Informática, Tecnologia da
Informação, Turismo, entre outras.
Além da graduação, o CPS oferece cursos de pós-graduação,
atualização tecnológica e extensão.
A instituição também é reconhecida como Instituto de Ciência
e Tecnologia (ICT), uma organização sem ns lucrativos de
administrações públicas ou privadas, que têm como principal
objetivo a criação e o incentivo a pesquisas cientícas e
tecnológicas. O reconhecimento se deu por unanimidade em
reunião do Conselho das Instituições de Pesquisa do Estado de São
Paulo (Consip), realizada em 14 de setembro de 2021. (CENTRO
PAULA SOUZA, 2022).
De fato, trata-se de uma das maiores redes de educação prossional e
tecnológica da América Latina. Nenhuma rede estadual se compara com o
Centro Paula Souza, muito provavelmente por ser o estado mais populoso
e industrializado da federação.
A implantação do Ensino Técnico integrado ao Médio (ETIM) de
Agropecuária nas Escolas Técnicas Rurais do Centro Estadual de Educação
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas vol. 2
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Tecnológica Paula Souza, por meio da Portaria nº 21 de 2009, durante
a Gestão de José Serra (PSDB), buscava atender principalmente a uma
demanda de alunos que cursavam o ensino médio concomitante ao técnico.
Com a aprovação do Decreto Federal 5.154/2004, que revogou
o Decreto 2.208/1997, percebeu-se a possibilidade de atender a
demanda de alunos dos cursos agrícolas, principalmente os semi-
internos e internos, que passam grande parte do dia ou todo o dia
na mesma escola e fazem, concomitantemente, o Ensino Médio e o
Ensino Técnico, com carga horária, duração e horários diferentes,
quando não em escolas diferentes também. (CENTRO PAULA
SOUZA, 2009, p. 4).
Hoje o Centro Paula Souza possui 33 unidades com cerca de
35 alunos cada, oferecendo o ensino médio integrado ao técnico em
agropecuária. A adoção da modalidade integrada, de imediato resultou na
redução de turmas na modalidade concomitante, acentuando o processo
de exclusão ao acesso à educação prossional para o trabalhador do campo;
além de reduzir custos da instituição, visto que as unidades ofereciam tanto
o ensino médio quanto a habilitação prossional em Agropecuária, ambos
com carga horária semanal de 25 horas aulas, totalizando 50 horas aulas
semanais; ao unir Ensino Médio e Técnico em Agropecuária a carga horária
é reduzida para 40 horas aulas semanais (MERCURIO, 2019).
O perl do Curso oferecido no portal do Centro Paula Souza, oferece
alguns dados importantes para orientar a análise a ser desenvolvida,
Forma o prossional que planeja, executa, acompanha e avalia
projetos agropecuários e agroindustriais, em suas diversas etapas e
atividades, supervisionando a produção agropecuária. Administra
empresas rurais e promove a industrialização e a comercialização
de produtos. Experimenta, testa, desenvolve e melhora métodos e
tecnologias de produção sustentável. Executa pesquisas e análises
laboratoriais. Presta assistência e consultoria técnica, orientando sobre
a produção, a comercialização e a biosseguridade do setor. Promove
diferentes formas de organização social, extensão e capacitação
rural e o desenvolvimento da visão de sustentabilidade da produção
agropecuária. (CENTRO PAULA SOUZA, 2017, p.19).
64 |
neoliBeralismo, contrarreforma do estado, terceiro setor e
educação
O mundo do trabalho tem passado por profundas transformações
desde os anos 1970. Trabalho precário, exibilizado, uberizado, dentre
tantas outras denominações estão sendo usadas para caracterizar as
mudanças no mundo do trabalho. Essas mudanças no mundo do trabalho
vão em grande medida determinar mudanças no complexo educacional. Se
é verdade que determinação da política educacional não pode ser reduzida
mecanicamente às necessidades do mundo do trabalho, também não é
possível ignorar o imenso papel do mundo do trabalho nas concepções de
educação de um país.
Em termos gerais, o regime de acumulação exível pressionou os
governantes para a realização de uma reforma do Estado. Com a ascensão
de governos neoliberais, as empresas estatais passam a ser privatizadas e as
funções do Estado que permanecem em suas mãos passam a ganhar um
novo signicado, cada vez menos público e cada vez mais mercantilizado.
Políticas de privatização direta e indireta, multiplicação das parcerias
público-privadas, políticas de contratação precária de servidores públicos
fazem parte da contrarreforma do Estado.
O complexo educacional passa ao mesmo tempo a assimilar esta
tendência geral de contrarreforma do Estado e impulsionar todas estas
mudanças. Municipalização da educação, gestão privada de escolas públicas,
vouchers, trabalho voluntário, empreendedorismo, ONGs assumindo a
educação infantil, multiplicação de contratos precários nas escolas estatais
e universidades, princípios da gestão privada na escola pública passam a
fazer parte do cotidiano educacional.
Foi possível constatar um avanço da mercantilização da vida como
resultado da contrarreforma do Estado. Serviços públicos e direitos públicos
que de alguma forma funcionavam (ainda que com problemas típicos do
Estado capitalista brasileiro) foram mercantilizados e agora se tornaram
mercadorias (regidas pelo lucro, eciência, etc.) da empresa capitalista.
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas vol. 2
| 65
Neste cenário de contrarreforma do Estado, a educação se tornou
um grande negócio rentável. Em outras palavras, o Estado aperfeiçoou
as condições gerais de produção e reprodução desta mercadoria especial
chamada educação.
As consequências da mercantilização de serviços públicos
educacionais são bastante conhecidas: aumento do número de empresas
educacionais, municipalização da educação e desresponsabilização do
Estado pela educação pública de qualidade, precarização dos serviços e do
trabalho docente, encarecimento dos serviços privatizados, multiplicação
de ONGs, pressão por cobrança de mensalidades, oportunidades de
negócios para pequenas e médias empresas contratadas pelo Estado, dentre
outras, conforme veremos nas páginas seguintes.
O Brasil sempre teve aparelhos privados de hegemonia (APHs), tais
como a Sociedade Rural Brasileira (SRB), a Confederação Nacional de
Agricultura (CNA), a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo
(FIESP), dentre tantas outras que poderíamos destacar (NOVAES;
OKUMURA, 2021).
Porém, desde os anos 1980, como parte da contrarreforma do
Estado, estamos assistindo a uma ascensão do chamado Terceiro Setor,
como parte da contrarreforma do Estado. Nesse contexto, a esfera estatal
passa a ser satanizada como burocrática, ineciente, desnanciada,
corrupta para justamente ocorrer a santicação de um setor supostamente
mais ágil, eciente democrático e popular. Do nosso ponto de vista, novos
personagens entram em cena na concepção, implementação e avaliação das
políticas educacionais.
O primeiro ciclo de mercantilização de serviços estatais se deu
com Collor e Fernando Henrique Cardoso, através de amplos processos
de privatização, mercantilização e de uma nova concepção de Estado,
especialmente do estatuto do servidor público. Lula da Silva e Dilma
realizaram uma privatização mais complexa e difícil de entender, seja através
do PROUNI, seja através da melhoria das condições de acumulação para
as empresas educacionais. No entanto, a política educacional do lulismo
66 |
não é puramente neoliberal, ainda que reproduza contraditoriamente
alguns dos seus traços. Os traços mais típicos do neoliberalismo voltam à
cena nos governos Temer e Bolsonaro, agora com uma roupagem muito
mais radical, a do ultraneoliberalismo, que deu origem a um novo ciclo de
mercantilização da educação.
Ao que tudo indica, a ascensão das grandes corporações transnacionais
e seus braços como Fundações, Institutos e ONGs estão nos levando a
um controle cada vez maior da concepção, implementação e execução da
política educacional por parte do capital.
No caso do Centro Paula Souza, é possível identicar o papel do
chamado Terceiro Setor na concepção e implementação da política de
integração do ensino técnico ao médio.
Estudos como o de Nívea Vieira (2020) observaram, da mesma
forma que nós, que há um poder cada vez maior do chamado Terceiro
Setor na determinação das políticas educacionais em geral e nas políticas
de integração do ensino médio ao técnico, em particular.
Vieira (2020, p. 19) destaca o papel do Centro de Educação, Cultura
e Ação Comunitária (Cenpec) na formulação da política de educação
integral no Brasil. O CENPEC foi criado em 1987 pelo Banco Itaú. O
Cenpec vem inserindo seu projeto de políticas públicas tanto via assessoria
às prefeituras quanto em políticas federais, como no programa “Mais
educação”.
Vieira (2020, p. 21) observa que o número de projetos cujo “mote é a
ampliação da jornada escolar cresceu no Brasil sob a hegemonia da concepção
que vincula “educação integral” à “educação em tempo integral””.
Nívea Vieira (2020) dá um grande destaque às propostas de educação
integral impulsionadas pelos sistemas estatais. Esse não é exatamente o
caso estudado por nós, mas certamente é possível armar que a educação
integral do Centro Paula Souza faz parte desta tendência geral de concepção
e implementação de políticas de educação em tempo integral por parte dos
Estados da federação.
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas vol. 2
| 67
De qualquer forma, inúmeros estudos têm mostrado que a
tragédia educacional persiste no século XXI: esvaziamento do currículo,
falta de professores nas escolas, professores sem formação adequada,
ausência de laboratórios, quadras, banheiros, internet, etc. (NOVAES;
OKUMURA, 2022).
Lamosa (2020) identicou que a Rede Latino-americana de
Organizações da Sociedade Civil para a educação (Reduca), lançada
em 2011:
Tem tido grande relevância para a denição das diretrizes da
reforma educacional, possuindo uma composição em que se
destacam distintas frações do capital, com grande protagonismo
da fração nanceira e empresas de telecomunicação, e uma
atuação que lhes confere o papel de partido, no sentido ampliado,
conforme formulação gramsciana, sendo decisivo para a produção
do consenso, passivo e ativo da sociedade. (LAMOSA, 2020, p. 8).
No bojo da contrarreforma do Estado, a Secretaria de Educação e a
Secretaria de Desenvolvimento Econômico (SDE) do Estado de São Paulo,
dentre outras, rmam convênios com inúmeras entidades do chamado
Terceiro Setor.
Gisele Dantas (2013) identicou a Mckinsey, o Instituto de
Corresponsabilidade (ICE), o Todos pela Educação, como entidades
parceiras. A Mckinsey chegou a ter uma secretaria especial na Secretaria
de Educação do Estado de São Paulo, sem que muitos funcionários
soubessem disso.
Em nossa pesquisa identicamos o imenso papel do Instituto de
Corresponsabilidade pela Educação (ICE) na determinação das reformas
da educação prossional no Brasil. O site do ICE menciona a parceria com
21 Estados da Federação, e o Estado de São Paulo é um deles.
No caso do Centro Paula Souza, foram feitos convênios com
Instituto Ayton Senna, Fundação Bradesco, Itaú Social e Instituto
Alair Martins, especialmente para a difusão do empreendedorismo e da
pedagogia das competências.
68 |
integração: conquistas e contradições
Vimos na Introdução que Gameleira e Moura (2018), bem como
Ramos (2005) e Ciavatta (2005) estipularam alguns parâmetros para
analisar a política de integração: a) Conhecimento conceitual da proposta
do Ensino Médio Integrado; b) Formação docente inicial e continuada; c)
Existência de apoio pedagógico; d) Discussão sobre a integração curricular;
e) Justaposição de disciplinas; f) sobrecarga de trabalho docente; g) Práticas
integradoras inecazes ou pontuais/isoladas; h) Rotatividade de professores
da área técnica; i) concurso público para contratação de professores, j)
planejamento docente coletivo.
Acreditamos que a política de integração do ensino médio ao técnico
de alguma forma proporcionou uma escola melhor para uma parcela da
classe trabalhadora e das camadas médias. A política de integração no
Brasil reproduz uma tendência histórica do nosso país. A educação pública
de melhor qualidade sempre é para poucos. Não assistimos no século XX
e também não vimos nas duas décadas do século XXI uma proposta de
educação de qualidade para as maiorias.
A educação integral veio acompanhada de inúmeras contradições,
tais como aumento do apartheid social, falsa integração, ausência de uma
intensa formação ou requalicação dos docentes, ausência de infraestrutura
e recursos, conforme veremos nas páginas seguintes.
Neste momento, iremos analisar cada um dos parâmetros levantados
por pesquisadores experientes da educação prossional integrada ao ensino
médio e aplicá-los para o caso do Centro Paula Souza. Vejamos:
a) Conhecimento conceitual da proposta do Ensino Médio Integrado;
As entrevistas realizadas nos levam a crer que há baixo ou nulo
conhecimento conceitual da proposta de integração por parte de diretores,
coordenadores, orientadores e professores das escolas técnicas do oeste
paulista.
Nossos informantes armaram que não houve uma política de
formação dos supervisores, diretores e docentes por parte da administração
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas vol. 2
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central que levasse ao estudo e pesquisa dos conceitos, princípios e métodos
da proposta de integração.
Além disso, existem condições objetivas que pesam no
desconhecimento da proposta, conforme veremos nos parâmetros
seguintes: docentes super atarefados, contratos temporários levam a um
baixo conhecimento da proposta de ensino médio integrado.
Alguns docentes relatam saber que a proposta de integração existe
formalmente, outros chegam a citar o conhecimento da proposta, mas isso
não signica que haja uma apropriação e aplicação sistemática da mesma
no cotidiano da escola.
b) Formação docente inicial e continuada;
Não houve no Centro Paula Souza uma política de formação
tendo em vista a atualização dos docentes na perspectiva da integração.
Não encontramos cursos de formação de grande envergadura ou uma
verdadeira força-tarefa para requalicar o seu corpo docente na perspectiva
da integração. Ao contrário disso, os dirigentes tendem a ver os docentes
com desconança.
Conforme relato dos nossos informantes, não estão sendo realizadas
atividades de formação docente inicial ou continuada. Tudo indica que a
política de integração foi mais uma das tantas que chegaram na escola, sem
provocar transformações na sala de aula. Pedagogia do empreendedorismo,
pedagogia do amor, pedagogia das competências, pedagogias disso
e daquilo, tal como a moda, ou o modismo educacional, chegam e
rapidamente somem como fumaça no ar.
c) Existência de apoio pedagógico;
O Centro Paula Souza conta com coordenadores pedagógicos. Mas
estes não foram formados na perspectiva da integração.
70 |
Diante da avalanche de problemas estruturais que as escolas
enfrentam, a integração é geralmente deixada de lado ou ganha pouca
importância. Entrevistamos dois coordenadores pedagógicos e um deles
foi meu orientando. Ele nos informou que a integração não é prioridade
do Centro Paula Souza e muito menos dos diretores.
d) Discussão sobre a integração curricular;
Não há discussão no chão da escola sobre a integração curricular. Ela
não faz parte da rotina de docentes – em geral com vínculo bastante baixo
ou baixo – com as escolas onde atuam. A necessidade de se reproduzir – em
troca de um salário para sobreviver – em geral acumulando outros trabalhos
em outras ETECs, escolas particulares, etc. impedem uma discussão sobre
a integração curricular.
e) Justaposição de disciplinas;
Essa é a tendência mais geral observada pelos docentes e coordenadores
entrevistados por nós. No Centro Paula Souza a justaposição de disciplinas
é chamada de “sombreamento” ou “repetição”. Os conteúdos aparecem
de forma repetida na disciplina geral e na disciplina técnica, sem a devida
integração. Há um baixo diálogo ou nulo entre os docentes na perspectiva
da integração.
f) Sobrecarga de trabalho docente;
Este parâmetro foi o mais destacado por todas as informantes e
informantes. Tudo indica que a precarização do trabalho docente no
sistema educacional estatal faz parte da estratégia neoliberal. Quanto maior
a precarização, mais degradada a oferta de educação pública, induzindo a
ida de parte da clientela para escolas privadas ou universidades privadas.
Em outras palavras, o sucateamento da educação estatal é fundamental
para a indução de parte da clientela para a educação privada.
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas vol. 2
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As entrevistas realizadas com docentes e coordenadores do Centro
Paula Souza conrmam a existência de novas modalidades de precarização
do trabalho como parte da política neoliberal no Centro Paula Souza.
Temos cada vez menos docentes com “carga completa” nas ETECs,
alta rotatividade de docentes, uma vez que os contratos agora são para
apenas 2 anos.
Em outras palavras, a ausência de vínculo empregatício duradouro, a
ausência de salários decentes ou remuneração inadequada, plano de carreira
inadequado e ausência de vínculos exclusivos com as ETECs bloqueiam o
orescimento da integração curricular
No nosso entendimento, certamente a precarização do trabalho
docente impossibilita ou diculta a integração entre o ensino médio
e técnico. Anal, como ela poderia existir se as docentes e os docentes
têm relação com a escola? Se eles não têm tempo disponível para planejar
coletivamente, como poderá haver integração
Ainda que haja uma tendência geral de precarização do trabalho
docente no mundo, no Brasil, no Estado de São Paulo – como parte das
políticas educacionais neoliberais - a precarização do trabalho docente nas
ETECs do Centro Paula Souza é mais acentuada que nas universidades
públicas. Evidentemente que ela não pode ser comparada à degradação
estrutural da escola estatal, mas as escolas técnicas sofrem de problemas
parecidos, numa menor intensidade.
Se pudéssemos estabelecer uma gradação, é muito provável que as
condições de trabalho nas ETECs são inferiores às dos Institutos Federais
mas levemente superiores às condições de trabalho da escola estatal.
Nas ETECs, em média 10% dos docentes têm “carga completa”, o
que lhes permite fazer projetos com as alunas e alunos. Nas Faculdades de
Tecnologia (FATECs) cerca de 20% dos docentes têm dedicação integral,
nas ETECs este número não chega a 10%. Na USP, UNESP e UNICAMP,
cerca de 70% dos docentes têm Dedicação Exclusiva.
72 |
Na USP, UNESP e UNICAMP é notável a precarização do trabalho
docente (NOVAES, 2022b). Há uma segmentação cada vez maior da
comunidade cientíca das três universidades públicas paulistas, como
resultado das políticas educacionais neoliberais. No topo dessa pirâmide,
docentes que não estão muito preocupados com a defesa da universidade
pública, gratuita e de qualidade. Precisam do selo da Universidade Pública,
que lhes dá prestígio, mas não irão se engajar na defesa das mesmas. Ganham
rios de dinheiro em consultorias, consultórios, cursos de especialização
pagos etc. Uma camada intermediária quer que a Universidade Pública lhes
dê as condições de desenvolvimento de pesquisa e de ensino (laboratórios,
fundos de pesquisa, bolsas etc.) como nos países centrais. Percebem que
isso não está acontecendo, mas não conseguem ligar essa demanda à
necessidade de uma luta mais profunda pela defesa da universidade pública
e seu sentido social.
Lá embaixo, professores com jornadas de trabalho cada vez mais
extensas, com uma vida precarizada (sem reposição salarial, plano de
carreira, dando cada vez mais aulas, assumindo inúmeras tarefas de
gestão etc.). Os últimos estão acompanhados de uma nova tendência – os
professores substitutos e, no caso da UNESP, bolsistas.
Cálculos da Faculdade de Filosoa e Ciências da UNESP Marília
indicam que estamos com metade dos servidores-técnico administrativos
necessários para o bom funcionamento das seções, e as contratações
iniciadas em 2022 não serão sucientes. De acordo com informações
obtidas na reitoria, teremos a contratação de 350 docentes e 350 servidores
técnico-administrativos, mas estas contratações não conseguem suprir um
longo período de congelamento de contratações (2014) e uma grande
quantidade de docentes em processo de aposentadoria.
g) Práticas integradoras inecazes ou pontuais/isoladas;
As entrevistas realizadas nos levam a crer que as práticas integradoras
são realizadas por iniciativas pontuais de docentes, mas não fazem parte de
uma política da instituição ou dos diretores das ETECs, conforme vimos
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas vol. 2
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nas páginas anteriores. Nossos informantes relataram que nas suas escolas
existem práticas pontuais de integração. Elas dependem da motivação
individual de cerca de um ou dois professores, mas não há algo além disso.
h) Rotatividade de professores da área técnica;
Os docentes observaram que há alta rotatividade da área técnica,
especialmente em função do tipo de contrário com tempo determinado.
Uma das coordenadoras observou que “Com certeza [a rotatividade]
contribui para o impedimento de ações integradoras, visto que a rotatividade
não possibilita o professor a melhorar a cada ano sua prática com base
nas experiências anteriores. Com a rotatividade os professores têm que se
preparar constantemente para assimilar o conteúdo do componente.
i) Concurso público para contratação de professores,
Abordamos este ponto nas páginas anteriores. Cabe destacar aqui
que não foram contratadas docentes e contratados docentes na perspectiva
da integração. Ver parâmetro f.
j) Planejamento docente coletivo.
A maior parte dos docentes destacou a existência de planejamento
coletivo, mas para pensar questões mais gerais, sem destaque para a questão
da integração.
k) Formação integrada ou acesso ao ensino superior via ETECs?
Este parâmetro apareceu especialmente nos estudos de Kuenzer
(2012) e (2017). Não é possível armar categoricamente nem comprovar
quantitativamente, mas as ETECs têm sido apropriadas por uma parcela
74 |
das classes trabalhadoras e das camadas médias que vislumbram para seus
lhos o Ensino Superior, ao contrário do que ocorreu até os anos 1970.
As entrevistas realizadas nos mostram a tendência observada por
Kuenzer (2012) e (2017). No caso do Centro Paula Souza da região oeste
paulista, mais da metade das estudantes e dos estudantes entram no médio
integrado tendo em vista a entrada no ensino superior.
Há algum problema nisso? Em grande medida não, mas se o objetivo
principal da clientela das escolas é passar no vestibular, é possível supor que
pode predominar nestas escolas uma formação voltada para a entrada no
ensino superior, em detrimento da formação técnica ou técnica integrada
ao ensino médio.
a Política de integração do centro Paula souza: integração ou
soBrePosição e formação Para o vestiBular?
A publicação do Decreto nº 5.154/2004 em substituição ao Decreto
nº 2.208/97, iniciou um novo ciclo na Educação Prossional de nível
médio no Brasil, reestabelecendo o oferecimento da formação prossional
técnica integrada ao ensino médio, produzindo um vasto campo de
debates, projetos políticos em nível estadual e políticas educacionais para a
implementação do ensino médio integrado.
Enquanto a Rede Federal de Educação Prossional, Cientíca e
Tecnológica (RFEPCT) (Lei 11.892/2008) adota o modelo de Ensino
Técnico integrado ao Médio, o Centro Paula Souza inicialmente resistiu
à adoção dessa nova modalidade, optando por oferecer o ensino médio
e técnico concomitantes, passando a adotar as primeiras habilitações
prossionais sob a modalidade integrada a partir de 2009, com cursos
piloto oferecidos em algumas unidades.
Retomando aqui a citação de Ciavatta (2005) de que a
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas vol. 2
| 75
A formação integrada sugere tornar íntegro, inteiro, o ser humano
dividido pela divisão social do trabalho entre a ação de executar e a
ação de pensar, dirigir ou planejar. Trata-se de superar a redução da
preparação para o trabalho ao seu aspecto operacional, simplicado,
escoimado dos conhecimentos que estão na sua gênese cientíco
tecnológica e na sua apropriação histórico-social. Como formação
humana, o que se busca é garantir ao adolescente, ao jovem e ao
adulto trabalhador o direito a uma formação completa para a
leitura do mundo e para a atuação como cidadão pertencente a um
país, integrado dignamente à sua sociedade política. Formação que,
neste sentido, supõe a compreensão das relações sociais subjacentes
a todos os fenômenos. (CIAVATTA, 2005, p.23).
Em nossa pesquisa, não encontramos grandes indícios de uma
formação integral do ser humano no Centro Paula Souza. Os parâmetros
abordados nas páginas anteriores indicam que a política de integração do
Centro Paula Souza não permite uma formação completa. A política de
integração do ensino técnico ao médio pode ter resultado em algumas
conquistas, mas sugere também que esta veio acompanhada de inúmeras
contradições em relação à concepção original dos intelectuais orgânicos
que formularam esta política.
Pesquisas futuras poderão nos permitir comparações com outras
realidades do Centro Paula Souza, com outras Escolas Estaduais de
Educação Prossional e especialmente com a Rede de Educação do
Instituto Federal.
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Capítulo 3
O    
  B:
   
Josefa Jackline Rabelo
Maria das Dores Mendes Segundo
Francisca Maurilene do Carmo
resumo: O objetivo deste artigo é tematizar a chamada educação prossionalizante no
Brasil em seus elementos históricos e sociais. Prioriza-se um estudo teórico-bibliográco
que se debruça sobre período que vai da colonização à promulgação da LDB N˚ 9394/96.
Desse modo, realizamos uma revisão dos autores Manfredi (2002), Almeida (2000), Garcia
(2000), Cunha (2000), Romanelli (1984), Santos (2012, 2015, 2017), dentre outros,
quando apontam que a formação prossional surgiu articulada ao processo da chegada
dos europeus ao Brasil. Examinaremos ainda, a reforma do Ensino Médio, instituída pela
Medida Provisório a 746/2016, em que articula as demandas do capitalismo em crise. Por
m, concluímos que o ensino médio e sua modalidade prossionalizante, recongurados
pelas sucessivas reformas, sempre foi direcionada aos lhos da classe trabalhadora,
expressando um caráter classista, aprofundando a desigualdade educacional entre ricos
e pobres.
https://doi.org/10.36311/2023.978-65-5954-344-1.p81-108
82 |
Introdução: debate classIsta sobre educação ProfIssIonalIzante
no brasIl
O objetivo principal deste artigo é tematizar a chamada educação
prossionalizante no Brasil em seus elementos históricos e sociais. Prioriza-
se um estudo teórico e bibliográco que se debruça sobre o período que
vai da colonização à promulgação da LDB N˚ 9394/96. Examinaremos
ainda, a reforma do Ensino Médio, instituída pela Lei Nº 13.415, de 16
de fevereiro de 2017, conversão da Medida Provisória nº 746, de 2016,
apresentada como inovadora para solucionar o modelo atual de ensino
médio, em que articula, sobremaneira, as demandas do capitalismo em crise
e expressa um caráter classista, aprofundando a desigualdade educacional
entre ricos e pobres
No Brasil, recorrendo aos registros históricos, a educação em geral e,
especicamente, a prossionalizante começam marcadas pela subordinação
dos povos originários aos europeus. Esse tipo de recorte formativo estava
ligado a uma severa e sistemática expropriação dos indígenas e africanos,
alçados, no plano do discurso, à condição de aprendizes dos ofícios no período
colonial, produzindo, desde já, o processo de subserviência dos colonos
frente ao poder dos dominadores. No presente estudo, realizaremos uma
revisão teórica das reexões dos autores Manfredi (2002), Almeida (2000),
Garcia (2000), Cunha (2000), Romanelli (1984), Santos (2017), dentre
outros, quando apontam que a formação prossional surgiu articulada ao
processo da chegada dos europeus colonizadores ao território brasileiro.
Em uma investigação realizada por José Ricardo Pires de Almeida,
publicada inicialmente em francês, no ano de 1889, no livro L`Instruction
Publique au Brésil – Histoire – Legislation,
1
registra-se os acontecimentos
em torno da instrução pública no Brasil entre 1500 e 1889, em que se
conrma o papel dos jesuítas como os pioneiros na educação. Nas palavras
de Almeida (2000):
Cem anos depois, o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira – INEP (1989)
tornou pública a tradução do livro e, a partir dela, surgiram muitas reexões sobre a origem da legislação de
nossa educação. O livro de Almeida foi dedicado ao genro do Imperador, o conde Luís Filipe Maria Fernando
Gastão, ou conde d’Eu Louis Philippe Marie Ferdinand Gaston, neto do rei Luís Felipe I da França. O conde
renunciou à sucessão ao trono francês para se casar com a princesa Isabel Cristina Leopoldina de Bragança –
lha de Dom Pedro II –, tornando-se príncipe imperial do Brasil (SANTOS, 2017).
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas vol. 2
| 83
No Brasil, quase dois séculos consagradas às conquistas materiais,
o governo da metrópole conava inteiramente ao clero secular
e regular a tarefa de instruir as populações deste país, quer
convertendo os indígenas, ou então, se dedicando a um trabalho
mais árduo e ingrato, cheio de diculdades e tenazes oposições:
manter a fé dos colonos e seus descendentes nos limites da moral,
da justiça e humanidade. (ALMEIDA, 2000, p. 25).
Sob orientação jesuítica, como se observa, foram introduzidos
os primeiros aprendizados, o que se convencionou chamar de ensino
prossionalizante. Esse tipo de instrução baseava-se em trabalhos pesados,
afazeres precários, prossões manuais, executados pelos índios. Esse fato
caracteriza a educação reservada, desse pioneirismo religioso em diante, aos
assim denominados ‘órfãos de Deus’, povos inocentes de fácil conversão,
desvalidos da riqueza ou qualquer outra expressão material e cultural, em
atendimento aos interesses dos colonizadores.
Podemos considerar que até a chegada da família real (1808), ocorreram
poucas mudanças nesse quadro. Como documenta Almeida (2000, p. 50),
ao utilizar declaração de Francisco de Paula Menezes, proclamada em 1848,
a instalação da corte ao Brasil criou um grande entusiasmo “pelas artes e
ciências, protegeu a indústria com abertura de nossos portos ao comércio
estrangeiro, acelerou nossa cidade e os talentos, de toda espécie, começaram
a se revelar com ousadia.” O autor, em sua narrativa, avalia que tal motivação
foi inuenciada pela ideologia dominante, interessada por um cabedal
retórico que reforçava a condição de classe.
Santos (2017), recuperando Almeida (2000) registra ainda, a criação
do Seminário de São Joaquim, no Rio de Janeiro, entre 1725 e 1740,
tinha como m instruir um determinado número de órfãos. O Seminário,
ao longo de seu desenvolvimento histórico, assumiu o modelo de escola
prossional na perspectiva de preparar “os alunos para as diferentes
prossões, tais como as de alfaiate, sapateiro, carpinteiro e marceneiro.
(ALMEIDA, 2000, p. 65-66). Conforme relata o Almeida (2000) esta
instituição de formação prossionalizante se manteve em condições
decadentes, sendo, portanto, transformada em 02 de dezembro de 1837
84 |
no Colégio Pedro II, passando a funcionar como Faculdade de Letras.
As matérias de ensino, conforme destaca, assim eram distribuídas: latim,
grego, francês, inglês, retórica e poética, geograa, história, siologia,
mineralogia, botânica, física, álgebra, geometria e astronomia.
Cunha (2000) lembra, que no intervalo de 1840 a 1856 foram
criadas, em dez governos provinciais as ‘Casas de Educandos’. Na ocasião,
adotaram o que existia como modelo de aprendizagem nos ofícios militares,
incluindo a hierarquia e a disciplina, com o objetivo de atender às camadas
mais pobres da sociedade, ou seja, o que se entendia como excluídos,
órfãos, abandonados, desvalidos, desafortunados, etc.
Essa especicidade da educação, em sua gênese ser voltada
estritamente para atender indígenas, escravos e ex-escravos, apresenta na
análise de Cunha (2000) as seguintes explicações:
Com efeito, numa sociedade onde o trabalho manual era destinado
aos escravos (índios e africanos), essa característica “contaminava
todas as atividades que lhes eram destinadas, as que exigiam esforço
físico ou a utilização das mãos. Homens livres se afastavam do
trabalho manual para não deixar dúvidas quanto a sua própria
condição, esforçando-se para eliminar as ambigüidades de
classicação social. (CUNHA, 2000, p. 90).
Os historiadores supracitados Cunha (2000) e Almeida (2000),
compreendiam que a articulação da divisão social do trabalho com educação,
situa-se como profundamente estraticada e dualista, cuja gênese perpassa
pelo Brasil colônia, império e chega à república, com certa predominância
numa sociedade extremamente desigual, de base escravocrata, em que
afastou os trabalhadores livres das atividades de artesanato e manufatura.
Nestes termos, pode-se armar que o desenvolvimento da divisão
social do trabalho no Brasil em relação à Europa Ocidental e aos Estados
Unidos foi diferenciado, tendo em vista que a utilização de mão de obra
escrava, a exemplo das atividades dos “carpinteiros, ferreiros, pedreiros,
tecelões etc.,” (CUNHA, 2000, p. 90) não atraía os trabalhadores livres,
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas vol. 2
| 85
uma vez que essas ocupações se aproximavam das elaboradas pelos escravos.
Este fato, acrescenta Cunha
Era da maior importância diante de senhores/empregadores,
[brasileiros]”, pois eles viam todos os trabalhadores como uma
propriedade senhorial. Esse, entre outros motivos, segundo conclui
o pesquisador, fez com que ‘as corporações de ofícios (irmandades)
não tivessem, no Brasil Colônia, o desenvolvimento de outros
países. ’ (CUNHA, 2000, p. 90).
A esse respeito é válido recorrer a análise de Karl Marx quando
apontava na sua obra principal, O Capital (1867), que no período
de consolidação do capitalismo industrial ocorre a grande divisão do
trabalho com a materialização do processo de funcionamento das
corporações de ofício. Este exame está presente na transcrição de Marx
dos relatórios dos inspetores de fábrica, que expressam a condição
brutal a qual as famílias dos trabalhadores estavam submetidas. Nessa
direção de crítica à sociedade burguesa e, por desdobramento, ao ensino
burguês, Marx apresenta, como base do indivíduo desenvolvido para este
sistema - pautado no trabalho assalariado e explorado - o ensino prático,
ministrado pelos modelos das escolas politécnicas e agronômicas e Écoles
D’enseignement Professionnel, marcos da passagem da manufatura para a
grande indústria na Inglaterra.
Ela torna uma questão de vida ou morte substituir a monstruosidade
de uma miserável população trabalhadora em disponibilidade,
mantida em reserva para as mutáveis necessidades de exploração do
capital, pela disponibilidade absoluta do homem para as exigências
variáveis do trabalho; o indivíduo-fragmento, o mero portador de uma
função social de detalhe, pelo indivíduo totalmente desenvolvido,
para o qual diferentes funções sociais são modos de atividade que
se alternam. Um momento, espontaneamente desenvolvido com
base na grande indústria, desse processo de revolucionamento
são as escolas politécnicas e agronômicas, outro são as écoles
d’enseignement professionnel, em que lhos de trabalhadores recebem
alguma instrução de tecnologia e de manejo prático dos diferentes
instrumentos de produção. (MARX, 1988, p. 88).
86 |
Recuperando ainda a crítica às leis do movimento ao capital,
Marx expõe o severo processo de mutilação do trabalhador individual e
de graduação hierárquica entre os próprios trabalhadores no contexto da
divisão manufatureira e da consequente passagem à grande indústria:
A manufatura produz, de fato, a virtuosidade do trabalhador
detalhista, ao reproduzir, dentro da ocina, a diferenciação
naturalmente desenvolvida dos ofícios, que já encontrou na
sociedade, e ao impulsioná-la sistematicamente ao extremo. Por
outro lado, a transformação do trabalho parcial na prossão por
toda vida de um ser humano corresponde à tendência de sociedades
anteriores de tornar hereditários os ofícios, de petricá-los em
castas ou, caso determinadas condições históricas produzissem no
indivíduo uma variabilidade que contradissesse o sistema de castas,
de ossicá-los em corporações. (MARX, 1996, p. 456).
Na análise da situação e exploração da classe trabalhadora, nas
formações sociais capitalistas, em O Capital de Marx, encontra-se os
desdobramentos concretos e históricos, através da divisão internacional
do trabalho, expressos nos seguintes aspectos: ocorre a transformação do
trabalho parcial na prossão por toda vida de um ser humano; as prossões
são separadas e a virtuosidade do trabalhador detalhista é articulada ao
aperfeiçoamento de suas ferramentas para ns diferentes; os ofícios são
classicados como ‘truques técnicos que se consolidam, se acumulam e
se transmite rapidamente; o trabalhador é capacitado a aperfeiçoar-se pela
prática, com ênfase na habilidade manual, mediante uma formação restrita
ao processo de qualicação da força de trabalho. (MARX, 1996).
Ao operacionalizar e desenvolver a separação do trabalho manual e
do trabalho intelectual, o capital, em seu processo de acumulação ampliada,
conforme denuncia Marx, citando em nota Ferguson (1996, p.475-476),
indica que “[...] as manufaturas prosperam mais onde mais se prescinde do
espírito, de modo que a ocina pode ser considerada uma máquina cujas
partes são homens”.
Ainda na esteira das reexões de Marx sobre a formação da força de
trabalho por meio do artifício da qualicação limitada às atividades manuais
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas vol. 2
| 87
e, guardadas as devidas proporções, o Brasil passou por esse processo dualista
de educação, com particularidades próprias de um país colonial, acentuando
a oferta do ensino com caráter de instrução para os povos colonizados e
escravizados. Esta realidade atravessa o império e se estende pela república,
sempre na direção de, para usar os termos de Cunha (2000, p. 90): “ensinar
ofícios a crianças e jovens que não tinham escolhas”.
Comparando os registros históricos relatados por Almeida (2000) e
Cunha (2000), em relação a importância do ensino prossional, destinado
aos jovens pobres com caráter de compulsoriedade mediado antes pelo
Estado imperial e depois repassado ao estado república, ambos os autores
percebem que esta modalidade de ensino prossionalizante, além de se
apresentar como uma ‘necessidade pública’ de minimamente qualicar
a força de trabalho, em prol do desenvolvimento econômico industrial
nascente, expressa, ademais, forte inuência ideológica e moral na
formação de um trabalhador submisso, ordeiro e integrado ao progresso
social e econômico da época.
Independentemente, portanto, ao fato de a oferta do ensino
prossionalizante ser iniciativa estatal, religiosa ou comercial, seu
objetivo era legitimar e garantir o dualismo educacional, mormente,
em consonância com os interesses das classes dominantes do período
colonial, império e república.
Aportando nos importantes acontecimentos políticos da segunda
metade do século XIX como, por exemplo, a chamada abolição tardia
da escravatura, a Proclamação da República, entre outros fatores,
solidicou o alinhamento da educação prossional às exigências do
desenvolvimento capitalista.
O processo de formação anacrônica da elite brasileira, para usarmos
os termos de Ianni (1992), cria intransponíveis obstáculos para que os
avanços da modernidade possam entrar em contato com as contradições
do desenvolvimento capitalista local, o que desemboca, como comentou
Azevedo em citação de Romanelli (1984), em uma revolução abortada. Em
sua reexão, a pesquisadora indica uma articulação estreita entre o modelo
88 |
de desenvolvimento capitalista brasileiro, baseado no padrão de produção
escravocrata e as exigências educacionais que demandavam recursos
humanos distantes do chão produtivo. Em contraposição a esse contexto,
a herança cultural europeia produzia, a necessidade de uma educação
que garantisse, para a elite, por meio da oratória, uma determinada
similaridade com o modelo educativo importado da Europa. No contexto
do desenvolvimento social atrelado aos fatos políticos que levaram o país
de colônia à condição de república (1889), a educação, nestes termos,
passou a legitimar e conservar o status quo, reproduzindo e ampliando
as desigualdades entre as classes, com a garantia da preservação do poder
político da elite mandatária da época, afastando, consequentemente, os
povos dominados de uma educação clássica e cientíca.
Romanelli (1984) indica a existência cristalizada da desvalorização
entre o trabalho manual, ou seja, qualquer atividade que não fosse
destacada como intelectual. Quando “todos esses aspectos se integravam,
é possível armar-se que a educação escolar existente, com origem na
ação pedagógica dos Jesuítas, correspondia às exatas necessidades da
sociedade como um todo.” (1984, p. 45). Esse conjunto de fatores, no
plano do discurso, demandava da escola brasileira a função social de
fornecimento de recursos humanos que pudessem atender os ideais do
regime, enquanto aparato público, favorecendo, por sua vez, o costumeiro
dualismo sócio-educacional. Como atesta Romanelli (1984, p. 46), nessa
época é possível, assim, pensar na ausência de uma defasagem entre
educação e desenvolvimento, com uma consequente defasagem entre os
serviços acabados oferecidos pela escola e a demanda social e econômica
de educação.
Santos (2017) consoante com Romanelli (1984), avalia que,
no território brasileiro, mesmo subordinado aos países centrais,
paradoxalmente, em meados dos anos 1920, devido à grande escassez
das importações em decorrência a Primeira Guerra Mundial (1914-
1919), o mercado interno começa a crescer, com precárias condições do
desenvolvimento tecnológico e cientíco, atendendo os interesses da elite
conservadora. Face a este contexto, a formação e qualicação da força
de trabalho vai ser impactada pela relação contraditória entre capital e
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas vol. 2
| 89
trabalho, assumindo formas problemáticas de oferta deste nível de ensino
destinado à classe trabalhadora.
As reexões expostas até o momento demonstram a existência no
Brasil de uma relação dialética entre o desenvolvimento econômico e a
implementação das propostas educacionais, particularmente, as voltadas
para a formação prossionalizante. Neste sentido, Santos (2017) arma
Ao que se refere às especicidades da formação do trabalhador,
conforme atesta a publicação ocial dos Parâmetros curriculares
nacionais para o ensino médio (2001), várias outras experiências
foram tentadas até o início do século XX, mas foi a partir de 1909
que o ensino prossionalizante passou a ser de responsabilidade
do governo. Tal fato não se dá por mera coincidência. O início de
século XX testemunha, como registrado, o quadro da incipiente
industrialização brasileira, que carrega consigo as contradições de
uma sociedade de capitalismo atrasado que precisa se desenvolver
em articulação com os países de capitalismo avançado. No
cenário dessas contradições, com inspiração nas correntes anarco-
sindicalistas europeias, as greves de operários brasileiros se
proliferam. Na interpretação de Cunha (2000), esse é o contexto
em que a retrógrada elite dirigente do país aposta no ensino
prossionalizante como um antídoto para combater os ideais
anarquistas, apresentados pelos imigrantes europeus aos operários
locais, o que inuencia decisivamente os trabalhadores brasileiros.
(SANTOS, 2017, p. 270).
Nesta direção é estruturado o Ministério da Agricultura, Indústria
e Comércio (MAIC), que atende particularidades advindas do império,
vinculadas às necessidades de um capitalismo com raízes na escravatura,
que se sustentava sobre uma economia agroexportadora e assume a função
de coordenar as atribuições do nível de ensino que se destina a formação
da classe trabalhadora.
De acordo com Santos (2017), no intuito de responder as demandas
de formação da força de trabalho após vinte anos que marca a data ocial
da abolição da escravatura no Brasil (1888), o presidente da república Nilo
Peçanha cria em 23 de setembro de 1909, as Escolas de Aprendizes Artíces,
90 |
para o desenvolvimento do ensino prossionalizante gratuito
2
e curso
primário.
Nesta perspectiva, o texto do Decreto Nº 7.566/09 apresenta o
seu objetivo principal: [...] “não só habilitar os lhos dos desfavorecidos da
fortuna com o indispensável preparo técnico e intelectual, como fazê-los
adquirir hábitos de trabalho profícuo, que os afastará da ociosidade, escola
do vício e do crime. (BRASIL, 1909, p. 1).
Dentro das ações do MAIC registra a criação dessas escolas industriais,
comerciais e agrícolas, articuladas ao ensino popular, destinadas à classe
trabalhadora brasileira, conrmava, portanto, os interesses ideológicos da
nascente elite industrial, que embora aparentasse progressista, convergia
com os ideais conservadores dos agroexportadores, que se viram obrigados,
dadas as crises econômicas, deslocarem as suas expectativas de lucros para
o desenvolvimento industrial, que, supostamente, estabilizaria a economia,
e poderia elevar o Brasil a posição próxima dos países da Europa e dos
Estados Unidos.
Cunha (2000) destaca que a formação dos professores para atuar
no ensino prossionalizante se deu, inicialmente, com a incorporação em
1919 da Escola Normal de Artes e Ofícios Wenceslau Braz, estimulada,
posteriormente, com a criação, em 1920, da Comissão de Serviços de
Remodelagem do Ensino Prossional Técnico
3
, cuja nalidade é avaliar
e acompanhar o funcionamento das escolas prossionais, propondo
estratégias que tornassem mais ecientes e atraentes, tais como: construção
de prédios e padronização dos currículos na perspectiva do ensino técnico
e da industrialização das escolas.
Soma-se a esse panorama, o fato de que o governo Getúlio Vargas,
no contexto da chamada revolução de 1930 e da organização da economia
Esclarece Cunha (2000) que, no Rio de Janeiro, a escola foi inaugurada na cidade de Campos – cidade
natal de Nilo Peçanha – visto que na capital da república já existia o Instituto Prossional Masculino. Já
o Rio Grande do Sul dispunha, por seu turno, do Instituto Parobé, unidade da Escola de Engenharia de
Porto Alegre.
De acordo com Queluz (2010, p. 77) “Dentro do contexto de diculdades das Escolas de Aprendizes
Artíces, do entusiasmo reformista educacional dos anos de 1920, e da maior disposição do governo
federal para intervenção na questão social, o novo Ministro da Agricultura Indústria e Comércio, Ildefonso
Simões Lopes, com o intento de reformar o ensino técnico prossional, criou, em 1920, a Comissão de
Remodelação do Ensino Prossional Técnico, transformada em 1921 em Serviço de Remodelação do
Ensino Prossional Técnico, justicando essa criação dentro do espírito reformista”.
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas vol. 2
| 91
nos moldes urbano-industrial, no processo de substituição ao modelo
agrário-exportador, registra medidas e estratégias no campo da educação
direcionadas aos(as) trabalhadores(as). De acordo com Santos (2017),
Entre tais medidas, interessam-nos mais especicamente:
* A criação do Ministério de Educação e Saúde Pública do Trabalho,
Indústria e Comércio.
* Funcionamento do Conselho Nacional de Educação.
* Funcionamento da Inspetoria do Ensino Prossional Técnico.
* A reforma da educação de 1931: conhecida como reforma
ministro Francisco Campos.
* A criação, em 25 de janeiro de 1934, da Universidade de São
Paulo (USP), que inaugura a Faculdade de Filosoa, Ciências e
Letras com o objetivo de formar quadros para ensinar no magistério
secundário. Somam-se a esse conjunto de medidas os debates em
torno das propostas da Escola Nova. (SANTOS, 2017, p. 174).
Neste cenário, o debate entre o público e o privado vem à tona, com
apoio da emergente burguesia industrial brasileira, em defesa do processo
de racionalização do serviço público e da dissolução das velhas oligarquias.
Paradoxalmente, o Governo de Vargas, oportunizou “concessões complexas
[e perigosas] para os setores ligados à agricultura.” (SANTOS; SILVA,
2015, p. 193).
Diante desse cenário do primeiro governo de Getúlio Vargas,
marcado por muitas tensões, greves e conitos entre as classes sociais da
época, sobretudo, os industriais emergentes com trabalhadores, tornou-se
necessário executar um conjunto de reformas e mudanças para manter o
poder conservador da elite brasileira. Estas reformas reverberam no campo
da política educacional, imprimindo e aprofundando a dicotomia histórica
que acompanha a educação prossional no Brasil.
Kuenzer (2000) relembra que até 1932, após o curso primário, as
alternativas existentes aos cursos rural e prossionalizante com quatro
anos de duração, destinavam-se exclusivamente a formação para o mundo
92 |
do trabalho. Essa organização do sistema educacional implementada por
Capanema, anula o que havia feito Anísio Teixeira, antigo titular da pasta.
A reforma Capanema, em 1942, implantada no contexto ditatorial do
‘Estado Novo’, tinha a clara intenção de proporcionar um ensino elitista
para os lhos da classe dominante em que a oferta do ensino cientíco
possibilitava a continuidade da formação; e uma educação prossionalizante
para os lhos dos trabalhadores, signicava o término dos estudos, sem
acesso ao ensino superior.
Perante as inuências da Segunda Guerra Mundial (1939-1945)
e as diculdades de importações, o Estado Novo transforma, assim, as
escolas de aprendizes artíces em Escolas Técnicas Federais. Registra-
se, do mesmo modo, a demanda, mesmo que embrionariamente, da
montagem de um parque industrial, que exige o aumento da oferta de
escolas prossionalizantes.
Para um conjunto de pesquisadores, a exemplo de Cunha (1973),
Kuenzer (2000), Quixadá Viana (2001), Romanelli (1984), Santos (2017)
entre outros, o resultado dessas medidas é a distinção entre estudantes ricos
e pobres, ou seja, a classe trabalhadora caria impedida de dar continuidade
aos estudos no nível superior. A única e limitada alternativa dos egressos do
ensino prossionalizante era a inserção em cursos diretamente relacionados à
formação do ensino médio-técnico, na mesma área de sua prossionalização.
Santos (2017) observa que, não obstante, o saldo da chamada reforma
Capanema não foi apenas o aprofundamento dessa cisão. Os empresários
exaltaram a criação do hoje chamado Sistema S
4
, o que se congura,
nos apontamentos de Kuenzer (2000), na operacionalização do quadro
As entidades que compõem o Sistema S, além do SENAI, são: Serviço Social do Comércio (SESC), criado
pelo Decreto-Lei N 9.853, de 13 de setembro de 1946; Serviço Social da Indústria (SESI), criado pelo
Decreto-Lei N 9.403, de 25 de junho de 1946; Serviço Nacional da Aprendizagem Comercial (SENAC),
criado pelo Decreto-Lei N 8.621, de 10 de janeiro de 1946; Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e
Pequenas Empresas (SEBRAE) que inicialmente foi denominado de Centro Brasileiro de Apoio à Pequena
e Média Empresa (CEBRAE), criado em 1972, por iniciativa do Banco Nacional de Desenvolvimento
Econômico (BNDE) e do Ministério do Planejamento. Em 1990, através da Lei N 8.029, de 12 de abril
de 1990, foi transformado em um serviço social autônomo, vinculado à iniciativa privada, denominado
então de SEBRAE; Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (SENAR), criado em 1991, pela Lei N
8.315, de 23 de dezembro de 1991; Serviço Nacional de Aprendizagem e Transporte (SENAT) e Serviço
Social dos Transportes (SEST), criados pela Lei N 8706, de 14 de setembro de 1993; e Serviço Nacional
de Aprendizagem do Corporativismo (SESCOOP), criado pela Medida Provisória N 1.781-7, de 11 de
março de 1999, mas que teve regimento aprovado através do Decreto N 3.017, de 6 de abril de 1999.
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas vol. 2
| 93
da divisão social técnica do trabalho com parcerias entre a esfera privada
com instituições públicas, orientadas pelo modelo taylorista-fordista que
procurava responder ao processo de desenvolvimento industrial e exigia,
uma força de trabalho com qualicação suciente para dar conta desse
novo modelo produtivo.
Entre 1942 e 1999, além do Sistema Nacional de Aprendizagem
Industrial (SENAI) – normalizado pelo Decreto-Lei N. 4.048 em 22 de janeiro
de 1942 –, foram criadas as instituições que compõem o referido sistema.
Na tentativa de apresentar uma resposta ao que estaria por trás disso,
Cunha explica que
O primeiro projeto foi enviado, ainda em 1938, à Confederação
Nacional da Indústria e à Federação das Indústrias do Estado
de São Paulo, presididas, respectivamente, por Euvaldo Lodi e
Roberto Simonsen. Eles se manifestaram contrários, devido às
despesas que as empresas teriam de arcar com o pagamento dos
salários dos aprendizes e dos mestres, com os gastos de instalação e
de operação das ocinas.
5
(CUNHA, 2000, p. 99).
Diante da recusa dos empresários de arcar com custeio das
estruturas físicas das ocinas e pagamento dos salários dos aprendizes
e instrutores (mestres), a ditadura Vargas, por meio do Decreto-Lei N°
1.238, de 2 de maio de 1939, “que dispõe sobre a instalação de refeitórios
e a criação de cursos de aperfeiçoamento prossional para trabalhadores,
obriga a reacionária elite empresarial a criar e manter os cursos de
aperfeiçoamento prossional “nos estabelecimentos em que trabalhem
mais de quinhentos empregados.” Conforme normatiza o decreto, os
empregadores deverão manter, “cursos de aperfeiçoamento prossional
para adultos e menores, de acordo com o regulamento cuja elaboração
cará a cargo dos Ministérios do Trabalho, Indústria e Comércio e da
Educação e Saúde” (sic) (BRASIL, 1939).
O autor compõe a seguinte problemática para tentar explicar a “resistência passiva” dos líderes industriais:
“É provável que a formação recente do capital industrial ainda não tivesse propiciado aos industriais uma
visão dos seus interesses coletivos um pouco além do curto prazo. Por outro lado, a situação dos industriais
de crescente dependência diante dos favores governamentais, em termos scais, alfandegários e creditícios,
não encorajava uma resistência ativa ao projeto.” (CUNHA, 2000, p. 99).
94 |
Em suas conclusões sobre a criação do SENAI e seu desdobramento
no Sistema S, Cunha (2005) aponta o papel do movimento da classe
empresarial:
[...] os industriais não só não foram os elementos ativos na criação
da aprendizagem sistemática e remunerada, custeada por eles
próprios, como, também, resistiram todo o tempo a sua instituição.
Eles não conseguiram perceber como isso era do seu próprio
interesse. Foi preciso que o Estado, utilizando um poder arbitrário,
próprio do regime autoritário, os obrigasse a assumir a instituição
em pauta”. (CUNHA, 2005, p. 34).
Como aspectos gerais desse período em relação à formação da força
de trabalho, recorremos às formulações de Garcia (2000, p. 84), segundo
as quais, a partir dos anos de 1940, a educação dos trabalhadores “cou
sob o controle único dos empresários.” Sob a organização pedagógica do
Sistema S, pelas mãos do mercado, autores como Frigotto (1998), dentro
outros, assumem a tese de que o ensino prossionalizante encontra-se,
nesse processo, submetido a uma gestão empresarial.
asPectos geraIs das PolítIcas e reformas educacIonaIs no brasIl
A indústria mundial, sobretudo, a automobilística, afama o êxito
da produção capitaneada pelo binômio taylorista-fordista que, articulado
ao intervencionismo keynesiano
6
, mais uma vez, exige modicações
na educação dos trabalhadores. Isto é, o chamado período glorioso do
capitalismo com os resultados do pós-guerra reclama outro do tipo de
formação para a força de trabalho. As modicações no mundo produtivo
impõem que se retome a discussão do sistema de ensino brasileiro. Essas
alterações na produção inuencia a retomada do debate sobre a LDB nº
As teorias de John Maynard Keynes propunham a intervenção estatal na vida econômica com o objetivo de
conduzir a um regime de pleno emprego. Chamado pensamento econômico Keynesianismo argumenta que
o setor privado não é capaz por si só de garantir a estabilidade da economia. Não é capaz de evitar as crises
profundas, tais como recessão, depressão que provoca desemprego, inação e desestabilização da economia.
O Estado tinha que se fazer presente na Economia.
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas vol. 2
| 95
4.024/61, que vem a ser promulgada depois de mais de uma década de
engavetamento, em 1961. Nela, o ramo de ensino prossionalizante é
reconhecido como equivalente ao ramo propedêutico, o que garante aos
egressos daquela ramicação a condição de prosseguimento irrestrito no
ensino superior. Ao SENAI e ao SENAC, de acordo com as exigências
legais, caberia a organização das formações para absorver a correspondência
entre as etapas do ensino fundamental e do médio.
O conjunto dos estudos de Santos (2012, 2015, 2017), quando
tematiza a história da educação prossionalizante do Brasil, recupera que
a primeira LDB brasileira e sua revisão em 1971, consagrada na Lei Nº
5.692/71, conhecida como reforma Jarbas Passarinho, o golpe empresarial-
civil-militar de 1964 procurou garantir para o país determinado
crescimento da economia em um panorama de expectativa na evolução
do parque industrial interno. Esse quadro denuncia, segundo entendia o
governo ditatorial e seus adeptos, a necessidade por formar um trabalhador
com qualicação especíca para conhecimentos técnicos em atendimento
a tal parque industrial. O que os defensores do regime não contavam era
com a enorme resistência ao governo que se estabeleceu por intermédio de
intensa mobilização popular-estudantil. O que se chamou de conturbação
política por setores orgânicos ao Estado autoritário, foi combatido com
a arbitrariedade do Ato Institucional Nº 5 (AI-5), de 3 de dezembro de
1968. O “golpe dentro do golpe”, como cou conhecido esse Ato, ordenou
o fechamento da União Nacional dos Estudantes (UNE), expulsou,
torturou, exilou e matou várias personalidades de setores distintos da
sociedade, opositores ao sistema.
No contexto do AI-5, a ditadura decretou algumas medidas
unilaterais especícas ao campo educativo. Entre elas está a Lei Nº 5.540,
de 28 de novembro de 1968 e o Decreto Nº 464, de 11 de fevereiro do
ano seguinte, que conguram, entre outros pontos, a autoritária reforma
universitária. Logo em seguida, em 11 de agosto de 1971, o governo
baixa a Lei Nº 5.692/71. Em um momento de mobilização política e
intensicação das atividades de rua dos estudantes universitários em
oposição ao regime, esse conjunto de medidas editado pelo então Ministro
da Educação Jarbas Passarinho, embora não tenha sido apresentado desse
96 |
modo, visava conter a entrada de jovens egressos de escolas públicas no
ensino superior, assegurado pela LDB nº 4.024/61
A Lei Nº 5.692/71 estabelece que o ensino prossionalizante,
obrigatoriamente, vincule-se ao segundo grau, ou seja, o chamado ensino
técnico, em qualquer escola, seja ela pública ou privada, passaria a ser
ensinado compulsoriamente com o secundário. Para Passarinho e seus
aliados, como a lei unia o propedêutico com o prossionalizante, acabava
com o sistema dualista na educação, pois, de agora em diante, apenas
existiria uma única trajetória para os estudantes, independentemente se
iriam ingressar no mercado de trabalho ou na universidade. Isto é, para o
governo, o então segundo grau deixava de apresentar terminalidade para os
egressos do ramo prossionalizante, uma vez que agora todos teriam que
se formar perante a junção de disciplinas gerais e especícas prossionais
(SANTOS, 2017).
Conforme ainda Santos (2017), essa compulsoriedade atendia a duas
intenções: uma que poderia ser claramente assumida pelo ministro e outra
que era sosmada. Se, por um lado, pretendia-se adequar o sistema de ensino
às novas transformações da produção capitalista, por outro, objetivava-se
dicultar o acesso ao ensino superior dos jovens-trabalhadores-estudantes.
Este contingente era egresso, principalmente, das escolas públicas e, mesmo
que timidamente, em virtude da possibilidade aberta com a LDB nº
4.024/61, passaram a contrariar a tendência estatística de ingresso ao ensino
superior. Não é oneroso repetir o que a elite brasileira espera dos lhos dos
trabalhadores: a entrada precoce no mercado de trabalho capitalista.
A Lei Nº 5.692/71, gestada no período do regime ditatorial,
tornando compulsório o ensino prossionalizante, foi, na concepção de
alguns pesquisadores da educação, a exemplo de Cunha (2005), Kuenzer
(2000), Quixadá Viana (2001), entre outros, um fracasso, quando a
obrigatoriedade não veio a ser efetivada no dia a dia das escolas como
previam os militares.
Santos (2017) destaca que muitos outros fatores acabam levando,
em menos de cinco anos, o mesmo governo a assumir sua falha baixando
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas vol. 2
| 97
o Parecer Nº 76/75, que reestabelece a modalidade do ensino geral para o
segundo grau, resguardando a opção de a formação prossionalizante ser
separada ou unida ao seguimento secundário. Essa legislação, ao retomar
como opcional o ensino prossionalizante, apenas ocializa o que nunca
foi efetivado no chão da prática das escolas, sobretudo, as que abrigavam
os lhos da elite e dos estratos intermediários da sociedade a estudarem
precocemente disciplinas prossionais. Isso rearma uma concepção de
ensino médio negado aos lhos dos trabalhadores excluídos dos benefícios
da produção de bens materiais e culturais, bem como do acesso à
universidade, reservando para os lhos da burguesia brasileira e extratos
intermediários, o acesso ao ensino superior.
Depois que a Lei n.5.692/71 foi reinterpretada pelo Parecer
n.76/75, que mudou radicalmente o caráter universal e
compulsoriamente prossional do ensino de 2° grau, não havia
mais como segurar a maré montante da mudança de seu texto.
Com efeito, a maioria dos membros do Conselho Federal de
Educação era constituída de empresários do ensino ou seus
prepostos, a quem não convinha aquela política, nem havia mais
a necessidade de composição com uma orientação unicada,
proveniente do Ministério da Educação, como a que prevaleceu
no início da década. (CUNHA, 2005, p. 203-204).
A dualidade educacional se estrutura melhor, pois contabiliza
um distanciamento ainda maior entre o que se oferta aos lhos dos
trabalhadores e o que se entrega à elite e aos extratos intermediários da
sociedade. É evidente que a escola, por abrigar a educação sistematizada
e que, por ser um dos complexos que mantém uma relação de autonomia
relativa e reciprocidade dialética com a base econômica, tem inuência
nas transformações da sociedade, não pode, por esses motivos, car de
fora da discussão sobre a emancipação humana (LIMA; JIMENEZ, 2011).
Entretanto, não se pode colocá-la como epicentro da solução desta questão,
assim como o fez a ditadura empresarial-civil-militar, que tratou uma
problemática originada na estrutura de classes com soluções exclusivas da
gestão pedagógica.
98 |
Menos de dez anos após a compulsoriedade ser legalizada pela Lei Nº
5.692/71, outra normatividade ocial, desta feita a Lei Nº 7.044/82, volta
a tornar opcional a oferta de ensino prossionalizante. Na década seguinte,
já sob o chamado período de redemocratização, uma nova lei modica mais
uma vez as relações da educação propedêutica com a prossionalizante. A
LDB Nº 9.693/96, de 20 de dezembro de 1996, possibilita o segmento
prossionalizante ser normatizado por decreto.
A década de 1970 termina expondo os limites dos governos
autoritários e antidemocráticos encabeçado pelos militares; por toda a
década seguinte o mundo se movimenta em meio a muitos acontecimentos
importantes. Dois deles merecem maior atenção do presente texto, dado
que se cruzam diretamente com a nova tomada de rumo do capital nos
países periféricos, o que os tornam exigências do objetivo de tematizar
adequadamente a chamada educação prossional e tecnológica no Brasil.
No plano de política estratégica, conforme Santos (2012), o Consenso de
Washington (1989) reuniu representantes dos organismos internacionais,
com a intenção de propor reformulações econômicas na América Latina
e no mundo. No campo educativo, a Conferência Mundial de Jomtien
(1990) realizada um ano depois, reuniu representantes de 155 países e
120 organizações não-governamentais para a produção da conhecida
Declaração Mundial sobre Educação para Todos e um Plano de Ação
para Satisfazer às Necessidades Básicas de Aprendizagem. De acordo com
Mendes Segundo (2005), a Declaração de Jomtien, assinada por todos os
participantes, deveria adaptar todos as metas estabelecidas para assegurar
a educação básica de qualidade. Na ocasião, foram denidas seis metas
7
,
revisadas dez anos depois no Marco de Ação de Dakar Educação Para
Todos, em 2000 no Senegal e, atualmente reeditada pela Declaração de
Incheon, Coreia do Sul, 2015, que postergou o prazo do cumprimento das
novas’ metas de educação para 2030. Ainda conforme Mendes Segundo
(2005, p. 74)
Conferir as metas na Declaração Mundial sobre Educação para Todos: Satisfação das Necessidades Básicas
de Aprendizagem. Jomtien, 1990. UNESCO (1998).
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas vol. 2
| 99
A Conferência de Jomtien torna-se um marco nas determinações
sobre educação em todo o mundo, principalmente nos países
pobres. Repentinamente antigas aspirações sobre a abrangência
da educação deveriam ser cumpridas em escala mundial. Como
princípio, todos os países que almejassem o desenvolvimento, a
integração planetária e a sustentabilidade econômica deveriam ter
como preocupação a agenda da educação para todos. A partir daí, a
educação passaria a ser monitorada nos países envolvidos sob pena
de causar ingovernabilidade ou instabilidade social.
Como enumera Oliveira (1995), o Brasil experimenta mudanças
intensas e extensas com signicativa reorganização das instituições civis. O
sindicalismo reacende as lutas populares com greves – sobretudo no ABC
paulista – e ações nas ruas.
A ocupação maciça das ruas do país pela Campanha ‘Diretas Já
(1983-1985) mesmo derrotada em seu propósito principal (o voto direto
para presidente), não pode deixar de ser registrada como um evento que
marcou o chamado processo redemocratização do país. Somam-se a isso,
em 1984, as eleições para escolher os deputados constituintes, aqueles
que organizariam a Constituição Federal (CF) de 1988; as eleições para
as prefeituras das capitais e áreas consideradas pelos militares como de
segurança nacional em 1985; a eleição direta para presidente em 1989,
entre muitos outros acontecimentos importantes para o campo da política.
Como resultado desse momento de aspiração progressista, a
década seguinte nasce com a eleição do Presidente Fernando Collor de
Mello (1990-1992), que organizou o aparato estatal para implementar
a ordem neoliberal.
Enquanto no plano da totalidade, a exemplo do que orientam
os eventos de Washington e Jomtien, a educação, como denunciam
as pesquisadoras Jimenez e Mendes Segundo (2007, p. 6), “passa a ser
tratada, ao mesmo tempo, como uma estratégia política e uma variável
econômica capaz de impulsionar o pretendido desenvolvimento e a
100 |
redução da pobreza.”, visando adequar a formação prossionalizante da
força de trabalho ajustada aos imperativos do mercado capitalista.
Esse é o tecido contraditório que marca a elaboração do Projeto de
Lei (PL) Nº 1.258-A/88, que, apresentado à câmara dos deputados em 28
de novembro de 1988, pouco mais de um mês após a promulgação da CF de
1988, seria a base da futura LDB. O PL, de iniciativa do deputado Octávio
Elíseo, por ter concentrado reexões de diversos setores ligados ao debate
educativo, em que colheu opiniões, críticas e sugestões em congressos,
seminários entre outros eventos organizados pela chamada sociedade civil
para tematizar a educação brasileira, deveria resultar na LDB Nº 9.394/96.
Santos (2017) adverte que isso não aconteceu. Por meio de alianças
aparentemente improváveis, a reacionária elite brasileira compõe um
acordo entre o Partido Democrático Trabalhista (PDT), de Leonel Brizola
e, com a intermediação do senador Darcy Ribeiro, atravessa a prioridade
do projeto que tinha a preferência dos educadores, o que resulta na LDB
Nº 9.394/96. Para Martins (2000, p. 77), a proposta do senado foi
elaborada sem levar em consideração as contribuições concentradas no PL
Nº 1.258-A/88, que continha as reexões das entidades que representavam
os educadores, bem como “de eminentes guras da área, que estavam
profundamente comprometidas com o processo de estabelecimento de
novas diretrizes e bases para a educação nacional [...].
Não há dúvidas, para a presente exposição, que, caso a LDB Nº
9.394/96 incorporasse o que sintetizou o PL Nº 1.258-A/88 do deputado
Octávio Elíseo, substituído depois pelo PL Nº 101/93 do deputado Jorge
Hage, não seriam solucionados todos os problemas da educação brasileira.
No entanto, o processo de aprovação da LDB resguardou os interesses
da elite local em detrimento de um projeto que tinha proximidade aos
anseios dos educadores brasileiros organizados em associações e comitês.
(SANTOS, 2017).
É importante ressaltar que o conjunto dessas medidas, legislações e
políticas educacionais se desenvolveram no contexto da crise estrutural do
capital, que a partir da década de 1970 inicia um quadro crítico que pode
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas vol. 2
| 101
ser evidenciado de acordo com Antunes (2001, p. 30), através daqueda
da taxa de lucro; esgotamento do padrão taylorista-fordista de produção;
hipertroa da esfera nanceira; maior concentração de capitais; crise do
‘Estado do bem-estar social’ e incremento acentuado das privatizações”.
Os elementos constitutivos de análise desse cenário são de grande
complexidade, fazendo com que alguns se detenham somente na sua
dimensão fenomênica, não compreendendo conforme Mészáros (2002),
que não estamos frente a uma crise cíclica do capitalismo, mas a uma
crise estrutural do próprio sistema do capital, que, pela primeira vez em
toda a história, atinge todo o conjunto da humanidade. Nessa direção,
capital na busca de recuperação do seu ciclo reprodutivo implementou um
amplo processo de reestruturação produtivo com sérios desdobramentos
na dualidade histórica que atravessa o complexo educacional.
A crise estrutural do capital impõe um reordenamento da educação,
levado a cabo pelos organismos internacionais, mormente, o Banco
Mundial, que se interpõe como instituição responsável de encaminhar
as políticas e programas educacionais para os países da periferia do
capitalismo. Nesse sentido, observa-se, nos últimos anos, um consistente
ajuste dos sistemas educacionais às demandas da nova ordem do capital,
objetivado, principalmente, através de um amplo processo de reformas
na educação.
Como ilustração desse processo, no ano de 2017, implantada no
Brasil a reforma do ensino médio
8
, encaminhada pelo Governo de Michel
Temer, que versa sobre a exibilização do conteúdo a ser ensinado a estes
estudantes, reestruturando o currículo das 13 disciplinas tradicionais, com
maior centralidade no ensino técnico e instrumental. O pano de fundo
desta reforma, seria proposta da ampliação da rede de oferta das escolas de
tempo integral.
Lei Nº 13.415, de 16 de fevereiro de 2017. Conversão da Medida Provisória nº 746, de 2016. Altera as Leis
9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, e 11.494,
de 20 de junho 2007, que regulamenta o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica
e de Valorização dos Prossionais da Educação, a Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, aprovada pelo
Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, e o Decreto-Lei nº 236, de 28 de fevereiro de 1967; revoga
a Lei nº 11.161, de 5 de agosto de 2005; e institui a Política de Fomento à Implementação de Escolas de
Ensino Médio em Tempo Integral.
102 |
Sob as amarras desta reforma do ensino médio (Lei Nº 13.415/2017),
com ofertas e itinerários formativos para escolha dos estudantes,
distribuídas nas cinco áreas de conhecimento a saber: 1) linguagens e suas
tecnologias; 2) matemática e suas tecnologias; 3) ciências da natureza e
suas tecnologias; 4) ciências humanas e sociais aplicadas e 5) formação
técnica e prossional. Denindo ainda a possibilidade de “formação técnica
prossional ajustada as demandas do mundo do trabalho e da sociedade.
Esta nova organização curricular, segundo o MEC
9
, contemplaria, de
forma exível, as habilidades e aprendizagens presentes na Base Nacional
Comum Curricular (BNCC) (BRASIL, 2018). Vale destacar a organização
da carga horária: - 60% disciplinas obrigatórias ocupadas por conteúdos
comuns da BNCC; 40% estudos optativos, de acordo com a realidade de
oferta da escola e o interesse dos alunos.
Outro objetivo da reforma apresentado trata do aumento da carga
horária para cumprir a meta 6 do Plano Nacional de Educação (PNE)
10
,
que prevê, até 2024, que 50% das escolas e 25% das matrículas na
educação básica (incluindo os ensinos infantil, fundamental e médio)
estejam no ensino de tempo integral. A pretensão do ensino médio é que a
carga horária deva ser ampliada progressivamente até atingir 1,4 mil horas
anuais. Atualmente, o total é de 800 horas por ano, de acordo com o
MEC
11
. A grande crítica que está sendo feita, diz respeito às disciplinas
obrigatórias no texto da presente reforma (2017), se retira a obrigatoriedade
das disciplinas de artes, educação física, losoa e sociologia, restringindo
somente à matemática e português e o ensino de inglês, como língua
estrangeira. Estas assumem, portanto, o posto das disciplinas obrigatórias,
no decorrer do ensino médio.
Destacamos como aspecto polêmico desta Lei (13.415/2017)
12
, a
permissão do exercício da docência para os cursos de formação técnica
Conferir em: (BRASIL, 2020).
10
De acordo com Paiva (2016, p. 102), o “Plano Nacional de Educação – PNE elaborado para o decênio
2014-2024 com o intuito de dar continuidade às políticas educacionais que vem sendo gestadas no seio de
uma crise estrutural que exige a adoção de medidas as mais variadas para incorporar a educação como uma
área de investimento para o capital.
11
Conferir em: (BRASIL, 2020).
12
Conferir em: (BRASIL, 2017).
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas vol. 2
| 103
aos prossionais de reconhecido “notório saber”, sem “diploma especíco”,
desde que vinculados às suas áreas de atuação. Esse fato, aprofunda o
processo de desvalorização e precarização da prossão do docente.
Para Amorim e Santos (2016), a reforma do ensino médio, situada
em uma crise mundial do capital, está alinhada aos interesses das classes
dominantes que “empreende todos os esforços para não perderem seus
privilégios”, articulando ao Estado, mediante leis e emendas constitucionais
que reduzem direitos trabalhistas e recursos para áreas sociais, no intuito
de garantir o processo de acumulação ampliada do capital. Assevera as
referidas autoras, que a reforma do ensino médio não deixa dúvida quanto
ao seu caráter de classe, enraizando o abismo que separa a educação de
ricos e pobres.
consIderações fInaIs
Ao resgatarmos a história e o contexto da educação prossionalizante
no Brasil, ca evidente a centralidade de uma educação especicamente
voltada para atender ao mercado capitalista, seja ele incipiente ou em crise
aguda. Apesar disso e não poderia ser diferente, visto que o problema não
pode ser equacionado somente na esfera educacional, mas congura-se
na precária inserção do Brasil à divisão social internacional do trabalho,
que garante à elite privilégios, enquanto, para os jovens lhos da classe
trabalhadora, uma situação de carência, congurada em: alta taxa de
desemprego; ofertas de ocupações precarizadas e oscilantes; elevadas
estatísticas de violência urbana e assassinatos entre os jovens pobres e
pretos; ausência de uma escola pública, laica, gratuita e de qualidade.
A educação prossionalizante – média e superior – torna-se sedutora,
uma vez que garantiria um emprego na conclusão do curso. Isto é, uma
educação que criaria um atalho para o mercado de trabalho capitalista.
Ressaltamos que, as recorrentes reformas do Ensino Médio no Brasil são
articuladas à proposta para a educação prossionalizante e ancora-se nas
determinações dos organismos internacionais para a educação da classe
trabalhadora, sobretudo, dos países periféricos, que naturaliza, outrossim,
104 |
a ausência da oferta universal de Ensino Médio público, laico, gratuito e
de qualidade, e de uma universidade pública de excelência que prepare o
estudante para a humanidade plena do ser social.
No contexto histórico atual, é importante destacar que, mesmo
as parcelas escolarizadas da classe trabalhadora amargam a tragédia do
desemprego crônico, que atingiu níveis alarmantes, não mais se constitui
como um “exército de reservas” à procura de colocação no mercado e
nem atinge somente ramos periféricos da produção, mas abrange setores
mais modernizados como a tecnologia espacial e as indústrias naval,
aeronáutica, eletrônica e mecânica, como esclarece Mészáros (2004), esse
limite absoluto do capital é apresentado, de forma misticada, como
consequência inevitável do progresso tecnológico – o ilusoriamente
chamado desemprego tecnológico. Reiteramos que o desemprego, na
atual sociabilidade, atinge trabalhadores altamente qualicados e agrava
assustadoramente as condições de existência da humanidade e do planeta,
pois, conforme denuncia Mészáros, traz consigo o espectro da barbárie.
Face ao exposto, constatamos que o ensino médio e sua modalidade
prossionalizante, recongurados pelas sucessivas reformas, em qualquer
de suas variações, sempre foi direcionada aos lhos da classe trabalhadora,
expressando um caráter classista, aprofundando, nestes termos, o abismo
que separa a educação de ricos e pobres.
Por m, compreendemos que em benefício da reprodução ampliada
do capital, a formação dos trabalhadores deve ser mínima, fragmentada,
supercial e aligeirada, ancorada no cotidiano mais empobrecido. A
tônica dessa formação é a de que os conhecimentos sistematizados pela
humanidade ao longo do tempo devem ser negados para esse segmento da
humanidade. Dizendo de outro modo, a classe trabalhadora deve ser alijada
de uma formação sólida que lhe possibilite apropriar-se dos conhecimentos
cientícos, losócos, históricos e artísticos para que seja impedida de
transformar tais conhecimentos em órgãos de sua individualidade. Para as
pessoas pobres, uma formação pobre: é assim que o mercado determina.
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas vol. 2
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Capítulo 4
A    
  - 
 
Luciane Maria Serrer de Mattos
Domingos Leite Lima Filho
resumo: O objetivo deste estudo é apresentar a produção acadêmica acerca da Pedagogia
da Alternância nos cursos de pós graduação partindo de um estudo já realizado por
Teixeira, Bernartt e Trindade (2008). Buscando complementar o mapeamento realizado
por estes autores, o presente estudo apresenta o levantamento das teses e dissertações
defendidas no período de 2007 a 2018 nos ou sobre os Centros Familiares de Formação por
Alternância. Tal levantamento apresenta o número de trabalhos produzidos no período, a
distribuição da produção por ano de publicação, por região do país e instituição de ensino
superior. Após apresentação desses dados, caracterizou-se as temáticas de estudo mais
recorrentes nessas produções. A análise aponta que, embora haja um expressivo aumento
nas produções acadêmicas sobre Pedagogia da Alternância no período pesquisado, ainda
existem aspectos que merecem estudos mais aprofundados, sobretudo no que se refere à
temática Associação Local.
https://doi.org/10.36311/2023.978-65-5954-344-1.p109-136
110 |
Introdução
A Pedagogia da Alternância se insere no campo das experiências
da Educação Prossional, pois a maioria das Casas Familiares Rurais e
Escolas Família Agrícolas ofertam esta modalidade de ensino. A ideia de
se trabalhar em regime de alternância surgiu em 1935 numa comunidade
francesa chamada Sérignac-Péroudou, a aproximadamente 9 quilômetros
de Lauzun, onde mais tarde seria implantada a primeira Maison Familiale
Rurale (MFR).
De acordo com Marirrodriga e Calvó (2010), a ideia nasce de um
diálogo entre Jean Peyrat, um agricultor e Granereau, o pároco local. Peyrat
tinha um lho de 12 anos que não se sentia motivado para continuar
seus estudos; sua vontade era prosseguir na prossão de agricultor. Como
o desejo de Peyrat era que seu lho fosse mais instruído foi procurar o
pároco local para pedir seu apoio. Diante da problemática apresentada por
Peyrat, o padre Granereau sugeriu realizar um trabalho com jovens na casa
paroquial, pois essa angústia era também de outras famílias.
Em conversas com a comunidade, o padre Granereau reuniu
quatro meninos de três famílias que acreditaram na proposta e iniciaram
sua concretização. Deniram que o programa de formação dos jovens
deveria contemplar três aspectos: formação técnica, formação geral
e formação humana. O padre foi encarregado de trabalhar educação
cidadã, moral e religiosa e ainda monitorar as atividades dos jovens que
foram matriculados num curso por correspondência na Escola Superior
de Agricultura de Purpan.
O padre propôs, então, que os jovens permanecessem uma semana em
regime de internato na casa paroquial e três semanas em suas propriedades.
Durante a semana de internato os jovens recebiam os ensinamentos do
padre e estudavam os conteúdos do curso por correspondência. No período
que passavam na propriedade a aprendizagem era com a família, realizando
práticas agrícolas e estudos dirigidos.
Quanto à manutenção da “escola”, Marirrodriga e Calvó (2010)
esclarecem que cou denido que cada família forneceria os produtos
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas vol. 2
| 111
necessários e, ainda, contribuiria com 300 francos por jovem. A contribuição
das famílias, desde o início não se restringia ao aspecto nanceiro; eram
também responsáveis pela formação dos jovens, acompanhando as práticas
e os estudos realizados nas semanas que permaneciam na propriedade.
Dessa forma, foram sendo criadas as bases fundamentais do projeto
pedagógico, com responsabilidade e envolvimento das famílias e alternância
entre trabalho prático na propriedade e formação geral e técnica na “escola”.
Devido aos resultados positivos do primeiro ano de funcionamento,
houve interesse de várias outras famílias em matricular seus lhos nesta
escola”. O segundo ano contou com aproximadamente 20 alunos
matriculados. Houve, assim, de acordo com Marirrodriga e Calvó (2010), a
necessidade de contratar um monitor em tempo integral para acompanhar o
desenvolvimento dos jovens. Jean Cambon foi o escolhido pela comunidade,
pois era lho de agricultor e graduado na Escola de Purpan.
Ainda de acordo com os autores, outra decisão importante para o
segundo ano de funcionamento foi o estatuto jurídico, o reconhecimento
da iniciativa como escolaridade obrigatória e o abandono dos cursos por
correspondência.
O ano de 1937 também foi marcado por encaminhamentos
importantes: decidiu-se mudar as aulas de Sérginac-Péroudou para
Lauzun e criar uma escola agrícola para as meninas
1
. A Maison Familiale
Rurale em Lauzun exigiu a compra de um imóvel e equipamentos para
seu funcionamento. Os familiares dos jovens criaram uma Associação
com todos os poderes jurídicos para manter a Maison. A educação estava,
portanto, sob responsabilidade das famílias que respondiam por todo o
funcionamento, incluindo os aspectos relacionados à prática pedagógica.
Em outras palavras, o ponto forte da Maison foi o envolvimento e a
participação das famílias no processo de formação dos jovens. Os jovens
aprendiam na prática com a família em suas propriedades, ajudando nas
tarefas diárias, ao passo em que a formação teórica geral era adquirida na
Inicialmente as meninas frequentavam um dia por mês a Maison Familiale Rurale de Lauzun; a partir de
1938 começaram a frequentar dois dias por mês e, em 1940, uma MFR foi criada especicamente para
atendê-las (MARIRRODRIGA; CALVÓ, 2010).
112 |
Maison, contando com o auxílio de um monitor, ajuda de lideranças e
também da própria família.
Esta experiência acabou se consolidando na França e se expandindo
para todos os continentes levando consigo suas características irrenunciáveis:
o objetivo de formar integralmente o jovem e desenvolver o meio local por
meio da Alternância e da Associação das famílias e sujeitos locais.
As primeiras experiências com a Pedagogia da Alternância no Brasil
deram-se no nal dos anos 1960, no Estado do Espírito Santo, com as
Escolas Famílias Agrícolas (Efas). As Efas são oriundas da Itália e, portanto,
possuem características diferentes da experiência francesa.
Mais tarde foram implantadas as Casas Familiares Rurais (CFRs),
estas oriundas diretamente da França, nos Estados de Alagoas e Pernambuco,
em 1981 e 1984, respectivamente. Estas duas experiências no nordeste
tiveram curta duração, mas se constituíram como base de inspiração para a
implantação, no nal dos anos 1980, das CFRs no sul do Brasil.
As Efas e CFRs são Centros Familiares de Formação por Alternância –
Ceas que podem ser denidos como casas-escolas, nas quais os estudantes
possuem acesso ao conhecimento escolar a partir da sua própria realidade
por meio da alternância do tempo e do espaço. Em geral, o estudante passa
uma semana no Cea em regime de internato e uma semana no seu meio
sócio familiar, possuindo assim dois espaços/tempos de formação.
As Efas e CFRs possuem características diferentes, mas têm em
comum a prática da Pedagogia da Alternância. Esta Pedagogia não se
resume a alternância do tempo/espaço; possui uma organização própria
composta por diversos instrumentos pedagógicos que fazem dela uma
metodologia diferenciada, considerada por diversos estudiosos como
Gnoatto et al (2006), Silva (2008), Begnami (2011), Estevam (2012),
muito oportuna e adequada para a Educação do Campo.
Calvó e Gimonet (2013, p. 9), ao escreverem sobre o surgimento da
Pedagogia da Alternância na França, em 1935, em uma Maison Familiale
Rurale, ressaltam que esse sistema se elaborou em um contexto de uma
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas vol. 2
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quase homogeneidade. Mas, progressivamente, esta se ssurou e, se não
tivesse sido assim, as CFRs não teriam passado de uma experiência pontual
ou teriam desaparecido. Abriram-se portanto a um espaço mais amplo,
com todas as adaptações que precisaram fazer.
Esta pedagogia se consolidou no Brasil e, atualmente, muitas
são as instituições que desenvolvem experiências que adotam-na como
princípio orientador dos seus projetos educativos. A organização das
experiências dos Ceas, no Brasil, pode ser melhor compreendida a
partir do quadro abaixo:
Quadro 1 - Organização das experiências dos Ceas
ORGANIZAÇÃO ABRANGÊNCIA
AIMFR – Associação Internacional dos Movimentos Familiares de
Formação Rural
Mundial – com sede em Paris
Unefab - União Nacional das Escolas Famílias Agrícolas do Brasil Nacional – com sede em Brasília
MEPES - Movimento de Educação Promocional do Espírito Santo
AECOFABA – Associação das Escolas das Comunidades e Famílias
Agrícola da Bahia
UAEFAMA – União das Associações das Escolas Família Agrícola do
Maranhão
AMEFA – Associação Mineira das Escolas Família Agrícola
REFAISA – Regional das Escolas Família Agrícola do Semi-árido
AEFAPI – Associação das Escolas Família Agrícola do Piauí
RAEFAP – Regional das Associações das Escolas Família Agrícola do
Amapá
RACEFFAES – Regional das Associações dos Centros Familiares de
Formação por Alternância
IBELGA – Instituto Belga
AGEFA – Associação Gaúcha Pró-Escolas Família Agrícola
ARCAFAR Associação Regional das Casas Familiares Rurais
Regional
Fonte: Adaptado de UNEFAB (2009)
As Escolas Família Agrícola estão ligadas a uma rede que organiza e
representa este movimento. Em nível mundial, há a Associação Internacional
dos Movimentos Familiares de Formação Rural (AIMFR). No Brasil a União
Nacional das Escolas Famílias Agrícolas do Brasil (UNEFAB) é liada à
AIMFR e possui como objetivo desenvolver a articulação do movimento
114 |
nacional, bem como apoiar as questões de formação e capacitação, com o
intuito de fortalecer os Ceas a ela associados (UNEFAB, 2013).
A Unefab congrega organizações regionais que representam as Efas.
Há, ainda, no Brasil duas associações regionais que representam as CFRs:
Arcafar Norte e Nordeste e Arcafar Sul. A Arcafar Norte e Nordeste apoia o
funcionamento e desenvolvimento das CFRs do Maranhão, Pará e Amazonas.
Da mesma forma, a Arcafar Sul está instituída como uma associação
que tem como objetivo a coordenação de um trabalho lantrópico a m de
oportunizar aos jovens agricultores a permanência no meio em que vivem
proporcionando uma formação integrada com a sua realidade (ARCAFAR
SUL, [2022]).
Além destes Ceas, outras instituições inspiraram-se na Pedagogia
da Alternância para organizar seu ensino e/ou oferta de cursos, a exemplo
das Escolas Comunitárias Rurais, as Escolas de Assentamentos, as Escolas
Técnicas Estaduais.
Contudo, muitas destas experiências utilizam-se apenas da Alternância
enquanto metodologia para organizar seus tempos educativos. Ou seja,
não se apropriam dos fundamentos teóricos-metodológicos da Pedagogia
da Alternância que possui sua origem na França em 1935 e se assenta em
quatro pilares fundamentais: formação integral, desenvolvimento do meio,
associação local e alternância.
Entendendo que a Alternância se expandiu para além das Efas e
CFRs, a intenção deste estudo é reetir sobre a produção acadêmica a
respeito da Pedagogia da Alternância nos cursos de Pós-graduação Stricto
Sensu reconhecidos pela Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de
Pessoal de Nível Superior), nestes e sobre estes Ceas.
Para tanto, parte-se de um estudo já realizado por Teixeira, Bernartt
e Trindade (2008). Estes pesquisadores realizaram um levantamento
das dissertações de mestrado e teses de doutorado sobre a Pedagogia da
Alternância defendidas no Brasil no período de 1969 a 2006, com o
objetivo de “mapear e discutir a produção acadêmica, visando estabelecer
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas vol. 2
| 115
um primeiro esboço do estado da arte nesse campo de investigação
(TEIXEIRA; BERNARTT; TRINDADE, 2008, p. 229).
Buscando complementar este mapeamento, o presente estudo
apresenta o levantamento das teses e dissertações defendidas no Brasil sobre
a temática em questão no período de 2007 a 2018. São apresentados os
seguintes dados: número de trabalhos produzidos no período, distribuição
da produção por ano de publicação, distribuição da produção por região
do país e instituição de ensino superior.
Partindo da compreensão de que as práticas em Alternância
colocam vários desaos para a continuidade dos estudos e pesquisas, após
apresentação dos dados citados, procura-se caracterizar as temáticas de
estudo mais recorrentes nessas produções, classicando-as de acordo com
os pilares que sustentam a Pedagogia da Alternância.
PedagogIa da alternâncIa: objetIvos e meIos
A Pedagogia da Alternância se assenta em dois grandes objetivos
(formação integral e desenvolvimento do meio) e dois meios para concretizá-
los (alternância e associação local). Estas características fundamentais
caram conhecidas como os quatro pilares dos Ceas.
- formação integral:
Sobre a formação integral Calvó e Gimonet (2013) armam que
não se trata simplesmente de oferecer cursos prossionais, mas, sim, de
uma visão integral em que a pessoa se forma em todos os aspectos: técnico,
prossional, intelectual, social, humano, ecológico, ético, espiritual, como
ser humano único, com seus projetos e sonhos.
Completando essa denição de formação integral, Marirrodriga
e Calvó (2010) armam que se pretendem os seguintes resultados: a)
oportunizar um nível mais elevado de estudo, de modo que os jovens tenham
acesso a um diploma ocial; b) qualicar os jovens para o ingresso no
116 |
mercado do trabalho, seja na própria propriedade com um empreendimento
familiar ou como assalariado; c) promover o desenvolvimento pessoal e
coletivo, capacitando os jovens para que tenham compromisso social com
o meio onde se encontram.
A formação integral, no contexto da Pedagogia da Alternância,
diz respeito à valorização de aspectos humanos e espirituais, além da
consolidação de hábitos sociais, a superação do individualismo e a garantia
de uma formação global (física, social, mental) pelas reexões e análises
da realidade. E, além disso, busca a integração do jovem ao mercado de
trabalho por meio de uma qualicação técnica especíca.
- desenvolvimento do meio
Indissociável da formação integral está o desenvolvimento do meio
local, outro objetivo dos Ceas. Ao abordar esta questão, Calvó (2002)
arma que desenvolvimento do meio é um conceito difuso e que não
possui uma denição universalmente aceita. Contudo, arma que existem
alguns termos chaves que permitem delimitar melhor o que representa
este desenvolvimento: territorial, endógeno, integrado, ascendente,
cooperativo, subsidiário e sustentável.
O aspecto territorial, de acordo com o autor, permite mobilizar uma
população que se identica com um local geogracamente situado e usar
sua história como alavanca para o desenvolvimento. O aspecto endógeno
refere-se ao aproveitamento dos recursos de cada local para a criação de
atividades que criem emprego e renda.
A integração implica compreender que o desenvolvimento do meio
local deve criar sinergias que permitam a efetivação de novas atividades. A
característica ascendente pressupõe um processo participativo em que as
necessidades são determinadas pelos atores locais. A cooperação diz respeito
a responsabilidade que cada ator local deve assumir para o processo de
desenvolvimento. Já o princípio da subsidiariedade se refere à importância
da ampla participação da comunidade que deve priorizar a dimensão local.
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas vol. 2
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Finalmente, o desenvolvimento deve ser sustentável para garantir a
continuidade das atividades e a proteção dos recursos naturais.
O desenvolvimento no contexto da Pedagogia da Alternância é
concebido tanto como processo econômico quanto humano. Nas palavras
de Calvó (2002, p. 140), “o desenvolvimento supõe realizações e aquisições
econômicas, mas seu objetivo principal permanece intacto: a promoção e o
progresso das pessoas, das famílias, dos povos, das regiões”.
Entende-se que o desenvolvimento do meio local é visto a partir do
desenvolvimento de cada sujeito, em outras palavras, o desenvolvimento
de cada um levará ao desenvolvimento do meio local.
- alternância
Para alcançar a formação integral e o desenvolvimento do meio,
os Ceas se utilizam da alternância. A alternância é denida por Calvó e
Gimonet (2013) como uma metodologia pedagógica pertinente porque
responde à necessidade de adequação aos desaos da sociedade, das famílias e
dos jovens. Trata-se de uma alternância entre escola e meio sócio prossional,
com períodos em ambos os contextos, tendo por primazia a experiência e
por compromisso o envolvimento de todos os sujeitos da formação.
Marirrodriga e Calvó (2010) lembram que a formação por Alternância
não pode nem deve reduzir-se a simples relações binárias do tipo: teoria e
prática, escola e trabalho. Por isso falam em Alternância Integrativa. Nesta
alternância, o jovem se envolve com a realidade familiar, ligada ao trabalho
produtivo, e relaciona suas ações com nesta realidade com a reexão
proporcionada pela formação teórica. Há, neste sentido, uma vinculação
efetiva dos tempos e espaços alternados, o que não signica mera sucessão
de tempos teóricos e tempos práticos.
Esta concepción “integradora” de la alternancia a la que se llegó
rápidamente, no consiste en dispensar una enseñanza en la escuela
para que los alumnos después la apliquen en la nca. Por el contrario,
el proceso de aprendizaje del joven passa primero por descubrir
situaciones en su medio de vida que son origen de interrogantes.
118 |
Después, en el centro educativo se le ayuda a encontrar respuestas.
Primero hay, pues, una toma de conciencia; después se resuelven
los problemas. (MARIRRODRIGA, 2002, p. 59).
A alternância conrma que não somente se educa no período
escolar, senão também pela experiência e no contato com o meio. E
ambos os elementos de formação são instrumentos complementares da
aprendizagem dos jovens.
- associação resPonsável
Ao lado da alternância, os Ceas possuem a associação responsável
como meio para cumprir seus objetivos. Esta associação é constituída
pelas famílias dos jovens que frequentam o Cea e por demais pessoas que
são favoráveis aos seus princípios. Ela tem como objetivo, entre outros,
representar os reais interesses da comunidade escolar, contribuindo, dessa
forma, para a melhoria da qualidade do ensino, visando a formação integral
dos jovens.
Possui importante papel na formação, por dois principais motivos.
Primeiro porque seus membros contribuem por meio de palestras, aulas
de campo e acompanhamento do tempo que os jovens passam no meio
sócio prossional. E depois porque possui o poder de debater e de elaborar
projetos e orientações pedagógicas em cooperação com a equipe educativa
do Cea.
A Associação também possui um caráter jurídico; é responsável
pela implantação e manutenção do Cea nos aspectos legais e nanceiros.
Possui um estatuto próprio e nele são designadas as funções dos membros
da Associação ou a forma de atuação de Conselhos de Administração. Seu
trabalho é feito em parceria com organizações públicas e privadas, além de
receber apoio de outras entidades não governamentais que se preocupam
com as questões que envolvem o meio onde o Cea está inserido.
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas vol. 2
| 119
A Associação busca envolver toda a comunidade nas mais diversas
atividades (reuniões, animações, comissões, manifestações, entre outras),
convertendo-se em uma instância de distribuição do poder e de regulação.
Nas palavras de Gimonet (2007, p. 96)
A associação é a expressão superior da democracia. Ela é, ao mesmo
tempo, efeito e causa da liberdade e da democracia. A associação é o
lugar de expressão da liberdade, o lugar onde se busca encontrar um
complemento para sua própria pessoa e realizar um projeto social. Em
outros termos, a associação é o quadro insubstituível da participação. Ela
contribui para a partilha do poder, desenvolvendo o poder de cada um,
sua capacidade de cidadão.
Quanto ao aspecto de regulatório, Gimonet (2007) arma que
os Ceas colocam em contato forças institucionais diversas (famílias,
meio prossional, instituição educativa). Estas podem, algumas vezes, se
confrontar. Então, entra o papel da Associação de agrupar essas diferenças
e se constituir numa instância responsável, de expressão, de concertação e
de regulação.
Estes pilares estão presentes desde o início da experiência dos
Ceas na França e, a partir deles, foi-se construindo uma metodologia
que possui instrumentos e características próprias que atendam aos seus
objetivos e meios.
metodologIa
Para realização do levantamento das pesquisas realizadas na pós-
graduação sobre a Pedagogia da Alternância foram utilizados três sítios:
Capes, Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD) e
Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (IBICT).
No sítio da Capes foi realizada uma busca no Banco de Teses
e Dissertações em que foram encontrados, no mês de abril de 2016,
depositados apenas os trabalhos defendidos nos anos de 2011 e 2012. Com
a implantação do Sistema de Disseminação de Informações, em junho de
120 |
2016, houve a atualização do Banco de Teses e Dissertações da Capes. A
partir de então, a ferramenta tornou disponíveis somente as informações
de 2013 a 2016. A busca no sítio da Capes se deu, portanto, em duas
etapas e, como não foi possível o acesso aos trabalhos de 2007 a 2010 neste
banco de dados, outros dois sítios foram utilizados.
No sítio da Biblioteca Digital Brasileira de Teses, que foi desenvolvido
pelo IBICT, foi possível encontrar trabalhos desenvolvidos no período
de 1997 a 2016. Em sua última coleta, realizada em junho de 2016,
114 instituições depositaram trabalhos nesta. E, nalmente, no sítio do
Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (IBICT) foi
possível acessar 61 repositórios digitais das universidades brasileiras e,
assim, ter acesso aos dados cadastrados por cada instituição.
Para realizar a busca nestes sítios foram utilizadas as seguintes
expressões: Pedagogia da Alternância, Casa Familiar Rural, Escola Família
Agrícola, Centro Familiar de Formação por Alternância. Essas expressões
foram selecionadas porque a intenção era selecionar trabalhos realizados
nestas ou sobre estas instituições. Foram selecionados todos os trabalhos
que traziam em seu título, resumo ou palavras-chave uma destas expressões,
produzidos no período de 2007 a 2018.
Após leitura do resumo de cada um dos 154 trabalhos selecionados,
os mesmos foram organizados por temática. Procurou-se identicar
em cada trabalho qual o aspecto enfatizado na pesquisa, demonstrado,
sobretudo, pelo seu objetivo geral. Na sequência, os trabalhos foram
agrupados considerando os pilares que sustentam os Ceas, vistos
anteriormente. Assim, foram formados 4 grupos: 1- Desenvolvimento do
Meio, 2- Formação Integral, 3- Alternância e 4- Associação Local.
No primeiro foram agrupados os trabalhos que versavam,
sobretudo, sobre desenvolvimento local, agricultura familiar, reprodução
e sucessão familiar, sustentabilidade, práticas agroecológicas. No segundo
caram os trabalhos que enfatizaram questões a respeito de ensino médio
integrado, educação prossional, educação do campo, formação dos
jovens, protagonismo juvenil, projeto prossional de vida dos jovens,
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas vol. 2
| 121
educação e trabalho. O terceiro agrupou os trabalhos que enfatizaram as
práticas pedagógicas, instrumentos pedagógicos, atuação dos monitores,
pressupostos teóricos-metodológicos, histórico/projetos das instituições,
histórico e expansão da alternância. E, nalmente, o quarto grupo
cou composto pelos trabalhos que abordaram, sobretudo, a gestão das
instituições, a participação da família no processo educativo, os agentes
formativos, as políticas públicas e a participação social.
Além disso, 3 trabalhos não puderam ser identicados porque não foi
possível acessar os seus resumos. Mesmo fazendo uma busca separadamente
na internet pelo título e autores destes trabalhos não foi possível acessar
nada além do que título, autor, instituição, orientador, programa, nível,
local e data da publicação.
É importante destacar que os quatro pilares da Pedagogia da
Alternância são indissociáveis e que há o reconhecimento de que uma
classicação dos trabalhos por temática, à primeira vista, tende a reduzi-
los. Contudo, esta classicação é necessária como forma de organizar os
dados e para futuras análises qualitativas.
resultados e dIscussões
O quadro abaixo apresenta o número de trabalhos selecionados:
Quadro 2 - Trabalhos produzidos sobre Pedagogia da Alternância
no período de 2007 a 2018
TRABALHOS PRODUZIDOS NO PERÍODO DE 2007 A 2018
TESES 25
DISSERTAÇÕES 129
TOTAL 154
Fonte: Dados de pesquisa (2019).
O quadro 2 mostra que em nove anos foram produzidos 154 trabalhos
sobre a Pedagogia da Alternância, sendo 25 teses e 129 dissertações. É
122 |
um número bastante signicativo, pois no período de 1977 a 2006
foram produzidos 46 trabalhos, sendo 7 teses e 39 dissertações, conforme
apresenta o estudo realizado por Teixeira, Bernartt e Trindade (2008).
Vários fatores podem ter contribuído para o crescimento de estudos
realizados sobre a Pedagogia da Alternância, dentre os quais pode-se
destacar a expansão dos programas de pós-graduação no Brasil, como
mostra o Quadro abaixo.
Quadro 3 - Quantidade e distribuição de programas de pós-graduação
no Brasil – comparativo 2006-2018
REGIÃO CURSOS EM 2006 CURSOS EM 2018
CRESCIMENTO
MÉDIO (%)
Norte 93 237 154,8
Nordeste 386 863 123,5
Centro-Oeste 156 350 124,3
Sudeste 1181 1915 62,1
Sul 449 926 106,2
TOTAL 2265 4291 89,4
Fonte: CAPES (2006, 2018)
O Quadro 3 indica que houve um crescimento de aproximadamente
89,4% no número de programas de pós-graduação no período entre 2006
e 2018 no país. O crescimento se deu em todas as regiões do Brasil, com
destaque às regiões norte, nordeste e centro-oeste que em 2018 oferecem
um pouco mais que o dobro do número de programas oferecidos em 2006.
A região Sul também apresentou grande crescimento, pois neste
período dobrou o número de programas oferecidos. Embora não tenha
dobrado o número de programas, as regiões sudeste também teve um
signicativo aumento de oferta. Houve um aumento de aproximadamente
652,1%, fazendo com que permaneça as regiões do país que mais possui
programas de pós-graduação.
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas vol. 2
| 123
Quanto ao ano de publicação dos 154 trabalhos analisados neste estudo,
pode-se armar que a produção acadêmica sobre Pedagogia da Alternância
não possui uma continuidade linear, como se observa no Quadro 4.
Quadro 4 - Distribuição dos trabalhos sobre Pedagogia da Alternância
por ano de defesa
ANO TESES DISSERTÕES TOTAL
2007 1 2 3
2008 2 8 10
2009 1 3 4
2010 3 9 12
2011 2 6 8
2012 - 9 9
2013 2 15 17
2014 4 21 25
2015 2 16 18
2016 1 10 11
2017 4 13 17
2018 3 17 20
TOTAL 25 129 154
Fonte: Dados de pesquisa (2019)
O Quadro 4 mostra que a produção de teses sobre a temática variou
entre 1 e 3 trabalhos no período de 2007 a 2011. Em 2012 percebe-se uma
lacuna e partir de 2013 a produção de teses cresce expressivamente. O ano
de 2014 e 2017 foram o que mais apresentou publicações de teses sobre
Pedagogia da Alternância.
A produção de dissertações não segue o mesmo padrão das teses.
Em 2007 há a publicação de 2 dissertações e no ano seguinte este número
passa para 8, e já em 2009 cai para 3. Em 2010 há novamente um aumento
(9 dissertações) e em 2011 um recuo (6 dissertações). A partir de 2012
percebe-se um aumento gradativo das produções de dissertações. O ano de
2014 foi o que mais apresentou publicações de dissertações sobre Pedagogia
da Alternância.
124 |
É importante destacar que dentre os 4291 programas de pós-
graduação existentes no país, 2187 oferecem mestrado e doutorado,
1281 oferecem apenas mestrado, 741 mestrado prossional e 82 apenas
doutorado. Portanto, são 2269 programas que ofertam doutorado e 4209
que ofertam mestrado. Pode-se inferir que essa diferença está relacionada
com o número de teses e dissertações produzidas, ou seja, no período
analisado foram produzidas mais dissertações do que teses sobre a Pedagogia
da Alternância.
Quanto às regiões do país e instituições de ensino superior em que
os trabalhos foram publicados, os seguintes dados foram sistematizados:
Quadro 5 - Instituições de Ensino Superior (por região) em que os
trabalhos sobre Pedagogia da Alternância foram produzidos
REGIÃO ESTADO/IES TESE DISSERTAÇÃO TOTAL
NORTE
AM Universidade da Amazônia - 1 1
AM Universidade Federal do Amazonas 1 1 2
PA Universidade Federal do Pará - 6 6
PA Universidade Federal do Amapá - 2 2
PA Instituto Federal do Pará - 4 4
PA Universidade do Estado do Pará - 1 1
PA Universidade Federal do Oeste do Pará - 1 1
PA Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará - 1 1
RO Universidade Federal de Rondônia - 2 2
TO Universidade Federal de Tocantins 1 6 7
TOTAL 2 25 27
NORDESTE
BA Universidade Federal da Bahia 1 2 3
BA Universidade Estadual de Feira de Santana - 2 2
BA Universidade do Estado da Bahia 1 1 2
BA Universidade Federal do Recôncavo Baiano - 2 2
CE Universidade Federal do Ceará 1 2 3
MA Universidade Estadual do Maranhão - 3 3
PE Universidade de Pernambuco - 1 1
PE Universidade Federal do Vale do São Francisco - 1 1
SE Universidade Federal de Sergipe - 1 1
TOTAL 3 15 18
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas vol. 2
| 125
CENTRO OESTE
DF Pontifícia Universidade Católica de Brasília - 1 1
DF Universidade de Brasília 1 - 1
GO Universidade Federal de Goiás - 2 2
GO Universidade Estadual de Goiás - 1 1
GO Pontifícia Universidade Católica de Goiás 1 - 1
MT Universidade do Estado do Mato Grosso - 1 1
MT Universidade Federal do Mato Grosso 1 - 1
MS Universidade Católica Dom Bosco 1 - 1
TOTAL 4 5 9
SUDESTE
ES Universidade Federal do Espírito Santo 3 7 10
ES Faculdade Vale do Cricaré - 2 2
MG Universidade Federal de Viçosa - 8 8
MG CEFET- Minas Gerais - 2 2
MG Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais - 1 1
MG Universidade Federal de Minas Gerais 2 5 7
MG Universidade Vale do Rio Doce - 1 1
MG Universidade Federal de Ouro Preto - 1 1
RJ Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro 4 13 17
RJ Universidade Federal Fluminense - 1 1
RJ Fundação Oswaldo Cruz 1 - 1
SP Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - 1 1
SP Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho - 2 2
SP Universidade Metodista de Piracicaba 1 - 1
TOTAL 11 44 55
SUL
PR Universidade Estadual de Maringá - 2 2
PR Universidade Estadual de Ponta Grossa - 1 1
PR Pontifícia Universidade Católica do Paraná 1 - 1
PR Universidade Tecnológica Federal do Paraná 1 9 10
PR Universidade Federal do Paraná - 1 1
PR Centro Universitário Franciscano do Paraná - 1 1
PR Universidade Estadual do Oeste do Paraná - 8 8
RS Universidade de Santa Cruz do Sul - 3 3
RS Universidade Regional Integrada do Alto
Uruguai e das Missões
- 2 2
RS Universidade Federal do Rio Grande do Sul - 3 3
RS Universidade Federal de Santa Maria - 3 3
RS Universidade do Vale do Rio dos Sinos 1 - 1
RS Universidade Regional do Noroeste do Estado
do Rio Grande do Sul
- 1 1
SC Universidade Federal de Santa Catarina 2 2 4
SC Universidade Comunitária da Região de Chapecó - 3 3
SC Universidade Federal da Fronteira Sul - 1 1
TOTAL 5 40 45
Fonte: Dados de pesquisa (2019)
126 |
O Quadro 5 mostra que as pesquisas sobre Pedagogia da Alternância
foram realizadas em todas as regiões do país, sobretudo, nas Universidades
públicas. Na região norte foram produzidos 27 trabalhos, sendo 2 teses
e 25 dissertações. A Universidade Federal de Tocantins e a Universidade
Federal do Pará se destacam nesta região, com 7 e 6 trabalhos desenvolvidos
respectivamente. Nos Estados do Acre e Roraima não foram encontrados
trabalhos sobre a temática.
Na região nordeste foram produzidos 18 trabalhos, sendo 3 teses
e 15 dissertações. Esta produção está distribuída de maneira equilibrada
entre Instituições de Ensino Superior dos estados de Pernambuco, Ceará,
Sergipe e Maranhão. Há um destaque para o Estado do Bahia, onde há 9
trabalhos publicados.
A região centro-oeste apresenta 9 trabalhos produzidos e divididos
de forma equilibrada entre Distrito Federal, Goiás, Mato Grosso e Mato
Grosso do Sul.
Na região sudeste foram produzidos 55 trabalhos, sendo 11 teses
e 44 dissertações. Nesta região três instituições de ensino superior se
destacam: Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), com
17 trabalhos produzidos, Universidade Federal do Espírito Santo (UFES)
com 10 trabalhos, Universidade Federal de Viçosa (UFV) com 8 trabalhos
e Universidade Federal de Minas Gerais com 7 trabalhos.
O grande número de trabalhos produzidos no Rio de Janeiro se
deve principalmente ao fato de ter na UFRRJ um grupo de pesquisa
já consolidado que trabalha com a temática. O Núcleo de Estudos e
Pesquisas em Pedagogia da Alternância, Educação do Campo e Ensino de
Agroecologia, coordenado pelas professoras Lia Maria Teixeira de Oliveira
e Marilia Lopes de Campos,
[...] é fruto de saberes e práticas de docentes, estudantes de
graduação e pós graduação da UFRRJ e docentes da Rede Estadual
de Educação do Rio do Janeiro que a partir de suas pesquisas
acadêmicas e experiências se organizam no sentido de aprofundar
conhecimentos e diálogos sobre cotidianos na e com a Pedagogia da
Alternância, como práxis condizente à diversidade em Educação do
Campo e Agroecologia. (CNPQ, 2016).
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas vol. 2
| 127
No Estado do Espírito Santo, o primeiro a efetivar a experiência da
Pedagogia da Alternância, no Brasil, também há dois grupos de pesquisa
que se destacam no estudo da temática. O grupo “Educação do Campo,
Alternância e Reforma Agrária”, da UFV, é coordenado pelas professoras
Lourdes Helena da Silva e Vânia Aparecida Costa. O “Grupo de Estudo
e Pesquisa em Educação do Campo do Espírito Santo - GEPECES”, da
UFES, é coordenado pelas professoras Dulcinéa Campos Silva e Renata
Duarte Simões.
Minas Gerais também é um estado que possui uma grande produção
sobre a temática, totalizando 20 trabalhos no período. São Paulo possui
apenas 4 trabalhos produzidos sobre a temática no período.
A região Sul é a segunda região com o maior número de programas de
pós-graduação, assim como a segunda região que mais possui publicações
sobre a Pedagogia da Alternância: 45 trabalhos, sendo 5 teses e 40
dissertações. As instituições que se destacam na produção de pesquisas sobre
a temática são: Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR) com
10 trabalhos, a Universidade Estadual do Oeste do Paraná com 8 trabalhos
e Universidade Federal de Santa Catarina com 4 trabalhos.
Nesta região se destaca o grupo de pesquisa “Centro de Pesquisa
e Apoio ao Desenvolvimento Regional”, da UTFPR, coordenado pela
professora Hieda Maria Pagliosa Corona. Este grupo se estrutura em três
linhas de pesquisa, dentre as quais se destaca “Educação e Desenvolvimento
que enfatiza estudos sobre: a) as políticas públicas de educação; b)
relações entre educação, trabalho e desenvolvimento; c) ensino superior
nos contextos regional, nacional e internacional; d) educação do campo;
e) práticas pedagógicas e processos de ensino e aprendizagem (CNPq,
1999). Foi nesta linha de pesquisa que as dissertações foram defendidas na
UTFPR, em sua maioria sob orientação da professora Maria de Lourdes
Bernartt e Edival Sebastião Teixeira.
Quanto às temáticas que foram identicadas nos trabalhos
desenvolvidos no período de 2007 a 2018, as mesmas foram agrupadas
conforme segue.
128 |
Quadro 6 - Trabalhos com a temática “Desenvolvimento do Meio
ANO AUTOR IES TRABALHO
2008 WALTER Centro Universitário Franciscano do Paraná Dissertação
2008 FONSECA Pontifícia Universidade Católica de Brasília Dissertação
2008 SANTOS Universidade Federal da Bahia Dissertação
2008 ALEXANDRE Universidade Estadual de Maringá Dissertação
2009 VALADÃO Universidade Federal de Rondônia Dissertação
2010 MOTA Universidade Federal de Santa Catarina Dissertação
2010 JESUS Universidade Federal de Goiás Dissertação
2010 CARMO Universidade Estadual do Oeste do Paraná Dissertação
2010 MELO Universidade Federal do Amazonas Dissertação
2010 ESTEVAM Universidade Federal de Santa Catarina Tese
2010 BEGNAMI Universidade Federal de Minas Gerais Dissertação
2010 MENESES Universidade Federal do Pará Dissertação
2010 PACHECO Universidade do Vale do Rio dos Sinos Dissertação
2012 FRITZ Universidade Estadual de Maringá Dissertação
2012 COSTA Universidade de Santa Cruz do Sul Dissertação
2012 WERKAUSER Universidade Tecnológica Federal do Paraná Dissertação
2013 MELO Universidade Federal de Sergipe Dissertação
2013 SANTOS Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio
Grande do Sul
Dissertação
2013 FERREIRA Universidade Federal do Amapá Dissertação
2014 ZORTEA Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e
das Missões
Dissertação
2014 OLIVEIRA Universidade Federal de Viçosa Dissertação
2014 PINTO Universidade Federal da Bahia Dissertação
2014 OITAVEN Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro Tese
2014 KUHN Universidade Comunitária da Região de Chapecó Dissertação
2014 CRUZ Universidade Federal de Mato Grosso Tese
2015 FRAZÃO Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro Tese
2015 LOURENZI Universidade Federal de Santa Maria Dissertação
2015 POZZEBON Universidade Federal do Rio Grande do Sul Dissertação
2015 MORO Universidade Federal do Espírito Santo Dissertação
2015 SINHORATTI Universidade Estadual do Oeste do Paraná Dissertação
2015 ZANONI Universidade Federal do Espírito Santo Dissertação
2015 SOUZA Universidade Federal do Ceará Dissertação
2016 COSTA Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Dissertação
2016 ANDRADE Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho Dissertação
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas vol. 2
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2016 PACHECO Universidade Federal de Viçosa Tese
2017 LIMA Universidade Federal do Ceará Dissertação
2017 SANTOS Universidade Estadual do Maranhão Dissertação
2017 MONTEIRO Universidade Estadual do Oeste do Paraná Dissertação
2017 CHAVES Universidade Federal do Tocantins Dissertação
2017 SILVA Universidade Estadual de Ponta Grossa Dissertação
2017 CARDOSO Universidade Federal do Amapá Dissertação
2017 GUIMARÃES Universidade Federal do Pará Dissertação
2018 LOBO Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará Dissertação
2018 MULLER Universidade Federal da Fronteira Sul Dissertação
2018 PEREIRA Universidade Vale do Rio Doce Dissertação
2018 ARAÚJO Universidade Estadual de Feira de Santana Dissertação
2018 OLIVEIRA Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro Dissertação
2018 COSTA Universidade Federal do Vale do São Francisco Dissertação
TOTAL DE DISSERTAÇÕES 43
TOTAL DE TESES 05
TOTAL GERAL 48
Fonte: Dados de Pesquisa (2019)
O Quadro 6 mostra que, dos 154 trabalhos encontrados, 48
tratam da temática Desenvolvimento do Meio. No geral, estes trabalhos
relacionam positivamente a Pedagogia da Alternância ao desenvolvimento
local, armando que a formação do jovem pode contribuir para o
desenvolvimento da agricultura familiar e de práticas agroecológicas em
suas propriedades. Armam que a pedagogia da alternância também possui
potencial para contribuir para a reprodução e sucessão familiar.
Quadro 7 - Trabalhos com a temática “Formação Integral”
ANO AUTOR IES TRABALHO
2007 FANCK Universidade Federal do Rio Grande do Sul Dissertação
2008 CAVALCANTE Universidade Federal do Pará Dissertação
2010 TRINDADE Universidade Federal de Santa Catarina Dissertação
2010 FREITAS Universidade Federal de Minas Gerais Dissertação
2010 NAWROSKI Universidade Federal de Santa Catarina Dissertação
2011 VALADÃO Universidade Federal de Rondônia Dissertação
130 |
2011 BARBOSA FILHO Universidade Federal do Espírito Santo Dissertação
2012 PALARO Universidade Tecnológica Federal do Paraná Dissertação
2012 GONÇALVES Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas
Gerais
Dissertação
2013 LIMA Universidade Federal do Paraná Dissertação
2013 PLEIN Universidade Estadual do Oeste do Paraná Dissertação
2013 LINS Universidade Estadual de Feira de Santana Dissertação
2013 AMARAL Universidade do Estado de Mato Grosso Dissertação
2014 BORDIN Universidade Tecnológica Federal do Paraná Dissertação
2014 ALBINO Universidade Estadual de Goiás Dissertação
2014 OSÓRIO Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro Dissertação
2014 ZONTA Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das
Missões
Dissertação
2014 MINERVINO Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro Dissertação
2014 COSTA Universidade Federal de Viçosa Dissertação
2015 AIRES Universidade Federal do Tocantins Dissertação
2016 CORREA Universidade de Santa Cruz do Sul Dissertação
2017 ANDRADE Universidade Federal Fluminense Dissertação
2017 DETOGNI Universidade Estadual do Oeste do Paraná Dissertação
2017 SCHMITT Universidade Metodista de Piracicaba Tese
2017 SILVA Universidade Federal de Minas Gerais Tese
2018 ÂNGELO Universidade Federal do Espírito Santo Dissertação
TOTAL DE DISSERTAÇÕES 24
TOTAL DE TESES 02
TOTAL GERAL 26
Fonte: Dados de Pesquisa (2019)
O Quadro 7 mostra que 26 trabalhos abordam questões relacionadas a
Formação Integral do jovem. Tais trabalhos enfatizam, sobretudo, a questão
do ensino médio integrado à educação prossional, considerando que a
Pedagogia da Alternância é uma alternativa pertinente para essa oferta no
campo. Também abarca trabalhos que enfatizam o protagonismo juvenil
e a implementação dos projetos prossionais de vida dos jovens que são
desenvolvidos nos Ceas durante o período de formação e aplicados em
seus meios sócio familiares. Além disso, há trabalhos que discutem a relação
trabalho e educação e como esta se apresenta no contexto da Alternância.
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas vol. 2
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Quadro 8 - Trabalhos com a temática “Alternância
ANO AUTOR IES TRABALHO
2007 CAVALCANTE Universidade Federal da Bahia Tese
2007 FRANCO Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais Dissertação
2008 RODRIGUES Universidade Federal do Espírito Santo Tese
2008 CORRÊA Universidade Federal de Santa Catarina Tese
2008 SILVA Universidade Federal do Pará Dissertação
2008 PORTILHO Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro Dissertação
2009 LOBO Universidade Federal de Viçosa Dissertação
2009 MOREIRA Universidade Federal do Espírito Santo Tese
2010 MATTOS Universidade Federal do Ceará Tese
2011 DALIA Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro Dissertação
2011 BATISTELA Pontifícia Universidade Católica do Paraná Tese
2011 SILVA Universidade Federal do Tocantins Dissertação
2011 ALVES Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro Dissertação
2011 FERREIRA Universidade Federal de Goiás Dissertação
2011 SOUZA Universidade de Brasília Tese
2012 BARDUNI FILHO Universidade Federal de Viçosa Dissertação
2012 LIMA Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro Dissertação
2012 ASSUNÇÃO Universidade Federal do Pará Dissertação
2013 MELO Universidade Federal de Viçosa Dissertação
2013 SOBREIRA Universidade Federal de Viçosa Dissertação
2013 MELLO Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro Dissertação
2013 GOMES Universidade Estadual do Maranhão Dissertação
2013 VERGUTZ Universidade de Santa Cruz do Sul Dissertação
2013 ARAÚJO Universidade do Estado da Bahia Tese
2014 PEZARICO Universidade Tecnológica Federal do Paraná Tese
2014 ZIMMERMANN Universidade Federal de Santa Maria Dissertação
2014 CARVALHO Universidade Federal do Tocantins Dissertação
2014 MATTOS Universidade Tecnológica Federal do Paraná Dissertação
2014 FADINI Universidade Federal de Viçosa Dissertação
2014 MACHADO Universidade Federal do Pará Dissertação
2014 FERREIRA Universidade Federal de Santa Maria Dissertação
2014 ANISZEWSKI Faculdade Vale do Cricaré Dissertação
2014 ALVES Universidade Federal do Piauí Dissertação
2014 SANTOS Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro Dissertação
2014 LOPES Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro Dissertação
132 |
2015 SANTIN Universidade Comunitária da Região de Chapecó Dissertação
2015 PELINSON Universidade Comunitária da Região de Chapecó Dissertação
2015 PEREIRA Universidade Federal do Pará Dissertação
2015 FREITAS Universidade Federal do Recôncavo da Bahia Dissertação
2015 BREDA Faculdade Vale do Cricaré Dissertação
2015 SILVA Universidade Estadual do Maranhão Dissertação
2015 SILVA Universidade Estadual do Oeste do Paraná Dissertação
2015 COUTO Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Pará Dissertação
2015 TELAU Universidade Federal de Minas Gerais Dissertação
2016 OLIVEIRA Universidade Federal do Espírito Santo Dissertação
2016 BENTES Universidade Federal do Oeste do Pará Dissertação
2016 MASSUCATO Universidade Tecnológica Federal do Paraná Dissertação
2016 ANTUNES Universidade Tecnológica Federal do Paraná Dissertação
2016 LOPES Universidade do Estado da Bahia Dissertação
2016 OLIVEIRA Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho Dissertação
2016 DIORIO Fundação Oswaldo Cruz Tese
2017 RIBEIRO Pontifícia Universidade Católica de Goiás Tese
2017 HOSDA Universidade Estadual do Oeste do Paraná Dissertação
2017 SOUSA Universidade Federal do Tocantins Dissertação
2017 BEZERRA Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro Dissertação
2018 CARVALHO Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais Dissertação
2018 HERINGER Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro Dissertação
2018 SOUSA Universidade do Estado do Pará Dissertação
2018 VALADÃO Universidade Católica Dom Bosco Tese
2018 SILVA Universidade Federal do Tocantins Tese
2018 ALMEIDA Universidade Federal do Espírito Santo Dissertação
2018 LIMA Universidade Federal de Minas Gerais Dissertação
2018 SIQUEIRA Universidade Federal de Minas Gerais Tese
2018 MARTINS Universidade Federal de Minas Gerais Dissertação
2018 CARRIJO Universidade Federal do Tocantins Dissertação
2018 VIEIRA Universidade Federal de Ouro Preto Dissertação
2018 BARBOSA Universidade Federal do Espírito Santo Dissertação
TOTAL DE DISSERTAÇÕES 53
TOTAL DE TESES 14
TOTAL GERAL 67
Fonte: Dados de Pesquisa (2019)
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas vol. 2
| 133
O Quando 8 mostra que a maioria dos trabalhos produzidos
no período pesquisados, ou seja, 67 trabalhos, tem como temática
central a Alternância. Estes trabalhos tratam dos pressupostos teóricos-
metodológicos, dos fundamentos losócos da Pedagogia da Alternância,
das diversas práticas pedagógicas realizadas neste contexto nas variadas
áreas do conhecimento. Além disso, alguns trabalhos tratam da concepção,
formação e atuação dos monitores nos Ceas e outros, ainda, tratam do
histórico e projeto das instituições que trabalham por alternância e os
signicado deste para as comunidades em que estão inseridas.
Quadro 9 - Trabalhos com a temática “Associação Local”
ANO AUTOR IES TRABALHO
2008 PRAZERES Universidade Federal do Pará Dissertação
2009 MAGALHÃES Universidade Federal do Pará Dissertação
2012 BORGES Universidade Tecnológica Federal do Paraná Dissertação
2013 MAYER Universidade Tecnológica Federal do Paraná Dissertação
2013 SANTOS Universidade Tecnológica Federal do Paraná Dissertação
2013 CALIARI Universidade Federal do Espírito Santo Tese
2014 FROSSARD Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro Tese
2015 FERREIRA Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro Tese
2017 PAMPLONA Universidade da Amazônia Dissertação
2017 MELO Universidade Federal do Amazonas Tese
TOTAL DE DISSERTAÇÕES 06
TOTAL DE TESES 04
TOTAL GERAL 10
Fonte: Dados de Pesquisa (2019)
O Quadro 9 mostra que a temática que menos agrega trabalhos,
apenas 10, refere-se a Associação Local. Estes trabalhos enfatizam a
formação, a função e a atuação da Associação Local, as parcerias realizadas
para manutenção dos Ceas, assim como os processos de gestão e decisão.
Também há trabalhos que abordam a participação das famílias no processo
educativo, assim como dos demais agentes formativos. Ainda há trabalhos
que apontam a contribuição da Pedagogia da Alternância na formação dos
jovens de modo que estes passam ter maior participação social em seu meio.
134 |
consIderações fInaIs
Este estudo, que teve a pretensão de complementar um levantamento
já realizado a respeito das pesquisas feitas sobre a Pedagogia da Alternância
no meio acadêmico, indicou que as temáticas estudadas no período
de 1969 a 2006 seguem fazendo parte da agenda de estudos. São elas:
Pedagogia da Alternância e Educação do Campo, Pedagogia da Alternância
e Desenvolvimento, Processos de Implantação de Ceas no Brasil, Relação
entre Ceas e Famílias.
Embora no presente estudo se tenha optado por outro tipo de
classicação das temáticas, tomando como referência os pilares que
sustentam o trabalho realizado no contexto da Pedagogia da Alternância,
percebeu-se que as temáticas elencadas no estudo anterior estão também
inseridas nestes pilares.
Conrmou-se que no período de 2007 a 2018 houve um aumento
signicativo da produção sobre a Pedagogia da Alternância, sendo que a
maior parte das pesquisas enfatizaram a própria dinâmica da Alternância,
seus fundamentos teóricos-metodológicos, seus instrumentos e sua
organização pedagógica. Esta temática era indicada no estudo realizado
por Teixeira, Bernartt e Trindade (2008) como merecedora de mais
estudos. Portanto, nota-se que pesquisas buscam, pelo menos neste ponto,
responder lacunas apresentadas por estudos anteriores.
Não obstante, ainda existem aspectos que merecem estudos mais
aprofundados, sobretudo no que se refere à temática Associação Local. Esta
lacuna também fora apontada anteriormente quando Teixiera, Bernartt e
Trindade (2008) sugeriram pesquisas sobre “os Ceas e o Estado”. Ademais,
outras sugestões poderão ser apontadas a partir da análise qualitativa das
pesquisas levantadas por este estudo inicial.
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Parte II
A   
   
 :
  
| 139
Capítulo 5
R - 
    
   
  
Ana Paula Monteiro de Carvalho
Fabio Queiroz
José Deribaldo Gomes dos Santos
resumo: O objetivo do texto é apresentar as especicidades de monitoramento dos
processos formativos das Escolas Estaduais de Educação Prossional (EEEPs), no Ceará,
que oferecem ensino médio de tempo integral com currículos propedêutico e prossional
concomitantes e as demais escolas da mesma rede estadual. O estudo é mediado por dois
documentos abrangentes de planejamento governamental: o Plano Plurianual (PPA) e o
Programa para Resultados do Banco mundial (PFOR/BIRD). Os referidos documentos
contribuíram para ilustrar a estrutura da política de formação prossional, bem como a
estrutura de gerenciamento do capital, tornando apreensível a materialidade da relação de
subordinação entre o Estado e o Capital.
Palavras-chave: Educação. Estado. Formação humana. Capital.
https://doi.org/10.36311/2023.978-65-5954-344-1.p139-160
140 |
caPItal-state relatIonshIP and the PreParatIon of the
workforce In the ProfessIonal state-schools
abstract: e purpose of the text is to present the specicities of the formative processes
monitoring of the State Schools of Professional Education (EEEPs), in Ceará, that
oer full-time high school education with preparatory and professional curriculum
concomitant as the others state schools from the same network. e study are mediated
by two embracing government-planning documents: the Pluriannual Plan (PPA) and the
World Bank Results Program (PFOR /IBRD). ese documents contributed to illustrate
the structure of professional training policy as well as the capital management structure,
which became the materiality of the relationship of subordination between the State and
Capital apprehensible.
keywords: Education. State. Human formation. Capital.
relacIón caPItal-estado y la PreParacIón de la fuerza de
trabajo en las escuelas estatales de educacIón ProfesIonal
resumen: El objetivo del texto es presentar las especicidades de monitoreo de los procesos
formativos de las Escuelas Estaduales de Educación Profesional (EEEPs), en Ceará, que
ofrecen enseñanza media de tiempo completo con currículos propedéutico y profesional
concomitante y las demás escuelas de la misma red estadual. El estudio está mediado por
dos documentos completos de planicación gubernamental: el Plan Plurianual (PPA)
y el Programa para resultados del Banco Mundial (PFOR / BIRD). Estos documentos
contribuyeron a ilustrar la estructura de la política de formación profesional, así como la
estructura de gestión del capital, haciendo aprehensible la materialidad de la relación de
subordinación entre el Estado y el Capital.
Palabras clave: Educación. Estado. Formación humana. Capital.
Introdução
Desde os anos 1990, com as reformas educacionais exigidas pelas
agências nanciadoras internacionais, consolidam-se nas escolas públicas
brasileiras, de forma geral, e nas escolas estaduais cearenses, em particular,
diversos mecanismos de controle formativo dos jovens. Desde o PDE
(Plano de Desenvolvimento da Escola), implantado em 1998, até os
atuais modelos de gestão implantados por empresas privadas, na forma de
consultorias contratadas pelos gestores estatais, chegamos ao ano de 2008
com a implantação das EEEP (Escolas Estaduais de Educação Prossional),
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas vol. 2
| 141
laboratórios de renamento do controle da rotina escolar de forma mais
abrangente e tecnicamente articulados.
O presente texto apresenta algumas especicidades das escolas
prossionais em relação às demais escolas da rede estadual cearense,
incluindo a robustez do monitoramento evidenciada na estrutura do
planejamento governamental expressa no PPA (Plano Plurianual) e no
Acordo de empréstimo PFOR/BIRD (Programa para Resultados do Banco
Mundial). Os documentos citados demonstram a relação intrínseca entre
Capital-Estado e contribuem para compreensão das dicotomias clássicas
do processo educativo brasileiro, com a novidade do embate entre capital x
trabalho pelo ingresso adiado ou imediato no mercado de força de trabalho.
contradIções do controle formatIvo ProfIssIonalIzante
As EEEPs foram criadas com o objetivo de oferecer a formação
de ensino médio para a prossionalização e inserção no mercado de
trabalho; contudo, a gestão do sistema promoveu um formato de ingresso
meritocrático nessas unidades, no qual se estabeleceu a nota do aluno
como principal critério de seleção. A proximidade escola-residência, que
deveria ser o critério principal, como acontece com as escolas regulares
da rede estadual, aparece somente como terceiro critério de desempate
1
.
O mecanismo de seleção, paradoxalmente, excluiu os segmentos da
população que, empiricamente, concentram as necessidades mais imediatas
de prossionalização, resultando na apropriação da escola por segmentos
sociais médios que não têm o mesmo interesse nas atividades prossionais
precárias oferecidas pelas EEEPs, como estética, massoterapia, manutenção
automotiva, comércio, logística e outros. Os referidos segmentos médios
perceberam que as EEEPs oferecem elementos diferenciadores das demais
escolas públicas, a saber: exclusão dos alunos mais pobres por falta de
mérito, aglutinação do currículo prossional à formação geral, jornada de
tempo integral e condições estruturais com melhor aparelhamento civil-
arquitetônico. Esses elementos articulados oportunizaram o ingresso no
As portarias de matrícula são publicadas anualmente com poucas modicações. Ver no Diário Ocial do
Estado de 21 dez. 2016, p. 77, a Portaria nº 1.435/2016.
142 |
ensino superior com baixo custo. A jornada de tempo integral oferece,
ainda, uma rede de proteção contra duas grandes ameaças do capital aos
jovens: drogas e violência.
Além da seleção meritocrática dos alunos com os melhores resultados,
o tratamento diferenciado dado a essas escolas, como laboratórios de
primeira geração e professores com dedicação exclusiva, favorece a
participação de estudantes em diversos eventos de iniciação cientíca
que, por sua vez, favorecem o ingresso no ensino superior. Esse paradoxo
provoca reivindicações sistemáticas dos segmentos mais pobres que não são
atendidos por essa escola pública mais valorizada, e lutam pela expansão da
Política. Como evidência, temos o Plano Plurianual (PPA), instrumento
quadrienal de planejamento da gestão governamental que, por força de
lei, precisa ser elaborado, ainda que precariamente, com a participação da
sociedade na denição das prioridades. São ocinas em que movimentos
sociais, lideranças políticas e empresas apontam algumas demandas. Desde
a criação das primeiras EEEPs, as ocinas do PPA participativo (CEARÁ,
2011) registram grande número de pedidos por essas escolas.
O paradoxo também criou uma contradição que atinge o cerne
da prossionalização no ensino médio: o Estado, ao criar uma escola
considerada pelos intelectuais estatais, como de excelência, desviou-se,
segundo observadores externos, dos objetivos iniciais da própria política,
ou seja, as EEEPs possibilitaram maior ingresso no ensino superior do
que no mercado de trabalho. O relatório de gestão 2008-2014 (CEARÁ,
2014, p.176) apresenta dados interessantes: entre os concludentes do ciclo
2011-2013, 12,9 % foram inseridos no mercado; 29,9% ingressaram no
ensino superior; 7,5 % ingressaram no mercado e no ensino superior ao
mesmo tempo; restando ainda 50,3% de alunos que não conseguiram
ingressar em nenhum desses espaços. A diretriz de retomada da focalização
no ingresso dos alunos dessas escolas no mercado de trabalho está expressa
na implantação do chamado portal do “Aluno Egresso”, uma ferramenta
de controle que cumpre uma das obrigações estabelecidas pelo acordo
de empréstimo PFOR/BIRD (IPECE, 2013), que veremos com mais
detalhes adiante. Nesse sistema, o aluno insere e atualiza seu currículo,
acessa dados sobre vagas de trabalho e “informações do mercado”, e
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas vol. 2
| 143
pode, ainda, disponibilizar seu currículo para as empresas cadastradas. A
plataforma digital também oferece relatórios periódicos sobre a relação
curso e demanda de força de trabalho por município e a “satisfação das
empresas com a mão de obra qualicada
2
formada pela escola.
E qual seria a contradição em uma escola prossionalizante focalizar
a inserção dos seus alunos no mercado de trabalho? A contradição se revela
na medida em que uma rede de escolas públicas atinge objetivos relevantes,
como o historicamente negado acesso ao ensino superior, favorecendo a
prossionalização em patamar mais elevado. Ainda que muitos dos cursos
superiores acessíveis aos egressos das EEEPs sejam aligeiradas formações
de tecnólogos (SANTOS, 2017), essas escolas são coagidas por credores
internacionais a se adequarem a objetivos menos relevantes, como ingresso
no mercado de atividades prossionais menos valorizadas. As EEEPs
teriam, então, conforme os gestores do capital, a função de inserir seus
alunos somente em atividades laborais com salários mais baixos para
atender à necessidade do capital em diminuir os custos do trabalho?
A interferência externa reforça a dicotomia formação geral x
prossionalização e exige, como veremos adiante, o aperfeiçoamento de
instrumentos gerenciais para que o ingresso no mercado volte a ser o foco
primordial das EEEPs, mesmo sabendo que a escola apresenta condições
de ir além dessa função. As melhores condições de acesso ao conhecimento
oferecidas pelas EEEPs são ignoradas pelas agências nanciadoras.
Ferramentas racionais de controle são criadas para atingir um objetivo
irracional: formação para a empregabilidade em uma sociedade restritiva
de empregos.
Vejamos mais de perto o controle sistêmico sobre as escolas
analisadas. Apesar de representar menos de 20% do total de escolas da
rede pública estadual
3
, as EEEPs recebem tratamento diferenciado
das demais escolas do estado, chamadas de “regulares”, e apresentam
algumas especicidades relevantes em sua relação com o mercado.
2
Portal disponível em: (CEARÁ, 2016b).
3
Segundo o Censo Escolar de 2016, temos na rede estadual 115 escolas estaduais de educação prossional
e 510 escolas de ensino médio regulares, representando respectivamente 18% e 82%. Quantitativos
agregados a partir da base de dados da SEDUC (CEARÁ, 2016a).
144 |
Destacamos algumas: para o alinhamento dos prossionais às necessidades
empresariais, há cuidadoso processo seletivo do docente e do gestor. O
gestor não é eleito pela comunidade escolar, como as demais escolas,
sendo selecionado diretamente pelo órgão gestor; os professores, por
sua vez, mesmo já concursados, passam por nova seleção onde deverão
assimilar os princípios e ferramentas de trabalho estabelecidas pela TESE
(Tecnologia sócioeducacional), assumindo compromisso ideológico com
o modelo de gestão das EEEPs que vê a escola como empresa. Os sujeitos
são condicionados à focalização permanente nos resultados, dicultando
ao máximo qualquer conhecimento crítico sobre o antagonismo capital x
trabalho, totalmente dissimulado.
A segunda especicidade que destacamos é o monitoramento
minucioso realizado por meio de duas estruturas governamentais
excessivamente técnicas e impessoais, distanciamento os agentes que
decidem daqueles que executam a política: a primeira estrutura é o PPA,
cujos indicadores são acompanhados e analisados sistematicamente pela
SEPLAG (Secretaria de Planejamento e Gestão do Estado), compondo um
Programa de Governo especíco. A segunda estrutura é o PFOR/BIRD,
um acordo de Empréstimo cujas metas são monitoradas pelo IPECE
(Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará) e pelo próprio
Banco Mundial.
A referida agência nanciadora “acompanha” a política de
implantação/implementação das EEEPs, condicionando desdobramentos
e resultados da Política, que, da sua ótica, deve ser necessariamente o aluno
inserido no mercado, ainda que o interesse social imediato de seus usuários
não seja esse, e mesmo que esse mercado nem exista concretamente, dado
o desemprego estrutural. Esse processo aliena práticas e consciências à
medida que impede os sujeitos envolvidos de determinar a nalidade do
seu trabalho, obrigando-os a produzir outro objeto (inserção no mercado
precarizado de trabalho), à revelia de suas capacidades e necessidades.
O gerenciamento macro das EEEPs fecha-se com mecanismos mais
ecientes de controle, de forma a recuperar o foco no propósito original
da Política, levemente alterada pelo relativo sucesso da inserção no ensino
superior. Nesse sentido, podemos demonstrar como o monitoramento das
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas vol. 2
| 145
agências relaciona-se organicamente à estrutura estatal, e seus principais
elementos são inseridos no planejamento de governo. Para compreender
essa organicidade, é preciso conhecer, primeiramente, como o PPA alcança
a escola.
o Plano PlurIanual e a gestão das escolas ProfIssIonaIs
O PPA é uma exigência constitucional desde 1988 (§1º do Artigo
165), e, entre os seus diversos objetivos, destacamos o detalhado controle
das ações e recursos públicos em seus três níveis (federal, estadual,
municipal). É um instrumento importantíssimo de planejamento, execução
e monitoramento, revelador da própria estrutura de funcionamento do
Estado como um todo, seu gigantismo, sua complexidade e sua relação
direta com o setor privado, incluindo o capital internacional.
O Documento PPA enfatiza a dimensão estratégica (diretrizes,
objetivos e metas) e articula os componentes do orçamento público,
permitindo a celebração de contratos. Exemplicando: o recurso para
a aquisição de uma resma de papel para uso do professor precisou ser
licitado, contratado, empenhado e pago. Todos esses procedimentos
estão necessariamente vinculados ao orçamento que, por sua vez, está
necessariamente vinculado à estrutura do PPA. Essa resma de papel
contribuiu para o cumprimento de uma meta. Essas conexões não são
meramente burocráticas, elas interligam as atividades funcionais do
Estado que, por serem desconhecidas pela maioria da população, ajudam a
fetichizar sua relação com a sociedade civil, enticando o referido Estado.
Para que a problemática que mais clara e possa melhor ser compreendida,
delimitaremos, mesmo que em grandes linhas, um tema estratégico para
que se possa exemplicar sua estrutura.
O PPA do governo estadual cearense, em vigência, referente ao
período de 2016-2019 (Lei Nº 15.929/2015), tem no eixo da educação
cinco temas estratégicos (CEARÁ, 2015a). Entre eles está o Tema Educação
prossional. Este, por sua vez, estabelece um resultado de médio prazo que
deve ser alcançado no período de vigência do PPA: “Educação prossional
146 |
consolidada e articulada com o mercado de trabalho” (CEARÁ, 2015b,
p. 129). O referido resultado deve se orientar por dois indicadores:
1º) Percentual de estudantes egressos das escolas estaduais de educação
prossional inseridos no mercado de trabalho e 2º) Percentual de estudantes
matriculados no ensino médio integrado à educação prossional em relação
ao total de matrículas do ensino médio. Estes indicadores denem a forma
de cálculo do resultado a partir de uma série histórica de resultados. Como
o documento foi elaborado em 2015, o indicador de referência é de 2014:
19% de alunos das EEEPs inseridos no mercado de trabalho. Assim, o
alcance do resultado necessita que esse percentual seja superado, embora
não especique o quanto tenha que crescer. Além dos indicadores, são
estabelecidas também metas gerais contributivas para alcance do resultado,
como a projeção de capacidade de atendimento (matrícula) que precisa ser
acrescido. O conjunto estratégico tema-resultado-indicador desdobra-se em
programas de governo. Em nosso caso, temos o Programa Ensino Integrado
à Educação Prossional que trata especicamente das EEEPs. O programa
executa as chamadas “iniciativas”, que são os serviços educacionais
ofertados à sociedade (CEARÁ, 2015b, p. 32). As “iniciativas” são a
mediação do PPA com a Lei Orçamentária Anual (LOA) e constituem a
parte nanceira-operacional do PPA.
Apresentamos a estrutura geral do PPA. Precisamos agora ver alguns
desses elementos mais de perto. Começaremos pelo Resultado Temático
e seus indicadores. O primeiro indicador (Percentual de estudantes egressos
das escolas estaduais de educação prossional inseridos no mercado de trabalho)
restringe a função social das EEEPs à inserção no mercado de trabalho,
desconsiderando que sua função também é de preparação para o ensino
superior, daí a luta pelo currículo articulado. Diferente do resultado
temático, o objetivo do programa cou com o seguinte texto: “atender às
necessidades do mundo do trabalho, contribuindo para o desenvolvimento
do Estado, para a inserção dos estudantes no mercado de trabalho e no
Ensino Superior” (CEARÁ, 2015b, p. 131). Podemos ver que o objetivo
do programa ultrapassa os limites estabelecidos pelo resultado temático
que não contempla o ensino superior. Essa discrepância foi resultante
de instâncias diferenciadas de decisão e participação na elaboração do
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas vol. 2
| 147
documento. Entretanto, para as políticas de gestão por resultados, na
relação de determinação entre esses elementos (objetivo e resultado), a
prioridade está no segundo, e, portanto, o ingresso no ensino superior não
aparece como indicador a ser medido, não é prioridade. A brecha criada
pelo objetivo do programa é imediatamente neutralizada pela limitação
estabelecida pelo resultado. A elaboração participativa, embora sendo usada
apenas como artifício de legitimação, sempre oportuniza visualizar algumas
contradições. O desconforto com a capacidade das EEEPs em promover o
ingresso no ensino superior encontra-se no texto de justicativa do próprio
Programa, deixando cada vez mais explícito que o acesso à universidade é
considerado um “desvio” da política:
[...] Os dados apontam o aumento da inserção dos alunos egressos
das EEEPs no Ensino Superior e uma diminuição no número
de alunos inseridos no mercado de trabalho, apontando para
a necessidade de uma maior articulação da oferta de educação
prossional, oferecida pelo Estado, com o mercado. (CEARÁ,
2015b, p. 130).
Ao longo de toda a análise socioeconômica que respaldou a denição
das ações planejadas no PPA, a prossionalização do trabalhador se
constituiu como fator de extrema importância, considerada primordial
para o desenvolvimento econômico, mas estranhamente desvinculando as
EEEPs do acesso ao ensino superior:
No âmbito estadual, a rede formada pelo Instituto Centro de
Ensino Tecnológico – Centec, as Escolas Estaduais de Educação
Prossional e o Centro de Treinamento Técnico do Ceará – CTTC,
aliada à reconhecida contribuição do Sistema “S”, são suportes da
política para atacar um dos principais óbices ao desenvolvimento do
Estado, a formação prossional, e, portanto, para superar o nível de
rendimento e grau de formalização do trabalho, situados entre os
mais baixos dentre os estados brasileiros. (CEARÁ, 2015a, p. 73,
grifos nossos).
148 |
Interessante notar que o documento constata as condições salariais
do trabalhador cearense como uma das mais baixas do país (R$ 616,00),
ocupando a 24ª posição entre os demais estados (CEARÁ, 2015a, p.
55), ao mesmo tempo, informa a 13ª posição do Ceará no ranking da
economia nacional (p. 38). A contradição é ignorada, sem nenhuma
reexão sobre a não correspondência entre condições de trabalho e posição
econômica do Estado, escamoteando a brutal expropriação do trabalho
expressa no rendimento. Outro fenômeno apontado pelo documento,
relacionado muito discretamente às condições precárias de trabalho, é o
baixo percentual de pessoas em idade produtiva inseridas no mercado,
não por falta de oferta de trabalho, situação que os especialistas buscam
entender. O texto é longo, mas vale a pena pela relevância dos dados e a
peculiaridade da situação:
No 1º trimestre de 2012, o Ceará possuía 6,74 milhões de
habitantes com idade de trabalhar, passando esse total para 7,02
milhões em 2015. Todavia, o Estado registrou o menor avanço,
de apenas 0,88% na comparação dos dois períodos, passando de
3,73 milhões de pessoas, em 2012, para 3,76 milhões de pessoas
em 2015, revelando nítida perda de participação no total da força
de trabalho nacional, passando de 3,90% para 3,75%, e na força
de trabalho nordestina passando de 15,55% para 14,90%, bem
diferente do ocorrido com a participação do Nordeste no país que
passou de 25,11% para 25,14% na mesma comparação. Sendo
assim, é possível observar que está ocorrendo um fenômeno bastante
interessante no Estado do Ceará, a decisão muito mais intensa de car
fora do mercado de trabalho na comparação com as demais regiões.
Além disso, o estado do Ceará registrou queda no contingente de
ocupados
4
de 0,84% na comparação dos dois períodos analisados.
Enquanto o total de pessoas na força de trabalho aumentou em 33
mil pessoas, o total de pessoas ocupadas caiu em 28 mil pessoas,
ambos na mesma comparação. Isso resultou em aumento do
desemprego nordestino e nacional. E nítida perda de participação
no total de pessoal ocupado no mercado de trabalho. Quanto a
evolução da taxa de participação na força de trabalho, que é dado
pelo quociente entre a força de trabalho e a população em idade
Segundo o IBGE (2017), “As pessoas na força de trabalho [...] compreendem as pessoas ocupadas
e desocupadas. São classicadas como ocupadas [...] as pessoas que trabalharam pelo menos uma hora
completa em trabalho remunerado.
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas vol. 2
| 149
de trabalhar multiplicado por 100, vericou-se que o estado do
Ceará apresentou o comportamento mais oscilante nesse indicador,
apresentando tendência de queda a partir do 2º trimestre de 2014,
nalizando a série com taxa de participação de 53,6% no 2º
trimestre de 2015. Isso pode ser um claro indício de desalento no
mercado de trabalho, quando parte da população em idade ativa opta
por vontade própria não participar da força de trabalho. (CEARÁ,
2015a, p.55-56, grifos nosso).
Esses dados expressariam uma forma de resistência silenciosa à
exploração? Empiricamente, na sala de aula, é possível observar que, mesmo
nos segmentos sociais mais pauperizados, há um adiamento do ingresso
no mercado de trabalho. Para conrmar, basta vericar os indicadores
econômicos do Ceará:
Sua economia está sustentada principalmente nas atividades
ligadas aos Serviços (73,8%), seguidos das atividades da Indústria
(22,8%), e da Agropecuária, que participa com, apenas, 3,4%.38.
[...] Dentre as atividades que compõe os Serviços, o maior destaque
é dado ao Comércio, que registra uma participação no PIB estadual
de 16,0%. (CEARÁ, 2015a, p. 38-43).
Diante dos dados, ironicamente, o baixo rendimento do trabalhador
cearense é atribuído à baixa prossionalização/capacitação, armando
apostar no acesso ao conhecimento e na importância da educação em
todos os níveis para reverter os números:
É fato consensual que, nas sociedades modernas, o Conhecimento
é o fator mais importante na construção do desenvolvimento
econômico, tanto por sua contribuição na criação quanto na
distribuição da riqueza, gerando inclusão social. Os efeitos da
produção do conhecimento e de sua ampla difusão vão do aumento
da produtividade nas atividades econômicas à melhoria da
prestação de serviços pelo Estado, e ao aprimoramento do exercício
da cidadania para a apropriação mais equânime e generalizada dos
bens culturais e da riqueza material. Neste sentido, o primeiro
passo para a construção de uma sociedade do conhecimento no
Estado já foi dado com a melhoria signicativa da qualidade da
150 |
Educação Básica. As missões decisivas e desaadoras que envolvem
a construção do conhecimento na sociedade abrangem um amplo
espectro que vai do ensino básico à pesquisa cientíca, à inovação,
passando pela cultura, a economia da cultura e pela educação
prossional e a qualicação do trabalhador. [...] determinação clara
de um projeto para o Ceará baseado na educação e capacitação de
sua população, em todos os níveis do conhecimento e na utilização
decisiva desse conhecimento no processo de geração de riquezas.
(CEARÁ, 2015a, p.72-73).
Resta saber para qual segmento social está dirigido esse
conhecimento, já que o ingresso no ensino superior dos alunos das EEEPs
é considerado “desvio” da política de prossionalização. Mesmo com
indicadores educacionais levemente elevados, os números demonstram os
efeitos da expropriação do trabalhador cearense: a escolaridade média da
população cearense acima de 25 anos de idade alcançou apenas 6,4 anos de
estudo em 2013; no mesmo ano, somente 8% das pessoas com 25 anos ou
mais conseguiram concluir o ensino superior (CEARÁ, 2015a, p. 54-55).
A despeito das declarações expressas no PPA, o acesso ao conhecimento
em todos os níveis, em especial, o acesso aos níveis mais elevados de
conhecimento (pesquisa cientíca e inovação) não é para todos. Para as
massas, o foco continua na educação básica. Quando se invoca a necessidade
de ampliar o ingresso ao ensino superior, este surge de forma reicada,
como teoria do capital humano registrada no documento analisado,
garantidoras da ampliação do “[...] estoque de prossionais qualicados e
adequar o uxo de trabalhadores às necessidades do mercado” (CEARÁ,
2015a, p. 110). Vê-se bem qual tipo de conhecimento se quer universalizar.
A Reicação se expressa já no discurso: formar estoque de pessoas com
conhecimento exclusivo para uso do mercado. O mercado como sujeito e
o sujeito, o ser humano, como coisa que precisa ser estocada. Aqui surge
mais uma contradição importante: a diminuição do mercado de trabalho.
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas vol. 2
| 151
De tão agrante, tal contradição salta aos olhos, pois o próprio documento
reconhece o fechamento de postos de trabalho:
A economia cearense registrou saldo positivo de novos empregos
com carteira de trabalho assinada até o ano de 2014, tendo alcançado
valor recorde de geração de novos postos de trabalho no ano de 2010
com um total de 87.552 novas vagas. Todavia, a perda de dinamismo
observada nos três grandes setores da economia vem contribuindo
fortemente para o fechamento de vagas no referido estado [Ceará]
quando até julho de 2015 acumulou um saldo negativo de
14.136 (p. 47). [...] O setor de Serviços, que tradicionalmente é
considerado o grande motor de geração de novos postos de trabalho
na economia cearense, registrou pela primeira vez, queda de 6.181
vagas de trabalho no acumulado do último ano da série. (p. 48) [...]
Já no setor da indústria, a indústria de transformação foi a grande
responsável pelo fechamento de vagas de trabalho, principalmente
as indústrias de calçados, têxtil e de alimentos e bebidas. [...] Outro
setor da indústria que também fechou vagas foi a extrativa mineral
(-166 vagas). (CEARÁ, 2015a, p. 49).
O paradoxo gerado pela necessidade de formação do estoque de
pessoas aptas ao mercado de força de trabalho não seria uma evidência da
necessidade prioritária de controle dessa mesma força de trabalho (sem
mercado suciente para vendê-la), muito mais importante nesse momento
histórico do capital, do que a qualicação em si mesma? Evidencia-se que
a própria concorrência entre os trabalhadores já providenciaria a seleção
dos melhores para um mercado em processo acelerado de encolhimento,
conforme revela as investigações de Mészáros (2011a, 2011b). O PPA,
de certa forma, registra a estrutura racionalizada mediada pelo Estado,
enquanto gerente do capital, para gerenciamento dessa contradição, em
sua busca de mecanismos formativos facilitadores da dominação social,
com atenção para a educação básica.
Nesse ponto da análise, retornamos às “inciativas”, que são os
bens e serviços a serem entregues à sociedade ao longo dos quatro anos
de vigência do PPA. Para o programa de governo que delimitamos,
temos nove iniciativas, mas nos deteremos em três que não existiam nos
152 |
PPAs anteriores e indicam a intensicação do controle sobre as escolas
prossionais. São elas:
[1ª] Iniciativa nº 020.1.04 - Adequação da oferta e dos currículos
de educação prossional às vocações territoriais e indução do
desenvolvimento regional; [2ª] Iniciativa nº 020.1.07 - Avaliação
de desempenho da rede das Escolas de Ensino Integrado à Educação
Prossional; [3ª] Iniciativa nº 020.1.08 - Criação de modelos e
de sistemas de acompanhamento, formação e avaliação da rede de
educação prossional. (CEARÁ, 2015b, p. 131).
No PPA anterior, período 2012-2015, as iniciativas referentes ao mesmo
Programa das EEEPs referiam-se exclusivamente aos insumos necessários
ao funcionamento das EEEPs: obras, aquisições, contratação e formação
continuada (CEARÁ, 2011, p. 770). No PPA atual temos três iniciativas que
se conguram como mecanismos explícitos de controle do trabalho docente,
pois incidem de forma direta no fazer pedagógico. A primeira iniciativa chega
ao coração das escolas, aos planos curriculares, que deverão ser “adequados às
vocações territoriais”, o que signica a manutenção das atividades já existentes,
focadas na melhoria da produtividade do que já se faz. Não há estímulo a
novas alternativas produtivas, indicando o enquadramento da região na
divisão nacional e internacional do trabalho. Para garantir o cumprimento
da adequação curricular, surge a segunda iniciativa, que estabelece a avaliação
de desempenho das EEEPs, o que aponta para algum tipo de avaliação das
competências adquiridas, ação ainda não realizada. Além disso, já comentamos
o sistema informatizado de monitoramento dos egressos inseridos no mercado
de trabalho, o que remete à terceira iniciativa que trata dos sistemas tecnológicos
de controle. A 3ª iniciativa, porém, tem pretensões muito maiores, como
esclarece o documento:
A implementação de um modelo de gestão que adota a
contratualização de resultados é extremamente desaadora,
exigindo do Governo Estadual uma mudança na postura dos
gestores públicos e o entendimento de que os compromissos
contratados condicionam todo ciclo de planejamento, orçamento
e gestão estadual. A administração estadual tem consciência
de que o êxito da implementação desse modelo pressupõe a
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas vol. 2
| 153
integração de denições estratégicas; o alinhamento de processos,
recursos, programas/produtos com os resultados; e a utilização de
mecanismos de monitoramento intensivo e avaliação permanente.
(CEARÁ, 2015a, p. 76, grifo nosso).
Podemos observar a abrangência desejada. A contratualização em
questão refere-se à articulação interna de toda a máquina estatal a serviço
do projeto de formação de capital humano, o estoque necessário de pessoas
para usufruto do capital.
o Programa Para resultados e o monItoramento das eeePs
Todo o aparato estatal apresentado teria realmente o objetivo
de qualicar força de trabalho? É claro que precisamos considerar a
necessidade política dos governos em responder às pressões sociais por vagas
de emprego. A qualicação é, de fato, uma condicionalidade importante
na concorrência entre os trabalhadores. Mas o fenômeno parece indicar
muito mais do que isso. Diante de um capital globalizado, com capacidade
e necessidade de padronizar massivamente os processos formativos da força
de trabalho, em especial, nos países de sua periferia; apresenta-se também
a necessidade sistêmica de disciplinamento social, enquanto trabalho
preventivo contra explosões sociais potencialmente irreversíveis. Nesse
sentido, a exigência e a padronização formativa do trabalhador cearense
estão previstos em um acordo de empréstimo junto ao Banco Mundial,
integrado à estrutura do PPA que, como já dissemos, é mais do que um
planejamento interno das ações estatais; ele expressa um todo articulado
que interliga o mais simples contrato de pequenos serviços até as relações
com o capital internacional. Além disso, não se trata de um acordo de
empréstimo qualquer, mas de um “Programa para resultados” (PFOR –
Program for results) que não se preocupa somente com o pagamento dos
juros, mas exige o alcance de resultados quantitativos e qualitativos, o que
confere ao nanciador maior capacidade de controle. Vejamos como se
busca a prossionalização universal mediada por esse instrumento:
154 |
A Educação Prossional se insere numa visão de política governamental
mais ampla que objetiva a formação de capital humano no Estado. É
consenso que o patamar de desenvolvimento desejado para a sociedade
cearense requer o crescimento da economia estadual apoiado na maior
produtividade dos fatores de produção e na agregação de valor aos
produtos da economia, para modernização da estrutura produtiva no
Estado, resultando na ampliação do seu poder de competição. Foi a
partir dessa análise que o Governo Estadual, no âmbito do Projeto
para Resultados, objeto de acordo de empréstimo celebrado com o
Banco Mundial, elegeu como um dos componentes o Crescimento
Econômico. Nesta perspectiva, foi produzido o documento ‘Estratégia
de Desenvolvimento Econômico para o Estado do Ceará a partir
do Fortalecimento do Setor Produtivo, apoiada em Inovação e com
foco na Formação de Capital Humano’, enfatizando a necessidade
de garantir que os benefícios advindos com os avanços produtivos
alcancem toda a sociedade, com ampliação das oportunidades e
distribuição dos ganhos, pressupondo a qualicação da mão de obra
como elemento central nesse processo. [...] integração e a otimização
da rede de educação prossional e tecnológica de todos os atores
que atuam nesse segmento, no Estado do Ceará, tais como Centec,
IFCE e demais órgãos públicos e privados, bem como de suas ações,
de modo a aglutinar esforços para a construção compartilhada de um
sistema de qualicação prossional capaz de responder às demandas
impostas pela implantação e instalação de projetos de grande porte em
estruturação no Estado. (CEARÁ, 2015a, p. 110-111, grifos nossos).
O documento explicita a subordinação do Estado ao Capital e a
padronização formativa da massa social, promovendo componentes
ideológicos necessários à reprodução do capital por meio da promessa
de distribuição de ganhos se a qualicação for alcançada, o que
responsabiliza as instituições educacionais pelos resultados da empreitada.
A articulação Capital-Estado ilustrada na relação PPA-PFOR revela que
alguns indicadores do primeiro documento são replicados no Painel dos
Indicadores do segundo. Para a área de capacitação prossional sob a
responsabilidade da Secretaria de Educação do Estado do Ceará (SEDUC),
temos os seguintes indicadores de resultado do Acordo (IPECE, 2013):
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas vol. 2
| 155
O primeiro indicador mede o “Estabelecimento de sistema de
monitoramento de programas de FTP” (le transfer protocol), referindo-se
aos sistemas de armazenamento e transferência de dados, batizamos como
a Via Ápia da sociedade globalizada; ou seja, o controle das informações é
imprescindível para manutenção do poder. O segundo indicador, por sua
vez, mede o “Número total de contratos em vigor com empresas privadas
para contribuir com equipamentos, formação no local, e contribuir para
elaboração de currículos ou instrutores do curso”, garantindo que o mercado
participe ativamente dos processos que serão desenvolvidos nas escolas.
Em outro painel de indicadores (IPECE, 2013), o Acordo faz referência ao
“Estabelecimento de sistema de monitoramento de programas formativos
denominados de TVET” (technical and vocational skills training). Além
dos indicadores, a gestão do PFOR também faz o monitoramento das
iniciativas do PPA que foram nanciadas pelo acordo.
No relatório de fevereiro de 2017 (IPECE, 2013), das iniciativas
citadas, justamente a de numeração 020.1.04, que prevê a “Adequação
da oferta e dos currículos de educação prossional às vocações territoriais
e indução do desenvolvimento regional” está com execução baixa (38%)
e o farol de alerta está vermelho, demandando a intervenção dos gestores
estaduais para o alcance da meta.
O Acordo também prevê várias assistências técnicas, que são, de
fato, empresas privadas contratadas para realizar atividades cuja expertise
(conhecimento), supostamente, não esteja disponível nos quadros
funcionais da administração pública. São três Assistências para as EEEPs:
[1ª] Suporte para reformular o teste de prociência administrado aos
alunos das escolas secundárias estaduais de educação prossional,
tomando em consideração a possibilidade de desenvolver
certicações de habilidades validadas e reconhecidas junto ao
setor produtivo. [2ª] Apoio na melhoria do desenho da formação
continuada voltados para gestores, professores e instrutores das
escolas de educação prossional secundárias do Estado. [3ª]
Avaliação de Impacto de programas de Educação Prossional,
Formação Técnica e Formação de Professores. (IPECE, 2013).
156 |
Observa-se que o objetivo da primeira Assistência Técnica é criar
mecanismos para o mercado realizar diretamente as “certicações de
habilidades” dos alunos das EEEPs. O que remete à denição e seleção
das escolas aptas pelo próprio mercado, sem mediação avaliativa do
Estado, assumindo de forma cada vez mais transparente a relação orgânica
Capital-Estado. A segunda Assistência Técnica preconiza a reformulação
do desenho das formações docentes e, por m, a terceira Assistência
Técnica arremata o controle sistêmico com uma avaliação de impacto do
programa e da formação, controlando o resultado social do programa.
Verica-se que esse tipo de indicador de resultado, que direciona o fazer
pedagógico da escola, é muito mais amplo do que resultados superciais
que mediam, por exemplo, apenas o “número de escolas construídas”, nos
empréstimos anteriores. Não se trata apenas de scalizar o cumprimento
dos cronogramas de aquisições ou obras. O “Programa para Resultados
exige medição da aplicação prática dos princípios de capital humano,
limitando os espaços escolares de autodeterminação de sua função social.
consIderações fInaIs
A investigação inicial que apresentamos demonstra por meio da
estrutura de dois instrumentos de planejamento governamental, PPA
e PFOR, a relação de dominação do Estado pelo Capital, ilustrada pelo
alinhamento explícito das escolas prossionais às necessidades do mercado
da força de trabalho cada vez mais precário. A universalização do acesso à
escola básica na sociabilidade determinada pelo mercado é a preparação para
o próprio mercado; mesmo que não haja uma dimensão prossionalizante
propriamente dita, pois há o processo de disciplinamento necessário a
referida demanda. Nesse sentido, a especicidade dos cursos oferecidos
demonstra que o capital exige do seu mediador, o Estado, que o aspirante
ao emprego já ingresse com o conhecimento especíco, devidamente
treinado, diminuindo seus custos de formação. Diante disso, estreita-se o
controle sobre a escola. E mais, que adentre ao mercado de trabalho com a
docilidade exigida pelos empresários.
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas vol. 2
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O candidato a uma posição no mercado tem sua formação empobrecida
por um treinamento especíco, capaz apenas de instrumentalizar para
atividades laborais precárias, com poucas chances de atender, inclusive, aos
princípios do próprio discurso do capital humano, ou seja, não favorece
o desenvolvimento das competências gerais necessárias ao ingresso no
chamado mundo do trabalho. Contudo, como a EEEP oferece também o
currículo propedêutico e condições estruturais de aprendizagem distintas
das que se ofertam nas demais escolas secundarias, surge a contradição de
maior perspectiva de ingresso no ensino superior. E aqui surge mais uma
dicotomia dentro da escola pública: o empobrecimento dos segmentos
sociais médios os expulsam das escolas privadas, levando-os a ocuparem os
espaços que, a rigor, foram criados para os extratos mais vulneráveis e que
necessitam de uma prossionalização imediata. Assim, surge a segregação
entre rede de escolas regulares para segmentos mais pauperizados de
um lado e, de outro, as EEEPs para os extratos menos pauperizados: a
classe média descendente. Os interesses dos segmentos médios pelas
escolas prossionalizantes em tempo integral, ironicamente, fortalecem
tal tendência que já se torna visível, ou seja, o adiamento do ingresso
do estudante no mercado da exploração capitalista. Vale repetir que tal
adiamento constitui justamente o contrário do planejado pelos organismos
internacionais de gestão do capital. Percebe-se que o discurso da preparação
para o emprego no âmbito da educação básica desestimula a escolha entre
o ingresso imediato e o adiamento, tentando forçando o ingresso, mesmo
para aqueles que têm alguma condição para o adiamento. O sistema de
ensino, como vimos, é monitorado para que o aluno assuma imediatamente
seu posto na produção, forçando a instituição a secundarizar o aspecto
mais relevante do Ensino Médio que é a preparação para a continuidade
dos estudos.
A diculdade para se enfrentar as antinomias, como certica Marx
(2008, p. 270), “consiste somente na formulação geral dessas contradições.
Assim que se especicam, explicam-se”. Essa formulação marxiana sobre
como se deveria enfrentar as contradições ajuda-nos a compreender que o
capital globalizado precisa de diferenciados graus formativos da força de
trabalho para garantir sua reprodução; nesse sentido, o Estado, em suas
158 |
múltiplas dimensões, é o grande gerente que administra essa oferta para os
trabalhadores e seus lhos. Nessa comunicação, delimitamos a educação
básica integrada à educação prossional, especicamente a experiência das
escolas estaduais de educação prossional que, embora cumpram a dupla
função de oferecer currículo propedêutico concomitante ao currículo
prossionalizante, não conseguem superar a dualidade entre a educação
prossionalizante e a propedêutica e ainda demonstram outra dualidade: a
educação prossionalizante com graus diferenciados de instrumentalização
para públicos diferenciados de precarização laboral, gerenciando a
concorrência entre os trabalhadores. Estudos, a exemplo de (SANTOS,
2017), indicam que o ingresso no ensino superior também é segregado,
com pouca inserção nos cursos mais prestigiados socialmente, como
Medicina e Direito. Para os egressos do chamado ensino prossionalizante,
ao contrário de se ter acesso aos cursos privilegiados, o que se evidencia
é a ampla inserção nas graduações tecnológicas e cursos sequenciais,
frequentemente na modalidade à distância, ofertados em sua maioria por
instituições privadas.
As antinomias de uma rede de escolas criada para prossionalização
imediata e os seus embates internos para garantir melhores condições de
concorrência dessa mesma força de trabalho revelam alguns fundamentos
da sociabilidade historicamente determinada pela exploração do trabalho
e nos ajudam a discernir os limites históricos e as possibilidades de
atuação da educação, sobretudo aquela chamada de prossional, na
contemporaneidade.
referêncIas
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Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas vol. 2
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CEARÁ. Plano Plurianual 2016-2019. Sistema Orçamentário Financeiro.
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SANTOS, D. Educação e precarização prossionalizante: crítica à integração da
escola com o mercado. São Paulo: Instituto Lukács, 2017.
160 |
| 161
Capítulo 6
E 
   
   
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Marcelo Lima
Michele Pazolini
Tatiana Gomes dos Santos Peterle
resumo: Neste trabalho, analisou-se as políticas de educação do governo do Espírito Santo
tendo como objeto os programas “Brasil Prossionalizado” (PBP); “Escola Viva” (EV) e
“Bolsa Sedu”(BS), que operam de modo contraditório a interface ensino médio e educação
prossional, afastando a possibilidade de uma oferta estadual de ensino médio integrado à
educação prossional técnica de nível médio (EMI). Vericam-se muitos entraves à oferta
de EMI via PBP e a opção pela oferta fragmentada e dissociada do ensino médio, via EV, e
do ensino técnico, via BS, em articulação com o setor privado, revelando a preponderância
e hegemonia dos interesses privados no contexto local que inviabilizam a oferta pública de
ensino médio integrado à Educação Prossional e Tecnológica no estado, sobretudo, no
https://doi.org/10.36311/2023.978-65-5954-344-1.p161-192
162 |
momento em que o governo estadual implementa o “novo ensino médio”, corroendo as
bases para uma formação humana emancipatória da juventude capixaba.
Palavras-chave: Ensino médio integrado à educação prossional; Programa Brasil
Prossionalizado; Programa Bolsa Sedu; Programa Escola Viva; Novo Ensino médio;
Introdução
Historicamente, no campo da educação, encontramos diversas ações
governamentais para a oferta do ensino médio e educação prossional,
dentre as quais destacamos: Programa Intensivo de Preparação de Mão-
de-Obra Industrial (Pipmoi), Programa Intensivo de Preparação de Mão-
de-Obra (Pipmo), Programa de Expansão e Melhoria do Ensino Médio
(Premem), Programa de Melhoria e Expansão do Ensino Médio (Promed),
Programa de Expansão da Educação Prossional (Proep), Plano Nacional
de Formação Prossional (Planfor), Plano Nacional de Qualicação
(PNQ), Programa Nacional de Inclusão de Jovens (ProJovem), Programa
Nacional de Integração da Educação Prossional com a Educação Básica na
Modalidade de Educação de Jovens e Adultos (Proeja), Programa Ensino
Médio Inovador (ProEMI) e Programa Nacional de Acesso ao Ensino
Técnico e Emprego (Pronatec).
As políticas públicas no Brasil, estruturadas nos três níveis de poder
(federal, estadual ou distrital e municipal), constituem-se em articulação
entre os entes federados. Geralmente, as políticas de iniciativa da União,
visam atender a demandas sociais por meio de repasse de recursos públicos
a instituições não estatais e/ou de uma ação direta das redes públicas
(federal, estadual e/ou municipal) por meio da formalização, entre
outros, de contratos, consórcios e convênios. Tais ações tornaram-se mais
comuns a partir da década de 1990 com a adoção do neoliberalismo, em
que as “parcerias público-privadas” ganharam centralidade na prestação
de serviços públicos de modo que, ao mesmo tempo que o Estado se
desresponsabiliza pelas regulações dos serviços públicos, transfere-as para
organizações privadas. Nas palavras de Costa e Albiero (2020, p. 45), essas
mudanças neoliberais “[...] contribuíram para a expansão mercantil, para
a opressão, cerceamento de direitos sociais, restrição da seletividade nos
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas vol. 2
| 163
programas e projetos sociais ofertados minimamente para a população
usuária”. Assim, é necessário reetir acerca da criação, implementação e
execução das políticas públicas educacionais, visto que esse contexto cria
um campo de disputa pela hegemonia no estabelecimento das prioridades
educacionais nos planos nanceiro, econômico, ideológico e pedagógico.
No campo educacional, essas políticas deixam um legado de obras
realizadas, formação de professores, laboratórios e equipamentos instalados
na estrutura escolar, resultando em benefícios de longo e/ou de médio
prazo. No entanto, quando as ações se resumem ao repasse de recursos
públicos ao setor privado, os resultados podem se reduzir à capitalização
e ao fortalecimento de instituições e/ou de seus proprietários e dirigentes.
Diante disso, a consequência pode ser a inversão dos meios pelos ns, ou
seja, a contratação de entidades privadas para servir ao público resulta em
contratações que ser servem do público. Nesse último caso, a transparência
e a scalização dos repasses e resultados tornam-se fundamentais para se
avaliar a qualidade efetiva da medida educacional.
Além do mais, tais ações rompem um pressuposto fundamental:
o de que o fundo público deve nanciar o direito à educação que se
estrutura por meio de políticas públicas permanentes, atendendo a todos
os indivíduos universalmente e de forma obrigatória em ação direta e/
ou colaborativa entre os entes públicos federados. Ou seja, num sistema
nacional de educação, o setor privado teria função complementar e não
substitutiva, posto que a educação é um direito, o que requer manter sua
oferta estruturalmente pública. Do contrário, submetidas sua gestão e/ou
execução à esfera privada, a educação tende a ter distorcidos seus objetivos
mais fundantes, relacionados com a promoção da emancipação humana e
do bem comum.
Do ponto de vista sistêmico, uma política precisa ser avaliada
em relação a outras. No conjunto das políticas sociais, muitas ações são
convergentes e complementares, mas há casos de justaposição e/ou de
concorrência entre as iniciativas estatais e/ou privadas nanciadas pelo
fundo público. O discurso neoliberal e gerencialista hegemônico tem
valorizado determinadas ações em detrimento de outras. Ações de gestão
164 |
e/ou de execução estatal com efeito de longo prazo, de alcance universal,
democraticamente geridas e de custos maiores, podem subordinar-se
politicamente às ações de gestão e/ou de execução privada com resultados
de curto prazo, de alcance seletivo e de custos menores. Uma das formas de
se avaliar os impactos dessas medidas é o legado que produzem e o cenário
das quais resultam e é, nesse sentido, que se desenvolve o presente trabalho.
Trazemos, pois, a problemática geral que envolve a garantia,
historicamente precária, do direito ao acesso e à permanência com qualidade
social ao ensino médio e prossional aos jovens brasileiros. Partimos da
premissa de que sendo o Brasil um Estado Federado, a responsabilidade
com a educação escolar obrigatória, bem como com a prossionalização
dos jovens interpela indistinta e sistemicamente todos os níveis de poder,
requerendo dos entes nacional e subnacionais ação de coordenação e
cooperação intergovernamental para esse m. Isso se deve ao fato de que,
apesar da repartição de competências, que deniu a cada ente federado a
responsabilidade prioritária por determinadas etapas, é incumbência de
todos, segundo a sua capacidade técnica e nanceira, assegurar o direito à
educação básica, independentemente da etapa.
Assim, segundo Werle (2016, p. 185), a universalização do ensino
obrigatório “[...] é responsabilidade compartilhada por todas as esferas
administrativas, [e] não é apenas uma declaração, mas precisa materializar-se
na destinação de recursos e ações efetivas”. Nesse aspecto, Dourado (2016,
p. 42) adita que “[...] é possível deduzir, desses princípios constitucionais,
que proporcionar os meios de acesso à educação é dever de todos os
entes federados e que sua efetivação deve ser resultante da cooperação e
colaboração”. Essa constatação se rearma no parágrafo 1º do artigo 208 da
Constituição Federal de 1988 (CF/88) e no artigo 5º da Lei de Diretrizes
e Bases da Educação (LDB), que denem o acesso ao ensino obrigatório
como direito público subjetivo. Essa mesma legislação (parágrafo 4º, artigo
5º, LDB e parágrafo 2º, artigo 208, CF/88) infere que o não oferecimento
(ou a oferta irregular) do ensino obrigatório pelo Poder Público importa a
responsabilização da autoridade competente, que deverá “[...] assegurar o
acesso ao ensino obrigatório dos 4 a 17 anos, contemplando, em seguida,
os demais níveis e modalidades de ensino”. Mas, apesar das prioridades e
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas vol. 2
| 165
competências especícas de cada ente e nível de poder, eles deverão atuar
na organização dos sistemas de ensino em regime de colaboração (artigo
8º, LDB), pois “[...] os sistemas de ensino não são unidades autônomas
em si, mas em mútua interação e articulação” (WERLE, 2016, p. 185).
Portanto, deve prevalecer um regime de colaboração em que cada nível de
governo atue em convergência e complementariedade para o bem comum
e garantia do direito à educação.
Vale lembrar que, como arma Werle (2016), a não regulamentação
do regime de colaboração tem gerado lacunas na oferta escolar, pois
permite que os entes só possam ser responsabilizados pela omissão no
direito à educação de modo isolado e não de modo sistêmico, o que
compromete o funcionamento do princípio federalista do dever Estado
Nacional, consignado na CF/88. Dourado (2016, p. 55) destaca que “[...]
há a necessidade de se regulamentar o regime de colaboração entre os entes
federados” e que tal indenição afeta negativamente “[...] a consolidação
de novos parâmetros de acesso à educação básica obrigatória”.
A superação da inércia legal e política está na base da não
institucionalização do sistema nacional de educação. A estrutura
educacional, como arma Werle (2016), daí resultante, atende
precariamente à população, distribuindo recursos e responsabilidades de
modo desigual e desigualizante, preservando espaço privilegiado para o
setor privado da educação, sobrecarregando municípios e estados com
muitas atribuições, lhes reservando um subnanciamento e privilegiando a
União, que concentra mais recursos e possui menos atribuições, o que gera,
país afora, uma oferta pública com muitas assimetrias sociais e regionais
em que as etapas inicial e nal da educação básica são providas de modo
incompleto, injusto e dual em qualidade e em quantidade.
Destacamos para análise política estadual de educação básica e
prossional três políticas distintas que se relacionam com esse tema que
no âmbito local que se refere a três políticas: a escola de turno único -
Programa Escola Viva (EV), o Programa Brasil Prossionalizado (PBP)
e o Programa Bolsa Sedu (BS). Metodologicamente, analisamos as ações
do Estado no sentido de favorecer ou não a oferta pública ou privada do
166 |
ensino médio integrada ou não à Educação Prossional (EP), utilizando
procedimentos de análise documental, pesquisa de campo, visita in loco e
diálogos com sujeitos das relações intergovernamentais que envolvem o
estado e os municípios onde se situariam a oferta escolar do ensino médio
integrado à EP.
Programa brasIl ProfIssIonalIzado: âmbIto nacIonal e
desdobramento local
O PBP, instituído pelo Dec. nº 6.302/07, durante o governo Lula, é
resultado de um esforço que objetivava impulsionar a EP no país, atuando
sob os preceitos do Dec. nº 5.154/04, que propõe formação politécnica,
integrando o ensino médio à EP. Sua criação ocorre num momento de
crescimento econômico que, nessa conjuntura, expressava a necessidade de
formar mão de obra qualicada. Para Magalhães e Castioni (2019), o PBP
é resultado de um plano coordenado de ampliação dos investimentos na
educação e acompanhou, também, a expansão da rede federal em 2008.
Está vinculado ao Plano de Metas Compromisso Todos Pela Educação
(Dec. nº 6.094/2007), que visa à colaboração entre entes federados para
a melhoria dos indicadores educacionais. Em 2011, com a criação do
Pronatec, o PBP passou a fazer parte desse programa maior, cujo objetivo
é expandir a oferta de cursos de EP no país.
O PBP é o primeiro programa voltado ao incentivo à oferta da EP
integrada ao ensino médio. Apesar do reconhecimento de sua importância
na literatura acadêmica, essa modalidade de ensino é apontada por alguns
estudiosos, ao considerarem a ideia da politecnia, como um equívoco
cometido pelo Estado ao priorizá-la, tanto na rede federal como na
instituição do PBP, armando ter ocorrido “[...] um currículo justaposto
que absorveu a enorme extensão de conteúdos disciplinares adicionados
aos especícos da área técnica” (SCHWARTZMAN; MORAES, 2016
apud MAGALHÃES; CASTIONI, 2019, p. 3).
O PBP tem como principal aspecto a coordenação da União,
fornecendo recursos nanceiros e assistência técnica aos estados, estimulando
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas vol. 2
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a expansão dessa modalidade de ensino. Os recursos nanceiros repassados
aos estados, segundo o Ministério da Educação (MEC), destinam-se à
construção, reforma e modernização de escolas técnicas, à estruturação de
laboratórios, à aquisição de recursos pedagógicos e à formação e qualicação
dos prossionais da educação. Desde 2007, ano de sua implementação,
até 2016, o programa atendeu a instituições de 24 estados brasileiros. Os
resultados apresentados pelo MEC apontam 342 obras concluídas, dentre
as quais, 86 escolas construídas, 256 ampliações e reformas realizadas, e
635 laboratórios entregues.
No ES, a Secretaria de Ciência, Tecnologia, Inovação e Educação
Prossional (Secti) submeteu um projeto, consonante com as exigências
do MEC, intitulado “Construção de escolas de ensino técnico de nível
médio nos municípios de Baixo Guandu, Iúna e Viana”, objetivando
atender a 3.600 alunos, 1.200 em cada escola. Desse projeto, originou-
se o Convênio nº 701600/2011, celebrado entre o FNDE e a Secti, em
29 de dezembro de 2011. Nesse Convênio, União e Estado possuíam
incumbências determinadas (Cláusula 3ª), em que a União (concedente),
representada pelo MEC, via FNDE, possui as obrigações de custear
com recursos próprios as obras (99% do total), scalizar, acompanhar e
controlar, na condição de autoridade normativa, a execução do objeto.
Ao Estado cabem efetuar pagamento do valor da contrapartida,
correspondente a 1% do total, acompanhar, scalizar e registrar as
ocorrências durante a obra, manter a União informada sobre o andamento
das obras e assegurar a plena execução do objeto do convênio. Os municípios,
apesar de não serem incluídos no convênio como entes responsáveis, cedem
o terreno ao Estado e cam incumbidos de executar obras de infraestrutura
básica (terraplanagem, fornecimento de água, energia elétrica, esgoto
e recolhimento de lixo), importante papel na realização das obras, pois,
apesar de serem os que menos dispõem de recursos, sua participação, em
termos nanceiros (terreno, terraplanagem, serviços básicos), é superior à
do Estado (1% do total da obra).
Quanto aos recursos destinados à execução do Convênio nº
701600/11, anunciou-se um custo global de R$ 22.584.676,32, sendo
168 |
R$ 22.358.829,56 (99%) disponibilizado pela União e R$ 225.846,76
(1%) pelo Estado, conforme apresentado no arquivo do convênio.
Figura 1 - Custo global do projeto
Fonte: BRASIL. Ministério da Educação (2011).
Para a execução do convênio, a Secti abriu edital de licitação para
cada escola, com publicação na imprensa ocial e comercial nacional e
local. A construção das escolas, objeto do convênio, segue modelo padrão
do MEC
1
: 12 salas de aula, 6 laboratórios básicos, auditório, biblioteca,
teatro de arena, refeitório, área de vivência, quadra poliesportiva coberta
e 2 laboratórios, visando à melhor preparação dos jovens para o mercado
de trabalho, conforme as especicidades regionais. A Figura 2 demonstra o
projeto arquitetônico no padrão determinado pelo MEC.
Em virtude do grande número de municípios a serem atendidos e da maior agilidade na scalização/
acompanhamento das obras, o MEC optou pela utilização de um projeto padrão, denindo um modelo
que pudesse ser implantado em qualquer região do território brasileiro, considerando-se, dentre outras, as
diferenças topográcas, climáticas e culturais.
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas vol. 2
| 169
Figura 2 - Vista aérea de escola técnica - padrão denido pelo MEC/FNDE.
Fonte: BRASIL. Ministério da Educação (2011).
Como podemos observar, o projeto arquitetônico apresenta uma
escola técnica estadual de grande porte, com espaço amplo e estrutura
desejável para oferta de EP. O ES foi contemplado pelo PBP com a
construção de quatro escolas técnicas estaduais. Ressaltamos que três
municípios (Baixo Guandu, Iúna e Viana) foram contemplados no
Convênio nº 701600/11 e o município de Afonso Cláudio no Convênio
nº 13791/14.
Apesar de o Governo Federal custear a construção das quatro unidades
escolares, nenhuma obra foi nalizada. Todas encontram-se paralisadas e
sem previsão de conclusão. O Convênio nº 701600/11, concernente às
escolas a serem construídas em Baixo Guandu, Viana e Iúna, rmado em
dezembro/2011, passados oito anos do início de sua vigência ainda não foi
concluído. Em Afonso Cláudio, a data prevista para o término da obra, 13
de julho/2015, já foi ultrapassada em quatro anos.
Para a construção das escolas, duas empresas foram contratadas
(Vila Construtora Ltda. e Quality Serviços e Construções Ltda.), e em
170 |
todas as obras ocorreram aditamentos de prazos e de valores, assim como
irregularidades nas construções, constatadas pela Controladoria Geral da
União (CGU) e pelo Tribunal de Contas do Estado do Espírito Santo
(TCEES). A Vila Construtora Ltda. foi contratada para construir a escola
de Baixo Guandu, primeira a ser iniciada (novembro/2012) e que teve a
maior porcentagem de execução realizada até o momento (90%). A obra
de Baixo Guandu teve um termo aditivo que aumentou o valor em 22,13%
e vários termos aditivos prorrogando os prazos.
Figura 3 - Escola Técnica Município de Baixo Guandu.
Fonte: Dos autores (2017).
Já a obra do município de Afonso Cláudio, foi iniciada em julho/2014
e paralisada em dezembro/2015, com cerca de 48% de execução. A
documentação sinaliza a emissão de um termo aditivo de valor e de prazo
para essa obra, ainda não ocializados devido à sua paralisação.
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas vol. 2
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Figura 4 - Escola Técnica Município de Afonso Cláudio
Fonte: Dos autores (2017).
Nos municípios de Iúna e Viana, a empresa Quality Serviços e
Construções Ltda. foi a responsável pela construção das escolas. Em Iúna,
a obra foi iniciada em abril/2013 e um termo aditivo aumentou o valor
do contrato em 17,42%. Em Viana, a obra foi iniciada em fevereiro/2014
e um termo aditivo acrescentou 16,06 % ao valor original do contrato.
Em ambos os casos, a empresa abandonou as obras em julho/2015, sem
comunicar ou justicar ao governo estadual.
172 |
Figura 5 - Escola Técnica Município Iúna.
Fonte: Dos autores (2017).
Figura 6 - Escola Técnica Município de Viana.
Fonte: Dos autores (2017).
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas vol. 2
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Destarte, observamos que, em todas as obras, com exceção da de
Afonso Cláudio, foram rmados termos aditivos aumentando os valores
originais dos contratos e estendendo os prazos para a conclusão. No entanto,
nenhuma das obras foi nalizada, demonstrando a falta de compromisso
das empresas contratadas e a omissão da gestão da Secti nessas situações.
A scalização CGU, concluída em outubro/2015, apontou
irregularidades em todas as obras. As denúncias dizem respeito aos valores
das medições, superiores aos serviços executados, e ao pagamento de itens
não instalados. As irregularidades não só envolvem a irresponsabilidade
das empresas contratadas, mas a má gestão da Secti, responsável pela
scalização e acompanhamento das obras. Desde então, a Secti passou
por diversas substituições na gestão, mas não houve explicação acerca das
irregularidades e nem devolução de valores ao erário.
Diante desse contexto, percebe-se os muitos fatores que inuenciaram
e determinaram a inconclusão dessas obras, as irregularidades no uso dos
recursos e a não oferta do ensino preconizado. Apontamos a incapacidade
institucional do estado representado pela Secti com esse tipo de convênio
pode ter pode ter comprometido a sua capacidade de gestão. Notamos,
pelos ocorridos, que as equipes dessa Secretaria não foram preparadas para
gerenciar a construção das escolas. Além disso, o seu pessoal é formado por
prossionais em cargos comissionados, causando uma grande rotatividade
desses funcionários.
Somam-se a isso os equívocos que podem ter ocorrido na contratação
das empresas privadas, já que estas não levaram a termo a execução do
objeto rmado. Isso pode ser constatado na recorrência dos termos aditivos
de valores, que ultrapassavam um milhão de reais, sendo que, antes de
iniciar a obra, é necessário um levantamento detalhado de equipamentos,
materiais e funcionários, que a empresa calcula previamente. Em suma,
para assegurar os interesses nanceiros empresariais, foram feitas alterações
no valor da obra, no entanto, a execução total das unidades não se
concretizou, e em nenhuma obra os prazos foram cumpridos, denotando o
não comprometimento dessas empresas privadas com as obras do Estado.
No caso dessas escolas, observamos também o descaso político, já que
174 |
nenhuma foi nalizada. A scalização estadual, bem como as medições
das obras não ocorreram, ou aconteceram de forma insatisfatória, a ponto
de o Estado não denunciar as irregularidades existentes, só apontadas pela
scalização da CGU, que a fez chegar ao TCEES e à Polícia Federal.
Programa brasIl ProfIssIonalIzado x Programa escola vIva
Por meio de entrevistas semiestruturadas com gestores e ex-gestores da
Secretaria de Estado da Educação (Sedu) e da Secti, buscamos compreender
as possíveis disputas políticas entre Governos para a (não) efetivação da
construção das referidas escolas técnicas. Em entrevista, o gestor C, ex-
funcionário da Secti, sobre a não conclusão das escolas, armou que tem
relação direta com o projeto do governo no poder. Para ele, “[...] quando
entra outro governo, com outra proposta, as coisas não caminham... para
mim, as escolas não caram prontas por causa dos projetos de governo
(Gestor C, Secti). Ressaltamos que os convênios de construção das escolas
técnicas foram rmados durante o Governo Renato Casagrande (2011-
2014) que, segundo o gestor C, tinha pretensão de “[...] criar uma rede de
escolas técnica estadual”. Essa armação foi conrmada pelo ex-secretário
de educação do governo Casagrande, que destacou o esforço para ampliar
a oferta de EP no estado: “[...] o governador lançou um desao de colocar
ensino técnico em todos os municípios do Espírito Santo... foi muito
difícil, mas nós conseguimos e isso não aparece” (Klinger). Apesar da não
consolidação de uma rede de EP no ES, observamos um avanço na oferta
que, segundo o entrevistado, passou a abranger os 78 municípios capixabas.
O entrevistado revela o esforço da União, via MEC, para incentivar a
oferta da EP. O ex-secretário aponta o ensino prossional em outros países
que possuem uma oferta de qualidade, ressaltando que, no Brasil, tem-se
uma visão atrasada da EP, o que pode justicar o não investimento e o
não reconhecimento da modalidade como educação básica. Ademais, o ex-
secretário arma que a construção dessas escolas, rmada pelos convênios,
tinha um projeto maior para o Estado, segundo ele “[...] a estratégia em
médio prazo seria a criação da Universidade Estadual (com estrutura
multicampi), (articulando) ensino técnico (com) ensino superior”. Essa
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constatação é rearmada pelo Gestor C, da Secti, que diz que “[...] havia, no
governo Casagrande, uma possibilidade de expandir a EP e essa rede ia dar
base para a criação da Universidade Estadual”. Os ex-gestores armaram
que os prédios das escolas seriam, posteriormente, usados como polos de
oferta de ensino superior, com a criação da Universidade Estadual.
Sobre o convênio rmado entre a Secti e o FNDE para a construção
das escolas, o Gestor C destacou que “[...] era uma boa relação entre
os entes, não tinha diculdade nenhuma não, porque era um projeto
de governo federal e um projeto de governo estadual, então as coisas se
casavam, só faltou um pouco de perna mesmo e depois faltou um governo
que apoiasse” (Gestor C, Secti).
O Gestor C destaca que, entre os entes, havia uma boa relação
e assinala a coerência entre o projeto de governo estadual (Governo
Casagrande) e de governo federal (Governo Dilma), com o objetivo de
expandir a rede estadual de EP. Ressalta ainda que faltou esforço do Estado
para concluir as escolas, e depois, referindo-se à mudança no governo
estadual, infere que a nova liderança não apoia essas construções. Apesar
de os entrevistados armarem que durante o Governo Casagrande existia
um projeto de Estado voltado para a ampliação da oferta de EP, o que,
de certa forma, possibilitou a celebração do convênio de construção das
quatro escolas técnicas; bem como, a pretensão de criar uma Universidade
Estadual, constatamos que os obstáculos para a conclusão das escolas
técnicas, principalmente no que tange à scalização, evidenciam falhas da
gestão que contribuíram para a não concretização do projeto durante o
Governo Casagrande.
Por outro lado, no Governo Hartung (2015-2018), percebemos uma
postura contrária à implantação das escolas técnicas. Ao entrevistarmos
o secretário de educação dessa gestão, observamos um descrédito na
materialização das escolas técnicas: “[...] o Espírito Santo tem a maior
quantidade percentual de Institutos Federais espalhados por todo o
território... então, na nossa visão, o Estado entrar fazendo uma outra rede
de EP, vai ser uma rede que não vai ter aluno” (Secretário de Educação do
Espírito Santo - Sedu).
176 |
O gestor ressalta a existência dos Institutos Federais (IF) para justicar
o não investimento em escolas técnicas. Essas instituições desenvolvem
importante papel na oferta de ensino médio integrado e de cursos
subsequentes, porém, apenas 20 municípios, dos 78, possuem IF e, apesar
de atenderem aos municípios vizinhos, a rede precisaria ser ampliada para
atender a grande demanda, o que não anularia a necessidade de uma rede
de escolas técnicas estaduais que, na prática, ampliaria o direito à educação
e à prossionalização para milhares de jovens em seus próprios municípios.
Ao perguntarmos sobre a oferta de cursos integrados à EP no estado,
o secretário salientou que são poucas as áreas que possuem oferta e que,
na área industrial, a oferta é ainda mais restrita, pois demanda um alto
investimento.
Desse modo, ca evidente o desinteresse na oferta de cursos integrados
e de cursos técnicos na rede estadual por necessitarem investimento em
estrutura e equipamentos, o que demonstra a total falta de compromisso
do Estado em ampliar a oferta por considerar o investimento nessa área da
educação, um gasto desnecessário. Advertimos que a não expansão da oferta
do ensino médio integrado à EP e o não investimento nessa modalidade de
ensino relacionam-se diretamente com o EV, iniciado no estado em 2015,
e que já contava com 15 unidades em 2017, com pretensão de ampliação
nos próximos anos. Segundo o secretário de educação,
A ideia é, em 2019, chegar com 45 escolas vivas. Fizemos um
planejamento ano a ano, até 2030, para chegar em 300 escolas
e vamos ter capacidade de atender 100% dos alunos do ensino
médio. Eu também não sei te dizer se todas vão ter que ser Escola
Viva, talvez algumas não sejam, mas tem que mudar o conceito
das famílias, implantando as escolas aos poucos e aí vai mudando a
mentalidade deles (Relato dado em entrevista pelo ex-Secretário de
Educação Haroldo Rocha).
Conforme apontado pelo Secretário de Educação, o Estado pretende
expandir as Escolas Vivas (EV) até atingir a capacidade de absorver todos
os alunos do ensino médio, em 2030, com 300 unidades, tornando-se,
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas vol. 2
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assim, hegemônica na oferta do ensino médio estadual. Nesse contexto,
a construção da escola técnica em Baixo Guandu teve a sua nalidade
modicada, sendo o espaço utilizado para ofertar o ensino médio em
tempo integral. Essa modicação de nalidade fere o que está assegurado
na cláusula quarta do Convênio nº 701600/2011, que arma ser vedado
“[...] alterar o objeto do convênio, exceto em caso de ampliação da execução
do objeto pactuado ou para redução ou exclusão de meta, sem prejuízo da
funcionalidade do objeto” (BRASIL, 2011, p. 7).
A cláusula deixa evidente a impossibilidade de alteração do objeto
do convênio, extraindo ainda, no caso de Baixo Guandu, o caso de
exceção permitida, que seria para a ampliação do objeto pactuado ou para
a redução/exclusão de meta, sem causar prejuízo da funcionalidade do
objeto. De fato, o prédio passou a contemplar, desde fevereiro de 2018,
o EV, no período diurno. Isso demonstra que o Estado descumpre os
acordos rmados em contratos e termos, tanto com a União, como com
os municípios, cabendo, pois, uma ação do Ministério Público visando,
ao menos, ao cumprimento do contrato entre as partes. Nesse contexto,
notamos que as políticas públicas no ES, sobretudo, na educação, têm
sido adaptadas para servir aos interesses do setor privado, rearmando a
hegemonia da lógica empresarial que tem impetrado a gestão da educação
no cenário capixaba.
O EV é baseado na “Escola da Escolha”, que surgiu em Pernambuco,
criado e organizado por um grupo de empresários no ano de 2000
(PETERLE, 2016). Não obstante, assegura Peterle (2016), que esse projeto
foi implantado no ES pelo Governo Hartung, ancorado na relação público-
privado, já que é conduzido por uma instituição privada, e foi trazido ao
estado pela ONG Espírito Santo em Ação
2
que, segundo a descrição feita
pelo ex-secretário de educação capixaba,
Essa ONG conta com a parceria das maiores empresas do ES, dentre elas: Samarco, Fibria, Rede Gazeta,
Televisa, Escelsa (EDP), Viminas, Arcelor Mittal, Futura, Coca-Cola, Leão, Unimed, Tristão, TV Capixaba,
Eco 101, Sicoob, Fucape, Grupo Águia Branca, Faesa, Fibrasa, UCL, Garoto, TV Vitória, Suzano etc.
178 |
O ES em Ação é uma dessas instituições aqui no estado que é
formado por empresas/empresários que tem uma presença forte
aqui no estado; e tem lá um conselho geral na direção e os setores
temáticos para áreas importantes, como na área da educação. Eles
fazem projetos e ações de educação e apresentam aos órgãos públicos.
São voluntários que se reúnem para pressionar o estado, faz parte
do papel deles... para o Estado trabalhar olhando as realidades. Eles
convidam os representantes do governo para apresentar e discutir
projetos, como foi o Projeto Bolsa Sedu, no início tiveram uma
participação fundamental, eles indicavam quais as áreas que a gente
precisava ofertar cursos, isso tem um peso muito grande para você
direcionar as políticas (ex-secretário de educação, Sedu).
A partir dessa descrição, observamos uma posição de concordância e
apoio ao que é apresentado por essas empresas à administração pública. Nota-
se como essa instituição, formada por empresários e focada em atender aos
interesses do setor privado, possui forte inuência na deliberação de projetos e
políticas educacionais no ES, sendo responsável pela proposição dos caminhos
que a educação capixaba deve tomar, com vistas a formar alunos direcionados
a atender aos interesses do capital, como apontado na adesão do PBP e do EV.
Sob esses aspectos característicos da parceria público privado, Adrião (2017, p.
17-18) avulta que são “[...] estratégias que vigoram desde o começo do século, e
que passam a compor programas de governos de diversos estados e municípios
brasileiros cujo objetivo é a transferência da gestão da educação pública para o
setor privado”. Além disso, a autora destaca:
Assistimos à atuação de fundações, institutos e similares
protagonizando o “socorro” às redes públicas, para o que consideram
um “despreparo” de origem dos sistemas públicos, incrementando
seus negócios, ao disporem para esse “mercado” constituído pelas
redes públicas seus produtos e serviços. Transformar as redes
públicas em campo para seus negócios (HILL, 2004) torna-se
estratégico. (ADRIÃO, 2017, p. 30).
Esses aspectos são legitimados na disseminação de políticas
educacionais no ES em parceria, dentre outros, com a ONG ES em Ação.
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas vol. 2
| 179
Peterle (2016), ao aprofundar seus estudos acerca do currículo do EV,
concluiu que:
[...] todo o trabalho desenvolvido na “Escola Viva” é organizado
a partir do componente Projeto de Vida, que a nosso ver não
diz claramente seus objetivos, mas aponta as suas nalidades que
demonstram estar pautadas em suprir as demandas mercadológicas
e empresariais da burguesia que tem nesse programa um espaço
privilegiado para a imputação de suas vontades, pois ao lermos
que “ela é solução” em resposta aos “desaos advindos do mundo
contemporâneo” o qual está marcado pelas feridas da barbárie
capitalista, não pode ser outra coisa senão um espaço para a
reprodução hegemônica dessa classe. (PETERLE, 2016, p. 139).
As políticas em curso no estado, especialmente o EV, revelam
o fortalecimento da relação público e privado na educação. Ademais,
destaca-se o caráter explicitamente neoliberal do Estado capixaba que,
de forma articulada, vem esvaziando a esfera pública e mercantilizando
todos os espaços, a m de assegurar a apropriação da riqueza socialmente
produzida. Apesar de se apresentar como uma política de solução para os
problemas do ensino médio, o EV tem como principal objetivo atender
aos interesses da elite local, desconsiderando a necessidade de expansão do
ensino médio e de melhoria da sua qualidade. Carneiro (2012) aponta que:
A crise do ensino médio é aguda e não pode ser resolvida com
soluções superciais e de natureza apenas instrumental e apressada.
A racionalidade técnica pode resolver alguns problemas da
eciência da educação como forma de promover a economia”,
mas não será capaz de resolver a essência do problema: a qualidade
social da nossa educação básica e, portanto, do Ensino Médio.
(CARNEIRO, 2012, p. 183).
Nesse contexto, a garantia do direito à educação básica e prossional
no ES tem cado comprometida. O Estado não tem cumprido seu
papel de provedor de direitos sociais e o previsto nas leis e nos contratos
rmados. Destarte, concordamos com Oliveira e Escott (2019, p 732)
ao armarem que “[...] há uma trajetória longa a ser transcorrida até que
180 |
a educação no Brasil esteja entre as mais estruturadas, organizadas e de
qualidade”, considerando que os avanços são tímidos e as políticas e os
programas incumbidos para tal ainda carecem de serem aprofundados e
sistematizados.
Programa bolsa sedu
Em 2002, a ONG ES em Ação propôs ao governo a criação do
Programa Bolsa Sedu, que se caracteriza pela compra pelo setor público
estadual de vagas para egressos da rede pública em cursos técnicos
subsequentes. Em razão deste programa, o governo estadual vem, desde
sua criação, transferindo vultosos recursos para o mercado da educação,
o que contribui para o esvaziamento e a morte de um projeto político
educacional que pudesse se consolidar na criação de uma estrutura
estadual de ensino técnico e superior. Assim, a instituição e manutenção
do BS, permitiu a um grupo restrito e privilegiado de empresários atuar na
denição de metas e estratégias para o Estado, determinando programas
e políticas prioritárias para a educação, pois o ES em Ação contou com
a participação política qualicada nas diferentes instâncias de tomada de
decisões públicas, estabeleceu essas metas no Plano de Desenvolvimento
do Espírito Santo (2009-2025), tendo como pano de fundo a necessidade
de acelerar o desenvolvimento econômico capixaba, reforçando assim a
Teoria do Capital Humano (TCH).
Desde então, o aporte público de recursos na EP ocorre com o
aval dos interesses privados, que angariam para si parte desses valores.
Ao analisarmos a disponibilização de recursos nanceiros para a EP da
Sedu, a partir dos dados divulgados no site do Portal da Transparência
percebemos a EP alinhada à mercantilização, nutrindo a casta privilegiada
de empresários da educação.
De acordo com os dados de despesas da Sedu com EP divulgados
pelo Governo do ES, no período entre 2015 e 2020, buscamos identicar
o volume despendido com instituições privadas para atender ao BS. Logo,
dividimos esse período em biênios para acompanhar a evolução das despesas
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas vol. 2
| 181
e também o movimento político. Ressaltamos que no período entre 2015
e 2018 esteve à frente da administração estadual o ex-governador Paulo
Hartung (sem partido) e na pasta da educação, o secretário Haroldo
Rocha. Em 2019, assume o socialista Renato Casagrande (PSB) e como
secretário de educação, Vitor de Angelo, eleito, em 2020, presidente do
Consed (Conselho Nacional dos Secretários Estaduais de Educação).
Ao longo de todo o período analisado a Sedu apresentou uma leve e
gradativa redução do investimento em EP, porém, contraditoriamente, um
acréscimo signicativo no aporte de recursos destinados à compra de vagas
em instituições privadas para atender ao BS.
Quadro 01 - Despesas com EP nos biênios 2015-2016, 2017-2018 e
2019-2020 realizadas pela Secretaria de Estado da Educação (Sedu)
DESPESAS COM
EDUCAÇÃO
PROFISSIONAL
Total gasto em
2015-2016
Total gasto em
2017-018
Total gasto em
2019-2020
TOTAL
Despesas exceto compra de
vagas Bolsa Sedu
44.322.523,34 31.150.705,50 29.000.496,33 252.473.725,17
Despesas com compra de vagas
Bolsa Sedu
931.070,74 2.910.013,90 3.210.357,89 7.051.442,53
TOTAL GERAL 45.253.594,08 34.060.719,40 32.210.854,22 259.525.167,70
Fonte: Elaborada pelos autores com dados extraídos da base do Portal da Transparência. Disponível em
https://transparencia.es.gov.br/Despesa. Acesso em: 28 set. 2021.
Os números constantes no quadro 01 nos permite ver que as despesas
com a compra de vagas apresentou um volumoso acréscimo, pois saltou de
2,06% de gastos no primeiro biênio analisado, para 8,54% entre os anos de
2017 e 2018 chegando 9,97% do gasto total com a EP no biênio de 2019
- 2020. Esse movimento também revela que, apesar da mudança da gestão
estadual após as eleições de 2018, o programa se manteve em ascensão, o
que demonstra um ajustamento das intenções políticas aos interesses do clã
empresarial para com a educação capixaba, sobretudo com a EP.
Ao identicarmos as empresas capixabas que se beneciaram com
os recursos da educação pública, quadro 02, foi evidenciado o crescente
182 |
número de empresas que passaram a usufruir dos recursos públicos para
sua manutenção e ou expansão.
Quadro 02- Despesas com Compra de Vagas para o programa “Bolsa
Sedu” nos biênios 2015-2016, 2017-2018 e 2019-2020 realizadas pela
Secretaria de Estado da Educação (Sedu)
EMPRESAS VIGÊNCIA
2015/2016
VIGÊNCIA
2017/2018
VIGÊNCIA
2019/2020
TOTAL
Centro Educacional Apogeu Eireli-ME. 143.125,20 411.395,60 13.122,53 567.643,33
Centro Educacional Técnico São Mateus Ltda. ME 19.999,20 107.495,70 127.494,90
Escola Téc. de Saúde do Esp. Santo Ltda. Eteses-EPP. 156.064,20 539.907,52 1.078.833,86 1.774.805.58
Cedtec Ensino e Soluções Didáticas Ltda. 1.256.120,39 1.256.120,39
Cedtec - Centro de Desenvolvimento Técnico Ltda. 59.189,40 59.189,40
Oral Prótese Ltda Me 36.000,00 269.450,00 196.400,00 501.850,00
Cedtec-Centro de Esp. e Desenv. Técnico Ltda. 95.818,20 95.818,20
Premier Cedtec Educação Prossional 114.698,40 461.078,50 575.776,90
Escola Técnica de Linhares Ltda. 29.600,00 29.600,00
Escola Master (São Mateus) 48.600,00 142.508,80 553.201,42 724.310,22
Sesebe - Serviço Social Educacional Benecente 36.500,00 36.500,00
Fundação Educacional Presidente Castelo Branco 52.746,00 52.746,00
Sociedade de Ensino Superior de Aracruz Ltda. 18.540,00 36.500,00 55.040,00
União Social Camiliana 34.590,42 52.746,00 87.336,42
Escola Técnica Premier Aracruz Ltda. – EPP 42.865,20 18.540,00 61.405,20
Ides-Inst. de Desenv. Educacionais & Serviços Ltda. 96.774,00 34.590,42 132.679,69 264.044,11
Iesg-Instituto de Educação São Gabriel da Palha Ltda. 100.968,12 254.962,65 355.930,77
TOTAL 931.070,74 2.910.013,90 3.210.357,89 7.051.442,53
Fonte: Elaborada pelos autores com dados extraídos da base do Portal da Transparência. Disponível em
https://transparencia.es.gov.br/Despesa. Acesso em: 28 set. 2021.
No quadro 02, identicamos o crescimento das despesas com o BS
e as instituições participantes do programa. Destacamos o crescimento do
número de instituições educacionais que se beneciaram com esses recursos,
seja para ampliar a captação de recursos públicos, seja para rmarem
seus empreendimentos e, até mesmo, para a expansão dos negócios em
outros municípios ou novas especialidades. Outro aspecto que pudemos
inferir a partir dos dados foi a manutenção de algumas instituições
no BS, demonstrando que os recursos públicos foram os principais
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas vol. 2
| 183
responsáveis pela expansão e perpetuação do mercado educacional para
a prossionalização dos capixabas de algumas instituições, notabilizado
a expansão da rede Cedtec que levou, ao longo do período selecionado,
quase 2 milhões dos 7 milhões gastos com compra de vagas em cursos
técnicos para o atendimento à EP.
Durante o período, 16 empresas se beneciaram do programa, dentre
elas, 4 pertencem à rede Cedtec. Outras cinco instituições se mantiveram
no programa no período (2015 - 2020): o Centro Educacional Apogeu;
a Oral Prótese; o Ides - Instituto de Desenvolvimentos Educacionais &
Serviços; a Escola Master (São Mateus) e a Escola Técnica de Saúde do
Espírito Santo, apresentando as duas últimas, além da manutenção no
programa, crescimento contínuo na obtenção dos recursos.
Contudo, o paradoxo não está no investimento no setor, o que, por
si só, já representaria a incapacidade do Estado diante da necessidade da
formação prossional para atender a um projeto maior de nação, tampouco
na crescente oferta de vagas, mas na qualidade da oferta, pois, a prática
da mercantilização da formação humana, sobretudo da formação para o
trabalho, faz da EP mercadoria que busca “[...] formar para o mercado
pela via do mercado da formação” (LIMA, 2016, p. 124), instalando-se
nos interesses daqueles que visam somente ao lucro, sendo assim, o que
temos na prática é a oferta de cursos aligeirados, de pouco impacto na
formação do sujeito, desqualicando o trabalhador de modo a torná-
lo tolerante às condições e manutenção na divisão social do trabalho e,
consequentemente, de classes impostas pelo capitalismo.
Essa prática mercantilista no campo educacional segundo Cunha
(2007) ao se referir à reforma tributária ocorrida no período do governo
militar, indica que os recursos transferidos às instituições privadas, na
forma de bolsas de estudos, favorecem a acumulação de capital oriundo
do campo educacional. Isso, porque “[...] levam consigo o capital
acumulado, com base em nanciamentos de agências governamentais a
juros privilegiados. Em suma, trata-se de doação de capital do setor público
para o setor privado” (CUNHA, 2007, p. 820). Portanto, armamos que
a concepção mercantilista da formação prossional no estado do Espírito
184 |
Santo, depreende-se dos ideais impostos pelo capitalismo com o consenso
do governo ao priorizar a manutenção do capital educacional nas mãos
do setor privado se eximindo de assumir um projeto para a EP em seu
modelo subsequente que atenda a formação integral dos sujeitos e a própria
qualidade social da educação.
do Programa escola vIva ao novo ensIno médIo
No ensino médio público estadual do ES, já ocorrem desde 2015,
alguns desdobramentos no sentido da implementação da referida reforma,
como é caso do “Programa Escola Viva” na gestão de Paulo Hartung, e
agora, da gestão Casagrande, por meio do “Novo Ensino Médio”.
Em relação às mudanças ocorridas em cada legislação, destacamos
que na LC nº 799/15, além de ter sido criado o EV, foram previstas
ações curriculares que articulariam o conteúdo da BNCC com a parte
diversicada do currículo. Pode-se inferir, a partir da LC nº 799 de 2015,
que o EV tem direcionado e contribuído para que a educação capixaba siga
caminhos antidemocráticos e de autoritarismos. Ademais, o ensino e as
avaliações vêm assumindo um caráter meritocrático e gerencialista, focado
nos resultados. A partir dessas denições expressas e omitidas na presente
lei, pode-se indicar que a gestão aqui sinalizada é do tipo centralizada na
Sedu, em agrante contradição com princípios mais básicos de gestão
democrática, e que o objetivo de melhoria da educação tem a clara intenção
de que o ensino médio corresponda a busca do melhor desempenho nos
testes de larga escala, o que não garante o pleno desenvolvimento da pessoa
humana, sua preparação para cidadania e sua qualicação para o trabalho,
como determina o artigo 205 da Constituição Federal.
A LC nº 818/15 regulamentou a ampliação de carga horária dos
prossionais da educação e reforçou a estrutura gerencial da escola de
tempo integral por meio da atuação do coordenador pedagógico e do
pedagogo, que devem monitorar a parte diversicada multidisciplinar do
currículo. A presente lei estabeleceu o regime de dedicação exclusiva para
alguns prossionais que atuam no EV, além de permitir a incorporação da
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas vol. 2
| 185
oferta do ensino fundamental. Ou seja, com a LC, a Sedu teve autonomia
para estender o EV para cinco escolas de ensino fundamental, quando
inicialmente, o projeto foi pensado apenas para o ensino médio.
A LC nº 928/19, por sua vez, enfatizou a articulação do projeto de
vida com a BNCC e com a parte diversicada (matérias eletivas e tutoria)
numa lógica de implementação da reforma preconizada em nível nacional.
A lei traz (Art. 1º) que a educação em tempo integral, a ser organizada
e implantada pela Sedu, objetiva ampliar a permanência dos estudantes
nas escolas, propiciar ambientes e oportunidades que levem a um maior
aprendizado, com vistas à formação integral. No Art. 8º do documento, é
possível perceber uma abertura para a privatização da educação através das
parcerias e articulações com a sociedade civil, a m de executar projetos
desenvolvidos pelas escolas.
A Resolução nº 5.666/2020 teve o objetivo de estabelecer as normas
para a implantação do Novo Ensino Médio (NEM) no âmbito do sistema
de ensino do ES. A gestão do EV, descrita nos artigos 2º e 3º, caminha de
acordo com a Resolução para a tomada de decisões de grande importância
por parte da escola e dos sujeitos que a compõem, com limitações de
caráter pedagógico e temporal regidas pela Sedu. O dispositivo arma
que todas as normas para organização do Novo Ensino Médio deverão ser
implementadas e completamente alcançadas até a data de 31 de dezembro
de 2023.
conclusão
A CF/88 consignou o direito público subjetivo com oferta obrigatória
a todos entre 04 e 17 anos e estabeleceu o Estado Federativo brasileiro
como responsável (EC nº 59/09), incluindo o ensino médio na esfera da
gratuidade e da obrigatoriedade. Para responder a essa demanda que é
histórica desde 2007 a União instituiu o PBP, que previu ação conjunta
com os governos estaduais por meio da construção de escolas, com repasse
de 99% do nanciamento oriundo do governo federal para que cada estado
inicie, fortaleça ou amplie a oferta do ensino médio integrado à EP em seu
186 |
sistema de ensino. Esse programa representa importante esforço federativo
e prática de cooperação dos entes nacional e subnacionais que se mobilizam
em direção ao fortalecimento da oferta escolar do ensino médio na sua
integração com a EP. A expansão do Institutos federais, apesar de suas
virtudes em termos de infraestrutura, carreira docente e certa capilaridade
geográca e socioeconômica, possui muitos limites de escala.
Nesse programa, as redes estaduais ganham prioridade que há muito
merecem, pois os Estados atendem a contingentes expressivos para oferta
da última etapa da educação básica, cujo custo-aluno é muito superior que
o destinado ao ensino fundamental. Apesar disso, o PBP foi abrigado, de
modo subordinado, dentro do Pronatec. Mas o Pronatec, ao atender aos
interesses dos setores privados da educação com foco na oferta de cursos
de curta duração, diverge dos fundamentos da formação integral e da
ampliação da estrutura da oferta educacional pública. Por outro lado, o
não envolvimento explícito dos municípios e dos prováveis usuários da
oferta escolar ou mesmo dos setores econômicos a serem beneciados com
a formação prossional deixa o Estado, a União e a construtora do prédio
escolar isolados da real demanda efetiva do direito à educação.
No ES, ao que parece, tanto os atrasos, quanto o risco de desvios,
ganharam evidência. Essa situação produziu entraves na execução das obras
do programa. No ES, foram contratadas duas empresas para a construção
de 04 escolas, mas nenhuma unidade escolar está em operação ofertando
o que foi denido na pactuação intergovernamental. De modo geral,
ressaltamos o importante papel de coordenação da União na criação de
programas de indução que visam a estimular a oferta da educação básica
nos estados e municípios, como é o caso do PBP.
Apesar da boa relação com o MEC, e do repasse de 99% dos recursos
pela União e apenas uma simbólica contrapartida de 1% do Estado para a
construção das escolas técnicas nos municípios de Baixo Guandu, Iúna, Viana
e Afonso Cláudio, as obras não foram nalizadas. Irregularidades apontadas
pela CGU, provenientes do descomprometimento e da irresponsabilidade
das empresas contratadas e, principalmente, da ineciente scalização
do Estado, inviabilizaram, até o momento, a conclusão dos convênios
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas vol. 2
| 187
rmados. Essas irregularidades estão sob investigação da CGU, do TCEES
e da Polícia Federal, que têm buscado desvelar as reais causas da inconclusão
das obras. Ressaltamos que essas ações se dariam de forma mais precisa
caso houvesse a regulamentação do Regime de Colaboração, viabilizando
a cooperação entre os entes e, de forma mais concreta, a instituição do
Sistema Nacional de Educação, já que a arquitetura do Estado-Mínimo se
mostra insuciente para o atendimento pleno do direito ao ensino médio
da população de 15 a 17 anos.
Com base na análise documental cotejada com os relatos e as decisões
políticas, concluímos que o formato do PBP deveria envolver também os
municípios, bem como os munícipes, na celebração do convênio e na
execução das obras. Percebemos que muitos entraves no andamento das
obras estão associados ao conito de interesses privados que disputam o
mercado educacional, mas também se vinculam a questões que envolvem
aspectos éticos e burocráticos que permearam a pactuação, a execução, o
acompanhamento, bem como a nalização das obras.
Observando a expansão da rede federal no ES, percebemos que
a expansão física depois de consolidada após período de alguns prédios
adaptados em alguns campi, aumentou a estrutura do Ifes de 05 para
mais de 20 unidades de ensino. Resultando numa boa infraestrutura
educacional tanto em termos da conguração predial quanto em termos
de equipamentos instalados em ocinas, laboratórios e salas de aulas,
além de biblioteca, refeitório, quadras esportivas e principalmente pessoal
qualicado com carreira prossional federal. Entretanto, quando a União
repassa 99% dos recursos ao mesmo ente federado subnacional, ao qual
caberia apenas contratar empresa de construção civil para esse m, por que
o resultado não é o mesmo? Se os interesses privados, ou mesmo a falta
de pessoal qualicado na Secti/ES, alvejaram a tramitação do convênio e
a execução da obra, por que isso não ocorreu no andamento das obras do
Ifes? Essas questões se fazem relevantes para a avaliação da governança da
implementação de políticas públicas que, como o PBP, carecem de mais
transferência e de efetivo controle social.
188 |
No trajeto do objeto em análise, pudemos perceber, por um
lado, como uma política pública em função de seu papel estruturante
pode produzir um cenário de infraestrutura escolar capaz de promover
e garantir a educação quando bem gerido e implementado em nome do
interesse público e em defesa ao direito social à educação. Mas que, por
outro lado, também pode resultar num conjunto de obras incompletas e
em gastos mal executados quando os interesses privados se sobrepõem aos
interesses dos jovens estudantes do ensino médio que buscam o seu direito
à prossionalização e à escolarização e, por meio desta, o acesso ao ensino
superior
Vivenciamos, na última década, sucessivas mudanças políticas
e econômicas no Brasil, que compreendemos serem resultado da
inserção de um projeto de nação alinhada ao dinamismo do capitalismo
internacional. Os discursos que defendem a redução da atuação do Estado
e a privatização das instituições públicas estão calcadas na ordem neoliberal
mundial que interferem na estrutura dos projetos sociais do país, além
de um adensamento da mercantilização da educação pública que pode
ser constatado pelo crescente aumento da inserção de atores privados nas
denições das agendas políticas e na participação em programas de governo
determinando e modicando não só a dimensão pública do direito à
educação, mas também os aspectos pedagógicos que compreendem o ensino
e a aprendizagem. As práticas e mecanismos neoliberais realizados pelos
governos, impulsionam o esvaziamento do poder do Estado e colocam a
educação como moeda de troca de ações políticas que visam à perpetuação
do governante e seus aliados. Atrelar a educação pública aos interesses
privados, conforme Lima e Peterle (2021), resulta em desdobramentos da
Teoria do Capital Humano (TCH) que impactam na formação integral
dos sujeitos.
Destarte, essa realidade pode ser facilmente notada ao analisarmos as
políticas educacionais do Espírito Santo, sobretudo no programa de governo
“Bolsa Sedu” no período entre 2015 e 2020. Esse programa está imbricado
à lógica privada capitalista imposta pelos organismos multilaterais, por
meio de parcerias público-privadas rmadas com o empresariado local
do ramo educacional. Entendemos tratar-se o BS da materialização da
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas vol. 2
| 189
privatização da EP neste estado, pois sua existência e manutenção advém do
aporte de recursos públicos em instituições educacionais privadas visando
à compra de vagas em cursos técnicos subsequentes em instituições locais.
Isso vem fortalecendo a utilização de elementos como austeridade, práticas
antidemocráticas, esvaziamento dos gastos com as políticas públicas,
além de ser um excelente marketing tanto para a contratante do serviço,
que anuncia à sociedade seus feitos, como para a contratada que adquire
novas matrículas e aumenta seu lucro, pois a concepção mercantilista da
formação prossional, associada “à mediocridade política vigente, que se
alicerça no personalismo e no marketing eleitoral, num momento de perda
de hegemonia do governo” (LIMA, 2016, p. 125), inviabilizando um
projeto forte para o desenvolvimento e qualidade da educação.
O cenário que nos resta é, por um lado, a manutenção da compra de
vagas em cursos técnicos pelo Estado, por meio do Programa Bolsa Sedu, e,
por outro, a oferta única da União por meio dos campi do Ifes. Enquanto
isso, o sistema estadual de ensino, composto por algumas centenas de
unidades escolares que ofertam a última etapa da educação básica, segue
esvaziando a oferta do ensino médio integrado à EP técnica de nível médio
com queda do número de matrículas nessa modalidade, que ainda resiste,
no entanto, em alguns poucos estabelecimentos de ensino (cerca de 06
- Escola Arnulpho Matos, Escola Vasco Coutinho, Escolas Talmo Luíz
Silva e 03 unidades dos Ceier - Centros de Educação Integrada Estadual
Rural), que permanecem comprometidos com a EP e com a comunidade
escolar cujo o currículo escolar que vai muito além da mera escolarização,
assumindo também a função de prossionalização dos jovens capixabas.
Além do contexto de inciativas combinadas, travadas, viabilizadas ou
descontinuadas dos programas PBP, BS e EV, apresenta-se o novo ensino
médio com uma reforma curricular que fragiliza as bases epistemológicas
e temporais do currículo, reduzindo conteúdos obrigatórios sem tocar
em questões estruturais da educação como a melhoria das condições
objetivas de escolarização que se associam à valorização dos professores e ao
melhoramento dos espaços escolares. Essa reforma, ao exibilizar e esvaziar
o currículo, ao desobrigar a oferta universal de uma base nacional comum
curricular em sua integralidade pode resultar na piora da oferta pública
190 |
do ensino médio e no aumento do risco de exacerbação da dualidade
educacional, com menos conteúdos e um ensino médio precário para
alunos mais pobres. No nal das contas, o que resulta não é a estruturação
de uma rede púbica estadual de escoas prossionais a exemplo da rede Paula
Souza em São Paulo, e o Espírito Santo segue mantendo o BS e se articula
para se manter comprando matrículas do itinerário técnico prossional
que poderá ser provido pelo sistema S local e outras entidades privadas.
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dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, e 11.494,
de 20 de junho 2007, que regulamenta o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento
da Educação Básica e de Valorização dos Prossionais da Educação, a Consolidação das
Leis do Trabalho CLT, aprovada pelo Decreto-Lei no 5.452, de 1º de maio de 1943, e o
Decreto-Lei no 236, de 28 de fevereiro de 1967; revoga a Lei no 11.161, de 5 de agosto de
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| 193
Capítulo 7
E P
 B:  

Ruy José Braga Duarte
resumo: O presente artigo enquanto síntese de uma proposta curricular para a educação
prossional da Bahia implantada entre 2008 – 2016, busca explicitar como a aplicação
da proposta caminhou no sentido de uma educação emancipatória para os estudantes da
rede pública estadual de educação prossional. Tal iniciativa proporcionou possibilidades
e ampliação do desenvolvimento socioeconômico e ambiental do estado, enquanto
política de governo, assim como, incrementou uma concepção contra hegemônica de
educação prossional para a classe trabalhadora e seus lhos. Nesse sentido, a realização
de práticas educativas de cunho social são possibilidades concretas da relação trabalho/
educação para a formação dos estudantes e na implementação de políticas públicas para
além da hegemonia do capital.
Palavraschaves: Educação Prossional da Bahia; Educação emancipatória; Currículo.
https://doi.org/10.36311/2023.978-65-5954-344-1.p193-218
194 |
1 Introdução
A política de territorialização implantada no Estado da Bahia, a partir
da Lei do Plano Plurianual de 2008 (Lei nº 10.705, de 14/11/2007), e,
hoje, pela Lei 13. 214/2014, contribui para que a Secretaria da Educação
da Bahia (SEC/Ba), através da Superintendência de Educação Prossional
(Suprof) crie Centros Estaduais e Territoriais de Educação Prossional
vinculados a eixos tecnológicos e cursos denidos pelo Catálogo Nacional
de Cursos Técnicos, formando a juventude e adultos dos 27 Territórios
de Identidade (TI) atendendo assim, diversas demandas historicamente
reprimidas do mundo do trabalho.
O presente artigo traz fragmentos da tese de Doutoramento
defendida no ano pandêmico de 2021, período em que o mundo atravessa
uma profunda crise de saúde com a Covid-19 onde mais de 4 milhões de
pessoas perderam a vida e no Brasil, particularmente, são mais de 560 mil
famílias que perderam seus entes queridos.
Foi aplicado um questionário, de forma virtual, a um universo 2.500
estudantes egressos que frequentaram curso técnico de nível médio na rede
pública estadual de Educação Prossional da Bahia, beneciários de uma
política de educação, emprego e renda - Programa Primeiro Emprego. Deste
universo, retornaram e foram analisadas 806 respostas dos estudantes.
Trataremos neste artigo como foi desenvolvida a formação dos
estudantes partindo de uma concepção pedagógica contra hegemônica sob
o horizonte de uma educação omnilateral, ou seja, educação integral e
integrada com base nas dimensões do trabalho, ciência e cultura.
A partir de concepção de educação prossional emancipatória da
educação prossional técnica de nível médio desenvolvida no Estado da
Bahia, exibida no contexto do currículo, da matriz curricular e da fala
dos egressos, buscamos responder como a política de educação prossional
técnica de nível médio pública estadual da Bahia construiu um percurso
de formação integral e integrada para os trabalhadores e seus lhos
frente à hegemonia da formação individualista, meritocrática e baseada
na pedagogia das competências desenvolvida na formação básica dos
estudantes da rede pública durante décadas?
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas vol. 2
| 195
A Superintendência insere na educação da Bahia um conjunto
de ações nas esferas administrativa, nanceira e pedagógica a m de
descentralizar, desburocratizar e dinamizar o uxo de informações e
atividades determinantes para o bom desenvolvimento e desempenho das
escolas. Deste universo destacamos a transformação das escolas em Centros
de Educação Prossional, a implantação de vice-diretores administrativo-
nanceiro, do mundo do trabalho e pedagógico, além da concepção
pedagógica centrada no trabalho como princípio educativo e a intervenção
social enquanto princípio pedagógico.
A gestão da estrutura dos centros se amplia e especica-se ao
determinar funções para seus membros observando a totalidade do processo
de gestão escolar sem, no entanto, enfraquecer a particularidade de cada
ator. A vice-direção administrativa-nanceira tratava das ações relativas
ao aparato administrativo e da saúde nanceira do centro contribuindo
signicativamente com o pedagógico; a vice-direção do mundo do trabalho
arcava com a responsabilidade de acolher, orientar, buscar e encaminhar os
estudantes para os estágios cumprindo com os preceitos da relação trabalho
e educação e a vice-direção pedagógica com a incumbência de desenvolver
junto com a coordenação pedagógica atividades e ações especícas para a
formação do sujeito histórico, sempre observando o trabalho enquanto
princípio educativo, partindo dos pressupostos de Antônio Gramsci e
Paulo Freire, no sentido de uma educação prossional emancipatória.
2 a rede PúblIca estadual de educação ProfIssIonal da bahIa
Após as eleições de 2006, o Governador eleito Jaques Wagner, realiza
na educação da Bahia uma ampla reforma administrativa onde a educação
prossional implementada através da Lei estadual n° 10.955, de 21 de
dezembro de 2007, a Lei entrou em vigor em 1º de janeiro de 2008, antes
uma coordenação, eleva-se à Superintendência na estrutura da Secretaria
de Educação da Bahia - SEC/Ba para tratar exclusivamente de assuntos da
Educação Prossional Técnica de Nível Médio, inicia-se, a partir de uma
decisão política consciente e concepções fundamentadas em propostas
inovadoras, uma profunda reformulação da rede pública estadual de
196 |
educação prossional do Estado da Bahia, apoiada principalmente no Plano
Nacional de Qualicação - PNQ 2003-2007 e no Decreto 5154/2004
(BRASIL, 2003, 2004), consolidação a Educação Prossional como uma
política pública de governo no Estado da Bahia.
Ao criar a superintendência, a Secretaria da Educação demonstra
a prioridade em atender a uma demanda reprimida de educação para o
trabalho, com a divisão da Bahia em 27 Territórios de Identidade a aplicação
de políticas especícas tanto na implantação quanto na ampliação se deu
de forma gradual a partir de 2008, com o objetivo de atingir todos os
territórios com cursos técnicos, favorecendo ao público interessado em
ingressar na rede de educação prossional.
Os cursos foram ofertados em diversas formas de articulação com
prioridade para a integrada. A partir de 2012 o Proeja passa a ocupar
destaque, com a supremacia do Médio Integrado.
Esta opção e com a expansão territorial da educação prossional,
distribuídas em Centros estaduais e territoriais, anexos de Centros e
Unidades Escolares compartilhadas, mostra a evolução das matrículas
em coerência. Durante a ampliação da rede a partir da transformação
de Unidades Escolares em Centros de Educação Prossional, há um
crescimento da oferta no estado da Bahia conforme Mapa 1.
Mapa 1 – Distribuição da rede estadual de Educação prossional técnica
de nível médio (2006-2016)
Expansão da rede estadual de Educação Prossional 2006 e 2016.
Fonte: BAHIA, 2016.
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas vol. 2
| 197
O salto nas matrículas entre 2008 e 2016 (13.514 e 68.953)
respectivamente, equivale a um crescimento de 510,24%, a transformação
de escolas em Centros Estaduais e Territoriais de Educação Prossional (71
CEEP´s e CETEP´s) revela a assertividade e importância da interiorização
da educação prossional e a diversicação das formas de articulação, como
também o desenvolvimento das matrículas segundo a modalidade da
oferta. Ao mesmo tempo, as matrículas no Brasil, foi crescente no período,
porém em ritmo menor em relação à Bahia, 323 mil matrículas em 2008 e
565 mil matrículas em 2016, crescimento de 57,16%. Enquanto, por um
lado, a Bahia prioriza a modalidade integrada, no conjunto dos estados
da federação o crescimento se efetiva na modalidade subsequente, sendo
esta modalidade a propulsora da educação prossional que fortalece o
distanciamento entre ensino básico e ensino prossional.
O aglomerado desta política pública na Bahia direcionou a
Educação Prossional alcançar, em 2011, todos os TI do estado ampliando
as possibilidades de formação para a juventude, atingindo o lugar de
terceira maior ofertante de Educação Prossional do Brasil em número
de matrícula, em 2013 consegue ascender ao patamar de segunda maior
rede de educação prossional do País. Em que pese o Estado de São Paulo
liderar o ranking da matrícula, esse patamar alcançado, está concentrado
nos cursos de curta duração, diametralmente oposto ao da Bahia cujas
matrículas se concentram, a partir de 2008, na forma de articulação da
educação prossional integrada, ultrapassando o Estado do Paraná, este
também concentrou esforço nessa forma de articulação.
A cultura organizacional de gestão congurado pela Suprof torna-se
inovador na Secretaria da Educação para a rede de educação prossional,
uma vez que se estrutura de forma especíca e com funções bem denidas,
a saber: a) uma Diretoria de Institucionalização da Educação Prossional
– DIREPI, tem a responsabilidade de organizar a rede de Centros de
Educação Prossional, a oferta dos cursos técnicos segundo o Catálogo
Nacional de Cursos Técnicos (CNCT) e as matrículas, assim como,
a composição do corpo docente técnico; b) uma Diretoria de Gestão e
Planejamento – DIRGEP com a nalidade de dar suporte pedagógico,
gestão e planejamento aos gestores dos centros, assim como reorganizar as
198 |
matrizes curriculares de cada curso implantado na rede; c) uma Diretoria
de Formação Inicial e Continuada – DIRFIC voltada para a continuidade
da formação dos trabalhadores, e d) uma Diretoria de Desenvolvimento da
EP – DIRDEP voltada para a área Administrativa Financeira, com objetivo
de organizar, scalizar e acompanhar as ações nanceiras dos Centros de
Educação Prossional.
Assim a Superintendência estrutura equipes de trabalho para
organizar oferta, acesso e o currículo de educação prossional técnica de
nível médio, com perspectiva de formar sujeitos críticos, com visão de
mundo e aptos para o mundo do trabalho. O faz inicialmente aproveitando
as estruturas das Escolas Técnicas e equipamentos existentes transformando-
as em Centros de Educação Prossional, integrando-se à proposta político
pedagógica da Suprof, para cumprir com os objetivos e metas do Plano
Nacional de Educação - PNE (2001-2010) - Lei nº 010172/2001. Tais
ações irão repercutir na proposta de currículo integrado, no trato do
conhecimento e na organização do trabalho pedagógico.
Dentre as ações efetivadas pela Suprof em benefício da formação
dos estudantes, destaca-se ocinas e encontros pedagógicos por eixos
tecnológicos como marco para o currículo integrado na Bahia, visto que,
um mesmo curso técnico em diferentes territórios de identidade, traziam
matrizes curriculares, ementas e conteúdos diversicados evidenciando, as
diferentes concepções adotadas pela rede para o perl do egresso, como
também não havia, integração curricular entre as disciplinas da educação
básica e da formação técnica especíca. As ocinas foram representativas
para a unicação das ementas e matrizes curriculares dos cursos, veremos
na sequencia como a proposta curricular foi elaborada para atender de
forma integrada a relação entre as disciplinas da Base Nacional Comum e
as da Formação Técnica Especícas.
3 a ProPosta currIcular da rede de educação ProfIssIonal
técnIca Integrada ao nível médIo no Período de 2008-2016
Sabemos que a construção de uma proposta curricular é sempre
marcada por grandes disputas entre progressistas e conservadores. O
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas vol. 2
| 199
currículo experimentado na Bahia, foi oriundo da luta nacional pela
Educação Integrada no ensino médio e na Educação Prossional, realizados
por universidades, movimentos sociais e sindicais, entidades cientícas, e de
educadores como, Gaudêncio Frigotto, Maria Ciavatta, Lucília Machado,
Almerico Biondi, Silvia Manfredi entre outros, que trazem uma referência
contra hegemônica de currículo centrada na área trabalho e educação.
Na SEC/SUPROF, a diretriz da concepção de formação integrada
para todos os estudantes dialoga com esta gama de referências, tendo
em vista romper a dualidade entre o ensino médio e médio técnico e,
se caracteriza como política pública quando abarca outras dimensões de
gestão, como nanciamento e formação de professores.
Em Saviani (2008, p. 16) vemos que o currículo é o conjunto
das atividades nucleares desenvolvidas pela escola. É, portanto, a escola
com a sua especicidade o local do conhecimento sistematizado, do
trato cientíco, da cultura e do trabalho realizado através do currículo,
e a educação ‹›preocupa-se, antes de mais nada, em capacitar as pessoas
a adquirir conhecimento que as leve para além da experiência pessoal, e
que elas provavelmente não poderiam adquirir se não fossem à escola ou à
universidade’. (YOUNG, 2014, p. 196)
Para garantir a sua especicidade, a escola deve desenvolver atividades
essenciais para o conhecimento dos estudantes, onde essas atividades,
sejam incorporadas ao currículo de forma sistemática e que atenda aos
interesses da maioria, ou seja, a classe trabalhadora e seus lhos que em
ampla maioria estudam na escola pública.
Entretanto, o que nos direciona à compreensão sobre a formatação
de um currículo posto para a classe trabalhadora, está assentado em dois
pilares antagônicos: o primeiro, que aponta a formação para o trabalho com
o objetivo único de produzir mão de obra e assim atender aos interesses
de mercado com ênfase no individualismo, na formação por competências
voltadas para a empregabilidade, e o segundo de formar sujeitos capazes
de inserir-se na vida produtiva, no mundo do trabalho, em condições
de desenvolver a sua criticidade com possibilidades de emancipação da
200 |
condição de explorado, condição esta que coloca em disputa projetos para
a formação da classe trabalhadora. Ramos, (2011, p. 45-46) nos ajuda a
compreender tal situação.
Assim, a formação de trabalhadores, e suas dimensões tanto geral
e cultural quanto especíca para o exercício da vida produtiva,
está no plano da disputa por hegemonia pelas classes burguesas
e trabalhadora. Na perspectiva da primeira, a educação dos
trabalhadores subsume-se à necessidade do Capital em reproduzir
a força de trabalho como mercadoria. Ao contrário, a classe
trabalhadora disputa um projeto educativo que possibilite sua
formação como dirigentes visando à superação de sua dominação
pela classe antagônica.
Na educação essa disputa ocorre, não somente no espaço e tempo
do trabalho, mas também e, principalmente, por um projeto educativo
assentado em abordagens críticas e não críticas, orientado não para
formar para uma prossão especíca, mas para resgatar a relação entre
conhecimento e prática do trabalho.
De modo geral, nas abordagens não críticas, o termo currículo
é utilizado para ordenar um determinado percurso, seja, de vida ou de
uma carreira prossional. Na educação, o termo constitui-se também o
sentido de formação da carreira acadêmica, sendo que a reunião dos títulos
obtidos constrói o currículo do estudante, além disso, está colocado como
a seleção de conteúdo, determinando o que deve ser abordado em cada fase
da escolarização. É dessa forma que o conceito de currículo, dentro e fora
da educação, é abordado.
Dito isto, o Coletivo de Autores (1992, p. 127), por exemplo, nos
orienta, “currículo signica corrida, caminhada, percurso”, e conceitua, “o
currículo escolar representaria o percurso do homem no seu processo de
apreensão do conhecimento cientíco selecionado pela escola: seu projeto
de escolarização”.
Importa, no entanto, discutirmos para que, para quem, quais os
conteúdos e com quais intenções esse currículo está formatado, pois, na
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas vol. 2
| 201
esteira da concepção curricular, o horizonte está nos sujeitos que serão
formados por este currículo, os sujeitos, não são neutros, são carregados de
intencionalidades, assim como o currículo. Portanto, a proposta curricular
apresentada para a rede estadual da Bahia, pela SUPROF, à Educação
Prossional contém elementos que devem ser analisados com atenção.
O currículo determina que conteúdos serão abordados e, ao
estabelecer níveis e tipos de exigências para os graus sucessivos,
ordem e tempo escolar, proporcionando os elementos daquilo
que entenderemos como desenvolvimento escolar e daquilo
em que consiste o progresso dos sujeitos durante a escolaridade.
(SACRISTÁN, 2013, p.18).
Dessa forma, o trabalho pedagógico desenhado e orientado pelo
currículo não é qualquer tipo de trabalho, atividade, mas uma ação
adequada a nalidades. É, pois, uma ação intencional. Saviani (2008),
como já sinalizado acima, currículo é “o conjunto das atividades nucleares
desenvolvidas pela escola”, signica dizer que é “[...] a transmissão dos
instrumentos de acesso ao saber elaborado”. (p.16), e que se faz necessário
abrir o conhecimento às indagações instigantes que vêm do real vivido
pelos próprios professores e alunos e suas comunidades; fazer das salas de
aula um laboratório de diálogos entre conhecimentos (ARROYO, 2013, p.
38). Para desenvolver esta iniciativa, o currículo deve alicerçar e alimentar
a produção do conhecimento através dos conteúdos escolares, mas não
qualquer conteúdo, pois,
quando um currículo escolar tem como eixo a constatação,
interpretação, compreensão e explicação de determinadas
atividades prossionais, a reexão pedagógica se limita à explicação
das técnicas e ao desenvolvimento de habilidades, objetivando o
exercício e o domínio por parte dos estudantes. (COLETIVO DE
AUTORES, 1992, p. 27-28).
O trato do conhecimento se difere, conforme os objetivos das
concepções de currículo que se apresentam para a formação dos sujeitos
envolvidos e, nesse passo as disputas ganham intensidade, visto que a
202 |
direção que for dada para currículo determina o movimento das ações
dos sujeitos na sociedade, o qual, é central para o desenvolvimento dos
interesses de classe, como estamos numa disputa entre classes antagônicas
- burguesia e trabalhadores - disputar a educação, a partir da formulação
curricular para os lhos da classe trabalhadora signica disputar o projeto
de educação e sociedade. Tal disputa está ligada a oferecer os conhecimentos
mais amplos, consistentes e de forma sistematizada para que os envolvidos
possam compreender todo o processo de construção da realidade.
Para percorrer este caminho, só será possível se o currículo for capaz de
[...] dar conta de uma reexão pedagógica ampliada e comprometida
com os interesses das camadas populares tendo como eixo a
constatação, a interpretação, a compreensão e a explicação da realidade
social complexa e contraditória. Isso vai exigir uma organização
curricular em outros moldes, de forma a desenvolver uma outra lógica
sobre a realidade, a lógica dialética, com a qual o aluno seja capaz de
fazer uma outra leitura. Nesta outra forma de organização curricular
se questiona o objeto de cada disciplina ou matéria curricular e
coloca-se em destaque a função social de cada uma delas no currículo.
(COLETIVO DE AUTORES, 1992, p. 28).
Na mesma direção, Malanchen (2016) arma sobre o trabalho escolar:
Trabalhar na escola com os conhecimentos cientícos, artísticos e
losócos requer a perspectiva histórica, materialista e dialética da
objetividade e da universalidade do conhecimento; considerando-
se tanto o vir a ser histórico da apropriação da realidade natural e
social pelo pensamento como os vínculos entre o desenvolvimento
do conhecimento e as demandas da formação humana, seja em
termos do gênero humano ou em termos da formação de cada
indivíduo. (MALANCHEN, 2016, p.170).
O trabalho em geral, em especial o escolar, a partir da perspectiva
histórica, materialista e dialética não se resume em aplicação de técnicas, por
explicações sem rigor, sem fazer ciência e sim com investigação minuciosa
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas vol. 2
| 203
e criteriosa do objeto trabalhado com atenção para não cair nas armadilhas
do materialismo reducionista.
A dialética materialista como método de explicitação cientíca
da realidade humano-social não signica, por conseguinte, 1.
pesquisa do núcleo terreno das congurações espirituais (como
supõe o materialismo reducionista, spinoziano, de Feuerbach);
2. Não signica emparelhamento dos fenômenos de cultura aos
equivalentes econômicos (como ensinava Plekanov seguindo a
tradição spinoziana), 3. Nem redução da cultura a fator econômico.
A dialética não é o método da redução: é o método do desenvolvimento
e da explicitação dos fenômenos culturais partindo da atividade prática
objetiva do homem histórico. (KOSIK, 1976, p. 39).
Cabe ressaltar, portanto, que nessa perspectiva de trabalho, buscar
nexos e relações com o contexto apresentado é fundamental, visto que
é materialista, pois é independente entre a matéria e o pensamento; é
histórico por buscar o conhecimento através da história do objeto estudado
e é dialético por relacionar o mais geral até o mais especíco, de uma forma
ampla, num movimento de ir e vir, estabelecendo relações entre o todo
com a parte. Frigotto (1999, p. 3) diz que “para ser materialista e histórica
tem de dar conta da totalidade, do especíco, do singular e do particular”.
Marx, Engels e Lênin foram bastante enfáticos no que diz respeito ao estudo
do Capital, da Política e das Lutas de Classes. “A reivindicação da igualdade
não se limitava aos direitos políticos, mas estendia-se às condições sociais
de vida de cada indivíduo. (ENGELS, 1980, p. 31). O método deve levar
o pensamento para que sociedade queremos chegar. Ao fazer a opção, no
currículo, pela utilização desse método, demonstra qual a concepção de
homem e de história que se quer alcançar, posicionando os estudantes,
no sentido de transformação da realidade com a práxis. Vale lembrar que
a matéria a qual se refere Marx não é a matéria física e sim a matéria
social. “[...] são os homens produzindo, em condições determinadas, seu
modo de se reproduzirem como homens e de organizarem suas vidas como
homens”. (CHAUÍ, 2008, p. 55).
204 |
Tendo como referência o método histórico-dialético e a pedagogia
histórico-crítica, estamos considerando que a proposta de integração no
currículo somente é possível se incorporada a toda a educação básica e aos
conteúdos a concepção de formação politécnica, conjuntamente com a base
unitária do conhecimento cientíco, artístico, losóco, cultural e do trabalho
como princípio educativo, inclusive para a compreensão da constituição da
sociedade dividida em classes, logo, não negar à juventude essa incorporação
é tarefa para o currículo, pois, caso contrário, estarão negando aos sujeitos
a humanidade produzida historicamente, por consequência seu projeto de
vida estará fadado à submissão ao Capital, na sua mais perversa forma, a
exploração e, consequentemente, destinado ao fracasso.
Para congurar um currículo integrado nessa perspectiva é
necessário a compreensão dos professores sobre a relação conteúdo e forma
na dimensão do ensinar e aprender, o envolvimento e apreensão pelos
estudantes na sua relação enquanto destinatário do saber sistematizado
e a possibilidade de inserção dos estudantes ao mundo do trabalho com
aplicação de tecnologias sociais envolvido de forma circular e espiralada
com a qualicação do conhecimento através da ciência, cultura, tecnologia
e trabalho. A proposta curricular desenvolvida pela Educação Prossional
da Bahia transita por este modelo de integração representado na gura 1, o
que demonstra a articulação de algumas categorias no currículo integrado.
Figura 1 – Articulação realizada através do currículo escolar
Fonte: Duarte (2021).
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas vol. 2
| 205
A categoria sociedade se congura como totalidade dinâmica.
Destacamos dois elementos que estão inseridos e contribuem
signicativamente no processo de desenvolvimento da aprendizagem dos
estudantes quando estes incorporam e se envolvem no contexto educacional:
a família e a comunidade do entorno da instituição.
Ao tomarmos no currículo integrado o trabalho como princípio
educativo central no processo de apropriação do conhecimento pelos
estudantes, na sua relação com a escola e toda a sua dimensão espacial e
temporal, entrelaçando a diversidade nela contida apoiada por professores
na sua pluralidade pedagógica, unindo a afetividade familiar, fortalecendo
a educação em um aspecto mais humano e solidário, construindo
possibilidades reais de alcance dos objetivos traçados, no que diz respeito
à inserção no mundo do trabalho como objetivo concreto, enriquece
signicativamente o processo formativo em suas múltiplas determinações.
Deve-se valorizar a comunidade do entorno, e, não se distanciar por
exclusão ou até mesmo apartar comunidade/escola, seja por sua imposição
acadêmica, por divisão entre muros ou por situação socioeconômica,
pois as categorias já sinalizadas apresentam, oportunizam a compreensão
dialética de um intercâmbio entre escola e comunidade.
Nesse sentido, o currículo deve atender aos interesses da classe
trabalhadora, assentado em formar indivíduos críticos com possibilidades
de emancipação da condição de explorado, compreendendo como estão
colocadas as disputas dos projetos entre as classes antagônicas. Ciavatta
e Rummert (2010, p. 470) nos alerta que, “todas as relações pedagógicas
são socialmente determinadas e constituem relações de forças que marcam
uma dada sociedade e, consequentemente, os serviços sociais oferecidos
à população, entre os quais, a educação”, e nessas relações, a classe
dominante constrói a hegemonia na educação direcionando a formação
dos trabalhadores e seus lhos.
Até 2008, a matriz curricular dos cursos técnicos de nível médio
da Bahia distribuía os seus componentes curriculares em três partes
- i) Base Nacional Comum, ii) parte diversicada com disciplinas
caracterizadas como complementares e iii) parte prossionalizante
206 |
composta por disciplinas “Técnicas” para atender a especicidade de cada
curso. A formação com base nessa estrutura curricular atendia de forma
desarticulada tanto Educação Prossional quanto a Educação Básica. Os
cursos apresentavam dicotomia entre formação geral e especíca.
Em 2009, algumas alterações foram iniciadas no sentido de obter
articulação entre as disciplinas da base nacional comum e as disciplinas
da área técnica. Nesse sentido, alterou-se a parte diversicada da matriz
curricular (2008), substituindo-a por componentes curriculares de
Formação Técnica Geral - FTG
1
, aplicada em todos os cursos da rede
estadual, que se constituirá juntamente com a pesquisa e a intervenção
social como princípios pedagógicos, em elementos-chave para caracterizar
a Educação Prossional da Bahia, com base no trabalho como princípio
educativo e da educação emancipatória.
Com a inserção da FTG, algumas unidades escolares aumentaram
o período para conclusão do curso, ou seja, o tempo de estudo passando
de 3 (três) para 4 (quatro) anos, corroborando a ampliação do universo
acadêmico dos estudantes. Esta orientação caminhou durante três anos.
No ano de 2010, a SEC publica a Portaria 1128/2010, estabelecendo a
Reorganização Curricular das Escolas da Educação Básica da Rede Pública
Estadual, onde, em um dos artigos, trata sobre o currículo referenciado.
Art. 4º - A presente Portaria estabelece o currículo referenciado,
com ênfase no cuidado para com os componentes da base nacional
comum, sem nenhum componente de natureza estritamente
prossional no segundo segmento do ensino fundamental e no
ensino médio, exceto o vinculado diretamente com a formação
prossional técnica de nível médio assegurado pela Superintendência
de Educação Prossional – SUPROF. (BAHIA, 2010, p. 12).
Os componentes curriculares integrantes da FTG – organização social do trabalho e organização dos processos
de trabalho vinculadas à sociologia, assim como Direito do trabalho e metodologia cientíca vinculadas à
losoa– vêm da noção construída nas experiências de elevação de escolaridade do movimento sindical, que
teve a participação da COPPE/UFRJ, associando-as com a sociologia e losoa do ensino médio.
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas vol. 2
| 207
Nessa Portaria, a SEC prioriza os componentes curriculares da Base
Nacional Comum, acarretando uma hierarquização das disciplinas no
currículo, como justicativa de alcance da ordem social, como disposto.
Parágrafo único – Entende-se como currículo referenciado o que
privilegia a ênfase nos componentes curriculares da base nacional
comum, vistos como fonte técnica de apropriação dos conteúdos
universalmente aceitos para a estruturação dos currículos escolares
e, sobremaneira, o alcance disso na ordem social, em que a escola
formal se constitui em um dos elementos essenciais. (BAHIA,
2010. p.12).
No entanto, a Educação Prossional segue as diretrizes nacionais
e as resoluções do CNE. A referida Portaria tensiona as relações entre os
componentes curriculares da Base Nacional Comum e da Formação Técnica
Especíca, impactando a proposta de integração com os componentes das
disciplinas técnicas, em elaboração.
Após inúmeros debates e encontros, estudos, reuniões e discussões
com os professores, coordenadores e gestores da rede de ensino do Estado
da Bahia, acumulando conhecimento e experiências do vasto e diverso
território baiano, a SUPROF formata uma nova proposta de matriz
curricular unicada conforme as características dos cursos ofertados. A
nova proposta, a partir de seus idealizadores, teria capacidade de romper
a dualidade histórica de maneira estruturada e coletiva, como a separação
entre as ciências naturais e humanas, a oposição entre teoria e prática,
a dicotomia entre conhecimentos gerais e especícos, respeitando as
particularidades das escolas e singularidades dos sujeitos históricos e as
características de desenvolvimento local dos municípios nos Territórios de
Identidade da Bahia, bem como unicar a proposta para todos os cursos,
com o objetivo de possibilitar a movimentação dos estudantes por todo
estado, sem prejuízo para a sequência dos estudos.
Então, a SUPROF resgata a concepção da Educação Prossional das
forças progressistas em disputa nacional e estadual, em oposição à concepção
dominante de educação e de construção curricular, para implantar a
208 |
política de formação integrada. Assim, valendo-se de categorias tais como:
mundo do trabalho em vez de mercado de trabalho, Educação Prossional, em
vez de ensino prossionalizante, direito/oportunidade/política pública em vez
de empregabilidade/teoria do Capital humano e principalmente, o conceito
sociológico de qualicação e a educação unitária, em oposição ao modelo
de competências.
A publicação da instrução normativa 03/2009 orienta a organização
curricular da Educação Prossional da Bahia:
Art. 1º A matriz curricular dos Cursos de Educação Prossional,
referenciados no Catálogo Nacional de Cursos Técnicos, nas
diversas modalidades, deverá contemplar todas as disciplinas da
Base Nacional Comum, as disciplinas da Parte Diversicada/
Formação Técnica Geral e da Parte Prossional/Formação Técnica
Especíca de acordo com o curso prossional técnico adotado. §
1º A Formação Técnica Geral caracteriza-se por um conjunto de
conhecimentos de caráter sócio-técnico relativos ao trabalho, que
perpassam todas as áreas de ocupação e que são necessários para
qualquer tipo de inserção no mundo do trabalho (assalariado,
de forma autônoma ou por meio da economia solidária). § 2º
A Formação Técnica Geral, enquanto estratégia metodológica
de integração de conhecimentos no currículo e abordagem e/
ou introdução ao mundo do trabalho, deverá ser utilizada
nos currículos integrados como conhecimentos-ponte entre
a formação geral (Educação básica) e a formação especíca,
que pode ser concebida na forma de arcos ocupacionais. §
3º A Formação Técnica Especíca - FTE contempla o conjunto
de conhecimentos e práticas indispensáveis para a inserção dos
educandos/as nos conhecimentos e técnicas inerentes à sua
formação prossional, devendo dialogar com a Base Nacional
Comum e a Formação Técnica Geral, propiciando aos educandos/
as a qualicação sócia-técnica necessária à atuação no Mundo
do Trabalho. § 4º As unidades escolares que oferecem Educação
Prossional devem obrigatoriamente contemplar, nas disciplinas
ofertadas, a revisão dos conteúdos do ensino fundamental e/ou
médio necessários para a aprendizagem dos novos conhecimentos.
(BAHIA, 2010, p.173, grifos nossos).
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas vol. 2
| 209
A elaboração da matriz curricular (gura 2), em três blocos de
componentes que se relacionam Base Nacional Comum (BNC), que
são garantidos pela Lei de Diretrizes e Bases (LDB), insere a Formação
Técnica Geral (FTG), como fundante para todos os cursos, haja vista
conter os componentes curriculares necessários para tratar dos aspectos
particulares da área prossional e também da relação trabalho e
educação na especicidade da qualicação, como também funcionaria
como eixo básico comum realizando articulação entre Base Nacional
Comum e Formação Técnica Especíca, através das disciplinas do eixo
Formação Técnica Geral.
E, por m, no terceiro bloco, a Formação Técnica Especíca (FTE),
organizada por duas dimensões interdependentes, cujos componentes
curriculares estão ligados aos cursos com estreita habilitação Catálogo
Nacional dos Cursos Técnicos. Conforme documento da Suprof (BAHIA,
2013), a Categoria Curricular presente no bloco dos componentes
curriculares da FTE é dividida da seguinte forma: i) Contextualização,
composto por componentes que fazem relação com o processo
histórico e social, à luz das necessidades humanas e das transformações
da sociedade; ii) Fundamento, conjunto de componentes voltados
para os conhecimentos de base essencial, que tratam da razão de ser de
determinado curso, área de conhecimento, ou prossão; iii) Tecnológicos,
no qual estão os componentes que favorecem os resultados práticos no
desempenho da prossão, expressam-se no contexto socioambiental,
econômico e contribuem com as transformações da realidade conhecida;
e o iv) Instrumental, onde os componentes desta categoria estimulam o
desenvolvimento de habilidades para execução dos conhecimentos técnicos,
tecnológicos e cientícos de forma articulada para que assim possam
promover a organização pedagógica entre teoria e prática, proporcionando
assim, aos estudantes, conhecimento e diálogo com o curso técnico da sua
escolha, sabendo da sua importância histórica e as possibilidades de inserir-
se no mundo do trabalho.
210 |
Figura 2 – Matriz Curricular
Fonte: Duarte (2021)
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas vol. 2
| 211
A forma como a EP/Ba organizou o currículo integrado, os
componentes curriculares e a distribuição de carga horária, por ano e por
categoria, demonstra como a organização do Ensino Médio Integrado na
Educação Prossional da Bahia se expressa. O modelo de matriz curricular
adotado busca a materialização, na escola, de uma educação emancipatória
de base dialética reunida no conjunto dos elementos pedagógicos que a
compõem e um rigoroso trato com o conhecimento para o desenvolvimento
da formação.
Tal iniciativa altera a lógica de concepção de educação, exigindo
referencial teórico-metodológico, orientado à recuperação do conhecimento
e da prática do trabalho vinculado à intervenção social, ou seja, o ensino
e o conteúdo desenvolvidos nas instituições e apreendido pelos estudantes
vislumbrando efetivo retorno social. Essa condição está aliada aos cinco
passos de sistematização do conhecimento na relação aprendizagem e
ensino, sinalizado em Saviani (1984), onde parte da prática social, da
problematização, da instrumentalização e da catarse e retorna à sociedade
através da prática social ressignicada, entendendo que os estudantes são
sujeitos históricos, fortalecidos pela sua identicação com seus territórios,
compreendendo assim, a realidade social e os desaos da prossão. Dos
egressos pesquisados 45% destes responderam que participaram de projeto
de intervenção social.
Uma das perguntas do questionário aplicado aos egressos da educação
prossional ao indagar sobre qual o tipo de compreensão a formação
prossional proporcionou, constatamos a predominância da realidade
cultural, econômica e prossional, gráco 1.
212 |
Gráco 1 - Compreensão proporcionada pela formação prossional (%)
Gráco 1 - Compreensão proporcionada pela formação prossional (%)
Fonte: Duarte (2021).
Obtivemos também relatos que evidenciaram a relevância da
formação técnica para compreender a realidade política, social,
econômica, cultural e prossional, assim explicitadas:
Durante a minha formação técnica pude perceber a importância
e a realidade da nossa saúde pública. Na área da saúde as Políticas
Sociais são políticas públicas destinadas ao bem-estar geral da
população, a realidade econômica além de encontrar-se com muitas
diculdades e falta de estrutura, a saúde do nosso país também
tem enfrentado um problema gravíssimo, que são os desvios de
verbas destinados à saúde. É de fundamental importância que os
prossionais de saúde, os quais lidam diariamente com pessoas
de diferentes culturas, possam adotar em suas práticas de saúde
um cuidado cultural. Ao nos tornamos um prossional de saúde
aprendemos a ter mais ética, ser mais solidários e ajudar sempre o
próximo. (E p. 87).
Nessa direção, vemos no relato uma preocupação com a totalidade
social nos termos de Ciavatta et al (2019, p.19). “A totalidade social
construída não é uma racionalização ou modelo explicativo, mas um
conjunto dinâmico de relações que passam, necessariamente, pela ação
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas vol. 2
| 213
dos sujeitos sociais”. As evidências foram postas pelos egressos na questão
ética prossional, quer seja no trato do conhecimento e dos bens públicos,
como também na mudança das ações axiológicas, alterando seus valores
perante a sociedade.
consIderações fInaIs
O esforço realizado pela Educação Prossional da Bahia para
implantar uma educação emancipatória no sentido de qualicar a
formação dos estudantes da escola pública se tornou revolucionário. Já
que, a precariedade da infraestrutura como as de laboratórios, bibliotecas,
espaços pedagógicos complementares e recursos pedagógicos diminuem as
possibilidades de aproximação dos estudantes ao conhecimento elaborado
no seu mais alto grau.
Dizemos isto por compreendermos que, no modo de produção
vigente, o trabalho está subsumido à categoria econômica e as forças
produtivas direcionam a educação da classe dominante e da classe
dominada, de forma dual e desigual.
A proposta implantada, direciona para outra lógica de compreensão
da realidade político-pedagógica de crescimento e desenvolvimento
cultural, social, intelectual e econômico da classe trabalhadora, assim
como a construção da sua autonomia. Pois, ao incorporar a intervenção
social como princípio pedagógico e o trabalho como princípio educativo,
possibilitando o desenvolvimento intelectual e social dos estudantes,
elevando-os à potência de construtores do seu próprio destino, coloca o
Estado da Bahia como pioneiro na implantação de uma matriz curricular
integrada, inovadora e revolucionária, enriquecendo as ações pedagógicas
no interior das instituições.
Consideramos que a Educação Prossional da Bahia, 2008/2016,
portanto, identica-se claramente com o polo contra hegemônico, esse
polo atende à juventude, contemplando as diferentes classes sociais e
territórios, ou seja, contempla o público de grandes e pequenas cidades,
214 |
seja da área urbana ou rural, busca uma relação com políticas de trabalho,
emprego e renda, considera as questões da diversidade e relações étnico-
raciais, considera a população de adultos que não concluiu a educação
básica, priorizando a Educação de Jovens e Adultos (EJA), propõe maior
interiorização e distribuição entre os territórios de cursos técnicos de nível
médio, e ênfase na escola pública com especialidades multitemáticas.
Contudo, a partir do 2º semestre de 2016, a política de educação
do estado, em particular, a Educação Prossional inicia um ciclo de
mudança na concepção administrativa e pedagógica, provocando uma
transformação na rede. Com a substituição do Secretário da Educação as
suas Superintendências são alteradas e com elas a política de educação e
da educação prossional, alterando o currículo e implantando a lógica do
empreendedorismo através de parcerias com ONG’s e Instituições privadas
sem “expertise” em Educação Prossional. Com o golpe parlamentar de
2016, as rupturas na estrutura educacional com a Contrarreforma do
Ensino Médio foram sendo implantadas, na Educação Prossional ocorre
através do Mediotec.
Aprendemos que quando se quer nalizar alguma política pública de
forma rápida e estanque, corta-se os recursos. Este foi o mecanismo utilizado
na instância Federal e as prioridades de nanciamento na educação foram
abortadas pelo golpe empresarial-midiático-parlamentar de 2016 afetando a
formação dos trabalhadores e a condição de vida dos prossionais envolvidos
no processo formativo, com a orientação fundo monetarista de ajuste
estrutural, através da Emenda Constitucional Nº 95/16.
Na Bahia com a alteração administrativa da Secretaria da Educação
da Bahia e do modelo da gestão administrativa, nanceira e pedagógica da
Educação Prossional, decidiu-se pela suspensão de repasse direto da verba
da Educação Prossional para os Centros de Educação Prossional, apesar
do orçamento anual ter aumentado.
Esta modicação no gerenciamento do recurso da Educação
Prossional nos CEEP’s e CETEP’s interferiu na lógica de funcionamento
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas vol. 2
| 215
das instituições, uma vez que, obrigatoriamente os planejamentos foram
alterados, colocando mais um elemento de diculdade na gestão escolar.
O direito à formação básica, garantido na Constituição e na LDB,
perpassa por construir as condições necessárias para o acesso e permanência
dos lhos e lhas da classe trabalhadora que frequentam a escola pública.
Para tanto, requer a superação do que determina a escola capitalista através
das pedagogias hegemônicas e da denição dos conteúdos escolares que
interessam às classes dominantes, negando de maneira sistemática os
conhecimentos necessários para o desenvolvimento humano integral da
classe trabalhadora, tão importantes para denição da construção do seu
próprio destino. Estes conhecimentos devem ser selecionados a partir
da premissa do que é fundamental aprender em cada etapa escolar, sem
secundarizar os conhecimentos básicos de cada disciplina curricular.
Portanto, não será somente a partir do Estado Capitalista que teremos que
disputar o direito a outro conteúdo e forma de se educar, mas é, especialmente
por meio da luta social e popular, por uma educação referendada pela classe
trabalhadora que essa luta será travada entre a sociedade civil e a sociedade
política, como também por meio dos organismos de classe que defendem
os direitos e interesses dos trabalhadores.
A concepção de educação emancipatória na Bahia é um conceito em
construção e disputa ainda a ser dominado em grau político-pedagógico pelos
diferentes sujeitos escolares para que assim possamos disputar no interior
da construção educacional os argumentos necessários para consolidação da
emancipação da classe trabalhadora e seus lhos. Em que pese os desaos e
diculdades, tem sido ofertado de forma regular, não sem contradições, porque
versa na política aqui tratada a necessidade de superar as ambiguidades de
conceitos que estão presentes nas atividades pedagógicas. Porém como parte
da educação básica de direito social e subjetivo o ensino médio é visto como
estratégico na travessia para a universalidade e para a educação omnilateral.
A educação prossional como parte integrante da educação básica é uma
possibilidade, para os trabalhadores na institucionalidade do Estado, em
meio a luta de classe. Cabendo ao Estado, desenvolvê-la com perenidade
através de políticas públicas ecazes, e dando as condições processuais para
uma política de integração.
216 |
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218 |
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Capítulo 8
E P 
A:  
P  P-G 
E T  IFAM
Iandra Maria Weirich da Silva Coelho
Nilton Paulo Ponciano
resumo: O capítulo apresenta uma discussão sobre a Educação Prossional e Tecnológica
(EPT) no contexto amazônico, com destaque especial para o papel e as contribuições do
Programa de Pós-Graduação em Ensino Tecnológico, do Instituto Federal do Amazonas.
Os autores demonstram a importância da EPT para o desenvolvimento do Amazonas,
evidenciando as contribuições e impactos gerados pela modalidade da pós-graduação,
articulada à educação prossional. Entre os resultados destacam-se a importância do papel
da educação prossional como contribuinte do desenvolvimento local e regional, como
espaço estratégico na democratização da formação prossional e tecnológica, fomento à
acessibilidade da formação e, principalmente, a reconstrução das relações fundamentais
entre as instituições de ensino e a sociedade, visando à correspondência entre o sistema
de formação prossional e tecnológica e o desenvolvimento socioeconômico e sustentável
da região amazônica.
https://doi.org/10.36311/2023.978-65-5954-344-1.p219-242
220 |
consIderações InIcIaIs
Este capítulo traz uma discussão sobre a Educação Prossional e
Tecnológica (EPT) no contexto amazônico, com destaque especial para
o papel e as contribuições do Programa de Pós-Graduação em Ensino
Tecnológico (PPGET), do Instituto Federal do Amazonas (IFAM).
A Educação Prossional no Brasil é uma modalidade educacional
prevista na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional n.9394/96.
Essa modalidade permite a integração com diferentes níveis de educação,
incluindo a básica e o ensino superior, além de prever a articulação com as
dimensões da ciência, trabalho e tecnologia.
A oferta pública da EPT, em todos os seus níveis e formas de articulação
com os demais níveis e modalidades da Educação Nacional, vem sendo
desempenhada pelos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia,
como o IFAM. Essas instituições passaram a atuar na educação básica
e superior, com foco na EPT, com prioridade para a formação humana e
cidadã, como pressuposto básico à qualicação para o exercício do trabalho,
e a necessidade de formação e capacitação permanente das demandas dos
prossionais, articuladas ao mundo do trabalho, com o compromisso voltado
para o desenvolvimento integral do cidadão trabalhador.
De acordo com Pacheco (2012, p. 56), “no momento atual observa-
se um aparente consenso dos atores sociais quanto à importância da EPT
para o desenvolvimento do país. Porém, existem divergências profundas
tanto em relação ao signicado do desenvolvimento quanto ao papel
desempenhado pela EPT nesse processo”, questões que justicam novos
estudos e discussão sobre a temática.
Nessa perspectiva, também levamos em conta o escasso número de
publicações que tratam sobre a EPT, com foco na pós-graduação e suas
práticas, abordar sobre as contribuições e iniciativas dessa modalidade
pode contribuir para o campo de estudo. Nesse sentido, o problema que
conduz essa pesquisa leva em conta a seguinte questão: como o Programa
de Pós-graduação em Ensino Tecnológico contribui para a formação de
prossionais da área educacional?
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas vol. 2
| 221
Dessa forma, o objetivo deste estudo é apresentar o conceito
atribuído à EPT, bem como as contribuições e impactos do acesso
à educação prossional, por meio da pós-graduação. Para tanto,
apresentamos informações relacionadas ao PPGET, evidenciando as
principais contribuições para a consolidação de um modelo de educação
prossional que busca atender as necessidades e particularidades da região
amazônica, em especial no que se refere à área de ensino, articulando
ciência, tecnologia, cultura e conhecimento especíco.
Assim, evidenciamos uma discussão pautada nos conceitos da
EPT no estado do Amazonas, que é gerenciada principalmente pelo
IFAM, cuja missão é promover com excelência a educação, ciência e
tecnologia para o desenvolvimento da Amazônia e nas contribuições do
PPGET, por meio de uma discussão voltada ao diálogo com as políticas
sociais, econômicas e culturais, na perspectiva de contribuir com o
desenvolvimento local e regional.
Na dimensão teórica, visa-se ir além da compreensão do papel da EPT
como fator de empregabilidade e permanência no mercado de trabalho, e
na dimensão social, signica ir além do plano educacional, do processo
formativo, visando alcançar a sociedade em sua multidimensionalidade
e contribuir para o incremento de capital intelectual, bem como para o
desenvolvimento de posturas com referenciais signicativos para o Ensino
Tecnológico na Região Norte e no contexto amazônico. Esse processo
envolve, principalmente, os egressos, na perspectiva da construção de novas
práticas, por meio da disponibilidade e ampliação do uso de produtos
educacionais que possam impactar as intervenções no processo de ensino
e aprendizagem.
Este estudo, de natureza descritiva e de abordagem qualitativa, tem
como foco a contextualização e discussão das principais características
da EPT no contexto amazônico, com ênfase no papel do PPGET. Os
procedimentos metodológicos se inscrevem em uma pesquisa de caráter
bibliográco, tomando como etapa inicial, a busca por trabalhos que
versam sobre a temática no contexto amazônico, a m de descrever o cenário
222 |
empírico relacionado ao tema aqui abordado. As técnicas de pesquisa
aplicadas foram o levantamento bibliográco e análise documental.
O capítulo encontra-se dividido da seguinte forma: a Educação
Prossional e as dimensões do trabalho, ciência e tecnologia, seguida pela
discussão da EPT no Amazonas, uma seção que evidencia o retrato da
formação prossional e tecnológica no PPGET, juntamente com alguns
exemplos do impacto social dos processos e produtos gerados no programa
e as considerações nais.
educação ProfIssIonal e as dImensões do trabalho, cIêncIa e
tecnologIa
Para alguns pensadores a natureza da educação nos moldes da
sociedade do século XXI fundamenta-se na avaliação e na mensuração
do indivíduo como elementos fundantes da sua formação e do seu
caráter, i. e., a intencionalidade das políticas educacionais da sociedade
neoliberal
1
, incluindo aí a EPT, parte do pressuposto de que os indivíduos
são os únicos responsáveis pela qualidade de seu trabalho e de sua vida
e, consequentemente, da sociedade. Logo, trabalhar com “habilidades” e
competências” torna o indivíduo apto a competir em uma sociedade que
o recompensa enquanto elemento singular e depositário de valores que
o capacitarão a competir em um mundo marcado pela velocidade, pela
mudança, pela capacidade de se adequar aos rumos inconstantes do mundo
do trabalho. Registre-se, que nessa sociedade a palavra-chave é exibilidade,
e a perspectiva dessa é criar uma cultura baseada na “responsabilidade nal
individual” (APPLE, 2005).
Segundo Apple (2005, p.44):
Para que esse processo seja bem-sucedido, nosso senso comum deve
ser mudado para que pensemos o mundo apenas como indivíduos
e a nós mesmos como cercados por um mundo em que tudo é,
Por sociedade neoliberal entende-se como aquela que apresenta uma concepção positiva do papel do
Estado, pois esta cria as condições institucionais necessárias para a reprodução dos interesses e valores da
sociedade do capital da segunda metade do século XX. Para continuar esse assunto recomenda-se a obra de
Michael Apple, Para além da lógica do mercado. (2005).
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas vol. 2
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potencialmente, um produto (comódite) à venda. Tentando ser
mais teórico, o tema em discussão é o “indivíduo possessivo”, sem-
gênero, sem-classe e sem-raça, um ator racional, economicamente
falando, que é construído por e constrói uma realidade em que a
democracia não é mais um conceito político, mas está reduzida a
uma representação econômica.
Nesse sentido, a cultura hegemônica do neoliberalismo leva a
transportar para o quadro individual as condições determinantes do Estado,
transformando a atuação individual como o papel mais signicativo da
sociedade e construindo uma lógica mental que dimensiona as funções
individuais em detrimento das responsabilidades estatais.
Observa-se, que tal plano ideológico viabiliza um Estado como
não responsável pelas políticas positivas em relação ao trabalho, uma vez
que a sociedade do trabalho, base do discurso da sociedade do século XX,
não condiz com a realidade da sociedade globalizada e neoliberal e, nesse
modelo social o indivíduo é a pedra angular enquanto elemento detentor
das potencialidades de seu sucesso ou insucesso, ou seja, está com o
indivíduo e, somente com ele, a sua alocação ao mundo do trabalho.
Para Frigotto (2010), é nesse contexto que se constrói a pedagogia
da competitividade, cujo princípio será a formação do estudante para a
empregabilidade, para o emprego temporário, para o desemprego, com o
m de retirar a responsabilidade social do Estado para com o trabalho, bem
como das políticas públicas que visam garantir os direitos do trabalhador a
integrar-se às conquistas sociais.
Nesse contexto, discute-se no Brasil a EPT como uma modalidade
de educação que produz sentido em si mesmo e manifesta o projeto de
sociedade que a representa e é visto como aquele em que a sua funcionalidade
está reduzida para os ns do modelo econômico vigente, voltado para a
formação instrumentalista para o trabalho simples de natureza tecnicista,
com objetivos restritos e perspectivados na separação entre a formação
geral e o ensino prossionalizante e técnico. Para Frigotto (2010, p.35),
este modelo de educação é baseado
224 |
[...] em um projeto societário que se deniu, mormente na década
de 1990, por um capitalismo monetarista e rentista, associado
de forma subordinado e dependente aos centros hegemônicos
dos sistemas de capital, demanda dominantemente, na divisão
internacional do trabalho, o trabalho simples e de baixo valor
agregado. Consequentemente, para esse projeto de sociedade, não
há necessidade da universalização e nem da democratização da
qualidade da educação básica, especialmente do ensino médio.
No entanto, percebe-se que alguns pensadores (FRIGOTTO,
2010; KUENZER, 2007; GARCIA, 2013) indagam o paradigma de EPT
baseado na instrumentalização humana para o trabalho, por entenderem
que está desprovido de uma concepção de educação que alcance o conceito
universal de construção do saber, ou seja, uma educação baseada na
formação humana que liberta o sujeito da alienação social.
O mote de educação prossional desvinculada da formação geral do
estudante não é recente
2
no Brasil e, desde o início do século XX, com a
criação das escolas de Aprendizes Artíces, através do Decreto n.7.566, de
23 de setembro de 1909, pelo então Presidente da República, Nilo Peçanha,
tem-se construído a história da Rede Federal de Educação, baseado em
um paradigma de ensino prossional vinculado à cultura homogeneizante,
que considera a EPT uma educação para os desvalidos da sorte, para as
camadas trabalhadoras e pobres e, portanto, voltada para a arte do trabalho
técnico, rústico, simples e mecânico.
Para Kuenzer (2007), essa escola tinha o caráter de repressão a partir
da construção da moral pelo trabalho. A educação daquele século baseou-se
na dualidade estrutural, com duas trajetórias bem denidas. Uma voltada
para as classes dirigentes e outra para as classes trabalhadoras. A primeira
preocupava-se com a formação geral do estudante com características
propedêuticas, a segunda voltava-se para a formação instrumental, com
conhecimentos especícos para as habilidades prossionais.
A história da educação prossional no Brasil ocorre desde o período Colonial, mas, de forma não sistemática
de ensino, e é no século XIX que surge a primeira experiência do Estado neste campo, quando o Príncipe
Regente cria o Colégio das Fábricas, em 1809. Durante este século várias experiências privadas surgiram
para educar para o trabalho as crianças pobres. (MELGAÇO DA SILVA; CIASCA, 2021).
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas vol. 2
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Esta perspectiva pode ser identicada nas diversas reformas pelas
quais passa a educação brasileira durante o século XX, uma vez que o eixo
norteador de mudança dessas Reformas não ultrapassava os ditames da
dualidade estrutural, já mencionada neste texto. A Reforma Capanema,
de 1942, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional n.4.024/61 e
a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional n.5.692/71, deixavam
claras suas orientações políticas, baseadas na égide do paradigma taylorista-
fordista (KUENZER, 2007). Contudo, no Brasil dos anos de 1990, a
educação prossional sofre alterações em sua proposta de educar para o
trabalho, adequando-se ao projeto econômico neoliberal, mas, sem perder
de vista seu posicionamento político.
O processo de globalização da economia brasileira congura-se em
uma nova política de educação para os trabalhadores, uma vez que os
avanços tecnológicos exigem uma postura diferenciada desses no tocante à
sua condição de trabalhador. Assim, um novo cenário discursivo no campo
educacional se apresenta, com novas nomenclaturas como competência,
habilidade, empregabilidade etc., uma vez que o modelo taylorista-fordista
e a ideologia do capital humano já não respondiam às necessidades da elite
econômica do nal do século XX.
No entanto, ideologicamente o princípio de educação burguesa
persistiu e, é nesse contexto macroeconômico, que o presidente Fernando
Henrique Cardoso (1995-2002), publicou o Decreto n.2.208/97, visando
atender às novas demandas da educação prossional. Em tal Decreto o
que se percebe é o aprofundamento da separação entre ensino prossional
e ensino de formação geral. Logo em seu segundo artigo, o Decreto deixa
claro que a educação prossional poderá articular-se tanto com o ensino
regular como com modalidades que contemplem a educação continuada,
para denir no artigo quinto que a educação de nível técnico será
independente do ensino médio, sugerindo o seu oferecimento nas formas
concomitante ou sequencial.
Esses indícios apontam para o que Frigotto (2007, p.32) denomina
de “políticas educacionais sob o ideário neoliberal da década de 1990”,
pois manifestam o caráter de ensino baseado no dualismo entre formação
geral e formação instrumental. Para este educador, nos anos de 1990,
226 |
[...] o ensino médio se constitui numa ausência socialmente
construída, na sua quantidade e qualidade, como o indicador da
opção pela formação para o trabalho simples e da não preocupação
com as bases da ampliação da produção cientíca, técnica e
tecnológica e do direito de cidadania efetiva em nosso país.
(FRIGOTTO, 2007, p. 32).
A Reforma da educação prossional desenhada na gestão do
presidente Fernando Henrique Cardoso, apresentada pelo Programa de
Expansão da Educação Prossional (ProEP) e sancionada pelo Decreto
n.2.208/97, regulamentando a LDB n.9.394/96, no que se refere a essa
modalidade de educação, é considerada como uma reforma que atende
a agenda do modelo de sociedade neoliberal, mesmo apresentando uma
linguagem progressista.
As controvérsias entre educação prossional e educação geral
permeiam todo o Decreto, o qual não esclarece o que é considerado
educação de qualidade, ora manifestando que é função da educação
prossional promover a transição entre a escola e o mundo do trabalho,
capacitando jovens e adultos para o exercício das atividades produtivas,
para, logo em seguida, legislar que a organização curricular dos cursos de
nível técnico da educação básica será independente da educação de nível
médio. Para a pesquisadora Garcia (2013, p. 53), a educação prossional
desse período sofre um retrocesso, uma vez que:
Além da separação da formação técnica do processo de escolarização,
o conceito de competências, a partir do decreto n.2208/97, adquiriu
o sentido reduzido de competências para o mercado de trabalho
e enfatizou a fragmentação do conhecimento. A compreensão de
competências como o desenvolvimento de conhecimentos e de
habilidades para o exercício de atividades físicas e intelectuais,
em todos os campos da vida humana, foi esvaziada, tornando-se
apenas competências comportamentais, tendo como resultado
conhecimentos para o desempenho funcional. Um currículo nesta
perspectiva comportamental afasta-se completamente de uma
educação que tenha como dimensões estruturantes a cultura, a
ciência, o trabalho e a tecnologia.
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas vol. 2
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Esses e outros indícios identicados no Decreto 2.208/97 revelam
uma lógica que visa estabelecer um modelo de sociedade baseada na
mercantilização da educação e no apartheid social como elementos
naturalmente” pertencentes às sociedades, ocultando, assim, as assimetrias
sociais do tecido social brasileiro produzidas pelas relações de poder,
especialmente no que se refere às questões trabalhistas.
Observa Frigotto, Ciavatta e Ramos (2005), que nos anos de vigência
desse Decreto, a sociedade organizada promoveu discussões em torno da
concepção do ensino médio e da educação prossional. Diversos debates
de âmbito nacional polarizavam em torno de três ideias: 1ª- revogar o
Decreto 2.208/97 e elaborar uma nova política para o ensino médio e
educação prossional, pautando-se na recém-lançada LDB n.9.394/96 e
posicionando-se contrária ao lançamento de um novo decreto; 2ª- manter
o Decreto 2.208/97 ou fazer pequenas alterações que não ferissem sua
ideia original; 3- revogar o Decreto 2.208/97 e construir um novo decreto.
É nesse contexto que surge a revogação do Decreto n.2.208/97 e a
publicação do Decreto n.5.154/2004. Para Garcia (2015), a publicação do
decreto n. 5.154/2004, que propunha mudança principalmente no que
tange à integração, em uma única matrícula, do ensino técnico com o
ensino médio, alcançou algumas reivindicações.
O decreto 5154/04, incorporado pela Lei nº 11741/08, além
de retomar a integração, reintroduziu a articulação entre
conhecimento, cultura, trabalho e tecnologia, com o sentido de
formar o ser humano na sua integralidade física, cultural, política
e cientíco-tecnológica, buscando a superação da dualidade entre
cultura geral e cultura técnica. Dessa forma, resgatou a perspectiva
da politecnia debatida nos anos 1980, no processo de discussão da
constituinte e da atual LDBEN. (GARCIA, 2015, p. 54).
Assim, as discussões em torno da reforma da EPT dos anos 1990,
mostrou ser uma proposta com nalidade clara de desenvolver uma
educação rasa, no âmbito da formação geral do estudante, e tendenciosa
quanto à formação técnica, o que foi lucidamente esclarecido por Frigotto
228 |
(2007). Contudo, o debate provocado pela sociedade organizada em torno
desse assunto constituiu o fomento para a implantação de um modelo
de educação prossional que se materializou na publicação das legislações
vindouras, o Decreto 5.154/2004 e a Lei n.11.892/2008.
A criação dos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia,
por meio da Lei n.11.892/2008, de 29 de dezembro 2008, pelo então
presidente Luiz Inácio Lula da Silva, é resultado desse embate político
que a sociedade organizada promovia naquele período. O que se destaca
na institucionalização dos Institutos Federais é a ênfase no conceito de
educação tecnológica que a nomenclatura trazia em si. O documento que
a Secretaria de Educação Prossional e Tecnológica publicou em 2010, é
sintomático nesse sentido, pois ao explanar sobre a concepção e diretrizes
da EPT, observa que:
A implantação dos Institutos Federais, desde os primeiros registros
e debates, sempre esteve relacionada ao conjunto de políticas para
a educação prossional e tecnológica em curso. Isso signica que,
para trilhar o caminho que leva a essas instituições, passamos
necessariamente pela expansão da rede federal de educação
prossional e tecnológica; pelas medidas que, em cooperação
com estados e municípios, visam à ampliação da oferta de cursos
técnicos, sobretudo na forma de ensino médio integrado, inclusive
utilizando a forma de educação a distância (EAD); pela política
de apoio à elevação da titulação dos prossionais das instituições
da rede federal com a formação de mais mestres e doutores; e pela
defesa de que os processos de formação para o trabalho estejam
visceralmente ligados à elevação de escolaridade, item em que
se inclui o Programa da Educação Prossional Técnica de Nível
Médio Integrada ao Ensino Médio na Modalidade de Educação
de Jovens e Adultos (Proeja). O que está em curso, portanto,
rearma que formação humana e cidadã precede a qualicação
para o exercício da laboralidade e pauta-se no compromisso de
assegurar aos prossionais formados a capacidade de manter-se
permanentemente em desenvolvimento. (BRASIL, 2010. p.7).
Acredita-se, que ao longo de pouco mais de uma década da
sua institucionalização, os Institutos Federais entenderam o papel da
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas vol. 2
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sua constituição, formaram uma rede de pesquisa em torno de temas
abrangentes, tais como, Ensino Tecnológico, Inovação Tecnológica,
Formação inicial para o trabalho, Formação Permanente, entre tantas
outras entradas que os Ifes provocaram, articulando um diálogo entre
ciência, tecnologia, cultura e mundos do trabalho.
O caso do Instituto Federal do Amazonas é um exemplo do exercício
coletivo de professores, gestores e colaboradores na construção de uma
EPT que se sustenta em ações de ensino, pesquisa e extensão, objetivando
o pensamento criativo, a liberdade de expressão, a formação integral, o
exercício da laboralidade, e contribuindo, assim, para a formação da
identidade dos Institutos Federais.
A instituição, nessa perspectiva, se constitui como um espaço
formativo fundamental na construção de conhecimento, na integração das
ações da educação prossional técnica de nível médio, da educação de jovens
e adultos, no fomento à formação inicial e continuada ou de qualicação
prossional e na educação prossional tecnológica de graduação e pós-
graduação, voltada ao desenvolvimento local e regional.
Nesse contexto, destacamos o impacto da pós-graduação,
compreendida como uma modalidade que potencializa a produção de
conhecimentos, possibilita o avanço da ciência, tecnologia, pesquisa,
cultura e inovação, e habilita prossionais em nível de mestrado e
doutorado para atuarem em diferentes esferas da docência e intervenção
técnico- pedagógica.
a educação ProfIssIonal no amazonas
De acordo com Romano e Mascarenhas (2018, p. 809), “a oferta de
educação prossional adequada às especicidades do contexto amazônico, pode
contribuir imensamente para a melhoria da qualidade de vida dos indivíduos”.
Para Romano (2018, p. 8), “no Estado do Amazonas a infraestrutura
de educação prossional ainda está em processo de consolidação” e durante
esse processo, “a ampliação do acesso a cursos de formação prossional
230 |
nas diversas áreas, aumenta o leque de oportunidade de emprego e renda
dos cidadãos, favorecendo a construção de equidade social no cenário
amazônico” (ROMANO; MASCARENHAS, 2018, p. 805).
A m de contextualizar a EPT no cenário amazônico, evidenciamos,
inicialmente, alguns indicadores relacionados às pesquisas realizadas sobre
a temática. Para tanto, selecionamos um conjunto de estudos, a partir
dos seguintes critérios metodológicos: publicação entre os anos de 2015
a 2020, estudos que tratam sobre a EPT na região amazônica e trabalhos
voltados para o contexto do IFAM. A busca foi realizada com auxílio da
base de dados do Google Acadêmico, mediante o uso da seguinte string de
busca: “educação prossional” AND “Mestrado Prossional em Ensino
Tecnológico” AND “Instituto Federal do Amazonas”, resultando em um
total de 64 estudos e na Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações,
que gerou um quantitativo de 31 resultados.
Por meio da leitura dos títulos e resumos dos estudos encontrados,
foram elegíveis, com base na temática estudada, vinte e um (21) trabalhos
que fazem referência à EPT no Amazonas, e estão relacionados ao contexto
do IFAM: Silva et al. (2015a; 2015b); Santos e Azevedo (2016); Nogueira
(2016), Santos (2016), Costa (2016); Dall’alba (2016), Silva e Azevedo
(2016); Lapa (2017); Vilas Boas (2017); Silva (2018); Oliveira et al.
(2018); Ferreira, Azevedo e Stefanuto (2018); Guerreiro (2018); Victor
(2019); Valle (2019); Souza (2019); Nicolau e Souza (2020); Silva (2020);
Rocha e Santos (2020), Coelho (2021).
Esses estudos são publicados em diferentes gêneros, tais como,
dissertações, capítulos de livros, artigos e relatos de experiências, por
professores, discentes e egressos da instituição, em especial do PPGET.
Grande parte deles são desenvolvidos no âmbito do MPET e visam ampliar
as pesquisas e publicações cientícas relacionadas à temática de EPT na
região amazônica.
Os trabalhos versam sobre conceitos e características da Educação
Prossional na contemporaneidade brasileira, abrangendo, de maneira
geral, sobre a contextualização histórica do surgimento e desenvolvimento
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas vol. 2
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da Educação Prossional no Amazonas, especialmente, os que têm relação,
em diferentes dimensões, com o IFAM, abordando temas como a relevância
da tecnologia na realização de uma Educação Prossional mais humanizada
(SANTOS; AZEVEDO, 2016), mecanismos e espaços institucionais
previstos para a participação dos estudantes de cursos técnicos integrados
da EPT na gestão (VICTOR, 2019), espaços ocupados pela mulher e as
dinâmicas frente às suas atividades exercidas no ensino prossional (SILVA,
2018), educação prossional e tecnológica ofertada aos povos indígenas no
diálogo com a busca universal pela politecnia na educação (NICOLAU;
SOUZA, 2020), entre outros aspectos, tais como, a Educação Prossional
Técnica de Nível Médio, Saberes Docentes, inclusão, formação de
Professores, formação integral e omnilateral, o papel do ensino de línguas
na EPT, entre outras temáticas não menos importantes.
A partir dessa análise, um dos principais resultados a ser observado
refere-se à diversidade de temas abordados, tendo como principais aspectos
de discussão, a formação de professores e os saberes docentes. Outro aspecto
a ser evidenciado, a partir das leituras, refere-se ao nível educacional para
o qual os estudos são direcionados, já que grande parte deles trata sobre a
educação prossional técnica de nível médio.
Acreditamos que essa característica das pesquisas realizadas justica a
realização de novos estudos que estejam direcionados à modalidade da pós-
graduação, seus objetivos, características e impactos para a área de ensino e
educação prossional e para a sociedade.
Nessa perspectiva, destacamos, na próxima seção, algumas
informações relacionadas ao PPGET, que tem como meta potencializar
a pesquisa na área de ensino, objetivando ampliar a produção de
conhecimentos que possam contribuir para o desenvolvimento da EPT no
contexto regional e no Brasil e fomentar o desenvolvimento tecnológico na
área, por meio da geração de processos e produtos educacionais.
232 |
retrato da formação ProfIssIonal e tecnológIca no PPget
Nesta seção, apresentamos um retrato do PPGET e seu papel
na formação prossional e tecnológica. Esse programa compreende o
Mestrado Prossional em Ensino Tecnológico (MPET), aprovado em
2013, e o Doutorado Prossional em Ensino Tecnológico, aprovado em
2020 e implementado em 2021, o que representa um marco para a região
Norte, considerando que se trata do segundo doutorado na área de ensino
e o primeiro doutorado aprovado em um Instituto Federal nessa região.
A pós-graduação stricto sensu em Ensino Tecnológico no IFAM
surgiu em meio ao debate sobre a necessidade de investimentos em estudos
e pesquisas centradas em processos e produtos capazes de otimizar o ensino,
conforme as especicidades formativas da Educação Básica, com especial
atenção ao nível técnico e ao Ensino Superior (Ensino Tecnológico).
O programa tem por objetivo possibilitar a construção de
conhecimentos e novas aprendizagens, que permitam incluir a aprendizagem
para toda vida, a resolução de problemas, o enfrentamento às assimetrias
do contexto social local, imerso por tecnologias e por questões de diversas
naturezas (diversidade, gênero, globalização, imigração, intolerância), por
considerar que repercutem na escola para uma formação mais humana, de
respeito às liberdades, de vivência ética, tolerância e cidadania.
Em seu curto período de existência, o PPGET conta com publicações
nacionais e internacionais, Produtos Técnico-Tecnológicos, implementados
em todo o estado do Amazonas, produções bibliográcas, uma revista
cientíca (Educitec) e um evento cientíco de abrangência nacional (Seta).
Além da aprovação do Doutorado Prossional, evidencia-se
também, o número de estudantes matriculados no Programa, o impacto
gerado na sociedade, por meio dos processos e produtos educacionais que
são desenvolvidos, a ampliação da produção, publicação e comunicação
cientíca, com foco em temas relacionados à formação de professores e
ao ensino tecnológico, que visam democratizar o acesso ao conhecimento
cientíco e contribuir para o fortalecimento da área do ensino como campo
de conhecimento cientíco.
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas vol. 2
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O doutorado tem como área de concentração: “Processos e Produtos
para o Ensino Tecnológico”, e conta com duas linhas de pesquisa, Linha 1 –
Processos para ecácia na formação de professores e no trabalho pedagógico
em contextos de Ensino Tecnológico; e Linha 2 – Alternativas mediadoras
para ecácia do ensino e aprendizagem em contextos tecnológicos.
O programa tem como meta a formação de prossionais da
educação, em especial docentes que tenham interesse em investigar
objetos e ou fenômenos emergentes e complexos relacionados tanto aos
processos formativos de professores, quanto aos meios e recursos para o
ensino e aprendizagem, nos distintos níveis de ensino, visando à pesquisa,
construção, aplicação e validação de processos e produtos construídos, a
partir dos problemas cotidianos de sala de aula, experiências e trajetórias
formativas.
Por meio dessa formação, busca-se a construção e disseminação de
novas propostas que possam aperfeiçoar o trabalho docente, por meio
de processos e produtos, divulgar a produção acadêmica cientíca e
contribuir para a melhoria dos processos sociais. Esses materiais podem ser
manipulados, modicados e, principalmente, utilizados para melhorias
de ações educacionais no contexto da EPT, dentro de salas de aula,
laboratórios, pátios, bibliotecas, contextos do mundo do trabalho, e tantos
outros possíveis espaços formais e não formais de ensino” (RIBEIRO;
SUHR; BATISTA, 2019, p. 365).
A intenção é que cada um desses produtos possa fomentar novas
práticas educativas, que tenham foco na melhoria de processos, que
promovam uma melhor formação em EPT em contextos diversos,
escolares ou não, dentro ou fora da sala de aula, seja por docentes
ou por outros prossionais que contribuem para isso de maneira
indireta, como técnicos administrativos de nossas instituições
ou prossionais que estejam em outros contextos do mundo do
trabalho. (RIBEIRO; SUHR; BATISTA, 2019, p. 365).
Assim, ao examinar o programa identica-se seu papel no sentido de
formar professores-pesquisadores que geram processos e produtos testados,
234 |
validados e disponibilizados aos segmentos institucionais e sociais,
contribuindo para que o ensino tecnológico possa ser um diferencial em
mudanças de estados de consciência dos indivíduos, proporcionando
possibilidades de redimensionamento do processo formativo, em níveis de
complexidade mais abrangentes.
De acordo com dados disponíveis na Plataforma Sucupira (2021),
apresentamos o quantitativo de ações desenvolvidas pelo Programa
(Quadro 1).
Quadro 1 - O PPGET em números
QUANT. AÇÕES DESENVOLVIDAS PELO PPGET
78 Dissertações defendidas
615 Produções bibliográcas
425 produções técnicas
78 egressos
77 discentes
17 docentes permanentes
03 docentes colaboradores
Fonte: Elaboração própria, baseado na Plataforma Sucupira, 2021
Os dados demonstram que a formação docente verticalizada por
meio da pós-graduação stricto sensu trouxe contribuições em diversas
frentes, desde a ampliação de publicações em periódicos cientícos, à
produção de dissertações e produtos educacionais, reverberando em
um crescimento signicativo da sociedade educativa com qualicação
especializada, formando e qualicando prossionais da educação para a
atuação prossional e emancipação como cidadão.
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas vol. 2
| 235
alguns exemPlos do ImPacto socIal dos Processos e Produtos
gerados no PPget
A criação e atuação do PPGET marcam os resultados das experiências
com a pesquisa aplicada em ensino tecnológico, demonstrando as ações
e iniciativas realizadas pelo Programa que impactaram socialmente a
prática pedagógica no território da formação de professores e dos recursos
metodológicos, no contexto da EPT na região amazônica.
Um exemplo de impacto social das pesquisas desenvolvidas pelo
Programa é a pesquisa da docente Rosa Oliveira Marins Azevedo e da
mestranda Barbara Castro Lapa, intitulada Tecendo um traçado entre a
autoformação docente e sentidos do trabalho, em que teve como produto
educacional um Massive Open Online Course (LAPA, 2017), que visa
(re)pensar o processo formativo de professores inseridos na Educação
Prossional e Tecnológica, a partir das histórias de vida. O destaque deste
PTT ocorre em função da inserção social, pois trata-se de um produto para
a formação de professores cujo impacto de aplicação do produto foi gerado
no próprio Programa, aplicado e transferido para um sistema. O produto,
que é um Curso Online Aberto e Massivo - MOOC, gerou suporte para a
formação de professores EBTT dos Institutos Federais e, em especíco, do
Instituto Federal do Amazonas.
O produto educacional possui teor inovativo e seu impacto social
está direcionado para a inserção social do produto, que é inteiramente
passível de replicabilidade, a partir de orientações detalhadas dentro de
uma proposta metodológica com orientações contidas em um “Mapa de
Atividades do MOOC”, que mapeia, passo a passo, sua (re)aplicação.
Nesse sentido, o produto educacional cumpre com sua função social, ao
ser capaz de desenvolver uma compreensão crítico-reexiva relativa à EPT,
tão necessária, sobretudo aos professores da Rede Federal de Educação
Prossional, Cientíca e Tecnológica.
Outro exemplo de impacto social das pesquisas do Programa
refere-se à dissertação intitulada Design inking na Elaboração de um
Produto Educacional: Roteiro de Aprendizagem – Estruturação e Orientações
236 |
(FARIAS, 2019), que teve repercussão nacional, sobretudo, dado o
estado de pandemia, no qual se fez imperativo para professores criarem
roteiros de aprendizagem para auxiliar os discentes no estudo autônomo.
A pesquisa gera uma articulação dos roteiros de aprendizagem no
contexto das disciplinas, dado que a concepção do produto educacional
gerado pela dissertação adotou como percurso metodológico o Design
inking, uma abordagem bastante utilizada na geração de produtos na
área de negócios e serviços. Por meio da pesquisa foram geradas outras
produções correlatas, tais como, um e-book e cursos sobre aplicação
de Design inking na Elaboração de Produtos Educacionais. Assim,
esta pesquisa alcançou inserção social, ao ser requisitada para auxiliar
professores da educação básica em um estado de pandemia que atingiu
diretamente o ofício de professor.
A dissertação intitulada Citologia para Estudantes Surdos: uma unidade
de Ensino Potencialmente Signicativa (TAVARES, 2018), cuja nalidade
foi auxiliar na atuação pedagógica do professor de Biologia, com o ensino
de Citologia, levando em consideração estudantes surdos, é uma referência
de pesquisa que trabalha com recursos metodológicos na perspectiva da
inclusão. Partindo de uma necessidade real da pesquisadora, que tinha
diculdades com o ensino da disciplina de Biologia para os discentes
surdos, a pesquisa deu origem a um produto educacional que partiu do uso
de recursos visuais e metodologias inovadoras para o desenvolvimento do
tema Citologia, assegurando a compreensão dos conceitos e termos para
os quais não havia sinais em Libras. O produto educacional contribuiu
para a inserção social e formação de professores em áreas de oportunidades
escassas ao oportunizar o atendimento a demandas reais de discentes
surdos – o que contribui para a inclusão acadêmica e social.
Por m, destaca-se, também, o produto educacional resultado da
pesquisa de mestrado intitulada: Professores de Língua Portuguesa e alunos
surdos do ensino médio integrado do IFAM/CMC: considerações acerca do
processo inclusivo (RODRIGUES, 2020), orientada pela docente Maria
Lúcia Tinoco Pacheco. Essa pesquisa construiu, a partir da inserção no
cenário escolar do Instituto Federal do Amazonas e na observação direta
de práticas educacionais de professores de Língua Portuguesa atuantes
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas vol. 2
| 237
em salas de aulas inclusivas com discentes surdos e ouvintes, materiais
pedagógicos para professores que trabalham com esse público.
A pesquisa, além de construir um material para o atendimento de
professores, também dialoga com toda a comunidade escolar inclusiva, isto
é, professor, intérprete e outros sujeitos da escola. O produto educacional
gerado pela pesquisa registra experiências que ressignicam a formação
de professores no âmbito da educação inclusiva e da educação especial.
Construída a partir de uma abordagem etnográca, a pesquisa que originou
este PTT teve como foco investigativo professores do ensino médio
integrado, no eixo de ensino técnico e tecnológico, em cujas aulas tiveram
a presença de discentes surdos. Registre-se, que a replicação do produto
educacional vem ocorrendo em escolas públicas do estado do Amazonas,
demonstrando a sua pertinência no tocante ao impacto social das pesquisas
desenvolvidas no/pelo Programa.
Denota-se pelas experiências de pesquisas apresentadas que dentre
os desaos do Programa, destacam-se a busca contínua pela garantia da
qualidade dos cursos de mestrado e doutorado ofertados na região Norte,
a consolidação de uma proposta diferenciada para a oferta de educação
prossional e tecnológica, pautada nas necessidades e demandas locais,
interferindo, assim, na diminuição das assimetrias sociais da região Norte.
consIderações fInaIs
Neste capítulo, realizamos uma breve exposição sobre a EPT,
articulada com a modalidade da pós-graduação, e evidenciada a partir
do papel e das contribuições do PPGET na formação prossional e
tecnológica no contexto amazônico. O texto evidencia a concepção de
EPT fundamentada na integração e articulação entre ciência, tecnologia,
cultura e conhecimentos especícos, no intuito de promover a autonomia
e os saberes necessários ao permanente exercício da capacidade laboral.
Os resultados oriundos das pesquisas e aplicação dos produtos
educacionais, tanto no contexto amazonense, como nos seus desdobramentos
238 |
no cenário brasileiro, evidenciam a relevância da pós-graduação e suas
contribuições na democratização da formação prossional e tecnológica,
no fomento à acessibilidade da formação e apoio ao desenvolvimento
das regiões mais afastadas e, principalmente, na reconstrução das relações
fundamentais entre as instituições de ensino e a sociedade, visando à
correspondência entre o sistema de formação prossional e tecnológica e o
desenvolvimento socioeconômico e sustentável da região amazônica.
A m de minimizar as desigualdades sociais, o PPGET reforça o
papel da educação prossional como contribuinte do desenvolvimento
local e regional e ocupa um espaço estratégico, no sentido de promover a
emancipação social e econômica dos cidadãos, tornando-os aptos ao mundo
do trabalho. Esse papel se consolida nas ações de diversos atores, visando
elevar o nível de escolarização, responder adequadamente às mudanças do
atual cenário e atuar como um elemento importante na inclusão social e na
melhoria dos processos de ensino e aprendizagem na região norte.
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| 243
Capítulo 9
A    
    
:   /
IFRN
Edilza Alves Damascena
Dante Henrique Moura
resumo: Este trabalho trata das políticas voltadas à formação de professores da educação
prossional, tendo o Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande
do Norte (IFRN) como campo de pesquisa. Objetivamos reetir sobre os avanços e
desaos experienciados nessa instituição quanto à política formativa dirigida aos seus
próprios docentes com vistas à atuação na educação prossional. Desenvolvemos a
pesquisa por meio de análise documental, aplicação de questionários e realização de
entrevistas. Constatamos importantes avanços, como o reconhecimento institucional da
necessidade de ações formativas especícas para os docentes da educação prossional,
embora também tenhamos observado desaos signicativos, a exemplo da realização de
ações pontuais, desarticuladas e dependentes de indução externa.
https://doi.org/10.36311/2023.978-65-5954-344-1.p243-272
244 |
Este texto é o recorte de uma pesquisa
1
mais abrangente, realizada
em nível de doutoramento, cujo campo empírico foi o Instituto Federal
de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte (IFRN).
Nesse trabalho, intencionamos reetir sobre os avanços e desaos
experienciados no IFRN em relação à política formativa para os/as seus/
suas próprios/as docentes com vistas à atuação na educação prossional.
Contudo, para pensar as potencialidades e limitações da formação de
professores/as no âmbito da educação prossional, precisamos, antes de
mais nada, de uma breve contextualização histórica a m de localizarmos
nosso objeto de estudo no tempo.
No Brasil, a origem da educação prossional formal nos conduz ao
Império, embora não fosse essa a denominação utilizada à época. De
acordo com Manfredi (2002, p. 75-76), estas iniciativas “ora partiam
de associações civis (religiosas e/ou lantrópicas), ora das esferas estatais
– das províncias legislativas do Império, de presidentes de províncias,
de assembleias provinciais legislativas. Por vezes, também, resultavam
do entrecruzamento de ambas [...]”. Essas atividades tinham forte
viés assistencialista e compensatório, pois estavam destinadas aos
menores mendicantes e outros “desafortunados da sorte”. Além disso,
eram atravessadas por uma concepção de educação interessada em
capacitar mão de obra, em ofertar uma atividade socialmente útil aos
mais pobres. Para a autora, “ideológica e politicamente, tais iniciativas
constituíam mecanismos de disciplinamento dos setores populares,
no sentido de conter ações insurrecionais contra a ordem vigente e
legitimar a estrutura social excludente herdada do período colonial
(MANFREDI, 2002, p. 78).
Destacamos que a primeira iniciativa documentada de um projeto
formativo destinado aos professores da educação prossional data de 1917,
com a Escola Normal de Artes e Ofícios Wenceslau Brás, fechada já em
Trata-se da pesquisa Política de formação docente para a educação prossional dos professores do IFRN: avanços
e desaos (2008-2018), desenvolvida por Edilza Alves Damascena, sob orientação do Prof. Dr. Dante
Henrique Moura, no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Rio Grande
do Norte (UFRN).
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas vol. 2
| 245
1937
2
. Outro evento histórico relevante, de acordo com Machado (2013, p.
349), diz respeito à “[...] Lei Orgânica do Ensino Industrial, de 1942, que, no
seu artigo 53, previa que a formação de professores de disciplinas de cultura
geral, de cultura técnica ou de cultura pedagógica e de práticas educativas
deveria ser feita em cursos apropriados”. A expressão cursos apropriados
indica o reconhecimento da necessidade de uma formação especíca.
Ainda conforme Machado (2013), esse foi o primeiro registro, na legislação
educacional brasileira, a realçar a docência na educação prossional.
Também ressaltamos o acordo entre Estados Unidos e Brasil,
rmado no ano de 1946, que constituiu a Comissão Brasileiro-Americana
de Ensino Industrial (CBAI), a qual repercutiu fortemente em nossa
educação prossional. Essa ação promoveu cursos para os/as professores/
as do ensino industrial, viagens técnicas aos EUA e capacitação para os/
as diretores/as das escolas industriais, além de disseminar um método
de treinamento consolidado como referencial didático naquele período
(MACHADO, 2013).
Segundo o estudo de Machado (2013), importantes registros foram
realizados em legislações posteriores. Alguns mais enfáticos e rígidos,
caso da Lei n. 5.540/1968, conhecida como reforma universitária. Nela,
determinou-se que a formação de professores/as com atuação no segundo
grau, inclusive nas disciplinas técnicas, fosse realizada em nível superior.
Já em outras ocasiões, nota-se certa exibilidade, como no caso da
criação de cursos emergenciais chamados de esquemas I e II. Esses cursos
direcionavam-se à complementação pedagógica de docentes da área técnica
e também ao estudo de conteúdos especícos da sua área.
Chegamos à Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB)
n. 9.394/1996, que, quando publicada, não mencionava nada especíco
sobre a formação dos professores/as da educação prossional. Porém, no
ano seguinte, por meio do Decreto n. 2.208/1997, estabeleceu-se que nessa
modalidade de ensino poderiam ser admitidos instrutores/as e monitores/as
Em sua pesquisa, Machado (2013) relata que durante os 20 anos de funcionamento da escola registraram-se
5.301 matrículas e apenas 381 concluintes. Entre os que concluíram, estavam 309 mulheres, provavelmente
professoras de trabalhos manuais. Para a autora, “provavelmente, os 5.301 que se matricularam não sentiram
muita necessidade de concluir um curso de formação pedagógica” (2013, p. 349).
246 |
com base em sua experiência laboral. Ainda nesse mesmo período, o CNE/
CEB, por meio da Resolução n. 02/1997, dispôs sobre programas especiais
de formação pedagógica de docentes para as disciplinas do currículo do
ensino fundamental, do ensino médio e da educação prossional em nível
médio. Nesse contexto, os/as professores/as que atuavam nas disciplinas
da área técnica/tecnológica da educação prossional poderiam cursar
programas especiais, com carga horária mínima de 540 horas, e obter
certicação e registro prossional equivalentes a uma licenciatura plena.
Esse dispositivo vigorou até 2015, quando o CNE deniu, agora
através da Resolução n. 02/2015, as diretrizes para a formação inicial e
continuada em nível superior. O documento estabelece que a formação
inicial dos/as prossionais não licenciados/as que atuam na educação
básica, caso de quem exerce a docência das disciplinas da área técnica/
tecnológica nos cursos técnicos, pode ocorrer por intermédio de cursos
de formação pedagógica com carga horária mínima entre 1.000 e 1.400
horas, “[...] dependendo da equivalência entre o curso de origem e a
formação pedagógica pretendida” (BRASIL, 2015, p. 12). A resolução
ainda esclarece que os cursos de formação pedagógica para graduados/as
não licenciados/as são emergenciais e provisórios. Parece-nos que, de modo
geral e em perspectiva histórica, a realidade formativa dos/as docentes
das disciplinas técnicas/tecnológicas no que se refere aos conhecimentos
especícos da docência na educação prossional manifesta-se, ainda, de
modo emergencial, precário e descontinuado.
Em 2017, passados quase dois séculos das primeiras iniciativas
desenvolvidas no período imperial e relacionadas ao que, atualmente,
denomina-se educação prossional, o governo brasileiro promoveu uma
alteração na LDB n. 9.394/1996 que, em nosso entendimento, reedita
a concepção de que a educação prossional pode ser ministrada por
prossionais sem formação especíca para a docência. Dessa forma, seu
art. 61, que trata dos/as prossionais da educação escolar básica, apresenta
no inciso IV a seguinte redação:
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas vol. 2
| 247
IV – prossionais com notório saber reconhecido pelos respectivos
sistemas de ensino, para ministrar conteúdos de áreas ans à sua
formação ou experiência prossional, atestados por titulação
especíca ou prática de ensino em unidades educacionais da rede
pública ou privada ou das corporações privadas em que tenham
atuado, exclusivamente para atender ao inciso V do caput do art.
36. (BRASIL, 1996 [Incluído pela Lei n. 13.415, de 2017]).
O “notório saber” constitui-se em uma ferramenta legal que
equipara qualquer prossional, com titulação acadêmica ou não, aos/às
trabalhadores/as da educação. Recorre-se ao expediente do exercício de
funções semelhantes para justicar uma falsa equiparação que, na verdade,
só aprofunda o fosso da desvalorização de processos formativos especícos.
Compreendemos que esse dispositivo fortalece a reprodução de práticas
bastante semelhantes ao que ocorria nos primórdios da atuação nessa
modalidade de ensino em nosso país.
Com base nesses fragmentos históricos, podemos armar,
corroborando Moraes e Pedrosa (2009), Machado (2013), entre outros
pesquisadores, que a formação docente voltada à educação prossional
tem uma história de ações descontinuadas, fragmentadas e de viés sempre
provisório, mais ao modo de uma política de não formação, conforme
Oliveira (2006).
Eis, embutidos nesses parágrafos introdutórios, dois grandes desaos
para a formação de professores no âmbito da educação prossional: a ausência
de uma política nacional sólida e a persistente negação da docência, sobretudo
na educação prossional, como um campo próprio de conhecimento, uma
atividade que deve ser exercida por prossionais com formação especíca
para tal. Reconhecemos a docência enquanto território de conhecimentos
próprios, que demanda embasamento para a compreensão – e o trabalho
a partir – das peculiaridades dessa esfera formativa. Assim, ao abordarmos
os desaos e avanços para essa formação, objetivamos contribuir com o
debate e suscitar reexões que colaborem para a superação dessa dupla
problemática que limita a possibilidade de materialização de uma educação
prossional emancipatória.
248 |
A partir da compreensão de que o nosso objeto de estudo é parte
de uma realidade complexa e contraditória, adotamos como referencial
teórico e metodológico o materialismo histórico-dialético. Nesse sentido,
é oportuno ressaltar a posição de Frigotto (2010, p. 79). O autor demarca:
[...] a dialética materialista histórica enquanto uma postura, ou
concepção de mundo; enquanto um método que permite uma
apreensão radical (que vai à raiz) da realidade e, enquanto práxis,
isto é, a unidade de teoria e prática na busca da transformação
e de novas sínteses no plano do conhecimento e no plano da
realidade histórica.
Além dessa denição, também nos fundamentamos em Araújo
(2010, p. 3), para quem “[...] é necessário reconhecer que qualquer leitura
que se faça acerca da Educação Prossional, inclusive de suas práticas
pedagógicas, pressupõe uma opção política pautada no projeto de sociedade
que se toma como referência”.
Amparados nesse referencial, realizamos a investigação que deu
origem ao presente texto. Desenvolvemos vasta pesquisa bibliográca a m
de nos apropriarmos das discussões já existentes no campo da formação
docente para a educação prossional. Também analisamos documentos
do âmbito nacional e, em especial, do IFRN, tais como: Projeto Político-
Pedagógico (PPP), Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI),
regimento, estatuto, resoluções do Conselho Superior (CONSUP),
relatórios de gestão, entre outros. Aplicamos, ainda, um questionário ao
público participante de processos formativos e entrevistamos formadores/
as e gestores/as.
Esse artigo está organizado em três seções, além da introdução. No
primeiro momento, discutimos a demanda por uma política de formação de
professores/as especíca para a atuação na educação prossional. Em seguida,
tratamos dos achados da pesquisa, tanto da perspectiva das regulamentações
quanto das ações dentro do IFRN. Por m, debatemos os avanços e os
desaos observados quanto à construção de uma política formativa a partir
das análises possibilitadas pela pesquisa. Vamos ao debate!
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas vol. 2
| 249
1. formação docente Para quê?
Conforme já anunciamos, partimos do pressuposto de que a
docência é um campo próprio de conhecimento e, portanto, requer que
seus/suas prossionais experienciem processos formativos sistematizados
que, no caso da educação prossional, também estejam concatenados às
peculiaridades da modalidade.
Tardif (2002) ressalta que o conhecimento sobre o qual se funda a
ação docente não se esgota em uma formação com tempo determinado.
Por isso, é permanente, com origens e naturezas diversas, e integra
saberes disciplinares, curriculares, experienciais e, é claro, os da prossão
(vinculados a instituições formativas). Ainda sobre a complexidade e a
diversidade implicadas no conhecimento próprio da docência, Kuenzer
(2011) defende que a formação para os/as professores/as da educação
básica deve estar amparada nos seguintes eixos:
contextual, articulando os conhecimentos sobre educação,
economia, política e sociedade, e suas relações, tomadas em seu
desenvolvimento histórico;
epistemológico, integrando as teorias e princípios que regem a
produção social do conhecimento;
institucional, contemplando as formas de organização dos espaços e
processos educativos escolares e não escolares;
pedagógico, integrando os conhecimentos relativos a teorias e
práticas pedagógicas, gerais e especícas, incluindo cognição,
aprendizagem e desenvolvimento humano;
práxico, de modo a integrar conhecimento cientíco, conhecimento
tácito e prática social;
ético, compreendendo as nalidades e responsabilidades sociais
e individuais no campo da educação, em sua relação com a
construção de relações sociais e produtivas, segundo os princípios
da solidariedade, da democracia e da justiça social;
investigativo, comprometido com o desenvolvimento das
competências em pesquisa, tendo em vista o avanço conceitual na
área do trabalho e da educação (KUENZER, 2011, p. 686-687,
grifos da autora).
250 |
Os trabalhos de Tardif (2002) e Kuenzer (2011) demonstram que
a docência compreende um corpo próprio de conhecimento que exige
processos formativos. Existem outros estudos que raticam essa conclusão,
mas não nos deteremos neles em virtude dos limites deste capítulo. As
pesquisas citadas cumprem, aqui, o papel de elucidar o lugar político-
epistemológico que assumimos ao lidar com a categoria docência, qual
seja: a necessidade de uma formação especíca para os/as prossionais
docentes. Além disso, se estamos discutindo a formação de professores/as
atuantes na educação prossional, é necessário frisar que qualquer proposta
formativa voltada aos/às docentes dessa modalidade precisa considerar suas
particularidades. Nessa lógica, Araújo (2008, p. 58) arma que:
A docência na educação prossional compreende um saber
especíco: o conteúdo capaz de instrumentalizar o exercício
prossional. A formação do docente da educação prossional deve
garantir a articulação dos saberes técnicos especícos de cada área,
dos saberes didáticos e do saber do pesquisador.
O autor rearma a complexidade e o pluralismo da docência ao
mesmo tempo em que indica especicidades da educação prossional,
enfatizando sua vinculação ao mundo do trabalho, articulação que, por
sua vez, reivindica saberes técnicos/tecnológicos e profundo conhecimento
das relações entre trabalho, educação e sociedade, entre outros. Observe-
se, ainda, que ao incluir o saber do/a pesquisador/a como garantia na
formação para o/a professor/a da educação prossional, Araújo (2008, p.
59) endossa não apenas o envolvimento desse/a trabalhador/a com projetos
de pesquisa, “[...] mas, também, para promover uma atitude de autonomia
intelectual diante dos desaos da sua prática educativa”.
Salientamos que o conjunto de conhecimentos peculiares à educação
prossional parece reforçar ainda mais a amplitude das necessidades
formativas dos/as prossionais que nela atuam
3
. Os/as docentes das
disciplinas da área técnica/tecnológica são, geralmente, prossionais
Registramos que o conhecimento sobre as especicidades da docência na educação prossional ainda
é incipiente, carecendo de mais pesquisas, embora nos últimos anos tenhamos observado avanços
signicativos nessa área.
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas vol. 2
| 251
que receberam formação inicial em áreas diferentes daquelas vinculadas
à educação. São bacharéis/bacharelas e tecnólogos/as que enveredaram
na docência em educação prossional. Tal situação, como explicado, é
assegurada legalmente e está amparada pela LDB vigente.
A insuciência de prossionais licenciados/as nas múltiplas áreas da
tecnologia é um dos aspectos que contribui para a manutenção dessa realidade.
No entanto, uma vez que ingressam na docência e tornam-se professores e
professoras, uma prossão regida por normas, fundamentos e conhecimentos
próprios, esses/as prossionais não deveriam receber uma formação especíca?
Nós entendemos que sim! Acreditamos que, mesmo o domínio do
conhecimento técnico/tecnológico sendo basilar à docência, ele não é suciente;
são indispensáveis também os conhecimentos da área educacional, além de
outros já mencionados, dos quais não é possível se apropriar espontaneamente.
Esclarecemos que a educação prossional é uma modalidade ofertada
em diferentes níveis e etapas da educação brasileira, do ensino fundamental
à pós-graduação. Como recorte para esse estudo, usamos apenas a oferta
da educação prossional de nível técnico (EPTNM). Essa oferta pode ser
feita por instituições públicas e privadas, dentre as quais destacamos as redes
estaduais e a Rede Federal de Educação Prossional, Cientíca e Tecnológica
(RFEPCT), de origem centenária e com unidades nas capitais dos estados e
regiões interioranas. Convém acentuar o processo de expansão da RFEPCT
a partir de 2005, pois até o ano de 2002 a rede contabilizava 140 unidades
em todo o território nacional. Já em 2019, segundo dados do Portal do
Ministério da Educação (MEC), existiam mais de 661 unidades vinculadas
a 38 Institutos Federais, dois Centros Federais de Educação Tecnológica
(CEFETs), à Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR) e 22
Escolas Técnicas ligadas às Universidades Federais e ao Colégio Pedro II
4
.
Trata-se de uma expansão que, em um curto período histórico (em torno
de dez anos), foi responsável por mais que quadruplicar o número de unidades.
Em que pesem as contradições desse processo, as quais não discutiremos aqui,
concordamos com Turmena e Azevedo (2017), quando armam que:
Dados coletados no Portal do MEC. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/rede-federal-inicial/
instituicoes. Acesso em: 01 out. 2020.
252 |
Numa leitura dialética da realidade, entende-se que o Estado,
embora hegemonizado pela burguesia, não é absolutamente
burguês, também a educação não é absolutamente expressão da
vontade burguesa. Portanto, na criação dos IFs, houve a ampliação
da oferta de educação pública que, embora também inserida
nos limites da sociedade de classes, constitui uma possibilidade
de formação e desenvolvimento de “intelectuais orgânicos
comprometidos com a superação das relações sociais capitalistas.
(TURMENA; AZEVEDO, 2017, p. 1081).
Na expansão, um grande ganho foi a interiorização dessas instituições,
sua chegada às periferias das grandes cidades, tendo em vista que, antes,
estavam localizadas predominantemente nas regiões centrais das cidades
de maior porte. Com essas mudanças, muitos/as jovens e suas respectivas
famílias ocuparam espaços de formação antes interditados a eles devido
às distâncias geográcas e à desigualdade socioeconômica. Os dados da
Plataforma Nilo Peçanha apontam que no ano de 2019 foram atendidos
na RFEPCT 1.023.303 estudantes
5
em diversos cursos.
O Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio
Grande do Norte, nosso campo empírico, é constituído por 22 campi, uma
reitoria, 41.260 estudantes e 2.647 servidores/as ativos/as permanentes, de
acordo com o Relatório de Gestão da instituição referente ao ano de 2020.
Segundo seu Projeto Político-Pedagógico (PPP), o IFRN tem a seguinte
função social:
[...] ofertar educação prossional e tecnológica – de qualidade
referenciada socialmente e de arquitetura político-pedagógica capaz
de articular ciência, cultura, trabalho e tecnologia – comprometida
com a formação humana integral, com o exercício da cidadania
e com a produção e a socialização do conhecimento, visando,
sobretudo, a transformação da realidade na perspectiva da igualdade
e da justiça sociais. Desse modo, o IFRN contribui para uma
formação omnilateral que favorece, nos mais variados âmbitos, o (re)
dimensionamento qualitativo da práxis social. (IFRN, 2012, p. 21).
A plataforma Nilo Peçanha reúne informações como os dados estatísticos ociais da Rede Federal de
Educação Prossional, Cientíca e Tecnológica. O quantitativo de estudantes atendidos foi obtido
considerando as informações da plataforma no ano de 2020 com base no ano de 2019. Disponível em
http://plataformanilopecanha.mec.gov.br/2020.html. Acesso em: 05 nov. 2020.
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas vol. 2
| 253
A função social do IFRN explicita uma concepção de ser humano
integral, aliada a um projeto de educação prossional que vá além do
atendimento à demanda mercadológica, pois comprometido com a
formação em sua integralidade. Do nosso ponto de vista, para que essa
função seja materializada necessitamos de uma equipe de prossionais
que compreendam e assumam a concepção de educação subjacente a ela.
Para isso, são elementares os processos formativos articulados ao projeto
de sociedade e escola defendido no PPP do IFRN, uma vez que muitos/as
professores/as e técnicos/as administrativos/as da rede advêm de cursos que
não discutem a educação.
Para retratar mais concretamente essa realidade, coletamos em
janeiro de 2020 dados referentes ao quadro de docentes do IFRN.
No sistema administrativo, estavam cadastrados/as 1.732 professores/
as. Esse número incluía todos/as os/as docentes, inclusive os/as que,
naquele momento, estavam afastados/as por diferentes tipos de licença,
além dos/as que não tinham vínculo efetivo com a instituição, como
os/as substitutos/as e temporários/as. Filtrando o quantitativo de 1.732
professores/as a partir do dado formação, obtivemos o seguinte resultado:
632 cursaram licenciaturas; 595 cursaram bacharelados; 77 formaram-se
em cursos superiores de tecnologia; e, em 428 casos, o ltro não captou
nenhuma informação.
Logo, se excluímos os/as que não têm dados de sua formação inicial
no sistema e contabilizando aqueles cujas graduações não são licenciaturas,
chegamos ao percentual de 51,5%. Esse número expressivo parece
representar o número de prossionais que não tiveram a oportunidade
de reetir, no interior de processos formativos sistematizados, sobre o
conhecimento da área educacional – o que, raticamos, é um problema,
já que eles/as trabalham em instituições de ensino e atuam em uma
modalidade da educação nacional. Outra face vinculada ao problema
que estamos discutindo é a constatação de que até mesmo os cursos de
licenciatura, em sua maioria, não abordam as peculiaridades da educação
prossional ou o fazem de maneira supercial.
254 |
Ao discutir os fundamentos políticos-pedagógicos dos Institutos
Federais, Pacheco (2015) assume uma perspectiva de educação prossional
e tecnológica transformadora, que vai além da ótica mercadológica.
Porém, ele alerta que, para esse projeto ganhar vida e materialidade, requer
investimento em formação continuada durante o período de implantação
e consolidação dos IFs. Nas palavras dele, “sem isso é muito difícil que esse
projeto sobreviva, pois ele está intrinsecamente vinculado a um projeto de
sociedade e a uma visão política da EPT” (PACHECO, 2015, p. 38).
Importa investigar como as instituições de educação prossional
tratam esse assunto, razão pela qual escolhemos o IFRN como lócus de
análise, uma vez que é parte da RFEPCT, abrange todas as mesorregiões
do Rio Grande do Norte e oferta educação prossional técnica de nível
médio, de graduação, pós-graduação, além de cursos de curta duração.
Essas condições fazem dele um campo de pesquisa representativo.
2. o Ifrn e a formação do seu PróPrIo quadro de docentes
Para atuação na educação ProfIssIonal
A partir de agora, analisaremos como o IFRN aborda a formação
de seu próprio quadro de professores/as, considerando, principalmente, o
exercício da docência por prossionais cuja formação inicial foi em áreas
alheias à educação e às especicidades da educação prossional. Lemos
criticamente os principais documentos da instituição – a saber: estatuto,
regimento geral, projeto político-pedagógico, planos de desenvolvimento
institucional (2009-2014 e 2014-2018), resoluções do Conselho Superior,
entre outros mencionados no decorrer do texto
6
– para extrair deles o
entendimento institucional sobre a formação docente de professores/as
não licenciados/as e as orientações ali expressas.
Documentos como o estatuto e o regimento geral estão alinhados ao
que estabelece a Lei n. 11.892/2008, que criou os Institutos Federais e cita
programas de formação e capacitação para os/as docentes da rede, embora
Destacamos que o estudo do IFRN teve como recorte histórico o período de 2008 a 2018, de forma que os
documentos e ações que foram objeto de nossa análise remontam a esse período.
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas vol. 2
| 255
não traga detalhes sobre o assunto. Por sua vez, o Plano de Desenvolvimento
Institucional (PDI) de 2009 a 2014 indica o “desenvolvimento de um
programa de capacitação do corpo docente ingressante na instituição, em
PROEJA (prioritariamente), ensino técnico integrado ao ensino médio
e/ou educação prossional e tecnológica (IFRN, 2009a, p. 27)”. Esse
registro no PDI, referente a um decurso marcado pela forte expansão da
rede, sugere o reconhecimento institucional da necessidade de processos
formativos que considerem as particularidades da modalidade para os/
as docentes ingressantes. Apesar de não detalhar a proposta de formação,
o PDI tem um anexo relevante. Trata-se do Regulamento de Política de
Capacitação e Qualicação dos Servidores do CEFET-RN
7
, a Resolução
n. 20/2005 - CEFET/RN, de 26 de outubro de 2005.
Essa regulamentação propõe capacitação especíca tanto para
docentes quanto para técnicos/as administrativos/as, a elevação do
quantitativo de servidores/as com pós-graduação e a denição de um
percentual mínimo (5%) de investimento nanceiro para ações de
capacitação. No que tange ao nosso objeto de estudo, leia-se ainda
este excerto do documento: “[...] deve atender às especicidades do
corpo de servidores, sendo necessário, por exemplo, uma formação
didático-pedagógica para os docentes que atuam nos níveis técnico e
tecnológico [...]” (IFRN, 2005, p. 5). Por ser um documento datado
de 2005, período dos primeiros movimentos de expansão, mas ainda
precedente à sua concretização, consiste em um importante registro, pois
depreende-se daí que, mesmo com um quadro estável de professores/as,
já se vislumbrava a ausência de formação especicamente pedagógica
como uma demanda institucional.
Essa compreensão é retomada na Resolução n. 65, de 26 de agosto
de 2009, aprovada pelo Conselho Superior já durante o momento de
expansão da rede, tendo em vista que o documento normatiza a capacitação
de docentes ingressantes e arma que “parte dos docentes que ingressam
CEFET – Centro Federal de Educação Tecnológica era a denominação dada à instituição antes da Lei n.
11.892/2008, que modicou a nomenclatura de CEFET para Institutos Federais de Educação, Ciência
e Tecnologia. A instituição teve ainda outras denominações, como Liceu Industrial de Natal, Escola
Industrial de Natal, Escola Industrial Federal, Escola Técnica Federal, entre outras.
256 |
na Instituição para ministrar disciplinas nos níveis básicos e superiores
integrados e articulados à educação prossional e tecnológica necessitam
de formação pedagógica especíca para atuar neste segmento educacional”
(IFRN, 2009a, p. 1). Consta ainda que:
[...] parte dos professores licenciados em disciplinas especícas
da educação básica, carecem, em sua formação, de componentes
curriculares que contribuam para o aprofundamento dos
conhecimentos inerentes às múltiplas e complexas relações de
educação propedêutica e a formação prossional proporcionada
pela instituição. (IFRN, 2009c, p. 1).
A Resolução n. 65/2009 explicita, à vista disso, que os/as
professores/as ingressantes, até mesmo os/as licenciados/as, devem
participar de processos formativos sobre as especicidades da docência
na educação prossional e tecnológica, conforme é claricado em outro
trecho, onde se lê:
[...] ser fundamental que o docente tenha uma formação
especíca que lhe aproxime à problemática das relações entre
trabalho e educação e ao vasto campo da educação prossional
e, em particular, à área do curso no qual leciona ou vai lecionar,
no sentido de estabelecer as conexões entre essas disciplinas e a
formação prossional especíca, contribuindo para a integração
entre trabalho, ciência e tecnologia e cultura – formação humana
integral – base da concepção de educação assumida pela instituição.
(IFRN, 2009c, p. 2).
A partir dessa compreensão, a instituição assume, por meio da
resolução, o compromisso de:
I – ESTABELECER que, durante o período de estágio probatório
dos docentes que ingressam na instituição, a Pró-Reitoria de
Ensino, em conjunto com a Diretoria de Gestão de Pessoas,
viabilize a capacitação desses servidores em cursos para formação de
professores, de acordo com a formação inicial do docente, a saber:
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas vol. 2
| 257
a) Para os professores não licenciados cuja formação inicial seja de
bacharelado ou de engenharia: Curso de Licenciatura em Educação
Prossional, nos termos da Resolução n. 02/1997-CNE;
b) Para os professores licenciados: Curso Superior de Pós-Graduação
em Ensino Médio Integrado à Educação Prossional e Educação de
Jovens e Adultos (IFRN, 2009c, p. 2).
Outra resolução central para os nossos estudos foi a n. 67, de 22
de dezembro de 2011, do CONSUP. Essa resolução trata da atualização
do regulamento da política de capacitação dos/as servidores/as do IFRN,
regida pela Resolução n. 20/2005, em função de mudanças nas legislações
relativas às carreiras de técnicos/as administrativos/as em educação e
docentes. O documento assinala a imprescindibilidade de uma formação
continuada que possibilite aos/às servidores/as a apropriação da base
losóca da educação prossional e tecnológica, os princípios e o projeto
pedagógico da instituição (IFRN, 2011). De acordo com o documento:
Percebe-se também a existência de um público institucional com
potencial necessidade de capacitação, principalmente no tocante
aos docentes pertencentes à área técnica que não têm formação
pedagógica, assim como os servidores ingressantes na Instituição
e que ainda não apreenderam as matrizes losócas e pedagógicas
que conguram a proposta de ensino-aprendizagem do IFRN.
(IFRN, 2011, p. 10).
Mais uma vez, por meio de seus documentos balizadores, a instituição
reconhece as necessidades formativas do seu quadro de professores/
as e rearma que essa formação não pode preterir as peculiaridades
institucionais.
O PDI – 2014/2018 (IFRN, 2014) aborda a necessidade de
construir uma nova política de capacitação de servidores/as que
considere alterações mais recentes da legislação, destaca o orçamento
para a capacitação e a capacitação por meio de cursos de pós-graduação,
inclusive pelo estabelecimento de convênios e parcerias, possibilitando a
elevação de titulação de seus servidores. Entretanto, essas ações podem
258 |
não contemplar as demandas sobre as quais vimos discutindo, pois o PDI
analisado não detalha essas propostas, condição que inviabiliza uma análise
mais profunda.
O Projeto Político-Pedagógico é outro documento que também
norteia as ações institucionais. No IFRN, o PPP vigente foi aprovado pelo
Conselho Superior em março de 2012 (IFRN, 2012), mas, considerando
que ele foi construído coletivamente, as discussões que o permearam já
mobilizavam seus/suas servidores/as nos anos anteriores. Nesse sentido,
consideramos que o atual PPP é uma rica fonte de análise frente ao que
estamos discutindo, especialmente porque ele contempla um item dedicado
à política de formação continuada e de desenvolvimento prossional de
seus/suas servidores/as.
No PPP, também se registra que “[...] a concepção de formação
continuada denida para o Instituto ancora-se no desenvolvimento
prossional perspectivado como uma condição indispensável para a
aprendizagem permanente do servidor” (IFRN, 2012, p. 208-209). Além
de propor um projeto de aprendizagem constante para os/as servidores/
as, incluindo-se aí todos/as os/as docentes, também associa esse processo
ao desenvolvimento prossional. Ainda de acordo com nossa análise do
documento, reconhece-se no PPP um conjunto de determinações, como
políticas salariais, condições de trabalho e relações com a sociedade, etc.,
que não se restringem ao âmbito da prossão, mas se relacionam com o
desenvolvimento prossional em sentido lato (IFRN, 2012).
O PPP destaca o fortalecimento e mesmo a criação de espaços
institucionais voltados à reexão e à intervenção crítica sobre o fazer
pedagógico. Apresenta também a socialização e a troca de experiências como
importantes momentos formativos passíveis de sistematização através de
pesquisas, estudos de caso, seminários, reuniões, programas de formação
continuada, entre outros formatos. O documento ainda determina que
essa formação seja articulada às concepções institucionais, destacando as
de ser humano, educação, sociedade e trabalho, ou seja, reconhece-se a
necessidade de uma formação coerente com o projeto educacional institucional.
Apesar de não mencionar especicamente os/as docentes da área técnica/
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas vol. 2
| 259
tecnológica, posto que se refere a todos/as os/as servidores/as, é visível, em
diversos trechos do PPP, a armação da demanda por aperfeiçoamento dos
processos formativos existentes e construção de novas oportunidades que
atendam as singularidades da atuação na educação prossional.
Constatamos que o IFRN reconhece em seus principais documentos
norteadores que há lacunas na formação do seu quadro docente com vistas à
atuação na educação prossional, destacando, por vezes, os/as professores/as
que não cursaram licenciaturas, ainda que também se proponha formação
para os/as licenciados/as. De maneira geral, esses documentos indicam
uma política de capacitação, regulamentada via resoluções do Conselho
Superior, com foco nas demandas próprias de uma instituição de educação
prossional. Isso ratica, no nosso entendimento, a importância de uma
formação especíca para os/as professores/as que atuam na modalidade, pois
sem ela compromete-se o projeto institucional de uma educação que esteja
posicionada além dos interesses mercadológicos, mas que também permita
seu desvelamento e crítica.
Contudo, importa lembrar que para os processos formativos
acontecerem, materializarem-se, precisamos de mais do que instrumentos
normativos e regulatórios, embora eles sejam estratégicos. Por isso,
consideramos fundamental olhar para as ações concretizadas no IFRN,
prioritariamente aquelas direcionadas à formação dos/as professores/
as do próprio quadro institucional, principalmente dos/as que não
cursaram licenciaturas. Interessaram-nos, em especial, as ações formativas
que intencionavam discutir questões didático-político-pedagógicas e as
especicidades da modalidade educação prossional.
Nessa perspectiva, buscamos identicar as ações convergentes com
esse objetivo e que foram desenvolvidas de 2008 a 2018, pois esse período
demarca a primeira década da nova institucionalidade na RFEPCT (no
caso, o Instituto Federal). Também marcamos outros critérios utilizados em
nossa pesquisa, como a opção pelos cursos de graduação e de pós-graduação
com turmas concluídas no excerto histórico proposto. Justicamos nossa
escolha porque entendemos que a complexidade das questões políticas,
didáticas e pedagógicas exige mais tempo no processo formativo e também
260 |
porque nos pareceu mais pertinente que os participantes da pesquisa já
tivessem vivenciado toda a formação. Assim, elaboramos o seguinte quadro:
Quadro 01 – Síntese das ações do IFRN direcionadas especicamente
para a formação de docentes para atuação na Educação Prossional
ANO CURSO
LOCAL/
CAMPUS
MODALIDADE DETALHAMENTO DESTAQUE
2008
Especialização
PROEJA
Natal Central,
Natal - Zona
Norte, Ipanguaçu,
Mossoró, Currais
Novos
Presencial
Ação somente
concluída em
2009. Público-
alvo: professores,
gestores, técnicos
administrativos, tanto
do IFRN quanto
para prossionais de
outras redes (estadual e
municipal)
Não foram
identicadas outras
ações durante o ano
2009
Especialização
PROEJA
Natal Central,
Natal - Zona
Norte, Ipanguaçu,
Mossoró, Currais
Novos
Presencial
Continuidade da ação
iniciada em 2008
Não foram
identicadas outras
ações durante o ano
2010
Especialização
PROEJA
Macau, Apodi,
Pau dos Ferros
Presencial
Público-alvo:
professores,
gestores, técnicos
administrativos, tanto
do IFRN quanto
para prossionais de
outras redes (estadual e
municipal)
Não foram
identicadas outras
ações durante o ano
2011 ------ ------ ------ ------
Não foram
identicadas ações
especícas durante
o ano
2012 ------ ------ ------ ------
Não foram
localizadas ações
especícas durante
o ano
2013
Mestrado
Acadêmico
em Educação
Prossional
Natal Presencial
Sem reserva de vagas/
processo seletivo geral
Não foram
identicadas outras
ações especícas
durante o ano
2014
Mestrado
Acadêmico
em Educação
Prossional
Natal Presencial
Sem reserva de vagas/
processo seletivo geral
Não foram
identicadas outras
ações especícas
durante o ano
2015
Mestrado
Acadêmico
em Educação
Prossional
Natal Presencial
Sem reserva de vagas/
processo seletivo geral
Foi iniciado o
processo seletivo
para o curso
de Formação
Pedagógica de
docentes para
a Educação
Prossional
(Licenciatura)
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas vol. 2
| 261
2016
Curso de
Formação
Pedagógica de
docentes para
a Educação
Prossional
(Licenciatura)
Parnamirim Presencial
Público-alvo: docentes
não licenciados do
IFRN. Vagas não
preenchidas por
docentes do IFRN
foram ocupadas com
demanda externa
Curso realizado
em parceria com
o PARFOR.
Conclusão apenas
em 2017
Especialização
em Educação
Prossional
Integrada à
Educação Básica
na Modalidade
de Educação de
Jovens e Adultos
-PROEJA
(Formação de
Professores)
Natal – EaD
EaD com
encontros
presenciais no
nal de cada
módulo
Vagas para atuantes na
EP e/ou EJA na rede
pública de ensino
Concretizado em
2017
Mestrado
Acadêmico
em Educação
Prossional
Natal Presencial
Sem reserva de vagas /
processo seletivo geral
------
2017
Especialização
em Educação
Prossional
Integrada à
Educação Básica
na Modalidade
de Educação de
Jovens e Adultos
-PROEJA
(Formação de
Professores)
Natal – EaD
EaD com
encontros
presenciais no
nal de cada
módulo
Vagas para atuantes na
EP e/ou EJA na rede
pública de ensino
Conclusão da turma
em 2018. Não houve
docentes do IFRN
entre os concluintes
Mestrado
Acadêmico
em Educação
Prossional
Natal Presencial
Sem reserva de vagas/
processo seletivo geral
------
Mestrado
Prossional
em Educação
Prossional e
Tecnológica
Rede Nacional
(Polo Mossoró)
Disciplinas
obrigatórias são
presenciais e
outras disciplinas
/atividades
que podem ser
presenciais ou a
distância
50% das vagas para
servidores (no edital)
Turma concluinte
em 2019
262 |
2018
Especialização em
Práticas Assertivas
da Educação
Prossional
integrada à
Educação de
Jovens e Adultos
Natal – EaD EaD
60% das vagas
reservadas para os
prossionais da
educação pública
federal (professores,
gestores, etep).
Constam professores
aprovados. Início
das aulas em 2019.
Desenvolvido em
parceria com a
SETEC
Mestrado
Prossional
em Educação
Prossional e
Tecnológica
Rede Nacional
(Polo Mossoró)
Semipresencial
50% das vagas para
servidores (no edital)
Sem turma
concluinte dentro do
recorte histórico
Curso Superior
de Licenciatura:
Formação
Pedagógica para
graduados não
licenciados
EaD (polos de
Canguaretama,
Guamaré,
João Câmara,
São Gonçalo
do Amarante,
Mossoró)
EaD
Parceria com UAB.
150 vagas distribuídas
nos polos
Sem reserva de vagas.
Curso não concluído
dentro do recorte
histórico
Mestrado
Acadêmico
em Educação
Prossional
Natal Presencial
Sem reserva de vagas/
processo seletivo geral
------
Doutorado
Acadêmico
em Educação
Prossional
Natal Presencial
Sem reserva de vagas/
processo seletivo geral
Início das aulas em
2019
Fonte: DAMASCENA (2020, p. 170-173).
Nesse texto, discutiremos apenas duas ações formativas identicadas
no quadro 01, que preencheram todos os critérios que orientaram nossa
pesquisa: a Especialização PROEJA (edições de 2008 e 2010) e o Curso
de Formação Pedagógica de Docentes para a Educação Prossional
(Licenciatura).
8
Iniciemos pela Especialização PROEJA, que teve um destaque
considerável. Esse curso ocorreu em função de uma demanda decorrente
do Programa de Integração da Educação Prossional ao Ensino Médio na
modalidade Educação de Jovens e Adultos (PROEJA). O programa foi
instituído pelo Decreto n. 5.840/2006 e tornava obrigatória a reserva de
10% das vagas ofertadas nos CEFETs para essa modalidade. Os Centros
Não apresentamos os estudos em relação à maioria das ações identicadas no quadro em virtude de,
sobretudo, não se constituírem em ações voltadas especicamente ao público interno e não se constatar
docentes do IFRN como concluintes dentro do recorte histórico proposto (2008-2018), entre outras
observações que podem ser vericadas no próprio quadro. Para uma justicativa mais detalhada, ver:
Damascena (2020).
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas vol. 2
| 263
Federais não tinham tradição nem experiência com a educação de jovens
e adultos, o que fez da reivindicação por ações formativas nessa área uma
bandeira de luta essencial para a efetivação do programa. A partir dessa
necessidade, foram lançados editais durante os anos em que se viabilizou o
fomento de cursos.
A Especialização PROEJA foi ofertada aos/às servidores/as da
instituição, inclusive em alguns campi do interior, mas a baixa adesão
motivou a abertura para a comunidade externa. Trata-se de um curso
pensado para atender demandas formativas internas, com foco em
especicidades da modalidade e com número signicativo de vagas. No
entanto, durante a sua execução constatou-se que poucos/as professores/as
concluíram-no (DAMASCENA, 2020). Conseguimos identicar apenas
15 docentes concluintes, considerando as edições de 2008 e 2010
9
. Nossa
pesquisa não se deteve na investigação dos motivos da baixa adesão e alta
evasão ao longo do curso, mas chama atenção que, entre oito turmas
ofertadas em diferentes campi, menos de duas dezenas de professores/as
tenham concluído todo o processo formativo.
No ano de 2016, uma oferta institucional ganhou destaque por
assumir o formato de licenciatura especicamente voltada aos/às professores/
as da área técnica/tecnológica do IFRN. O Curso Superior de Formação
Pedagógica de Docentes para a Educação Prossional, na forma de
programa especial de formação pedagógica desenvolvido presencialmente,
foi realizado entre os anos de 2016 e 2017 no campus Parnamirim a partir
de uma parceria com o Programa Nacional de Formação de Professores
da Educação Básica (PARFOR). A princípio, suas vagas foram destinadas
exclusivamente aos/às docentes da própria instituição, mas, novamente, a
adesão foi baixa e em decorrência disso foram abertos novos editais que
permitiram o ingresso da comunidade externa.
Lembramos que nossa pesquisa considerou o recorte histórico de 2008 a 2018, de forma que as edições
de 2006 e 2007 não foram averiguadas. Raticamos também que o número de participantes nas edições
analisadas foi maior, pois contou com técnicos/as administrativos/as e docentes que chegaram a cursar as
disciplinas. Porém, o total de 15 diz respeito especicamente aos/às professores/as que concluíram o curso,
inclusive com entrega de TCC.
264 |
Na turma ofertada e concluída, identicamos 13 professores/as
efetivos/as licenciados/as nesse curso. Essa formação foi bem especíca,
formatada exclusivamente para os/as bacharéis/bacharelas e tecnólogos/
as que exercem a docência na educação prossional. O curso propôs
uma formação pedagógica em formato de licenciatura, constituindo-se
em uma oferta inédita dentro do período pesquisado. Comparado com
a Especialização PROEJA 2008-2010, o número de docentes do IFRN
que concluíram a licenciatura é maior. Com isso, não estamos armando
que a graduação (a despeito de uma duração menor em relação a outras
licenciaturas) é o formato mais adequado ao público de docentes da
instituição, pois sabemos que diferentes fatores inuenciam o acesso,
a permanência e o êxito de um/a prossional em um curso formativo.
Estamos destacando, pontualmente, os dados coletados nessa pesquisa
porque acreditamos que eles podem subsidiar os debates sobre a temática
no contexto institucional e, de modo geral, contribuir para a reexão
especializada sobre a formação de professores/as da educação prossional.
Por m, enfatizamos que o IFRN tem uma política de capacitação
com regulamento especíco que abrange todos/as os/as seus/suas
servidores/as e que se materializa no cotidiano institucional, mas que
não garante uma formação exclusivamente dirigida aos/às docentes que
não cursaram licenciaturas. Como ações dessa política, podemos citar a
participação nanciada em eventos de natureza acadêmica, a exemplo
de seminários, simpósios, congressos, entre outros, relacionados à área
de atuação do/a servidor/a; os afastamentos parciais que reduzem em
até 50% a carga horária do/a servidor/a; e os afastamentos totais para
os/as docentes cursarem especializações, mestrados e doutorados. Em
relação ao nanciamento de diárias e passagens para participação em
eventos, sublinhamos a possibilidade de ações formativas pontuais que,
costumeiramente, privilegiam um tema associado ao fazer do/a servidor/a.
O IFRN também estabelece convênios, parcerias e cooperações
nacionais e até internacionais com outras instituições de ensino
objetivando proporcionar formação para os/as seus/suas servidores/as em
diferentes programas e áreas de conhecimento. Há, ainda, outras ações
institucionalizadas que podem contribuir para os processos formativos
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas vol. 2
| 265
dos/as docentes, como é o caso do Encontro Pedagógico, das Reuniões
Pedagógicas, das Reuniões de Grupo e do Seminário de Integração
Institucional voltado aos/às servidores/as ingressantes.
10
Considerando tudo o que discutimos até aqui, ainda que brevemente,
é possível constatar que o IFRN, ao longo do período histórico pesquisado
(2008-2018), desenvolveu uma política de capacitação para os/as seus/suas
servidores/as. No entanto, as ações formativas voltadas particularmente
para os/as docentes não licenciados/as e que abordam o campo de
conhecimento próprio da educação prossional foram pouco fomentadas,
principalmente nos cursos de maior duração, como os de graduação e pós-
graduação.
. consIderações fInaIs: sobre avanços e desafIos da formação
de Professores/as Para a educação ProfIssIonal do/no Ifrn
No cenário nacional, segundo o que temos apurado em relação a
uma formação voltada especicamente para os/as docentes da educação
prossional, considerando prioritariamente os/as que não tiveram uma
formação pedagógica, prevalece a política de não formação (OLIVEIRA,
2006), pois as ações são sempre provisórias, desarticuladas e fragmentadas.
No Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio
Grande do Norte, há uma política de capacitação dos/as servidores/as
(técnicos/as e docentes) regulamentada desde o período em que se chamava
CEFET-RN (IFRN, 2005), atualizada posteriormente no contexto da nova
institucionalidade (IFRN, 2011). A política apresenta ações materializadas
que a consolidam no cotidiano institucional. Entretanto, essa capacitação
pode ou não contemplar as demandas especícas para a atuação docente no
âmbito da modalidade educação prossional, como explicamos ao longo
do capítulo. Assim, quando tratamos as especicidades de uma formação
política-didática-pedagógica para os/as docentes do próprio quadro, é
10
Essas ações são descritas no Projeto Político-Pedagógico do IFRN (IFRN, 2012) e são brevemente discutidas
em Damascena (2020).
266 |
possível armar que o IFRN conforma avanços, mas também desaos a
superar.
Enfatizamos que os dados produzidos ao longo da pesquisa indicam
um quantitativo signicativo de docentes (51%) com formação inicial nas
áreas de engenharias, outros bacharelados e cursos tecnológicos. Apesar
de não ser um número exato, pois na coleta tivemos uma quantidade
expressiva de informações incompletas, esse percentual, mesmo passível de
alterações, indica fortemente a necessidade de formações que contemplem
as discussões do campo da educação, particularmente da educação
prossional. Esse dado, por si só, é um indício contundente do tamanho
do desao institucional quanto à formação dos/as seus/suas prossionais.
Consideramos que esse dado revela uma necessidade formativa
porque compreendemos que a docência é um campo de conhecimento
próprio e, consequentemente, seu exercício requer formação especíca e
sistematizada. Essa compreensão é partilhada pela instituição em diferentes
documentos, como o PDI 2009-2014 (IFRN, 2009a), a Resolução n.
65/2009 (IFRN, 2009c) e a Resolução n. 67/2011 (IFRN, 2011). Esses
documentos assumem a imprescindibilidade de uma formação focada nas
especicidades da docência na educação prossional para os/as professores/
as que não cursaram licenciaturas.
No caso da Resolução n. 65/2009 (IFRN, 2009c), vai-se além da
proposição de formação para os/as docentes não licenciados/as e estabelece-
se também a formação para os/as licenciados/as ingressantes, posto que
as peculiaridades da atuação na modalidade, como as relações entre
trabalho e educação, não são contempladas a contento nas licenciaturas
em geral. O Projeto Político-Pedagógico (IFRN, 2012), na condição de
documento orientador do fazer institucional, também defende a formação
para todos/as os/as servidores/as, assumindo a formação continuada para
os/as seus/suas prossionais e destacando a necessidade dos processos
formativos estarem concatenados aos princípios e bases epistemológicas
e losócas institucionais.
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas vol. 2
| 267
Não podemos deixar de ressaltar que o reconhecimento documental/
legal da instituição quanto à formação docente para a educação
prossional é um grande avanço. Ainda assim, essa regulamentação não
é suciente. Ela precisa ser materializada em ações. Esse entendimento
articula-se ao nosso trabalho de pesquisa, que nos permitiu observar e
compreender, no período estudado, tanto avanços quanto desaos frente
ao objeto dessa análise.
Avaliamos como avanço a constatação de que o IFRN tem espaços
institucionalizados de formação, contemplados na própria carga-horária
docente, como é o caso dos encontros/semanas pedagógicas, reuniões
pedagógicas e reuniões de grupos. Mesmo assim, não há conrmação de
que esses espaços são utilizados, de fato, para a formação docente de forma
sistemática e sistêmica. Por outro lado, os afastamentos parciais e totais
para os/as docentes frequentarem cursos de pós-graduação lato e stricto
sensu também são importantes possibilidades formativas, assim como a
viabilização de convênios e parcerias com outras instituições de ensino,
inclusive internacionais. São ações necessárias para garantir a formação
continuada, o aprofundamento de estudos e a socialização de experiências,
entre tantas outras vantagens. Mas, alertamos, não há garantia de que
esses cursos contemplem, efetivamente, as particularidades da docência na
educação prossional.
Destacamos, ao longo do capítulo, parte dos avanços e desaos
institucionais relativos à formação dos/as docentes no campo da educação
prossional. Frisamos ainda que a Especialização PROEJA (2008-2010)
e a Licenciatura em Educação Prossional (2016-2017) foram os cursos
que atenderam a todos os critérios denidos para esse estudo, o que nos
permitiu analisá-los com alguma profundidade. As edições da Especialização
PROEJA, realizadas entre 2008 e 2011, atenderam professores/as que
exerciam suas funções também nos campi do interior. Porém, essa oferta
presencial e viabilizada com fomento externo não contou com grande
adesão. Projetado, de início, para atender demandas e público internos,
o curso não conseguiu fechar turmas apenas com servidores/as do IFRN,
sendo levado a abrir vagas para a comunidade externa de prossionais da
educação. A especialização não teve muitos concluintes, a despeito do
268 |
número alto de matrículas. Em resumo: o curso, como proposta formativa
pensada para o público de docentes do IFRN, enfrentou baixa adesão e
evasão signicativa.
Desaos semelhantes foram enfrentados também pelo curso de
Licenciatura em Formação Pedagógica para Docentes da Educação
Prossional e Tecnológica, realizado no campus Parnamirim em parceria com
o PARFOR. Novamente, ofertou-se um curso presencial para os/as docentes
da própria instituição, mas, dessa vez, restrito aos/às professores/as que não
cursaram licenciaturas. A baixa procura interna pelo curso também levou à
abertura de vagas para prossionais da educação externos ao IFRN.
Os dados da pesquisa (DAMASCENA, 2020) demonstram que
esses cursos contribuíram para a formação dos/as professores/as que os
concluíram, constatação que zemos a partir dos relatos dos/as próprios/
as sujeitos/as. Ambos os cursos também estão alinhados conceitualmente
com os instrumentos legais norteadores da instituição
11
. Esse é um
avanço signicativo, pois sinaliza a convergência entre o que se propõe
institucionalmente e o que se concretiza na realidade. Porém, os mesmos
cursos representam um grande desao institucional, que é o da adesão
a esse tipo de proposta formativa, isto é, cujo foco seja uma formação
especíca para a docência na educação prossional. Esse desao nos
conduz a inúmeros questionamentos, tais como: quais aspectos individuais
e institucionais que inibem a adesão a esses processos formativos? Quais as
estratégias possíveis de desenvolvimento para fomentar a participação dos/
as professores/as?
Para chegar a essas respostas, precisamos de uma investigação que pode
ser desenvolvida pela própria instituição, visando à superação desse desao.
Outro dado que nos instiga e constitui-se em desao é o da descontinuidade
das ações, principalmente após o encerramento do fomento externo. Ações
consideradas bem avaliadas, inclusive por instrumentos externos, como é
o caso da licenciatura, precisam de valorização interna e de investimento
próprio para a continuidade da oferta.
11
No presente trabalho, não será possível aprofundar a análise dos dados desses dois cursos, mas eles podem
ser consultados em Damascena (2020).
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas vol. 2
| 269
Diante de tudo o que foi exposto, compreendemos que ainda há
muitos desaos a enfrentar na área da formação de professores/as para a
educação prossional, pois, no que diz respeito ao campo pesquisado, as
ações desenvolvidas no âmbito do IFRN, no período de 2008 a 2018,
em formato de cursos de graduação e pós-graduação, dirigidas à formação
de seus/suas próprios/as professores/as e que tratam especicamente do
exercício da docência na educação prossional, são pontuais, pouco articuladas
e decorrem, principalmente, de indução externa, além de serem desprovidas
de caráter universalizante. No entanto, não podemos deixar de reconhecer
que há avanços, já que constatamos o reconhecimento institucional da
necessidade de uma formação especíca, em especial para os/as professores/
as que não cursaram licenciaturas, por meio de documentos reguladores.
Vericamos também oportunidades formativas institucionalizadas que
podem privilegiar essa proposta – a de uma formação docente em educação
prossional. Observamos, ainda, iniciativas importantes que, mesmo com
baixa adesão, representam possibilidades de materialização de uma política
formativa especíca para o público docente da própria instituição.
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| 273
Capítulo 10
D  
 
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    
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I F
manoel José Porto Júnior
Mário Augusto Correia San Segundo
resumo: Discutimos, neste capítulo, os impactos das alterações no ambiente político
e social no campo em disputas da Rede Federal EPCT. O texto baseia-se em diferenças
percebidas nas teses desenvolvidas pelos autores, referenciadas no materialismo histórico
e dialético, elaboradas em momentos diferentes de correlação de forças da luta de
classes. Para tal, analisamos o contexto de criação dos Institutos Federais, quando o
país era administrado sob o ideário do neodesenvolvimentismo, que mesmo limitado às
condicionantes neoliberais, em sua heterodoxia, permitia avanços contra-hegemônicos.
Em seguida, as alterações conjunturais a partir do golpe de 2016 e o avanço de um
neoliberalismo ortodoxo, articulado com o neofascismo ascendente e os consequentes
retrocessos para a Rede Federal EPCT. Por m, as perspectivas de resistência.
https://doi.org/10.36311/2023.978-65-5954-344-1.p273-298
274 |
Introdução
Este capítulo pretende discutir o impacto do ambiente político e
social no campo em disputas da Rede Federal de Educação Prossional,
Cientíca e Tecnológica (Rede Federal de EPCT). Criada no nal de
2008, a partir da transformação dos antigos CEFETs, ETFs, EAFs, Escolas
vinculadas às Universidades e Colégio Pedro II em Institutos Federais de
Educação, Ciência e Tecnologia, a Rede Federal de EPCT tem seu papel
em muito determinado pelos rumos da condução econômica-política-
social do país, ora tendendo para uma perspectiva contra-hegemônica, ora
atendendo às expectativas mercadológicas do capital.
Para realizar tal análise crítica, discutiremos o discurso ideológico
neodesenvolvimentista, que mesmo cheio de equívocos, impulsionou a
criação dos Institutos Federais, permitindo avanços sociais em decorrência
das contradições expostas por sua heterodoxia e pela atuação militante dos
sujeitos e organizações sociais do entorno dessas instituições.
Em seguida, discutiremos o golpe e o avanço do neoliberalismo mais
ortodoxo na condução da economia brasileira, com efeitos nas políticas
públicas que diminuíram a margem de manobra dos lutadores e lutadoras
pela transformação social em uma perspectiva emancipatória para a classe
trabalhadora.
O passo seguinte será a discussão a respeito das teses de doutoramento
dos autores, escritas em momentos diferentes da trajetória dos IFs. Por isso,
mesmo buscando utilizar um mesmo método, o materialismo histórico
dialético, chegam a posições que poderíamos, ao primeiro olhar, considerar
antagônicas. A tese de PORTO JÚNIOR (2014) vislumbra perspectivas
contra-hegemônicas em um posicionamento mais otimista em relação aos
rumos da Rede Federal de EPCT. Já na tese de SAN SEGUNDO (2021),
percebe-se os efeitos do golpe e da escalada macabra do capital sobre os
direitos de trabalhadores e trabalhadoras e suas consequências nas disputas
no interior dos IFs, dessa forma, trazendo um olhar mais pessimista em
relação às possibilidades de transformação social.
Por m, analisamos o campo em disputa e os principais desaos
dos sujeitos que lutam por uma sociedade socialista para resistir à ofensiva
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas vol. 2
| 275
neoliberal e buscar superar as contradições presentes desde a criação da Rede
Federal. Consideramos que o avanço do discurso do empreendedorismo
individual e competitivista articula-se com uma visão acrítica e fetichizada
da tecnologia, que torna opaca a política, submetida à autonomização do
mercado (OLIVEIRA, 2003).
Vale salientar que a ideia de realizar esse trabalho surgiu durante a
banca de defesa do Mário San Segundo, quando, no bom debate, Manoel
Porto Júnior percebia, juntamente com o autor da tese, que o projeto
dos Institutos Federais tinha uma ligação muito clara com o discurso
anterior, neodesenvolvimentista, ainda nos moldes neoliberais, porém
mais heterodoxo e cheio de possibilidades de rupturas. Sendo assim, o
que pretendemos vericar é o quanto de continuidades existem entre
aquele projeto e o que se constrói agora, tão rapidamente, no interior das
instituições, com vistas a superarmos erros analíticos do passado.
a Invenção do neodesenvolvImentIsmo e as PolítIcas PúblIcas
comPensatórIas: as contradIções na orIgem dos InstItutos
federaIs
No ano em que Luís Inácio Lula da Silva iniciava seu primeiro
mandato, Francisco de Oliveira (2003) relançava a sua Crítica à Razão
Dualista com o acréscimo de um novo texto: O ornitorrinco. Nessa obra,
Francisco de Oliveira manifestava seu pessimismo com a possibilidade
de um desenvolvimento brasileiro sob o capitalismo. Comparando nossa
economia ao animal de evolução truncada, o autor discorre sobre nossa
urbanização e declínio do número de trabalhadores no campo e na
indústria, com enorme aumento no setor de serviços. Demonstra nossa
atroa do setor nanceiro e limitação de crédito.
Parece dispor de consciência, pois se democratizou há quase
três décadas. Falta-lhe, ainda, produzir conhecimento, ciência
e técnica: basicamente segue copiando (...) Onde é que está
falhando a evolução? Na circulação sanguínea: a alta proporção da
dívida externa sobre o PIB demonstra que sem dinheiro externo a
economia não se move. (OLIVEIRA, 2003, p.134).
276 |
Dessa forma, para nanciar crescimento do PIB, precisa se endividar
praticamente na mesma proporção. Eis porque no contexto da revolução
molecular-digital, que requer tecnologia para produzir ciência e vice-
versa (OLIVEIRA, 2003, p.139) e considerando o controle de patentes
pelos países do núcleo orgânico do capital, sobra o pessimismo quanto às
reformas sem rupturas adotadas pelo governo nascente.
O capitalismo dependente brasileiro, que se sustenta na dependência
externa e na segregação social, caminha, inexoravelmente, pela lógica do
capital, para o avanço da exploração do trabalho.
Em 2012, enquanto se comemorava a marolinha da crise mundial
no Brasil e o governo Dilma ia de vento em popa, Sampaio Junior advertia,
A ausência de uma avaliação consubstanciada dos efeitos da crise
econômica mundial sobre a economia brasileira não permite que
se perceba que, por trás da aparente resiliência do Brasil aos efeitos
da crise, existem transformações estruturais de grande envergadura
que aprofundam e aceleram o processo de reversão neocolonial.(...)
Sem competitividade dinâmica para enfrentar a concorrência dos
países desenvolvidos e sem competitividade espúria para disputar
mercados com os países da periferia industrializada que recorrem a
relações de exploração ainda mais primitivas (China, por exemplo),
só resta à burguesia brasileira uma posição ainda mais subalterna
na divisão internacional do trabalho. Nesse contexto, antes de um
processo sustentável de desenvolvimento, a sociedade brasileira
deve esperar novos ataques aos direitos dos trabalhadores e às
políticas públicas — única variável de ajuste que resta às burguesias
locais para fazer face ao acirramento da concorrência internacional.
(SAMPAIO JUNIOR, 2012, p. 684-685).
É nesse contexto, e sem falta de aviso, que surge o ideário
neodesenvolvimentista nas discussões palacianas e de círculos acadêmicos
limitados e despidos da roupagem crítica da ciência. Tal ideário busca relação
com o desenvolvimentismo
1
cepalino, que de alguma forma inuenciou
O desenvolvimentismo é um termo vago utilizado para designar o pensamento crítico sobre os dilemas
e os desaos do desenvolvimento nacional nas economias latino-americanas enredadas no círculo vicioso
da dependência e do subdesenvolvimento. O centro dessa reexão consiste no esforço de equacionar
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas vol. 2
| 277
certo otimismo sobre as possibilidades de desenvolvimento de um projeto
nacional diante das contradições disponíveis pelo desenvolvimento desigual
e combinado, permitido pela Segunda Revolução Industrial, a partir de
um maior protagonismo dos trabalhadores e de um posicionamento mais
autônomo da burguesia nacional.
Contudo, segundo Sampaio Junior,
O desao do neodesenvolvimentismo consiste, portanto, em
conciliar os aspectos “positivos” do neoliberalismo — compromisso
incondicional com a estabilidade da moeda, austeridade scal,
busca de competitividade internacional, ausência de qualquer tipo
de discriminação contra o capital internacional — com os aspectos
positivos” do velho desenvolvimentismo — comprometimento
com o crescimento econômico, industrialização, papel regulador
do Estado, sensibilidade social.
As vagas formulações dos economistas que disputam a hegemonia do
novo desenvolvimentismo partem do suposto de que o crescimento
constitui a chave para o enfrentamento das desigualdades sociais. Nessa
perspectiva, desenvolvimento e crescimento confundem-se como
fenômenos indiferenciados. (SAMPAIO JUNIOR, 2012, p. 679).
Ao buscar igualar crescimento e desenvolvimento em uma
equação insolúvel, ignora as condicionantes econômicas que impedem
a convivência entre um estado socialmente justo e a competitividade de
uma economia globalizada sob o domínio do capital nanceiro, que exige
taxas de lucros cada vez maiores para manter, mesmo com sobressaltos,
seus ganhos especulativos.
os nós que devem ser desatados para que a expansão das forças produtivas possa ser associada à solução
dos problemas fundamentais da população. Nessa perspectiva, acumulação de capital, avanço das forças
produtivas e integração nacional constituem aspectos indissolúveis de um mesmo problema: criar as bases
materiais, sociais e culturais de uma sociedade nacional capaz de controlar o sentido, o ritmo e a intensidade
do desenvolvimento capitalista. O desenvolvimentismo foi, portanto, uma arma ideológica das forças
econômicas e sociais que, no momento decisivo de cristalização das estruturas da economia e da sociedade
burguesa, se batiam pela utopia de um capitalismo domesticado, subordinado aos desígnios da sociedade
nacional. (SAMPAIO JUNIOR, 2012, p. 673-674)
278 |
O discurso neodesenvolvimentista, apesar de ser um fruto nacional e
peculiar, é consonante com uma ideologia que considera uma virtuosidade
tecnológica no mundo atual. Segundo Lucia Neves e Marcela Pronko,
[...] o espetacular desenvolvimento tecnológico das últimas décadas
e as alterações introduzidas, parcialmente como decorrência do
mesmo no mundo do trabalho, levaram, em uma certa visão
determinista, a recriar as utopias de uma sociedade capaz de superar
as deciências tanto do capitalismo quanto do comunismo, em
uma nova forma social de produção caracterizada pela supremacia
do conhecimento. Assim, surgiram diferentes conceituações para
denir essa nova sociedade, entre as quais sociedade pós-capitalista,
sociedade pós-industrial, sociedade em rede, sociedade informática,
sociedade programada; os termos mais difundidos sociedade do
conhecimento e sociedade da informação se generalizaram tanto
na literatura acadêmica quanto na política (NEVES; PRONKO,
2008, p. 146-147).
Portanto, é preciso compreender esses dois primeiros pilares fundamentais
da construção do Institutos Federais: o ideário neodesenvolvimentista – que
busca conciliar neoliberalismo com justiça social limitada – e uma visão
naturalizada de tecnologia, descolada da luta de classes.
Essa visão da tecnologia, presente na concepção dos IFs, está
representada na sua lei de criação, nos documentos institucionais de cada
IF (Projetos Políticos Institucionais) e permeia a construção curricular.
A transversalidade, entendida como forma de organizar o
trabalho didático, no caso da educação tecnológica, diz respeito
principalmente ao diálogo educação e tecnologia. A tecnologia
é o elemento transversal presente no ensino, na pesquisa e na
extensão, congurando-se como uma dimensão que ultrapassa
os limites das simples aplicações técnicas e amplia-se aos aspectos
socioeconômicos e culturais.
Esta orientação é intrínseca às arquiteturas curriculares que
consideram a organização da educação prossional e tecnológica por
eixo tecnológico. Isto porque a ênfase é dada às bases tecnológicas
e conhecimentos cientícos associados a determinados processos,
materiais, meios de trabalho etc. (PACHECO, 2010, p. 20).
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas vol. 2
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Parte da cultura humana, a tecnologia é desenvolvida de forma
articulada pela ciência sob a base material do trabalho. Como parte da
cultura humana, é histórica e fruto de escolhas. Como todo processo de
escolhas, é político. Ao ser naturalizada, é desumanizada. Negando-lhe as
mazelas dos interesses particulares e de classe que a determinam.
Henrique Novaes recorre à obra de Andrew Feenberg para discutir
essa fetichização da tecnologia,
Andrew Feenberg, autor de liação marxista, utiliza por analogia o
conceito de fetiche da tecnologia para nos mostrar que a tecnologia
que nos é apresentada como politicamente neutra, eterna,
anistórica, sujeita a valores estritamente técnicos e, portanto, não
permeada pela luta de classes, é uma construção histórico-social. E,
assim como a mercadoria, tende a obscurecer as relações de classe
diluindo-as no conteúdo aparentemente não especíco da técnica.
(NOVAES, 2007, p. 75-76).
O terceiro pilar da construção dos IFs é o fruto das contradições
presentes nos dois primeiros. Trata-se de um posicionamento ético-político
ainda imaturo, que ainda não determinou uma escolha clara. Trata-se de
defesa da democracia e do compromisso social.
De fato, como resultado da luta de classes, mesmo que ocultada na
opacidade da política sob a fetichização da mercadoria e da tecnologia,
a defesa da democracia e o compromisso social também está presente e
disputa as políticas públicas executadas através da Rede Federal de EPCT
desde a sua concepção. Também está presente na Lei 11892/2008 e nos
documentos institucionais.
Mesmo que de forma contraditória à condução da macropolítica
econômica, os governos de base política heterogênea e encabeçados
pelo Partido dos Trabalhadores propiciaram algumas políticas públicas
que baseavam-se na territorialização das ações dos IFs, articulando-as
com movimentos sociais e com pautas da classe trabalhadora do campo
e da cidade.
280 |
A expansão da Rede Federal de EPCT levou a uma relação dialógica,
em muitos casos profícua, entre os campi dos IFs e cidades que viam naquela
nova edicação um Estado mais próximo. Os espaços desses campus se
tornaram equipamentos culturais em localidades que não possuíam acesso
às políticas pública e que viam seus lhos e lhas tendo que ir buscar o
futuro em outros centros, maiores e com outras tradições culturais.
Dessa forma, existem belos exemplos de interação com a sociedade
em uma perspectiva revolucionária (FRIGOTTO, 2010), incluindo
campus ofertando cursos através da pedagogia da alternância, articulação
com programas governamentais para a assistência estudantil (incluindo
compra de produtos pelo PAA – Programa de Aquisição de Alimentos para
os refeitórios), atividades de extensão e pesquisa vinculadas às necessidades
da classe trabalhadora, entre outras.
A existência de verbas especícas para extensão e pesquisa na chamada
Matriz CONIF
2
permitia a disputa de rumos nos IFs, através de Editais.
Na grande maioria, um posicionamento contra-hegemônico priorizava o
nanciamento de ações articuladas com educação do campo, economia
solidária, cultura, formação de trabalhadores das demais redes públicas de
ensino, combate ao preconceito e educação inclusiva.
Uma mudança de rumos começou a ocorrer ainda durante o
primeiro mandato de Dilma Roussef, na gestão de Aloísio Mercadante no
Ministério da Educação.
O problema maior que vislumbramos é a mudança de rumos
da formação prossional e tecnológica, priorizando, a partir de
2011, com a criação do PRONATEC, uma tendência regressiva
para formação do trabalho simples. Tendência que era fortemente
seguida pelo bloco de poder que governou o país na década de
1990 sob o ideário ferrenho das concepções e políticas neoliberais.
Bloco que, se se consumar o golpe jurídico-parlamentar-midiático
em curso, terá apenas o papel de radicalizar essa regressão.
A Matriz CONIF é uma construção do Conselho Nacional das Instituições da Rede Federal de
Educação Prossional, Cientíca e Tecnológica, a partir de seus fóruns. Baseia-se no número de
matrículas, custo-aluno de cada tipo de curso ofertado e em necessidades dos campi de acordo com
sua fase de implantação/funcionamento. Até o golpe de 2016 era utilizada pelo governo federal para a
distribuição das verbas orçamentárias.
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas vol. 2
| 281
Cabe registrar, todavia, os pontos positivos desta macropolítica
educacional pública, cujas lacunas e desaos superam, de longe,
os negativos. A interiorização é, sem dúvida, um marco que altera
o mapa da educação federal pública no Brasil. A oportunidade de
milhares de jovens terem acesso aos IFs, nas diferentes modalidades
e níveis de ensino, num país que sempre se negou à maioria, aos
lhos dos trabalhadores, o direito à educação básica de nível médio,
é em si um ganho extraordinário. (FRIGOTTO, 2018, p. 14).
Essa mudança de rumo é fruto dos limites do discurso
neodesenvolvimentista e da visão naturalizada e ingênua da tecnologia já
discutidos. Com o golpe, como previu Frigotto, radicalizou-se a regressão,
através da Contrarreforma do Ensino Médio, Nova BNCC, Novas
Diretrizes Nacionais Gerais da Educação Prossional e Tecnológica e os
sucessivos cortes orçamentários.
golPe de 2016 e radIcalIzação neolIberal
A partir do golpe de Estado institucional que depôs a presidente
Dilma Rousse em 2016, os setores mais tradicionais das classes
dominantes retomaram o protagonismo político no Brasil, que na verdade,
só havia sido limitado em parte no período anterior, acelerando a retomada
de uma agenda neoliberal, associada a políticas conservadoras, trazendo à
tona visões de mundo discriminatórias, que naturalizam as desigualdades
sociais e a educação voltada para atender os interesses do capital, o que teve
efeitos relevantes na realidade dos IFs.
O próprio caráter do golpe e sua composição de classe, auxilia a
entender as alterações sociais que ocorreram. Para Armando Boito Jr. um
dos motivos fundamentais para o golpe foi o conito distributivo, uma
disputa pela apropriação da riqueza, que envolve diversas classes sociais e
suas frações:
O pesado ajuste scal para assegurar ao capital rentista o pagamento
dos juros da dívida pública, a abertura e a privatização da economia
brasileira para atender ao capital internacional e os cortes de direitos
282 |
trabalhistas e sociais são os principais objetivos do governo interino
e, correlatamente, o principal motivo da mobilização contra o
golpe de Estado institucional. (BOITO JUNIOR, 2016, p. 25).
Ainda segundo o autor isso fez parte de uma “ofensiva neoliberal
restauradora”, possível a partir do ingresso da alta classe média como
ator político contra o governo constituído, e a deserção da burguesia
que atuava internamente
3
em apoio ao suposto neodesenvolvimentismo,
deserção também analisada por André Singer (2018). O caso emblemático
é o da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP), que, de
apoiadora dos governos petistas, tornou-se a vanguarda do golpe (BOITO
JUNIOR. 2016, p. 27-28).
Partindo dessas bases, o governo de Michel Temer promoveu uma
série de ataques orquestrados contra os serviços públicos e políticas de caráter
distributivista. Sem muitos empecilhos, cortou recursos de programas sociais,
educação, saúde pública, promulgou a Emenda Constitucional 95 que
congelou o teto de investimentos estatais por 20 anos, a Reforma Trabalhista
pensada sob medida para agradar os grandes empresários, Reforma da
Previdência, com a manutenção de uma parcela de aproximadamente 50%
do orçamento para pagar juros da dívida pública beneciando o mercado
nanceiro com juros altos, entre outras medidas. Na área educacional
iniciativas como a Reforma do Ensino Médio, a BNCC, o MedioTec
e os cortes de recursos, entre eles os da Rede Federal EPCT, foram ações
sob medida para agradar os setores empresariais que apoiaram o golpe,
aprofundando a dualidade estrutural da educação brasileira.
O governo Bolsonaro não muda a orientação de desmonte e giro
do Estado brasileiro para o atendimento aos interesses privados, mas
ainda pior, faz avançar as pautas da burguesia a partir de um governo
autoritário dirigido por setores neofascistas como demonstram Michael
Löwy (2019), Armando Boito Jr. (2019) e Marcelo Badaró Mattos
(2020). Reeditando assim uma dobradinha histórica entre autoritarismo
e neoliberalismo, inaugurada na América do Sul durante a ditadura civil-
Não trata-se de uma “burguesia nacional”.
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas vol. 2
| 283
militar chilena, na qual ironicamente um dos participantes era Paulo
Guedes, atual ministro de Bolsonaro.
Governo composto principalmente por empresários, militares e
políticos tradicionais, como o próprio presidente, mas que contaram com
apoio popular, principalmente baseado na ideologia do antipetismo. Seus
principais dirigentes se caracterizam pela apologia à violência com discurso
de ódio contra tudo que identicam como “esquerdas”, o que para o
neofascismo, abrange um grande espectro, indo desde as esquerdas de
fato, à centro-esquerda e até a direita, de quem o neofascismo se aproxima
ideologicamente em vários aspectos.
Entre as esquerdas propagadoras de um suposto “marxismo cultural”
e que, segundo a ótica bolsonarista, são tratadas como inimigos, podemos
encontrar professores(as), cientistas, ambientalistas, mulheres, negros,
quilombolas, movimentos contra o racismo, LGBTfobia, discriminações
de gênero, movimentos em defesa do meio ambiente, educação, minorias,
ou ainda quaisquer posições que antagonizem com o governo. Há uma
necessidade permanente de construção de inimigos a serem aniquilados,
em defesa de uma suposta sociedade sem “divisões” e de um patriotismo,
no caso brasileiro muito duvidoso, pois muito subordinado a interesses de
grandes corporações estrangeiras.
Destaca-se, também, a defesa da ditadura civil-militar e da tortura,
junto a uma maior militarização do governo. Com isso, empreende-
se uma busca permanente para a construção de justicativas para o uso
indiscriminado da violência estatal contra os pobres e opositores em
geral, e do exercício de uma “justiça privada” a partir da ampliação do
armamentismo e da cada vez mais naturalizada formação de milícias, tudo
isso em defesa de uma suposta sociedade formada por “cidadãos de bem”,
“chas limpa”.
O que temos visto, portanto, é que governos formados por grupos
com um viés neoliberal e neofascista em aliança, não são contraditórios,
pelo contrário, há indícios que setores do mercado e das elites suportam
o autoritarismo exatamente devido a implementação do receituário
284 |
neoliberal. Portanto o golpe de 2016, inaugurou um período de
radicalização neoliberal que ainda está em andamento, independente
do governo.
Este movimento não é uma peculiaridade brasileira. Pierre Dardot
e Christian Laval, ao analisarem o neoliberalismo em sua ação global na
atualidade, armam que
Não há dúvida de que é uma guerra sendo travada pelos grupos
oligárquicos, na qual se misturam de forma especíca, a cada
ocasião, os interesses da alta administração, dos oligopólios
privados, dos economistas e das mídias (sem mencionar o Exército
e a Igreja). Mas essa guerra visa não apenas a mudar a economia
para ‘puricá-la’ das más ingerências públicas, como também a
transformar profundamente a própria sociedade, impondo-lhe
a fórceps a lei tão pouco natural da concorrência e o modelo da
empresa. Para isso, é preciso enfraquecer as instituições e os direitos
que o movimento operário conseguiu implantar a partir do m do
século XIX, o que pressupõe uma guerra longa, contínua e muitas
vezes silenciosa, qualquer que seja a amplidão do ‘choque’ que sirva
de pretexto para determinada ofensiva. (DARDOT; LAVAL, 2016,
p. 20-21).
A educação pública é, então, mais um elemento a ser atacado
pelas ações de “neoliberalização”, na expressão de David Harvey (2008),
que buscam romper fronteiras transformando tudo que puderem em
mercadoria, a exemplo de segmentos educacionais que possam ser
lucrativos. Ao mesmo tempo, como demonstra Vera Peroni (2015),
Roger Dale (2004) e Michael Apple (2001), as novas faces neoliberais,
ao pregarem Estado mínimo, não necessariamente estão tratando de
privatização de serviços como a educação pública, mas sim buscando
se apropriar do Estado por lógicas privadas, nanciada com dinheiro
público para servir aos interesses empresariais.
De forma mais ampliada, buscando entender o que signica essa
radicalização neoliberal para as sociedades em que isso ocorre, Dardot e
Laval (2016, p.7), defendem que o neoliberalismo conformou o que seria
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas vol. 2
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uma nova “razão”, pois “não é apenas uma ideologia, um tipo de política
econômica. É um sistema normativo que ampliou sua inuência ao mundo
inteiro, estendendo a lógica do capital a todas as relações sociais e a todas
as esferas da vida”.
A “razão neoliberal”, diferente de teorias liberais clássicas que
poderiam pressupor um estado natural de livre concorrência sem intervenção
estatal, é uma “realidade construída” com a intervenção do Estado e com
a existência de um sistema de direito especíco. Longe do que se pode
pressupor a partir da narrativa dos defensores do neoliberalismo, o Estado
tem papel ativo em instaurar uma “ordem-quadro” que coloque como
centro da política as necessidades do mercado e a lógica da concorrência.
O Estado também não é mero expectador, cando à parte das regras da
ordem-quadro, uma vez que “é obrigado a ver a si mesmo como empresa,
tanto em seu funcionamento interno como em sua relação com outros
Estados. Assim, o Estado, ao qual compete construir o mercado, tem ao
mesmo tempo que construir-se de acordo com as normas do mercado
(DARDOT; LAVAL, 2016, p. 377-378). Pode-se deduzir, então, que
diferente do “Estado mínimo” para investimentos em políticas sociais, o
Estado neoliberal deve ser máximo para auxiliar o mercado na imposição
de sua razão ao conjunto da sociedade.
As normas de mercado e da concorrência se universalizam no
neoliberalismo, que, além de estabelecerem a razão de funcionamento
das empresas e do Estado, também transbordam para as condutas sociais
e para os indivíduos. Há a construção de uma naturalização das lógicas
de mercado, do consumo, da concorrência e da busca incessante de
acumulação (DARDOT; LAVAL, 2016, p. 378).
A hegemonia destas ideias corrói profundamente as posições políticas
que defendem uma sociedade mais igualitária, em que todos tenham acesso
às mesmas condições, colocando na defensiva ideias mínimas de justiça social
e cidadania para todos(as), ou até mesmo de solidariedade e cooperação,
pois o “natural” é a concorrência, com a meritocracia como justicativa
para explicar por que alguns conseguem ser bem sucedidos e outros não. A
responsabilidade pelo fracasso passa a ser exclusividade do indivíduo.
286 |
Essa “razão-mundo” neoliberal, naturalizada, e que não opera só no
âmbito da economia e dos governos, mas também no social e cultural, tem
tido forte impacto na ação estatal, nas políticas educacionais e no cotidiano
das escolas. Por um lado, inuencia estudantes e servidores(as) a partir do
culto ao consumismo, individualismo, concorrência, meritocracia, entre
outros. Por outro lado, diculta a implementação de políticas educacionais
que contraponham a “razão neoliberal”, pois é muito difícil romper com
lógicas de funcionamento da sociedade que estão naturalizadas, apesar
de, cada vez mais, as contradições sociais demonstrarem os seus limites. A
ideia de que é muito difícil mudar o que está acontecendo é muito forte.
Quanto a isso, Dardot e Laval comentam que
[…] é mais fácil fugir de uma prisão do que sair de uma
racionalidade, porque isso signica livrar-se de um sistema de
normas instaurado por meio de todo um trabalho de interiorização.
Isso vale em particular para a racionalidade neoliberal, na medida
em que esta tende a trancar o sujeito na pequena ‘jaula de aço’ que
ele próprio construiu para si. (DARDOT; LAVAL, 2016, p. 396).
Diante de tamanha alteração de conjuntura os IFs não passaram
incólumes, pois de certa forma as mudanças políticas são contraditórias
com a origem desta política pública, baseada na ideia de aprofundamento
da democracia e da justiça social, a partir da ampliação do acesso à
educação pública de altíssima qualidade, para aqueles que sempre estiveram
excluídos das melhores escolas e universidades. Lembrando que ideias
contra-hegemônicas tiveram alguma inuência na constituição dos IFs,
apesar das contradições já expostas.
Essas mudanças conjunturais alteraram inclusive o campo de disputas
no interior dos IFs, fato notado a partir da comparação das duas pesquisas
que deram origem a este texto, que captaram movimentos diferentes a
partir de metodologia e referencial teórico semelhantes. Isso reforça a
ideia que as escolas não são “ilhas” imunes aos movimentos da sociedade,
rearmando a importância dos trabalhadores em educação disputarem os
rumos da sociedade como um todo.
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas vol. 2
| 287
a mudança de conjuntura e as dIsPutas Internas Pelos rumos
PolítIco-educacIonaIs dos Ifs
No ano 2014, Manoel Porto Júnior, em sua tese de doutorado
“O ensino médio integrado no Instituto Federal de Educação, Ciência
e Tecnologia Sul-rio-grandense: perspectivas contra-hegemônicas num
campo em disputas”, teve como tema principal as disputas no interior
da instituição em torno da concepção dos cursos técnicos integrados ao
ensino médio.
Fez crítica ao modelo desenvolvimentista-modernizante,
demonstrando o quanto este modelo seguia reproduzindo as relações de
classe e as desigualdades sociais histórica brasileiras, apesar de um maior
investimento público em setores como a educação, o que se reetiu na
própria criação dos IFs. Também analisou as alterações no mundo do
trabalho e o aumento do trabalho abstrato, em uma política econômica de
um governo que garantia a reprodução do capital, sobretudo o nanceiro.
No entanto, entendeu que diante das condições de acesso aos bens
materiais e imateriais por partes mais amplas da população, ocorriam novas
formas de sociabilidade e entendimentos sobre as relações entre política,
economia e formação humana, o que abria contradições o espaços para
disputas pelos rumos do campo educacional.
E nesse sentido, o ensino médio integrado é entendido como uma
modalidade de ensino com potencial contra-hegemônico, pois é uma
possibilidade de travessia para a educação integral ou omnilateral.
Mais que isso, tal formação técnica, mesmo nos limites em que é
desenvolvida até os dias de hoje, tem se mostrado mais ecaz do
que o ensino médio propedêutico, sobretudo em uma sociedade
tecnológica – fruto da articulação entre a ciência e a cultura e suas
articulações com as várias formas de trabalho humano.
Sendo assim, a proposta de ensino médio integrado, capaz de
se traduzir na almejada travessia, com todos os seus percalços
e limites, propicia a ampliação das contradições do modo de
produção capitalista e potencializa a sua superação. Para tanto, deve
estar sustentada em três pilares: o trabalho, a ciência e a cultura,
288 |
sendo a tecnologia uma consequência dessa articulação presente
no currículo. Ainda, deve ter o trabalho como princípio educativo
e a pesquisa socialmente referenciada (vinculada com a extensão)
como princípio pedagógico. (PORTO JÚNIOR, 2014, p. 176).
4
Ao analisar as entrevistas que realizou entendeu que havia uma
ascensão de posições contra-hegemônicas no IFSul, em que o ensino
médio integrado era admitido como o “carro-chefe” da instituição, mesmo
após um período político de “clara hegemonia neoliberal”, em que essa
modalidade foi deixada de lado pelo decreto 2.208/97.
Com relação às mudanças no mundo do trabalho, vericou que os
entrevistados entendiam as novas necessidades mais complexas do próprio
capital, que vão além das habilitações estreitas, abrindo a contradição da
necessidade de formação de trabalhadores polivalentes, o que pode ser
transformado em formação integral nos IFs e portanto contra-hegemônica.
As entrevistas também apontaram para a necessidade de maior
autonomia dos trabalhadores em relação aos empregadores, e para uma
interação com o mundo do trabalho menos subserviente aos interesses
do mercado. Também foi signicativo o número de posicionamentos que
armaram a necessidade de superação de uma dualidade entre servir o
mercado” e “preparar para a vida”, que era um dos principais elementos
nas disputas à época da clara hegemonia neoliberal.
No nal da tese, uma das armações mais relevantes foi a de que
É interessante que o discurso contra-hegemônico favorável à
concepção politécnica se espraiou de tal forma, que são poucos
os redutos claramente conservadores e neoliberais. Vale salientar
que, na década de 1990, na mesma instituição, eram poucos os
redutos em que existiam vozes dissonantes em relação à política
imposta pelo bloco hegemônico, tendo sido o então CEFET-RS
um exemplo de implantação da Contra-reforma da Educação
Prossional. (PORTO JÚNIOR, 2014, p.179).
Em um texto de 2019, intitulado As dimensões da vida humana na proposta de Ensino Médio Integrado: as
armadilhas da tecnologia e da inovação, Porto Júnior, Ramos e Loponte aprofundam esse debate crítico a
respeito da tecnologia no currículo do EMI.
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas vol. 2
| 289
Trecho que demonstra, que em 2014, apesar das limitações do governo
de então, da condução da própria estruturação da Rede Federal EPCT e
das disputas pelos rumos da educação prossional que se construía nos IFs,
as posições neoliberais estavam em baixa e a educação com referência na
politecnia e em posições contra-hegemônicas possuía espaço de destaque,
a se julgar inclusive pelo perl dos entrevistados para a pesquisa, em boa
parte dirigentes do IFSul ou no mínimo em seus campi.
Já a tese de Mário San Segundo, intitulada “Os sentidos do trabalho
na educação prossional: um estudo a partir do IFRS”, foi escrita em outro
momento. Finalizada em meio à pandemia de COVID-19 já em 2021,
com pesquisa realizada principalmente em 2018 e 2019, captou a Rede
Federal EPCT no momento pós golpe de 2016 em meio à radicalização
neoliberal do governo Temer e do avanço autoritário promovido por
Bolsonaro. Os ataques à educação pública, a perseguição e criminalização
dos(as) educadores(as) e os cortes de verbas, passaram a ser o cotidiano
neste período.
San Segundo focou nas relações entre trabalho e educação com
objetivo principal de discutir como os sentidos atribuídos ao trabalho
humano, por parte dos educadores, repercutem na educação prossional
desenvolvida nos IFs. A pesquisa foi realizada a partir da análise de
documentos institucionais do IFRS e de entrevistas de dirigentes de ensino
dos cinco campi do IFRS, situados na região metropolitana de Porto Alegre.
Buscou situar a existência dos IFs nas diferentes conjunturas pelas
quais a instituição passou desde sua formulação. Abordou o contexto
internacional de neoliberalismo e de mercantilização da educação a partir
das políticas de modernização conservadora, bem como os governos
brasileiros e suas ações em relação à educação prossional e alguns
elementos do debate que deram origem aos IFs.
Percebeu que as orientações institucionais do IFRS defendem
uma educação prossional impulsionada pela articulação entre trabalho,
cultura, ciência e tecnologia, contra-hegemônica, comprometida com a
transformação humana, não subordinada ao mercado de trabalho, com o
290 |
mundo do trabalho em suas múltiplas dimensões e o trabalhador, postos
no centro das discussões.
Os documentos também trazem conceitos relevantes que apontam
para o trabalho como princípio educativo, educação integral, omnilateral,
que supere a dicotomia entre trabalho manual e trabalho intelectual,
politécnica, reexiva, crítica, política, a partir de uma compreensão histórico-
cultural do trabalho, das ciências, das atividades produtivas, da literatura,
das artes, do esporte e do lazer, sem dicotomias entre conhecimentos gerais
e especícos. Ou seja, no geral os documentos institucionais do IFRS, no
que se referem às relações entre trabalho e educação, trazem um pacote de
orientações contra-hegemônicas muito nítidas.
Apesar disso, a hipótese da qual parte a pesquisa era a de que
conhecimentos sobre a categoria trabalho e seus sentidos para a
educação prossional são, em boa parte, negligenciadas no contexto
da implementação da educação prossional nos campi IFRS, em boa
parte devido à falta de formação teórica dos(as) educadores(as) sobre
as relações entre trabalho e educação, ou até sobre outros conceitos
básicos de educação prossional e seus fundamentos. Hipótese bastante
inuenciada pela pesquisa de Porto Júnior.
San Segundo acaba concluindo que as políticas de educação
prossional contra-hegemônicas que estão nas resoluções do IFRS,
defendida e implementada por parte dos seus(suas) educadores(as),
encontram-se em franca disputa, com um oposição formada por um grupo
de educadores(as) do próprio IF que defendem, ou acabam por reproduzir,
posições político-pedagógicas nas quais o sentido do trabalho é entendido
enquanto mercadoria e a educação prossional como insumo que agrega
valor para inserção dos estudantes no mercado de trabalho. Lógicas muito
ligadas à razão neoliberal. Tais posições têm repercussões práticas pois
subordinam a educação prossional às lógicas de mercado, alterando as
relações da instituição com o mundo do trabalho, a formação dos(as)
estudantes e as ações de ensino, pesquisa e extensão, também chocando-se
frontalmente com a educação prossional em sua perspectiva politécnica.
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas vol. 2
| 291
Diferente do que encontrou Porto Júnior, San Segundo não pode
armar que posições neoliberais estão em poucos redutos e as posições
de orientação politécnica em ascensão. Pelo contrário, os espaços estão
bastante ocupados pelas lógicas de mercado da razão neoliberal, da qual
nos fala Dardot e Laval (2016), induzindo uma educação prossional
subordinada, reprodutora da sociedade de classes.
Durante o processo de nalização da tese de San Segundo e
principalmente durante sua banca de defesa, na qual Porto Júnior foi um dos
avaliadores, foi inevitável a reexão de como se chegou a duas percepções
tão diferentes, já que tratam-se de duas teses com referenciais teóricos
e metodológicos semelhantes, que analisam dois IFs geogracamente
com campi na mesma região, com sujeitos de pesquisas também muito
próximos? De certa forma, foi dessa curiosidade que partimos para escrever
este texto.
Percebemos que um dos principais movimentos dos objetos estudados,
se refere às diferenças consideráveis entre as orientações institucionais sobre
as relações entre trabalho e educação e a implementação destas orientações
nos campi dos IFs, por parte dos servidores. San Segundo percebeu a
existência de contradições e de diculdades de implementação na prática
das orientações institucionais contra-hegemônicas do IFRS, e encontrou
na pesquisa três elementos principais para interpretar esta situação.
O primeiro seria o desconhecimento, de alguns conceitos da
educação prossional, por parte dos(as) servidores(as) que atuam nos IFs.
Essa era a primeira hipótese de Porto Júnior, depois reformulada
5
, que
arma que faltava aos “sujeitos envolvidos com a educação prossional dos
Institutos Federais uma base teórica que lhes permitissem realizar escolhas
de cunho ético-político em favor da classe trabalhadora, as quais levariam,
consequentemente, ao ensino médio integrado” (PORTO JÚNIOR,
2014, p. 14).
Segundo o autor, reformulada a hipótese, passou “a incorporar o papel do discurso hegemônico no
consentimento ativo dos sujeitos às políticas públicas para a Educação Prossional. Dessa forma, a
experiência dos educadores passou a ser central no debate e isso determinou minha escolha pela análise das
disputas que se dão no interior do Instituto. (PORTO JÚNIOR, 2014, p. 15).
292 |
Assegura, que apesar da preocupação com a qualidade do ensino
demonstrada pelos(as) entrevistados(as), a falta de debates pedagógicos
embasados em referenciais teóricos favorece a consolidação do discurso
hegemônico, pois as contradições do próprio capitalismo trariam à tona
debates que eram sufocados na década de 1990. Em virtude disso, os
avanços do discurso contra-hegemônico eram represados exatamente
pela falta de discussões de uma pedagogia para a travessia no interior dos
institutos (PORTO JÚNIOR, 2014, p. 170). Em outro trecho arma que
um importante entrave é a falta de um embasamento teórico-pedagógico
no campo da relação do trabalho com a educação entre os professores
de maneiras geral, tanto os novos como os antigos” (PORTO JÚNIOR,
2014, p. 178).
A partir dessas análises, entendemos nas pesquisas, em um primeiro
momento, que lógicas alheias à educação politécnica crescem exatamente
no espaço da falta de formação, espaços de discussão ou informação
sobre o assunto. E, neste caso, mais formação e espaços de discussão
organizada sobre o tema, com os conteúdos que superem o senso comum,
adequadamente selecionados, auxiliariam na sensibilização dos(as)
educadores(as) e no avanço das concepções de educação prossional
politécnica, uma vez que as contradições da sociedade capitalista são
imensas e perfeitamente identicáveis.
O segundo elemento são as contradições com o próprio tempo
histórico no qual vivemos. Estamos em uma sociedade capitalista, na qual
as lógicas de mercado, a “racionalidade mercantil”, e a “razão neoliberal”
(DARDOT; LAVAL, 2016) são hegemônicas, impondo mediações aos
indivíduos. O trabalho visto na educação para além do mercado de trabalho
acaba se chocando com a “razão neoliberal” e, consequentemente, entra
em contradições com a própria experiência de vida dos(as) educadores(as),
responsáveis por implementar as políticas contra-hegemônicas. Por isso,
apesar da elaboração teórica nas resoluções, e até da boa formação sobre o
tema, por parte de muitos educadores(as) que atuam nos IFs, as mediações
das práticas cotidianas se impõem, fazendo com que o olhar contra-
hegemônico do mundo do trabalho ou educação prossional, por vezes
não encontre as condições propícias para sua implementação.
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas vol. 2
| 293
Isso ca muito nítido, por exemplo, quando analisamos a percepção
dos entrevistados sobre o “perl de egressos”. Porto Júnior alega ter sido
o ponto onde encontrou as posturas mais conservadoras em sua pesquisa:
Percebi que o espaço onde o discurso neoliberal é mais potente no
interior do IFSul é no que se refere à vinculação da formação técnica
com a denição do futuro do egresso no mundo do trabalho. Os
principais argumentos são econômicos. De um lado a questão de
justicar o investimento do Estado na formação de qualidade do
técnico. Se o egresso optar por outra prossão a partir de uma
formação de nível superior em outra área, ou simplesmente por
encontrar uma ocupação não imediatamente ligada à habilitação
adquirida, teríamos fracassado. De outro lado, a crença de que o
ambiente formativo, sobretudo os institutos, são os responsáveis
pela solução dos problemas do país, fonte de um saber prático,
de uma pesquisa aplicada e de uma extensão tecnológica capaz de
garantir o passaporte para o paraíso do capital. (PORTO JÚNIOR,
2014, p. 180).
Porto Júnior percebeu, que elementos do discurso neoliberal tinham
penetração inclusive entre educadores(as) críticos ao capital, mas que não
conseguiam fugir a algumas lógicas da educação prossional vinculada ao
mercado, ao invés de uma perspectiva de formação técnica como travessia
necessária.
No entanto, San Segundo encontrou em sua pesquisa um terceiro
elemento ao avaliar o objeto mais aprofundadamente a partir da categoria
de luta de classes. Percebeu a intensicação de uma disputa pelos rumos
da educação prossional e IFs, na qual uma de suas expressões é a não
implementação das políticas previstas pelo IFRS no que se refere às relações
da educação prossional com o mundo do trabalho.
Este embate está intenso no contexto da prática cotidiana e nas
mediações da implementação das políticas, de modo que a pesquisa
detectou muitos exemplos da existência de educadores(as) que fazem uma
opção de classe, voltando-se conscientemente para o atendimento das
lógicas de mercado, para políticas que reproduzem as desigualdades, apesar
294 |
destes educadores(as) também pertencerem a classe-que-vive-do-trabalho,
pois são tão assalariados quanto os estudantes que atendem. Também não
se ignora os(as) indiferentes que, via de regra, auxiliam na reprodução das
desigualdades e da dominação de classe.
E diante dessa situação, não seria mais formação e espaços de
discussão que resolveria o embate a favor de posições contra-hegemônicas,
pois há inclusive um certo desrespeito às elaborações político pedagógicas
que constituíram a Rede Federal EPCT e que se reproduzem nas resoluções
institucionais, democraticamente elaboradas pelo IFRS.
Portanto é perceptível, que San Segundo, encontrou um ambiente
político institucional mais conagrado do que Porto Júnior, no qual a
ascensão é das posições que associam a educação prossional ao mercado
e ao neoliberalismo. No qual os núcleos nitidamente contra-hegemônicos
têm menos força política.
As duas teses, apesar de terem apenas sete anos de diferença, tratam
de momentos distintos da correlação de forças na luta de classes. A tese
de San Segundo aborda de forma mais crítica posicionamentos vistos,
no momento anterior, como potencialmente contra-hegemônicos, em
um período de maiores possibilidades de circulação de ideias em uma
perspectiva igualitária, no qual posições mais conservadoras não eram tão
expostas. Em decorrência disso, as disputas em torno de uma educação
politécnica possuíam maior aceitação, diante de uma perspectiva de
sociedade que entendia o combate às desigualdades sociais como um
horizonte a ser buscado, mesmo que de forma limitada, sob o ideário
neodesenvolvimentista.
Já o período no qual San Segundo realizou a pesquisa e concluiu sua
tese, é o de confronto aberto de projetos de sociedade, no qual propostas
reprodutoras de desigualdades sociais passaram a ser expostas abertamente
e com algum apoio de parcelas signicativas da sociedade, principalmente
a partir da radicalização neoliberal aberta a partir do golpe institucional de
2016 e do avanço inclusive de setores neofascistas, como se viu, organizados
no bloco que sustenta o governo Bolsonaro. Houve um acirramento da
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas vol. 2
| 295
luta de classes na sociedade brasileira, o que impactou no cotidiano dos IFs
e acabou por transparecer, com mais evidências, nas entrevistas realizadas
por San Segundo, do que nas realizadas por Porto Júnior.
consIderações
No decorrer deste trabalho, procuramos demonstrar como a
Rede Federal de EPCT e os Institutos Federais foram constituídos em
consonância com um discurso neodesenvolvimentista, caracterizado por
colocar a vontade acima das possibilidades reais de construir políticas
públicas nos limites da macroeconomia neoliberal. Para tanto, partiu da
experiência histórica das escolas construídas a partir do início do século
XX, expandindo, interiorizando e ampliando os objetivos das antigas
Escolas Técnicas e Agrotécnicas Federais.
A heterodoxia do pensamento que procura uma terceira via
entre o capitalismo neoliberal e o comunismo, apesar de atentar contra
a realidade que impõe uma superexploração da mão-de-obra e um
posicionamento subjugado e colonialista para a periferia capitalista,
permitia, pelo empenho prossional e militante dos sujeitos sociais
envolvidos nos territórios de atuação do IFs, a construção de alternativas
em uma perspectiva revolucionária, extrapolando os limites do pensamento
neodesenvolvimentista.
Ainda sob o governo Dilma Roussef, na gestão de Mercadante no
Ministério da Educação, vimos o avanço de propostas vinculadas a uma
visão naturalizada de tecnologia, condizente com os limites do discurso
neodesenvolvimentista, voltada para o mercado e para o empreendedorismo
individual. Dessa forma, vimos a expansão da oferta de formação integral
ser substituída pelo PRONATEC e seu nanciamento público para
formas aligeiradas de formação parcial, no mais das vezes ofertadas pelas
instituições privadas e/ou empresariais, como o Sistema S.
É nesse contexto que ganha espaço na Rede Federal de EPCT o
discurso da inovação e da submissão aos interesses do capital. São criados
296 |
editais especícos para atendimento das demandas mercadológicas,
enquanto a Lei da Inovação abre o caminho para o uso privado das estruturas
e pessoal das instituições públicas de educação para ns particulares.
O golpe de 2016 acelera a opção pelo capital e desmobiliza as ações
de políticas públicas contra-hegemônicas executadas através dos Institutos
Federais, seja pelo desmanche de programas sociais, como o PRONERA,
seja pelo estrangulamento orçamentário. Os Editais, implantados a partir
da velha prática do “balcão” no Ministério da Educação, priorizam a
inovação sob a ótica do capital.
A rápida capitulação de expressivo contingente da Rede Federal de
EPCT à nova onda neoliberal mais ortodoxa foi demonstração inequívoca
de continuidades em relação ao que ocorria no governo anterior. Tal
movimento, tão brusco para ser novo, foi captado nas entrevistas analisadas
na tese de PORTO JÚNIOR (2014) e desnudados no trabalho de SAN
SEGUNDO (2021).
A disputa de classes está presente nas instituições desde sempre. O
momento da Lei de Criação dos IFs representou uma correlação de forças
mais favorável às transformações sociais na perspectiva de atendimento
das demandas da classe trabalhadora. Disso decorre as perspectivas contra-
hegemônicas do período, construídas menos pela formação teórica que
pela experiência de vida dos trabalhadores e trabalhadoras envolvidos(as).
A falta de uma base teórica consistente, articulada com a realidade
macroeconômica nacional e mundial, necessariamente discutida e
construída em conjunto nas comunidades acadêmicas que compõem a
Rede Federal de EPCT, inuenciou na mudança de rumo dos Institutos
Federais que, nesse momento, veem avançar em suas ações a hegemonia
do capital.
Portanto, a tarefa dos sujeitos que lutam por uma sociedade socialista
é de resistência à ofensiva neoliberal. Para tanto, enquanto não se constrói
uma outra possibilidade histórica de verdadeira superação da sociedade
cindida em classes, devemos buscar formas de atuar em conjunto com
movimentos sociais do campo e da cidade.
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas vol. 2
| 297
Sendo impossível esperar do Estado neoliberal ortodoxo o
nanciamento de políticas públicas que atuem para a transformação social
da sociedade e reconhecendo a provisoriedade de ações governamentais
ligadas a discursos que procuram aliar capitalismo neoliberal à justiça social,
devemos construir, na disputa de rumos em cada campus, em articulação
com a sociedade civil, as formas de desenvolver nossas ações de pesquisa
ensino e extensão.
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Capítulo 11
E  
M   
    R
F  E
Lícia Cristina Araújo da Hora
Ana Paula Ribeiro de Sousa
resumo: O presente artigo objetiva apresentar um panorama da oferta de educação
prossional no contexto do movimento de expansão da rede federal de ensino no Maranhão
situado na primeira década dos anos 2000. Para tanto, serão analisados o conteúdo das
principais políticas de expansão dos institutos e das universidades federais no período
destacado, assim como o próprio movimento de expansão dessas instituições no Estado,
problematizando o percurso dessas políticas no que tange a um projeto de formação
prossional da população maranhense, mas pautado na execução de políticas emanadas
do governo federal. Demonstra-se como esse processo instituiu trajetórias subordinadas
de qualicação prossional por meio da diversicação de ofertas educacionais que criam
o discurso fantasioso de acesso democrático à escola, recriando novas formas de dualidade
estrutural no âmbito da oferta escolar pública.
Palavras-chave: Expansão da rede federal; Institutos Federais; Universidades. Dualidade
Estrutural; Oferta Educacional.
https://doi.org/10.36311/2023.978-65-5954-344-1.p299-326
300 |
abstract: is article aims to present an overview of the provision of professional
education in the context of the expansion movement of the federal education system
in Maranhão, located in the rst decade of the 2000s. federal universities in the period,
as well as the expansion movement of these institutions in the state, problematizing
the course of these policies with regard to a project of professional training for the
population of Maranhão, but based on the execution of policies emanating from the
federal government. It demonstrates how this process instituted subordinate trajectories
of professional qualication through the diversication of educational oers that create
the fanciful discourse of democratic access to school, recreating new forms of structural
duality within the scope of public school provision.
keywords: Expansion of the federal network. Federal Institutes. Universities. Structural
Duality. Educational Oer.
1. Introdução
O processo de expansão da educação prossional durante os governos
Lula da Silva (2003-2010) e Dilma Rousse (2011-2016), implementado
a partir de 2005, compõe duas frentes que balizam esta análise: ampliação
das Universidades, das Escolas e Centros Federais de Educação Tecnológica,
posteriormente transformados em Institutos Federais.
A expansão das Universidades agregou contradições no que se refere a
garantia do acesso e permanência com qualidade no ensino superior, assim
como o desao da manutenção do nanciamento público para a educação
pública, uma vez que foi induzida por um programa governamental – O
Programa de Apoio a Planos de Expansão e Reestruturação das Universidades
Federais (REUNI) instituído por meio do Decreto 6.096/2007.
Em outra frente, temos a expansão dos Institutos Federais, a
partir do Decreto 6.095/2007 e da Lei nº. 11.892/2008, que promoveu
a reestruturação da rede federal de educação prossional, técnica e
tecnológica, congregando uma ampliação cada vez mais diversicada de
programas de qualicação para os trabalhadores, ora com elevação da
escolaridade integrada à qualicação prossional, ora apenas com cursos de
caráter prossionalizante, apresentando o aprofundamento das ofertas de
cursos que conferem diferentes qualidades, reetindo como característica
comum a distribuição desigual do saber cientíco e do saber prático.
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas vol. 2
| 301
Posteriormente a expansão apresentou nova frente, por meio do Programa
Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego – PRONATEC
1
É necessário destacar, inicialmente, que a educação prossional no
Maranhão, a partir do ano de 2005, por meio da rede federal, cumpriu
um papel importante na ampliação do acesso à escolarização em nível
médio prossionalizante destinada a jovens entre 15 a 17 anos. A taxa de
escolarização líquida do Maranhão, de acordo com dados da Gerência de
Desenvolvimento Humano (GDH)
2
no ano de 2000 correspondia a 14%,
muito menor do que a do Brasil no mesmo período, que equivalia a 33%.
De acordo com Rosar e Cabral (2004), no período entre 1995 e 2000, a
cobertura de oferta do ensino médio no Estado foi de 58 municípios de
um total de 217 ao passo que havia 400 mil alunos fora da escola.
Até o início dos anos 2000 não havia sido possível garantir nem
mesmo a existência de escolas de ensino médio em todos os municípios.
No entanto, a predominância de ofertas de vagas para o ensino médio e
prossionalizante concentrou-se na capital, São Luís, e no segundo maior
município do Estado, Imperatriz, numa distância de quase 700 km entre
estas duas cidades.
Além dos fatores referentes à oferta de escolarização em ensino médio,
é relevante destacar que a expansão da educação prossional no Maranhão
ocorre num contexto social em que, conforme dados do Instituto Brasileiro
de Geograa e Estatística - IBGE (2010), a população vive com a média
de renda de R$ 319, 00 (trezentos e dezenove reais) ao mês, com média
de cinco anos de escolarização e uma taxa de analfabetismo de 20,9% na
faixa etária de 15 a 24 anos. Em 2015, a taxa bruta de matrícula no ensino
superior era de 20,8% e a líquida de 10,8%, índices bastante discrepantes
Criado pela Lei nº 12.513, de 26 de outubro de 2011. Institui o Programa Nacional de Acesso ao Ensino
Técnico e Emprego (Pronatec); altera as Leis no 7.998, de 11 de janeiro de 1990, que regula o Programa do
Seguro-Desemprego, o Abono Salarial e institui o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), no 8.212, de 24
de julho de 1991, que dispõe sobre a organização da Seguridade Social e institui Plano de Custeio, no 10.260,
de 12 de julho de 2001, que dispõe sobre o Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior, e no
11.129, de 30 de junho de 2005, que institui o Programa Nacional de Inclusão de Jovens (ProJovem).
Após reforma administrativa, a Gerência de Desenvolvimento Humano passou a se chamar Secretaria de
Educação.
302 |
em relação a realidade nacional, com taxas equivalentes a 34,6% (taxa
bruta) e 18,1% (taxa líquida).
No mesmo ano de 2015, entre a população de 18 a 24 anos, apenas
23,11% frequentavam a escola, contra 76,89% fora da escola, o que aponta
para o aumento da exclusão educacional conforme se eleva a faixa etária e o
nível de ensino
3
. Por outro lado, as políticas de expansão da rede federal de
ensino, implementadas a partir dos anos 2000, tem fomentado um acesso
às instituições federais, que impulsionaram seu processo de expansão,
sobretudo para as regiões fora da capital.
Com relação a distribuição das matrículas, em 2015, o setor público
respondeu por 54.640 (36,6%) matrículas no ensino superior, enquanto
o setor privado por 94.286 (63,31%) (BRASIL, 2015). Já no período
do primeiro mandato do presidente Lula (2003-2006), verica-se um
crescimento mais expressivo das matrículas no setor público, devido ao
início do ciclo de políticas de expansão da rede federal, a partir de 2003,
atingindo um crescimento de 79,6%. Conforme Nascimento e Melo
(2011, p. 82),
Estes números indicam que as mudanças na educação superior
no Estado do Maranhão se traduzem na diversicação tanto das
modalidades de cursos como das novas formas de organização
acadêmica, criadas pela legislação especíca. Elas são produzidas
também na medida em que se mercantiliza o ensino superior e se
constitui um empresariado local, que passa a explorar o grande veio
que é o ensino superior enquanto serviço não-exclusivo do Estado.
Contudo, para além da análise da ampliação do acesso à escolarização
no Maranhão, temos como intuito neste artigo apresentar as dinâmicas
econômicas e políticas nas quais está circunscrito o processo de expansão
dos Institutos Federais e das Universidades.
Dados obtidos com base na PNAD/IBGE, coletados no site Observatório do PNE. Diponível em: http://
www.observatoriodopne.org.br, Acesso em: 10 fev. 2017.
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas vol. 2
| 303
2. a acelerada constItuIção da rede federal de educação
tecnológIca ProfIssIonal, cIentífIca e tecnológIca
Os Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia (IFETs),
criados a partir da Lei n.º 11.892/2008, deram início a um novo projeto
de instituição dentro da Rede Federal, congregando Escolas Técnicas
Federais (ETFs), Escolas Agrotécnicas Federais (EAFs), Escolas Técnicas
Vinculadas a Universidades Federais (EVs) e Centros Federais de Educação
Tecnológica (CEFETs). Esta Lei também cria a Rede Federal de Educação
Tecnológica Prossional, Cientíca e Tecnológica.
A criação dos Institutos circunscreve-se num contexto histórico
muito mais amplo, no qual as instituições de ensino centenárias foram
aparentemente convocadas a aderir “voluntariamente” à integração entre
as instituições federais, compondo, desse modo, um novo modelo de
educação prossional, em que cada Instituição, antes de ser transformada
em IFET, tinha suas particularidades e distintas orientações formativas
focalizadas em arranjos produtivos diferenciados. Sob a aparência de
convocação, construiu-se um percurso de tomada acelerada de decisões
dentro do Ministério da Educação conjuntamente com Secretaria de
Educação Prossional e Tecnológica - SETEC/MEC.
A nova institucionalidade de algum modo alterou profundamente
a cultura escolar, o perl dos docentes, a dinâmica do trabalho, viabilizou
abertura a incorporação da gestão empresarial, avançou nas políticas das
pró-reitorias o produtivismo de resultados. Além destes elementos, soma-
se o fato de que a criação dos Institutos Federais representou a perda
de organização com poder de autarquia, implicando na autonomia e
identidade das escolas Agrotécnicas, representando tensões políticas com o
Ministério da Educação e junto aos CEFETs.
O marco legal para o início das medidas para composição de uma
nova arquitetura para a rede de educação prossional deu-se por meio do
Decreto n.º 6.095/2007, que estabelece as diretrizes para o processo de
integração de Instituições Federais de Educação Tecnológica, para ns de
constituição dos IFETs. O Decreto estabelece a organização de uma rede
304 |
federal com nova engenharia organizacional, montada a partir da adesão
voluntária das instituições já existentes à nova instituição – os Institutos
Federais. O processo de criação dos Institutos daria a partir daquele
momento “uma nova conformação à rede federal”. Segundo Célia Otranto
(2011, p. 8):
Durante o processo de mudança e reorganização da rede o governo
federal enfrentou algumas reações que foram diferenciadas em
cada um dos grupos. Em relação aos CEFETs, quando a reforma
começou a ser delineada, tinham como principal objetivo alcançar
o status de Universidade Tecnológica, a exemplo do acontecido
com o CEFET Paraná, em 2005. Quando, em 2007, o MEC se
contrapôs a esse movimento, informando não ser esse o objetivo do
Ministério e apresentando um caminho diverso, consubstanciado
no Decreto 6.095, que já indicava a criação dos Institutos Federais,
houve uma reação inicial que não foi levada adiante pela maioria
dos CEFETs. Somente se mantiveram na resistência o CEFET-RJ
e o CEFET-MG, que se sentiram merecedores do mesmo direito
de transformação em Universidade Tecnológica, devido ao fato
de terem sido elevados à categoria de Centros Federais na mesma
época que o CEFET-PR.
A transformação dos CEFETs, EAFs e Escolas Técnicas vinculadas
a Universidades deu-se permeada pelas tensões entre os Conselhos das
respectivas instituições frente às incertezas e implicações decorrentes dessas
transformações. Ao nal de 2008, a Rede Federal estava composta por 36
EAFs, 33 CEFETs com 58 Unidades Descentralizadas (UNEDs), 32 EVs,
1 Universidade Tecnológica
4
e 1 Escola Técnica Federal.
Após promulgação da Lei, consolidou-se a Rede Federal de Educação
Prossional, Cientíca e Tecnológica formada, conforme consta no art. 1º
da Lei n.º 11.892 por:
I - Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia;
II - Universidade Tecnológica Federal do Paraná – UFTPR;
Do total de 33 CEFETs, apenas dois não aderiram ao formato de IFET: CEFET – MG e CEFET – RJ,
ambos pleitearam durante todo os governos petistas a mesma condição do CEFET-PR, ou seja, de serem
transformados em Universidade Tecnológica, por meio da Lei n.º 11.184/2005.
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas vol. 2
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III - Centros Federais de Educação Tecnológica Celso Suckow da
Fonseca (CEFET-RJ) e Centro Federal de Educação Tecnológica
de Minas Gerais (CEFET-MG);
IV - Escolas Técnicas Vinculadas às Universidades Federais e,
V – Colégio Pedro II. (BRASIL, 2008).
Na perspectiva assinalada na obra que versa sobre as concepções e
diretrizes dos Institutos (PACHECO, 2010), é importante compreendermos
a lógica da expansão dos mesmos, especialmente no Estado do Maranhão,
de modo que seja possível desvelar a perspectiva progressista anunciada
no discurso ocial, assim como perceber as contradições deste projeto na
realidade social, uma vez que ele é apresentado pelo governo como uma
política inclusiva, distributiva e democrática.
2.1. o camInho dos trIlhos como rota Para a exPansão dos
InstItutos federaIs do maranhão
A marca da visão produtivista da educação, dualista e fragmentária,
atravessou o século XIX no Brasil, consolidou no século XX o “télos
à formação humana e chega à segunda década do século XXI com a
supercialidade da fantasia da democratização das oportunidades. De
acordo com Rodrigues (1997), na década de 1960, o empresariado
industrial, em compasso com o padrão fordista, determina para a sociedade
o télos industrial.
Na década de 1980, a CNI age em conformidade com a nova fase
do capitalismo no padrão de acumulação exível, levando o empresariado
industrial a agir sob uma nova imagem, o télos competitivo. O autor destaca
que a forte inuência do empresariado no campo da luta hegemônica se dá
por meio de dois aparelhos pedagógicos fundamentais para conformação
humana: o primeiro é a tríade pedagógica SENAI, SESI e IEL; o segundo
é demarcado pelo discurso ocial construído historicamente pela CNI.
(RODRIGUES, 1997).
306 |
O télos competitivo foi fundamental para consolidar as propostas
industriais brasileiras à formação humana, na formulação que segue
educação básica universal seguida de formação prossional polivalente”
(RODRIGUES, 1997, p. 254). E é sob a forte inuência da concepção
do empresariado que os documentos ociais do IFMA
5
apontam que
o processo de expansão da educação prossional tem como um de seus
principais objetivos o desenvolvimento regional a partir das demandas
dos Arranjos Produtivos Locais – APLs. Em produções de Lícia da Hora
(2013a, 2013b), encontra-se a problemática da adoção deste conceito
uma vez que o termo APLs aparece frequentemente na literatura e nos
documentos ociais que versam sobre a expansão dos Institutos Federais,
sob a justicativa de que as ofertas educacionais precisam considerar
os APLs, assim como as peculiaridades locais, a realidade regional, as
demandas sociais dos trabalhadores
6
.
No Plano de Desenvolvimento Institucional do IFMA (PDI,
2009), consta que os objetivos almejados pelo processo de interiorização é
contribuir para o crescimento e o progresso das regiões onde estão instalados
os Campi, no qual estes precisam “respeitar as características de cada região,
orientando a oferta de cursos e a atualização curricular, para que atendam
às demandas locais e regionais”. Os documentos ociais apontam que as
ofertas de cursos buscam atender às demandas dos arranjos produtivos
locais. Desse modo, ca estabelecido pelo MEC que a expansão da rede
federal de educação prossional e tecnológica atende principalmente às
seguintes dimensões: “Municípios com arranjos produtivos locais – APLs
identicados; entorno de grandes investimentos” (BRASIL, 2010).
A concepção de APLs contida no Glossário de Arranjos e Sistemas
Produtivos Locais e Inovativos (REDESIST, 2003) produzido pela Rede
de Pesquisa em Sistemas Produtivos e Inovativos Locais (REDESIST)
foi adotada pelo Ministério do Desenvolvimento. O conceito de APLs
produzido pelo REDESIST é muito utilizado por Universidades e por
Plano de Desenvolvimento Institucional 2009 – 2013 e a Lei n.º 11.892 de dezembro de 2008.
É possível encontrar tal referência na Lei n.º 11. 892, de dezembro de 2008, quando trata dos objetivos
dos Institutos Federais, em seu artigo 6º, inciso II, no qual consta: “Desenvolver a educação prossional
e tecnológica como processo educativo e investigativo de geração e adaptação de soluções técnicas e
tecnológicas às demandas sociais e peculiaridades regionais”.
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas vol. 2
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Instituições de apoio, tal qual o SEBRAE que passou a denir as APLs
como sua nova estratégia de ação política. De acordo com o Termo de
Referência para Política Nacional (BRASIL, 2004), o reconhecimento de
um arranjo produtivo local é feito a partir das seguintes variáveis: 1) a
concentração setorial de empreendimentos no território; 2) concentração
de indivíduos ocupados em atividades produtivas relacionadas com o
setor de referência do APL; 3) cooperação entre os atores participantes
do arranjo (empreendedores e demais participantes), em busca de maior
competitividade; 4) existência de mecanismos de governança.
Erber (2008) aponta que a perspectiva de APLs no âmbito da
REDESIST, consequentemente no âmbito do MEC, do Ministério do
Desenvolvimento e no SEBRAE, relaciona-se a APLs industriais, ou seja, a
uma política industrial. Sendo assim, a abordagem teórica que fundamenta
estes APLs é a teoria da organização industrial, cuja unidade de análise é a
indústria; a natureza da vantagem competitiva é sustentável, fundada no
exercício de situações de quase-monopólio
7
. É no rastro dos APLs que a
expansão inicia na realidade maranhense. Até o ano 2006 este estado da
federação contava apenas com uma Unidade Descentralizada do CEFET
no interior do Estado, na cidade de Imperatriz, e uma Escola Agrotécnica
na cidade de Codó.
Na capital, a Rede Federal estava contemplada com um CEFET, uma
Escola Agrotécnica e um Colégio de Aplicação da UFMA. Após vinte anos
da criação da Unidade de Imperatriz, no ano de 2007, com o projeto de
expansão da rede de educação prossional, o Estado do Maranhão obtém
mais duas Unidades Descentralizadas de Ensino, na cidade de Buriticupu
e Zé Doca.
Em 2008, sob a Lei n.º 11.892/08 a expansão da educação
prossional atingiu a cidade de Santa Inês, Açailândia e a cidade de São
Luís, com mais três Campi. O conjunto de cinco novos Campi da rede de
educação prossional no Maranhão constituiu a primeira fase de expansão
no estado. Assim, cou organizado na primeira etapa a seguinte ordem: Fase
No artigo de Vasconcelos e Cyrino (2000), Vantagem competitiva: os modelos teóricos atuais e a
convergência entre estratégia e teoria organizacional, consta a análise das quatro abordagens teóricas citadas
no texto.
308 |
Pré-Expansão: 01- Campus Codó, 02- Campus Imperatriz, 03- Campus
Maracanã, 04- Campus São Luís - Monte Castelo. Na Fase I da Expansão
8
:
05- Campus Açailândia, 06- Campus Buriticupu, 07- Campus Santa Inês,
08- Campus São Luís - Centro Histórico, 09- Campus Zé Doca.
No Plano de Expansão da Rede de Educação Tecnológica, é possível
apreender a lógica elaborada no âmbito do governo para promover a
construção dos primeiros Campi nos municípios do Maranhão. Entre eles:
A cidade de Buriticupu que tem como principal atração de
investimentos o fato de se localizar junto à estrada de ferro
Carajás e ser cortada por uma Rodovia Federal que liga a Capital
São Luís a Imperatriz no Sul do Estado. Com uma população
de 61.657, (IBGE 2003), sua atividade econômica se constitui
prioritariamente de dois segmentos: a atividade rural e a urbana
(comércio). A atividade econômica concentra-se, por um lado, na
agricultura e na pecuária, com destaque para a produção de arroz e
feijão, extração de madeira e criação de gado bovino. Por outro lado,
destaca-se o comércio e a indústria guseira localizada na vizinha
Açailândia que aproveita sua posição geográca estratégica
para receber o minério de ferro Carajás e fazer a transformação
em gusa. (BRASIL, 2005, p. 29, grifos nossos).
Entre as cidades do Maranhão e povoados atravessados pela ferrovia
Carajás destacam-se: Vitória do Mearim, Arari, Santa Inês, Alto Alegre do
Pindaré, Mineirinho, Auzilândia, Altamira, Presa do Porco, Nova Vida,
Buriticupu, Açailândia, São Pedro da Água Branca e a capital, São Luís.
Das cidades mencionadas, quatro compõem o processo da primeira fase de
expansão da Educação Prossional e segue a rota da economia do minério:
Açailândia, Buriticupu, Santa Inês e São Luís, sendo a capital destino nal,
por constituir-se porto de embarque do minério destinado ao mercado
internacional. De acordo com as análises indicadas por Morais (2007), essas
cidades tornaram-se importantes atrativos para os trabalhadores de várias
regiões do Brasil, pois viram no empreendimento Carajás perspectivas
concretas de inserção na dinâmica industrial que se iniciava no Estado. “A
Foi concluída a segunda fase da expansão composta por nove Campi do IFMA.
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas vol. 2
| 309
chegada da CVRD no Maranhão criou a expectativa de desenvolvimento
= industrialização, inclusive entre os trabalhadores locais e aqueles que
chegavam” (MORAIS, 2007, p. 127).
A ideia da modernização tornou-se lema para ação do Estado brasileiro
nos anos de 1950, no governo Juscelino Kubitschek de Oliveira, sob a
ideologia do nacional-desenvolvimentismo. Nessa lógica, na perspectiva
de superação do “atraso” do Nordeste frente ao Sudeste e da “integração
da Amazônia ao território brasileiro, ocorreu uma ação permanente de
planejamento regional no Brasil. Mas, conforme destaca Oliveira (2003),
esta ideia de desenvolvimento e modernização ocorre numa articulação
dialética entre o urbano/industrial/moderno com o rural/agrícola/
atrasado. Apesar de constar na pesquisa de Hora (2013a) que a lógica da
expansão obteve pressão de políticos e do empresariado, no ano de 2007
os documentos de Chamada Pública MEC/SETEC destacaram que os
critérios estabelecidos tem como referência questões territoriais e sociais,
porém não deixamos de sublinhar o fato de que a lógica produtiva é uma
expressão que marca a expansão, assim segue nos editais que:
A denição das localidades contempladas orientou-se por uma
abordagem multidisciplinar, fundamentada em análise crítica de
variáveis geográcas, demográcas, socioambientais, econômicas e
culturais, com destaque para as seguintes nalidades: a) distribuição
territorial equilibrada das novas unidades de ensino; b) cobertura
do maior número possível de mesorregiões em cada Unidade da
Federação; c) proximidade das novas unidades de ensino aos
Arranjos Produtivos Locais instalados e em desenvolvimento;
d) interiorização da oferta pública de educação prossional e de
ensino superior; e) redução dos uxos migratórios originados nas
regiões interioranas com destino aos principais centros urbanos; f)
aproveitamento de infraestruturas físicas existentes; g) identicação
de potenciais parcerias. (BRASIL, 2007, p.1, grifos nossos).
Ainda que se tenha no discurso textual que norteia a criação e
expansão dos Institutos Federais que os objetivos destas escolas buscam
elevar indicadores de regiões empobrecidas, diminuição das desigualdades
sociais, elevação de escolaridade dos territórios historicamente excluídos
310 |
da presença de políticas sociais, atingir metas de superação do décit de
matrículas do ensino médio, redução de uxos migratórios, com vistas
ao desenvolvimento dos territórios, é possível identicar que o conceito
de Arranjo Produtivo tensiona o processo de expansão sob um viés
produtivista, garantindo estreitamento de relações com o agronegócio, com
empresas guseiras, com o mercado do minério e com pequenas oligarquias
políticas locais.
As contradições deste processo situam-se, por um lado, numa
adoção da concepção de arranjo produtivo local, com muita fragilidade no
planejamento da expansão na realidade do IFMA, assim como de outros
Institutos, pois apresenta “diculdade na aproximação entre o sistema
que forma e as necessidades de formação, um desequilíbrio entre oferta
de trabalhadores e demanda do mercado de trabalho” (MAGALHÃES;
CASTIONI, 2019, p. 740). Ou seja, as ofertas dos cursos do IFMA, apesar
de serem justicadas pelos APLS, acabam também priorizando o baixo
custo de criação e manutenção dos cursos técnicos, desse modo, desvirtuam
dos objetivos previstos na expansão, conforme já se demonstrou-se na
pesquisa de HORA (2013a).
Uma outra contradição da dinâmica da expansão e a marca
produtivista, foi apontada também pelo pesquisador Vespasiano da Hora
(2016) ao analisar a trajetória dos egressos de curso de técnicos do IFMA,
o pesquisador aponta que apesar do grau de satisfação evidenciado pelos
estudantes que concluíram os curso, do alcance na inclusão do acesso ao
IFMA, da oportunidade de qualicação prossional, valorização e melhoria
na qualidade de vida desses egressos, a absorção pelo mercado de trabalho
desta mão de obra ocorre de forma subordinada e em campos de trabalho
distintos de sua área de formação, encontrando o cenário de desemprego
estrutural e o espectro de trabalhadores na informalidade.
Apesar do reconhecimento da importância da presença do IFMA
nos municípios, sua relevância na vida de muitos adolescentes, jovens e
adultos trabalhadores a garantia de acesso as políticas educacionais do
governo federal,
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas vol. 2
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Isso, porém, não isenta o IFMA da sua condição de subordinado
à lógica capitalista, quando este não consegue romper com a
ideologização praticada em seu interior e quando, dentre outros
fatos, lança mão do empreendedorismo como elemento de
formação dos alunos, além da promoção de cursos de pouca
duração, até então imputada ao sistema S. (HORA, 2016, p. 142).
Por último, apontamos no quadro das expressões contraditórias do
cenário de expansão do IFMA, a exclusão da economia que é produzida
nos territórios de povos e comunidades tradicionais e as unidades de
conservação de proteção integral
9
em que esta Instituição passa a se localizar.
Há uma economia invisibilizada dentro da concepção produtivista, que
reforça desigualdades entre homens e mulheres, desigualdades sociais, a
exploração do trabalho, a dicotomia campo e cidade, a dicotomia entre
a escola em seu território, excluindo uma concepção de desenvolvimento
orgânico, em que se estabeleça unidade de produção e socialização de
conhecimento especíco para o desenvolvimento territorial.
A visão produtivista que impulsionada pela economia internacional,
logrou para segunda década do século XXI, a fantasia de que o processo de
expansão da Universidade e Institutos Federais signicaria a democratização
da escola pública por meio de uma multiplicidade de ofertas educativas
em diferentes qualidades educacionais. Segundo Rummert, Algebaile e
Ventura (2012), a variação de ofertas educacionais em formas desiguais e
combinadas produziu neste período uma miríade de ofertas de elevação de
escolaridade/formação prossional/certicação que fortalecem as ações da
pedagogia do capital-imperialismo por meio da “fantasia de que a efetiva
democracia chegou à educação escolar”.
Caracterizadas e divididas entre os mais diversos programas, sejam
de qualicação/escolarização social, a diversidade de ofertas formativas
Para fazer referência a expressão de territórios neste texto, utilizamos a denominação jurídica utilizada
pelo Ministério Público a partir do Manual de Atuação (2014) em Territórios de povos e comunidades
tradicionais e as unidades de conservação de proteção integral: alternativas para o asseguramento de
direitos socioambientail, cuja formulação se baseia em consultas permanentes nos sítios eletrônicos do
Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), Ministério do Meio Ambiente
(MMA), Fundação Cultural Palmares (FCP), Fundação Nacional do Índio (Funai), Instituto Nacional de
Colonização e Reforma Agrária (Incra), além de outros mantidos por organizações não governamentais e
organismos internacionais referidos ao longo do texto.
312 |
produz vias subordinadas de acesso à escola conforme as classes sociais,
congurando uma “dualidade estrutural de novo tipo” (RUMMERT;
ALGEBAILE; VENTURA, 2012)
10
. O IFMA possuía até meados de 2017
treze programas que atendiam às mais diferentes classes sociais, a qualidade
do ensino se diferenciava conforme a forma de oferta de cursos.
Alguns destes programas perderam recursos e fecharam, outros
modicaram-se e assumiram nova denominação. Os programas buscam
fundamentalmente atender homens e mulheres, jovens e adultos que
se encontram em situação de vulnerabilidade social. Sob a promessa de
progresso econômico, desenvolvimento local, melhoria da qualidade
de vida, obtenção de emprego, as ofertas educacionais produzem uma
ideologização da educação que busca obter “o consentimento ativo dos
governados” (GRAMSCI, 1995).
Quadro 1 - Diversidade de ofertas formativas para os trabalhadores no IFMA
PROGRAMAS até 2017 SITUAÇÃO ATUAL
Mulheres Mil extinto e reformulado
PFRH extinto
PFP extinto
PROMIMP extinto
PRONATEC reformulado por outro programa
PROCAMPO Permanece, mas com recuo de matrículas
Programa Saberes da Terra – Brasil Alfabetizado extinto
PROEJA Permanece, mas com recuo de matrículas
PROEJA – FIC extinto
Projeto de Formação Continuada PROJOVEM
Campo/Saberes da Terra -
extinto
E-TEC Brasil permanece
UAB permanece
PARFOR em processo de extinção
Fonte: Pró-Reitoria de Ensino (PROEN) e Pró-Reitoria de extensão (PROEX) do IFMA. Quadro elaborado
pela autora em 2013 e reformulado para este artigo.
10
A dualidade estrutural de novo tipo organiza-se em três grandes grupos: o 1º grupo diz respeito a programas
dirigidos à ampliação do ingresso, reinserção, permanência e conclusão da escolarização regular obrigatória;
o 2º conjunto de programas refere-se a cursos e programas dirigidos à ampliação da escolaridade de jovens
e adultos e; nalmente o 3º agrupamento é constituído por programas de nanciamento educacional que
vem inuenciando signicativamente na expansão de vagas e na multiplicidade de ofertas formativas no
Ensino Médio, na educação prossional e no Ensino Superior.
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas vol. 2
| 313
O governo Luís Inácio Lula da Silva apresentou como marca do
governo a multiplicação de programas que se entrelaçavam, estabelecendo
dependência entre si, garantindo com efetividade o controle dos
trabalhadores nas mais variadas frentes de políticas focalizadas (saúde,
habitação, renda, moradia e educação). As políticas focais alastraram-se no
âmbito dos Institutos Federais, conjugando para seu interior o papel de:
integração social, empregabilidade e assistencialismo.
Essas políticas focais e os programas de qualicação prossional pela
via das trajetórias subordinadas induzem o consenso ativo dos governados,
exigência da governabilidade do capital nanceiro. Esse conjunto de
programas instituíam a dualidade estrutural de novo tipo.
Paulo Netto (2010) destaca que para o pensamento conservador
a questão social possui características inelimináveis e se torna uma ação
moralizadora que no máximo pode ser objeto de uma intervenção política
limitada. Fontes (2010) chamou estas intervenções políticas limitadas de
políticas de alívio por gotejamento.
O avanço do capital internacional no Maranhão “favorece expansão
das políticas de alívio por gotejamento” (FONTES, 2010); neste conjunto,
integra-se a diversidade de ofertas formativas do IFMA na região dos
Carajás, cujas pressões e conitos sociais, buscam ser atenuados pela
disseminação da política de conta-gotas.
Atualmente o IFMA possui 23 Campi de Norte a Sul do Estado
11
,
contemplado todas as regiões, incluindo três Campi de caráter Avançado.
A expansão dos Institutos Federais sem dúvidas signicou a dotação de
política pública educacional em territórios historicamente excluídos da ação
do estado, foi uma iniciativa que garantiu na fase inicial de funcionamento
das escolas boa infraestrutura arquitetônica, equipamentos básicos para
11
Pré-expansão: Campus Codó, Campus Imperatriz, Campus São Luís Maracanã, Campus Monte Castelo
Fase expansão I: Campus Açailândia, Campus Buriticupu, Campus Santa Inês, Campus Zé Doca e
Campus São Luís Centro Histórico. Fase expansão II: Campus Alcântara, Campus Bacabal, Campus
Barreirinhas, Campus Caxias, Campus Pinheiro, Campus São João dos Patos, Campus São Raimundo
das Mangabeiras e Timon. Fase expansão III: Campus Barra do Corda, Campus Coelho Neto, Campus
São José de Ribamar, Campus Pedreiras, Campus Viana, Campus Araioses, Campus Itapecuru, Campus
Presidente Dutra, Campus Avançado Porto Franco, Campus Avançado Rosário, Núcleo Avançado
Bacabeira, Núcleo Avançado Santa Rita, Núcleo Avançado Itaqui Bacanga.
314 |
laboratórios, ônibus bem equipados, docentes com muita qualicação
técnica e cientíca, mas esta condição não signica silenciar os processos
excludentes e contraditórios que se deram em sua expansão.
3. exPansão da unIversIdade federal do maranhão: a
democratIzação neolIberal
Conforme apontado na sessão anterior desse estudo, as políticas de
expansão da educação pós-média, no período de 2003 a 2016, se conguram
por meio da indução de programas e projetos formativos baseados na
diversidade dos formatos e fragmentação da oferta. Com a educação
superior o quadro não é diferente. Sob o argumento da “democratização
do acesso, foram implementadas diversas iniciativas no sentido da expansão
de vagas e matrículas, inclusive por meio do estímulo a oferta privada – a
exemplo dos programas PROUNI e FIES – e da educação a distância - por
exemplo, através da criação da Universidade Aberta do Brasil – UAB.
Especialmente quanto ao acesso à educação superior pública, merece
destaque o Programa de Apoio a Planos de Expansão e Reestruturação das
IFES (REUNI). Este programa fomentou a expansão de vagas e matrículas
nas universidades federais, através da criação de novos cursos, novas
unidades acadêmicas, criação de novas vagas e expansão de matrículas.
Também estimulou medidas de reestruturação curricular, que rompessem
com o formato “tradicional” dos cursos de graduação, por meio da
reformulação dos projetos pedagógicos dos cursos e da implementação de
formatos “inovadores”, em conformidade com as diretrizes do Programa.
Além disso, o REUNI possibilitou uma grande expansão das
universidades federais para regiões interioranas, de fronteira e distantes dos
grandes centros, por meio da criação de novas universidades e de unidades
(campus) de universidades já existentes, De acordo com o Relatório “Análise
sobre a expansão das universidades federais – 2003 a 2012” (BRASIL,
2012), de 2003 a 2010, houve um salto de 45 para 59 no número de
universidades federais, o que representa uma ampliação de 31%, e de 148
para 274 campi/unidades, um crescimento de 85%.
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas vol. 2
| 315
A interiorização das universidades e dos campi proporcionou uma
elevação do número de municípios atendidos em 138%, de 114 para 272
municípios com sede ou campus de universidades federais. De 2012 a 2014,
após o término REUNI, foram criados 47 campi e quatro universidades
federais, totalizando 63 IFES.
Estudos apontam que a principal referência para a elaboração dos
critérios de restruturação curricular apresentados no REUNI remonta
às propostas do Banco Mundial, no sentido da conversão da educação
superior em “educação terciária
12
. Neves e Pronko (2008) analisam o
processo de expansão e diversicação do sistema de educação superior no
Brasil, que, ao lado das universidades, passa a ser composto por instituições
de educação terciária, que têm como meta a produção de um grande
número de graduados, dedicando-se essencialmente às atividades de ensino
e ministrando uma formação que permita a seus egressos incorporar-se
de imediato ao mercado do trabalho, por meio de cursos mais enxutos e
pragmáticos, e atendam aqueles que têm maior diculdade de se locomover
para estudar.
Essas análises reforçam os argumentos apresentados por Rummert,
Algebaile e Ventura (2012), quanto à oferta de formas desiguais e
combinadas de escolarização pós-média, geralmente direcionadas ao
acesso das classes populares. No Maranhão, o processo de expansão da
Universidade Federal do Maranhão (UFMA), entre os anos de 2008
e 2015, incorpora e aprofunda a lógica do REUNI, que combina a
expansão com a reestruturação do ensino superior, tendo como referência
os bacharelados interdisciplinares
13
(LEDA; MANCEBO, 2009) e outros
12
No informe Construir sociedades do conhecimento: novos desaos para a educação terciária, o Banco Mundial
(2003) adota a denição da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE,
segundo a qual entende por educação terciária o “[...] nível ou etapa de estudos posteriores à educação
secundária” (BANCO MUNDIAL 2003, p. IX), composto por instituições como universidades públicas
e privadas, institutos de educação superior e politécnicos, assim como outros cenários, como escolas
secundárias, locais de trabalho, ou cursos livres e grande variedade de entidades públicas ou privadas
(BANCO MUNDIAL, 2003).
13
A ideia dos Bacharelados Interdisciplinares consiste em “propiciar uma formação universitária geral,
antecedendo a formação prossional da graduação e a formação cientíca ou artística da pós-graduação
(LÉDA; MANCEBO, 2009, p. 56). Na UFMA, foram criados Bacharelados Interdisciplinares em Ciência
e Tecnologia no campus sede da UFMA, em São Luís, e no campus Balsas, no interior do estado.
316 |
arranjos formativos ditos “inovadores” e em conformidade com as diretrizes
do Programa:
É importante ressaltar que o REUNI não preconiza a adoção
de um modelo único para a graduação das universidades
federais, já que ele assume como pressuposto tanto a necessidade
de se respeitar a autonomia universitária, quanto a diversidade das
instituições [...] A qualidade almejada para este nível de ensino
tende a se concretizar a partir da adesão dessas instituições ao
programa e às suas diretrizes, com o consequente redesenho
curricular dos seus cursos, valorizando a exibilização e
a interdisciplinaridade, diversicando as modalidades de
graduação e articulando-a com a pós-graduação (BRASIL,
2007b, p. 04-05, grifos nossos).
Assim, tendo como pano de fundo o REUNI, a UFMA baseou
seu processo de expansão, principalmente nas unidades criadas e
reestruturadas no interior do estado, na oferta de cursos de Licenciaturas
Interdisciplinares (LIs). Por trazer convergências com a perspectiva de
reestruturação acadêmico-curricular contida nas diretrizes do REUNI e
por agregar um grande contingente de vagas, sobretudo no turno noturno,
com poucos investimentos em infraestrutura, esses cursos, juntamente
com os Bacharelados Interdisciplinares, foram a opção para promover a
expansão da UFMA no interior do estado.
Inicialmente
14
, as LIs previam uma duração de três anos, com carga
horária de 2.880 horas subdivididas entre atividades teórico-práticas,
laboratório de ensino-aprendizagem e estágio curricular, estruturado a
partir de uma matriz de competências, sem componentes curriculares xos
e uma matriz curricular pré-denida. A denição das atividades e a oferta
de componentes seria de responsabilidade do colegiado do curso, respeitas
as diretrizes do projeto pedagógico do curso, baseada no princípio da
exibilidade curricular e de itinerários formativos individuais.
14
Após um processo de reformulação ocorrido em 2012 e implementado a partir de 2013, as LIs tiveram
o acréscimo de mais um ano de duração do curso e a ampliação da carga-horária para 3.330 horas. A
reformulação do formato do curso, com a denição de disciplinas e cargas-horárias, bem como de uma
matriz curricular, não alterou, no fundamental, a concepção pedagógica do projeto. Para uma análise mais
aprofundada da proposta pedagógica das Licenciaturas Interdisciplinares, ver Sousa (2019).
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas vol. 2
| 317
A entrada nos cursos é anual, com 60 vagas oferecidas,
majoritariamente, no período noturno. A relação professor-aluno denida
no Projeto Político-Pedagógico dos cursos, de 1 para 18, atende o que
dispõe o Decreto 6.096/07. Dados levantados por Sousa (2019), com base
em Editais de chamada do Sisu na UFMA (Editais PROEN no. 119/2016
e 15/2017), do total de 2.202 vagas ofertadas nos campi do interior, para
ingresso no ano de 2017, 780 eram em cursos de LIs, sendo 720 no turno
noturno, e 80 vagas em bacharelados interdisciplinares, sendo que, na
maioria destes campi, estas eram as únicas opções de cursos.
Tabela 01 – Vagas ofertadas em cursos de Licenciaturas Interdisciplinares e
Bacharelados Interdisciplinares nos campi da UFMA no interior do Estado.
Campus Cursos Turno Vagas TOTAL
Pinheiro
LCH
15
/História e losoa NOT. 60
120
LCN
16
/Biologia NOT. 60
Bacabal
LCH/sociologia NOT. 60
120
LCN/física e biologia NOT. 60
Codó
LCH/história NOT. 60
120
LCN/biologia NOT. 60
Balsas
BICT MAT. 40
80
BICT NOT. 40
Grajaú
LCH/geograa NOT. 60
120
LCN/química NOT. 60
São Bernardo
LCH/sociologia NOT. 60
180LCN/química NOT. 60
LLC
17
/língua portuguesa e música VESP. 60
Imperatriz
LCH/sociologia NOT. 60
120
LCN/biologia NOT. 60
TOTAL GERAL 860
Fonte: Regulamento de ingresso nos cursos presenciais de graduação da UFMA (Editais PROEN no.
119/2016 e 15/2017)
18
. Elaboração própria.
15
Licenciatura Interdisciplinar em Ciências Humanas.
16
Licenciatura Interdisciplinar em Ciências Naturais.
17 Licenciatura Interdisciplinar em Linguagens e Códigos.
18
UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO. Pró-reitoria de Ensino. Edital no. 107/2017.
Regulamenta o ingresso nos cursos presenciais de Graduação da UFMA no segundo semestre letivo de
2017. Disponível em: http://www.ufma.br/portalUFMA/edital/IlHQ9OwFjfNpzrh.pdf. Acesso em: nov.
de 2017.
318 |
Note-se que, enquanto os cursos de Bacharelado interdisciplinar
foram criados no interior e no campus sede, em São Luís, as LIs foram
criadas exclusivamente nas unidades fora da sede, localizadas no interior
do estado. Deste modo, a instituição priorizou a oferta de cursos que
demandam pouco investimento em infraestrutura, considerados de “menor
prestígio social” (VARGAS, 2008), como é o caso das licenciaturas, nas
regiões interioranas, onde se concentra a população que se situa em um
segmento social mais baixo, reproduzindo a lógica elitista e excludente do
ensino superior no Brasil.
Além disso, também gurou como justicativa para a criação desses
cursos no interior do estado “a estratégia contida na economia de recursos
humanos, de sorte a podermos equipar todos os campi com cursos formando
docentes em todas as áreas requeridas pelo ensino na EB(UFMA, 2010, p.
12, grifos nossos).
Desse modo, conforme Vargas (2008, p 743), “[...] se o maior efeito
da política de expansão for averiguado na multiplicação das vagas de cursos
desprestigiados, continuaremos presenciando apenas uma aparência de
democratização”, tendo em vista que a inclusão dessa população no ensino
superior tem se dado de modo a preservar, no interior das instituições, os
espaços historicamente destinados aos diferentes segmentos sociais. Assim,
em que pese o acentuado processo de expansão, que abriu as portas do
ensino superior para um contingente massivo das classes trabalhadoras, esse
quadro não rompeu com a dualidade da oferta deste nível de ensino. Esta
dualidade sustenta a manutenção das desigualdades no próprio processo
de “democratização da escola”, por meio de mudanças nas condições de
permanência, de acesso ao conhecimento e de obtenção de certicação,
que não signicam oferta ampla, mas sim pulverizada, desigual, irregular e
instável, sobretudo para a classe trabalhadora.
consIderações fInaIs
A ampliação cada vez mais diversicada de programas de
qualicação para os trabalhadores no âmbito dos Institutos Federais e
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas vol. 2
| 319
das Universidades Federais, apresenta como característica comum a
distribuição desigual do saber cientíco e do saber prático, a redução dos
conteúdos e do tempo de escolarização.
A perspectiva de desenvolvimento fomentado pela chegada do
Instituto Federal do Maranhão aos municípios reforça, conforme Gentili
(1998), a promessa da escola integradora, porém a serviço do capital amplia
a mão de obra qualicada e conduz à intensicação da gestão das relações
de trabalho, assim como a diminuição de salários, rotatividade dos postos
de trabalho e ampliação do mercado da terceirização e da informalidade.
Nesta lógica, a escola integradora não desaparece; ela se associa à “promessa
da empregabilidade” (GENTILI, 1998) que juntas buscam produzir um
alívio à pobreza e as explorações sociais vividas pelos trabalhadores.
No caso das Universidades federais, as metas e estratégias contidas
no REUNI, apontam para a fragmentação da formação acadêmica,
numa miríade de modalidades que visam a possibilitar maior celeridade
e melhor aproveitamento de todas as atividades realizadas pelo estudante,
que passam a compor seu itinerário formativo, sem muitos vínculos com
um percurso pré-denido ou com uma formação prossional “precoce e
especializada”. A própria denição de “regimes curriculares” diferenciados,
de acordo com as Diretrizes do REUNI, signica somente a “indicação de
conteúdos mínimos, com xação do período de integralização e duração
de cursos” (BRASIL, 2007c, p. 6), abrindo brechas para uma fragmentação
sem precedentes na formação acadêmica.
Não é por acaso que os Bacharelados Interdisciplinares e seus
congêneres, como as Licenciaturas Interdisciplinares, cursos exíveis
e com componentes de “inovação
19
, foram implementados na maioria
das universidades que aderiram ao REUNI, fomentando uma expansão
que Sousa (2019) caracteriza como “democratização” neoliberal, pois as
19
o Relatório de Acompanhamento do primeiro ano de implementação do REUNI aponta que, das 53
IFES que aderiram ao Programa, 26 apresentaram projetos com “componentes de inovação”, dentre os
quais se destacam: formação em ciclos (geral, intermediário, prossional ou de pós-graduação); formação
básica comum (ciclo básico ou grandes áreas); formação básica em uma ou mais das grandes áreas: saúde,
humanidades, engenharias e licenciaturas; Bacharelados Interdisciplinares em uma ou mais das grandes
áreas: ciências, ciências exatas, ciência e tecnologia, artes, humanidades, saúde; Bacharelados em dois ou
mais itinerários formativos (BRASIL, 2009).
320 |
formas de produção e reprodução da vida material sob a égide do capital
limitam os avanços em relação à socialização dos bens sociais, dentre eles, a
educação. Entretanto, a ampliação do acesso à educação superior, técnica e
tecnológica por parte de contingentes signicativos da classe trabalhadora
coincide com um processo de desqualicação e precarização dos postos e de
intensicação da exploração da força de trabalho, que, consequentemente,
altera o conteúdo da formação, no sentido de um “novo disciplinamento
da força de trabalho” (KUENZER, 2005, p. 88), na qual “É suciente usar
os conhecimentos empíricos disponíveis sem apropriar-se da ciência, que
permanece como algo estranho e exterior”.
Por outro lado, para os contingentes mais precarizados da força
de trabalho, em que pese o discurso da necessidade de desenvolvimento
de “competências cognitivas gerais e complexas”, basta uma formação
aligeirada, supérua, pragmática, genérica e esvaziada de conteúdos
cientícos, artísticos e culturais, substituídos pelas ditas “competências”,
que na verdade, correspondem a uma “adaptação” da força de trabalho
às demandas do mercado cada vez mais competitivo. Essa fragmentação,
induzida pela concepção de educação terciária, impõe um alto grau de
diferenciação e hierarquização do sistema, mantendo e aprofundando
as desigualdades sociais por meio das desigualdades educacionais intra-
sistema, na medida em que direciona a formação dos alunos das classes
populares à formação para o trabalho simples. Deste modo, preserva a
formação cientíca e intelectual para as elites e para os segmentos mais
elitizados da classe trabalhadora que irão desempenhar funções intelectuais
e mais qualicadas no âmbito da produção, enquanto para a grande maioria
da classe trabalhadora são destinadas outras opções de formação pós-
secundária (p. ex. PRONATEC, PROCAMPO, PROEJA, PROJOVEM),
oferecidas pela ampla gama de instituições de educação terciária
20
.
O cenário contraditório reproduzido no âmbito das políticas de
expansão da rede federal de ensino no período em análise aponta para
as tensões entre os interesses das classes trabalhadoras pela ampliação do
acesso à educação e os limites sempre postos pelo capital quanto à elevação
20
Para uma caracterização das instituições de educação terciária, ver Neves e Pronko (2008).
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas vol. 2
| 321
cultural das massas. Essa contradição encontrou sua expressão máxima no
período dos governos de coalizão de classe liderados pelo PT. Operando por
meio da política de coalizão de classes, o governo federal expandiu a rede
de instituições federais, possibilitando alternativas de formação da classe
trabalhadora em consonância com as diretrizes do mercado e em nome
da “democratização” do acesso à educação. Nesta correlação de forças, de
acordo com Leher (2018), o governo buscou garantir a “governabilidade
por meio de medidas ecléticas, que acomodam tanto os interesses do capital
quanto os de setores da classe trabalhadora que se sentem contemplados
com as políticas de “alívio por gotejamento” (FONTES, 2010), que
caracterizam as políticas focais visam obter o consenso dos dominados, de
maneira subordinada aos interesses dominantes.
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| 327
Capítulo 12
O   
    
  :
 

Aline Cristine Ferreira Braga do Carmo
resumo: O presente trabalho vislumbra compreender e analisar as sucessivas tentativas
de intervenção na Rede Federal de Educação Ciência e Tecnologias promovidas pelo
Governo Federal entre 2019 a 2021. Pensando como os processos de intervenções buscam
a retirada da autonomia destas instituições e a descaracterização ambas previstas em sua
lei de criação, 11.892 de 29 de dezembro de 2008. Ao longo dos anos que aqui serão
analisados a Rede Federal se viu diante de diversas tentativas intervencionistas, das quais
destacamos o PL 11.279/2019, MP 914/2019, MP 979/2020, Indicações de Dirigentes
Interventores, Proposta de Reordenamento da Rede Federal e a Portaria 733/2021. Todas
estas medidas tomadas pelo executivo e direcionadas a Rede Federal buscam alterar o
modo de organização da Rede Federal no que tange sua autonomia, oferta e estrutura,
no intuito de que as instituições pertencentes a Rede se enquadre no novo contexto
ultraneoliberal que organiza e orienta o Estado brasileiro atual. A análise se efetiva a
https://doi.org/10.36311/2023.978-65-5954-344-1.p327-364
328 |
partir de revisão bibliográca e análise documental perspectivando que estas auxiliem na
compreensão da contemporaneidade da Rede Federal de Educação.
Introdução
O presente texto vincula-se a uma pesquisa de doutorado que está
em andamento, deste modo, os resultados aqui expostos são parciais e
compõe o percurso de compreensão da condição atual da Rede Federal de
Educação Ciência e Tecnologia em um contexto de ofensivas e reformas
ultraneoliberais. O avanço do ultraneoliberalismo no Brasil decorre dos
próprios movimentos das forças antagônicas em um contexto de avanço
da crise estrutural do capital, tal qual expresso em Mészáros (2011,
2009) o processo de crise estrutural apresenta condições irreconciliáveis e
intransponíveis.
Ainda que as contradições sejam mais aviltantes, o capital renova-se
e renova sua ideologia motriz – o liberalismo e seus modos de organização
político, econômico e social a m de tentar a transposição de suas
contradições. É possível ponderar que a grande corrente ideológica e
teórica que sustenta o capitalismo é o liberalismo, sendo na medida em
que emergem as crises do capital e do modo de produção capitalista, esta
ideologia guia sofre abalos, reformulações e transformações com o objetivo
de assegurar a manutenção e perpetuação do capitalismo, enquanto
desdobramentos das tentativas de solução e transposição das barreiras do
capital a si mesmo e da sociedade frente ao capital.
O mundo moderno presenciou a efetivação do liberalismo, do
neoliberalismo e agora o principiar do ultraneolibelismo, e ainda que
este último seja a face mais agressiva das transformações dos preceitos
liberais, não deve se perder de vista que todas correspondem as alternativas
burguesas que reverberam e corroem a classe trabalhadora. Pensando o
caso brasileiro e os impactos deste movimento de ascensão ultraneoliberal,
Freitas (2018) destaca que há uma face obscurantista, conservadora e
autoritária que esteve presente em todo o neoliberalismo brasileiro, mas
que foi negligenciada. Esta faceta obscurantista foi progressivamente
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas vol. 2
| 329
evidenciando-se no Brasil a partir de 2013, momento em que a burguesia
foi paulatinamente rompendo com a política de conciliação de classes
do PT (2003-2016) até que em 2016 concretiza o Golpe parlamentar
midiático e garante a retomada do poder político e econômico, para além
das limitações da conciliação.
O Golpe de 2016 concretiza a ruptura da burguesia com o viés
político conciliatório e inicia a guinada de intensicação do neoliberalismo,
sendo denominado de ultraneoliberalismo possuindo como marco
histórico inicial o ano de 2016 e seu aprofundamento nos últimos seis anos
(2016-2021), inserindo no cotidiano nacional, políticas de arrocho aos
direitos sociais, intensa valorização do mercado, ampliação das políticas de
concorrência, austeridade, privatizações e diminuição do papel do Estado
na garantia de direitos essenciais, acrescido de um irracionalismo cientíco,
violência, truculência e ruptura democrática
1
. O Brasil está diante de
uma intensa devastação de cunho ultraneoliberal, sendo uma ofensiva
que ataca diretamente os direitos sociais quais deveriam ser ofertados
pelo Estado brasileiro, dentre eles a Educação ênfase deste trabalho. A
ofensiva ultraneoliberal tende a destruir a estrutura estatal e concretizar
o que Sampaio Junior (2020) denominou de reversão neocolonial. A
instalação de políticas de cunho ultraneoliberal garantirá um processo de
intensicação da dependência econômica e uma auto-colonização, que
garantirá a ampliação do processo de acumulação por parte da burguesia e
precarização da vida dos trabalhadores.
A educação não cou ilesa frente ao avanço ultraneoliberal e no
caso especíco da Rede Federal de Educação não foi diferente, na medida
em que o ultraneoliberalismo absorveu o Estado, esta Rede foi sofrendo
ataques e interferências que afetam a sua estrutura, sua proposta de criação e
ameaçam sua viabilidade. Sendo a política ultraneoliberal, de minimização
do Estado, incompatível com o projeto de educação alicerçante da Rede
Federal.
Este é o grande diferencial do período neoliberal, a introdução da naturalização da violência, do
autoritarismo e o afastamento da ciência e da intelectualidade. No período neoliberal ainda havia certa
manutenção de entrâncias democráticas, ainda que estas estivessem sendo progressivamente diluídas pela
dinâmica do mercado.
330 |
O processo de análise se dará pelos princípios da lógica dialética,
a partir das categorias luta de classes, educação, trabalho e contradição,
buscando compreender os movimentos do real e do concreto, partido da
premissa de Marx (2015, p. 77-8) “O concreto é concreto porque é a síntese
de múltiplas determinações, portanto, unidade da diversidade.” Sendo o
concreto compreendido enquanto movimento de síntese que viabiliza o
entendimento do real em suas múltiplas determinações.
Assim, a análise que aqui se apresenta caminha na processualidade
dos movimentos da história contemporânea, buscando desvelar os
desdobramentos de um movimento ultraneoliberal, de austeridade, corte
e cerceamento frente à Rede Federal, enquanto política educacional em
processo de estruturação. Prevalece como hipótese que a efetivação de
políticas ultraneoliberais tende a descaracterizar a Rede Federal, tornando
esta, mais um lócus de formação fragmentada, unilateral e tecnicista
para a classe trabalhadora. Busca-se com este trabalho compreender as
interfaces de uma política nacional ultraneoliberal com a Rede Federal de
Educação Ciência e tecnologia, com vistas a compreender se o avanço do
ultraneoliberalismo no Brasil ameaça a existência da Rede Federal no que
concernem os princípios e fundamentos de sua lei de criação (BRASIL,
2008). Compreender o processo de intervenção na Rede Federal no
transcurso da própria intervenção é uma tarefa complexa, no entanto
essencial para desvelar as intencionalidades que a cercam. É evidente que o
distanciamento histórico traria elementos mais coesos, no entanto, dada as
proporcionalidades do ataque constante a Rede torna-se uma prerrogativa
as análises nas ações a m de garantir a manutenção destas Instituições de
Educação.
1. o fortalecImento da rede frente o ultraneolIberalIsmo
A análise da Educação Prossional no Brasil deve ter como premissa
básica que a Educação Prossional no país é uma das sistematizações da
luta de classes, sendo que a história da educação prossional brasileira
mescla-se com o desenrolar dos antagonismos de classes que alicerçam
a sociedade. A burguesia brasileira, que é por essência retrógrada e
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas vol. 2
| 331
conservadora, compreende que a formação da classe trabalhadora deve se
efetivar com vistas a garantir a reprodução do modo de produção, devendo
ser utilitarista, pragmática, supercial e técnica.
O Estado capitalista utiliza-se da Educação da classe trabalhadora
para difundir os preceitos que conduzem e constituem o sistema do capital,
deste modo, a educação da classe trabalhadora, sob o controle estatal
vislumbra a adaptação e a exibilização dos sujeitos, sendo que a Educação
Prossional e Tecnológica (EPT) historicamente foi utilizada para viabilizar
o processo de formatação da classe trabalhadora em conformidade das
determinações do capital. Lessa e Tonet (2011) destacam que o capital e
suas determinações alienantes são geradores de desumanidades. Assim o
sendo, o capital compõe as bases para a reprodução de desumanidade e
alienação, a m de que a produção da história, a partir dos condicionantes
materiais, se efetive sob o domínio do capital.
No Brasil a constituição da Educação Prossional esteve atrelada a
necessidade de formar um contingente de trabalhadores capazes de atuar
na produção, de modo especializado e que estivessem passíveis de vivenciar
as angústias da exploração. E neste anseio de constituir uma massa de
trabalhadores, o país foi progressivamente construindo dois modelos
educacionais, um direcionado a classe trabalhadora, majoritariamente
prossional-técnica, e uma educação propedêutica direcionada à burguesia
e as classes dirigentes.
Lavoura e Ramos (2020) asseveram que os conhecimentos
sistematizados na sociedade capitalista, são apropriados pela burguesia,
tornando-se propriedade privada desta classe. Portanto, nega-se aos lhos e
lhas da classe trabalhadora o acesso a estes conhecimentos sistematizados,
como mais um mecanismo de controle e cerceamento da classe que vive
do trabalho.
Sendo o conhecimento uma propriedade privada da burguesia, esta
classe vai recorrentemente negar acesso aos saberes sistematizados para a
classe trabalhadora, viabilizando meramente o acesso ao conhecimento
necessário para produção, nega-se o acesso à escola e os conhecimentos
332 |
cientícos que alicerçam a produção e garantem o acesso a um conhecimento
simplista que permite a reprodução do capital. A classe trabalhadora apenas
acessou e acessa a escola,
[…] quando a burguesia a reconheceu como necessária à própria
produção o fez com auxílio de escolas diferenciadas. Quando não
foi mais possível continuar negando a universalização da educação
básica, a classe dominante procurou diferenciá-las no seu conteúdo,
para manter a separação entre dirigentes e dirigidos. (LAVOURA;
RAMOS, 2020, p. 55).
A burguesia brasileira apenas tornou aceitável o acesso da classe
trabalhadora à escola, quando esta classe estivesse inserida em ciclos de
formação que garantissem uma educação limitante e útil à produção.
Para tanto logrou a dualidade como um mecanismo de controle, não
sendo aceitáveis formações que transcendessem a limitação fragmentária
e utilitarista.
Neste processo de educação classista o país presenciou ao longo
de toda a sua história o aprofundamento da dualidade, ofertando uma
educação fragmentada e supercial à classe que vive do trabalho. No
entanto, na primeira década dos anos 2000 emerge um modelo de formação
para a classe que vive do trabalho, distinta, que buscou romper com a
dualidade histórica e construir em todo o território um modelo de EPT
que concebesse a formação do trabalhador de modo mais amplo, surgindo
os Institutos Federais de Educação Ciência e Tecnologia (IFs) através da Lei
11.892/2008
2
(BRASIL, 2008), garantindo a expansão e a consolidação da
Rede Federal de Educação. O projeto educacional da Rede nasce limitado
pela estrutura da sociedade de classes, caminhando em consonancia ao
projeto neodesenvolvimentista e de conciliação de classes do PT, porém
introduz a possibilidade de um outro processo formativo aos trabalhadores.
Diante deste marco legal, o país passa a perspectivar a constituição de um
A Rede Federal de Educação existe no Brasil desde 1909, no entanto ao longo de seus 100 primeiros anos
contou com apenas 14 instituições, o que não contemplava a realidade e a sociedade Brasileira, sendo uma
Rede pequena, até a promulgação da Lei 11.892, a partir desta o país presenciou a ampliação do modelo
da EPT, tendo como ênfase a formação de jovens no Ensino Médio Integrado (EMI), o qual propõe que os
estudantes tenham acesso aos conhecimentos cientícos e tecnológicos essenciais para a sua formação.
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas vol. 2
| 333
modelo educacional para os lhos da classe trabalhadora centrada em
qualidade socialmente referenciada
3
, tendo como base a concepção de
formação humana integrada e que vislumbrava a ominilateralidade
4
.
Os IFs transformaram de modo signicativo a política de formação
prossional, sendo um modelo de educação o qual deveria ser seguido pelas
demais redes de ensino. Este modelo de educação concebe a necessidade de
oferta de uma educação pública alicerçada no Ensino, Pesquisa, Extensão,
desde a Educação Básica a Pós-Graduação.
A Rede Federal de Educação é composta por 41 instituições de
ensino, sendo 38 Institutos Federais de Educação Ciência e Tecnologia,
dois CEFETs e o Colégio Pedro II, sendo que esta Rede oferta educação
prossional e tecnológica (EPT) em todos os estados brasileiros, haja vista
sua proposta de interiorização e regionalização. O projeto que estrutura
majoritariamente a Rede Federal, oriundo de sua lei de criação (BRASIL,
2008), compreende a necessidade de oferecer educação de qualidade
socialmente referenciada aos lhos e lhas da classe trabalhadora, o
que demanda a aplicabilidade de volutuosos recursos a m de garantir
infraestrutura – prédios, bibliotecas, quadras, laboratórios, corpo docente,
corpo técnico, assistência estudantil, acesso à cultura, dentre outros
elementos imprescindíveis para a garantia de formação humana ampla.
O projeto que a partir de 2008 foi se consolidando para a educação
da classe trabalhadora, que tem os IFs como principal materialidade, é
sumariamente incompatível com o projeto de país que vem se efetivando
por intermédio da atuação burguesa, possuindo o ultraneoliberalismo
como fundamento guia.
A promulgação da Lei 11.892 viabilizou que o Brasil, por meio de uma política pública de Estado,
consolidasse uma Rede de Educação Prossional de nível e abrangência de fato nacional, com recursos,
estruturas e prossionais capazes de colocar em prática uma formação que desenvolvesse os estudantes em
diferentes dimensões, é evidente que o projeto dos IFs e de fortalecimento da Rede está distante de ter
conseguido concretizar em uma formação unitária, no entanto elevou de modo substancial a qualidade
da EPT realizada no país. A Rede federal carece ainda de ajustes, haja vista que ainda está em vias de
consolidação.
Os documentos que estruturam a Rede Federal, a partir dos anos 2000, foram pensados por intelectuais de
base teórica e intelectual gramsciana e marxista, o que aproxima no plano teórico o projeto dos IFs com um
projeto de formação ampliada da classe trabalhadora.
334 |
O que compreendemos hoje como Rede Federal de Educação,
vincula-se a um projeto de educação e que garantiu a institucionalização
em âmbito nacional do Ensino Médio Integrado (EMI) associado a uma
educação verticalizada e possível para a classe trabalhadora. Lavoura
e Ramos (2020) asseveram que a proposta de Ensino Médio Integrado
tem a pedagogia-histórico-crítica como fundamento, vislumbrando
uma formação social totalizante comprometida com a formação crítica,
orientada pela historicidade e contradições do conhecimento, abrangendo
em si a potencialidade de formação emancipatória. E justamente esta
proposta formativa do EMI que é atacada de morte pelas contrareformas
do Estado.
Haja vista que a Rede Federal tem como elemento central o EMI, que
corresponde no mínimo a 50% das vagas ofertadas no ano corrente (BRASIL,
2008) e o qual foi pensado enquanto proposta, como uma alternativa
formativa para a classe trabalhadora, que pretende viabilizar o acesso aos
saberes historicamente produzidos. É possível depreender que os ataques à
Rede, e a sua autonomia que vem ocorrendo, em essência constituem um
ataque à classe trabalhadora. A Rede Federal e sua proposta de EMI não
garantiram e ou garante uma formação emancipatória
5
à classe trabalhadora,
no entanto, dado sua capilaridade e abrangência, viabilizou que em diferentes
regiões do país sujeitos de uma parcela da classe trabalhadora vivenciassem
uma formação de base cientíca e prossional com qualidade socialmente
referenciada, a partir do ensino, da pesquisa e da extensão enquanto elementos
indissociáveis na construção e produção de humanidade. E estes processos
formativos detêm a potencialidade de formar homens que compreendam
as contradições e problemáticas da sociedade que estão inseridos. Haja vista
que desde 2016 a burguesia escancara seu projeto de exclusão e degradação
da vida dos trabalhadores, negasse projetos educacionais de formação ampla.
Santos e Orso (2020, p. 161) corroboram que desde a emergência do Golpe
de 2016 “[…] experimentamos as consequências de projetos educativos
curriculares que têm se deteriorado empobrecido e afastado ainda mais a
É evidente que apenas uma proposta educacional não pode garantir a emancipação de seres sociais, no
entanto a viabilidade de acesso a uma educação de qualidade confere uma formação humana mais ampla
e capaz de suscitar humanização nos homens, e este é um dos elementos para o longo trajeto rumo à
emancipação.
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas vol. 2
| 335
educação tanto do acesso aos conhecimentos cientícos quanto da sua
dimensão emancipadora”.
O ano de 2016 marca o avanço ultraneoliberal no país,
momento em que o Brasil vivencia a mescla de uma política neoliberal,
obscurantismo, uma violenta crise da democracia e progressiva
diminuição nos direitos sociais. Esta política demandou e demanda
uma profunda reforma do Estado pautada na retirada de direitos da
classe trabalhadora. Buscava-se com o Golpe o fortalecimento do
capital e da burguesia pelo aparato estatal.
As tramas do Golpe de 2016 foram desenhadas em favor da burguesia,
efetivando o que Duarte (2020) caracteriza de união do obscurantismo
com o neoliberalismo. Em busca desta articulação contrária a classe
trabalhadora reformula-se todo o Estado a m de garantir os privilégios e
os interesses da burguesia.
O início da construção da política de Estado ultraneoliberal
vislumbra o desmonte dos direitos sociais, destruição das conquistas e
direitos da classe trabalhadora, avanço da violência, do autoritarismo, do
obscurantismo, a ampliação dos direitos do mercado e da classe que o
representa. De acordo com Leher (2019) o modo como o país modicou-
se em sua organização e condução no período ultraneoliberal, encaminha-
se para o acirramento da autocracia burguesa, aprofundando ainda mais
a dependência e o esvaziamento cientíco. Efetivando o desmonte e
sufocamento de diferentes entidades e órgãos que representam a ciência e
a pesquisa no Brasil, dribla-se a realidade concreta, as evidências cientícas
em nome de disseminação de realidades paralelas alinhadas aos interesses
do capital.
A primeira grande medida de ajuste do Estado ultraneoliberal, que
impreterivelmente impacta no funcionamento do projeto da Rede Federal,
é a Emenda Constitucional (EC) 95 aprovada em 2016 pautada na ideia
que é fundamental reorganizar o Estado, diminuir os gastos públicos e
congelá-los por vinte anos, tendo esta EC forte apoio da opinião pública,
336 |
dos conglomerados da mídia e do mercado, haja vista sua potencial
rentabilidade ao capital.
Dado o contexto de crise estrutural do capital, o Brasil vem
paulatinamente presenciando o avanço de uma política ultraneoliberal,
sendo que esta tem por essência a prerrogativa de acirramento da luta
de classes. Em relação à ascensão do ultraneoliberalismo, o qual exige
o sufocamento da classe que vive do trabalho em nome da “salvação
econômica”. Leher (2019) ressalta que esta estratégia do ultraneoliberalismo
é essencial para a defesa de que o modo de produção capitalista é a única
alternativa válida para a humanidade e para que assim permaneça são
necessários sacrifícios e “ajustes”, em especial dos trabalhadores, que devem
aceitar e adaptar-se a exploração postas pelo capital e seus representantes.
Nesta lógica responsabilizam-se e pune os trabalhadores para o acerto de
contas nanceiras do Estado e do mercado.
Delimita-se como os rostos representantes da política ultraneoliberal
no Brasil os governos Temer e Bolsonaro, sendo que estes se encarregaram ao
longo dos últimos seis anos (2016-2021) de mediar e viabilizar a aprovação
de instrumentos legais que garantiriam a efetivação do ultraneoliberalismo,
e esta construção parte da premissa difundida socialmente de necessidade
de diminuição do Estado, e para que assim seja é essencial rever o papel
do próprio Estado frente os direitos sociais, e enquanto ente garantidor
do mercado. Em virtude da redução constante do Estado propiciada
pela política ultraneoliberal, o país presencia na cotidianidade ataques ao
direito à educação. Santos e Orso (2020, p. 167) armam que “os ataques
dos governos Temer e, atualmente, Bolsonaro recaem majoritariamente
sobre o sentido de ser da educação na sociedade, desde a educação básica
até o ensino superior”. O Estado ultraneoliberal carece de um modelo
educacional centrado no mercado, no utilitarismo, no esvaziamento do
papel social da educação e em uma visão privatista da educação.
Na interface do avanço do ultraneoliberalismo e a Rede Federal
de Educação encontram-se as políticas educacionais que buscam a
descaracterização e desmantelamento da Rede, sendo estas estratégias
de ataque voltadas ao modelo educacional, que apesar de limitado
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas vol. 2
| 337
considerando sua inserção na sociedade de classes, perspectivou a oferta de
uma educação pública para além da dualidade para a classe trabalhadora.
A política do desmonte que está atualmente no cotidiano da Rede
Federal, faz parte do projeto ultraneoliberal de sociedade, retirando
a viabilidade e garantia de uma educação com qualidade socialmente
referenciada aos lhos da classe trabalhadora.
2. legIslações de ataque à rede: ataques Por dentro da
InstItucIonalIdade
A descaracterização e desmantelamento da Rede Federal estão se
efetivando por dentro da própria legalidade institucional que o Estado
ultraneoliberal assegura, logo, usam-se as prerrogativas do Estado
democrático de direito e seus ritos legais contra a democracia e contra os
cidadãos, estabelecendo leis e instrumentos jurídicos capazes de atuarem
na constituição de um Estado desprovido de direitos sociais. No processo
de busca da compreensão e entendimento das sucessivas tentativas de
desmantelamento e descaracterização da Rede Federal de Educação,
elencamos como crucial analisar o Projeto de Lei (PL) 11. 279 de 2019,
a Medida Provisória (MP) 914 de 2019, Medida Provisória (MP) 979 de
2020 e a Portaria 733 do Ministério da Educação, a m de compreender
os ataques à autonomia destas Instituições de Educação Federal.
Evidente que dado o processo de Reforma do Estado que o Brasil
vivencia, outras propostas e projetos são base do desmantelamento e
descaracterização da Rede, como a Emenda Constitucional nº95, a EC
109/2021, o Projeto de Emenda Constitucional (PEC) 32 dentre outros os
quais afetam diretamente a viabilidade, o nanciamento e existência destas
Instituições de Ensino, dado limitações de um artigo não será possível
adentrar aos detalhes do mesmo. No entanto, deve-se destacar que as EC
aqui mencionadas, podem ser caracterizadas como o elemento fundante
do Estado ultraneoliberal, o que perspectiva a diminuição do Estado no
que concerne oferta e garantia de direitos. Conforme Leher (2021) estas
visam desconstitucionalizar direitos sociais, desonerar o Estado e torná-
338 |
lo subsidiário, ou seja, garantir que o Estado atue apenas nas esferas que
não forem de interesse da iniciativa privada. Todas estas EC e a PEC 32
buscam garantir que o Estado brasileiro diminua substancialmente nos
direitos sociais e que se fortaleça no auxílio ao capital.
A Reforma do Estado brasileiro no período ultraneoliberal é por
essencial uma reforma classista, qual vislumbra a retirada de direitos da
classe trabalhadora em todas as esferas, precarizando ainda mais o existir e
em contrapartida garantindo a ampliação do capital e o fortalecimento da
burguesia. O projeto de país está em curso de ataque à classe trabalhadora,
pois quanto mais nefastas forem as condições de vida desta classe maior
são as possibilidades de exploração. Leher (2019) também ressalta que
este projeto contrário à classe trabalhadora, que se concretiza no governo
Bolsonaro, alicerça-se em uma postura truculenta e irracionalista, sendo
que esta postura adotada é uma estratégia essencial para a elevação das
taxas de lucro do país, assim se garante um projeto social privatista e de
defesa das prerrogativas burguesas.
Considerando que o Brasil vivencia um processo de minimização
do Estado, a Rede Federal não passaria ilesa, deste modo, um projeto
educacional da magnitude da Rede e que oferta em suma uma educação
majoritariamente voltada à classe trabalhadora, não se manteria íntegro
frente esta Reforma desestruturante do Estado. Conseguinte, deu-se
início a análise da PL 11.279 de 2019 (BRASIL, 2019a), sendo este o
último golpe do Governo Temer em 2018. No apagar das luzes, em 28 de
dezembro de 2018, o então Ministro da Educação Rossieli Soares elaborou
um projeto que alterava substancialmente a Lei de Criação dos Institutos
Federais (BRASIL, 2008). A proposta foi apresentada à Câmara em 03 de
janeiro de 2019, nos primeiros dias do Governo Bolsonaro. Elaborada pelo
então Ministro da Educação Rossieli Soares, tenta inserir em denitivo no
interior da Rede Federal conceitos e termos da racionalidade administrativa,
semelhantes ao utilizado por empresas e iniciativa privada, deste modo, a
oferta da educação enquanto direito constitucional, previsto no Art. 205 da
Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988) ca comprometido, e pela
proposta os IFs perdem sua especicidade de ofertar educação verticalizada
e ampliada visando o bem-estar comum, para ofertar um serviço ao capital.
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas vol. 2
| 339
Brasil (2019a) buscava alterar a lei de criação dos Institutos Federais,
alterando quatro pontos essenciais sendo: a) o desmembrar de instituições;
b) alterando o quantitativo mínimo de vagas por modalidade de ensino;
c) propondo mudanças para a candidatura e eleição de Diretor Geral e
Reitor; e d) ampliando o número de vagas e cargos sem ampliação de
orçamento. Os pontos expostos na PL em seu conjunto descaracterizam
a Rede e buscavam retirar a essencialidade presente na Lei 11.892/2008,
a m de fragilizar este modelo educacional e retirar sua especicidade de
instituição alicerçada nos preceitos do Ensino, Pesquisa e Extensão.
O primeiro ponto que merece breve análise em Brasil (2019a) é
no Art. 5º o desmembramento do IFSP - através da criação do Instituto
Federal do Centro Paulista e Instituto Federal do Oeste Paulista, e a
criação do Instituto Federal do Sul da Bahia, pelo desmembramento do
Instituto Federal da Bahia e do Instituto Federal Baiano. Mediante a PL
seriam “criados” três novos IFs, no entanto sem a ampliação de orçamento
e pessoal necessário, tal qual sistematicamente reiterado no PL. Criando
assim, novas instituições precarizadas, a partir do desmembramento e
precarização das já existentes.
A proposta deste reordenamento se efetivou sem a previsão
orçamentária necessária, desconsidera a EC nº 95, as especicidades
e demandas das Instituições e se efetiva sem o debate necessário junto
ao Conselho Nacional das Instituições da Rede Federal de Educação
Prossional, Cientíca e Tecnológica (CONIF), enquanto representação
da Rede. No que tange o orçamento da Rede, frente à EC nº 95,
depreende-se que não haveria uma expansão de fato, haja vista o contexto
de congelamento dos gastos públicos e a criação de três novas instituições
sem ampliação orçamentária da totalidade da Rede, o que comprometeria
a oferta de uma educação centrada no Ensino, Pesquisa e Extensão. Desta
forma, se aprovada estaria a Rede circunscrita em um contexto de fragilidade
e congelamento junto a uma falaciosa ideia de expansão. Não havendo
ampliação do orçamento, dado a constituição do Estado ultraneoliberal,
não se trata de expansão, mas sim de uma tentativa de ampliação de cargos
e inserção de dirigentes coniventes com o projeto ultraneolberal em curso.
340 |
Mais adiante o PL ataca a essencialidade dos IFs, ao alterar a
proporcionalidade das matrículas e atacar o cerne dos IFs que é a oferta
prioritária de EMI. Conforme expresso em Brasil (2008) em seu Art. 7º
no inciso I: “é nalidade primeira ministrar educação prossional técnica
de nível médio, prioritariamente na forma de cursos integrados, para os
concluintes do ensino fundamental e para o público da educação de jovens
e adultos”. Já de acordo com Brasil (2019a) é nalidade dos IFs “Art. 7º
inciso I - ministrar educação prossional técnica de nível médio, para os
concluintes do ensino fundamental e para o público da educação de jovens
e adultos”. A partir de uma comparação é possível compreender que o PL
retira a garantia e obrigatoriedade da oferta do EMI que é basicamente
o “coração” dos IFs, que concatena atualmente o maior número de
matrículas e que pressupõe uma formação integrada na educação básica
aliando Ensino, Pesquisa e Extensão. Ao retirar o EMI e garantir apenas
a formação prossional-técnica de nível médio, pretende-se que os IFs
atuem na formação de mão-de-mão especializada e mecanicista.
Ainda no Art. 7º Brasil (2019a) tenta impor que os IFs, em relação
à oferta de pós-graduação stricto sensu, ofertem apenas cursos de mestrado
e doutorado prossional. Deste modo, retira-se do âmbito da Rede a
formação de pós-graduação stricto sensu acadêmica, o que reduziria a
produção acadêmica e colocaria os programas de pós na esfera da utilidade
para o mercado.
Seguindo na propositura do PL, se estabelece no Art. 8º que os
IFs em cada exercício deveriam garantir 70% das matrículas em cursos
de educação prossional técnica de nível médio (BRASIL, 2019a). Desta
forma, apesar de haver a ampliação na oferta de vagas de nível médio, dada
o caráter genérico do texto do artigo e a retirada do EMI da nalidade
primeira dos IFs, há indicação que estas seriam destinadas meramente para
uma formação técnica prossional apartada do ensino cientíco, o que
reforça nossa dualidade histórica.
Ainda a luz da proporcionalidade das vagas em cada exercício, o
texto da PL suprimi os atuais 20% de matrículas destinadas à formação de
professores, o que por essência desobrigaria a oferta de Licenciaturas. Fato
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas vol. 2
| 341
que reforça a concepção de que os IFs deveriam meramente formar técnicos
e garantir a qualicação prossional de trabalhos considerados úteis a
sociedade do capital. Ao propor a retirada das licenciaturas do interior dos
IFs, o m dos cursos acadêmicos de pós-graduação e o m do EMI, busca
o desmantelamento da política que originou os IFs em uma tentativa de
ruptura com a verticalidade, com o EMI e a indissociabilidade do Ensino,
Pesquisa e Extensão buscando garantir que a Rede seja meramente mais
um lugar de formação para o mercado.
Outro aspecto em Brasil (2019a) é que este almeja alterações nos Art.
12 e 13 dos critérios de escolha dos dirigentes – Reitor e Diretor Geral,
ampliando exigências para concorrer aos cargos, estabelecendo critérios
mais rígidos como comprovação como gestor na Educação Prossional
Tecnológica, sendo quatro anos para Reitor e dois anos para diretor e
comprovação de curso de formação para o exercício de cargo ou função de
gestão em instituições da administração pública para os Diretores. O Art.
14A versa sobre a escolha dos Reitores dos IFs criados pelo PL, sendo estes
cargos pro-tempore a critério do Ministro da Educação e Presidencial por
um prazo de cinco anos, não havendo clareza dos rumos das instituições
transcorridos os cinco anos.
No entanto, em 01 de março de 2019 o então Ministro da Educação
Vélez Rodriguez apresenta à Câmara o pedido de retirada da PL, dando
como justicativa,
[…] submeto à apreciação de Vossa Excelência a retirada do projeto
de lei em questão, a m de permitir uma reavaliação sistêmica
do tema no âmbito deste Ministério, de modo que considere as
possibilidades de aprimoramento aventadas no Congresso Nacional,
harmonizando-as com os motivos determinantes de sua concepção,
para reapresentação em momento oportuno. (BRASIL, 2019a).
Ainda no pedido de retirada o MEC destaca que o PL deve ser
revisitado pelo prisma da racionalização administrativa e geográca, logo
deve buscar a redução de custos operacionais e a otimização da força
de trabalho. Para tanto deve ser feito a reavaliação geográca, a m de
342 |
evitar sobreposição de instituições, reavaliação da viabilidade econômica
e nanceira por meio da realização da revisão do quantitativo de cargos e
funções, a análise das demandas de criação de novos Institutos, e repensar
a ampliação do percentual mínimo de cursos técnicos e os critérios de
candidatura de Diretores Gerais e Reitores.
Todos estes elementos expostos no documento enviado à Câmara
evidenciava que o Governo Bolsonaro não estava negando ou engavetando
um projeto de transformação e descaracterização dos IFs, mas que gostaria
de aprofundar, inserir elementos e apresentar uma nova proposta, como já
mencionado aqui “em momento oportuno”. Como o país viu no ndar de
agosto de 2021 o momento oportuno chegou, por meio de uma Proposta
de Reordenamento da Rede Federal, o que será discutido a seguir. Ainda
que o PL 11.279 tenha sido retirado da pauta e dos debates, sua essência
permanece viva e voltou ao jogo político em 2021.
Embora o Governo Bolsonaro tenha retirado da pauta o debate de
mudança na estrutura e na Lei de Criação dos IFs, o mesmo não perdeu o
foco de intervenção nos modos de organização da Rede Federal de Educação,
no entanto agora inicia a fase de ações autoritárias, tão característica e cara
a este governo, começa o período de tentativas de intervenções por meio
de Medidas Provisórias
6
(MP). Dentre as MPs que afetam diretamente
a Rede Federal de Educação destacamos a 914 (BRASIL, 2019b) e 979
(BRASIL, 2020), ambas versam sobre a escolha dos dirigentes máximos
das instituições, buscando alternativas autoritárias para romper com o
Decreto nº 6.986 o qual assegura a nomeação do primeiro colocado nos
pleitos eleitorais realizados na Rede Federal de Educação (BRASIL, 2009).
A MP 914 de 24 de dezembro de 2019, quais possui muitas
providências acerca da educação nacional, se efetiva no apagar das luzes
do ano corrente. Brasil (2019b) “Dispõe sobre o processo de escolha dos
dirigentes das universidades federais, dos IFs e do Colégio Pedro II”,
As Medidas Provisórias são editadas pelo poder Executivo, tendo este efeito imediato e caráter de lei, no
entanto carece de aprovação do Congresso Nacional em um período de 120 dias a m de efetivamente ser
transformada em lei, no entanto se não apreciadas e ou aprovadas no prazo constitucional, perdem validade
e caem em desuso. As MPs devem ser alternativas para deliberações e situações emergenciais. Apesar de
caráter transitório, as MP observa-se que desde o Golpe de 2016 são alternativas utilizadas a m de garantir
a aprovação rápida de anseios do Governo ultraneoliberal, sendo estas autoritárias na medida em que
desconsideram debates e discussões acerca do tema e do objeto proposto.
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas vol. 2
| 343
estabelecendo que a nomeação do dirigente casse a cargo da vontade
presidencial, tal qual expresso no Art. 6º “O reitor será escolhido e
nomeado pelo Presidente da República entre os três candidatos com maior
percentual de votação”. No entanto, a legislação que sustenta as instituições
pertencentes à Rede Federal garante a nomeação do candidato mais votado
no pleito eleitoral.
Ao tentar instituir o critério de lista tríplice e nomeação vinculada
à vontade presidencial, rompe-se com a legislação criadora dos IFs,
com a característica democrática da Rede Federal, retira-se a autonomia
e respeito das instituições, bem como o anseio da maioria, tornando o
cargo de Reitor um instrumento de controle do Governo. É evidente
que a concepção e o conceito de autonomia, apenas estão garantidos em
contextos de estabilidade democrática, dado o avanço de uma política
autoritária e antidemocrática, como vem ocorrendo no Brasil, ocasiona
uma autonomia ameaçada. Leher (2019) arma que autonomia das
instituições de ensino somente foi elevada a um preceito constitucional em
1988, no entanto a autonomia destas instituições nunca esteve na agenda
real do bloco de poder. A existência de autonomia viabiliza a construção de
espaços de conito aos interesses do capital, assim no Brasil a autonomia
é constantemente ameaçada pelos avanços e conquistas da burguesia.
Mostra-se central tal compreensão,
[…] a autonomia é sustentada como um valor universal para garantir
espaços públicos de produção e socialização do conhecimento,
livre de ingerências indevidas dos governos, igrejas e interesses
particularistas, sobretudo os econômicos e dos dispositivos de
poder contra a vida (LEHER, 2019, p. 44).
No contexto do cenário de avanço ultraneoliberal, há a tentativa de
tornar as instituições de ensino subservientes ao mercado e ao capital, logo
retirar a autonomia destas é sumário para a efetivação de um projeto social
de retrocessos e supressão de direitos. E por assim ser, o ultraneoliberalismo
vislumbra a retirada de direitos de todas as Instituições de Ensino que
defendam a ciência, a racionalidade e se contraponha a este projeto de
sociedade alinhado ao capital.
344 |
Outra importante alteração de retrocesso apontada em Brasil (2019b)
é a retirada da proporcionalidade entre os seguimentos nos pleitos, afastando
a Rede de eleições paritárias, pois determinava o sistema 70% docentes, 15%
Técnicos Administrativos e 15% Estudantes. Garantindo, assim a revogação
do Art.12 de Brasil (2008) o qual estabelecia o peso de 1/3 para cada um dos
três seguimentos que compõe a comunidade acadêmica.
De acordo com o texto da MP 914 cava estabelecido em seu Art.
7º possibilidades e caminhos que viabilizariam a intervenção do presidente
na escolha de Reitores pro tempore, os chamados intervencionistas, “[...]
II - na impossibilidade de homologação do resultado da votação em razão
de irregularidades vericadas no processo de consulta” (BRASIL, 2019b).
Garantindo assim, pela via legal os processos intervencionistas, travestidos
de democracia, a m de afastar Reitores eleitos que não sejam da mesma
concepção política do governo.
O Conselho Nacional das Instituições da Rede Federal de Educação
Prossional Cientíca e Tecnológica (CONIF), principal órgão de
representação dos interesses da Rede manifestou-se em Nota Pública contrária
à MP no dia 26 de dezembro. Assim sendo, Conif (2019) destaca que a MP
914/2019 “[…] surge na contramão da democracia, fere a lei de criação dos
institutos federais (Lei nº11. 892/2008) e, de forma inadequada, se sobrepõe à
autonomia das instituições”. Sendo esta MP um retrocesso na construção dos
pleitos eleitorais paritários, à democracia e à autonomia buscando alternativas
para reverter a MP em prol da manutenção exitosa da Rede.
A MP 914/2019 em suma não reunia razão de ser, não havia urgência
para a alteração de legislações, mas sim existia o intuito e o interesse de
encontrar caminhos que justicassem a intervenção nas Instituições de
Ensino Federal, sem que houvesse tempo para o debate nas comunidades
e que seguisse os ritos regimentais e processuais do Congresso, de forma
minimamente democrática. Sendo mais uma imposição do Executivo
representante do ultraneoliberalismo a sociedade.
A MP foi submetida ao Congresso e fora formada uma Comissão Mista
para apreciação do texto, nesta comissão foram propostas 204 Emendas,
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas vol. 2
| 345
dada a inconsistência do texto a mesma não entrou na pauta de votações
permanecendo parada na mesa diretora da Câmara até 01 de junho de 2020
quando (BRASIL, 2019b) perdeu validade e seu caráter de lei.
Dado que a MP não foi aprovada no Congresso, o Governo cava
proibido de propor o conteúdo desta para a apreciação novamente. No
entanto, em 9 de junho de 2020 as Instituições Federais caram diante de
um novo ataque quanto sua autonomia na escolha dos dirigentes, quando
o governo propõe a MP 979/2020 (BRASIL, 2020).
O Governo, valendo-se da Pandemia do COVID-19, propõe um novo
modelo intervencionista o qual, “Dispõe sobre a designação de dirigentes
protempore para as instituições federais de ensino durante o período da
emergência de saúde pública de importância internacional decorrente da
pandemia da covid-19 [...]” (BRASIL, 2020). Diante do descontrole da
Pandemia do COVID-19 no Brasil, garantir que as Instituições Federais
de ensino não realizassem eleições no transcurso da Pandemia garantiria
ao Governo possibilidade de intervenção em pelo menos sete reitorias que
haviam previsão de realização de Consultas as Comunidades em 2020,
dado o encerramento dos mandatos (IFMA, IF sudeste MG, IFNMG,
IFMT, IFFar, IFRR e IFSP).
A MP 979 foi devolvida à casa civil em 18 de junho de 2020, haja
vista que ela versava sobre o mesmo assunto da MP 914/2019, logo rompia
com os preceitos legais. Ainda que Brasil (2019b) e Brasil (2020) caíram
em desuso, não estando mais em vigor, estas conguram tentativas claras
por dentro da esfera política e legal de interferências nas Instituições
pertencentes à Rede Federal
7
.
7
Destaca-se que não apenas a Rede Federal que está vivenciando processos intervencionistas, as Universidades
Federais também estão passando por tais situações, assim agrupamos, coom vistas a elucidação a cronologia
intervencionista Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD), Universidade Federal do Triângulo
Mineiro (UFTM), Universidade Federal do Recôncavo Baiano (UFRB), Universidade Federal dos Vales do
Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM), Centro Federal de Educação Tecnológica do Rio de Janeiro (CEFET-
RJ), Universidade Federal do Ceará (UFC), Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS), Universidade
da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (UNILAB), Universidade Federal do Espírito
Santo (UFES), Universidade Federal do Vale do São Francisco (UNIVASF), Instituto Federal de Santa
Catarina (IFSC), Instituto Federal do Rio Grande do Norte (IFRN), Universidade Federal do Semi-Árido
(UFERSA), Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Universidade Federal do Sul e Sudeste
do Pará (Unifesspa), Universidade Federal da Paraíba (UFPB), e nas duas últimas semanas as Universidade
Federal do Piauí (UFPI), Universidade Federal Sergipe (UFS).
346 |
Em paralelo a estas tratativas supostamente legais, o governo atuou
no ano de 2019 para garantir a intervenção em três concretas instituições
da Rede Federal, o CEFET-Rio, IFRN e IFSC instituindo e colaborando,
de modo autoritário, com processos administrativos e fomentando critérios
que inviabilizam as posses dos dirigentes eleitos
8
. Criam subterfúgios
pseudo-legais para descumprir a legislação vigente – Brasil (2008) e
Brasil (2009) nos pontos que versam sobre as eleições e autonomia das
instituições.
O Governo Federal se valeu de subterfúgios para inserir Reitores
interventores, sendo que dentro da Rede Federal a primeira intervenção
de fato foi no CEFET – Rio, tendo acontecido em agosto de 2019. O
processo intervencionista se iniciou após a chapa que perdeu o pleito ter
questionado os ritos e o resultado da eleição, dado este questionamento
foi instaurado um processo de averiguação que resultou na intervenção da
instituição.
A m de legitimar a intervenção o Governo publicou o Decreto
9.908 de 10 de junho de 2019, que estabelece “[…] a designação de
Diretor-Geral pro tempore de Centro Federal de Educação Tecnológica,
de Escola Técnica Federal e de Escola Agrotécnica Federal, na hipótese
de vacância do cargo” (BRASIL, 2019c). O referido Decreto é elaborado
como uma resposta à situação de incerteza criada acerca da posse do
dirigente, em que o resultado do pleito eleitoral realizado em abril e havia
sido conrmada desde maio de 2019, porém o reitor eleito ainda não havia
sido nomeado em virtude de um processo escuso e controverso instaurado
como um mecanismo político de tentativa de nomear um candidato mais
alinhado as diretrizes bolsonaristas.
E então em 16 de agosto de 2019, o MEC nomeou o interventor
Maurício Aires Vieira como dirigente do CEFET – Rio, ainda que o
mesmo não pertencesse ao quadro de servidores da instituição, baseado
no Decreto 9.908, desrespeitando a vontade da comunidade, que havia
elegido Maurício Motta em maio de 2019. A intervenção durou dezenove
meses até a posse ocial do dirigente eleito, que ocorreu apenas em 25
As sínteses das intervenções foram extraídas da entrevista dos Reitores eleitos (SEMANA..., 2020).
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas vol. 2
| 347
de março de 2021 (BRASIL, 2021a), tendo a Instituição ao longo desse
período tido três interventores (OHANA, 2020) Maurício Aires Vieira,
Marcelo Sousa Nogueira e Maurício Castanheira das Neves, situação esta
que gerava incerteza frente aos rumos da Instituição pela intervenção e
transitoriedade.
Justicava-se a intervenção do MEC pela necessidade de averiguação
do processo eleitoral, o qual havia sido denunciado e questionado pelo
perdedor do pleito, realizando assim um processo pouco transparente e
sem possibilidades concretas de defesa.
Ao longo do período intervencionista a comunidade pertencente
ao CEFET – Rio demonstrou resistência e insatisfação, a m de lutar e
garantir a sua autonomia de escolha.
No ndar de 2019 ocorrem as consultas nas comunidades acerca
da escolha dos reitores no IFSC e IFRN, sendo eleitos pelas comunidades
Maurício Gariba e José Arnóbio respectivamente. No entanto, no principiar
de 2020 ambas a instituições sofrem simultaneamente intervenção, sendo
que em 20 de abril foram noticados que não seriam nomeados dado
que respondiam por processos de sindicância em suas instituições, o
que resultou na nomeação dos reitores interventores, denominados pelo
Governo de pro tempores, alterando substancialmente a dinâmica de
autonomia destas instituições.
O processo de intervenção do IFRN ocorreu através da nomeação de
Josué Moreira em 20 de abril de 2020, este não havia participado do pleito
eleitoral. É importante destacar que o interventor é liado ao PSL, partido
alinhado ao bolsonarismo. Ainda que o interventor não tenha participado
da eleição em 2019, este indicou o então candidato a reitoria José Ribeiro
de Souza Filho, o qual recebeu apenas 3,2% dos votos, o que garantiu a
este o 3º lugar no pleito, ao importante cargo de pró-reitor de ensino da
instituição.
O reitor eleito José Arnóbio, vitorioso na eleição de 2019, esteve
impedido de tomar posse em virtude de estar respondendo a uma
sindicância administrativa, que se iniciou enquanto este ocupava o cargo
348 |
de Diretor Geral do Campus Natal Central e cedeu a estrutura do Campus
para a realização de um evento da Arquidiocese de Natal – intitulado Fé
e Política em 12 de julho de 2019. Durante o evento circulou no interior
da instituição a frase “Lula Livre”, por meio de cartazes e panetos,
representantes do MBL e do Movimento Escola Sem Partido fotografaram
o evento e efetivaram a denúncia que acarretou na abertura da sindicância
administrativa em fevereiro de 2020, durante o processo de averiguação
houve pouca clareza e informações para a pessoa de José Arnóbio o que
dicultava suas estratégias de defesa. O processo de sindicância aberto é
em essência, arbitrário, desconsidera a pluralidade de ideias e liberdade de
livre pensamento garantido pela CF e se mostra como uma estratégia de
impedir que um reitor não compatível aos ideários bolsonaristas assuma.
A comunidade estudantil e os servidores se colocaram
majoritariamente em defesa da posse do reitor eleito do IFRN, o que
endossou a campanha político-jurídica para a nomeação e posse do reitor.
Após uma longa batalha político-jurídica, em 11 de dezembro de 2020,
por decisão judicial proferida pela 4ª Vara Federal, José Arnóbio conseguiu
o direito a sua nomeação, sendo esta a primeira decisão judicia favorável
a Rede Federal no que tange a nomeação do reitor eleito, cumprida pelo
MEC. A nomeação de José Arnóbio para a reitoria ocorreu em 21 de
dezembro de 2020 com data retroativa de 18 de dezembro de 2020.
A intervenção no IFSC se efetivou pela nomeação de André Dala
Possa, que havia participado do pleito eleitoral em 2019 cando em
segundo lugar, este permaneceu no cargo até a posse do reitor eleito. A
negativa de posse de Maurício Gariba se deu a partir de uma articulação
da antiga gestão do IFSC, o MEC com a Controladoria Geral da União
(CGU), referente a um processo de sindicância, instaurado pela antiga
reitoria contra Maurício Gariba em 2018, acerca da instalação de catracas
para o campus Florianópolis que ocorreu entre os anos de 2011 a 2013,
quando este era o Diretor Geral do mesmo. Às vésperas da eleição em 2019
a reitoria abriu uma sindicância e enviou todo o processo para a CGU de
Santa Catarina a qual encaminhou o processo para Brasília, todo o trâmite
da Reitoria e CGU de Santa Catarina ocorreram sem o conhecimento de
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas vol. 2
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Maurício Gariba, o qual foi apenas noticado desta sindicância, em janeiro
de 2020, após a sua eleição.
O IFSC vivenciou uma intervenção longa, sendo que apenas em
09 de agosto de 2021 o Reitor Maurício Gariba foi nalmente nomeado,
tal qual nas outras instituições, o processo de intervenção contou com
resistência de servidores e estudantes. A instituição foi a última da Rede
a superar a intervenção e garantir que a vontade da comunidade e sua
autonomia fossem efetivamente cumpridas.
Nas três Instituições, claramente ocorreram mecanismos institucionais
que perspectivavam intervir nas Instituições, desconsiderando critérios de
presunção de inocência, com processos jurídicos e administrativos escusos,
pouco transparentes e que protelavam a garantia legal da nomeação do
candidato mais votado pelas comunidades.
É curioso observar que os processos intervencionistas ainda que
fomentados pelo MEC e pelo Governo de modo geral, encontram respaldo
junto a minorias no interior das próprias Instituições, tendo em vista que
predominantemente a concretização da intervenção se dá pelas mãos e pela
conivência de membros das comunidades acadêmicas. As intervenções
aqui relatadas somente se efetivaram, pois existiam grupos minoritários
que aderiram a perspectiva antidemocrática e golpista, no entanto com
aparência democrática.
Em 26 de maio de 2021 o Supremo Tribunal Federal (STF)
deliberaram acerca da derrubada das intervenções na Rede Federal, visto que
as mesmas são inconstitucionais. A Ação Direta de Inconstitucionalidade
(ADI) foi ajuizada pelo PSOL, em tentativa de defesa da Rede, com ênfase
na intervenção realizada no CEFET – Rio, por meio da derrubada do
Decreto 9.908/2029. A ação tinha como relatora Cármen Lúcia, sendo
que sete dos Ministros votaram acompanhando a relatora, o único voto a
favor das intervenções foi do Ministro Kassio Nunes Marques.
A ADI 6.543, STF (2021, p. 33) profere a seguinte decisão, “O
Tribunal, por maioria, julgou procedente o pedido para declarar a
inconstitucionalidade do parágrafo único e do caput do Art. 7º-A do
350 |
Decreto nº 4.877/2003, acrescentado pelo Decreto nº 9.908/2019, nos
termos do voto da Relatora, vencido o Ministro Nunes Marques […]”, até o
presente momento, o único Ministro efetivamente indicado por Bolsonaro,
conrmando o alinhamento deste com interesses antidemocráticos do
Governo Federal.
O voto da relatora acerca da inconstitucionalidade do Decreto
baseava-se conforme expresso em STF (2021) na afronta da autonomia, da
gestão democrática no ensino público, na isonomia, na impessoalidade e
na proporcionalidade, elementos estes previstos, garantidos e demandados
pela CF e ainda ressalta a falta de determinantes e especicações quanto aos
elementos que podem resultar no impedimento de posse e não estabelece
o tempo de duração do mandato do reitor protempore. Elementos que
tendem a gerar grau elevado de discricionariedade, deliberações unilaterais
e rupturas com os ritos democráticos que são essenciais para as Instituições
e para a sociedade.
Diante do resultado, o Governo Bolsonaro, por intermédio do
MEC, ca impedido de intervir no resultado das eleições das comunidades,
devendo obrigatoriamente nomear o primeiro colocado das eleições. Sendo
que esta decisão se estende para as outras Instituições pertencentes à Rede
Federal de Educação. A decisão do STF (2021) foi crucial para impor
limites nas intervenções bolsonaristas, no que tange a escolha de reitores e
rupturas com a normalidade democrática que faz parte da estrutura legal
da Rede Federal de Educação.
3. reordenamento: a arte de desmantelar
A Rede Federal de Educação vivencia ataques a sua estrutura
diariamente, desde a ascensão do ultraneoliberalismo no Brasil, sendo que
ao ndar o mês de agosto de 2021 toda Rede Federal foi surpreendida
com uma proposta de reordenamento. A referida proposta do Governo
Bolsonaro muito se assemelha a Proposta do Governo Temer em 2018,
materializada no PL 11.279 – a qual não se efetivou.
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas vol. 2
| 351
O reordenamento pretendido, como todas as ações deste Governo
não parte de um amplo debate, mas sim se efetiva de modo truculento
e autoritário. Reitores de dez IFs receberam um convite para participar
de uma reunião no Ministério da Educação que aconteceu no dia 30
de agosto, tendo como tema “O processo de reordenamento da Rede
Federal de EPT”, com proposta prevendo a criação de 10 novos Institutos
Federais, o referido e-mail foi direcionado para os Reitores do IFSP, IF
Sertão PE, IFPE, IFBA, IF Baiano, IFMA, IFCE, IFPR, IFPI, IFPB e
IFPA, devendo comparecer em Brasília para apreciarem a proposta. No
entanto, a proposta nem ao menos havia sido previamente apresentada
para o CONIF. O MEC não considerou as especicidades da concepção
de Rede que orienta as Instituições Federais de Educação Prossional, e
apresentou uma proposta de modo fragmentado e a partir de interesses
unilaterais do Governo.
O convite para análise do reordenamento rapidamente espalhou-
se pelos grupos de Servidores, Estudantes e Reitores, divulgação esta que
acabou por cooptar o Reitor do IFRO, que não estava contemplado pela
proposta de Reordenamento do MEC, mas que solicitou a inclusão do
IFRO, tal expresso no site institucional.
O Ministério da Educação propôs a composição de novos Institutos
Federais em 10 estados do Brasil. O Instituto Federal de Rondônia,
para oportunizar aos seus Professores, Técnicos Administrativos
em Educação e Estudantes uma possibilidade de análise, solicitou
a inclusão de Rondônia no conjunto dos estados em que poderá
(ou não) ocorrer uma reorganização da Rede Federal de Educação
Prossional, Cientíca e Tecnológica. (PORTAL IFRO, 2021)
O MEC incorporou o IFRO em sua proposta, logo a proposta
passa a conter onze novos IFs, e o mesmo iniciou a consulta pública,
mas contrariando as expectativas da Reitoria as comunidades -
discentes, docentes e técnicos administrativos, rejeitaram a proposta de
reordenamento, obtendo um resultado de 28,1% de votos favoráveis,
68,9% contrários e 3% de abstenções (PORTAL IFRO, 2021). Diante da
352 |
negativa da comunidade o IFRO enviou o seu parecer ao MEC em 20 de
setembro contrário ao reordenamento.
A proposta de reordenamento é apresentada de modo simplista, sem
o aprofundamento e ampliação orçamentária necessária que um processo
de desmembramento demanda. Conforme expresso na nota pública
divulgada pelo CONIF em 08 de setembro de 2021,
A proposta, que prevê a criação de dez novas reitorias e reorganiza a
distribuição territorial dos campi em alguns estados, não contempla
a criação de novos campi, novas ofertas de cursos e de matrículas,
além de a determinação do prazo de 20 dias para tal discussão -
xado pelo MEC para manifestação dos reitores -, ser insuciente
para exaurir um tema tão estrutural (CONIF, 2021).
Observa-se que a propositura de reordenamento feita aos reitores na
reunião de 30 de agosto de 2021 no MEC, é incompatível com o modo
de organização e funcionamento da Rede, a proposta foi feita e demanda
um retorno em um período demasiadamente curto, o que inviabilizaria o
debate amplo, crítico e consciente junto das comunidades, o que por si só
já rompe com o preceito de gestão democrática tão essencial e caro à Rede.
A proposta vislumbra “criar” dez novos Institutos Federais, deste
modo inseriria novos onze Reitores, os quais seriam indicados pelo
Presidente e coadunariam com as propostas de Educação do Governo
Federal, estes novos reitores ocupariam lugar de fala e voto no CONIF,
o que necessariamente alteraria a relação de forças e deliberação deste
Conselho.
Atualmente o CONIF conta com a participação de 41 Reitores sendo
38 Reitores de Institutos Federais de Educação Ciência e Tecnologia, dois
Reitores CEFET e um Reitor do Colégio Pedro II, sendo uma instância
deliberativa que pensa e perspectiva os direcionamentos da Rede Federal.
De acordo com a descrição contida no site institucional do CONIF
encontra-se,
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas vol. 2
| 353
Missão: Fortalecer as instituições da Rede Federal, por meio da
sua articulação e representação política, em benefício da educação
prossional, cientíca e tecnológica pública, gratuita e de qualidade
socialmente referenciada; Visão Ser reconhecido nacional e
internacionalmente como articulador da educação prossional,
cientíca e tecnológica inovadora e inclusiva; Valores: União,
gestão democrática, sustentabilidade, equidade, transparência,
ética e solidariedade. (CONIF, 2021).
Haja vista o comprometimento com uma educação prossional
cientíca e tecnológica, pública e socialmente referenciada, este
constantemente se posiciona contrário aos ataques realizados pelo Governo
Federal no que tange ao desmonte, cortes orçamentários e intervenções
na Rede Federal. Deste modo, não podemos desconsiderar que há um
interesse político nesta proposta, que meramente vislumbra inserir Reitores
que corresponderão a 1/5 dos votos favoráveis ao projeto ultraneoliberal
e altera de modo signicativo a relação de forças do Conselho. Sendo esta
uma intervenção travestida de melhoria é mais uma cartada do Executivo
para alterar e intervir na autonomia institucional da Rede Federal.
É expressivo salientar que a proposta de Reordenamento aparece, tal
qual expresso por Vélez Rodriguez, no momento do pedido de retirada do
PL 11.279/2019, “[...] reapresentação em momento oportuno” (BRASIL,
2019a). Chegando o tal momento oportuno às vésperas de uma nova
corrida presidencial que será realizada em 2022, o Governo que pretende
a reeleição, que nada avançou na Educação Nacional, mas sim propiciou
retrocessos, que resultaram em levantes dos estudantes e servidores da Rede
Federal em 2019, efetivar o reordenamento garantiria a propaganda de
expansão da Rede Federal de Educação, no entanto uma falsa expansão,
sem previsão orçamentária, sem ampliação de campus, servidores e
matrículas. O reordenamento, se consolidado, garante e endossa a narrativa
de expansão da Rede, essencial para um trajeto eleitoral.
A expansão da Rede Federal é uma demanda imprescindível para
a democratização do acesso a uma educação de qualidade socialmente
referenciada, no entanto, a expansão necessita ser feita de modo coerente e
354 |
compatível com a própria estruturação da Rede. Dessa maneira, não basta
promover uma falsa expansão, que tem duplamente caráter político, mas
sim necessariamente consolidar as instituições já existentes. De acordo
com a nota do CONIF para a efetivação do reordenamento é necessário:
Recomposição orçamentária da totalidade da Rede; Conclusão
das obras em andamento; Ampliação do Banco de Professor-
Equivalente e do Quadro de Referência, do pessoal docente e
técnico-administrativo, respectivamente; Complementação do
quadro de pessoal para todas as unidades em cada Instituição de
Ensino, independente do reordenamento, observada a Portaria
MEC nº 246/2016, em especial para os campi que se encontram
em situação de vulnerabilidade; Manutenção do atual sistema de
escolha dos dirigentes das instituições, como previsto na lei vigente,
com eleição direta e paridade no voto dos segmentos que compõem
nossas comunidades; Defesa da Lei nº 11.892 de 2008, haja vista
notáveis experiências exitosas, ao longo dos últimos doze anos,
aliado a um aprimoramento de nossas relações com os arranjos
produtivos, sociais e culturais, no entorno de cada um de nossos
670 campi; Priorização da oferta dos cursos técnicos integrados
ao ensino médio, diferencial da Rede Federal para uma educação
cidadã, que prepara o aluno, não apenas para o mercado, mas
essencialmente para o exercício da cidadania; Manutenção da
proporcionalidade de vagas prevista no art. 8o da 11.892/2008,
de modo a assegurar os vetores do ensino, da pesquisa, da extensão
e da inovação; Proposta de reordenamento, amplamente discutida
junto ao CONIF e à comunidade acadêmica dos Institutos
envolvidos, com observância das especicidades de cada Instituto e
região; Garantia de orçamento anual mínimo necessário ao pleno
funcionamento em todas as unidades, com revisão do orçamento
consignado para o presente exercício; Garantia de estrutura,
composição de pessoal, orçamento de custeio e de pessoal das novas
Reitorias; Consulta à comunidade dos campi que passarão a cada
nova reitoria, indicando ao cargo de Reitor(a) servidor(a) da casa por
ela escolhido(a); Cumprimento do mandato dos atuais diretores de
campus; Autonomia das atuais reitorias na condução, supervisão,
orientação e implantação do reordenamento; e Impacto do teto de
gastos, estabelecido na Emenda Constitucional 95, que estrangula
ainda mais o orçamento de funcionamento e investimento da Rede
Federal. (CONIF, 2021).
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas vol. 2
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Sem a garantia de elementos estruturante a proposta de reordenamento
encontrará resistência junto ao CONIF e as Instituições que compõe a
Rede. Pois, é essencial estruturar e consolidar o que já existe e somente
posteriormente perspectivar vias de expansão, somente possíveis quando
os limites do Estado ultraneoliberal e da EC nº95 forem denitivamente
superados.
Em plenária organizada pelo SINASEFE Nacional em 17 de
setembro de 2021 (PLENÁRIA..., 2021) da qual participaram oito
Reitores convidados para a reunião do MEC acerca do reordenamento,
e bancada parlamentar representada pelos parlamentares Deputada Alice
Portugal, Deputada Fernanda Melchionna, Deputada Maria do Rosário,
Senador Jean Paul e representantes sindicais em defesa da Rede Federal,
todos os participantes se colocaram contrários ao reordenamento e as
políticas intervencionistas na Rede promovidas pelo Governo Bolsonaro
– apenas não participaram da plenária os Reitores do IFSP, IFRO e IFPA.
Após consultar as comunidades das onze Reitorias que participariam
do reordenamento, dez se colocaram contrários a eles, apenas a Reitoria
do IFSP apresentou uma nota dúbia (BRASIL, 2021b), gerando dúvidas
quanto a sua adesão e ou negativa do reordenamento.
Dada falta de clareza de orçamento, das intencionalidades e do
aparente interesse político de aparelhamento do CONIF, a proposta de
reordenamento foi majoritariamente negada pelas comunidades, cabe agora
à história de um país que vivencia um Estado de exceção, se o Governo irá
acatar as decisões das comunidades e de fato barrar o reordenamento, ou se
novamente irá romper com a autonomia das instituições da Rede e optar
por saída antidemocráticas disfarçadas de democracia.
Deduz-se que tanto o PL 11.279 quanto a Proposta de Reordenamento
caminham para a mesma direção, a descaracterização da Rede Federal como
espaço de formação humana com qualidade socialmente referenciada, para
a construção de Rede Federal limitada pelo tecnicismo e pelas demandas
de formação de mão de obra para um capital que vivencia uma profunda
crise estrutural.
356 |
Conforme Mészáros (2011) o estágio de desenvolvimento atual é o
de crise estrutural do Capital, sendo que desde a década de 1970 o mundo
gerido pela lógica do Capital vivencia uma reestruturação das forças
produtivas, políticas e ideológicas, que se desdobram em alternativas as
próprias crises do sistema de produção. As saídas criadas com vistas na
manutenção e renovação do sistema produtivo são introduzidas e ramicadas
nos diferentes espaços e frações sociais, das quais aqui nos atentamos na
educação em especíco. No contexto de crise estrutural intensicam-se
as mazelas vivenciadas pela classe trabalhadora, precarizando a vida, a
formação, o trabalho e as relações, a m de que toda esta estrutura garanta
condições de reprodução renovação e reconguração do capital.
No contexto de crise estrutural, as relações se tornam ainda mais
corrosivas e degradantes para a classe trabalhadora, basta ver que a lógica
do capital e os anseios salvacionistas tornam-se um guia condutor da
vida e do Estado. O processo de formação humana ca condicionado
em necessidades da crise estrutural do capital, demandando a formação
precarizante para um trabalhador que atuará em um mundo do trabalho
inábil, sem direitos sociais, sem emprego e sem garantias de existir. Lavoura
e Ramos (2020) defendem que as reformas educacionais que emergem nos
últimos anos estão alicerçadas na concepção de homo economicus, centrado
em experiências individuais e em competências. Sendo proposituras
formativas de defesa do capital e de difusão dos preceitos garantidores do
mercado. O compromisso de formação dos homens ainda se efetiva, mas a
formação conivente com a ascensão de um Estado ultraneoliberal.
Todas as propostas para a Rede Federal devem ser pensadas à luz da
Lei 13.415/2017, a Reforma do Ensino (BRASIL, 2017). Considerando
que as intervenções demonstram-se como tentativas de utilizar toda a
estrutura de excelência da Rede para a efetivação do “Novo Ensino Médio”.
Conforme expresso em Brasil (2017) a educação de nível médio passa a estar
fragmentada em cinco grandes itinerários, sendo que o 5º itinerário versa
especicamente sobre a oferta do ensino técnico prossional disponível a
todos os estudantes.
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas vol. 2
| 357
Assim sendo, adentramos ao recente documento, a Portaria nº733
de 16 de setembro de 2021 (BRASIL, 2021c), que compete evidenciar
que esta, apesar de articulada as Reformas do Estado que ocorreram
desde 2016 e que afetam diretamente a Rede Federal, certamente
não será a última ofensiva para a Rede, pela tendência observada nos
governos ultraneoliberais, somente quando a Rede estiver completamente
descaracterizada e ofertando educação nos moldes dualistas, tecnicistas e
fragmentários é que esta deixará de estar na mira governamental.
De modo geral, Brasil (2021c) apresenta como será colocado em
prática o Novo Ensino Médio no país, a m de promover a concretização
dos Itinerários Formativos que deverão estar inseridos no cotidiano escolar
dos estudantes a partir do ano de 2022, o documento e o Programa
buscam estabelecer as diretrizes e direcionamentos para a efetivação deste
novo modelo formativo que afetará maioritariamente a educação pública.
Diversos são os aspectos presentes no texto, no entanto dar-se-á
ênfase neste texto para a intencionalidade clara de “integração das redes”.
Competindo ao “Programa Itinerários Formativos” e ao MEC mediar os
processos e as relações para viabilizar acordos e parcerias entre as redes de
ensino, para a implementação do Novo Ensino Médio.
Brasil (2021c) dene que “São objetivos do Programa” em seu Art.
5º inciso VII “promover a integração das redes de educação estaduais e
federal, para ampliar a capacidade de oferta dos itinerários formativos
do Novo Ensino Médio”. A proposta que está no horizonte é a efetuação
de uma Reforma do EM, que precariza ainda mais a formação da classe
trabalhadora, alinhada aos interesses do capital e apartada de qualquer
demanda real da formação humana em sentido amplo.
A proposta de Contra Reforma do EM, retrógrada e elitista,
coloca no cotidiano formativo da classe trabalhadora a fragmentação, a
supercialidade, e a falta de acesso aos saberes historicamente produzidos
e sistematizados no que tange a Rede Federal as proposituras deste
governo ultraneoliberal, elimina a possibilidade de oferta de EMI, o que
institucionaliza construções e visões fragmentárias da realidade, limitantes
358 |
em seu conjunto. Nesta perspectiva, Duarte (2020, p. 37) ressalta que
“[…] para compreender a realidade, as pessoas precisam apropriar-se do
saber sistematizado que ultrapassa os limites do manejo pragmático das
coisas e alcança os processos de movimento da realidade em sua forma
mais ampla e mais profunda”. No entanto, o que se anuncia para a Rede
Federal é a negação da compreensão do real, dos saberes sistematizados e das
contradições, a m de que a classe que vive do trabalho esteja circunscrita
em um contexto de adaptação e passividade, essencial para a reprodução
do modo de produção capitalista em crise.
No eixo de integração das redes o Programa é apresentado em Brasil
(2021c) em seu Art. 19, como uma importante estratégia de fortalecimento
de aprendizagens, por meio da ampliação das possibilidades de oferta dos
itinerários: “[…] a partir do estabelecimento de parcerias entre as escolas das
redes públicas estaduais e distrital, as instituições públicas de ensino superior
(federais e estaduais) e a rede federal de educação prossional, cientíca
e tecnológica” (BRASIL, 2021c). Diante da estrutura do programa, dada
a especicidade do 5º itinerário da Reforma do EM, a estrutura da Rede
Federal e as tentativas constantes de intervenção, esta se tornará o locus
de oferta da formação técnica prossional, que garantirá o “Novo Ensino
Médio” e do desmonte formativo completo para a classe trabalhadora.
Fica estabelecido que o MEC se encarregue de desenvolver atividades
que viabilizem a integração das redes, articulando a Secretária de Educação
Básica (SEB), a Secretária de Educação Superior (SESu) e a Secretária
de Educação Prossional e Tecnológica (SETEC), em parceria com o
Conselho Nacional de Educação (CNE), deverá promover,
I - elaboração de normativos necessários para a integração entre as
redes;
II - criação de fóruns de integração entre equipes técnicas;
III - elaboração de modelos de documentos para viabilizar
parcerias entre as redes;
IV - coordenação de harmonização entre os instrumentos
normativos de escrituração escolar; e
V - orientações e apoio técnico para interoperabilidade entre os
sistemas das redes federais e redes estaduais. (BRASIL, 2021).
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas vol. 2
| 359
A estrutura do Estado será utilizada a m de mediar e garantir que
a parceria entre as redes aconteça, e viabilizar que o 5º itinerário de fato
seja ofertado, ainda que por um viés de formação unilateral e desconexo da
formação cientíca. Propiciando uma formação sumariamente fragmentária
e categorizada do ser. Apesar do Art. 19 mencionar possibilidade de parceria
com a SESu, ao analisar o Art. 20 ca evidente que o grande foco de
parcerias é entre a Rede Estadual e a Rede Federal, devendo estas atuarem
dentro de unicidade a m de garantir a formação técnica aos jovens da
classe trabalhadora.
Deste modo, o que desde a Brasil (2017) mostrava-se como uma
possibilidade, a utilização utilitarista e precarizada da Rede Federal de
Educação, materializa-se nesta Portaria 733, sem máscaras, justicando-
se as sucessivas e rasteiras tentativas de intervenção na autonomia, na
caracterização e no orçamento da Rede Federal.
Atentando-se a falta de estrutura das Redes Estaduais e que a Rede
Federal está presente por todo o país, todas estas proposituras caminham
para a utilização do corpo docente e dos espaços físicos da Rede para a
oferta do 5º itinerário, tornando assim a Rede Federal um mero apêndice
do projeto de disformidade dos jovens trabalhadores contidos na Reforma
do EM. Cabendo as instituições da Rede Federal a oferta de Ensino
Médio na modalidade Concomitante – a formação aconteceria em duas
instituições distintas, logo a parte técnica prossional ofertada na Rede
Federal e a parte propedêutica nas Redes Estaduais.
Destarte ensino da classe trabalhadora sofrerá abalos que
aprofundarão a já conhecida dualidade, sendo este fragmentado, esvaziado
e aligeirado, o que nos remete a Saviani (2012, p. 54) “[…] o ensino das
camadas populares pode ser aligeirado até o nada, até se desfazer em mera
formalidade”. O ensino da classe trabalhadora, dentro desta proposta se
transforma em mera formalidade necessária ao capital e a Rede Federal, a
partir desta Portaria, torna-se um apêndice de uma formação fragmentária
e decitária.
360 |
Na concretização desse fato, como anunciado, a Rede Federal perderá
sua especicidade, não mais conseguirá ofertar pela via do Ensino o EMI,
a formação de professores, a oferta da pós-graduação, não garantindo uma
educação de qualidade, no âmbito da Pesquisa e Extensão estas se tornarão
inviáveis, pois, com a parceria junto as Redes Estaduais haverá elevação
de carga horária e o Tripé que sustenta a Rede em busca de uma formação
humana de qualidade se tornará inviável.
consIderações ParcIaIs
As reexões trazidas neste artigo referem-se ao momento vivido, o que
inviabiliza a clareza que o distanciamento histórico dos fatos possibilita, mas
um elemento é certo desde a ascensão do modelo ultraneoliberal, a Rede
Federal de educação constantemente busca sobreviver frente a interferências
e ingerências dos Governos Temer e Bolsonaro. Há um projeto de desmonte
da qualidade socialmente referenciada que alicerça a Rede Federal, sendo
que o Executivo nacional compreende ser fundante intervir na autonomia,
na dinâmica e nas características que estruturam a Rede. Ainda que
não compreendamos os desdobramentos destes sucessivos ataques, é
possível assimilar que é de interesse do ultaneoliberalismo a apropriação,
desmantelamento e descaracterização da Rede Federal, a m de que esta
instituição educacional de formação humana volte a ofertar unicamente
uma formação prossional utilitarista, precarizante e mecanicista.
A burguesia brasileira não compreende e ou aceita a possibilidade da
classe trabalhadora acessar os conhecimentos historicamente produzidos,
mas sim almeja que esta classe esteja inserida em uma escola que forme
sujeitos para a vivência fragmentária de um capital em crise. E por negar à
classe trabalhadora o acesso aos conhecimentos e a uma escola que forma o
sujeito em diferentes dimensões, nega a Rede Federal tal qual foi pensada
e que vem se estruturando nos últimos 12 anos. A Escola deve promover
o acesso à cultura letrada, propiciando que os dominados tenham
acesso e compreendam os conhecimentos que os dominantes dominam,
pois Saviani (2012) leva-nos a reexão de que “[…] dominar o que os
dominantes dominam é condição de libertação”.
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas vol. 2
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Assim sendo, a educação pública deveria garantir que a classe
trabalhadora se aproprie dos saberes que a burguesia domina, no entanto,
dado o avanço ultraneoliberal, resgatam-se dualismos, intensica-se a luta
de classes e busca-se a limitação de acessos em nome de uma estrutura
social desigual e propagadora de miserabilidades. Tendo em vista que a
burguesia brasileira necessita manter o conhecimento enquanto sua
propriedade privada, esta classe no transcurso de avanço ultraneoliberal,
busca desmontar as experiências que propiciaram, ainda que em proporção
reduzida, garantia de acesso a uma educação de qualidade.
Em síntese, quando se menciona que o projeto ultraneoliberal
vislumbra desmontar a Rede Federal, devemos perceber que o objetivo
não é a eliminação do aparato e da infraestrutura, mas utilizar toda a
estrutura para o atendimento ao capital, formação de mão de obra barata
e passível de exploração. Os objetivos são descaracterizar, desmantelar e
eliminar os traços de formação humana mais ampla e integrada volta à
classe trabalhadora.
Conclui-se que a ofensiva à Rede decorre do fato de que os governos
de vertentes ultraneoliberal intensicaram a luta de classes e alicerçam-se
em um modelo de organização social que visa o acirramento da precarização
da vida da classe trabalhadora, disposto a garantir máxima exploração da
classe que vive do trabalho. Desmantelar e descaracterizar o que se pretendia
no modelo de educação de qualidade à classe trabalhadora, é o imperativo
condutor para garantir a intensicação da exploração.
referêncIas
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e 13 da Lei no 11.892, de 29 de dezembro de 2008, que institui a Rede Federal de
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2010/2009/Decreto/D6986.htm. Acesso em: 28 ago. 2021.
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Educação Prossional, Cientíca e Tecnológica, cria os Institutos Federais de Educação,
Ciência e Tecnologia, e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.
br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/lei/l11892.htm Acesso em: 28 ago. 2021.
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ensino médio brasileiro, Brasília, DF, 2017. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/
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designação de dirigentes pro tempore para as instituições federais de ensino durante
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Disponível em: http://www.in.gov.br/en/web/dou/-/medida-provisoria-n-979-de-9-de-
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www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-n-733-de-16-de-setembro-de-2021-345462147.
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BRASIL. Projeto de Lei 11.279, 2019a. Disponível em: https://www.camara.leg.br/
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de-reordenamento-da-rede-federal-de-educacao-prossional-cientica-e-te-
cnologica?Itemid=609. Acesso em: 25 set. 2021.
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas vol. 2
| 363
CONIF. Nota pública sobre Medida Provisória 914/2019 de 26 de dezembro de
2019. Disponível em: https://portal.conif.org.br/br/component/content/article/84-
ultimas-noticias/3223-nota-sobre-a-medida-provisoria-n-914-2019?Itemid=609. Acesso
em: 25 set. 2021.
DUARTE, N. “Um montão de amontoado de muita coisa escrita”: sobre o alvo oculto
dos ataques obscurantistas ao currículo escolar. In: MALANCHEN, J.; MATOS, N. S.
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MÉSZÁROS, I. Para além do capital: Rumo a uma teoria da transição. São Paulo:
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OHANA, V. MEC nomeia 3º diretor pro tempore do CEFET-RJ em menos de dois
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Disponível em: https://www.cartacapital.com.br/educacao/mec-nomeia-3o-diretor-pro-
tempore-do-cefet-rj-em-menos-de-dois-anos/. Acesso em: 27 set. 2021.
PLENÁRIA Pública do SINASEFE: 10 novos Institutos Federais - o que ganhamos?.
TV SINASEFE, 18 de set. 2021. Vídeo 3:22:32. Disponível em: https://www.youtube.
com/watch?v=QFCkAQ4o50Y. Acesso em: 27 set. 2021.
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PORTAL IFRO. Divulgação da consulta sobre a proposta de reorganização da Rede
Federal em Rondônia, 2021. Disponível em: https://portal.ifro.edu.br/component/
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In: LUMBLINER, T. M.; ESPÓSITO, M.; PEREIRA, L. R. (org). A marcha do
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base: o ataque à escola pública. In: MALANCHEN, J.; MATOS, N. S. D. de; ORSO,
P. (org.). A pedagogia histórico-crítica, as políticas educacionais e a base nacional
comum curricular. Campinas: Autores Associados, 2020. p. 161 -178.
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SEMANA de Luta pela Democracia no IFSC: Mesa dos Reitores/Diretor-Geral Eleitos
Democraticamente. RECCE IFSC, 13 ago. 2020. Vídeo 2:39:18. Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=pIembUyeJQs. Acesso em: 27 set. 2021.
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL – STF. ADI 6.543. Relatora Ministra Cármen
Lúcia Carlos Britto. 29 mar. 2021. Disponível em: https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/
paginador.jsp?docTP=TP&docID=755863446 Acesso em: 27 set. 2021.
sobre os autores
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alIne crIstIne ferreIra braga do carmo
Doutoranda em Educação pelo PPGE - UNESP - Marília. Atua como
docente no Instituto Federal do Mato Grosso - IFMT. Mestre em
Educação pela Universidade Federal de Goiás/UFG/Campus Jataí (2015).
Pós-graduada em práticas docentes e gestão na educação básica (2013).
Graduada em Ciências Sociais com ênfase em Sociologia pela Universidade
Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho Faculdade de Filosoa e Ciências/
UNESP/Campus de Marília (2010).
E-mail: aline.carmo@ifmt.edu.br
Lattes: http://lattes.cnpq.br/4964948156350990
ana Paula monteIro de carvalho
Doutora em Educação pela Universidade Federal do Ceará (2021). Mestre
em Educação (2017), Especialista (1995) e Licenciada em História (1993)
pela Universidade Estadual do Ceará. Especialista em Gestão da Educação
Pública pela Universidade Federal de juiz de Fora (2012). Possui experiência
docente na Rede estadual de Educação Básica. Atualmente exerce função
técnica na Secretaria de Educação do Estado.
E-mail: anapaulamoca@hotmail.com
Lattes: http://lattes.cnpq.br/5402772769179677
Orcid: https://orcid.org/0000-0001-6453-4050
ana Paula rIbeIro de sousa
Doutora em Educação/Professora da UFMA.
E-mail: ana.prs@ufma.br
Lattes: http://lattes.cnpq.br/6519069509467535
368 |
dante henrIque moura
Doutor em Educação pela Universidad Complutense de Madrid. Professor
e atual Pró-Reitor de Ensino do Instituto Federal de Educação, Ciência e
Tecnologia do Rio Grande do Norte (IFRN).
E-mail: dantemoura2014@gmail.com
Lattes: http://lattes.cnpq.br/1720357515433453
Orcid: https://orcid.org/0000-0001-8457-7461
domIngos leIte lIma fIlho
Doutor em Educação pela Universidade Federal de Santa Catarina
(UFSC), Professor Titular do Programa de Pós-Graduação em Tecnologia
e Sociedade (PPGTE) da Universidade Tecnológica Federal do Paraná
(UTFPR), em Curitiba/PR, e Coordenador do Grupo de Estudos e
Pesquisas em Trabalho, Educação e Tecnologia (GETET).
E-mail: domingos@utfpr.edu.br
Lattes: http://lattes.cnpq.br/1113538527015820
Orcid: https://orcid.org/0000-0003-3802-6794
edIlza alves damascena
Doutora em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do
Norte (UFRN). Pedagoga no Campus Ipanguaçu do Instituto Federal de
Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte (IFRN).
E-mail: eadamascena@gmail.com
Lattes: http://lattes.cnpq.br/3749962780765483
Orcid: https://orcid.org/0000-0003-2620-7539
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas vol. 2
| 369
eneIda oto shIroma
Doutora em Educação pela Universidade Estadual de Campinas (1993)
com pós-doutorado na Universidade de Nottingham e na Universidade de
Oxford. É Professora do Centro de Ciências da Educação da Universidade
Federal de Santa Catarina e vice-coordenadora do Grupo de Estudos
sobre Política Educacional e Trabalho (GEPETO/UFSC). É bolsista
Produtividade em Pesquisa do CNPq.
E-mail: eneida.shiroma@ufsc.br
Lattes: CV: http://lattes.cnpq.br/8001069292975491
Orcid: https://orcid.org/0000-0002-0506-7058
fabIo queIroz
Professor do Departamento de História da Universidade Regional do
Cariri (URCA)
E-mail: fabiojosequeiroz@yhaoo.com.br
Lattes: http://lattes.cnpq.br/8605567744965736
francIsca maurIlene do carmo
Doutora em Educação Brasileira pela UFC. Pós-Doutora pela Universidade
Federal da Paraíba (UFPB). Pesquisadora do IMO/UECE. Professora
do Programa de Pós-Graduação em Educação Brasileira da Universidade
Federal do Ceará (PPGEB/UFC). Coordenadora da Linha de Pesquisa
Educação, Estética e Sociedade do Programa de Pós-graduação em
Educação Brasileira da UFC.
E-mail: fmcmaura@hotmail.com
Lattes: http://lattes.cnpq.br/8960782937577945
Orcid: https://orcid.org/0000-0003-0635-040X
370 |
henrIque tahan novaes
É Professor Livre Docente da Faculdade de Filosoa e Ciências da Unesp
Marília (2022), docente desde fev. de 2011, foi Vice-Coordenador da Pós
Graduação em Educação e é Coordenador do Programa de Pós-Graduação
em educação desde abril de 2022.
E-mail: hetanov@gmail.com
Lattes: http://lattes.cnpq.br/5282506732444510
Orcid: https://orcid.org/0000-0001-5247-3684
Iandra marIa weIrIch da sIlva coelho
Doutora em Linguística pela Universidade Federal de Santa Catarina.
Professora Titular da Educação Básica, Técnica e Tecnológica, do Instituto
Federal do Amazonas. Docente permanente do Programa de Pós-Graduação
em Ensino Tecnológico.
E-mail: iandra.coelho@ifam.edu.br
Lattes: http://lattes.cnpq.br/4062149157525849
Orcid: https://orcid.org/0000-0003-3513-962X
josé derIbaldo gomes dos santos
É Professor Adjunto da Faculdade de Educação, Ciências e Letras do Sertão
Central (FECLESC-UECE), atuando no Programa de Pós-Graduação
em Educação (PPGE/UECE) e no Mestrado Acadêmico Intercampi
em Educação e Ensino (MAIE/UECE). É pesquisador do Laboratório
de Pesquisas sobre Políticas Sociais do Sertão Central (Lapps-UECE).
Desenvolve pesquisas nas áreas de Trabalho e Educação e Estética Marxista.
Atua, principalmente, no exame da Educação Prossional e na Formação
de Professores. Lidera o Grupo de Pesquisa Trabalho, Educação, Estética e
Sociedade (GPTREES). Membro da Câmara de Pesquisa da UECE.
E-mail: deribaldo.santos@uece.br
Lattes: http://lattes.cnpq.br/1317529947912305
Orcid: https://orcid.org/0000-0001-7915-0885
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas vol. 2
| 371
josefa jacklIne rabelo
Doutora em Educação pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Pós-
Doutora na École de Hautes Études en Sciences Sociales, Paris. Professora
da Universidade Federal do Ceará (UFC). Professora da Linha de
Pesquisa Educação, Estética e Sociedade do Programa de Pós-graduação
em Educação Brasileira da UFC. Pesquisadora- do Instituto de Estudos e
Pesquisas do Movimento Operário – IMO/UECE.
E-mail: jacklinerabelo@gmail.com
Lattes: http://lattes.cnpq.br/8231954289757480
Orcid: https://orcid.org/0000-0002-4933-631X
lícIa crIstIna araújo da hora
Mestre em Educação/Professora do IFMA.
E-mail: liciadahora@ifma.edu.br
Lattes: http://lattes.cnpq.br/2944471753558299
Orcid: https://orcid.org/0000-0002-6332-9677
lucIane marIa serrer de mattos
Doutora em Tecnologia e Sociedade pela UTFPR, mestre em
Desenvolvimento Regional pela mesma instituição. Possui graduação em
Pedagogia, Especialização em Séries Iniciais e Gestão Escolar. Integrante
do Grupo de Estudos e Pesquisas em Trabalho, Educação e Tecnologia
(Getet - UTFPR). Professora e pedagoga da Rede Estadual de Educação
Básica do Paraná.
E-mail: lummattos@yahoo.com.br
Lattes: lattes: http://lattes.cnpq.br/7002864945768954
Orcid: https://orcid.org/0000-0002-8104-9054
372 |
manoel josé Porto júnIor
Doutor em Políticas Públicas e Formação Humana pela UERJ, é professor
do IFSul, nos Cursos Técnico em Eletrônica e Formação Pedagógica para
Graduados não Licenciados (Campus Pelotas) e no Mestrado Prossional
em Educação Prossional e Tecnológica – ProfEPT (Campus Charqueadas).
E-mail: manoelportojunior@gmail.com
Lattes: http://lattes.cnpq.br/2210520954091125
Orcid: https://orcid.org/0000-0003-4850-8965
marcelo lIma
Graduado em Pedagogia, Mestre em Educação (UFES), Doutor em
Educação e Pós Doutor em historiograa da educação prossional (UFF).
Professor Associado do Deps-CE-Ufes e membro do PPGE-Ufes.
E-mail: marcelo.lima@ufes.br
Lattes: http://lattes.cnpq.br/6745822194240257
Orcid: http://orcid.org/0000-0002-7448-8366
marIa das dores mendes segundo
Doutora em Educação Brasileira pela Universidade Federal do Ceará.
Pós-Doutora pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Professora
Universidade Estadual do Ceará (UECE), do Mestrado Acadêmico
Intercampi e Educação e Ensino (MAIE/UECE) e Programa de Pós-
Graduação em Educação (PPGE/UECE). Professora Colaboradora
do PPGE/UFC. Pesquisadora do Instituto de Estudos e Pesquisas do
Movimento Operário – (IMO/UECE).
E-mail: mariadores.segundo@uece.br
Lattes: http://lattes.cnpq.br/2457379318485969
Orcid: https://orcid.org/0000-0003-2105-3761
Educação prossional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e perspectivas vol. 2
| 373
márIo augusto correIa san segundo
Doutor em Educação pela UFRGS, é professor de História do IFRS
Campus Restinga, atuando principalmente nos Cursos Técnicos de
Agroecologia, Comércio, Lazer e Turismo.
E-mail: mario.segundo@restinga.ifrs.edu.br
Lattes: http://lattes.cnpq.br/8137936655898909
Orcid: https://orcid.org/0000-0002-4199-000X
mIchele PazolInI
Doutoranda em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação
da Universidade Federal do Espírito Santo (PPGE/UFES) na linha de
pesquisa “Educação, Formação Humana e Políticas Públicas”. Mestra
em Educação (PPGE/UFES/2018). Pós-Graduada em Gestão Escolar
Integrada com Habilitação em Administração, Inspeção, Orientação e
Supervisão (2017). Graduada em Pedagogia pela UFES (2015). Integra o
Grupo de Pesquisa Federalismo e Políticas Educacionais.
E-mail: michelepazolini@hotmail.com
Lattes: http://lattes.cnpq.br/4288678704186449
Orcid: https://orcid.org/0000-0002-7657-5420
nIlton Paulo PoncIano
Doutor em História, pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita
Filho. Professor da Educação Básica, Técnica e Tecnológica, do Instituto
Federal do Amazonas (IFAM). Docente permanente do Programa de Pós-
Graduação em Ensino Tecnológico.
E-mail: nilton.ponciano@ifam.edu.br
Lattes: http://lattes.cnpq.br/3867399119278744
Orcid: https://orcid.org/0000-0002-6033-2563
374 |
ruy josé braga duarte
Doutor em Educação pela Universidade Federal da Bahia (UFBA),
Professor da Universidade do Estado da Bahia (UNEB), Campus XII –
Guanambi/Ba, e Membro da Rede de Educação Prossional e Tecnológica
da Bahia (REDEEPT- BA).
E-mail: rjbduarte@uneb.br
Lattes: http://lattes.cnpq.br/7665230402159574
Orcid: https://orcid.org/0000-0002-3867-3468
tatIana gomes dos santos Peterle
Doutoranda em Educação pela Universidade Federal do Espírito Santo,
UFES. Mestre em Educação pela Universidade Federal do Espírito Santo,
UFES. Graduada em PEDAGOGIA pela Uniube. Graduada em Letras
pela FAFI Santa Marcelina(2002). Pós graduada em Supervisão Escolar
pela Faculdade do Noroeste de Minas, . Técnica Pedagógica na Secretaria
Municipal de Educação de Cariacica e Técnica Pedagógica na SEDU/ ES
- Secretaria Estadual de Educação do Espírito Santo.
E-mail: tgs.peterle@hotmail.com
Lattes: http://lattes.cnpq.br/1250881582916626
Orcid: http://orcid.org/0000-0002-2416-6684
catalogação na PublIcação (cIP)
Telma Jaqueline Dias Silveira
CRB 8/7867
normalIzação
Maria Elisa Valentim Pickler Nicolino
CRB - 8/8292
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caPa e dIagramação
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Produção gráfIca
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Gláucio Rogério de Morais
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Cartão Supremo 250g/m2 (capa)
2023
sobre o lIvro
Educação profissional no Brasil do século XXI:
políticas, críticas e perspectivas vol. 2
Domingos Leite Lima Filho, José Deribaldo Gomes dos Santos,
Henrique Tahan Novaes (Org.)
Educação profissional no
Brasil do século XXI:
políticas, críticas e perspectivas
vol. 2
Domingos Leite Lima Filho
José Deribaldo Gomes dos Santos
Henrique Tahan Novaes
(Organizadores)
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Diante do cenário nada animador do Brasil contemporâneo,
ousamos entregar para leitura a coletânea Educação
profissional no Brasil do século XXI: políticas, críticas e
perspectivas vol. 2. O presente volume não difere
essencialmente do primeiro, mas por ser uma segunda
publicação, indica a necessidade social de seu nascimento.
Haja vista que apenas um volume não foi suficiente para dar
conta de toda a gama de questões que cercam a educação
profissional no contexto de crise estrutural do capital. Na
moldura de crise crônica por que passa o capitalismo, o
seguimento educacional voltado para a profissionalização da
classe trabalhadora é eleito, de modo corriqueiro, como a
menina dos olhos para a solução dos problemas da produção
destrutiva capitalista.
As políticas estatais educativas, destacadamente a
profissionalizante, encontram-se hoje fortemente
associadas à venda do ensino. O grande capital incentiva,
sem nenhum constrangimento, uma determinada
especificidade educativa que forme as filhas e filhos da classe
trabalhadora para o aprendizado precário e precoce de
determinado oficio. A intenção dessa precariedade
formativa é apresentar garantias aos empregadores, ao
Estado e às agências internacionais de financiamento das
reformulações escolares, que o ensino está adaptado a uma
suposta era tecnológica. Ao fim e ao cabo, a força ideológica
da burguesia decadente de início do século XXI trafega a
necessidade de que esse recorte formativo, ainda que
precário e carente de humanismo, seja apresentado como a
saída para os problemas de desemprego, violência
campesina e urbana, desordenamento ambiental, dentro
inúmeros outros problemas criados pelo próprio capital.
Assim, é comum ouvir de jornalistas, religiosos, políticos de
direita, centro e esquerda, intelectuais diversos, artistas,
desportistas, entre muitos outros representantes de
distintos seguimentos da atrasada elite endógena, a defesa
da educação especificamente profissionalizate como
alternativa para os problemas da crise capitalista atual.
Para fazer valer o caráter contraditório do movimento
social, a educação, no nosso caso a destinada a formação
profissional de trabalhadoras e trabalhadores, não trafega
em leito linear. São muitas e de diversas ordens as
contradições moventes-motoras imanentes ao processo
educacional. Mesmo que a escola especificamente
profissionalizante entregue pelo capital aos
jovens-trabalhadores-estudantes tenha como intenção, no
limite de suas possibilidades, ensinar a escrever, contar e
apertar botão macatrônico, a dialética inerente ao tecido
social, apresenta muitas e incontáveis contradições.
Alguns arranjos educacionais espalhados pelo Brasil
procuram se opor à lógica de um capitalismo periférico que,
pela vontade de uma elite atrasada, apenas vê o que suas
míopes lentes permitem. Essas propostas, quase sempre
desenvolvidas em instituições públicas, procuram
implementar projetos educacionais que se oponham ao
desejo insano do capital em crise crônica.
O segundo volume de nossa coletânea, materializada na
presente publicação, reúne um considerável conjunto de
reflexões sobre o quadro sucintamente descrito acima. São
professoras e professores que se arvoram a vencer o difícil
obstáculo de investigar a educação profissional
contemporânea. Diante da dificuldade imposta pelo próprio
processo de avaliação da pós-graduação brasileira,
fortemente inclinada às publicações de Paperes, as pesquisas
aqui expostas procuram iluminar a problemática para além
do que costumeiramente se encontra publicado nos veículos
que tendem a alimentar a vaidade acadêmica.
Coube à articulação entre os seguintes veículos de pesquisa
materializar a publicação hora exposta: Grupo de Pesquisa
Organizações e Democracia (GPOD) da Faculdade de
Filosofia e Ciência da Universidade Estadual Paulista
(FFC-UNESP), ao Grupo de Pesquisa Trabalho, Educação,
Estética e Sociedade (GPTREES) da Faculdade de
Educação, Ciências e Letras do Sertão Central, da
Universidade Estadual do Ceará (FECLESC-UECE) e ao
Grupo de Estudos e Pesquisas em Trabalho, Educação e
Tecnologia (GETET) da Universidade Tecnológica Federal
do Paraná (UTFPR).
É lamentável constatar, mas é impossível omitir, que o
presente livro é desenvolvido e publicado durante a
pandemia de COVID-19; imposta à sociedade, em última
instância, pela insanidade do grande capital. No momento
em que esta redação é concluída, somente no Brasil, as
mortes contabilizadas pela pandemia já se aproximam de
650 mil. O cotidiano docente, inserido nesse cenário de
terror, compôs o entorno em que as corajosas exposições
que agora publicamos foram escritas.
O livro totaliza 12 comunicações que são divididas em dois
eixos intercalados: I – Educação profissional e políticas
educacionais; e II – A expansão das redes estaduais e federal
de educação profissional: críticas e perspetivas. As
exposições, sem abandonarem o caráter de totalidade
exigido pela natureza da ciência, ao dialogarem com a
problemática educativa brasileira, destacam recortes
específicos existentes nos Estados do Amazonas, Ceará,
Bahia, Espirito Santos, Maranhão, Rio Grande do Norte e
São Paulo.
Decididamente, a publicação posta agora sobre os próprios
pés, não espera de que a lê concordância irrestrita, elogios
cosméticos, tampouco comentários acríticos. A honestidade
da organização da coletânea, ao propor sua constituição,
objetiva que o rebatimento das exposições aqui expressas
sirva de reflexões críticas para a análise da educação
profissional no Brasil contemporâneo.
Agradecemos, antecipadamente, a confiança da leitura!
Domingos Leite Lima Filho (UTFPR)
José Deribaldo Gomes dos Santos (UECE)
Henrique Tahan Novaes (UNESP)
(Organizadores)
ISBN 978-65-5954-343-4