Educação e Informação em contexto de políticas públicas: pesquisas em foco
Mariângela Spotti Lopes Fujita | Graziela Zambão Abdian
Helen de Castro Silva Casarin | Eliane Giachetto Saravali (Org.)
pesquisas em foco
Educação e Informação
em contexto de
políticas públicas
Mariângela Spotti Lopes Fujita
Graziela Zambão Abdian
Helen de Castro Silva Casarin
Eliane Giachetto Saravali
(Organizadoras)
É com imensa satisfação que apresentamos o livro aos
leitores, pois é fruto de um importante convênio
rmado entre a Secretaria Municipal de Educação
(SME) do município de Marília/SP e a Universidade
Estadual Paulista (UNESP), especialmente
representada pelos Programas de Pós-graduação em
Educação e em Ciências da Informação (PPGE e PPGCI)
da Faculdade de Filosoa e Ciências (FFC), Câmpus
Marília.
O convênio rmado entre a SME do município de Marília
e a Unesp abriu uma oportunidade longamente ansiada
pelos prossionais de educação da rede municipal de
Marília de ter um edital exclusivo e dedicado à sua
capacitação cientíca em nível de mestrado e
doutorado. Essa oportunidade foi uma janela aberta a
partir de reuniões mensais realizadas por
pesquisadores do Instituto de Políticas Públicas de
Marília (IPPMar) com a administração e professores
da SME no período de fevereiro a setembro de 2017
que tinham como objetivo realizar uma interação ativa
do IPPMar com a gestão pública municipal e, naquele
momento, a Secretaria Municipal de Educação
demonstrou grande interesse e participação.
ISBN 978-65-5954-329-8
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Marília/Ocina Universitária
São Paulo/Cultura Acadêmica
2023
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Diretora
Profa. Dra. Claudia Regina Mosca Giroto
Vice-Diretora
Profa. Dra. Ana Cláudia Vieira Cardoso
Editora aliada:
Cultura Acadêmica é selo editorial da Editora UNESP
Ocina Universitária é selo editorial da UNESP - campus de Marília
Copyright © 2023, Faculdade de Filosoa e Ciências
Conselho Editorial
Mariângela Spotti Lopes Fujita (Presidente), Célia Maria Giacheti, Cláudia Regina Mosca Giroto,
Edvaldo Soares, Marcelo Fernandes de Oliveira, Marcos Antonio Alves, Neusa Maria Dal Ri, Renato Geraldi (Assessor Técnico) e
Rosane Michelli de Castro.
Ficha catalográca
E24 Educação e informação em contexto de políticas públicas : pesquisas em foco / Mariângela Spotti Lopes Fujita ...
[et al.], (organizadoras). – Marília : Ocina Universitária ; São Paulo : Cultura Acadêmica, 2023.
225 p. : il.
Inclui bibliograa
ISBN 978-65-5954-330-4 (Digital)
ISBN 978-65-5954-329-8 (Impresso)
DOI: https://doi.org/10.36311/2023.978-65-5954-330-4
1. Educação e Estado. 2. Políticas públicas. 3. Escolas – Organização e administração. 4. Educação
de crianças. 5. Tecnologia educacional. 6. Ciência da informação. I. Fujita, Mariângela Spotti Lopes. II.
Abdian, Graziela Zambão. III. Casarin, Helen de Castro Silva. IV. Saravali, Eliane Giachetto.
CDD 379
Telma Jaqueline Dias Silveira –Bibliotecária – CRB 8/7867
Imagem capa: https://stock.adobe.com/br - Arquivo nº 319497686; 330043143; 387889091; 409395069; 410487740 Acesso
em 03/11/2022
UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA
"JÚLIO DE MESQUITA FILHO"
Campus de Marília
Conselho do Instituto de Políticas Públicas de Marília (IPPMar)
Supervisora: Profa. Dra. Marta Lígia Pomim Valentim
Vice-Supervisora: Profa. Dra. Marcia Cristina de Carvalho Pazin Vitoriano
Conselho Deliberativo: Profa. Dra. Mariângela Spotti Lopes Fujita, Prof. Dr. Jair Pinheiro, Profa. Dra. Rosane Michelli de Castro e
Prof. Dr. Marcelo Fernandes de Oliveira.
Secretárias: Vera Lúcia Monteiro Marega e Aline de Almeida Carneiro.
"Edital nº 01/2021 - publicação de livros resultantes de pesquisas acadêmico-cientícas/cultural-artísticas desenvolvidas no
âmbito do IPPMAR"
Comissão Avaliadora do Livro
Prof.ª Dr. ª Neusa Maria Dal Ri - Professora Associada do Departamento de Administração e Supervisão Escolar da Faculdade
de Filosoa e Ciências, UNESP - campus de Marília.
Prof.ª Dr.ª Marta Lígia Pomim Valentim - Professora Associada do Departamento de Ciência da Informação da Faculdade de
Filosoa e Ciências, UNESP - campus de Marília.
Prof.ª Dr.ª Marcia Cristina de Carvalho Pazin Vitoriano - Professora Associada do Departamento de Ciência da Informação da
Faculdade de Filosoa e Ciências, UNESP - campus de Marília.
Este trabalho está licenciado sob uma licença Creative Commons Attribution-NonCommercial-NoDerivatives 4.0 International License.
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ApresentAção
“Educação e Informação em contexto de políticas públicas: pesquisas em foco
Graziela Zambão Abdian, Mariângela Spotti Lopes Fujita -------------------- 17
pArte I - Gestão escolAr em tempos de pAndemIA
Ensino integral na pandemia: compartilhando perspectivas docentes em
cenário desaador
Yngrid Karolline Mendonça Costa, Daniela Nogueira de Moraes Garcia ---- 19
Gestão democrática da escola pública: o cenário de Portugal
Mariana Aparecida de Almeida Laurentino, Carlos da Fonseca Brandão ---- 35
A gestão e o gestor de escolas de educação infantil nas teses (1997 – 2019)
Rafael Franco Lobo, Graziela Zambão Abdian --------------------------------- 61
pArte II – A educAção InfAntIl em foco
Concepções de professores da Educação Infantil sobre o brincar
Adriana Alonso Pereira, Sadao Omote ------------------------------------------- 93
Direito à educação e atendimento a crianças de 0 a 3 anos, lhas de mulheres presas
Carla Mayara dos Santos de Jesus, Cláudia da Mota Darós Parente ---------- 113
As contribuições da psicologia do desenvolvimento nas concepções das professoras
da educação infantil
Mirella Mac Cormick Diniz Cabral, Leonardo Lemos de Souza -------------- 137
Leitura e estratégias de leitura nos anos iniciais: bases teóricas e metodológicas
Angelina Quinalia Ramires, Mariângela Spotti Lopes Fujita ------------------ 161
pArte III – InformAção em contexto escolAr
Práticas de criação e uso de recursos educacionais digitais por professores do
ensino fundamental
Helen de Castro Silva Casarin, Cátia Cândida de Almeida,
Gislene Munhoz dos Santos, Margarida Lucas ---------------------------------- 189
sobre os Autores ----------------------------------------------------------------- 213
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É com imensa satisfação que apresentamos o livro aos leitores, pois é
fruto de um importante convênio rmado entre a Secretaria Municipal de
Educação (SME) do município de Marília/SP e a Universidade Estadual
Paulista (UNESP), especialmente representada pelos Programas de Pós-
graduação em Educação e em Ciências da Informação (PPGE e PPGCI)
da Faculdade de Filosoa e Ciências (FFC), Câmpus Marília.
O convênio rmado entre a SME do município de Marília e a
Unesp abriu uma oportunidade longamente ansiada pelos prossionais
de educação da rede municipal de Marília de ter um edital exclusivo e
dedicado à sua capacitação cientíca em nível de mestrado e doutorado.
Essa oportunidade foi uma janela aberta a partir de reuniões mensais
realizadas por pesquisadores do Instituto de Políticas Públicas de Marília
(IPPMar) com a administração e professores da SME no período de
fevereiro a setembro de 2017 que tinham como objetivo realizar uma
interação ativa do IPPMar com a gestão pública municipal e, naquele
momento, a Secretaria Municipal de Educação demonstrou grande
interesse e participação.
Muitos resultados foram obtidos a partir da apresentação de 61
projetos da FFC em desenvolvimento com várias escolas da rede municipal
de Marília, muitos deles com captação de recursos nanceiros e bolsas de
https://doi.org/10.36311/2023.978-65-5954-330-4.p9-16
Mariângela Spotti Lopes Fujita, Graziela Zambão Abdian, Helen de Castro Silva Casarin e Eliane Giachetto Saravali
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agências de fomento para envolvimento de alunos de graduação e pós-
graduação com professores e alunos da rede municipal.
A partir dessa demonstração de interesse concretizada pelos projetos
em desenvolvimento dos pesquisadores da FFC o IPPMar passou a
intermediar demandas da rede municipal e organizou reuniões entre
docentes da FFC e professores da rede municipal, além de supervisores da
SME. Vários pesquisadores da FFC compareceram às reuniões que teve a
presença da Vice-Direção da FFC e do Secretário Municipal em duas das
reuniões. A colaboração se intensicou cada vez mais e muitas atividades
foram realizadas no formato de cursos de extensão, ações educativas,
programas de orientação e várias outras atividades demonstrando uma
sintonia única entre as duas instituições com vários pontos em comum
que as completavam sobremaneira.
Essa coordenação singular entre as duas instituições não é recente.
É importante ressaltar a quantidade e qualidade das ações de políticas
públicas em educação que a comunidade de docentes e pesquisadores da
UNESP - Campus de Marília realiza junto ao município e mais diretamente
às escolas de ensino infantil e fundamental com expressiva captação
de recursos para auxílios e bolsas junto à agências de fomento externas
e internas, fruto de um trabalho de décadas de atuação e compromisso
responsável sem visar, em muitos casos, reconhecimento político, mas,
interessados no desenvolvimento cientíco, social e educacional. Nesse
sentido, reconhecemos que é necessária a continuidade dessas políticas
armativas sem interrupções com mais ênfase nas demandas legitimadas
pelo coletivo.
Todavia, a mais importante ação de política pública foi a discussão
iniciada entre Coordenação do Programa de Pós-Graduação em Educação
e equipe SME sobre demanda de curso de mestrado strictu sensu dirigido
a professores da rede municipal tendo em vista meta do Plano Nacional
de Educação (PNE). A partir de demanda formulada pela equipe de
supervisores da SME a coordenadora do Programa de Pós-Graduação
em Educação da UNESP, Campus de Marília, Profa. Dra. Graziela
Zambão Abdian esteve presente no dia 22 de agosto de 2017 às 10:00
na SME à convite do IPPMar e SME e nessa ocasião colocou proposta
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de oferecimento de mestrado e doutorado acadêmico em educação para
professores da rede municipal em edital especíco desde que fosse rmado
convênio entre a UNESP e a SME. O convênio foi rmado em 2018 e em
2019 foram abertos os editais de processo seletivo para ingresso nos Cursos
de Pós-Graduação em Educação e de Ciência da Informação.
Ambos os Programas de Pós-graduação desta unidade universitária
são consolidados em suas áreas de pesquisa, com conceito 6 na Avaliação
Quadrienal da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior (CAPES).
Por um lado, o Programa de Pós-Graduação em Educação da
Faculdade de Filosoa e Ciências, da Universidade Estadual Paulista
(UNESP), Câmpus de Marília, foi criado em agosto de 1988, e desde sua
origem tem como objetivo principal a formação de professores, prossionais
da educação e pesquisadores para a educação básica e o ensino superior.
Durante os seus anos de funcionamento, a estrutura do Programa sofreu
várias alterações e aperfeiçoamentos, e na última modicação, ocorrida
em 2012, foram consolidadas 5 (cinco) Linhas de Pesquisa: Psicologia
da Educação; Educação Especial; Teoria e Práticas Pedagógicas;
Políticas Educacionais, Gestão de Sistemas e Organizações, Trabalho e
Movimentos Sociais; Filosoa e História da Educação no Brasil.
Atualmente, o PPGE conta com 47 docentes credenciados como
orientadores. A sua trajetória e o seu desenvolvimento, em especial no que
tange à produção acadêmico-cientíca e na destacada atuação dos docentes
em esfera nacional, em várias atividades de representações na área de
Educação, de internacionalização e de articulação com a educação básica,
revelam um Programa de Excelência (PROEX), e consolidado. O percurso
histórico do PPGE registra mais de 700 dissertações de mestrado e 400
teses de doutorado defendidas, o que demonstra ser um Programa com
forte inserção social e com um ótimo percurso de pesquisa e formação. O
tempo de titulação para o mestrado é de 24 meses e o de doutorado é de
48 meses.
Por meio de suas disciplinas regulares e de tópicos especiais, grupos
de pesquisa, projetos nanciados envolvendo outras instituições de ensino
Mariângela Spotti Lopes Fujita, Graziela Zambão Abdian, Helen de Castro Silva Casarin e Eliane Giachetto Saravali
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superior e participação em redes nacionais e internacionais, o Programa
vem sistematicamente formando pesquisadores, docentes para o ensino
superior e gestores para várias instituições educacionais. Já desenvolveu
diversos convênios com outras instituições, cumprindo sua função de
inserção social, entre elas, destacam-se: dois mestrados interinstitucionais
e dois doutorados interinstitucionais, todos desenvolvidos com outros
estados da nação.
Por outro lado e em parceria, o Programa de Pós-Graduação em
Ciência da Informação, também considerado programa de excelência desde
o triênio anterior (2010-2013) e no último quadriênio da avaliação CAPES
(2013-2016), manteve o conceito 6. Os cursos de Mestrado Acadêmico
e de Doutorado em Ciência da Informação, cuja área de concentração
é “Informação, Tecnologia e Conhecimento”, têm por objetivo o
desenvolvimento de referenciais teórico-metodológicos inovadores nas
temáticas relativas à organização, produção, gestão, mediação, uso,
recuperação e aspectos tecnológicos da informação. Os três eixos temáticos
que compõem as Linhas de Pesquisa do Programa têm sido constantemente
discutidos em sua coerência intrínseca, relativamente à abrangência almejada
pela área de concentração, tendo em vista os elementos contextuais do
Programa. As três Linhas de Pesquisa que compõem a estrutura do PPGCI
são: Informação e Tecnologia; Produção e Organização da Informação
e Gestão, Mediação e Uso da Informação.
Atualmente, o PPGCI conta com 34 docentes credenciados como
orientadores para o mestrado e doutorado. Ao longo de suas atividades
o PPGCI já formou aproximadamente 200 mestres e 80 doutores,
provenientes de vários estados do Brasil e do exterior, contribuindo para o
desenvolvimento cientíco, social e econômico destas diferentes localidades.
O tempo de titulação para o mestrado é de 26 meses e de doutorado é de 48
(quarenta e oito) meses. O PPGCI também rmou diversos convênios com
instituições brasileiras e estrangeiras, cumprindo sua função de inserção
social, entre elas, destacam-se: o Edital CAPES/PROCAD-NF n°21/2009
- Ação Novas Fronteiras realizado com a Universidade Federal da Paraíba
(UFPB) e um Doutorado Interinstitucional (DINTER) realizado com a
Universidade Federal do Ceará (UFC), além da aprovação de uma proposta
Educação e Informação em contexto de políticas públicas: pesquisas em foco
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de realização de DINTER Internacional com a Escola Social de Jornalismo
(Moçambique) pela CAPES.
Desde a sua origem, o PPGE Unesp/Marília tem formado
prossionais que atuam na Rede Municipal de Educação de Marília. O
PPGCI, por sua vez, tem contribuído com a Rede Municipal de Educação
por meio de projetos de pesquisa e extensão, além do oferecimento de cursos
e atividades de formação continuada. No entanto, devido ao crescimento
da educação pública municipal às demandas pela formação continuada
dos prossionais que atuam no âmbito da escola pública municipal e que
constam no Plano Nacional e no Plano Municipal de Educação, bem
como da necessária função de inserção social da universidade, evidenciou-
se a necessidade de realização de um convênio entre a FFC e a Secretaria
Municipal de Educação de Marília, com o objetivo de formar mestres e
doutores por meio de Edital especíco, que atendesse aos prossionais em
exercício na educação pública municipal.
A outra parte do convênio, a Rede Municipal de Educação de Marília,
é reconhecida nacionalmente como de qualidade porque apresenta alto
Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB), contudo, pode
melhorar ainda mais em termos qualitativos com a formação continuada
e acadêmica de seus prossionais. Considerando as cinco Linhas de
Pesquisa do Programa de Pós-Graduação em Educação, bem como as
três Linhas de Pesquisa do Programa de Pós-Graduação em Ciência da
Informação, pudemos vislumbrar a diversidade e amplitude de formação
aos prossionais que estão diretamente atuando nas atividades ns da
educação municipal pública. Desta forma, o convênio foi iniciado em
meados de 2017, formou a primeira turma de mestrado acadêmico em
março de 2022 e oportunizou a esses prossionais da área de Educação do
município de Marília uma formação acadêmica de excelência, que atendeu
às demandas particulares da Rede.
O livro que apresentamos é composto por capítulos escritos em
parceria entre docentes e discentes, sendo estes os prossionais da Rede
Municipal que ingressaram como mestres e/ou doutores do Convênio.
Todo o material apresentado, portanto, trata-se de resultados de pesquisas
realizadas nos PPGE e PPGCI ao longo da vida deste Convênio, que ainda
Mariângela Spotti Lopes Fujita, Graziela Zambão Abdian, Helen de Castro Silva Casarin e Eliane Giachetto Saravali
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se encontra vigente e pretende formar mais prossionais da educação
básica em exercício.
Trata-se de focalizarmos as políticas públicas no âmbito da escola,
local em que elas realmente têm vida e se constroem cotidianamente. Para
contemplá-las, a obra está subdividida em três partes. A primeira, “Gestão
escolar em tempos de pandemia”, está composta por três capítulos.
Em Ensino integral na pandemia: compartilhando perspectivas
docentes em cenário desafiador, a doutoranda Yngrid Costa e a
docente Daniela Garcia discutem ações pedagógicas e organizacionais
de uma escola que atende os anos iniciais do ensino fundamental,
considerando, sobretudo, as fases do plano de retomada presencial
durante momento pandêmico.
A mestra Maria Laurentino e seu professor orientador Carlos Brandão,
em Gestão democrática da escola pública: o cenário de Portugal, segundo
capítulo, realizam análise referente ao conceito de gestão democrática da
escola pública em Portugal, por meio do estudo da literatura, normativos e
documentos escolares de cada país.
E ainda trabalhando a temática da gestão escolar, o mestre Rafael
Lobo e a docente Graziela Abdian, em A gestão e o gestor escolar da
educação infantil em teses (1997-2019), terceiro capítulo que fecha a
parte I, analisam como a gestão da escola de educação infantil é abordada
em dissertações e teses disponibilizadas na plataforma Oásis (1997-2019)
e se há tratamento especíco sobre a gura masculina, o gestor escolar,
nessas pesquisas.
Na segunda parte do livro, “Educação infantil em foco”, contamos
com a participação de oito autores na escrita de quatro capítulos. Para
discutir questões relacionadas especialmente a esta modalidade de ensino,
parte integrante da educação básica brasileira.
Adriana Pereira e o professor titular Sadao Omote, em Concepções
de professores da Educação Infantil sobre o brincar, selecionando o
relato de três professoras por meio de entrevistas transcritas e analisadas
com base em categorias temáticas, investigaram suas concepções sobre o
Educação e Informação em contexto de políticas públicas: pesquisas em foco
| 15
brincar de crianças com Síndrome de Down (SD). Eles apontam que as
professoras relatam diculdades e desaos na promoção da inclusão de
crianças com SD na etapa da Educação Infantil e demonstram diculdades
para relatar como percebiam o brincar de seus alunos com SD.
Direito à educação e atendimento a crianças de 0 a 3 anos, lhas
de mulheres presas, escrito pela aluna Carla Jesus e a docente Cláudia
Parente, apresenta as possibilidades de atendimento oferecido a crianças de
0 a 3 anos, lhas de mulheres presas no contexto brasileiro, por meio de
pesquisa bibliográca e documental, ressaltando os limites desses ambientes
ao desenvolvimento integral da infância.
Mirella Cabral e Leonardo Souza, respectivamente discente e docente
do PPGE, em As contribuições da psicologia do desenvolvimento nas
concepções das professoras da educação infantil, tratam a relação da
Psicologia do Desenvolvimento Humano com a Educação Infantil a m de
se investigar como os conhecimentos da Psicologia do Desenvolvimento se
fazem presentes nos relatos das professoras e como elas percebem isso no
fazer pedagógico.
Finalizando a segunda parte, em Leitura e estratégias de leitura
nos anos iniciais: bases teóricas e metodológicas, Angelina Ramires e a
professora titular Mariângela Fujita, os leitores encontrarão uma pesquisa
qualitativa de revisão de literatura que faz estudo de estratégias de leitura,
entender como elas são usadas e quais os benefícios que trazem para a
formação de um leitor, capaz de compreender o que lê, reconhecer qual
a tipologia textual, a função social do texto lido, fazendo inferências,
atribuindo sentido ao texto e assumindo um papel de leitor ativo.
A terceira parte, “Informação em contexto escolar”, apresenta-se um
capítulo. Em Práticas de criação e uso de recursos educacionais digitais
por professores de ensino fundamental, as autoras Helen de Castro
Silva Casarin, Cátia Cândida de Almeida, Gislene Munhoz dos Santos
e Margarida Lucas apresentam parte dos resultados de um estudo sobre
a competência digital dos educadores das Escolas Municipais de Ensino
Fundamental da Rede Municipal de Ensino de Marília-SP, utilizando-se
a versão adaptada do instrumento DigCompEdu Check-In. Os resultados
Mariângela Spotti Lopes Fujita, Graziela Zambão Abdian, Helen de Castro Silva Casarin e Eliane Giachetto Saravali
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apontam, sobretudo, a necessidade de investimentos na formação dos
educadores para um uso mais efetivo e seguro dos recursos digitais.
Não temos dúvida que a universidade pública, por meio deste
Convênio com a Rede Municipal de Educação Básica, dá continuidade
a uma de suas mais importantes ações na sociedade que é a produção e
difusão do conhecimento cientíco e, neste caso, o Convênio realiza essa
importante tarefa por meio da formação com excelência na qualidade de
seus prossionais que fazem o cotidiano escolar ganhar vida. A produção
e publicação deste livro pretende expressar vigorosamente parte dos
resultados desta parceria que, esperamos, seja renovada.
Graziela Abdian Maia
Mariângela Spotti Lopes Fujita
pArte I
G   
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| 19
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Full-time education in pandemic:
sharing teachers perspectives in a
challenging scenario
Yngrid Karolline Mendonça Costa
1
Daniela Nogueira de Moraes Garcia
2
Resumo: O presente artigo apresenta um recorte de pesquisa de doutorado em andamento
e objetiva abordar ações pedagógicas e organizacionais da escola de acordo com as fases
do plano de retomada presencial durante momento pandêmico. Explicitamos, assim,
possibilidades e desaos envolvidos na participação das crianças no ensino remoto
emergencial, bem como a visão dos professores da escola observada acerca de possíveis
consequências futuras dessa realidade vivida. Dessa forma, sob uma metodologia
qualitativa, reetiremos, ao olhar para escola e professores, sobre os impactos gerados por
este período sem precedentes nos alunos, principalmente nas competências de apropriação
da leitura e escrita, conhecimentos essenciais para a vida escolar e social.
Palavras-chave: Educação; Ensino remoto emergencial; Apropriação da leitura e escrita.
Doutoranda em Educação pela linha de pesquisa Teoria e Práticas Pedagógicas pela Universidade Estadual Paulista
- Unesp - Campus de Marília - SP - Brasil. Agência de fomento: CAPES. E-mail: yngrid.karolline@unesp.br
Mestre em Letras pela UNESP, FCL/Assis e Doutora em Estudos Linguísticos pela UNESP, IBILCE, São José
do Rio Preto. É Professora Assistente junto ao Departamento de Letras Modernas da FCL-UNESP, Campus de
Assis. Atua no Programa de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de Filosoa e Ciências - UNESP e no
PROFLETRAS - UNESP na Faculdade de Ciências e Letras. E-mail: daniela.nm.garcia@unesp.br
https://doi.org/10.36311/2023.978-65-5954-330-4.p19-34
Mariângela Spotti Lopes Fujita, Graziela Zambão Abdian, Helen de Castro Silva Casarin e Eliane Giachetto Saravali
20 |
Abstract:is paper partly presents a doctoral study in progress and intends to focus on
pedagogical and organizational activities at school according to the steps of face to face
educational setting restoration in pandemic. We specify possibilities and challenges in the
childrens attendance in emergency remote teaching as well as the teachers’ perspectives
towards possible future consequences of the scenario. us, in a qualitative methodology,
when comprising the school and its teachers, we aim to reect on the impacts caused by
this unprecedented period in students and mainly in the appropriation of reading and
writing which are essential to school and social reality.
Keywords: Education; Emergency remote teaching; Appropriation of reading and writing.
Introdução
A preocupação com o coronavírus trouxe à população a necessidade
de realizar ajustes na vida cotidiana, nos privando, principalmente, do
contato social. A escola, como espaço de grande circulação de pessoas
passou a ser um espaço inapropriado para continuar as atividades enquanto
ações preventivas e de combate ao vírus não fossem realizadas. Assim, a
pesquisa de doutorado precisa também se adequar ao momento e trazemos
neste recorte as ações de uma escola durante esse período desaador.
A escola pesquisada abrange os anos iniciais do ensino fundamental,
da rede municipal de ensino, de uma cidade do interior paulista, atendendo
os alunos em horário integral antes das restrições sanitárias para contenção
do coronavírus. Sendo assim, tem suas especicidades quanto à organização
e gerenciamento durante o período pandêmico.
Dessa forma, explicitamos possibilidades e desaos envolvidos
na participação das crianças no ensino remoto, bem como a visão dos
professores da referida escola acerca de possíveis consequências futuras
dessa realidade vivida. Trata-se de uma pesquisa-ação, portanto, alguns
dados foram gerados por meio de observações e orientações recebidas.
Para esta discussão, optamos por reetir, ao olhar para escola e
professores, sobre os impactos gerados por este período sem precedentes nos
alunos, principalmente, na apropriação da leitura e escrita que constituem
conhecimentos essenciais para a vida escolar e social.
Educação e Informação em contexto de políticas públicas: pesquisas em foco
| 21
Assim, o presente trabalho se divide em três itens: no primeiro,
intitulado Ensino remoto emergencial: a alternativa viável para um momento
histórico impensável, discorremos acerca da conceituação, bem como, dos
motivos para sua adoção e das primeiras considerações elencadas por
alguns autores sobre seus efeitos durante o período em que se constituiu a
única alternativa viável para tentativa de manter a continuidade de práticas
educacionais. No item 2, Ações de uma escola integral do oeste paulista
durante período pandêmico, apresentamos o espaço escolar, a comunidade à
qual a escola pertence, a quantidade de alunos, bem como, as orientações
dadas no município e alternativas pensadas pela escola para contemplar
um maior número de alunos. Por m, no 3 item, Volta às aulas presenciais:
impactos escolares observados pelos professores, trazemos a discussão sobre a
impressão dos professores relacionada ao aprendizado e às habilidades que
as crianças desenvolveram ou não durante o período de ensino remoto
emergencial, principalmente relacionados à apropriação da leitura e escrita.
1. ensIno remoto emerGencIAl: A AlternAtIvA vIável pArA um
momento hIstórIco Impensável
Nos dois últimos anos, enfrentamos uma realidade inimaginável,
a vivência de uma pandemia. Em março de 2020, os órgãos federais
estudaram alternativas para conter a disseminação do coronavírus pelo
país, para que pudessem preparar os reforços necessários à Saúde. Como
algumas medidas de enfrentamento ao coronavírus foram tomadas, dentre
elas, o distanciamento social.
Assim, nos primeiros meses, só eram permitidos serviços essenciais,
basicamente, hospitais, farmácias, postos de gasolina e mercados. As escolas,
por terem um uxo grande de circulação de pessoas, foram suspensas e
novos modos de ensino começaram a ser discutidos.
O ensino emergencial remoto foi a alternativa elencada como
possibilidade de evitar a descontinuidade para o momento. O ensino
mediado pelas tecnologias, em forma de educação a distância mostra-se
presente no ensino superior, em cursos de graduação, pós-graduação e
prossionalizantes. Além disso, havia prossionais preparados para este
Mariângela Spotti Lopes Fujita, Graziela Zambão Abdian, Helen de Castro Silva Casarin e Eliane Giachetto Saravali
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tipo de formato e o curso era pensado previamente, com uma estrutura
tanto no encadeamento do curso, quanto estrutura tecnológica, para que o
aprendizado online ocorresse. (HODGES et al, 2020).
Dito isto, o ensino remoto emergencial é assim denominado, porque
“O objetivo nessas circunstâncias não é recriar um sistema educacional
robusto, mas fornecer acesso temporário a suportes e conteúdos
educacionais de maneira rápida, fácil de congurar e conável, durante
uma emergência ou crise.” (HODGES et al, 2020, p. 6). Os autores
ainda armam que o ensino remoto emergencial não se baseia apenas em
plataformas da internet, mas, que podem ser transmitidos via rádio, CD
ou DVDs, dependendo da realidade da cidade ou país.
No Estado de São Paulo, as escolas estaduais ofereceram aulas inclusive
pela televisão, por materiais impressos e online, por meio de plataformas,
principalmente com o uso do Google Meet e Google Classroom. Toda essa
adaptação do ensino exigiu um tempo aproximado de dois meses, pois era
preciso cadastrar todos os alunos e professores na plataforma. O contato
com os responsáveis e com os alunos para informações era estabelecido por
meio de telefone.
Esse modelo de ensino nos propiciou indagações que já existiam e nos
trouxe outras. Martins (2020, p. 251) pontua acerca das “[...] condições de
trabalho do docente, a qualidade do processo de ensino-aprendizagem, a
relevância e o signicado dos temas a serem abordados, o desenvolvimento
de práticas pedagógicas centradas no estudante [...]”.
A participação nas aulas demonstra as fragilidades da escola pública.
Andrade (2021) traz considerações acerca da realidade brasileira, em
que os alunos de escolas públicas, obviamente, não possuem as mesmas
condições de alunos de escolas privadas, muitas vezes sem acesso aos meios
de comunicação digitais. A crise econômica escancarou outro problema,
“[...] algumas realidades, infelizmente não poucas, em que os pais não
podem ou não conseguem apoiar os lhos. Muitos estudantes precisam
assumir um papel de protagonismo no sustento nanceiro da família.
(ANDRADE, 2021, n.p.). Além disso,
Educação e Informação em contexto de políticas públicas: pesquisas em foco
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Dados da Rede de Pesquisa Solidária de agosto de 2020 mostram
que, entre março e julho de 2020, mais de 8 milhões de crianças
de 6 a 14 anos não zeram quaisquer atividades escolares em casa.
No mês de julho, enquanto apenas 4% das crianças mais ricas
caram sem qualquer atividade escolar, tal número saltou para
30% entre as crianças mais pobres. O relatório conclui: “Com a
omissão do Estado no acompanhamento das famílias mais pobres,
a diferença de atividades realizadas em casa, entre pobres e ricos,
pode chegar a 224 horas, o equivalente a 50 dias letivos” (Rede de
Pesquisa Solidária, 2020: 1). Na rede estadual de educação de São
Paulo, mesmo com a criação de um aplicativo para transmissão
de aulas online que não consome o pacote de internet do usuário
apenas 27,3% dos estudantes acompanhavam as atividades quando
mensurada a presença em alguns dias de maio e junho de 2020. No
estado de São Paulo, perto do fechamento do ano, cerca de 500
mil estudantes não entregaram qualquer atividade. Mais uma vez,
a falta de conectividade foi uma das principais causas dessa perda
de conexão com a escola, penalizando ainda mais os estudantes de
menor renda. (MACEDO, 2021, p. 267).
Assim, a equidade que não havia antes da pandemia, se acentuou
ainda mais. Filho (2021, n.p., grifos nossos) ressalta que “A desigualdade
brasileira no ensino irá piorar após a pandemia, afetando mais ainda quem
já estava em desvantagem econômica e social antes da crise sanitária. Este
foi um [dos] aspectos analisados em estudo publicado [...] pelo IPEA,
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada.
Apesar de ser um desao para os professores, alguns autores consideram
que as Tecnologias Digitais da Informação e Comunicação (TDIC) podem
ser ressignicadas e ocupar um espaço importante no processo de ensino-
aprendizagem, em todos os níveis de ensino (AVELINO; MENDES,
2020; BARRETO; ROCHA, 2020; MARTINS, 2020).
Tendo em vista a importância de ouvirmos o professor que vivenciou
esse período, trazemos, no último item deste trabalho, relatos coletados
por meio de formulários online, acerca de suas diculdades enquanto
prossionais e uma avaliação inicial do os impactos do ensino remoto
nos alunos, assim que o modelo presencial foi reinstaurado, em agosto
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de 2021, quando as aulas do Ensino Fundamental foi, presencialmente,
retomada na maior parte do Estado de São Paulo.
2. Ações de umA escolA InteGrAl do oeste pAulIstA durAnte
período pAndêmIco
Neste item, trataremos a respeito das ações realizadas em uma escola
de período integral, mediante o plano de retomada do Estado de São Paulo
e do município ao qual a escola faz parte, no ano de 2021.
No ano de 2020, após o Decreto nº 64.881, de 22 de março de
2020 (SÃO PAULO, 2020), as atividades de ensino presenciais foram
suspensas no Estado de São Paulo, garantindo o que os órgãos federais
orientavam sobre as medidas sanitárias e o distanciamento social. Desde
então o município ao qual a escola pertence acatou o decreto e, durante
todo o período deste ano, não houve aulas presenciais. As aulas se pautaram
apenas nas plataformas do Google Classroom e em atividades impressas que
eram oferecidas aos alunos que não tinham acesso à internet. No segundo
semestre, foi sugerida a oferta de aulas pelo Google Meet mas, como não
era uma orientação ocial, os professores caram livres para fazê-lo ou não.
No ano de 2021, várias mudanças ocorreram, por isso, achamos
mais pertinente focarmos na análise e explanação deste ano. De acordo
com outro Decreto, de Nº 65.384, de 17 de dezembro de 2020 (SÃO
PAULO, 2021a), o Estado elabora orientações relacionadas à porcentagem
de alunos que poderia ser atendido na escola, considerando a fase
3
em que
a cidade se encontrava.
Em fevereiro de 2021, a cidade do interior paulista onde a escola
estava situada, encontrava-se na fase amarela e, sendo assim, poderia
atender até 70% dos alunos matriculados, seguindo as recomendações de
distanciamento em sala e no refeitório, o uso do álcool em gel, máscaras,
garrafas de água individuais, higienização constante do ambiente escolar,
As fases da retomada baseiam-se na taxa de ocupação de leitos de UTI/Covid. Quanto maior a ocupação,
maior a restrição de serviços autorizados a funcionar. A exibilização ocorre a partir das taxas de ocupação,
passando inicialmente por 4 fases (vermelha, acima de 80% de ocupação; laranja, entre 70% e 80%; amarela,
onde iniciava-se a exibilização, entre 60% e 70% de ocupação; e verde, abaixo de 60%, com abertura parcial.
Educação e Informação em contexto de políticas públicas: pesquisas em foco
| 25
entre outras recomendações. Nesse momento, não havia obrigatoriedade
de os pais enviarem os lhos para a escola, então, apenas assinaram um
termo de responsabilidade para registrar sua opção, se a criança voltava
presencialmente à escola ou permanecia no ensino remoto.
A escola aqui retratada situa-se em zona periférica e por esse motivo
é integral, para que os pais possam ter um auxílio que garanta seu trabalho
e tenham um espaço desenvolvente para as crianças. A escola atende por
volta de duzentos e trinta alunos, distribuídos em dez turmas (duas para
cada ano do primeiro ciclo do ensino fundamental). A maioria dos pais
optou pelo retorno dos alunos à escola.
Antes de 2021, a escola de período integral se organizava da seguinte
maneira: havia professores que trabalhavam com o ensino regular, de
manhã, que tinham a sua sala de referência e os professores que trabalhavam
com ocinas de enriquecimento curricular, à tarde, atendendo todas as
salas durante a semana. Com a pandemia, as ocinas foram diluídas no
currículo do regular, para serem trabalhadas de maneira interdisciplinar.
Desta forma, os professores responsáveis pelas ocinas cariam sem alunos
e, também, os alunos da escola que integravam uma mesma turma, foram
divididos em dois grupos.
Além da medida ter sido satisfatória para os professores, que teriam
menos alunos em período pandêmico, foi também para os alunos, pois
não seria necessário fazer o rodízio, eles iam à escola todos os dias, já que a
quantidade de alunos por turma (a maior turma cou com quinze alunos)
estava dentro do previsto para a fase do plano de retomadas.
As aulas se iniciaram em fevereiro e os alunos frequentavam a escola
por 4 horas diárias. O restante da carga horária era destinada para alunos
que continuavam no período remoto, recebendo atendimento do professor
pela plataforma Google Classroom ou WhatsApp.
Em março, com um crescimento signicativo no número de casos
do coronavírus e ocupação de leitos na cidade, as aulas foram suspensas
novamente. O município resolveu antecipar o recesso de julho e, também,
o recesso de dezembro como forma de controle da contaminação. Neste
novo ano, além do atendimento pelo Google Classroom e WhatsApp, os
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professores precisavam oferecer aulas online em horário previamente
acordado com os pais, ao menos três vezes por semana, durante duas
horas por dia. Os alunos que não tinham acesso, podiam continuar com o
procedimento de retirada de aulas impressas na escola.
Em maio, com uma pequena queda na ocupação de leitos e crescente
preocupação da escola com baixa participação em aulas remotas, observou-
se, também, nas avaliações feitas no início do ano, que alunos em nível
crítico não estavam participando das aulas. Então, foram criados pequenos
grupos de reforço que eram atendidos pelos professores em dias e horários
acordados com os pais. As aulas remotas permaneciam nos mesmos moldes
citados anteriormente.
Em agosto, com a queda de casos de contaminação no Estado e com
a vacinação de primeira dose dos prossionais da Educação, as aulas foram
retomadas ainda mediante a opção de adesão presencial ou remota. Neste
momento, apenas 3 crianças prosseguiram no atendimento remoto.
As crianças cavam por 4 horas na escola participando das atividades
pedagógicas sendo que a carga horária suplementar permanecia destinada
ao atendimento remoto dos alunos que não retornaram à escola Alguns
professores optaram por ministrar aulas híbridas, agregando os alunos que
estavam no remoto e os alunos em sala de aula.
Por conta do processo vacinal avançado, inclusive com os prossionais
da Educação tendo recebido ao menos duas doses da vacina, em outubro
deliberou-se pela volta presencial de toda a comunidade escolar. Segundo
a Secretaria da Educação do Estado de São Paulo
[...] as escolas poderão receber 100% de seus estudantes, desde que
seja respeitado o distanciamento de 1 metro entre os estudantes.
Caso as unidades não possuam a capacidade para atender este
requisito deverão organizar o sistema de revezamento, de acordo
com o planejamento de cada unidade escolar. (SÃO PAULO,
2021b, n.p.)
Em nossa escola, as salas não tinham essa capacidade para,
integralmente, acolher todos os alunos com segurança. Em novembro,
Educação e Informação em contexto de políticas públicas: pesquisas em foco
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segundo as orientações da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo,
o distanciamento de 1 metro não era mais necessário e, assim, as salas
foram sendo reintegradas a uma novamente. Os professores do período
da tarde passaram a atender alunos com maiores defasagens, oferecendo
reforço escolar, a m de contribuir na apropriação da leitura e escrita,
principalmente. Assim, seguimos até dezembro. Abaixo segue a linha do
tempo do ano.
Quadro 1: Linha do tempo da escola observada.
Fonte: acervo pessoal das autoras.
3. voltA às AulAs presencIAIs: ImpActos escolAres observAdos
pelos professores
Como explicitado anteriormente, os professores tiveram, durante o
ano, contato com os alunos por meio dos dois modelos de ensino: remoto
e presencial. Tiveram, assim, quatro meses de ações no ensino remoto
e cinco meses no presencial. A partir do histórico dos alunos durante o
ano, os professores puderam tecer algumas considerações a respeito dos
impactos desse período de ensino remoto, tendo em vista que, em 2020,
com exceção do mês de fevereiro, em todos os outros, os alunos não tiveram
aulas online.
Além dos alunos, nosso interesse, também, se pauta na vivência
docente durante esse período, pois concordamos com Rondini, Pedro e
Duarte (2020, p. 43), ao armarem que
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As mudanças no sistema educacional tiveram que ser realizadas
rapidamente, de sorte que, de um dia para o outro, os professores
precisaram transpor conteúdos e adaptar suas aulas presenciais para
plataformas on-line com o emprego das Tecnologias Digitais da
Informação e Comunicação (TDIC), sem preparação para isso, ou
com preparação supercial, também em caráter emergencial.
Acerca das diculdades enfrentadas, apresentamos o Gráco 1.
Gráco 1: Diculdades dos professores durante o ensino remoto.
Fonte: acervo pessoal das autoras.
Dos treze professores da pesquisa, onze responderam que a maior
diculdade foi o acesso aos alunos e à família, bem como, conciliar a
vida pessoal e prossional, e, mais da metade (oito) também sinalizaram
diculdade com a adequação dos conteúdos para as aulas remotas e
operacionalização das ferramentas digitais. Isto conrma o que os autores
Hodges et al. (2020) pontuaram, sobre a diferença entre o aprendizado
em aulas online e o ensino emergencial remoto, feito sem preparação e
formação para tal.
Apesar dos desaos encontrados pelos professores durante o ensino
remoto, quando questionamos se eles continuariam fazendo uso de algo
que aprenderam durante as aulas remotas, obtivemos as seguintes respostas
Educação e Informação em contexto de políticas públicas: pesquisas em foco
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Quadro 2: O que os professores manterão do ensino remoto no
ensino presencial.
14-Você pretende manter algo que aprendeu durante as aulas do ensino remoto com
as crianças no presencial? Se sim, o quê?13 respostas
o
Acredito que não.
Sem resposta
Sim. O uso do Canva
A forma de comunicação com os pais
Sim, pretendo manter o contato mais próximo com os pais de modo que
acompanhem mais de perto a vida escolar dos lhos através do WhatsApp. Também
pretendo enviar as aulas em formato digital para os alunos que faltam ou estão de
atestado, por exemplo.
Sim, pretendo usar mais as aulas em PowerPoint para a apresentação das aulas carem
mais dinâmicas
Procuro usar as ferramentas que fomos aprendendo a fazer uso.
Gostaria, mas nem sempre é possível, por falta de recursos.
Sim, os vídeos com estratégias de leitura, as atividades compartilhadas no Point e Jamboard
Sim. A disciplina, porque sem ela nada acontece.
Sim, o uso das tecnologias: criação de vídeos, podcast, etc.
Fonte: acervo pessoal das autoras.
Dos treze professores, oito sinalizaram a manutenção de ferramenta
ou algum aprendizado que emergiu no ensino remoto. Um ponto
positivo levantado nesse quesito foi a aproximação com as famílias que
acompanhavam os lhos durante o ano. Isso corrobora com o que Avelino;
Mendes (2020); Barreto; Rocha (2020); Martins (2020) apontam sobre
a continuidade de uso das TDICs após o retorno presencial. Devemos
considerar que nenhum aprendizado deva ser descartado e que não há
como desconsiderar esse período, pois a Educação e seus participantes
mudaram, então, os métodos e materiais, também, vão alterar.
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Com relação às habilidades e competências da Base Nacional
Curricular Comum, questionamos os professores sobre o que observaram
sobre o desenvolvimento das crianças quando do retorno presencial.
Quadro 3: Impactos relatados pelos professores após retorno dos alunos
no presencial.
29- Com o retorno das aulas presenciais, o que você já pôde observar como impacto
desse período remoto?13 respostas
Podemos observar um grande atraso no ciclo de alfabetização, do 1 ao 3 ano e nas
demais séries e anos escolares.
Melhoria na participação e frequência, avanço no desenvolvimento dos alunos,
melhoria na autoestima das crianças.
Os alunos que não tiveram nenhum acompanhamento para desenvolver as atividades,
estagnaram no aprendizado e alguns até regrediram.
Que os alunos estão avançando, recuperando lentamente o tempo perdido e que o
contato com o professor e a escola é extremamente importante.
Os alunos vieram com muitas diculdades, por exemplo, no pensamento lógico-
matemático. Além disso, alguns alunos apresentaram diculdades de conviver. No
início, quando retornamos, houve muitos conitos.
Muita defasagem de conteúdo de contextos sociais, defasagem motora, sociabilidade.
A resposta imediata é defasagem. Na prática é como se retornassem para a escola,
para o presencial, da mesma forma (ou pior) do que estavam em março de 2020
quando o ensino remoto iniciou. Ou seja, como se tivessem sido “transportados” para
o próximo ano com a bagagem do anterior, onde já estavam com diculdade.
A defasagem dos conteúdos, o desinteresse dos alunos e a falta de comprometimento
dos pais.
As crianças estavam totalmente sem rotina e com defasagem básicas.
O retorno real da aprendizagem dos alunos.
Alunos ansiosos, com pouca disposição para realizar as atividades, extremamente
sensíveis aos comentários e negações (não aceitam o “não” do professor), com maiores
carências afetivas e materiais, memória prejudicada.
Preguiça para escrever, por parte do aluno, esquecimento de conteúdo já adquirido e
o acúmulo de conteúdo a serem retomados.
A defasagem intelectual dos alunos
Fonte: acervo pessoal das autoras.
Educação e Informação em contexto de políticas públicas: pesquisas em foco
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Como dito anteriormente, a maioria das crianças não participou
das aulas online enquanto a escola estava no período remoto e muitas
não tiveram o auxílio dos pais para a realização das atividades impressas.
Assim, como noticiado por Filho (2021) e Andrade (2021), essa falta de
condições e de apoio familiar resultou em defasagens sem precedentes.
Ainda, perguntamos aos professores sobre suas expectativas referentes ao
tempo de ‘regularização’ das habilidades e competências desejadas para o
ano escolar.
Quadro 4: Expectativas dos professores na regularização do ensino.
30- Quanto tempo você acredita que levaremos para recuperar a “regularidade” das
competências da BNCC com as crianças? (2 anos, 3 anos, 5 anos, etc.)13 respostas
É muito difícil determinar um tempo, não podemos determinar que a educação está
perdida, pois a educação passa sempre por grandes transformações, devemos acreditar
no poder de resiliência dos nossos educandos.
Acredito que precisaremos de muitos anos para conseguirmos amenizar os prejuízos.
Não sei mensurar quanto.
Até 4 anos ou mais, Depende muito dos estímulos recebidos e da família.
Acredito que dentro de 2 ou 3 anos conseguiremos recuperar
Acredito que no mínimo 3 anos para retomar a “normalidade”
4 anos
Depende da turma, por exemplo, o 1º ano já vai se “regularizar” com um ou dois
anos. Já o ensino médio levará anos, até que todas essas crianças passem pela escola
pois sempre estarão com defasagem.
5 anos
Acredito que no mínimo 9 anos.
Acredito que uns 5 anos, para as crianças que ingressaram no ensino fundamental em
2020.
Acredito que em média 3 anos ou mais.
Não arrisco nenhuma opinião, pois cada um evoluiu ou “involuiu” de uma maneira,
então essas questões pendentes deverão ser tratadas personalizadamente.
Não sei pensar ao certo, visto que a construção do conhecimento é um percurso, e
nesse percurso tudo pode acontecer.
Fonte: acervo pessoal das autoras.
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Para responder essa questão, os professores consideraram que a partir
do retorno presencial em agosto 2021, o cenário da escola não regressará
ao formato de ensino remoto. Observamos que não há unanimidade nos
relatos, revelando muito otimismo e, ao mesmo tempo, a armação de, no
mínimo, três anos para regularizarmos o ensino.
Realmente é difícil fazer uma previsão, até mesmo porque ainda não
saímos do estado de pandemia. Esperamos que nosso trabalho seja mantido
no modelo presencial, mas, caso tenhamos que retornar aos moldes
virtuais, apesar de já termos mais experiência com o ensino remoto, vemos
que, para a realidade da escola estudada e para a maioria dos brasileiros
(MACEDO, 2021), quanto mais o ensino remoto for mantido, maior será
o nível de desigualdade social, econômica e de aprendizado.
consIderAções
Percebemos, por meio da breve abordagem aos dados, que o ensino
remoto foi uma possível opção encontrada para o período pandêmico
para que os alunos pudessem ter o mínimo de contato com a escola e
professores garantido.
As práticas da escola pesquisada mudaram bastante após o
primeiro ano de pandemia, considerando o aprendizado obtido por
meio das experiências e avanço da vacinação no país. Acreditamos,
inclusive, que a escola tenha tido uma vantagem em relação às outras
por ser de período parcial e ter algumas congurações diferentes, como
a não implementação de rodízio. Isso fez com que os alunos tivessem
contato diário novamente com a escola e pudessem ter as diculdades
decorrentes deste período amenizadas.
Nota-se, também, o empenho, e ao mesmo tempo, o desgaste dos
professores, ao terem que se adequar a cada mudança, por vezes, excedendo
a sua carga de trabalho pelo planejamento para a aula presencial, aula online
ou reforço. Há, ainda, na fala dos professores uma incerteza relacionada
aos impactos que esse período gerará na vida das crianças, tendo em vista
o retrocesso percebido nas aulas presenciais.
Educação e Informação em contexto de políticas públicas: pesquisas em foco
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Trazemos, aqui, um breve recorte, exemplicando o contexto de uma
escola. Ainda não temos como comprovar se os meios e ações orientadas
foram as mais adequadas, tendo em vista a inexperiência de todos neste
cenário de pandemia. Consideramos que, apesar de todos os desaos
impostos, se não fosse o uso da tecnologia, as crianças teriam prejuízos
intelectuais e sociais ainda maiores. Concluímos, assim, que os desaos
para compreender o atual cenário e suas consequências ainda demandam
práticas e estudos bastante aprofundados.
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nas escolas de Educação Básica do Estado de São Paulo. São Paulo, 2021b. Disponível
em: https://www.educacao.sp.gov.br/retorno-obrigatorio-entenda-regras-nas-escolas-de-
educacao-basica-estado-de-sao-paulo/ . Acesso em: 5 mar. 2022.
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Mariana Aparecida de Almeida Laurentino
Carlos da Fonseca Brandão
Resumo: Este texto é um recorte de uma pesquisa de mestrado do PPGE da FFC/
Unesp, que tem como objetivo geral comparar o conceito de gestão democrática da
escola pública no Brasil e em Portugal, por meio do estudo da literatura, normativos e
documentos escolares de cada país. Todavia, para este texto, nosso objetivo foi discutir
o conceito de gestão democrática da escola pública de Portugal, a partir da literatura, da
legislação nacional educacional e dos documentos escolares do país. Consideramos que
a gestão democrática como se apresenta em Portugal, representa um longo período de
lutas, avanços e recuos na educação pública, ainda que receba inúmeras críticas e faça-se
necessário constantes reexões e modicações, contribui para a formação de todos os
envolvidos na busca constante pela qualidade na educação.
Palavras-chave: Gestão democrática; Portugal; Escola pública.
Abstract: is text is an excerpt from a masters research of the PPGE of the FFC/Unesp,
which has as general objective to compare the concept of democratic management of
public schools in Brazil and Portugal, through the study of literature, regulations and
school documents of each parents. However, for this text, our objective was to discuss
the concept of democratic management of public schools in Portugal, based on literature,
national educational legislation and school documents in the country. We consider that
democratic management as it is presented in Portugal represents a long period of struggles,
advances and setbacks in public education, although it receives numerous criticisms and
constant reections and modications are necessary, it contributes to the formation of all
those involved. in the constant search for quality in education.
Keywords: Democratic management; Portugal; Public school.
https://doi.org/10.36311/2023.978-65-5954-330-4.p35-60
Mariângela Spotti Lopes Fujita, Graziela Zambão Abdian, Helen de Castro Silva Casarin e Eliane Giachetto Saravali
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Introdução
A defesa por uma escola pública, justa e democrática é resultado
de um longo período de lutas e reinvindicações a favor de uma educação
de qualidade, isso ocorre, pois uma formação calcada nos princípios
democráticos contribui com a construção de um cidadão crítico e
consciente. Nessa direção Gadotti (1994, p. 2) entende que a gestão
democrática pode não ser a solução de todos os problemas da escola,
contudo possui provas teóricas e experimentais que ela é essencial à
qualidade, para o autor “participar da gestão signica inteirar-se e opinar
sobre os assuntos que dizem respeito à escola, isso exige um aprendizado
que é, ao mesmo tempo, político e organizacional”.
Este estudo sobre a gestão democrática na educação pública
portuguesa é um recorte de uma pesquisa mais ampla, cujo objetivo geral
foi comparar o conceito de gestão democrática da escola pública no Brasil
e em Portugal, por meio do estudo da literatura, normativos e documentos
escolares de cada país. Contudo, para este texto nosso objetivo é discutir
o conceito de gestão democrática da escola pública de Portugal, a partir
da literatura, da legislação nacional educacional do país e documentos
escolares do Agrupamento de escolas de Trancoso.
Desse modo, iniciamos nossa discussão apresentando a visão dos
autores portugueses, Lima (2002; 2014; 2018b), Formosinho, Fernandes
e Lima (1988) e Barroso (1995) sobre a denição de gestão democrática.
Em seguida, tratamos da construção e consolidação da Lei de Bases do
Sistema Educativo nº 46/86 (LBSE/86), legislação essa, que organiza e
orienta as medidas em todo o sistema de ensino do país. E nalizamos
nossa discussão tratando dos documentos escolares do Agrupamento de
escolas de Trancoso, a saber, o Projeto Educativo, Regulamento Interno e
Plano Anual de Atividades, cujo objetivo a partir da sua construção coletiva
é respaldar todas ações, atividades, programas e projetos pedagógicos,
administrativos e nanceiros do agrupamento.
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1. os sentIdos AcercA dA Gestão democrátIcA nA lIterAturA
Em nosso estudo sobre a denição teórico-prática da gestão
democrática das escolas públicas em Portugal, tivemos como base os
escritos de Lima (2002; 2014; 2018b), Formosinho, Fernandes e Lima
(1988) e Barroso (1995), os quais nos levam a compreender que esta
categoria, ainda que tenha sido legalmente formalizada já há mais de
três décadas, ainda se apresenta questionada no espaço escolar, isso se
justica devido a carga de sentidos e histórias que ela traz consigo, ora
valorizados como elemento primordial na formação dos educandos, ora
desconsiderado, diante da sua complexidade.
Nesta esteira, Lima (2014) chama atenção para a multiplicidade e
divergência nos signicados da categoria “gestão democrática das escolas”,
as quais atendem à perspectivas distintas, resultando numa variedade de
ideias e posições sobre o seu sentido. No entanto, consideramos que essa
variedade pode acrescentar à prática democrática, ao passo que quanto
maior a discussão em torno da temática sobre seus sentidos e ações, maiores
são os esforços para sua consolidação nas escolas.
Nesse sentido, destacamos alguns sentidos sobre a gestão democrática
das escolas públicas dos quais defendemos a posição de que a variedade
de signicados, na verdade, pode se caracterizar como complemento, ou
seja, a prática democrática, torna-se ainda mais rica quando esses diferentes
sentidos são considerados partes. Sob esse olhar, Lima (2014) dene a
gestão democrática como uma,
[...] complexa categoria político-educativa, uma construção social
que não dispensa a análise dos contextos históricos, dos projetos
políticos e da correlação de forças em que ocorre, para além de
envolver dimensões teóricas e conceituais que vão desde as teorias
da democracia e da participação, até às teorias organizacionais e aos
modelos de governação e administração das escolas e respectivos
sistemas escolares (LIMA, 2014, p. 1069-1070).
O autor acrescenta a ideia de que esta categoria é indispensável
na garantia do direito à uma educação de qualidade. Logo, ressalta a sua
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complexidade e exigência, ao passo que democratizar a gestão da escola
pública, envolve uma mudança de paradigma, de posicionamentos e ideais,
bem como prevê aos envolvidos o compromisso com o desenvolvimento
das escolas e dos estudantes. Por tudo isso, a gestão democrática da escola
pública constrói-se e legitima-se, para o autor,
[...] como uma contribuição indispensável ao processo de realização
do direito à educação e à democratização das suas organizações
escolares, das suas estruturas, dos processos de decisão, das relações
de poder, das práticas educativas e de produção de conhecimento,
dos direitos ao exercício da cidadania democrática e da participação
ativa, não apenas por parte dos prossionais da educação, mas
também, desde logo, dos educandos, das suas famílias, da
comunidade, numa perspectiva de construção sociocomunitária da
autonomia da escola, em direção ao seu autogoverno (LIMA, 2014,
p. 1070-1071).
Embora se congure como complexa, as ações de uma gestão
democrática se destaca devido à sua forte contribuição na garantia
do direito à educação e democratização deste espaço, ela é, segundo
Lima (2018b, p. 26, grifos do autor) “uma questão central ao processo
de democratização da educação, de expansão e realização do direito
à educação, de possibilidade de educar para e pela democracia e a
participação”. Essa defesa por uma formação calcada nos princípios
democráticos alinha-se às determinações legais e, principalmente,
aos interesses da sociedade, tendo em vista as experiências de lutas e
mobilizações a favor de uma formação integral do aluno.
Todavia, a formação do sujeito que se deseja não se constrói nos
discursos, documentos, tampouco no papel. Nessa perspectiva, Lima
(2018b) defende que para aprender a democracia, é necessário vivê-
la, isto é, oferecer condições aos estudantes de experienciar no espaço
escolar momentos de formação para além do ler, escrever e fazer cálculos,
a formação cidadã de consciência crítica, de debates construídos com
conhecimento, tendo em vista que não há “outro processo de ensinar e
aprender a democracia e de conseguir interessar cada um de nós pelos
assuntos relativos ao governo da coisa pública que não seja através do
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exercício da democracia e da participação, da cidadania ativa” (LIMA,
2018b, p. 25).
Essa preocupação em conceituar o termo “gestão democrática” é
compartilhada pelos autores da área, sendo apontada por Lima (2000),
como uma ação de “autogoverno”, ao passo que, numa,
[...] perspectiva conceptual que focaliza intervenções
democraticamente referenciadas, exercidas por actores educativos
e consubstanciadas em acções de (auto)governo; acções que não
apenas se revelam enquanto decisões político-administrativas
tomadas a partir de contextos organizacionais e de estruturas de
poder de decisão, mas que também interferem na construção e
recriação dessas estruturas e de formas mais democráticas de exercer
os poderes educativos no sistema escolar, na escola, na sala de aula,
etc (LIMA, 2000, p. 19).
Ainda que a categoria represente grande esforço de toda comunidade
escolar, o autor considera que, por vezes, ela é resumida a três sentidos, o
primeiro de autogoverno democrático que, se observada a partir de um
olhar genérico, desconsidera o seu real sentido. O segundo de estruturas
e procedimentos democráticos no qual ca reduzida a mecanismos
democráticos, como uma espécie de técnica democrática. E no terceiro
sentido ela é apontada como gestão irracional com falta de liderança que,
por vezes, é tratada como uma forma de gestão sem racionalidade, uma
mera suposição em que não há liderança nem controle (LIMA, 2000).
Outra característica da gestão, observada nos anos de 1980, refere-
se ao seu caráter técnico, denido como “execução daquelas políticas
e orientações, a organização dos elementos humanos e materiais, a
coordenação e a avaliação, por forma a realizar os objectivos xados pela
direcção” (FORMOSINHO; FERNANDES; LIMA, 1988, p. 155).
Essa visão dos autores aponta que a direção escolar possui características
democráticas, enquanto a gestão é meramente técnica, por isso a expressão
gestão democrática” talvez não faça sentido.
Em contrapartida, Lima (2002) entende que a gestão “[...] não é
meramente técnica, implementativa e processual’ – às vezes na simples
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distribuição dos horários, na atribuição das direcções de turma e de outros
cargos, na distribuição do desconto de carga horária vê-se quão política é a
gestão na escola” (LIMA, 2002, p. 25, aspas no original). Indo ao encontro
da visão do autor, consideramos que a gestão democrática não poderia ser
unicamente técnica e processual, pois neste espaço no qual os conitos e
problemas são gerados diariamente, o debate político torna-se central no
alcance das soluções sobre os problemas vividos.
A gestão democrática das escolas públicas também recebe a
interpretação a partir do mecanismo jurídico-normativo, cuja construção
histórica nos últimos quarenta anos “passou de prática de tipo
autogestionário a objecto de normalização e consagração jurídica, tendo
sido, posteriormente, sujeita a um processo de progressiva erosão nos
discursos de política educativa” (LIMA, 2009, p. 241).
Essa possível erosão, segundo o autor, se justica devido à
inevitável presença nos discursos políticos e agendas educativas ou, até
mesmo, dentro das escolas de uma “gestão ecaz e a exibilidade, a
competitividade e a produtividade, a contratualização e a mercadorização
(LIMA, 2009, p. 241). Contudo, mesmo que os normativos permaneçam
inalterados, essa supervalorização dos resultados, em detrimento do
desenvolvimento, carrega uma ideia contraditória da função de uma
escola nos moldes democráticos.
Todavia, Barroso (1995) aponta para a característica de gestão como
atividades meio, ou seja, ações que fazem parte do processo educativo,
visando a facilitação do objetivo nal da escola (ensino e aprendizagem
dos alunos) e que são indispensáveis a este m, porém consideradas
intermediárias. Nesse sentido, para o autor,
[...] na verdade toda a caracterização que é feita da ‘gestão’ remete
para um quadro teórico claramente inspirado numa visão positivista
da Ciência da Administração, proposta por Simon (1977),
para quem o processo administrativo consiste em selecionar e
implementar de maneiras satisfatórias os meios necessários a atingir
ns, ou objetivos organizacionais, previamente determinados, no
quadro de uma racionalidade limitada (BARROSO, 1995, p. 49,
aspas no original).
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Por tudo isso, indo ao encontro de Lima (2018b), consideramos que
uma das maiores contribuições da gestão democrática das escolas está na
sua dinamicidade, que possibilita aos envolvidos um aprender e reaprender
sobre suas práticas continuamente, sem que isso incorra em prejuízo para
a instituição, pelo contrário, esse movimento torna a democracia ainda
mais fundamental nas escolas, sobretudo, sua característica viva de “[...]um
processo contínuo e nunca concluído de aprofundamento e de vivência da
democracia nas escolas” (LIMA, 2018b, p. 24).
E por isso se compreende quão difícil é democratizar a educação
e remover das escolas os principais obstáculos políticos,
organizacionais, de governo e de gestão, de relações de poder,
de teorias e de objetivos educacionais que as vêm impedindo, há
séculos – e mesmo em regimes políticos formalmente democráticos
–, de se armarem como organizações educativas democráticas
(LIMA, 2018b, p. 26).
Ainda assim, em consonância com o autor, acreditamos que a prática
democrática nas escolas representa um dos melhores caminhos para a
formação de cidadãos livres, conscientes e críticos no que diz respeito à sua
realidade. Nas palavras do autor, “Apesar de tudo, a invenção democrática
continua a ter lugar nos nossos dias, tanto a oeste quanto a leste, através de
lutas, protestos e revoltas” (LIMA, 2005, p. 80).
Esse “apesar de tudo”, referido pelo autor, está ligado à real situação
da educação no mundo, que em meio “a uma privatização lato sensu, a
uma impregnação empresarial. A educação tende a desaparecer do discurso
em muitos países. Desapareceu do discurso público, do discurso político,
não se fala mais em educação. Fala-se em qualicações, competências,
habilidades” (LIMA; PAVAN, 2020, p. 11, grifos do autor). Contudo,
observamos que os envolvidos direta e indiretamente com a educação ainda
encontram forças para lutar por uma educação democrática, de qualidade
e mais humana.
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2. A Gestão democrátIcA nA lbse
Nosso enfoque na leitura e análise da legislação voltou-se para as
determinações que tratassem da gestão democrática no país. Desse modo,
tratamos sobre a construção e consolidação da Lei de Bases do Sistema
Educativo nº 46/86 (LBSE/86), que organiza e orienta as práticas
educativas em todo o sistema de ensino do país.
Para compreendermos a construção e consolidação da atual LBSE,
realizamos primeiramente um breve resgate histórico sobre como foi
concebida a lei no país, desde sua primeira versão em 1973 até a última
atualização em 2009. Para tanto, destacamos na atual LBSE/86, o seu
processo de aprovação, o que a lei em seus artigos determina sobre a
democratização da educação, bem como as críticas e reformas acerca do
seu resultado nal, aprovado em 1986.
O tema da democratização, surge na LBSE nº 5 de 1973,
aprovada pelo ministro José Veiga Simão, a qual insistia numa expansão
e modernização do sistema escolar, cujas bases centrais voltavam-se por
um Portugal mais livre e pelo direito de uma educação para todos. No
entanto, as medidas de ampliação de acesso à educação acabavam por não
se concretizar e, a educação passava a ser destinada somente, ao que Lima
(2018c, p. 81, aspas no original) nomeia dos “mais capazes”, remetendo
para uma espécie de ‘aristocracia do talento’”.
A LBSE/73 recebe aprovação após intensos debates sobre sua
proposta, composta por 29 bases em cinco capítulos. Durante o período
de análise, o tema girava em torno da democratização do ensino.
Contudo, o autor aponta que a oposição democrática questionava sobre
a impossibilidade de democratizar a educação sem antes democratizar o
país, pois o quadro político em que o país se apresentava, contestava os
interesses de uma democratização (LIMA, 2018c).
A referida lei teve como princípio para a educação nacional a
formação integral dos alunos, de modo a prepará-los para além dos
conteúdos básicos da educação, no cumprimento dos seus deveres morais
e cívicos. Desse modo, estabeleceu-se, como uma das principais nalidades
Educação e Informação em contexto de políticas públicas: pesquisas em foco
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do sistema educativo, a incumbência de preparar os alunos para a vida em
sociedade, participando e colaborando com o progresso do país.
Não obstante, após a Revolução dos Cravos em 1974 e sem
regulamentação, a lei perde poder de aprovação, sendo considerada
ultrapassada diante dos fenômenos políticos ocorridos nesse período,
bem como pelas dinâmicas escolares. No entanto, segundo Lima (2018c),
ela ainda permanece inuente nas novas formulações de políticas de
estrutura educativa.
Entre a LBSE/73 e a LBSE/86 ocorreram importantes fenômenos
educacionais, primeiro com o processo revolucionário em 1974, depois
com a criação da Constituição da República Portuguesa de 1976 e o início
do processo de normalização constitucional. Nesse contexto, os conceitos
de democracia e participação recebem centralidade e novos signicados para
a LBSE/86. O processo de aprovação da LBSE nº46 de 1986, aprovada em
14 de Outubro, ocorre inicialmente com a apresentação de cinco projetos
de lei, advindos de diferentes partidos políticos, como o Movimento
Democrático Português/Comissão Democrática Eleitoral (MDP/CDE),
Partido Comunista Português (PCP), Partido Renovador Democrático
(PRD), Partido Socialista (PS) e Partido Social Democrata (PSD) (LIMA,
2018c). Após dois meses em discussão por uma subcomissão que contava
com deputados do PRD e acadêmicos, o texto fora aprovado com a maioria
favorável, alguns se abstiveram e somente o Centro Democrático Social
votou contra (LIMA, 2018c).
O texto contava com 64 artigos divididos em nove capítulos, porém,
desconsiderava o período revolucionário que o país havia vivenciado em
1974, além disso, havia alguns projetos de lei em trâmite para aprovação, os
quais não obtiveram sucesso. Desse modo, a lei sem coligação com nenhum
partido político, apresentou maior representatividade da Assembleia da
República, contou com um maior protagonismo do parlamento e um
processo de negociação interpartidária (LIMA, 2018c).
No entanto, anterior à sua aprovação na Assembleia, o governo criou
uma Comissão de Reforma do Sistema Educativo (CRSE), com o objetivo
de analisar o projeto de lei, logo depois, apresentar um novo “[...] projeto
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global das atividades a realizar”. Essa discussão teve duração de cinco meses,
e fora aprovado em Maio de 1986 o “Projecto Global de Actividades”, que
contou pela primeira vez com a necessidade de um enquadramento legal
(LIMA, 2018c).
Contudo, na prática, apenas dois meses separaram o projeto
global de atividades da aprovação da LBSE/86, os estudos, seminários e
projetos publicados pela comissão vieram somente após a aprovação da
lei na Assembleia. Com data a partir de 1987, os documentos elaborados
pela comissão tomaram como referência a própria LBSE, o que, em tese,
deveria ser o contrário, tendo em vista sua existência em função da revisão
do projeto de lei (LIMA, 2018c). Para o autor a LBSE/86 e a Reforma
Educativa surgem, de certa forma, estrategicamente desarticuladas,
acarretando num prejuízo na unidade dos seus princípios.
No que se refere ao texto nal da LBSE/86, é estabelecido no artigo
2º a responsabilidade do Estado perante a promoção da educação pública
no país, o qual deve se comprometer com a democratização do ensino “[...]
garantindo o direito a uma justa e efectiva igualdade de oportunidades no
acesso e sucesso escolares” (PORTUGAL, 1986), além disso, a educação
no país acompanha “espírito democrático e pluralista”, por meio do
respeito ao outro, do diálogo, da formação crítica e criativa, visando uma
transformação progressiva da sociedade.
No artigo 3º, o texto apresenta o quadro geral do sistema educativo,
denindo que cabe ao sistema educativo organizar-se mediante a
descentralização, desconcentração e diversicação das estruturas e ações
educativas. Para tanto, na alínea g, determina que deve também colaborar
com o desenvolvimento da democracia, por meio dos processos de
participação voltados a todos os atores escolares (PORTUGAL, 1986).
Além da determinação legal sobre a nalidade da educação portuguesa
nos moldes democráticos, o texto apresenta em seus artigos determinações
acerca do princípio de autonomia. No artigo 7º, ao tratar dos objetivos
do ensino básico, ligados à democratização da educação, nas alíneas i,
m, estabelecem respectivamente que o aluno na educação básica tenha a
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possibilidade de vivenciar atitudes autônomas, cuja formação tenha como
foco um cidadão responsável e democrático (PORTUGAL, 1986).
No entanto, ao tratar da autonomia administrativa, pedagógica
e nanceira, a lei destina-se somente às instituições de ensino superior,
enquanto as escolas básicas e secundárias cam a cargo das decisões do
Estado. O que vemos no texto é uma tímida referência à autonomia escolar,
no artigo 45,
[...] estabelece que a administração e gestão dos estabelecimentos
dos ensinos básico e secundário seja assegurada por órgãos próprios,
se oriente por princípios de democraticidade e representatividade
e de participação comunitária e subordine os critérios de natureza
administrativa aos critérios de natureza pedagógica e cientíca
(FORMOSINHO; FERNANDES; MACHADO; FERREIRA,
2010, p. 58).
Quanto à autonomia pedagógica, observa-se que ela está exatamente
na margem do que a própria LBSE/86 deixa a nível de denição e
implementação do projeto educativo. Esse princípio na referida legislação
apresenta-se também no artigo 48 e que “[...] atribui à escola competência
para organizar as atividades de complemento curricular de âmbito
regional ou local e ainda as atividades de ocupação dos tempos livres
(FORMOSINHO; FERNANDES; LIMA, 1988, p. 152).
Ainda que a LBSE/86 não considere a autonomia às escolas básicas e
secundárias, ela “contempla importantes princípios de democratização do
governo das escolas públicas. Insiste nos processos participativos ao nível da
gestão do sistema escolar, incluindo professores, alunos e famílias” (LIMA,
2009, p. 237), defendendo uma descentralização e desconcentração da
administração e gestão das escolas.
Diante disso, compreendemos que a autonomia é associada à uma
estrutura organizacional complexa e formal, destinando seus encargos à
uma norma técnica e detalhada. Nessa perspectiva, Lima (2009, p. 235,
aspas no original) evidencia que, a partir da aprovação da LBSE/86 e dos
trabalhos da Comissão de Reforma do Sistema Educativo, “[...] ocorre uma
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crítica crescente à burocracia centralizada do Ministério da Educação que,
em alternativa, propõe uma administração descentralizada e a ‘autonomia
da escola’ como princípio reformador”.
Na elaboração da LBSE/86, outro princípio que cou muito
marcado foi o da participação como um dos elementos principais na
democratização da educação. Lima (2018c) aponta que o conceito de
participação democrática, numa primeira versão da lei em 1976, apareceu
39 vezes nos artigos do texto e, após a revisão em 1982, ele aparece 53
vezes, representando a forte clareza sobre a necessidade de uma formação
com bases democráticas e participativas. Assim como no projeto de lei,
as propostas feitas pelos partidos políticos também compartilham desse
grande número de citação do conceito de participação democrática, sendo
tratada ora como participação educativa ora como participação na gestão.
De modo que:
[...] 26,5% dos artigos do Projeto do MDP/CDE; em 22% dos
artigos do Projeto do PCP; em 20,8% dos artigos do Projeto
do PSD; em 10,6% dos artigos do Projeto do PRD; em 7,3%
dos artigos do Projeto do PS. A LBSE de 1986 contemplou a
participação em 12 dos seus artigos (18,5% do total de artigos)
(LIMA, 2018c, p. 83, parênteses no original).
O autor acrescenta que o conceito de participação democrática é
considerado “[...] a maior marca político-educativa da LBSE de 1986 e o
elemento mais contrastante relativamente à LBSE de 1973” (LIMA, 2018c,
p. 83). O princípio da participação democrática na lei é apresentado de
forma geral no âmbito da gestão democrática das escolas, na denição de
estruturas e processos de participação. Além disso, a LBSE/86 é considerada
superior à anterior, já que as críticas à de 1973 voltavam-se para a sua
forma generalizada no tratamento de fenômenos essenciais de formação.
Outro aspecto de democratização da educação assumido na
LBSE/86 refere-se aos princípios gerais para as escolas básicas e secundárias,
consagradas basicamente nos artigos 43 e 45, que tratam da distinção
entre direção e gestão, da participação de todos, interação entre a escola
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e comunidade, adoção de órgãos próprios de gestão e predominância dos
aspectos pedagógicos (FORMOSINHO; FERNANDES; LIMA, 1988).
No artigo 43, revela-se que a administração do sistema educativo
deve, por meio de uma formação social e cívica, zelar pelo respeito às
regras, à democracia e à participação de todos os atores. Para tanto, o
texto aponta meios para que essa participação seja garantida, mediante
a descentralização e desconcentração dos serviços, contudo, sem retirar a
obrigação do Estado no que diz respeito à garantia de recursos e materiais
no cumprimento das atividades educativas.
No artigo 45 da LBSE/86, ao estabelecer o modo de funcionamento
da administração e gestão dos estabelecimentos de educação e ensino,
prevê que cada instituição educativa deve desenvolver suas práticas
de administração e gestão com base nos princípios democráticos e de
participação. O item 4 do mesmo artigo destina-se somente à direção das
escolas básicas e secundárias para professores, alunos e pessoal não docente,
sem se referir aos pais e representantes de autarquias, contudo, no item 2,
determina a necessidade de participação de todos os envolvidos no processo
educativo (FORMOSINHO; FERNANDES; LIMA, 1988).
Ainda no artigo 45, vimos que o princípio da participação exclui
os alunos de 1º, 2º e 3º ciclo, destinando a participação nos órgãos de
administração e gestão aos alunos do ensino secundário (maiores de 16
anos). Todavia, defendemos a ideia de que só se aprende a participar, ou
seja, a expor suas ideias, ouvir e respeitar o outro, a partir da vivência
participativa. Desse modo, a escola como espaço de formação deve garantir
e incentivar a participação desses alunos desde pequenos.
Portanto, ca expresso que as escolas básicas e secundárias possuem
certo poder no que se refere à execução das tarefas, contudo, não dispõem
de autonomia. No entanto, os autores chamam a atenção para a contradição
presente no texto, já que o artigo 45, “[...] contraria outros princípios
estabelecidos na LBSE que exigem, para a sua integral aplicação, a existência
de um certo grau de descentralização a nível de escola” (FORMOSINHO;
FERNANDES; LIMA, 1988, p. 153).
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De acordo com Lima (2018c), o texto da LBSE/86 aprovado no
parlamento não agrada a nenhum grupo político e ainda permanece
em vigência, devido às forças parlamentares. Todavia, ela é considerada
uma lei ultrapassada cujas determinações não consagram as vivências e
exigências atuais. Além disso, o autor considera que a lei não representa o
que se esperava dela e que, após vivenciar um período intenso de revolução
democrática no país, ela desconsidera-o e trata de forma generalizada as
questões de democratização da educação, tornando-se, para o autor, um
entrave para as mudanças posteriores. Isso se justica, pois o contexto de
apropriação e produção da legislação educacional atendia, de um lado,
aspectos da democratização e acesso à educação escolar, reforçando o papel
do Estado e, por outro lado, favorecia uma larga abertura à iniciativa
privada, enfraquecendo a intervenção estatal (LIMA, 2018c).
No que se refere aos princípios de gestão democrática, participação
e autonomia das escolas, a lei destina-se mais ao ensino superior do que às
escolas básicas e secundárias. O que ocorre no país, segundo o autor, é uma
“hiperburocracia digital”.
Hoje estamos confrontados com mínimos democráticos nas
escolas, perante uma crise da participação e da colegialidade,
favorecendo lógicas lideracionistas e unipessoais, perante uma fraca
vivência democrática nas escolas, onde não prevalecem os critérios
educativos e pedagógicos sobre os critérios administrativos e as
lógicas gerencialistas (LIMA, 2018c, p. 87).
Isso ocorre mediante as modernizações administrativas feitas no
âmbito educacional, que transformaram os locais e poderes de decisão
sobre os assuntos da escola num órgão colegiado, nomeadamente Conselho
Geral, o qual, segundo Dal Ri (2015, p. 54), “já desvitalizado pela baixa
participação da comunidade acadêmica e pais, despolitizando ainda mais a
estrutura organizacional das escolas”. Nesse viés, a autora acrescenta que no
corpo do texto ca visível, mesmo que posto de forma tácita, a distinta visão
sobre a democracia e a ecácia, exposto “[...] entre os excessos democráticos da
Revolução de Abril e a modernidade da nova gestão pública, com a evidente
opção pela segunda” (DAL RI, 2015, p. 54, grifos da autora).
Educação e Informação em contexto de políticas públicas: pesquisas em foco
| 49
Segundo Lima (2018c), a LBSE/86 surge como alternativa do regime
democrático, adequando-se à CRP de 1976 e representando uma formação
prossional voltada para os interesses econômicos de modernização e
racionalização do sistema educativo português, o qual valoriza o papel do
planejamento e da avaliação na formação do aluno, bem como as dinâmicas
de qualicar os que possuem competência para seguir com os estudos.
Com o tempo e sob inuência das instâncias internacionais, as
políticas públicas foram sendo modicadas com base em uma visão mais
moderna” de educação, cunhados num olhar econômico e empresarial das
ideias, conceitos e expressões. Para o autor, a lei representava uma “genérica
visão instrumental e tecnocrática sobre educação e formação, subordinada
a uma conceção de privatização lato sensu e respetiva impregnação
empresarial” (LIMA, 2018c, p. 80, grifos do autor).
Em Portugal a partir da LBSE/86, criou-se um modelo de
administração e gestão da educação para o ensino básico, com um tímido
grau de descentralização e uma expansão relativa da autonomia das
escolas. Diante disso, são criadas pelo poder político algumas medidas
estruturais para dinamização das reformas educativas que atendessem
as necessidades de democratização da educação. Barroso (1995) em sua
obra, aponta nove medidas estruturais, as quais tratam basicamente da
transferência de competências, desconcentração de poder, reforço da
autonomia, escolas prossionais, adoção de leis de direção e gestão e
criação dos agrupamentos de escolas.
Nesse sentido, ao observar o processo de aprovação e das medidas
reformativas que ocorreram após a LBSE/86, uma das primeiras conclusões,
refere-se à necessidade da lei “[...] de encontrar um modelo global que torne
congruentes o funcionamento das diferentes estruturas organizacionais
(pedagógicas e administrativas) da escola portuguesa não admite reforma
parcelares ou sectoriais” (FORMOSINHO; FERNANDES; LIMA, 1988,
p. 144, parênteses no original).
Para Lima (2018c) o que se observa após três décadas de aprovação
da LBSE/86 é que ela se encontra entre períodos históricos e políticos
completamente distintos, afastando-se dos contextos históricos vivenciados,
Mariângela Spotti Lopes Fujita, Graziela Zambão Abdian, Helen de Castro Silva Casarin e Eliane Giachetto Saravali
50 |
da reforma de 1973 e da prática escolar. De acordo com o autor, há duas
visões distintas sobre os princípios democráticos e obrigações do Estado
atinentes à LBSE/86, de um lado,
[...] para certos observadores, são considerados insucientes
e resultantes de compromissos criticáveis, já marcados pelo
neoliberalismo; porém, para outros setores, representam verdadeiros
obstáculos a uma reforma desestatizante da educação, capaz de
garantir a livre escolha das escolas, uma maior competição entre
público e privado, uma melhor adequação da educação e formação
aos chamados imperativos da economia e da competitividade
(LIMA, 2018c, p. 84).
Para tanto, há que se considerar todo processo pelo qual a legislação
passou e, ao buscar compreendê-la no atual momento, precisamos nos ater
ao longo período que a própria legislação está em vigência. Desse modo,
identicamos apenas três alterações realizadas na letra da lei, permanecendo
com grande estabilidade enquanto corpo de orientações e regras,
[...] em 1997, através da Lei n.º 115/97, relativamente ao regime
de acesso ao ensino superior, graus académicos e formação de
professores; em 2005, através da Lei n.º 49/2005, que garante a
adequação ao Processo de Bolonha; em 2009, através da Lei n.º
85/2009, que altera o regime de escolaridade obrigatória para o
12º ano ou até aos 18 anos de idade e estabelece a universalidade
da educação pré-escolar para as crianças a partir dos cinco anos
(LIMA, 2018c, p. 80).
Buscou-se em 2004, com o XV Governo, criar uma nova Lei de
Bases do Sistema Educativo, na qual se pretendia retirar do Estado a
obrigação da educação pública, criando uma rede nacional, armando-
se que a própria lei não estava adequada aos tempos e necessidades da
sociedade do conhecimento e da informação, porém não obteve sucesso.
A Lei nº 46/86, com as alterações introduzidas pela Lei nº 115/1997,
de 19 de Setembro e com as alterações e aditamentos introduzidas na Lei
nº 49/2005, de 30 de Agosto, apresenta medidas sobre a democratização
Educação e Informação em contexto de políticas públicas: pesquisas em foco
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da educação no artigo 2º, responsabilizando o Estado sobre a promoção da
democratização do ensino, com justa e igualitária oportunidade no acesso
e sucesso escolar.
A referida lei de 2005, nos artigos 3º, 7º, 46, 48, cria medidas de
descentralização e desconcentração das estruturas e ações educativas, por
meio de processos participativos em diferentes espaços da escola e com
diferentes atores escolares, bem como de adoção de atitudes e formação
autônomas em todos os espaços. É também estabelecida a adoção de órgãos
próprios de administração e gestão dos estabelecimentos de ensino básico
e secundário públicos, eleitos democraticamente. Nesse sentido, podemos
entender que entre as propostas de alterações após a LBSE/86, apenas a lei
nº 49/2005 trata das questões de democratização da educação, contudo,
nela se observa apenas uma armação do que já vinha sendo realizado e já
até indicado na lei nº 46/86, porém em questões sem aprofundamentos.
3. A Gestão democrátIcA nos documentos escolAres
Os normativos portugueses nos apresentam prescrições sobre a
prática escolar, isto é, os caminhos que as instituições escolares devem
seguir. Logo, buscamos compreender a partir dos documentos ociais
do Agrupamento de escolas de Trancoso, bem como da literatura do país
como essas determinações se efetivam no contexto escolar.
As ações democráticas nas escolas portuguesas constroem-se a partir
de diferentes perspectivas, as quais têm em comum a busca pela efetivação
das políticas educativas, nomeadamente a CRP, a LBSE e os Decretos-Leis.
Para tanto, indo ao encontro da realização das determinações normativas,
por vezes as escolas se colocam em situações contraditórias, pois em
dado decreto deve-se seguir os princípios democráticos de participação
e autonomia, já noutro momento mantêm-se os princípios acrescidos de
ecácia e eciência de cunho empresarial.
Além destas contradições, apresentamos os movimentos dentro do
espaço da escola, a partir das aprovações e desaprovações dos normativos,
bem como dos documentos ociais, tidos a partir de decreto como
Mariângela Spotti Lopes Fujita, Graziela Zambão Abdian, Helen de Castro Silva Casarin e Eliane Giachetto Saravali
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instrumentos de autonomia, destacando os aspectos de democratização
identicados nas documentações escolares.
As escolas em Portugal consideradas aparelhos políticos do Estado,
se interpretadas “[...] à luz das especicidades portuguesas no que
concerne ao controlo político e administrativo centralizado” (LIMA,
2018a, p. 33), nota-se o caráter autoritário e repressivo que as políticas
educativas tinham, ao estabelecerem as comissões e os conselhos na
formação dos órgãos de administração e gestão, logo depois retrocedem
com a criação de um órgão unipessoal, o diretor de escola, acarretando
uma intensa confusão normativa.
Essas diferentes posições, representadas nas políticas educativas
em Portugal, geraram críticas acerca da base de construção da prática
das escolas, pois de um lado apresenta-se um discurso democrático de
descentralização, porém de outro lado, vê-se o contrário, com medidas
impositivas e centralizadoras. Nessa esteira, Carvalho (2011, p. 12) ressalta
que, nos últimos vinte anos, o país “[...] constrói, no discurso jurídico
e na intencionalidade política dos diplomas e medidas, uma narrativa
identitária de descentralização, quando a prática, a experiência e o senso
comum parecem contradizer essa idéia”.
As marcas de contradições nas escolas carregam interesses neoliberais
que aproximam a sua forma de gestão à gestão empresarial, sob a justicativa
de uma maior qualidade na educação, já que “[...] o raciocínio neoliberal é
tecnicista, transforma as questões sociais e políticas em questões técnicas
(DAL RI, 2015, p. 58). No entanto, a autora chama a atenção para as
diretrizes gerenciais, isto é, as explícitas diferenças que existem entre as
instituições públicas e privadas nos níveis econômicos, sociais e culturais
dos quais as crianças pertencentes às escolas privadas têm a possibilidade de
ter, ser e viver situações diferenciadas para sua formação integral, enquanto
as crianças de escolas públicas e, principalmente aquelas pertencentes às
escolas periféricas, contam somente com o básico que a escola pública pode
oferecer. Nesse sentido, além dos níveis distintos entre as duas instituições,
destacamos as diferenças entre os seus objetivos e funções sociais, os quais,
a partir das suas realidades, buscam contribuir com o desenvolvimento
daquilo que seus alunos mais necessitam.
Educação e Informação em contexto de políticas públicas: pesquisas em foco
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Segundo Dal Ri (2015), o retrocesso com a categoria político-
educativa, gestão democrática das escolas, vem ocorrendo desde dezembro
de 1974 e, após o decreto de 2008, recebe maior intensidade numa
crescente destruição tanto nas políticas quanto na prática. A autora
considera que, após vivenciar períodos de autogestão entre 1974 e 1976,
Portugal retrocede no que se refere à democratização das escolas, pois, “[...]
retoma os cargos de diretor e subdiretor, que até então eram inexistentes, e
a baixa participação que foi se constituindo [...]. As políticas educacionais
de cunho neoliberal começam a tomar fôlego no período de 1990, e são
implementadas denitivamente no início do século XXI” (p. 52).
Em consequência disso, a autora considera que a gestão democrática
das escolas vem sendo descontextualizada no país, seja nos discursos, na
prática e até na história que se criou, além disso, ela passa a ser atrelada
aos “excessos revolucionários e participativos” (DAL RI, 2015, p. 50), que
ocorreram logo após a revolução em 1974.
Nesse contexto, ainda que se considerem somente as escolas públicas
portuguesas, as diferentes perspectivas que cada uma apresenta sob
determinado cumprimento normativo conrmam as distintas realidades
vividas entre elas. Neto-Mendes (2004, p. 118) chama a atenção para a
visão que se criou das escolas, considerada como “[...] um contexto de
trabalho tantas vezes precário, mutilador dos direitos cívicos de todos
quantos nela trabalham, ensinando e aprendendo, participando nos órgãos
de governo democrático sob o olhar, ora de desconança ora de censura,
do poder central de matriz centralizadora”.
A este respeito, o autor acrescenta quatro fatores principais que
dicultam a promoção e o desenvolvimento da democracia nas escolas de
Portugal, os quais resumem-se, basicamente, no expressivo crescimento
da população escolar que acarreta na escassez de recursos e massicação
do ensino; a diversidade regional que inibe uma coesão nacional; a
instabilidade de professores que interfere na democraticidade da escola,
haja vista a falta de participação contínua nos processos da escola; e, por
m, o questionamento da ecácia e democraticidade com a insuciência
de representatividade e participação (NETO-MENDES, 2004).
Mariângela Spotti Lopes Fujita, Graziela Zambão Abdian, Helen de Castro Silva Casarin e Eliane Giachetto Saravali
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Nessa perspectiva, além dos temas de democracia e participação
muito presentes nos discursos e práticas educativas, após a Revolução de
1974, surge a necessidade da normatização de políticas sobre a autonomia
das escolas. Contudo, este tema recebeu diferentes determinações de acordo
com o período em questão. Para Barroso (2004), a autonomia das escolas
é considerada uma “cção necessária”, pois ainda permanece em constante
construção e desconstrução na política e na prática, ao mesmo tempo,
[...] é impossível imaginar o funcionamento democrático da
organização escolar e a sua adaptação à especicidade dos seus
alunos e das suas comunidades de pertença, sem reconhecer às
escolas [...] uma efectiva capacidade de denirem normas, regras
e tomarem decisões próprias, em diferentes domínios políticos,
administrativos, nanceiros e pedagógicos (BARROSO, 2004,
p. 49-50).
Na visão do autor, a autonomia das escolas portuguesas tornou-se
uma falsicação normativa, pois na prática favorece a legitimação dos
objetivos, visando um controle das práticas administrativas, enquanto seu
real sentido de libertação das escolas para o cumprimento das suas decisões
e necessidades acaba sendo desconsiderado (BARROSO, 2004).
São os instrumentos de autonomia para as escolas infantis, básicas
e secundárias, o Projeto Educativo, Regulamento Interno e Plano Anual
de Atividades. Estas documentações, tidas como validação da autonomia
escolar, representam, respectivamente, “[...] denição de estruturas
de orientação educativa, da explicitação dos princípios, valores, metas
e estratégias que a escola pretende atingir”. O segundo chamado de
regulamento interno congura-se como um “[...] conjunto de normas
internas de procedimentos que dene o regime de funcionamento da
escola”. E o terceiro, nomeadamente, plano anual de atividades “[...]
constitui o documento de planicação baseado no projecto educativo e
onde são estabelecidos os objectivos e a programação das actividades da
escola para cada ano” (FORMOSINHO, 2010, p. 47-48).
Cada instituição escolar ou agrupamento de escolas possuem as suas
documentações, elaboradas, acompanhadas e avaliadas pelos respectivos
Educação e Informação em contexto de políticas públicas: pesquisas em foco
| 55
responsáveis nos conselhos. Para a compreensão sobre a estrutura dos
documentos, bem como sua proximidade com a democratização da
educação, selecionamos o Agrupamento de Escolas de Trancoso (AET),
distrito de Guarda em Portugal, cujo site visitamos e, por meio dele,
tivemos acesso às referidas documentações.
Criado em 2010, conta com quatro instituições de Jardim de infância:
de Trancoso, Cogula, Freches e Vila Franca das Naves, cinco escolas básicas
(1º, 2º e 3º ciclo): de Trancoso, Vila Franca das Naves, Cogula, Freches
e Ribeirinha e apenas uma instituição de ensino secundário, representada
pela escola Gonçalo Anes Bandarra (atual escola sede do agrupamento).
A comunidade escolar é composta por cerca de 810 alunos, sendo 203
alunos do 1.º ciclo (14 turmas), o segundo maior em quantidades, 120
professores e 77 Assistentes Técnicos e Operacionais.
O projeto educativo do agrupamento de escolas de Trancoso (2020-
2023), é um documento que tem a validade de 3 anos, está dividido
em 4 capítulos em 38 páginas, estabelece os princípios, valores, metas e
estratégias. Entre os objetos de “Missão” citados no documento, destacamos
a relevância que ele oferece para a construção de uma escola democrática e
humanizadora, que seja aberta as diferenças, ética, exigente quanto ao nível
intelectual de seus formadores e formados, bem como comprometida com
a melhoria contínua.
No item “princípios e valores”, destacamos o compromisso assumido
com os princípios de respeito, participação, democraticidade e autonomia.
Entre os objetivos, destaca-se o anseio de formação de cidadãos livres,
consciente e participantes na vida em sociedade. Entre as potencialidades
apontadas no documento, destacamos a criação de uma rede escolar que
supre as necessidades da sua comunidade, a existência de um sistema de
gestão que atende todo agrupamento e a associação de pais e encarregados
de educação, que se apresenta disposta e ativa para todas as nalidades da
escola. No item sobre as “nalidades do projeto educativo”, destacamos
o estímulo a participação da comunidade educativa nas atividades do
agrupamento, o desenvolvimento do diálogo e o envolvimento da
comunidade nas atividades.
Mariângela Spotti Lopes Fujita, Graziela Zambão Abdian, Helen de Castro Silva Casarin e Eliane Giachetto Saravali
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No domínio 1 - nomeadamente resultados, são estabelecidos os
objetivos, ponto de partida, metas, estratégias e indicadores, dos quais,
entre as várias medidas, destacamos respectivamente os que se aproximam
da democratização do agrupamento. Os objetivos estabelecidos, referem-
se à promoção do envolvimento dos pais na vida da escola e nas tomadas
de decisão. O ponto de partida tomado pelo agrupamento é o escasso
conhecimento dos pais e encarregados sobre seus direitos e deveres. As
metas estabelecidas para cumprimento dos objetivos são: a criação de um
portal de informação aos pais, ampliar o grau de participação destes no
processo de tomada de decisão, nas reuniões e atividades do agrupamento.
Para tanto, são estabelecidas as estratégias com as informações
dispostas na plataforma moodle sobre todas as reuniões dos conselhos e
de interesses dos pais, criação de espaços para recebimento dos pais,
responsabilização no acompanhamento da vida escolar de seus lhos,
dinamização das atividades, articulação de horário de reuniões com os pais
a partir do horário de trabalho e utilização do meio eletrônico para maior
facilitação na comunicação entre escola e famílias.
Quanto aos indicadores, o agrupamento determina a adoção de
registro de presenças, fotograas, escritos, visando a monitorização destes,
bem como reuniões para os pais sobre os assuntos que lhe digam respeito
e que suas sugestões também possam ser contempladas. Para a avaliação
do cumprimento do projeto educativo, entre as propostas, destaca-se a
avaliação sobre o grau de participação dos pais e encarregados de educação,
sobre a vida escolar dos alunos, por meio do contato com os diretores de
turma e professores.
O regulamento interno do agrupamento de Trancoso, aprovado
em Julho de 2020, conta com 14 capítulos, 197 artigos, num total de
120 páginas. No entanto, destacamos os capítulos e artigos que tratam
diretamente das medidas democráticas. De modo geral, o objetivo do
documento é a denição normativa dos princípios gerais da educação
no agrupamento, destacando os direitos e deveres dos atores escolares,
sustentados numa educação humanizadora, de formação livre e responsável,
para o desenvolvimento integral do cidadão português.
Educação e Informação em contexto de políticas públicas: pesquisas em foco
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No artigo 4º, trata-se sobre a autonomia das escolas, que deve
orientar-se pelos princípios de igualdade, participação e transparência,
é estabelecido que o agrupamento disponha de autonomia nas decisões
nos níveis pedagógicos, curriculares, administrativo e nanceiro. Entre os
direitos da comunidade educativa, expostos no capítulo IX, destacamos a
possibilidade de participar das dinâmicas no agrupamento, de ser ouvido,
ser informado, eleger os membros dos conselhos e, também, ser eleito.
Quanto aos deveres, estabelece que a comunidade educativa deve participar
da eleição de seus representantes, bem como manifestar colaboração.
Por m, o Plano Anual de Atividades do agrupamento, válido de 2020
a 2021, possui 140 páginas, e determina os conteúdos, nalidades e domínios
que o agrupamento deverá seguir. O documento é construído coletivamente,
conforme as orientações legais nacionais, desse modo, apresenta as atividades
de cada nível (Infantil, ensino básico- 1º, 2º e 3º ciclo e ensino secundário),
além disso, apresenta os serviços e a estrutura educativa do agrupamento,
bem como as propostas da comunidade educativa.
No item “nalidades do plano”, os aspectos de estímulo à
participação da comunidade são voltados para o desenvolvimento do
diálogo e participação conjunta, envolvimento da comunidade nas
atividades e participação nas atividades promovidas pela comunidade.
No item “domínios”, o documento apresenta alguns quadros, sobre as
atividades a serem desenvolvidas durante todo o ano letivo, divididas em
resultados (1º período), prestação de serviço educativo (2º período) e
liderança e gestão (3º período).
Nos projetos mencionados, vimos que são propostas diversas
parcerias com instituições sociais e privadas. Entre os projetos citados,
nos chamou a atenção o projeto “Parlamento dos Jovens”, destinado
somente aos alunos do ensino básico de 2º e 3º ciclo e ensino secundário.
Tal atividade trata-se de um debate político na escola com a presença
de um Deputado da Assembleia da República. Além disso, destacamos
alguns itens na pauta de objetivos deste projeto, os quais referem-se à
educação para a cidadania com estímulo para a participação cívica e
política, conhecimento sobre a Assembleia da República, sobre o mandato
Mariângela Spotti Lopes Fujita, Graziela Zambão Abdian, Helen de Castro Silva Casarin e Eliane Giachetto Saravali
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parlamentar, suas regras e processos decisórios, por meio de experiências
de participação nos processos eleitorais.
consIderAções fInAIs
Consideramos que a gestão democrática como se apresenta em
Portugal, representa um longo período de lutas, avanços e recuos na educação
pública. Na literatura podemos observar que a gestão democrática da escola
pública não está restrita a apenas uma denição, pois ao mesmo tempo em
que ela é formativa e dinâmica, ela também é complexa e desaadora. No
entanto, ainda que possua características distintas, os autores estudados
comungam da mesma opinião ao tratarem da importância e necessidade
de se efetivar essa forma de gestão nas escolas.
A LBSE/86 torna-se resultado de políticas que se abstiveram das
dinâmicas autogestionárias e de democracia direta, contudo se observa
que nela são contempladas medidas de democratização e participação
democrática ao mesmo tempo em que se valorizam aspectos de modernização
e racionalização dos instrumentos educativos (LIMA, 2018c). Desse modo,
a lei acompanha dupla destinação, pois de um lado é considerada um meio
para validar os interesses da sociedade, com as determinações de ampliação
do acesso à educação, enquanto de outro minimiza as obrigações do Estado,
deixando à cargo das instituições parceiras privadas, o fornecimento e a
manutenção dos recursos à educação pública.
Nos documentos escolares, a gestão democrática está representada
pelo princípio da autonomia do agrupamento, da participação dos alunos e
famílias e pelo direito de uma formação integral do cidadão. No entanto, a
autonomia que se vê nas escolas portuguesas ca apenas restrita ao aspecto
normativo, e não consegue se adequar ao contexto escolar, tendo em vista
a falta de poder de decisão que as instituições escolares ainda se encontram.
No entanto, em busca pela autonomia e atendendo às determinações dos
decretos, as escolas passaram a criar seus documentos ociais, considerados
como instrumentos de autonomia, pois, a partir deles, cada instituição
teria a possibilidade de elaborar, analisar e avaliar suas ações, gerir seus
recursos, obedecendo aos princípios gerais de uma organização educativa.
Educação e Informação em contexto de políticas públicas: pesquisas em foco
| 59
Portanto, a gestão democrática em Portugal, ainda que receba
inúmeras críticas e faça-se necessário constantes reexões e modicações,
contribui para a formação de todos os envolvidos, ao permitir a
participação ativa de todos os membros, ao fornecer base teórica e legal
sobre suas ações, além de proporcionar momentos e espaços para reexão
e compartilhamento de decisões. Dessa forma, entendemos que suas
questões discutidas, suas construções coletivas e ações efetivadas na escola,
possuem maior representatividade e sentido aos envolvidos.
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2020. Disponível em: https://aetrancoso.pt/download/gesdoc/Regulamento-Interno-24-
de-julho-anexos-versao-nal.pdf/. Acesso em: 13 abr. 2021.
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A      
    
(1997 – 2019)
Rafael Franco Lobo
Graziela Zambão Abdian
Resumo: Com o objetivo de analisar como a gestão da escola de educação infantil é
abordada nas dissertações e teses publicadas no Brasil (1997-2019) e se há tratamento
especíco sobre a gura masculina, o gestor escolar, nessas pesquisas, foi realizada uma
pesquisa bibliográca por intermédio da plataforma Oásis onde foram selecionadas teses
com as palavras-chave: “gestão da escola” e “educação infantil”. Com referencial pós-
estruturalista, procedemos a análise evidenciando a maioridade, menoridade e linhas de
fuga da produção do conhecimento em gestão de escolas de educação infantil nas teses
selecionadas.
Palavras-chave: Educação; Gestão escolar; Gestor escolar; Educação infantil.
Abstract: In order to analyze how the management of the early childhood education
school is addressed in the dissertations and theses published in Brazil (1997-2019) and
if there is a specic treatment of the male gure, the school manager, in these researches,
was carried out a bibliographic research by through the Oasis platform where theses
were selected with the keywords: “school management” and “child education”. With a
post-structuralist reference, we proceeded with the analysis, highlighting the majority,
minority and lines of ight in the production of knowledge in the management of early
childhood education schools in the selected theses.
Key words: Education; School management; School manager; Child education.
https://doi.org/10.36311/2023.978-65-5954-330-4.p61-90
Mariângela Spotti Lopes Fujita, Graziela Zambão Abdian, Helen de Castro Silva Casarin e Eliane Giachetto Saravali
62 |
consIderAções InIcIAIs
Vinculada ao Centro de Estudos e Pesquisas em Administração Escolar
(CEPAE), esta pesquisa buscou analisar a forma como é contemplada a
gestão da escola de Educação Infantil em pesquisas publicadas no Brasil
no período de 1997 a 2019 e se há tratamento especico acerca da gura
masculina. Esclarecemos que a denição da data se deve ao fato de ser o
primeiro ano após a promulgação da Lei nº 9394/1996 – Lei de Diretrizes
de Bases da Educação Nacional, que integra a Educação Infantil à Educação
Básica juntamente com os Ensinos Fundamental e Médio.
Inicialmente, construímos um recorte do processo histórico da
Educação Infantil para compreensão das transformações que permeiam
o contexto dessas instituições e vericarmos se a gestão escolar fora
contemplada nesse processo. Em seguida, procuramos a partir de autores
clássicos da área apresentar alguns aspectos que constituem o conhecimento
em Gestão Escolar e também constatar se a primeira etapa da educação
básica fora aqui contemplada.
E por m, por meio da plataforma Oásis, utilizando as palavras
chaves: “gestão da escola”, “educação infantil”, “gestor educacional”,
selecionamos 13 (treze) teses para análise que se efetivou na perspectiva de
trabalhar com a ideia de maioridade e menoridade – linhas de fuga, para
trazer a análise do que está “fora” do campo, subsidiando-nos em Gallo e
Figueiredo (2015).
educAção InfAntIl: um recorte hIstórIco
Tendo como subsídio predominantemente Kuhlmann Júnior (2015),
foi possível constatar que muitos aspectos permanecem desde as origens
até os dias atuais na primeira etapa da educação básica; as demandas de
vagas, os poucos investimentos, a baixa preocupação com a qualidade no
atendimento são exemplos dessas situações.
A origem assistencialista também percorre até hoje a crença dessa
etapa, uma vez que ainda nos deparamos com uma concepção de que
essas instituições foram criadas apenas para atender as crianças pobres
Educação e Informação em contexto de políticas públicas: pesquisas em foco
| 63
e/ou das famílias trabalhadoras (sobretudo, as mães) em um espaço que
guarda e garante o suprimento das necessidades siológicas, de saúde e
de alimentação. Inclusive predomina um pensamento de que a vaga é
uma dádiva e não um direito, essa ideia de caridade no contexto histórico
tenta calar as famílias, subordinando-as às instituições de forma que não
reivindiquem melhorias.
Também foi possível identicar uma menoridade, a subordinação
da creche em relação à pré-escola; a primeira foi criada como espaço para
acolher os lhos das domésticas e escravas, deixando-os longe da casa dos
patrões. Evidentemente tais espaços eram discriminados e ainda são alvo
de preconceito e considerados “mal necessário”. Já para atrair as famílias
ricas que não optavam em contratar senhoras para educar em casa os lhos,
foram criadas as pré-escolas, que se empregavam o termo “pedagógico
para destacar a preocupação com o desenvolvimento da criança e assim
distingui-las das creches e asilos.
Com o passar do tempo, a Psicologia Infantil ganhou espaço
nos estudos acerca da etapa e novas concepções passaram a percorrer o
pensamento da área; a importância da educação à faixa etária e a relevância
do período da infância para o desenvolvimento da criança evidenciaram
a necessidade de uma nova identidade à Educação Infantil, que passara
a ser contemplada como um projeto educacional e não mais como uma
educação compensatória.
Infelizmente todas essas considerações não foram sucientes para a
transformação das instituições dessa etapa, uma vez que os recursos ainda
eram escassos, as condições precárias e havia uma distinção de acordo
com público atendido, isto é, as creches públicas se caracterizavam pelo
caráter assistencialista e as particulares por aspectos cognitivos, emocionais
e sociais. Sendo que nas primeiras haviam também a insuciência de
docentes qualicados, mão de obra voluntária, o que manteve as crianças
carentes em programas compensatórios.
A partir da década de 1960, ampliou-se o reconhecimento das
instituições de Educação Infantil como passíveis de fornecer uma boa
educação para as crianças que as frequentassem e essa demanda recaracterizou
Mariângela Spotti Lopes Fujita, Graziela Zambão Abdian, Helen de Castro Silva Casarin e Eliane Giachetto Saravali
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as instituições que se tornaram apropriadas às crianças de todas as classes
sociais. Assim, novos pensamentos conguraram o cenário da Educação
Infantil: educação como preparação para vida, assim de contribuir com
o desenvolvimento econômico e social; criança considerada a chave do
desenvolvimento da nação e a difusão da pré-escola como solução aos
problemas de baixo rendimento da escola de primeiro grau (atual ensino
fundamental). Dessa forma, foram estabelecidos princípios gerais a m de
nortear um programa de pré-escola para o país.
As transformações continuaram, no nal da década de 1980,
no período de redemocratização do país e durante a década de 1990,
as reivindicações das classes trabalhadoras e dos movimentos sociais
ocasionaram a constituição da atual identidade da Educação Infantil
como etapa de aprendizagem, conhecimento e desenvolvimento de
todas as crianças; o cuidar e o educar como indissociáveis; a necessidade
planejamento de rotinas; enm todos os conhecimentos acerca dos
diversos aspectos que constituem o trabalho realizado cotidianamente
nas instituições de Educação Infantil. Evidentemente, também foram
percebidos a insuciência do atendimento, os poucos investimentos
técnicos e nanceiros, e todos os aspectos já citados anteriormente.
Destarte, foi possível perceber, nesse recorte, que não houve durante
o processo histórico da Educação Infantil uma preocupação com a Gestão
Escolar das instituições dessa etapa.
Gestão escolAr: AlGuns Aspectos dA constItuIção do
conhecImento
A partir de autores clássicos da área apresentamos um recorte da
história da Gestão a m de evidenciar as ideias da natureza e função
da administração escolar (TEIXEIRA, 1961; TEIXEIRA, 1968) da
equivalência da administração da escola à empresa (RIBEIRO, 1968);
a forma como se contemplou o papel do diretor de escola (ALONSO,
1976); a necessidade da especicidade integrar a administração escolar
(PARO, 1986) e a presença dos dois paradigmas concomitantemente nas
escolas (RUSSO, 2004).
Educação e Informação em contexto de políticas públicas: pesquisas em foco
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A partir da década de 1930, estudiosos brasileiros começaram a
dedicar-se acerca do pensamento da área. Na pesquisa destacamos quatro
estudiosos desse momento; Carneiro Leão que defendeu a aplicação dos
princípios da administração empresarial em qualquer organização e o
diretor como gura central; já Anísio Teixeira sustentou a ideia de que
o objetivo da escola se opunha ao da empresa e por isso era necessário
considerar a especicidade da escola; Querino Ribeiro assim como Carneiro
Leão também destacou que a Teoria Geral da Administração podia ser
aplicada na escola e que o administrador não precisa ser exclusivamente
um educador e por último Lourenço Filho corroborou a aplicação da TGA
e apresentou o diretor escolar como o responsável pela organização das
relações de poder na escola.
Neste período, Anísio Teixeira foi o único que defendeu a natureza
e função da administração escolar e apresentou o administrador como
o homem que dispõe dos meios e recursos necessários para obtenção
de resultados. Segundo o estudioso, a escola depende do administrador
e da formação que ele tem. Para Querino Ribeiro, a escola era como
uma empresa e assim como tal deveria ser gerida segundo a Teoria
Geral da Administração. Myrtes Alonso também concordou com os
princípios da TGA e apresentou a função administração como meio
para a existência da organização e para realização de seus propósitos.
Propondo uma ruptura com a TGA, Vitor Paro argumentou acerca da
necessidade em se considerar a peculiaridade dos objetivos da escola
e seu comprometimento com a transformação social. E seguindo o
pensamento, Miguel Russo defendeu a importância da escola estar
a serviço dos interesses da classes populares e ambos propuseram a
construção de uma teoria da Administração Escolar fundamentada na
especicidade do processo pedagógico e organização da escola, uma vez
que essa administração é mediadora dos meios e ns educacionais.
Com o processo de redemocratização, a gestão democrática se
efetivou em forma de lei como princípio da escola pública, a participação
da comunidade passa permear o cotidiano das escolas nas tomadas de
decisões. Em meados da década de 1990, a m de incentivar os mecanismos
de meritocracia e competitividade no intuito de alcançar os resultados
Mariângela Spotti Lopes Fujita, Graziela Zambão Abdian, Helen de Castro Silva Casarin e Eliane Giachetto Saravali
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estabelecidos pelas diretrizes economicistas, a gestão gerencialista também
se congura nas escolas; dessa forma, temos a dualidade da área: gestão
democrática e gestão gerencialista.
Assim, concluímos que não houve preocupação com as especicidades
da Educação Infantil na constituição do conhecimento em gestão escolar
das escolas, uma vez que foram tratadas de forma genérica todas etapas de
ensino. A gestão dessa escola é uma menoridade conduzida pela maioridade.
AnálIse dAs teses: A mAIorIdAde, A menorIdAde e As lInhAs de
fuGA nAs pesquIsAs AnAlIsAdAs
As buscas ocorreram em dois momentos; no primeiro, a busca
avançada por assunto com os descritores “gestão escolar” e “educação
infantil” limitou-se ao idioma português e entre o período de 1997 a
2019 como anos de defesa, e resultou em 27 (vinte e sete) dissertações
e 4 (quatro) teses, contudo, duas dissertações se repetiram, assim foram
discriminadas em tabelas distintas as 25 (vinte e cinco) dissertações e as 4
(quatro) teses.
Considerando quatro teses um resultado abaixo do esperado, a
pesquisa passou por um segundo momento, assim, a nova busca avançada
com os mesmos descritores procurou por resumos e teve um resultado
bastante expressivo com 78 (setenta e oito) pesquisas, entretanto três se
repetiram, então foram listadas as 75 (setenta e cinco).
Após os dois procedimentos de busca, analisamos títulos e resumos
para selecionar aquelas que dizem respeito exclusivamente ao nosso
objetivo de pesquisa. Levando em consideração a originalidade presente
nas teses para a produção do conhecimento, optamos em analisar as 13
(trezes) pesquisas que foram enumeradas abaixo.
Educação e Informação em contexto de políticas públicas: pesquisas em foco
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Tabela 1: Lista de teses selecionadas para análise em ordem cronológica
teses
Título
Autor /
Orientador
Universidade Ano
A gestão das creches municipais
de São Carlos na visão das
diretoras: da assistência à
educação (1999-2004)
Maria das Graças Fernandes de
Amorim dos Reis
Anete Abramowicz
Universidade Federal de
São Carlos
2007
Organização e gestão
democrática na escola de
educação infantil: análise
dos limites e perspectivas nas
realidades brasileiras e italianas
Cinthia Magda Fernandes
Ariosi
Neusa Maria Dal Ri
Universidade Estadual
Paulista
2010
A educação infantil foi para a
escola, e agora?: ensaio de uma
teoria para a gestão institucional
da educação infantil
Marta Fresneda Tomé
Lourdes Marcelino Machado
Universidade Estadual
Paulista
2011
Famílias e educação infantil:
parcerias?
Lúcia Aparecida Parreira
Cirlene Ap. Hilário da Silva
Oliveira
Universidade Estadual
Paulista
2013
Ser gestora da educação infantil:
quais sentidos atribuídos na
cultura prossional?
Maura Costa Bezerra
Adir Luiz Ferreira
Universidade Federal do
Rio Grande do Norte
2014
O trabalho do gestor na
educação infantil: concepções,
cenários e práticas
Sueli Helena de Camargo
Palmen
Newton Antonio Paciulli Bryan
Universidade Estadual de
Campinas
2014
Relações de gênero e sexualidade
na educação infantil: interface
que envolvem as práticas
pedagógicas
Valéria Pall Oriani
Tânia Suely Antonelli
Marcelino Brabo
Universidade Estadual
Paulista
2015
Gestão em Centros de Educação
Infantil: políticas e práticas
Anízia Aparecida Nunes Luz
Lucrécia Stringheta Mello
Universidade Federal de
Mato Grosso do Sul
2016
Autoavaliação institucional
participativa da educação infantil
da cidade de São Paulo
Meire Festa
Monica Appezzato Pinazza
Universidade de São Paulo 2019
Gênero e gestão da educação
infantil: trajetórias e experiências
de homens e mulheres que
trabalham como diretores(as)
educacionais
Mariana Kubilius Monteiro
Helena Altmann
Universidade Estadual de
Campinas
2019
Pedagogia da educação infantil,
gestão escolar e liderança
pedagógica: um estudo de caso
multicontexto numa pedagogia
transmissiva e numa pedagogia
participativa
Jorgina Ricardo Pereira
Silvia Helena Vieira Cruz
Universidade Federal do
Ceará
2019
Mariângela Spotti Lopes Fujita, Graziela Zambão Abdian, Helen de Castro Silva Casarin e Eliane Giachetto Saravali
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Políticas de educação infantil
no município de Teresina-Piauí
(2006-2016): modelos de gestão
e expansão da oferta
Carmen Lucia de Sousa Lima
Marcelo Soares Pereira da Silva
Universidade Federal de
Uberlândia
2019
O contexto da Educação Infantil:
implicações da gestão escolar na
prática pedagógica
Cristiane Aparecida
Woytichoski
Silvia Christina de Oliveira
Madrid
Universidade Estadual de
Ponta Grossa
2019
Fonte: Autoria própria.
Subsidiando-nos no referencial teórico-metodológico, podemos
explicitar alguns aspectos principais que nos conduziram à resposta do
problema de pesquisa. O objetivo é compreender, no conjunto dessas teses,
o “majoritário, a língua maior, como estado de poder e de dominação” e
o que se mantém no poder. E, também, o que se constitui como “língua
menor”, na qual “o jogo é outro, pois o devir minoritário é a potência
de criação”. Há um tratamento especíco para a escola de Educação
Infantil que fuja à regra de formação ou ao estado maior da produção do
conhecimento em gestão escolar? A gura masculina na gestão da educação
infantil se constitui como uma dessas linhas?
A mAIorIdAde nAs pesquIsAs AnAlIsAdAs
A Análise de Conteúdo como contextualizado por Tomé (2011)
de acordo com Franco (2005) tornou-se uma técnica muito frequente
nas pesquisas educacionais sobretudo quando há o interesse em questões
teóricas. Todas as teses que a apontam como metodologia seguem o
mesmo caminho e as mesmas citações previamente ao tratamento dos
dados, mas sem aprofundamento da técnica, o que nos indica um “modo
de ser” das pesquisas, uma “regra de formação”, ou uma necessidade de
manutenção de uma forma de existir – a maioridade - como Assim com
base em Bardin (1995), nas teses constam que elas são organizadas em
três momentos distintos: 1) pré-análise, 2) exploração do material e 3)
tratamento dos resultados, inferência e interpretação; e presta-se ao estudo
das motivações, atitudes, valores, crenças e tendências”; e como acrescido
por Woytichoshi (2019) para desvendar as ideologias que podem existir
Educação e Informação em contexto de políticas públicas: pesquisas em foco
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nos dispositivos legais, princípios, diretrizes etc. Tomé (2011) esclareceu
a necessidade do pesquisador em elaborar indicadores coerentes com o
problema e a perspectiva teórica e evidenciou que durante a investigação
teve auxílio de uma categorização previamente elaborada “vocabulário
usual da área: percepção e compreensão dos prossionais dirigentes das
escolas públicas de educação básica”. Luz (2016) explicitou que a análise
de conteúdo não se trata apenas da descrição da comunicação, uma vez
que possibilita traduzir o sentido que as palavras ditas trazem de relevante
para o estudo, após o tratamento rigoroso da análise, que não é mera
interpretação subjetiva. Dessa forma, procuraram compreender as falas dos
gestores como manifestações de prossionais que atuam nas instituições
de Educação Infantil, caracterizada por uma realidade complexa, já que
convivem com diferentes situações sociais, políticas e de relações humanas.
Em Festa (2019) a análise de conteúdo foi adotada a m de não
apenas comprovar as hipóteses elencadas, mas também para incrementar
os processos reexivos, criando assim novas possibilidades e necessidades
de esclarecimentos a respeito de determinados fatos e achados não
previstos de início. Assim, o estabelecimento de temáticas se efetivou
a partir da recorrente leitura dos dados produzidos, provenientes de
diferentes fontes; tiveram como objetivo a identicação das regularidades
discursivas presentes nos dados e descoberta dos núcleos de sentidos que
compunham os discursos das educadoras. E por m, Woytichoshi (2019),
que justicou que a partir da análise dos dados coletados, constituiu-
se no estudo do signicado do que os atores sociais exteriorizam no
discurso, apontando ainda a frequência ou lacunas de determinadas
características do conteúdo e explicou que as categorias emergiram
a partir dos dados obtidos por meio das entrevistas com as diretoras e
coordenadoras pedagógicas, das respostas das professoras adquiridas por
meio do questionário, bem como da análise documental.
A Análise de Conteúdo é citada com suas três grandes etapas nos
inícios do trabalho, mas não é possível compreender como ela, enquanto
técnica, articulou-se com os autores utilizados para análise dos dados e
como contribuiu para “desvendar” dados ocultos no texto estudado (seja
ele uma transcrição de entrevistas ou material bibliográco).
Mariângela Spotti Lopes Fujita, Graziela Zambão Abdian, Helen de Castro Silva Casarin e Eliane Giachetto Saravali
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Outro aspecto da maioridade constatado é que as pesquisas são
realizadas com sujeitos da escola, especialmente gestoras. Os sujeitos
participaram sobretudo por meio de entrevistas e relatos, além da
observação dos pesquisadores no cotidiano escolar. Reis (2007) realizou
14 (quatorze) entrevistas tipo depoimento com as diretoras das creches,
solicitando-lhes discorrer sobre a trajetória pessoal e prossional; concepção
da Educação Infantil; motivos que ocasionaram a escolha para atuar nessa
etapa da educação básica; o papel do diretor na Creche; se há função
pedagógica nessa instituição; as especicidades da Creche; como vê a
passagem da Creche para o âmbito da educação; quais foram as mudanças
que aconteceram; como entendeu a passagem para o atendimento de meio
período e se houve diculdades para a nova realidade.
Ariosi (2010) entrevistou 18 (dezoito) pessoas envolvidas na gestão
escolar, professores, dirigentes, pais de aluno, foram 11 (onze) em Bauru/
SP que responderam acerca de informações pessoais, concepções sobre a
Educação Infantil, conhecimento sobre a APM e o princípio da gestão
democrática na escola pública e 7 (sete) na Itália.
Parreira (2013) contou com a participação de 23 (vinte e três)
familiares das crianças matriculadas que por meio de um questionário
informaram dados pessoais, composição familiar, grau de instrução,
tipo de habitação, renda familiar, apontamento de aspectos da unidade
escolar, contextualização do ambiente familiar e se havia oportunidades
de participação na instituição além de responderem questões sobre
o signicado de educação e escola; o papel da família na educação dos
lhos; se é importante a participação da família na escola e os motivos que
justicam essa opinião; qual a visão do família sobre a escola e como deve
acontecer a participação da família.
Bezerra (2014) entrevistou as quatro integrantes da equipe gestora
(gestora, vice-gestora, professora coordenadora da manhã, professora
coordenadora da tarde) do CEMEI Marilanda Bezerra identicando dados
acerca da trajetória de formação acadêmica (formação inicial, continuada;
escolha pela docência; razoes da escolha pela gestão escolar; experiência de
formação e atuação na educação; experiências cotidianas de gestão escolar
na Educação Infantil), sentidos (educar e cuidar na Educação Infantil;
Educação e Informação em contexto de políticas públicas: pesquisas em foco
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ser gestora de infância; ser criança; acolhimento), relações no trabalho
entre gestora, coordenadoras, professoras e funcionários e entre família e
comunidade e também as limitações.
Palmen (2014) a partir dos relatos dos gestores que registraram o
cotidiano da escola, nos quais eles optaram em descreve um dia de trabalho
ou um momento desse dia (uma reunião de professores, uma conversa com
pais de alunos), isto é, uma atividade pautada sob o olhar dos gestores, a
m de possibilitar a análise dos indícios presentes nas narrativas algumas
concepções que permearam e compuseram as indagações da pesquisa.
Oriani (2015) por meio de entrevistas com prossionais vinculados
à Secretaria Municipal de Educação Municipal de Marília/SP que atuam
na Educação Infantil (um professor, uma professora, uma diretora, uma
coordenadora, uma supervisora, uma psicóloga, um orientador pedagógico),
dois estudiosos da Universidade, vericou a reprodução de práticas sexistas
e a permanência de discriminações e preconceitos referentes à identidade
de gênero na primeira etapa da educação básica.
Luz (2016) solicitou aos prossionais que atuavam nas instituições
anteriormente a transição da Educação Infantil (creche) do campo da
Assistência Social ao campo da Educação, relatos de memórias com fatos
que antecederam a transição, o papel que desempenhavam, a concepção
de criança, a forma como era fundamentando o trabalho com as crianças,
quem eram os sujeitos que atuavam e como conduziam o trabalho e como
ocorrera o processo de transição. A pesquisadora também obteve o relato
de 12 (doze) diretoras e coordenadoras pedagógicas; às diretoras, ela pediu
a descrição das atribuições administrativas, pedagógicas, ações do dia a
dia; indagou acerca do papel desempenhado em relação à promoção da
participação do coletivo na tomada de decisões e gestão nanceira de
material e pessoas, garantindo assim o princípio da gestão democrático-
participativa. Às coordenadoras, solicitou as atribuições na gestão
pedagógicas, as ações cotidianas, perguntou a forma que se organizam
para cumprir o papel em relação à orientação aos professores e atendentes
quanto ao planejamento das atividades; proposta de formação continuada
e acompanhamento da criança.
Mariângela Spotti Lopes Fujita, Graziela Zambão Abdian, Helen de Castro Silva Casarin e Eliane Giachetto Saravali
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Festa (2019) aplicou questionários e entrevista semiestruturadas,
a m de compreender a constituição; vericar a opinião dos envolvidos
acerca das diculdades e da validade do processo autoavaliativo para
a transformação concreta das ações cotidianas; notar a noção sobre a
responsabilidade pessoal na ação de qualicação do atendimento à infância
e constata a inuência dos gestores/formadores nesse processo.
Monteiro (2019) realizou entrevistas semiestruturadas com 15
(quinze) diretores: oito homens e sete mulheres em seis Centros de
Educação Infantil do município de Campinas/SP, buscou informações
acerca da trajetória de vida: pessoal, formativa e prossional (família,
escolha do curso de formação inicial, ingresso à docência, curso de pós-
graduação); ingresso à rede municipal de Campinas como diretor ou
diretora (decisão de prestar o concurso, motivo que levou a escolher a
primeira escola, desaos e diculdades no período inicial da experiência
como gestor, como a experiência docente contribuiu ao trabalho como
gestor; exercício da gestão de Centros de Educação Infantil (se atuou em
outras etapas da educação básica, as diferenças na gestão em outra etapa,
como ocorre a atuação nas questões ditas “pedagógicas”, as implicações
da especicidade da Educação Infantil – cuidar e educar – no trabalho
da gestão, gestão democrática da escola e o planejamento do cotidiano de
trabalho na gestão) e por m, o cotidiano de trabalho na Educação Infantil
(relação com as crianças, com as famílias e comunidade, com os professores,
com os monitores; abordagem às questões de comportamento das crianças
e também dos funcionários; observação dos aspectos pedagógicos; a forma
que responde às reclamações e a atuação com homens na gestão).
Já Pereira (2019) entrevistou gestoras, professoras, auxiliares
de Educação Infantil, auxiliar de serviços e famílias das crianças. No
questionário às famílias indagou os motivos que levaram-nas a escolher a
instituição, como participam da escola e como a instituição possibilita a
participação das famílias, a forma que acontece a divulgação do trabalho
realizado na escola e como se dá a relação escola-família; aos prossionais,
atentou-se às questões acerca da formação inicial e continuada, experiência
prossional e ingresso na função; apenas às gestoras solicitou informações
sobre os objetivos e especicidades da Educação Infantil; as peculiaridades
Educação e Informação em contexto de políticas públicas: pesquisas em foco
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observadas no cotidiano: contratação de cuidadoras, conitos entre
professores, comunicação com as famílias das crianças.
Lima (2019) com um roteiro de perguntas abertas e fechadas
entrevistou as técnicas, gerentes das cinco categorias: planejamento,
formação, monitoramento, avaliação e currículo a m de compreender a
gestão das políticas implementadas, a pesquisadora conseguiu identicar
metodologia, objetivos, metas, estratégias, público-alvo, periodicidade,
relações entre os pilares.
Woytichoski (2019) entrevistou três diretoras, três coordenadoras
pedagógicas e trinta e uma professoras de três Centros Municipais de
Educação Infantil da cidade de Ponta Grossa/PR. Às diretoras questionou
sobre a concepção de criança; como dever ser a pratica pedagógica e as
nalidades dessa prática; as diculdades no cotidiano para atuar na direção
escolar; a periodicidade da elaboração do plano de trabalho, como é
elaborado, executado e se é pensado com a coordenação da escola; as atividades
que demandam mais tempo e dedicação; se os subsídios fornecidos pela
formação inicial são sucientes à atuação e de que forma a reexão sobre o
trabalho se estabelece na prática pedagógica. Às coordenadoras pedagógicas
também foi indagado acerca da concepção de crianças; as considerações da
prática pedagógica para etapa; as diculdades do dia a dia; a periodicidade
da elaboração do plano de trabalho; o planejamento e a execução do plano
de trabalho; as atividades que demandam mais tempo e dedicação; a
formação inicial; o referencial teórico e documentos norteadores utilizados;
os desaos encontrados na implementação da BNCC; os estudos com a
Secretaria Municipal de Educação e a articulação entre Projeto Político
Pedagógico da escola e BNCC. E por m, às professoras, procurou saber
qual a concepção sobre o olhar com a prática pedagógica, a relação do
PPP com essa prática; os elementos presentes na escola que inuenciam
o trabalho; as contribuições da equipe de gestão escolar; periodicidade e
temas priorizados nos momentos de formação continuada com a equipe
de gestão; em relação ao planejamento, os elementos considerados, a forma
(individual ou coletiva), o referencial utilizado, o subsídios de documentos
curriculares; as contribuições trazidas pela BNCC e como acontece a
reexão do trabalho docente estabelecido na prática pedagógica.
Mariângela Spotti Lopes Fujita, Graziela Zambão Abdian, Helen de Castro Silva Casarin e Eliane Giachetto Saravali
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A referência a muitos autores nas pesquisas também se constitui como
maioridade, Bezerra (2014) nos situa “escolhi a multirreferencialidade
como perspectiva epistemológica” e já esclarece que “entende-se por
multirreferencialidade a pluralidade de referências que nos ajudam a
pensar sobre tal objeto. Festa (2019) também argumentou por meio de
muitos autores o panorama da avaliação institucional da educação básica
no Brasil, especialmente a avaliação da Educação Infantil paulistana e
dialogou com outros autores acerca de questões pertinentes à formação,
gestão e liderança. Woytichoski (2019) a m de evidenciar a relevância da
gestão escolar na Educação Infantil se referenciou em vários autores para
desenvolver os estudos sobre a prática pedagógica; gestão escolar; Projeto
Político Pedagógico e discussões acerca da Educação Infantil.
A separação entre a teoria e a prática que pressupõe a existência
de uma teoria da gestão democrática e uma prática de escola também
congura como maioridade e foi constatada nas pesquisas analisadas.
Reis (2007) contextualizou que a gestão escolar das creches
municipais de São Carlos/SP se congurava a partir dos discursos sobre
gestão participativa colocados pela LDBEN, Lei nº. 9394/96, Plano
Nacional de Educação, Plano Estadual, Plano Plurianual do Município
para a Educação (2001-2004), a autora deniu que “a gestão participativa
apresenta como princípio a participação na discussão na tomada de decisões
sobre a organização e funcionamento da unidade escolar, bem como sobre
todas as questões que surgem a partir daí no cotidiano” e esclareceu que
a gestão das instituições não correspondia integralmente aos pressupostos
apresentados, uma vez que as diretoras consultavam os educadores e
informava os pais, assim as práticas se referiam apenas à legitimação de suas
próprias decisões e encaminhamentos. O Conselho de Escola era liderado
pela diretora que orientava o funcionamento do órgão em favor próprio.
Outro aspecto contextualizado pela pesquisadora foi que os educadores e
os pais consideravam a diretora como autoridade, uma vez que ocupava
um lugar na hierarquia e por ser responsável pela unidade, a palavra dela
sempre prevalecia.
Em sua pesquisa Ariosi (2010) armou:
Educação e Informação em contexto de políticas públicas: pesquisas em foco
| 75
[...] essa concepção de gestão democrática como o processo de
gestão dos recursos necessários para que a escola cumpra sua função
social, porém, com a participação da comunidade escolar, entendida
como todos os envolvidos na ação educativa, incluindo alunos, pais
de alunos, corpo docente, funcionários, dirigentes e comunidade
em geral. Porém, quando armamos que a gestão democrática é a
gestão da escola com a participação de toda comunidade, o intuito
é reforçar que essa participação, na nossa visão, é garantir aos
participantes o direito e poder de decidir sobre todas as questões
pertinentes ao andamento das atividades da escola. (ARIOSI,
2010, p. 228).
Em seguida, a autora discorreu que constataram após as entrevistas
que os sujeitos eram consultados e expressavam opiniões, contudo não
participavam realmente das decisões. No município de Bauru/SP, os
legisladores municipais amparados na legislação nacional (LDBEN 1996)
deniram a APM como órgão colegiado da gestão democrática nas escolas
de Educação Infantil, com a presidência sendo um cargo nato à diretora da
escola. Assim, foi identicada uma gestão democrática com ações de cunho
nanceiro-administrativo, sobretudo com atenção às obras de manutenção
da infraestrutura das unidades escolares.
Já Tomé (2011) contextualizou que em 1995, após a legitimação
do “Plano de Reforma da Administração Pública” pelo governo federal,
fora introduzida a Nova Gestão Pública de lógica gerencial como estratégia
para a administração das instituições públicas. Nesse contexto, houve um
embate entre as lógicas gerencial e democrática nas discussões relacionados
ao pensamento em gestão escolar. Assim, instalou-se um hibridismo
entre as lógicas, que foram constatadas a partir de fenômenos como: “as
parcerias público-privadas; o Projeto Político Pedagógico e o Plano de
Desenvolvimento da Escola; a educação para a emancipação e a valorização
da competitividade e da meritocracia; a priorização do trabalho coletivo
e a responsabilização individual do diretor escolar pela qualidade da
educação”. A autora concluiu que a lógica imposta pelo Estado à gestão das
instituições foi a gerencial, ou seja, a mesma das demais etapas da educação
e que em decorrência da histórica precarização dos estabelecimentos da
Mariângela Spotti Lopes Fujita, Graziela Zambão Abdian, Helen de Castro Silva Casarin e Eliane Giachetto Saravali
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Educação Infantil, essa lógica teve maior penetração na prática social
dessas instituições. Dessa forma, a pesquisadora prescreveu a necessidade
de construção de uma teoria em gestão democrática, o que possibilitaria
a proposição de práticas e instrumentos de gestão que respeitem a cultura
dos sujeitos e promovam a emancipação social.
Parreira (2013) defendeu que “a construção de uma possível cultura
de participação, leva o indivíduo ao compromisso de uma possível
sociedade de direitos para todos”; após ouvir dos familiares das crianças
que estudam no CEMEI “Tenente Afonso Câmara Filho”, no município
de Barretos/SP que a escola é importante aos lhos, uma vez que possibilita
o conhecimento a uma formação humanitária e participativa na sociedade
em geral.
Palmen (2014) discorreu que a história da gestão educacional no
Brasil, por meio dos princípios expressos tanto na Constituição Federal de
1988 quanto na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996
(Lei nº. 9394/1996) fora marcada pela “transição de uma forma de trabalho
pautada num modelo administrativo tradicional, segundo parâmetros
tecnocráticos e seguindo comandos centralizados e hierarquizados a uma
forma de trabalho” a uma perspectiva que envolve a ideia de participação,
coordenação e cooperação, ou seja, a gestão democrática. A partir dos
relatos de gestores que participaram da pesquisa compartilhando os dilemas
cotidianos, a autora constatou que a gestão democrática se construía pautada
em incongruências e normatizações, que tanto favorecem a prática quanto
a engessa, pois “a regulamentação das formas de participação, a sobrecarga
de tarefas, o foco na norma promovendo uma autonomia monitorada
cristalizam a possibilidade de vivência do princípio da autonomia e da
participação”. Dessa forma, ela concluiu que
[...] o desao é ultrapassar o discurso expresso nos textos legais e
promover a vivência da Gestão democrática dentro de um projeto
de sociedade onde as práticas do consenso e do dissenso possam
promover algo novo, possam revelar a participação e o verdadeiro
espírito da democracia. (PALMEN, 2014, p. 254).
Educação e Informação em contexto de políticas públicas: pesquisas em foco
| 77
Com a intenção de compreender como a gestão da política de
Educação Infantil se materializou na rede pública municipal de Teresina/
PI, Lima (2019) vericou que sob a perspectiva da Nova Gestão Pública,
os processos de reestruturação do Estado impactaram de forma direta
na organização dos serviços públicos, incluindo a gestão escolar; como
exemplicou a autora, a avaliação tanto interna quanto externa “sustentada
na produção de indicadores com vistas ao estabelecimento de metas, cada
vez mais denida como elemento central para a promoção e garantia da
educação de qualidade”; no planejamento, a pesquisadora percebeu a
perspectiva gerencialista, uma vez que predomina fortemente a preocupação
com o estabelecimento de metas e controle por meio do monitoramento
e avaliação; a lógica de centralização foi contatada em duas categorias, na
formação continuada do professor, e na organização e implementação do
currículo, pois é “a Secretaria que dene as orientações curriculares até as
sequências didáticas, demonstrando que, nesse processo, há uma regulação
pós-burocrática que ocorre por meio da estandardização de resultados e
normas, na base de uma regulação cognitiva”. Ainda sob a égide da NGP,
a pesquisadora notou a presença da perspectiva da accountability nas
políticas de avaliação implementadas no município, testes são realizados
com os estudantes do segundo período da Educação Infantil, assim que os
resultados são apresentados a Semec elabora o ranqueamento a partir dos
critérios contidos na legislação municipal para ns de premiação (Programa
Valorização do Mérito) e como concluiu Lima (2019) “todo esse processo
culmina em uma classicação para efeito de premiação e/ou bonicação,
sob a lógica da responsabilização individual do docente e/ou da instituição
educativa; da competitividade; da ênfase na busca da eciência aferida
nos resultados”, a presença do setor privada também foi presenciada nessa
centralização. Diante de toda exposição, a pesquisadora prescreveu a
necessidade da construção de uma gestão democrática participativa, que
tenha a preocupação centrada na formação do sujeito como ser que pensa
numa perspectiva total, sem restringir a formação apenas a um currículo
que fora pensado para o estabelecimento de metas e resultados por meio de
avaliações estandardizadas.
Mariângela Spotti Lopes Fujita, Graziela Zambão Abdian, Helen de Castro Silva Casarin e Eliane Giachetto Saravali
78 |
Outra maioridade reconhecida nas pesquisas é o emprego do termo
gestor no masculino de forma genérica a m de denotar ambos os sexos,
contudo referindo-se a gestoras mulheres. Em Palmen (2014), a palavra
gestor é usada no título e em praticamente todo texto, porém predomina
a presença de mulheres na gestão conforme consta no anexo II. E em
Luz (2016), a situação se repete, mesmo participando doze diretoras e
coordenadoras pedagógicas.
Também chamou atenção a forma como as pesquisas abordam a
gestão escolar na Educação Infantil e a atuação do gestor/ diretor, gestora/
diretora ou equipe gestora. A seguir, discorro sobre a questão.
Reis (2007) que teve como foco de investigação a gestão das Creches
municipais de São Carlos/SP, esclareceu que a denominação gestão nessas
instituições acarretou a ideia de inovação e caracterizou-se pela função de
implementar as reformas, as mudanças, e nessa inovação se apresentou o
exercício da função pedagógica da gestão escolar, que segundo a autora se
fundamenta no domínio e controle dos saberes:
[...] a dinâmica da Creche que recebe e adapta criança o ano
inteiro; a dinâmica organizacional e as necessidades da Creche;
a relação de proximidade com os pais e a forma de cobrança
quanto aos cuidados com as crianças; a observação e a análise
do comportamento da criança gera conhecimento sobre ela e
sua família; o envolvimento de pajens e professoras no trabalho
apesar das tensões entre elas; a forma de orientar o trabalho a ser
realizado junto às crianças, fazendo junto, aprendendo, estudando,
argumentando, convencendo; a solicitação de planejamento
periódico e de promoção de atividades diversicadas para cada
faixa etária, especialmente o brincar supervisionado pelo educador;
a rotina das atividades, da alimentação, da higiene e de descanso
que organiza e produz a criança; a adequação dos espaços e
ambientes em função das características e necessidades que as
crianças expressam para se tornarem autônomas e se socializarem;
a exploração dos ambientes pelas crianças; as diferenças de
comportamento e necessidades entre crianças de 0 a 3 anos, e as de
4 a 6 anos; as diferenças existentes dentro da faixa etária de 0 a 3
anos; as diferenças entre crianças que frequentaram a Creche antes
da pré-escola e as que não frequentaram; a utilização de materiais
Educação e Informação em contexto de políticas públicas: pesquisas em foco
| 79
pedagógicos e brinquedos; enm, conhecimentos sobre os vários
aspectos que envolvem trabalho realizado cotidianamente nas
instituições de educação infantil. (REIS, 2007, p. 164).
A pesquisa pontuou que a diretora tem buscado transformar o
equipamento assistencialista em equipamento educativo e no exercício
da função pedagógica, ela orienta para que sejam realizadas atividades
educativas/pedagógicas com as crianças de 0 a 3 anos, uma vez que concebe
o educador como um processo planejado, sistematizado de ensino e
aprendizagem das crianças. De acordo com a autora, a diretora também se
dedica a estabelecer e transformar as diferentes relações: educadoras e pais,
diretora e educadora, diretora e pais. E por m, a pesquisadora constatou
que se conguram entre as práticas das diretoras entrevistadas a aplicação
dos princípios de métodos da administração escolar que são tomados como
princípios norteadores do trabalho: organização, previsão, planejamento,
coordenação, orientação, tomada de decisão, avaliação, acompanhamento,
supervisão.
Sobre o diretor escolar, Tomé (2011) considerou que se trata do
personagem social envolvido com a gestão institucional mais controverso,
no pensamento em gestão educacional, para o estabelecimento da gestão
democrática”. Para a autora, trata-se do personagem culturalmente
reconhecido como uma liderança no interior das instituições educativas,
mesmo diante da defesa de sua retirada do contexto educacional por alguns
pesquisadores. Ela se posicionou favorável a investigação das relações
democráticas estabelecidas no interior das instituições, para que assim
depois, seja avaliado o signicado desse ator social para gestão democrática
na Educação Infantil.
Já para Parreira (2013), os gestores das escolas se tornaram mediadores
importantes entre a situação vivenciada pelos alunos, familiares e órgãos de
defesa da criança e do adolescente, uma vez que defendeu a escola como
espaço possível de conhecimento que gera uma formação humanitária e
participativa na sociedade em geral.
Mariângela Spotti Lopes Fujita, Graziela Zambão Abdian, Helen de Castro Silva Casarin e Eliane Giachetto Saravali
80 |
Bezerra (2014) que se objetivou em compreender os sentidos que as
gestoras atribuíam à gestão escolar a partir da própria formação e cultura
prossional, constatou a possibilidade de gestão escolar colaborativa que
busca se construir em espaço e lugar legítimo de cultura prossional. E
se faz evidente a sensibilidade, criatividade, inovação e a possibilidade
de transformação social, mesmo em meio aos potenciais bloqueios: “a
autonomia relativa nas dimensões administrativas nanceira e pedagógicas,
diculdades quanto à rotatividade de prossionais, contrato temporário,
administração de conitos institucionais, falta de recursos nanceiros”, enm,
os desaos, dilemas e problemas do cotidiano de trabalho e do percurso de
formação fragmentado. Assim, a partir da trajetória formativa das gestoras
que participaram da pesquisa, a autora desvelou que os sentidos atribuídos
a gestão escolar e as implicações com os contextos da gestão propiciaram
a construção da cultura prossional “colaborativa” e transformadora. A
autora caracterizou a transformação como lenta, um tanto silenciosa, uma
mudança “que descontrói um padrão vidente em função da construção
de um paradigma que coloca o ser humano em vulnerabilidade social, ou
antes, em risco social, no centro das práticas educacionais de boa qualidade
referendadas nos valores da própria comunidade”. E concluiu que entre as
atribuições da gestora do CMEI consta a elaboração e implementação de
políticas educacionais que garantam os direitos em prol de uma educação
integral digna e acompanhamento sistemático do CMEI no decorrer da
elaboração, implementação e avaliação do projeto político pedagógico.
Palmen (2014) discorreu acerca da necessidade de resgatar o histórico
de constituição da Educação Infantil no Brasil, a m de compreender como
acontece a gestão nas escolas dessa etapa e quais os princípios norteadores,
uma vez que o histórico subsidia a análise das práticas e possibilita perceber
o desao que se tornou articular o fazer pedagógico com as especicidades
e gestão de creches e pré-escolas públicas. A autora sugeriu a releitura das
normatizações no intuito de evidenciar a intencionalidade política da
escola enquanto uma totalidade mais ampla, defendeu também a discussão
coletiva em relação ao que se pretende e o que se acredita como eixo de
trabalho, pois assim:
Educação e Informação em contexto de políticas públicas: pesquisas em foco
| 81
[...] a construção e uma gestão da Educação Infantil que busca
atuar considerando sua especicidade requer um estilo de gestão
que dialogue, negocie e articule com os diversos atores sociais
envoltos neste contexto sobre quais intencionalidades estão em
jogo, retomando as especicidades do trabalho envolto na primeira
etapa da Educação Básica. (PALMEN, 2014, p. 255).
A pesquisadora discorreu que se requer do gestor da Educação
Infantil uma formação que compreenda as crianças em suas múltiplas
linguagens, como portadores de saberes e as interações e brincadeiras como
eixo de trabalho, para que assim articule os conhecimentos inerentes a
gestão escolar em termos burocráticos-administrativos aos pedagógicos
que constituem as especicidades da primeira etapa da educação básica.
Luz (2016) investigou a gestão nos Centros de Educação Infantil
do município de Três Lagoas/MS e constatou acerca da gestão escolar, a
construção de uma cultura de gestão, na qual os sujeitos atuam, permeada
pelo respeito às convicções, à escuta do outro, à convivência e à partilha
de saberes, o que ocasionou a vislumbrar “uma Gestão democrático-
participativa presente nas situações em que o diálogo contribui para as
tomadas de decisões, as quais, em sua maioria, se mostram planejadas,
diante das ações que se efetivam, cotidianamente”. A autora testemunhou
o comprometimento na cooperação e contribuição do processo educativo
das gestoras participantes da pesquisa e relatou que segundo elas, as
reuniões pedagógicas e administrativas propostas tem favorecido a reexão
sobre o processo de aprendizagem, identidade, planejamento curricular,
política educacional, elaboração de projetos e troca de informações, o
que proporcionou o fortalecimento do trabalho coletivo e do processo de
democratização do CEI, já que os pares passaram a pensar agir sobre as
práticas cotidianas.
A respeito do gestor, a pesquisadora o considerou como aquele
que além de viabilizar uma organização de ações capazes de promover
o compartilhamento de signicados, aprendizagens mediatizadas
pela reexão conjunta, também viabiliza caminhos que ocasionam o
planejamento de práticas pedagógicas determinadas para a produção do
Mariângela Spotti Lopes Fujita, Graziela Zambão Abdian, Helen de Castro Silva Casarin e Eliane Giachetto Saravali
82 |
saber, a partir d realidade escolar e que contribuam para a qualidade da
educação. A autora também pontuou o fazer pedagógico como função
da gestão escolar e defendeu a necessidade de uma relação estreita entre
a diretora e a coordenação escolar, garantindo assim que professores,
atendentes e crianças participem e executem o desenvolvimento curricular.
Sobre a gestão da Educação Infantil, Monteiro (2019) dissertou que
foram percebidas diculdades especicas da área e potencialidades das
experiências na gestão nessa etapa. Os desaos apontados se relacionam “à
universalização do acesso à Educação Infantil, às condições de trabalho, à
formação e valorização docente, à dimensão em construção da noção de
cuidado e educação indissociados e ao caráter historicamente feminino da
Educação Infantil”. A pesquisadora também revelou a incongruência entre
as proposições legais e a efetivação dos direitos das crianças à educação,
além das descontinuidades nas práticas pedagógicas, concepções e discursos
acerca do cuidado e educação como dimensões indissociadas nessa etapa.
Outro aspecto apresentado pela autora foi em relação às tensões na relação
entre unidades e família ou até mesmo entre os prossionais que compõem
uma mesma equipe quando se presencia o receio de um retorno ao
assistencialismo” nas instituições que atendem essa faixa etária. Em relação
às potencialidades da experiência, foi notado que mesmo após remoção
para escolas de Ensino Fundamental, permanece como um diferencial às
práticas do diretor ou diretora o olhar para escola a partir da perspectiva
da criança pequena, o que propicia o estabelecimento de relações menos
hierarquizadas e adultocentradas.
Pereira (2019) a partir de um estudo de caso concretizado em
duas instituições de Educação Infantil sugeriu “investigar a necessidade
e a relevância da atuação da gestão escolar na liderança pedagógica, no
apoio/suporte visando o desenvolvimento e a efetivação da Pedagogia
da Educação Infantil no cotidiano de instituições que ofertam esse
atendimento educacional”. De acordo com a autora, a gestão e a liderança
devem estar em consonância com a pedagogia e a atuação nesses campos é
concebida como meio para promovê-la.
E por m, Woytichoski (2019) apresentou a equipe gestora como
aquela que fornece subsídios para que o trabalho realmente se efetive e que
Educação e Informação em contexto de políticas públicas: pesquisas em foco
| 83
a participação seja o elo do trabalho educativo e defendeu que o grande
desao permeando o trabalho da equipe gestora:
[...] diante da regulação burocrática presente na escola extrapolar
as dimensões administrativas que estão presentes na Educação
Infantil para então construir com os professores um novo sentido
de escola e práticas pedagógicas da Educação Infantil. Isso quer
dizer que o seu maior desaos será o de mostrar como colocar o
trabalho dos gestores a serviço de um projeto pedagógico que seja
continuamente discutido e construído – extrapolando as dimensões
administrativas e burocráticas que assumem um grande espaço no
cotidiano das instituições. (WOYTICHOSKI, 2019, p. 133).
A menorIdAde e As lInhAs de fuGAs nAs teses AnAlIsAdAs
Ao identicar menoridades que podem se constituir em linhas de
fuga nas teses analisadas, foi possível encontrar: análise dos dados a partir da
perspectiva foucaultiana; a presença do gestor masculino; a subordinação
da creche em relação à pré-escola, tratando-a como especicidade da
especicidade da escola de educação infantil e a especicidade da Educação
Infantil.
Reis (2007) justicou a opção por Foucault na análise dos relatos das
quatorze diretoras das creches do município de São Carlos/SP:
A partir de uma perspectiva foucaultiana, as coisas ditas são sempre
históricas e funcionam em práticas muito concretas, as quais
dizem respeito à constituição de sujeitos de verdade, ou de como
nos assujeitamos às verdades de nosso tempo, ou ainda de como
buscamos discursos verdadeiros que nos constituam, no caso, de
como as diretoras foram se constituindo enquanto gestoras de
Creche. Analisar os relatos das entrevistas signica extrair deles o
enunciado de um discurso sobre a gestão da Creche sob o olhar da
educação, ou sejam trazer a tona o que pensam e como buscam
desenvolver um trabalho de gestão. (REIS, 2007, p. 19-20).
Após toda análise, a pesquisadora a partir da perspectiva escolhida
constatou que foram colocados em funcionamento todo um conjunto de
Mariângela Spotti Lopes Fujita, Graziela Zambão Abdian, Helen de Castro Silva Casarin e Eliane Giachetto Saravali
84 |
micropoderes que atuaram em todas as direções e sentidos no intuito de
controlar e gerir a vida dos homens.
A temática da questão de gênero e da gestão da Educação Infantil
foi abordada por Monteiro (2019), a pesquisa ocasionou vislumbrar as
desigualdades presentes e as identidades forjadas nesse contexto prossional.
Uma constatação foi acerca da hierarquização das funções na educação
se relacionar a hierarquia de gênero, isso porque, os homens ocupam os
cargos considerados mais altos na carreira – supervisão educacional, direção
e vice-direção; assim, a presença masculina se mostrou maior nas funções
associadas as atividades mais administrativas do que pedagógicas. Nas
instituições integrantes da pesquisa, a autora constatou que a docência e a
orientação pedagógica são predominantemente exercidas pelas mulheres e
nos cargos de atuação ligados às ações administrativas (direção educacional
e vice-direção) a presença masculina é mais evidente sobretudo no cargo
de diretor que representa a maior amplitude de poder no âmbito escolar.
Outra consideração apontada pela pesquisa foi acerca da relevância
do gênero na carreira, para as mulheres a maternidade e as atividades
de cuidado realizadas no âmbito doméstico inuenciaram e delinearam
algumas trajetórias prossionais, já para os homens, a paternidade não fora
considerada evento relevante na construção de tais trajetórias.
A progressão na carreira também mereceu destaque nas observações,
uma vez que os sujeitos do sexo masculino relataram que os incentivos
foram verticais, isto é, dados por pessoas hierarquicamente superiores;
enquanto às mulheres, o incentivo ocorrera de forma horizontal, das colegas
de trabalho. A maioria das mulheres que integraram a pesquisa, ingressou
ao cargo de direção exclusivamente por meio de concurso público, já os
homens tiveram experiências anteriores em virtude de indicação política
e/ou eleição.
A respeito do ingresso na Educação Infantil, a maior parte se deu no
cargo de direção; um pouco mais da metade das mulheres foi docente na
etapa (no segmento de três a cinco anos) e apenas um homem ministrou
aulas de música na primeira etapa da educação básica.
Educação e Informação em contexto de políticas públicas: pesquisas em foco
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O gênero ainda congurou a distância considerada necessária em
especial aos sujeitos do sexo masculino. Em decorrência do receio em
tornar-se alvo de acusações de assédio sexual, a constituição de tal distância
em relação às crianças, ao cotidiano e às prossionais foi percebida, por
meio de noções de masculinidade associadas à violência e distanciada de
noções de cuidado e educação.
E por m, uma relação paternalista, adulto, centrada e machista
se evidenciou em algumas narrativas: “seja pela desprossionalização
expressa pelo termo ‘meninas”, seja na descrição de ações empreendidas
direcionadas à prática pedagógica de tais prossionais, seja ao se referirem
às implicações da composição predominantemente feminina dessa área
dedicada à educação da primeira infância”.
Também se constituiu como menoridade o tratamento desigual que
a creche recebe em relação à pré-escola, inclusive as pesquisas analisadas
denunciaram a oferta de vagas, que ainda não garante a concretude do
direito à educação para todos.
Reis (2007) armou que na dimensão política, as instâncias
governamentais não se estruturaram tampouco investiram o suciente
para atender todas as crianças; não atendem à demanda manifestada e nem
a latente, uma vez que os recursos continuam insucientes.
Acerca da especicidade da Educação Infantil, outra menoridade
identicada nas pesquisas, foi possível observar diferentes apontamentos
nas pesquisas. Em Reis (2007) há o elencamento de inúmeros saberes
e conhecimentos sobre os diversos aspectos que envolvem o trabalho
realizado cotidianamente nas instituições dessa etapa da educação
básica que segundo a autora precisam ser dominados e controlados na
fundamentação das práticas das gestoras que participaram da pesquisa a
m de garantir o exercício da função pedagógica da gestão escolar.
Já Tomé (2011) apontou que mesmo com o reconhecimento da
especicidade da Educação Infantil nos documentos legais analisado por
ela, a lógica imposta pelo Estado à gestão das instituições dessa etapa
(creches e pré-escolas) coincide com as das outras etapas: a gerencial.
Mariângela Spotti Lopes Fujita, Graziela Zambão Abdian, Helen de Castro Silva Casarin e Eliane Giachetto Saravali
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Palmen (2014) destacou a necessidade de atenção às formas de gestão
das instituições de Educação Infantil ao desao de se pensar nas formas de
participação das crianças nos contextos decisórios e participativas, uma
vez que segundo ela apenas se considerava a participação das famílias e as
crianças não eram tratadas como “partícipes dos contextos decisórios”.
Segundo Pereira (2019) congura-se especicidade para o trabalho
de gestores, docentes e demais prossionais um constante diálogo com o
atendimento dos direitos das crianças e o que é próprio de cada, uma vez
que essa etapa é demarcada pela distinção da intencionalidade da ação
educativa em relação às demais etapas da educação.
E Woytichoski (2019) dissertou acerca da importância de conhecer
a especicidade da etapa tanto na teoria quanto na prática, em decorrência
do contexto ser permeado por ações vivenciadas em um cotidiano que
precisam ser reetidas e ressignicadas, para que assim a primeira etapa da
educação básica seja considerada como local de formação.
Na tentativa em responder se há tratamento especico para a gestão
da escola de Educação Infantil ou se é reproduzido o pensamento da
área, constamos em Reis (2007) que a diretora na busca em realizar o
trabalho pedagógico, deu a impressão de adaptar ou transpor um modelo
de escola para a Creche e para efetivação da educação de crianças pequenas
acabou transpondo os princípios da racionalização e burocratização das
instituições educacionais que oferecem as demais etapas de ensino, ou seja, a
sistematização com vistas à padronização. A autora discorreu que durante as
entrevistas cou nítida “a ênfase em estabelecer objetivos, planejar os meios
e recursos, acompanhar, supervisionar, avaliar, redirecionar, enm detalhar
o quanto é possível e tecnicamente, tanto o trabalho da diretora junto às
educadoras, quanto o trabalho das educadoras junto às crianças”, dessa
forma, mesmo sob a forma de gestão participativa, aplicação dos princípios
e métodos básicos da administração escolar acabaram contribuindo com
a racionalização do trabalho e para um possível processo de escolarização
precoce das crianças pequenas.
Já Palmen (2014) ao defender a necessidade de ultrapassar o discurso
dos textos legais e promover a vivência da Gestão democrática, dissertou
Educação e Informação em contexto de políticas públicas: pesquisas em foco
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subsidiado em Candido (1971) que dentro da estrutura organizacional da
escola e maneira de operar sem apenas pautar-se na estrutura administrativa,
de ordem racional, mas também nas relações que se estabelecem em seu
interior, que por sua vez, revelam os costumes, as rotinas e os valores que
se evidenciam por seus atores sociais como grupo social. A pesquisadora
concluiu que os conhecimentos acerca da Gestão Educacional e a Educação
Infantil de forma articulada são pouco explorados, para ela, a articulação
ainda é um desao nas práticas vivenciadas, o que levou à reexão de
emergência de pesquisas nesse campo.
consIderAções fInAIs
A análise considerou que mesmo sendo em relação à escola de
Educação Infantil, com a defesa de se considerar a especicidade da etapa
de ensino e da importância da formação aos prossionais que nela atuam,
a gestão escolar é contemplada de forma genérica acerca do conceito e da
escola, predomina-se o distanciamento entre teoria e prática, política e
gestão, com a prescrição das primeiras em relação às segundas.
O tratamento especíco ao gestor escolar do gênero masculino se
constitui como linha de fuga, em uma das teses foi possível vericar a
temática e vislumbrar as desigualdades presentes, como a hierarquização
das funções na educação se relacionar a hierarquia de gênero; a docência e a
orientação pedagógica são predominantemente exercidas pelas mulheres e
nos cargos de atuação ligados às ações administrativas (direção educacional
e vice-direção) a presença masculina é mais evidente sobretudo no cargo
de diretor que representa a maior amplitude de poder no âmbito escolar.
Outros aspectos foram a relevância do gênero na carreira e a progressão,
sendo que os sujeitos do sexo masculino são incentivados de forma vertical;
enquanto as mulheres, o incentivo é horizontal, das colegas de trabalho.
A maioria das mulheres ingressou ao cargo de direção exclusivamente por
meio de concurso público, já os homens tiveram experiências anteriores
em virtude de indicação política e/ou eleição.
Mariângela Spotti Lopes Fujita, Graziela Zambão Abdian, Helen de Castro Silva Casarin e Eliane Giachetto Saravali
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O ingresso à Educação Infantil foi a maior parte no cargo de direção;
um pouco mais da metade das mulheres foi docente na etapa (no segmento
de três a cinco anos) e apenas um homem ministrou aulas de música na
primeira etapa da educação básica.
O gênero ainda congurou a distância considerada necessária aos
sujeitos do sexo masculino, uma vez que há receio em tornar-se alvo de
acusações de assédio sexual, assim a constituição de tal distância em relação
às crianças, ao cotidiano e às prossionais foi percebida, por meio de noções
de masculinidade associadas à violência e distanciada de noções de cuidado
e educação. E por m, uma relação paternalista, adultocentrada e machista
se evidenciou em algumas narrativas.
Embora as análises das teses sejam feitas sobre a escola de Educação
Infantil e realizem o alerta sobre a especicidade desta escola, ao contemplarem
a gestão, utilizam os autores de referência desta área, os quais não analisam
especialmente essa etapa de ensino. É predominante, na gestão escolar, o
tratamento genérico tanto para o conceito – utilização racional de recursos
para realização de ns determinados (PARO, 1986) – como para a escola.
Como decorrência dessa constatação, há predomínio do distanciamento
entre teoria e prática e de política e gestão: as primeiras prescrevendo o que
deve ser implantado pelas segundas. Essas conclusões vão ao encontro do
diagnóstico do grupo de pesquisa, nas suas várias frentes de pesquisa, que
nos fazem questionar: “Seria possível fazer pesquisa da mesma maneira?
Será que as pessoas desses contextos cotidianos não sabem o que fazem,
ideologizadas por um mercado edicante? Será que não lutam por algo?”
(ABDIAN; NASCIMENTO, 2017, p. 309). Com Gallo e Figueiredo
(2015), podemos dizer que há vários sentidos e práticas existentes, mas se
nossas teorias se constituírem predominantemente prescritivas, não darão
conta de compreender que o cotidiano escolar se faz “regido pelas leis
deste Estado maior que diz sobre suas congurações e funcionamentos,
mas que também desenha outras experiências micropolíticas escapando-
resistindo ao instituído” (GALLO; FIGUEIREDO, 2015, p. 45). Com
isso, em um movimento autocrítico, queremos dizer que a dualidade e a
prescrição predominantes nas pesquisas em gestão escolar – da Educação
Educação e Informação em contexto de políticas públicas: pesquisas em foco
| 89
Infantil também – não dão conta de capturar a multiplicidade de práticas
e sentidos presentes nos campos de pesquisa.
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pArte II
A    
| 93
C  
 E I  

Adriana Alonso Pereira
Sadao Omote
Resumo: O brincar é considerado uma importante atividade, pois possibilita à criança
desenvolver-se em seus aspectos físico, cognitivo e emocional. Discussões a respeito do
que os professores pensam sobre o brincar de crianças público-alvo da Educação Especial
são importantes para avanços na área da Educação Inclusiva. O objetivo deste estudo
foi o de investigar as concepções de professores da Educação Infantil sobre o brincar de
crianças com Síndrome de Down (SD). Para este trabalho, selecionaram-se os relatos
de três professoras, as quais passaram por entrevistas recorrentes. As entrevistas foram
transcritas e analisadas com base em categorias temáticas. Identicaram-se diculdades
e desaos na promoção da inclusão de crianças com SD na etapa da Educação Infantil.
Além disso, as professoras demonstraram diculdades para relatar como percebiam o
brincar de seus alunos com SD.
Palavras-chave: Educação Especial; Brincar; Síndrome de Down.
Abstract: e play is considered an important human activity, as it allows the child’s
physical, cognitive and emotional development. Discussions about what teachers think
about the play of disabled children are important for advances in Inclusive Education.
e purpose of this study was to investigate the conceptions of preschool teachers about
Downs Syndrome (DS) childrens play. For this study, there were selected the reports
of three teachers, who were subjected to recurring interviews. e interviews were
transcribed and analyzed based on thematic categories. ere were identifyied diculties
https://doi.org/10.36311/2023.978-65-5954-330-4.p93-112
Mariângela Spotti Lopes Fujita, Graziela Zambão Abdian, Helen de Castro Silva Casarin e Eliane Giachetto Saravali
94 |
and challenges to promote the inclusion of DS children in preschool. In addition, the
teachers had diculties to report how they perceived their DS students’ play.
Key words: Special Education; Play; Downs Syndrome.
Introdução
Com a implementação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação
(LDB), a Educação Infantil passa a ser reconhecida como primeira etapa
da Educação Básica. Com isso, importantes diretrizes foram xadas para
orientar o trabalho com crianças de 0 a 5 anos, sendo a indissociabilidade
entre o cuidar e o educar um dos eixos fundamentais que norteiam a
proposta pedagógica (BRASIL, 1996). O atendimento educacional à
criança de 0 a 5 anos de idade, segundo a LDB, visa a promover “[...] o
desenvolvimento integral da criança até os cinco anos de idade, em seus
aspectos físico, psicológico, intelectual e social, complementando a ação da
família e da comunidade.
Kramer (2006) destaca que, nos últimos trinta anos, houve muitos
avanços em relação à forma de se conceber a criança. As especicidades
da criança passaram a ser reconhecidas, à medida que as crianças foram
concebidas como detentoras de direitos e localizadas dentro de sua
cultura, grupo e classe. Houve avanços na concepção de atendimento à
criança pequena, de modo que, nos dias de hoje, em muitas instituições,
a visão assistencialista da creche está em desuso, em parte, pela própria
Constituição e, em parte, pela criação de leis que amparam a criança e
garantem os seus direitos (DIDONET, 2001).
Dentre os avanços no modo de conceber a criança como detentora
de direitos e inscrita numa determinada cultura ou grupo, um deles diz
respeito ao lugar ocupado pelo brincar. O brincar é apontado por diversos
autores como primordial na etapa da infância, sendo tomado como
uma das atividades principais efetivadas pela criança (WALLON, 1968;
BROUGÉRE, 1998; DORNELLES, 2001; MOYLES, 2002; WAJSKOP,
2009; KISHIMOTO, 2013).
O brincar é descrito nos Referenciais Curriculares Nacionais para a
Educação Infantil (RCNEI) como uma atividade fundamental na vida da
Educação e Informação em contexto de políticas públicas: pesquisas em foco
| 95
criança. As crianças se expressam por meio do brincar; além de, por meio da
brincadeira, poderem desenvolver “[...] algumas capacidades importantes,
tais como a atenção, a imitação, a memória, a imaginação. Amadurecem
também algumas capacidades de socialização, por meio da interação e da
utilização e vivência de regras e papéis sociais.” (BRASIL, 1998, p. 22).
Tendo em vista a importância do brincar para o desenvolvimento
de toda e qualquer criança, em seus aspectos físico, psíquico e motor,
não podemos deixar de assinalar que a maneira como cada criança brinca
também é variável, uma vez que, ao brincar, de acordo com Wajskop
(2009), as crianças têm a oportunidade de construir hipóteses acerca das
situações de sua realidade.
Com a proposta da Educação Inclusiva, todas as crianças possuem
direito ao ensino voltado para o atendimento das diferenças que possam ter.
Os espaços, tempo e materiais na Educação Infantil devem ser organizados
de maneira acessível para as crianças com deciência, transtornos globais
do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação, tendo como eixos
norteadores da proposta pedagógica as interações e a brincadeira (BRASIL,
2010). A atividade de brincar precisa ser considerada para todas as crianças,
incluindo as que apresentam Síndrome de Down (SD). Estas possuem
características físicas e comportamentais que demandam atenção especial
da parte dos professores, com relação à interação entre elas e seus pares e a
eventuais ajustes a serem feitos nas atividades lúdicas.
As crianças com deciência podem encontrar diculdades para
brincar, em decorrência das diversas adversidades que enfrentam, no
âmbito individual, social, físico e ambiental (ZEN; OMAIRI, 2009). Não
é diferente com as crianças com SD: elas também exibem diculdades
que não podem ser ignoradas, mas devem ser reconhecidas, a m de
que os professores possam traçar estratégias que visem à ampliação de
oportunidades de desenvolvimento para a criança com SD.
A criança com SD mostra diculdades na aquisição da linguagem, de
sorte que pode buscar interação com as outras pessoas do convívio familiar
ou fora dele, por meio de modalidades alternativas de comunicação, como a
gestual, a gráca e outras possíveis formas. Além da diculdade na aquisição
Mariângela Spotti Lopes Fujita, Graziela Zambão Abdian, Helen de Castro Silva Casarin e Eliane Giachetto Saravali
96 |
da linguagem oral, devido à hipotonia dos órgãos fonoarticulatórios,
a hipotonia generalizada pode dicultar o desenvolvimento motor,
limitando a exploração do ambiente por meio de suas habilidades físicas
(PIMENTEL, 2012; PRIOSTI et al., 2012).
Os professores devem estar atentos às manifestações dessas diferenças,
as quais se tornam visíveis, à medida que estejam atentos e busquem
compreendê-las (MOYLES, 2002). As crianças têm necessidades diferentes
umas das outras e, no brincar, é possível perceber essas manifestações. O
professor deve observar essas diferenças e como as crianças externalizam as
suas vivências pelo brincar.
Considerando a importância do brincar para o desenvolvimento
integral de crianças com SD, investigar o que os professores pensam a
respeito do brincar pode ser fundamental para identicar quais são os
momentos e como esses momentos que envolvem o brincar estão sendo
propostos pelos professores aos alunos, incluindo crianças com algum tipo
de necessidade educacional especial. Dessa maneira, o objetivo da presente
pesquisa foi investigar as concepções de professores da Educação Infantil
sobre o brincar de crianças com Síndrome de Down.
método
O presente texto relata parte dos dados de um estudo aprovado pelo
Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Filosoa e Ciências, UNESP,
Marília, Parecer nº 2.297.542, com o propósito de, a partir do relato de
professoras da Educação Infantil, apresentar a concepção que elas têm do
brincar de crianças com Síndrome de Down.
Inicialmente, as participantes foram informadas sobre os objetivos e os
procedimentos da presente pesquisa. Aquelas que se dispuseram a participar
assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).
Participaram do estudo nove professoras regentes de turmas da
Educação Infantil, com idade variando de 28 a 51 anos e tempo de
experiência docente entre 8 e 30 anos. Contudo, para este estudo,
apresentaremos relatos de três delas, os quais ilustram as concepções de
Educação e Informação em contexto de políticas públicas: pesquisas em foco
| 97
professores da Educação Infantil sobre o brincar de crianças com SD.
Em relação à experiência anterior com alunos com deciência, apenas
uma professora não tinha experiência. Nenhuma professora possuía pós-
graduação na área de Educação Especial e Inclusiva.
Os dados foram coletados em cinco EMEIs, no ano de 2018. Para
a coleta de dados, foi elaborado um roteiro de entrevista semiestruturado,
com quatro questões que contemplam as concepções de professores da
Educação Infantil sobre o brincar, tendo em vista crianças com Síndrome
de Down. As perguntas foram: 1. O que é o brincar, para você?; 2. O que
você pensa sobre o brincar e a aprendizagem?; 3. Você encontra diculdades
em propor brincadeiras aos seus alunos?; 4. Como é a relação do seu aluno
com Síndrome de Down com o brincar?
Foram realizadas duas entrevistas com cada professora, com a
intenção de levantar mais dados. A transcrição da primeira entrevista de
cada professora, gravada em áudio, era apresentada a ela numa outra sessão
de entrevista, para que complementasse até que não tivesse mais nada a
acrescentar. No material assim coletado, foram identicados conteúdos
especícos, que foram agrupados em categorias e subcategorias temáticas.
resultAdos e dIscussão
A seguir, serão apresentados e discutidos os dados coletados por meio
das entrevistas feitas com as professoras. A análise baseou-se nas seguintes
categorias temáticas: 1) função do brincar, 2) o brincar e a aprendizagem
na Educação Infantil, 3) diculdades para sugerir brincadeiras aos alunos e
4) a criança com Síndrome de Down na Educação Infantil.
cAteGorIA 1 - função do brIncAr
Esta categoria contempla os sentidos atribuídos pelas professoras
às nalidades do brincar (exemplos: contribuir para a aprendizagem
de conteúdos curriculares, auxiliar no desempenho de atividades que
favoreçam a transição para os anos iniciais do Ensino Fundamental,
proporcionar momentos de diversão etc.).
Mariângela Spotti Lopes Fujita, Graziela Zambão Abdian, Helen de Castro Silva Casarin e Eliane Giachetto Saravali
98 |
A partir da primeira entrevista, foi possível observar, nos relatos das
professoras, uma forte relação entre o conceito de brincar e a aprendizagem/
aquisição de algum conteúdo ou habilidade, demonstrando uma percepção
do brincar como um instrumento que permite o desenvolvimento e a
aprendizagem das crianças em diferentes âmbitos. Reproduzimos abaixo
os relatos da professora P5:
Eles aprendem tudo no brincar, você desenvolve a percepção
auditiva, a percepção tátil, a lateralidade, o espaço, o tempo, tudo
se desenvolve no brincar. Para mim, como professora, acho que a
melhor coisa que tem com as crianças é o brincar. Não é o brincar
por brincar, você tem o brincar com objetivos. (P5 – 1ª entrevista).
Na segunda entrevista, a professora foi solicitada a esclarecer o que
ela compreendia por brincar com objetivos. O relato abaixo descreve a
compreensão da professora sobre os tipos de brincar.
Porque tem o brincar que você pode induzir a criança a brincar
de tal coisa, ou a criança pode brincar livremente, ela inventa a
brincadeira por si só de brincar, então, há várias maneiras de
brincar, entendeu? Diferente uma da outra, tem aquela que é a
diversicada e a dirigida, a dirigida é aquela que a professora coloca
lá. (P5 - 2ª entrevista).
Na primeira entrevista, a P5 destaca a importância do brincar
atrelado aos objetivos que o professor pretende alcançar. Na segunda,
a professora aprofunda o relato concedido na primeira entrevista e
explica que existem diferentes formas de brincar, como a diversicada e a
dirigida, duas maneiras distintas de planejar situações de aprendizagem,
através do brincar.
A respeito da intencionalidade do professor, ao propor brincadeiras
e no gerenciamento dos momentos de brincadeiras, este pode interferir
nas situações de brincadeira, sugerir temas para as brincadeiras, com a
intenção de ampliar o repertório das crianças, instigando novas vivências
(MARCOLINO, 2013). Nesse sentido, apesar da importância de
conhecer os diferentes tipos de brincar e suas funções, é essencial que,
Educação e Informação em contexto de políticas públicas: pesquisas em foco
| 99
na prática docente, o professor perceba que é necessária a mediação do
docente, mesmo nos momentos do brincar livre. Isto é, o professor pode
interferir nos momentos de brincadeira, realizar questionamentos, aguçar
a criatividade dos alunos.
Em pesquisa desenvolvida por Wajskop (1996), com o objetivo de
investigar a concepção de professores da Educação Infantil sobre o brincar,
obtiveram-se resultados interessantes acerca de como os professores
tendem, em alguns momentos, a pensar o brincar e a aprendizagem de
conteúdos como dicotômicos. Jorge e Vasconcellos (2000) corroboram
essa situação, ao armar que o brincar, por vezes, é visto como segregado
das funções educativas.
Ainda sobre a categoria 1 - Função do brincar, além da forte relação
rmada pelas professores sobre o brincar e a aprendizagem de conteúdos
expressos no currículo da Educação Infantil, também identicamos uma
certa preocupação quanto ao desenvolvimento de habilidades para o
ingresso nos anos iniciais do Ensino Fundamental. Abaixo, os relatos da
professora P1, os quais expressam um aspecto interessante, quanto ao uso
de atividades impressas como um complemento da aprendizagem:
O brincar é tudo na Educação Infantil, tudo que você vai ensinar
tem que ser no brincar, porque papel para eles, aqui, é um
complemento básico, entendeu? (P1- 1ª entrevista).
Na segunda entrevista, foi solicitado à professora P1 que
esclarecesse o relato fornecido na primeira entrevista, quanto ao que seria
o papel na Educação Infantil e a relação entre o uso do papel como um
complemento da aprendizagem. O relato abaixo ilustra a diferenciação
entre lúdico e papel:
Lúdico são brinquedos, brincadeiras, tudo que não é o papel, o
maçante ali, não é? Entendeu? Na quadra é lúdico, né? Na areia é
lúdico, os aparelhos recreativos, isso é o lúdico. [...] O lúdico é o
brincar. (P1- 2ª entrevista).
Mariângela Spotti Lopes Fujita, Graziela Zambão Abdian, Helen de Castro Silva Casarin e Eliane Giachetto Saravali
100 |
Ao analisar a primeira entrevista de P1, podemos perceber que
a professora menciona “o papel” como um complemento básico da
aprendizagem, ao mesmo tempo que ressalta o brincar como sendo
um elemento principal para a aprendizagem na Educação Infantil. Ao
observarmos a segunda entrevista, é possível vericar que a professora
faz distinção entre lúdico e papel. O lúdico corresponde a brincadeiras
e brinquedos, enquanto as atividades que envolvam o registro são tidas
como maçantes.
Para Winnicott (1975), o brincar não se restringe à diversão, mas é
importante considerá-lo como uma atividade que possui intencionalidade.
Na maneira de conceber o brincar, “[...] não deve focalizar apenas o
brinquedo em si, o objeto ou a atividade realizada pela criança e sim,
a representatividade da atividade e da brincadeira.” (KAWAGOE;
SONZOGNO, 2006, p. 204).
O brincar, por vezes, é visto pelos professores como algo segregado
das funções educativas (WAJSKOP, 1996; JORGE; VASCONCELLOS,
2000), isto é, não raro, os professores tendem a conceber o brincar como
algo que se limita ao lúdico. Em vez disso, o brincar, quando concebido
como uma atividade humana, pode extrapolar os limites do lúdico, ou
seja, a criança, ao brincar, pode encontrar tanto inquietudes e até mesmo
situações de descontentamento ou tristeza quanto alegria da descoberta
e oportunidade de enfrentamento de desaos mediante criação de
alternativas, etc. Tudo isso pode representar uma grande oportunidade de
aprendizagem e de amadurecimento.
Além disso, o professor precisa perceber que as atividades que
envolvem o registro “no papel” também podem ser importantes para as
crianças na Educação Infantil, uma vez que o registro das vivências dos
alunos pode ser um instrumento de avaliação do desenvolvimento das
crianças, na etapa da Educação Infantil. A esse respeito, preconizam as
Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (2010, p. 4-5,
grifo nosso):
Educação e Informação em contexto de políticas públicas: pesquisas em foco
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Art. 10. As instituições de Educação Infantil devem criar
procedimentos para acompanhamento do trabalho pedagógico e
para avaliação do desenvolvimento das crianças, sem objetivo de
seleção, promoção ou classicação, garantindo:
I - a observação crítica e criativa das atividades, das brincadeiras e
interações das crianças no cotidiano;
II – utilização de múltiplos registros realizados por adultos e crianças
(relatórios, fotograas, desenhos, álbuns etc.) (BRASIL, 2010).
Dessa forma, compreender as diferenças entre os múltiplos registros
pode auxiliar o professor na proposição de vivências capazes de ensejar o
desenvolvimento das crianças que são público-alvo da Educação Especial
(PAEE), uma vez que, em muitos casos, tais crianças não são respeitadas nas
suas diferentes formas de expressar vivências/aprendizagens. Sendo assim,
reconhecer que cada criança possui individualidades e que estas precisam
ser respeitadas, implica adequar as atividades propostas aos alunos, bem
como registro e organização dos materiais que representem o percurso de
desenvolvimento das crianças PAEE.
cAteGorIA 2 - o brIncAr e A AprendIzAGem nA educAção InfAntIl
Esta categoria contempla os sentidos atribuídos pelas professoras
às relações entre o brincar e a aprendizagem (exemplos: o brincar
como condição natural e inata que conduz à aprendizagem, o brincar
como possibilitador de uma aprendizagem leve, o brincar como um
recurso da aprendizagem, o brincar como facilitador da aquisição da
alfabetização etc.).
Tendo em vista a primeira entrevista, os relatos da maioria das
professoras expressam o brincar como condutor natural à aprendizagem,
evidenciando uma percepção do brincar como um caminho que leva
facilmente à aprendizagem, sem grandes esforços e intervenções, por parte
das professoras. Os trechos a seguir ilustram as falas da participante P7:
A Educação Infantil é o brincar mesmo, é no lúdico mesmo que
eles aprendem no concreto, brincando. (P7- 1ª entrevista).
Mariângela Spotti Lopes Fujita, Graziela Zambão Abdian, Helen de Castro Silva Casarin e Eliane Giachetto Saravali
102 |
Na segunda entrevista, foi solicitado à professora P7 que esclarecesse
um pouco mais a relação entre o brincar e a aprendizagem, na Educação
Infantil. O relato abaixo revela a compreensão da professora sobre as
aprendizagens, as quais são possibilitadas pelo brincar:
Aprende a dividir, a aceitar, a perder e não só a ganhar, aprende a
respeitar as regras, a noção de responsabilidade e organização, pois
após a brincadeira elas precisam “aprender” a guardar o que foi
usado, cooperando com os outros. (P7- 2ª entrevista).
A partir da segunda entrevista, foram identicados elementos que
ensejaram compreender um pouco melhor a relação estabelecida pela
professora entre o brincar e as aprendizagens de saberes na Educação Infantil.
Um dos pontos relatados pela professora P7 se refere à aprendizagem de
regras através do brincar.
É importante destacar que, quando a criança brinca, ela não tem
a pretensão de alcançar objetivos educacionais. Ao brincar, a atenção da
criança está voltada para as atividades que realiza (KISHIMOTO, 2015).
Desse modo, é importante que os professores desenvolvam
concepções claras acerca das diferenciações entre o brincar, jogo, o
brinquedo, a brincadeira e o lúdico, pois, ao analisarmos os relatos das
professoras, ca evidente a confusão entre esses conceitos, os quais guardam
diferenças importantes, que devem ser muito bem conhecidas, porque são
norteadoras dos objetivos educacionais, os quais se pretende atingir no
desenvolvimento das crianças, na etapa da Educação Infantil.
A respeito de tais confusões, conforme Kishimoto (2015), existem
muitas dúvidas em relação ao discernimento dos conceitos de “jogo”,
“brinquedo” e “brincadeira”. Por vezes, esses termos são facilmente
confundidos, na área educacional. Denir o termo “jogo” não é tarefa fácil,
uma vez que existe uma gama de atividades que são consideradas jogos.
Conforme Kishimoto (2015), dentro de uma mesma categoria, há diversos
tipos de jogos, tais como: individuais, coletivos, simbólicos, de salão, faz-
de-conta, motores, verbais, políticos, de animais etc.
Educação e Informação em contexto de políticas públicas: pesquisas em foco
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A presente discussão se apoia na visão de Kishimoto (2015), porque
é o conceito que melhor se aproxima dos relatos das professoras, uma
vez que, por mais que as professoras tenham utilizado o termo “brincar”,
compreendemos que, na realidade, o termo “jogo” é aquele que melhor
se aproxima dos relatos, já que, durante a realização das entrevistas, as
professoras zeram menção à aprendizagem de regras.
No campo educacional, comumente, o termo “jogo” é confundido
com jogo educativo. O jogo educativo possui objetivos claros, os quais são
denidos pelo professor, enquanto mediador das aprendizagens da criança.
Esse tipo de jogo visa ao desenvolvimento de habilidades e competências
denidas a priori pelo professor. Contudo, o jogo enquanto atividade/
processo não possui um objetivo denido e é caracterizado pela “[...]
incerteza dos resultados, pela ausência de obrigação em seu engajamento.
(KISHIMOTO, 2015, p. 5).
Nesse sentido, quando a professora alude ao brincar enquanto
veiculador do desenvolvimento de diversas competências, ela está se
referindo aos aspectos do ensino, ao jogo educativo, que possui objetivos
elencados pelo professor, dentre os quais é possível ressaltar os seguintes:
aprender a partilhar os brinquedos, a guardá-los, aprender a perder e a
respeitar regras.
Ainda sobre a categoria 2 - O brincar e a aprendizagem na Educação
Infantil, identicamos que, além de o brincar ter sido fortemente associado
a uma aprendizagem quase instantânea, sem grandes interferências do
professor, encontramos nos relatos de algumas professoras a relação entre
o brincar e a aprendizagem de conteúdos. Adotaremos conteúdos com
o signicado da aquisição de habilidades e competências descritas nos
currículos da Educação Infantil. Os trechos a seguir ilustram as falas da
participante P5:
Um tá ligado com o outro, por exemplo, se eu trabalho uma música
na quadra, eu trago ela pra dentro da sala de aula, aí eu trabalho
palavras-chave, o tema da música, o ritmo, composição, quem fez,
quem deixou de fazer, você leva pra quadra e coloca no movimento,
então uma tá interligada com a outra”. (P5 - 1ª entrevista).
Mariângela Spotti Lopes Fujita, Graziela Zambão Abdian, Helen de Castro Silva Casarin e Eliane Giachetto Saravali
104 |
É tudo se começa a viver no brincar, quando a criança interage
legal resolve seus conitos melhor, o faz-de-conta é mais rico [...]”.
(P5 – 2ª entrevista).
Ao analisarmos a fala da professora P5 acerca da relação entre
o brincar e a aprendizagem, podemos destacar a intencionalidade
do professor da Educação Infantil ao propor atividades por meio do
brincar. A professora P5 parece perceber a ligação entre o currículo da
Educação Infantil e as atividades propostas, visto que consegue descrever
as aprendizagens que pretende desenvolver junto à criança, atreladas às
diferentes propostas de atividades.
O trabalho pedagógico deve se constituir sob a ótica intencional,
isto é, ao organizar os tempos, espaços, materiais, na Educação Infantil,
o professor não pode perder de vista as intenções que nortearão tais
organizações (DE LIMA; RIBEIRO; VALIENGO, 2012).
Apesar da importância do trabalho pedagógico intencional na
Educação Infantil, é preciso tomar cuidado, para que os momentos que
envolvem atividades lúdicas não sejam enrijecidos, ou seja, as situações
de aprendizagem precisam ser organizadas de modo a permitir à criança
a livre expressão. O professor, ao fazer intervenções, deve pautá-las em
observação e conhecimento (WAJSKOP, 1995).
cAteGorIA 3 - dIfIculdAdes pArA suGerIr brIncAdeIrAs Aos Alunos
Esta categoria contempla os motivos das diculdades para desenvolver
brincadeiras com os alunos (exemplos: crianças com diculdades de
aprendizagem, falta de envolvimento da família, diculdades para mediar
os momentos de brincadeiras, diculdades com a gestão da turma nos
momentos de brincar etc.).
Em relação à terceira pergunta, a maioria das professoras disseram
não enfrentar diculdades para propor brincadeiras aos alunos. Entretanto,
podemos observar resultado interessante, quando observamos os relatos da
professora P1. Na primeira entrevista, P1 relata que possui diculdades em
Educação e Informação em contexto de políticas públicas: pesquisas em foco
| 105
planejar brincadeiras para os alunos, quando há a presença de criança com
maior diculdade de aprendizagem e síndromes diferentes. Os trechos a
seguir ilustram as falas da participante P1:
Tem criança que tem maior diculdade de aprendizagem, é uma
série de coisas. Hoje, a gente encontra muitas síndromes diferentes,
é bem assim. (P1 – 1ª entrevista).
Na segunda entrevista, foi solicitado à professora P1 que esclarecesse
um pouco mais os relatos concedidos na primeira entrevista.
Olha, eu acho que sim, não pela Síndrome em si, pelas condições
de inclusão do que a gente tem de uma forma geral no país, né, que
eu acho ainda muito pouco, né, por exemplo, a gente tá com uma
criança, você não tem uma prossional ali pra tá te passando... eu
acho que cada escola tinha que ter um prossional constantemente,
não em alguns momentos só, então, eu acho que diculta, às vezes,
que você mesmo tem que correr atrás, tem que pesquisar, né,
agora existe também aquela criança que tem uma Síndrome e que
acompanha muito bem, né, segue o rumo que a família também já,
desde pequeno, trabalhou aquilo. (P1- 2ª entrevista).
Pelo conteúdo dos relatos, foi possível identicar diferentes fatores,
os quais, de acordo com a professora P1, podem dicultar a proposição
de brincadeiras aos alunos. Na segunda entrevista, a professora esclarece
um pouco mais os fatores mencionados na primeira entrevista. Um deles
se refere às síndromes diferentes, indicadas na primeira entrevista. Na
segunda, a professora explicita que a diculdade não é em decorrência da
existência de síndromes diferentes, porém, decorre justamente da falta de
apoio de um prossional especializado, que, de fato, auxilie o professor nas
atividades docentes.
Muitas pesquisas foram desenvolvidas com a intenção de vericar
a concepção de professores sobre a inclusão. Os resultados, em sua
maioria, evidenciam similaridade nos fatores que dicultam a inclusão.
Entre eles, ressalta-se justamente a falta de um prossional especializado
capaz de fornecer apoio ao professor da classe regular e a necessidade de
Mariângela Spotti Lopes Fujita, Graziela Zambão Abdian, Helen de Castro Silva Casarin e Eliane Giachetto Saravali
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ter formação adequada para atuar na perspectiva inclusiva (CAPELLINI;
RODRIGUES, 2009; SANT’ANA, 2005).
Ao analisar os relatos de P1, notamos indícios da falta de capacitação
adequada para atuar e propor situações de brincadeiras que contemplem as
crianças com necessidades educacionais especiais, pois a referida professora
menciona diculdades para planejar brincadeiras a alunos público-alvo da
Educação Especial.
Um dos entraves junto aos alunos PAEE, na Educação Infantil,
se refere à diculdade, por parte dos professores, em propor e manejar
atividades que envolvam o brincar, considerando as individualidades das
crianças (SANT´ANNA et al., 2018).
Em pesquisa efetuada por Sant’Anna et al. (2018), a qual objetivou
identicar a percepção dos professores sobre as diculdades para realizar
e mediar brincadeiras para crianças com NEE na Educação Infantil, os
resultados indicaram que os professores brincam mais com as crianças
PAEE, quando há o apoio de um outro professor. A respeito da mediação
pedagógica, as atividades eram planejadas de acordo com a maioria da
turma, de modo que as crianças PAEE eram desconsideradas. O estudo
mostrou ainda que, quando o professor fazia algum tipo de intervenção
junto às crianças PAEE, essas intervenções ocorriam de última hora, sem
planejamento.
Conforme o Plano Nacional de Educação e a Lei Diretrizes e Bases
da Educação, de 1996, é dever da escola a promoção de um ensino que
respeite as necessidades individuais de cada criança e, para que isso ocorra,
é preciso implementar as adaptações e adequações necessárias, as quais
visem ao desenvolvimento das crianças, independentemente de quaisquer
diferenças que possam apresentar (BRASIL, 2008).
Desse modo, reforça-se a necessidade de ampliar a formação de
professores, para que compreendam formas de mediar e intervir nos
diferentes momentos, os quais envolvam a atividade do brincar para
todas as crianças. Essa formação deve levar em conta uma concepção e
diferenciação clara a propósito dos conceitos brincar, brinquedo e jogos,
pois se percebe que os professores que tiveram diculdades para propor e
Educação e Informação em contexto de políticas públicas: pesquisas em foco
| 107
manejar brincadeiras também demonstraram diculdades para conceituar
a atividade do brincar. Essa diculdade de conceituação é maximizada,
quando nos referimos ao brincar de crianças PAEE.
cAteGorIA 4 - A crIAnçA com síndrome de down nA educAção
InfAntIl
Esta categoria contempla os aspectos inclusivos da criança com
Síndrome de Down (SD), na Educação Infantil (exemplos: Diculdades
com o desenvolvimento de atividades pedagógicas, manejo da turma para
favorecer o processo de inclusão de crianças SD, comportamento da criança
com SD nos momentos de realização das atividades etc.).
Pode-se perceber que, na visão de muitos professores, o brincar é
considerado como uma atividade pedagógica. Ao analisarmos as falas das
professoras sobre o que era o brincar para elas, percebemos que muitas
das professoras que apresentaram concepções superciais sobre o que era
o brincar, também não souberam explicitar o modo como percebiam a
atividade do brincar em crianças com SD.
Neste estudo, evidenciou-se a importância de mediações adequadas
para garantir o processo de aprendizagem que acontece nos momentos das
brincadeiras. Para que uma criança usufrua dos momentos que envolvem o
brincar, os professores precisam conhecer as diculdades e potencialidades
de cada criança para que possam intervir de forma adequada, nos diferentes
momentos que envolvam o brincar (BROUGÈRE,1998; POZAS, 2014).
A respeito da intervenção de professores da Educação Infantil, por
meio da organização de tempo, espaço e materiais, em pesquisa realizada por
Araújo (2019), com o objetivo de identicar e analisar aspectos da prática
pedagógica que contribuem para a acessibilidade curricular da criança com
Síndrome de Down, na Educação Infantil, com enfoque nas adaptações,
estratégias e recursos utilizados pelos professores, os resultados indicaram
que as mediações pedagógicas se mostraram mais efetivas, quando foram
propostas atividades em grupo, uso de jogos, brincadeiras livres e dirigidas,
Mariângela Spotti Lopes Fujita, Graziela Zambão Abdian, Helen de Castro Silva Casarin e Eliane Giachetto Saravali
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inserção em brincadeiras em grupo, brincar junto, organização do espaço
escolar, com a intenção de facilitar a comunicação.
O estudo realizado por Anhão (2017), com o intuito de vericar,
categorizar e analisar comportamentos de crianças com Síndrome de
Down, comparadas a crianças com desenvolvimento típico, inseridas em
escolas de Educação Infantil, notou-se que as crianças com Síndrome de
Down solicitaram mais a ajuda de colegas e da professora. Essas crianças
demonstraram igualmente precisar de maior apoio psicomotor. Conforme
o autor, as diferentes diculdades enfrentadas pela criança com SD também
podem estar ligadas à maneira como o ambiente é organizado, para os
momentos da brincadeira.
Os resultados das pesquisas mencionadas nos chamam atenção
para os achados do presente estudo, pois, por mais que a organização
do ambiente para os momentos de brincadeira seja muito importante
para o desenvolvimento infantil, percebemos que as professoras não
mencionaram possíveis intervenções realizadas junto às crianças com SD.
O que percebemos nos relatos de algumas professoras, conforme o trecho
ilustrativo abaixo, é a tentativa de incluir a criança com SD nas situações
de aprendizagem, Contudo, a partir dos relatos, não foi possível identicar
elementos que nos permitissem vericar as intervenções das professoras
para incluir de fato essas crianças, nas atividades pedagógicas, as quais
envolvam o brincar.
Como se pode observar nos relatos abaixo, na primeira entrevista, a
professora P7 menciona que sempre procura incluir o aluno com Síndrome
de Down em todas as situações e tem o desejo de que ele participe
normalmente de todas as situações.
Então assim, das brincadeiras ela participa de todas as brincadeiras,
do jeito dela, as vezes em algumas, acontecia alguma coisa, mas
assim ela sempre tem avançado bastante e ela participa como
os outros entendeu?! Não faço diferenciação nada, muito pelo
contrário tô sempre incluindo ela em tudo, eu quero que ela
participe “normalmente” de todas as situações. (P7 - 1ª entrevista).
Educação e Informação em contexto de políticas públicas: pesquisas em foco
| 109
Gostava de sentar com os colegas da turma para brincar. Sorria
quando estava gostando da brincadeira, apontava para o amigo
pegar o brinquedo que ele queria. (P7 - 2ª entrevista).
A fala da professora revela uma preocupação em incluir a criança
com Síndrome de Down nas situações de aprendizagem. Essa visão é muito
relevante, pois a inclusão requer não só mudanças físicas, estruturais, mas
também de mentalidade.
Segundo Omote et al. (2005), apenas a inserção do aluno público-
alvo da Educação Especial na sala de aula regular não garante que a
inclusão ocorra. Logo, o manejo da turma visando ao desenvolvimento de
um ambiente acolhedor se faz necessário, pois a convivência harmoniosa
da turma, pode depender de atitudes favoráveis em relação à inclusão, bem
como da compreensão da proposta da educação inclusiva.
A preocupação da professora em incluir o aluno com SD pode
possibilitar que a criança tenha maiores oportunidades de desenvolvimento,
por meio de situações estruturadas. Contudo, não é apenas o desejo
de incluir que garantirá que a criança se desenvolva, mas é igualmente
importante que o professor da Educação Infantil tenha uma concepção
clara sobre o brincar, pois o brincar é o eixo estruturante da prática
pedagógica, na Educação Infantil.
Nesse sentido, enfatiza-se a importância de toda a equipe escolar
organizar os espaços e tempos escolares, bem como os momentos de
interação, por meio do brincar. É imperioso que o professor da Educação
Infantil esteja atento aos momentos de interações, de sorte que possa
manejar a turma de uma maneira inclusiva, isto é, desenvolvendo ações
voltadas à inclusão do aluno com Síndrome de Down (SANT’ANNA et
al., 2018), mas de modo que, ao mesmo tempo, os outros alunos também
possam ter acesso aos benefícios que a inclusão proporciona.
Mariângela Spotti Lopes Fujita, Graziela Zambão Abdian, Helen de Castro Silva Casarin e Eliane Giachetto Saravali
110 |
conclusão
O presente estudo aponta que as professoras da Educação Infantil
necessitam de maior investimento na formação continuada, pois as
entrevistas evidenciaram que elas não possuem muita clareza a respeito
de como realizar intervenções, para que as crianças com Síndrome de
Down possam participar das brincadeiras, de forma a favorecer o seu
desenvolvimento.
Percebeu-se também que, quando questionadas acerca de como elas
percebiam o brincar das crianças com SD e como eram as interações com os
colegas da turma, elas se referiram a muitas diculdades de aprendizagem.
A comunidade escolar precisa se organizar para criar estratégias capazes de
auxiliar o professor da classe comum, no enfrentamento das diculdades
inerentes ao processo de ensino e aprendizagem.
Os resultados desta investigação possibilitam reexões sobre a
necessidade de maior atenção para a área da Educação Infantil, tendo em
vista que muitos avanços ainda precisam ocorrer, a m de que, de fato, as
políticas públicas e a garantia dos direitos da criança possam ser colocadas
em prática.
Sugerem-se novas pesquisas concernentes às concepções de
professores sobre o brincar, no contexto inclusivo, pois esse ainda é um
tema pouco explorado, apesar de ser discutida amplamente a importância
do brincar, dentro da Educação Infantil.
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D   
      3
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Carla Mayara dos Santos de Jesus
Cláudia da Mota Darós Parente
Resumo: Existem muitos estudos sobre a educação infantil que comprovam a importância
do aprendizado, do desenvolvimento e da humanização da criança desde o seu
nascimento. Nas últimas décadas, a inclusão da educação infantil nos sistemas de ensino e
a disseminação do direito à educação mostram relevantes avanços na área. O atendimento
em creches passou a ter uma conotação educacional e a organização do espaço ganhou
maior relevância. Infelizmente, nem todas as crianças têm acesso à educação infantil.
O capítulo tem como objetivo apresentar as possibilidades de atendimento oferecido
a crianças de 0 a 3 anos, cujas mães estão presas. Para isso, primeiramente os direitos
dessas crianças serão sistematizados e, em seguida, por meio de pesquisa bibliográca e
documental, descrevemos a situação nos presídios femininos, caracterizando os espaços
para atendimento às crianças e ressaltando os limites desses ambientes ao desenvolvimento
integral da infância.
Palavras-chave: Educação infantil; Creche; Presídio feminino.
Abstract: ere are many studies on early childhood education that prove the importance
of learning, development and humanization of children from birth. In recent decades,
the inclusion of early childhood education in education systems and the dissemination of
the right to education show signicant advances in the area. e attendance in child care
centers started to have an educational meaning and the organization of the space gained
more relevance. Unfortunately, not all children have access to early childhood education.
e chapter aims to present the possibilities of attendance oered to children from 0
https://doi.org/10.36311/2023.978-65-5954-330-4.p113-136
Mariângela Spotti Lopes Fujita, Graziela Zambão Abdian, Helen de Castro Silva Casarin e Eliane Giachetto Saravali
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to 3 years old, whose mothers are imprisoned. For this, rst of all, the rights of these
children will be systematized and then, through bibliographic and documentary research,
we describe the situation in womens prisons, characterizing the spaces for child care and
highlighting the limits of these environments to the integral development of childhood.
Keywords: Early childhood education; Child care centre; Woman´s prison.
Introdução
Existem muitos estudos sobre infância e educação infantil que
disseminam a importância de se oferecer educação de qualidade às crianças
desde o seu nascimento. Apesar disso, ainda é necessário um avanço
signicativo nas políticas sociais e educacionais, assim como nas práticas
pedagógicas destinadas à infância, a m de garantir igualdade nas condições
de acesso, respeito à diversidade e atendimento de qualidade.
A Constituição Federal Brasileira e a Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional estabeleceram a gratuidade da educação infantil na
faixa etária de 0 a 3 anos (BRASIL, 1988; 1996). Porém, infelizmente, tal
direito não abrange toda a população nessa faixa etária. Dentre as inúmeras
discrepâncias de acesso à educação no país, encontramos esquecidas e
menosprezadas, crianças que vivem em presídios, ou seja, locais destinados
ao cumprimento de penas por delitos cometidos; não são locais adequados,
a priori, para a educação, a humanização e o desenvolvimento das crianças.
O presente capítulo tem como objetivo apresentar as possibilidades
de atendimento oferecido a crianças de 0 a 3 anos, lhas de mulheres presas
no contexto brasileiro. Para isso, primeiramente serão sistematizados os
direitos das crianças de 0 a 3 anos. Por meio de pesquisa bibliográca e
documental, descrevemos a situação nos presídios femininos, caracterizando
os espaços existentes para atendimento aos bebês, ressaltando os limites
desses ambientes ao desenvolvimento integral da infância.
1. educAção InfAntIl de 0 A 3 Anos no brAsIl
Desde a criação da primeira creche em nosso país, no Rio de Janeiro,
em 1889, a história da educação infantil recebeu inúmeras inuências
Educação e Informação em contexto de políticas públicas: pesquisas em foco
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do ponto de vista histórico, social, político e pedagógico. Filantropia,
industrialização, força de trabalho, movimentos trabalhistas, movimentos
feministas, defesa de direitos humanos, assistencialismo, entre outras
temáticas, ajudam a explicar a trajetória histórica da educação infantil no
Brasil (ANDRADE, 2010; DEL PRIORE, 2013; OLIVEIRA, 2007).
Atualmente, a Constituição Federal de 1988 (incluindo suas
alterações) dene como direito dos trabalhadores a “assistência gratuita aos
lhos e dependentes desde o nascimento até 5 (cinco) anos de idade em
creches e pré-escolas” (BRASIL, 1988; 2006, art. 7º, inciso XXV). Já na
Seção especíca da educação, a Constituição estabelece o dever do Estado
na garantia do direito à educação, entre outros, por meio da “educação
infantil, em creche e pré-escola, às crianças até 5 (cinco) anos de idade
(BRASIL, 1988; 2006, art. 208, inciso, IV).
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei n. 9.394 (e
suas alterações), arma que a educação é a “primeira etapa da educação
básica” e “tem como nalidade o desenvolvimento integral da criança de
até 5 (cinco) anos, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social,
complementando a ação da família e da comunidade”. Na oferta da educação
infantil: creches são os estabelecimentos destinados ao atendimento de 0 a
3 anos; e pré-escolas são os estabelecimentos para atendimento a crianças
de 4 e 5 anos (BRASIL, 1996; 2013).
Recentemente, o Plano Nacional de Educação (PNE), Lei n. 13.005,
deniu como meta 1:
[...] Universalizar, até 2016, a educação infantil na pré-escola para
as crianças de 4 (quatro) a 5 (cinco) anos de idade e ampliar a oferta
de educação infantil em creches de forma a atender, no mínimo,
50% (cinquenta por cento) das crianças de até 3 (três) anos até o
nal da vigência deste PNE. (BRASIL, 2014).
Com base no Relatório de Monitoramento do Plano Nacional
de Educação, no que se refere especificamente à população de 0 a 3
anos, o Gráfico 1 apresenta dados da evolução do atendimento nas
creches brasileiras.
Mariângela Spotti Lopes Fujita, Graziela Zambão Abdian, Helen de Castro Silva Casarin e Eliane Giachetto Saravali
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Gráco 1: Número percentual da população de 0 a 3 anos de idade que
frequentava escola ou creche – Brasil- 2013- 2018
Fonte: Brasil (2020, p. 32).
De acordo com o relatório citado, podemos notar uma evolução
positiva de crianças matriculadas em creches ao longo dos últimos anos.
No entanto, é preciso salientar que a população dessa faixa etária diminuiu
e, portanto, a demanda também foi reduzida. E, mesmo com avanços no
número de atendimento, para se alcançar a meta 1, ainda é necessário que
1,5 milhões de crianças de 0 a 3 anos sejam matriculadas em creches de
todo o país (BRASIL, 2020).
Entre as principais conclusões do relatório de monitoramento do
PNE, destacamos:
A cobertura de crianças de 0 a 3 anos que apresentou tendência de
crescimento na desigualdade entre regiões, zonas urbana e rural,
negros e brancos, pobres e ricos durante o período que antecedeu
ao PNE, apresentou nos últimos cinco anos maior estabilidade
entre esses grupos, mas sem clara tendência quanto à reversão
dessas desigualdades. (BRASIL, 2020, p. 50-51).
O documento também menciona “a necessidade de políticas para
estimular os municípios a atenderem com prioridade, em creche, as
Educação e Informação em contexto de políticas públicas: pesquisas em foco
| 117
crianças do grupo de renda mais baixa, dada a maior demanda desse grupo
(BRASIL, 2020, p. 51).
O Plano Nacional de Educação demonstra, nessa meta, a intenção de
oferecer mais vagas em creches, entendendo que a educação é importante e
necessária, principalmente para as famílias de baixa renda, sendo esta uma
maneira de atenuar as diferenças sociais em nosso país. Todavia, os bebês
lhos de mães presas, foco deste capítulo, ainda se encontram à margem da
sociedade, uma vez que não encontramos esforços públicos para que estes
gozem do direito à educação.
Cabe, portanto, reetirmos sobre a isonomia e os direitos das
crianças que se encontram nos presídios. Infelizmente, nos dados
relativos ao Censo Escolar, publicados anualmente, não há menção à
escolarização de crianças que vivem nos presídios, o que diculta saber o
atendimento educacional oferecido àqueles que se encontram com suas
mães no sistema carcerário.
2. sIstemA cArcerárIo femInIno: AlGuns dAdos
Dados relativos aos presídios no Brasil estão disponíveis no Sistema
do Ministério da Justiça e Segurança Pública (INFOPEN), criado em
2004. Em 2014, houve a iniciativa do governo de separá-lo por gênero e,
a partir de então, as informações relativas ao sistema prisional feminino
passaram a contar com o INFOPEN MULHERES, disponível no site do
Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN).
Assim, segundo dados do INFOPEN MULHERES, temos um total
de 36.929 mulheres presas no Brasil, o que representa 5% da população
carcerária, muito inferior à população carcerária masculina (95%)
(BRASIL, 2019).
Em termos de incidências criminais das mulheres que se encontram
presas, analisando-se o período de julho a dezembro de 2017, 50,94%
das incidências estavam relacionadas a drogas, seguidas de crimes contra
o patrimônio (26,52%) e crimes contra a pessoa (13,44%). A título de
comparação, no caso dos homens, 51,84% das incidências criminais do
Mariângela Spotti Lopes Fujita, Graziela Zambão Abdian, Helen de Castro Silva Casarin e Eliane Giachetto Saravali
118 |
período estavam relacionadas a crimes contra o patrimônio (quando a
pessoa subtrai algo que não lhe pertence) (BRASIL, 2019).
No que se refere à idade da população carcerária feminina, prevalece
a prisão de mulheres jovens: “25,22% possuem entre 18 a 24 anos, seguido
de 22,66% entre 35 a 49 anos e 22,11% entre 25 a 29 anos. Somados
ao total de presas até 29 anos de idade totalizam 47,33% da população
carcerária.” (BRASIL, 2019, p. 29).
Especicamente no que concerne ao Estado de São Paulo, em
2019, havia 11.427 mulheres em cárcere, representando 5% da população
carcerária, proporção similar ao cenário nacional. No estado paulista, a
população prisional feminina cumpre pena em 21 estabelecimentos penais,
distribuídos em 15 cidades (BRASIL, 2019).
Diante desses dados, é possível visualizar que há uma relação
estreita entre a população carcerária feminina e a educação de seus lhos.
Anal, quais são os direitos das crianças, lhas de presidiárias? Anal, o
que acontece com uma criança que nasce no presídio? Que atendimento
educacional é oferecido e garantido a essas crianças?
3. crIAnçAs em estAbelecImentos prIsIonAIs: Aspectos leGAIs
O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) é uma lei que “dispõe
sobre a proteção integral à criança e ao adolescente”. Em seu capítulo II (Do
Direito à Liberdade, ao Respeito e à Dignidade), artigo 15, está expressa a
garantia à criança e ao adolescente do “direito à liberdade, ao respeito e à
dignidade [..]” (BRASIL, 1990). Em seu artigo 16, o ECA estabelece que
a liberdade citada deve abranger:
I – ir, vir e estar nos logradouros públicos e espaços comunitários,
ressalvadas as restrições legais;
II – opinião e expressão;
III – crença e culto religioso;
IV – brincar, praticar esportes e divertir-se;
V – participar da vida familiar e comunitária, sem discriminação;
Educação e Informação em contexto de políticas públicas: pesquisas em foco
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VI – participar da vida política, na forma da lei;
VII – buscar refúgio, auxílio e orientação. (BRASIL, 1990).
Apenas com base nos artigos citados, já observamos que a Lei não
é cumprida no que se refere às crianças que se encontram encarceradas
com suas mães dentro dos presídios: de que maneira a vivência no presídio
garante o ir e vir?
O artigo 3º do Capítulo I (Das Disposições Preliminares) do ECA,
cita o direito à proteção integral da criança e do adolescente, lhes sendo
assegurado “O desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social,
em condições de liberdade e de dignidade.” (BRASIL, 1990). Uma vez
mais questiona-se: haverá condições adequadas de desenvolvimento da
criança no presídio?
Ainda no mesmo capítulo, após o Estatuto garantir todas as
condições necessárias para uma gravidez integralmente segura para mãe
e bebê, no artigo 9º, dene-se que: “O poder público, as instituições e os
empregadores propiciarão condições adequadas ao aleitamento materno,
inclusive aos lhos de mães submetidas a medida privativa de liberdade.
(BRASIL, 1990). Assim, por um lado, garante-se o direito de amamentar
a criança, porém esse direito ocorre num espaço de privação.
O capítulo III (Do Direito à Convivência Familiar e Comunitária)
do ECA, artigo 19, alterado em 2016, estabelece que: “É direito da
criança e do adolescente ser criado e educado no seio de sua família e,
excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência familiar
e comunitária, em ambiente que garanta seu desenvolvimento integral”.
(BRASIL, 2016).
Assim, em que pese os direitos estabelecidos pelo ECA, em 2009,
após sofrer alterações em seu Capítulo II, a Lei de Execução Penal (LEP),
sobre os direitos das mulheres presas, dene:
Mariângela Spotti Lopes Fujita, Graziela Zambão Abdian, Helen de Castro Silva Casarin e Eliane Giachetto Saravali
120 |
Art. 89. Além dos requisitos referidos no art. 88, a penitenciária
de mulheres será dotada de seção para gestante e parturiente e de
creche para abrigar crianças maiores de 6 (seis) meses e menores
de 7 (sete) anos, com a nalidade de assistir a criança desamparada
cuja responsável estiver presa.
Parágrafo único. São requisitos básicos da seção e da creche referidas
neste artigo:
I – atendimento por pessoal qualicado, de acordo com as diretrizes
adotadas pela legislação educacional e em unidades autônomas; e
II – horário de funcionamento que garanta a melhor assistência à
criança e à sua responsável. (BRASIL, 2009a, grifo nosso).
Com base na legislação citada, temos indícios de que os direitos
das crianças que vivem em estabelecimentos penais estão sendo negados,
simplesmente pelo fato de que estão sendo encarcerados com suas mães.
A previsão de creche dentro de um presídio, se por um lado pretende
garantir um direito à mulher presa, por outro, limita as condições de
atendimento educacional à criança. Justamente por isso, tanto no campo
do direito, como no campo da educação, muitos interpretam que a creche
dentro dos presídios é um retrocesso.
Já vimos que a Constituição Federal e a LDB (e suas respectivas
alterações) denem como dever do Estado a oferta de creches e pré-escolas
às crianças de 0 a 5 anos (BRASIL, 1988; 1996). Além de questões óbvias
a respeito do quanto não é adequado que um bebê cresça e se desenvolva
nesse ambiente de privação de liberdade, a nomenclatura “creche”,
utilizada pela Lei de Execução Penal, não condiz com o que está previsto
na Lei de Diretrizes e Bases: um local no qual deveria ser garantido
“[...] o desenvolvimento integral da criança [...], em seus aspectos físico,
psicológico, intelectual e social, complementando a ação da família e da
comunidade.” (BRASIL, 1996).
A legislação brasileira parece estar aberta para a questão da
maternidade/paternidade no contexto prisional. Contudo, os
textos deixam lacunas, como no atendimento em creche (sic) pré-
escola para lhos de presos, dando a impressão que os legisladores
Educação e Informação em contexto de políticas públicas: pesquisas em foco
| 121
não pensaram nas implicações do cumprimento desses dispositivos
legais para as mães e pais, para as crianças e no envolvimento do
próprio Estado para a efetivação dos direitos. A questão de creches
em presídios é bastante polêmica e complexa; talvez em decorrência
da nalidade punitiva do ambiente prisional e das relações violentas
e altamente administradas estabelecidas em seu interior não serem
as mais adequadas para o saudável desenvolvimento infantil.
(STELLA, 2010, p. 15).
O Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP)
- previsto na Lei de Execução Penal - foi criado em 1980 com o objetivo
de, entre outros “propor diretrizes da política criminal quanto à prevenção
do delito, administração da Justiça Criminal e execução das penas e das
medidas de segurança”. O Conselho é composto por 13 integrantes,
sendo: “professores e prossionais da área do Direito Penal, Processual
Penal, Penitenciário e ciências correlatas, bem como por representantes da
comunidade e dos Ministérios da área social” (BRASIL, 1984).
Em 15 de julho de 2009, o Conselho emitiu a Resolução CNPCP
nº 4 a respeito da situação de mulheres encarceradas e seus lhos. Segundo
o documento,
[...] a estada, permanência e posterior encaminhamento das(os)
lhas(os) das mulheres encarceradas devem respeitar as seguintes
orientações: I - Ecologia do desenvolvimento humano, pelo qual os
ambientes de encarceramento feminino devem contemplar espaço
adequado para permitir o desenvolvimento infantil em padrões
saudáveis e uma relação de qualidade entre a mãe e a criança; II -
Continuidade do vínculo materno, que deve ser considerada como
prioridade em todas as situações; III - Amamentação, entendida
como ato de impacto físico e psicológico, deve ser tratada de forma
privilegiada, eis que dela depende a saúde do corpo e da psique da
criança (BRASIL, 2009b).
A Resolução também determina que “deve ser garantida a
permanência de crianças no mínimo até um ano e seis meses para as (os)
lhas (os) de mulheres encarceradas junto às suas mães [...]” e que “após a
Mariângela Spotti Lopes Fujita, Graziela Zambão Abdian, Helen de Castro Silva Casarin e Eliane Giachetto Saravali
122 |
criança completar um ano e seis meses deve ser iniciado o processo gradual
de separação que pode durar até seis meses” (BRASIL, 2009b).
Por m, pode-se mencionar o documento “Diretrizes Básicas para
Arquitetura Penal” elaborado pelo Ministério da Justiça. No referido
documento, o “Módulo de Berçário e Creche
[...] destina-se a atender as mulheres gestantes presas e mulheres
presas e seus respectivos lhos e lhas contemplando as necessidades
especícas do público nesta condição. A estrutura para crianças até
dois anos contempla espaços de berçário e entre dois e sete anos,
espaços que possibilitem a educação infantil, aqui denominados
creches. Estes espaços deverão ser previstos para um atendimento
mínimo de 20 crianças, em unidades penais com capacidade de até
500 vagas e, em caso de unidades com mais de 500 vagas de presas,
deve-se estipular 5% do total de vagas. (BRASIL, 2011, p. 70).
4. fIlhos de mulheres presAs: destInos e AtendImentos
Por meio da pesquisa documental e bibliográca, foi possível
sistematizar os diferentes destinos e atendimentos das crianças, lhas de
mulheres presas, conforme o Quadro 1.
Quadro 1: Destino de crianças, lhas de mulheres presas
Destino da
Criança
Detalhamento
Situação 1 -
Criança não ca
no presídio
A guarda da criança passa para terceiros (geralmente familiares).
Situação 2 -
Criança ca com
a mãe em prisão
domiciliar
A criança permanece com sua mãe presa, em sua própria residência.
Situação 3 -
Criança vai para
um abrigo
A criança vai para abrigo caso não existam familiares para assumir a guarda.
Educação e Informação em contexto de políticas públicas: pesquisas em foco
| 123
Situação 4 -
Criança ca no
presídio
A criança
permanece nas
celas de presas
A criança ca
em um berçário
e/ou centro
de referência
materno-infantil
A criança
frequenta
uma creche
no interior no
estabelecimento
penal
A criança frequenta
uma creche externa
ao presídio
Caso o
estabelecimento
penal não ofereça
um espaço
especíco aos
bebês.
Espaço restrito
para mães com
bebês.
Caso o
estabelecimento
penal disponha de
uma creche.
Caso exista esse
tipo de arranjo,
a exemplo de
transporte.
Fonte: Pesquisa documental e bibliográca. Elaborado pelas autoras.
O Quadro 1 mostra que existem basicamente quatro situações. Na
primeira situação, a criança sai do presídio ao nascer ou, no momento da
reclusão da mulher, a criança não ca com a mãe no presídio. Essa situação
refere-se aos casos em que a guarda da criança é repassada a terceiros
(geralmente um familiar).
De acordo com a Resolução CNPCP nº 4:
A escolha do lar em que a criança será abrigada deve ser realizada
pelas mães e pais assistidos pelos prossionais de Serviço Social
e Psicologia da unidade prisional ou do Poder Judiciário,
considerando a seguinte ordem de possibilidades: família ampliada,
família substituta ou instituições (BRASIL, 2009b).
Conforme o Quadro 1, na segunda situação, a legislação permite
que a mãe que em prisão domiciliar durante certo período. A Lei n.
13.769 altera a Lei de Execução Penal e disciplina a substituição da prisão
preventiva por prisão domiciliar em certas situações. Assim, a gestante, mãe
ou responsável por crianças ou pessoas com deciência, poderá cumprir
prisão domiciliar, desde que: “I - não tenha cometido crime com violência
ou grave ameaça à pessoa; II - não tenha cometido o crime contra seu lho
ou dependente” (BRASIL, 2018). A legislação recente, portanto, oferece
boa margem para que a criança, ao nascer, não tenha que car no presídio.
Mariângela Spotti Lopes Fujita, Graziela Zambão Abdian, Helen de Castro Silva Casarin e Eliane Giachetto Saravali
124 |
No que se refere à terceira situação apresentada no Quadro 1, caso
não existam familiares que possam assumir a guarda da criança enquanto
sua mãe está presa, a criança vai para um abrigo.
Importante destacar que nas três primeiras situações, é possível,
inclusive, que a criança frequente uma creche pública.
Na quarta situação mencionada no Quadro 1, caso a mãe exponha o
desejo de permanecer com seu lho, ele viverá no interior do estabelecimento
penal. Importante ressaltar o direito à amamentação não abrange apenas
um bebê que venha a nascer no presídio, mas também nas situações em
que uma mulher presa é também mãe de um bebê.
Caso a criança que com sua mãe no presídio, nossa pesquisa
identicou três tipos de atendimentos: A) mãe e bebê permanecem na
própria cela, caso o estabelecimento penal não ofereça um espaço especíco
aos bebês; B) mãe e bebê são transferidos para um centro de referência
materno-infantil ou local onde haja um berçário; C) mãe e bebê cam
num estabelecimento onde existe uma creche; D) a criança frequenta uma
creche externa ao presídio.
A Resolução CNPCP nº 4 estabelece que
Art. 5º Para abrigar as crianças de até dois anos os estabelecimentos
penais femininos devem garantir espaço de berçário de até quatro
leitos por quarto para as mães e para suas respectivas crianças, com
banheiros que comportem banheiras infantis, espaço para área de
lazer e abertura para área descoberta.
Art. 6º Deve ser garantida a possibilidade de crianças com mais de
dois e até sete anos de idade permanecer junto às mães na unidade
prisional desde que seja em unidades materno-infantis, equipadas
com dormitório para as mães e crianças, brinquedoteca, área
de lazer, abertura para área descoberta e participação em creche
externa. [..]
Art. 10 A União e os Estados devem construir e manter unidades
prisionais femininas, mesmo que de pequena capacidade, nas
suas diferentes macroregiões, devendo assegurar no mínimo uma
unidade nas regiões norte, sul, leste e oeste do seu território com
berçário para abrigar crianças com até dois anos de idade. (BRASIL,
2009b, grifo nosso).
Educação e Informação em contexto de políticas públicas: pesquisas em foco
| 125
No entanto, os dados sobre as condições do sistema carcerário vão
mostrar que uma minoria apresenta espaços adequados aos bebês.
5. condIções de AtendImento A crIAnçAs pequenAs no sIstemA
cArcerárIo brAsIleIro: AlGumAs IlustrAções
Em 2007, foi criada uma Comissão Parlamentar de Inquérito
(CPI), cujos resultados foram publicados no documento “CPI do Sistema
Carcerário” (BRASIL, 2009c). O documento apresenta informações
extremamente relevantes sobre as condições dos estabelecimentos prisionais
brasileiros, incluindo a situação de crianças que vivem nos presídios.
Nas diligências da CPI, pudemos visualizar uma triste realidade,
que não poderia sequer ser imaginada. As crianças nascem dentro do
cárcere e ali permanecem sem a assistência devida durante período
não xado na legislação, permanecendo à mercê dos diretores e dos
regulamentos locais. (BRASIL, 2009c, p. 287).
O relatório da CPI traz o caso de um menino de 2 anos em Cuiabá
que vive no presídio. De que maneira essa criança tem seus direitos
assegurados? “Para ele, a creche é o mundo. Ali acorda, brinca, dorme.
Nasceu na cadeia. Excepcionalmente, por determinação da diretora, nesta
creche-cadeia as crianças podem car com as mães até os 3 anos.” (BRASIL,
2009c, p. 310).
No entanto, o relatório da CPI sugere que o menino que vive no
presídio de Cuiabá é privilegiado por estar em um local com brinquedos
à disposição, limpo e ainda arejado. Ou seja, esse é considerado o auge do
atendimento oferecido a crianças em presídios, mesmo que, claramente,
esteja aquém do que nos traz a lei e as pesquisas no campo educacional.
Isso porque, em contrapartida, muitas crianças, segundo a CPI “[...] cam
literalmente presas com as suas mães, vivendo atrás das grades, em celas
coletivas, imundas, fétidas, úmidas, sem condições para gente grande,
quanto mais para gente pequena.” (BRASIL, 2009c, p. 310).
Mariângela Spotti Lopes Fujita, Graziela Zambão Abdian, Helen de Castro Silva Casarin e Eliane Giachetto Saravali
126 |
Em 2015, foi publicado o documento intitulado “Dar à luz na
sombra: condições atuais e possibilidades futuras para o exercício da
maternidade por mulheres em situação de prisão.”, resultado de pesquisa
realizada pela Secretaria de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça
(SAL/MJ) em parceria com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
(Ipea).
Trata-se de uma pesquisa que:
[...] problematiza os principais gargalos que impossibilitam a
materialização de direitos formalmente garantidos a mulheres
em privação de liberdade e apresenta propostas concretas para o
exercício desses direitos. [..] Durante nove meses tivemos conversas
informais com mais de 80 detentas. Realizamos aproximadamente
50 entrevistas, visitamos estabelecimentos prisionais e unidades
materno-infantis em seis estados brasileiros e na Argentina,
bem como creches voltadas para atender as lhas e lhos de
mulheres em situação prisional. Este estudo congrega vozes de
diferentes personagens que compõem o multifacetado universo do
aprisionamento feminino, dentre as quais presas, operadoras do
direito, gestoras prisionais, estudiosas da temática e militantes da
sociedade civil. (BRASIL, 2015, p. 13).
O documento, institucional, reforça que não é possível encontrar
informações precisas a respeito do número de crianças que vivem nos
estabelecimentos penais (BRASIL, 2015).
De acordo com dados do INFOPEN, em 2017, nos presídios
brasileiros, havia 342 gestantes e 196 lactantes. No entanto, apenas
59,6% dessas mulheres possuíam condições adequadas em suas celas para
atendimento a seus lhos. Em todo o país, apenas 48 unidades prisionais
possuem berçário e/ou centro de referência materno-infantil, conforme
mostra a Tabela 1 (BRASIL, 2019).
Educação e Informação em contexto de políticas públicas: pesquisas em foco
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Tabela 1: Estabelecimentos penais que têm berçário e/ou centro de
referência materno-infantil, por Unidade da Federação
Fonte: Brasil (2019).
Conforme a Tabela 1, quando se trata de locais especícos para
atendimento a bebês (berçários e/ou centro de referência materno-infantil),
são poucas as unidades penitenciárias que oferecem esse tipo de serviço. A
maior capacidade de atendimento está localizada nos Estados de São Paulo
e de Minas Gerais; Distrito Federal e Estado do Amazonas são as Unidades
da Federação que possuem maior percentual de estabelecimentos prisionais
com esse tipo de atendimento.
Esses dados condizem com pesquisas que mostram a realidade de
crianças que vivem com suas mães nos presídios. No Presídio Feminino de
Brasília, por exemplo, uma única cela acolhia 12 crianças com suas mães
e, em Bom Pastor, Recife, crianças viviam em “celas superlotadas, sujas,
Mariângela Spotti Lopes Fujita, Graziela Zambão Abdian, Helen de Castro Silva Casarin e Eliane Giachetto Saravali
128 |
entupidas de roupas, material de higiene, produtos alimentícios, úmidas
de água e esgoto” (BRASIL, 2009c, p. 311). Em Goiás, uma criança de
4 meses só conhecia a cela de dois metros quadrados e suas grades. Em
Porto Velho, adaptaram um barracão existente nos fundos do presídio e o
denominaram “creche”. Colocaram grades nas janelas e, no momento da
visita, 8 mães encontravam-se neste local com seus lhos. Em Florianópolis
também ocorreu a mesma situação de se improvisar celas que viram creches
(BRASIL, 2009c).
No que se refere aos dados relativos às creches nas penitenciárias
brasileiras, a Tabela 2 mostra que apenas 10 presídios possuem creches:
Mato Grosso do Sul (1); Paraná (1); Rio de Janeiro (1); Rio Grande do Sul
(2); São Paulo (5).
Tabela 2: Estabelecimentos penais que têm creche, por Unidade da Federação
Fonte: Brasil (2019).
Educação e Informação em contexto de políticas públicas: pesquisas em foco
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Especicamente em relação ao Estado de São Paulo, a Tabela 3
mostra que existem 9 estabelecimentos penais femininos com berçários e
6 unidades prisionais com creches - uma a mais do que os dados relativos
a 2017.
Tabela 3: Berçários e/ou centros de referência materno-infantil do
Estado de São Paulo
Fonte: Brasil (2019).
Quintino (2005, p. 7), ao desenvolver pesquisa de campo numa
creche localizada na Penitenciária Feminina do Paraná, arma que a
creche no interior do estabelecimento penal “é uma forma de controle
social perversa com um resultado ainda mais perverso sobre as crianças
que acabam reconhecendo a prisão como uma casa, um lugar seguro para o
qual sempre poderão retornar”. A autora realizou visitas no estabelecimento
penal e entrevistas com agentes penitenciárias, a diretora, detentas e
pedagoga da creche. No caso citado, a autora comprovou que, até os 6
meses, as crianças permaneciam em celas especiais com suas mães. Depois
desse período, as crianças passam a ter uma rotina na creche existente no
interior da penitenciária. As crianças podem permanecer na creche até os
6 anos de idade, caso a guarda não possa ser assumida por algum familiar.
A creche da Prisão Feminina do Paraná foi considerada bem
equipada, contendo:
Mariângela Spotti Lopes Fujita, Graziela Zambão Abdian, Helen de Castro Silva Casarin e Eliane Giachetto Saravali
130 |
01 Jardim (cuidado pelas mães); 01 Parquinho; 01 Tanquinho
de Areia; 01 Pátio externo (aberto) utilizado para secar roupas;
01 Pequena horta (que será desativada, pois não é permitido às
detentas cultivarem qualquer tipo de plantas numa penitenciária
de segurança máxima). Área Interna - Construída em 1990: 03
berçários – I (6 a 11 meses), II (1 a 3 anos) e III (acima de 3 anos);
01 Cozinha; 01 Refeitório adaptado para crianças bem pequenas;
01 Almoxarifado (utilizado pela Rizotolândia); 01 Sala para
atendimento de estagiários; 01 Sala para Farmácia; 02 Banheiros
para adultos; 01 Banheiro Infantil (adaptado para crianças bem
pequenas); 01 Lavanderia; 01 Alojamento para duas guardas; e,
01 Sala para Administração. Área Nova – Construída em 2002
(completamente insalubre - fria e extremamente úmida): 01 Sala
de Aula para crianças de até 4 anos; 01 Sala de TV (desativada por
conta da umidade); 01 Sala de brinquedos; 01 Sala de descanso
(utilizada pelos bebês quando não está frio); 02 Banheiros infantis
adaptados para crianças pequenas. 01 Fem. e 01 Masc.; e, 01 pátio
coberto fechado com telas e cadeados (praticamente desativado).
(QUINTINO, 2005, p. 77).
Apesar disso, em termos de recursos humanos, não havia
prossionais destinados ao cuidado, especicamente, de crianças. A
presença da pedagoga não era garantida, já que nem sempre se encontrava
no local. As mães formam parte dos recursos humanos e estão envolvidas
na rotina da creche:
O horário de funcionamento da creche é das 06h30min da manhã
quando todas as 18 mães sobem para fazer a primeira higiene em
seu lho e dar o café da manhã, depois as mães se dividem em 3
turmas e se revezam até às 20:30 da noite após o jantar e o banho
das crianças. Cada mãe trabalha em apenas uma escala cuidando
de seu lho e de outras crianças que estejam no mesmo berçário,
além de fazer a limpeza da creche, lavar roupas etc. Com os lhos
exclusivamente as mães só podem car aos sábados durante uma
hora ou quando a criança está doente. (QUINTINO, 2005, p. 82).
Stella (2010, p. 4) publicou relatório de pesquisa no qual defende a
ideia de que instalar uma creche no interior de um presídio “pode carregar,
Educação e Informação em contexto de políticas públicas: pesquisas em foco
| 131
em sua atuação cotidiana, aspectos punitivos da instituição prisional podendo
afetar o objetivo de desenvolvimento integral de crianças pequenas”.
No artigo intitulado “Creche penitenciária: a inclusão que
exclui”, Aleixo e Penido (2017) discutiram a lei que garante a creche em
estabelecimentos penais que recebam mulheres. Segundo as autoras, tal lei
fere o direito da criança à sua liberdade, sendo um retrocesso na história do
país, comparada à escravidão e, mais precisamente, à Lei do Ventre Livre.
É colocado o desatino da existência de uma lei que garante e defende a
vivência e desenvolvimento de um bebê no interior de um estabelecimento
penal, local este destinado a punições e tão abundante em desumanidade.
Araújo, Almeida e Mattos (2020), no artigo “Os lhos e as lhas da
exclusão: uma revisitação de dados e de imagens etnográcas sobre a creche
na prisão” objetivaram compreender a visão das mães encarceradas em
relação à educação oferecida aos seus lhos. As autoras entrevistaram 20
mulheres presidiárias que permaneciam em regime fechado, juntamente
com seus lhos. As genitoras demonstram insatisfação e preocupação com
seus lhos para com a higiene, alimentação e umidade. Já em relação à
educação, elas demonstram desconhecimento da lei e preocupação maior
com o momento da separação dos seus lhos, bem como o futuro das
crianças (quem irá car com a guarda).
Diante desse quadro, questiona-se: crianças que vivem dia e noite
nos presídios estão tendo possibilidades efetivas de desenvolvimento e
humanização?
6. dIreIto Ao AtendImento e Ao desenvolvImento InteGrAl nA
InfâncIA: AlGumAs conclusões
O documento “Critérios para um Atendimento em Creche que
Respeite os Direitos Fundamentais das Crianças” (BRASIL, 2009d),
elaborado por duas pesquisadoras da área, Maria Malta Campos e Fúlvia
Rosemberg, apresenta algumas diretrizes importantes sobre a organização
dos espaços destinado às crianças pequenas.
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132 |
Segundo Campos (2009, p. 17-23), “[...] nossas crianças têm direito
a um ambiente aconchegante, seguro e estimulante.”. Ou seja, deve ser
um local que garanta o acolhimento, a segurança da criança em todos
os aspectos (físicos, higiênicos e emocionais) e que ofereça desaos, de
maneira a contribuir para o desenvolvimento dos pequenos. A autora
também destaca que “nossas crianças têm direito ao movimento em espaços
amplos”; o local deve garantir espaços para que os bebês possam: correr,
pular, saltar, desenvolver sua força, agilidade e equilíbrio e interagir com
outras crianças e adultos.
Tomando como referência a Teoria Histórico-Cultural, a criança
pode ser concebida como “[...] capaz, desde os primeiros momentos de
sua vida, de estabelecer relações com o que a rodeia.” (COSTA; MELLO,
2017, p. 15). Sendo assim, desde o nascimento, os bebês aprendem a partir
das relações que estabelecem com o mundo à sua volta.
Esse processo não ocorre de forma natural, mas é resultado das
vivências e experiências oferecidas à criança. O bebê nasce com uma única
capacidade e, a partir dela, todas as outras acontecem: a de aprender.
A criança aprende desde que nasce e, por isso, se desenvolve (COSTA;
MELLO, 2017). Portanto, podemos armar que, desde o nascimento,
o desenvolvimento infantil ocorre além dos aspectos biológicos, ou
seja, o bebê está se humanizando a partir das experiências vividas e não
automaticamente, apenas por estar vivo.
Considerando as experiências da criança, desde o seu nascimento,
como fator determinante para o seu desenvolvimento e humanização, o
espaço tem grande relevância nesse processo. Um espaço com a nalidade
de atender as crianças reete, em sua estrutura, o conceito de criança e seus
objetivos para com ela. Ao adentrar, por exemplo, num ambiente escolar,
ca notória a visão de sujeito que a escola pretender formar. Se pensarmos
em formar humanos pensantes, independentes e capazes, não podemos
oferecer um ambiente pobre em diversidade, com restrição de objetos e
fora do alcance das crianças. Além da necessidade de limpeza, ventilação e
temperaturas adequadas, o ambiente deve permitir a exploração, oferecendo
um espaço amplo e repleto de recursos que promovam o desenvolvimento
integral da criança (SINGULANI, 2017).
Educação e Informação em contexto de políticas públicas: pesquisas em foco
| 133
Quando pensamos em um ambiente organizado de forma a atender
os pequenos, é indispensável que este, segundo Scudeler (2018, p. 121),
tenha “muitos objetos que chamem a atenção e despertem nos bebês o
movimento para pegar e explorar esses objetos com cores, tamanhos e
texturas que permitam a percepção do bebê, formando nele sua inteligência”.
Ademais, para isso, é essencial ter prossionais que conhecem e entendem
de criança, de infância, de desenvolvimento infantil e de educação.
Caso tenhamos um espaço direcionado apenas para o cuidado das
crianças, priorizando exclusivamente sua segurança e saúde, acabamos por
desfavorecer seu desenvolvimento pleno, prejudicando suas capacidades
humanas na infância.
A maneira como espaços que objetivam o desenvolvimento infantil
são organizados, culmina em como a criança se desenvolverá. “Organizado
de modo a atrair a atividade das crianças, o espaço possibilita e estimula
as crianças a serem protagonistas em seus tateios e experimentações, sem
a necessidade da interferência direta do adulto em todos os momentos”.
(SCUDELER, 2018, p. 134).
Além disso, o contato com o espaço externo também é fundamental
para os bebês. A criança precisa conhecer o mundo que a cerca e a natureza.
São vivências que lhes permitem plena movimentação e conhecimento do
ambiente em que habita (SINGULANI, 2017).
Essas breves considerações sobre o espaço reforçam a complexidade
da temática que envolve a vivência de crianças em presídios, com ou sem
celas apropriadas às suas mães; com ou sem centro materno-infantil e
berçário; com ou sem a existência de creches.
Na área da educação, continuamente mencionamos diversas
problemáticas sociais, econômicas e regionais que podem promover
desigualdades na garantia do direito à educação: as crianças que vivem nos
presídios são exemplos concretos de direitos negligenciados.
Por m, podemos fazer algumas indicações: é preciso colocar
a temática na agenda política e o desenvolvimento de novos estudos,
pesquisas e publicações poderá contribuir para isso; é importante garantir
Mariângela Spotti Lopes Fujita, Graziela Zambão Abdian, Helen de Castro Silva Casarin e Eliane Giachetto Saravali
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que a criança e seus direitos estejam no centro das políticas públicas que,
inclusive, devem ser prioritariamente formuladas e implementadas de
forma integrada; é imprescindível que tais políticas tenham como baliza
a educação integral dos sujeitos desde o seu nascimento e, para isso, a
participação dos prossionais da educação no processo de tomada de
decisão política e educacional será fundamental.
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Educação e Informação em contexto de políticas públicas: pesquisas em foco
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Mariângela Spotti Lopes Fujita, Graziela Zambão Abdian, Helen de Castro Silva Casarin e Eliane Giachetto Saravali
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A   
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Mirella Mac Cormick Diniz Cabral
2
Leonardo Lemos de Souza
3
Resumo: O presente artigo trata a relação da Psicologia do Desenvolvimento Humano com a Educação Infantil
a m de se investigar como os conhecimentos da Psicologia do Desenvolvimento se fazem presentes nos relatos
das professoras e como elas percebem isso no fazer pedagógico. Para tanto, realizou-se uma pesquisa bibliográca
a respeito da história da Psicologia do Desenvolvimento e como ocorreu a construção sobre a noção de infância
e criança. Após a investigação teórica, realizou-se uma pesquisa através de um questionário on-line, semiaberto
com 79 professoras da educação infantil do interior do estado de São Paulo e 5 entrevistas em profundidade.
A partir dos dados coletados, utilizou-se inspirações da técnica de Análise de Conteúdo de Laurence Bardin. A
partir desses dados pudemos destacar aproximações e distanciamentos dessa disciplina com a prática pedagógica,
pontuados em três temas centrais que englobam: a Psicologia do Desenvolvimento na formação, os conteúdos e
demandas da Psicologia do Desenvolvimento e a avaliação da Psicologia do Desenvolvimento.
Palavras-chave: Psicologia do Desenvolvimento; Educação Infantil; Formação de professoras.
Esta pesquisa é derivada de uma mais ampla Epistemes feministas e a produção da Psicologia do Desenvolvimento:
o gênero na problematização dos processos de mudança nanciada pela Fundação de Ampao à Pesquisa do Estado
de São Paulo – Fapesp (proc. 17/14706-3)
2
Professora da rede municipal de Educação Infantil de Marília, Mestranda do Programa de Pós-Graduação em
Educação da Faculdade de Filosoa e Ciências da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” -
Campus de Marília
Professor Associado do Departamento de Psicologia Social da Faculdade de Ciências e Letras da Universidade
Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” Unesp – Campus de Assis. Membro do corpo docente do Programa
de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de Filosoa e Ciências da Universidade Estadual Paulista “Júlio
de Mesquita Filho” - Campus de Marília.
https://doi.org/10.36311/2023.978-65-5954-330-4.p137-160
Mariângela Spotti Lopes Fujita, Graziela Zambão Abdian, Helen de Castro Silva Casarin e Eliane Giachetto Saravali
138 |
Abstract: is article discourses about the relationship between Human Development Psychology and Early
Childhood Education in order to investigate how the knowledge of Developmental Psychology is present in the
teacherss reports and how they perceive this in the pedagogical practice. erefore, a bibliographical analisys
was carried out about the history of Developmental Psychology and how the construction of the notion of
childhood and child occurred. After the theoretical investigation, a survey was carried out through an online,
semi-open questionnaire with 79 teachers of early childhood education in the inland of the state of São Paulo
and 5 in-depth interviews.From the data collected, inspirations from Laurence Bardins technique of Content
Analysis were used. Based on these data, we were able to highlight similarities and dierences between this
discipline and pedagogical practice, punctuated in three central themes that encompass: Developmental
Psychology in academic continuing education, the contents and demands of Developmental Psychology and
the evaluation of Developmental Psychology.
Keywords: Developmental Psychology; Child education; Teacher training.
1. Introdução
A Psicologia, ao longo do processo histórico, possui uma ligação
com a educação que não só inuencia na produção teórica, mas também
acompanha o pensamento humano desde a antiguidade. À título de
exemplo, a losoa da Grécia Antiga já orientava jovens quanto à
organização da educação ou, na era medieval, em que as ideias psicológicas
estavam intimamente relacionadas com a teologia/losoa e a pedagogia/
educação. Enquanto no Brasil, a Psicologia, nos tempos coloniais, deu-se
por meio do ensino religioso e posteriormente pela Medicina e Educação
com sanatórios, laboratórios de pesquisa, entre outros (ANTUNES, 2008;
ANTUNES, 2014; MASSIMI, 1987).
É através de Escolas Normais que a Psicologia começa a ganhar espaço
na Pedagogia, em 1830, época em que houve uma maior preocupação
com a formação docente para a construção de nação e ideários burgueses
no Brasil (ANTUNES, 2008). A importância de se realizar um estudo
histórico está voltada para a elaboração de uma linha do tempo que viabiliza
o entendimento sobre como ocorreu a percepção de infância e a forma de
a sociedade moderna e educação lidar com esta, já que a Psicologia do
Desenvolvimento Humano, um ramo da Psicologia, busca, por meio de
conjunto interdisciplinares, compreender os sujeitos e seus processos de
mudanças biológicas e culturais (DESSEN; COSTA JUNIOR, 2008).
Ou seja, a visão de infância está atada a concepções de fragilidade,
disciplina, orientação, vigília e ans, sob uma perspectiva adultocêntrica,
que atende a interesses políticos, econômicos e socais liberais e neoliberais
Educação e Informação em contexto de políticas públicas: pesquisas em foco
| 139
e é, neste contexto, que as teorias cientícas, sejam da Psicologia, da
Medicina ou da Educação, vêm como respaldo para legitimar a noção
dominante, demonstrando como a compreensão da evolução da criança
perpassa por um olhar da sociedade, da história e da cultura (LIRA;
MATE, 2010). É sob este viés que a culpabilização do sujeito permanece
até os dias atuais por se desviarem do padrão típico de desempenho,
consagrados por instrumentos de avaliação da Psicologia, da Medicina e da
Educação, de forma a fomentar práticas segregacionistas e discriminatórias,
com disposições racistas, preconceituosas, machistas e normatizadoras e
acobertados por narrativas de “neutralidade” e “imparcialidade”.
A partir disto supracitado, buscou-se compreender o papel, na
prossão de professora na Educação Infantil, a apropriação dos conceitos de
infância e criança, adquiridos pela formação inicial e continuada atrelada à
Psicologia do Desenvolvimento. Para tanto, utilizou-se o questionário on-
line, semiaberto, através da plataforma digital Google Forms e entrevistas
semiestruturadas, feitas por meio remoto no Google Meet. Após, claro, ter-
se investigado em sítios de repositórios de teses, dissertações e artigos, com
a Scielo, de pesquisas que abordassem a temática similarmente.
1.1. A psIcoloGIA e AlGuns Aspectos hIstórIcos
Da fonte da Filosoa, a psicologia, de fato, embebeu-se para crescer
como ciência, tanto que é dicultoso delimitar seu ponto de origem.
As diversas discussões não encontram consenso, há quem considera as
especulações de tempos remotos, datados desde o século V a.C, sobre
assuntos a respeito de memórias, aprendizagens, percepções e ans,
evidências sucientes de uma construção rudimentar do saber psicológico.
Já outros, que creem se tratar de uma ciência um tanto quanto recente,
vinculam o nascer da psicologia à desvenciliação da losoa, ou da losoa
antropológica, em prol de visões metodológicas de outras abordagens
cientícas emergentes que conferiam uma autonomia e formalidade sob os
padrões do positivismo (SCHULTZ; SCHULTZ, 2014). Elegeu-se, pois,
o primeiro laboratório de pesquisa experimental de Wihelm Wundt, na
Mariângela Spotti Lopes Fujita, Graziela Zambão Abdian, Helen de Castro Silva Casarin e Eliane Giachetto Saravali
140 |
Alemanha, em 1879, como o marco histórico do nascimento da psicologia
cientíca (HORTHERSALL, 2019).
No período de transição, de um regime monárquico e feudal para
um mais “democrático”, baseado na exploração do proletariado, que houve
uma mudança no modo de organização social, em que novos desaos,
como densidade demográca, saneamento básico, habitação, entre outros,
exigiam transformações profundas na política, economia e sociedade
(BARBOSA 2011).
As ideologias da burguesia em ascensão vieram, então, para reforçar
perspectivas individualizadas a m de modicar a maneira de enxergar o
sujeito em seu contexto, proliferando-se da Europa para outros continentes.
Um exemplo desta transformação é por meio da alteração semântica da
palavra progresso que, antes do século XVIII, vinculava-se à ideia de
“ir para frente” no meio militar e agora, com outra conotação, passa a
indicar evolução humana e social, como um ápice do nível civilizatório,
conquistado pela sociedade ocidental europeia. Entretanto, mais que uma
mera mudança de substrato do termo, trata-se de novas roupagens para
relações de dominância e superioridade com justicativas “modernas” para
barbaridades (LOPEZ; COUTINHO; DOMECQ, 2017).
Portanto, surgem, por parte dos intelectuais da “Escola de
Frankfurt”, as análises culturais advertindo sobre a falibilidade
do projeto modernista: o progresso traz também a barbárie, o
nazismo, o fascismo, a “ditadura da produção”, o desencantamento
do mundo, onde passam a vigorar a fetichização dos objetos, o
isolamento entre os indivíduos, o jugo da máquina sobre o homem,
e o trabalho e o lazer alienados. (CASTRO, 1999, p. 18-19).
E as Ciências Sociais e a Psicologia vieram com o respaldo cientíco
sob o comportamento humano para justicar e naturaliza valores e crenças
como fatos dados. Então, nos séculos XIX e XX, estudos com crianças,
por meio da ciência positivista e o discurso de neutralidade, serviram para
construir narrativas que sustentam posições universais e naturalizadas, de
caráter determinista e higienista (GOUVÊA; GERKEN, 2010). A Psicologia
do Desenvolvimento (PD) é o ramo da Psicologia que concretizou, de fato,
Educação e Informação em contexto de políticas públicas: pesquisas em foco
| 141
tais ideias por intermédio de instrumentos psicométricos e metodologias
que demarcavam estágios, habilidades, segregando entre normal e anormal
(BURMAN, 2008; BURMAN, 2017; CASTRO 1999; SALGADO, 2005).
Como reexo da época, a Psicologia cumpriu o seu papel em
laboratórios de siologia, fundamentadas em teorias da evolução, positivistas,
liberais e raciais, para encontrar o “lugar ideal” de cada sujeito de modo
a mascarar desigualdades sociais históricas e milenares em características
pessoais, regrado pelos discursos de igualdade, oportunidades e justiça
(PATTO, 2015). A Psicologia cientíca viabilizou ideologias iluministas
e liberais a respeito do individualismo que, por meio de seus não dizeres
(ou melhor, entrelinhas), visavam não somente à estraticação das pessoas
por segmentos sob critérios arbitrários, como talento pessoal, mas também
o reforço da culpabilização do fracasso ou do mérito do sucesso a aspectos
idiossincráticos do sujeito.
Dessa forma, a Psicologia ganha território em outros âmbitos da
vida pública, principalmente na educação, em meio as transformações
tecnológicas, e industriais, com as necessidades de solucionar os
problemas que ocorriam por conta do sistema capitalista. É sob esta
retórica que Psicologia, inclusive, passa a trazer a cienticidade à prática
pedagógica a m de torná-la mais ecaz, o que, no entanto, mostrou-
se como uma clivagem entre a teoria e a prática na área da educação
(MAGOTTO, 2019).
1.2. A psIcoloGIA do desenvolvImento no brAsIl
Em relação ao cenário brasileiro, a psicologia só teria maior
notoriedade no nal do século XIX, a área que estudava os assuntos
psicológicos era a medicina sobre questões de higiene mental, neuriatria e
fenômenos psicossociais. Inclusive, o Pedagogium, um centro de ensino e
laboratório no Rio de Janeiro, em 1890, tornou-se um marco consensual
em referência às questões de psicologia na educação (ANTUNES, 2014;
MARGOTTO, 2019). Outrora, em tempos coloniais, estes temas já eram
retratados no ensino religioso que abordavam para além da leitura e escrita,
adentrando também em aspectos de sentimentos, comportamento e como
Mariângela Spotti Lopes Fujita, Graziela Zambão Abdian, Helen de Castro Silva Casarin e Eliane Giachetto Saravali
142 |
controlá-los (MASSINI, 1987). É, na Primeira República, no entanto, que
a psicologia em si fez-se presente como base cientíca para a qualicação
de educadores, chegando até a introdução de novas cadeiras nas Escolas
Normais (MARGOTTO, 2019).
Os diversos eventos, pelos quais o Brasil enfrentava, no decorrer do
século XIX, como a fuga da Corte para terras brasileiras, a Independência
da República em 1822, a abolição da escravatura em 1888, a alteração do
regime político no governo em 1889, trouxeram profundas transformações
sobre o ensino que vislumbravam reformas na educação, como a de
Benjamin Constant em 1890, que, como princípios fundamentais, possuía
a liberdade, laicidade e gratuidade no ensino primário com a difusão, em
concomitância, do cienticismo através, por exemplo, da substituição, na
formação de professores/as, da disciplina de Filosoa pela de Psicologia e
Lógica (JACÓ-VILELA, 2012; ANTUNES, 2014).
As ideias liberais do ocidente europeu chegaram em terras tupiniquins
através não só da classe média intelectualizada, como também da prole de
latifundiários que se formavam no exterior, retornando com ideologias de
progresso, positivismo, de ciência e de psicologia, chamados de geração 70
(JACÓ-VILELA, 2012). Cabia, então, ao ser humano descobrir a verdade
e conquista o progresso e o avanço por meio da ciência replicável sob
regras da natureza, não mais mediante leis divinas, a educação brasileira
passou pelo mesmo processo europeu de encontrar a função e o local
ideias para cada indivíduo. Entretanto, estes tipos de conduta camuavam
desigualdade de gênero, de classe e de raça em questões de escolaridade
(PATTO, 2015).
A partir desta perspectiva, as escolas foram concebidas como meio
de implementação dos moldes europeus em favor da manutenção dos
interesses da elite através da difusão de pensamentos higienistas, projetos
de saneamento físico e moral. No entanto, tais implantações divergiam-se
em regiões metropolitanas e interiores de cidade, como em São Paulo, em
que a elite, por demasia, estava insatisfeita com o Império. Em vistas à
qualicação de formação docente, laboratórios de Psicologia foram criados
dentro de Escolas Normais, ou seja, o caminho para a consagração da
psicologia no Brasil ocorreu por intermédio na educação, como elucida
Educação e Informação em contexto de políticas públicas: pesquisas em foco
| 143
Antunes (2003, p. 150), que “apesar da presença sistemática das ideias
psicológicas no interior da Medicina, foi principalmente no terreno da
Educação que a Psicologia logrou conquistar sua autonomia como área
especíca de conhecimento no Brasil”. Com base nisso, o conhecimento
adquirido pelo professor sobre o desenvolvimento infantil permitiria a
atuação preventiva e corretiva da natureza da criança em uma educação
mais adequada e adaptada que buscava tolher as inclinações negativas.
Diante várias eclosões de problemas na educação, durante o século
XX, como a insatisfação com o regime oligárquico do café-com-leite,
os movimentos políticos-culturais modernistas, a fundação do Partido
Comunista do Brasil, entre outros, em junção às altas taxas de analfabetismo
e ao baixo número de escolar elementares, movimentos, como Escola Nova,
ganharam visibilidade a m de conceber um novo projeto de homem, o
que repercutiu em mudanças substanciais na educação brasileira e embasou
seus pressupostos educativos na ciência da Psicologia. Durante o Golpe
Militar de 64, a visão sobre a educação tornou-se mais tecnicista, voltada
para a produtividade com narrativas desenvolvimentistas econômicos
e de segurança nacional, a Psicologia comportamental passou a exercer
fortes inuências na época (GOULART, 2003). Somente, após o ndar da
ditadura, que a categoria de professores teve de buscar uma nova identidade
prossional em razão do desmantelamento feito pelas políticas ditatoriais
(TANURI, 2000; SAVIANI, 2009). Um desses marcos foi a nova LDB de
1996 que, apesar de não suprir as expectativas por nivelar por baixo, trouxe
numerosos avanços legais (SAVIANI, 2009).
1.3. A psIcoloGIA do desenvolvImento e A educAção
A Psicologia do Desenvolvimento é um ramo dentro da Psicologia
que estuda as transformações no desenvolvimento do ser humano para
além de aspectos relacionado à faixa etária, ao desenvolvimento ou
comportamento, desta forma, transita por diversas áreas, como a biologia,
sociologia, antropologia, educação, e aborda as mais variadas questões, como
de afetividade, de socialização, de intelectualidade, de psicomotricidade
(MOTA, 2005; BIAGGIO, 1988).
Mariângela Spotti Lopes Fujita, Graziela Zambão Abdian, Helen de Castro Silva Casarin e Eliane Giachetto Saravali
144 |
Mota (2005, p. 107) conceitua determinada área como o “estudo,
através de metodologia especíca e levando em consideração o contexto
sócio-histórico, das múltiplas variáveis, sejam elas cognitivas, afetivas,
biológicas ou sociais, internas ou externas ao indivíduo que afetam o
desenvolvimento humano ao longo da vida”. Inclusive, alguns autores,
como Dessen, Costa Júnior e Bronfenbrenner, nomeiam-na de “Ciência
do Desenvolvimento Humano” (DESSEN; COSTA JUNIOR, 2008)
em razão de tais características, que, por vezes se torna referência a
outros campos e a práticas prossionais, como ocorre na saúde e na
educação, especialmente, a Educação Infantil (MOTA, 2005; BARROS;
COUTINHO, 2020).
Ainda que a própria terminologia, Psicologia do Desenvolvimento,
evoque o sentido de que o objeto de estudo seja todo o ciclo da vida,
na prática somente determinadas fases são exploradas, como infância
e adolescência, de modo que quem aquém, em termos teóricos e
metodológicos, os demais períodos da vida (BIAGGIO, 1988). Apesar de
já existir esforços de alguns autores em romper com os estudos clássicos e
focar, de fato, na integralidade de todas as etapas, da infância até a velhice, a
PD ainda é marcada por divisões cronológicas com a intenção de demarcar
os contornos de cada época (BARROS; COUTINHO, 2020).
Não obstante, foi através da lógica cartesiana que se estabeleceu
quatro ênfases na relação ambiente versus hereditariedade. A primeira
realça a hereditariedade (inatismo) no desenvolvimento humano, como
natural e maturacional, sendo, além do mais, base às formulações para
o darwinismo social. Concebido por Hebert Spencer, um dos principais
representantes do liberalismo cienticista, ao aplicar a teoria de seleção
natural no contexto político-social, justicando as desigualdades sociais e
a falta de intervenção estatal pelo pretexto da sobrevivência dos mais aptos
como uma nova roupagem.
Já na segunda, o destaque volta-se ao ambiente (empirista) como
fator condicionante ao desenvolvimento, ou seja, para as abordagens
behavioristas e comportamentais, os estímulos e o ambiente são
responsáveis por moldar respostas desejáveis, sendo o comportamento
observável a comprovação desta hipótese. Há uma visão interacionista na
Educação e Informação em contexto de políticas públicas: pesquisas em foco
| 145
terceira ênfase, em que ambos aspectos são necessários para a constituição
do ser humano, não sendo claricado a sobressalência de um fator sobre
o outro.
Por m, para quarta vertente, é impossível conceber o ser humano
fora de seu contexto, do seu histórico, da sua cultura e da sua realidade
social, posto que, ao retirá-lo do conjunto sócio-histórico cultural, recai-se
sobre o erro de xá-lo como natural e universal, impassível de mudança
(PILETTI et al., 2018).
É mister possuir a ciência de que a prática educacional envolve
fenômenos para além dos tratados na PD, a m de não incorrer em um
olhar simplista e unidimensional, baseada somente em uma única área de
conhecimento que rotule, mascare ou alimente equívocos educacionais. Em
outros termos, é importante a análise crítica das proposições da Psicologia
aplicadas fora da própria da área, sendo repensadas quando utilizadas no
embasamento teórico em outro campo de conhecimento.
A partir dos movimentos de subdivisão da Psicologia em uma
psicologia dos educadores, ainda que autonomize em um campo diferente
e especíco, introduz-se também os mesmos problemas, dilemas e questões
epistêmicos e históricos da área, como a diculdade em adotar uma mesma
metodologia, por exemplo. Outra problemática trazida é a denição de
um recorte especíco em detrimento de outras produções psicológicas
tão importante quanto para a educação, como as meras replicações e os
equívocos interpretativos dos experimentos de Piaget que embasaram
diversas propostas educacionais redentoras, nos anos 70 (MIRANDA,
1992; POLONIA; SENNA, 2008).
Tratam-se, portanto, de teorias sobre o desenvolvimento humanos
que norteiam não só a formação continuada de educadores(as), mas
também diretrizes, leis, propostas pedagógicas, programas públicos, entre
outros, sendo imprescindível modicar o sistema educacional e o ensino
das universidades sobre teorias salvadoras ou inquestionáveis a m de não
recair em práticas escolares levianas e soluções apressadas e superciais
(KRAMER; JOBIM; SOUZA, 1991).
Mariângela Spotti Lopes Fujita, Graziela Zambão Abdian, Helen de Castro Silva Casarin e Eliane Giachetto Saravali
146 |
1.4. As orIGens dA psIcoloGIA do desenvolvImento
Embora a origem da PD esteja em um conjunto de questões
losócas e epistemológicas sobre a natureza do conhecimento do ser
humano, também foi requisitada a testar teorias concorrentes, utilizando-
se principalmente da biologia e da epistemologia como embasamento.
A PD tem seus primeiros ensaios por meio dos estudos das crianças, e
durando o nal do século XIX e inicio do século XX seus estudos foram
inspirados na teoria da evolução, com estudos comparativos de animais e
humanos, de diferentes grupos humanos, buscando relações com o papel
da hereditariedade (BURMAN 2017).
Dessa maneira, a PD esteve relacionada com os estudos do
desenvolvimento humano que foram estudadas por diferentes áreas
como a Biologia, Antropologia e utilizaram-se de outros campos como
a incipiente Estatística. Nesses estudos, ao longo do século XVIII e
XIX, escrutinou-se a criança, relacionando aos estudos da evolução da
sociedade, servindo de base teórica para estudos sobre progresso de raças
e progresso da civilização, criando um modelo linear e universal a ser
alcançado pela humanidade, sendo que a civilização europeia foi posta
no centro como o modelo a ser seguido, em um conceito de civilização
eurocêntrico utilizados como subterfúgios, inclusive para colonizar,
escravizar e estigmatizar outros povos. De forma que as teorias do
evolucionismo, teorias da recapitulação e teorias raciais fazem parte da
herança da PD (GOUVÊA; GERKEN, 2010).
Nesse sentido, a Psicologia e a PD, por meio dos estudos
de quanticação, padronização e comparação dos indivíduos e
comportamentos, foram base para os estudos psicogenéticos, utilizando-
se de estatísticas para legitimar estudos comparativos de grandes
populações. Os estudos do desenvolvimento humano, ao nal do século
XIX, embasavam-se principalmente em produções de Herbert Spencer
(1820-1903), Charles Darwin (1809-1882) e Willian Preyer (1841-
1879) mesclado com a denominada estatística social, que serviu de escopo
teórico-metodológico (GOUVÊA; GERKEN, 2010).
Educação e Informação em contexto de políticas públicas: pesquisas em foco
| 147
Dessa forma, surgiram estudos de Adolphe Quéletet (1796-1874)
em 1842 em que fazia diferenças entre raças e cognição, estudos de
Francis Galton (1822-1911) sobre hereditariedade da inteligência, em que
tais estudos serviram de base para uma ciência eugenista, que, inclusive
fundamentou as políticas de estado da Alemanha nazista (GOUVÊA;
GERKEN, 2010).
Como explica Castro (1999) a psicologia buscou sistematizar
o desenvolvimento humano, de modo a atender a crença do ideal de
aperfeiçoamento da espécie e do indivíduo ao longo do tempo, parte
do projeto da modernidade. Assim, práticas de intervenção e regulação
social caracterizada por explicações naturais e universais da trajetória de
vida, que desconsidera o ponto de vista sócio-cultural originaram, por
meio do discurso de neutralidade, normas que fragmentam em etapas e
fases o amadurecimento e crescimento dos seres humanos dentro da PD
(SALGADO, 2005).
Nesse panorama, a PD surge de movimentos sociais ligados ao
aparecimento do capitalismo e da ciência, e participa desses movimentos
direcionados a comparação, regulação e controle de grupos e sociedade,
que se norteia por práticas cientícas com modelos normativos excludentes
de gênero, raça e classe, de forma a alienar e mercantilizar o indivíduo
(BURMAN, 2017). Isso demonstra que a produção do conhecimento
cientíco não se desvincula das questões históricas, o que carrega consigo a
possibilidade de sua utilização advir de interesses especícos de uma classe,
dentro de movimentos políticos e ideológicos (FERREIRA, 1986).
Com isso, as pesquisas psicológicas determinam uma função
interpretativa sobre a formação do sujeito, que ocasiona produções e
consumo de conceito pela sociedade (JOBIM; SOUZA, 1997). Dessa
forma, o discurso da PD pode se voltar a uma noção de linearidade do
desenvolvimento que normatiza e uniformiza controlando os corpos e
reiterando concepções hegemônicas que “[...] parte do pressuposto de que
o sujeito inteligível é o sujeito branco, burguês, masculino e heterossexual.
(ANDRADE, 2018, p. 76).
Mariângela Spotti Lopes Fujita, Graziela Zambão Abdian, Helen de Castro Silva Casarin e Eliane Giachetto Saravali
148 |
Isso, também afeta as questões relacionadas a criança, a infância
até a atualidade. O que Castro (2001) pontua como uma lógica
desenvolvimentista que enquadra a criança em concepções sequenciais,
ordenadas e fásicas, no qual a infância se torna o ponto de partida.
Essas noções estão tão enraizadas que a diculdade de pensar a infância
para além as normas sistematizadas pela psicologia presume-se em uma
desordem conceitual (CASTRO, 2001). Dentro dessa racionalização da
criança, encontra-se a racionalidade do capitalismo, em que a valorização
do psiquismo individual, o liberalismo formatariam o cidadão típico-ideal,
dócil e produtivo, facilmente controlável e conhecido dentro dessa noção
de desenvolvimento ordenado e progressivo de competências maiores
e maturidade (BURMAN, 2017). De forma que a PD “[...] autoriza e
legitima a construção de teorias e conceitos sobre os aspectos evolutivos
(cognitivos, afetivos-emocionais, psicomotores, sociais etc.) da infância e
da adolescência.” (JOBIM; SOUZA, 1997, p. 39).
1.5. A crIAnçA nA psIcoloGIA do desenvolvImento
Assim, quando se trata de criança e o que se pensa sobre a infância,
percebe-se tais conceitos perpassam por constructos sociais, culturais
e históricos, inuenciados por uma gama de áreas, como a Filosoa,
Antropologia, Sociologia, Psicologia, entre outros, sendo legitimada pela
ciência e retroalimentada pelas demandas de políticas públicas.
Ou seja, a infância é um fenômeno construído historicamente e não
dado de forma natural, estando vinculado, inclusive, a objetivos e interesses
do projeto de modernidade (LIRA; MATE, 2010). Isto é notório em
autores, como Ariès (2014), que elucidou sobre a criança ser considerada
como subalterna e indiferente, nos séculos XIV e XV, de modo que houvesse
quaisquer separações entre os afazeres e a convivência de adultos e crianças.
Já, nos séculos XVI e XVII, os eclesiásticos viam-nas como frágeis criaturas
de Deus que careciam de proteção, vigília e disciplina. É justamente com
a burguesia que vem as primeiras “paparicações” às crianças como espelho
da visão da época sobre a infância, um período distinto de vida. Hilleshein
(2007) e Guareschi (2007) citam alguns fatores que inuenciaram na
Educação e Informação em contexto de políticas públicas: pesquisas em foco
| 149
construção de infância e no conhecimento gerado acerca desta, como
decréscimo da mortalidade infantil, formar de vida familiar, inuências
religiosas, o desenvolvimento da escrita e da leitura.
Com isso, pode-se presumir que “diferentes representações
da infância, presentes no bojo das ditas teorias cientícas sobre a
criança, emergem a partir de determinadas condições socioculturais
da modernidade[...]” (CASTRO, 1999, p. 28). No período moderno,
no qual a PD emergiu, esta área de conhecimento veio como missão de
controlar, normatizar e classicar os sujeitos com base em suas diferenças,
aptidões, habilidades, cognição, intelecto e ans de forma relativamente
rápida e estável. Assim, a partir da estraticação por idade, com o intuito
de universalizar idiossincrasias individuais, estabelecia-se normas e critérios
de modo que facilite o controle do sistema capitalista sobre o ciclo da vida
ao direcionar os espaços, as oportunidades e as participações das pessoas
(CASTRO, 1999).
Burman (2017) assinala como a criança serve de fonte e objeto de
estudo a m de fornecer maiores dados e informações a respeito do adulto
através de pesquisas focadas atualmente no desenvolvimento embrionário,
graças aos avanços tecnológicos. Trata-se, portanto, de uma preocupação
direcionado aos valores produtivos do trabalho que visam maximizar
o desempenho e minimizar resultados ambíguos e indeterminados.
Entretanto, as pesquisas com recém-nascidos apresentam problemas
metodológicos, seja no âmbito conceitual ou técnico, ou seja, por se tratar
de bebês, tanto o repertório comportamental, quanto a interpretação sobre
este são dúbios que geram resultados descritivos diferentes. Em decorrência
disto, é-se dedicado grande tempo para relatórios e descrição dos processos,
das técnicas e dos aparelhos por se acreditar que, quanto mais cedo se
documenta um comportamento, maiores são as chances de ser inato, com
utilidade para intervenções posteriores.
Em percepção da importância dos cuidados físicos e psicológicos,
após descobertas da Psicologia cientíca sobre a inteligência e a
personalidade do bebê, as práticas, envolta da infância, foram permeadas
por demarcações de desempenhos, de acordo com a idade, que supriam
expectativas institucionais e a visão do adulto em parâmetros universais,
Mariângela Spotti Lopes Fujita, Graziela Zambão Abdian, Helen de Castro Silva Casarin e Eliane Giachetto Saravali
150 |
sejam educacionais, familiares ou sociais. A psicologia, então, elabora
instrumentos para a padronização de tarefas que mensuram, classicam e
ordenam as crianças no sistema escolar de modo fragmentado e fracionada,
e não integral, criando o conceito de infância sob medida e de criança
ideal-típica, baseada em scores a serem seguidos e conquistados e não um
ser em interatividade com o meio que são mutuamente afetados. É esta
visão adultocêntrica sobre a infância que serve de aporte para políticas
de bem-estar, idealização de criança e famílias, correções de desvios que
perpetuam a ideia de ambiente ideal para a criança crescer, viver e ser
(BURMAN, 2008; CASTRO, 1999; JOBIM; SOUZA, 1997).
Diante disso, a representação da infância ca circunscrita a uma
racionalização que se ajusta a ordem vigente legitimada pela Psicologia,
em um contexto de desenvolvimento que exclui outras formas de
desenvolvimento segregadas em patológicas, ou indesejáveis, sendo
aquilo que não pode ser normatizado como algo que deve ser eliminado
ou controlado (CASTRO, 1999). Nesse sentido o campo discursivo da
criança se enquadra na inocência, visto como inerente a natureza infantil
constituída nas famílias, instituições sociais e escolares, que destitui das
crianças as mais diversas idiossincrasias, sua sexualidade, expressões de
gênero entre outro (SALGADO; SOUZA, 2018).
É em uma sociedade “falocêntrica, masculinista, heteronormativa,
binária e burguesa” (SALGADO; SOUZA, 2018, p. 241) que a inocência,
destituída de sexualidade, é dado como original, de modo que os “corpos
infantis plurais, diversos, contraditórios e híbridos não podem sobreviver”
(SALGADO; SOUZA, 2018, p. 246), o que indica a dominância dos
interesses adultos para o controle e a educação da criança, sendo esta
utilizada como artefato biopolítico. A diversidade de sexualidade e expressão
de gênero logo são enquadrados nas normativas sobre o desenvolvimento
ideal assim que percebidas em suas produções lúdicas e culturais, sendo
um assunto proibido ainda que já abordado na psicanálise freudiana.
Ainda que os estudos sobre a infância tenham se afastados da
ciência biológica evolucionista e voltado mais para a PD, atualmente,
percebe-se um movimento em direção à sociobiologia, o que indica uma
simplicação ao retornar à biologização e ao darwinismo social renovados.
Educação e Informação em contexto de políticas públicas: pesquisas em foco
| 151
Ainda é possível visualizar explicações com tendências às justicativas
genéticas, como a genética comportamental da psicologia evolucionária.
Em contrapartida, há também um maior combate com denúncias à
polarização crescente entre sujeito e sociedade ou natureza e cultura, de
forma a fomentar a descontextualizar o indivíduo, centralizando neste a
fonte de todos problemas e fracassos e não compreender este inserido em
uma dinâmica com o mundo (PIZZINATO; SOUZA; VIEIRA, 2021).
Além disso, observa-se uma maior variedade nos objetos de pesquisas,
indo para além da criança e do adolescente, abarcando também o período
da velhice, durante no ano 2000, no entanto, já existia alguns poucos
estudos, em 1903 e nos anos 50, de Metchnoko e Erikson sobre o ciclo
da vida, respectivamente (BARROS; COUTINHO, 2020). A noção de
criança também passa por uma alteração que a vê como ser passivo e é com
base neste tipo de concepção que os esforços nas políticas educacionais são
direcionados, ou seja, que priorizem “[...] a noção de ideário de eciência,
produtividade, competências etc.” (ANDRADE, 2018, p. 76). Por isso, é
tão importante em um pensar sobre PD que procure meios de superação
das exclusões na sociedade.
2. o cAmInho de umA pesquIsA sobre o pApel dA pdh nA
educAção InfAntIl.
Desta maneira, entender qual o papel da PDH na educação infantil
engloba muitas faces, entretanto buscaram-se nas falas das professoras da
educação infantil as discussões a respeito dos recursos que a PD oferece
para responder as práticas pedagógicas. Para este intento, esta pesquisa de
caráter qualitativa, os recursos utilizados foram a aplicação de questionário
semiestruturados para recolher alguns dados de formação, experiência de
atuação e tempo de serviço, assim como, para recolher as informações
pertinentes sobre os recursos utilizados de PD nas práticas das professoras.
Após o questionário, utilizou-se da entrevista semiestruturada para o
aprofundamento dos assuntos levantados no questionário. Essa aplicação
foi feita dentro da rede pública de um município do interior paulista.
Mariângela Spotti Lopes Fujita, Graziela Zambão Abdian, Helen de Castro Silva Casarin e Eliane Giachetto Saravali
152 |
Por meio da Secretaria Municipal da Educação (SME), os
questionários foram enviados para todas as Escolas Municipais de Educação
Infantil (EMEI), totalizando 43 escolas, contando com 847 docentes
no ano de 2021. Dentro deste universo obtivemos 79 respondentes do
questionário e 5 participantes para entrevista.
As análises dos dados obtidos foram inspiradas na Análise de
Conteúdo da Laurence Bardin (2011) e nos percursos descritos dessa análise
por Moraes (1999), de forma que foram descobertos temas e subtemas
posteriori que englobam diferentes aspectos da PD dentro da concepção
das professoras nos questionários e, a partir desse ponto, a análise das
entrevistas originou-se de três temas centrais apriori englobando a PD na
formação, os conteúdos e demandas da PD e a avaliação sobre a PD.
3. temAs centrAIs
3.1. A psIcoloGIA do desenvolvImento nA formAção
Em uma análise feita pelos relatos das professoras sobre a formação,
ca evidente que dentro da formação inicial, que remete aos cursos de
pedagogia em sua maioria, uma variedade de disciplinas de psicologia
foram mencionadas pelas respostas dos questionários, assim como
evidenciado na pesquisa de Gernnari, Blanco e De Araújo (2020) sobre
a maioria dos cursos de pedagogia oferecerem as disciplinas de psicologia
e delas terem nomes diferentes em cada universidade e possuírem carga
horária também diferenciadas. Dessa maneira, nos cursos disciplinas
como Psicologia da Educação, PD, são as mais recorrentes nas menções
das professoras do questionário.
Dentro dessa disciplina, constatamos que os autores mais estudados
são Jean Piaget e Lev S. Vygotsky, os autores mais lembrados tanto nas
entrevistas quanto nos questionários, mas foi possível observar outros
nomes como o de Henri Wallon, Sigmund Freud e Burrhus F. Skinner
entre outros, com menores frequências, o que demonstra alguma variedade
de autores e abordagens psicológicas dentro da formação inicial. O que,
como salientam Gernnari et al. (2020), se torna de suma importância
Educação e Informação em contexto de políticas públicas: pesquisas em foco
| 153
que diferentes correntes teóricas da Psicologia estejam dentro do curso
de pedagogia, e embora sejam ministradas de forma geral é preciso ter
cuidado e atenção para apropriações equivocadas desses conhecimentos.
Outro fator, mencionado pelas autoras citadas, engloba a questão da carga
horária das disciplinas de psicologia na educação serem relativamente
curtas, dicultando o aprofundamento nos diversos conteúdos.
Em relação à formação continuada vemos que dentro dessa realidade
53% (42) possuem alguma especialização ou mestrado, que podem
estar ligados às questões de tanto continuar e sanar as lacunas deixadas
na formação como questões de Plano de Carreira e Remuneração, que
incentivam a formação continuada por meio da valorização por meio da
remuneração condigna ao processo de formação contínua. A maioria das
especializações se concentrou na psicopedagogia e na Educação Especial.
Mas um dos fatores determinantes para a formação continuada
está estabelecido pelo município, regido pela LDB, que regulamenta
a obrigatoriedade dos sistemas de ensino e os órgãos governamentais a
garantirem formação continuada e capacitação dos/as prossionais do
magistério. É por meio dessa oferta do município que muitas professoras
relatam estarem em formação contínua 37% (no questionário), sendo
que nas entrevistas constatou-se que das 5 professoras 3 relataram se
aprofundarem somente naquilo que é oferecido pela SME.
Muitos relatos retomam a importância da formação contínua por
meio do munícipio, pois é o que auxilia na visualização da teoria na
prática e sana algumas das lacunas deixadas na formação. Como pontua
Leone (2011) a formação contínua se torna um importante processo do
qual a articulação entre teoria e prática possibilitam o encontro entre os
conhecimento e apropriações feitas durante a formação inicial e os novos
conhecimentos que são construídos e reconstruídos ao longo da carreira
prossional. As professoras também relataram que houve um aumento na
oferta de estudos dentro das escolas por conta da pandemia. E os conteúdos
estudados dentro dessa formação continuada estão a Proposta Curricular do
Município, e a Teoria Histórico-Cultural, abordagem teórica ocialmente
implementada no município desde 2020 junto com a proposta.
Mariângela Spotti Lopes Fujita, Graziela Zambão Abdian, Helen de Castro Silva Casarin e Eliane Giachetto Saravali
154 |
3.2. os conteúdos e demAndAs dA psIcoloGIA do
desenvolvImento
Os conteúdos da PD que se fazem presentes na rotina dessas professoras
são norteados em sua maioria por diversas abordagens teóricas da Psicologia
e da Pedagogia. Quando perguntado sobre as preferencias pelos autores da
PD que mais se identicavam notou-se que 61% (no questionário) das
professoras responderam mais de um autor concomitantemente. Dentro
desse quadro a menção a 2 autores apenas foi a maior correspondendo
a 34% (27) sendo que Jean Piaget e Lev S. Vygotsky foram a dupla mais
citada 48% (13).
Entretanto, vemos que, nesta realidade, a preferência dos autores
se concentra em Lev S. Vygotsky tendo uma frequência de 37% (58)
de citações e em segundo lugar Jean Piaget com 25% (39) citações. Nas
entrevistas tivemos a menção de 100% (5) de Lev S. Vygotsky, embora
dentro desse universo 2 citaram mais identicação com Jean Piaget.
As demandas apresentadas que envolvem a PD estão nos
conhecimentos oferecidos para entender a criança, para nortear sobre a
aprendizagem e envolve diferentes entendimentos de desenvolvimento que
estão relacionados com as teorias psicológicas que se identicam. Dessa
forma os conteúdos tratados que dizem respeito ao desenvolvimento
remetem os embasamentos dos dois teóricos citados anteriormente. Para
algumas professoras o desenvolvimento remete as estruturas do pensamento
cognitivo dentro dos estádios de desenvolvimento, na maturação e
consolidação do pensamento, que remetem as teorias de Jean Piaget. O
desenvolvimento cognitivo na teoria de Jean Piaget é visto como uma
conquista do indivíduo, pois permeia em uma série de organizações internas
por meio das experiências externas, que desenvolvem progressivamente a
gênese e as estruturas mentais, em processos denominados por Jean Piaget
de assimilação, acomodação e equilibração (POLONIA; SENNA, 2008).
Ao mesmo tempo, o desenvolvimento foi entendido por outras professoras,
ocorre pela interação social, pela atividade guia, a apropriação da cultura e
a periodização do desenvolvimento.
Educação e Informação em contexto de políticas públicas: pesquisas em foco
| 155
Sim, a abordagem histórico-social privilegia a importância
das interações sociais para o desenvolvimento do indivíduo. A
aprendizagem obtida na relação das crianças com os adultos,
outras crianças impulsionaria o desenvolvimento da criança.
(Participante 03).
Como no exemplo de uma fala das participantes, no qual
resumidamente na perspectiva da THC o desenvolvimento está atrelado a
aprendizagem, pois é ela que oportuniza o despertar dos processos internos
do desenvolvimento, e a maturação do organismo é uma parte desse
desenvolvimento que é próprio da espécie humana (OLIVEIRA, 1997).
Entretanto, apesar de o papel da educação seja de suma importância para
o desenvolvimento da criança, ainda existe uma reprodução das teorias
cientícas que determina dentro de expectativas institucionais, de como
deve ser e acontecer o desenvolvimento e a aprendizagem, de maneira
a criar uma noção de criança adequada aos espaços escolares, como
aquela que é sempre curiosa, disposta ou envolvida nas tarefas propostas
(CASTRO, 1999). De forma que é importante problematizar as questões
éticas e políticas em torno da criança que a PD circunscreve, que muitas
vezes desconsideras os vários outros aspectos históricos, socioeconômicos,
culturais, de gênero e de raça das crianças.
Também apareceram nos relatos que os conhecimentos da PD ajudam
nas questões de planejamento, organização, as escolhas dos conhecimentos
ofertados para as crianças entre outros. Que nos remete ao terceiro tema.
3.3. A AvAlIAção sobre A psIcoloGIA do desenvolvImento
Dentro dessa avaliação, o principal tema surgido tanto nos
questionários quanto nas entrevistas informaram que a PD se apresenta
como subsídio para entender a crianças que está inserida no cotidiano
escolar, pois a PD oferece informações sobre o desenvolvimento da criança
e como ela aprende, dessa forma muitas falas englobaram a importância de
se entender as fases de desenvolvimento da criança, ou a periodização da
criança, os seus modos de pensar, o comportamento e as formas como vão
Mariângela Spotti Lopes Fujita, Graziela Zambão Abdian, Helen de Castro Silva Casarin e Eliane Giachetto Saravali
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considera-las ora como produtora de cultura e participante de seu próprio
conhecimento e capacidade, ora como um sujeito que precisa aprender
e ‘vir a ser’, alguém que precisa ser avaliado. São formas que às vezes se
contrapõem e buscam o entendimento dessa criança.
Essas falas demonstram o quanto a PD está presente nas concepções
das professoras e o quão hegemônica são suas inuências nas explicações
sobre a criança e a infância. Embora percebemos avanços nas concepções
de criança e os pensadores russos acrescentem ao debate uma visão mais
descontínua e cheia de transformações e rupturas (SALGADO, 2005) e
esses estudos estejam mais presentes na realidade deste município a busca
por esse caminho entre teoria e prática ainda enfrenta muitas diculdades,
das quais as professoras relataram.
Assim, a PD possui uma avaliação um tanto quanto positiva em seu
papel na educação. Mas também em algumas falas podemos perceber os
questionamentos feitos, em que embora contribua, ela não pode delimitar
e aprisionar a conduta de ninguém. Outra ênfase as contribuições do
desenvolvimento estão atribuídas a aprendizagem, valorizando assim
apenas o desenvolvimento cognitivo, sendo que o desenvolvimento
engloba múltiplas variáveis, transformações, rupturas, que englobam a
cultura, a história, a siologia entre outros. Nesse sentido, a educação tão
importante quanto o embasamento na Psicologia precisam estar atenta
em não cair em um discurso que considera somente a aprendizagem e
o desenvolvimento cognitivo como regimes de verdade do que e como
deve se aprender, esquecendo-se das subjetividades do ser criança, com
suas singularidades, histórias, cultura e comunidade.
4. consIderAções fInAIs
Podemos perceber que ao longo da história a PD busca entender o
indivíduo em suas transformações e auxilia em muitas práticas em diversas
áreas como na medicina, nas políticas públicas educacionais e no dia a dia
dos indivíduos. Por isso, problematizá-la se faz importante para entender
suas origens e perceber, que ela como ciência não é neutra, o que mostra
o quanto possui também contradições ao normatizar, enquadrar e dizer o
Educação e Informação em contexto de políticas públicas: pesquisas em foco
| 157
melhor caminho para os indivíduos, principalmente quando são crianças.
É perceptível que ao enquadrar dentro de uma lógica de linearidade
evolutiva de progresso, universalizante desconsidera as subjetividades do
ser humano em todos os seus aspectos enquanto indivíduo e determinam
uma única forma de se viver e se desenvolver.
Nesse sentido, a busca pelos conteúdos que estão presentes na
Educação Infantil demonstra alguns avanços, contradições e estagnações
ainda em conceitos presentes e hegemônicos dentro daquilo que se propaga
como universal. De forma que os conceitos de desenvolvimento e de
criança ainda precisam ser problematizados em questões éticas e políticas
principalmente por elas embasarem as práticas educativas e políticas
educacionais.
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L    
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 
Angelina Quinalia Ramires
Mariângela Spotti Lopes Fujita
Resumo: O ensino de estratégias de leitura inicia-se desde o início da idade escolar,
no Ensino Fundamental. O intuito dessas estratégias é fornecer subsídios para que o
leitor compreenda aquilo que leu. Essa prática ajuda o leitor nas mais diversas áreas do
conhecimento, compreendendo o sentido do texto e não somente decodicando-o. Para
tanto, o objetivo aqui é estudar as estratégias de leitura, entender como elas são usadas
e quais os benefícios que trazem para a formação de um leitor, capaz de compreender
o que lê, reconhecer qual a tipologia textual, a função social do texto lido, fazendo
inferências, atribuindo sentido ao texto e assumindo um papel de leitor ativo. Trata-se
de uma pesquisa de revisão de literatura de natureza qualitativa que tentou contribuir
para o esclarecimento da importância da leitura e de estratégias que possibilitem uma
interpretação e uma compreensão daquilo que se leu.
Palavras-chave: Estratégias de leitura; Ensino fundamental; Práticas de leitura.
Abstract: e teaching of reading strategies starts from the beginning of school age, in
Elementary School. e purpose of these strategies is to provide subsidies for the reader
to understand what he has read. is practice helps the reader in the most diverse areas of
knowledge, understanding the meaning of the text and not just decoding it. erefore, the
objective here is to study reading strategies, understand how they are used and what benets
they bring to the formation of a reader, capable of understanding what he reads, recognizing
the textual typology, the social function of the text. read, making inferences, attributing
meaning to the text and assuming an active reader role. is is a literature review of a
https://doi.org/10.36311/2023.978-65-5954-330-4.p161-186
Mariângela Spotti Lopes Fujita, Graziela Zambão Abdian, Helen de Castro Silva Casarin e Eliane Giachetto Saravali
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qualitative nature that tried to contribute to the clarication of the importance of reading
and strategies that allow an interpretation and understanding of what has been read.
Keywords: Reading strategies; Elementary school; Reading practices.
1. Introdução
Realizaremos um estudo teórico sobre estratégias de leitura, a
importância da leitura na vida do aluno, quais as suas contribuições para a
formação integral do discente e como a leitura pode ser otimizada através
de estratégias que facilitam o processo de compreensão textual. O objetivo
aqui é estudar as estratégias de leitura, entender como elas são usadas e
quais os benefícios que trazem para a formação de um leitor, capaz de
compreender o que leu e não somente decodicar as letras, reconhecer
qual a tipologia textual, a função social do texto lido, fazendo inferências,
atribuindo sentido ao texto e assumindo um papel de leitor ativo.
Para tanto, foi feita aqui uma fundamentação teórica baseada nos
autores Solé (1998), Kato (1999), Kleiman (2002), Girotto e Souza (2010),
Harvey e Goudvis (2008, [2017]), Organizações não Governamentais
como a Ação Educativa e o Instituto Paulo Montenegro que publicam o
Indicador de Alfabetismo Funcional (INAF) (AÇÃO EDUCATIVA, 2018)
e Governamentais do Ministério da Educação do Brasil (BRASIL, 2001,
2013, 2018). Tais autores, individuais e coletivos, foram selecionados por
discorrerem com propriedade sobre o tema desta pesquisa, que é o ensino
das estratégias de leitura e a importância da sistematização da leitura desde
os anos iniciais, antes mesmo dos alunos terem se apropriado do sistema
de escrita alfabética.
A seção dois traz uma fundamentação teórica sobre a importância da
leitura, com base nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) (BRASIL,
2001), na Base Comum Curricular (BNCC) (BRASIL, 2018) bem como
no Indicador de Alfabetismo Funcional (INAF) (AÇÃO EDUCATIVA,
2018). A seção três traz uma parte mais prática, abordando as estratégias
de leitura e como utilizá-las em sala de aula, nos anos iniciais. Por m, na
seção quatro, estão as considerações nais, concluindo o trabalho.
Educação e Informação em contexto de políticas públicas: pesquisas em foco
| 163
2. fundAmentAção teórIcA: A ImportâncIA dA leIturA
A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) traz em seu texto
orientações importantes sobre o trabalho com a leitura nos anos iniciais,
destacando a sua importância para a formação do aluno. Dessa maneira,
veremos algumas estratégias que podem ser utilizadas em sala de aula que
colaboram para o processo de compreensão textual ajudando o leitor a
compreender o que leu e não somente decodicar (BRASIL, 2018).
O hábito e o interesse pela leitura devem ser estimulados desde
muito cedo, quando a criança ainda não está alfabetizada, a leitura de
forma lúdica é muito importante para isso. Ouvir histórias é algo muito
prazeroso em todas as idades, principalmente para as crianças que têm sua
capacidade de imaginação intensicada.
O primeiro contato da criança com a leitura ocorre em casa, com
seus familiares, ouvindo histórias de como ela nasceu, como escolheram
seu nome, de fatos acontecidos com seus familiares, entre outros.
Garantir a riqueza da vivência narrativa desde os primeiros anos
de vida da criança contribui para o desenvolvimento do seu pensamento
lógico e também de sua imaginação, que, segundo Vigotsky (1992, p. 128):
“[...] a imaginação é um momento totalmente necessário, inseparável do
pensamento realista [...]”.
Ao ler, a criança enriquece seu vocabulário, observa o emprego de
palavras então desconhecidas, assimila a graa correta e o contexto em que
são usados os novos termos. O resultado é a ampliação do vocabulário e,
por consequência, o enriquecimento da escrita.
O hábito da leitura também leva à formação de cidadãos mais
conscientes. Os livros convidam a criança a um mergulho em mundos e
culturas diversas, resultando em respeito pela diversidade e a uma postura
empática em relação ao que é diferente.
Para que a criança tenha contato com obras de literatura desde
pequena, ela precisa de um adulto que leia para ela ou mesmo de outra
criança alfabetizada. Sabemos que nem todas as crianças têm acesso a obras
literárias, seu custo é alto, nem sempre há bibliotecas de fácil acesso, por
Mariângela Spotti Lopes Fujita, Graziela Zambão Abdian, Helen de Castro Silva Casarin e Eliane Giachetto Saravali
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isso o professor tem uma responsabilidade muito grande de, na escola,
proporcionar esse contato, estimulando o interesse pela literatura. Ao ver
um adulto lendo uma história, a criança é inuenciada a ler também.
Segundo pesquisa do INAF (AÇÃO EDUCATIVA, 2018), os
Analfabetos Funcionais – equivalentes, em 2018, a cerca de 3 em cada 10
brasileiros – têm muita diculdade para fazer uso da leitura e da escrita e das
operações matemáticas em situações da vida cotidiana, como reconhecer
informações em um cartaz ou folheto ou ainda, fazer operações aritméticas
simples com valores de grandeza superior às centenas.
Para tentar mudar esse cenário preocupante e entristecedor em nosso
país, é muito importante que as escolas valorizem a leitura da mesma
forma que valorizam a escrita, pois, se a escrita é importante, a leitura é tão
importante quanto, uma vez que, o aluno que consegue ler e interpretar,
consegue compreender não só a disciplina da Língua Portuguesa, mas
também todas as outras áreas do conhecimento.
É preciso interpretar as situações problemas, os grácos e tabelas
da matemática, é necessário compreender o texto de história, geograa,
ciências e demais áreas do conhecimento e, por m, é preciso ter repertório
e conhecimento de estruturas textuais que só se consegue lendo, na prática.
As Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Infantil (BRASIL,
2013) que norteiam os rumos a serem tomados pelas escolas manifestam a
importância à literatura infantil:
[...] as diretrizes estabelecem que se possibilitem às crianças
experiências de narrativa, apreciação e interação com a linguagem
oral e escrita e o convívio com diferentes suportes e gêneros textuais
orais ou escritos. Para tanto é necessário que o professor atue como
leitor mostrando que a leitura pode cumprir diversas funções como
informar, instruir ou divertir em diversas situações de roda de
leitura, dramatizações de histórias, contações. (BRASIL, 2013).
A Base Nacional Comum Curricular (BNCC), (BRASIL, 2018)
divide as práticas de linguagem em quatro categorias:
Educação e Informação em contexto de políticas públicas: pesquisas em foco
| 165
a) Leitura/escuta
b) Escrita
c) Oralidade
d) Análise linguística/semiótica
Observamos que essas categorias estão interligadas entre si, o aluno
que lê mais, consequentemente vai escrever e se expressar melhor, vai fazer
melhor uso do vocabulário, cometer menos erros de ortograa entre outros
aspectos positivos.
De acordo com Rico ([S.d]) em artigo publicado na revista Nova
Escola, “Como trabalhar as quatro práticas de linguagens previstas na
base
1
, o objetivo da Leitura, escuta (compartilhada e autônoma) é
ampliar o letramento já iniciado na Educação Infantil e na família, por
meio da progressiva incorporação de estratégias de leitura, compartilhada
e autônoma, em textos de diferentes complexidades. A Base Nacional
Comum Curricular (BNCC) (BRASIL, 2018) considera a leitura para
além do texto escrito, incluindo imagens estáticas (foto, pintura, desenho,
ilustração, infográco etc.) ou em movimento (lmes, vídeos etc.) e som
(áudios e música), que circulam em meios impressos ou digitais.
3. As estrAtéGIAs de leIturA em sAlA de AulA
A BNCC (BRASIL, 2018) propõe construir o domínio progressivo
da habilidade de produzir textos em diferentes gêneros, sempre tendo em
vista a interatividade e a autoria. Nos primeiros anos, isso representa saber
para que serve a escrita e como ser capaz de começar a praticá-la. Para
construir esse conhecimento, a indicação é levar à sala de aula situações reais
de uso da língua, para que as crianças tenham bons motivos para escrever.
Ainda que elas não estejam plenamente apropriadas do sistema de escrita
alfabética, o professor pode adotar estratégias. Uma delas é simplesmente
Disponível em: https://novaescola.org.br/bncc/conteudo/42/como-trabalhar-as-quatro-praticas-de-linguagem-
previstas-na-base
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deixar que os alunos escrevam, de acordo com suas possibilidades, ainda
que de maneira não convencional. Ele também pode servir, inicialmente
como escriba para a turma e, em salas em que algumas crianças já escrevem
convencionalmente, elas podem servir de escriba para os colegas.
Nesse processo, o professor deve mostrar que a produção de um
texto envolve pensar nas respostas para quatro perguntas fundamentais:
quem escreve, qual é o objetivo, quem vai ler e onde será publicado. No
começo, o próprio docente deve apontar para os alunos esses pontos, até
que, aos poucos, eles sejam capazes de uma reexão autônoma.
Para perceber, por exemplo, a importância de, na hora de escrever,
pensar no leitor, o professor pode sugerir que as crianças troquem entre si
os textos que zeram para que colegas leiam e falem o que entenderam.
Assim, primeiro elas poderão observar o comportamento de um leitor
real, o que irá ajudá-las a, depois, pensar no leitor virtual de todo texto
que forem produzir. Ao compreender o contexto de produção, se tornarão
capazes de perceber como essas denições interferem na maneira como se
escreve e entender que há um gênero textual apropriado, com padrões que
precisam ser seguidos, dependendo do que se quer escrever.
A inclusão desse eixo oralidade reforça que o oral também é objeto
de estudos, algo que já estava nos Parâmetros Curriculares Nacionais
(BRASIL, 2001). O documento reconhece que a aprendizagem das
características discursivas e das estratégias de fala e escuta ocorre por meio
do uso, da interação com o outro. Nos anos iniciais, o objetivo é aprofundar
as experiências iniciadas na Educação Infantil e na família. O professor
deve promover discussões com intencionalidade para além da tradicional
roda de conversa. Pode ser uma exposição oral sobre um estudo que
estão fazendo ou a argumentação para denir uma regra de convivência.
Neste último caso, o docente pode formular questões, lembrando que as
interações não precisam car apenas entre aluno e professor. É possível
estimular as crianças a escutar, prestar atenção e comentar o que o colega
falou. Nesse momento a criança também aprende a escutar o colega.
A prática da Análise linguística/semiótica (alfabetização)
articula-se com as demais práticas e indica explicitamente a sistematização
Educação e Informação em contexto de políticas públicas: pesquisas em foco
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da alfabetização, com a proposta de reexões sobre o sistema de escrita
alfabética e o funcionamento da língua e de outras linguagens.
É preciso observar que as práticas de linguagem não são estanques.
Há articulações entre elas. Ao trabalhar uma produção de texto, é possível,
por exemplo, realizar entrevistas (oral) com registros (escrita), ler textos
modelares do mesmo gênero (leitura) e transformar a entrevista em texto
escrito (análise linguística).
A interpretação de textos é outra habilidade que destaca a
importância da leitura nos anos iniciais. Com o hábito de ler e com a
bagagem acumulada com a leitura ao longo do tempo, a criança aprende a
interpretar o que leu, a compreender, a articular seu conhecimento prévio
à leitura e com isso obter novas informações.
Cada vez mais os professores estão ensinando compreensão. Cada
vez mais educadores vêm as estratégias de compreensão como
ferramentas para interpretação do texto. As crianças de todo
o país podem articular como as estratégias de compreensão os
ajudam a entender o que eles leem. E são muitas as pesquisas sobre
compreensão de leitura. (HARVEY; GOUDVIS, [2017], p. 30).
Aprender a aprender, que é um dos pilares da educação, não é uma
tarefa simples, aprender a aprender exige que o aluno eleja, entre as muitas
informações disponíveis, aquelas que irão satisfazer suas necessidades
naquele momento. É necessário ensinar os alunos a ler, mas não somente
uma leitura para decodicar as letras, ensinar a ler de maneira que seus
alunos compreendam o que estão lendo, através de uma série de estratégias
que devem ser ensinadas para que os alunos façam uso delas quando
necessário, a m de chegar à compreensão total do texto
Os leitores dão um salto gigantesco em direção à independência
quando desenvolvem a capacidade de monitorar sua compreensão.
Quando os leitores monitoram sua compreensão, eles têm uma
conversa interna com o texto. Eles ouvem a voz em sua cabeça
falando com eles enquanto leem, o que lhes permite construir
signicado. Eles se envolvem no texto e aprendem com o que leem.
(HARVEY; GOUDVIS, [2017], p. 51).
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Quando o aluno conhece as estratégias de leituras disponíveis e as
utiliza como ferramentas para ajudá-lo na construção do sentido conforme
a sua necessidade, ele têm uma melhora signicativa em sua leitura, ele
passa a monitorar seu pensamento enquanto lê e consegue dar signicado
ao texto. Vejamos que o pensamento está estreitamente relacionado à
leitura, muitas vezes o leitor está lendo um texto, mas seu pensamento
está em outro lugar, dessa forma, a compreensão não vai se consolidar. Daí
ressaltamos a importância dos conhecimentos prévios, pois ao fazer links
entre o texto lido e o seu conhecimento prévio, o leitor aciona ferramentas
de compreensão textual, muitas vezes esse acionamento do conhecimento
prévio acontece sem que o leitor se dê conta dele.
Girotto e Souza (2010) apresentam seis tipos de estratégias de leitura
a serem trabalhadas com os alunos, entre elas a conexão, ao fazer conexões
o leitor cria uma ponte entre o conhecimento prévio e o conhecimento
novo e, dessa maneira, um novo conhecimento, uma nova informação
acontece.
Com relação às conexões, elas podem ser de três maneiras: conexões
texto-texto, que acontece quando o aluno relaciona o texto lido com outros
textos que ele já conhece, do mesmo gênero ou de gêneros diferentes,
lmes, músicas, etc. Muitas vezes lemos uma história que nos faz lembrar
de uma outra história semelhante, ou um problema parecido, alguma
analogia (temáticas, estruturais ou de situações, enredo, personagens) algo
que arremeta a outro texto lido anteriormente.
Conexão texto-leitor, que implica em fazer conexões, associações
com as experiências pessoais que facilitam o processo de entendimento e
a compreensão do texto. Ensinar as crianças a ativar seus conhecimentos
prévios, bem como seus conhecimentos textuais e pensar sobre suas
conexões é fundamental para sua compreensão. Essas conexões entre texto-
leitor acontecem quando alguma informação ou trecho da história lida faz
o leitor se lembrar de alguma experiência vivida em sua vida real.
Fazer conexões com as experiências pessoais facilita o entendimento.
As vivências e conhecimentos prévios dos leitores abastecem as conexões que
Educação e Informação em contexto de políticas públicas: pesquisas em foco
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fazem, cando aqui clara a importância de se valorizar os conhecimentos
prévios do aluno, como já descrevemos anteriormente.
Discussões, boletins de notícias, revistas, internet e até mesmo as
conversas informais criam conexões que levam a novos insights, a novas
informações. Ensinar as crianças a ativar seus conhecimentos prévios,
bem como seus conhecimentos textuais, e pensar sobre suas conexões é de
extrema importância para compreensão.
Quando os alunos tiveram uma experiência similar à do personagem
da história, eles são mais aptos a entender os motivos, pensamentos
e sentimentos do personagem. E quando os leitores têm uma
abundância de conhecimentos prévios sobre uma área especíca do
conteúdo, eles entendem mais completamente a nova informação
lida. (HARVEY; GOUDVIS, 2008, p. 21).
A conexão texto-mundo que acontece quando o leitor relaciona o
texto lido com fatos mais globais, envolve situações que vão além da sala
de aula: diversidade, natureza, pobreza, poluição e outros.
Muitas vezes, o leitor, por si só, não se dá conta de ativar esse
conhecimento anterior, portanto, o professor, como mediador do
conhecimento, deve ensinar os seus alunos a ativarem esse conhecimento
prévio. O professor pode ler uma história e ir fazendo uma “modelagem
para que os alunos compreendam. No primeiro momento, o professor
pode combinar com a turma que somente ele irá fazer suas conexões, para
que eles aprendam, depois, o professor abre para todos. Esse momento
deve ser muito bem conduzido pelo professor para que cada um respeite a
sua hora de falar e ouça o seu colega.
Há vários livros interessantes nos quais o professor pode escolher
propositalmente a leitura, justamente para abordar esse tipo de conexão, a
m de fazer a modelagem para que os alunos compreendam melhor todo
o processo. Portanto, o planejamento também é um diferencial muito
importante, quando o professor conhece seus objetivos e planeja sua aula
de acordo com eles e isso vai fazer grande diferença.
Mariângela Spotti Lopes Fujita, Graziela Zambão Abdian, Helen de Castro Silva Casarin e Eliane Giachetto Saravali
170 |
Para esse trabalho com as conexões em sala de aula, Girotto e Souza
(2010, p. 71-74) sugerem a utilização de uma “folha do pensar”, na qual
o leitor poderá anotar as conexões que fez durante a leitura do texto, essa
folha irá ajudá-lo a guiar a sua leitura, servirá apenas como apoio para que
ele treine esse tipo de conexão. O leitor vai desenvolvendo essas habilidades
à maneira que vai lendo mais e mais e depois não precisará mais dela.
Quadro 2: Associando o texto ao mundo:
Crianças O texto disse Lembrei sobre
Fonte: Elaborado pela autora.
O quadro acima é um exemplo de como o professor pode conduzir
essa leitura em sala de aula a m de moldar com os alunos a maneira de eles
fazerem suas inferências no texto.
Dessa forma, Girotto e Souza, (2010) sugerem que, primeiramente,
na modelagem, o professor leia para seus alunos fazendo pequenas
pausas para mostrar como foi o seu raciocínio durante a leitura, falando
para as crianças do que ele se lembrou ao ler o trecho da história. Assim,
na hora em que o aluno for ler sozinho, ele irá também tentar fazer
associações ao texto.
A seguir temos a estratégia de visualização, essa é uma estratégia
cognitiva de criação mais apurada das ilustrações e signos verbais e não
verbais, sensações e sentimentos (visões, sons, cheiros, toques e gostos),
criando imagens mentais, inferindo signicados. A visualização ajuda a
deixar o texto mais real e concreto, estimulando o pensamento imaginativo
e aumentando o envolvimento no texto.
Quando o leitor começa a imaginar o texto ele cria a história em sua
cabeça, ativando seus conhecimentos prévios e atribuindo um sentido à
história. Ao visualizar a história em sua mente o leitor consegue se lembrar
dela com mais facilidade, essa história passa a fazer sentido ao leitor. Ele
passa a fazer associações entre a história e a criação em sua mente e tais
Educação e Informação em contexto de políticas públicas: pesquisas em foco
| 171
associações facilitam a sua interpretação. O professor, ao explorar essa
estratégia, pode fazer a leitura de uma história sem mostrar as ilustrações
contidas no livro. O aluno apenas imagina como são os personagens, como
é o cenário, suas características conforme descrito no texto lido, o professor,
ao terminar a leitura, pode pedir para o aluno desenhar suas impressões e,
posteriormente, compará-las às ilustrações originais do livro. Esse é um
trabalho muito interessante que envolve o aluno com leitura e o ajuda no
processo de compreensão do texto.
Outra estratégia é a Inferência, ela remete à leitura nas entrelinhas,
uma interpretação que não está explícita no texto. Signica chegar a
uma conclusão lógica encontrando os elementos essenciais de um texto.
Os alunos devem ser capazes de identicar e lembrar de informações
importantes. Quando os alunos são solicitados a resumir um texto, eles
dependem muito dessa estratégia de leitura.
Escolhemos um texto ambíguo e incentivamos os leitores a pensar
no que sabem. Ao mesclar seu pensamento com as pistas do texto,
as crianças podem fazer uma inferência ou tirar uma conclusão.
Os mistérios geralmente oferecem oportunidades para os leitores
inferirem. (HARVEY; GOUDVIS, [2017], p.82, tradução nossa).
Dessa maneira, o intuito é que a criança vá além do sentido literal do
texto e compreenda o que há nas entrelinhas dele, entendendo o signicado
que está implícito no texto. Essa é uma tarefa complexa, principalmente
para o leitor dos anos iniciais, observa-se, muitas vezes, que o aluno
consegue extrair as informações explícitas, porém, na hora de compreender
as informações implícitas eles apresentam muita diculdade pois é uma
informação que depende da interpretação do leitor em construir o sentido
de um vocábulo a partir da análise do seu contexto de utilização. De acordo
com Girotto e Souza (2010) a inferência acontece quando o leitor utiliza o
seu conhecimento prévio sobre o assunto e estabelece relações com as dicas
dadas no texto a m de chegar a conclusões e deduções de um resultado,
inferindo o leitor entende a essência do texto e quanto mais informações o
leitor tem do texto, mais sensatas serão suas inferências.
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172 |
Outra prática é o questionamento ou perguntas ao texto, capaz de
trazer bons resultados. Harvey e Goudvis ([2017]) destacam em seu livro
que a curiosidade gera perguntas e essas perguntas são a solução para a
compreensão, elas esclarecem dúvidas estimulando os esforços de pesquisa,
aprofundando o aluno na leitura. Segundo as autoras, os seres humanos
são sempre impelidos a encontrar respostas e entender o mundo.
Ao ler o texto e fazer questionamentos é possível compreendê-lo
melhor. As dúvidas do leitor são, automaticamente, um estímulo para se
encontrar a resposta. É importante que o leitor aprenda a ler formulando
questões para que haja um incentivo para continuar a leitura. Harvey e
Goudvis ([2017]), p. 180) colocam que, como adultos, nos questionamos
o tempo todo e as crianças não crescem sabendo que bons leitores fazem
perguntas ao texto, por isso a importância de ensiná-las.
Considerando o professor como mediador desse processo de leitura,
cabe a ele mostrar aos alunos, enquanto lê o texto, que as perguntas são
usadas para ajudar na compreensão, na construção do sentido do texto.
A estratégia questionamento ou perguntas ao texto dá a oportunidade de
ampliação da compreensão do estudante. As questões feitas ao texto levam
o leitor a esclarecer suas dúvidas, buscar a informação necessária para
conseguir entendê-lo. Então, mais uma vez, destacamos a importância do
professor como mediador, de sua intervenção durante a leitura a m de
ensinar aos alunos como esses questionamentos devem ser feitos.
A sumarização é outra estratégia utilizada, seu objetivo é buscar
a essência do texto, diferenciar o que é importante e o que são apenas
detalhes. Ela prepara o aluno para a Síntese e consiste na identicação das
partes ou ideias mais relevantes do texto, ou seja, em sua essência. Quando
o leitor compreende a estrutura do texto, ele consegue identicar as partes
Quando resumimos as informações durante a leitura, extraímos as
informações mais importantes e as escrevemos com nossas próprias
palavras para lembrá-las. Cada informação que encontramos
acrescenta uma peça à construção do seu signicado. Nosso
pensamento evolui à medida que adicionamos informações do texto.
Sintetizar é um processo semelhante ao trabalho de um quebra-
cabeça. (HARVEY; GOUDVIS, [2017], p.291, tradução nossa).
Educação e Informação em contexto de políticas públicas: pesquisas em foco
| 173
Harvey e Goudvis ([2017]) sugerem começar ensinando os alunos a
fazer um balanço do signicado enquanto leem, resumindo as informações
a serem adicionadas ao seu estoque de conhecimento. Para tanto, é preciso
incentivar os leitores a parar de vez em quando para pensar no que leram
O processo de sumarização deve ser ensinado ao aluno, o professor
novamente assume um papel importante no sentido de fazer uma
modelagem para que o aluno entenda como se dá esse processo e se
familiarize com ele para que essa se torne uma prática em todas as suas
leituras. Portanto, o leitor precisa de modelos para conseguir chegar a essa
técnica que o ajudará muito, não só em suas leituras por deleite, como em
suas leituras prossionais, no caso de um prossional da área por exemplo.
Ter domínio dos elementos da narrativa ou da estrutura do
parágrafo em textos informativos, por exemplo, ajuda a priorizar o que é
mais importante em cada texto. Pode ser feito um trabalho com o grifo,
o uso de anotações às margens do texto ou o uso de blocos de notas para
parafrasear a informação. Sumarizar vai além de grifar partes importantes
em um texto, é preciso identicar a essência dele.
Desde o ensino fundamental é possível trabalhar com essa estratégia
através de pequenos textos com perguntas que busquem trazer à tona a
essência do texto, há uma variedade muito ampla de atividades desse tipo,
com textos curtos em que os alunos possam realizar atividades desse tipo.
E, por m, a síntese, outra estratégia utilizada que consiste em
escolher, entre muitas informações, aquelas que levam as ideias essenciais
do texto. Trata-se de um processo de construção do próprio texto
moldando-o com os próprios conhecimentos. Pode-se fazer uma lista de
palavras, registros de breves passagens da história que norteiam a estrutura
da narrativa podendo utilizar desenhos, reconto da história lembrando de
contar o que é importante, de forma que faça sentido e seja atraente para
quem ouve, dramatizações, reescrita, entre outros.
A síntese está intimamente relacionada a um processo de
produção textual, uma vez que sintetizar consiste em apresentar
um resumo do texto acrescido de uma visão pessoal. Na síntese,
o leitor autônomo manifesta sua apreciação acerca do texto e tem
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a oportunidade de explicitar o seu pensamento, os leitores, ao
sintetizarem a informação, enxergam uma gura maior, eles não
estão simplesmente se lembrando dos fatos ou repetindo-os. Antes,
acrescentam a nova informação aos conhecimentos já existentes.
Algumas vezes, adicionam novas informações para o aprimoramento
do conhecimento prévio, desenvolvendo o pensar e aprendendo mais
durante o processo. Outras vezes, mudam o seu pensar baseado em
suas leituras, ganhando uma perspectiva inteiramente nova, por isso,
quando sintetizam, as crianças alcançam um entendimento mais
completo do texto. (GIROTTO; SOUZA, 2010, p. 103).
Dessa forma, ainda sobre a síntese, Harvey e Goudvis ([2017])
completam que:
Para tornar a síntese compreensível para as crianças, conversamos
com elas sobre como a leitura muda e aumenta o pensamento.
O principal objetivo da leitura é fazer adições à nossa base de
conhecimento, pensar em novas informações e integrá-las. Às
vezes, as novas informações adicionam e reforçam o que já sabemos.
Outras vezes, novas informações nos mudam, de certa maneira nos
dão uma perspectiva diferente, um novo ângulo de pensamento,
mais informações. Seja qual for o caso, estamos sintetizando as
informações à medida que avançamos. Precisamos pedir às crianças
todos os dias que pensem em como suas leituras e aprendizados
estão aumentando e / ou mudando seus pensamentos. (HARVEY;
GOUDVIS, [2017], p. 298, tradução nossa).
Os autores citados acima apresentam a síntese como uma fase
de interpretação profunda da leitura. O aluno, ao realizar a síntese, ele
tem um grau de compreensão muito desenvolvido, adicionando mais
conhecimento ao conhecimento prévio existente, sendo capaz de fazer
inferências, opinar ou mudar sua maneira de pensar, adquirindo um novo
panorama para aquilo que já conhecia.
A criança precisa ter clara a função social do texto que está lendo, bem
como entender a ideia de que, ao ler, ela está acrescentando informações
à sua vida, a leitura é um meio de ampliar o conhecimento já existente,
combinando novas informações para formar uma nova ideia, esclarecendo
Educação e Informação em contexto de políticas públicas: pesquisas em foco
| 175
dúvidas, abrindo a mente para novas perspectivas sobre uma concepção
que ela já tinha, armazenando informações para avançar no texto, enm, a
leitura só traz benefícios para a vida. E quando nos referimos a acrescentar
conhecimento, estamos lembrando mais uma vez da importância de se
valorizar os conhecimentos prévios trazidos pelos alunos. O aluno não
vai abandonar o conhecimento que ele já carregava, pelo contrário, ele
vai acrescentar informações a partir das que já possuía, ampliando dessa
forma, seu conhecimento.
Estudos mostram que uma pessoa não só escreve melhor sobre coisas
que lhe fazem sentido como também traduzem melhor algo que faz sentido
a ele, que conhecem o contexto. No caso de tradutores prossionais, eles,
ao traduzirem um texto, buscam conhecer o seu contexto histórico e
cultural para conseguir fazer uma boa tradução.
Harvey e Goudvis ([2017]) ressaltam que a palavra escrita atua como
um trampolim para os leitores construírem signicado, começando com
seus próprios pensamentos, conhecimentos e experiências, dessa forma o
leitor também se torna escritor.
Portanto, como podemos observar, uma leitura não depende
somente da decodicação das letras e respectivos sons, ela vai muito além
disso, é preciso haver compreensão daquilo que se leu, e isso se faz a partir
de processos cognitivos, de uma plena interação entre texto e leitor, de
ativamento de conhecimentos prévios e conexões feitas pelo leitor.
Harvey e Goudvis ([2017], p. 39) explicam que o professor deve
ensinar o aluno a reconhecer os seus pensamentos enquanto leem, ativando
os seus conhecimentos prévios, fazendo questionamentos, inferências e
sintetizando informações, assim a criança se interessa pelo texto lido e cria
suas próprias estratégias para conseguir entender o texto. A leitura se torna
mais prazerosa, pois, quando lemos algo que entendemos, nos interessamos
mais e tudo passa a fazer sentido. Ao mesmo tempo, quando há interesse
por parte do aluno, a aprendizagem acontece muito mais rapidamente,
aprendemos aquilo que é de nosso interesse, o mesmo acontece com as
crianças. Quando o aluno se torna um leitor estratégico, ao encontrar
Mariângela Spotti Lopes Fujita, Graziela Zambão Abdian, Helen de Castro Silva Casarin e Eliane Giachetto Saravali
176 |
obstáculos em sua leitura ele passa a ter ferramentas para descobrir o
sentido do texto.
Harvey e Goudvis ([2017], p. 40) exemplicam na gura abaixo
como se dá o processo de aquisição do conhecimento, primeiramente
vem a informação, seguida do pensamento e aí então é que se dá o novo
conhecimento:
Figura 1: Entrada e saída da informação
Fonte: Harvey e Goudvis ([2017], p. 40).
Na Figura 1, elas explicam que o conhecimento se dá através do
pensar sobre
Aprender é uma consequência do pensamento. Essa sentença se
opõe ao padrão convencional de escola. O padrão convencional
diz que, primeiro os alunos adquirem conhecimento e só então
eles pensam, reetem, sobre o conhecimento que eles absorveram.
Mas é exatamente o oposto: de longe o pensamento vem depois
do conhecimento. À medida que pensamos sobre o conteúdo
que estamos aprendendo, nós aprendemos verdadeiramente. O
conhecimento não ca apenas lá, ele funciona ricamente na vida
das pessoas para que elas possam aprender sobre e lidar com o
mundo.(PERKINS, 1992, apud HARVEY; GOUDVIS, [2017],
p. 40, tradução nossa).
Ao contrário do que se pensava no passado, o pensamento não vem
depois de ter aprendido e sim antes, o aluno recebe a informação, pensa
Educação e Informação em contexto de políticas públicas: pesquisas em foco
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sobre ela e a transforma em conhecimento, portanto, o conhecimento
está estreitamente relacionado ao ato de pensar sobre a informação, está
intimamente ligado à construção do conhecimento, ao ler e pensar sobre a
leitura em questão, o leitor vai construindo signicado para essa leitura e,
consequentemente, construindo seu conhecimento.
Os leitores que monitoram sua compreensão podem acessar muitas
estratégias diferentes - fazendo perguntas, visualizando ou inferindo
para construir signicados diante dos obstáculos. O repertório de
estratégias de um leitor precisa ser exível o suciente para resolver
problemas de compreensão com palavras, frases ou signicado em
geral. (HARVEY; GOUDVIS, [2017], p. 52, tradução nossa).
Quando o leitor consegue monitorar seu pensamento enquanto
lê e quando ele conhece as estratégias disponíveis para utilizá-las a m
de compreender algo, ele é capaz de fazer uso delas de acordo com sua
necessidade e, dessa maneira, se torna um leitor independente, que
compreende o que lê e, assim, não abandona a leitura por não entender ou
por encontrar algum obstáculo.
Chamamos isso de estratégias metacognitivas, ou seja, o conhecimento
do próprio conhecimento, é o pensar sobre o que aprendemos e entendemos
e como vamos aprender, é a capacidade de o aluno identicar, controlar e
desenvolver seus processos cognitivos e utilizá-los no futuro, quando houver
situações que requeiram isso. A metacognição facilita as experiências de
aprendizagem duradouras e também potencializam o desenvolvimento
acadêmico, pois envolve o aluno em sua aprendizagem.
A aprendizagem ocorre durante toda a vida, é um processo
contínuo, e, pensar em como aprender algo que antes não se sabia, algo
novo, elaborar estratégias para isso é um processo particular de cada um, as
pessoas aprendem de maneiras diferentes, uns são mais visuais, outros mais
perceptíveis, outros auditivos e quando o leitor monitora seus pensamentos
ele compreende o que está lendo
Mariângela Spotti Lopes Fujita, Graziela Zambão Abdian, Helen de Castro Silva Casarin e Eliane Giachetto Saravali
178 |
São vários os níveis de conhecimento que entram em jogo durante
a leitura. Destaque-se o conhecimento linguístico, isto é, aquele
conhecimento implícito, não verbalizado Este conhecimento
abrange desde o conhecimento sobre como pronunciar português,
passando pelo conhecimento de vocabulário e regras da língua,
chegando até o conhecimento sobre o uso da língua. (KLEIMAN,
2002, p. 13).
A compreensão do vocabulário, possibilitada pelo conhecimento
linguístico, é essencial para que o texto seja processado pelo leitor,
construindo sentidos. O processamento do texto permite que o indivíduo
perceba a macro unidade textual, constituída de unidades menores, como
a frase e a palavra.
O conhecimento linguístico desempenha um papel central no
processamento do texto. Entende-se por processamento aquela
atividade pela qual as palavras, unidades discretas, distintas, são
agrupadas em unidades ou fatias maiores, também signicativas,
chamadas constituintes da frase. À medida que as palavras são
percebidas, a nossa mente está ativa, ocupada em construir
signicados [...]. (KLEIMAN, 2002, p.14-15).
Para que aconteça a compreensão do léxico e, por consequência, o
processamento dele, duas estratégias de leitura se fazem fundamentais: a
ascendente e a descendente:
[...] a abordagem sintática é mais linear, enquanto que a semântica
opera com idas e vindas. A esse tipo de abordagem mais linear e
mais indutiva convencionou-se chamar de estratégia ascendente
(bottom-up), e à abordagem que usa processos dedutivos a partir
de expectativas do leitor, de estratégia descendente (top-down).
(KATO, 1999, p. 68).
A diferença entre elas é bastante clara, a ascendente refere-se a
compreensão de elementos que estão presentes de forma explícita no texto.
Já a descendente refere-se aos elementos que estão implícitos e, por isso,
Educação e Informação em contexto de políticas públicas: pesquisas em foco
| 179
requer outras habilidades para que indivíduo faça deduções a partir dos
indícios semânticos para reconstruir o texto.
Acredita-se que um texto com muitas palavras desconhecidas seja
de leitura difícil e se processe palavra por palavra. Na verdade, o
que inui na escolha do processo é a possibilidade ou não de o
texto oferecer condições para o leitor inferir seu signicado. A
existência de palavras desconhecidas fará com que ele use muito de
sua capacidade de processamento descendente, pois o ascendente
não o faz progredir em sua compreensão. (KATO, 1999, p. 76).
Ou seja, quando o leitor lê um texto que ele não conhece as palavras,
ele irá decodicar porém não vai haver uma inferência de sentido, pois ele
desconhece o contexto. Não há um conhecimento prévio sobre o assunto,
o que diculta bastante sua compreensão. As palavras desconhecidas
também colaboram para a falta de compreensão.
Muitas vezes lemos textos em que não conhecemos as palavras,
porém, conseguimos atribuir-lhe um signicado através do contexto, por
isso a importância de se compreender o que se está lendo e isso se dá através
de um trabalho sistematizado ao longo dos anos, desde as séries iniciais,
para se desenvolver o interesse pela leitura e, consequentemente, formar
adultos letrados, capazes de compreender o que foi lido, interpretar, fazer
inferências, emitir opiniões, entre outros. Dessa maneira, o conhecimento
prévio do leitor irá inuenciar muito em sua interpretação, quanto mais
vasto seu conhecimento prévio, melhor o leitor se sairá em situações de
léxico desconhecido. Muitas vezes o leitor não conhece a palavra, mas é
capaz de deduzir seu signicado através da derivação suxal, derivação
prexal ou composição coordenativa, quando um substantivo e um verbo
associam-se para construir um neologismo.
De acordo com Solé (1998), deve-se criar situações contextualizadas
para que o aluno possa interagir com o texto e sua proposta se baseia na
utilização de estratégias em três momentos do ato da leitura: antes, durante
e depois. A autora esclarece que antes da leitura é um momento propício
para estabelecer objetivos que direcionarão a maneira como a leitura se
dará, ou seja, o objetivo que se tem com a leitura denirá a maneira como
o texto será lido: ler para seguir instruções é diferente de ler para se obter
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180 |
uma informação de caráter geral ou de ler para revisar um escrito próprio,
o que é muito importante para a leitura prossional.
Esse momento que antecede a leitura é o momento de se ativar o
conhecimento prévio do discente sobre o que vai ser lido, tentar fazer
antecipações através das ilustrações da capa e título do livro, observar sua
cha catalográca, elaborar questionamentos que poderão ser conrmados
ou não durante a leitura. As antecipações não conrmadas também são
importantes para que o aluno perceba a importância de se ler, pois muitas
vezes, eu vejo uma cena, imagino uma coisa, mas durante a leitura eu
percebo que minha dedução estava errada, e isso só se dá pelo fato de eu
ler e interpretar o texto. “Se ler é um processo de interação entre um leitor
e um texto, antes da leitura (antes de saberem ler e antes de começarem a
fazê-lo quando já sabem) pode-se ensinar estratégias aos alunos para que
essa interação seja o mais produtiva possível.” (SOLÉ, 1998, p. 114).
A autora destaca a importância da leitura compartilhada, durante
a leitura pode-se fazer previsões sobre o capítulo seguinte através das
deduções, a partir da leitura do capítulo anterior, fazer perguntas, esclarecer
dúvidas, o professor deve ensinar o aluno a fazer perguntas de acordo com
os objetivos que estabeleceu para ele, cabe ao professor ensinar o aluno
a relacionar-se com o texto, servindo de modelo para ele. Outro ponto
importante é fazer com que o aluno se sinta atraído pela leitura, o professor
deve despertar na criança o desejo de ler, pois quando há interesse por
parte do aluno consequentemente a aprendizagem será muito mais efetiva.
Para a autora, é importante que o aluno explicite o que está pensando para
que o professor possa fazer as devidas inferências, conforme explica abaixo:
O processo de leitura deve garantir que o leitor compreenda os
diversos textos que se propõe a ler. É um processo interno, porém
deve ser ensinado. Uma primeira condição para aprender é que os
alunos possam ver e entender como faz o professor para elaborar
uma interpretação do texto: quais as suas expectativas, que perguntas
formula, que dúvidas surgem, como chega à conclusão do que é
fundamental para os objetivos que o guiam, que elementos toma
ou não do texto, o que aprendeu e o que ainda tem de aprender...
em suma, os alunos tendem a assistir a um processo/modelo
de leitura, que lhes permita ver as ‘estratégias em ação’ em uma
situação signicativa e funcional. (SOLÉ, 1998, p. 116).
Educação e Informação em contexto de políticas públicas: pesquisas em foco
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A etapa depois da leitura envolve a ideia de que se deve ter uma
compreensão geral do texto e aplicar estratégias para encontrar a ideia
central fazendo resumos e perguntas sobre o texto. Para que os alunos
aprendam a se auto interrogarem, é necessário que o professor deixe claro
que cada texto tem suas especicidades, cada leitura tem seu objetivo e não
é possível ter um questionário pronto.
Segundo Solé (1998, p. 160) a formulação de perguntas para
nós mesmos nos faz permanecer atentos à leitura e à sua compreensão,
é importante detectar o que se sabe e o que é preciso saber, é preciso
conhecer as estratégias que se tem à disposição a m de utilizá-las para se
resolver o problema.
As autoras Girotto e Souza, (2010, p. 55) trazem as descrições
das estratégias e também sugestões de atividades. Elas se basearam em
pesquisas das norte-americanas Harvey e Goudvis (2008) que abordaram e
propuseram reexões e práticas de trabalho com o texto literário, nas quais
as “estratégias de compreensão são meios para um m e não um m em si
mesmo”. Nos dizeres das autoras, a aprendizagem acontece como resultado
da interação entre sujeitos, num ensino colaborativo e com objetivos claros.
Dessa forma, cabe ao professor planejar e denir as atividades no intuito
de promover a construção do conhecimento para a turma em que leciona,
gerando leitores autônomos.
A criança forma-se como leitora, ao construir seu saber sobre texto e
leitura, conforme as atividades que lhes são propostas pelo mediador
durante o processo de planejar, organizar e implementar atividades
de leitura literária. Esse processo pode atender a um objetivo
pedagógico relevante para professor e aluno se for trabalhado de
forma progressiva em seu grau de complexidade, com atividades
cada vez mais independentes. (GIROTTO; SOUZA, 2010, p. 54).
Pode se fazer uma lista com os alunos sobre os diferentes propósitos
de leitura, perguntando a eles os motivos pelos quais leem, como por
exemplo, obter uma informação, aprender uma receita, por diversão, para
saber instruções sobre algo, para aprender sobre um determinado assunto,
Mariângela Spotti Lopes Fujita, Graziela Zambão Abdian, Helen de Castro Silva Casarin e Eliane Giachetto Saravali
182 |
para realizar tarefas escolares, entre outros. Portanto o objetivo da leitura
interfere na maneira que selecionamos um livro.
Quando os alunos conhecem o objetivo de sua leitura, eles terão
mais facilidade em escolher seus livros e é papel do professor, enquanto
mediador, ensiná-los que toda leitura tem um propósito e que deve ser
observado ao se escolher.
Ao observar a zona de desenvolvimento proximal
2
o professor
seleciona atividades que sejam adequadas ao nível de aprendizagem do
aluno, não devem ser muitas, além das capacidades do aluno, para que ele
não perca o interesse por não conseguir compreender e nem muito aquém
de suas capacidades, a ponto de não representar nenhum desao para o
aluno e isso também o leva a desinteressar-se pela atividade.
É muito importante que o professor ajude o aluno a selecionar
suas leituras de uma maneira interativa, de modo que o aluno participe
desse processo de como selecioná-las. Harvey e Goudvis ([2017], p. 92)
mostram em seu livro um modelo criado por uma professora juntamente
com seus alunos e para selecionar um livro, pergunta-se às crianças como
elas os escolhem. O que exatamente eles fazem quando pegam um livro
na prateleira, registram-se suas respostas em um gráco, na esperança de
que algumas dessas sugestões sejam contagiosas. As crianças da turma da
quarta série de Leslie Blaumann (HARVEY; GOUDVIS, [2017], p. 92)
produziram a seguinte lista de como escolhem os livros:
Quadro 3: Critérios para a escolha de um livro de acordo com os alunos
do 4 ano da professora Leslie Blaumann
• Lendo a capa
• Lendo a aba
• Lendo a primeira página
• Lendo as primeiras páginas
É um conceito central na Psicologia sociocultural ou sócio-histórica, formulado originalmente por Vygotsky,
na década de 1920. Na explicitação mais difundida, a ZDP é descrita como a distância entre o nível de
desenvolvimento real, determinado pela capacidade de resolver tarefas de forma independente, e o nível de
desenvolvimento potencial, determinado por desempenhos possíveis, com ajuda de adultos ou de colegas mais
avançados ou mais experientes. Fonte: http://www.ceale.fae.ufmg.br/app/webroot/glossarioceale/verbetes/zona-
de-desenvolvimento-proximal.
Educação e Informação em contexto de políticas públicas: pesquisas em foco
| 183
• Lendo o sumário
• O título
• A grossura
• O nível
• Folheando as páginas
• Lendo a última página
• Vendo as fotos ou guras
• Pela capa
• O autor
• Pelo assunto
• O gênero
• Por recomendação
Fonte: Harvey e Goudvis ([2017], p. 92).
Todas essas sugestões são úteis, mas Leslie entende que, se ela
simplesmente copiasse essa lista a cada ano e a colasse em um painel em
sua sala, os alunos provavelmente a ignorariam. Essa lista faz sentido
para eles porque é produzida de acordo com suas próprias necessidades
e práticas, ela é produzida juntamente com os alunos e isso faz toda
diferença, porque, dessa forma, ela faz sentido para eles. O professor
pode também acrescentar itens que considerar relevantes, pois também é
membro da comunidade de leitura de sua sala de aula. Leslie reconheceu
que, geralmente, escolhia um livro com base na recomendação de alguém
próximo a ela. “Recomendação” nunca aparece na lista original. Então,
Leslie acrescentou. Livros recomendados por amigos e familiares que a
conhecem tendem a ser livros que atraem seu interesse.
Ao produzir um material com o aluno, no caso acima uma lista, eles
se interessam muito mais, uma vez que participaram de sua confecção e
depositaram lá suas ideias. Tudo que se produz juntamente com o aluno
faz sentido a ele, por ele ter participado ativamente do processo. Isso se dá
não somente nesse modelo de atividade, mas em todas as outras realizadas
em sala de aula. Todo tipo de material de apoio encontrado em uma sala
Mariângela Spotti Lopes Fujita, Graziela Zambão Abdian, Helen de Castro Silva Casarin e Eliane Giachetto Saravali
184 |
de aula como textos, cartazes, listas, entre outros, deve ter a participação
direta do aluno, para que isso possa fazer sentido para ele.
4. consIderAções fInAIs
Entendemos, dessa maneira, que a leitura é um processo ativo, uma
construção. O sentido do texto não está pronto, ele vai se formando à
medida que o leitor interage com o texto através de seu pensamento, seus
conhecimentos prévios, através de suas estratégias de leitura, tudo isso vai
se juntando como um quebra-cabeça para dar sentido ao texto.
Ao nos aprofundarmos mais nos estudos sobre as diversas
estratégias de leitura, começamos a entender a importância delas para o
processo de formação de leitores. As pessoas leem por diversos motivos
e as estratégias de leitura trazem benefícios para qualquer tipo de leitor,
seja ele iniciante, como no caso dos alunos das séries iniciais, onde estão
iniciando o processo de alfabetização e, consequentemente, o processo
de compreensão da leitura ou seja ele um leitor prossional, que precisa
aprimorar sua leitura para exercer sua prossão de maneira efetiva, de
modo que seja capaz de identicar a essência do texto, independente
do assunto, se é de seu domínio ou não, permitindo que esse texto ou
arquivo seja recuperado futuramente por um usuário, sem que essa
informação se perca com o tempo.
referêncIAs
AÇÃO EDUCATIVA; INSTITUTO PAULO MONTENEGRO. Indicador de
Alfabetismo Funcional (INAF) Brasil 2018: resultados preliminares. Pesquisa gera
conhecimento: o conhecimento transforma. São Paulo: Ação Educativa; Instituto
Paulo Montenegro, 2018. Disponível em: https://acaoeducativa.org.br/wp-content/
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BRASIL. Ministério da Educação. Parâmetros Curriculares Nacionais: língua
portuguesa. Brasília, DF: Ministério da Educação, Secretaria da Educação
Fundamental, 2001.
Educação e Informação em contexto de políticas públicas: pesquisas em foco
| 185
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é a base. Brasília, DF: Ministério da Educação, 2018. Disponível em: http://
basenacionalcomum.mec.gov.br/images/BNCC_EI_EF_110518_versaonal_site.pdf.
Acesso em: 3 maio 2021.
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compreenderem o que lêem. In: SOUZA, R. (org.) Ler e compreender: estratégias de
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186 |
pArte III
I   
| 189
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Helen de Castro Silva Casarin
Cátia Cândida de Almeida
Gislene Munhoz dos Santos
Margarida Lucas
Resumo: A escola deve garantir a formação integral do estudante, incluindo o
desenvolvimento de sua competência digital. Faz-se necessário averiguar qual é o domínio
que os educadores possuem sobre o tema e como tem sido sua prática no uso dos recursos
digitais. Apresenta-se parte dos resultados de um estudo sobre a competência digital dos
educadores das Escolas Municipais de Ensino Fundamental da Rede Municipal de Ensino
de Marília-SP, utilizando-se a versão adaptada do instrumento DigCompEdu Check-In.
1348 educadores participaram do estudo. Os resultados demonstraram que o grupo
de participantes é bastante heterogêneo, visto que a pontuação obtida no conjunto de
respostas foi bastante variada. Ressalta-se também que 13% dos participantes faz um
uso restrito e/ou tem pouco contato com os recursos digitais. Tal resultado aponta a
necessidade de investimentos na formação dos educadores para um uso mais efetivo e
seguro dos recursos digitais.
Palavras-chave: Competência digital; Recursos digitais; Ensino fundamental; BNCC.
https://doi.org/10.36311/2023.978-65-5954-330-4.p189-212
Mariângela Spotti Lopes Fujita, Graziela Zambão Abdian, Helen de Castro Silva Casarin e Eliane Giachetto Saravali
190 |
Abstract: e school must guarantee the integral formation of the student, including
the development of their digital literacy. It is necessary to nd out what is the mastery
that educators have on the subject and how their practice in the use of digital resources
has been. We present part of the results of a study on the digital literacy of educators
from Municipal Elementary Schools of the Municipal Education Network of Marília-
SP (Brazil), using the adapted version of the DigCompEdu Check-In instrument. 1348
educators participated in the study. e results showed that the group of participants
is heterogeneous, since the score obtained in the set of responses was quite varied. It is
also noteworthy that 13% of participants make limited use and/or have little contact
with digital resources. is result points to the need for investments in the training of
educators for a more eective and safe use of digital resources.
Key-words: Digital literacy; Digital resources; Elementary schools; BNCC.
1. Introdução
A instituição escolar deve garantir a formação do estudante de forma
integral, incluindo o desenvolvimento de diversas competências, entre
elas o domínio das Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação -
TDIC, visto que a cultura digital está presente no cotidiano das crianças
de diferentes partes do mundo e em diferentes contextos. Os educadores
precisam estar preparados para lidar com as tecnologias digitais em seu
cotidiano e preparar os alunos para lidarem com a mesma tanto no
contexto escolar para potencializar sua aprendizagem como também em
outras situações até mesmo de trabalho no futuro.
A quarentena determinada pelas autoridades brasileiras devido à
pandemia do Covid 19 no primeiro semestre de 2020 teve um impacto
direto em todos os níveis de ensino, pois, assim como em diversos outros
setores, todo o trabalho passou a ser realizado de forma remota. Até então,
o ensino obrigatório de nível fundamental, s. m. j., não era oferecido
de forma remota no Brasil. Assim, escolas e todos os atores envolvidos
tiveram que se adaptar de forma rápida e sem o preparo adequado na
maioria dos casos, pois não houve tempo hábil. O ensino remoto tornou-
se uma alternativa para reduzir o prejuízo educacional e garantir o direito à
educação (FUNDAÇÃO CARLOS CHAGAS, 2020). O ensino remoto se
tornou realidade, mas os agentes envolvidos neste processo estão sofrendo
Educação e Informação em contexto de políticas públicas: pesquisas em foco
| 191
as consequências de não possuir formação para lidar com todo aparato
tecnológico e digital.
A pesquisa aqui relatada surgiu em meio a estas transformações
(SANTOS, 2022). Tem como objetivo avaliar a competência digital dos
professores da rede municipal de ensino de Marília-SP utilizando-se a
versão adaptada do instrumento DigCompEdu Check-In para professores
de ensino básico, traduzida para o português pela Profa. Margarida Lucas,
responsável pelas versões em língua portuguesa do instrumento (LUCAS,
2018). A pesquisa ainda está em andamento. Neste capítulo será relatado
parte dos resultados. Foi selecionado um conjunto de questões referentes
ao uso de recursos digitais pelos educadores.
2. A culturA dIGItAl e o ensIno
A cultura digital faz parte do cotidiano da sociedade contemporânea,
ainda que de forma desigual. Entre as crianças e jovens que nasceram
com a internet disponível não se concebe as atividades ainda que mais
corriqueiras sem o uso de dispositivos ligados à web. A pesquisa EU Kids
Online (SMAHEL, et al. 2020) que investigou o acesso a internet e as
práticas, habilidades e riscos para crianças com idade entre 9 a 16 anos
no uso de TDIC em 19 países europeus entre os anos de 2917 e 2019. O
resultado demonstrou que a experiência de uso das TDIC pelas crianças
tem mudado consideravelmente nos últimos anos. “Assistir vídeos, ouvir
música, contato com amigos e família, consulta a redes sociais e jogos on-
line estão no topo das atividades diárias das crianças em um dia comum.
(SMAHEL, et al., 2020, p. 6).
Marzal (2020, p.6) ressalta que as transformações e popularização
da web tem demandado um conjunto diversicado de competências, ou
seja, o multiletramento. Entre estas a competência digital está incluída.
O Quadro Europeu de Competência Digital para Cidadãos da União
Europeia dene competência digital como “[...] a utilização segura, crítica
e criativa das tecnologias digitais para alcançar objetivos relacionados com
trabalho, empregabilidade, aprendizagem, lazer, inclusão e/ou participação
na sociedade” (LUCAS; MOREIRA, 2017).
Mariângela Spotti Lopes Fujita, Graziela Zambão Abdian, Helen de Castro Silva Casarin e Eliane Giachetto Saravali
192 |
Este cenário não é muito diferente do que ocorre no Brasil, conforme
reconhece a própria Base Nacional Comum Curricular - BNCC (BRASIL,
2018a, p. 474), que ressalta a importância que a cultura digital tem
alcançado na sociedade, em particular entre as crianças e jovens, que têm
assumido o papel de produtores de conteúdos e participado de interações
usando em diferentes mídias. A cultura digital conforme a BNCC,
[...] envolve aprendizagens voltadas a uma participação mais
consciente e democrática por meio das tecnologias digitais, o
que supõe a compreensão dos impactos da revolução digital e
dos avanços do mundo digital na sociedade contemporânea,
a construção de uma atitude crítica, ética e responsável em
relação à multiplicidade de ofertas midiáticas e digitais, aos usos
possíveis das diferentes tecnologias e aos conteúdos por elas
veiculados, e, também, à uência no uso da tecnologia digital
para expressão de soluções e manifestações culturais de forma
contextualizada e crítica.
A escola deve alinhar-se a este novo contexto em que a cultura digital
se faz cada vez mais presente, trazendo para a escola o uso de tecnologias e
as diferentes linguagens, aproveitando o seu potencial para propiciar novas
formas de aprendizagem e interação entre os estudantes e seus professores.
Por outro lado, deve promover o uso crítico, responsável e seguro dessas
tecnologias, contemplando o uso seguro e o bem estar de si e dos outros,
respeitando a tolerância, a empatia. No entanto, pode-se questionar se os
educadores estão preparados para trabalhar os conteúdos relacionados à
competência digital no contexto escolar.
O Centro de Inovação para a Educação Brasileira (CIEB) (2019)
mapeou diversos estudos e experiências que enfocavam o uso das tecnologias
digitais na prática docente em vários países. Entre os modelos apresentados
estava o DigComp (CARRETERO; VOURIKARI; PUNIE, 2017), cuja
versão portuguesa se disponibilizou em 2017 (LUCAS; MOREIRA,
2017) O DigComp é um dos resultado de pesquisas sobre “Aprendizagem
e Habilidades para a Era Digital” realizadas desde 2005 pelo Joint Research
Center (JRC) da União Europeia. Estas pesquisas têm como nalidade
Educação e Informação em contexto de políticas públicas: pesquisas em foco
| 193
[...] fornecer apoio político com base em evidências à Comissão
Europeia e aos Estados Membros para aproveitar o potencial das
tecnologias digitais para inovar práticas de educação e formação,
melhorar o acesso à aprendizagem ao longo da vida e lidar com
o aparecimento de novas habilidades e competências (digitais)
necessárias para o emprego, desenvolvimento pessoal e inclusão
social. (LUCAS; MOREIRA, 2017, p. 6).
Este documento foi recentemente revisto, encontra-se na versão 2.2
e a sua tradução para diferentes línguas encontra-se em curso. A versão
anterior, 2.1 (LUCAS; MOREIRA, 2017) foi desdobrada e adaptada
para diversas línguas. Ele também foi desdobrado e adaptado para
diferentes contextos, servindo de base para outros Quadros, entre eles o
educacional, que é denominado Quadro Europeu de Competência Digital
para Educadores DigCompEdu (LUCAS; MOREIRA, 2018). Este
documento foi elaborado por especialistas e prossionais em Educação
liderados pelo JRC e aborda a competência digital de educadores. Ele agrupa
as competências em seis áreas, a saber: 1. envolvimento prossional, 2. uso
de recursos digitais, 3. ensino e aprendizagem, 4. avaliação, 5. capacitação
dos estudantes e 6. promoção da competência digital dos estudantes,
conforme gura abaixo.
Figura 1: Áreas e âmbito do DigCompEdu
Fonte: Lucas; Moreira (2018).
Mariângela Spotti Lopes Fujita, Graziela Zambão Abdian, Helen de Castro Silva Casarin e Eliane Giachetto Saravali
194 |
Destaca-se a área 2: Recursos Digitais, visto que será enfocada neste
capítulo. Para o Ministério de Educação, Recursos Educacionais digitais
inclui “[...] qualquer material em formato de mídia que seja disponibilizado
para domínio público, ou que possua uma licença aberta que permita a
utilização e adaptação feita por terceiros
1
. Já o DigCompEdu dene Recursos
digitais como: “[...] qualquer tipo de conteúdo digital imediatamente
compreensível para um humano” (LUCAS; MOREIRA, 2018, p.93). Os
recursos educacionais digitais têm como nalidade proporcionar aos alunos
uma experiência de aprendizado e pesquisa mais enriquecedora. Incluem,
por exemplo, imagens, animações, aplicativos, jogos, vídeos, softwares,
ebooks e websites. Conforme Quadro 1, a área 2 aborda as habilidades
necessárias para selecionar, criar e adaptar recursos digitais e o cuidado
com os dados pessoais dos alunos e é importante para o planejamento das
atividades de ensino-aprendizagem. Conforme Lucas; Moreira (2018),
idealmente, os educadores procientes no conteúdo abrangido pela Área 2
buscam, selecionam de forma criteriosa os recursos digitais que encontra;
criam e adaptam recursos digitais considerando o objetivo de aprendizagem
e as necessidades e nível de competência de seus alunos e sabem lidar com
a gestão dos recursos considerando o compartilhamento dos recursos e a
proteção de dados sensíveis, conforme se vê no Quadro 1.
Quadro 1: Área 2 Recursos digitais
Fonte: Lucas (2018).
Disponível em: https://avamec.mec.gov.br/ava-mec-ws/instituicao/seb/conteudo/modulo/4427/uni3/slide2.
html. Acesso em: 01 set. 2022.
Educação e Informação em contexto de políticas públicas: pesquisas em foco
| 195
O DigCompEdu foi traduzido para o português por Lucas; Moreira
(2018) e a versão foi validada em Portugal. O documento deu origem
ao DigCompEdu Check-in, que é uma ferramenta de auto reexão que,
tal como o DigComoEdu, propõe um modelo de progressão, baseado
na taxonomia de Bloom, que permite aos educadores por meio da
metacognição avaliar e reetir sobre os seus pontos fracos e também suas
potencialidades em relação ao desenvolvimento de sua competência digital.
O DigCompEdu Check-in se apresenta na forma de um
questionário com 22 questões que correspondem às competências
propostas no DigCompEdu que se organizam em seis áreas (LUCAS;
MOREIRA, 2018). As questões são fechadas, com cinco alternativas
de resposta. Também foram incluídas seis questões de conhecimento
especíco referentes a cada uma das seis áreas e questões sobre o perl dos
respondentes. DigCompEdu Check-in complementado por um feedback,
que de acordo com a pontuação obtida através de respostas, aponta o nível
de prociência atingida pelo respondente, tanto em relação à prociência
geral como em cada uma das seis áreas. A partir da pontuação obtida pelo
respondente é exibido exclusivamente para ele um feedback sobre o seu
desempenho e com sugestões para que o respondente possa melhorar suas
habilidades e competências.
Em um levantamento recente da literatura cientíca nacional,
incluindo artigos, teses e dissertações brasileiras sobre o DigCompEdu
e o ensino fundamental (anos iniciais), foram encontrados apenas cinco
trabalhos, sendo que quatro deles utilizavam o instrumento DigCompEdu
Check-in para averiguar a competência digital dos educadores (SILVA;
LOUREIRO; PISCHETOLA, 2019; BENEDET, 2020; ROCHA, 2020;
SANTO; LIMA; OLIVEIRA, 2021).
3. o uso de recursos dIGItAIs pelos educAdores dA rede
munIcIpAl de ensIno de mArílIA-sp
Neste capítulo apresenta parte dos resultados da pesquisa de Santos
(2022), que tem como objetivo avaliar a competência digital dos educadores
da Rede Municipal de Ensino de Marília-SP. A coleta de dados da pesquisa
Mariângela Spotti Lopes Fujita, Graziela Zambão Abdian, Helen de Castro Silva Casarin e Eliane Giachetto Saravali
196 |
foi realizada utilizando-se uma versão adaptada do instrumento Check-in
do DigCompEdu. Este capítulo reúne os resultados referentes à área 2
(vide Figura 1).
O universo da pesquisa abrangeu todos professores do ensino infantil
e dos anos iniciais de 1º ao 5º ano do ensino fundamental, coordenadores
e diretores de escolas do Sistema Municipal de Ensino de Marília-SP,
totalizando 1414 educadores, sendo que destes, 1340 responderam o
questionário. 94,5% dos participantes são do sexo feminino e 5,5% são
do sexo feminino. A idade dos participantes variou entre 30 anos e mais
de 60 anos, sendo que a maior parte dos participantes (43,5%) tem entre
42 e 50 anos.
Conforme os dados levantados, quase 50% dos participantes têm de
1 a 2 anos de experiência no uso de tecnologias digitais no ensino, e outros
4,7% começaram a utilizar as TIDC no ensino ainda mais recentemente, há
menos de um ano. Tal resultado indica que a maior parte dos participantes
iniciou o uso das TDIC a partir das mudanças provocadas pela pandemia
do Covid 19 que resultou na adoção do ensino remoto.
Na primeira questão era: “Uso diferentes websites e estratégias de
pesquisa para encontrar e selecionar uma gama de diferentes recursos
digitais”. Os resultados estão reunidos na tabela 1. 41,9% dos professores
participantes do estudo armam que buscam recursos digitais na internet e
selecionam os que vão utilizar a partir da adequação dos mesmos aos alunos.
Tal postura é interessante visto que mostra a iniciativa dos educadores em
buscar a recursos digitais, porém eles priorizam a adequação ao grupo de
alunos e outros aspectos poderiam ser considerados. Conforme o feedback
do instrumento DigCompEdu Check-In, para que o professor pertencente
a este grupo possa se aprimorar ele deve:
Utilizar diferentes websites e estratégias de pesquisa pode ajudá-lo(a)
a encontrar novos recursos educativos digitais e a aplicar as suas
aulas. Para começar, pode usar um motor de busca, consultar links
disponibilizados pelo Ministério da Educação, ou perguntar aos seus
colegas como encontram material. Para encontrar recursos via motores
de busca ou plataformas educativas, use palavras-chave variadas e
relevantes para a unidade temática que vai ensinar. Filtre os resultados
Educação e Informação em contexto de políticas públicas: pesquisas em foco
| 197
para identicar recursos diferentes para nalidades diferentes, p. ex.
ilustrações, aplicações, extensões do conteúdo nuclear ou materiais
para trabalho de grupo, para avaliações formativas ou somativas ou
para estudo independente do aluno. Compare e selecione recursos
para integrar no seu ensino ou para os seus alunos consultarem e
complementarem o que aprendem na aula. Próximo passo: Pesquise
recursos digitais online. (LUCAS, 2018, não paginado).
Tabela 1: Uso de diferentes websites e estratégias de pesquisa para
encontrar e selecionar diferentes recursos digitais
Faixa do tempo de experiência Freq. %
Raramente uso a internet para encontrar recursos 50 3,7
Uso motores de busca e plataformas educativas para encontrar recursos
relevantes
287 21,3
Avalio e seleciono recursos com base na sua adequação ao meu grupo de alunos 565 41,9
Comparo recursos usando uma série de critérios relevantes, p. ex. conabilidade,
qualidade, adequação, design, interatividade, atratividade
400 29,7
Aconselho colegas sobre recursos adequados e estratégias de pesquisa 46 3,4
Total 1.348 100,0
Fonte: dados da pesquisa
O outro grupo constituído por 29,7% de professores já considera
vários aspectos na avaliação e seleção dos materiais que encontra na
internet, como a conabilidade, adequação e o design do material. Para
estes, o Check-In recomenda:
Está a ponto de expandir a sua estratégia. Pergunte aos seus colegas
sobre as estratégias de pesquisa que usam e como selecionam
material. Junte-se a uma comunidade prossional online para
aprender ou até mesmo criar, em conjunto, coleções de materiais
úteis. Depois de criar um portfólio de bons recursos, pode
compará-los e escolher aqueles que melhor correspondem aos
objetivos de aprendizagem. Considere também que recursos são
atrativos e interessantes para os alunos. Se tal recurso não puder
ser encontrado, talvez possa ser criado. Próximo passo: Amplie e
avalie os recursos. (LUCAS, 2018, não paginado, grifos do autor).
Mariângela Spotti Lopes Fujita, Graziela Zambão Abdian, Helen de Castro Silva Casarin e Eliane Giachetto Saravali
198 |
O terceiro maior grupo (21,3%) os participantes selecionaram
a opção na qual há a informação de que eles usam motores de busca e
plataformas educativas para encontrar recursos relevantes. Esta prática é
positiva, porém esta opção não menciona o uso de critérios para avaliação
e seleção dos materiais encontrados, o que precisaria ser desenvolvido
junto a este grupo. Entre as recomendações do Check-In para aqueles que
escolheram esta opção de resposta é:
Pergunte aos seus colegas sobre as estratégias de pesquisa que usam e
como selecionam material. Junte-se a uma comunidade prossional
online para aprender ou até mesmo criar, em conjunto, coleções
de materiais úteis. Depois de criar um portfólio de bons recursos,
pode compará-los e escolher aqueles que melhor correspondem aos
objetivos de aprendizagem. Considere também que recursos são
atrativos e interessantes para os alunos. Se tal recurso não puder ser
encontrado, talvez possa ser criado. (LUCAS, 2018, não paginado).
Um pequeno grupo correspondendo a 3,7 % do total arma usar
raramente a internet para encontrar recursos digitais, o que poderia indicar
falta de habilidade para fazer buscas e identicar materiais relevantes ou
mesmo certa resistência para uso deste tipo de recurso. Para este grupo,
no feedback do instrumento há primeiramente um incentivo à busca para
encontrar recursos para aplicar nas aulas, Em seguida, a recomendação do
Check-In é:
[...] vericar como outros professores têm realizado esta tarefa
e também começar a explorar os links disponibilizados por
organizações reconhecidas, como o Ministério da Educação, por
exemplo. Também apresenta um breve guia indicado que a busca
deve iniciar pela escolha de palavras-chave relevantes para a unidade
temática sobre a qual se pretende encontrar materiais. Por m,
recomenda o uso de ltros para identicar recursos para diferentes
nalidades, tais como ilustrações, aplicações etc. (LUCAS, 2018,
não paginado).
Um grupo de 3,4% dos educadores além de buscar e selecionar
recursos digitais, também os adapta e adotam estratégias para organizá-
Educação e Informação em contexto de políticas públicas: pesquisas em foco
| 199
los. Assim, os educadores deste grupo podem auxiliar no desenvolvimento
dos demais colegas, desde que recebam apoio institucional. Para eles a
recomendação do Check-In é :
Certique-se de que este conselho é válido nos dois sentidos, para
que também benecie do compartilhamento de conhecimento e
inclua o maior número de colegas possível. Com o conhecimento
que detém sobre recursos digitais, encontra-se numa posição
privilegiada para unir forças com outros professores envolvidos
digitalmente para promover a inovação a nível institucional. Pode
começar com algo simples, como uma folha de informação ou
um website com recursos úteis, que compartilha com todos os
colegas, via email ou em reuniões de equipe. Em breve, poderá
identicar colegas interessados e, juntos, poderão tornar os seus
conhecimentos valiosos para melhorar o ensino em toda a escola.
Próximo passo: Promova a utilização de recursos digitais na escola.
(LUCAS, 2018, não paginado).
A próxima questão enfocava a criação e adaptação de recursos
digitais pelos professores (Tabela 2). Esta habilidade é importante visto
que é possível criar recursos adequados ao perl dos estudantes e ao tema
a ser abordado.
Vericou-se que 42,1% dos professores participantes criam diferentes
tipos de recursos digitais, o que demonstra certa independência e habilidade
para uso de ferramentas para criação destes recursos. Para aqueles que
indicaram esta opção de resposta, a recomendação do sistema é:
O que é importante, neste nível, é recordar que a tecnologia é
um meio e não um m. Ao criar ou modicar recursos digitais,
certique-se de que não se concentra apenas nos objetivos de
aprendizagem, mas também nas necessidades e preferências de
aprendizagem dos seus alunos. Ao mesmo tempo, deve continuar
a experimentar novas soluções digitais para aperfeiçoar ainda
mais as suas práticas, p. ex., recursos digitais ou ambientes mais
apelativos, mais interativos ou mais colaborativos. Próximo passo:
Expanda a sua atividade a ferramentas interativas e ambientes
colaborativos (LUCAS, 2018, não paginado, grifos do autor).
Mariângela Spotti Lopes Fujita, Graziela Zambão Abdian, Helen de Castro Silva Casarin e Eliane Giachetto Saravali
200 |
Tabela 2: Criação e adaptação de recursos digitais
Faixa do tempo de experiência Freq. %
Não crio os meus próprios recursos digitais 107 7,9
Crio chas de atividades com um computador, mas depois imprimo-as 241 17,9
Crio apresentações digitais, mas pouco 356 26,4
Crio diferentes tipos de recursos 567 42,1
Organizo e adapto recursos complexos e interativos 77 5,7
Total 1.348 100,0
Fonte: dados da pesquisa
Num segundo grupo estão aqueles que criam apresentações digitais,
mas pouco (26,4%). Para estes, a criação de recursos digitais não faz parte
de sua prática, talvez por diculdades para lidar com ferramentas necessárias
ou ainda devido à falta de estímulo para uma mudança de prática. A
recomendação da ferramenta Check-In vai no sentido de incentivar o
educador para ampliar o uso dos recursos digitais com algumas sugestões
explorá-los:
Já tem as competências técnicas para retirar muito mais do seu
ensino. O próximo passo será explorar formatos mais interativos
e atrativos que possam ser exequíveis dentro das restrições do seu
ambiente educativo. Uma opção pode ser criar quizzes online para
os alunos fazerem como uma atividade de autoavaliação fora da
sala de aula. Irá descobrir que há muitas ferramentas diferentes
disponíveis, geralmente gratuitas, que facilitam a construção de
um quiz e a disponibilização de feedback direcionado às respostas
erradas. Se tiver dúvidas, peça recomendações aos seus colegas para
identicar o melhor recurso para os seus objetivos. Se tiver um
quadro interativo disponível na aula, outra ideia pode ser identicar
e preparar atividades neste quadro para os alunos, que podem
ser feitas individualmente ou em grupo para rever ou ampliar a
aprendizagem de forma lúdica. Próximo passo: Explore formatos
mais interativos. (LUCAS, 2018, não paginado).
Educação e Informação em contexto de políticas públicas: pesquisas em foco
| 201
O terceiro grupo restringe-se ao uso do computador para preparar
as atividades para os alunos, mas as utiliza no formato impresso (17,9%).
Para este grupo, a ferramenta Check-In faz a seguintes recomendações:
O próximo passo será compartilhar as suas atividades por email
ou no website da escola, para que os alunos possam acessá-las
em qualquer momento. Eventualmente, dependendo do acesso a
computadores, os alunos podem querer preencher algumas delas
online, com os seus colegas. Neste caso, deve ponderar a utilização
de um quiz online. Pergunte aos seus colegas que websites,
aplicações ou programas usam para identicar o melhor para os
seus propósitos. Basta começar a explorar e verá como será mais fácil
disponibilizar recursos de aprendizagem realmente bons. Próximo
passo: Explore quizzes online. (LUCAS, 2018, não paginado).
Cerca de 7,9% dos professores participantes não cria seus próprios
recursos digitais. Para este grupo, a ferramenta Check-In procura
desmisticar este tipo de atividade mostrando que possivelmente ele já
criou recursos digitais, mas não identicou a atividade como tal e incentiva
que o professor comece pela criação de uma atividade simples ou uma
avaliação digital:
Pode ter feito isto muitas vezes, sem rotular o trabalho como
criação de recursos digitais, quando criou uma avaliação ou uma
atividade num computador ou criou uma página numa plataforma
de gestão de aprendizagem. Se não, comece por criar um único
recurso digital como uma atividade. Próximo passo: Crie uma
atividade ou uma avaliação digital. (LUCAS, 2018, não paginado).
Em menor número estão aqueles educadores que indicaram ter
domínio certa independência na criação e manejo de recursos digitais ao
escolherem a opção “Organizo e adapto recursos complexos e interativos
(5,7% do total de participantes). Para estes, a ferramenta Check-In ressalta
a importância de se manter o foco nos objetivos de aprendizagem e no
perl e preferências dos alunos:
Mariângela Spotti Lopes Fujita, Graziela Zambão Abdian, Helen de Castro Silva Casarin e Eliane Giachetto Saravali
202 |
O que é importante, a este nível, é recordar que a tecnologia é um
meio e não um m. Ao lidar com as diferentes funcionalidades
das diversas ferramentas digitais, programas e aplicações que
usa, mantenha o seu foco rmemente no objetivo concreto de
aprendizagem e nas necessidades e preferências dos seus alunos.
Próximo passo: Melhore a experiência do utilizador. (LUCAS,
2018, não paginado).
A questão seguinte enfocava a proteção dos conteúdos sensíveis
dos alunos. Esta preocupação tornou-se mais presente no Brasil devido à
aprovação da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) (BRASIL, 2018) e
todas as organizações inclusive as escolas precisam adaptar-se em relação
a este aspecto. Como se pode vericar na Tabela 3, as respostas estão mais
distribuídas em relação às opções de resposta demonstrando possivelmente
que não há uma diretriz bem denida sobre como lidar com esta questão.
Tabela 3: Proteção de conteúdo sensível (p. ex. provas, avaliações, dados
pessoais dos alunos)
Faixa do tempo de experiência Freq. %
Não preciso, porque a instituição encarrega-se disto 229 17,0
Evito armazenar dados pessoais eletronicamente 310 23,0
Protejo alguns dados pessoais 406 30,1
Protejo arquivos com dados pessoais com senha 350 26,0
Protejo dados pessoais de forma abrangente, p. ex. combinando senhas difíceis
de adivinhar com encriptação e atualizações frequentes de software
53 3,9
Total 1.348 100,0
Fonte: dados da pesquisa
Como se vê na Tabela 3, apenas 3,9% indica realizar as ações
necessárias para a proteção de dados pessoais dos alunos e da documentação
como provas e avaliações. Para estes, a ferramenta recomenda que :
Não se esqueça de proteger, também, com senhas, os dispositivos
nos quais armazena dados pessoais, atualizando frequentemente
programas antivírus e rewalls. Reveja regularmente a ecácia
Educação e Informação em contexto de políticas públicas: pesquisas em foco
| 203
das medidas tomadas e permaneça atualizado(a) sobre regras e
recomendações de proteção de dados. Não se esqueça do fator
humano, p. ex. outros a observá-lo(a) quando digita a(s) sua(s)
senhas. Próximo passo: Reveja, rotineiramente, a ecácia das suas
estratégias de proteção de dados. (LUCAS, 2018, não paginado).
Um dado importante é que 17% armam não ter que se preocupar
com a proteção dos dados dos alunos, pois a instituição, no caso a Secretaria
Municipal de Educação, encarrega-se disso. Porém, há que se vericar quais
são as providências que vêm sendo tomadas pelas escolas e pela Secretaria de
Educação, visto que a partir da pandemia houve uma rápida implantação
do ensino remoto e nem todos estavam devidamente orientados sobre
como proceder. Em relação aos professores que escolheram esta opção de
resposta, a ferramenta Check-In recomenda que ainda que a instituição
tome alguns cuidados e se responsabilize, é necessário que o educador adote
uma postura ativa e também realize ações básicas, como uso de senhas
seguras, e cuidados com o uso de equipamentos e compartilhamentos,
conforme o feedback do instrumento:
A maioria das escolas tem políticas de proteção de dados em vigor.
No entanto, precisa fazer a sua parte para que sejam ecazes:
certique-se de que usa senha que não podem ser facilmente
adivinhadas e evite que outros o observem quando as digita. Tenha
cuidado com a proteção dos seus dispositivos, se armazena neles
dados pessoais. Use criptograa ao compartilhar formulários com
dados pessoais com outros professores. Próximo passo: Reveja,
criticamente, como compartilha arquivos e protege dispositivos
pessoais. (LUCAS, 2018, não paginado).
Dentre aqueles que realizam alguma ação para proteção dos dados
pessoais dos alunos, 30,1% armam proteger “alguns dados pessoais”. Para
estes a ferramenta reforça o papel do professor em relação a esta questão e
apresenta sugestões sobre como realizar esta ações e ressalta a importância
de se conhecer as regras da instituição quanto a este assunto:
Mariângela Spotti Lopes Fujita, Graziela Zambão Abdian, Helen de Castro Silva Casarin e Eliane Giachetto Saravali
204 |
A proteção de dados é uma responsabilidade para todos os professores.
Esta proteção torna-se mais fácil, se a abordar sistematicamente. Por
exemplo: Proteja o seu computador com senha que não possa ser
facilmente adivinhada e altere-a todos os meses. Mantenha as suas
rewalls e programas antivírus atualizados. Proteja dados pessoais,
como avaliações, rendimentos dos alunos e relatórios com senhas
diferentes. Verique se há regras ou recomendações especícas na
sua instituição de ensino que ajudem a proteger os dados pessoais
de forma sistemática e ecaz. Próximo passo: Proteja dados pessoais
de forma sistemática. (LUCAS, 2018, não paginado).
Um grupo de 26% dos participantes arma proteger os arquivos
com dados pessoais dos alunos com senha, o que revela que os mesmos
possuem consciência da necessidade e protegem os dados ainda que de
forma básica através de senha. Para estes a recomendação do Check-In é:
Não se esqueça de proteger, também, com senhas, os seus
computadores pessoais e outros dispositivos nos quais pode
armazenar dados pessoais. Atualize com frequência programas
antivírus e rewalls. Lembre-se de utilizar senhas robustas que
não podem ser facilmente adivinhadas, altere-as com frequência
e evite que outros observem a sua digitação. Use criptograa
quando compartilhar formulários com dados pessoais com outros
professores. Reveja regularmente a ecácia das medidas e consulte
as regras e recomendações em vigor na sua instituição educativa.
Próximo passo: Desenvolva uma abordagem abrangente para
proteção de dados. (LUCAS, 2018, não paginado).
23% armam evitar armazenar dados pessoais eletronicamente.
Considerando o contexto recente de pandemia e a tendência de uso
recursos eletrônicos, é fundamental que as pessoas deste grupo passem a
conhecer as ações básicas como uso de senhas e os cuidados necessários
para a proteção de dados pessoais tanto dos alunos como seus também.
Para tanto, a recomendação do Check-In é:
É aconselhável não recolher dados pessoais que não sejam
necessários. No entanto, na educação, é inevitável que, p. ex., os
nomes e os rendimentos dos alunos sejam registados. Os registos
Educação e Informação em contexto de políticas públicas: pesquisas em foco
| 205
em papel e avaliações são tão suscetíveis de fraude quanto os
registos eletrónicos. Verique se existem regras ou recomendações
especícas na sua instituição educativa. Caso contrário, siga as
regras gerais sobre proteção de dados e comece a utilizar senha que
não sejam facilmente adivinhadas para proteger os seus dispositivos
digitais e dados pessoais. Próximo passo: Comece com registos
digitais protegidos por senha. (LUCAS, 2018, não paginado).
Na última questão referente a área 2, era uma proposta de aplicação:
“Você gostaria de disponibilizar imediatamente aos alunos um material
com o conteúdo de ensino que você elaborou para poder utilizá-lo em suas
aulas. Qual dos seguintes métodos é o mais conveniente, seguro e conável
para conseguir isto?” Os resultados estão na Tabela 4.
Tabela 4: Questão de aplicação do conteúdo da área 2
Opções de resposta Freq. %
Enviar o material por um serviço de mensagem (por exemplo, WhatsApp) 585 43,4
Salvar cópia do material na nuvem, por exemplo, GoogleDrive 591 43,8
Salvar várias cópias do material no computador 40 3,0
Salvar cópia do material em um pendrive 84 6,2
Não sei 48 3,6
Total 1348 100,0
Fonte: dados da pesquisa
Os participantes concentraram suas respostas nas duas primeiras
opções de resposta: apenas 3,6% não sabia quais das opções de resposta
era a conveniente, segura e conável. Assim é o grupo mais vulnerável e
que demanda uma orientação urgente quanto a formas mais adequadas
de disponibilização de conteúdos aos seus alunos, visto que mesmo com
o retorno das aulas presenciais, o envio de materiais extras e a aqueles que
estão em atividades remotas por estarem em quarentena é frequente.
A maioria dos demais participantes então adota diferentes estratégias
para disponibilizar os materiais aos alunos. Salvar uma cópia na nuvem é
Mariângela Spotti Lopes Fujita, Graziela Zambão Abdian, Helen de Castro Silva Casarin e Eliane Giachetto Saravali
206 |
uma opção para 43,8% e enviar um material por um serviço de mensagem
para 43,4%. Salvar em um pendrive é a opção preferida para 6,2% e Salvar
várias cópias do material no computador para 3%.
Por m, vericou-se o desempenho dos professores no conjunto de
questões desta área (Gráco 1). A classicação é realizada pelo cômputo da
pontuação obtida nas três questões que compõem esta área
2
. Os detalhes
sobre as características do grupo em cada categoria estão em Anexo ao nal
deste capítulo.
Conforme demonstra o Gráco 1, os educadores da Rede de
Educação Municipal de Marília, como seria de se esperar, são bastante
heterogêneos em relação ao manejo e uso dos recursos digitais, visto que
não há uma categoria que se sobressaiu de forma signicativa no cômputo
da pontuação obtida no conjunto das questões desta área.
Gráco 1 : Nível de competência dos participantes em relação a Área 2
Fonte: dados da pesquisa
Nota-se também que 13,2% encontram-se na categoria de Recém-
Chegados. Conforme categorização do Check-In (em anexo) aqueles que
A questão de aplicação (tabela 4) não faz parte do questionário original. O seu resultado não entra no cômputo
da pontuação para a classicação do nível de competência do respondente
Educação e Informação em contexto de políticas públicas: pesquisas em foco
| 207
se encontram nesta fase têm consciência do potencial das tecnologias
digitais para melhorar a sua prática pedagógica e prossional, mas que as
usa de forma restrita e ou têm problemas para acesso às mesmas. Para estes
há necessidade de um acompanhamento mais de perto e de um apoio de
para que possa desenvolver-se minimamente.
Apenas 4,3% tiveram uma pontuação que lhes permitiram ser
categorizados como Líderes. Estes têm domínio no uso de recursos e
buscam ajudar e incentivar os colegas a utilizarem melhor as ferramentas
digitais. A maioria se distribuiu entre as categorias de desenvolvimento
intermediário: Integradores (33,1%), Exploradores (25,8%) e Especialistas
(23,6%).
4. conclusões
Os educadores da rede municipal de ensino de Marília foram
convidados a participar de um estudo sobre o nível de competência
digital que possuem. Vericou-se que eles têm níveis de competência
bem diversicados em relação ao uso de recursos educacionais digitais.
Em relação às principais práticas dos educadores, vericou-se que eles
costumam buscar recursos digitais considerando particularmente a
adequação dos mesmos aos seus alunos, não considerando outros aspectos
como usabilidade qualidade e abilidade. Eles costumam criar seus
próprios recursos digitais, porém têm se envolvido pouco na proteção de
dados sensíveis dos alunos.
Juntamente com os resultados, foram sendo apontadas sugestões e
recomendações para que os educadores possam avançar em sua competência
digital com os feedback proporcionados pela do próprio instrumento
Check-In. Assim, embora os educadores já estejam em boa parte em nível
intermediário, o investimento na formação destes educadores é necessário,
visto que o uso de recursos digitais no ensino pode potencializar o processo
de ensino-aprendizagem dos educandos. E, considerando os efeitos
negativos causados pela adoção do ensino remoto de forma açodada
durante a pandemia do Covid19, estratégias que proporcionem melhorias
e possam acelerar e trazer mais signicado e interesse aos educandos
Mariângela Spotti Lopes Fujita, Graziela Zambão Abdian, Helen de Castro Silva Casarin e Eliane Giachetto Saravali
208 |
é muito bem vinda. Para tanto, os educadores precisarão também estar
devidamente preparados.
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Mariângela Spotti Lopes Fujita, Graziela Zambão Abdian, Helen de Castro Silva Casarin e Eliane Giachetto Saravali
210 |
Anexo
cAteGorIAs do nível de competêncIA (check-In)
recém- cheGAdo
Professor: Acesso a pouco tempo os meios digitais.
DigCompEdu: Os Recém-chegados têm consciência do potencial
das tecnologias digitais para melhorar a prática pedagógica e
prossional. No entanto, tiveram muito pouco contacto com
tecnologias digitais e usam-nas maioritariamente para preparação de
aulas, administração ou comunicação institucional.
explorAdor
Professor: Explorar as ferramentas digitais para melhorar sua prática
prossional.
DigCompEdu: Os Exploradores têm consciência do potencial
das tecnologias digitais e estão interessados em explorá-las para
melhorarem a prática pedagógica e prossional. Começaram a usar
tecnologias digitais em algumas áreas de competência digital, sem,
no entanto, seguirem uma abordagem abrangente ou consistente.
InteGrAdor
Professor: procurar se integrar (fazer parte do novo formato digital)
a novas alternativas de acesso digitais.
DigCompEdu: Os integradores experimentam as tecnologias
digitais numa variedade de contextos e para uma série de propósitos,
integrando-as em muitas das suas práticas. Utilizam-nas de forma
criativa para melhorar diversos aspectos do seu envolvimento
prossional. Os Integradores estão dispostos a expandir o seu
repertório de práticas. No entanto, ainda estão a melhorar a
compreensão sobre que ferramentas funcionam melhor em que
Educação e Informação em contexto de políticas públicas: pesquisas em foco
| 211
situações e sobre a adequação de tecnologias digitais a métodos e
estratégias pedagógicas.
especIAlIstA
Professor: prossional com cursos e formação acadêmica ou técnica
para lidar com novas tecnologias digitais.
DigCompEdu: Os Especialistas usam uma variedade de tecnologias
digitais com conança, criatividade e espírito crítico para melhorar
as suas atividades prossionais. Selecionam tecnologias digitais
propositadamente para situações especícas e procuram compreender
as vantagens e desvantagens de diferentes estratégias digitais. São
curiosos e abertos a novas ideias, sabendo que há muitas coisas que
ainda não experimentaram. Usam a experimentação como um meio
de expandir, estruturar e consolidar o seu repertório de estratégias.
Os Especialistas são o alicerce de qualquer instituição educativa
quando se trata de inovar práticas.
líder
Professor: prossional que busca novas alternativas digitais e
compartilha com demais colegas de trabalho, inuenciando opiniões
e novas práticas pedagógicas.
DigCompEdu: Os Líderes têm uma abordagem consistente
e abrangente na utilização de tecnologias digitais com vista a
melhorar práticas pedagógicas e prossionais. Contam com um
amplo repertório de estratégias digitais, do qual sabem escolher a
mais adequada para determinada situação. Reetem e desenvolvem
continuamente as suas práticas. Mantêm-se atualizados quanto
a novos desenvolvimentos e ideias através de trocas com colegas.
São uma fonte de inspiração para os outros, a quem passam o seu
conhecimento
Mariângela Spotti Lopes Fujita, Graziela Zambão Abdian, Helen de Castro Silva Casarin e Eliane Giachetto Saravali
212 |
pIoneIros
Professor: são prossionais que buscam desbravar as inovações (são
os primeiros a experimentar novas tecnologias digitais e não temem
o novo) Estão sempre a frente dos demais no que diz respeito a
buscar a inovação para melhorar a prática prossional.
DigCompEdu: Os Pioneiros questionam a adequação de práticas
contemporâneas digitais e pedagógicas, das quais eles próprios são
Líderes. Preocupam-se com as limitações ou desvantagens dessas
práticas e são levados pelo impulso de inovar cada vez mais a
educação. Experimentam tecnologias digitais altamente inovadoras
e complexas e/ ou desenvolvem novas abordagens pedagógicas.
Lideram a inovação e são um modelo a seguir pelos outros.
S  A
| 215
AdrIAnA Alonso pereIrA
adriana.hds@gmail.com ou adriana.pereira@unesp.br
Graduação em Pedagogia, Especialista em Educação Transformadora: pedagogia,
fundamentos e práticas (PUCRS), Mestra e Doutoranda em Educação
(UNESP). Professora Coordenadora Pedagógica na Prefeitura Municipal de
Marília,. Participa do grupo de Pesquisa Diferença, Desvio e Estigma.
AnGelInA quInAlIA rAmIres
Professora da Rede Municipal de Ensino do Município de Marília há
dezessete anos. Graduada em Pedagogia e Tradutor/letras. Pós graduada em
Psicopedagogia. Mestranda do programa PPGCI- UNESP
Mariângela Spotti Lopes Fujita, Graziela Zambão Abdian, Helen de Castro Silva Casarin e Eliane Giachetto Saravali
216 |
cArlA mAyArA dos sAntos de Jesus
Pedagoga e Mestranda em Educação no Programa de Pós-Graduação em
Educação da Universidade Estadual Paulista (UNESP/Marília). É professora
concursada da Prefeitura Municipal de Marília, SP e atualmente exerce a função
de coordenadora pedagógica.
cArlos dA fonsecA brAndão
carlos.brandao@unesp.br
Licenciado em Educação Física (UNESP - Rio Claro) e em Pedagogia (UNIP).
Mestre em História e Filosoa da Educação (PUC/SP). Doutor em Educação
(UNESP - Marília). Livre-docente em Estrutura e Funcionamento do Ensino
(UNESP - Assis). Pós-doutor em Educação pela Universidad Autònoma de
Barcelona (UAB), pela Universidad Rovira I Vigili (Tarragona - Espanha) e pela
Uppsala University (Uppsala - Suécia). Professor do Programa de Pós-graduação
em Educação (UNESP - Marília) e do Departamento de Estudos Linguísticos,
Literários e da Educação (DELLE - UNESP Assis)
Educação e Informação em contexto de políticas públicas: pesquisas em foco
| 217
cAtIA cAndIdA de AlmeIdA
catiacandida@yahoo.com.br
Possui graduação em Estatística pela Universidade Estadual Paulista Júlio de
Mesquita Filho, Licenciatura em Matemática, Claretiano Centro Universitário.
Especialização em Economia Financeira pela Universidade Estadual de
Campinas. Mestrado em Educação Matemática pela Universidade Bandeirante
de São Paulo. Doutorado em Ciência da Informação pela Universidade
Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho. Atualmente é professora na Fundação
Educacional de Penápolis.
cudIA dA motA dArós pArente
Pedagoga (USP), Mestre e Doutora em Educação (Unicamp) com Pós-
Doutorado na (Universidad de Salamanca). Professora do Departamento de
Administração e Supervisão Escolar e do Programa de Pós-Graduação em
Educação da Universidade Estadual Paulista (UNESP/Marília).
Mariângela Spotti Lopes Fujita, Graziela Zambão Abdian, Helen de Castro Silva Casarin e Eliane Giachetto Saravali
218 |
dAnIelA noGueIrA de morAes GArcIA
daniela.nm.garcia@unesp.br
Doutora em Estudos Linguísticos pela UNESP, IBILCE, São José do Rio Preto.
É Professora Assistente junto ao Departamento de Letras Modernas da FCL-
UNESP, Campus de Assis. Atua no Programa de Pós-Graduação em Educação
da Faculdade de Filosoa e Ciências - UNESP e no PROFLETRAS - UNESP
na Faculdade de Ciências e Letras.
elIAne GIAchetto sArAvAlI
eliane.g.saravali@unesp.br
Pedagoga, Mestre e Doutora em Educação pela UNICAMP. Docente do
Departamento de Educação e Desenvolvimento Humano da UNESP, campus
de Marília-SP, atuando no curso de Pedagogia e no Programa de Pós-Graduação
em Educação. É líder do GEADEC – Grupo de Estudos e Pesquisas em
Aprendizagem e Desenvolvimento na Perspectiva Construtivista. @geadec.unesp .
Educação e Informação em contexto de políticas públicas: pesquisas em foco
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GIslene munhoz dos sAntos
gisle.munhoz@gmail.com
Possui graduação em Pedagogia pela Universidade Estadual Paulista Júlio de
Mesquita Filho. Mestranda em Ciência da Informação pela Universidade
Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho. Atuou como professora de Educação
Infantil no SESI/Marília-SP. Atuou como professora, coordenadora pedagógica
e Assistente Técnica de Área na Rede Municipal de Ensino Fundamental de
Marília na Secretaria Municipal da Educação de Marília-SP.
GrAzIelA zAmbão AbdIAn
graziela.abdian@unesp.br
Doutora e Mestra em Educação pelo Programa de Pós-graduação em Educação
da Faculdade de Filosoa e Ciências de Marília (PPGE/UNESP/Marília).
Docente do Departamento de Administração e Supervisão Escolar (DASE)
e do PPGE/UNESP/Marília desde o ano 2005. Líder do Centro de Estudos
e Pesquisas em Administração da Educação (CEPAE), grupo cadastrado no
Diretório de Grupos do CNPq. Coordenadora do PPGE/UNESP/Marília
no quadriênio em que foi rmado o convênio com a Secretaria Municipal de
Educação de Marília/SP.
Mariângela Spotti Lopes Fujita, Graziela Zambão Abdian, Helen de Castro Silva Casarin e Eliane Giachetto Saravali
220 |
helen de cAstro sIlvA cAsArIn
helen.castro@unesp.br
Possui graduação em Biblioteconomia pela Universidade Estadual Paulista Júlio
de Mesquita Filho, mestrado em Ensino na Educação Brasileira e doutorado
em Letras pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho. É Livre-
Docência e atualmente é professora Associada do Departamento de Ciência da
Informação da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho.
leonArdo lemos de souzA
Professor Associado do Departamento de Psicologia Social da Faculdade de
Ciências e Letras da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho
Unesp – Campus de Assis. Membro do corpo docente do Programa de Pós-
Graduação em Educação da Faculdade de Filosoa e Ciências da Universidade
Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” - Campus de Marília.
Educação e Informação em contexto de políticas públicas: pesquisas em foco
| 221
mArGArIdA lucAs
mlucas@ua.pt
Possui graduação em Ensino de Inglês e Alemão, e doutorado em Multimédia
em Educação pela Universidade de Aveiro, Portugal. É Investigadora no
Centro de Investigação em Didática e Tecnologia na Formação de Formadores
(CIDTFF), sediado no Departamento de Educação e Psicologia da mesma
Universidade.
mArIAnA ApArecIdA de AlmeIdA lAurentIno
Ma.laurentino@unesp.br
Licenciada em Pedagogia pela FCT/Unesp, Campus de Presidente Prudente –
SP. Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Educação pela FFC/Unesp,
Campus de Marília. Linha de Pesquisa: Políticas Educacionais, Gestão de
Sistemas e Organizações, Trabalho e Movimentos Sociais. Professora dos Anos
Iniciais do Ensino Fundamental na rede pública municipal de Marília.
Mariângela Spotti Lopes Fujita, Graziela Zambão Abdian, Helen de Castro Silva Casarin e Eliane Giachetto Saravali
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mArIânGelA spotI lopes fuJItA
mariangela.fujita@unesp.br
Bacharel em Biblioteconomia pela Fundação Municipal de São Carlos. Mestre
e Doutora em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo, Livre
Docente em Análise Documentária e Linguagens Documentárias Alfabéticas,
Professora Titular da UNESP. Docente Permanente Programa de Pós-Graduação
em Ciência da Informação da Universidade Estadual Paulista – UNESP de
Marília. Líder do Grupo de Pesquisa “Representação Temática da Informação”.
Professora aposentada da UNESP de Marília.
mIrellA mAc cormIck dInIz cAbrAl
Professora da rede municipal de Educação Infantil de Marília, Mestranda do
Programa de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de Filosoa e Ciências da
Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” - Campus de Marília.
Educação e Informação em contexto de políticas públicas: pesquisas em foco
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rAfAel frAnco lobo
rafaobo.diretor@gmail.com
Mestre em Educação pelo PPGE/UNESP/Marília. Especialista em Língua
Portuguesa pela Unicamp/SP. Diretor de escola municipal de educação infantil
do município de Marília. Membro do Centro de Estudos e Pesquisas em
Administração da Educação (CEPAE), grupo cadastrado no Diretório de
Grupos do CNPq.
professor dr. sAdAo omote
somote@uol.com.br ou s.omote@unesp.br
Graduação em Psicologia (Universidade de São Paulo/USP), Mestrado e
Doutorado em Psicologia Experimental(USP), Livre-docência em Educação
Especial (UNESP) e Professor Titular em Educação Especial (UNESP).
Professor aposentado e voluntário junto ao Programa de Pós-Graduação
em Educação/UNESP, Bolsista PQ-1B/CNPq, Líder do Grupo de Pesquisa
Diferença, Desvio e Estigma.
Mariângela Spotti Lopes Fujita, Graziela Zambão Abdian, Helen de Castro Silva Casarin e Eliane Giachetto Saravali
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ynGrId kArollIne mendonçA costA
yngrid.karolline@unesp.br
Doutoranda e Mestra em Educação pela UNESP - FFC, Campus de Marília.
Atua como Professora Coordenadora da rede municipal de ensino de Marília.
Agência de fomento da pesquisa: CAPES.
cAtAloGAção nA publIcAção (cIp)
Telma Jaqueline Dias Silveira
CRB 8/7867
normAlIzAção
Maria Elisa Valentim Pickler Nicolino
CRB - 8/8292
cApA e dIAGrAmAção
Gláucio Rogério de Morais
produção GráfIcA
Giancarlo Malheiro Silva
Gláucio Rogério de Morais
AssessorIA técnIcA
Renato Geraldi
ofIcInA unIversItárIA
Laboratório Editorial
labeditorial.marilia@unesp.br
formAto
16 x 23cm
tIpoloGIA
Adobe Garamond Pro
pApel
Polén soft 70g/m2 (miolo)
Cartão Supremo 250g/m2 (capa)
tIrAGem
100
Impressão e AcAbAmento
2023
sobre o lIvro
Educação e Informação em contexto de políticas públicas: pesquisas em foco
Mariângela Spotti Lopes Fujita | Graziela Zambão Abdian
Helen de Castro Silva Casarin | Eliane Giachetto Saravali (Org.)
pesquisas em foco
Educação e Informação
em contexto de
políticas públicas
Mariângela Spotti Lopes Fujita
Graziela Zambão Abdian
Helen de Castro Silva Casarin
Eliane Giachetto Saravali
(Organizadoras)
É com imensa satisfação que apresentamos o livro aos
leitores, pois é fruto de um importante convênio
rmado entre a Secretaria Municipal de Educação
(SME) do município de Marília/SP e a Universidade
Estadual Paulista (UNESP), especialmente
representada pelos Programas de Pós-graduação em
Educação e em Ciências da Informação (PPGE e PPGCI)
da Faculdade de Filosoa e Ciências (FFC), Câmpus
Marília.
O convênio rmado entre a SME do município de Marília
e a Unesp abriu uma oportunidade longamente ansiada
pelos prossionais de educação da rede municipal de
Marília de ter um edital exclusivo e dedicado à sua
capacitação cientíca em nível de mestrado e
doutorado. Essa oportunidade foi uma janela aberta a
partir de reuniões mensais realizadas por
pesquisadores do Instituto de Políticas Públicas de
Marília (IPPMar) com a administração e professores
da SME no período de fevereiro a setembro de 2017
que tinham como objetivo realizar uma interação ativa
do IPPMar com a gestão pública municipal e, naquele
momento, a Secretaria Municipal de Educação
demonstrou grande interesse e participação.
ISBN 978-65-5954-329-8