Jáima Pinheiro de Oliveira
Professora da Faculdade de Educação (FAE)
da Universidade Federal de Minas Gerais
(UFMG), credenciada ao Programa de Mes-
trado Prossional em Educação e Docência
(PROMESTRE/UFMG), na Linha de In-
fâncias e Educação Infantil. Professora Per-
manente (Voluntária) do Programa de Pós-
-Graduação em Educação da Faculdade de
Filosoa e Ciências (FFC) da Universidade
Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”
(UNESP). Bolsista Produtividade (PQ 2) do
Conselho Nacional de Desenvolvimento
Cientíco e Tecnológico (CNPq) e Pesqui-
sadora do Grupo Deciências Físicas e Sen-
soriais (DefSen/CNPq).
Contato: jaima.ufmg@gmail.com
Aila Narene Dahwache Criado Rocha
Professora do Departamento de Fisiotera-
pia e Terapia Ocupacional e Docente do
Programa de Pós-graduação em Educação
da Faculdade de Filosoa e Ciências (FFC)
da Universidade Estadual Paulista “Júlio
de Mesquita Filho” (UNESP). Terapeuta
Ocupacional, Mestre e Doutora em Edu-
cação pela FFC, UNESP, Campus Marí-
lia. Apresenta em sua trajetória prossional
diferentes Especializações e a Certicação
Internacional em Integração Sensorial de
Ayres pela Collaborative for Leadership
in Ayres Sensory Integration (CLASI).
Também é Coordenadora do Laboratório
de Estudos em Acessibilidade, Tecnologia
Assistiva e Inclusão (LATAI), Pesquisadora
e Vice-líder do Grupo Deciências Físicas e
Sensoriais (DefSen/CNPq).
Contato: aila.rocha@unesp.br
Ana Paula Loução Martins
Professora Auxiliar do Departamento de
Psicologia da Educação e Educação Espe-
cial, do Instituto de Educação, Universidade
do Minho, Braga, Portugal. Doutorada em
Estudos da Criança, especialidade de Educa-
ção Especial. Membro integrado do Centro
de Investigação em Estudos da Criança da
Universidade do Minho. Interesse particular
na investigação e na formação nas áreas da
educação inclusiva nacional e internacional,
das diculdades de aprendizagem especícas
na leitura, dos estudos longitudinais e da uti-
lização da monitorização com base no cur-
rículo como forma de identicar alunos em
risco de apresentarem diculdades de apren-
dizagem especícas na leitura.
Contato: apmartins@ie.uminho.pt
A Linguagem e o Brincar em Condições Neurodiversas
Programa PROEX/CAPES:
Auxílio 396/2021
Processo 23038.005686/2021-36
A Linguagem e o Brincar
em Condições Neurodiversas
Jáima Pinheiro de Oliveira
Aila Narene Dahwache Criado Rocha
Ana Paula Loução Martins
(Organizadoras)
[...] O livro A Linguagem e o Brincar em Condições Neurodiversas,
organizado por Jáima Pinheiro de Oliveira, Aila Narene Dahwa-
che Criado Rocha e Ana Paula Loução Martins, que ora é apre-
sentado ao públicoleitor, é um retrato do enorme avanço que vem
ocorrendo nas últimas décadas nesta área de investigação e inter-
venção. Tal avanço se caracteriza pelas novas possibilidades como
Comunicação Alternativa e Aumentativa e recursos de Tecnologia
Assistiva para favorecer a comunicação das pessoas com problemas
de desenvolvimento da linguagem por mais variados motivos. [...]
SADAO OMOTE
A Linguagem e o Brincar em
Condições Neurodiversas
ima Pinheiro de Oliveira
Aila Narene Dahwache Criado Rocha
Ana Paula Loução Martins
(Organizadoras)
Jáima Pinheiro de Oliveira
Aila Narene Dahwache Criado Rocha
Ana Paula Loução Martins
(Organizadoras)
A Linguagem e o Brincar em
Condições Neurodiversas
Marília/Oficina Universitária
São Paulo/Cultura Acadêmica
2022
UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA
FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS FFC
UNESP - campus de Marília
Diretora
Dra. Claudia Regina Mosca Giroto
Vice-Diretora
Dra. Ana Claudia Vieira Cardoso
Conselho Editorial
Mariângela Spotti Lopes Fujita (Presidente)
Adrián Oscar Dongo Montoya
lia Maria Giacheti
Cláudia Regina Mosca Giroto
Marcelo Fernandes de Oliveira
Marcos Antonio Alves
Neusa Maria Dal Ri
Renato Geraldi (Assessor Técnico)
Rosane Michelli de Castro
Conselho do Programa de Pós-Graduação em Educação -
UNESP/Marília
Graziela Zambão Abdian
Patrícia Unger Raphael Bataglia
Pedro Angelo Pagni
Rodrigo Pelloso Gelamo
Maria do Rosário Longo Mortatti
Jáima Pinheiro Oliveira
Eduardo JoManzini
Cláudia Regina Mosca Giroto
Auxílio 0396/2021, Processo 23038,005686/2021-36, Programa PROEX/CAPES
Ilustração da capa: Thales Dahwache Rocha (arquivo pessoal de Aila Narene Dahwache Criado Rocha)
Ficha catalográfica
Serviço de Biblioteca e Documentação - FFC
L755
A linguagem e o brincar e condições neurodiversas / Jáima Pinheiro de Oliveira,
Aila Narene Dahwache Criado Rocha, Ana Paula Loução Martins (org.). Marília :
Oficina Universitária ; São Paulo : Cultura Acadêmica, 2022.
252 p. : il.
Inclui bibliografia
ISBN 978-65-5954-326-7 (Digital)
ISBN 978-65-5954-325-0 (Impresso)
DOI: https://doi.org/10.36311/2022. 978-65-5954-326-7
1. Comunicação. 2. Linguagem e línguas. 3. Brincadeiras. 4. Pessoas com deficiências.
I. Oliveira, Jáima Pinheiro de. II. Rocha, Aila Narene Dahwache Criado. III. Martins, Ana
Paula Loução. Título.
CDD 371.9
Catalogação: André Sávio Craveiro Bueno CRB 8/8211
Copyright © 2022, Faculdade de Filosofia e Ciências
Editora afiliada:
Cultura Acadêmica é selo editorial da Editora UNESP
Oficina Universitária é selo editorial da UNESP - campus de Marília
Sobre os aspectos éticos
Algumas das ações relatadas nos capítulos desta coletânea podem ter sido
realizadas com seres humanos. Ressaltamos que o(s) autor(es) é(são)
responsável(veis) pelo seu(s) capítulo(s), no que se refere à aprovação da pesquisa
junto a um Comitê de Ética. A identidade dos sujeitos foi preservada, respeitando
as normas sobre os aspectos éticos de pesquisas com seres humanos, garantidas
pelas Resoluções 466/2012 e 510/2016. O conteúdo de cada capítulo é de
responsabilidade do(s) respectivo(s) autor(es).
Sumário
Prefácio | Sadao Omote ................................................................................ 11
Apresentação ................................................................................................ 15
Capítulo 1
Avaliação da Linguagem em Crianças com Deficiência Visual ...........................
23
Eline Silva Rodrigues
Anabela Cruz-Santos
Jáima Pinheiro de Oliveira
Capítulo 2
Recursos de Comunicação Alternativa e de Tecnologia Assistiva Favorecendo o
Brincar Junto a Uma Criança com Paralisia Cerebral ........................................... 45
Luana Gonçalves Biancolli
Gerusa Ferreira Lourenço
Adriana Garcia Gonçalves
Capítulo 3
O Desenvolvimento da Linguagem e o Brincar na Educação Infantil:
Implicões Para o Trabalho Pedagógico com Crianças com Deficiência .......... 69
Munique Massaro
Ana Luisa Nogueira de Amorim
Capítulo 4
A Importância do Brincar Para o Desenvolvimento da Comunicação no
Transtorno do Espectro do Autismo .................................................................. 89
Ana Cristina de Albuquerque Montenegro
Fernanda Cristina de Oliveira Luna Barbosa
Capítulo 5
Protocolo Para Análise de Comportamentos de Engajamento em Atividades
do PRONARRAR ................................................................................. 105
Emely Kelly Silva Santos Oliveira
Jáima Pinheiro de Oliveira
Capítulo 6
O Brincar de Faz de Conta no Desenvolvimento da Linguagem ............... 121
Luzia Iara Pfeifer
Madalena Moraes Sant’Anna
Renata Valdívia Lucisano
Capítulo 7
A Integração Sensorial e suas Interfaces com as Habilidades de
Comunicação ......................................................................................... 145
Paula de Jesus Mendes Serrano
Aila Narene Dahwache Criado Rocha
Camila Boarini dos Santos
Capítulo 8
O Telemonitoramento Durante a Pandemia da COVID-19: Relato de
Experncia da Interveão com Uma Criança com Paralisia Cerebral ... 177
Heloisa Briones Mantovani
Rafaela Montico
Aila Narene Dahwache Criado Rocha
Camila Boarini dos Santos
Fernanda Dias Ferraz Soriano
Capítulo 9
Risco na Aprendizagem da Leitura: Resultados e Implicações de um Estudo
Longitudinal no Contexto da Educação Inclusiva ................................... 207
Ana Paula Loução Martins
Maria João Costa Santos Simão
Capítulo 10
Indicadores de Risco para o Desenvolvimento Cognitivo e de Linguagem de
Bebês ...................................................................................................... 225
Beatriz Prado Caetano
Heloisa Briones Mantovani
Beatriz Sales Davanzo
Camila Boarini dos Santos
Aila Narene Dahwache Criado Rocha
Sobre as Organizadoras ........................................................................... 243
Sobre os Colaboradores .......................................................................... 244
Prefácio
Uma das condições essenciais para qualquer pessoa participar ativa
e produtivamente de qualquer grupo a que pertence é desenvolver uma
linguagem por meio da qual possa comunicar-se com seus pares. Esta é
uma boa razão pela qual desde a mais tenra idade, com apenas alguns
meses, uma intensa interação entre o bebê e as demais pessoas com a
clara evidência de comunicação. No início, é apenas alguns sons emitidos
pelo bebê, que vão se estruturando na forma de balbucio, até que a criança
começa a pronunciar algumas palavras. E o desenvolvimento desta
linguagem prossegue por longo tempo, num certo sentido, durante toda a
sua vida.
Nesse percurso, podem ocorrer acidentes de diferentes naturezas,
que podem comprometer o desenvolvimento da linguagem convencional
do grupo ao qual a criança pertence. O comprometimento no
desenvolvimento da linguagem implica prejuízo para o desempenho
competente em um amplo espectro de atividades, já que na maioria dessas
situações ocorre a interação com outras pessoas, que requer uma
comunicação eficiente. Diferentes investimentos são realizados com o
propósito de superar as limitações comunicacionais impostas por tal desvio
no curso natural de desenvolvimento.
O livro A Linguagem e o Brincar em Condições Neurodiversas,
organizado por Jáima Pinheiro de Oliveira, Aila Nerene Dahwache Criado
Rocha e Ana Paula Loução Martins, que ora é apresentado ao público
https://doi.org/10.36311/2022.978-65-5954-326-7.p11-14
leitor, é um retrato do enorme avanço que vem ocorrendo nas últimas
décadas nesta área de investigação e intervenção. Tal avanço se caracteriza
pelas novas possibilidades como comunicação alternativa e aumentativa e
recursos da Tecnologia Assistiva para favorecer a comunicação das pessoas
com problemas de desenvolvimento da linguagem por mais variados
motivos.
A preocupação com a comunicação de pessoas com deficiência
estava, durante longo período, restrita basicamente a pessoas com
problemas visuais e auditivos, incluindo recursos como braile, optacon,
aparelho de amplificação sonora individual (AASI), língua de sinais,
alfabeto manual, etc. As décadas de 1980 e 1990 se caracterizaram pelo
intenso debate e revisão de modelo de atendimento a pessoas com alguma
deficiência. O Ano Internacional das Pessoas Deficientes, proclamado
pelas Nações Unidas, em 1981, nem sempre convenientemente lembrado,
teve papel importante para dar início efetivamente a movimentos e debates
em busca de igualdade de oportunidades para as pessoas com deficiência.
Particularmente no Brasil, o Ano Internacional das Pessoas Deficientes
criou uma importante oportunidade para aumentar a visibilidade das
pessoas com deficiência.
E esses avanços nos debates contribuíram também para ampliar o
quadro de condições que passaram a ser alvo de atenção da Educação
Especial e Educação Inclusiva. Além disso, algumas patologias que, no
passado, eram incluídas em grandes categorias de comprometimentos,
passaram a merecer atenção diferenciada em função da sua especificidade.
Daí a busca de alternativas e novos recursos, mais adequados para atender
as necessidades específicas, foi uma decorrência natural. Particularmente
em relação à questão da linguagem e comunicação, verificamos expressivas
conquistas, ampliando efetivamente as possibilidades de inclusão no seu
mais amplo sentido. As conquistas recentes foram alcançadas graças à
ampliação no atendimento às diferentes necessidades de pessoas com
algum tipo de comprometimento, em função do reconhecimento de seus
direitos à vida digna e plena, como também aos avanços tecnológicos
espetaculares ocorridos nas últimas décadas.
As pesquisas e experiências relatadas nos dez capítulos da obra
mostram, no conjunto, uma estreita articulação entre a linguagem,
comunicação e o brincar em crianças desde muito pequenas. Essa
associação certamente permite que o desenvolvimento da linguagem,
qualquer que seja ela, possa ocorrer de um modo natural e efetivo, que
o lúdico é um dos ingredientes fundamentais para as manifestações e
interações de qualquer criança. Tal convergência cria um rico e desafiador
campo de estudo, como revelam os relatos contidos nos dez capítulos.
Outro aspecto a ser destacado refere-se ao enfrentamento de
desafios e superação de dificuldades por meio de criatividade e empenho.
Assim, é natural ter altas expectativas com relação às produções das novas
gerações de pesquisadores. Os leitores aguardarão com expectativa os
próximos volumes de uma coleção que ora se inicia.
Marília, novembro de 2021.
Sadao Omote
Apresentação
Sem dúvida, os processos de aquisição e desenvolvimento da
linguagem permanecem sendo os maiores desafios para familiares e os mais
distintos profissionais que atuam com crianças que possuem deficiência ou
outras condições que levam a um perfil neurodiverso. Especialmente,
aqueles que trazem implicações para a interação, a comunicação e a
participação social. Nos casos em que não possibilidade de
desenvolvimento da fala, por exemplo, as avaliações e as intervenções
voltadas para essas crianças serão decisivas para os seus processos de
desenvolvimento e de aprendizagem, ao longo de sua vida.
Por isso, concordamos que a comunicação é a chave para esses
processos de desenvolvimento e de ensino-aprendizagem e inúmeras são as
barreiras que podem impedir o acesso às experiências que envolvem a
aquisição e o desenvolvimento da linguagem em situações excepcionais
(LEONARD, 2014; NUNES et al, 2011; VON TETZCHNER, 2009;
BISHOP; MULFORD, 2002; BISHOP; LEONARD, 2000).
Nesse contexto, aparece igualmente com singular relevância, o
brincar, que se trata da mais importante expressão individual e
espontânea da criança. Por isso, essa expressão é garantida na legislação
como direito. Alguns autores comentam que, mesmo diante de situações
nas quais a criança esteja resolvendo um problema por meio da brincadeira,
essa brincadeira permanece carregada de espontaneidade, pois o ato de
https://doi.org/10.36311/2022.978-65-5954-326-7.p15-20
brincar é a ação social mais importante da infância e, portanto, também é
um indicador da participação social da criança.
Essas são as temáticas principais de nossa coletânea intitulada
A
Linguagem e o Brincar em Condições Neurodiversas
, preparada com
muito cuidado pelas organizadoras e pelos colaboradores. Trata-se de uma
oportunidade para fortalecer parcerias nacionais e internacionais no
âmbito do Programa de Pós-graduação em Educação (PPGE) da
Faculdade de Filosofia e Ciências (FFC) da Universidade Estadual Paulista
“Júlio de Mesquita Filho” (UNESP) e, principalmente, para incentivar a
participação de discentes em publicações com Selo Acadêmico.
Ao destacar as parcerias internacionais, mencionamos a presença
de pesquisadores que fazem parte de trabalhos de extrema importância para
o PPGE, a exemplo do projeto “Diferença, Inclusão e Educação”,
vinculado ao Programa CAPES-PRINT. Alguns destes pesquisadores
fazem parte de trabalhos interinstitucionais iniciados desde 2016, por meio
de coorientações de pesquisa, outros estão iniciando essa parceria.
Além disso, essa coletânea pretende inaugurar os primeiros
trabalhos de um novo projeto em que vários pesquisadores aqui presentes
participarão: um Observatório sobre o Brincar e a Linguagem. Ainda em
fase inicial de estruturação, esse Observatório, coordenado pela primeira
autora dessa coletânea, pretende formar uma rede interinstitucional de
investigação e intervenção em processos de aquisição e desenvolvimento da
linguagem, da comunicação e do brincar, de crianças com deficiência e/ou
condições neurodiversas.
Esperamos que cada um dos capítulos presentes aqui, possa
contribuir para a formação e o desenvolvimento profissional de professores
e de outros profissionais das mais distintas áreas de atuação. A seguir,
apresentaremos alguns comentários e os principais objetivos de cada um
desses textos que trazem diferentes perspectivas em relação à linguagem, à
comunicação e ao brincar.
No
Capítulo 1
encontramos contribuições para práticas
recomendadas no processo de avaliação da linguagem de crianças cegas e
com baixa visão que consideram as suas especificidades de
desenvolvimento e, portanto, que possuem indicadores para adaptações
nos instrumentos e estratégias de avaliação para essa população.
No
Capítulo 2
encontramos um texto que nos indica
possibilidades de garantir a ação do brincar nos contextos escolar e
domiciliar, a partir do uso de recursos de Comunicação Alternativa e
Ampliada (CAA) e de Tecnologia Assistiva (TA) para crianças com
Paralisia Cerebral (PC). Consequentemente, essas possibilidades
favorecem os processos de desenvolvimento e de aprendizagem da criança
envolvida no estudo relatado.
O
Capítulo 3
, por sua vez, traz as temáticas de interação,
brincadeira e o desenvolvimento da linguagem infantil, com um recorte
que as relaciona por meio das práticas pedagógicas, a partir das
necessidades de crianças com deficiência. Portanto, o texto indica um foco
importante para a mediação do/a professor/a como fundamental na etapa
de Educação Infantil.
No
Capítulo 4
, as autoras trazem reflexões sobre a linguagem e o
brincar relacionados ao Transtorno do Espectro Autista (TEA). Ressaltam
que é fundamental a promoção de brincadeiras que propiciem aspectos
diversos, tais como o desenvolvimento do simbolismo, destacando o
brincar de “faz de conta”, por exemplo. As autoras também destacam que
o brincar, por ser flexível e adaptável, pode ser experimentado em
diferentes condições, com diferentes colegas e habilidades e, por isso, o
lúdico facilita a aprendizagem e o desenvolvimento do indivíduo em seus
mais distintos aspectos, tais como: físico, comunicacional, social, cultural,
afetivo e cognitivo.
No
Capítulo 5
, as autoras apresentam uma proposta de
instrumento que pretende auxiliar na avaliação do engajamento de
crianças, durante o uso do programa PRONARRAR. Nesse capítulo é feita
uma breve apresentação dele, pois o foco é o instrumento de avaliação que
foi construído durante a pesquisa de mestrado da primeira autora do
capítulo em tela. No mestrado, a autora usou o PRONARRAR como
instrumento principal de sua coleta e análise de dados, com a participação
de crianças com Transtorno do Espectro Autista (TEA) de diferentes níveis
de suporte.
no
Capítulo
6
, nós encontramos as especificidades do brincar
de faz de conta com a apresentação de estudos sobre a relação entre esse faz
de conta e a linguagem. As autoras indicam como a Terapia Ocupacional
pode intervir para promover o brincar e estimular aspectos da linguagem
de crianças em idade pré-escolar.
No
Capítulo 7
, as autoras trazem reflexões sobre a intervenção da
Terapeuta Ocupacional junto a crianças com Disfunção de Integração
Sensorial e desafios de comunicação. As autoras indicam a necessidade de
um raciocínio clínico que considere a relação entre a Integração Sensorial,
as habilidades comunicativas e o brincar, de modo que isso garanta que
esse profissional realize um processo avaliativo abrangente e uma
intervenção por meios dos princípios da Abordagem de Integração
Sensorial de Ayres que articule todos os aspectos.
No
Capítulo 8
, temos uma experiência muito interessante que
envolve o telemonitoramento. As autoras tiveram o objetivo de descrever
intervenções de Terapia Ocupacional por meio de telemonitoramento em
colaboração com a Pedagogia, a fim de favorecer o uso de recursos de
Comunicação Suplementar e/ou Alternativa (CSA) com uma criança que
possui diagnóstico de Paralisia Cerebral. A experiência mostrou que, por
mais dificuldades que tenhamos, desde a precariedade de acesso à internet,
até a falta de experiência de familiares com recursos de tecnologia, foi
possível proporcionar avanços em relação ao desenvolvimento e
desempenho da criança.
Nesse texto são descritos episódios que mostram como os recursos
de CSA funcionaram como mediadores de um processo muito maior, que
trabalhou habilidades motoras específicas, o treino de familiares para o uso
de outros recursos de TA, além de favorecer a comunicação da criança.
Embora não tenha sido o foco do trabalho, os resultados reiteraram a
importância do telemonitoramento como uma possibilidade de assistência
para aqueles lugares em que é mais difícil ter acesso aos serviços físicos.
O
Capítulo 9
traz resultados de projetos de investigação,
conduzidos em Portugal, com foco para a linguagem escrita. As autoras
tiveram os seguintes objetivos: a) testar a aceitação do uso de provas de
monitorização-com-base-no-currículo (MBC) como um elemento da
triagem universal de risco na compreensão da leitura; b) conhecer a
trajetória do nível e da taxa de crescimento da compreensão da leitura entre
o e o anos de escolaridade; c) analisar o impacto da variável risco na
trajetória do nível e da taxa de crescimento da compreensão da leitura entre
o 2º e o 4º anos de escolaridade. No capítulo, as autoras apresentam os
resultados de um dos grupos de escolas participantes dos projetos.
Por fim, no
Capítulo 10
, o objetivo foi avaliar a presença de
indicadores de risco para o desenvolvimento cognitivo e de linguagem de
bebês. O estudo contou com 21 bebês de zero a 24 meses e seus cuidadores.
As avaliações foram realizadas por meio de visitas domiciliares para a
aplicação do Inventário Portage Operacionalizado. Foi identificado um
número significativo de indicadores de risco para o desenvolvimento
cognitivo e de linguagem dos bebês, o que alerta para a necessidade do
constante monitoramento do desenvolvimento infantil pelos profissionais
da Atenção Básica e da Educação.
Os capítulos presentes em nossa coletânea pretendem reforçar as
inúmeras demandas relacionadas à linguagem, à comunicação e ao brincar
em condições diferentes presentes no desenvolvimento infantil. Isso
reforça, também, a necessidade de termos sempre uma perspectiva
inclusiva desde a infância. Perspectiva essa, capaz de reconhecer a criança
pequena como um sujeito de desejos, direitos e saberes, conforme
preconizam as diretrizes educacionais da Educação Infantil (BRASIL,
2009).
Enfim, esperamos que a nossa coletânea
A Linguagem e o Brincar
em Condições Neurodiversas
seja um convite para essas reflexões e,
também, um apoio para os profissionais que trabalham ou que pretendem
trabalhar com crianças que apresentam condições diferentes em seu
processo de desenvolvimento.
Outubro de 2021
Jáima Pinheiro de Oliveira
Aila Narene Dahwache Criado Rocha
Ana Paula Loução Martins
Referências
BISHOP, Dorothy Vera Margaret; MOGFORD, Kay. Aquisição e
desenvolvimento da linguagem em circunstâncias excepcionais. Porto Alegre:
Artmed, 2002.
BISHOP, Dorothy Vera Margaret; LEONARD,
Laurence.
B.
Speech
and Language Impairments in Children: Causes, Characteristics. London
& New York: Psychology Press. APA PsycInfo, 2000.
BRASIL. Resolução CNE/CP n. 05 de 17 de dezembro de 2009. Fixa as
Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil. Brasília,
2009.
LEONARD, Laurence. B. Children with Specific Language Impairment.
London: The MIT Press, 2014.
NUNES, Leila Regina D’Oliveira de Paula; QUITERIO, Patrícia
Lorena; WALTER, Catia Crivelente Figueiredo; SCHIRMER, Carolina
Rizzoto; BRAUN, Patrícia. (Orgs). Comunicar é preciso: em busca das
melhores práticas na educação do aluno com deficiência. Marília:
ABPEE, 2011, p. 81-91.
VON TETZCHNER, Stephen. Suporte ao desenvolvimento da
comunicação suplementar e alternativa. In: DELIBERATO, D.;
GONÇALVES, M. J.; MACEDO, E. C. (Org.). Comunicação
alternativa: teoria, prática, tecnologias e pesquisa
.
São Paulo: Memnon
Edições Científicas, 2009. p. 14-27.
Capítulo 1
Avaliação da Linguagem em Crianças com Deficiência Visual
Eline Silva Rodrigues
Anabela Cruz-Santos
Jáima Pinheiro de Oliveira
Introdução
uma escassez de pesquisas sobre a aquisição e o
desenvolvimento da linguagem em crianças com deficiência visual (DV),
bem como a inexistência de instrumentos específicos ou adaptados para
avaliar o comportamento linguístico da criança com baixa visão (BV) ou
cega em idades precoces, usuárias da ngua portuguesa. Estes fatores
podem dificultar o processo de avaliação e o diagnóstico precoce e eficaz
de possíveis perturbações de linguagem nesta população.
A avaliação da linguagem tem despertado o interesse de
investigadores de diferentes áreas do conhecimento, incluindo estudos nas
áreas da psicolinguística, psicologia do desenvolvimento, educação e
educação especial. É um processo de caráter multidisciplinar, colaborativo
e intimamente ligado ao de intervenção (ACOSTA et al, 2006;
RIGOLET, 2000; 2006). O processo de avaliação da linguagem de uma
criança com DV, assim como o de qualquer criança, requer uma clara
definição dos objetivos, do conteúdo e do método de avaliação. Quando
se avalia a criança cega ou com baixa visão, além dos aspetos comumente
adotados pela equipa multidisciplinar no planejamento da avaliação do
https://doi.org/10.36311/2022.978-65-5954-326-7.p23-44
comportamento linguístico infantil, torna-se relevante considerar as
seguintes questões: Qual a melhor forma de avaliar a linguagem de uma
criança cega? Que cuidados são necessários na seleção dos estímulos para a
criança com BV? Como escolher os melhores instrumentos de avaliação?
Quais modificações e adequações são requeridas para assegurar a
acessibilidade? Estes são alguns dos questionamentos que deveriam
preceder a avaliação de crianças com DV (BISHOP, 2004; GOODMAN,
2003; MUÑOZ, 1998; SPUNGIN e FERRELL, 2007). No processo de
planificação de uma avaliação da linguagem é fundamental conseguir
responder às seguintes questões: Para quê avaliar? O quê deve ser avaliado?
Como vamos avaliar? (ACOSTA et al., 2006).
Essas são algumas das questões que esse capítulo pretende
contribuir e ajudar na busca por respostas. O objetivo principal desse texto
é o de indicar as principais práticas recomendadas no processo de avaliação
de crianças cegas e com baixa visão que consideram as suas especificidades
de desenvolvimento e, portanto, que possuem indicadores para adaptações
nos instrumentos e estratégias de avaliação para essa população.
Para Quê, O Quê e Como Avaliar o Percurso Linguístico
de Crianças com Deficiência Visual?
Como avaliar se a aquisição e o desenvolvimento linguístico da
criança com deficiência visual estão ocorrendo de forma harmoniosa? O
desenvolvimento linguístico infantil até os 36 meses é bastante normativo,
isto significa que nos primeiros anos de vida as crianças atingem as mesmas
competências linguísticas ao mesmo tempo (ACOSTA et al., 2006;
RIGOLET, 2006, SIM-SIM, 2017), tanto em abordagens estruturalistas,
quanto funcionalistas.
Observadas as especificidades do desenvolvimento da criança com
DV, se a linguagem da criança cega ou com baixa visão apresenta um
desenvolvimento que difere dos padrões da aquisição típica da linguagem,
pode ser um sinal de que ela necessita de intervenção. Como os primeiros
anos de vida são cruciais no desenvolvimento da linguagem infantil,
quanto mais cedo for realizada esta avaliação, maior eficácia da intervenção
(PÉREZ-PEREIRA e CONTI-RAMSDEN,1999).
Os indicadores de desenvolvimento atípico da linguagem nesta
população podem não ser evidentes, correndo o risco de serem
subestimados e subtratados (BISHOP, 1998, 2004; SILVER, 2003).
Ademais, as perturbações de linguagem em crianças com DV podem ser
associadas a outros fatores deficiências associadas e autismo, por
exemplo, não sendo, portanto, devidamente identificados os casos que
demandam intervenção específica ao nível da linguagem (MOSCA,
KRITZINGER e VAN DER LINDE, 2015; TOBIN, 1994). Nesse
sentido, a importância do trabalho em equipe é fundamental neste
processo de avaliação e envolve vários aspectos do desenvolvimento da
criança. Muñoz (1998) destaca nove indicadores que sinalizam a presença
de um possível atraso ou alteração da linguagem em crianças com DV:
Um prolongado período de balbucio, as vezes seguido por
pequenas atividades vocais;
Uso da ecolalia como forma principal de comunicação;
Uso da ecolalia para autoestimulação com função
comunicativa reduzida;
Excesso ou uso inapropriado do verbalismo, ou palavras
sem ou pouco significado para a criança;
Uso excessivo de enunciações ou palavras que não
correspondem à idade cronológica ou desenvolvimental da criança,
especialmente quanto o correspondem ao contexto da fala;
Linguagem expressiva desorganizada e perseverante;
Uso excessivo de perguntas;
Dificuldades na leitura, em comparação às outras crianças
com deficiência visual.
Estes comportamentos geralmente estão associados a atrasos no
processamento da linguagem, indicando a necessidade de uma avaliação
mais criteriosa (MUÑOZ, 1998). Porém, conforme apontado,
compreender que a aquisição e o desenvolvimento linguístico da criança
com DV ocorrem de modo distinto da criança com visão normal é
fundamental no processo de avaliação. O desconhecimento dos diferentes
aspetos do desenvolvimento infantil na presença da cegueira ou baixa visão
e negligência de importantes adequações específicas, pode tornar o
processo de avaliação inadequado.
Para Silver (2003) e Muñoz (1998) o grande desafio é distinguir
entre as características linguísticas das crianças com DV e o que seria um
desenvolvimento atípico da linguagem. As diferenças entre esses dois
aspectos são tênues. Nesse sentido, a avaliação deve ser conduzida por
profissionais especializados na área, procurando proporcionar um
conhecimento maximizado das competências linguísticas da criança, tal
como um conhecimento mais aprofundado das suas características
cognitivas, afetivas, psicomotoras, sociais e emocionais.
O desenvolvimento atípico da linguagem pode provocar
dificuldades que incluem desde aspectos relacionados à aprendizagem da
leitura e escrita até a limitações das competências sociais (ACOSTA et al.,
2006; RIGOLET, 2006, SIM-SIM, 2017). Logo, a avaliação do
comportamento linguístico infantil, tanto nos seus aspectos de
compreensão, como nos de expressão, adquire grande importância ao
possibilitar a identificação precoce das crianças em situação de risco.
Esse processo revela-se complexo e requer conhecimentos
específicos sobre o seu desenvolvimento e dos procedimentos existentes
para a sua compreensão. Avaliar o comportamento linguístico infantil
permite um maior conhecimento da forma como se articulam e se
relacionam os diferentes componentes estruturais - sintaxe, fonologia e
semântica - entre si e em relação às intenções comunicativas da criança -
pragmática (RIGOLET, 2000, SIM-SIM, 1998, 2017). E, portanto, as
dimensões de uso, função e forma da linguagem, devem se articular ao
longo desse processo de avaliação.
Sabemos que a avaliação e o acompanhamento do desenvol-
vimento linguístico em crianças com deficiência visual (cega ou com baixa
visão) é fundamental, face ao importante papel desempenhado pela
linguagem na ausência ou limitação visual. Entretanto, avaliar a linguagem
dessas crianças em idades precoces exige que, tanto os procedimentos,
quanto os instrumentos sejam apropriados às suas especificidades
(BRAMBRING, 2006; BRAMBRING e ASBROCK, 2010; SILVER,
2003).
No Brasil, se por um lado uma escassez de estudos sobre o
desenvolvimento linguístico em crianças com DV usuárias da língua
portuguesa, também são escassos os estudos sobre a construção, adaptação
e validação de instrumentos (OLIVEIRA e
MARQUES, 2005). Através da
revisão sistemática da literatura, verifica-se que, especificamente que no
contexto brasileiro, não existem, até ao momento, instrumentos formais
de avaliação disponíveis para DV, embora a sua importância venha sendo
continuadamente ressaltada na literatura no âmbito internacional.
Dada as especificidades do desenvolvimento infantil na presença
da deficiência visual, a aquisição e o desenvolvimento da criança com baixa
visão ou com cegueira seguem caminhos diferentes em relação à criança
com desenvolvimento típico. Considerando a influência dos diferentes
fatores sociais e educacionais que influenciam o desenvolvimento da
linguagem tal como a própria diversidade dentro da categoria da
deficiência visual, muitas vezes é difícil avaliar essas crianças
(BRAMBRING, 2006; MOSCA et al, 2015; PIJNACKER et al, 2012).
Assim, a construção de instrumentos de avaliação adequados para as
diferentes etapas do desenvolvimento infantil para essa população é crucial.
A avaliação da linguagem nesta população desde o primeiro ano de
vida, torna-se crucial, uma vez que, na ausência ou limitação da capacidade
visual a linguagem é o principal meio de interação e aprendizagem da
criança com deficiência visual, portanto promover um desenvolvimento
linguístico eficaz é fundamental para a criança cega ou com baixa visão.
Além dos aspectos globais do desenvolvimento, a avaliação da linguagem
em crianças com DV deve incluir áreas específicas da linguagem receptiva
tais como o processamento auditivo, o conhecimento semântico, a
consciência fonológica, a memória auditiva; na linguagem expressiva é
preciso avaliar as competências para descrever e definir palavras,
capacidade de compreender direcionamentos verbais, competência em
expressar seus pensamentos de forma verbal, competências pragmáticas,
grau e tipo da ecolalia e outros.
Em síntese, como devemos avaliar a linguagem de crianças com
deficiência visual? Independentemente do método de avaliação escolhido,
os procedimentos e estratégias de avaliação dessa população devem
considerar suas especificidades. O processo de avaliação da criança com
deficiência visual, principalmente aquela com baixa visão, é individual.
Cada uma irá demandar por parte da equipe adequações materiais e
ambientais exclusivas, condicionados pela forma como a criança emprega
o resíduo visual, qual recurso está habituada a utilizar, dentre outros
aspectos (MUÑOZ, 1998; SILVER, 2003).
Práticas recomendadas no processo de avaliação
de crianças cegas e com baixa visão
A avaliação da linguagem está estreitamente relacionada ao
processo da aquisição e desenvolvimento linguístico da criança. Do mesmo
modo, todo processo de avaliação está intimamente ligado à intervenção,
e finalmente a concepção do desenvolvimento infantil que permeia todas
as concepções anteriores, orientando as escolhas quanto aos objetivos,
procedimentos, estratégias e instrumentos de avaliação (ACOSTA et al,
2006; RIGOLE, 2000).
A garantia de serviços educativos adequados às crianças com
Necessidades Educativas Especiais
1
, incluindo as crianças com DV, é um
princípio basilar na construção de uma escola que responde às necessidades
dos alunos com estas características. A avaliação, componente essencial do
processo educativo, permite a coleta de informações sobre as capacidades
1 Expressão mais comumente utilizada em Portugal. No Brasil, a expressão
atualmente mais utilizada e referenciada pela Política Nacional de Educação
Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (BRASIL, 2008) é “Público-
alvo da Educação Especial”, que inclui pessoas com deficiência, Transtornos
Globais do Desenvolvimento (TGD expressão utilizada à época e que hoje
refere-se ao Transtorno do Espectro Autista TEA) e pessoas com Altas
Habilidades e/ou Superdotação.
(áreas fortes) e necessidades (áreas fracas) da criança, orientando o
estabelecimento de objetivos concretos para a intervenção eficaz.
No caso específico da avaliação da linguagem em crianças com
DV, a adoção da avaliação compreensiva é apontada pelos pesquisadores
da área como uma excelente oportunidade de trabalho multidisciplinar e
colaborativo, com resultados benéficos a todos os envolvidos no processo
(SILVER, 2003).
Além do design multidisciplinar e colaborativo, Silver (2003)
sugere que a observação e a avaliação da linguagem em crianças com DV
deve ocorrer em contextos naturais e em intercessão a avaliação em outros
domínios como aferição das competências cognitivas, sociais, de
orientação e mobilidade (O&M). Conforme sinaliza a autora, somente por
meio da colaboração entre os diferentes profissionais e familiares é possível
recolher informações confiáveis sobre a criança, tendo como foco as
demandas específicas desta população.
O planejamento da avaliação do comportamento linguístico em
crianças com deficiência visual inclui a recolha e obtenção das seguintes
informações:
Causa/tipo da deficiência visual: cegueira ou baixa visão;
Quando e como ocorreu a perda: congênita ou adquirida,
brusca ou lenta;
Diagnóstico visual e avaliação funcional do resíduo visual:
acuidade e funcionalidade com e sem correção;
Prognóstico: resíduo visual estável ou degenerativo;
Presença de outras deficiências associadas, ou outras
condicionantes médicas;
Que adaptações materiais e ambientais são requeridas para
o melhor uso do resíduo visual: intensidade da luz, recursos ópticos e
tecnologias assistivas, tamanho da letra, melhor contraste;
Que meio é utilizado no processo de aprendizagem
(tipografia ampliada, braille, display braille, ledor).
Esta recolha de informações irá permitir compreender se a criança
tem múltipla deficiência sensorial, isto é, se ela tem associada à DV outras
condições de comportamento e comprometimentos, sejam eles em termos
físicos, cognitivos, intelectuais, emocionais, acadêmicos ou outros. A
análise desta questão é fundamental, pois cerca de 50 a 60% das crianças
com DV possui outros comprometimentos associados (CHEN, 1999) e,
nestes casos, outras demandas serão requeridas.
Adaptações nos instrumentos e estratégias de avaliação para crianças
com DV (cegueira ou com baixa visão)
A partir da definição dos objetivos, a escolha dos instrumentos e
das estratégias que serão adotados na avaliação da linguagem de crianças
cegas ou com baixa visão demanda uma seleção criteriosa, tendo em vista
a garantia da adequação de todo o processo às necessidades específicas de
cada criança. Apresentamos, a seguir, algumas indicações em relação às
principais adequações recomendadas para ambos os ambos grupos.
Os instrumentos e procedimentos de avaliação de crianças com
DV não podem tem como pressuposto a percepção visual pois, dentre
outras limitações, não estaria considerando as diferenças de percepção
entre as crianças que enxergam e aquelas com DV, tampouco permitindo
conhecer seu real estágio de desenvolvimento (MASINI,1995;
WARREN;1998).
Verifica-se ainda, no entanto, que a existência, tanto nacional
como internacional, de instrumentos de avaliação da linguagem para esta
população ainda é muito reduzida, mesmo em países que possuem
alguns instrumentos específicos para avaliar crianças com DV, como os
EUA. Constata-se que a avaliação de crianças com DV consiste
essencialmente no uso de instrumentos não estandardizados, que carecem
de validação científica, contendo apenas as adaptações culturais e
linguísticas (BARCLAY, 2003; BROWN e TAYLOR, 1994; SPUNGIN
e FERRELL, 2007),
Quando os instrumentos utilizados na avaliação de uma criança
não estão validados para o país onde são aplicados, eles não analisam de
modo equivalente as competências da criança. Este argumento encontra
sustentação quando se adota a concepção de que o desenvolvimento da
criança com DV apresenta particularidades, portanto, quando um
instrumento avalia uma competência, esta pode ser muito diferente em
termos de funcionamento, para a criança com baixa visão ou a criança cega
(BARCLAY, 2003; BRAMBRING, 2006; GOODMAN, 2003).
As adaptações nos procedimentos de avaliação de crianças com DV
incluem acomodações ambientais, adaptações nas estratégias de ensino
(exemplos: mudanças no tempo de aplicação dos testes, adequação das
instruções, dentre outras) e adaptação dos materiais (MAYFIELD et al,
1996).
Como enfatizado, a deficiência visual engloba um espectro vasto
e heterogêneo de crianças e, cada uma irá demandar, em termos de
acessibilidade, modificações específicas. Esta diversidade é evidente
principalmente na população com baixa visão, na qual as condições visuais
são únicas. Crianças que possuem a mesma causa da baixa visão, podem
utilizar de modo diferente seu resíduo visual ou ainda preferir recursos
ópticos ou outros recursos de Tecnologia Assistiva diferentes (BARCLAY,
2003; MCCONACHIE e MOORE, 1994).
Apresentamos no Quadro 1, a seguir, as principais recomendações
referentes às modificações e adaptações requeridas no processo de avaliação
da criança com DV.
Quadro 1 - Modificações e Adaptações Requeridas no Processo de Avaliação da Criança
com Deficiência Visual
Criança cega
Criança com baixa visão
-
Estímulos visuais: substituir fotos,
gravuras e outros estímulos visuais
por objetos reais (preferencialmente),
objetos tridimensionais e materiais
táteis.
-
Parte escrita: transcrever todas
informações para o braille (etiquetas
dos objetos, palavras-alvo).
-
Modificações no ambiente:
providenciar a acessibilidade do
ambiente e adequação ergonômica do
mobiliário, por exemplo mesas
maiores, pois o material em braille
ocupa 6 a 8 vezes mais espaço que o
material em tinta.
-
Adequação das instruções: as
informações visuais devem ser
descritas; instruções visuais podem ser
modificadas utilizando texturas com
orientações usando termos táteis
como “áspero” e “suave”.
-
Estímulos visuais: utilizar material
colorido, ampliado e com contraste
adequado para cada criança.
-
Parte escrita: apresentar material em
tipografia ampliada, com contraste e demais
adaptações consoantes as preferências e
necessidades de cada criança.
-
Modificações no ambiente: providenciar
luminosidade apropriada a cada criança;
utilizar mobiliário ergonomicamente
adequado e outros recursos como a plano
inclinado para apoiar os materiais, evitando
postura inadequada.
-
Adequações nas instruções: assegurar que a
criança percebeu os detalhes; potencializar o
uso do resíduo visual através da alternância
das atividades visuais (leitura) com
atividades de movimento e audição.
-Tecnologias Assistivas: providenciar os
recursos de acessibilidade que a criança
regularmente utiliza ou aqueles que são
- Tecnologias Assistivas: linha braille
(display braille), computadores
adaptados.
necessários para assegurar sua performance
na avaliação como: Closed Circuit Television
(CCTV), lupas manuais e de mesa,
- Adequação do tempo: ampliar o
tempo de aplicação quando
necessário, pois tempo dispensado
para o rastreio tátil seja para conhecer
o material apresentado (miniaturas,
objetos, representações táteis) e a
resposta organização da tarefa é
diferente do processamento visual.
ampliadores de tela, computadores com
acessibilidade.
-Adequação do tempo: adequar o tempo
quando necessário evitando a fadiga visual.
Fonte: elaborado com base em Barclay (2003), Goodman (2003), Muñoz (1998), Silver
(2003), Spungin e Ferrel (2007).
Estas recomendações são igualmente válidas nos procedimentos de
avaliação informal da linguagem em crianças cegas e com baixa visão.
Instrumentos utilizados na avaliação da linguagem
em crianças com DV
Na avaliação da linguagem em crianças com deficiência visual são
utilizados testes, escalas de desenvolvimento, observação de
comportamentos, dentre outros. Existem instrumentos de avaliação de
design exclusivo para crianças com deficiência visual e instrumentos que
foram traduzidos e adaptados da sua versão original. Apresentamos, a
seguir, uma listagem de instrumentos de avaliação para crianças com
deficiência visual em idades precoces (Quadro 2). Cabe salientar estes
instrumentos avaliam várias áreas do desenvolvimento da criança,
selecionamos aqueles que incluem a avaliação da linguagem
(BRAMBRING, 2006; BROWN e TAYLOR, 1994; SILVER, 2003).
Quadro 2 - Instrumentos de Avaliação da Linguagem em
Crianças com Deficiência Visual
Instrumento
Faixa etária
Áreas avaliadas
Oregon Project for Visually
Impaired & Blind Preschool
Children, Skills Inventory &
Curriculum (BROW et al.,
2007)
0 a 6 anos
Cognição
Linguagem
Visão
Autoajuda
Socialização
Motricidade fina e grossa
Compensatória
Reynell-Zinkin Scales:
Developmental Scales for
Young Visually Handicapped
(REYNELL, 1986)
2 meses a 5
anos
Adaptação Social
Compreensão Sensório-motora
Exploração do ambiente
Respostas a sons e compreensão
verbal
Vocalização e expressão
Linguagem: estrutura e expressiva
Vocabulário e conteúdo
Simmons-Davidson
Developmental Profile
SDDP
(SIMMONS e DAVIDSON,
1992)
Não
especificado
Contexto de Cuidados com a
Saúde, prestação de cuidados e de
Intervenção
Autoajuda
Desenvolvimento motor
Orientação e Mobilidade (O&M)
Exploração / jogo
Percepção
Cognição
Linguagem
Cullier-Azuza (STIFFMAN,
1982)
0 a 9 anos
Motor
Percepção
Atividades da Vida Diária (18
subescalas)
Linguagem
Socialização
Vineland Adaptative Behavior
Scales (SPARROW e BALLA,
1985)
0 aos 19 anos
Linguagem
Escrita
Atividades da Vida Diária
Socialização
Competências motoras
Social Communication
Interview for young children
with visual impairment
(SOCI-VI)
Dale et al
(2013)
Comunicação
Bielefeld Observation Scales
for Blind Infants and
Preschoolers - BOS Blind
(BRAMBRING, 2006)
0 a 6 anos
Postura e Balanço, Movimentos
auto iniciados
O&M
Competências manuais
Competências da Vida Diária
Desenvolvimento Cognitivo
Desenvolvimento da Linguagem
Desenvolvimento Socioemocional
Fonte: elaborado com base nos autores: Brambring (2006), Brown e Taylor (1994) e
Silver (2003).
No Quadro 3, a seguir, apresentamos os instrumentos de avaliação
para crianças entre os 0 e 7 anos.
Quadro 3 Seleção de Instrumentos Não Específicos utilizados na avaliação da
linguagem em crianças com Deficiência Visual
Instrumento
Faixa
etária
Áreas avaliadas
Adaptações sugeridas
Learning
Accomplishment
Profile LAP
(LEMAY et al, 1981).
0 a 6
anos
Cognição
Linguagem
Cuidados pessoais
Competências sociais
Motricidade fina e
grossa
não são referidas
Early-Learning
Accomplishment
Profile - E-LAP
(STANDFORD,
1982)
0 a 3
anos
Cognição
Linguagem
Cuidados pessoais
Competências sociais e
emocionais
Motricidade fina e
grossa
não são referidas
Carolina Curriculum
for Handicapped
Infants (JOHNSON-
MARTIN et al, 2004)
0 a 3
anos
Cognição
Comunicação (25
subescalas)
Adaptação Social
Motricidade fina e
grossa
não são referidas
Carolina Curriculum
for Preschoolers with
Special Needs
(JOHNSON-
MARTIN et al, 2004)
2 a 5
anos
Cognição
Comunicação (25
subescalas)
Adaptação Social
Motricidade fina e
grossa
não são referidas
CELF 3
Observational Rating
Scales (SEMEL et al,
1996)
6 a 21
anos
Audição
Fala
Leitura
Escrita
não são referidas
The Classroom
Language and
Learning Checklist
(Academic
Communication
Associates, 1995)
4 a 11
anos
Déficit de atenção
Linguagem:
compreensão,
comunicação oral,
articulação, fluência
Disponibilizar objetos
reais para manuseio.
Providenciar material
de leitura acessível para
DV.
Clinical Evaluation of
Language
Fundamentals - 3rd
Edition CELF-3
6 a 21
anos
Linguagem receptiva e
expressiva (11
subtestes)
Adaptar os textos
(ampliação e braille).
Substituir imagens
por formas
tridimensionais.
Usar imagens
coloridas.
The HELP Test
Elementary
(LAZZARI, 1996)
6 a 11
anos
Linguagem (semântica,
vocabulário)
As palavras impressas
em braille ou
ampliadas.
The Phonological
Awareness Test
(ROBERTON e
SALTER, 1997)
5 a 9
anos
Processamento
fonológico e grafemas
correspondentes
Disponibilizar os
grafemas em braille ou
ampliados.
Fonte: elaborado com base em Brambring (2006), Brown e Taylor (1994) e Silver (2003).
Considerações Finais
A literatura consultada sinaliza a inegável importância que a visão
desempenha no desenvolvimento global infantil, porém a ausência da visão
não impede o pleno desenvolvimento das crianças cegas ou com baixa
visão, mesmo porque esse processo não depende somente deste fator. A
importância do acesso a serviços especializados é fundamental para a
criança com deficiência visual e sua família, sendo um dos aspetos mais
referidos e salientados nos estudos analisados.
A constatação de que poucos estudos acerca do
desenvolvimento da linguagem em crianças com deficiência visual no
Brasil, aponta para uma grande necessidade de investigar atualmente sobre
o tema. A escassez de instrumentos de avaliação adequados para crianças
com deficiência visual parece limitar a pesquisa sobre as características de
desenvolvimento dessa população. Portanto, o conhecimento sobre os
possíveis efeitos da deficiência visual sobre a linguagem de crianças nos
primeiros anos de vida ainda é limitado, o que pode dificultar a avaliação
e posterior intervenção das dificuldades de comunicação e linguagem em
crianças em idade pré-escolar e escolar.
Agradecimentos
Este trabalho foi financiado por Fundos Nacionais através da FCT
Fundação para a Ciência e a Tecnologia no âmbito dos projetos do CIEC
(Centro de Investigação em Estudos da Criança da Universidade do
Minho) com as referências UIDB/00317/2020 e UIDP/00317/2020.
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Capítulo 2
Recursos de Comunicação Alternativa e de Tecnologia
Assistiva Favorecendo o Brincar Junto a Uma Criança com
Paralisia Cerebral
Luana Gonçalves Biancolli
Gerusa Ferreira Lourenço
Adriana Garcia Gonçalves
Introdução
O brincar é uma atividade intrínseca de toda criança e, segundo o
Estatuto da Criança e do Adolescente (BRASIL, 1990), no art. 16, acerca
do direito à liberdade, o inciso indica o brincar, a prática de esportes e
a diversão como aspectos importantes para garantir tal direito. O lúdico
deve estar presente e ser referência para o desenvolvimento global de toda
criança, estipulando as diversas habilidades como, a imagética, memória,
nível atencional, sensorial, comunicativo, psicomotora. Por isso, “o brincar
torna-se um dos temas importantes da contemporaneidade capaz de
quebrar fronteiras de diferentes áreas do conhecimento” (KISHIMOTO,
2014, p.83).
Ainda para garantir o direito ao brincar de qualquer criança, o
Referencial Curricular para a Educação Infantil (BRASIL, 1998) afirma
que:
https://doi.org/10.36311/2022.978-65-5954-326-7.p45-68
Educar significa, portanto, propiciar situações de cuidados,
brincadeiras e aprendizagens orientadas de forma integrada e que
possam contribuir para o desenvolvimento das capacidades infantis de
relação interpessoal, de ser e estar com os outros em uma atitude básica
de aceitação, respeito e confiança, e o acesso, pelas crianças aos
conhecimentos mais amplos da realidade social e cultural (p. 23).
O brincar faz parte da vida em todo o processo de aprendizagem,
o que proporciona forma de expressão individual e espontânea da criança.
De acordo com Ferland (2006, p. 1), o brincar é um “fenômeno complexo,
holístico, e, por consequência, difícil de compreender”. E é na ação lúdica
que a criança estabelece padrões e normas construídas socialmente
presentes no ambiente, sejam comportamentos de ordem cognitiva,
comunicativa, afetiva e ou psicomotora. E, é por meio dos jogos e
brincadeiras que a criança constrói o seu próprio mundo, seja real ou
imaginário, de conteúdos ou simbologias próprias. Neste contexto, o
brincar como atividade lúdica assume caráter facilitador da aprendizagem.
Luckesi (2000) define a atividade lúdica sendo aquela que traz a
experiência em plenitude:
Tomando por base os escritos, as falas e os debates, que tem se
desenvolvido em torno do que é lúdico, tenho tido a tendência em
definir a atividade lúdica como aquela que propicia a plenitude da
experiência. Comumente se pensa que uma atividade lúdica é uma
atividade divertida. Poderá sê-la ou não. O que mais caracteriza a
ludicidade é a experiência de plenitude que ela possibilita a quem a
vivencia em seus atos (LUCKESI, 2000, p. 2).
A criança brinca de forma espontânea, ou seja, por motivação
intrínseca, uma vez que a ação do brincar é da própria criança, mesmo que
no enfrentamento de situações-problema e superando-as (FERLAND,
2006). Assim, o ato de brincar favorece a promoção da autoestima e da
autonomia, fazendo com que a criança tenha participação plena na
sociedade. Mas, quando se trata de uma criança com deficiência, a
motivação intrínseca pode ficar comprometida, principalmente pela
dificuldade na interação com o meio ou objeto, correndo o risco de não
conseguir realizar ação espontânea para o brincar. Neste sentido, é
importante proporcionar um ambiente com a disponibilização de suportes
para que a criança consiga interagir e ser autônoma diante da ação do
brincar, como o uso de recursos de tecnologia assistiva.
O Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil:
estratégias e orientações para a educação de crianças com necessidades
educacionais especiais (BRASIL, 2000) expõe várias situações favoráveis
para a construção dessa escola inclusiva. Dentre elas, destacam-se a
elaboração de possibilitar oportunidades de aprendizagem com as devidas
adaptações; disponibilização de serviços de apoio à escola, aos professores
e aos pais, com o intuito de colaborar na organização, estruturação do
trabalho e reflexão da prática pedagógica; aquisição de equipamentos,
recursos específicos e materiais didático-pedagógicos para apoiar o aluno e
o professor.
Desta forma, este trabalho tem como objetivo apresentar
possibilidades de garantir a ação do brincar nos contextos escolar e
domiciliar, a partir do uso de recursos de Comunicação Alternativa e
Ampliada (CAA) e de Tecnologia Assistiva (TA) para crianças com
Paralisia Cerebral (PC), favorecendo seu processo de desenvolvimento e
aprendizagem.
Tendo em vista que a Paralisia Cerebral (PC) acomete em diversos
graus o sistema nervoso central, pessoas com essa condição podem
apresentar padrões de movimentação atípicos comprometendo habilidades
motoras além de possíveis alterações cognitivas e somatossensoriais
(BRASIL, 2013) isso influencia o desempenho em atividades e
participação social. Os distúrbios sensoriais, perceptivos e cognitivos
associados podem afetar também sua comunicação expressiva, receptiva e
a habilidade de interação social e assim, a apresentar necessidades
complexas de comunicação (LUNA-OLIVA et al., 2013; CURY;
BRANDÃO, 2011).
Visto isso, embora crianças com PC, muitas vezes, possuam um
bom desenvolvimento da cognição e da linguagem, a verbalização pode se
apresentar restrita ou ausente, tanto em função de comprometimento do
aparelho fonoarticulatório, quanto ao nível cortical afetado (QUITERIO;
NUNES, 2013). Esses prejuízos podem resultar em constantes
interpretações errôneas sobre o que tentam transmitir, o que causa diversas
disfunções ocupacionais que dificultam as atividades da vida cotidiana,
como para o brincar, além de prejudicar seu desenvolvimento acadêmico
e social, trazendo consequências para sua qualidade de vida (MANZINI;
ASSIS; MARTINEZ, 2013; QUITERIO; NUNES, 2013).
De modo a suprir essas demandas funcionais, a Tecnologia
Assistiva (TA) se coloca como uma área de conhecimento que traz
importantes contribuições na proposição de recursos e estratégias
alternativas às crianças com PC em seus múltiplos contextos de vida, com
destaque para a escola (ROCHA; DELIBERATO; ARAÚJO, 2015;
LOURENÇO; GONÇALVES, 2018). Sua aplicação em crianças com
quadros de comprometimento neuromotor, como PC, pode trazer
resultados relevantes, como auxiliar na acessibilidade, com o processo de
aprendizagem e com o desenvolvimento de demais habilidades de alunos
com deficiências que contribui para a sua qualidade de vida e autoestima
(PELOSI; NUNES 2011; MANZINI; ASSIS; MARTINEZ, 2013;
BARBOSA et al., 2018).
Contemplada nesta grande área de conhecimento da TA, podemos
encontrar a Comunicação Alternativa e Ampliada (CAA) que se constitui
enquanto ferramentas e métodos que buscam compensar desordens na
comunicação expressiva (temporárias ou não) devido aos prejuízos na
linguagem oral e escrita (SCHIRMER; NUNES, 2011; MANZINI;
ASSIS; MARTINEZ,, 2013), e, portanto, essenciais de serem
implementados o mais precocemente possível na vida de crianças com PC
que apresentem necessidades complexas de comunicação.
A importância da CAA e de toda sua gama de recursos e técnicas
disponíveis está no fato de favorecer o desenvolvimento de competências
comunicativas, que permitirão que o indivíduo se comunique sobre
diversos assuntos com qualquer pessoa, de forma a ampliar a interação e
potencializar que esse usuário consiga expressar seus sentimentos, desejos,
fazer perguntas e comentários de forma satisfatória, garantindo-lhe
participação nesse contexto (SENNOTT et al., 2016; BARBOSA et al.,
2018; SCHIRMER, 2018). Dessa forma, auxiliar no planejamento e na
intervenção de recursos de TA para CAA é uma intervenção importante
da terapia ocupacional e da educação especial com essa população para
determinar o melhor e mais adequado equipamento que garanta uma
maior autonomia e independência para o usuário (BEAUCHAMP;
BOURKE-TAYLOR; BROWNS, 2018).
Pesquisas realizadas sobre o processo de escolarização de crianças
com PC têm incentivado o uso de recursos e estratégias envolvendo a CAA
de modo a favorecer não as habilidades comunicativas, mas também em
possibilitar a participação nas atividades pedagógicas programadas pelo
professor no cotidiano escolar (ROCHA; DELIBERATO, 2012;
MASSARO; DELIBERATO, 2013). Assim, reconhece-se que os recursos
de CAA devem estar presentes como facilitadores no contexto escolar.
Massaro e Deliberato (2013) realizaram um programa de
intervenção com CAA na Educação Infantil com sete alunos com
deficiência e necessidades complexas de comunicação e a professora. O
estudo foi realizado em um processo colaborativo e os resultados indicaram
que a professora pôde identificar que sistemas de CAA podem favorecer as
habilidades de expressão e o desenvolvimento da linguagem dos alunos
com deficiência, além de poderem ser utilizados para a realização de
atividades pedagógicas favorecendo a inclusão do aluno no contexto
escolar. A relevância dos dados desse estudo é reforçada com o que os
autores Beauchamp et al. (2018) relatam sobre crianças com PC em idade
escolar precisarem de suporte dos professores, profissionais da saúde, suas
famílias e de possíveis dispositivos de ajuda na sala de aula de forma a
garantir uma experiência escolar inclusiva.
Além do contexto escolar, o contexto domiciliar também se coloca
como importante para a intervenção com CAA como envolvimento da
família da criança-alvo. Deliberato e Santos (2009) destacam que o uso da
CAA no contexto familiar se apresenta como um dos mais determinantes
para a construção do fluxo de trocas comunicativas entre o indivíduo não-
oralizado e seu entorno social. Assim, -se o contexto domiciliar, um local
importante e necessário para intervenção em CAA além do contexto
escolar, que a família constitui o principal elo de significação, na qual
emerge a construção da intersubjetividade da criança tornando as
possibilidades comunicativas ampliadas, as quais facilitam sua adaptação a
um recurso de CAA e, consequentemente, sua participação em diversos
contextos sociais, auxiliando no seu desenvolvimento inclusive de seu
comportamento lúdico (MANZINI; MARTINEZ; ALMEIDA., 2015;
MANDAK; LIGHT, 2018).
Porém, o processo de implementação de recursos de CAA sofre
influências diretas de como cada contexto é constituído e as oportunidades
ofertadas para o seu uso. No estudo de Aldabas (2019), o autor discorre
sobre as conclusões de diversos estudos sobre as barreiras e facilitadores da
implementação e uso de recursos de CAA. As barreiras mais citadas de
acordo com a pesquisa do autor são: recursos financeiros inadequados; a
falta de conhecimento de sistemas de CAA pelos professores;
oportunidades limitadas para uso de CAA; e a falta de apoio familiar e dos
professores. Isso sugere que o acesso a dispositivos CAA e a eficácia de seu
uso depende, em parte, da cooperação familiar e escolar no incentivo do
uso de CAA.
Além disso, uma importância do conhecimento básico sobre os
sistemas de CAA e treinamento adequado para seu uso (ROMANO;
CHUN, 2018). Dessa forma, é importante identificar as principais
barreiras e facilitadores na adoção de CAA nos diversos contextos de um
indivíduo, para poder proporcionar um uso correto e efetivo do recurso
pelo usuário (ALDABAS, 2019).
Desenvolvimento
Para exemplificar as possibilidades de utilização dos recursos de TA
e CAA por criança com PC nos contextos escolar e domiciliar, será
apresentado um caso com as intervenções realizadas, em que o foco foi
apresentar estratégias alternativas de interação em atividades lúdicas, tanto
com o objetivo de ampliar a troca comunicativa com a criança como
permitir uma participação mais ativa durante as brincadeiras propostas
2
.
O participante foi uma criança do sexo masculino de 5 anos de
idade com diagnóstico de PC do tipo Tetraplegia Espástica, grau IV no
GMFCS, no MACS e no CFCS para indivíduos com Paralisia Cerebral.
O participante apresentava distonia exacerbada dos quatro membros
durante movimentos intencionais, com prejuízos da coordenação motora
para alcance e preensão de objetos. Utilizava órteses de posicionamento
para os membros inferiores e fazia uso de cadeira de rodas. A criança
apresentava necessidade complexa de comunicação e não fazia uso de
sistemas alternativos de comunicação. Estava matriculado em escola de
educação infantil da rede de educação de um município de médio porte
do interior paulista.
Os recursos, materiais e equipamentos utilizados foram recursos de
TA e de CAA confeccionados pela pesquisadora, além de um acionador de
pressão e relógio de comunicação. O banco de imagens utilizado na
confecção dos materiais contou com figuras do Portal ARASAAC:
Aragonese Center for Augmentative and Alternative Communication e
fotografias de itens que eram exclusivos da criança, como brinquedos e
demais itens de sua rotina. Especificamente quanto aos recursos de CAA,
foram propostos seis variações de recursos
3
: fichas pictográficas individuais
2
O relato compõe a pesquisa de iniciação científica da primeira autora, com financiamento
PIBIC/CNPQ/UFSCar, e sua condução foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres
Humanos da UFSCar (CAAE: 95243018.3.0000.5504) e todos os participantes consentiram com
sua realização.
3
Para maior detalhamento acerca dos materiais propostos, ver BIANCOLLI, L. G.; LOURENÇO,
G. F.. Adaptação de diferentes recursos de comunicação alternativa para uma criança com paralisia
cerebral. In: Maria Lúcia Leite Ribeiro Okimoto; Luís Carlos Paschoarelli; Carlos Alberto Costa;
Eugenio Andrés Díaz Merino; José Aguiomar Foggiatto. (Org.).
Tecnologia assistiva:
projetos e
aplicações. 1ed.Bauru: Canal 6, 2021, v. 1, p. 380-389.
e plastificadas, tábua para fixação das fichas com velcro com disposição das
fichas em distâncias de 2cm; 3cm; 4cm e 5cm ao longo da intervenção,
prancha de comunicação com modificações em relação à quantidade de
colunas e linhas: 4x3; 4x6; 3x4; 4x4; 2x4; 4x2; 2x3; 6x2; fichário de
comunicação com display horizontal e vertical, um relógio de
comunicação com ativação por acionador de pressão, que eram
modificados e adaptados conforme o desempenho da criança em sua
utilização e também a sua opinião se estava adequado ou não. Alguns dos
recursos estão ilustrados na Figura 1, a seguir.
Figura 1: exemplos dos dispositivos utilizados na intervenção
Fonte: elaborado pelas autoras
A intervenção teve como intuito propiciar a experimentação de
recursos de TA e de CAA de modo a favorecer a interação comunicativa
com a criança no brincar e foi planejada a partir da coleta acerca de seu
repertório inicial de interação. Com a observação e experimentação com a
criança em atividades lúdicas e de escolarização, uma sequência de recursos
e atividades foi proposta ao longo das sessões, tendo como principal
objetivo que a criança respondesse à interação do interlocutor durante as
atividades e brincadeiras e verificar o quanto os recursos propostos
favoreciam essa autonomia no brincar. As habilidades estimuladas e
modeladas ao longo do processo foram: conseguir direcionar o olhar para
o recurso de CAA; buscar com o olhar a ficha solicitada ou desejada por
ela a partir de varredura visual das fichas apresentadas; realizar um
comportamento de escolha fixando o olhar por ao menos 2 segundos na
ficha solicitada/desejada e emitir um comportamento de apontar ou pegar
a ficha de acordo com a forma que foi combinado com o interlocutor
durante a atividade. A criança deveria, portanto, avançar em sua habilidade
de discriminar as figuras apresentadas, parear, selecionar entre as fichas e
realizar sua escolha de uma ou mais fichas em resposta à interação do
interlocutor. Ressalta-se que o interlocutor poderia ser tanto a
pesquisadora, como colegas, professores ou familiares presentes durante a
brincadeira realizada.
Assim, a autonomia vislumbrada era para que a criança aprendesse
a habilidade de início comunicativo de forma a direcionar-se às fichas
dispostas a ela nos recursos de CAA disponíveis de maneira espontânea
(sem pedido, instrução) e selecionar a ficha para se comunicar com o
interlocutor), permitindo-lhe realizar funções comunicativas durante as
brincadeiras, deixando-a mais autônoma na interação. As atividades e
estratégias utilizadas nessa fase foram baseadas em temas propostos pelos
professores do atendimento educacional especializado e da sala comum no
primeiro momento, com vistas a promover o uso de sistema de CAA
contextualizados ao momento escolar e, posteriormente pactuados com a
mãe da criança sobre as atividades e brincadeiras utilizadas dentro do
domicílio. Assim, a programação das atividades das sessões ocorreu em
parceria com os professores e mãe da criança e basearam-se, de forma geral,
em contação de histórias; cantar músicas; jogar jogos; brincadeiras de
encontrar a parte faltante do objeto; relacionar objetos com ações, dentre
outras.
Durante a intervenção, a mesma atividade foi utilizada em
múltiplas situações, porém com orientações diversas e com complexidade
gradual de demandas para o participante, caracterizando as sessões em
etapas progressivas. Nessa direção, a intervenção assumiu maior
complexidade com o tempo. Ou seja, iniciou-se com brincadeiras com
instruções com ordens simples e que foram se intensificando de acordo
com o aprendizado da criança no domínio do uso do recurso de CAA,
conforme exemplificado no Quadro 1:
Quadro 1. Níveis de complexidade nas atividades e brincadeiras ao longo da intervenção
Contação de histórias
Pula-pirata
Rotina
1
A história é contada primeiro
pelo interlocutor e,
posteriormente a criança
reconta a história a partir da
ajuda deste interlocutor, o
qual dita frase por frase e
auxilia na nomeação de
personagens e acontecimentos.
Poder de escolha da
criança apenas na
cor da espada. Para
os espaços eram
feitas perguntas de
sim ou não sobre o
local que queria
inserir a espada.
São apresentadas à
criança fichas com todas
as atividades que ela faz
em um dia específico da
semana. A criança deve
indicar as atividades na
ordem em que elas
acontecem.
2
A história é contada juntamente
com a criança. O interlocutor
dita os acontecimentos e a
criança indica as fichas referentes
ao que lhe foi apresentado.
O brinquedo é
adaptado
possibilitando o poder
de escolha total da
criança sobre cor da
espada e local que
deseja inseri-la.
É solicitado que a
criança indique
quais atividades da
rotina já realizou
no dia atual e
quais ainda deve
fazer até o fim do
dia.
3
Uma história curta é contada
para a criança através de fichas e
posteriormente essa história deve
ser reproduzida por ela.
o brinquedo passa a ser
possível de ser jogado
em diferentes recursos
(relógio e fichário)
É solicitado que a
criança relate
todas as atividades
que costuma fazer
em seu cotidiano.
4
A criança passa a escolher os
personagens e suas histórias. Ela
mesma cria um começo, meio e
fim de acordo com as opções que
lhe são dadas. Além disso, nessa
fase a criança também deve
recontar a história apenas com o
que lhe é dito, sem que o
interlocutor use fichas para
contá-la.
Durante o jogo, a
criança passa a poder
fazer comentários
quando desejar através
de fichas
disponibilizadas.
É solicitado que a
criança relate
atividades que
realizou no dia
anterior ou no fim
de semana ou
ainda atividade
que realizará no
dia seguinte.
Fonte: Elaborado pelas autoras.
As intervenções ocorreram durante quatro meses e as sessões foram
realizadas primeiramente no ambiente escolar e, em seguida, no contexto
domiciliar da criança com PC devido ao recesso escolar e a opção da família
em manter as sessões, e variaram sua frequência em uma ou duas vezes
semanais. A criança residia com seus pais e avós paternos, e a presença de
primos foi constante durante as sessões, favorecendo o interesse do
participante durante as brincadeiras propostas nesse ambiente.
As intervenções foram divididas em cinco fases, sendo a primeira
para avaliar o desempenho da criança e as seguintes de implementação e
treino no uso dos recursos de TA e CAA nas brincadeiras:
Fase A: A realização da fase A ocorreu em três sessões por meio de
observações da rotina escolar no espaço da sala comum e primeiros
contatos com a criança para identificar os episódios comunicativos
vivenciados, além da caracterização da rotina de atividades desses espos.
Fases B: as atividades apresentadas à criança objetivavam a
nomeação dos objetos, o pareamento e o rastreamento das fichas do que a
criança conhecia ou não. Dessa forma, todas as fichas antes eram
apresentadas ao participante que, depois, deveria repeti-las conforme
solicitação do interlocutor. Nessa fase as questões mais frequentes eram do
tipo: “Onde está o cachorro?”; Como você está se sentindo hoje? Feliz,
triste ou com raiva?”; “Qual desses é o galo Astrogildo?”; “Esse é o
amarelo?”.
Fase C: os tipos de atividades que eram apresentadas à criança
ampliaram a complexidade, uma vez que as respostas esperadas nessa fase
deixam de ser de SIM ou NÃO ou apenas nomeações e passaram a ser de
associação, sequenciamento e memória, mas ainda a função comunicativa
mais presente foi responder perguntas. As instruções se basearam em
questões como: “qual a parte do corpo que está faltando nesse desenho?”;
“As meias são colocadas em qual parte do corpo?”; “Como está o dia hoje?”
“O que você fez hoje?”; “O que falta você fazer hoje?”, “O que você quer
brincar agora?”.
Fase D: as instruções das atividades começam a se basear em jogos
de associações com maior complexidade com jogos de estratégia e inserção
de comentários no decorrer da brincadeira e com o uso mais de um recurso
de CAA. O participante era incentivado a tomar decisões e a comentar o
que estava ocorrendo nos jogos, ampliando as funções comunicativas
presentes
Fase E: as atividades apresentadas ampliam a complexidade de
forma que as atividades se objetivam a imaginação, poder de escolha,
expressão de desejos e rejeições, fazer comentários, além da associação de
ao menos dois recursos de CAA com maior volume de vocabulário para a
mesma brincadeira.
Ressalta-se que durante as sessões, a pesquisadora realizava
estratégias para ajudar o participante a manusear os recursos propostos,
sendo que ao longo do tempo, com as alterações e adaptações nos recursos,
o tipo de auxílio também foi sendo minimizado conforme ele apresentava
maior domínio em seu uso. Todos os encontros foram filmados e também
registrados em diários de campo, permitindo o acompanhamento do uso
dos recursos e a interação da criança durante a intervenção.
Os resultados obtidos indicaram que a introdução de um novo
recurso comunicativo trouxe benefícios à comunicação da criança durante
a brincadeira. Associado ao desenvolvimento da habilidade em utilizar as
figuras de comunicação para responder perguntas, a criança passou a
também iniciar diálogos e sequenciar fichas para formar pequenas frases, o
que indica um caminho favorável em suas funções comunicativas, o que
corrobora o estudo de Hidecker (2020). Esse autor alerta sobre a
necessidade que o usuário iniciante de CAA pode ter sobre frequentes
solicitações do tipo de ação/mensagem que querem dele através do recurso,
mas que à medida que o usuário do CAA se familiariza com as atividades
e o recurso em si, o profissional pode incentivar o indivíduo a iniciar o
diálogo e até direcionar a atividade. No presente estudo, após algumas
sessões, a criança participante começa a iniciar o diálogo com maior
frequência conforme se adaptava ao recurso e as ações que dela eram
exigidas, ampliando-se sua intenção comunicativa e interação com a
pesquisadora.
Um exemplo marcante foi quando a pesquisadora chegou ao
domicílio e o participante estava entristecido, com sua mãe tentando
descobrir o que havia ocorrido durante a noite, se estava com dor ou qual
tipo de incômodo. Como uso do álbum de CAA oferecido a ele e o
incentivo dado para que pudesse sinalizar, ele apontou as fichas dormir +
fantasma, auxiliando a pesquisadora e a sua mãe a compreenderem que ele
havia tido um pesadelo. Ele confirmou e puderam acolhê-lo
adequadamente. Esse episódio inclusive reforçou à mãe a potência da CAA
enquanto uma ferramenta de diálogo, motivando-a a experimentar nas
demais situações ao longo do dia.
Estudos como os de Webb et al. (2019) e Schimer (2018) relatam
sobre a escolha de qual dispositivo de CAA, metodologia e estratégia para
implementar com uma criança com necessidades complexas de
comunicação serem de extrema importância no aspecto de ser algo que
afetará a qualidade de vida do sujeito. Os autores destacam que as tomadas
de decisões devem ser influenciadas pelas características do indivíduo, bem
como pelo ambiente físico e social em que se situa.
Os resultados do presente estudo também vão nessa direção,
reiterando a pertinência em se estabelecer intervenções que busquem por
diferentes recursos de CAA que atendam suas especificidades, de modo a
direcionar para maior sucesso em sua implementação. Além disso, também
corrobora as afirmações dos autores o fato deste estudo ter utilizado a
tomada de decisões na troca de atividades, método e/ou recursos utilizando
uma análise que se debruçou no desempenho do participante, levando-se
em conta a influência dos recursos ambientais, perspectivas e
singularidades do participante da pesquisa. Diferentes recursos de TA e
CAA foram usados nas sessões com a criança, sendo modificados e
adaptados conforme o desempenho da criança no decorrer das atividades
e personalizando conforme a individualidade do usuário e as demandas
colocadas.
Sobre os contextos em que a intervenção ocorreu, durante as
sessões realizadas na escola da criança, as atividades eram elaboradas em
conjunto com os professores, direcionadas ao atual contexto pedagógico
que a criança se encontrava, conforme recomendado por autores como
Rocha e Deliberato (2012), Massaro e Deliberato (2013) e Lourenço e
Oliveira (2019). As habilidades em aquisição pelo participante no uso de
um recurso de CAA e desempenho nas brincadeiras de acordo com os
níveis de ajuda necessários possibilitaram que a mesma tivesse participação
mais ativa nas atividades escolares a partir do uso de um recurso de CAA,
sendo este um facilitador no contexto escolar.
Além disso, a oportunidade de trabalhar com os recursos de
comunicação não apenas em sala de aula, mas também no contexto
domiciliar, proporcionou a participação ativa da família como descrita por
Manzini, Martinez e Almeida (2015), colaborando para minimizar as
barreiras da comunicação utilizando recursos de CAA.
Cabe destacar que os recursos de TA e CAA utilizados
permaneciam com a criança durante a semana e eram substituídos
conforme foram sendo adequados. O intuito sempre foi o de que a mãe e
os demais interlocutores que estivessem no local pudessem utilizá-lo.
Segundo Romano e Chun (2018), a família por desempenhar um papel
crucial no apoio ao uso de CAA em diversos outros contextos da criança,
quando a falta de colaboração dos mesmos se apresenta, uma barreira
na eficácia da implementação de CAA.
De acordo com a literatura (ROCHA; DELIBERATO; ARAÚJO, 2015;
LOURENÇO; GONÇALVES, 2018; CURY; BRANDÃO, 2011), a TA
e, mais especificamente a CAA são áreas que auxiliam na proposição de
recursos e estratégias alternativas às crianças com PC em seus múltiplos
contextos de vida. Sendo assim, a partir das intervenções, a criança foi
capaz de adquirir maior competência para utilizar um recurso de CAA para
se comunicar de forma que compreendessem seus desejos e necessidades,
permitiu a ela uma interação ativa durante as brincadeiras propostas, o que
poderá avançar para a aquisição de aprendizagens/conhecimentos e de
desejos interiores atendidos caso esses recursos possam ser amplamente
utilizados em seu cotidiano. Nesse mesmo sentido, Hidecker (2020) e
Petroni et al. (2018) também problematizam o quanto a aplicação de
recursos de CAA com crianças com PC pode trazer resultados relevantes,
como auxiliar na acessibilidade, com o processo de aprendizagem e com o
desenvolvimento de demais habilidades de forma a contribuir com a
autonomia e qualidade da competência comunicativa.
Considerações Finais
O presente capítulo teve como intuito dialogar acerca da
importância do uso de recursos de TA e CAA favorecer a interação de
crianças com deficiência nos contextos escolar e domiciliar, mais
precisamente aquelas que apresentem demandas de ordem neuromotora,
durante atividades e brincadeiras. Reconhecendo-se o direito de brincar e
também de comunicar, o exemplo apresentado demonstra como a
oportunidade de acesso a diferentes materiais e recursos de TA e CAA,
mediada por profissionais tanto da área da saúde como da educação
especial e a parceria com a família, pode se tornar crucial na oferta de
espaços equitativos de participação e interação.
Participar ativamente de atividades significa abrir janelas para um
desenvolvimento humano com qualidade, o qual permite ampliar
repertórios nas formas de ser e agir, e, consequentemente, na garantia de
inclusão social, autonomia e qualidade de vida. Assim, amparados pela
literatura tanto do desenvolvimento infantil quanto das evidências na área
de TA e CAA, a discussão proposta reitera a necessidade da formação de
profissionais que possam atuar nessas áreas com foco em práticas cada vez
mais assertivas para favorecer a introdução precoce dos recursos e
dispositivos às crianças com deficiência.
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Capítulo 3
O Desenvolvimento da Linguagem e o Brincar na Educação
Infantil: Implicações Para o Trabalho Pedagógico com
Crianças com Deficiência
Munique Massaro
Ana Luisa Nogueira de Amorim
Introdução
A Constituição Federal de 1988 reconheceu as crianças como
sujeitos de direitos e o atendimento em creches e pré-escolas como direitos
sociais, que foram reafirmados no Estatuto da Criança e do Adolescente
(ECA). Em relação à Educação Infantil, a Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional (BRASIL, 1996) a reconheceu como primeira etapa da
Educação Básica e estabeleceu como sua finalidade promover o
desenvolvimento integral das crianças, considerando os aspectos físicos,
psicológicos, intelectuais e sociais (art. 29). A Educação Infantil atende
crianças em creches (0 a 3 anos) e pré-escolas (4 e 5 anos), em instituições
que se caracterizam como espaços educacionais não domésticos, como
preconizado nas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação
Infantil (DCNEI).
Nessa etapa da educação brasileira, os eixos que estruturam o
currículo são as interações e a brincadeira, garantindo, entre outras,
experiências que “II - favoreçam a imersão das crianças nas diferentes
linguagens e o progressivo domínio por elas de vários gêneros e formas de
https://doi.org/10.36311/2022.978-65-5954-326-7.p69-88
expressão: gestual, verbal, plástica, dramática e musical” e “III -
possibilitem às crianças experiências de narrativas, de apreciação e
interação com a linguagem oral e escrita, e convívio com diferentes
suportes e gêneros textuais orais e escritos” (BRASIL, 2009, p. 4).
Desse modo, compreende-se que a Educação Infantil tem como
objetivo inserir as crianças no mundo social e cultural a partir de
experiências de aprendizagem e desenvolvimento que lhes permitam
apropriarem-se das diferentes linguagens e dos conhecimentos
culturalmente significativos.
Tomando por base a perspectiva histórico-cultural, compreende-
se o desenvolvimento das crianças a partir das contribuições de Vygotsky
(1993; 1998), para quem o desenvolvimento humano é resultado das
interações entre os sujeitos, mediadas pela cultura, e relacionadas ao
desenvolvimento do pensamento e da linguagem.
A Educação Infantil e o acesso às experiências de aprendizagem e
desenvolvimento são direitos de todas as crianças, sem distinção de
qualquer ordem. Sendo assim, são direitos das crianças com deficiências.
Por isso, faz-se necessário, para além da compreensão dos aspectos
referentes ao desenvolvimento das crianças, compreender como se tal
desenvolvimento em crianças com deficiências, em razão de determinadas
especificidades.
Os instrumentos legais e normativos que orientam a concepção e
organização da Educação Infantil exigem dos/as profissionais em atuação
nessa etapa a compreensão do desenvolvimento infantil e a organização de
uma prática pedagógica promotora do desenvolvimento de todas as
crianças, em especial das crianças com deficiência.
Tomando por base esses pressupostos, este texto apresenta a
temática do desenvolvimento das crianças na Educação Infantil,
discutindo a interrelação entre as interações, a brincadeira e o
desenvolvimento da linguagem, com o recorte para pensar práticas
pedagógicas, a partir das necessidades das crianças com deficiência,
focalizando a mediação do/a professor/a como fundamental e
imprescindível nessa etapa da educação.
Educação Infantil, Desenvolvimento e Linguagem
Os bebês humanos nascem extremamente indefesos, vulneráveis e
despreparados para viverem no mundo, por isso precisam de outros
indivíduos de sua espécie para sobreviverem. Essa dependência perdura por
um longo período e, por isso, por muito tempo as crianças foram definidas
por essa dependência e vulnerabilidade.
Entretanto, o avanço nos estudos de diferentes áreas, dentre elas, a
Sociologia da Infância e a Psicologia histórico-cultural afirmaram a
potência das crianças e as suas capacidades de interagirem e se
comunicarem com outras pessoas e com o meio (VYGOTSKY,1993;
1998; SARMENTO, 2008; BARBOSA, 2014).
Desde o nascimento, as crianças interagem com outros indivíduos e são
esses que fazem a mediação entre elas e o mundo, inserindo-as na cultura
e dando significado aos objetos culturais que lhes cercam. Em outras
palavras,
O desenvolvimento do sujeito humano se dá a partir das constantes
interações com o meio social em que vive, que as formas psicológicas
mais sofisticadas emergem da vida social. Assim o desenvolvimento do
psiquismo humano é sempre mediado pelo outro (outras pessoas do
grupo cultural), que indica, delimita e atribui significados à realidade.
(REGO, 2011, p. 61).
Buscando compreender o desenvolvimento das crianças a partir
dos estudos de Vygotsky (1993; 1998), é possível afirmar que o
desenvolvimento humano não é resultado de aspectos isolados, mas sim do
entrelaçamento de aspectos biológicos e dos aspectos de origem
sociocultural. E, no processo de desenvolvimento do ser humano, os
indivíduos nascem com funções psicológicas elementares que, através das
interações com o meio sociocultural, vão se tornando cada vez mais
elaboradas até desenvolverem as funções psicológicas superiores (memória,
consciência, percepção, atenção, fala, pensamento, vontade, emoção e
formação de conceitos).
Para Drago e Rodrigues (2009, p. 53), os aspectos biológicos do
desenvolvimento abarcam “aquelas características biologicamente
definidas para todos os seres humanos” e os aspectos de ordem
sociocultural estão relacionados “aos aspectos apreendidos e cristalizados
no comportamento humano durante os processos de trocas mediatizadas
com os outros”. E, no processo de interação com os outros, a mediação
ocorre “basicamente através da linguagem”.
Assim, compreende-se o papel fundamental que a linguagem
ocupa no desenvolvimento das crianças, enfatizando-se que a linguagem
aqui está sendo compreendida de forma ampla, envolvendo a linguagem
gestual, oral, escrita, dentre outras.
Jobim e Souza (2016, p. 14), nos lembra que os estudos sobre a
relação entre infância, linguagem e cultura revelam que é necessário
compreender que “o infante não é simplesmente aquele que não fala
(Infans), mas sim aquele que luta para criar a sua própria palavra,
instituindo a si mesmo e ao mundo que o cerca”. Para a autora, os estudos
sobre infância e linguagem permitem a reflexão
[...] sobre a experiência de estar com as crianças, observando-as,
interagindo com elas por meio de conversas e brincadeiras, [...] a partir
da transformação radical que a criança opera quando está aprendendo,
pela primeira vez, a usar as palavras de uma língua. (JOBIM; SOUZA,
2016, p. 15).
Nessa perspectiva, a linguagem funcionaria como o elo capaz de
unir as outras funções psicológicas superiores para dar significado à
realidade (DRAGO; RODRIGUES, 2009). Daí a importância da
linguagem no processo de mediação entre o eu e o outro, e de como sua
apropriação é fundamental para o desenvolvimento das crianças, pois
permite a comunicação e a interação entre os indivíduos, é base para o
processo de representação da realidade e apropriação dos signos e,
portanto, é imprescindível para proporcionar a aprendizagem das crianças.
Conforme afirmamos, as habilidades cognitivas e a forma de
estruturar o pensamento não são determinadas apenas pelos fatores
biológicos, mas são relacionadas às experiências vivenciadas pelas crianças
de acordo com o contexto cultural no qual estão inseridas.
Neste sentido, entendemos que as vivências proporcionadas às
crianças em unidades de Educação Infantil precisam ter como norte a
garantia de experiências culturalmente significativas que permitam acessar,
vivenciar, refletir e se apropriar das diferentes linguagens. Isso significa que
as propostas a serem vivenciadas com as crianças precisam atuar no que
Vygotsky denominou de zona de desenvolvimento proximal (ZDP). Ou
seja, “na ZDP, o nível de desenvolvimento atual é encarado como fonte de
possibilidades para o surgimento das diversas habilidades e capacidades das
crianças e não como o fim último de tal processo (VASCONCELOS,
2008, p. 74). Por isso, para o autor, “o bom aprendizado é somente aquele
que se adianta ao desenvolvimento” (VYGOTSKY, 1998, p. 117).
Para Aquino (2015, p. 42), “as interações são fundamentais se
entendermos que o processo de apropriação e criação da cultura ocorre
neste movimento de interpsicológico para o intrapsicológico
(VYGOTSKY, 1998), em que a brincadeira tem papel fundamental nos
primeiros anos de vida”. E acrescenta que “os estudos da teoria histórico-
cultural sobre pensamento, linguagem/fala e brincadeira nos primeiros
anos de vida da criança trazem importantes contribuições para
compreensão da pequena infância e da função da educação infantil”. Para
a autora, as contribuições da teoria histórico-cultural dão fundamento a
concepção de Educação Infantil presente na DCNEI (BRASIL, 2009), e
podemos verificar isso quando o documento estabelece as interações e a
brincadeira como eixos estruturantes do currículo.
Nessa perspectiva, a brincadeira se apresenta como um elemento
privilegiado do desenvolvimento da criança e expõe a necessidade de as
vivências propostas envolverem jogos simbólicos e brincadeiras individuais
e em grupo que proporcionem o pleno desenvolvimento (BARBOSA,
2010; OLIVEIRA, 2005). Nesse sentido, Barbosa (2010) propõe que os
projetos pedagógicos sejam organizados a partir das relações interpessoais,
da linguagem e da brincadeira.
Barbosa e Richter (2010) afirmaram que a brincadeira é
importante para o desenvolvimento infantil porque envolve os aspectos
naturais, culturais e sociais e também o desenvolvimento motor, afetivo e
cognitivo das crianças. Assim, as crianças pequenas precisam brincar, pois
a experiência lúdica de brincar inaugura o humano por configurar a
primeira referência de compreensão individual e social que o bebê
retém das interações corporais com a mãe, o pai, irmão ou outro adulto
por ela responsável, numa dinâmica de aceitação e confiança mútua
que emerge na intimidade do brincar com o corpo. (BARBOSA;
RICHTER, 2010, p. 91-92).
E, no que se refere à linguagem, enfatizaram a importância do
diálogo e das múltiplas linguagens a serem exploradas com as crianças no
contexto da Educação Infantil, pois as crianças precisam e aprendem a
“falar” nas interações com outros parceiros mais experientes. Assim, a
apropriação da linguagem é um dos aspectos principais a ser
proporcionado às crianças na Educação Infantil. Mas aqui estamos falando
de linguagem em sentido mais amplo e não apenas da apropriação da
linguagem oral. Porque para além da fala, as crianças precisam se apropriar
de diferentes linguagens, pois o desenvolvimento integral envolve aprender
a escutar, conversar, perguntar, responder, enfim, se comunicarem com
outras crianças e com os adultos. E, no caso de crianças com deficiência,
precisam se apropriar de outros tipos de linguagem que lhes possibilitem
aprenderem, se desenvolverem e se comunicarem. E isso exige mediação.
E, no caso da Educação infantil, exige que professoras/es sejam não apenas
parceiras/os mais experientes, mas que sejam parceiras/os que planejem
situações de aprendizagem e desenvolvimento verdadeiramente
significativas para as crianças.
Analisando esses fundamentos nos documentos curriculares que
orientam o trabalho na Educação Infantil, além do destaque de aspectos
importantes presentes na DCNEI (BRASIL, 2009), trazemos alguns
aspectos da Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Para tanto,
destacamos o que está posto na base ao afirmar que os eixos integradores
das práticas pedagógicas na Educação Infantil são as interações e a
brincadeira, conforme preconiza as Diretrizes (BRASIL, 2009) e que se
constituem como “experiências nas quais as crianças podem construir e
apropriar-se de conhecimentos por meio de suas ações e interações com
seus pares e com os adultos, o que possibilita aprendizagens,
desenvolvimento e socialização” (BRASIL, 2018, p. 37).
E acrescenta:
A interação durante o brincar caracteriza o cotidiano da infância,
trazendo consigo muitas aprendizagens e potenciais para o
desenvolvimento integral das crianças. Ao observar as interações e a
brincadeira entre as crianças e delas com os adultos, é possível
identificar, por exemplo, a expressão dos afetos, a mediação das
frustrações, a resolução de conflitos e a regulação das emoções.
(BRASIL, 2018, p. 37).
Nessa perspectiva, o currículo para a Educação Infantil se estrutura
com vistas a garantir os seis direitos de aprendizagem (conviver, brincar,
participar, explorar, expressar e conhecer-se), dos quais destacamos o
direito de:
Brincar cotidianamente de diversas formas, em diferentes espaços e
tempos, com diferentes parceiros (crianças e adultos), ampliando e
diversificando seu acesso a produções culturais, seus conhecimentos,
sua imaginação, sua criatividade, suas experiências emocionais,
corporais, sensoriais, expressivas, cognitivas, sociais e relacionais.
(BRASIL, 2018, p. 38).
Tais direitos de aprendizagem deverão ser garantidos a partir de
práticas pedagógicas sistemáticas e intencionais organizadas em cinco
campos de experiências. No campo de experiência “Escuta, fala,
pensamento e imaginação” enfatiza-se que “desde o nascimento, as
crianças participam de situações comunicativas cotidianas com as pessoas
com as quais interage” (BRASIL, 2018, p. 40) e destaca-se que na
Educação Infantil
[...] é importante promover experiências nas quais as crianças possam
falar e ouvir, potencializando sua participação na cultura oral, pois é na
escuta de histórias, na participação em conversas, nas descrições, nas
narrativas elaboradas individualmente ou em grupo e nas implicações
com as ltiplas linguagens que a criança se constitui ativamente
como sujeito singular e pertencente a um grupo social. (BRASIL, 2018,
p. 40).
A BNCC (BRASIL, 2018) orienta que as experiências com o
campo “Escuta, fala, pensamento e imaginação” visam atingir objetivos de
aprendizagem e desenvolvimento, organizados de acordo com a faixa etária
das crianças (bebês, crianças bem pequenas e crianças pequenas). Assim,
percebe-se que a Base também enfatiza a importância do desenvolvimento
das diferentes linguagens para promover o desenvolvimento integral das
crianças, uma vez que a apropriação da linguagem proporciona a
comunicação das crianças com os demais indivíduos com as quais convive.
Crianças com Deficiência, Brincar e Mediação
Na etapa da Educação Infantil diversas formas de expressão e
diferentes experiências de aprendizagem e desenvolvimento, principal-
mente porque uma diversidade de crianças em nossa sociedade e
matriculadas nas instituições educacionais. Logo, cabe ao/à professor/a
desenvolver atividades que contemplem as especificidades e necessidades
de desenvolvimento de cada uma para promover a participação e a
aprendizagem culturalmente significativa em suas máximas possibilidades
humanas.
Nesse contexto, pode-se evidenciar crianças que brincam de
maneira autônoma; crianças com altas habilidades que desenvolvem
brincadeiras criativas; crianças que brincam, mas tem necessidades
complexas de comunicação, portanto tem ausência ou dificuldades na fala
para se expressarem durante as brincadeiras; crianças com deficiência física,
que precisam de suporte físico para manipular os brinquedos e/ou
brinquedos acessíveis, com recursos de Tecnologia Assistiva; crianças que
tem dificuldades para planejar as ações, ter autocontrole e ter flexibilidade
cognitiva para participar das brincadeiras; crianças que tem interesses
restritos e querem brincar sempre com os mesmos objetos; crianças cegas
que brincam sem utilizar o sentido da vio; crianças surdas que brincam
sem utilizar o sentido da audição, mas se comunicam usando a Língua
Brasileira de Sinais; crianças surdas que também brincam sem utilizar o
sentido da audição, mas se interagem somente por meio de gestos; enfim,
na Educação Infantil há bebês, crianças bem pequenas e crianças pequenas
que precisam ser estimuladas e as interações e as brincadeiras devem estar
no centro do trabalho pedagógico para favorecer o processo de aquisição
da linguagem, a apropriação e a produção da cultura e o desenvolvimento
integral de qualquer criança.
Considerando que o brincar não é uma atividade natural e a
criança aprende a brincar, se faz necessário então que o/a professor/a
observe e avalie cada criança com e sem deficiência, individualmente, para
poder planejar as intervenções, oferecer um ambiente, objetos e
brinquedos acessíveis e mediar as interações por meio de múltiplas formas
de expressão. A oralidade, as expressões faciais, os movimentos corporais,
a língua de sinais, a linguagem escrita, o sistema Braille e os sistemas de
símbolos pictográficos de comunicação suplementar e alternativa podem
fazer parte do universo infantil para dar suporte e acesso aos brinquedos e
as brincadeiras e, muito mais do que isso, são os meios para o
desenvolvimento da linguagem para dar significado à realidade das
crianças.
Além desses aspectos, é fundamental que o/a professor/a faça
mediações intencionais durante as brincadeiras para que se crie relações
sociais e de amizade entre as crianças, estimulando a cooperação, o respeito
mútuo e evitando comportamentos de rejeições e preconceitos (FREITAS,
2016). Evidencia-se que crianças sem deficiência são mais propensas a
formar interações lúdicas com crianças também sem deficiência do que
com crianças com deficiência, no entanto esses tipos de interações podem
ocorrer mais devido às habilidades de linguagem pragmática e às
habilidades de autorregulação do que pela razão do status de deficiência
das crianças. Estas habilidades são potenciais contribuintes para que haja
interações lúdicas cruzadas entre crianças com e sem deficiência (LIN;
CHEN; JUSTICE; SAWYER, 2019).
Desta forma, professoras/es na Educação Infantil devem ter
atenção para os aspectos das habilidades linguísticas adquiridas e
daquelas emergentes para poderem atuar adequadamente na zona de
desenvolvimento proximal das crianças. crianças que tem iniciativas de
interações por meio da comunicação não-verbal e correm o risco de passar
despercebidas ou ignoradas. Assim, é preciso identificar aquelas crianças
que necessitam de suporte mais substancial e que tipo de suporte
demandam para que participem e desenvolvam habilidades de interação
durante as brincadeiras (SYRJÄMÄKI; PIHLAJA; SAJANIEMI, 2019).
Pesquisas vêm demonstrando que o brincar também pode
favorecer o processo de inclusão de crianças com deficiência na Educação
Infantil, contanto que o/a professor/a compreenda o seu papel de
mediador das interações e promotor de aprendizagem e desenvolvimento.
Freitas (2016) desenvolveu uma pesquisa com o objetivo de
investigar a relevância do brincar, considerando-o como uma forma de
interação, para o processo de inclusão escolar de crianças com síndrome de
Down nas escolas regulares de Educação Infantil. Foram observadas quatro
crianças com síndrome de Down, de diferentes Centros Municipais de
Educação Infantil do município de Teresina - PI, em oito sessões de vinte
minutos no horário do recreio. Além disso, as quatro professoras das
respectivas crianças foram entrevistadas. A pesquisadora observou que três
crianças estabeleceram a maior parte das relações durante a brincadeira
somente com crianças e uma brincou mais tempo sozinha, 99,7% das
vezes. Em 0,3% do tempo brincou em díade, na companhia de um adulto
e foi observado que outras crianças não tentavam brincar com ela. O
isolamento desta criança, confirmada pela professora, em entrevista,
dificultava a sua inclusão educacional e seu desenvolvimento. A pesquisa
discutiu que a criança com deficiência pode ter dificuldades de buscar
sozinha as interações para as brincadeiras, sendo apropriado que as
professoras iniciem o brincar, mediando as interações e posteriormente, se
for oportuno, deixem as crianças brincando livremente.
Freitas (2016) também abordou em sua pesquisa a respeito do tipo
de brincadeira realizada entre as crianças sem deficiência e com síndrome
de Down e verificou que todas brincaram de faz de conta. No entanto,
identificou, além disso, que uma criança com síndrome de Down brincou
37,5% de cuidar, sendo alvo do cuidado em todos os momentos e chamada
de “bebê” por outras crianças. A pesquisadora argumentou que a
superproteção das crianças com deficiência pelas próprias professoras,
dando modelo de comportamento às outras crianças sem deficiência, pode
ter consequências negativas no desenvolvimento infantil, pois impede que
elas realizem determinadas atividades, que são consideradas inferiores,
frágeis e incapazes.
Outra pesquisa que abordou a mediação pedagógica para a
inclusão na Educação Infantil e trouxe uma discussão acerca do brincar da
criança com transtorno do espectro autista, foi a dissertação de Chiote
(2011). A pesquisa teve como objetivo geral analisar o papel da mediação
pedagógica na inclusão da criança com autismo na Educação infantil e foi
realizada a observação participante, entrevistas e análise documental, com
registro em diário de campo, videogravações e fotos. Observou-se que no
início da pesquisa de campo, a criança com transtorno do espectro autista,
nos momentos de brincadeira livre, apenas segurava alguns materiais para
balançar ou ficar batendo um no outro e não se aproximava de outras
crianças sem deficiência.
Por outro lado, as crianças sem deficiência também não chamavam
a criança com transtorno do espectro autista para brincar e assim, esta não
interagia com ninguém. As professoras acreditavam que nesse tipo de
brincadeira elas deveriam dar espaço para as crianças criarem e fazer
mínimas intervenções. nas brincadeiras com regras, a criança com
transtorno do espectro autista participava, pois as professoras ensinavam
quais e como fazer as ações. A partir da articulação da pesquisa com o
trabalho docente, as professoras começaram a assumir o lugar de
mediadoras da relação da criança com transtorno do espectro autista com
o mundo, sistematizando as atividades cotidianas em um movimento de
“fazer com”, ensinando assim, a criança a brincar com os adultos e com as
outras crianças. A criança com transtorno do espectro autista passou da
situação de extremamente dependente para àquela de quem aprende e se
desenvolve juntamente com seus pares sem deficiência na sala de aula.
A partir das discussões apresentadas, considera-se a relevância de
professoras/es refletirem acerca das experiências vivenciadas pelas crianças
com e sem deficiência na Educação Infantil, pois essas são decisivas e
podem contribuir ou não para o desenvolvimento das crianças em níveis
mais avançados de ensino.
Assim, é necessário que os/as professores/as desenvolvam
flexibilidade atenciosa para as brincadeiras das crianças com deficiência,
observando, apoiando e respondendo às iniciativas de interações com uma
variedade de respostas verbais e não verbais (SYRJÄMÄKI; PIHLAJA;
SAJANIEMI, 2019). Além disso, os/as professores/as podem precisar
ensinar as crianças com deficiência habilidades de como iniciar uma
brincadeira, de como se manter na brincadeira, de como formar amizades,
de como compartilhar e cooperar para que as interações sociais com as
crianças sem deficiência aconteçam e sejam positivas (FREITAS, 2016;
MOVAHEDAZARHOULIGH, 2018). As mediações devem ser
intencionais e sistematizadas, caracterizadas por metas adequadas ao
desenvolvimento, com atenção a comportamentos específicos e com a
consciência do papel fundamental que a linguagem ocupa, para então
possibilitar o aumento das habilidades lúdicas das crianças com deficiência
na Educação Infantil e ainda, no Ensino Fundamental
(MOVAHEDAZARHOULIGH, 2018).
Considerações Finais
Criar experiências em que haja a interrelação entre as interações, a
brincadeira e o desenvolvimento da linguagem são imprescindíveis e
centrais no trabalho pedagógico na Educação Infantil. O desenvolvimento
da linguagem possibilita uma mudança qualitativamente profunda nos
processos de consciência, organizando o pensamento e o comportamento
das crianças e promovendo o desenvolvimento das funções psicológicas
superiores.
Para tanto, na realização de um trabalho dentro da perspectiva da
educação inclusiva, se faz necessário conhecer as especificidades e avaliar as
necessidades das crianças com deficiência, evidenciando suas
potencialidades, para que então, se tenham subsídios suficientes para
tomada de decisões adequadas e efetivas a respeito do ambiente físico, do
tempo, das estratégias pedagógicas, dos brinquedos, das brincadeiras e das
formas de comunicação que serão utilizadas.
Este capítulo discutiu ainda acerca da importância da mediação
do/a professor/a para realizar práticas pedagógicas promotoras do
desenvolvimento infantil, uma vez que é por meio da mediação que se
constitui o conhecimento histórico e socialmente acumulado. O/a
professor/a não deve ser um mero expectador das interações e das
brincadeiras das crianças, nem tampouco aquele/a que deve reprimir o
comportamento destas. O/a professor/a é aquele/a que deve promover
oportunidades para que as crianças obtenham capacidades e usem a
linguagem para agir e ter domínio gradativo sobre o mundo.
Assim, a Educão Infantil deve proporcionar às crianças
atividades intencionais e sistematizadas, a partir das formas mais elaboradas
da cultura humana, que garantam o aprendizado do brincar, conviver,
participar, explorar, expressar e conhecer-se. Desse modo, os/as
professores/as necessitam de uma formação pedagógica coerente com os
objetivos que a etapa da Educação Infantil deve alcançar.
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Capítulo 4
A Importância do Brincar Para Desenvolvimento da
Comunicação no Transtorno do Espectro do Autismo
Ana Cristina de Albuquerque Montenegro
Fernanda Cristina de Oliveira Luna Barbosa
Introdução
Nas sociedades contemporâneas, grande parte da infância é
marcada pelo brincar. A brincadeira permite à criança vivenciar o lúdico,
perceber a realidade e, deste modo, expandir seu potencial criativo. O
brincar, além de ser um importante meio de comunicação, oportuniza o
desenvolvimento de significativas habilidades como atenção, memória,
imitação, imaginação, criatividade e socialização. É considerado uma das
formas mais complexas que a criança tem de se comunicar consigo e com
o mundo, desenvolvendo-se integralmente através de trocas recíprocas que
se estabelecem durante toda sua vida.
A promoção de brincadeiras é fundamental, dentre outros
aspectos, para propiciar o desenvolvimento das crianças, sendo, por
exemplo, o brincar de “faz de conta” uma brincadeira que auxilia na
interpretação das diversas realidades, corroborando com a percepção da
criança como sujeito social, podendo explorar, aprender, conhecer,
conceituar, elaborar, significar e (res)significar o mundo. O lúdico facilita
a aprendizagem e o desenvolvimento do indivíduo como um todo, nos
https://doi.org/10.36311/2022. 978-65-5954-326-7.p89-104
aspectos físico, social, cultural, afetivo e cognitivo e, consequentemente, o
desenvolvimento comunicacional.
O Transtorno do Espectro do Autismo (TEA) é um transtorno do
neurodesenvolvimento caracterizado pelo comprometimento na
comunicação e interação social, além da presença de padrões repetitivos e
restritos do comportamento e interesses, conforme esclarece o Manual
Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais - DSM-V (APA, 2013).
O diagnóstico do transtorno do espectro do autismo é
essencialmente clínico, feito a partir de observação da criança, entrevistas
com os pais e aplicação de instrumentos específicos. Os primeiros sinais
são percebidos, muitas vezes, antes dos três anos de idade, através das
alterações no desenvolvimento da fala, bem como a ausência ou pouca
interação da criança com outras pessoas e com o meio. Os prejuízos da
comunicação e a dificuldade de interação, afeta significativamente outras
áreas do desenvolvimento como a cognitiva, acadêmica e social (LIMA et
al., 2021)
O Transtorno do Espectro do Autismo (TEA) tem sido estudado
cada vez mais em razão da sua elevada prevalência. Estudos realizados pelo
Center for Disease Control and Prevention (CDC) em 2014, mostraram
uma prevalência de 1 a cada 68 crianças afetadas por TEA nos Estados
Unidos. No Brasil ainda não existem dados epidemiológicos
representativos do país acerca do índice de predominância, contudo,
estudo piloto aponta para uma prevalência de 1:360 (2,7 por 1000),
embora se tenha clareza de que esta estimativa esteja subestimada. Além
disso, pesquisas asseguram que o autismo acomete mais o sexo masculino,
entretanto muito se tem a estudar sobre o TEA no sexo feminino
(PORTOLESE et al.,2017).
Dentre as alterações presentes no transtorno do espectro do
autismo, a comunicação social é uma das primeiras variantes que
despertam o olhar dos pais para algo que não está seguindo o percurso
típico do desenvolvimento. As alterações na comunicação constituem uma
das maiores dificuldades no transtorno do espectro do autismo, suas
manifestações são evidenciadas de formas diversas, desde crianças com a
oralidade inexistente (não-verbais) à crianças com comunicação verbal
preservada. Pesquisas atuais já apontam desordens iniciais de competência
comunicativa, tais como, troca de olhar entre mãe e bebê, atenção
compartilhada, imitação de gestos e vocalizações. Estas habilidades são
consideradas preditoras do desenvolvimento da linguagem e estão
relacionadas à diminuição de problemas comportamentais.
A comunicação é um processo de interação social, caracterizada por
aspectos da linguagem verbal e não verbal, no qual são compartilhadas
ideias, sentimentos e mensagens. A criança com TEA pode ter os aspectos
não verbais da comunicação afetados, habilidade essencial nas interações
sociais, apresentando expressões faciais pobres, entonação monótona ou
excessiva, dificuldade na interpretação de gestos e expressões faciais do
interlocutor.
As crianças dentro do espectro que dispõem de boa fluência verbal
também apresentam comprometimento na linguagem pragmática, ou seja,
manifestam dificuldades na funcionalidade da linguagem, seu uso social.
Os obstáculos da comunicação afetam a interação social, visto que,
os indivíduos com transtorno do espectro do autismo demonstram
dificuldades na compreensão e uso de comportamentos sociais em uma
situação dialógica. As crianças com o transtorno do espectro do autismo
apresentam, frequentemente, dificuldades no engajamento social, de criar
e manter relacionamentos com outras crianças e de compreender e
responder aos convites de comunicação e à interação social (KARTERI,
2020).
É sabido que o aprendizado da língua ocorre durante o processo de
interação com o outro, em que a criança vai construindo suas expressões
linguísticas de acordo com o que lhe é dito, com o que observa dentro de
um contexto que seja significativo para ela. O processo de aquisição é
formado através do uso. As experiências linguísticas da criança é que
determinarão seu conhecimento da língua. Cada criança irá aprender os
símbolos linguísticos e construir sua gramática com suas especificidades
linguísticas concretas e abstratas utilizadas pelos falantes de sua língua
materna (TOMASELLO, 2003).
O desenvolvimento da linguagem é ampliado através da interação
social. Esta experiência é enriquecida através do brincar, uma atividade
própria da criança e essencial para o seu desenvolvimento. A brincadeira
possibilita a aquisição e ampliação de diversas habilidades como
criatividade, consciência corporal, socialização, autorregulação. Em se
tratando do brincar simbólico ainda ressalta-se a vivência de situações da
realidade, e desta forma, compreendê-las e executá-las em um ambiente de
“faz de conta”. Ademais, o brincar permite que a criança diferencie
pensamento, ação e objetos, primordial para o pensamento abstrato,
preditor da comunicação. Outrossim, a experiência da brincadeira
oportuniza a expansão e amadurecimento de habilidades importantes
como atenção, memória, imitação e imaginação (BRITES, 2020).
O brincar é a atividade por excelência das crianças e ocupa espaço
primordial na vida delas. É por intermédio das diversas maneiras de
brincar, que as crianças desenvolvem competências elementares para o
desenvolvimento global, tais como as habilidades motoras, sensoriais,
cognitivas, socioafetivas. Ademais, a brincadeira, quando é mediada por
adultos, pode resultar em maior socialização e diminuição de
comportamentos inadequados das crianças nesses momentos de interação
(DELIBERATO, ADURENS; ROCHA, 2021).
Nos casos de crianças com Transtorno do Espectro do Autismo, o
brincar mediado pode ser um importante facilitador para interação social
e configura-se como meio de comunicação. Para isso, fazem-se necessárias
mediações específicas para a interação, considerando a singularidade de
cada criança, suas necessidades e potencialidades (MATTOS;
NUERNBERG, 2011).
Mediadores como a família, os profissionais e professores podem
exercer funções importantes no desenvolvimento e no enriquecimento da
linguagem e da comunicação das crianças com o transtorno do autismo,
cooperando com a interação social. Estes mediadores são fundamentais
para que se estabeleça uma comunicação. Por meio de um estudo de
metanálise, foi mencionado a importância e a necessidade do interlocutor
com competência na mediação centrada nas habilidades e nas demandas
das pessoas com necessidades complexas de comunicação, para favorecer o
enriquecimento da interação e da comunicação dessas pessoas
(DELIBERATO; ADURENS; ROCHA, 2021).
A dificuldade de comunicação das crianças com TEA e o embaraço
em compreender as pistas e gestos e expressões sociais de outras crianças,
privam ainda mais a formação de relações mútuas entre elas (GODIN;
FREEMAN; RIGBY, 2017).
Pelas razões mencionadas, as habilidades de comunicação social
devem ser um propósito primordial desde o início da infância com o
objetivo de promover engajamento na vida social. O brincar tem um papel
substancial no desenvolvimento comunicativo, além dos aspectos
cognitivo, socioemocional e sensório-motor. É uma atividade infantil
indispensável para o desenvolvimento da criança, por meio desta atividade
cria-se relacionamentos respeitosos, valores mútuos e bem-estar. Salienta-
se, outrossim, que, quando as crianças brincam, elas criam significados e
ressignificam, desenvolvendo e expandindo habilidades fundamentais que
terão aplicabilidade ao longo da vida, nas interações sociais.
Diante do exposto, é fundamental a promoção de brincadeiras que
propiciem o desenvolvimento do simbolismo, por exemplo, o brincar de
“faz de conta”, atividade que auxilia na interpretação e percepção das
diversas realidades do mundo. Além disso, no brincar compartilhado, foi
sugerido que havia a presença de três elementos, quais sejam, motivação
intrínseca (participação em atividades para satisfação pessoal), percepção
de controle (capacidade de autocontrole e assumir responsabilidade por
seus próprios comportamentos e ações) e suspensão da realidade (relação e
influência de usar o mundo real em condições imaginadas, comumente
conhecido como “faz de conta” (KARTERI, 2020).
Desenvolvimento
A interação social, é um desafio para criança autista no seu dia a
dia, seja no em atividades lúdicas com seus pares ou no envolvimento
social. Os fatores sociais e interação social desempenham um papel
essencial no desenvolvimento infantil. Com base em sua teoria de “Zona
do Desenvolvimento Proximal”, o brincar tem papel fundamental no
desenvolvimento da criança, considerando que o brincar atua como um
meio que oferece oportunidades para desenvolver habilidades sociais,
acadêmicas e de generalizar novas habilidades em todos os domínios de
desenvolvimento (VYGOTSKY, 1998). Esta teoria, considera a condição
de desenvolvimento de uma criança sem suporte e as ações que uma criança
pode alcançar por meio da assistência por adultos ou pares. É mister
compreender que a teoria do desenvolvimento proximal argumenta que é
o espaço entre as condições mentais reais de uma criança e a condição que
uma criança poderia alcançar com experiência e apoio, portanto, o núcleo
desta estrutura teórica é "suporte" e "experiência"
Contudo, para que crianças com TEA sejam favorecidas nas
relações e interações sociais vivenciadas durante a brincadeira, é importante
uma intervenção consistente e bem estruturada.
Nesta perspectiva as intervenções lúdicas são destacadas, tendo em
vista que o brincar por ser flexível e adaptável pode ser experimentado em
diferentes condições, colegas e habilidades. A brincadeira é ainda retratada
como uma interação entre as pessoas e o ambiente que é tipicamente
motivador.
A literatura revela que crianças com TEA têm habilidades lúdicas
reduzidas na maioria dos aspectos da brincadeira em comparação com seus
pares neurotípicos, apresentando dificuldades para se envolver em
atividades que exijam imaginação e brincadeira.
É importante destacar que o engajamento social com os pares pode
favorecer o desenvolvimento e fortalecimento de habilidades sociais,
lúdicas e de comunicação de uma criança, o qual está relacionado à
aceitação social das crianças neuroatípicas pelas crianças com
desenvolvimento neurotípico nos ambientes escolares.
A presença de irmãos no contexto familiar vem demonstrando que
fornece um ambiente singular para o outro aprender e praticar habilidades
sociais que futuramente podem ser generalizadas para suas interações com
outras pessoas na sociedade em geral. Isto se explica devido o
relacionamento entre irmãos, dispor de muitas oportunidades devido a
interação ser abundante, indicando como duas principais características a
reciprocidade e complementaridade (FELTRIN, 2007).
Apesar dos problemas com o comportamento imitativo que
constantemente são observados nas crianças com autismo, estudos
perceberam melhor capacidade de imitar o comportamento do irmão,
embora de forma limitada, dependendo do grau de suporte. Este estudo
concluiu que crianças com autismo eram capazes de envolver-se em uma
variedade de atividades lúdicas maiores na presença de seus irmãos
(MEYERS; VIPOND, 2005).
No âmbito educacional, vale retomar Vygotsky (1998), que era um
forte defensor de que a interação social, elementos de ação e ambientais
têm um grande impacto sobre as crianças e sua possibilidade de
aprendizagem. No contexto de inclusão, alunos normalmente
desenvolvidos e os alunos com TEA são importantes para obter
oportunidades de envolvimento. Powell e Kalina (2009), em seu livro,
apontaram a obrigação que os educadores têm, em detectar a
heterogeneidade de suas salas de aula, aceitá-la e usá-la em benefício de
todos os alunos. A parte mais importante no conceito de Zona de
desenvolvimento proximal é identificar a zona de cada criança e determinar
com precisão.
O brincar é definido como a atividade principal para o
desenvolvimento de uma criança, uma vez que é reconhecido como o meio
que propicia inúmeras ferramentas mentais e estratégias de ensino para
crianças pré-escolares. por conseguinte, professores têm a responsabilidade
e a posição de atuar como mediadores, para alunos com TEA para interagir
com seus pares e compartilhar sua diversidade (CAMARGO; BOSA,
2009).
O jogo é a principal fonte e mais essencial de desenvolvimento
durante os anos pré-escolares. Ter uma imaginação ativa, criando e
envolvente nas situações do imaginário e obedecendo às regras ambientais
existentes, faz jogar o nível mais alto e significativo de desenvolvimento
pré-escolar. Para um engajamento social da criança ser promovido, tipos
específicos de brincadeira podem apontar sua Zona de Desenvolvimento
proximal, como brincadeiras associativas, cooperativas e paralelas, onde o
engajamento social é necessário, as crianças ficam mais à vontade com seus
pares e começam a adquirir mais competência social. Os pré-escolares
podem deixar de trabalhar sozinhos para se envolver em atividades
organizadas (VYGOTSKY, 1998).
Portanto, a dificuldade das crianças com o transtorno do espectro
do autismo em se envolver em interações significativas com seus colegas e
adultos torna o envolvimento lúdico em interações sociais um desafio. Para
que as interações que ocorrem durante o jogo sejam valiosas e úteis para
crianças que estejam dentro do espectro autista e para continuar a
desenvolver suas habilidades lúdicas a necessidade de programas de
intervenção contínuos e bem organizados. No entanto, existem lacunas na
literatura atual avaliando as habilidades comportamentais e sociais de
crianças autistas enquanto envolver-se em atividades lúdicas dentro do
contexto natural da escola (KARTERI, 2020).
O lúdico facilita a aprendizagem e o desenvolvimento do indivíduo
como um todo, nos aspectos físico, social, cultural, afetivo e cognitivo e
estes aspectos são fundamentais para o desenvolvimento da criança com
TEA e sua comunicação social.
Diante do exposto, afirma-se que o brincar é um recurso eficaz de
auxílio direto no processo terapêutico da criança com TEA, contemplando
vários fatores do espectro, buscando alcançar atender por intermédio da
ludicidade a individualidade de cada criança. Deste modo, o brincar
abandona seu papel de promover apenas o entretenimento, para exercer o
seu lugar de ferramenta na intervenção, colaborando no processo de
neurodesenvolvimento, levando em consideração que por meio do do
brincar a criança aprende, relaciona-se e comunica-se com o mundo
(LIMA et al., 2021).
O brincar favorece uma melhora no desenvolvimento de crianças
que apresentam o diagnóstico de TEA. Além disso, é uma ferramenta que
possibilita elas a identificar e aprender atividades do dia-dia e a conhecerem
o seu próximo, realizando troca de afetividade e desenvolvimento de papéis
e
regras.
Essa
possibilidade
torna-se
valiosa, uma
vez
que
criança
com autismo possui particularidades que direcionam a prejuízos nos
aspectos supracitados. Enfatiza-se que a criança com esse diagnóstico deve
receber instruções sucintas, suporte visual para compreensão da
brincadeira, além disso o brincar deve considerar os interesses individuais
da criança. É por meio de brincadeiras, fantasias e faz-de-conta que a
pessoa com autismo atribui significados a pessoas, objetos e lugares. Pois o
brincar por sua natureza é um meio socializador (LIMA et al., 2021).
Corroborando ao exposto, o brincar é uma cnica usada por
profissionais de diferentes áreas de atuação que torna o atendimento mais
eficaz se tratando de crianças, e principalmente aquelas que apresentam
dificuldades de aprendizagem. Além disso, para maximizar algumas
habilidades da criança com o transtorno do espectro do autismo como a
imitação, as funções de alguns objetos e a simbolização, a brincadeira seria
uma técnica bastante eficaz pois traria melhoras na aprendizagem, inclusive
no ambiente escolar (CAMPOS et al., 2018).
A brincadeira tem um papel primordial na inclusão da pessoa com
TEA, proporcionando um bom relacionamento de uma criança com a
outra, através do compartilhamento de brinquedos e brincadeiras,
despertando a imaginação e emergindo uma colaboração entre os pares. A
forma de trabalhar de forma lúdica, torna o processo terapêutico mais
cativante, fazendo com que a criança com TEA se interesse pela atividade
proposta, e aumenta positivamente as chances do seu desenvolvimento
(LIMA et al., 2021).
Enfatizando a importância do lúdico no setting terapêutico, a
vivência da criança do brincar em um espaço seguro, permissivo e
acolhedor com a possibilidade de escolher e explorar a brincadeira de forma
individualizada é pressuposto capaz de promover meios eficazes para uma
intervenção terapêutica com intuito de integrar e desenvolver habilidades
comunicativas. Esta prática clínica traz benefícios significativos para a
melhoria na autonomia, comunicação e qualidade de vida da criança com
autismo (SILVA, 2020).
Importante salientar que no brincar com crianças neurotípicas
deve-se respeitar as habilidades, as potencialidades e os interesses restritos
da criança, bem como sua identidade com todo seu histórico sociocultural.
Não é sugerido seguir programas educacionais que não contemplem a
especificidade do TEA e toda a individualidade de cada criança dentro do
espectro.
Considerações Finais
Devemos lembrar que a aquisição e o desenvolvimento da
comunicação social em crianças com o transtorno do espectro do autismo
dependem dos aspectos biopsicossociais, em que as funções
neurobiológicas, o afeto, a interação social e todo o estímulo ambiental.
Prejuízos em qualquer destas áreas podem afetar diretamente o
desenvolvimento previsto.
O brincar atua como um meio que oferece oportunidades para
desenvolver habilidades sociais em todos os domínios de desenvolvimento
e, por conseguinte, facilitação do desenvolvimento da comunicação, seja
ela oral, gestual, por meio de pictogramas, desenhos ou escrita.
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[Acessado em: 14 out. 2021]
TOMASELLO, Michael. A origem cultural do conhecimento humano.
São Paulo: Ed. WMF Martins, 2003
VYGOTSKY, Lev. A formação social da mente. São Paulo: Martins
Fontes.1998.
Capítulo 5
Protocolo Para Análise de Comportamentos de Engajamento
em Atividades do PRONARRAR
Emely Kelly Silva Santos Oliveira
Jáima Pinheiro de Oliveira
Introdução
Apresentar uma proposta de instrumento que auxilie na avaliação
do engajamento de crianças, durante o uso do PRONARRAR
(OLIVEIRA, 2019) é o objetivo principal deste capítulo. O instrumento
que será proposto aqui foi construído durante a pesquisa de Oliveira
(2021), na qual essa autora usou o PRONARRAR como instrumento
principal de sua coleta e análise de dados, com a participação de crianças
com Transtorno do Espectro Autista (TEA) de diferentes níveis de suporte.
Para contextualizar, descreveremos de maneira sintética o que é o
PRONARRAR. Quem tiver interesse em conhecer melhor esse
instrumento, poderá também entrar em contato com as autoras do
capítulo, por meio dos endereços de e-mail disponibilizados ao final dessa
coletânea.
O PRONARRAR é um programa de histórias estruturadas, por
meio de imagens, que tem por finalidade promover o desenvolvimento ou
o aperfeiçoamento da produção de narrativas de crianças, com e sem
dificuldades nessa habilidade. Ele possui como procedimento principal a
https://doi.org/10.36311/2022.978-65-5954-326-7.p105-120
solicitação de uma sequência de quatro gravuras temáticas
disponibilizadas, de maneira aleatória, para a criança. Posteriormente,
solicita-se a ela a descrição dessa história, a partir de cada um de seus
elementos (cenário, tema, enredo e resolução) representados, em cada uma
dessas gravuras. Seguindo orientações específicas para essas descrições, em
seguida, a história é finalizada com instruções específicas para mudanças,
bem como, complementações. Essa produção pode ser feita de maneira
oral, escrita e/ou simbólica
4
, conforme pode ser visualizado em outros
estudos já conduzidos com adaptações e que serão citados, a seguir.
Esse programa tem sido testado em diferentes populações e tem
demonstrado eficácia no aperfeiçoamento da estrutura de narrativas orais
e escritas e o apoio de imagens com características específicas tem sido
apontado como um importante diferencial (MATA et al, 2015;
OLIVEIRA, 2014; OLIVEIRA; OLIVEIRA, 2017; OLIVEIRA et al,
2020; OLIVEIRA, 2021; SORIANO, 2017).
Oliveira e Oliveira (2017), por exemplo, testaram as possibilidades
de uso do programa PRONARRAR em crianças com TEA, considerando
os prejuízos significativos em relação à comunicação e ao desenvolvimento
da linguagem presentes em crianças que possuem esse diagnóstico. De
maneira preliminar, as autoras buscaram descrever o desempenho de uma
criança com TEA em produções escritas no contexto de aplicação do
PRONARRAR e os resultados mostraram que as estratégias do programa
favoreceram a produção textual das histórias escritas pelo participante e
indicou um foco de análise para aspectos linguísticos contextuais,
4
Temos utilizado esse termo para designar as produções com o uso de símbolos, tais como os
padronizados e utilizados em sistemas de comunicação alternativa, por exemplo, no PCS (Picture
Communication Symbols).
diferentemente dos resultados obtidos em estudos anteriores realizados
com outras populações.
Enfim, também outros estudos conduzidos com o
PRONARRAR e alguns em andamento, a exemplo da proposta de Lopes
e Oliveira (2021) que pretendem fornecer outros tipos de adaptações para
uma sessão que possa contemplar os princípios do Desenho Universal para
a Aprendizagem.
Nesse contexto, a ideia principal do instrumento proposto aqui
neste capítulo, é a de fornecer um protocolo para observação dos
comportamentos emitidos pelos participantes, durante o uso do
PRONARRAR, para analisá-los do ponto de vista de indicadores de
interesse pelo material e engajamento nessa atividade.
Por se tratar de um termo complexo e controverso, que enfatiza os
vários padrões dos alunos na motivação, cognição e comportamento,
adotaremos como definição de engajamento, o envolvimento da criança
no que está fazendo: sua atenção, resposta e conversas relacionadas à tarefa
(RAMOS et al, 2018). Especialmente quanto a alternativas de intervenção
no contexto escolar a literatura internacional destaca evidências de
efetividade de uma modalidade de intervenção, conhecida como
Intervenção Mediada por Pares (IMP).
Os estudos sobre esta modalidade ainda são iniciantes na literatura
nacional e são mais comuns nas abordagens de engajamento das crianças
em atividades escolares (SCHMIDT, 2017). Dentre eles podemos destacar
a pesquisa de Lehnhart (2018) a respeito da IMP e mediação independente
dos pares sobre o engajamento na tarefa de crianças com TEA. Uma das
vantagens da IMP é sua utilização com aqueles que possuem pouca ou
nenhuma habilidade verbal e as trocas resultantes da intervenção são
refletidas no aumento do tempo de engajamento na interação,
consequentemente diminuindo os períodos de isolamento do aluno com
TEA na escola. As pesquisas também evidenciam a efetividade da IMP para
as habilidades sociais de alunos do público-alvo da Educação Especial, mais
recentemente, para a aprendizagem acadêmica de crianças com TEA
(RAMOS et al., 2018).
Esse capítulo possui duas partes principais: inicialmente daremos
destaque para a busca de fontes bibliográficas que foram realizadas para dar
base à construção do protocolo e, em seguida, apresentaremos o produto
final desse instrumento.
Desenvolvimento do instrumento
a)
Busca de fontes bibliográficas que pudessem embasar a construção do
protocolo
Para desenvolver o instrumento, inicialmente foi efetuada uma
busca bibliográfica específica com o objetivo de selecionar estudos que
priorizavam analisar comportamentos indicativos de predisposições lúdicas
para a aprendizagem, interações com pares e adultos, com foco para
brincadeiras ou jogos específicos.
Essa busca foi efetuada em periódicos das áreas de Educação
Infantil, Infância, Linguagem infantil e Desenvolvimento Infantil, com
destaque para as seguintes revistas: Childhood, Infant and Child
Development, Educational and Developmental Psychologist, Early Childhood
Education Journal, Childhood Research Quarterly e Play and Culture,
International Journal of Language & Communication Disorders, Journal of
Child Language, Child Language Teaching and Therapy, Journal of
Educational Psychology, Early Education and Development, Early Child
Development and Care, Child Development, Child Development Perspectives,
Journal of Research in Childhood Education, Journal of Educalional
Psychology, Journal of Early Intervention. O principal critério de seleção
dessas revistas foi o uso do filtro de áreas da Base Scopus.
Considerando os temas e as áreas relacionadas a esse foco, foram
encontrados inicialmente 342 periódicos e a partir de uma leitura flutuante
pelos seus títulos e do uso da ferramenta de busca do próprio periódico,
chegou-se em dois estudos principais, a saber: o estudo de Fantuzzo et al
(1998) e o estudo de Barnett (1991). Esses autores possuem publicações
sobre o desenvolvimento infantil, a ludicidade e as interações no processo
de aprendizagem. As principais pesquisas deles indicaram que
competências de ludicidade interativa favorece o desenvolvimento e a
aprendizagem de crianças nas séries iniciais.
Destacaremos, a seguir, o estudo de Fantuzzo et al (1998) cujo
objetivo foi avaliar o construto e validade de uma versão modificada da
Penn Interactive Peer Play Scale (PIPPS), um instrumento de avaliação de
comportamentos lúdicos interativos de crianças em idade pré-escolar.
Nesse estudo, foi efetuada uma coleta com a participação de 523 crianças
afro-americanas do Head Start, que é um Programa do Departamento de
Saúde e Serviços Humanos dos Estados Unidos que oferece educação e
serviços abrangentes nas áreas de saúde e nutrição, de crianças de baixa
renda e suas famílias.
Os pesquisadores identificaram comportamentos que distinguiam,
de maneira confiável, interações bem-sucedidas de atividades de pares, de
interações mal-sucedidas de atividades de pares em 36 itens de uma escala
Likert e incluíram descrições de comportamentos positivos e negativos.
Um sistema de codificação observacional interativo entre pares com base
no desenvolvimento da literatura de pesquisa de engajamento em
brincadeiras pré-escolares foi adaptado, testado com categorias básicas de
interação social pré-escolar e modificado para descrever as características
concretas do jogo diádico.
As categorias resultantes e suas respectivas definições foram as
seguintes: a) Comportamento desocupado sem engajamento na atividade;
b)
Negativo (criança bate, aperta ou tenta ferir fisicamente outros; agarra
um objeto de outra criança, provoca, grita ou ameaça outra criança). c)
Solitário (a criança brinca de forma independente, sem olhar ou conversar
com outra criança; d) Atenção Social (a criança brinca de forma
independente, mas mostra a consciência do que outra criança está fazendo,
ou seja, olha para outra criança ou não fala com a outra criança; e)
Associativo (a criança fala, sorri e / ou troca brinquedos com outra criança,
mas não ajusta o próprio comportamento ao que o outro está fazendo; f)
Colaborativo (a criança colabora com outra criança em atividade lúdica de
maneira mútua e complementar; pode assumir um papel recíproco que é
distintamente diferente do da outra criança e ajustar seu comportamento
de acordo com asões da outra criança).
As conclusões deste estudo revelaram relações significativas entre
medidas de como os comportamentos das crianças interferem nas
atividades lúdicas e interações com os seus pares. Crianças que
demonstraram comportamentos interativos de engajamento e
envolvimento na atividade, como conduzir as atividades lúdicas e ajudar
outras crianças, receberam altas classificações de professores por
habilidades sociais mais gerais (FANTUZZO et al., 1998).
o estudo de Barnett (1991) buscou discutir as propriedades
psicométricas da escala de brincadeira infantil Children's Playfulness Scale
(CPS) que fornece uma forma conceitual e metodológica promissora de
ver a brincadeira, uma vez que a mensuração dela é vista como a
predisposição da criança para se envolver em atividades e interações
lúdicas. Os dados visaram detalhar as propriedades psicométricas do CPS
com a identificação de cinco componentes subjacentes do construto lúdico
que foram especificados e validados: a) espontaneidade física; b)
espontaneidade social; c) espontaneidade cognitiva; d) alegria manifesta;
e) senso de humor. Os procedimentos de análise confirmaram a existência
do fator lúdico geral e destas cinco dimensões.
De forma específica, a validade do construto foi analisada por meio
de (a) várias amostras independentes que foram usadas para testar ainda
mais a estabilidade da estrutura do fator e a generalização do instrumento
lúdico e (b) uma comparação dos achados do CPS com os de outras escalas
de avaliação de atividades lúdicas interativas. A primeira questão abordada
dizia respeito à generalização do CPS em várias amostras independentes.
Os resultados deste estudo mostraram que a Escala é um
instrumento altamente confiável, avaliado entre diferentes avaliadores ao
longo de um período de 3 meses. O instrumento geral e as cinco dimensões
da ludicidade apresentaram alta consistência interna entre os itens,
também independentemente do tipo de avaliador, formato ou intervalo de
tempo. Os procedimentos de análise fatorial confirmaram repetidamente
a existência do fator lúdico geral e de suas cinco dimensões componentes
e reproduzem a mesma estrutura e padrão fatorial em amostras e
avaliadores independentes, bem como em dois tipos de formato de
respostas. Este instrumento (CPS) demonstrou ser uma medida viável das
predisposições lúdicas de crianças.
A partir desses indicadores desses dois estudos, nós propusemos,
incialmente um instrumento cujo objetivo principal foi sistematizar
comportamentos emitidos diante do material apresentado às crianças, em
nossa pesquisa que, a partir da análise das gravações obtidas, foram
classificados nos seguintes aspectos: 1) Engajamento na Atividade e
Atenção Sustentada e 2) Outras variáveis relacionadas ao material e que
podem também indicar comportamentos de interesse e atenção na
atividade, conforme apresentado, a seguir. Após esse desenvolvimento, foi
sugerida uma pontuação para análise, obtendo-se dados relacionados a
possíveis indicadores de interesse pelo material utilizado. Não daremos
destaque a essa pontuação, por se tratar de uma proposta preliminar em
fase de sondagem. No estudo de Oliveira (2021) a autora destacou como
pontuação ideal 34 pontos, levando-se em consideração a emissão de
comportamentos indicadores de engajamento e participação ativa durante
o uso do PRONARRAR.
Reitera-se que este instrumento está mais relacionado à aplicação
do programa PRONARRAR do que ao diagnóstico (TEA) dos
participantes da pesquisa de Oliveira (2021), não se tratando de adaptação
de nenhum destes estudos descritos. Os estudos foram utilizados para que
fosse possível pensar, inicialmente, em grandes categorias relacionadas a
um momento específico de interação com as crianças em uma atividade
proposta, no nosso caso o PRONARRAR. Por isso, ressaltamos que o
desenvolvimento desse instrumento objetivou, principalmente, identificar
e analisar os comportamentos da criança durante o uso do material, não
sendo, portanto, exclusivo para uso com crianças com TEA.
b) O instrumento desenvolvido
CEAP - COMPORTAMENTOS DE ENGAJAMENTO EM ATIVIDADES DO
PRONARRAR
1. Engajamento nas Atividades e Atenção Sustentada
1.1 Ateão e observação no
início da apresentação do
material
(antes da criança
começar a contar a história)
a)
A criança direciona o olhar para as figuras quando o
interlocutor as apresenta?
( ) sim ( ) não
b)
No momento dessa apresentação inicial a criança
toca em alguma imagem?
( ) sim ( ) não
c)
A criança demonstra emitir esses comportamentos
(olhar e tocar) de maneira voluntária e como resposta
imediata à orientação do interlocutor?
( ) sim ( ) não
d)
A criança emite outro comportamento, além de tocar
e olhar o material como, direcionar o olhar para o
interlocutor e apontar elementos da imagem.
( ) sim ( ) não
Escala de
pontuação
a.
o (0
ponto)
b.
Sim (1
ponto)
1.2 Respostas às instruções do
interlocutor em cada fase da
história
a)
A criança segue as instruções do interlocutor para
observar a imagem e narrar o que está observando no
início da história?
( ) sim ( ) não
b)
A criança segue as instruções do interlocutor para
observar a imagem e narrar o que está observando no
desenvolvimento da história?
( ) sim ( ) não
c)
A criança segue as instruções do interlocutor para
observar a imagem e narrar o que está sendo observado
ao finalizar a história?
( ) sim ( ) não
a.
o (0
ponto)
b.
Sim (1
ponto)
a) A criança mantém seu foco (olhar ou toque)
direcionado para o material no início da história?
1.3 Manutenção da atenção
no material durante a história
( ) sim ( ) não
b) A criança mantém seu foco (olhar ou toque)
direcionado para o material durante o desenvolvimento
da história?
( ) sim ( ) não
a.
o (0
ponto)
b.
Sim (1
ponto)
c) A criança mantém seu foco (olhar ou toque)
direcionado para o material ao final da história?
( ) sim ( ) não
Se no Item 1.3 (Manutenção da atenção no material durante a história) houver pelo menos uma
resposta negativa, marque a opção de apoio que o interlocutor usou para intervir e requerer essa atenção
da criança de volta à atividade e o número aproximado de vezes que isso foi necessário, dentre as
apresentadas a seguir (1.4 e 1.5).
Marque, dentre as opções a seguir, a que melhor descrever o tipo de apoio fornecido pelo
interlocutor para tentar manter a atenção da criança na tarefa.
Escala de
pontuação
1.4 Tipo de apoio fornecido
pelo interlocutor para a
manutenção da atenção da
criança na atividade
( ) a) A criança volta sua atenção ou seu olhar para as
imagens quando o interlocutor faz uso de apoio verbal
(questionamentos, comentários e dicas verbais como: “o
que aconteceu aqui?”; “e depois?”).
( ) b) A criança volta sua atenção ou seu olhar para as
imagens quando o interlocutor faz uso de apoio verbal e
apoio gestual, tais como: apontamentos e indicações
diretas nas figuras e nos elementos destas.
( ) c) A criança volta a atenção ou o olhar para as
figuras quando o interlocutor faz uso de apoios verbais,
gestuais e físicos (pegar a mão da criança e direcionar
para uma imagem, por exemplo).
a.
3 pontos
b.
2 pontos
c.
1 ponto
1.5 Número de vezes em que
foi necessário o apoio físico
para a manutenção da atenção
na tarefa
Caso tenha recebido a intervenção sinalizada
anteriormente (
ajuda física
) marque, dentre as opções a
seguir, o número de vezes que o apoio foi fornecido
pelo interlocutor para a manutenção da atenção da
criança na tarefa.
(
) a) não precisou de ajuda física
( ) b) de 1 a 3 vezes
( ) c) mais de 3 vezes
a.
3 pontos
b.
2 pontos
c.
1 ponto
2. Outras variáveis relacionadas ao material e que podem também indicar comportamentos de interesse
e atenção na atividade
2.1 Sequência das imagens
( )a) Após a instrução inicial dada pelo interlocutor, a
criança
emite verbalizações
com o
olhar direcionado
para as imagens
e as
manipula
de um modo que indica
uma intenção de obter uma sequência para a história.
( ) b) Após a instrução inicial dada pelo interlocutor, a
criança
emite verbalizações
com o
olhar direcionado
para as imagens
de um modo que indica uma intenção
de obter uma sequência para a história.
( ) c) Após a instrução inicial dada pelo interlocutor, a
criança apenas
manipula as imagens
de um modo que
indica uma intenção de obter uma sequência para a
história.
a.
3 pontos
b.
2 pontos
c.
1 ponto
2.2 Respostas,
comportamentos e
emissões correspondentes
às figuras observadas
( ) a) ) A criança emite
frases
queo correspondentes à
imagem observada.
( ) b) A criança emite
palavras
queo correspondentes à
imagem observada.
( ) c) A criança emite
outras respostas
, tais como vocalizações,
ecolalias imediatas e tentativas de completar a fala do interlocutor
queo correspondentes à imagem observada.
a.
3
pontos
b.
2
pontos
c.
1
ponto
2.3 Respostas e emissões
implícitas
correspondentes às
figuras observadas
( ) a) A criança faz
inferências
(deduz com base nas informações
das imagens) sobre
sentimentos, objetivos
e
ações dos
personagens.
( ) b) A criança apenas descreve algumas
ações dos personagens
ou de possíveis
objetivos dos personagens.
( ) a) A criança não faz
inferências
(deduz com base nas
informações das imagens) sobre
sentimentos, objetivos
ou
ações
dos personagens.
a.
3
pontos
b.
2
pontos
c.
1
ponto
2.4 Respostas
2.4.1 Sem apoio do interlocutor
a. 6
relacionadas a uma
( ) a) A criança realiza o reconto da história com frases e palavras
pontos
possibilidade de
a partir da sequência ordenada das imagens, direcionando seu
b. 5
estratégia de
compreensão da história
olhar e/ou apontando para cada parte da história à medida que
vai recontando essa história.
pontos
c. 4
(
) b) A criança realiza o reconto da história com palavras e
pontos
frases manipulando as imagens de forma aleatória.
( ) c) A criança realiza o reconto da história com palavras
isoladas sem direcionar seu olhar para as imagens.
2.4.2. Com apoio do interlocutor
a. 3
( ) a) A criança realiza o reconto da história com o uso de
pontos
palavras isoladas que se configuram como respostas ou repetições
b. 2
de algumas das palavras do interlocutor no momento em que ele
pontos
faz uso de apoio verbal (questionamentos, comentários e dicas
c. 1
verbais como: “o que aconteceu aqui?”).
ponto
( ) b) A criança realiza o reconto da história com o uso de
palavras isoladas que se configuram como respostas ou repetições
de algumas das palavras do interlocutor no momento em que ele
faz uso de apoio verbal e apoio gestual tais como: apontamentos e
indicações diretas nas figuras.
(
) c) A criança realiza o reconto da história com o uso de
palavras isoladas que se configuram como respostas ou repetições
de algumas das palavras do interlocutor no momento em que ele
faz uso de apoio verbal, gestual e apoio físico (pegar a mão da
criança e direcionar para a figura, por exemplo).
Fonte: adaptado de Oliveira (2021).
Considerações Finais
Tivemos como objetivo, neste capítulo, apresentar uma proposta
de instrumento que auxilie na avaliação do engajamento de crianças,
durante o uso do PRONARRAR (OLIVEIRA, 2019). O instrumento
proposto foi desenvolvido durante a pesquisa de Oliveira (2021) e
mostrou-se adequado para essa avaliação.
Destacamos que a proposta do instrumento CEAP -
Comportamentos de Engajamento em Atividades do PRONARRAR, ao
contemplar aspectos de interesse e engajamento com esse material, permite
que sejam efetuadas inferências sobre suportes fornecidos durante essa
atividade, assim como, a necessidade de modificações em comportamentos
de mediação. O destaque para essa proposta tem a ver com os estudos que
pretendem incentivar o conhecimento e o uso do PRONARRAR.
Portanto, este texto faz parte de uma longa trajetória que pretende
incentivar o trabalho investigativo em relação à comunicação de crianças
que possuem diferenças ao longo do seu processo de aquisição e
desenvolvimento da linguagem, com destaque para a produção de
narrativas. Desejamos que futuras pesquisas sejam realizadas com a
temática e, principalmente, com o uso do instrumento destacado. E que
os profissionais das mais diversas áreas tenham curiosidade em relação a
esse tema e ao uso do instrumento proposto, também nas suas práticas
cotidianas.
Agradecimentos
As autoras agradecem à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal
de Nível Superior (CAPES) pela Bolsa de Mestrado concedida durante o
desenvolvimento da pesquisa (2019 e 2020) da primeira autora.
Referências
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em:
10
out 2021.
Capítulo 6
O Brincar de Faz de Conta no Desenvolvimento
da Linguagem
Luzia Iara Pfeifer
Madalena Moraes Sant’Anna
Renata Valdívia Lucisano
O desenvolvimento do brincar de faz de conta
Brincar, em toda a sua rica variedade, é uma das maiores conquistas
da espécie humana, ao lado da linguagem, da cultura e da tecnologia. Com
efeito, sem o brincar nenhuma destas outras realizações seria possível. O
valor do brincar é cada vez mais reconhecido por pesquisadores, políticos
e adultos em geral, assim como para as crianças, como provas da sua relação
com a realização intelectual e bem-estar emocional (WHITEBREAD et
al., 2012).
Desta forma, este capítulo tem por objetivo, descrever o que é o
brincar e as especificidades do brincar de faz de conta, apresentar estudos
sobre a relação entre o faz de conta e a linguagem e, finalmente, o como a
Terapia Ocupacional pode intervir para promover o brincar e estimular a
linguagem de crianças em idade pré-escolar.
O brincar é uma atividade voluntária que contribui para o
desenvolvimento cognitivo, resolução de problemas e pensamento criativo
https://doi.org/10.36311/2022. 978-65-5954-326-7.p121-144
proporcionando o desenvolvimento da inovação, flexibilidade, resolução
de problemas e adaptação (EBERLE, 2014).
Quando as crianças brincam, ocorrem muitas oportunidades para
o desenvolvimento de competências, tais como: linguagem e habilidades
sociais, habilidades motoras fina e grossa, classificação e sequenciamento.
Os benefícios do brincar estão relacionados com a promoção da
autoestima, do bem-estar emocional e da resiliência. Como resultado, a
resiliência e a autoestima se ampliam a cada brincar, e as crianças
desenvolvem a confiança necessária para enfrentar os desafios físicos,
intelectuais e emocionais (WHITEBREAD et al., 2012).
Para Ferland (2002), o brincar é a linguagem primária da criança,
sua linguagem em ação que permite expor seu mundo interior, suas
emoções e seu mundo imaginário. Mesmo sem a linguagem verbal, ela
expressa seus sentimentos tanto positivos quanto negativos, como por
exemplo lançar um objeto, sorrir a um personagem, rasgar um desenho,
dar um objeto a um parceiro, são por exemplo ações que podem comunicar
o que estão sentindo.
O brincar reflete o nível de desenvolvimento da criança e, deste
modo, Piaget (1987) classifica-os em prático, simbólico, de construção e
jogo com regras. Ao brincar a criança alcança gradativamente pensamentos
mais complexos (PAPALIA et al., 2006), e exercita as habilidades
recentemente adquiridas para que elas se consolidem (JOHNSTON;
WARDLE; CHRISTIE, 2005).
O brincar de faz de conta, de acordo com essa classificação,
corresponde ao jogo simbólico, e aparecem no segundo ano de vida
(KISHIMOTO, 1992). O símbolo é a representação de um objeto
ausente, que ocorre a comparação entre um elemento dado e um
elemento imaginado, por meio de uma representação fictícia (PIAGET,
1975). Nesta fase, a criança começa a alterar o significado dos objetos e
dos eventos, expressando seus sonhos e fantasias (GUIMARÃES et al.,
2002).
Piaget (1987) considera os jogos simbólicos como um marco
significante do desenvolvimento cognitivo, os quais demonstram como as
crianças podem imaginar objetos e eventos que, mesmo não estando
presentes, são considerados essenciais para a resolução de problemas e
desenvolvimento da linguagem.
Inicialmente, durante o desenvolvimento desse período, conhecido
também como estágio da representação, a criança apresenta alguns
atributos do pensamento simbólico, como: o egocentrismo, forma de
funcionamento mental em que tudo o que acontece está de alguma forma
ligado a ela; animismo, tende a dar vida a seres inanimados; artificialismo,
acreditando que tudo que há no mundo foi criado pelas pessoas; finalismo,
tudo existe para uma finalidade, como, por exemplo, a nuvem movimenta-
se para tapar o sol (PIAGET, 1987).
Para Vygostky (1987), os aspectos do desenvolvimento do brincar
incluem a apresentação de vários papéis no desenvolvimento cognitivo,
auxiliando a criança a alcançar níveis mais elevados de funcionamento,
sendo que as funções do brincar possibilitam desenvolver o pensamento
abstrato, a aprendizagem como socialmente assistida e como ferramenta de
autoaprendizagem.
Os mecanismos para atingir tais funções seriam o faz de conta, a
substituição de objetos e o brincar como contexto para a zona de
desenvolvimento proximal. Esses mecanismos também contribuem no
desenvolvimento da autorregulação, da cooperação, da memória, da
linguagem e da alfabetização. Vygotsky equipara a importância do brincar
no desenvolvimento social, emocional e cognitivo; e o vê como forma da
criança entrar em contato com conteúdo e desafios além de sua capacidade
atual, estimulando seu desenvolvimento (JOHNSTON; WARDLE;
CHRISTIE, 2005). Vygotsky (1966) afirma que a habilidade cognitiva,
com destaque para a linguagem e a capacidade de autorregulação, é
desenvolvida através do brincar simbólico. O significado desta visão
tornou-se cada vez mais reconhecido como a evidência de que essas duas
habilidades, linguagem e autorregulação, estão intimamente
interrelacionadas (VALLATON; AYOUB, 2011) e, juntas, formam os
preditores mais poderosos de desempenho acadêmico das crianças e de seu
bem-estar emocional (WHITEBREAD, 2011).
Assim, de acordo com a teoria vygotskyana, a brincadeira de faz de
conta, quando atinge seu estado maduro, promove a autorregulação e
fornece a base para outras atividades ou interações que, por sua vez,
estimulam a aprendizagem do pensamento simbólico e emocional, da
linguagem falada e dos primórdios de alfabetização (GERMEROTH et al.,
2019).
Vygotsky (1978) observou em seus estudos que certos tipos de
brincadeiras infantis (principalmente brincar com objetos e o faz de conta)
são, muitas vezes, acompanhadas de falas autodirigidas, em que as crianças
são observadas falando sobre sua brincadeira. A produção dessa fala é
extremamente comum durante estes tipos de brincadeiras infantis e está
claramente associado a episódios de desafio e solução de problemas
(WHITEBREAD, 2011).
O faz de conta, portanto, é uma atividade psicológica altamente
complexa apoiada em uma função psíquica superior. A imaginação
criadora é acionada nesta atividade lúdica pela impossibilidade de
satisfação imediata de desejos por parte do sujeito. O "fazer de conta"
articula, no sujeito, as dimensões: afetivo-emocional, psicomotora,
sociocomunicativa e cognitiva. Logo, ao mesmo tempo em que a
imaginação criadora é condição necessária ao "fazer de conta", ela é
constituída, fortalecida e ampliada por ele (VYGOTSKY, 1978).
O brincar de faz de conta, em sua fase mais avançada de
desenvolvimento, propicia que um objeto possa ser referido como se ele
existisse, embora não exista (por exemplo, ingestão de alimentos invisíveis).
Isso inclui habilidades para usar objetos e ações como representações
simbólicas de forma independente do contexto e aparência
(descontextualização); para envolver outras pessoas (incluindo figuras
inanimadas) no faz de conta, e assumir papéis (descentração); para
combinar ações de faz de conta em sequências cada vez mais lógicas
(sequenciação); e, enfim, para se engajar em planejamento prévio do
brincar de faz de conta (PIAGET, 1975; VYGOTSKY, 1978). O brincar
de faz de conta pode promover o desenvolvimento cognitivo e
competência, assim como a autorregulação e a capacidade de tomar
iniciativa (NICOLOPOULOU; SÁ; ILGAZ; BROCKMEYER, 2010).
O faz de conta é uma habilidade cognitiva que pode ser
identificada por três importantes ações durante o brincar: a utilização de
um objeto no lugar de outro, a utilização e atribuição de alguma
propriedade, ou a referência a algum objeto ou ação que está ausente
(LEWIS; BOUCHER; ASTELL, 1992). É considerada a forma mais
complexa (madura) de brincar para a criança em idade pré-escolar e a
forma mais desafiadora para a criança (VYGOTSKY, 1987).
Quando a criança cria e recria as regras do brincar, a partir da sua
criatividade e imaginação, ela está expressando seu caráter ativo e
transformador de seu próprio desenvolvimento. Na brincadeira de faz de
conta essa expressão é mais visível. Papalia, Olds e Feldman (2006),
afirmam que pelo faz de conta a criança desenvolve a adoção da perspectiva
do outro, exercita a linguagem e experimenta os diversificados papéis
existentes na sociedade. Ao brincar de faz de conta a criança integra o
pensamento lógico e sequencial, e faz uso da linguagem narrativa (JELLIE,
2007). A narrativa coerente exige organização lógica e sequencial de ações
de brincar, demonstrando a capacidade das crianças de transmitir o pensar
e prever o que vai acontecer (PETER, 2003; STAGNITTI, 2007).
O brincar de faz de conta pode ser classificado em brincar
imaginativo-convencional, quando a criança brinca com objetos
semelhantes ao original tais como panelinhas, carrinhos, bonecas etc.; e o
brincar simbólico (quando a criança faz uso de substituição de objetos, ou
seja, uma caixa de papelão pode ser uma cama ou um carro, uma toalha
pode ser o cobertor, um bloco pode ser o celular etc.) (STAGNITTI,
2017), sendo observado quando as crianças brincam de casinha, de
escolinha, criam cenas de brincadeira (STAGNITTI, 2017) podendo ser
exemplificado quando a criança está brincando “como se” algo estivesse
acontecendo e não é literal, ou seja, não precisa de um significado lógico
(LILLARD et al., 2013).
Esse tipo de brincadeira está associado ao desenvolvimento de uma
resolução divergente e convergente de problemas, consciência social,
integração social e emocional, capacidade de simbolizar, aumento de
enunciados da linguagem e maior compreensão da história (STAGNITTI,
2010). Ao brincar de faz de conta as crianças dão significado ao que estão
brincando através das principais habilidades cognitivas: a capacidade de
usar um objeto como outra coisa; atribuir propriedades ao objeto; fazer
referências a objetos ausentes; usando uma história no brincar; e
pensamento simbólico sustentado, como pensar em outra realidade
(STAGNITTI, 2010b). O brincar de faz de conta pode ser social, em que
um grupo de crianças compartilha uma realidade alternativa, agindo como
se fossem pessoas diferentes em outro lugar e hora, ou pode ser uma
atividade individual. É mais proeminente na primeira infância, entre as
idades de 3 e 5 anos, embora continue na fase escolar e além (LILLARD et
al., 2013).
A capacidade das crianças em auto iniciarem o brincar de faz de
conta, está intimamente relacionado com o desenvolvimento das
habilidades de linguagem, sociais (participação, interação social e
negociação com pares), emocionais (capacidade de autorregulação), das
funções mentais superiores (linguagem, memória, atenção, consciência,
representações mentais, entre outras), e de compreensão de conceitos, do
uso de símbolos no brincar e na organização do tempo na brincadeira
(STAGNITTI, 2009).
Em síntese, o faz de conta pode ser pensado como "prática para a
vida real". Representa a integração de processos cognitivos e afetivos. Os
processos cognitivos compreendem, entre outros, pensamento divergente,
simbolismo e uma organização fluente de histórias. Os processos afetivos
incluem expressão de emoções e afetam temas na história do brincar
(DELVECHIO et al., 2016).
Estudos sobre o brincar de faz de conta
Algumas evidências vincularam o brincar de faz de conta à
regulação emocional (WHITEBREAD; O'SULLIVAN, 2012),
criatividade, solução de problemas e cognição (MOORE; RUSS, 2006;
NICOLOPOULOU et al., 2010); competência social (RAKOCZY, 2008;
UREN; STAGNITTI, 2009) e com a compreensão social e emocional
(teoria da mente) (LIN et al., 2017). Crianças com déficits no brincar de
faz de conta têm dificuldades em participar de atividades que exigem
engajamento social, linguagem e autorregulação, levando a problemas na
educação infantil e no ensino fundamental (RODGER, 2010;
STAGNITTI; UNSWORTH; RODGER, 2000). Outros estudos
destacam que o brincar de faz de conta está intimamente ligado à
linguagem (O´CONNOR; STAGNITTI, 2011; REYNOLDS et al.,
2011; STAGNITTI et al., 2012; KIRKHAM; STEWART; KIDD, 2013;
STAGNITTI; LEWIS, 2015; STAGNITTI et al., 2016).
O´Connor e Stagnitti (2011) avaliaram 35 crianças, com idade
entre 5 e 8 anos, matriculadas em uma escola especial, com diagnóstico de
deficiência intelectual, podendo apresentar outros diagnósticos associados.
Essas crianças foram divididas em dois grupos (19 participaram do grupo
de intervenção, com base na terapia "Learn to Play"
5
, e as outras 16
participaram do grupo controle, com a participação de atividades
tradicionais de sala de aula), com o objetivo de investigar a eficácia da
terapia Learn to play (a qual estimula as habilidades do brincar de faz de
conta), desenvolvida durante seis meses, na melhora do comportamento,
linguagem e habilidades sociais dessas crianças. Os resultados apontaram
que as crianças participantes do grupo experimental, quando comparadas
ao grupo controle apresentaram melhor desempenho referente ao
comportamento, maior sociabilidade e interatividade e menor
desconectividade com os pares, com ganhos significativos no jogo
simbólico, menor presença de comportamentos de imitações e melhora
significativa na linguagem.
Reynolds e colaboradores (2011) desenvolveram um estudo com
26 crianças de 6 anos de idade, sendo um grupo de estudantes de uma
5
Essa terapia será comentada brevemente no item 3 deste capítulo.
escola com um currículo baseado no brincar e outro grupo de estudantes
de uma escola com sala de aula tradicionalmente estruturada, em áreas
socioeconômicas baixas em Victoria, Austrália. As brincadeiras, a
linguagem e as habilidades sociais das crianças foram avaliadas no ingresso
do ano (fevereiro) e novamente no início do segundo semestre (agosto).
Na avaliação inicial observou-se homogeneidade entre os grupos quanto à
linguagem, habilidades sociais, idade e sexo, sendo que todas as crianças
apresentavam capacidade de brincar atrasada. Após 6 meses de ensino, as
crianças da escola com currículo lúdico obtiveram pontuações
significativamente mais altas nas habilidades de brincar, linguagem
narrativa e linguagem semântica e pontuações mais baixas em desconexão
social, demonstrando que um currículo baseado no brincar atende às
necessidades de desenvolvimento e aprendizagem das crianças de forma
mais eficaz.
Stagnitti e colaboradores (2012) investigaram a mudança na
relação entre brincadeira, linguagem e habilidades sociais de 19 crianças de
5 a 8 anos (sendo 10 com TEA), matriculados em uma escola especial,
antes e após a participação no programa 'Learn to play', uma intervenção
lúdica que visa o desenvolvimento de habilidades de brincadeira de faz de
conta autoiniciada em crianças, que ocorria por 1 hora, duas vezes por
semana. As habilidades lúdicas, de linguagem e sociais das crianças foram
avaliadas no início e no acompanhamento. Após 6 meses houve um
aumento de 47,3% na interação social, 36% na conexão social e 50% na
capacidade de substituição de objetos, considerada uma habilidade de
linguagem não verbal.
Kirkham, Stewart e Kidd (2013), realizaram um estudo
longitudinal junto a 31 crianças para investigar o desenvolvimento de
interrelações entre linguagem, simbolismo gráfico e brincar simbólico, aos
3 e aos 4 anos de idade. Os resultados encontrados sugerem que as
habilidades gráficas, de linguagem e do brincar simbólico estão
interrelacionados e se desenvolvem em paralelo ao momento em que os
dados foram analisados, ou seja, aos 4 anos de idade.
Stagnitti e Lewis (2015) investigaram se a qualidade das
brincadeiras de faz de conta de crianças em idade pré-escolar prediz sua
organização semântica e capacidade de recontar uma narrativa quando
estavam no início da escola primária. Quarenta e oito crianças foram
avaliadas inicialmente aos 4-5 anos e depois aos 7-8 anos. Os resultados
indicam que a complexidade da brincadeira de uma criança e sua
capacidade de usar símbolos em crianças pré-escolares foram preditivas de
habilidades de organização semântica e de recontar uma narrativa para
essas crianças em idade escolar.
Stagnitti e colaboradores (2016) investigaram a influência de um
currículo baseado no brincar no desenvolvimento de habilidades do faz de
conta e linguagem oral em crianças que frequentam o primeiro ano de
escolaridade formal. Dois grupos de 54 crianças foram acompanhados
longitudinalmente ao longo dos primeiros 6 meses de seu primeiro ano na
escola. As crianças do grupo experimental frequentavam uma escola com
um currículo lúdico; as crianças do grupo de controle frequentavam escolas
que seguiam um currículo tradicional. Os resultados sugeriram que, além
de melhorar as habilidades lúdicas e de linguagem narrativa, o currículo
lúdico também influenciou positivamente na aquisição da gramática.
Procedimentos de Terapia Ocupacional: Avaliações e intervenções com
foco no brincar
O processo de terapia ocupacional envolve as etapas de avaliação
(diagnóstico clínico e ocupacional) e de intervenção para se alcançar o
desfecho que é a maior autonomia no engajamento às ocupações
significativas para a criança. A avaliação acontece por meio de técnicas de
entrevistas e de aplicação de protocolos de avaliação, para se obter
informações sobre o perfil ocupacional da criança, onde o terapeuta
ocupacional busca, junto aos pais e cuidadores, informações sobre as
características da criança (idade, gênero, escolaridade, diagnóstico clínico,
alterações de funções e estruturas corporais), intercorrências prévias
(internações, doenças), padrões de vida diária (estrutura familiar, rotina
diária), interesses (brincadeiras preferidas, o que ela quer e precisa fazer); e
sobre o desempenho ocupacional, para identificar o como a criança realiza
as atividades relevantes e significativas para a criança e verificar a eficácia
das habilidades e padrões de desempenho (PFEIFER, 2020). As
intervenções podem ser realizadas por meio de várias estratégias que podem
envolver o uso de ocupações e atividades; métodos e tarefas preparatórias;
educação e treinamento; e intervenções individuais ou em grupo (AOTA,
2020; PFEIFER, 2020), assim como modelos mais estruturados de
intervenção, os quais apresentam mais orientações de procedimentos
(PFEIFER, 2020).
Existem quatro instrumentos de avaliação do brincar, adaptados
transculturalmente para a população brasileira: Escala Lúdica Pré-escolar
Knox revisada (ELPKr) (SPOSITO; SANTOS; PFEIFER, 2019); as
avaliações do modelo lúdico: Avaliação do Comportamento Lúdico (ACL)
e Entrevista Inicial com os Pais (EIP) (SANT´ANNA et al., 2015); e
Avaliação do Brincar de Faz de Conta Iniciado pela Criança (ChIPPA)
(PFEIFER et al., 2011).
A Escala Lúdica pré-escolar de Knox - revisada (ELPKr) possibilita
identificar as habilidades que as crianças usam enquanto estão brincando,
considerando que é possível avaliar o desenvolvimento infantil a partir da
observação do brincar (BUNDY, 2010). Avalia crianças de 0 a 72 meses
de idade a partir das habilidades esperadas, para cada faixa etária (0 a 6
meses, 6 a 12 meses, 12 a 18 meses, 18 a 24 meses, 24 a 30 meses e 30 a
36 meses, 36 a 48 meses, 48 a 60 meses e 60 a 72 meses) dentro do processo
evolutivo típico de brincar, as quais estão distribuídas em quatro
dimensões: domínio espacial, domínio material, faz de conta e participação
(KNOX, 2002; SPOSITO; PFEIFER, 2020). Embora exista um checklist
dos itens a serem observados e avaliados, ainda não um manual de
orientação, nem no Brasil e nem na versão original (PFEIFER; SPOSITO,
2021).
A Entrevista Inicial com os Pais (EIP) é um roteiro de perguntas
estruturadas e semiestruturadas, com o objetivo de coletar dados sobre o
desempenho lúdico da criança pré-escolar em casa, na perspectiva dos pais
ou de seu responsável e saber como os pais percebem o brincar de seu filho,
identificar o interesse da criança, sua maneira de comunicar, do que gosta
e, também, do que não gosta, se tem brinquedos, se os pais sabem o que
seu filho prefere e o porquê das escolhas, com quem gosta de brincar e
como é a atitude lúdica dele em seu dia a dia (SANT´ANNA et al., 2015).
A Avaliação do Comportamento Lúdico (ACL) possibilita que o
terapeuta ocupacional identifique as capacidades, interesses e
características da criança em sua globalidade, dentro de uma perspectiva
positiva. Por meio da observação do brincar livre, assim como de situações
construídas, quando necessário, o terapeuta deve criar um verdadeiro
ambiente lúdico, oferecendo liberdade de escolha e direção para a criança,
ofertando os brinquedos, elencados na EIP com os pais, que são de seu
interesse e, a partir desses, ofertar outros brinquedos (personagens,
caminhões, blocos, giz, papel, tesoura, bonecas, pente, copos, bolinhas
coloridas etc.) (FERLAND, 2006; SANT´ANNA et al., 2015).
A ChIPPA é um instrumento padronizado que avalia a habilidade
da criança com idade entre 3 e 7 anos e 11 meses, em iniciar e manter o
faz de conta tanto no brincar imaginativo-convencional quanto no brincar
simbólico. A avaliação tem duração de 18 minutos para crianças de 3 anos
e de 30 minutos para crianças entre 4 e 7 anos e 11 meses de idade
(STAGNITTI, 2019). A ChIPPA possui um kit de avaliação composto
por materiais padronizados para cada uma das duas categorias do brincar
(brincar simbólico e brincar imaginativo-convencional) e permite que a
criança tenha liberdade para, espontaneamente, desenvolver ideias e iniciar
brincadeiras durante todo o período da avaliação; é baseado no pressuposto
de que a brincadeira de faz de conta está ligada ao comportamento de
alfabetização e é importante no desenvolvimento da criança porque tem
relação direta com o desenvolvimento cognitivo, da linguagem e
socioemocional (SWINDELLS; STAGNITTI, 2006).
Estes instrumentos possibilitam mapear as competências e as
dificuldades das crianças em relação ao seu comportamento lúdico e, a
partir deste diagnóstico, os terapeutas ocupacionais podem intervir visando
desenvolver as habilidades lúdicas das crianças. Destacam-se aqui dois
modelos de intervenção com foco no brincar, desenvolvido por terapeutas
ocupacionais: Modelo Lúdico (FERLAND, 2006) e a Terapia Learn to
Play (STAGNITTI, 2021).
O Modelo lúdico é uma intervenção dinâmica, de modo que o
terapeuta e a criança interajam na brincadeira e se influenciem
mutuamente. Durante a terapia a criança é estimulada a brincar a partir de
suas próprias possibilidades, de forma que consiga desenvolver suas
capacidades e potencialidades. Considera o brincar como uma atividade
subjetiva em que prazer, interesse e espontaneidade se permeiam e, embora
tenha sido desenvolvida como uma abordagem para crianças com
deficiência física grave, é também indicado as que tenham necessidade de
superar desafios e dependência, descobrindo o prazer de fazer. É uma
abordagem de intervenção centrada na criança e na família, que se inicia a
partir dos pontos fortes da criança, para alcançar o que ela quer e precisa
fazer. A partir de seu desejo, a criança inicia uma brincadeira e o terapeuta
vai construindo seus objetivos a partir da sua escolha. Identificar as
características lúdicas da criança é a ferramenta que o terapeuta
ocupacional tem para construir as estratégias de intervenção e ele obtém
estas informações por meio dos instrumentos de avaliação acima descritos.
A terapia Learn to Play é um programa dinâmico e interativo,
projetado para estimular a capacidade de uma criança iniciar
espontaneamente o brincar de faz de conta (STAGNITTI, 2014;
STAGNITTI, 2021). Fundamenta-se na premissa do brincar de faz de
conta estimular a autorregulação, auxiliar no desenvolvimento de
habilidades prévias para a alfabetização
e, também, desenvolver habilidades
de socialização (STAGNITTI, 2009). A Terapia Learn to Play objetiva
desenvolver habilidades da criança para se envolver no faz de conta e
estimular a iniciativa espontânea no engajamento do faz de conta
(STAGNITTI, 2014; STAGNITTI, 2021).
A partir do diagnóstico de desempenho lúdico, de modo geral
obtido por meio da aplicação da ChIPPA, o terapeuta precisa organizar a
intervenção a partir dos conhecimentos do desenvolvimento das
habilidades presentes no faz de conta: (1) os temas das brincadeiras (as
histórias que as crianças criam durante as brincadeiras); (2) as sequências
de ações na brincadeira (capacidade da criança em sequenciar as ações
lúdicas); (3) a substituição de objetos (capacidade de utilizar um objeto
para representar alguma coisa na brincadeira); (4) a interação social
(capacidade de brincar com outros); (5) dramatização (capacidade de
interpretar papéis); e (6) descentração (capacidade de brincar com
boneca(o) ou bichos de pelúcia como se eles tivessem vida própria)
(STAGNITTI, 1998; STAGNITTI, 2021).
Pode ocorrer tanto no setting terapêutico quanto escolar e pode ser
em atendimentos individualizados ou em grupo (STAGNITTI, 2009).
diversos estudos que demonstram evidências de seu uso em contexto
clínico (STAGNITTI; PFEIFER, 2017; STAGNITTI; CASEY, 2011),
assim como em contexto escolar (STAGNITTI et al., 2012; STAGNITTI
et al., 2016; O’CONNOR; STAGNITTI, 2011). O ambiente para a
intervenção não precisa ser muito grande, o chão deve estar livre e com
poucos estímulos. O terapeuta convida a criança para brincar e
disponibiliza brinquedos (convencionais) e objetos não estruturados
(caixas, tecidos, papel), organizando a brincadeira a partir de uma
“história”, estimulando e acompanhando a brincadeira da criança,
oferecendo um tempo para brincar, e aumentando a complexidade da
brincadeira conforme a capacidade da criança para manter a motivação e
interesse na brincadeira (STAGNITTI, 2009).
É um processo ativo e o terapeuta precisa estar disposto a brincar e
se divertir junto com a criança, sendo que os pais são participantes ativos
do processo e interagem durante a terapia e são estimulados a brincar com
os filhos em casa também.
Considerações Finais
O faz de conta é a forma mais complexa, madura e desafiadora do
brincar em crianças pré-escolares, apresentando íntima correlação com o
desenvolvimento cognitivo, emocional, social e da linguagem.
Desta forma, a identificação de déficits no brincar e,
especificamente no brincar de faz de conta, por meio de avaliações
validadas para a população brasileira, pode contribuir para um diagnóstico
precoce de alterações de aprendizagem e favorecer a um encaminhamento
para intervenções terapêuticas.
Neste sentido, as intervenções voltadas para a estimulação do
brincar, apresentadas neste capítulo podem contribuir com o processo de
aprendizagem de diversas habilidades pré-acadêmicas, incluindo a
linguagem, o que instrumentalizará a criança para as demandas acadêmicas
escolares.
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Capítulo 7
A Integrão Sensorial e Suas Interfaces com as Habilidades
de Comunicação
Paula de Jesus Mendes Serrano
Aila Narene Dahwache Criado Rocha
Camila Boarini dos Santos
Introdução
O desenvolvimento infantil é o período de maior importância da
vida humana, visto que as habilidades adquiridas preparam a criança para
as fases seguintes da vida (SOUZA et al., 2018; SOUZA; VERÍSSIMO;
CRUZ, 2018; BRITO et al., 2020).
Aspectos importantes do desenvolvimento infantil são a linguagem
e a comunicação, dada a sua centralidade para a socialização e a
aprendizagem. Estudos apontam que quanto melhor o desenvolvimento
da linguagem, mais hábeis as crianças serão em comunicar seus
pensamentos, sentimentos, ideias, intenções e compreender os mesmos
processos nos outros (ZAUCHE et al., 2016; LAMEGO; MOREIRA;
BASTOS, 2018; SARGIANI; MALUF, 2018).
A linguagem envolve componentes expressivos e receptivos. A
linguagem expressiva envolve a comunicação de ideias, intenções e
emoções, a linguagem receptiva envolve compreender o que é dito por
outra pessoa, inclui a compreensão auditiva (escuta), a descodificação
https://doi.org/10.36311/2022.978-65-5954-326-7.p145-176c
alfabetizada (leitura) e a compreensão dos sinais não verbais (gestos,
expressões faciais, tom da voz). O desenvolvimento da linguagem é
dependente da interação de vários sistemas enquanto a criança aprende a
conhecer as suas capacidades e o mundo social e físico que a rodeia.
Ao analisar o desenvolvimento da comunicação é possível perceber
que na realidade a criança aprende a se comunicar durante as suas
ocupações no seu cotidiano. E que, no dia a dia, os eventos raramente
chegam até à criança através de uma única modalidade sensorial. As
interações com o meio físico e social são experiências multissensoriais, que
resultam de uma combinação de informações que nos chegam através de
várias modalidades sensoriais. O cérebro integra estas informações
multissensoriais para que seja possível ter uma representação completa e
coerente do que está a ser percepcionado e consequentemente, para que
sejam organizadas respostas comportamentais adequadas.
Destaca-se que estudos que analisaram imagens cerebrais,
identificaram que informações sensoriais multimodais podem ser
processadas em áreas compartilhadas do cérebro. Neste sentido, foram
identificadas relações entre a rede neuronal responsável pelo
processamento das informações sensoriais e a de processamento de
linguagem (WAN et al., 2010; WILLEMS et al., 2007).
Os benefícios comportamentais da integração multissensorial
precoce são importantes para o desenvolvimento do reconhecimento do
rosto e das emoções dos outros, importantes para a adaptação ao meio.
Como exemplo é possível destacar a habilidade dos bebês em conseguir
relacionar as informações entre as vozes e os movimentos labiais. A
integração entre as informações visual e auditiva permite que os bebês
mostrem uma melhor resposta quando os movimentos dos lábios são
sincronizados com sons da fala e uma resposta diminuída quando os sons
não são sincronizados (PATTERSON; WERKER, 2003). Além disso,
bebês de quatro meses podem perceber emoções (alegria, tristeza ou raiva)
em palavras que são apresentadas em conjunto com imagens que as
representam (FLOM; BAHRICK, 2007), e discriminar as emoções num
contexto multimodal, isto é, estabelecer relações entre rostos (modalidade
visual) e vozes (modalidade auditiva) (FLOM; BAHRICK, 2007;
CARON; CARON; MACLEAN, 1988).
A investigação com bebês de sete a oito meses, mostrou também,
que os bebês ao ouvirem uma pseudo-palavra enquanto os cuidadores
faziam cócegas (estímulo multimodal - 'Auditivo/Tátil'), e ouvir a pseudo-
palavra sem cócegas (estímulo unimodal - Auditivo’), evidenciaram que o
processamento neural da integração auditiva e tátil foi reforçado, o que
pode refletir um aumento atenção à informação social. Nessa pesquisa, os
autores concluíram que a integração entre as informações auditiva e tátil
norebro das crianças é facilitada pela interação tátil com os outros e que,
as alterações de processamento neural resultantes dessa integração visuo
tátil pode promover a interação social harmoniosa e a aprendizagem eficaz
na infância (TANAKA et al., 2018).
Jean Ayres desenvolveu a teoria da Integração Sensorial e usou esta
denominação para descrever a forma como a sensação é detectada,
interpretada e transmitida por meio do sistema nervoso para produzir
respostas adaptadas ao meio. A Integração Sensorial é a capacidade de
processar, integrar e organizar os inputs sensoriais provenientes do corpo e
do ambiente, a fim de que seja possível uma resposta adaptativa do
indivíduo, frente às demandas funcionais. O sistema nervoso central deve
ser capaz de perceber, selecionar, melhorar, inibir, comparar e associar as
informações sensoriais em padrões flexíveis, constantes e mutáveis,
podendo, assim, trabalhar de forma integrativa (AYRES, 1989; SCHAAF;
MAILLOUX, 2015; SERRANO, 2016; ANDRADE, 2020;
MONTEIRO et al., 2020).
Ayres referiu a Disfunção de Integração Sensorial para descrever a
dificuldade em detectar, transmitir, integrar e/ ou organizar a informação
sensorial para produzir respostas adaptadas ao meio. As Disfunções de
Integração Sensorial foram definidas ao longo de vários anos, sendo
identificadas por meio da utilização de avaliações padronizadas, e de
estudos e análises de fatores utilizados no âmbito da terapia ocupacional.
A teoria da Integração Sensorial passou a ser usada para explicar o
comportamento, planejar a intervenção e prever como o comportamento
se modifica por meio da intervenção. Os três principais componentes da
teoria da Integração Sensorial descrevem o desenvolvimento típico da
Integração Sensorial, a Disfunção de Integração Sensorial e orientam os
programas de intervenção (BUNDY; LANE; MURRAY, 2002).
Ayres propôs que os sistemas sensoriais não se desenvolvessem
independentemente uns dos outros; e que, os processamentos visual e
auditivo dependem dos sentidos fundamentais centrados no corpo (tátil,
vestibular e proprioceptivo). De acordo com Ayres, a informação sensorial
não é processada isoladamente e, dada esta característica essencial do
sistema nervoso central, a intervenção terapêutica que incorpora a sensação
vai afetar a percepção multissensorial, o que influenciará a aprendizagem e
o comportamento (AYRES, 1972; AYRES, 1989).
Segundo Serrano (2016), as Disfunções de Integração Sensorial
podem ser classificadas em três grupos: alterações na Modulação Sensorial
(hiper-reatividade, hiporreatividade ou procura sensorial), alterações de
discriminação sensorial e alterações motoras de base sensorial que são
marcadas pela falta de habilidade em controlar o corpo durante o
movimento (alterações posturais) e pelas dificuldades de planejar,
sequenciar e executar ações motoras durante as atividades (dispraxia). Essas
condições afetam tanto as crianças com desenvolvimento típico, as quais
não possuem nenhum tipo de deficiência associada, quanto as crianças
com desenvolvimento atípico (BEN-SASSON; CARTER; BRIGGS-
GOWAN, 2009; ALMEIDA,2020; BRITO et al., 2020; MONTEIRO et
al., 2020).
No entanto, o diagnóstico de Disfunção de Integração Sensorial
requer evidências de distúrbios nos sistemas vestibular, proprioceptivo e
tátil, não causadas por lesões centrais ou periféricas ou relacionadas a déficit
cognitivo (AYRES, 1989, TUNG et al., 2013).
Indivíduos com Disfunção de Integração Sensorial podem
apresentar desafios de participação nas suas ocupações. O termo
participação é compreendido na Terapia Ocupacional como o
envolvimento/engajamento em uma situação de vida que acontece,
quando os indivíduos estão ativamente envolvidos na realização das
ocupações nas quais encontram propósito e significado. Sendo o
envolvimento/engajamento, por sua vez, corresponde ao desempenho das
ocupações como o resultado da escolha, motivação e sentido, dentro de
um contexto e ambiente que ofereça suporte (AOTA, 2014a; AOTA,
2020b).
Em relação à comunicação, a literatura identifica que muitas
crianças com distúrbios da fala têm funções reduzidas nos sistemas
sensoriais vestibular, proprioceptivo e tátil, em comparação com crianças
típicas. Quando uma criança tem Disfunção de Integração Sensorial, como
a disfunção de discriminação auditiva ou disfunção de discriminação tátil
e proprioceptiva na região oral, o desenvolvimento da oralidade é afetado,
causando desafios como atrasos no desenvolvimento da fala e distúrbios da
articulação. Ayres levantou a hipótese de que a Disfunção de Integração
Sensorial está relacionada à capacidade de processamento do sistema
sensorial central. Diferentes estudos identificam que pode existir uma
relação entre os desafios de comunicação e a Integração Sensorial (AYRES;
MAILLOUX, 1981; VISSCHER et al., 2007; KLECAN-AKER et al.,
1995; MAUER, 1999). Vários estudos mostraram que a integração da
informação através das diferentes modalidades prevê o desempenho verbal
em crianças em idade escolar, sugerindo que as competências primárias de
integração multissensorial podem ter impacto na aquisição de aptidões
verbais (ROSE; FELDMAN; WALLACE, 1992; ROSE et al.,1998).
Além disso, evidência de que os déficits de Integração Sensorial
podem resultar em várias dificuldades, tais como a aprendizagem de novas
competências, a organização, a regulação da atenção e o envolvimento em
experiências sociais positivas (AYRES, 1972). As dificuldades na
Integração Sensorial podem estar também associadas com vários distúrbios
do neurodesenvolvimento. O estudo de Greenfield et al (2015) mostrou
que as crianças com Transtorno do Espectro Autista (TEA) apresentam
dificuldade no processamento das características modais (sincronização
temporal) na integração visuo tátil, levando-as a ter maior dependência da
informação proprioceptiva. Concluíram que esta dificuldade na
sincronização da informação dos sistemas visual e tátil pode levar a falhas
na interpretação da informação de eventos relacionados, o que pode ter
impacto na sensibilidade aos estímulos sensoriais, à representação corporal,
entendimento social e aos processos como empatia e imitação.
Ainda sobre a relação entre a comunicação e a Integração Sensorial,
estudos demonstram que os comportamentos característicos de uma
criança com Disfunção de Integração Sensorial podem trazer desafios
importantes em relação a sua participação no meio em que vive e
consequentemente impactos no desenvolvimento das habilidades
comunicativas e de aprendizagem (AYRES; MAILLOUX, 1981;
KLECAN-AKER et al., 1995, TUNG et al., 2013).
Assim, destacam-se neste capítulo, reflexões sobre a intervenção do
terapeuta ocupacional junto a crianças com Disfunção de Integração
Sensorial e desafios de comunicação. Discute-se a necessidade de um
raciocínio clínico que considere a relação entre a Integração Sensorial, as
habilidades comunicativas e o brincar, garantindo que o profissional realize
um processo avaliativo abrangente e uma intervenção por meios dos
princípios da Abordagem de Integração Sensorial de Ayres que articule
todos os aspectos.
Desenvolvimento
Para desenvolver esse manuscrito, as autoras lançaram mão de um
Relato de Experiência, que de acordo com Grollmus e Tarrés (2015) se
trata de uma perspectiva metodológica de caráter qualitativo em formato
de narrativa, com objetivo de descrever um conhecimento vivenciado
enfatizando questões que sinalizam evidências científicas, de modo
subjetivo e detalhado. Uma das principais justificativas para esse uso, é a
de que expondo a experiência vivenciada, bem como os procedimentos,
intervenções e técnicas que foram aplicadas é possível refletir sobre a
temática a partir da literatura existente e identificar novos problemas de
pesquisa a serem investigados. Essa opção pode ser justificada cujo foco
que se pretende evidenciar nessa análise, a saber: a relação do
processamento sensorial com engajamento em ocupações infantis
importantes para o desenvolvimento da comunicação.
As principais fontes de dados consideradas foram os registros de
prontuário, bem como filmagens envolvendo cada um dos casos,
incluindo, portanto, arquivos oficiais disponíveis. Essa escolha teve por
objetivo evidenciar o trabalho realizado pela terapia ocupacional ao longo
das intervenções com abordagem de Integração Sensorial enfatizando os
registros relacionados ao brincar, a linguagem e a comunicação.
Para auxiliar na interpretação dos dados identificados, foi utilizada
a análise temática, procurando contemplar o que havia de comum entre os
casos de cada cenário, relativamente ao tema da pesquisa.
A análise deste estudo teve como ênfase um processo descritivo
com base em Bardin (2016), ou seja, foram definidos temas a partir do
objetivo central do estudo e da análise dos registros de cada caso, a partir
das seguintes etapas: leitura exaustiva dos materiais (anamnese, avaliações,
registro de evolução, relatórios de orientações realizadas a familiares e
professores, relatórios de registro de visita escolar e domiciliar e relatórios
de reavaliações) e identificação de trechos importantes no arquivo de
filmagem, de cada caso estudado, evidenciando a participação das crianças
em atividades lúdicas durantes as intervenções realizadas. A partir desse
material, foi possível contemplar duas categorias principais: a)
Contextualização geral do caso de cada criança; e b) Aspectos específicos
em relação a Integração Sensorial, o brincar e a comunicação.
Relatos de vivências na Integração Sensorial
Os resultados serão apresentados e discutidos trazendo dados de
dois casos selecionados para esse estudo envolvendo os cenários de trabalho
das autoras de cada país envolvido. Assim, primeiramente, serão
apresentados os dados do caso de Lourenço de Portugal e, em seguida, os
dados relacionados ao caso de Rafaela do Brasil.
Lourenço
Lourenço, tem 17 meses e foi avaliado em Terapia Ocupacional a
pedido dos pais, por encaminhamento do neuropediatra devido a
preocupações relativas ao desenvolvimento global. Lourenço é o primeiro
filho de um casal jovem, e nasceu no início da pandemia da Covid-19. A
família esteve em teletrabalho durante o primeiro ano de vida do bebê,
enquanto este esteve exposto a várias horas de televisão diariamente. Com
15 meses foi integrado num jardim de infância onde teve dificuldades na
adaptação. Chorava quando os pais o deixavam e manifestava receio
quando as outras crianças se aproximavam. A educadora estava muito
preocupada porque ele parecia não ter motivação para brincar.
Lourenço nasceu de uma gravidez de 39 semanas. O parto foi por
cesariana. Ao nascer apresentava 3050 g de peso, 50 cm de comprimento,
e Apgar de 9 aminuto e 10 aos 5 minutos. Relativamente aos exames
médicos, até ao momento da avaliação, foi realizado o estudo dos
potenciais evocados auditivos, com resultados normais.
Lourenço sempre foi um bebê muito calmo e muito sedentário.
Sentou-se aos 12 meses, iniciou o engatinhar aos 14 meses e aos 17 meses
começou a colocar-se de apoiando-se nos objetos. Os pais referem que
o Lourenço fica muito tempo com um objeto na mão, mas tem pouco
interesse em explorá-lo. Coloca os objetos no polegar e parece ter poucas
ideias do que fazer com eles.
A avaliação foi composta pela entrevista inicial aos pais, na qual foi
realizada a história ocupacional/sensorial; o Perfil sensorial de Dunn
(Dunn, 2002), a Escala de Avaliação das Competências de
Desenvolvimento Infantil - SGS II (BELLMAN; LINGAM; AUKETT,
2003), a Escala Lúdica Pré-Escolar de Knox (SPOSITO; PFEIFER;
SANTOS, 2012), e observações clínicas não estruturadas. O Quadro 1
apresenta os principais resultados do processo avaliativo de Lourenço.
Quadro 1 - Resultado das avaliações do Lourenço
RESULTADO DO PROCESSO AVALIATIVO DO LOURENÇO
História Ocupacional/sensorial
Lourenço é descrito pela mãe como um menino que regulou facilmente os ciclos de
sono. É alimentado com mamadeira, come sopa e alimentos sólidos aos bocados.
Mastiga, mas parece ter pouca força, e se os alimentos forem mais consistentes (ex.
carne) mastiga-os insuficientemente e não consegue engolir. Quando bebe por um
copo não faz oclusão dos lábios e o líquido sai pelos cantos da boca. Come com as
mãos e é alimentado com a colher pelo adulto. Ao nível da higiene e do vestuário
colabora pouco para ajeitar o corpo. Gosta que lhe lavem os dentes e morde a escova.
Gosta de tomar banho e de usar o chuveiro, mas não identifica partes do corpo e não
colabora quando lhe pedem para lavar uma parte do corpo.
Nas suas brincadeiras é sedentário, desloca-se para abrir e fechar gavetas e atirar o
conteúdo para o chão. Tem pouco interesse em explorar os objetos, agarrá-los e colocá-
los no polegar. Gatinha pela casa, mas se o chamarem de outra divisão o consegue
orientar-se até ao adulto que chamou. Gosta de ir à praia, de sentir a areia nas mãos e
de encher a boca com ela.
Perfil Sensorial
Os resultados do perfil sensorial do Lourenço identificam um processamento geral no
quadrante do baixo registro. Sendo que os sistemas sensoriais que obtiveram diferenças
significativas em relação à média são o sistema auditivo e tátil. Assim, em relação ao
sistema auditivo, quase sempre é necessário falar alto para chamar a atenção da criança,
além de demorar muito para reagir mesmo a vozes familiares, ignora o cuidador
quando está a falar com ela, e demora muito tempo a responder quando a chamam
pelo nome. Em relação ao sistema tátil, Lourenço apresenta diferenças significativas
em relação à média, com menos comportamentos que a média de ficar perturbado com
a lavagem do cabelo, ou cortar as unhas, e menos comportamentos de brincar com a
comida e de chapinhar no banho.
Observações clínicas não estruturadas
Lourenço foi observado na sala de terapia ocupacional enquanto brincava com a mãe,
inicialmente foi pedido à mãe para brincar como fazem normalmente em casa e
posteriormente foram-lhe dadas algumas instruções. A mãe tem uma atitude calma e
um tom de voz baixo. A sala tinha à sua disposição um pequeno escorrega de plástico,
uma rampa de madeira, escadas de material macio, caixas com massas alimentícias
secas, e alguns jogos (copos, argolas para enfiar no pino, livro interativo com botões
que fazem sons de animais, caixa com molas da roupa, e um armário com jogos
diversos. Lourenço entrou para a sala e sentou-se no colchão, depois engatinhou até à
porta e começou a bater com a mão na porta. Quando a mãe o chamava pelo nome,
demorou muito tempo a olhar para ela e só o fez quando ela falou com um tom de voz
mais alto. Coloca-se de apoiado à porta ou ao corpo da mãe e é evidente a pouca
estabilidade na cintura pélvica, a dificuldade em estabilizar o olhar quando se
movimenta e em planear o movimento. Quando a mãe canta e faz gestos com as mãos,
olha para ela, sorri, mas não a imita nem pede mais quando está para a coreografia.
Não mostra iniciativa para gatinhar e subir a rampa, ou as escadas. Foi pedido à mãe
para que o incentivasse a usar os equipamentos, mas Lourenço, contornava-os e não
interagia fisicamente com eles. Agarrou as argolas e enfiou-as no dedo polegar e o
olhou para elas. Teve o mesmo comportamento com os copos. Quando a mãe
incentivava o uso dos objetos mostrando como empilhar ou enfiar, mostrava
desinteresse e continuava com a argola ou copo enfiado no dedo. Quando lhe foi
apresentada espuma de barbear e a caixa de massas, tocou por momentos usando a
palma da mão, mas depois desinteressou-se. A mãe iniciou uma brincadeira de cócegas
em todo o corpo, e Lourenço aumentou as vocalizações, deu risadas, e quando estava
parada, ele agarrava-lhe as mãos, olhava para ela nos olhos dando a entender que queria
mais. Foi pedido à mãe para o colocar sentado na bola de Bobath e o ajudar a saltar
vigorosamente. Depois de alguns saltos, Lourenço aumentou as vocalizações,
estabilizou mais facilmente o olhar na face da mãe e aumentou significativamente a
intensidade dos sons. Depois que saiu de cima da bola, agarrou uma bola de borracha
com as duas os e conseguiu jogar para a mãe, fazendo-a deslizar pelo chão e recebê-
la de volta, mantendo-se na brincadeira por alguns ciclos.
SGS II - Escala de Avaliação das Competências de Desenvolvimento Infantil
O resultado da SGS II mostrou atraso na generalidade das áreas de desenvolvimento
global. As áreas locomotora, manipulativa e interação social encontram-se com um
desvio padrão abaixo da faixa etária. As áreas da fala e linguagem, audição e linguagem
e visual, 3 desvios padrão abaixo da faixa etária. Na área locomotora apresenta
dificuldade em andar sozinho com os pés afastados e os braços levantados para manter
equilíbrio, apanhar objetos do chão sem cair e subir escadas engatinhando. Na área
manipulativa não consegue: virar várias páginas de um livro em simultâneo ou uma de
cada vez, fazer preensão de pinça fina, fazer uma torre de 2 cubos, fazer rabiscos
movimentando o lápis de um lado para o outro. Na área da audição e linguagem têm
dificuldade em: olhar na direção da voz dos pais, virar a cabeça na direção da fonte
sonora, estar atento aos sons do dia a dia, compreender o significado de “não”,
reconhecer o próprio nome, compreender o nome das pessoas ou objetos que lhe são
familiares. Na área da fala e linguagem não emite sons continuamente, faz pouca
variabilidade de sons quando emite, não imita sons produzidos pelo adulto, o jargão
constante (vogais e consoantes) não é evidente, não utiliza uma palavra com
significado, nem comunica recorrendo a gestos e vocalizações. Na área das
competências de interação social tem poucos comportamentos de exploração dos
objetos no ambiente circundante, não bate palmas e não faz adeus, a imitação das
atividades diárias não é evidente, e não explora com interesse as propriedades e
funcionalidades dos brinquedos e de outros objetos. Na área das competências de
autonomia pessoal, não agarra a colher para se alimentar, tem dificuldade em beber de
um copo, e tem dificuldade em segurar a colher e levá-la à boca.
Escala Lúdica Pré-Escolar de Knox
Esta escala foi preenchida com base na informação recolhida durante as observações
não estruturadas e de vídeos enviados pelos pais das brincadeiras em casa com a família.
Domínio espacial 6 a 12 meses- em decúbito ventral, estende os braços para alcançar
objetos, rasteja, engatinha, senta-se com equilíbrio, é capaz de brincar com brinquedos
enquanto está sentado, apoia-se para ficar em e começa a andar.
Domínio material 0 a 6 meses - tateia, leva brinquedos à boca, bate o objeto
(pancadas), chacoalha. O objetivo é a sensação e manter a atenção por segundos.
Domínio do faz de conta ou brincar simbólico 0 a 6 meses - imitação pouco evidente
Participação 0 a 6 meses - solitário, não tentativa de interagir com outras crianças,
diverte-se sendo balançado ou erguido no ar, entrega-se facilmente e interage com o
cuidador (cócegas, com brincadeiras em que o adulto esconde seu rosto do bebê e
depois reaparece surpreendendo-o “cúti”); linguagem (atende a sons e vozes mais
fortes, balbucia, faz sons de risada com brincadeiras físicas mais intensas).
Fonte: Elaborado pelas autoras.
Os resultados da avaliação do Lourenço demonstram um atraso
global do desenvolvimento, que era evidente nas diversas áreas
ocupacionais. Nomeadamente, na área da alimentação (mastigação, beber
pelo copo, usar colher para se alimentar), na área da higiene (colaboração),
na área do brincar (brincar com o corpo, brincar com os objetos e brincar
socioemocional), na área da interação e comunicação (localizar vozes
familiares, responder ao nome, ciclos de interação, vocalizações, imitação,
uso de gestos comunicativos, compreensão de palavras).
A avaliação da Integração Sensorial revelou-nos um menino
com uma Disfunção de Modulação Sensorial caracterizada por baixo
registro da informação sensorial do corpo (tátil, proprioceptivo e
vestibular) que tem impacto direto na consciência corporal, competências
posturais, planejamento motor e integração bilateral motora. O baixo
registro é também evidente nos sistemas auditivo e visual, sendo notório
que o aumento da intensidade da informação nestes sistemas, melhora a
capacidade do Lourenço dar respostas adaptativas.
A disfunção do processamento tátil e proprioceptivo era
também evidente na área da face e da boca. O processamento da
informação tátil e proprioceptiva permite à criança ter consciência dos
movimentos dos lábios, língua e bochechas que permitem controlar a força
para mastigar, fazer a oclusão labial necessária para beber sem entornar, ou
imitar “caretas” e sons.
O processamento da informação dos sistemas auditivo e visual é
também pouco eficaz, levando a que o Lourenço demore a localizar
visualmente sons e vozes no espaço, apesar de não ter problemas de
audição. Esta dificuldade no processamento da informação visual e
auditiva interfere com a capacidade de dar significado aos sons do meio e
às vozes. Da mesma forma, a integração da informação dos sistemas visual
e tátil também é pouco eficaz. Lourenço demonstra uma reduzida
capacidade de explorar os objetos, integrando a informação visual e tátil
(raramente olha para eles quando os tem na mão e não os manipula). O
que, por consequência, reflete a dificuldade no desenvolvimento da
discriminação visual e tátil necessária para a práxis (postural e construtiva),
e é visível na capacidade usar as mãos para fazer gestos, de brincar com
objetos e usar ferramentas, como uma colher.
Estes resultados são compatíveis com um quadro Disfunção de
Modulação Sensorial caracterizada por hiporresponsividade generalizada e
Visuo Somatodispraxia.
Após a avaliação, os resultados foram analisados com os pais, e
posteriormente com a educadora do jardim de infância que frequenta. No
seguimento foram delineados os objetivos a serem alcançados nos 3 meses
seguintes.
A intervenção em terapia ocupacional com a Abordagem de
Integração Sensorial foi feita uma vez por semana, na sala de Integração
Sensorial. Os pais participaram em todas as sessões, nas quais aprenderam
a usar os sistemas sensoriais para atingir os objetivos estabelecidos, ou seja,
as respostas adaptativas desejadas. Os pais e a educadora implementaram
uma dieta sensorial em casa e no jardim de infância. Esta dieta foi
implementada incorporando maior intensidade e variabilidade de
informação sensorial, no dia a dia, com foco em brincadeiras com o corpo,
com os objetos, e com os cuidadores.
Decorridos os 3 meses foi realizada reunião com os cuidadores com
o objetivo de avaliar o grau de satisfação relativamente aos objetivos
traçados. Nesta altura foi relatado pelos pais grande evolução em termos
de controle postural e mobilidade. Os seus relatos vieram acompanhados
de muitos vídeos do dia a dia do Lourenço. Lourenço fazia marcha
autónoma, baixava-se e levantava-se para apanhar objetos, conseguia subir
para o sofá e andava por baixo de mesas e cadeiras, olhava prontamente
quando chamado pelo nome e orientava-se até ao cuidador que o chamava,
quando brincava com objetos mostrava mais esquemas de exploração
(atirava, batia, raspava no chão e rodava o objeto na mão para ver a parte
de trás), começou a comer usando colher, levando à boca o iogurte com
relativa precisão. Aumentou os sons que produzia, e começou a dizer
algumas palavras (“já tá”, “que” quando queria algo). A Escala Lúdica pré-
escolar de Knox foi preenchida em conjunto com os pais, tendo-se
verificado que Lourenço mostrava uma evolução significativa nos
domínios espacial, material, faz de conta e participação. Todas as dúvidas
foram analisadas nesta reunião e estabeleceram-se novos objetivos.
Rafaela
Rafaela é uma menina de 7 anos, muito simpática e curiosa, que
apresenta o diagnóstico de TEA. Mora com sua mãe, seu pai e um irmão
mais novo. Frequenta o segundo ano do Ensino Fundamental I de uma
escola pública, e é acompanhada pelo serviço de Atendimento Educacional
Especializado no contraturno escolar. Chegou à Terapia Ocupacional
trazida por sua mãe aos 5 anos tendo como queixa desafios em participar
de atividades com seus amigos da escola e de comunicação.
No momento da anamnese os pais relataram que não tiveram
intercorrências na gestação de Rafaela, nascendo de parto normal com 41
semanas de gestação. Também não identificaram nenhum registro de
preocupação em relação às habilidades motoras, porém aos 3 anos
perceberam que Rafaela apresentava atrasos no desenvolvimento da
linguagem e da comunicação, interesses incomuns por objetos e
dificuldades em coordenar ações motoras nas brincadeiras. Rafaela realizou
previamente avaliação da acuidade auditiva, porém, segundo exame, não
apresentou prejzos na audição. Após conversa com a escola, que também
apontou dificuldades nas habilidades sociais, levaram Rafaela a um
Neuropsiquiatra que a diagnosticou com TEA.
Ao iniciar a Terapia Ocupacional, após o acolhimento dos pais e
professor, deu-se início à escuta dos históricos ocupacional e sensorial de
Rafaela e posteriormente foi estruturado o seu processo avaliativo. A
avaliação foi composta pela Medida Canadense de Desempenho
Ocupacional (COPM) para avaliação da perspectiva dos pais em relação a
sua participação nas atividades cotidianas (LAW, 1990); Perfil Sensorial 2
questionário do cuidador e Perfil Sensorial 2 Acompanhamento
Escolar utilizados para identificar como a criança reage aos estímulos
sensoriais presentes em seu ambiente (DUNN, 2017); o Teste de
Integração Visuo Motora Beery VMI para avaliar a coordenação visuo
motora, percepção visual e coordenação motora (BEERY, 2010); o
Sistema de Classificação de Funcionalidade no Autismo: comunicação
social a fim de fornecer uma forma padronizada e simplificada de
identificar quais são as habilidades de comunicação social de uma criança
(REZZE et al., 2016); os instrumentos de Avaliação do Modelo Lúdico
(“Entrevista Inicial com os Pais” e a “Avaliação do Comportamento
Lúdico”) para avaliar o desempenho lúdico da criança (SANT`ANNA,
2015); e, por fim, as Observações Clínicas não Estruturadas por meio de
atividades lúdicas livres no espaço terapêutico da Integração Sensorial. O
quadro 2 apresenta os resultados das avaliações.
Quadro 2 Resultado das avaliações de Rafaela
RESULTADO DO PROCESSO AVALIATIVO DE RAFAELA
Histórico Ocupacional/Sensorial
Os pais destacaram na entrevista inicial que apesar de Rafaela desejar participar de
atividades lúdicas junto com seus amigos, ela ainda não apresentava bom desempenho,
tendo dificuldades em seguir as etapas das brincadeiras, planejar ações e executar tarefas
motoras. A mãe exemplificou que em atividades no parquinho era atrapalhada e citou
o uso do escorregador indicando dificuldades que se manifestam desde o momento
que necessita subir a escada, passando pelo ajuste do corpo para adotar a postura
sentada e posteriormente no controle postural durante a ação de escorregar. A mãe
relatou que Rafaela parecia inconsciente e incapaz de ajustar sua postura e usar o corpo
para executar os movimentos. Ainda segundo os pais, Rafaela constantemente
quebrava seus brinquedos, pois parecia não graduar a força necessária para o seu
manuseio.
Em relação a comunicação, segundo os pais de Rafaela, ela demonstrava ter uma boa
compreensão, porém apresenta dificuldades em expressar suas necessidades e desejos,
pois, apesar de oralizar, sua fala nem sempre é compreensível. Eles relataram também
perceber um repertório restrito de vocabulário e dificuldades em estabelecer e manter
diálogos com as pessoas, principalmente, com outras crianças de sua idade.
Segundo relato de sua professora, Rafaela ainda apresentava dificuldades de
coordenação motora fina que não eram mais esperadas para sua idade, como por
exemplo na pintura, recorte e manuseio da cola. Em relação a coordenação motora
grossa citou também grandes dificuldades em planejar e executar ações intencionais
citando por exemplo uma desorganização generalizada no “jogo da queimada” e na
“amarelinha”. Segundo a professora, os desafios em participar das atividades lúdicas
em grupo fizeram com que Rafaela deixasse de se envolver em brincadeiras com seus
amigos e passasse a brincar isoladamente. Notou-se também que ela demonstrava cada
vez mais preferência por brinquedos e brincadeiras conhecidas que não ofereciam
grandes desafios e dificuldades nas habilidades socioemocionais identificadas pela
ausência do brincar compartilhado, falta de desejo de se relacionar com os amigos,
pouca iniciativa de comunicação e comportamentos agressivos.
COPM
Foi identificado pelos pais as atividades que julgam oferecer maiores desafios para a
participação de Rafaela em seu cotidiano, bem como as que estes acreditam ser de
maior relevância para a sua vida, sendo: 1) Dificuldades no brincar, 2) Restrição de
habilidades comunicativas, 3) Elevada desorganização motora para participar das
atividades, 4) Pouca autonomia para realizar suas atividades de vida diária e 5)
Instabilidade emocional.
Perfil Sensorial 2
Foram identificados comportamentos que chamaram atenção especialmente em
relação ao tato (mostra desconforto durante momentos de cuidado pessoal; se irrita
com o uso de sapatos ou meias; toca as pessoas ou objetos à ponto de incomodar as
pessoas; exibe a necessidade de tocar brinquedos, superfícies ou texturas), ao sistema
Auditivo (para de prestar atenção nas pessoas ou parece estar ignorando; parece o
ouvir quando é chamado por seu nome; gosta e faz barulhos estranhos para se divertir),
ao Movimento (hesita em subir ou descer calçadas ou degraus; perde o equilíbrio
inesperadamente ao caminhar sobre uma superfície irregular), a Posição do Corpo
(move-se de modo rígido; parece ter músculos fracos; se apoia para se sustentar; se
segura a objetos, paredes e corrimões mais do que as crianças da mesma idade; ao andar,
faz barulho, como se os pés fossem pesados; se inclina para se apoiar em móveis ou em
outra pessoa) e aos aspectos socioemocionais (tem fortes explosões emocionais quando
não consegue concluir uma tarefa; tem dificuldade de interpretar linguagem corporal
ou expressão faciais; fica frustrado facilmente; fica angustiado com mudanças nos
planos, rotinas ou expectativas; interage e/ou participa em grupos menos que crianças
da mesma idade; tem dificuldade com amizades). No instrumento direcionado à escola
destaca-se a necessidade de receber apoios externos para participar das atividades
escolares.
Teste de Integração Visuo Motora Beery VMI
Foram identificadas dificuldades nos aspectos de visomotores, percepção visual e de
coordenação motora.
Sistema de Classificação de Funcionalidade no Autismo
Rafaela foi classificada no Nível III, caracterizado por iniciar comunicação com pessoas
que ela conhece, principalmente para solicitar que tenha suas necessidades atendidas,
tentar iniciar comunicação com objetivos sociais usando solicitações simples
relacionados a seus interesses e atividades preferidas e responder ao chamado de outras
pessoas, mas sem sustentar a comunicação.
Avaliação do Modelo Lúdico
Identificou maior interesse da criança no adulto do que na criança e o interesse em
explorar objetos, o espaço e de manipular os materiais. Em relação à atitude lúdica
nota-se um comportamento de atenção, curiosidade e desejo de explorar. Observou-se
desafios nos componentes sensoriais, motores, cognitivos e sociais. A criança expressou
seus sentimentos e necessidades por gestos, palavras, frases, porém não apresentou
iniciativa de comunicação e não manteve o diálogo.
Observações clínicaso estruturadas
Foi identificado que Rafaela demonstra alegria em estar no ambiente terapêutico de
Integração Sensorial e inicia a exploração dos equipamentos como os balanços, piscina
de bolinha, parede de escalada, tirolesa, rede de lycra, entre outros, porém demonstra
insegurança no uso de equipamentos suspensos. No decorrer das vivências apresentou-
se desorganizada no manuseio dos recursos, sinalizando dificuldades no planejamento
motor, no sequenciamento de etapas, na consciência corporal, dificuldade em calcular
distância entre o seu corpo e os equipamentos, em subir e descer dos recursos e na
graduação de força. Teve preferência em buscar estímulos proprioceptivos,
principalmente na rede de lycra e na cama elástica. Apresentou também movimentos
rígidos e dificuldades na coordenação bilateral. Observou-se que Rafaela apresentou
dificuldades em atender aos comandos verbais, porém quando o comando foi oferecido
com apoio do toque apresentou melhor desempenho nas atividades após as pistas
verbais sobre o ambiente, destaca-se que ela não apresentou iniciativa em se comunicar
durante a terapia. Não apresentou aversão a texturas, porém teve dificuldades em
atividades de estereognosia. Não propôs brincadeiras e teve dificuldade de ter ideias
sobre como participar das tarefas que foram propostas.
Fonte: Elaborado pelas autoras.
O processo de avaliação permitiu identificar que Rafaela
apresenta desafios para se engajar nas ocupações de sua faixa etária, como
por exemplo o brincar, as atividades de vida diária, as atividades escolares
e a participação social. Estes desafios são permeados por dificuldades de
processamento sensorial, nas habilidades motoras, comunicativas e
socioemocionais.
Os resultados sugerem problemas na Percepção Sensorial que
interferem na capacidade de discriminar, interpretar as informações
sensoriais, organizar e executar respostas adaptativas. Os desafios de
Percepção Sensorial prejudicam a habilidade de discriminar sons,
informações visuais, táteis, movimentos, força e a posição do corpo no
espaço, características presentes em Rafaela.
Foi sugerido que Rafaela tinha principalmente desafios
relacionado a Visuo Somatodispraxia caracterizada por uma dificuldade de
percepção auditiva, visual, tátil e proprioceptiva articulada a dificuldades
de controle postural, coordenação bilateral, ideação, planejamento motor,
sequenciamento de ações e execução de respostas adaptativas.
A Disfunção de Integração Sensorial identificada no processo
avaliativo de Rafaela justifica os desafios que apresenta em planejar suas
ações e participar das atividades do seu meio. É fundamental que a criança
tenha uma boa percepção do seu corpo e do ambiente que a rodeia para
que possa agir e oferecer respostas adaptativas. A criança necessita ter prazer
em se envolver nas atividades, e, devido às fragilidades no seu desempenho
ocupacional, Rafaela apresentava-se desmotivada a participar, o que
acarretou o baixo engajamento e no distanciamento de seus pares.
Após a devolutiva dos resultados da avaliação aos pais, Rafaela
iniciou intervenção de Terapia Ocupacional na Abordagem de Integração
Sensorial por meio de um encontro semanal. A partir dos fatores
identificados foram planejadas intervenções que propunham desafios na
medida certa, de modo que Rafaela estivesse motivada a participar e fosse
superando suas dificuldades. Foram utilizados diferentes equipamentos e
estratégias permeados por propostas lúdicas. O processo envolveu
constantes participações e orientações aos familiares e aos professores a fim
de que ela pudesse estar engajada nas atividades realizadas fora do ambiente
terapêutico.
Após 12 meses de intervenção, foram observados ganhos
importantes em todas as avaliações realizadas. Especialmente em relação à
comunicação, tema proposto neste manuscrito, foi verificado que Rafaela
evoluiu do nível III da ACSF:SC para o nível I, ou seja, está iniciando
diálogos e respondendo para se comunicar com objetivos sociais e está
também sustentando comunicação com a maioria das pessoas.
Na reaplicação da COPM os pais se emocionaram em ver
novamente as demandas que identificaram na avaliação anterior e
destacaram mudanças nos seguintes aspectos: em relação ao brincar a filha
atualmente demonstra desejo, propõe e participa de brincadeiras com
melhor desempenho; passou a ter mais iniciativa de se comunicar,
interagindo por meio da fala com mais facilidade, de forma organizada e
com um repertório maior de vocabulário; apresenta maior autonomia para
realizar as atividades diárias; e não apresenta mais a fragilidade emocional
que demonstrava um ano atrás, ampliando suas relações e participando
das atividades de forma espontânea. Os pais destacaram que consideram
que as intervenções propostas na Terapia Ocupacional foram
fundamentais para as mudanças no comportamento de Rafaela.
Considerações finais sobre os casos da Rafaela e Lourenço
Os casos apresentados neste manuscrito identificam crianças de
diferentes faixas etárias, sendo seus desafios pertinentes ao seu período de
desenvolvimento e as atividades presentes nos seus contextos. Lourenço
está iniciando sua trajetória escolar, enquanto Rafaela chegou para
intervenção de Terapia Ocupacional no início de seu processo de
alfabetização e associado ao diagnóstico de Disfunção de Integração
Sensorial também apresenta TEA.
No caso do Lourenço, o desenvolvimento da sua capacidade de
processamento sensorial ficou comprometido pelo desajuste entre as suas
características individuais (ser hiporresponsivo) e um meio pouco
estimulante em termos de desafios sensoriais. A criança hiporresponsiva
reconhece pouco potencial no meio para interagir com ele, necessitando
que o meio ofereça um limiar de estimulação suficiente para ativar a
atividade neural. É através do brincar que a criança explora o potencial que
apreende do meio físico e social, mas no caso do Lourenço, a falta de
disponibilidade familiar reduziu significativamente as oportunidades de
brincadeiras. E, por consequência, não facilitou o desenvolvimento do
processamento sensorial. A falta de oportunidades para brincar com o
corpo do cuidador, de explorar objetos (com a mão ou com a boca), de
explorar o espaço, o movimento e as possibilidades de interação com tudo
o que a rodeia, comprometeu a capacidade da criança dar sentido ao que
ouve, localizar as vozes, usar as mãos para manipular, e o corpo e a
estruturas orais para comunicar (verbal e não verbalmente).
Em relação a Rafaela, observa-se que a Visuo Somatodispraxia
caracterizada pela pobre percepção sensorial e pelas dificuldades de práxis
gera prejuízos significativos em relação a sua participação nas atividades e
como consequência um baixo envolvimento nos domínios relacionados ao
brincar e na interação com seus pares. Essa condição ofereceu a Rafaela
uma privação de experiências importantes e a ausência de oportunidades
de desenvolvimento de habilidades sensório motoras, cognitivas,
comunicativas, entre outras. Ao longo das intervenções de Terapia
Ocupacional Rafaela superou os desafios em aprender novas habilidades,
especialmente as que envolveram sua performance nas brincadeiras em
grupo, atividades de esporte e lazer que exigiam movimento, imitação e
noção de posicionamento do corpo. Também apresentou ganhos
importantes nas atividades escolares que demandam coordenação motora
fina, no brincar demonstrando saber o que fazer com brinquedos e
iniciativa na proposta de brincadeiras e na comunicação ampliando seu
repertório de vocabulário e sua habilidade em iniciar e manter diálogos
com diferentes interlocutores.
Os dados apresentados neste manuscrito corroboram as
evidências da literatura, pois ambos os casos apresentam prejuízos na
Integração Sensorial e nas habilidades comunicativas. Neste sentido,
ressalta-se as evidências científicas sobre a importância de integrar
informações de várias fontes sensoriais para se comunicar de uma forma
eficiente (MAGNEE et al., 2008; WILLEMS et al., 2007). A literatura
também identifica que problemas relacionados à práxis podem gerar
desafios no desenvolvimento da linguagem, como foi exemplificado por
meio da descrição dos casos de Lourenço e Rafaela. É frequente encontrar
crianças com desafios nas habilidades comunicativas e de práxis, bem como
a relação entre a gravidade desses sintomas (VISSCHER et al., 2007).
As evidências científicas têm demonstrado que as intervenções
baseadas na Abordagem de Integração Sensorial apresentam um efeito
positivo no desenvolvimento da linguagem e da comunicação (PFEIFFER
et al., 2010; AYRES; MAILLOUX, 1981).
Um estudo realizado com 37 crianças com TEA identificou
efeitos positivos após a intervenção por meio da Abordagem de Integração
Sensorial na habilidade de crianças em oferecer respostas sociais
comparado a crianças que receberam intervenção focadas apenas no treino
da coordenação motora fina (PFEIFFER et al., 2010). Outro importante
estudo identificou que crianças que participaram de intervenções baseadas
na Abordagem de Integração Sensorial antes de intervenções específicas de
comunicação tiveram melhor desempenho nas avaliações de linguagem do
que as crianças que não receberam intervenções baseadas na Abordagem
de Integração Sensorial (FALLON et al., 1994).
Conclui-se neste manuscrito, assim como o estudo de Case-
Smith e Holland (2009), a necessidade de um olhar abrangente e
interdisciplinar para crianças com desafios nas habilidades comunicativas,
considerando, entre os profissionais envolvidos, o terapeuta ocupacional a
fim de avaliar uma possível Disfunção de Integração Sensorial associada
aos desafios de comunicação.
Em relação aos dois casos apresentados, os resultados
demonstraram que, após o início das intervenções de Terapia Ocupacional
com a Abordagem da Integração Sensorial, as crianças conseguiram
organizar seu comportamento, obter melhor desempenho nas tarefas e ter
mais desejo e autonomia para participar das atividades em seus diferentes
contextos. Foram nítidas as evoluções de Lourenço e Rafaela em relação às
diferentes habilidades, sendo destacados pelos familiares a maior
participação nas atividades, o interesse pelo brincar, a ampliação das
habilidades motoras, cognitivas, comunicativas e, consequentemente, a
maior interação com os diferentes interlocutores presentes em seus
contextos.
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Capítulo 8
O Telemonitoramento Durante a Pandemia da COVID-19:
Relato de Experiência da Intervenção com Uma Criança com
Paralisia Cerebral
Heloisa Briones Mantovani
Rafaela Montico
Aila Narene Dahwache Criado Rocha
Camila Boarini Dos Santos
Fernanda Dias Ferraz Soriano
Introdução
A Paralisia Cerebral (PC) é definida como um conjunto de
alterações decorrentes de acometimentos no Sistema Nervoso Central que
podem causar alterações motoras, cognitivas, sensoriais e de comunicação,
entre outros desafios (BRASIL, 2014; SANTOS, 2017; ROSENBAUM,
2002). A comunicação é caracterizada como a capacidade de expressar e
compreender informações por meio da fala, gestos, expressões corporais,
entre outros meios. As habilidades comunicativas são muito importantes,
pois permitem o desenvolvimento integral e a participação social do
indivíduo (GEYTENBEEK, 2010; SANTOS, 2017; ROSENBAUM,
2002). Crianças com PC podem apresentar desafios na comunicação, o
que causa grandes impactos na qualidade de vida, sendo necessária uma
intervenção focada na instrumentalização da criança, sua família e demais
https://doi.org/10.36311/2022.978-65-5954-326-7.p177-206
interlocutores para o uso de recursos de Tecnologia Assistiva a fim de
potencializar as suas habilidades comunicativas (DUTRA; FAGUNDES;
SCHIRMER, 2007; SANTOS, 2017).
Entre as áreas da Tecnologia Assistiva, a Comunicação
Suplementar e/ou Alternativa (CSA) pode ser utilizada com indivíduos
que apresentam necessidades complexas de comunicação como, por
exemplo, indivíduos com PC. A CSA tem o objetivo de satisfazer as
necessidades de recepção, compreensão e expressão da linguagem,
ampliando, assim, o desenvolvimento das habilidades comunicativas,
permitindo o engajamento do usuário em atividades significativas do seu
cotidiano e favorecendo sua participação social. Em situações ideais, ou
quando os processos de diagnósticos dessa criança ocorrem precocemente,
é possível que essa assistência aconteça de modo que incida diretamente no
processo de construção da linguagem desse sujeito, com contribuições
específicas da área de Fonoaudiologia.
A CSA é concebida por recursos, técnicas e serviços capazes de
auxiliar as pessoas com dificuldades de comunicação a estabelecer diálogos,
obtendo, assim, autonomia em suas atividades de vida diária, como, por
exemplo, através do uso de softwares, sistemas de comunicação, recursos
de alta e baixa tecnologia, como o uso de pranchas ou pastas temáticas,
vocalizadores, dentre outros (PELOSI, 2009; SANT’ANNA;
DELIBERATO; ROCHA, 2016; ROCHA; MASSARO;
DELIBERATO, 2017).
Para a implementação da CSA é necessário conhecer as habilidades
comunicativas, motoras, cognitivas e sensoriais da criança, identificar o
vocabulário significativo para o contexto e a partir destas informações
realizar o planejamento de implementação da CSA, bem como a seleção
de recursos e estratégias adequados para atender suas especificidades
(SANT’ANNA; DELIBERATO; ROCHA, 2016).
É fundamental
que a criança, a família e os profissionais da escola tenham participação
ativa nesse processo, colaborando para que as habilidades comunicativas
aprendidas durante os atendimentos especializados, sejam colocadas em
prática durante o cotidiano, favorecendo, assim, o uso funcional da CSA
(MANZINI, 2019; ROCHA; SANTOS, 2019). Dessa forma, torna-se
imprescindível promover cada vez mais o acesso das crianças a diferentes
ambientes que favoreçam sua comunicação, com intervenções pontuais,
como no caso da escola, oferecendo o apoio educacional e um currículo
que atenda suas demandas (NUNES; SORIANO; RIGOLETTI, 2021).
No contexto escolar, a CSA favorece o engajamento da criança com
necessidades complexas de comunicação (NUNES; SORIANO;
RIGOLETTI, 2021), possibilitando a participação desta nas atividades
propostas, na interação com os pares, na participação da rotina escolar e,
consequentemente, favorecendo o processo de ensino e aprendizagem
desse indivíduo. Carnevale e colaboradores (2013) corroboram com esse
pressuposto, pois, segundo os autores, para o processo de ensino e
aprendizagem de alunos com PC com necessidades complexas de
comunicação, é imprescindível o uso de meios de comunicação, como a
CSA, a fim de ampliar as suas oportunidades educativas.
A pandemia causada pela COVID-19 trouxe inúmeros desafios
para a população mundial. Medidas de higienização e de distanciamento
social foram os únicos e mais eficientes meios de prevenção. Em
decorrência do alto nível de transmissão desse vírus, órgãos de saúde do
mundo inteiro recomendaram que situações em que existia o risco de
aglomerações fossem evitadas e que as pessoas saíssem de suas casas
somente em emergências. Com isso, os serviços de reabilitação, como no
caso a terapia ocupacional e as atividades escolares, tiveram que se adaptar
a essa realidade (BRASIL, 2020; DIMER et al., 2020).
Diante desse cenário pandêmico, o telemonitoramento foi a
alternativa encontrada pelo Conselho Federal de Fisioterapia e Terapia
Ocupacional (COFFITO) para possibilitar a continuação de atendimentos
que haviam se iniciado previamente de forma presencial. Ele consiste no
acompanhamento à distância, por meio de todos síncronos ou
assíncronos, de pacientes a fim de dar continuidade às intervenções que
estavam sendo realizadas (COFFITO, 2020).
Portanto, este estudo teve como objetivo descrever as intervenções
de Terapia Ocupacional por meio do telemonitoramento em colaboração
com a Pedagogia, a fim de favorecer o desenvolvimento e a participação de
uma criança com PC em suas ocupações, bem como o uso da Tecnologia
Assistiva e da CSA, durante a pandemia de COVID-19.
Apresentação do caso
João
6
é um menino de 10 anos que tem PC com quadro de
quadriparesia espástica. João mora com os pais e o irmão mais velho em
uma cidade do interior do estado de São Paulo e faz uso cadeira de rodas
manual para a locomoção, porém, necessita de outra pessoa para conduzi-
la, pois apresenta dificuldade de controle cervical e de tronco. Ele faz uso
de órteses para membros inferiores e superiores.
Em relação à classificação funcional, no Gross Motor Function
Classification System (GMFCS) a criança foi classificada em nível V, o que
significa que a sua deficiência física restringe o controle voluntário do
6
Nome fictício definido pelas autoras.
movimento e a capacidade de manter posturas antigravitacionais de cabeça
e tronco. Todas as áreas de função motora estão limitadas, as posturas de
sentar e ficar em pé não são completamente compensadas por meio do uso
de adaptações e de recursos de Tecnologia Assistiva. A criança não mostra
sinais de locomoção independente e é transportada (PALISANO et al.,
1997). Os resultados do Manual Ability Classification System (MACS)
identificam a classificação da criança no nível IV, o que indica que a
criança manipula uma variedade limitada de objetos facilmente
manipuláveis em situações adaptadas (ELIASSON, 2006). Em relação ao
Communication Functioning Classifications System (CFCS) a criança foi
classificada no nível IV o que indica algum sucesso comunicativo, sendo
emissor ou receptor na intenção de se comunicar com parceiros conhecidos
(HIDECKER et al., 2011).
João realiza atendimentos de Terapia Ocupacional desde o ano de
2014, além das especialidades de Fisioterapia e Fonoaudiologia em um
Centro Especializado de Reabilitação (CER), vinculado a uma
universidade pública.
No que diz respeito aos principais parceiros de comunicação de
João, destaca-se os pais, o irmão, a professora e as suas terapeutas, com as
quais realiza atendimento. Em relação às habilidades comunicativas, seu
principal meio de comunicação é o olhar e, quando algo o desagrada, ele
usa a palavra não” e o choro, principalmente quando é contrariado. Foi
possível identificar um grande repertório de vocabulário que João expressa
e compreende, porém são poucas as palavras expressadas através da
oralidade, o que faz com que outros interlocutores, que não sejam seus
principais parceiros de comunicação, tenham dificuldades para
compreendê-lo.
No início do atendimento, a fim de facilitar a organização do
raciocínio clínico e o planejamento das intervenções, foi utilizado o
Protocolo de Raciocínio Clínico para a Implementação da CSA proposto
por Rocha e Santos (2019). Este instrumento possibilitou, a identificação
dos desafios de participação de João em relação à comunicação e à
identificação de objetivos que deveriam ser atingidos por meio das
intervenções. O objetivo da intervenção de Terapia Ocupacional foi
ampliar as habilidades comunicativas de João a fim de favorecer seu
engajamento em suas ocupações (ampliar o vocabulário e os meios de
expressão, dominar o sistema de CSA, estimular a iniciativa e a
manutenção de diálogos, favorecer a interação com diferentes parceiros de
comunicação), bem como o treino de recursos de Tecnologia Assistiva que
favoreçam o uso da CSA (o computador e seus recursos de acessibilidade e
o Big Track®, acionador, relógio comunicador, o aplicativo Snap
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Em março de 2020, os atendimentos presenciais foram
interrompidos devido à pandemia da COVID-19, e após quatro meses de
suspensão dos atendimentos foi decidido entre as terapeutas ocupacionais
(alunas e suas supervisoras de estágio) e a família, o retorno aos
atendimentos, de maneira remota, através da plataforma Google Meet,
com sessões semanais de uma hora, que ocorreram entre junho e dezembro
de 2020.
Durante as intervenções por meio do telemonitoramento os
objetivos em relação ao uso da CSA continuaram os mesmos, porém, não
foi possível o uso de todos os recursos de Tecnologia Assistiva que estavam
previstos por não estarem presentes no domicílio da criança. Destaca-se
também que apesar de a família estar comprometida com o processo,
muitos desafios foram enfrentados em relação às intervenções propostas,
7
Fonte: Elaborado pelas autoras. Autorização para reprodução de imagem.
183
principalmente em relação ao uso da tecnologia e a mudança de rotina da
criança imposta pela pandemia. As atividades foram realizadas por meio de
encontros síncronos estruturados pelo uso do computador e do programa
Microsoft PowerPoint. A Imagem 1 identifica como aconteciam os
encontros de telemonitoramento síncronos.
Imagem 1: Representação de como aconteciam os telemonitoramentos.
7
Após o início das intervenções por meio do telemonitoramento os
pais se queixaram em relação às dificuldades para realizar as atividades
escolares enviadas pela escola com a criança. Neste contexto, foi solicitado
o apoio de uma pedagoga, que por meio do trabalho colaborativo com as
estudantes de terapia ocupacional puderam adaptar o conteúdo às
propostas destas atividades para que João tivesse acesso ao conteúdo
escolar, sendo muitas delas realizadas durante as intervenções.
Nos encontros síncronos, o pai era o principal mediador, ou seja,
era o responsável que oferecia o suporte presencial para a criança a partir
8
Fonte: Elaborado pelas autoras. Autorização para reprodução de imagem.
184
das orientações das terapeutas. No início das intervenções foram
identificadas dificuldades do pai em estruturar o ambiente e utilizar a
tecnologia. Após a compreensão dos desafios, as terapeutas passaram a
enviar com antecedência à família um guia de orientação, em arquivo PDF,
que continha informações sobre os objetivos da atividade; os materiais
necessários para realizá-la; as orientações a respeito do posicionamento
adequado de João no mobiliário utilizado; um passo a passo de orientações
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fazer o download da atividade no computador e colocá-la em modo
apresentação; as estratégias para apresentar a atividade ao João; e sugestões
caso ocorresse alguma intercorrência durante as intervenções por meio do
telemonitoramento. Todo este processo foi realizado a fim de amenizar as
dificuldades encontradas pela família no momento das intervenções. A
Imagem 2 identifica recortes de atividades que ocorreram durante os
telemonitoramentos.
Imagem 2: Exemplos de atividades realizadas durante os telemonitoramentos.
8
Desenvolvimento do estudo
A autorização para a descrição de caso clínico foi concedida pelos
pais de João, através da assinatura do Termo de Consentimento Livre e
Esclarecido (TCLE). Foram planejadas 25 intervenções por meio do
telemonitoramento, entretanto, devido às intercorrências da família, foram
realizados 18. Todas as intervenções foram registradas por meio do recurso
de gravação de áudio e vídeo presentes na plataforma Google Meet. Para a
organização da análise, as gravações dos encontros foram transcritas na
íntegra e posteriormente foi realizada a análise de conteúdo com base na
proposta de BARDIN (2016), na qual foram identificadas as seguintes
categorias (Quadro 1):
Quadro 1- Categorias do estudo
Categoriais
Definição
Estratégias para
ampliar as habilidades
comunicativas
São as ações dos terapeutas ou dos familiares que favorecem
as habilidades comunicativas da criança e, quando
necessário, o acesso e o uso dos recursos de Tecnologia
Assistiva direcionados para a comunicação
Uso do recurso de
Tecnologia Assistiva
São os recursos, produtos e equipamentos utilizados para
favorecer as habilidades comunicativas de crianças com
necessidades complexas de comunicação
Participação nas
atividades
São as ações e os comportamentos da criança durante a
realização das atividades propostas a fim de favorecer suas
habilidades comunicativas
Habilidades
comunicativas
(expressão e
compreensão)
Habilidade de enviar, receber e interpretar uma informação
usando os diferentes tipos de expressão (oral, gestual,
expressões corporais e faciais, entre outros), sistemas,
equipamentos e ferramentas
Participação da família
São as ações e os comportamentos da família durante a
realização das atividades propostas a fim de favorecer as
habilidades comunicativas da criança
Desafios e Benefícios
do atendimento
remoto
Ações e comportamentos de todos os envolvidos (terapeutas,
familiares e criança) identificados ao decorrer das
intervenções que favoreceram ou prejudicaram as atividades
desenvolvidas durante o atendimento remoto
Fonte: Elaborado pelas autoras.
Resultados e Discussão
Os resultados serão apresentados e discutidos através das categorias
identificadas para este estudo. O Quadro 2 apresenta as atividades
realizadas nas intervenções por meio do telemonitoramento.
Quadro 2- Atividades das intervenções por meio do telemonitoramento
Atendimentos
Atividades
Objetivos
1
Jogo “Quarentena” e
o Jogo da Pescaria
Inserir o vocabulário de atividades da rotina
da criança referente ao lazer (pescaria), as
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Jogo cara a cara e
história interativa do
Peter Pan
Inserir o vocabulário referente às
características pessoais (cor de pele, olhos e
cabelos, acessórios e vestimenta) por meio da
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Jogo “Qual a letra?” e
“Qual o número?”
Inserir o vocabulário referente a letras,
números, animais e frutas, trabalhar o
conceito de quantidade e treinar o uso do
Big
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4
Jogos diversos e
história interativa da
Patrulha Canina
Inserir o vocabulário referente às cores,
animais, frutas e personagens e ações da
história, trabalhar os conceitos de tamanhos
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5
Jogo “Qual o
número?”
Inserir o vocabulário referente aos números,
trabalhar conceito de quantidade e treinar o
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Massinha de farinha
Inserir o vocabulário referentes aos
ingredientes, utensílios e ações necessários
para realizar a receita e treinar o uso do Big
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7
História interativa da
Patrulha Canina
Inserir o vocabulário referente aos
personagens e ações presentes na história e
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8
Receita de Bolo de
Caneca
Inserir o vocabulário referente aos
ingredientes, utensílios e ações necessários
para realizar a receita e treinar o uso do Big
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9
Jogo da memória e
jogo “Vamos somar?”
Inserir o vocabulário referente
aos números
e animais/objetos usados para ilustrar as
equações, trabalhar o conceito de
quantidade e soma e treinar o uso do Big
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10
Atividade sensorial
Inserir o vocabulário referente às ações e
brinquedos utilizados na atividade e treinar
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11
História
interativa
dos Sacizinhos
Inserir o vocabulário referente às ações
presentes na história e números e treinar o
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12
Jogo
“Vamos
competir?”
Inserir o vocabulário referentes aos
personagens e ações do desenho e treinar o
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13
Jogo “Brincando com
as palavras”
Inserir o vocabulário referente a brincadeiras
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14
Jogo “Qual
peça
falta?”
Inserir vocabulário referente aos personagens
de desenhos animado, trabalhar conceito de
direções (direita/ esquerda; em cima/ em
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15
Jogo Vamos somar e
subtrair?” e jogo da
velha online
Inserir vocabulário referente aos meros,
trabalhar conceito de quantidade, soma e
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16
Receita de Brigadeiro
Inserir o vocabulário referente aos
ingredientes, utensílios e ações necessários
para realizar a receita e treinar o uso do Big
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17
História interativa de
Aniversário
Inserir o vocabulário referente às ações,
comidas, decoração e personagens da
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18
História interativa do
João e o de Feijão
Inserir o vocabulário referente às ações e os
personagens da história e treinar o uso do
Big
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®
Fonte: Elaborado pelas autoras.
Os resultados e discussões deste estudo serão apresentados
seguindo as categorias identificadas durante a Análise de Conteúdo. Para
melhor compreensão dos exemplares de fala foi utilizada a seguinte
legenda: J: João; P: Pai de João; M: Mãe de João; I: Irmão de João; TO1:
Terapeuta Ocupacional 1; TO 2: Terapeuta Ocupacional 2; N: Amigo de
João.
Estratégias para ampliar as habilidades comunicativas
Durante as intervenções, o pai e as terapeutas preocupavam-se em oferecer
estratégias verbais e gestuais, apontando para as imagens da tela e
descrevendo os personagens, objetos e o ambiente da história ou do jogo,
a fim de oferecer informações suficientes para que a criança fosse capaz de
se comunicar, escolhendo a resposta certa para o jogo, diferenciando os
personagens, as letras e os números:
TO1: Qual cavalo é menor, J? Qual é o pequeno?
P: É esse aqui? - o pai aponta para a tela
João faz que não com a cabeça
P: Então é esse?
João faz que sim com a cabeça
P: Acertou!
TO2: “o Miguel é aquele pequeno em cima segurando o ursinho, o João é o que está
de chapéu, a Wendy está de vestido e o Peter Pan de verde. Mostra pra mim quem é
o Peter Pan”
Outra estratégia usada pelos participantes foi a de incentivar e
comemorar todas as vezes que a criança acertava uma etapa do jogo,
mostrando suas habilidades comunicativas de compreensão e expressão:
TO1: João, você está muito bom! Vamos continuar jogando?
P: Nossa você está acertando tudo, vai merecer um troféu hoje, hein?!
João demonstrou entusiasmo.
A utilização de estratégias que criam oportunidades e estimulem a
comunicação, possibilita que o indivíduo se expresse, interaja com os
interlocutores e responda às questões, demonstrando seus desejos e
conhecimento sobre o assunto. Para tanto, é necessário que os parceiros
sejam capacitados para interagirem, ampliarem e estimularem as
habilidades comunicativas do indivíduo com necessidades complexas de
comunicação (SILVA et al., 2013).
Uso de recursos de Tecnologia Assistiva
O uso de recursos de Tecnologia Assistiva e da CSA para favorecer
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histórias, receitas e jogos adaptados e construídas no PowerPoint com
recursos da CSA, ofereceram a oportunidade do uso de estratégias de
varredura e apoio auditivo. Estes recursos e estratégias são considerados
facilitadores de participação da criança e, consequentemente, do processo
de aprendizagem, pois ampliam as habilidades funcionais, motoras,
sensoriais e comunicativas da criança (MANZINI; DELIBERATO, 2006;
BERSCH; PELOSI, 2006; ALVES; MATSUKURA, 2011).
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TO2: Olha isso, que rápido!
João leva a setinha no lugar certo, aperta o botão do mouse e o som de palmas é
acionado.
Todos comemoram o fato de Jo ter conseguido responder e expressar seu conhecimento
sobre o assunto.
Algumas das estratégias utilizadas pelas terapeutas para facilitar o
uso de recursos de Tecnologia Assistiva, foram o oferecimento de dicas
sobre o posicionamento da criança e do recurso utilizado para a realização
da atividade, como pode ser visto no exemplo a seguir sobre o uso do Big
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a mão mais apoiada.
TO1: J, olha aqui pra tia.
TO2: Olha o chapéu, o chapéu vai cair desse jeito (brincadeira realizada pelas terapeutas
para que J ajuste sua postura).
TO1: Levanta o chapéu pra olhar pra gente.
P: Olha pras tias, J.
O uso de recursos de Tecnologia Assistiva e CSA requer treino e o
aprimoramento de diferentes habilidades. No exemplo a seguir, destaca-se
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vez que é preciso rolar a esfera maior do mouse para movimentar a seta e,
posteriormente, clicar no botão para selecionar o item no computador que
deseja identificar.
Na hora em que João foi tirar a mão da esfera do mouse, sem querer ele mexeu a setinha.
P: Não, você mexeu, coloca de novo.
TO2: Desce mais um pouquinho.
João coloca a setinha no símbolo desejado, tira a mão da esfera e aperta o botão azul.
Os recursos de Tecnologia Assistiva utilizados com a criança com
PC podem ser fundamentais para sua participação, independência,
autonomia e aprendizado. Devido à diversidade de habilidades da criança,
os recursos de Tecnologia Assistiva devem contemplar especificidades que
atendam as demandas e também além de serem atraentes para viabilizar o
seu uso funcional. Após a prescrição ou confecção do recurso adequado é
indispensável o treino e o acompanhamento da criança para o seu uso,
sendo de responsabilidade do terapeuta oferecer intervenções que
otimizem este processo e generalize o uso dos recursos para todos os
contextos da criança (ROCHA, 2010a, 2013b).
Participação nas atividades
As atividades propostas durante os telemonitoramentos, foram
planejadas considerando as particularidades, necessidades e interesses de
João. Segundo a literatura o desenvolvimento humano não é algo natural,
ele é resultado das experiências vivenciadas pelo indivíduo (PEDERIVA;
COSTA; MELLO, 2017), dessa forma é necessário que essas experiências
sejam envolventes, que venham ao encontro das necessidades do estudante,
proporcionando o maior engajamento deste em todo o processo educativo.
As medidas de proteção contra a COVID-19 fizeram com que os
atendimentos fossem transportados para o ambiente domiciliar, com os
recursos de Tecnologia Assistiva disponíveis do domicílio e com o apoio
do pai, sem contar na quebra de rotina da criança, uma vez que ela deixou
de frequentar a escola e o serviço de reabilitação. Por algumas vezes as
intervenções foram desafiadoras pois o comportamento da criança no
ambiente domiciliar indicava outros interesses e as terapeutas não estavam
fisicamente presentes para estimular a participação da criança. O exemplo
a seguir ilustra essa realidade:
TO1: João, olha aqui pra gente. O que está acontecendo?
P: Ele está cansado.
TO1: Você não quer mais fazer atividade com a gente?
J: Não.
TO1: Não quer mais?
J: Não. - ele fala choramingando.
J: Pai! - e faz o gesto de pescar
P: Pescaria? hoje não tem pescaria.
Segundo Ujie, Blaszko, Pinheiro (2015) é importante conhecer a
criança, suas vivências, dificuldades, potencialidades e habilidades para que
sejam planejadas e desenvolvidas ações que atendam os desejos, as
demandas e priorizem o seu desenvolvimento integral. Foi identificado no
decorrer das intervenções que as atividades de receitas e histórias interativas
sobre os seus personagens preferidos faziam com que João apresentasse
maior colaboração, interesse e participação na atividade:
P: Agora tem que pegar a bacia.
João fica tão animado que balança a mesa.
P: Olha, agora nós vamos mexer com farinha, tem que ter cuidado, fica calmo!
É essencial que o planejamento das intervenções considere os
interesses da criança, bem como os recursos e as estratégias adequadas a
fim de ampliar as possibilidades de participação do aluno, atendendo à
diversidade de características envolvidas, como no caso, as condições
impostas pelo ambiente domiciliar. O interesse intrínseco da criança na
atividade amplia sua participação e consequentemente potencializa o
aprendizado de novas habilidades (ROCHA, 2010, 2013).
Habilidades Comunicativas
A comunicação consiste na ação interagir a fim de transmitir e
compreender mensagens. Por meio da comunicação, o sujeito consegue
expressar seus sentimentos, vontades e pensamentos e é capaz de
compreender a mensagem que o outro oferece (MANZINI;
DELIBERATO, 2004; FABRI; SELLA, 2017; RIGOLETTI, 2018). A
expressão acontece através da oralidade, gestos, expressões corporais e
faciais, entre outros e, quando o sujeito não apresenta condições para uso
da oralidade como meio de expressão, a utilização de recursos de CSA pode
ser uma alternativa (RIGOLETTI, 2018). Os exemplos a seguir
apresentam a habilidade comunicativa de João:
A imagem que aparece na tela é um chapéu
J: Irrá! - ele imita um cowboy
TO1: Está imitando um cowboy, é? Mas olha, a prefeita não usa chapéu.
Durante uma conversa séria, a fim de repreender alguns comportamentos inadequados
de
J
o,
e
le
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n
ta
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us
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B
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T
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a
cha
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a
d
a
de
d
e
o
J: Tchau
P: Aí, está vendo como você consegue? Vocês viram o que ele fez? Pegou o mouse e está
desligando a ligação
TO2: A gente está vendo
J: Pai - ele junta as mãos perto do rosto, fazendo o gesto de pescar
P: Pescaria? hoje não tem pescaria!
A intencionalidade comunicativa pode se dar através de inúmeras
manifestações, como visto nos exemplos anteriores por meio da oralidade,
ações e gestos indicativos. Essa variedade de habilidades comunicativas é
de extrema importância para que a criança seja capaz de se expressar de
forma efetiva. (TOMASELLO, 2003; DELIBERATO; ADURENS;
ROCHA, 2021).
O uso de recursos de CSA pode facilitar a participação da criança
com necessidade complexa de comunicão dando suporte para as
interações com diferentes parceiros de comunicação, porém é fundamental
que todos os envolvidos estejam atentos as diferentes habilidades
comunicativas utilizadas pela criança, como o uso de gestos,
vocalizações, expressões faciais e ações e comportamentos que indicam seus
desejos e sentimentos (ROCHA, 2010a, 2013b).
Participação da Família
A literatura aponta que, no processo de implementação da CSA, é
fundamental a participação da família, em conjunto com as ações dos
profissionais que atuam com a criança (DELIBERATO; MANZINI,
2012; MASSARO; DELIBERATO, 2015). Durante o período de
intervenções realizadas por meio do telemonitoramento, a participação da
família foi condição essencial para dar suporte na ampliação das
habilidades comunicativas da criança.
P: Olha, essa palavra se A-BA-CA-XI. Qual letra está faltando aqui? Será que é a letra
A? olha aqui pra mim, a letra A é essa daqui? Essa é a letra A?
João faz que não com a cabeça.
P: Então é essa aqui?
João faz que sim com a cabeça.
A mãe entrou na chamada de vídeo.
M: João, você faz direitinho, moço!
João aperta o botão e acerta a atividade.
Os familiares são os principais parceiros de comunicação da criança
e apresentam um papel fundamental na adesão ao uso de recursos e
sistemas de CSA, por isso sua participação é muito importante no processo
de intervenção. A literatura aponta a necessidade de participação e de
treinamento constante da família, uma vez que, para que as crianças com
necessidades complexas de comunicação se tornem usuários competentes
de signos gráficos e gestuais, elas precisam ter modelo de como utilizar esses
recursos e de como criar e participar de interações comunicativas (VON
TETZCHNER; MARTINSEN, 2000; SANT’ANNA; DELIBERATO;
ROCHA, 2016).
Desafios e Benefícios do atendimento remoto
Para que os atendimentos remotos acontecessem, foi preciso
superar alguns desafios como, por exemplo, as dificuldades em relação ao
uso da tecnologia, o acesso à internet e os comportamentos não
colaborativos da criança durante a atividade:
P: Beleza, deixa eu entrar na atividade.
O pai demora pra achar o arquivo em PowerPoint
P: Estava tão fácil aqui na pasta hoje.
TO2: Não está aberto no PowerPoint já?
P: Já. - mas, ao invés de clicar no ícone do PowerPoint na barra do computador, o pai
continua procurando
TO2: Pai, olha lá embaixo. Sabe a bolinha que você clicou para entrar na internet? Do
lado tem uma azul e do lado uma laranja, é o PowerPoint.
O pai clica e o jogo abre.
Um amiguinho de João chama no portão
J: Paaai. - ele fica tão animado que chuta a mesa
P: Oi N, já já a gente brinca, o João está fazendo tarefa, beleza? já a gente solta pipa!
N: não posso ficar aqui?
P: se vc ficar olhando ali do lado, mas tem q ficar quieto!
Por outro lado, com o passar do tempo, todos aprenderam a criar
estratégias para lidar com os imprevistos contidos no ambiente familiar e
o pai apresentou maior domínio dos recursos utilizados nas intervenções
por meio do telemonitoramento, o que trouxe inúmeros benefícios para o
desenvolvimento das atividades, visto que, quando algo não acontecia
como o previsto o grupo apresentada maturidade para criar estratégias
resolutivas. O exemplo, a seguir, ilustra esta condição:
Durante a atividade apareceu uma mensagem de que a bateria do notebook do pai estava
acabando.
TO2: Ih, a bateria está acabando!
P: coloquei para carregar, deixei tudo prontinho aqui do lado.
TO2: o dois copos de farinha, João
P: Eu até separei os dois copos de farinha aqui do lado. Olha um, dois!
Apesar de todos os desafios enfrentados durante o
telemonitoramento, o fato do pai ter a necessidade de participar
ativamente das terapias fez com que ele também desenvolvesse habilidades
para oferecer mais oportunidades comunicativas para João.
P: Qual cavalo é menor, João? Qual é o pequeno? É esse aqui?
João faz que não com a cabeça
P: Então é esse?
João faz que sim com a cabeça
P: Acertou!
A literatura aponta a necessidade de oferecer atenção e apoio aos
diferentes parceiros de comunicação da criança, assim como à maneira
como ela interage, uma vez que a baixa expectativa que os parceiros de
comunicação têm a respeito da capacidade da criança de se comunicar,
pode dificultar o processo (NUNES, 2003; KENT- WALSH et al., 2015;
SANT’ANNA; DELIBERATO; ROCHA, 2016). Para que a criança
possa compartilhar seus desejos em diversos contextos, é necessário
oferecer capacitação aos seus interlocutores. Assim, o ambiente familiar se
tornou extremamente benéfico pois ampliou as possibilidades de
participação de outros interlocutores comparado ao ambiente clínico,
como no caso os familiares, vizinhos e crianças de sua faixa etária
(FERREIRA-DONATI; DELIBERATO, 2009; GOLDONI, 2013;
SANT’ANNA; DELIBERATO; ROCHA, 2016).
Conclusão
O telemonitoramento foi uma importante estratégia de
atendimento remoto utilizada, devido ao cenário pandêmico, causado pela
COVID-19, com o intuito de que não houvesse a ruptura dos
atendimentos de João.
A continuidade da implementação de recursos de CSA por meio
de intervenções realizadas através do telemonitoramento, possibilitaram
que fossem ampliadas e desenvolvidas as habilidades comunicativas de
João, tendo objetivos claramente traçados que vieram ao encontro das
necessidades da criança no momento em que vivenciava o distanciamento
social. Ressalta-se também que o trabalho colaborativo entre as terapeutas
ocupacionais e a pedagoga favoreceu o acesso ao conteúdo escolar que
estava sendo enviado pela escola e deveria ser realizado por meio de
atividades assíncronas pelos familiares.
A participação da família foi relevante para o desenvolvimento das
propostas realizadas durante as sessões, que em parceria com as terapeutas
ocupacionais puderam juntos, apesar dos desafios encontrados no decorrer
do processo, buscar estratégias para dar suporte às habilidades
comunicativas de João.
Agradecimentos
Os resultados apresentados neste manuscrito fazem parte de um
estudo vinculado ao projeto “Diferença, Inclusão e Educação”, do
Programa CAPES-PRINT, bem como também possui articulação com um
projeto financiado pelo Núcleo de Ensino - Pró Reitoria de Graduação
(PROGRAD) da Universidade Estadual Paulista lio de Mesquita Filho
UNESP.
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Capítulo 9
Risco na Aprendizagem da Leitura:
Resultados e Implicações de Um Estudo Longitudinal no
Contexto da Educação Inclusiva *
Ana Paula Loução Martins
Maria João Costa Santos Simão
Introdução
Segundo o relatório de 2017 do National Center for Learning
Disabilities, nos EUA estima-se que aproximadamente 39% dos
estudantes, que recebem apoio dos serviços especializados de educação
especial, possuam dificuldades de aprendizagem específicas (DAE). Os
dados do National Assessment of Educational Progress de 2013, citados neste
relatório, mostram que no final do quarto ano de escolaridade, 27% dos e
das estudantes sem necessidades educativas especiais obtiveram resultados
na leitura, abaixo do considerado básico, enquanto que naqueles e naquelas
com DAE esse valor se situava nos 85% (HOROWITZ; WHITTAKER,
2017). No final do oitavo ano de escolaridade esses valores são de 18% e
71% respectivamente. Neste contexto, torna-se essencial que a escola
inclusiva disponibilize sistemas que, de forma interligada e precoce,
disponibilizam um sistema de triagem universal de situações de risco de
insucesso na leitura, a intervenção preventiva multinível, a monitorização
do progresso, a tomada de decisões e a avaliação especializada
https://doi.org/10.36311/2022.978-65-5954-326-7.p207-224
(HOROWITZ; WHITTAKER, 2017; NATIONAL CENTER FOR
LEARNING DISABILITIES, 2020).
A triagem universal funciona como um processo sistemático de
identificação de estudantes em risco de baixos resultados acadêmicos
(leitura, escrita, matemática), comportamentais, sociais e/ou emocionais
(GOLDSTEIN, 2019). As provas utilizadas nesta triagem são realizadas
por toda a população escolar, normalmente, no início do ano letivo e
repetem-se no meio e no final do mesmo (FUCHS; FUCHS, 2008;
HUGHES; DEXTER, 2013). Uma determinada pontuação limite (ponto
de corte) prediz sobre quais estudantes provavelmente terão sucesso e
quais, provavelmente, não atingirão as competências que foram analisadas
(FUCHS; FUCHS, 2011). Segundo Jenkins e colaboradores (2007), ao
nível da triagem de risco de insucesso na leitura, a maioria das provas
utilizadas têm como foco predizer resultados de leitura insatisfatória,
definida com base em critérios como, por exemplo, uma realização de um
ano abaixo do ano escolar, como uma realização abaixo do percentil 25,
ou como uma realização abaixo duma determinada pontuação num teste
de leitura estadual ou nacional. Dependendo de como é definido, este
critério de leitura insatisfatória tem a capacidade de identificar uma larga
percentagem de estudantes em risco. Contudo, por vezes o objetivo da
triagem é identificar estudantes que apresentam resultados muito afastados
dos apresentados pelo resto da turma e considerados como muito
insatisfatórios. Para esta situação, é muitas vezes usado, como ponto de
corte, o percentil 10, o que permite identificar estudantes com grande
suspeita de poderem ter uma dificuldade de aprendizagem específica.
Os estudantes cujos resultados em cada momento da triagem
universal se encontrem abaixo da pontuação limite utilizada, serão alvo de
uma atenção posterior. Os resultados da triagem universal também podem
ser usados para identificar e apoiar escolas com um grande número de
alunos em risco. Assim, no contexto de Modelos de Resposta à Intervenção
ou, como são também designados, de Sistema de Apoios multinível, a
triagem universal constitui-se como o primeiro passo, junto de situações
de risco de insucesso acadêmico, para a identificação e intervenção
precoces e, paralelamente, para a procura de se evitar que o insucesso destes
estudantes se solidifique no seu percurso escolar e na sua vida adulta
(FUCHS; FUCHS, 2008).
Em Portugal observa-se a inexistência de um sistema de triagem
universal na área da leitura que seja tecnicamente adequado, simples e
rápido, bem como de dados consistentes e agregados sobre as trajetórias de
desenvolvimento da leitura, pelo que, ao longo de três anos letivos,
desenvolvemos dois projetos de investigação com os seguintes objetivos: a)
testar a aceitação do uso de provas de monitorização-com-base-no-
currículo (MBC) como um elemento da triagem universal de risco na
compreensão da leitura; b) conhecer a trajetória do nível e da taxa de
crescimento da compreensão da leitura entre o 2º ano e o anos de
escolaridade; c) analisar o impacto da variável risco na trajetória do nível e
da taxa de crescimento da compreensão da leitura entre o ano e o 4º
ano de escolaridade. Neste capítulo apresentamos os resultados de um dos
agrupamentos de escolas que participaram nestes projetos.
Método
Participantes
Os participantes constituem a população de estudantes de um
agrupamento de escolas públicas localizadas numa zona urbana do norte
de Portugal. Disponibilizaram-se a participar, e foram autorizados pelos
respectivos encarregados de educação, 143 estudantes do ano, 150 do
3º ano e 151 estudantes do 4º ano de sete turmas. Desta forma, o grupo
de participantes compreende estudantes que foram monitorizados durante
três anos letivos, ou seja, no 2º, e anos do ensino com idades
compreendidas entre sete e dez anos.
Instrumentos de coleta de dados
Os dados utilizados neste estudo foram coletados tendo por base
dois tipos de instrumentos. O primeiro instrumento é constituído por três
Provas de MBC desenhadas pelas investigadoras dos projetos para três anos
letivos diferentes
.
Estas provas foram escolhidas por a investigação
internacional mostrar que desempenham um papel central na triagem
universal em modelos como o Modelo de Resposta à Intervenção
(FUCHS, 2017). O desenvolvimento das provas de MBC teve início na
década de setenta, com o trabalho desenvolvido pelo Professor Stanley
Deno e colegas na Universidade do Minnesota, nos EUA, e atualmente
apresenta-se como um sistema fácil, válido, rápido e económico baseado
em provas de medição, organizadas com material (textos) do currículo
nacional (DENO, 2003b) e cujos resultados não são apenas usados para
identificar estudantes em risco, e que beneficiam de um ensino da leitura
adicional, mas também para personalizar programas de leitura com base
nas necessidades de estudantes, para que o/a professor/a avalie a eficácia
das estratégias usadas e, caso seja necessário, faça ajustes à sua planificação,
e para se decidir sobre a necessidade da frequência de ações de
desenvolvimento profissional (VAUGHN et al., 2007)
Embora existam vários tipos de provas de MBC, neste estudo,
tendo por base os anos académicos e os recursos humanos para a realização
do projeto de investigação, utilizam-se provas para a compreensão da
leitura, denominadas provas Maze. Cada prova é constituída por três
textos, sendo a seleção da palavra correta em falta em cada texto entre três
opções apresentadas. O número de palavras corretamente selecionadas,
numa amostra de leitura retirada de material curricular do ano da turma e
ainda não analisado nas aulas, constitui um indicador válido da
proficiência da leitura, sendo que o resultado de cada estudante é a
mediana dos três resultados nos três textos (BUSCH; LEMBKE, 2005).
Neste estudo o valor de risco corresponde ao valor do percentil 20
(DENO, 2003a).
O segundo instrumento de coleta de dados foi um diário de notas
de campo, onde se registrava informação relacionada com aspetos que
ocorriam imediatamente após reuniões com a direção do agrupamento e
as professoras e os professores, após a administração de provas (número de
participantes em cada sala, considerações de estudantes e de professores e
professoras, e comportamentos ou emoções que se considerassem
relevantes para a análise), ou após conversas com encarregados de
educação. Estes dados qualitativos permitiram caracterizar a aceitação do
uso das provas de MBC- Maze.
Procedimentos de coleta e tratamento de dados
Depois de obtida a autorização por parte da Direção-Geral de
Educação para a realização
de estudos de investigação em ambiente escolar,
ao abrigo do
ao abrigo do Despacho N.º 15847/2007
, foi dado a conhecer o
estudo que se pretendia realizar à direção do Agrupamento de Escolas, aos
professores, aos pais e mães de estudantes e convidadas as estudantes e os
estudantes a participarem, sendo utilizados consentimentos informados e
pedidos de autorização. Posteriormente foi agendado com as professoras e
os professores a administração das provas, o que decorreu no ambiente da
sala de aula da turma.
A aplicação da prova de BMC-Maze implicou três fases, tal como
indicado por Lages (2014). Primeiro, após a entrega das provas, foi feita
uma explicação detalhada sobre as suas características e funcionamento, e
praticado um exemplo, que incluía três frases, de modo a que os estudantes
percebessem inequivocamente o que se pretendia que fizessem, após o que
se dava início à prova. Durante esta realização os estudantes dispunham de
dois minutos para a leitura de cada texto de cada prova e a administradora
tinha como função cronometrar o tempo e circular pela sala para verificar
se tudo corria como desejado. Sempre que algum ou alguma estudante
terminava antes do tempo, registrava-se na sua prova o tempo que
demorou a realizá-la. Deste modo, cerca de quinze minutos por turma
bastaram para explicar e aplicar os três textos. Finalmente, a terceira fase
consistia na recolha de todas as provas e agradecimento por parte da
administradora. Posteriormente, as provas foram cotadas considerando-se
dois aspetos: 1) cada palavra corretamente selecionada era contabilizada
como um ponto; 2) consideraram-se como erros as palavras
incorretamente selecionadas e os conjuntos de três palavras sem qualquer
seleção ou com mais do que uma seleção. O resultado de cada estudante
foi dado pela mediana dos resultados obtidos em cada um dos três textos
de cada prova. Para assegurar a confiabilidade desta administração, todas
as instruções e ações forma incluídas num protocolo (PATRÃO, 2010).
Cada professora ou professor de turma auxiliaram na coleta de dados,
verificando se as instruções nesse protocolo eram corretamente fornecidas
pela administradora (uma investigadora) e efetuaram o registo das suas
observações num documento construído para esse efeito. As provas foram
administradas no meio e no final de cada ano letivo.
A participação no estudo foi anônima e o estudo não contemplou
a recolha de dados pessoais sensíveis e na aplicação dos instrumentos não
se procede à identificação de estudantes, de professores, ou de outro tipo
de informação que os tornasse identificáveis.
Os dados recolhidos foram submetidos a tratamento informático e
análise estatística. Na análise quantitativa, calculou-se a média, o desvio
padrão, a mediana e os percentis. A taxa de crescimento semanal, para cada
ano letivo, foi calculada através do quociente entre a diferença dos
resultados obtidos na segunda aplicação e na primeira aplicação e o número
de semanas entre as duas aplicações (GRANEY et al., 2009). Depois dos
dados analisados foram organizadas reuniões na escola onde se
apresentaram e discutiram os resultados.
Resultados
Apresentamos em seguida os resultados tendo por base os três
objetivos deste estudo e que indicamos no final da introdução deste
capítulo:
1.
Aceitação do uso de provas de monitorização-com-base-no-
currículo (MBC) como elemento central na triagem universal de risco na
compreensão da leitura
: Embora nenhum dos professores das turmas onde
as provas foram realizadas tivesse conhecimento prévio deste tipo de
instrumento de monitorização para a compreensão da leitura, a maioria
mostrou admiração e interesse pela prova, tendo a participação sido
unânime. As professoras e os professores apresentaram vários argumentos
de aceitação. Primeiro porque era uma análise da leitura medida junto de
estudantes e não dependente da sua perceção. Segundo, porque o estudo
revelou-se uma oportunidade de professores contactarem com este tipo de
informação, de conhecerem uma forma de monitorizar a leitura, tal como
preconizado pelo pela medida do Ministério da Educação relacionada com
as metas de aprendizagem. Terceiro, porque o contacto com as
investigadoras e as análises dos resultados de cada turma e estudante,
permitia que professoras e professores compreendessem a utilidade da
utilização de dados na tomada de decisão sobre a aprendizagem de
estudantes que se consideram em risco. Em quinto, porque permitia que
ao longo do projeto fossem proporcionados momentos de formação em
contexto nos quais se analisaram intervenções que segundo a investigação
são eficazes para os alunos com dificuldades de aprendizagem específicas e
ou em risco.
Salienta-se ainda que a colaboração de encarregados de educação e
de estudantes foi quase de 100%, sendo que vários pais e mães solicitaram
os resultados dos filhos e/ ou das filhas, tantos às professoras e aos
professores como diretamente à investigadora coordenadora do projeto, o
que mostra o seu interesse no estudo e na educação.
2.
Trajetória do vel e da taxa de compreensão da leitura entre o
ano e o ano de escolaridade:
Os resultados relativos às medidas de
tendência central e de dispersão obtidos para as crianças participantes
mostram uma trajetória gradual com crescimento entre anos escolares, o
que se relaciona com a aprendizagem da leitura. Sublinha-se que o desvio
padrão aumenta ao longo dos anos mostrando aumento da variabilidade
ao longo do tempo (ver Tabela 1). Sublinha-se que o ano letivo em
Portugal, em geral inicia em meados de setembro e termina em meados de
Julho.
Tabela 1: Resultados descritivos da população para os seis momentos de monitorização
Ano letivo
Momento
Média
Desvio Padrão
2.º
Março (n=122)
6.26
2.53
Junho (n=121)
8.02
2.09
3.º
Janeiro (n=137)
11.00
4.05
Junho (n=137)
12.40
4.55
4.º
Março (n=146)
14.89
4.81
Junho (n=135)
16.66
5.90
Elaborada pelas autoras.
A Tabela 2 apresenta o valor dos percentis para os vários momentos
em que se realizou a monitorização ao longo dos três anos de escolaridade.
Tabela 2: Resultados dos percentis para os seis momentos de monitorização
Percentil
Ano letivo
Momento
10
20
25
50
75
90
Março (n=122)
3
4
4
7
8
10
Junho (n=121)
5
6
7
8
10
11
Janeiro (n=137)
6
7
8
11
14
16
Junho(n=137)
7
8
9
13
15
18
Março (n=146)
9
10
11
15
18
22
Junho (n=139)
9
12
13
16
22
24
Fonte: Elaborada pelas autoras.
Uma vez conhecidos, os valores de percentis para este
agrupamento, podem servir tanto para analisar cada estudante num dado
momento, como sua evolução e serem utilizados pelas professoras e
professores deste agrupamento como referência em anos seguintes.
A Tabela 3 apresenta a trajetória dos resultados ao longo dos três
anos de escolaridade, segundo a variável risco.
Tabela 3. Resultados nos seis momentos de monitorização segundo a variável risco
Ano letivo
Momento
Variável
Média
Desvio Padrão
Março
Não risco (n=102)
7,05
1,93
Risco (n=20)
2,25
0,79
Junho
Não risco (n=106)
8,56
1,56
Risco (n=15)
4,20
1,15
Janeiro
Não risco (n=106)
12,55
3,14
Risco (n=31)
5,71
1,51
Junho
Não risco (n=109)
13,94
3,74
Risco (n=28)
6,43
1,35
Março
Não risco (n=111)
16,60
3,93
Risco (n= 35)
9,26
2,59
Junho
Não risco (n=108)
18,82
4,56
Risco (n=31)
8,97
2,73
Fonte: Elaborada pelas autoras.
Verifica-se que ao longo dos três anos a diferença na média entre
os dois grupos aumenta, e que o desvio padrão aumenta mais nos alunos
que não estão em risco.
A taxa de crescimento semanal foi calculada através do quociente
entre a diferença dos resultados obtidos na segunda aplicação e na primeira
aplicação e o número de 10 semanas no segundo ano, de 16 semanas no
terceiro ano e 10 semanas no quarto ano (GRANEY et al., 2009). A Tabela
4 apresenta a taxa de crescimento do grupo de estudantes ao longo dos três
anos letivos.
Tabela 4:Taxa de crescimento semanal da amostra e segundo a variável risco
Ano (semanas entre monitorizações)
Amostra
Risco
Não risco
(10 semanas)
0,167
0,140
0,175
(16 semanas)
0,091
0,025
0,130
(10 semanas)
0,177
0,011
0,245
Fonte: Elaborada pelas autoras.
Sublinha-se que é no 2º Ano e no 4º ano que a taxa de crescimento
semanal é mais expressiva para a amostra e, que, no quarto ano, a taxa de
crescimento de estudantes que não se encontra em risco é superior à dos
anos letivos anteriores, enquanto para as e os estudantes em risco é a
menor.
Conclusões e considerações para a prática educativa
Neste estudo obtêm-se três conclusões, que se apresentam em
seguida, se discutem à luz de outras investigações e se utilizam para se
destacarem implicações para a prática educativa.
Como primeira conclusão indica-se que a prova MBC-Maze foi
bem aceita e constituiu-se como uma ferramenta essencial na determinação
de risco na compreensão leitora. A utilização da MBC traz benefícios
acrescentados para a prática educativa devido à capacidade de medir a
discrepância de desempenho através do recurso a uma abordagem
normativa dos resultados e viabilizar a implementação de intervenções
adicionais mais intensivas (SHINN, 2007). Esta coleta de dados, no
contexto de modelos de Resposta à Intervenção, tem ainda a vantagem de
monitorizar estudantes de forma rápida e pouco dispendiosa. Assim, neste
estudo a MBC mostrou ser bem aceita como parte de um sistema de
triagem destinado a promover a identificação e a posterior intervenção, o
mais precoce possível (CONNOR et al., 2014). Contudo, sublinha-se que
um sistema de triagem deve ter recolha de dados três vezes por ano letivo
e incluir outros tipo de provas de MBC, de acordo com os anos de
escolaridade, como por exemplo as provas de MBC que analisam a fluência
de leitura.
A segunda conclusão que se indica é que a trajetória do nível e da
taxa de crescimento da compreensão da leitura mostra a aprendizagem da
leitura que ocorreu na sala de aula. Os estudantes obtiveram uma melhoria
da média dos resultados obtidos entre monitorizações em cada ano escolar
e entre cada ano de escolaridade. O desvio padrão aumenta ao longo dos
anos, mostrando o aumento das diferenças entre estudantes.
A terceira conclusão que se indica é que a variável risco teve
impacto nos resultados, com a média dos resultados de estudantes em risco
a ser inferior, em quase o dobro, à média dos restantes estudantes nas
aplicações ao longo dos três anos de escolaridade. O fato de a média dos
resultados no grupo em risco ser inferior à média do grupo que não estava
em risco é consistente com o verificado no estudo de Speece e
colaboradores (2010). Observa-se também que a diferença entre os grupos
aumenta ao longo dos três anos, ou seja, os grupos distanciam-se com o
tempo. Assim, embora se observe uma evolução positiva na compreensão
da leitura em ambos os grupos, o que mostra que as atividades na sala de
aula tiveram impacto positivo na aprendizagem, os estudantes em risco são
aquelas que parecem menos usufruírem das condições da sala de aula.
Seguindo as diretrizes do Modelo de Resposta à Intervenção, a partir da
recolha de dados de um sistema de triagem universal, estudantes em risco
na leitura, através da avaliação do seu desempenho e taxa de crescimento,
devem ser apoiados através de um sistema de apoio multinível que utiliza
práticas baseadas na investigação tal como sugerido por vários
investigadores citados ao longo deste trabalho. Segundo Brown-Chidsey e
Steege (2005) as intervenções baseadas na investigação são importantes
porque aumentam a probabilidade de resultados positivos por parte de
estudantes em risco, promovendo o progresso. Adicionalmente, as
intervenções baseadas na teoria, opinião, testemunhos e avaliação subjetiva
têm mostrado serem ineficazes. Por fim, tanto estudantes como famílias
têm o direito de esperar que os profissionais da educação utilizem
intervenções que têm grande probabilidade de promover resultados
positivos. Segundo Vaughn e colaboradores (2007), devem desenvolver
entre outras, práticas de ensino explícito e direto, sequência e análise de
tarefas, controle da dificuldade das tarefas, a oportunidade de prática na
elaboração de projetos e de resolução de problemas, o feedback sistemático
e continuado, as estratégias de metacognição, as estratégias de
aprendizagem, o trabalho interativo de pequeno grupo e de pares e a
monitorização constante do progresso dos alunos para orientar a
intervenção.
Este estudo apresenta limitações relativas ao número de
participantes, a ter sido realizado numa região do país, a terem sido
realizadas apenas dois momentos de monitorização por ano, em vez de três,
bem como de apenas uma área da leitura, aconselhando-se a inclusão de
uma prova de fluência de leitura, por exemplo de não e de não ter sido
registado o tipo de intervenção adicional à sala de aula, que possa ter sido
promovida com estudantes em risco.
Para finalizar sublinha-se que a MBC associada a uma intervenção
precoce é particularmente vantajosa na prevenção de dificuldades de
aprendizagem específicas a longo prazo, visto que apoia a procura da
abordagem mais efetiva para a intervenção, facilita a interligação entre o
ensino da sala de aula e a intervenção adicional, e melhora o ensino na
classe regular, porquanto requer a participação da professora ou do
professor de turma num processo colaborativo com outros ou outras
profissionais que promovem o sistema de triagem e que desenham uma
intervenção adicional à que é promovida na sala de aula (VELLUTINO,
2002). Desta forma a escola torna-se mais inclusiva.
Agradecimentos
Este estudo foi desenvolvido no CIEC - Centro de Investigação
em Estudos da Criança, Instituto de Educação, Universidade do Minho,
Portugal e financiado através da FCT Fundação para a Ciência e a
Tecnologia no âmbito dos projetos: a) “PTDC-CEP-CED-111430-2009:
Uso da monitorização com base no currículo para estabelecer risco de
dificuldades de aprendizagem específicas na leitura”; b) “EXPL/MHC[1]
CED/2449/2013: Monitorização do risco de dificuldades de
aprendizagem específicas na leitura de alunos do 4.º ano e comparação
com resultados destes mesmos alunos quando no 2º e ano do Ciclo
do Ensino Básico”; e c) “UIDB/01661/2020 e UIDP/01661/2020, através
de fundos nacionais da FCT/MCTES-P”.
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Capítulo 10
Indicadores de Riscos Para o Desenvolvimento Cognitivo e
de Linguagem de Bebês
Beatriz Prado Caetano
Heloisa Briones Mantovani
Beatriz Sales Davanzo
Camila Boarini dos Santos
Aila Narene Dahwache Criado Rocha
Introdução
Os dois primeiros anos de vida do bebê são marcados pelo
desenvolvimento de novas funções e habilidades, o que permite grandes
avanços na área motora, social, cognitiva e de linguagem (CARNIEL et al.,
2017). É nessa fase que ocorre o processo de maturação do sistema nervoso
central, resultando assim, em um período de extrema importância para o
desenvolvimento infantil, pois ocorre com maior intensidade a chamada
plasticidade cerebral (VASCONCELOS et al., 2019).
A cognição é um processo no qual se desenvolve a habilidade de
compreender o outro e o mundo que nos cerca, e a sua importância se deve
ao fato de que ela abrange o acervo de informações, permite o
desenvolvimento da inteligência, favorece a construção da personalidade,
além de o be tornar-se mais criativo, dinâmico e apresentar melhores
resoluções de problemas frente aos contextos que está inserido, resultando
https://doi.org/10.36311/2022.978-65-5954-326-7.p225-242
assim, em uma melhor socialização (LÜCKE, 2019). Seu desenvolvimento
está associado a um conjunto de processos mentais que abrange a
percepção, atenção, memória, raciocínio e imaginação. A cognição
também depende de relações adequadas entre as funções sensoriais,
perceptivas, motoras, intelectuais, psicológicas e de linguagem para um
desenvolvimento de qualidade (BRASIL, 2016; CARNIEL et al., 2017).
Associado a cognição, o desenvolvimento da linguagem torna-se
essencial para as relações sociais do ser humano e sua aprendizagem, que
a sua contribuição se deve ao fato de que ela é responsável por constituir o
indivíduo, expor seus pensamentos e ideias, e apreender significados,
compartilhando atividades e saberes socioculturais (OLIVEIRA; BRAZ-
AQUINO; SALOMÃO, 2016). O seu desenvolvimento está relacionado
com a organização perceptual, recepção e estruturação das informações,
assim como a funcionalidade do sistema auditivo, dos órgãos
fonoarticulatórios, maturação neuropsicológica e do desenvolvimento
cognitivo (BRASIL, 2016; CARVALHO et al., 2015).
Neste sentido, ressalta-se que o desenvolvimento da cognição e da
linguagem acontece de maneira articulada e em um contexto de interações
entre o bebê, o meio e a família, proporcionando múltiplas aprendizagens
e promovendo o desenvolvimento das demais habilidades humanas
(LÜCKE, 2019; OLIVEIRA; BRAZ-AQUINO; SALOMÃO, 2016).
O estudo realizado por Murta et al (2011) teve como objetivo
avaliar o desenvolvimento cognitivo, motor, de linguagem, autocuidado e
socialização relacionando com o estado nutricional de 16 bebês de zero a
dois anos que frequentavam a creche, utilizando como instrumento de
pesquisa o Inventário Portage Operacionalizado (IPO). Os resultados da
pesquisa permitiram concluir que na faixa etária de 0-1 ano existe uma
correlação entre o desenvolvimento cognitivo e o motor, assim como entre
a cognição e o estado nutricional, que o déficit nutricional influenciou
negativamente o desenvolvimento motor e as habilidades cognitivas dos
sujeitos. na faixa etária de 1-2 anos, foi possível observar um déficit na
linguagem e a sua relação com o estado nutricional dos bebês.
Em uma pesquisa realizada por Prado et al (2012), o IPO foi
utilizado para avaliar o crescimento e desenvolvimento de 15 crianças de 0
a 2 anos que frequentavam uma creche em Presidente Prudente/SP, o
estudo demonstrou resultados negativos para a área da linguagem, uma vez
que apenas uma criança apresentou idade superior nessa área se comparado
com a sua idade cronológica e, em relação à área cognitiva, os resultados
foram divididos igualmente entre idades menores, iguais e maiores que a
idade cronológica.
Neste mesmo contexto, o estudo de Barcellos et al (2013) utilizou
o IPO para avaliar dois pacientes, um de 1 ano e 10 meses e outro de 4
anos e 6 meses, encaminhados para o serviço de Aconselhamento Genético
de Londrina. Em ambos os casos, os pacientes não emitiram os
comportamentos adequados para as idades nas áreas do autocuidado e da
linguagem e, somente o paciente de 4 anos e 6 meses apresentou
comportamento inadequado na área da cognição.
Com base na revisão de literatura realizada para fundamentar esta
pesquisa, foram encontrados escassos estudos que utilizaram o IPO como
instrumento de pesquisa (BARCELOS et al, 2013; MURTA et al, 2011;
PRADO et al, 2012) além disso, não foi identificado nenhum artigo que
utilizasse o IPO para avaliar o desenvolvimento de bebês atendidos em
uma Unidade de Saúde da Família (USF).
Frente a essas problemáticas e considerando a extrema relevância
desta temática para os profissionais que acompanham essa população, o
questionamento deste estudo é: Qual o perfil de desenvolvimento
cognitivo e de linguagem dos bebês acompanhados por uma equipe da
unidade de ESF? Espera-se que os bebês participantes deste estudo, por
não apresentarem quadros de deficiência e/ou ndromes, tenham um
desenvolvimento adequado à sua faixa etária.
Sendo assim, o objetivo deste estudo foi avaliar a presença de
indicadores de riscos para o desenvolvimento cognitivo e de linguagem dos
bebês.
Método
Essa pesquisa foi submetida à avaliação pelo Comitê de Ética em
Pesquisa da Faculdade de Filosofia e Ciências da UNESP- Campus de
Marília /SP, respeitando as prerrogativas da resolução 510/16 CONEP
que versa sobre ética em pesquisa com seres humanos, tendo parecer
favorável nº 4.009.740 CAAE: 09740319.4.0000.5406.
Os responsáveis pelos participantes da pesquisa foram informados
sobre os objetivos e procedimentos da coleta de dados, sobre o tempo de
duração, a utilização dos dados para fins científicos e sobre o direito de
privacidade dos participantes, sendo convidados a assinar o Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido.
Participaram da pesquisa 21 bebês e seus cuidadores, moradores de
um bairro pertencente a uma Unidade de Saúde da Família (USF) do
interior do estado de São Paulo. Em relação à renda familiar, 42,8% das
famílias entrevistadas apresentam renda entre R$2.500 à R$3.500,
enquanto os outros 57,2% estão igualmente divididos entre famílias com
renda entre R$1.000 à R$1.500 (6) e famílias com renda entre R$1.500 à
R$2.500 (6).
A coleta de dados foi realizada através de visitas domiciliares para a
aplicação da avaliação. O critério de inclusão foram bebês que abrangiam
a faixa etária de zero a 24 meses completos de idade e como critério de
exclusão os diagnósticos de síndromes e/ou deficiências, que eles podem
interferir no desenvolvimento infantil
(
ATKINS et al., 2017;
VASCONCELOS et al., 2019).
A avaliação utilizada para coleta de dados foi o IPO, que é um
instrumento de avaliação de crianças de 0 a 6 anos de idade cronológica.
Ela observa um total de 580 comportamentos na criança, divididos em 5
grandes áreas: Cognição, autocuidado, linguagem, socialização e
desenvolvimento motor. Ao final da avaliação, é possível calcular um perfil
de desenvolvimento para cada área, realizado da seguinte maneira (Quadro
1): Através de um cálculo de regra de três, são correlacionadas as variáveis
referentes à quantidade de questões da área; a idade referente à avaliação
utilizada e a pontuação que a criança obteve na área avaliada, isso resulta
na idade (em meses) que a criança obteve na categoria. Essa idade
resultante é comparada com a idade cronológica da criança, se ela for maior
ou igual, a criança não apresenta riscos de atraso no desenvolvimento
daquela área, mas se a idade de desenvolvimento for menor que a idade
cronológica, significa que a criança apresenta riscos de atraso no
desenvolvimento (WILLIAMS; AIELLO, 2001). O desenvolvimento
geral da criança também pode ser pontuado, mas, para esse estudo,
somente as áreas cognitiva e de linguagem serão apresentadas,
considerando, então, o desenvolvimento dos bebês nessas duas áreas,
individualmente.
Quadro 1: Cálculo Inventário Portage Operacionalizado
𝑋𝑋
(
𝑖𝑖𝑑𝑎𝑑𝑒 𝑟𝑒𝑠𝑢𝑙𝑡𝑎𝑛𝑡𝑒
)
𝐼𝑑𝑎𝑑𝑒 𝑟𝑒𝑟𝑟𝑒𝑟𝑒𝑛𝑡𝑒 à 𝑎𝑣𝑎𝑙𝑖𝑖𝑎çã𝑜
𝑃𝑜𝑛𝑡𝑢𝑎çã𝑜 𝑛𝑎 á𝑟𝑒𝑎
=
𝑛º 𝑑𝑒 𝑞𝑢𝑒𝑠𝑡õ𝑒𝑠 𝑑𝑎 á𝑟𝑒𝑎
Fonte: Elaboração Própria
*idade referente à avaliação (adaptado pelas autoras):
IPO de 0-1 ano = 12 meses
IPO de 1-2anos = 24 meses
A coleta de dados foi realizada durante o primeiro semestre de
2019, sendo necessárias aproximadamente 3 visitas de 40 minutos para
cada criança a fim de concluir todas as avaliações. O segundo semestre do
mesmo ano foi utilizado para entregar os relatórios com os resultados das
avaliações para as famílias e para a equipe da ESF.
A análise de dados foi realizada por meio de estatística descritiva.
Pr
imeir
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os
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as
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ar
a
a
apresentação dos resultados analisados.
Resultados e Discussão
O Quadro 2, a seguir, apresenta a caracterização dos bebês de
acordo com sua idade, sexo, renda familiar mensal e em relação à sua
matrícula na creche.
Quadro 2- Caracterização dos bebês
Bebês
Idade
Sexo
Renda Familiar
Frequenta creche
B1
3 meses
F*
R$2.500 a R$3.500
Não
B2
4 meses
F
R$1.000 a R$1.500
Não
B3
5 meses
M**
R$1.500 a R$2.500
Não
B4
6 meses
F
R$2.500 a R$3.500
Não
B5
7 meses
M
R$2.500 a R$3.500
Não
B6
10 meses
F
R$2.500 a R$3.500
Não
B7
10 meses
M
R$1.500 a R$2.500
Não
B8
13 meses
M
R$2.500 a R$3.500
Não
B9
13 meses
M
R$1.000 a R$1.500
Não
B10
16 meses
F
R$2.500 a R$3.500
Não
B11
17 meses
M
R$1.000 a R$1.500
Não
B12
17 meses
F
R$1.000 a R$1.500
Não
B13
17 meses
M
R$1.000 a R$1.500
Não
B14
18 meses
M
R$1.500 a R$2.500
Não
B15
20 meses
F
R$1.500 a R$2.500
Sim
B16
21 meses
M
R$1.000 a R$1.500
Sim
B17
21 meses
F
R$2.500 a R$3.500
Sim
B18
21 meses
F
R$1.500 a R$2.500
Não
B19
21 meses
F
R$2.500 a R$3.500
Sim
B20
23 meses
M
R$1.500 a R$2.500
Sim
B21
23 meses
F
R$2.500 a R$3.500
Sim
Fonte: Elaboração Própria
Legenda: F*: Feminino/ M**:Masculino
A idade média dos 21 bebês que participaram da pesquisa é de 14,6
meses, 52,4% (11) deles são do sexo feminino e 47,6% (10), do sexo
masculino e apenas 28,6% (6) frequentam a creche, enquanto os outros
71,4% (15) não frequentam.
Em relação à Cognição (Figura 1) 47,6% dos 21 bebês
apresentaram riscos de atraso no desenvolvimento, enquanto 52,4% estão
de acordo com o desenvolvimento esperado para sua faixa etária.
Figura 1 - Desenvolvimento Cognitivo
Fonte: Elaboração Própria
No que diz respeito à Linguagem (Figura 2) 71,4% dos bebês
apresentaram riscos de atraso no desenvolvimento e 28,6% estão de acordo
com o desenvolvimento esperado para sua faixa etária.
Figura 2 - Desenvolvimento da Linguagem
Fonte: Elaboração Própria
Os resultados do estudo de Prado et al. (2012), que teve por
objetivo relacionar a idade cronológica de 15 bebês de 0 a 2 anos às idades
das áreas do IPO e analisar a influência da intervenção motora na idade da
área do desenvolvimento motor, mostrou que, em relação à cognição, os
bebês apresentaram-se igualmente distribuídos em idades menor, igual ou
maior que a idade cronológica Já os resultados referentes à linguagem,
foram os que mais apresentaram defasagem, uma vez que apenas uma
criança apresentou idade maior que a idade cronológica.
O estudo feito por Lamônica e Picolini (2009) teve por objetivo
verificar o desempenho de habilidades do desenvolvimento infantil de 30
crianças de 6 a 24 meses que nasceram prematuras com idade gestacional
inferior a 37 semanas. Para isso, foi utilizado o IPO nas áreas de
Linguagem, Cognição, Autocuidados, Desenvolvimento Motor e
Socialização. Das 30 crianças, 66% eram do sexo masculino e 34% do sexo
feminino, destas, 10 crianças (34%) encontravam-se na faixa etária de seis
a 11 meses e 20 crianças (66%) entre 12 e 23 meses. Em relação ao
desenvolvimento da linguagem, todos os participantes (100%) da faixa
etária entre 6 e 11 meses apresentaram resultados abaixo do esperado,
dos bebês pertencentes à faixa etária de 12 a 24 meses, 95% (n=19) tiveram
resultados abaixo do esperado e somente 5% (n=1) dentro da média. Em
relação ao desenvolvimento cognitivo, dos bebês com faixa etária entre 6 a
11 meses, 30% (n=3) apresentaram resultados abaixo do esperado e 70%
(n=7) estavam dentro da média, dos bebês de idade entre 12 e 24 meses,
90% (n=18) apresentaram pontuações inferiores ao esperado e os outros
10% (n=2) encontravam-se dentro da média.
Os resultados do desenvolvimento da linguagem do estudo de
Lamônica e Picolini (2009) vão de acordo com os resultados dessa presente
pesquisa, uma vez que ambos os resultados mostraram que mais de 50%
dos bebês avaliados apresentaram pontuações abaixo do esperado para a
faixa etária. em relação ao desenvolvimento cognitivo, apesar de essa
presente pesquisa não ter separado os bebês por grupos de faixa etária como
Lamônica e Picolini (2009) fizeram, quando comparados, os resultados
apresentam-se de maneira semelhante, uma vez que, no estudo de
Lamônica e Picolini (2009), o primeiro grupo tem 30% de seus resultados
abaixo do esperado e 70% na média, enquanto o segundo grupo apresenta
o inverso, 10% abaixo e 90% na média, o que, na presente pesquisa é
descrito por 47,6% dos bebês encontram-se com resultados abaixo do
esperado e 52,4% encontram-se de acordo com o esperado para a faixa
etária. É importante ressaltar também que, apesar de participarem dessa
presente pesquisa alguns bebês prematuros, nenhum deles é prematuro
abaixo das 37 semanas, como é descrito no critério de inclusão do estudo
de Lamônica e Picolini (2009).
O estudo feito por Della Barba et al. (2017) teve como objetivo
incentivar ações relacionadas ao desenvolvimento infantil na atenção
primária junto às Equipes de Saúde da Família através da formação de
alunos do curso de Terapia Ocupacional. Foram realizadas capacitações
para os Agentes Comunitários de Saúde e para as famílias sobre a
importância do monitoramento do desenvolvimento infantil. Como
instrumento foi utilizada a cartilha “Toda hora é hora de cuidar”, onde são
abordados nove temas, entre eles o desenvolvimento infantil. Conclui-se
com o estudo a importância de ações para o monitoramento do
desenvolvimento infantil na atenção primária e a colaboração de diferentes
atores, a fim de promover o cuidado integral à infância. As primeiras
experiências que o bebê vivencia tem um efeito muito grande no seu
desenvolvimento e é de extrema importância para o desenvolvimento de
habilidades e competências. Com isso, a avaliação regular do
desenvolvimento infantil é necessária e fundamental para que as crianças
recebam a atenção em saúde de acordo com suas necessidades de
estimulação (FOX; RUTTER, 2010; DELLA BARBA et al., 2017).
O estudo também mostrou que as USF são locais adequados para
realizar a vigilância do desenvolvimento infantil com equipes de
profissionais da saúde trabalhando junto com as famílias no processo de
avaliação do desenvolvimento infantil e incluir procedimentos para essa
ação na rotina das USF (SIGOLO, 2011; DELLA BARBA et al, 2017).
Os autores também trazem a relevância do terapeuta ocupacional na
equipe da USF, pois sua participação estimula o desenvolvimento de ações
que focam tanto na questão individual como na coletiva, contribuindo
para o reconhecimento do que a comunidade e os seus indivíduos precisam
(OLIVER; ALMEIDA, 2007).
Considerações Finais
Este estudo teve como objetivo avaliar a presença de indicadores
de riscos para o desenvolvimento cognitivo e de linguagem dos bebês.
Este estudo identifica evidências científicas que fortalecem a
necessidade do monitoramento do desenvolvimento infantil na Atenção
Primária de Saúde, mesmo quando os bebês não apresentam diagnósticos
de atraso, uma vez que as alterações nas habilidades necessárias para um
desenvolvimento neuropsicomotor de qualidade interferem na realização
das atividades de vida diária. Destaca-se que é fundamental o
acompanhamento de todas as áreas de desenvolvimento do bebê, porém
neste estudo foi dado destaque a cognição e linguagem por serem áreas
menos investigadas quando comparadas por exemplo com o
desenvolvimento motor.
O monitoramento pela equipe de saúde permite descobrir quais as
necessidades de intervenções que o bebê precisa, entre elas destaca-se as
orientações aos familiares e posteriormente quando necessário o
encaminhamento para serviços de estimulação precoce. As orientações a
família quando bem planejadas pode contribuir para a estimulação dos
bebês e prevenção de atrasos, fazendo com que sejam oferecidos os
estímulos necessários para que haja um desenvolvimento infantil de
qualidade para que a criança participe das diferentes ocupações junto a seus
pares.
Este estudo se limitou a identificar o perfil cognitivo e de
linguagem dos 21 bebês acompanhados por uma Estratégia de Saúde da
Família no período do estudo, sugere-se que estudos futuros ampliem o
número de participantes e também relacionem estas áreas com as
oportunidades ambientais oferecidas aos bebês no seu domicilio, com o
perfil de processamento sensorial, com as outras áreas de desenvolvimento
e com características específicos da criança e de sua família como por
exemplo o peso, o sexo, a idade, o grau de escolaridade dos pais, a renda
familiar, entre outros aspectos.
Agradecimentos
Os resultados apresentados neste manuscrito fazem parte do
Projeto “GeBebê” financiado pela Pró- Reitoria de Extensão e Cultura
(PROEC) da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”
(UNESP), que articula a participação de discentes e docentes da graduação
de Terapia Ocupacional e da Pós Graduação em Educação.
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Sobre as Organizadoras
ima Pinheiro de Oliveira
Professora do Departamento de Administração Escolar (DAE) da
Faculdade de Educação (FAE) da Universidade Federal de Minas Gerais
(UFMG). Professora do Programa de Mestrado Profissional em Educação
e Docência (PROMESTRE/UFMG), na Linha de Infâncias e Educação
Infantil. Professora Permanente (Voluntária) do Programa de Pós-
Graduação em Educação da Faculdade de Filosofia e Ciências (FFC) da
Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP).
Bolsista Produtividade (PQ 2) do Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico (CNPq) e Pesquisadora do Grupo Deficiências
Físicas e Sensoriais (DefSen/CNPq). Contato: Jáima.ufmg@gmail.com
Aila Narene Dahwache Criado Rocha
Professora Assistente Doutora do Departamento de Fisioterapia e Terapia
Ocupacional e Docente do Programa de Pós-graduação em Educação da
Faculdade de Filosofia e Ciências (FFC) da Universidade Estadual Paulista
“Júlio de Mesquita Filho” (UNESP). Terapeuta Ocupacional, Mestre e
Doutora em Educação pela FFC, UNESP, Campus Marília. Apresenta em
sua trajetória profissional diferentes Especializações e a Certificação
Internacional em Integração Sensorial de Ayres pela Collaborative for
Leadership in Ayres Sensory Integration (CLASI). Também é
Coordenadora do Laboratório de Estudos em Acessibilidade, Tecnologia
Assistiva e Inclusão (LATAI), Pesquisadora e Vice Líder do Grupo
Deficiências Físicas e Sensoriais (DefSen/CNPq).
Contato: aila.rocha@unesp.br
Ana Paula Loução Martins
Professora Auxiliar do Departamento de Psicologia da Educação e
Educação Especial, do Instituto de Educação, Universidade do Minho em
Braga, Portugal. Doutorada em Estudos da Criança na especialidade de
Educação Especial. Membro integrado do Centro de investigação em
Estudos da Criança, da Universidade do Minho. Tenho uma curiosidade
particular na investigação e na formação acerca dos pressupostos para uma
escola inclusiva de qualidade, das dificuldades de aprendizagem específicas
na leitura, dos estudos longitudinais e da utilização da monitorização-com-
base-no-currículo como forma de identificar alunos em risco de
apresentarem dificuldades de aprendizagem específicas na leitura. Gosto
de passar momentos a ler, a fotografar e em contacto com a natureza.
Contato: apmartins@ie.uminho.pt
Sobre os Colaboradores
Adriana Garcia Gonçalves
Professora Associada do Departamento de Psicologia (DPsi) e do
Programa de Pós-graduação em Educação Especial (PPGEES) da
Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), Pedadoga, Fisioterapeuta,
Mestre e Doutora em Educação / PPGE / UNESP Campus Marília. Líder
do grupo de pesquisa “Núcleo de Estudos e Pesquisas: Educação inclusiva,
tecnologia educacional e formação profissional em diferentes contextos”,
CNPq e membro do Grupo de Pesquisa “Deficiências Físicas e Sensoriais”
(DefSen), CNPq. Contato: adrigarcia@ufscar.br
Anabela Cruz-Santos
Doutora em Estudos da Criança. Professora Auxiliar do Departamento de
Psicologia da Educação e Educação Especial do Instituto de Educação da
Universidade do Minho, Braga, Portugal. Pesquisadora e Orientadora de
Mestrado e Doutorado no Centro de Investigação em Estudos da Criança
da Universidade do Minho (CIEC). Contato: acs@ie.uminho.pt
Ana Cristina de Albuquerque Montenegro
Doutora em Linguística pela Universidade Federal de Pernambuco
(2012). Docente do Departamento de Fonoaudiologia da Universidade
Federal de Pernambuco, Diretora executiva da Sociedade Brasileira de
Fonoaudiologia (2020-2023) Membro do Conselho Científico da
International Society for Augmentative and Alternative Communication -
Capítulo Brasil -ISAAC-Brasil. Contato: aac.montenegro@gmail.com
Ana Luiza Nogueira Amorim
Pedagoga, doutora e mestre em educação. Professora do Departamento de
Habilitações Pedagógicas do Centro de Educação da Universidade Federal
da Paraíba, na área de Educação Infantil.
Contato: analuisaamorim@hotmail.com
Beatriz Prado Caetano
Terapeuta Ocupacional graduada pela Universidade Estadual Paulista
“Júlio de Mesquita Filho”, campus de Filosofia e Ciências. É colaboradora
do Laboratório de Estudos de Acessibilidade, Tecnologia Assistiva e
Inclusão (LATAI) sob coordenação da Profa Dra Aila Narene Dahwache
Criado Rocha. Contato: to.biacaetano@outlook.com
Beatriz Sales Davanzo
Terapeuta Ocupacional pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de
Mesquita Filho”, campus de Filosofia e Ciências. É colaboradora do
Laboratório de Estudos de Acessibilidade, Tecnologia Assistiva e Inclusão
(LATAI) sob coordenação da Profa Dra Aila Narene Dahwache Criado
Rocha. Contato: b.davanzo@unesp.br
Camila Boarini dos Santos
Doutoranda e Mestra em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em
Educação, linha Educação Especial pela Universidade Estadual Paulista
"Júlio de Mesquita Filho", campus de Filosofia e Ciências, Marília, São
Paulo. Terapeuta Ocupacional graduada pela mesma universidade. Possui
aprimoramento e especialização em Reabilitação e Tecnologia na área de
Terapia Ocupacional pela Universidade Estadual Paulista "Júlio de
Mesquita Filho", campus de Filosofia e Ciências, Marília, São Paulo. É
colaboradora do Laboratório de Estudos de Acessibilidade, Tecnologia
Assistiva e Inclusão (LATAI), sob coordenação da Profa. Dra. Aila Narene
Dahwache Criado Rocha. Contato: camila.boarini@unesp.br
Eline Silva Rodrigues
Doutoranda no Instituto de Educação da Universidade do Minho -
Portugal. Docente no Instituto Benjamin Constant, Rio de Janeiro.
Mestre em Educação pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Atua como docente em cursos de formação de professores na área de
Deficiência Visual.
Contato: eline.uminho@gmail.com
Emely Kelly Silva Santos Oliveira
Mestre em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação -
Linha de Pesquisa em Educação Especial - Universidade Estadual Paulista
"Júlio de Mesquita Filho" (UNESP), Campus de Marília/SP.
Especialização e Aprimoramento Profissional em Reabilitação e
Tecnologia na área de Fonoaudiologia pela Universidade Estadual Paulista
"Júlio de Mesquita Filho" (UNESP), Campus de Marília/SP. Graduação
em Fonoaudiologia pela Universidade de Marília (UNIMAR). Membro
do grupo de pesquisa Deficiências Físicas e Sensoriais (DefSen/CNPq).
Contato: emelyk.oliveira@outlook.com
Fernanda Cristina de Oliveira Luna Barbosa
Fonoaudióloga pela Universidade Católica de Pernambuco Unicap.
Voluntária no projeto Comunica TEA UFPE. Fonoaudióloga com
experiência no atendimento clínico na área de linguagem infantil. Membro
da Sociedade Brasileira de Fonoaudiologia.
Contato: fernandalbarbosa@hotmail.com
Fernanda Dias Ferraz Soriano
Mestre em Educação na Linha de Pesquisa: Educação Especial pela
Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho UNESP
Campus de Marília e Pedagoga com aprofundamento em Educação
Infantil e Administração Escolar pela mesma Universidade
(UNESP/Marília). Membro do Grupo de Pesquisas “Deficiências Físicas
e Sensoriais” (DefSen) e colaboradora do Laboratório de Estudos em
Acessibilidade, Tecnologia Assistiva e Inclusão (LATAI) da Faculdade de
Filosofia e Ciências (FFC/UNESP).
Contato: fernanda.ferraz-soriano@unesp.br
Gerusa Ferreira Lourenço
Professora Associada do Departamento de Terapia Ocupacional (DTO) e
do Programa de Pós-graduação em Educação Especial (PPGEES) da
Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), Terapeuta Ocupacional,
mestre e doutora em Educação Especial, membro do grupo de pesquisa
Formação de Recursos Humanos e Ensino em Educação Especial (GP-
FOREESP). Contato: gerusa@ufscar.br
Heloisa Briones Mantovani
Mestranda em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação,
linha Educação Especial pela Universidade Estadual Paulista "Júlio de
Mesquita Filho", campus de Filosofia e Ciências, Marília, São Paulo.
Terapeuta Ocupacional graduada pela mesma universidade. É
colaboradora do Laboratório de Estudos de Acessibilidade, Tecnologia
Assistiva e Inclusão (LATAI), sob coordenação da Profa. Dra. Aila Narene
Dahwache Criado Rocha e membro Grupo Deficiências Físicas e
Sensoriais (DefSen/CNPq). Contato: heloisa.briones@unesp.br
Luana Gonçalves Biancolli
Terapeuta Ocupacional pela UFSCar, atua no Instituto de Medicina Física
e Reabilitação do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da
Universidade de São Paulo - IMREA.
Contato: luanabiancolli@hotmail.com
Luzia Iara Pfeifer
Terapeuta Ocupacional, mestre em Educação Especial, doutora em
Educação. É professora da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar)
do Departamento de Terapia Ocupacional e professora Sênior do
Departamento de Neurociências e Ciências do Comportamento da
Universidade de São Paulo na Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto.
É orientadora dos programas de pós-graduação em Neurologia da FMRP-
USP e de Terapia Ocupacional da UFSCar. Coordena o LEPTOI -
Laboratório de Ensino e Pesquisa em Terapia Ocupacional, Infância e
Adolescência (Grupo de Pesquisa do CNPQ).
Contato: luziara@fmrp.usp.br
Maria João Costa Santos Simão
Professora de Educação Visual do 3.º Ciclo do Ensino Básico. Mestre em
Educação Especial, especialização em Dificuldades de Aprendizagem
Específicas pela Universidade do Minho em Braga, Portugal.
Maria Madalena Moraes Sant’Anna
Terapeuta Ocupacional, Mestre em Distúrbio do Desenvolvimento e
Doutora em Educação. Pesquisadora do desenvolvimento infantil. Atua
como Profissional Liberal realizando atendimento clínico em consultório
particular na cidade de Londrina -PR. Integra o grupo de pesquisa
“Laboratório de Ensino e Pesquisa em Terapia Ocupacional, Infância e
Adolescência LEPTOI”. Contato: madasantanna2@gmail.com
Munique Massaro
Docente do Departamento de Habilitações Pedagógicas e do Programa de
Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal da Paraíba, na área
de Educação Especial. Pedagoga e doutora em Educação pela Universidade
Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, campus de Marília.
Contato: munique@ce.ufpb.br
Paula de Jesus Mendes Serrano
Mestre em Terapia Ocupacional Área de especialização Integração
Sensorial, pela Escola Superior de Saúde do Alcoitão. Terapeuta
Ocupacional desde 1993. Coordenadora e diretora clínica do Centro de
Estimulação para o Desenvolvimento e Aprendizagem «Miúdos & Etc.».
É formadora certificada nas áreas específicas de desenvolvimento infantil,
ensino especial e Integração Sensorial. É professora adjunta convidada no
Mestrado em Terapia Ocupacional, área de especialidade Integração
Sensorial. Colaboradora da Universidade do Algarve em diversas pós-
graduações. Contato: paula.m.serrano@gmail.com
Rafaela Montico
Terapeuta Ocupacional graduada pela Universidade Estadual Paulista
"Júlio Mesquita Filho" (UNESP), Campus Filosofia e Ciências de Marília.
Colaboradora do Laboratório de estudo em Acessibilidade, Tecnologia
Assistiva e Inclusão coordenado pela Profa Dra Aila Narene Dahwache
Criado Rocha. Contato: rafamontico@gmail.com
Renata Valdívia Lucisano
Terapeuta Ocupacional, mestre e doutora em Neurociências pela
Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto - USP. Terapeuta Ocupacional
do Centro de Reabilitação do Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto.
Integra o grupo de pesquisa “Laboratório de Ensino e Pesquisa em Terapia
Ocupacional, Infância e Adolescência LEPTOI”.
Contato: re.lucisano@gmail.com
SOBRE O LIVRO
Catalogação
André Sávio Craveiro Bueno CRB 8/8211
Normalização
Lívia Pereira Mendes
Diagramação e Capa
Mariana da Rocha Corrêa Silva
Ilustração da Capa
Thales Dahwache Rocha
Assessoria Técnica
Renato Geraldi
Oficina Universitária Laboratório Editorial
labeditorial.marilia@unesp.br
Formato
16x23cm
Tipologia
Adobe Garamond Pro
9 7 8 6 5 5 9 5 4 3 2 5 0
ISBN 978-65-5954-325-0
Ana Paula Loução Martins
Professora Auxiliar do Departamento de
Psicologia da Educação e Educação Espe-
cial, do Instituto de Educação, Universidade
do Minho, Braga, Portugal. Doutorada em
Estudos da Criança, especialidade de Educa-
ção Especial. Membro integrado do Centro
de Investigação em Estudos da Criança da
Universidade do Minho. Interesse particular
na investigação e na formação nas áreas da
educação inclusiva nacional e internacional,
das dificuldades de aprendizagem específicas
na leitura, dos estudos longitudinais e da
uti- lização da monitorização com base no
cur- rículo como forma de identificar alunos
em risco de apresentarem dificuldades de
apren- dizagem específicas na leitura.
Contato: apmartins@ie.uminho.pt
Também é Coordenadora do Laboratório
de Estudos em Acessibilidade, Tecnologia
Assistiva e Inclusão (LATAI), Pesquisadora e
Vice-líder do Grupo Deficiências Físicas e
Sensoriais (DefSen/CNPq).
Contato: aila.rocha@unesp.br
Programa PROEX/CAPES:
Auxílio Nº 396/2021
Processo Nº 23038.005686/2021-36
[...] O livro A Linguagem e o Brincar em Condições Neurodiversas,
organizado por Jáima Pinheiro de Oliveira, Aila Narene
Dahwa- che Criado Rocha e Ana Paula Loução Martins, que ora
é apre- sentado ao públicoleitor, é um retrato do enorme avao
que vem ocorrendo nas últimas décadas nesta área de
investigação e inter- venção. Tal avanço se caracteriza pelas
novas possibilidades como Comunicação Alternativa e
Aumentativa e recursos de Tecnologia Assistiva para favorecer a
comunicação das pessoas com problemas de desenvolvimento da
linguagem por mais variados motivos. [...]
SADAO OMOTE