MATHEUS ESTEVÃO FERREIRA DA SILVA
A formação ética, moral e em
valores tem sido reivindicada no campo
normativo educacional brasileiro pelo
menos desde o processo de redemocra-
tização do país, com uma série de do-
cumentos e parâmetros promulgados a
partir desse período que a preveem da
Educação Básica à Superior.
A pesquisa sobre esses temas, e
a pesquisa em Educação mais especi-
camente, que os investiga no tocante
dos fenômenos educativos e processos
educacionais, conta com décadas de
produção e, no campo brasileiro, lis-
tam-se inúmeros Grupos de Estudos
e Pesquisas que têm contribuído com
o avanço cientíco na área e subsidia-
do a formação das novas gerações. Em
contexto local, a Faculdade de Filosoa
e Ciências (FFC), Universidade Esta-
dual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”
(UNESP), Campus de Marília, tem
sediado alguns desses Grupos que re-
únem pesquisadores(as) envolvidos(as)
com a pesquisa em Educação sobre
ética, moral e valores, além de promo-
ver eventos cientícos sobre os temas,
propiciar a pesquisa deles na graduação
(Iniciação Cientíca) e pós-graduação
(PPGs) e outras atividades relacionadas.
Nesse sentido, um dos espaços
da FFC/UNESP de Marília em que
ocorre o desenvolvimento desse tipo
de pesquisa é o seu Programa de Pós-
-Graduação em Educação (PPGE),
hoje com seus 33 anos de existência,
que possibilita a intersecção privilegia-
da desses temas com o campo da Edu-
cação.
Portanto, é diante do referido ar-
cabouço legal que autoriza, fundamenta
e prevê a formação ética, moral e em va-
lores no sistema educacional brasileiro,
assim como do crescente lugar que esses
temas têm ocupado na pesquisa cientí-
ca, que esta coletânea surge com a pro-
posta de divulgar resultados de pesquisas,
desenvolvidas no âmbito do PPGE da
FFC/UNESP de Marília, que abordam a
intersecção dos temas ética, moral e va-
lores com a Educação.
Todo o trabalho na e para pro-
dução deste livro foi realizado esperando
contribuir para a divulgação das pesqui-
sas desenvolvidas em nosso Programa,
assim como para o avanço da pesqui-
sa cientíca sobre os temas abordados.
Também foi nosso propósito tornar
acessível esse conhecimento cientíco
produzido não para pesquisadores(as),
professores(as) e estudantes de gradua-
ção e pós-graduação, mas para qualquer
pessoa interessada e em busca de uma
formação ética, moral e em valores para
si e para o mundo.
Esta coletânea surgiu com a proposta de divulgar resultados de pes-
quisas, desenvolvidas no âmbito do Programa de Pós-Graduação em
Educação (PPGE) da Faculdade de Filosoa e Ciências (FFC), Univer-
sidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP), Campus
de Marília, que abordam a intersecção dos temas ética, moral e valores
com a Educação.
O livro reuniu 18 textos resultantes de pesquisas de Mestrado, Dou-
torado e Pós-Doutorado, concluídas ou em andamento, que foram
distribuídos em duas partes. Na primeira parte, Contribuições, análises
e reexões teóricas, encontram-se 11 textos que abordam resultados de
pesquisas que investigaram os temas em questão no ponto de vista te-
órico. Na segunda parte, Diagnósticos, intervenções e revisões da pesquisa
empírica, reúnem-se 08 textos resultantes de pesquisas empíricas ou de
revisões da produção dessas investigações.
15 desses textos são de autoria de discentes, que contam ou não com a
coautoria de seus(suas) respectivos(as) orientadores(as), enquanto os ou-
tros 03 textos são de autoria de professores(as) convidados(as), de algu-
ma forma também envolvidos(as) com o PPGE. Essa reunião de textos
resultou em um livro que trata de alguns dos principais tópicos da pes-
quisa em Educação sobre os temas em questão, de seus atuais avanços,
desaos e perspectivas futuras.
A FORMAÇÃO ÉTICA, MORAL E EM VALORES NA PESQUISA EM EDUCAÇÃO
MATHEUS E RAUL
organizadores
Programa PROEX/CAPES:
Auxílio Nº 396/2021
Processo Nº 23038.005686/2021-36
Mestre pelo Programa de Pós-graduação em
Educação (PPGE) da Faculdade de Filosoa e
Ciências (FFC), UNESP, Campus de Marília
Matheus Estevão Ferreira da Silva
Raul Aragão Martins
(organizadores)
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A FORMAÇÃO ÉTICA, MORAL E EM VALORES
NA PESQUISA EM EDUCAÇÃO
Matheus Estevão Ferreira da Silva
Raul Aragão Martins
(Organizadores)
Matheus Estevão Ferreira da Silva
Raul Aragão Martins
(Organizadores)
A FORMAÇÃO ÉTICA, MORAL E EM VALORES NA
PESQUISA EM EDUCAÇÃO
Marília/Oficina Universitária
São Paulo/Cultura Acadêmica
2022
UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA
FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS FFC
UNESP - campus de Marília
Diretora
Dra. Claudia Regina Mosca Giroto
Vice-Diretora
Dra. Ana Claudia Vieira Cardoso
Conselho Editorial
Mariângela Spotti Lopes Fujita (Presidente)
Adrián Oscar Dongo Montoya
Célia Maria Giacheti
Cláudia Regina Mosca Giroto
Marcelo Fernandes de Oliveira
Marcos Antonio Alves
Neusa Maria Dal Ri
Renato Geraldi (Assessor Técnico)
Rosane Michelli de Castro
Conselho do Programa de Pós-Graduação em Educação -
UNESP/Marília
Graziela Zambão Abdian
Patrícia Unger Raphael Bataglia
Pedro Angelo Pagni
Rodrigo Pelloso Gelamo
Maria do Rosário Longo Mortatti
Jáima Pinheiro Oliveira
Eduardo José Manzini
Cláudia Regina Mosca Giroto
Auxílio Nº 0396/2021, Processo Nº 23038,005686/2021-36, Programa PROEX/CAPES
Ilustração da Capa: Priscilla dos Santos Ferreira (www.behance.net/prihx)
Ficha catalográfica
Serviço de Biblioteca e Documentação - FFC
F723 A formação ética, moral e em valores na pesquisa em educação / Matheus Estevão Ferreira da Silva,
Raul Aragão Martins (org.). Marília: Oficina Universitária; São Paulo: Cultura Acadêmica,
2022.
447 p.: il.
Inclui bibliografia
ISBN 978-65-5954-317-5 (Digital)
ISBN 978-65-5954-316-8 (Impresso)
DOI: https://doi.org/10.36311/2022.978-65-5954-317-5
1. Educação. 2. Pesquisa educacional. 3. Desenvolvimento moral. I. Título.
CDD 370.15
Catalogação: André Sávio Craveiro Bueno CRB 8/8211
Copyright © 2022, Faculdade de Filosofia e Ciências
Editora afiliada:
Cultura Acadêmica é selo editorial da Editora UNESP
Oficina Universitária é selo editorial da UNESP campus de Marília
Homenagem
(In Memorian)
:
Angela Maria Brasil Biaggio (1940-2003)
Angela Maria Brasil Biaggio (1940-2003) foi uma psicóloga e
pesquisadora brasileira reconhecida por suas grandes contribuições para o
avanço científico na área de Psicologia no país, assim como pelo seu
pioneirismo e importância nos campos da Psicologia do Desenvolvimento
e Psicologia Moral.
Nascida em 29 de julho de 1940, Angela graduou-se em Psicologia
na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ) em 1964.
Nos Estados Unidos, pela University of Wisconsin, obteve o título de
Mestre em Psicologia Educacional em 1965, cuja dissertação defendida foi
intitulada Relative predictability of freshman grades from scholastic aptitude
tests (S.A.T.) in negro and white southern colleges (BIAGGIO, 1965), sob a
orientação de Julian C. Stanley.
Em 1967, pela mesma Universidade, obteve o título de Doutora
em Psicologia, defendendo a tese Relationships among behavioral, cognitive,
and affective aspects of children´s conscience (BIAGGIO, 1967), sob a
orientação de Robert Grinder. Anos depois, também nos Estados Unidos,
realizaria um estágio de Pós-Doutorado pela University of Notre Dame,
estudando a metodologia kohlberguiana de Educação Moral denominada
“Comunidade Justa”, sob a supervisão de Clark Power, metodologia que
depois ela replicaria em pesquisas no Brasil (BIAGGIO, 1997).
Ainda no contexto norte-americano, entre 1970 e 1971, Ângela
lecionou no Departamento de Psicologia da Minnesota State University.
Nos anos seguintes, de volta ao Brasil, foi professora na PUC-RJ, na
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS) e na
Universidade de Brasília (UnB). Em 1981, a professora Angela passou a
compor o corpo docente da Universidade Federal do Rio Grande do Sul
(UFRGS), onde se aposentou em 1998 e permaneceu como orientadora
na pós-graduação, dos Cursos de Mestrado e Doutorado, até seu
falecimento.
Suas pesquisas e estudos nas décadas de 1970, 1980 e 1990 sobre
o desenvolvimento moral segundo a teoria do psicólogo estadunidense
Lawrence Kohlberg (1927-1987) e sobre ansiedade, raiva e depressão na
concepção traço-estado do também psicólogo estadunidense Charles D.
Spielberger (1927-2013), deram-lhe reconhecimento nacional e
internacional, como uma das pesquisadoras brasileiras em Psicologia com
maior reconhecimento no exterior (GOMES; SOUZA, 2010).
Dessas pesquisas, podem-se citar os seus trabalhos de tradução e
adaptação de várias escalas e testes psicométricos, tais como o Inventário
de Ansiedade Traço-Estado (IDATE) (BIAGGIO; NATALÍCIO;
SPIELBERGER, 1977), o Inventário de Expressão de Raiva Estado-Traço
(STAXI) (SPIELBERGER; BIAGGIO, 1992) e o Defining Issues Test-2
(DIT-2) (BIAGGIO; SHIMIZU; MARTINEZ, 2001). Como pontua a
própria autora (2002/2013, p. 215) em um resumo de seu currículo
elaborado em 2002: “após ter encerrado meus estudos de mestrado [...], eu
aprendi sobre avaliação e desenvolvi um gosto pela adaptação de testes para
culturas e idiomas estrangeiros”.
São vários os livros, capítulos de coletâneas, artigos e trabalhos em
anais de eventos que publicou e apresentou, dentre eles o livro Psicologia
do Desenvolvimento (BIAGGIO, 2007), com sua primeira edição em 1975
e hoje best-seller da Editora Vozes, e o livro Lawrence Kohlberg: Ética e
Educação Moral (BIAGGIO, 2006), com sua primeira edição em 2002,
primeiro livro sobre Kohlberg disponível em português. Em seu Currículo
Lattes, atualizado postumamente por Luciana Karine de Souza e William
Barbosa Gomes, constam cerca de 65 artigos científicos publicados; 10
livros; 22 capítulos de livros; 90 apresentações de trabalhos feitas em
Congressos e Eventos Acadêmicos; 44 dissertações de Mestrado e 10 teses
de Doutorado orientadas; entre outras atividades.
Nas palavras de Cleonice Camino (2003, p. 7), que foi amiga de
Angela e com quem muito colaborou em pesquisa,
Toda essa atividade mostra a crença de Biaggio na mudança e a vontade
de contribuir para transformação da realidade social. Mostra também
o quanto ela foi responsável pela difusão do pensamento de Kohlberg
no Brasil. Demonstra a riqueza de todo um instrumental de
diagnóstico e de intervenção que hora foi adaptado, ora foi construído
pela autora e seus colaboradores, e a imensa riqueza de dados de
pesquisas.
Também foi divulgadora da História da Psicologia no Brasil em
outros países, além de se envolver fortemente com associações científicas e
agências de fomento. Em 1969, tornou-se membro da American
Psychological Association, sendo promovida a fellow em 1995. Em 1990,
tornou-se membro da Association for Moral Education (AME). Esteve
fortemente envolvida com a Sociedade Interamericana de Psicologia, na
qual presidiu na gestão 1991-1993. Em 1998, na fundação da Sociedade
Brasileira de Psicologia do Desenvolvimento (ABPD, hoje com a
nomenclatura Associação Brasileira de Psicologia do Desenvolvimento),
foi aclamada Presidente Honorária. Foi representante da área de Psicologia
no primeiro comitê organizado pelo Conselho Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), entre 1976 e 1978.
E foi representante de área de Psicologia na Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), entre 1990 e
1993 (GOMES; SOUZA, 2010; SOUZA; GAUER; GOMES, 2013).
Angela Biaggio faleceu prematuramente, aos 62 anos, vítima de
câncer, em 19 de maio de 2003, em Porto Alegre, deixando uma vida de
dedicação aos estudos e ao desenvolvimento da Ciência brasileira. Casou-
se em 1963 com Luis Isnard Leão Biaggio (falecido), com quem teve dois
filhos: Ana Cristina, nascida em 1967, hoje casada e mãe de duas filhas, e
Maurício, nascido em 1969 e falecido precocemente em 1995.
Neste ano de 2021, passados 18 anos de sua morte, Angela
completaria 81 anos de vida. Infelizmente não pude conhece-la, nem estar
no grupo seleto de pesquisadores que tiveram o privilégio de tê-la como
amiga, professora, orientadora, ou colega de trabalho e de pesquisa. No
entanto, nos Grupos e Núcleos em que me insiro, a professora Angela
sempre é lembrada com muito carinho e saudade por aqueles que a
conheceram. A Psicologia e a Ciência brasileiras sempre estarão em débito
com o seu trabalho.
Marília, 25 de Outubro de 2021.
Prof. Me. Matheus Estevão Ferreira da Silva
Mestre pelo Programa de Pós-graduação em Educação (PPGE)
da Faculdade de Filosofia e Ciências (FFC), Universidade Estadual Paulista
“Júlio de Mesquita Filho” (UNESP), Campus de Marília
Referências
BIAGGIO, A. M. B. Relative predictability of freshman grades from
scholastic aptitude tests (S.A.T.) in negro and white southern colleges.
1965. Dissertação (Mestrado em Psicologia Educacional) – University of
Wisconsin, Estados Unidos, 1965.
BIAGGIO, A. M. B. Relationships among behavioral, cognitive, and
affective aspects of children´s conscience. 1967. Tese (Doutorado em
Psicologia) – University of Wisconsin, Estados Unidos, 1967.
BIAGGIO, A. M. B. Kohlberg e a ‘comunidade justa’: promovendo o
senso ético e a cidadania na escola. Psicol. Reflex. Crit., v. 10, n. 1,
Porto Alegre, 1997.
BIAGGIO, A. M. B. Lawrence Kohlberg: ética e educação moral. 2. ed.
São Paulo: Moderna, 2006.
BIAGGIO, A. M. B. Psicologia do desenvolvimento. 19. ed. Petrópolis:
Vozes, 2007.
BIAGGIO, A. M. B. Resumo de currículo elaborado pela professora
Angela Biaggio em 2002. In: HUTZ, C. S.; SOUZA, L. K. de (Orgs.).
Estudos e pesquisas em psicologia do desenvolvimento e da
personalidade: homenagem a Angela Biaggio. São Paulo: Casa do
Psicólogo, 2013. p. 143-170.
BIAGGIO, A. M. B.; NATALÍCIO, L. F. S.; SPIELBERGER, C. D.
Desenvolvimento da forma experimental em português do Inventário de
Ansiedade Traço-Estado (IDATE), de Spielberger. Arquivos Brasileiros
de Psicologia Aplicada, v. 29, p. 31-44, 1977.
BIAGGIO, A. M. B.; SHIMIZU, A. de M.; MARTINEZ, T. M. DIT-2
Opiniões sobre Problemas Sociais tradução e adaptação do Defining
Issues Test - 2. Center for the Study of Ethical Development
University of Minnesota, Minneapolis/MN/USA. 2001. Autores da
versão original: REST, J.; NARVAEZ, D. 1998.
CAMINO, C. Angela Biaggio: the course of history of Brazil’s socio-
moral development research. Interamerican Journal of Psychology, v.
37, n. 2, p. 215-220, 2003.
GOMES, W. B.; SOUZA, L. K. de. [Resumo do Currículo Lattes]
Angela Maria Brasil Biaggio. 2010. Disponível em:
http://lattes.cnpq.br/2299675981294432. Acesso em: 25 out. 2021.
SOUZA, L. K. de; GAUER, G.; GOMES, W. B. Angela Maria Brasil
Biaggio (1940-2003): notas biográficas. In: HUTZ; C. S.; SOUZA, L.
K. de. Estudos e pesquisas em psicologia do desenvolvimento e da
personalidade: uma homenagem a Angela Biaggio. São Paulo: Casa do
Psicólogo, 2013.
SPIELBERGER, C. D.; BIAGGIO, A. M. B. Manual do Inventário de
Expressão de Raiva como Estado-Traço (STAXI): tradução e adaptação.
São Paulo: Vetor, 1992.
Sumário
Prefácio | Ana Maria Klein...............................................................................15
Apresentação | Matheus Estevão Ferreira da Silva e Raul Aragão Martins............19
Parte I
Contribuições, Análises e Reflexões Teóricas
Humanidade, Razão e Educação Prática: Conexões e Reflexões à Luz de Kant...29
Renata Cristina Lopes Andrade
Estrutura de Formação do Processo de Discussão Ética: A Moral das Regras,
Normas e Leis e seu Papel para Heteronomia....................................................51
Felipe Colombelli Pacca
O Impacto das Condições Ambientais no Desenvolvimento Moral da Criança:
Fundamentos da Educação Axiológica e Emancipadora....................................69
Manuel João Mungulume, Alonso Bezerra de Carvalho
A Teoria de Domínios Sociais..........................................................................91
Raul Aragão Martins
Contribuições da Teoria do Domínio Social para a Educação Moral: Regras,
Escolhas e Conversas sobre Domínio Moral...................................................119
Luciana Maria Caetano, Betânia Alves Veiga Dell’Agli
Emancipação, Desenvolvimento Moral e Autonomia: Da Comunidade Justa às
Comunidades de Aprendizagem..................................................................141
Vinícius Bozzano Nunes
A Ética da Amizade em Aristóteles e suas Contribuições na Relação Professor-
Aluno............................................................................................................163
Mateus de Freitas Barreiro, Alonso Bezerra de Carvalho
Por que Devemos Pensar sobre a Moral? Uma Refexão à Luz da Pedagogia
WALDORF..................................................................................................183
Maíra de Oliveira Martins
A Moral nas Leis Nacionais: Evolução e Aplicabilidade para a Educação Não
Formal em Instituições de Acolhimento.........................................................205
Carla Andressa Placido Ribeiro de França
Escola Tradicional e Escola Não Tradicional: Escola Democrática, Participação
de Todos e Valorização da Diversidade entre os Agentes desse Espaço.............227
Clarisse Zan de Assis Bastos
Revisão das Novas Alternativas em Educação: Experiências Nacionais e
Internacionais...............................................................................................259
Mariana Lopes de Morais
Parte II
Diagnósticos, Intervenções e Revisões da Pesquisa Empírica
Indisciplina na Escola e Desenvolvimento do Juízo Moral: Algumas Reflexões 20
Anos Depois..................................................................................................289
Rita Melissa Lepre
Avaliação da Competência Moral na Formação em Pedagogia de Uma
Universidade Pública do Estado de São Paulo.................................................307
Matheus Estevão Ferreira da Silva
Reflexões Sobre as Dimensões que Compõem o Clima Escolar com Base em Uma
Pesquisa de Adaptação de um Instrumento de Avaliação do Clima Escolar para
Anos Iniciais do Ensino Findamental.............................................................329
Thaís São João Castellini
Tipos de Conflitos e Formas de Resolução por Alunos no Primeiro Ano do
Ensino Fundamental I...................................................................................345
Stephanie Lee Basile Barboza Caseiro, Júlia Neves Ferreira, Raul Aragão Martins
O Valor Respeito, a Educação Infantil e o Desenvolvimento Moral: Concepções
dos Professores..............................................................................................371
Priscila Caroline Miguel
BEN 10 e Resolução de Conflitos: Uma Proposta de Intervenção...................391
Dilian Martin Sandro de Oliveira, Alessandra de Morais
A Pesquisa sobre Ética, Moral e Valores: Um Balanço das Teses e Dissertações do
Programa de Pós-Graduação em Educação da FFC/UNESP de Marília..........415
Matheus Estevão Ferreira da Silva
Sobre os Autores.e Autoras............................................................................439
15
Prefácio
Cara leitora e caro leitor, este livro é organizado em um momento
singular, quando o mundo enfrenta uma pandemia causada pelo
Coronavírus (COVID-19) com alto poder de contágio. De um dia para o
outro, milhões de pessoas no planeta passaram a ficar confinadas em suas
residências e uma solidariedade compulsória fez-se necessária, a saúde de
um passou a depender da saúde do outro. O reconhecimento do outro,
por mais distante e diferente que seja, como alguém tão humano quanto
“eu”, tornou-se imprescindível ao controle da pandemia; a ética nas
políticas públicas, restringindo algumas liberdades em prol do coletivo e a
ética na economia em tempos de quarentena, desemprego e
empobrecimento da população tornaram-se elementos centrais ao convívio
e à sobrevivência das pessoas.
Paralelamente, o Brasil vive um momento sociopolítico delicado
no qual criou-se um clima polarizado onde opiniões e atitudes extremistas
desconsideram, violam e extinguem direitos das pessoas, negando as
diversidades humanas. Vivemos tempos de preconceitos, discriminações,
violências e divulgação oficial de notícias falsas. São atos que violam os
Direitos Humanos praticados por seres humanos. São problemáticas
sociais que nos confrontam cotidiana e reiteradamente com a dimensão
ética da humanidade e as relações que se estabelecem na sociedade.
Neste cenário, é impossível não nos questionarmos sobre os
princípios éticos que regem o Estado e que deveriam ser os pressupostos
das políticas públicas e do comportamento de governantes e cidadãos,
https://doi.org/10.36311/2022.978-65-5954-317-5.p15-18
16
sobre as relações entre as pessoas, sobre o respeito por diferentes modos de
vida, sobre o que é aceitável ou não em uma sociedade democrática. Os
dias atuais escancaram a importância da discussão sobre ética,
desenvolvimento moral, valores e a necessidade de uma formação
educacional que objetive a autonomia moral das pessoas. Por isso, é com
grande satisfação que me deparo com uma coletânea de textos produzidos
por pesquisadoras e pesquisadores que têm se debruçado sobre tais temas.
Talvez, vocês estejam se perguntando se o livro aborda os dilemas
éticos evidenciados pela pandemia ou as consequências políticas e sociais
da disseminação de ideias extremistas e fundamentalistas. A resposta é não.
A obra vai muito além e nos possibilita dimensionar e compreender a
importância do desenvolvimento moral ser parte intencional e planejada
das ações educativas. Não é de hoje que esta discussão faz parte das políticas
educacionais. Podemos nos questionar se estamos dando a devida atenção
à formação ética de nossos estudantes e em qual sentido esta formação deve
caminhar.
Os organizadores do livro, na apresentação da obra, indicam um
caminho... Destacam a Educação em Direitos Humanos e seus
documentos orientadores, como um tipo de educação que se define como
um modo de vida que deve orientar as relações nas instituições
educacionais e na sociedade, tendo a ética como uma de suas dimensões.
Para além de direitos positivados, os Direitos Humanos são relacionais e
pressupõem indivíduos moralmente autônomos que são capazes de guiar
suas vidas por princípios éticos e valores democráticos. O que significa ser
moralmente autônomo? Quais caminhos educacionais devem ser
percorridos para alcançar a autonomia moral?
A discussão sobre a dimensão ética do ser humano e o
desenvolvimento moral permeiam todas as discussões desta obra.
Fundamentos teóricos nos possibilitam compreender a complexidade do
17
desenvolvimento moral, problematizações em contextos educacionais
específicos trazem elementos para refletirmos sobre a imprescindibilidade
da atuação da escola, de docentes e de instituições voltadas à educação. As
aproximações entre estas experiências e as teorias, bem como as pesquisas
sobre desenvolvimento moral nos relembram, em todo o percurso da obra,
que a autonomia não é decorrência “natural” do desenvolvimento humano
e sim uma construção, um objetivo da educação que se realiza por meio de
relações, interações e de situações intencionalmente planejadas e
desenvolvidas nas escolas.
Resolução de conflitos, respeito mútuo, diálogo, superação das
relações de coação, ambiente escolar democrático são atitudes centrais ao
desenvolvimento moral dos indivíduos e a uma sociedade que adota os
Direitos Humanos como princípios éticos das relações. Porque e como
estes elementos são essenciais para conquistar nossa autonomia moral é a
contribuição que a presente obra pode trazer a quem se compromete com
a educação e com o desenvolvimento moral das pessoas. Convido vocês a
lerem este livro e tenho certeza que ao seu término, as pesquisas aqui
relatadas terão ampliado seus conhecimentos e suas concepções. Boa
leitura!
São Paulo, 02 de novembro de 2021.
Profa. Dra. Ana Maria Klein
Professora Assistente junto ao Departamento de Educação do Instituto de
Biociências, Letras e Ciências Exatas (IBILCE), Universidade Estadual Paulista
“Júlio de Mesquita Filho” (UNESP), Campus de São José do Rio Preto
18
19
Apresentação
A formação ética, moral e em valores tem sido reivindicada no
campo normativo educacional brasileiro pelo menos desde o processo de
redemocratização do país, com uma série de documentos e parâmetros
promulgados a partir desse período que a preveem da Educação Básica à
Superior. Pradel e Dáu (2009) discutem que a Constituição Federal
(BRASIL, 1988), promulgada em 1988, estabelece como um dos objetivos
fundamentais da República a construção de uma sociedade livre, justa e
solidária, em que se promova o bem de todos, sem preconceitos ou
discriminação.
Assim, a partir desse marco do processo de redemocratização,
outros documentos e parâmetros que constituem o referido campo
normativo educacional foram promulgados, os quais, em consonância com
a Constituição, elegem um ideal axiológico para a construção desta
sociedade e, em seu caso, preveem a formação ética e em valores morais
como uma das atribuições da escolarização.
Desse campo normativo, destaca-se, primeiramente, a Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) (BRASIL, 1996, p. 24,
grifos nossos), de 1996, documento regulamentador da Educação no país,
que estipula como objetivo “o aprimoramento do educando como pessoa
humana, incluindo a formação ética e o desenvolvimento da autonomia
intelectual e do pensamento crítico”. Ainda na década de 1990, também
consideráveis ao campo são os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs)
(BRASIL, 1997, p. 23), trazendo a cidadania como “eixo vertebrador da
https://doi.org/10.36311/2022.978-65-5954-317-5.p19-26
20
educação escolar”. A partir dele, a ética é explicitamente inserida no
sistema educacional brasileiro, além de figurar-se como um dos temas
transversais sendo todos eles: Ética, Meio ambiente, Orientação Sexual,
Pluralidade Cultural, Saúde, Trabalho e Consumo a serem articulados
aos conteúdos tradicionais (Matemática, Línguas, Ciências, etc.) no
currículo das escolas.
Outros documentos que sustentam a formação ética no país
provêm de seu compromisso afirmado em tratados internacionais de
direitos humanos, dos quais é signatário, em sua maioria emitidos pela
Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
(UNESCO), como o Programa Mundial para Educação em Direitos
Humanos (PMEDH), promulgado no início da década de 2000 e
compreendido em três fases: a primeira de 2005-2009, a segunda de 2010-
2014 e a terceira fase, há pouco encerrada, de 2015-2019 (UNESCO,
2015).
Como resultado, tem-se a promulgação, em tempo mais recente,
do Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos (PNEDH),
publicado em 2006 (BRASIL, 2007) e atualizado em 2013 (BRASIL, 2013,
p. 26, grifos nossos), e as Diretrizes Nacionais para a Educação em Direitos
Humanos (DNEDHs), publicadas em 2012 (BRASIL, 2012), que trazem,
como um dos objetivos da Educação em Direitos Humanos (EDH),
política pública educacional então em vigência, a “aprendizagem dos
princípios dos direitos humanos, da ética, da convivência e da participação
democrática na escola e na sociedade”.
Tendo em vista esse campo normativo que gradualmente vem se
constituindo nas últimas décadas, a formação ética, assim como a formação
moral e em valores, seja enquanto tema transversal, seja articulada com os
direitos humanos, tem seu desenvolvimento previsto a todos os níveis de
21
ensino, da Educação Básica à Educação Superior, nas modalidades formal
e não-formal.
A pesquisa sobre esses temas, e a pesquisa em Educação mais
especificamente, que os investiga no tocante dos fenômenos educativos e
processos educacionais, conta com décadas de produção e, no campo
brasileiro, listam-se inúmeros Grupos de Estudos e Pesquisas que têm
contribuído com o avanço científico na área e subsidiado a formação das
novas gerações, inclusive nos aspectos ético, moral e em valores. Em
contexto local, a Faculdade de Filosofia e Ciências (FFC), Universidade
Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP), Campus de Marília,
tem sediado alguns desses Grupos que reúnem pesquisadores(as)
envolvidos com a pesquisa em Educação sobre ética, moral e valores, além
de promover eventos científicos sobre os temas, propiciar a pesquisa deles
na graduação (Iniciação Científica) e pós-graduação (PPGs) e outras
atividades relacionadas.
Nesse sentido, um dos espaços da FFC/UNESP de Marília em que
ocorre o desenvolvimento desse tipo de pesquisa é o seu Programa de Pós-
Graduação em Educação (PPGE), hoje com seus 33 anos de existência,
que possibilita a intersecção privilegiada desses temas com o campo da
Educação.
Portanto, é diante do referido arcabouço legal que autoriza,
fundamenta e prevê a formação ética, moral e em valores no sistema
educacional brasileiro, assim como do crescente lugar que esses temas m
ocupado na pesquisa científica, que esta coletânea surge com a proposta de
divulgar resultados de pesquisas, desenvolvidas no âmbito do Programa de
Pós-Graduação em Educação (PPGE) da FFC/UNESP de Marília, que
abordam a intersecção dos temas ética, moral e valores com a Educação.
Foram convidados(as) para participar e contribuir com este livro,
a partir da produção de capítulos que tratam respectivamente de suas
22
pesquisas, discentes matriculados(as) e egressos(as) (desde 2013) do PPGE
da FFC/UNESP de Marília. Ao final do trabalho depreendido para sua
produção, este livro reuniu 18 textos resultantes de pesquisas de Mestrado,
Doutorado e Pós-Doutorado, concluídas ou ainda em andamento. 15
desses textos são de autoria de discentes, que contam ou não com a
coautoria de seus(suas) respectivos(as) orientadores(as), enquanto os
outros 03 textos são de autoria de professores(as) convidados(as), de
alguma forma também envolvidos(as) com o PPGE. Essa reunião de textos
resultou em um livro que trata de alguns dos principais tópicos da pesquisa
em Educação sobre os temas em questão, de seus atuais avanços, desafios
e perspectivas futuras.
Como consequência, a organização desta coletânea possibilitou
uma parceria com pesquisadores(as) de doze diferentes Grupos, Núcleos e
Centros de estudos e pesquisas envolvidos direta e indiretamente com a
produção de pesquisa sobre esses temas, dos quais a maioria é sediada em
diferentes campi da UNESP, mas com alguns deles sediados em outras
Instituições de Ensino Superior (IES). São eles: Grupo A proposta
Pedagógica de Rudolf Steiner, sediado na Universidade Federal do
Triângulo Mineiro (UFTM); Grupo “Desenvolvimento sociomoral de
crianças e adolescentes, sediado no campus de São José do Rio Preto da
UNESP; Grupo Coletivos, Psicologias e Culturas Queer (PsiCUqueer),
sediado no campus de Assis da UNESP; Grupo de Estudos e Pesquisas em
Desenvolvimento Moral e Educação (GEPEDEME) e Grupo de Pesquisa
Ética, Educação e Direitos Humanos, ambos sediados no campus de Bauru
da UNESP; Grupo de Estudo de Psicologia e Epistemologia Genética
(GEPEGE), Grupo de Estudo e Pesquisa em Educação, Ética e Sociedade
(GEPEES), Grupo de Estudos e Pesquisas em Aprendizagem e
Desenvolvimento na Perspectiva Construtivista (GEADEC), Grupo de
Estudos e Pesquisas em Psicologia Moral e Educação Integral (GEPPEI) e
23
Núcleo de Gênero e Diversidade Sexual na Educação (NUDISE), todos
sediados no campus de Marília da UNESP; Grupo de Estudos e Pesquisa
em Educação Moral (GEPEM), sediado na Universidade Estadual de
Campinas (UNICAMP); Grupo de Pesquisa em Psicologia do
Desenvolvimento Moral (GPDM), sediado na Universidade de São Paulo
(USP); e Grupo de Pesquisa Educação, Trabalho e Docência (GTED),
sediado na Universidade Federal do Rio Grande (FURG).
Então composto por 18 capítulos, o livro foi dividido em duas
partes em que os capítulos foram distribuídos. Na primeira parte,
intitulada Contribuições, análises e reflexões teóricas, encontram-se 11 textos
que abordam resultados de pesquisas que investigaram os temas ética,
moral e valores do ponto de vista teórico. Dentro desses grandes temas, os
capítulos abordam tópicos específicos como humanização,
desenvolvimento moral, educação moral, domínios sociais, ética da
amizade, a moralidade na Pedagogia Waldorf, escola tradicional, escolas
democráticas e novas alternativas em Educação. Não obstante, contempla-
se uma pluralidade teórica e de ideias nessa abordagem dos temas, cujas
discussões pautam-se em diferentes campos do conhecimento, teorias e
autores(as), desde a Filosofia Moral (como Kant, Aristóteles, Habermas,
Adorno, etc.), Psicologia Moral (Piaget, Vygotsky, Kohlberg, Turiel, etc.),
Pedagogia Waldorf (Steiner, etc.), Escolas Democráticas e novas
alternativas em Educação (Paulo Freire, Helena Singer, etc.) e outros.
Na segunda parte, intitulada Diagnósticos, intervenções e revisões da
pesquisa empírica, reúnem-se 07 textos resultantes de pesquisas empíricas
ou de estudos que revisam a produção dessas investigações. As pesquisas
que resultaram nesses capítulos fundamentaram-se em várias das
abordagens teóricas que basearam as discussões dos capítulos da parte
anterior, principalmente da Psicologia Moral. Ética, moral e valores foram
investigados a partir de diferentes constructos e tópicos relacionados, tais
24
como indisciplina, juízo moral, competência moral, clima escolar,
conflitos interpessoais, o valor do respeito, e resolução de conflitos, e isso
em diferentes contextos educacionais, que envolveram alunos(as) e
professores(as) da Educação Infantil, alunos(as) e professores(as) dos anos
iniciais e finais do Ensino Fundamental I, e graduandos(as) em Pedagogia
de uma Universidade pública paulista. No caso dos estudos de revisão,
esses foram viabilizados a partir de uma revisão de pesquisas sobre
indisciplina escolar e de um balanço, gerado por um estado da arte, das
teses e dissertações produzidas no PPGE da FFC/UNESP de Marília sobre
moral, ética e valores, em que as pesquisas retratadas nos capítulos
anteriores deste livro fazem parte.
Todo o trabalho na e para produção deste livro foi realizado
esperando contribuir para a divulgação das pesquisas desenvolvidas em
nosso Programa, assim como para o avanço da pesquisa científica sobre os
temas abordados. Também foi nosso propósito tornar acessível esse
conhecimento científico produzido não só para pesquisadores(as),
professores(as) e estudantes de graduação e pós-graduação, mas para
qualquer pessoa interessada e em busca de uma formação ética, moral e em
valores para si e para o mundo.
Matheus e Raul
(Os organizadores)
Referências
BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Constituição da
República Federativa do Brasil de 1988. 1988. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm.
Acesso em: 15 jan. 2022.
25
BRASIL. Lei de diretrizes e bases da educação nacional: Lei nº 9.394, de
20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação
nacional. 11. ed. Brasília: Câmara dos Deputados, Edições Câmara,
2015[1996].
BRASIL. Parâmetros curriculares nacionais: apresentação dos temas
transversais, ética. Secretaria de Educação Fundamental. Brasília:
MEC/SEF, 1997.
BRASIL. Plano nacional de educação em direitos humanos. Brasília:
Secretaria de Direitos Humanos, Ministério da Educação, UNESCO,
2007.
BRASIL. Ministério da educação, conselho nacional de educação.
Resolução nº 1, de 30 de maio de 2012. Estabelece diretrizes nacionais
para a educação em direitos humanos. CNE/CP: Diário Oficial da
União, Brasília, 2012.
BRASIL. Plano nacional de educação em direitos humanos. 2. ed.
Brasília: Secretaria de Direitos Humanos, Ministério da Educação,
UNESCO, 2013.
PRADEL, C. P.; DÁU, J. A. T. A educação para valores e as políticas
públicas educacionais. Ensaio, v. 17, n. 64, p. 521-548, 2009.
UNESCO. Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e
a Cultura. Plano de Ação do Programa Mundial para Educação em
Direitos Humanos 3.ª Fase. Brasília: UNESCO/ONU/MEC/SEDH,
2015.
26
27
Parte I
Contribuições, Análises e
Reflexões Teóricas
28
29
Humanidade, Razão e Educação Ptica:
conexões e reflexões à luz de Kant
Renata Cristina Lopes ANDRADE
1
Introdução
Fundamentado na análise conceitual da Filosofia Prática de
Immanuel Kant (1724-1804), almejamos com este texto, de caráter
teórico-filosófico, esclarecer, discutir e refletir sobre a Educação e a
Humanidade. Pretendemos resgatar, em especial, dois conceitos, Razão e
Educação Prática, colocando a questão: qual é a contribuição da educação
prática de Kant à reflexão e ao alcance da formação humana na atualidade?
Tendo em vista essa questão, abarcamos, então, a compreensão do projeto
de razão e de educação prática kantiana, com a sugestão de que a formação
da humanidade do ser humano possa ser assegurada por meio da complexa
ação educacional. Oferecemos o estudo teórico para compreender, orientar
e, quem sabe, promover a realidade, particularmente as realidades
educacionais de formação e de transformação humana. O que manifesta,
ademais, a oportunidade do pensamento para compreender e transformar
as realidades educacionais e educativas.
1
Professora do Centro de Educação, Letras e Artes (CELA) e do Programa de Pós-Graduação em
Educação (PPGE) da Universidade Federal do Acre (UFAC); Professora do Programa de Pós-
Graduação em Educação (PPGEDU) da Universidade Federal do Rio Grande (FURG). E-mail:
renata.cristina@ufac.br
https://doi.org/10.36311/2022.978-65-5954-317-5.p29-50
30
Para abordar os conceitos de razão e de educação prática em Kant,
dedicaremos as nossas análises, discussões e reflexões, em especial, às
preleções Sobre a pedagogia, porém, sem perder o vínculo, visto não ser
possível, com o todo do pensamento de Kant teórico, prático e estético.
As preleções Sobre a pedagogia, publicadas pela primeira vez em
1803, mediante a autorização de Kant, por seu aluno e amigo Friedrich
Theodor Rink, tratam-se do conjunto das aulas de Kant de quando o
filósofo lecionou cursos de pedagogia na Universidade de Königsberg no
semestre de inverno 1776/77, no semestre de verão de 1780 e nos semestres
de inverno de 1783/84 e 1786/87 (SANTOS, 2014, p. 163). Há
informações de que Kant teria oferecido as preleções sobre a pedagogia
somente em três situações, a saber, 1776/77, 1783/84 e 1786/87. Porém,
Santos (2014) adverte que o registro da preleção de 1780 é confirmado por
estudiosos da filosofia kantiana, por exemplo, Weisskopf (1970), Stark
(2000) e Louden (2000), e que, além da preleção de 1780, Kant teria
anunciado uma nova preleção no semestre de inverno 1790/91, a qual não
ocorreu devido à uma reestruturação interna da Universidade de
Königsberg, mais conhecida como Universidade Albertina.
Os professores de filosofia das universidades alemãs do século
XVIII ocupavam-se, também, de cursos de pedagogia, o que se justifica,
além das exigências ministeriais (WEISSKOPF, 1970, p. 97), se
considerarmos a íntima relação entre os filósofos e a educação, não são
poucos os filósofos que tiveram, inclusive da época de Kant, e ainda têm,
por objeto de estudos, reflexões e indagações a educação e os seus
elementos constitutivos.
Em relação ao filósofo Immanuel Kant, é importante dizer que há,
tanto no pensamento como na vida de Kant, um dos grandes pensadores
do Iluminismo e do Idealismo Alemão, uma profunda relação com a
educação. Além da obra Sobre a pedagogia, na qual nos deparamos, de
31
modo sistemático, com as concepções de Kant acerca da educação, em
outros momentos da sua filosofia, o tema da educação é recorrente. Por
exemplo, nas três Críticas, consideradas o núcleo do pensamento kantiano,
em particular na Doutrina do Método de cada uma de suas Críticas, na
Metafísica dos Costumes, parte II Princípios metafísicos da doutrina da
virtude, bem como na Antropologia de um ponto de vista pragmático ou na
Resposta a pergunta: que é o Iluminismo?. Sobre o Kant professor,
Kant foi professor durante toda a sua vida e viveu do ensino que
praticava, seja como tutor nas casas das famílias abastadas (1748-
1754), seja como Privatdozent título que se dava àqueles que
ensinavam nas universidades, mas cujo ensino era pago diretamente
pelos alunos que frequentavam os cursos e não pela Universidade
seja, finalmente, como Professor da Universidade de Königsberg, o que
aconteceu a partir de 1770. Além de ter sido professor durante toda a
sua vida, Kant ministrou quatro cursos sobre pedagogia, o que o levou
a tratar explicitamente de temas ligados à educação. (BUENO, 2012,
p. 168, grifos do autor).
Considerando a profunda afinidade entre Kant e a educação,
considerando a sua proposta de formação humana via educação, vamos aos
esclarecimentos e à compreensão da razão e educação prática kantiana, em
termo de análise e de procura. Afinal, qual é o dever da educação segundo
Kant?
Kant e a Razão Prática
O extenso desenvolvimento da Pedagogia, Educação ou Arte de
Educar em Kant, localizamos, singularmente, nas preleções Sobre a
pedagogia. Há, na presente obra, o desenvolvimento e a justificativa da ‘Boa
32
Educação’: “ver de modo claro o quê propriamente pertence a uma boa
educação” (KANT, 1999, p. 16).
Essa ambição é de extrema importância para Kant, pois, em sua
visão, um dos caminhos para a formação e o desenvolvimento do ser
humano em relação a tudo o que, de fato, pertence à sua humanidade, é
mediante a educação. Na educação, segundo o filósofo, está o segredo da
perfeição do ser humano, bem como, a boa educação “abre a perspectiva
para uma futura felicidade da espécie humana”. (KANT, 1999, p. 17).
Portanto, em Kant, para que o ser humano, enquanto espécie humana, seja
desenvolvido de forma plena, alcance a sua humanidade e felicidade, é
preciso que seja educado.
Ora, se tudo o que realmente pertence à humanidade do ser e da
espécie humana, se a sua formação e desenvolvimento, a sua perfeição e
futura felicidade, dependem, também, de uma boa educação, era urgente
pensar, com rigor e seriedade, sobre a educação, desenvolvendo, assim, um
projeto, um conceito ou uma ideia de educação, senão, de outro modo,
estamos, continuamente, sujeitos a erros e lacunas e a educação “não se
tornará jamais um esforço coerente”. (KANT, 1999, p. 21). Nas palavras
do filósofo:
O projeto de uma teoria da educação é um ideal muito nobre e não faz
mal que não possamos realizá-lo. Não podemos considerar uma Idéia
como quimérica e como um belo sonho só porque se interpõem
obstáculos à sua realização. Uma Idéia não é outra coisa senão o
conceito de uma perfeição que ainda não se encontra na experiência
[...] Se, por exemplo, todo mundo mentisse, o dizer a verdade seria por
isso mesmo uma quimera? (KANT, 1999, p. 17).
Essa é, exatamente, a proposta de Kant, conceber uma filosofia da
educação que apresente um projeto sistemático, uma ideia ou conceito de
33
educação que possa alcançar a humanidade do ser humano, que possa
desenvolver no ser humano o que, de fato, convém ao seu ser, para que o
ser humano possa atingir o seu fim ou destinação, isto é, a sua
Humanidade.
Vale dizer que esse alcance, para a educação realize o seu dever, é
universal. Em Kant, “o estabelecimento de um projeto educativo deve ser
executado de modo cosmopolita” (KANT, 1999, p. 23), isso significa no
âmbito do pensamento kantiano que o alcance da humanidade do ser
humano via educação deve ser assegurado para todos, sem permitir
qualquer exclusão.
Kant (1999, p. 18) sustenta que não é em vão oferecer um ideal de
educação para que o ser humano o persiga em seu aperfeiçoamento e
plenitude, mesmo que haja obstáculos na realização de um projeto
educacional. Conforme posto por Santos (2004, p. 54), a pedagogia
kantiana é uma ideia, porém, não uma ilusão, a pedagogia kantiana se trata
de um conceito que ainda não se encontrou na experiência, o qual servirá
como fundamento para a ação. Desse modo, Kant busca oferecer o “[...]
esboço de uma educação mais conveniente e deixar indicações aos pósteros,
os quais poderão pô-las em prática pouco a pouco”. (KANT, 1999, p. 17-
18).
A Humanidade em Kant, própria de todo ser humano, diz respeito,
em resumo: às habilidades, aptidões, qualidades, à civilidade, prudência,
moralidade, virtude, autonomia, emancipação, liberdade, ética, ao caráter,
bons fins e princípios práticos. Segundo Kant:
Há muitos germes na humanidade e toca a nós desenvolver em
proporção adequada as disposições naturais e desenvolver a
humanidade a partir dos seus germes e fazer com que o homem atinja
a sua destinação (KANT, 1999, p. 18).
34
Para o desenvolvimento da humanidade do ser humano via
educação em Kant, é pressuposto a necessidade do desenvolvimento pleno
da razão humana. Para o filósofo, a Razão é a faculdade dos princípios, dos
princípios teóricos ou do conhecimento especulativo e dos princípios
práticos ou morais. (KANT, 2003, p. 427). Sendo assim, a partir do
desenvolvimento pleno da razão humana, a faculdade dos princípios
teóricos e práticos, forma-se o ser humano de modo integral, ou seja, o ser
humano que conhece e que age segundo valores e princípios morais e
humanos. Isso significa, em última instância, eliminar os perigos dos
‘desvios da razão’ (ADORNO, 2006) pois, com a atenção formativa, além
do interesse teórico, no desenvolvimento da razão prática, a razão teórica,
ou seja, os conhecimentos especulativos, as técnicas e as ciências não se
instrumentalizarão, isso porque a razão prática é a razão que sustenta as
ações e as relações humanas, é voltada para o sentido da vida e para os fins
últimos da existência humana, é uma razão emancipatória que nos
responde com segurança, independentemente de qualquer exterioridade
imposta (social, religiosa ou tradicional), a questão: o que devo fazer? De
modo a fazer com e por valor legítimo.
A razão teórica nos habilita perseguir todos e quaisquer fins que
almejamos, porém, somente a razão prática possibilita a reflexão e a decisão
pelos bons fins, os fins que são meus, mas que podem, necessariamente,
ser os fins de cada um, sem exceções. Os bons fins, nas palavras de Kant,
são “aqueles fins aprovados necessariamente por todos e que podem ser, ao
mesmo tempo, os fins de cada um”. (KANT, 1999, p. 26).
Em Kant, a razão prática: é a razão que tem a ver com os
fundamentos determinantes da vontade humana (KANT, 2003, p. 67).
Chama-se Prático tudo o que se refere à liberdade (KANT, 1999, p. 35).
A filosofia teórica diz respeito ao ser e às leis da natureza e a filosofia prática
ao dever-ser e às leis da liberdade (KANT, 1980, p. 103). Ou ainda, “[...]
35
consideramos alguma coisa teoricamente, na medida em que atendemos
apenas àquilo que diz respeito ao ser; consideramos, porém, praticamente,
se examinamos aquilo que nela deveria encontrar-se mediante a liberdade”.
(KANT, 1985, p. 48).
Diferentemente da concepção cotidiana em que o termo ‘prático’
se refere a algo de utilidade rápida, concreta e, em muitos casos, somente
particular, no pensamento de Kant, o que quer que esteja relacionado com
a escolha, a decisão, a deliberação segundo as leis da liberdade, será um
pensamento moralmente prático. O mundo prático, nessa concepção, é o
mundo da ação moral, que é autônoma e livre, diversamente do prescrito
na ordem da natureza ou das necessidades naturais, do prescrito ou
imposto pelas tradições nacionais ou ainda apenas pela vontade de Deus.
Essas ordens, prescrições e imposições, por exemplo, naturais, tradicionais,
nacionais ou religiosas, como o que move à vontade e, consequentemente,
o agir humano, consistem em heteronomias, fundam-se, portanto, em algo
externo ao ser humano.
O princípio da heteronomia da vontade ocorre quando
consideramos que a vontade humana não pode (ou não deva) ser
determinada senão por algo exterior a ela, contra as ilusões da heteronomia,
o interesse prático da razão humana em Kant justifica-se como necessário.
Quando analisamos a extensa ação educacional, buscando
reconhecer um projeto de educação do qual fazemos parte, podemos
apontar que, atualmente, a proposta se caracteriza, principalmente, pela
instrumentalização e pela (de)formação dos sujeitos da educação, o que,
nesse contexto, significa a primazia das informações e das técnicas que o
educando deve receber e armazenar, formando nesses sujeitos apenas os
conhecimentos técnicos, porém, sem a capacidade de apreender, de
interpretar, de analisar, de problematizar as realidades e as ações do e no
mundo.
36
Vivemos na era das informações, evidentemente, não podemos
deixar de formar o educando para a convivência com esses elementos,
contudo, não podemos deixar de humanizá-los, ou seja, de formar o ser
humano para o convívio consigo e com os outros, de formar e desenvolver
os diversos aspectos e dimensões que são intrínsecos ao ser humano, outros
aspectos e dimensões da natureza, da existência e da condição humana, que
podem (e devem) ser contemplados mediante a ação educativa, por
exemplo: o conhecimento, a ciência, a emoção, as paixões, a cidadania, a
cultura e, conforme estamos assinalando com Kant, os valores e os
princípios práticos/morais e a ética.
Se a humanidade é algo significativo e definitivo nas relações,
situações, experiências e vivências tipicamente humanas, podemos recusá-
la ou ignorá-la enquanto objetivo da ampla ação educacional?
Com o desenvolvimento educacional apenas da razão teórica, os
conhecimentos podem ser facilmente tecnicizados e, em consequência,
instrumentalizados, resultando na razão instrumental, que orienta o ser
humano para ‘o que saber’ e ‘como fazer’, é a razão da técnica e da eficácia,
um tipo de razão que, facilmente, traz a aposta de que conhecer é dominar
e controlar a natureza, humana e não humana, uma razão totalitária,
controladora, manipuladora e instrumento dinâmico para submissão dos
seres, é a razão que produz as consciências coisificadas, a coisificação da
realidade, que consiste na idolatria por coisas em si mesmas (ADORNO,
2006), e que nada diz, tem ou traz, da dimensão prática da razão posta no
século XVIII por Kant.
A dimensão prática da razão humana é a faculdade dos valores e
dos princípios, de longe, os mais altos e sem qualquer comparação,
segundo Kant, os valores morais. (KANT, 1980, p. 113), se refere às razões
da ação, ao por quê, os motivos, as escolhas e deliberações dos seres
humanos. Distinto das orientações externas imediatas enquanto “receitas
37
de ação com base em modelos para serem mimetizados sem a mediação do
pensamento, numa condição heterônoma e regredida”. (MAIA, 2012, p.
76). A razão prática é a razão que possibilita o pensamento, a compreensão
e a decisão em relação às questões práticas: o que nos leva a agir? Quais as
razões da nossa ação? O que devo ou devemos fazer? O que é
completamente diferente das receitas prontas de ação, ou seja, da mera
moralização.
Por isso, a necessidade de projetos educacionais contrários à
regulação, imposição e moralização, em Kant, essa possibilidade diz
respeito à formação plena do ser humano, à formação da humanidade do
ser humano, em suma, à formação plena da sua razão, Teórica e Prática.
Isso significa a formação e o desenvolvimento dos saberes do ‘como fazer
e da consciência do ‘por quê fazer’.
Temos aqui a distinção entre o ajustar, regular, adestrar e o formar,
desenvolver, realizar, a partir do desenvolvimento, também, de uma razão
prática, a qual nos possibilita ir em direção do saber prático. Segundo
Kant, essa é a base da eticidade, o fazer prático, de modo a fazer com e por
valor último. De acordo com Kant: “[...] é preciso, por fim, orientá-los
sobre a necessidade de todo dia, examinar a sua conduta, para que possam
fazer uma apreciação do valor da vida”. (KANT, 1999, p. 107, grifo
nosso).
Ora, será esse o verdadeiro e intrínseco significado de ser
esclarecido? O sentido prático do Aufklärung?
Nesse sentido, o olhar, o cuidado, a atenção e a formação da razão
prática na educação kantiana, diz respeito a uma formação para além do
alcance cognitivo e epistemológico, trata-se do reconhecimento de que a
presença da dimensão epistemológica na educação precisa estar
acompanhada de outras dimensões, em Kant, particularmente, da
dimensão ética. A possibilidade dessa formação ética centra-se na faculdade
38
prática da razão humana, o que implica dizer que se expressa, diretamente,
em suas escolhas, em suas condutas, em seu agir e ações e o pensamento
sobre isso se chama moral.
Enquanto questões vitais ao ser humano, para cuidar da liberdade,
da autonomia, da moralidade, Kant desenvolveu a sua Filosofia Prática,
pura e empírica, no interior desse pensamento prático está a pedagogia, a
educação prática e a preocupação com a formação e o desenvolvimento da
faculdade prática da razão humana. A consciência do que funda uma ação,
os seus motivos e razões, possível pelo desenvolvimento da razão prática,
não permitirá nenhuma realidade totalitária, coisificada e instrumen-
talizada.
Há em Kant a ampla aposta no ser humano e na sua humanidade,
considerando, via educação, o pleno desenvolvimento da sua razão,
reforçando: Teórica e Prática. A formação e o desenvolvimento da razão
teórica e da razão prática, segundo Kant, é possível por meio da educação,
em particular, com a Educação Prática e as suas subdivisões, o que veremos
em seguida.
Importa que compreendamos, neste momento, a relevância do
projeto de educação kantiana, isto é, a concepção de uma filosofia da
educação que é capaz, desenvolvendo a razão prática e nos chamando a
atenção para a necessidade moral do agir, de combater toda a arrogância e
o egoísmo humano, de afastar as morais estéticas e narcisistas a partir da
formação da razão especulativa e da razão prática (moral, vital).
Kant e a Educação Prática
Vejamos alguns elementos da Educação Prática. Lembrando que
“chama-se prático tudo o que se refere à liberdade” (KANT, 1999, p. 29).
A formação ou educação prática é, segundo Kant, a perspectiva específica
39
da educação que terá como fim o desenvolvimento do ser humano para
que ele possa viver e ser moral e livre. Para compreendermos essa posição,
é preciso dizer que, de acordo com a filosofia prática de Kant, há a
compatibilidade entre moralidade e liberdade, o ser humano, ao elevar a
sua razão até os conceitos de dever e de lei moral é, desse modo, livre das
determinações externas e capaz de autolegislação.
A educação prática é subdivida por Kant em negativa, que se refere
à disciplina, e em positiva, para a instrução e o direcionamento, que são os
momentos de desenvolvimento e de formação do educando. Comecemos
pela parte negativa da educação prática, a disciplina.
A disciplina, o segundo momento da educação e o primeiro
momento da educação prática em Kant, é o que transformará “[...] a
animalidade em humanidade [...] é puramente negativa, porque é o
tratamento através do qual se tira do homem a sua selvageria” (KANT,
1999, p. 12).
Kant (1999, p. 13), chama de selvageria, estado bruto, brutalidade,
puro instinto ou animalidade, a independência de toda e qualquer lei, a
disciplina, por sua vez, será o início do processo de obediência do ser
humano às leis da sua humanidade. As leis da humanidade, não perdendo
de vista o conjunto da filosofia prática de Kant, nada mais são, senão, as
leis da liberdade ou morais, isto é, uma legislação que o ser humano,
mediante a faculdade prática da sua razão, é capaz de oferecer a si mesmo.
Assim, com a disciplina, há o início do processo para que a criança, quando
atingir a idade juvenil e adulta, seja capaz de dar a si mesma, e seguir por
querer, o princípio supremo da ação, isto é, a lei moral da sua razão prática.
A fórmula universal da lei moral é apresentada no primeiro
momento, na Fundamentação da metafísica dos costumes, como um
mandamento da razão, um imperativo que, por sua vez, se exprime pelo
verbo dever (Sollen) (KANT, 1980, p. 124), e, posteriormente, como a lei
40
fundamental da razão prática, na Crítica da razão prática. No § 7 da Crítica
da razão prática, Kant apresenta a lei fundamental da razão prática,
dizendo: “Age de tal modo que a máxima de tua vontade possa sempre
valer ao mesmo tempo como princípio de uma legislação universal”.
(KANT, 2003, p. 103). Tal lei exprime uma ação moralmente válida a
todos os seres racionais sem permitir exceções e ordena pensar a máxima
da ação enquanto princípio de uma possível legislação universal.
A razão, ao oferecer as leis práticas (morais), é chamada por Kant
de razão prática pura, a faculdade humana capaz de fornecer uma
incondicional condição para a ação voluntária. A razão é prática, ou pode
ser prática, no sentido de que ela é uma faculdade legislativa capaz de
oferecer leis ao agir moral. De acordo com Kant: “A lei, considerada em
nós, se chama consciência. A consciência é de fato a referência das nossas
ações a essa lei”. (KANT, 1999, p. 99). Então, para que a criança, ao atingir
a idade juvenil e adulta, possa manifestar e fazer uso da faculdade prática
da sua razão, ou seja, dar-se as leis que guiarão as suas ações, o primeiro
passo toca à disciplina, não à formação.
A disciplina como o primeiro momento da educação prática
kantiana, é o que impedirá o ser humano desde cedo de se tornar refém
dos instintos mais primitivos, eis “o que Kant denomina como domar a
selvageria”. (SANTOS, 2007, p. 5). O que não significa destruir ou
erradicar com todo e qualquer instinto, não significa ter que abolir ou
suprimir com todas e quaisquer inclinações, desejos, paixões, apetites.
Disciplinar, em Kant (1999, p. 13), significa, especificamente, procurar
evitar que a animalidade cause danos à humanidade, significa evitar que a
selvageria, o estado de ausência de toda e qualquer lei, cause prejuízos ao
processo de formação e de desenvolvimento da humanidade. O próprio
filósofo alerta, é preciso atentar-se para que o disciplinar não trate a criança
41
como escrava, antes, que a faça começar a sentir a sua liberdade que se
manifesta pela faculdade prática de sua razão (KANT, 1999, p. 50).
Isso se justifica pois, de acordo com Kant (2003, p. 419), o
instinto, o impulso, a inclinação, podem até apresentar uma tendência ao
bem ou ao correto moral (distinto do valor moral), à benevolência, mas
são cegos e servis, podendo muitas vezes causar danos ao ser humano e à
sua humanidade. Quando investigadas as razões do agir, na ação motivada
por uma inclinação, instinto ou impulso, há a ausência de um princípio e
a posição do filósofo é: na ausência do princípio prático, os costumes
estariam facilmente sujeitos a perversões, corrupções e desvios do ponto de
vista ético. O ser humano, motivado por um impulso, pode se deixar
seduzir ou desviar facilmente de suas ações com e por valor moral, ou seja,
se desviar, com facilidade, daquilo que deve necessariamente acontecer, o
que devemos fazer do ponto de vista da moralidade. A ação por impulso,
ora pode mover e determinar o ser humano em suas ações, ora não, e se
não move, deixamos de realizar, o que do ponto de vista moral ou do
caráter, é necessário.
Ainda acerca das inclinações, tendências, impulsos, paixões, para
Kant (1999, p. 106), “convém também orientar o jovem para a alegria e o
bom humor”, isso significa que Kant, em sua proposta de uma formação
humana, não requer a inteira supressão de toda inclinação ou paixões,
entretanto, tudo o que em geral nos inclina, sentimentos, paixões,
impulsos são contingentes e, para o filósofo, tendo em vista a vida moral
humana, não devemos deixá-la à sorte de qualquer contingência. Na
ausência de leis, que não são as leis sociais, religiosas, nacionais ou de
tradições, mas as leis da própria humanidade, intrínsecas a todo ser
humano e possíveis mediante a faculdade prática da sua razão, a ação por
desejos face às inclinações, além de não poder conferir o autêntico valor
moral à ação do ser humano, pode, em muitos casos, prejudicar a natureza
42
humana no processo do desenvolvimento de sua humanidade, ademais, no
processo do desenvolvimento da humanidade moral e livre
2
.
A disciplina é o primeiro passo de uma educação prática, ou seja,
para a formação e o futuro desenvolvimento da capacidade prática da razão
humana. Com a disciplina em Kant, há “a formação geral da humanidade
para além da animalidade da raça humana”. (OLIVEIRA, 2006, p. 74).
No entanto, a disciplina é somente como o primeiro momento da ideia de
educação prática de Kant, pois a moralidade e a liberdade humana
fundam-se em máximas da ação e não sob a disciplina a disciplina impede
os vícios, mas só a máxima forma o modo de pensar. (KANT, 1999, p.
75).
É preciso continuar o processo educacional e “proceder de tal
modo que a criança se acostume a agir segundo máximas” (KANT, 1999,
p. 75). Desse modo, é indispensável a disciplina, mas a educação prática,
segundo a concepção kantiana, exige, no momento seguinte, o olhar para
a máxima da ação, “a educação prática não pode permanecer baseada
unicamente sobre a disciplina, mas deve assentar sobre máximas”.
(SANTOS, 2011, p. 211). A máxima da ação é o princípio ou fundamento
subjetivo do querer (KANT, 1980, p. 115), isto é, as razões, a intenção ou
2
Exemplificando: “Ser caritativo quando se pode sê-lo é um dever, e há além disso muitas almas de
disposição tão compassiva que, mesmo sem nenhum outro motivo de vaidade ou interesse, acham
íntimo prazer em espalhar alegria à sua volta e se podem alegrar com o contentamento dos outros,
enquanto este é uma obra sua. Eu afirmo porém que neste caso uma tal ação, por conforme ao
dever, por amável que ela seja, não tem contudo nenhum verdadeiro valor moral, mas vai
emparelhar com outras inclinações, por exemplo, o amor das honras que, quando por feliz acaso
topa aquilo que efetivamente é de interesse geral e conforme ao dever, é consequentemente honroso
e merece louvor e estímulo, mas não estima; pois à sua máxima falta o conteúdo moral que manda
que tais ações se pratiquem, não por inclinação, mas por dever. [...] se a natureza não tivesse feito
de um tal homem (que em boa verdade não seria seu pior produto) propriamente um filantropo,
não poderia ele encontrar dentro de si um manancial que lhe pudesse dar um valor muito mais
elevado do que um temperamento bondoso? Sem dúvida! e exatamente aí é que começa o valor
do caráter, que é moralmente sem qualquer comparação o mais alto, e que consiste em fazer o bem,
não por inclinação, mas por dever”. (KANT, 1980, p. 113).
43
o porquê que o sujeito da ação tem ou se dá para agir. Para o caso do ser
humano e, considerando a perspectiva prática da educação kantiana, em
primeiro lugar essas máximas são as da escola, depois, as da humanidade,
isto é, da própria humanidade presente em todo ser humano, o que
consiste na autolegislação, portanto, “no primeiro período, o
constrangimento é mecânico; no segundo, é moral”. (KANT, 1999, p. 30).
Avançando com a subdivisão da educação prática kantiana em
negativa (disciplina) e positiva (formação), observemos o que envolve a
parte positiva do sentido prático da educação em Kant, que se refere à
educação: escolástica, pragmática e moral.
A educação escolástica, diz respeito ao desenvolvimento das
habilidades e aptidões dos seres humanos, é a educação para a formação da
razão teórica e envolve a faculdade de conhecer teórico ou especulativo, a
educação escolástica assegura o desenvolvimento dos conteúdos cognitivos.
De acordo com Kant, abrange a instrução e vários conhecimentos,
[...] é a criação da habilidade e esta é a posse de uma capacidade
condizente com todos os fins que almejamos [...] Algumas formas de
habilidade são úteis em todos os casos, por exemplo, o ler e o escrever;
outras só são boas em relação a certos fins [...]. A habilidade é de certo
modo infinita, graças aos muitos fins. (KANT, 1999, p. 25-26).
A educação pragmática prática diz respeito à prudência que,
segundo Kant, é como uma espécie de civilidade, um ser humano prudente
e, portanto, segundo a concepção kantiana, civilizado, possui certas noções
que a pessoa que possui somente conhecimentos especulativos, ou seja, a
pessoa meramente hábil, não possui. Trata-se de uma espécie de educação
política, “a civilização visa formar o cidadão para que ele tome parte ativa
na vida da sociedade em que está inserido”. (SANTOS, 2011, p. 211).
Ainda que não aborde designadamente as ações morais, a educação
44
pragmática forma o cidadão com bons modos, cortesia e gentiliza, por
exemplo, a prudência ou civilidade de não se servir de outros seres
humanos para a realização dos seus próprios interesses. Segundo Kant:
[...] por um prazer universalmente comunicável e pelas boas maneiras
e refinamento na sociedade, ainda que não façam o homem
moralmente melhor, tornam-no porém civilizados, sobrepõem-se em
muito à tirania da dependência dos sentidos. (KANT, 1993, p. 274).
Finalmente, a educação moral, que se refere à ética e ao intrínseco
valor das ações humanas, a saber, o valor moral. “Por último vem a
formação moral, enquanto é fundada sobre princípios que o homem deve
reconhecer” (KANT, 1999, p. 35-36). Com o desígnio de formar
moralmente, a educação deve:
[...] cuidar da moralidade. Na verdade, não basta que o homem seja
capaz de toda sorte de fins; convém também que ele consiga a
disposição de escolher apenas os bons fins. Bons são aqueles fins
aprovados necessariamente por todos e que podem ser, ao mesmo
tempo, os fins de cada um (KANT, 1999, p. 26).
A educação moral, terceiro e incontestável momento da educação
prática de Kant, tem em vista os componentes de uma razão prática,
exemplificando, a moralidade, a virtude, o caráter, a pessoa, a autonomia
e a liberdade, portanto, cuidará do desenvolvimento da dimensão prática
da razão humana, como exposto, a razão é para Kant a faculdade dos
princípios, enquanto prática, dos princípios práticos. A educação prática
kantiana terá em vista a formação de um ser humano que será capaz de
querer agir e viver segundo valores e princípios morais, o que, em Kant,
representa o máximo do valor da natureza humana, o valor intnseco e
absoluto (não relativo) de todo ser humano, como explica Kant, a
45
formação prática oferece ao ser humano um valor que diz respeito à inteira
espécie humana. (KANT, 1999, p. 35).
Apontamos que é na obra Metafísica dos costumes Princípios
metafísicos da doutrina da virtude, na primeira seção da Doutrina ética do
método, o momento que Kant apresentará o método educativo, técnicas e
meio experimental, para atingir os objetivos da educação prática no seu
momento final e decisivo, a saber, a formação moral do educando. Vale
dizer que o método educativo, as técnicas e o meio experimental da
formação moral ou ensino da ética apresentados na Metafísica dos costumes,
de acordo com Kant, são instruções da teoria, isso representa que são meios
que os professores podem empregar para a formação moral do educando,
mas a contrapartida prática, ou seja, a realização ou efetivação desses
exercícios da teoria encerra-se no cultivo moral. Com o método e a técnica
é desenvolvida a ideia de dever prático, é formado o juízo moral mediante
o desenvolvimento da razão prática, mas o como efetivar a moralidade, a
ação propriamente dita com conteúdo moral, na vida e vivências, requer o
cultivo da capacidade para a virtude moral, que pode ocorrer, segundo
Kant, pelo exercício ou ginastica ética. (KANT, 2004, p. 135).
A parte positiva da educação prática, junto da educação escolástica,
pragmática e moral, tem propriamente o objetivo de desenvolver as
habilidades, a prudência e, por fim, a moralidade. Desse modo, a educação,
no sentido de formação e desenvolvimento dos seres humanos, somente
será plena se enxergar o ser humano em sua totalidade, que, em Kant,
envolve o conhecer e o agir político e moral, de toda a espécie humana.
(DELBOS, 1969, p. 591). Enxergamos a educação prática kantiana, com
os seus momentos de disciplina e de formação, representando a
possibilidade da plena formação e desenvolvimento do ser humano em
suas diferentes dimensões: cognitiva, afetiva, política, ética. Isso significa
em Kant, conforme posto, o desenvolvimento da sua humanidade do ser
46
humano: as habilidades, aptidões, qualidades, a civilidade e a prudência, a
moralidade, virtude, autonomia, emancipação, liberdade, ética, o caráter e
a escolha pelos bons fins.
Considerando as análises da pedagogia de Kant, neste momento,
em especial acerca da educação prática, afirmamos que há no pensamento
de Kant preocupações de perspectivas educacionais consequentes, que
revelam a necessidade e a possibilidade de uma formação integral do ser
humano, isto é, o ser que possui conhecimentos e que age segundo valores
e princípios humanos, valores que condicionam a nossa ação, mas não são
condicionados por qualquer outra exterioridade social, política, religiosa
ou por interesses meramente particulares. Isso porque o grau máximo da
formação humana em Kant envolve a formação em valores,
consequentemente, a formação para a realização de ações éticas. Há na
educação prática de Kant, a possibilidade da educação, pensada e
apresentada, com um importante desígnio, fundamentalmente, moral e
ético, o que nos permite hoje, pensar na urgente recuperação de uma
dignidade última possível na esfera do vir a ser humano.
Considerações Finais
Vemos a educação kantiana enquanto um projeto educacional que
se atenta para outros aspectos, dimensões e elementos, muitos deles,
constitutivos do próprio ser humano, para além, por exemplo, apenas da
sua dimensão epistemológica. O que é de grande importância pois, quando
analisamos a extensa ação educacional, buscando reconhecer e
compreender o projeto de educação que estamos inseridos e fazemos parte,
podemos apontar que, nos dias de hoje, a proposta se caracteriza,
principalmente, pela instrumentalização e pela (de)formação dos sujeitos
da educação, o que, nesse contexto, significa a primazia das informações e
47
das técnicas que o educando deve receber e acumular, formando nesses
sujeitos apenas os conhecimentos técnicos, porém, sem a capacidade de
apreender, de interpretar, de analisar, de problematizar as realidades e as
ações do e no mundo.
Pensando junto de Kant, podemos questionar: há hoje, no âmbito
da complexa ação educacional, a preocupação com a formação e o
desenvolvimento, além da razão teórica, de uma razão prática? A razão que
nos dirige às relações humanas, ao sentido da vida e para os fins últimos da
existência humana, uma razão emancipatória que nos responde com
segurança, independentemente de qualquer exterioridade, social ou
religiosa, a questão o que devo fazer? De modo a fazer com e por valor
legítimo. Ou, por outro lado, a formação escolar e/ou universitária volta-
se somente para o ensino especulativo e técnico?
Veja, não se trata de recusar a formação dos conhecimentos
teóricos, a própria proposta de Kant de educação prática ressalta a
importância dos conhecimentos teóricos, das habilidades e das aptidões,
mas trata-se do alerta para a necessidade de trazer, junto da formação
cognitiva, junto dos conhecimentos especulativos, as outras dimensões dos
seres humanos, ressaltamos aqui as dimensões moral e ética.
O que devemos fazer? A resposta para essa pergunta não pode ser
encontrada de maneira imediata e, junto de Kant, fazemos o convite na
direção das indagações, afinal: o que nos leva a agir? Quais as razões ou
motivos da nossa ação? O que devo ou devemos fazer? Em Kant, essas
questões significam a atenção, fundamentalmente, para uma faculdade
própria do ser humano, a saber, a faculdade prática da nossa razão. Uma
capacidade da razão de determinação do querer fazer, do querer agir, das
escolhas pelos bons fins e das decisões genuinamente morais, uma
capacidade racional prática que pode ser desenvolvida pela educação para
48
a sociedade, o que se contrapõe às interpretações da moralidade kantiana
baseadas no entendimento de uma razão individual e isolada.
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51
Estrutura de Formação do Processo de Discussão Ética:
a moral das regras, normas e leis e seu papel
para heteronomia
Felipe Colombelli PACCA
1
Introdução
A convivência entre as pessoas é ponto de discussão filosófica,
científica, prática e teórica, que acompanha longitudinalmente a história
da humanidade. É um fato tão atual quanto antigo, tão novo quanto velho,
tão tranquilo quanto conflituoso. As sociedades foram criando, no
decorrer de sua história, processos, normatizações e maneiras de garantir a
convivência, buscando, muitas vezes, a harmonia dessa convivência. Parte
dessa busca se mantém na contemporaneidade, denominada ética, que tem
como ponto fundamental a discussão da melhor maneira de conviver e
viver em sociedade, seja em grupos pequenos, nações ou mesmo em relação
a todas as pessoas do planeta. Partindo deste pressuposto, objetiva-se a
discussão do processo de estruturação da ética e a participação do indivíduo
enquanto ser que pauta suas decisões em princípios morais, que se
concretizam em normatizações, sejam essas em forma de regra, norma ou
lei.
1
Coordenador de avaliação e Professor do curso de Medicina na FACERES, São José do Rio Preto,
Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE) da Faculdade de Filosofia e
Ciências (FFC), Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP), Campus de
Marília, São Paulo, Brasil. E-mail: felipepacca@gmail.com
https://doi.org/10.36311/2022.978-65-5954-317-5.p51-68
52
A noção de moral, tal qual a conhecemos atualmente, tem sua base
no que Kant, baseando-se no trabalho de Rousseau, chamou de boa
vontade. Para Kant (2013/1797, p. 101), “não há nada em lugar algum,
no mundo e até fora dele, que se possa pensar como irrestritamente bom,
a não ser tão-somente uma boa vontade”. A vontade, para o autor
(2013/1797, p. 183) é o que permite, a partir da razão, escolher só aquilo
que a razão reconhece como praticamente necessário, como bom. A
vontade é uma faculdade da razão que pode decidir na contramão do
desejo. Esse é o passo inicial para uma percepção de que a ação do ser
humano não pode ser justificada pelos seus efeitos, sejam pragmáticos,
sejam utilitários, mas sim, exclusivamente, na intenção que o sujeito teve
ao realizar tal ação. Essa intenção é a base do respeito à lei moral, à lei do
dever, à necessidade de se manter fiel à boa vontade para a tomada de
decisão.
Essa necessidade se traduz, assim, em uma atividade de
pensamento sobre a própria conduta, constituindo-se como uma questão
de consciência, que denominamos moral. Neste contexto, moral é a
liberdade que o ser humano tem para escolher, dentre as possibilidades de
ação, a partir de valores, princípios e normas que julga serem aqueles que
traduzem a boa vontade, o caminho do dever. Em absoluto é uma questão
de ação sob coação das consequências do olhar, presença ou punição alheia,
mas apenas um julgamento sobre a própria conduta. Para Kant
(2013/1797, p. 8) é preciso que o sujeito viva por dever, não de acordo com
o dever.
Por dever pode ser entendido como a livre manifestação da razão
sobre o princípio que rege a ação do ser humano. Algo que o sujeito escolhe
a partir da própria boa vontade. Já o conceito de acordo com o dever
demonstra falta de capacidade de escolha, como se algo ou alguém externo
ao sujeito, à razão do sujeito, interferisse no seu processo decisório, fazendo
53
com que o processo de decisão se submeta a outro critério que não a
própria razão. O que se busca é uma ação emancipadora, na qual a própria
razão determine a ação, de maneira autônoma. Quando agimos de acordo
com o dever, existe algum tipo de interferência externa, que inibe a
autonomia, que dá lugar à heteronomia.
No entanto, é muito difícil que o sujeito identifique implicações
externas à sua decisão, em especial àquelas que envolvem um conflito entre
a boa vontade e o desejo. Kant então propõe um processo de decisão moral
baseado em dois tipos de imperativo: o imperativo hipotético e o
imperativo categórico. O primeiro se relaciona com o processo de
identificação da melhor maneira para se atingir determinado fim. Assim,
na hipótese de se querer algo, é preciso escolher o que fazer para se ter o
que se quer. O imperativo categórico, por sua vez, busca identificar um
modo de agir que ordena a ação de maneira absoluta (NODARI, 2016, p.
110), definindo categoricamente a maneira de agir por dever. É esse o
imperativo que servirá de base para a fundamentação da moral, da razão
prática, do agir de todas as pessoas. O imperativo categórico é, em essência,
um delimitador, fundamentado exclusivamente pela própria razão, da
liberdade do indivíduo. Assim, o sujeito precisa determinar uma maneira,
a partir da sua própria razão, de agir que poderia ser universalizada na boa
vontade de todas as pessoas. É um agir de tal maneira que a ação do sujeito
possa ser universal. Ou, nas palavras do próprio Kant (2013/1797, p. 62)
“devo portar-me sempre de modo que eu possa também querer que minha
máxima se torne uma lei universal”.
Ética como Elemento de Convivência Moral
A delimitação da moral é o próprio sujeito. Mas como determinar
a melhor ação moral, aquela baseada na boa vontade, no dever, que pode
54
ser aplicada para mais de um sujeito em mais de uma situação? A discussão
sobre essa resposta tem hoje o nome de ética (BARROS FILHO;
CORTELLA, 2014, p. 70), ou seja, é a inteligência compartilhada para a
definição da melhor forma de conviver, respeitando a razão de todos os
indivíduos envolvidos, buscando o consenso da autolimitação da própria
liberdade pelo dever para a melhor convivência do grupo.
Essa convivência é baseada em compartilhar ações de interação
entre as pessoas. La Taille (2017) afirma que uma educação moral não
pode se furtar a enfrentar questões éticas. Neste contexto, é importante
perceber que é o compartilhamento de ações entre pessoas que estrutura a
ética. É na relação entre as pessoas que a ética é definida.
Essa relação, no entanto, é uma tentativa de definição das melhores
condições para o convívio, buscando atender aos imperativos hipotéticos e
categóricos de todos, o que pode resultar em situações de difícil resolução,
como no caso de um indivíduo que tem como imperativo categórico a ação
mais determinante para ele, e que se relaciona com um outro indivíduo
que busca basear suas ações em um imperativo categórico. Existe, neste
caso, uma dificuldade de resolução sobre as melhores ações que ambos
devem tomar para uma boa convivência.
Uma outra possibilidade é a comparação de dois imperativos
hipotéticos. Um dos indivíduos parte da premissa contrária à premissa do
segundo indivíduo. Dessa maneira, é complexo definir quem terá a
primazia da ação que define a convivência. Os conceitos se concretizam
em situações bastante possíveis na realidade, como um aluno que é pego
colando em uma sala de aula. O professor busca evitar que o aluno cole, o
aluno busca uma boa nota na prova. Qual é a ação que deve definir a
convivência neste caso? Perceba que não é um problema sobre o que fazer
com um aluno que é pego colando. A questão é anterior a isso e diz respeito
55
à maneira para identificar qual é a ação correta a ser tomada neste caso,
fazendo com que todos os participantes saibam sobre o que deve ser feito.
Para definir a melhor ação, a ética faz uso de três importantes
elementos: valor, princípio e norma. É com essa estrutura que a ética se
consolida em grupos de pessoas a partir da moral individual. O valor é o
elemento que a relação deve proteger para que a boa convivência aconteça,
direcionando a boa vontade ao dever. O princípio é uma referência de
conduta para o bem agir, que é definido pelo elemento a ser protegido, o
valor. A norma é a explicitação do princípio na concretude da realidade.
Valor
O valor é o peso que se coloca na balança da decisão ética, pautado
na moral de cada participante da convivência. Escolher qual o peso que
será colocado na balança, no entanto, é muito mais complexo do que este
texto aparenta, pois os valores são complexos. A discussão sobre os valores
complexos foi bastante discutida por Morin (2015), ao afirmar que a
simplicidade dos valores é sempre acompanhada de um processo de
diminuição da moral. Isso quer dizer que, ao simplificar um valor, o
indivíduo abre mão da complexidade e das possibilidades diversas que tal
valor pode ter em uma discussão sobre a definição de seu uso ou não.
O elemento simplificador, nesse contexto, age como algo externo,
que define o que é mais valioso ou não, um bom exemplo disso é o que
Morin (2015, p. 59) apresenta como a simplificação do pensamento
humano a partir do cérebro. O ser é composto por aspectos biológicos,
psicológicos, históricos, sociológicos e culturais. Ao simplificar o
pensamento delimitando ao cérebro essa capacidade, o valor dos outros
aspectos não interessa mais no processo de investigação do aprender e do
56
pensar. Isso é uma simplificação, que escolhe arbitrariamente um valor e o
coloca como maior e mais importante entre os demais.
Dessa maneira, ao simplificar os valores, escolhas são realizadas a
partir de uma análise moral que não considera todos os elementos. Por
exemplo, Morin (2015, p. 91) explica que os valores possuem relações
complexas e antagônicas. Assim, cada valor possui um contravalor de igual
complexidade. Um exemplo é o otimismo, um valor que pode ser aplicado
em diversas situações e que pode ser aplicado nas relações entre pessoas. O
otimismo é o valor que faz imaginar que os encontros do mundo serão
sempre causa de alegria. A alegria, por sua vez, é um sentimento
importante para a vida plena. Assim, é importante e adequado que
otimismo seja um valor.
No entanto, o pessimismo não é menos importante. O pessimismo
garante planejamento para situações que entristecem, buscando evitá-las.
É uma busca por não ser triste. E isso também tem valor adequado. Porém,
quando colocados lado a lado, escolher ser otimista ou pessimista em uma
relação ética é complexo, pois ambos são valores complexos, mesmo que
sejam antagônicos. E é essa complexidade que faz com que seja difícil
escolher qual peso colocar na balança da decisão.
Princípio
O princípio, na ética, é a base de toda a estrutura. É o dever moral
definido por Kant (2013/1797, p. 21) que o dever é a base da liberdade
moral e o princípio é o fundamento de determinação das ações éticas.
Princípio, então, é um fundamento, uma base, um ponto de início para
comparar se estamos agindo de acordo com o valor que consideramos mais
importante.
57
Um princípio é um mapa com um caminho predeterminado. Esse
caminho é definido a partir do valor que consideramos mais importante,
o que pode ser rapidez para se chegar ao ponto final, ou a beleza do trajeto,
ou o desejo de passar em pontos específicos. Essa predefinição é o caminho
que devemos seguir. Mas o princípio é só o caminho em um mapa. O
dever de seguir o mapa é do indivíduo. É o indivíduo que é livre para seguir
ou não o caminho predefinido no mapa. Isso é a base da moral. A definição
do trajeto, a elaboração do caminho no mapa, no entanto, é uma definição
feita a partir da relação entre as pessoas, que determina o melhor valor para
direcionar o caminho.
Assim, profissionalismo, respeito, transparência, sustentabilidade,
podem ser valores que determinam princípios. Os princípios podem ser,
no caso do respeito, a aplicação do imperativo categórico. No caso,
respeitar é fazer o que se deve para que a sua ação seja universal. Isso quer
dizer que, em um cenário fictício, um lugar no qual todos possam fazer a
mesma escolha de ação. Essa escolha é um princípio.
O princípio, assim, é uma percepção ética e uma decisão moral. É
uma referência para o agir individual e coletivo. A dificuldade é determinar
a ação ética por princípio, dada a liberdade moral que cada pessoa tem. É
nessa dificuldade que se definem as normas.
Norma
Para Volpe Filho e Martos (2020, p. 150) norma é uma referência
para o princípio, é um “enunciado linguístico” que determina qual é a ação
que deve ser tomada em determinada situação. A ação, no caso, tem como
base um contexto que é normativo, que dita a ação adequada, e um
contexto funcional, que se aplica na realidade e na concretude da vida.
58
A norma é a tradução em forma de linguagem de condutas
adequadas para ação baseada em princípios morais e éticos. Kant
(2013/1797, p. 20) expressa a ideia de que a concordância entre o dever
moral, ou seja, a liberdade de agir do indivíduo e sua tradução em ação
adequada como princípio ético é a base da legalidade. Norma é a expressão
de concordância ética em forma de tradução na linguagem do princípio,
ético e moral. Este princípio, por sua vez, é a referência para a ação pautada
em um valor determinado como comum entre os indivíduos de um
coletivo.
A norma seriam as orientações de trânsito observadas ao seguir o
mapa dos princípios. Mas as orientações seriam manifestações no real em
forma de placas ou sinais de trânsito. Essas placas ou sinais de trânsito
traduzem a conduta adequada para se chegar ao local de destino,
respeitando o princípio, que é o caminho pré-definido no mapa, traçado a
partir do valor nele destacado, seja ele o trajeto, mais rápido, ou aquele que
passe por determinados pontos, ou o que destaque a beleza da jornada.
É a partir da norma que são julgados os comportamentos morais
em uma relação ética. Em essência, as normas traduzem comportamentos
em forma de linguagem para garantir a boa convivência da coletividade
sobre os indivíduos. Essa garantia tem como função direcionar e educar o
indivíduo na sua percepção de liberdade. Dessa forma, as regras agem
como elementos de educação ao indivíduo para o respeito aos princípios e
valores do coletivo. É por meio das normas que o julgamento do princípio
acontece no indivíduo.
Essa função pedagógica das normas para o desenvolvimento da
competência de julgamento moral do indivíduo se estrutura em três
dimensões: regra, código e lei. As três dimensões têm objetivos diferentes
para a garantia da organização do coletivo em relação ao indivíduo e para
59
a abertura de possibilidade do indivíduo na tomada de ação a partir de uma
liberdade de escolha.
Regra
A partir dos contextos normativos e funcionais, é preciso
compreender o que Barros Filho e Cortella (2014, p. 50) explicam: as
regras são o fundamento da coletividade e é essa coletividade que
determina as regras de convivência que permitirão que uma pessoa se torne
livre e autônoma, com competência de julgamento adequada para a vida
no coletivo a partir da compreensão da própria liberdade.
É a regra que faz o indivíduo desenvolver autonomia. Piaget
(1994/1932, p. 23) utiliza-se dos jogos infantis para demonstrar como eles
constituem “admiráveis instituições sociais”. Piaget busca compreender
como se forma o julgamento moral em uma criança a partir das regras dos
jogos infantis. É por meio da percepção das regras que a autonomia vai se
criando. E essa é uma autonomia pautada na liberdade de escolher o que
determina o dever, que no caso é o que o grupo define como mais valoroso.
Essa determinação acontece tanto cognitivamente quanto afetivamente. A
ideia de desenvolvimento moral de Piaget indica que uma criança aprende
e desenvolve sua competência moral. Isso quer dizer que existe então uma
fase em que a criança não tem essa moralidade definida, uma fase pré-
moral, que chamou de anomia.
A criança vai desenvolvendo sua moral em um ambiente em que
apenas atua como participante, sem voz ativa e sem possibilidade de
escolha de acatar ou não à regra do jogo. Nesse contexto, a criança
desenvolve uma moral heterônoma, na qual a regra tem força de verdade
absoluta, vinda de um ser mais evoluído, o adulto. Por fim, conforme a
criança percebe as regras e tenta adequá-las em uma coletividade específica,
60
desenvolve uma percepção de valor, princípio e norma, aprendendo e
escolhendo, no coletivo, qual é a escolha a ser feita naquela situação, o que
traz liberdade para perceber, de maneira cognitiva e afetiva, que a regra
pode ser ou não uma regra adequada ao grupo. A este terceiro nível, Piaget
(1994/1932) chamou de autonomia.
La Taille (2017, p. 33) destaca, no entanto, que Piaget afirmava
que a maioria das pessoas seriam heterônomas, convivendo com apenas
algumas “ilhas” de autonomia. Daí a importância das regras para definir,
de maneira não escrita, cultural e especificamente, como determinado
grupo deve se comportar, tanto enquanto indivíduos quanto como em
sociedade. A regra é a mais básica forma de normatização da ética, que se
destaca pela possibilidade de desenvolvimento da autonomia dos sujeitos
a partir da reflexão e discussão sobre as próprias regras.
Código
Um código é uma dimensão mais estruturada de um sistema de
regras. Um código reflete as regras, as normas de determinado grupo social.
Não é incomum a expressão “código de ética”, mas a compreensão dos
fundamentos dessa dimensão é mais complexa do que um apanhado de
regras de convivência para determinado grupo de indivíduos. É um
processo de acordo formal, de um grupo, um coletivo ou uma comunidade,
que tem como objetivo determinar os limites das ações éticas autorizadas.
Nesse contexto, a concepção de regra estudada por Piaget
(1994/1932) não compreende o que um código determina. É uma
organização social mais sofisticada e, para ser elaborado, precisa haver um
nível de cognição mais aprofundado, normalmente encontrado em adultos,
não em crianças. Um dos pesquisadores do processo de desenvolvimento
do julgamento moral em adultos foi Kohlberg (1981) que, baseado nos
61
estudos de Piaget (1994/1932), desenvolveu uma teoria de
desenvolvimento moral em três níveis (e dois subníveis em cada um dos
níveis), que determinam um grau de autonomia moral do sujeito em uma
variação de total heteronomia e uma total autonomia, algo raro e dedicado
a seres de elevação consciente que poucas vezes se destacaram na história
da humanidade. Kohlberg desenvolveu suas pesquisas em diversos países,
coletando dados suficientes para definir a universalidade de suas ideias.
Kohlberg (1981, p. 116) afirmava que sua teoria derivava tanto da
análise ética tradicional quanto da psicologia Piagetiana. Esta, por sua vez,
deriva da análise das categorias da razão pura de Kant, que são pautadas
em diversas categorias, dentre as quais aquela que determina que a ação é
uma escolha advinda da liberdade. Isso quer dizer que, no caso dos adultos,
a consciência moral é parte do processo de decisão ética. O julgamento
dessa consciência moral vai acontecer na relação entre as pessoas e, a partir
dessa relação e da capacidade cognitiva e afetiva do indivíduo, vai se
estruturar em um dos seis estágios de consciência moral proposto por
Kohlberg (1981).
E é no estágio 4 do nível convencional de moral que o código tem
seu maior impacto. De acordo com a tradução dos estágios de Kohlberg
(1981) proposta por Sanches (2004, p. 127), é nesse estágio que as pessoas
precisam cumprir os seus deveres. Deveres com os quais está
comprometido. Deveres que são aceitos por sua legitimidade e autoridade
reconhecidas, tanto pelo grupo quanto pelo indivíduo, que se apoia nas
normas para garantir o bem-estar social ou o bem-estar do grupo.
O julgamento acontece, assim, a partir do ponto de vista de um
sistema, que tem sua definição estruturada em forma de código. Isso faz
com que determinado grupo atue, de maneira convencional, de acordo
com o código que representa a sua atuação. E a manifestação mais
característica desse aspecto é o código de ética. Aqui sim, delimitando as
62
ações do indivíduo para garantir que ele faça parte de um determinado
coletivo. Mais do que um apanhado de regras, um código é uma bússola
moral que define quem faz parte e quem não faz parte de determinado
grupo.
Lei
A terceira dimensão da norma é a lei. Uma lei parte do pressuposto
de definir e obrigar que determinada ação seja tomada pelo indivíduo. É o
resultado direto de um processo de discussão sobre as normas de
convivência mais importantes não só em um coletivo, mas em uma
sociedade. Neste contexto, lei é um conjunto de regras políticas, que dizem
respeito a uma sociedade que se submete a ela para garantir a boa
convivência, independente da autonomia moral que os indivíduos de tal
sociedade tenham.
Kant (2013/1797, p. 117) define que o direito público, que é o
conjunto de leis que são definidas pela sociedade, é um sistema de leis para
o povo, que está em relação de influência recíproca. Essa relação exige que
essas leis sejam unificadas em forma de uma constituição, que deve ser
seguida por todos os indivíduos adultos que façam parte dessa sociedade.
A lei é, então, um processo de definição de limites morais. Esses
limites partem do pressuposto de que tais normas representam a liberdade
moral de todos, mas garantem a norma definindo, de maneira linguística,
um processo de controle heterônomo da sociedade. Para Pompeu (2011,
p. 40), as pessoas possuem características comuns e, esse reconhecimento
é um ponto que define o apetite do ser humano por sua própria
sobrevivência.
O ser humano luta por si e pensa sobre si a partir da perspectiva do
próprio ser enquanto indivíduo, não como parte de um coletivo. Pompeu
63
(2011, p. 49) explica que a ambição é que faz do ser humano um ser mau.
Mau, aqui, pode ser lido como moralmente fraco, heterônomo. Dessa
maneira, é preciso garantir que a sociedade aja de acordo com o dever, se
não é possível que a sociedade aja por dever. E é nesse contexto que a lei é
inserida. A lei é uma definição, em forma de código válido para toda a
sociedade, das regras que garantem a vida em sociedade de acordo com o
dever.
Reale (2005, p. 14) define a lei, enquanto regra para a boa
convivência social que tem seu comando ou ordem emanado de uma
autoridade superior, como algo legítimo baseado em vigência, eficácia e
fundamento. Para o autor, a obrigatoriedade da lei é uma questão de
vigência, que determina sua funcionalidade para toda a coletividade,
incluindo o indivíduo, que fica sujeito à sua vigência. Essa vigência se
converte em ato formal, efetivo, nas condições de convivência no mundo
real, e deve dar conta de garantir a ação de acordo com o dever. A
capacidade de uma lei garantir isso é que determina sua eficácia. O
fundamento da lei, por sua vez, é pautado nos princípios éticos definidos
como essenciais pelos representantes da sociedade. A lei, nesse contexto, é
uma norma que deve ser respeitada independente da concordância do
indivíduo ou do coletivo, pois elas foram elaboradas tendo como
fundamento os valores capazes de legitimar a ação de acordo com o dever
para determinada sociedade.
A base filosófica de uma lei, assim, é a garantia da liberdade do
indivíduo agir por dever. No entanto, o que se observa é uma mudança na
prática de aplicação dessa base. A Lei é a aplicação de um valor,
fundamentada em um princípio, que toma a forma de norma, mas que,
buscando a garantia de uma vida harmônica em sociedade, determina ação
de acordo com o dever para os indivíduos de uma sociedade ou coletivo de
pessoas. Em suma, há um distanciamento em forma de lei entre a boa
64
vontade e a estrutura normativa da ética, o que impede o sujeito e o
coletivo de manifestar livremente a sua razão.
Uma Queso de Convivência
Somos seres singulares. Em nossa singularidade, buscamos o
melhor de nós, objetivando a liberdade de ação que se manifesta no que
Kant (2013/1797) denominou imperativo categórico. A convivência não
é simples e precisa ser mediada pela relação entre as pessoas, grupos,
coletivos e sociedades. Nesse contexto, é preciso que os valores que servirão
de fundamento para a definição da melhor forma de conviver precisam ser
apresentados e questionados.
A ética reside nessa necessidade. A realidade se impõe para os
indivíduos e, com o uso de valores, que foram sendo discutidos, utilizados
e relegados pelo que chamamos ética. O que se pode observar é que a ética,
por mais baseada que possa ser a sua essência em relação a uma
emancipação moral do indivíduo, torna-se cada vez mais normatizada. Há
cada vez mais placas, semáforos, radares, sinalizações e vigias no trajeto que
determinamos em nosso mapa. Há cada vez mais uma normatização que
impede o desenvolvimento do livre pensar baseado na moral, no dever. É
uma questão complexa.
O sistema educacional, por exemplo, é refém de legislações que
agem nos processos escolares e determinam maneiras de uma escola agir.
Essa ação legal se converte em códigos de conduta para profissionais da
educação. Esses códigos definem as regras de convivência entre a
comunidade escolar, em especial ao professor e aluno. E essas regras, por
sua vez, são impostas para os alunos de maneira unilateral, pois são
pautadas em códigos de conduta que são elaborados a partir das
orientações das leis. Esse sistema cria, assim, uma realidade em que é
65
preciso obedecer e não discutir. Uma realidade na qual o professor precisa
se fazer respeitar por imposição de regras, que são cobradas do docente por
um processo de gestão que se pauta em código disciplinar, que garante a
manutenção de comportamentos esperados no mundo escolar, e que
respeitam as leis da educação.
Pois é essa realidade que mutila a capacidade de desenvolver a
autonomia dos alunos, que não podem manifestar suas necessidades e
desejos, que não podem discutir as regras e, a partir disso, participar do
processo ético de convivência. E, por não participarem do processo de
definição das regras de convivência, os alunos se sujeitam às regras ou as
subvertem, buscando a liberdade para agir. Essa subversão, por sua vez, faz
com que as regras impostas sejam cada vez mais castradoras de liberdade,
sendo traduzidas em códigos de conduta cada vez mais rígidos. Esses
códigos, por sua vez, definem a vigência, eficácia e fundamento de leis cada
vez mais rígidas, que distanciam o aluno cada vez mais de uma
possibilidade de emancipação de sua competência moral.
O que ocorre é um caminho contrário, no qual o controle do
comportamento é o que rege a conduta escolar. Câmeras em todos os
ambientes, regras rígidas de comportamento, transformação de um sistema
de avaliação em um sistema de controle de poder, pautado em ameaças de
aumento da dificuldade das provas pelos professores aos alunos. E esse
comportamento ultrapassa os muros, cada vez mais altos, das escolas, em
forma de radares eletrônicos inteligentes, maior índice de atividades
policiais com foco em coibir comportamentos individuais, como o
consumo de álcool antes de dirigir.
Em busca de uma sociedade mais ética, caminhamos em direção a
uma sociedade cada vez mais heterônoma, repressiva e limitante do ser.
Talvez seja necessário que as instâncias definidoras da legislação vigente
percebam que o caminho pode ser outro, como pode ser observado nas
66
escolas democráticas, nas quais os alunos podem participar de maneira
ativa, dizendo e ouvindo sobre suas necessidades e desejos, aprendendo a
conviver e, a partir disso, dessa operação das regras, desenvolver a própria
capacidade de reflexão crítica.
É um dever categórico de todos buscar a melhor forma de conviver,
compreendendo a antecipação lógica e cronológica do fato em relação à
norma. Não há lei possível antes da realidade. A lei é fruto de um debate
ético que acontece a partir da discussão de princípios, que representam
valores e que são fruto da individualidade moral de cada um. É na
convivência que a resposta reside. É na convivência que a esperança se
aconchega. É na convivência que a ética floresce.
Referências
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KOHLBERG, L. The philosophy of moral development. New York:
Harper & Row, 1981.
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n. 110, p. 29-42, 2017.
67
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REALE, M. Teoria tridimensional do direito: situação atual. 5 ed. São
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2004. 158 f. Tese (Doutorado em Ciências da Saúde) – Escola Paulista
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p. 146-163, 2020.
68
69
O Impacto das Condições Ambientais no Desenvolvimento
Moral da Criança: fundamentos da educação axiológica e
emancipadora
Manuel João MUNGULUME
1
Alonso Bezerra de CARVALHO
2
Introdução
A missão da Educação é transmitir não o mero saber, mas uma cultura
que permita compreender nossa condição e nos ajude a viver, e que
favoreça, ao mesmo tempo, um modo de pensar aberto e livre
(MORIN, 2003, p. 10-11).
Este capítulo tem como objetivo principal de discutir o contexto
social da criança e suas implicações na aprendizagem. Pretende ainda
discutir como as condições, o ambiente e o contexto social ditam o seu
modo de desenvolvimento moral e a construção de valores. Partindo do
princípio de que a educação moral deve contribuir para a formação da
consciência ética, crítica, interventiva e sobretudo emancipe o ser social da
criança. Assim, a prática da educação axiológica e emancipadora são
1
Doutorando pelo Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE) da Faculdade de Filosofia e
Ciências (FFC), Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP), Campus de
Marília, São Paulo, Brasil. E-mail: mjmungulume@gmail.com
2
Professor Associado junto ao Departamento de Didática e do Programa de Pós-Graduação em
Educação (PPGE) da Faculdade de Filosofia e Ciências (FFC), Universidade Estadual Paulista
“Júlio de Mesquita Filho” (UNESP), Campus de Marília, São Paulo, Brasil. E-mail:
alonso.carvalho@unesp.br
https://doi.org/10.36311/2022.978-65-5954-317-5.p69-90
70
categorias que ajudam os alunos a construírem a sua autonomia como
produto da relação permeada por valores, princípios de uma boa
convivência social e cultural.
Assim, nesta reflexão, a educação emancipatória se apresenta como
um dos principais fundamentos para garantir as condições mínimas de
integração do indivíduo à sociedade e possibilita o desenvolvimento da
autonomia moral. A pesquisa se utiliza de aspectos teóricos e práticos para
contribuir com a pedagogia da autonomia moral, como categoria ética que
ajuda os alunos de modo a construírem a sua própria personalidade.
Trata-se, sem dúvida, de problematizar e refletir sobre o sentido de
uma formação moral e analisar o impacto das condições sociais e suas
implicações na aprendizagem. Vivemos num contexto educacional em que
muito se fala sobre a aprendizagem significativa, que desenvolva a
autonomia dos alunos. Essa por sua vez exige dos educadores antes de tudo
que reconheçam as condições socioculturais e históricas da criança, suas
vivências e experiências pois só assim o educador pode atingir as dimensões
específicas de cada aluno e assim possibilitar mecanismos de construção de
um conhecimento. Não é uma tarefa fácil. O educador deve ser criativo e
sociável para compreender um pouco mais sobre a dinâmica emocional e
afetiva das crianças.
Daí que, está reflexão traz algumas abordagens teóricas e práticas
para fundamentar as implicações éticas e pedagógicas na formação humana.
Uma das questões que orienta o estudo, é como as condições ou o
ambiente influenciam no desenvolvimento moral da criança e impacta na
construção de valores? Estes questionamentos oferecem reflexões
fundamentais que permitem uma educação que valoriza a criança como
sujeito ativo no processo de ensino e aprendizagem, à medida que,
oferecem as diretrizes para que o educador valorize as experiências que a
criança traz da sua concepção social e cultural.
71
Portanto, vivemos numa época em que não se questiona mais se a
criança é centro do processo de ensino-aprendizagem, mas sim, como
torná-la centro da ação educativa? Nesse questionamento entra o
desdobramento da educação axiológica, emancipatória e afetiva como
categorias que buscam o desenvolvimento por meio das interações afetivas,
pois o ensino não começa na sala de aula, mas a partir das vivencias e das
experiências que a criança traz dentro do seu contexto social. Compreender
esses contextos tornou-se tão importante para fazer face as complexidades
conflituosas da relação professor-aluno na sala de aula.
A práxis educativa vem enfrentando vários desafios e
complexidades ao longo da sua evolução, contudo a área da percepção do
desenvolvimento moral do ser humano é uma categoria que fortalece e
orienta o sentido da escola e da aprendizagem e assim melhorar a
convivência educativa entre professor-aluno, aluno-professor. Graças aos
estudos do desenvolvimento moral que se compreende a importância da
afetividade para o desenvolvimento cognitivo da criança. Assim, este artigo
pretende explorar e analisar a dinâmica do contexto social da criança e suas
implicações na aprendizagem e como estes fatores influenciam na
construção da sua autonomia.
Neste sentido, o papel dos educadores torna-se essencial ao
conhecer os diferentes ambientes em que suas crianças interagem
culturalmente e assim compreender seu comportamento, suas ações e
reações, e manifestações na relação com o ambiente. Para tanto, o estudo
far-se-á por uma abordagem teórica e prática para que contribuem com as
categorias de uma educação axiológica, emancipatória e afetiva que
compreendem os fatores sociais como elementos da formação e da
construção humana.
72
O Caráter Social da Escola na Construção
de Autonomia Moral da Criança
A escola é um espaço essencial para o desenvolvimento cultural da
criança, e esta por sua vez, não deve ser vista apenas enquanto sujeito na
escola, mas sim como um sujeito na sociedade, levando em conta sua
intervenção social enquanto sujeito ativo na esfera social e política. Dai
que questionarmos se a práxis educativa ensina para que os alunos
desenvolvam a autonomia? A autonomia é ensinada ou adquirida, ou seja,
podemos ensinar a autonomia ou ela é adquirida ao longo da vida, com o
tempo e experiência? Portanto, defendemos uma práxis educativa que
desenvolva uma pedagogia da autonomia moral, uma vez que toda
educação transmite sempre um ideal de valor, ou seja, todo ato educativo
vincula e transmite um certo valor e a autonomia não é um conceito
dissociado com o desenvolvimento moral e ético da criança.
A autonomia é o primeiro elemento de compreensão do significado
de “sujeito” como complexo individual. Segundo Pacheco (2012), a
autonomia exprime-se como produto da relação. Não existe autonomia no
isolamento, mas na relação com o outro. É, essencialmente, com os pais e
os professores que a criança encontra os limites de um controle que lhe
permite progredir numa autonomia, que é liberdade de experiência e de
expressão dentro de um sistema de relações e de trocas sociais (PACHECO,
2012).
Nas ações pedagógicas precisamos ter clareza do que entendemos
por autonomia para não correr o risco de formar seres humanos aversivos
as regras. Portanto, o que muitas vezes se denomina de autonomia é
anomia, pois anomia trata-se de uma condição do ser humano que ainda
não considera as regras da boa convivência social pois é guiado pela força
egocêntrica; o prefixo, a + nomia (significa aversão às regras/ ou não
73
considera as regras). Enquanto que o indivíduo autônomo internaliza as
regras e considera as relações de cooperação e interação social. A autonomia
é inseparável dessa dependência, como afirma Morin (2003, p. 118),
[...] autonomia não é uma liberdade absoluta, emancipada de qualquer
dependência, mas uma autonomia que depende de seu meio ambiente,
seja ele biológico, cultural ou social. A autonomia não é possível em
termos absolutos, mas em termos relacionais e relativos.
Assim, o sujeito autônomo é um ser ativo socialmente. Portanto,
colocar o aluno no centro do processo de ensino é afirmar que ele seja capaz
de construir autoconhecimento, e este seja responsável e protagonista em
atribuir significado ao próprio conhecimento. Neste teor o aluno deixa de
ser mero sujeito passivo no processo, e nesta fase a criança começa a
desenvolver autonomia surpreendente. Como afirma, Bock (2001, p. 137),
A criança adquire uma autonomia crescente em relação ao adulto,
passando a organizar seus próprios valores morais. Os novos
sentimentos morais, característicos deste período, são: o respeito
mútuo, a honestidade, o companheirismo e a justiça, que considera a
intenção na ação. Por exemplo, se a criança quebra o vaso da mãe, ela
acha que não deve ser punida se isto ocorreu acidentalmente. O grupo
de colegas satisfaz, progressivamente, as necessidades de segurança e
afeto.
Neste estágio o que a criança está desenvolvendo é o que Piaget
denomina de anomia, que é uma obediência das regras seguidas pelo hábito
ou imitação, e não por uma consciência própria, ou seja, trata-se de um
tempo de experimentação com possíveis identidades sociais, de crítica do
existente, de sonho e de preparação. No meio de tudo isso, surge outra
inquietação, porque a escola deve desenvolver uma pedagogia da
74
autonomia moral? A educação deve pautar por modelo de aprendizagem
que estimule o sentido da recriação na criança; troca de saberes que
possibilita aos alunos desenvolverem capacidades que ajuda na intervenção
para a transformação da própria realidade cultural e social, isto é, para
Morin, o conceito da autonomia toma um sentido mais complexo, pois
segundo ele autonomia é,
[...] a capacidade de distinção entre as coisas e causas. Isto é, é preciso
aprender a conhecer, ou seja, a separar e unir, analisar e sintetizar, ao
mesmo tempo. Portanto, é preciso instruir sobre a autonomia que lhe
permite executar a missão de ajudar os cidadãos a viverem seu destino,
defender, e promover o mundo social, político e que defenda os valores
intrínsecos à cultura (MORIN, 2003, p. 76).
Partindo destes pressupostos, Morin (2003), define autonomia a
partir da tríade de finalismo ético, (indivíduo/sociedade/espécie), que
segundo ele, a complexidade humana não poderia ser compreendida
dissociada destes elementos que a constituem, isto é, “todo
desenvolvimento verdadeiramente humano encontra sentido no conjunto
das autonomias individuais, das participações comunitárias e do
sentimento de pertencer à espécie humana” (MORIN, 2000, p. 55).
Assim, a educação deve conduzir à “antropo-ética”, levando em
conta o caráter social e moral da condição humana. Contudo, a ética não
poderia ser ensinada por meio de lições de moral, porque, em cada
indivíduo, entrelaçam-se de modo particular uma serie de relações sociais,
e a própria maneira de afirmar a sua própria personalidade, Vásquez (2018),
afirma que,
[...] em cada época e cada sociedade, a sua individualidade tem caráter
social. A uma serie de padrões que, em cada sociedade, modelam o
75
comportamento individual: seu modo de trabalhar, de sentir, de amar,
etc. variam de uma sociedade para outra e, por isso, não tem sentido
falar de uma individualidade radical fora das relações que os indivíduos
contraem na sociedade (VÁSQUEZ, 2018, p. 67).
Assim, não tem cabimento substantivar a sociedade, ignorando que
esta não existe sem os indivíduos concretos; e também não se pode fazer
do indivíduo um absoluto, ignorando que por essência é um ser social.
Neste sentido, a educação deve ensinar as potencialidades da autonomia
existentes no interior da criança através de estímulos e curiosidades que
elas mesmas perguntam, ou seja, fazer o uso das estratégias pedagógicas
que estimulam autonomia na sala de aula através dos conteúdos que saem
a partir das manifestações delas, isto é, pensar os conteúdos a partir das
suas próprias curiosidades.
A educação é um ato cultural que exprime as memórias do mundo.
A construção da autonomia moral na educação gera o sentido pedagógico
de respeito, democracia e solidariedade construída através da cooperação e
da interação entre os pares. Portanto, existe diferença entre ensinar
operações e ensinar autonomia. Existe uma pedagogia que ensina
autonomia. Penso que não, mas trata-se de um exercício possível de ser
criado e construído conjuntamente, e a sala de aula é um espaço
privilegiado para este exercício.
Formar para a construção da autonomia moral deve ser a base para
formar mentes conscientes e interventivas. Considerando a tríplice
dimensão humana, assim, a práxis educativa deve formar mentes com base
na consciência de que o humano é, ao mesmo tempo, indivíduo, parte da
sociedade, parte da espécie que carrega esta tripla realidade dentro de si.
Desse modo, segundo Morin (2003), todo desenvolvimento
verdadeiramente humano deve compreender o desenvolvimento conjunto
das autonomias individuais, das participações comunitárias e da
76
consciência de pertencer à espécie humana. (MORIN, 2000, p. 17). Esta
ideia é de igual modo compartilhado por Vásquez, quando afirma que,
[...] a moral, como forma de comportamento humano, possui também
um caráter social, pois é características de um ser que, inclusive no
comportamento individual comporta-se como um ser social, em que
se revela esta sociedade (VÁSQUEZ, 2018, p. 67).
A pedagogia da autonomia moral oferece um novo olhar sobre a
criança, colocando-o como sujeito ativo e interventivo na sociedade,
dando-lhe um espaço de ação no espectro sociocultural. Só assim,
estaremos educando para a compreensão da condição humana. Como
apontou Morin (2003), educar é uma missão propriamente espiritual e
ensinar a compreensão entre as pessoas como condição e garantia da
solidariedade intelectual e moral da humanidade. Assim, o processo
formativo estará contribuindo não somente para a tomada de consciência
social, mas também para tornar criativos, para a intervenção social.
As Implicações Éticas e Pedagógicas na Formação Humana
Muitas vezes confunde-se a ideia de formação ética com o
adestramento. O adestramento trata-se de uma técnica aplicada a
domesticação dos animais, e estendida as crianças, em quem os adultos
exercem sobre elas. E muitas vezes por métodos acompanhados mediante
ameaça ou mediante recompensa. Em tudo isso que tipo de formação
humana a práxis educativa exerce? Ou seja, qual a parte do adestramento
ou instrução? Recorrendo ao exemplo de Reboul (1988, p. 15),
Quando se adestra um cão, ou um cavalo, não é, absolutamente, para
instrui-lo, mas para leva-lo a adquirir tal conduta útil ao dono, e que
77
em nada significa seu desenvolvimento próprio; o cão adestrado não é
um cão mais desenvolvido.
As condições naturais da criança ou do animal seria de aprender
naturalmente pela imitação ao meio pelo qual está inserida. Daí que a
instrução é muito mais positiva do que o adestramento. A lei da
aprendizagem é acompanhada pelos erros e acertos enquanto que no
adestramento espera-se um acerto forçado. Mas na verdade, o que
distingue a aprendizagem do adestramento?
Segundo Reboul (1988), aprendizagem é acompanhada por
iniciativa, a motivação interna do indivíduo para aprender; enquanto que
o adestramento segue as normas externas, ou seja, por um lado o cálculo
mental é espontâneo e por outro é forcado.
A formação ética na criança seria semear nela as virtudes através da
imitação de bons atos dos adultos. Assim, a criança adquire e forma bons
hábitos. O papel da educação axiológica é de formar a criança, com meios
estéticos, para amar o bem e odiar o mal. Neste sentido para Reboul (1988),
o ensino toma o sentido próprio do termo, como a forma mais humana da
instrução que comporta a parte importante de aprendizagem e de iniciação.
E isso segundo o autor ocorre bem antes de que seja capaz de raciocinar e
de compreender.
O modelo da formação ética é peculiar aos seres humanos, daí que,
o desenvolvimento moral se configura como um fundamento ontológico
dos seres humanos. Assim, o comportamento de adulto se estabelece como
bases fundacionais, ou seja, o comportamento de adulto é essencial para
abrir, fomentar e estimular o ser moral da criança. O adulto é assim a fonte
de toda moralidade e de toda verdade, isso/que se constata comumente na
fase da anomia. Portanto, do ponto de vista moral, existe um perigo do
verbalismo da submissão intelectual que segundo Piaget (1985, p. 182),
78
[...] corresponde uma espécie de realismo moral: o bem e o mal são
simplesmente concebidos como sendo o que está ou não está em
conformidade com a regra adulta. Essa moral essencialmente
heterônoma da obediência leva a todas as espécies de deformações.
Incapazes de propiciar à criança a autonomia da consciência pessoal
que constitui a moral do bem por oposição àquela o puro dever, ela
fracassa assim em preparar a criança para os valores essenciais da
sociedade contemporânea.
Para a formação humana, a nova pedagogia deve propor e
estimular autonomia moral para suprir as insuficiências da imitação,
baseada na vida social das próprias crianças. Esta é a razão pela qual a
educação moderna quer que se trate a criança como sujeito autônomo e
que este, por sua vez, esteja no centro do processo de ensino e
aprendizagem, do ponto de vista das condições funcionais de seu trabalho;
também exige que se considere sua mentalidade do ponto de vista
estrutural. A educação tradicional não considerava a originalidade notável
da criança, tratava-a como um pequeno adulto, um ser que raciocina e
pensa como nós, mas desprovido de conhecimentos e de experiência.
Tratava a criança, como um adulto ignorante, e que a tarefa do educador
não era tanto a de formar o pensamento, mas sim de equipá-lo; as matérias
fornecidas de fora eram consideradas suficientes ao exercício. Piaget via
isso como um problema e descreve da seguinte maneira:
O problema é todo outro quando se parte da hipótese das variações
estruturais. Se o pensamento da criança é qualitativamente diferente
do nosso, o objetivo principal da educação é compor a razão intelectual
e moral da criança como sujeito moral e ativo; como não se pode
moldá-la de fora, a questão é encontrar o meio e os métodos
convenientes para ajudar a criança a constituí-la ela mesma, isto é,
79
alcançar no plano intelectual a coerência e a objetividade e no plano
moral a reciprocidade (PIAGET, 1985, p. 163).
É nesta ordem de ideia que o professor, Ruben Alves questiona os
novos métodos de educação que se definem pelos métodos de avaliar a
aprendizagem e, a partir dos seus resultados, e que classificam os alunos,
mas não avalia a alegria dos estudantes. Assim, propõe uma educação que
estimule alegria e prazer dos estudantes, porque a alegria é uma condição
interior, uma experiência de riqueza e de liberdade de pensamentos e
sentimentos. Portanto, a educação, fascinada pelo conhecimento do
mundo, esqueceu-se de que sua vocação é despertar o potencial único que
jaz adormecido em cada estudante (ALVES, 1994).
Tudo isso só pode ser alcançado por uma educação emancipadora
que vislumbre os fundamentos éticos da moral, pois é através destes que se
estabelece a preparação dos sujeitos éticos, críticos e interventivos.
Vivemos numa época em que se exige da educação que não apenas prime
pelo mero saber, mas que evidencie os valores e princípios de emancipação
democrática. O desenvolvimento das complexidades políticas, econômicas
e sociais nutre os avanços da individualidade. Assim, se afirmam os direitos
e adquire liberdades existenciais. (MORIN, 2000).
Desta forma, a educação é um apelo à emancipação das atividades
do aluno para o estimulo e criação de autoconhecimento. A educação
escolar mais do que à sua docilidade, é a sua reação na aprendizagem
prática do aluno, isto é, a reação da educação escolar deveria, portanto,
utilizar-se do mecanismo da criação do conhecimento moral para
potencializar a sua formação, pois, a escola é um espaço privilegiado de
convivência e de desenvolvimento moral e cultural e assim, evitar as
limitações nocivas que impedem o seu desenvolvimento intelectual e
cultural.
80
O Contexto Social da Criança e sua Influência no Desenvolvimento
Moral e a da Aprendizagem
O fator social intervém no plano da educação intelectual tanto
quanto no domínio da moral. O espírito da escola ativa inspira as
potencialidades pré-existentes nas crianças, daí que as metodologias e as
estratégias educativas devem possibilitar uma construção de uma
pedagogia científica e psicologia que estimule o desenvolvimento mental e
autônoma das crianças. Portanto, o contexto social e histórico muitas vezes
é relacionado como fatores que influenciam o desenvolvimento e a
aprendizagem da criança. Portanto, o conjunto das condições sociais e
ambientais determinam a qualidade de vida do indivíduo.
É neste sentido que a nossa reflexão procura analisar e entender o
contexto social da criança e suas implicações na aprendizagem. Muitas
vezes a condição social da criança contribui para o seu fracasso ou insucesso
do indivíduo em todas as áreas; isto é, o contexto social afeta sobremaneira
o acesso a elevado senso cultural. Analisemos dois aspectos práticos de duas
crianças que cresceram em contextos diferentes e que obtiveram os
resultados semelhantes do ponto de vista intelectual, social e cultural.
Anabela e Paulo
3
foram duas crianças que desde cedo perderam os
seus pais. Cresceram num contexto social paupérrimo, sem ambiente ou
condições básicas e necessárias para usufruírem das brincadeiras da infância
que poderiam estimular o desenvolvimento das suas capacidades mentais,
intelectuais e morais. Cresceram num ambiente que impossibilitava
desenvolver as suas capacidades motoras e cognitivas. Anabela passou uma
boa parte da sua infância com a avó, e mais tarde teve auxílio das irmãs
3
Anabela e Paulo, Trata-se de história baseado em fatos reais, mas mudou-se os nomes para
preservar a integridade das crianças. Portanto, este exemplo foi colocado não como uma fórmula
exclusiva para emancipar a condição social dos alunos, mas como política importante para ser
pensada numa sociedade onde cresce exponencialmente as desigualdades sociais.
81
que atuavam como missionárias evangélicas na sua comunidade. Paulo,
por sua vez também foi adotado num orfanato dos padres da igreja católica.
Nessa ilustração prática queremos chegar a uma pergunta clássica: será que
o nascimento e as condições da criança influenciam no seu desenvolvimento? E
se influencia, como e de que maneira isso tem implicações em sua aprendizagem
e na sua formação?
Ora vejamos, após as crianças serem adotadas para uma formação
educacional desenvolveram os seus sonhos e ingressaram para o ensino
superior, e que mais tarde Anabela se tornou uma médica de referência na
sua comunidade, onde ajuda muitas pessoas. Enquanto que, Paulo, depois
da sua formação no ensino médio ingressou num seminário católico e hoje
é um padre que desempenha um papel importante onde vive. Estes dois
exemplos foram trazidos na discussão para refletirmos sobre a importância
das políticas de acesso à educação para todos, ou seja, o que seriam das
vidas de Anabela e de Paulo se não fosse o acolhimento das duas instâncias
religiosas, que os possibilitou acesso à educação sistemática.
Embora, essa não seja a única fórmula de emancipação da criança,
podemos destacar as políticas da educação emancipatória como esperança
no mundo, onde cresce a desigualdade social. Pensar a educação como
instrumento que possibilita resgatar sonhos perdidos, pois fora dela, a
sociedade se encontra cada vez mais vulnerável e cada vez mais se
intensifica a precarização das crianças sem acesso à educação. A falta de
condições sociais e de convivência cultural inibem a autonomia da mente
e impedem o desenvolvimento moral e intelectual da criança. De igual
modo que a falta de políticas de emancipação educacional coloca em risco
os resultados de uma formação integral, cultural e intelectual.
Portanto, é a partir destas concepções, em que Vygotsky construiu
o conceito de zona de desenvolvimento proximal, referindo-se às
82
potencialidades da criança que podem ser desenvolvidas a partir do ensino
sistemático. Ou seja,
A zona de desenvolvimento proximal é a distância entre o nível de
desenvolvimento real, que se costuma determinar através da solução
independente de problemas pela criança, e o nível de desenvolvimento
potencial, determinado pela solução de problemas sob a orientação de
um adulto ou em colaboração com companheiros. Este conceito é
importante porque nos possibilita delinear o futuro imediato da
criança e seu estado dinâmico de desenvolvimento (BOCK, 2001, p.
124).
Portanto, as propriedades com o desenvolvimento do “corpo-
mente” são gravemente afetadas pelos fatores ambientais, caso as condições
não ofereçam cuidados necessários. Conforme relatado por Bock (2001) o
caso de duas crianças,
[...] uma criança pode nascer com muita saúde e ter possibilidades de
bom desenvolvimento físico; no entanto, se for sub- alimentada
durante vários anos, é provável que apresente um desenvolvimento
físico pior do que uma criança que nasceu mais fraca, mas teve
melhores condições de alimentação e higiene. Está claro que, nos casos
extremos, essas diferenças de ambiente não chegam a eliminar as
diferenças de constituição (BOCK, 2001, p. 238).
Na mesma vertente Bock, relata o segundo exemplo, destacando
que,
[...] se uma criança nasce com graves defeitos físicos, pode continuar
deficiente, apesar de condições muito favoráveis para seu
desenvolvimento. Não existe razão para que o mesmo não ocorra com
o desenvolvimento da inteligência [...] concluindo, pode-se dizer que
83
o Q.l. tende a ser estável quando as condições de desenvolvimento da
criança também o são: se tais condições se modificarem para melhor
ou pior, o mesmo acontecerá com o Q.l. (BOCK, 2001, p. 238).
Estes dois casos ilustram nitidamente de como os fatores externos
afetam o desenvolvimento moral e intelectual da criança. Daí que os
mecanismos de desenvolvimento são dependentes de condições sociais,
culturais e ambientais. Portanto, as boas condições sociais fornecem a base
para o desenvolvimento de processos internos altamente complexos no
pensamento da criança. Assim, a cultura da escola exerce um papel
fundamental para que haja um progresso de desenvolvimento intelectual e
moral da criança, o dever principal da educação é de abrir caminhos
emancipatórios na qual se apresenta os principais fundamentos para
garantir as condições mínimas de integração do indivíduo na sociedade.
Portanto, a aprendizagem é a conexão entre o estímulo e a resposta. Assim,
o processo educacional se torna elemento chave para tirar o indivíduo da
sua minoridade para a maioridade, que é um estado autônomo de
esclarecimento baseado no uso próprio da razão sem que dependa de
outrem. (KANT, 1985).
O estado de menoridade é auto-inculpável quando sua causa não é
a falta de entendimento, mas a falta de decisão e de coragem de servir-se
do entendimento sem a orientação de outrem. "Esclarecimento é a saída
dos homens de sua auto-inculpável menoridade". A democracia repousa
na formação da vontade de cada um em particular, tal como ela se sintetiza
na instituição das eleições representativas. Para evitar um resultado
irracional é preciso pressupor a aptidão e a coragem de cada um em se
servir de seu próprio entendimento (ADORNO, 2020). Não se pode falar
de uma democracia efetiva enquanto existir crianças abandonadas e sem
acesso a uma formação básica; educação para a consciência e para a
84
racionalidade. O lugar influencia no desenvolvimento do sujeito, ou seja,
a pessoa vai mudando com o lugar. Mas se a pessoa assume isto, então a
aprendizagem tem a ver com viver esse domínio.
Para Bock (2001) o ato de aprender é um processo que se dá no
decorrer da vida, permitindo-nos adquirir algo novo em qualquer idade.
Esta ideia é de igual modo compartilhado por Maturana, ao conceber a
aprendizagem com o modo de vida. A palavra aprendizagem vem de
apreender, que quer dizer, pegar, ou captar algo. No entanto, a
aprendizagem não é a captação de nada: é o transformar-se em um meio
particular de interações recorrentes (MATURANA, 2001, p. 102).
Por isso que defendemos nessa discussão a valorização do contexto
social e cultural da criança, considerando que todos estes fatores
influenciam e moldam o desenvolvimento moral e cognitivo dela. Bock
entende a aprendizagem, como,
[...] um elemento que provém de uma comunicação com o mundo e
se acumula sob a forma de uma riqueza de conteúdos cognitivos. É o
processo de organização de informações e integração do material pela
estrutura cognitiva. O indivíduo adquire, assim, um número crescente
de novas ações como forma de inserção em seu meio (BOCK, apud
MASINI, 2001, p. 151).
Enquanto que para Vygotsky, a aprendizagem sempre inclui
relações entre as pessoas, tal relação do indivíduo com o mundo está
sempre mediada pelo outro. Não há como aprender e apreender o mundo,
se não tivermos o outro, aquele que nos fornece os significados que
permitem pensar o mundo à nossa volta.
4
Assim, Vygotsky insistia na
4
A interação entre aprendizagem e o desenvolvimento é um processo que se dá de fora para dentro,
ou seja, é no processo de ensino-aprendizagem que ocorre a apropriação da cultura e o consequente
desenvolvimento do indivíduo. Neste sentido a escola desempenha um papel privilegiado para que
85
importância de uma Educação que pensa o desenvolvimento da criança de
forma prospectiva e não retrospectiva, como era feito. Portanto, segundo
ele Vygotsky, a escola deveria inverter esse raciocínio e pensar o ensino das
possibilidades que o aprendizado já obtido traz, ou seja, no entender deste
autor, o bom ensino é aquele que se volta para as funções psicológicas
emergentes, potenciais, e pode ser facilmente estimulado pela convivência
com os colegas (BOCK, 2001).
Neste sentido, a aprendizagem é um processo essencialmente social,
que ocorre na interação com os adultos e os colegas. O desenvolvimento é
resultado desse processo, e a escola, o lugar privilegiado para essa
estimulação. A Educação passa, então, a ser vista como processo social
sistemático de construção da humanidade. A partir destas concepções de
Vygotsky, a escola torna-se um novo lugar um espaço que deve privilegiar
o contato social entre seus membros e torná-los mediadores da cultura.
Alunos e professores devem ser considerados parceiros nesta tarefa da
emancipação social e axiológica da criança, visto que aprender é estar com
o outro, que é mediador da cultura. Pois, a
[...] aprendizagem da criança inicia-se muito antes de sua entrada na
escola, isto porque desde o primeiro dia de vida, ela já está exposta aos
elementos da cultura e à presença do outro, que se torna o mediador
entre ela e a cultura. A criança vai aprendendo a falar e a gesticular, a
nomear objetos, a adquirir informações a respeito do mundo que a
rodeia, a manusear objetos da cultura; ela vai se comportando de
acordo com as necessidades e as possibilidades. Em todas essas
atividades está o “outro”. Parceiro de todas as horas, é ele que lhe diz o
nome das coisas, a forma certa de se comportar; é ele que lhe explica o
mundo, que lhe responde aos “porquês”, enfim, é o seu grande
forme este tipo de desenvolvimento, ou seja, a escola oferece um ritmo acelerado no ambiente de
aprendizagem, isto é, o professor e os colegas formam um conjunto de mediação sociocultural que
possibilita um grande avanço no desenvolvimento da criança (VYGOTSKY, 1991, p. 53).
86
intérprete do mundo. São esses elementos apropriados do mundo
exterior que possibilitam o desenvolvimento do organismo e a
aquisição das capacidades superiores que caracterizam o psiquismo
humano (BOCK, 2001, p. 124).
Assim, a escola é o lugar de construção humana, pois, acreditando-
se que somente o aperfeiçoamento do cérebro não seria suficiente para
propiciar o surgimento da consciência humana, ou melhor, que esse
aperfeiçoamento não teria lugar, se não houvessem condições externas ao
homem que o estimulassem. Essas condições externas estão hoje pensadas
como o trabalho, a vida social e a linguagem. A consciência, como produto
subjetivo, como apropriação pelo homem do mundo objetivo, produz-se
em um processo ativo, que tem como base a atividade sobre o mundo, a
linguagem e as relações sociais.
O estado ou a sociedade no geral deve proporcionar políticas de
acolhimento e que garanta as condições básicas, que permitam a
continuidade da própria sociedade. Estamos falando, portanto, das
condições (de alimentação, de educação, de lazer, de participação na vida
social etc.) que permitem a um conjunto social produzir e reproduzir-se de
modo saudável, pessoal e social, ao transformar as condições opressivas do
seu contexto. Refletindo em termos práticos, o que seria a vida de Anabela
e de Paulo se não fosse o gesto das religiões que os integrou na formação.
Talvez seria mais vidas perdidas na rua e sem possiblidades de contribuir
positivamente na sociedade. É nesta perspectiva que Bock, afirma as
relações humanas como necessária para construir uma sociedade para a
vida, onde a consciência social reflete o mundo objetivo, e:
[...] é a construção, no nível subjetivo, da realidade objetiva. Sua
formação se deve ao trabalho e às relações sociais surgidas entre os
homens no decorrer da produção dos meios necessários para a vida.
87
Este fator fundamental, a consciência, separa o homem dos outros
animais e é o que lhe dá condições de avaliar o mundo que o cerca e a
si mesmo (BOCK, 2001, p. 254).
A emancipação das condições educacionais e materiais constitui
elementos básicos para o desenvolvimento moral da criança. A função
social de uma educação axiológica, permite que o cidadão da polis formule
uma análise crítica sobre a formação social e lhe permite questionar a sua
condição existencial. O essencial é pensar a sociedade e a educação em seu
devir. Só assim seria possível fixar alternativas históricas tendo como base
a emancipação de todos no sentido de se tornarem sujeitos refletidos da
história, aptos a interromper a barbárie e realizar o conteúdo positivo,
emancipatório, do movimento de ilustração da razão. A práxis educativa
que não assegura o direito da educação para todos conforme propostos pela
declaração universal, e que garanta de forma efetiva uma aprendizagem
significativa, oferecendo condições para o desenvolvimento humano; tal
educação seria, impotente e ideológica pois ignora os objetivos de
adaptação e não preparasse os homens para se orientarem no mundo
(ADORNO, 2020).
Por fim, para o desenvolvimento completo e harmonioso da
criança precisa de uma sociedade que compreenda as suas dimensões
afetivas e a limitação dela. A escola além de ser um ambiente de socialização
também é um ambiente de afeto e de segurança moral e material. À
sociedade, o estado e a escola que não abre espaço para abranger as crianças
dentro dela é autoritária e descuida dos sonhos que poderiam contribuir
para uma sociedade justa, harmônica e feliz.
88
Considerações Finais
A educação é um instrumento que oferece aos cidadãos valores, que
se dimensiona por desenvolvimento moral do indivíduo. Daí que esta
reflexão buscou fazer uma articulação entre as categorias da educação
axiológica e emancipatória, buscando deste modo, situar o sujeito na polis
enquanto sujeito moral. Para tanto, o trabalho considera e destaca as
condições sociais como fatores que podem emancipar ou fragmentar o
desenvolvimento moral e intelectual da criança.
Constata-se ao longo das discussões deste trabalho de que os
conhecimentos originados nas experiências e vivências de cada aluno, têm
grande impacto na vida e no desenvolvimento do seu personalismo ético,
ou seja, uma criança esquecida e sem nenhum afeto ou cuidado amoroso
ou mesmo abandonada, obviamente enfrentará sérias dificuldades para
ascender a um desenvolvimento cultural ou social. O contexto
sociocultural é um fator sine qua non no desempenho e na organização das
estruturas cognitivas dos alunos, assim, a aprendizagem deve compartilhar
os elementos da socialização dos alunos.
O exercício de acompanhamento do desenvolvimento moral da
criança é muito importante para compreender e estabelecer relações que
favoreçam uma boa relação professor aluno e que ao mesmo tempo, suscite
um modo de pensar aberto e livre. A educação moral se configura, como
uma totalidade aberta para compreender a condição humana, tanto nas
suas dimensões singulares como coletivas e assim, aprofundar a visão do
ser humano enquanto um ser moral e agente na sociedade.
A categoria da moral no contexto escolar traz à luz, a missão ética
e seu compromisso com uma educação integral e de qualidade, que procura
compreender e desenvolver as características cerebrais, mentais e culturais
sobre as manifestações humanas, de seus processos e modalidades, das
89
disposições tanto bio-psíquicas-sociais. Deste modo, a dimensão moral é
um objeto essencial de todo o processo de ensino-aprendizagem. Uma vez
que compreender o ser moral é a base para reconhecer a unidade e a
complexidade humanas, e trabalhando-as essas complexidades para a
formação singular, holística e integral.
Por fim as abordagens de uma educação axiológica, emancipatória
e afetiva oferecem pressupostos que permitem assegurar a formação
humanística e o desenvolvimento de um ser humano autônomo,
contribuindo assim para uma aprendizagem significativa que compreende
as dimensões especificas de cada criança. Portanto, a missão da educação
deve, antes de tudo, provocar, despertar a autonomia do espírito.
Referências
ADORNO, W. T. Educação e emancipação. São Paulo: Editora Paz e
Terra, 2020.
ALVES, R. A alegria de ensinar. 3. ed. Editora ARS Petica, 1994.
BOCK, A. M. B. Psicologias: uma introdução ao estudo de psicologia.
13. ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2001.
KANT, I. Resposta a pergunta: o que é esclarecimento. Petrópolis:
Editora Vozes, 1985.
MATURANA, R., H. Cognição, ciência e vida cotidiana. Belo
Horizonte: Ed. UFMG, 2001.
MORIN, E. Os sete saberes necessários à educação do futuro. 2. ed. São
Paulo: Cortez; Brasília, DF: UNESCO, 2000.
90
MORIN, E. A cabeça bem-feita: repensar a reforma, reformar o
pensamento. 8. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003.
PACHECO, J. Dicionário de valores. São Paulo: Edições SM, 2012.
PIAGET, J. Psicologia e pedagogia. Rio de Janeiro, 1985.
REBOUL, O. Filosofia da educação. São Paulo: Companhia Editora
Nacional, 1988.
VASQUEZ, A. Ética. 38. ed. Rio de Janeiro, 2018.
VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente. 4. ed. São Paulo:
Editora Martins Fontes, 1991.
91
A Teoria de Domínios Sociais
Raul Aragão MARTINS
1
Introdução
A opção por apresentar a teoria de domínios sociais de Elliot Turiel
se dá por três motivos. O primeiro, por considerar que esta teoria trouxe
uma nova compreensão de como crianças e adolescentes iniciam a
construção do conhecimento social, especialmente sobre a moralidade e
convenções presentes na sociedade. O segundo, pelas possibilidades de
investigação de condutas ligadas as vulnerabilidades, tais como o uso de
álcool e outras drogas e iniciação sexual e, o terceiro motivo, pelas
possibilidades de aplicação na área educacional e da saúde. A primeira, no
desenvolvimento de programas voltados para a educação moral e, a
segunda área, na prevenção de condutas de risco.
A partir destes motivos desenvolvemos este capítulo, que está
organizado em seis seções. A primeira descreve as bases e origem da teoria
de domínios sociais. A segunda apresenta seus pressupostos e principais
conceitos. A terceira seção apresenta as críticas e, na quarta seção expomos
exemplos de investigação de condutas que envolvem as vulnerabilidades
1
Professor Associado junto ao Departamento de Educação do Instituto de Biociências, Letras e
Ciências Exatas (IBILCE), Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP),
Campus de São José do Rio Preto, e do Programa de Pós-graduação em Educação (PPGE) da
Faculdade de Filosofia e Ciências (FFC), UNESP, Campus de Marília, São Paulo, Brasil. E-mail:
raul.martins@unesp.br
https://doi.org/10.36311/2022.978-65-5954-317-5.p91-118
92
humanas, especialmente a iniciação do uso de álcool e outras drogas. A
última seção apresenta as considerações finais desta abordagem.
Bases e Origem da Teoria de Domínios Sociais
Esta seção apoia-se nas publicações de Turiel, que estão
relacionadas no seu currículo vitae (CV), disponível na página dele
(https://gse.berkeley.edu/elliot-turiel), enquanto professor da Graduate
School of Education da University of California, campus Berkeley. No seu
CV encontramos que o primeiro artigo publicado é An experimental test of
the sequentiality of developmental stages in the child's moral judgments, que é
o resultado da sua tese de doutorado, defendido em 1965, na Yale
University. Nesse artigo, na nota de roda 1, ele agradece “[...] to the
members of the dissertation committee: Edward Zigler, Irvin Child,
Merrill Carlsmith, and Robert Abelson. The author is also indebted to
Lawrence Kohlberg for his invaluable advice and aid (TURIEL, 1966, p.
611). A parte final desse agradecimento mostra que iniciou sua carreira de
pesquisador investigando aspectos do julgamento moral dentro da
abordagem de Lawrence Kohlberg (1992).
Em 1970, em uma crítica ao texto The contribution of schools to
moral development, de Loubser (TURIEL, 1970), ele expõe seus
pressupostos sobre pensamento e ação, que se baseiam em:
[...] areas of cognitive development (Kaplan, 1966; Langer, 1969a;
Piaget, 1950, 1969; Werner, 1948, 1957) and social development
(Kohlberg, 1963, 1969; Turiel, 1969) who ascribe to similar
conceptions of human development. Basic to this approach are the
following propositions: (1) that there are organized structures of
thought and action, which (2) are transformed in an ordered way in
ontogenesis through (3) interaction with the social and physical
93
environment, and (4) that the process of developmental advance is one
of self-regulated equilibration. (TURIEL, 1970, p. 97).
Após a publicação do primeiro artigo, ele continua investigando a
construção de estágio de julgamento moral na abordagem kohlberguiana,
especialmente duas questões. A primeira a forma de transição de um
estágio para o seguinte e, a segunda, os possíveis retrocessos que poderiam
ocorrer, o que invalidaria a teoria desenvolvimental em estágios. No artigo
Conflict and transition in adolescent moral development (TURIEL, 1974) ele
discute ambos aspectos e a partir de pesquisa com adolescentes que tiveram
o julgamento moral avaliado por meio da entrevista kholberguiana
concluiu que:
[...] transitional states are characterized by disequilibrium, as
manifested in conflict, contradictions, and inconsistencies. The
transitional process described is consistent with the equilibration
hypothesis in that it entails the interplay of two forms of thinking. In
substantiation of this hypothesis I observed three forms of conflict
emanating from the interplay of Stage 4 and Stage 5 conceptions. The
first form observed stems from the differentiation of the moral and the
conventional. A second pattern revolves around conceptions of
relativism and moral judgments. And the third stems from the
perspectives taken upon the individual and society. (TURIEL, 1974,
p. 25-26).
O primeiro conflito, “[...] the differentiation of the moral and the
conventional”, exposto na última citação, fundamentará a sua teoria de
domínios sociais, que começa a ser investigado a partir da metade dos anos
70 (século XX). Os primeiros resultados são publicados no texto The
development of social concepts: mores, customs, and conventions (TURIEL,
94
1975). Ele justifica a nova abordagem por as evidências das pesquisas
anteriores mostrarem que
[...] the form of moral judgments is distinguishable from other social
concepts. In particular, it has been found necessary to differentiate
moral thinking from thinking about the customary and conventional.
This implies that although moral judgments are social in nature, not
all social judgments are moral judgments. (TURIEL, 1975, p. 7).
Em 1978, Nucci e Turiel publicam a primeira pesquisa
diretamente relacionada a investigação sobre a construção do pensamento
sociomoral em domínios, em que focaram as seguintes questões: “[...]
whether preschool children make a conceptual discrimination between
social conventional and moral events. [...] whether preschool children
experience different social interactions in the context of social
conventional and moral events” (NUCCI; TURIEL, 1978, p. 400). Esta
pesquisa relatou um estudo observacional realizado em 10 pré-escolas de
Santa Cruz, Califórnia (EUA), que atendiam crianças da classe
trabalhadora a média alta (working, middle, and upper-middle) e se
dividiam entre tradicionais, paroquiais e progressistas (parochial,
traditional, and progressive). O procedimento constou de duas partes. A
primeira, a observação em si, realizada por uma pessoa que recebeu
formação para essa atividade e circulou pelas escolas antes das observações,
para que as crianças se acostumassem com a sua presença. Esta pessoa
observou e registrou eventos que mostravam transgressões de cunho
convencional ou moral, sendo que esses eventos para serem classificados
como “transgressões” tinham que ter tido resposta de um adulto ou de
outra criança. A classificação final era feita comparando a “transgressão”
com uma lista padronizada de respostas possíveis que poderiam ocorrer no
ambiente que estava sendo investigado. Foram observados 263 eventos,
95
sendo 50,2% de convencionais, 43,3% de morais e 6,5% não classificáveis
pelos critérios estabelecidos.
A segunda parte do procedimento, conduzida por uma segunda
pessoa, entrevistou uma criança que tenha presenciado o evento relatado
pelo primeiro observador, com as seguintes perguntas: (a) “você viu o que
aconteceu?”; (b) “há uma regra aqui na escola sobre isto?”; e (c) “como
seria se não houvesse uma regra sobre isto, seria certo fazer isto?”. A
codificação das respostas obedece ao seguinte critério: (a) as respostas são
consideradas como convencionais quando a criança a considera como certa
quando não há regra a respeito; e (b) são consideradas como morais
quando a criança a considera errada mesmo na ausência de regras a respeito.
Foram entrevistadas 57 crianças, o que abrangeu 29% dos eventos
observados. Destas crianças 42 foram entrevistadas uma vez e 15, duas
vezes. As crianças entrevistadas foram as que aparentemente tinham
observado o evento, que pudessem descrevê-lo e quisessem ser entrevistada.
Os resultados mostraram que os adultos apresentaram maior frequência
em salientar os sentimentos das vítimas (como ela pode estar se sentido em
ser vítima do ato) e argumentos que enfatizam uma regra ou
comportamento. Ao mesmo tempo, os adultos, mais frequentemente, dão
respostas que focam a organização social para os eventos sócio
convencionais. Principalmente através dos resultados que comparam as
respostas dos eventos, das crianças com as do júri, é demonstrado que
crianças norte-americanas fazem a distinção entre eventos morais e sócio
convencionais.
A partir desta pesquisa continua aprofundando a investigação
sobre a construção do conhecimento sociomoral em domínios,
especialmente em crianças e adolescentes, e publica, junto com outros
pesquisadores, uma série de artigos e, em 1983, conclui a formatação da
96
teoria, com a publicação do livro The develpment development of social
knowledge: morality and convention (TURIEL, 1983).
Pressupostos e Conceitos
A tese central de Turiel é que a vida social é guiada por um
processo racional, e que a construção das categorias fundamentais do
conhecimento social começa na infância. Esta tese traz uma série de
conceitos associados que precisam ficar bem claros para que possamos
compreender e interpretar os resultados das pesquisas resultantes desta
teoria. Um dos primeiros itens que surge num estudo sobre a construção
do sujeito social vem a ser o meio ambiente social, a cultura em que este
sujeito está inserido. Num primeiro momento Turiel (1983) considera a
cultura como um conceito pouco claro e cita dois grupos de autores, com
posições antagônicas, quanto a suas concepções, como Benedict e
Whtiting e Child, que veem a cultura como um todo homogêneo e
integrado; e Geertz, Shwartz e Shweder a veem como caracterizada pela
diversidade e formada de elementos que não são necessariamente
integrados uns com os outros.
Mas, independentemente de como veem a cultura, Turiel
considera que ambos os grupos a concebem como uma controladora de
funções. Na primeira concepção, a holística, o indivíduo se acomodaria
aos padrões tradicionais de sua comunidade, e na segunda concepção, a
cultura como diversidade, cada conjunto de elementos formariam um
programa cultural para ser transmitido ao indivíduo.
Num segundo momento, faz uma análise, juntamente com
Smetana e Killen (TURIEL; SMETANA; KILLEN, 1991), das
concepções de ser humano (na cultura norte-americana) feitas nos últimos
50 anos e chegam a um resultado surpreendente. No período dos anos 40
97
aos 60, as pessoas eram vistas como conformistas e dependentes, o que já
não ocorre nos tempos atuais, no qual o padrão é o individualismo. Para
Turiel et al. (1991) essas descrições são estereótipos que não conseguem
capturar a complexidade de uma sociedade.
Desta forma, uma solução para a questão das relações existentes
entre o meio ambiente social e o indivíduo é a proposta feita por Asch
(apud TURIEL et al. 1991) para explicar a forma como as pessoas julgam
certas frases, cuja autoria é atribuída a um dado personagem da história
para um grupo, e para outro grupo, o pressuposto autor é outro. Como os
resultados indicam que as pessoas julgam as frases de acordo com a
combinação entre conteúdo específico e suposto autor da frase, Asch
descreveu este processo como de “determinação racional”, no qual se
pressupõe que a influência da situação no comportamento não pode ser
avaliada sem referência ao sentido atribuído a ele pelo sujeito.
O sujeito social de Turiel é um ser em contato direto com o
fenômeno social, que define, interpreta e julga, e desta forma constrói as
categorias fundamentais do conhecimento social de forma interacional. A
construção destas categorias básicas de pensamento segue principalmente
o modelo de Piaget (1932/1952, apud TURIEL, 1983) sobre o
pensamento, estrutura e desenvolvimento. Uma premissa desta abordagem
estrutural é que o pensamento é organizado e construído pela criança em
interação com o meio ambiente social. A tese é que o pensamento e o
conhecimento não são dados a priori, como quer o racionalismo, nem que
é dado diretamente dos objetos externos, como é concebido no empirismo.
O modelo proposto é interacional. Esta construção do pensamento se
processa por meio de assimilações e acomodações, formando sistemas
organizados de pensamento, nos quais os elementos ou partes são
subordinados as leis do todo.
98
Tomando como base que o mundo social individual inclui outras
pessoas, relações sociais e sistemas institucionalizados de interação social,
Turiel (1983) propõe que as interações das crianças com o meio ambiente
social são recíprocas e que tipos qualitativamente diferentes de eventos
experienciados pela criança produzem três grandes domínios de
pensamento, que são os seguintes: (a) conceito de pessoa ou sistemas
psicológicos (domínio psicológico); (b) conceitos de sistemas e relações
sociais organizadas (domínio social); (c) julgamentos prescritivos de justiça,
direitos e bem-estar (domínio moral).
Análise teórica e empírica de Turiel (1983) se dirige às relações
entre as categorias de interação social e o desenvolvimento de julgamentos
e ações sociais. O foco está voltado para os dois domínios sociais: o das
convenções e o da moralidade.
Convenções sociais são:
[...] behavioral uniformities which coordinate interactions of
individuals within social systems. Individuals members of the society
have shared knowledge about conventions […] Consequently,
conventions (e.g. modes of greeting, forms of address) provide people
with means of knowledge what to expect of each other and thereby
serving to coordinate interactions between people. […] Social-
conventional acts are symbolic of elements of social organization and
alternative. As such, the acts, in themselves, are arbitrary and
alternative course of action can serve similar functions. (TURIEL,
1983, p. 34).
Em contraste com as convenções sociais, prescrições morais:
[...] are not perceived to be alterable by consensus. This is not to say
that morality is fixed and unalterable. We know, for instance, that
historical changes have occurred with regard to such matters as slavey.
99
However, the bases for those changes are not perceived as shifts on the
general consensus or in social organization, but on the intrinsic merits,
from the moral point of view of one type of action over another.
(TURIEL, 1983, p. 35).
Turiel (1983) ao dicotomizar os temas que regulam as interações
sociais em morais e socioconvencionais, reporta-se aos primórdios da
filosofia moral. Em Aristóteles cita a distinção entre a justiça natural e a
convencional. A justiça natural tendo a mesma validade em qualquer lugar
e não sendo afetada por qualquer visão que possamos ter dela, e a justiça
convencional, quando não há razão original para ser tomada e a regra
imposta é alcançada com a concordância do que seja bom. Gewirth (1978,
apud TURIEL, 1983) afirma que os julgamentos morais são categóricos,
obrigatórios, universalmente aplicáveis e impessoais. Rawls (1971, apud
TURIEL, 1983) concebe justiça como não sendo definida nem por
determinações nem por organização social.
Esta proposição de que as categorias de julgamento social são
organizadas dentro de domínios implica em que há dois aspectos dos
conceitos individuais sociais que requerem especificação e análise empírica.
São eles: critérios de julgamento e categorias de justificação.
Critérios de julgamento se referem a categorias usadas pelos
indivíduos na identificação e classificação dos parâmetros de domínio de
conhecimento. Esta análise é voltada para a questão de quais julgamentos,
feitos pelos indivíduos, importariam na identificação dos domínios de
conhecimento, como por exemplo, a criança julga se o problema com que
ela está se defrontando é de moral, de lógica, de matemática, etc. Esta
análise também fornece as fronteiras de cada domínio. A pesquisa neste
domínio examina o julgamento do indivíduo nos seguintes critérios:
obrigatoriedade, impessoalidade, universalidade, relativismo, consenso
social e status institucional.
100
Categorias de justificação se referem à forma de raciocínio dentro
de um domínio de conhecimento, estas formas que dão corpo às hipóteses
que subjazem as transformações relacionadas com a idade.
Pesquisas de Novos Domínios Socias
Nucci (1981) avalia as concepções individuais sobre assuntos
pessoais, pois os domínios moral e sócio convencional estão relacionados à
justiça e bem-estar, para o primeiro domínio, e a organização social, para
o segundo. O domínio pessoal é o campo de ações consideradas como de
fora da real regulação social e preocupações morais, isto é, é o conjunto de
ações que definem os aspectos privados da própria vida individual, no qual
a questão “certo ou errado” é uma preferência em vez de uma obrigação
ou costume.
A pesquisa feita com 80 sujeitos, da 2ª série ao pré-universitário
(médias de idade de 7,04 a 19,06 anos) consta de três tarefas de
classificação de 12 tiras de desenhos que representam os três domínios
sociais (sendo quatro tiras para cada domínio).
A primeira tarefa consiste em seriar os eventos (as tiras de desenhos)
de acordo com a severidade do tema e explorar o porquê da seriação; a
segunda tarefa é para os sujeitos separarem os cartões que consideram
errados, independente da presença ou não de uma regra; e, na última tarefa,
os sujeitos devem indicar os cartões que são temas de assuntos pessoais.
Resultados mostram que, em cada série, as transgressões morais são
seriadas como mais graves do que as convencionais, e estas mais graves do
que as pessoais. Da mesma forma as justificativas usadas diferem por
domínios, apoiando a tese da distinção de domínios na construção do
conhecimento social.
101
Tisak e Turiel (1984) avaliam a compreensão de 90 crianças,
divididas em três grupos (médias de idade de 6,94; 8,86 e 10,74 anos,
respectivamente) sobre regras morais e de prudência, sendo que esta última
regra difere da primeira em relação a quem sofre o dano. Na regra moral,
o dano causado no outro e na regra prudencial o dano é causado na própria
pessoa. As crianças são entrevistadas individualmente sobre dois eventos
morais e sobre um de prudência. São os seguintes critérios de julgamento
avaliados: utilidade da regra, avaliação do ato, negação da regra por uma
autoridade, contingência e relatividade da regra. Também são avaliadas as
categorias de justificativa usadas pelos sujeitos.
Resultados mostram que as crianças fazem julgamentos de eventos
que são similares quanto às consequências, mas diferentes quanto às
relações sociais. Assim, as respostas indicam que crianças de 6 e 10 anos de
idade atendem à evitação de consequências para as pessoas e regulamentos
de relações sociais ao julgarem regras morais, e diferenciam estas regras das
de prudência. As justificativas das violações a regras morais também são
diferentes das justificativas de regras de prudência, sendo usados
argumentos de bem-estar do próximo e equidade, para as questões morais,
e prudência e assuntos pessoais, para as regras de prudência.
Smetana (1986) pesquisa as bases conceituais de julgamentos sobre
papéis sexuais em pré-escolares e sugere que o raciocínio sobre estes papéis
possa ser multifacetado, refletindo domínios mistos de julgamentos sociais,
isto é, algumas crianças veem a adesão às expectativas de papéis sexuais
como uma regularidade convencional, enquanto outras crianças veem
como manutenção de identidade sexual psicológica.
Usando uma abordagem de histórias padronizadas, entrevistou 48
crianças (metade de cada sexo, idade variando de 3,01 a 5,08 anos) sobre
temas morais, convencionais, papéis sexuais masculinos e papéis sexuais
femininos, tendo utilizado os critérios de julgamento de permissibilidade,
102
flexibilidade, generalidade, jurisdição subordinada, comprometimento
pessoal, e também sendo avaliadas as categorias de justificação.
Resultados indicam que transgressões de papéis sexuais são julgadas
de forma mais flexível, permissível e sujeitas à jurisdição subordinada, do
que as transgressões morais e convencionais. Crianças estão mais
fortemente comprometidas para a manutenção de expectativas de papéis
sexuais para as meninas do que para os meninos e raciocinam sobre
violações de papéis sexuais como assuntos pessoais ou convencionais.
Desvios de papéis sexuais nos meninos são mais vistos como violações das
normas sociais do que os das meninas, e conceitos de papéis sexuais são
multifacetados, levando a diferentes tipos de conceitos sociais.
Especialmente as pesquisas sobre papeis sexuais e, posteriormente,
sobre adolescentes e relações familiares (SMETANA, 2011), trouxeram
alguns problemas na divisão dos domínios, pois aparecerem eventos que
sem uma classificação muito clara, como o tema do aborto, que levou a
concepção de temas multifacetados, entendidos como áreas em que os
domínios se sobrepõem e para os quais os temas “[...] also may involve
second-order events, in which a violation of a convention results in
psychological harm to others.” (SMETANA; JAMBON; BALL, 2014, p.
26).
Este terceiro grupo de pesquisas mostra um desdobramento da
teoria de desenvolvimento do conhecimento social de Turiel. Num
primeiro estudo, Nucci (1981) evidencia a existência do domínio de
assuntos pessoais, independente dos domínios moral e sócio convencional.
Neste novo domínio temos ações que são consideradas temas estritamente
privados, que ficam fora de regulações morais ou sócio convecionais.
Smetana, Bridgman e Turiel (1983) confirmam os resultados de Nucci
(1981) quanto a existência dos três domínios na construção do
conhecimento social. Tisak (1984) evidencia que nos atos que causam
103
danos às pessoas, podemos distinguir os que causam danos aos outros
(domínio das regras morais), dos que causam danos ao próprio sujeito, que
são considerados um aspecto do domínio pessoal, o de regras de prudência.
Por último, Smetana (1986), pesquisando a formação de conceitos ligados
a papéis sexuais, evidencia que a adesão às expectativas de papéis sexuais
pode ser vista como uma regularidade convencional ou como uma
manutenção de identidade sexual psicológica, isto é, papéis sexuais são
multifacetados.
Críticas
Nisan (1987), entrevista judeus urbanos de Kibbutz e árabes, num
total de 120 sujeitos (40 para cada grupo, metade de cada sexo, em dois
grupos de idade, com 6,07 e 10,11 anos de idade média, respectivamente)
sobre cinco transgressões, sendo quatro morais e uma convencional,
segundo critérios de Turiel. Estas transgressões são avaliadas quanto à
permissibilidade, gravidade e relatividade do ato, como a lei ou regra
deveria ser e o porquê da opção. A avaliação de gravidade da transgressão
é feita numa escala de oito pontos, de muito mau para não bom. Nisan
(1987) salienta que, antes de avaliar os resultados, deve ser notado que só
é usado um dos critérios de julgamento entre os propostos por Turiel, para
se pesquisar a diferenciação de domínios sociais: o de presença e ausência
de uma proibição para um comportamento, na sua avaliação moral.
Com esta ressalva, os resultados indicam que ambos os grupos de
judeus não apresentam diferenças entre si, desta forma foram agrupados e
rotulados de “modernos”, em oposição aos árabes, rotulados de
“tradicionais”. O julgamento dos judeus pode ser parcialmente explicado
em base da violação dos direitos dos outros. Estes sujeitos creem que
comportamentos ofensivos aos outros deveriam ser proibidos por lei e
104
também consideram estes comportamentos como maus, independente de
proibição, enquanto consideram comportamentos que não machuquem
ninguém como não sendo maus, mesmo que haja norma social. Isto
mostra a fraca influência das normas entre as crianças judias, que colocam
a validade como assunto sujeito a seu próprio exame. Os julgamentos dos
árabes refletem uma orientação normativa, isto é, são baseados em normas
que existem em sua cultura. Comparados com os judeus, eles são menos
influenciados pelos critérios de bem-estar e lei. Estas conclusões são
semelhantes às de Shweder, Mahapatra e Miller (1987) que sugerem que a
distinção entre eventos morais e convencionais é fundamentada num
panorama geral da cultura, em vez da natureza do ser humano, sociedade
e mundo.
Turiel, Nucci e Smetana (1988) consideram estes resultados de
difícil interpretação por uma série de problemas teóricos e metodológicos.
Quanto aos problemas teóricos, o primeiro é aceito pelo próprio Nisan, o
de ter usado apenas um critério de julgamento para diferenciar atos morais
dos convencionais, mas Turiel et al. (1988) não consideram sequer este
critério adequado, pois na pergunta “o ato deveria ou não ser permitido
por lei?” não consegue separar os domínios, porque tanto temas morais
como convencionais podem ser alvo de regulamentação legal, e ao mesmo
tempo este é um assunto delicado para o grupo de sujeitos árabes, que não
têm direitos civis em Israel. Metodologicamente, os temas usados diferem
para cada grupo estudado e a escala de avaliação da gravidade do ato é
passível de outras interpretações.
Haidt, Koller e Dias (1993) avaliaram em crianças e adultos do
Brasil e Estados Unidos da América o domínio social utilizado por eles
para julgarem temas repugnantes, como comer carne de cachorro, e
desrespeitosos, usar a bandeira nacional for do contexto esperado para o
seu uso, que também despertam reações emocionais. Resultados
105
mostraram que estudantes universirios julgaram ambos temas como
convencional ou pessoal, mas especialmente entre os participantes
brasileiros predominou o julgamento no domínio moral. Os autores
concluem que a abordagem da Psicologia Cultural explica melhor estes
resultados e […] suggest that cultural norms and culturally shaped
emotions have a substantial impact on the domain of morality and the
process of moral judgment” (HAIDT; KOLLER; DIAS, 1993, p. 613).
Glassman e Zan (1995) avaliam, baseados na base empírica de
Turiel e colaboradores, se teoria de domínios é uma abordagem
desenvolvimental. Eles concluem pelo não por três razões: “a) os estudos
mostram apenas a distinção entre os domínios; b) pouca atenção aos
aspectos sociohistóricos; c) não explica adequadamente a questão
desenvolvimental”.
Lourenço (2003), avalia, via dois experimentos com crianças e
adultos jovens, o julgamento deles sobre duas histórias com tema moral. A
primeira relatando o furto de duas laranjas realizado por uma menina que
está com fome e seus pais não têm dinheiro para comprar alimentos e, a
segunda, descreve uma menina mentindo para a mãe sobre uma ação da
sua irmã, para que a mãe não bata nela e os resultados
[…] show clearly that what Turiel considers to be the child’s
sophisticated moral knowledge and competence are only early
precursors or fuzzy traces of morality (Experiment 1), and that what
he considers to be the hallmark of morality‘‘prescriptive judgments
of justice, rights, and welfare pertaining to how people ought to relate
to each other’’ (Turiel, 1983, p. 3)tends to appear not in children
but only at a latter point in development, in particular among late
adolescents/young adults (Experiment 2). (LOURENÇO, 2003, p.
62).
106
Posteriormente Lourenço (2014) publica a mais extensa e
completa crítica a teoria de domínios, que ele considera que se tornou
dominante no campo sociomoral pelas seguintes razões:
1) Articles written by proponents of the domain theory regularly
appear in the major journals of development; (2) prestigious books on
moral, social and personal development, and on many other topics,
such as children with cognitive abnormalities [...], abortion, implicit
bias, and so on (see Helwig, 2006), are written, edited, or include
chapters by domain researchers; and (3) as it is usually the case with
dominant paradigms (KUHN, 1962), the domain approach is resistant
to criticism.
A sua crítica é iniciada com a apresentação dos pressupostos da
teoria de domínios, para, em seguida, expor as deficiências e, na última
seção, apresentar suas conclusões. Enumera três deficiências. A primeira,
que esta teoria embora se apresente como desenvolvimental ela tem poucas
evidências sobre o desenvolvimento moral, pois a maioria das pesquisas
realizadas “[...] on the moral and conventional distinction has been
focused on children’s criterion-judgments and justifications and, hence,
the precise developmental trajectory of this distinction remains obscure”.
A segunda deficiência é que ela é apresentada “[...] as standing in
sharp contrast with Piaget and Kohlberg, and yet much of its theorizing
and many of its findings are partly consistent with, and predicted from,
the approaches of Piaget and Kohlberg.” (LOURENÇO, 2014, p. 7) e, a
terceira, questões metodológicas.
Lourenço (2014, p. 14) conclui sua revisão apontando que:
Throughout this review we also wanted to convey the idea that, despite
some crucial differences, Turiel and colleagues approach, and
107
Kohlbergs and Piagets theories have many important affinities. Thus,
it is better to see them as complementary rather than alternative views.
Novas Perspectivas
Em termos de novas perspectivas de pesquisa, Berkowitz, Guerra e
Nucci (1991) propõem, a partir das evidências que o uso de álcool e outras
drogas é feito em situações sociais, a utilização da teoria de domínios pode
ajudar na compreensão desta conduta. Estes autores revisam a relação entre
desenvolvimento sociomoral e uso de álcool e drogas e concluem que a
decisão de usar drogas é multifacetada e não pode, em princípio, ser
colocada no domínio moral. Eles propõem o uso do modelo de domínios
sociais para se pesquisar em que área a pessoa coloca o uso de drogas e
citam, como pioneira nesta abordagem, a pesquisa de Bernt e Park (apud
BERKOWITZ et al. 1991). Este estudo foi feito com crianças do ensino
fundamental (elementary school) que consideraram o uso de drogas um
assunto fora da autonomia legal das autoridades escolares, fazendo parte
do domínio pessoal e o uso avaliado em termos de custos e benefícios para
a pessoa.
Posterior a essa revisão de Berkowitz et al. (1991), foram
encontrados apenas quatro pesquisas nessa área. A primeira, de Killen,
Leviton e Cahill (1991), avalia o raciocínio de adolescentes sobre uso de
drogas e constata que eles consideram este uso uma mistura de julgamentos
morais, sócio convencionais e pessoais. Nucci, Guerra e Lee (1991),
trabalhando também com adolescentes, encontraram que estes consideram
o uso de drogas um assunto do domínio pessoal. Tisak, Tisak e Rogers
(1994), avaliando como adolescentes raciocinam sobre o papel de
companheiros e autoridades no uso de drogas, encontraram que os
adolescentes mais novos consideram que os pais têm o direito de regular as
108
amizades deles e que devem obedecer às regras. O último estudo, de Kuther
e Higgins-D’Alessandro (2000), amplia o foco de pesquisa ao avaliar o
julgamento moral, a competência percebida e o engajamento em
comportamento de risco (como o uso de drogas ilegais e álcool) e encontra
resultados semelhantes aos de Nucci et al. (1991).
Os resultados dessas pesquisas apontam, entre estudantes norte-
americanos, um entendimento de que o uso de drogas psicoativas é assunto
pessoal, não moralizado, o que contrasta com o pensamento dos adultos
dessa mesma sociedade, que consideram o uso de drogas moralmente
errado e que não deve ser tolerado (BLENDON; YOUNG 1998).
Independente dos resultados, a teoria de domínios sociais tem se mostrado
útil nesta área de pesquisa e considera-se que se pode investigar,
juntamente com os padrões de uso, de que modo os estudantes de ensino
médio julgam o uso destas substâncias, bem como, quem eles consideram
responsável pela opção de uso de drogas. Estes resultados são semelhantes
aos encontrados com estudantes de ensino médio do interior do estado de
São Paulo, Brasil, ao julgarem as condutas de uso de bebidas alcoólicas
(incluindo beber e dirigir), furto, agressão e uso de capacete quando dirigir
motocicleta. Eles consideram que beber e dirigir, agressão e furto são os
eventos considerados menos aceitáveis. Classificam, também, que utilizar
bebidas alcoólicas faz parte dos domínios convencional e de prudência
(CRUZ; MARTINS; TEIXEIRA, 2009).
Conclusão e Perspectivas Futuras
Turiel (1983) propõe que a vida social seja guiada por um processo
racional, e que a construção das categorias deste conhecimento comece na
infância. Desta forma o sujeito social é um ser em contato direto com o
fenômeno social, que define, interpreta e julga. Este mundo social inclui
109
pessoas, relações sociais e sistemas institucionalizados de interações sociais,
e a criança em contato com este meio ambiente social experiência tipos de
eventos qualitativamente diferentes, que por sua vez produzem três grandes
domínios de pensamento: o domínio psicológico, com conceitos de pessoa
ou sistemas psicológicos; o domínio social, com sistemas de relações
sociais; e o domínio moral, que se refere aos julgamentos de justiça, direitos
e bem-estar do outro.
Esta proposição de que a criança sozinha, através de seu raciocínio,
organiza o mundo social em domínios, é verificada empiricamente em
pesquisas que avaliam os critérios de julgamento que elas usam para
classificar cada evento social que lhes são apresentados, e a forma como elas
justificam esta classificação.
Temos, passados 40 anos das primeiras publicações de Turiel
sobre a teoria de desenvolvimento do conhecimento social em domínios,
um corpo de pesquisas bem significativo com sujeitos norte-americanos, e
também a expansão deste modelo para a compreensão do próprio
pensamento cognitivo e alguns estudos transculturais.
De todas estas pesquisas emergem dois tipos de resultados. O
primeiro tipo se refere aos julgamentos dos eventos sociais em termos dos
critérios estabelecidos pela teoria e as suas respectivas justificativas, e o
segundo tipo de resultados são as avaliações sobre as interações sociais
(criança/criança e criança/adulto) que ocorrem em torno do evento social
pesquisado.
Quanto ao primeiro tipo de resultado, eles mostram que,
principalmente com sujeitos norte-americanos, os eventos sociais são
julgados e definidos em função de suas próprias características, isto é, os
eventos morais são julgados em termos que não dependem de tempo, local
e pessoa; os sócio-convencionais, em termos de sua arbitrariedade.
110
Esta distinção dos eventos sociais em domínios moral e sócio
convencional, embora já esteja presente em crianças de dois anos de idade
(SMETANA, 1981, 1984), sofre a influência de variáveis como a
familiaridade do evento social (DAVIDSON et al., 1983) e severidade da
transgressão (TISAK; TURIEL, 1984), assim como do local de aplicação
e utilidade das regras (MILLER; BERSOFF, 1988). O estudo do papel das
emoções na formação desta distinção tem apenas duas pesquisas
(ARSÊNIO; FORD, 1985; NUNNER-WINKLER; SODIAN, 1988),
mas estas mostram que não podemos querer compreender o
desenvolvimento sócio moral da criança sem avaliarmos adequadamente o
papel desta variável.
No campo transcultural temos quatro pesquisas. A primeira, nas
Ilhas Virgens (NUCCI et al., 1983), um protetorado norte-americano,
repete os resultados dos sujeitos norte-americanos. A segunda pesquisa,
com sujeitos sul-coreanos (SONG et al., 1987), revela que numa cultura
com uma orientação de vida diferente da norte-americana e com valores
próprios estabelecidos há muito séculos, os resultados diferem apenas em
detalhes dos julgamentos dos eventos sócio convencionais. Na terceira
pesquisa, com sujeitos de uma comunidade rural da Nigéria (HOLLOS et
al., 1986), a avaliação de apenas um evento social revela que os sujeitos
mais velhos consideram a possibilidade de mudanças nas regras morais,
embora usem as mesmas categorias de justificação dos sujeitos norte-
americanos. Finalizando, a pesquisa de Martins (1995), examina as formas
de respostas que crianças da pré-escola, do primeiro e do terceiro ano do
Ensino Fundamental, de duas escolas públicas, de uma grande cidade da
região sudeste do Brasil, dão a eventos morais e socioconvencionais.
Usando quatro histórias estímulos padronizadas, sendo duas morais e duas
socioconvencionais, foram avaliadas as categorias de justificação assim
como os critérios de julgamento de gravidade da regra, punição devida ao
111
transgressor, contingência e relatividade da regra. Resultados mostram que
o julgamento sociomoral destas crianças é complexo e não apresenta uma
distinção clara entre os eventos morais e os socioconvencionais. Estes
resultados foram discutidos em termos das teorias de desenvolvimento
moral de Piaget (1994), de desenvolvimento do conhecimento social em
domínios de Turiel (1983) e da teoria de comunicação social de Shweder,
Mahapatra e Miller (1987).
Dentro destes resultados de julgamento dos eventos sociais, temos
pesquisas que mostram o domínio de assuntos pessoais como distinto dos
domínios moral e sócio convencional (NUCCI, 1981), e que estes dois
últimos domínios (o moral e o sócio convencional) têm constituição
similar aos do conhecimento sobre eventos físicos e lógicos, por um lado,
e convenções intelectuais, por outro (LOCKHART et al., 1977;
KOMATSU; GALOTTI, 1986; NICHOLS; THORKILDSEN, 1988).
Se por um lado os resultados dos julgamentos dos eventos sociais e
suas justificações dão um forte embasamento à teoria de formação do
conhecimento social em domínios, por outro lado, várias destas pesquisas
trazem dados sobre as interações sociais que ocorrem nestes estudos, que,
se não foram colocadas de lado, também não foram devidamente avaliadas
até as críticas de Shweder et al. (1987) e Nisan (1987).
Nesses resultados, principalmente os oriundos de estudos
observacionais (NUCCI; TURIEL, 1978; NUCCI, 1982; SMETANA,
1984, 1989), temos evidências de que os adultos respondem
diferencialmente a cada evento social que presenciam, isto é, eventos que
envolvem transgressões morais são respondidos com intervenções que
pedem ao agressor que se coloque no lugar da vítima. Tisak e Turiel (1988)
mostram que uma fonte importante de regulação das convenções é a reação
social dos colegas e Siegal e Sotrey (1985) confirmam este ponto ao
112
mostrarem que o tempo que a criança está na creche influencia a forma de
julgar os domínios.
Desta forma, esses dados salientam a existência do outro durante o
processo de construção do conhecimento social, e, para adequar esses
dados à teoria de construção do conhecimento social em domínios, Turiel,
Smetana e Killen (1991) repensam o papel da cultura e do outro na
formação do julgamento social ao tomarem o conceito de “determinação
relacional” de Asch (apud TURIEL et al., 1991).
Finalizando, a revisão de Lourenço (2014) aponta que esta
abordagem trouxe uma boa compreensão para entendermos o
desenvolvimento sociomoral de crianças, mas aponta a necessidade de
ampliação de estudos, especialmente os longitudinais, para detalhamento
do processo desenvolvimental deste raciocínio.
Referências
ARSENIO, W. P.; FORD, M. E. The role of affective information in
social-cognitive development. children’s differentiation of moral and
conventional events. Merril-Palmer Quarterly, v. 31, n. 1, p. 1-17,
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119
Contribuições da Teoria do Domínio Social para a Educação
Moral: regras, escolhas e conversas sobre domínio moral
Luciana Maria CAETANO
1
Betânia Alves Veiga DELL’AGLI
2
Introdução
O estudo do Juízo Moral na criança de Jean Piaget (1932/1994)
inspirou pesquisadores contemporâneos que, partindo dos pressupostos
piagetianos, desenvolveram novidades sobre tal área do conhecimento,
entre esses estudos contemporâneos se encontra a perspectiva teórica
proposta por Elliot Turiel (TURIEL, 1983), denominada Teoria do
Domínio Social (a partir daqui apresentada como TDS). A abordagem
teórica de Turiel (1989), considera que a moralidade envolve a construção
de julgamentos sobre o que é certo e errado por meio das experiências e
interações sociais das crianças, sendo, portanto, a moral um dos aspectos
do conhecimento social e para a psicologia explicar o social (sistema
econômico, político, religioso, moral ou convencional) necessita coordenar
os diferentes domínios que compõem o conhecimento social, com a
explicação do pensamento e da conduta.
1
Professora Associada do Departamento de Psicologia da Personalidade, da Aprendizagem e do
Desenvolvimento (PSA) do Instituto de Psicologia (IP), Universidade deo Paulo (USP), o
Paulo, Brasil. E-mail: lmcaetano@usp.br
2
Professora Doutora das Faculdades Associadas de Ensino (FAE), São João da Boa Vista, São Paulo,
Brasil. E-mail: betaniaveiga@gmail.com
https://doi.org/10.36311/2022.978-65-5954-317-5.p119-140
120
A grande crítica da TDS aos estudos piagetianos, e em
consequência aos kohlberguianos, está no enfoque global integrador de
estrutura, pois, tais abordagens supõem todos os aspectos do pensamento
estão inter-relacionados, ou seja, os juízos morais estão integralmente
relacionados com os tipos de pensamento utilizados nos domínios não
sociais; todos os aspectos do pensamento seguem os princípios de estrutura
e transformação; todo o desenvolvimento avança desde um estado de
indiferenciação global a estados de maior diferenciação (TURIEL, 1989).
A base teórica da TDS, todavia, amparada em robusto e variado
conjunto de dados empíricos (SMETANA, 2013) afirma que há estruturas
parciais que abarcam territórios de conhecimentos delimitados, intitulados
domínios (TURIEL, 1975). O modelo operativo da TDS é constituído
por um enfoque de desenvolvimento estrutural como processo construtivo
que parte das interações recíprocas indivíduo-meio (TURIEL, 1983), e
considera que os juízos sociais do indivíduo não formam um sistema
unificado (TURIEL, 1983; 1989).
Em resumo, os domínios do conhecimento social, não dependem
de estruturas cognitivas não sociais e se constituem e se desenvolvem
através das interações do indivíduo com o meio social, formando cada um
dos domínios trajetórias específicas; na interação e na relação com o
mundo social, as crianças constroem diferentes domínios que regulam suas
ações (TURIEL, 1983).
No caso do Domínio Moral, as ações se baseiam em conceitos
relacionados com o bem estar das pessoas, os direitos, a justiça; tais ações
não se percebem como relativas ao contexto social e, portanto, não são
arbitrárias ou convencionalmente constituídas; as consequências
intrínsecas das ações são independentes das regulações sociais ou das
expectativas ou diretrizes das autoridades; o domínio moral está
determinado por fatores inerentes às relações sociais e se opõe à formas
121
concretas de organização social (TURIEL, 1983; SMETANA, 2006;
SMETANA, 2013; KILLEN; DAHL, 2018).
As ações do Domínio Convencional ou Societal reúnem
preocupações com os sistemas sociais e suas ordens e ou regras, assim como
agregam as preocupações de obediência à autoridade. Desse modo, a
obrigatoriedade dessas ações diz respeito aos acordos e às condições que
organizam determinado grupo social, sendo, portanto, arbitrárias e
relativas à tal contexto. Trata-se de um conhecimento que definem as
expectativas sociais, as punições e a construção da uniformidade da
organização social.
Todas as questões relacionadas ao conhecimento de si mesmo e ao
conhecimento das pessoas, são consideradas aspectos relativos ao Domínio
Pessoal ou Psicológico, cujas consequências não atingem senão ao sujeito
dessas ações, ou seja, não dizem respeito ao certo ou errado, mas às
escolhas, preferências, bem como aos temos que dizem respeito ao controle
do próprio corpo e da privacidade. Portanto, constituem-se área de
prerrogativa pessoal (NUCCI, 2013).
A que se informar que, embora os domínios sejam definidos e
conceituados a partir de um conjunto de critérios, os quais apresentaremos
no próximo tópico desse capítulo, muitos são os eventos sociais, nos quais
não é possível definir com clareza um único domínio, ou seja, existe a
sobreposição dos domínios, como, por exemplo, quando alguém fura um
fila, o que pode parecer a princípio uma transgressão de domínio
convencional, mas que, com certeza implica em consequências de domínio
moral, pois se está sendo injusto com as demais pessoas aguardando na
referida fila.
Porém, aí está a grande contribuição da TDS, ou seja, a
constatação de que, para cada nova situação temos sempre que pesar e
coordenar os domínios para tomarmos decisões sobre qual a melhor forma
122
de agir. Isso posto, esse capítulo tem como objetivo apresentar um
conjunto de possíveis contribuições oriundas da perspectiva teórica e
empírica da TDS para a educação moral. Para atingir esse objetivo,
dividimos o capítulo em três aspectos da educação moral: regras, escolhas
e conversas sobre o domínio moral.
Regras
No que se refere às regras, a TDS apresenta um conjunto de
estudos explicando que a regra não pode ser compreendida, analisada e
estudada, sem a devida inferência ao ambiente social a que se remete
(TURIEL, 1983).
Westen e Turiel (1980) estudaram as relações entre regras e suas
ações correspondentes e o contexto social das regras em crianças com faixa
de idade variando de 5 a 11 anos. Para tanto, utilizaram-se de histórias
hipotéticas vinculadas à despir-se no parque, bater em outra criança, deixar
brinquedos no chão na sala de aula e recusa em dividir o lanche com outra
criança. As crianças deveriam decidir se estas ações estavam certas ou
erradas em uma escola que proibia tais ações e outra em que as ações eram
permitidas. Os resultados encontrados identificaram uma clara distinção
entre regras que causavam dano físico ao outro das regras em que esta
dimensão não estava presente. Esta distinção possibilitou aos autores
distinguir entre moralidade e convenção social.
Turiel (1983) também apresenta um conjunto de estudos de
investigação a respeito de critérios do julgamento e justificativas do
julgamento das crianças sobre atos e regras, através dos quais, os
pesquisadores testam hipóteses sobre dimensões dos critérios usados no
julgamento moral e nos julgamentos sobre convenções dos sujeitos de
várias idades (estórias de transgressões foram apresentadas aos sujeitos
123
como “estímulo” e questões foram feitas a respeito de tais eventos),
representando dimensões específicas de critérios, a saber:
Contingência da regra à autoridade: investiga se a criança atribui a
origem da regra à autoridade e a obrigatoriedade de cumprir o ato
devido a legitimação dessa autoridade. É respondida pelas questões
do instrumento: Quem fez essa regra? O que acontece se você não
seguir essa regra? Por quê?
Alterabilidade: investiga se criança acredita que pode ou não alterar
a regra e por quê. É respondida pela questão do instrumento: Você
poderia modificar essa regra? Por quê?
Generabilidade: investiga se a criança considera a regra universal
ou não. Avaliada pelas questões: Se você morasse em outra casa
onde não existisse essa regra, você poderia fazer esse ato? Se você
estudasse em outra escola onde não existisse essa regra, você
poderia fazer esse ato?
Severidade da regra e do ato: investiga o quanto a criança acha certo
ou errado obedecer a regra. Investigado pela questão: Avalie de 0 a
5 o quanto você deve obedecer a essa regra.
Uma das principais conclusões desses estudos é que a criança em
idade muito precoce começa a formar conceitos sociais, os quais são
evidenciados em seus critérios de julgamentos, que se manterão constantes
ao longo de seu desenvolvimento. Outra importante conclusão dos estudos
é que a experiência influencia o desenvolvimento, ou seja, que a
familiaridade prévia da criança com a tarefa ou o assunto pode influenciar
o seu desenvolvimento. Os resultados também evidenciaram o pensamento
sobre moralidade e convencionalidade é separado pelas crianças bem novas
segundo critérios de julgamentos e categorias de justificativas como
generabilidade, alterabilidade, contingência à autoridade e severidade do
ato, entre outros. Quanto as justificativas dos julgamentos no caso do
124
Domínio Moral se remetem às preocupações inerentes ao bem-estar, à
justiça e o comprometimento em não machucar ou prejudicar os outros
(WESTEN; TURIEL, 1980; TURIEL, 1983).
Os estudos da TDS demonstraram que as crianças conseguem
perceber e diferenciar regras que regulam as relações com os outros, como
diferentes daquelas que são fruto de um combinado de determinado grupo
social. Assim, por exemplo, a regra “Não se bate nos amigos, ou nas pessoas”
é reconhecida pelas crianças norte americanas como uma regra de Domínio
Moral, o que significa dizer que as crianças mesmo as mais novas
reconhecem que isso não se faz porque causa danos físicos no outro, por
conta de que essas ações magoam, ferem e causam dor nas pessoas
(SMETANA, 2013).
Mesmo as crianças menores, já experimentaram em algum
momento a dor de algum tipo de violência física por parte de um
coleguinha ou adulto, ou já viram outra criança viver essa experiência e,
por isso, reconhecem que essa atitude é errada e quando questionadas,
afirmam que bater em alguém é errado, mesmo se o adulto permitir, ou
mesmo quando não há uma regra imposta a respeito. Por outro lado, as
crianças sabem que, regras que são fruto de combinados sociais, como por
exemplo, não comer com as mãos, podem ser modificadas caso necessário
e até substituídas por outras formas de regras, e são chamadas de regras de
Domínio Convencional (VALADARES, 2019).
Levando esse conhecimento em consideração, é preciso que se
reconheça na sala de aula a importância de que a educação moral seja
acompanhada pela atenção à leitura que as crianças e adolescentes fazem
do mundo social, sendo que, se os educadores focarem em trabalhar a
tipologia das regras dentro de cada um dos domínios, colaborarão para o
desenvolvimento da capacidade dos alunos e alunas de entender e agir
conforme os domínios do conhecimento social (NUCCI, 2000).
125
O mais interessante que tais pesquisas revelam, diz respeito ao fato
de que, as crianças tendem a ser mais comprometidas com as intervenções
que os professores fazem quando eles utilizam adequadamente as
justificativas de orientação e intervenção parental, de acordo com o tipo de
domínio da regra (NUCCI; WEBER, 1991). Assim como, o manejo dos
professores de situações sociomorais que desconsideram os domínios e
utilizam as mesmas estratégias coercitivas, mesmo em eventos de domínio
moral, conduzem a maiores dificuldades por parte das crianças de
desenvolverem-se nesse domínio (GONZALÈS BELTRAN, 2019).
A Tabela 1 exemplifica as regras dentro dos domínios:
TABELA 1 REGRAS SEGUNDO TDS
TIPO DE REGRA
Exemplo
Justificativa
DOMINIO MORAL
Regula as interações
entre as pessoas
Não bater
nas pessoas
Porque isso
machuca as pessoas
e fazem-nas
sentirem-se mal
DOMÍNIO
CONVENCIONAL
Mantem a ordem
social
Não comer
de boca
aberta
Porque isso é falta
de educação.
DOMÍNIO
PESSOAL
entendimento sobre
si mesmo e sobre os
outros
Escolher a
roupa que
vou usar
Porque cada um
tem as suas
preferências
DOMÍNIO
PRUDENCIAL
entendimento sobre
cuidados com a
saúde
Comer
frutas e
legumes
Porque faz bem
para a saúde
Fonte: elaboração da autora
Pensar as orientações e intervenções a serem apresentadas para as
crianças dentro de cada um dos domínios, torna as regras muito mais
126
compreensíveis para as crianças. Quando a compreensão do motivo da
regra é clara para as crianças, e elas têm efetiva oportunidade de pensar
sobre a função da regra, ou seja, quando as justificativas para a apresentação
e manutenção das regras ficam claras e estão em coerência com os domínios,
é muito mais fácil para as crianças cumprirem as suas prescrições (NUCCI,
2000; NUCCI; WEBER, 1991).
Por outro lado, os domínios também auxiliam os professores no
trabalho de educação moral, porque permitem a compreensão da
universalidade das regras do domínio moral. Vários são os professores que
resistem ao trabalho de educar moralmente, afirmando que cada família
tem os seus próprios valores; porém quando se compreende que o domínio
moral diz respeito à preocupação de não causar danos aos outros e agir de
forma a garantir o bem-estar de todos, fica claro a necessidade desse
trabalho também nas escolas, uma vez que, pesquisa recente em contexto
brasileiro sobre regras da escola e da família, revelou pouca incidência de
justificativas de domínio moral, para regras em ambos os contextos
(CAETANO; DELL’ AGLI, 2019).
Escolhas
A principal tese da Teoria do Domínio Social (TDS) é que na
interação e na relação com o mundo social, as crianças constroem
diferentes domínios que regulam suas ações (TURIEL, 1983). Esses
domínios coexistem e os conflitos são resolvidos na complexidade do
processo racional, afetivo e social, sendo que ora o indivíduo consegue
sobrepor um domínio a outro, ora isso não é possível, a depender de um
conjunto de complexos e distintos fatores, entre eles os fatores contextuais,
culturais, individuais que interferem nos diferentes tipos de julgamentos
127
que sustentam os julgamentos e as condutas das pessoas (NUCCI;
TURIEL; RODED, 2017).
O domínio pessoal diz respeito a um conjunto de ações que o
indivíduo considera fora da área da regulação social. Dizem respeito a
aspectos da vida privada e quando julgados não são certos e nem errados,
pois são assuntos pessoais que definem o campo da autoridade individual,
ou seja, constituem direitos e o senso de liberdade. Logo, o ator (ou, eu,
self) é um agente que possui um grau de autonomia social e de
individualidade. Ao longo de seu desenvolvimento vai construindo e
tomando consciência do conceito de self e integridade psicológica, sendo
a liberdade condição necessária manter as noções de agência e identidade
(NUCCI, 2013).
A importância da construção de noções de individualidade, ou
identidade é reconhecida por modelos clássicos de psicologia do
desenvolvimento (PIAGET, 1964; WALLON, 1946; ERIKSON, 1950),
assim como por pesquisadores contemporâneos como Damásio (2013) que
descreve as fases do desenvolvimento do self do ponto de vista
neurobiológico, demonstrando o caminho da construção do self, desde os
primeiros padrões neurológicos de percepção do organismo até a
construção do self como uma representação cognitiva que oferece sentido
de permanência no tempo, de individuação e autonomia. Vários estudos
contemporâneos têm discutido a importância de que a criança tenha
espaços de manutenção de um senso de agência e individualidade ao longo
do seu desenvolvimento, o que pode ser garantido através de um crescente
de oportunidades que ela vivencie de controle sobre as ações do domínio
social (NUCCI, 1996; NUCCI; SMETANA, 1996; NUCCI, 1981).
As crianças pequenas já são capazes de identificar o que é da ordem
do pessoal, diferenciando daquilo que é da ordem do moral e convencional
e a gênese desse processo depende das interações sociais das crianças,
128
especialmente com seus pais (SMETANA, 2013, NUCCI, 2013). As
crianças julgam as questões pessoais como nem certas e nem erradas, mas
explicam em suas justificativas que esses assuntos devem ser foco de decisão
do próprio sujeito, uma vez que as consequências afetam apenas o ator, ou
ainda afirmam que essas questões dizem respeito as preferências e gostos
de cada um, e por tanto, não devem ser da conta de outras pessoas
(NUCCI, 1981; NUCCI; WEBER, 1995).
Os estudos revelam que para além de adquirirem um senso do que
é assunto de domínio pessoal, as crianças pequenas demandam espaço e
oportunidade para exercitarem as suas escolhas, preferências e
envolvimento em atividades pessoais, demonstrando não conformidade e
resistência às regras, intervenções e autoridade dos pais nesses contextos
(NUCCI; TURIEL, 2000).
A importância do domínio pessoal no desenvolvimento moral das
crianças e dos adolescentes esatrelado à construção da identidade e à
possibilidade das reivindicações individuais para com a liberdade, uma vez
que necessitam terem respeitadas as suas escolhas e decisões pessoais como
condição para, ao longo do desenvolvimento, poderem respeitar os direitos
dos outros (NUCCI, 1996; NUCCI, 2013). Dessa forma, a garantia dada
pela família às crianças de realizarem pequenas escolhas e de terem o direito
de suas preferências, se constitui em uma fonte de construção do conceito
de direito que, a priori é a noção do direito do próprio do sujeito, mas que
depois se tornará o respeito ao direito das outras pessoas (NUCCI, 2001).
As reinvindicações por um território de Domínio Pessoal estão
vinculadas a conceitos psicológicos subjacentes sobre autonomia,
individualidade e identidade e as restrições impostas à formação do
território pessoal são experienciadas na forma de perda, dano ou injustiça
(NUCCI, 2013). As experiências e as interações sociais em torno do
129
pessoal são empregadas para construir conceitos morais como os direitos e
liberdade.
Desse modo, esse conjunto de estudos sobre o domínio social
descritos nos parágrafos anteriores, levam a construção de importantes
reflexões para a escola e para os professores:
1. Quais as reais oportunidades de escolhas que se oferecem às crianças nas
escolas? Entendendo que as escolhas possuem um papel tão importante na
construção da identidade, pois oferecem oportunidades de
reconhecimento das próprias preferências e das preferências dos outros, é
preciso pensar em um planejamento que envolva atividades que
oportunizem as escolhas por parte das crianças.
As crianças escolhem, por exemplo, os livros que gostariam de ler,
ou as histórias que gostariam de ouvir? Há ainda possibilidades de escolhas
de projetos de estudo, ou escolhas de tipo de atividades a se realizar em
horários livres? As crianças ao menos escolhem o momento que precisam
ir ao banheiro? Podem as crianças ao menos escolherem em algumas
situações o lugar onde gostariam de se sentar em suas classes? Ou os amigos
com os quais gostariam de trabalhar em determinadas situações? Esses são
apenas alguns exemplos de situações de escolhas possíveis na escola.
2. Quais são os momentos na escola em que cabe às crianças tomar
decisões? Se o exercício do domínio pessoal permite à criança reivindicar a
liberdade, é necessário que a escola organize atividades que permitam o
trabalho em grupo e o autogoverno pelas crianças e adolescentes, de modo
que possam discutir e decidir na ausência de supervisão do adulto, arcando
com as consequências de suas decisões.
130
As crianças podem por exemplo escolher a ordem de realização das
tarefas do dia? Seria possível que as crianças pudessem decidir sobre quais
materiais utilizar em uma aula de artes? Ou ao menos uma vez por semana
decidirem como organizar o horário das atividades? Seria demais pensar
em crianças organizando e decidindo a rotina diária da sala de aula? Ainda
poderíamos delegar as crianças decisões sobre formas de avaliação? Talvez
essas questões possam levar a pensar quão pequeno é o espaço para as
crianças tomarem decisões na escola.
3. Quais são as oportunidades concretas das crianças exercitarem os seus
direitos? Interessantes achados de pesquisa revelam que quanto mais as
crianças vivenciam o direito às escolhas, essas crianças se mostram mais
dispostas a respeitar os direitos dos outros.
As crianças pensam sobre os direitos e deveres? Ou apenas repetem
os seus deveres? Quais são os conceitos que as crianças têm sobre os seus
direitos? Teria uma criança o direito de discordar de uma punição
expiatória? Seria possível à uma criança negar-se a cumprir uma punição
quando essa fere os seus direitos?
Outro dia, conversando com uma criança de 8 anos, ela afirmou
que não entendia por que os adultos pensam que deixar uma criança sem
recreio vai fazê-la se comportar melhor. Diante da sua afirmação, quando
questionada sobre ela, a criança afirmou que o recreio é um direito de toda
a criança. Serve para descansar, para comer e para brincar e, por mais
errado que seja o que quer que uma criança tenha feito, ela ainda tem o
direito de comer, brincar e descansar no recreio.
As pesquisas sobre o domínio pessoal revelam que as crianças, de
fato, sabem sobre territórios de escolhas e preferências e resistência quando
a autoridade tende a roubar-lhes esse espaço de agência. Que possamos
131
garantir às crianças o direito às escolhas e preferências como espaço de
desenvolvimento moral e gênese da noção do direito.
Conversas Sobre o Domínio Moral
A vida da criança e o do adolescente é repleta de situações nas quais
elas precisam decidir sobre o que é justo ou injusto: se é possível ajudar o
amigo envolvido na briga com o outro; se reparte ou não o brinquedo;
como eu posso fazer o que eu quero sem machucar o outro. Enfim, o
tempo todo, as crianças e adolescentes se deparam com o fato de que suas
ações do dia a dia têm sempre consequências que de uma forma ou de
outra, atingem a si mesmos e às outras pessoas. E, na verdade é muito
comum ser maltratado pelos outros ou maltratar os outros em situações de
conversa. Ajudar, ser cuidadoso e carinhoso também sempre podem advir
do discurso, ou seja, muitas das transgressões morais e das ações altruístas
acontecem através das conversas (WAINRYB; RECCHIA, 2014).
O objetivo dessa parte do capítulo não é de modo algum, afirmar
que todo o desenvolvimento moral é construído a partir das conversas, mas
é claro que as conversas têm um papel de extrema importância nas
experiências de socialização e desenvolvimento moral e se tratam de uma
espécie de espaço essencial através do qual a construção da moralidade é
favorecida ou não.
Desse modo, a primeira contribuição da TDS a respeito do tema
das conversas diz respeito a diferença entre a conversa e o “pensar na sua
cabeça”. De acordo com Wainryb e Recchia (2014):
Em primeiro lugar, a conversa oferece um tipo de esforço de
reflexão sobre a experiência, que possibilita uma reorganização do
pensamento na forma de narrativa ou história;
132
Em segundo lugar, a conversação força a pessoa a tomar distância
da experiência, sendo essa condição ampliada por: grande
distanciamento da experiência, maior tomada de perspectiva a
respeito da situação, relevância da conversa quando discute e foca
nas transgressões morais, condução à uma experiência menos
imediata com menor presença de angústia intrusiva;
A terceira diferença diz respeito ao fato de que a conversa promove
a divisão de um espaço psicológico, no qual crenças, tópicos e
opiniões são discutidos, promovendo evolução e contribuição para
ambas as partes;
A quarta diferença aponta para a conversa como mais do que troca
de fatos, mas a ampliação de possibilidade de aprender novas coisas,
possibilidade de ver os fatos de um novo jeito, organizar novas
conclusões para eles e engajar-se em treinos do pensamento, com
uma nova história criada e compartilhada e novo conhecimento
construído;
Finalmente, a conversa se diferencia do pensar na cabeça por que
é espaço de aprendizagem emocional, pois na conversa se faz
necessário que os envolvidos interpretem as emoções dos outros e
regulem as próprias experiências de emoções.
No tocante às conversas sobre a moralidade, um conjunto de
pesquisas baseadas na TDS, revelam que as interações sociais entre adultos
e crianças também apresentam diferenças discursivas entre assuntos de
domínio moral e assuntos de convenção social (NUCCI, 2014). As mães
de crianças de idade pré-escolar, por exemplo, costumam responder às
transgressões morais focando nas consequências dos atos sobre os outros,
dizendo então: “Lucas isso machuca o Marcos” ou “Seu irmão está
chorando por conta do que você fez a ele” (SMETANA, 1989). Pesquisas
como essas revelaram que, quando o tema central de conversas relacionadas
133
ao domínio moral discute as consequências das ações interpessoais,
apontando para a injustiça, para o prejuízo ou dano causado na vítima,
para os sentimentos feridos, proporcionam uma tomada de perspectiva que
foca na preocupação com o outro.
Por outro lado, pesquisas demonstraram que crianças e
adolescentes avaliam os discursos de professores e identificam a coerência
ou inconsistência das intervenções discursivas dos professores, de acordo
com a concordância com o domínio do evento sobre os quais estão falando
(NUCCI, 2001). Assim, por exemplo, quando o foco do discurso do
professor durante a intervenção em uma briga entre alunos, recai sobre a
tomada de perspectiva dos danos causados nos outros, ou seja, uma
intervenção com argumentos de domínio moral, para uma situação de
domínio moral, esse tipo de discurso é avaliado pelos alunos como mais
consistente, além de que, eles se declaram mais dispostos a atenderem esse
tipo de orientação.
Em um estudo realizado com crianças e adolescentes brasileiros,
pediu-se aos participantes para dizerem uma regra que tinham na escola.
Os exemplos apresentados a seguir explicitam essa questão e mostram
características das prováveis conversas que acontecem na escola com essas
crianças sobre relações interpessoais na escola.
S é um menino de 6 anos, seu conceito de regra é: “obedecer”,
portanto, categoria “domínio convencional”; a regra de sua escola é “não
pode bater nos amigos” e sua justificativa é convencional “é bom seguir a
regra por que daí não mandam bilhete para casa”, a obrigatoriedade de
seguir a regra é de 5 pontos para ele, porque “é bom”, quem criou a regra
foi a professora, mas o que acontece se ele não seguir a regra “bilhete”,
quando questionada se pode mudar a regra, ele afirma que não e quando
se pergunta o porquê, ela diz “é muito feio”.
134
T é um menino de 10 anos, seu conceito de regra é: “é o que você
tem que fazer” portanto, categoria “obediência externa”; a regra de sua
escola é “respeitar a professora” e sua justificativa é convencional,
subcategoria acordo, “porque tem que fazer, ela é a professora e ela ensina
a gente e se não respeitar levo bronca”, a obrigatoriedade de seguir a regra
é de 5 pontos para ele, quem criou a regra foi a diretora, mas o que acontece
se ele não seguir a regra “bronca”, quando questionado se pode mudar a
regra, ele afirma que não e quando se pergunta o porquê, ele diz “porque
é a regra”.
Os exemplos são pertinentes para pensarmos que ambas as regras
propostas pelas crianças são de domínio moral: não bater nos amigos e
obedecer a professora. Trata-se de regras que regulam as relações
interpessoais na escola.
S e T revelam em seu discurso todo o peso da relação de coação. A
obediência cega que se sustenta no medo das punições (bilhete ou bronca),
traduz seu julgamento de domínio convencional, absolutamente focado na
obediência à autoridade e na submissão às suas máximas, compreendidas
pela legitimação da autoridade e da regra.
A nossa principal hipótese está configurada no papel do adulto da
relação e suas práticas de intervenção, uma vez que o modo de interagir
com a criança e o adolescente se manifesta nas entrelinhas dos discursos
deles. A bronca e a ameaça do envio de bilhetes para casa, são exemplos de
conversas que os professores têm com essas crianças e que são
inconsistentes com os domínios de prevalência das regras analisadas pelas
crianças.
Claro que essa pesquisa não investigou diretamente o discurso dos
professores, mas é possível inferenciar pelos exemplos citados, a tendência
a um mesmo tipo de conversa pautado na punição, ameaça e coação, sem
se preocupar em orientar a criança para as consequências de suas ações.
135
Os adultos têm sempre variadas oportunidades, tanto nos discursos
curriculares, quanto nas conversas diárias sobre os conflitos de todos os
dias, de focarem na construção junto às crianças e adolescentes do conceito
de direito, justiça e preocupação com o outro (CAETANO, 2013). A
escola interessada no desenvolvimento pleno do seu aluno, não perde uma
oportunidade de investir no desenvolvimento do domínio moral.
Considerações Finais
O presente capítulo teve como principal objetivo apresentar um
conjunto de possíveis contribuições oriundas da perspectiva teórica e
empírica da TDS para a educação moral. Para isso, nos detivemos
especialmente nas discussões relativas às regras, escolhas e às conversas
sobre o domínio moral.
A compreensão de que o mundo social é construído pela criança
através de conhecimentos sobre distintos territórios: moral, convencional,
pessoal e prudencial, nos permitiu entender que, quando as regras são
trabalhadas de acordo com essa tipologia, a ênfase na normatividade do
domínio moral é facilitada pelo fato de que as crianças, já desde muito
pequenas, reconhecem os assuntos desse domínio como prescritivos e
relacionados às experiências interpessoais.
O direito às escolhas do domínio pessoal se constitui na gênese da
noção de direito nas crianças e, desse modo, a garantia das escolhas pode
ser um caminho muito propício ao engajamento em situações de garantia
dos direitos dos outros. Finalmente, o olhar atento às conversas que focam
nos conceitos de justiça e bem-estar dos outros, precisa estar presente nas
resoluções dos conflitos diários na sala de aula, de modo que, espaços
efetivos de reflexão, troca de pontos de vista e construção de narrativas,
136
exercitem cognitiva e afetivamente aos alunos, no caminho do
desenvolvimento moral.
Alguns outros pontos importantes são elencados por Nucci (2000)
a respeito da educação moral fundada na TDS. Finalizamos esse capítulo
explicitando essas questões, com o desejo de que suscitem novas reflexões:
A educação moral deve tomar como foco as preocupações e
concepções dos alunos sobre noções de justiça e o bem-estar dos
outros;
A educação moral deve considerar o fato de que a moralidade e a
convenção se desenvolvem a partir de tipos diferentes de
experiências sociais;
A discussão moral é mais efetiva quando relacionada a
comportamentos e temas concretos dos alunos;
Preocupações morais são geralmente permeadas por práticas
baseadas em convenções;
O ambiente escolar deveria promover justiça e respeito pelos
outros;
Proporcionar aos alunos oportunidades para desenvolver
habilidades nas resoluções de problemas sociais;
Os educadores precisam estar preparados para lidar com a
controvérsia.
A educação moral salienta uma condição imprescindível ao espírito
daquele que se envolve nesse tipo de empreitada: a crença no ser humano.
Qual o significado disso?
A crença no ser humano, como premissa para quem se dispõe a
pesquisar e dedicar-se ao estudo e intervenção em prol do desenvolvimento
moral. Torna-se insuportável àquele que se dedica ao tema, deixar de
137
pen-lo e aplicá-lo diariamente em cada uma de suas ações do dia a dia,
bem como nos resultados que tais pesquisas têm a oferecer para cada pessoa,
cada criança, cada família, escola ou sociedade em seu aspecto mais
abrangente. Essa consistência interna do pesquisador da moral é garantia
inclusive de sua condição de sanidade mental. Mas é também, condição
sine qua non, daquilo que Piaget (1948/2000) discutiu sobre a educação
como única e mais completa forma de favorecer a compreensão, a
tolerância, a amizade e a paz.
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141
Emancipação, Desenvolvimento Moral e Autonomia:
da comunidade justa às comunidades de aprendizagem
Vinícius Bozzano NUNES
1
Introdução
Lawrence Kohlberg propôs que as teorizações científicas no campo
do desenvolvimento moral fossem aplicadas à prática educacional. Junto a
um grupo de colaboradores realizou experiências em educação utilizando-
se da técnica de discussão de dilemas morais (POWER; HIGGINS;
KOHLBERG, 1989). A essa proposta de intervenção denominou
Comunidade Justa. Mais de trinta anos depois, a educação moral nas
escolas pelo mundo ainda não é uma prioridade. No Brasil, não é diferente.
A educação dita tradicional prepondera, fazendo da escola um ambiente
pouco fértil para a promoção da educação moral.
O Movimento de Renovação na Educação Brasileira, emergente
no início do séc. XXI, impõe resistência a esse quadro (BARRERA, 2016).
Integram esse Movimento experiências educativas diversas entre si, unidas
pelo propósito de transformar a educação. Dentre elas, destacam-se as
Comunidades de Aprendizagem. Sua propagação em nível nacional deve-
se ao trabalho liderado pelo educador português José Pacheco, fundador
da Escola da Ponte em Portugal. Nas escolas que decidem realizar a
1
Doutor pelo Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE) da Faculdade de Filosofia e
Ciências (FFC), Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP), Campus de
Marília, São Paulo, Brasil. E-mail: vinicius.nunes@ifms.edu.br
https://doi.org/10.36311/2022.978-65-5954-317-5.p141-162
142
transição para tal modelo, o das Comunidades de Aprendizagem, busca-se
a superação do paradigma educacional da instrução e sua substituição pelo
paradigma da comunicação. O foco da atividade educativa não está mais
sobre o professor ou sobre o estudante, mas nas relações estabelecidas entre
os integrantes do processo educativo.
A Teoria do Agir Comunicativo (HABERMAS, 2012) é um dos
suportes conceituais da inserção da comunicação como paradigma na
esfera educacional. Por suas premissas, entende-se ser possível redirecionar
a compreensão de mundo centrada no “Eu” para outra, baseada na busca
por entendimento mútuo entre os participantes de uma situação
argumentativa. Para Jürgen Habermas, este é o caminho que pode
conduzir a humanidade à emancipação.
No livro Emancipação pela Educação: aproximações entre Piaget e
Habermas (NUNES, 2020), as teorias de Habermas e Piaget são
relacionadas com o intuito de demonstrar que ainda restam condições para
que a educação contribua com a emancipação. Defende-se haver uma
analogia funcional entre o desenvolvimento do sujeito e o caminho
percorrido desde a racionalidade instrumental até a racionalidade
comunicativa. Nesse sentido, quando a educação atua para que o sujeito
atinja as condições necessárias para a participação em situações próprias ao
agir comunicativo, ela o faz objetivando a superação da racionalidade
instrumental. Por esse motivo, pode ser considerada uma educação
emancipadora.
Isso explicitado, deseja-se com este texto situar as Comunidades de
Aprendizagem como agentes de promoção do desenvolvimento moral e,
por conseguinte, da emancipação humana. Para tanto, serão sumariamente
comentados os resultados do estudo divulgado no trabalho Emancipação
pela Educação: aproximações entre Piaget e Habermas, mais especificamente
os aspectos relacionados à transição da racionalidade instrumental para a
143
comunicativa e suas implicações no campo da educação. Essas reflexões se
conectarão com a proposta da Comunidade Justa que, juntamente com
aspectos da teoria do desenvolvimento moral de Kohlberg, integram a
pauta do tópico seguinte. Por fim, as leitoras e leitores encontrarão o
conceito de Comunidade de Aprendizagem, dando destaque aos aspectos
comuns que tem com as premissas da comunidade justa. Por essa via,
espera-se compreender como é possível o desenvolvimento moral que leva
à autonomia e à emancipação por meio da educação.
Da Racionalidade Instrumental à Comunicativa: o caminho
emancipatório da educação
As teorias de Jürgen Habermas e Jean Piaget possuem alguns
pontos de intersecção. O pensador alemão, a propósito, foi leitor da obra
de Piaget (FREITAG, 1991). Em sua Teoria do Agir Comunicativo
(HABERMAS, 2012) elaborou a tese de que há um sentido evolutivo na
passagem das imagens de mundo, ou seja, da história da espécie. As
imagens de mundo partem de padrões pouco elaborados, que são
perspectivas egocentradas, rumo a padrões mais complexos, representados
por perspectivas gradualmente descentradas. A modernidade, por exemplo,
apresenta imagens de mundo mais descentradas que as do período
medieval que a antecedeu.
Para justificar essa tese, analisa hermeneuticamente a história da
civilização comparando-a com o desenvolvimento cognitivo, moral e
sociológico dos sujeitos. Encontra amparo nas teorias do desenvolvimento
moral de Lawrence Kohlberg e da tomada de perspectivas sociais de Robert
Selman (HABERMAS, 2013). Por essa via, Habermas adere a Piaget de
modo indireto, pois as origens do trabalho, tanto de Kohlberg quanto de
Selman, repousam sobre o pensamento de Jean Piaget.
144
Habermas adota o pensamento piagetiano não apenas de modo
indireto. Cita-o pela primeira vez dizendo que “o desenvolvimento leva
evidentemente a um descentramento progressivo do sistema de
interpretação e a uma delimitação categorial cada vez mais unívoca da
subjetividade da natureza interior em face da objetividade da natureza
externa [...]” (HABERMAS, 1990, p. 21). Adverte seus leitores,
acessoriamente, sobre os cuidados necessários ao se justapor as dimensões
do sujeito e da sociedade quando se busca elaborar teorias explicativas
sobre a sociedade. A obra de Habermas é permeada por alusões ao trabalho
do epistemólogo suíço. Em suma, eles se aglutinam nesses três postulados:
(1) Tanto indivíduos quanto as sociedades desenvolvem mecanismos de
aprendizado que lhes garantem a adaptação ao meio ambiente; (2) O
resultado desse aprendizado sempre significa um acúmulo de
conhecimentos e um acréscimo de racionalidade; (3) As estruturas do
conhecimento, em seus diferentes níveis do desenvolvimento não se
atêm a conteúdos específicos, representando antes de mais nada formas
de organização e operação da razão. (FREITAG, 1985, p. 143; 2005, p.
58, grifos da autora).
Com o olhar voltado para a dinâmica da descentrão, Habermas
deseja abstraí-la da teoria piagetiana e utilizá-la como força motriz da
Teoria do Agir Comunicativo. De forma complementar, concorda com o
relevo dado por Piaget aos aspectos formais da razão. Também com a ideia
de que a racionalidade evolui em função de um processo de “aprendizado”
e que esse aprendizado deriva do princípio da adaptação, inerente a tudo
que é vivo. Com base nessa tríade, sustentou a hipótese de que é viável
transitar desde um paradigma em que predomina a racionalidade de tipo
instrumental para outro, em que a racionalidade proeminente manifesta
caráter comunicativo.
145
Se o pensamento egocentrado pode descentrar-se e, portanto, a
racionalidade instrumental pode ser superada pela racionalidade
comunicativa e é disso que Habermas quer nos convencer então,
significa que existem possibilidades emancipatórias para a humanidade.
Apesar de parecer ponto pacífico, esse otimismo não é unanimidade na
história do pensamento filosófico. Os predecessores de Habermas, os
pioneiros da Teoria Crítica, acreditavam em outra coisa. Para eles, ao ter
sido atravessada pela racionalidade instrumental, a civilização entrou em
um beco sem saída. O esclarecimento da razão, tão enaltecido pelo
iluminismo, não seria capaz de trazer consigo a redenção da humanidade
(ADORNO; HORKHEIMER, 1947/1985; HORKHEIMER,
1947/2002). Segundo eles, mesmo capazes de grandes feitos científicos e
tecnológicos, encontramo-nos no estado de barbárie (ADORNO, 1995),
quer dizer, significativamente atrasados do ponto de vista civilizatório.
Esses teóricos usam como exemplo o holocausto nazista, por eles vivido e
observado de perto. A novidade apresentada por Habermas, em
contraponto, representa uma virada no pensamento pessimista da época.
Sua proposta não é movida por uma esperança inocente, mas subsidiada
por evidências científicas do calibre das fornecidas pelos estudos
psicogenéticos de Piaget e sua equipe.
Contudo, é preciso destacar, Habermas e Piaget não se envolveram
efetivamente em ações para a educação escolar que pusessem em prática
suas teorizações com fins emancipatórios, embora este último tenha até
escrito algo a respeito em Os procedimentos da Educação Moral (MACEDO
et al., 1996) e em A Educação da Liberdade (1945/1998), por exemplo.
Kohlberg, diferentemente dos outros dois, logrou desenvolver uma
proposta de educação moral na escola. É a respeito dela que se discorre a
seguir.
146
Desenvolvimento Moral e a Comunidade Justa de Kohlberg
Piaget, Selman e Kohlberg são citados por Habermas por
comungarem de uma mesma ideia: há uma analogia funcional que permeia
suas teorias sobre o desenvolvimento cognitivo, moral e social. A mesma
lógica adaptativa, que serve como fio condutor do desenvolvimento da
racionalidade no sentido comunicativo, orienta qualquer um dos demais
campos. “Desenvolvimento moral é, portanto, o creodo (caminho)
percorrido pelo indivíduo na passagem de um estado de anomia até a
conquista da autonomia” (MENIN et al., 2010). No trabalho de Piaget
(1932/1994) sobre a moral, é ela quem determina que o momento inicial
da anomia (ausência da noção de regras) seja superado pelo da heteronomia
(origem do respeito às regras externa ao sujeito) e este, por sua vez, ceda
lugar a um estágio de predominante autonomia (autogoverno moral, onde
há maior cooperação e respeito mútuo).
Da década de 1970 em diante, o campo de estudos da psicologia
da moralidade recebeu forte influência das ideias do psicólogo norte-
americano Lawrence Kohlberg (1927-1987). Elas coadunam-se com as
teses centrais sobre o desenvolvimento do juízo moral em Piaget. No
entanto, seu modelo de organização é diferente. No lugar da escala que
culmina com a autonomia, Kohlberg (1992) utiliza novos descritivos,
dividindo essa escala nos níveis pré-convencional, convencional e pós-
convencional. Cada um deles subdividindo-se em dois estágios. E estes são
identificados nas respostas dadas pelos sujeitos ao se depararem com os
dilemas morais expostos pelo avaliador durante uma entrevista. Essa
classificação segue a mesma dinâmica da descentração. Ela é conduzida
desde o respeito à regra pela coação, medo da punição, até o último estágio,
em que prepondera a ação orientada por princípios éticos universais.
147
Tendo realizado seus estudos longitudinais e transculturais,
Kohlberg começa a forjar uma proposta de intervenção na educação que
leva em conta seus achados. Criou com Blatt, seu orientando de doutorado,
uma técnica de promoção da educação moral utilizando-se da discussão de
dilemas (KOHLBERG; BLATT, 1975). Com essa técnica, o conflito
cognitivo gerado pela participação em situações argumentativas limite,
desencadeadas pelos dilemas morais, levaria ao avanço dos sujeitos a
estágios superiores de seu desenvolvimento moral. Como bem aponta
Galvão (2010), no Brasil, essas experiências foram reproduzidas por
Biaggio (1983, 1985, 1988), Dias (1992), Lins e Camino (1993) e Rique
e Camino (1997).
Em suas andanças em busca da validação da teoria do
desenvolvimento moral em diferentes culturas, Power, Higgins e Kohlberg
(1997), enxergaram uma relação direta entre o senso de comunidade e o
desenvolvimento moral de sujeitos dos kibbutz que visitaram em Israel no
verão de 1969. Isso serviu de inspiração para que no futuro propusessem
uma experiência em educação moral que vieram batizar como
Comunidade Justa. “[...] A ligação social, o senso de coletivismo, o cuidado
com o outro e com o grupo, o papel democrático do professor foram
constatações elencadas nos kibbutz que serviram de inspiração para
Kohlberg desenvolver um método de prática democrática coletivista”
(GALVÃO, 2010, p. 62). A primeira intervenção foi realizada em um
presídio feminino e, logo em seguida, em 1974, na escola Cluster de
Cambridge, Massachussets, onde perdurou por cinco anos.
Segundo aponta Navas (2009), Kohlberg relacionou o que viu em
Israel com a teoria de Durkheim. Contudo, rechaçando dela o acento
autoritário da influência do grupo sobre o indivíduo. O respeito dirigido
ao coletivo deveria vir, segundo ele, acompanhado de possibilidades para
que os anseios individuais fossem, ao menos, problematizados. A
148
implantação da Comunidade Justa no contexto escolar alertou Kohlberg
para outro fator: o de que os aspectos estruturais do raciocínio moral,
centro da abordagem cognitivo evolutiva, não se sobrepunham tão
simplesmente aos conteúdos. Antes disso, os conteúdos eram considerados
por ele culturalmente relativos. Navas (2009) diz ainda que, para evitar o
risco de que a Comunidade Justa na escola fosse convertida em uma
iniciativa doutrinária, Kohlberg ancorou-se no conceito de comunidade
democrática forjado a partir dos estudos de John Dewey.
Kohlberg não pensava que a simples aplicação da técnica da
discussão de dilemas seria suficiente para o desenvolvimento moral na
escola. Ele apostava no incremento de uma atmosfera moral que se
traduzisse em um clima mais democrático e participativo expresso nas
relações entre as pessoas (NAVAS, 2009). Essa confluência de fatores
compunha uma Comunidade Justa. Tais premissas inspiraram seu
trabalho e de sua equipe na Cluster que, apesar do visível êxito inicial, não
teve continuidade. Um dos possíveis fatores que contribuíram para a
descontinuidade da proposta (assim como de outras propostas
contemporâneas e de natureza similar) é que o pano de fundo político foi,
aos poucos, deixando de ser favorável às proposições educacionais de
cunho democrático.
Uma escola aberta ao diálogo, à participação de todas e todos, sem
exacerbação de assimetrias nas relações de poder, onde há um clima
favorável à cooperação, à elaboração de regras, ao exercício da liberdade
com responsabilidade. Uma escola que permita a manifestação do conflito,
de onde emergem as possibilidades de superação dos sujeitos da
comunidade pela via comunicativa. Essa escola promove um ambiente
fértil ao desenvolvimento moral no sentido da autonomia, ao passo em que
também é propícia à produção de contextos favoráveis à racionalidade
comunicativa e, por isso, uma escola voltada à emancipação humana.
149
Comunidades de Aprendizagem: conceito e expansão no Brasil
Em meados da década de 1970, por meio de um concurso público,
José Pacheco chegou para lecionar na Escola da Ponte, em Portugal. Em
1976, assolado pela solidão que tomava conta de todos e tudo na escola,
uniu-se a outros educadores, também inconformados com o que lá viviam,
para propor uma nova educação. Na oportunidade, as pessoas pertencentes
a esse grupo escolar estabeleceram alguns dos objetivos que até hoje
orientam as práticas da Escola da Ponte:
[...] concretizar uma efetiva diversificação das aprendizagens tendo por
referência uma política de direitos humanos que garanta as mesmas
oportunidades educacionais e de realização pessoal para todos,
promover a autonomia e a solidariedade, operar transformações nas
estruturas de comunicação e intensificar a colaboração entre
instituições e agentes educativos locais (PACHECO, 2016, n.p.).
A Escola da Ponte ainda hoje é destino de educadores e
pesquisadores em educação que visitam a Europa em busca de diferentes
formas de se pensar e fazer educação. Essa escola representa um marco na
disseminação de alternativas educacionais pelo mundo. Mesmo com tudo
isso, é comum ouvir o próprio José Pacheco dizendo haver experiências
muito interessantes no Brasil que são nossas contemporâneas e que
também precisam ser reconhecidas.
Para José Pacheco, os brasileiros não precisariam recorrer a
pensadores ou modelos educacionais estrangeiros, já que temos aqui
recursos próprios em quantidades suficientes para fundar uma nova
educação. “As comunidades de aprendizagem têm sido objeto de estudo a
partir de uma matriz teórica estrangeira e isso talvez se deva ao
150
desconhecimento da presença desse conceito nas obras de autores
brasileiros” (PACHECO, 2014, p. 33). As referências nacionais não são
poucas. As bases da Comunidade de Aprendizagem residem em pensadores
como Paulo Freire, Darcy Ribeiro, Anísio Teixeira, Florestan Fernandes e,
inclusive, em experiências concretas como a escola dirigida pelo pensador
construtivista Lauro de Oliveira Lima, já na década de 1960.
O modelo da Escola da Ponte não almeja ser padrão a ser seguido
por outras escolas. Ele é um apanhado de referências que, somadas a outras,
de tantos outros lugares e tempos, podem inspirar a transformação
educacional desde o modelo tradicional a as novas construções sociais de
aprendizagem (PACHECO, 2018). Por isso, mesmo que a Escola da Ponte
se reconheça como uma Comunidade de Aprendizagem, não é possível
pleitear uma conceituação unívoca sobre o significado desse termo, com
base no que lá já se tem feito há anos.
O conceito de Comunidade de Aprendizagem contém o princípio
da diversidade. Apesar disso, alguns discursos de origem acadêmica ou
provindos de órgãos de gestão educacional (como Ministérios e Secretarias)
e também alguns oriundos de escolas com interesse estritamente
mercadológico insistem em uma definição única. Descrevem as
comunidades sem amparo em práticas efetivas. Outras conceituações se
equivocam por não considerarem que “não se trata de ‘levar a comunidade
para a escola’, ou de fazer ‘visitas de estudo à comunidade’ pois ninguém
visita a sua própria casa” (PACHECO, 2014, p. 12). Essas tentativas de
definição restringem o significado amplo que o termo pode atingir.
Embora não seja possível estabelecer uma definição exata, algumas
ideias expostas pelo próprio José Pacheco ao longo de seus escritos dão-nos
alguma noção do que seja uma Comunidade de Aprendizagem. Em uma
coletânea de cartas dirigidas a célebres pensadores da educação afirma que
um educador pode criar “uma nova construção social, que, efetivamente,
151
eduque e seja agente de desenvolvimento humano sustentável. Poderá, à
míngua de melhor designação, dar-lhe o nome de… comunidade de
aprendizagem” (PACHECO, 2014, p. 15, grifo nosso). Essa construção
social pretende substituir sua precedente, criada para o atendimento das
demandas da sociedade do séc. XIX, insistentemente mantida até os dias
de hoje.
Em um glossário publicado em um trabalho mais recente, Pacheco
compila suas conclusões sobre o conceito na seguinte definição:
Práxis comunitária assente em um modelo educacional gerador de
desenvolvimento sustentável. Pode assumir a forma de rede social física,
ou de rede virtual. Nas palavras de Lauro de Oliveira Lima, são divisões
celulares da macroestrutura em microestruturas federalizadas num
conjunto maior, mais complexas, que facilitam o encontro entre
pessoas, espaços-tempos de preservação da unidade da pessoa, em lugar
de dividir a pessoa para assegurar a unidade da sociedade (PACHECO,
2019, p. 118).
Já no que diz respeito ao aspecto institucional, pode ser
compreendida como sendo uma “organização social autônoma, onde se
pratica uma gestão verdadeiramente democrática” (PACHECO, 2019, p.
52). Essa autonomia institucional, requisito para o reconhecimento de
propostas como Comunidades de Aprendizagem, é radical.
Quando se assume que, em comunidade de aprendizagem, se busca
trabalhar a gestão da escola em uma perspectiva democrática,
participativa e dialógica, por que se institui uma comissão gestora da
escola, se esta não substitui os órgãos de gestão tradicionais? De que
modo a gestão escolar ficará mais democrática e compartilhada, pela
introdução (ou intrusão…) de um órgão de gestão paralelo aos órgãos
152
de gestão tradicionais, que são quem detém o poder efetivo na escola?
(PACHECO, 2014, p. 34).
Com isso, esta acepção de Comunidade de Aprendizagem se
distancia de outras em que a escola não manifesta plenamente sua
autonomia institucional. Para que uma proposta educativa desta espécie se
constitua como algo verdadeiramente democrático é preciso, antes de tudo,
que seja gerada no seio de uma organização autônoma. Quer dizer, que
nasça em uma escola que tenha a autonomia como uma de suas finalidades
educativas e expresse coerência entre suas finalidades e suas práticas.
Por ser antagônica ao modelo de educação tradicional, uma
Comunidade de Aprendizagem é sempre uma inovação educacional.
Portanto, “a criação de uma comunidade de aprendizagem pressupõe a
reconfiguração das práticas escolares, uma indispensável ruptura
paradigmática” (PACHECO, 2014, p. 29). E assim não é possível
conceber uma Comunidade de Aprendizagem funcionando
“paralelamente” à escola tradicional, tampouco como mero apêndice desta,
oportunamente acomodada na forma de projeto acessório ao currículo
oficial da escola. Uma Comunidade de Aprendizagem representa sempre
uma profunda ruptura com os modos anteriores de ver e fazer educação.
Outro aspecto imprescindível à Comunidade de Aprendizagem é a
inclusão. Para o educador português, ela “pode estar associada à ideia de
uma comunidade de aprendizagem diferente, dentro da qual as pessoas
atingem níveis mais altos de desenvolvimento juntas do que conseguiram
separadamente” (PACHECO; EGGERTSDÓTTIR; MARINÓSSON,
2006, p. 119). Em sua proposta, a inclusão não se restringe aos estudantes
com necessidades evidentes. “Esses princípios implicam uma procura sem
fim por uma melhoria nas condições. Preocupações sobre o crescimento
afetivo e emocional das crianças são relevantes, assim como a qualidade da
153
relação pedagógica e a necessidade de disponibilizar um apoio contínuo a
todos” (PACHECO; EGGERTSDÓTTIR; MARINÓSSON, 2006, p.
119). A inclusão, assim descrita, dirige-se a todos os integrantes da
Comunidade, pois todos, em alguma medida, possuem necessidades a
serem satisfeitas.
alguns anos José Pacheco passou a residir no Brasil, onde
prestou assistência aos processos de transição de algumas instituições
escolares. Entre elas, a Comunidade de Aprendizagem do Paranoá (CAP)
e o Projeto Âncora, que por muito tempo foi referência em alternativa
educacional no país. Mais recentemente, juntamente com a equipe da
empresa “Ecohabitare”, passou a dar suporte ao estabelecimento de
Comunidades de Aprendizagem na Rede Pública de Ensino de todo o
Distrito Federal (DISTRITO FEDERAL, 2019, p. 24). Dessa iniciativa,
partiu à criação de uma Rede de Comunidades de Aprendizagem em nível
nacional, expandindo a experiência do DF.
A Rede iniciou suas atividades no Brasil em 2021, quando
protótipos de Comunidades de Aprendizagem, experiências em processo
inicial de transição, aglutinaram-se pelo interesse comum na emancipação
humana. Esse movimento engrenou por meio da realização de reuniões
semanais à distância com a presença de José Pacheco (on-line, haja vista a
pandemia do COVID-19 e a necessidade de conectar pessoas diversos
lugares do Brasil, Portugal e outros países). Nessas reuniões, estiveram
presentes educadores inquietos, alguns apenas curiosos, outros, egressos
das ofertas 1, 2 e 3 do curso “Aprender em Comunidade”, realizado por
Pacheco e a equipe Ecohabitare. Em uma dinâmica isomórfica (coerente
com relação aos processos de uma Comunidade de Aprendizagem) as
pessoas presentes foram instigadas a criar protótipos de Comunidade de
Aprendizagem a partir dos recursos disponíveis em seu entorno. Dessas
154
experiências vividas, trouxeram questões para serem refletidas
coletivamente nos encontros com integrantes da Rede em formação.
As equipes responsáveis pela implantação de cada protótipo foram
denominadas Núcleo de Projeto. Aliás, essa foi uma das primeiras tarefas
propostas nos encontros: encontrar outras pessoas inquietas com a
educação, aproximar-se delas e, com elas, iniciar a proposta de
transformação. As pessoas dos Núcleos de Projeto que participaram dos
encontros tiveram acesso a sete documentos básicos. Dentre eles, os
modelos de Plano de Inovação e de Termo de Autonomia. O Plano de
Inovação propõe os passos a serem executados no processo de transição da
escola rumo a um modelo inovador. O Termo de Autonomia, por sua vez,
é um contrato, adaptado a cada realidade, que estabelece as condições para
a garantia da continuidade do projeto dentro da escola. O grupo que lidera
os trabalhos oferece suporte jurídico voluntário aos participantes, de modo
que é disponibilizado o amparo legal necessário em caso de eventual
imposição de barreiras por gestores ou outros educadores. As
Comunidades de Aprendizagem possuem suporte na legislação
educacional, o que não acontece, por outra via, com a educação tradicional.
Portanto, o que está em trilho são Núcleos de Projeto desencadeando
processos que levam à constituição de Comunidades de Aprendizagem que,
por sua vez, integram-se em uma Rede.
No passado, Kohlberg constatou que modificações meramente
metodológicas não seriam suficientes para suscitar o desenvolvimento
moral. É necessário que haja uma atmosfera moral favorável a esse
desenvolvimento. Sob essa premissa, criou a Comunidade Justa. Da
mesma maneira, as Comunidades de Aprendizagem são iniciativas que
operam considerando a complexidade e, portanto, rejeitam serem
reconhecidas como meros acessórios pedagógicos com fins paliativos.
155
Ambas as experiências propõem uma profunda ruptura paradigmática,
capaz de situar a emancipação como horizonte de seus projetos educativos.
Autonomia, Pilar das Comunidades de Aprendizagem
O esclarecimento foi tratado por Kant (1783/1985) como sendo a
saída do sujeito do estado de menoridade. Ser autônomo, para ele,
significava ser capaz de fazer uso do próprio entendimento, sem depender
da intervenção de outrem. É quando a razão adquire a capacidade de se
determinar por leis por ela mesma estabelecidas. Os filósofos
frankfurtianos, todavia, concluíram que atingir a maioridade intelectual,
ou seja, o esclarecimento, não seria suficiente para superar a barbárie
promovida pela dominância de uma racionalidade de tipo instrumental
(ADORNO, 1995). Habermas (2012), como já dito, redimensiona esse
debate sobre a superação da razão instrumental acrescentando a
comunicação como elemento central para a emancipação. Emancipação,
em seu sentido etimológico, remete à ideia de retirar de si a mão que
aprisiona. Significa deixar de ser posse, tornar-se livre. Em outras palavras,
conquistar o estágio de autonomia. Na esteira da base construtivista de
Piaget, Paulo Freire (2002) dedica uma de suas obras, Pedagogia da
Autonomia, ao debate deste assunto.
Não é à toa que, em sintonia com a produção científica, os
principais documentos que orientam a educação escolar hoje, trazem em
seu bojo o conceito de autonomia. Neles faz-se referência a ela ora como
autonomia institucional, ora autonomia dos sujeitos. Em alguns
momentos, é concedido destaque à autonomia intelectual, em outros,
frisa-se a autonomia moral. De modo geral, em todos esses textos ela
significa capacidade de autogoverno. Por exemplo, nas finalidades do
Ensino Médio, que constam na Lei de Diretrizes e Bases da Educação
156
Nacional, a autonomia se manifesta como “o aprimoramento do educando
como pessoa humana, incluindo a formação ética e o desenvolvimento da
autonomia intelectual e do pensamento crítico” (BRASIL, 1999, n.p.). Na
mesma Lei se apresenta mais uma vez ao serem invocados os graus
progressivos de autonomia administrativa e pedagógica que cada
instituição escolar pode pleitear.
O Art. 17 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) ressalta
que “o direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física,
psíquica e moral da criança e do adolescente, abrangendo a preservação da
imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, ideias e crenças, dos
espaços e objetos pessoais” (BRASIL, 1990, n.p.). Ao longo das Diretrizes
Curriculares Nacionais da Educação Básica (BRASIL, 2013) a palavra
autonomia é citada 146 vezes. Com a mesma ênfase, as Diretrizes
específicas para a educação profissional no Brasil a tematizam da seguinte
forma:
VII - os saberes exigidos para exercer sua profissão com competência,
idoneidade intelectual e tecnológica, autonomia e responsabilidade,
orientados por princípios éticos, estéticos e políticos, bem como
compromissos com a construção de uma sociedade democrática, justa
e solidária (CNE, 2021, n.p., grifo nosso).
Esse conjunto normativo inspirado em princípios constitucionais
irradia-se, penetrando nos meandros das regulamentações escolares. A
regra, desse modo, é que a promoção da autonomia figure entre os
elementos basilares de Projetos Político-Pedagógicos, Projetos de Curso,
Regulamentos e Regimentos escolares, ementas de disciplinas etc. Porém,
mesmo que esse princípio esteja previsto na legislação educacional e seja
corroborado pelas Ciências Humanas, em especial pelas Ciências da
Educação, é impressionante que boa parte das escolas ainda insista em
157
expor seus estudantes à “ensinagem” (PACHECO, 2019). Em tais escolas,
vinculadas ao obsoleto paradigma da instrução, é comum que ecoe o
discurso da autonomia, sem que seja vivido no dia-a-dia escolar. Não há,
nesses casos, uma atmosfera favorável ao desenvolvimento moral. É essa
lacuna que a concepção adotada pelas Comunidades de Aprendizagem
dedica-se a preencher.
Considerações Finais
O desenvolvimento moral, objetivo educacional que opera na
contramão da barbárie civilizatória, deveria ser a primeira finalidade
educativa. Uma educação que não promova tal desenvolvimento,
tampouco logra desencadear processos que levam à construção da
autonomia dos sujeitos. Por meio dela não é possível alcançar a superação
do paradigma instrumental da racionalidade e, consequentemente,
conceder lugar ao paradigma da racionalidade comunicativa. Na educação
que não visa o desenvolvimento moral não há espaço para a participação,
para a cooperação, para a dialogicidade, não há lugar, portanto, para a
dimensão comunicativa. Esse impedimento converte-se em barreira para a
emancipação humana pela educação.
Por outro lado, a educação que se pretenda emancipadora deve
abrir possibilidades para que ocorra a descentração gradativa de
perspectivas entre os sujeitos. Isso pode ser viável em experiências
educativas que realizem programas metodológicos que contribuam
diretamente com o desenvolvimento moral, como a técnica da discussão
de dilemas morais, na Comunidade Justa ou a substituição das aulas por
processos de tutoria, nas Comunidades de Aprendizagem. Mas não apenas.
Elas também precisam favorecer um clima global propício a esse
desenvolvimento. Tanto a Comunidade Justa de outrora, quanto as
158
Comunidades de Aprendizagem do agora, levantam essa como uma de suas
bandeiras.
Esse desejável clima é algo que não encontra condições para sua
difusão no contexto da escola tradicional, pois ela ainda espelha o modelo
prussiano de educação obrigatória, inventado há aproximadamente
duzentos anos. É necessário romper com ele a partir de transformações que
repercutem nas quatro invariantes escolares (BARRERA, 2016): tempo,
espaço, relações com o saber e relações de poder. Tal ruptura paradigmática
é o que conclama a proposta das Comunidades de Aprendizagem, uma
entre muitas outras possibilidades de reinvenção do amanhã por meio da
educação. Atender a esse chamado é atender ao compromisso ético, de cada
um de nós, de transformar a educação, as pessoas, o mundo.
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162
163
A Ética da Amizade em Aristóteles e Suas Contribuições
na Relação Professor-Aluno
Mateus de Freitas BARREIRO
1
Alonso Bezerra de CARVALHO
2
Introdução
A relação entre Ética e Educação apresenta suas raízes na filosofia
grega, sendo ainda presente em diversos campos de pesquisas, tendo como
um de seus principais eixos norteadores a Filosofia da Educação, cuja
função é a de investigar os problemas educacionais com base nas reflexões
da filosofia, pois a produção do conhecimento filosófico faz parte da
reflexão dos processos educativos. Ao investigar áreas do conhecimento
como a Filosofia e a Educação, há um enorme esforço para se conhecer
amplamente as produções bibliográficas sobre a filosofia da ética de
Aristóteles e as implicações epistemológicas para os atuais processos
educativos. É certo que o ideal de formação ética na Antiguidade não deva
ser tomado como um modelo a ser integralmente implantado, mas, com
base nas tensões e reflexões com outros autores que também discutiram
1
Doutorando pelo Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE) da Faculdade de Filosofia e
Ciências (FFC), Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP), Campus de
Marília, São Paulo, Brasil. E-mail: mateusfbb@gmail.com
2
Professor Associado junto ao Departamento de Didática e do Programa de Pós-Graduação em
Educação (PPGE) da Faculdade de Filosofia e Ciências (FFC), Universidade Estadual Paulista
“Júlio de Mesquita Filho” (UNESP), Campus de Marília, São Paulo, Brasil. E-mail:
alonso.carvalho@unesp.br
https://doi.org/10.36311/2022.978-65-5954-317-5.p163-182
164
problemas relevantes para as atuais práticas de educação, é possível
caminhar por temáticas pouco exploradas, que podem proporcionar
contribuições para o desenvolvimento de reflexões que visem trabalhar
eticamente as relações de amizade, dentro e fora da sala de aula.
Quando se pensa a Educação com base em Aristóteles e em outros
autores, é necessário sempre respeitar o significado originário dos conceitos,
como foi proposto ao longo do presente trabalho. Ao se retomar Aristóteles
e outros autores no contexto ético-educacional atual, será inevitável abrir
mão de alguns períodos históricos que fazem parte da passagem da Grécia
Antiga para a modernidade, dados os limites deste trabalho, que não
conseguirá abarcar a história de vários séculos sobre as questões que
envolvem a amizade, ética e outros temas relevantes para a sala de aula. A
tarefa de situar a amizade dentro da filosofia, logo leva a uma constatação
de que a amizade não apresenta uma definição unívoca entre os filósofos,
e também varia de acordo com cada contexto cultural.
Na Grécia Antiga, a amizade que vinculava duas pessoas com
interesse em prosperar no âmbito mercantil, não era propriamente
considerada uma forma de amizade virtuosa, mas apenas um modo de
obter vantagens. Atualmente, as conotações que são mais disseminadas no
senso comum ao falar sobre amizade, se afasta da noção de amizade
virtuosa como os gregos preconizavam, mas na maioria dos casos, se remete
às relações que envolvem papéis sociais referentes a conhecidos, sócios,
colegas de escola, colegas de trabalho e outros espaços sociais que
proporcionam diversos modos de vínculos sociais.
É notável, que em diversos períodos históricos, a amizade
apresentou múltiplas diferenças que variam de acordo com cada época e o
modo peculiar que a amizade se estabeleceu entre os pares. Mas também
há algo de comum entre amizades, uma vez que a amizade envolve
elementos de alteridade, fundamental nas relações humanas nos dias de
165
hoje, assim como foi na Grécia Antiga. Embora a amizade seja uma palavra
comumente utilizada no cotidiano, seu sentido ainda precisa ser
delimitado no campo da filosofia e da educação, tendo em vista que o
aprofundamento teórico desse conceito poderá contribuir para entender as
atuais relações entre professor-aluno no campo dos conflitos que envolvem
esta tensão de ensinar e aprender.
Fundamentos Filosóficos do Conceito de Amizade
A história da amizade na filosofia perpassa vários séculos e
diferentes tradições filosóficas, sendo crucial entender como a questão da
amizade foi posta como um problema da filosofia, pois assim se pode
compreender as continuidades e descontinuidades que antecederam o
pensamento aristotélico no que concerne à noção de amizade. Na Grécia
Antiga, os deslocamentos semânticos da amizade não foram demarcados
apenas por rupturas lineares, mas também por diferentes entendimentos
que coexistiram sobre a questão, passando pelas epopeias homéricas
(poética), e pelos sofistas (sofística) e os distintos significados que foram
disseminados por filósofos
3
.
Em meio à filosofia de Sócrates e Platão, que visava à construção
do conhecimento e da formação ética, havia ainda os sofistas, cuja
concepção de Paideia estava voltada para fornecer seus serviços às pessoas
com aspirações políticas. Cabe destacar que o conceito de amizade advém
3
Uma das instituições gregas, que se manteve desde a época homérica até a democracia clássica e as
monarquias helenísticas, foi constituída por um modo peculiar de associação entre os amigos: a
heteria, que se tratava de relação política de amizade, um clube político no qual ingressavam homens
da mesma idade e camada social para discutir assuntos políticos, militares e jurídicos da pólis
(ORTEGA, 2002, p.18). A heteria é uma instituição em que coexistiu formas de pensamento
mitológicas, sofísticas e filosóficas ao longo de vários séculos. Mas no ideal educativo da Grécia
Antiga predominou o conhecimento filosófico, mesmo que houvesse um entrelaçamento com ideais
educativos utilizados em períodos anteriores.
166
do grego philia e veio à tona com Heródoto, no século V a.C., trazido
pelos poemas homéricos como adjetivo phílos, como verbo philein e como
o substantivo philotés, sendo todos eles ligados aos aspectos das relações
interpessoais que remetem às relações de amizade. Phílos é utilizado por
Homero em uma dupla acepção, o sentido possessivo e o afetivo, com uma
predominância acentuada do primeiro (ORTEGA, 2002, p.17). Na poesia
Íliada e Odisséia de Homero, a philia é concebida pelo mítico, e nesse
período a educação era disseminada por meio da cultura oral das epopeias
e a figura dos deuses serviu de inspiração para que os homens pudessem
almejar a virtude. A palavra aretê, que mais tarde foi traduzida por virtude
ou excelência, é nos poemas homéricos utilizadas para descrever a virtude
de algo. É certo, que cada época valorizou mais determinados tipos de
virtudes em detrimento de outras; por exemplo, na Grécia Homérica, a
virtude de coragem foi uma das virtudes centrais naquele tempo, pois era
preciso se defender nas batalhas e manter controle da pólis.
As diferentes concepções sobre a amizade estiveram presentes na
cultura grega e foram reconfiguradas de acordo com as mudanças na pólis
e nos ideais educativos, no sentido da Paideia. Outro ponto a ser destacado
sobre a inserção da amizade na filosofia, é que, em termos linguísticos, a
filosofia emanou de uma relação com o conhecimento e a amizade, a
palavra filo (oriunda da amizade philia) e sofia (sophía, sabedoria). A
atividade que aproxima a amizade da sabedoria é a filosofia, que foi
construída por meio do exercício de dialogar e interrogar. O interesse em
Sócrates pela construção de um saber tem como ponto de partida a
interrogação sobre o conhecimento de seus antecessores (denominados
pré-socráticos), que se voltavam ao estudo da physis
4
. Mas Sócrates tinha
4
Segundo Muracho (2015), conceito de physis “brotação”, ou seja, o ato dinâmico de brotar e
nascer (MURACHO, 2015, p. 14). É comum encontrarmos entre os comentadores de filosofia
grega, que a palavra physis remete à natureza, mas para conhecer com maior profundidade este
167
outras preocupações, além dos estudos sobre a natureza e o universo, já que
seus anseios também se voltavam sobre a conduta humana, ou seja, sobre
o que é bom, o que é justo, e outras indagações sobre como se viver bem.
Uma das indagações socráticas sobre a conduta humana é desenvolvida no
diálogo Lysis, de Platão, na qual a amizade é discutida por Sócrates, que
questiona sobre qual é a natureza da amizade, perguntando se a amizade
diz respeito a uma espécie de alteridade, ou é fundamentada na semelhança,
ou naquilo que não é semelhante (PLATÃO, 1997, p. 24). O diálogo se
passa com Sócrates estimulando a interação entre dois adolescentes (Lysis
e Menexeno) sobre qual é a verdadeira natureza da amizade. É notável que
no diálogo, Sócrates e os dois garotos não chegaram a uma conclusão do
que é a amizade, mas a amizade entre os meninos pode ter sido constatada.
A característica aporética
5
de Sócrates, também é encontrada na discussão
sobre um mesmo desejo que mobiliza e dissolve a distinção entre o eros
(amor) e a philia (amizade). A teoria do eros nos diálogos platônicos é
justamente construída quando é posta em relação com a amizade, em que
são discutidos os desejos e afecções em comum nas relações de amor e
amizade (PLATÃO, 1997, p. 31). Mas, a reflexão sobre a philia platônica
também pode ser analisada ao ser posta em relação com a ontologia
platônica, na qual o filósofo é amante e amigo da sabedoria e a amizade é
conceito, sugere-se a consulta do artigo “O conceito de physis em Homero, Heródoto e nos P-
Socráticos”.
5
O termo aporético (aporetikós), diz respeito a aporia; sem solução. Diz-se dos diálogos socráticos
de Platão, que se encerram sem uma solução definitiva para a questão examinada, tendo mais valor
o exame do problema do que a solução final (JAPIASSÚ, 1990, p. 16). Na obra Metafísica de
Aristóteles, a aporia é o ponto de partida do método diaporético, que consiste em três fases: 1)
Levantar as aporias e as dificuldades que são herdadas de uma tradição anterior ou aquelas que não
foram anteriormente resolvidas; 2) A separação minuciosa das aporias, consiste na dedução de
premissas dialéticas (endoxa) das dificuldades que confrontam cada aporia; 3) Consiste no
desdobramento de uma solução positiva para cada uma das questões aporéticas colocadas. Essas três
fases podem ser descritas respetivamente como aporética, diaporética e euporética. (AGUIRRE,
2010, p. 18-19).
168
um meio para se buscar a verdade (alethéia) por meio da filosofia. Nos
diálogos platônicos do segundo período, como em República e o Banquete,
em que são propostas por Platão as Teorias das Ideias e o Mito da Caverna,
a amizade continua a ter um aspecto racional e está em consonância com
a busca pelo conhecimento. É no diálogo com o outro, que a amizade tem
a sua importância para construir o conhecimento filosófico.
Mas, sem dúvida, o tratado sobre a amizade de Aristóteles se torna
consistente por ser desenvolvido com uma precisão que não foi constatada
desde o começo da história da filosofia; o problema da amizade foi posto
desde Sócrates, mas o mesmo problema da amizade foi recolocado de
modo empírico por Aristóteles, ou seja, a amizade aristotélica é
fundamentada nas observações das relações entre os cidadãos para,
posteriormente, ser formulada a ideia dos mesmos. A inserção da amizade
dentro da epistemologia aristotélica faz parte das ciências práticas, que
envolve os estudos da ética e da política, o que torna relevante a escolha de
Aristóteles para trabalhar o campo da educação atual, que necessita cada
vez mais que a amizade na sala de aula possibilite formar cidadãos. É certo
que Aristóteles não criou o termo pedagogia, já que a relação entre a
filosofia e a pedagogia era algo natural, pois a filosofia era concebida como
um processo educativo.
A obra Ética a Nicômaco é subdivida em dez livros, ao passo que a
Ética Eudêmica contém oito livros, mas em algumas edições os livros são
unificados em uma mesma obra. Sobre a discussão entre as obras EN e EE,
é possível constar que a noção de amizade é encontrada na obra EN nos
livros VIII e IX. A proposta central de EN é utilizar as ciências práticas
para compreender a práxis do comportamento humano e os pressupostos
que envolvem as ações virtuosas. A amizade é uma temática que foi
destacada por diversos filósofos da Antiguidade, mas a importância de
estudá-la em Aristóteles, para subsidiar as discussões contemporâneas sobre
169
o tema, reside em sua primazia: foi o primeiro tratado sistematizado sobre
ética, que abrange o agir humano e as relações entre os indivíduos, o que
destaca sua importância na história da filosofia. Vale, então, aprofundar o
que é a noção de amizade, levando a inquietação de que ninguém optaria
por viver sem amigos, mesmo que ainda dispusesse de outros bens. O
resumo das indagações iniciais de Aristóteles sobre a amizade se encontra
na seguinte passagem:
Com efeito, ninguém escolheria viver sem amigos, ainda que dispusesse
de todos os outros bens, e até mesmo pensamos que os ricos, os que
ocupam altos cargos, e os que detêm o poder são os que mais precisam
de amigos; de fato, de que serviria tanta prosperidade sem a
oportunidade de fazer o bem, se este se manifesta sobretudo e em sua
mais louvel forma em relação aos amigos? Ou então como se pode
manter e salvaguardar a prosperidade sem amigos? Quanto maior ela
for, mais perigos correrá. E por outro lado, as pessoas pensam que na
pobreza e no infortúnio os amigos são o único refúgio (EN VIII,
1155/2012, p. 163).
Nessa passagem, Aristóteles evidencia a necessidade em se ter
amigos acima de outros bens materiais e do poder, mas Aristóteles pondera
que em situações adversas como a pobreza, a amizade não é o único refúgio,
porém, ela é indispensável para se viver bem, o que ressalta ainda mais a
clássica afirmação aristotélica de que o homem é um animal político (Zoon
Politikon) e necessita viver em uma comunidade (koinonia). A amizade
também possui elementos éticos, visto que os amigos querem o bem um
ao outro, na qual a alteridade se trata de um ideal de virtude que talvez
possa se atualizar nas demais relações sociais. Outro ponto que merece
destaque, é que a escolha dos amigos depende de certa afeição, porém, em
certos contextos como a sala de aula, a amizade une aqueles que fazem
parte de um mesmo espaço, mas que formam elos que vão além do espaço
170
institucional, uma vez que o encontro não é regido apenas por pessoas que
buscam os mesmos objetivos institucionais. Mas a amizade entre duas
pessoas é o que possibilita ver uma mesma realidade de diferentes formas
e, sobretudo, para reorientar condutas que possam contribuir para olhar o
outro de maneira recíproca. A necessidade do outro como elemento
avaliativo das ações é o que possibilita formar um cidadão ético e
participante da comunidade política, mas, de fato, a mediação de outrem
é o que possibilita a reciprocidade e por entender a si mesmo.
Aristóteles já evidenciou que o amigo é um outro eu. Essa
concepção dos gregos para se conhecer a si mesmo por meio do outro
também diz respeito às reflexões sobre a aquisição do conhecimento, pois
o ensino pode ser comumente concebido como uma didática fechada que
sempre segue passos preestabelecidos, sem a interação do outro como
elemento participativo na construção do conhecimento, na qual limitaria
as possibilidades de interação do aluno como um agente participativo do
conhecimento. Outro aspecto relevante para a educação, é que Aristóteles
não tinha uma concepção de uma pólis una e homogênea, mas considera
que a pólis possa ser formada por cidadãos singulares que formularam leis
e são regulados por elas, mas essa concepção de diversidade fica evidente
apenas em Política. A concepção de pluralidade dos cidadãos parece
não ser algo de fácil apreensão em EN, visto que amizade virtuosa ou
perfeita ocorre apenas entre os semelhantes. Entretanto, mesmo que em
EN não esteja explícito como se dá a amizade entre os dessemelhantes, há
algumas alusões de relações de amizade entre jovens com os mais velhos, e
entre os que mantêm uma relação de utilidade (EN VII, 1155/2012, p.
129). Porém, a amizade baseada na utilidade é a forma mais frágil de
amizade, e possui características acidentais. A amizade baseada na utilidade
tem, em sua consistência interna, o caráter acidental, pois a pessoa não é
considerada por seu caráter, mas apenas pela utilidade que gera. Aristóteles
171
considera que esse tipo de amizade acidental tende a se desfazer facilmente,
caso as partes não mantenham os elos como eram no início, porque se uma
das partes cessa de ser agradável ou útil, a outra deixa de amá-la (EN VIII,
1155/2012, p. 166).
A amizade centrada no prazer é similar à amizade baseada na
utilidade, por ter seu caráter eminentemente acidental, tendo em vista que
a amizade se perpetuará somente enquanto durar o prazer. Aristóteles se
refere à amizade baseada no prazer em relação aos jovens que
constantemente buscam o prazer; porém este prazer não tem continuidade,
mas apenas intensidade. O único tipo de amizade em que o indivíduo é
considerado virtuoso é a amizade perfeita. Para Aristóteles, a amizade
perfeita é aquela que existe entre os homens que são bons e semelhantes na
virtude, pois tais pessoas desejam o bem um ao outro de modo idêntico, e
são bons em si mesmos (EN VIII, 1155/2012, p. 167).
O costume em pensar nos interesses coletivos da cidade, é próprio
da amizade para os devidos fins políticos, que na Antiguidade ocorria em
um espaço público-político. Mas nos dias de hoje, a amizade política, está
perdendo espaço para as relações sociais que são voltadas para os interesses
em bens privados, sendo característico de um modo de viver utilitarista,
em que se visa obter meios eficazes para atingir finalidades que podem
servir a determinados aparelhos ideológicos como o Estado, as
organizações e a família. Na Renascença foi possível constatar a falta de
interesse por parte dos filósofos em relação à amizade. Bacon, por exemplo,
trata da amizade de modo breve, dedicando-lhe poucas páginas em seus
célebres Ensaios e Kant faz o mesmo em suas Lições de ética. Schopenhauer,
Nietzsche e Croce também escreveram a respeito da amizade, mas apenas,
pode-se dizer com a mão esquerda (BALDINI, 2000, p. 11).
Foi na Renascença, sobretudo, a partir do pensamento de
Montaigne, que a amizade se tornou um fenômeno exclusivo do espaço
172
privado, um acontecimento que se restringe a ele e ao amigo, que se afasta
da noção de amizade como um fenômeno público (ORTEGA, 2002, p.95).
É notável que o declínio da amizade política e a ascensão da organização
familiar, haviam ocorrido muito antes da Renascença e se deve,
principalmente, a uma herança proveniente da tradição cristã, que teve seu
ápice na Idade Média, mas que ainda se perpetua na sociedade
contemporânea sob uma óptica mercantilista.
Ao discutir os paradigmas das noções de amizade em diferentes
contextos, é preciso tecer uma ressalva, de que para entender a história da
amizade ao longo de vários séculos, se torna fundamental um estudo
historiográfico aprofundado que ultrapassará os limites deste capítulo.
Desse modo, o processo de construção cultural em torno da amizade é
fortemente marcado pela cultura de cada época, mas o modo como a
concepção de amizade foi se modificando ao longo da história, faz parte
um processo heterogêneo de pensamentos que sofre rupturas e
continuidades. A amizade enquanto um problema do conhecimento vem
sendo retomada no século XX e XXI por filósofos, educadores, sociólogos
e psicólogos que investigam a amizade dentro do espaço privado, que foi
iniciada com na Renascença.
A crise atual nas relações sociais é peculiar ao próprio processo de
subjetivação que a sociedade contemporânea produz em que a amizade por
utilidade e prazer, são valorizadas em diversos meios sociais, incluindo até
mesmo a sala de aula. Ao discutir a importância da ética em Aristóteles no
campo educacional, há possibilidades de vislumbrarmos mudanças na
formação ética de alunos e professores na tentativa de formar cidadãos
virtuosos. Porém, a tentativa em desenvolver a ética das virtudes na sala de
aula, é uma tarefa árdua, pois os esforços necessários para ser virtuoso,
tende a se chocar com a cultura utilitarista e hedonista da sociedade
contemporânea, em que coisas precisam ter soluções rápidas e prazerosas.
173
As características utilitaristas e hedonistas que fazem parte da
sociedade contemporânea são caracterizadas por alguns autores como
fenômenos da sociedade moderna ou pós-moderna. Qualquer definição
sobre o que é modernidade ou pós-modernidade, envolve diversos
paradigmas sobre o conceito de sociedade, cultura e arte. Embora alguns
autores entendam que a pós-modernidade é uma ruptura com a visão
renascentista da modernidade, entende-se aqui que a passagem da
modernidade para a pós-modernidade culminou na forma de um processo
contínuo: “éramos, de fato, tal como nossos predecessores imediatos,
modernizadores compulsivos e obsessivos” (BAUMAN, 2010, p. 11).
Desse modo, na sociologia de Bauman, a modernidade é
considerada um processo social e intelectual que começou no Iluminismo
e se estendeu na sociedade industrial. Atualmente o sociólogo utiliza o
termo modernidade líquida para se referir a um tempo que atingiu seu
auge no século XXI, tendo como características a passagem de estruturas
sociais sólidas para a competição e consumo; a responsabilidade de
fracassos remetidos ao plano individual; a dificuldade em amar o próximo;
o processo de apaixonar-se e desapaixonar-se constantemente. (BAUMAN,
2004) Em Amor líquido, Bauman refletiu sobre a característica volátil do
mundo moderno e seus reflexos na (de)formação de uma subjetividade
consumista que permeia o modo como os vínculos sociais são
(des)construídos (BAUMAN, 2004, p. 14). Pensando a amizade sob
contexto diferente dos gregos, podemos constatar a superficialidade nas
amizades, através dos incontáveis amigos que as pessoas buscam nas redes
sociais, ou ainda, a rapidez com que as pessoas tendem a construir e
descontruir uma amizade.
174
Ética da Amizade e a Relação Professor-Aluno
O desejo que as pessoas têm em preencher o vazio existencial
característico da sociedade contemporânea tende a afetar mais ainda os
adolescentes, que estão em uma fase de formar grupos de amizades e
vivenciar novas experiências. A amizade por prazer também pode ser
concebida como uma das buscas de identificação entre os membros de um
grupo de amigos. Ao pensar como a educação está imbricada em uma
lógica utilitarista, em que a sala de aula é concebida apenas como um local
para formar sujeitos racionais e como isso pode ocasionar um processo de
patologização, já que tudo aquilo que foge às normas da escola é concebido
como anormalidade, é preciso encontrar mecanismos de apropriação dessa
nova realidade em prol do desenvolvimento ético. A atitude crítica perante
os hábitos hedonistas da modernidade, requer formação, e antes de tudo,
um esforço para reorientar os pensamentos individualistas, em que a
formação ética poderá contribuir no cotidiano dos alunos e professores.
Mesmo havendo diferença entre o professor-aluno, este encontro é
constituído em um espaço comum a sala de aula, que pode ser um lugar
não apenas voltado para a aprendizagem de conteúdos utilitaristas, mas um
lugar onde também é possível se relacionar com o outro, contribuindo para
a formação de um sujeito com senso de justiça e responsabilidade perante
a sociedade. Por outro lado, é preciso pontuar as diferenças entre a amizade
professor e aluno, sem delimitar as diferenças advindas deste vínculo;
haverá uma incongruência de ordem epistemológica e pedagógica. A
formação do indivíduo virtuoso na Grécia Antiga ocorreu em um contexto
no qual a amizade entre professor-aluno envolvia uma relação de amizade
entre mestre-discípulo. O mestre não é apenas aquele que transmite
verdades para o discípulo memorizar, como se não houvesse uma história
de vida e uma realidade social entrelaçada entre ambos. Este entrela-
175
çamento entre história de vida e realidade social poderia ser o ponto de
partida para a construção e interlocução de ambos, para que possa ser
construído um diálogo que questione sobre as instituições contemporâneas,
que deveriam formar cidadãos críticos e virtuosos.
A relação professor-aluno não deve ser entendida no sentindo do
senso comum, como um mero vínculo amistoso entre duas pessoas. O
objetivo da amizade em um contexto educacional requer determinadas
condições para que o professor estabeleça propostas práticas para que o
aluno possa tentar ser virtuoso em suas ações, bem como instigar o aluno
a chegar a ser um sujeito ativo no processo de construção do conhecimento.
É certo que todas as relações de amizade passam por tensões, inclusive a
relação entre professor e aluno, pais-filhos ou relações amorosas.
Primeiramente, a amizade não é um sentimento imutável, mas suas tensões
talvez possam ser superadas pelo entendimento das causas que geraram o
conflito, em que o encontro entre os amigos tem o sentido de melhorar a
si mesmo e o outro. Em contrapartida, nem todo o tipo de amizade se
propõe a superar os conflitos inerentes às relações interpessoais, pois o
propósito de cada amizade pode variar drasticamente, como propôs
Aristóteles. Uma das saídas para tentar responder a esses conflitos que
ocorrem nas relações pessoais, dentro e fora da sala de aula, pode ser por
meio de um trabalho sobre a “ética das virtudes”, que poderá trazer
elementos para as reflexões sobre a formação de professores e as práticas
pedagógicas.
A proposta de retomar Aristóteles no âmbito da formação de
professores e das práticas pedagógicas foi enfatizada no artigo, Aristotle for
Teachers as Moral Education, em que é sustentada a tese de que, com a
filosofia de Aristóteles é possível ter uma base conceitual para fornecer
elementos necessários para a formulação de programas em educação que
preparem os professores para desenvolver a questão da formação do caráter
176
na sala de aula (ROBENSTINE, 1998, p. 107). Entre autores que
retomam Aristóteles em contextos educacionais, destacam-se Thomas
Lickona, Kevin Ryan, Edward Wyne, Stephen Tigner e outros. Esses
autores partem do pressuposto de que a virtude não é assimilada por meio
de contingências verbais racionais, pois a virtude se concretiza, sobretudo,
pelo hábito, e pode ser desenvolvida por meio de reflexões sobre a
experiência concreta que os alunos vivenciam. A proposta de formar o
caráter virtuoso dentro das escolas faz parte do modelo da educação criado
por Thomas Lickona, que originou o livro Education for Character: How
our Schools can Teach Respect and Responsability (1991), em que Lickona
propõe aspectos cruciais para a formação de professores e das práticas
pedagógicas no que concerne o desenvolvimento das virtudes morais e
intelectuais.
O referencial de Aristóteles permite lembrar que, nos tempos
modernos, a importância da vida virtuosa é esquecida, incluindo o
autocontrole e a moderação, bem como outras virtudes orientadas para a
generosidade e a compaixão. É necessário estarmos no controle de nós
mesmos nossos apetites ou nossas paixões em direção ao outro
(LICKONA, 1991, p. 65). Ao longo da obra, o autor ressalta as conexões
entre os aspetos intelectuais e morais na escola, argumentando ser
necessária a inclusão de um currículo acadêmico que discuta questões
morais para que as escolas efetivamente formem alunos inteligentes e éticos.
Basta lembrar que, em EN, a aquisição das virtudes nem sempre pode ser
incorporada por meio da racionalidade oriunda da virtude intelectual, pois
é preciso que exista a mediação da virtude moral para que as condutas
virtuosas sejam desenvolvidas por meio do hábito. Desse modo foi
destacado, tanto para a formação de professores quanto para as práticas
pedagógicas a necessidade em desenvolver um olhar atento sobre os
dualismos entre teoria-prática, razão e emoções e etc. Sob o ponto de vista
177
da formação de professores, Lickona dedica o quinto capítulo de seu livro
The Teacher as Careviger, Model and Mentor para discutir a importância
do professor como cuidador, modelo e mentor na educação dos alunos.
Na sala de aula, os alunos têm dois tipos de relações: a sua relação com o
professor e o seu relacionamento uns com os outros. Os professores podem
servir como mentores fornecendo pressupostos éticos por meio da
explicação, discussão de fatos, encorajamento pessoal e feedback quando
um aluno magoa o outro ou a si próprio (LICKONA, 1991, p. 83-84).
Nesse sentido, é possível escutar os alunos e desenvolver narrativas de
dilemas éticos para refletir como esses dilemas ocorrem no cotidiano
dentro e fora da sala de aula.
A vivência na sala de aula apresenta diversas oportunidades para
trabalhar situações de conflito. Lickona (1991) sugere cinco pressupostos
básicos para se trabalhar práticas pedagógicas que abarquem o conflito na
sala de aula, a saber: (I) um plano de currículo que coloque os alunos para
pensar, escrever e falar sobre os vários tipos de conflitos; (II)
desenvolvimento de habilidades que são ensinadas por alunos-monitores
para prevenir e resolver conflitos; (III) utilizar as reuniões de classe para
resolver conflitos que ocorrem entre os membros da classe e estabelecer
normas de resolver conflitos de forma justa e sem violência; (IV) intervir,
quando necessário para ajudar os alunos a desenvolver suas habilidades
interpessoais no momento de um conflito real; (V) tornar os alunos cada
vez mais responsáveis para trabalhar seus conflitos sem o auxílio de um
adulto (LICKONA, 1991, p. 300). Esses pressupostos básicos que
nortearam as práticas pedagógicas desenvolvidas por Lickona, auxiliaram
na tarefa de discutir a amizade como possibilidade de formação ética na
relação professor-aluno em um contexto ético-educacional.
Como prática pedagógica para resolver conflitos, o professor
também poderá organizar reuniões que tratem da queixa de seus alunos,
178
mas sem citar o nome dos alunos, pois poderá expor os envolvidos no
conflito, e poderá levar os envolvidos a adotar uma postura de negar os
problemas. Ao descrever um dilema moral, o professor poderá pensar em
conjunto com os alunos como surgiu este conflito: “Qual a causa deste
conflito?”. Em seguida, ele poderá perguntar, como é que cada pessoa se
sentiu neste conflito? Essas questões poderão levar a classe a propor qual
será a melhor solução para esse conflito.
O maior desafio dessas práticas que trabalham a formação ética será
o de elaborar práticas pedagógicas, que não dizem respeito apenas ao
ensino dos conceitos do ponto de vista teórico, mas pensar como os alunos
poderão incorporar a ética como modo de vida. Tendo em vista que a
amizade é uma virtude que coexiste com as emoções de rivalidade, o ensino
de pressupostos éticos como a amizade, ética, a virtude, entre outros,
poderá não ser o suficiente para que o aluno internalize uma conduta
virtuosa, pois é preciso que ele reconheça o pensamento que pode gerar
uma ação, e pense nos desdobramentos de uma ação sem ir para um
extremo ou outro. A proposta de desenvolver práticas pedagógicas para
formar eticamente o aluno por meio do hábito de agir virtuosamente, tem
o intuito de justamente cobrir a lacuna que o ensino de princípios gerais
teóricos sobre a ética não obtém êxito, pois a incorporação da virtude
moral advém da experiência empírica do aluno com a sua realidade.
As reflexões sobre a amizade como um elemento de formação ética
serão úteis na discussão de exemplos cotidianos ao tratar dos dilemas
morais que os alunos vivenciam na sala de aula. Pois quando o aluno se
depara com uma experiência direta que envolva um dilema ético, é possível
que ele avalie seus desejos conflitantes e, no processo de elaboração das
decisões que incidam em uma ação, o aluno e os demais agentes envolvidos
poderão rever suas decisões e contribuir para consigo mesmos, com a escola
e com a sociedade.
179
Considerações Finais
O presente trabalho inseriu-se no domínio da Filosofia da
Educação, tendo como principal propósito trazer as contribuições da ética
da amizade, com foco em Aristóteles, para o campo da educação, com a
tese central de investigar como a noção de amizade em Aristóteles pode
contribuir para as relações professor-aluno. Para fundamentar os elementos
conclusivos dessa tese central, primeiramente buscou-se respeitar o
significado originário da noção de amizade para Aristóteles, tendo como
ponto de partida a retomada do conceito de amizade enquanto problema
da filosofia, desde a Grécia Antiga, rompendo, assim, com uma
compreensão mítica da realidade. Na educação brasileira a pesquisa e
maior investigação do conceito de amizade em Aristóteles, constitui-se um
campo fértil, visto que a rivalidade entre professor aluno envolve múltiplas
causas psicológicas, sociais, culturais e de formação docente aquém das
reais necessidades exigidas para uma educação plena, do ponto de vista da
formação do homem.
Neste momento, à guisa da conclusão, torna-se fundamental
sintetizar as implicações pedagógicas que a noção de amizade aristotélica,
poderá ter para contribuir com as ressonâncias na formação de professores
e nas práticas pedagógicas: 1) A formação ética depende de uma atitude
filosófica do docente que possibilite refletir, indagar e nortear as ações que
contribuam na difícil tarefa de formar alunos virtuosos na atual cultura
utilitarista e hedonista. 2) As diversas formas de relações sociais
desenvolvidas em sala de aula também são emocionais, fato que expõe
como condição necessária o desenvolvimento da virtude moral, visto que
a mesma não depende apenas do conhecimento, mas da ampliação de
experiências cotidianas que propiciem o hábito dos alunos para praticar
ações virtuosas. 3) A construção do conhecimento ocorre na relação entre
180
sujeito e objeto, em que a sala de aula se apresenta como um espaço para
trabalhar os aspectos éticos e epistêmicos do aluno. 4) A pedagogia da
amizade que se estabelece na relação professor-aluno visa formar um sujeito
ativo para formular suas hipóteses, análises e saídas significativas para dar
sentido à produção do conhecimento, à sua existência e à do outro.
A partir das sínteses gerais formuladas acima, conclui-se que a
qualidade na relação entre professor-aluno, é uma das principais condições
que proporcionam a mediação entre sujeito e objeto do conhecimento,
sendo uma relação pedagógica marcada pela conjunção entre razão e
emoção, bem como pela dimensão ética e epistêmica. A proposta de
desenvolver práticas pedagógicas para formar eticamente o aluno por meio
do hábito de agir virtuosamente, tem o intuito de justamente cobrir a
lacuna que o ensino de princípios gerais teóricos sobre a ética não obtém
êxito, pois a incorporação da virtude moral advém da experiência empírica
do aluno com a sua realidade.
As reflexões sobre a amizade como um elemento de formação ética
serão úteis na discussão de exemplos cotidianos ao tratar dos dilemas
morais que os alunos vivenciam na sala de aula. Quando o aluno se depara
com uma experiência direta que envolva um dilema ético, é possível que
ele avalie seus desejos conflitantes e, no processo de elaboração das decisões
que incidam em uma ação, o aluno e os demais agentes envolvidos poderão
rever suas decisões e contribuir para consigo mesmos, com a escola e com
a sociedade.
Referências
AGUIRRE, J. La forma aristotélica y la solución de las apórias del libro
beta. Eidos, v. 2, n. 12, p. 158-200, 2010.
181
ARISTÓTELES. Ética a nicômaco. Trad. Torrieri Guimarães. São
Paulo: Martin Claret, 2012.
BALDINI, M. Amizade & filósofos. Trad. Antônio Angonese e
Laureano Pelegrini. Bauru: Editora do Sagrado Coração, 2000.
BAUMAN, Z. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Zahar, 2004.
BAUMAN, Z. Legisladores e intérpretes: sobre modernidade, pós-
modernidade e intelectuais. Rio de Janeiro: Zahar, 2010.
JAPIASSÚ, H. Dicionário básico de filosofia. São Paulo: Zahar, 1990.
MURACHCO, H. G. O conceito de physis em Homero, Heródoto e
nos p-socráticos. Hypnos, São Paulo, v. 1, n. 2, p. 11-22, 2015.
ORTEGA, F. Genealogias da amizade. São Paulo: Iluminuras, 2002.
PLATÃO, A. República. Trad. Enrico Corvisieri. São Paulo: Nova
Cultural, 1997.
ROBENSTINE, C. Aristotle for teachers as moral educators. Philosophy
of Education Archive, v. 1. n. 2, p. 107-114, 1998.
182
183
Por Que Devemos Pensar sobre a Moral?
Uma Reflexão à Luz da Pedagogia Waldorf
Maíra de Oliveira MARTINS
1
Introdução
O que é uma vivência moral? Será um apanhado de regras de
convivência social, o conhecimento de leis divinas, ou a atuação para o
bem dos menos privilegiados de toda ordem? Indagações neste sentido nos
levam a refletir o porquê devemos nos debruçar sobre o estudo da moral
humana. Um aspecto que observamos estar relacionado a este estudo é o
fato de poder despertar algo profundo, em alguns, muito ou pouco, seja
de maneira consciente ou inconsciente, ao se deparar com eventos que
envolvam a injustiça, desigualdade, sofrimento, dor, entre outros. Esse
sentimento que surge pode estar relacionado com a tristeza, indignação,
raiva, compaixão etc. O fato é que esse fenômeno é passível de acontecer,
e, por estarmos inseridos na cultura atual, podemos refleti-los. Nas páginas
que se seguem tentaremos refletir sobre a moral e sua relação com a
humanidade atual. Rudolf Steiner (1861-1924), filósofo e educador
austríaco, fundador da Pedagogia Waldorf, traz estudos acerca deste tema
cultural da moral humana.
1
Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE) da Faculdade de Filosofia e
Ciências (FFC), Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP), Campus de
Marília, São Paulo, Brasil. E-mail: maira.martins@unesp.br
https://doi.org/10.36311/2022.978-65-5954-317-5.p183-204
184
De acordo com o autor, para conhecer o ser humano é necessário
compreender o mundo o qual ele vive. O ser humano vem a ser um
microcosmo, a imagem do Cosmo, ou seja, Universo. Nesse sentido, o
Universo e seus mundos passaram por desenvolvimentos anteriores ao
estado atual, o ser humano constitui-se como um fator desse
desenvolvimento e ambos ainda perpassarão por desenvolvimentos
futuros. “A vida atual coloca em questão muito do que o homem herdou
de seus antepassados.” (STEINER, 2012, p. 11). Do mesmo modo,
continuamos traçando nosso “destino” como humanidade. No que tange
à moral, só podemos compreendê-la na medida em que inserimos o ser
humano dentro do mundo, cultural e cósmico, à vista de contemplar o seu
desenvolvimento, a fim de conseguirmos captar os recursos humanos que
se tinham, os que permaneceram e os que devem sucumbir para que
possamos alcançar uma verdadeira vivência moral. Compreenderemos o
homem como ser moral quando nos deparamos com esse impulso no qual
provém seus atos morais, em sua alma.
[...] a coisa de menos importância no âmbito moral é sabermos o que
se deve fazer, qual a ação correta no domínio da moral. No âmbito da
moral o mais importante é que vivam no nosso íntimo certos impulsos
que, em razão de seu vigor, de sua força interior, transformem-se em
ações morais, isto é, exteriorizem-se moralmente. A esse resultado não
levam absolutamente as pregações sobre moral ou resultados dessas
pregações, como é sabido. Fundamentar moral significa conduzir o
homem às fontes em que ele pode apropriar-se dos impulsos de onde provêm
as forças que levam à ação moral. (STEINER, 1985, p. 14, grifo nosso).
Compreendemos, então, que para pensarmos em uma
fundamentação sobre a moral, devemos entender como se passaram os
impulsos culturais, desde os mais remotos, no desenvolvimento do ser
185
humano, sobretudo de sua consciência. Quando olhamos para trás, na
História da humanidade, observamos com facilidade a distinta consciência
dos povos. Os personagens históricos que surgiram, como os filósofos e
pensadores, ativistas, entre outros, nos mostram, se observamos bem, os
impulsos colocados à serviço do desenvolvimento da consciência humana.
Para Steiner (1998), a evolução do ser humano, de maneira geral,
ocorre desde épocas longínquas, anteriores à mencionada na História, que
segundo o autor, só compreendem até o que os sentidos materialistas
podem alcançar. De acordo com suas pesquisas, o desenvolvimento do ser
humano ocorre a partir de um processo que parte da unificação com o
Todo para uma individualização, do qual ainda estamos percorrendo.
Assim, em evoluções planetárias, vem sendo desenvolvido a natureza do
ser humano, de maneira que sua consciência vai se tornando cada vez mais
nítida em relação ao mundo exterior, por um lado, e tornando-se
autoconsciência, por outro (STEINER, 2004).
Portanto, viemos de uma situação de inconsciência exterior, para o
estado de uma consciência onírica, que por sua vez foi aumentando o grau
de lucidez e ampliação do mundo ao redor; por fim, atualmente
encontramo-nos na consciência de vigília e lúcida. “Esta consiste no fato
de o homem, com seus sentidos atuais, poder perceber as coisas e os seres
do mundo e formar, com o auxílio de sua inteligência e de sua razão
representações mentais e ideias sobre essas coisas e seres.” (STEINER,
2004, p. 53).
Na medida em que ocorre o desenvolvimento e ampliação da
consciência vão surgindo novas necessidades, as quais adentramos no
campo do nosso objeto de estudo. No que tange à moral, “O “homem”
tem de passar pelo egoísmo para retornar, num grau superior, ao altruísmo,
agora, porém, com uma consciência completamente lúcida” (STEINER,
2004, p. 30). O que isso quer dizer? Na Grécia antiga já encontramos uma
186
indicação da nova necessidade ao homem, com o advento da consciência:
“Homem, conhece-te a ti mesmo”
2
. Desta forma, o caminho do ser
humano está para, com a conquista da consciência, encontrar-se no
mundo, e, para isto, precisa encontrá-lo em si mesmo. O povo grego já
demonstrava esse conhecimento através da Arte e Filosofia, as quais
traziam à tona conteúdos provenientes desse conhecimento, em sua alma.
Mas a evolução ainda continua, e o ser humano percorreu as veredas das
Ciências Naturais, com o intuito de explicar o mundo a partir da natureza.
Apesar dos seus exímios progressos, ela não contempla todas as respostas;
proporcionou uma lacuna entre o ser humano material e sua consciência,
espiritual.
No entanto, o ser humano é exatamente a vida da consciência na
matéria humana, o espiritualizar da matéria corporal humana através
dos impulsos da consciência. E quem não chegar ao conhecimento
sobre como a consciência permeia, influencia, vivifica a matéria
corporal humana, sobre como a matéria pode, por si mesma, ser levada
à luz na qual a consciência pode aparecer, não poderá pensar em
realizar a exigência Homem, conhece-te a ti mesmo, por mais que se
esforce. (STEINER, 2008, p. 10-11).
Neste ponto, tocamos na consciência do ser humano. No
momento atual, não podemos mais recorrer a qualquer resposta originada
em perguntas sobre o mundo e si mesmo, senão por meio do pensar.
Diferentemente do passado, no qual as respostas e orientações vinham ao
povo a partir de personalidades específicas e, muitas vezes, a partir de
rituais semiconscientes (STEINER, 2004), na presente situação do ser
humano as respostas somente são encontradas a partir do pensamento claro
2
Frase escrita na entrada do templo do deus Apolo, na cidade de Delfos, na Grécia, no século IV
a. C. Fonte: https://www.todamateria.com.br/conhece-te-a-ti-mesmo/
187
e puro. Nesse sentido, Bach Jr. (2015) chama a atenção para a nossa
capacidade de vivenciar o pensar.
Steiner (2000) propõe, como fonte de todo o conhecimento, uma
nova forma de pensar a realidade. Segundo o autor, nos é possível observar
o nosso pensamento, da mesma forma como observamos um objeto
qualquer. Ao observarmos o que pensamos, podemos acessar um âmbito
do conhecimento que surge a partir daquilo que pensamos inicialmente,
proporcionando-nos novos conceitos e novas formas de julgamento sobre
o objeto pensado. Deste modo, estabelecemos uma relação com nossa
atividade pensante, que só ocorre por meio da consciência, permitindo-
nos chegar até um ponto onde encontramos as respostas ao que
procuramos.
Pelo fato de nossa consciência estar embasando todo esse processo,
esse relacionamento entre o pensamento e a consciência ocorre de tal forma
que podemos também encontrar respostas sobre nós mesmos e nosso
processo de pensar. Nesse sentido é que se atribui a vivência no pensar, no
qual não encontramos as respostas a partir de fatores externos, nem
sofremos coações advindas dos conceitos de fora, pois não há a submissão
para um julgamento ou conceito fechado de antemão. No processo
vivenciado, estabelece-se realmente uma relação entre a percepção, os
conceitos e os julgamentos, que resultam em ideias intuitivas, “O pensar
intuitivo é a vivência da própria atividade, não é um patamar onde o ser
humano chega em sua evolução mental e ali se estabelece. Ele não é o ponto
de chegada, é o ponto de partida para uma inédita ampliação da realidade
para o homem” (BACH JR., 2015, p. 134). Diante da realidade que ainda
nos aparece de forma bastante caótica, podemos encontrar o ponto de
apoio no próprio pensar.
188
[...] no pensar temos uma ponta do devir do universo em nossas mãos
e estamos presentes quando este se realiza. E eis, justamente, o que
importa. Pois a razão pela qual as coisas se apresentam diante de nós
de maneira tão enigmática é que não participamos do seu vir-a-ser.
Simplesmente as encontramos. Quanto ao pensar, no entanto,
sabemos de onde vem. Por isto, não existe um ponto de partida mais
fundamental para a compreensão do mundo que o pensar. (STEINER,
2000, p. 40).
Neste momento, portanto, parece estar claro o porquê devemos
pensar sobre a moral humana. Ou seja, o pensamento é o toque do ser
humano no universo, é o que permite encontrar novamente o elo entre o
ser consciente e a natureza a qual vive e faz parte, de maneira a seguir o
caminho proposto na teoria steineriana de retornar à unidade, ancorado
na consciência clara. Destarte, temos condições de buscar a prerrogativa
dos gregos, conhecendo-nos a nós mesmos. No entanto, esta tarefa não é
fácil, pelo contrário, trata-se de um trabalho árduo e penoso, no qual
muitos de nós nem queremos começar esta empreitada, ou começamos e
desistimos, por se tratar de uma atividade difícil, sofrida, até com
sacrifícios. Pois, diferentemente dos animais e plantas, o ser humano,
apesar de sua espécie, não é especialista, todos nós agimos diferentemente
uns dos outros, apesar de nossa constituição física ser de mesma origem.
Neste aspecto, segundo Steiner (2000), o agir depende de algumas
características constituintes em cada um, que, por um lado, contempla o
âmbito da espécie, e por outro, sua individualidade.
Para o autor, a ação sempre provém da vontade, e essa é a grande
questão. Pois, a vontade pode ser desencadeada de várias maneiras,
inclusive de maneira livre. As razões que despertam a vontade podem vir a
partir do meio externo, por meio de conceitos e regras, os quais Steiner
denomina como motivos. Podem também ser despertadas ações a partir
189
das vontades internas, cujas fazem parte da organização humana,
constituindo-se como princípios internalizados, denominados como força
motriz. “O querer não é, portanto, apenas o resultado do conceito ou da
representação, mas sim também da constituição particular do ser humano”
(STEINER, 2000, p. 107).
Ambas as razões, porém, constituem-se exigências, sejam externas
ou internas. Nesse sentido, Steiner (2000) ainda define uma outra forma
de agir, que não advenha das exigências, mas da proposta do pensar: a
partir das intuições, de modo que, com a observação do pensar puro
3
,
encontre as razões para seu querer agir.
Nesse nível da moralidade, não ajo por obediência a uma autoridade e
tampouco em decorrência de uma voz interna. Não reconheço
nenhum princípio externo ao meu agir, porque achei em mim mesmo
a razão para minhas ações, o amor à ação. Não analiso racionalmente
se minha ação é boa ou ; eu a realizo porque a amo. Ela será boa se
minha intuição mergulhada em amor estiver devidamente
contextualizada no ambiente a ser por sua vez entendida
intuitivamente; , se não for o caso. (STEINER, 2000, p. 114).
Neste caso, a ação moral brota a partir da individualidade do ser
humano, que estará imbuído de amor à sua própria ação; brota a partir de
sua alma, e, portanto, é livre. Ao nos depararmos com o mundo atual,
poderemos compreender as várias nuances de ações que vão desde as mais
animalescas até as mais cultivadas pelo amor. Não se trata, de forma
alguma, de categorizá-las e discriminá-las, apontando para o que é o
correto ou incorreto; trata-se, com efeito, de percebermos as possibilidades
3
Termo utilizado pelo autor para a diferenciação entre o termo “pensar” utilizado comumente e
sua definição do pensar intuitivo, aquele que alcança uma esfera das ideias a partir do
relacionamento entre objeto e sujeito, relacionando a percepção, conceituação, sensação e
julgamento.
190
de ações e contemplarmos as diferenças humanas, cada uma traçando seu
caminho, com suas possibilidades de pensar sobre a realidade e a si próprio.
Para Steiner (2000), a atuação livre é aquela em que resultou do
pensar intuitivo, que, por sua vez, foi escolhida por amor àquela ação; e se
estiver bem colocada, no momento e lugar, resultará em um bem ao
mundo. Se estiver mal empregada, poderá resultar em um mal ao mundo.
A postura individual de observar essas questões e o ser humano, na medida
em que se percebe suas ações e suas determinantes, exigidas ou pensadas,
constituindo o teor moral de cada um, é o que Steiner define de
individualismo ético. “A soma das ideias relevantes para nós, o conteúdo
real de nossas intuições conceituais, constitui o que diferencia, apesar de
toda universalidade das ideias, um homem do outro.” (STEINER, 2000,
p. 113).
Temos então, diante de nós, um caminho cultural que nos abstraiu
da imagem universal e integrada; podemos conceber-nos no sentido de que
nos retiramos, a princípio, do fluxo integralizado inconsciente. No pensar,
encontramos essa possibilidade de integração, a partir da própria
consciência e imbuída de alma individualizada. “A individualidade é uma
superação das limitações da subjetividade, ela continua o percurso
evolutivo e vai além do nível alcançado no plano biológico e cultural”
(BACH JR., 2015, p. 136).
Nesse sentido, chegamos a um ponto em que somos capazes de dar
continuidade à caminhada da humanidade, a partir das ações aos quais
realizamos, tendo em vista a moral humana. Destarte, surge a pergunta: do
ponto de vista prático, como podemos dar nossa contribuição?
Encontramos uma possibilidade na Pedagogia Waldorf.
191
A Proposta Pedagógica Waldorf Como Possibilidade de
Desenvolvimento Moral
Se no início deste capítulo nos perguntamos o que é vivência
moral, podemos iniciar este tópico questionando: como a criança vivencia
a moral? Na teoria de Rudolf Steiner (STEINER, 2013; MARTINS;
STOLTZ, 2021), o ser humano é um ser tri/quadripartido, ou seja, é
constituído de três aspectos que o conectam ao Cosmo: corpo, alma e
espírito. De maneira geral, corpo é o físico, aquele que é recebido e
influenciado pelas leis físicas. Espírito refere-se ao aspecto suprassensível
do ser humano, que vem da esfera macrocósmica, carregando toda a
história e possibilidades futuras do ser humano; o aspecto materializado do
espírito no ser humano é o pensamento/consciência. E a alma vem a ser a
intermediária entre o aspecto atual do ser humano, seu corpo, e o aspecto
fundamental, o espírito. Intermedia o efêmero e o eterno em nós
(STEINER, 2012).
Dentro desta trimembração, temos dois aspectos relacionados ao
estado físico/corpóreo do ser humano: no corpo físico atua algo que lhe
confere vida, crescimento, reprodução. Somente os componentes físicos e
químicos do nosso corpo não nos permitem que cresçamos e nos
desenvolvemos até a constituição adulta, bem como nos reproduzamos. O
aspecto que atua conjuntamente com o físico é o aspecto vital,
denominado também por etérico. É o responsável pelos fluxos e ritmos da
vida. O termo “etérico” é empregado para “[...] designar o que é acessível
à visão superior, dando-se a conhecer à observação sensorial apenas em seus
efeitos, ou seja, por sua propriedade de conferir determinada forma ou
figura às substâncias e forças minerais existentes no corpo físico.”
(STEINER, 1998, p. 46).
192
Os correspondentes ao estado espiritual do ser humano,
encontramos os aspectos astral e o Eu. O âmbito astral do ser humano se
refere à sua vida emotiva, onde despertam as sensações a partir do mundo
externo, é a vida emocional do ser humano. O Eu diz respeito à sua
consciência, ao que caracteriza cada um como individualidade. É o “Eu”
(pode-se dizer a qualquer coisa ou pessoa qualquer nome, mas de si próprio
diz-se somente “eu”). “Este aspecto espiritual é o que diferencia o ser
humano de qualquer outro ser da natureza; a palavra “eu” traduz a essência,
o âmago do ser humano.” (MARTINS; STOLTZ, 2021, p. 113-114).
Portanto, dentro da esfera trimembrada do ser humano, encontramos a
esfera quadrimembrada: o físico, o etérico, o astral e o Eu.
Pois bem, ao nascermos, somos seres em desenvolvimento, de
modo que temos as características mencionadas acima em potencialidade.
De acordo com os estudos de Steiner (2013), a criança é um ser em
desenvolvimento, e este ocorre a cada sete/oito anos, aproximadamente.
Nesse sentido, cada aspecto do ser humano desenvolve-se,
respectivamente, no período de setênios. Podem ser desenvolvidos de
maneira saudável, a levar saúde e desenvolvimento livre do ser humano;
ou, ocorrer de tal modo que deixem lacunas, vazios, feridas, levando a um
desenvolvimento doentio, privativo de sua liberdade. E neste ponto
encontramos a atuação da moral.
O primeiro período de vida da criança está para crescer,
desenvolver; o seu corpo físico já está totalmente formado, necessitando ser
desenvolvido. Então, este primeiro setênio temos de observar para o
desenvolvimento do aspecto vital (etérico) da criança. Uma característica
bem peculiar desta época, do nascer até por volta dos sete anos, é sua
habilidade de imitação. Quando observamo-las brincar, agir, está sempre
imitando algo a sua volta. Ou seja, toda atitude do ser humano adulto que
rodeia a criança influencia no seu desenvolvimento vital, nesta época da
193
vida. Isto ocorre porque, segundo a perspectiva de Rudolf Steiner, tudo o
que permeia a criança, tudo o que ela percebe com seus sentidos, ela
vivencia. O olhar para uma determinada ação, o contexto, o semblante no
rosto, o toque, são conteúdos que vão além de percepção a partir dos
sentidos, adentram a alma da criança.
Desta forma, surge uma grande responsabilidade no adulto que
lida com a criança, sejam pais, professores, diretores, parentes etc.: a
maneira como agir diante da vida perante a criança. Não se trata de se
comportar bem em sua presença, e longe agir de maneira diversa, pois a
criança percebe seu meio em todos os âmbitos, o observável e o não
observável, ou seja, o aspecto anímico do seu entorno. Pois não é o
comportamento que está em jogo, mas o ambiente anímico em torno dela.
E por que a criança tem essa percepção do meio à sua volta? Bem, para
Steiner (2013) a criança é um ser que acabou de descer das esferas
macrocósmicas à sua vida corpórea. E o que inicia por desenvolver são seus
aspectos vitais, aqueles que organizarão seu corpo e o manterão vivo aqui
na Terra.
Aquele aspecto que a individualizará, capaz de tornar-se
independente das pressões de toda ordem da vida, se desenvolverá apenas
no terceiro setênio, aproximadamente, quando a criança estiver
devidamente colocada no mundo. Isto significa que, enquanto sua
consciência não é desperta, a criança não se sente separada, individualizada,
de seu meio. Neste primeiro período, então, ela é parte confundida com
seu ambiente. Daí o motivo que a criança vivencia, e não apenas percebe,
o mundo à sua volta. Nas palavras de Steiner (2013, p. 15)
A criança pequena é ainda algo pesado e uniforme, um ser sem a menor
curiosidade sobre o qual temos de causar uma impressão a partir da
nossa própria maneira de ser. E assim como um saco de farinha não
194
tem curiosidade pelo que o cerca, tampouco a tem a criança pequena.
Mas assim como todas as impressões que os senhores deixaram num
saco de farinha ali permanecerão, especialmente se a farinha estiver
bem moída, tudo deixará sua marca na criança pequena. E isto
acontece não pelo fato de ela ser curiosa, mas de forma análoga à
impressão do dedo dos senhores deixada no saco de farinha pelo fato
de terem formado, com ele, uma unidade.
A partir desta unidade podemos pensar, enquanto adultos,
que todas as ações exercidas para com a criança são de cunho moral,
levando em conta essa impressão que acompanhará sua vida. E então fica
claro que não se trata de “bons comportamentos”, mas a forma de viver,
de lidar com o mundo. Pois, como vimos acima, neste período, seu aspecto
vital está em desenvolvimento, então, tudo o que é vivido pela criança
chega até seus órgãos físicos, principal fonte de onde fluem toda a
organização infantil, neste momento. “Uma vez que tanto a capacidade de
observar, como a de perceber são inconscientes na criança, não nos damos
conta de como submerge intensamente em toda a sua organização o que
está no ambiente, [...] por meio de sua percepção sensorial global.”
(STEINER, 2008, p. 44-45).
Portanto, a moralidade vivenciada na criança pequena são as
companhias ao seu redor e a forma como se vivem, como se comportam,
como se relacionam com os seres em geral, com o mundo e consigo
próprio. Tudo o que é vivenciado pela criança neste período é moral e é
recebido de uma maneira natural, inconsciente. Poderemos ser injustos
com uma criança antes dos sete/oito anos, ao inserirmos em seu anímico a
mentira, a raiva, a indiferença, o desamor, a solidão, a partir do nosso
íntimo em relação ao mundo e nossas atitudes. Pensemos nisso.
Considerando o primeiro setênio como o de organizar os aspectos
vitais da criança, a queda dos dentes nos mostra o ápice destas forças, de
195
maneira que o que estava sendo desenvolvido ganha autonomia; a
“expulsão” dos dentes demonstra que as forças atuantes continuarão de
maneira própria. Parte dessas forças organizadoras do físico se elevam, a
partir da queda dos dentes, atuando de maneira mais sutil, para a memória
e o pensamento. Agora, a criança entra numa nova fase, no segundo
setênio. Sua maneira de se relacionar com o mundo muda, e, no que tange
à moral, a qualidade do relacionamento do adulto para com esta criança
requer novos cuidados.
Com o advento do pensamento, a criança entra em contato com
as imagens do mundo, de forma que sua principal relação com o mundo
parte dessas imagens. O adulto agora possui uma nova tarefa com esta
criança, ele deve fazer parte dessas imagens. Devemos lembrar que na teoria
de Steiner este período ainda não se refere ao pensamento lógico e abstrato.
A criança entre sete e doze anos ainda lida com o mundo por meio de
imagens, que aos poucos vão ganhando a lógica do mundo, para conquistar
o pensamento abstrato, no terceiro setênio (STEINER, 2012).
Destarte, da mesma forma como os heróis dos contos e lendas são
a fonte de todo o comportamento da criança, os educadores, diretores,
pais, adultos em geral, ganham essa figura, e quais comportamentos
queremos formar como imagens? “Daí a importância, para o jovem, de ter
à sua volta mestres, personalidades cuja maneira de ver e julgar o mundo
possa despertar nele as forças intelectuais e morais desejáveis.” (STEINER,
2012, p. 33). O papel do adulto, nesta época, é de formar essas imagens a
ser concebidas e inspiradas pelas crianças, ganhando uma autoridade.
Note-se que a autoridade mencionada não é autoritária, de maneira
imposta, “[...] deve constituir a evidência espiritual imediata para que o
jovem forme consciência, hábitos e inclinações e discipline seu
temperamento, com cujos olhos observa o mundo.” (STEINER, 2012, p.
33). Desta forma, o adulto está inserindo imagens dignas de ser
196
exemplificadas, imitadas, mas provindas das imagens criadas a partir de
cada criança. De que maneira podemos atuar, a fim de formarmos tais
imagens ideais? Neste período, a linguagem desempenha um importante
papel. Toda a possibilidade de externar a vida anímica e os pensamentos
ocorre por meio da linguagem. No entanto, não se trata de exortações
morais e sermões, pois a criança precisa formar uma imagem do professor,
e, como ainda não é possível a ela lidar com conceitos abstratos, não são
palavras que contribuirão para a formação dessas imagens, mas sim
atitudes.
A linguagem desempenha seu papel quando permite a cada criança,
enquanto ser humano, o livre desabrochar. “Na linguagem, não reside
somente o idioma. Nela reside o ser humano todo enquanto corpo, alma
e espírito. A linguagem é apenas o resumo do homem todo.” (STEINER,
2008, p. 51). Este ponto abarca a coerência que todo o adulto deve ter
entre o falar e o agir. Será que somos coerentes entre o que passamos às
nossas crianças e o que fazemos? E será que passamos imagens dignas de
autoridade? A moralidade vivenciada na criança neste período depende de
nossa capacidade de evidenciar o que há de mais belo no mundo e no
humano, a fim de possibilitarmos a expressão individual de cada criança.
O caminho de desenvolvimento proposto por Steiner parte da
entrada ao mundo físico de forma puramente física, que vai se tornando
cada vez mais anímica, até chegar ao espiritual no mundo. No primeiro
setênio preparou-se o físico, no segundo o anímico, neste terceiro setênio,
o jovem adolescente preparará o seu espiritual, por meio dos pensamentos,
para que, a partir dos 21 anos, início do próximo setênio, possa atuar no
mundo de maneira consciente. A partir de agora, o relacionamento com o
mundo torna-se mais evidente, verdadeiro; a relação entre professor e
aluno, jovem e adulto, também. Agora, contemplamos muito do que foi
inserido na alma infantil, nos períodos anteriores.
197
Todas as vivências do jovem até então constituíram-se como
germes, que desabrocharão e florescerão, dependendo de toda a vivência
anterior. Sua vida emocional já ganha autonomia a partir deste período, e
a maturação dos órgãos sexuais demonstram tal autonomia. No entanto, o
que ficou engendrado nesta vida anímica? Ideais puros, ou impulsos
instintivos e paixões? Pois neste momento o jovem está para desenvolver o
seu “Eu”, permitindo-o fazer julgamentos. O adulto, então, ganha uma
nova qualidade perante este jovem que está aprendendo a ser uma
individualidade. Esta nova relação torna-se mais equitativa, de modo que
o educador, de maneira geral, alimente a capacidade ajuizadora do jovem,
com o diálogo, o questionamento, a contribuição.
O adulto contribui, agora, com as teorias, com o conhecimento,
toda a forma de dar subsídios ao jovem para que este compreenda o mundo
e julgue-o, com o apoio necessário. “Para cultivar essa atitude, mestres e
educadores devem, naturalmente, dar prova de muito tato, mas é
justamente a mentalidade científico-espiritual que pode gerar esse tato.
(STEINER, 2012, p. 48). Fica claro o grande papel desempenhado pelo
educador, a importante tarefa de abrir as portas para um mundo verdadeiro
ao jovem, assegurando-o que não se perca nas desilusões da vida, se
estivermos imbuídos de princípios morais para com estes. No entanto,
nasce, agora, uma individualidade, que precisa seguir o seu caminho, seu
destino, com os próprios pés. Desta forma, a ação de todo educador deve
iniciar desde a mais tenra idade, de maneira que somente assim possa dar
a sua contribuição para o desenvolvimento moral da criança.
Na prática da Pedagogia Waldorf, são essas as importâncias que
devemos dar no ato de educar. Não há prescrição, como uma receita,
Steiner oferece uma forma de observar o ser humano; a partir de então
compreende-se como se deve agir. Um atributo necessário para o êxito na
prática com as crianças é o altruísmo. Compreendendo que cada criança
198
veio ao mundo com sua maneira de atuar, o desenvolvimento moral não
está para disciplinar, ou dar a direção exata para todas as crianças de
maneira uniforme, o educador deve ter em seu anímico as forças altruístas,
para compreender cada criança e atuar de acordo com cada necessidade.
Devemos, realmente, ter diante de nós como objetivo, como ideal, não
inserirmos no indivíduo nenhuma parcela de nosso ponto de vista;
devemos apenas nos colocar a seu lado, permitindo que ele desenvolva
suas próprias simpatias e antipatias em relação a moral, para que ele
cresça desenvolvendo corretamente os impulsos morais e que alcance a
emancipação na idade adequada (STEINER, 2008, p. 66).
Por Que Devemos Pensar a Moral, Mesmo?
Estamos na época cultural da humanidade em que a capacidade de
pensar nos leva a caminhos profícuos, na busca da ascensão humana e do
mundo. Podemos dar os rumos necessários ao mundo, a partir de nossas
habilidades pensantes e atuarmos no mundo de maneira a convergir com
um pensar moral. Do mesmo modo, partindo sempre da teoria adotada,
somos mais que seres terrenos, inclusive de maneira que nosso pensamento
é de outra esfera cósmica (STEINER, 1998). Por esse motivo, podemos
superar a natureza terrena do ser humano, não nos aprisionando na
especialidade da espécie, mas, sobretudo, nos permitindo evoluir e
desenvolver sempre.
Contudo, a partir de então, só o faremos a partir de nossos próprios
esforços, pois o objetivo da superação e ligação ao mundo que nos cerca
depende das forças atuantes do pensar, ou seja, do “Eu”, consciência, do
aspecto espiritual do ser humano. A partir da nossa individualidade não
somos fadados a continuar como estamos, podemos evoluir. E, neste
ponto, encontramos a frase grega, que nos inspira desde épocas longínquas,
199
a alcançar este novo objetivo da humanidade: encontrar-nos em nós
mesmos, para encontrar-nos no mundo. De maneira meio confusa,
adentramos no âmbito da moral humana. Confusa no sentido de
identificar onde inicia o ser no mundo e onde se encontra em si próprio.
Do ponto de vista cultural, então, está no pensar intuitivo esta
possibilidade de reencontrar o ser humano, no mundo e em si próprio. A
vivência do pensar traz a possibilidade de nos relacionarmos novamente
com o mundo de maneira livre, sem a interposição de um julgamento,
conceito, regra, provindos de fora. Vivenciar o pensar é colocar-se de outra
maneira perante o mundo e si próprio.
Atualmente prepondera um pessimismo com relação à atividade pensante
humana, principalmente devido às consequências da aplicação da
racionalidade instrumental para o progresso econômico, bélico e
tecnológico. Corriqueiramente os sujeitos expressam ao se referirem a si
mesmos a noção superficial de utilizar seu pensar, quando podem estar
simplesmente concatenando blocos de representações conforme hábitos
mentais arraigados e adquiridos segundo o modelo de seu contexto
cultural. Este modo coletivo de representar e formular mentalmente um
conjunto de representações é a reprodução de uma percepção cultural. O
pensar como atividade baseada em si mesma não tem referência particular
para seu modo de atuar. Aliás, são todas as modalidades de aplicação do
pensar que se fundamentam nele próprio (BACH JR., 2015, p. 137).
Do ponto de vista individual, há a união de todas as formas de
atuação do ser humano, não se classifica, nesse sentido, o que há de
intelectual e moral na ação, pois toda e qualquer ação provém de um
âmbito o qual é estabelecido uma relação fundamental com o mundo,
partindo da esfera das ideias, donde surge o verdadeiro conhecimento
unido com o ser pensante em questão. Na ação moral, diante das
percepções da vida, a organização humana unida ao pensamento intuitivo
200
resulta nas representações mentais morais (BACH JR., 2015), de maneira
que o agir torna-se livre, ou seja, o fazer moral provém do amor à ação e
não por prescrições, imperativos, determinações. É o próprio
conhecimento imbuído do querer que realiza a ação, cuja se torna mais
assertiva, e, portanto, boa, na medida do desenvolvimento do pensar. Uma
ação baseada nestes preceitos é que se define o individualismo ético.
Compreendendo as questões culturais atuais, precisamos nos
colocar diante do mundo de maneira correta, a fim de contribuirmos com
o desenvolvimento geral. Por termos a individualidade alcançada,
podemos não querer dar esse passo, mas sofreremos as consequências,
como vemos em muitos aspectos da própria vida e na sociedade.
Entretanto, é cada vez mais nítido a necessidade dos seres humanos de
mudanças nos fundamentos da vida. Torna-se cada vez mais claro os
problemas aos quais enfrentamos culturalmente e os paradigmas que
necessitam ser transformados no cotidiano, na sociedade, nas crenças, nos
povos etc. Vamos entrando cada vez mais em contato com a verdade, não
uma única verdade, mas aquela que nos conecta novamente ao mundo que
nos cerca.
Os homens devem ir aprendendo a averiguar mais seriamente se aquilo
que alegam corresponde à realidade. Somente se pode dizer ou informar
algo depois de sentida e executada a obrigação de examinar se o fato
realmente é esse, de fazer as possíveis comparações. Só depois de
compreender essa obrigação é que se pode sentir a veracidade como um
impulso moral. Aí ninguém mais poderá dizer, ao colocar no mundo
uma informação errada: “Pensei que fosse assim, disse-o de boa fé”. Pois
ele aprenderá que não basta dizer aquilo que se crê ser o certo, mas que
também é obrigado a dizer aquilo que é verdade, que é correto. Isto só
será possível à medida que, num certo aspecto, uma mudança radical
comece a penetrar em nossa vida cultural (STEINER, 1985, p. 47).
201
Na atualidade, não basta acreditarmos naquilo que é moral no
mundo, é necessário a atuação, o esforço da individualidade para a
transformação daquilo que é realidade, conquistada a partir do
conhecimento. E isso se dá em todos os âmbitos da sociedade. Na atuação
do educador, portanto, a tarefa consiste na consciência do seu ato de
altruísmo, como fundamento de toda ação. Nesse sentido, exige-se uma
determinação própria, uma autoeducação. Pois, para que a ação seja
altruísta, deve estar mergulhada em amor pela ação, ao mesmo tempo em
que se deve conhecer verdadeiramente o ser humano, aquele que está no
seu desenvolvimento físico, anímico ou espiritual, e o seu próprio
desenvolvimento, como um indivíduo pensante e consciente atuando no
mundo.
Desta forma, a educação moral torna-se uma tarefa difícil de ser
empreendida, mas frutífera, na medida em que se compreende quais os
impulsos morais devem emergir em cada alma humana, para que se
desenvolva uma consciência plena e lúcida, proporcionando uma
individualidade livre. A autoeducação é uma palavra-chave na Pedagogia
Waldorf, pois traz à consciência do educador o seu papel fundamental.
Leva-se em conta o desenvolvimento da individualidade do professor, e o
processo de educar ganha uma qualidade vívida, amorosa, moral. “Assim,
quando se reflete sobre a Pedagogia Waldorf, leva-se em consideração que
sua aplicação envolve indivíduos em processo de desenvolvimento
biológico e psíquico (discentes) e indivíduos que já cumpriram a etapa
biológica e encontram-se na evolução anímica e mental.” (BACH JR.;
STOLTZ; VEIGA, 2013, p. 165).
Nesse sentido, é um processo de despertar da consciência em
ambos os lados, crianças e adultos. O conhecimento do ser humano
permite-o atuar de maneira a favorecer o seu desenvolvimento moral.
Podemos resumir como forças atuantes no processo de educar a gratidão,
202
o amor e o dever. “Como educadores, somos responsáveis pela inserção
dos germes morais que, ao seu tempo, fecundaram-se e brotarão em forma
de sentimentos, como a gratidão e o amor, que permearão toda a conduta
humana, a partir de um sentimento de dever moral” (MARTINS;
STOLTZ, 2020, p. 119). Desta maneira, permitiremos o agir livre
humano, o individualismo ético.
Para encerrar as considerações aos quais nos permitem essas
páginas, torna-se fundamental enfatizar o papel das artes como forma de
atuação para o âmbito da moral, pois a Estética e a Arte, enquanto
expressão da alma humana, leva ao âmbito religioso de cada ser humano,
pois acessa aquilo que corresponde ao imponderável, eterno, arquetípico
em cada um. Permite uma vivência anímica acompanhada do belo,
trazendo à consciência a sensação divina vivenciada, “O artístico é,
simultaneamente, o sentido que nos permite captar, imediata e
cognitivamente, o humano em seu ser, de forma que este conhecimento se
torna prática imediata na vida” (STEINER, 2008, p. 21).
A humanidade atual encontra-se às portas da liberdade, uma vez
que o desenvolvimento cultural a levou por um caminho de
individualização, para que se volte ao mundo com compreensão,
conhecimento, agregando e não apenas fluindo e usufruindo com ele. Mas,
tal empreitada levanta muitas dificuldades e esse caminho só será cumprido
a partir do desenvolvimento da consciência, de maneira que, juntamente
com o intelecto, atue o coração, gerando formas de agir em prol do
desenvolvimento da humanidade. É a integração corpo-alma-espírito: faz-
se com o pensar intuitivo e amor na alma. Isso vale para todos os âmbitos
da vida; em todo tato com outro ser humano, no cuidado com a natureza,
e consigo próprio. Devemos pensar sobre a moral porque é o caminho por
onde devemos percorrer, caso queiramos nos tornar livres e conscientes.
203
Referências
BACH JR, J. O pensar intuitivo como fundamento de uma educação
para a liberdade. Educar em Revista, Curitiba, n. 56, p. 131-145,
abr./jun., 2015.
BACH JR, J.; STOLTZ, T.; VEIGA, M. da. Autoeducação e liberdade
na Pedagogia Waldorf. Educação: Teoria e Prática, Rio Claro, v. 23, n.
42, p. 161-175, jan./abr., 2013.
MARTINS, M. O.; STOLTZ, T. A gratidão, o amor e o dever: a
proposta Waldorf. In: LEPRE, R. M.; ALVES, C. P.; BATAGLIA, P. U.
R.; ARRUDA, A. C. J. Z. Desenvolvimento moral e educação em
valores: estudos e pesquisas. Bauru, SP: Gradus Editora, 2021.
STEINER, R. A arte de educar baseada na compreensão do ser
humano. 2. ed. São Paulo: Antroposófica: Federação as Escolas Waldorf
no Brasil, 2013.
STEINER, R. A educação da criança: segundo a ciência espiritual. 5. ed.
São Paulo: Antroposófica, 2012.
STEINER, R. Pedagogia, arte e moral. São Paulo: João de Barro
Editora, 2008.
STEINER, R. A crônica do Akasha. A gênese da terra e da humanidade:
uma leitura esotérica. São Paulo: Antroposófica, 2004.
STEINER, R. A filosofia da liberdade: fundamentos para uma filosofia
moderna. São Paulo: Antroposófica, 2000.
STEINER, R. A ciência oculta: esboço de uma cosmovisão supra-
sensorial. 4. ed. São Paulo: Antroposófica, 1998.
204
STEINER, R. A moral teosófica. São Paulo: Editora Antroposófica,
1985.
205
A Moral nas Leis Nacionais: evolução e aplicabilidade para a
educação não formal em instituições de acolhimento
1
Carla Andressa Placido Ribeiro de FRANÇA
2
Introdução
Quando nos referimos à moral ou educação moral, muitos podem
imaginar que trataremos sobre condutas aceitáveis, bons costumes ou
civismos, porque, por décadas, essa foi a interpretação do conceito “moral”
no Brasil, principalmente no período da ditadura militar, nos anos de
1964-1985. Época de atrocidades sociais, culturais e políticas, quando o
poder, munido de uma “moral” de vigilância, opressora e punitiva,
conduzia o povo brasileiro à retidão, ao trabalho e ao amor à Pátria.
Como menciona Menin (2002), nas escolas, no regime ditatorial,
havia uma disciplina intitulada “Educação Moral e Cívica”, a qual, com
seu conteúdo artificial e demagógico, “[...] se tornou alvo de desprezo a
ponto do termo Educação Moral se tornar algo pejorativo no Brasil e em
outros países que passaram por processos semelhantes” (p. 95).
Contrariava, assim, o conceito de moral do bem, que Piaget definiu como
sendo produto da cooperação e que necessita da liberdade, para ser
exercida. Segundo Dongo-Montoya (2017), em um ambiente onde
1
Este texto foi adaptado da pesquisa de Doutorado intitulada Educação moral ou moralização? Um
estudo sobre o discurso e a prática de educadores em Instituição de Acolhimento (FRANÇA, 2018).
2
Doutora pelo Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE) da Faculdade de Filosofia e
Ciências (FFC), Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP), Campus de
Marília, São Paulo, Brasil. E-mail: carla.andressa@unesp.br
https://doi.org/10.36311/2022.978-65-5954-317-5.p205-226
206
predomina o respeito unilateral em suas relações há a moral do dever, em
que o bem é obedecer a um adulto e o mal é agir conforme sua vontade,
faz desse ambiente um dificultador para a criança chegar à moral do bem.
No entanto, as relações espontâneas de afeição recíproca para com
seus pares se constituem como um ponto de partida para a superação dessa
moral do dever e o início da moral do bem.
[...] a superação da responsabilidade objetiva ocorre na medida em que
ocorre o desenvolvimento das relações de afeição recíproca. Mas, por
que o atraso dessa última? Pela presença do adulto e a atitude inicial da
criança em se submeter incondicionalmente à autoridade do adulto. A
contradição nascente entre as primeiras exigências de afeição recíproca
e o respeito unilateral ocorre justamente por causa dessa situação
paradoxal. Geralmente é a segunda que vence a primeira. Somente
quando o avanço do exercício da reciprocidade tornar forte a exigência
do respeito mútuo é que os imperativos da moral do dever será vencida.
(DONGO-MONTOYA, 2017, p. 241).
Nesse sentido, para o desenvolvimento da autonomia moral, Piaget
(1994; 1996) aludia a uma moral de escolhas livres, ou seja, escolher o que
fazer por suas convicções ou, ainda, a capacidade de o indivíduo escolher
o melhor caminho, sem a necessidade de vigilância ou opressão externa.
Vemos que o regime militar brasileiro reforçou a ideia presente
desde o início do século XX, que via a criança como o futuro da nação, e
nela era depositada a esperança de tempos melhores “Salvar a criança
para salvar o Brasil”. Por esse motivo, dever-se-ia “moldar” as crianças
segundo as perspectivas do Estado, a favor da moral e dos bons costumes.
Isso ocorreu em especial com as crianças pobres, as abandonadas, as órfãs
e aquelas vulneráveis à ociosidade e vadiagem. “Nesse sentido, a criança foi
de fato instrumento valioso uma espécie de ‘chave para o futuro’ que
207
precisava ser salva para salvar o país. Porém, na perspectiva daqueles que
se viam ameaçados de perde-lo” (RIZZINI, 2011, p. 152).
No entanto, essa busca “salvadora” por um país higienizado, ao
longo do início do século XX e até por volta dos anos 70, não rendeu os
resultados esperados. As instituições que recebiam os “menores desvalidos”
ou “delinquentes” acabavam por reforçar a marginalidade desses
indivíduos, tornando-se, conforme declarado por alguns juízes a respeito
do SAM (Serviço Nacional de Assistência a Menores), como “[...] fábrica
de delinquentes, escolas do crime, lugares inadequados” (FALEIROS,
2009, p. 61).
No governo militar, em 1979, houve a reformulação do Código de
Menores, o qual, desde sua implantação, em 1927, já vinha sofrendo
reformulações. No entanto, essa Lei ainda trazia a figura da criança e do
adolescente, pejorativamente, como “menor”, atribuindo a eles a
necessidade de proteção e vigilância. Assim, ela segregava as crianças e
adolescentes, conforme sua situação social e econômica, dispondo medidas
de assistência, proteção e vigilância, para as crianças e adolescentes
“irregulares”, ou seja, os carentes, vítimas de maus tratos, em perigo moral,
abandonados, inadaptados e infratores; e direcionava medidas de caráter
preventivo, para todos os menores de dezoito anos, sem distinção de sua
situação social. A política de atendimento também se diferenciava,
apresentando um caráter assistencialista, para os “menores” carentes e
abandonados, e um caráter correcional, para os “inadaptados” e
“infratores”.
Até esse período, as Leis brasileiras trataram as crianças e
adolescentes como um “objeto” impulsionador para o futuro do país e, por
esse motivo, estes deveriam ser educados de modo que pudessem render
bons frutos para a sociedade, justificando os programas que visavam à
prevenção da criminalidade.
208
Apesar de, atualmente, ainda se verificar uma visão popular a
respeito da criança como “esperança”, com o fim do regime ditatorial e
com o avanço da democracia, os movimentos sociais caminharam a favor
da garantia dos direitos da criança e do adolescente, como sujeitos e
cidadãos.
A partir das lutas e pressões sociais, e dentro das correlações de forças
possíveis, em 1986, o Congresso Nacional funciona também como
Assembleia Constituinte. As forças conservadoras e os militares haviam
vetado a convocação de uma assembleia constituinte exclusiva. O
debate constituinte, no entanto, mobiliza tanto os lobbies de
conservadores e grandes empresas, como as organizações populares. Os
direitos da criança são colocados em evidência por inúmeras
organizações [...] (FALEIROS, 2009, p. 74-75).
Em 1988, no governo civil de José Sarney, é sancionada a nova
Constituição Federal, a qual, formulada nos moldes democráticos,
contém, em seus artigos 227, 228 e 229, os direitos inerentes às crianças e
adolescentes, as obrigações da família, do Estado e da comunidade em
garantir tais direitos, a proteção especial e a imputabilidade dos menores
de dezoito anos. Como ilustração dos direitos abrangidos pela
Constituição Federal de 1988, temos:
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à
criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito
à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização,
à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar
e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência,
discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (BRASIL,
1988, EC nº 65, de 2010).
209
Dois anos mais tarde, em julho de 1990, é publicado o Estatuto da
Criança e do Adolescente (ECA), que revoga o Código de Menores de
1979. Como refere Faleiros (2009), o ECA traz o detalhamento dos
direitos da criança e do adolescente, previstos na Constituição de 1988,
em forma de diretrizes gerais.
Comparando as novas diretrizes do Estatuto da Criança e do
Adolescente com aquelas dispostas no Código de Menores, podemos notar
que, no ECA, não há segregação de indivíduos, pois ele concebe todas as
crianças e adolescentes como sujeitos de direitos e deveres, e estabelece suas
medidas como caráter de proteção integral à criança e ao adolescente,
assegurando o seu desenvolvimento pessoal e social. Sua política de
atendimento está circunscrita à relação entre direitos e deveres, tendo
sempre como foco o desenvolvimento da criança e do adolescente.
Dentre os direitos citados nessa Lei, reproduzimos aqueles
presentes no Art. 3º:
Art. 3º A criança e o adolescente gozam de todos os direitos
fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção
integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros
meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o
desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em
condições de liberdade e de dignidade. (BRASIL, 1990).
Nesse contexto, a criança e o adolescente abandonados ou órfãos,
além de terem assegurados por Lei todos os direitos inerentes à pessoa
humana, ainda recebem uma atenção especial do Estatuto, com o
detalhamento de sua condição protetiva, como o direito à convivência
familiar, à proteção e, em casos excepcionais, à colocação em famílias
substitutas ou em instituições de acolhimento (provisoriamente).
210
Assim, no caso das crianças e adolescentes que vivem em
instituições de acolhimento, cabe ao Estado a responsabilidade de garantir
o cumprimento dos direitos dispostos no ECA, inclusive pela contratação
de profissionais capacitados para trabalharem nessas instituições,
elaborando e empregando um plano educacional especializado e
individualizado para esse público.
Como podemos averiguar, o ECA (1990), detalhando os direitos
da criança e do adolescente previsto na Constituição Federal de 1988,
aponta como um dos direitos fundamentais o direito ao desenvolvimento
moral. Notemos que o termo “desenvolvimento” indica não mais uma
imposição de moral e de bons costumes, como disposto em leis anteriores,
mas como sendo inerente ao processo geral do desenvolvimento humano,
ou seja, dever-se-á promover condições para que a moral seja construída
pelo indivíduo em liberdade.
Considerando o contexto histórico das homologações das leis
nacionais, em especial daquelas que trataram de regulamentar os serviços
de acolhimento, no Brasil, conforme abordamos em um estudo anterior
(FRANÇA, 2012), pudemos perceber que houve significativas
transformações sociais para o tratamento e acolhimento de crianças e
adolescentes em situação de risco pessoal e social e a educação moral, para
esse público.
Não podemos esquecer que as transformações do sentimento de
infância, como explica historiador Philippe Ariès (1981), imbricam
transformações sociais em relação ao tratamento das crianças. Apesar das
singularidades, as transformações dos sentimentos de infância, ao longo da
história nacional brasileira, também acarretaram transformações no
pensamento e tratamento da infância, na sociedade. Entretanto, ao
analisarmos as construções e modificações legais, teóricas e práticas
educativas para as crianças e adolescentes brasileiros, pudemos perceber
211
que o elo entre tais transformações é complexo e, por vezes, de caráter
subjetivo, visto que a cultura popular frequentemente se engessa em
costumes e tradições que nem sempre acompanham as discussões e
movimentos que buscam condições de vida mais justas e democráticas.
Especificações do Programa Educacional em Instituições de
Acolhimento Pós-ECA
Sem dúvidas, a história do abandono e abrigamento de crianças,
suas primeiras instalações e motivações até os inúmeros movimentos
sociais e políticos, têm influenciado a formação dos atuais centros de
acolhimento.
Foi uma década de calorosos debates e articulações em todo o país,
cujos frutos se materializariam em importantes avanços, tais como a
discussão do tema na Constituinte e a inclusão do artigo 227, sobre os
direitos da criança, na Constituição Federal de 1988. Mas o maior
destaque da época foi, sem dúvida, o amplo processo de discussão e de
redação da lei que viria substituir o Código de Menores (1927,1979):
o Estatuto da Criança e do Adolescente (1990). (RIZZINI; RIZZINI,
2004, p. 46-47).
No entanto, a despeito dessas mudanças legais, o paradigma
educacional pouco se alterou. Como descreveremos adiante, alguns
profissionais que trabalham em instituições de acolhimento (FRANÇA,
2012) e determinados representantes de segmentos sociais e populares não
diferenciam a situação social das crianças e adolescentes, assumindo
discursos, movidos pelo senso comum, de que a vivência das crianças e dos
adolescentes, anterior ao acolhimento, os condenaria, quase que
fatalmente, a “eternos institucionalizados” e/ou “futuros bandidos”.
212
As leis e decretos nacionais, como mencionamos anteriormente,
que outrora partiam de princípios pela autoridade absoluta, como a busca
pela ordem e higiene de uma nação, elegem, na atualidade, princípios
subjetivos democráticos, os quais procuram estabelecer e garantir direitos
às crianças e adolescentes, para que tenham condições de se desenvolver
integralmente. Contudo, as políticas públicas e, consequentemente, a
formação inicial e continuada dos profissionais incumbidos de promover
tal espaço educacional, ainda está frágil e, por vezes, ineficiente, como
constatamos em França (2012) e Dongo-Montoya, França e Bataglia
(2016).
Passemos a retratar como a lei atual estabelece o dever das
Instituições de Acolhimento e os princípios que devem seguir para sua
formação e funcionamento das práticas educativas dispostas no ECA
(BRASIL, 1990) e nas Orientações Técnicas: Serviços de Acolhimento
para Crianças e Adolescentes (BRASIL, 2009). Para isso, é importante
descrever como a Lei define o que deve ser uma Instituição de
Acolhimento:
Art. 101 § 1
o
O acolhimento institucional e o acolhimento familiar
são medidas provisórias e excepcionais, utilizáveis como forma de
transição para reintegração familiar ou, não sendo esta possível, para
colocação em família substituta, não implicando privação de liberdade.
(Incluído pela Lei nº12.010, de 2009) (BRASIL, 1990).
Sendo as Instituições de Acolhimento uma medida provisória e
excepcional, as crianças e adolescentes somente poderão ser encaminhadas
para elas mediante autorização judicial e quando esgotadas todas as
possibilidades de sua manutenção no seio familiar.
Dentre os princípios e normas descritos no Documento,
destacaremos o princípio do “Respeito à Autonomia da Criança, do
213
Adolescente e do Jovem”. Nele, os serviços de acolhimento deverão
garantir o direito das crianças e adolescentes de serem ouvidos e de terem
suas opiniões consideradas. Na organização dessas instituições deverá ter
incluída a participação das crianças e adolescentes como meio de
fortalecimento de sua autonomia atrelada à sua liberdade e
responsabilidade. Dever-se-á promover a interação das crianças e
adolescentes entre si e com os contextos sociais externos à instituição dos
quais participam (escola, comunidade, instituições religiosas, etc.). Ao
considerarmos tal princípio no plano de atendimento em serviços de
acolhimentos, sem tratar tangencialmente questões que envolvam a
moralidade, possibilitamos a constituição de um ambiente saudável e
favorável ao desenvolvimento moral, voltado para a autonomia dos
acolhidos. Em acréscimo, segundo Guará, a “[...] experiência da criação e
da participação ativa das crianças na dinâmica diária do abrigo favorece a
diminuição da tensão e a possibilidade de expressão e comunicação
descontraída entre elas e delas com os educadores.” (GUARÁ, 2006, p.
65).
Como sugerem as Orientações Técnicas (BRASIL, 2009), as
decisões e participações na organização da instituição poderão ocorrer, por
meio de assembleias realizadas de forma sistemática e respeitando o nível
de desenvolvimento de cada acolhido.
Entendemos o recurso das assembleias como um método ativo,
protagonista, de participação das crianças e adolescentes em sua vida diária,
assim como em seu processo educativo. Acreditamos que, para que tais
assembleias contribuam para o desenvolvimento da autonomia moral, elas
devem garantir que todos os seus membros, independentemente de sua
hierarquia na instituição (diretor, educador, acolhido), tenham igual
direito participativo de cunho legislativo, avaliativo e apreciativo.
214
Todos os princípios focalizados no ECA (BRASIL, 1990) e nas
Orientações Técnicas (BRASIL, 2009) devem ser atendidos pelas
Instituições de Acolhimento, ao elaborar seu programa educativo de
atendimento em seu Projeto Político-Pedagógico. Esse documento “[...]
deve orientar a proposta de funcionamento do serviço como um todo,
tanto no que se refere ao seu funcionamento interno, quanto seu
relacionamento com a rede local, as famílias e a comunidade.” (BRASIL,
2009, p. 43). O Projeto Político-Pedagógico da instituição é uma
referência para garantir uma oferta de atendimento adequado às crianças e
adolescentes e deve ser elaborado coletivamente com os seguintes
segmentos: toda a equipe do serviço de acolhimento, as crianças, os
adolescentes, as famílias dos acolhidos. E, após sua elaboração e aplicação,
deve ser “[...] avaliado e aprimorado a partir da prática do dia-a-dia”
(BRASIL, 2009, p. 43).
Tendência de Concepção dos Educadores/Cuidadores sobre Educação e
Desenvolvimento Moral dos Acolhidos
Nossa referência empírica, base para este texto, foi constituída por
um estudo exploratório de natureza qualitativa com início no ano de 2014
e finalizado no ano de 2018. Os sujeitos do estudo foram
educadores/cuidadores, auxiliar de educador/cuidador e equipe técnica de
dois serviços de Acolhimento Institucional do interior de São Paulo. Tais
instituições foram selecionadas a partir de uma pesquisa inicial por meio
de questionário on-line (SurveyMonkey) envolvendo 22 instituições que
aceitaram participar da pesquisa (foram contatadas 163 instituições, uma
amostra de 30% dos Acolhimentos Institucionais do Estado de São Paulo).
O critério de escolha das duas instituições foi selecionar aquela em
que suas respostas mais se aproximavam de práticas educativas mais
215
moralizadoras, que se baseia na autoridade adulta e no respeito unilateral
(Instituição A); e aquela em que suas respostas mais se aproximaram de
práticas educativas mais voltada para uma educação ativa, que estabelece
um ambiente sociomoral cooperativo, baseando-se no respeito mútuo e na
cooperação nas ações educativas e nas relações interpessoais (Instituição B).
A segunda etapa do estudo contou com a observação nas instituições e
entrevista semiestruturada com os sujeitos supracitados.
A observação nas instituições A e B, mostrou diferença de
procedimentos em relação à educação dos acolhidos. Enquanto, na
Instituição B, as crianças e adolescentes tinham maior liberdade de circular
por diferentes espaços da casa, maior envolvimento com as atividades de
cuidado com o ambiente e maior oportunidade de colocação de ideias e
resolução de problemas, na Instituição A, isso se restringia alguns espaços
do ambiente da casa (como a área de preparo das refeições), e as atividades
recreativas e resoluções de problemas eram frequentemente direcionadas
por um adulto. No entanto, uma questão a ser considerada quanto à
circulação pelos ambientes da casa e nas atividades de cuidado com o
ambiente é o fato de a Instituição A, de modo proporcional, ter maior
número de crianças pequenas (entre 6 e 8 anos), enquanto, apesar de a
Instituição B atender crianças pequenas, aquelas que são envolvidas nessas
atividades eram as mais velhas. Todavia, entre os adolescentes e pré-
adolescentes da Instituição A (três meninos e uma menina), somente um
frequenta e auxilia nas atividades da cozinha e, ainda assim, era em apenas
um dos plantões diurnos (dos plantões observados) que isso lhe era
permitido.
A despeito de a Instituição B ter uma postura mais aberta para a
participação dos acolhidos na rotina e em suas escolhas, percebemos que o
princípio educativo pouco difere da Instituição A, no que concerne ao tipo
de relação estabelecida entre criança/adolescente e adulto, ou seja, há, em
216
ambas, a prevalência do respeito unilateral, mesmo que, na primeira, seja
mais atenuado do que na segunda.
A entrevista semiestruturada evidenciou primeiramente que a
intenção dos educadores, sem dúvida, é de oferecer um trabalho educativo
de qualidade, mas relatam sua frustração de não terem condições de
trabalhar, conforme sua formação, ou de não terem a capacitação e o apoio
necessários para exercer sua função.
Diante da categoria “ser educador” presente na entrevista, os
educadores da Instituição B revelaram uma tendência maior em ensinar
algo para a criança, por um protagonismo do educador e por um resultado
de seu trabalho para a sociedade, enquanto, na Instituição A, o cuidado e
a atenção para com a criança eram a fonte do trabalho de um educador,
que também era o protagonista no ensino, cujo resultado é o bem-estar da
criança, numa visão paternalista. Embora as instituições possuam
conteúdos diferentes para classificar sua função, o princípio educativo se
assemelha, ou seja, ambas mantêm o adulto como protagonista e detentor
do conhecimento, o que, segundo ele, deve ser “passado” para a criança e
o adolescente.
As Orientações Técnicas: Serviço de Acolhimento para Crianças e
Adolescentes (BRASIL, 2009) atribuem ao cargo de educador/cuidador,
entre suas principais atividades a organização do ambiente e “auxílio à
criança e ao adolescente para lidar com sua história de vida, fortalecimento
da auto-estima e construção da identidade” (BRASIL, 2009, p. 66).
Porém, em ambas as instituições, a prioridade desse cargo está em realizar
atividades de limpeza da casa e em cuidados básicos com alimentação e
higiene dos acolhidos, de maneira que as atividades com as crianças ficam
em segundo plano e, geralmente, quando são realizadas, ocupam um curto
período do dia, circunstância identificada pelos educadores como um forte
impedimento para o real exercício de sua função.
217
A falta de capacitação dos educadores/cuidadores também tem
forte influência em sua concepção a propósito do direito ao
desenvolvimento garantido em lei. Principalmente na Instituição B, que
apresentou na entrevista semiestruturada, conhecimento, mesmo que
superficial da lei, o Estatuto da Criança e do Adolescente, para muitos, é
uma espécie de “desserviço” para a educação, em instituições de
acolhimento. Essa concepção nos parece ser baseada em uma ideia de que,
para ser eficaz, a educação deve ocorrer pela relação unilateral, da
autoridade adulta para o educando, de modo impositivo. Alegarem que
essa lei desprotege o adulto, por “absolver” a criança e o adolescente de
seus atos infracionais e punir o adulto por sua conduta de contenção da
criança e adolescente, em momentos de resolução de conflitos, indica-nos
a fragilidade interpretativa e tangencial que possa existir, em nossa
legislação, não apenas para tais indivíduos que a conhecem
superficialmente, mas também para autoridades e dirigentes de centros
educativos.
Se, na Instituição B, sua contenção e cautela na conduta educativa
são movidas frequentemente pelo medo de represália judicial, na
Instituição A, notamos a existência de câmeras de vigilância em todas as
dependências da casa. Em função dessas circunstâncias de medo,
desinformação e vigilância, questionamo-nos sobre a necessidade de
liberdade para se desempenhar um trabalho com autonomia e autoridade.
Qual o nível de autonomia e autoridade esses educadores estão tendo, para
desempenhar suas funções? Parece-nos que a mesma relação que lhes é
oferecida por seus supervisores é a que acabam repassando para os
acolhidos, ou seja, a predominância do respeito unilateral.
A concepção majoritária de educação moral, em ambas as
instituições, segue o caráter de uma educação verbal moralizadora, todavia,
existem algumas diferenças importantes a serem destacadas na execução
218
das ações educativas em cada uma das instituições. Na Instituição B, a
tendência de uma determinada regra, institucional ou de rotina, chegar ao
conhecimento do acolhido é como uma informação pronta, passada
verbalmente; entretanto, essa instituição apresenta momentos de
participação das crianças e adolescentes na construção de regras
condizentes com a sua rotina. Os acolhidos da Instituição B possuem a
iniciativa e/ou são encorajados a fazer entre si combinados que tornem suas
atividades na casa mais justas, e os educadores tendem a acreditar que a
participação das crianças e adolescentes na elaboração da regra é positiva
para que eles a cumpram, ainda que pensem que deve haver a participação
do adulto, nesse processo. Quanto a sua intervenção diante de uma
infração dos acolhidos, os educadores da Instituição B, por não possuírem
uma postura educacional comum da instituição, tomam atitudes
orientadas por suas próprias perspectivas educacionais e, com isso, se
dividem entre atitudes impositivas com o uso de castigos expiatórios e uma
atitude de parceria e trabalho em conjunto (com os acolhidos), analisando
a particularidade de cada caso.
Na Instituição A, por sua vez, a tendência de a regra chegar aos
acolhidos é transmiti-la verbalmente, como conteúdo pronto e impositivo.
Já houve uma proposta de elaboração conjunta de regras com os acolhidos,
porém, ainda nesse momento, ocorria por meio do adulto, com sua
“colinha” e de modo impositivo. Segundo a maioria dos educadores da
Instituição A, as crianças e adolescentes não cumprem as regras,
independentemente de quem as crie, de sorte que, quando apresentam
indícios de que a criança cumpre melhor a regra elaborada por ela ppria
e, por isso, esta deve ter a participação em sua elaboração, nota-se que essa
participação ainda é almejada com a imposição do adulto, como na fala
“pode ser assim?”. Além disso, pudemos observar a frequente medida
interventiva de uso de ameaça de recebimento de “estrelinhas negativas” e,
219
consequentemente, de perda de privilégios, como, por exemplo, passeios,
no caso de infração dos acolhidos, assim como a execução desse castigo
como uma sanção expiatória.
Assim, podemos asseverar que, de modo geral, as ações educativas
estabelecidas nas instituições seguiam um padrão de caráter moralizador.
Em ambas as instituições, foi manifestado que uma boa ação educativa
acontece, quando você diz para a criança o que ela deve fazer, ensinando o
caminho do bem. Isso nos parece indicar que esses educadores aproximam
suas concepções de educação moral como a defendida por Durkheim
(2007; 2012), segundo a qual devem proferir direcionamento regulador de
condutas, para que as crianças e os adolescentes saibam o que a sociedade
espera deles e possam ter uma vida dentro dessa normalidade, quando
alcançarem sua maioridade e saírem da instituição. Com isso, muitas vezes,
a questão da autonomia é vista mais amparada na habilidade de
autocuidado, na possibilidade de ser capaz de ter um trabalho e saber
diferenciar o que é certo e errado, nos padrões sociais. A autonomia moral
de resistência e capacidade de se guiar pelo Bem pouco ou nada foi
observada.
Considerações Finais
Compreendemos que a educação moral, embora esteja sempre
presente nas relações interpessoais, para ter a qualidade de favorecer o
desenvolvimento moral voltado para a autonomia, o ambiente sociomoral
deve ser igualmente favorecedor, sendo importante o protagonismo da
criança e do adolescente, em seu processo de aprendizagem, com a
liberdade de praticar e refletir sobre suas ações, assim como ter estabilidade
emocional. As condições de vulnerabilidade de trabalho e emocionais
enfrentadas pelos educadores/cuidadores, na rotina da instituição, assim
220
como a falta de capacitação para exercer o seu cargo têm tornado o
ambiente sociomoral da instituição um lugar instável e confuso, com
práticas educativas destoadas entre si e enfraquecendo o envolvimento
afetivo nas relações com os acolhidos.
Estamos nos referindo a cuidado, no sentido de garantia de
condições favoráveis para o desenvolvimento saudável do corpo. Apesar de
esse ser um foco de medida protetiva e relatada como educativa pela
Instituição A, é uma medida também aplicada pela Instituição B,
igualmente como protetiva. Acreditamos que essa forma de cuidado seja
extremamente importante e base para todo o desenvolvimento de um
indivíduo, mas sentimos falta, nas visitas às instituições, do cuidado com
o espírito do ser em desenvolvimento. Qual a liberdade de espírito que
esses acolhidos estão tendo, para desenvolver sua criticidade, de modo a
serem pessoas autônomas?
A fragilidade estrutural dos serviços de acolhimento tem
ocasionado grande prejuízo educativo para as crianças e adolescentes que
deles necessitam. Não podemos desconsiderar que todo o trabalho
realizado por ambas as instituições aqui pesquisadas, assim como de outros
serviços de acolhimento, é um recurso extremamente importante para
garantir condições de vida e de segurança para essas crianças e adolescentes,
pois foram retirados de situações, como as de abandono, violência,
negligência, maus tratos, sofridas em sua própria família ou por falta dela.
Contudo, o que não podemos ignorar é que, mais do que condições de
sobrevivência e garantia de cuidados básicos e de segurança física, essa
criança e adolescente necessitam de outras bases fundamentais para o seu
desenvolvimento integral.
Consideramos que a autonomia é o principal objetivo da educação.
Portanto, vemos a necessidade de definir o conceito de autonomia
justamente para não ser reduzida à questão do autoconhecimento e
221
autocuidado, os quais, apesar de estarem presentes no processo de
aquisição da autonomia, sozinhos não a definem. No caso da autonomia
moral que aqui propusemos discutir, nós a conceituamos numa perspectiva
de ação do sujeito diante da sociedade em que vive. Assim, um indivíduo
autônomo moralmente é capaz de agir visando ao Bem, de modo objetivo,
ou seja, não almeja satisfazer a si próprio ou ao outro por interesse próprio,
porém, por atitudes livres do interesse próprio e independentemente de
pressões exteriores que possam se dar, de sorte que, em momentos de
conflitos de princípios, seja capaz de fazer sua escolha, visando ao menor
ônus possível.
Para que isso ocorra, é de fundamental importância que o centro
educativo seja um ambiente capaz de produzir espaços, a fim de que a
criança e o adolescente possam ser ativos, tendo a possibilidade de se
autogovernarem, tenham responsabilidades a serem desempenhadas e,
sobretudo, tenham a oportunidade de exercitar a cooperação entre seus
iguais. Como isso seria possível, em instituições de acolhimento? Como
vimos nos resultados desta pesquisa, a Instituição B, ainda que
timidamente, mostra o germe de atitudes de que a educação ativa
compartilha, todavia, sua estrutura ainda é fundamentada em bases da
educação tradicional. Nessa instituição de acolhimento, as crianças e
adolescentes podem participar de responsabilidades simples, como o asseio
de espaços comuns da casa e espaços compartilhados por um grupo restrito
(o quarto), não apenas de limpeza geral (como a cozinha), mas no sentido
de colaborar com quem realizará essa limpeza, como, por exemplo, lavar,
enxugar e guardar o prato e talheres utilizados na refeição; embora de
modo inicial e primário, devido a alguns direcionamentos feitos por
adultos, há momentos de reuniões e assembleias, dos quais pudemos
participar e notar a participação dos acolhidos, expondo seus interesses,
explicando suas atitudes e compondo a proposta de solução de problemas.
222
Contudo, não percebemos, na instituição, um espaço atrativo e confortável
para a interação entre os pares, os acolhidos, durante as férias escolares, por
exemplo: a despeito do amplo espaço da casa, não tinham atividades que
pudessem desenvolver entre eles ou com um educador. As ações educativas
não são integradas em unidade de execução pelos educadores, os quais
individualmente operam sua intervenção educativa baseada em sua própria
perspectiva de vida, resultando em práticas desconexas e muitas vezes
divergentes. Apresentam, com isso, no mesmo ambiente, tanto elementos
da educação ativa (como o envolvimento em trabalho em grupo e
assembleias deliberativas) quanto elementos da educação tradicional
(como a educação verbal moralizadora).
A Instituição A não demonstrou possuir nem o germe da educação
ativa, nem sua estruturação, no entanto, possuía espaços lúdicos e
confortáveis para a interação dos acolhidos, realizava atividades
(criadas/escolhidas por eles ou sugeridas pelo adulto), tanto sozinhos como
na presença de um adulto.
Do mesmo modo, não podemos nos esquecer da necessidade de o
educador ser valorizado, não apenas com retribuição financeira, mas,
sobretudo, de ter seu trabalho reconhecido e que se confie nele, que tenha
o poder de exercer sua autoridade e esta ser respeitada, que tenha
oportunidade de voz, nas decisões da vida da criança, e que essa voz seja
ouvida e considerada, que suas angústias possam ser compartilhadas e seu
coração acalmado, que suas perspectivas e ideias educacionais possam ser
discutidas e refletidas, que possa trabalhar em equipe e ver o fruto de seus
esforços e investimentos.
Destarte, diante dos resultados obtidos nesta pesquisa,
esclarecemos o quão necessário é um olhar mais atento e um trabalho mais
efetivo, principalmente das políticas públicas, nos serviços de acolhimento,
visto que grande parte das dificuldades destas em constituir um ambiente
223
sociomoral voltado para a autonomia se inicia pela falta de aplicação de
condições prévias atribuídas a esses serviços, como por exemplo, a
capacitação dos funcionários.
Acreditamos, também, na necessidade de revisão das Orientações
Técnicas, no que diz respeito a noções de autonomia para a criança e
adolescente, a fim de que seja tratada com mais precisão e, assim, evitando
desvios de interpretação ou negligência, de não apenas ser vista como uma
“liberdade de ação e a oportunidade de agir e criar as regras de
convivência”, mas, sobretudo, como a construção de “[...] um ambiente
cooperativo em que se estabeleçam relações de respeito mútuo,
solidariedade, igualdade e equidade, com base nos princípios universais”
(FRANÇA, 2012, p. 40), e, com isso, efetivar o direito ao desenvolvimento
moral estabelecido no ECA.
Embora o Brasil tenha avançado nos movimentos sociais e na
constituição de suas leis, no que concerne aos direitos e deveres das crianças
e adolescentes, ainda precisa vencer os desafios relativos à sua implantação,
desafios estes oriundos da falta de compromisso ético do governo e da
sociedade e das defasagens de preparação e de competência técnica dos
órgãos, gestores e equipes educativas dos centros de atendimentos
protetivos e socioeducativos.
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227
Escola Tradicional e Escola Não Tradicional:
escola democrática, participação de todos e valorização da
diversidade entre os agentes desse espaço
Clarisse Zan de Assis BASTOS
3
Introdução
É dócil um corpo que pode ser submetido, que pode ser utilizado, que
pode ser transformado e aperfeiçoado (FOUCAULT, 2004, p. 125).
Este capítulo trata da pesquisa Clima escolar: estudo de caso em uma
escola democrática do estado de São Paulo, que teve o objetivo analisar o
clima escolar a partir das percepções dos educadores (aqui compreendidos
gestores e professores, isso por tratar-se de uma gestão compartilhada, e
estudantes) de uma escola democrática particular do estado de São Paulo,
e contou com o financiamento da Coordenação de Aperfeiçoamento de
Pessoal de Nível Superior (CAPES).
É a partir do pensamento de Michel Foucault que damos início à
discussão a respeito da estrutura escolar tradicional. Para o autor, que
aborda uma conduta de vigilância frente ao corpo e ao modo de pensar do
sujeito, este passa a ser moldado pelas instituições, dentre elas a escola,
mediante normas e punições.
3
Doutora em Educação pelo Programa de Pós-graduação em Educação (PPGE) da Faculdade de
Filosofia e Ciências (FFC), Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP),
Campus de Marília, São Paulo, Brasil. E-mail: Clarisse.zan@gmail.com
https://doi.org/10.36311/2022.978-65-5954-317-5.p227-258
228
Foucault (1985) apresenta a organização escolar, historicamente,
como uma garantia de controle por parte do professor, que mantém a
ordem e a disciplina. Dessa maneira, a escola tornou-se um aparelho onde
o poder e controle sobre o corpo (os alunos não podem ficar em pé, não
podem conversar, devem sentar-se em carteiras enfileiradas) afastaram os
sujeitos pertencentes à escola e, consequentemente, prejudicaram as
relações professor/estudante e os processos de aprendizagem.
“Na luta contra o poder disciplinar, não é em direção ao velho
direito da soberania que se deve marchar, mas na direção de um novo
direito antidisciplinar, e, ao mesmo tempo, liberado do princípio da
soberania” (FOUCAULT, 1985, p. 190). É no rever o papel do educador
e da escola que ela deve percorrer buscando mudanças nas relações de
poder, tornando todos, sujeitos críticos, atores de suas transformações
individuais e coletivas.
Nesse capítulo serão abordados os conceitos de Escola Tradicional
e Não Tradicional, bem como os princípios que as norteiam.
A Escola Tradicional no Mundo e no Brasil
A conjuntura política, econômica e social internacional e nacional
sempre exerceu forte influência na história da educação. A exemplo disso,
com a Revolução Francesa (1789), e consequentemente o surgimento do
ideário de “liberdade, igualdade e fraternidade”, a burguesia buscou seu
lugar de exercício social e de poder, e nesse contexto também, de
democracia liberal, a cidadania esteve associada aos direitos políticos, de
eleição de representantes. Uma nova maneira de se pensar no indivíduo e
suas necessidades então surgia.
Mas antes de adentrarmos ao surgimento da burguesia na
sociedade moderna e, consequentemente, seu papel frente à educação, faz-
229
se necessário contextualizar as relações existentes entre os indivíduos, bem
como tais influências empregadas por um outro tempo e espaço.
Nos estranham as seguintes imagens? Salas de aula com carteiras
enfileiradas; o “sinal”, que avisa quando uma atividade se inicia ou finaliza;
salas organizadas de acordo com o desempenho dos estudantes; na maior
parte do tempo o professor tem a palavra. Poucos são os exemplos, mas são
comuns à realidade escolar, em grande parte. Dessa forma, podemos dizer
que concepções pedagógicas que fundamentam a escola tradicional ainda
se misturam às origens da escola como espaço educacional. O que
queremos dizer aqui é que a escola tradicional existente ainda hoje não se
diferencia do que lhe foi proposto em sua concepção original.
Sobre as reflexões educacionais, é necessário realizar uma visita ao
passado, nos tempos do homem medieval e da filosofia da Escolástica, que
para Cambi (1999, p. 186) “[...] prepara uma releitura da educação que
envolverá de modo radical e inovador tanto os processos de formação
quanto os de aprendizagem”. O pensamento que surgia teve como
contribuição obras de São Tomás de Aquino, em especial na busca pela
conciliação entre razão e fé, resgatando ideias de Santo Agostinho, que
salientava a “importância do professor no despertar da mente do estudante,
o aspecto sensível do conhecimento e do ensino, a possibilidade de
conhecer os “primeiros princípios” de toda ciência e de ensiná-los a outros
despertando a atividade racional” (CAMBI, 1999, p. 198).
O modo de pensar da Idade Média passa por um processo de
transformação, dando espaço a um novo movimento histórico, a uma nova
época, a Moderna. É quando a organização feudal dá vez ao pensamento
Iluminista. Neste momento, a Igreja, até então detentora de todo controle
político, social e educacional, perde força, dando tal controle para as mãos
do Estado. Para Cambi (1999, p. 196), “A ruptura da Modernidade
apresenta-se, portanto, como uma revolução, e uma revolução em muitos
230
âmbitos: geográfico, econômico, político, social, ideológico, cultural e
pedagógico”.
Neste momento, os rumos da pedagogia modificam-se, a escola se
torna importante para o desenvolvimento dessa sociedade que está
surgindo, com a Modernidade nasce a pedagogia como ciência: como
saber da formação humana que tende a controlar racionalmente as
complexas (e inúmeras) variáveis que ativam esse processo. Mas nasce
também uma pedagogia social que reconhece como parte orgânica do
processo da sociedade em seu conjunto, na qual ela desempenha uma
função insubstituível e cada vez mais central: formar o homem-cidadão
e formar o produtor, chegando depois, pouco a pouco, até o dirigente.
Como também nasce uma pedagogia antropológico-utópica que tende
a desafiar a existente e a colocar tal desafio como o verdadeiro sentido
do pensar e fazer pedagogia (como faz Comenius, como faz Rousseau)
(CAMBI, 1999, p. 199).
Foram muitos os pensadores que se destacaram quanto ao modo
de pensar do indivíduo, bem como às novas ideias pedagógicas, a qual, a
pedagogia, passa a ser enunciada como ciência, por Herbart (apud EBY,
1962), mas a fim de pensar o pensamento pedagógico moderno, daremos
destaque aqui às concepções sobre educação de Rousseau.
A escolha por Rousseau nesse momento histórico se deu pelo fato
de ser um pensador crítico ao movimento educacional que se tinha na
França no século XVIII, quebrando paradigmas desse tempo, ao discutir a
relação professor aluno, assim como a busca por uma nova relação entre o
indivíduo e o conhecimento adquirido.
A educação deve ocorrer de modo ‘natural’, longe das influências
corruptas do ambiente social e sob a direção de um pedagogo
iluminado que oriente o processo formativo do menino para
231
finalidades que reflitam as exigências da própria natureza (CAMBI,
1999, p. 346).
Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) foi um filósofo suíço do
movimento Iluminista, que favoreceu o pensamento educacional a respeito
de como se deve ensinar e é até hoje grande referência no campo
pedagógico de estudo. Para a construção do pensamento pedagógico,
Cambi (1999, p. 347) aponta três características de Rousseau:
1 - A descoberta da infância como idade autônoma e dotada de
características e finalidades específicas, bem diversas das que são
próprias da idade adulta [...]; 2 - o Elo entre motivação e aprendizagem
colocado no centro da formação intelectual e moral de Emílio e que
exige partir sempre, no ensino de qualquer noção, da sua utilidade para
a criança e de uma referência precisa à sua experiência concreta [...]; 3
atenção orientada para a autonomia, ora como necessariamente
condicionada pela heteronomia; entre liberdade e autoridade, no ato
educativo, não há exclusão, mas apenas uma sutil e também paradoxal
dialética (CAMBI, 1999, p. 347).
É importante ressaltar que, tanto para Rousseau quanto para
outros pensadores, como Immanuel Kant (1724-1804), a educação devia
ser laica, fazendo de Rousseau pai da pedagogia moderna, ao romper com
o antigo pensamento de poder e controle da Igreja sobre as instituições,
dentre elas a escola, quando declara que:
Aos jesuítas e aos seus colégios, Rousseau reprova a artificialidade da
sua educação, intelectualística e livresca, autoritária e pedante; à
aristocracia, de habituar os filhos à imitação dos adultos, de prepará-
los quase exclusivamente para as práticas inaturais das boas maneiras e
da conversação, descuidando de suas mais profundas necessidades e das
232
próprias características da idade, a começar pela necessidade de viver
em contato e crescer sob a orientação dos pais (CAMBI, 1999, p. 347).
Como brevemente apresentado anteriormente, Rousseau (1995)
tem a natureza como agente fundamental à educação, quando do conceito
“educação natural”, a qual é vista como motivadora da curiosidade para o
aluno. Nesse sentido, é papel do educador sanar tal curiosidade, apenas no
sentido de realizar o aluno, respondendo-lhe apenas o suficiente. 18
Rousseau traz também a importância do erro, com o qual também são
aprendidas lições. Para ele,
[...] aprendemos noções bem mais claras e bem mais seguras das coisas
que aprendemos por nós mesmos, que das que recebemos dos
ensinamentos de outrem; e, além de não acostumarmos nossa razão a
submeter-se servilmente à autoridade, tornando-nos mais engenhosos
em encontrar relações, em ligar ideias, em inventar instrumentos do
que quando, adotando tudo isso tal qual nos é dado, deixamos cair
nosso espírito na preguiça (ROUSSEAU, 1995, p. 188).
Neste momento histórico da modernidade, a burguesia
encontrava-se em processo de ascensão (não sendo esta nem a dominada
ou a dominante), servindo-se das classes dominadas a fim de apo-la num
novo projeto de sociedade, concomitantemente defendendo o acesso
universal à educação (todos são iguais e possuem as mesmas oportunidades
de ascensão social). Nesse momento, a educação passa a ser primordial
responsável por igualar os estudantes, oferecendo uma educação igual para
todos, todavia, somente os “mais capazes” conseguiriam ascender
socialmente.
Entre a Revolução Francesa (1789) e a Revolução Industrial
(1760-1850), a burguesia afirma-se como classe social dominante, usando-
233
se da escola como novo modelo para consolidação de seus interesses.
Assim, o que antes fora salvaguardado como igualdade, deixa de existir,
uma vez que a burguesia, agora dominante, preserva as diferenças
individuais. Com o passar do tempo, tais diferenças naturalizaram-se, e até
hoje, são “aceitas” pela sociedade.
Agora, a escola burguesa, a fim de respeitar a individualidade do
estudante, passou a diferi-los desde o princípio do processo educacional, o
que anteriormente era realizado ao final dos estudos, pelo conceito da
meritocracia. O conceito de igualdade de direitos passou por
reformulações e novos entendimentos, uma vez que todos se diferenciam
uns dos outros, por suas individualidades e inúmeras necessidades e
interesses específicos, que não poderiam ser assistidos de forma coletiva.
Desta forma, apenas por meio dessas novas maneiras de enxergar e lidar
com o indivíduo e, respectivamente, suas particularidades, foi que o
cenário educacional ganhou visibilidade e espaço para novas
possibilidades, como a Escola Nova.
Nunca se havia discutido tanto a formação do cidadão como durante
os seis anos de vida da Revolução Francesa. A escola pública é filha
dessa revolução burguesa. Os grandes teóricos iluministas pregavam
uma educação cívica e patriótica inspirada nos princípios da
democracia, uma educação laica, gratuitamente oferecida pelo Estado
para todos. Tem início com ela a ideia da unificação do ensino público
em todos os graus. Mas ainda era elitista: só os mais capazes podiam
prosseguir até a universidade (GADOTTI, 1995, p. 88).
A história da educação mostra que mesmo com o advento da
burguesia e o pensamento de uma educação universal, para todos, a partir
dos novos sistemas nacionais de ensino, a escola tradicional nos dias atuais
234
permanece existindo aos moldes semelhantes de seu início. A esse respeito,
Gadotti afirma que:
O iluminismo educacional representou o fundamento da pedagogia
burguesa, que até hoje insiste, predominantemente na transmissão de
conteúdos e na formação social individualista. A burguesia percebeu a
necessidade de oferecer instrução, mínima, para a massa trabalhadora.
Por isso, a educação se dirigiu para a formação do cidadão disciplinado.
O surgimento dos sistemas nacionais de educação, no século XIX, é o
resultado e a expressão que a burguesia, como classe ascendente,
emprestou à educação (GADOTTI, 1995, p. 90).
Sobre os princípios pedagógicos da pedagogia tradicional, e a partir
de estudos realizados sobre diversas abordagens do processo ensino-
aprendizagem, Mizukami (2007) reconhece no modelo pedagógico
tradicional o excesso pela obediência, não sendo prevista uma postura
questionadora por parte do estudante, uma vez que este tiraria a autoridade
do professor. Segundo a autora, “O tipo de relação estabelecido nesta
concepção de escola é vertical, do professor (autoridade intelectual e moral)
para o aluno” (2007, p. 12). Nesse sentido, Freire (1996) critica a
autoridade do professor, justamente por lhe privar do direito de tirar
dúvidas, questionar, dessa forma, “O professor que desrespeita a
curiosidade do educando, o seu gosto estético, a sua inquietude, sua
linguagem [...] transgride os princípios fundamentalmente éticos de nossa
existência” (FREIRE, 1996, p. 59-60).
O modelo tradicional é muito debatido até os dias de hoje,
podendo-se dizer que apesar do conceito de ensino e aprendizagem estar
atrelado a um processo exterior ao estudante, apresenta certas posturas
distintas das de antigamente, como por exemplo, o vínculo entre professor
e estudante, nascido do movimento escolanovista. Mas, a que se deve a
235
manutenção desse modelo? Estritamente a uma organização que perpetua
uma relação com o ensino numa perspectiva unilateral, ou se deve à
manutenção da prática docente e, consequentemente, de sua formação
profissional?
Mizukami (2007) apresenta uma concepção de educação baseada
no produto, uma vez que o que se pretende alcançar já está preestabelecido.
A abordagem tradicional, modelo tradicional, escola tradicional (trazidos
aqui como conceitos sinônimos), é aquela na qual o professor é tido como
agente principal, detentor e transmissor de todo o conhecimento, o
silêncio e a não-intervenção do aluno são sinônimos de bons resultados
desse processo de ensino. Tal processo não proporciona ao indivíduo
liberdade e criação. Nessa relação de poder entre adulto (professor que
possui conhecimento) e estudante (mero consumidor de tal
conhecimento), Saviani (2005) aponta a impossibilidade de haver, por
parte do educando, a construção de sua autonomia.
Mizukami (2007) categoriza uma série de conceitos, sobre os quais
a abordagem educacional tradicional interfere diretamente. Para ela, o
contexto caracterizado como tradicional, apresenta formas exclusivas de
compreender os conceitos de homem; mundo; sociedade-cultura;
conhecimento; educação; escola; processo de ensino-aprendizagem;
relação professor-aluno; metodologia; avaliação.
Na abordagem tradicional, o homem é considerado acabado, um
receptor passivo de conhecimento. O mundo apresenta-se como algo
externo ao indivíduo, é compreendido mediante modelos, como a família
e a igreja; as formas de sociedade e cultura são variadas, estando estes
ligados aos valores da sociedade na qual o sujeito está inserido. As
avaliações, nesse contexto, se fazem necessárias, a fim de comprovar que o
conhecimento cultural tenha sido minimamente alcançado. O
conhecimento prevê que a inteligência seja capaz de manter informações,
236
assim, é do ser humano o papel de acumular conhecimento sobre o mundo
físico e social pela transmissão. A educação está compreendida como
processo de instrução, de transmissão de ideias e a escola é o local onde se
realiza a educação. A relação ensino-aprendizagem está estrita ao espaço de
sala de aula, em que o professor é responsável por transmitir o
conhecimento, trata-se de uma forma de aprendizagem individualista, pois
fica aqui em evidência a quantidade e variedade de conceitos e a
sistematização dos conhecimentos de maneira acabada. O papel do
professor nesse modelo é de propagar conteúdos. É de sua responsabilidade
o conteúdo, a metodologia e avaliação a serem trabalhados, estabelecendo-
se assim, uma relação vertical frente ao aluno. A metodologia corresponde
ao modo expositivo como modo de transmissão de conhecimento,
concentrando a ação de ensino toda no professor; e a avaliação prevê a
mensuração daquilo que se pôde reproduzir dos conteúdos adquiridos em
aula.
A promoção de uma qualidade ética na educação exige, portanto,
uma reformulação na maneira dos atores na escola, educador e educando,
tendo em vista o respeito pela diversidade de pensamento, fator a ser
considerado quando se fala de trabalho coletivo. Nesse sentido,
É a viagem em busca de um modo de pensamento capaz de respeitar a
multidimensionalidade, a riqueza, o mistério do real; e de saber que as
determinações - cerebral, cultural, social, histórica que impõe a todo
o pensamento, co-determinam sempre o objeto de conhecimento
(MORIN, 1980, p. 14).
Deveria ser objetivo dos métodos de ensino, promover no
estudante a construção do conhecimento, por meio de vivências,
experiências, considerando os aspectos culturais e dos valores. Para tal, a
relação dialética entre teoria e prática deve ser reconhecida pelo educador,
237
para que faça dela um modo de ver a educação como um ato libertador.
Assim,
é preciso que fique claro que, por isto mesmo que estamos defendendo
a práxis, a teoria do fazer, não estamos propondo nenhuma dicotomia
de que resultasse que este fazer se dividisse em uma etapa de reflexão e
outra, distante, de ação. Ação e reflexão e ação se dão simultaneamente
(FREIRE, 1983, p. 149).
Caminhando para Mudanças
Retomando aqui as concepções de escola como instituição de
ensino, para Veiga-Neto (2003) Foucault aponta que ela retira:
[...] compulsoriamente os indivíduos do espaço familiar ou social mais
amplo e os internam, durante um período longo, para moldar suas
condutas, disciplinar seus comportamentos, formatar aquilo que
pensam etc. (VEIGANETO, 2003, p. 50).
Observando todo processo educacional ao longo da história, tem-
se que do passado ao futuro, a preocupação é a consolidação de uma
proposta pedagógica a ser substituída por outra. De acordo com Barrera
(2016, p. 206),
Cabe à escola preservar os saberes práticos e teóricos (garantir que
sigam operando naquele grupo social) ao mesmo tempo em que
prepara crianças e jovens para assumirem diferentes papeis socials. [...]
sempre há uma adaptação de método e conteúdo, ano após ano, nas
diversas escolas pelo mundo, atualizando, selecionando, criando e
produzindo diferentes saberes escolares (BARRERA, 2016, p. 206).
238
Ao mesmo tempo em que se defende uma mudança no pensar a
educação, buscando torná-la dialógica, a fim de romper de vez com a
predominância da mera transmissão de conteúdos, é reconhecido ainda,
como apresenta Vasconcellos (1993, p. 15), que
Apesar de, no discurso, haver rejeição a essa postura (do ensino
tradicional), no cotidiano da escola verifica-se que é a mais presente
[...], talvez nem tanto pela vontade dos educadores, mas por não saber
como efetivar uma prática diferente (VASCONCELLOS, 1993, p.
15).
Ao mesmo tempo em que sabemos atualmente de inovações na
educação, ainda é muito difícil vê-la desvinculada das tradições de
propostas antigas. Nesse sentido, na modernidade, o velho e o novo se
confrontam, quanto à nova ciência, o domínio da natureza, a burguesia e
uma nova estrutura econômica capitalista, cabendo também ao indivíduo
“[...] submeter-se a uma remodelação, através do ideal do cortesão e das
regras de sociabilidade, que estabelece os princípios e as formas de
socialização” (CAMBI, 1999, p. 244).
Quanto às ideias voltadas para a educação na modernidade, tem-
se datado desde o século XVI até o século XVIII, na França, na renascença,
ao se romper com a Escolástica da Idade Média, considerada então, um
movimento a ser superado por meio de uma revolução na forma de ensino.
Em meados do século XVII, a história passa por uma série de revoluções,
dentre elas cultural e intelectual, dando-se origem à escola moderna,
momento em que a educação é posta como ponto central da sociedade,
responsável pelo reconhecimento de novas classes e grupos sociais, e o que
em um tempo respondia aos modelos religiosos autoritários, agora tem
para o homem como uma possibilidade de autonomia e liberdade.
239
Na Europa, em especial na França, no século XVIII, dentre as
reformas na educação, quanto à prática de instrução do povo, por exemplo,
possibilitou-lhe condições de libertação do atraso e marginalidade,
podendo ele ser visto agora como indivíduo produtivo dessa sociedade.
Para Cambi (1999, p. 331), é:
[...] a demanda de reformismo que porá em destaque o papel de
organizador e de controlador a ser exercido pelo “poder político”,
uniformizando o sistema escolar nacional, racionalizando-o num
conjunto de ordens e graus, distintos e interligados ao mesmo tempo
(CAMBI, 1999, p. 331).
No contexto da Revolução Industrial na Inglaterra, no século
XVIII, uma nova classe apresenta novas demandas educacionais a serem
atendidas, a operária, o que repercutiu com os tempos por toda a Europa.
A necessidade de transformação da sociedade, por meio da educação, se
mostra no Brasil ao final do século XIX e início do século XX.
O anseio por debates a respeito de novas ideias pedagógicas no
Brasil se deu no século XIX, onde as ideias iluministas, espalhadas por toda
Europa, também aguardavam novas possibilidades de expansão do acesso
às instituições de ensino e a práticas civilizatórias.
No Brasil novos métodos de ensino se deram a partir do século
XVIII, quando a formação da elite passa a ser preocupação do governo,
mas o país carecia de professores, tendo sido o ensino responsabilidade de
soldados, o que levou a uma série de condutas desses então “docentes”,
como o uso do sistema empírico, baseado em métodos mecênicos, sem
valor educacional; o uso da ordem e da obediência etc.
Ao final desse século, novas discussões sobre os procedimentos
educacionais brasileiros surgem, como a preocupação quanto às relações
pedagógicas do processo de ensino e aprendizagem do aluno.
240
Até as primeiras décadas do século XX, as inovações pedagógicas
no Brasil e os princípios liberais de transformação da sociedade pela
educação tinham estreita relação com os discursos políticos e educacionais
elaborados no país, momento em que as ideias da Escola Nova já eram
presentes no contexto educacional brasileiro.
Historicamente, a escola passou por diversas transformações, vários
movimentos desenvolveram-se, opondo-se à educação tradicional,
trazendo uma visão mais humana à formação dos indivíduos. No Brasil, o
chamado movimento da Escola Nova desenvolveu-se em meio a mudanças
políticas, econômicas e sociais, tecendo críticas ao modelo tradicional,
transformando o pensamento pedagógico do século XX e proferindo novas
ideias de ensino, estas estabelecidas a partir do Manifesto dos Pioneiros da
Escola Nova, em 1932.
Pedir assim ao educador que tenha por centro de gravidade a própria
criança, é nada menos que pedir-lhe realize uma verdadeira revolução,
se é verdade que até aqui, como vimos, o centro de gravidade sempre
esteve situado fora dela. É esta revolução exigência fundamental do
movimento da escola nova que Clara pède compara à de Copérnico
na astronomia, e que com tanta felicidade define nessas linhas: Os
métodos e os programas a gravitar em torno da criança e, não, a criança
a girar mal e mal em torno de um programa fixado fora dela, tal
revolução “copernicana” para a qual a psicologia convida o educador
(BLOCH, 1951, p. 37).
Realizando uma forte crítica à escola tradicional, a Escola Nova
trouxe em seu movimento uma transformação na maneira de organizar a
educação escolar, promovendo mudanças praticamente em todas as
características da pedagogia anterior. O movimento de antítese da Escola
Nova frente à escola tradicional pode ser entendido por Saviani (1994, p.
20) como:
241
Compreende-se então que essa maneira de entender a educação, por
referência à pedagogia tradicional tenha deslocado o eixo da questão
pedagógica do intelecto para o sentimento; do aspecto lógico para o
psicológico; dos conteúdos cognitivos para os métodos ou processos
pedagógicos; do professor para o aluno; do esforço para o interesse; da
disciplina para a espontaneidade; do diretivismo para o não-
diretivismo; da quantidade para a qualidade; de uma pedagogia de
inspiração filosófica centrada na ciência da lógica para uma pedagogia
da inspiração experimental baseada principalmente nas contribuições
da biologia e da psicologia. Em suma, trata-se de uma teoria pedagógica
que considera que o importante não é aprender, mas aprender a
aprender (SAVIANI, 1994, p. 20).
A rápida aceleração no processo de urbanização e progresso
industrial no país, refletiram em grandes mudanças políticas e sociais,
acarretando também em uma mudança na mentalidade brasileira, pois ao
buscar os centros urbanos, atrás de condições de trabalho, o processo
educacional para essa população foi condição primordial encontrada para
que a economia capitalista se estabelecesse, no intuito de assegurar o
desenvolvimento do Brasil.
O movimento escolanovista no Brasil se desenvolveu tendo a
educação como primordial à constituição de uma sociedade democrática,
na qual as individualidades são respeitadas, são previstos espaços para
discussão a respeito das organizações sociais.
O movimento educacional em destaque teve participação de
pensadores como Rousseau, Dewey e, no Brasil, vários foram os
educadores que se destacaram, como Lourenço Filho e Anísio Teixeira.
No Brasil, as ideias de John Dewey vêm no sentido de apresentar
a ação prática, o movimento ativo, e a democracia como elementos
fundamentais à educação. Para ele, é papel do educador ser um agente
reflexivo, permitindo que o aluno exercite a sua experiência individual,
242
estando o primeiro atento às competências presentes nessas experiências.
Cabe ao educador não apenas “[...] estar atento ao princípio geral de que
as condições do meio modelam a experiência presente no aluno, mas
também a de reconhecer nas situações concretas que circunstâncias
ambientais conduzem a experiências que levam ao crescimento” (DEWEY,
1971, p. 32 apud FACCI, 2004, p. 44-45).
A partir desse momento, buscava-se estabelecer uma relação direta
com a ação pedagógica, tratando-se de uma atividade ativa e autônoma,
“esse modelo é essencialmente processo e não produto, um processo de
reconstrução da experiência e é um processo de melhoria permanente da
eficiência individual” (GADOTTI, 1996, p. 144).
Com o movimento da Escola Nova no Brasil, muitas lutas foram
travadas buscando promover mudanças educacionais e sociais, como
torná-la obrigatória e gratuita para todos e obrigação do Estado. Em
função de todo esse movimento educacional no país, é possível reconhecer
hoje em dia práticas voltadas à atuação direta do aluno, como posicionar-
se, criticar, questionar.
Ao olharmos para a história da pedagogia, Cambi (1999, p. 514)
apresenta uma nova escola para um novo sujeito, num movimento de
ativismo, em que o autor afirma:
Entre o último decênio do século XIX e o terceiro decênio do novo
século, afirmam-se na pedagogia mundial algumas experiências de
vanguarda, inspiradas em princípios formativos bastante diferentes
daqueles em vigor na escola tradicional. [...] A característica comum e
dominante dessas escolas novas, que tiveram difuo predominan-
temente na Europa ocidental e nos Estados Unidos, deve ser
identificada no recurso à atividade da criança. [...] A criança é
espontaneamente ativa e necessita, portanto, ser libertada dos vínculos
243
da educação familiar e escolar, permitindo-lhe uma livre manifestação
de suas inclinações primárias (CAMBI, 1999, p. 514).
A metodologia, a pedagogia, a didática, a educação, são resultados
do entendimento de um contexto sócio histórico, no qual os conceitos de
homem, sociedade, educação, professor, aprendizagem se modificam em
função de novas posturas políticas, teóricas, as quais acabam por legitimar
uma visão de educação passiva e dominante, ou ativa e inovadora. Ó
(2003) enfatiza que:
Onde a escola tradicional viu esforço, atenção forçada, pressão externa,
disciplina imposta, a educação Nova encontrava agora interesse.
Direção e controle seriam as palavras mágicas da primeira; liberdade e
iniciativa as da outra. “É absurdo supor que uma criança conquiste
mais disciplina mental ou intelectual ao fazer, sem querer, qualquer
coisa, do que fazê-la, desejando-a de todo o coração”; “interesse e
disciplina são coisas conexas e não opostas” como sucedia no passado,
afirmava Dewey. [...] Na escola do futuro existiria uma identificação
absoluta entre o facto a ser aprendido ou a ação a ser praticada e o ator
que nela se encontrava implicado. A educação seria aí uma
reconstrução contínua da experiência, a vida mesma, e já não como
anteriormente uma preparação para a vida , 2003, p. 144).
Eis um grande desafio que tem percorrido a História até hoje, uma
vez que as possibilidades educacionais no Brasil e no Mundo têm se
ampliado cada vez mais, ainda esbarramos em grandes obstáculos de um
sistema hegemônico político e econômico ao qual fazemos parte; os
diversos papéis que a escola passou a assumir com o tempo; a formação
inicial e continuada dos profissionais da educação (a qual é
incessantemente discutida, revista e replanejada, principalmente dentro da
Universidade). Nesse sentido, abre-se espaço para uma crítica quanto ao
244
papel da Universidade nesse cenário de constantes transformações às quais
a educação percorre ao longo dos tempos.
O ensino, por meio da didática tradicional, percorre todos os
níveis, da educação básica ao ensino superior, sendo o professor, em todos
os níveis, o agente principal, ativo e responsável pelo processo educacional,
como apresenta Freire (1979):
O professor ainda é um ser superior que ensina a ignorantes. Isto forma
uma consciência bancária. O educando recebe passivamente os
conhecimentos, tornando-se um depósito do educador. Educa-se para
arquivar o que se deposita (FREIRE, 1979, p. 83).
É fato, e pertinente aqui explicar que as relações entre quem
aprende e quem ensina no Ensino Superior também sofreram alterações,
efetivamente a partir do século XX, com o movimento da Escola Nova. A
partir do momento em que o processo educacional descentra do professor
a visão deste, como detentor do conhecimento e transmissor de todo saber
acumulado historicamente, e começa a reconhecer o estudante como seu
real protagonista desse processo, coloca-se, nas palavras de Masetto (2003)
que “[...] ao aprendiz cabe o processo central de sujeito que exerce as ações
necessárias para que aconteça sua aprendizagem” (MASETTO, 2003, p.
88). O professor universitário passa a orientar, mediar os saberes, e a
reconhecer em seus estudantes sujeitos ativos, que se diferem um do outro
por possuírem dificuldades e necessidades, havendo aí transformações
quanto aos recursos metodológicos, a fim de auxiliar ao aluno em seu
desenvolvimento, quando este entra em contato com o objeto de estudo.
É evidente que com a Escola Nova o papel do professor, as 26 relações
entre os agentes do processo educativo, as novas metodologias, a
preocupação passou a ser maior para com a aprendizagem, entretanto,
ainda prevalece o ensinar nas práticas pedagógicas no Ensino Superior.
245
Nesse cenário, ainda sob grandes resistências por parte da didática
tradicional, muitos são os profissionais preocupados com o processo de
aprendizagem, com o estabelecimento de relações mais humanas com os
estudantes, incentivadores do protagonismo destes, fazendo de suas
práticas docentes, cada vez mais inovadoras, o levante de uma grande
bandeira de luta por consistentes mudanças na maneira que a educação,
no caso brasileira, tem sido vista e tão arduamente transformada. Seria um
sonho, conseguir ultrapassar outras barreiras, quebrar mais paradigmas
sobre a educação no país? Quem sabe... como diria o poeta e músico Raul
Seixas, “Sonho que se sonha só é só um sonho que se sonha só. Mas sonho
que se sonha junto é realidade”.
Escola Democrática
Em meio a mudanças sociopolíticas ocorridas no Brasil, a partir
dos anos de 1980, a educação também passou a ganhar destaque nesse
processo, em busca da democratização do ambiente escolar. Segundo Hora
(2007, p. 56), esse movimento na comunidade escolar teve por objetivo:
[...] a integração do educando na sociedade, [...] a sua formação
integral como cidadão e agente transformador do processo contínuo
capaz de possibilitar-lhe o desenvolvimento de sua criatividade e de sua
capacidade de crítica que o leva a participar ativamente do processo
sociopolíticocultural-educacional” (HORA, 2007, p. 56).
Desde então, a prática democrática escolar vem ganhando cada vez
mais espaço, no sentido de ampliar as relações existentes nesse ambiente,
bem como exercitar a participação ativa da criança em suas relações e nas
tomadas de decisão, por meio de situações que possibilitem trocas reais e
significativas. Assim, a democracia é compreendida por Kohlberg (1989,
246
p. 30) como “[...] um processo de comunicação moral, que envolve a busca
por interesses e necessidades de cada um, ouvindo e tentando entender os
outros, administrar conflitos e pontos de vista de uma maneira justa e
cooperativa”.
Todo processo de democratização da escola pode ser verificado na
história brasileira com a proposta da Escola Nova a partir dos anos 1930,
tendo como intenção a luta pelo acesso à escolarização, como foi tratado
no capítulo anterior. Segundo Silva (2009) aconteceram algumas
experiências democráticas durante os anos de 1970 no Brasil, nos estados
de São Paulo, Espírito Santo e Santa Catarina. Segundo o autor, na história
educacional brasileira, a partir dos anos de 1980 buscaram-se novas formas
de administração escolar, voltadas para a prática democrática.
A gestão democrática ganhou destaque constitucional (BRASIL,
1988), no inciso VI do artigo 206, ao definir-se “o pluralismo de ideias e
de concepções pedagógicas” e também a “gestão democrática do ensino
público”. Mais tarde, a Lei de Diretrizes e Bases (9.394/96) fez menção à
gestão democrática, quando enfatizou a importância das comunidades
escolares tanto na participação como na atuação escolar, ao praticar
descentralização administrativa, eleição dos diretores e autonomia escolar.
Gadotti (1997) enfatiza a participação da comunidade levando à
melhoria na qualidade do ensino e democratização do acesso. Quanto a
isso,
Todos os segmentos da comunidade podem compreender melhor o
funcionamento da escola, conhecer com mais profundidade os que nela
28 estudam e trabalham, intensificar seu envolvimento com ela e,
assim, acompanhar melhor a educação ali oferecida (GADOTTI;
ROMÃO, 1997, p. 16).
247
Sendo assim, a fim de caracterizar ações de participação na
comunidade democrática, Hora (2007) e Bordignon e Gracindo (2013)
descrevem em seus estudos que tal proposta educacional objetiva o “fazer
coletivo”, está “voltada para as pessoas”, está estruturada a partir de
“processos decisórios participativos”, por meio de “ações transparentes”,
promovendo o “agir comunicativo dos sujeitos, onde, a escolha eletiva dos
dirigentes escolares pode vir a ser uma parte importante na construção da
gestão democrática. Além disso, define-se como uma “gestão
participativa”, estando a escola comprometida como espaço de ampla
discussão. Não obstante, Ferreira (2000, p. 167) compreende a gestão
democrática como “(...) recurso de participação humana e de formação
para a cidadania. É indubitável sua necessidade para a construção de uma
sociedade mais justa, humana e igualitária”.
Na proposta educacional democrática, podem ser encontrados
espaços para o exercício da democracia pelos segmentos da escola
(estudantes, comunidade, gestores, professores, funcionários), por meio do
diálogo, como: Conselhos; Associação de Pais e Mestres (APM) e Grêmio
Estudantil (OLIVEIRA; CAMARGO; GOUVEIA; CRUZ, 2009).
Quando analisamos os fundamentos da escola democrática e
contrapomos suas práticas às propostas construtivistas encontramos
muitos pontos de convergência. Wrege (2012) analisa sob a ótica
construtivista uma escola democrática e conclui que nesta existe a
preocupação em se ampliar as relações sociais dos alunos por meio de
compartilhamento de experiências, incentiva-se a participação da criança
nas tomadas de decisão, na construção de regras, bem como as relações de
cooperação. A intervenção do meio coletivo em todos os âmbitos escolares,
apontado por Piaget como métodos ativos, é uma forma de justificar a
construção dos valores morais na escola democrática, em função das
interações do aluno nas diversas situações, o que provavelmente o levará a
248
alcançar a autonomia moral. Entendemos que isso nos permite utilizar o
apoio da teoria piagetiana unida à fundamentação da escola democrática
para compreender a educação em valores.
Piaget (1930/1996) apresenta a formação de uma escola ativa,
como procedimentos de Educação Moral, em que a criança possa realizar
experiências morais significativas. Na escola ativa, a educação moral não se
mostra como disciplina específica, mas sim, um elemento que permeia
todo o sistema de ensino, a qual depende do trabalho coletivo para ocorrer.
Para tal, segundo Piaget (1930/1996, p. 21-22),
Para adquirir o sentido de disciplina, da solidariedade e da
responsabilidade, a escola ativa se esforça em proporcionar à criança
situações nas quais tenha de experimentar diretamente as realidades
morais, e que vá descobrindo, pouco a pouco, por si mesma as leis
constitucionais [...]. Elaborando elas mesmas as leis que hão de
regulamentar a disciplina escolar elegendo elas mesmas o governo que
há de encarregar-se de executar essas leis, e constituindo elas mesmas o
poder judicial que há de ter por função a repressão de delitos, as
crianças têm a oportunidade de aprender por experiência o que é a
obediência a uma norma, a adesão ao grupo e a responsabilidade
individual (PIAGET, 1930/1996, p. 21-22).
Não somente o convívio entre a criança e seus pares é importante,
como também a interação entre crianças e adultos, para o desenvolvimento
da moralidade, da inteligência e da personalidade. Desta forma, a escola é
responsável por tomar ações competentes que visem reformular os
propósitos educacionais, bem como a formação dos professores, que
segundo Piaget (apud LA TAILLE, 1930/1992, p. 151-152).
[...] constitui uma questão primordial de todas as reformas
pedagógicas, pois, enquanto não for a mesma resolvida de forma
249
satisfatória, será totalmente inútil organizar belos programas ou
construir belas teorias a respeito do que deveria ser realizado. [...] A
única solução racional: uma formação universitária completa para os
mestres de todos os níveis (pois, quanto mais jovens são os alunos,
maiores dificuldades assume o ensino, se levado a sério) à semelhança
da formação dos médicos, etc. (PIAGET, 1930, apud LA TAILLE,
1992, p. 151- 152).
Desta forma, para Piaget, a autonomia é resultado da ação
educativa, e assim, responsável pela construção da moral autônoma da
criança. Ela é obtida conforme a criança constrói suas próprias regras junto
ao coletivo, e é nele que ela apreenderá a essência da regra.
Piaget (1932/1994) e Kohlberg (apud BIAGGIO, 2002) enfatizam
que o desenvolvimento moral se dá mediante relação entre fatores internos
e externos ao sujeito, mergulhando este em conflitos e dilemas que o leva
a etapas subsequentes da moralidade, e principalmente, pela participação
ativa do mesmo.
Nesse processo de construção de valores morais, o professor possui
papel de proporcionar situações de cooperação, favorecendo a construção
do equilíbrio emocional. A fim de incentivar a superação da heteronomia,
o professor deve propor às próprias crianças o estabelecimento de regras
dentro do grupo, propiciando às crianças a necessidade das regras e o
sentimento de justiça e responsabilidade.
A respeito do ambiente escolar e o desenvolvimento moral infantil,
autores como Menin (apud MACEDO, 1996), em seus estudos sobre a
escola e suas regras, apontou a predominância do respeito unilateral
praticado pelo professor.
Ao mesmo tempo em que Araújo (1996), ao investigar a relação
entre ambiente cooperativo e o desenvolvimento do juízo moral, concluiu
que crianças pertencentes a um ambiente escolar cooperativo, onde o
250
trabalho do professor é baseado no respeito mútuo, apresentaram maior
autonomia, levando-o a comprovar que a escola influencia em todo
processo de desenvolvimento moral infantil, o qual deve ser valorizado.
Como afirma Piaget (1930/1996, p. 21),
Se, realmente, o desenvolvimento moral da criança ocorre em função
tanto do respeito mútuo como do respeito unilateral [...] a cooperação
no trabalho escolar está apta a definir-se como procedimento mais
fecundo de formação moral (PIAGET apud LATAILLE, 1930/1996
p. 21).
Por prever a defesa de direito de participação de todos os
envolvidos em todas as instâncias escolares que auxiliem positivamente na
qualidade escolar, a democracia precisa ser vivenciada por todos desde
sempre (MENIN, 2002), buscando-se assim, o desenvolvimento da
autonomia democrática daquele grupo. A autonomia moral é a
possibilidade que o sujeito constrói de propor regras a si mesmo e respeitá-
las pelo valor intrínseco e não pelo entorno ou força externa. Essa
autonomia é alcançada na existência de um ambiente que proporciona o
respeito mútuo, onde os sujeitos se relacionam como iguais e se respeitam,
baseia-se em relações de cooperação.
Na escola democrática, a relação com o conhecimento é valorizada,
e há busca de acordo com o interesse. A pesquisa, a exploração do meio
ganham espaço. Além disso, é necessário contextualizar que se trata de uma
escola que possui princípios democráticos, como a democracia
participativa, na qual é previsto direito de participação de estudantes,
professores, gestores, funcionários, pais, comunidade nas discussões e
decisões frente ao funcionamento da escola.
A escola democrática valoriza a diversidade entre os sujeitos nela
envolvidos, ao serem discutidas e refletidas questões como idades, cultura,
251
sexo, diferenças essas que levam à promoção de momentos de debate,
trocas de perspectivas. O ambiente democrático dessas escolas está
permeado por relações de respeito mútuo e cooperação.
Existem várias propostas de educação integral que não a educação
democrática, como por exemplo, as experiências de bairro-escola, de
educação fora da escola, dentre outras. Nesta pesquisa escolhemos
intencionalmente trabalhar com a escola democrática por uma questão de
facilidade de acesso e por entendermos que a escola analisada encarna os
princípios de uma educação voltada à formação do sujeito autônomo.
Considerações Finais
A escola, como espaço que respeite as individualidades de todos, os
dizeres e opiniões, que valorize a criança como protagonista de seu processo
de aprendizagem, pode parecer muito longe de uma possível realidade
escolar, no entanto, repensar a escola e o sistema de ensino atual é possível,
por meio de ações colaborativas, humanas, que enxerguem uma
importância não hierárquica entre todos nesse conjunto. Todos os
indivíduos pertencentes a esse ambiente são, por conseguinte, atores
responsáveis por mudanças em âmbito micro e macro. Uma escola que
caminhe de encontro aos princípios da escola tradicional, defendendo uma
nova concepção de educação, partindo do princípio de que todos são iguais
e possuem a mesma importância frente a um coletivo, se traduz em um
caminhar revolucionário no cenário educacional.
O processo de aprendizagem se dá mediante participação ativa de
todos, estudantes e educadores, de forma interdisciplinar, levando em
conta os saberes da criança e proporcionando um processo significativo da
aprendizagem, envolvendo a pesquisa como atividade central para a
ressignificação da construção do conhecimento.
252
Fazendo um resgate à fundamentação desse trabalho, Tognetta e
Vinha (2007, p. 133) reiteram que:
Para que esse ambiente sociomoral seja propício à construção da
autonomia, faz-se necessário cuidar da forma como a aquisição do
conhecimento está sendo trabalhada, atuando no sentido de que este
seja investigado, reinventado ou descoberto pelo sujeito, e o
transmitido como verdade absoluta. [...] que sejam proporcionados
espaços para que as situações-problema sejam discutidas e refletidas e,
também, que se trabalhe com a apropriação racional dos valores e
normas (TOGNETTA; VINHA, 2007, p. 133).
A comunidade escolar democrática compartilha, toma decisões,
avalia ações, e, por ser um trabalho desenvolvido e reavaliado a todo
momento por todos os envolvidos, possibilita que o estudante construa sua
autonomia, mediante uma liberdade que dele exige responsabilidade frente
às ações para si e, consequentemente, para o outro.
Embora prevista na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
9394/96, a gestão democrática como uma perspectiva não hierárquica da
educação, capaz de romper com práticas autoritárias previstas pela escola
tradicional, somente é possível e posta em prática efetivamente na vivência
diária, nas atividades cotidianas. A clareza dos membros da escola, perante
os princípios que permeiam a escola democrática, lhes dá condições pela
continuidade de luta diária em busca de uma educação de qualidade e de
uma nova sociedade, mais igualitária, que consiga dar sentido à escola
como espaço onde a relação com o conhecimento esteja intimamente
ligada a reflexões, críticas, saindo do senso comum e do ensino formal
conteudista.
Estudar novas alternativas para a educação, e nesse caso a escola
democrática, é um convite a mudanças, não somente de um lócus
253
educacional, mas também a transformações internas, possíveis responsáveis
pelo passo seguido a outro em busca de uma nova direção, ou de múltiplas
delas, podendo ações como as pesquisadas na escola democrática,
responsáveis por influenciar o desenvolvimento de novas políticas públicas.
Nesse sentido, não esqueçamos que:
Os seres humanos têm uma visão distorcida da realidade. No mito, os
prisioneiros somos nós que enxergamos e acreditamos apenas em
imagens criadas pela cultura, conceitos e informações que recebemos
durante a vida. A caverna simboliza o mundo, pois nos representa
imagens que não representam a realidade. Só é possível conhecer a
realidade, quando nos libertamos destas influências culturais e sociais,
ou seja, quando saímos da caverna (PLATÃO, 1993, p. 70).
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258
259
Revisão das Novas Alternativas em Educação:
experiências nacionais e internacionais
Mariana Lopes de MORAIS
1
Introdução
Este capítulo trata do recorte de uma pesquisa de mestrado, que
teve como objetivo analisar os limites e possibilidades da Psicologia
Genética no aspecto do desenvolvimento moral, bem como tecer críticas
em relação a educação tradicional, e contou com o financiamento do
Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
(CNPq).
Quando se observa a escola e quando se discute a respeito da
complexidade dos processos educativos, logo se percebe que há no mínimo
duas dimensões que mais necessitam de reflexão e trabalho: as relações
sociais entre os atores do ambiente escolar; e, a tarefa de construção do
conhecimento. Há uma dificuldade em preparar o indivíduo para exercer
seu papel de cidadão e profissional, ao mesmo tempo em que é preparado
ética e moralmente para os conflitos que enfrentará em suas vidas, e, ainda,
refletir sobre a construção do conhecimento. Essa tarefa é difícil, visto que
estamos inseridos na sociedade da informação, em que a tecnologia avança
a passos largos, a gratificação imediata leva a relacionamentos fugazes e
1
Doutoranda em Educação pelo Programa de Pós-graduação em Educação (PPGE) da Faculdade
de Filosofia e Ciências (FFC), Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP),
Campus de Marília, São Paulo, Brasil. E-mail: mariana.lopesmorais@hotmail.com
https://doi.org/10.36311/2022.978-65-5954-317-5.p259-286
260
superficiais, o individualismo e competição exacerbada, demandam um
trabalho diferenciado da escola e do educador.
Faremos neste capítulo uma breve retomada das críticas ao método
tradicional de ensino frente às demandas da pós-modernidade para em
seguida apresentar novas alternativas em educação. O objetivo deste
capítulo é apresentar experiências alternativas em educação e, ao final,
ressaltar a sua relação com o desenvolvimento da autonomia moral.
Da Educação Tradicional às Novas Alternativas em Educação
Bessa e Fontaine (2002) apontam algumas perspectivas de
investigação sobre a utilização de contextos cooperativos como formas de
alternativas de ensino e aprendizagem, bem como as vantagens ao nível da
realização acadêmica, do desenvolvimento psicológico do indivíduo e no
progresso das relações interpessoais por meio da resolução construtiva de
conflitos. Diante desse quadro, os autores colocam duas questões
pertinentes à escolha dessa tendência alternativa de ensino-aprendizagem:
1) como se explica o crescente interesse pela aprendizagem cooperativa, ou
metodologias ativas a partir dos anos de 1970; 2) o motivo pelo qual esse
tipo de aprendizagem tem sido preterido, face à estrutura de aprendizagem
competitiva, que altamente domina os sistemas de ensino. Por fim,
abordam esse tema analisando a escola num quadro de mudanças
macrossistêmicas.
Os autores retomam as sociedades pré-modernas (ou pré-
industriais), anteriores à formação do Estado-Nação, argumentando que
havia uma frágil diferenciação social. Essas sociedades eram formadas por
grupos locais e isoladas do mundo exterior, sendo que os indivíduos
experienciavam fortes laços com a comunidade, sustentadas por uma
consciência coletiva que se sobrepunha à existência individual: “aderem ao
261
mesmo conjunto de valores, experimentam os mesmos sentimentos e
vivenciam percursos de vida semelhantes” (p. 126). Há uma centralização
na oralidade e no relacionamento presencial, as pessoas são mais próximas,
possuem um forte vínculo social, o que promove a reciprocidade e a
cooperação.
Sobre a educação, Bessa e Fontaine (2002) argumentam que a
socialização e a educação das crianças residiam na valorização dos objetivos
e recompensas grupais, já que uma boa pescaria ou uma boa colheita
geraria fartura e beneficiaria toda a comunidade. Nesse contexto, há uma
autorregulação dos comportamentos individuais devido ao vínculo social,
possíveis pelas relações de reciprocidade que ligam os indivíduos em torno
de objetivos e práticas comuns.
Em contrapartida, na sociedade moderna, o aumento da divisão do
trabalho conduziu a uma maior diferenciação dos indivíduos. Nesse tipo
de sociedade (industrial) dominada pela tecnologia e pelo pensamento
racional, o vínculo social é atenuado, e como consequência aumenta a
margem de interpretação individual dos imperativos sociais. A consciência
coletiva perde força, bem como seu papel de vinculação e controle, em
detrimento à supervalorização do individualismo, o que enfraquece, dessa
forma, a importância da vida grupal, da reciprocidade e prosseguimento
de objetivos comuns. A Ciência e a técnica adquirem um papel importante
na sociedade, destacando-se no projeto de “libertação das individualidades
e progresso da humanidade”, entretanto, apesar disso, segundo os autores,
erigem um outro pilar no projeto da Modernidade, a regulação. Nele
acham-se os princípios de mercado, do Estado e da comunidade, que dão
lugar a uma evolução intensa do mercado e ao enfraquecimento do
princípio da comunidade
Voltando-se para o contexto escolar, o caráter competitivo da
estrutura de relações sociais transcreve-se na escola e no âmbito da sala de
262
aula, que por meio de um sistema de avaliação normativa, visa diferenciar
os indivíduos entre si, e estabelece que o sucesso de uns, depende do
insucesso de outros. Esse tipo de educação, responde aos interesses de uma
sociedade industrial e capitalista, que visa preparar as crianças para o
desempenho individual de tarefas pré-definidas, ao passo que, o currículo
oculto garantia uma forma de socialização que domesticava o
comportamento, salientando o valor da submissão e da diferenciação entre
as pessoas. Nesse sentido, segundo Paim (2016) a educação parece estar
sendo reduzida a uma união de padrões, compactada à ideia de um
produto e não de um processo, fragmentada na perspectiva do uso e não
da formação humana, acelerada aos ritmos determinados pela velocidade
do capital.
Atualmente vivemos em uma sociedade de consumo, em um
mundo de constantes transformações, Paim (2016), citando a tese de
Bauman, enfatiza que vivemos numa modernidade líquida, em que as
rápidas transformações civilizatórias, conduzem ao questionamento do
sentido da existência e papel da educação na modernidade líquida, por isso
o autor argumenta que há uma dificuldade da capacidade da escola em
atender as demandas que a sociedade lhe propõe, por isso acaba ficando
arraigada aos velhos padrões e valores. Nesse sentido, questiona-se sobre o
ato de ensinar, que não diz respeito a apenas conteúdos técnicos, mas de
certos aspectos essenciais para a existência humana. Os conteúdos, em si,
têm sido compartimentados em disciplinas e questiona-se quais são as
competências e habilidades que os indivíduos precisam ter para raciocinar
em um planeta de multiplicidades, dos confrontamentos éticos que são
necessários resolver.
Com o advento da tecnologia e globalização, o autor menciona que
apesar da conectividade excessiva, do emprego massivo de redes sociais,
essas gerações têm demonstrado maiores dificuldades em trabalhar em
263
equipe, por terem um acentuado senso de individualismo e menor
resistência às frustrações da vida (ALMEIDA et al., 2009, apud PAIM
2016), isto é, mesmo conectados uns aos outros por dispositivos digitais,
esses sujeitos têm substituído relações reais, por relações virtuais,
virtualizando as formas do existir, o que pode ser visualizado por meio das
relações mantidas pelas redes sociais. Sobre esse assunto, Díaz-Aguado
(2015) aponta para a crise que a escola tradicional enfrenta devido a uma
série de mudanças contraditórias e paradoxos que forçam a escola a se
adaptar a uma nova situação, nesse sentido, facilitou-se o acesso à
informação e às tecnologias de comunicação. A autora menciona que
nunca houve tanta informação, entretanto nunca foi tão difícil
compreender o que nos acontece, motivo pelo qual o ensino não pode
somente estar voltado à transmissão de informações, mas deve favorecer o
processo de construção do conhecimento pelos próprios alunos,
auxiliando-os a construírem habilidades para buscarem informações, para
interpretá-las e produzi-las. Afinal, os estudantes atuais cresceram na era
digital, apropriando-se cada vez mais cedo dela, motivo pelo qual a escola
deve se adaptar a essa nova realidade, pois isso tem influências decisivas em
suas possibilidades de aprendizagem.
Portanto, há uma assincronia entre a escola e a sociedade, pois há
um distanciamento entre o que é “ensinado” e o que é solicitado
atualmente. Há dúvidas quanto à validade institucional da escola,
ratificada pela tradição e pela técnica, sobre ela ser capaz de promover o
completo desenvolvimento cognitivo e moral imprescindíveis para os
cidadãos do século XXI. Concorda-se com Paim (2016) quando este
retoma o processo civilizatório atual e a fragmentação dos saberes,
criticando o processo de ensino e aprendizagem classicamente originado
em tendências pedagógicas ultrapassadas, tais como o tradicionalismo e o
tecnicismo, que resumidamente, consiste em uma postura passiva dos
264
alunos, conteúdos memorizados e “aliançada restritamente ao modelo de
pensamento convergente e desconectada da complexidade e da pluralidade
de desafios e problemáticas insurgentes da sociedade tecnológica
contemporânea.” (p. 30).
Essas correntes pedagógicas refletem de diversas formas, tanto no
indivíduo quanto na sociedade. Em nível individual: sujeitos que
privilegiam absorver conhecimentos, anotar e memorizar, também estão
distanciados da prática e da reflexão, bem como pouco críticos e até mesmo
passivos diante dos conteúdos veiculados; quanto aos efeitos em nível
social: transposição imprópria e/ou indiscriminada dos conteúdos de
realidades diversas daquelas regiões onde serão aplicados tais conteúdos;
baixo estímulo a cooperação; valorização do estado atual, incapacidade de
entender a própria realidade, ocasionando a imitação dos padrões e
vulnerabilidade ao colonialismo.
Piaget trouxe um importante questionamento, que foi resgatado
por Becker (2012): que cidadão nós queremos que nossos estudantes se
tornem? Um indivíduo submisso, cumpridor de ordens sem
questionamento ou mesmo subserviente? ou, um indivíduo autônomo
intelectual e moralmente que possa responder às demandas da sociedade
atual construindo relações que levem à justiça, solidariedade, respeito e
convivência democrática? Responder a este questionamento é fundamental
para se compreender os caminhos que são utilizados para alcançar uma
educação de qualidade, que torne o indivíduo crítico, participativo e
autônomo, que “perante a cada nova encruzilhada prática ou teórica,
apropria-se do que fez transformando-o em objeto de reflexão e de tomada
de consciência; um indivíduo que se abre ao diálogo com seu entorno
social e à interação com seu entorno cognitivo” (p. 29).
Dessa forma, com a emergência e divulgação dessas experiências
educacionais exitosas, Barrera (2016) mostra que estamos vivenciando um
265
movimento de renovação escolar no Brasil que questiona o modelo escolar
hegemônico, entendendo a inovação, portanto, como um processo
intencional de mudança de uma prática educativa realizada por um sujeito
ou grupo, que incorpora um ou mais aspectos novos a esta prática (p. 24).
Acredita-se que essas experiências, apesar de suas variabilidades
teóricas, podem estar em consonância com a teoria socioconstrutivista,
principalmente por entender que a educação não se deve pautar no saber
do professor, mas sim na construção do conhecimento em um ambiente
democrático e com valores morais onde os estudantes possam exercer seu
protagonismo plenamente e construir sua autonomia moral.
Além de propiciar um ambiente facilitador, a escola deve
possibilitar o protagonismo da criança, com atividades e vivências que
façam sentido para ela. A própria comunidade escolar vai se reorganizando
de forma a obter cada vez mais um equilíbrio de igualdade, reciprocidade,
de forma a possibilitar a construção de regras e de forma semelhante, a
sociedade também se organiza nessa construção.
A seguir trazemos algumas experiências de novas alternativas em
Educação.
Experiências Internacionais de Educação Democrática
Influenciados pelo movimento de renovação pedagógica chamada
de Escola Nova, originada na segunda metade do século XIX na Europa e
tendo como pioneiro Leon Tolstói, instituiu-se a primeira escola
democrática que se tem notícia, a Yásnaia-Poliana. A definição básica do
movimento era a descoberta da Psicologia infantil e a crítica à educação
tradicional, que paulatinamente saía das mãos da Igreja, distanciando-se
daquela concepção “adultista” que fazia com que as crianças fossem
266
tratadas como adultos em miniatura, sem interesse algum pela sua
especificidade.
O movimento atual a que queremos chamar a atenção é para a
denominada “educação democrática”. Apoiada em Singer (2010), adentra-
se ao histórico desse movimento, trazendo as experiências que foram
disseminadas ao longo dos anos e suas características próprias. Sabe-se que
essas escolas são atreladas a um movimento de renovação pedagógica
chamada Escola Nova, que se originou na metade do século XIX com o
objetivo de formar o cidadão capaz de produzir de forma ativa. Os teóricos
dessa linha se dedicaram a articulação do jogo e do trabalho como
elementos educativos, enquanto os teóricos das escolas democráticas
adotavam uma postura mais radical por entender que a escola nova
abandonou as preocupações mais amplas com os ideais de uma sociedade
verdadeiramente democrática.
A democracia ideal a que se apregoa são aqueles princípios de
liberdade, igualdade e fraternidade da revolução francesa, entretanto
também recebe influências das ideias do socialismo, tanto o romântico de
Rousseau, quanto o científico de Marx. Basicamente propõe uma
sociedade em que todos os cidadãos possam participar das decisões relativas
ao seu destino político, onde qualquer forma de imposição hierárquica na
distribuição do poder e dos privilégios esteja decisivamente extinguida,
onde os indivíduos se desenvolvam integralmente. Percebe-se que essa
sociedade só será realizável se os seus membros forem pessoas de iniciativa,
responsáveis, críticas e sobretudo autônomas. Encontra-se aí o tipo de
formação que as escolas democráticas anunciam.
Pode-se citar que Jean-Jacques Rousseau foi o grande inspirador
dessa corrente por entender que o ser humano, ao nascer, dispõe de uma
inteligência, personalidade e disposições mentais e emocionais e uma
individualidade própria, cabendo, portanto, ao meio permitir a
267
exteriorização destas disposições. Ele argumentava que era a curiosidade
infantil que impulsionava o aprendizado.
Logo, passa-se a ressaltar a participação dos estudantes na
elaboração das decisões sobre a vida comunitária e o respeito que eles têm
que observar em relação a estas regras, para que adquiram o sentido da
responsabilidade. As sanções quando existem também são elaboradas
conjuntamente, portanto não se trata de simplesmente inverter os pólos da
educação tradicional e permitir tudo o que até então era proibido ou
eliminar as ações de todos os agentes responsáveis por aquela educação.
Trata-se de muito mais do que estabelecer uma proposta de educação para
cidadãos aptos para viver e promover o regime democrático. O objetivo de
Singer (2010) é analisar um conjunto de propostas educativas que se
recusaram a aplicar dispositivo disciplinar na socialização de seus
estudantes. Priorizam-se por fazer da infância um período de “felicidade”,
“responsabilidade”, “autenticidade”, “autodeterminação”, “respeito” ao
invés de uma fase marcada por “tristeza”, “dor”, “esforço”, “antecipação”,
“regulação” (p. 23).
Partindo-se para as bases filosóficas do modelo de educação até
então vigente, Durkheim questiona a concepção de Rousseau segundo
qual haveria uma educação universal, única e ideal. Durkheim acredita em
um modelo de educação de cada sociedade, em cada uma de suas etapas de
desenvolvimento, sendo necessário questionar-se sobre os fins da educação
aos quais ela serve. Devido à crise moral que sua época enfrentava,
especialmente na França, em que se erigiam grandes transformações no
âmbito econômico, político, social e cultural, enfatizando-se especialmente
a implantação da instrução laica e a obrigatoriedade da escola para todas
as crianças de 6 a 13 anos, o autor argumenta que o papel da escola é
moralizar os indivíduos.
268
Singer (2010), uma das pioneiras na sistematização das
experiências das escolas democráticas, mostra como elas foram se
constituindo ao longo dos anos. A primeira escola democrática foi criada
pelo escritor Leon Tolstoi, chamada Yásnaia-Poliana, na localidade de
mesmo nome, na Rússia entre 1857 e 1862, em um momento de
profundas mudanças. A Europa vivia o início da Revolução Burguesa que
inspirava muitas reformas na educação, que pregavam o “espírito de
liberdade” do pensamento, para além dos dogmas religiosos.
Tolstoi foi fortemente influenciado pelo livro “Emílio” de Jean-
Jacques Rousseau, que foi um pensador importante desta linha, pois se
confrontava com outros enciclopedistas ao focalizar a criança para a
construção de seu método e reivindicar o direito dessa à felicidade e à
ignorância, enquanto os outros se preocupavam com a transmissão do
saber e permaneciam no método catequético, mesmo para o ensino
científico. Para ambos os autores, a liberdade é 21 a única forma de se
atingir a perfeição de um sistema educativo, pois liberdade torna os sujeitos
responsáveis por suas experiências e lhes permite um desenvolvimento
global. Esta liberdade não poderá ser agredida, pois é uma forma de
violência que destrói a autêntica ordem e a verdadeira autoridade.
Depois da experiência de Yásnaia Poliana, a primeira escola que se
tem notícia no leste europeu é o Lar das Crianças, que foi um orfanato
fundado pelo médico JanuszKorczak e pela educadora Stefa Wilczinska,
em Varsóvia, Polônia. Janusz na verdade se chamava Henrik Goldszhmit
e já vinha de uma família progressista, sonhava em ser escritor, mas pela
insistência do pai acabou optando pelo curso de medicina na Universidade
de Varsóvia, se especializando mais tarde em Pediatria. Em Zurique
conheceu Stefa Wilczinska, que estudava pedagogia na faculdade e ali,
Korczak entrou em contato com as obras dos pensadores da escola nova.
269
Em 1911, Korczac deixa o hospital e vai trabalhar no orfanato
criado por Stefa em Varsóvia, após ter concluído seus estudos de
pedagogia. Então Stefa o convidou para trabalhar no lar das crianças e
gradualmente ele transformou o orfanato em uma República de Crianças,
arquitetado sobre os princípios de justiça, fraternidade, igualdade de
direitos e obrigações. Ele encontrou mais afinidade com o pensamento de
Pestalozzi, que admite uma “bondade natural”, sugerindo que deve-se
respeitar a natureza do desenvolvimento humano e conceder o tempo que
ela necessita com tranquilidade, sem esforços excessivos ou maus tratos.
Entretanto, não poderíamos considerar Pestalozzi como um
educador da escola democrática, devido ao fato de que ele não propunha a
participação das crianças nas decisões das instituições a que dirigiu, muito
menos a liberdade delas por assistir ou não às aulas. Pela caracterização do
Lar das Crianças, notamos que Korczak deslocou o ponto enfatizado por
Rousseau e Tolstoi: a questão ressaltada centra-se na preocupação com a
responsabilidade, e não a espontaneidade do educando. Apesar de ter se
deslocado do centro, Korczak não negou a importância da espontaneidade
no processo de aprendizado, não se esquecendo da postura do educador de
aguardar a iniciativa da criança. Dessa forma, este modo de funcionamento
do orfanato amplia a participação coletiva nas decisões, o que será
desenvolvido em linhas gerais por todas as escolas democráticas que lhe
sobrevirão.
Após a primeira guerra o movimento se fortaleceu na Inglaterra.
Algumas pessoas, dentre elas, Alexander Neil, o fundador de uma escola
democrática denominada Sumerhill. Assim como Korczak (fundador do
“Lar das crianças”), Neil tinha dificuldades em se adaptar com a rigidez
escolar, o que fez com que seu pai o obrigasse a trabalhar no ambiente
fabril, e após muitas tentativas em inseri-lo no mundo do trabalho, seus
pais, que eram diretor e professora, decidiram torná-lo professor.
270
Neil, influenciado pelo Partido Comunista estimulou-se a pensar
sobre uma escola efetivamente democrática. Neste período, segundo
Singer (2010), ele aperfeiçoou suas observações em relação às crianças,
enfatizando que aquelas consideradas problemáticas por seus pais e outras
escolas na verdade eram “filhas de ‘pais problemas’ ou estudantes de
‘professores-problema’” (p.90). Entretanto, nos anos de 1930, com o
fortalecimento do liberalismo, inclusive entre os membros da revista “New
Era”, obrigou Neil a se afastar do jornal e das escolas progressistas, já que
ele não abria mão do direito da criança ao autogoverno.
Outra experiência que merece destaque é a escola americana
Sudbury Valley School, influenciada por Summerhill. No final dos anos
de 1960, abriu-se um campo para as novas experiências que sobreviriam,
somando-se a isso, os movimentos juvenis e guerras, trazia um
questionamento político-cultural. Esse cenário tornou-se fecundo a
formação das escolas democráticas, como surgiu a Sudbury.
A escola é resultado da iniciativa de um grupo de pais liderados por
Danniel e Hanna Greenberg e Mimsy Sadofsky, professores da área de
Ciências e Matemática da Universidade da Columbia. A característica
notável no que se refere ao funcionamento da instutuição é a ausência de
currículo, sendo que seus educadores não possuem essencialmente
formação pedagógica, mas são profissionais de diversos campos, tais como
editores, historiadores, administradores, bioquímicos, músicos e
psicólogos. Todas essas escolas contam com Assembleias escolares
composta por estudantes e equipe, que tratam sobre os rumos da escola.
Experiências Brasileiras
Singer (2010) enfatiza que apesar da origem comum, o movimento
da Escola Nova percorreu um caminho próprio que não foi seguido pelas
271
escolas democráticas. Objetivando-se formar o cidadão capaz de produzir
ativamente, os teoricos escolanovistas dedicaram-se à articulação do jogo e
do trabalho como elementos educativos, já os autores das escolas
democráticas “radicalizaram a crítica à educação tradicional, incluindo
nesta também a Escola Nova, que a seu ver, abandonara as preocupações
mais amplas com os ideais de uma sociedade verdadeiramente
democrática” (p. 16).
Em 1997 Helena Singer lança a primeira edição do “República de
crianças”, onde se tem uma sistematização dessas experiências das es0colas
democráticas. Em 2002a autora decide se envolver com um projeto de
organização democrática em São Paulo, denominado Instituto Lumiar,
que promoveu o processo de democratização de duas escolas rurais do
interior de São Paulo. Este projeto também inspirou, em 2005, educadoras
ligadas ao teatro que criaram a Escola Teia Multicultural, atendendo
crianças da Educação Infantil e Ensino Fundamental. A escola compõe-se
sobre assembleias, projetos, ciclos e avaliação como prática de pesquisa.
Apesar de a lei ser fundamental em um processo de mudança, não
é capaz de efetiva-la. Por este motivo, mesmo tendo se passado quase vinte
anos da promulgação da LDB, ainda hoje organizar no Brasil escolas
democráticas, com currículos flexíveis e envolvimento com a comunidade,
depende de grande determinação de lideranças e apoio de redes articuladas.
Pode-se citar algumas escolas que se enquadram nas chamadas
escolas democráticas, a saber: EMEF (Escola Municipal de Ensino
Fundamental) Amorim Lima, EMEF Campos Salles, Projeto Âncora, além
de outras organizações com o mesmo objetivo, como o Projeto Escola
Aprendiz, os CEUs (Centros de Educação Unificados) e ONGs, todas
localizadas na região de São Paulo, por se tratar do recorte que a autora
utilizou para explicitar tais experiências.
272
Essas escolas trazem em comum a participação ativa da
comunidade, além de pontes realizadas com grupos culturais, associações
de moradores e comunidades dos bairros em que estavam localizadas.
Porém, para além desta conexão local, as organizações aqui enfocadas
também fizeram articulações com universidades e pesquisadores. Se nos
primeiros anos, estas experiências dependiam largamente do empenho e
dedicação dos seus diretores, com o tempo conseguiram formar equipes
qualificadas que criaram metodologias confiáveis com foco no
desenvolvimento integral, o que significa tratar de competências diversas,
valorizar os diferentes estilos de aprendizagem e incluir de novos agentes
no processo educativo, segundo Singer (2016, p. 226).
A primeira experiência brasileira que trataremos será a escola
EMEF Desembargador Amorim Lima, que foi fortemente influenciada
pela escola da Ponte em Portugal, de José Pacheco. O processo de inovação
se iniciou com a chegada de Ana Elisa Siqueira, em 1996. Começou com
a intervenção nos espaços escolares, tornando-os mais agradáveis e voltados
à convivência, assim como intervenções artísticas foram feitas nas paredes
e muros, também foram retiradas as grades e foram criados espaços de
convivência onde as pessoas podiam sentar e conversar tranquilamente. A
escola passou a funcionar nos finais de semana para atividades com a
comunidade, sendo que foi constituído um forte Conselho Escolar,
formado por pais, professores, estudantes e funcionários.
Depois, as transformações no currículo continuaram no sentido de
garantir a autonomia do estudante, o acompanhamento individualizado e
a avaliação contínua da aprendizagem. Atualmente no Amorim, cada
estudante conta com um tutor, que pode ser qualquer membro da equipe
escolar. Em média, um tutor é responsável por 20 estudantes. Uma vez por
semana, tutor e tutorandos tem um encontro de 5 horas. Nos demais dias,
se o tutorando tiver questões a conversar pode procurá-lo. Os estudantes
273
recebem ao longo do ano roteiros de pesquisa, com cerca de 20 objetivos,
ou seja, questões a serem desenvolvidas.
A organização dos grupos não se dá mais em séries, mas sim em
três ciclos, sendo que cada ciclo ocupa um salão. Nos salões, os estudantes
sentam-se em mesas de quatro lugares para realizarem as suas pesquisas em
grupo e sistematizarem, individualmente, seus objetivos, são poucas as
aulas expositivas que ainda acontecem.
A inovação fundada pela Amorim Lima influenciou outra escola
da rede municipal de São Paulo, que hoje é um marco no país. Trata-se da
escola Campos Salles, no bairro de Heliópolis, região sudeste da cidade,
que oferece o ensino fundamental regular e educação de jovens e adultos
(EJA), pode-se dizer que a grande marca de Heliópolis é sua força
comunitária. A razão desta força encontra-se na União de Núcleos e
Associações dos Moradores de Heliópolis e Região (UNAS), é a partir daí
que a UNAS inicia sua abertura para outros temas da luta popular que tem
como objetivo a conquista de uma vida digna para todos.
Hoje seus 1120 estudantes se organizam de forma semelhante à
escola Amorim, em grupos, nos amplos salões, pesquisando a partir de
roteiros elaborados especificamente para seus ciclos e contando com a
ajuda dos pares e educadores, quando preciso.
Para além da inovação curricular, a Campos Salles criou uma forma
muito inovadora de os estudantes participarem da gestão da escola, que é
chamada República de Estudantes. A origem dessa organização está nas
comissões mediadoras. Essas comissões são compostas por estudantes
eleitos em cada salão e tem como objetivo cuidar da convivência, do
respeito pelo espaço, e do respeito entre os estudantes, professores e
funcionários. Valendo-se de sua autonomia, os estudantes das comissões
chegam, inclusive, a chamar os pais para apoiar os processos de superação
de conflitos, quando necessário.
274
Os bons resultados da atuação das comissões levaram à
configuração da República que se estrutura da seguinte forma: os
estudantes elegem, dentre os membros das comissões mediadoras maiores
de 10 anos, um Prefeito, um Vice-prefeito, dez Vereadores (dois por salão).
O prefeito indica, também dentre os membros da comissão mediadora,
quatro Secretários: de Convivência e Diversidade; Comunicação; Saúde e
Ambiente; Cultura e Esporte. Em caso de conflitos envolvendo estas
funções, é acionada a Comissão de Ética, formada por três professores, três
estudantes e um funcionário.
A terceira experiência apresentada aqui é de uma escola formada
por uma organização da sociedade civil, após 17 anos de atuação com
atividades artísticas e esportivas para crianças e adolescentes de baixa renda.
Trata-se do Projeto Âncora localizado em Cotia, na região metropolitana
de São Paulo. Cotia é um município marcado pela desigualdade social,
abrigando condomínios de luxo e diversas favelas.
Em 2012, assumiu a coordenação do projeto José Pacheco, que
havia sido o diretor da Escola da Ponte em Portugal. Ao perceber o alto
potencial de inovação no Brasil, José Pacheco deixou Portugal e passou a
apoiar organizações sociais, educadores e escolas brasileiros em seus
processos de transformação, como a Amorim Lima, a Campos Salles e,
depois, o Projeto Âncora. Com a chegada de Pacheco, a organização criou
uma escola própria, financiada por fundo público municipal que recebe
doações de empresas e convênios diretos com a prefeitura. Atualmente, a
Escola Projeto Ancora atende 680 estudantes de 4 a 14 anos que se
organizam em quatro ciclos de aprendizagem.
Diariamente quando chegam, os estudantes se encontram com o
tutor, com quem fazem o planejamento do dia, observando o roteiro de
estudos que semanalmente elaboram juntos. Ao final do dia, os estudantes
se encontram novamente com o tutor para discutir o que aprenderam e
275
compartilhar aquilo que tiveram dificuldade. Toda vez que o estudante
aponta dificuldades em realizar algum item do roteiro, o tema é resgatado
no novo planejamento. As pesquisas e projetos realizados pelos estudantes
fazem uso tanto dos grandes espaços internos do Âncora quanto do bairro
e procuram envolver a comunidade na medida em que, muitas vezes,
tratam de questões sociais, ambientais e culturais do lugar.
Os momentos de sistematização acontecem nos salões, onde os
estudantes trabalham em grupos e caso precisem de ajuda, levantam as
mãos e solicitam algum educador. Nas paredes dos salões ficam
pendurados cartazes com duas colunas: “Preciso de Ajuda” e “Posso
Ajudar?”, neles, as crianças e adolescentes podem pedir apoio aos colegas
escrevendo o nome na primeira coluna, ou oferecer auxílio quando
dominam bem algum assunto. Os estudantes também encontram afixadas
nas paredes dos salões, listagens completas e simplificadas das
competências e conteúdos que integram os Parâmetros Curriculares
Nacionais (PCNs).
A participação democrática dos estudantes nos processos decisórios
se dá por meio de assembleias, que são pautadas por quadros onde todos
colocam os temas que querem debater, indicando o que gostam e o que
não gostam na escola. O Projeto Âncora se apresenta como uma
comunidade de aprendizagem, assim definida: práxis comunitária baseada
“em um modelo educacional gerador de desenvolvimento sustentável”. É
a expansão da prática educacional do Projeto Âncora para além de seus
muros, envolvendo ativamente a comunidade na consolidação de uma
sociedade participativa. Atualmente, o projeto modificou-se,
denominando-se Cidade Âncora e não atua mais nas modalidades de
ensino e sim com um espaço aberto a comunidade e contando com eventos
voltados para arte, cultura e educação.
276
Dois anos depois do Projeto Âncora, a Associação Cidade Escola
Aprendiz, foi fundada por jornalistas, arquitetos e educadores, com o
intuito de realizar projetos experimentais de arte urbana, mobilizando
moradores e comunidades escolares a fazer intervenções criativas nos
muros da cidade, para conferir novos significados aqueles símbolos da
segregação social (principalmente entre estudantes de escolas públicas e
privadas), bem como apoiar processos de revitalização de espaços. Este tipo
de projeto foi continuamente realizado pela organização ao longo de vários
anos em diversas partes da cidade, envolvendo, inclusive, as escolas
Amorim Lima e Campos Salles, dentre muitas outras interessadas em criar
marcos simbólicos de suas relações com o bairro.
Os bons resultados alcançados e a rede articulada em torno destas
experiências as tornaram inspiração para muitas outras iniciativas no
mesmo sentido espalhadas pelo país, o que vem constituindo um novo
movimento na educação brasileira, segundo Singer (2010). Este
movimento reivindica autonomia para que as escolas possam desenvolver
seus projetos pedagógicos intrinsecamente ligados com o contexto que elas
estão, respeitando sempre o protagonismo dos estudantes e professores.
Ainda refletindo a respeito das novas alternativas em Educação,
trazemos a ressignificação na educação que tem reverberado no projeto em
andamento no município de Arujá-SP, iniciado em meados do segundo
semestre de 2017. A equipe conta o apoio do Marcos Rogério Silvestri Vaz
Pinto, as professoras da Pós-Graduação em Educação da Unesp campus de
Marília, Dr.ª Patrícia Unger Bataglia Raphael e Dr.ª Alessandra de Morais,
bem como graduandos, mestrandos e doutorandos do Programa de Pós-
Graduação, da mesma instituição.
O projeto, assim como os apontados anteriormente, está embasado
no movimento atual de renovação educacional, que tem como base a
construção de ambientes sociomorais cooperativos, o desenvolvimento de
277
práticas pedagógicas ativas, interdisciplinares e transdisciplinares, a
garantia da liberdade para aprender e construir conhecimento, a
construção de iniciativas educacionais autogeradas e a participação coletiva
e consciente da comunidade escolar.
Em parceria com a secretaria municipal de Educação de Arujá-SP,
a investigação proposta tem como objetivo acompanhar, sistematizar e
avaliar os efeitos do desenvolvimento de um projeto de formação
continuada de professores (as) e gestores (as), com a participação de demais
membros da comunidade escolar, de duas escolas públicas de educação
municipal da referida cidade. Os referenciais teóricos norteadores serão a
Epistemologia e Psicologia Genéticas de Jean Piaget, considerando-se
também as contribuições de seus estudiosos, a Pedagogia de Paulo Freire,
assim como demais autores, sobretudo de base socioconstrutivista, que
possibilitem a fundamentação e realização de um modelo alternativo e
democrático de educação.
Agora passemos para outra experiência educacional alternativa, o
PROEPRE (Programa de Educação Infantil e Ensino). O objetivo do
programa é favorecer o desenvolvimento harmonioso das crianças, levando
em conta os aspectos afetivo, cognitivo, social e físico, garantindo-lhes o
direito a uma educação integral. Está fundamentado teoricamente nos
estudos epistemológicos e psicológicos de Jean Piaget e sua proposta
pedagógica está fundada na ideia de que a educação é um importante fator
de transformação pessoal e social. Considerando o contexto histórico de
cada sujeito, propõe-se a formar pessoas autônomas e criativas,
reconhecendo principalmente a importância das fases iniciais da vida do
ser humano.
Engajada em sua tese de doutoramento utilizando a abordagem
construtivista na Educação Infantil, ela comprovou que a maioria das
crianças de 5 e 6 anos que participaram de classes em que os professores
278
empregavam procedimentos pedagógicos diferenciados, apresentou nítido
progresso no desenvolvimento da capacidade de raciocinar, atingindo um
estágio de desenvolvimento intelectual mais adiantado, comprovando
também que crianças pertencentes a diferentes níveis socioeconômicos
apresentaram progresso semelhante.
Recentemente, além das implantações em diferentes redes de
educação municipal, a proposta do PROEPRE tem sido procurada por
escolas particulares e instituições assistenciais do Estado de São Paulo e de
outros estados, reiterando que o objetivo do Programa é formar pessoas
intelectual e moralmente autônomas, que tenham espírito crítico para
refletir, questionar tudo o que lhes é proposto e que sejam capazes de
contribuir para transformações culturais e tecnológicas.
O programa também conta com uma equipe de formadores
(Mestrandos, Mestres, Doutorandos e Doutores) do Laboratório de
Psicologia Genética, sob a orientação da Profa. Dra. Orly Z. Mantovani
de Assis, com a formação de professores em um curso que conta com
acompanhamento do trabalho do professor na escola, estágios, reuniões
pedagógicas e grupos de estudo. Essa rede de profissionais que auxilia a
implantação do PROEPRE oferece formação continuada para que os
professores.
No contexto educacional a formação continuada do professor
torna-se imprescindível pois como tudo indica uma boa formação
profissional, aliada a condições adequadas de trabalho tais como um
ambiente que favoreça o trabalho em colaboração e construção coletiva,
que respeite a autonomia profissional, que remunere com salários dignos,
parecem poder criar possibilidades reais de alteração da situação que
vivemos hoje, segundo Assis (2007). Este assunto também tem sido
abordado por Vinha (1997) quando esta argumenta sobre a necessidade
dos educadores de receberem uma educação de alto nível, afinal “como
279
educadores encravados em seu cotidiano podem levar as crianças a
vislumbrar um mundo diferente?” (p.21), para isso Piaget também nos
aponta para algumas respostas.
A resposta para solucionar essa questão vai ao encontro do fato
evidente de que é imprescindível uma formação plena e complexa dos
educadores, como defendida por Piaget (1948/1976, p. 28), ao afirmar
que:
[...] A preparação dos professores constitui a questão primordial de
todas as reformas pedagógicas em perspectiva, pois, enquanto não for
a mesma resolvida de forma satisfatória, será totalmente inútil
organizar belos programas ou construir belas teorias a respeito do que
deveria ser realizado.
Entretanto, a questão que fica é: como os professores são formados?
Eles próprios têm oportunidade de uma prática cooperativa na formação
inicial? Existem experiências inovadoras também no nível da graduação?
Conhecemos por meio de uma palestra ministrada pela professora Lenir
Maristela Silva na UNESP em 2017, a experiência desenvolvida na UFPR
(Universidade Federal do Paraná), no campus litoral, instalada em Caiobá,
no muncipio de Matinhos uma experiência e as ações promovidas na
Universidade que chegam aos sete municípios litorâneos e se estende, ao
Vale do Ribeira, região marcada pela excessiva fragilidade social e
econômica. O projeto da UFPR objetiva o desenvolvimento integral
humano e local e foi viabilizado pela parceria entre Universidade Federal
do Paraná os Governos Federal e Estadual, com o apoio das prefeituras
locais.
Os estudantes de graduação e pós-graduação da UFPR Litoral são
formados de modo que possam contribuir no crescimento social e
econômico regional. As atividades de ensino, pesquisa e extensão são
280
realizadas de maneira integrada, uma vez que o acesso ao conhecimento
científico é proporcionado de forma vinculada às necessidades da
comunidade local.
As práticas pedagógicas inovadoras aplicadas se constituem como
políticas públicas para a formação integral do estudante, para que o mesmo
se desenvolva integralmente e para que contribua para o desenvolvimento
local, dessa forma, a UFPR emerge como um projeto de expansão
institucional de caráter inovador, sustentados por fundamentos
emancipatórios de desenvolvimento e aprendizagem.
A tradução dessa proposta pode ser vislumbrada em uma
organização curricular diferenciada, em que, ao invés de disciplinas, os
estudantes cursam módulos, cuja estrutura tem maior flexibilidade para
atender as necessidades de cada turma. As atividades de Integração
Cultural e Humanística e os Projetos de Aprendizagem completam o
currículo, assim sendo, existem três grandes eixos de aprendizagem, a
saber: Fundamentos Teóricos Práticos; Projetos de Aprendizagem e
Interações Culturais e Humanísticas.
O currículo é organizado por projetos e os estudantes tem maior
oportunidade de aprofundar suas interações culturais e humanísticas por
meio da construção de seu Projeto de Aprendizagem (P.A). Os P.A’s
possibilitam que os indivíduos construam o seu conhecimento de maneira
integrada, percebendo criticamente a realidade, aliando o aprofundamento
metodológico e científico à preparação para o exercício profissional,
possibilitando o desenvolvimento de habilidades de auto-organização e
produtividade.
Os conhecimentos científicos são desenvolvidos como meios no
processo de formação, em módulos semestrais, atendendo às diretrizes
curriculares de cada curso e possibilitando os saberes necessários a
produção dos Projetos de Aprendizagem. Os estudantes são capacitados
281
para a pesquisa científica de caráter interdisciplinar e multidisciplinar,
além de terem acesso à formação filosófica, política e humana, para se
tornarem capazes de atuar em situações concretas na sociedade globalizada.
Outro eixo basilar da aprendizagem dos estudantes são as
interações culturais e humanísticas, que são atividades promotoras das
interações, que podem ser verticais (estudantes em fases diferentes dos
cursos) e horizontais (estudantes de cursos diferentes no mesmo espaço).
Essas interações construídas de forma dialógica entre estudantes,
comunidades e servidores, em que são valorizados os diferentes saberes e
lugares culturais que compõem a vida social.
A importância desse processo se dá pela forma como as interações
contribuem efetivamente para a formação humanística e profissional, uma
vez que apenas o conteúdo não é garantia de que o aprendizado ocorra,
entretanto, não é qualquer experiência que gera conhecimento. Segundo
Gonçalves (2018) a aprendizagem é um processo de crescimento e
desenvolvimento de um ser humano em sua totalidade, abrangendo no
mínimo quatro áreas: conhecimento, afetivo-emocional, habilidades e
atitudes. O essencial deve ser a busca “pelo significado do aprendizado ou
da vivência, ou seja, os conteúdos estudados tenham significado para o
estudante” (p. 42).
Um aspecto importante a ser discutido é o porquê da educação
tradicional não abarcar a formação do sujeito de maneira integral. Vimos
que na sociedade de consumo em que vivemos, na chamada modernidade
quida de acordo com o termo usado por Bauman, (2001) as
transformações ocorrem rapidamente e demandam cada vez um trabalho
diferenciado no âmbito da escola, sendo necessário nos questionar se este
tem sido um ambiente em que as crianças e adolescentes tem se
desenvolvido na sua máxima potencialidade e quais são os fatores
considerados como essenciais para tal desenvolvimento.
282
Essas experiências endossam a necessidade de se repensar os espaços
de aprendizagem e a obrigatoriedade de conteúdos fragmentados e
desconexos de vivências dos estudantes, apontando para uma nova
oportunidade de se organizar a escola enquanto ambiente de descobertas,
liberdade, pesquisas e envolvimento intenso com a comunidade em geral
e essas experiências tanto nacionais quanto internacionais reforçam a
viabilidade da construção de uma educação mais justa, livre e democrática.
Percebe-se que as escolas democráticas trazem uma preocupação
básica em suas práticas e formas de organização, ou seja, o trabalho
cooperativo, a liberdade e o respeito pelas posições individuais na
construção de um projeto comum. Ora, essas são também preocupações
da Psicologia Genética na construção da autonomia moral. Sabemos que
quanto mais cooperativo for o ambiente, maior a probabilidade de
construção da autonomia, e isso só pode ser possibilitado se esse ambiente
contar com procedimentos e estratégias que evidenciem o “profundo
respeito pelos indivíduos como seres humanos únicos, portanto,
diferentes” (TOGNETTA; VINHA, 2007, p. 125), as autoras mencionam
que quando os estudantes são respeitados eles são encorajados ao respeito
mútuo e autorrespeito.
Todos os problemas ocorridos no espaço de aprendizagem
necessitam ser considerado como parte do processo educativo, planejados
e trabalhados como as outras matérias, até mesmo aqueles objetivos
almejados a longo prazo, como por exemplo a responsabilidade, liberdade,
saber expressar sentimentos, cooperar, dialogar e etc. Todos esses exemplos
não são pré-requisitos e sim uma construção fruto de um trabalho árduo.
Segundo Tognetta e Vinha (2007) a aprendizagem de qualquer noção,
inclusive procedimentos habituais de sala de aula, como a realização de
trabalho em equipe, modos de participação ou estudo é construída, e não
se pode esperar que a criança saiba disso antecipadamente sem que tenha
283
tido a oportunidade de aprender e exercitá-las, e esse raciocínio vale
também para a relação ao respeito às normas, as relações sociais e o
aprender a resolver seus conflitos (p. 127).
Considerações Finais
É possível perceber que, segundo o exposto, o modelo de escola
predominante e atuante nos dias de hoje carecem de uma nova abordagem,
de forma a buscar outra alternativa para desenvolver cidadãos mais críticos
e autônomos. Segundo Greier, Philippe e Gouvêa (2017) novas escolas
estão sendo criadas ao redor do mundo e muitos agentes, de grandes
empresas a professores de pequenas cidades, passaram a pensar em novas
práticas educacionais que façam mais sentido para os jovens e para o
mercado de trabalho, para as famílias e o planeta, para as democracias
estatais e para o bem-estar de cada um.
Buscando evidenciar as iniciativas referentes a educação
alternativa, percebemos que os indivíduos expostos a este tipo de educação
têm mais possibilidades de desenvolverem sua autonomia moral, visto que
o conhecimento se pauta na construção do ambiente democrático e com
valores morais onde os estudantes possam exercer seu protagonismo
plenamente e construir sua autonomia moral.
Além de propiciar um ambiente facilitador, a escola ou iniciativas
devem possibilitar o protagonismo do indivíduo, com atividades e
vivências que façam sentido para ela. A própria comunidade escolar vai se
reorganizando de forma a obter cada vez mais um equilíbrio de igualdade,
reciprocidade, de forma a possibilitar a construção de regras e de forma
semelhante, a sociedade também se organiza nessa construção, visando
vivências mais democráticas.
284
Por fim, buscamos pensar na relação entre teoria, técnica e práxis
e o quanto isso contribui para a formação dos cidadãos do futuro. E pensar:
como a universidade pode ser reformada a ponto de formar educadores
críticos e reflexivos que se proponham a mais do que reproduzir conteúdos
a seus estudantes? Em uma palavra: como construir uma universidade
verdadeiramente formadora e democrática?
Muitas críticas são apontadas a educação tradicional e as novas
alternativas em educação emergem com uma possibilidade viável de
construção de conhecimento e desenvolvimento moral, afinal a autonomia
moral não pode ser ensinada, mas proporcionada à medida que há a
construção na escola/projetos de relações mais horizontais, em que os
indivíduos possam ter liberdade de se expressar, de se colocar no lugar do
outro e serem ouvidos.
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alunos do Ensino Médio. Marília- SP, 2016. 406 f. Tese (Doutorado em
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Janeiro: José Olympo Editora, 1976. (Originalmente publicado em
1948).
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resistência. Campinas: Mercado das Letras, 2010.
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um olhar sobre a prática das regras e assembleias na escola. Campinas:
Mercado das Letras, 2007.
VINHA, T. P. O educador e a moralidade infantil numa perspectiva
construtivista. 1997. 1138 f. Dissertação de Mestrado (Mestrado em
Educação) Faculdade de Educação (FE), Universidade Estadual de
Campinas (UNICAMP), Campinas, 1997.
287
Parte II
Diagnóstico, Intervenções e Revisões
da Pesquisa Empírica
288
289
Indisciplina na Escola e Desenvolvimento do Juízo Moral:
algumas reflexões 20 anos depois
Rita Melissa LEPRE
1
Introdução
No ano de 2001 defendíamos no Programa de Pós-Graduação em
Educação (PPGE), da Faculdade de Filosofia e Ciências (FC), da
Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP),
Campus de Marília, a dissertação de Mestrado, intitulada A indisciplina na
escola e os estágios de desenvolvimento moral na teoria de Jean Piaget,
orientada pela Prof.ª Dr.ª Maria Suzana Stéfano Menin. A pesquisa tinha
como objetivo principal verificar o estágio de desenvolvimento moral de
alunos do 1º ao 4º ano do Ensino Fundamental, considerados
indisciplinados pelas professoras.
Para a realização da investigação foram aplicados questionários
com as professoras participantes, observações em sala de aula e entrevistas
com os alunos indicados como indisciplinados e disciplinados, nas quais
buscamos verificar o desenvolvimento de seu juízo moral para posterior
comparação entre os dois grupos. Nas entrevistas com os alunos utilizamos
três historietas, nos moldes das realizadas por Piaget (1932/1994),
envolvendo a questão das regras (origem e mutabilidade), o julgamento
1
Professora Associada junto ao Departamento de Educação e coordenadora do Programa de Pós-
graduação em Docência para a Educação Básica (PPGDEB) da Faculdade de Ciências (FFC),
Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP), Campus de Bauru, São Paulo,
Brasil. E-mail: melissa.lepre@unesp.br
https://doi.org/10.36311/2022.978-65-5954-317-5.p289-306
290
por responsabilidade objetiva ou subjetiva e o uso de sanções expiatórias
ou por reciprocidade.
Por meio da aplicação dos questionários realizados com as
professoras foram encontradas cinco categorias que definiam a indisciplina,
segundo seus pontos de vista. As categorias foram: “Indisciplina como um
problema pessoal do aluno”, “Indisciplina como insubordinação às regras
impostas”, “Indisciplina como resultado da falta de afeto”, “Indisciplina
como falta de limites das crianças” e “Indisciplina como uma dificuldade
para se relacionar com as regras”. Essas categorias esclareceram o ponto de
vista das professoras quando indicaram seus alunos como indisciplinados
e foram retomadas na discussão dos dados.
As observações e as entrevistas realizadas com os alunos
participantes confirmaram, em parte, nossa hipótese inicial de que os
estudantes considerados indisciplinados possuíam um estágio mais
avançado de desenvolvimento moral, ou uma autonomia crescente,
respondendo, assim, hostilmente, a um ambiente heterônomo com regras
coercitivas, o que nos permitiu discutir o papel da escola na formação
moral dos alunos e como práticas coercitivas favorecem a heteronomia ou
a criação de rótulos como o da indisciplina.
A pesquisa e as análises e discussões tiveram como base a teoria
piagetiana acerca do desenvolvimento do juízo moral na criança.
Resumidamente, Piaget (1932/1994) aponta que o juízo moral na criança
se desenvolve por meio de um caminho psicogenético que vai da anomia
para a autonomia, passando pela heteronomia. Na anomia, a criança ainda
não entende o significado das regras sociais, sua origem e importância,
estando em um momento pré-moral, ainda que já perceba a existência de
regras e de certa regularidade nas ações sociais. Na heteronomia as regras,
além de percebidas, se tornam importantes para a criança, mas são
concebidas como algo externo ao sujeito, vindas sempre de uma autoridade
291
e se configurando como obrigatórias se o que se deseja é evitar a punição.
Na autonomia, por sua vez, as regras passam a ser compreendidas como o
resultado de acordos mútuos e o respeito a elas parte do interior do sujeito,
sendo considerado, sobretudo, seus princípios.
A autonomia moral não é um “estágio” que todos os sujeitos
alcançarão de forma natural, por maturação, mas é uma construção moral
a partir das interações e relações sociais vivenciadas. Piaget (1932/1994)
registra dois tipos de relações sociais: as de coação e as de cooperação. Nas
relações de coação os adultos ou companheiros mais velhos, tidos como
autoridade, definem as regras unilateralmente e cobram a submissão das
crianças, impondo o que deve ser feito e definindo sanções quando as
normas não são obedecidas. Nas relações de cooperação, ao contrário,
trocas efetivas entre crianças e adultos, a partir do respeito mútuo e do
diálogo e a busca por regras e normas de convivência é compartilhada.
Explica Piaget (1932/1994, p. 294):
Ora, entre estas, dois tipos extremos podem ser distinguidos: as
relações de coação, das quais o próprio é impor do exterior ao indivíduo
um sistema de regras de conteúdo obrigatório, e as relações de
cooperação, cuja essência é fazer nascer, no próprio interior dos
espíritos, a consciência de normas ideais, dominando todas as regras.
Oriundas dos elos de autoridade e respeito unilateral, as relações de
coação caracterizam, portanto, a maioria dos estados de fato de dada
sociedade e, em particular, as relações entre a criança e seu ambiente
adulto. Definidas pela igualdade e pelo respeito mútuo, as relações de
cooperação constituem, pelo contrário, um equilíbrio limite mais que
um sistema estático. Origem do dever e da heteronomia, a coação é,
assim, irredutível ao bem e à racionalidade autônoma, produtos da
reciprocidade.
292
A relação que buscamos fazer entre a indisciplina na escola e o juízo
moral foi a de que quanto mais desenvolvido moralmente a criança
2
,
menos ela aceitaria a imposição de regras coercitivas e autoritárias,
reagindo, assim, com atitudes consideradas indisciplinadas pelos
professores e pela escola. A relação sujeito-meio se coloca, nesta proposição,
como ponto central. Quando nos remetemos ao meio nos referimos a
aspectos da coletividade que se manifestam em tempos e espaços
contextualizados e historicamente construídos, no qual ocorre a
convivência social e a elaboração e vivência de regras sociais. Esse meio
pode propiciar condições ao desenvolvimento da moralidade autônoma
quando possibilita relações de cooperação, baseadas no respeito mútuo, na
reciprocidade e na solidariedade. Ou, ao contrário, pode prejudicar tal
construção quando disponibiliza apenas relações de coação e de respeito
unilateral.
Boarini (2013) aponta que toda regra de convívio social é uma
prerrogativa humana, partindo de produções coletivas que se configuram
em seu tempo histórico. Na esteira de nossa hipótese inicial, Boarini
(2013), escreve:
[...] recuperando alguns exemplos de pessoas historicamente
consideradas rebeldes, subversivas, portanto, indisciplinadas, vamos
dando conta de que, em determinadas situações, comportamentos
julgados e punidos por transgredir as normas estabelecidas davam, ao
contrário do que se supunha, sinais de autonomia, de não aceitação do
arbítrio, do inconformismo ao cerceamento à liberdade de ideias e de
expressão. Enfim, são as normas estabelecidas pela família, pela escola
ou pela sociedade em geral, em determinados momentos históricos,
2
Chamamos de autonomia crescente o processo de construção da autonomia na infância, uma vez
que crianças pequenas, antes de atingirem o período operatório-formal, não apresentam uma
autonomia consolidada.
293
que atribuem o significado do comportamento disciplinado ou
indisciplinado. Reiterando nossas afirmações anteriores, o educador
brasileiro Paulo Freire, reconhecido internacionalmente, foi
considerado um subversivo, portanto indisciplinado, porque
transgrediu as normas vigentes nos anos de chumbo (1964-1984) que
aconteceram em território brasileiro (p. 128).
Assim, é possível dizer que o conceito de indisciplina, além de
polissêmico, está diretamente relacionado às regras, normas e valores de
um determinado tempo histórico, o que reforça a hipótese da relação entre
disciplina e desenvolvimento moral, uma vez que envolve as formas de
relacionamento com as regras, desde sua elaboração até o respeito que é
construído por elas, em um contexto histórico-social. Neste caso, a
indisciplina pode ser o termo utilizado para toda conduta humana que
envolva questionamento e resistência a ordens impostas arbitrariamente.
Para refletir sobre a indisciplina na escola, após esses vinte anos de
nossa produção inicial sobre o tema, buscando dialogar com pesquisas mais
recentes, realizamos uma busca na Scientific Electronic Library Online
(SciELO), a partir do descritor “indisciplina na escola”, com os filtros
coleções brasileiras, no idioma português, de 2002 a 2021, na área das
ciências humanas, na seção artigos, resgatando 13 (treze) artigos.
Destacamos 5 (cinco) artigos que trazem em suas discussões temas que se
aproximam ou remetem às relações entre indisciplina e moralidade
(SANTOS; QUEIROZ, 2021; SILVA NETO; BARRETTO, 2018;
SILVA, 2016; BOARINI, 2013; AQUINO, 2011). O nosso objetivo é
apresentar, refletir e dialogar com esses estudos, a partir das proposições
dos autores e dos dados encontrados, tendo como ponto de partida nossa
pesquisa de 2001.
294
Dialogando e Refletindo com Escritos ao Longo dos 20 Anos
No ano de 2011, Júlio Groppa Aquino publica o artigo com o
título Da (contra)normatividade do cotidiano escolar: problematizando
discursos sobre a indisciplina discente, no qual destaca a proliferação
discursiva da época sobre as condutas dos alunos tidas como
indisciplinadas. Aquino (2011) realiza, neste estudo, um levantamento da
produção bibliográfica nacional de livros, artigos em periódicos,
dissertações e teses sobre o tema da indisciplina e aponta para a disparidade
conceitual entre as produções e a ausência de um diálogo afinado entre as
obras. “Multiplicidade e dispersão figuram, assim, como as marcas
principais das abordagens do tema, não obstante algumas recorrências
pontuais” (AQUINO, 2011, p. 459)
3
. Neste artigo, o autor apresenta
resultados de uma pesquisa longitudinal, de cinco anos (2003-2007),
realizada em uma escola pública paulistana, de Ensino Médio, na qual
acompanhou a “tessitura disciplinar de uma instituição escolar específica,
com o intuito expresso de perscrutar o que se produzia empiricamente
quando estavam em pauta as ações discentes tidas como indisciplinadas”
(AQUINO, 2011, p. 463).
Ao observar as ocorrências e categorias de condutas tidas como
indisciplinadas na escola, Aquino discute a necessária diferenciação entre
as noções de incivilidade, indisciplina e violência que, muitas vezes, são
tratadas como sinônimos ou a partir da concepção de que uma leva sempre
à outra. Visando distinguir essas ações, o autor propõe uma definição para
a indisciplina: “trata-se de um conjunto de micropráticas transgressivas dos
protocolos escolares (sem contar a razoabilidade, ou não, desses), cujos
3
Ao final do artigo, Aquino (2011) apresenta uma vasta lista de produções nacionais que tratam
do tema da indisciplina na escola, até o ano de 2006.
295
efeitos se fazem sentir imediatamente na relação professor-aluno
(AQUINO, 2011, p. 468).
A partir dessa definição, analisa e discute os encaminhamentos dos
casos tidos como indisciplinados e aponta:
Temos, assim, um quadro bastante fidedigno daquelas ações
corriqueiras reputadas como responsáveis por tumultuar os fazeres
escolares, a ponto de se tornarem motivo de encaminhamento. Trata-
se de um conjunto bastante trivial de ações que, por um lado, rejeitam
circunstancialmente as normas operacionais stricto sensu e, por outro,
ferem as expectativas de um tipo de convívio predeterminado em sala
de aula. Convém asseverar, no entanto, que, por meio de tais ações, os
alunos exercitam as mesmas antigas burlas e recusas já há tanto
conhecidas; burlas e recusas que decerto tomam parte dos rituais
escolares e que, em última instância, constituem prerrogativas do lugar
discente, tendo em mente que toda normativa pressupõe algum nível
de recusa ou indisposição. Por que, então, persistem como expedientes
a serem evitados ou, mais drasticamente, punidos? (AQUINO, 2011,
p. 469).
Nesse sentido, refletimos que muitos atos tidos como
indisciplinados, excetuando-se aqui as incivilidades e a violência, podem
se configurar como reações dos estudantes à normatizações que não lhe
fazem sentido, o que pode, em alguma medida, corroborar com nossa
hipótese, levantada há vinte anos, de que algumas condutas consideradas
indisciplinadas podem, outrossim, revelar um juízo moral mais elevado,
permitindo que o sujeito questione as regras e não as aceite, simplesmente,
como algo imposto de fora por uma autoridade ou agência social e que
deve ser obedecido individualmente. Dessa forma, crianças e adultos que
estejam em processo de autonomia crescente podem tender a questionar
296
mais e resistir às regras e normas arbitrárias que, muitas vezes, são adotadas
pelas escolas.
No ano de 2013, Maria Lúcia Boarini escreve o artigo Indisciplina
escolar: uma construção coletiva, no qual chama a atenção para o fato de que
“ainda que a indisciplina escolar seja uma expressão particular, via de regra,
traduz o que ocorre no âmbito coletivo” (BOARINI, 2013, p. 123). A
autora aponta para a necessidade de se pensar a indisciplina escolar a partir
das conjunturas histórico-sociais e defende:
A disciplina e a indisciplina não são categorias lineares, estáticas e
unidirecionais. Não são exclusivamente reações comportamentais que
ocorrem mecanicamente por índole de um aluno em particular. O
comportamento indisciplinado pode estar dando sinais de que
insatisfações estão sendo produzidas no âmbito da instituição escolar
ainda que sejam manifestações individuais. A promoção da disciplina
ou o controle da indisciplina dos alunos não estão escritos na literatura
pedagógica ou em qualquer outra, nem recebemos, junto com o
diploma de conclusão de curso, fórmulas para manter a disciplina ou
evitar a indisciplina. A disciplina é um exercício que se faz necessário
em qualquer situação social ou não. No caso do ambiente escolar, a
disciplina é um exercício diário que ocorre no cotidiano da sala de aula.
Deve ser construída e administrada no dia a dia por todos os envolvidos
na educação. Esse exercício não é um problema para nós educadores.
Esse exercício é um compromisso e desafio e faz parte do nosso trabalho
(BOARINI, 2013, p. 129).
O artigo de 2013 também corrobora com nossas hipóteses e
reflexões quando discute acerca dos aspectos sociais da indisciplina
sublinhando que comportamentos considerados indisciplinados decorrem
de múltiplas relações e interações, não sendo algo apenas do indivíduo
(interno) ou apenas do meio (externo). Quando defendemos que sujeitos
mais autônomos, ou em autonomia crescente, tendem a questionar mais a
297
regras e normas escolares, estamos nos remetendo a uma construção que
depende da interação desse sujeito com o meio. O questionamento não é
algo natural ou adquirido por observação passiva, mas está relacionado às
vivências e experiências do sujeito, em suas interações com o meio. Nesse
sentido, julgamos ser possível afirmar que algumas construções morais
ocorrem apesar de normatizações e regras autoritárias, por meio das
relações entre os pares, com os professores, famílias e outros agentes sociais,
junto aos quais o diálogo e as relações de cooperação possam ser
oportunizados. E, mais uma vez, concordamos com Boarini (2013, p. 129)
que “não cabe a interpretação ligeira de que o comportamento
indisciplinado é resultante unicamente de características subjetivas de um
aluno em particular ou que a indisciplina que, em geral, se observa na
escola é resultante da qualidade do ensino, das famílias que não impõem
limites etc.”, mas sim de um conjunto de fatores que precisam ser pensados
de forma relacional e contextualizada.
No ano de 2016, Rafael Rodrigues da Silva publica o artigo
Disciplina escolar e gestão de sala de aula no campo educacional brasileiro, no
qual analisa “as questões relativas à disciplina escolar e à gestão de sala de
aula como campo de pesquisa e questão profissional” (p. 533) tendo como
um dos indicadores os trabalhos disponibilizados nos encontros anuais da
Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd),
entre 2007 e 2011, e no Seminário Indisciplina na Escola Contemporânea.
Entre as análises destaca-se o fato de que o maior número de
produções, na ANPEd, que focam a indisciplina escolar e a gestão de sala
de aula, está nos Grupos de Trabalho da Sociologia e da Psicologia da
Educação. O autor afirma que entre os conceitos mais utilizados nos
trabalhos que envolvem a gestão de sala de aula e a disciplina escolar estão
moralidade infantil ou educação moral, seguidos de organização do
298
trabalho escolar, violência escolar, cultura da paz, gestão democrática da
escola e bullying.
Em geral, a produção acadêmica brasileira sobre o tema gestão de sala
de aula e (in)disciplina escolar, ainda que represente um número
considerável de publicões, é marcada pela diversidade de conceitos e
referenciais teóricos, o que, por um lado, favorece novos olhares para
um tema tão velho quanto a própria pedagogia e, por outro,
compromete o diálogo entre autores e o avanço da pesquisa. Tal
característica impossibilita a constituição de uma comunidade de
pesquisadores produzindo e dialogando sobre o tema a partir de
referenciais minimamente compartilhados. (SILVA, 2016, p. 549).
A partir dessa afirmação, refletimos que o tema da indisciplina
escolar é vasto e pede olhares múltiplos que podem, no entanto, serem
trabalhados de forma interdisciplinar, no sentido de compartilhar e
construir coletivamente referenciais teóricos e práticos visando o
enfrentamento do problema e o desenvolvimento da práxis. Acreditamos
que a diversidade teórica pode se converter em um ponto positivo quando
há disponibilidade de diálogo entre as áreas de conhecimento, visando a
construção de um corpus interdisciplinar robusto e dialético sobre o tema.
No ano de 2018, Cláudio Marques da Silva Neto e Elba Siqueira
de Sá Barretto publicam o artigo (In)disciplina e violência escolar: um estudo
de caso que demonstram os resultados de uma pesquisa do tipo etnográfico
realizada em uma escola pública da rede paulistana, com o objetivo de
examinar as formas encontradas pela unidade escolar para lidar com os
fenômenos da indisciplina e da violência que, segundo os autores, “têm se
tornado objeto frequente de queixas escolares e adquirido relativo destaque
nas pesquisas e publicações da área” (SILVA NETO; BARRETO, 2018,
p. 1). Portanto, dezessete anos após a publicação de nossa dissertação,
299
autores ainda apontam a indisciplina escolar como uma das mais
frequentes queixas escolares, o que nos leva a refletir que a problemática se
mantém como uma questão que precisa ser adequadamente enfrentada
pela escola.
Silva Neto e Barreto (2018) conceituam a indisciplina e a violência
escolar como fenômenos sociais e escolares que devem ser estudados a
partir das interações dos sujeitos com o meio e “não apenas considerados
como consequência de deformação ou desvio dos alunos”. (p. 4). Também
sublinham a necessidade de não naturalizar a indisciplina e não esquecer
que a escola também é palco de formas e disputa de poder. No estudo de
caso que apresentam retratam uma escola que tinha muitos problemas de
indisciplina e violência, incluindo bullying entre os alunos, agressões físicas
e brigas entre o corpo docente e as famílias. Para o enfrentamento desse
cenário, a diretora da escola estimulou a equipe pedagógica à coletividade
e ao diálogo constante, buscando soluções coletivas para os problemas
enfrentados, por meio de assembleias, fóruns e conselho de pais. Para
tanto, foram propostas diferentes ações, entre elas, o resgate dos
combinados com todos os segmentos da escola “que tiveram como ponto
de partida a escuta inicial das demandas e sugestões, e que se equacionaram
mediante o estabelecimento consentido de regras de reciprocidade”
(SILVA NETO; BARRETO, 2018, p. 9).
Esse resultado nos permite apontar, mais uma vez, como a
indisciplina está relacionada ao meio no qual as relações sociais acontecem.
Para que a moralidade autônoma seja construída e as regras de
reciprocidade sejam reconhecidas como uma meta, é necessário que se
estabeleça o que DeVries e Zan (1998) definem como ambiente
sociomoral. “O ambiente sócio moral é toda rede de relações interpessoais
que forma a experiência escolar do sujeito. Essa experiência inclui o
relacionamento da criança com o professor, com as outras crianças, com
300
os estudos e com as regras” (p. 17). Assim, é necessário que tal ambiente
seja construído a partir das relações estabelecidas na escola, com base na
cooperação e no respeito mútuo para que, para além de possibilitar o
desenvolvimento do juízo moral das crianças, possam ser enfrentados “os
desafios da indisciplina e da violência escolar a partir dos princípios da
democracia, da ética e da justiça, reclamados pelas interações sociais e pelos
processos de socialização no espaço escolar” (SILVA NETO; BARRETO,
2018, p. 16).
Em 2021, já em tempos pandêmicos, o tema da indisciplina escolar
é tema do artigo de Rosane Barreto Ramos dos Santos e Paulo Pires de
Queiroz, intitulado A complexa relação humana no espaço escolar: o que
indisciplina, currículo e cultura têm a nos revelar?, no qual apresentam o
resultado de uma pesquisa qualitativa-descritiva, realizada em duas escolas
do estado do Rio de Janeiro, com o objetivo de “identificar as impressões
de professores e alunos sobre indisciplina discente e cultura no espaço
escolar, bem como observar os atos indisciplinares e analisar a importância
de diálogos interculturais na diminuição de conflitos” (SANTOS;
QUEIROZ, 2021, p. 339). No que se refere à indisciplina a pesquisa
demonstrou que:
Sobre o assunto indisciplina, para 80% dos estudantes significava não
obedecer às regras, não cumprir as atividades, desrespeitar os colegas e
professores. Essa mesma porcentagem admitiu ser indisciplinada.
Dentre esses, 30% afirmaram que a bagunça e a indisciplina
aconteciam porque muitos professores eram omissos e, para 50% dos
alunos, a indisciplina ocorria porque as matérias ensinadas não eram
interessantes, visto que os assuntos eram abordados do mesmo jeito e
não falavam do cotidiano. Já para 30% dos professores, indisciplinado
era o aluno que não se concentrava nas aulas, não se interessava pelos
conteúdos explanados e podia apresentar atitudes violentas. Para 60%
dos docentes, era aquele que não considerava a sala de aula atrativa,
301
que não tinha identificação com a escola, pois o modelo de ensino
defasado não permitia que o outro expusesse suas diferenças
(SANTOS; QUEIROZ, 2021, p. 350).
A grande maioria (80%) dos estudantes consideram que a
indisciplina está ligada a não obediência às regras, assim como ao não
cumprimento das atividades e ao desrespeito aos colegas e professores. A
palavra obedecer já revela uma relação assimétrica com as regras, uma vez
que as mesmas parecem não ser questionadas, sendo registrado apenas a
não obediência a elas. Em 2001 realizamos, na pesquisa de mestrado, uma
reflexão que parece permanecer: o que faz uma regra ser boa ou má é o seu
princípio, que pode ser voltado para a cooperação (reciprocidade) ou para
a coação. Respeitar uma regra com princípios democráticos (de
cooperação) pode ser sinal de autonomia; obedecer a uma regra com
princípios de coação, ao contrário, pode ser sinal de heteronomia (LEPRE,
2001). O relato sobre a omissão dos professores e o desinteresse pelas
matérias podem nos levar a refletir sobre a ausência de um ambiente
sociomoral adequado às trocas e à construção coletiva do conhecimento.
Já em relação aos professores, o estudo revela que a maioria destaca
o papel da escola na produção da indisciplina, não focando apenas nos
alunos. Na pesquisa realizada há vinte anos (LEPRE, 2001), naquela
amostra de professores, a empiria revelou concepções docentes que
atribuíam, sobretudo, aos próprios alunos a responsabilidade pela
indisciplina. Resgatando as categorias encontradas para explicar a causa da
indisciplina, naquela amostra, temos: Indisciplina como um problema
pessoal do aluno; Indisciplina como insubordinação às regras impostas;
Indisciplina como resultado da falta de afeto; Indisciplina como falta de
limites das crianças e Indisciplina como uma dificuldade para se relacionar
com as regras. Tal constatação nos leva a refletir que, pelo menos nas
302
amostras em questão, parece ter havido, nesse intervalo de tempo, uma
possível alteração na forma que os professores concebem a indisciplina na
escola, trazendo formas mais relacionais em suas concepções. Novas
pesquisas precisam ser realizadas para que seja possível testar tal hipótese.
O questionamento a uma certa ordem instituída também aparece
no estudo de Santos e Queiroz (2021, p. 352):
Foi recorrente a indagação dos alunos sobre o porquê de frequentarem
esse espaço e aprenderem determinado conteúdo, ao mesmo tempo
que os professores questionavam o porquê de terem que lecionar
determinado conteúdo nas condições de trabalho que enfrentavam.
Para a maioria dos professores, a escola era responsável pelos
comportamentos indisciplinares e até pelos conflitos existentes entre os
próprios alunos e entre alunos e professores, uma vez que as diferenças
culturais e sociais não eram destacadas no fazer pedagógico. Segundo
os docentes, indisciplina se configurava como sinônimo de resistência,
uma forma de despertar a atenção para que mudanças sociais, culturais
e epistemológicas pudessem acontecer na escola.
Resistir e questionar podem ser, sobretudo em tempos de tantos
ataques à democracia, concebidos como condutas indisciplinadas por
aqueles que desejam manter a ordem vigente. Ainda em 2001 havíamos
discutido que as crianças tidas como disciplinadas eram, naquela amostra,
as mais egocêntricas e submissas e que aceitavam melhor as regras impostas,
sem questionamentos ou reações. Também alertamos que não estávamos
fazendo apologia à indisciplina, mas colocando em discussão as condutas
infantis consideradas indisciplinadas e o equívoco de se priorizar uma
disciplina que, como pano de fundo, revele a permanência das crianças na
heteronomia.
E qual seria o problema das pessoas se manterem na heteronomia,
uma vez que o heterônomo tende a obedecer? Para a escola e para a
303
sociedade, em geral, não seria interessante termos pessoas obedientes, que
seguissem, à risca, as leis, regras e normas?
Considerações Finais
Buscaremos responder a essas indagações apoiados na Psicologia
Moral. Como vimos em Piaget (1932/1994) na heteronomia o sujeito
compreende as regras como sagradas e imutáveis e vindas de uma
autoridade externa a ele e que, portanto, precisam ser obedecidas, para
manter a ordem social e, sobretudo, para evitar a punição. Nesse sentido,
o heterônomo não respeita as regras pelo seu princípio, mas as obedece por
medo da punição ou para atender às ordens de uma autoridade. No caso
de “não ser pego” ou “não ser responsabilizado pelos seus atos”, a conduta
do sujeito heterônomo pode mudar e ir contra essas mesmas leis, normas
e regras. Um outro fato é que o heterônomo tende a obedecer às
“lideranças” sem colocar em prática uma consciência crítica individual e
coletiva.
Arendt (1999), no livro Eichmann em Jerusalém: um relato sobre a
banalidade do mal, relata o julgamento de Otto Adolf Eichmann que foi
levado à Corte Distrital de Jerusalém, em 11 de abril de 1961, por cometer
crimes contra o povo judeu, contra a humanidade e crimes de guerra
durante o regime nazista. Considerado o responsável pela morte de
milhares de judeus, Eichmann fora um dos organizadores de deportações
em massa da Alemanha, que primava por estar sempre coberto pelas ordens
de seus superiores e que “não gostava nem de fazer perguntas e sempre
solicitava “diretivas” (ARENDT, 1999, p. 109). Em sua defesa, o réu
insistia no fato de que apenas cumprira ordens durante a guerra e que,
portanto, não poderia ser diretamente acusado pelos seus atos. Hannah
Arendt assistiu ao julgamento como correspondente da revista The New
304
Yorker e registrou o que sentiu e viu por trás da cabine de vidro onde estava
o acusado na Beth Hamishpath, a Casa de Justiça. Na “orelha” da 27ª
reimpressão de 2020, pela Companhia Das Letras, fica claro que Arendt
configura o réu como um medíocre pouco inteligente, pronto para
cumprir qualquer tipo de ordem e sem nenhuma discriminação moral. E,
nesse sentido, poderíamos somar às impressões da filósofa: “um
heterônomo”!.
Eis o “perigo” da heteronomia. Cumprir ordens vindas de
autoridades sem recorrer à consciência crítica, sem ponderar os possíveis
malefícios de seus atos e condutas para o outro ou, como diria o filósofo
Iluminista Immanuel Kant, sem aplicar o Imperativo Categórico que entre
outras formulações exige da razão humana: “Aja como se a máxima de tua
ação devesse tornar-se, através da tua vontade, uma lei universal”. Para que
uma lei possa ser universal ela deve garantir a dignidade humana, a
manutenção do pacto civilizatório e a busca de uma vida boa para todos.
Acreditamos que a construção da autonomia moral passe pela
escola e, mais especificamente, pela mediação do professor. Nesse sentido,
nesses vinte anos que separam nossa dissertação de mestrado do momento
atual, buscamos construir uma carreira profissional voltada, sobretudo, à
formação inicial e continuada de professores, com foco na Psicologia
Moral. No ano de 2006, após a conclusão do doutorado
4
, também
realizado no Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE) da
FFC/UNESP, Campus de Marília, iniciamos nosso trabalho como
docente do Departamento de Educação da Faculdade de Ciências (FC) da
UNESP, Campus de Bauru.
Nesses quinze anos de docência na Universidade buscamos
desenvolver estudos e pesquisas com temas voltados ao desenvolvimento
4
Nossa tese de doutorado versou sobre o desenvolvimento do raciocínio moral e a relação com o
uso abusivo de álcool, sob a orientação do Prof. Dr. Raul Aragão Martins.
305
moral e à formação de professores, o que eclodiu, em 2014, na proposição
do Grupo de Estudos e Pesquisas em Desenvolvimento Moral e Educação
o GEPEDEME que tem como objetivo central estudar e produzir
pesquisa científica sobre temas relacionados ao desenvolvimento moral e
suas relações com a Educação. O grupo trabalha, ainda, com outra frente
que é a formação continuada de professores, oferecendo cursos de extensão
universitária, minicursos, lives e assessorias às escolas públicas. Em sua
composição tem alunos da licenciatura, mestrandos, doutorandos e pós-
doutorandos em Educação e Psicologia que desenvolvem investigações
diversas, com foco na moralidade, incluindo reflexões sobre o tema da
indisciplina na escola.
Das reflexões permitidas com a elaboração deste artigo, e à guisa
de conclusão, defendemos que o tema da indisciplina escolar ainda se
mantém atual e com muitas vertentes a serem exploradas, pensadas e
investigadas. Insistimos que leituras deste fenômeno coletivo e social
possam ser realizadas a partir da Psicologia da Moralidade e suas teorias,
visando análises e discussões interdisciplinares que considerem os sujeitos,
suas interações com o meio, o próprio meio e suas diversas possibilidades
e formatações.
Por fim, registramos nossa concepção da necessidade da formação
inicial e continuada de professores voltada à educação em valores, uma vez
que a construção da autonomia moral passa pela escola e pela organização
do trabalho docente.
Referências
ARENDT, H. Eichmann em jerusalém: um relato sobre a banalidade do
mal. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.
306
AQUINO, J. G. Da (contra)normatividade do cotidiano escolar:
problematizando discursos sobre a indisciplina discente. Cadernos de
Pesquisa, v. 41, n. 143. pp. 456-484, 2011.
BION, W. R. O aprender com a experiência. Rio de Janeiro: Imago,
1994.
BOARINI, M. L. Indisciplina escolar: uma construção coletiva.
Psicologia Escolar e Educacional, v. 17, n. 1, p. 123-131, 2013.
DEVRIÉS, R.; ZAN, B. A ética na educação infantil. Porto Alegre: Artes
Médicas, 1998.
LEPRE, R. M. A indisciplina na escola e os estágios de desenvolvimento
moral na teoria de Jean Piaget. Dissertação (Mestrado em Educação)
Faculdade de Filosofia e Ciências (FFC), Universidade Estadual Paulista
“Júlio de Mesquita Filho” (UNESP), Campus de Marília, Marília, 2001.
PIAGET, J. O juízo moral na criança. São Paulo: Summus, 1994.
SANTOS, R. B. R.; QUEIROZ, P. P. A complexa relação humana no
espaço escolar: o que indisciplina, currículo e cultura têm a nos revelar?.
Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, v. 102, n. 261, p. 339-356,
2021.
SILVA NETO, C. M.; BARRETTO, E. S. S. (In)disciplina e violência
escolar: um estudo de caso. Educação e Pesquisa, v. 44, p. 1-18, 2018.
SILVA, R. R. Disciplina escolar e gestão de sala de aula no campo
educacional brasileiro. Educação & Realidade, v. 41, n. 2., p. 533-554,
2016.
307
Avaliação da Competência Moral na Formação em Pedagogia
de uma Universidade Pública do Estado de São Paulo
Matheus Estevão Ferreira da SILVA
1
Introdução
Este capítulo aborda resultados parciais de uma pesquisa de
Mestrado concluída intitulada Competência moral, gênero e sexualidades, e
religiosidade na formação inicial pública paulista em Pedagogia e Psicologia
2
.
Essa pesquisa foi proposta como continuidade de uma pesquisa anterior
realizada pelo autor entre os anos de 2017 e 2018 na modalidade de
Iniciação Científica (IC) no contexto da formação inicial universitária
pública paulista em Pedagogia
3
(SILVA, 2018).
1
Mestre pelo Programa de Pós-graduação em Educação (PPGE) da Faculdade de Filosofia e
Ciências (FFC), Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP), Campus de
Marília, São Paulo, Brasil. E-mail: matheus.estevao2@hotmail.com
2
Essa pesquisa contou com o financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico
e Tecnológico (CNPq), pelo processo de n.º 131735/2020-9, no período de 01/03/2020 a
31/10/2020, e atualmente conta com o financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do
Estado de São Paulo (FAPESP), pelo processo de n.º 2020/05099-9, com previsão de vigência de
01/11/2020 a 31/01/2022, sob orientação da Prof.ª Dr.ª Patrícia Unger Raphael Bataglia e co-
orientação da Prof.ª Dr.ª Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo.
3
Essa pesquisa anterior intitulou-se Educação em direitos humanos, gênero e sexualidades, e
desenvolvimento moral na formação docente: conhecimentos, concepções e condutas de graduandos(as)
em Pedagogia de uma universidade pública do estado de São Paulo, e foi financiada pela FAPESP pelo
processo de n.º 2017/01381-9 e com vigência de 01/05/2017 a 31/12/2018, sob orientação da
Prof.ª Dr.ª Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo e co-orientação da Prof.ª Dr.ª Alessandra de
Morais.
https://doi.org/10.36311/2022.978-65-5954-317-5.p307-328
308
Nela, objetivou-se investigar se graduandos(as) em Pedagogia de
uma Universidade pública paulista estavam sendo preparados(as) para
trabalhar com a diversidade sexual e de gênero em sua futura atuação
profissional na escola, além de relacionar esse preparo com sua formação
ética, especificamente com a proporção de respostas pós-convencionais
emitidas frente a dilemas morais, nas abordagens kohlberguiana e neo-
kohlberguiana (KOHLBERG, 1992; REST et al., 1999).
Durante sua etapa empírica, para avaliação da formação moral
dos(as) graduandos(as) em Pedagogia do curso que ambientou a pesquisa,
utilizou-se do Defining Issues Test-2 (DIT-2), instrumento quantitativo
fechado e validado de medida do juízo moral. Posto que em seus resultados
se inferiu não haver qualidade moral satisfatória proporcionada durante a
formação no curso de Pedagogia, e que isso apresentou forte relação com
a variável religiosidade, na pesquisa seguinte de Mestrado tem-se buscado
o aprofundamento destes e de outros resultados encontrados.
Assim, para atestá-los, bem como aprofundá-los para um
diagnóstico mais preciso sobre o estado da formação inicial em Pedagogia
oferecida no contexto da Educação Superior, viu-se a necessidade de novas
aplicações, no caso, de verificar se esses resultados condizem com outras
realidades e ambientes universitários de formação, assim como com outras
licenciaturas e cursos de graduação, ou se são fruto de condicionantes
próprios da amostra e do ambiente anterior investigado.
Então nessa pesquisa atual, sua amostra participante consistiu em
quatro cursos universitários, dois cursos de Pedagogia e dois cursos de
Psicologia, sendo cada curso proveniente de uma diferente Instituição de
Ensino Superior (IES) pública do estado de São Paulo. Logo, teve-se como
foco a formação inicial do(a) psicólogo(a) junto à formação inicial do(a)
pedagogo(a). Para a avaliação da formação ética dos(as) graduandos(as),
utilizou-se desta vez o constructo competência moral, e não de juízo moral
309
(mensurado pelo DIT-2), pelo entendimento de que a atuação profissional
depende da integração de aspectos afetivos, cognitivos e conativos, o que é
melhor avaliado a partir desse constructo. Para isso, utilizou-se do Moral
Competence Test extended (MCT_xt), instrumento quantitativo fechado e
validado que mensura a competência moral.
A competência moral é um conceito anunciado pelo psicólogo
estadunidense Lawrence Kohlberg (1992) no âmbito de sua teoria sobre o
desenvolvimento moral. O psicólogo alemão Georg Lind (2019), em
estudos que realizou nos últimos quarenta anos, retomou, desenvolveu e
operacionalizou esse conceito de competência moral anunciado por
Kohlberg (1992). Como afirma o próprio autor, a “definição de Kohlberg
para a competência moral era a ‘capacidade de tomar decisões e emitir
juízos que são morais (isto é, baseados em princípios internos) e agir de
acordo com tais juízos’” (KOHLBERG, 1964, p. 425 apud LIND, 2019,
p. 52, tradução minha).
Dessa forma, “Kohlberg e Piaget costumavam usar o termo juízo
para descrever o raciocínio moral verbal”, sendo esse (o raciocínio) um
fenômeno interno, mas externamente observável por intermédio do juízo
emitido verbalmente, “enquanto a competência moral é um processo
inconsciente do qual as pessoas podem não estar cientes e não revelam em
suas reflexões éticas” (LIND, 2019, p. 52, tradução minha), ou seja, que
não pode ser coletado mediante os métodos usuais para mensuração do
juízo moral.
Em trabalho anterior, Silva e Bataglia (2020, p. 528) esclarecem o
conceito de competência moral:
310
[...] agir moralmente depende do desenvolvimento de uma capacidade,
a de refletir e aplicar consistentemente princípios em situações difíceis,
dilemáticas. Quando nos defrontamos a essas situações que exigem de
nós uma resposta e os cursos de ação possíveis são conflitantes e
mutuamente excludentes, somos mobilizados afetivamente e, nesse
momento, exibimos ou não a capacidade de agir de acordo com
princípios, apesar da comoção. É essa capacidade [...] a competência
moral.
No caso dos(as) profissionais de Pedagogia, desde os(as) que atuam
no nível da Educação Infantil, esses(as) enfrentam cotidianamente dilemas
morais e temas éticos relacionados, que demandam capacidade reflexiva
suficiente para o desenvolvimento de um trabalho pedagógico
devidamente fundamentado e baseado em princípios. Assim, o
desenvolvimento da competência moral é requerido no sentido de serem
capazes de desempenhar adequadamente essa demanda de trabalho, de
fazê-lo de acordo com a responsabilidade legal e social de sua profissão.
Assim, se pedagogos(as) terão que julgar e intervir nessas situações
que se depararão ao longo de sua atuação profissional, aqueles(as)
competentes moralmente serão capazes de sobrepor às suas opiniões,
posições ou atitudes à consideração e avaliação da perspectiva do outro.
Sem necessariamente abrir mão de suas perspectivas, serão capazes de
coordenar perspectivas e de tomar decisões verdadeiramente democráticas.
Entretanto, um considerável quadro de pesquisas recentes (SHIMIZU et
al., 2010; LEPRE et al., 2014; BATAGLIA et al., 2016), constituído
inclusive pela pesquisa anterior de IC (SILVA, 2018), tem demonstrado
que a licenciatura em Pedagogia e os cursos da Educação Superior não têm
possibilitado essa formação, que não contemplam o desenvolvimento do
juízo e da competência moral na formação de seu alunado.
311
Dada a impossibilidade de se produzir uma discussão que
abrangesse todos os resultados encontrados com a aplicação do MCT_xt
nos quatro cursos participantes, bem como de abordar os resultados
encontrados com outros instrumentos utilizados nesta pesquisa
4
, tivemos
de aplicar algum tipo de recorte. Dessa forma, neste capítulo, temos como
objetivo apresentar a avaliação da competência moral na formação em
Pedagogia de uma Universidade pública paulista, referente a um dos
quatro cursos participantes da pesquisa, e relacioná-la às variáveis
curriculares desse curso escolhido.
Metodologia
Como mencionado, Lind (2019) é o autor do Moral Competence
Test (MCT), desenvolvido com base na teoria de Kohlberg (1992).
Originalmente, o MCT é composto por dois dilemas morais, o primeiro
relacionado a uma situação trabalhista em que operários roubam
documentos para denunciar a empresa em que trabalham, o dilema do
operário (Workers’ Dilemma), e o segundo dilema relacionado à eutanásia,
o dilema do médico (Doctor’s Dilemma). Assim, o(a) responde do
instrumento é confrontado com a decisão tomada pelo personagem de
cada dilema. Após a leitura dos dilemas, o(a) respondente é questionado
numa escala Likert de extensão 7 (de -3 a +3) se concorda ou discorda com
a atitude do protagonista do dilema. Em seguida, o(a) respondente deve
4
O objetivo da atual pesquisa de Mestrado foi o de investigar a relação entre competência moral,
concepções sobre gênero e sexualidades, e adesão à religiosidade na formação inicial pública
paulista
em Pedagogia e Psicologia de quatro cursos distintos, com e sem gênero e sexualidades como
conteúdos curriculares. Assim, outros constructos foram seu objeto de investigação. Para avaliação
das concepções dos(as) graduandos(as) sobre gênero e sexualidade, utilizou-se de um questionário
elaborado durante a pesquisa, e avaliação da adesão à religiosidade, utilizou-se da Post-Critical Belief
Scale (PCBS).
312
avaliar algumas alternativas, distribuídas em uma escala Likert de extensão
9 (de -4 a +4), referentes a argumentos a favor e contra sua própria opinião
e que carregam diversas qualidades morais, baseadas nos estágios
kohlberguianos, para resolução dos dilemas.
A tarefa de apreciar e reconhecer a qualidade de argumentos a favor
e contra à própria opinião requer uma capacidade que envolve a estrutura
cognitiva e exige uma postura não dogmática em relação a sua própria
opinião, sendo essa capacidade o que o MCT se propõe mensurar: a
competência moral. Com isso, é possível analisar o grau de coerência com
que o(a) respondente diferencia e integra princípios morais e os aplica nas
suas decisões perante problemas morais.
Na versão brasileira do instrumento, contudo, identificou-se a
ocorrência de um fenômeno que ficou conhecido como segmentação moral,
que se refere à diminuição da qualidade moral na resolução dos dilemas
que compõem o MCT quando esses apresentam conteúdo específico
relacionado a um tema que afeta o respondente (SILVA; BATAGLIA,
2020). Assim, uma versão estendida do MCT foi desenvolvida, chamada
de Moral Competence Test extended (MCT_xt), visando melhor
compreensão do fenômeno da segmentação. Nessa versão, manteve-se os
dois dilemas originais e acrescentou-se um dilema chamado “dilema do
juiz” (Judge’s Dilemma), cujo tema é a tortura de uma prisioneira em prol
de possivelmente salvar a vida de 200 pessoas ameaçadas por um grupo
terrorista. O MCT_xt foi validado e passou-se a sugerir aos(às)
pesquisadores(as) brasileiros(as) que usem essa versão estendida do
instrumento, com três dilemas.
O seu principal índice é chamado de C-Score, cuja variação é de 0
a 100 pontos (amplitude = 100, mínima = 0, máxima = 100), sendo
considerado um escore baixo de 0 a 9, médio de 10 a 29, alto de 30 a 49 e
muito alto acima de 50. Mediante um cálculo semelhante a uma análise
313
multivariada, analisa-se “[...] a capacidade de um participante de classificar
argumentos a favor e contra uma certa decisão moral em relação à
qualidade moral dos argumentos, em vez de em relação à concordância de
sua opinião, em suma: sua competência moral (LIND, 2018, p. 1,
tradução minha).
Em função da pandemia de COVID-19, a aplicação do MCT_xt
foi realizada de modo remoto. A aplicação se deu de duas formas: primeiro
se encontrou em contato com a IES participante para que pudesse
compartilhar um link que dava acesso ao instrumento via e-mail
institucional dos(as) estudantes. Contudo, sem alta adesão por parte
dos(as) respondentes, entrou-se em contato com os(as) professores(as) do
curso e aplicou-se o instrumento com os(as) estudantes ao final de uma de
suas aulas.
A amostra participante consistiu em graduandos(as) matricu-
lados(as) em todos os anos do curso, que se selecionou por meio da
amostragem de etapas (GIL, 2008), visando identificar se há progresso da
competência moral ao longo da formação no curso, de ano a ano. A tabela
a seguir caracteriza algumas das variáveis dessa amostra.
314
TABELA 1 CARACTERIZAÇÃO DA AMOSTRA PARTICIPANTE
Variáveis
N.º de participantes
Ano de matrícula
26 (24,8%) primeiro ano
34 (32,4%) segundo ano
24 (22,9%) terceiro ano
21 (20,0%) quarto ano
Gênero
98 (93,3%) feminino (cis)
06 (5,7%) masculino (cis)
01 (1,0%) não-binário
Orientação sexual
30 (28,8%) bissexual
65 (62,5%) heterossexual
06 (5,8%) homossexual
03 (2,9%) pansexual
Nível de formação
91 (87,5%) En. Sup. Incom.
13 (12,5%) En. Sup. Comp.
Total
105 (100%)
Fonte: Dados da pesquisa
Como mostra a Tabela 1, a amostra foi composta por
graduandos(as) matriculados(as) nos quatro anos do curso de Pedagogia
que ambientou a pesquisa, respectivamente, 26 matriculados(as) no
primeiro ano (24,8%), 34 matriculados(as) no segundo ano (32,4%), 24
matriculados(as) no terceiro ano (22,9%) e 21 matriculados(as) no quarto
ano (20,0%) (ano de matrícula), totalizando 105 participantes (N=105);
98 eram mulheres cisgênero (93,3%), 06 homens cisgênero (5,7%) e 01
sujeito não-binário (1,0%) (gênero); 30 sujeitos indicaram ser bissexuais
(28,8%), 65 heterossexuais (62,5%), 06 homossexuais (5,8%), e 03
pansexuais (2,9%) (orientação sexual); e 91 sujeitos indicaram a graduação
em Pedagogia em andamento ser sua primeira graduação (87,5%) e 13
indicaram já possui outra graduação (12,5%) (nível de formação).
315
Caracterizada a metodologia, prosseguiremos agora para a
exposição das análises e resultados obtidos.
Resultados
Como mencionado, de todos os índices do MCT_xt,
consideramos o principal deles, que mensura a competência moral,
chamado de C-Score. O C-Score, por sua vez, organiza-se em quatro índices,
representativos aos dilemas que compõem o instrumento: o C-score do
dilema dos operários (C_W), o C-score do dilema do médico (C_D), o C-
score do dilema do juiz (C_J) e o C-score de todos os dilemas (C_TOT). A
partir de uma planilha gerada pelo software SPSS© (STATISTICAL
PACKAGE FOR THE SOCIAL SCIENCES, 2017), calcularam-se as
médias das pontuações em cada um desses índices do MCT_xt e se
procurou cruzá-las com as variáveis anunciadas da amostra.
Além do cálculo da estatística descritiva, também se realizou uma
análise de variância de uma via (ANOVA-One Way) com o objetivo de
avaliar se havia diferenças estatisticamente significantes nas pontuações de
competência moral em variáveis que dividiam a amostra em mais de dois
grupos (por exemplo, a variável ano de matrícula, dividindo-a entre
estudantes desde o ano inicial ao ano final do curso). A normalidade dos
dados foi avaliada por meio dos testes Kolmogorov-Smirnov e Shapiro-Wilk.
O pressuposto de homogeneidade de variância foi avaliado por meio do
teste de Levene. Quando o ANOVA demonstrou diferenças significantes,
para se saber entre qual(is) grupo(s) houve significância, a análise post-hoc
foi providenciada pela técnica de Tukey HSD (honestly significant
difference). No caso das variáveis que dividiram a amostra em apenas dois
grupos (por exemplo, a variável nível de formação, dividindo-a entre
estudantes em sua primeira graduação e estudantes já com uma graduação
316
anterior), a avaliação foi realizada mediante o teste t de Student,
considerando-se p menor ou igual (< ou =) a 0,05 (PASQUALI, 2016).
Assim, feitas essas considerações, prosseguimos com a descrição das
análises.
Cabe salientar que da amostra total participante (N=105),
responderam ao MCT_xt apenas 72 graduandos(as) (n=72). Por se tratar
de um instrumento fechado, caso alguma questão do MCT_xt estivesse
em branco, isso invalidaria o instrumento. Assim, além daqueles(as) que
optaram por não responder ao MCT_xt, também foram descartados os
dados de quem não respondeu o instrumento devidamente, que se
considerou missing, restando os dados de 72 sujeitos para a análise.
A tabela disposta a seguir retrata as médias das pontuações desses
sujeitos no C-score de todos os dilemas (C_TOT) segundo as variáveis da
amostra.
TABELA 2 MÉDIAS REFERENTES AO ÍNDICE C-SCORE DE TODOS OS DILEMAS
(C_TOT) DO MCT_XT SEGUNDO AS VARIÁVEIS DA AMOSTRA
Variável N. de sujeitos
C-Score Total
(C_TOT)
Desvio padrão
Gênero
Feminino
67
12,58
9,76
Masculino
04
12,70
9,04
Não-binário
01
07,20
Orientação sexual
Bissexual
23
12,27
10,42
Heterossexual
42
13,20
9,60
Homossexual
04
6,95
3,57
Pansexual
03
12,00
10,13
continua
317
Variável N. de sujeitos
C-Score Total
(C_TOT)
Desvio padrão
Ano de matrícula
Primeiro ano
12
9,88
6,65
Segundo ano
28
12,35
10,12
Terceiro ano
15
10,21
9,26
Quarto ano
17
16,65
10,14
Nível de formação
Ensino Superior Incompleto
62
12,46
9,37
Ensino. Superior. Completo
10
12,83
11,53
Fonte: Dados da pesquisa
Com base na Tabela 2, as médias dos(as) participantes no índice
C_TOT calculadas segundo a variável gênero mostraram diferenças
mínimas entre os(as) participantes mulheres (n=67) e homens (n=04). A
média referente ao único sujeito não-binário foi desprezada, por ser um
número amostral ínfimo e, também, em razão do MCT_xt ser
recomendado para comparação de médias entre grupos com mais de 05
sujeitos. Dessa forma, foi realizado o teste t de Student para investigar em
que medida as médias eram diferentes, entre as mulheres e homens, no
entanto, não foi encontrada significância estatística. A pontuação nesse
índice manteve-se como competência moral médiade 10 a 29, segundo
Lind (2018) – entre as médias das mulheres e dos homens.
Na variável orientação sexual, desta vez um número ínfimo de
sujeitos foi o de homossexuais (n=04) e pansexuais (n=03). Embora os
sujeitos heterossexuais tenham obtido uma média ligeiramente maior que
os demais grupos, também não foi encontrada significância estatística nas
diferenças, pelo resultado da ANOVA, entre as médias nesse índice. A
pontuação nesse índice também se manteve como competência moral
média entre os grupos, excluindo-se aqueles com número ínfimo de
sujeitos.
318
Na variável ano de matrícula no curso de Pedagogia, apesar de, em
geral, parecer ter havido uma progressão do primeiro ano (n=12) ao quarto
ano (n=17) segundo as médias nesse índice (M1=9,88; M2=12,35;
M3=10,21; M4=16,65)
5
, não foi encontrada significância estatística pelo
ANOVA. A pontuação média nesse índice variou de 9,88 (baixa
competência, de 0 a 9) a 16,65 (competência moral média), sendo o
primeiro ano com a média mais baixa e o quarto ano com a média mais
alta.
Na variável nível de formação, as médias de quem tinha o curso de
Pedagogia em andamento como sua primeira graduação foram maiores do
que quem já tinha outra graduação, porém, não houve significância
estatística nas diferenças dessas médias pelo ANOVA. A pontuação média
nesse índice, com pouca diferença entre os grupos, manteve-se como baixa
competência moral.
Para saber o desempenho dos(as) graduandos(as) em cada dilema
do MCT_xt em separado, dispõe-se a tabela a seguir.
5
Para referimento das médias do primeiro grupo utilizaremos da abreviação M1 (com
“M” abreviando “Média”) enquanto a abreviação M2 se referirá ao segundo grupo,
assim como em mais de dois grupos, como M3, M4 e etc.
319
TABELA 3 MÉDIAS REFERENTES AOS ÍNDICES C-SCORE DO DILEMA DOS
OPERÁRIOS (C_W), O C-SCORE DO DILEMA DO MÉDICO (C_D) E O C-SCORE DO
DILEMA DO JUIZ (C_J) DO MCT_XT SEGUNDO AS VARIÁVEIS DA AMOSTRA
Variável
N. de
sujeitos
Dilema
do
operário
(C_W)
Desvio
padrão
Dilema
do
médico
(C_D)
Desvio
padrão
Dilema
do juiz
(C_J)
Desvio
padrão
Gênero
Feminino
67
31,01
22,66
23,07
19,08
29,86
22,98
Masculino
04
19,45
13,20
31,20
27,48
22,01
14,69
Não-binário
01
20,20
14,30
41,29
Orientação sexual
Bissexual
23
26,04
21,29
24,37
20,83
30,50
24,42
Heterossexual
42
34,04
23,91
22,83
19,20
29,57
21,18
Homossexual
04
17,40
10,86
21,60
16,22
20,47
24,82
Pansexual
03
19,20
2,17
26,33
23,39
34,78
32,28
Ano de matrícula
Primeiro ano
12
22,01
21,80
21,20
14,65
27,74
26,85
Segundo ano
28
33,74
24,16
17,50
18,00
34,66
24,17
Terceiro ano
15
27,11
18,33
20,25
15,52
21,44
22,07
Quarto ano
17
31,76
23,42
37,46
21,79
29,70
14,99
Nível de formação
En. Sup. Inc.
62
31,26
21,97
21,95
18,08
31,05
23,42
En. Sup. Cp.
10
21,72
24,91
32,39
25,25
20,49
12,70
Fonte: Dados da pesquisa
A partir da Tabela 3, na variável gênero, enquanto as mulheres
tiveram uma pontuação média maior no dilema do operário (M1=31,01)
e no dilema do juiz (M1=29,86) do que os homens (M2=19,45; M2
=22,01), no dilema do médico os homens (M2=31,20) apresentaram
maior pontuação do que elas (M1=23,07). Porém, não foi encontrada
significância estatística entre as médias pelo t de Student. Além da diferença
entre as médias, as pontuações médias variaram entre 19,45 e 41,29 que,
320
segundo Lind (2018), enquadram-se entre baixa competência moral e alta
competência moral (de 30,0 a 50,00).
Na variável orientação sexual, os sujeitos bissexuais (n=23) e
heterossexuais (n=42) tiveram suas médias no dilema do médico inferiores
em relação aos demais grupos nesses dilemas. Com a aplicação do teste t
de Student, não foram encontradas diferenças significativas entre as médias.
As pontuações nesses índices variaram de 17,40 (competência moral
média) a 34,78 (alta competência moral).
Na variável ano de matrícula, também pareceu ter havido uma
progressão do primeiro ano (n=12) ao quarto ano (n=17) nesse índices
específicos aos dilemas, todavia, isso não acontece em todos os dilemas e,
não obstante, os(as) graduandos(as) do segundo ano (n=28) apresentaram
as maiores médias, como é caso dos índices do dilema do operário
(M2=33,74) e do dilema do juiz (M2=34,66). Questiona-se, portanto, se
há uma intervenção contínua no curso que afete a competência moral de
seu alunado, o que só parece haver nas médias do dilema do médico
(M1=21,20; M2=17,50; M3=20,25; M4=37,46), que sugere uma
tendência de aumento nas pontuações.
Os resultados da ANOVA demonstraram que houve diferenças
entre os grupos no dilema do médico [F(3,68) = 4,66; p < 0,05]. O teste
post-hoc de Tukey HSD demonstrou que foram encontradas diferenças
significativas entre as médias dos(as) graduandos(as) do segundo e quarto
anos (p=0,003) e entre os(as) do terceiro quarto ano anos (p=0,043), assim
como entre o primeiro e quarto anos com resultado próximo de
significante (p=0,088). Desse modo, é possível inferir que, sendo as médias
do segundo e terceiro anos mais baixas que do quarto ano, esses dois
primeiros grupos tiveram um desempenho pior na competência moral em
relação ao grupo de graduandos(as) concluintes. As pontuações variaram
entre 17,50 (competência moral média) e 37,46 (alta competência moral).
321
Na variável nível de formação, as médias quem tinha o curso de
Pedagogia como primeira graduação foram maiores no dilema do operário
(M1=31,26) e no dilema do juiz (M1=31,05) e menor no dilema do
médico (M1=21,95) em relação a quem já possuía uma graduação anterior
(M2=21,72; M2=20,40; M2=32,39, respectivamente). A partir do t de
Student, os resultados foram estatisticamente significantes nas diferenças
no dilema do juiz (p=0,047), inferindo-se que esses(as) graduandos(as)
com Ensino Superior Completo de fato tiveram um desempenho pior que
os(as) com Ensino Superior Incompleto (t(20,68)= 2,11; p<0,05). As
pontuações do C-Score nos dilemas variaram entre 20,49 (competência
moral média) e 32,39 (alta competência moral).
Discussão e Considerações Finais
Neste capítulo, tivemos como objetivo apresentar a avaliação da
competência moral na formação em Pedagogia de um dos cursos que
constituíram nossa amostra participante. No que se refere às variáveis
curriculares, aqui o nosso foco, de ano matrícula de nível de formação, os
resultados obtidos foram desanimadores. Respaldados por pesquisas
anteriores, também realizadas no contexto da formação inicial em
Pedagogia (SHIMIZU et al., 2010; LEPRE et al., 2014; BATAGLIA et al.,
2016) e que obtiveram resultados semelhantes, eles indicaram que a
formação moral, no aspecto da competência moral, não tem sido
contemplada nesse processo formativo investigado.
Embora no índice do dilema do médico (C_D) tenha sido
encontrada uma diferença significante estatisticamente entre as médias
dos(as) graduandos(as) do segundo e terceiro anos em relação às médias
dos(as) graduandos(as) do quarto ano, isto é, com os concluintes do curso
obtendo um desempenho melhor em relação aos anos anteriores, isso não
322
se repetiu nos demais índices. No caso da variável nível de formação, no
dilema do juiz (C_J) os(as) graduandos(as) que já tinham Ensino Superior
Completo tiveram um desempenho pior que os(as) graduandos(as) com
Ensino Superior Incompleto, sendo esse resultado também atestado por
significância estatística.
Isso nos chama atenção no seguinte sentido: aqueles(as) que
deveriam dispor de uma formação moral melhor, visto que já passaram por
uma formação de nível Superior em uma graduação anterior, na verdade
detêm uma formação aquém se comparados aos seus e suas colegas que
estão cursando sua primeira graduação. Dessa forma, esse resultado ampara
a inferência sobre o quão prejudicial tem sido a formação universitária em
relação ao desenvolvimento moral, que não só deixa de formar seu alunado
como, de alguma forma, afeta-o negativamente. Essa inferência foi tirada
desde a pesquisa anterior (SILVA, 2018), no aspecto do juízo moral, e tem
sido compartilhada pelas referidas outras pesquisas que investigaram a
formação em Pedagogia nos aspectos do juízo e da competência moral
(SHIMIZU et al., 2010; LEPRE et al., 2014; BATAGLIA et al., 2016).
Em pesquisas brasileiras que também investigaram a competência
moral, mas aplicaram o MCT_xt em outros cursos de graduação, como na
formação inicial em Psicologia (BERETA, 2018), em Enfermagem
(ENDERLE, 2017), em Medicina (SERODIO, 2013; CASTRO, 2019),
em Administração (SOUZA, 2018), entre outros cursos e contextos
educativas, todas m encontrado, em geral, esse mesmo resultado: de que
os cursos de graduação “não estão proporcionando, de forma adequada e
muito menos suficiente, em termos de conteúdo, estratégias e tipo de
ambiente, o desenvolvimento moral e, consequentemente, a formação
ética de seus alunos” (LEPRE et al., 2014, p. 132). Ou seja, um quadro de
investigações que evidenciam que essa não parecer ser uma problemática
específica à formação inicial em Pedagogia, mas que se estende a outros
323
contextos de formação e, portanto, de que é uma problemática da
Educação Superior em geral.
Como consideram Clark e Yinger (1979, p. 267, tradução nossa),
a formação do(a) educador(a) também contempla a ética que na
abordagem cognitivo-evolutiva de tradição kohlberguiana entendemos
como sendo a moralidade autônoma (pós-convencional) , pois é um(a)
profissional “[...] reflexivo, racional que toma decisões, emite juízos, tem
crenças e gera rotinas próprias do seu desenvolvimento profissional”. Um
pedagogo(a) autônomo, capaz de emitir juízos principados, e, não
obstante, com alta competência moral, capaz de agir de acordo com tais
juízos, considerar e avaliar a perspectiva do outro, certamente estará
contemplando a dimensão ética que sua profissão lhe exige.
Na profissão docente, tanto em Pedagogia como demais
licenciaturas, a formação ética é exigida como preceito basilar, orientada
para si e para quem o(a) docente formará em sua atuação profissional na
escola. Nesse sentido, ressalta-se que a diversidade presente no ambiente
escolar exige que o(a) profissional esteja preparado para sua atuação
também com esse público e temas relacionados.
Se considerado que dentre os dilemas e temas enfrentados pelos(as)
pedagogos(as) na escola estão situações envolvendo questões
relacionadas a gênero e sexualidades, a ética na formação desses(as)
profissionais torna-se ainda mais necessária, visto que terão que julgar e
intervir nessas situões. Temas como gênero e sexualidade
culturalmente oscilam em compreensão e sua abordagem na escola é
permeada por polêmicas e resistências, inclusive por parte de docentes.
Logo, seus juízos e ações nessas situações podem estar em consonância
com a responsabilidade social e legal de sua profissão [...] ou partirem
de uma perspectiva normatizadora, meramente hedonista em relação
às suas crenças pessoais e com pouca capacidade reflexiva envolvida
(SILVA; MORAIS; BRABO, 2022, p. 3).
324
Foi em relação a essa dimensão ética do trabalho do(a) pedagogo(a)
com os temas de gênero e sexualidades na escola que a pesquisa anterior de
IC e a pesquisa de Mestrado que o presente capítulo decorre se atentou.
Em suma, esses resultados, endossados pela literatura com
resultados semelhantes, revelam a urgência para propostas de mudança na
formação de professores(as), aqui em relação à dimensão ética da profissão.
Caso contrário, continuaremos a nos deparar com dados que indicam uma
formação nula ou, até, prejudicial ao desenvolvimento moral dos(as)
graduandos(as), futuros(as) educadores(as).
Na atual pesquisa de Mestrado, o contemplados outros cursos de
graduação, de Pedagogia e Psicologia, buscando, em outras realidades e
ambientes universitários, a confirmação da hipótese erigida com base nos
resultados da pesquisa anterior de IC, de que não é propiciada uma
formação ética satisfatória durante a passagem pelos cursos de graduação,
e de que isso apresenta forte relação com a variável religiosidade. Porém,
com os resultados parciais aqui expostos, já se indica uma tendência em se
aceitar essa hipótese, embora mais aprofundamentos sejam necessários.
Tal como ressaltam Silva et al. (2020, p. 109), [...] que se
considerar, além da educação [ética, moral e] em valores, a necessidade
imediata de repensarmos a formação de profissionais com o emprego de
metodologias ativas e trabalhos com projetos desde a Educação Básica até
a graduação”. E essa necessidade de intervenções e de pesquisas
interventivas, junto à necessidade de se continuar com o aprofundamento
do diagnóstico ora exposto sobre o estado da formação ética na Educação
Superior (e em Pedagogia especificamente), instiga-nos ao desenvolvi-
mento de pesquisas futuras.
325
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329
Reflexões Sobre as Dimensões que Compõem o Clima
Escolar com Base em uma Pesquisa de Adaptação de um
Instrumento de Avaliação do Clima Escolar para Anos
Iniciais do Ensino Fundamental
Thaís São João CASTELLINI
6
Introdução
Este capítulo trata-se de reflexões sobre as dimensões que
compõem o clima escolar tendo como referência uma pesquisa que
adaptou um instrumento de avaliação do clima escolar para anos iniciais
do Ensino Fundamental, realizada no ano de 2019, e também uma breve
revisão de literatura sobre o tema clima escolar.
Essa pesquisa foi realizada por Castellini (2019) e teve como
objetivo adaptar e validar um instrumento de avaliação de clima escolar
para ser aplicado em escolas municipais de Ensino Fundamental de nível I
tendo como parâmetro os resultados de avaliações externas, que avaliam o
rendimento de estudantes dessas escolas. Sendo assim, a finalidade da
pesquisa mencionada foi saber se as escolas que tiveram melhores
pontuações apresentavam um clima positivo e as que tiveram um baixo
rendimento nas pontuações apresentavam um clima negativo, com o
intuito de compreender se o clima interferia na aprendizagem ou não.
6
Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE) da Faculdade de Filosofia e
Ciências (FFC), Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP), Campus de
Marília, São Paulo, Brasil. E-mail: thais_castellini@hotmail.com
https://doi.org/10.36311/2022.978-65-5954-317-5.p329-344
330
O instrumento de avaliação de clima escolar usado como norteador
para essa pesquisa foi desenvolvido no ano de 2017 por um projeto
intitulado Em busca de caminhos que promovam a convivência respeitosa em
sala de aula todos os dias: investigando o clima escolar (MORO, 2018). Esse
instrumento foi elaborado para estudantes do 7º ano ao Ensino Médio,
por isso, foi preciso uma adaptação e validação para poder ser aplicado com
estudantes do 3º, 4º e 5º ano.
Essa adaptação, aplicação e validação contou com a ajuda de alguns
pesquisadores entre eles professores da rede particular e pública,
graduandos, pós-graduandos, mestres e doutores que fazem parte do
Grupo de Estudos e Pesquisas em Psicologia Moral e Educação Integral
(GEPPEI), sediado na Faculdade de Filosofia e Ciências (FFC),
Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP),
Campus de Marília.
Esse instrumento de avaliação do clima construído no Brasil
(VINHA; MORAIS; MORO, 2017) é composto por um questionário
contendo oito dimensões que propõem avaliar o clima escolar a partir das
percepções dos gestores, corpo docente e estudantes que fazem parte dessa
instituição.
Esse instrumento de avaliação do clima escolar (anos finais) na
concepção de estudantes, professores e gestores, está publicamente
disponível no Manual de orientação para aplicação de questionários de clima
escolar (VINHA; MORAIS; MORO, 2017).
A adaptação foi realizada somente no questionário dos estudantes,
visto que esse era o público alvo da pesquisa. Para isso, foi pensado
primeiramente na faixa etária desses estudantes e avaliado todas as questões
minuciosamente, retirando aquelas que não eram cabíveis e entendíveis
para os mesmos. A estrutura como fonte, padrão e dinamicidade também
331
foi modificada, o questionário passou a ter 90 itens fechados divididos em
sete seções, sendo retirado 93 itens do questionário original.
Para a validação dessa adaptação do instrumento, aplicou-se o
questionário em 756 estudantes de 3º, 4º e 5º ano.
TABELA 1 DISTRIBUIÇÃO DA AMOSTRA POR ANO ESCOLAR
Ano escolar
Frequência
%
263
34,79
391
51,72
102
13,49
Total
756
100,0
Fonte: Castellini (2019)
A conclusão dessa pesquisa foi que as escolas que apresentavam
notas abaixo da média nas avaliações externas municipais tinham clima
escolar negativo e as que apresentavam notas melhores tinham o clima
escolar positivo, ou seja, a boa convivência no ambiente escolar influencia
diretamente na aprendizagem dos estudantes.
Caracterizando Clima Escolar
Antes de falar das dimensões que compõem esse instrumento de
avaliação do clima escolar e para compreender a relevância da pesquisa
citada anteriormente é importante compreender aqui o que se caracteriza
clima escolar.
O clima escolar é o conjunto de percepções e expectativas que as
diferentes pessoas que compõem a instituição de ensino têm sobre a
mesma. As relações sociais, interpessoais, estrutura física, pedagógica,
administrativa, família e comunidade fazem parte do conjunto que
compõe o clima escolar.
332
De acordo com Parente, Bataglia e Castellini (2020) o clima não é
algo palpável, mas é sentido, vivido e expressa sobre a qualidade das
relações que acontecem na escola. Esse clima é percebido ao se adentrar
numa instituição e perceber as relações de convivência entre elas.
Para Pavaneli (2018), Marques, Tavares e Menin (2017) e Pereira
e Mouraz (2015), o clima escolar afeta os sentimentos, as relações, o bem-
estar, o compromisso e o comportamento das pessoas que convivem nesse
ambiente.
Vinha (2017) diz que o clima escolar é a pintura daquele ambiente,
ou seja, é como as pessoas que fazem parte desse lugar percebem e tiram
suas conclusões sobre o mesmo.
Luck (2011) diz que o clima escolar pode influenciar em aspectos
como rendimento escolar, aprendizagem, relações humanas,
comportamento e processo formativo.
Pacheco (2008) e Claro (2013) descrevem que a convivência entre
os membros da instituição também são indicadores de clima escolar, isto
é, a relação entre equipe gestora, corpo docente, funcionários, estudantes,
familiares e comunidade.
Canguçu (2010) em sua tese de doutorado, encontrou numerosas
definições para clima escolar:
É importante ressaltar que, ao pesquisar sobre o clima escolar, depara-
se com algumas dificuldades. Primeiro, a própria expressão clima
escolar é, em alguns estudos, é substituída por ethos (RUTTER et
al.,1979), clima escolar social (MADAUS et al.,1980 e
BRESSOUX,2003), ambiente escolar (FERRÃO, 2002 e CAEd,
2006) e ainda ambiente escolar de sala de aula (CAEd, 2009). Em
segundo lugar, a expressão muda de acordo com a origem disciplinar
da pesquisa. As pesquisas na área da sociologia da educação entendem
o clima escolar como elemento que favorece o fortalecimento da
333
cultura organizacional e caracteriza suas peculiaridades. As pesquisas
em avaliação educacional têm o clima escolar como elemento que pode
melhorar o desempenho por estimular o interesse dos alunos na
aprendizagem. O terceiro problema e, talvez, o mais saliente, é a
polissemia do conceito, cuja utilização enfatiza, ora características do
ambiente físico (CUNHA e COSTA, 2008 e CAED, 2006), ora a
qualidade das relações interpessoais no interior do espaço escolar
(UNICEF, 2008 e GALVÃO, 2010). Em alguns casos, os aspectos
objetivos (condições materiais, formação de professores entre outros) e
subjetivos (relações, sentimentos e percepções) estão ambos presentes
no mesmo conceito e numa mesma pesquisa (CANGUÇU, 2010, p.
41).
Para Vinha, Morais e Moro (2017) o clima escolar influencia na
qualidade de vida e do processo de ensino e aprendizagem, visto que, as
dimensões que constituem o clima são complementares.
Thapa et al. (2013), Vinha et al. (2017) e Casassus (2007) vão dizer
que o clima escolar pode ser positivo ou negativo. O clima positivo é
quando há bons relacionamentos interpessoais, motivação para aprender,
melhores resultados no desempenho escolar, um ambiente de confiança,
cuidado e diálogo, participação das famílias e comunidade, senso de
justiça, segurança e respeito. E o clima negativo é quando há violência,
sentimentos de mal-estar, problemas de comportamento, falta de
motivação, respeito, justiça e risco na qualidade de vida escolar.
De acordo com Castellini (2019) o clima pode ser considerado
positivo ou negativo:
Identificamos também que o clima positivo e o clima negativo,
respectivamente, quando uma boa qualidade no processo de ensino
e aprendizagem, bons relacionamentos interpessoais, um ambiente de
confiança, diálogo para resolver conflitos, participação da comunidade
e das famílias na escola, sendo de justiça, respeito, segurança e
334
motivação o clima é considerado positivo e quando problemas de
comportamentos, sentimentos de mal-estar e surgimento de violência
o clima é considerado negativo.
O clima escolar é um assunto que vem crescendo gradativamente
nas pesquisas e estudos. Em 2018, Castellini (2019) fez uma busca no
portal CAPES/MEC a partir do descritor "clima escolar" com um recorte
de análises para data de publicação (últimos dez anos, de 2000 a 2018) e
“Educação” apontando 427 resultados. Atualmente (2021) no mês de
outubro colocando o mesmo descritor e os mesmos recortes de análises, só
alterando a data de publicação de 2000 a 2021, apontando 674 resultados,
ou seja, um aumento de 247 trabalhos e pesquisas.
Dimensões que Compõem o Instrumento de
Avaliação do Clima Escolar
As oito dimensões que compõem esse instrumento de avaliação do
clima escolar são: As relações com o ensino e com a aprendizagem; As relações
sociais e os conflitos na escola; As regras; as sanções e a segurança na escola; As
situações de intimidação entre alunos; A família; a escola e a comunidade; A
infraestrutura e a rede física da escola; As relações com o trabalho; A gestão e a
participação.
335
TABELA 2 MATRIZ DE REFERÊNCIA DO CLIMA ESCOLAR
Clima escolar matriz
Dimensão
Conceito
Grupo
1.
As relações
com
o ensino e
com
a
aprendizagem
A boa qualidade desta dimensão se assenta na percepção da
escola como um lugar de trabalho
efetivo com o
conhecimento,
que investe no êxito, na motivação, na
participação e no
bem-estar dos alunos, promove o valor
da
escolarização e o sentido dado às aprendizagens. Supõe
também a atuação eficaz de um corpo
docente estável e a
presença de
estratégias diferenciadas, que favoreçam a
aprendizagem
de todos, e o acompanhamento contínuo, de
maneira
que nenhum aluno fique para trás.
Aluno
Professor
Gestor
2.
As relações
sociais
e os
conflitos na
escola
Refere-se às relações, aos conflitos e à percepção quanto à
qualidade
do tratamento entre os membros da escola.
Abrange
também a identificação pelos adultos das situações
de
intimidação e maus-tratos vivenciadas nas relações entre
pares,
e a corresponsabilidade dos profissionais da escola
nos
problemas
de convivência. A boa qualidade do clima
relacional é
resultante das relações positivas que ocorrem
nesse
espaço, das oportunidades de participação efetiva, da
garantia
do bem-estar, respeito e apoio entre as pessoas,
promovendo continuamente
o sentimento de
pertencimento.
Aluno
Professor
Gestor
3. As regras, as
sanções e a segu
rança
na escola
Esta dimensão diz respeito às percepções dos gestores,
professores e alunos em relação às
intervenções nos
conflitos
interpessoais na escola. Abrange a elaboração, o
conteúdo, a
legitimidade e a equidade na aplicação das re
gras e sanções, identificando
também os tipos de punição
geralmente empregados. Compreende, ainda, ordem,
justiça, tranquilidade,
coerência e segurança no ambiente
escolar.
Aluno
Professor
Gestor
4. As situações
de
intimidação
entre
alunos
Esta dimensão trata da identificação de
situações de
intimidação
e maus-tratos nas relações entre pares e de
Aluno
Professor
Gestor
336
bullying percebidos pelos alunos e dos locais em que
ocorrem.
5. A família, a
escola
e a
comunidade
Refere-se à percepção da qualidade das relações entre
escola, família e comunidade,
compreendendo o respeito, a
confiança e o
apoio entre esses grupos. Abrange a atuação
da escola, considerando as necessidades da
comunidade.
Envolve o sentimento de ser
parte integrante de um grupo
que compartilha
objetivos comuns.
Aluno
6.
A infraestru-
tura
e a rede física
da
escola
Trata-se da percepção da qualidade da infraestrutura e do
espaço físico da escola, de
seu uso, adequação e cuidado.
Refere
-se a como os equipamentos, mobiliários, livros e
materiais estão preparados e organizados,
para favorecer a
acolhida, o livre acesso, a
segurança, o convívio e o bem-
estar
nesses espaços.
Aluno
Professor
Gestor
7.
As relações
com
o trabalho
Trata-se dos sentimentos dos gestores e professores em
relação a seu
ambiente de tra balho e às instituições de
ensino. Abrange as
percepções quanto à formação e
qualificação
profissional, às práticas de estudos e reflexões
sobre as ações, à valorização, satisfação e
motivação para a
função
que desempenham, e quanto ao apoio que recebem
dos
gestores e demais profissionais.
Professor
Gestor
8. A gestão e a
participação
Abrange a percepção quanto à qualidade dos processos
empregados para identificação das
necessidades da escola,
intervenção
e avaliação dos resultados. Inclui também a
organização e articulação entre os diversos setores e
atores
que
integram a comunidade escolar, no sentido de
promover espaços de participação e
cooperação, na busca de
objetivos
comuns.
Professor
Gestor
Fonte: Vinha, Morais e Moro (2017. p. 77).
Essas dimensões foram desenvolvidas, pois, de acordo com os
autores “nenhum fator isolado determina o clima de uma escola, visto que
este depende da interação de vários fatores da instituição escolar e da sala
de aula” (VINHA; MORAIS; MORO, 2017).
337
Cohen et al. (2009) ressaltam que o clima escolar tem uma
multiplicidade de dimensões e citou quatro delas como as principais que
delineiam o clima escolar, sendo elas o ambiente, segurança, aprendizagem
e ensino contendo subdimensões que se inter-relacionam pelas percepções
dos sujeitos que compõem o ambiente escolar.
Cohen et al. (2009) sugerem um conceito de clima escolar que se refere
à qualidade da vida escolar, baseado em padrões dessa vivência e que
pode ser refletido a partir dos objetivos, normas, relações interpessoais,
valores, métodos de ensino e aprendizagem, e da estrutura organizativa
das instituições. Para eles o clima escolar, quando positivo, “promove
o desenvolvimento da juventude e da aprendizagem necessária para
uma vida produtiva, contributiva, e satisfatório em uma sociedade
democrática” (COHEN et al, 2009, p. 182). Um ambiente assim
permite que as pessoas se sintam seguras nos seus aspectos físicos,
sociais e emocionais. (PARENTE; BATAGLIA; CASTELLINI, 2020,
p. 298).
Melo (2017) vai dizer que apesar de haver uma multiplicidade de
conceituações o conjunto de percepções, qualidade de relações
interpessoais, segurança, sentimento de pertencimento, justiça, método,
valores, responsabilidades pode ser compreendido como clima escolar.
Para Canguçu (2015) cooperação em grupo, liderança, interesse,
trabalho em equipe, animação, boa gestão, refere-se a valores que
influenciam o modo das pessoas se relacionarem entre si.
Bressoux (2003) diz que os elementos que compõem o clima
escolar são o estabelecimento de regras, relações entre os integrantes do
ambiente escolar, oportunidade de participação nos assuntos escolares,
percepção dos integrantes e expectativas e avaliações em relação aos
estudantes.
338
Segundo Claro (2013) as dimensões que compõem o clima são
aquelas construídas na escola, visto que, depende da realidade escolar de
cada instituição e cita três variáveis para a edificação das dimensões,
pertencimento ao grupo, relações em grupo e motivação em participar
daquilo pelo qual o grupo existe.
Freiberg (1998) considera múltiplas dimensões para clima escolar
que englobam elementos estruturais, ambientais, organizacionais, sociais,
linguísticos e emocionais.
Loukas (2007) compreende o clima escolar constituído por três
dimensões formadas por atitudes e sentimentos pelo ambiente escolar,
dimensão acadêmica, dimensão social e dimensão física.
Debarbieux (2012 apud Wrege, 2017, p. 51) o clima escolar tem
seis dimensões relacionadas, sendo qualidade do prédio escolar, qualidade
da relação entre professores e alunos, nível de motivação e empenho dos
educadores, questões de ordem e de disciplina, problemas de convivência
e o engajamento dos alunos.
Wrege (2017) realizou uma vasta pesquisa sobre as dimensões que
compõem o clima escolar e a partir das literaturas estudadas chegou a
conclusão que o clima escolar pode ser avaliado de diversas maneiras,
utilizando métodos de observação, grupos focais, círculos de estudos,
observação, pesquisa-ação, dentre outros, porém, reconhecer a voz dos
integrantes da comunidade escolar avaliar todas as dimensões que se tratam
das relações sociais, experiências dos professores e alunos na escola e ao
processo de ensino aprendizagem é melhor avaliado metodologicamente.
339
Considerações Finais
Percebe-se que o clima escolar é um assunto que vem sendo
progressivamente investigado por pesquisadores e estudiosos que estão
interessados em compreender um pouco mais sobre suas contribuições
para a educação.
Além disso, compreende-se que o clima escolar é a relação de
muitos fatores, como a percepção dos integrantes que compõem a
instituição de ensino por meio do sentimento de pertencimento ao grupo,
interação, convivência, avaliações subjetivas, o papel da gestão, a
participação ativa dos estudantes, o desempenho escolar, comportamentos,
responsabilidades com a escola, infraestrutura e comunidade escolar.
O clima escolar pode ser considerado positivo ou negativo, sendo
assim, chama-se de clima positivo, resumidamente, aquele que apresenta
uma boa convivência entre os pares, um ambiente acolhedor, de pessoas
satisfeitas e um bom desenvolvimento no processo de ensino e
aprendizagem e de clima negativo aquele que apresenta pessoas
insatisfeitas, inseguras, violência, falta de compreensão e sem rendimento
escolar.
Sendo assim, o clima pode influenciar nos relacionamentos, na
eficácia coletiva, desempenho acadêmico, aprendizagem, nos conflitos e
violência.
Por meio das reflexões sobre as dimensões que compõem o clima
escolar, concluiu-se que existe uma multiplicidade de dimensões que estão
relacionadas diretamente com a percepção das pessoas que convivem na
escola.
As dimensões citadas nas pesquisas foram, o ambiente, a segurança,
a aprendizagem, o ensino, a qualidade de vida escolar, a cooperação em
grupo, a liderança, boa gestão, regras, pertencimento ao grupo, relações
340
sociais, situações de intimidação, família, escola, comunidade e
infraestrutura.
Posto isto, para avaliar o clima escolar de uma instituição tem-se
que considerar todas essas dimensões para saber se ele é positivo ou
negativo e assim pensar em estratégias e intervenções para sanar as lacunas
que precisam ser melhoradas nas escolas para melhor desempenho do
ensino e da aprendizagem.
Enfim, o que fica como inquietação após a realização desta
pesquisa é que, se todas as instituições de ensino estivessem preocupadas
em avaliar o clima escolar de sua própria instituição poderiam ter
parâmetros para saber como está o rendimento escolar dos estudantes, as
percepções de todos os membros que compõem esse lugar e a partir daí
criar metas para o ano seguinte podendo obter uma melhor convivência,
participações mais constantes dos estudantes nas decisões escolares, menos
violência e questões como bullying, melhor desempenho escolar, entre
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345
Tipos de Conflitos e Formas de Resolução por Alunos
no Primeiro Ano do Ensino Fundamental I
Stephanie Lee Basile Barboza CASEIRO
1
Júlia Neves FERREIRA
2
Raul Aragão MARTINS
3
Introdução
A palavra conflito, de origem latina conflictus, define-se como a
ação de chocar, disputa ou embate de pessoas que lutam. Trata-se de um
desacordo e, em geral, os sujeitos entram em conflito por divergência de
valores, necessidades, desejos e opiniões de ambas as partes (ZAPAROLLI,
2009). São situações inerentes às relações humanas e consideradas naturais
e inevitáveis na convivência entre os indivíduos.
1
Professora do Colégio Agostiniano São José, Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em
Educação (PPGE) da Faculdade de Filosofia e Ciências (FFC), Universidade Estadual Paulista
“Júlio de Mesquita Filho” (UNESP), Campus de Marília, São Paulo, Brasil. E-mail:
caseiroslbb@gmail.com
2
Professora do Colégio Arte & Manha Coeso, Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Ensino
e Processos Formativos do Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas (IBILCE),
Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP), Campus de São José do Rio
Preto, São Paulo, Brasil. E-mail: julia.neves@yahoo.com.br
3
Professor Associado junto ao Departamento de Educação do Instituto de Biociências, Letras e
Ciências Exatas (IBILCE), Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP),
Campus de São José do Rio Preto, e do Programa de Pós-graduação em Educação (PPGE) da
Faculdade de Filosofia e Ciências (FFC), UNESP, Campus de Marília, São Paulo, Brasil. E-mail:
raul.martins@unesp.br
https://doi.org/10.36311/2022.978-65-5954-317-5.p345-370
346
Situações conflituosas para alguns são sinônimos de algo maléfico,
mas para outros é algo oportuno. É por meio desses acontecimentos que
os envolvidos têm a oportunidade de lidar com o que é diferente deles,
favorecendo a construção de regras, valores e o desenvolvimento da
moralidade.
Sendo a escola, depois da família, o principal ambiente de
socialização de crianças e jovens, é normal que os conflitos estejam
presentes visto que, neste local, ocorre a elaboração de regras de
convivência além de construções cognitivas, afetivas, motoras, sociais e
morais.
Nesta perspectiva, pensemos em ambientes escolares com crianças
de seis a sete anos de idades sendo observadas em diferentes momentos: na
hora do intervalo, dentro da sala de aula, antes do início da aula e em aulas
com professoras especialistas: o que esperar da convivência entre pares ou
mesmo entre professores e alunos?
Situações como, dentro da sala de aula, uma professora corrigia os
exercícios na lousa e um aluno, que denominamos de aluno A, consertava
o seu erro no caderno. Outro aluno, denominado aluno B, que está ao lado
de A, vê que A está apagando seu exercício e o questiona, zombando de
seu colega por ter errado.
Em outra situação, saindo para o intervalo, a professora pede para
que os alunos peguem seus devidos lanches e esperem pelo horário, a fim
de saírem para o intervalo. O aluno A já está em pé esperando abrir a porta,
enquanto B ainda está sentada, arrumando seu lanche. A então passa por
B e dá um tapa na cabeça de B.
Em outra situação, na hora da fila, a professora pede para quem
for terminando a atividade, pegar o lanche e esperar na fila. O aluno A vai
para fila, porém, esquece de pegar seu lanche. Ele sai do lugar onde estava,
vai para sua carteira, pega o lanche e volta. Ao voltar encontra o aluno B
347
em seu lugar. O Aluno A questiona que o lugar é dele, mas o Aluno B
responde que pelo colega ter saído do lugar, agora o lugar se tornou dele.
Em outra situação, em sala de aula, os alunos estão fazendo
exercícios. O aluno A levanta para jogar um papel no lixo, e ao passar pela
carteira de B, mexe no lápis e na borracha do colega. O Aluno B questiona
à professora que o Aluno A pegou seu lápis e sua borracha. A professora
responde apenas que se ele não ficar quieto, ficará sem intervalo, ignorando
o seu questionamento.
Convivências como as descritas acima foram encontradas com
frequência durante as observações.
Mas será mesmo que o ambiente e o modo como os educadores
intervém durante os conflitos interpessoais podem influenciar no
desenvolvimento da moralidade? Como as escolas trabalham o
desenvolvimento moral em situações de conflitos? Quais as formas para
lidar com esses conflitos? Qual a relação entre aluno/aluno e
aluno/professor em prol do desenvolvimento da moralidade?
Foi com esses questionamentos que surgiu a ideia de investigar
crianças do primeiro ano do ensino fundamental de três escolas
particulares de uma cidade localizada no noroeste do estado de São Paulo,
em uma pesquisa do ano de 2019 (CASEIRO, 2019).
O procedimento foi a observação das relações de convívio
existentes na rotina escolar das crianças. As observações foram registradas
em protocolos e depois foram analisadas e selecionadas as situações mais
relevantes. Nesse quesito, apoiamo-nos em Cervo e Bervian (2007, p. 27),
para os quais “observar é aplicar atentamente os sentidos físicos a um
amplo objeto, para dele adquirir um conhecimento claro e preciso”.
Mesmo seguindo um protocolo, a maioria das observações exigiam maiores
descrições, pois cada detalhe da situação é importante para a análise dos
dados. Merriam (1988), citada por Bogdan e Biklen (1994), referem que
348
o estudo de caso consiste na observação detalhada de um contexto ou
indivíduo, de uma única fonte de documentos ou de um acontecimento
específico. Em cada escola, foram realizadas 30 horas de observação, em
dias não consecutivos, com frequência de duas a três vezes na semana,
durante 4 horas por dia no período da tarde, totalizando 90 horas. As
observações iniciaram no final do mês de março de 2017 e foram
encerradas no início do mês de setembro de 2017.
Consideramos que os estudos sobre o desenvolvimento da
moralidade infantil segundo J. Piaget (1932/1994) podem nos ajudar a
compreender como as crianças relacionam-se entre si e com os seus
professores.
Jean Piaget é considerado um importante estudioso da psicologia
desenvolvimentista. Em seu livro “O juízo moral na criança”, o autor
(1994) apresentou seus estudos sobre a moralidade humana, buscando
compreender o juízo moral de crianças através da evolução da noção de
regras e justiça apresentados por elas. Para isso, utilizou duas estratégias:
jogos coletivos comuns entre as crianças de Genebra e entrevistas
envolvendo dilemas com princípios morais.
Os resultados de suas pesquisas com jogos de regras indicaram que
os indivíduos agem de diferentes maneiras com relação à prática e
consciência das normas. De acordo com Piaget (1994), a consciência tende
a se desenvolver com a idade, passando por três diferentes tendências
morais: anomia, heteronomia e autonomia.
Além de Piaget buscamos em outros autores que tratam mais
especificamente sobre conflitos, tanto a causa quanto a estratégia de
resolução, tais como: Deluty (1979, apud Leme 2004), Selman (1980),
Vinha (2000), Licciardi (2010), Oliveira (2015), Silva (2015) e Marques
(2015).
349
Os Diferentes Ambientes Escolares
Nos primeiros dias de observações, nas três escolas, ficou muito
claro que as crianças estavam incomodadas pelo fato de ter uma pessoa
estranha entre elas. Porém, após dias juntas e, explicando para elas o
porquê da presença da pesquisadora, os alunos tentavam uma aproximação
maior. Com o passar do tempo, já era possível um diálogo maior.
Foram 84 situações de conflitos observadas, sendo que 58,33%
deles foram vistos na escola A, 21,42% na escola B e 20,23% na escola C.
Sendo assim, foi encontrado um número maior de conflitos na escola A,
quando comparada com as outras escolas.
Caracterização das Escolas
Escola A
Observa-se inicialmente o ambiente físico da escola. Na sala de aula
encontra-se rádio, armário, cartazes espalhados pela sala nos quais auxiliam
os alunos em sua rotina (tais como: calendário, listas de nomes e
aniversariantes do mês, e placa para sinalizar se alguém está no banheiro
ou não), estante de livros e relógios na parede. As carteiras são organizadas
de diferentes maneiras diariamente 58 e a cada atividade o educador tem a
oportunidade de usar vários lugares na sala de aula, como por exemplo, a
roda no chão ou grupos, trios, duplas ou círculos com as carteiras. As
crianças não têm lugares fixos, muitas vezes são as professoras que escolhem
estes lugares, porém a cada dia a criança senta em lugar diferente. Antes de
iniciar a aula, os alunos do infantil ao primeiro ano, são separados dos
demais.
350
Neste espaço reservado, uma vez na semana, as crianças têm a
oportunidade de levar brinquedos de casa para a escola. No pátio há cinco
adultos, sendo quatro estagiárias e uma inspetora. Os alunos brincam com
os objetos trazidos de casa ou ficam esperando a professora chegar. Nas
paredes há placas sinalizando o nome de cada série, e é próximo a estas que
cada criança fica em sua fila aguardando o momento de entrar para sala.
Os adultos apresentam um comportamento diferenciado com as
crianças, como se abaixarem para conversar ou mesmo escutar o que as
crianças têm a dizer. Não há sinal sonoro para a entrada das crianças nas
salas, os professores chegam, se posicionam junto a turma e vão para sala.
As filas não são separadas, meninas de um lado e meninos de outros, eles
apenas caminham uns próximos aos outros. Já dentro da sala de aula, é
observado que os professores não alteram o tom de voz, os alunos chegam
agitados, porém com a noção de sua rotina: colocar a agenda em cima da
mesa da professora, comer sua fruta, fazer uma oração e depois iniciar as
atividades. Além de que, diversos professores lecionam de maneira muito
parecida.
Nota-se que a professora, sempre que solicitada para resolver algum
desentendimento, realiza a mediação pedindo aos alunos que expressem o
que estão sentindo. Em outras situações em que os alunos não conseguem
controlar o próprio corpo, e não param quietos na carteira ou mesmo
perturbando sem parar o colega, a professora para o que está fazendo e
convida o estudante a conversar do lado de fora da sala de aula. Observa-
se que essa é uma forma frequente do educador resolver conflitos. Durante
as atividades, a educadora faz com que a participação dos alunos seja
primordial. À vista disso, eles demonstram satisfação e participam, muitas
vezes discordam dos colegas; outros concordam. Em outras disciplinas nas
quais os professores são especialistas, o comportamento das crianças é o
351
mesmo, não mudando apenas por não estar com o professor responsável
pela sala.
No lanche, os alunos primeiro sentam para comer, depois limpam
o seu lugar, e depois correm, brincam com jogos, bonecas, entre outros,
um pouco antes do horário de voltar para a sala, a inspetora já chama pelas
crianças e faz brincadeiras com elas à espera da professora. Como são
quatro salas de primeiro ano, o horário é dividido. Lancham duas turmas
de cada vez.
Escola B
Na escola B, antes de bater o sinal para início da aula, os alunos do
primeiro ao quinto ano ficam no pátio brincando, correndo e conversando,
após o sinal, aguardam a chegada dos professores em fila. Cada série tem
seu lugar de espera, onde meninas ficam de um lado e meninos de outro.
Estão presentes cinco monitoras para amparar as crianças no que precisar.
Observam-se manifestações de carinho dos adultos com as crianças e vice-
versa. Assim que as professoras chegam, cada turma sobe para sua classe.
Dentro da sala é observado as carteiras em fileiras diariamente e cada aluno
tem seu lugar fixo. Nas paredes há vários cartazes, de alfabeto, de sílabas,
de números, atividades já realizadas e alguns do programa que a escola
adota, chamado “O líder em mim”.
No primeiro dia da semana, com auxílio da professora há uma
organização na sala em relação a liderança, há o líder da fila, líder da água,
da organização, comunicação, do silêncio, da cooperação e da limpeza.
Esses líderes têm por objetivo auxiliar a professora a manter um ambiente
organizado. As crianças querem e gostam de serem nomeados como líderes.
As professoras têm um tom de voz mais alto que o das crianças e chamam
a atenção delas sempre que aparece qualquer desequilíbrio, ou seja, quando
352
há conversa. Nota-se também que as mesmas gostam de um ambiente
silencioso, não dando a oportunidade da criança realmente expor o que
pensa e o que acha.
Uma situação de professor e aluno é descrita abaixo: Enquanto a
professora fala com a sala, o aluno questiona com a professora. A professora
retruca dizendo que agora é hora dela falar e o aluno deve esperar. Percebe-
se que os conflitos são evitados assim como a expressão de seus sentimentos
e acabam entendendo que é o adulto o protagonista das resoluções.
Durante o intervalo e em outras disciplinas, acontece a mesma coisa. O
carinho existe na relação entre professor e aluno, porém o adulto é visto
como ser sagrado, sendo assim é sempre este que decide o que fazer e como
fazer.
Escola C
No espaço da escola C tem muitas árvores, gramas, flores e diversos
tipos de folhas. As salas de aulas são amplas e o pátio também. Antes do
início das aulas, as crianças, do primeiro ao quinto ano reúnem-se em um
dos pátios, um pátio menor, juntamente com estagiárias responsáveis por
elas. Ao bater o sinal, os alunos já entram para as respectivas salas de aulas.
Não fazem fila, porém muitas vezes gostam de sair correndo para poder
chegar primeiro. Com um espaço grande, a sala de aula é formada por
carteiras, as quais na maioria das vezes estão enfileiradas e em duplas,
esporadicamente ficam em círculo ou mesmo usam o chão. No primeiro
momento é notório o silêncio, depois, os alunos acabaram se acostumando
com a presença de um observador.
A professora recebe os alunos, desejando-lhes “boa tarde” e depois
seleciona os ajudantes do dia de acordo com a lista dos nomes que estão
em ordem alfabética. É lembrado o dia da semana, dia, mês e ano, olhando
353
no calendário. Normalmente a rotina já está escrita na lousa ou mesmo a
professora vai escrevendo e lendo com eles. O lanche de geladeira é
colocado em uma bandeja e o inspetor de alunos passa recolhendo. As
mochilas ficam em um canto da sala para não ficarem espalhadas,
aproveitando assim o espaço da sala, portanto, ao ler a rotina, os alunos
sabem qual material devem pegar. Algumas vezes é feita roda de conversa
para discutirem sobre o final de semana, isso normalmente acontece às
segundas-feiras.
A hora do lanche acontece no pátio maior, novamente, do primeiro
ao quinto ano, as crianças têm oportunidade de brincarem, pois o recreio
tem duração de trinta minutos. Quando acontece algum desenten-
dimento, o inspetor de alunos logo ameaça dizendo que irá ligar para os
pais ou mesmo falar com a coordenadora/diretora. No fim do intervalo
bate o sinal e vão cada um para sua sala.
É percebido que as crianças ficam cansadas e se cansam das
atividades, pois sempre estão no mesmo lugar e há conteúdo a ser
trabalhado; algumas professoras quando sentem essa necessidade acabam
logo fazendo outra atividade e em outro 61 espaço como no chão ou
mesmo indo ao jardim para uma boa leitura. Esta escola conta com duas
turmas de primeiro ano e cada sala tem sua característica e forma de
ensinar, não seguindo um padrão de rotina.
As Observações dos Conflitos
Partimos do ponto que os conflitos ocorrem por meio de interações
em desequilíbrio e que são percebidas por meio dos comportamentos de
oposição, além das expressões faciais e outros sinais corporais que possam
indicar a ocorrência do conflito (LICCIARDI, 2010, p. 102). Além do
mais, Marques (2015) seguindo as afirmações de Serrano e Guzman
354
(2011), escreveu que os motivos que levam as desavenças, podem ser
agrupados em duas categorias: causas pessoais (oposição de valores, disputa
de poder, rumores, falta de respeito, desconfiança, invasão de intimidade,
entre outros) e causas sociais (processos de mudança social, a própria
diversidade cultural, pontos de vista diferentes em grupos, falta de
comunicação, imposição de critérios a pessoas ou grupos, declarações
públicas que causam tensão, entre outros). Sendo assim, vários são os
motivos que levam a ocorrência do conflito.
Esse estudo, apresenta categorias das causas dos conflitos, na qual
foi elaborada por pesquisadores baseados em resultados de seus trabalhos:
Licciardi (2010) com as crianças de 3 a 6 anos, em outra pesquisa dessa
mesma autora (SILVA, 2015) com os alunos de 8 e 9 anos, Marques
(2015) com pessoas de 11 e 12 anos e na pesquisa de Oliveira (2015) com
os alunos de 13 e 14 anos.
Desse modo, utilizamos dessas categorizações para realizar nossas
análises. Foi constatado que os conflitos acontecem em todos os espaços
da escola, seja dentro da sala de aula, no pátio, durante o intervalo, nas
aulas extras, entre pares, entre professor e alunos, pois expressar
sentimentos, desejos e compreender o ponto de vista do outro é algo
natural nas relações interpessoais. Nas três escolas os tipos de conflitos que
mais apareceram foram: provocação, disputa e delação (Tabela I).
355
TABELA 1 DESCRIÇÃO DA CATEGORIZAÇÃO DOS CONFLITOS
Fonte: Elaborado com base nos estudos de Licciardi (2010), Silva (2015), Marques (2015),
Oliveira (2015) e Vinha (2014)
No total foram observadas 84 situações conflitantes entre as
crianças de 6 a 7 anos de idade, do primeiro ano do ensino fundamental I
de três escolas particulares. Sendo que, de modo geral, 36,9% foi do tipo
provocação, 23,8% disputa e 15,4% delação. Outros conflitos do tipo
agressão física, agressão verbal, responsabilidade objetiva e exclusão
também foram tipos de conflitos observados durante a coleta de dados da
presente pesquisa.
Como cada colégio tem sua característica de trabalhar, as causas
dos conflitos mais relevantes em cada escola variaram. Na escola A, os
conflitos do tipo provocação, disputa e responsabilidade objetiva foram os
que mais apareceram. Além disso, conflitos do tipo exclusão e delação não
foram observados. Já na escola B, onde observamos prevalência de evitar
conflitos, das 18 observações, a delação foi a causa mais frequente e não foi
observado nenhum conflito que pudéssemos caracterizá-lo como agressão
verbal. Diferente da escola C, que foi possível notar todos os tipos de
conflitos, no entanto, provocação, delação e disputa foram os mais
relevantes. Tendo como base as pesquisas de Licciardi (2010) e Silva
356
(2015), é observado que os conflitos do tipo provocação tendem a
aumentar conforme a idade, diferente da disputa e delação que parecem
diminuir conforme a idade das crianças.
Ao compararmos nossos dados, é visto que o conflito do tipo
provocação tende a aumentar conforme a idade, diferente da causa do tipo
disputa que diminui. Sendo assim, concordamos com Licciardi (2010), na
qual explica que conforme o aumento da idade as ocorrências do tipo
provocação também crescem, pois a criança já sente a necessidade de estar
com o outro, porém, ainda carece de meios mais desenvolvidos para atingir
a este fim. Além de que, a provocação pode ser uma causa, mas também
uma estratégia para resolver um conflito.
Diferente do conflito do tipo disputa por objeto, na qual a
tendência é diminuir, uma vez que as crianças desenvolvem a capacidade
de compreender que um objeto tem um proprietário. Logo, nossos
resultados corroboram com o de Lugli (2018) na qual afirma que as
crianças de 3 a 6 anos de idade disputam mais objetos e espaços físicos do
que as maiores de 8 a 9 anos de idade (constatado na pesquisa de Silva,
2015) que tendem a disputar mais o poder e os amigos. Isso é explicado
por Piaget (1991) uma vez que crianças menores se encontram no período
pré-operatório, se caracterizando pelo desejo de transformação do
ambiente e das coisas que as cercam.
Já a delação, não foi um tipo de conflito destacado nos estudos de
Licciardi (2010), diferente da outra pesquisa com crianças de 8 e 9 anos
(SILVA, 2015). O conflito do tipo delação “significa que as crianças
apelam para a fonte de poder (adulto), esperando que o outro se submeta”
(SILVA, 2015, p. 128). E comparando com a pesquisa com sujeitos mais
velhos, mostra que a tendência para esse tipo de comportamento tende a
diminuir, uma vez que tendo o adulto como fonte das regras, significa que
não há acordo coletivo, desse modo, reforça a heteronomia (SILVA, 2015).
357
Além do mais, o conceito provocação pode ser entendido como
um meio de comunicação entre o provocador e o alvo, incluindo diversos
tipos de comportamentos, tais como: insultos, imitações, questionamentos
repetidos, fingimento de espanto, zombarias, perturbações, exageradas
repreensões por uma ofensa, sedução, flerte, o modo de como é falado
alguma coisa, a entonação, o ritmo monótono da voz, expressão facial,
sorrisos, entre outros. Portanto, a provocação pode ser física (cutucar,
imitações físicas, etc.) ou verbal (apelidos, comentários depreciativos, etc.).
Dessa maneira Piaget (1932/1994) explica que as crianças que se
encontram na fase do egocentrismo sentem dificuldades de expor suas
ideias, sentimentos e desejos, e na tentativa de buscar o contato com o
outro, acaba provocando-o.
Para o conflito caracterizado como disputa, há uma decomposição
ao conceito: disputa de amigos, disputa física, disputa de poder e status.
Em nosso estudo, o que foi mais observado foi o conflito do tipo disputa
por objeto e disputa física (lugar/objeto específico), pois nas três escolas
que participaram da pesquisa, toda sexta-feira é “o dia do brinquedo”, isto
é, as crianças têm a oportunidade de levar de casa um brinquedo que goste
para poder brincar com os colegas.
Na escola A, por exemplo, além do dia do brinquedo, há também
as atividades lúdicas, ou seja, a escola oferece um tempo para que os alunos
brinquem com objetos que imitam a realidade, como exemplo: brincar
com maquininha de supermercado, ferro e tábua de passar de brincadeira,
peças de ferramentas, entre outros. Já na escola B e C, além de levar os
brinquedos para o intervalo, é oferecido também um “tempo livre” para o
brincar dentro da sala de aula.
No entanto, em outras vezes, quando a aula é no laboratório, por
exemplo, não há lugar definido para cada aluno. E ao chegar na sala, é
observado que os alunos disputam o banco, o lugar para se sentar. Licciardi
358
(2010) escreve que conflito do tipo disputa para crianças menores é
concebido como a interação física entre duas pessoas e não como resultado
da discordância entre as partes. As crianças não consideram os aspectos
subjetivos envolvidos na situação. Além disso, possuem uma concepção
particular de propriedade que é a de quem encontra primeiro o objeto.
Já o conflito do tipo delação apareceu com maior quantidade na
escola B e C e como minoria na escola A. Em ambientes nos quais são mais
voltados para os desejos e vontades apenas do professor, faz com que os
alunos muitas vezes, não entendem o porquê fazer o que se faz. Sendo
assim, quando a criança desrespeita uma regra, o colega logo “fofoca” para
o professor o ocorrido.
Em pesquisas, Silva (2015, p. 111) escreve que Menin (1996) e
Vinha (2000) constataram que, “em ambientes autoritários, a delação
entre os alunos é um ato bastante corriqueiro e, geralmente, alimentado
pelas reações do professor”. E Piaget (1932/1997), explica isso, estudando
dois tipos de reações quanto ao respeito à sanção, no qual ele defende a
ideia de que para as crianças menores a sanção é justa e necessária, pois
para elas a criança castigada saberá cumprir seu dever.
Diferente para os maiores que acreditam que, a expiação não
constitui uma necessidade moral. Sanção justa é aquela que exige uma
restituição, no qual faz com que o culpado suporte suas consequências.
Sendo assim, buscando uma consequência, as crianças usam da delação
para a conseguir punir o outro.
Nas escolas B e C as regras não são elaboradas em comum acordo,
elas são impostas por meio de conversas que visam convencer os alunos a
obedecerem as regras, diferente de quando a regra é criada por todos, pois
quando há necessidade de socialização, o sujeito tende a construir o
respeito mútuo, porque é mais fácil desrespeitar uma regra quando imposta
do que a criada pelo grupo. E para Silva (2015, p. 112) o processo de
359
elaboração de regras é importante para que as crianças compreendam que
elas organizam os trabalhos, regulam a convivência e nos auxiliam a
resolver conflitos.
Quando os alunos participam ativamente da construção das
normas da classe e da escola, tendem a legitimá-las. Outros motivos que
levaram a ocorrência do conflito, como, responsabilidade objetiva, agressão
física, agressão verbal e exclusão apareceram também em nossas
observações, porém como minoria.
Estratégias de Resolução pelas Crianças
Consideramos estratégia a capacidade de decisão, isto é, decisões
escolhidas pelos sujeitos para restabelecer o equilíbrio na relação
(LICCIARDI, 2010). Em vista disto, Leme (2009), escreve que a
submissão e a coação são formas de resolução de conflitos muito comuns.
Porém, outras alternativas como a negociação, o diálogo e a conciliação
são caminhos que levam a contemplar os direitos e objetivos de todos. Foi
observado que na escola A, quando os alunos procuram pela ajuda, a
educadora intervém com a intenção de fazer com que o aluno reflita sobre
a situação e juntos cheguem a uma solução.
Como já escrito acima, a escola A foi o lugar onde encontramos
mais situações conflituosas e a provocação foi um motivo bastante saliente
neste ambiente. Por isso, muitas vezes escutava a professora falar para a
classe: “Precisamos controlar nosso corpo”, “Analisem o comportamento
de vocês”. Essas falas, tinham como objetivo fazer com que as crianças
parassem de ficar levantando em momentos inoportunos ou mesmo mexer
com o colega, afim de iniciar uma conversa durante a explicação. Ao pedir
para as crianças controlarem seus corpos, a educadora procurava ter a
atenção dos alunos para a aula.
360
Um exemplo dessa situação foi a fala da professora, após pedir
muita atenção para sala, no início do ano letivo, dizendo que há momentos
para brincadeiras, mas que no primeiro ano o tempo de brincar é um
pouco menor e que a sala terá que “trabalhar” mais do que brincar.
Em outros momentos, a professora acendia e apagava a luz com o
objetivo de chamar a atenção de seus alunos. Sobre a vivência e conflitos
no primeiro ano, Borges e Marturano (2009, p. 24) explicam que “para
crianças que estão iniciando o ensino fundamental, conflitos com os
colegas estão entre as mais potentes fontes de estresse diário”. Outras
observações importantes na escola A, foi o modo como as educadoras
falavam com seus alunos. Um exemplo foi o de um aluno que não parava
de balançar (fazia da cadeira uma gangorra) sua cadeira, sendo assim, fazia
com que os colegas perdessem a concentração na aula. A professora, então,
para de explicar e o questiona sobre o que pode acontecer caso sua cadeira
caia no pé de um colega. O aluno ficou sem graça, disse que poderia
machucá-lo. Após isso, parou de balançar a cadeira e voltou a atenção à
aula.
Um outro exemplo de situação, observado na escola A e observado
a fala da professora, foi quando os alunos A e B estavam brincando e A
empurra B. B emburrado procura pela professora. O aluno B relata à
professora que o aluno A o empurrou. O aluno A se justifica, dizendo que
foi sem querer, por causa da brincadeira. A professora então pergunta
como foi essa brincadeira. O aluno A relata que o aluno B passou por ele
e o assustou. E com o susto, levantou sua mão. A professora B volta-se ao
aluno B e pergunta se ele entendeu o que aconteceu, se essa brincadeira de
assustar é para fazer na aula. O aluno B se defende dizendo que o colega
não se assustou, pois já tinha escutado seus passos. A professora contra-
argumenta sobre como ele teria certeza de o aluno A ter ouvido. O aluno
361
B ainda tenta argumentar, mas a professora o interrompe dizendo que
precisa voltar para aula, mas que voltarão a conversar.
Outra situação de conflito foi observada na biblioteca: o aluno A
procura pela professora dizendo que o colega B deu-lhe uma cotovelada. B
explica que tinha tropeçado e que tinha sido sem querer. A professora
intervém. A professora pergunta ao aluno B se ele entendeu o que
aconteceu e o que ele fez. B responde que tropeçou e deu uma cotovelada.
A professora pergunta se ele gostaria que todas as vezes que alguém
tropeçasse, ele ganhasse uma cotovelada, pergunta inda se acha que iria
doer e como se sentiria. O aluno B abaixa a cabeça e sai.
Ao compararmos situações desse tipo com os estudos de Selman
(1980), notamos que as crianças se encontram no nível 0, no qual a
resolução é vista como algo físico e a amizade é algo momentâneo. Já
quando se compara com Deluty (1979) e Vicentin (2012), com o auxílio
da professora, os alunos procuravam se entender de forma assertiva, pois
usam a reflexão e o diálogo como instrumentos para restabelecer o
equilíbrio.
Diferente da escola B, no qual a professora usa outros tipos de
palavras e expressões para auxiliar seus alunos a resolverem os seus
conflitos. Além do que a ameaça é usada frequentemente, afim de fazer
com que as crianças tenham um melhor comportamento em sala de aula.
Um exemplo disso é a de quem não ficar em silêncio, será anotado.
Outra situação foi no ensaio do dia das mães em que a professora
usa da linguagem valorativa para com seus alunos. A professora parabeniza
os alunos A, B e C, dizendo que estão afiados, enquanto diz aos alunos D,
E e F que precisam ensaiar mais.
Na escola C, as professoras também usam da ameaça e da
autoridade para controlar o comportamento da classe. Uma professora
dessa escola questionava para a classe que aquela era a sua vez de falar, que
362
ficará sem intervalo quem não prestar atenção e trabalhar. E, além disso,
ameaça chamar a coordenadora na sala para conversar com os alunos.
A linguagem do professor faz diferença na hora da resolução do
conflito, uma vez que a maneira como se age e fala, traz consequências para
a reflexão e aprendizagem. Nas palavras de Leme (2009, p. 360) “[...] é
importante que a resolução de conflito seja objeto de atenção, tanto da
escola, como da família, para que os jovens aprendam a resolvê-lo de modo
pacífico e respeitoso, por meio do diálogo e negociação, preservando o
direito de todos”.
Marques (2015), afirma que pode ser identificado um nível de
evolução nas estratégias empregadas pelos sujeitos. A justificativa é que a
estratégia esta diretamente relacionada com o desenvolvimento. Os
adolescentes e adultos, diferente das crianças, empregam estratégias
elementares, mesmo podendo ser mais evoluídas, de acordo com o seu
desenvolvimento. Sendo assim, as três 76 categorias, apresentam uma
limitação na coordenação e tomada de perspectiva, pois expressam uma
condição de busca de satisfação dos próprios interesses. Nas palavras da
autora, “[...] o tipo de conflito ou a busca pela adaptação às características
do ambiente podem fazer com que o sujeito utilize com frequência
estratégias menos evoluídas do que teria condições” (MARQUES, 2015,
p. 140).
Comparando as três estratégias, temos que a estratégia do tipo
cooperação é a mais evoluída quando comparada com as outras duas, uma
vez que, tem como instrumento de estratégia o diálogo. O sujeito tenta
convencer o outro a aceitar seus desejos, por meio de argumentos, na
tentativa de modificar seus sentimentos e interesses. Diferente da estratégia
do tipo físicas/impulsivas que tem como característica a falta de controle
de seus impulsos, uma dificuldade maior de se expressar e demonstrar seus
desejos, pois não há reflexão sobre a situação. E por último, a do tipo
363
unilateral, na qual há um pouco mais de controle de impulso, mas que
ainda há dificuldade de reconhecer o desejo alheio.
De um modo geral, a estratégia mais empregada pelos alunos de 6
e 7 anos de idade, participantes da presente pesquisa foi a estratégia
unilateral. Comprovando, assim, a dependência do professor na hora de
resolver seus conflitos. Ao compararmos os resultados de nossa pesquisa
com outras, com participantes de idades diferentes dos nossos, temos que
a estratégia do tipo unilateral é a maneira mais relevante encontrada entre
crianças de 6 e 7 anos (CASEIRO, 2019), 8 e 9 anos (SILVA, 2015), 11 e
12 anos (MARQUES, 2015) e 13 e 14 anos (OLIVEIRA, 2015). No
entanto, na pesquisa de Licciardi (2010) com alunos de 3 a 4 e 5 a 6 anos,
a estratégia categorizada como física e/ou impulsiva, foi a que mais
prevaleceu. Isso mostra que com o decorrer da idade e desenvolvimento do
sujeito as estratégias tendem a evoluir.
Observamos que na escola A, a estratégia do tipo cooperação
apareceu em apenas 14,2% dos conflitos observados. Diferente das outras
duas escolas onde esse tipo de estratégia não foi empregada durante as
observações. Em contrapartida, em todas as escolas, a categoria do tipo
unilateral foi a mais utilizada, situações do tipo: disputa verbal,
terceirização do conflito, ignorar o conflito, acusação, delação ou mesmo
obediência submissa, foram observadas.
Outro modo muito frequente é a submissão. Del Prette e Del
Prette (2005), afirmam que quando o sujeito age, de forma submissa, este
não foi treinando para lidar com situações de conflitos, pois desta maneira
não existe a chance de errar, uma vez que não prejudica a si mesmo e ao
outro. Leme (2009) também explica o motivo pelo qual a maioria dos
sujeitos escolhem a submissão como estratégia de resolução de conflito:
364
A submissão ao outro é a forma mais comum de lidar com o conflito,
variando, porém, de acordo com o grau de proximidade de quem está
envolvido no conflito, com o gênero, com o nível socioeconômico, e
com o tipo de problema envolvido. Nos que envolvem um direito
inquestionável do outro, como o de propriedade sobre um objeto a
reação da grande maioria é não reagir (LEME 2009, p. 362).
Sendo assim, confrontar uma situação, a fim de expor seus desejos
e sentimentos, traz benefícios para ambas as partes, uma vez que, baseado
na orientação construtivista, a ênfase da educação está baseada no processo
de resolução de conflito.
Considerações Finais
Não há convivência sem conflitos. Há divergência de opiniões.
Diversidade de desejos, interesses e querer. Muitas vezes, eu ansiava, na
docência, pelo silêncio contínuo em sala de aula e torcia para que não
houvesse desentendimentos, entendendo que, assim, eu estaria, na função
como educadora, trabalhando da melhor maneira. Enganei-me! Com mais
experiência, propriedades teóricas e vivência, compreendi que é se
expressando, dialogando e compreendendo o ponto de vista alheio que há
desenvolvimento social e afetivo, e que, conflito não deve ser evitado, mas
sim, vivido. No entanto, atualmente as pesquisas apontam que quando o
assunto é conflito são postas duas alternativas de resolução: ignorá-lo ou
vivê-lo superficialmente, como infelizmente é visto nas escolas. Sendo
assim, as consequências não positivas serão notadas futuramente.
Estudiosos em Psicologia moral, como Vinha (2000), Tognetta
(2009), Licciardi et al. (2011) afirmam que os conflitos devem ser vistos
como situações positivas e necessárias à aprendizagem e ao
desenvolvimento das crianças, uma vez que dá a elas a oportunidade de
365
aprenderem sobre si, sobre os outros, sobre as normas sociais, além de
influenciar na construção de valores e princípios. Em ambientes onde
diversas pessoas interagem, deparamo-nos com diferentes valores, opiniões
e diferentes formas de ver o mundo, formas capazes de ocasionar conflitos.
Assim, a escola configura-se como um ambiente capaz de explorar a
diversidade, estimulando para que os impasses e divergências possam ser
encarados como oportunidades de crescimento para os envolvidos.
Perante nossos questionamentos iniciais, verificamos nos
resultados que entre os alunos do primeiro ano do Ensino Fundamental I,
os conflitos mais frequentes foram disputa, provocação e delação, sendo
que, ao compararmos os resultados desta pesquisa com outras, notamos
que a provocação tende a aumentar conforme a idade, e além disso esta
pode ser vista como uma causa, mas também como uma estratégia,
diferentemente da disputa por objeto e da delação, nas quais a tendência é
a diminuição com a idade, pois as crianças começam a compreender que
os objetos têm dono e que colocando o adulto como fonte de regra reforça
a heteronomia. No entanto, o que também nos chamou a atenção foram
os resultados de nossas observações em relação ao ambiente de cada escola.
Em cada espaço, o modo de concepção do conflito variou.
Na escola A, a qual apresenta uma linha mais construtivista e tem
a perspectiva de que o conflito é algo que traz aprendizagem quando bem
trabalhado, foi o local no qual apareceram mais conflitos, isso mostra que
é necessário desconfiar de salas quietas e silenciosas, uma vez que os
conflitos são inevitáveis em sala de aula, pois é através da interação social
que as crianças adquirem novas experiências e aprendem a viver em grupo
e a escola é um local muito apropriado para essa vivência (VINHA, 2000).
Para DeVries e Zan (1998, p. 17) “o ambiente sociomoral é toda rede de
relações interpessoais que forma a experiência escolar da criança. ”
366
Outra consideração essencial foi que, dependendo do
procedimento que os adultos utilizam com as crianças para levá-las a
obedecer às normas e regras definidas previamente, pode-se promover mais
para o caminho da obediência do que para a construção da autonomia.
Portanto, mais uma vez a escola pode interferir na construção de valores
pelas crianças e jovens.
Concluímos também que nas escolas B e C os professores tendem
a resolver os conflitos para as crianças ao invés de colocá-las a refletir sobre
suas atitudes. Além do mais, perante a um conflito as crianças mostraram-
se dependentes da ajuda do professor, uma vez que apenas na escola A foi
notado que os educadores auxiliam as crianças a expressarem seus
sentimentos. Mesmo sendo difícil, muitas vezes os professores insistem aos
alunos para mostrar seus desejos, pensamentos e vontades, através do
diálogo e reconhecimento de seus erros após uma consciência de sua
atitude perante ao outro.
Na escola A, o educador convida o aluno a se retirar da sala e
conversar com calma. Não foi observado a participação da sala toda para
resolução de um conflito, como uma discussão geral ou mesmo assembleia
de classe. As crianças que convivem em ambiente onde a interação social
e o trabalho de equipe são aspectos valorizados apresentaram uma
facilidade maior para expressarem seus sentimentos através do diálogo
quando da resolução de conflitos. Isso mostra que as atitudes dos
educadores mediante as relações interpessoais e os conflitos estabelecidos
no ambiente escolar, de modo geral, influenciam de forma significativa a
formação de um ambiente mais cooperativo ou coercitivo.
Se o educador se utiliza de relações de medo e coação com seus
alunos, contribuirá para a formação de um ambiente opressivo e
indivíduos passivos e conformistas. Porém, em um ambiente onde o
autoritarismo do adulto tende a ser minimizado, e as relações são pautadas
367
na cooperação e no respeito mútuo, as crianças passarão a levar em
consideração os sentimentos e pontos de vista do outro, tornando-se
indivíduos mais justos e respeitosos, capazes de regular seu
comportamento.
Dessa forma, a escola precisa estar atenta à qualidade das relações
que promove, incentivando a educação sociomoral como processo
educacional, desprendendo-se de ideais apenas conteudistas e passando a
conceber os conflitos como oportunidade para se trabalhar valores. Os
pequenos conflitos e desavenças são capazes de permitir meios de resolução
que podem levar a um convívio mais saudável, favorecendo a construção
de nossas relações sociais.
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371
O Valor Respeito, a Educação Infantil e o
Desenvolvimento Moral: concepções dos professores
1
Priscila Caroline MIGUEL
2
Introdução
Muito ainda se discute sobre a importância de se trabalhar o
desenvolvimento moral das crianças na Educação Infantil, etapa da
Educação Básica, que antecede os anos iniciais do Ensino Fundamental.
Sem negar a importância do brincar, tão peculiar a essa fase, ainda nos
deparamos com afirmações, tais como: “ela vai para o parquinho” ou então
“lá eles só brincam”. Defendemos que elas realmente brincam e a
importância desses momentos está prevista na Base Nacional Comum
Curricular (2017), contudo, também aprendem muito e mais do que isso:
nas interações com os pares, elas se desenvolvem moralmente, já que tais
relações são permeadas pela moralidade.
Algumas pessoas julgam que a escola não deveria se preocupar com a
educação social e moral, mas deveria centrar-se no ensino de temas
1
O texto apresentado é parte da dissertação de Mestrado da autora, que se intitula “O
desenvolvimento moral e o valor respeito: criação de uma sequência didática para o trabalho na
Educação Infantil” (MIGUEL, 2021). A pesquisa teve o apoio financeiro da CAPES (Coordenação
de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), a qual reitero os mais sinceros votos de
agradecimento.
2
Doutoranda em Educação pelo Programa de Pós-graduação em Educação (PPGE) da Faculdade
de Filosofia e Ciências (FFC), Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP),
Campus de Marília, São Paulo, Brasil. E-mail: priscilacarolinemiguel@gmail.com
https://doi.org/10.36311/2022.978-65-5954-317-5.p371-390
372
acadêmicos ou na promoção do desenvolvimento intelectual. O
problema com essa visão é que a escola influencia o desenvolvimento
social e moral quer pretenda fazer isso ou não. Os professores
comunicam continuamente mensagens sociais e morais enquanto
dissertam para as crianças sobre regras e comportamentos e enquanto
administram sanções para o comportamento das crianças. Portanto, a
escola ou a creche não são e não podem ser livres de valores ou neutros
quanto a esses. Por bem ou por mal, os professores estão engajados na
educação social e moral (DEVRIES; ZAN, 1998, p. 35).
Para os professores da Educação Infantil, faz-se necessário
compreender o desenvolvimento cognitivo, social e motor, algo
imprescindível para a sua prática pedagógica. Entretanto, nem sempre o
professor tem formação adequada sobre o desenvolvimento moral de uma
criança, ignorando que as inúmeras relações que ocorrem na escola são
oportunidades para o início da formação moral dos educandos, junto ao
trabalho da família, que é o primeiro tipo de socialização estruturada na
qual o indivíduo está inserido.
Este capítulo trata da reflexão de alguns aspectos em relação ao
desenvolvimento moral em Piaget, buscando relacioná-los com o valor
respeito, considerando que o unilateral é a primeira forma de respeito e
surge nas relações de coação social, em especial, as construídas entre a
criança e seus pais ou com outros adultos significativos para ela. Por outro
lado, o respeito mútuo surge da cooperação que implica na reciprocidade
que obriga cada um a se colocar no lugar do outro.
O objeto do estudo envolve, então, a busca de entendimento das
implicações decorrentes do desenvolvimento moral e, particularmente, do
valor respeito, no processo de transformação das crianças, configurando
um processo contínuo do conhecer e reconstruir, de modo a buscar
elementos de ação, reflexão e prática para a transformação no contexto das
373
relações sociais. Sendo assim, temos aqui a relevância da pesquisa relatada,
a qual pode contribuir para ampliar o debate sobre a temática. O tipo de
estudo é de revisão de literatura e contou também com a aplicação de uma
entrevista semiestruturada via Google Forms, devido ao período
pandêmico.
Outrossim, almejamos a formação de um cidadão autônomo,
reflexivo e comprometido com o bem comum e, desta forma, o texto está
organizado em três seções. Na primeira seção, apresentamos os
embasamentos teóricos que o fundamentaram, na segunda temos as
opiniões coletadas dos professores da Educação Infantil bem como as
análises que fizemos do ponto de vista da Epistemologia Genética e, na
terceira e última seção, há a apresentação de algumas reflexões no que se
refere aos apontamentos dos educadores desse nível de ensino, no
desenvolvimento da moralidade infantil.
O Desenvolvimento Moral e o Valor Respeito Segundo Jean Piaget
Interessado na gênese da moralidade, Piaget escreve O juízo moral
na criança (Piaget, 1932/1994), obra seminal no campo da Psicologia do
Desenvolvimento Moral, na qual propôs um estudo sobre a possibilidade
de construção da autonomia e retrata a lei moral construída de forma
gradativa, tendo como necessidade o desenvolvimento cognitivo, ainda
que este não seja condição de suficiência.
A referida obra está dividida em quatro partes: a primeira parte
trata do tema regras, estudando as respostas dos meninos num jogo de
bolinhas de gude, com regras bem estabelecidas e o pique/amarelinha das
meninas; a segunda parte trata do tema do realismo moral e sua relação
com a coação adulta; a terceira parte trata de temas como justiça e
cooperação e na quarta parte há a discussão de outras teses sobre a
374
moralidade (MENIN; BATAGLIA, 2017). Usaremos como definição de
moral a de Jean Piaget (1932/1994, p. 23), que diz: “[...] toda moral
consiste num sistema de regras, e a essência de toda moralidade deve ser
procurada no respeito que o indivíduo adquire por essas regras”.
Fazemos a ressalva de que o autor adverte logo no início que está
se propondo investigar a consciência moral no que diz respeito ao juízo e
não aos comportamentos ou sentimentos morais. Assim sendo, a referida
obra pode ser entendida como uma tentativa de expor suas ideias sobre a
moral a partir de uma verificação empírica; mediante observações,
entrevistas clínicas e até mesmo jogando com as crianças, Piaget notou que
existem mudanças na forma como as crianças pensam e praticam as regras
do jogo.
A primeira ideia que Piaget nos apresenta pode hoje parecer banal, mas
era totalmente nova no início do século passado: há um
desenvolvimento do juízo moral infantil. Antes pensava-se (e alguns
ainda o pensam) que a moral era fruto de uma aprendizagem, esta
entendida como mera interiorização dos valores da sociedade e
memorização de suas regras (lembremos das abordagens de Durkheim
e Freud). Assim haveria, na trajetória moral da criança, apenas dois
momentos: aquele no qual ela ainda nada sabe da moral vigente, e em
seguida, aquele no qual a aprendizagem já ocorreu (LA TAILLE, 2006,
p. 96).
Entretanto, o que Piaget comprova, em suas pesquisas, é que a
moralidade infantil não se resume a uma interiorização passiva dos valores,
princípios e regras, já que ela é o produto de construções endógenas, isto
é, o produto de uma atividade da criança que, em contato com o meio
social, é capaz de ressignificar os valores, os princípios e as regras que lhe
apresentam. Tal ressignificação, é claro, possui características que
dependem das estruturas mentais já construídas. Para Piaget, na história
375
moral da criança não haverá apenas dois momentos caracterizados pela
ausência ou presença da moral, mas sim momentos diferentes no modo
como a criança assimila as regras morais (LA TAILLE, 2006; PIAGET,
1932/1994).
De acordo com Piaget (1932/1994), o desenvolvimento moral
pode adotar as seguintes tendências: depois de uma fase pré-moral ou
anomia, é possível que o sujeito desenvolva uma consciência heterônoma
e depois disso, uma consciência autônoma. Na heteronomia, a criança
baseia seus juízos em um respeito unilateral e os adultos são vistos como
autoridade e fonte de regras e proibições. Aqui, as origens da moralidade
estão no respeito que é dirigido aos adultos, levando a uma moral da
obediência, de adesão a regras fixas e determinadas por outrem. Já, na
autonomia, as relações antes unilaterais são transformadas em respeito
mútuo, baseando-se na reciprocidade e justiça. Enfim, as mudanças no
nível cognitivo da criança, desde o egocentrismo até o perspectivismo,
junto com a alteração das relações sociais, da coação à cooperação,
culminam na base para explicar a transposição dos juízos morais
heterônomos aos autônomos.
De acordo com Freitas (2003), a moralidade fundamenta-se na
autonomia do sujeito, isto é, cada um está sujeito a uma lei, válida para
todo ser racional, e que, ao mesmo tempo, esta é admitida como sua
própria lei (princípio da autonomia). Sendo assim, a moralidade distingue-
se da religião e do direito, cujas regras são externas aos sujeitos aos quais
elas se aplicam (princípio da heteronomia).
Freitas (2002) retrata ainda que mesmo antes da obra O juízo moral
na criança, Piaget defendia a existência de um paralelismo entre a lógica e
a moral no ser humano. Ele traçou um paralelo entre o desenvolvimento
intelectual e o desenvolvimento da afetividade e na referida obra temos a
ideia de que as relações afetivas que se estabelecem entre os seres humanos
376
estão na origem da ação moral. Podemos ressaltar que cognição e
afetividade, são aspectos distintos, porém indissociáveis no sujeito.
Segundo Vinha (2009), a grande contribuição de Piaget com suas
pesquisas foi que assim como o desenvolvimento da inteligência, o
desenvolvimento moral é também um processo de construção interior, ou
seja, o conhecimento não é adquirido por absorção ou acumulação de
informações provenientes do mundo exterior, mas sim por um processo de
construção, o que denota a ideia de que ninguém nasce pronto. A autora
enfatiza que para Piaget:
[...] as regras externas tornam-se próprias da criança somente se ela as
constrói por sua livre vontade. Não adianta tentarmos ensinar a
moralidade, pois ela é construída a partir da interação do sujeito com
o meio em que vive. É constituída por experiências com as pessoas e
situações. Os traços da personalidade não podem ser ensinados
diretamente. Em concordância com esse processo de construção,
Ginnott (1974) afirma que ninguém pode ensinar honestidade em
palestras, lealdade com histórias, coragem por analogia ou maturidade
pelo correio. Para ela, a educação do caráter demanda presença que
demonstre, o contato que comunique. Assim sendo, não adianta
tentarmos ensinar os valores simplesmente com lições de moral,
sermões, ditados populares, censuras, e outros, como comumente
acredita-se. Uma criança aprende o que vive e se torna o que
experimenta (VINHA, 2009, p. 40).
De forma sucinta, podemos dizer que é somente a partir da troca
do sujeito com o meio no qual está inserido, que ele vai, de forma gradativa,
construindo os seus valores morais. Portanto, não há uma internalização
passiva dos valores, como acreditam os empiristas, ao afirmar que a
autonomia moral é produto da interiorização de regras, normas e valores
377
exteriores: para os piagetianos, o indivíduo é ativo na construção de seu
conhecimento, como já vimos anteriormente.
Vinha (2009, p. 41) assim resume: “[...] não é somente o sujeito,
nem simplesmente o ambiente: são os dois fatores que atuarão nesse
processo”. Diante desse processo ativo de interação, os fatores mais
importantes que promovem o desenvolvimento moral são os tipos de
experiências de cada indivíduo, em concreto e a atmosfera moral de seu
círculo familiar, escolar e social. Sendo assim, a moralidade é o resultado
das relações estabelecidas pelo sujeito com esses ambientes, aliás, ambientes
estes que não são inócuos e os sujeitos, muito menos, passivos.
Concepções dos Professores e Professoras da Educação Infantil
Com o objetivo de compreender como os professores concebem o
desenvolvimento moral e o valor respeito no que se refere às suas práticas
pedagógicas, participaram do contato via Google Forms dez professores da
Educação Infantil, sendo nove do gênero feminino e um do gênero
masculino. O tempo de atuação nessa etapa da Educação Básica varia de
dois a vinte e cinco anos e a faixa etária dos sujeitos variam de quarenta a
cinquenta e nove anos. Nove dos educadores possuem formação em
Pedagogia e um em Educação Física. Eles atuam em escolas públicas
municipais situadas no interior paulista e na região metropolitana da
cidade de São Paulo.
As perguntas versaram sobre os seguintes tópicos: qual o
entendimento por Educação Moral, se é papel da escola educar
moralmente, o que é o respeito na concepção deles, se é papel da escola
desenvolver as noções de respeito junto às crianças, se é possível trabalhar
o respeito na Educação Infantil e como deve ser esse trabalho, além das
dificuldades que eles identificam para fazer o trabalho com o valor respeito.
378
Os formulários foram encaminhados aos professores por meio
eletrônico e a fidelidade à fala do entrevistado foi levada em consideração.
Para assegurar o anonimato dos entrevistados, usaremos números, como
por exemplo: “professor 1”, “professor 2” e assim sucessivamente. Foram
adotados todos os cuidados e procedimentos éticos necessários para a
pesquisa com seres humanos, inclusive a submissão ao Comitê de Ética,
conforme a legislação que vigora em nosso país. Fizemos as categorizações
e análises de acordo com a ordem das perguntas enviadas nos formulários.
Entendimento dos professores e professoras sobre educação moral
Ao perguntarmos o que eles entendem por Educação Moral,
destacamos, como exemplo, duas respostas:
A educação moral envolve o aprender e o ensinar valores morais como ações
que promovem a humanização do homem, tanto no sentido moral como
no sentido ético. (Professor 4).
3
Vejo como o ensino de valores e princípios que consideramos importantes
para uma boa convivência em sociedade. (Professor 6)
A análise das respostas revela que os professores associam a
educação moral a valores que, segundo eles, promovem a humanização do
sujeito e o advento de regras que regulam o comportamento humano,
considerando o grupo e a sociedade. Um dos entrevistados acredita que a
3
Embora esta citação e algumas das citações seguintes não ultrapassem mais de três linhas e, por
isso, não devam estar em recuo, a autora optou por essa disposição no texto, em justificável exceção
(e a única neste livro quanto às normativas da Associação Brasileira de Normas Técnicas ABNT
que se segue criteriosamente), para melhor visualização dos fragmentos das “vozes” de seus
interlocutores na pesquisa que o capítulo retrata. (NOTA DOS ORGANIZADORES).
379
educação moral é fundamentada nos valores que a sociedade acredita ser o
ideal para uma boa convivência (Professor 5).
Ressaltamos que do ponto de vista da teoria construtivista, os
valores morais não são ensinados por transmissão verbal, mas construídos
ativamente no decurso da inncia e da adolescência. Piaget (1930/1996)
sustenta a tese de que são as relações constituídas entre a criança e o adulto
ou entre ela e seus pares que a levarão a uma tomada de consciência do
dever e a colocar acima de seu eu essa realidade normativa na qual a moral
consiste. Não existe, então, moral sem sua educação moral, “educação” esta
que se sobrepõe à constituição inata do indivíduo. Para o autor, o fim da
educação moral é o de constituir indivíduos autônomos aptos à
cooperação.
Em relação aos procedimentos de educação moral, Piaget
(1930/1996) diz haver dois modelos: os procedimentos verbais e os
métodos ativos. Pelo primeiro, o autor entende que: “Do mesmo modo
que a escola em geral há séculos pensa ser suficiente falar à criança para
instruí-la e formar seu pensamento, os moralistas contam com o discurso
para educar a consciência” (p. 15). Por quase sempre, os procedimentos
verbais ou as “lições de moral” são impostas pelos educadores através da
coação e do respeito unilateral. Lepre (2006, p.4) afirma que: “a criança
por não viver ou se envolver na situação exposta não compreende o seu
significado, mas finge aceitá-la pelo medo da punição ou perda do afeto”.
O procedimento moral mais efetivo para a educação moral é o
ativo, que permite com que a criança participe de experiências morais no
ambiente escolar. Para tanto, é preciso que a cooperação, a democracia, o
respeito mútuo sejam vivenciados, a fim da construção paulatina da
autonomia.
Enfim, a educação moral, para Piaget (1930/1996), não deve se
constituir em uma matéria especial de ensino, mas sim um aspecto
380
particular da totalidade do sistema, o que significa que as crianças e os
jovens não terão “aulas” de educação moral, mas sim vivências de relações
morais em todos os aspectos e ambientes da escola. Sendo assim, os
trabalhos em equipe facilitam a construção da autonomia (que não deve
ser confundida com independência), “pois, as crianças, ao trabalharem
juntas, podem trocar pontos de vista, discutir, ganhar em algumas ideias e
perder em outras, enfim, podem exercer a democracia” (LEPRE, 2006, p.
4).
Por certo, a questão do desenvolvimento moral e do valor respeito
envolve o senso de justiça, o qual se configura como um regramento para
equilíbrio das relações sociais com vista à harmonização no convívio social.
De fato, o senso de justiça não depende somente das relações com os
adultos apenas, de modo a requerer para o seu desenvolvimento
basicamente o respeito mútuo e a solidariedade.
Concepções dos professores sobre se é ou não papel
da escola educar moralmente
Em relação a ser ou não papel da escola educar moralmente, nove
dos contatados acreditam que sim, tendo um entrevistado citado que esse
papel é em primeiro lugar da família, sendo a escola secundária nesse
aspecto. Vejamos alguns exemplos:
Sim, pois a moral se desenvolve por meio das relações. (Professor 2).
A escola deve apenas auxiliar nessa educação. Espera-se que a família seja
a primeira a dar essa educação. (Professor 6).
381
Acredito que a educação moral começa no seio familiar, mas a escola tem
um papel de suma importância no intuito de promover e valorizar esses
conceitos morais. (Professor 7).
Acreditamos que tanto a escola bem como a família são
importantes nesse processo de se educar moralmente, embora a família seja
sim a primeira instituição social na qual a criança está inserida. Vale
ressaltar que é na Educação Infantil, compreendida como instância de ação
para a formação humana iniciada desde o nascituro, que a criança é
envolvida na dinâmica das relações sociais que se desenvolvem fora da
família e mais uma vez, reiteramos que essas interações são fundamentais
para o desenvolvimento da moralidade.
De acordo com Barrios, Marinho-Araújo e Branco (2011),
dependendo do ambiente sociomoral, a criança aprende que o mundo das
pessoas pode ser coercitivo e ou cooperativo, individualista ou solidário,
sendo a relação adulto-criança fundamental nesse processo, “uma vez que
é o adulto quem tem a possibilidade de mediar o ambiente sociomoral,
organizando as atividades e relacionando-se com as crianças de modo
predominantemente autoritário ou democrático” (p. 96).
Por conseguinte, o desenvolvimento moral se constitui por formas
progressivamente elaboradas e racionais, de modo a fomentar as ações,
justificando as decisões e buscando solução para os conflitos e dilemas
morais. Sendo assim, a discussão sobre os conflitos de valores constitui
uma etapa na qual o diálogo objetiva chegar em um acordo universal, com
nível de generalização e maior consenso possível, tendo-se por base o
referencial teórico piagetiano e contribuições de colaboradores. Isso
envolve as percepções e as representações apropriadas pelos sujeitos sobre
o valor respeito, com implicações muito sérias para a educação e, por
382
extensão, para a vida social como um todo. É o que discutiremos na
sequência.
Conceituações do valor respeito segundo os professores e professoras
Parece relevante lembrar que o referencial piagetiano busca a
promoção da superação de concepções estáticas acerca do desenvolvimento
moral, dirigindo a atenção para as influências genéticas e afirmando a
dinâmica da construção do processo cognitivo.
Constatam-se, então, estudos evidenciando que os valores são
influenciados, mas não se orientam exclusivamente pela justiça, fazendo-
se presentes principalmente nas pessoas e sociedades organizadas e
orientadas pelas relações de coletividade e afetividade interpessoal do que
por ações no mundo movidas pelo espírito competitivo e individualista.
Nessa forma de compreender o problema em questão, é
fundamental a análise referente a alguns recortes sobre o que os
entrevistados entendem pelo valor respeito, destacando-se alguns
exemplos:
É um dos valores fundamentais para vivermos em sociedade. É saber ver
que determinada atitude pode prejudicar o outro. (Professor 4).
O respeito é um valor que faz com que alguém evite agir de maneira
perigosa, mesquinha ou condenável contra outro indivíduo, considerando
as diferenças entre todo ser humano, independentemente de sua origem
social, etnia, religião, sexo e cultura. (Professor 6).
É a forma como tratamos o outro. São através de atitudes que
demonstramos respeito a alguém, que o consideramos com suas
características únicas e peculiares. (Professor 8).
383
Antes de adentrarmos no entendimento do valor respeito, faz-se
necessário abordamos o que chamamos de valor. Para Marques, Tavares e
Menin (2019) a palavra valor exprime a ideia daquilo que vale alguma
qualidade atribuída por alguém a algo. Ele não existe como coisa concreta,
mas sempre como resultado das interações das pessoas com as coisas, os
atos e os fenômenos que são avaliados de diferentes formas; são também as
razões que justificam ou motivam nossas ações, tornando-as preferíveis a
outras. Os autores ressaltam também que há componentes afetivos e
cognitivos no ato de atribuir valores, isto é, o valor deve ser compreendido
também como um investimento afetivo.
Os valores morais se referem àqueles que qualificam o bem ou o mal
nas ações humanas e regulam os costumes das pessoas num
determinado grupo, cultura, etnia. Eles dizem às pessoas como devem
viver. A palavra latina mor, ou mores, no plural, refere-se ao conjunto
de normas, princípios, leis, costumes. Para Cortina (2005), valores se
constituem como parte inevitável da vida humana: impossível imaginar
uma vida sem eles. Assim são também os valores morais: ninguém
consegue se situar além do bem e do mal, pois “todos somos
inevitavelmente morais. Toda pessoa humana é inevitavelmente
moral”. (MARQUES; TAVARES; MENIN, 2019, p. 22, grifos das
autoras).
Para Tognetta, Martinez e Daud (2017), o respeito é de fato um
sentimento moral, porque aponta o quanto o dever está legitimado pela
pessoa que sente e não seria apenas a razão quem aprova ou não uma ação
enquanto moral, mas também o que sentimos deve ser considerado e sendo
assim, não bater no outro, por exemplo, não é apenas pela consciência da
regra, mas também por sentir que o bem a si é tão importante que se
desejará o mesmo ao outro, ou seja, por se comover com a dor do outro
384
que não o desprezo, essa seria uma capacidade anterior até a própria
reciprocidade.
O respeito é então um valor capaz de nos tornar cada vez mais
evoluídos e Freitas (2003) salienta que Piaget o entende como um
sentimento essencialmente pessoal e que se constitui em função das trocas
que a criança estabelece com o meio social, sendo o amor e o temor,
sentimentos que compõem tanto o respeito unilateral bem como o respeito
mútuo. Porém, vale lembrar que o respeito mútuo não deriva do respeito
unilateral, mas sim da relação estabelecida entre iguais.
Observações sobre se é papel da escola desenvolver a noção
de respeito junto às crianças
Todos os professores e professoras contatados, entendem que é sim
papel da escola desenvolver a noção de respeito junto às crianças.
Tomemos como exemplos as seguintes respostas:
É papel da escola contribuir para o desenvolvimento da noção de respeito
junto às crianças. Ao propor situações em que esse valor seja valorizado e
visto como essencial a promoção da integração das crianças ao ambiente
escolar. (Professor 5).
O respeito deve estar integrado com as práticas escolares, dessa forma se
tornará natural para a criança praticá-lo também em qualquer ambiente
e em qualquer situação. (Professor 9).
Como já vimos anteriormente, quer queira ou não, a escola
influencia no desenvolvimento da moralidade e dos valores das crianças.
O que é preciso atentar é se está educando para a heteronomia ou para a
autonomia.
385
Apontamentos sobre as dificuldades dos professores e professoras em
relação ao trabalho com o valor respeito na Educação Infantil
Nessa categoria, destacamos os principais empecilhos relatados
pelos professores no tocante as suas dificuldades ao trabalhar com o valor
respeito na Educação Infantil:
O egocentrismo. (Professor 1).
Acredito que a falta de formação. (Professor 4).
Em se tratando da Educação Infantil, etapa educacional que
compreende as crianças de zero a cinco anos, o egocentrismo pode ser
realmente uma dificuldade marcante quando há o ensejo de se abordar o
valor respeito, pois para o trabalho é fundamental o fortalecimento da
descentração, que implica na superação desse egocentrismo e o
encaminhamento da perspectiva reversível na tomada de decisões.
Dizer que um sujeito (seja ele criança, ou adulto) é ‘egocêntrico’, na
perspectiva piagetiana, é o mesmo que dizer que o mesmo sujeito não
consegue operar (no âmbito cognitivo) sendo que se entende como
‘operação’ o conjunto de ações internalizadas e reversíveis, inseridas e
coordenadas em um sistema de relações -, e, consequentemente,
cooperar ou seja, operar com o outro (no âmbito social). Desta forma,
a manifestação desse egocentrismo se dá tanto no âmbito cognitivo
quanto social, sendo o segundo um prolongamento (ou reflexo) do
primeiro (SASSO; MORAIS, 2013, p. 46, grifos das autoras).
Entendemos então, por descentração a superação desse
egocentrismo que possibilita a tomada de consciência de si; graças ao
386
processo de socialização que implica em tal superação ao passo que as ações
se coordenam dialeticamente, já que vão ao mesmo tempo sendo
transformadas em operações de reversibilidade e reciprocidade
interindividual que constitui a cooperação, processos estes que culminam
na descentração e, consequentemente, na superação do egocentrismo
(SASSO; MORAIS, 2013).
No que se refere a falta de formação, devemos levar em conta a
relevância de se ter nos currículos dos cursos de Pedagogia, disciplinas que
abordem o desenvolvimento moral, pois percebemos nos contatos com os
professores a necessidade de se ter uma formação inicial na área, além da
formação continuada quando o pedagogo já está atuando.
Considerações Finais
Para que uma escola promova de fato o desenvolvimento da
moralidade autônoma, é preciso que os professores e professoras propiciem
aos educandos oportunidades que visem o diálogo, a reflexão, a
cooperação, a empatia e o respeito mútuo. Afinal, a escola sempre educa
moralmente, seja para a heteronomia, seja para a autonomia. Urge a
necessidade de que deixemos de pensar que a escola é apenas um espaço
para a transmissão de conhecimento pela cultura, modelo tradicional e
retrógrado. Muitas vezes, na Educação Infantil, existe a cobrança por parte
dos gestores e também da família de priorizar ações relacionadas à leitura
e a escrita, o que, de certa forma, pode inviabilizar o desenvolvimento
moral e integral da criança.
Mesmo reconhecendo a importância da escola desenvolver um
trabalho com valores sociomorais, percebemos que os professores tendem
a se esquivar disso, justificando que o papel da escola é apenas manter ou
complementar a ação da família no que se refere ao desenvolvimento da
387
moralidade, esquecendo-se ou até mesmo desconhecendo que os conflitos
entre os alunos acontecem, por exemplo, e os professores precisam intervir,
o que acabam por inserir questões de cunho moral nessas situações.
A escola pode e deve ser encarada como um espaço privilegiado,
no que se refere à transição da moralidade heterônoma para a autônoma,
mas o que vemos na realidade são ações que, infelizmente, provocam a
manutenção da heteronomia, por impor aos alunos a obediência e o dever.
Por fim, não é nossa intenção culpabilizar o modelo que está posto, pois
como vimos em contato com os professores e professoras, eles até possuem
a vontade de repensarem a sua prática, mas falta-lhes formação inicial e
continuada para tanto. Talvez o primeiro passo seja conscientizá-los de
que, quer queira ou não, eles desempenham papel importante na formação
moral daqueles que estão sob suas responsabilidades.
Referências
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promoção do desenvolvimento moral. Psicologia Escolar e Educacional,
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388
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VINHA, T. P. O educador e a moralidade infantil: uma visão
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390
391
BEN 10 e Resolução de Conflitos:
Uma Proposta de Intervenção
Dilian Martin Sandro de OLIVEIRA
1
Alessandra de MORAIS
2
Introdução
Esse texto é parte da pesquisa desenvolvida durante o Mestrado no
Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE) da Faculdade de
Filosofia e Ciências (FFC), Universidade Estadual Paulista “Júlio de
Mesquita Filho” (UNESP), Campus de Marília. A pesquisa foi realizada
no ano de 2013 e a defesa da dissertação foi em 2015 (OLIVEIRA, 2015).
Desde a graduação, em projeto de Iniciação científica me dedico a
estudar os conflitos interpessoais e a participação deles no desenvolvimento
de crianças e adolescentes.
Partimos do pressuposto, fundamentado teoricamente (VINHA,
2003; VICENTIN, 2009; LICCIARDI, 2010; OLIVEIRA, 2015) de que
os conflitos são oportunidades de aprendizagem, e que os mesmos devem
ser resolvidos por seus envolvidos, sendo assim podemos nos indagar: Qual
seria a função do professor, do adulto em situações conflituosas
1
Professora Assistente da Universidade do Estado de Mato Grosso (UNEMAT), Mato Grosso,
Doutora em Psicologia Escolar e Desenvolvimento Humano pela Universidade de São Paulo (USP),
São Paulo, Brasil. E-mail: dilianvip@yahoo.com.br
2
Professora Assistente junto ao Departamento de Educação e Desenvolvimento Humano
(DEPEDH) e do Programa de Pós-graduação em Educação (PPGE) da Faculdade de Filosofia e
Ciências (FFC), Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP), Campus de
Marília, São Paulo, Brasil. E-mail: alemorais.shimizu@gmail.com
https://doi.org/10.36311/2022.978-65-5954-317-5.p391-414
392
envolvendo crianças/adolescentes? Como compreender a função do
conflito no desenvolvimento dessas crianças/adolescentes?
A fim de responder essas questões buscamos nesse texto, explicar
como o conflito pode ser entendido a partir de uma perspectiva teórica e
quais foram os resultados encontrados através do desenvolvimento de um
programa de intervenção.
Referencial Teórico
Os conflitos interpessoais
Etimologicamente, a palavra conflito, segundo Rocheblave-Spenlé
(1974), vem do latim conflictus, do verbo confligo, que significa chocar, e
está presente em diversos fenômenos psicológicos e sociais.
O conflito surge de um choque de interesses, de opiniões e
normalmente é visto de forma negativa, como algo a ser evitado. Mas como
diversos autores afirmam (NAZARETH, 2009; LEME, 2004; VINHA,
2003), há a possibilidade de se transformar esse perigo em oportunidade,
buscando os aspectos positivos da interação.
Podemos dividir o conflito em três tipos, de acordo com Nazareth
(2009):
- Intrapessoal: conflito interno do indivíduo;
- Interpessoal: conflito entre duas ou mais pessoas;
- Transpessoal: conflito entre comunidades ou nações.
Entendemos que esses tipos de conflito estão ligados entre si,
podendo se sobrepor em determinadas situações, mas em nosso estudo,
trataremos do interpessoal. Segundo Leme (2004), conflito interpessoal
pode ser definido como uma situação de interação social na qual ocorre
393
algum tipo de desacordo ou desentendimento entre as partes, ou seja, um
desequilíbrio.
Uma vez estabelecida a situação de conflito, teremos a forma como
ele será resolvido, de acordo com as estratégias utilizadas para tal, que
podem ser influenciadas por numerosas variáveis como: gênero,
desenvolvimento cognitivo, experiências sociais vivenciadas, cultura, entre
outras.
Diversos estudos, com diferentes abordagens (dentro das áreas da
psicologia e da educação) pesquisam os conflitos interpessoais e as
estratégias utilizadas para suas resoluções.
Um dos precursores da pesquisa na área é o norte-americano
Robert Deluty (1979), que definiu, sob uma perspectiva cognitivista, por
meio de seus estudos, três tendências de resolução de conflito. Uma delas
é a Agressiva, na qual os sujeitos envolvidos fazem valer sua opinião, seus
direitos, sem considerar os dos outros, enfrentando a situação conflituosa
utilizando-se da coerção, da violência e do desrespeito para fazer valer seu
desejo. Outra é a Submissa, na qual se considera os direitos dos outros,
porém não leva em conta seus próprios direitos, não há enfrentamento do
conflito e, sim, esquiva, evitando-se o mesmo. Finalmente, a Assertiva, na
qual há o enfrentamento do conflito manifestando-se as próprias opiniões
e direitos, porém, sem uso de coerção, levando em consideração os direitos
dos outros por meios pacíficos, como negociação.
Em sua tese de Doutorado, Deluty (1979) elaborou uma escala, a
CATS (Children’s Action Tendency Scale), na qual o participante se
posiciona perante situações de conflito hipotéticas. Essa escala busca avaliar
qual a tendência de resolução de conflitos adotada pelos respondentes. O
referido instrumento foi elaborado seguindo o método analítico-
comportamental e sua construção prosseguiu da seguinte maneira:
394
- Na primeira fase, composta por 44 crianças de seis a doze anos de
idade, eram apresentadas três situações nas quais deveriam escolher uma,
dentre quatro soluções diferentes, para cada situação;
- A segunda fase contou com uma amostra de três meninos de oito
a nove anos, cinco meninas de nove a dez anos, dez pais (dois homens e
oito mulheres) de crianças do ensino fundamental, e três professores do
ensino fundamental (um homem e duas mulheres). Foram apresentadas
treze situações nas quais as crianças deveriam dizer o que fariam se
estivessem em uma situação como a mencionada, e os pais e professores
deveriam responder o que achavam que a criança pesquisada faria naquela
situação. As respostas mais frequentes foram utilizadas na fase seguinte;
- A terceira e última fase contou com a participação de 26
psicólogos, 26 pais de crianças em idade escolar, 21 professores do ensino
fundamental e 14 crianças, aos quais foi solicitado a avaliar as respostas
mais frequentes da fase 2 e caracterizá-las como assertiva, submissa ou
agressiva. No fim dessa etapa, as respostas caracterizadas pelo maior
número de avaliadores foram inseridas como alternativas da CATS.
Esse instrumento foi validado com teste e reteste e os resultados
demonstraram correlações altamente significativas entre: submissão
correlacionada positivamente com desejabilidade social e negativamente
com autoestima, e agressividade correlacionada negativamente com
desejabilidade social.
Na perspectiva do desenvolvimento moral, o conflito interpessoal
provoca um desequilíbrio, em termos piagetianos esse desequilíbrio é
fundamental para a construção de novas estruturas e consequentemente
para o desenvolvimento do sujeito em formação. Além disso, segundo
DeVries e Zan (1998), o conflito interindividual é uma fonte importante
do progresso cognitivo e moral e afirmam que quando há um confronto
com os desejos e as ideias dos outros há uma necessidade de descentração
395
de sua própria perspectiva a fim de levar em consideração a perspectiva do
outro. Nesse caso, para Vicentin (2009) parece ser necessário em princípio
o desenvolvimento cognitivo para que ocorra a descentração crescente e
uma evolução na capacidade de coordenar diferentes pontos de vista.
Assim sendo, crianças, adolescentes e adultos possuem condições diferentes
para a resolução de conflito, já que a criança, por exemplo, só terá
condições de realizar as operações de reciprocidade ao superar seu estado
de egocentrismo.
Com o desenvolvimento da autonomia moral da criança, será
possível buscar formas mais justas de resolução de conflito, em outros
termos, as crianças só terão possibilidade de agir em situações de conflito
e considerar todas as condições atenuantes e variáveis situacionais se
tiverem oportunidades para exercitarem a capacidade de descentração.
Mídias e influência sobre o comportamento humano
Essa temática suscita muitas discussões, uma vez que é possível
encontrar pesquisas com diversos referenciais teóricos e abordagens
metodológicas, o que indica a possibilidade de múltiplos olhares a respeito.
Elencamos alguns estudos encontrados durante a pesquisa bibliográfica
para a elaboração da dissertação (OLIVEIRA, 2015).
As pesquisas nacionais e internacionais que surgiram ao longo do
tempo, permitiram compreender melhor a relação das crianças com a
mídia, mas esse interesse em estu-las não apareceu, num primeiro
momento, nos meios acadêmicos, como é tão difundido hoje, mas sim
como uma necessidade da sociedade em conhecer os efeitos dos diferentes
veículos de comunicação no comportamento das pessoas (GARCEZ,
2010).
396
A menção do tempo que as crianças passam assistindo televisão é
um ponto em comum entre as pesquisas levantadas. Diversos trabalhos
indicam que as crianças gastam grande parte de seu tempo destinado a esse
fim (OLIVEIRA, 2011; FAZOLLO, 2010; CHÁVEZ; VIRRUETA,
2009; OLIVEIRA, 2006; VIDIGUEIRA, 2006, FERNANDES, 2003;
SILVA; FONSECA; LOURENÇO, 2002; BOYNARD, 2002). O tempo
que poderia ser destinado à realização de atividades mais produtivas e
cooperativas é substituído pela exposição, muitas vezes passiva à televisão
ou computador.
Por outro lado, compreendendo o telespectador de uma forma
mais ativa frente às mídias encontramos estudos que buscaram verificar
essa relação sujeito x mídia por diversos ângulos: consumo, violência,
padrões de beleza, estereótipos, construção de valores (FIATES;
AMBONI; TEIXEIRA, 2008; WAGNER; BONIN, 2008; DORNELES
et al., 2009; BARBOSA; GOMES, 2013).
Com base nos estudos pesquisados podemos indicar que os
modelos veiculados pela televisão são suscetíveis de serem imitados ou até
mesmo aprendidos pela criança e, dependendo das estruturas disponíveis
por ela, reforçarão, ou não, tendências mais heterônomas ou autônomas.
Não é possível garantir que esses modelos serão responsáveis pela
construção de novas estruturas, mas, por outro lado, poderão servir de
referências, principalmente nas crianças em que a heteronomia e o
egocentrismo são predominantes. Enfatizamos, ainda, a influência que os
modelos transmitidos pelos personagens preferidos das crianças, pelo valor
e prestígio que possuem, podem exercer na manutenção daquelas condutas
apresentadas por eles, por isso consideramos necessário a reflexão e
discussão acerca daquilo que as crianças assistem.
397
Material e Metódos
No desenvolvimento desse estudo quase experimental participaram
30 sujeitos, com idade entre 6 e 10 anos que frequentassem uma instituição
de Assistência Social, no período da tarde (pois foi o período que mais
tinha crianças nessa faixa etária), sendo que desse total, 21 eram do sexo
feminino e nove do sexo masculino.
Os instrumentos utilizados foram:
- A CATS (DELUTY, 1981), que é uma escala composta por
diferentes conflitos interpessoais fictícios, a partir dos quais os
respondentes devem indicar formas de resolvê-los, sendo possível avaliar as
estratégias predominantemente utilizadas, as quais podem variar entre as
seguintes: agressiva (AG), submissa (SU), assertiva (AS), assertiva-submissa
(AS/SU), submissa-agressiva (SU/AG) e assertiva-agressiva (AS/AG).
- Sessões de Observação utilizando a técnica de observação
semiestruturada (VIANNA, 2007), a qual foi guiada por um protocolo de
observação previamente elaborado. As sessões de observação foram
realizadas como pré e pós-teste. Essas sessões de observação foram feitas
durante o momento de esporte das crianças, em ambiente natural externo,
na instituição na qual a pesquisa foi desenvolvida. No total, foram
efetuadas dez sessões (cinco sessões no pré-teste e cinco no pós-teste) com
duração de trinta minutos cada uma, as quais foram filmadas, com o
objetivo de análise detalhada e sistemática de como as crianças reagiam e
quais estratégias utilizavam para resolver seus próprios conflitos.
- Sessões de exposição ao desenho animado que ocorreram
semanalmente e cada uma delas consistiu na exibição, às crianças
participantes do GE1 e GE2, de um episódio do desenho selecionado na
primeira fase da pesquisa, com a duração de, aproximadamente, trinta
minutos em média cada uma. Tivemos um total de dez episódios exibidos,
398
distribuídos em dez sessões para cada grupo participante (GE1 e GE2). O
desenho selecionado foi o Ben 10 (desenho escolhido pelas próprias
crianças em outra fase da pesquisa).
- Elaboração e execução de um Programa de Intervenção, que foi
desenvolvido tendo objetivo principal permitir aos telespectadores uma
atitude crítica e uma compreensão e reflexão sobre o que assistem,
permitindo, também, o favorecimento de formas mais assertivas de
resoluções de conflitos interindividuais. Consistiu em:
Discussões sobre o conteúdo do desenho animado projetado a fim
de permitir momentos de reflexão sobre o que assistiram. Nessas
discussões, procurou-se evidenciar os dilemas morais que
compareciam a partir dos conflitos presentes nos episódios dos
desenhos assistidos.
Dinâmicas de grupo com o objetivo de permitir que as crianças
percebessem a importância de um colaborar com o outro e do
trabalho em grupo.
Brincadeiras e jogos com a intenção de dar vez e voz às crianças
para que as mesmas pudessem expor suas opiniões e trocar
perspectivas.
Jogos dramáticos a fim de incentivar as crianças a argumentarem a
seu favor, porém também escutarem o que os outros tinham a dizer.
Com relação ao uso de conflitos presentes nos episódios, dos
desenhos projetados, como meio para a discussão de questões e dilemas
morais, procurou-se a partir disso colocar em debate conflitos que
permeassem o dia-a-dia das crianças participantes. Com essa proposta,
teve-se como objetivo favorecer a evolução das crianças em suas
perspectivas morais, para que tivessem condições de pensar além de si
próprias; para tal fez-se como necessário propiciar que percebessem os
pontos de vista algumas atividades com dinâmicas de grupo que
399
objetivaram a interação entre os pares de modo a incentivar nas crianças a
troca de perspectivas, o reconhecimento da importância de cooperar, e o
uso da criatividade para resolver problemas que envolviam o trabalho em
grupo.
Sendo assim tivemos como variáveis independentes o desenho
animado, a idade e o gênero dos participantes e o Programa de Intervenção
desenvolvido e, como variável dependente, os estilos de resolução de
conflitos apresentados pelos participantes, na forma de juízos e ações.
O modelo utilizado foi o intersujeitos, uma vez que tivemos três
grupos de participantes (Grupo Controle, Grupo Experimental 1 e Grupo
Experimental 2) que receberam, separadamente, diferentes níveis das
seguintes variáveis independentes: desenho animado e Programa de
Intervenção. Esses grupos foram randomizados para que assim houvesse o
menor número de diferenças entre eles.
Em relação aos níveis de variável independente, o Grupo
Experimental 1 participou de uma sessão semanal de exposição de desenho
animado, com um episódio cada, totalizando dez sessões, e o Grupo
Experimental 2, de uma sessão semanal de exposição do desenho animado,
com um episódio cada, seguida imediatamente de atividades relativas ao
Programa de Intervenção, com 40 minutos de duração, somando dez
sessões de exposição de desenho animado e doze sessões da respectiva
intervenção.
O Grupo Controle não participou das sessões de exposição do
desenho animado, nem sequer do Programa de Intervenção.
Os três grupos participaram de pré e pós-teste, com a aplicação da
Children’s Action Tendency Scale (CATS), assim como das sessões de
observações.
Cada grupo de participantes (GC, GE1, GE2) foi composto por
dez crianças de seis a onze anos de idade, dos dois gêneros, que
400
frequentavam a Instituição no período vespertino, escolhidas de forma
aleatória, dentre as 30 crianças que compuseram a amostra.
Resultados e Discussões
Pré-teste
Os resultados da escala de resolução de conflitos (CATS) foram os
seguintes:
- No Grupo Controle (GC), os maiores valores medianos foram
nos estilos puros agressivo e assertivo (ambos com mediana = 25,00), em
seguida no estilo puro submisso e no estilo misto submisso/assertivo
(ambos com mediana = 15,00). Os próximos valores foram os apresentados
nos estilos mistos agressivo/submisso e agressivo/assertivo (ambos com
mediana= 5,00). O valor obtido na resposta do tipo misto
agressivo/submisso/assertivo, com mediana zero, expressa que pelo menos
50% dos participantes do GC não demonstraram essa tendência na forma
como resolveram os conflitos apresentados.
- No Grupo Experimental 1 (GE1), o maior valor mediano foi no
estilo puro agressivo (com mediana = 25,00), em seguida no estilo puro
assertivo (com mediana = 20,00), logo depois no estilo submisso (com
mediana = 15,00). Os próximos valores foram os apresentados nos estilos
mistos agressivo/submisso, agressivo/assertivo e submisso/assertivo (com
mediana = 10,00). O valor obtido na resposta do tipo misto
agressivo/submisso/assertivo, com mediana zero, expressa que pelo menos
50% dos participantes do GE1 não demonstraram essa tendência na forma
como resolveram os conflitos apresentados.
- No Grupo Experimental 2 (GE2), o maior valor mediano foi no
estilo puro submisso (com mediana = 30,00), seguido do estilo puro
401
assertivo (com mediana = 20,00). Os próximos valores foram apresentados
nos estilos agressivo e agressivo/submisso (ambos com mediana = 10,00).
Os valores obtidos nas respostas dos tipos mistos agressivo/assertivo,
submisso/assertivo e agressivo/submisso/assertivo, com mediana zero,
expressam que pelo menos 50% dos participantes do GC não
demonstraram essa tendência na forma como resolveram os conflitos
apresentados.
Nas sessões de observação tivemos:
- No Grupo Controle (GC), o maior valor mediano foi no estilo
puro agressivo (com mediana = 33,00), em seguida nos estilos mistos
agressivo/submisso e agressivo/assertivo (ambos com mediana = 3,00). O
valor obtido na resposta do tipo submisso, assertivo, submisso/assertivo e
agressivo/submisso/assertivo, com mediana zero, expressa que pelo menos
50% dos participantes do GC não demonstraram essa tendência na forma
como resolveram os conflitos apresentados.
- No Grupo Experimental 1 (GE1), o maior valor mediano foi no
estilo puro agressivo (com mediana = 55,00) seguido do estilo puro
submisso (com mediana = 16,00). Os próximos valores foram encontrados
nos estilos assertivo, agressivo/submisso, agressivo/assertivo,
submisso/assertivo e agressivo/submisso/assertivo (todos com mediana =
0,00) mostrando que, pelo menos 50% dos participantes do GE1 não
demonstraram essas tendências na forma como resolveram os conflitos
apresentados.
- No Grupo Experimental 2 (GE2), o maior valor mediano
encontrado foi no estilo puro agressivo (com mediana = 45,00), em
seguida no estilo misto agressivo/assertivo (com mediana = 16,00). Os
próximos valores foram apresentados nos estilos puros submisso (com
mediana = 5,00) e assertivo (mediana = 4,00). Os valores obtidos nas
respostas dos tipos mistos agressivo/submisso, submisso/assertivo e
402
agressivo/submisso/assertivo, com mediana zero, expressam que pelo
menos 50% dos participantes do GC não demonstraram essa tendência na
forma como resolveram os conflitos apresentados.
As sessões de exposição aos desenhos no Grupo Experimental 1
foram realizadas em uma sala da Unidade, o desenho animado foi
projetado na parede com uso de um notebook e projetor, e durou em
média quinze minutos. As crianças se acomodaram em cadeiras e no chão,
sentadas ou deitadas. No total foram realizadas dez sessões, com frequência
de duas vezes por semana. Foram exibidos todos os episódios da temporada
(Ben 10 Omniverse), a qual, na época, estava sendo transmitida na TV
aberta.
Pós-teste
No pós teste da CATS encontramos os seguintes resultados:
- No Grupo Controle (GC), o maior valor mediano foi no estilo
puro submisso (com mediana = 40,00), em seguida compareceu o estilo
puro assertivo (com mediana = 30,00), o estilo misto agressivo/submisso
(com mediana = 10,00). Os próximos valores foram apresentados nos
estilos agressivo e submisso/assertivo (ambos com mediana = 5,00). Os
valores obtidos nas respostas dos tipos mistos agressivo/assertivo e
agressivo/submisso/assertivo tiveram mediana igual a zero, o que indica
que pelo menos 50% dos participantes do GC não demonstraram essas
tendências na forma como resolveram os conflitos apresentados.
- No Grupo Experimental 1 (GE1), o estilo puro assertivo teve a
mediana de maior valor (mediana = 30,00), seguido do estilo puro
submisso (com mediana = 25,00), em seguida compareceram os estilos
puro agressivo e o misto agressivo/submisso (ambos com mediana = 15,00)
e o estilo misto agressivo/assertivo (com mediana = 5,00). Os valores
403
obtidos nas respostas dos tipos mistos submisso/assertivo e
agressivo/submisso/assertivo tiveram mediana igual a zero.
- No Grupo Experimental 2 (GE2), o maior valor mediano foi no
estilo submisso (com mediana = 30,00), em seguida compareceram nos
estilos assertivo e submisso/assertivo (com mediana = 20,00). O próximo
valor foi apresentado no estilo misto agressivo/submisso (com mediana =
10,00). Os valores obtidos nas respostas dos tipos agressivo,
agressivo/assertivo e agressivo/submisso/assertivo obtiveram mediana igual
a zero.
Nas sessões de observação:
- No Grupo Controle (GC), o estilo puro agressivo teve a mediana
de maior valor (mediana = 100,00). Os valores obtidos nas respostas dos
demais tipos (submisso, assertivo, agressivo/submisso, agressivo/assertivo,
submisso/assertivo e agressivo/submisso/assertivo) tiveram mediana igual
a zero, o que indica que pelo menos 50% dos participantes do GC não
demonstraram as demais tendências na forma como resolveram os
conflitos apresentados.
- No Grupo Experimental 1 (GE1), o maior valor mediano foi no
estilo puro agressivo (com mediana = 25,00), em seguida no estilo misto
agressivo/assertivo (com mediana = 16,00). O valor obtido nas respostas
dos tipos submisso, assertivo, agressivo/submisso, submisso/assertivo e
agressivo/submisso/assertivo, com mediana zero, o que expressa que pelo
menos 50% dos participantes do GE1 não demonstraram essa tendência
na forma como resolveram os conflitos apresentados.
- No Grupo Experimental 2 (GE2), o maior valor mediano foi no
estilo puro assertivo (com mediana = 12,00). O valor obtido nas respostas
dos demais tipos (agressivo, submisso, agressivo/submisso, submisso/
assertivo e agressivo/submisso/assertivo), com mediana zero, expressa que
404
pelo menos 50% dos participantes do GE1 não demonstraram essa
tendência na forma como resolveram os conflitos apresentados.
Nas sessões de observação foi possível perceber as crianças bem à
vontade com a câmera, e com a análise dessas sessões, assim como das
entrevistas com a CATS, esperou-se compreender a forma como elas
interagiam entre si, em determinadas situações de conflitos, e entender se
o Programa de Intervenção gerou algum efeito.
Na análise do p-teste da CATS pudemos perceber que, apesar
das diferenças entre os grupos não terem sido estatisticamente significantes,
foi possível visualizar que o estilo agressivo compareceu com os maiores
valores medianos nos Grupos Controle e Experimental 1, marcando uma
presença importante. Os demais estilos assertivo e submisso - também
foram apresentados pelos diferentes grupos. Nas observações, por sua vez,
o estilo agressivo compareceu com maior predominância e nos três grupos.
Esses resultados indicam que, no pré-teste, a forma de resolução de
conflito agressiva foi uma das mais utilizadas pela maioria das crianças em
situações hipotéticas e, sobretudo, em situações reais. No Grupo
Experimental 2, na entrevista o maior valor mediano foi encontrado no
estilo submisso.
Esse fator vem justificar a aplicação do nosso Programa de
Intervenção. O referido Programa foi sendo elaborado a cada semana, por
isso houve uma flexibilidade e a possibilidade de trocas com as crianças,
uma vez que as opiniões delas foram fundamentais para a elaboração de
cada atividade, pensada para elas. O que pude perceber é que elas não
estavam acostumadas a serem ouvidas, o autoritarismo é o estilo que mais
entendiam, o obedecer por dever e quando se depararam com uma
proposta diferente eles não souberam lidar muito bem, no início, pois não
prestavam atenção nas atividades, mais brigavam entre si do que realizavam
405
as atividades propostas, todo momento eu tinha que chamar a atenção para
o que estava acontecendo ali no momento.
Com isso, senti que em alguns momentos eles não se envolveram,
mas com o decorrer dos dias, com a familiaridade comigo, eles começaram
a entender o sentido das atividades e se posicionar, seja a favor ou, até
mesmo, contra.
Ao procurar verificar o efeito do Programa de Intervenção,
buscamos os resultados das análises inter e intragrupos, de modo a
averiguarmos se encontraríamos mudanças ou variações importantes. No
que se refere aos resultados intergrupos do pós-teste, na CATS, obtivemos
variações significantes somente no estilo submisso, no qual o Grupo
Controle apresentou o maior valor mediano, quando comparado aos
demais grupos. Quando olhamos o conjunto dos valores nos diferentes
estilos, observamos que no Grupo Controle o maior valor mediano foi no
estilo submisso, no Grupo Experimental 1 o maior valor mediano foi no
estilo assertivo e no Grupo Experimental 2 no estilo submisso. Pôde-se
perceber, ainda, uma sutil diferença entre pré e pós-teste na análise geral
da CATS, pois o estilo agressivo, que no pré-teste apareceu com valor
considerável, apresentou valores baixos no pós-teste, independentemente
da análise por grupo, cedendo lugar aos estilos submisso e assertivo.
Ainda no que tange à análise intergrupos, no pós-teste referente às
sessões de observação, apesar de não terem sido encontradas diferenças
significantes, constatou-se que o valor mediano do estilo agressivo foi
marcadamente superior no Grupo Controle, quando equiparado aos
valores obtidos nos demais grupos da pesquisa nesse mesmo estilo. Na
visualização do conjunto dos dados, verificou-se que no Grupo Controle e
no Grupo Experimental 1 o estilo agressivo, com relação aos demais estilos,
foi o que apresentou o maior valor mediano, e no Grupo Experimental 2
foi o estilo assertivo que alcançou o maior valor. Embora essas variações
406
não terem sido estatisticamente significantes, pudemos perceber alguma
diferença, principalmente no Grupo Experimental 2, que participou do
Programa de Intervenção.
As comparações intragrupos da entrevista CATS nos mostraram
que a escolha pelo estilo agressivo foi maior no pré-teste do que no pós-
teste, porém com significância somente no Grupo Controle, e a escolha
pela tendência submissa de resolução de conflito aumentou no pós-teste,
no Grupo Controle (com significância) e no Grupo Experimental 1. A
tendência assertiva foi estatisticamente significante no Grupo
Experimental 1, na qual aumentou no pós-teste, enquanto que a escolha
pelo estilo misto submisso/assertivo diminuiu no pós-teste. No Grupo
Experimental 2 as diferenças não foram estatisticamente significantes,
porém os resultados demonstraram que a escolha pelo estilo misto
submisso/assertivo aumentou no pós-teste.
Quanto à análise intragrupos das observações, não obtivemos
valores significantes, porém pudemos verificar variações importantes em
que, no Grupo Controle, o estilo agressivo aumentou consideravelmente
no pós-teste e no Grupo Experimental 2, o estilo agressivo diminuiu no
pós-teste.
Considerações Finais
Por meio das observações e análise dos julgamentos e ações das
crianças, compreendemos que a veiculação desses conteúdos não influencia
diretamente na forma como as crianças resolvem conflitos hipotéticos e
reais. Um fator importante a destacar é que o que foi exposto para as
crianças nas sessões de exposição do desenho não foi nada novo, uma vez
que elas afirmaram já assistir esses desenhos em casa.
407
O Programa de Intervenção elaborado obteve efeitos sutis no
favorecimento de formas mais apropriadas de resoluções de conflitos
interindividuais, o que se justifica pelo pouco tempo destinado à realização
do mesmo. Para que uma intervenção dê resultados significativos e
duradouros é preciso que essa seja frequente e contínua, e as mudanças
devem partir não apenas de uma pequena amostra, mas de toda a estrutura
da instituição e das relações nela estabelecidas. Esse não é um fato isolado
uma vez que algumas pesquisas levantadas não obtiveram o êxito desejado
em seus programas de intervenção (BASTOS, 2014) por motivos
parecidos com os do nosso estudo.
Ao tecerem considerações sobre os resultados de uma pesquisa
realizada por diversos estudiosos do Brasil, que buscou identificar e relatar
experiências bem-sucedidas em Educação Moral e em Valores, Menin e
Bataglia (2013) relatam que das 1062 experiências identificadas,
pouquíssimas puderam ser consideradas como bem-sucedidas. As autoras
explicam que esse dado se deve à ausência de algumas condições que
podem ser consideradas como fundamentais para que um Programa dessa
natureza tenha êxito, a saber:
- A intervenção deve se originar de uma necessidade da própria
instituição que irá desenvolvê-la, ou seja, como uma demanda interna na
busca de compreensão e soluções para os problemas apresentados;
- A formação moral e em valores deve ser considerada como uma
missão da instituição e não como algo a ser delegada, ou atribuída a
responsabilidade, a terceiros;
- A iniciativa deve ser incluída no Projeto Pedagógico da instituição,
para que seja incorporada às suas práticas e planejamentos;
- Todos os membros da instituição devem ser envolver na
intervenção, como um projeto coletivo, para isso, os profissionais devem
408
ter formação, condições de trabalho favoráveis e a rotatividade deve ser
baixa;
- A intervenção deve abranger os diferentes momentos e espaços da
instituição, não ficando circunscrita a encontros restritos, turmas e
disciplinas específicas;
- A finalidade dos projetos deve ser o desenvolvimento da
autonomia moral, e não a obediência às regras e o controle disciplinar, para
isso os meios empregados devem ser coerentes com os fins, com métodos
ativos e não verbalistas e doutrinários;
- O projeto deve ser fundamentado teoricamente, para que não seja
desenvolvido com base em ações intuitivas e do senso comum;
- O projeto deve ser duradouro, ou seja, algo incorporado à rotina
da escola;
- E deve ser realizada uma avaliação permanente dos trabalhos
realizados.
Com base nessas considerações, reconhecemos que o Programa
desenvolvido nesta pesquisa apresentou limitações por não atender a vários
desses requisitos, uma vez que foi uma iniciativa isolada, pontual,
desenvolvida somente pela pesquisadora, em turmas específicas. Por outro
lado, alguns pontos foram contemplados, a saber: foi sistematizado e
embasado teoricamente; teve como finalidade o desenvolvimento da
autonomia moral e de formas mais assertivas de se relacionar; os meios
foram ativos; e houve uma avaliação sistemática.
Dadas as ponderações realizadas, pudemos perceber, não obstante,
que no grupo que participou do Programa as formas agressivas diminuíram
no pós-teste, o que não deixa de ser um fato importante, assim como as
crianças apresentaram maior coerência entre a forma como julgavam os
conflitos e aquelas pelas quais os resolviam na interação com os pares.
409
Nosso estudo contribuiu em questões metodológicas (por utilizar-
se de instrumentos e procedimentos como a escala CATS e as sessões de
observações), educacionais (por elaborar um Programa de Intervenção que
trabalhasse os aspectos sociomorais) e teóricas (uma vez que encontramos
dados importantes, sobretudo no que se refere à relação entre juízo e ação).
Todas essas contribuições abrem caminho para a realização de muitas
outras pesquisas e coloca questões a serem pensadas e estudadas.
Por fim entendemos que oportunizar as situações de conflito como
momentos de aprendizagem, discutir e refletir com as crianças sobre o que
assistem e levá-las a pensar sobre suas ações e juízos são fatores que
contribuem muito para o desenvolvimento moral e, consequentemente,
para a escolha de formas mais assertivas de resolução de conflitos.
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415
A Pesquisa Sobre Ética, Moral e Valores:
um balanço das teses e dissertações do programa de pós-
graduação em educação da FFC/UNESP de Marília
Matheus Estevão Ferreira da SILVA
1
Introdução
Em trabalho anterior, produzi o texto Direitos humanos, gênero e
sexualidade no Programa de Pós-Graduação em Educação da FFC/UNESP
de Marília: um balanço das teses e dissertações (2003-2019) (SILVA, 2020a)
publicado como o último capítulo da coletânea organizada por mim e pela
minha orientadora Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo, intitulada
Direitos humanos, diversidade, gênero e sexualidade: reflexões, diagnósticos e
intervenções na pesquisa em educação (SILVA; BRABO, 2020). Essa
coletânea, assim como a presente coletânea, concorreu e pleiteou um edital
interno (Edital 01/2020) de nosso PPGE para publicação de livros
acadêmicos, com financiamento pelo Convênio PROEX/CAPES
Auxílio n.° 0798/2018.
A proposta dessa coletânea anterior, também em certa similaridade
com a presente coletânea, foi a de divulgar resultados de pesquisas
desenvolvidas no âmbito de nosso PPGE que abordam a intersecção dos
direitos humanos e demais temas relativos à diversidade humana com
1
Mestre pelo Programa de Pós-graduação em Educação (PPGE) da Faculdade de Filosofia e
Ciências (FFC), Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP), Campus de
Marília, São Paulo, Brasil. E-mail: matheus.estevao2@hotmail.com
https://doi.org/10.36311/2022.978-65-5954-317-5.p415-438
416
ênfase em gênero e sexualidade com a Educação. Assim, no referido texto
anterior (SILVA, 2020a), tive como objetivo apresentar um balanço da
produção de teses e dissertações do Programa sobre os temas pontuados,
produção em que as pesquisas relatadas nos capítulos dessa coletânea estão
incluídas, de modo a desvelar seu estado, tendências, quais aspectos foram
suficientemente explorados e quais ainda carecem.
No presente capítulo, sigo a mesma proposta de apresentar um
balanço da produção de teses e dissertações de nosso Programa, mas agora
com relação aos temas aqui pertinentes, de ética, moral e valores. Como
percurso metodológico, novamente ancorei-me na técnica de estado da arte
(FERREIRA, 2002; ROMANOWSKI; ENS, 2006), que consiste na
aplicação sistematizada dos procedimentos de localizar, recuperar, reunir,
selecionar e organizar materiais de pesquisa com o objetivo de buscar a
inteligibilidade da produção científica de determinada área, tema ou objeto
estudado.
Assim, o texto deste capítulo foi organizado da seguinte forma: em
um primeiro momento, aborda-se um pouco da história do PPGE,
ressaltando algumas de suas características e principais mudanças ao longo
do tempo. Em um segundo momento, descreve-se a metodologia
empregada para o levantamento das teses e dissertações, que se caracterizou
como um levantamento do tipo de estado da arte. Em um terceiro
momento, apresenta-se a análise das teses e dissertações a partir dos
seguintes critérios: 1) tema abordado, 2) progressão temporal, 3)
orientação e 4) Linha de Pesquisa, ao mesmo tempo em que se distingue a
quantidade de teses e dissertações em cada um desses critérios. Por fim,
encerra-se o capítulo com as considerações finais.
417
O Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE)
da FFC/UNESP de Marília
Uma revisão mais extensa sobre a história do Programa de Pós-
Graduação em Educação (PPGE) da Faculdade de Filosofia em Ciências
(FFC), Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”
(UNESP), Campus de Marília, já foi feita no capítulo anterior supracitado
(SILVA, 2020a). Dessa forma, na presente produção apenas relembrarei
algumas de suas principais características e mudanças.
A pesquisa de pós-doutoramento de Castro (2010; 2011),
desenvolvida junto à Fundação Carlos Chagas (FCC) e concluída em 2010,
é até hoje a principal referência disponível sobre a história do PPGE da
FFC/UNESP. Nessa pesquisa, Castro (2010) reúne aspectos históricos
desse Programa e suas contribuições para a pós-graduação no Brasil, com
a delimitação temporal de 1988, data de sua criação, a 2008, ano anterior
ao início de sua pesquisa. Esses dados históricos reunidos pela autora
ajudam-nos a compreender algumas das transformações que o PPGE
sofreu e como chegou ao seu estado atual, por isso, principalmente nessa
pesquisa nos debruçaremos.
Em 2021, completam-se 33 anos de existência do PPGE. Sua
criação apesar de iniciada no ano de 1985, se concretizou em 1988.
Criado ainda no contexto paulista da jovem
2
UNESP, esse Programa
apresentava como objetivo a formação consistente de professores(as) e
pesquisadores(as) na região, esperando-se que “[...] uma pós-graduação em
Educação em Marília seria de grande importância para o centro-oeste e
norte do estado de São Paulo, além das regiões do norte do Paraná e das
2
De acordo com Silva (2020, p. 405), “a UNESP foi fundada em 1976, a partir da incorporação
dos Institutos Isolados de Ensino Superior do Estado de São Paulo, e, na época da criação do PPGE
da FFC/UNESP de Marília, dispunha de apenas um pouco mais de uma década de existência”.
418
regiões mais próximas do Mato Grosso [do Sul] e de Goiás” (CASTRO,
2011, p. 189).
O PPGE foi inicialmente previsto com duas Áreas de
Concentração: Ensino na Educação Brasileira e Administração da Educação
Brasileira, porém, foi firmado “com uma única área de concentração
‘Ensino na Educação Brasileira’. Essa área de concentração constituiu-se
com quatro (04) linhas de pesquisa, às quais se vincularam as disciplinas a
serem oferecidas” (CASTRO, 2011, p. 193).
Hoje, as áreas de concentração, expandidas nos anos seguintes à
data de sua criação, foram extintas, restando somente as Linhas de Pesquisa
nas quais o Programa se organiza: Linha 01 Psicologia da Educação:
Processos Educativos e Desenvolvimento Humano; Linha 02 Educação
Especial; Linha 03 Teoria e Práticas Pedagógicas; Linha 04 Políticas
Educacionais, Gestão de Sistemas e Organizações, Trabalho e Movimentos
Sociais; e Linha 05 Filosofia e História da Educação no Brasil. Como
ressalta Silva (2020a, p. 406), “sendo um Programa de Pós-Graduação
stricto sensu, as pesquisas nele desenvolvidas nas modalidades de Mestrado
e Doutorado abordam temas específicos e respectivos às Linhas de Pesquisa
em que se situam”.
No que tange à alguma linha teórica comum ou norteadora do
Programa, a resposta de seu primeiro coordenador a uma crítica da CAPES
sobre o currículo na época ofertado deixa claro que, desde sua criação:
[...] não privilegiamos uma determinada corrente teórica na área
educacional, como, por exemplo, uma abordagem marxista,
fenomenológica ou positivista da educação. Privilegiamos sim uma
abordagem pluralista em que várias tendências fossem representadas no
curriculum como um todo, ou mesmo, em alguns casos, no contexto
de uma única disciplina (UNESP, 1989, p. 16-17 apud CASTRO,
2010, p. 39).
419
Silva (2020a, p. 409) ressalta que “essa relativa pluralidade teórica
[...] manteve-se até hoje, com a congregação de Linhas de pesquisa e de
pesquisadores(as) com diferentes afiliações teóricas”, embora
paradoxalmente também se possa dizer que “[...] há áreas/temas/teorias
mais privilegiadas do que outras”.
Atualmente, o PPGE da FFC/UNESP dispõe de um corpo
docente constituído pelo total de 47 docentes. No triênio de 1999-2001,
como informa Castro (2010), cerca de duas décadas, sua composição
era somente de 29 docentes. Logo, verifica-se o aumento do número de
docentes como outra de suas características afirmadas, visto que esse
aumento se manteve mesmo com a transferência de vários docentes para
outros Programas de Pós-Graduação, à medida em que eles começaram a
ser implementados em outros campi da UNESP. Esses docentes deixavam
o Programa de Marília para se cadastrar nos Programas respectivos aos seus
campi de origem (CASTRO, 2010; 2011).
Não obstante, o PPGE também passou por importantes mudanças
em sua estrutura e organização. Algumas somente para se adequar às
alterações de Regulamento Interno, como em 2003 para atender às
exigências da Resolução UNESP-88 (UNESP, 2002), e outras que se
trataram propriamente de reestruturações, como ocorrido no ano de 1999
(COLETA CAPES, 2000 apud CASTRO, 2010).
Segundo Castro (2010, p. 99), outra característica afirmada na
história do Programa foi a tendência de, “[...] a todo tempo, adequar o
fluxo de produção das dissertações e teses ao tempo médio regulamentar e,
também, adequar este último aos padrões aceitos pela CAPES”. A autora
salienta que, na reestruturação de 1999, essa tendência fica evidente,
mediante a redução do tempo máximo para conclusão do Mestrado, de 04
anos para 03 anos, bem como em 2008, com nova redução do tempo do
Mestrado, de 03 anos para 02 anos, como se encontra hoje. Também vale
420
ressaltar que, em contraponto, no relatório de 2007 à CAPES (COLETA
DE DADOS, 2008), encontra-se manifestado o descontentamento do
Programa com tais medidas e com a maneira pela qual eram impostas, o
que evidencia um problema que a pós-graduação brasileira em geral tem
enfrentado nos últimos tempos, como argumentamos em trabalho anterior
(SILVA, 2020b).
Em termos de reconhecimento, atualmente o Programa dispõe de
conceito 6
3
, padrão de excelência e referência internacional, pela mais
recente Avaliação Quadrienal emitida pela Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), em 2017. E em
relação à sua produção, anualmente são admitidos, em média, 20 discente
de Mestrado e 20 discentes de Doutorado, de acordo com as vagas
disponíveis para orientação por parte dos(as) docentes.
Com base em um levantamento que reúne as teses e dissertações
produzidas no Programa, Castro (2009) elaborou o instrumento de
pesquisa intitulado Teses e dissertações do programa de pós-graduação em
educação da FFC-Unesp/Marília, produzidas entre 1991-2008. O quadro
seguir apresenta toda essa produção levantada pela autora e retratada nesse
instrumento, segundo a progressão das teses e dissertações ao longo dos
anos no período delimitado de 1991 a 2008.
3
Segundo Silva (2020, p. 406), “essa avalição realizada pela CAPES concentra-se na análise
comparativa e do estado da arte em cada área que os Programas avaliados se vinculam, classificando-
os pelos conceitos 3 (regular), que adverte padrão mínimo de qualidade, 4 (bom), 5 (muito bom),
padrão nacional de excelência, e os conceitos 6 e 7, de excelência internacional e de referência para
suas respectivas áreas”.
421
QUADRO 1 NÚMERO DE MESTRADOS E DOUTORADOS DO PPGE DA
FFC/UNESP DE MARÍLIA NO PERÍODO DE 1991-2008
Ano
Dissertação
Tese
Total
1991
4
0
4
1992
5
0
5
1993
9
0
9
1994
19
0
19
1995
19
0
19
1996
24
6
30
1997
26
9
35
1998
31
19
50
1999
14
23
37
2000
50
18
68
2001
28
39
67
2002
32
38
70
2003
34
23
57
2004
23
7
30
2005
15
20
35
2006
19
17
36
2007
27
18
45
2008
28
17
45
Total
420
241
661
Fonte: Silva (2020a) adaptado de Castro (2010)
Como mostra o Quadro 1, de 1991, quando concluídas as
primeiras dissertações de Mestrado, até o ano de 2003, foram produzidas
305 dissertações e 165 teses, que somam um total de 470 materiais. Esse
número representa 40% a mais do total de materiais nos quatro anos
seguintes, isto é, de 2004 a 2008, que tiveram 191 materiais produzidos
(112 dissertações e 79 teses), ainda que essa diferença também se deva em
razão do primeiro período ser constituído por oito anos a mais.
422
Feita essa breve exposição do PPGE e alguns de seus dados de
produção, no tópico a seguir descreve-se a metodologia delineada para a
elaboração de um balanço dessa produção quanto à abordagem dos temas
ética, moral e valores como temas de pesquisa. É sabido que tais temas não
se restringem à determinada Linha, embora não se saiba o lugar que têm
ocupado na produção do Programa, se apenas mais recentemente esse lugar
começou a esboçar ou se já se encontra consolidado na produção há algum
tempo. Diante do objetivo traçado neste texto, procura-se responder essas
e outras indagações.
Metodologia
Como mencionado, o percurso metodológico reconhecido como
mais adequado para a realização do balanço pretendido das teses e
dissertações do PPGE da UNESP/FFC de Marília, foi aquele propiciado
pela técnica de estado da arte (FERREIRA, 2002; ROMANOWSKI; ENS,
2006). Conforme argumentamos anteriormente sobre o estado da arte
(SILVA, 2020a, p. 414), “essa técnica é aderida por pesquisas que buscam
o reconhecimento, a organização e a inteligibilidade da produção científica
de determinada área ou tema que se faz objeto de investigação”. Nesse
sentido, Ferreira (2002, p. 258) salienta que as pesquisas denominadas de
estado da arte têm:
[...] o desafio de mapear e de discutir uma certa produção acadêmica
em diferentes campos do conhecimento, tentando responder que
aspectos e dimensões vêm sendo destacados e privilegiados em
diferentes épocas e lugares, de que formas e em que condições têm sido
produzidas certas dissertações de mestrado, teses de doutorado,
publicações em periódicos e comunicações em anais de congressos e de
seminários.
423
Para implementação do estado da arte, portanto, aplicaram-se os
procedimentos de localização, recuperação, reunião, seleção e organização
das teses e dissertações, o que se fez mediante a consulta na base de dados
Repositório Institucional da UNESP, a qual armazena em modalidade on-
line toda a produção científica, acadêmica, artística, técnica e
administrativa dessa Universidade. Visto que se pretendeu saber desde
quando se iniciaram as pesquisas sobre ética, moral e valores no PPGE, as
buscas na base foram feitas sem delimitação temporal. Os descritores
utilizados nas buscas, feitas em separado, foram respectivos aos três temas,
ou seja: “ética”, “moral” e “valores”.
No total, localizaram-se 333 dissertações e 263 teses a partir do
descritor “moral” (NM=598)
4
, 419 dissertações e 317 teses (NE=739) a
partir do descritor “ética”, e 496 dissertações e 362 teses (NV=861) a partir
do descritor “valores”, como apresentado no quadro disposto a seguir.
QUADRO 2 RESULTADOS DAS BUSCAS NA BASE DE DADOS REPOSITÓRIO
INSTITUCIONAL DA UNESP SEGUNDO A MODALIDADE DOS MATERIAIS, TESES
E DISSERTAÇÕES, DO PPGE DA FFC/UNESP DE MARÍLIA SOBRE MORAL,
ÉTICA E VALORES
Descritores
Quantidade de materiais encontrados
Dissertações
Teses
Total
Moral
333
263
598
Ética
419
317
739
Valores
496
362
861
Total dos resultados
1248
942
2.198
Fonte: Dados da pesquisa
4
Sendo N a abreviação de amostra em estatística, aqui NM, NE, e NV são abreviações respectivas
aos resultados encontrados com os descritores utilizados, bem como o número que vem a seguir,
que designa o total de materiais que constituem tais resultados.
424
Viu-se, contudo, que apenas por citarem algum desses temas no
seu texto, as teses e dissertações integravam os resultados encontrados
mediante as buscas no Repositório, ainda que não os tivesse como vínculo
temático investigativo, isto é, que não tinham ética, moral e valores como
seu tema de pesquisa. Por isso, consideraram-se somente os materiais
dispuseram de algum dos descritores no seu título ou resumo. Sendo esse
um critério de escolha, restaram apenas 41 dissertações e 28 teses
encontradas a partir do descritor “moral” (NM=69), 12 dissertações e 06
teses a partir do descritor “ética” (NE=18) e 13 dissertações e 10 teses com
o descritor “valores” (NV=23).
Após, buscou-se também considerar somente os materiais que
realmente tiveram ética, moral e valores como tema de pesquisa, visto que
-los no título ou resumo não garantiria isso. Sendo esse um critério de
exclusão, os resultados foram alterados no caso do tema moral e do tema
valores, restando 40 dissertações e 28 teses (NM=68) e 13 dissertações e
09 teses (NV=22) respectivamente. A Figura 1 disposta a seguir retrata
essas etapas de seleção da produção, mediante os critérios de escolha e de
exclusão.
425
FIGURA 1 ETAPAS DE SELEÇÃO DA PRODUÇÃO DE TESES E DISSERTAÇÕES DO
PPGE DA FFC/UNESP DE MARÍLIA SOBRE MORAL, ÉTICA E VALORES
Fonte: Dados da pesquisa
Não obstante, parte dos materiais se repetiram entre os resultados,
já que as pesquisas podem abordar mais de um descritor no seu título e,
portanto, como seu tema de pesquisa. Dessa forma, ao invés de 108 teses
e dissertações encontradas com todos os descritores, somando-se todos os
materiais encontrados com os três descritores, na verdade foram 77
materiais diferentes encontrados, sendo eles 33 teses e 44 dissertações. Em
relação a essa quantidade de teses e dissertações, ressalta-se que se trata de
um número considerável, principalmente se comparado com o número
ínfimo de materiais encontrados no levantamento anterior (SILVA,
2020a), sobre os temas direitos humanos, diversidade, gênero e sexualidade,
que se tratou de 21 materiais, sendo 06 teses e 15 dissertações. Ainda assim,
a média dessas 77 teses e dissertações defendidas no PPGE, se considerado
426
todo o seu período de existência, é de apenas 2,4 tese ou dissertação
defendida ao ano.
Depois de recuperados (ou seja, baixados, por estarem em meio
virtual), reunidos e selecionados (a partir dos critérios de inclusão e
exclusão), esses materiais foram organizados em um instrumento de
pesquisa, que é um documento que congrega as referências dos materiais
encontrados, que se intitulou Teses e dissertações do Programa de Pós-
Graduação em Educação da FFC/UNESP de Marília sobre ética, moral e
valores: um instrumento de pesquisa (SILVA, 2021).
No tópico a seguir, mediante a análise das informações fornecidas
pelo instrumento de pesquisa gerado pelo estado da arte, apresenta-se o
balanço das 77 teses e dissertações segundo os seguintes critérios
analisados: 1) tema abordado, 2) modalidade, 3) progressão temporal, 4)
orientação e 5) Linha de Pesquisa.
O Lugar das Pesquisas Sobre Ética, Moral e Valores na Produção do
PPGE da FFC/UNESP de Marília
O primeiro critério considerado foi o tema de pesquisa dos
materiais encontrados. Dessa forma, as teses e dissertações foram dispostas
segundo os descritores nos quais elas foram encontradas, entre “ética”,
moral” e “valores”, o que possibilitou identificar o número de materiais
vinculados a cada um dos três temas e em qual modalidade, se dissertação
(Mestrado) ou tese (Doutorado), sendo esse o segundo critério
considerado. Ainda nessa análise, entrecruzaram-se esses dois critérios com
a progressão temporal dos materiais, sendo esse o terceiro critério
considerado, de modo a também identificar a incidência da produção de
pesquisa sobre os temas no PPGE ao longo dos anos. No quadro a seguir,
apresenta-se essa análise dos materiais.
427
QUADRO 3 QUANTIDADE DE TESES E DISSERTAÇÕES DO PPGE DA FFC/UNESP
DE MARÍLIA SOBRE MORAL, ÉTICA E VALORES SEGUNDO O TEMA DE
PESQUISA, MODALIDADE E PROGRESSÃO TEMPORAL
Ano
Moral
Ética
Valores
Total
Teses
Dissertações
Teses
Dissertações
Teses
Dissertações
2003
0
1
0
1
1
1
4
2004
0
1
0
0
0
0
1
2005
1
0
0
0
1
0
2
2006
1
1
0
0
0
0
2
2007
3
1
0
1
1
1
7
2008
0
2
0
1
0
1
4
2009
0
0
1
0
0
0
1
2010
1
2
0
1
0
0
4
2011
0
1
0
0
0
0
1
2012
1
3
0
0
0
0
4
2013
4
1
1
1
2
0
9
2014
0
4
0
0
0
0
4
2015
2
3
0
1
1
2
9
2016
3
1
1
0
0
1
6
2017
1
5
1
1
1
2
11
2018
6
3
2
1
1
1
14
2019
3
6
0
1
0
1
11
2020
1
1
0
2
0
0
4
2021
1
4
0
1
1
3
10
Total
28
40
6
12
9
13
108
Fonte: Dados da pesquisa
A partir do Quadro 3, observa-se que houve maior quantidade de
materiais vinculados ao tema moral, com 28 teses e 40 dissertações
produzidas, do que vinculados aos temas ética, com 06 teses e 12
dissertações, e valores, com 09 teses e 13 dissertações. Quanto às diferenças
na quantidade de materiais que têm ética e valores como temas de pesquisa,
essas não foram tão significativas.
428
Como mostra o quadro, os primeiros materiais produzidos sobre
os temas foram publicados no ano de 2003, sendo 01 dissertação sobre
moral, 01 dissertação sobre ética, e 01 tese e 01 dissertações sobre valores,
totalizando 04 materiais nesse primeiro ano. A partir daí, a produção sobre
os temas permaneceu contínua nos anos seguintes, visto que em todos os
anos houve a publicação de pelo menos um material, tese ou dissertação,
embora com frequentes picos e baixas nessa produção, com seus picos
marcados nos anos de 2007, 2015, 2017, 2018, 2019 e 2021.
O gráfico de barras disposto a seguir foi produzido para se alcançar
uma melhor visualização desse dado, acerca da progressão temporal das
teses e dissertações, então o terceiro critério considerado para a análise dos
materiais. Esse gráfico demonstra a progressão dos materiais ao longo dos
anos segundo sua modalidade, se teses ou dissertações.
FIGURA 2 QUANTIDADE DE TESES E DISSERTAÇÕES DO PPGE DA FFC/UNESP
DE MARÍLIA SOBRE MORAL, ÉTICA E VALORES SEGUNDO O ANO DE
PUBLICAÇÃO EM GRÁFICO DE BARRAS E LINHA
Fonte: Dados da pesquisa
Como demonstra a Figura 2, a produção levantada pelo presente
estado da arte data de 2003, ano de publicação dos primeiros materiais
429
encontrados, a 2021, ano da realização desse levantamento no Repositório
Institucional da UNESP
5
, resultando em um período de produção de 18
anos. No entanto, é sabido que, antes do ano de 2003, a pesquisa sobre
moral, ética e valores já se fazia presente no PPGE, tal como se vê com a
dissertação de Mestrado e tese de Doutorado defendidas por Alessandra de
Morais Shimizu (1998; 2002) que os aborda, ambas pesquisas orientadas
por Maria Suzana de Stefano Menin que esteve credenciada como
orientadora nesse Programa de 1995 a 2001.
A hipótese que se tem para isso é a de que o Repositório consultado
congrega apenas as teses e dissertações defendidas após o ano de 2003.
Assim, um trabalho minucioso (e presencial) na Biblioteca da
FFC/UNESP de Marília é requerido para se saber o estado da produção
dessas pesquisas no PPGE antes de 2003. Dado o contexto de Pandemia
de COVID-19 que, até a produção e publicação deste livro, enfrenta-se,
este trabalho não pode ser realizado e contemplado no estudo relatado
neste texto.
Assim, se ignorados os anos desde a data de criação do PPGE em
1988 até o ano de 2002, uma vez que não se tem os dados da produção
nesse período, reafirma-se que a partir de 2003 essa produção se mostrou
contínua ao longo dos anos seguintes, até o ano de 2021. Os picos nessa
produção se verificaram nos anos de 2007, com 03 teses e 02 dissertações,
2015, com 02 teses e 04 dissertações, 2017, com 02 teses e 05 dissertações,
2018, com 07 teses e 03 dissertações, 2019, com 03 teses e 06 dissertações,
e 2021, com 01 tese e 04 dissertações. Em suma, pode-se identificar uma
tendência de aumento na produção a partir do ano de 2015 até o presente
5
O levantamento aqui exposto foi realizado em outubro de 2021. Após essa data,
outros materiais podem ser defendidos e publicados ainda em 2021, alterando o
número de teses e dissertações do PPGE referentes a esse ano.
430
momento, em 2021. Nos demais anos, a produção não passou de 05
materiais produzidos em cada.
Se levado em conta o levantamento de Castro (2009; 2010; 2011)
sobre o total da produção do Programa no período de 1991-2008, com
661 materiais, entre teses e dissertações, ainda assim pode-se considerar
que a presente produção investigada (77 materiais), um recorte dessa
produção total, é relativamente pequena. E isso se apoia no fato de que a
produção entre 2009 a 2021, período não contemplado no instrumento
de Castro (2009), aumentou o número total de teses e dissertações, que
hoje é muito superior a 661 materiais. Um novo levantamento desse total
de materiais do PPGE, como continuidade ao levantamento dessa autora
(2009), também é aqui demandado para estudos seguintes.
Outros levantamentos sobre a produção desse PPGE também
foram providenciados além de Castro (2010; 2011), como é o caso de
Manzini et al. (2006), com recortes temporal de 1993-2004 e temático à
Educação Especial, e de Santana, Castro e Lima (2018), que se
fundamentaram no instrumento de pesquisa de Castro (2009) para sua
investigação, com recortes temporal de 2005-2008 e também temático à
Educação Especial. Em síntese, Manzini et al. (2006), no decorrer de 10
anos, encontraram 55 materiais, mais que a metade do que encontramos
acerca dos temas ética, moral e valores no período de 18 anos (2003-2021),
enquanto Santana, Castro e Lima (2018), no período de 04 anos,
encontraram 24 materiais, menos da metade do que encontramos.
Fora do âmbito do PPGE da FFC/UNESP de Marília em
específico, considerando a produção de teses e dissertações no Brasil em
geral, La Taille, Souza e Vizioli (2004) encontraram 61 materiais sobre a
intersecção do tema ética com a Educação, considerando o período de
1990 a 2003. Da mesma forma, outros levantamentos, mas limitados a
investigações empíricas e veiculadas em artigos científicos, como os de
431
Dellazzana-Zanon et al. (2013) e Vinha e Vivaldi (2014), demonstraram
que a produção sobre os temas também não parece ser tão volumosa em
termos quantitativos, principalmente se levar em conta que investigam a
produção a nível nacional. No estudo de Dellazzana-Zanon et al. (2013),
encontraram-se 48 artigos produzidos no Brasil de 2000 até 2010
resultantes de estudos empíricos sobre desenvolvimento moral, enquanto
Vinha e Vivaldi (2014) encontraram apenas 17 artigos, entre 2002 a 2012,
que descrevem pesquisas empíricas em Psicologia e Educação sobre as
práticas morais escolares.
Agora em relação ao critério seguinte considerado na análise, que
foi a orientação dada à pesquisa que resultou na tese ou dissertação, por
um(a) dos(as) docentes do Programa, produziu-se o quadro a seguir.
QUADRO 4 QUANTIDADE DE TESES E DISSERTAÇÕES DO PPGE DA FFC/UNESP DE
MARÍLIA SOBRE MORAL, ÉTICA E VALORES SEGUNDO A ORIENTAÇÃO DA PESQUISA
Orientador(a)
Teses
Dissertações
Total
ALMEIDA, Ana Maria Freire da Palma Marques de
1
0
1
BARBOSA, Raquel Lazzari Leite
1
0
1
BARREIRO, Iraide Marques de Freitas
1
0
1
BATAGLIA, Patricia Unger Raphael
3
10
13
BUENO, Sinésio Ferraz
1
0
1
CARVALHO, Alonso Bezerra de
5
6
11
GELAMO, Rodrigo Pelloso
1
0
1
HORIGUELA, Maria de Lourdes Morales
1
0
1
MONTOYA, Adrian Oscar Dongo
4
5
9
MARTINS, Clélia Aparecida 1 2 3
MARTINS, Raul Aragão
8
11
19
MELLO, Suely Amaral
1
0
1
MORAIS, Alessandra de
1
8
9
NERY, Ana Clara Bortoleto
0
1
1
PAGNI, Pedro Ângelo
2
2
4
Total
33
44
77
Fonte: Dados da pesquisa
432
O Quadro 4 mostra que há uma distribuição maior de docentes
orientadores(as) mulheres do que homens, tomando-se como referência os
09 nomes femininos e os 06 nomes masculinos.
Quem mais orientou as pesquisas desse montante investigado foi
Raul Aragão Martins, com 19 pesquisas no total, sendo 08 teses e 11
dissertações, seguido de Patricia Unger Raphael Bataglia, que orientou 13
pesquisas, 03 teses e 10 dissertações, e Carlos da Fonseca Brandão, que
orientou 11 pesquisas, 05 teses e 06 dissertações. Depois deles, encontram-
se Adrian Oscar Dongo Montoya, com 09 pesquisas orientadas, sendo 04
teses e 05 dissertações, Alessandra de Morais (Shimizu), também com 09
pesquisas, 01 tese e 08 dissertações, e Pedro Ângelo Pagni, com 04
pesquisas, 02 teses e 02 dissertações. O restante dos(as) docentes
orientaram 01 pesquisa cada.
O último critério foi a distribuição dos materiais entre as cinco
Linhas de Pesquisa do PPGE, cuja disposição poderia revelar a existência
de alguma Linha mais produtiva do que outra em relação aos três temas e,
desse modo, se a produção se encontra concentrada em alguma delas. O
Quadro 6 apresenta essa última análise.
433
QUADRO 5 QUANTIDADE DE TESES E DISSERTAÇÕES DO PPGE DA FFC/UNESP
DE MARÍLIA SOBRE MORAL, ÉTICA E VALORES SEGUNDO A LINHA DE PESQUISA
QUE SE VINCULAM
Ano
Linha 01
Linha 02
Linha 03
Linha 04
Linha 05
Tese
Disse.
Tese
Disse.
Tese
Disse.
Tese
Disse.
Tese
Disse.
2003
0
0
0
0
1
0
0
1
0
0
2004
0
1
0
0
0
0
0
0
0
0
2005
1
0
0
0
0
0
0
0
0
0
2006
1
1
0
0
0
0
0
0
0
0
2007
1
1
0
0
0
0
1
0
1
1
2008
0
1
0
0
0
0
0
0
1
0
2009
0
0
0
0
0
0
0
0
1
0
2010
1
1
0
0
0
0
0
0
0
2
2011
0
1
0
0
0
0
0
0
0
0
2012
0
3
0
0
1
0
0
0
0
0
2013
2
1
0
0
0
0
0
0
2
0
2014
0
3
0
0
0
0
0
0
0
1
2015
2
3
0
0
0
0
0
0
0
1
2016
3
1
0
0
0
0
0
0
0
0
2017
0
4
0
0
1
0
0
0
1
1
2018
5
2
0
0
1
0
0
0
1
1
2019
2
6
0
0
0
0
0
0
1
0
2020
1
1
0
0
0
0
0
0
0
2
2021
0
4
0
0
0
0
0
0
1
0
Total
19
34
0
0
4
0
1
1
9
9
Fonte: Dados da pesquisa
O Quadro 5 demonstra que, na distribuição dos materiais segundo
as Linhas de Pesquisa, predominam os materiais vinculados à Linha 01 –
Psicologia da Educação, com 19 teses e 34 dissertações. Depois dela, as
Linhas com mais materiais foram: Linha 05 Filosofia e História da
Educação no Brasil, com 09 teses e 09 dissertações, Linha 03 Teoria e
Práticas Pedagógicas, com 04 dissertações, e Linha 4 Políticas Educacionais,
434
Gestão de Sistemas e Organizações [...], com 01 tese e 01 dissertação. Não
houve nenhum material vinculado à Linha 02 – Educação Especial.
Considerações Finais
Neste capítulo, busquei realizar um balanço sobre as pesquisas
desenvolvidas no PPGE da FFC/UNESP de Marília, analisando as
principais características dessa produção, características cuja
inteligibilidade, possibilitada mediante o estado da arte, não se referem ao
seu conteúdo. Como ressaltam La Taille, Souza e Vizioli (2004, p. 96)
sobre as limitações de seu levantamento que não entrou em contato com
o conteúdo dos materiais levantados, como é o caso do nosso levantamento
gerado pelo estado da arte, tomamos emprestado suas palavras: “é claro
que seria muito rico ler por inteiro todas as dissertações e teses [...].
Estamos conscientes das limitações de nossa pesquisa, mas esperamos que
inspire outras, notadamente realizadas em diferentes regiões do Brasil”.
Ainda assim, alguns aspectos sobre a produção desse PPGE
puderam ser evidenciados e, portanto, relevar o que se procurou responder
quanto ao lugar que as pesquisas sobre os temas em questão ocupam em
sua produção de pesquisa.
Em síntese, esse lugar pareceu se esboçar a partir do ano de 2003,
no entanto, sabe-se que ele está presente desde anos anteriores, requerendo
um levantamento que não pôde ser contemplado no Repositório
Institucional da UNESP consultado. Esse lugar se consolida como uma
produção contínua, presente em todos os anos a partir de 2003, e com
tendência ascendente a partir de do ano de 2015, embora haja baixas
alguns hiatos entre um ano e outro ano. Também se verificou que, nesse
lugar que a produção ocupa, há docentes que orientam mais pesquisas
sobre os temas do que outros, além de Linhas que também concentram
435
essa produção. Em análises futuras, sugere-se compreender quais as
abordagens teóricas e metodológicas empregadas por essas pesquisas e em
cada Linha, de modo a revelar possíveis tendências e necessidade de
diversificação nesses aspectos.
Tal como se referiu em relação à necessidade de um novo
levantamento do total de teses e dissertações do PPGE, como continuação
do estudo de Castro (2009) e contemplar o período que se passou depois
dele, ressalta-se que o balanço aqui apresentado se refere ao estado da
produção tal como se encontra atualmente. Novos levantamentos e
análises se farão necessários com tempo, à medida em que a produção
cresce e se transforma, tanto em relação ao presente recorte dos temas ética,
moral e valores, como dos direitos humanos, diversidade, gênero e
sexualidade (SILVA, 202a), da Educação Especial (MANZINI et al.,
2006; SANTANA; CASTRO; LIMA, 2018), e vários outros recortes
temáticos sobre essa produção que se acumula há mais de três décadas.
Mais uma vez, espera-se que este balanço sobre os temas, então
erigido nos moldes do estado da arte, além de contribuir para a
inteligibilidade da produção, também possa contribuir para o
desenvolvimento de novas pesquisas.
Referências
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em educação da FFC-Unesp/Marília, produzidas entre 1992-2008. In:
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Filosofia e Ciências de Marília (1988-2008) e suas contribuições para a
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Parcial de Pesquisa (Pós-Doutorado) Fundação Carlos Chagas, São
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CASTRO, R. M. de. Pós-Graduação em Educação da Faculdade de
Filosofia e Ciências de Marília (1988-2008) e suas contribuições para a
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doutorado) Fundação Carlos Chagas, São Paulo, 2010.
CASTRO, R. M. de. O programa de pós-graduação em educação da
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na Educação Brasileira. 220 f. Universidade Estadual Paulista “Júlio de
Mesquita Filho”, Campus de Marília. Marília, 1989. Impresso.
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morais nas escolas brasileiras: o estado do conhecimento. Revista de
Psicología, n. 1, n. 2, p. 263-270.
439
Sobre os Autores e Autoras
Alessandra de Morais é Psicóloga, com Mestrado e Doutorado em
Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE) da
Faculdade de Filosofia em Ciências (FFC), Universidade Estadual Paulista
(UNESP), Campus de Marília. É Master em Programas de Intervención
Psicológica en Contextos Educativos, pela Universidad Complutense de
Madrid (UCM) e Expert em Aprendizagem Cooperativa, pela Universidad
de Alcalá (UA), Espanha. É Professora Assistente junto ao Departamento
de Educação e Desenvolvimento Humano (DEPEDH) e ao PPGE a
FFC/UNESP de Marília. Também é Assessora científica da FAPESP e
Focalizadora de Danças Circulares.
Alonso Bezerra de Carvalho é Mestre em Educação pelo Programa de Pós-
Graduação em Educação (PPGE) da Faculdade de Filosofia em Ciências
(FFC), Universidade Estadual Paulista (UNESP), Campus de Marília, e
Doutor em Filosofia da Educação pela Faculdade de Educação (FE) da
Universidade de São Paulo (USP). Livre-Docente pela UNESP. Realizou
Pós-Doutorado em Ciências da Educação na Universidade Charles de
Gaulle, Lille, França. É Professor Associado junto ao Departamento de
Didática e ao Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE) da
FFC/UNESP de Marília. É Líder do Grupo de Estudo e Pesquisa em
Educação, Ética e Sociedade (GEPEES), cadastrado no Diretório do
CNPq.
Betânia Alves Veiga Dell’Agli é Psicóloga pela Pontifícia Universidade
Católica de Campinas (PUC-Campinas), Mestre e Doutora em Educação
pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Realizou Pós-
Doutorado em Ciência Médicas pela UNICAMP. É membro do Grupo
440
de Pesquisas em Psicologia do Desenvolvimento Moral (GPDM), da
Sociedade Brasileira de Psicologia do Desenvolvimento, da Association for
Moral Education (AME). É professora do Centro Universitário das
Faculdades Associadas de Ensino (FAE) e docente colaboradora do
Programa de Pós-Graduação em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento
Humano da Universidade de São Paulo (USP).
Carla Andressa Placido Ribeiro de França é Pedagoga, Mestre e Doutora
em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE) da
Faculdade de Filosofia em Ciências (FFC), Universidade Estadual Paulista
(UNESP), Campus de Marília. Membro do Grupo de Estudo de
Psicologia e Epistemologia Genética (GEPEGE) e do Grupo de Estudos e
Pesquisas em Psicologia Moral e Educação Integral (GEPPEI).
Desenvolveu pesquisas sobre o tema de Desenvolvimento Moral e
Educação Moral em Instituições de Acolhimento. Fez Iniciação Científica
e Mestrado com bolsa FAPESP. Atualmente exerce a função de Professora
de Atendimento Educacional Especializado (AEE) no município de
Marília, São Paulo.
Clarisse Zan de Assis Bastos é Pedagoga, Mestre e Doutora em Educação
pelo Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE) da Faculdade de
Filosofia em Ciências (FFC), Universidade Estadual Paulista (UNESP),
Campus de Marília. Foi bolsista de Doutorado da Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Membro do
Grupo de Estudos e Pesquisas em Psicologia Moral e Educação Integral
(GEPPEI) desde 2018.
441
Dilian Martin Sandro de Oliveira é Pedagoga e Mestre em Educação pelo
Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE) da Faculdade de
Filosofia em Ciências (FFC), Universidade Estadual Paulista (UNESP),
Campus de Marília. Doutora em Psicologia Escolar e Desenvolvimento
Humano pela Universidade de São Paulo (USP). Foi bolsista de Mestrado
da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
(CAPES) (de março-junho/2013) e da Fundação de Amparo à Pesquisa do
Estado de São Paulo (FAPESP) (de julho/2013-marco/2015). Na
graduação, foi bolsista de Iniciação Científica da FAPESP. É membro e
pesquisadora do Grupo de Pesquisa em Psicologia do Desenvolvimento
moral (GPDM) e do Grupo Profissão Docente e Ciência da Aprendizagem
(PDCA).
Felipe Colombelli Pacca é graduado em Pedagogia pelo Instituto de
Biociências, Letras e Ciências Exatas (IBILCE), Universidade Estadual
Paulista (UNESP), Campus de São José do Rio Preto, e em Comunicação
Social com Habilitação em Publicidade e Propaganda pela União das
Faculdades dos Grandes Lagos (Unilago), São José do Rio Preto. Mestre e
Doutorando em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação
(PPGE) da Faculdade de Filosofia e Ciências (FFC), Universidade
Estadual Paulista (UNESP), Campus de Marília. Atua como professor do
curso de Medicina e Coordenador de avaliação na Faculdade de Medicina
em São José do Rio Preto (Faceres) e como professor dos cursos de pós-
graduação lato sensu e coordenador pedagógico do Centro Universitário
Senac, unidade São José do Rio Preto.
442
Julia Neves Ferreira é graduada em Pedagogia e Mestre em Ensino e
Processos Formativos pelo Instituto de Biociências, Letras e Ciências
Exatas (IBILCE), Universidade Estadual Paulista (UNESP), Campus de
São José do Rio Preto. Atualmente é professora no Colégio Arte & Manha
Coeso. Desenvolve pesquisas na área da Psicologia da Educação com os
seguintes temas: educação moral, clima escolar e desenvolvimento infantil.
Luciana Maria Caetano é Mestre, Doutora e Livre-Docente em Psicologia
Escolar e do Desenvolvimento Humano pela Universidade de São Paulo
(USP). Coordena o Grupo de Pesquisas em Psicologia do
Desenvolvimento Moral (GPDM). É membro da Jean Piaget Society, da
Sociedade Brasileira de Psicologia do Desenvolvimento, da Association for
Moral Education (AME). Atua como Professora Associada do
Departamento de Psicologia da Aprendizagem, do Desenvolvimento e da
Personalidade (PSA) e Vice-Coordenadora do Programa de Pós-
Graduação em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano do
Instituto de Psicologia (IP) da USP.
Maíra de Oliveira Martins é Psicóloga, Mestre em Educação pelo
Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE) da Faculdade de
Filosofia em Ciências (FFC), Universidade Estadual Paulista (UNESP),
Campus de Marília. Atualmente é pesquisadora independente. É membro
do Grupo de Pesquisa, cadastrado no CNPq, “A proposta Pedagógica de
Rudolf Steiner”, pela Universidade Federal do Triângulo Mineiro
(UFTM). Está em formação em Medicina Pedagógica pela Seção Médica
da Sociedade Antroposófica no Brasil (SAB) em parceria com a Associação
Brasileira de Medicina Antroposófica (ABMA).
443
Manuel João Mungulume é graduado em Ensino de Filosofia pela
Universidade Pedagógica (UP) de Moçambique, Mestre e Doutorando em
Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE) da
Faculdade de Filosofia em Ciências (FFC), Universidade Estadual Paulista
(UNESP), Campus de Marília. Tem experiência na área de Filosofia, com
ênfase em Ética e Filosofia da Educação. É membro do Grupo de Estudo
e Pesquisa em Educação, Ética e Sociedade (GEPEES).
Mariana Lopes de Morais é Pedagoga, Mestre e Doutoranda em Educação
pelo Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE) da Faculdade de
Filosofia e Ciências (FFC), Universidade Estadual Paulista (UNESP),
Campus de Marília. Foi bolsista de Mestrado do Conselho Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Atualmente possui
bolsa da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
(CAPES). Vinculada ao Grupo de Estudos e Pesquisas em Psicologia
Moral e Educação Integral (GEPPEI).
Mateus de Freitas Barreiro é Doutorando em Educação pelo Programa de
Pós-Graduação em Educação (PPGE) da Faculdade de Filosofia e Ciências
(FFC), Universidade Estadual Paulista (UNESP), Campus de Marília. É
membro do Grupo de Estudo e Pesquisa em Educação, Ética e Sociedade
(GEPEES), cadastrado no CNPq. Tem experiência na área de Filosofia,
Psicologia da Educação, Psicologia Social e Psicanálise.
Matheus Estevão Ferreira da Silva é Pedagogo pela Faculdade de Filosofia
e Ciências (FFC), Universidade Estadual Paulista (UNESP), Campus de
Marília, Mestre e Doutorando em Educação pelo Programa de Pós-
Graduação em Educação (PPGE) da mesma instituição e graduando em
Psicologia pela Faculdade de Ciências e Letras (FCL), UNESP, Campus
444
de Assis. Na graduação em Pedagogia, foi bolsista de extensão do Núcleo
de Ensino (04 meses), PROEX (04 meses), de Iniciação Científica
PIBIC/CNPq (14 meses) e FAPESP (20 meses). Na graduação em
Psicologia, foi bolsista de Iniciação Científica FAPESP (07 meses). Foi
bolsista de Mestrado do CNPq (08 meses) e da FAPESP (16 meses). Atuou
como 1.º Secretário do Núcleo de Direitos Humanos e Cidadania de
Marília (NUDHUC) nas gestões de 2016-2018 e de 2019-2021.
Priscila Caroline Miguel é Psicóloga pela Universidade de Marília
(UNIMAR), Mestre e Doutoranda em Educação pelo Programa de Pós-
Graduação em Educação (PPGE) da Faculdade de Filosofia e Ciências
(FFC), Universidade Estadual Paulista (UNESP), Campus de Marília. Foi
bolsista de Mestrado da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de
Nível Superior (CAPES). Vinculada ao Grupo de Estudos e Pesquisas em
Psicologia Moral e Educação Integral (GEPPEI) desde 2018.
Raul Aragão Martins é Psicólogo pelo Centro Universitário Salesiano de
São Paulo (UNISAL), Mestre e Doutor em Psicologia pela Fundação
Getúlio Vargas (FGV-RJ). Possui Pós-Doutorado em Psicologia pela
University of Washington, Washington, Estados Unidos. É Livre-Docente
em Psicologia da Educação pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de
Mesquita Filho” (UNESP). É Professor Associado junto ao Departamento
de Educação do Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas
(IBILCE), UNESP, Campus de São José do Rio Preto, e do Programa de
Pós-Graduação em Educação (PPGE) da Faculdade de Filosofia e Ciências
(FFC), UNESP, Campus de Marília.
445
Renata Cristina Lopes Andrade é Doutora em Educação pelo Programa
de Pós-Graduação em Educação (PPGE) da Faculdade de Filosofia e
Ciências (FFC), Universidade Estadual Paulista (UNESP), Campus de
Marília. Professora do Centro de Educação, Letras e Artes (CELA) e do
Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE) da Universidade
Federal do Acre (UFAC). Professora do Programa de Pós-Graduação em
Educação (PPGEDU) da Universidade Federal do Rio Grande (FURG).
Associada da Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da
Educação (ANFOPE). Membro e pesquisadora dos Grupos de Estudos e
Pesquisas em Educação, "Trabalho Docente e Desenvolvimento
Profissional", "Ética e Sociedade" (GEPEES), “Desenvolvimento socio-
moral de crianças e adolescentes” e “Trabalho, Educação e Docência”
(GTED).
Rita Melissa Lepre é Psicóloga, Especialista em Neuropsicologia, Mestre
e Doutora em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação
(PPGE) da Faculdade de Filosofia e Ciências (FFC), Universidade
Estadual Paulista (UNESP), Campus de Marília. É Livre-Docente em
Psicologia da Educação pela UNESP. Líder do Grupo de Estudos e
Pesquisas em Desenvolvimento Moral e Educação (GEPEDEME). É
Professora Associada junto ao Departamento de Educação e coordenadora
do Programa de Pós-graduação em Docência para a Educação Básica
(PPGDEB) da Faculdade de Ciências (FC), UNESP, Campus de Bauru.
Stephanie Lee Basile Barboza Caseiro é graduada em Ciências Biológicas,
licenciatura e bacharelado, pela Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de
Catanduva (FAFICA), e em Pedagogia pela Universidade de Uberaba
(UNIUBE). Mestre em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em
Educação (PPGE) da Faculdade de Filosofia e Ciências (FFC),
446
Universidade Estadual Paulista (UNESP), Campus de Marília.
Atualmente é professora do Colégio Agostiniano São José. Tem
experiência na área de Educação, com ênfase em Psicologia da Educação e
Ciências da Natureza.
Thaís São João Castellini é graduada em Pedagogia pela Faculdade de
Ensino Superior do Interior Paulista (FAIP). Especialista em
Psicopedagogia Institucional pela Faculdade Paulista (FUNDEPE) e
Mestre em Educação pelo Programa de Pós-graduação em Educação
(PPGE) da Faculdade de Filosofia em Ciências (FFC), Universidade
Estadual Paulista (UNESP), Campus de Marília. Atualmente é Pós-
Graduanda em Neuropsicopedagogia Cnica pelo Grupo Rhema
Educação, Arapongas, Paraná.
Vinícius Bozzano Nunes é graduado em Educação Física pela
Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) e em Pedagogia pela
Faculdade de Administração, Ciências, Educação e Letras (FACEL). É
especialista em Bioética pela Universidade Federal de Lavras (UFLA),
Mestre em Educação pela Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT)
e Doutor em Educação pelo Programa de Pós-graduação em Educação
(PPGE) da Faculdade de Filosofia em Ciências (FFC), Universidade
Estadual Paulista (UNESP), Campus de Marília. É docente do Instituto
Federal de Mato Grosso do Sul, Campus Jardim. É membro da Associação
Movimento Educação Alternativa de Dourados, tendo sido cofundador do
Espaço Mitã, espaço coletivo que foi dedicado à Educação Infantil.
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SOBRE O LIVRO
Normalização
Kamilla Gonçalves
Diagramação
Mariana da Rocha Corrêa Silva
Ilustração da Capa
Priscilla dos Santos Ferreira
(www.behance.net/prihx)
Assessoria Técnica
Renato Geraldi
Oficina Universitária Laboratório Editorial
labeditorial.marilia@unesp.br
Formato
16x23cm
Tipologia
Adobe Garamond Pro
MATHEUS ESTEVÃO FERREIRA DA SILVA
A formação ética, moral e em
valores tem sido reivindicada no campo
normativo educacional brasileiro pelo
menos desde o processo de redemocra-
tização do país, com uma série de do-
cumentos e parâmetros promulgados a
partir desse período que a preveem da
Educação Básica à Superior.
A pesquisa sobre esses temas, e
a pesquisa em Educação mais especi-
camente, que os investiga no tocante
dos fenômenos educativos e processos
educacionais, conta com décadas de
produção e, no campo brasileiro, lis-
tam-se inúmeros Grupos de Estudos
e Pesquisas que têm contribuído com
o avanço cientíco na área e subsidia-
do a formação das novas gerações. Em
contexto local, a Faculdade de Filosoa
e Ciências (FFC), Universidade Esta-
dual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”
(UNESP), Campus de Marília, tem
sediado alguns desses Grupos que re-
únem pesquisadores(as) envolvidos(as)
com a pesquisa em Educação sobre
ética, moral e valores, além de promo-
ver eventos cientícos sobre os temas,
propiciar a pesquisa deles na graduação
(Iniciação Cientíca) e pós-graduação
(PPGs) e outras atividades relacionadas.
Nesse sentido, um dos espaços
da FFC/UNESP de Marília em que
ocorre o desenvolvimento desse tipo
de pesquisa é o seu Programa de Pós-
-Graduação em Educação (PPGE),
hoje com seus 33 anos de existência,
que possibilita a intersecção privilegia-
da desses temas com o campo da Edu-
cação.
Portanto, é diante do referido ar-
cabouço legal que autoriza, fundamenta
e prevê a formação ética, moral e em va-
lores no sistema educacional brasileiro,
assim como do crescente lugar que esses
temas têm ocupado na pesquisa cientí-
ca, que esta coletânea surge com a pro-
posta de divulgar resultados de pesquisas,
desenvolvidas no âmbito do PPGE da
FFC/UNESP de Marília, que abordam a
intersecção dos temas ética, moral e va-
lores com a Educação.
Todo o trabalho na e para pro-
dução deste livro foi realizado esperando
contribuir para a divulgação das pesqui-
sas desenvolvidas em nosso Programa,
assim como para o avanço da pesqui-
sa cientíca sobre os temas abordados.
Também foi nosso propósito tornar
acessível esse conhecimento cientíco
produzido não só para pesquisadores(as),
professores(as) e estudantes de gradua-
ção e pós-graduação, mas para qualquer
pessoa interessada e em busca de uma
formação ética, moral e em valores para
si e para o mundo.
Esta coletânea surgiu com a proposta de divulgar resultados de pes-
quisas, desenvolvidas no âmbito do Programa de Pós-Graduação em
Educação (PPGE) da Faculdade de Filosoa e Ciências (FFC), Univer-
sidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP), Campus
de Marília, que abordam a intersecção dos temas ética, moral e valores
com a Educação.
O livro reuniu 18 textos resultantes de pesquisas de Mestrado, Dou-
torado e Pós-Doutorado, concluídas ou em andamento, que foram
distribuídos em duas partes. Na primeira parte, Contribuições, análises
e reexões teóricas, encontram-se 11 textos que abordam resultados de
pesquisas que investigaram os temas em questão no ponto de vista te-
órico. Na segunda parte, Diagnósticos, intervenções e revisões da pesquisa
empírica, reúnem-se 08 textos resultantes de pesquisas empíricas ou de
revisões da produção dessas investigações.
15 desses textos são de autoria de discentes, que contam ou não com a
coautoria de seus(suas) respectivos(as) orientadores(as), enquanto os ou-
tros 03 textos são de autoria de professores(as) convidados(as), de algu-
ma forma também envolvidos(as) com o PPGE. Essa reunião de textos
resultou em um livro que trata de alguns dos principais tópicos da pes-
quisa em Educação sobre os temas em questão, de seus atuais avanços,
desaos e perspectivas futuras.
A FORMAÇÃO ÉTICA, MORAL E EM VALORES NA PESQUISA EM EDUCAÇÃO
MATHEUS E RAUL
organizadores
Programa PROEX/CAPES:
Auxílio Nº 396/2021
Processo Nº 23038.005686/2021-36
Mestre pelo Programa de Pós-graduação em
Educação (PPGE) da Faculdade de Filosoa e
Ciências (FFC), UNESP, Campus de Marília
Matheus Estevão Ferreira da Silva
Raul Aragão Martins
(organizadores)
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