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sonhos. Foi assim quando o pai diz que não leva jeito, que deveria parar com o
barulho que incomoda. Depois dessas
palavras, Ariel foi deixado de lado, o
desânimo tomou conta do que antes era tentativa e possibilidade e dessa forma o
silêncio ocupa o espaço do que antes eram notas, acordes, canto e músicas.
Em seguida falamos sobre o dia da agressão e principalmente sobre os dias
que sucederam a agressão. Beatriz começa me contando que aquele parecia um dia
normal, como outro qualquer. Era apenas mais um dia em que acordou, limpou a
casa, foi ao supermercado, trouxe pães. Mais um dia em que mexeu em seu
computador, conversou com amigos, atendeu um telefonema, fez planos, tomou seu
banho. Um dia que deveria ter sido como outro qualquer, mas não termina assim.
Alguma coisa rompeu com toda a normalidade daquele dia. Um barulho
estrondoso. Um susto. Um olhar do mal. Uma agressão brutal, sem explicação, sem
que merecesse, sem que pudesse entender o porquê, sem que tivesse qualquer
possibilidade de se defender. Mas, aquele dia foi apenas o primeiro de muitos dias
difíceis, dias de dores, dias de medo, de insegurança, de não saber em quem confiar.
O primeiro de muitos dias nada normais na vida de uma jovem de vinte e oito
anos.
Um dia em especial, a Beatriz, a menina medrosa e pacata, adolescente
quieta e tímida, a jovem com amigos, planos e trabalho, em um dia específico,
talvez no pior de todos eles, enterrou em si todos os seus sonhos. Esse dia foi aquele
em que perdeu a última esperança de manter viva um pouco das versões da Beatriz
de antes [...].
Nesse mesmo dia, naquela mesma hora, nasce a Beatriz que conheço hoje:
forte, ainda generosa, capaz de silenciar seu grito, aplacar a sua revolta, calar o seu
pranto, disfarçar a sua dor simplesmente para que a tia pudesse parar de chorar.
Tão forte que é capaz de consolar quando deveria ser consolada, de entender o outro
e se colocar no lugar quando na verdade deveria apenas ser compreendida e deixar
que outros se colocassem em seu lugar. Forte o bastante para se reinventar a cada
dia, fazer outros e novos planos, conviver com um trauma sem deixar de lado a
doçura. Fez-se forte, mas não se tornou dura [...].
Muitos desafios ainda se levantariam em seu caminho. Como lidar com
pessoas que se vitimizam quase desrespeitando e banalizando a brutalidade que
sofreu? Como lidar com pessoas que a culpabilizam como se tivesse feito algo terrível