(Organizador)
100 anos de Florestan Fernandes: legado de ciência e militância
Marcelo Augusto Totti (Org.)
FLORESTAN
FERNANDES
legado de ciência e
militância
Marcelo Augusto Totti
100 anos de
Florestan Fernandes completaria 100
anos em 2020. Filho de Maria Fernandes
imigrante portuguesa que veio trabalhar
nas lavouras brasileiras, conheceu as
agruras da vida desde sua infância,
segundo suas próprias palavras nunca
teria se tornado o sociólogo que se foi,
sem sua origem “plebeia” e sua
socialização pré e extraescolar. Essa
aprendizagem sociológica se iniciou aos 6
anos de idade quando precisou ganhar a
vida como adulto, trabalhando como
engraxate. Mas eu diria que ela é anterior,
sua mãe desiludida com o trabalho nas
lavouras do interior paulista decide se
mudar para a capital e passa a trabalhar
como doméstica na casa da família
Bresser. Grávida de Florestan, Hermínia
Bresser de Lima que seria a madrinha de
Florestan, de origem abastadas e com
hábitos requintados recusava a chamá-lo
pelo nome de Florestan, nome de origem
alemã fruto de um personagem de uma
ópera de Beethoven, não era um nome
para um filho de uma lavadeira, assim a
madrinha “rebatiza-o” chamando-o de
Vicente. Florestan vivenciara outra
experiência sociológica, que é o
preconceito das elites brasileiras para com
o povo brasileiro oriundo das classes
subalternas. Tal preconceito, Florestan
estudou de forma mais aprofundada em
suas pesquisas sobre as relações raciais e a
inserção do negro na sociedade de classes,
identificando as origens históricas e
estruturais do racismo no Brasil que
remontam à nossa herança de um passado
escravocrata.
Enfrentou as dificuldades como grande
parte da população brasileira, trabalhou
como garçom no bar do Bidu, lia atrás do
balcão nos momentos de menor
movimento, o que despertou o interesse
de professores frequentadores do local. O
incentivo dos professores que ali
frequentavam rendeu frutos, realizou os
estudos no antigo curso de madureza e
através de um desses frequentadores
desse bar conseguiu um emprego em uma
empresa de produtos químicos,
possibilitando melhores condições
socioeconômicas.
As dificuldades para o jovem de origem
“plebeia” não se resumiriam aí, o desafio
de entrar no ensino superior era algo
muito distante. A recém-criada
Universidade de São Paulo, pública e
gratuita, era uma alternativa. Criada pelas
elites e para as elites, a entrada de
estudante trabalhador com formação em
curso de madureza contrastava com o tom
aristocrático e erudito dos professores e
dos estudantes da elite paulista. Para
sanar o que denominou de um déficit
cultural empreende uma rotina monástica
de estudo que incluía leituras em bondes,
bancos de praças e permanecendo até o
apagar das luzes na biblioteca municipal.
A aprovação no vestibular não foi das
mais fáceis, com uma banca composta por
dois professores franceses, com prova oral
em francês de um livro de um sociólogo
francês, parecia uma barreira quase
intransponível para o egresso do curso de
madureza. Florestan lia em francês e
conhecia bem o livro de Durkheim Da
divisão do trabalho social e pede para
realizar a prova em português, os
arguidores acharam a situação inusitada,
mas acatam o pedido do candidato que é
aprovado (dos 29 concorrentes apenas 6
foram aprovados).
Florestan Fernandes não foi apenas um
sobrevivente, foi um vencedor! Remou
contra a maré em mares turbulentos,
enfrentou temas e pesquisas pouco afeitos
em sua época na sociologia, imprimiu um
modelo de ciência sociológica colocando a
sociologia ao lado dos problemas
reclamados pela sociedade. Lutou pela
escola pública, pela universidade pública,
esteve ao lado dos deserdados da terra,
militante socialista, seu mandato como
deputado funcionava como uma forma de
tribuno da plebe: uma voz para aqueles
que não tem voz.
Em uma sociedade como a brasileira
marcada por graves problemas
estruturais, de desigualdades étnicas,
raciais e sociais, as ideias e os escritos de
Florestan Fernandes são mais que
necessários e se mantém vivos na luta dos
trabalhadores, na Escola Nacional do
Movimento dos Trabalhadores Sem Terra
que leva seu nome, nas escolas públicas,
nas universidades públicas, nos debates e
esse livro pretende ser mais uma
contribuição para manter a chama de suas
ideias acesa, que iluminam o caminho de
um passado obscuro e guiam para um
futuro alternativo de utopia e de
esperança para a sociedade brasileira.
FLORESTAN FERNANDES, Sempre
Presente!