Direitos humanos,
gênero, cidadania
e educação
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo
(Org.)
Direitos humanos, gênero,
cidadania e educação
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
9 786559 542789
ISBN 978-65-5954-278-9
Ao longo desses vinte e quatro anos de atividades
em Marília e região, no âmbito acadêmico, o
NUDHUC tem se dedicado à formação, à produção
de publicações e à orientação de pesquisas,
pretendendo promover reflexão crítica e apro-
fundar o conhecimento acerca da educação em
direitos humanos, gênero, raça/etnia, cidadania,
dentre outros temas.
Após a realização dos eventos científicos, visan-
do sempre relembrar a história de luta para
garantia dos direitos de todas as pessoas na
História do nosso país e da humanidade, para que
as novas gerações a conheçam e reflitam sobre
o valor da liberdade, dos direitos humanos, do
respeito e da dignidade para todas as pessoas,
valores estes da Democracia, tem sido publica-
dos textos originados dos eventos.
Nessa perspectiva, contamos, nesta coletânea,
com a participação de pesquisadores(as) e
militantes defensores dos Direitos Humanos da
Argentina, da Espanha e do Brasil que têm se
dedicado a registrar a História, analisando, do
ponto de vista geral, através da Sociologia, da
Psicologia e da Educação, os condicionantes para
os avanços e recuos no que diz respeito à garan-
tia dos Direitos Humanos, para pensarmos nos
desafios da atualidade que estão postos num
momento em que constatamos ações de grupos
conservadores se organizando pela aprovação
de projetos como o Escola sem Partido, além de
ataques aos direitos humanos e seus defensores
e defensoras, que mostram a resistência dando
exemplo de exercício da cidadania plena.
Direitos humanos,
gênero, cidadania
e educação
Direitos humanos,
gênero, cidadania
e educação
Marília/Ocina Universitária
São Paulo/Cultura Acadêmica
2022
T S A M B
(Organizadora)
UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA
FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS - FFC
UNESP - campus de Marília
Diretora
Profa. Dra. Claudia Regina Mosca Giroto
Vice-Diretora
Profa. Dra. Ana Cláudia Vieira Cardoso
Editora aliada:
Cultura Acadêmica é selo editorial da Editora UNESP
Ocina Universitária é selo editorial da UNESP - campus de Marília
Copyright © 2022, Faculdade de Filosoa e Ciências
Conselho Editorial
Mariângela Spotti Lopes Fujita (Presidente)
Adrián Oscar Dongo Montoya
Célia Maria Giacheti
Cláudia Regina Mosca Giroto
Marcelo Fernandes de Oliveira
Marcos Antonio Alves
Neusa Maria Dal Ri
Renato Geraldi (Assessor Técnico)
Rosane Michelli de Castro
Ficha catalográca
D598 Direitos humanos, gênero, cidadania e educação / Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo
(org.). – Marília : Ocina Universitária ; São Paulo : Cultura Acadêmica, 2022.
500 p. : il.
Inclui bibliograa
ISBN 978-65-5954-278-9 (Impresso)
ISBN 978-65-5954-279-6 (Digital)
DOI: https://doi.org/10.36311/2022.978-65-5954-279-6
1. Direitos humanos. 2. Identidade de gênero. 3. Cidadania. 4. Educação. 5.
Relações de gênero. I. Brabo, Tânia Suely Antonelli Marcelino. II. Título.
CDD 370.19
Andre Sávio Craveiro Bueno – Bibliotecário – CRB 8/8211
Imagem capa: https://stock.adobe.com/br - Arquivo nº 487049198. Acesso em 10/08/2022
S
Apresentação ------------------------------------------------------------------------- 9
A Escuta Freiriana e os Direitos Humanos: aproximações possíveis
Paulo Peixoto de Albuquerque; Solon Eduardo Annes Viola --------------------- 13
A inserção dos Direitos Humanos na Educação Superior brasileira: trajetória,
desaos e possibilidades
Talita Santana Maciel; Carlos da Fonseca Brandão ------------------------------ 33
Estado de exceção e táticas guerreiras: o processo de militarização da segurança
pública no Brasil
Luís Antônio Francisco de Souza; Carlos Henrique Aguiar Serra --------------- 65
A prevenção e o combate do trabalho escravo de imigrantes no Brasil por meio
da educação em Direitos Humanos
Aline Oliveira Gotardo; Luciano Meneguetti Pereira ----------------------------- 83
A formação de Professoras e Professores pró-gênero para a Educação Básica: a
Didática no ensino de Direitos Humanos das mulheres
Ana Laura Bonini Rodrigues de Souza; Rosane Michelli de Castro ------------- 121
“Educar” el género en las aulas: repensando la práctica desde los Derechos
Humanos
Vicent Bellver Loizaga --------------------------------------------------------------- 133
Hacia la construcción de la democracia amorosa en los noviazgos de
adolescentes
Marta Krynveniuk; Graciela Cuman ---------------------------------------------- 153
Violencia de género: los silencios en la música
Gabriela A. Ramos ------------------------------------------------------------------- 171
Ciudadanía en movimiento: cultura física y cultura física femenina en los
colegios secundarios de la Universidad Nacional de La Plata –Argentina-
(1929-1936)
Pablo Kopelovich --------------------------------------------------------------------- 193
Psicologia, diversidade sexual e Direitos Humanos: constituições históricas
Suelen Cristina Landi Ramos; Janaine Braga Ramos ---------------------------- 221
Notas sobre Gênero, Desenvolvimento Desigual e Combinado e Teoria das
Relações Internacionais
Rodrigo Duarte Fernandes dos Passos ----------------------------------------------- 243
Fera Ferida: transmasculinidades para além da hegemonia do masculino
machista
Cin Falchi ---------------------------------------------------------------------------- 267
O combate da homofobia nas escolas: reexões para ações pedagógicas
Elói Maia de Oliveira --------------------------------------------------------------- 283
Gramsci, feminismo e hegemonia: uma análise
Rodrigo Duarte Fernandes dos Passos; Ana Cristina Franzin Yamashita ------- 297
As relações dialógicas na constituição do discurso do eterno feminino de
Simone de Beauvoir
Cleunice Terezinha da Silva Ribeiro Tortorelli; Daniele Aparecida Russo;
Cyntia Graziella Guizelim Simões Girotto; Sandra Aparecida Pires Franco --- 3157
Signicados en torno al derecho a ser escuchados/as. Encuesta a estudiantes
de Comunicación Social del Departamento de Ciencias Sociales en la
Universidad Nacional de Quilmes
Caroline Keller; Matías Penhos ----------------------------------------------------- 331
Era o menino e o sol. O menino e o rio. Era o menino e as árvores: Manoel de
Barros em seus enunciados de/para/com a infância
Ana Claudia Bazé de Lima; Cyntia Graziella Guizelim Simões Girotto;
Daniele Aparecida Russo; Sandra Aparecida Pires Franco;
Amanda Valiengo; Andressa Cristina Molinari ----------------------------------- 389
Pesquisas stricto sensu em e relativas à Educação em Direitos Humanos no Brasil:
um panorama do estado da arte (2006-2018)
Matheus Estevão Ferreira da Silva; Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo --- 407
Gênero e sexualidade nas políticas educacionais brasileiras (1920-2002)
Dayenne Karoline Chimiti Pelegrini ----------------------------------------------- 429
As mulheres nas carreiras jurídicas: desaos da construção e permanência da
igualdade de gênero
Ana Cláudia dos Santos Rocha; Larissa Mascaro Gomes da Silva de Castro;
Ancilla Caetano Galera Fuzishima ------------------------------------------------- 447
A nova fase da contrarrevolução brasileira e a urgência da educação para
além do capital
Henrique Tahan Novaes ------------------------------------------------------------- 465
Sobre os autores ---------------------------------------------------------------------- 485
| 9
A
O Núcleo de Direitos Humanos e Cidadania de Marília, NUDHUC,
foi criado a partir da realização da VI Jornada Pedagógica Educação pela Paz,
promovida pela Faculdade de Filosoa e Ciências (FFC) da Universidade
Estadual Paulista (UNESP) – Campus de Marília completando, no
ano de 2021, vinte e quatro anos de existência e de trabalho voltado à
educação em Direitos Humanos em Marília (SP) e região. Em 2012, em
reconhecimento a todas as atividades desenvolvidas nessa trajetória voltada
à educação em Direitos Humanos, recebeu o Prêmio Direitos Humanos
2012, concedido pela Secretaria Nacional de Direitos Humanos, da
Presidência da República, na Categoria Educação e Direitos Humanos.
Inspirado na Declaração Universal dos Direitos Humanos, nos
Programas Nacional, Estadual e Municipal de Direitos Humanos,
o Núcleo tem desenvolvido um amplo processo de educação para a
cidadania através da realização de projetos de extensão universitária junto
a escolas públicas e comunidade em geral. Dentre as outras atividades que
têm desenvolvido nessa trajetória, ressaltamos os cursos de formação de
educadores(as) e de multiplicadores sociais; mesas-redondas e organização
de seminários temáticos nacionais e internacionais na Universidade, além
de contribuir para a inserção do tema no Curso de Pedagogia e no Curso
de Pós-Graduação em Educação, ambos da FFC-UNESP-Campus de
Marília. Importante ressaltar que coordenou também um processo de
elaboração do Programa Municipal de Direitos Humanos, envolvendo
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
10 |
tanto a Universidade quanto o poder público e comunidade em geral,
iniciado em 2018 e nalizado em 2019.
Ao longo desses vinte e quatro anos de atividades em Marília e
região, no âmbito acadêmico, o NUDHUC tem se dedicado à formação,
à produção de publicações e à orientação de pesquisas, pretendendo
promover reexão crítica e aprofundar o conhecimento acerca da educação
em direitos humanos, gênero, raça/etnia, cidadania, dentre outros temas.
Após a realização dos eventos cientícos, visando sempre relembrar
a história de luta para garantia dos direitos de todas as pessoas na História
do nosso país e da humanidade, para que as novas gerações a conheçam
e reitam sobre o valor da liberdade, dos direitos humanos, do respeito e
da dignidade para todas as pessoas, valores estes da Democracia, tem sido
publicados textos originados dos eventos.
Nessa perspectiva, contamos, nesta coletânea, com a participação
de pesquisadores(as) e militantes defensores dos Direitos Humanos da
Argentina, da Espanha e do Brasil que têm se dedicado a registrar a História,
analisando, do ponto de vista geral, através da Sociologia, da Psicologia
e da Educação, os condicionantes para os avanços e recuos no que diz
respeito à garantia dos Direitos Humanos, para pensarmos nos desaos da
atualidade que estão postos num momento em que constatamos ações de
grupos conservadores se organizando pela aprovação de projetos como o
Escola sem Partido, além de ataques aos direitos humanos e seus defensores
e defensoras, que mostram a resistência dando exemplo de exercício da
cidadania plena.
Iniciando as reexões, os autores relembram o legado de Paulo
Freire, atual e necessário para analisarmos a realidade atual brasileira, neste
momento em que comemoramos os 100 anos de nosso eterno mestre e
o homenageamos no texto intitulado “A Escuta Freiriana e os Direitos
Humanos: aproximações possíveis”. O segundo texto versa sobre “A
inserção dos Direitos Humanos na Educação Superior brasileira: trajetória,
desaos e possibilidades”, mostrando os caminhos para a inserção do tema
dos Direitos Humanos na Educação Superior e os desaos que ainda estão
postos para que esta formação se dê em todas as áreas do conhecimento,
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
| 11
conforme contemplam o Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos
(BRASIL, 2013) e as Diretrizes Nacionais para a Educação em Direitos
Humanos (BRASIL, 2012).
O terceiro texto intitulado “Estado de exceção e táticas guerreiras:
o processo de militarização da segurança pública no Brasil”, versa sobre
os aspectos que dizem respeito ao processo de militarização da segurança
pública no Brasil que vem sendo desenvolvido nas últimas décadas. No
quarto texto, o tema é a prevenção e o combate ao trabalho escravo de
imigrantes através da educação em Direitos Humanos no Brasil. Abordando
também a educação, em especial a formação para a igualdade de gênero,
de Professoras e Professores para a Educação Básica, no quinto texto,
as autoras demonstram como a Didática pode contribuir ao promover
reexões críticas acerca dos Direitos Humanos das Mulheres. No sexto
texto, contamos com o olhar de outro país, a Espanha, quando o autor
também explicita como, ao trabalhar os Direitos Humanos em sala-de-
aula, podemos contribuir para a educação em gênero. Outra experiência,
desenvolvida na Argentina e voltada à, denominada pelas autoras,
democracia amorosa, mostra a importância das práticas pedagógicas para
a formação humana, que contempla os valores da Democracia no sétimo
texto. Na sequência, temos o oitavo texto no qual a autora propõe outra
reexão importante que se refere à naturalização da violência contra as
mulheres através da música argentina, que constatamos também no Brasil.
Relembrando parte da história da educação das mulheres na Argentina, no
nono texto, o autor discorre sobre o vivenciar da cidadania pelas alunas
dos Colégios Secundários, da Universidade Nacional de La Plata, entre os
anos de 1929 e 1936.
No texto seguinte, as autoras resgatam as constituições históricas
sobre a diversidade sexual e os Direitos Humanos na área da Psicologia.
No décimo primeiro texto, o autor discorre sobre a relação entre gênero
e o desenvolvimento desigual e combinado abordando a teoria das
Relações Internacionais. No décimo segundo texto, o autor reete sobre
“Transmasculinidades para além da hegemonia do masculino machista”.
No décimo terceiro texto, o autor aborda o combate da homofobia nas
escolas. No texto seguinte, através dos escritos de Gramsci, o autor e a
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
12 |
autora analisam o feminismo. Na sequência, as autoras também reetem,
no décimo quinto texto, sobre o eterno feminino a partir da obra de
Simone de Beauvoir. No texto seguinte, são apresentados resultados de
uma pesquisa realizada junto a estudantes do Curso de Comunicação
Social do Departamento de Ciências Sociais na Universidade Nacional
de Quilmes, na Argentina, sobre o direito de serem ouvidos(as). No
décimo sétimo, as autoras discorrem sobre o tema a partir da literatura
infantil. No décimo oitavo texto, a reexão é feita trazendo um panorama
do estado da arte de pesquisas sobre Educação em Direitos Humanos no
Brasil. No décimo nono texto a autora analisa, do ano de 1920 a 2002, as
políticas educacionais brasileiras para constatar se, quando e como gênero
e sexualidade são contemplados. Na sequência, as autoras abordam os
desaos para a igualdade de gênero vivenciados pelas mulheres que atuam
nas carreiras jurídicas. Finalizando as reexões, o autor discorre sobre a
conjuntura atual ressaltando a urgência da educação para além do capital.
Terminamos com agradecimentos às companheiras e companheiros
que aqui apresentaram o resultado de seus importantes estudos, estimulando
o debate necessário para a análise acerca dos desaos que ainda estão postos,
para contribuirmos para um mundo mais humano e justo, para que ocorra
a concretização da educação para a igualdade de gênero e para a cultura dos
direitos humanos na sociedade.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo
BRASIL. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Resolução nº 1, de
30 de maio de 2012. Estabelece diretrizes nacionais para a educação em direitos humanos.
Diário Ocial da União, Brasília, DF, 31 de maio de 2012.
BRASIL. Comitê Nacional de Educação em Direitos Humanos. Plano Nacional de
Educação em Direitos Humanos. 2. ed. Brasília, DF: Secretaria Especial dos Direitos
Humanos, Ministério da Educação, Ministério da Justiça; UNESCO, 2013.
| 13
A E F   D
H:  
Paulo Peixoto de Albuquerque
1
Solon Eduardo Annes Viola
2
Se a vida é um processo de conhecimento, os seres vivos constroem esse
conhecimento não a partir de uma atitude passiva e sim pela interação.
Aprendem vivendo e vivem aprendendo. (A árvore do conhecimento,
Humberto Maturana).
O cOtidianO e a insinuaçãO de um saber
Do latin, prae-fatio, signica ação de falar ao princípio de ou sobre algo.
Para nós, trata-se de um exercício difícil pois signicava aproximar
pensamentos próximos no tempo e textos tão signicativos como: os
princípios de sociabilidade que a Declaração Universal dos Direitos
Humanos anunciava há 70 anos; as teorias pedagógicas que Paulo Freire
Doutor em Sociologia pela Université Catholique de Louvain-la-Neuve, professor da Faculdade de Educação
na Universidade Federal do Rio Grande do Sul
Doutor em História pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos, Membro da Rede Brasileira de Educação e
Direitos Humanos.
https://doi.org/10.36311/2022.978-65-5954-279-6.p13-32
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
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anunciava na Pedagogia do Oprimido fazem 50 anos e a Constituição
Federal, que passados pouco mais de 30 anos e, à época, chamada de
Constituição Cidadã. Trata-se, também, de um exercício inquietante na
medida em que tanto a Declaração Universal, o pensamento de Freire e
Constituição encontram-se sob ameaça da retórica da morte e o culto do
obscurantismo medieval.
Textos que celebram um olhar diferente sobre um modo de pensar as
relações sujeito político e coletividade; textos que reetem um pensamento
complexo e avesso às formulações simplistas que parecem fazer parte do
nosso cotidiano neste Brasil de 2020.
Que dizer de Paulo Freire que já não foi dito? Que dizer de uma obra
que tem no seu cerne um pensar nada ambíguo sobre o sujeito concreto
(aquele que aprende) um incessante movimento de aprendizado no qual
a intermediação entre o sujeito e o processo de escrita (alfabetização) é
explicitado pela contradição e pela ambivalência e, por isso mesmo, um
exercício que se apresenta como árduo trabalho de crítica social.
Não se trata aqui de escrever um texto hermético ou exotérico de
exercício intelectual, mas de uma tarefa de fazer uma intermediação entre
o texto/pensamento freiriano vinculando-a com a questão dos Direitos
Humanos e com aqueles elementos chaves da Constituição de 1988.
Nosso intento está na preocupação de pensar na teoria e na crítica
como aspectos fundantes para identicar no sentido daqueles textos como
eles podem inuenciar e alterar a forma como lemos e aprendemos a
realidade, ou seja, a vida que vivemos com seus conitos, seus movimentos,
seus encontros e desencontro.
Trata-se fundamentalmente de um processo de aproximações
sucessivas, pois são três textos necessários. Mesmo diferentes na origem,
nos objetivos, no formato e naquilo que os constituem aproximam-se
no conteúdo quando apontam para um modelo de sociedade capaz de
reconhecer a dimensão humana de cada um e de todos.
Gostaríamos de iniciar esta reexão a partir de duas observações
que cremos serem pertinentes por traduzirem a intencionalidade do título
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
| 15
que abre a reexão: Na escuta freiriana: a garantia de direitos humanos!
-, partindo do pressuposto de que não existe inocência ou gratuidade na
escolha dos títulos.
A primeira de caráter mais geral diz respeito a um fragmento de
diálogo capturado no dia a dia da cidade.
“– tu me ove? ; si tu não me ove, então não cambio!
“- te ovo, sim e cambio!”
A segunda, pode parecer um pouco mais sosticada, mas se apresenta
tão necessária como a primeira.
Toda reexão depende de certas suposições referentes à concepção
que temos da realidade. Se aceitamos isso, as suposições funcionam
como hipóteses ou como crenças. Ambas traduzem um modo de pensar
a realidade a partir de paradigmas, o que pode signicar um risco pois os
paradigmas tendem a se tornar normativos e a se converter em marcos,
referência e ltro conceitual condicionando o conhecimento e construindo
novos dogmas.
Tal proposta não é derisória, mas consequência da necessidade que
temos como educadores (aqui apresentamos nosso lugar de fala/escrita)
não só de reetir, e expressar a reexão, sobre a sociedade e o mundo que
vemos e no qual vivemos, mas também de revelar nossa concepção como
fator de esclarecimento e enraizamento no tempo presente a partir dos atos
coletivos que nele se fazem ação.
Pensar sobre a relação entre textos diversos e com histórias/
tempos tão diferenciados nos incita a falar de congurações, de imagens
e de um universo conceitual que não se limita a um simples um jogo
de palavras, mesmo que intelectualizado, mas que, uma vez vinculado
a compreensão do mundo, constitua modos de ação vinculados às
transformações amplas contínuas e possíveis do social que Freire (2013)
denominou de “inédito viável”.
Nesse sentido, reetir sobre o signicado das duas observações e
a partir delas fazer a relação entre Paulo Freire, Declaração dos Direitos
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
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Humanos e a Constituição brasileira de 1988 signica, também, reetir a
ressignicação conceitual sobre uma forma de produzir conhecimento e de
ser das pessoas.
Reconhecer no diálogo acima um saber marginal e não apenas
uma prática discursiva fora da construção gramatical hegemônica sinaliza
um dos primeiros e fundamentais elementos da prática ou da pedagogia
freiriana: a escuta empática.
O inusual daquela fala está, à primeira vista, na não reprodução de
estruturas gramaticais ociais, mas no fato dela se apresentar como um
espaço de produção de sentidos e de vida que questiona as representações
com as quais estamos habituados.
Destacamos a importância no fragmento de diálogo, porque muito
mais do que alguns sentidos o discurso linguístico se apresenta, também,
como nossa hipótese de trabalho neste texto:
Na fala do outro há um modo especíco de exclusão, mas também
uma representação política. Nela, também ocorre a possibilidade de um
saber que desvela um incômodo nem sempre capturado pela cegueira
paradigmática do intelectual que se considera acima das expressões orais
de uma parte signicativa da população.
Dito de outro modo, se toda reexão depende de certas suposições
referentes à natureza da realidade, então no modo de pensar o real traduz as
crenças, os modelos dentro dos quais a coletividade atua, se situa aceitando
ou contestando a realidade. Se aceitamos que pensamos a realidade a partir
de paradigmas, e os paradigmas tendem a se tornar normativos então há
uma relação intrínseca entre o “falar” e a representação desta fala.
Na escuta da fala é possível perceber que a posição discursiva
concretiza um sujeito de direitos investido, e que, ao dizer o que pensa
constrói signicados no sentido estrito da expressão “– tu me ove?; si tu não
me ove, então não cambio!”.
Ressalta o caráter e a necessidade de reconhecimento do outro ou
daquele que fala; aqui se apresenta um processo de autorrepresentação,
pois o ato de ser ouvido ocorre quando há reciprocidade na medida em
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
| 17
que vai além de uma resposta objetiva implica, necessariamente, no estar
em um mesmo registro. Não havendo a compreensão do registro ou da
equivalência não há cambio (mudança).
O interessante neste diálogo está no ato dele criar no espaço social
uma cumplicidade, que tem na busca da conrmação do registro, e do
entendimento, a possibilidade de armar a relação e a representação.
A prática conversacional desprevenida, - “- te ovo, sim e cambio!”
Possibilita conexões não esperadas, clandestinas e fora do contexto da
reprodução ideológica dominante.
Por isso, é importante destacar que na escuta do outro – daquele
diferente de mim - está a chave analítica e decodicadora de uma realidade
social, principalmente porque vivemos um período paradoxal. Período
que permite a visualização de movimentos e transformações, em planos
diferentes, e de tipos diferentes aonde o que mais se evidencia é a submissão
à ideologia dominante por parte de segmentos da sociedade brasileira, e a
reprodução da habilidade em manipular a realidade por parte dos agentes
de exploração e repressão (fake News/pós verdade), de modo que eles
também venham a prover a preponderância da classe dominante nas, e por
meio, das palavras.
Assim, re-situar o pensamento ou a proposta freiriana possibilita
compreender a educação como categoria analítica (Escuta empática +
Compromisso Ético + Intencionalidade da ação = Garantia de direitos) fato
que possibilita relacionar o texto da pedagogia do oprimido, à Declaração
dos Direitos Humanos e as cláusulas pétreas da Constituição.
Relações que se apresentam como ferramentas pra contrarrestar
a lógica social atual estimulada pelo princípio da ação liberal e das
novas práticas sociais que tem na concentração de renda, que gera o
individualismo, as desigualdades e as injustiças sociais.
nO pensamentO freirianO: a chave analítica
Paulo Freire compreende educação como processo aberto, plural que
identica as contradições a partir da recuperação daquilo que é o cotidiano
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
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da vida no qual o – ensinar/aprender – se dá na complexidade do mundo
de hoje, em suas múltiplas manifestações. Assim o ato pedagógico orienta-
se para um “[...]compromisso com o homem concreto, com a causa de sua
humanização, de sua libertação” (FREIRE, 1974, p. 22).
Nele, àquele que apreende passa a dar sentido pessoal a seus atos
e produzir autonomia e a emancipação e estar social e conscientemente
inserido no mundo. Mais que uma percepção individual, trata-se de uma
outra maneira de perceber o coletivo como algo que não pode e nem deve
permanecer como está.
Este percebido-destacado emerge como uma forma mais radical
de entender o mundo a ponto de os indivíduos sentirem-se mobilizados
para agir. Este agir nada mais é do que um exercício crítico que possibilita
a mudança.
Em educação este processo de estranhamento do cotidiano dos
sujeitos abre espaço para a conscientização e através dela a possibilidade do
“inédito viável” (FREIRE, 2000). Do mesmo modo a educação pressupõe
a busca da humanização como um pressuposto da incompletude humana
que permite a emergência do inédito.
Educar para a superação da opressão signica, para Freire, um
querer” cuja dimensão política amplia a compreensão dos limites e
possibilidades de uma dada realidade.
Na reexão freiriana ca evidente que no inédito viável a luta pelo
sonho só se torna possível quando se atua em favor da igualdade, do respeito
aos demais, do direito à voz, à participação, à reinvenção do mundo, num
regime que negue à liberdade de trabalhar, de comer, de falar, de criticar, de
ler, de discordar, de ir e vir, a liberdade de ser” (FREIRE, 1974).
Como exposto acima, educar não é só procurar “inéditos” sociológicos
ou pedagógicos, mas se dispor a empoderar educandos e educadores o que
irá exigir revisões constantes, abrir/reconhecer os pré-conceitos presentes
em cada sociedade e em cada grupo. Aprofundar as análises dos problemas
sociais e pedagógicos e, ao compreendê-los, buscar caminhos para a
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
| 19
superação das incompreensões que que atuam na direção de preservar a
consciência ingênua e amedrontada.
O tempo todo seu pensar considera o conceito de educação como
a possibilidade de compreender e que esta capacidade de entendimento
do sujeito que aprende, se dá pelo fato dele ser portador de direitos,
através da valorização e informações/saberes, práticas ou comportamentos
que ao serem problematizados promovem a autonomia do pensamento
e a reelaboração dos conhecimentos de modo a compor/propor valores,
habilidades e práticas cidadãs.
Se educação é uma ação social que possuí um projeto de sociedade
seu resultado, em consequência, leva a interação entre sujeitos sociais e ela
pode ser explicada pelo signicado e sentido desta ação.
Assim o agir em coletivamente é distinto de agir individualmente,
pois vai além do atendimento imediato de expectativas nas relações entre
indivíduos e classes sociais, na medida em que nossas ações estão fundadas
em modos de ser limitadas pelos regulamentos e normas sociais aceitas
comumente e nem sempre orientadas pelos pressupostos de igualdade e
liberdade próprios dos direitos humanos
Então, os problemas, tais como: exploração, repressão social, perda
de padrões de qualidade, falsa consciência, afastamento do sujeito político
do poder cidadão nos permitem pensar que o sistema educacional está
em colapso ou, que sua proposta política-pedagógica se constitua com o
objetivo produzir consciências ingênuas.
Os indivíduos) que não se consideram componentes de um grupo,
de uma classe ou de uma comunidade não são capazes de interagir com a
consciência ativa própria da condição humana. A sua consciência ingênua
leva a negação de si mesmo na medida em que transfere seus compromissos
sociais ora ao Estado ora aos ídolos e os mitos de ocasião a quem entrega
a responsabilidade da condução da coisa pública. Sua compreensão da
realidade representa um simulacro na medida em que não participa do
agenciamento social e é incapaz de produzir um sentimento de comunidade
algumas vezes vinculado a ligações nacionais outras a relações locais.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
20 |
Por isso, em Freire, a educação possibilita compreender como as
pessoas percebem a si próprias e as suas múltiplas relações e como essas
permitem explicar a ação social quando não isolamos os componentes
básicos do conhecimento, de forma a compreender que na fala das
pessoas – “tu me ove? Eu te ovo!” – se manifestam processos coletivos
mais complexos do que aqueles que apenas consideram os indivíduos e
suas diferenças.
Diferenças que se explicitam em razão de seu lugar social e do seu
universo de conhecimento que remete, muitas vezes, aos saberes do “senso
comum”. Estes se compõem como um misto de consciência ingênua e de
consciência crítica que possibilita a prática de uma epistemologia dialógica
apta a relacionar educadores e educandos em busca do conhecimento
sistematizado que os movem.
Sem ser reducionista ou simplicador, a primeira questão a ser
considerada na construção/percepção teórica é não descontextualizar, pois
a cognição/o conhecer só poderá ser compreendido como um fenómeno
emergente das interações do indivíduo com o seu meio físico e social que
constrange e/ou expande aquilo que cada um e cada grupo social entende
da realidade.
Por isso, a importância e o poder explicativo dos modelos, que tem
a capacidade de descrever os mecanismos e o pensamento, assumindo que
o indivíduo, inserido em um contexto social é alguém que se encontra
e é proprietário de alguma forma de informação/conhecimento (ou
seja, ele, indivíduo/pessoa, nunca sai de ausência lógica: há sempre um
conhecimento/um saber na base do seu pensar).
Isto quer dizer que as pessoas processam informação, recorrendo
sobretudo às suas “teorias” e não a um processamento mais rigoroso que
exige o exame detalhado e objetivo da informação. Mesmo quando os
educadores e os educandos constituem uma consciência crítica, próxima de
uma dimensão cientíca, e assumem uma sensação de liberdade individual,
o ato pedagógico não é suciente para a compreensão dos direitos
humanos como um pressuposto da transformação social e a produção de
uma sociedade mais igual, mais justa e democrática. Para Freire (2012)
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
| 21
o ato pedagógico deve constituir, uma consciência crítica emancipada e
democrática, por si só avessa a opressão e ao totalitarismo.
Estamos a dizer que de certo modo um contingente signicativo de
pessoas não procura a verdade absoluta, na qual o não pensar é a regra, mas
sim a verdade suciente para gerir as suas interações.
Como resultado temos um modo de pensar – ou de recusar a
criticidade própria do pensamento – que conduz a erros frequentes,
mesmo com suas respostas rápidas e económicas, que Freire denominou
de consciência ingênua.
Por quê? Porque os comportamentos dos indivíduos são inuenciados
pela presença, real, imaginada ou implícita de outras pessoas; o saber
então, não contempla apenas a realidade social, mas também a realidade
enquanto representação mental (a expectativa dos outros).
Compreender implica em escuta (para reavivar signicados) e diálogo
que permite pontes interpretativas para dar conta das noções de tempo,
espaço, linguagens, formas de organização, padrões de comunicação.
Se considerarmos os conhecimentos advindos da (biologia/
neurociências/medicina), que ao estudar as dimensões das conexões cerebrais
produzidas pelo córtex occipital-temporal esquerdo no sistema visual de
reconhecimento de formas e das áreas de imagem, podemos sugerir que a
pedagogia do oprimido possibilita aqueles que apreendem compreender
os processos do conhecimento, tanto individuais como coletivos, ocorrem
a partir do que a vida apresenta como experiência cotidiana podendo
ser apreciada se a decodicação dos seus termos não forem simplesmente
agrupados como em um jogo de palavras, mas remetidas a conceitos-chave
que permitam entender as lógicas, ou modelos, com as quais se possa
sustentar estas narrativas.
Nesse sentido, os valores ou signicados do texto freiriano expressam
um tipo de conhecimento construído que propõe a ressignicar, dá a forma
pela qual compreendemos o que acontece) através de uma lógica apoiada
em modelos que marcaram a história dos indivíduos e dos grupos e classes
sociais dos quais fazem parte. Nesse sentido a pedagogia política diz muito
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
22 |
sobre a dissimulação social e sobre as lacunas da força mobilizadora do
mito da “terra prometida” que o diploma ou certicação oferece.
Por estas razões pode-se pensar na importância de explicitar como
cada texto, seja a Pedagogia do Oprimido, seja a Declaração dos Direitos
Humanos ou a Constituição de 1986, corresponde a uma concepção de
mundo com suas aproximações, complementariedades e diferenças. Os
direitos humanos, como a democracia, que aqui tomamos como sinônimo
de direitos humanos, se tornam ações coletivas, e cultura política, na
medida em que as sociedades se organizam a partir do reconhecimento
do outro. Ou seja, as percepções críticas dos indivíduos podem ser “[...]
fundamentais para a transformação da sociedade, mas não são, por si sós,
sucientes” (FREIRE, 1986, p. 135).
tempOs e limites da declaraçãO dOs direitOs humanOs
Embora tenha sido redigida e proclamada num período de
reorganização urgente da sociedade mundial, que decorria da profunda
destruição e perplexidade das Guerras Mundiais do século XX, o texto da
Declaração dos Direitos Humanos apresenta um tipo de lógica capaz de
reunir, em seu teor, as dimensões de seu tempo e a atemporalidade própria
de seu campo.
Na primeira dimensão pela razão de que a Declaração de 1948 faz
parte de um quadro político internacional organizado pelos vencedores
através dos inúmeros tratados que visavam reestruturar a geopolítica
internacional denindo áreas de inuência e colocando sobre controle
os países derrotados no conito. Na segunda dimensão em razão de
seus pressupostos emancipatórios e da forma através da qual elabora
sua compreensão dos princípios de liberdade, igualdade e fraternidade
herdados de Declarações que remontam ao século XVIII.
Os tratados assinados, pelos então inimigos fraternos, reorganizariam
as relações internacionais e as áreas de inuência dos modelos societários
que haviam imposto uma derrota, que naquele momento anunciava-se
denitiva, ao autoritarismo proposto pelo nazifascismo. A Declaração
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
| 23
compõe este cenário político indo além dos tratados e das limitações
geográcas dos modelos que seguiriam em conito. Sua proposta de outra
sociabilidade garantia o reconhecimento de direitos; não só determinados
pela hierarquia entre os países e as classes sociais, mas também, porque a
maneira como se organiza o texto tem a ver com o signicado das palavras,
dos valores de cada um dos modelos em disputa, e da compreensão das
ideias a que remetem ou propõem.
As críticas feitas a época de sua proclamação apontam que a delegação
dos Estados Unidos – detinha a hegemonia das nações do Ocidente e a
área sob inuência do modo capitalista de produção - priorizava os direitos
civis e políticos em detrimento dos direitos sociais e econômicos, enquanto
a União das Repúblicas Socialistas Soviética – que liderava as nações do
Leste europeu e o bloco que então se estruturava a partir do socialismo de
Estado – priorizava os direitos sociais e econômicos.
Seu conteúdo, de dimensão atemporal, desvela os conitos de
um tempo sócio-histórico que já então preparava o período que se
convencionou chamar de Guerra Fria. A Assembleia geral da ONU do
dia 10 de dezembros de 1948 teve a presença de 56 associados. Destas 48
votaram a favor da aprovação, 8 votaram contra
3
(MOYN, 2013).
As anunciadas promessas de um longo tempo de paz seriam
permanentemente esquecidas pelas potencias hegemônicas de então que,
de algum modo, mantiveram sua inimizade fraterna enquanto transferiam
suas múltiplas guerras para regiões distantes de seus territórios evitando,
deste modo, concretizar um confronto bélico entre as duas superpotências.
A crise do socialismo de Estado que levaria a derrota na Guerra Fria
e a auto extinção da União Soviética não contribuíram com o almejado
tempo de Paz anunciado em 1945/48. Ao contrário as Guerras, de
libertação nacional e os conitos armados regionais, não cessaram de se
expandir e hoje cobrem todos os continentes, especialmente sendo presença
permanente especialmente no continente africano e no Oriente próximo.
Entre os votos contrários estavam, além da União Soviética e seus aliados, a África do Sul e a Arábia Saudita.
Esta por uma discordância de fundo religioso e a África do Sul em razão de questões étnicas e culturais
relacionados a migrantes indianos (MOYN, 2013).
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
24 |
Para além das Guerras, e de suas implicações humanitárias, passados
70 anos de sua proclamação, a Declaração Universal demonstra que os
avanços culturais desvelam os limites do tempo. Desde modo ela antecede
aos chamados Direitos comuns da humanidade, como o direito à paz, à
preservação do meio ambiente, e a dimensão do uso dos bens comuns
da natureza para todos os seres humanos. Do mesmo modo somente em
1966, com a publicação do Pacto sobre os Direitos Civis e Políticos, foram
reconhecidos os Direitos de Identidade Cultural das minorias, étnicas,
linguísticas e religiosas.
A Declaração produziu também uma questão ainda não resolvida
desde sua declaração, ou seja: Para serem realmente universais os direitos
humanos foram anunciados como possibilidade de superar as carências
daqueles que tiveram, negados – ora pelo Estado, ora pelo mercado – sua
condição humana. O direito maior, o direito a vida e a justiça social e
jurídica somente poderá ser universal quando se tornar direito daqueles
que permanecem excluídos e deserdados das condições materiais de
uma vida digna, especialmente daqueles que Freire denominava de os
oprimidos da terra.
Atualizar a análise da Declaração Universal pressupõe considerar a
multiplicidade das interpretações históricas, isto é, por mais que há 75
anos este texto seja conhecido, como organizado por um conjunto de
proposições fundamentais, a serem protegidos pelo Estado de Direito, para
que o ser humano não seja compelido, como último recurso, à rebelião
contra a tirania e a opressão.
O transcorrer do tempo, especialmente a partir da ilusão neoliberal que
propõe a prevalência do indivíduo sobre o coletivo, diculta a interpretação
teórica dos direitos anunciados na medida em que passa a ser atravessada por
transformações ideológicas que alteram os níveis básico da consciência.
Assim reduzem a questão dos Direitos a uma dimensão do desejo
individual que considera os direitos sociais e econômicos como políticas
irresponsáveis e perdulárias do Estado, enquanto circunda os espaços
da liberdade ao universo do mercado. Quando a Declaração de 1948
dimensiona os direitos humanos como universais ultrapassa os limites dos
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
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direitos individuais e especícos e reconhece a dimensão coletiva. O que
inclui, a compreensão de que os direitos, por serem universais são de todos
e de cada um.
Mais ainda, garantem o valor da pessoa humana a partir do
reconhecimento de que são iguais e possuem direitos de vida digna
fundamentada na promoção do progresso social e a garantia de participação
livre e cidadã.
A Declaração dos Direitos Humanos expressa, não só a questão da
singularidade da pessoa, a diversidade dos grupos sociais, mas, inclusive,
o sentimento de pertinência e a identicação de que estão nos valores
que ela propõe as referências que permitem a construção da identidade
das pessoas, seja no campo jurídico, permitindo garantir o respeito ao ser
humano tanto quanto às liberdades fundamentais e à prática de deveres.
As perguntas: Como analisar? O que levar em consideração? Quais
aspectos a priorizar? Evidenciam a complexidade de um texto que tem na
relação tensa entre o universal e o singular a questão central neste início do
terceiro milênio.
A relação entre o indivíduo, como sujeito político e construtor
autônomo do seu ser, e a denição da ordem jurídica precisa ser entendida
como uma experiência intransferível em que o sujeito, em sua prática social
heterônoma, constrói autonomias individuais, interdependentes porque
não desconectadas da rede social ou de um coletivo.
A interrelação do texto da ONU, com seus valores de diversidade e
tolerância, com o pensamento Freiriano (diversidade, pluralidade do pensar,
reconhecimento do outro) nos leva a entender que tanto a Pedagogia do
Oprimido como a DH possibilitam reinserir o sujeito – tanto social como
individual - por meio da representação e da participação (poder e desejo
de justiça).
A educação, como expressa o artigo 26 em seu segundo parágrafo,
“[...] será orientada no sentido do pleno desenvolvimento da personalidade
humana e pelo fortalecimento do respeito dos direitos humanos e pelas
liberdades fundamentais”. Tal conceito de educação pode ser aprofundado
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
26 |
com a observação de Freire: “[...] nos tornamos educáveis porque, ao lado
da constatação de experiências negadoras da liberdade, vericamos também
ser possível lutar pela liberdade e pela autonomia contra a opressão e o
arbítrio” (FREIRE, 2000, p. 121).
Os conceitos de liberdade, “consciência de si” e de crença se
apresentam nos dois textos não como um imperativo de ordem ética, mas
como uma necessidade política e de justiça. Não são as denições técnicas-
legais que garantem a sua pertinência, mas a garantia de que o sujeito
político é irremediavelmente heterogêneo, diverso e plural.
Estas dimensões (política/losóca/pedagógica/conceitual) podem
ser observadas, principalmente porque ocorrem nas relações que permeiam
o saber e o fazer que originou os dois textos.
Por isso, se pode dizer que quem pensa educação sempre tem um
lado, fala de algum lugar e com ele se compromete. Assim a educação se
faz na relação com o outro – em especial o mais fraco –, por isso, o ponto
de inexão ou de entrada analítica dos textos, é sempre o daquele que
aprende”, visto que é a partir dele que poderemos perceber se há, ou não,
uma relação de reciprocidade, sobretudo de reconhecimento. Aspectos
fundamentais de uma proposta pedagógica que se pretenda diferenciada.
Se independência ou dependência - aquilo que aprendemos a ser - de
um modelo de educação decorre de nossas relações sociais, isto signica
que: a) o tipo de intercâmbio social precisa ser explicitado, porque pode
potencializar ou não aquilo que seremos; b) na aprendizagem sempre
necessitamos de alguém que nos necessita pois não existe educação abstrata
e isolada; e, c) a plenitude de um projeto de educação ocorre na relação
entre os educador e educando mediados pelo conhecimento e formando
consciência de si e do outro.
Tanto na Pedagogia do Oprimido quanto na Declaração Universal
dos Direitos Humanos estão, a possibilidade de produzir a autonomia,
como a possibilidade de ocorrer o processo de conscientização que produz
um tipo de sociabilidade que vai além do indivíduo e do seu grupo familiar.
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
| 27
Nesse sentido, se nossa existência é sempre em referência ao ‘tu’,
então assumir que há um outro diferente (o que não sabe) nos remete a uma
questão ética. Ética, pois envolve a escolha de assumir a responsabilidade
com este outro. Aprender, e fazer aprender, essa responsabilidade é o
que, segundo Freire, nos constitui como educadores, uma vez que não é
resultado natural das relações sociais.
Por isso que se diz que a educação deve primar pela consecução de
valores que a sociedade opta como desejáveis em determinado momento
histórico (isto serve para discutir quais são os valores que pautam a
sociedade brasileira de hoje)
Por outro lado, se a função da educação na sociedade é criar as
condições para a emergência de uma consciência cidadã o que signica
analisar as situações que se apresentam e identicar nos contextos sócio-
históricos passa a ser uma ferramenta importante para perceber quais
padrões de ação, e de comportamento. Quais possibilitam produzir
cidadania e quais preservam a consciência ingênua.
Com frequência o próprio ato pedagógico pode gerar ingenuidades
possibilitando a transferência da cidadania para governantes que imaginam
encarnar – como o absolutista francês Luiz XIV – o Estado e suas leis.
Nestas conjunturas sócio-históricas a democracia se vê ameaçada
e os governos recusam os compromissos do Estado possibilitando a
implantação de uma política da morte. Para Castor Bartolomé Ruiz
caracteriza a “política da morte” como uma tanatopolítica:
[...] a tanatopolítica gerencia de forma instrumental (e útil) a
morte de pessoas e até grupos sociais considerados indesejáveis ou
prejudiciais para uma sociedade ou grupo social. A tanatopolítica
mostrou sua face mais perversa nos regimes totalitários {...}. Nestes
regimes, a tanatopolítica era uma política de Estado cujo objetivo
era eliminar sicamente os opositores, pelos meios mais cruéis e
diversos. (RUIZ, 2018).
Desde a Grécia clássica o conceito de democracia se vincula a dimensão
de poder (governo – krátos) exercido pelo povo (demos). Organizado, a
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
28 |
ele cabe o exercício da soberania a partir da qual se instituem as leis e se
denem as normas de organização social e as formas de produção de vida
digna de cada um e de todos.
Em uma democracia, o exercício do poder pertence ao povo e o
exercício do governo é uma delegação por tempo e forma previamente
determinados de modo que nenhum governo, e nenhum governante, possa
se identicar com o poder e pensar em dele ser proprietário.
Na contemporaneidade, com sua complexidade social e econômica,
o exercício da democracia pressupõe o reconhecimento da multiplicidade
de interesses e de diferenças que resultam em permanentes processos de
conitos sociais. Eles, os conitos sociais, expressam a pluralidade que
forma a sociedade brasileira contemporânea revelando o quanto ela se
mostra dividida e quão distante está de reconhecer os direitos individuais
e coletivos. No limite ao preservar a herança colonial, com sua estrutura de
privilégios e a recusa da condição humana para os setores sociais produtores
de riqueza, as elites nacionais insistem em garantir seus benefícios e a
recusar direitos aqueles a ela não pertencem.
Assim, não só recusam os direitos humanos e, por via de consequência,
a democracia. Por deles não necessitar os tratam como ameaça constante.
Por esta razão recusam o exercício da democracia, negam o reconhecimento
da diferença e impossibilitam os princípios clássicos de igualdade, da
liberdade e da fraternidade. Assim em terras de Pindorama o exercício
de práticas de direitos humanos e a experiência com leis fundamentadas
nos princípios da democracia tem se manifestado somente em breves
e tênues períodos históricos. Um deles, talvez o que mais foi capaz de
reconhecer os conitos sociais como legítimos – e não como ameaças - foi
o recente período sob o qual vivemos regidos pela Constituição de 1988.
Neste breve período havíamos conseguido a dimensão perversa vivida pela
tanatopolítica do período autoritário.
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
| 29
a cOnstituiçãO a prOpósitO de cOnsiderações finais
Nascida no amago do processo histórico provocado pela crise
da ditadura militar (1964/1986) a Constituição - denominada de
Constituição Cidadã -, encerrou um ciclo de movimentos sociais que foram
das denúncias de crimes de lesa humanidade, a projetos de caráter civis e
políticos e a reivindicações por direitos sociais/ econômicos e identitários.
Os primeiros movimentos acusavam os crimes cometidos, nos porões e nos
covis, por agentes do Estado. Fala-se, pela primeira vez, no direito humano
maior, o direito a vida. A vida sem medo e sem preconceito capaz produzir
dignidades, liberdades e sonhos.
Os movimentos seguintes ora ocorriam em separado ora conuíam.
No primeiro caso, – de um lado a luta pelo m da censura; e a liberdade de
pensar e dizer; a anistia política e o pluripartidarismo –, de outro, - a luta
pela terra, pela moradia, contra a carestia; no segundo caso os movimentos
conuíram e direitos civis e políticos aproximavam-se daqueles por direitos
sociais e econômicos como o movimento pelas Diretas Já e depois aquele
pela Constituinte Livre e Soberana. Os movimentos incorporaram em suas
propostas os pressupostos clássicos da de declaração e, de algum modo
a defesa da igualdade e a superação da opressão que Freire pretendia no
exílio chileno na década de 1960.
Embalada pela consigna do Ditadura Nunca Mais a sociedade
aspirou a uma Constituinte Livre e Soberana, que se dissolveria após
a redação da Carta Magna. No entanto, as forças em embate político-
parlamentar redimensionaram, ardilosamente, as pretensões reivindicadas
e a transformaram em constituinte congressual.
Menos de duas décadas depois, a breve experiência democrática nos
apresenta novos desaos. Nas ruas dos bairros em que moram e circulam
setores das elites nacionais pode-se ver em desles coloridos em verde e
amarelo, cartazes clamando por “Fora Freire’ “Direitos Humanos estrume
da bandidagem” “Intervenção Militar Já”. Jovens vestidos de heróis do
comics estadunidense saudando homens sórdidos habituados, nas décadas
de 1960/70 a agir como herói dos porões.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
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Tornou-se possível, também, acompanhar o sonho da soberania -
escorados na potencialidade das reservas do território nacional - escorrer
com o passar do tempo e o mover das águas de alto mar, enquanto o verde
da oresta arde em chamas na Amazônia. Estarrecidos, e quase imóveis,
acompanhamos pontes lançadas para o futuro desembocar no início do
século XX e, no limite, retornar aos tempos dos séculos XVI a XVIII.
Atônitos, e quase imóveis, acompanhamos a desmontagem, feitas a partir
de políticas públicas e de capítulos da Constituição que um dia se chamou
de Cidadã. Assim gradualmente, rompem-se os avanços societários do
século XX e da primeira década deste impactante século XXI.
O documento constitucional, a partir do reconhecimento dos
direitos humanos, e o pensamento emancipador de Freire possibilitaram
alternativas de aprendizagens cidadãs tornando possível relembrar o que
entendemos por como ato educativo voltados para a formação do sujeito
político. Isto é um indivíduo capaz de se reconhecer como portador de
direitos e a reconhecer saberes e desejos coletivos, e a se dispor a práticas
que promovam a autonomia do pensamento e a reelaboração de práticas
emancipatórias.
O texto jurídico normativo nacional é fruto de seu tempo sócio-
histórico. Como toda a Carta Magna carrega em si os conitos de interesses
próprios de uma sociedade plural e apresenta valores societários que
formam escalas de concordância ou discordância orientadas por critérios
de julgamento de si e dos outros.
No entanto, nunca são individuais, mas compartilhados pelas
pessoas que se relacionam nos atos cotidianos nos quais a vida se
estabelece, ocorrem experiências sociais que constituem memórias
coletivas aptas a trazerem de volta o que realmente importa e orientar a
formação de consciências capazes de superar a dimensão de ingenuidade
próprias das crenças que se movem ao redor de soluções mágicas. Estas,
a memória nos demonstra, voltam-se se sempre para práticas autoritárias
e negadoras de direitos.
A memória, ao trazer de volta aquilo que realmente importa, torna
visível o que não é visto e permite estabelecer a relação entre três textos
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
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de natureza distinta dando pertinência histórica que, aparentemente, não
tinha por que separados.
A relação, não feita até então, ganha valor estético intelectual, na
medida em que se apresenta como mecanismo de memória que refaz
caminhos experiências históricas de tiranias – nazifascismo das décadas
de 1930-40, as ditaduras militares das décadas de 1960/1980 na América
Latina - e aponta teorias – a episteme freiriana expressa na profundidade
da Pedagogia do Oprimido – e esperanças sólidas, as vezes tímidas, de
democracia anunciadas na Declaração Universal dos Direitos Humanos de
1948 e na Constituição Cidadão de 1988.
referências
FREIRE, P. À sombra desta mangueira. 11. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2013.
FREIRE, P. El grito manso. Buenos Aires: Siglo veintiuno, 2012.
FREIRE, P. Pedagogia da Indignação e Outros Escritos. São Paulo: Ed. da UNESP, 2000.
FREIRE, P. Cartas a Cristina. 2. ed. Rio de Janeiro: Ed. Paz e Terra, 1974.
FREIRE, P.; SHOR, I. Medo e ousadia: o cotidiano do professor. 12. ed. Rio de Janeiro:
Paz e Terra, 1986.
MATURANA, H. R.; VARELA, F. J. A árvore do conhecimento: as bases biológicas da
compreensão humana. Trad. de Humberto Mario e Lia Diskin. 6. ed. São Paulo: Palas
Athena, 2001.
MOYN, S. Entrevistado por André Rangel Rios. Rio de Janeiro: Ed. Universidade Estadual
do Rio de Janeiro, 2013.
RUIZ, C. B. A produção da violência em larga escala: da biopolítica à Tanapolítica.
Instituto Humanitas Unisinos, São Lepoldo, edição 521, maio 2018. Disponível em:
http://www.ihuonline.unisinos.br/artigo/7270-a-producao-de-violencia-e-morte-em-
larga-escala-da-biopolitica-a-tanatopolitica. Acesso em: 20 ago. 2020.
32 |
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A   D
H  E S
: ,  

Talita Santana Maciel
1
Carlos da Fonseca Brandão
2
intrOduçãO
Qual a importância das Instituições de Ensino Superior (IES) e das
universidades, especialmente, na sociedade pós-moderna? É imprescindível
reetir sobre esse questionamento ao tratar da relação entre a Educação
Superior e os direitos humanos. Para Castells (2006) e Barnett (2002),
por exemplo, a universidade ocupa lugar central na sociedade porque,
Pedagoga, Mestra e Doutoranda em Educação pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho
(UNESP).
Licenciado em Educação Física e Pedagogia, Mestre em Educação: História, Política, Sociedade pela PUC - SP
(1994), Doutor em Educação pela UNESP - Marília (2000), Livre-docente em Estrutura e Funcionamento
do Ensino Fundamental e Médio pela UNESP - Assis (2006) e Pós-doutor pela Universidad Autónoma de
Barcelona - UAB (2011), pela Universitat Rovira I Virgili (2015) e pela Uppsala Universitet (Suécia - 2017).
Atualmente é professor adjunto do Departamento de Estudos Linguísticos, Literários e da Educação da UNESP
- Assis e do Programa de Pós-graduação em Educação da UNESP - Marília.
https://doi.org/10.36311/2022.978-65-5954-279-6.p33-64
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
34 |
principalmente dela, advém a produção de conhecimentos cientícos,
técnicos e artísticos. Sobretudo, é inerente à universidade a indagação
sobre si mesma para sua evolução contínua e para que tais conhecimentos
tenham sentido.
Nessa perspectiva, levantada por esses autores europeus e também
pela escritora brasileira Marilena Chauí (2003), é possível realizar uma
aproximação entre os direitos humanos e a universidade porque esta
é concebida como instituição social, que busca questionar sua própria
existência e os conhecimentos por ela mesma produzidos. A universidade,
se situa, pois, no interior da luta de classes, busca denir uma universalidade
que possa auxiliá-la a responder às contradições impostas pela divisão social
e política em que se percebe inserida e goza da ideia de “[...] autonomia
do saber em face da religião e do Estado, portanto, na ideia de um
conhecimento guiado por sua própria lógica, por necessidades imanentes
a ele, tanto do ponto de vista de sua invenção ou descoberta como de sua
transmissão” (CHAUÍ, 2003, p. 5).
No ideário neoliberal, a universidade vai perdendo sua característica
de instituição social para tornar-se organização operacional. Quando se
pretende armar os direitos humanos na Educação Superior, no entanto,
é preciso levantar frentes de resistência diante dessa mudança cada vez
mais em ascensão. Ser resistência, nesse caso, implica, em primeiro lugar, a
problematização da universidade concebida como organização operacional,
isto é, como prática social que utiliza meios e estratégias próprias das teorias
clássicas da administração para atingir ns particulares, para buscar o
resgate e (re)armação dos traços da universidade como instituição social,
que busca a reexão crítica sobre sua própria função na sociedade.
Diversos autores que se dedicam a campos de estudos que se
relacionam aos direitos humanos destacam que a universidade (enquanto
instituição social) é um locus privilegiado para o desenvolvimento e
fortalecimento da educação em direitos humanos (EDH). Dentre esses
autores está Giuseppe Tosi (2005, p. 26), para quem “[...] a universidade,
sobretudo a pública, tem um papel e uma contribuição especíca e relevante
a cumprir dentro do Sistema Nacional de Direitos Humanos [...]” Pereira
(2019, p. 2) reforça essa ideia e argumenta que as universidades têm como
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
| 35
premissa a indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, então por
meio dessas IES
[...] surge a oportunidade ímpar de atuar na vida de milhares de
educandos no presente, bem como transformá-los e prepará-los para
serem melhores seres humanos e prossionais éticos que avocarão,
no futuro, a responsabilidade pela promoção, conservação,
ampliação e potencialização desses direitos para as futuras gerações.
Na visão de Rodino (2003, p. 55), “[...] la universidad tiene una
responsabilidad social medular en educar en la losofía y la práctica de los
derechos humanos [...]”
3
e, para Adorno e Cardia (2008, p. 196):
Embora voltadas para a formação prossional e cientíca de adultos,
as universidades reúnem condições ímpares, pois articulam, em um
mesmo espaço institucional, a produção e disseminação de cultura,
em especial sob a modalidade de conhecimento cientíco. Mais
do que em qualquer outro espaço, a pesquisa cientíca nos mais
variados campos do conhecimento e da vida associativa produz
resultados passíveis de serem incorporados a programas e políticas
de promoção da paz, do desenvolvimento, da justiça, da igualdade
e das liberdades.
Na mesma direção, Olguin (2005, p. 113) argumenta que a
universidade possui “[...] uma história institucional que lhe outorga uma
relevância particular e possibilita abrir um espaço considerável para o
fortalecimento e articulação de lutas pela vigência real dos direitos humanos”.
Embora recente, a história das universidades brasileiras aponta para
o estabelecimento de compromissos com projetos e desenvolvimento de
integração social, na perspectiva da EDH (VIOLA, 2013). Assim, este
artigo tem como objetivos traçar essa trajetória histórica de inserção
dos direitos humanos na Educação Superior brasileira; ressaltar o papel
e orientações de documentos internacionais e políticas públicas nesse
histórico; e levantar desaos que esse nível de ensino deve enfrentar para
Tradução nossa: “A universidade tem uma responsabilidade social central em educar na losoa e na prática
dos direitos humanos [...]”.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
36 |
avançar em matéria de direitos humanos, bem como apontar possibilidades
de superação desses desaos.
trajetória história de inserçãO dOs direitOs humanOs na
educaçãO superiOr
As primeiras experiências de Educação Superior em direitos
humanos no Brasil remontam aos tempos de resistência à ditadura civil-
militar vivenciada pelo país. Inicialmente, o tema dos direitos humanos
mobilizou docentes, discentes e técnicos administrativos a partir da perda
das liberdades civis e políticas ao longo desse período de autoritarismo
(1964-1985).
Com o passar dos anos, muitos pesquisadores e pesquisadoras
estudaram acontecimentos desse período de repressão política e atualmente
contribuem nas discussões sobre o assunto. Olguin (2005, p. 117), uma
dessas pesquisadoras, relata o seguinte:
Recorde-se a quantidade de prisões de universitários acontecidas
na Universidade de São Paulo, na Universidade de Brasília [...] e
o recrudescimento da repressão em 68, com o Ato Institucional
nº 5, a invasão da PUC, com violentas repressões, e a devassa
nos arquivos acadêmicos – para citar apenas alguns dos muitos
exemplos que se poderiam mencionar. São milhares e milhares
de trabalhadores, estudantes, docentes e camponeses que guram
nas listas de mortos, desaparecidos, detidos, torturados e exilados.
Desde o Rio Bravo até o Estreito de Magalhães, as universidades
foram, também, gravemente mutiladas, os centros de investigação
destroçados, as bibliotecas saqueadas (eram grandes fogueiras com
os livros censurados), os arquivos com expedientes acadêmicos
foram completamente aniquilados.
Nesse mesmo sentido, Zenaide (2010, p. 67) arma que a
universidade pública brasileira transformou-se, nesse período, em um
espaço “[...] de violência institucional, com invasões das forças de repressão
[...] censura e patrulhamento ideológico, expulsão de estudantes, criação
de comissões de investigação, serviços de informação, dentre outros”.
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
| 37
É preciso que esse momento histórico de repressão, censura e
cerceamento das liberdades civis e políticas não cai em esquecimento,
principalmente por aqueles que integram as diversas comunidades
universitárias do país. Mais do que recordar, é preciso posicionar-se nos
espaços universitários, em debates, congressos, seminários e tantas outras
atividades, escandalizando esses acontecimentos, na direção de uma
verdadeira pedagogia da indignação, deixando de lado o consentimento
4
.
De acordo com Tosi e Zenaide (2016, p. 163), a inserção dos direitos
humanos no ensino, na pesquisa, na extensão e na gestão universitária no
Brasil “[...] atravessou vários momentos, desde a resistência à ditadura
militar até o processo de institucionalização e expansão”. Nas décadas
de 1980 e 1990, não só o Brasil como outros países da América Latina
assistiram às primeiras ações universitárias de compromisso com a
promoção e fortalecimento dos direitos humanos:
Foi na década de oitenta, que iniciaram os primeiros seminários e
congresso de direitos humanos em toda a América Latina. Em 1983,
o Instituto Interamericano de Direitos Humanos IIDH-OEA,
com sede em Costa Rica, realizou o I Curso Interdisciplinar em
Direitos Humanos e o I Seminário Interamericano sobre Educación
en Derechos Humanos. Do Brasil, participaram o Centro Heleno
Fragoso de Curitiba, o Projeto Novamérica do Rio de Janeiro, a
Rede Brasileira de Educação em Direitos Humanos de São Paulo,
o Gabinete de Assessoria às Organizações Populares (GAJOP) de
Pernambuco, a Universidade Federal da Paraíba, a Comissão de
Justiça e Paz de São Paulo e o Departamento de Ciências Jurídicas da
PUC-RJ. Em 1984, o Chile promoveu o I Seminário Chileno sobre
Educação para a Paz e os Direitos Humanos. Na década de noventa,
em Santiago do Chile, foi realizado o Seminário de Educação para
a Paz, a Democracia e os Direitos Humanos [...]. Entre a década
de oitenta e noventa no Brasil se registram os primeiros Núcleos de
Direitos Humanos: em 1986, foi criado o Núcleo de Estudos para
a Paz e os Direitos Humanos da Universidade de Brasília (NEP/
UnB); em 1987, foi instituído o Núcleo de Estudos da Violência da
Sime (1991), arma que a educação em direitos humanos precisa basear-se na vida cotidiana pautando-se em
três princípios: pedagogia da indignação, pedagogia da admiração e pedagogia das convicções. A pedagogia da
indignação trata-se de uma pedagogia que, sob o olhar de rebeldia aos acontecimentos de violações de direitos,
escandaliza toda forma de violência e opressão, ao invés de consentir.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
38 |
Universidade de São Paulo (NEV/ USP). As primeiras Comissões
universitárias de DH foram criadas na década de 90: a primeira foi
a Comissão dos Direitos do Homem e do Cidadão da Universidade
Federal da Paraíba (CDHC-UFPB- 1989); seguida pela Comissão de
Direitos Humanos da Universidade de São Paulo (CDH-USP-1997);
pela Comissão de Direitos Humanos Dom Hélder Câmara da
Universidade Federal de Pernambuco (CDHDHC-UFPE-1998),
e pela Comissão de Direitos Humanos da Universidade Federal de
Sergipe (CDH–UFS-1999) [...]. (TOSI; ZENAIDE, 2016, p. 166).
No início da década de 1990, criou-se no Brasil uma comissão de
trabalho responsável pela elaboração de uma agenda em direitos humanos
(como consequência dos compromissos assumidos na Conferência Mundial
de Direitos Humanos de Viena), que culminou com a aprovação do
Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH), em 1996, contendo
linhas e metas de ações que passaram a nortear a atuação do Estado
brasileiro no campo dos direitos humanos. Nessa década de anseios pela
consolidação da democracia, foi possível a institucionalização dos direitos
humanos em cada país da América Latina que antes sofria com as medidas
autoritárias da ditadura civil-militar. No Brasil, tal institucionalização
aconteceu por meio de normas, legislações e políticas públicas, por isso
novos percursos foram traçados para as universidades nas décadas seguintes
(TOSI; ZENAIDE, 2016).
No ano de 1996 criou-se, também, a Rede Brasileira de Educação
em Direitos Humanos, que tomou a iniciativa de realizar o I Congresso
Brasileiro de Educação em Direitos Humanos e Cidadania, na Faculdade de
Direito da USP, em 1997. Este evento congregou docentes e pesquisadores
universitários de várias áreas do conhecimento, gestores públicos e
militantes da sociedade civil.
Nesse processo de construção de um compromisso social com os
direitos humanos, protagonizado por docentes e discentes universitários
juntamente com os movimentos sociais, o tema dos direitos humanos
passou a fazer parte do cotidiano acadêmico, seja por iniciativas individuais
ou de grupos envolvendo professores, estudantes e técnico-administrativos,
principalmente em experiências educativas extensionistas.
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
| 39
No nal da década de 1980 e início da década de 1990, a extensão
universitária começou a ser percebida como um processo que articula o
ensino e a pesquisa, como uma ação de assessoria aos movimentos sociais que
estavam emergindo, em lutas contra as desigualdades e violências estruturais
(TAVARES, 1997; ZENAIDE, 2013). Assim, conforme pontua Zenaide
(2013, p. 140), foi a partir da extensão universitária – que possibilitava
o diálogo e envolvimento entre membros da comunidade universitária
com os movimentos sociais –, “[...] que o tema dos direitos humanos foi
constituindo preocupação do palco universitário, contribuindo com o
debate sobre a democracia”.
A dimensão da extensão universitária é considerada pioneira
na relação entre a Educação Superior e os direitos humanos quando
comparada ao ensino e à pesquisa, pois, como arma Zenaide (2010), o
início da inserção dos direitos humanos nas universidades brasileiras não
aconteceu por meio de decretos, leis ou outras normas, mas a partir de
experiências concretas de educação popular e resistência. Para Nodari e
Ferreira (2008, p. 237): “Historicamente, a atuação da universidade na área
dos Direitos Humanos cou a cargo da extensão, com seu envolvimento
com os movimentos sociais e as lutas dos diversos segmentos que sofrem
com os processos de exclusão”.
Atualmente, as atividades extensionistas ainda são extremamente
importantes na promoção dos direitos humanos pelas Instituições de
Ensino Superior brasileiras, principalmente porque a extensão permite o
contato entre IES e comunidade local. Como argumentam Tosi e Zenaide
(2016, p. 170, grifo nosso):
As universidades públicas (e algumas privadas ou comunitárias) têm
desempenhado sua função social de oferecer aos distintos setores da
sociedade a promoção da igualdade no acesso ao conhecimento e à
cultura, gerando a formação de sujeitos que reconheçam a si e aos
outros como construtores de direitos e deveres e como força motriz
da história social. Ao longo de sua história, a extensão universitária
vem testemunhando o compromisso social das universidades com a
construção da cidadania democrática.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
40 |
Cabe pontuar a perspectiva de extensão universitária a que se refere:
emprestando o termo utilizado por Zenaide (2013), trata-se de uma extensão
cidadã, compatível com o pensamento crítico mobilizado por estudiosos
como Santos (2007) e Freire (1992), no sentido de pensar a universidade
numa perspectiva emancipadora e contra-hegemônica, associada à ideia
de uma extensão universitária realmente comprometida com os direitos
humanos, numa concepção intercultural. A perspectiva crítica de educação
levanta a possibilidade de conceber a extensão universitária como espaço
de disputa entre diferentes sujeitos (coletivos, sociais e institucionais), em
que múltiplas vozes dialogam para a aprendizagem mútua entre o saber
cientíco e os saberes e experiências populares, favorecendo a aproximação
real entre a sociedade e a universidade.
No ano de 1999, aprovou-se o Plano Nacional de Extensão pelo Fórum
de Pró-Reitores de Extensão das Universidade Públicas (FORPROEX)
5
.
No Plano, essa perspectiva de extensão cidadã ca evidente:
A extensão universitária vai além da compreensão tradicional
de disseminação do conhecimento (cursos, conferências,
seminários), prestação de serviços (assistenciais, assessorias e
consultorias) e difusão cultural (realização de eventos ou produtos
artísticos e culturais), mas integra os saberes sistematicamente
sistematizados, acadêmicos e populares, tendo como consequência,
a democratização do conhecimento, a participação efetiva da
comunidade na atuação da universidade e uma produção resultante
do confronto com a realidade. (FORPROEX, 2001, p. 2).
Nas palavras de Zenaide (2013, p. 146), por ser um documento que
assumiu a extensão cidadã,
O Plano Nacional de Extensão desencadeou a participação
institucional na implementação de projetos e programas da
política nacional de direitos humanos, junto com o Ministério da
Justiça e da Educação e recentemente com as Secretarias Especiais,
dos Direitos Humanos, da Igualdade Racial e das Políticas para as
Por seu compromisso social e engajamento com os direitos humanos, o FORPROEX recebeu o Prêmio
Nacional de Direitos Humanos de 2004, como reconhecimento institucional pela Secretaria dos Direitos
Humanos do Ministério da Justiça, na categoria Educação.
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
| 41
Mulheres. Dentre os Fóruns do Ensino Superior, o da Extensão,
diferentemente do Fórum da graduação e o da pós-graduação,
foi o pioneiro em criar a temática de direitos humanos e uma
comissão de direitos humanos coordenando e articulando as
experiências, armando o compromisso com a consolidação do
processo democrático.
O Plano Nacional de Extensão assumiu, portanto, um importante
papel no processo de institucionalização dos direitos humanos na Educação
Superior, buscando direcionar os programas e projetos às necessidades da
maioria da população e aos movimentos sociais.
A comunidade universitária brasileira continua colaborando com
a construção de uma sociedade promotora dos direitos civis, políticos,
econômicos, culturais e sociais por meio de atividades de extensão em
direitos humanos. Essas ações, vem possibilitando
A democratização do acesso à justiça e à tutela jurisdicional do
Estado; a capacitação de agentes sociais e agentes públicos para a
democratização do Estado e da gestão pública; a assessoria e apoio
aos processos organizativos e aos movimentos sociais fortalecendo a
organização da sociedade civil na participação das políticas sociais.
(TOSI; ZENAIDE, 2016, p. 170).
Portanto, pode-se dizer que, ao longo da história, a educação em
direitos humanos vem se congurando na Educação Superior brasileira
principalmente por meio de ações extensionistas, que articulam e
promovem ações de ensino e pesquisa, resistindo às formas de desigualdades
e violências social e institucional.
De acordo com Tosi e Zenaide (2016, p. 172):
O salto da extensão para o ensino da graduação e da pós-
graduação em direitos humanos começou a ser protagonizado
por universidades tais como a Universidade Federal da Paraíba
(UFPB), a Universidade de Brasília (UnB), a Universidade Federal
de Pelotas-RS (UFPEL), a Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo (PUC-SP), a Universidade Federal de São Carlos (UFSCar),
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
42 |
a Universidade Federal de Goiás (UFG), a Universidade Federal
de Pernambuco (UFPE), a Universidade Federal do Pará (UFPA),
dentre outras; envolvendo disciplinas optativas ou atividades de
extensão (seminários, grupos de pesquisa, projetos de extensão).
A década que iniciou o século XXI foi um período de expansão da
Educação Superior em direitos humanos. No ano de 2002 surgiu o segundo
Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH2), que ocasionou a
multiplicação de ações em direitos humanos nas IES. Nessa década de
2000 se disseminaram os Núcleos de Estudos e Pesquisas em Direitos
Humanos, assim como os Comitês de Educação em Direitos Humanos, as
Cátedras e os Observatórios.
Com o lançamento em 2009 do Programa Nacional de Direitos
Humanos em sua terceira versão (PNDH3) e a criação do Plano Nacional
de Educação em Direitos Humanos em 2006 (PNEDH)
6
, várias ações
universitárias foram incentivadas pelo poder público, como Seminários,
Congressos e encontros de direitos humanos, assim como disciplinas e
cursos de educação em direitos humanos, através da Secretaria de Direitos
Humanos, a Secretaria Nacional de Segurança Pública e a Secretaria de
Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade. No ano de 2007,
aconteceu o I Congresso Interamericano de Educação em Direitos
Humanos, que reuniu universitários, ativistas e autoridades (TOSI;
ZENAIDE, 2016).
Tosi e Zenaide (2016) realizaram uma pesquisa sobre o processo
de institucionalização dos direitos humanos na Educação Superior no
Brasil e teceram considerações sobre a relação entre direitos humanos e
Educação Superior a partir de levantamento de dados. De acordo com
esses pesquisadores:
A presença dos Direitos Humanos no ensino, na pesquisa e na
extensão nas IES assume diferentes formas institucionais: Núcleos,
Comissões, Programas, Laboratórios, Grupos de Estudo, Cátedras,
Observatórios ou Centros de Referência, que desenvolvem funções
Foram lançadas outras duas versões do Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos: uma no ano de
2013 e a outra no ano de 2018 (BRASIL, 2013, 2018).
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
| 43
parecidas e realizam atividades similares. Todos, de certa forma, se
dedicam ao estudo, ao ensino, à pesquisa acadêmica e à intervenção
social; ou seja, a pesquisa acadêmica não é desvinculada do engajamento
com as questões sociais, embora alguns órgãos enfatizem ou priorizem
mais um ou outro aspecto. A pesquisa indica duas características do
processo de inserção dos direitos humanos na educação superior no
Brasil: a interdisciplinaridade e a articulação entre ensino, pesquisa,
extensão e gestão. (TOSI; ZENAIDE, 2016, p. 180, grifo nosso).
Assim, é possível notar o seguinte: se no início da trajetória de inserção
dos direitos humanos na Educação Superior as atividades envolvendo esses
direitos estavam mais restritas à extensão universitária, desde os anos 2000
a Educação Superior em direitos humanos vem passando por um processo
de expansão que tem envolvido outras áreas: o ensino, a pesquisa e a gestão.
Adentramos a década de 2010 com esse processo de expansão em curso, e
observamos que, atualmente, não só a extensão, mas também a pesquisa, o
ensino e a gestão vêm constituindo um espaço de práticas interdisciplinares
em defesa dos direitos humanos.
educaçãO superiOr em direitOs humanOs: Orientações pela ótica
de dOcumentOs internaciOnais e pOlíticas públicas
Citaremos algumas orientações sobre a inserção dos direitos
humanos na Educação Superior que foram consolidadas em documentos
norteadores da educação em direitos humanos, sem deixar de considerar
a responsabilidade das IES e da luta da sociedade civil para que mudanças
efetivas aconteçam.
Como arma Viola (2013, p. 36): “As declarações [planos, diretrizes,
programas e outros] são documentos que revelam intenções, respondem
a condições históricas especícas e servem como indicadores de projetos
políticos e sociais”. Portanto, os documentos já mencionados neste texto
(PNDH em suas três versões, o Plano Nacional de Extensão e o PNEDH),
bem como outros documentos norteadores e outras políticas públicas
de educação em direitos humanos, expressam propostas que dependem
das Instituições de Ensino Superior para serem implementadas, “[...] da
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
44 |
mesma forma que os pressupostos dos direitos civis só se efetuam pela
pressão da sociedade civil junto ao Estado e o compromisso deste com os
princípios da democracia” (VIOLA, 2013, p. 50).
Em nível internacional, a Organização das Nações Unidas (ONU),
preocupada com a formação de uma cultura universal dos direitos
humanos, instituiu o Programa Mundial para a Educação em Direitos
Humanos (PMEDH), composto por três fases
7
, dentre as quais citamos
a Segunda Fase (2010-2014), que confere prioridade à Educação Superior
e à formação em direitos humanos para professores, servidores públicos,
forças de segurança, agentes policiais e militares. Visando à formação
prossional com base nos direitos humanos, o Plano de Ação do PMEDH
orienta que
As instituições de ensino superior, por meio de suas funções básicas
(ensino, pesquisa e serviços para a comunidade), não só têm a
responsabilidade social de formar cidadãos éticos e comprometidos
com a construção da paz, a defesa dos direitos humanos e os valores
da democracia, mas também de produzir conhecimento visando a
atender os atuais desaos dos direitos humanos, como a erradicação
da pobreza e da discriminação, a reconstrução pós-conitos e a
compreensão multicultural. Portanto, o papel da educação em
direitos humanos na educação superior torna-se fundamental.
(UNESCO, 2012, p. 11).
O PMEDH destaca, ainda, que
A educação em direitos humanos no ensino superior deve ser
entendida como um processo que inclui: (a) direitos humanos pela
educação – assegurar que todos os componentes e os processos de
aprendizagem, incluindo currículos, materiais, métodos e formação
sejam propícios à aprendizagem dos direitos humanos; (b) direitos
humanos na educação – garantir o respeito aos direitos humanos
de todos os atores, bem como a prática dos direitos, no âmbito
do sistema de ensino superior. (UNESCO, 2012, p. 20, grifos do
autor).
A ênfase da Primeira Fase do Programa Mundial (2005-2009) foi na Educação Básica. Já a Terceira Fase
(2015-2019), dedica-se a reforçar a implementação das duas primeiras fases, e promover a formação em direitos
humanos de prossionais de mídia e jornalistas.
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
| 45
Ademais, o texto do PMEDH faz uma advertência que se apresenta
da seguinte maneira:
A introdução ou o aperfeiçoamento da educação em direitos
humanos no sistema de ensino superior requer uma abordagem
holística para o ensino e aprendizagem, integrando objetivos
do programa e conteúdos, recursos, metodologias e avaliação.
Deve-se ter em vista a sociedade, ou seja, ir além da sala de aula
e da instituição de ensino superior e, da mesma forma, construir
parcerias entre os diferentes membros da comunidade acadêmica e
seus correspondentes fora dela. (UNESCO, 2012, p. 14).
A adequação da Educação Superior a esses parâmetros é um dos
grandes desaos que esse nível de ensino deve enfrentar no Brasil e no
mundo. Por constituírem demandas internacionais, tais parâmetros estão
presentes em políticas públicas nacionais (como no PNEDH), na busca
pela consolidação de uma cultura de direitos humanos.
Segundo Viola (2013, p. 51), O PNEDH segue na direção do
PMEDH e de outros documentos internacionais, demonstrando “[...] em
suas fundamentações teóricas e programáticas que os direitos humanos
constituem um campo de conhecimentos que pode ser ensinado e
apreendido”. Em outras palavras, tanto o PMEDH quanto o PNEDH
sintetizam orientações essenciais às IES que desejam formar na perspectiva
dos direitos humanos, demonstrando que uma educação voltada à cultura
de paz e, portanto, de respeito aos direitos humanos é possível e alcançável.
Nas palavras de Viola (2013, p. 45), com as quais concordamos,
O texto apresentado pelo PNEDH traz em suas propostas
a superação do modelo universitário baseado nos princípios
utilitários submetidos aos interesses da economia de mercado e sua
passividade em relação à simples reprodução do conhecimento, a
submissão da pesquisa aos interesses do grande capital e as práticas
assistencialistas realizadas como práticas extensionistas.
Pode-se vislumbrar, pois, a educação em direitos humanos como
uma via de mudanças para as IES. O PNEDH sugere que as IES, em
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
46 |
especial as universidades, podem contribuir com a construção de uma
forma de pensamento que leve à autonomia da instituição e daqueles
que dela participam, especialmente para que a comunidade universitária
cumpra com seus compromissos sociais. Essa autonomia, como observa
Chauí (2003, p. 12), “[...] deve ser pensada como autodeterminação das
políticas acadêmicas, dos projetos e metas das instituições universitárias e
da autônoma condução administrativa, nanceira e patrimonial”, e não
como critério dos chamados contratos de gestão.
O PNEDH propõe caminhos que não limitam as possibilidades de
autonomia das universidades:
No ensino, a educação em direitos humanos pode ser incluída
por meio de diferentes modalidades, tais como, disciplinas
obrigatórias e optativas, linhas de pesquisa e áreas de concentração,
transversalização no projeto político-pedagógico, entre outros. Na
pesquisa, as demandas de estudos na área dos direitos humanos
requerem uma política de incentivo que institua esse tema como
área de conhecimento de caráter interdisciplinar e transdisciplinar.
Na extensão universitária, a inclusão dos direitos humanos no
Plano Nacional de Extensão Universitária enfatizou o compromisso
das universidades públicas com a promoção dos direitos humanos.
A inserção desse tema em programas e projetos de extensão pode
envolver atividades de capacitação, assessoria e realização de
eventos, entre outras, articuladas com as áreas de ensino e pesquisa,
contemplando temas diversos. (BRASIL, 2018, p. 38).
No que diz respeito à Educação Superior, o PNEDH ressalta que
as IES precisam responder ao cenário atual marcado por desigualdades,
exclusão social, mudanças ambientais, agravamento da violência, entre
outros aspectos que põem em risco a vigência dos direitos humanos.
Dentre os objetivos do Plano, estão os seguintes:
Destacar o papel estratégico da educação em direitos humanos
para o fortalecimento do Estado democrático de direito; enfatizar
o papel dos direitos humanos na construção de uma sociedade
justa, equitativa e democrática; [...] orientar políticas educacionais
direcionadas para a constituição de uma cultura de direitos
humanos; [...] estimular a reexão, o estudo e a pesquisa voltados
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
| 47
para a educação em direitos humanos; incentivar a criação e o
fortalecimento de instituições e organizações nacionais, estaduais
e municipais na perspectiva da educação em direitos humanos;
balizar a elaboração, implementação, monitoramento, avaliação
e atualização dos Planos de Educação em Direitos Humanos dos
estados e municípios; [...] (BRASIL, 2018, p. 13-14, grifo nosso).
Viola (2013, p. 44-45) explica que o PNEDH, organizado a partir
de cinco eixos, “[...] considera que as universidades possuem compromissos
históricos com as sociedades que as abrigam e, no caso do Brasil, com o
processo de democratização”. No mesmo sentido, porém na interpretação
de Zenaide (2010, p. 65), o PNEDH espera da Educação Superior e
daqueles que dela fazem parte:
[...] que nos comprometamos com o processo de democratização
das instituições e do conhecimento, fortalecendo a cultura e os
mecanismos de participação social; que nos preparemos para resistir às
formas de opressão e violências; que encontremos respostas técnicas
e cientícas para responder eticamente aos desaos econômicos,
sociais, políticos e culturais; que desenvolvamos a educação em e
para os direitos humanos não só com os universitários, mas com
o conjunto da sociedade; que contribuamos com o processo de
fazer com que cada pessoa saiba proteger e defender as liberdades
democráticas; que participemos com a formulação e avaliação das
políticas públicas para que deem respostas no sentido de enfrentar
os processo de exclusão gestados nos longos anos de colonização,
escravidão e república, assim como, resultem na redução das
desigualdades sociais.
Consideramos o PNEDH um documento norteador na formação
de sujeitos que sejam capazes de contribuir no processo de consolidação de
uma cultura de direitos humanos. Esta política pública apresenta em seu
texto um conjunto de 21 ações programáticas a serem desenvolvidas na
Educação Superior, com vistas à implementação dos direitos humanos nas
áreas de ensino, pesquisa e extensão.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
48 |
Merecem destaque, também, as Diretrizes Nacionais para a Educação
em Direitos Humanos (DNEDH), resolução voltada para a organização
curricular, que evidencia a transversalidade e interdisciplinaridade que o
arcabouço teórico-metodológico deve assumir nas esferas institucionais,
abrangendo ensino, pesquisa e extensão.
De acordo com as DNEDH, na dimensão de ensino os conteúdos
de direitos humanos devem permear os projetos pedagógicos, podendo
ser trabalhados em cursos e atividades curriculares, “[...] por meio de
seminários e atividades interdisciplinares, como disciplinas obrigatórias e/
ou optativas ou ainda de maneira mista, combinando mais de um modo de
inserção por meio do diálogo com várias áreas do conhecimento” (BRASIL,
2012, p. 16).
No âmbito da pesquisa, para as DNEDH é necessário que haja uma
política de fomento e incentivo para a realização de estudos e produção
de materiais, bem como para o fortalecimento de núcleos de pesquisa em
direitos humanos. Podemos citar como iniciativa, nesse sentido, o edital nº
38/2017, lançado em agosto de 2016, que teve como objetivo estimular e
fomentar projetos dedicados à temática da Educação em Direitos Humanos
e Diversidades no âmbito das IES, contemplando diferentes modalidades
de apoio, como bolsas de iniciação cientíca, mestrado e pós-doutorado
(BRASIL, 2017).
Já na área da extensão, as DNEDH orientam que as atividades
devem contribuir para o “[...] fortalecimento dos movimentos sociais na
implementação dos direitos e na consolidação da democracia” (BRASIL,
2012, p. 16).
O Ministério da Educação (MEC), juntamente com o Ministério
da Justiça e da Cidadania, lançou, no ano de 2016, o Pacto Nacional
Universitário pela Promoção do Respeito à Diversidade, da Cultura da Paz
e dos Direitos Humanos (PNUDH), uma iniciativa que representa uma
grande possibilidade às IES de armação do compromisso e responsabilidade
com os direitos humanos e o fortalecimento da democracia (BRASIL,
2016). O PNUDH é composto por um Acordo de Cooperação e um Termo
de Adesão, documentos destinados às IES ou Entidades Apoiadoras (EAs),
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
| 49
que os subscrevem com a manifestação do compromisso de desenvolver
atividades de ensino, pesquisa, extensão, gestão e convivência, de acordo
com os objetivos do PNUDH: superar a violência, o preconceito e a
discriminação, e promover atividades educativas de promoção e defesa dos
direitos humanos nas IES.
8
O Acordo de Cooperação resgata todos os principais documentos
relacionados aos direitos humanos, dos quais o Brasil é signatário, e
também aqueles criados pela sociedade brasileira. Além, apresenta dezessete
cláusulas contendo os princípios do PNUDH e traz, como Anexo I, o
Termo de Adesão, que contém quatro cláusulas, as quais explicitam as
responsabilidades das IES e as normas do acordo. O Acordo de Cooperação
(que ainda pode ser assinado pelas IES)
9
entra em vigor imediatamente à
sua subscrição pelos partícipes, pelo prazo de cinco anos, prorrogáveis por
igual período.
Assim com pontua Pereira (2019), o que se extrai desses documentos,
políticas públicas e iniciativas é uma nítida exigência de que os prossionais
que atuam na Educação Superior, assim como os estudantes universitários,
percebam e assumam os compromissos sociais que circundam as IES,
de maneira exível, sem exclusão dos marginalizados em suas ações.
Os documentos são de extrema importância para guiar as experiências
em direitos humanos empreendidas pelas IES, tanto é que as ações de
aproximação entre Educação Superior e direitos humanos aumentaram
de maneira proporcional ao avanço das políticas de educação em direitos
humanos.
De acordo com Tosi e Zenaide (2016), na década de 1990, 14 novos
setores de atuação em direitos humanos foram criados nas universidades
após a institucionalização do PNDH e, nos anos 2000, década de
lançamento do PNEDH, houve multiplicação das iniciativas, uma vez que
Quando o PNUDH completou um ano, em 2017, o Ministério da Educação (MEC) promoveu um encontro
em Brasília para que as IES que aderiram logo no início à iniciativa pudessem apresentar suas ações e trocar
experiências. Segundo informações da Assessoria de Comunicação Social do MEC, em 2017 trezentas e vinte
IES participavam do Pacto. Do total, cento e oitenta universidades, centros universitários, faculdades e institutos
já haviam concluído a elaboração de seus planos de trabalho nos eixos de ensino, pesquisa, extensão, gestão e
convivência. Outras sessenta instituições, aproximadamente, estavam na fase de formação do comitê gestor e
outras oitenta encontravam-se na fase de elaboração do plano de trabalho.
 Página de acesso às informações para adesão: http://edh.mec.gov.br/. Acesso em: 12 nov. 2020.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
50 |
a pesquisa realizada por tais estudiosos identicou 54 IES com atuação
institucional em direitos humanos, número que indica uma forte expansão,
com tendência à consolidação da área.
A educação em direitos humanos é um dos objetivos estratégicos
traçados para a Educação Superior no Brasil, como pode-se observar
pelo Plano Nacional de Extensão (1999), pelos três Programas Nacionais
de Direitos Humanos (divulgados em 1996, 2002 e 2010), pelo Plano
Nacional de Educação em Direitos Humanos (lançado em 2006, 2013 e
2018) e pelas Diretrizes Nacionais para a Educação em Direitos Humanos
(2012).
No entanto, alguns desaos nos interpelam. Para Tosi e Zenaide
(2016), embora tenhamos conquistado espaço em âmbito institucional,
com importantes centros acadêmicos de ensino e pesquisa, um desses
desaos está na consolidação de uma rede nacional de graduação e pós-
graduação em direitos humanos, como área autônoma e interdisciplinar,
para que avancemos ainda mais.
a educaçãO em direitOs humanOs nas instituições de ensinO
superiOr: desafiOs e pOssibilidades de superaçãO
Para discutir alguns desaos que a Educação Superior deve enfrentar
quando se trata de direitos humanos, Paulo César Carbonari (2013) destaca
três palavras: memória, verdade e justiça. Para esse estudioso, a superação
dos desaos que envolvem essas três palavras depende mais de ações
criativas que possam recongurar a formação que acontece nesse nível de
ensino, do que de uma decisão de vontade ou de normas vinculantes. Por
essa razão, tais desaos são complexos, mas também indicam possibilidades
de mudança, pois na medida em que Carbonari (2013) desenvolve suas
argumentações em torno de cada uma dessas palavras, aponta para ações
concretas que podem dar nova forma à Educação Superior.
No que diz respeito à primeira palavra (memória), a argumentação
principal é a de que a formação na Educação Superior tem acontecido
muito em prol do futuro, pensa-se no progresso da ciência – mesmo que
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
| 51
isso venha a custar um preço alto à humanidade –, trata-se o tempo como
linear e reforça-se a memória como sinônimo de rearmação pura e simples
da tradição.
Nas palavras de Carbonari (2013, p. 83), “[...] o desao da educação
em direitos humanos como memória exige a crítica contundente a todas
as formas de esquecimento cínico, aquele que costuma sobrepenalizar
as vítimas da história [...] em nome do progresso”. Assim, o autor
pontua o desao e ao desenvolvê-lo já destaca uma possível superação:
aquilo que Sacavino (2000) denomina “educar para o nunca mais”, isto
é, fomentar ações de cultivo da memória, resgatando o histórico que
culminou na Declaração Universal dos Direitos Humanos, e não deixar
que acontecimentos do passado e do presente marcados por violações de
direitos humanos caiam em esquecimento.
Para falar sobre o segundo desao, Carbonari (2013) utiliza
a palavra verdade, argumentando que a verdade (não absoluta, nem
relativa), é constitutiva da armação dos conhecimentos e vivências,
quando percebida como busca de assentimento e convergência. Assim,
é preciso que a Educação Superior seja baseada em uma concepção de
racionalidade capaz de lidar com a diversidade dos saberes e da verdade.
Esse desao exige enfrentar o dogmatismo e o relativismo
10
, para que se
reconheça a diversidade das formas de saber e de verdade como constitutiva
da formação de sujeitos de direitos. Sugere-se o desenvolvimento de
perspectivas interdisciplinares e transdisciplinares, considerando-se que
“[...] a vigência da ordem dos saberes pelo disciplinamento acadêmico
[...] constitui cânones incomunicáveis entre as várias racionalidades e, em
consequência, entre os múltiplos saberes” (CARBONARI, 2013, p. 84).
O terceiro desao foi desenvolvido em torno da palavra justiça, a
partir da premissa de que é uma exigência às IES a identicação e reparação
das violações de direitos (reparar as vítimas) e, sobretudo, exige-se que os
universitários sejam formados para saberem promover e proteger as pessoas
10
O dogmatismo, segundo Carbonari (2013), inviabiliza as múltiplas possibilidades do saber e da verdade,
assumindo uma perspectiva reducionista e cínica. O relativismo, por sua vez, mesmo que pareça reconhecer a
diversidade, não a concebe numa visão pluralista, ou seja, não admite qualquer tipo de convergência possível
entre saberes e verdades.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
52 |
e seus direitos, de forma que a dignidade possa fazer parte do cotidiano
desses estudantes. A sugestão de Carbonari (2013) é a de que o conceito de
justiça perpasse pelas áreas de ensino, pesquisa e extensão, para que sejam
áreas dinâmicas de estabelecimento de novas relações.
Essas três palavras e as argumentações que as envolvem, almejam
a formação de sujeitos de direitos nas Instituições de Ensino Superior,
de forma que a dignidade humana esteja sempre em primeiro lugar, ao
invés da busca pelo progresso desenfreado. Na sociedade atual, a ganância
cega as pessoas a ponto de levá-las a negar a dignidade humana em prol
do acúmulo de bens materiais, por isso a formação é tão importante na
tentativa de mudança desse cenário. Nesse sentido, Carbonari (2013, p.
86) traz o seguinte exemplo:
Um arquiteto que não tenha a compreensão do signicado
da construção do espaço urbano como espaço de disputa e de
integração para certos setores e de segregação para as maiorias
dicilmente terá condições de trabalhar na perspectiva da cidade
como direito e como espaço de exercício dos diversos direitos. É a
memória das muitas vítimas das cidades, visíveis e invisíveis, que
poderá fazer do ensino, da pesquisa e da extensão, nesta área de
conhecimento, um exercício de promoção dos direitos humanos.
Inúmeros outros exemplos podem ser levantados, como um(a)
médico(a) que não tem consciência da realidade de vulnerabilidade
social das minorias (ou, na verdade, maiorias) e relativiza a vida; um(a)
professor(a) que não compreende a educação como um ato político (e
nunca de neutralidade) e apenas contribui para a reprodução do status quo;
um(a) advogado que nega a verdade para ganhar a causa, mesmo sabendo
que a verdadeira vítima será injustiçada. Por m, enfrentar os desaos até
então mencionados é investir na realização da dignidade humana como
conteúdo intransitivo dos direitos humanos.
Candau e Sacavino (2008) destacam outros três desaos para a
Educação Superior em direitos humanos, distintos daqueles levantados
por Carbonari (2013), mas com igual relevância nesta discussão. São eles:
a desconstrução da visão do senso comum acerca dos direitos humanos; a
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
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polissemia do termo “educação em direitos humanos”; a articulação entre
ações de sensibilização e de formação.
Esse primeiro desao relaciona-se à visão deturpada que reina no
senso comum de que os direitos humanos são direitos que protegem
bandidos, ideia que acarretou as conhecidas expressões “direitos dos
manos” ou “direitos humanos para humanos direitos”.
11
É preciso, em
primeiro lugar, que haja desconstrução dessa visão, uma vez que não é
possível sequer mencionar o conceito de direitos humanos nas IES, quando
se pretende iniciar um trabalho nesse sentido, com as pessoas que carregam
tais preconceitos.
Assim como colocam Dibbern, Cristofoletti e Seram (2018, p.
14), tal desconstrução deve assumir a perspectiva de que a ideia central
dos direitos humanos diz respeito “[...] à proteção da dignidade da
pessoa humana, a defesa do Estado de Direito, associando-se à defesa
da democracia e desenvolvimento de uma cultura pautada nos direitos
humanos para todos, sem distinção de raça, religião, classe social [...]” ou
quaisquer outras diferenças que possam gerar preconceitos e rejeição.
Para Pereira (2019), o contexto de desigualdades e exclusão social,
associado à insuciência da EDH na Educação Básica, contribui para que
muitos estudantes cheguem às IES com esses preconceitos sobre os direitos
humanos. Para este autor:
Torna-se imperiosa a desconstrução dessas concepções equivocadas e
distorcidas nesse espaço/tempo, já que o ensino superior é o último
degrau da escada utilizada para ascender a muitos campos da vida
prossional [...]. Desmisticar os direitos humanos e desfazer essa
visão distorcida, equivocada e falaciosa, certamente constitui um dos
primeiros passos para o início de uma efetiva EDH no ensino superior
no Brasil. Ou seja, para educar em direitos humanos, primeiramente é
preciso uma quebra de paradigma, isto é, desvendar e esclarecer aquilo
que esses direitos não são, para então começar a construção daquilo que
eles verdadeiramente são e representam, e como devem ser compreendidos
e atuados. (PEREIRA, 2019, p. 12, grifo nosso).
11
Maciel (2018), ao pesquisar concepções de professores de Educação Infantil acerca da educação em direitos
humanos, constatou que esse ideário distorcido sobre os direitos humanos está muito presente não só no âmbito
do senso comum, como no meio educacional.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
54 |
O segundo desao apresentado por Candau e Sacavino (2008)
diz respeito à polissemia do termo “educação em direitos humanos”.
Sacavino (2009), ao comentar esse assunto, menciona que especialmente
nas dimensões político-ideológica e pedagógica convivem diferentes
concepções, que vão do enfoque neoliberal até os enfoques histórico-
críticos, de caráter contra hegemônico. Uma possibilidade de superação
desse desao é que as Instituições de Ensino Superior assumam, e deixem
claro, sua concepção de educação em direitos humanos, explicitando o que
se pretende atingir com os conteúdos selecionados e com a(s) perspectiva(s)
teórico-metodológica(s) adotada(s).
O terceiro desao a ser superado, para Candau e Sacavino (2008), é
o da articulação de ações de sensibilização e de formação. Para essas autoras,
a superação desse desao está intimamente ligada ao fortalecimento da
extensão universitária, pois as ações extensionistas permitem a aproximação
das IES com a comunidade local e regional e podem propiciar a dimensão
da sensibilização, uma vez que os estudantes podem ter contato com
experiências reais, contato direto com vidas que merecem um olhar
mais atento por parte da sociedade em geral, especialmente das políticas
públicas. Esse desao refere-se, também, à associação de ações de cursos
de curta duração com os programas de formação destinados a possíveis
multiplicadores. Nesses cursos, é possível que a dimensão da sensibilização
aconteça a partir de estudos de caso (de preferência, casos reais).
Consideramos que existem outros dois desaos interpostos entre
a educação em direitos humanos e a Educação Superior: os processos
de privatização do Ensino Superior e a mercantilização da universidade
pública; e as diculdades em se democratizar o acesso à universidade. Esses
são os maiores desaos que a Educação Superior brasileira deve enfrentar,
sem que se esqueça de que a superação é difícil, mas não impossível.
O desao da democratização do acesso é mencionado por Carbonari
(2013, p. 62), que considera que a primeira grande tarefa da Educação
Superior em matéria de direitos humanos “[...] está exatamente em garantir
acesso, o que inclui política para manter as condições de acesso e ampliá-
lo, para que brasileiros(as) tenham esse direito efetivamente realizado.”.
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
| 55
A respeito dos processos de privatização e mercantilização, após
realizar um breve resgate histórico sobre o processo de expansão da
Educação Superior no Brasil, Paula (2017, p. 304) arma que, a partir da
Reforma de 1968, esse nível de ensino sofreu “[...] um esmagamento de
sua principal atribuição, que é a de oferecer o ensino superior de modo
democrático e igualitário, com qualidade [...]”. Na verdade, a Educação
Superior “[...] permitiu a expansão do setor privado e não criou a
verdadeira universidade’, com a sua proposta de indissociabilidade entre
ensino, pesquisa e extensão, então alardeada”.
A intensicação das políticas neoliberais na Educação Superior, com
propostas de expansão e massicação, aconteceu com a reforma da década de
1990, quando houve aceleração do processo de privatização e diferenciação
desse nível de ensino no Brasil, com respaldo da Lei n. 9.394/1996 – Lei
de Diretrizes e Bases da Educação (LDB)
12
(BRASIL, 1996). Passou-se a
vivenciar de maneira mais acentuada a fragmentação e o aligeiramento da
formação, por meio de cursos para tecnólogos, cursos de curta duração,
educação à distância, entre outros. Tal reforma da década de 1990 ocasionou
o desmonte do setor público e permitiu a proliferação indiscriminada de
IES e cursos privados, sem controle de qualidade, apesar das políticas de
avaliação da Educação Superior que se multiplicaram nesse período.
Nesse cenário, como pontua Dias Sobrinho (2010, p. 1.225), vem
prevalecendo na atual sociedade a concepção de educação-mercadoria, em
contraposição à educação como bem público, dever de Estado e direito do
cidadão. Somente a partir da concepção de educação como bem público,
faz sentido falar em democratização do acesso e garantia de permanência
dos estudantes em cursos superiores com qualidade cientíca e social”.
Por esse motivo é que a questão da democratização do acesso (que se
congura como mais um dos desaos discutidos neste texto) está vinculada
à tentativa de frear o crescimento da privatização da Educação Superior e
da mercantilização da universidade pública.
12
Luiz Antonio Cunha (1979), já apontava, na década de 1980 do século passado que, historicamente, as
políticas para o ensino superior no Brasil oscilam, de tempos em tempos, entre um polo de liberalização da
criação de vagas e cursos superiores, e o polo oposto, denominado pelo autor de políticas de contenção da
expansão do ensino superior, por meio da proibição temporária da abertura de novas vagas e cursos de educação
superior.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
56 |
Paula e Silva (2012, p. 7), partem do princípio de que
[...] a ênfase na política de expansão e massicação não esgota o
projeto de democratização da educação superior. Esse processo
só se completará se tivermos igual proporção de crescimento
na taxa de concluintes, com integração crescente das camadas
marginalizadas socialmente, sobretudo dos estudantes de baixa
renda. É necessário visar com igual ênfase o nal do processo: a
conclusão, com êxito, dos cursos superiores, integrando nesses
índices as camadas subalternizadas da população, com garantia de
qualidade na formação.
Em outras palavras, para que haja efetivamente democratização
do acesso à Educação Superior, é preciso que se considere não apenas a
dimensão do ingresso, mas também a da permanência/conclusão, a da
formação com qualidade e a da inclusão na Educação Superior das camadas
subalternizadas histórica e socialmente.
13
Como arma Chauí (2003, p. 6), esse contexto de reformas e avanço
das políticas neoliberais passou a tratar a educação (assim como a saúde e
a cultura) como um serviço não exclusivo do Estado, fato que signicou
[...] a) que a educação deixou de ser concebida como um direito e
passou a ser considerada um serviço; b) que a educação deixou de
ser considerada um serviço público e passou a ser considerada um
serviço que pode ser privado ou privatizado. Mas não só isso. A
reforma do Estado deniu a universidade como uma organização
social e não como uma instituição social.
A universidade pública sempre foi uma instituição social, “[...]
uma ação social fundada no reconhecimento público de sua legitimidade
e de suas atribuições, num princípio de diferenciação, que lhe confere
autonomia perante outras instituições sociais” (CHAUÍ, 2003, p. 5). Com
13
A chamada “Lei das Cotas” (Lei nº 12.711/2012) (BRASIL, 2012). reserva 50% das matrículas por curso e
turno nas universidades federais e institutos federais de educação, ciência e tecnologia a alunos que cursaram
integralmente o ensino médio em escolas públicas, sejam cursos regulares ou na modalidade de educação de
jovens e adultos (EJA). As demais vagas permanecem no sistema de concorrência universal. Assim, essa lei se
constitui em um exemplo efetivo de democratização do acesso ao ensino superior público brasileiro para as
camadas sociais menos favorecidas.
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
| 57
a mudança de concepção, isto é, concebendo-se a universidade como
organização operacional – e não mais como instituição social –, assume-
se uma visão de prática social determinada de acordo com um conjunto
de meios administrativos, operações e estratégias (como planejamento,
controle, competência e êxito), para a obtenção de objetivos particulares.
Uma organização operacional não tem como premissa a discussão ou
questionamento de sua própria existência, de sua função e papel quanto
à luta de classes. Essa premissa, no entanto, é crucial para uma instituição
social (CHAUÍ, 2003).
É nesse sentido de defesa da universidade enquanto instituição social,
que Piovesan (2005) destaca a necessidade de se resgatar o potencial ético
e transformador das universidades, na construção de uma forte cultura de
direitos humanos, por meio de todas as dimensões acadêmicas, ou seja, por
meio do ensino (como transmissão do saber), da pesquisa (como produção
do saber) e da extensão universitária (como intervenção social).
Quanto ao ensino, pode-se fortalecer espaços já existentes e criar
outros espaços para interlocução e atuação articulada e integrada entre
as diversas experiências. Nesse sentido, pode-se discutir sobre conteúdos
programáticos das disciplinas de direitos humanos, sobre bibliograa,
metodologia, linhas de pesquisa adotadas, buscando um eixo comum
para cursos de curta duração, disciplinas de cursos de graduação e pós-
graduação e para a inserção interdisciplinar dos direitos humanos na
formação universitária.
No âmbito da pesquisa, também se faz necessário inaugurar um
espaço capaz de estimular, fomentar e aglutinar a produção cientíca na área
dos direitos humanos. Nesse sentido, pode-se visitar a agenda de direitos
humanos do hemisfério sul, para que sejam identicadas as principais
demandas e prioridades. Nas palavras de Piovesan (2005, p. 79-80), a
título de exemplo, destacam-se na agenda “[...] temas afetos aos direitos
econômicos, sociais e culturais [...]; a pobreza como violação de direitos
humanos; o direito ao desenvolvimento, dentre outros, considerando
o padrão de desigualdade estrutural e violência sistêmica que alcança a
região”.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
58 |
Quanto à extensão universitária, aqui entendida como intervenção
social, Piovesan (2005, p. 80) aponta para a necessidade de estreitamento
da comunicação e troca entre universidades e sociedade civil, no que tange
às demandas sociais concernentes à proteção, à promoção e à defesa dos
direitos humanos. No sentido de fortalecer a intervenção social em matéria
de direitos humanos, formula-se a proposta de criar centros/polos de
excelência em direitos humanos, com os seguintes objetivos: “Fomentar a
litigância em direitos humanos, com a perspectiva voltada à intervenção e à
transformação social; estabelecer uma dinâmica de articulação e interação
entre estes polos regionais, viabilizando o intercâmbio docente e discente
(PIOVESAN, 2005, p. 80).
Vê-se que Piovesan (2005) é uma das pesquisadoras que levantou
propostas e possibilidades de avanço para a educação em direitos humanos
nas IES do Brasil e, para tanto, utilizou como critério os três objetivos
centrais desempenhados pela universidade: o ensino, a pesquisa e a
extensão. Almeja-se, pois, que a educação em direitos humanos perpasse
por todas as atividades acadêmicas da Educação Superior.
cOnsiderações finais
Os direitos humanos conquistaram um bom espaço institucional
na Educação Superior a partir da década de 1980, mas ainda não são
concebidos pelas comunidades universitárias da maneira como seria o
ideal: enquanto eixo articulador de ensino, pesquisa e extensão, que parta
cada vez mais das necessidades reais da sociedade; promova estudos que
sirvam de subsídios para a sala de aula e para a intervenção social, tanto
no campo da formação quanto da assessoria; e promova outras formas de
intervenção social junto aos movimentos sociais e às entidades públicas.
Consideramos que, para que o eixo da educação em direitos humanos
se fortaleça e se consolide na Educação Superior brasileira, a realidade na
qual cada IES está inserida deve ser um ponto de partida e de chegada,
como um objeto permanente de preocupações a ser pesquisado, discutido
e transformado por meio do diálogo entre as IES e a sociedade civil.
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
| 59
As orientações dos documentos internacionais e das políticas
públicas para a educação em direitos humanos revelam que a EDH
encontra um lugar próprio na Educação Superior, visto que as IES,
principalmente as universidades, possuem especicidades favoráveis à
consolidação de uma cultura de direitos humanos, como a produção,
disseminação e crítica de conhecimentos. A explicitação de ações concretas
por parte desses documentos, nas quais se traduz o fazer educativo como
compromisso individual e coletivo dos prossionais e estudantes que fazem
a Educação Superior, serve para mostrar que os caminhos estão abertos e as
possibilidades põem-se como exigências criativas.
Apesar de serem inúmeros os desaos que se deve ainda enfrentar
para que a educação em direitos humanos seja inserida nas Instituições
de Ensino Superior de maneira efetiva, já existe uma trajetória histórica
sólida, tanto no plano nacional quanto no internacional, de defesa da
educação em direitos humanos, por parte de pesquisadores, militantes,
movimentos sociais e Organizações Não Governamentais (ONGs). Por
isso, é possível encontrar um campo consolidado de estudos teóricos que
versam sobre a educação em direitos humanos, e pode-se abstrair desses
estudos possibilidades para a Educação Superior. Desaos existem, mas é
preciso que nos posicionemos diante deles como fatores a serem superados,
e não como entraves e dilemas que dicultam e até impossibilitam a
transformação.
A universidade pública, quando concebida como instituição social,
mantém uma relação simbiótica entre o interno e o externo, ou seja,
entre o que ocorre dentro dela mesma e no interior da sociedade. Mas,
essa relação não ocorre sem o ltro característico das universidades: a
autonomia. Essas instituições podem, pois, assimilar de forma crítica as
demandas e inuências externas, produzir conhecimentos em parceria com
a comunidade – buscando que esses conhecimentos retornem à sociedade
– com claro respeito aos direitos humanos. Podem, ainda, ofertar formação
na perspectiva dos direitos humanos e ser, pois, um locus de desmisticação
da ideia de que os direitos humanos servem apenas a uma parcela da
sociedade.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
60 |
Seguindo esse raciocínio, uma possibilidade de superação de
desaos mais complexos que se sobrepõem à Educação Superior, reside na
mobilização de ideias e ações que possam acarretar o resgate da essência da
universidade pública como instituição social. As universidades públicas,
gratuitas e de qualidade são socialmente referenciadas, uma vez que
são elas as “[...] instituições pluridisciplinares de formação dos quadros
prossionais de nível superior, de pesquisa, de extensão e de domínio e
cultivo do saber humano” (BRASIL, 1996, p. 15).
Considerando-se que são as universidades as instituições que carregam
como premissa a indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, e
sabendo-se que as atividades de extensão cumpriram (e cumprem) um
papel signicativo na aproximação entre a Educação Superior e os direitos
humanos, pode-se dizer que essas instituições precisam ser pioneiras na
efetividade da educação em direitos humanos , de modo que outras IES
tenham exemplos que possam ser seguidos e sirvam de parâmetro para que
haja multiplicação das ações na perspectiva da EDH.
O que se espera da Educação Superior é que os direitos humanos
sejam trabalhados nas IES como eixo norteador de todas as ações, e
consideramos que essa construção só é possível em uma sociedade
organizada democraticamente, com participação das diferentes camadas
sociais, para que se alcance em conjunto o objetivo de um desenvolvimento
cientíco, econômico e cultural que contribua para garantir a dignidade
humana, entendendo e respeitando as pessoas como sujeitos de direitos,
em suas diversidades.
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64 |
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Luís Antônio Francisco de Souza
1
Carlos Henrique Aguiar Serra
2
intrOduçãO
Nossa pesquisa tem girado em torno do duplo processo de
militarização das forças policiais e de policialização das forças armadas,
que vem dominando o cenário institucional brasileiro nas últimas décadas.
Embora o estudo sobre a relação entre militares e política, cuja marca
mais distintiva seja o conluio militar/civil que levou ao golpe de estado
em 2016, seja muito importante, o presente trabalho se inscreve mais
na discussão sobre estratégias e táticas militares, adotadas na segurança
Doutor em Sociologia. Docente do Departamento de Sociologia e Antropologia e do Programa de Pós-
Graduação em Ciências Sociais da Unesp, Marília.
Doutor em História. Docente do Departamento de Ciência Política e do Programa de Pós-Graduação em
Ciência Política da UFF.
https://doi.org/10.36311/2022.978-65-5954-279-6.p65-82
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
66 |
pública. Mesmo porque, polícia e segurança púbica têm sido campos de
interesse militar e, de certa forma, esteios do militarismo no país. Para nós,
o cenário atual de militares assumindo o poder máximo da nação, e com
isto produzindo crises sem precedentes, constitui o ápice do processo mais
amplo de militarização.
A nossa proposta de análise leva em consideração a noção de
estado de exceção de Giorgio Agamben (2004), na medida em que nos
interessa mostrar que a intervenções militares na segurança e na política
correspondem ao processo de normalização do militarismo como forma
de governo. O governo militar é caracteristicamente um governo de
exceção, pois subverte a lógica do governo civil presente em nosso direito
constitucional. E isto ca mais claro quando observamos que a militarização
traz consigo limitações de direitos, legitimação da violência do estado e
conluio entre militares e o crime organizado. Trata-se, como pretendemos
demonstrar neste trabalho, da estratégia permanente de construção de
um inimigo a ser abatido, dentro da lógica da guerra, da legitimação do
confronto armado e da ocupação.
A sociedade brasileira, historicamente, construiu uma estrutura
política e econômica de distribuição desigual de poder e de riquezas. Em
grande parte, esta estrutura só foi possível em razão de altos padrões de
exploração do trabalho e de elevados níveis de desigualdade, reetidos
num judiciário seletivo e numa polícia violenta. O processo de transição
da ditadura militar ao Estado de Direito, iniciado em 1985, não foi capaz
de desmilitarizar a polícia e não impediu que os militares se imiscuíssem
na política e na segurança pública. Este processo de ocupação de espaços
importantes no governo brasileiro pelos militares, que é um dos efeitos mais
evidentes do processo de militarização, não foi um fenômeno repentino
nem casual. Os militares já vinham ocupando cadeiras no legislativo
nacional, mas, desde o golpe contra a presidenta Dilma Rousse, em
2016, eles estão ocupando posições em várias instâncias do executivo e
judiciário, tanto no âmbito federal como estadual, reforçando também sua
posição estratégica no Gabinete de Segurança Institucional, no Ministério
da defesa, na infraestrutura, sobretudo, nas comunicações e na segurança
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
| 67
pública
3
. Além disso, os militares estão ocupando posições nas empresas
estatais, nas fundações e autarquias nacionais
4
. O número de militares
no governo federal no presente tem superado a presença de militares no
governo durante a ditadura militar. E todos os dados e pesquisas apontam
para o recrudescimento da militarização no país (CASTRO, 2018;
KUHLMANN, 2007).
A tomada de poder pelos militares ocorreu no rastro da intervenção
militar no RJ, autorizada pelo governo Temer, em fevereiro de 2018. O
contexto alegado para a intervenção foi a suposta falência das instituições
policiais para a manutenção da ordem e da segurança públicas
5
. Durante
os 30 anos do Estado de Direito no país, houve um aumento do clamor
por mais segurança, mais rigor na punição do crime e por penas mais
longas. Uma ampla gama de medidas foi adotada para aumentar a
capacidade do estado no controle do crime e da criminalidade. A lista de
medidas é grande e indica a tendência do Brasil pela adoção da estratégia
da exceção como mecanismo de controle social violento
6
. A produção do
encarceramento em massa, com suas características excludentes e violentas,
é um dos indicadores da ênfase punitiva que liquida direitos e garantias
constitucionais. Assim, a experiência brasileira indica o fortalecimento
de agendas conservadoras na área da segurança, aliando o sistema penal
e policiamento militarizado na gestão cotidiana da chamada violência
Cf. https://oglobo.globo.com/brasil/desde-inicio-do-governo-bolsonaro-41-militares-assumiram-postos-
chave-23386718?utm_source=Facebook&utm_medium=Social&utm_campaign=O%20Globo. Acesso em: 29
mar. 2021. Nas eleições gerais de 2018, os militares foram eleitos em massa e ocuparam espaço nos estados e nas
assembleias legislativas. Acesso em: 29 mar. 2021.
Cf. https://www1.folha.uol.com.br/poder/2019/01/militares-ja-se-espalham-por-21-areas-do-governo-
bolsonaro-de-banco-estatal-a-educacao.shtml?utm_source=facebook&utm_medium=social&utm_
campaign=compfb&fbclid=IwAR36pEG23Dp0OB_WbS8HRR0oNI4gj9HAcIcpoqUaAXq5Y5-rd-
o3meGbN18. Uma das novidades deste novo processo de ocupação dos quadros da administração pública por
militares, num momento de alegado ajuste scal e limitação de recursos públicos para a sáude e educação, é
que eles receberam aval para acumular os cargos com os soldos da ativa. Não se pode esquecer que os militares
receberam reajustes de seus proventos e caram de fora da reforma da previdência social, reforma esta que foi
rígida para os trabalhadores brasileiros. Acesso em: 29 mar. 2021.
 Cf. Observatório da Intervenção: http://observatoriodaintervencao.com.br/
Lei de crimes hediondos, prisões de segurança máxima, redução da maioridade penal, liberalização da posse de
armas, pena de morte, não punibilidade da violência policial, guerra às drogas, criminalização de movimentos
sociais, toque de recolher, sistemas ampliados de vigilância e controle, condomínios fechados, privatização da
segurança, poder de polícia para guardas municipais e para militares, maior presença militar na segurança. Este
é o quadro de propostas conservadoras que desviou a democracia brasileira de agendas inclusivas típicas da luta
histórica dos movimentos sociais por cidadania (SOUZA; SERRA, 2020).
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
68 |
urbana
7
. Aos poucos uma semântica militarizada acaba sendo imposta ao
discurso das políticas públicas: cerco, sítio, ocupação, incursão, invasão,
operação, intervenção para citar os mais comuns (CALDEIRA, 2001;
MACHADO DA SILVA, 2008; TELLES, 2011; SILVA, 2018). Trata-
se, portanto, da construção meticulosa e reetida da adoção de discursos,
ações, mecanismos e táticas de exceção condizentes com a lógica da guerra
hibrida (LEIRNER, 2020)
8
. Estas estratégias não fazem distinção entre
legalidade e ilegalidade, agências públicas e privadas, estado e empresas,
governo civil e governo militar. Dentro deste amplo escopo em que polícia
e militares, segurança e defesa se confundem, incluem-se as ações de
grupo paramilitares, como as milícias, que cometem chacinas a mando de
comerciantes e de políticos
9
.
Agamben (2004a) demonstra que o Estado de Direito produz
e depende das exceções. O estado de exceção é ao mesmo tempo uma
conguração da institucionalidade jurídica e uma tática geral de governo
das multiplicidades sociais emergentes. Ele reforça o aparato autoritário-
repressivo dentro da lei ao mesmo tempo em que torna ambígua a
fronteira entre legalidade e ilegalidade. O estado de exceção é, então, o
espaço político em que a violência se torna justicável mesmo quando
fere diretamente a norma legal porque permite que os mecanismos de
guerra sejam acionados (AGAMBEN, 2004a, 2004b). Tendo como
parâmetro analítico estas premissas do estado de exceção, podemos
armar que, no interior do dispositivo da gestão militarizada, há a
pretensão da preeminência dos militares na gestão da força e dos riscos.
O fenômeno do conservadorismo no meio militar não é novo, mas é preciso reetir sobre o sentido
contemporâneo de missão dos militares como salvadores da pátria, que pode, por que não, estar articulado com
o cruzadismo das igrejas neopentecostais. Anal, estamos vendo a conversão em massa de policiais e de militares
às designações evangélicas mais fundamentalistas (MOTTA, 2018).
Estamos usando o conceito de guerra híbrida na medida em que identicamos na militarização expressão
da adoção de táticas de guerra assimétrica, de guerra psicológica, de guerra cultural, de guerra por outros
meios, presentes na doutrina dos militares brasileiros; e isto vem ocorrendo desde o golpe de 1964, mas tem
se intensicado a partir dos governos do Partido dos Trabalhadores (PT). Evidentemente, a guerra híbrida
se articula com a adoção de estratégias de lawfare pelo Ministério Público e pelo Judiciário nacionais, como
extensão da guerra imperial ao país por meios políticos, midiáticos e de guerra (ESCOBAR, 2016).
As chacinas estão inseridas no contexto da gestão militarizada e ilegal da violência no Brasil: http://www.
terra.com.br/noticias/infogracos/chacinas-brasil/chacinas-brasil-10.htm; o mesmo vale para as milícias:
https://brasil.elpais.com/brasil/2016/07/21/politica/1469054817_355385.html.; e, talvez, para o chamado
tribunal do crime: http://sao-paulo.estadao.com.br/noticias/geral,policia-prende-17-do-pcc-em-tribunal-do-
crime,10000003679. Acesso em: 29 mar. 2021.
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
| 69
E nesse sentido não há contradição entre a politização da morte, cuja
especicidade encontra-se na doutrina militar, e a estratégia biopolítica,
porque, anal, os militares se consideram especialistas em logística de
objetos, fronteiras, territórios e de pessoas (FOUCAULT, 1999). O poder
de morte e de destruição é central nas estratégias de governo militar, e
tomamos como exemplo destes dois aspectos a (má)gestão do governo
federal em relação à pandemia do coronavírus e os efeitos econômicos
de seu projeto de poder. A intervenções militares, compreendidas na
prerrogativa do poder soberano de decretar a exceção durante guerras,
agora são acionadas nas ações de segurança pública e nas ações políticas
de uma forma geral. Sendo assim, matar é parte integrante e de um
dispositivo de controle da vida daqueles que merecem viver a custo
do massacre de quem deve morrer. Trata-se, portanto, de uma política
genocida, ancorada num dispositivo militarizado, que potencializa em
larga escala a dialética trágica do “fazer viver e deixar morrer” e “fazer
morrer e deixar viver” (FOUCAULT, 1999)
10
.
O governo da população e a gestão da vida tornam aceitáveis os
altos custos das mortes como estratégia de segurança e de gestão de riscos.
Importante, neste sentido, lembrar que a violência do estado e as formas
mais sutis de gestão econômica de riscos não são excludentes. As sociedades
ocidentais, na esteira do desmantelamento do estado de bem-estar social,
têm investido no modelo de controle social pelo encarceramento, pela
guetização de grupos sociais, pela vigilância high-tech disseminada e pela
violação sistemática dos direitos de cidadania (BECK, 2010; GARLAND,
2008; ZUBOFF, 2021; WACQUANT, 1999). O presente texto defende
que estas características não entram em contradição com o modelo
militarizado da segurança. As políticas de segurança de caráter repressivo
podem ser consideradas como extensões da guerra na vida social por meio
de uma violência considerada legítima.
Concordando com teses mais amplas sobre a relação entre
neoliberalismo, capitalismo de plataforma e estado de exceção, podemos
10
Os altos índices de letalidade pela polícia e a constante campanha para aumentar seu poder de morte, bem
como a isenção de culpabilidade de policiais julgados diante do júri demonstram o grau de legitimação do
estado de guerra permanente em que a morte do “bandido” é justicável em qualquer circunstância. Nos termos
de Agamben (2004a), o inimigo, o bandido, é matável, porém, não sacricável.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
70 |
pensar num novo urbanismo militar: tratar a cidade como praça de guerra
e utilizar táticas e estratégias de combate ao terror como paradigma para
lidar com as ameaças. As cidades brasileiras não são palco de uma guerra
convencional, mas de inúmeras táticas de uma guerra “assimétrica” ou
“híbrida”. Ou seja, não se trata do emprego da força militar máxima
para conter desordens e desordeiros, mas táticas de vigilância, controle
de acesso, checagem de fronteiras, ocupação territorial, controle digital
de identidades, numa espécie invasiva de guerra de guerrilha, em que
não há igualdade entre os combatentes. Ao mesmo tempo, esta guerra
não apresenta um vencedor e ela nem cessa com um armistício. Trata-se,
sem dúvida, de uma guerra permanente a percorrer todo o tecido social
(FOUCAULT, 1999; GRAHAM, 2016).
militarizaçãO da segurança e guerra permanente
Com os militares no poder, a face mais evidente do estado de
exceção se revela: limitação do acesso livre à informação e desvirtuamento
do escopo da Lei de Acesso à Informação
11
. Desde fevereiro de 2018, foi
iniciada a prática de sigilo sobre as ações dos militares na intervenção do RJ,
por meio do Gabinete da Intervenção
12
. Senão sigilo total, ao menos falta
de informação e dicultar acesso à informação são as práticas correntes.
Na esteira deste processo de militarização do governo brasileiro está um
revisionismo histórico que tenta impor a leitura da caserna de que 1964 não
foi um golpe de estado. As razões para isto não são apenas uma discussão
de caráter acadêmico. Trata-se da legitimação da violência dos militares
durante a ditadura, começando já com a restrição às Comissões da Verdade
e seguindo na direção de autorizar o poder de morte das polícias militares,
colocando excludente de ilicitude para os casos de mortes cometidas por
policiais; além disso, a estratégia discursiva é minimizar a gravidade das
práticas de tortura no país
13
.
11
http://www.politicalivre.com.br/2019/01/governo-amplia-rol-de-comissionados-que-podem-tornar-
ultrassecretos-dados-publicos/. Acesso em 29/03/2021.
12
https://brasil.elpais.com/brasil/2018/02/16/politica/1518809925_167595.html. Acesso em: 29 mar. 2021.
13
Todos os regimes políticos que fazem uso de mecanismos de exceção colocaram a prática da tortura em uma
centralidade não apenas como forma de provocar terror, mas também como mecanismo inquisitorial de justiça.
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
| 71
A principal corporação policial do país, responsável pelo
policiamento ostensivo e preventivo, é organizada militarmente. Embora
ela seja subordinada ao governo civil dos estados, no limite, responde ao
Exército brasileiro e pode ser mobilizada em situação de exceção. Com este
estatuto militar, os crimes cometidos pelos policiais militares, em funções
de policiamento, são denidos como crimes militares e, portanto, como
transgressões disciplinares, submetidas a um código, a um processo e a
uma justiça militar próprios, típicos de estado de exceção (SOUZA, 2012).
As competências institucionais da polícia e das forças armadas são
diferentes. Zonas de fronteira sempre existiram e continuam existindo
nos dias atuais. A polícia tem o papel de manter a ordem pública e a paz
social, trabalhando contra o crime e na gestão dos conitos sociais de
forma permanente e com vigilância constante. Mas o exército, de outra
forma, procura tem a função de manter a soberania contra a agressão e
intervenção de um inimigo externo. Neste sentido, as duas instituições
pretendem garantir o monopólio estatal da força física por meio do uso
legal, autorizado e proporcional das armas (NÓBREGA JUNIOR, 2010;
ZAVERUCHA, 2005)
14
. O dispositivo de segurança militarizada apela
para os símbolos de poder militar, para a metáfora da guerra permanente
ao inimigo interno e para a necessidade crescente de recursos nanceiros
disponíveis, bem como para a suspensão de direitos para consecução de
seus objetivos
15
.
Os limites entre guerra e paz se tornaram indiscerníveis, pois a guerra
híbrida implica uma passagem permanente de mecanismos de guerra que
sustentam a paz e mecanismos de pacicação que são armados. O exército
brasileiro aprendeu isto a partir do uso sistemático das chamadas Garantias
https://blogdacidadania.com.br/2018/11/novo-comandante-do-exercito-reclama-de-preconceito-contra-tortu
ra/?fbclid=IwAR0YcKeEjiYrq7P1Q4hE_wMBTrQk3vUjP-z8NXH9EKiZQCz0RHkI2oOBIY8. Acesso em:
29 mar. 2021.
14
Nos debates sobre polícia dos anos 1960-1990, a polícia é caracterizada pelo uso da informação e pelo contato
com o cidadão. O uso da força não era o tema que mais chamava a atenção, com algumas exceções (BAYLEY,
2001). A partir dos anos 2000, as polícias em quase todo o mundo mais parecem forças militares de ocupação.
15
Autores e pesquisadores internacionais insistiam na adoção de modelos civis e de gerenciamento tecnológico
da segurança, mesmo após os ataques de 11 de setembro de 2001. Mas não há contradição entre militarização e
securitização. Os militares fazem controle eletrônico de acesso aos espaços urbanos, vigiam populações, checam
documentos, fazem a gestão de centros de inteligência no combate ao crime e à insegurança. A segurança dos
grandes eventos é parte desta estratégia híbrida (AZZI, 2017; BAYLEY, 2006; JOHNSTON, SHEARING, 2003).
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
72 |
da Lei e da Ordem (GLO), que abriram espaço para a intervenção militar
na segurança pública. E este aprendizado técnico e político se aprofundou
durante a vigência da missão da ONU no Haiti, com a coordenação de
generais brasileiros que depois vão tomar papel decisivo no golpe de estado
e no aprofundamento da militarização da segurança e do poder político. A
guerra tornou-se um grande empreendimento de segurança e de gestão de
risco enquanto a paz tornou-se objeto de intervenção e ocupação armada.
A cidade agora passa a estar permanentemente ocupada, como praça
de guerra, tendo como justicativa a “guerra às drogas” e a guerra a um
suposto terrorismo das ações políticas das esquerdas. É preciso lembrar
que os militares brasileiros sempre aderiram às teses da necessidade da
intervenção na cena política em razão de uma suposta superioridade moral
dos militares em relação aos civis. A intervenção, assim, é um mecanismo
essencialmente militar, é a ponta de lança de um dispositivo geral de
segurança militarizado e armado
16
.
A segurança pública não é em sua essência militar. Mas, os estados de
violência requerem respostas militarizadas para vigilância externa e interna,
sendo assim, os limites entre guerra e política se esfumaram totalmente:
agora, trata-se de uma multiplicação da noção de território para além dos
limites dos estados nacionais tradicionais: as fronteiras se ampliaram e se
tornaram virtuais em certa medida, mesmo porque, segundo das doutrinas
militares contemporâneas, os estados, usando suas forças de terra, mar e
ar, devem projetar esta força para além e aquém de seus territórios. O
paradigma da guerra neste novo formato em que não há mais distinção
entre território nacional e internacional e entre inimigo interno e externo
é, evidentemente, os EUA. Em certa medida, a segurança pública torna-se
supraestatal e a guerra, local. As forças policiais tornam-se extensões das
forças armadas e, cada vez mais, a segurança interna demanda estratégias
de defesa (GROS, 2006). De uma certa forma, então, as disputas de
fronteiras territoriais, com todas as suas estratégias e táticas de manter
o inimigo acuado em seu território, quer pelo poderio das armas, quer
pelas técnicas de vigilância informacional, foram incorporadas na vida
16
Por esta razão, nos acostumamos com a linguagem militar para vários aspectos da vida social e urbana: guerra
às drogas; guerra às doenças; combate de pragas urbanas; extermínio de insetos; combate à violência; guerra
ao terror. Agora, bater continência parece estar se tornando parte do protocolo nas agências governamentais.
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
| 73
cotidiana das cidades e dos estados, numa expansão sem limites da guerra
ao terror e da guerra às drogas. Gradualmente, as democracias passaram a
ser colonizadas por meios militares e os cidadãos se acostumaram ao desle
permanente de armas e controles de acesso.
Aliás, os interesses das corporações que se beneciam da guerra
permanente ganham mais importância nas casas legislativas do que as
organizações da sociedade civil. Assim sendo, as noções conceituais e as
práticas que envolvem “guerra” e “paz” não são mais contraditórias, elas se
tornam indiferenciadas e podem ser fundidas na expressão “paz armada”.
Se a paz armada era um momento intersticial e, portanto, uma situação de
exceção, no cenário atual, a paz armada tornou-se norma, fazendo parte
dos discursos de legitimação da normalização do estado de exceção. Esta
premissa é sustentada porque na contemporaneidade há um recrudescimento
dos discursos e práticas de ódio que tem por paradigma uma perspectiva
que dissemina a punição violenta e a militarização, engendrando a lógica
bélica e a do “inimigo” a ser abatido ou neutralizado. A militarização e
o estado de exceção dependem da fabricação de um inimigo, dentro de
uma construção imaginária de uma sociedade dividida entre eles e nós. As
estratégias letais do Estado e de suas instituições que exercem o monopólio
da violência produzem cotidianamente a engrenagem bélica da ocupação
do território e do extermínio das ameaças (CRUZ, 2017; LEITE, 2012;
LEIRNER, 2020; OLIVEIRA, 2014).
intervençãO militar cOmO estadO de exceçãO
O centro da argumentação deste trabalho vem sendo desenvolvido
em outros artigos de forma mais detida. No presente momento, apenas
faremos uma retomada do argumento para justicar a tese aqui proposta
de um estado de exceção militarizado no Brasil com um duplo aspecto:
militarização da segurança como parte de um projeto mais amplo de
intervenção no poder político (SOUZA; SERRA, 2020). A base empírica
para a análise é o modelo de ocupação de territórios e intervenção ostensiva
no Rio de Janeiro, instaurado pela intervenção federal militar do ano de
2018. A intervenção, neste sentido, não apenas serviu de laboratório para
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
74 |
medidas repressivas e violentas de segurança, como também foi um teste de
legitimação da gestão militarizada da segurança pública. Ao longo da última
década, o estado do Rio de Janeiro recorreu às forças armadas pelo menos
12 vezes. Nos últimos anos, as forças armadas passaram a desempenhar
atividades policiais como revistar pessoas, veículos, embarcações e deter
pessoas em áreas de fronteira.
Os militares nunca deixaram o espaço da política e ainda
ocupam posições importantes na burocracia estatal, nos três níveis de
governo (NOBREGA JUNIOR, 2010)
17
. As forças militares brasileiras
desempenharam papel na estabilização social e política do Haiti. A
segurança dos grandes eventos internacionais foi planejada e contou
com a presença ostensiva das Forças Armadas (AZZI, 2017). Desde as
intervenções militares da Rio-92, são constantes os apelos aos militares
para garantir a segurança, como ocorreu em 2014, na Copa do Mundo
e em 2016 nas Olimpíadas do Rio de Janeiro. As intervenções foram
normatizadas e normalizadas por meio das chamadas GLO (Garantias de
Lei e Ordem). As ações para “Garantia da Lei e da Ordem” são previstas
no artigo nº 142 da Constituição Federal e são regulamentadas pela lei
complementar nº 97, de 1999, e pelo decreto presidencial 3.897, de 2001.
Segundo a legislação, essas ações preveem a utilização das Forças Armadas
em situações em que houver o entendimento que as forças policiais locais
não são mais capazes de lidar com uma determinada crise (BOTELHO,
2020; SILVA, 2018)
18
.
A intervenção militar de fevereiro de 2018 caminhou nesta direção:
foram realizadas 360 operações e foram empregados 170.000 militares
19
.
A entrega do comando da segurança do RJ aos generais do Exército foi um
movimento de fortalecimento do militarismo no país. Estas estratégias de
17
Cf. https://www.opendemocracy.net/democraciaabierta/manoela-miklos-tomaz-paoliello/militariza-o-da-
seguran-p-blica-no-rio-e-em-todo-o-. Acesso em: 29 mar. 2021.
18
Rio de Janeiro chama o exército pela 12ª vez em dez anos. https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-
noticias/2017/07/29/rio-chama-exercito-contra-violencia-pela-12-em-10-anos-virou-rotina.htm. Acesso em 29
mar. 2021.
19
Orçamento da intervenção foi da ordem de 1,2 bilhões. O Gabinete da Intervenção gastou 6% do total.
Em números, foram gastos cerca de R$ 72 milhões, dos quais R$ 61 milhões foram destinados às Forças
Armadas. Já a aplicação dos recursos nos órgãos de segurança pública estadual cou limitada a cerca de R$
9,5 milhões. Ou seja, a intervenção também foi uma forma de aumento indireto do orçamento militar. http://
observatoriodaintervencao.com.br/.
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
| 75
intervenção cam patentes a cada incursão das forças policiais da exceção,
como foi o caso da prisão de mais de 150 pessoas num pagode sob a
justicativa de se tratar de uma festa de milicianos (Folha de São Paulo,
22/04/2018). Durante o ano de intervenção, que seguiu a tendência
de maior presença de militares a segurança do RJ, mas sem resultados
importantes em termos de segurança para as comunidades controladas
pelo tráco e pelas milícias, o candidato dos evangélicos foi eleito para
governador do estado e o candidato dos militares foi eleito à presidência da
república, com ampla margem de votos
20
.
Sondagens anteriores já demonstraram o crescimento da presença
das milícias no Rio de Janeiro (ALVES, 2011; CANO; DUARTE, 2012)
21
.
Trata-se de grupos comandados por policiais, bombeiros, vigilantes, agentes
penitenciários e militares, fora de serviço ou ainda na ativa. Estes grupos
têm disputado território com o Comando Vermelho e, em grande medida,
têm sido tratados com leniência pelos poderes públicos constituídos.
22
Eles exercem controle territorial sobre comunidades periféricas, provendo
segurança, gás, luz, televisão a cabo e transporte alternativo. As milícias
têm disputado o mercado das drogas e das armas, com uso de extrema
violência
23
. Os paramilitares se tornaram o maior problema da segurança
20
Entre fevereiro e dezembro de 2018, o número de tiroteios cresceu 56%, já que foram 5238 tiroteios entre
02 e 12 de 2017 e 8193 tiroteios entre 02 e 12 de 2018; as mortes decorrentes de ação policial aumentaram
36,3% e chegaram a um total de 1287 mortes; os homicídios dolosos, que foram mais de 4.422 em 2017, foram
reduzidos a 4.127, ou seja, houve uma redução de 6,7%. Neste mesmo período, ocorreram 53 chacinas, com
213 mortes; 103 agentes de segurança morreram durante a intervenção. Ou seja, a intervenção não atingiu os
objetivos admitidos ocialmente. http://observatoriodaintervencao.com.br/
21
https://brasil.elpais.com/brasil/2019/01/29/politica/1548794774_637466.html. Acesso em: 29 mar. 2021.
22
A base de uma milícia é o controle militarizado de áreas geográcas. Então o espaço urbano, em si se
transforma em uma fonte de ganho. Se você controla militarmente, com armas por meio da violência esse
espaço urbano, você vai então ganhar dinheiro com esse espaço urbano. De que maneira? Você vende imóveis.
Por exemplo, você tem um programa do governo federal chamado Minha Casa Minha Vida. Você constrói
habitações. Aí a milícia vai e controla militarmente aquela área e vai determinar quem é que vai ocupar a
casa. E inclusive vai cobrar taxa desses moradores. A Baixada e o Rio de Janeiro são grandes laboratórios
de ilicitudes e de ilegalidades que se associam para fortalecer uma estrutura de poder político, econômico,
cultural, geogracamente estabelecido e calcado na violência, no controle armado. Ninguém toca nesses caras.
Em geral, só estão tocando no tráco. E tráco não é o mais poderoso. Milícia é mais poderosa do que o
tráco”. José Cláudio Souza Alves em entrevista para o El País. https://brasil.elpais.com/brasil/2019/01/29/
politica/1548794774_637466.html. Acesso em: 29 mar. 2021.
23
https://www.osaogoncalo.com.br/seguranca-publica/39645/disputa-entre-traco-e-milicia-deixa-mais-dois-
mortos-em-sao-goncalo. Acesso em: 29 mar. 2021.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
76 |
pública do Rio de Janeiro, mas não foram incomodados pelos militares
24
.
Ao contrário, as operações do Exército evitaram agir nas áreas dominadas
por paramilitares
25
.
A intervenção militar representou, portanto, a aplicação de altas doses
do mesmo remédio amargo que é usado cotidianamente pelas polícias:
coloca as populações dos morros e periferias em estado de sítio, sendo
comuns as tentativas ilegais de revista sistemática, invasão de domicílios,
prisões arbitrárias e identicação em massa não autorizada pela lei, ou seja,
os cidadãos da república brasileira sendo tratados como ameaças à ordem
(ZACCONE, 2013)
26
. As intervenções militares na segurança são vestidas
de legalidade, mas o uso de militares na segurança vai deixando de ser uma
medida excepcional para se tornar uma tática geral de exceção, sobretudo
porque vem no rastro de uma tentativa de retirar da justiça comum o
julgamento de crimes cometidos por militares em função de polícia
27
.
24
“Há milícias em ao menos 37 bairros e 165 favelas da Região Metropolitana. Cerca de dois milhões de pessoas
vivem em áreas dominadas por milícias na região metropolitana do Rio, o equivalente a um sexto da população
total da área” Cf. https://theintercept.com/2018/04/05/milicia-controle-rio-de-janeiro/?fbclid=IwAR1Ae2eB-
WcWMt5CSlbdnXNdOTEl5xUoth155SSvbDabB8-JRVuTV0Vwc. Acesso em: 29 mar. 2021.
25
Um levantamento do site G1 feito com base em dados do Ministério Público, da Polícia Civil, da Secretaria de Estado
de Segurança e do IBGE aponta que, em 2008, as milícias estavam em 161 comunidade da região metropolitana
uminense. Em 2018, as milícias já ocupavam 37 bairros da cidade do Rio de Janeiro e 165 comunidades. Cf. https://
g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2018/12/15/o-que-sao-e-como-agem-as-milicias-acusadas-de-matar-
marielle-franco.ghtml?fbclid=IwAR17N1xpfw8gydPZkOWdPpNc0pDrGJ9c5ERurwbgvoPnews3f_8uzn90_
HA. Acesso em: 29 mar. 2021.
26
Apesar da intervenção federal no Rio ser algo inédito desde a promulgação da Constituição de 1988, não é
a primeira vez que as Forças Armadas realizam operações na área de segurança pública do estado. Os decretos
de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) foram usados por todos os ex-presidentes desde Fernando Collor, para
permitir patrulhamento do Exército durante grandes eventos, como a ECO-92 e, mais recentemente, Copa
do Mundo e Olimpíadas, ou para auxiliar as forças de segurança estaduais na tentativa de conter a violência
de facções criminosas. Os índices de violência, como a taxa de homicídios, no entanto, sempre retomaram aos
mesmos patamares, como 40 assassinatos por 100 mil habitantes, número de 2017. Um exemplo do desperdício
de recursos públicos se deu, por exemplo, entre abril de 2014 e junho de 2015, quando o complexo de favelas da
Maré, zona norte do Rio, permaneceu ocupado por militares do Exército, ao custo estimado de R$ 600 milhões,
sem produzir efeitos positivos na violência da região. Em 2017, foi a vez de Temer bancar R$ 10 milhões
em uma invasão na Rocinha que resultou numa pequena apreensão de armas”. https://www.brasildefato.com.
br/2018/02/23/intervencao-militar-na-seguranca-do-rio-atinge-os-mais-pobres-e-nao-resolve-violencia/ Acesso
em: 29 mar. 2021.
27
“Foi com bastante perplexidade que a comunidade jurídica recebeu a Lei 13.491/2017, recentemente
sancionada e que amplia a competência da Justiça Militar Federal e, como veremos, também da Justiça
Militar estadual.https://www.conjur.com.br/2017-out-20/limite-penal-lei-134912017-fez-retirar-militares-
tribunal-juri. Acesso em 20/03/2018. Estes ajustes ilegais da lei, característicos de um estado de exceção,
são a base das mudanças propostas pelo novo ministro da justiça; caso algumas destas mudanças ocorram, o
Brasil literalmente legaliza o assassinato cometido por policiais. https://brasil.elpais.com/brasil/2019/02/04/
politica/1549311947_740805.html. Acesso em: 29 mar. 2021.
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
| 77
No âmbito desta argumentação, o modelo das UPPs, que tinha um
componente autoritário porque pretendia realizar uma engenharia social
da pacicação. Mesmo a proposta de UPP social estava subordinada ao
modelo de intervenção e ocupação do território de característica militar
(FLEURY, 2012). Desde a implantação da primeira UPP em 2008, no
morro Santa Marta até o ápice das intervenções, com características
midiáticas e políticas evidentes em 2010, no complexo da Penha, a
face social foi colocada para segundo plano e a face policial-militar se
acentuou. Esta política pública que tinha como foco sufocar o mercado
ilegal de drogas e de armas, a partir da presença permanente da polícia no
território das comunidades, mesclando ocupação, operações e intervenções
militarizadas, entrou em crise porque não apenas dispersou o crime para
outras regiões como deu espaço para as milícias. Desde 1995, no Rio de
Janeiro, os sucessivos governos estaduais optaram pela política do confronto,
esta calcada no modelo bélico, na lógica do inimigo e mais, na sacralização
da pena, na criminalização da miséria e numa política criminal de combate
às drogas consideradas ilícitas, sob a chancela do derramamento de sangue
(BATISTA, 2012).
Se pensarmos numa genealogia da pacicação, as etapas de
implantação de UPPS no Rio de Janeiro são estruturadas em primeiro
lugar como “intervenções táticas”, em segundo como “estabilização” e,
em terceiro, “implantação”, com vistas à ocupação do território através da
tomada de pontos críticos de armas e drogas. O discurso ocial apontava
para a pacicação como “arma” contra a violência e policiais fardados,
formados nas academias militares, desempenhavam as principais funções de
ocupação (BATISTA, 2012; BATISTA; BATISTA, 2012; RODRIGUES;
SIQUEIRA, 2012). A pacicação é parte da lógica da guerra, pois mobiliza
operações de incursão no espaço das comunidades, ocupação seletiva dos
espaços que passam a impossibilitar a moradia dos subalternos e pelas
intervenções que violam sistematicamente direitos. Sendo assim, a noção
de pacicação pode ser entendida como um dispositivo discursivo que
atualiza e legitima a passagem, no interior das comunidades “servidas
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
78 |
pelas UPPs, do modelo da vida sob “estado de cerco”, para uma vida sob
estado de ocupação” (MACHADO DA SILVA, 2008)
28
.
cOnsiderações finais
O presente texto é um tour-de-force, na medida em que pretende
demonstrar que a intervenção militar no RJ fez parte de uma estratégia
mais ampla de normalização da militarização. A CF prevê o instituto da
exceção pela forma da intervenção federal de caráter militar; as normas
e decretos infraconstitucionais passam a ser utilizadas em maior escala
para dar conta de vários problemas não previstos em lei, mas que acabam
suspendendo a própria lei; no estado de exceção, que é um estado de
necessidade, os militares assumem papel de destaque como se estivem
acima da lei e fossem os garantidores da lei; operações de exceção são
implementadas no cotidiano. O efeito mais permanente da intervenção,
bem como da militarização da segurança de uma forma geral, foi legitimar
a tomada do poder pelos militares pela via do voto direto. Mudanças no
papel dos militares nas guerras, nas cidades de fronteira, nas periferias
urbanas, nos grandes eventos esportivos, no Haiti, na aproximação do
crime à noção de terrorismo, no combate às drogas e às armas permitiram
que atividades de governo de natureza civil fossem militarizadas. A
militarização congura um estado de exceção permanente, na medida em
que intervenções, ocupações, operações são o prelúdio para uma guerra
por outros meios tome conta da república. Michel Foucault propõe a
inversão da proposição de Clausewitz: a política é a extensão da guerra por
outros meios (FOUCAULT, 1999, p. 22-23). As relações de poder estão se
convertendo cada vez mais em relações de guerra, com a normalização do
estado de exceção militarizado no Brasil. O poder político torna-se poroso
em relação às armas, os militares passam a ocupar cada vez mais o lugar
de garantidores da lei e da ordem. O militarismo, além de representar o
modelo de um estado de exceção, permite toda uma ritualística fúnebre
28
O Relatório número 05 do Observatório da Intervenção, cujo título é “Vozes sobre a intervenção”, é um
documento com valor histórico pois coloca em evidência opiniões de vários atores sociais do Rio de Janeiro sobre
o signicado da intervenção. Pelas falas, percebe-se claramente que se trata de um avanço sem paralelo da gestão
militarizada da vida social da população subalterna da cidade. https://drive.google.com/le/d/1MB8rshox_
wecNNkvj4PKNGp8xipUSp9h/view. Acesso em: 30 mar. 2021.
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
| 79
e macabra em que se dá a aceitação tácita da violência e da morte. No
sentido trágico, pleno de pulsão de morte, pode-se observar o caso da
normalização das altas taxas de mortalidade da pandemia do coronavírus.
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A     
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 D H
Aline Oliveira Gotardo
1
Luciano Meneguetti Pereira
2
intrOduçãO
O presente texto tem como objetivo realizar algumas reexões sobre
um grave problema que aige o Brasil hodiernamente, que é o trabalho
em condições análogas às de um escravo ou simplesmente trabalho escravo,
Graduada em Direito pelo Centro Universitário Toledo (UNITOLEDO). Pós-graduanda em Direito
Empresarial e Tributário pelo Centro Universitário Toledo (UNITOLEDO). Pós-graduanda em Direito
Administrativo pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG). Integrante do Grupo de
Pesquisa em Direito Internacional Contemporâneo do UNITOLEDO.
Doutorando em Direito Internacional (USP). Mestre em Direito Constitucional pelo Instituto Toledo
de Ensino (ITE). Especialista em Direito Público com ênfase em Direito Constitucional pela Universidade
Potiguar (UNP). Especialista em Educação no Ensino Técnico e Superior pelo Centro Universitário Toledo
(UNITOLEDO). Graduado em Direito pelo UNITOLEDO. Professor de Direito Internacional e Direitos
Humanos no Curso de Direito do UNITOLEDO. Líder do Grupo de Pesquisa em Direito Internacional
Contemporâneo do UNITOLEDO. Advogado.
https://doi.org/10.36311/2022.978-65-5954-279-6.p83-120
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
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especialmente pelos imigrantes. Em pleno século XXI, mesmo depois
de transcorridos mais de 130 anos da abolição da escravatura, o Estado
brasileiro ainda sofre com os efeitos de uma cultura de escravidão que
durou aproximadamente 300 anos (1550 até 1888), e que deixou marcas
indeléveis na sociedade brasileira, como a desigualdade social, econômica
e cultural entre negros e brancos, o racismo, a xenofobia, a marginalização
e a invisibilidade, várias formas de violência étnica, bem como a opressão
e exploração dos trabalhadores, inclusive imigrantes.
Além das referidas marcas que precisam ser apagadas ou pelo
menos curadas, a pesquisa justica-se ainda em razão de o Brasil ser
indiscutivelmente um país de imigrantes, que carrega consigo o rótulo de
país acolhedor”, fato que pode ser comprovado ao longo de sua história,
notadamente nos últimos tempos, em que tem aberto as suas portas
para milhares de imigrantes, especialmente na condição de refugiados,
vindos de vários cantos do mundo, notadamente do Haiti, da República
Democrática do Congo, da Síria e, mais recentemente, da Venezuela, o
que tem feito crescer sobremaneira o número de imigrantes nos últimos
anos em terras brasileiras, que inclusive veem em busca de trabalho.
Relatórios e estatísticas feitos por organismos internacionais e
também por órgãos nacionais demonstram que o trabalho escravo é um
problema que precisa ser encarado pelo país, notadamente em relação à
superexploração do trabalho de imigrantes, onde não há a tradicional troca
entre trabalho e salário, e sim a usurpação do trabalho e da dignidade
destes trabalhadores. Há também relatórios e estatísticas apontado para
um grande crescimento da população imigrante no país, especialmente
em razão da crise de refugiados que o mundo tem enfrentado nos últimos
anos, a maior desde o término da Segunda Guerra Mundial.
O Brasil está amplamente inserido no contexto internacional
de proteção dos direitos humanos, sendo signatário de vários tratados
internacionais pelos quais se obrigou a respeitar, efetivar e promover esses
direitos de forma genérica para todos os indivíduos que se encontrem
sob seus domínios soberanos, e também de forma especíca para aqueles
grupos que carecem de uma proteção diferenciada, como é o caso, v.g., dos
imigrantes e trabalhadores. No plano interno, obedecendo aos comandos
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
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da Constituição da República Federativa do Brasil (CRFB), de 1988, o país
também desenvolveu um arcabouço normativo importante para a proteção
dos direitos fundamentais dos trabalhadores, notadamente no tocante à
proteção dos direitos trabalhistas e à proteção contra o trabalho escravo.
No entanto, mesmo diante da existência e plena vigência das normas
internacionais e domésticas de proteção dos direitos humanos e fundamentais
no país, muitas violações a esses direitos ainda ocorrem em todos os setores
da sociedade, inclusive e notadamente no que diz respeito aos trabalhadores
imigrantes, que conjuntamente com muitos brasileiros, são submetidos ao
trabalho escravo, em franca e ostensiva ofensa à sua dignidade.
Nesse contexto, o presente texto busca desenvolver uma análise
voltada à necessidade da Educação em Direitos Humanos (EDH),
enquanto instrumento que pode proporcionar um auxílio efetivo na
prevenção e combate do trabalho escravo no Brasil, especialmente no
tocante aos imigrantes. Para tanto, utilizando-se de pesquisas bibliográcas,
documentos, relatórios e estatísticas, num primeiro momento o texto
aborda aspectos históricos da escravidão no Brasil, o trabalho escravo
em sua feição moderna e discorre sobre alguns aspectos correlatos às
referidas temáticas. Na segunda parte do trabalho, se analisa brevemente a
intensicação dos uxos migratórios e a evolução da proteção normativa
dos trabalhadores imigrantes no Brasil, a evolução normativa do combate
ao trabalho escravo e de proteção dos direitos humanos dos trabalhadores
e, ao nal, aborda-se a EDH como mecanismo idôneo de prevenção e
combate do trabalho escravo.
uma breve análise da história da escravidãO nO brasil, dO
trabalhO escravO mOdernO e de alguns aspectOs cOrrelatOs
Os primeiros traços da escravidão no Brasil surgiram no século
XVI. Os portugueses tinham por objetivo a obtenção de lucro sobre a
terra conquistada e, para atingirem seu objetivo era necessária mão de obra
para realização do trabalho braçal. Como o custo para trazer trabalhadores
portugueses era alto, devido à quantidade de homens e salários que seria
necessária, a escravização dos índios foi quase que imediata.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
86 |
Essa primeira relação de trabalho se deu por meio do escambo, prática
em que os portugueses ofertavam objetos de baixo valor econômico e
desconhecidos pelos índios, e estes retribuíam com a mão de obra, cortando
e transportando o valioso pau-brasil para os navios. Com o tempo e com o
estabelecimento dos engenhos de cana-de-açúcar, houve a necessidade de
aumentar a mão de obra, fazendo-se necessárias expedições que invadiam
tribos indígenas a m de sequestrar os jovens para garantia da mão de obra
nos engenhos. Contudo, os indígenas foram considerados inapropriados
para o trabalho braçal, pois demonstravam reações agressivas e violentas ao
trabalho forçado. Muitos resistiam ao trabalho mesmo recebendo castigos
físicos, outros tentavam a todo custo fugir pelas matas, colocando em risco
a organização econômica colonial que buscava a acumulação de capital.
Com a impossibilidade de exploração do trabalho dos povos
nativos, viu-se no tráco de escravos africanos uma atividade rentável, que
possibilitava altos lucros à coroa portuguesa e contribuía para o acúmulo
de capital dos fazendeiros. Uma vez no Brasil, esses escravos passavam a
viver nas senzalas, onde eram acorrentados para evitar a fuga e castigados
constantemente, a m de garantir o trabalho e a obediência.
A longa duração deste período marcou profundamente diversos
aspectos da cultura brasileira. Mais que uma relação de trabalho, a
existência de mão de obra escrava trouxe um conjunto de valores sobre o
trabalho manual, tornando-o uma atividade inferior, que era destinada aos
negros, que realizam o trabalho braçal nos engenhos, trabalhos domésticos,
amestravam pequenos comércios e produziam artesanatos, fazendo surgir,
desta forma, o preconceito racial e social que se arrasta ao longo da nossa
história até os dias atuais.
O gradual processo de abolição da escravidão no Brasil começou
com a Lei Eusébio de Queirós, em 1850, que foi seguida pela Lei do Ventre
Livre, de 1871, pela Lei dos Sexagenários, de 1885 e, enm nalizada pela
Lei Áurea, em 1888. Desde então, não se fala mais em escravidão no Brasil,
tal como no passado, ou seja, na posse ou propriedade legal de uma pessoa
sobre a outra. Contudo, atualmente ainda são vericados casos no país
em que o “patrão” (que age como um verdadeiro “dono”) possui domínio
de forma ilegal e violenta sobre pessoas (“escravos”) que são forçadas a
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
| 87
permanecer realizando serviços, muitas vezes sem receber salário ou
recebendo quantias irrisórias e degradantes.
Muitos desses trabalhadores são imigrantes, por vezes recrutados
em seus países de origem, mediante uma promessa de trabalho digno e
atraente, geralmente para o setor têxtil, do agronegócio e da construção civil.
Contudo, ao chegarem no Brasil, a realidade se mostra diferente daquela
prometida e por eles almejada. Por terem gasto com o deslocamento,
muitos contraem dívidas ilegais e são obrigados a trabalhar por longas e
exaustivas horas, sem carteira assinada, férias e outros direitos e benefícios
legais, em ambientes insalubres, não existindo muitas vezes qualquer (ou
muito pouco) espaço para o lazer, diversão e descanso necessário, o que
acaba pondo em risco a saúde e até mesmo a vida dessas pessoas.
Muitas vezes os trabalhadores não percebem que estão vivendo em
condições análogas as de um escravo. Em muitos casos a renda percebida
por eles não é o suciente para o pagamento das dívidas contraídas com
seu descolamento, para a garantia das despesas e ainda para prover a
subsistência própria e da família.
Grande parte dos abusos ocorre por parte de empregadores
individuais e grandes empresas que querem reduzir os custos da cadeia
produtiva e maximizar os lucros. Por isso contratam empresas terceirizadas
menores para atuar na sua linha de produção. Por sua vez, essas empresas
terceirizadas, visando também reduzir seus custos e aumentar sua margem
de lucro, recrutam trabalhadores e os mantém em condições precárias,
análogas às de um escravo.
Nas palavras de Jairo Lins de Albuquerque Sento-Sé (2001, p. 27), o
trabalho escravo moderno é
[...] aquele em que o empregador sujeita o empregado a condições
de trabalho degradantes, inclusive quanto ao meio ambiente em
que irá realizar a sua atividade laboral, submetendo-o, em geral,
a constrangimento físico e moral, que vai desde a deformação do
seu consentimento ao celebrar o vínculo empregatício, passando
pela proibição imposta ao obreiro de resilir o vínculo quando bem
entender, tudo motivado pelo interesse de ampliar os lucros às
custas da exploração do trabalhador.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
88 |
Desta forma, podemos armar que o trabalho escravo praticado na
atualidade consiste na sujeição do trabalhador por meio de opressão física
ou psicológica, com o objetivo de garantir a sua submissão, em franca ofensa
aos seus direitos. Em muitos casos a crescente dívida dos trabalhadores
para com seus empregadores se torna impagável, fato denominado como
mecanismo de endividamento”, que dá ensejo ao cerceamento da liberdade
e à servidão injusta e ilegal. Conforme arma Vólia Bomm Cassar (2017,
p. 2002), o
Brasil ainda tem trabalho escravo ou em condição análoga; ainda há
exploração do trabalho do menor; labor em condições subumanas
e legislação trabalhista muito desrespeitada. Por isso, não se pode
defender o total afastamento do Estado desta relação privada não se
pode pretender a privatização dos direitos trabalhistas, o retrocesso
de um grande avanço conquistado a duras penas.
Comprova esse triste quadro existente no Brasil, a recentemente
condenação do país pela Corte Interamericana de Direitos Humanos
(CORTE IDH), no caso Trabalhadores da Fazenda Brasil Verde vs. Brasil
3
,
ocorrida em outubro de 2016. Num processo que durou quase três anos,
o Estado brasileiro tornou-se o primeiro país a ser condenado por trabalho
escravo no âmbito do Sistema Interamericano de Direitos Humanos.
Na sentença a Corte condenou o Brasil, dentre outras coisas, dentro
do prazo de um ano, a indenizar cada uma das 128 vítimas resgatadas
durante scalizações levadas à efeito pelo Ministério Público do Trabalho
na Fazenda Brasil Verde, localizada no sul do Pará, entre os anos de 1997
e 2000 (CORTE IDH, 2016, p. 122-124). Apenas nessa fazenda, mais de
300 trabalhadores foram resgatados de uma situação análoga à de escravo
entre os anos de 1989 e 2002.
A sentença pode ser consultada na íntegra no site da Corte Interamericana de Direitos Humanos. Disponível
em: https://goo.gl/KDMcAu. Acesso em: 21 mar. 2019.
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
| 89
a diferença entre escravidãO e trabalhO análOgO aO de escravO:
aspectOs cOnceituais
Fazendo uma comparação entre a escravidão histórica e o trabalho
escravo moderno podemos observar pontos distintivos e bastante
especícos em relação a cada uma dessas guras, especialmente em razão
da evolução da sociedade e da conquista de direitos ocorrida ao longo
dos tempos. Contudo, pontos de violações aos direitos humanos e à
dignidade humana são constatados tanto na escravidão como no trabalho
escravo dos dias atuais.
Na época colonialista o domínio, isto é, a propriedade do escravo era
legal, ou seja, permitida pelo Estado. Débora Maria Ribeiro Neves (2012,
p. 12) arma que a escravidão no Brasil, antes da Lei Áurea, pode “ser
traduzida pela completa subjugação do ser humano à condição de ‘coisa’,
sobre a qual recaía o direito de propriedade”. O custo de aquisição da
mão de obra era altíssimo, sendo que um lote de escravos muitas vezes
era mais valioso que muitas terras de alguns fazendeiros, de modo que
os escravos estavam inseridos no contexto patrimonial dos proprietários
pera efeitos de se medir a sua riqueza. Nesse contexto, eram mantidos
como propriedade durante toda vida, situação que se estendia aos seus
descendentes. Conforme esclarece Vólia Bomm Cassar (2017, p. 913),
[...] o trabalho escravo é a nomenclatura antiga, vigente na época do
sistema escravocrata, quando o trabalho era equiparado à mercadoria
e o escravo à coisa. Sobre ele seu amo tinha a posse e explorava seu
trabalho, normalmente, sem qualquer contraprestação e de forma
coercitiva, sem liberdade de escolha do trabalhador.
Já nos dias atuais, o Estado proíbe a propriedade ou posse sobre
pessoas, bem como a sua utilização em condições análogas à escravidão,
uma vez que não podem mais ser tratadas como coisas, isto é, como
objetos, sob pena de pleno menoscabo à dignidade humana, plenamente
consagrada tanto nos instrumentos internacionais de direitos humanos dos
quais o Brasil é parte, como também na própria Constituição da República
Federativa do Brasil (CRFB), de 1988 (art. 1º, III). Sobre esse ponto
conceitual, Vólia Bomm Cassar (2017, p. 913) explica haver na doutrina
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
90 |
[...] posições armando que trabalho em condições análogas à
de escravo é sinônimo de trabalho degradante. Outros, de forma
similar, defendem que trabalho escravo é sinônimo de trabalho
forçado, enquanto há corrente no sentido de que trabalho escravo
é apenas uma das espécies de trabalho degradante, já que existem
outros tipos de trabalhos degradantes [...]. Nos parece que o Brasil
adotou a teoria de que trabalho em condição análoga à de escravo
ou “formas contemporâneas de trabalho escravo” é gênero do qual
o degradante ou o sem liberdade (obrigatório) podem ser espécie.
4
Nesse contexto, o Ministério do Trabalho (BRASIL, 2018) arma que
[...] considera-se trabalho realizado em condição análoga à de
escravo a que resulte das seguintes situações, quer em conjunto,
quer isoladamente: a submissão de trabalhador a trabalhos
forçados; a submissão de trabalhador a jornada exaustiva; a sujeição
de trabalhador a condições degradantes de trabalho; a restrição da
locomoção do trabalhador, seja em razão de dívida contraída, seja
por meio do cerceamento do uso de qualquer meio de transporte
por parte do trabalhador, ou por qualquer outro meio com o m
de retê-lo no local de trabalho; a vigilância ostensiva no local de
trabalho por parte do empregador ou seu preposto, com o m de
retê-lo no local de trabalho; a posse de documentos ou objetos
pessoais do trabalhador, por parte do empregador ou seu preposto,
com o m de retê-lo no local de trabalho.
Nessa linha, Débora Maria Ribeiro Neves (2012, p. 11, grifos do
autor) entende que o
[...] trabalho em condição análoga à de escravo é gênero que
possui como espécies: trabalho forçado, jornada exaustiva, condições
degradantes, restrição da locomoção em função da dívida (servidão
por dívida), cerceamento do uso de transporte, vigilância ostensiva e
apoderamento de documentos e objetos pessoais.
A autora chama a atenção para a nomenclatura empregada pela legislação brasileira, lembrando que “o art.
149 do Código Penal considera crime “[...] reduzir alguém à condição análoga a de escravo, quer submetendo-o
a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida
contraída com o empregador ou preposto” (CASSAR, 2017, p. 913).
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
| 91
Como se nota, na atualidade são várias as maneiras de submeter
uma pessoa ao trabalho escravo moderno, podendo-se destacar ainda, além
das descritas acima, a escravidão baseada em descendência, o casamento
forçado e vários outros tipos de trabalho forçado. A ONG Escravo Nem
Pensar, que atua fortemente no combate ao trabalho escravo moderno no
Brasil, aponta alguns conceitos que valem a pena ser aqui reproduzidos.
De acordo com a ONG no trabalho forçado o “[...] indivíduo é
obrigado a se submeter a condições de trabalho em que é explorado, sem
possibilidade de deixar o local seja por causa de dívidas, seja por ameaça e
violências física ou psicológica”. A jornada exaustiva, por sua vez, consiste
em um “[...] expediente desgastante que vai além de horas extras e coloca em
risco a integridade física do trabalhador, já que o intervalo entre as jornadas
é insuciente para a reposição de energia. Há casos em que o descanso
semanal não é respeitado. Assim, o trabalhador também ca impedido de
manter vida social e familiar”. A servidão por dívida consiste na “fabricação
de dívidas ilegais referentes a gastos com transporte, alimentação, aluguel
e ferramentas de trabalho. Esses itens são cobrados de forma abusiva e
descontados do salário do trabalhador, que permanece cerceado por uma
dívida fraudulenta”. Por m, as condições degradantes são “[...] um conjunto
de elementos irregulares que caracterizam a precariedade do trabalho e das
condições de vida sob a qual o trabalhador é submetido, atentando contra
a sua dignidade” (ESCRAVO NEM PENSAR, 2019a).
Além disso cabe ainda destacar que na atualidade, contrariamente
ao que se vericava no período da escravidão, o custo desses trabalhadores
é baixo, pois não existe a possibilidade da venda e compra, mas somente
os gastos com o transporte, que futuramente será reembolsado por meio
do trabalho por eles efetuado. Dado o grande contingente de pessoas
desempregadas, à beira da miséria, torna-se farta a quantidade de pessoas
passíveis de serem exploradas. Desse modo, por mais que sejam péssimas as
condições às quais elas são submetidas, ainda sim muitos consideram que
esta condição seja melhor que a anterior.
Outro fator interessante que se nota nesse contexto é a mudança
sobre a quantidade de tempo que as pessoas cam submetidas à condição
análoga à de escravo, até mesmo numa espécie de cárcere privado.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
92 |
Enquanto na escravidão elas permaneciam praticamente ad aeternum na
posse e como propriedade de seus senhores, a depender da vontade destes;
na atualidade, quando terminada a empreitada ou serviço, não havendo
mais a necessidade de sustento e realização de outras despesas com o
trabalhador, ele simplesmente é descartado pelo mecanismo ora analisado,
muitas vezes sem qualquer recebimento de valores pelo tempo que esteve
submetido a tal condição.
Por m, ressalta-se ainda que um ponto em comum entre as duas
guras aqui analisadas é que, para a manutenção da ordem, são empregadas
ameaças, outras formas de violência psicológica e até mesmo coerção física
e punições exemplares. No máximo, se verica também a existência de
assassinatos dos trabalhadores. Débora Maria Ribeiro Neves (2012, p. 12-
14) arma nesse sentido que
[...] a moderna exploração do trabalho como verdadeiro trabalho
escravo” em virtude da semelhança nas formas de tratamento,
exploração e subjugação a que são submetidos os trabalhadores de
hoje, assim como eram os negros na época colonial, pois, ainda que
a relação não seja idêntica, nos dois contextos, os trabalhadores
são considerados bens, objetos de apropriação (...) As condições de
vida e de trabalho [da escravidão] eram semelhantes às condições
dos escravos atuais; havia alta taxa de doenças e mortalidade e
baixo índice de natalidade; trabalhavam sob ameaça, castigos,
prisão, isolamento e tortura (...) As características comuns entre os
escravizados de qualquer época, via de regra, são o analfabetismo,
o isolamento geográco e a exclusão social. Em todas as épocas,
tem-se o mesmo ciclo vicioso; não há educação ou capacitação para
o mercado de trabalho, o que propicia sua perpetuação, uma vez
que aos lhos dos trabalhadores rurais não restará outra alternativa
senão a de se submeter a semelhante condição de exploração.
Constata-se, portanto, a existência de vários aspectos que,
infelizmente, unem essas duas tristes realidades ao longo do tempo. O
quadro abaixo reproduz clara e sinteticamente as diferenças abordadas
nesse tópico:
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
| 93
Quadro 1 – Diferenças entre a escravidão histórica e moderna
FATOR DISTINTIVO
ESCRAVIDÃO
HISTÓRICA
ESCRAVIDÃO
MODERNA
PROPRIEDADE LEGAL Permitida Proibida
CUSTO DE
AQUISIÇÃO DE MÃO
DE OBRA
Alto. A quantidade de
escravos era medida de
riqueza
Muito baixo. Não há
compra e muitas vezes
se gasta apenas com o
transporte
MÃO DE OBRA
Escassa. Dependia do
tráco negreiro
Descartável. Devido a
um grande contingente
de trabalhadores
desempregados
RELACIONAMENTO
Longo período. A vida
inteira do escravo e de
seus descendentes
Curto período. Terminado
o serviço, não é mais
necessário prover o
sustento
DIFERENÇAS
ÉTNICAS
Relevantes para a
escravidão
Pouco relevantes.
Qualquer pessoa pobre
e miserável é passível
de ser tornada escravo,
independentemente da
cor de pele
MANUTENÇÃO DA
ORDEM
Ameaças, violência
psicológica, coerção física,
punições exemplares e até
assassinatos
Ameaças, violência
psicológica, coerção física,
punições exemplares e até
assassinatos
Fonte: Bales (2012, p. 15)
Vale por m destacar que no Brasil, a discussão sobre a denição de
trabalho escravo é o cerne da questão. Para alguns a legislação brasileira
é clara; já para outros, dá margem a interpretações para os scais no
momento da realização das scalizações, o que enfraquece o combate da
prática. Atualmente existe a necessidade de uma melhor regulamentação
do assunto no país, já que a Portaria do Ministério do Trabalho e Emprego
(MTE), que regulou a questão, foi suspensa pelo Supremo Tribunal Federal
(STF), conforme se verá adiante.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
94 |
estatísticas e um breve perfil dO trabalhO escravO nO brasil
De acordo com o relatório e Global Slavery Index 2018
5
, elaborado
pela Walk Free Foundation
6
, uma autorizada organização internacional de
caráter não governamental de combate à escravidão moderna, estima-se
que no ano de 2016 havia cerca de 40,3 milhões de pessoas vítimas desse
tipo de escravidão em todo o mundo. Segundo a ONG, entre as mais
expostas ao risco incluem aquelas que estão físicas ou linguisticamente
isoladas, culturalmente desorientadas, sujeitas a dívidas esmagadoras e
que têm pouco ou nenhum conhecimento de seus direitos (WALK FREE
FOUNDATION, 2018).
De acordo com referido relatório, que fornece uma classicação
país por país do número de pessoas em escravidão moderna, uma análise
das ações que os governos estão tomando para responder a tais eventos,
bem como os fatores que tornam as pessoas vulneráveis, com 35 países e
13% da população mundial, as Américas abrigam países geogracamente
grandes, como Brasil, Argentina, Canadá e Estados Unidos, e apresentam
grandes diferenças socioeconômicas dentro de cada país e em toda a região
(WALK FREE FOUNDATION, 2018, p. 77). Especicamente em
relação ao Brasil, o relatório aponta para a existência aproximada de 369
mil pessoas em condições análogas à de escravos. Com uma população
de aproximadamente 205,962,000 pessoas, o país tem 1,8% pessoas em
trabalho escravo para cada 1.000 habitantes, gurando em 20º lugar no
ranking das Américas (WALK FREE FOUNDATION, 2018, p. 77-78).
De acordo com o relatório realizado pelo Ministério do Trabalho
em conjunto com a ONG Repórter Brasil, a maior incidência de casos de
escravidão moderna ocorre nos Estados do Pará, Mato Grosso, Maranhão e
Tocantins. Nestas localidades o uso da mão de obra é destinado à pecuária,
agricultura (cana-de-açúcar, cacau, borracha), garimpo, carvoarias e
madeireiras. Já em zonas urbanas, há uma incidência de trabalhadores
imigrantes latino-americanos, como os venezuelanos, bolivianos,
O relatório pode ser consultado na íntegra no site da Walk Free Foundation. Disponível em: https://goo.gl/
uMU68J. Acesso em: 21 mar. 2019.
Para maiores informações sobre a atividade exercida pela organização, vide site na internet. Disponível em:
https://www.walkfreefoundation.org/. Acesso em: 21 mar. 2019.
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
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paraguaios e peruanos, que são destinados ao setor têxtil, construção civil
e pornograa (NEXO, 2016).
No geral, do ano de 1995 a 2016 foram libertados aproximadamente
50 mil trabalhadores em condições análogas à de escravo no Brasil
(NEXO, 2016). As ações de scalização e de combate ao trabalho escravo,
empreendidas pelo Ministério do Trabalho e Emprego entre aos anos
de 2010 e 2016, revelam que 35% dos trabalhadores eram imigrantes
(BRASIL DE FATO, 2017). De acordo com o Ministério da Justiça,
o número de imigrantes irregulares no Brasil tem aumentado, e nesse
contexto há muitos trabalhadores em regime de trabalho análogo ao de
escravo, em sua maioria, pessoas do sexo masculino entre 15 a 40 anos, de
baixa renda, baixa escolaridade (32% de analfabetos e 39% concluíram até
a 4ª série do ensino fundamental) e pouco conhecimento dos seus direitos
trabalhistas (ESCRAVO NEM PENSAR, 2019a).
Entrevistas realizadas pela ONG Escravos Nem Pensar, buscaram
ouvir empregadores que se utilizavam de trabalho escravo moderno no
Brasil. Constatou-se no perl dos empregadores que a maioria tem curso
superior completo e estão entre pecuaristas, agricultores, fazendeiros,
administradores e veterinários, que embora residam na região sudeste, suas
propriedades encontram-se nas regiões norte, centro-oeste e nordeste do
país. Estes empregadores tentaram justicar as más condições de trabalho
às quais estão submetidos seus trabalhadores, alegando serem iguais ou
melhores que a condição de miséria em que viviam anteriormente,
ressaltando que muitos deles voltam a trabalhar para seus antigos
empregadores depois de dispensados (ESCRAVO NEM PENSAR, 2019b).
Por m, vale ressaltar que a esmagadora maioria das vítimas do
trabalho escravo moderno no Brasil, incluindo-se brasileiros e também
imigrantes (muitos em situação irregular), é constituída de pessoas em
situação de extrema vulnerabilidade socioeconômica, sendo muitos
analfabetos ou de baixa educação formal e com pouca ou nenhuma noção
de direitos humanos e trabalhistas, além de perspectivas sociais limitadas.
7
Para um estudo mais aprofundado sobre o trabalho escravo moderno no Brasil, vide “Mapeamento do trabalho
escravo contemporâneo no Brasil: dinâmicas recentes”. Disponível em: https://goo.gl/tQWNJL. Acesso em: 21
mar. 2019.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
96 |
Os mOtivOs que fOrtalecem a explOraçãO dO trabalhO escravO
mOdernO em relaçãO aOs imigrantes
Um dos grandes fatores que tem potencializado a exploração da mão
de obra imigrante no Brasil é justamente o aumento dessa população no
país, em razão da crise de refugiados que se abateu ao redor do mundo nos
últimos tempos. Com o aumento de imigrantes, aumenta-se também as
facilidades para a exploração da mão de obra.
As causas para esse alto número de migrantes que têm vindo para o
Brasil são as mais diversas e decorrem de vários fatores, v.g., da busca pessoal
por melhores condições de vida para si e para a família; as crises de várias
naturezas que se instauram nos países, sendo raros aqueles que atualmente
não estão passando por turbulências internas, situação que é mais nítida nos
países subdesenvolvidos; a falta de estabilidade política interna e externa;
a oscilação econômica frequente; a falta de estrutura social, especialmente
quanto à saúde, educação, alimentação e moradia; as guerras civis que
têm se desencadeado em muitos países do globo, que acabam por dar
ensejo a estruturas precárias para o atendimento da população, impondo
um miserável padrão de vida aos habitantes e a consequente violação de
inúmeros direitos humanos, tal como tem ocorrido na Síria desde 2010 e
mais recentemente na Venezuela, dentre muitos outros fatores.
No Brasil, assim como em outros lugares do mundo, muitas vezes
é esse cenário caótico em que muitos precisam fugir de seus países para
resguardar a própria vida e de seus familiares, que surgem as oportunidades
propícias para os “aproveitadores de plantão” se locupletarem à custa do
sofrimento daqueles que migram. Com o aumento de imigrantes no
país e, consequentemente, da mão de obra barata, dadas as condições
anteriores dos imigrantes, muitos deles de deparam com os chamados
olheiros, que prontamente oferecem uma oportunidade de emprego e,
como eles não possuem condições para o deslocamento e provimento de
outras necessidades básicas, acabam aceitando o transporte e as promessas
oferecidas, tendo início o mecanismo de endividamento que os submeterá
ao trabalho análogo ao de escravo.
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
| 97
Há também aqueles que ingressam no país de forma ilegal e, desta
forma, não possuem documentos válidos no Brasil. A grande maioria desses
imigrantes possuem baixa escolaridade, o que contribui para uma maior
diculdade na regularização documental. Muitas mulheres engravidam,
imaginando que será mais fácil obter a regularização por possuir lhos
nascidos no Brasil, o que acaba por agravar ainda mais a situação, pois
além de não ter condições de prover seu próprio sustento, elas acabam
submetendo seus lhos às mesmas condições de vulnerabilidade, não sendo
raro encontrar crianças brincando ou até mesmo trabalhando nos lugares
em que sua família está sob trabalho em condições análogas às de escravo.
Outro fator que agrava a situação dos trabalhadores imigrantes no
Brasil é a insuciência de auditores scais do trabalho, que são as pessoas
responsáveis pelas scalizações do trabalho escravo moderno no país, uma
decorrência da redução do orçamento e de cortes de despesas que afetam
várias instituições públicas.
Diculdades também se apresentam na localização dos
estabelecimentos e na sistemática da cadeia produtiva, fatores que
incentivam e facilitam o trabalho escravo moderno no Brasil. Em muitas
atividades nas quais os imigrantes são submetidos, se paga por quantidade
produzida, mecanismo amplamente utilizado por muitos empregadores
com o m de aumentar os seus lucros. Como não são necessárias grandes
estruturas para abrigar os trabalhadores, quando surge uma denúncia, os
exploradores migram rapidamente de um lugar para outro a m de frustrar
a scalização. Isso faz com que cada vez mais sejam escolhidos lugares
afastados e de difícil acesso pelos empregadores, visando inclusive facilitar
o aprisionamento dos trabalhadores imigrantes.
A scalização do trabalho escravo moderno por parte do consumidor
também se torna muito complexa. A cadeia produtiva de grandes empresas
(detentoras de marcas famosas) que atuam no país, se utiliza de empresas-
produtoras menores, que não possuem vínculo direto com as tomadoras de
serviços. Tais empresas menores, que não são visíveis para o consumidor,
visando reduzir as despesas e maximizar os lucros, muitas vezes se utilizam
do trabalho escravo, torando-se quase impossível ao consumidor perceber
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
98 |
que o produto que está consumindo é fruto de uma cadeia produtiva que
se benecia do trabalho escravo.
Outro fator agravante na situação dos imigrantes é que, a falta de
amparo a esses trabalhadores quando libertados, gera um ciclo do trabalho
escravo, pois após a libertação, diante da ausência de moradia, acesso à
saúde, educação e outros direitos mínimos básicos, eles permanecem
em uma condição de vulnerabilidade, tornando-se alvos fáceis de novas
explorações, uma vez que, para prover a própria subsistência e a de suas
famílias, se veem obrigados a aceitar qualquer tipo de serviço, ainda que
isso importe em um novo cenário de trabalho escravo.
Um último fator, e não menos importante, diz respeito à punição
dos infratores. Diante do exposto até aqui não há dúvida de que o trabalho
escravo é uma realidade no mundo e no Brasil, mas a sua punição não,
tudo em razão de fatores como os já demonstrados até aqui, aos quais
soma-se a corrupção dos agentes públicos e das diculdades colocadas
pelo governo, v.g., para a divulgação da conhecida “lista suja”, que será
comentada adiante.
a intensificaçãO dOs fluxOs migratóriOs e a prOteçãO nOrmativa
dOs trabalhadOres migrantes
Nesse tópico do texto é feita uma breve análise do fenômeno mundial
da intensicação dos uxos migratórios e os principais aspectos relacionados
à proteção normativa dos imigrantes, tanto no plano internacional como
no âmbito interno brasileiro.
breves cOmentáriOs sObre a intensificaçãO mundial dOs fluxOs
migratóriOs nas últimas décadas
De acordo com o relatório Global Trends, que é publicado
anualmente para analisar as mudanças nas populações de interesse do Alto
Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR) e fornecer ao
público um aprofundamento na compreensão das crises migratórias em
andamento, em 2017 o mundo contava com cerca de 68,5 milhões de
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
| 99
deslocamentos forçados, sendo 25,4 milhões refugiados, 40 milhões de
deslocados internos, e 3,1 milhões de pessoas buscando asilo (ACNUR,
2017, p. 2). Já último relatório sobre migração da Organização das Nações
Unidas (ONU), de 2017 (International Migrant Stock: e 2017 Revision),
quantica em 258 milhões o número de pessoas que saíram dos países
onde nasceram e vivem em outros Estados, o que corresponde a um
aumento de 49% desde 2000 (ONU, 2017a). Esses números mostram que
as pessoas estão se deslocando como nunca ao redor do globo por conta
de perseguições, conitos, violência generalizada ou por simples vontade.
No Brasil, de acordo com o relatório da Organização Internacional
para as Migrações (OIM), intitulado World Migration Report 2018
8
, a
população de migrantes vivendo no país de 2010 a 2015 cresceu 20%,
chegando a 713 mil (IOM, 2018).
9
Com o prolongamento dos conitos
na Síria e diante da crise que se instalou na Venezuela, fazendo com
que muitos nacionais desses países viessem para o Brasil, estima-se que
esse número tenha sofrido um signicativo acréscimo nos últimos dois
anos. Nesse sentido, o Relatório Anual 2017, produzido pela OBMigra –
Observatório das Migrações Internacionais, destaca que de 2010 a 2016, os
uxos migratórios para o Brasil vêm crescendo e se tornando cada vez mais
diversicados, incluindo migrantes do sul global (OBMIGRA, 2017).
a evOluçãO nOrmativa dO cOmbate aO trabalhO escravO e de
prOteçãO dOs direitOs humanOs dOs trabalhadOres migrantes
Durante o período colônia-império não havia leis protetivas dos
escravos no Brasil, mas ao contrário, as leis existentes eram extremamente
severas para com eles. Uma lei penal da época bem ilustra essa armação,
pois estabelecia uma dupla situação para o escravo, isto é, caso ele cometesse
algum delito, era considerado “pessoa” e poderia então ser responsabilizado;
8
Este Relatório de Migração Mundial de 2018 é o nono da série. Desde 2000, a OIM produz relatórios
mundiais de migração para contribuir para o aumento da compreensão da migração em todo o mundo. Esta
edição apresenta dados e informações importantes sobre migração, bem como capítulos temáticos sobre questões
de migração altamente tópicas.
Para uma visão sobre a o uxo de imigração ao Brasil desde a chegada dos portugueses acesse o site do Portal
Nexus na internet. Disponível em: https://goo.gl/X522. Acesso em: 21 mar. 2019.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
100 |
contudo, se fosse vítima, o seu senhor é quem seria indenizado. Nesse
sentido, o Código Criminal do Império (1830), em seu art. 60 dispunha que,
Se o réo fôr escravo, e incorrer em pena, que não seja a capital, ou
de galés, será codemnado na de açoutes, e, depois de os sorer, será
entregue a seu senhor, que se obrigará a trazel-o com um ferro, pelo
tempo, e maneira que o Juiz o designar. O numero de açoutes será
xado na sentença; e o escravo não poderá levar por dia mais de
cincoenta. (BRASIL, 2018).
Ao longo do século 19, a legislação escravista no Brasil passou por
diversas mudanças. Diversas leis de cunho abolicionista começaram a
ser editadas, fruto das pressões internacionais e dos movimentos sociais
abolicionistas que gradativamente começaram a surgir em várias partes do
mundo, notadamente na Inglaterra.
A malsinada Lei Imperial de 7 de novembro de 1831, conhecida
como Lei Feijó ou “lei para inglês ver”, chegou a declarar livres todos
os escravos vindos de fora do Império, bem como a impor penas aos
importadores da mão de obra negreira africana. Contudo, o tráco
negreiro ilegal ainda continuou a ocorrer de maneira escancarada para o
Brasil e a escravidão permaneceu produzindo seus deletérios efeitos sobre
a vida de milhares de negros.
Poucos anos mais tarde foi decretada a Lei n. 4, de 10 de junho de
1835, criada especicamente para punir os escravos que se insurgissem
contra seus senhores, cometendo homicídio, ferindo ou praticando
qualquer outra ofensa física. Caso o escravo cometesse homicídio ou
provocasse uma lesão grave em seu senhor, sua mulher, ascendentes e
descendentes, administradores e feitores e suas mulheres, a pena aplicada
seria a de morte. Se houvesse ferimento ou ofensa física leve, seria punido
com açoites (art. 1º).
Em 1823 “José Bonifácio apresentou uma representação à Assembleia
Geral Constituinte e Legislativa do Império do Brasil sobre a escravatura,
na qual defendia a extinção gradual da escravidão e a emancipação também
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
| 101
gradual dos escravos” (MULTIRIO, 2018), que foi rechaçada, fazendo
com que seu autor passasse a sofrer represálias.
10
Sob pressão da Inglaterra, que a todo custo queria acabar com o
tráco negreiro, foi decretada a Lei n. 581, em 4 de setembro de 1850,
conhecida como Lei Eusébio de Queiroz, que estabeleceu medidas para a
repressão do tráco de africanos no Brasil, “extinguindo denitivamente
essa espécie de tráco ilegal no país, prevendo, inclusive, a apreensão de
navios que contribuíssem para o tráco de negros.
Poucos anos mais tarde foi aprovado o Decreto n. 731, de 5 de junho
de 1854, que cou conhecido como Lei Nabuco de Araújo. Em complemento
à Lei Euzébio de Queiroz e, visando acabar com a clandestinidade, a norma
reforçou a repressão ao tráco negreiro ao cominar pesadas sanções aos
tracantes de escravos.
Em 28 de setembro de 1871 foi decretada a Lei n. 2.040, que cou
conhecida como Lei Visconde do Rio Branco ou Lei do Ventre Livre. A lei
estabeleceu que a partir de 1871, todos os lhos que nascessem dos escravos
seriam considerados livres (art. 1º). Previu também que os proprietários
dos escravos cariam responsáveis por criá-los até a idade de oito anos,
quando poderiam entregá-los ao governo e receber uma indenização, ou
aproveitar-se de seus serviços até os 21 anos completos (art. 1º, § 1º).
Na verdade, esse foi um método de acalmar os ânimos dos movimentos
abolicionistas, pois como se nota, os libertos ainda cariam sob guarda dos
senhores até os 21 anos.
A Lei n. 3.270, de 28 de setembro de 1885, conhecida como Lei
dos Sexagenários ou Lei Saraiva-Cotejipe, proporcionou a liberdade para
os escravos idosos acima de 60 anos, bem como estabeleceu normas para
libertação gradual dos cativos, mediante indenização. A lei, que visou
conter os movimentos abolicionistas mais radicais, também não conseguiu
atingir seus principais objetivos e acabar com a escravidão no Brasil.
10
“Segundo alguns historiadores, o afastamento de José Bonifácio do ministério deveu-se às suas ideias sobre
a escravidão, que zeram com que perdesse o apoio dos grandes proprietários de escravos e terras, que faziam
parte do grupo aristocrata do Partido Brasileiro. Apesar de ter introduzido em sua fazenda em Santos vários
imigrantes, visando demonstrar a viabilidade da substituição da mão de obra escrava, para a maioria dos grandes
proprietários o projeto era impossível e inaceitável” (MULTIRIO, 2018).
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
102 |
Nesse tempo e contexto, os movimentos abolicionistas cresciam de
forma rápida, prestando auxílio aos escravos que abandonavam as fazendas e
disseminando o caos para os proprietários de escravos e para o governo, que
se via cada vez mais pressionado em meio a outras crises, como a econômica,
decorrente das baixas no preço do café. Não tardou em restar evidenciado
que a abolição da escravidão seria a única saída. É nesse cenário que a
Princesa Isabel, na ausência do Imperador D. Pedro II no país e em nome
deste, sancionou a Lei n. 3.353, de 13 de maio de 1888, declarando extinta
e acabando formalmente com mais de 300 anos de escravidão no Brasil. Seu
sucinto conteúdo tornou-se, assim, um marco histórico para o país:
Art. 1º. É declarada extinta desde a data desta lei a escravidão no
Brasil. Art. 2º. Revogam-se as disposições em contrário. Manda,
portanto, a todas as autoridades que o conhecimento e execução da
referida lei pertencer que a cumpram e façam cumprir e guardar tão
inteiramente como nela se contém.
Desde então essa nova ordem social brasileira, pautada na liberdade
de todas as pessoas, passou a ser impactada pela realidade já existente e pela
evolução das sociedades ao redor do globo. Em todos os cantos, movimentos
em busca por melhores condições de vida, pelo reconhecimento de direitos
e dignidade, gradativamente deram ensejo ao surgimento de órgãos,
mecanismos e instrumentos internacionais de proteção dos direitos
humanos individuais e coletivos, especialmente por meio de declarações
e tratados internacionais voltados à proteção do ser humano, inclusive
na condição de trabalhador, primando-se pela sua liberdade, igualdade e
dignidade. Tais instrumentos exerceram uma grande inuência sobre os
ordenamentos jurídicos domésticos, inclusive no Brasil.
A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 26 de agosto
de 1789, dispôs em seu art. 1º que “os homens nascem e são livres e iguais
em direitos. As distinções sociais só podem fundamentar-se na utilidade
comum”. O direito ao trabalho foi reconhecido como inalienável no art.
18, segundo o qual “todo homem pode empenhar seus serviços, seu tempo;
mas não pode vender-se nem ser vendido. Sua pessoa não é propriedade
alheia. A lei não reconhece domesticidade; só pode existir um penhor de
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
| 103
cuidados e de reconhecimento entre o homem que trabalha e aquele que
o emprega”.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos, proclamada em 10
de dezembro de 1948 pela Assembleia Geral da ONU, instrumento mais
autorizado do mundo em matéria de direitos humanos e que abriu as
portas para a construção do sistema global e também dos sistemas regionais
de proteção dos direitos humanos, estabeleceu em seu art. 1º que “todas
as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotadas de
razão e consciência e devem agir em relação umas às outras com espírito de
fraternidade”. Em seu art. 4º dispôs que “[...] ninguém será mantido em
escravidão ou servidão, a escravidão e o tráco de escravos serão proibidos
em todas as suas formas” (ONU, 1948). Consagrando o direito humano
ao trabalho digno, em seu art. 23 a Declaração dispôs que
1. Todo ser humano tem direito ao trabalho, à livre escolha de
emprego, a condições justas e favoráveis de trabalho e à proteção
contra o desemprego. 2. Todo ser humano, sem qualquer
distinção, tem direito a igual remuneração por igual trabalho. 3.
Todo ser humano que trabalha tem direito a uma remuneração
justa e satisfatória que lhe assegure, assim como à sua família,
uma existência compatível com a dignidade humana e a que se
acrescentarão, se necessário, outros meios de proteção social.
4. Todo ser humano tem direito a organizar sindicatos e a neles
ingressar para proteção de seus interesses. (ONU, 1948).
Estes dispositivos, que serviram de base e inspiração para muitos
outros documentos internacionais
11
e nacionais de proteção dos direitos
11
Vale mencionar aqui a Convenção Suplementar sobre Abolição da Escravatura, do Tráco de Escravos e das
Instituições e Práticas Análogas à Escravatura, de 1956; a Convenção Internacional sobre a Eliminação de todas as
Formas de Discriminação Racial, de 1966; o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e o Pacto Internacional
dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, ambos de 1966; a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, de
1969; a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, de 1979; a Convenção
contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes, de 1984; o Protocolo Adicional
à Convenção Americana sobre Direitos Humanos em Matéria de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, “Protocolo
de San Salvador”, de 1988; a Convenção sobre os Direitos da Criança, de 1990; a Convenção Interamericana para
Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a MulherConvenção de Belém do Pará”, de 1994; o Protocolo de
Prevenção, Supressão e Punição do Tráco de Pessoas, especialmente Mulheres e Crianças, complementar à Convenção
das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional, de 2000; a Convenção Interamericana contra o
Racismo, a Discriminação Racial e Formas Correlatas de Intolerância, de 2013.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
104 |
humanos e fundamentais que lhes sobrevieram, consagraram a igualdade
entre todos os homens, de modo que ninguém pode ser tratado como
coisa ou objeto por outra pessoa, evidenciando-se a proibição do tráco
de pessoas e da escravidão, bem como a necessidade de condições dignas
de trabalho.
Ao nal da Primeira Guerra mundial surge aquela que se tornaria
mais tarde uma das mais importantes organizações internacionais do
mundo, voltada especicamente para a proteção do trabalhador no âmbito
internacional. Criada em 1919, pelo Tratado de Versalhes, juntamente com
a Sociedade das Nações, a Organização Internacional do Trabalho (OIT)
é atualmente uma agência especializada da ONU, sediada em Genebra,
que tem como principal nalidade tutelar os direitos humanos dos
trabalhadores de todo o mundo. As “convenções e as recomendações são os
dois instrumentos que compõem a produção normativa da OIT em matéria
de padrões mínimos trabalhistas” (FRANCO FILHO; MAZZUOLI,
2016, p. 16), sendo tais instrumentos fruto de debates entre os delegados
dos seus Estados membros.
Como um organismo internacional que visa a institucionalização de
políticas de paz universal, no âmbito de sua competência está a produção
das chamadas Convenções Internacionais, que são tratados internacionais
no seu sentido estrito (regidas, portanto, pelo Direito dos Tratados), ou
seja, “[...] são normas internacionais que requerem, no plano do Direito
Interno dos Estados, todas as formalidades pertinentes para a entrada em
vigor e aplicação” (FRANCO FILHO; MAZZUOLI, 2016, p. 16). Já suas
recomendações, estão inseridas no contexto das normas soft law, do Direito
Internacional, pois não vinculam juridicamente os Estados, mas servem
de inspiração para o legislador interno na criação de normas trabalhistas.
Verica-se, portanto, que a OIT se destina à institucionalização de normas
universais do trabalho, sendo responsável pela criação de importantes
conceitos, princípios e regras que visam nortear e reger as legislações
domésticas em defesa dos trabalhadores.
No âmbito de suas atividades, a OIT produziu vários instrumentos
normativos voltados à proteção do trabalhador, inclusive em relação ao
combate do trabalho escravo. Destaca-se nesse sentido a Convenção n. 29
Sobre Trabalho Forçado, de 1930, e a Convenção n. 105 Sobre a Abolição do
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
| 105
Trabalho Forçado, de 1957.
12
Foi na Convenção n. 29 que pela primeira vez
se contemplou em um instrumento internacional a denição de trabalho
forçado ou obrigatório, que de acordo com seu art. 2º é “[...] todo trabalho
ou serviço exigido de um indivíduo sob ameaça de qualquer penalidade e
para o qual ele não se ofereceu de espontânea vontade”.
Dentre os instrumentos normativos da OIT merecem também
destaque a Convenção n. 138 e a Recomendação n. 146, que versam sobre
a idade mínima de admissão ao emprego, bem como a Convenção n. 182
e a Recomendação n. 190, que tratam da proibição das piores formas de
trabalho infantil e a ação imediata para sua eliminação.
Ainda no âmbito da OIT, especicamente em relação à proteção do
trabalhador migrante, destaca-se a Convenção n. 97 Sobre os Trabalhadores
Migrantes, de 1949, segundo a qual todos os seus Estados membros cam
obrigados “a manter um serviço gratuito adequado incumbido de prestar
auxílio aos trabalhadores migrantes e, especialmente, de proporcionar-lhes
informações exatas ou assegurar que funcione um serviço dessa natureza
(art. 2º), dentre outras questões relativas a esses trabalhadores.
No mesmo sentido ressalta-se a Convenção n. 143 Sobre as Imigrações
Efetuadas em Condições Abusivas e Sobre a Promoção da Igualdade de
Oportunidades e de Tratamento dos Trabalhadores Migrantes, de 1975, que
também constitui um importante documento de proteção do trabalhador
migrante. A Convenção dispõe expressamente que seus Estados membros
deverão comprometer-se a respeitar os direitos fundamentais do homem
de todos os trabalhadores migrantes” (art. 1º), comprometendo-se ainda a
[...] a determinar, sistematicamente, se existem migrantes
ilegalmente empregados no seu território e se existem, do ou
para o seu território, ou ainda em trânsito, migrações com
m de emprego nas quais os migrantes sejam submetidos,
durante a sua deslocação, à sua chegada ou durante a
sua estada e período de emprego, a condições contrárias
aos instrumentos ou acordos internacionais aplicáveis,
multilaterais ou bilaterais, ou ainda às legislações nacionais.
12
O Brasil é parte nestas e em outras Convenções Internacionais da OIT. A Convenção n. 29 foi internalizada
e passou a integrar o ordenamento jurídico do país por meio do Decreto n. 41.721, de 25 de junho de 1957 e
a Convenção n. 105, por meio do Decreto n. 58.822, de 14 de julho de 1966.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
106 |
No plano internacional a Convenção Internacional sobre a Proteção dos
Direitos de Todos os Trabalhadores Migrantes e dos Membros das suas Famílias,
de 1990, constitui o mais importante documento voltado à proteção dos
direitos humanos do trabalhador migrante e de sua família. Como regra, a
Convenção se aplica a
[...] todos os trabalhadores migrantes e aos membros das suas
famílias sem qualquer distinção, fundada nomeadamente no
sexo, raça, cor, língua, religião ou convicção, opinião política
ou outra, origem nacional, étnica ou social, nacionalidade,
idade, posição econômica, patrimônio, estado civil,
nascimento ou outra situação. (INSTITUTO MIGRAÇÕES E
DIREITOS HUMANOS, 1990, art. 1º, 1)
Incidindo também sobre “[...] todo o processo migratório dos
trabalhadores migrantes e dos membros das suas famílias, o qual inclui a
preparação da migração, a partida, o trânsito e a duração total da estada,
a atividade remunerada no Estado de emprego, bem como o retorno
ao Estado de origem ou ao Estado de residência habitual” (art. 1º, 2).
Infelizmente até o presente momento o Brasil ainda não raticou esse
tratado, que certamente constituiria um grande reforço no combate ao
trabalho escravo do migrante no país.
No plano interno brasileiro, após a abolição da escravidão, ao
longo dos tempos diversas leis de proteção ao trabalhador (incluindo-se o
imigrante), foram sendo editadas, inclusive com a garantia constitucional
do direito fundamental ao trabalho, a partir da Constituição de 1934.
13
De lá para cá, todas as constituições previram princípios e regras basilares
pertinentes ao direito do trabalho.
No plano infraconstitucional, a legislação trabalhista é bastante ampla,
sendo composta por diversas leis esparsas que tratam dos mais variados
temas, inclusive leis de caráter penal. No entanto, o principal diploma
laboral é, sem dúvida, a Consolidação das Leis do Trabalho (Decreto-lei n.
13
Sérgio Pinto Martins (2015, p. 11) arma que “[...] a primeira Constituição a tratar de Direito do Trabalho
foi a de 1934, garantindo a liberdade sindical, isonomia salarial, salário mínimo, jornada de 8 horas de trabalho,
proteção do trabalho das mulheres e menores, repouso semanal, férias anuais remuneradas (§ 1º do art. 121).”.
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
| 107
5.452, de 1º de maio de 1943), instrumento que sistematizou as diversas
leis esparsas existentes até a sua edição, sendo também acrescida de novos
institutos criados especicamente para compô-la. Vale ainda ressaltar a Lei n.
9.474, de 22 de julho de 1997, voltada à proteção dos refugiados, bem como
a recente Lei n. 13.445, de 24 de maio de 2017 (Nova Lei de Migração),
que constitui um importante marco normativo brasileiro na proteção dos
direitos humanos de todos dos migrantes
14
, inclusive ao trabalho.
Em termos constitucionais, não há dúvida de que a Constituição
da República Federativa do Brasil (CRFB), de 1988, foi a que melhor e
de modo mais aprofundado tratou dos direitos do trabalhador no país,
constituindo na atualidade o mais importante documento sobre o assunto.
Conforme aponta Carlos Henrique Bezerra Leite (2017, p. 36), a CRFB
“[...] inaugura uma nova página na história dos direitos sociais no Brasil,
repercutindo diretamente no direito do trabalho sob o paradigma do
Estado Democrático de Direito”.
Dentre aspectos de absoluta importância relacionados à proteção
do trabalhador, a CRFB previu a dignidade humana como um princípio
fundamental da República Federativa do Brasil (art. 1º, III); consagrou a
igualdade de todos perante a lei, inclusive entre os trabalhadores brasileiros e
imigrantes (art. 5º); constituiu como seus objetivos fundamentais a construção
de uma sociedade livre, justa e solidária, a garantia do desenvolvimento
nacional, a erradicação da pobreza e da marginalização e a redução das
desigualdades sociais e regionais, bem como a promoção do bem de todos,
sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas
de discriminação (art. 3º); prevendo ainda prevalência dos direitos humanos
como princípio regente das relações brasileiras no plano internacional.
Especicamente em relação ao trabalhador, em seu art. 7º, a CRFB
cataloga um amplo rol de direitos individuais dos quais são titulares os
trabalhadores urbanos e rurais, sem excluir outros que visem à melhoria de
sua condição social. Em seu art. 8º ela estabelece a liberdade de associação
14
Para uma visão mais aprofundada sobre a Nova Lei de Migração brasileira vide artigo intitulado “A Proteção
dos Direitos Humanos dos Migrantes no Brasil: Breves considerações sobre o projeto de lei n. 2.516/2015 e o
Estatuto do Estrangeiro”, de autoria de Luciano Meneguetti e Sarita Bassan Rodrigues. Disponível em: https://
goo.gl/2zPKpY. Acesso em: 21 mar. 2019.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
108 |
prossional ou sindical e, nos termos do art. 9º, assegura amplamente
o direito de greve aos trabalhadores em geral, estendendo tal direito aos
servidores públicos civis, nos termos de lei regulamentadora. “Sem dúvida,
é uma das Constituições mais avançadas no aspecto social, pois consagra
os direitos trabalhistas como autênticos direitos fundamentais” (LEITE,
2017, p. 38).
Em 2014, por meio da Emenda Constitucional n. 81, o tema do
trabalho escravo ganhou “status” constitucional. Por meio dela o art. 243
da CRFB foi alterado, passando a prever que “as propriedades rurais e
urbanas de qualquer região do País onde forem localizadas culturas ilegais
de plantas psicotrópicas ou a exploração de trabalho escravo na forma
da lei serão expropriadas e destinadas à reforma agrária e a programas
de habitação popular, sem qualquer indenização ao proprietário e sem
prejuízo de outras sanções previstas em lei, observado, no que couber, o
disposto no art. 5º”.
Todo esse arcabouço normativo doméstico e internacional produziu
impactos no Brasil em relação ao trabalho escravo, ensejando a criação
de políticas públicas voltadas ao enfrentamento do problema, ainda que
tardiamente, pois as primeiras iniciativas voltadas ao combate da prática
somente tiveram início no país a partir da década de 70, impulsionadas
pela sociedade civil. Desde então, vários órgãos, programas, planos de
erradicação e campanhas de conscientização, dentre outros projetos, têm
sido criados e colocados em ação, embora se deva reconhecer que os reais
resultados alcançados ainda estão longe do ideal. Dentre os principais
órgãos ligados diretamente ao combate da prática destacam-se o Ministério
do Trabalho e Emprego (MTE) e o Ministério Público do Trabalho (MPT).
Dentre algumas iniciativas relevantes no combate ao trabalho escravo
no país citam-se: (i) a instituição do Programa de Erradicação do Trabalho
Forçado e do Aliciamento de Trabalhadores (PERFUR), por meio Decreto
de 3 de setembro de 1992; (ii) a criação do Grupo Executivo de Repressão
ao Trabalho Forçado (GERTRAF), por meio do Decreto n. 1.538, de
27 de junho de 1995, com a nalidade de coordenar e implementar as
providências necessárias à repressão ao trabalho forçado; (iii) a criação
do Grupo Especial de Fiscalização Móvel (GEFM), ligado à Secretaria
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
| 109
de Inspeção do Trabalho (SIT) do MTE, formado por auditores scais
do trabalho (responsáveis por coordenar operações de campo) e também
por policiais federais e procuradores do MPT e do Ministério Público
Federal (MPF); (iv) a alteração do art. 149 do Código Penal pela Lei n.
10.803/2003, que passou a considerar crime “reduzir alguém a condição
análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada
exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer
restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida
contraída com o empregador ou preposto”; (v), o desenvolvimento de dois
Planos Nacionais para Erradicação do Trabalho Escravo, em 2003 e 2008,
respectivamente; (vi) a criação da Comissão Nacional de Erradicação do
Trabalho Escravo (CONATRAE), por meio do Decreto de 31 de julho
de 2003; e, (vii) a criação do Cadastro de Empregadores que submetem
trabalhadores a condições análogas à de escravo, popularmente conhecido
como “lista suja”, criado pela Portaria n. 540 do MTE, em outubro de
2004 e regulado por Portarias Interministeriais subsequentes.
15
Mesmo diante disso tudo, a conclusão que se chega ao nal desse
tópico é triste e alarmante: mesmo com todo esse aparato de ordem técnica,
administrativa e normativa, o trabalho escravo ainda persiste fortemente
no país, conforme já se abordou anteriormente. As diculdades para o
seu enfrentamento são várias, tais como cortes no orçamento público, que
acarretam a insuciência de pessoal para as scalizações; a corrupção de
funcionários públicos que aceitam subornos de empregadores; a morosidade
do Judiciário no julgamento das ações que envolvem trabalho escravo; as
punições brandas e pouco ecazes; os conchavos políticos que procuram
obstaculizar o combate da prática no país, tais como as diculdades na
divulgação da “lista suja” e as manobras políticas para reduzir o conceito
de trabalho escravo
16
, dentre muitas outras.
15
Referido cadastro constitui um instrumento de publicidade negativa que efetiva o acesso à informação,
podendo restringir o mercado das empresas e até mesmo a concessão de linhas estatais de crédito bancário. A
publicidade da lista permite, dentre outras coisas, o controle e a participação popular (ainda que indireta) nas
atividades da empresa, v.g., por meio da opção da população em não adquirir bens ou serviços de empresas
descumpridoras das normas protetivas dos direitos humanos trabalhistas. Acerca das diculdades colocadas pelo
governo brasileiro para a divulgação da lista vide matéria intitulada “Governo diculta scalização de trabalho
escravo”. Disponível em: https://goo.gl/pWFp1X. Acesso em: 21 mar. 2019.
16
A Portaria n. 1.129, de 13 de outubro de 2017, do Ministério do Trabalho, muda o conceito de trabalho
escravo, além de alterar procedimentos de investigação e de divulgação da chamada “lista suja” das empresas
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
110 |
É por essa razão que nesse estudo se propõe a Educação em Direitos
Humanos (EDH) como mecanismo apto ao auxílio na prevenção e no
combate do trabalho escravo moderno no Brasil, notadamente em relação
ao trabalhador imigrante, conforme se passa a abordar na sequência.
a educaçãO em direitOs humanOs (edh) cOmO mecanismO de
prevençãO e erradicaçãO dO trabalhO escravO
O Plano de Ação do Programa Mundial para a Educação em Direitos
Humanos, dene a EDH como “um conjunto de atividades de educação,
de capacitação e de difusão de informação, orientado para a criação de uma
cultura universal de direitos humanos” (PMEDH, 2012, p. 3). Trata-se,
portanto, de uma educação constituída por um conjunto de atividades
voltadas para a criação de uma cultural universal de direitos humanos.
Uma educação que deve orientar-se a partir de quatro dimensões básicas:
(i) ser uma atividade permanente e global; (ii) possibilitar uma mudança
sociopolítica e formar uma cultura de direitos humanos; (iii) mais do que
conhecimento formal, produzir um senso estético autônomo e pensamento
crítico; e, (iv) ser um ato dialógico voltado para a emancipação do
educando e para a formação de sujeitos de direito (BENEVIDES, 2009
apud VIOLA, 2014).
Nesse sentido, educar a sociedade e também as vítimas do trabalho
escravo acerca de seus direitos, promovendo a compreensão correta do
que seja os direitos humanos, quem são seus titulares e quais os meios e
mecanismos aptos a efetivá-los, certamente pode constituir uma prática
bastante efetiva para a prevenção e combate da prática no país, notadamente
diante a constatação de que a grande maioria das vítimas é composta
que utilizam esse tipo de mão de obra. A portaria está disponível em: <https://goo.gl/ECnEn7>. Acesso em 27
jul. 2018. Pelo texto, que afronta a CRFB, bem como tratados de direitos humanos dos quais o Brasil é parte,
constata-se que a jornada exaustiva, o labor em condições degradantes, bem como o trabalho forçado, não mais
são considerados tipos de trabalho análogos à escravidão, o que signica que as empresas ou pessoas físicas
autuadas por estar cometendo uma dessas infrações, não mais serão incluídas na “lista suja”, o que constitui um
grande retrocesso no combate da prática no Brasil. “Cerca de 90% dos processos e investigações sobre trabalho
escravo acompanhados pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) estão relacionados a situações que deixaram
de ser classicadas como análogas à escravidão após a publicação da portaria” (G1, 2017). Em outubro de 2017,
ao analisar a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) n. 489/DF, a presidente do STF, a
Ministra Rosa Weber, suspendeu liminarmente a portaria. A decisão do Supremo pode ser acessada em: https://
goo.gl/cCyRbs. Acesso em: 21 mar. 2019.
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
| 111
por pessoas em situação de extrema vulnerabilidade socioeconômica,
vericando-se muitos analfabetos, pessoas de baixa educação formal e com
escassa ou nenhuma noção de direitos humanos e trabalhistas, conforme já
se aferiu-se anteriormente.
A formação do sujeito de direitos é de absoluta importância nesse
cenário, notadamente em relação ao trabalhador migrante, que precisa de
um acompanhamento e uma tutela diferenciada por parte do Estado. Na
mesma linha, a conscientização e a educação da sociedade para a prevenção
e o combate da xenofobia e de outras formas de violência praticadas contra
a população migrante é de fundamental importância para a garantia dos
seus direitos humanos.
Historicamente se constata que uma das grandes diculdades
do Brasil é proporcionar a inclusão e o pleno acesso à educação e esse é
um quadro que demanda urgente mudança, pois não dúvida de que o
conhecimento liberta. Além disso, embora a EDH em direitos humanos
venha sendo discutida e promovida no país nos últimos anos, é preciso
intensicá-la, em todos os níveis do ensino. No entanto, tudo isso demanda
a formulação e implementação de políticas públicas ecazes, aptas ao
atingimento desses resultados, que por sua vez, dependem do interesse e
da “boa vontade” estatal.
Especicamente em relação à EDH para o enfrentamento do
trabalho escravo de nacionais e imigrantes no Brasil e diante do que já foi
analisado, no presente texto sustenta-se, no âmbito da necessidade de ações
governamentais, da mobilização social e do preparo e conscientização das
vítimas, uma atuação em três frentes distintas: na prevenção, na assistência
e a na repressão.
Na primeira frente destaca-se a prevenção, consistente na tomada de
um conjunto de medidas para evitar um resultado gravoso. Nesta esfera
é possível se incluir algumas medidas que podem proporcionar resultados
positivos na prevenção do trabalho escravo.
A primeira e mais importante é certamente a educação, conforme se
armou. É preciso tirar a população do analfabetismo, inclusive o funcional.
Embora os seus resultados sejam a longo prazo, trata-se de uma forma
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
112 |
essencial para a transformação dos indivíduos e, consequentemente, para a
transformação da sociedade como um todo. Com o investimento em uma
educação acessível e de qualidade, inclusive apta a atender as necessidades
especiais dos migrantes (v.g., idioma, conhecimento de direitos, acesso a
órgãos públicos etc.), as pessoas terão condições de buscar e compreender
seus direitos individuais e sociais, passando a estar menos susceptíveis às
condições precárias e degradantes às quais são submetidas no contexto de
um trabalho escravo, já que se tornarão aptas a reivindicar seus direitos,
sabendo, inclusive, como fazê-lo.
Uma segunda medida é a ampliação da difusão da informação,
notadamente por meio da inclusão digital. Com o indivíduo alfabetizado e
de posse dos aparatos e facilidades tecnológicas que a sociedade moderna
oferece, tais como TV, rádios e, principalmente a internet e os smartphones,
se torna mais fácil o acesso à informação e aos meios hoje disponíveis para
o combate da prática, tais como os aplicativos (Apps) dos órgãos públicos
e das ONGS, o disque denúncia, além dos diversos portais na internet
voltados ao tema etc.
Como terceira medida aponta-se o associativismo como uma
alternativa válida para o combate aos abusos laborais. O fortalecimento
da congregação dos trabalhadores, inclusive de imigrantes, em associações
representativas (órgãos de classe, sindicatos etc.) que atuam idoneamente
e no interesse de seus representados, certamente constitui uma importante
ferramenta para o enfrentamento do problema. Um grande avanço nesse
sentido aconteceu há pouco tempo no Brasil com a edição da Lei n. 13.445,
de 24 de maio de 2017 (Nova Lei de Migração) que, contrariamente ao
que dispunha a revogada Lei n. 6.815/80 (Estatuto do Estrangeiro), previu
a possibilidade de participação política e associação sindical aos imigrantes
(art. 4º, VII).
A ampla conscientização e a EDH do consumidor, notadamente
em relação aos direitos humanos do trabalhador imigrante, constituem a
quarta medida. É preciso chamar a atenção dos consumidores brasileiros
para a igualdade de direitos (garantida na lei) entre trabalhadores nacionais
e imigrantes no país, bem como para a questão do trabalho escravo e para
as amplas violações de direitos humanos que a prática provoca e que
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
| 113
atinge tanto o nacional como o imigrante. A intensicação de eventos e de
propagandas nesse sentido são importantes ferramentas para o atingimento
dessas nalidades. Com o advento da internet e, em especial, das mídias
sociais, hoje é possível criar-se ferramentas para auxiliar o consumidor em
suas compras, visando a conscientização e a educação que vão importar
no respeito ao trabalhador imigrante, bem como no desestímulo para
a aquisição de produtos que tenham em seu processo de fabricação, o
envolvimento do trabalho escravo.
Nesse contexto, cita-se o App “Moda Livre
17
, desenvolvido para
que o consumidor possa adquirir produtos que não tenham sido fabricados
por alguém que tenha sido explorado. Nesse sentido, o aplicativo aponta,
em forma de avaliações, as empresas que se já utilizaram de trabalho
escravo. Nesse ponto destaca-se a necessidade de que o Estado não
promova obstáculos para a divulgação da chamada “lista suja”, já abordada
anteriormente.
Na segunda frente de atuação destaca-se a necessidade de uma
maior assistência estatal aos trabalhadores libertados, inclusive de um
atendimento diferenciado aos trabalhadores imigrantes, naquilo que for
necessário. Dada a condição de vulnerabilidade que a maioria das vítimas
do trabalho escravo são encontradas, o seu auxílio e acompanhamento
por parte do Estado se mostram imprescindíveis para que elas não sejam
novamente submetidas à prática. Frequentemente constata-se que após
serem libertados, muitos trabalhadores não têm onde morar, se encontram
sem condições nanceiras de prover a sua subsistência e de suas famílias,
o que contribui para um novo quadro de vitimização. Portanto, a criação
e o fortalecimento de programas sociais para a concessão de alojamento e
provimento das necessidades básicas em um primeiro momento, revela-se
medida fundamental. Em complemento, deve-se ressaltar que o correto e
integral pagamento dos direitos trabalhistas pelos empregadores apanhados
na prática é essencial.
Ainda no âmbito da atuação assistencial também é necessário
proporcionar às vítimas qualicação prossional, criando e fortalecendo
17
Disponível em: https://play.google.com/store/apps/details?id=br.org.reporterbrasil.modasemescravos. Acesso
em: 21 mar. 2019.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
114 |
parcerias e políticas públicas nesse sentido, para que elas possam se
empenhar no aprendizado de novas prossões, aproveitando-se, inclusive,
a cultura e o diferencial que eventualmente podem ser encontrados em
um trabalhador imigrante. O desenvolvimento de programas e ocinas
artesanais são essenciais para isso. Nesse sentido, vale destacar aqui como
exemplo, o Programa de Monitoramento de Cadeia Produtiva do Vestuário
e Calçados, uma iniciativa desenvolvida pela Associação Brasileira do Varejo
Têxtil (ABVTEX), com empresas do segmento em todo o país, que tem
como objetivos precípuos a garantia de direitos trabalhistas e a eliminação
do trabalho escravo, assegurando-se segurança e saúde ao trabalhador
migrante, além da formalização das ocinas de costura e empresas de
produção de vestuário.
Atualmente, o programa é implementado através de vistorias, que
são realizadas pelo menos uma vez por ano em 4.112 empresas
monitoradas, distribuídas por mais de 600 cidades em 17 estados
do Brasil, além do Distrito Federal. A certicação contribui para
estruturar a cadeia têxtil, gerando oportunidades de negócios e
favorecendo a oferta de boas condições de trabalho (...). As vistorias
previnem o trabalho infantil, o abuso, o assédio e o emprego
irregular de estrangeiros, garantindo o cumprimento da legislação
trabalhista. Para receber a certicação, cada unidade da empresa
passa por uma auditoria realizada por organismos credenciados
pela ABVTEX. O auditor verica a adequação às exigências e a
unidade precisa obter uma pontuação mínima para receber a
certicação. O local passa também por auditorias de manutenção e
de “recerticação”. (ONU, 2017b).
Além disso, também se revela de absoluta importância incluí-las em
programas assistenciais do governo, tal como o “Bolsa Família”, dentre
outros. Portanto, o apoio à reintegração social e prossional dessas pessoas
é fundamental para livrá-las de novos quadros de trabalho escravo.
Como um dos grandes problemas que aigem os trabalhadores
resgatados do trabalho escravo é justamente a falta de trabalho formal
devido às diculdades que se vem apontando ao longo do texto, uma
medida que mostra apta ao enfrentamento dessa questão é proporcionar
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
| 115
a eles fontes próprias de geração de renda, v.g., por meio do acesso à terra
para cultivo, o que implica na necessidade de políticas ligadas à reforma
agrária no país, capazes de proporcionar essa possibilidade, levando-se em
consideração o trabalhador imigrante.
Por m, adentrando-se na terceira frente de atuação, ressalta-se que
a repressão do trabalho escravo no Brasil precisa ser aperfeiçoada, ampliada
e blindada contra retrocessos sociais, como o provocado pela Portaria
n. 1.129/2017, do MTE, que modicou de maneira inconstitucional
e inconvencional, o conceito de trabalho escravo no país. Diante das
diculdades já narradas anteriormente, um efetivo combate da prática
demanda, além da educação formal e também a EDH, a vontade pública
e social, políticas públicas ecazes, orçamento idôneo (e blindado
de cortes “propositais”) e combate à corrupção, dentre outros fatores
que certamente poderão proporcionar melhores condições para o
enfrentamento do problema.
Nesse ponto, destaca-se que execução da legislação e das políticas
públicas, livres de interferências indevidas (e até mesmo criminosas) de
cunho político (por parte de políticos corruptos) e econômico (exercidas
pelas empresas e empresários), em muito contribuirá para a prevenção e o
combate da prática no país.
cOnclusãO
Conforme se vericou ao longo do texto, seu objetivo foi chamar a
atenção para a problemática relativa ao trabalho escravo dos imigrantes no
Brasil, buscando-se não apenas apresentar as diculdades e as questões que
envolvem o tema, mas, sobretudo, apontar mecanismos capazes de auxiliar
no enfrentamento da questão.
O histórico de escravidão vivenciado pelo Brasil por mais de 300
anos e o longo caminho percorrido até a abolição desse hediondo regime,
analisados na primeira parte do trabalho, deixaram sequelas que perduram
até os dias de hoje na sociedade brasileira, sendo que uma delas é certamente
o trabalho escravo em sua feição contemporânea que, conforme se analisou,
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
116 |
está ligado à cultura escravagista do Brasil colônia e imperial e muito tem
em comum com à escravidão histórica.
A análise das estatísticas e do perl do trabalho escravo em sua feição
atual, bem como as apresentação dos motivos que fortalecem a exploração
dos trabalhadores, especialmente dos imigrantes, revelam que embora haja
um arcabouço normativo internacional e nacional de proteção dos direitos
humanos deste segmento social, bem como a existência de um conjunto
de políticas voltadas ao enfrentamento da prática, conrme se analisou,
a realidade nacional ainda em muito destoa do ideal almejado, pois o
trabalho escravo continua fazendo vítimas em todo o país e de forma cada
vez mais acentuada e alarmante.
Vericou-se que a intensicação dos uxos de imigrantes no país nos
últimos anos potencializou o problema, uma vez que com o crescimento da
população de trabalhadores imigrantes, ampliou-se o quadro de indivíduos
sujeitos à funesta prática, vericando-se a vulnerabilidade em que se
encontram e a urgente necessidade de adoção de medidas que possam
salvaguardar suas vidas e dignidade.
Nesse contexto constatou-se que a educação em direitos humanos
pode constituir uma ferramenta importante para a prevenção e o
combate do trabalho escravo moderno, especialmente por se tratar de um
mecanismo voltado à capacitação e difusão de informações, orientado
para a criação de uma cultura universal de respeito aos direitos humanos,
capaz de impactar as atividades estatais, as próprias vítimas da prática, bem
como a sociedade em geral. Para tanto, essa educação precisa orientar-se
a partir das quatro dimensões básicas que foram analisadas, isto é, (i) ser
uma atividade contínua e global; (ii) capaz de possibilitar uma mudança
sociopolítica e formar uma cultura de direitos humanos; (iii) produzir,
além do conhecimento formal, também um senso estético autônomo e
pensamento crítico nos educandos; e, (iv) constituir um ato dialógico
voltado para a emancipação e para a formação de sujeitos de direito.
Em relação à educação em direitos humanos para o enfrentamento
do trabalho escravo de nacionais e imigrantes no país, levando-se em
consideração a necessidade de ações governamentais, de uma ampla
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
| 117
mobilização e conscientização social e também do preparo e educação das
vítimas, vericou-se a importância de uma atuação em três frentes distintas,
isto é, na prevenção, na assistência e a na repressão da prática, apontando-se
em cada uma dessas frentes, as medidas necessárias para o aperfeiçoamento
daquilo que já tem sido feito no Brasil para o enfrentamento do problema.
Como em tantos outros aspectos da vida social, a conclusão a que se
chega aqui, talvez não constitua qualquer novidade para o leitor que nos
brindou com seu precioso tempo despendido na leitura do presente escrito,
pelo qual agradecemos imensamente nesse momento, mas é a que se mostra
como melhor opção, também para o adequado tratamento do problema
relacionado ao trabalho escravo moderno: a educação e, mais do que isso,
a educação em direitos humanos, ainda que isso soe extremamente utópico
para as mentes daquelas pessoas menos esclarecidas e menos propensas à
reversão de um histórico quadro de violações de direitos e da dignidade de
milhões de seres humanos durante a escravidão e também agora, com a sua
feição moderna.
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A   P 
P -  
E B:   
  D H 
M
Ana Laura Bonini Rodrigues de Souza
Rosane Michelli de Castro
intrOduçãO
O presente artigo foi elaborado a partir de um plano de ação
pedagógica proposto no curso de extensão universitária “Lutas feministas,
emancipação de gênero e Direito à Educação Infantil” que ocorreu
na Universidade Federal de São Paulo - Unifesp no ano de 2018, em
Guarulhos, São Paulo.
No decorrer de referido curso foram propostos debates valiosos
acerca da temática de Direitos Humanos das Mulheres e das crianças, e as
relações com a Educação, assim como as/os/es participantes de diferentes
https://doi.org/10.36311/2022.978-65-5954-279-6.p121-132
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
122 |
localidades do Brasil, realizaram um relatório sobre uma rede de apoio às
mulheres em suas respectivas cidades.
Na cidade de Marília, interior de São Paulo, as autoras deste
artigo consideraram uma rede de apoio às mulheres com importância
sociocultural para a localidade, o Núcleo de gênero e diversidade sexual
na Educação (NUDISE), o qual acontece mensalmente na Universidade
Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” – Faculdade de Filosoa e
Ciências - Unesp/ campus de Marília, São Paulo, com coordenação da
Professora Dra. Tânia Sueli Antonelli Marcelino Brabo, abordando ás
temáticas de gênero, diversidade sexual, feminismos e Direitos Humanos
no âmbito da Educação.
Considerou-se o grupo como uma rede de apoio às mulheres
e LGBTQIA+
1
, já que os participantes estudam sobre as temáticas
mencionadas, sendo um propulsor de ideias e ideais humanísticos.
As atividades e debates proporcionados durante o curso de extensão,
o qual contou com a presença de Maria Amélia de Almeida Teles, uma
expoente na luta dos Direitos Humanos das mulheres no Brasil
2
, resultou
em um minicurso ofertado pelas presentes pesquisadoras, o qual foi
ofertado no âmbito do “X Seminário “Direitos Humanos no Século
XXI” - Direitos Humanos, Cidadania e Educação: 70 anos da Declaração
Universal de Direitos Humanos, 50 anos da Pedagogia do Oprimido e 30
anos da Constituição da República Federativa do Brasil”, ocorrendo entre
os dias 23 e 27 de novembro de 2018, na Universidade Estadual Paulista
 Lésbicas, gays, bissexuais, transsexuais e travestis, queer, intersexos, assexuados e outres.
Amelinha: Me tornei feminista na clandestinidade. Eu me dei conta que era feminista além de comunista.
Na organização, militei muitos anos só com homens. Não que não tivessem mulheres na luta contra a ditadura,
mas nos núcleos em que eu me encontrava só tinham homens. Sentia falta das mulheres, percebia que havia
desigualdades entre homens e mulheres, não só dentro do partido como fora também. As mulheres alvo de
violência, salários menores… E comecei a me questionar: “por que isso?” Fui tomando conhecimento do que
acontecia no mundo. Que existia uma Angela Davis nos EUA, uma mulher negra, comunista e feminista.
Mulheres na Europa falando sobre o feminismo. Mas só em 1975 me tornei publicamente feminista, participei
do jornal Brasil Mulher. A ONU declarou o ano de 1975 como o ano da mulher, então o movimento já
ganhou uma visibilidade maior. O feminismo hoje é mais falado, mais aceito do que na época em que eu me
tornei feminista. Feminismo é uma construção histórica que acontece dentro da sociedade e dentro de nós
mesmos. Sempre estamos buscando respostas e formulando perguntas nas relações de um modo geral… Nos
anos 1960, e 1970, feminismo era quase um palavrão. Hoje as pessoas dão um sorrisinho de lado. Ou levam
na brincadeira, como se não fosse algo sério. Disponível em: https://www.geledes.org.br/amelinha-teles-reetir-
sobre-o-cotidiano-nos-faz-feministas/ Acesso em: 23 jun. 2021.
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
| 123
“Júlio de Mesquita Filho” – Faculdade de Filosoa e Ciências, Unesp/
Campus de Marília.
Sendo assim, dada a valoração da temática de Direitos Humanos
das Mulheres e Educação, ainda mais em tempos pandêmicos em que
essas relações se tensionam na sociedade brasileira, notou-se oportunidade
para reexões que serão apresentadas neste artigo, objetivando ressaltar a
contribuição e diálogos entre direitos das mulheres
3
, e Educação.
diálOgOs: educaçãO e direitOs humanOs das mulheres
A importância da temática de Direitos Humanos das mulheres e a
formação de professoras e professores pró-gênero para a Educação Básica
caminham ao encontro da função social da educadora e do educador na
sociedade.
As Leis de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira (LDB n.
9394/96), em conjunto com a nossa Constituição Federal (CF/88), dão
aportes para o presente plano ação que foi ofertado conforme segue.
Com carga horária de 04 horas/aula, sendo realizado 01 encontro
com interessadas/os/es da área de Humanas e ans, centralmente,
alunas/os/es do curso de Pedagogia da Unesp - Universidade Estadual
Paulista “Júlio de Mesquita Filho” – Faculdade de Filosoa e Ciências,
Campus de Marília. Objetivando centralmente proporcionar condições
para discussões e posterior elaboração de plano de aula para crianças do
Ensino Fundamental I, sobre questões da Didática no ensino de Direitos
Humanos das mulheres, para a promoção de uma formação pró-gênero
para a Educação Básica.
Sendo assim, relacionando formação de cidadãos/as/es com
conhecimentos sobre seus Direitos Humanos, suas dignidades e liberdades,
como a aplicação da cidadania para um mundo justo, em conjunto com
a formação didática no ensino de Direitos Humanos das mulheres, para
3
Quando se menciona Direitos Humanos das mulheres no presente texto, inclui-se também a comunidade
LGBTQIA+, já que a pluralidade de existências é abordada em teorias feministas. Viu-se a necessidade de frisar
a pluralidade incluída na luta das mulheres dada a onda de ódio e preconceitos em que não só o Brasil, mas o
mundo se encontra.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
124 |
professoras e professores pró-gênero na Educação Básica, leis foram
debatidas durante o minicurso ministrado pelas autoras.
À luz da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira:
Art. 1º A educação abrange os processos formativos que se
desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho,
nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e
organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais.
Art. 2º A educação escolar deverá vincular-se ao mundo do trabalho
e à prática social.
Art. 3º O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:
I – igualdade de condições para o acesso e permanência na
escola; II – liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a
cultura, o pensamento, a arte e o saber; III – pluralismo de ideias
e de concepções pedagógicas; IV – respeito à liberdade e apreço à
tolerância. (BRASIL, 2015, p. 9 grifo nosso).
A Constituição Federativa do Brasil, em seus artigos, também prescreve:
Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa
do Brasil:
IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça,
sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer
natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes
no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade,
à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos
termos desta Constituição; (BRASIL, 1988, p. 3, grifo nosso).
A Educação é estabelecida por lei como um Direito Fundamental
dos/as/es seres humanos, assim como, deverá ser promovida e incentivada
com a colaboração da sociedade para o desenvolvimento integral da pessoa
(art. 205, CF/88). Dessa forma, é direito das alunas/os/es em processo de
formação para docência a integralidade humanística e conteudista durante
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
| 125
o curso, já que e é dever das professoras/es da Educação Básica promover
um ensino que não se baseie apenas nos conteúdos obrigatórios das grades
curriculares, mas, também, na aprendizagem das questões históricas
socioculturais abordando questões como a formação da sociedade brasileira
e as reproduções do patriarcado, gêneros, cultura e cidadania, ou seja, sobre
os estudos de gênero e Direitos Humano.
Questões como liberdade de aprender, ensinar, pluralismos de ideias,
as quais são denominadas como princípios norteadores do Ensino nas leis
mencionadas, entram em risco com a atual circunstância política do Brasil
que se alinha à preconceitos e discursos de ódio (2018 -2021).
A necessidade do estudo proposto encontrou-se com o embate à
Constituição Federativa do Brasil de 1988 e a retirada dos estudos dos
gêneros das escolas, sendo que a obrigação com relação aos ensinamentos
e estudos dos gêneros se constrói pela história, perfazendo-se necessária a
desconstrução sociocultural reproduzida pelo patriarcado no Brasil.
A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, quando criada,
ignorou a igualdade entre os sexos, um demonstrativo de uma história
sociocultural marcada por resistência e luta das mulheres, não podendo ser
regredida e sucumbida pelo patriarcado. Nasser (2002, p. 32) ressalta que
“O poder patriarcal é exercido não somente sobre as mulheres, mas também
sobre outros grupos humanos a partir de condições ou características
desvalorizadas socialmente”.
Ante o exposto, a Educação Básica, é penetrada pela desvalorização
social, perfazendo desta forma, a necessária atuação de educadoras/es na
Educação pró-gênero, enfatizando o respeito à vida de todas/os/es.
Salienta Teles (1980, p. 274) que “O Brasil, no século XIX e nas
primeiras décadas do século XX, contou com uma imprensa feminista
vigorosa que defendeu o direito do voto feminino, o direito à educação
e ao divórcio”. Logo, a valoração às lutas feministas, como também o
aprendizado dos educadores, educadoras e suas crianças, sobre as lutas
femininas e suas necessidades para a sociedade, crescem com tentativas de
ferimentos à Lei Máxima Brasileira e com os crescentes discursos de ódio
com relação às mulheres e LGBTQIA+.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
126 |
Pelo exposto, no minicurso tratou-se de se pensar em abordar aspectos
da história com argumentos críticos, ou seja, à luz da relação da história
constituída e interpretada em diálogo à sociedade e suas determinações,
portanto, à luz de uma história crítica.
Nesse sentido, é possível armar que a pedagogia para a formação
dos professoras/es pró-gênero da Educação Básica deve dialogar com os
pressupostos da Pedagogia Histórico-Crítica, sistematizada por Dermeval
Saviani. Considerando que para tal pedagogia já se constituiu uma
Didática, a formação das professoras/es pró-gênero da Educação Básica
não deve estar isenta dos pressupostos mencionados.
Portanto, e segundo a Pedagogia Histórico-Crítica, buscou-se
considerar a universalidade e objetividade do saber sobre um ensino pró-
gênero, a historicidade e não a neutralidade de sua produção em relação
aos processos de sua aquisição dialética do processo pedagógico; a escola
como mediadora entre o conhecimento espontâneo e o sistematizado, e o
lócus privilegiado para propiciar às camadas populares os instrumentos de
acesso ao conhecimento cientíco.
Como mencionado, o plano foi desenvolvido às interessadas/os/es
da área de Humanas e de áreas ans, centralmente, alunas/os/es do curso
de Pedagogia da Unesp, campus de Marília.
O plano de ação foi apresentado na forma de minicurso/ocina,
ofertado no âmbito do X Seminário “Direitos Humanos no Século XXI”
- Direitos Humanos, Cidadania e Educação: 70 anos da Declaração
Universal de Direitos Humanos, 50 anos da Pedagogia do Oprimido e
30 anos da Constituição da República Federativa do Brasil”, entre os dias
23 e 27 de novembro de 2018, na Unesp, Universidade Estadual Paulista
“Júlio de Mesquita Filho” – Faculdade de Filosoa e Ciências, campus de
Marília/São Paulo.
O período do minicurso proposto foi de 04 horas aula, 01 encontro,
no evento mencionado com aporte dos textos-base estudados durante o
curso de extensão “Lutas feministas, emancipação de gênero e Direito à
Educação Infantil”, o qual ocorreu na Universidade Federal de São Paulo:
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
| 127
UNIFESP – EFLCH, de 30 de agosto a 6 de novembro de 2018, em
Guarulhos, São Paulo.
O desenvolvimento do plano de ação seguiu os encaminhamentos
de uma Didática segundo a Pedagogia Histórico-Crítica, conforme
quadro abaixo:
Quadro 1 – Didática, segundo Pedagogia Histórico-Crítica
Teoria educacional – Teoria Histórico-Crítica (Dermeval Saviani)
Prática social Retirar das alunas/os/es e das professoras/es o que sabem (o
quê) sobre a temática.
Problematização Identicação dos principais problemas postos pela prática social.
Trata-se de detectar que questões precisam ser resolvidas no
âmbito da prática social e, em decorrência, que conhecimento
é necessário dominar. (Por quê? Quando? Onde? Como?...)
Instrumentalização Trata- Análise da apropriação das alunas/os/es das ferramentas
culturais necessárias à luta social em favor de uma educação
e de um ensino pró-gênero. Trata-se de se apropriar dos
instrumentos teóricos e práticos necessários ao equacionamento
dos problemas detectados na prática social. Nesse momento,
as professoras ofertarão aspectos sobre os textos que foram
propostos no curso de extensão “Lutas feministas, emancipação
de gênero e Direito à Educação Infantil”, correlacionando-os
com a Didática no ensino de Direitos Humanos das mulheres.
Como tais instrumentos são produzidos socialmente e
preservados historicamente, a sua apropriação pelas alunas/os/
es estará na dependência de sua transmissão direta ou indireta
porque as professoras tanto poderão transmiti-los diretamente
como poderão indicar os meios mediante os quais a transmissão
venha a se efetivar.
Catarse - avaliação Expressão elaborada da nova forma de entendimento da
prática social a que se ascendeu. Segundo Gramsci (1978,
p. 53) “elaboração superior da estrutura em superestrutura
na consciência dos homens” Efetiva incorporação dos
instrumentos culturais, transformados agora em elementos
ativos de transformação social.
Será solicitada uma produção coletiva de um plano de aula
para crianças do Ensino Fundamental I, a partir dos conteúdos
e formato do minicurso/ocina desenvolvidos.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
128 |
Prática social Em relação à prática social inicial será solicitado que as alunas/
os/es relatem se houve diferenças potenciais quanto ao modo
de elas/es se situarem qualitativamente pela mediação da ação
pedagógica, quanto à temática trabalhada.
Fonte: Elaboração das autoras
Quadro 2 – Textos a serem trabalhados - Temática: Apresentação e
discussão sobre os Direitos Humanos das Mulheres, declarações (1789-
1791), CF/88 e LDB/1996
BRASIL. Constituição (1988). Diário Ocial da República Federativa do Brasil,
Brasília, DF. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/
ConstituicaoCompilado.htm>
BRASIL. [Lei Darcy Ribeiro (1996)]. LDB nacional [recurso eletrônico]: Lei nº 9.394,
de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. 11.
ed. Brasília: Câmara dos Deputados, Edições Câmara, 2015.
FELIPE, Jane; GUIZZO, Bianca Salazar. Gênero e sexualidade nas pedagogias
culturais: implicações para a Educação Infantil. In: Anais da 22. Reunião Anual da
ANPEd, 1999. 22. Reunião Anual da ANPEd, 1999, Caxambu-MG, 1999.
FINCO, Daniela; SILVA, Adriana Alves; FARIA, Ana Lúcia Goulart. Feminismo em
estado de alerta na educação de crianças pequenas em creches e pré-escolas. Revista
Zero-a-seis. ISSNe 1980-4512 | v. 20, n. 37 p. 2-10| jan-jun 2018.
SAFFIOTI, Heleieth. O conceito de patriarcado. In: SAFFIOTI, Heleieth. Gênero,
Patriarcado, Violência. São Paulo: Fundação Perseu Abreu, Expressão Popular, 2015,
p.56-65.
SANTIAGO, Flávio; FARIA, Ana Lúcia Goulart de. Da descolonização do pensamento
adultocêntrico à educação não sexista desde a creche: por uma pedagogia da não
violência. p. 251 – 278. In: Maria Amélia de Almeida Teles; Flávio Santiago; Ana
Lúcia Goulart de Faria (Orgs.). Por que a creche é uma luta das Mulheres? Inquietações
femininas já demonstraram que as crianças pequenas são de responsabilidade de toda
a sociedade. São Carlos: Pedro & João Editores, 2018.
SANTOS, Djamila Taís Ribeiro. O que é lugar de fala?.Curta Livros. Youtube.
21 dez 2017. 3min53s. Disponível em: <https://www.youtube.com/
watch?v=S7VQ03G2Lpw>. Acesso em: 18 mar 2018.
SILVA, Adriana A. e Macedo, Eliana E.de. Creche: Uma bandeira da despatriarcalização.
In: Por que a creche é uma luta das mulheres? São Carlos: Editora Pedro & João, 2018,
pp. 145-162.
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
| 129
SCOTT, Joan W. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Educação &
Realidade, v. 20, n. 2, p. 71-99. Porto Alegre: UFRGS, 1995.
SCHIFINO, Reny Scifoni. A luta das mulheres operárias por creche: do “balde” ao
direito à educação. Revista Olh@res (Unifesp), v.4, n.2, pp.94 – 111, 2016.
TELES, Maria Amélia de almeida. O que são os Direitos Humanos das mulheres? São
Paulo
:
Brasiliense, 2007
.
Fonte: Elaboração das autoras
cOnsiderações finais
O presente plano de ação pedagógica foi aplicado no formato de
minicurso aos 27 dias do mês de novembro de 2018, na Unesp, campus
de Marília, São Paulo. Após a apresentação e diálogo sobre os Direitos
Humanos das Mulheres, declarações do Homem e da Mulher (1789/1791),
Constituição Federal de 1988 da República Federativa do Brasil (CF/1988)
e Lei de Diretrizes e Bases nº 9.394 de 20 de dezembro de 1996 (LDB),
além da oferta de alguns aspectos escolhidos dos textos que foram propostos
no curso de extensão “Lutas feministas, emancipação de gênero e Direito
à Educação Infantil”, na Unifesp, correlacionando-os com a Didática no
ensino de Direitos Humanos das mulheres, foram reetidas e levantadas
inúmeras questões.
Entre os questionamentos mais debatidos, a questão da escola sem
partido em conjunto com a retirada de estudos de gêneros das escolas e as
eleições presidenciais 2018, foram os alicerces do diálogo.
Como ocina/produção do minicurso foi construído coletivamente
um plano de aula para o Ensino Fundamental I, sendo denido como
contexto do desenvolvimento de referido plano a realidade brasileira do
momento (Retirada dos Estudos de gênero/ Escola sem partido/ Eleições
2018), a necessidade de desconstrução de preconceitos e a conscientização,
principalmente, dos pais e mães para a importância da presença dos estudos
de gêneros e Direitos Humanos nas escolas, desde a Educação Infantil.
As/os/es participantes propuseram uma aula lúdica sobre a questão
Gêneros e Direitos com as crianças e posteriormente, como forma avaliativa,
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
130 |
a elaboração de um projeto, construído pelas alunas/os/es com a ajuda das
professoras/es) no formato de projeto social extensivo à comunidade.
Para este projeto notou-se a obrigação de diagnosticar as necessidades
da comunidade escolhida para sua aplicação.
Foi proposto durante a elaboração que o este projeto social deve
ser camuado devido à realidade do governo atual brasileiro, com a
denominação “Crianças têm Direitos”, para que não ocorra inicialmente
o embate com a questão de gêneros, com pensamentos errôneos dos pais
sobre fake News de Kit Gay
4
, sendo trabalhado e organizado pelas alunas/
os/es e professoras/es, brincadeiras educativas relacionadas aos direitos das
crianças, ao respeito às diferenças e a questão da equidade de gêneros.
Para este projeto, também foi vista a necessidade de atrativos para
as/os/es responsáveis, assim como para as crianças, como a arrecadação de
verba para lanches comunitários.
As/os/es participantes do minicurso esperam que com projetos sociais
seja possível um maior alcance da problemática em questão, com uma
apropriação da temática pelas alunas/os/es e o repasse do conhecimento
adquirido à comunidade, incluindo família e crianças.
Foi vericada e muito dialogada a importância de levar aos pais
e mães o conhecimento sobre direitos humanos e gêneros, para que
assim sejam desmiticados conceitos falaciosos espalhados durante as
eleições 2018.
Foi encontrada a possibilidade deste projeto social também poder
ser adaptado como curso de extensão nas Universidades, já que, para que
as professoras/es apliquem os assuntos reetidos no presente artigo, em
sala de aula, é necessário o embasamento prático e teórico na formação das
pedagogas/os/es do Brasil.
 Leia mais sobre em https://brasil.elpais.com/brasil/2018/10/18/actualidad/1539847547_146583.html
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
| 131
referências
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20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. 11. ed.
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cidadao-1789.html. Acesso em: 04 jun 2018.
| 133
“E”     :
    
D H
Vicent Bellver Loizaga
1
intrOducción
En los últimos años, las movilizaciones feministas, así como las
organizaciones y asociaciones por la diversidad sexual (LGBTI+
2
) han
puesto de relieve la importancia de tratar en el debate público y en el sistema
educativo elementos como la identidad de género, la orientación sexual y el
derecho al propio cuerpo. De hecho, podríamos enmarcar todos estos debates
en lo que alguna investigadora ha calicado como el “tsunami” feminista de
la última década (BEZANILLA, 2021)
3
. A su vez, a nales de los noventa del
siglo XX, se redactó en el XIII Congreso Mundial de Sexología, celebrado en
València (España), la Declaración Universal de los Derechos Sexuales, donde
 Profesor de Educación Secundaria Obligatoria en Universitat de València.
Siglas que hacen referencia a lesbianas (L), gays (G), bisexuales (B), personas transexuales (T) e intersexuales
(I). El símbolo + quiere reejar que estas orientaciones e identidades están abiertas a una posible ampliación. No
en vano, junto a las ya referidas, en los últimos años identicaciones como queer, a veces incluida en la sigla con
un Q mayúscula, o la de personas no binarias han adquirido una mayor visibilización.
 Le debo la consulta de este trabajo, todavía inédito, a su autora.
https://doi.org/10.36311/2022.978-65-5954-279-6.p133-152
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
134 |
se planteaba que la sexualidad era una parte integrante de las personas, así
como la necesidad de tener en cuenta derechos como el de privacidad, la
libre asociación sexual o el placer. Una Declaración que, posteriormente, fue
aprobada por la Asamblea General de la Asociación Mundial de Sexología
(WAS, por sus siglas en inglés) en 1999
4
.
Desde otro punto de vista, los medios de comunicación españoles
5
llevan también algunos años llamando la atención sobre aspectos como
un consumo de pornografía cada vez más temprano entre preadolescentes
y adolescentes, hasta el punto que han llegado incluso a plantear que son
pornonativos” y “pornonativas
6
. En ese sentido, desde los feminismos se
han señalado los peligros que ello supone: la muestra de una sexualidad
asimétrica, en la que las mujeres suelen representar un papel pasivo; la
reproducción de cuerpos hipernormativos, aspectos como la erotización
del lesbianismo entre hombres cisheterosexuales, la separación de la
sexualidad del mundo afectivo, la aceptación y normalización de la
violencia contra las mujeres… (RUIZ, 2021, p. 124-129)
7
. Curiosamente,
para algunas investigadoras, uno de los motivos del “auge” de ese papel de
la pornografía, consumida sobre todo a través de Internet, se encontraría
en la “no educación sexual por parte de agentes como la familia y la escuela
((RUIZ, 2021, p. 124).
Ante todo este complejo panorama las respuestas han sido diversas.
En algunos países se ha optado por la introducción de la educación sexual
en el sistema educativo. En la República Argentina, por ejemplo, a través
de la Ley Nº 26.150/2006 se implantaba en todos los niveles educativos
el Programa Nacional de Educación Sexual Integral, conocido más
comúnmente como “la ESI”. Sin embargo, el tratamiento en las aulas de
los temas referentes a la sexualidad, la identidad de género, la orientación
Puede consultarse online en: https://www.ministeriodesalud.go.cr/gestores_en_salud/derechos%20humanos/
sexualidad/decladerecsexu.pdf [Última visita: 5/1/2020].
5
Me centro en el caso del Estado español porque es el que mejor conozco y habito. Imagino que dinámicas
globales, como la inserción de la tecnología digital en la vida de los y las adolescentes hace que se trate de una
problemática global.
6
https://elpais.com/elpais/2017/12/21/mamas_papas/1513853135_766825.html y https://elpais.com/
elpais/2019/02/05/eps/1549359489_090898.html?rel=str_articulo#1611308055903 [Última visita: 22/1/2020].
Aunque excede los objetivos de este texto, hay también que señalar que el tema de la pornografía, justamente,
dividió profundamente el movimiento feminista en la década de 1980 (OSBORNE, 1993).
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
| 135
sexual y el derecho al propio cuerpo, pese a las ya citadas declaraciones de
derechos, continúa siendo polémico e incluso conictivo. De hecho, hace
unos años, en el Estado español la puesta en marcha de algún programa piloto
sobre la educación sexual desató una ola de protestas entre ciertos sectores
de la sociedad que llegó incluso a los tribunales
8
. La identidad religiosa
o la necesidad de que ciertos elementos deberían quedar exclusivamente
bajo el control de las familias son algunos de los argumentos esgrimidos
por aquellas personas contrarias a su institucionalización o tratamiento
en las aulas. No obstante, los programas y materiales centrados en la
educación sexual o afectivo-sexual cuentan, al menos en el caso del Estado
español, con varias décadas a la espalda (por ejemplo, los elaborados por el
colectivo Harimaguada de las islas Canarias
9
o algunas iniciativas llevadas a
término dentro de los Movimientos de Renovación Pedagógica). Además,
la reciente nueva ley educativa española, la Ley Orgánica 3/2020, de 29 de
diciembre, por la que se modica la Ley Orgánica 2/2006, de 3 de mayo,
de Educación, ha optado por hacer referencia directa en diversos apartados
a la educación sexual.
El texto que sigue parte de mi propia experiencia como tallerista y
docente en centros educativos de educación secundaria del sistema público
valenciano (Comunidad Valenciana, España) que ha tratado y trata temas
referentes a la construcción de los roles de género y la diversidad sexual
en las aulas. En concreto, me centro en diversas acciones que he llevado a
cabo entre 2019 y 2021. Primeramente, paso a denir en que contexto y
cómo se han realizado las diferentes intervenciones. Seguidamente, paso
a analizar las que considero son las potencialidades de hablar de estos
temas entre preadolescentes y adolescentes. En tercer lugar, señalo lo que
considero han sido los límites. En ese sentido, aunque después desarrollaré
la idea, el contexto actual, con el auge en todo el mundo de partidos de
derecha centrados en un discurso antifeminista, hace que una porción de
alumnado -y no solo-, si bien pequeña, muestre resistencias. Sin dejar de
lado las reacciones misóginas y antifeministas de una parte de los varones.
Por último, y en base a lo señalado, abogo por la necesidad de la inserción
 Nos referimos concretamente al programa Skolae puesto en marcha en la Comunidad Foral de Navarra.
 https://www.harimaguada.org/materiales-didacticos/
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
136 |
de una educación sexual y afectiva como herramienta de profundización
de los derechos humanos.
Antes de continuar me gustaría señalar dos aspectos. Primero, debo
señalar que la irrupción de la crisis sanitaria derivada del SARS-Cov2 y la
covid19, como en tantos otros ámbitos, dejó en suspenso una parte de esta
investigación-acción, que ha sido discontinua. Por otro lado, me gustaría
también señalar mi condición de hombre cisgénero. En ese sentido, este
trabajo y lo que aquí planteo ha sido posible gracias a la acción continua
durante décadas de mujeres: activistas, docentes, talleristas, técnicas de
igualdad, todas ella feministas y que han luchado y luchan por otro mundo
posible.
lasprácticas”: q aulas y cómO se ha trabajadO.
Como señalaba unas líneas arriba, mi experiencia como docente y
tallerista se ha desarrollado en este período en cuatro centros públicos de
la Comunidad Valenciana (España). Los centros se encuentran ubicados
en diferentes localidades de la provincia de València. Se trata, en gran
medida, de poblaciones urbanas que rondan entre los 20.000 y los 25.000
habitantes. Sus situaciones son dispares:
- Dos de ellas, Llíria y Requena, son capitales comarcales
10
lo
que las convierte, en cierta medida, en ciudades que prestan
servicios públicos y privados a su población y de las poblaciones
circundantes. Esto hace que una parte del alumnado sea también
procedente de algunos núcleos de población más pequeños que se
encuentran cercanos. En una de las localidades, Requena, además,
no existe tampoco ningún centro educativo de carácter privado o
concertado.
10
Aunque en global no son una unidad administrativa institucionalizada (lo que no quita que en algunos casos
sí haya algún tipo de reconocimiento jurídico o institucional), en algunas regiones del Estado español la comarca
hace referencia a territorios que comparten características históricas, sociales, culturales y/o geográcas. En el
caso valenciano, están recogidas por el Estatuto de Autonomía y forman parte del imaginario de una parte
importante de la población, pero no se han desarrollado en un plano de competencias políticas y jurídicas
-existe, en todo caso, la mancomunidad de municipios-.
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
| 137
- La tercera de las ciudades, Paiporta, se trata de un municipio
que está englobado dentro del área metropolitana de la capital
provincial y de la Comunidad Autónoma, València.
- El último de los casos, Tavernes Blanques, es una localidad de
9.000 habitantes.
Por otro lado, también las intervenciones han sido dispares. En dos
de los casos, en Paiporta y en Tavernes Blanques, la experiencia se limita a la
realización de un taller de dos sesiones de cincuenta y cinco minutos (taller
de una hora y cincuenta minutos). Sin embargo, en los otros dos centros,
el de Requena y Llíria, se ha desarrollado la acción a través de la docencia
de una asignatura troncal, en este caso Valencià: llengua i literatura
11
, así
como de la tutoría. Por último, también las edades del alumnado han sido
dispares, ya que estamos hablando de personas comprendidas entre los 11
y los 16 años. En algunos casos, algunas de las personas habían repetido
curso con anterioridad, de manera que se encontraban incluso cercanos y
cercanas a la mayoría de edad ya.
Si bien la diversidad de entornos y edades afecta a los materiales y los
conceptos a trabajar, creo que permite también extraer algunas tendencias
generales” que son en las que quiero centrarme en estas páginas. Antes, no
obstante, quiero presentar la estructura de los talleres e intervenciones
12
:
empezandO pOr el principiO (11-13 añOs)
Debido a que nos encontramos ante el alumnado de menor edad
de la educación secundaria obligatoria la propuesta aquí es más bien
introductoria. Estamos pues ante preadolescentes que, aunque en algunos
casos ya tienen sus primeras experiencias sexoafectivas, en la mayoría se
encuentran aún en un momento de transición desde la niñez. Aquí, pues,
11
El valenciano es la lengua coocial, junto con el castellano, del territorio.
12
La estructura de algunos de estos talleres se basa en los propuestos por Altable (2018) y Sanchis (2018). A
nales de 2020 apareció una guía para trabajar las masculinidades en el aula de Cascales y Sanfélix (2020).
En ese sentido, aunque ha sido publicada posteriormente, algunas de las dinámicas recogidas en esa guía son
semejantes a algunas dinámicas aquí presentadas. Eso se debe a que uno de los autores ha sido compañero de
militancia en un grupo de hombre no mixto profeminista de quien aquí suscribe y en ambos casos hemos
introducido algunas de las dinámicas y materiales que utilizamos entonces en aquel espacio.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
138 |
movilizaremos un conjunto de ideas previas más que las propias experiencias
-ver siguiente apartado-. La acción en el aula estará centrada en tratar el
concepto de estereotipo y, sobre todo, en cómo inuyen en la idea que
tenemos sobre los sexos. En este caso, evidentemente, para vincularlo con
la construcción social de los roles y las expectativas de género.
En primer lugar, se pide al alumnado que piense en un personaje, real
o cticio, que admire y la cualidad que más le gusta de esa persona. Dejamos
unos minutos y procedemos a la puesta en común. Puede ser útil anotarlo
en pizarra, ya sea personaje y cualidad o solo la cualidad en relación con si
es” chico o chica. En mi experiencia la mayoría de personajes admirados
son hombres y, además, las cualidades señaladas responden a una clara
división sexual. Solo en el caso de una clase hubo una mayoría de personajes
admirables femeninos. Esto nos puede servir también para profundizar en
la reproducción de estereotipos de género en series, películas e incluso en
las redes sociales. Pero seguimos. Ahora, a partir de la puesta en común,
procedemos a introducir el concepto “estereotipo”. Es útil recurrir, por
ejemplo, a los diversos estereotipos “nacionales”, ya que es algo fácilmente
detectable en nuestras culturas audiovisuales. Una vez entendido qué son
y cómo funcionan los estereotipos pasamos a centrarlo en los estereotipos
que se han creado sobre los sexos. De hecho, puede también introducirse,
si se considera oportuna, la distinción entre sexo -biológico- y género
-social y cultural-. Un material interesante que puede servir de detonante
de debate sobre los estereotipos es el vídeo “¿Qué signica hacer algo como
una niña?” (https://www.youtube.com/watch?v=s82iF2ew-yk ). En él se
ve a algunos niños -el masculino es utilizado aquí de forma deliberada- y
algunas personas adultas a las que se les pide que hagan diversas cosas
(correr, pelear, lanzar) “como una niña”. Podemos ver como la norma
general es que lo hagan en tono de burla. El video continua cuando se le
pide lo mismo a una serie de niñas y estas hacen lo que se les pide con total
normalidad. Es entonces cuando las anteriores personas caen en que han
imitado una imagen estereotipada y ridiculizada. El video abre la puerta
a que el alumnado comente su opinión al respecto y pueda iniciarse un
pequeño debate en clase.
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
| 139
Una vez visto el vídeo y debatido puede seguirse con otros elementos,
como la existencia de elementos peyorativos en el lenguaje (por ejemplo,
“¿por qué no es lo mismo ser un zorro -persona astuta- que una zorra
-insulto, referencia a una mujer que tiene una sexualidad activa-?”), o pasar
directamente a la reexión sobre el menosprecio de lo femenino y que eso
es machismo, pues hay una discriminación de las personas en base a su
sexo centrada en las mujeres. Es interesante también plantear que lo que
combate ese machismo es el feminismo e incluso hacer alguna claricación
conceptual de que se trata de un movimiento social y político que busca
la igualdad y la justicia de género. El combate contra los estereotipos
se convierte pues en el objetivo de esta(s) sesión(es). En ese sentido, la
reproducción de estos es también la forma de perpetuar desigualdades, ya
que la realidad se construye también a través del lenguaje y la cultura. En
nuestra opinión, pues, una educación basada en la defensa de derechos
humanos debe atender también a esta forma de desigualdad y luchar a
favor del reconocimiento social de las mujeres.
Por último, podemos nalizar el taller de una forma interactiva y
a través del trabajo cooperativo proponiendo a la clase la simulación de
una escena más o menos cotidiana haciendo un pequeño teatro. A modo
de ejemplo, algunas de estas escenas pueden ser una clase del instituto o
lo que ocurre en el patio, una quedada de amigos y amigas, algún tipo de
recreación de su ocio… En ese sentido interesante es ver qué representan
y cómo interpretan lo masculino y lo femenino -puede ser interesante en
ese sentido hacer que chicos interpreten a un grupo de chicas o al revés-,
detectar si en sus actuaciones hay algún tipo de violencias o actitudes
contrarias a los derechos humanos para seguir trabajándolo en el aula. En
el caso del teatro es interesante también dar la posibilidad de interpretar
el cambio, es decir, poder reinterpretar las escenas posteriormente desde
otros puntos de vista más equitativos e igualitarios.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
140 |
repensar el amOr (14-15 añOs)
El taller está enfocado en que los y las jóvenes puedan pensar y
reexionar sobre el amor, entendido este no exclusivamente como el de
pareja (y esto es una cosa en la que deberíamos hacer énfasis ya que es
el que primero suelen referirse). ¿Por qué el amor? Debido a que estas
edades suelen tener sus primeras relaciones sexoafectivas o sus primeros
enamoramientos es un tema que está bastante presente en su cotidianidad.
El objetivo del taller, pues, es profundizar en los imaginarios románticos
del alumnado, sobre todo, para visibilizar y valorizar aspectos como el
amor propio o el amor entre amigas y amigos y no reducirlo únicamente
al de pareja. Se pretende también concienciar en las formas relación que
sean respetuosas y no dependientes y controladoras. En ese sentido,
no podemos dejar de lado que algunas formas de cómo se entiende el
amor más clásicas -chico protector, chico “malo” con amor imposible-
siguen todavía muy vigentes hoy. Además, tal y como nos ha narrado el
propio alumnado, una buena parte de las lecturas escolares obligatorias
en las que aparecen relaciones adolescentes continúan reproduciendo los
peores” esquemas. Necesitamos, pues, también una revisión por parte de
los docentes y las docentes de enseñanza de lenguas de las lecturas que
proponen, ya que también contribuyen a la creación y perpetuación de
imaginarios románticos que podríamos calicar como tóxicos.
Existen varias formas de abordar todo esto. Charo Altable, por
ejemplo, propone trabajarlo a través de una comparación por parte de los y
las adolescentes entre historias reales y otras fantaseadas –“la mejor historia
de amor que podía ocurrirme”- y una serie de dinámicas que arrancarían
a partir de ese ejercicio (Altable, 2018: 30-55). En mi caso he utilizado
fragmentos del capítulo sobre la “media naranja” de la serie 69 raons. En
2019 la televisión pública valenciana emitió una serie de capítulos sobre
educación sexual y afectiva para adolescentes. En ellos Lara Avargues,
psicóloga y sexóloga, iba por diferentes institutos del territorio valenciano
realizando talleres. El placer, las redes sociales, el conocimiento del cuerpo
o la diversidad sexual son algunas de las diferentes temáticas trabajadas.
Aparte de los talleres, en 69 raons se intercalan escenas ccionalizadas sobre
el tema elegido. El elemento de que esté “protagonizado” por adolescentes
hace que estos y estas suelan verse más “atraídos” que cuando somos los
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
| 141
adultos y las adultas quienes intentamos abordar directamente el tema.
En el capítulo propuesto (https://www.apuntmedia.es/programes/69-
raons/mitja-taronja_134_1374450.html)hablar de estos temas se hizo
muy difícil. En ese caso, ellos bromeaban continuamente, en algunos
casos rozando el mal gusto, y ellas no se “atrevían” o no querían compartir
sus percepciones por las reacciones de los compañeros. Hablaré un poco
más adelante sobre las resistencias. el taller está centrado sobre el amor
romántico. Elijamos la forma que sea para abordar el tema, creo que lo
interesante sería lanzar al alumnado algunas de estas preguntas:
¿Qué es el amor?
¿Existen diversos tipos o formas de amor?
¿Hay amores más importantes que otros?
¿Qué es una relación tóxica?
¿Cómo es un amor “bueno” o “sano”?
A partir de sus respuestas podemos ir profundizando en sus
concepciones y trabajar a favor de una forma relacional basada en la
conanza, la sinceridad y comunicación más que en los esquemas
relacionales “clásicos” antes mencionados. En ese sentido, me gustaría
señalar que en más de un caso el alumnado se ha mostrado partidario de no
comunicar los sentimientos reales. Por último, me gustaría comentar que,
en uno de los casos, una clase con mayoría de chicos y con un ambiente
muy masculinizado, hablar de estos temas se hizo muy difícil. En ese caso,
ellos bromeaban continuamente, en algunos casos rozando el mal gusto,
y ellas no se “atrevían” o no querían compartir sus percepciones por las
reacciones de los compañeros. Hablaré un poco más adelante sobre las
resistencias.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
142 |
prOfundizandO experiencias (16 añOs)
a. prOfundizandO
En primer lugar se pide al alumnado que cierre los ojos y que piense
si ha habido momentos en su socialización anterior, infancia o en los años
inmediatamente anteriores, en los que se les ha pedido que hicieran algo
-o que no hicieran algo- por su sexo. En ese sentido, los chicos deberían
pensar sobre si han sido “educados” en “ser” hombres y las chicas en los
momentos que lo han sido para “ser” mujeres. Como puede haber personas
que se consideren no binarias, también se pide que recuerden aquellos
momentos en los que percibieron que no encajaban con esos mandatos
de género. Esta dinámica, mucho más experiencial que las anteriores, nos
sirve para hablar de sexo y género. Sobre todo, del aspecto sociocultural:
qué mandatos, qué expectativas, cómo somos conformados… El objetivo
de esta reexión sería el darse cuenta del “peso” del género en las nuestras
vidas. Pero no solo esto. Se hace también necesario hablar de la estructura
desigual existente en base al sexo y la necesidad del feminismo como
movimiento social y político que busca la igualdad y la justicia de género.
En algunas clases, la lectura o visionado de la charla “Todos
deberíamos ser feministas” de la escritora nigeriana Chimamanda Ngozie
Adichie (https://www.ted.com/talks/chimamanda_ngozi_adichie_we_
should_all_be_feminists?language=es#t-207591) ha resultado ser una
herramienta útil para trabajar todas estas problemáticas. En ese sentido,
es necesario insistir que luchar a favor de un mayor reconocimiento de
las mujeres y una justicia en términos de género es también una forma de
trabajo de los derechos humanos en el aula.
En algunas intervenciones ha habido una segunda parte, que
como ocurría con “ Empezando por el principio”, se propone también
reexionar sobre las injusticias de género a través de la teatralización y
el trabajo cooperativo del alumnado. En ese caso, la propuesta parte del
pequeño video “Micromachismos: están ahí, aunque a veces no queramos
verlos”. (https://www.youtube.com/watch?v=Co_z_GbjbHY&t=4s).
Esta propuesta requiere un trabajo mayor en el aula, ya que hay una
profundización conceptual. En ese sentido, se recomienda que se realice
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
| 143
en clases en las que se haya trabajado de una forma más constante la
temática – por la acción tutorial, por ejemplo-. Después del visionado
del video se invita al alumnado a que sea capaz de transformar, en clave
feminista, las anteriores escenas u otras que se les pueda ocurrir. Se
inserta aquí también la posibilidad y el deseo de cambio. En ese sentido,
no podemos dejar de lado la importancia que en la educación tiene
también la perspectiva de fututo y el deseo de transformación (CUESTA;
MAINER, 2000, p. 66-67).
b. sexualidad(es).
Otra forma de intervención en el aula con un alumnado de 16
años puede ser a través de la educación sexoafectiva. La dinámica que
aquí presento la he articulado a través de una serie de preguntas. En
su formulación original me he basado también en fragmentos de la ya
comentada serie 69 raons y, más concretamente, al capítulo de esta dedicado
a la sexualidad (https://www.apuntmedia.es/programes/69-raons/
sexualitat_134_1374344.html). Algunos de los interrogantes propuestos
han sido:
¿Qué es la sexualidad?
¿Qué es la “virginidad”?
¿Qué educación sexual hemos recibido?
¿Qué son las ITS (infecciones de transmisión sexual)?
Curiosamente sigue habiendo una identicación de la sexualidad
únicamente con las prácticas sexuales y, en concreto, con un modelo muy
centrado en el coito heterosexual como única forma válida de sexo. Por eso,
otras de las preguntas ¿qué es la “virginidad”? Respecto a la educación sexual
suele percibirse como insuciente. La educación sexual que se recuerda
son talleres cortos realizados en el instituto por parte del Ayuntamiento
o algunos servicios públicos que se centran en el uso de anticonceptivos
y, en algunos casos, en la concienciación de las ITS. Curiosamente muy
parecida a la que yo mismo recibí hace unos quince años. Sin embargo,
y pese a esa aparente “esclerotización”, sigue habiendo a grandes rasgos
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
144 |
un desconocimiento de las ITS. De hecho, se reconocen solo unas pocas,
sobre todo el VIH/SIDA y, en algunos casos, la gonorrea o la sílis, pero
en pocos casos se habla de infecciones más comunes, como la clamidia y,
cuando se reconocen, se arma desconocer las formas de contagio.
Por último otra de las ideas que considero clave trabajar es la idea
de consentimiento. De hecho, es una idea bastante extendida que no hace
falta explicitarlo porque en teoría uno o una se “da cuenta” de esas cosas.
Aspectos como el propio consentimiento pero también de expresión de la
voluntad o de la no voluntad son aún elementos a trabajar.
las pOtencialidades:
Una vez expuestas las dinámicas realizadas, paso en el siguiente
apartado a señalar lo que considero que son las principales potencialidades
de estas intervenciones.
Los derechos sexuales como derechos humanos. Como comentaba
en la introducción, a nales de la década de 1990 surgió la
iniciativa de la Declaración Universal de los Derechos Sexuales.
Con estos se pretendía ampliar los derechos humanos a una
esfera considerada íntima y privada como es la sexualidad.
Dejando de lado la interesante cuestión de la construcción
histórica de los Derechos Humanos (HUNT, 2009), en la que la
empatía hacia los otros y otras es un elemento fundamental, este
enfoque se ha vuelto prioritario. ¿Por qué? Ante las resistencias
entre ciertos sectores de la población y algunas familias a tratar
el tema de las identidades de género y sexuales en las aulas,
debido a que lo acotan en un tema privado o moral, debemos
responder a que se trata de una cuestión de derechos humanos.
De hecho, el Programa Nacional de Educación Sexual Integral
de la República Argentina se pretende entroncar, justamente, en
la Convención Universal de Derechos Humanos de 1948.
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
| 145
Una mirada relacional. Aunque los talleres descritos podrían
realizarse de una forma no mixta, solo con mujeres o solo con
hombres, creo que se hace necesario que haya una puesta en
común conjunta de las percepciones de chicos, chicas y chiques
en la que el intercambio de voces y experiencias pueda convertirse
en enriquecedora. Aunque esto, sin embargo, no siempre ocurre.
Por otro lado, pensadoras feministas han señalado que el
feminismo “es para todo el mundo” (HOOKS, 2017). ¿Qué
quiere decir eso? La lucha contra el sexismo y la opresión
machista, en tanto que elemento nuclear, debe implicar a todas
las personas de la sociedad.
El interés. En mis clases de enseñanza del valenciano, lengua
coocial, he dado importancia de la práctica oral del idioma,
por lo que actividades como la preparación y elaboración de
debates han tenido cierto peso. En la mayoría de las clases, los
temas que más han salido fueron “feminismo”, “aborto” o “las
personas trans”. No en vano, son elementos que han estado muy
presentes en los medios de comunicación y en el debate público
español. A pesar de algunos tópicos extendidos entre los y las
adultos, los jóvenes y las jóvenes sienten interés por su mundo
y son permeables a los debates políticos presentes existentes.
En ese sentido, no podemos dejar de lado, aunque creo que
la investigación no le ha prestado suciente atención, al papel
que juegan las redes sociales en la conformación de imaginarios
políticos y ciudadanos.
Por otro lado, según mi experiencia como tutor de un
grupo, existe entre el alumnado cierta critica hacia el sistema
educativo al que se le achaca una falta de contenidos que tengan
una mayor relación con su día a día. La educación sexoafectiva,
pues, puede ser una manera de acercamiento.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
146 |
Recurrir a su propia experiencia o sus concepciones. Ligado a lo
anterior, encontramos también la necesidad de que el alumnado
tenga su propia voz y encuentre en sus experiencias un terreno
del que aprender. Un elemento que, no en vano, ha sido
señalado desde la psicología cognitiva como importante para un
aprendizaje signicativo. En ese sentido, no es tanto que hablen
de qué hacen o dejan de hacer sino de que puedan relacionar
algunos conceptos como género, orientación sexual, sexismo o
micromachismo con sus realidades cotidianas y sus experiencias.
Además, la educación sexoafectiva, en tanto que tema transversal
aborda su(s) cotidianidad(es) de forma poliédrica.
Transversalidad e intersección. La realidad de las aulas en el siglo
XXI está marcada por la diversidad. Nos encontramos, pues,
al menos en el sistema público, con una presencia en ellas de
personas racializadas y provenientes de diversas culturas.
Desde hace décadas y, justamente, desde los feminismos
se ha señalado la necesidad de realizar análisis que integren
la interacción de las diferentes identidades, como género
y raza (CRENSHAW, 1989). El racismo, especialmente el
antigitanismo y la islamofobia en el contexto que aquí describo,
son también elementos contrarios a los derechos humanos básicos
y que encontramos presente en los discursos, tanto del alumnado
como del profesorado. Una manera de articular una educación
en derechos humanos puede ser, justamente, ver la intersección
entre identidades y trabajarlo de manera conjunta en el aula.
Aspectos como los referidos al trabajo sobre los estereotipos en
el taller para 11-13 años pueden dar pie a ese trabajo conjunto.
En ese sentido, hace unos años la Fundación Secretariado Gitano
lanzó la campaña “Yo no soy trapacero” (https://www.youtube.
com/watch?v=rnqGu7qXvX8) en la que criticaba la existencia en
el diccionario de la Real Academia Española de la Lengua de una
acepción estereotipada y estigmatizadora del colectivo gitano.
Un material que podría trabajarse pues de manera conjunta con
el ya señalado.
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
| 147
3 limitaciOnes y resistencias:
Pese a la lista de potencialidades que acabo de enunciar, hemos
encontrado también algunos problemas y resistencias. ¿Cuáles han sido?
A grandes rasgos, aunque no quisiera caer en una burda
generalización, ellos son los grandes resistentes. ¿Qué quiero
decir con esto? Los investigadores sobre las masculinidades
hace ya años que llevan señalando que “la antipatía de los
hombres comunes hacia el feminismo o hacia ciertos cambios de
perspectiva de género, todavía a día de hoy, podemos encontrarla
(…) profundamente arraigada” (CASCALES; TÉLLEZ, 2021, p.
61). ¿Y cómo se ha traducido esto en lo que he podido percibir en
las aulas? Hay toda una serie de reacciones que se repiten: gestos
de desaprobación, resoplidos al oír feminismo o comentarios
despectivos sobre este o las feministas. Y normalmente,
provienen de ellos, aunque no solo. En ese sentido, una de las
cosas que más me ha llamado la atención es la aparición de
una curiosa dicotomía entre algunos y algunas adolescentes: la
diferenciación entre el feminismo “de antes” y el feminismo “de
hoy”. Se marca así una línea divisoria entre un feminismo, el “de
antes”, que se percibe como razonable, basado aparentemente en
una lucha por los derechos políticos, mientras que el actual sería
una radicalización -¿no razonable?- del anterior. Lejos de ser
acorde con la historia de los feminismos, pues, entre otras cosas,
el feminismo “de segunda ola” de las décadas de 1960 y 1970
estaba centrado en aspectos relativos al derecho al propio cuerpo
y la propia sexualidad, el marco discursivo acaba imponiéndose
incluso para las personas cercanas al feminismo en esa aula, que
se intentan distanciar también de esas “feministas de ahora”.
¿Qué necesitamos pues? Por un lado, evidentemente naturalizar
en las aulas los contenidos y materiales que hagan referencia no
solo a las aportaciones de las mujeres a los diferentes campos de
conocimiento, como se está haciendo actualmente, sino también
de las aportaciones del propio feminismo. Esto ayudaría a
desvanecer o, al menos a problematizar, a algunos de los tópicos
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
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arraigados sobre el feminismo o los feminismos. Por otro lado,
se hace necesario también el trabajo sobre las masculinidades.
En ese sentido, siempre desde un punto de vista relacional y
feminista (AZPIAZU, 2017), un elemento que no siempre
se ha tenido en cuenta desde aquellos “profesionales de las
masculinidades”. Y se trata de un trabajo no solo en las aulas,
sino también en los propios claustros. En uno de los centros que
hacía de tallerista, uno de los docentes de se acercó a uno de los
talleres para intentar deslegitimar el contenido, en este caso a
través de argumentos biologicistas sobre, según él, las diferentes
capacidades físicas y cognitivas de hombres y mujeres. Si los
docentes reproducen en clase, de manera abierta o “oculta”, toda
esta serie de ideas supone un problema.
Cabría además unas anotaciones del contexto español,
aunque no solo. En los últimos años, han aparecido y tenido
cierto “ascensopartidos de derecha con discursos abiertamente
antifeministas y lgbtfóbicos. Unos partidos que habrían renovado
parcialmente el imaginario de las derechas, no tanto en las
ideas sino en los métodos y formas de hacer política. Figuras
como Donald Trump o Jair Bolsonaro son frecuentemente
mencionados en los análisis sobre este fenómeno. En el caso
español, este espacio habría sido ocupado por Vox. ¿Y qué
supone esto? En primer lugar, en los ámbitos en que este partido
es parte de alguna coalición gobernante o socio de gobierno, ha
desatado un hostigamiento a planes de educación sexoafectiva,
talleristas y personal especialista en igualdad. Por otro lado, y
de una manera quizás paradójica, alrededor de algunas de estas
guras de las “nuevas” derechas y de sus formaciones, tal y como
ha señalado el historiador argentino Pablo Stefanoni, se ha
generado entre ciertos sectores de la población la sensación de
que encarnan lo transgresor -o incluso lo cool según el autor-
13
.
Una sensación que algunas personas ya veníamos observando y
13
https://ctxt.es/es/202105/01/Politica/35887/derecha-pablo-stefanoni-rebeldia-entrevista-steven-forti.htm
[Última consulta: 18/6/2021]
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
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que, en tanto que supuestos “transgresores”, atrae la atención
también de ciertos sectores de la juventud. Frente a esa derecha
“irreverente” la defensa de los derechos humanos queda limitada
a una especie de “lo políticamente correcto” en una batalla que,
desde las izquierdas, tengo la sensación que no siempre hemos
sabido afrontar.
Por último, y sobre todo en relación con la acción a través de
talleres, uno de los grandes límites es que es un trabajo puntual
sin un mayor seguimiento posterior. Este aspecto es un elemento
que también otras personas conocidas que imparten talleres
en institutos u otras instituciones coinciden en señalar como
limitación. Mientras elementos como la educación sexoafectiva
no estén institucionalizados su radio de acción queda limitado,
en el mejor de los casos, a la acción tutorial. Pero, según mi
experiencia, es un tema que la mayoría de tutores y tutoras no se
atreven a trabajar y preeren “externalizarlo” a través de talleres
o de la acción del Departamento de Orientación. Por eso, como
argumentaré en la conclusión, quizás una de las propuestas que
debería valorarse de una forma más seria es, precisamente, la
introducción de todas estas temáticas de una forma más o menos
institucionalizada y más o menos estable en el tiempo.
4 “educarel génerO desde lOs derechOs humanOs.
A modo de conclusión, me parece necesario insistir en la necesidad
de la introducción e institucionalización, más allá de los planes de
acción tutorial, de la educación sexual y afectiva en los diferentes niveles
educativos, al menos de la enseñanza obligatoria -atendiendo, claro está,
a las particularidades de cada uno de ellos-. En ese caso, contamos con
el ejemplo, ya anteriormente citado, de la República Argentina. En ese
sentido, creo que hay iniciativas llevada a cabo que merecen mucho la
pena conocer, como es la guía de educación sexual “¿Dónde está mi ESI?
Un derecho de los y las estudiantes” de la escuela secundaria número 14
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
150 |
“Carlos Vergara” de la localidad La Plata realizada por el propio alumnado
14
.
Acciones en este sentido no solo suponen una inclusión de las dudas y
cuestiones que interesan a este, sino también la aplicación de metodologías
de enseñanza-aprendizaje participativas y colaborativas y con un producto
nal tangible y que puede servir a toda la comunidad educativa -e incluso
más allá-.
Por otro lado, y más allá de la propuesta “globalista”, he intentado
también desde estas páginas lanzar algunas ideas y dinámicas a los y las
docentes para que se animen a ponerlas en práctica a las aulas. Se trata
de un reto ilusionante, aunque como he señalado también, seguramente
nos encontraremos con limitaciones y resistencias en el camino, a las que
deberemos intentar dar respuestas. Y, sobre todo, enfatizar que “educar”
sobre el género y la diversidad sexoafectiva es también educar en derechos
humanos, unos derechos que nuestro alumnado debe conocer, aprender y
valorar para poder crear desde la base una sociedad más justa y equitativa.
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14
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Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
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152 |
| 153
H    
   
  
Marta Krynveniuk
2
Graciela Cuman
3
intrOducción
En las últimas décadas, la sociedad occidental ha atravesado un
turbulento proceso de transformaciones sociales, políticas, económicas,
ambientales, tecnológicas y culturales.
La era digital dejó de lado a la sociedad disciplinaria que hemos
conocido a través de Foucault (2008). En ese movimiento se transforman
también las subjetividades, las formas de ser y estar en el mundo. Se
considera que la subjetividad no implica una esencia ja y estable sino que
Este trabajo fue presentado en el 56ºCongreso Internacional de Americanistas celebrado en la Universidad de
Salamanca en el mes de Julio de 2018.- Esta versión ha sido ampliada para esta edición.-
 markryk@gmail.com (Tantosha – Centro Integral de Formación Humanística).
 gcuman@gmail.com(Tantosha – Centro Integral de Formación Humanística)
https://doi.org/10.36311/2022.978-65-5954-279-6.p153-170
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
154 |
en función de los cambios contextuales, también se modica la experiencia
subjetiva.
¿Qué sucede con los vínculos humanos en este contexto tan incierto
y vertiginoso?
La visión de Bauman (2005) es escéptica en cuanto al vacío de
sostén que impregna a esta sociedad de consumo tan pronta a descartar
todo rápidamente. Por un lado, hay avidez por relacionarse pero a la vez,
se desconfía de estar relacionado y sobre todo de estar relacionados para
siempre porque se teme que esto pueda convertirse en una carga difícil de
soportar y que se pueda limitar la libertad que se necesita para relacionarse.
Observamos así la insatisfacción y la fragilidad de los vínculos humanos.
De los cuerpos dóciles y útiles descritos por Foucault (2008)
durante los siglos XVIII al XX funcionales al capitalismo industrial, nos
encontramos ahora con un nuevo reordenamiento social.
Deleuze (2012) denominó sociedades de control por el impacto
de las tecnologías electrónicas y digitales de la mano con el consumo
exacerbado, el marketing, la publicidad, el desarrollo del área de servicios,
los ujos nancieros globales, entre otras características.
Los vínculos humanos se fueron modicando como así también los
roles de género. Se recuerda que a comienzos del siglo XX el horizonte de
vida de las mujeres aún estaba signado por el matrimonio y crianza de les
hijes. Se observaba una tajante separación entre vida pública y privada,
quedando las buenas mujeres relegadas a la esfera doméstica.
La doble moral del patriarcado dividía a las mujeres en decentes, de
su casa, sumisas y obedientes a costa de una gran autocensura y represión
de ideas, proyectos, emociones y sensaciones, lenguaje, con su carga de
insatisfacción y frustración y por otro lado, las mujeres públicas que ejercían
la prostitución, con su carga peyorativa, pero funcional a las necesidades
del patriarcado.
Se observa así una violencia invisible muy antigua que, poco a poco,
fue descorriendo el velo que oculta la injusticia y la desigualdad detrás del
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
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dogma, la ideología, la hipocresía, el cinismo y la mentira, englobado en
manifestaciones sociales de la perversión.
En realidad, lo perverso se oculta y se legitima en el lenguaje, bajo la
forma de mensajes contradictorios, la retórica y el doble discurso. De allí
la necesidad de reconocer la trama perversa como algo que se construye al
interior del patriarcado y no como un determinismo natural.
El noviazgo como relación humana también se ha ido transformando
con los cambios ya mencionados junto con las diferentes miradas y
creencias en torno al género y las relaciones de pareja.
Hacia la década de los 70’ del siglo XX se observan cambios en
la forma del cortejo consolidándose una separación entre ejercicio de la
sexualidad y matrimonio.
Las relaciones de noviazgo se tornaron más espontáneas, menos
rígidas y formales, se evidenciaba otra gestualidad amorosa, mayor cercanía
corporal, la permanencia del/la novio/a en casa de la familia fue aceptado
sin que implicara compromiso futuro.
De igual forma, las relaciones sexuales posibilitaron otro erotismo
dentro de la pareja, mayor intimidad. Es así que llegar virgen al matrimonio
por parte de las chicas ya no implicó un mandato social a cumplir.
La expresión de los afectos se tornó más auténtica, no mediada por
las formas pacatas de épocas anteriores, con lo cual la pareja se conoce de
otra forma.
En la actualidad, un elemento nuevo no presente en otras épocas lo
constituye la exhibición de la intimidad no solo a la pareja sino a todes por
Internet y en las redes sociales, diluyéndose así lo público y lo privado. En
términos de Sibilia (2013), la fascinación por las diferentes pantallas, los
blogs, las webcams, fotologs, etc, hablan de un yo más epidérmico.
Sin embargo, de esa violencia invisible, oculta, padecida por las
mujeres en sus diferentes acepciones, se fue logrando paulatinamente, mayor
concientización de género, nuevas aperturas pero también la expresión de
una violencia maniesta debido a la persistencia de los cánones patriarcales
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
156 |
que objetan los mayores espacios de autonomía de las mujeres. Vemos así
como la impronta social atraviesa a las personas y los vínculos.
Si bien se ha visibilizado socialmente la violencia de género, no sucede
lo mismo con la desigualdad de género. La educación amorosa es la que
menos ha sido cuestionada; a través de los mitos del amor romántico que
persisten hasta hoy observamos cómo esta esfera íntima está atravesada por
el poder y la desigualdad como elementos estructurantes desde las propias
dinámicas sociales. La opresión genérica comienza tempranamente a partir
de los estereotipos sociales y se maniesta en formas de comportamiento,
de ser y estar en el mundo, de negaciones, cegueras, invisibilizaciones y
naturalizaciones.
datOs relevantes a partir del análisis cuanti- cualitativO
Durante los años 2015-16 llevamos a cabo un trabajo exploratorio
con adolescentes escolarizades de la Ciudad de Buenos Aires de algunas
escuelas públicas y privadas. Nuestra indagación no se aferró a un
modelo pre-concebido sino que respondió al fruto de años de trabajo con
adolescentes en el marco de talleres de reexión en donde percibíamos
diversos malestares y silencios en torno a la violencia en las primeras
relaciones amorosas. Concurrimos a 11 escuelas, 4 públicas y 7 privadas,
de éstas 4 religiosas y 3 laicas.
La indagación se basó en la administración de dos cuestionarios.
Obtuvimos 635 encuestas, 309 de varones y 326 de mujeres. Les que
reeren tener o haber tenido pareja fueron 450 (231varones, 219 mujeres.
No realizamos entrevistas en profundidad sobre las representaciones de
les jóvenes con respecto al noviazgo, el amor, la violencia y el conicto
como parte del vínculo amoroso, sino solo inferencias a partir de los datos
cuantitativos.
No pudimos replicarlo en otras provincias de nuestro país con
características bien diferentes.
En primera instancia, un dato preocupante que aportó nuestro
trabajo lo consignó el hecho de la no percepción de las conductas violentas
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
| 157
por parte de les adolescentes: las mujeres relatan más que los varones el
haber tenido o tener una pareja con relación de violencia (el 33% de
las mujeres vs el 14% de los varones). En cambio, los varones en mayor
frecuencia que las mujeres niegan relaciones de violencia pero marcan uno
o varios indicadores de los que se considera maltrato (el 43% de los varones
vs el 26% de las mujeres). Se observa que la no percepción de la violencia
implica la naturalización de la misma, y la actitud violenta no conduce a
una relación amorosa.
Sería apropiado preguntarse:
a) ¿a los varones les cuesta más reconocer que pueden padecer
maltrato?
b) ¿tienen vergüenza de reconocerse como víctimas de violencia?
Una primera respuesta posible podría ser que esto es consecuencia de
la socialización patriarcal, de los códigos machistas.
Sin embargo, hay que colocar todo en perspectiva ya que para
algunos tirarse del pelo o rasguñarse son prácticas violentas que se
encuentran dentro de lo que son sus parámetros de amor, es decir, que no
son consideradas excesivas por la pareja.
Los límites entre la gestualidad amorosa y la violenta no están
preestablecidos, aunque hay ciertos límites que no se pueden traspasar.
Algunos autores como Bataille (1971) apuntan que no hay que
considerar a la violencia y el amor de modo dicotómico porque forman
parte del erotismo, esto sin desconocer la existencia de relaciones desiguales
de poder entre mujeres y varones.
De allí que quizás el concepto clave es el de intensidad: ante
situaciones de indelidad, de temor por la pérdida de la persona amada, se
generan violencias de diverso tipo, llegando a veces, a situaciones extremas
como lo es el femicidio. Este tipo de violencia extrema solo la padecen las
mujeres.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
158 |
Sin embargo, en el imaginario colectivo persisten estereotipos en
donde se sigue justicando la violencia enmascarada de aparentes mensajes
de amor donde en realidad solo hay posesión y dominio de la mujer.
Una de las cuestiones fundamentales es comprender cómo se
construyen socialmente las categorías de masculinidad y femineidad y cómo
se dan en las relaciones de pareja, así como se entiende que las relaciones
de violencia son construidas y aprendidas social y culturalmente desde el
hogar y desde todas las instituciones que forman parte de nuestra sociedad:
escuelas, iglesias, centros de salud, medios masivos de comunicación,
justicia, organismos de seguridad, entre otros.
Teniendo en cuenta el análisis cuantitativo realizado se tiene que dejar
de lado cierta perplejidad para dar cuenta que la violencia está presente ya
en las relaciones amorosas tan tempranas como lo es en la adolescencia,
dando cuenta de la escasa modicación de dichos estereotipos sociales.
Relaciones frágiles y violentas en donde en nombre del amor solo se
encuentra deseo de posesión y de control, vestigios medievales en pleno
siglo XXI.
Relaciones intensas y vertiginosas, narcisistas y triviales, atravesadas
por esta era tecnológica que ayuda paradojalmente a exacerbar nuevas
formas de control del otre.
Si se entiende al amor como una construcción socio-histórica no se
lo puede aislar entonces de las características de esta sociedad capitalista,
depredadora y salvaje que a través de sus vasos comunicantes permea todos
los vínculos humanos precarizándolos.
Dicho esto, la pregunta siguiente sería ¿hacia dónde se va en materia
de relaciones amorosas si ya en vínculos tan tempranos y efímeros ocurren
estos niveles de violencia?
¿Por qué no aparece el cuidado hacia le otre?
¿Por qué en esta era post-moderna persisten los mitos del amor
romántico?
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
| 159
El amor no es un hecho a-histórico, sino que se aprende socialmente
y va de la mano con el poder. Es decir, que no se trata de analizar al amor
como sentimiento sino como cuestión política ya que deja a las mujeres en
una posición subalterna. Comprender esto es fundamental para desarticular
el mito de “el amor es ciego” que solo conduce a la enajenación de la mujer.
Esta conguración amorosa es el germen de la violencia de género,
de allí la necesidad de su deconstrucción en edades tempranas.
Transitar la primera juventud con sus propias vicisitudes en este
mundo incierto la complejiza aún más ya que hay escaso sostén vincular.
Es quizás por ello que en las relaciones de pareja aparezcan en forma tan
temprana los celos y los controles hacia la pareja: de sus amistades, de
sus salidas, de sus formas de vestir etc., dando cuenta de la necesidad de
posesión del otre. Hay una demanda de exclusividad, que parte del deseo
de ser especial para el otre y ello es imposible de lograr. Nadie pertenece a
nadie y esto es lo que le celose no tolera.
Las propias inseguridades adolescentes conducen a una baja
autoestima con la consecuente proyección en le otre de la imagen
desvalorizada de sí mismes.
Ana M. Fernández se pregunta ¿qué signica que el control sea una de
las formas actuales de disciplinamiento? Según esta autora, implica controlar
las potencias deseantes de cada quien, despotentizar (SATULOVSKY,
2017, p. 61). Es decir que, frente a los avances signicativos de las mujeres
en todos los ámbitos y niveles de decisión, el patriarcado responde con
conductas ya conocidas.
¿Qué formas adopta la necesidad de control en la actualidad?
Se puede decir que el deseo de control y de posesión encontrados en
las relaciones amorosas adolescentes es coincidente con las características
de esta sociedad consumista, en donde se busca la satisfacción inmediata y
sin grandes esfuerzos, como una mercancía más.
El deseo de control del otre implica un abuso relacional en el sentido
de que se busca restringir la esfera vital de dicha persona inuyendo
directamente en su autoestima.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
160 |
La necesidad de control se despliega a través de las nuevas tecnologías
de la comunicación, a través del control de la vestimenta por parte del
varón hacia su novia, también se encuentra en el control por las amistades,
el control por las salidas (momentos de esparcimiento) aparece como un
indicador reiterado tanto en varones como en mujeres, siendo mayor en
éstos (70% de los varones y 55% de las mujeres).
Se observa así como la capacidad de control se maniesta desde
diferentes expresiones dentro de un orden político.
Desarrollaremos a continuación la diversidad de formas del control
en función de la frecuencia hallada y la naturalización que conlleva.
1. expresión de celOs excesivOs
En el marco de los talleres de “Noviazgos sin violencia” les
adolescentes comentan que los celos y el control son prácticas habituales
en sus relaciones amorosas y, en muchos casos, no son percibidas en forma
negativa. Sobre todo para las mujeres, el hecho de ser celadas implicaría
signos de amor, parte del juego amoroso.
De allí que sobre todo lo que habría que trabajar es el cuantum o
hasta dónde no me deja ser quién soy o quién quiero ser. En esta etapa de
la vida que comienzan a fantasear sobre su proyecto de vida, esta es una
cuestión clave.
Los celos y el control aparecen como una constante en las parejas
adolescentes por sus propias inseguridades y temores, y también por el valor
que otorgan a la delidad, desde ya, difícil de lograr. Para contrarrestar la
desconanza, el control aparece como el mecanismo más idóneo.
Para el psicoanálisis los celos representan una forma de negación del
duelo por ese objeto perdido para siempre; al nacer, se pierde el mundo
paradisíaco que representaba el útero materno.
Los celos junto con la envidia y la voracidad son emociones que
acompañan a lo largo de la vida y que están presentes en el origen de
la misma. No solo aparecen los celos en el vínculo de pareja, también
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
| 161
se los encuentran en los vínculos entre hermanos, amigos, compañeros
de trabajo, familiares, etc. Es decir que no hay persona que no los haya
sentido alguna vez.
Ahora bien, no todes sienten los celos de igual forma. Las personas
dependientes emocionalmente desarrollan un apego ansioso, persecutorio
de sus parejas con gran temor a dejar de ser queridos.
La dependencia emocional se debe a un vacío que el sujeto padece,
un abismo subjetivo que no se produjo hoy sino en las primeras relaciones
vinculares, de las cuales no recibió lo que esperaba y lo sigue reclamando
en forma actualizada.
2. las nuevas tecnOlOgías: nuevOs dispOsitivOs de cOntrOl
El desarrollo de la informática y el poder de las comunicaciones
promovieron la aceleración creciente en los ritmos de vida, siendo además,
cada día más sosticada.
¿Cómo inciden las nuevas tecnologías en los vínculos humanos?
¿Han generado nuevos modos de encuentro?
Según Bauman (2005), la gente habla de estar conectado, en vez
de parejas, se utiliza el término redes. La red sugiere momentos de estar
en contacto intercalados con períodos de libre merodeo. Las conexiones
pueden ser y son disueltas mucho antes de que empiecen a ser detestables.
Estas conexiones son relaciones virtuales hechas a medida a esta moderna
vida líquida: sin compromisos mutuos y menos aún, a largo plazo.
Pero además, siguiendo a Sibilia la importancia de la imagen y de
mostrarse, el hábito de estar en contacto permanente y que los otros nos
vean, todo eso sugiere que las pantallas y las cámaras embutidas en los
dispositivos de uso cotidiano son también instrumentos fundamentales
para la construcción de las subjetividades, así como de la sociabilidad
contemporánea. Son herramientas que se usan para construir relaciones con
uno mismo, con los otros y con el mundo (SATULOVSKY, 2017, p. 42).
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
162 |
Les adolescentes han incorporado las nuevas tecnologías a su vida
cotidiana. Viven a través de las redes sociales y ya no pueden imaginarse la
vida sin ellas. Tan es así que ya se está considerando que se está modicando
la comunicación y la forma de relacionarse de les jóvenes. Por ejemplo, en
las relaciones de pareja todo se realiza públicamente, se citan a través de las
redes sociales, se intercambian opiniones, afectos, como también se inician
conictos, etc.
La exposición de la vida íntima en las redes implica un riesgo
que en la mayoría de los casos les adolescentes no lo evalúan como tal,
transformando a su vez, esa intimidad. Si además, ese adolescente tiene
una forma de noviazgo, ello da lugar a los celos y al control a través de
los dispositivos tecnológicos: celular, Whatsapp, Instagram, Tweeter, etc.
Con lo cual hay una omnipresencia de los mismos en la vida de cada une,
construyendo a veces, vínculos asxiantes. Otro elemento preocupante
desde la exhibición de la intimidad lo constituyen las sele en lugares
privados como el dormitorio o el baño.
En realidad, lo que aparece es mayor control de la intimidad por
parte de la pareja en ambos sexos. Según los datos de la encuesta, el 54% de
los varones marcaron haber sido controlados a través del celular o facebook,
vs el 66% de las mujeres. La experiencia obtenida a partir del desarrollo
de los talleres nos indica que los varones detectan más fácilmente el exceso
de llamadas por parte de sus novias y lo consideran como una intromisión
en sus vidas. En cambio, las mujeres no lo detectan de la misma forma y
sienten que forma parte de la preocupación de su pareja. Se puede apreciar
así una valoración diferenciada del espacio vital personal.
Esta violencia on line, más sutil y que pasa desapercibida se convierte
en un elemento presente las 24 horas al día a través del celular. Además,
como prueba de amor entregan las contraseñas de los chats, con lo cual se
quedan sin intimidad.
Es decir que con la utilización de tecnologías tan recientes
y novedosas persisten los estereotipos de género, con su monto de
desigualdad y sexismo en nuevos formatos: cibercontrol, ciberacoso,
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
| 163
cibermisoginia, ciberviolencia simbólica. Es decir, desde la sociedad de
control se reproducen estos mecanismos opresivos y violentos.
Por lo tanto, es imprescindible educar a las nuevas generaciones sobre
los límites de exposición en las mismas y sobre el valor de la privacidad y
la intimidad.
Pero a la vez, estas nuevas tecnologías son herramientas de
empoderamiento para las mujeres, ya que a través de ellas se pueden
construir redes de apoyo. Por ejemplo, las últimas convocatorias a las
marchas tan masivas al NI UNA MENOS
4
se organizaron espontáneamente
en las redes sociales. Actualmente, en tiempos de pandemia, se organizaron
formas de pedir ayuda también desde las redes.
3. la mOda femenina: reductO patriarcal
5
Desde un rastreo histórico, ya en la modernidad, con sus valores
positivistas, se establece la lógica heteronormativa y binaria, las técnicas
corporales femeninas por denición se diferencian de las masculinas
operando históricamente en consonancia con los modos del vestir.
A través de la dimensión corporal se ejerce la regulación y el control
social de les sujetes, siendo la heterosexualidad lo establecido como normal.
De allí que las prácticas del vestir y en especial la moda, son
considerados como hechos sociales que ponen en evidencia la construcción
cultural de la indumentaria y la conformación social de los cuerpos.
La construcción social de la masculinidad y la femineidad ha supuesto
formas corporales diferentes y opuestas, así como también, manifestaciones
gestuales, expresión de las emociones, hábitos, gustos y actividades
diferenciadas entre sí. Fundamentalmente sobriedad y formalismo para los
varones en oposición a la sensualidad femenina.
Marchas espontáneas de mujeres que comenzaron en Junio de 2015 a raíz de los femicidios acaecidos en la
Argentina.
Excede los límites de este trabajo el análisis de la industria de la moda femenina, que desde nuestra perspectiva,
sigue cosicando a la mujer.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
164 |
Se recuerda que las primeras reinvindicaciones feministas nacieron
peleando contra la conguración del orden patriarcal y denunciando la
construcción de la representación de la mujer en tanto objeto decorativo,
objeto erótico ideal y deseo en pos de la mirada masculina.
En el siglo XIX, el corsé fue el objetivo de la reforma feminista,
la cual consideraba que su uso era antinatural. Se observa en aquel
momento que la moda era sintomática con el connamiento social y
físico de las mujeres.
¿Qué avances se han ido produciendo?
Se han acentuado estas características de la indumentaria femenina:
las faldas se fueron acortando en forma paulatina desde la década de los
60´ del siglo XX, escotes pronunciados, transparencias, ropa muy ceñida
que lleva a la exhibición de los cuerpos en cualquier momento del día. La
aparición de la minifalda en la década de los 60´ implicó una transgresión,
una bofetada a la moral más puritana.
Si bien se fue avanzando hacia un contexto cultural menos
prohibitivo no por ello exento de contradicciones. Es así que esta moda
despliega un tipo especíco de violencia de los varones (pareja, marido,
novio…): el hipercontrol a través de la vestimenta. Se ve así cómo la moda
sensual construida para el goce de la mirada masculina despierta a la vez un
principio de propiedad que coarta las decisiones de las mujeres, dejándolas
en situación de inferioridad.
Este es un tipo de violencia que las mujeres lo asocian al cuidado,
quedando nuevamente subsumidas obedeciendo las decisiones del otro.
De acuerdo a los datos recogidos, las salidas personales así como
la vestimenta son los causales de discusiones y malos tratos entre les
adolescentes (el 42% de las mujeres reere control en la forma de vestir y
el 48% de ellas control en sus salidas personales).
En el desarrollo de los talleres en diversas oportunidades se ha
escuchado la siguiente armación por parte de algunas jóvenes: “si me visto
así no es para provocarte sino porque se me da la gana. Se ven rasgos de
desafío, de autoarmación, quizás de cierta omnipotencia adolescente.
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
| 165
Pero además desde los datos hallados como se ha señalado más arriba,
diversas expresiones de control por parte las adolescentes plantean nuevos
interrogantes que todavía siguen en proceso.
En función de los datos obtenidos:
¿Cómo entender la violencia ejercida de las jóvenes hacia sus novios?
¿Se considera como un avance hacia la igualdad? Si esto es así ¿por qué desde
el ejercicio de la violencia? ¿O es un atributo natural del juego amoroso de
las parejas? ¿O se está comenzando a observar otro tipo de masculinidad no
hegemónica entre los adolescentes? ¿O es que comienzan a resquebrajarse
los estereotipos de género? ¿O es que el amor no se comprende sin la
violencia?
Esto complejiza el concepto de violencia ya que aquí se observa a
las mujeres adolescentes ejerciendo ciertas violencias. Se abre entonces un
abanico de posibilidades por lo cual se debería atender a las interacciones
que se dan en las parejas adolescentes, las interacciones cara a cara, cómo se
inuencian recíprocamente desde las miradas, los gestos, lo verbal.
Surge de la encuesta que el 14% de los varones se autopercibió como
víctima de violencia y el 43% de ellos aún negando sufrir violencia en su
pareja marcó indicadores de la misma.
En este sentido, hay que recordar nuevamente que estas encuestas se
realizaron en la Ciudad de Buenos Aires, con adolescentes escolarizades, que
cuentan con otro tipo de información, son más conscientes de sus derechos
gracias a la presencia de la ESI (Ley Nacional de Educación Sexual Integral
N° 26150/2006- República Argentina) desde los contenidos escolares, las
campañas que se realizan desde los diferentes medios de comunicación
masivos, y las redes sociales. Estas adolescentes crecieron y se socializaron
en el marco de las leyes sobre Derechos sexuales y reproductivos
N°25.673/2002, con la Convención sobre la eliminación de todas las
formas de discriminación contra la mujer N°23.179/1985, de Identidad
de género N°26.743/2012 y de Matrimonio igualitario N°26.618/2010.Se
puede decir entonces que se comienza a recoger o apreciar cierta incidencia
de las políticas públicas llevadas a cabo para paliar la violencia de género,
en pos de la igualdad, encontrando adolescentes mujeres con un cambio de
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
166 |
mirada, de pensamiento y posicionamiento y no siendo ya tan sumisas, tan
obedientes ni subordinadas. Habría un ensayo de camino diferente a las
generaciones precedentes, un matiz distinto que complejiza el fenómeno
de la violencia, y también de superación y transformación de las estructuras
existentes. En un primer momento quizás sea solo posible a partir de
la manifestación de la conducta violenta, emergente de las condiciones
sociales que vivimos. Igualmente cabe aclarar que estas conductas por parte
de las jóvenes, en general, se reeren a las violencias de baja intensidad, es
decir, la expresión de celos y el control de las salidas sociales del novio.
Con estas apreciaciones ¿podemos decir que algo ha comenzado a
cambiar?
Desde ya no hay miradas ni datos homogéneos, según Mari Luz
Esteban dice que “…aunque chicas y chicos estén siendo educados en
discursos de igualdad y se observen algunos cambios en sus planteamientos,
sus modelos de referencia y objetivos vitales, sus comportamientos y
argumentos en torno a las diferencias entre mujeres y hombres, así como
sus prácticas y relaciones concretas, develan que las diferencias de poder
entre unos y otras siguen siendo evidentes”. (ESTEBAN, 2011, p. 83).
Las palabras de Raquel Gutierrez también son esclarecedoras ya que
maniesta que en la medida en que la dominación masculina de ninguna
manera se ha “esfumado naturalmente” pese a todo el avance de las mujeres
para conseguir la libre disposición sobre nosotras mismas, es claro que,
en primer lugar, tal dominación no ha dejado de ser la forma general
de organización de la sociedad. Si bien nuestra sociedad no se organiza
ya materialmente como exhaustivo dispositivo económico, político,
cultural, sexual, etc., de cautiverio femenino, en los mismos niveles que
podemos constatar para otras épocas o para otras culturas, existe una
serie de distinciones sociales, mecanismos de control y prescripción de
las actitudes adecuadas, jerarquizaciones económicas y políticas, patrones
de socialización, etc., que están perfectamente vigentes y que operan de
manera difusa y polimorfa, legitimándose en su recurrencia y coherencia
para adquirir, de ese modo, la fuerza de ser calicadas como atributos
naturales”; y reforzando con ello, todo el ciclo de la construcción social.
(GUTIERREZ AGUILAR, 2017, p. 82-83).
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
| 167
Además de las consideraciones de estas dos pensadoras feministas,
nosotras suponemos que tampoco hubo cambios signicativos con
respecto a los datos hallados ya que la escuela continúa con su impronta
disciplinadora (desplegando todas sus violencias naturalizadas aún sin
cuestionar) y sexista reforzando los estereotipos de género. El aprendizaje
de nuevas formas de convivencia y estilos vinculares incluida la educación
amorosa que posibilite otros modos de convivir sigue pendiente. Según
Meler, será necesario el trabajo psíquico y social de varias generaciones
hasta que sea posible crear un amor en condiciones de equidad (MELER,
2017, p. 178).
Por último, si bien contamos con la ESI (Ley de Educación Sexual
Integral) desde el año 2006 su cumplimiento ha sido desigual en las
diferentes jurisdicciones de nuestro país con lo cual no podemos evaluar
su impacto.
un cierre a mOdO de apertura de nuevOs hOrizOntes...
Todas las instituciones que forman parte de nuestra sociedad están
atravesadas por la estructura patriarcal con su carga de desigualdades, de allí
que no podemos abordar la problemática de la violencia en les noviazgos de
adolescentes como un compartimento estanco aislado del contexto global
en que estamos viviendo. La violencia es un problema de todes.
Las personas no nacemos violentas, no está ni en nuestra herencia
evolutiva ni en nuestros genes, nos hacemos violentas a partir de numerosos
factores que actúan en nuestro proceso de socialización (traumas
emocionales, educación patriarcal, estereotipos de género, etc). La violencia
se aprende. Si bien se reconocen avances a nivel societal en cuanto a la
visibilización de las violencias, las mismas también se van renovando. Así,
encontramos que el control es la forma de disciplinamiento actual que se
maniesta a través de los celos (control de los afectos), a través de la moda
(control del cuerpo) y la tecnología (control del tiempo y el espacio).
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
168 |
Hemos analizado cómo el control se maniesta en las relaciones
amorosas de les adolescentes desde diferentes expresiones dentro de un orden
político y nos preguntamos: ¿porqué no aparece el cuidado hacia le otre?
Comenzar a pensar y sentir en términos de cuidado hacia le otre
reconguraría nuestros modos de convivencia y de existencia.
Estamos viviendo tiempos de urgencia y precariedad, por ello
consideramos necesario la introducción del cuidado como aprendizaje
fundamental, los cuidados entre pares pero también los cuidados
institucionales y hacia la vida toda, humana y no humana.
Desde que nacemos, sin un otre no podríamos sobrevivir, sin
embargo, nuestra cultura occidental no priorizó ni valorizó los cuidados
como parte del convivir. A partir de allí que deberíamos mirar con nuevos
ojos y pensar en acción para plantear otra ética, otra estética y otra política
introduciendo los cuidados como elemento central para la vida. Las
instituciones que se forjaron desde la estructura patriarcal desdeñaron y
desconsideraron los cuidados como parte de la trama de la vida.
Según Najmanovich (2021), el cuidado está presente en todas las
actividades de la vida, lo atraviesa todo ya que signica una forma de vivir
y convivir en donde priman los afectos, la conanza, la ternura, la mirada
cuidadosa como sostenedora de los vínculos.
Desde las instituciones educativas muy tempranamente podemos
enseñar a cuidarnos a partir de valorar la convivencia, no como contenido
formalizado y distanciado, no desde un deber ser impoluto sino gestando
otros modos de convivencia y participación, ese cultivo cotidiano y
cuidadoso de los vínculos, involucrándonos y desarrollando otros estilos
vinculares y el aprendizaje colaborativo, en donde no sea la competencia, la
descalicación, el individualismo lo que se destaque sino la ayuda mutua,
en donde todes podamos sentirnos alojades y acogides, entretejiendo la
vida familiar, escolar y comunitaria.
Pensando en acciones concretas, esto es, trabajando desde las
micropolíticas de transformación en el aula, se podrían propiciar espacios
de autoconocimiento con les estudiantes con preguntas clave: quién soy,
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
| 169
qué quiero, qué sueño, qué anhelo, para reconocer las propias necesidades
y no quedar atrapades en anhelos de otres.
En las relaciones amorosas, pensar y sentir el cuidado no disfrazado
como control sino como facilitador del crecimiento y la autonomía
posibilitando el disfrute del vínculo y no el padecimiento, aprendiendo
en cada situación qué nos hace bien y qué nos hace mal, el estar presentes
en el vínculo cultivando la reciprocidad, respetando las diferencias y
potenciando la singularidad de cada une. Y de esto se trata la democracia
amorosa en estos primeros vínculos amorosos: el aprendizaje y el placer sin
imposiciones, que cada une pueda desplegar sus alas y no quedar atrapade
desde un vínculo sometedor que condicione el proyecto de vida de le otre.
Si a lo largo de la vida les niñes van creciendo en entornos más
cuidadosos y amorosos, no disociados, es probable que cuando lleguen
a la adolescencia sus vínculos puedan ser cualitativamente diferentes sin
necesidad de controlar, dominar y oprimir. A cuidar aprendemos cuidando.
Y es nuevamente el feminismo que ha propuesto la cuidadanía
colocando en el centro el cuidado de la vida como responsabilidad social
y colectiva dando lugar a un nuevo modo de existencia, más atentos a la
presencia y al vínculo singular con le otre, reconociendo la diversidad y
la vida en su pluralidad sin encorsetarla bajo normas, “…apostando por
un cuidado mutuo, sin privilegios ni jerarquías, en el marco de relaciones
igualitarias”. (JUNCO; PEREZ OROZCO; DEL RÍO, 2004).
“En un universo donde el apoyo mutuo sea la norma, puede haber
momentos en los que no todo sea igualitario, pero la consecuencia de esa
desigualdad no será la subordinación, la colonización ni la deshumanización
(HOOKS, 2017, p. 131).
referências
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Buenos Aires: Lugar Editorial, 2017.
SIBILIA, P. La intimidad como espectáculo. Buenos Aires: Fondo de Cultura Económica,
2013.
| 171
V  : 
   
Gabriela A Ramos
1
les presentO al maestrO: “astOr piazzOlla
Me acerco en este artículo a pensar con ustedes, el tema de la
violencia en la música. Es un tema invisibilizado en nuestra sociedad, es
muy difícil reconocer aún para les propies actorxs intervinientes el cúmulo
de violencia presente en la música. Cuando me reero a música, hago
referencia a espacios donde se enseña a hacer música, donde se produce y
donde se comparte la música.
En esta ocasión quiero ofrecerles el análisis que surge a partir de
la experiencia pedagógica
2
transitada en un Conservatorio Municipal de
Música de la Ciudad Autónoma de Buenos Aires, República Argentina,
Lic. En Ciencias de la Educación. Especialista en Generos, sexualidades y educación. Coordinadora del
Equipo de Investigacion en Genero y educación Investigadora del Centro Cultural de la Cooperación “Floreal
Gorini”. Coordinadora pedagógica del Centro Tantosha especializada en Educación Sexual Integral. Formadora
de docentes.
Escribo estas líneas en primera persona como docente a cargo del Seminario de Educacion Sexual Integral-
ESI.
https://doi.org/10.36311/2022.978-65-5954-279-6.p171-192
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
172 |
que si bien no puede ser generalizada a otros ámbitos, puede servir de
muestra para permanecer atentos a estas manifestaciones.
la viOlencia se define
En Argentina contamos con un marco legal que desde 2009 dene
y regula las situaciones de violencia contra las mujeres. Esta Ley de alcance
Nacional lleva por número 26485 (ARGENTINA, 2009) y su objetivo es
la protección integral de las mujeres en todos los ámbitos donde desarrollen
sus relaciones interpersonales. Operacionaliza los pactos preexistentes
rmados por nuestro país garantizando todos los derechos reconocidos por
la Convención para la Eliminación de todas las Formas de Discriminación
contra la Mujer, Protocolo de la CEDAW, la Convención Interamericana
para Prevenir, Sancionar y Erradicar la Violencia contra la Mujer realizada
en Belem do Para, la Convención sobre los Derechos de los Niños y la Ley
Nacional N° 26.061 de Protección Integral de los derechos de las Niñas,
Niños y Adolescentes y, en especial, los referidos a:
a) Una vida sin violencia y sin discriminaciones;
b) La salud, la educación y la seguridad personal;
c) La integridad física, psicológica, sexual, económica o patrimonial;
d) Que se respete su dignidad;
e) Decidir sobre la vida reproductiva, número de embarazos y
cuándo tenerlos, de conformidad con la Ley 25.673 de Creación
del Programa Nacional de Salud Sexual y Procreación Responsable;
f) La intimidad, la libertad de creencias y de pensamiento;
g) Recibir información y asesoramiento adecuado;
h) Gozar de medidas integrales de asistencia, protección y seguridad;
i) Gozar de acceso gratuito a la justicia en casos comprendidos en el
ámbito de aplicación de la presente ley;
j) La igualdad real de derechos, oportunidades y de trato entre
varones y mujeres;
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
| 173
k) Un trato respetuoso de las mujeres que padecen violencia, evitando
toda conducta, acto u omisión que produzca revictimización.
Esta Ley busca prevenir, sancionar y erradicar todas las formas de
violencia que se producen contra las mujeres. Es interesante destacar cada
uno de estos verbos porque colocan la responsabilidad de su ejecución en
un Ministerio diferente. Prevenir interpela al sistema educativo, sancionar
al sistema judicial y erradicar a la sociedad en su conjunto, especialmente a
los medios de comunicación. En todas las acciones, el Estado es el principal
responsable de motorizar las propuestas.
Este marco legal viene a ampliar la vieja Ley de violencia doméstica,
aportando una denición clara de violencia, ejemplicando tipos y ámbitos
en los que se puede manifestar que no es sólo el ámbito privado del hogar.
En su artículo 4 la ley expresa que “se entiende por violencia contra
las mujeres toda conducta, por acción u omisión, basada en razones de
género, que, de manera directa o indirecta, tanto en el ámbito público
como en el privado, basada en una relación desigual de poder, afecte su
vida, libertad, dignidad, integridad física, psicológica, sexual, económica
o patrimonial, participación política, como así también su seguridad
personal. Quedan comprendidas las perpetradas desde el Estado o por
sus agentes. Se considera violencia indirecta, a los efectos de la presente
ley, toda conducta, acción, omisión, disposición, criterio o práctica
discriminatoria que ponga a la mujer en desventaja con respecto al varón”.
Este es la denición que utilizaremos para aplicarla al ámbito de la música.
Este concepto permite vislumbrar que las múltiples violencias a las
que las mujeres estamos expuestas no son exclusivamente de orden sólo
físico, por eso en el articulo 5 la Ley amplía tipicando:
1.- Violencia Física: La que se emplea contra el cuerpo de la mujer
produciendo dolor, daño o riesgo de producirlo y cualquier otra forma de
maltrato agresión que afecte su integridad física.
2.- Violencia Psicológica: La que causa daño emocional y
disminución de la autoestima o perjudica y perturba el pleno desarrollo
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
174 |
personal o que busca degradar o controlar sus acciones, comportamientos,
creencias y decisiones, mediante amenaza, acoso, hostigamiento, restricción,
humillación, deshonra, descrédito, manipulación aislamiento. Incluye
también la culpabilización, vigilancia constante, exigencia de obediencia
sumisión, coerción verbal, persecución, insulto, indiferencia, abandono,
celos excesivos, chantaje, ridiculización, explotación y limitación del
derecho de circulación o cualquier otro medio que cause perjuicio a su
salud psicológica y a la autodeterminación.
3.- Violencia Sexual: Cualquier acción que implique la vulneración
en todas sus formas, con o sin acceso genital, del derecho de la mujer de
decidir voluntariamente acerca de su vida sexual o reproductiva a través
de amenazas, coerción, uso de la fuerza o intimidación, incluyendo la
violación dentro del matrimonio o de otras relaciones vinculares o de
parentesco, exista o no convivencia, así como la prostitución forzada,
explotación, esclavitud, acoso, abuso sexual y trata de mujeres.
4.- Violencia Económica y patrimonial: La que se dirige a ocasionar
un menoscabo en los recursos económicos o patrimoniales de la mujer, a
través de:
a) La perturbación de la posesión, tenencia o propiedad de sus bienes;
b) La pérdida, sustracción, destrucción, retención o distracción
indebida de objetos, instrumentos de trabajo, documentos
personales, bienes, valores y derechos patrimoniales;
c) La limitación de los recursos económicos destinados a satisfacer
sus necesidades o privación de los medios indispensables para vivir
una vida digna;
d) La limitación o control de sus ingresos, así como la percepción
de un salario menor por igual tarea, dentro de un mismo lugar de
trabajo.
5.- Violencia Política: La que se dirige a menoscabar, anular,
impedir, obstaculizar o restringir la participación política de la mujer,
vulnerando el derecho a una vida política libre de violencia y/o el derecho
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
| 175
a participar en los asuntos públicos y políticos en condiciones de igualdad
con los varones.
Ahora sabemos que el golpe no es la única manifestación de la
violencia y que el único lugar posible no es la casa. Por eso, en el artículo 6
se desarrollan las diferentes modalidades en que se maniestan:
1) Violencia doméstica contra las mujeres: aquella ejercida contra
las mujeres por un integrante del grupo familiar, independientemente
del espacio físico donde ésta ocurra, que dañe la dignidad, el bienestar, la
integridad física, psicológica, sexual, económica o patrimonial, la libertad,
comprendiendo la libertad reproductiva y el derecho al pleno desarrollo de
las mujeres. Se entiende por grupo familiar el originado en el parentesco sea
por consanguinidad o por anidad, el matrimonio, las uniones de hecho
y las parejas o noviazgos. Incluye las relaciones vigentes o nalizadas, no
siendo requisito la convivencia;
2) Violencia institucional contra las mujeres: aquella realizada por
las/los funcionarias/os, profesionales, personal y agentes pertenecientes a
cualquier órgano, ente o institución pública, que tenga como n retardar,
obstaculizar o impedir que las mujeres tengan acceso a las políticas públicas
y ejerzan los derechos previstos en esta ley. Quedan comprendidas, además,
las que se ejercen en los partidos políticos, sindicatos, organizaciones
empresariales, deportivas y de la sociedad civil;
3) Violencia laboral contra las mujeres: aquella que discrimina a las
mujeres en los ámbitos de trabajo públicos o privados y que obstaculiza
su acceso al empleo, contratación, ascenso, estabilidad o permanencia
en el mismo, exigiendo requisitos sobre estado civil, maternidad, edad,
apariencia física o la realización de test de embarazo. Constituye también
violencia contra las mujeres en el ámbito laboral quebrantar el derecho
de igual remuneración por igual tarea o función. Asimismo, incluye el
hostigamiento psicológico en forma sistemática sobre una determinada
trabajadora con el n de lograr su exclusión laboral;
4) Violencia contra la libertad reproductiva: aquella que vulnere
el derecho de las mujeres a decidir libre y responsablemente el número de
embarazos o el intervalo entre los nacimientos, de conformidad con la Ley
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
176 |
25.673 de Creación del Programa Nacional de Salud Sexual y Procreación
Responsable;
5) Violencia obstétrica: aquella que ejerce el personal de salud sobre
el cuerpo y los procesos reproductivos de las mujeres, expresada en un
trato deshumanizado, un abuso de medicalización y patologización de los
procesos naturales, de conformidad con la Ley 25.929.
6) Violencia mediática contra las mujeres: aquella publicación o
difusión de mensajes e imágenes estereotipados a través de cualquier medio
masivo de comunicación, que de manera directa o indirecta promueva
la explotación de mujeres o sus imágenes, injurie, difame, discrimine,
deshonre, humille o atente contra la dignidad de las mujeres, como así
también la utilización de mujeres, adolescentes y niñas en mensajes e
imágenes pornográcas, legitimando la desigualdad de trato o construya
patrones socioculturales reproductores de la desigualdad o generadores de
violencia contra las mujeres.
7) Violencia contra las mujeres en el espacio público: aquella
ejercida contra las mujeres por una o más personas, en lugares públicos o de
acceso público, como medios de transporte o centros comerciales, a través
de conductas o expresiones verbales o no verbales, con connotación sexual,
que afecten o dañen su dignidad, integridad, libertad, libre circulación o
permanencia y/o generen un ambiente hostil u ofensivo.
8) Violencia pública-política contra las mujeres: aquella que,
fundada en razones de género, mediando intimidación, hostigamiento,
deshonra, descrédito, persecución, acoso y/o amenazas, impida o
limite el desarrollo propio de la vida política o el acceso a derechos y
deberes políticos, atentando contra la normativa vigente en materia de
representación política de las mujeres, y/o desalentando o menoscabando
el ejercicio político o la actividad política de las mujeres, pudiendo ocurrir
en cualquier espacio de la vida pública y política, tales como instituciones
estatales, recintos de votación, partidos políticos, organizaciones sociales,
asociaciones sindicales, medios de comunicación, entre otros.
Aplicaremos lo que expusimos hasta el momento a la situación del
Conservatorio pues la citada ley busca promover y garantizar:
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
| 177
a) La eliminación de la discriminación entre mujeres y varones en
todos los órdenes de la vida;
b) El derecho de las mujeres a vivir una vida sin violencia;
c) Las condiciones aptas para sensibilizar y prevenir, sancionar
y erradicar la discriminación y la violencia contra las mujeres en
cualquiera de sus manifestaciones y ámbitos;
d) El desarrollo de políticas públicas de carácter interinstitucional
sobre violencia contra las mujeres;
e) La remoción de patrones socioculturales que promueven y
sostienen la desigualdad de género y las relaciones de poder sobre
las mujeres;
f) El acceso a la justicia de las mujeres que padecen violencia;
g) La asistencia integral a las mujeres que padecen violencia en las
áreas estatales y privadas que realicen actividades programáticas
destinadas a las mujeres y/o en los servicios especializados de
violencia.
viOlencia y educación musical
Este marco legal, nos permite analizar las diferentes violencias que
se maniestan, con mayor asiduidad, contra las mujeres en la música,
entendiendo por mujeres a las personas que se autoperciben como tal
3
.
Sólo a los nes analíticos, agruparemos en 4 categorías conceptuales estas
manifestaciones. Ellas son:
1. Violencia Simbólica: Ausencia de mujeres y disidencias en los
Programas de Formación, la proporción del ingreso en relación
al egreso de mujeres en diferentes carreras de formación
4
.
En Argentina, dando cumplimiento a la Ley Nacional de Identidad de Género N°26743 del año 2012,
todas las personas tienen derecho a ser tratadas de acuerdo a su identidad autopercibida e inscritas en sus
documentos personales con el nombre y el género vivenciado. Es importante tener en cuenta esta denición
del concepto de identidad de género pues el sistema patriarcal violenta tanto a mujeres cisheterosexuales como
a mujeres lesbianas y transgénero, lo que se ataca es toda aquella representación que encarna la “femineidad
(ARGENTINA, 2012).
 Ver investigaciones de Mesa (2020).
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
178 |
2. Violencia laboral e institucional: Ausencia de paridad en los
escenarios y presentaciones musicales
5
3. Violencia sexual y emocional hacias las grupis.
6
4. Violencia simbólica: contenidos sexistas en las letras de todos los
géneros musicales que se acompaña con la danza
7
Armamos que la violencia no es innata, no es genética, no es natural,
es aprendida; es enseñada en el marco de las instituciones que socializan a las
nuevas generaciones. La violencia es un modo relacional que se vivencia en
algunas familias, que se transmite en la escuela, que se naturaliza a través de
los medios de comunicación, que se legitima socialmente. La escuela enseña
la historia de la humanidad como la historia de las conquistas imperialistas
con el ocultamiento sistemático de las actuales políticas extractivistas para
nuestro continente, la historia de las batallas, las guerras entre pueblos por
cuestiones religiosas, territoriales, económicas. Se ha instalado lo que Rita
Segato
8
denomina la pedagogía de la crueldad, como “… todos aquellos actos
y prácticas que enseñan, habitúan y programan a los sujetos a transmutar lo
vivo y su vitalidad en cosas, En ese sentido, esta pedagogía enseña algo que
va mucho más allá del matar, enseña a matar de una muerte desritualizada,
de una muerte que deja apenas residuos en el lugar del difunto…”. Nos
referimos a la violencia extrema, a la violencia física, a los femicidios. Sin
embrago, sabemos que para que esto se instale, es necesario haber sembrado
previamente la semilla de la violencia emocional que hace posible que el
golpe sea vivido como merecido. Los malos tratos no siempre implican
violencia física, pero son violencia emocional. Manifestados con lenguaje
abusivo, insultos, burlas, humillaciones, comentarios descalicadores,
Fue necesario que un grupo de mujeres militantes feministas se pusiera en marcha para que desde el INAMU,
Instituo Nacional de la Música, se implusara la Ley Nacional N° 27539/19. Es la primera Ley a nivel mundial
que establece un cupo femenino para eventos musicales.
Groupies: en lenguaje coloquial se reere al fan-seguidor de un músico, una celebridad o un grupo musical. Es
un concepto surgido en el rock en los años 60. En un comentario estigmatizante, Wikipedia aporta: “dene a
las chicas que siguen a sus ídolos musicales con el afán de tener relaciones sexuales con ellos. Sin embargo, una
groupie’ no es necesariamente una mujer que se acuesta con una estrella musical, ya que éstas pueden llegar a
pasar de ser unas simples admiradoras a amigas del cantante o grupo o incluso pareja estable”.
 Ver investigaciones realizadas por Diaz (2021).
Segato (2018).
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
| 179
tendientes al aislamiento, a atemorizar o diferentes modos de control
constituyen violencia emocional. Comentarios que apunten a mellar la
autoestima expresados como críticas constantes en relación a la inteligencia,
la apariencia física y/o las habilidades personales son todas formas de
violencia. Estas matrices vinculares instalan modelos de poder regidos por
la dominación, el autoritarismo y la jerarquía. De este modo, hemos visto
cómo se instalan modos violentos de vincularse dentro de los conservatorios
donde se enseña a hacer música, relaciones pedagógicas violentas donde
se ponen de maniesto los micromachismos imperantes, con comentarios
denigrantes por “el solo hecho de ser mujer” relacionados a instrumentos no
propios para ser ejecutados por mujeres, por ejemplo: aquellos que implica
sostener las piernas abiertas; con chistes obscenos acerca del modo de “soplar
la auta” que tiene ciertas personas; con burlas a quienes no responden a
los estereotipos de género que el patriarcado ha impuesto en el modo de
ejecución, con “nales femeninos o nales masculinos” para determinadas
obras
9
y con la entronización de la gura del “maestro” como lugar de saber-
poder que dirige la carrera artístico-profesional del-x aprendiz. Como expresa
Mercedes Liska
10
(2018) “las diferencias que hay con la discriminación
tienen que ver más con los espacios colectivos donde se reeja mucho más
esa notoria desigualdad entre quienes se forman”. Allí es donde tenemos
que intervenir para evitar seguir escuchando testimonios que arman que
en la historia de cada artista mujer se encuentra una carrera marcada por la
desigualdad de género”.
Sumado a esto, la invisibilización de las autoras, cancionistas,
compositoras, mujeres y disidentes en los Programas de Estudio hace que
las mujeres y disidencias no encuentren modelos identicatorios válidos en
el ambiente musical.
9
Se entiende por “Final Masculino”: cuando el ataque de la melodía termina en el tiempo fuerte del compás y
“Final Femenino”: cuando el ataque de la melodía termina en el tiempo débil del compás.
10
https://www.infobae.com/sociedad/2019/04/19/mercedes-liska-etnomusicologa-en-la-historia-de-cada-
artista-mujer-se-encuentra-una-carrera-marcada-por-la-desigualdad-de-genero/
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
180 |
prOtOcOlizandO las prácticas pedagógicas.
El Conservatorio Municipal que les invito recorrer es una institución
educativa de gestión púbica, gratuita, que depende de la Dirección General
de Enseñanza Artística del Ministerio de Cultura de la Ciudad de Bs. As.
Cuenta con nivel pre-inicial donde se ingresa cursando 5to grado de la
escuela primaria-recibe niñxs de 10 años en adeante-, nivel inicial cuyos
requisitos de ingreso son estar cursando 7mo grado- 12 años-, nivel medio
cuyas condiciones son haber aprobado el segundo año del ciclo Inicial,
o un examen de ingreso que consta de dos asignaturas: instrumento y
audioperceptiva. Para cursar el 1er año del Nivel Medio el-x aspirante
debe estar cursando como mínimo el 2do año de la escuela secundaria- 14
años-. Por último, el nivel Superior para lo cual se debe haber aprobado
todas las asignaturas del Ciclo Medio -Trayecto Artístico Profesional- o un
examen de ingreso que acredite sus conocimientos musicales. Este examen
comprenderá como mínimo: Instrumento y Teoría y Práctica de la Música
y presentar el título secundario o certicado de título en trámite. Se reciben
estudiantes que provienen de otras instituciones educativas y se efectúan
equivalencias de planes y programas. El Conservatorio reconoce que su
principal objetivo es la formación de docentes y músicos profesionales
y creativos que posean una visión integral y reexiva sobre el campo de
la música en su totalidad, conforme a los procesos de transformación
del lenguaje y desarrollo tecnológico”. Otorga certicados en los
niveles Inicial y Medio y títulos de nivel superior no universitarios que
van desde Tecnicaturas con orientación en Instrumentos e Informática
Musical hasta profesorados con orientación en Instrumento, Música de
Cámara e Informática Musical. Esto implica que, lxs musicxs que deseen
ejercer la docencia, deberán cursar Pedagogía, Historia de la educación,
Didáctica de la música y prácticas por niveles, entre otras asignaturas. A
partir de la última reforma de los planes de estudio del Nivel Superior y
de la sanción de la Ley Nacional N° 26150/06 (ARGENTINA, 2006) en
los profesorados de todas las especialidades, se incorpora un Seminario
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
| 181
cuatrimestral obligatorio para el abordaje de la ESI. En este marco se ancla
esta experiencia desarrollada desde el año 2013 hasta la fecha
11
.
Me interesa dejar registro en este trabajo del proceso realizado para la
garantía de derechos a una vida libre de violencia realizada por la comunidad
educativa de este Conservatorio de Música. Desde el espacio curricular de
Educación Sexual Integral, se fue dando entidad a la “violencia de género”,
visibilizándola, analizándola y buscando recursos para la protección de las
mujeres y disidencias que habitan esta institución educativa.
Luego del trabajo realizado con diferentes grupos de estudiantes
acerca de los distintos tipos de violencia mencionados, después de generar
espacios de escucha y acompañamiento para situaciones emergentes en
torno a la violencia, el área de géneros del Centro de Estudiantes toma
en sus manos la redacción de un Protocolo Institucional que indica qué
acciones tomar frente a estas situaciones cada vez más frecuentes.Tomando
en cuenta el marco normativo, lxs estudiantes con asesoramiento de
organismos del Estado, redactaron un primer borrador que fue presentado
ante las autoridades para su aprobación.
Tuvimos que hacernos algunas preguntas básicas:
1) ¿Qué es un protocolo? Un protocolo es una herramienta que
estandariza procedimientos de actuación frente a una situación especíca
en un ámbito determinado. Conforme a los marcos legales vigentes,
dene cómo abordar las situaciones, cuáles son las sanciones aplicables
y qué medidas cautelares tomar para evitar o reducir daños. La adopción
de protocolos sobre la violencia de género es una medida preventiva que
tiene dos efectos concretos: genera un espacio de contención, abordaje
y orientación para las mujeres y otras identidades afectadas y envía un
mensaje claro a toda la organización de que tales conductas no son
toleradas. Es un contrato de convivencia que pretende instalar relaciones
vinculares no autoritarias ni jerarquizadas favoreciendo el desarrollo de un
11
Esta experiencia pedagógica fue analizada, en sus distintas etapas, en varias ponencias y publicaciones: Ramos,
(no prelo); Ramos, 2017.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
182 |
clima democrático necesario para garantizar el derecho a la educación en
igualdad de oportunidades y de trato.
2) ¿Por qué es necesario un protocolo? El progresivo avance en el
reconocimiento de situaciones de violencia de género en los distintos
ámbitos de la sociedad requiere cada vez más la acción de instituciones que
deben dar respuesta a estas situaciones, en un marco de articulación con los
organismos públicos y la legislación vigente. Las instituciones educativas
cumplen un rol social y cultural incuestionable en la vida de la sociedad, por
eso son parte esencial de la lucha contra todo tipo de violencia. El objetivo
de un protocolo es brindar a las instituciones y quienes las conforman un
procedimiento claro para la prevención, actuación y adecuado acceso a
la justicia de las personas en situación de violencia, con el n último de
preservar su vida, sus derechos y su integridad. Así, todas las instituciones
educativas deben comprometerse a otorgar el soporte adecuado para la
construcción de espacios seguros y libres de violencia de género. Disponer
de un protocolo es una herramienta clave para lograrlo.
En este caso, hubo que redactar un Protocolo Propio tomando en
cuenta las especicidades de esta institución:
A) Es una institución que alberga niñes, adolescentes y adultxs en
calidad de estudianes, docentes y no docentes, familias que conviven
en diferentes horarios y espacios. Frente a todxs estxs sujetxs la
institución tiene una responsabilidad civil determinada.
B) El Ministerio de Educación de la Ciudad Autónoma de BsAs
dispone de un Protocolo para las escuelas que dependen de él pero
como el Conservatorio depende del Ministerio de Cultura, no está
dentro de su órbita de incumbencia
C) Existen otros Protocolos que preservan de la violencia laboral,
institucional, pero no abordan de manera integral el tema pues allí
no estarían incluides lxs estudiantes.
3) ¿Para quién-es se hizo el protocolo? La violencia de género está
presente en todos los ámbitos de la sociedad y los espacios de enseñanza
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
| 183
de la música son también lugares donde esta violencia se maniesta. Este
protocolo garantiza que todxs lxs integrantes de la comunidad educativa
puedan convivir en un clima libre de violencia, especialmente, garantiza
el derecho a la educación, en igualdad de oportunidades y de trato, para
todxs lxs estudiantxs.
4) ¿Quiénes hicieron el Protocolo? Lxs estudiantes, en colaboración
con un equipo interdisciplinario de docentes comprometidxs con la
educación sexual integral con perspectiva de géneros y derechos.
5¿Cómo se confecciona un protocolo? Un protocolo es el resultado
de un proceso de sensibilización, capacitación y experiencias en el
manejo de situaciones de violencia de género. No se trata de compendiar
pautas de acción en un documento, ni de crear un arma punitiva que
busque disciplinar “malas conductas”. Desde la educación, la mirada no
es sancionatoria, únicamente, buscamos la transformación social y esto
comienza por la posibilidad de :
1) educar y educarse en modelos relacionales no violentos
2) ser capaz de reconocer los errores
3) buscar caminos de reparación.
4) pedir ayuda y acompañar para la no reiteración de la falta.
Contar con un protocolo de actuación, es una gran oportunidad para
familiarizarse con la problemática de la violencia de género, para adecuar la
herramienta de intervención a la institución. Por eso es necesario, que tenga
un carácter exible, adaptado a la realidad concreta de la organización,
dentro del marco legal vigente. Por todo esto, es que fue tan resistida su
aprobación, llevó tanto tiempo su implementación y aún estamos en una
de las últimas etapas del trabajo: armando el jurado que dará lugar a la
conformación de un equipo interdisciplinaro institucional.
En todo este tiempo, se realizaron reuniones de formación docente
con especialistas externos pertenecientes al Instituto de las Mujeres
12
para
12
Organismo previo a la creación del Ministerio de las Mujeres, Géneros y Diversidades.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
184 |
reexionar sobre la temática, con resultados muy variados. Se observaron las
resistencias de parte de gran parte del cuerpo docente y el no registro de la
necesidad de plantear estas temáticas. Estudiantes y docentes continuaron
visibilizando, con diferentes estrategias, las situaciones de violencia
existentes: haciendo intervenciones en el espacio público, presentando
ponencias en Congresos y Jornadas para darle notoriedad a la situación.
Las autoridades políticas se vieron obligadas a escuchar el reclamo. Luego
de varias reuniones de trabajo con diferentes estamentos jerárquicos, se
decidió aprobar el Protocolo, exclusivamente para esta Casa de Estudios y
que cada espacio de formación artística elabore el propio.
6) ¿Qué debe incluir un protocolo?
1. Ámbito de aplicación 2. Sujetxs destinatarixs 3. Situaciones 4.
Objetivos 5. Principios rectores 6. Procedimiento 7. Faltas 8. Medidas
preventivas y de protección
13
(ARGENTINA, 2019).
En nuestra memoria, quedará registrado uno de los elementos
positivos del balance de esta tarea que emprendimos en forma conjunta
estudiantes y docentes y es haber logrado la conformación de un equipo
interdisciplinario institucional que trabajará con horas cátedras asignadas
para favorecer el bienestar de la comunidad educativa, abordando la
violencia de género desde la educación para prevenir, con el protocolo en
mano para sancionar y con el rme propósito de erradicar denitivamente
la violencia de esta institución. En este momento, nos encontramos en
la etapa de conformcion del jurado para la selección de lxs integrants de
este equipo. Espero poder sistematizar, en el próximo escrito los avances
de esta tarea.
La violencia de género tiene un origen multicausal, es de carácter
universal, es decir, puede producirse en todos los espacios y esferas de la
interacción humana: la música, los entornos educativos, los lugares de
trabajo, entre otros. La lucha por la erradicación de la violencia contra las
mujeres y otras identidades cuenta con un marco normativo amplio que
abarca legislación y tratados internaciones que fueron raticados por la
13
Referencias de la “Guía para construir un protocolo de prevención e intervención ante situaciones de violencia
de género en instituciones deportivas”. Ministerio de Turismo y Deportes. Argentina.
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
| 185
República Argentina, así como leyes y convenios nacionales. Conocer este
marco normativo es fundamental para el ejercicio de la tarea docente y
para la formación ciudadana, uno de los objetivos de una educación sexual
integral emancipatoria.
cantO cOral
Quiero cerrar esta presentación abriendo el telón para que escuchen
algunas voces que fueron protagonistas en la conformación de este coro
polifónico. Entre voces Contralto, Mezzosoprano y Soprano, ellas dicen:
Cuando ingresé al Conservatorio Superior de Música de la Ciudad
de Buenos Aires “Astor Piazzolla”, me sorprendió que no existiera un
Centro de Estudiantes. Años más tarde, nació un Centro de Estudiantes
presidido e integrado mayoritariamente por mujeres cis en una institución
conformada en gran medida por hombres cis
14
.
En el Conservatorio se sufre violencia de todo tipo. Se sufre violencia
en las aulas y en los pasillos. La imagen romantizada del “Maestro” está
impregnada en la cultura institucional del Astor Piazzolla.
El Protocolo de Acción Institucional Ante Violencia de Género y
Discriminación por Orientación Sexual nació con el n de defender a las
compañeras que se veían violentada - psicológica, física, simbólicamente -
por estos “maestros”. Su aprobación, es sólo el primer paso para deslegitimar
a quienes ocupan ciertos lugares de poder.
Recuerdo cuando una amiga me contó: “mi profesor de instrumento
me invitó a salir”. Recuerdo cuando conocí un 8M a una compañera
incondicional en esta lucha y me dijo: “mi profesor de computación me
tiró onda durante todo un año.” Recuerdo cuando yo sufrí violencia y
salí llorando del aula. También recuerdo, cuando llevamos el reclamo a la
DGEArt
15
y la respuesta fue: “los protocolos no sirven para nada.
14
Apócope de cisheterosexual.
15
DGeArt- Dirección General de Educación Artística, organismo del Estado de quien depende en línea directa
el Conservatorio Municipal Astor Piazzolla que está a cargo del Ministerio de Cultura de la Ciudad Autónoma
de Buenos Aires
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
186 |
El Protocolo se aprobó el 17 de septiembre
16
. Ese día, lloré de la
emoción, pero también lloré de tristeza. En este momento, sólo deseo un
abrazo de mis compañeres para continuar la lucha en cada aula y en cada
pasillo.
laura cOsla- estudiante de la carrera de instrumentista-
viOlín
Soy alumna del conservatorio Astor Piazzolla hace muchos años.
Cuando empecé a estudiar, me encontré con una institución en la cual
el contenido formal educativo que se me brindaba era de calidad, sin
embargo, el machismo imperante empañaba día a día mi experiencia y la
de mis compañeras. Tuve un profesor que decía que a las mujeres había que
pegarles con una toalla mojada para que no le quedaran marcas. Tuve otro
profesor que me hacía alusiones sexuales constantemente. Tuve compañeras
agredidas sexualmente por compañeros dentro de la institución y todos
estos actos de violencia machista no sólo no se condenaron sino que se
apañaron. Decenas de compañeras dejaron de estudiar por estos motivos.
Todo cambió cuando empezamos a cursar ESI. Nuestra docente Gabriela
Ramos nos acompañó, nos abrió los ojos a una violencia sistemática,
ejercida con impunidad. Empezamos a poder hablar, a contarnos entre
nosotras y con su acompañamiento permanente, a pensar estrategias, a
militar nuestro derecho a estudiar sin violencia. Esa lucha parió el protocolo
contra la violencia de género que hoy estamos empezando a implementar
en la institución. Fue un parto difícil, por momentos en mucha soledad.
Pero la fuerza, ereza, resistencia y dignidad de mis compañerxs, lo sacó
adelante. No puedo estar más orgullosa de militar con mis compas, de
tejer colectivamente el manto que nos abrigue cuando la falta de empatía e
ignorancia de la legislación vigente amenace con cubrirlo todo. Me ilusiona
pensar en que el día de mañana, quienes estudien en la institución no
estén expuestxs a las violencias que repelimos nosotrxs. Gracias a la lucha
colectiva y a lxs docentes que nos acompañan, escuchan y empoderan
desde la praxis. Ojalá se replique en cada institución. Quiero decirles que
16
17 de septiembre del año 2020
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
| 187
luchar sirve, que organizarse sirve, y que no importa cuándo leas esto:
merecés estudiar y enseñar libre de violencia.
anahí belfer- estudiante de la carrera de música de cámara e
instrumentO cOn Orientación en viOlOncellO.
17 de septiembre del actual y atípico 2020, me levanto pensando en
todo lo recorrido, la energía invertida. Si lo pienso bien, pasaron dos años
y medio desde que en la marcha del 8M de 2018 conocí a la compañera
-ahora indudable e indispensable amiga- que me invitó e incentivó a que
participe del Centro de Estudiantes: CeCAP
17
, y más especícamente del
área de Géneros. No es tanto tiempo, lo sé, pero pienso en cada lugar en
el que escribí -escribimos- este protocolo, pienso en cada vagón de tren
en el que me senté y saqué el celular para seguir dándole vueltas. Pienso
en cada banco de plaza que -haciendo tiempo- me puse a revisar palabra
por palabra. En el lenguaje inclusivo del que ningún protocolo de los que
leímos en ese momento hacían uso y para nosotras era fundamental. En
las reuniones, en los comentarios desafortunados de las funcionarias del
Gobierno, en la resistencia que hay para los derechos de las mujeres cis y las
disidencias, pienso en las profas, las profas que nos agitaron para que nos
empoderemos más de lo que estábamos (como si fuera posible!), que nos
pasaron contactos, que nos leyeron y que nos brindaron su conocimiento,
experiencia y apoyo incondicional, a las que amo y soy afortunada de
aprender todos los días de ellas, porque son profas amigas, profas de la vida,
una, dos, tres, mil cátedras, les quedan chicas. Si, son las 9am y mientras
preparo el mate, ya pensé en todo esto. No puedo evitar las ganas de llorar,
de llorar como nena, de llorar como lloré el 13J, de victoria, de partido
ganado, de derechos que se cumplen, y vamos a hacer cumplir. Pienso en
lo inmensas que son mis compañeras, en que las amo, y que esta lucha no
hubiera sido igual sin ellas, en lo feo y duro que es no poder abrazarnos y
festejar con toda la birra que haya en el Abasto
18
, que salió, que lo hicimos,
que somos enormes: Juntas somos enormes. Ya festejaremos, pero mientras
17
CeCAP-Centro de Estudiantes del Conservatorio Municipal Astor Piazzolla.
18
Abasto, barrio porteño donde se encuentra anclado el Conservatorio Municipal Astor Piazzolla.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
188 |
tanto me quedo con el pecho inmenso de amor, de lucha, de activismo y
de vistoria.
camila di leO- estudiante de la carrera de instrumentista-
Transitar aulas en cualquier etapa educativa y desde los distintos
roles y lugares que nos convocan, inevitablemente nos pone en relación
con otres, y eso es lo mejor que nos puede pasar: la socialización, el
intercambio, el contacto con las distintas realidades y los distintos modos
de vincularnos que enriquece y amplía en toda dimensión el motivo que
allí nos hubo convocado.
Pero, ¿qué pasa cuando el contacto con otres no está enmarcado en
el respeto? ¿Qué pasa cuando se desdibujan roles, y no se aceptan los NO,
como límite? ¿Qué hacer cuando el nombre que no puede dejar de darse
es Abuso?
Siendo docente del Conser de la ciudad, comencé junto con otra
profa, a hacerme eco de realidades vividas desde lo disruptivo y no deseado: el
desdibujamiento del límite, y frente a esto un marco protocolar necesario para
actuar frente a los casos existentes, y limitante para posibles nuevos casos.
Alumnas denunciando maltrato, destrato, abusos, etc de pares y de
docentes que quedaban expuestos en sus más hostiles formas de relación…y
entonces surgió la necesidad de tener un protocolo que regule…pero he
aquí: tal protocolo no existía.
Fui invitada (y al día de hoy agradezco ese honor) por el área de
género del CeCAP, a aportar y fundamentalmente poder acompañar a
pensar la confección de un protocolo harto necesario e inexistente. ¿Y
para qué sirve un protocolo? Para indicar y marcar un lugar, pasos a dar
y alertas de evitar acciones no deseadas. Y desde ese lugar que va de lo
personal a lo político, de lo individual a lo colectivo las pibas del centro
de estudiantes, trabajaron arduamente y sin conocimiento armaron un
recorrido de lecturas de marco legal, entrevistas, etc y la redacción de lo
que se necesitaba.
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
| 189
Pautaron un paso a paso criterioso, pero, la burocracia enquistada
en las instituciones hizo freno y rebote más de una vez: frente a denuncias,
sabiendo cómo se debía actuar, se hizo lo contrario: avisar al denunciado,
por ejemplo, o dudar porque lo denunciado no había sucedido en la
institución.
Día a día, la necesidad de la aprobación del protocolo quedaba
enmarcada en el derecho de estudiar y trabajar en un espacio libre de
abusos y violencias varias, pero una y otra vez, desde “el cajoneo” a la
postergación de su tratamiento se hacía evidente que no se sabía qué hacer
con esto No podía aplicarse el “protocolo” general de Educación porque el
Piazzolla tiene sus particularidades: niñes, adolescentes, adultes conviven
diariamente, y además porque pertenecen a DGeArt, que, no cuenta con
protocolos, y por conocimiento, no tienen el cómo ni el con qué para
trabajar en esos casos. Desde el CeCAP, no se quedaron de brazos cruzados,
y siguieron buscando recursos para que este fuera tratado y aprobado. Por
n, se logró ese espacio de tratamiento, y allí nuevamente a la vista 7 hs
para leerlo punto por punto, artículo por artículo, como si no hubiese
estado en manos de las autoridades con tiempo suciente…y vuelta a
postergar otra reunión…para tratar 4 artículos que no quedaban claros….
Lo claro es aceptar que la necesidad que incluye derechos pone en riesgo
espíritus de cuerpo, y que el único cuerpo que debe ser cuidado es el de
aquelles que dicen que “NO es NO” y ese el principio desde el cual todes
debemos acompañar.
La alegría que este logro conlleva, no es desde una mirada personal,
sino colectiva, y desde ese colectivo brindo por el trabajo hecho con y desde el
compromiso donde quienes son objeto de vulnerabilidad, son precisamente
aquelles que se pudieron empoderar para brindar un marco institucional de
cuidado, allí donde las instituciones, muchas veces no cuidan.
Silvia Virginillo
Licenciada y profesora en psicología del
Conservatorio Municipal Astor Piazzolla
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
190 |
La Educación Sexual Integral fue algo que me encontró. Mis intereses
y trabajos venían rondando la música, la salud mental, lo comunitario, las
niñeces y juventudes, la educación. Más o menos en ese orden, las áreas se
fueron superponiendo, solapando, entramando.
En esa trama de escenarios y actores diversos, es que entendí la
necesidad de defender los derechos de niñes y adolescentes. Rápidamente,
este objetivo se tornó tortuoso: las instituciones pueden parecer ordenadas,
pero son un campo de batalla. Y en esas batallas, las femineidades y
disidencias no la tenemos tan fácil: nuestros cuerpos y subjetividades son
construidos como vulnerables y el sistema arremete. La violencia es una
realidad cotidiana para nosotres, también en lo laboral. Por eso, entre otras
cosas, necesitamos ESI.
No sólo por el derecho a acceder a información de calidad, válida,
actualizada. No sólo para deconstruir el machismo que nos violenta
y el adultocentrismo que silencia las voces jóvenes. Si no también para
construir docencias sensibles, responsables, conables, implicadas. Para
establecer tramas de acciones institucionales coordinadas, con enfoque de
derechos, de géneros, respetuosas, vitales. Para construir exigibilidad de
derechos para niñes y juventudes, pero también para les docentes como
trabajadorxs. Porque, ¿quién cuida a les que cuidan?
Al poco tiempo de vivir la peor persecución laboral de mi vida,
ocurrió que las mismas posiciones y saberes que habían sido duramente
castigados en una institución, pasaron a ser el perl buscado en otra: pasé
a ocupar un rol docente en el seminario de Educación Sexual Integral en
un profesorado de Música.
Llego, entonces, al ámbito del conservatorio como quien encuentra
una huerta en el desierto: ya hay trabajo realizado, hay “barricada” en los
márgenes, hay una grupalidad que habita y habilita el hacer comunitario,
militante y amoroso en torno a la defensa de los derechos.
En el año de la virtualidad generalizada, los encuentros se tornan
quizá más escasos pero no por eso menos potentes, y llego a presenciar
un triunfo del movimiento estudiantil feminista, con les jóvenes como
protagonistas de un hecho histórico para la institución. La alegría es
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
| 191
inmensa: estoy donde tengo que estar, que es siempre un cruce, único e
irrepetible, de innidad de caminos.
Marcia Caruso.
Docente suplente del Seminario de ESI –
Conservatorio Municipal Astor Piazzolla.
referências
ARGENTINA. Ley Nacional de Identidad de Género N°26743.Buenos Aires, 2012.
ARGENTINA. Ley Nacional de Educación Sexual Integral N° 26150. Buenos Aires, 2006.
ARGENTINA. Ley Nacional de protección integral de las mujeres en todos los ámbitos donde
desarrollen sus relaciones interpersonales N° 26485. Buenos Aires, 2009.
ARGENTINA. Ministerio de Turismo y Deportes. Guía para construir un protocolo de
prevención e intervención ante situaciones de violencia de género en instituciones deportivas.
Buenos Aires, 2019.
DIAZ, N. ¿Qué hacemos con la música? Y ¿Qué hace ella con nostrxs? Músicas, género y
discursos. En actas Presentación de la Mesa Educación, género y música. Cátedra Libre.
La Plata: Universidad Nacional de La Plata – UNLP, 2021.
LISKA, M. Entre géneros y sexualidades. Tango, baile, cultura popular. Buenos Aires:
Milena Caserola, 2018.
MESA, P. La formación musical desde la perspectiva de género. In: CONGRESSO DA
ASSOCIAÇÃO INTERNACIONAL PARA O ESTUDO DA MÚSICA POPULAR -
IASPM-LA, 14., Medellín, 2020. (Simposio 15 – Experiencias de género en la formación
musical). (No prelo).
RAMOS, G. A. Si Piazzolla viviera diría: PREPARENSE. La ESI está sonando. In:
PORTAS, S.; RAMOS, G.A. La ESI y sus múltiples territorios. Prácticas de ciudadanía.
Buenos Aires: Miño y Dávila. (No prelo).
RAMOS, G. A. La ESI nos toca y canta. Abriendo las puertas para que entre y salga la
Educación Sexual Integral. In: Actas del Foro de Psicoanálisis y Género, 2017. Disponível
em: https://jornadasforodepsicoanalisisygenero2017.les.wordpress.com/2017/10/ws18-
gabriela-ramos.pdf. Acesso em 23 mar. 2022.
SEGATO, R. Contra-pedagogías de la crueldade. Buenos Aires: Ed. Prometeo, 2018.
192 |
| 193
C  :
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N  L P –
A- (1929-1936)
Pablo Kopelovich
intrOducción
El presente texto es resultado de los primeros avances de la tesis de
Doctorado en Ciencias de la Educación (Universidad Nacional de La Plata)
que me encuentro cursando desde comienzos de 2017. Dicha investigación
indaga la construcción o conguración de cierto orden corporal generizado
y sexualizado en los colegios de enseñanza media dependientes de la
Universidad Nacional de La Plata (en adelante, UNLP) ubicados en dicha
ciudad (Colegio Nacional y Colegio Secundario de Señoritas) a partir
especialmente del accionar del Departamento de Cultura Física entre los
https://doi.org/10.36311/2022.978-65-5954-279-6.p193-220
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
194 |
años 1929 y 1946
1
. Este Departamento tiene como objetivos, entre otros,
la organización de la asignatura ejercicios físicos y gimnasia en los citados
colegios. Se trata de instituciones que reciben estudiantes provenientes
especialmente de sectores medios y altos de la sociedad.
Dicho período es dividido en otros dos (1929-1936, 1936-1946), a
partir de la generación de una comisión encargada de evaluar su accionar, lo
que daría una impronta distinta a estos dos momentos desde la perspectiva
de género. En esta ocasión, optamos por centrarnos en el primero de los
períodos.
Entonces, hacemos hincapié en cómo se construye ciudadanía a
través de la conguración de cierto orden corporal generizado y sexualizado.
Así, nos guía el siguiente interrogante: ¿qué roles, funciones, lugares, en
la sociedad se fomentan para alumnos y alumnas, diferencialmente, a
través de la enseñanza de ejercicios físicos? Para ello, utilizamos variadas
fuentes entre las que se destacan planes y programas de estudio, fotografías,
memorias de los directivos de los colegios, artículos académicos y discursos
del Director del Departamento de Cultura física, entre otros.
Entonces, partimos de considerar al cuerpo como un fenómeno
social, cultural e histórico, inserto en una trama de sentido y signicación.
No se trata de algo dado, natural, de un conjunto de huesos, articulaciones
y músculos, sino que es materia simbólica, objeto de representación y
producto de imaginarios sociales (SCHARAGRODSKY, 2007a). Así,
aparece sujeto por un conjunto de prácticas, saberes y normas que le dan
forma, recreando y gloricando unas determinadas creencias y valores
de la sociedad de pertenencia (Barbero González, 1998). De este modo,
el cuerpo como realidad construida supera los contornos individuales
para aparecer como literalmente social, siendo cada cuerpo singular un
ejemplo particular construido en la conuencia de signicados privados y
sociales, familiares y culturales, sencillos y complejos, presentes y pasados
(CRISORIO, 1998). El cuerpo, entonces, in-corpora en sí mismo a la
cultura (CRISORIO, 1998), siendo una cristalización del colectivo social
(CARBALLO; CRESPO, 2003).
Esta dependencia de la UNLP funciona a lo largo de los 18 años mencionados, siendo reemplazada por la
Dirección General de Educación Física.
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
| 195
Asimismo, abordaremos el Currículum que los colegios implementan,
comprendiendo a este como vinculado con los procesos de selección,
organización, distribución, transmisión y evaluación del contenido y de sus
objetivos dentro de los sistemas educativos (GVIRTZ; PALAMIDESSI,
2006). En la misma línea, se lo entiende como
[...] la síntesis de elementos culturales (conocimientos, valores,
costumbres, creencias, hábitos) que conforman una propuesta
político-educativa pensada e impulsada por diversos grupos y
sectores sociales cuyos intereses son diversos y contradictorios,
aunque algunos tiendan a ser dominantes o hegemónicos, y otros
tiendan a oponerse y resistirse a tal dominación o hegemonía” (DE
ALBA, 1998, p. 59).
Así, Partimos de la idea de que el Currículum a lo largo de la historia
es un dispositivo del discurso pedagógico moderno que funciona como
un mecanismo de género. O sea, que sexualiza y generiza contribuyendo
a perpetuar desigualdades entre mujeres y varones, a la vez que provee
elementos irremplazables en la conquista de la autonomía y las posibilidades
de transformación (ALONSO; MORGADE, 2008).
De este modo, el discurso pedagógico moderno, ya desde su
surgimiento en los siglos XVII y XVIII con “Didáctica Magna” de Comenio,
ha transmitido guiones de género desiguales. Eso se llevó a cabo, desde un
plano discursivo o retórico, a partir de un conjunto de dispositivos entre
los que se destacan la infancia (el destinatario de la educación), la alianza
escuela-familia, el docente (como poseedor del saber valioso, encargado de
transmitirlo), la gradualidad, y el currículum (lo que se va a enseñar). Así,
ese discurso pedagógico moderno es materializado a lo largo de los siglos
XIX y XX, a través de los sistemas educativos modernos que acompañan
el surgimiento y la consolidación de los Estados nacionales. Sin embargo,
tanto el discurso pedagógico moderno como su materialización, han
producido al mismo tiempo formas de resistencia, de cuestionamiento, de
subversiones, frente al guión generizado y sexualizado dominante.
En este marco, siguiendo a Judith Butler (2006), entendemos al género
no exactamente como lo que uno “es”, ni precisamente como lo que uno
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
196 |
tiene”, sino como el aparato mediante el cual tienen lugar la producción
y la normalización de lo masculino y lo femenino. Así, “[...] el género es
el mecanismo mediante el cual se producen y naturalizan las nociones de
masculino y femenino, pero podría muy bien ser el aparato mediante el cual
tales términos son desconstruidos y desnaturalizados” (BUTLER, 2006, p.
11-12). En este sentido, la investigación, reexión y debate alrededor del
género ha conducido lentamente a plantear que las mujeres y los hombres
no tienen esencias que se deriven de la biología, sino que son construcciones
simbólicas pertenecientes al orden del lenguaje y de las representaciones.
En cada cultura, una operación simbólica básica otorga cierto signicado
a los cuerpos de las mujeres y de los hombres. De este modo, mujeres y
hombres no son un reejo de la realidad “natural”, sino que el resultado de
una producción histórica y cultural (LAMAS, 2000).
Finalmente, pensando en los lugares ocupados por mujeres y hombres
en Argentina en las primeras décadas del siglo XX, nos encontramos con
que en 1853 se rma la Constitución Nacional, que otorga derecho a la
participación política solamente a los ciudadanos varones. Sin embargo, no
se garantizaron los derechos de las clases populares, lo que signicó la lucha
por una nueva ley electoral. En 1912 la ley SáenFFz Peña estableció el voto
universal, secreto y obligatorio, pero continúa excluyendo a la mujer del
acto político de elegir a sus representantes (GRAMAJO, 2011).
Por la legislación imperante en Argentina en esos años, las mujeres
no tenían presencia cívica. Para la ley eran consideradas poco menos
que minusválidas o menores de edad eternas, ya que pasaban de
depender de su padre al esposo, en caso de casarse, sin posibilidad
de cuestionar el destino de su existencia. (GRAMAJO, 2011, p. 1).
Recién en 1947 se dictó la ley 13.010 que concedía a la mujer
derechos políticos, convirtiéndolas en sujetos capaces de ser electoras y
elegidas.
En ese marco, la transformación económica del país fue acompañada
por una expansión de servicios de diferente tipo. En ese marco, las mujeres
se convirtieron en maestras, enfermeras, empleadas, dactilógrafas y
vendedoras, y hasta se aventuraron en el ejercicio de algunas profesiones
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
| 197
(LOBATO, 2014). Se llevó a cabo una rápida feminización de la docencia
y de la enfermería, con sus secuelas de desjerarquización y subordinación,
entendiendo esas labores como extensión de las funciones domésticas y de
sus atribuciones.
En relación a la feminización de la docencia, Graciela Morgade
(1997) plantea que se trató de un proceso acelerado que se dio en Argentina
entre nes del siglo XIX y las primeras décadas del XX, e interpreta que
se trató de una alternativa contradictoria para las mujeres. Por un lado, la
apertura de la Escuela Normal como opción de estudios secundarios y como
formación para un campo legítimo y protegido constituyó rápidamente
un lugar atrayente para las mujeres (mayormente de las capas ascendentes
aunque también de elite) al converger a las inquietudes de las distintos
grupos de mujeres. Consistía en una labor que brindaba prestigio social
para ellas, no así para los hombres. Por otro lado, implicó desempeñar su
trabajo en condiciones materiales hostiles a cambio de salarios magrísimos.
De este modo, las maestras fueron pensadas como maternales, obedientes,
sacricadas y baratas (LIONETTI, 2007).
lOs cOlegiOs secundariOs y el departamentO de cultura física
de la universidad naciOnal de la plata
Pretendemos en este apartado dar cuenta, de forma sintética, del
surgimiento y las características de los colegios secundario dependientes de
la UNLP. Asimismo, presentamos al Departamento de Cultura Física de la
misma casa de estudios.
En relación al Colegio Nacional (en adelante, CN), surge a partir
de la creación en 1885 del Colegio Provincial de la Ciudad de La Plata.
Éste adoptaba los planes de estudio y las estructuras que regían a todos
los colegios nacionales del país, lo que permite que los certicados sean
válidos para el ingreso a las Universidades. Dichos colegios se enmarcaban
en un modelo pedagógico promovido por el poder central desde 1863 bajo
la presidencia de Bartolomé Mitre, que tenía como referencia al Colegio
Nacional de Buenos Aires. Este movimiento se enmarca en un proyecto
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
198 |
político más amplio de llegada del Estado Nacional en consolidación a
todo su territorio a través de distintas instituciones (TEDESCO, 1982).
El Colegio Secundario de Señoritas (en adelante, CSS) nace en
1907 por Ordenanza del a partir de la auencia cada vez más numerosa
de alumnas al Colegio Nacional –mixto desde 1898- . Así, la Ordenanza
de creación, proyectada por el Presidente de la Universidad Joaquín V.
González, se basaba en que
[...] la instrucción secundaria de la mujer es un problema ya resuelto
por las naciones más civilizadas, y es obra patriótica propender
a su mayor perfeccionamiento mental, puesto que comparte
con el hombre en las ciencias, en las artes, en la educación, en la
familia y en la sociedad, funciones que exigen aptitudes y criterios
progresivamente cultivados” (LICEO, 2001, p. 318).
Asimismo, se plantea que la presencia más numerosa de las alumnas en
el CN exige necesariamente la creación de un instituto donde la enseñanza
pueda satisfacer mejor las disciplinas mentales del sexo femenino (ídem).
Asimismo, en la sesión del Consejo Superior de la UNLP del 6 de
enero de 1929 se discutió un plan de estudios para el CNLP, considerándose
también los benecios de la implementación en gran escala de la cultura
física para los estudiantes (CASTIÑEIRAS, 1940, p. 214). Así, el 7 de
marzo, el presidente Ramón Loyarte dictó una resolución que fue aprobada
por el Consejo el 5 de marzo.
De este modo, en el artículo 3 de esa resolución se plantea: “El
departamento de cultura física impartirá la enseñanza de gimnasia, en las
diferentes ramas que requiere el deporte y la salud de los niños y jóvenes
que estudian en la universidad, en dos ciclos: uno obligatorio para los
alumnos del colegio nacional, el colegio secundario de señoritas, y la
escuela graduada «Joaquín V. González» [se trata de una escuela primaria],
de conformidad a los planes de estudios y al horario que el director de
aquel convendrá con los de estos establecimientos; y otro voluntario, para
los alumnos de los institutos, facultades y escuelas de enseñanza superior”.
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
| 199
Se plantea, además, que todo equipo deportivo formado por
estudiantes de la Universidad para poder llevar la representación de la
misma a cualquier certamen, deberá someterse a la Dirección y vigilancia
del Departamento de Cultura Física y observar el entrenamiento que el
mismo determine. Establece, también, que organizará anualmente una
exhibición atlética de ejercicios de conjunto, de concursos colectivos e
individuales, que den a conocer los resultados de sus enseñanzas.
El Director del Departamento de Cultura Física de la UNLP
durante el período que abordamos fue Benigno Rodríguez Jurado, que
había ingresa como docente del CN en el año 1923. Nace el 15 de febrero
de 1894 en San Luis y muere el 21 de noviembre de 1959.
En relación a su formación, pensando en cierto capital simbólico o
cultural, nos encontramos con que en la cha personal del CNLP en el
ítem “estudios cursados o profesión”, puede leerse “Bachiller-Facultad de
Derecho” y “Colegio Nacional Nicolás Avellaneda. Facultad de Derecho
Bs As”.
Asimismo, es posible armar que ocupó una posición considerable
en el campo deportivo: fue campeón argentino y sudamericano de box
(entre 1910 y 1913); jugador de rugby del Club Universitario de Buenos
Aires (CUBA) y del Club Atlético San Isidro (CASI); y representó a estos
dos últimos también en Atletismo. Aparece en el libro conmemorativo por
los 50 años del CUBA -1918-1968- (CUBA, 1968) como uno de los tres
atletas más destacados en ese deporte. Siguiendo la misma fuente, desde
diciembre de 1919 se desempeña como vocal del Club, pasando a ser desde
septiembre de 1921 Secretario, cargo desempeñado hasta nes de 1923.
Vale aclarar, pensando en cierta adscripción política de esta personalidad,
que el CUBA nace a partir de un grupo de estudiantes de Medicina de
la Universidad de Buenos Aires derrotados por el grupo de estudiantes
agrupados en torno a la tendencia reformista.
Además, continuando con su vida pública anterior a 1929, se
destaca el hecho de que participara en el germen de la creación del Club
Universitario de La Plata. Según autoridades del Club, cumplió un papel
central en la etapa que denominan “pre-fundacional” cuando un grupo
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
200 |
de jugadores de rugby del Colegio Nacional (entrenados por él mismo)
y del Club Gimnasia y Esgrima de La Plata conforman un equipo que
logra la integración a la Unión Argentina de Rugby, justamente con los
patrocinios del CUBA y del SIC. El Club Universitario de La Plata fue
fundado, entonces, en el año 1937 en el mismísimo Salón de Actos del
Colegio Nacional.
La legitimidad y autoridad en el campo de la cultura física de
BRJ, que se evidencia en el hecho de ocupar dos direcciones importantes
(Departamento de Cultura Física y Dirección de Cultura y Educación
Física de la provincia de Buenos Aires), parece provenir de esta eminente
carrera deportiva, ya que no hemos encontrado fuentes que indicaran que
poseía algún título de educación superior. Se desempeña en la Dirección
de Cultura y Educación Física de la provincia de Buenos Aires –creada por
el Gobernador Manuel Fresco en 1936- entre 1940 y 1952.
Por otro lado, en el artículo 4° de la resolución de creación del
Departamento en cuestión (marzo de 1929), se expresa que “la enseñanza
de ambos ciclos [el obligatorio y el voluntario] ha de desarrollarse de acuerdo
al examen y vigilancia clínicos del médico ocial del departamento, el que
formulará las observaciones pertinentes en la cha personal, que bajo la
dirección del mismo se llevará de cada alumno. Esta cha, en cuanto a
los alumnos comprendidos en el ciclo obligatorio, se dará a conocer
periódicamente a los padres de los mismos”.
Así, se insiste en la idea de examinar a los alumnos para luego
clasicarlos y de controlar al personal en relación a las enfermedades que
maniesten tener.
Además, se establece que ningún concurrente al Departamento
podrá participar en las actividades del mismo sin someterse previamente
a la inspección de la Ocina Médica. Las mujeres podrán ser examinadas
si lo preeren por la médica del Colegio Secundario de Señoritas, quien
deberá realizar su examen en las mismas condiciones en que se efectúe en
la ocina del departamento. Esta ocina llevará chas médicas y carnets
individuales para cada uno de los distintos exámenes que practique y los
requieran.
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
| 201
El Consejero académico Adorni (1936) plantea que el reconocimiento
médico de todos los alumnos traerá como resultado la eliminación de
aquellos que fatalmente se perjudicarían con ejercicios inconvenientes: los
anémicos, los asmáticos, los cardíacos, etc, y que también permitiría al
médico hacer indicaciones muy útiles a los familiares del alumno. Y agrega
que “una clasicación seria de los estudiantes, de acuerdo con la aptitud
física de cada uno –que ninguna universidad del país posee-, permitirá
conocer cuál es el bio-tipo nacional” (sesión 12 de noviembre de 1936, el
destacado me pertenece).
lacultura físicaO educandO físicamente a lOs varOnes del
cOlegiO naciOnal
Luego de la introducción realizada, estamos en condiciones de
abordar lo que estrictamente nos compete. Queremos iniciar esta sección
haciendo referencia al aspecto relacional de cualquier enfoque de género. Es
decir, no se puede entender la feminidad sin dar cuenta de la masculinidad,
ni viceversa (SCHARAGRODSKY, 2007b).
Así, siguiendo a Pablo Scharagrodsky (2007b), es necesario destacar
cuatro conceptos clave inherentes a los estudios sobre masculinidades:
1) la condición masculina es una construcción cultural que se produce y
reproduce socialmente y que no puede ser denida fuera de las condiciones
históricas, culturales, económicas y políticas en que ese sujeto masculino
se constituye; 2) existen diversos modelos de masculinidades; 3) las
masculinidades están fuertemente condicionadas por otras dimensiones
de la subjetividad humana: la clase social, la etnia, la edad, la orientación
sexual, la religión, etc.; 4) las masculinidades están en permanente cambio
y son fuente de constantes disputas, no siendo posiciones jas.
Entonces, para nuestro caso concreto, en 1929 en el boletín del CN,
Rodríguez Jurado (al referir al Departamento de Cultura Física) plantea
que “[...] ya no se discute la obligación del Estado en fomentar la educación
física de sus habitantes, organizándola en forma seria y cientíca que tienda
a mejorar la salud y a disciplinar el carácter y la inteligencia, pues con ello
se levanta el nivel de cultura general” (RODRÍGUEZ JURADO, 1929, p.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
202 |
26). En ese mismo artículo, es donde por primera vez hace referencia a la
enseñanza de la educación de unos y de otras. Allí, expresa que en el CN es
donde se desarrolla la asignatura con más regularidad y perfeccionamiento
y sus alumnos son los más beneciados con la creación del Departamento
instalado sobre antiguas dependencias del Colegio. Sobre el CSS se dice
que para ese primer año, por no contar con vestuarios para mujeres, se ha
optado por no modicar la enseñanza de la gimnasia que se sigue en el
colegio.
En 1930, al hablar exclusivamente de la cultura física en el CN plantea
que los alumnos realizan: Gimnasia; Gimnasia de aparatos; Atletismo:
saltos, carreras y lanzamientos; Deportes y juegos: fútbol, rugby, box,
pelota, tennis y remo; Natación: ejercicios en seco, salvamentos, estilos y
waterpolo.
Luego, el autor hace referencia al box como “deporte viril”. Aclara,
en ese contexto, que lo estima como uno de los deportes más completos,
porque “[...] exige de quienes lo practican una adecuada preparación física
previa, que les obliga a fortalecer su cuerpo y cuidar su salud haciendo
una vida normal y regular” (RODRÍGUEZ JURADO, 1930, p. 21). Así,
desde su perspectiva no solo rinde benecios físicos sino también morales:
la suciencia respecto de las propias fuerzas, la caballerosidad, decisión e
inteligencia son cualidades propias de los acionados al box. Si tenemos
en cuenta que el box en ese momento era un deporte exclusivamente
practicado por hombres, es posible interpretar que está diciendo que
cualidades como decisión e inteligencia son propias de los hombres.
Aunque sea una obviedad decirlo, la idea de caballerosidad excluye a una
parte importante de la sociedad, a la vez que alude a la formación de cierto
grupo privilegiado de la sociedad.
En este contexto, entendemos que no existen deportes masculinos
y deportes femeninos, ni prácticas masculinas o femeninas, sino que
son los discursos los que le imprimen esos sentidos a ciertas prácticas,
considerándolas –como veremos más adelante- como ligadas a la naturaleza
de cada sexo-género.
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
| 203
En 1934, nos encontramos con un extenso informe presentado por
Rodríguez Jurado (dirigido al Presidente de la UNLP) sobre lo realizado
por el Departamento desde su creación en 1929 hasta el año 1933. Allí se
plantea que
El plan de cultura física preparado para los alumnos del Colegio
Nacional, que practican la cultura física en forma obligatoria,
comprende un extenso programa de ejercicios y juegos que
están dispuestos en series progresivas para ser aplicado a la edad y
necesidades orgánicas de los alumnos. (RODRÍGUEZ JURADO,
1934, p. 8, grifo nuestro).
Asimismo, aclara que se dictan dos horas semanales de clases de
gimnasia para los alumnos de 1° y 2° años, y con el nuevo Departamento
se pudo intensicar la enseñanza de la cultura física para estos alumnos
(RODRÍGUEZ JURADO, 1934, p. 8). Entonces, explica que el programa
consta de dos partes: A) Trabajos en el gimnasio. Incluye: formaciones
gimnásticas, marchas y evoluciones, carreras en masa con guras,
ejercicios calisténicos, ejercicios en conjunto con elementos, ejercicios en
aparatos pesados, ejercicios en aparatos especiales, juegos en masa, juegos
organizados, ejercicios de defensa personal, y competencia en masa; B- En
el campo atlético o al aire libre. Incluye: ejercicios y juegos ya mencionados
que pueden practicarse al aire libre, juegos organizados que requieren
mucho espacio, pruebas y ejercicios atléticos.
Luego de aclarar que no es posible aplicar íntegramente ese programa
(porque no se cuenta con los elementos indispensables por su elevado
costo), expresa al presidente que las dos horas semanales no son sucientes,
“[...] debiendo dictarse por lo menos cuatro horas semanales divididas en
dos periodos de dos horas cada uno” (RODRÍGUEZ JURADO, 1934, p.
10). Estos enunciados darían cuenta de una concepción sobre los varones
que les atribuye un debe ser vinculado a ser activos al realizar un extenso
programa de ejercicios físicos a desarrollarse en no menos de 4 horas
semanales.
Finalmente, en ese mismo texto destaca que desde el Departamento
se organizaron torneos de fútbol, básquet y pelota a paleta, entre la Escuela
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
204 |
Industrial, la Escuela Superior de Comercio y el CN, triunfando este último
en los tres casos. Aquí puede verse cómo se vincula al universo masculino
a la competencia o la lucha, cualidades atribuidas históricamente a este
sexo-género. No es menor el hecho de que destaque frente al Presidente de
la UNLP que los alumnos del CNLP han vencido en los tres casos, lo que
daría cuenta de la formación con espíritu ganador para los varones.
En 1935, en un número conmemorativo del 50° aniversario del
CN, en un artículo que llamativa se titula “El Departamento de Cultura
Física del Colegio Nacional” (cuando ese Departamento depende de la
UNLP) reere a que esta dependencia traza sus planes teniendo en cuenta
la necesidad de obtener ante todo una juventud sana y vigorosa. Aquí
podemos ver, sumado al hecho de la existencia de la Ocina Médica,
que el discurso legitimador de las prácticas diferenciadas es el ligado a
la salud o la medicina, que incluirá entre otros al de la antropometría.
Asimismo, plantea que no se tienta con el deportismo, sino que “[...] lo
que anhela es la ecacia física de esos hombres en formación. Muchos
muchachos de buena salud, aunque entre ellos no haya ningún campeón
atlético” (RODRÍGUEZ JURADO, 1935a, p. 195) (el destacado me
pertenece). De este último fragmento se deriva que se piensa en cierta
cultura física utilitaria para los hombres en formación, cuestión que como
veremos luego no es mencionada al referir a la educación de las mujeres. Es
interesante notar cómo Rodríguez Jurado entiende que la lógica del deporte
profesional –universo por esos años casi exclusivamente masculino- no
debe ser trasladada directamente al ámbito escolar. Esto adquiere mayor
importancia si tenemos en cuenta que él mismo se desempeñó a un alto
nivel en deportes como el rugby y el atletismo, y que su hermano Arturo
Rodríguez Jurado (mencionado también como encargado de la enseñanza
del rugby y del box en el CN), se desempeñó profesionalmente habiendo
ganado una medalla de oro en los Juegos Olímpicos de Ámsterdam 1928 y
habiendo integrado la selección masculina argentina de rugby.
En ese mismo artículo de 1935, se hace referencia a que los alumnos
coordinan un Centro de Deportes que organiza tanto torneos internos como
externos, destacando la autonomía que tiene dicho Centro. Así, agrega: “Y
es en el ejercicio de dicha autonomía que los alumnos van formando su
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
| 205
capacidad organizadora y el concepto de la propia responsabilidad, que más
tarde le serán necesarios en la vida corriente” (RODRÍGUEZ JURADO,
1935, p. 197). No puede desprenderse directamente de esta armación que
solamente se fomenta el ejercicio de la autonomía, la responsabilidad y el
emprendimiento en los varones del CN. No obstante, como veremos más
adelante, no encontramos enunciados de este tipo al referir a la educación
de las mujeres. Entonces, si aceptamos la armación –extendiendo la idea
de Simone de Beauvoir (1949)- de que no se nace hombre sino que se llega
a serlo (SCHARAGRODSKY, 2006), el camino que los varones deben
transitar incluye entre otras cosas formar su capacidad organizadora y
desarrollar la responsabilidad para la vida corriente, ligada probablemente
más a la vida pública que para el caso de las mujeres.
Asimismo, en ese artículo, explica que la serie de los ejercicios están
basados en principios anatómicos, siológicos y psicológicos, siguiendo un
orden especial en cuanto a la región del cuerpo que entra en acción. Esos
ejercicios incluyen las siguientes partes del cuerpo: piernas y brazos, parte
superior e inferior de la espalda, partes laterales del tronco, y abdominales.
Se trata justamente de las zonas que son fuertemente prescriptas
para los hombres en las clases de Educación Física de la época, como
arma Scharagrodsky (2006) al analizar la política corporal generizada
implementada por el Dr. Enrique Romero Brest entre los años 1901-
1938. Esas prescripciones se enmarcan en la idea de que cualquier Estado
moderno necesitaba brazos fuertes y disciplinados, y en la vinculación
histórica del universo masculino con la fuerza y lo vigoroso.
lacultura física femeninaO educandO físicamente a las
mujeres del cOlegiO secundariO de señOritas
A referir al CSS, Rodríguez Jurado plantea que al hacerse cargo de la
Dirección del Departamento estudió el programa de actividades físicas y
sistemas que aplicaban las profesoras del establecimiento, encontrando que
debía ser modicado e intensicado “de acuerdo con los nuevos métodos
de cultura física femenina” (RODRÍGUEZ JURADO, 1934, p. 12, grifo
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
206 |
nuestro). En estas palabras, como sucede con los nombres de los Colegios
2
,
queda claro que se tiende a ver al hombre como universal, siendo la mujer
un caso particular. Es decir, cuando este autor alude a los hombres se reere
a la “cultura física”, mientras que cuando quiere aclarar que se reere a las
mujeres utiliza la idea de “cultura física femenina”. Esto está en línea con
lo enunciado en los principales manuales de cultura física de la época
3
.
Entonces, siguiendo a Simón de Beauvoir,
[...] uno debe entender que los hombres no nacen con una facultad
para lo universal y que las mujeres no se circunscriben en el
momento de su nacimiento a lo particular. Los hombres se han
adueñado y se siguen adueñando a cada instante de lo universal.
No es que suceda, sino que tiene que hacerse. Es un acto, un acto
criminal cometido por una clase contra otra. Es un acto realizado en
el nivel de los conceptos, la losofía y la política. (DE BEAUVOIR,
2018, p. 5; EN BUTLER, 2018, p. 234).
A continuación, en el texto de 1934 ya referido, Rodríguez Jurado
al hablar de un plan que contemple todos los aspectos de la cultura física
para las alumnas, plantea:
Dicho plan está basado en los principios de que la cultura física
de la mujer debe diferir poco de la que requiere el niño hasta los
11 años de edad; pero a partir de allí, los ejercicios físicos para
las alumnas deben adaptarse a la modalidad, temperamento y
contextura física propias del sexo, persiguiendo con ello, no un
desarrollo muscular excesivo sino una perfecta salud y un mayor
equilibrio orgánico y siológico, así como también una selección
de juegos y deportes que deben practicar, para evitar los que exigen
una exagerada fatiga y un desgaste orgánico superior a sus fuerzas.
(RODRÍGUEZ JURADO, 1934, p. 12, grifo nuestro).
De este rico párrafo, pueden analizarse distintas cuestiones en clave
de género. Por un lado, la alusión a la diferencia entre el niño y la niña
2
Al nombrar al Colegio Nacional no se aclara que es para varones, como sí sucede con el Colegio Secundario
de Señoritas.
3
Ver, por ejemplo, “Manual de Cultura Física. Adaptado al plan de estudios para el título de maestro infantil”
(1914), de Manuel L Gordon; o “Cultura física. Breves conocimientos cientícos” (1946), del Dr. Carranza Lucero.
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
| 207
a partir de los 11 años remite claramente al período en el que comienza
la pubertad, por lo que es evidente la importancia que se atribuye a lo
orgánico, a partir del discurso médico. Asimismo, es posible en estas
palabras inferir la consideración de que existen cualidades propias del
sexo femenino, como son la contextura física y el temperamento. Con
la inclusión de este último término se estarían incluyendo cuestiones
propias de la Psicología. Eso llevaría a no desarrollar excesivamente la
musculatura (como sucedería con los varones), sino a priorizar la salud y
equilibrio orgánico y siológico. Entonces, deben ser seleccionados juegos
y deportes que eviten una exagerada fatiga y un desgaste orgánico superior
a sus (menores) fuerzas (en comparación, una vez más, con el hombre o
universal).
En relación justamente a los deportes que deben practicar las mujeres,
se explica que practican atletismo y pelota al cesto. Sobre esos deportes, se
dice que se llevaron a cabo en las instalaciones del campo de deportes,
en una de las varias oportunidades en las que las alumnas asistieron a ese
espacio. Esto da a entender que lo habitual era que hicieran las clases de
educación física en el gimnasio del CSS, sobre lo que volveremos en un
apartado posterior.
Con respecto al plan de acción y programa de cultura física para
las alumnas del CSS, el Director plantea que “[...] está basado en los
principios modernos establecidos como los más apropiados para la mujer
[…]” (RODRÍGUEZ JURADO, 1934, p. 14). Luego explica que se
ha tenido en cuenta “[...] el método preconizado por el célebre doctor
Mauricio Boigey, método universalmente reconocido y aplicado hoy en
día en todos los institutos femeninos de educación física” (RODRÍGUEZ
JURADO, 1934, p. 14).
Con respecto a esta personalidad, Boigey (1877-1952) fue un médico
militar francés que abordó el área de medicina y deporte. Es referido en
varias ocasiones por Jacques Leonard (1983) como un médico eugenésico.
Se destaca entre sus obras el libro titulado “La Educación física femenina
(1925), planteándose en el mismo que el autor aboga por una educación
física adaptada y respetuosa de las leyes siológicas del cuerpo femenino,
para proteger y reforzar los órganos uterinos. Se dice también que se hace
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
208 |
eco de la relativa libertad tomada por las mujeres en la Segunda Guerra
Mundial a través de las funciones realizadas.
Entonces, entendemos que no es menor esta adhesión a las ideas
de Boigey. Es decir, considerar que la Educación Física de las mujeres
debe pensarse especialmente para la función materna (en tanto destino
natural) implica la adhesión a cierta visión sobre el papel que deben
cumplir en un futuro las alumnas en la sociedad. De este modo, el
carácter de conocimiento cientíco del discurso médico parece legitimar la
prescripción/proscripción de ciertos comportamientos relativos al cuerpo
de personas de todas las clases sociales. Se trataría incluso de una imposición
de prácticas de relación con el cuerpo. La Medicina de esta forma, más que
una ciencia natural sería una ciencia política, ya que a través de un discurso
que se presenta como meramente técnico, y por ende neutral, contribuiría
al gobierno de los cuerpos, buscando generar determinado orden social
(PEDRAZ, 1997).
Entonces, destacando nuevamente el discurso médico, se dice que la
clasicación siológica es una necesidad sobre todo en las alumnas, “[...]
debiendo tenerse en cuenta estatura, peso, la capacidad espirométrica,
la velocidad, el desarrollo general, y el habitual estado de salud
(RODRÍGUEZ JURADO, 1934, p. 15). Aquí es posible identicar la
imagen de mujer como ser débil, necesitado de mayores cuidados que los
hombres.
De este modo, las clases incluyen ejercicios de exibilidad, equilibrio,
armónicos, y rítmicos y con música. Así, se arma que las exiones deberán
interesar sucesivamente los brazos, las piernas y el tronco. Entonces, pese
a incluirse algunas de las partes del cuerpo desarrolladas por los varones
se trata del fomento de diferentes capacidades motoras. A continuación,
se explica que hay que desterrar los movimientos bruscos e incompletos,
tratándose de una ejercitación más suave que para el caso de los varones.
Con respecto nuevamente a los deportes y juegos individuales, se
plantea que ocuparán una buena parte del tiempo de clase, y que deben
estar “[...] adaptados a la naturaleza femenina, que no exijan un mayor
esfuerzo y fatiga” (RODRÍGUEZ JURADO, 1934, p. 16). Aquí se ve
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
| 209
cómo se apela nuevamente al discurso sobre la naturaleza de la mujer para
legitimar prescripciones en torno a su comportamiento y a la educación
adecuada. Se ve, asimismo, la proscripción de ejercicios de mucho esfuerzo
y fatiga. Así, como plantea Butler, “[...] el género es la estilización repetida
del cuerpo, una sucesión de acciones repetidas –dentro de un marco
regulador muy estricto que se inmoviliza con el tiempo para crear la
apariencia de sustancia, de una especie natural de ser.” (BUTLER, 2018,
p. 98).
En el discurso del “acto deportivo con motivo de las clausuras de
cursos 1935” parece explicarse mejor en qué consiste esta naturaleza o
esencia femeninas:
Esta esta es la que podría llamarse la expresión graciosa de la
actividad física. Por eso no necesita discursos, pués, su elogio
surge de sí misma, del bello cuadro de estas jóvenes en que la
educación física no ha servido sinó para dar al encanto de su sexo
una vibración moderna y, a su manera cautivante. (RODRÍGUEZ
JURADO, 1935, p. 1, grifo nuestro).
Es decir, la mujer tendría esencial o naturalmente gracia, y lo único
que vendría a realizar la Educación Física sería otorgarle una vibración
moderna al encanto de su sexo. No es casual tampoco la referencia a la
belleza al aludir a las jóvenes estudiantes.
Asimismo, vinculado a esa gracia, en el informe de 1934 se enuncia
que la danza y la gimnasia rítmica son de gran importancia sobre todo para
la mujer y de grandes resultados positivos como complemento de la gimnasia
propiamente dicha. En el programa del mencionado acto deportivo, llevado
a cabo en el CSS, se incluye este tipo de prácticas corporales. Además, los
programas de 1934 para este colegio incluyen dentro de la disciplina escolar
gimnasia” a la gimnasia rítmica de 1° a 3° años, llamándose directamente la
materia “gimnasia estética” de 4° a 6° años.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
210 |
lOs espaciOs educativOs diferenciadOs
Es posible entender a la arquitectura escolar como una escritura
en sí misma, es decir, un texto dotado de signicaciones. Es decir,
puede ser examinada como una textualidad conformada a ciertas reglas
constructivas que comportan sentido en sus propias estructuras, o como
un orden que transmite, a través de sus trazados y símbolos, una cultura
(ESCOLANO BENITO, 2000). Así, se trataría en su propia expresividad,
de una mediación pedagógica, un programa educador (ESCOLANO
BENITO, 2000). En ese sentido, “[...] la distribución del espacio en los
centros educativos forma parte del currículum oculto de los mismos y
las referencias al género en la distribución del mismo así lo demuestran
(CANTÓN MAYO, 2007, p. 115).
Entonces, “[...] la forma cómo se agrupan los edicios; la relación
entre actividades y espacios abiertos y cerrados; la relación centro-periferia
y sus formas de inclusión-exclusión, nos dice algo sobre la conguración
social” (DEL VALLE, 1995, p. 225). Es decir, la utilización del espacio en
el ámbito educativo es uno de los modos posibles de deducir los lugares
ocupados por las ciudadanas y los ciudadanos en cierta sociedad en
determinado momento.
Entonces, como planteamos en el apartado precedente, en el año
1934 se hace referencia a que las alumnas del CSS practicaban ciertos
deportes en las oportunidades en las que visitaban el campo de deportes.
Esto da a entender que lo habitual era que hicieran las clases de educación
física en el gimnasio del CSS, creado ese mismo año, y en el patio de
dicha institución.
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
| 211
Ilustración 1 – Gimnasio cubierto del 1er piso del CSS. Sin fecha,
archivo del actual Liceo Víctor Mercante (ex CSS)
Fonte: Gimnasio cubierto del 1er piso del CSS. Sin fecha, archivo del actual Liceo Víctor Mercante (ex
Colegio Secundario de Señoritas).
De este modo, la directora de la institución maniesta en 1930 que
[...] en cuanto a la Gimnasia ha dependido hasta el presente del
Departamento de Educación Física pero no siendo posible la
asistencia del alumnado a las canchas de deportes del Colegio
Nacional creo que debe depender exclusivamente del Liceo [CSS]
por razones de distancia, disciplina y control. (LICEO, 2001, p.
377-378).
Es importante aclarar que la distancia entre el CSS y el campo de
deportes de la UNLP no supera los 800 metros.
Asimismo, la exhibición de gimnasia con motivo del cierre del ciclo
lectivo 1935 nos dan una imagen más del espacio cerrado utilizado para
este tipo de prácticas.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
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Ilustración 2 – Noviembre de 1935, aula del CSS. Distribución de los
premios correspondientes a la exhibición de gimnasia
Fonte: Noviembre de 1935, aula del CSS. Distribución de los premios correspondientes a la exhibición de
gimnasia. Archivo del Colegio Liceo Víctor Mercante (ex Colegio Secundario de Señoritas).
Esta situación parece extenderse, al menos, hasta el nal del período
analizado. Así, una exalumna de 1er año del CSS en 1936 (entrevistada en
mayo de 2017) arma que las clases de gimnasia se realizaban en el mismo
establecimiento (gimnasio y patio cerrado) y no el campo de deportes.
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
| 213
Ilustración 3 – Octubre de 1936. Clase de ejercicios físicos metodizados
en las canchas de deportes del CSS. Profesora Cléonida Avena y ayudante
María Manini
Fonte: Octubre de 1936. Clase de ejercicios físicos metodizados en las canchas de deportes del CSS.
Profesora Cléonida Avena y ayudante María Manini. Archivo del Liceo Víctor Mercante (ex Colegio
Secundario de Señoritas).
La práctica en un espacio cerrado para el caso de las alumnas remite a
la idea de vincular a las mujeres naturalmente al espacio privado, mientras
que el espacio público se reserva para los hombres. Como plantea Teresa
Del Valle “[...] el estudio de la asignación y signicación del espacio y del
tiempo puede ayudar […] a entender procesos de jerarquización sexual
que están anclados en esencialismos biológicos” (DEL VALLE, 1995,
p. 1). La autora entiende al espacio en referencia a un área físicamente
delimitable ya sea por las actividades que se llevan a cabo, la gente que lo
ocupa, los elementos que lo contienen o los contenidos simbólicos que
se les atribuyen. Entonces, si pensamos en el espacio y los procesos de
jerarquización sexual anclados en esencialismos biológicos, como alude
Anne Fausto-Sterling para el contexto estadounidense de principios del
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
214 |
siglo XX, “[...] la idea de que la esfera pública era masculina por denición
estaba tan profundamente implantada en el tejido metafísico de ese
período que parecía natural argumentar que las mujeres que aspiraban a los
Derechos del Hombre tenían que ser también masculinas por denición
(FAUSTO-STERLING, 2000, p. 188, grifo del autor).
De este modo, “[...] en el espacio se pueden distinguir dos planos
igualmente importantes: uno referencial y otro simbólico. La función
referencial toma el espacio como lugar concreto y perceptible, mientras
que la función simbólica lo asocia al poder y al estatus de quien lo ocupa
(CANTÓN MAYO, 2007, p. 119). O sea, lo que simbolizan los espacios
concretos que se utilizan para la práctica de ejercicio físico diferenciada son
los lugares adecuados, o incluso naturales, para unas y para otros.
Ilustración 4 – Campo de deportes del Departamento de Cultura Física.
Clase de gimnasia con palo de alumnos del Colegio Nacional
Fonte: Campo de deportes del Departamento de Cultura Física. Clase de gimnasia con palo de alumnos del
Colegio Nacional. Tomado de Rodríguez Jurado (1929).
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
| 215
Así, el connamiento de la mujer al espacio privado a través de la
práctica de ejercicios físicos, en el caso analizado, se ve reforzado por el
dictado de cursos obligatorios como “puericultura” (aunque solo se enseña
con el plan de estudios de 1926, que rige hasta 1930, lo que signica que
abarca solo el primer año analizado). Esta asignatura reere al estudio y
práctica de la salud, los cuidados y la crianza que debe darse a los niños
durante los primeros años de vida para que tengan un desarrollo sano.
Recordemos la vinculación que se establecía entre la función materna
(propia del espacio privado) con los ejercicios físicos prescriptos para las
alumnas. No obstante, otras iniciativas van el sentido contrario: el de
fomentar en las alumnas la ocupación de espacios públicos. Esto último se
ve, por ejemplo, en la realización de un campamento en la ciudad balnearia
de Mar del Plata (Provincia de Buenos Aires) en enero de 1936, catalogado
como el primer campamento femenino llevado a cabo en este sitio turístico
(LICEO, 2001). En denitiva, la realidad social es compleja, ambigua,
contradictoria.
cOnsideraciOnes finales
Nos preguntamos por la forma en la que la enseñanza de ejercicios
físicos en dos colegios secundarios de la UNLP fomenta cierto desempeño
de la ciudadanía para hombres y mujeres entre los años 1929 y 1936, en el
contexto argentino.
Así, encontramos, que se trata de una transmisión diferenciada.
Es decir, se piensan para unas y otros, diferentes prácticas, espacios,
valores. Así, algunas de dichas cuestiones se vinculan en distinto grado
con la promoción de diferentes funciones, roles, mandatos, ámbitos de
desempeño.
Entonces, pasando en limpio algunas reexiones desarrolladas,
planteamos que ya desde la misma forma de mencionar lo que realizan
ellos y ellas (cultura física y cultura física femenina) se marca el lugar de
lo universal –lo masculino- y de lo particular –lo femenino-, indicando
de este modo cierta jerarquía. Eso se encuentra en concordancia con los
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
216 |
nombres de los colegios: Nacional y Secundario de Señoritas. Aquí la
diferencia se convierte en desigualdad.
Entonces, mientras que para ellos se piensa en la práctica de variados
deportes (entre los que se incluye el box, entendido como “viril”) y en el
desarrollo de todas las capacidades motoras (fuerza, velocidad, resistencia,
etc.) a una alta intensidad; para ellas se piensa en deportes como el vóley,
la pelota al cesto y el atletismo, y en capacidades como el equilibrio y
la exibilidad, a menor intensidad y no llegando a la fatiga. Así, a la
vez que para ellos se busca trabajar partes del cuerpo como los brazos y
los hombros (con la connotación simbólica de nutrir de brazos fuertes
al Estado nacional), para ellas se piensa –siguiendo al médico eugenista
Mauricie Boigey- en ejercitar las partes del cuerpo que contribuirían al
desempeño de la función materna como la pelvis y el abdomen (propia del
ámbito doméstico).
En este marco, se destina generalmente el campo de deportes (un
sitio abierto) para los varones y el patio del Colegio o el gimnasio cerrado
para las “señoritas”. O sea, asignar el espacio público para los alumnos
del CN y el espacio privado para las alumnas del CSS, sigue la línea de
lo que sucede en la Argentina de las primeras décadas del siglo XX. Es
posible encontrar aquí un vínculo entre los espacios ocupados, la división
sexual del trabajo, y los derechos con los que se cuenta: las mujeres son
madres, costureras, maestras, secretarias, y no pueden votar ni ser elegidas;
los hombres ocupan puestos jerárquicos, votan y pueden ser elegidos.
De este modo, en un Departamento de Cultura Física donde ocupa
un lugar destacado la Ocina médica, se toma como la principal justicación
de estas diferencias jerarquizadas a la biología. Es decir, las mujeres serían
naturalmente más débiles y pasivas, mientras que los hombres serían
esencialmente fuertes, activos, responsables, emprendedores.
Como planteamos al inicio de este texto, afortunadamente en el
ámbito escolar existen una serie de resistencias, subversiones, oposiciones,
a lo establecido y transmitido. Esos desafíos por parte de los/as estudiantes
será lo que motivará la continuación de la investigación de este caso
concreto.
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
| 217
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P, 
  D H:
 
Suelen Cristina Landi Ramos
Janaine Braga Ramos
intrOduçãO
O presente trabalho discute o nascimento da Psicologia como
ciência no mundo e enquanto prossão no Brasil, interligando tais fatos
historicamente construídos às questões da diversidade sexual e dos direitos
humanos, propondo reexões sobre como os papéis exercidos, sobretudo,
pela Psicologia Brasileira, contribuíram no contexto das lutas da população
LGBTQIA+ (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais, Transgêneros,
Travestis, Queer, Intersexuais, Assexuais e Mais) e na promoção dos direitos
humanos.
Nesse sentido, buscamos estruturar o trabalho a partir de uma
escrita coesa, com contínua apresentação de fatos históricos que marcaram
os entrelaçamentos da Psicologia Brasileira com a diversidade sexual e
com os direitos humanos. Desse modo, de início, recorremos ao conceito
https://doi.org/10.36311/2022.978-65-5954-279-6.p221-242
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
222 |
de Zeitgeist, para elaborar reexões sobre como a Psicologia nasceu
como ciência no mundo. Consequentemente, descrevemos o processo
de regulamentação da Psicologia como prossão no Brasil, destacando
as construções da Psicologia Brasileira e seus atravessamentos quanto à
diversidade sexual. Por m, indicamos como os direitos humanos foram
incluídos à Psicologia Brasileira no contexto das lutas LGBTQIA+.
Partindo de contextos históricos e seguindo uma ordem cronológica,
compreendemos a Psicologia enquanto uma ciência que se dedica ao estudo
do comportamento humano, em suas mais diversas concepções. Nesse
sentido, consideramos que a diversidade sexual abrange em si os conceitos
de sexo biológico, gênero e sexualidade. Também entendemos os direitos
humanos como resultantes de ações político-sociais que, constituem um
conjunto de direitos inerentes a todas as pessoas, independentemente de
qualquer condição ou particularidade.
Portanto, buscamos destacar que a Psicologia, de forma geral, precisa
manter-se vigilante às suas construções práticas e intervenções, evitando
reproduzir ações patologizantes e violentadoras às populações marginalizadas,
como a população LGBTQIA+. Defendemos que, a Psicologia tem um
compromisso com o humano, em seus direitos e diversidades.
reflexões sObre O prOcessO históricO de cOnstruçãO da
psicOlOgia
Para reetir historicamente sobre o processo de construção da
Psicologia, podemos considerar o Zeitgeist
1
como modelo de compreensão
desse processo, traduzindo Zeitgeist como o espírito de uma época ou
índole do tempo, ou seja, estamos falando da cultura manifesta em cada
tempo histórico, como os conhecimentos, crenças e atitudes das pessoas
que vivem num tempo e lugar especícos (BROŽEK; GUERRA, 2008).
A história de construção da Psicologia está vinculada aos
desdobramentos de cada momento histórico, suas exigências de
conhecimento sobre a humanidade e, sobretudo, aos desaos apresentados
Zeitgeist é uma construção hipotética, um modo elegante de interpretar a conduta dos indivíduos e dos grupos
de indivíduos (BROŽEK; GUERRA, 2008, p. 10-11).
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
| 223
pelas novas realidades econômicas e sociais. Culminando no imperativo
desejo do ser humano de compreender a si mesmo (BOCK; FURTADO;
TEIXEIRA, 1999).
Reexões implicam interpretações, de modo que, o Zeitgeist como
um “esquema interpretativo da história” (BROŽEK; GUERRA, 2008, p.
10-11), nos é útil na reexão e compreensão dos acontecimentos históricos
que constituíram a Psicologia como uma ciência.
Podemos considerar que, a Psicologia nasceu duas vezes, em
contextos e congurações bem diferentes. Primeiro, na Antiguidade, a
Psicologia nasceu tal como gêmeos bivitelinos, tendo a Filosoa como sua
irmã e sendo apenas uma raiz losóca. Sabe-se que os lósofos gregos
além de precursores nos estudos acerca do humano e sua subjetividade,
também foram responsáveis pela primeira tentativa de sistematizar uma
“Psicologia”, concebida como ascendência da Filosoa.
Já o segundo nascimento, ocorreu no século XIX, quando a
Psicologia surgiu como uma ciência, deixando de ser apenas uma raiz da
Filosoa, para se consolidar como uma área autônoma na produção do
conhecimento cientíco, estudando o ser humano por meio da Fisiologia,
Neuroanatomia e Neurosiologia.
Mas, para compreender a diversidade com que a Psicologia se
apresenta hoje, é indispensável pensar os acontecimentos decorridos no
tempo histórico, entre esses dois nascimentos da Psicologia, no princípio
como raiz losóca e posteriormente como a ciência que conhecemos
atualmente.
Sendo assim, propondo um salto histórico da Antiguidade para
a Idade Média, vericamos que a Psicologia caminhou no bojo dos
estudos losócos, permanecendo enquanto composição da Filosoa,
buscando investigar questões subjetivas do ser humano. No período
medieval, aproximadamente, entre os séculos V e XV, ainda como uma
vertente losóca, a Psicologia estava dominada pelos dogmas religiosos,
manifestados no Cristianismo vigente naquele período, de modo que,
os estudos da época constituíam uma visão teocêntrica do mundo e
heterônoma do ser humano.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
224 |
O termo Psicologia só veio ao mundo no começo do século XVI,
tendo sua origem no vocabulário grego, a partir das palavras: psyché (alma)
e logos (estudo ou razão). Assim, a etimologia da palavra Psicologia quer
dizer: estudo da alma, signicação que abarca em si, sentidos como, por
exemplo, a percepção, a sensação e os desejos do ser humano.
Caminhando junto ao desenvolvimento da história, percebemos
que a partir do século XVI, emergiu uma nova forma de organização
econômica e social, que estabelecia a necessidade de um conhecimento
disciplinado e naturalizado. Sendo assim, começou um inerme processo
de cisão entre Psicologia e Filosoa. O Zeitgeist da época promovia um
processo de valorização do ser humano, visto como foco das preocupações
econômicas, políticas e sociais.
Contudo, a Psicologia não se desenvolveu encerrada em si mesma,
isto é, sujeita apenas às inuências internas, uma vez que, sempre formou
parte de uma cultura mais ampla, a psicologia sofreu inuências da índole
do tempo histórico que forjaram a sua natureza e direção (SCHULTZ;
SCHULTZ, 2008). De modo que, ao longo dos séculos XVII e XVIII,
com as revoluções acontecendo a todo vapor, principalmente, as revoluções
industriais e cientícas, podemos citar que, muitos estudiosos se apoiavam
no Empirismo e no Racionalismo para forjar explicações acerca das
particularidades” do humano, o que implicou grande inuência à
Psicologia da época.
Avançando na história, no século XIX, o crescimento do sistema
capitalista e seus desdobramentos inerentes culminaram em novos
processos de industrialização, para os quais a ciência deveria dar respostas
e soluções práticas no campo da técnica, de modo que, houve um grande
movimento para impulsionar o desenvolvimento da ciência moderna,
enquanto sustentação do Capitalismo e para resolução dos problemas
gerados pelo próprio sistema (BOCK; FURTADO; TEIXEIRA, 1999).
Portanto, é ainda no século XIX, que as questões e temas da
Psicologia, até então estudados exclusivamente pelos lósofos, passam a ser,
também, investigados pela Fisiologia, Neuroanatomia e Neurosiologia
em particular, cujos estudos e avanços tecnológicos levaram à formulação
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
| 225
de teorias que evidenciavam o sistema nervoso central como produtor dos
pensamentos, percepções e sentimentos humanos (BOCK; FURTADO;
TEIXEIRA, 1999).
Eis um marco muito importante na construção da Psicologia, pois é a
partir da aproximação com os saberes neurobiológicos e neurosiológicos,
que a Psicologia realiza seu segundo e denitivo nascimento, como uma
ciência experimental do humano.
É nesse momento, que o cientista Wilhelm Maximilian Wundt,
sistematiza a Psicologia Experimental, para os que o admitem como o criador
da psicologia, Wundt apenas seguiu os pressupostos da Modernidade, que
compreendia o mundo como um relógio, a sociedade como um relógio,
logo o ser humano, também deveria ser compreendido como um relógio
(GUARESCHI, 2012).
Assim, Wundt utilizando a Psicologia Experimental, colocou o
humano dentro de um laboratório e com insano esforço buscou descobrir
suas “normalidades”, as leis implícitas no “relógio” que seria o ser humano
(GUARESCHI, 2012).
Deste modo, para se tornar a ciência que conhecemos na atualidade,
a Psicologia deixou de lado suas raízes losócas, alinhando-se aos
saberes neurobiológicos, por meio de um pragmatismo cientíco, que
desconsiderava prováveis implicações éticas à vida humana.
Tudo o que fosse dispensável ou o que já fosse constatado
como descartável, comprovadamente não mais necessário à
investigação, ia sendo dispensado como os ciganos, os judeus,
os anões e os portadores de qualquer deciência. [...] Tudo o
que fosse desordem, ervas daninhas, deveria ir para a fogueira
(GUARESCHI, 2012, p. 28-29).
À vista disso, a busca por um “humano ideal”, o protótipo da
raça pura” que governaria o mundo por anos, fez com que a Psicologia
ao longo do século XIX e no começo do século XX, zesse demasiadas
experimentações estratégicas visando encontrar o “humano perfeito”, o que
provocou numerosas problemáticas e sequelas à vida humana, sobretudo,
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
226 |
no que se refere à subjetividade. De acordo com Guareschi (2012), a ética
que governava era a da eciência, do rigor cientíco, do funcionamento
prático e útil.
Nessa perspectiva, a Psicologia Experimental cumpria em seus
experimentos uma função normalizadora dos corpos humanos. Como
aponta Guareschi (2012, p. 28), “esses experimentos estão sendo feitos
por muitos até hoje”, se olharmos com cautela para os tempos atuais,
veremos que a Psicologia, indevidamente utilizada, pode reproduzir
experimentações que desrespeitem a diversidade humana.
Nesse sentido, sabemos, por exemplo, que em 1990, a Organização
Mundial da Saúde (OMS) retirou a Homossexualidade da Classicação
Internacional de Doenças (CID), entretanto, em pleno século XXI,
práticas como tratamento “corretivo” para lésbicas, gays, bissexuais e
transexuais, ou terapias de “reversão sexual”, são oferecidas utilizando
indevidamente os conhecimentos da Psicologia. Isso nos mostra que, as
mazelas experimentais reaparecem no tempo histórico, com outros nomes,
mas mantendo o mesmo cunho normalizador, segregacionista e violentador
das diferenças e diversidades humanas.
Compreendemos que, a Psicologia deve sempre resistir para não
ser utilizada novamente como instrumento de promoção do sofrimento
humano, tampouco servir como meio de estímulo ao preconceito, à
intolerância, ao estigma ou à própria exclusão de qualquer população.
Defendemos que o papel da Psicologia contemporânea deverá ser o da
promoção dos saberes psicológicos para todas as pessoas, por meio da
incansável luta pela construção e manutenção de políticas públicas que
contemplem a diversidade humana. Para que esse viés da Psicologia
se estabeleça e se fortaleça, será necessário que novos conhecimentos
teórico-práticos sejam formulados, necessariamente, embasados nos
Direitos Humanos.
Mas, avancemos um pouco mais nas reexões, pois “a história não
é estática nem imutável, ao contrário, ela está sempre acontecendo, cada
época gerando o seu contrário, levando a sociedade a transformações
fundamentalmente qualitativas” (LANE, 1989, p. 10).
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
| 227
Nesse sentido, a própria Lane (1989), propõe que sem analisarmos
as diferentes teorias psicológicas desenvolvidas após o século XX,
poderíamos articular que a Psicologia, atualmente, é a ciência que estuda
o comportamento, especialmente, do ser humano. Para nossas reexões,
é satisfatório descrever “comportamento” como “[...] toda e qualquer
ação, seja a reexa (no limiar entre a psicologia e a siologia), sejam os
comportamentos considerados conscientes que envolvem experiências,
conhecimentos, pensamentos e ações intencionais, e, num plano não
observável diretamente, o inconsciente” (LANE, 1989, p. 7).
Portanto, a Psicologia contemporânea é uma área diversicada,
tanto em teorias, como na compreensão do comportamento humano. A
pluralidade da Psicologia não é resultante de um desmazelo cientíco ou de
certa imaturidade dos saberes psicológicos, mas sim da reverberação dessa
profusão de conhecimentos, inclusive do modo como esses conhecimentos
se articulam na construção de um solo psicológico fértil.
Com toda a narrativa reetida até aqui, podemos armar que,
inuenciada por diversos Zeitgeist, a Psicologia tem um vasto passado
histórico, porém uma breve e recente história. Em função disso, do século
XIX até os tempos atuais, muitos conceitos foram cunhados pela ciência
da Psicologia e consequentemente muitas vertentes psicológicas criadas,
tais desdobramentos afetaram a produção do conhecimento cientíco
contemporâneo. Contudo, compreendendo que não cabe ao escopo desse
estudo, nesse momento, não nos aprofundaremos nos pormenores desse
passado histórico.
É no mínimo ingênua a proposição de que, os saberes da Psicologia
se mostram como o caminho das respostas e não o das perguntas sobre
o humano, devido à própria ciência da psicologia não conseguir explicar
todos os atravessamentos do humano, pois há sempre algo que escapa do
controle e categorizações da ciência. Uma vez que, o humano é sempre
ser em movimento e transformação, não é estático, é metamorfose que se
manifesta na diversidade.
O Zeitgeist como uma metáfora é ecaz, ao simplicar e unicar
narrativas que reetem acontecimentos históricos, pois nos faz compreender
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
228 |
que os conhecimentos, opiniões e dogmas de um tempo histórico, formam
uma parte muito importante de nossa existência, sobretudo, como
sociedade (BROŽEK; GUERRA, 2008). Portanto, o que analisamos ao
longo da história, é o humano atuando como sujeito social, construtor da
história e da cultura de sua(s) época(s), ao mesmo tempo, arquitetado por
tais construções histórico-culturais.
Mas, qual humano é esse que se constitui como objeto maior da
Psicologia? É sempre importante ressaltar que, a história normalmente é
contada por um personagem principal, um protagonista que possui gênero,
raça-etnia, sexualidade e uma classe social, especicamente, dominante.
Logo, arriscamos responder qual é a gura deste humano, ao dizer: homem
cisgênero, branco, heterossexual e burguês.
Sendo assim, é plausível fazermos uma crítica ao considerar que a
Psicologia, durante muito tempo ao longo de seus 200 anos de história,
produziu conhecimentos direcionados às ordens desse humano (homem-
cisgênero-branco-heterossexual-burguês), o que nos compete alegar
que, por muito tempo, a Psicologia não foi uma ciência para todas as
pessoas. Pois, ao reetirmos, entendemos que o humano, objeto maior da
Psicologia, é estruturalmente diversicado, com diferentes gêneros, raças-
etnias, sexualidades e classes sociais.
Portanto, se a Psicologia é a ciência que estuda o “comportamento
humano, nas suas mais diversas faces e denições, compreendemos como
indispensável que a Psicologia esteja cada vez mais próxima da diversidade
humana, buscando construir outras formas de pensar o humano e de
fazer Psicologia.
Assim, estamos propondo uma Psicologia inclusiva, em constante
construção de outros saberes psicológicos, que não repliquem as atrocidades
experimentais do século XIX, mas que desenvolva outras práticas e formas
de pensar o humano a partir da diversidade, ou seja, estamos falando de
uma Psicologia que lute pela promoção de direitos, estando sempre aberta
ao debate de questões estigmatizadas e marginalizadas.
Por isso, pensar temas como a diversidade sexual, no âmbito da
Psicologia, é mais que necessário, pois essa é a manifestação de um novo
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
| 229
caminho que se abre à construção de uma Psicologia revolucionária,
que se mostre compromissada com a diversidade humana, defendendo
os direitos de todas as pessoas, inclusive Lésbicas, Gays, Bissexuais,
Transexuais, Transgêneros, Travestis, Queer, Intersexuais, Assexuais e Mais
(LGBTQIA+).
Os atravessamentOs e cOnstruções da psicOlOgia brasileira nO
debate sObre a diversidade sexual
Nesse sentido, é importante fazermos um recorte de territorialidade
à Psicologia Brasileira. Pois, pensar o tema da diversidade sexual no âmbito
da Psicologia é algo muito amplo. Haja vista que, a própria Psicologia
é demasiadamente vasta, suas estruturações e construções ocorrem de
diferentes formas dependendo da localidade. Ou seja, pensar diversidade
sexual no contexto da Psicologia Brasileira, nos apresentará resultados e
reexões muito diferentes do que, por exemplo, se pensássemos a mesma
temática no contexto da Psicologia Norte-americana.
Portanto, muitas construções e atravessamentos por parte da Psicologia
Brasileira se forjaram no decorrer do tempo histórico, dissertaremos sobre
isso mais a frente. Antemão, consideramos ser relevante fazer uma breve
explanação sobre a denição geral de diversidade sexual.
Sendo assim, podemos armar que a diversidade sexual abrange em
si questões de: sexo biológico, gênero e sexualidade. É necessário lembrar
que sexo biológico, gênero e sexualidade são conceitos diferentes, mas que
estão interligados no tocante à diversidade sexual humana.
Nesse sentido, o sexo biológico é denido a partir das genitálias
(órgãos sexuais), isto é, ter um pênis, uma vagina ou ser hermafrodita, o
que se compreende e normatiza socialmente a partir de uma matriz binária,
designando sexos biológicos tais como: “macho” e “fêmea” ou “homem” e
mulher”.
Já o gênero reete construções sociais a partir do sexo biológico, ou
seja, o gênero é compreendido a partir dos papéis sociais que designam
características conhecidas como: “femininas” e/ou “masculinas”. Dessa
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
230 |
maneira, o gênero “[...] pretende se referir ao modo como as características
sexuais são compreendidas e representadas ou, então, como são trazidas
para a prática social e tornadas parte do processo histórico” (LOURO,
2014, p. 26).
Com o avanço dos estudos sobre gênero e, sobretudo, com o
rompimento da ideia de um gênero estritamente binário (homem ou
mulher), romperam-se representações estáticas, possibilitando assim outras
formas de ser e viver o gênero, por meio de processos de identicação
que permitem as pessoas denir sua identidade de gênero. Ou seja, o fato
de uma pessoa nascer com uma vagina, pênis ou sem nenhum dos dois
denidos, não determina estritamente o gênero dessa pessoa, como prova
disso temos as pessoas travestis, transexuais e transgêneros.
Por m, a diversidade sexual abrange também a sexualidade que
“[...] tem tanto a ver com as palavras, imagens, o ritual e a fantasia como
com o corpo” (WEEKS, 1993 apud LOURO, 2014, p. 30), ou seja, de
maneira geral, a sexualidade está ligada aos interesses e desejos sexuais e/ou
afetivos manifestados pelas pessoas nas relações interpessoais.
Diante disso, armamos que toda diversidade é sempre bem-vinda
e pode se mostrar favorável, como por exemplo, a mudança da sigla
GLS (Gays, Lésbicas e Simpatizantes) para a sigla atualmente utilizada:
LGBTQIA+ (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais, Transgêneros,
Travestis, Queer, Intersexuais, Assexuais e Mais). Essa mudança, na
nomenclatura da sigla, reete processos de mudanças e maior abertura da
sociedade à diversidade sexual e de gênero, permitindo que a população
LGBTQIA+ seja representada em suas múltiplas formas de ser e viver.
Anal, sexo biológico não dene gênero e muito menos sexualidade.
Portanto, retornando à Psicologia Brasileira. Os anos de 1962 até
1985 marcam o período da ditadura civil-militar no Brasil, que sem
dúvidas, inuenciou fortemente na história de formação da Psicologia em
terras brasileiras (PEREIRA; PEREIRA NETO, 2003). A regulamentação
da Psicologia como prossão no Brasil ocorreu em 27 de Agosto de 1962,
por meio da Lei nº 4.119 que: “dispõe sobre os cursos de formação em
psicologia e regulamenta a prossão de psicólogo” (BRASIL, 1962, p. 1).
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
| 231
Dessa forma, o exercício prossional de psicólogos(as) “[...] está
relacionado ao uso (que é privativo dos psicólogos) de métodos e técnicas
da Psicologia para ns de diagnóstico psicológico, orientação e seleção
prossional, orientação psicopedagógica e solução de problemas de
ajustamento.” (BOCK; FURTADO; TEIXEIRA,1999, p. 150).
De tal modo, a regulamentação da Psicologia como prossão,
aconteceu dois anos antes do golpe civil-militar, não despropositadamente,
pois a Psicologia seria, durante o regime ditatorial, uma ferramenta
normalizadora e disciplinadora de corpos dissidentes, sobretudo, corpos
LGBTQIA+. Coimbra (2001) descreve que, durante o regime ditatorial,
as vítimas eram concebidas como indivíduos anormais, de psiquismo
patológico. Sendo assim, essas pessoas é que deveriam ser disciplinadas e
não o Estado ditatorial.
Ao pararmos para reetir, percebemos que a própria Lei 4.119/62
(BRASIL, 1962, p. 1) legitima essa perspectiva normalizadora e
disciplinadora dos corpos, ao denir que é privativo dos psicólogos o uso
de métodos e técnicas da Psicologia para ns de “solução de problemas de
ajustamento”.
Nesse contexto, por exemplo, o conceito de “Homossexualismo
apresentava uma noção patológica, um “problema de ajustamento”,
que na perspectiva ditatorial deveria ser veemente “ajustado”. Ou seja, a
regulamentação da Psicologia como prossão serviu ao regime ditatorial
como aval para práticas de segregação, normalização e, sobretudo,
violência a quaisquer opositores ao regime, essencialmente, à população
LGBTQIA+.
Ainda nesse período, em dezembro de 1971, a Lei nº 5.766
(BRASIL, 1971) instituiu o Conselho Federal e os Conselhos Regionais
de Psicologia, providos de personalidade jurídica de direito público,
autonomia administrativa e nanceira, com incumbência a orientar,
disciplinar e scalizar o exercício prossional dos(as) Psicólogos(as).
Contudo, compreendemos que processos históricos não são rígidos
e, felizmente, o período da ditadura civil-militar, foi ultrapassado enquanto
regime de governo no Brasil (assim desejamos).
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
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Portanto, muitas outras construções e atravessamentos por parte da
Psicologia se forjaram nos anos subsequentes à ditatura civil-militar no
Brasil, inclusive no que se refere à diversidade sexual. No caminhar da
história, em 1988, foi instituída a Constituição da República Federativa do
Brasil (C.F/88), que apresenta no artigo 3º como objetivo fundamental:
promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor,
idade e quaisquer outras formas de discriminação” (BRASIL, 1988, p. 11).
Deste modo, a Constituição da República Federativa do Brasil e
seus atravessamentos político-sociais, reetem as ações da Organização
Mundial da Saúde (OMS) que, em 17 de maio de 1990, retirou a
Homossexualidade da Classicação Internacional de Doenças (CID).
Por conseguinte, o conceito de “Homossexualismo” até então utilizado
e impregnado de sentido patológico, foi categoricamente substituído por
Homossexualidade, estabelecendo a diversidade sexual como natural da
vida humana, recriminando qualquer outro sentido patológico.
Essas mudanças políticas, legislativas e conceituais, abriu caminho
para uma legitima inclusão das pessoas LGBTQIA+ como população
cidadã e de direitos. Pximo aos anos 2000, no Brasil, os Conselhos
prossionais, sobretudo, o Conselho Federal de Medicina (CFM) e o
Conselho Federal de Psicologia (CFP), exerceram importante função no
apoio ao reconhecimento e proteção dos direitos da população LGBTQIA+.
À vista disso, o Conselho Federal de Psicologia emitiu a Resolução CFP
nº 1, de 22 de março de 1999, em que “estabelece normas de atuação para
os psicólogos em relação à questão da Orientação Sexual” (CONSELHO
FEDERAL DE PSICOLOGIA, 1999, p. 1).
A Resolução CFP nº 01/99, estabeleceu importantes princípios para
a Psicologia Brasileira no tocante à diversidade sexual, ao considerar que
a forma como cada pessoa vive sua sexualidade faz parte da identidade
do sujeito, a qual deve ser compreendida na sua totalidade. Ademais, a
resolução reforça que a homossexualidade não constitui doença, distúrbio
e tampouco perversão.
Portanto, o uso dos saberes da Psicologia deve proporcionar o
reconhecimento das diferenças e da diversidade sexual em suas expressões
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
| 233
e vivências, construindo um caminho de despatologização da população
LGBTQIA+, visando à promoção dos direitos da mesma.
À vista disso, no decorrer do tempo histórico, surgiram outras ações
políticas, legislativas e constitucionais, por parte do Conselho Federal de
Psicologia, cujos atravessamentos sociais foram benécos às questões da
diversidade sexual.
Temos como exemplo, a atualização do Código de Ética Prossional
do Psicólogo, aprovada no ano de 2005, em que consta como princípio
fundamental dos(as) Psicólogos(as) trabalhar visando promover a saúde e a
qualidade de vida das pessoas e coletividades, contribuindo para a eliminação
de qualquer forma de negligencia, discriminação, exploração, violência,
crueldade e opressão (CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA,
2005). Incluindo como vedado aos(as) Psicólogos(as) “induzir a convicções
políticas, losócas, morais, ideológicas, religiosas, de orientação sexual
ou a qualquer tipo de preconceito, quando do exercício de suas funções
prossionais” (CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA, 2005 p. 9).
Por conseguinte, tentaremos sintetizar de modo cronológico, outros
exemplos de benécas e fundamentais construções da Psicologia Brasileira
sobre a diversidade sexual.
No ano de 2009, no Conselho Regional de Psicologia de São Paulo
(CRP/SP), foi instituída a Comissão Sexualidade e Gênero (Comissex),
ampliando o rol de discussões das temáticas de sexualidade e gênero,
assim como desenvolvendo intervenções direcionadas as diferentes formas
de vivência do gênero e da sexualidade (CONSELHO REGIONAL DE
PSICOLOGIA DE SÃO PAULO, 2020).
Em 2011, a partir do primeiro Seminário Nacional de Psicologia e
diversidade sexual, realizado em Brasília, entre os dias 17 e 19 de junho
de 2010, o CFP lançou o livro intitulado: “Psicologia e diversidade sexual:
desaos para uma sociedade de direitos” (CONSELHO FEDERAL
DE PSICOLOGIA, 2011). O livro apresenta experiências, estudos e
perspectivas de prossionais da Psicologia sobre posicionamento crítico,
direitos da população LGBTQIA+ e as relações entre a Psicologia e a
diversidade sexual.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
234 |
Nesse sentido, em 29 de Janeiro de 2018, por meio da Resolução
nº 01/2018, o CFP criou uma Nota Técnica que “estabelece normas de
atuação para as psicólogas e os psicólogos em relação às pessoas transexuais
e travestis” (CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA, 2018, p. 1).
Assim, a Resolução nº 01/2018 dene que, as psicólogas e os
psicólogos em sua prática prossional devem combater o preconceito em
relação às pessoas transexuais e travestis, não exercendo e tampouco se
omitindo em nenhuma ação ou prática que favoreça a discriminação ou
preconceito em relação às pessoas transexuais e travestis. Na Resolução
nº 01/2018, consta ainda que, as psicólogas e os psicólogos não devem
exercer nenhuma ação que favoreça a patologização de pessoas transexuais
e travestis, sendo vedado a todos prossionais da Psicologia, propor, realizar
ou colaborar, sob uma perspectiva patologizante, com eventos ou serviços
que visem a terapias de conversão, reversão, readequação ou reorientação
de identidade de gênero das pessoas transexuais e travestis (CONSELHO
FEDERAL DE PSICOLOGIA, 2018).
Portanto, compreendemos que nos últimos 20 anos, pelo menos, a
Psicologia Brasileira vêm propondo e construindo mudanças nos cenários:
cientícos, políticos e sociais, por meio da resistência à patologização das
diversidades sexuais e de gênero.
Deste modo, a Psicologia tem caminhado junto aos pressupostos
e ações da OMS, que no ano de 2019 deniu que a Transexualidade não
se congura como doença, retirando a Transexualidade da Classicação
Internacional de Doenças (CID 11), fato que representou uma grande
conquista para a população LGBTQIA+, indicando mais um passo no
caminho de uma sociedade inclusiva e livre de preconceitos.
Contudo, a vida ainda não é um arco-íris cuja diversidade de cores
é plenamente respeitada pela sociedade, tampouco a vida se mostra como
um campo de ores constantemente admirável. Ao contrário, nos últimos
anos, mais precisamente a partir do nal de 2015, temos vivenciado
inúmeros retrocessos no âmbito político brasileiro, que estão reverberando
em retrocessos no campo social e dos direitos, sobretudo, das populações
marginalizadas, como a LGBTQIA+.
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
| 235
Por conseguinte, consideramos que, principalmente, a partir de
2018, estamos vivendo um tempo histórico muito delicado, no qual
os direitos postulados na Constituição Federal de 1988 e nos demais
documentos e normativas de órgãos como o CFP, estão denitivamente
em risco, especicamente, os direitos da população LGBTQIA+.
São tempos sombrios, não há como negar. Temos como exemplo,
as manifestações de psicólogos(as) que defendem ideias como: “cura gay”,
tratamento de reversão sexual”, e patologização das diversidades sexuais e
de gênero. Tais ideias reetem formas de violência que se expressam nos
tempos atuais. Sabemos o quanto a violência física machuca e, sobretudo,
não podemos esquecer que a violência simbólica (psicológica) além de
machucar, também adoece.
Portanto, mesmo com os avanços e construções da Psicologia
Brasileira, por meio do CFP e dos Conselhos Regionais de Psicologia
(CRPs), destacamos que é de suma importância que a Psicologia una forças
e se mantenha a postos na defesa dos Direitos Humanos.
Assim, constituindo uma vanguarda resistente aos retrocessos
políticos, promovedora das lutas sociais, criadora de enfrentamentos às
propostas retrógadas. Visando novas possibilidades, buscando sempre a
ampliação de processos de identicação, por meio da representatividade
carregada de consciência, estimulando a emancipação das populações
marginalizadas, sobretudo, da população LGBTQIA+.
Por m, seguindo o lema proposto pelo CRP/SP: a Psicologia é para
todo mundo e se faz com Direitos Humanos!
a inclusãO dOs direitOs humanOs à psicOlOgia brasileira nO
cOntextO das lutas lgbtqia+
Partindo dessa perspectiva, a priori, devemos explicar o que constitui
os Direitos Humanos. Para isso, é necessário denotar a Declaração Universal
dos Direitos Humanos (DUDH), proclamada na cidade de Paris, em 10
de dezembro de 1948, na Assembleia Geral das Nações Unidas, sendo esse
o documento que funda a história dos Direitos Humanos.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
236 |
A DUDH foi escrita a muitas mãos, a partir de representantes de
todas as regiões do mundo, com o intuito de estabelecer universalmente os
direitos humanos como uma norma comum, a ser alcançada por todos os
povos e nações (NAÇÕES UNIDAS BRASIL, 2020).
Dessa forma, o conceito de Direitos Humanos (DH) legitima que
toda pessoa pode gozar de direitos inerentes aos seres humanos, tais como:
o direito à vida, à liberdade, ao trabalho, à saúde, à educação e muitos
outros; sem distinção de raça, sexo, nacionalidade, etnia, idioma, religião,
opinião política, classe social, ou qualquer outra condição (NAÇÕES
UNIDAS BRASIL, 2020). Portanto, os Direitos Humanos resguardam os
sujeitos sociais de ações ou práticas que interferem na dignidade humana.
Nesse sentido, a inclusão dos Direitos Humanos à Psicologia
Brasileira, ocorreu no nal do século XX, em 22 de novembro de 1998,
com a Resolução CFP nº 011/1998 (CONSELHO FEDERAL DE
PSICOLOGIA, 1998), que institui como órgão permanente, a Comissão
de Direitos Humanos do Conselho Federal de Psicologia (CDH-CFP).
Também em 1998, foram criadas as Comissões de Direitos Humanos nos
Conselhos Regionais de Psicologia (CRPs).
A CDH-CFP tem como objetivo maior, mobilizar as psicólogas
e os psicólogos na defesa dos direitos humanos dentro de suas práticas
prossionais, ensino e pesquisa, de modo permanente. Ademais, a CDH-
CFP estabelece que as psicólogas e os psicólogos devam intervir em
qualquer situação de adoecimento psíquico decorrente da violação dos
direitos humanos.
Assim sendo, podemos indagar como essa inclusão dos direitos
humanos à Psicologia, por meio das Comissões de Direitos Humanos
(CDH), ajuda nas lutas da população LGBTQIA+?
Pois bem, as CDH junto ao CFP promovem, trienalmente,
Campanhas Nacionais de Direitos Humanos, além de promover, a cada dois
anos, Seminários Nacionais de Psicologia e Direitos Humanos. Por meio
disso, são geradas reexões e estimulado o debate acerca da diversidade sexual
e de gênero, entre os prossionais da Psicologia, prossionais de outras áreas
do conhecimento, estudantes e a comunidade civil como um todo.
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
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Como reexo dessas articulações, o Conselho Nacional dos Direitos
Humanos (CNDH), no dia 28 de setembro de 2017, publicou uma nota de
apoio à Resolução nº 01/1999 do CFP, na nota o CNDH destaca que, o uso
de práticas de reorientação sexual se congura como prática de afronta aos
direitos humanos, pois reforça estigmas e aumenta o sofrimento das pessoas
(CONSELHO NACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS, 2017).
Portanto, dessa maneira, a população LGBTQIA+ se benecia
com a contínua defesa na legitimação dos seus direitos e pela liberdade
para suas diversas formas de existir, ser e viver. Ademais, as construções
do CFP, seja por meio de resoluções, notas técnicas, livros ou cartilhas,
atravessam a sociedade e, consequentemente, as subjetividades, abrindo
espaço para que as pessoas e a comunidade civil como um todo, possam
cada vez mais lançar novos olhares à população LGBTQIA+, olhares de
respeito, inclusão e amor.
Por m, destacamos o livro: “Tentativas de Aniquilamento de
Subjetividades LGBTIs” (CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA,
2019), lançado em 2019 pelo Conselho Federal de Psicologia, por meio
da sua Comissão de Direitos Humanos, que elaborou o livro a partir de
denúncias recebidas no ano de 2017, de pessoas que haviam sido submetidas
a tentativas de “reversão” das suas sexualidades e identidades de gênero.
O livro nos informa que:
[...] cotidianamente, no Brasil, seres humanos são vítimas de
discriminação, violências e assassinatos apenas por manifestarem
orientações sexuais e expressões de gênero não heterocis. Com
esta publicação, esperamos contribuir com a reexão a respeito
do tema e, ao mesmo tempo, combater preconceitos que trazem
sofrimento, violência e exclusão. (CONSELHO FEDERAL DE
PSICOLOGIA, 2019, p. 10-12).
Nesse sentido, podemos compreender a relevância dos Direitos
Humanos na Psicologia, essencialmente, à Psicologia Brasileira e no
contexto das lutas da população LGBTQIA+. Pois, as histórias de pessoas
LGBTQIA+ que retratam intensos sofrimentos éticos-político decorrentes
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
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de diversas formas de violências, preconceitos, injustiças e exclusão, só
puderam ganhar voz a partir de um livro, arquitetado pelas Comissões de
Direitos Humanos do CFP e CRPs.
Portanto, unindo forças e defendendo os Direitos Humanos,
a Psicologia Brasileira tem forjado continuamente possibilidades de
enfrentamento e legítimo combate ao preconceito e opressões, reforçando
constantemente que toda diversidade importa e necessita ser respeitada,
principalmente, as diversidades sexuais e de gênero.
à guisa de cOnclusãO
Tivemos a oportunidade de conhecer a construção da Psicologia
como ciência, analisando a índole (Zeitgeist) de cada tempo histórico,
bem como reetimos sobre as construções e atravessamentos da Psicologia
Brasileira no tocante a diversidade sexual e, por m, compreendemos a
importância dos Direitos Humanos e como isso foi incluído na Psicologia
Brasileira.
Portanto, percebemos que, a Psicologia, de modo geral, tem
uma dívida histórica com as populações marginalizadas, com os corpos
diferentes, especialmente com a população LGBTQIA+. A Psicologia
Brasileira não está fora disso, haja vista que nos seus primórdios serviu
como ferramenta de coerção dos corpos diferentes, além de atuar como
instrumento de patologização de pessoas LGBTQIA+, tendo também um
saldo histórico, cuja quitação está em processamento.
Nesse sentido, podemos armar que a Psicologia não é estática no
tempo, nem impermeável às inuências de uma estrutura social e política,
tampouco a Psicologia deixa de ser moldada por questionamentos
surgidos da dialética entre o humano e a sociedade. Pois, são justamente
as diferentes índoles do tempo, as inuências políticas e sociais, a
necessidade do autoconhecimento humano junto à sociedade, que fazem
surgir novas Psicologias.
Nesse caso, novos conhecimentos psicológicos surgirão, pois os
antigos não mais conseguirão explicar categoricamente os fenômenos
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
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individuais e, sobretudo, sociais. Desse modo, uma Psicologia vai sempre
substituindo a outra no decorrer do tempo histórico, as formas de fazer
Psicologia se transformam e seus posicionamentos também se modicam.
Portanto, a Psicologia de forma geral, deve estar sempre atenta as
suas práticas, intervenções e construções, evitando reproduzir ações que
excluam, estigmatizem ou violentem pessoas. Pois, estão atualmente,
constatadas a violência e a voracidade dos ataques neoliberais de cunho
moralista e conservador aos direitos da população LGBTQIA+.
Logo, sabemos que a Psicologia, em sua amplitude, tem um
passado intricado, mas uma história recente marcada por transformações,
construções com erros e acertos, mas sempre em constante vigilância e
movimento de resistência e defesa dos direitos de todas as pessoas, inclusive
o direito e a promoção do respeito à diversidade sexual e de gênero.
Por m, defendemos que a Psicologia deve sempre caminhar junto
aos Direitos Humanos, permanecendo em constante oposição a quaisquer
formas de exploração e opressão, haja vista que, seu compromisso é com o
humano e o bem-estar das diversidades.
referências
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estudo de psicologia. São Paulo: Saraiva, 1999.
BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
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www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5766.htm. Acesso em: 6. jul. 2020.
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N  G,
D D
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R I
Rodrigo Duarte Fernandes dos Passos
1
intrOduçãO
O pertencimento das Relações Internacionais à Ciência Política
enquanto campo disciplinar parece um ponto consolidado desde o início
da sua institucionalização enquanto área acadêmica em 1919 e os esforços
sistematizadores e teorizadores do campo a partir de então. A despeito da
área portar um caráter interdisciplinar, vários dos textos e autores canônicos
convergiram na direção politicista em questão, conforme demonstrou
Rosenberg (2017), com especial centralidade para o conceito de anarquia,
a ausência de uma autoridade dotada de soberania acima dos Estados.
Rosenberg menciona, a título de exemplicação, dois argumentos: o
Docente da Unesp – Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, campus de Marília. Doutor
em Ciência Política pela USP e Livre-Docente em Teoria das Relações Internacionais pela Unesp (ORCID:
0000-0002-5542-2812).
https://doi.org/10.36311/2022.978-65-5954-279-6.p243-266
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
244 |
raciocínio de um dos pioneiros em teorizar a área, Edward Hallet Carr
(2001), que a vê na sua infância como disciplina cientíca e por isso a
situa na Ciência Política; e Kenneth Waltz, autor bastante inuente no
debate teórico recente que prioriza as relações políticas interestatais no
seu esforço teorético, focando na anarquia como causa permissiva das
guerras (WALTZ, 2001) e princípio ordenador do sistema internacional
(1979). De uma forma geral, a anarquia assumiu especial relevo como a
categoria que distingue o campo e contribui signicativamente para situá-
lo acadêmica e institucionalmente na Ciência Política.
Considerando a enunciação original da categoria de gênero em 1975
com Gayle Rubin no âmbito da Antropologia, a incorporação do conceito
homônimo nas Relações Internacionais pareceu seguir a tendência de
especialização política do campo, empobrecendo ou mesmo enfraquecendo
o caráter inter-relacional que o conceito de Rubin (1975) enunciou no seu
nascedouro em termos de não propor uma concentração disciplinar.
É importante ressaltar que o connamento das Relações Internacionais
na Ciência Política possibilitou associar a área com um perl fortemente
masculinizado. Compõem esta avaliação a associação recorrente entre a
guerra, o poder, a violência, a força e a masculinidade. Acrescenta-se a isto
a própria masculinização que permeia a crescente participação feminina na
política internacional nas mais diferentes possibilidades, como governante,
diplomata, soldado e as várias concretudes das mulheres de carne e osso que
as conectam organicamente no plano nacional ao cenário internacional. O
ponto em questão remete, em termos da denição, da categoria de gênero
com a assunção material, cultural, histórica, ideológica, econômica, política
etc. que envolve as várias possibilidades de situar homens e mulheres e seus
papéis. Não se trata de uma questão biológica e sim de situar em termos
holistas as imagens associadas à masculinidade e à feminilidade na vida
social como um todo em termos bastante dinâmicos (PASSOS, 2008).
Mesmo diante de algumas signicativas e valorosas contribuições
teóricas nas Relações Internacionais em termos de gênero (SJOBERG,
2011; TICKNER, 1988), elas se situam na paróquia intelectual da Ciência
Política de forma inequivocamente especializada, não se desdobrando
plenamente em termos inter-relacionais como sugere boa parte das
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
| 245
distintas abordagens teóricas de gênero. É importante explicar um pouco
tal argumento.
Por um lado, Sjoberg (2011) critica em termos teóricos a formulação
canônica da área de Relações Internacionais por parte de Waltz que não
inclui as questões de gênero na sua denição do sistema internacional e
sustenta que tal correção seria um imperativo teorético na formulação do
autor norte-americano. Mesmo reconhecendo-se a relevância da categoria
de gênero para a caracterização teórica do sistema internacional, Sjoberg
não atenta para uma das especicidades metodológicas de Waltz. A saber,
que Waltz circunscreve o sistema de Estados em escopo não alcançado pela
categoria de gênero. Na hipótese de contemplar a categoria de gênero,
tal formulação resultaria em assunções não objetivas (de um ponto de
vista característico da abordagem cientíca positivista e de uma visão de
mundo claramente masculinizada) e de caráter reducionista (em vista da
causalidade da conduta dos Estados estar focada em aspectos parciais e não
no ambiente coletivo do sistema internacional), conforme o autor norte-
americano. Trata-se do que Waltz caracteriza como primeira e segunda
imagens em termos respectivamente da natureza e da individualidade
humanas e dos conitos internos de um Estado, lógicas alheias ao caráter
sistêmico em que o todo – o sistema internacional – condiciona as partes –
os principais Estados - como unidades políticas. Ademais, o foco de Waltz
é uma teoria especíca da política internacional – focando nos principais
Estados do ponto de vista econômico e militar e suas relações políticas – e
não uma teoria que congregue aspectos inter-relacionais, com elementos
mais amplos e dinâmicos atinentes às relações internacionais e aos papeis
desempenhados pelos homens e pelas mulheres.
Por outro lado, Tickner (1988) enuncia uma leitura feminista
alternativa aos princípios do realismo, tema de outro autor canônico na área
e na temática, Hans Morgenthau (2003). A autora questiona a assunção
da objetividade das leis da natureza humana associadas com o poder e o
interesse recorrentes em termos de uma abordagem masculina, permeada
também por uma suposta visão objetiva do conhecimento e da realidade,
que também se liga ao domínio da força que pauta o internacional e sua
anarquia como efeito da ausência de uma autoridade superior. A partir
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
246 |
de tal ótica masculina, a segurança assume uma conotação militar e
masculinizada e a subjetividade é associada com a feminilidade. Como
contraponto disto, Tickner formula a necessidade de uma visão mais
dinâmica do internacional, não associando tal ambiente a uma única
visão da natureza humana sedenta de poder e identicada com a imagem
masculina. Tickner sublinha também uma ótica diferente da segurança
militar referida, ou seja, uma segurança humana em sentido mais amplo
caracterizada pelo bem-estar humano e em múltiplas dimensões.
Isto posto, tomam-se as possibilidades de um enriquecimento
teórico na direção de ruptura deste connamento com a proposta de
relação da categoria de gênero com aquela do desenvolvimento desigual
combinado, noção bastante sugestiva em termos de dinamismo histórico e
uma abordagem mais ampla, de cunho mais holista, totalizante.
Neste esteio, a categoria de desenvolvimento desigual e combinado,
de lavra original do líder revolucionário russo Leon Trotsky (1977),
ocupa um espaço crescente em várias contribuições e debates nas Relações
Internacionais, nas Humanidades e no marxismo
2
.
Feitas tais advertências, o objetivo deste ensaio é buscar responder
embrionariamente à seguinte pergunta: quais as consequências teóricas do
estabelecimento de um nexo entre o desenvolvimento desigual e combinado
e a categoria de gênero para a teorização em Relações Internacionais?
Entende-se que as respostas embrionárias passariam por
duas possibilidades, considerando-se importante literatura sobre o
desenvolvimento desigual e combinado.
A primeira relacionaria gênero e desenvolvimento e desigual e
combinado tomando o último como uma referência para a teoria clássica
social como um todo – incluindo aquela sobre Relações Internacionais
- e a segunda tomaria ambos como referenciais marxistas, considerando
a diversidade de possibilidades teóricas que a categoria de gênero pode
Ver a respeito, por exemplo: ALLINSSON; ANIEVAS, 2010; BIELER; MORTON, 2018; BLANEY;
TICKNER, 2017; DECKARD et al., 2015; JACKSON, 2017; MORTON, 2003, 2007a, 2007b, 2010, 2011;
ROSENBERG, 1996, 2016, 2017; THOMAS, 2015.
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
| 247
assumir. Qualquer uma das duas assunções resulta em consequências
teóricas distintas com hipóteses diferentes também.
A primeira hipótese relaciona desenvolvimento desigual e combinado
e gênero em termos de pensar o rompimento do connamento da Ciência
Política em termos de conotação masculina predominante no campo das
Relações Internacionais, o que ainda sugere o pertencimento ao âmbito
disciplinar referido sem desdobrar plenamente as questões originárias
da categoria original de Trotsky com o materialismo histórico. Há que
se acrescentar ainda: sem sugerir um comprometimento com a plena
emancipação das mulheres. Tal emancipação completa seria ligada a uma
visão de mundo situada no materialismo histórico e, como tal, categoria
situada e identicada em termos de totalidade.
A segunda hipótese situa o nexo referido em termos de considerar
os referenciais disciplinares apenas como um parâmetro metodológico,
visto que o materialismo histórico situa o conhecimento como um
todo em termos de totalidade e não de pertencimento a um campo
especíco. Desdobra-se disto também uma perspectiva teórico-prática de
engajamento com a busca da plena emancipação feminina e identicada
com a totalidade.
Existem pouquíssimas contribuições que buscam estabelecer uma
relação entre a questão feminina ou gênero e o desenvolvimento desigual
e combinado (GALETTI, 2017; MCALLISTER, 1991; SENNA, 2016a,
2016b). Assim, a contribuição deste texto aponta de forma sumária
algumas das contribuições existentes, bem como algumas possibilidades de
aprofundamento sobre as duas categorias, dentro do recorte metodológico
da teorização em Relações Internacionais.
O plano deste texto passa por um esboço argumentativo em torno
das hipóteses que se relacionam a estas duas possibilidades interpretativas.
Primeiro, uma caracterização da categoria de desenvolvimento desigual
e combinado. Segue-se uma elucidação da categoria de gênero,
circunscrevendo-a à sua elaboração original por Gayle Rubin (1975),
seguida de uma proposta de aproximação com as Relações Internacionais
e a categoria em questão de Trotsky. Por m, a elucidação das duas
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
248 |
hipóteses mencionadas, buscando combinar todas as categorias de modo a
argumentar nos termos anunciados no texto.
O desenvOlvimentO desigual e cOmbinadO
A categoria em pauta aparece de forma pioneira na análise de Trotsky
sobre a Revolução Russa de 1917. Um dos pontos nevrálgicos da Rússia
na análise seria a continuidade de aspectos de seu feudalismo coexistindo
com centros urbanos e de grande avanço industrial no nal do século XIX
e início do século XX. Neste sentido, coloca-se para a Rússia sua condição
majoritariamente agrária e atrasada em termos feudais. A pontuação de
Trotsky destaca:
a) A absorção por um país atrasado das conquistas materiais
e ideológicas dos países avançados sem que isto seja uma reprodução
completamente el do passado dos países mais desenvolvidos (TROTSKY,
1977, p. 24). Desdobra-se disto a possibilidade do país atrasado atravessar
uma série de etapas intermediárias, no contexto da famosa frase de Trotsky
sobre a categoria em tela: “Renunciam os selvagens ao arco e à echa e
tomam imediatamente o fuzil, sem que necessitem percorrer as distâncias
que, no passado, separaram estas diferentes armas” (TROTSKY, 1977,
p. 24).
b) A desigualdade do ritmo se constitui na lei mais geral dos processos
históricos, sendo mais presente e forte nos rumos dos países menos
adiantados (TROTSKY, 1977, p. 25). Por outras palavras, formas avançadas
e atrasadas se amalgamam nas diferentes velocidades de transformação das
distintas dimensões, manifestações históricas e espacialidades da vida.
c) Desdobra-se de tal desigualdade do ritmo a lei do desenvolvimento
combinado. Por outras palavras, a proximidade das distintas etapas de
forma a combiná-las, amalgamando as formas arcaicas com as congêneres
modernas para entender a trajetória histórica russa e todos os países
chamados à civilização nas diferentes linhas de mudança da vida como um
todo.
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
| 249
d) Neste esteio, o Estado russo absorvia uma parte proporcionalmente
maior da riqueza em comparação com o Ocidente, fragilizando as massas
a uma redobrada miséria e enfraquecendo também as bases das classes
abastadas. A resultante disto: “[...] as classes privilegiadas, burocratizadas,
jamais conseguiram erguer-se em toda a sua pujança, e o Estado russo não
fez senão aproximar-se ainda mais dos regimes mais despóticos da Ásia
(TROTSKY, 1977, p. 25). Em boa medida, isto explica o desenvolvimento
feudal ter atingido sua plenitude apenas no século XVIII, com sua abolição
apenas em 1861 (TROTSKY, 1977, p. 25-26).
e) A lei do desenvolvimento combinado aparece de forma mais nítida
no caráter tardio da indústria russa, que não teve seu curso marcado pelos
mesmos momentos da trajetória dos países atrasados. A Rússia percorreu
com extrema rapidez a industrialização, tendo dobrado sua produção entre
1905 e a Primeira Guerra Mundial ao mesmo tempo que a condição geral
mais atrasada do país possibilitava tal trajetória (TROTSKY, 1977, p. 28).
f) As pressões externas, a “chicotada externa” referida por Trotsky,
em particular da Europa mais rica, contribuíram para a aceleração
do desenvolvimento industrial russo entre 1905 e 1917, nanciado e
dependente por parte do capital nanceiro da Inglaterra, Bélgica, Alemanha
e França. No período em questão, a produção industrial da Rússia quase
dobrou (TROTSKY, 1977, p. 28-29).
Em boa medida, a análise de Trotsky – cuja escrita termina em
1930 - situa a categoria em tela no prelúdio histórico da Revolução Russa
de outubro de 1917, embora ressalve que a mesma faz sentido também
para explicar as distintas temporalidades nos processos de transformação
posteriores a 1917. No dizer do líder russo (TROTSKY, 1977, p. 28): “Na
realidade, a possibilidade de um progresso assim rápido era precisamente
determinada pelo estádio atrasado do país, que, infelizmente, não apenas
subsistiu até a liquidação do antigo regime mas que, como sua herança,
perdura até hoje”.
É importante reter também para a argumentação que se pretende
empreender que a diferença das temporalidades da vida se coloca em
perspectiva combinada, em termos de conexões orgânicas entre nacional
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
250 |
e internacional, entre as inúmeras sociedades, entre as várias causalidades,
determinações, aspectos relacionais e interacionais como totalidade histórica.
Em diapasão semelhante, muito embora Trotsky não possua na sua lavra
pioneira algo que sugira uma aplicação mais detida do desenvolvimento
desigual e combinado fora do contexto do processo histórico de longo
prazo da Rússia
3
, parece sugerir em breves passagens que a categoria em
tela possa ser usada para a análise de outros casos. A título de exemplo,
o fundador do Exército Vermelho cita o descompasso dos invasores do
Império Romano frente às ruínas do mesmo, utilizando tanto pedras quanto
material de construção (TROTSKY, 1977, p. 23). Tal menção, assim como
outras não atinentes à Rússia, servem como comparativo com os estágios de
desenvolvimento da terra dos czares. É digna de destaque também a menção
às civilizações antigas do Egito, Índia e China em seu caráter sucientemente
autônomo (TROTSKY, 1977, p. 23-24).
A questão especicamente feminina não aparece na formulação
original de Trotsky sobre o desenvolvimento desigual e combinado.
Entretanto, a sua elaboração sugere indiretamente a preocupação com as
mulheres quando comenta a respeito a respeito da quantidade de operários
na população russa, na ordem de 10 milhões de pessoas que, somadas
aos membros (homens, mulheres e crianças) de suas famílias (homens e
mulheres operárias), integralizariam 25 milhões de pessoas (TROTSKY,
1977, p. 30).
Feita tal caracterização da formulação de Trotsky e alguns de seus
desdobramentos para as Relações Internacionais, buscar-se-á elucidar um
pouco a categoria de gênero na sua concepção original por Gayle Rubin.
gênerO e desenvOlvimentO desigual e cOmbinadO: uma pOssível
relaçãO?
A formulação pioneira de Rubin (1975) transita de um argumento
do sistema “sexo-gênero” para “gênero” no primeiro texto em que situa tal
proposição. Inicialmente ela formula (RUBIN, 1975, p. 165, tradução própria):
Andreas Bieler e Adam Morton (2018) advogam posição distinta. A saber, o desenvolvimento desigual e
combinado se aplica somente à análise da especicidade histórica capitalista.
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
| 251
Toda sociedade possui um sistema sexo/gênero – um conjunto de
arranjos através do qual a matéria-prima do sexo e da procriação
humana é moldada pela intervenção humana, social de um
modo convencional não importando quão bizarras algumas das
convenções possam ser.
Mais adiante, uma longa – e deveras importante passagem - sobre
as distintas circunstâncias em que podem aparecer o sistema sexo/gênero
(RUBIN, 1975, p. 167-168, tradução própria, grifo nosso):
Por outro lado, não podemos limitar o sistema sexo à “reprodução
tanto no sentido social quanto no sentido biológico do termo. Um
sistema sexo/gênero não é simplesmente o momento reprodutivo
de um “modo de reprodução”. A formação da identidade de gênero
é um exemplo de produção no âmbito do sistema sexual. E um
sistema sexo/gênero envolve mais do que as “relações e procriação”,
reprodução no sentido biológico.
O termo “patriarcado” foi introduzido para distinguir as forças
que mantém o sexismo a partir de outras forças sociais, como
o capitalismo. Mas o uso de “patriarcado” obscurece outras
distinções. Seu uso é análogo ao uso de capitalismo referindo a todos
os modos de produção, embora a utilidade do termo “capitalismo” se
apoie justamente no fato de que ele distingue vários sistemas pelos quais
as sociedades são providas e organizadas. Qualquer sociedade terá
algum sistema de “economia política”. Tal sistema pode ser igualitário
ou socialista. Pode ser estraticado por classes, caso no qual a classe
oprimida pode consistir de servos, camponeses ou escravos. A classe
oprimida pode consistir de trabalhadores assalariados, caso no qual
o sistema seja apropriadamente rotulado de “capitalista”. O poder do
termo se apoia em sua implicação de que, de fato, há alternativas ao
capitalismo.
De modo similar, qualquer sociedade terá meios similares para lidar
com o sexo, com o gênero e com os bebês. Tal sistema pode ser sexualmente
igualitário, ao menos na teoria, ou pode ser “estraticado por gênero”,
como parece ser o caso na maioria ou de todos os exemplos conhecidos.
Mas é importante – mesmo em termos de uma história deprimente –
manter uma distinção entre a capacidade humana e a necessidade de
criar um mundo sexual, e os meios empiricamente opressivos nos quais
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
252 |
os mundos sexuais foram organizados. O Patriarcado subsume ambos
os signicados no mesmo termo. O sistema sexo/gênero, por outro lado,
é um termo neutro que refere a este domínio e indica que a opressão
não é inevitável neste domínio, mas é o produto das relações sociais
especícas que o organizam.
A inter-relacionalidade da categoria de gênero pode levar em conta
não somente distintas temporalidades de sociedades estatais quanto pré-
estatais como também os distintos ritmos dos vários aspectos aos quais ela se
relaciona. No trecho abaixo, a autora correlaciona o parentesco às sociedades
pré-estatais (RUBIN, 1975, p. 168-169, tradução própria, grifo nosso):
Em sociedades pré-estatais, o parentesco é a linguagem da interação
social organizando a atividade econômica, política e cerimonial,
bem como sexual. Os deveres, responsabilidades e privilégios
de alguém vis-á-vis outros são denidos em termos de mútuo
parentesco ou a falta dele. A troca de bens e serviços, produção e
distribuição, hostilidade e solidariedade, ritual e cerimônia, todos
ocorrem na estrutura organizacional do parentesco. A ubiquidade e
a adaptativa efetividade do parentesco levaram muitos antropólogos a
considerar sua invenção conjuntamente com a invenção da linguagem,
por terem sido os desenvolvimentos que decisivamente marcaram a
descontinuidade entre hominídeos semi-humanos e seres humanos.
Obviamente, não há qualquer menção sobre o desenvolvimento
desigual e combinado nos trechos reproduzidos e nos seus destaques. O
que sugere uma aproximação, uma relação com a categoria de Trotsky nos
trechos em destaque das passagens reproduzidas diz respeito aos seguintes
aspectos:
a) A existência de várias sociedades e vários modos de produção
dentro do capitalismo e alternativos a ele com respectivas distintas
estraticações sociais;
b) A opressão patriarcal e sexual nas diferentes sociedades;
c) As diferentes possibilidades da produção social do gênero nas
sociedades em questão;
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
| 253
d) A ocorrência de sociedades estatais e pré-estatais na história;
e) A linguagem e o parentesco como elementos importantes do
desenvolvimento humano descontínuo, não linear das sociedades, dentre
outros.
As diferentes temporalidades da produção da vida em diferentes
modos, diferentes causas, feições e descontínuas linearidades, com
sociedades de perl estatal e pré-estatal sugerem, senão um nexo implícito
com a perspectiva do desenvolvimento desigual e combinado, ao menos
uma relação próxima, uma signicativa aproximação.
Nos diferentes tempos de produção da vida em distintas sociedades
existem várias feições da produção social da distinção de gênero. Tal é a
tese que parece próxima aos dois referenciais em tela neste texto. A seguir,
o argumento do texto se debruçará sobre a temática internacional aliada a
estes dois referenciais.
as cOntribuições na literatura sObre gênerO, a questãO
feminina e O desenvOlvimentO desigual e cOmbinadO: O
internaciOnal cOmO parte dO tOdO
Dois conjuntos de bibliograa que inter-relacionam gênero,
desenvolvimento desigual combinado e as Relações Internacionais serão
contemplados neste tópico. Um diz respeito à Revolução Russa e outro
refere às mulheres de Negeri Sembila, na Malásia.
O primeiro conjunto refere às contribuições de Galletti (2017) e
Senna (2016a, 2016b). O segundo grupo refere a McAllister (1991).
A signicativa contribuição de Mariana Galletti sobre o
desenvolvimento desigual e combinado o situa na análise do processo
histórico da Revolução Russa, alinhavando os planos nacional e
internacional como uma totalidade orgânica.
Tal revolução signicou também um importante salto em termos de
avaliação da condição feminina na terra dos Soviets. A m de não cometer
nenhum anacronismo, o enfoque a respeito da perspectiva de gênero
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
254 |
se coloca em tal contexto de forma indireta, relacional e aproximativa,
considerando a sua enunciação ter ocorrido quase 60 anos depois da
Revolução Russa de Outubro de 1917, em 1975.
Um país atrasado, dotado de uma estrutura estatal autoritária digna
de analogia com o despotismo asiático e atraso em várias áreas, possuía uma
trajetória histórica patriarcal que relegava as mulheres a uma condição de
enorme opressão e exploração. A trajetória coletiva da mulher no processo
histórico que vai da Revolução até seus desdobramentos enseja o nexo com
categoria em pauta neste ensaio.
A Rússia pré-revolucionária atestava uma condição jurídica de
submissão da mulher ao seu marido, a impossibilidade de divorciar-se e
a ausência de direitos políticos. O Código de Leis Russo, vigente desde
1836, estatuía que “A mulher deve obedecer a seu marido, residir com ele
no amor, respeito, e obediência ilimitada, e oferecê-lo gratidão e afeto de
acordo com as regras da família” (STITES, 1978 apud GALLETTI, 2017,
p. 9).
Em contexto da totalidade combinada em que a Rússia se inseria,
ecos das ideias da França revolucionária e do Código Napoleônico
reverberavam nas estepes no tocante às mulheres através de circulação de
ideias efetuadas pelas frações dominantes. Desta forma, o debate sobre a
questão feminina chega à Rússia em um primeiro momento por meio de
tais elites (GALLETTI, 2017, p. 14-15; SENNA, 2016a, p. 267).
O esteio deste processo dá notícia de importante fato em seu início
quando de uma petição com mais de 400 assinaturas em 1860 em que
mulheres demandavam cursos superiores mistos para homens e mulheres.
No contexto da imediata negativa, organizaram cursos preparatórios
para o ensino superior. Dois anos depois, a demanda foi atendida e não
encontrava par na Europa Ocidental (GALLETTI, 2017, p. 20).
O desdobramento das ideias da França enquanto circulação das
mesmas remetia a aspectos muito além das relações políticas interestatais,
também como parte da linha de argumento referente à totalidade
combinada.
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
| 255
A circulação de ideias que se relacionava com os movimentos
feministas, dentre eles o do Partido Operário Social-Democrata Russo –
Bolchevique – se valia de ideias que advinham, por exemplo, da literatura.
Em termos de totalidade combinada, importa um conjunto amplo de
causalidades, tal como este ponto. Um exemplo bastante relevante remete
à obra Que fazer?, de 1863, escrita por Tchernichévski. Obra de alcance
muito maior que o contexto dos movimentos feministas, como o fato de
que a principal liderança da Revolução Russa e do Partido Bolchevique
e leitor da obra em questão, Vladimir Lenin, escreveu livro com título
homônimo. No livro referido de Tchernichévski, a personagem ctícia
Vera Pávlovna percorre uma trajetória de libertação pessoal, buscando
inuenciar as irmãs buscarem o seu próprio caminho neste sentido. A
trama é permeada pelo autoritarismo dos pais, casamentos incompatíveis
e amores conitivos para buscar a realização plena da vida (STITES apud
SENNA, 2016b: p. 86).
Dotada de uma posição quase equiparável à escravidão, a típica
mulher pobre russa e sem acesso a letramento sequer era considerada ser
humano, frequentemente submetida à violência física e chamada na língua
russa de baba. Esta era a mulher que desempenhava o trabalho doméstico
na maioria das vezes e muitas vezes só podia desfrutar da vida pública ao ir
à igreja (GALLETTI, 2017, p. 10).
Contradições se tornaram mais agudas no processo histórico russo
e desencadearam a Revolução de Outubro de 1917. No bojo de tudo
isto, massa considerável de mulheres toma o lugar na produção fabril,
substituindo os homens convocados para a Primeira Guerra Mundial.
A lógica do desenvolvimento desigual e combinado novamente se faz
presente: presentes na vida pública e na produção fabril, mas não libertas
das antigas tradições cristãs e patriarcais (GALLETTI, 2017, p. 11).
Soma-se a tudo isto o papel de ascendência de lideranças desempenhado
no âmbito do movimento socialista internacional de mulheres, como a
alemã Clara Zetkin, sobre o movimento russo (GALLETTI, 2017, p. 23-
25). Entre os grandes nomes do movimento russo e da própria revolução
em tela, Alexandra Kollontai, que viria a ser anos depois, provavelmente, a
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
256 |
primeira mulher no mundo a ocupar o cargo de embaixadora ao fazê-lo na
Suécia em 1943 em nome da União Soviética.
No espaço de pouquíssimo tempo, tal condição mudou para a mais
avançada condição de reconhecimento jurídico da mulher no mundo.
Em dezembro de 1917, o casamento civil substituía o congênere
religioso. Também o divórcio a pedido de qualquer um dos cônjuges é
instaurado. Tais inovações constaram posteriormente no novo Código de
Casamento, Família e Tutela de 1918 bem como pensão alimentícia tanto
para homens como para mulheres, abolição da herança, preservação da renda
anterior à união (que poderia ser livre), iguais direitos às crianças gerados
dentro e fora da união, a concepção do papel do Estado como o melhor
tutor para as crianças órfãs. Também é 1918 é criado o Departamento
de Mulheres do Partido Bolchevique, encabeçado inicialmente pela
revolucionária Inessa Armand (GALLETTI, 2017, p. 43-46). Havia a
ciência das lideranças revolucionárias sobre o desencontro entre a lei e a
tradição histórica cristalizada no modo de produção da vida antigo, ponto
coerente com a perspectiva do desenvolvimento desigual e combinado.
A nova Constituição normatizava a plena igualdade de direito a voto
e de ser eleito, desde que a partir dos 18 anos de idade, além de participação
e organização política. Em 1920, o aborto é legalizado por meio de um
decreto. Planicou-se a necessidade de creches, restaurantes, hospitais,
lavanderias socializadas, lares para crianças órfãs (GALLETTI, 2017, p.
49), mas não foram implementados a contento, em face das enormes
diculdades advindas do quadro posterior à revolução e à Guerra Civil.
Somadas às diculdades decorrentes da persistência dos componentes
patriarcais e feudais advindos da tradição e do modo de vida anterior,
uma certa visão conservadora de parcela dos membros homens do Partido
Bolchevique, observam-se elementos relacionáveis ao desenvolvimento
desigual e combinado.
Tais foram algumas das condições históricas que proporcionaram
o advento do stalinismo, que implementou um programa claramente
regressivo para as mulheres (GALLETTI, 2017, p. 49-50). Em 1930, a
retórica ocial stalinista dava a questão feminina resolvida por completo,
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
| 257
justicando assim a extinção do Departamento de Mulheres do Partido
Comunista. Uma armativa que não condizia com a realidade, haja vista a
não implementação plena de propostas que avançavam rumo à emancipação
feminina – descritas rapidamente acima, a ausência de igualdade salarial
entre homens e mulheres, a participação minoritária de mulheres nos
Soviets, no partido e em sua direção. Aprofundou-se a divisão sexual do
trabalho, relegando as tarefas cotidianas às mulheres e as de cunho político
aos homens. Em 1936, o aborto é proibido, o divórcio é tornado bem mais
complexo, culminando com a sua realização exclusivamente jurídica em
1944. Em 1934, a homossexualidade é criminalizada (SENNA, 2016b, p.
287-292).
Por m, mas não menos importante a longa, mas importantíssima
passagem de aiz Senna (2016b, p. 292) apresenta mais uma parte do
retrato regressivo implementado na era stalinista:
Por m, desde 1930, essas mesmas mulheres também tiveram seu
lugar mudado drasticamente, mais uma vez. Eram novas-antigas
mulheres. Seu lugar na família foi restaurado e potencializado:
ser boas mães, lhas e esposas era novamente positivizado. Não
apenas: era vangloriado, idealizado e recompensado. As mães que
no período pré-revolucionário simplesmente pariam muitos lhos,
por motivos contextuais; que no período revolucionário tiveram
suas vidas descentralizadas do ato de parir e cuidar dos lhos,
através da criação de creches, da legalização do aborto e demais
campanhas; agora, no regime stalinista, recebiam medalhas e eram
consideradas heroínas nacionais se atingissem determinada cota de
lhos. Em julho de 1944, o Soviete Supremo da URSS aprovou um
decreto destinado a aumentar os auxílios estatais para as mulheres
grávidas, para as famílias numerosas e para as mães solteiras, criou
o título honorário “Mãe heroína”, o prêmio “Pais Gloriosos” e a
“Medalha da Maternidade” [...].
Em termos de uma conclusão parcial, observa-se a perspectiva
desigual e combinada também no ponto culminante da análise. Avanços
e retrocessos na questão feminina não se dão “degrau por degrau”, como
evidenciaram os grandes saltos com avanços no processo histórico que
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
258 |
levou à Revolução Russa de 1917. Ao mesmo tempo, não se trata de uma
lógica etapista linear, evolucionista e estanque, ponto que permite a ressalva
de que as conquistas podem ser limitadas e até mesmo regredir em pontos
signicativos, como cou evidenciado no período stalinista.
Por sua vez, a análise de Carol McAllister (1991) foca transformação
e tradicionalismo no âmbito da análise das formas cotidianas de resistência
das mulheres em Negeri Sembilan, na Malásia, no contexto dos anos 90.
Por um lado, situam a sua subsistência em termos de pequena
produção e propriedade de forma muito mais compatível com a organização
matrilinear da exploração de suas seringueiras e campos de arroz do que
a perspectiva mais ampla de totalidade capitalista. Por outras palavras,
tais mulheres consideram tais culturas uma propriedade ancestral e, desta
forma, possuída pela matrilinearidade com direitos de uso transmitidos
prioritariamente de mães para lhas. Tal persistência é notável em vista
da pressão do governo nacional malaio em décadas para o abandono de
tal perspectiva (McALLISTER, 1991, p. 72). Como isto se desdobra em
outras perspectivas sob a ótica do desenvolvimento desigual e combinado?
A tentativa de integração de princípios matrilineares com o sistema
escolar orientado por valores e demandas capitalistas (McALLISTER,
1991, p. 74). A divisão de parte de suas colheitas com parentes que moram
no meio urbano em troca de produtos eletroeletrônicos, por exemplo.
Todavia, uma aguda contradição baseada nas necessidades econômicas dos
estratos mais empobrecidos ameaça severamente a manutenção da tradição
(McALLISTER, 1991, p. 78), levando as mulheres a dependerem cada vez
mais de trabalhos nas áreas urbanas com a decorrência de não continuar e
cultivar tal especicidade cultural.
Isto leva McAllister a suscitar uma das mais importantes discussões
de Rosa Luxemburgo, qual seja, a da reprodução do capitalismo focada
em boa medida pela incorporação das áreas não capitalistas e suas
circunvizinhanças (LUXEMBURG, 1951 apud McALLISTER, 1991, p.
79). Tal raciocínio incide justamente sobre aquelas áreas do assim chamado
Terceiro Mundo em que há tais formas não capitalistas e que o processo
de acumulação do capital destrói as formas tradicionais e aumenta a
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
| 259
proletarização e o empobrecimento, ponto que incide sobre o caso em tela
da Malásia.
Tais aspectos suscitaram, inclusive, a incorporação de críticas na
prática ritualista e na evocação de espíritos que compunham tal tradição
cultural matrilinear como uma forma criativa de desenvolvimento
de contraposição ao sistema de exploração em que tais mulheres são
crescentemente submetidas. Isto começou a se manifestar nas grandes
fábricas malaias nos anos 70 e 80 entre as mulheres, originariamente
imbuídas de tais crenças nas suas localidades pautadas pela matrilinearidade
(McALLISTER, 1991, p. 81).
Em termos sucintos, a análise descrita acima permite constatar a
amálgama, em termos desiguais e combinados, de aspectos tradicionais da
cultura com pontos de transformação relacionados à expansão monopolista
do capitalismo imperialista articulando aspectos nacionais e internacionais.
O próximo tópico buscará efetuar uma sistematização dos eixos
norteadores deste texto: gênero, desenvolvimento desigual e combinado e
Relações Internacionais.
gênerO, desenvOlvimentO desigual e cOmbinadO e relações
internaciOnais
A sistematização de Justin Rosenberg (2016) sobre as possibilidades
da aplicação da categoria de desenvolvimento desigual e combinado
às Relações Internacionais de forma a oferecer um contraponto à visão
tradicional deste campo é bastante útil. Com alguns acréscimos de
elaboração própria, estabelecer-se-á tal diferenciação, associando aspectos
relevantes relacionados a gênero.
O conceito mais relevante das perspectivas hegemônicas e tradicionais
das Relações Internacionais é a anarquia, conceito inspirado em Hobbes
(1985). Um padrão único de Estados e sociedades pautado pela perene
competição (violenta ou com a possibilidade da violência) entre os entes
relevantes no cenário internacional, uma vez que não há subordinação
dos mesmos a qualquer centro, raciocínio válido para qualquer período
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
260 |
histórico. O contraponto do desenvolvimento desigual e combinado seria a
coexistência de múltiplos fenômenos e sociedades, sem que haja uma única
e contínua natureza que explicasse toda a história. No que refere à categoria
de gênero, a imagem masculina de Hobbes caracterizando o Estado com a
imagem de um homem, como atesta a primeira capa de sua obra canônica
sobre tal conceito, “Leviatã” (HOBBES, 1985) é indicativo de uma
caracterização mais recente (posterior a 1975), associada à masculinidade
do Estado e a sua postura competitiva e violenta no além-fronteiras. É digno
de crítica que a associação masculina perene e de natureza única ao Estado
com a violência perde de vista as distintas manifestações, temporalidades e
transformações concernentes a cada Estado, bem como o caráter dinâmico
subjacente às análises de gênero no devir histórico.
A abordagem tradicional se vale de uma metáfora famosa, qual seja,
aquela da bola de bilhar como modelo de análise. Trata-se de metáfora
alusiva ao Estado no sistema internacional: coeso, maciço, monolítico,
simétrico em relação aos demais (como ente soberano). Tal abstração ao
retratar o Estado põe em evidência as relações políticas interestatais ou
subordina todos os demais aspectos (econômicos, militares, geográcos
etc.) à dimensão política, tornando-se verdadeiros apêndices desta. Neste
modelo, o primado do político caracteriza uma única temporalidade,
aquela das relações políticas e interestatais. Todas as demais dimensões e
temporalidades desiguais e combinadas da vida desaparecem na medida
em que a abstração do modelo da bola de bilhar privilegia a política.
Obviamente, o contraponto aqui é a existência de múltiplos tempos e
linearidades de transformação das diversas dimensões da vida. Desdobra-
se disto também que a categoria de gênero nas Relações Internacionais não
pode ser situada somente no âmbito político e sim numa perspectiva mais
holista, abrangente.
Se a abordagem tradicional das Relações Internacionais privilegia o
político nas suas várias possibilidades, hierarquizando-o acima das demais
dimensões e usando-o para subordiná-las, isto faz com que a interação
entre as mencionadas dimensões se torne mais limitada. Tal ponto não
condiz com o referencial desigual e combinado, que preza pelas múltiplas
interações, ponto coerente com a ampla gama de causalidades históricas que
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
| 261
Gayle Rubin identicou no materialismo histórico e na sua aproximação
com a sua proposição original de gênero (RUBIN, 1975, p. 164).
Desdobra-se da formulação anterior que múltiplas interações não
podem privilegiar o plano externo anárquico do sistema internacional como
normalmente se observa nas abordagens tradicionais internacionalistas.
De modo diverso o enfoque do desenvolvimento desigual e combinado
aborda uma unidade orgânica entre o âmbito interno dos Estados e o
plano internacional. Neste diapasão, a narrativa dominante das Relações
Internacionais que associa a violência à masculinidade e privilegia o papel
público” de homens governantes, soldados e diplomatas ignora quase que
por completo o papel das mulheres no plano interno e internacional.
Outro desdobramento de todos estes entendimentos apontaria para
uma lógica em que as Relações Internacionais não cariam connadas
à Ciência Política, seja pela recorrência de conceitos políticos centrais,
como o equilíbrio de poder e a anarquia internacional, seja pelo fato
das contribuições de outras áreas dentro deste campo disciplinar
focarem também no plano político internacional. Exemplicariam isto:
Geopolítica, o gênero em termos das temáticas políticas internacionais
ou a especialização da Economia como Economia Política Internacional.
Considerando que a perspectiva da Geograa não se circunscreve à
Geograa Política e ans, que a categoria de gênero mesmo sendo originária
da Antropologia (RUBIN, 1975) não propõe a especialização nesta área
e que a própria Economia pode ser o o condutor para a totalidade de
acordo com a proposta marxista, o desenvolvimento desigual e combinado
pode dar ensejo a uma abordagem mais holista das Relações Internacionais
e da perspectiva de gênero sem reproduzir “a prisão da Ciência Política
que normalmente marca o enfoque internacionalista.
Todos estes argumentos conuem para as duas hipóteses
mencionadas no início destas notas. Tais hipóteses podem ser resumidas
na seguinte pergunta: a articulação entre gênero e desenvolvimento
desigual e combinado se dá em registro marxista como totalidade e busca
de uma radical e profunda transformação que inclui a plena emancipação
feminina ou como uma alternativa nos marcos disciplinares das Relações
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
262 |
Internacionais, sem maiores consequências para uma perspectiva de análise
de totalidade e a busca de uma radical e profunda transformação?
O esboço de uma resposta conclusiva será o foco do item nal, a
seguir.
cOnsiderações finais
A despeito da signicativa contribuição de Rosenberg no sentido
de sistematizar e buscar ampliar os horizontes das Relações Internacionais
com a categoria de desenvolvimento desigual e combinado, tal ampliação se
situa no campo disciplinar mencionado. As consequências teórico-práticas
desta escolha esvaziam, de certa forma, o alcance original proporcionado
pela formulação de Trotsky, claramente identicadas com a perspectiva de
transformação revolucionária radical e profunda. E também desdobrada da
perspectiva marxiana, para quem o enquadramento disciplinar tradicional
não se impõe como alternativa à totalidade.
Se a perspectiva original de Gayle Rubin no tocante a gênero não
situa esta categoria no marxismo, o seu diálogo construtivo e generoso com
o materialismo histórico não perde de vista a transformação histórica e o
dinamismo social em várias possibilidades.
As aplicações aqui descritas sumariamente que articulam o
desenvolvimento desigual e combinado ao gênero (de forma aproximativa,
relacionável) situam tais discussões num todo em que contempla as relações
internacionais com maior ou menor ênfase, sem uma preocupação em
privilegiar um campo disciplinar especíco.
Conforme visto, a análise da participação feminina na Revolução
Russa mobiliza ideias, conceitos jurídicos, relações políticas interestatais,
circulação de ideias, literatura etc. Por sua vez, a análise da cultura
matrilinear das mulheres da Malásia evoca a Antropologia, a Sociologia, as
Relações Internacionais, etc. Na ótica do marxismo, tais enquadramentos
disciplinares seriam, na melhor das hipóteses, convenções frente à
totalidade.
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
| 263
O dinamismo do gênero e do desenvolvimento desigual e combinado
não se coadunam com narrativas e lógicas evolucionistas, mecânicas,
estanques, homogêneas. Esta é uma das principais conclusões apontadas a
partir da sistematização e das análises resumidas nestas notas.
Coerentemente com este caráter dinâmico e de cunho mais totalizante
que tais categorias ensejam, entende-se que não seria coerente situá-las em
termos de mais um connamento disciplinar que pode proporcionar uma
limitação em sentido contrário. Por outras palavras, a articulação dinâmica
e holista proporcionada pelas categorias de gênero e de desenvolvimento
desigual e combinado não pode ser “engessada” num enquadramento
como aquele das Relações Internacionais. Desdobrar tal articulação até as
últimas consequências implica atentar para o dinamismo histórico rumo
a uma transformação radical e revolucionária, livre de quaisquer amarras
disciplinares, patriarcais e ans.
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F F:
T  
   

Cin Falchi
Interagir com as pessoas é mesmo uma ação formidável, elas trazem
para nós outras formas de transitar em um mundo que muita vezes nos
parece tão engessado que chega a ser catastróca a possibilidade de outros
reconhecimentos de existências.
Outro dia estava proseando com uma grande amiga que é poetisa e
começamos a trocar versos rascunhados sobre o que aquieta a nossa alma.
Alma, nesse momento, utilizo muito mais como expressão corriqueira de
compreensão massiva do que a partir da dualidade mente-corpo antiga.
Estávamos então a trocar mensagens de áudio declamando poesias,
madrugada à fora, ela mulher negra cisgênera e eu, transmasculino não-
binário branco, encantado e forticado com seus tons, suas escolhas de
palavras e junções em frases potentes e expressivas. Logo me vi tomado por
https://doi.org/10.36311/2022.978-65-5954-279-6.p267-282
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
268 |
tal encantamento e me movi em direções similares, mas com conteúdos
mais próximos a minha realidade e questionamentos.
Passado um tempo percebi que essa experiência de escuta de si, de
declamar a própria existência em estéticas do presente, me trouxe também
um outro olhar para com o mundo, a partir do território do presente,
como nas ressignicações e problematizações históricas de interpretação
muitas vezes já consolidadas.
Tenho tido uma ânsia muito grande em trazer à superfície as
congurações e apontamentos de rupturas epistêmicas que carregam em
seus bojos profundos e espinhosos características ontológicas de existências
hegemônicas. Percorrendo as trajetórias de Paul Beatriz Preciado é possível
visualizar as diculdades em se manter nos “entre” sociopolíticos como
também é plausível alimentar a fera que não admite se manter enjaulada
por sua própria conta, na tentativa de se enquadrar nas normalidades
existentes. Resolvi acordar e prosear mais a respeito. Resolvi também utilizar
do trajeto que faz a muitos reconhecerem suas cicatrizes como conquistas e
vidas, e não exclusivamente como sofrimentos e silenciamentos. Se somos
fera, seremos casos sem solução, de “corpo, alma e coração”. A solução do
enquadramento não é possibilidade para nossas vidas, seria nossa morte.
Preferimos a fera ferida que escapa com vida.
“ eu sei, O cOraçãO perdOa, mas O esquece à tOa, e eu O me
esqueci
Em A genealogia da Moral, Friedrich Nietzsche começa a obra
evidenciando no esquecimento, utilidade, costume e erro, uma formação
ontológica do “homem superior” que ele nomeará como sendo “[…]
uma espécie de privilégio do homem em geral” (2007, p.24). Com isso,
o que o lósofo faz é questionar os traços de idiossincrasia de psicólogos
ingleses que diz ele apresentarem o que denominam de homem superior,
mas que para o ser, é necessário estar acordado em uma vivência, um
modo de vida, que possa ser mensurado a partir de regras preestabelecidas,
exclusivamente, por esses mesmos “homens superiores”, fazendo com que
a pertença superior seja de interesse próprio advinda de uma dominação.
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
| 269
Para mim é evidente em primeiro lugar que essa teoria procura e
xa a origem da emergência do conceito “bom” num lugar em que
não está: o juízo “bom” não emana daqueles a quem se prodigilizou
a “bondade”. Foram os próprios “bons”, os homens nobres, os
poderosos, aqueles que ocupam uma posição de destaque e têm a
alma enlevada que julgaram e xaram a si e a seu agir como “bom”,
ou seja, “de primeira ordem”, em oposição a tudo o que é baixo,
mesquinho, comum e plebeu. Foi esse pathos da distância que os
levou a arrogar-se por primeiros o direito de criar valores, de forjar
nomes de valores: que lhes importava a utilidade! (NIETZSCHE,
2007, p.25)
Quando retomamos cenas de formação da monstruosidade de
existência que é delegada aos corpos trans, o esquecimento não é uma
possibilidade. Esquecer pode implicar em se colocar em risco constante.
Mas para além dos riscos físicos, é necessário olhar o trajeto percorrido e
trazer nessa icônica genealogia também as rupturas com essa imposição de
morte. E é no próprio Nietzsche que encontramos os relances desse jogo
de existências:
O homem, por falta de inimigos e de resistências exteriores,
comprimido na estreiteza e na regularidade opressora dos costumes,
se dilacerava, se torturava, se corroía, se maltratava, se brutalizava
a si mesmo, esse animal que se rasgava as carnes contra as barras da
jaula e que se quer domar, esse ser alvo de privações, devorado pela
nostalgia do deserto, que teve que fazer dele próprio uma aventura,
uma câmara de torturas, uma região selvagem, incerta e perigosa –
esse louco, esse cativo nostálgico e desesperado se tornou o inventor
da “má consciência”. (2007, p. 81)
Um crivo desses perpassa e atravessa corpos retalhados que mostram
que, como monstro, “seu corpo é um reverso de um corpo com alma
(PEIXOTO JUNIOR, 2010. p.180). Se animal arisco, quando domesticado
há, realmente, a possibilidade de esquecimento dos riscos. Nessa história,
pessoas trans tornam-se a composição humana que evidencia a constituição
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
270 |
ontológica da existência do risco. E então, quando a passabilidade
1
toma
conta desse ser, a resistência exterior pode até faltar-lhe, dado os costumes
do patriarcado, misogenia e machismo ter no estereótipo padronizado e
brutal sua falsa calmaria, mas mesmo assim, não se deixe enganar e nem se
levar por essa aparência, ela não é estética de vida, é subterfúgio paliativo
para uma necropolítica
2
domesticada.
Portanto, se por um lado a formação enquanto pessoas trans está
ancorada no não esquecimento formativo da fera, ela também pode ser
vista a partir da presença imanente do risco monstruoso ferido. No entanto,
esse risco não é orgânico às pessoas trans. Ele o é para o conjunto de (cis)
temas que ancora, com a arrogância de seus próprios marcos históricos,
uma história de subjugação e enquadramentos limitantes e obedientes às
regras e normalidades forjadas para a manutenção “dos seus”, dos “homens
superiores”.
Quando retomamos, em pleno um momento crise mundial sanitária,
os questionamentos e desesperos que países capitalistas evidenciam com
relação aos seus (cis)temas econômicos, podemos visualizar nas trocas de
mensagens de áudios poéticos, a existências de outras maneiras de subverter
e arriscar falar de vidas. Vidas com “s”, porque a generalização do que
possa ser vida nos ancorou nesse enrosco de sobrevalorizar um modo de
existência que é tão refém como as existências trans possam vir a ser, com
a diferença de muitas vezes permanecerem nos enquadramentos desejáveis
para uma manutenção de vida enxuta, sucedida e a-signicante. E com
Maurízio Lazzarato podemos compreender que:
O que importa no capitalismo é controlar os dispositivos semióticos
asignicantes (econômicos, cientícos, técnicos, contábeis, do
mercado de ações, etc.) através dos quais ele busca despolitizar
e despersonalizar as relações de poder. A força das semióticas
asignicantes reside no fato de que, por um lado, elas são formas de
avaliação e mensuração “automática” e, por outro lado, elas unem
e tornam “formalmente” equivalentes esferas heterogêneas de força
Condição e/ou capacidade de alguma pessoa poder passar como membro de um grupo ou categoria em função
de sua representação de imagem. Ex: quando uma pessoa trans é interpretada como pessoa cis pela sociedade.
Para saber mais: MBEMBE, Achille. Necropolítica: Biopoder, soberania, estado de exceção, política da morte.
N-1 Eduções. São Paulo, maio 2019.
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
| 271
e por assimétricos ao integrá-las e racionalizá-las para a acumulação
econômica. (2014, p.41)
Enquanto corpo do fracasso (cis)têmico, pessoas trans são também
corpos em ascensão e criação, com as potencialidades de existires que estão
alocadas em outros patamares que não, necessariamente, o da hegemonia
da captura de produções de vida estruturante e estrutural desse dado (cis)
tema. O que signica armar não conceber as existências na regulamentação
e normalização desses enquadramentos prévios de ser. Não signica,
no entanto, que compor o espaço (cis)têmico, dentro desse sistema de
verdades, não possa vir a se tornar tão inventados/as como qualquer outro
ser que o componha.
As transexualidades foram inventadas. Dizer que foram inventadas
é diferente de dizer que não existiam. Dizer que foram inventadas
é perceber como, quando e de quais maneiras esta forma de
subjetividade passa a constituir um elemento importante tanto do
ponto de vista discursivo quanto das práticas sociais, ganhando
sentidos em determinados regimes de verdade. (LIMA, 2014, p.68)
Mas, vivenciar essas invenções com a própria carne pode ser visto
também como um ato estético e ético de existir nas performances possíveis
e tangíveis a manutenção de enquadramentos de vida. Os corpos trans
expressão, em suas existências, não apenas os limites, mas também as
potencialidades das possibilidades dos corpos, em concatenação com suas
vivências e experiências.
Assim, por exemplo, quando Preciado enuncia “não sou um
homem, mas um homem trans”, ele mesmo já traz o que essa armação
tem aprofundada em seu bojo signicativo
Eu sou um contrabandista, minha história e minha consciência
estão fora de sintonia com a cção política masculina que é a minha
hoje. Ao menos uma vez por dia, lembro na conversa com um
interlocutor ou uma interlocutora que eu sou um homem trans,
uma maneira de dizer sobre meu confronto com o sistema sexo-
gênero. Nossos corpos trans são um ato de dissidência. Para mim,
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
272 |
um homem trans faz parte da minoria das mulheres, porque, para
mim, as mulheres não são uma natureza, mas uma minoria política.
Minha cultura permanece a das mulheres, fui criada e educada na
feminilidade. Eu sou um feminista. Não me esqueço disso. A cada
vez que alguém me chama Paul, é um ato de cooperação que se
torna um ato de resistência política. De certo modo, estou em uma
recuperação ativa do que me foi radicalmente roubado: a alegria
da infância. Desejo que cada um invente um novo manual para
seu corpo, que saia da norma, que não se reconheça no espelho.
(PRECIADO, 2019, n/p)
As fragmentações e classicações (cis)têmicas compactuam não
apenas como formativas, mas também como mantenedoras das violências
cravadas na pele de muitos/as/es. E aí sim, nesse interstício violento para se
fazer existir, nos tornamos o “animal ferido, por instinto decido” e que por
inúmeras vezes busca na tentativa infeliz de esquecer, o apagamento dos
rastros formativos e fundantes de sua própria existência.
Vou afunilar mais e trazer as transmasculinidades como objeto
central dessas formulações pululantes de pensamentos. Até porque, das
interseccionalidades do jogo sexo-raça-classe, a masculinidade hegemônica
solidica, a meu ver, em conjunto com a branquitude, a heterossexualidade
e a burguesia, as compactuações mais traiçoeiras e permissivas de violências
para a manutenção dessa necropolítica estrutural que afeta, de afeto mesmo,
as experiências e experimentos de vidas trans.
acabei cOm tudO, escapei cOm vida. tive as rOupas e Os sOnhOs
rasgadOs na minha saída
Como pessoas transmasculinas, saímos de uma feminilidade
imposta tão maltratada e espezinhada que ao tentarem nos enquadrar nela,
já rebatíamos os açoutes que ainda se fazem presentes nos corpos e vidas
que nela permanecem, mas que buscam e lutam e transgridem também,
a partir da compreensão do “ser mulher”. Podemos destacar as diversas e
inúmeras rupturas que possam resistir para existir de formas menos cruéis
a si mesmas. Nery e Maranhão F retomam essa importância ao armarem
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
| 273
que “’Essa herança de gênero’ (a bagagem do mundo social feminino) é
uma das marcas das transmasculinidades, o que possivelmente os difere
dos homens cis, já que a maioria foi criado para o mundo privado e não
para o público.” (2017, 285)
Ao sairmos, portanto, da compulsividade cisgênera da feminilidade,
saímos ferido, sufocando nossos gemidos, sendo alvo perfeito e muitas vezes
com o peito atingido. Nessa transguração de imagens próprias, não está em
jogo exclusivamente dispositivos microprostéticos
3
, mas primordialmente,
os olhares estéticos e ações éticas para conosco mesmos/as que se alimentam,
muitas vezes, do chorume da identidade hegemônica masculina tão cara e
necessária para nossa própria permanência em políticas públicas precárias
e insucientes, além de muitas vezes também questionáveis, que são
sobrepostas a nossos modos de existir. Percorremos do desgarramento de
normativas tão intrínsecas à formação que muitas vezes somos lançados/
es, justamente, para o epicentro da norma, e nos montamos escudados/es
por cada detalhe que possa nos informatizar da mesma maneira e assim nos
trazer a falsa segurança (cis)têmica nunca sentida. Nesse sentido, Peixoto
Junior (2010) realiza uma sequência de apontamentos sobre o monstro e
traz, nessa sequência, lósofos que evidenciam possibilidades de subversão
a partir das relações com o corpo pelas monstruosidades. Em dado
momento o autor aponta que se em Foucault o anormal é qualicado em
ser “aquilo que não tem ou contradiz a regra”, ele arma estar na anomalia,
a partir de Deleuze e Guatarri, a “excepcionalidade da posição ou de um
conjunto de posições em relação a uma multiplicidade”. Nesse sentido
diz que “Se o monstro foi capturado pelo saber-poder médico-jurídico no
âmbito das anomalias, isso certamente ocorreu porque o anômalo também
comportava uma potência subversiva ligada à multiplicidade e ao devir.
(PEIXOTO JUNIOR, 2010, p.181)
Dispositivos microprostéticos são técnicas de controles das sexualidades visíveis ou não inseridas no corpo
pela indústria farmacêutica, como as pílulas hormonais, por exemplo, visando seguir um programa sexopolítico
que tem como meta o consumo e expansão do mercado farmacológico para a administração dos corpos a partir
de microtecnologias de gestão da subjetividade sexual. “De nuevo es posible identicar aquí el devenir líquido
y microprostético de las técnicas de control de la sexualidad que antes eran rígidas, exteriores e visíbles. Del
panóptico que se traga pasamos progresivamente al panóptico que se inyecta, se instala hasta confundirse com
la estructura del viviente” (PRECIADO, Testo, p. 140)
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
274 |
Ao nos sentir sozinho/e, tropeçando em nosso próprio caminho, em
busca apenas de um abrigo, ajuda, um lugar ou mesmo um amigo, temos
a difícil escolha entre feridas, sendo uma delas a de permanecer na solidão
de uma existência já tão massacrada e debilitada. Uma outra, e ainda muito
utilizada, é a de enquadramento na masculinidade hegemônica e a tentativa
de pertença insólita nesse (cis)tema, a partir da forja de nossos corpos, com
biotecnopolíticas dos corpos, onde dispositivos farmacológicos nutrem, a
partir de imagens consolidadas de copos masculinos hegemônicos, uma
estética estagnada e reproduzida compulsoriamente, que agrega em si e
consigo, necessariamente, as características violentas e hegemônicas que
um homem cisgênero pode e deve compor para se caracterizar enquanto
homem.
Podemos também compreender a importância do comum frente a tais
rupturas, não necessariamente como identidades encaixadas que possam ser
moduladas, mas como multidões que a partir de signos básicos, como peitos,
que trazem expressões estéticas outras e epistemologias travestigêneres,
por exemplo. Quer dizer, questionam as molduras dos enquadramentos
sugerindo, em suas próprias existências, outras constituições.
Tudo muito esmiuçado, mas no dia a dia, os farelos são a base
constitutiva de existência que pessoas transmasculinas e homens trans
experienciam. Porque dentro desse jogo que é viver, as cicatrizes falam e as
palavras calam, o que não nos esquecemos. Quando então nos vemos na
possibilidade de incorporação das normas dessas existências que padronizam
o que é vida, é de se esperar que muitos/es de nós assumam para si a difícil
tarefa se ccionar a partir do modelo exposto. Se transpõe com a armadura
cisgênera, embebido de machismo e assume na carcaça da pele a deturpação
da violência máxima ancorada em si mesmo/e. A imagem e realização
dessa masculinidade desdobram-se em normativas cruéis e passamos do
silenciamento de nossas existências passadas para o aprisionamento no
machismo cotidiano. A confusão está formada e se antes éramos estranhos/
es enquanto “mulheres” e subjugados/es por um machismo sórdido que
ainda ronda e forma nossa sociedade, quando conseguimos enm nos
encontrar a nós mesmos/es nas expressões de gênero, identidades de
gênero, enm, que transversalizam as masculinidades, nos vemos alocados/
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
| 275
es em um espaço pouco habitado de questionamentos e reconhecimentos,
mas extremamente certeiro em suas verdades tradicionais e historicidades
mesquinhas e muitas vezes infundadas, mas que permanecem acolhendo as
mesmas verdades tradicionais.
Como animais feridos, muitos/es de nós passam anos andando à
deriva, sem olhar para trás, sem rumo, sem laço, e por vezes tendo na
expectativa de devires, a possibilidade de uma existência sólida. Porque
o limite da falta de enquadramento é a presença constante da resistência,
outra escolha ferida. Como Judith Butler (2015) enuncia, em um de seus
ensaios, sobre enquadramento seletivo: “[…] uma vida especíca não pode
ser considerada lesada ou perdida se não for primeiro considerada vida.”.
(BUTLER, 2015, p.13). Peixoto Junior também expressa que
Talvez seja por esse motivo os monstros exercem tamanha atração:
situados em uma zona de indiscernibilidade entre o devir-outro e o
caos, eles podem aparecer – como no caso das guras culturais da
mestiçagem” e da chamada “dupla identidade” – como um foco
de atração de saúde e de vida contornado por regiões mortíferas
ou mórbidas. Algo nos monstros se confunde e confunde a
imaginação, suscitando um autêntico devir-outro, para além de si,
mesmo.(PEIXOTO JUNIOR, 2010, p.183)
Portanto, quando é para as questões de transmasculinidades que
trazemos a atenção, é também realizado o movimento de compreender as
transmasculinidades enquanto vidas, delegando assim status ontológico à
tais vivências e as ancorando em terras rmes do estar vivo/e. Até porque,
enquanto não nos autoimpusermos o espectro de vivências, seremos algo
tão frágil quanto a masculinidade hegemônica o é.
Butler também expressa algo que nos toca e nos forja diariamente.
Diz que
O “ ser” do corpo ao qual essa ontologia se refere é um ser que
está sempre entregue a outros, a normas, a organizações sociais e
políticas que se desenvolveram historicamente a m de maximizar
a precariedade para alguns e minimizar a precariedade para outros.
Não é possível denir primeiro a ontologia do corpo e depois as
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
276 |
signicações sociais que o corpo assume. Antes, ser um corpo é
estar exposto a uma modelagem e a uma forma social, e isso é o
que faz da ontologia do corpo uma ontologia social. (2015, p. 15)
Realizar essa explanação é reconhecer que não são apenas os corpos
transmasculinos que terão a árdua tarefa de reconhecer as algúrias da
toxidade da masculinidade hegemônica e se auto gerir exclusivamente
em seus êthos como se fossem os únicos capazes e necessários de forjar
ou estarem acima da produção dessa masculinidade violenta. Com essa
armação, não admito que também não caiba a tais corpos. Mas sendo
corpo uma existência ontológica social, é necessário que como comunidade,
consigamos admitir outros olhares e desdobramentos para com corpos
transmasculinos/es a m de, ao menos, outorgá-los as inúmeras outras
cções possíveis de masculinidades. Nesse sentido, retomo a armação
de Preciado ao dizer que não é homem, mas sim homem trans. Esse é
um enunciado que evidencia os enquadramentos enquanto constituições
sociais que carecem ser repensadas e reformuladas, pois enquanto pessoas
transmasculinas, é necessário que não nos rotulem como seres forjados na
mesma forma, na importância em não nos limitarem aos jogos que poder
aos quais constantemente são utilizados por homens cisgêneros, que detém
dentro desse jogo, os instrumentos e a reprodução dessa masculinidade
social.
Quando, enm, uma pessoa transmasculina começa a tropeçar em
seus próprios passos, existindo para si, a mesma história que muitas vezes
precisa ser negada em sua dor, é também a beleza e a potência por ter
resistido. Sabemos que ores existiram, mas elas muitas vezes não resistem
aos constantes vendavais. E esses vendavais estão não apenas em dados
estatísticos de suicídio, como também ao que aqui elenquei como o objeto
central da masculinidade hegemônica: o machismo.
Se por um lado o limite de si em si mesmo, com as sobrecargas
sociais e políticas, nos abrem espaços imensos para que o suicídio seja uma
ação concreta frente as ações sociais diárias que estão dispostas em nossos
corpos, vale também a atenção as reproduções dessas mesmas ações como
possibilidade de existência nos territórios de pertença.
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
| 277
O assunto não é tão supercial como o exponho, e aqui seria
importante desvelarmos outras transversalidades sobre as constituições de
sujeitos, mas como o propósito principal se faz em um pontapé inicial
e revelador de incômodos, começar uma apresentação de maneira mais
generalizada talvez nos dê a maturação necessária para que não caiamos
no mesmo erro de atropelar essa importante trajetória de questionamentos
sobre algo tão dilacerante a todas as pessoas, sendo homens ou não, a
fadada masculinidade frágil, porém potente o suciente para nos violentar
até hoje.
“era sOltO em meus passOs, bichO livre, sem rumO, sem laçO
Bruno e Celso Latini Pfeil (2021) discorrem e questionam, por
exemplo, os índices de suicídios em pessoas cisgêneros, realizando um
recorte de gênero e cor de pele. Os autores evidenciam que pessoas trans
e travestis não são contabilizados/as/es em suas tentativas e mortes por
suicídio e que, portanto, inclusive os dados ociais, seriam diferentes. E
seriam diferentes, a meu ver, por vários aspectos, visto que a comunidade
trans e travesti, provavelmente, é contabilizada como cisgênera, inclusive.
Dizem eles:
A omissão de dados sobre identidade de gênero dos laudos
médicos de óbito e dos registros ociais com relação ao suicídio,
a universalização da cisgeneridade e a inacessibilidade de pessoas
transmasculinas a serviços de saúde e instrumentos que produzam
as estatísticas anteriormente dispostas nos mostram que não, não
podemos atribuir os estudos sobre masculinidades – feitos por
pessoas cis – às transmasculinidades, por mais redundante que isso
soe. (PFEIL E PFEIL, 2021, p.54)
Portanto, para minimamente começarem a movimentação da
existência de vivências e, assim, de possibilidade de morte, os autores
admitem que tiveram que recorrer a estudos não ociais governamentais,
no entanto legítimos e cientícos, que de alguma forma tiveram uma
busca por informações a partir de um olhar e uma construção de inclusão
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
278 |
e viabilidade de vivências para além das normalizadas e padronizadas de
masculinidade.
E como mais um apontamento que não pode deixar de ser evidenciado,
vale ressaltar que em pleno o ano de 2021, o IBGE (Instituto Brasileiro
de Geograa e Estatística), se posicionou contrário a contabilização de
LGBTs em seu censo, mesmo sendo o principal provedor de dados e
informações da população brasileira. Uma decisão e ação como a desse
Instituto que é público e que confere a administração federal brasileira
dados para a manutenção e aprimoramento de políticas públicas, evidencia
a total marginalização da população brasileira LGBT como um todo,
que em levantamento não-governamental, é estimada em 18 milhões de
pessoas, isso não contabilizando intersexo e assexuais, o que implicaria em
um número consideravelmente maior, bem como uma negligência ainda
mais escandalosa
4
.
Produzimos em nós aquilo que apreendemos e é importante nos
atentarmos a essa apreensão da masculinidade. De acordo com Butler a
apreensão é “[…] algo menos preciso, já que pode implicar marcar, registrar
ou reconhecer sem pleno conhecimento. Se é uma forma de conhecimento,
está associada com o sentir e o perceber, mas de maneira que não são sempre
– ou ainda não são – formas conceituais de conhecimento.” (2015, p.18)
Diferente do reconhecimento, que perpassa por outros trajetos para
que seja consolidado, e que será tópico de outra análise, a apreensão parece
ser o que vem até nós a partir dos vínculos por existir, e não necessariamente,
por conhecer-se, ou mesmo pensar sobre si.
A partir do momento em que nos percebemos corpo transmasculino/e,
parece que também apreendemos uma utopia realizada para apagar nossos
corpos que, como Michel Foucault enuncia, é a utopia do país dos mortos.
Utilizando o exemplo de civilizações egípcias, Foucault retoma as múmias
como “[…] utopia de corpo negado e transgurado” (FOUCAULT, 1966,
p.04)
Dado retirado de : <https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2021/02/19/perguntas-sobre-identidade-
de-genero-e-orientacao-sexual-poderao-ser-incluidas-no-censo> em 29 de junho de 2021.
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
| 279
Podemos ser, enquanto corpos transmasculinos/es, múmias sólidas,
esbeltas, pintadas e esculturais de corpos gloriosos, ainda mais quando ricos
e brancos nessa caricatura, que mostram a nós mesmos/es e à sociedade
o quanto conseguimos performatizar aquilo que hegemonicamente nos é
apreendido como masculinidade, persistindo através do tempo e fazendo
de nós mesmo corpo negado e transgurado.
Aqui, teremos um parcial reconhecimento enquanto corpo
transmasculino/e, visto a apreensão não estar fora do alcance social, mas ao
contrário, ser uma conguração de vida. E nessa utopia de corpos, e nessa
apreensão de corpos, e nessa utopia dos mortos, as transmasculinidades
tornam-se sólidas enquanto coisa e eterna como um deus. E isso, isso é
cruel. É a apreensão da crueldade que te transgura enquanto vida. É cruel,
mas é uma possibilidade de existência para muitas pessoas transmasculinas/
es.
Sabemos que o coração perdoa, mas não podemos nos esquecer de
nossas trajetórias, porque é na transformação e presença do caminhar que
ainda temos a esperança de que estamos vivendo. Transgurar nossos
corpos é apenas uma possibilidade, não uma verdade indubitável. E
quem o faz, precisa estar ciente das mazelas sociais que a masculinidade
hegemônica tem perpetuado em nossos territórios, para que não caiamos
no canto da sereia do privilégio irrestrito e da violência “aceitável”.
“nãO vOu mudar, esse casO O tem sOluçãO, sOu fera ferida, nO
cOrpO, na alma e nO cOraçãO
Quando me vi imerso nos áudios poéticos que Bruna Motta
5
me
mandava pelas noites afora, percebi que o incômodo que me rondava sobre
minha própria identidade de gênero estava sendo escancarado e rasgado
pelas poesias da negritude que ela assumia e chamava ao reconhecimento.
Ademais de conceituar, foi importante perceber que lugar de fala está
para além de ter voz e que Djamila Ribeiro (2019) tenha concretizado esse
local não apenas como físico, mas também como local formativo. E que se
Artista e produtora cultural especializada em produção de conteúdo e eventos literários e artísticos. Acesso em:
<https://www.instagram.com/mottabrunapoesia/>.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
280 |
temos atualmente, de maneira tão forte e potente, como Motta pode me
trazer, uma proliferação de múltiplas vozes negras ecoando e implodindo
nos territórios que estão presentes, é fundamental nos atentarmos a essas
movimentações não apenas como modelos, mas como uma das dimensões
que “[...]não podem ser pensadas de forma separada”, como Ribeiro arma.
(2019, p.71)
Isto posto, retomo na íntegra uma citação que nesse escrito que
aqui me ponho a realizar, acredito ser necessária para que pensemos nossas
transgurações de gênero não como um local a se chegar, mas como um
trajeto à se construir por todas as pessoas e não, exclusivamente, as pessoas
transmasculinas/es. E que realizemos e experimentemos nossas vidas e
expressões, não a reproduzir na íntegra a modelagem, ou o enquadramento
que, socialmente, historicamente, ou mesmo apreensivamente, foi prescrito
à masculinidade. Mas que saibamos, enquanto comunidade, quando
estamos alocados/es em relações de poder que nos possibilitam a criação
de estratégias, como fera ferida, mas também como bicho solto, pois se
tivemos as roupas e os sonhos rasgados na saída, não perfumaremos nossas
múmias, mas nas tristezas, morreremos aos poucos por amor. Amor a nós
mesmos/es. Diz ela:
Acredito que nem todas as pessoas brancas se identiquem entre
si e tenham as mesmas visões, mas existe uma cobrança maior
em relação aos indivíduos pertencentes a grupos historicamente
discriminados, como se fossem mais obrigados do que os grupos
localizados no poder de criar estratégias de enfrentamento às
desigualdades. (2019, p.69)
Evidencio esse fragmento para evidenciar também a importância que
grupos hegemônicos precisam ter em suas movimentações, ações, atitudes
e experiências de viver. Passamos, enquanto corpos ocidentalizados, por
diversos embates que são elaborados a partir do binarismo ou mesmo
do dualismo metafísico. Nesse sentido, é imprescindível que os corpos
hegemônicos se façam presentes e modicáveis, tanto quanto os nossos
subalternizados. E aqui, estabeleço para mim e para os/es meus/minhes,
o pontapé de acabar com tudo, mas escapar com vida. O que fazemos
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
| 281
é viver e não nos ludibriar com o chorume do fazer morrer perfumado
e caricaturado como beleza, que expressa em sua fragilidade a partir da
violência entregue a nós cotidianamente. Não buscamos que nos deixem
viver, não buscamos nesse (cis)tema os prenúncios de nossa existência. Ele
só evidencia que foi programado para a morte, e não para a vida. O que
esperamos é que mais pessoas percebam o que nós, por estarmos a margem
e nessa violência, já o sabemos: esse (cis)tema não serve para ninguém! Só
te faz ser servil! Quem é você nele?
referências
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Brasileira, Rio de Janeiro, 2015.
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FOUCAULT, Michel. Utopia do corpo. Tradução de Valéria Monteiro. Acesso em:
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LAZZARATO, Maurízio. Enunciação e Política. Uma leitura em Paralelo da democracia:
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LIMA, Fátima. A construção do dispositivo TRANS: Saberes, singularidades e subversões
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du-systeme-sexe-genre_1716157?fbclid=IwAR2Lx5MDvyu7FvM6stL3sZW-IycWH_
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| 283
O    
:   

Elói Maia de Oliveira
1
O silêncio é a estratégia discursiva dominante, tornando nebulosa a
fronteira entre heteronormatividade e homofobia. (Tatiana Lionço e
Débora Diniz)
2
.
intrOduçãO
A homofobia presente em nossa sociedade ainda é um grande fator
que gera violência e discriminação para a população LGBTQIA+ e dentro
da escola não seria diferente. A escola é considerada um “ensaio” social
da vida adulta, onde crianças e adolescentes estão passando por diversos
processos de aprendizagem desde autoconhecimento, desenvolvimento
corpóreo, conjunto de relações sociais e interações. Diante dessas
Doutorando em Educação pelo PPGE UNESP/Marília. Professor de losoa da rede pública do Estado de São
Paulo desde 2012. Professor universitário da Faculdade PIAGET. Vice-presidente do Coletivo Arco-íris Marília/
SP. eloimaia@gmail.com
 Extraído da obra: Homofobia e educação: um desao ao silêncio. 2009. p. 52.
https://doi.org/10.36311/2022.978-65-5954-279-6.p283-296
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
284 |
transformações as crianças e adolescentes trazem consigo experiências,
valores familiares e valores de certa parte social que se estruturam para
uma formação identitária.
Dessa formação de identidade a escola é parte fundamental nessa
etapa, onde as crianças e adolescentes terão contato com o diferente. São
diferenças essas: sociais, culturais, sexuais e étnicas todas no mesmo espaço e
com relações horizontais de relacionamento. Mas se a escola faz parte dessa
etapa e visa construir uma visão de respeito à multiplicidade de sujeitos,
por que ainda ela lida com o preconceito do “diferente”? Infelizmente a
escola sozinha não consegue combater os preconceitos enraizados de forma
substancial precisando sempre de apoios além dos muros da escola e, por
ainda vivermos em uma cultura heteronormativa, machista e racista, as
crianças e adolescentes que mais sofrem com esse processo de exclusão são
LGBTs, meninas e pretos.
Reetir sobre o papel da escola frente a homofobia pode parecer
um processo fácil se pensar que o papel da escola é apenas o de informar e
conscientizar. Mas mais que reetir as ações, precisamos colocar em prática
e aplicar essa teoria da conscientização. Como então preparar os docentes,
gestão escolar, comunidade e os próprios discentes para lidar e enfrentar
esse fenômeno da homofobia que convive diariamente com os LGBTQIA+
nos espaços formais da instituição escolar?
Esse texto será divido em três momentos de reexão. A primeira parte
trataremos do “por que falar de homofobia nas escolas?”, apresentando um
panorama sobre a situação de pessoas LGBTQIA+ nas instituições escolares.
A segunda parte será acerca da legislação sobre a discussão de gênero nas
escolas, oferecendo a equipe escolar toda a legalidade de se trabalhar com
os temas de gênero e sexualidade previstos em lei. E a terceira parte é a
prática da educação de gênero nas escolas propondo algumas ações a serem
realizadas para o enfrentamento da homofobia na instituição escolar.
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
| 285
pOr que falar de hOmOfObia nas escOlas?
Um estudo nacional em escolas brasileiras, realizada pela UNESCO,
publicado em 2004, envolvendo mais de 24 mil respondentes, mostrou
que 39,6% dos estudantes masculinos não gostariam de ter um colega de
sala de aula que fosse homossexual; 35,2% dos pais e mães não gostariam
que seus lhos tivessem um colega de classe homossexual e 60% dos/das
professores/as armaram não estar sucientemente bem informados/as para
abordar a questão da homossexualidade na sala de aula (ABRAMOVAY et
al., 2004). Diante desse breve cenário, as porcentagens apresentadas não
seriam de extrema relevância para justicar a conscientização nas escolas
sobre o fenômeno da homossexualidade?
Uma pesquisa produzida pelo Instituto Nacional de Estudos e
Pesquisas Educacionais (INEP) sobre o projeto de estudo sobre ações
discriminatórias no âmbito escolar, como coordenador o professor
José Afonso Mazzon (2009), apontou que em uma amostra de 18.500
estudantes, pais e mães, diretores/as, professores/as e outros/as prossionais
da educação, mostrou que 87,3% dos/das respondentes tinham atitudes
preconceituosas e 26,1% tinham atitudes discriminatórias em relação a
orientações sexuais diferentes da heterossexual.
E, um estudo recente, publicado em 2016, desenvolvido pela
Secretaria de Educação da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays,
Bissexuais, Travestis e Transexuais – ABGLT apresentou em sua pesquisa,
que foi composta por um total de 1.016 estudantes com idade entre
13 e 21 anos que são os/as estudantes oriundos/as de todos os estados
brasileiros e o Distrito Federal, com a exceção do estado do Tocantins,
Metade do(a) entrevistados(as) se identicaram como sendo do gênero
feminino (46,9%); a maioria se identicou como sendo gay ou lésbica
(70,7%) e, os/as demais respondentes se identicaram como bissexuais ou
como tendo outra orientação sexual que não a heterossexual. A maioria
desses/as estudantes LGBTs frequentou o ensino médio em 2015.
Dentre os entrevistados, 60% se sentiam inseguros/as na escola no
último ano por causa de sua orientação sexual; 43% se sentiam inseguros/
as por causa de sua identidade/expressão de gênero; 48% ouviram com
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
286 |
frequência comentários LGBTfóbicos feitos por seus pares; 55% armaram
ter ouvido comentários negativos especicamente a respeito de pessoas
trans; 73% foram agredidos/as verbalmente por causa de sua orientação
sexual; 68% foram agredidos/as verbalmente na escola por causa de sua
identidade/expressão de gênero; 27% dos/das estudantes LGBT foram
agredidos/as sicamente por causa de sua orientação sexual; 25% foram
agredidos/as sicamente na escola por causa de sua identidade/expressão de
gênero; 56% dos/das estudantes LGBT foram assediados/as sexualmente
na escola.
Em relação ao papel da família e da escola dos estudantes, os
entrevistados responderam que: 36% dos/das respondentes acreditaram
que foi “inecaz” a resposta dos/das prossionais para impedir as agressões;
39% armaram que nenhum membro da família falou com alguém da
equipe de prossionais da escola quando o/a estudante sofreu agressão ou
violência; para 64% dos/das estudantes não existia nenhuma disposição
no regulamento da escola (ou desconheciam a existência) a este respeito;
apenas 8,3% dos/das estudantes armaram que o regulamento da escola
tinha alguma disposição sobre orientação sexual, identidade/expressão de
gênero ou ambas.
Exposto brevemente esses dados temos argumentação mais do que
suciente para colocar em prática toda possibilidade de enfrentamento
a violência, preconceito e discriminação que os alunos nas instituições
escolares sofrem diariamente, seja por conta da ignorância informacional
e/ou intolerância a homoafetividade. A escola, como parte integrante
da sociedade, participa como uma “microssociedade” de formação de
cidadãos, na qual essas crianças e adolescentes passam boa parte de sua
vida nesse espaço de sociabilização e convivendo com todas as diferenças,
como na “sociedade adulta”. E da mesma forma, a escola reproduz as
relações de desigualdade entre gêneros, cor, orientação sexual, nanceira
etc. (LOURO, 1997). Logo, a escola como formadora e conscientizadora
tem um papel fundamental no combate das desigualdades.
Desigualdades estas, fundamentadas nos papéis sociais atrelados às
matrizes de gênero no qual espera-se modelos de conduta relacionados a
meninos e a meninas. Esses papéis são construídos a partir de um viés binário
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
| 287
de pensamento (masculino-feminino), não aceitando qualquer forma
de expressão diferente da tradicionalmente constituída, associando-se a
chamada heteronormatividade
3
(CARVALHO; ANDRADE; JUNQUEIRA,
2009, p. 20-21).
Vejam, a questão aqui em jogo não é a discriminação a pessoas que sejam
heterossexuais, mas sim a imposição social de uma heteronormatividade. A
escola, reduto este, que praticamente todos discentes passam pela fase da
descoberta dos desejos sexuais, é um dos lugares mais difíceis de assumir
sua condição sexual homo ou bi, pois tem-se a ideia normativa de atração
pelo gênero oposto engendrada nas relações sociais. E, por mais paradoxal
que seja a escola, espaço onde o aluno manifesta sua sexualidade, é onde
se oprime, se omite e/ou se ignora, gerando a violência. Logo, por não
se encaixar no senso comum, gera-se então, o isolamento, estigmas e por
muitas vezes a evasão escolar, chegando em casos extremos a tentativa e o
próprio suicídio.
Quando se reivindica, então, a noção de ‘igualdade de gênero’ na
educação, a demanda é por um sistema escolar inclusivo, que crie
ações especícas de combate às discriminações e que não contribua
para a reprodução das desigualdades que persistem em nossa
sociedade. Falar em uma educação que promova a igualdade de
gênero, entretanto, não signica anular as diferenças percebidas
entre as pessoas (o que tem sido amplamente distorcido no debate
público), mas garantir um espaço democrático onde tais diferenças
não se desdobrem em desigualdades
4
. (ABA, 2015).
Acreditando ter exposto de modo breve, mas sucientemente,
observamos a importância de se reetir sobre trabalhar gênero e sexualidade
nas escolas. A partir daqui vamos para a segunda parte do texto que será
a de expor toda a legislação pertinente sobre a educação de gênero nas
escolas, uma vez que, a escola quando se propõe a esse trabalho, através de
Refere-se ao conjunto de valores, normas, dispositivos e mecanismos que denem e impõem a
heterossexualidade como a única forma natural e legítima de expressão identitária e sexual (CARVALHO,
ANDRADE; JUNQUEIRA, 2009, p. 20-21).
Manifesto pela igualdade de gênero na educação: por uma escola democrática, inclusiva e sem censuras, da
Associação Brasileira de Antropologia (ABA), 2015.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
288 |
projetos, debates, informação e conscientização é alvo de ataques de grupos
religiosos, políticos e famílias desinformadas sobre o papel da escola.
legislaçãO acerca da discussãO de gênerO nas escOlas
O tema “gênero” nas escolas tem sido alvo de ataques de grande
parte de grupos da sociedade que se dizem “conservadores”, mas que na
verdade apresentam uma ignorância tanto acerca do que se é trabalhado
em relação a temática quanto ao respaldo legislativo. Nessa segunda parte
iremos expor parte da legislação que corrobora todo o trabalho e suas
possibilidades de se discutir gênero e sexualidade nas escolas.
Primeiramente, como vemos na Constituição, lei magna da
sociedade, em seu artigo 3º diz “do bem de todos, sem preconceitos de
origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer formas de discriminação” e o
artigo 5º consagra que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de
qualquer natureza”. Ora, como já exposto, como podemos tornar crianças
e adolescentes cidadãos plenos de seus direitos e de compreensão a não
discriminação daquilo que foge da “normalidade” vigente e fazer o entender
que a lei é para todos, uma vez que suprimimos a essência humana, que é
a sexualidade?
Na mesma lei, no seu artigo 206º em amparo a liberdade de cátedra
do professor diz que,
O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:
I – Igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;
II – Liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o
pensamento, a arte e o saber;
III – Pluralismo de ideias e concepções pedagógicas [...]
5
.
Ora, a Constituição é clara ao expor a liberdade das instituições
educacionais acerca dos conteúdos ministrados e seu modelo pedagógico.
Agora, tratando-se das resoluções vigentes em nosso país, a resolução de nº
 Presente na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB).
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
| 289
4, de 13 de julho de 2010, que dene as “Diretrizes Curriculares Nacionais
Gerais para a Educação Básica”, cita em seu artigo 6º que “na Educação
Básica, é necessário considerar as dimensões do educar e do cuidar, em sua
inseparabilidade, buscando recuperar, para a função social desse nível da
educação, a sua centralidade, que é o educando, pessoa em formação na
sua essência humana”. Corroborando com esse documento, a resolução nº
7, de 14 de dezembro de 2010, xa as “Diretrizes Curriculares Nacionais
para o Ensino fundamental de 9 anos” que cita em seu documento no
artigo 16 que,
[...] Temas como saúde, sexualidade e gênero, vida familiar e social,
assim como os direitos das crianças e adolescentes, de acordo
com o Estatuto da Criança e do Adolescente [...] devem permear
o desenvolvimento dos conteúdos da base nacional comum e da
parte diversicada do currículo.
3º Aos órgãos executivos dos sistemas de ensino compete a produção
e a disseminação de materiais subsidiários ao trabalho docente, que
contribuam para e eliminação de discriminações, racismo, sexismo,
homofobia e outros preconceitos [...].
Essas resoluções
6
apresentam dentro do Estado de Direito as
demandas da Educação do formar-se cidadão, cabendo a escola lidar com
essa realidade complexa, mas necessária, que envolve as diferenças étnico-
raciais, de gênero e sexuais (SÃO PAULO, 2016). Além dessas legislações
de âmbito Federal, podemos citar a Resolução SE nº 52 de 14 de agosto
de 2013, que dispõe sobre os pers, competências e habilidades dos
prossionais da educação da rede estadual de ensino de São Paulo a saber:
Conhecer os problemas e conitos que afetam o convívio social
(saúde, segurança, dependência química, educação para o trânsito,
pluralidade cultural, ética, sustentabilidade ambiental, orientação
Outras resoluções importantes que constituem a importância da discussão de gênero e sexualidade nas escolas:
Resolução CNE/CP nº 1 de 30 de maio de 2012 que estabelece as “Diretrizes Nacionais para a Educação em
Direitos Humanos”; a resolução CNE nº 2 de 30 de janeiro 2012 dene as “Diretrizes Curriculares Nacionais
para o Ensino Médio”; Resolução CNCD/LGBT nº 12, de 16 de janeiro de 2015 que estabelece “Estabelece
parâmetros para a garantia das condições de acesso e permanência de pessoas travestis e transexuais - e todas
aquelas que tenham sua identidade de gênero não reconhecida em diferentes espaços sociais - nos sistemas e
instituições de ensino, formulando orientações quanto ao reconhecimento institucional da identidade de gênero
e sua operacionalização”.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
290 |
sexual, trabalho e consumo) e compreender como eles podem
provocar preconceitos, manifestações de violência e impactos sociais,
políticos, econômicos, ambientais e educacionais, reconhecendo a
si mesmo como protagonista e agente transformador no âmbito de
sua atuação prossional.
Sabemos também que diante da violência gerada nas escolas,
motivada pela LGBTfobia, os corpos trans são os que mais sofrem, desde
as mudanças corporais, a descoberta da identicação do seu gênero e sua
armação com o seu nome social. Portanto, é um direito a transexuais
usufruir do reconhecimento do nome social como apresenta a resolução
SE 45, de 18 de agosto de 2014 (SÃO PAULO, 2014) que “Dispõe sobre
o tratamento nominal de discentes transexuais e travestis, no âmbito da
Secretaria da Educação” do Estado de São Paulo, “como também de todo
o processo de criação e vivência subjetiva que torna possível a construção
das identidades pessoais e o desejo de serem reconhecidas por outro nome
e outro gênero distinto do atribuído no nascimento
7
.
Mesmo diante dessas resoluções e todo conhecimento já desenvolvido
acima, ainda a temática gênero e sexualidade é visto como um tabu,
enfrentando diversas críticas de alas conservadoras da sociedade. Cabe então
aqui esclarecermos alguns pontos importantes sobre o limite do direito da
família frente ao ensino escolar por estar claro a confusão que se faz entre o
ensino formal (regulado pela LDB e a BNCC) e a educação informal (essa
constituída de valores da sociedade e comunidade pertencente).
Um dos argumentos fundamentais por parte desses conservadores
é invocar o artigo 79 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), na
qual arma: “As revistas e publicações destinadas ao público infanto-juvenil
não poderão conter ilustrações, fotograas, legendas, crônicas ou anúncios
de bebidas alcoólicas, tabaco, armas e munições, e deverão respeitar os
valores éticos e sociais da pessoa e da família” (grifo nosso).
Todavia, ca evidente que interpretar essa passagem com o fato de
que a família:
Documento orientador CGEB (Coordenadoria de Gestão da Educação Básica) nº 15 “Tratamento Nominal
de discentes travestis e transexuais”. 2014. p. 8. (CGEB, 2014
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
| 291
[...] possui direito individual de conformar tudo o que é ensinado
ou debatido no meio escolar a seus próprios valores morais
ou religiosos deveria soar como absurda, pois a pluralidade de
concepções e modo de vida não apenas é protegida como valor
constitucional [...], como um fato social autoevidente (PFDC/
MPF, 2017)
8
.
Aqui cabe interpretarmos não parecer razoável supor que cada
família possa interferir de modo unilateral no conteúdo pedagógico a ser
ministrado nas escolas. Ora, se cada família resolvesse tomar tal atitude, o
próprio ato de aprendizado coletivo seria esvaziado. A vontade unilateral de
uma família não pode ser logicamente universalizada em razão da natureza
indivisível do serviço prestado. Logo, a escola não se confunde com família
e a discussão de valores e saberes não necessariamente se contrapõem com
os valores familiares na esfera que são espaços diferentes, nos parecendo que
a interpretação desse artigo supracitado está totalmente fora do contexto
sobre os temas de gênero e sexualidade.
Como exposto por Ximenes:
A educação formal é constituída pelo sistema educativo com
alto grau de institucionalização, estruturando-se cronológica
e hierarquicamente em diferentes níveis, estendendo-se desde
a educação infantil aos níveis mais elevados de ensino. [...]. Já a
educação não-formal, também uma espécie de ensino estrutural,
é toda atividade educativa organizada sistematicamente, fora
do ensino ocial ofertado diretamente pelo Estado ou por ele
regulado [...]. Já a educação informal, em sentido amplo, abrange
todo processo formativo que envolva troca de conhecimentos,
experiências, valores e atitudes, que ocorre na sociedade, na
comunidade e na família (XIMENES, 2016, p. 53-54).
Diante do exposto, compreende-se que a escola não pode ser
refém do interesse unilateral de uma família, da qual não se confunde
educação formal com a educação informal, cando a educação formal
Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC/MPF). Nota Técnica nº 2/2017 PFDC de 15 de março
de 2017.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
292 |
encarregada do Estado de prover os conteúdos programáticos de acordo
com suas diretrizes educacionais. O ECA no artigo 53 assegura aos pais ou
responsáveis o direito de “ter ciência do processo pedagógico, bem como
participar da denição das propostas educacionais”. Compreende-se aqui a
colocação do verbo “participar” referindo-se a uma discussão democrática
e não uma imposição ou preferências de valores pessoais e/ou familiares e/
ou religiosos.
Por m, podemos vericar nos Princípios de Yogyakarta
9
, em seu
segundo princípio, a defesa da implementação de
Todas as ações apropriadas, inclusive programas de educação
e treinamento, com a perspectiva de eliminar atitudes ou
comportamentos preconceituosos ou discriminatórios, relacionados
à ideia de inferioridade ou superioridade de qualquer orientação
sexual, identidade de gênero ou expressão de gênero.
Finalizando a segunda parte, constatamos as inúmeras legislações
que respaldam o trabalho do docente e da escola sobre a temática abordada
nesse texto, a m de, combatermos qualquer forma de preconceito e
discriminação ao discente LGBTQIA+. A não discussão desses temas e
uma não conscientização no âmbito escolar gera um grave obstáculo ao
direito fundamental de acesso e permanência de crianças e adolescestes
na escola como vimos nas pesquisas apresentadas no começo deste texto.
Como podemos então promover de fato a escola para ser um lugar de
todos e todas e acolher as diferenças apresentadas na nossa sociedade?
a prática da educaçãO de gênerO nas escOlas
Pensar sobre a prática da educação de gênero nas escolas perpassa
diversas esferas, dentre elas a compreensão da equipe escolar para lidar com
situações diversas e para muitos deles novas. Vários docentes se comportam
com uma atitude de negação diante do fenômeno da homossexualidade na
escola alegando que lá não existe homofobia, que não cabe a escola ter que
9
Princípios sobre a aplicação da legislação internacional de direitos humanos em relação à orientação sexual e
identidade de gênero.
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
| 293
lidar com essas questões de cunho pessoal ou até alegar que não há alunos
LGBTQIA+ na escola.
Com certeza a escola é um dos espaços
[...] mais difíceis para ‘assumir’ sua condição homossexual ou
bissexual. Com a suposição de que só pode haver um tipo de desejo
e que esse tipo – inato a todos – deve ter como alvo um indivíduo
do sexo oposto, a escola nega e ignora a homossexualidade
(provavelmente nega porque ignora) e, desta forma, oferece muitas
poucas oportunidades para que adolescentes ou adultos assuma, sem
culpa ou vergonha, seus desejos. O lugar do conhecimento mantém-
se, com relação à sexualidade, como lugar do desconhecimento e da
ignorância. (LOURO, 1999, p. 30).
Outras visões apresentadas são de uma hierarquia dos problemas
da escola, deixando a homofobia em segundo plano ou ao assumir de
fato que ela exista alega ser um assunto muito complexo, que a escola
não está preparada, que os professores estão com foco em outros projetos,
que é coisa da área da saúde e camos sempre no discurso e na prática
nada (JUNQUEIRA, 2010). Como já elencado acima, faz parte sim do
papel da escola abordar sobre essa temática e mais que informar é também
conscientizar os discentes ao respeito do próximo. Mas não o respeito
pelo respeito, mas amparado na legalidade de suas ações de desenvolver
um espírito aberto e crítico e de reconhecimento de si no outro ao
desenvolvimento da empatia.
Como diz Paulo Freire “se a educação sozinha não transforma a
sociedade, sem ela tão pouco a sociedade muda”. Logo, cabe a educação
e suas unidades escolares de trabalhar com esses temas com os discentes.
A escola deve promover debates sobre a necessidade do respeito e de se
respeitarem diante de orientações sexuais diferentes das consideradas
normais”. Reprimir comentários preconceituosos e discriminatórios entre
os discentes e justicar o motivo de ser errado tal comentário. Convidar
familiares e a comunidade para um bate-papo sobre a temática gênero e
sexualidade na escola como ações que incluam discentes que se sintam
excluídos.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
294 |
Dentro do processo de conscientização é importante expor aos
docentes a história do movimento feminista, pois foi ele que deu a
possibilidade do movimento GLS, depois LGBT, e hoje LGBTQIA+ de
surgir. Com o movimento feminista pode-se aprender sobre os malefícios
do sexismo, androcentrismo e heterossexismo, além de outras formas de
desigualdade.
Posteriormente, uma vez que, os docentes tenham compreendido o
movimento, fazê-los compreender a reprodução das relações de gênero na
organização social e na escola gera a possibilidade de emancipá-los para
uma visão crítica e independente. Os docentes aptos para tal reexão cabe
a ele a promoção de projetos que incluam e emancipem os/as discentes.
Precisamos deixar claro que para cada faixa etária haverá uma metodologia
e uma atividade prática que corresponda com a formação cognitiva daquele
discente.
Carvalho, Andrade e Junqueira (2009) apresentam exemplos de
ações pedagógicas pertinentes a realidade escolar que contribuam para
um ambiente menos hostil e que possa de fato, de modo consciente e
inconsciente, tornar a igualdade de gênero uma realidade. Os docentes
precisam se atentar para a linguagem para que ela não tenha um teor que
carregue valores machistas, sexistas, racistas e homofóbicas; Não realizar
atividades que segreguem as crianças por sexo ou gênero; ter expectativas
idênticas para meninos e meninas e não pré-julgar em virtude de
preferências naturais”; Incentivar a participação e a inclusão das meninas
em áreas do conhecimento ditas masculinas (áreas das exatas, como:
engenharias, computação, esportes ativos, etc) e vice-versa (como: artes,
dança, pedagogia, enfermagem e etc).
cOnsiderações finais
Não é fácil a escola diante dessas questões tratar sobre gênero e
sexualidade, uma vez que, não fez parte da formação base do docente,
mas que pode fazer parte da formação contínua do prossional. Como
exposto no texto é mais que urgente a escola se adaptar a comunidade
LGBTQIA+ que diariamente sofre agressões verbais, físicas, psicológicas e
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
| 295
simbólicas em um local onde elas deveriam se sentir acolhidas e respeitadas
por ser uma instituição de ensino. A pauta é emergente e não podemos
negligenciar a demanda. Discentes com suas orientações diferentes da
hegemonia heterossexual a cada dia não suportam mais o fardo de esconder
algo que lhes é natural.
Como que a escola está preparada para lidar com tais circunstâncias?
Quais ações ela vem tomando para evitar esse tipo de violência? Promoções
de campanhas anti LGBTfóbicas estão sendo feitas? A fomentação da
participação do corpo docente em seminários e palestras sobre a temática
de gênero e sexualidade tem ocorrido? Há realização de parcerias com
movimento sociais que possam contribuir para o debate dentro da escola?
Há modelos de representatividade que façam esses discentes não se sentirem
excluídos pela cultura heteronormativa?
Portanto, mais que reexões pedagógicas, são necessárias ações
pedagógicas que ajudem a transformar o espaço escolar em um espaço
inclusivo e integrante da realidade do aluno que o faz se sentir acolhido
e veja a escola como fonte de informação e conscientização para que ele
possa sair pelo mundo armado com as melhores ferramentas que a escola
pode proporcionar: o conhecimento.
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Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
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G,   :
 
Rodrigo Duarte Fernandes dos Passos
1
Ana Cristina Franzin Yamashita
2
intrOduçãO
Este artigo tem como foco a elaboração original de Gramsci sobre
temas relacionados de forma direta à hegemonia e, como desdobramento,
aspectos que tangenciem o feminismo e o gênero. O objetivo é abordar
prioritariamente elementos da sua produção carcerária nos Cadernos
Carcerários 21
3
e 22
4
(este último, conhecido como “Americanismo e
Professor da Universidade Estadual Paulista, campus de Marília e Professor Colaborador do Programa de Pós-
Graduação em Ciência Política da Unicamp. ORCID: 0000-0002-5542-2812.
 Bacharel em Relações Internacionais pela Universidade Estadual Paulista, campus de Marília.
Conforme a cronologia de Gianni Francioni (1984, p. 145), o Caderno Carcerário 21 foi escrito provavelmente entre
fevereiro e o nal do ano de 1934. Trata-se de texto tipo “C” que tem como correspondente texto “A” o Caderno
Carcerário 3. Sobre a tipologia dos textos “A”, “B”, “C” dos Cadernos Carcerários, consultar a nota de rodapé 2.
De acordo com a periodização de Gianni Francioni (1984, p. 145), o Caderno Carcerário 22 foi escrito
provavelmente entre fevereiro e março de 1934. Conforme a Edição Crítica dos Cadernos Carcerários gramscianos
(GRAMSCI, 1975) organizada pela equipe de pesquisadores de Valentino Gerratana, os trechos a serem
analisados neste texto do caderno referido são classicados como “C”, isto é, de segunda redação. De acordo
com a classicação empregada em tal edição crítica, Gramsci teve textos de primeira redação, classicados como
A”, reescritos com ou sem alterações que foram catalogados como “C” e de redação única tipicados como “B”.
Os trechos aqui analisados do Caderno 22 tiveram sua versão “A” – de primeira redação - escrita no Caderno 1.
https://doi.org/10.36311/2022.978-65-5954-279-6.p297-316
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298 |
Fordismo”), aspectos biográcos relacionados ao tema, bem como das cartas
também escritas na prisão. Justica-se o escopo e o intento pretendidos
em vista da necessidade de apresentar uma contribuição que apresente em
termos teórico-metodológicos a categoria de hegemonia e a análise sobre o
feminismo em termos mais rigorosos, resgatando as formulações originais
do comunista italiano sobre o tema.
Assim, o artigo versará sobre dois pontos principais: uma análise à
luz das formulações de Gramsci nos cadernos e cartas carcerários e algumas
das interpretações mais relevantes nos temas do gênero e feminismo da
literatura pertinente mais recente, apresentando aspectos elucidados a
partir dos escritos originais de Gramsci. Fundamentalmente, a questão
central deste texto é a seguinte: como se relaciona a perspectiva gramsciana
da hegemonia com a elaboração do autor italiano sobre temas hoje
classicados como pertencentes ao feminismo e à questão de gênero? Dois
argumentos aqui são importantes. O primeiro dá conta de que o temário
am ao de gênero e ao feminismo é tratado por Gramsci como “questão
sexual” em função do contexto altamente repressor e disciplinador da
libido dos trabalhadores durante a emergência do fordismo no início do
século XX, ponto que se relacionava fortemente à temática feminina.
Como ressalta Galastri (2009, p. 8), objetivava-se inibir tudo aquilo que
seria considerado mais danoso à energia nervosa de um trabalhador na sua
rotina diária integral de trabalho mecanizado. Desta forma, o trabalhador
teria que se postar sexualmente de forma monogâmica. Ainda assim,
concorda-se, ao menos em parte, com o que ressalta Adam David Morton
(2007, p. 114): as temáticas do gênero e do feminismo são inacuradamente
abordadas por Gramsci em 1932 como “questão sexual”
5
.
Em função dos limites de espaço e da delimitação para este texto, abordar-se-á na presente reexão apenas os
textos “C” dos cadernos carcerários sobre o tema do gênero e do feminismo. Todos os textos “B” e “C” da edição
crítica organizada por Valentino Gerratana foram contemplados na edição organizada e traduzida por Carlos
Nelson Coutinho, Luiz Sérgio Henriques e Marco Aurélio Nogueira (GRAMSCI, 2001 e 2002), que servirá de
base majoritariamente para o texto ora apresentado para as traduções dos textos “C”, justamente aqueles que são
contemplados nos Cadernos Carcerários organizados em 6 volumes e publicados no Brasil. A tradução de textos
A” não foi incluída na edição brasileira referida.
Para o enfoque pioneiro a respeito de gênero, consultar RUBIN, 1975. Para uma discussão substantiva das
várias possibilidades de abordar a categoria em questão, consultar: (SCOTT, 1986). Não se pretende incorrer
em anacronismo com o pensamento de Gramsci ao compatibilizar a categoria de gênero com seu aparato
teórico-conceitual. Ao contrário, buscar-se-á mostrar mais adiante neste texto que seu pensamento possui
aspectos metodológicos historicistas que justicam tal compatibilidade.
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
| 299
Isto se deve muito provavelmente por conta dos limites históricos,
textuais, linguísticos e intelectuais do contexto de sua vida e de fontes
da formação de seu pensamento, embora o termo “feminismo” apareça,
nos Cadernos Carcerários seis vezes (GRAMSCI, 1975, p. 130, 902,
1792, 2160). Os signicados presentes nas referências citadas aludem de
forma irônica e pejorativa, contrária a qualquer perspectiva emancipadora
da mulher, e a passagens da história italiana na unicação nacional e da
literatura da península, sem maior profundidade e caráter sistemático,
como se congura de resto em maior ou menor grau toda a escrita
prisional gramsciana. Exemplicando com um dos trechos de ocorrência
com sentido irônico, Gramsci se debruça sobre as análises de Pietro Tonelli
sobre o papel das mulheres, entendendo exatamente o contrário do sentido
do feminismo. A propósito de tal análise Gramsci (2001, p. 262) escreve:
“[...] deve-se destacar a tendência antifeminista e ‘machista’” que “[...] deu
lugar a desvios mórbidos, ‘feministas’ no sentido pejorativo da palavra
. Em que pese tal ressalva, é provável que Gramsci tenha preferido a
expressão “questão sexual” para se diferenciar, por exemplo, dos enfoques
por ele criticados. Gramsci não tratou de tal tema com uência, dado o
já ressaltado caráter fragmentário, inconcluso e assistemático de sua obra
carcerária.
Em função de tais advertências, recorre-se a um recurso
metodológico do próprio Gramsci, a “traducibilidade” ou “tradutibilidade
ou simplesmente “tradução” – sobre o qual será tratado mais adiante -, e
far-se-á uma tradução contemporânea da “questão sexual” para o âmbito
do feminismo e do gênero. Da mesma forma que Gramsci sustentou o
historicismo de suas categorias – em sentido de dinamismo, conito,
transformação acuidade com a signicação e ressiginicação dos conceitos
em face das inúmeras possibilidades de transformação em termos culturais,
sociais históricos, etc - argumenta-se que o dinamismo histórico das
lutas feministas - e do uso de tal terminologia – e do mesmo dinamismo
para a construção social, cultural, histórica etc. de gênero justicariam
sumariamente a abordagem aqui pretendida.
A hipótese a ser desenvolvida aponta uma contradição na obra
carcerária gramsciana, considerando tanto seus cadernos como suas cartas.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
300 |
Por um lado, a enorme amplitude da categoria de hegemonia na obra
gramsciana permite a avaliação da necessidade da construção de uma
nova visão de mundo que incluiria um novo papel e contexto social para
as mulheres. Ponto, portanto, coerente com a sua visão de emancipação
feminina. Mas por outro lado, possibilita, de certa forma, situar o próprio
autor como partícipe da própria hegemonia que ele pretende superar na
medida em que ele partilha juízos que, de certa forma, corroboram a visão
de gênero dirigente sobre as mulheres. Ou seja, aquela perspectiva de uma
hegemonia masculina, que vê o papel da mulher de maneira socialmente
depreciativa, entre outros pontos correlatos. Com isto, não se pretende
sugerir que este – o aspecto referente ao gênero - seja o único componente
do viés gramsciano de hegemonia.
Na acepção gramsciana, entende-se a hegemonia como uma
concepção dirigente de mundo a partir da sociedade civil
6
por uma fração
de classe, elite ou grupo combinando força e o predomínio do consenso
nos âmbitos moral, intelectual, cultural, ético-político, econômico, social,
ideológico etc.
7
Na acepção gramsciana, há a unidade orgânica de força
e consenso em diferentes graus em toda e qualquer ação política
8
e em
todos os contextos hegemônicos. Na hegemonia, em sua forma completa
e plena, predomina o consenso, o caráter dirigente (GRAMSCI, 1975,
p. 1578-1589). Como adverte Adam Morton (2007, p. 114), a categoria
gramsciana de hegemonia ltra através das estruturas sociais aspectos
referentes à economia, cultura, gênero, etnicidade, classe e ideologia. Estas
seriam algumas das particularidades da denição gramsciana de modo
geral. Ou seja, uma categoria de perspectiva múltipla, sem o predomínio
de dimensões como a cultura ou a política ou a economia, válidas para
se avaliá-la não de forma isolada. Uma perspectiva isolada da hegemonia
serviria apenas como um recurso metodológico, didático em vista da
totalidade orgânica dos aspectos que a compõe. Este caráter múltiplo e de
Sobre a unidade orgânica entre Estado e Sociedade Civil na acepção gramsciana, com a separação entre tais
conceitos aceitável somente em uma perspectiva didática, metodológica, consulte-se: COUTINHO, 2007, p.
119-143; e BIANCHI, 2008, p. 173-190.
Sobre a formação do conceito de hegemonia no período juvenil e pré-carcerário do pensamento de Gramsci,
consulte-se: DIAS (2000).
 Ver a respeito: BIANCHI, 2008, p. 173-198.
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
| 301
signicado variável da categoria de hegemonia se coaduna também com o
recurso metodológico gramsciano que será explicado a seguir.
Metodologicamente e à luz de Gramsci, o principal aspecto a ser
considerado na relação dos temas do gênero e do feminismo com a categoria
de hegemonia é a “tradução” ou “tradutibilidade” ou “traducibilidade”.
Metaforicamente, Gramsci compara a tradução a um prisma que, ao
receber um raio de luz de um lado, refrata-o e produz, do outro lado, vários
outros raios. Assim, o prisma representaria, metaforicamente, o conceito
de hegemonia de Gramsci, que, ao receber a incidência de um “raio” – ou
uma questão especíca –, refrata-o, ou seja, o “traduz” em diversas outras
questões, passíveis de análise sob o conceito de hegemonia. Ela consiste em
recurso que trata a ressignicação das categorias, análises para as devidas
particularidades culturais, históricas, sociais, sistemas losócos próprios
e abordagens teóricas (GRAMSCI, 1975, p. 1428, 2268)
9
. Tal recurso é
um ponto caro à elaboração gramsciana. Não somente tal ressignicação
acompanha suas diferentes categorias – e hegemonia é um dos casos
pertinentes à presente reexão – como também a forma como recepcionou
várias formulações originárias de fontes, autores e contextos teórico-
práticos estranhos à sua interpretação do marxismo, como Pareto, Croce,
Maquiavel, Sorel, Cuoco, Quinet e Guicciardini. Por outras palavras,
toma-se a hegemonia como uma categoria de cunho historicista, coerente
com as suas múltiplas possibilidades históricas, inclusive a de suas possíveis
manifestações incompletas, como aquela de revolução passiva sobre a qual
Gramsci tratou as questões femininas no contexto da nascente hegemonia
norte-americana e com a sua própria abordagem de um historicismo
A “traducibilidade” seria, então, utilizada para evitar um anacronismo entre o pensamento de Gramsci e a
categoria de gênero. Como já dito anteriormente na nota 3, o enfoque a respeito de gênero foi formulado, de
forma pioneira, por Rubin (1975), em e Trac in Women: Notes on the “Political Economy” of Sex. Através da
tradução” gramsciana como categoria metodológica, é possível compatibilizar as reexões de Gramsci sobre
a “Questão Sexual” com as temáticas relativas ao escopo do gênero e do feminismo, ou seja, ressignicá-las
histórica e culturalmente como questão de gênero; muito embora as reexões de Gramsci datem de decádas
antes dos escritos de Rubin. A hegemonia de Gramsci é capaz de minuciar e expor estruturas políticas, sociais,
culturais, ideológicas, classistas e também de gênero contidas em uma “única questão” (MORTON, 2007, p.
114), como teorias convencionais negligenciam ao tratar de hegemonia. Por isso mesmo, e muito embora o
próprio Gramsci, assim como vários de seus contemporâneos marxistas, não fosse muito versado nas questões do
feminismo de sua época (HOLUB, 1992, p. 189), é possível enxergar nas reexões do comunista italiano ideias,
mesmo que embrionárias, relativas ao que futuramente se constituiria como questão de gênero, ou pertencentes
às correntes feministas.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
302 |
absoluto. Além disso, Gramsci “traduziu” aspectos e análises incompatíveis
com o marxismo de distintos autores para seu pensamento, produzindo
um todo teórico-prático articulado, ainda que não sistemático, mas
robustecido por uma perspectiva que evitava um ecletismo no seu quadro
teorético mais amplo. É imperativo nesta reexão buscar a tradução das
questões de gênero para avançar na análise sobre o feminismo e ao gênero
sob um viés gramsciano. Isto porque Gramsci não legou um pensamento
sistemático sobre o tema na sua obra carcerária.
O texto percorrerá as seguintes etapas: uma caracterização da natureza
histórica da categoria gramsciana de hegemonia e sua particularidade
na análise do tema da etapa seguinte, qual seja, os temas do gênero
e do feminismo em Gramsci sob a rubrica da “Questão Sexual” na sua
trajetória e nos seus escritos e cartas. Posteriormente, uma conclusão com
os principais argumentos e alguns temas para reexões futuras.
O histOricismO absOlutO da categOria gramsciana de hegemOnia
Pensar e lutar por uma nova concepção de mundo emancipadora
que encampe uma perspectiva feminista sem as tradicionais distinções de
gênero sob uma certa ótica dita gramsciana remete a um par categorial
recorrente nas interpretações ou no senso comum sobre o autor italiano:
hegemonia e “contra-hegemonia”. A ressalva e as aspas são justicáveis a
partir de alguns argumentos desenvolvidos a seguir.
Em primeiro lugar, deve-se ressalvar a complexa natureza das
categorias de Gramsci em termos de uma enorme diversidade histórica
ou aquilo que permeia boa parte da sua discussão, por outras palavras, o
“historicismo absoluto” (GRAMSCI, 1975).
Neste sentido, reduzir o temário da hegemonia a uma antinomia
simples seria incongruente com a riqueza que o conceito pode assumir
em miríade de distintas apresentações históricas. Ademais, não há na obra
carcerária e pré-carcerária gramsciana a categoria de “contra-hegemonia”.
Não se trata de sustentar que não se pode tratar de “contra-hegemonia”. O
cerne da questão reside na perspectiva metodológica. Por outras palavras,
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
| 303
o ponto não enfrentado pelos intérpretes que se valem da categoria de
contra-hegemonia” é discutir critérios históricos, sociais, culturais que
permitam traduzir em chave gramsciana a hegemonia em tais termos.
Outra ressalva signicativa na mesma direção contempla o
entendimento de que, na diversidade de suas apresentações, a hegemonia
está presente em todos os conitos e ações políticas. Todas as ações nos
distintos contextos políticos são aspirantes à consecução ou à manutenção
da hegemonia, quando esta última situação for efetivamente o caso.
Portanto, seria até redundante mencionar uma “contra-hegemonia”.
Mesmo que o indivíduo, grupo, fração de classe ou elite não hegemônica
anseie pela hegemonia no momento da ação ou do conito
10
.
Em não havendo um único padrão no que concerne à hegemonia,
as várias possibilidades apontariam para formas plenas, em que há força
e predomínio do consenso, e formas incompletas, dotadas de menos
consenso e mais força. Não há uma fórmula única.
Uma das possibilidades de uma hegemonia incompleta seria uma
das categorias mais importantes e complexas dos Cadernos Carcerários,
a revolução passiva. Tal categoria aparece em três contextos históricos
distintos nos Cadernos Carcerários com também diferentes ênfases e
signicados. Ela se refere ao processo histórico posterior à Revolução
Francesa na sua fase jacobina, ao processo histórico italiano que envolve o
Risorgimento, a unicação italiana tardia até o fascismo italiano e à nascente
hegemonia norte-americana nos anos 1930. Tal hegemonia estadunidense
no seu nascedouro é o contexto mais amplo no qual Gramsci discute “a
questão sexual” (GRAMSCI, 2001, p. 239-282).
O exercício normal da hegemonia possui o predomínio do consenso
sem prescindir do vínculo orgânico com a força para a direção através da
sociedade civil por um grupo ou fração de classe. Uma forma incompleta
de hegemonia no que diz respeito à revolução passiva se caracteriza pelo
predomínio da força e um processo no qual há a direção da sociedade
civil e sim um signicativo processo em que predominam a coerção e o
10
A provável razão da popularização deste conceito está associada ao seu uso pioneiro nos anos 1970 pelo crítico
literário Raymond Williams (WILLIAMS, 1977, p. 116). O uso entre aspas pelos motivos já arrolados – como
o faz Adam David Morton (2007, p. 92, 95 e 97) – é assim justicado.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
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Estado. Há um processo de transformação em que algumas concessões
são feitas a demandas de classes e grupos subalternos, com a cooptação
de alguns setores destes mesmos grupos e classes sem, no entanto, lhe dar
qualquer protagonismo no processo político. Ao contrário, a revolução
passiva é normalmente marcada por acordos entre novas e velhas classes
dominantes que pautam o processo político com transformações de caráter
passivizador.
O aspecto paradoxal da revolução passiva é justamente o seu caráter
de transformação e de restauração, de revolução e de passivização. Não
há o protagonismo dos grupos e classes subalternos neste processo, que
cam à margem do processo decisório e político. Há sim um processo
de modernização conservadora, retomando o dizer de Carlos Nelson
Coutinho (2005, p. 226)
11
.
Mostremos a partir de agora o nexo entre a análise gramsciana de
revolução passiva com o tema da “questão sexual”.
a “questãO sexualnOs Cadernos CarCerários nO cOntextO dO
americanismO e fOrdismO cOmO hegemOnia incOmpleta
Expor em detalhes a nascente hegemonia norte-americana dos anos
1930 como revolução passiva sob as lentes gramscianas demandaria muito
espaço e iria além do escopo planejado deste texto. Importa expor seus
principais nexos com a “questão sexual”, tema que deve demandar maior
atenção neste tópico.
Toda análise gramsciana em termos de uma revolução passiva é um
processo histórico e não somente um momento pontual. Assim como
todas as avaliações de processos hegemônicos de um Estado, vai além da
mera consideração da importância econômica e militar do Estado referido
e analisa as relações sociais fundamentais atinentes a tal processo. Para usar
uma expressão do léxico gramsciano, analisa as relações moleculares do
processo histórico em questão.
11
Para denição e discussão mais detalhada da categoria gramsciana de revolução passiva, consultar: BIANCHI,
2008, p. 253-297 e 2013; e COUTINHO, 2007, p. 196-202.
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
| 305
Importa explicar que o americanismo (a hegemonia nascente em
questão) é termo que designa a sua forma e o fordismo é seu conteúdo,
como sustenta Giorgio Baratta (2004, p. 154-155). O fordismo é muito
mais que um modelo de gestão. Sumariamente, trata-se de um modo de vida
destinado a disciplinar a vida para o trabalho na sociedade norte-americana.
Gramsci constata e analisa sua criação e sua nascente ampliação como
uma verdadeira concepção de mundo, uma forma hegemônica, ainda que
incompleta. Inicialmente um processo dotado de consenso – na medida em
busca persuadir operários para o novo modelo com salários mais elevados,
diversos direitos sociais, hábil propaganda ideológica e política fazendo-o
poupar para consumir, regrar sua vida sexual e em outros aspectos, cultivar
horta em casa para ns de economizar, tudo sob a supervisão de assistentes
sociais visitantes nos domicílios – e força – a destruição do sindicato de
base territorial e toda uma série de proibicionismos; entre eles, aqueles
relacionados à bebida alcoólica (GRAMSCI, 2001, p. 247). O primado da
busca da disciplina e da força caracteriza também este processo como uma
revolução passiva.
Em resumo, como explica Giorgio Baratta (2004, p. 170-
171, destaques no original), citando diversos trechos de Gramsci do
Caderno 22:
Graças à dupla racionalidade da ‘composição demográca’ e do
modo material de produção (fordismo), a sociedade de massa é
caracterizada nos Estados Unidos por uma situação totalmente
inédita nas relações entre economia e hegemonia: ‘A hegemonia
nasce na fábrica... a estrutura domina mais imediatamente
as superestruturas e estas são racionalizadas (simplicadas
e diminuídas de número [...]. É esta a grande originalidade
americana, que produz decisivas conseqüências em diversos níveis,
em particular: a) um novo tipo “humano”, no qual se expressa ‘a
nalidade da sociedade americana: desenvolver no trabalhador, ao
máximo grau, atitudes mecânicas e automáticas, quebrar o velho
nexo psicofísico do trabalho prossional qualicado que exigia uma
certa participação ativa da inteligência, da fantasia, da iniciativa do
trabalhador e reduzir as operações ao mero aspecto físico maquinal”,
cuja caricatura é sintetizada pela frase de Taylor a respeito do “gorila
amestrado [...]; b) um certo tipo de Estado, como ‘Estado liberal...
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
306 |
no sentido mais fundamental da livre iniciativa e do individualismo
econômico que chega com meios próprios, como sociedade civil,
pelo próprio desenvolvimento histórico, ao regime de concentração
industrial e do monopólio [...] e que, justamente por isso, confere
ao sistema capitalista uma função de destaque’, diretamente, e
portanto economicamente, ao Estado (economia programática)
[...]; c) invasão do industrialismo, ou seja, de um espírito ‘público
e ‘estandardizado’, sobre áreas e territórios da vida social (sociedade
civil) e individual, cujo caráter íntimo ou privado ou ‘espiritual’ se
costumava defender, pelo menos ideologicamente.
Em tal contexto, Gramsci menciona o ideal estético e modelo
de mulher como “reprodutora” e “brinquedo” (GRAMSCI, 2001, p.
250). Menciona também o “tráco legal de mulheres”, a mentalidade
de prostituição para as classes altas por oposição à rígida disciplina dos
instintos sexuais e do fortalecimento da família no caso dos trabalhadores.
Além disso, Gramsci lembra os concursos de beleza, que mobilizam a
atenção de milhares de mulheres inclusive na Itália fascista (GRAMSCI,
2001, p. 264-270).
Em tal quadro, a título de conclusão deste tópico, a transformação
da condição feminina vai muito além de qualquer iniciativa no âmbito
legislativo ou iniciativa congênere. Requer a transformação da hegemonia
em sentido profundo, o que Gramsci denomina de perspectiva ético-civil.
Neste sentido, Gramsci analisa a necessidade de tal nova hegemonia e,
como contraponto, a situação feminina em vista da nascente hegemonia
fordista:
A mais importante questão ético-civil ligada à questão sexual é a
da formação de uma nova personalidade feminina: enquanto a
mulher não tiver alcançado não apenas uma real independência
em face do homem, mas também um novo modo de conceber
a si mesma e a seu papel nas relações sexuais, a questão sexual
continuará repleta de aspectos mórbidos e será preciso ter cautela
em qualquer inovação legislativa. Toda crise de coerção unilateral
no campo sexual traz consigo um desregramento ‘romântico’, que
pode ser agravado pela abolição da prostituição legal e organizada.
Todos estes elementos complicam e tornam dicílima qualquer
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
| 307
regulamentação do fato sexual e qualquer tentativa de criar uma
nova ética sexual adequada aos métodos de produção e de trabalho.
Por outro lado, é necessário encaminhar esta regulamentação e a
criação de uma nova ética. Deve-se observar como os industriais
(especialmente Ford) se interessavam pelas relações sexuais de
seus empregados e, em geral, pela organização de suas famílias;
a aparência de ‘puritanismo’ assumida por este interesse (como
no caso do proibicionismo) não deve levar a avaliações erradas;
a verdade é que não se pode desenvolver o novo tipo de homem
exigido pela racionalização da produção e do trabalho enquanto
o instinto sexual não for adequadamente regulamentado, não for
também ele racionalizado” (GRAMSCI, 2001, p. 251-252).
Passemos ao tema do feminismo no Caderno Carcerário 21.
O feminismO nO Caderno 21 e nas cartas carcerárias
O temário da emancipação feminina incide sobre o Caderno
Carcerário 21, revelando antecedentes da atividade militante pré-carcerária
de Gramsci, que em meados de 1917 começava a extrapolar os limites da
sala de redação da imprensa do Partido Socialista Italiano. Gramsci passou
neste período ao papel de promotor de cultura entre os operários. Como
revela Giuseppe Fiori (1979, p. 131), considerado o principal biógrafo de
Gramsci, que cita um de seus textos:
Companheiros de militância política salientarão posteriormente
como dado importante da personalidade de Gramsci esta sua
vocação a propaganda das idéias e darão estímulo que dele provinha
para que se estudasse, aprofundasse os problemas com método.
Gramsci não tinha encargos de direção na seção socialista. De
simples militante e jornalista de partido, passou a fazer conferências
na periferia de Turim. [...] Uma página de história, um livro recém-
publicado, uma peça teatral, tudo lhe fornecia elementos para
difundir idéias novas. Em março de 1917 foi apresentada a peça
Casa de Boneca, no Carignano, com Emma Gramática. Na fria
reação do público às vicissitudes de Nora Helmar, que enganada
pelo marido o abandona, Gramsci entreviu a revolta do macho
latino contra um costume certamente mais avançado, ‘através do
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
308 |
qual a mulher e o homem não são mais apenas músculos, nervos
e epiderme, mas essencialmente espírito; onde a família não é
mais apenas uma instituição econômica, mas especialmente um
mundo moral que se completa pela íntima fusão de duas almas
que se encontram uma na outra aquilo que falta a cada uma
individualmente; onde a mulher não é somente a fêmea que nutre
os recém-nascidos e sente por eles um amor feito de espasmos da
carne e sobressaltos de sangue mas é também uma criatura humana
por si, que tem consciência de si, que tem necessidades interiores,
que tem uma personalidade humana toda sua...’ Foi sobre este
tema que, em maio de 1917, Gramsci profere uma conferência
para o grupo feminino de Borgo Campidoglio.
O trecho em questão retrata várias das experiências de Gramsci
como militante que se dedicou a sua concepção de emancipação feminina,
dentre várias outras iniciativas para promover um trabalho, usando seu
léxico, de “reforma moral e intelectual” entre as classes e grupos menos
abastados de Turim. A já citada experiência com a peça teatral Casa de
Boneca de Ibsen, o seu papel na formação de ideias e da cultura e sua moral
contrária aos padrões hegemônicos e identicados com o agrado popular,
fazendo associação com a “catarse”. Tal categoria gramsciana (GRAMSCI,
1975, p. 1244) se refere à formação de uma nova consciência, de um novo
momento ético-político no qual o homem supera seu caráter passivo,
tomando novas iniciativas e constituindo uma nova hegemonia. A peça
teatral referida é assim lembrada pelo comunista sardo:
No campo do teatro pode-se observar como toda uma série de
dramaturgos, de grande valor literário, pode agradar muitíssimo
também ao público popular: Casa de boneca, de Ibsen, agrada
muito ao povo das cidades, na medida em que os sentimentos
representados e a tendência moral do autor encontram uma
profunda ressonância na psicologia popular. E, de resto, não poderia
ser outra coisa o chamado teatro de idéias, ou seja, a representação
de paixões ligadas aos costumes com soluções dramáticas que
representem uma ‘catarse’ progressista’, que representem o drama
da parcela moralmente mais avançada de uma sociedade e que
expressem o desenvolvimento histórico imanente aos próprios
costumes existentes. Estas paixões e este drama, contudo, devem
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
| 309
ser representados e não desenvolvidos como uma tese, como um
discurso de propaganda; isto é, o autor deve viver no mundo
real, com todas as suas exigências contraditórias, e não expressar
sentimentos absorvidos apenas nos livros. (GRAMSCI, 2002, p.
48, destaques no original).
As suas posições também são encontradas em uma carta em
particular escrita na prisão em 4 de maio de 1931 e endereçada a sua irmã
Teresina. Há um signicativo trecho no qual Gramsci mostra preocupação
com a sobrinha, Mea, apontando, as diculdades enfrentadas desde tenra
idade. Gramsci (2005b, p. 43) também critica tradicionais construções de
gênero por vezes associadas às mulheres, como a “vivacidade de espírito” e
a bondade natural”, bem como a necessidade de educar o educador
12
para
superar tais limites:
Recebi sua carta de 28 de abril. Creio que você e Grazietta se
equivocaram completamente sobre o signicado das observações
que z sobre Mea. Em primeiro lugar, conheci Mea só em 1924,
quando tinha uns poucos anos e certamente não sou capaz de julgar
suas qualidades e a solidez destas qualidades. Em segundo lugar, e
em geral, evito sempre avaliar quem quer que seja baseando-me
no que se costuma chamar de ‘inteligência’, ‘bondade natural’,
vivacidade de espírito’, etc., porque sei que tais avaliações têm
um alcance bem limitado e são enganosas. Mais do que todas
estas coisas me parece importante a ‘força de vontade’, o amor
pela disciplina e pelo trabalho, a constância nos objetivos, e neste
juízo levo em conta, mais do que criança, aqueles que orientam e
têm o dever de fazer com que adquira tais hábitos, sem sacricar
sua espontaneidade. A opinião que formei, pelas palavras de
Nannaro e de Carlo, é precisamente esta: no caso de Mea, todos
vocês se descuidam de estimular a obtenção destas qualidades
sólidas e fundamentais para seu futuro, não pensando que, mais
tarde, a tarefa será mais difícil e talvez impossível. Vocês me
parecem esquecer que hoje, em nosso país, as atividades femininas
enfrentam condições muito desfavoráveis desde os primeiros anos
de escola, como, por exemplo, a exclusão das meninas de muitas
12
Sobre a abordagem gramsciana de educação, consultar: SOARES, 2000; SCHLESENER, 2014 e DEL
ROIO, 2014.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
310 |
bolsas de estudo, etc., de modo que é necessário, na concorrência,
que as mulheres tenham qualidades superiores àquelas requeridas
dos homens e uma dose maior de tenacidade e de perseverança.
É evidente que minhas observações se dirigiam não a Mea, mas a
quem a educa e dirige; neste caso, mas do que nunca, me parece
que o educador é que deve ser educado.
Voltemos a atenção para o epistolário prisional gramsciano no que
tange aos pontos que corroboram o viés tradicional de gênero sobre as
mulheres.
gramsci e a hegemOnia masculina nas Cartas CarCerárias
O caráter humano e contraditório da concretude e da história não
poderiam jamais deixar Gramsci na posição de um “profeta infalível”.
Neste sentido, há passagens em suas cartas na prisão que são contraditórias
em relação a suas posições de uma nova hegemonia coerente com a
emancipação feminina. Como é amplamente sabido através de sua mais
conceituada biograa (FIORI, 1979), sua condição na prisão era muito
ruim e sua saúde piorava sensivelmente. Além, é claro, de estar privado de
seus amigos, companheiros de militância e familiares, como a mulher Giulia,
os lhos Délio e Giuliano. Este último, nascido após o seu aprisionamento
e a quem jamais veio a conhecer, até em função também de sua morte
ocorrer logo após a concessão de sua liberdade condicional em 1937.
Giulia Schucht, a companheira de Gramsci, violinista de nacionalidade
soviética e fugitiva para seu país de origem após o advento do fascismo, era
pouquíssimo presente nas cartas em função de doença nervosa da qual era
acometida. Isto proporcionava contato mais constante no epistolário com
sua cunhada, Tatiana Schucht, e que também sempre ia à Itália interceder
em seu favor. Contudo, isto tudo não isenta Gramsci de crítica.
Uma carta datada de 26 de março de 1927 e endereçada a Tatiana
contem a seguinte passagem:
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
| 311
Você, como todas as mulheres em geral, tem muita imaginação e
pouca fantasia; e mais, a imaginação em você (como nas mulheres
em geral) age num só sentido, no sentido que chamaria (vejo-a
dar um pulo)... protetor dos animais, vegetariano, próprio das
enfermeiras: as mulheres são líricas (para usar um tom mais
elevado), mas não são dramáticas. Imaginam a vida dos outros (até
mesmo dos lhos) unicamente do ponto de vista da dor animal,
mas não sabem recriar com a fantasia toda a vida de uma outra
pessoa, em seu conjunto, em todos os seus aspectos. (Veja que
faço uma constatação, não um julgamento, nem ouso deduzir
conseqüências para o futuro; descrevo o que existe hoje). Eis aonde
queria chegar. Você sabe que estou aqui, na prisão, num espaço
limitado, no qual devem me faltar muitas coisas; e pensa no banho,
nos insetos, na roupa de baixo, etc. Se lhe escrevesse que me falta
uma pasta de dente especial, por exemplo, certamente você seria
capaz de revirar Roma de cima abaixo, de esquecer o almoço e o
jantar, de car febril; tenho certeza disso. No entanto, você me
escreve anunciando uma carta de Giulia; depois volta a me escrever
anunciando uma outra; depois recebo uma carta sua (e suas cartas
me são muito caras), mas não recebo as cartas de Giulia e ainda não
as recebi. (GRAMSCI, 2005a, p. 152).
Note-se que as generalizações sobre os seres humanos criticadas na
carta endereçada à irmã Teresina – já citada – aparecem aqui em certo
cunho depreciativo sobre as mulheres, ressalvando ser esta carta anterior
cronologicamente àquela. O próprio entendimento do dinamismo
histórico de aspectos componentes da hegemonia como visão de mundo
se incompatibilizaria com tal juízo. Anal, sob tal lógica, não se poderia
conceber um ser humano dotado de uma natureza única, imutável e
generalizadora para todo e qualquer período histórico.
Em carta posterior a Tatiana, de 23 de março de 1931, Gramsci
(2005b, p. 30-31) evoca Cielo D’Alcamo, poeta da primeira metade do
século XIII, citando os versos 31-32 de Contrasto, um diálogo poético
entre um homem e sua mulher amada:
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Mas Carlo me informou que você não botou nenhuma ordem em
sua vida material: come quando bem entende e às vezes esquece,
etc. Isto me parece um procedimento errado de sua parte, já que
estava resolvida a regular sua alimentação para fazer uma reserva
física de forças que lhe permitisse viajar até Moscou. Eu tinha
acreditado em suas promessas e agora lamento ter acreditado em
você; quer dizer que fui ingênuo, ingênuo como um dos primeiros
poetas italianos, que escreveu: São muitas as mulheres que têm a
cabeça dura, Mas a palavra do homem as domina e censura.
Por m, mas não menos importante, uma carta a sua companheira
Giulia de 28 de novembro de 1932 na qual menciona o lho Giuliano
(Julik), com o seguinte teor:
Li com interesse suas observações sobre o espelho e sobre Julik,
que gosta de se observar, mas meu interesse foi suscitado pelo fato
de que seu argumento é ingênuo e candidamente ‘feminino’. A
verdadeira quintessência da feminilidade. Porque ver no espelho
só um instrumento de narcisismo é próprio só das mulheres. Eu
sempre tive um espelho; caso contrário, como poderia me barbear?
Suas observações estão erradas de cabo a rabo e indicam um modo
de pensar atrasado, anacrônico e... terrivelmente perigoso. Com
este seu mesmo estado de espírito, negativo e puramente reativo
a certas degenerações psicológicas, o operário quebra a máquina, o
funcionário faz o serviço de qualquer jeito, etc. Parece que não há
nada errado (pelo contrário) se Julik não quer meias furadas. Por
que deixar as meias furadas, se é possível remendar? Parece-me que
você confunde os meios com o m, não sabe adequar os meios aos
ns, isto é, não sabe quais são seus ns práticos, imediatos, dispostos
em cadeia de modo a passar de um elo a outro, progressivamente.
Há sempre um fundo ‘genebrino’ em seu espírito, e este fundo é a
causa considerável de seu mal-estar psíquico e também, portanto,
de seus males físicos. Há algo contraditório em seu íntimo, um
dilaceramento, que você não consegue sanar, entre a teoria e a
prática, entre o consciente e o instintivo. Não acha? (GRAMSCI,
2005b, p. 268).
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
| 313
A associação proposta por Gramsci como própria das mulheres
– aquela de olhar-se no espelho como parte do nexo de um raciocínio
equivocado e fora da realidade (“genebrino” talvez se referindo às
idealizações de Rousseau) – que reforça uma construção de gênero que em
nada se assemelha às proposições emancipadoras da mulher formuladas
por Gramsci. Os pontos característicos das mulheres na proposição de
Gramsci acima reproduzida reforçam, assim como outros trechos citados
neste item, os aspectos de gênero da hegemonia existente que inclui em
tal concepção de mundo, entre outros pontos, um papel mórbido (para
usar o linguajar gramsciano). Connar certas características às mulheres,
como sugere Gramsci, depõe contra, entre outros pontos, seu historicismo
absoluto que primaria pela caracterização social e concreta das mulheres.
O conteúdo das cartas carcerárias evidencia uma realidade destoante
das ideias propostas por Gramsci sobre a “Questão Sexual” e a importância
da liberdade feminina para uma nova hegemonia. A relação entre o autor
italiano e as irmãs Schucht, revelada pelas cartas – e também por aquelas de
Tatiana e Giulia recebidas e não publicadas, conforme a análise de Teresa de
Lauretis (1987, p. 86) -, é incompatível com o proposto pelo próprio autor
no Caderno 21. Isto porque, Gramsci, embora demonstrasse preocupação
com questões referentes ao gênero, se submeteu à hegemonia masculina
que criticava. Por esse motivo, as mulheres em sua vida assumiram apenas
papeis e personalidades cabíveis às mulheres ocidentais da época. Eugenia,
a mais velha, desempenhou o papel masculino de ativista político e chefe
de família ao permanecer em terras soviéticas e cuidar da caçula enferma.
Tatiana incorporou a mística feminina da caridade ao dedicar e sacricar
12 anos de sua vida a Gramsci. A Giulia restou o papel de abnegação e
loucura. Para as três irmãs Schucht, Gramsci se transformou no centro
de seus mundos emocionais e representou o perfeito modelo patriarcal da
hegemonia vigente (LAURETIS, 1987, p. 87-89).
Fica nítido, assim, que a vida privada de Gramsci, exposta nas cartas
carcerárias desprezadas pela historiograa ocial (LAURETIS, 1987, p.
86), contradizia o que o próprio autor propunha sobre a “Questão Sexual
no Caderno 21 sobre a importância fundamental da questão feminina
na construção de uma nova perspectiva ético-civil. Por submeter-se à
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
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hegemonia masculina, embora a criticasse, Gramsci reproduz um viés de
gênero incoerente com a sua proposição alternativa de uma nova hegemonia
das classes e grupos subalternos, com um novo papel destinado à mulher
aí incluso.
Feitas tais análises, passar-se-á às reexões nais.
cOnsiderações finais
Ao longo deste texto foi explorado o argumento de que na obra
carcerária gramsciana são encontradas as proposições contraditórias entre si
da proposição de uma nova hegemonia ou concepção de mundo que inclui
a emancipação feminina e a emissão de juízos que reforçam as tradicionais
construções de gênero no contexto de uma hegemonia masculina.
Conforme ressalta Adam Morton (2007, p. 35), a contribuição de
Gramsci não pode prescindir de sua falibilidade e humanidade e tampouco
o nosso autor pode ser visto como uma espécie de profeta. Os limites de sua
obra foram por ele mesmo manifestados, uma vez que tinha a intenção de
revisar profundamente seus escritos carcerários. Considerando seu efetivo
legado, vários temas não foram sistematizados e completados, entre eles o
tópico da “questão sexual”.
Ao mesmo tempo em que tal incompletude encerra diculdades e
limites, ela pode expressar também um enorme potencial se se considerar
as possibilidades de aplicação das categorias gramscianas com os devidos
cuidados metodológicos. Neste caso, remete-se ao tema da tradução
gramsciana. Pode-se e deve-se pensar as incompletudes e lacunas referentes
a tais limites à luz de tal recurso metodológico reetido pelo próprio
Gramsci. Inclusive com vistas à formulação a respeito da particularidade
feminina tanto na avaliação histórica quanto na proposição de uma
hegemonia emancipadora dos grupos e classes subalternos que coloque em
especial relevo as mulheres.
No mais, aprofundar o caráter da formulação gramsciana sobre a
questão sexual” demandaria não somente uma análise mais pormenorizada
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
| 315
de suas notas de seus cadernos, como também as fontes e contexto histórico
que levaram Gramsci a reetir em tais termos sobre o tema em pauta.
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A   
   
   S 
B
Cleunice Terezinha da Silva Ribeiro Tortorelli
Daniele Aparecida Russo
Cyntia Graziella Guizelim Simões Girotto
Sandra Aparecida Pires Franco
cOnsiderações iniciais
Propomos uma leitura do discurso de Simone de Beauvoir, escritora
e lósofa francesa, levando em consideração a relação dialógica com os
discursos da sociedade. Sob a ótica da losoa da linguagem objetivamos
perscrutar o modo como essa relação se engendra dentro do campo da
contraposição ao discurso patriarcal de que: “mulher é pra reproduzir”,
mulher é inferior ao homem”, “mulher é sexo frágil”, tendo em vista que o
feminismo vai dizer: “mulher é pra ser o que ela quiser”; mulher é igual ao
homem (e por isso os direitos precisam ser iguais)”; “mulher é sexo forte”.
https://doi.org/10.36311/2022.978-65-5954-279-6.p317-330
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
318 |
Imersos na sociedade, neste diálogo, neste embate de forças, há
negação do enunciado dominador e proposição de outro. Resultado da
própria história da humanidade, há negação da própria existência pelas
mulheres que procuram repetir as tarefas feitas por suas avós e mães. Ainda
hoje, muitos serviços são exclusivos de homem e outros destinados apenas
as mulheres. Isso mostra como o discurso do sexo frágil se aplica às práticas
sociais de assimilações e/ou referências (várias) que auem para edicar a
ossatura de seu perl de “subjugada”.
Na esteira da losoa da linguagem, as relações dialógicas consideram
o sujeito discursivo como imerso no dinamismo da troca verbal. Sendo
assim, a dialogia assume, explícita ou implicitamente, a voz de outrem. As
relações dialógicas acontecem entre sujeitos que, segundo Bakhtin (2003,
p. 289), posiciona a voz do falante individual em uma “situação concreta
da comunicação discursiva”.
Cumpre, neste momento, para entendermos a ligação de Simone
de Beuavoir com o dialogismo, alinhavar um percurso que nos leve a
conhecer, as conuências que perlam o diálogo, mediante o que a autora
diz no livro O segundo sexo: “Se a função da fêmea não basta para denir
a mulher, se nos recusamos também explicá-la pelo ‘eterno feminino’ e se,
no entanto, admitimos, ainda que provisoriamente, há mulheres na terra,
teremos que formular a pergunta: que é uma mulher?” (BEAUVOIR,
1970, v. 1, p. 9).
Ora, diante dessa exposição, cabe-nos adentrar um pouco mais num
extrato da história de Simone de Beauvoir, a m de melhor entendermos
suas proferições tanto na vida quanto nas obras. Primeiramente,
apresentaremos a biograa e os principais aspectos da obra O segundo sexo
(1970) de Beauvoir. No segundo momento, as analisaremos sob a teoria
da losoa da linguagem como forma de reetir sobre suas contribuições
imersas na dialogia da vida.
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
| 319
apresentandO a interlOcutOra simOne de beauvOir
Os poetas serão! Quando for abolida a servidão innita da mulher,
quando ela viver para ela e por ela, tendo-lhe o homem dado
baixa – até agora abominável -, ela também será poeta! A mulher
encontrará o desconhecido! Divergirão dos nossos os seus mundos
de ideias? Ela descobrirá coisas estranhas, insondáveis, repugnantes,
deliciosas, tomá-las-emos e compreenderemos. (BEAUVOIR,
1970, p. 500).
Simone de Beauvoir foi poeta e com seus escritos literários anunciou,
denunciou e militou em favor da mulher. Ao perscrutar um ajuntamento
de leituras biográcas, de guardas de livros e outras informações de
enciclopédias livres (BEAUVOIR, 2020), é possível dizer que Simone
Lucie-Ernestine-Marie Bertrand de Beauvoir, conhecida como Simone de
Beauvoir, foi uma intelectual com audácia e à frente de seu tempo, gura
importante e polêmica no século XX.
A situação social, cultural e política em que Beauvoir viveu foi pós
Revolução Francesa em que os ideais políticos, apesar dos seus limites,
abalaram a hegemonia monárquica européia e durante um bom tempo,
a França se tornou um sinônimo de vanguarda e experimentalismo que
transformou a sua capital, Paris, na histórica Cidade Luz. Além disso,
a inuência da cultura francesa alcançou tal ponto, que, nas primeiras
décadas do século XX, a importação de seus modismos e costumes teve
amplo espaço pelo mundo.
Na luta pela igualdade de gênero, a escritora fez parte da losoa
existencialista francesa contemporânea e deu nova roupagem ao
existencialismo. Foi ativista política, feminista, professora, memorialista
e teórica social francesa. Podemos dizer que as teorias da personagem em
questão, apesar de bastante polêmicas para aquela época, ainda estão em
pauta nos nossos dias.
Nasceu em 09 de janeiro de 1908, e morreu no dia 14 de março
de 1967, em Paris, na França. Filha mais velha de Françoise Brasseur,
costureira, e de Georges Bertrand de Beauvoir, advogado. O avô era
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banqueiro, mas decretou falência e levou toda a família da alta burguesia
a conhecer os caminhos mais pobres. Assim, o genitor de Simone de
Beauvoir presume que apenas os estudos e o sucesso acadêmico poderiam
dar às lhas melhores condições sociais do que aquela a que o avô havia
deixado, já que não tinha um dote para o casamento. Simone e a irmã
mais nova estudaram em uma escola católica para meninas e lá a feminista
conheceu a sua melhor amiga, Élisabeth Lacoin, a Zazá.
Aos quinze anos de idade, Simone decidiu ser escritora e já possuiu
um jornal onde manifestou sua luta pela liberdade. Fez curso de Filosoa e
conheceu os jovens Jean-Paul Sartre, Maurice Merleau-Ponty e René Maheu
na Universidade de Paris (Sorbonne). Escreveu a obra Mémoires d’une
jeune lle rangée, em 1958, (Memórias de uma moça bem comportada)
em homenagem à amiga falecida em 1929, em que armou ter havido
um assassinato disfarçado”, uma vez que a autora considerava que a moral
burguesa foi, de certa forma, a responsável pela morte da amiga.
Beauvoir foi nomeada para dar aulas de Filosoa em Marseille e,
em 1936, voltou à cidade de Paris para lecionar no Lycée Molière. Teve
um relacionamento conturbado com Jean-Paul Sartre Sartre, mas não se
casou, pois, segundo ela, vivia relacionamentos abertos. Porém, a autora
foi sepultada no mesmo túmulo de Sartre no Cimetière du Montparnasse.
Diante da breve contextualização da vida de Beauvoir, seguimos
com discussão proposta acerca das relações dialógicas na constituição do
discurso do “eterno feminino” de Simone de Beauvoir, em que ashes de
sua vida e obra são enunciados vivos na busca pela liberdade, emancipação
nanceira e social como mulher que lutava pela igualdade de gênero, um
discurso tão pronunciado em nosso tempo.
simOne de beauvOir e a sOciedade cOntempOrânea: vida e Obra
refletidas e refratadas nOs discursOs atuais
Para compreendermos o diálogo de Beauvoir conosco, entre
cronotopias diferentes, vamos penetrar no segredo dos seus enunciados
fazendo uma viagem, ora pelo primeiro, ora pelo segundo volume e vice-
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
| 321
versa, do livro O segundo Sexo, publicado em 1949, o qual, inclusive, já
começa provocando o leitor com o título. Por que O segundo sexo? O que há
por detrás desse discurso? Quais são as vozes que gritam e pedem socorro?
São muitas as questões a serem reetidas e analisadas. Volochinov (2017)
e Bakhtin (2011) nos ajudará neste diálogo. Beauvoir não monologa, mas
dialoga com o leitor. Nesta relação dialógica, o leitor atual, mesmo em
cronotopia diferente, tem atitude responsiva diante dos enunciados de
Beauvoit. Enunciados estes encharcados de vida reetida e refratada em
suas obras.
A autora revelou na arte a realidade vivida de uma época em que as
mulheres eram silenciadas nas diversas instâncias da sociedade. Realidade
esta que ainda arrasta seus tentáculos por toda a humanidade, mais
fortemente em alguns países e menos em outros. A obra é densa com
diálogos provocativos que nos fazem sair e adentrar nossas próprias sombras
seja feminina ou masculina e tudo perpassa a existência humana. Por que e
para que estamos aqui? Qual a nossa contribuição para que todos ocupem
igualmente o primeiro lugar, “o primeiro sexo”? Diante da armação que
todo texto, escrito ou oral, está conectado dialogicamente com outros
textos” (PONZIO, 2016, p. 102), conduzimos a discussão
Beauvoir, no segundo volume da obra O segundo sexo, (19, p. 9), insere
a sua famosa e polêmica frase “Ninguém nasce mulher: torna-se mulher”.
No primeiro volume, ela argumenta contra a existência de uma essência
feminina, visto que as vivências é que possibilitam o “tornar-se mulher”,
e, basicamente, pelas vivências o sujeito constitui-se em alteridade com o
outro. O “eu” é constituído pelo outro: “eu para o outro e o eu para mim”.
O “eu” apenas existe a partir da relação com o “outro”, pois “a consciência
individual é um fato social e ideológico” (VOLOCHINOV, 2017, p. 97).
A relação de alteridade organiza-se, nessa perspectiva, baseada na dinâmica
entre o pessoal e o social, compreendida no contexto de mútuas e contínuas
relações. É nessa dimensão sobre o lugar que o outro ocupa no processo de
interação, é que a alteridade se situa.
O excedente de visão, segundo Bakhtin (2003, p. 21) torna-se possível
na relação com o outro, “[...] pela singularidade e pela insubstitubilidade
do meu lugar no mundo; porque nesse momento e nesse lugar, em que
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
322 |
sou o único a estar situado em dado conjunto de circunstâncias, todos
os outros estão fora de mim”, daí essa dialógica de o “eu” ser construído
pelas vivências. E nessa intersubjetividade, ainda na página 9, Beauvoir
diz que “Somente a mediação de outrem pode constituir um indivíduo
como um Outro”. Um “outro” importante na relação com Beauvoir para
entendermos seu discurso, foi Sartre, seu companheiro intelectual. Este
que teve sua parcela de inuência nos pensamentos da feminista. Jean Paul
Sartre diz que o homem é livre para criar, não há nada predeterminado, mas
tudo vai se produzindo. Diante dessa produção, há a angústia da liberdade
no sentido de não se saber qual caminho seguir. É dentro desse caos que se
estabelece a ordem dos escritos de Simone de Beauvoir, inclusive na obra
em questão.
No primeiro volume de O segundo sexo, a autora aborda a
desmiticação em relação à vivência da mulher, quem é a mulher e qual
a essência feminina, o porquê de o feminino encontrar-se na condição
de subordinação ao homem. Já o segundo volume é caracterizado
pela experiência vivida, mostra como as mulheres, nas suas vivências,
construíram sua essência. Há nesses escritos o que Bakhtin (2003) chama
de grande temporalidade, uma vez que ela transcende sua época e ainda
produz sentido durante a progressão inexorável do tempo. Há na memória
cultural da humanidade esse devir acerca do feminino como diz a lósofa:
Se a mulher se enxerga como o inessencial que nunca retorna
ao essencial é porque não opera, ela própria, esse retorno. Os
proletários dizem ‘nós’. Os negros também. Apresentando-se como
sujeitos, eles transformam em ‘outros’ os burgueses, os brancos.
As mulheres — salvo em certos congressos que permanecem
manifestações abstratas — não dizem ‘nós’. Os homens dizem ‘as
mulheres’ e elas usam essas palavras para se designarem a si mesmas:
mas não se põem autenticamente como Sujeito. (BEAUVOIR,
1970, v. 1, p. 13).
A sociedade composta por homens e mulheres, sempre diz “as
mulheres são desrespeitadas pelos homens”, “as mulheres são discriminadas,
inclusive as negras”, “as mulheres conquistaram lugar na política...
as mulheres são violentadas...”. Ora! Não empregamos o pronome na
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
| 323
primeira pessoa do plural “nós”. Parece que em alguma situação na vida
não zemos parte desse discurso. Não zemos? Não somos sujeitos? Não
falamos também pelas outras? Por todas?
Na abertura da quarta edição do livro O segundo sexo, v. 1, (1970, p.
6) há duas epígrafes. Na primeira, de Pitágoras, que diz: “Há um princípio
bom que criou a ordem, a luz e o homem, e um princípio mau que criou o
caos, as trevas e a mulher”. Na segunda epígrafe, do pensador renascentista
Poulain de La Barre: “Tudo o que os homens escreveram sobre as mulheres
deve ser suspeito, pois eles são, a um tempo, juiz e parte”. Como se vê, há
duas vozes que se contrapõem e, ainda, a intenção da autora ao escolher
essas frases. Na citação de Pitágoras, há uma certa misoginia em que ele
ataca a mulher e, em contrapalavra, há Poulain que defende as mulheres.
Na perspectiva da losoa da linguagem, analisamos as tensões desse
discurso intersubjetivo de Simone de Beauvoir acerca dessas duas frases, em
que alteridade e dialogismo sobressaem. Os enunciados de Beauvoir são
encharcados de tons axiológicos, são palavras obsetivadas do seu diálogo
interior entendido a partir da dialogia da palavra alheia com as vivências,
experiências e intenções da autora, considerando também o lugar de onde
ela fala. Neste caminho, enveredamos a vida de Beauvoir para compreender
seus sentidos.
As relações dialógicas expostas por Bakhtin (2011), organizam-
se como relações de sentido entre os enunciados, revelando horizontes
de expectativas, a “memória do dizer” por meio das histórias e vozes
dos sujeitos envolvidos no processo. A losoa de Simone de Beauvoir
relacionada ao feminino dialoga com enunciados de seus interlocutores e,
seus enunciados, passam a pertencer a seus leitores.
Imersos na dialogia, autor e leitor encontram-se durante a leitura e
a atitude responsiva e responsável de cada um se faz necessária, “[...] cada
um de meus pensamentos com o seu conteúdo é um ato responsável meu
[...]” (BAKHTIN, 2010, p. 44). Beauvoir (1970, p. 9) é a responsável
por seu próprio dizer “sou uma mulher” conduzindo o leitor a reetir o
que seria a ideia de uma essência feminina, em várias épocas, sociedades
e culturas, extrapolando seu tempo. Ela nos leva a pensar no ideal de “o
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
324 |
eterno Feminino” e nos coloca numa relação direta com os problemas e
denuncia a condição de inferioridade da mulher: “Sim, as mulheres, em
seu conjunto, são hoje inferiores aos homens, isto é, sua situação oferece-
lhes possibilidades menores: o problema consiste em saber se esse estado de
coisas deve perpetuar-se.” (BEAUVOIR, 1970, p. 18).
Concordamos que sim, ainda hoje, perpetua a submissão da mulher
em relação ao homem e o discurso da sociedade patriarcal ainda permeia
muitas áreas da sociedade contemporânea como arrastado culturalmente,
resultando em uma realidade que mulheres não alcançam a liberdade,
tampouco a emancipação nanceira e social.
Em continuidade, Beauvoir torna oportuna sua colocação ao dizer
que há um perigo iminente, pois
A burguesia conservadora continua a ver na emancipação da
mulher um perigo que lhe ameaça a moral e os interesses. Certos
homens temem a concorrência feminina. No Hebdo-Latin um
estudante declarava há dias: ‘Toda estudante que consegue uma
posição de médico ou de advogado rouba-nos um lugar’. Esse rapaz
não duvidava, um só instante, de seus próprios direitos sobre o
mundo. (BEAUVOIR, 1970, p. 18).
De forma nítida percebemos enunciados reveladores de denúncia
contra os direitos das mulheres “Esse estado de coisas” ainda perpetua.
Não raro, encontramos homens dominadores e que temem a concorrência
feminina, falam o que querem em enunciados machistas capazes de anular
a mulher e deixá-la subjugada, por vezes de forma tão perspicaz e sutil
que esse ser feminino nem percebe que está sendo colocada no subjugo,
sem contar os prejuízos psicológicos, já que em diferentes situações, são
agredidas emocional e psicologicamente.
Muitos discursos edicam e subjetivam os homens de uma época.
Bakhtin (2011) situa o homem em relação constante com o mundo real
que o cerca, já que o pensamento, para ele, representa um ato no existir
no tempo e no espaço.” Além disso, as ciências das ideologias compõem
a superestrutura que é criação humana e tem como base as relações de
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
| 325
trabalho, as relações econômicas, portanto, a estrutura. A literatura, por
sua vez, é uma criação que refrata a relação entre a base e a superestrutura
e nesta última, a literatura estabelece relação com as outras esferas e demais
criações ideológicas. A literatura de Beauvoir tem, portanto, ligação direta
com a estrutura e a revela em seus enunciados imersos na dialogia da vida.
Assim, Beauvoir questiona o ato de existir da mulher, tendo em vista
que os direitos não foram capazes de libertar, na prática, as mulheres, por
certo caram apenas na teoria. A crítica da pensadora é fortemente acentuada
ao dizer que a mulher é tachada como “sexo frágil” e “objeto” de prazer.
O que convém à mulher é ser puramente carne; Montherlant
aprova a atitude oriental: como objeto de gozo o sexo frágil tem
um lugar na terra, humilde sem dúvida, mas válido; êle encontra
uma justicação no prazer que o macho extrai desse objeto, mas
somente no prazer. A mulher ideal é perfeitamente estúpida e
submissa; está sempre preparada para acolher o homem e nunca
lhe pede nada. (BEAUVOIR, 1970, v. 1, p. 247).
E reunido a isso, igualmente o trabalho não conseguiu alavancar
a situação feminina. A autora diz que a condição econômica modicada
ainda não é o suciente, dado que mesmo com a entrada da mulher
para o mundo do trabalho, a sociedade continua masculina, machista e
androcêntrica.
Isto posto, a solução encontrada é a ideia de que a mulher deve
deixar de ser o outro para ser ela mesma, criando sua existência e não
sendo colonizada pelos discursos do homem, trazendo para o mundo a
perspectiva feminina. Sendo o homem um sujeito e a mulher outro sujeito.
E nessa busca, há uma frustração:
Há mulheres que encontram em sua prossão uma independência
verdadeira; mas são numerosas aquelas para quem o trabalho
fora de casa’ não representa no quadro do casamento senão uma
fadiga a mais. Aliás, amiúde, o nascimento de um lho obriga-as
a connarem-se em seu papel de matrona; é atualmente muito
difícil conciliar trabalho com maternidade. (BEAUVOIR, 1970,
v. 2, p. 247).
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
326 |
Ao que se vê, a sociedade continua evoluindo pouco quanto a esse
discurso. A mulher continua sendo “obrigada” a dar conta do trabalho
dentro e fora de casa e da criação dos lhos. Entre a innidade de assuntos
temáticos acerca da condição feminina, sabemos que este artigo não
consegue abarcar todos, temos um necessariamente merecedor de análise
abordado por Beauvoir, no volume 2 de O segundo sexo. A manifestação
da liberdade, da diversão, do prazer da mulher como ser humano e sujeito
numa sociedade, uma vez que os homens se dão, culturalmente, o direito
de se divertirem.
É raro ver mulheres organizarem sozinhas uma longa viagem,
a pé ou de bicicleta, ou dedicar-se a um jogo como o de bilhar,
de bolas etc. Além de uma falta de iniciativa que provém
de sua educação, os costumes tornam-lhe a independência
difícil. Se passeiam pelas ruas, olham-nas, abordam-nas.
Conheço moças que, sem serem absolutamente tímidas, não
encontram nenhum prazer em passear sozinhas por Paris
porque, importunadas sem cessar, precisam andar sempre de
atalaia: com isso todo o prazer se esvai. (BEAUVOIR, 1970,
v. 2, p. 72).
Ainda nos dias atuais, hodiernamente, as meninas não podem fazer
tudo o que os meninos fazem. Elas são submetidas, desde muito pequenas,
a lidarem com o que a sociedade exige em cada papel social. Na infância,
nos oferecem uma lista de predileções, afazeres e tarefas especícas.
Nomeadas socialmente como “coisa de meninos” ou “coisas de meninas”.
Eles brincam com carrinhos, gostam de azul e de futebol. Sendo homens,
não choram, aprenderam isso desde muito pequenininhos. Já as meninas
brincam de bonecas, devem usar rosa e são comportadas.
Se as estudantes correrem as ruas em bandos alegres como fazem os
estudantes, dão espetáculo; andar a passos largos, cantar, falar alto,
rir, comer uma maçã, são provocações, desde logo são insultadas ou
seguidas ou abordadas. A despreocupação torna-se de imediato uma
falta de compostura; esse controle de si a que a mulher é obrigada,
e se torna uma segunda natureza na ‘moça bem-comportada’, mata
a espontaneidade; a experiência viva é com isso dominada, do que
resultam tensão e tédio. (BEAUVOIR, 1970, v. 2, p. 72).
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
| 327
O trecho citado nos faz acreditar que, de fato, é preciso que haja uma
superação dos estereótipos criados os quais seguimos desde a infância. Logo,
a escola tem papel importante de conduzir as crianças a uma ampliação
dos conhecimentos que possa permitir a elas perceberem que há discursos
hegemônicos presentes na sociedade e que precisam ser repensados.
Discursos hegemônicos ou libertadores são palavras outras que
constituem o sujeito. Bakhtin (2003, p. 295) assevera que nossos enunciados
estão imbuídos de dizeres de outros e em um movimento ininterrupto de
interações, a linguagem é instrumento de mediação na construção de nossa
subjetividade. Linguagem esta que é viva e perpassa a dialogia da vida em
contraposição da dos termos de forma da língua.
Nosso discurso, isto é, todos os nossos enunciados [...], é
pleno de palavras dos outros, de um grau vário de alteridade
ou de assimilabilidade, de um grau vário de aperceptibilidade
e de relevância. Essas palavras dos outros trazem consigo
a sua expressão, o seu tom valorativo que assimilamos,
reelaboramos e reacentuamos. (BAKHTIN, 2003, p. 295).
À luz do dialogismo da losoa da linguagem, compreendemos
que o primeiro e o segundo volumes do livro O segundo sexo, de Beauvoir
(1970), é um produto das relações sociais as quais a escritora estava
inserida bem como reexo e refração da realidade concreta vivida por ela.
Percebemos a revelação da pessoa que fala, sendo possível dizer que as
linguagens sociais são “pontos de vista especícos sobre o mundo, formas
da sua interpretação verbal, perspectivas especícas, objetais, semânticas e
axiológicas” (Bakhtin, 2003, p. 98). Além das interações com tantas vozes
sociais em sua cronotopia, a obra de Beauvoir é um enunciado aberto ao
diálogo com o leitor, interlocutor em cronotopias diferentes, imerso em
realidade cultural, histórica e social diferente, mas que resiste e luta por
motivos próximos: vozes sociais em dialogia na busca de igualdade.
Simone de Beauvoir de uma maneira losóca, trata responsável e
responsivamente o feminismo, assunto tão caro a sociedade, a humanidade.
Ela disserta acerca de questões importantes quanto ao eterno feminino
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
328 |
Todo ser humano do sexo feminino não é, portanto,
necessariamente mulher; cumpre-lhe participar dessa realidade
misteriosa e ameaçada que é a feminilidade. Será esta secretada
pelos ovários? Ou estará congelada no fundo de um céu platônico?
E bastará uma saia ruge-ruge para fazê-la descer à terra? Embora
certas mulheres se esforcem por encarná-lo, o modelo nunca foi
registrado. (BEAUVOIR, 1970, v. 1, p. 7).
Beauvoir questiona os caminhos da mulher na sociedade de forma
poética e traz em sua literatura denúncias sérias, chamando a todos a
resistência frente ao caminhar da mulher imersa em uma cultura desigual.
Ao mergulhar na obra da francesa na busca de porquês, compreendemos
que o feminismo provocou revolução muito signicativa em nosso tempo.
Embora estejamos ainda distantes da igualdade de direitos, reconhecemos
que em um número cada vez maior de países, houve progresso expressivo.
cOnsiderações finais
Objetivamos aqui uma leitura do discurso de Simone de Beauvoir,
escritora e lósofa francesa, sob a ótica da losoa da linguagem e
buscamos analisar algumas considerações das muitas abordadas no livro
O segundo sexo. Consideremos que o pensar crítico de Beauvoir transcorre
todo o conjunto da sua obra, marcado pela inuência losóca de Sartre
e de vozes outras com as quais a escritora se relacionou durante sua vida.
Vale ressaltar que se trata de uma reexão com diversas vozes geradoras de
tensões num discurso ainda vivo hoje.
Isto posto, impõem-se que as palavras usadas por cada “eu
provêm do discurso alheio e não são palavras isoladas, neutras e vazias de
valorações, mas palavras alheias trazidas e usadas com uma determinada
direção ideológica, expressando um determinado nexo com a práxis. Além
disso, provêm de “determinadas linguagens, registros, de determinados
gêneros de discurso, cotidiano, literário, cientíco etc.” (PONZIO, 2016,
p. 102). Neste sentido, podemos dizer que as linguagens que constituem
os enunciados de Simone Beauvoir são linguagens resultantes das suas
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
| 329
vivências, subjetividades e experiências que foram objetivadas em seus
textos com muita sabedoria e encharcadas de sentimentos. Trata-se de
palavra viva, prevendo e prevenindo suas possibilidades de retroação,
de resistência, de recusa ou de eliminação de novos sentidos que lhe são
atribuídos.
Os discursos alheios compuseram em dialogia com a subjetividade
de Beauvoir e seus enunciados, nosso objeto de reexão, foi o discurso
poético de uma mulher de seu tempo, discurso esse recepcionado em
sociedade como singularidade, sobretudo, literária. Não é difícil, assim,
para o leitor de Beauvoir, perceber as múltiplas vozes em sua poética tecida
e entremeada com e em própria biograa, seus sentidos e sua estética de
mulher.
Foi possível extrairmos dos escritos de Beauvoir o ser feminino. Uma
poetisa que se dedicou aos sujeitos menos favorecidos, as que tiveram suas
vozes silenciadas por séculos e que ainda carregam esses tentáculos... cedeu
sua tessitura poética para contribuir com as que viviam – e, por vezes,
ainda vivem – ocultas na sociedade: as mulheres.
referências
BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. Tradução de Paulo Bezerra. 4. ed. São Paulo:
Martins Fontes, 2003.
BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. Tradução de Paulo Bezerra. 6. ed. São Paulo:
Martins Fontes, 2011.
BAKHTIN, M. Para uma losoa do ato responsável. Tradução Valdemir Miotello &
Carlos Faraco. São Carlos: Pedro & João Editores, 2010.
BEAUVOIR, S. O segundo sexo: fatos e mitos. Tradução de Sérgio Milliet. 4. ed. São
Paulo: Difusão Europeia do Livro, 1970. v. 1.
BEAUVOIR, S. O segundo sexo: a experiência vivida. Tradução de Sérgio Milliet. 2. ed.
São Paulo: Difusão Europeia do Livro, 1970. v. 2.
BEAUVOIR, S. Vida e obra. In: WIKIPÉDIA, a enciclopédia livre. Disponível em:
https://pt.wikipedia.org/wiki/simone_de_beauvoir. Acesso em: 5 jun. 2020.
PONZIO, A. A revolução bakhtiniana: o pensamento de Bakhtin e a ideologia
contemporânea. São Paulo: Contexto, 2016.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
330 |
VOLÓCHINOV, V. Marxismo e losoa da linguagem: problemas fundamentais do
método sociológico na ciência da linguagem (1929). Tradução de Sheila Grillo e Ekaterina
Vólkova Américo. São Paulo: Editora 34, 2017.
| 331
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Caroline Keller
Matías Penhos
1
intrOducciOn
Argentina es uno de los países con más altos estándares internacionales
en lo que respecta a los derechos humanos. Desde la recuperación de la
democracia, los derechos humanos tomaron un rol cada vez más esencial en
la agenda pública. Empezando por el reclamo de Memoria, Verdad y Justicia,
que consistió en procesar penalmente a los responsables de los crímenes de
lesa humanidad, un proceso impulsado por las víctimas del Terrorismo
 Centro de Derechos Humanos “Emilio Mignone”, Universidad Nacional de Quilmes.
https://doi.org/10.36311/2022.978-65-5954-279-6.p331-388
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
332 |
de Estado y los organismos defensores de derechos humanos. Hoy, la
Memoria se encuentra incorporada al sentido común, a la vida cotidiana
de buena parte de la sociedad argentina. La educación en todos sus niveles
es sensible a estos temas, donde en la revisión histórica argentina es posible
recuperar ciertos acontecimientos que ayudan a resaltar el compromiso
deliberado con los derechos humanos, especialmente en referencia con a
la Reforma Universitaria. Esta tradición alcanza su plena vigencia en el
entorno de la educación superior actual a través de programas y proyectos
institucionales, líneas de extensión, investigación y contenidos curriculares
que atraviesan diferentes propuestas en el campo de la universidad pública
(PENHOS; MANCHINI; SUÁREZ, 2014).
Ahora bien, la inmensa mayoría de estas iniciativas no toma en
cuenta la palabra de las y los estudiantes, así como tampoco parten de
un diagnóstico able acerca de sus propios intereses y necesidades a la
hora de implementar este tipo de propuestas. Resulta notorio la forma
en que se invisibilizan ciertas prácticas juveniles que alimentan el planteo
anterior: el involucramiento de las y los jóvenes se expresa, por caso, a
través de las tomas de escuelas en la Ciudad Autónoma de Buenos Aires
durante la crisis del 2018; o bien desde el protagonismo y activismo global
en torno a la defensa del medio ambiente que trascendió largamente el
plano de los ámbitos institucionales y locales. Por otro lado, con respecto
a los derechos vinculados a la salud, la reciente aprobación de la Ley no.
27.610 de “Interrupción voluntaria del embarazo”, ha signicado una vital
conquista popular que tuvo a la movilización juvenil entre los principales
puntos de apoyo a la hora de “ganar la calle” y generar la sobre exigencia
necesaria para que la clase dirigencial política lograra modicar su status
quo y acompañar la promulgación del poder legislativo en ambas Cámaras
de Representantes.
Indudablemente, los derechos humanos en su totalidad adquieren
otras y nuevas dimensiones, son cambiantes y móviles, en tanto producto
cultural de la modernidad (RAFFIN, 2006). Esto involucra la multiplicidad
de la vida humana: la salud, la no discriminación, el derecho al acceso a la
justicia, a la identidad de género, a la libertad de expresión y al acceso a la
información, entre otros.
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
| 333
En un contexto global hostil a los derechos humanos, consecuencia
de la omnipresencia de políticas neoliberales, parece necesario reexionar
cómo nos encontramos en nuestro propio campo académico, pues también
aquí se disputa el sentido y la afectación de derechos (PENHOS, 2020).
En tal sentido, surgen los siguientes interrogantes que interpelan nuestro
recorrido en Educación en Derechos Humanos: ¿Qué conocimiento
tienen las y los estudiantes del Departamento de Ciencias Sociales de la
Universidad Nacional de Quilmes (UNQ) acerca de estos derechos? ¿Qué
importancia les otorgan? ¿Qué formas de participación existen? ¿Cuál
es el derecho a la información del que disponen en estos ámbitos para
activar estas perspectivas subjetivas? Debido a los avances y retrocesos de
los últimos años, se postula que las y los estudiantes poseen -en su mayoría-
nociones generales acerca de los derechos humanos, pero con frecuencia no
son percibidos en calidad de sujetos de derecho.
El presente artículo se desprende del seminario de investigación
de Caroline Keller
2
, en la medida en que en su primer objetivo intentaba
“Explorar las necesidades y las carencias en materia de formación en
derechos humanos que tenga la comunidad universitaria y proponer
actividades que las atiendan”. Como una línea secundaria a este objetivo,
se orientará el foco en las falencias formativas en relación al derecho a la
comunicación. También sobre este punto de partida se enmarca este estudio,
para intentar visualizar carencias, vacíos, y, eventualmente, oportunidades
en la autopercepción juvenil en relación a la noción de sujeto de derecho.
bases nOrmativas
Existen cuatro ejes conceptuales que atraviesan los antecedentes de
esta propuesta sensibles a una perspectiva en derechos humanos: A) La
educación en derechos humanos; B) La juventud, C) La universidad; y D)
El derecho a la comunicación. A continuación, se caracteriza cada uno de
estos pilares a los efectos de guiar el análisis del relevamiento de campo.
Dirigido por Matías Penhos, el seminario se realizó en el marco del Proyecto de Investigación en Temas de
Vacancia (PITVA 1271/17) de la Universidad Nacional de Quilmes: “Derechos humanos aquí y ahora: un
compromiso con el derecho a la educación superior”.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
334 |
la educación en derechOs humanOs
Desde la creación de las Naciones Unidas, la comunidad internacional
reclama la inclusión de los derechos humanos en el campo educativo.
Tomando como base los logros alcanzados en el “Decenio de las Naciones
Unidas para la educación en la esfera de los derechos humanos” (1995-2004),
se impulsó en el 2005 el Programa Mundial que tiene por objeto promover
el entendimiento común de las metodologías y los principios básicos de
la educación en derechos humanos (EDH en adelante), proporcionar un
marco concreto para la adopción de medidas y reforzar las oportunidades
de cooperación y asociación, desde el nivel internacional hasta el de las
comunidades. El Programa Mundial se propuso establecer una serie de
etapas consecutivas a n de intensicar las actividades nacionales de EDH
en sectores determinados. La primera etapa (2005-2009) se centró en los
sistemas de enseñanza de primaria y secundaria. La segunda etapa (2010-
2014) se enfocó en la EDH para la enseñanza superior y los programas de
capacitación para maestros y educadores, funcionarios públicos, fuerzas
del orden y personal militar. La tercera etapa (2015-2019) se dedicó al
refuerzo de la aplicación de las dos primeras etapas y a la promoción de
la formación en derechos humanos de los profesionales de los medios de
comunicación y los periodistas. La cuarta etapa (2020-2024) se centra
especícamente en las y los jóvenes con un enfoque en temas relacionados
a la igualdad y la construcción de sociedades inclusivas, metas que están
alineadas con la Agenda 2030 para el Desarrollo Sostenible.
Los progresos que se han alcanzado a lo largo de este proceso
permiten dar cuenta de que existe un genuino interés por consolidar estos
avances por parte de organismos multilaterales y autoridades académicas,
a través del diseño de planicaciones y prácticas a implementar por los
distintos sectores de la gestión educativa. En el año 2011, estos esfuerzos
se materializaron en la aprobación de una “Declaración sobre Educación
y Formación en Materia de Derechos Humanos
3
donde, en su artículo 3
(punto 2), se plantea que…:
 Resolución 6/10 del Consejo de Derechos Humanos, de 8 de abril de 2011.
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
| 335
La educación y la formación en materia de derechos humanos
conciernen a todos los sectores de la sociedad, a todos los niveles
de la enseñanza, incluidas la educación preescolar, primaria,
secundaria y superior, teniendo en cuenta la libertad académica
donde corresponda, y a todas las formas de educación, formación
y aprendizaje, ya sea en el ámbito escolar, extraescolar o no escolar,
tanto en el sector público como en el privado. Incluyen, entre
otras cosas, la formación profesional, en particular la capacitación
de instructores, maestros y funcionarios públicos, la educación
continua, la educación popular y las actividades de información y
sensibilización del público en general.
Desde el punto de vista nacional, la posibilidad de llevar adelante un
plan federal en clave de EDH, tal como prescribe el Programa Mundial,
aún sigue siendo una materia pendiente para el sistema educativo en
general, y para el nivel superior en particular.
la juventud
En relación al lugar de las y los jóvenes, el Programa de Naciones
Unidas para el Desarrollo estima que “esta generación de jóvenes es la más
numerosa en la historia de la humanidad. Más del 60% de la población […]
son jóvenes de entre 15 y 24 años”. Se trata de una población enfrentada
a grandes desafíos (desempleo, múltiples formas de discriminación,
adicciones, falta de participación en la toma de decisiones, entre otras).
El reconocimiento de sus derechos en materia de educación de calidad,
educación sexual, trabajo decente, oportunidades de empleo, acceso a
salud y servicios, habilidades ecaces para su sustento y participación,
constituyen una responsabilidad ineludible de los Estados en el camino
hacia el establecimiento de gobiernos justos, igualitarios y garantes de los
derechos humanos. La Ocina de la Enviada Especial de Naciones Unidas
para la Juventud fue creada en 2017, dentro de la estructura de la Secretaría
General de la ONU, y de este modo, ratica esta ascendencia.
Mediante el programa “Juventud2030”, que se lanzó en el 2018, las
Naciones Unidas reconocen la capacidad de las juventudes, su resiliencia y
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
336 |
sus contribuciones positivas como agentes de cambio, ya que “desempeñan
un papel importante y positivo en la realización del desarrollo sostenible,
en la prevención de las crisis y en el avance de la paz”. En el mismo
sentido, su empoderamiento -entendido como un proceso para alcanzar
la independencia, participación plena y autonomía para el desarrollo de
su vida- es parte integral de ese mismo reconocimiento. La ONU reitera
que existen “desafíos fundamentales, incluidas barreras estructurales que
limitan la participación y la capacidad de la juventud, especialmente las
jóvenes, de inuir en la adopción de decisiones, así como violaciones de
sus derechos humanos e insucientes inversiones para facilitar la inclusión,
en particular mediante una educación de calidad”
4
e insta a los Estados a
garantizar el acceso a una educación “inclusiva, equitativa y de calidad”.
Además, los jóvenes constituyen el grupo destinatario de la cuarta fase del
Programa Mundial para la Educación en Derechos Humanos (2020-2024)
(ONU, 2020), que hace especial hincapié en la educación y capacitación
en materia de igualdad, derechos humanos y no discriminación, inclusión
y respeto de la diversidad, con miras a construir sociedades integradoras y
pacícas.
En el plano nacional la incidencia de estos lineamientos tienen aún
escaso efecto en la política de Estado, siendo las y los jóvenes, sectores
recurrentemente invisibilizados por quienes están a cargo de la gestión de
la función pública.
la universidad
Cabe agregar otros documentos internacionales que ayudan a fortalecer
esta fundamentación en torno al nivel superior, al tiempo que sirven como
plataforma de partida para problematizar estrategias de acción conjunta.
En primer lugar, la Declaración de la Conferencia Regional de Educación
Superior de Unesco (CRES, 2008) que, en sus primeras líneas, plantea un
compromiso irreductible de la universidad con los derechos humanos:
 Resolución 2535 del Consejo de Seguridad, de 14 de julio de 2010 (ONU, 2010).
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
| 337
La Educación Superior es un bien público social, un derecho
humano y universal y un deber del Estado. Esta es la convicción y
la base para el papel estratégico que debe jugar en los procesos de
desarrollo sustentable de los países de la región.
En segundo lugar, vale mencionar la Observación General N° 13 que
amplía los alcances del Art. 13 -que consagra el derecho a la educación-
del Pacto Internacional de Derechos Económicos, Sociales y Culturales
(PIDESC), donde se explicita que la educación en todas sus formas y
niveles debe tener las siguientes cuatro características interrelacionadas: a)
disponibilidad; b) accesibilidad; c) aceptabilidad; y d) adaptabilidad. La
“instalación normativa”, su análisis y debate debe ser el punto de encuentro
para avanzar sobre la “instalación institucional” y “cultural” de los derechos
humanos que abarque al conjunto de la comunidad educativa.
Esta “triple instalación” (RIPA; BRARDINELLI, 2014) sobre la que
el núcleo académico del Centro de Derechos Humanos “Emilio Mignone
despliega líneas de investigación desde su misma creación (1998), llevó
a impulsar la coordinación de acciones integrales, transversales, con
el involucramiento y la participación de los distintos departamentos,
carreras, programas o proyectos de extensión y/o investigación, así como
también las distintas áreas de gestión de la universidad, en las que se
promuevan prácticas sensibles a garantizar la inclusión y la permanencia de
las y los estudiantes; a potenciar las estrategias didácticas para aumentar la
retención y la continuidad de estudios; a concretar la calidad, la pertinencia
y la responsabilidad social de la educación. En líneas generales para las
universidades públicas de Argentina, estas políticas de nivel superior
suelen asumirse discursiva y normativamente con franca convicción, sin
embargo, los hechos suelen desmentir esta voluntad. A lo largo del estudio,
seguramente retomaremos esta cuestión desde el análisis de las encuestas.
el derechO a la cOmunicación
Para completar este panorama, se puede sumar lo siguiente. Como
se sabe, el sistema universal de derechos humanos, no ha logrado plasmar
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
338 |
un instrumento normativo de referencia en el derecho a la comunicación,
como sí lo ha hecho, por ejemplo, en relación al derecho a la educación, a
la niñez o al género. Esta imposibilidad de alcanzar el consenso necesario
se explica, en primera instancia, por la tradición histórica que antecede
al derecho a la comunicación; y en segunda instancia, por las propias
derivaciones de las prácticas comunicacionales que, sobre todo a partir del
siglo XX, han cobrado una progresiva y a la vez radical transformación que
encuentra su máximo expresión en la era contemporánea.
En relación a su expresión originaria (siglos XVIII y XIX), el derecho
a la comunicación estaba asociado a la noción de “libertad de expresión
o “libertad de prensa”. En tanto el foco comunicacional fue incorporando
el lugar del sujeto “receptor” y no sólo del “emisor”, las condiciones de
acceso a la información empezaron a ganar relevancia. Desde el sistema
de protección regional, el Artículo 13
5
de la Convención Americana
sobre Derechos Humanos (1969) no pudo trascender la concepción
iusnaturalista que venía transitando este derecho; sin poder identicar el
lugar del entorno social, colectivo, que rodea a toda expresión pública. Esto
se modica años más tarde, a través de la reconocida opinión consultiva
5/85, emitida por la Corte Interamericana de Derechos Humanos
6
. En
ella, el máximo tribunal regional estableció que el derecho a la libertad
de expresión no sólo era declamativo, sino que implicaba también
contar con las herramientas necesarias para hacer efectivo su ejercicio.
La actual expresión “derecho a la comunicación” ha ganado consenso
en su uso generalizado en las conferencias y debates que giran alrededor
del mundo, pero especialmente a partir del Nuevo orden Mundial de la
Información y la Comunicación (NOMIC), propuesta por el Informe
producido por la Comisión Internacional para el Estudio de los Problemas
de la Comunicación (CIC). El Informe “MacBride”, más célebre por la
referencia a quien presidía esa Comisión, se hizo público en 1980, en un
espacio promovido conjuntamente por la ONU y la UNESCO, y buscaba
visibilizar la desigualdad informativa, que dominaba por entonces,
Art. 13.1. Toda persona tiene derecho a la libertad de pensamiento y de expresión. Este derecho comprende
la libertad de buscar, recibir y difundir informaciones e ideas de toda índole, sin consideración de fronteras, ya
sea oralmente, por escrito o en forma impresa o artística, o por cualquier otro procedimiento de su elección.
 Disponible en: https://www.corteidh.or.cr/docs/opiniones/seriea_05_esp.pdf. Acesso em: 10 ago. 2021.
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
| 339
producto de la hegemonía del Norte y la incipiente concentración de los
medios entre otros. Como podrá advertirse, la distancia en el tiempo es tan
importante como la vigencia de su diagnóstico:
El derecho a la comunicación no recibe todavía su contenido
pleno y su formulación nal. Lejos de ser un principio bien
establecido como algunos sostienen, todavía están por explotarse
sus implicancias plenas. Una vez que se haga esto –en la UNESCO
y por los numerosos organismos no gubernamentales implicados–,
la comunidad internacional tendrá que decidir cuál es el valor
intrínseco de este concepto. (MACBRIDE et. al., 1987, p. 150).
Pese a que hubo avances signicativos en el acceso a la información
– en gran parte gracias a Internet y los smartphones– surgieron nuevos
desafíos, como la brecha digital, protección de datos personales y las fake
news, entre otros. Lo que se traduce, en denitiva, en seguir retrasando la
tarea por denir sus límites e implicancias a nivel internacional.
Curiosamente, en nuestro país, este camino supo transitarse con
éxito desde el punto de vista legal, pero lamentablemente sin ninguna
consecuencia en relación a su implementación. La Ley 26.522 de Servicios
de Comunicación Audiovisual, fue promulgada el 10 de octubre de
2009, y reemplazó la anterior ley 22.285 de 1980, que seguía vigente
desde la última dictadura cívica-militar. Si bien sus pautas se limitaron
a la radiodifusión y la televisión, fue un paso enorme –en especial si se
contempla el contexto latinoamericano– para frenar la concentración y los
monopolios de las grandes corporaciones mediáticas y empresariales a la
hora de garantizar espacios para multiplicar voces diversas. Sin embargo,
hasta la fecha sufrió modicaciones que revertieron sustantivamente los
avances que prometieron mayor inclusión, diversidad y representación
para todos los sectores.
7
Mauricio Macri, Presidente de la Nación entre 2015 y 2019, rmó el DNU 267/15 favoreciendo así nuevamente
a los grandes grupos mediáticos, en detrimento de los derechos a la información y a la libertad de expresión,
protegiendo los intereses empresariales. Además, reemplazó los organismos autárquicos creados por la reciente
Ley de Servicios de Comunicación Audiovisual en 2014 –la Autoridad Federal de Servicios de Comunicación
Audiovisual (AFSCA) y la Autoridad Federal de Tecnologías de la Información y las Comunicaciones (AFTIC)
por el Ente Nacional de Comunicaciones (ENaCOM)– con el objeto de subordinar la regulación y aplicación
de las políticas de medios y telecomunicaciones al Poder Ejecutivo.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
340 |
El año 2020 con la pandemia causado por el SARS-CoV-2 mostró
como nunca las posibilidades de las Nuevas Tecnologías de la Información
y de la Comunicación (NTICs) y su poder de unir personas. Si bien su
ventaja existe solamente cuando todas las personas pueden accederlas en
todos lugares sin restricción, se puede rescatar que están contribuyendo
al perfeccionamiento de la democracia luchando en contra de las fuerzas
hegemónicas y su afán por encontrar nuevas oportunidades de negocio,
imponer sus normas y crear monopolios.
8
Los NTICs promueven la
democratización, pero el sistema actual no permite que ello se logre. En
el pensamiento occidental está anclado la idea que para una sociedad
democrática se fundamenta en la libertad de expresión. El reto entonces
consta de “lograr que la comunicación social sea entendía como un bien
social prioritario y de libre acceso para todos sin restricciones y no una
mercadería a la que acceden sólo los que pueden pagarla” (BRARDINELLI,
2012, p. 79).
aprOximaciOnes teóricas
La presente propuesta se articula con las nociones y percepciones
sobre derechos humanos que poseen las y los estudiantes universitarios,
donde el concepto de sujeto de derecho e identidad tienen un rol clave.
Para abarcar ambos conceptos, se rescatarán algunos enfoques teóricos que
profundizan sobre las tensiones que se recorre entre los valores universales
y particulares de los derechos humanos. Entre otros autores, tomaremos
los aportes de Marcelo Ran (2006) e Yves Charles Zarka (1999), así
como la incorporación de la idea de la “triple instalación” de los derechos
humanos según lo presentan Luisa Ripa y Rodolfo Brardinelli (2014).
Asimismo, para entender la autonomía y la subjetividad que subyace a
la noción de sujeto de derecho, será menester introducir brevemente las
concepciones en torno a las representaciones sociales que aportan Denise
Jodelet (1986) y Jesús Martín-Barbero (1987), al tiempo que por último,
se estima relevante sumar el concepto de identidad que propone Stuart
Hall (1996).
 I. Ramonet, La tiranía de la comunicación p.165.
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
| 341
Ran, en su libro “La experiencia del horror” (2006), reconstruye
una genealogía que permite contextualizar que los derechos humanos
se materializaron en el mundo del capitalismo naciente y, como tal, son
deudores de la idea de sujeto moderno. Esta noción se caracterizaba
por “[...] la transformación de la noción renacentista de dignidad del
hombre en la noción del hombre como portador de derechos del siglo
XVII” (ZARKA, 1999, p. 31). Por entonces, el sujeto moderno tenía
una identidad bien denida: por un lado, buscaba consolidar el poder
de la clase burguesa ascendente a nivel global (universal); y por otro,
quienes buscaban consolidarse en el centro de un mundo novedoso
eran portadores de una identidad bien denida (particular): individuos
blancos, varones, heterosexuales, adultos y propietarios. Zarka advierte
cierta “indeterminación con la que se trata a veces la cuestión del sujeto
de derecho” y propone consecuentemente “distinguir tres nociones:
individuo, persona y sujeto” (ZARKA, 1999, p. 33). En este trabajo se
entiende al individuo como ipse que admite variaciones de personalidad
y que se basa en la necesidad del otro. Asimismo, se entiende al término
persona” como la identidad singular, que es la característica de los humanos
de ser individuos pensantes, reexivos, con conciencia de sí y voluntad.
Al mismo tiempo, al concepto “sujeto” en una tradición hegeliana (que
luego se resignica bajo el materialismo dialéctico), se lo puede entender
como a un ser dotado de consciencia y voluntad que, por tanto, puede
actuar activamente en el mundo, lo puede modicar y al mismo tiempo
modicarse a sí mismo, pero siempre a partir del reconocimiento con la
alteridad: con y desde el otro.
La idea del contrato social –que deriva de la losofía política
moderna– legitimó una forma de postular una sociedad en la cual cada
individuo se socializa a través del derecho natural con el que nace. En
teoría, este derecho atraviesa a todas las personas por igual, aunque en la
práctica ese derecho se expresa en hombres con aquellas singularidades
antes mencionadas. Los valores universales que promovían, en realidad,
se ajustaba enteramente a los límites del orden de su propio universo y,
en todo caso, aquello que entendemos como universal es el producto de
la transformación histórica de lo fundacional eurocéntrico, occidental,
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
342 |
mediante los procesos de globalización y capitalismo (SANTOS, 2013).
Por lo tanto, en principio los derechos colectivos no formaban parte
del canon inicial de los derechos humanos y la tensión entre ambos, irá
transcurriendo en paralelo a la lucha histórica de grupos sociales que al estar
excluidos o discriminados por su condición como grupos, no estuvieron
protegidos de forma adecuada por los derechos humanos individuales.
No obstante, esta misma idea abrió la puerta para que los exceptuados
constituyeran colectivos tendientes a obtener la ampliación progresiva de
estos derechos. Sirven como ejemplo los movimientos reivindicatorios del
voto y la participación política femenina, las luchas anticoloniales y las
sucesivas luchas que ponen en tensión la gobernabilidad:
Si la propia Pipelet (Constance) no llegó a abogar por los derechos
políticos plenos de las mujeres, fue simplemente porque respondió
a lo que veía como posible –imaginable, razonable– en su propio
tiempo. Pero, al igual que otros, comprendía que la losofía de los
derechos naturales tenía una lógica implacable, aunque todavía no
se hubiera manifestado en el caso de las mujeres, esa otra mitad de
la humanidad. El concepto de ‘los derechos del hombre’, como la
revolución misma, abrió un espacio impredecible para el debate, el
conicto y el cambio. La promesa de esos derechos puede negarse,
suprimirse o simplemente continuar sin cumplirse, pero no muere.
(HUNT, 2010, p. 179).
Estas distintas acciones de resistencia, cada una a su modo, han
puesto en escena la cuestión de “lo social”, introduciendo los derechos
sociales, económicos y culturales, y fundamentalmente, las tensiones
y negociaciones en que se dirimió permanentemente el conicto entre
capital y trabajo. Entonces,
[...] más que concebir a los derechos humanos como algo que ya
está dado de una vez y para siempre, como un objeto jo y del
que se busca el fundamento último o absoluto, se construye y es
construido a lo largo de la historia en el corazón mismo de la trama
de relaciones sociales, la complejidad de las relaciones humanas.
(RAFFIN, 2006, p. 51).
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
| 343
Hay que tener en cuenta que el mundo no es homogéneo, sino
que se presenta una diversidad de culturas humanas. No sólo se trata de
ampliar los márgenes de derechos sino de generar nuevas formas jurídicas.
Incluir no es hacer entrar a más personas en un esquema preexistente
sino cuestionar radicalmente las bases de este. Aceptar que la idea de los
derechos humanos es una idea móvil en redenición permanente, no se
restringe exclusivamente a su orden jurídico dado que no debe ir más allá
para llegar a otra vía de enunciación actual.
Un posible camino hacia este otro enunciado es a través de la
concepción de la triple instalación de los derechos humanos en Argentina,
tal como la presentan Ripa-Brardinelli (2014). Esta consiste, en un primer
momento, en una instalación jurídica, donde se instalan y respetan las
leyes democráticas, por otro lado, es la institucionalización de los derechos
humanos que se realiza a través de diferentes instituciones de toda índole y
cubren cada lugar. El tercer momento, el de la instalación cultural, que es
la inclusión de los derechos humanos en el sentido común de las personas.
En esta instancia, los derechos son como un discurso nuevo que se dice, se
pronuncia y se intercambia. Este discurso consta de tres condiciones. En
primer lugar, los autores lo denominan como “el discurso de la benecencia
que signica que aquello que “me corresponde por derecho no es fruto de
dádiva alguna de ningún benefactor/a”. El segundo es el discurso de la
meritocracia, es decir que “Nadie debe “ganar” lo que le corresponde por
derecho, derecho que, en principio, no debería someterse a ninguna pauta
de logro mérito ni, mucho menos, a ningún tipo de ranking o sistema de
ganadores.” (RIPA-BRARDINELLI, 2014, p. 166). Por último, el discurso
del sujeto de derecho, que “proporciona una novedad auto identitaria
en tanto aparece como un discurso nuevo que se dice, se pronuncia y
se intercambia (RIPA-BRARDINELLI, 2014, p. 153). Sin embargo, en
la cotidianidad aún no se anuncia a los derechos humanos en primera
persona (yo, sujeto de derecho), sino en el lenguaje impersonal que le es
propio a la ley. Falta un paso en el medio y es la segunda persona, el tú,
donde hay una escucha y un diálogo. Que estén en la boca de todas y todos
por la apropiación subjetiva del discurso; “tengo derechos” “soy sujeto de
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
344 |
los derechos”, “los derechos que me corresponden” (RIPA-BRARDINELI,
2014, p. 153-154).
Precisamente, este planteo da lugar a la dimensión psico-social.
Para profundizar acerca del proceso de una apropiación de los derechos
humanos parece necesario presentar el concepto de las representaciones
sociales de Denise Jodelet. La autora entiende que las representaciones se
evidencian en el lenguaje y en las acciones sociales de grupos especícos,
y remarcan la importancia del contexto de comunicación. En particular,
los medios de comunicación de masas y las instituciones son considerados
los espacios de desarrollo por excelencia de las representaciones en la vida
cotidiana. El sujeto es, por tanto, un agente activo en la conguración
de las representaciones sociales, como lo son también el contexto y los
propios objetos de conocimiento. Jodelet (1986, p. 472) refuerza que
“[...] las representaciones que transmitirán los medios de comunicación
social, modicando la respuesta del público según sus expectativas y deseos
[...]”. Esta intersección entre lo social y lo individual, da lugar a sumar el
paradigma comunicacional de Jesús Martín-Barbero (1987) “De los medios
a las mediaciones” quien investiga los procesos de la constitución de lo
masivo desde las transformaciones culturales subalternas. El eje del debate
se desplaza de los medios a las mediaciones, esto es a las articulaciones
entre prácticas de comunicación y movimientos sociales, a las diferentes
temporalidades y la pluralidad de matrices culturales. Para Martín-Barbero
las mediatizaciones son “los lugares de los que provienen las construcciones
que delimitan y conguran la materialidad social y la expresividad cultural
de los medios” (MARTÍN-BARBERO, 1987, p. 233). Las representaciones
y las mediatizaciones constituyen ámbitos que se interponen entre la
conguración social y la naturaleza de la comunicación, juntas permiten
deconstruir los inextricables nexos entre los universos internos y externos
de los seres humanos. Las representaciones facilitan la producción y
reproducción de realidades sociales en buena medida, porque ellas mismas
son el resultado de esas realidades. Mediante su propuesta de un mapa
nocturno apunta a cuestionar los conceptos básicos, pero a su vez ese mapa
debe servir para indagar la dominación, la producción y el trabajo, desde
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
| 345
el cual se visualizan las brechas, el consumo y el placer. En otras palabras,
un mapa para reconocer la situación desde las mediaciones y los sujetos.
Estos discursos mediáticos construyen posiciones subjetivas que
remiten a la idea de identidad. Stuart Hall (2003) dene la identidad como
el “[…] punto de encuentro, el punto de sutura entre, por un lado, los
discursos y prácticas que intentan «interpelarnos», hablarnos o ponernos en
nuestro lugar como sujetos sociales de discursos particulares y, por otro, los
procesos que producen subjetividades, que nos construyen como sujetos
susceptibles de «decirse»”. Según este autor la identidad no debe pensarse
de modo esencialista, sino más bien como estratégico y posicional: “El
concepto acepta que las identidades nunca se unican y, en los tiempos de
la modernidad tardía, están cada vez más fragmentadas y fracturadas; nunca
son singulares, sino construidas de múltiples maneras a través de discursos,
prácticas y posiciones diferentes, a menudo cruzados y antagónicos
Finalmente, Hall argumenta que una identidad debe considerarse como un
punto de sutura, como una articulación entre dos procesos: el de sujeción
y el de subjetivación. Consta de un momento concreto entre: por un lado
los discursos y las prácticas que constituyen las posiciones de sujeto (los
discursos y prácticas que intentan “interpelarnos”, hablarnos o ponernos
en nuestro lugar como sujetos sociales de discursos particulares) y por otro
los procesos de producción de subjetividades (los procesos que producen
subjetividades, que nos construyen como sujetos susceptibles de “decirse”)
que conducen a aceptar, modicar o rechazar estas posiciones de sujeto.
Para decirlo en las mismas palabras de Hall: “La identidad, entonces, une
al sujeto y la estructura” Se trata de una dialéctica compleja en la cual la
identidad se congura como un punto de encuentro (siempre temporario
e inacabado) entre la realidad social y la realidad psíquica, entre aquellos
discursos sociales que nos “hablan” y aquellas conguraciones subjetivas
que nos hacen capaces de “hablarnos” o “narrarnos”.
Este apartado teórico, se ha permitido reexionar sobre los
fundamentos teóricos de los derechos humanos, sin quedar atrapados
en reduccionismos doctrinarios (losócos, iusnaturalismo, históricos,
sociológicos), sino más bien reconocer las tensiones que son inherentes
a los valores y las normas entre el universalismo y el particularismo, en
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
346 |
tanto estructuran el proyecto de vida digna de todo ser humano a partir
de la 2ª Postguerra Mundial. Al mismo tiempo, es de interés en la línea de
esta investigación rescatar las implicancias en el plano subjetivo de estos
anclajes que han transformado el sistema social que organiza la sociedad.
Descubrir el plano comunicación que se pone en juego a través de la simple
oralidad, y cómo la circulación de los signicados de las palabras genera
las mediaciones necesarias para modicar el plano social. En esta línea
se enmarcará el análisis del relevamiento estadístico que compartirá en el
capítulo 2.
OtrOs estudiOs sObre relevamientOs de estas características
Desde una lógica de articulación similar a nuestra experiencia, el
Centro Internacional para la Promoción de los Derechos Humanos (2019)
ha divulgado el informe sobre Percepción de derechos humanos de estudiantes
universitarios Informe de la encuesta realizada en la Facultad de Derecho de
la Universidad de Buenos Aires
9
, que muestra que los derechos humanos
se vinculan con valoraciones positivas, al tiempo que reeja un marcada
preocupación de las y los jóvenes por los Derechos Económicos, Sociales,
Culturales y Ambientales (DESCA) como aquellos derechos que son los
más vulnerados. Otro resultado a destacar revela que, a pesar de portar la
condición de ser estudiantes de abogacía, la mayoría no conoce instituciones
que promueven los derechos humanos ni sabe dónde recurrir en caso de
sufrir y/o presenciar alguna situación de vulneración de derechos humanos;
apenas reconocen que podrían identicar organismos no gubernamentales
de derechos humanos en el territorio. Esta tendencia de, por un lado,
percibir a los derechos humanos como algo positivo, valioso e importante
con especial preocupación hacia los DESCA; pero por otro lado, no saber
trasladar estos derechos a la vida cotidiana, y, consecuentemente, a la
práctica profesional será un fenómeno que tendrá puntos de contacto en
base a los resultados del relevamiento hecho en la UNQ Las percepciones
de derechos humanos en estudiantes universitarios- Informe de la encuesta
Disponible en: http://www.derecho.uba.ar/noticias/2019/informe-de-la-encuesta-sobre-percepcion-de-derechos-
humanos-de-estudiantes-de-la-facultad-de-derecho-de-la-universidad-de-buenos-aires. Acesso em: 22 jun. 2021.
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
| 347
realizada en el Departamento de Ciencias Sociales de la Universidad Nacional
de Quilmes.
En una indagación que recoge puntos de contacto con este estudio,
el Informe Signicaciones que estudiantes de la Universidad Academia de
Humanismo Cristiano (UAHC) atribuyen a los derechos humanos. Informe
de investigación 2019-2020 (2020), producido por el equipo de la Cátedra
UNESCO de Educación en Derechos Humanos “Harald Edelstam” de
dicha universidad, también centra su foco de interés en el lugar de las y
los estudiantes. El análisis da cuenta de que estudiantes del primer año
de estudios relaciona el signicado de los derechos humanos con aquello
que la comunidad estudiantil entiende por una práctica pedagógica,
la gestión educativa y la justicia social e inclusiva. Estos signicados no
dependen sólo de aspectos cognitivos o de una mera incorporación de
contenidos, sino también de variables afectivo-conductuales y contextuales
que abren el camino para visualizar las condiciones sociales en que estas
prácticas se desarrollan. Agrega que no alcanza con disponer de una base
de conocimiento para participar efectivamente de los derechos humanos. Y
en lo que merece ser una de las conclusiones más importantes del informe,
se plantea que lo cognitivo parece tener menos inuencia que lo actitudinal
y lo valorativo en el signicado cotidiano de las y los estudiantes.
Este tipo de relevamientos vienen teniendo un interesante desarrollo
en el plano regional a partir de acceder a la información divulgada a
través de la Red Latinoamericana y Caribeña de Educación en Derechos
Humanos (RedLaCEDH)
10
. De interés incipiente, estas iniciativas aun no
alcanzan una producción integrada a nivel de cooperación internacional;
sin embargo, vienen requiriendo la demanda necesaria de los propios
actores del ámbito académico para que sus resultados sean publicados y
divulgados. En los meses venideros, tendremos más aportes académicos en
esta línea de otros espacios universitarios.
10
Red y espacio que el Centro de Derechos Humanos “Emilio Mignone” de la UNQ ha sido mentor. Al día de
hoy tiene la Coordinación General del mismo. Disponible en: https://www.redlatinadeedh.com.ar/ (consultado
el 22/6/2021).
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
348 |
estrategia metOdOlógica
El presente trabajo focalizará la dimensión comunicacional de
la encuesta Percepciones sobre Derechos Humanos en estudiantes de la
Universidad Nacional de Quilmes, del Departamento de Ciencias Sociales,
realizada durante los días 6, 7 y 8 de noviembre 2018 en el campus de
la UNQ. La misma fue el resultado de un esfuerzo en conjunto entre el
Centro de Derechos Humanos Emilio Mignone (CeDHEM)
11
y el Centro
Internacional para la Promoción de los Derechos Humanos (CIPDH-
UNESCO). Decidir una estrategia metodológica implicó un proceso
de diálogo constante durante los meses previos para asegurar atender a
las particularidades de la comunidad UNQ. En tal sentido se adecuó
el cuestionario-modelo del CIPDH a las necesidades y características
que son propias al perl del estudiantado UNQ. Finalmente, se formó
un equipo de trabajo con representantes del CIPDH y de participantes
del Proyecto de Extensión Universitaria “Levanta la mano. El derecho a
vivenciar el espacio intersubjetivo” que integra el CeDHEM.
12
Así pues,
la puesta a punto se concentró en ajustar el cuestionario tipo que diseñó
y elaboró el CIPDH para abarcar un relevamiento sobre la juventud
universitaria argentina
13
. La muestra buscó ser descriptiva y no establecer
estudios comparativos entre las universidades involucradas. En el marco
del presente trabajo, se pretende indagar acerca de las nociones subjetivas
de las y los estudiantes de las carreras de Comunicación Social (una de
las once carreras presenciales del Departamento de Ciencias Sociales de la
UNQ) para mostrar la relación entre las percepciones y su inuencia en la
vida privada y profesional.
La técnica utilizada para la investigación fue una encuesta
autoadministrada, de treinta y dos preguntas en la versión nal para la
Universidad Nacional de Quilmes. Los cinco módulos que estructuraron
11
Disponible en: https://ddhh.unq.edu.ar/el-cedhem/ (consulado el 11/8/2021).
12
La autora de este seminario de investigación no solamente forma parte de la mencionada extensión
universitaria, sino que además estuvo presente en todo el proceso, esto es en reuniones previas, durante el trabajo
de campo y también en los análisis posteriores.
13
La base total unicada por el CIPDH permitió alcanzar el número de 2.174 casos relevados, abarcando un
total de seis universidades nacionales: Universidad de Buenos Aires (751); Universidad Nacional de Quilmes
(418); Universidad Nacional de José C. Paz (202); Universidad Nacional de Rosario (385); Universidad
Nacional de Mar del Plata (268); y Universidad Nacional del Centro (150).
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
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la encuesta tuvieron ligeras modicaciones con relación al modelo del
CIPDH: 1) Percepción general sobre derechos humanos; 2) Juventudes y
derechos humanos; 3) Educación en derechos humanos; 4) Participación y
derechos humanos; y 5) Grupos vulnerados y derechos humanos.
Cabe recordar que siguiendo el foco en la cuestión comunicacional,
pondrá atención exclusivamente en el relevamiento que abarca a estudiantes
de la Licenciatura, del Profesorado y del Ciclo de Complementación
Curricular de Comunicación Social del Departamento de Ciencias sociales
de la Universidad Nacional de Quilmes.
1.1 acerca de la implementación
El trabajo de campo se estructuró a través de dos etapas: la preparatoria
y la aplicación de las encuestas. La fase preparatoria se extendió por más
de cuatro meses, donde se llevaron adelante diversas reuniones donde los
equipos técnicos del CIPDH y CeDHEM consensuaron el diseño, la
planicación y los criterios a tomar en cuenta para implementar la muestra
cuantitativa. Este proceso se ajustó a un intercambio uido y enriquecedor.
En paralelo, al interior de la UNQ se llevaron adelante diversas gestiones
para conformar un sub-equipo de voluntarias y voluntarios que estuviera
supervisado y capacitado por el equipo técnico de la UNQ.
De la experiencia en los operativos de campo surge la relevancia de
estructurar el relevamiento con la debida antelación. En base a esa empiria
se organizaron dos talleres de formación y capacitación para las y los 21
reclutadores-encuestadores que participaran de las 3 jornadas de campo.
Allí se presentaron los instructivos elaborados por el equipo técnico UNQ.
Por un lado, un taller de Reclutadores-Encuestadores donde se detallaron
los objetivos generales y especícos de la encuesta y los procedimientos a
seguir para orientar y facilitar sus tareas en la realización del operativo de
campo. A cada uno de las y los participantes se entregó un cuestionario en
soporte físico (papel) y por otro, un taller de uso y manejo de las tabletas
enfocado en el uso del dispositivo y la aplicación del cuestionario en la
tableta. Una vez conformado este subgrupo interdisciplinario, se procedió
a estructurar sus participaciones en cada una de las tres jornadas diseñadas
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
350 |
según día y horario, en función de capitalizar al máximo disponibilidades
de tiempos libres y necesidades de quienes coordinaron la muestra. Por otra
parte, estas gestiones incluyeron también las autorizaciones institucionales
pertinentes frente a las autoridades de la UNQ.
La segunda etapa de la implementación de las encuestas se realizó
mediante seis tabletas electrónicas que facilitó el CIPDH, para desarrollar
el trabajo de campo en la universidad. Las tabletas fueron cargadas con
un software que permite realiza encuestas o line, guardar la información
online y descargar los archivos en un Excel csv. Con el n de visibilizar y
generar curiosidad, se dispuso un stand en el ágora del corredor central de
la UNQ que funcionó durante los tres días que se llevó a cabo la actividad.
Así las y los estudiantes que transitaban el pasillo se acercaron con interés
para participar de la encuesta. Al mismo tiempo, integrantes del equipo
requería la colaboración de docentes que estuviesen dispuestos a ceder el
inicio o el nal de sus clases con el n de permitir que las y los estudiantes
pudiesen visitar el stand para completar la encuesta. Mientras tanto
para asegurar la mayor cobertura y participación posible integrantes del
equipo de reclutadores-encuestadores recorrían el ala sur, norte, el área del
comedor, de la biblioteca y el campus en general en busca de respondientes.
Así se logró un promedio de 139/140 encuetas por día. La duración de la
encuesta en promedio fue de 20 minutos.
Cada jornada se desarrolló de 10:00 a 21:00 horas, dividida en
dos turnos de cinco horas, con una interrupción que funcionó con un
triple objetivo: uno, hacer uso de los horarios en donde el tráco del
estudiantado es más alto; dos, disponer de espacios de descanso y de
intercambio para el equipo de voluntarios y voluntarias; y tres, por
una cuestión técnica, o sea la recarga de las tabletas. Por último, para
el procesamiento y sistematización de los datos, se realizó la descarga
del dataset regularmente, así como otras tareas de procesamiento, como
identicación de casos duplicados y atípicos.
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
| 351
aspectOs centrales del infOrme
El informe de las encuestas será organizado en 4 ejes temáticos:
educación, jóvenes y participación, percepciones generales y salud. El eje
de educación consta en un primer momento de una breve introducción
acerca del contexto de la temática con dos puntos centrales. Por un lado, el
lugar de la educación en el país, tanto como opción de ascenso social pero
también como sello de calidad y excelencia y, por otro lado, la idea de la
educación como derecho humano para todos y todas. Este apartado consta
además de 5 grácos.
El primero muestra que el 68% opina que se garantiza el derecho
a acceder a una educación pública con calidad. A su vez en el segundo
gráco las y los encuestados ubicaron la educación en quinto lugar de
derechos humanos con avances signicativos, siendo el derecho que más
evolucionó el de la identidad de género, según las respuestas coleccionadas.
El tercer gráco visualiza que un 46,5% indicaron que el Estado debería
producir y difundir mayor información acerca al acceso a la educación. De
esta manera se ubica apenas un punto detrás de la opinión de que el Estado
también debería proporcionar información acerca de la interrupción legal
del embarazo. El anteúltimo cuadro muestra que el 75,7% está “muy de
acuerdo” que las personas migrantes tengan igual acceso a la educación
pública que las y los ciudadanos argentinos. Por último, el gráco cinco
muestra valorizaciones positivas para todos los aspectos que conciernen las
funciones principales de la Universidad, principalmente para la formación
en recursos humanos (75,8%), investigación (68,7%) y docencia (58,6%).
Las juventudes y la participación engloban el segundo eje. En este
sentido se elabora acera del mito de la juventud homogénea y remarca
que la participación está marcada por la mirada adulto-céntrica que
impide imaginar una participación fuera de los lugares tradicionales, como
por ejemplo la aliación a un partido político. El gráco 9 muestra los
principales problemas que afectan a las juventudes: falta de oportunidades
para avanzar a una vida mejor (40,4%), la pobreza (38,4%) y la violencia de
género (37,8%). No obstante, el 77,7% considera importante la formación
en derechos humanos (gráco 10 y 11) y accede a información sobre los
derechos humanos (gráco 14). En cuanto a la participación (gráco
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
352 |
12 y 13) arman que la ciudanía debe poder participar en el diseño de
políticas públicas, pero más que la mitad (56,6%) no participa en ninguna
organización.
El tercer eje comprende las percepciones generales acerca de los
derechos humanos que tiene como n mostrar las apreciaciones de las y
los estudiantes de comunicación social e torno de los derechos humanos.
Para ello se implementaron preguntas generales como la asociación de
varios conceptos con los derechos humanos (gráco 15), medición del
grado de acuerdo con frases que buscan evaluar si el actor principal para
asegurar los derechos humanos es el Estado o la ciudadanía (gráco 16 y
22), como también de opiniones personales de medir la vulneración de los
derechos en el país (gráco 17, 18 y 19). En estas instancias se ve por un
lado la valoraciones son positivas, pero también delega la responsabilidad
en el Estado. Así se ve también que no hay un conocimiento general de
protección de derechos humanos (gráco 20) y que consecuentemente
el 90,9% no sabe a donde recurrir en caso de sufrir vulneración en sus
derechos (gráco 22). Asimismo casi en su totalidad arman que hay
grupos vulnerados (gráco 24) e indican en el gráco 26 que el colectivo
que está más perjudicado son los pueblos indígenas (64,5%), seguido por
las personas en situación de pobreza (52,5%) y en tercer lugar las mujeres
(42,3%).
El último eje, de salud, cobra importancia no solo por representar
un derecho fundamental para el pleno desarrollo de los demás derechos
humanos, sino también, porque es notorio como a lo largo de la encuesta
esta temática se posiciona como una preocupación constante. Así el
gráco 27 indica que la salud se ubica en segundo lugar (52,6%) en
retrocesos en derechos humanos según indicaron las y los encuestados.
De la misma manera se ubica en un punto medio la opinión acerca de
avances signicados en el campo de salud con un 14,1%. Cabe recordar
que a partir del año 2018 se notaron las consecuencias de las políticas
aplicadas por el macrismo. Como aconteció en el e eje de educación, en
esta instancia también, más que la mitad (65,7%) está de acuerdo que los
extranjeros deben tener acceso gratuito a la salud pública (gráco 28). Así
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
| 353
el eje de salud, junto al trabajo y la educación fueron aspectos básicos que
empezaron a ser disminuidos y vaciados de presupuesto.
caracterización de la muestra
La muestra está compuesta por 99 (noventa y nueve) casos de los
cuales el 57,6 % se identica con el género femenino y el 37,4% con
el género masculino. El 3 % prerió no especicar y el 2 % seleccionó
la opción “otro”. En cuanto a la distribución etaria se observa una
concentración signicativa en la franja que va de los 18 a los 23 años por
62,6%. Un cuarto de las y los estudiantes encuestados tiene entre 24 y 29
años; un 12,1% se ubica entre los 30 años y más. Su edad promedia los 23
años. Un 85,8% indica que trabaja o ha trabajado alguna vez; sin embargo,
apenas el 54 % indicó que trabaja en la actualidad. El 37% trabaja entre
6 y 20 horas semanales, mientras que el 63 % trabaja 20 horas o más. El
promedio de materias aprobadas de la carrera son 13 (trece). Asimismo 6
de cada 10 estudiantes asistieron a una escuela secundaria privada.
educación
El interés de indagar las percepciones acerca de la educación tiene
varias causas. Por un lado, la razón obvia: las y los encuestados son
estudiantes en la universidad pública. A este hecho debe sumarse que
el promedio de materias aprobadas son 13 (trece), es decir que están
cursando, aproximadamente, la mitad de su carrera. Por otro lado, y de
mucho mayor importancia, por el vínculo estrecho entre la educación y la
perspectiva en derechos humanos…
[...] sólo entonces estamos trabajando por la inclusión y la equidad
social. La razón es simple y clara: porque el enfoque de derechos
humanos es el más inclusivo posible. Abarca a todas las personas,
sin importar sus muchas diferencias, ni hacer distinciones a partir
de cualquiera de esas diferencias (raza o etnia, nacionalidad, sexo,
orientación sexual, identidad de género, creencias religiosas o
políticas, cultura, situación económica, edad, capacidades, entre
otras). En un enfoque de derechos humanos nadie queda afuera.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
354 |
Y así debe entenderse la educación, como un derecho de todas
las personas y que a todas debe serles garantizado. (RODINO,
2015, p. 202).
En Argentina, la identidad nacional y su vínculo con la educación
tiene importantes registros en la historia moderna, en la medida en que
este entrelazamiento ha permitido que sus principales hitos alimenten
una noción concreta de ascenso social para buena parte de la sociedad. Es
cierto, según la bandera política al mando de la gestión gubernamental, los
golpes a este derecho suelen ser más o menos duros; sin embargo, consta
que el respaldo que tiene este derecho es bastante singular en la región.
14
No sorprende escuchar que la educación pública en Argentina es buena y
las referencias obligadas a las tres grandes universidades nacionales (Buenos
Aires, Córdoba o La Plata) y su prestigio, tienen su correlato de acuerdo
a distintos ranking internacionales, más allá de que los fundamentos de la
clasicación puedan resultar dudosos y arbitrarios. Enfrentando vaivenes
económicos y políticos del presente siglo y del anterior, de avances y
retrocesos, las universidades públicas no sólo no cerraron sus puertas y
continúan en la lucha para garantizar una educación laica de calidad, sino
que además han sido un importante foco de resistencia de las políticas
neoliberales
15
.
En el marco de la encuesta, y a pesar de la coyuntura del 2018, las
valoraciones son positivas (un total de 68,8%) en cuanto el acceso a la
educación de calidad, aunque también 3 de cada 10 encuestados respondió
que no se garantiza. En el momento de contextualizar la educación en
conjunto con otros derechos que sufrieron retrocesos, esta se ubica en
un cuarto lugar. Si bien las y los encuestados efectivamente se ubican de
por medio en la mitad de su carrera, también se debe tener en cuenta la
edad (mayoritariamente entre los 24 y 30 años) y que más de la mitad
14
Ley 1420 de educación común, gratuita y obligatoria de 1884 precursor para poder establecer el Decreto
Presidencial N° 29337/49 y la Ley N° 27204/15 jó que “los estudios de grado en las instituciones de educación
superior de gestión estatal son gratuitos e implican la prohibición de establecer sobre ellos cualquier tipo de
gravamen, tasa, impuesto, arancel, o tarifa directos o indirectos
15
Véase Penhos (2020) para un contexto más actualizado. Para consultar la debacle del gobierno de la Alianza
y la resistencia del campo popular al proyecto educativo neoliberal puede verse Diario Página/12: https://www.
pagina12.com.ar/2001/01-03/01-03-17/pag03.htm. Acesso em: 6 ago. 2021.
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
| 355
trabaja lo que se puede considerar medio tiempo (20 horas o más). En
una encuesta del 2019 realizada por Bumeran
16
(una plataforma online de
empleos y reclutamiento), publicó que el 73,1% de estudiantes trabajan
por necesidad económica(EN ARGENTINA, 2019). Aunque la encuesta
no proporcionó más información sobre los tipos de trabajos que realizan,
pero teniendo en cuenta que, en primer lugar, el mayor retroceso en materia
de derechos humanos indicado es la disminución de la pobreza (seguido
por la salud y el trabajo), lo más probable es que la disminución del poder
adquisitivo en conjunto con una gura del 47,65% según el INDEC
17
, da
lugar a inferir que sus preocupaciones pasan primero por las necesidades
básicas de la vida. La educación, a menudo visto como una salida de la
pobreza, se ubica en cuarto lugar de los retrocesos en derechos humanos
según estiman las y los encuestados.
Fonte: Elaboración propia.
Ante la pregunta en qué medida se garantiza el derecho humano a
acceder a una educación pública de calidad el 9% armó que se garantiza
totalmente, y 59,6% opina que se garantiza en parte. Entre las respuestas
apenas se garantiza y no se garantiza se llega a un 31,3 %. Esta cifra
16
https://www.diariodecuyo.com.ar/argentina/En-Argentina-el-517-de-los-universitarios-estudian-y-trabajan-
al-mismo-tiempo-20190920-0085.html. Acesso em: 8 ago. 2021.
17
Disponible en: https://www.indec.gob.ar/uploads/informesdeprensa/ipc_01_19.pdf. Acesso em: 6 ago. 2021.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
356 |
concuerda con los resultados que demuestran la contraparte al avance
de los derechos humanos. Se ve una coherencia en estos lineamientos,
ya que además en los primeros puestos que creen que el Estado debería
proporcionar más información para las juventudes, está la preocupación
alrededor de la interrupción legal del embarazo (ILE)/prevención del
embarazo, acceso a la educación y en cuarto lugar el acceso al mercado
laboral. Todo esto son temáticas que atraviesan a las y los estudiantes
por su situación especíca en un momento determinado en la vida, que
además son elementos básicos. Otros temas que quizás les son más ajenos
o quizás no les interesan o incluso no los consideran que existe una falta
de información son temas abiertos como nuevas tecnologías (6,1%),
prevención del suicidio (16,2%) e inseguridad (17,2%). Aquellas áreas
que han sido especialmente afectadas de acuerdo con el parecer de las y los
estudiantes son la educación (35,4%). Tal como puede reconocerse en el
siguiente cuadro:
Fonte: Elaboración propia.
Al preguntar sobre una serie de temas que se vinculan con las
problemáticas juveniles y visto como materiales educativos, se presentan las
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
| 357
siguientes respuestas que invitan a la reexionar. Con relación a si el Estado
debería producir y difundir más información para las y los jóvenes, casi la
mitad de las personas encuestadas respondió que la principal información
a difundir debería ser la interrupción legal del embarazo (47%). Le sigue el
acceso a educación (46%) y la prevención del embarazo no deseado (43%).
En un tercer nivel de preocupación, aparece el acceso al mercado laboral
(34%). Producir y difundir información acerca de Nuevas tecnologías
(6%) ocupa el último puesto de las once opciones.
Fonte: Elaboración propia.
Además, hay un amplio acuerdo (75%) que las y los migrantes puedan
acceder en igualdad de condiciones a la educación pública, lo cual da lugar
a entender que los derechos se entienden como universales e inclusivas
y no solo para quienes “se lo merecen”. Estas valoraciones positivas se
alinean con la propuesta de Ripa-Brardinelli (2014, p. 153), de “[...] la
triple instalación” de los derechos humanos, donde “la instalación cultural
se ve por considerar a los derechos humanos como un discurso nuevo que
se dice, se pronuncia y se intercambia [...]”, 2014). A la hora de pensar
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
358 |
a las personas como sujetos de derechos es importante señalar la tensión
que existe entre el sistema de los derechos humanos visto y la idealización
del Estado de derecho. Los derechos humanos vistos en su inicio como
etapas consecutivas para llegar eventualmente a la homogeneización según
el modelo del Occidente (individualismo, capitalismo, secularización)
inevitablemente deja afuera a las diversidades. Frente a esta percepción
se plantea la del particularísimo que reconoce que todas las sociedades
son portadoras de culturas y valores con igual valor e importancia. Si
bien es fundamental el Estado de derecho, sin embargo, al idealizar sus
capacidades (cumplimiento imparcial de las leyes) puede terminar en la
creencia de que automáticamente se amplían los derechos y con legalizar
nuevos derechos alcanza para su cumplimiento ecaz. Marcelo Ran en
búsqueda de apaciguar las tensiones introduce lo que el denomina “Aporías
de la modernidad” que consta de “conciliar lo mismo y lo diferente, el
universalismo y el particularismo”. Como los derechos humanos no son
estáticos y son cada vez más abarcativos, se los tienen que pronunciar en
plural. Esto se ve reejado en que el 75% está “muy de acuerdo” a que las
personas migrantes deberían acceder a la educación pública en las mismas
condiciones que las y los ciudadanos nativos.
Fonte: Elaboración propia.
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
| 359
En cuanto a la enseñanza y presencia de los derechos humanos la
gran mayoría (75%) reconoce que es importante abordar la formación
en recursos humanos desde una perspectiva de derechos humanos. Una
vez más esto muestra la preocupación consistente alrededor del mercado
laboral, la inserción al mismo y las condiciones.
Fonte: Elaboración propia.
Por otro lado, la cuestión especíca de derechos humanos tiene una
importancia dada los altos porcentajes en respuesta a la pregunta en que
funciones sería importante que la universidad abordara una perspectiva en
derechos humanos. Así la formación en recursos humanos está en primer
puesto con 75%, seguido por la investigación con 68,6% y la docencia
58,6%. La fuerte armación de que todas las funciones principales de la
universidad se abordaran desde una perspectiva en derechos humanos,
da lugar a pensar que si se le da tanta importancia puede que esto no se
está logrando satisfactoriamente. Si la justicia y la paz de la sociedad en
su conjunto exigen un conocimiento sólido para aplicar holísticamente
las técnicas, saberes y competencias, entonces en la formación en
derechos humanos debería ser parte de la currícula obligatoria (RIPA-
BRARDINELLI, 2014).
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
360 |
derechOs humanOs en la unq
De igual modo de lo que sucede en el eje de Educación, de forma
complementaria, los derechos humanos también aparecen como un área
de especial interés, que recorre la misión y las funciones sustantivas de esta
casa de altos estudios.
Fonte: Elaboración propia.
Entre las actividades que se realizan en la universidad en derechos
humanos el 58,6% conoce y/o participa en charlas/conferencias. Como
puede advertirse, el porcentaje baja a medida que aumenta el compromiso
en el sostenimiento de la regularidad de la actividad, así un 40% indica
conocer/participar en talleres, mientras que proyectos de extensión conlleva
un 34%, proyectos de investigación 30% y congresos 16,2 %.
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
| 361
Fonte: Elaboración propia.
Con respecto a la formación en derechos humanos abordada durante
la cursada del Ciclo Introductorio, las y los jóvenes señalan que han recibido
más información sobre enfoques centrados en los “Derechos civiles y políticos
(36,4%); seguidos por contenidos sobre “Igualdad y no discriminación” (28,3%);
y nalmente, en los temas de “Crímenes de lesa humanidad” (26,3 %).
Fonte: Elaboración propia.
En cuanto al Taller de Vida Universitaria, instancia desde donde se
acompaña el ingreso de las y los nuevos estudiantes a la UNQ a través de
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
362 |
tutorías promovidas por estudiantes avanzados de la propia universidad
que tienen la nalidad de orientar y fortalecer la permanencia en el trayecto
a la universidad pública, el 57% de las personas encuestadas manifestó
haber recibido información acerca del acceso a becas de estudio y apoyo
económico de diferente tipo, mientras que las y los estudiantes como
sujetos de derecho alcanzó el 54,5%; y en tercer lugar, se ubicó el estatuto
y normativa de la Universidad Nacional de Quilmes (53,5%).
jóvenes y participación
Cecilia Braslavsky (1986) introduce el concepto de mitos de la
juventud, cuyo eje central consiste en identicar al conjunto de jóvenes
con algunos de ellos. Así nombra la manifestación dorada que incluye
la idea de que las y los jóvenes tienen en sus manos el tiempo libre y el
disfrute del ocio, la interpretación de la juventud gris donde la juventud
son el emblema de los males en la sociedad y, por último, la juventud
blanca que maniesta que las y los jóvenes traerán salvación a la sociedad
al realizar todo aquello que sus antepasados no han podido lograr. Este
mito de la juventud homogénea” impone a este grupo una forma de ser
joven especíca, limitada además en el espacio (ocio) y tiempo (edad). Sin
embargo, son las condiciones sociohistóricas y económicas que inuyen en
la composición de las juventudes. Al pensar la juventud desde un punto de
vista restrictivo, pero a la vez demanda un accionar extraordinario a futuro,
se generan expectativas y presiones altas sobre las y los jóvenes.
La mayor parte de las y los consultados respondieron que los tres
principales problemas que afectan a la juventud en el país se concentran
en la falta de oportunidades de acceder a un buen empleo, a créditos y a
capacitación para iniciar negocios propios (40%), seguida por la pobreza
(38%) y la violencia de género (37%). En cuanto a espacios de organización
juvenil, ya sea política o social casi no se ve como un problema.
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
| 363
Fonte: Elaboración propia.
Desde este punto de vista sorprende que las y los encuestados
indicaron que los tres principales problemas que afectan a la juventud
son la falta de oportunidades de un buen empleo, pobreza, y violencia
de género, en vez de indicar las opciones de problemática exclusiva de las
juventudes (falta de organizaciones de jóvenes, falta de espacios formales
y en menor medida acceso a la educación) que casi no fueron elegidos.
Mediante este indicador se puede establecer que no solo es importante
pensar este grupo en su debido contexto teniendo en cuenta la coyuntura,
sino que además preocupaciones relacionadas tradicionalmente al mundo
de los adultos también los atraviesa. Se impone la idea de que las y los
jóvenes deben limitarse a una problemática que exclusivamente es de su
campo, cuando según las respuestas, sus preocupaciones hacen referencia
a problemas que se adjudican únicamente a los adultos. Así es importante
entender a las juventudes de un modo relacional y contextual y no como
un concepto estático, cerrado y homogéneo.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
364 |
Fonte: Elaboración propia.
En relación con las prácticas profesionales el 96% indica que
considera importante la formación en derechos humanos. Así el 87% lo
arma para su carrera (Comunicación), seguido por educación (77%),
Ciencias sociales (70%), Salud (66%) e Historia 56%.
Fonte: Elaboración propia.
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
| 365
El 70% está “muy de acuerdo” que la ciudadanía debe participar en
el diseño de políticas públicas activamente.
Fonte: Elaboración propia.
Sin embargo, en cuanto a la participación más que la mitad indica
nunca haber participado (56%). En caso de haber participado se destaca
que el 16 % lo hizo en una organización estudiantil y 13 % se involucró
en un partido político.
Fonte: Elaboración propia.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
366 |
La mirada adulto-céntrica impone como las juventudes tienen que
actuar por lo cual “[...] son producidas por otros, por el mundo adulto, por
el Estado y poco reconocidas como productoras de valores, de lenguajes,
de prácticas de comportamiento [...]” (VOMMARO, 2020). Es necesario
preguntar cómo se identican las y los jóvenes. En este sentido, la
identidad no se entiende solamente en plural, sino que se despliegan como
“[...] identidades de un sujeto nacionalizado, de un sujeto sexuado, de un
sujeto ‘engendrado’, de un ‘sujeto engeneracionado’, entre otros haces de
relaciones” (RESTREPO, 2007). A pesar de que el 62,6% de la población
encuestada tiene entre 18-23 años y solo el 12,1% entra en el rango de 30
o más años no parece que su identicación principal pasa por “juventud”.
Hay dos principales posibilidades para acercarse a cómo se identican las y
los encuestados. O no se perciben como grupo joven (y vulnerado), ya que
no encuentran un origen común para establecerse como un colectivo joven
o la mirada adulto-céntrica no permite reconocer que no necesariamente
las y los jóvenes deben tener preocupaciones limitadas a su mundo.
En relación al trabajo, el 85,8% indica que trabaja o ha trabajado alguna
vez, sin embargo, apenas el 54 % indicó que trabaja en la actualidad. Más allá
que estos datos no informan sobre la calidad de trabajo, es importante tener
en cuenta que pasar por una carrera universitaria tiene como n mejorar
la situación personal y/o familiar y conlleva el sueño a acceder a un buen
trabajo, por lo cual la preocupación acerca de este tema es coherente a lo largo
de la encuesta. Reiteradas veces se indica que no hay garantías ni avances
para un trabajo digno. Aun así, arman la importancia de la educación en
derechos humanos para las prácticas profesionales. Casi la mayoría absoluta
(87,9%) indicó que para las carreras de comunicación se requiere formación
en derechos humanos, sucesivamente tres cuartos de las y los encuestados
arma que la formación en derechos humanos es muy importante. A pesar
de que existe una diferencia de 11% de diferencia y siendo que el 77%
indicó que para la educación es importante recibir formación en derechos
humanos, se puede inferir que algunas personas se identican mediante el
ámbito de comunicación, mientras otras mediante la educación, ya que las
y los encuestados incluyen a estudiantes del profesorado en Comunicación
Social como también de la licenciatura. De todas formas, si bien la encuesta
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
| 367
no profundiza concretamente en qué consistiría esa formación, se muestra
una coherencia en cuanto las nociones positivas de los derechos humanos.
Aun cuando el 70,7% de las y los jóvenes encuestados consideran
importante que la ciudadanía inuya en las políticas públicas y maniestan
deseos de participar de los centros de estudiantes, las encuestas no han
podido dar cuenta de la participación de un gran porcentaje de las y los
encuestados. Es llamativo el alto porcentaje de encuestados, el 56,6%,
que indica no tener ninguna participación. Esto da lugar a duda si la
participación pasa por otro lado o si por otras circunstancias no cuentan
con el tiempo/interés para involucrarse.
18
Mario Margulis (2009), introduce el concepto de “moratoria social”
según el cual las y los jóvenes de sectores medios-altos suelen tener la
oportunidad de estudiar, buscar otras experiencias antes de asentarse e
ingresar a las responsabilidades de la adultez, las y los jóvenes de sectores
populares suelen tener un tiempo de moratoria social más acortado.
Cuando para unos el tiempo libre es recreativo, para otros es una condición
no deseada. Por lo cual “[...] el tiempo libre que emerge del paro forzoso
no es festivo, no es el tiempo ligero de los sectores medios y altos, está
cargado de culpabilidad e impotencia, de frustración y sufrimiento [...]”
(MARGULIS; URRESTI, 1996, p. 3). Margulis e Urresti argumentam que
disponer de tiempo libre, lo que se asocia generalmente con la juventud y
de alguna forma es su característica es estar libre de preocupaciones cuando
en realidad eso solo puede ser cierto por un sector, esto es, aquel que tiene
el privilegio de disponer de su tiempo para descansar, hacer deporte, etc.,
mientras que otro gran sector lo ve como un malestar que necesario evitar,
ya que disponer de tiempo libre equivale a no trabajar. Entonces, aquellas
personas jóvenes que deben utilizar su tiempo para trabajar tendrán
dicultades para involucrarse en una participación activa y tradicional
como se espera de ellas.
18
La “participación política” se entiende como toda actividad que tenga como propósito intervenir en el mundo
social y lograr algún tipo de objetivo a partir de esas acciones (Bonvillani, Palermo, Vázquez y Vommaro, 2008).
Esta noción amplia no reduce el entendimiento de las prácticas políticas únicamente a las instituciones formales
de la política y a las formas tradicionales de participación, al mismo tiempo nos permite reconocer formas de
participación juvenil muy heterogéneas y que pueden cambiar de acuerdo con las diferentes épocas y las distintas
circunstancias.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
368 |
Fonte: Elaboración propia.
A su vez, más que la mitad accede a información de interés público
(62,6%) sobre derechos humanos. Ahora dado que parece que este
conocimiento no se traslada en acciones concretas hay que preguntarse
acerca de las formas de participación. “Mientras muchos jóvenes deenden
a la política como herramienta de transformación, militan en partidos o
movimientos sociales y de allí en la escuela, otros jóvenes descreen de la
política y sospechan de la “intromisión” de un afuera “tendencioso” en los
asuntos escolares. En otros casos, los estudiantes llevan adelante numerosas
iniciativas solidarias, participativas y de extensión a la comunidad, pero
no leen en ellas un carácter “político” (LARRONDO, 2013) ¿Es posible
que lleven adelante prácticas de participación políticas, pero no la
referencia como tal? ¿Una parte de las y los encuestados tienen intenciones
de participar en prácticas políticas, pero aún no lo han hecho? ¿Es que
hacen falta más espacios de participación para estos jóvenes? Queda por
explorarse.
percepciOnes generales
Debido a la larga historia de los derechos humanos y su importancia
en Argentina existe un discurso acerca de estos derechos que por lo menos
como idea general, es conocido por todas las personas. Las percepciones o
representaciones pasan por un lado externo como puede ser la inuencia
de los medios de comunicación, pero también internos, de un nivel de
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
| 369
subjetividad donde inuye la propia experiencia. En otras palabras,
las representaciones y las mediatizaciones constituyen ámbitos que se
interponen entre la conguración social y la naturaleza de la comunicación,
juntas permiten deconstruir los inextricables nexos entre los universos
internos y externos de los seres humanos (Jesús Martín-Barbero, 1987).
En este sentido las dimensiones que recorren las percepciones generales
pueden ser una fuente de gran valor para explorar las subjetividades que se
ponen en juego por parte de las y los estudiantes.
Al ser consultados acerca de su valoración del concepto de derechos
humanos, de acuerdo con las percepciones positivas (herramienta de
protección, logros y reivindicaciones) y percepciones negativas (violación a
la soberanía, obstáculo y justicativo de ilegalidades), la mayoría (80,8%)
respondió que entiende a los derechos humanos como una herramienta
para la protección de la dignidad de las personas. Esto demuestra
una impresión favorable sobre los derechos humanos. Asimismo, las
valoraciones desfavorables acerca de los mismos son minoritarias, ya que
quienes respondieron que asocian a los derechos humanos con la idea de
un obstáculo a la gobernabilidad fueron apenas el 4,0%; mientras que el
12,1% los percibe como una vulneración a la soberanía. A continuación,
se exhibe el cuadro con las distribuciones porcentuales:
Fonte: Elaboración propia.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
370 |
Esta tendencia de pensar de forma positiva los derechos humanos se
reitera ya que 6 de cada 10 estudiantes está “muy en desacuerdo” con que el
respeto de los derechos humanos diculta la lucha contra la delincuencia.
A menudo se repite un discurso de ojo por ojo, donde se pide mano
dura para infracciones contra la ley, especialmente tales que involucran
la propiedad privada y la vida. Estas perspectivas dejan de al lado que la
sociedad que integramos es desigual y que la salida no es más control sino
un cambio estructural. Sin embargo, los medios de comunicación como
productores, difusores y formadores de discursos y de la opinión pública,
encuentra la construcción mediática de la inseguridad tierra fértil para
generar la sensación de un constante peligro en la sociedad y que tiene que
ser combatido. Más allá de que es difícil medir la sensación de inseguridad,
basta con que la emoción que se siente como verdadera al ver el noticiero,
para recibir la información como verdadera (RAMONET, 1999).
Fonte: Elaboración propia.
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
| 371
Las respuestas en cuanto si el Estado debe garantizar los son variadas.
El 29% está muy de acuerdo, el 31 % algo de acuerdo, el 26% algo en
desacuerdo y el 12% está muy en desacuerdo. A su vez indican que la
desigualdad en el goce efectivo de los derechos humanos es un problema
grave en Argentina rma 56 %, junto al 33% que está algo de acuerdo.
Una vez más las respuestas son variadas en cuanto al destinatario de las
políticas públicas. El 24% está de acuerdo que estas políticas deberían ser
prioritariamente para las y los argentinos y argentinas. El 14% está algo de
acuerdo y el 35% está muy en desacuerdo.
Fonte: Elaboración propia.
El 58 % arma que se vulneran derechos en Argentina, mientras que
un cuarto indica ser indeciso y el 14% sostiene que la vulneración es baja
o no existe.
Ante la pregunta si se garantiza el derecho humano a expresarse
libremente, 18% sostiene que se garantiza totalmente y 42% indica que
se garantiza en parte. El 12 % expresa que no se garantiza. Es el único
derecho donde las y los estudiantes indicaron que efectivamente se
garantiza. Seguido por acceso a información pública (10%) y acceso a
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
372 |
educación pública de calidad (9%). Por otro lado, según el 57% el derecho
que menos se garantiza es un medioambiente libre de contaminación. Casi
la mitad (47%) maniesta que tampoco se garantiza un trabajo digno y
44% demuestra preocupación de ser arrestado arbitrariamente.
Fonte: Elaboración propia.
Casi la mitad concuerda en que los derechos más vulnerados son
aquellos relacionados a los DESCA, seguido por el 18% que identica
la libertad de expresión está infringido. Dado que el grupo encuestado
se forman en comunicación social, esta tendencia puede implicar una
preocupación genuina de su área, sin embargo, son 2 de cada 10 estudiantes
que maniestan esta preocupación, también indica o que prevalece la
preocupación por las realidades socioeconómicas o un desconocimiento
de los desafíos que atraviesa su campo.
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
| 373
Fonte: Elaboración propia.
Como fue elaborado anteriormente, los derechos humanos una y
otra vez tienen una valoración positiva. También se destaca la preocupación
alrededor de los DESCA. Quizás uno por tanto podría esperar que esta
situación llevara a las juventudes a actuar, a involucrarse para participar
y buscar cambiar su situación. Sin embargo, ante la pregunta quien tiene
la responsabilidad primaria de garantizar el respeto y la protección de los
derechos humanos la respuesta es clara: 7 de 10 lo adjudican a Estado en
sus tres poderes. Parece que hay una cuestión individualista a fondo, donde
por un lado se responsabiliza al Estado, pero por otro lado no sé ve ni se
busca la posibilidad de trabajar en conjunto con el Estado.
Es llamativo que casi en su totalidad las y los encuestados no saben
a donde recurrir si llegaran a ser victimas de vulneración de derechos
humanos. Además, el 97% está de acuerdo que existen grupos a los que
se vulneran sus derechos, pero solo el 10% indica que las y los jóvenes
forman parte de un colectivo vulnerado. Los colectivos más vulnerados son
según indican los pueblos indígenas (64,6%), personas de en situación de
pobreza (52,5%) y mujeres (42,4%).
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
374 |
Ante la pregunta si conocen instituciones de protección de derechos
humanos en Argentina 7 de cada 10 estudiantes indica que no conoce
ninguna institución.
Fonte: Elaboración propia.
Al indicar cuáles instituciones conocían, se destaca que el 75%
nombra las “Abuelas de Plaza de Mayo
19
y “Madres de la Plaza de mayo” y
un 20% nombra el INADI. Otras instituciones nombradas fueron: la casa
de la mujer, defensoría del público, H.i.j.o.s y CELS, entre otros.
19
Para mayor información véase los sitios webs. “Abuelas de Plaza de Mayo”: https://www.abuelas.org.
ar/; y Asociación de Madres de Plaza de Mayo: https://madres.org/. Para el Instituto Nacional contra la
Discriminación, ver: https://www.argentina.gob.ar/inadi
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
| 375
Fonte: Elaboración propia.
Cuando responden quién tiene la responsabilidad primaria de
garantizar el respeto y la protección de los derechos humanos el 70%
sostiene que es el Estado en sus tres responsabilidades. Anteriormente, el
60% indicó que concordaba que el Estado es el responsable para garantizar
el goce efectivo de los derechos, por lo que se ve cierta constancia en las
opiniones. Entre las ocho opciones, solamente una se dirige de forma
directa al accionar de todas las personas. Esta opción eligió uno de cada
10. El restante indica que son el poder político u otras organizaciones a
quienes competen los derechos humanos.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
376 |
Fonte: Elaboración propia.
Se maniesta una tendencia de que la responsabilidad primaria y casi
absoluta en cuanto a los derechos se vincula únicamente al Estado y que
la ciudadanía queda en un segundo lugar. En las percepciones generales
se deposita fuertemente la responsabilidad en el Estado y no se percibe de
manera clara el lugar que puede ocupar la ciudadanía. Esto se refuerza en
que 9 de cada 10 personas encuestadas no sabe a donde recurrir ante la
vulneración de los derechos humanos.
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
| 377
Fonte: Elaboración propia.
Hay amplio acuerdo en que existan grupos a los que se les vulneran
sus derechos en Argentina. 97 % arma mientras que el 2% no sabe o no
contesta.
Fonte: Elaboración propia.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
378 |
Casi la totalidad de las y los encuestadas/os identicaron que en la
Argentina hay grupos vulnerados (97%).
Fonte: Elaboración propia.
En este sentido, el 64% considera que el principal grupo vulnerado
son los pueblos indígenas. En un segundo lugar las personas encuestadas
señalaron que las personas en situación de pobreza son otro de los grupos
a los cuales se les vulneran sus derechos humanos (52%) y en tercer lugar
se encuentran las mujeres (42%).
salud
Los Estados Miembros de la ONU adoptaron en 2015 una serie
de objetivos para “poner n a la pobreza, proteger el planeta y garantizar
que todas las personas gocen de paz y prosperidad para 2030” conocido
como “Objetivos de desarrollo sostenible” (ODS)
20
. El tercer objetivo
es el de “Salud y Bienestar” que reconoce entre otros las desigualdades
económicas y sociales, la inuencia del clima y medio ambiente y el desafío
20
Los Objetivos de Desarrollo Sostenible se adoptaron por todos los Estados Miembros en 2015 como un
llamado universal para poner n a la pobreza, proteger el planeta y garantizar que todas las personas gocen de
paz y prosperidad para 2030. Los ODS son 17 (https://www1.undp.org/content/undp/es/home/sustainable-
development-goals.html).
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
| 379
de enfermedades nuevas. Para poder alcanzar estas metas, es necesaria la
cobertura universal de salud para terminar así con la pobreza y reducir
las desigualdades. En Argentina la salud ya es reconocida como derecho
constitucional
21
. Sin embargo, en la especial coyuntura histórico-temporal
que atravesó el trabajo de campo, el Ministerio de Salud nacional fue
objeto de recortes presupuestarios por las políticas públicas que se pusieron
en juego durante el período 2015-2019, la fusión al Ministerio de Salud
y Desarrollo en septiembre de 2018
22
. Esta reducción de rango implicó
diferentes dimensiones de la estructura sanitaria nacional: desde la pérdida
de autonomía, al valor simbólico de la afectación, hasta la disminución
lisa y llana de los recursos materiales que garantiza la reproducción del
sistema. Por otro lado, dado el alcance y la importancia del Proyecto de Ley
de la Interrupción Voluntaria del Embarazo (IVE) presentado en 2018, se
decidió incorporar el apartado salud en este trabajo.
Desde el relevamiento de campo, las y los estudiantes identicaron
a la pobreza (61,6%), a la salud (52,5%) y el trabajo (50,5%) como los
espacios en los cuales hubo mayores retrocesos.
Fonte: Elaboración propia.
21
Constitución Nacional art. 13.
22
Decreto N° 801 de 5 de septiembre de 2018.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
380 |
La salud está en segundo lugar como el campo donde más retroceso
hubo en Argentina, aunque un pequeño porcentaje reconoce que
también hubo avances signicativos en esta área. No es necesariamente
una contradicción y no solo porque el porcentaje sea mínimo, sino
porque estas valoraciones son subjetivas. Aunque María Eugenia Vidal,
la entonces gobernadora de la Provincia de Buenos Aires dijo: “No voy a
abrir hospitales nuevos ni cortar cintas, porque eso es una estafa a la gente.
La salud no es un edicio. Construir un edicio es la parte más fácil. Lo
que vale la pena es poner equipamiento de última generación, que haya
insumos, enfermeras y médicos. […]”
23
. Si bien es cierto que mediados del
2018 hubo 13 hospitales en espera de ser inaugurados, también es cierto
que debido a la pandemia del 2020 y con una nueva coyuntura política los
hospitales modulares cobraron importancia para fortalecer el sistema de
salud, o sea si se entiende a las respuestas como tendencia se puede tener
esperanza. Igualmente esperanzador es el hecho de que más de la mitad de
las y los encuestados no hacen diferencia al acceso de la salud (como también
opinan en anteriormente en cuanto al acceso de educación) indicando
que están “muy de acuerdo” que lo inmigrantes puedan acceder a la salud
publica en iguales condiciones que ellos mismo. Eso da lugar a pensar que
una vez más se entiende que todas las personas deberían contar con los
mismos derechos. No obstante, en relación con las percepciones sobre el
avance en Argentina en materia de derechos humanos, el 14 % indicó que
hubo avances en el área de salud. Así esta área se ubica en un punto medio
en los avances- según las opiniones manifestadas- quedando por encima
de vivienda (7%), trabajo, migrantes y refugiados como disminución de
pobreza señalados por un 6% cada área condiciones de detención de las
personas privadas de la libertad por el 5% y en último lugar.
23
Disponible en: https://www.tiempoar.com.ar/nota/elefantes-blancos-casi-listos-desde-2015-hay-13-hospitales-
sin-funcionar (consultado el 6/8/2021).
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
| 381
Fonte: Elaboración propia.
Aunque reconocen que el sistema de salud tuvo un retroceso
considerable, el 65,6 % está “muy de acuerdo” que las y los inmigrantes
puedan acceder al sistema público de salud de forma gratuita.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
382 |
Gráco 28 (Elaboración: Fuente propia)
No se puede negar la importancia y alcance que tomó el debate en
el Congreso para la legalizar el aborto en el país. Por supuesto, no es de un
día para otro que un tema llegue a la agenda pública y vale recordar la larga
lucha del feminismo para cada vez abarcar más derechos para todas y todos.
Quizás un punto clave en este escenario es el #Niunamenos, iniciado en
el 2015, cuyo eje principal fue visibilizar la violencia de género a través de
marchas masivas y consecuentemente creció la demanda por la legalización
de la interrupción voluntaria del embarazo. A través de marchas y
campañas, se logró convocar a la sociedad a participar en las discusiones en
distintos ámbitos. Al tomar presencia en las redes sociales también se logró
incorporar a los más jóvenes. No es de menor importancia mencionar los
símbolos, como el pañuelo y sucesivamente los colores: verde para señalar
el apoyo a la IVE y celeste para oponerse y mostrar su desacuerdo con un
cambio en la ley.
24
Estos símbolos generan identicación y popularidad que
24
El pañuelo tiene una singular importancia en la lucha para los derechos humanos, ya que se vio por primera
vez el uso del pañuelo blanco durante la última dictadura cívico-militar de las Madres de la Plaza de Mayo que
reclamaban por la vida de sus hijas e hijos desaparecidos. Así forjó el nombre “Hijas de los pañuelos blancos y
madres de los pañuelos verdes” para dar a conocer la lucha para la vida.
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
| 383
pareciera no conocer límites de edad. Se puede decir que toda la sociedad
estaba atravesada de una forma u otra con el tema.
El Senado rechazó en agosto de 2018 el proyecto de ley para la
interrupción voluntaria del embarazo.
25
La inquietud en relación a este
tema tanto para la sanción de una nueva ley como también la creación y
propagación de contenido para la prevención del embarazo no deseado se
vincula por un lado con la coyuntura del 2018 y la subsecuente presencia
de la temática en la agenda pública, pero también por otro lado por la
edad de las y los encuestados y el género, siendo que 6 de cada 10 se
identican como mujeres. Dada la predominancia del proyecto de ley del
IVE se entiende casi como sinónimo salud y los derechos reproductivos.
Por tanto, las opiniones en cuanto el área de salud son sumamente subjetiva
donde en el marco de la presente investigación no se puede indagar más
profundamente sobre el tema. Este recurso se encuentra limitado, ya
que no se puede saber el involucramiento personal por acompañar a una
amiga o familiar o incluso la vivencia en primera persona. Sin embargo,
según datos ociales en 2016 se internaron en hospitales públicos 39.025
niñas, adolescentes y mujeres por situaciones relacionadas al aborto.
26
Casi la mitad de ellas (48%) tenía entre 20 y 29 años y 16% eran niñas y
adolescentes entre 10 y 19 años.
27
La mitad de las y los encuestados indicaron que hubo retrocesos en
el ámbito de salud y esta opinión también se ve reejada en su percepción
en cuanto a la posibilidad de decidir sobre la salud sexual y reproductiva ya
que los resultados son variados. El 25% indica que se garantiza en parte,
el 30% que apenas se garantiza y el 35% indica que no se garantiza. Por
esto es importante reconocer que nalmente desde el 24 de enero de 2021
entró en vigencia la Ley 27.610 que abarca la interrupción voluntaria del
embarazo y la interrupción legal del embarazo. Quizás uno de los avances
25
El 9 de agosto de 2018 el Senado rechazó con 38 votos negativos, 31 positivos y 2 abstenciones el proyecto de
ley (https://www.senado.gob.ar/prensa/16631/noticias).
26
Disponible en: http://www.redaas.org.ar/archivos-actividades/187-El%20aborto%20en%20cifras,%202020%20
-%20MR%20y%20SM%20-%20REDAAS.pdf. Acesso em: 6 ago. 2021.
27
En la Argentina en el trienio 2016-2018, 7.262 niñas entre 10 y 14 años tuvieron un parto. 8 de cada 10 de
estos embarazos fueron no intencionales.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
384 |
más signicativos en este ultimo tiempo es la sanción de esta ley o, en otras
palabras: “Donde existe una necesidad nace un derecho.
reflexiOnes finales
A lo largo del estudio se buscó dar a conocer las percepciones que
tienen las y los estudiantes encuestados sobre el signicado de los Derechos
Humanos. Una y otra vez se vio una preocupación especialmente en
torno de los DESCA en general; y en particular en la salud, el trabajo y la
educación, todos ámbitos que no pasaron desapercibidos en los cuestionarios
relevados. Estas opiniones han mostrado relación -¿coherencia?- con la
coyuntura del 2018 que fue un año marcado de paros, aumento de la
crisis económica y polarización de la sociedad generando un ambiente de
incertidumbre general. Aun cuando se registró un malestar general, las y los
estudiantes asumieron en sus respuestas que los derechos son universales e
interdependientes, al armar que las políticas públicas, cómo el acceso a la
salud y educación, deben ser para todas las personas, independientemente
si son ciudadanos nacionales o ciudadanos extranjeros. Además, se nota
una singular empatía hacia grupos en situación de vulnerabilidad como los
pueblos originarios, mientras que su propio grupo de referencia, “jóvenes”,
repetidas veces no se ha visto representado en el sondeo como colectivo
en las preocupaciones de las y los encuestados. Por otro lado, se observa
que para el grupo encuestado la responsabilidad de garantizar los derechos
recae casi exclusivamente en el Estado. De forma parecida acontece en las
actividades que ofrece la universidad con relación a los derechos humanos:
a la medida que aumenta el compromiso, la participación disminuye.
Lo cual nos permite invisibilizar la importancia de las y los actores de la
sociedad civil para exigir la defensa de sus derechos, algo que se encuentra
en sintonía con la imposibilidad de registrarse en tanto una identidad
colectiva en común.
La pregunta inicial, si las y los encuestados se sienten como
sujetos de derecho, no es posible responder con claridad, debido al tipo
de preguntas que abarca la herramienta utilizada. Lo que sí se ve es que
varían sus percepciones donde, por un lado, se dan valoraciones positivas
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
| 385
a los derechos humanos como también se ve que reconocen los derechos
como universales para todas y todos sin distinción alguna. A nivel
general se puede inferir que las preocupaciones van en consonancia con
la importancia que establece la agenda pública, algo que se deduce de
las principales problemáticas que se reejaban al momento de realizar el
trabajo de campo.
Al postular inicialmente que las y los estudiantes no se perciben
como sujetos de derecho se dejó de lado la posibilidad de entender a las
identidades como categorías “exibles” y “permeables”. Especialmente
en torno a la cuestión de las juventudes se pensó el tiempo de forma
lineal, donde se cumplen etapas como escalones para lograr objetivos
especícos. Así se esperó que entenderse en calidad de sujeto de derecho
necesariamente implicaba una fuerte representación de reclamos en las
áreas que corresponden especícamente a la juvenil. Sin embargo, las
respuestas muestran una preocupación importante acerca de la pobreza
y del futuro, en particular, la inserción al mercado laboral. De esta forma
se ve que las personas encuestadas están sumergidas en el mundo que les
rodea y entonces sería una falacia pensar –tal como advierte Marguils
(1996)– pensar a los jóvenes desde los adultos, diciéndole a los primeros
cómo tiene que llevar su vida y cómo deben participar.
En cuanto las activadas relacionadas a los derechos humanos en la
universidad sería interesante en una futura investigación indagar más en
profundidad acerca del conocimiento y la participación en las mismas. ¿Será
que no hay mayor involucramiento por desconocimiento o hay conictos
en la agenda (horario de cursada, trabajo, etc.) o falta de voluntad? ¿A qué
se debe el porcentaje bajo de estudiantes que participan en proyectos de
extensión/investigación y congresos? ¿Es deseable mayor participación? A lo
que se puede agregar, ¿existen estrategias comunicacionales para involucrar
a los grupos de estudiantes en estas prácticas? ¿La comunicación académica
ocial, da cuenta de la relevancia de sumar a la formación y a la práctica
profesionales, valores que promueven experiencias de participación y
ciudadanía?
De todas formas, se constata una vez más, la presión que ejerce el
sistema de menospreciar a un grupo de actores claves de nuestra sociedad.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
386 |
También repetidamente se ve una relación entre la opinión y preocupación
de algunos derechos, como por ejemplo el caso de la educación que son
vivencias reales en primera persona que van más allá de los discursos
mediáticos. Pareciera que se puede establecer una relación a partir de
la cercanía a la temática (aquello que se vive en primera persona, como
dicultades de acceder a un buen trabajo, educación de calidad- que no
sea interrumpida por paros, y dicultades de balancear la carrera con un
trabajo), lo que se termina por percibir con mayor interés.
El desafío actual, atendiendo a la heterogeneidad de lo humano,
consiste en elaborar otra construcción de los derechos humanos y, con
ello mismo, del sujeto, que tenga en cuenta las exclusiones pasadas y
presentes y que tenga en cuenta la diversidad de las relaciones sociales.
Básicamente, desde esta lectura, el fundamento de los derechos humanos
se desarrolla en la lucha de actores en una arena móvil. Su eje fundamental
es la deslegitimación social de la excepción y generar nuevas formas de
juridicidad relacionadas con ello. Por eso es preocupante la aparente
falta de participación de la ciudadanía. En una futura investigación sería
interesante profundizar sobre este tema y ver qué hay detrás de la brecha
entre la responsabilidad que corresponde al Estado y cuál a la ciudadanía en
su totalidad. De este modo se podrá reivindicar las valoraciones positivas
que tienen los derechos humanos, ampliar su alcance para eventualmente
llegar a una sociedad más justa e igualitaria.
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| 389
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Ana Claudia Bazé de Lima
1
Cyntia Graziella Guizelim Simões Girotto
2
Daniele Aparecida Russo
3
Sandra Aparecida Pires Franco
4
Amanda Valiengo
5
Andressa Cristina Molinari
6
1
Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Educação pela UNESP FFC - Marília (SP). E-mail: anabazetl@
hotmail.com.
2
Livre-Docente em Leitura e Escrita. Professora na graduação e no Programa de Pós-Graduação em Educação
pela UNESP FFC - Marília (SP). E-mail: cyntiaunespmarilia@gmail.com.
3
Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Educação pela UNESP FFC - Marília (SP). E-mail:
danirusso1@hotmail.com.
4
Docente do Programa de Pós-Graduação em Educação da UEL. sandrafranco26@hotmail.com.
 Professora da Universidade Federal de São João Del Rei_MG. ducavaliengo@gmail.com.
6
Doutoranda no Programa de Pós Graduação em Educação pela UEL, (PR). Atualmente é professora
colaboradora na mesma Universidade no curso de Letras-Inglês e professora da Rede Básica de ensino. dessinha_
molinari@hotmail.com.
https://doi.org/10.36311/2022.978-65-5954-279-6.p389-406
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
390 |
“(...) é igualmente através de enunciados concretos que a vida entra na
língua. ” (BAKHTIN, 2016, p. 16-17).
intrOduçãO
Pretendemos, neste texto, compreender a tessitura poética de Manoel
de Barros a partir das ideias do círculo de Bakhtin, mais precisamente
de Bakhtin e Voloshinov sobre os gêneros do discurso; bem como a
relevância de sua literatura na formação de crianças em sua humanidade,
no vislumbrar de que, cada vez mais, possam viver suas infâncias, sendo
consideradas e aplaudidas como sujeitos de direitos, em escolas que
valorizem o acesso e a apropriação à cultura elaborada, aqui, à arte estético
literária desse brasileiríssimo poeta mato-grossense, que há muito tem um
valor inestimável de habitar e de enriquecer ainda mais o universo infantil.
Inicialmente, trataremos de alguns aspectos teóricos que propõem
Bakhtin e Voloshinov para pensarmos acerca dos gêneros do discurso,
dentre eles conceitos e reexões sobre signos, enunciados, alteridade,
responsividade e dialogia. Posteriormente, introduziremos, para dialogar
com esses conceitos, a vida e a obra do poeta Manoel de Barros, poesia que
virou, música e movimento, e contagia a vida de meninos e meninas, na
sua humanidade em construção. Desde este ponto de vista, abordaremos
a importância de suas obras para a formação do humano em cada criança,
mediante seus ‘criançamentos’.
pressupOstOs bakhtinianOs: cOntribuições dO filósOfO russO e
seu círculO
Ao propor o estudo da losoa da linguagem, em contraponto ao
formalismo, o círculo de Bakhtin - Voloshinov, Medvedev e Bakhtin - fez
a opção de não estudar a língua isolada das ações humanas, mas estudar a
fala no sentido de discurso, estudar o ato humano da linguagem.
Não podemos estudar a linguagem sem falar dos signos. Neste
sentido, Voloshinov (2017) em Marxismo e Filosoa da Linguagem responde
que o tipo de atividade que pertence ao psiquismo subjetivo é
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
| 391
[...] a realidade do psiquismo interior, isto é, a realidade
do signo. Não há psiquismo fora do material sígnico.
Há processos siológicos, processos no sistema nervoso,
mas não há psiquismo subjetivo como uma qualidade
especíca da existência, diferente, por princípio, tanto dos
processos siológicos do organismo quanto da sua realidade
circundante, sobre a qual reage o psiquismo e que ela reete
de uma maneira ou de outra. É como se o tipo de existência
do psiquismo subjetivo o situasse entre o organismo e o
mundo exterior, como se na fronteira dessas duas esferas
da realidade. Nesse limite ocorre o encontro, que não é
físico, do organismo com o mundo exterior: nesse caso, o
organismo e o mundo se encontram no signo. A vivência
psíquica é uma expressão sígnica do contato do organismo
com o meio exterior. É por isso que o psiquismo interior não
pode ser analisado como objeto e só pode ser compreendido
e interpretado como signo. (VOLOSHINOV, 2017, p. 126).
Portanto, podemos armar que os signos constituem a consciência,
ou seja, o homem é um signo e sua subjetividade é alteritária, constitui-se
pela alternância de vozes, pelo diálogo com outros signos.
Na perspectiva bakhtiniana, a unidade de análise é o signo, território
entre o mundo exterior e o próprio sujeito. Nesse sentido, armamos que
o homem é um signo porque ele se constitui pela relação com o outro, ele
humaniza-se de forma alteritária, pela alternância, pelas trocas realizadas
desde que foi inserido na cultura humana e ao longo de sua existência.
Conduzido pelos pressupostos da losoa da linguagem, Manoel de Barros
constituiu-se poeta pelas relações com o outro e com o meio que apresenta
em seus enunciados de vida.
Todos os diversos campos da atividade humana estão ligados ao uso
da linguagem. E, segundo Bakhtin (2016), o emprego da língua efetua-se
em forma de enunciados orais e escritos, concretos e únicos.
Para Bakhtin (2016), cada campo de utilização da língua elabora
seus tipos relativamente estáveis de enunciados, os quais ele denomina
gêneros do discurso. Ressaltamos que quando tratarmos de gêneros do
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
392 |
discurso, estamos nos referindo aos orais e aos escritos, conforme também
aborda o autor.
Salientamos a extrema heterogeneidade dos gêneros do discurso.
Essa riqueza e diversidade dos gêneros do discurso são innitas porque são
inesgotáveis as possibilidades da multifacetada atividade humana e porque
em cada campo dessa atividade é elaborado um repertório de gêneros do
discurso. É importante ressaltar que inclusive os diálogos informais do
cotidiano fazem parte dos gêneros do discurso.
Bakhtin (2016) diferencia os gêneros discursivos primários dos
secundários. Podemos dizer que os primários são enunciados como se fossem
o nascimento dos gêneros que, num processo constante de elaboração, vão
transformando-se em secundários, mais elaborados. Existe uma gênese nos
gêneros secundários, esta que está nos primários. Os gêneros discursivos
secundários incorporam os gêneros discursivos primários, o alimento do
secundário é o primário.
Primários como estâncias, situações evolutivas que são cada vez mais
elaboradas chegando aos secundários. Gênero primário é aquele menos
elaborado, mais efêmero porque está ligado a vida cotidiana. Gênero
secundário é o resultado da produção ideológica, com certa natureza
perene. Mas um inuencia o outro.
Mesmo Bakhtin (2016) separando os gêneros discursivos entre primário
e secundário, entendemos que um está intimamente ligado ao outro.
Vemos a totalidade da vida com os gêneros primários e secundários,
orais e escritos que se tocam, por isso é difícil de estabelecer fronteiras. Eles
invadem a fronteira um do outro para criar essa relação dialógica entre os
homens. Porque as fronteiras indicam e estabelecem limites denidos e,
limitando-os (os gêneros), nós nos distanciamos da vida.
Entendendo que os enunciados são vivos, os primários e os secundários
se invadem entre si e, ao invadir um ao outro, eles se retroalimentam, ou
seja, não são apenas os primários que dão origem aos secundários, mas os
secundários podem alterar e contribuir com os primários.
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
| 393
O grande diálogo universal com fronteiras não demarcadas, são os
diferentes enunciados se imbricando, resultando nos gêneros do discurso.
Portanto, os gêneros do discurso não são estáticos, estão em constante
movimento, modicando-se nos diferentes enunciados.
Considerando a natureza dialógica da comunicação discursiva,
vemos que o enunciado é compreendido como elemento da comunicação
indissociável da vida. Entendemos, portanto, o enunciado como
manifestação verbal do homem a partir de suas vivências e experiências.
Dentro dos diferentes enunciados, fazemos nossas escolhas para nossos
gêneros discursivos segundo nossas subjetividades em dialogia com o
outro. O poeta Manoel de Barros ao retratar sua infância, manifestou
suas vivências em enunciados, em gêneros discursivos. Segundo Prioste
(2007), “o âmbito em que o poeta age, portanto, tange a utopia, ou
seja, fora de qualquer lugar em que legisle o princípio da realidade. ”
Sua obra da infância é um surrealismo de vivências e experiências de
um menino pantaneiro.
O enunciado oral e escrito é a própria vida nas suas várias elaborações.
E é justamente esse enunciado que é o objeto de pesquisa de Bakhtin e
Voloshinov: o grande conjunto dialógico presente nas relações humanas
por meio dos signos, como podemos visualizar na obra de Barros, como
veremos mais adiante.
“Os limites de cada enunciado concreto como unidade da
comunicação discursiva são denidos pela alternância dos sujeitos do
discurso, ou seja, pela alternância dos falantes. ” (BAKHTIN, 2016,
p. 29). Podemos dizer que a dialogicidade é presente nos enunciados,
já que o diálogo é a forma clássica de comunicação discursiva. Neste
sentido, o leitor ou o outro (compreendedor) tem uma ativa posição
responsiva durante o diálogo com o autor (falante) que fala ou escreve
intencionalmente para alguém.
A compreensão não repete nem dubla o falante, ela cria sua
própria concepção, seu próprio conteúdo; cada falante e cada
compreendedor permanece em seu próprio mundo; a palavra
faculta apenas o direcionamento, o vértice do cone. Por outro
lado, falante e compreendedor jamais permanecem cada um em
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
394 |
seu próprio mundo; ao contrário, encontram-se num novo mundo,
num terceiro mundo, no mundo dos contatos; dirigem-se um ao
outro, entram em ativas relações dialógicas. A compreensão sempre
é prenhe de resposta. (BAKHTIN, 2016, p. 113).
O compreendedor está elaborando sua própria compreensão, seu
próprio conteúdo a partir do discurso do falante. Quem escreveu e quem
está lendo estão em mundos diferentes e, ao ler, cria-se uma terceira
estância. É a relação entre eles, o diálogo.
A fala é uma manifestação do sujeito como resultado das relações
humanas. Portanto, é o uso próprio de cada um, mas resultado das relações
com os outros. São os enunciados do outro que constituem o nosso próprio
enunciado, a nossa própria fala ou nosso próprio discurso. Então, esse
discurso é nosso porque temos nossas subjetividades, mas não é exclusivo
nosso, é constituído pelo discurso do outro.
Por isso a palavra, entendida como discurso interior, prevalece
enquanto material sígnico do psiquismo. É verdade que o
discurso interior é entrelaçado por uma grande quantidade de
movimentos dotados de uma signicação sígnica. No entanto, a
palavra é a base, o esqueleto da vida interior. O desligamento da
palavra limitaria o psiquismo até o extremo, já o desligamento
dos demais movimentos expressivos o deixaria totalmente inativo.
(VOLOSHINOV, 2017, p. 121).
O outro nos constitui, outro no sentido das relações semióticas a
partir de experiências e vivências da fonte da vida.
Podemos armar que para escrever, vamos buscar nas fontes: o que
zemos, o que lemos, o que vivenciamos, o que experimentamos, o que
escutamos.... As fontes têm que estar nos sujeitos e não fora deles. E é o
que vemos na obra de Manoel de Barros: a vida se manifestando por meio
de seus enunciados.
Então, entendemos que o enunciado é a manifestação verbal do
homem a partir das relações com o outro. “Ora, a língua passa a integrar a
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
| 395
vida através de enunciados concretos (que a realizam); é igualmente através
de enunciados concretos que a vida entra na língua. ” (BAKHTIN, 2016,
p. 16-17). Os temas da vida, são os temas dos diferentes enunciados.
A palavra que está na poesia, a palavra que está na literatura, na criação
cultural toda, na ideologia, está presente na vida e ao contrário também:
a vida está presente na poesia. O enunciado é a vida se manifestando.
E em toda a obra do poeta brasileiro Manoel de Barros não é diferente,
no que tange as obras que retratam a infância, podemos ver que foi uma
criança que pôde viver sua infância de menino. Com as poesias barrosianas
podemos também reetir sobre as crianças urbanas, a infância de meninos
e meninas que não possuem um quintal do tamanho do mundo.
Manoel de Barros publicou mais de vinte livros, entre eles, “Face
Imóvel” (1942), “Poesias” (1946), “Compêndio Para Uso dos Pássaros
(1961), “Gramática Expositiva do Chão” (1969), “Matéria de Poesia
(1974), “O Guardador de Águas” (1989), “Livro Sobre Nada” (1996),
“Retrato do Artista Quando Coisa” (1998), “O Fazedor de Amanhecer
(2001), e “Portas de Pedro Vieira” (2013). E em cada página, as palavras
são encharcadas de cultura, resultado de alteridade e de responsividade nos
diálogos com muitas vozes durante sua vida e a partir das suas vivências e
experiências.
O apanhador de desperdícios
Uso a palavra para compor meus silêncios.
Não gosto das palavras
fatigadas de informar.
Dou mais respeito
às que vivem de barriga no chão
tipo água pedra sapo.
Entendo bem o sotaque das águas
Dou respeito às coisas desimportantes
e aos seres desimportantes.
Prezo insetos mais que aviões.
Prezo a velocidade
das tartarugas mais que a dos mísseis.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
396 |
Tenho em mim um atraso de nascença.
Eu fui aparelhado
para gostar de passarinhos.
Tenho abundância de ser feliz por isso.
Meu quintal é maior do que o mundo.
Sou um apanhador de desperdícios:
Amo os restos
como as boas moscas.
Queria que a minha voz tivesse um formato
de canto.
Porque eu não sou da informática:
eu sou da invencionática.
Só uso a palavra para compor meus silêncios.
Mesmo sendo resultado das alternâncias de vozes, dos diálogos
feitos, cada enunciado é um evento único, irrepetível. “Todo enunciado
– oral e escrito, primário e secundário e também em qualquer campo
da comunicação discursiva – é individual e por isso pode reetir a
individualidade do falante (ou de quem escreve), isto é, pode ter estilo
individual” (BAKHTIN, 2016, p. 17).
Então todo estilo está ligado ao enunciado e as formas típicas de
enunciados, ou seja, aos gêneros do discurso. E o estilo individual desse
poeta contemporâneo mostra-se a cada poesia que transborda vida no
sentido de ser resultado dos muitos diálogos com o outro.
Manoel Wenceslau Leite de Barros, o poeta brasileiro contemporâneo,
Manoel de Barros, cresceu na fazenda de seu pai no Pantanal e aos 13
anos de idade mudou-se para Campo Grande – Mato Grosso do Sul. Sua
infância foi cercada pela natureza e a partir das relações com os outros, da
dialogia com os signos, das suas vivências e experiências, principalmente
da infância, compôs poesias com palavras vivas.
O poeta trata seus ‘primórdios’ enquanto objeto valoroso.
Tão valoroso que deve ser carregado em um andor. Nesse
sentido, mais uma vez, Barros explicita que sua estética está
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
| 397
completamente vinculada ao ‘criançamento das palavras’.
Sem a intervenção estética da criança, do lugar chamado
criançamento’, ‘lá onde elas ainda urinam na perna’, o poeta
não prevê criação artística. A infância, é valorizada enquanto
tempo-lugar-objeto ideal para a criação do poeta. (LIMA;
BARROS; MOREIRA; SILVA, 2017, p. 7).
Por meio da dialogia com as obras de Manoel de Barros, é possível
perceber que seus enunciados são frutos das vivências e experiências na
sua essência e não supercialidade, em que o autor percorreu em sua vida,
principalmente nas relações da sua infância, nos diálogos informais do
cotidiano que fazem parte dos gêneros do discurso do poeta.
Vemos a totalidade da vida do autor em gêneros primários e
secundários. Primários porque é a partir do seu cotidiano, da mania de
escrever coisas “desimportantes”, como ele mesmo dizia, é que elaborava
os mais belos poemas como gêneros secundários.
Consideramos, portanto, a natureza dialógica da comunicação
discursiva e que o enunciado é compreendido como elemento da
comunicação indissociável da vida.
Atrás da casa em que Manoel de Barros morava na infância passava
um rio que ele pensava ser a imagem de um “vidro mole”. Ele gostava
de viver em meio a natureza e muitos de seus poemas foi baseado na sua
infância, Era o menino e o rio...
O menino e o rio
O corpo do rio prateia
Quando a Lua se abre
Passarinhos do mato gostam
De mim e de goiaba
Uma rã me benzeu
Com as mãos na água
Com os os de orvalho
Aranhas tecem a madrugada
Era o menino e os bichinhos
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
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Era o menino e o Sol
O menino e o rio
Era o menino e as árvores
Cresci brincando no chão
Entre formigas
Meu quintal é maior
Do que o mundo
Por dentro de nossa casa
Passava um rio inventado
Tudo o que não invento
É falso.
Entendemos o enunciado como manifestação verbal do homem a
partir de suas vivências e experiências. E, por meio do diálogo com os
enunciados de Manoel de Barros, essa marca de autoria é presente em suas
obras assegurando o que Bakhtin e Voloshinov armaram: que a palavra
que está na poesia, na literatura e em toda a criação cultural, está na vida.
O enunciado é a vida se manifestando.
a infância: peraltagens de manOel de barrOs
O poeta, retrata sua vida, sua infância em versos. Para compreendermos
porque no eu poético de Manoel de Barros se apresenta a criança e suas
vivências infantis, buscamos os poemas em que o menino se faz presente.
Eu tenho um ermo enorme dentro do olho. Por motivo do ermo
não fui um menino peralta. Agora tenho saudade do que não fui.
Acho que o que faço agora é o que não pude fazer na infância.
Faço outro tipo de peraltagem. Quando era criança eu deveria
pular muro do vizinho para catar goiaba. Mas não havia vizinho.
Em vez de peraltagem eu fazia solidão. Brincava de ngir que pedra
era lagarto. Que lata era navio. Que sabugo era um serzinho mal
resolvido e igual a um lhote de gafanhoto.
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
| 399
Cresci brincando no chão, entre formigas. De uma infância livre
e sem comparamentos. Eu tinha mais comunhão com as coisas do
que comparação.
Porque se a gente fala a partir de ser criança, a gente faz comunhão:
de um orvalho e sua aranha, de uma tarde e suas garças, de um
pássaro e sua árvore. Então eu trago das minhas raízes crianceiras a
visão comungante e oblíqua das coisas. Eu sei dizer sem pudor que
o escuro me ilumina. É um paradoxo que ajuda a poesia e que eu
falo sem pudor. Eu tenho que essa visão oblíqua vem de eu ter sido
criança em algum lugar perdido onde havia transfusão da natureza
e comunhão com ela. Era o menino e os bichinhos. Era o menino
e o sol. O menino e o rio. Era o menino e as árvores. (BARROS,
2010, p. 187).
Este poema-narrativa, autobiograa poetizada por Manoel de
Barros no livro Poesia Completa nos apresenta seu olhar para sua infância,
sua história do tempo vivido. Como criança viveu intensamente suas
peraltagens, o faz de conta foi uma de suas brincadeiras mais relevantes
para seu desenvolvimento, dizia que “brincava de ngir” e ao brincar de
brincar foi articulando saberes e conhecimentos. Já adulto, buscou em
suas raízes crianceiras a permissividade de dizer sem pudor, brincou com
palavras dando vida às suas lembranças, às suas peraltices, a sua infância.
Ao analisarmos Manoel de Barros e suas crianceiras encontramos a
concepção vigotskiana de que as relações sociais se convertem em funções
mentais,
O ser humano se constitui na relação com o outro; na interação social,
as dimensões cognitiva e afetiva não podem ser dissociadas. Quando
interagem as crianças as aprendem, se formam e transformam; são
sujeitos ativos, participam e intervém na realidade, suas ações são
maneiras de reelaborar e recriar o mundo. [...] Processos manifestos
na infância constroem realidades individuais e históricas que se
traduzem na subjetividade de cada um (Kramer; Motta, 2010).
(KRAMER; NUNES; CARVALHO, 2013, p. 34).
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
400 |
Neste sentido, os pressupostos da teoria histórico-cultural e da
teoria da enunciação nos ancoram para que possamos compreender como
Manoel de Barros foi constituindo sua alteridade de poeta. Para Bakhtin
(2003), linguagem e vida são indissociáveis. Nas inter-relações entre
o eu e o outro se confrontam múltiplos discursos que nos constituem.
(KRAMER; NUNES; CARVALHO, 2013, p. 41). Assim, o eu poético
foi merecidamente reconhecido como um importante poeta brasileiro da
contemporaneidade.
Nos propomos a elucidar essa infância, como período de vida, como
tempo de vivências e experiências, como menino pantaneiro e como sentido
de vida objetivada nos poemas. Era o menino e os bichinhos. Era o menino e
o Sol. O menino e o rio. Era o menino e as árvores. “O tempo barrosiano se
materializa na infância; a infância é vista como lugar. A estética barrosiana
só se revela à luz da infância enquanto tempo-lugar de criação” (LIMA;
BARROS; MOREIRA; SILVA 2017).
Analisamos o menino, também na perspectiva da concepção de
criança assegurada na política pública da Câmara de Educação Básica do
Conselho Nacional de Educação – CEB/CNE na Resolução nº 5, de 17 de
dezembro de 2009, como:
[...] sujeito histórico e de direitos que, nas interações, relações
e práticas cotidianas que vivencia, constrói sua identidade
pessoal e coletiva, brinca, imagina, fantasia, deseja, aprende,
observa, experimenta, narra, questiona e constrói sentidos
sobre a natureza e a sociedade, produzindo cultura. (BRASIL,
2009)
Nesta perspectiva, a infância retratada pelo poeta nos remete a um
período de vida em que a criança – menino pantaneiro – “[...] cria cultura,
brinca, dá sentido ao mundo, produz história, recria a ordem das coisas,
estabelece uma relação crítica com a tradição” (KRAMER; NUNES;
CARVALHO, 2013, p. 34) o que é visível nas poesias de Manoel de Barros.
O poeta escreveu sobre sua infância já adulto e nos remete à Freire (1994)
os “olhos” com que “revejo” já não são os “olhos” com que “vi”, porém na
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
| 401
memória caram registradas as vivências que foram carregadas de sentidos,
portanto inesquecíveis.
As águas, os animais, as plantas e a cultura estão presentes nas poesias
e em uma delas o poeta dizia: Eu tenho que essa visão oblíqua vem de eu ter
sido criança em algum lugar perdido onde havia transfusão da natureza e
comunhão com ela, esse lugar é o Pantanal, bioma importante, ecossistema
rico em diversidades na fauna e na ora que apresenta uma forma de viver
peculiar para aquela região que se adequa aos períodos de cheia e de baixa
das águas dos rios, este cenário único está localizado entre os estados de
Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, região do centro oeste brasileiro que
marcou culturalmente Manoel de Barros, o poeta nasceu em Cuiabá,
cidade que hoje é capital do Mato Grosso e posteriormente, foi morar em
Corumbá e Campo Grande, cidades do atual Estado de Mato Grosso do
Sul, esses dois estados eram um, o antigo Mato Grosso, quando lá vivia o
menino – são 40 anos apenas que o pantanal em Corumbá é sul-mato-
grossense. O poeta viu esse período de divisão territorial, porém esse fato
não alterou sua identidade de menino pantaneiro.
O poeta que retrata uma infância livre e sem comparamentos, escreveu
outras poesias que vão além das crianças, encantaram e encantam adultos,
dentre elas:
O Menino que carregava água na peneira
Tenho um livro sobre águas e meninos.
Gostei mais de um menino que carregava água na peneira.
A mãe disse que carregar água na peneira
Era o mesmo que roubar um vento e sair correndo com ele
para mostrar aos irmãos.
A mãe disse que era o mesmo que catar espinhos na água
O mesmo que criar peixes no bolso.
O menino era ligado em despropósitos.
Quis montar os alicerces de uma casa sobre orvalhos.
A mãe reparou que o menino gostava mais do vazio do
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
402 |
que do cheio.
Falava que os vazios são maiores e até innitos.
Com o tempo aquele menino que era cismado e esquisito
Porque gostava de carregar água na peneira
Com o tempo descobriu que escrever seria o mesmo que
carregar água na peneira.
No escrever o menino viu que era capaz de ser noviça,
monge ou mendigo ao mesmo tempo.
O menino aprendeu a usar as palavras.
Viu que podia fazer peraltagens com as palavras.
E começou a fazer peraltagens.
Foi capaz de interromper o voo de um pássaro botando
ponto no nal da frase.
Foi capaz de modicar a tarde botando uma chuva nela.
O menino fazia prodígios.
Até fez uma pedra dar or!
A mãe reparava o menino com ternura.
A mãe falou: Meu lho, você vai ser poeta.
Você vai carregar agua na peneira a vida toda.
Você vai encher os vazios com as suas peraltagens.
E algumas pessoas vão te amar por seus despropósitos.
Manoel de Barros, fez pedra dar or, fazia prodígios e era amado
pelos seus despropósitos e assim, conquistou respeito como um dos maiores
Poetas Brasileiro da contemporaneidade. Sua poesia por ser prodigiosa não
se restringiu ao lápis, ao livro, ganhou outros sentidos para seus signicados
e suas raízes pantaneiras virou música e movimento.
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
| 403
raízes crianceiras musicadas: dO lápis aO palcO
A infância do poeta, percorre hoje os palcos no Brasil afora com
o projeto do cantor e compositor Márcio de Camillo, músico sul-mato-
grossense que se propôs revisitar a poesia de Manoel de Barros dando vida
ao Espetáculo Crianceiras
O projeto Crianceiras nasceu do desejo de reverenciar a obra de
Manoel de Barros, através de minha música. Ao mergulhar em sua
obra, percebi o quanto era lúdico aquele universo de encantamento
e descobertas, vividas pelo poeta em sua infância pantaneira. Assim,
surgiu a ideia de musicar sua obra para o público infantil, criando
uma ponte entre a poesia e a melodia, de forma que seus versos
pudessem ser entoados como o canto dos passarinhos, e levados
com o vento, sem direção...
Foi uma grande experiência em minha carreira; uma oportunidade
enriquecedora. Hoje, me sinto mais árvore, passarinho, peixe,
jacaré...
Obrigado Poeta, por suas palavras inventadas; Entoar seus versos
foi uma incrível peraltagem! (MÁRCIO DE CAMILLO, [2012]).
Ao acessarmos o site do projeto
7
foi possível visualizar como as raízes
pantaneiras e a poética de Manoel de Barros transcendeu, materializando a
utopia das coisas não inventadas. São 10 poemas musicados com trabalho
gráco da artista plástica Martha Barros, lha do poeta, organizados em
CD e na produção do espetáculo.
As memórias inventadas do menino ganharam o palco, as palavras
saltaram e a poesia virou música, ação e movimento num espetáculo que
apresenta teatro e cinema de animação, tecnologia digital e literatura.
Nas cenas, os intérpretes brincam com as memórias do poeta, se valendo
da tecnologia para que imagens físicas interajam com as projetadas,
promovendo que personagens e paisagens inventadas tomem a realidade,
acontecendo da infância para a infância, tão Manoel.
 http://www.crianceiras.com.br/manoel-de-barros/
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
404 |
A cena é construída pelo grupo Sobrevento de Teatro de
Animação de São Paulo, a partir do brincar dos intérpretes
com a palavra do poeta. Os personagens Bernardo, Sebastião,
Caranguejo Se Achante, Sombra-Boa, Garça Branca e outros,
transportam o público para um mundo lúdico, reunindo no
palco várias linguagens artísticas como: música, poesia, teatro
e vídeo animação
8
.
Manoel de Barros, não está mais apenas na ponta do seu lápis, o
poeta está também na voz do músico que se encantou com o poeta da
terra, no movimento da bailarina que se permite ser garça, nas imagens
que retratam a brincadeira de ngir e não diferentemente do poeta o
espetáculo foi reconhecido nacionalmente pela qualidade de um trabalho
para crianças, e quem de nós não tem consigo uma criança?
Nos encantamos com o sentimento de infância que o espetáculo
provoca o que nos desaou a este capítulo pelo convite que o Crianceiras
nos fez ao estarmos como espectadoras. Sentimos a água, o cheiro e
ouvimos os sons dos passarinhos, vendo e ouvindo Manoel de Barros em
Marcio de Camillo. Importante ressaltar que outros músicos cantaram
poesias deste poeta, porém poesias para as crianças pequenas e grandes,
somente no Projeto Crianceiras.
Crianceiras é o encontro entre o poeta e o músico, o encontro entre a
arte: literatura e música. Para Vigotski (1999) a arte está para a vida como
o vinho para uva, neste sentido, a vida alimenta a arte que transcende
e recria sem obrigatoriedade de ser el à realidade da vida, Manoel de
Barros bem nos retrata esse pensamento vigotskiano quando o poeta diz:
Tudo o que não invento é falso. O poeta brincava de inventar palavras e
versos que ao serem musicalizados e encenadas tomaram formas reais e
vivas apresentando ao público a poesia e a música como objeto cultural.
 Disponível em (http://www.crianceiras.com.br/manoel-de-barros/)
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
| 405
cOnsiderações finais
Ao que nos propomos reetir, não ndamos nem esgotamos as
análises sobre a vida e obra de Manoel de Barros. Esse poeta sul-mato-
grossense, que em parceria com o músico também sul-mato-grossense
Márcio de Camillo, deram movimento às palavras vivas – como diz o
círculo bakhtiniano – de um menino pantaneiro que viveu no íntimo do
homem Manoel Wenceslau Leite de Barros.
Aqui analisamos a infância sob a égide do poeta, um tempo e lugar
de vivências e experiências de peraltices misturadas com um surrealismo
ímpar que compõe poemas com narrativas, enunciações brincantes, que
ao se permitir transpor por outras mídias, se apropriou de outra arte, a
música, para que suas palavras tivessem movimento, consolidando a arte
como existência, como pensamento apreciado pelos palcos e espectadores
(também crianças), compondo a cultura humana.
Enm, crianças, pelas vias desse criançamento barrosiano, são mais
crianças. São mais crianças em oportunidades innitas de viver a infância;
possibilidades concretas mediante a signos ricos, porque vívidos em
objetivações estético-literárias como as musicalizadas. São, por exemplo,
crianceiras todas as vezes em que se colocam em enunciações de/para/com
a infância; em que se postam em atitude responsiva ativa literária. As obras
do poeta são, a um só tempo, formas de descobrir-se em subjetividades
infantis e maneiras de reelaborar e recriar o mundo, pois ao contemplar e
compreender o que tem o mundo, este passa a ser manifesto pelas ações
infantis, em que elas, as crianças, se fazem mais em infâncias.
referências
BAKHTIN, M. Os gêneros do discurso. São Paulo: Editora 34, 2015.
BARROS, M. Memórias inventadas: as infâncias de Manoel de Barros. São Paulo: Planeta
do Brasil, 2010.
BRASIL. Resolução CNE/SEB 5/2009 de 17 de dezembro de 2009. Estabelece as
Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Infantil. Diário Ocial da União, Brasília,
DF, 2009.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
406 |
CAMILLO, M. Crianceiras: poesias de Manoel de Barros. [2012]. Disponível em: http://
www.crianceiras.com.br/manoel-de-barros/ Acesso em: 29 out. 2017.
KRAMER, S.; NUNES, M. F.; CARVALHO, M. C. (org.) Educação Infantil: formação
e responsabilidade. Campinas: Papirus, 2013.
LIMA, J. R. P.; BARROS, I. O.; MOREIRA, M. E. A.; SILVA, J. R. R. Cronotopo na
poética de Manoel de Barros. Macabéa: revista eletrônica do Netlli, Crato, v. 6, n. 1, p.
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PRIOSTE, J. C. P. Humano, consignado humano. Revista Ecos, [S.l.], v. 6, p. 49-62,
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método sociológico na Ciência da Linguagem. São Paulo: Editora 34, 2017.
| 407
https://doi.org/10.36311/2022.978-65-5954-279-6.p407-428
P stricto sensu 
   E 
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(2006-2018)
Matheus Estevão Ferreira da Silva
1
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo
2
intrOduçãO
Neste capítulo, expõe-se os resultados de um levantamento em base
de dados realizado a partir da técnica de pesquisa estado da arte (FERREIRA,
2002; ROMANOWSKI; ENS, 2006; PENITENTE, 2013; MACIEL,
Mestrando pelo Programa de Pós-graduação em Educação (PPGE) da Faculdade de Filosoa e Ciências (FFC),
Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP), Campus de Marília, São Paulo, Brasil.
E-mail: matheus.estevao2@hotmail.com
2
Professora Associada junto ao Departamento de Administração e Supervisão Educacional (DPSE) e ao
Programa de Pós-graduação em Educação (PPGE) da Faculdade de Filosoa e Ciências (FFC), Universidade
Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP), Campus de Marília, São Paulo, Brasil. E-mail: tamb@
terra.com.br
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
408 |
2014; MARIANO, 2014; SILVA, 2020), em que se procurou conhecer
a produção acadêmica nacional stricto sensu sobre a educação em direitos
humanos (EDH) e situá-la no campo de estudos homônimo, Educação
em Direitos Humanos (em iniciais maiúsculas), que tem se consolidado
nos últimos anos.
A educação em direitos humanos é uma política pública educacional
em vigência no país desde o ano de 2006, promulgada com a publicação
Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos (PNEDH), cuja
elaboração foi iniciada em 2003 e nalizada em 2006 (BRASIL, 2007)
com a criação do Comitê Nacional de Educação em Direitos Humanos,
e, mais adiante, atualizado em 2013 (BRASIL, 2013). Este foi uma das
principais articulações do Estado para a garantia do ensino e discussão
das diretrizes que compõem os direitos humanos, nos diferentes níveis
de ensino. Em 2012, com a publicação das Diretrizes Nacionais para a
Educação em Direitos Humanos no Diário Ocial da União (BRASIL,
2012), um avanço maior ocorreu para a inserção do tema em cursos de
todos os níveis de ensino e em todas as áreas do conhecimento, como é
proposto no documento.
Sobre a pesquisa em educação em direitos humanos, Silva (2012)
ressalta que nos últimos anos, a datar das primeiras manifestações para
a elaboração do PNEDH de 2006 e do lançamento de editais públicos
para fomento pelo Governo Federal, o tema de EDH tem avançado
continuamente na Educação Superior, considerando-se o tripé ensino,
pesquisa e extensão. No aspecto de pesquisa, a escolha da EDH como objeto
de pesquisa tem aumentado à medida que ambos outros aspectos, ensino
e extensão, também passam a contemplá-la em suas atividades, ainda
assim, sob forte inuência da institucionalização de Grupos de Estudos
e Pesquisas nas Universidades e demais Instituições de Ensino Superior
(IES) e, consequentemente, da contratação de docentes que têm o tema da
educação em direitos humanos em seu escopo de pesquisa.
Os avanços no Ensino Superior são notados na oferta de disciplinas
nos cursos de graduação e pós-graduação (especialização, mestrado
e doutorado); formação da rede de educadores em direitos
humanos como forma de capacitação, com produção de material
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
| 409
didático especíco em 16 Estados da Federação brasileira; criação
de Comitês Estaduais de Educação em Direitos Humanos com
a participação direta das universidades; institucionalização de
núcleos de estudos e pesquisas nas universidades para tratar de
temáticas voltadas para educação em direitos humanos. Essas ações
tiveram predominância na última década e foram estimuladas por
editais públicos promovidos pela Secretaria dos Direitos Humanos
da Presidência da República. (SILVA, 2012, p. 43-44).
Notadas as recentes mobilizações no âmbito da Educação Superior
para a consolidação da educação em direitos humanos nesse nível de
ensino, Zenaide (2010, p. 76) chama a atenção sobre o PNEDH, enquanto
documento de referência, “subsidiar a inclusão dos direitos humanos nas
diretrizes curriculares dos cursos de licenciaturas ou de cursos em que
o exercício prossional demande o conhecimento prévio dos direitos
humanos”, em que a EDH esteja presente em cursos de graduação e pós-
graduação stricto sensu ou latu sensu. Assim, com as referidas mobilizações,
vê-se algum atendimento do que é previsto no PNEDH e, enquanto
documento normativo, nas DNEDH.
Viola (2010, p. 36-37) concorda com esse diagnóstico de
implementação da educação em direitos humanos na Educação Superior
ao ressaltar que:
Nas universidades, tanto públicas como privadas, o plano nacional
tem sido implementado através da realização de seminários,
congressos, palestras e cursos de pós-graduação stricto senso em
todo o território nacional. Já existem, também, experiências
acadêmicas consolidadas de criação de disciplinas tanto no campo
jurídico quanto nas áreas das ciências humanas e das ciências da
educação. Ao mesmo tempo aumenta o número de Núcleos e
Cátedras, algumas delas conveniadas com a Unesco, voltadas
especicamente para o estudo, a divulgação, e a pesquisa em
direitos humanos. Na pós-graduação, o tema se institui com
uma intensidade crescente, conforme demonstram os anais do V
Encontro da Associação Nacional de Direitos Humanos Pesquisa
e Pós-Graduação (ANDHEP). São numerosos os programas
de pós-graduação que possuem disciplinas e linhas de pesquisa
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
410 |
especícas sobre direitos humanos, e, inclusive, sobre educação em
direitos humanos. Através de iniciativas de diferentes universidades
cresce o número de programas especícos de pós-graduação em
Direitos Humanos, como aqueles que estão sendo construídos
na Universidade Nacional de Brasília, na Universidade Federal
de Goiás e na Universidade Federal de Pernambuco. De outro
lado, se consolidam alguns Programas como os desenvolvidos na
Universidade Federal da Paraíba, na Universidade de São Paulo e
na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.
Dessa forma, a consolidação da educação em direitos humanos na
Educação Superior, nos aspectos curricular (ensino), de extensão e de
pesquisa, cumprindo-se o que já se encontra previsto burocraticamente
(BRASIL, 2007; 2012; 2013), pode não só formar prossionais das mais
variadas áreas do conhecimento sob as suas premissas (ressaltadas nos
tópicos anteriores do capítulo), como também pode contribuir para a
própria produção do conhecimento em direitos humanos e educação em
direitos humanos, em quaisquer que sejam as abordagens teóricas ou áreas
disciplinares.
Segundo Matos (2013, p. 105):
Realizando tais atividades, a Educação Superior foca-se na
criação, na produção de conhecimento e na busca do saber. Estas
atividades, entretanto, embora tenham objetos formais que as
reidenticam, não são excludentes. Ao contrário, concretizam a
missão da instituição universitária. Assim, ela é, permanentemente,
instada a um esforço continuado nas pesquisas para a produção
de conhecimentos e a desenvolver sua criatividade para difundir
o conhecimento e a ação em um âmbito maior do que a própria
universidade. Por essa razão, ocupa-se da produção e disseminação
de conhecimentos novos. Tal esforço signica o cumprimento de
um dever social que é disseminar competentemente o conhecimento
produzido de forma que possa fornecer proposições, contribuir
para o desenvolvimento humano, social, cientíco e tecnológico,
e promover inovação.
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
| 411
Portanto, aqui “[...] é nosso foco a discussão da pesquisa em Educação
em Direitos Humanos [...]” como também é para Matos (2013, p. 97):
“[...] queremos pensá-la como produção social, em contextos sociopolíticos
especícos, sofrendo os impactos do tempo e espaço onde se tecem. O
interesse em investigá-la parte de uma consciência histórica que considera
os contextos socioculturais, políticos e econômicos”. Logo, foi no intento
da inteligibilidade da produção do campo de Educação em Direitos
Humanos, organizando-a de forma a tornar possível a compreensão de seu
estado atual e trajetória dentro de um período temporal eleito, que partiu
nossa investigação. Consequentemente, pôde-se identicar a posição que
nossa pesquisa ocupa nessa mesma produção investigada.
Porém, antes, buscou-se publicações de outras pesquisas que
já tiveram a produção acadêmica em educação em direitos humanos
como objeto de estudo. Atendo-se ao recorte de pesquisas provenientes
de programas de pós-graduação stricto sensu, descobrimos que nosso
levantamento da produção se trata de uma continuidade de dois outros
levantamentos (por sua vez, preliminares) respectivos a duas pesquisas
anteriores. A primeira se trata da pesquisa realizada por Vivaldo (2009) na
qual reuniu os trabalhos que encontrou no período de 1995 a 2008 que
abordam a temática de educação em direitos humanos. O autor (2009)
dispôs os trabalhos cronologicamente em um quadro segundo referência
bibliográca, o qual pode ser conferido abaixo.
Quadro 1 – Referências das teses de doutorado e dissertações de
mestrado produzidas no período de 1995-2008 sobre a educação em
direitos humanos, reprodução do quadro elaborado por Vivaldo (2009)
3
SILVA, H. P. Educação em direitos humanos: conceitos, valores e hábitos: exame
teórico-prático. Dissertação (Mestrado), Universidade de São Paulo – Educação,
São Paulo, 1995.
BERWIG, A. Cidadania e direitos humanos na mediação da escola. Dissertação
(Mestrado), Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul -
Educação nas Ciências, Ijuí, 1997.
Título de nossa autoria para nomear quadro, uma vez que não foi disponibilizado pelo autor (2009) um título
descritivo em seu trabalho.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
412 |
SILVA, A. M. M. A Escola e a formação da cidadania: limites e possibilidades.
Tese de Doutorado, Universidade de São Paulo – Educação, São Paulo, 2000.
BARALDI, T.C.A. A educação em direitos humanos para policiais civis
perspectivas e propostas metodológicas. Dissertação (Mestrado), Universidade
Estadual. Paulista Júlio de Mesquita Filho – Marília – Educação, Marília, 2001.
MORGADO, P. P. L. Saberes Docentes na Educação em Direitos Humanos.
Dissertação (Mestrado), Pontifícia Universidade Católica – RJ – Educação, Rio de
Janeiro, 2001.
VASCONCELOS, K. F. Pegando água com a peneira! Educação e Direitos
Humanos. Possibilidade ou despropósitos. Dissertação (Mestrado), Universidade
de Brasília – Educação, Brasília, 2003.
MOHAMAD, N. H. M. Entre o labor e o lógos: educação em direitos humanos
como reabilitação da ação. Dissertação (Mestrado), Universidade de São Paulo –
Educação, São Paulo, 2005.
ARAÚJO, C. M. Formando sujeitos. As alianças entre o ensino de História e a
educação em Direitos Humanos. Dissertação (Mestrado), Pontifícia Universidade
Católica – RJ – Educação, Rio de Janeiro, 2006.
GOLIN, P. M. Direito à Educação: Educação no Brasil sob a ótica das
Constituições Brasileiras, aspectos históricos e sociais. Fundação de Ensino
“Eurípides Soares da Rocha” – Direito, Marília, 2006.
KLEIN, A. M. Escola e democracia: um estudo sobre a representação de alunos
e alunas do ensino médio. Dissertação (Mestrado), Universidade de São Paulo –
Educação, São Paulo, 2006.
VIEIRA, E. P. P. Biologia, Direitos Humanos e Educação: Diálogos Necessários.
Dissertação (Mestrado), Universidade Federal do Pará – Educação em Ciências e
Matemáticas, Belém, 2006.
LIMA, M. V. S. Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos: processo
de elaboração e implantação. Universidade Federal de Pernambuco – Educação,
Recife, 2007.
SACAVINO, S. Educação em/para os Direitos Humanos em processos de
democratização: o caso do Chile e do Brasil. Tese de Doutorado, Pontifícia
Universidade Católica – RJ – Educação, Rio de Janeiro, 2008.
WICHER, C. La Torre. Docentes, direitos humanos e (in)disciplina no espaço
escolar: perspectivas e limites. Dissertação (Mestrado), Universidade de São Paulo
– Educação, São Paulo, 2008.
Fonte: Vivaldo (2009)
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
| 413
Apesar do pioneirismo em levantar a produção acadêmica stricto
sensu sobre a educação em direitos humanos, o autor (2009), contudo, não
informa se utilizou de alguma técnica ou então quais foram os critérios
adotados para a confecção de seu quadro de referências e, somente por isso,
inviabilizando-o, caso tivesse sido essa a proposta, enquanto um possível
instrumento de pesquisa.
Mais recentemente, Maciel (2018) realizou um outro levantamento
dos trabalhos stricto sensu produzidos em um outro recorte temporal,
agora de 2006 a 2017. A autora (2018) ressalta a escassez de trabalhos no
campo de estudos da Educação em Direitos Humanos formado no país há
relativo pouco tempo, mas que nos últimos anos já começa a se esboçar
signicativamente.
Tabela 1 – Quantidade de teses e dissertações produzidas sobre educação
em direitos humanos segundo o ano (2006-2017), reprodução do quadro
elaborado por Maciel (2018)
Ano Teses Dissertações
2006 0 0
2007 0 1
2008 0 1
2009 0 4
2010 0 0
2011 0 3
2012 0 3
2013 3 5
2014 1 4
2015 1 9
2016 1 3
2017 0 2
Total 6 35
Fonte: Maciel (2018)
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
414 |
A partir disso, realizou-se então o levantamento do material
bibliográco, teses de doutorado e dissertações de mestrado oriundas de
programas de pós-graduação stricto sensu, em base de dados a partir da
técnica metodológica de pesquisa de estado da arte. Os materiais levantados
foram analisados e organizados em instrumentos de pesquisa, seguindo-se os
esclarecimentos de Bellotto (1979) e demais referenciais consultados que
também zeram uso da técnica.
metOdOlOgia
Os referenciais utilizados para fundamentação nas propriedades
e nos procedimentos do estado da arte puderam ser divididos em três
tipos. O primeiro tipo de referenciais, de discussões teóricas a respeito das
propriedades do estado da arte, a partir de Ferreira (2002) e Romanowski
e Ens (2006); o segundo tipo, de uso da técnica e exposição de seus
procedimentos na prática, a partir de Penitente (2013) e Mariano (2014);
e um terceiro e último tipo misto, composto por ambos os tipos anteriores,
a partir dos trabalhos de Maciel (2014) e Silva (2020). Dessa forma, teve-se
como foco a elaboração dos instrumentos de pesquisa e análise da produção
a partir deles, enfocando aspectos e varáveis relevantes da produção: ano de
publicação, instituição de origem, resumo, palavras-chave etc.
Assim, para se conhecer as produções stricto sensu, aplicou-se a técnica
de pesquisa estado da arte para, inicialmente, levantamento e, com a análise,
mapeamento das produções, elaborando-se os respectivos instrumentos de
pesquisa. Buscou-se no Banco Digital de Teses e Dissertações (BDTD) a
expressão terminológica “educação em direitos humanos” para localização
das produções acadêmicas no período 2006-2018, período delimitado
escolhido devido a publicação do PNEDH no ano de 2006 (BRASIL,
2007), documento basilar para a educação em direitos humanos que
estabeleceu o momento o qual essa foi normatizada e deferida no país.
Vale ressaltar que tais trabalhos se referem apenas à programas de
pós-graduação stricto sensu, excluindo-se programas de pós-graduação latu
sensu, especializações, monograas. Existem vários trabalhos latu sensu
que tratam a educação em direitos humanos, como o de Araújo (2014)
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
| 415
intitulado A educação em direitos humanos como fundamento da cidadania
pelo curso de especialização da Universidade Federal da Paraíba (UFPB).
No entanto, por não se tratar do proposto, esses não serão aqui tratados.
Então com o referido objetivo de se conhecer a literatura que tem
sido produzida em relação à temática de educação em direitos humanos,
favorecendo a possibilidade de desenvolvimento de outras pesquisas nesse
campo, concordamos com Mariano (2014, p. 156) quando esse descreve
que “[...] toda categorização é precária, este trabalho de organização dos
dados em quadros tem mais uma função heurística que a de uma fronteira
rígida de enquadramento dos trabalhos. Os dados que se seguem são frutos
da leitura do autor, sendo possíveis outras leituras dos mesmos dados”.
Assim, salientamos que novas categorizações nessa empreitada serão
feitas, seja por nós ou por outros(as) pesquisadores(as) que se interessarão
para com o mapeamento da produção acadêmica pertinente, continuidade
necessária, até mesmo, para a atualização dos dados recentes, visto que a
produção que se mantém contínua.
Para que houvesse uma localização que considerasse a totalidade
desses trabalhos, considerou-se todos os resultados obtidos com a busca
realizada no site da plataforma BDTD a partir da terminologia educação
em direitos humanos. Pelo fato da numerosidade ascendente das produções
em e relativas à educação em direitos humanos, realizou-se o mapeamento
desse material levantado a m de organizá-lo sistematicamente com a
elaboração de instrumentos de pesquisa.
resultadOs e discussões
Foram encontrados 69 (sessenta e nove) trabalhos, dentre dissertações
e teses, produzidos no período delimitado de dez anos, estruturando-os em
um primeiro instrumento de pesquisa disposto na tabela abaixo.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
416 |
Tabela 2 – Instrumento de pesquisa 01: Quantidade de teses e
dissertações produzidas em e relativas à educação em direitos humanos
no período de 2006-2018
Ano Dissertações Teses
2006 2 0
2007 1 0
2008 2 0
2009 5 0
2010 1 1
2011 4 0
2012 8 0
2013 7 4
2014 11 1
2015 14 1
2016 5 2
2017 9 0
2018 5 0
Total 74 9
Fonte: Banco Digital de Teses e Dissertações
Com base na Tabela 2, ressalta-se que os trabalhos acadêmicos
produzidos em ou relativos a essa temática são escassos e recentes, visto que
somente entre os anos de 2014 e 2015 sucedeu um aumento signicativo
em relação à produção dos anos anteriores, embora com determinada
queda já no ano seguinte.
Pode-se inferir que esse aumento se deve à publicação das DNEDH
no ano de 2012, uma vez que nesse ano o número dissertações dobrou (08
dissertações) em relação ao anterior de 2011 (04 dissertações) e, em 2013,
além do número de dissertações ter continuado estável, também houve o
aparecimento de teses (04 teses e 07 dissertações) que antes se mantinham
quase nulas na produção. Esse crescimento continua nos anos de 2014 (11
dissertações e 01 tese) e 2015 (14 dissertações e 01 tese), principalmente
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
| 417
de dissertações, ainda que nos anos seguintes haja uma queda signicativa
tanto nas teses quanto nas dissertações, com exceção do ano de 2017 (09
dissertações).
O título da tabela que representa o instrumento foi escolhido
propositalmente no que tange ao binômio em e relativas à, em razão do
que se vericou posteriormente com a análise mais detalhada do material
coletado, durante a reunião e organização das dissertações e teses segundo
a ordem ascendente temporal. Assim, ao perceber que muitos trabalhos
acadêmicos não mantinham no título a terminologia especíca educação
em direitos humanos e, inclusive, muitos deles nem ao menos – ou então
somente – se referiam a essa educação nos seus respectivos resumos,
realizou-se uma organização temática dos trabalhos em três eixos de
análise, seguindo as instruções da técnica de estado da arte e experiências
bem-sucedidas, tal como fez Penitente (2013).
Portanto, vericou-se que muitos dos trabalhos não necessariamente
se referiam à educação em direitos humanos, mas que apenas produziam
uma análise/discussão a respeito da relação entre educação e direitos sob um
determinado aspecto ou contexto. Os três eixos desenvolvidos de acordo com
as especicidades do material coletado foram, respectivamente: Eixo 1: teses
e dissertações produzidas sobre educação em direitos humanos explicitamente
no título do trabalho, em que os trabalhos abordam a EDH e explicitam
essa abordagem em seu título; Eixo 2: teses e dissertações produzidas sobre
educação em direitos humanos, implicitamente e/ou mencionada apenas ao
longo do escrito, em que os trabalhos abordam a EDH e apenas explicitam
essa abordagem em seu conteúdo; e Eixo 3 – dissertações e teses produzidas
sobre as relações entre educação e direitos. Produziram-se três tabelas
caracterizando os referidos trabalhos aglutinados no recorte temporal
então eleito, as quais se apresentam a seguir.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
418 |
Tabela 3 – Eixo de análise 1: teses e dissertações produzidas no período
de 2006-2018 sobre educação em direitos humanos explicitamente no
título do trabalho
Ano Dissertações Teses
2006 0 0
2007 1 0
2008 1 0
2009 4 0
2010 0 0
2011 2 0
2012 4 0
2013 6 3
2014 5 0
2015 10 0
2016 1 0
2017 5 0
2018 4 0
Total 43 3
Fonte: Banco Digital de Teses e Dissertações
Os trabalhos inseridos no Eixo 1: dissertações e teses produzidas sobre
educação em direitos humanos explicitamente no título do trabalho, dizem
respeito aos trabalhos coletados desse período que expressam explicitamente
no próprio título que o trabalho se refere a essa perspectiva de educação
e, assim, insere-se no campo acadêmico homônimo. Percebe-se que a
expressividade demonstrada entre os anos de 2014 e 2015, sobretudo de
2015, de produção dos trabalhos acadêmicos sobre e relativos à educação
em direitos, tem como maior desígnio esse primeiro eixo de trabalhos que
manifestam explicitamente tratar dessa educação.
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
| 419
Tabela 4 – Eixo de análise 2: teses e dissertações produzidas sobre a
educação em direitos humanos no período de 2006-2018 implicitamente
no título e mencionada apenas no conteúdo do trabalho
Ano Dissertações Teses
2006 2 0
2007 0 0
2008 0 0
2009 0 0
2010 0 0
2011 1 0
2012 2 0
2013 0 0
2014 3 1
2015 3 0
2016 2 1
2017 2 0
2018 0 0
Total 15 2
Fonte: Banco Digital de Teses e Dissertações
A elaboração do Eixo 2: dissertações e teses produzidas sobre a educação
em direitos humanos, implicitamente no título do trabalho e mencionada
apenas no conteúdo do trabalho, foi devido ao número considerável de
trabalhos que não mencionavam explicitamente a educação em direitos
humanos em seu título, seja apenas no título, seja no título e no resumo do
trabalho, mas que em algum momento chegavam a tratar dessa educação
no resumo do trabalho.
Como esse segundo eixo se subordina e demonstra relação de
dependência com o eixo anterior, não houve numerosidade similar, ainda
assim, que teve de ser elaborado para distinção dos trabalhos alocados no
eixo anterior devido a tais particularidades destoantes aos demais trabalhos
que abordam a educação em direitos humanos, pois, conforme a primeira
tabela, tanto o Eixo 1 quanto o Eixo 2 tratam-se do primeiro aspecto do
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
420 |
binômio, isto é, os trabalhos de ambos os eixos são sobre a educação em
direitos humanos.
Tabela 5 – Eixo de análise 3: teses e dissertações produzidas no período
de 2006-2018 sobre relações entre educação e direitos humanos
Ano Dissertações Teses
2006 0 0
2007 0 0
2008 1 0
2009 1 0
2010 1 1
2011 1 0
2012 2 0
2013 1 1
2014 3 0
2015 1 1
2016 2 1
2017 2 0
2018 1 0
Total 16 4
Fonte: Banco Digital de Teses e Dissertações
Os trabalhos atribuídos ao Eixo 3: dissertações e teses produzidas sobre
as relações entre educação e direitos humanos, foi o principal ocasionador
da presente divisão dos trabalhos coletados em uma organização temática a
partir de eixos especícos, pois esse se refere ao segundo aspecto do binômio
sobre e relativas à (diferindo-se veementemente dos eixos anteriores). Agora,
esse eixo se refere aos trabalhos que abordam questões relativas à educação
em direitos humanos, mas que não trata dessa educação em especíco,
no caso, constituindo apenas um estudo/pesquisa que explora os temas
educação e direitos humanos, analisando-os e tecendo uma discussão entre
ambos em determinada abordagem e direcionamento.
Para a estruturação dos trabalhos acadêmicos nos três eixos
desenvolvidos, considerou-se os elementos pré-textuais dos trabalhos e, em
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
| 421
alguns casos, algumas consultas nos elementos textuais. No entanto, não se
realizou a leitura sistemática de todos os trabalhos coletados, selecionando
para a leitura minuciosa e apropriação para o referencial teórico pertinente
apenas aqueles que demonstraram interesse contundente para com a
presente pesquisa. Nesse sentido, produziu-se um quadro informativo-
descritivo com os dados sobre os trabalhos, denominando-se, segundo a
técnica de estado da arte, de catálogo, recurso conveniente para pesquisas
dessa natureza e que traz:
[...] os títulos das dissertações de mestrado e teses de doutorado,
mas também os dados identicadores de cada pesquisa quanto
aos nomes do autor e do orientador, do local, data da defesa do
trabalho, da área em que foi produzido. Os dados bibliográcos são
retirados das dissertações de mestrado e das teses de doutorado para
serem inseridos nos catálogos. (FERREIRA, 2002, p. 261).
Entretanto, por não se tratar do foco da pesquisa realizada, não
houve aprofundamento na constituição do catálogo, até porque o foco
maior de investigação e aprofundamento do referencial bibliográco,
especialmente de fundamentações teóricas e epistemológicas, é para com os
estudos de gênero e a literatura de desenvolvimento moral, assim, visando
a análise da formação dos(as) graduandos(as) por meio das categorias
eleitas (conhecimentos, concepções e condutas) e das qualidades dos níveis
de julgamento moral. A disposição dos itens mencionados por Ferreira
(2002) no quadro se apresentou da seguinte forma: autor; título, tipo (se é
mestrado ou doutorado); instituição que se vincula; e ano de publicação,
como se verica abaixo.
Para uma visão ainda mais sistematizada da produção acadêmica
conforme disposta acima, extensa e numerosa, elaborou-se um novo
instrumento de pesquisa, agora especicando as características de
produção dos trabalhos, como IES de origem, localização geográca,
resumo, palavras-chave, ano de publicação, autoria e outras variáveis
pertinentes. Pelos limites deste texto, o instrumento não será aqui
disposto na íntegrea. Dessa forma, a seguir apresentam-se as análises
feitas com base nesse instrumento.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
422 |
Primeiro, para detectar os maiores polos de produção sobre a
educação em direitos humanos no Brasil neste segundo instrumento de
pesquisa, dispôs-se a tabela a seguir.
Tabela 6 – Quantidade de teses e dissertações produzidas em/relativas
à educação em direitos humanos no período de 2006-2018 segundo
instituição de origem
Nome da Instituição Dissertações Teses Total
Escola Superior de Teologia (EST) 2 0 2
Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP) 1 0 1
Universidade Federal do Rio Grande (FURG) 0 1 1
Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM) 0 2 2
Universidade Estadual de Londrina (UEL) 1 0 1
Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) 1 0 1
Universidade Federal do Ceará (UFC) 1 0 1
Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) 1 0 1
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) 1 0 1
Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) 1 0 1
Universidade Federal do Pará (UFPA) 1 0 1
Universidade Federal da Paraíba (UFPB) 17 2 19
Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) 9 0 9
Universidade Federal do Paraná (UFPR) 2 0 2
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) 1 0 1
Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) 1 0 1
Universidade Federal de São Carlos (UFSCAR) 2 0 2
Universidade Federal de Uberlândia (UFU) 1 0 1
Universidade de Brasília (UnB) 4 0 4
Universidade Estadual Paulista (UNESP) 5 0 5
Universidade de São Paulo (USP) 12 3 15
Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR) 2 0 2
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) 0 1 1
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUCSP) 3 0 3
Universidade de Fortaleza (UNIFOR) 1 0 1
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
| 423
Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE) 1 0 1
Universidade Católica de Santos (UNISANTOS) 1 0 1
Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS) 2 0 2
Total 74 9 83
Fonte: Banco Digital de Teses e Dissertações
Com base na Tabela 6, observa-se que maioria dos trabalhos decorrem
de PPGs da Universidade de São Paulo (USP) e a Universidade Federal da
Paraíba (UFPB), respectivamente regiões sudeste e nordeste. A seguir, para
se constrastar esse dado com as demais regiões, dispõe-se a seguinte gura:
Figura 1 – Mapa representativo da quantidade de pesquisas stricto sensu
produzidas em/relativas à educação em direitos humanos no período de
2006-2018 segundo região de origem
Fonte: Banco Digital de Teses e Dissertações
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
424 |
Ressalta-se que seus maiores polos produtores são a Universidade
de São Paulo (USP) e a Universidade Federal da Paraíba (UFPB),
respectivamente regiões sudeste e nordeste. Ressalta-se que a produção
acadêmica strictu sensu da EDH, apesar de ainda pequena e oriunda de um
campo de estudos formado em tempo recente, encontra-se restringida a tais
áreas e polos altamente produtivos, e, logo, regiões do país, em detrimento
dos demais polos produtores de trabalhos vinculados a ela.
A seguir, encontra-se uma nova e última tabela elaborada, agora
com a preocupação de sistematizar os trabalhos levantados a partir de
sua área de abrangência disciplinar, no propósito de vericar as principais
áreas atuantes na produção do campo dos direitos humanos e da educação
em direitos humanos. A tabela foi composta, então, da seguinte forma:
Área disciplinar (referente ao programa de pós-graduação que erige);
dissertações; teses; e quantidade total dos trabalhos.
Tabela 7– Quantidade de teses e dissertações produzidas em/relativas à
educação em direitos humanos no período de 2006-2018 segundo área
disciplinar
Área disciplinar Dissertações Teses Total
Direito 38 2 40
Educação 27 6 33
Ensino 2 0 2
Políticas Públicas 2 0 2
Psicologia 1 1 2
Saúde Coletiva 1 0 1
Serviço Social 1 0 1
Teologia 2 0 2
Total 74 9 83
Fonte: Banco Digital de Teses e Dissertações
Viu-se que a maioria dos trabalhos se concentram na área do
Direito, segmentando-se em programas de pós-graduação especícos aos
tópicos de Direitos humanos; Ciências Jurídicas; Direito Constitucional;
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
| 425
Filosoa do Direito; Direito e Inovação; Direito Político e Econômico,
dentro dessa grande área disciplinar. Já a segunda maior concentração deu-
se à área de Educação, em que os programas de pós-graduação relativos
aos trabalhos segmentam-se, além do próprio tópico homônimo, em
programas com tópicos relativos a Educação em Ciências Matemáticas,
Educação Matemática e Tecnológica; Educação Ambiental; e Educação,
Arte e História da Cultura.
cOnsiderações finais
Este estudo teve como objetivo conhecer a produção acadêmica
nacional stricto sensu sobre a educação em direitos humanos (EDH) e situá-
la no campo de estudos homônimo, Educação em Direitos Humanos, que
tem se consolidado nos últimos anos. A partir de extenso levantamento
disponibilizado pela técnica de estado da arte, pôde-se alcançar um
panorama inicial das pesquisas pertinentes.
Como principal resultado dessa primeira análise do material
levantado, ressalta-se que a produção acadêmica strictu sensu da EDH,
apesar de ainda pequena e oriunda de um campo de estudos formado
em tempo recente, encontra-se restringida a tais áreas e polos altamente
produtivos, e, logo, regiões do país, em detrimento dos demais polos
produtores de trabalhos vinculados a ela. Novas análises, com base nos
instrumentos de pesquisa produzidos pelo levantamento do estado da arte,
são sugeridas.
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Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
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428 |
| 429
https://doi.org/10.36311/2022.978-65-5954-279-6.p429-446
G   
 
 (1920-2002)
Dayenne Karoline Chimiti Pelegrini
1
Esse texto é parte dos resultados de uma pesquisa de doutorado
desenvolvida no Programa de Pós-Graduação em Educação da Unesp de
Marília. Elegi as políticas curriculares nacionais e outros documentos de
políticas públicas que abordem gênero e sexualidade por entender que
são documentos que contribuem para a formação e construção dessas
noções em cada tempo histórico. Nesse sentido, de acordo com Gimeno
Sacristán
2
(2000) as políticas curriculares são componentes da política
educacional que visam a seleção e a composição dos currículos dentro de
um sistema educativo a partir das relações de poder estabelecida entre os/
as agentes que o constroem e suas consecutivas repercussões para a prática
1
Doutora em Educação pela UNESP/Marília.
Busco escrever o nome completo de todas/os autoras/es na primeira aparição do texto como forma de visibilizar,
sobretudo, as autoras, que muitas vezes passam como invisíveis, dado que as normas da ABNT recomendam
somente o uso do sobrenome. Para Butler (2003, p. 28) em uma “linguagem difusamente masculinista, uma
linguagem falocêntrica, as mulheres constituem o irrepresentável”, ou seja, me posiciono em uma tentativa de
superar essa linguagem exclusivamente masculina.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
430 |
educativa. Corroborando essa assertiva, omas S. Popkewitz (2011,
p. 190) entende que a multiplicidade das construções curriculares “[...]
inscreveram profundas mudanças nas formas de pensamento e raciocínio
sobre a comunidade e o eu”.
Assim, pensar sexualidade e gênero a partir desses documentos
auxilia na compreensão das interferências e possíveis desdobramentos para
a educação. Esses conceitos vêm sendo discutidos no campo educacional
há um tempo relativamente grande no Brasil. Discursos oriundos de
diferentes espaços têm feito parte das disputas e embates desde meados
de 1920, ainda sob a ótica limitadora da Educação Sexual. Nesse
sentido, as inserções desses temas presentes nas políticas educacionais
foram sustentadas por demandas históricas que sempre permearam essas
discussões, na construção de orientações formativas, na preocupação com
uma nova doença sexualmente transmissível ou no aumento de índices
de gravidez entre jovens no país. Muitos desses textos legais partiam de
uma mesma perspectiva biológica e naturalizante tanto sobre sexualidade
quanto sobre gênero.
Ante a essa argumentação inicial, o objetivo desse texto foi fazer
um levantamento e análise das principais políticas educacionais que
tematizaram a sexualidade e o gênero tentando identicar em quais
perspectivas essas noções estavam inseridas. Nessa esfera o recorte utilizado
foi delimitado a partir das primeiras discussões em 1920 até a promulgação
do II Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH) em 2002. Para
alcançar o objetivo proposto recorri a análise documental conjugada com
o cruzamento das fontes com as noções de dispositivos de gênero e de
sexualidade. Esse tipo de pesquisa de acordo com Menga Lüdke e Marli
E. D. A. André (1986) procura identicar informações e fatos no corpo
documental, selecionados a partir dos questionamentos realizados pelo/a
pesquisador/a. As fontes selecionadas foram os documentos de maior
relevância para a inserção dos temas gênero e sexualidade nos currículos. A
análise foi realizada à luz da literatura que discute essas temáticas.
Utilizei o conceito de gênero baseado nos estudos de Judith Butler
(2003, p. 59) que o compreende como “a estilização repetida do corpo,
um conjunto de atos repetidos no interior de uma estrutura reguladora
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
| 431
altamente rígida”, focada nas políticas públicas destinadas a regulamentar a
instituição escolar, “a qual se cristaliza no tempo para produzir a aparência
de uma substância, de uma classe natural de ser”, a matriz heterossexual
3
(BUTLER, 2003, p 59). Assim, trata-se de um efeito, ou seja, de uma
prática baseada na heterossexualidade compulsória. Tornar-se um gênero,
portanto, é um processo que ocorre de forma árdua e repetidamente para
que seja tido como natural. A produção discursiva considerada exitosa,
ou seja, a norma, é a que garante essa encenação repetida de atos e gestos,
a performatividade, em uma relação de conformidade entre sexo, gênero
e desejo. Por sua repetição em diferentes meios, essa incorporação, ou
efeito acaba ganhando contornos de verdade. Butler (2003, p. 59) arma
que “mesmo quando o gênero parece cristalizar-se em suas formas mais
reicadas”, essa materialização “é uma prática insistente e insidiosa,
sustentada e regulada por vários meios sociais”, inclusive pelas políticas
curriculares.
A noção de Sexualidade que utilizei foi baseada na obra de Foucault
(1999, p. 101), que a entende como um dispositivo que expressa “as
sensações do corpo, a qualidade dos prazeres, a natureza das impressões,
por tênues ou imperceptíveis que sejam [...] corpo que produz e consome”.
Constituída a partir das relações de poder, em diferentes espaços históricos
e contextos diversos “engendra, em troca, uma extensão permanente dos
domínios e das formas de controle” e tem como objeto “proliferar, inovar,
anexar, inventar, penetrar nos corpos de maneira cada vez mais detalhada
e controlar as populações de modo cada vez mais global” (FOUCAULT,
1999, p. 101). Para o autor, os dispositivos da sexualidade têm por objetivo
constituir produções cientícas, losócas e morais que acabam por alterar
condutas individuais (FOUCAULT, 1999).
O texto apresenta uma cronologia, na qual apresenta como a
sexualidade e gênero aparecem nas políticas curriculares no Brasil e caminha
apontando seus percursos e instabilidades ao longo da história, até o marco
delimitado por esse recorte. Em seguida é apresentado as considerações
nais e referências bibliográcas.
Para Butler (2003, p. 215) “matriz heterossexual” é utilizada para “designar a grade de inteligibilidade cultural
por meio da qual os corpos, gêneros e desejos são naturalizados”.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
432 |
sexualidade e gênerO nas pOlíticas educaciOnais: campO em
disputa
No Brasil o tema sexualidade foi inserido na escola, inicialmente
a partir do debate sobre a educação sexual. Isso porque nas décadas de
20 e 30 do século XX houve uma mudança de paradigmas, na qual os
chamados desvio sexuais passaram a ser compreendidos como doença. Isso
em um momento em que a sílis se alastrava de maneira alarmante pelo
país. Nesse contexto, de acordo com Helena Altamnn (2001), a escola
passa a ser lócus privilegiado para a normalização, a partir de uma visão
médico-higienista, de comportamentos relacionados ao corpo. De acordo
com Foucault (1999), se referindo ao nal do século XIX, mas que se
adequa bem ao nosso recorte histórico, a medicina teve papel decisivo,
“involuntariamente ingênua” ou “voluntariamente mentirosa” para se valer
dos indiscutíveis reguladores de higiene juntamente com os temores das
doenças sexualmente transmissíveis, para “assegurar o vigor físico e a pureza
moral do corpo social”, garantindo extirpar os perversos, justicando uma
urgência biológica e histórica” que tomava como verdade (FOUCAULT,
1999, p. 53).
Para Rita Cássia Pereira Bueno e Paulo Rennes Marçal Ribeiro (2018),
esse enfoque era para o “combate à masturbação e às doenças venéreas,
além do preparo da mulher para ser esposa e mãe”. Essa visão puramente
biológica e preventiva apresenta mais uma questão que é a naturalização
do lugar da mulher, como esposa e mãe. De acordo com Heleieth Saoti
(1992), há um empenho exitoso da sociedade, em naturalizar processos de
caráter social, tal como gênero, que são fundamentalmente sociais. Essa
denominação de mãe e esposa, segundo Joan Scott (1995), remete a Maria,
ou seja, é um dos símbolos culturais recorrentemente utilizados, ao falar de
mulheres, sobretudo, para o Cristianismo.
Bueno e Ribeiro (2018) revelam que o movimento feminista à época,
liderado por Bertha Lutz, intencionava implantar esse conteúdo nas escolas
com o objetivo diferente do que foi proposto, ou seja, de proteção à infância
e à maternidade. Entretanto, a dimensão de maternidade ainda recai sobre
o símbolo do feminino como apontado por Scott (1995). Nesse período,
outra inuência bastante importante para a retirada das possibilidades de
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
| 433
trabalhar com esse conteúdo na escola, de acordo com Fúlvia Rosemberg
(1985) fora a Igreja Católica, que tinha um papel relevante nos rumos da
educação nacional e mantinha uma postura repressiva tanto referente ao
conteúdo que poderia ser veiculado quanto aos comportamentos sexuais
de estudantes.
No início dos 60 do século XX houve iniciativas importantes para
a inserção da Educação Sexual nas escolas, inuenciados pelos movimentos
sociais e culturais, nacionais e internacionais, além de publicações de
sexólogos brasileiros. Importa destacar que a via de se discutir sexualidade
e gênero nesse período era feita ocialmente através da Educação Sexual.
Essas ações zeram com que algumas escolas chegassem a adotar esse
conteúdo. Contudo, com a deagração do Golpe Civil-Militar em 1964
e posteriormente o acirramento da ditadura, as políticas educacionais
excluíram as possibilidades de a escola promover a Educação Sexual como
parte dos currículos, designando essa responsabilidade de formação às
famílias (BUENO; RIBEIRO, 2018). De acordo com Foucault (1999, p.
16) a sexualidade na sociedade capitalista gozou de um período de liberdade
constante, ainda que a repressão possa ter uma aparência de extrusão, ela
age “[...] na atenuação das interdições ou como forma mais ardilosa ou
mais discreta de poder”.
Já na década de 70 (séc. XX) o projeto de lei
4
que previa a
obrigatoriedade da educação sexual nos currículos de primeiro e segundo
graus não foi aprovado. Esse fato foi largamente noticiado em jornais
de grande circulação, nos quais a notícia veiculada era que não haveria
educação sexual nas escolas, e que a “instrução sexual” deveria vir apenas de
pais, parentes próximos ou médicos, independente da acepção cientíca,
de caráter prioritariamente religioso. Além disso, o parecer enfatizava que
não se deve ensinar a procriação à homens e mulheres, mas sim exaltar
características positivas de ambos (ROSEMBERG, 1985). Nesse excerto,
estereótipos de gênero são evidenciados, a partir de adjetivos especícos,
assim ao sexo masculino deveriam ser enaltecidos o “[...] caráter, coragem,
responsabilidade, força, proteção, respeito e amor” enquanto ao sexo
Projeto de Lei n. 1035/1968 da deputada Júlia Steinbruch (MDB-RJ) que propunha a inclusão obrigatória de
Educação Sexual nos currículos de 1° e 2° graus.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
434 |
feminino caberia “[...] a delicadeza, a bondade, a pureza, a conança, indo
até a doação, ao casamento, à maternidade” (ROSEMBERG, 1985, p. 14).
Essas características tidas como de homens ou mulheres estão
ancoradas no androcentrismo, teoria basal e recorrente para justicar as
diferenças entre os gêneros. Para Nancy Fraser (2002) se trata de “um padrão
institucionalizado de valor cultural que privilegia traços associados com
a masculinidade, assim como desvaloriza tudo que seja codicado como
feminino’[...]” (FRASER, 2002, p. 64-65). Com esse parecer as poucas
experiências foram banidas das escolas e muitas perseguições e demissões
de educadores/as que tentavam manter essas discussões ocorreram.
No nal da década de 70, início de 80 (séc. XX), com o abrandamento
da censura no país, ocorreu uma nova possibilidade de se pensar sexualidade
e gênero na escola. Impulsionada pelos movimentos feministas, pela
difusão da pílula como método anticoncepcional e o progresso de pesquisas
sobre o controle de doenças sexualmente transmissíveis, pelo surgimento
e avanço da AIDS e pela Lei da Anistia, a sexualidade volta a ser foco
de discussões, sobretudo, nos meios de comunicação (RIBEIRO, 2018).
Após a abertura política muitos programas de Educação Sexual, grupos de
pesquisas e publicações surgiram pelo Brasil em diferentes espaços e com
diferentes características. Em 1990 a sexualidade já passa a ser incluída em
alguns currículos em diferentes Estados (BUENO; RIBEIRO, 2018).
O pensamento da sociedade brasileira estava passando por
transformações signicativas referentes à essa temática, tanto que em 1993,
o resultado de uma pesquisa desenvolvida pelo Data-Folha
5
apontava que a
maioria dos responsáveis pelas crianças aprovavam a inserção da educação
sexual nas escolas. Ainda que a justicativa para essas transformações
estivesse, em grande parte, ancorada na proliferação dos casos de AIDS
e outras doenças sexualmente transmissíveis e no aumento nos casos de
gravidez precoce entre jovens. Nesse sentido, a educação sexual teria por
objetivo contribuir na prevenção de doenças e de gravidezes, sobretudo na
adolescência (ALTMANN, 2001).
Vide Vera Paiva,1996.
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
| 435
Na década de 1990, várias ações acerca do currículo foram elaboradas
no Brasil, entra elas os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs). De
acordo com as autoras Alicia Bonamino e Silvia Alícia Martínez (2002),
por conta do período marcado pela recente abertura política, após longo
período de ditadura militar, muitos gestores/as na educação procuraram
conduzir transformações em uma perspectiva democrática, visando a
ampliação e melhoria da escola pública.
Além disso, conforme Cláudia Vianna (2015), o governo
brasileiro ampliou as participações em conferências internacionais que
vislumbravam uma perspectiva educacional pautada pelo reconhecimento
das desigualdades sociais e culturais, a universalização do acesso ao ensino,
o aumento no nível de escolaridade da população, além da produção
de políticas curriculares e o foco na formação docente. Destaque para a
Conferência Mundial de Educação para Todos (1990), a Conferência de
Cúpula de Nova Delhi (1993) e a Declaração de Salamanca produzida
na Conferência Mundial sobre Necessidades Educativas Especiais (1994).
Essas conferências apregoavam a equidade como ponto fulcral de uma
sociedade que se pretenda ser justa e diversa, logo, a educação deveria ser o
meio para alcançar esses objetivos.
Em 1994, o Ministério da Educação e o Ministério da Saúde,
passaram a encorajar projetos de Educação Sexual, ancoradas em indicações
da UNESCO e da Organização Mundial da Saúde (OMS), foram
publicadas as Diretrizes para uma Política Educacional em Sexualidade
(VIANNA, 2015). O texto do documento entende a sexualidade em três
dimensões: a biológica, a cultural e a psicológica. No entanto, compreende
que a Educação Sexual deveria ter como principal fundamento a Educação
Preventiva Integral (EPI). A EPI, por sua vez, vislumbra comportamentos
sexuais tidos como saudáveis a partir do combate e prevenção da gravidez
e de doenças sexualmente transmissíveis, além da prevenção quanto ao uso
de drogas (BRASIL, 1994). Esse documento foi importante, pois previa
a inclusão desse conteúdo nas atividades curriculares da Educação Básica
(VIANNA, 2015).
Elaborado no nal de 1995 e publicado em 1997, os Parâmetros
Curriculares Nacionais (PCNs), especialmente o volume 10, intitulado
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
436 |
de “Pluralidade cultural” e “Orientação sexual”, tiveram importância
signicativa para a área de estudos de gênero e sexualidade, ainda que não
tenham sido obrigatórios, foram um marco, como política pública, para o
Ensino Fundamental.
De acordo com Bonamino e Martínez (2002) desentendimentos
referentes às acepções curriculares apontam para uma política educacional
governamental que por um lado mostra a centralização das decisões
pautadas no governo federal, e por outro, o parco envolvimento de outras
instâncias, sejam político-institucionais ou da comunidade cientíca. Esse
movimento de disputas é recorrente em diferentes espectros das políticas
curriculares e muitas vezes marcam as relações de poder que cam expressas
em suas produções. Para Tomaz Tadeu da Silva (2010), isso ocorre, visto
que o currículo se trata de um elemento discursivo central nas políticas, na
qual se reúnem e desenvolvem disputas referentes aos signicados sobre o
social e o político, de diferentes grupos, que tentam emplacar sua visão de
mundo, mormente, grupos dominantes.
Outro documento de relevância para a análise pretendida, foi o I
Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH). Criado em 1996 foi
concebido a partir das resoluções da Conferência Mundial de Direitos
Humanos da Organização das Nações Unidas que ocorreu em Viena em 1993.
De acordo com Marcelo Daniliauskas (2011), esse documento foi importante
pois faz uma referência aos direitos humanos como direitos fundamentais,
entre outros grupos, das mulheres e dos homossexuais em ações de curto,
médio e longo prazo. Além disso previu apoiar programas de prevenção
de violência contra esses mesmos grupos em situação de vulnerabilidade.
Também mencionou o incentivo para a inclusão da perspectiva de gênero
na educação e nas diretrizes curriculares para o ensino fundamental e médio
“[...] com o objetivo de promover mudanças na mentalidade e atitude e o
reconhecimento da igualdade de direitos das mulheres, não apenas na esfera
dos direitos civis e políticos, mas também na esfera dos direitos econômicos,
sociais e culturais” (BRASIL, 1996, p. 9). Objetivou propor uma legislação
que proibiria todo tipo de discriminação, seja “raça, etnia, sexo, idade, credo
religioso, convicção política ou orientação sexual” e acabar com “normas
discriminatórias na legislação infraconstitucional, de forma a reforçar e
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
| 437
consolidar a proibição de práticas discriminatórias existente na legislação
constitucional” (BRASIL, 1996, p. 7).
De acordo com Daniliauskas (2011, p. 48), “embora não tenha
havido encaminhamentos práticos diretos das ações citadas” referentes
à orientação sexual e ao gênero, foram feitas alterações “na estrutura
organizacional e política responsável pela implantação” do PNDH I,
entre elas: a criação da Secretaria Nacional de direitos Humanos (1997)
e posteriormente a readequação para a Secretaria de Estado dos Direitos
Humanos (1999) (DANILIAUSKAS, 2011). Para o autor essas mudanças
foram signicativas pois indicaram a valorização dos Direitos Humanos no
governo federal, pois os/as respectivos/as titulares dessa cadeira passariam a
ter assento nas reuniões ministeriais (DANILIAUSKAS, 2011).
Em 1996 foi promulgada a Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional (LDB) n. 9.394 que ainda que não tenha tratado especicamente
do tema, ao projetar os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), de
acordo com Ribeiro (2018), reconheceu ocialmente a orientação sexual.
A proposta tinha como intuito atender as necessidades de estudantes
poderem vivenciar sua sexualidade, que deveria ser trabalhada em todas as
disciplinas de maneira transversal.
Os PCNs pretendiam servir como referencial norteador sobre
currículos, sendo uma proposta aberta, exível e não-obrigatória visando
a transformação da realidade educacional (BRASIL, 1997a). Contudo,
apesar da não-obrigatoriedade, a publicação dos PCNs marcou o interesse
do Estado em trabalhar com o tema da sexualidade. Nesse sentido, não
cava mais à encargo apenas das famílias essa incumbência, mas às escolas,
desenvolver esse tema de forma crítica e sistematizada com crianças e
adolescentes. A importância dessa inclusão é que “[...] as ‘coisas’ só entram
num sistema de signicação quando lhes atribuímos um signicado”, ou
seja, ao Estado assumir essa tarefa, e dar notoriedade aos temas, passa a
signicá-lo (SILVA, 2010, p. 35).
O documento entende a sexualidade como “algo inerente à vida e à
saúde, que se expressa desde cedo no ser humano” que abarca “o papel social
do homem e da mulher, o respeito por si e pelo outro, as discriminações e
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
438 |
os estereótipos atribuídos e vivenciados em seus relacionamentos, o avanço
da AIDS e da gravidez indesejada na adolescência” entre outras questões
tidas como problemas atuais daquele momento. A justicativa recai sobre
a inserção desses conteúdos como temas transversais, com foco na atuação
educacional e sua diferença do tratamento em ambiente familiar. Para
Foucault (1999, p. 95), o “[...] dispositivo familiar”, isolada e com suas
especicidades em relação ao poder “[...] pôde servir de suporte às grandes
manobras’ pelo controle malthusiano da natalidade, pelas incitações
populacionistas, pela medicalização do sexo e a psiquiatrização de suas
formas não genitais”. Seria então, necessário e urgente que se zesse essa
diferenciação, entre o que a educação pode proporcionar e o que a família
faria referente a esse conteúdo.
Para alcançar esses objetivos, os PCNs propuseram trabalhar com
os conteúdos tranversalizados, ou seja, em diferentes áreas, dentro e fora
dos programas das disciplinas. Para o trabalho dentro da programação o
material foi organizado em três eixos: “Corpo: matriz da sexualidade”,
“Relações de gênero” e “Prevenção de doenças sexualmente transmissíveis/
AIDS” (BRASIL, 1997b).
Apesar de ser um marco importante como política pública
educacional, para Altmann (2001) o documento apresentou indicativos
normalizadores da sexualidade, respaldado em uma visão biológica e
essencializante de sujeito, sem problematizar a categoria sexualidade. O
mesmo ocorre com a noção de gênero, ou seja, são apontadas as diferenças
construídas social e culturalmente, mas não se problematiza as relações
que advêm dessas diferenças (ALTMANN, 2001). Para a autora os PCNs
buscaram mudanças em comportamentos através das práticas pedagógicas,
desse modo, os discursos sobre o sexo almejavam produzir um aumento do
controle sobre os corpos, visam a constituição de sujeitos autodisciplinados
na vivência de sua sexualidade (ALTMANN, 2001).
A partir do Fórum Mundial de Educação, no ano de 2000, o país
adotou o Compromisso de Dakar referente à Educação para Todos, que foi
outro marco signicativo para a área. Entre suas metas, a eliminação, até
2005, “das disparidades existentes entre os gêneros na educação primária e
secundária e, até 2015, atingir a igualdade entre os gêneros em educação
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
| 439
(UNESCO, 2002, p. 20). De acordo com Saoti (1992), as relações
de gênero são conectadas dialeticamente, são internalizadas por homens
e mulheres e para a superação dessas contradições “[...] é imprescindível
que cada gênero conheça as responsabilidades-direitos do outro gênero,
ou seja, [...] inter-relacionam-se dialeticamente, dando, assim, ensejo
à superação das contradições nelas contidas, através da prática política
(SAFFIOTI, 1992, p. 193). Faz-se necessário a exposição dessa lógica e um
chamamento de ambos os gêneros para conseguirmos alcançar essa meta e
quem deve garantir esse processo, entre outros, e a educação.
No ano subsequente, em 2001, foi estabelecida uma comissão para a
participação da Conferência Mundial Contra o Racismo, a Discriminação
Racial, a Xenofobia e Formas Correlatas de Intolerância, que ocorreu em
Durban, na África do Sul. Esse evento foi importante, pois além de ter
grande participação da sociedade civil, a delegação brasileira teve um papel
signicativo na proposição contra a discriminação baseada na orientação
sexual que gerou repercussões posteriores. Ainda que não tenha sido aceita
a resolução proposta, como desdobramento das discussões e atendendo
as recomendações da Conferência, foi criado o Conselho Nacional de
Combate à Discriminação (CNCD), constituído pelas organizações da
sociedade civil e o movimento LGBT
6
. O CNCD foi responsável pela
deliberação para a criação de um programa de combate a homofobia que
incluiu demandas do campo educacional (DANILIAUSKAS, 2011).
Ainda no ano de 2001, no governo do Fernando Henrique Cardoso,
foi aprovado o Plano Nacional da Educação (PNE) pela Lei n° 10.172 de
10 de janeiro de 2001. O documento previu a duração de dez anos e trouxe
uma série de metas para a educação. Em síntese, apresenta como principais
objetivos aumentar o nível de escolaridade da população, melhorar a
qualidade do ensino, reduzir as desigualdades de acesso à permanência e a
democratização da gestão no ensino público (BRASIL, 2001).
No tocante às questões de gênero o documento apontou uma
estatística revelando o aumento de meninas matriculadas na educação
6
De acordo com Rogério Junqueira (2009, p. 15) a sigla LGBT possui muitas variações, entre elas: “acrescenta-
se um ou dois T (para distinguir travestis, transexuais e transgêneros); um ou dois Q para ‘queer’ e ‘questioning’;
U para ‘unsure’ (incerto) e I para ‘intersexo’”.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
440 |
infantil, equiparando a inserção entre meninas e meninos, diferente
do que ocorre em outros países. Outro ponto abordado diz respeito ao
estabelecimento de critérios quanto ao enfoque dado nos livros didáticos
referentes às questões de gênero e etnia, visando eliminar conteúdos
discriminatórios (BRASIL, 2001). Também recomendou a inclusão nas
diretrizes curriculares da formação docente os temas “gênero, educação
sexual, ética (justiça, diálogo, respeito mútuo, solidariedade e tolerância),
pluralidade cultural, meio ambiente, saúde e temas locais” como um dos
objetivos e metas para o ensino superior (BRASIL, 2001, p. 38). Ainda
sugeriu nos objetivos e metas da Educação à distância e tecnologias
educacionais a promoção de “[...] imagens não estereotipadas de homens e
mulheres na Televisão Educativa, incorporando em sua programação temas
que armem a igualdade de direitos entre homens e mulheres” (BRASIL,
2001, p. 47).
De acordo com José Jairo Vieira, Carla Chagas Ramalho e Andréa
Lopes da Costa Vieira (2017) o problema desse PNE é que não há um
aprofundamento no tema, nem tampouco a apresentação de qual denição
o texto trata, o que mostra um trato supercial sobre a temática. Como
diz Saoti (1992, p. 187) “O conceito de relações de gênero deve ser
capaz de captar a trama de relações sociais, bem como as transformações
historicamente por ela sofridas através dos mais distintos processos sociais”.
Contudo, é importante destacar, que como Plano Nacional de Educação,
documento ocial, a inserção do tema se mostra um avanço no prisma das
relações de gênero, coadunando com as demais perspectivas democráticas
que estavam em foco no campo educacional.
Para Vieira, Ramalho e Vieira (2017, p. 72), a admissão desse
conteúdo no PNE “[...] é importante para podermos questionar a
obrigatoriedade das professoras e professores neste contexto, como os
demais atores envolvidos no ambiente escolar”. Contudo, é crucial lembrar
que o PNE também é uma política curricular, e como tal, produtora de
conhecimento escolar. Segundo Alice Casimiro Lopes (2004, p. 111), as
políticas curriculares são também culturais, ou seja, “[...] é um campo
conituoso de produção de cultura, de embate entre sujeitos, concepções
de conhecimento, formas de entender e construir o mundo” que para além
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
| 441
dos documentos, “[...] incluem os processos de planejamento, vivenciados
e reconstruídos em múltiplos espaços e por múltiplos sujeitos no corpo
social da educação”.
Em 2002 foi lançado o II Programa Nacional de Direitos Humanos
(PNDH), no qual as noções de gênero e sexualidade se mantiveram e foram
ampliadas e pormenorizadas. No caso de gênero o termo aparece nove
vezes, com diferentes menções, em diferentes espaços. Desde a formação de
policiais e da área da saúde, apoio a pesquisas, estímulo a adoção, questões
sociais relacionadas ao emprego até o incentivo “[...] a capacitação dos
professores do ensino fundamental e médio para a aplicação dos Parâmetros
Curriculares Nacionais – PCNs no que se refere às questões de promoção
da igualdade de gênero e de combate à discriminação contra a mulher
(BRASIL, 2002).
O mesmo ocorreu referente ao conceito de orientação sexual, foi
inserido um tópico que abarcava os itens relacionados às questões acerca
da orientação sexual e outro que contemplava a população de “Gays,
Lésbicas, Travestis, Transexuais e Bissexuais – GLTTB”
7
(BRASIL, 2002).
Destaco a proposta de emenda à Constituição para a inclusão da “garantia
do direito à livre orientação sexual e a proibição da discriminação por
orientação sexual” além de apoio a regulamentação referente a “parceria
civil registrada entre pessoas do mesmo sexo” e a “regulamentação da
lei de redesignação de sexo e mudança de registro civil para transexuais
(BRASIL, 2002, p. 5). Esse excerto traz uma marca signicativa, ainda
que não seja diretamente ligada a educação, já que considera e expressa
claramente outras possibilidades fora da matriz heterossexual. De acordo
com Butler (2003, p. 39), “[...]certos tipos de ‘identidade de gênero
parecem ser meras falhas do desenvolvimento ou impossibilidades lógicas,
precisamente porque não se conformarem às normas da inteligibilidade
cultural”, ou seja, às pessoas que não coadunam a lógica entre sexo-gênero-
desejo e o documento contempla essas “[...] matrizes rivais e subversivas”,
a saber, homossexuais e transexuais (BUTLER, 2003, p. 39).
7
Gays, Lésbicas, Travestis, Transexuais e Bissexuais, destaco que utilizo a sigla conforme citado no documento
do PNDH II (BRASIL, 2002).
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
442 |
Além disso o PNDH II prevê também o apoio a inclusão nos
currículos escolares de informações sobre o problema da discriminação na
sociedade brasileira e sobre o direito de todos os grupos e indivíduos a um
tratamento igualitário perante a lei” (BRASIL, 2002, p. 6).
Também foram feitas variadas sugestões e proposições em diferentes
campos, desde pesquisas sobre a situação sócio-demográca, bem como
sobre a violência praticada em razão da orientação sexual, além de
programas de prevenção para a população GLTTB, apoio há capacitação
de prossionais de várias áreas, de saúde, da comunicação, inclusive da
educacional visando a “compreensão e a consciência ética sobre as diferenças
individuais e a eliminação dos estereótipos depreciativos com relação aos
GLTTB” (BRASIL, 2002, p. 9). A promoção de políticas públicas com
o objetivo de melhorar as condições sociais e econômicas desse público,
o estímulo para a inclusão em programas de direitos humanos estaduais
e municipais “[...] da defesa da livre orientação sexual e da cidadania dos
GLTTB” (BRASIL, 2002, p. 9).
O PNDH II trouxe avanços e pormenorizações não existentes no
primeiro programa, incorporou diversas demandas do Movimento LGBT,
contudo sua execução foi bastante limitada. Sua promulgação acabou por
alavancar uma reação conservadora capitaneada pelas instituições religiosas
católicas e evangélicas e suas representações no congresso nacional.
Apresentando os primeiros indícios que os pequenos avanços conquistados
pelo campo progressista seriam duramente combatidos e que o debate
sobre gênero e sexualidade no Brasil deveria ser silenciado.
cOnsiderações finais
Ao se reetir sobre as políticas educacionais é fundamental entender
o contexto histórico, social e cultural na qual elas foram elaboradas, além
do para quem e por quem foram feitas. Resgatar essas características
clarica a seleção de critérios e os motivos que moveram essas proposições.
Os documentos localizados e analisados explicitam como o campo
de políticas educacionais no Brasil é conituoso, produz disputas em torno
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
| 443
das relações de poder e tende a manutenção de interesses hegemônicos
que nesse caso especíco, voltavam-se para a xação de uma noção de
gênero e sexualidade enraizada em uma perspectiva biológica e utilitarista,
voltada ao combate de doenças sexualmente transmissíveis e no controle
da gravidez precoce.
Contudo, apesar dessas características conservadoras, destaca-
se a importância dos avanços trazidos pelo II PNDH. No entanto,
essas políticas tiveram pouca visibilidade e impactaram pouco o campo
educacional com sua publicação. Apesar de poderem ser sublinhadas como
avanços nas políticas referentes aos temas analisados, não conseguiram ter
potência para inuenciar as demais produções decorrentes delas.
Ressalto que as políticas públicas educacionais devem focar as
equidades e uma sociedade justa e democrática, com a garantia de direitos
fundamentais e acesso a informação e a formação. Infelizmente, as
produções analisadas tendem ao inverso, demonstrando o peso das relações
de poder conservadoras e retrógradas na construção de políticas voltadas
aos temas da sexualidade e do gênero no Brasil.
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Ana Cláudia dos Santos Rocha
1
Larissa Mascaro Gomes da Silva de Castro
2
Ancilla Caetano Galera Fuzishima
3
1 intrOduçãO
O ingresso das mulheres nos cursos de Direito, a igualdade de
gênero preceituada na Constituição Federal do Brasil de 1988, sua inserção
Doutora em Educação pela Universidade da Grande Dourados (UFGD); professora adjunta do curso de
Direito da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, campus de Três Lagoas; e-mail: ana.c.rocha@ufms.br;
link do Currículo Lattes: http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4429032U2
Mestre em Direito pela Fundação de Ensino Eurípides Soares da Rocha/Univem (Marília/SP); professora
adjunta do curso de Direito da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, campus de Três Lagoas; e-mail:
larissa.castro@ufms.br, Link do Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/9068590203752389,
Doutora em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, professora adjunta do curso de Direito da
Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, campus de Três Lagoas; e-mail: ancilla.fuzishima@ufms.br; link
do Currículo Lattes: http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4221807U5
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
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e permanência nas carreiras jurídicas ainda merecem reexão, tendo em
vista que, conforme será demonstrado, as pesquisas cientícas acerca da
temática apontam que embora o número de mulheres no curso tenha
aumentado signicativamente, dando a impressão de que a igualdade de
gênero em tal área foi atingida, após formadas, os números comprovam o
contrário: elas ainda são minoria nos cargos mais altos.
Portanto, o que se propõe nesta pesquisa, por meio de uma análise
quantitativa, é apresentar como tem ocorrido o ingresso e a permanência
das mulheres nas carreiras jurídicas e reetir quais os motivos têm ensejado
tais resultados.
Da pesquisa documental e bibliográca, pela análise de conteúdo,
observa-se que embora tente se negar a discriminação atrelada ao gênero, os
modelos de prossionalização dessa área e sua carga simbólica demonstram
que as mulheres para permanecerem e, principalmente, ascenderem na
carreira adotam práticas e condutas pautadas no modelo masculino da
prossão, havendo uma (co)relação entre sua vida familiar/maternidade
com a ascensão, estagnação ou abandono da prossão.
A vida familiar e a maternidade são fatores preponderantes para as
questões analisadas, considerando que mesmo inseridas no mercado de
trabalho, as mulheres ainda acumulam e se responsabilizam pela maior
parte dos serviços domésticos e a criação dos lhos.
Aquelas que ascendem, precisam se enquadrar num padrão masculino
de organização do trabalho referente, principalmente, à dedicação e
permanência no local de trabalho, sendo levadas a terceirizar atividades
domésticas/criação dos lhos ou abrir mão de constituir uma família e
ter lhos. As pesquisas têm evidenciado que aquelas que não se encaixam
nesse parâmetro hegemônico masculino da prossão abandonam a área ou
não ascendem na carreira, via de regra.
Ante tais apontamentos, ainda há muito a discutir para resolver o
empasse: por que embora em quantidade superior no ingresso e conclusão
do curso de bacharelado em Direito e em número equiparado ao ingresso da
carreira, em especial, aquelas para as quais se exige aprovação em concurso
público, as mulheres ainda são minoria a ocupar os cargos mais altos?
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
| 449
Para tanto, a pesquisa se divide em duas seções: (I) a inserção e
permanência das mulheres nos cursos de bacharelado em Direito; e (II) a
inserção, permanência e ascensão das mulheres nas carreiras jurídicas – (a)
as mulheres na advocacia; (b) as mulheres no corpo docente dos cursos de
bacharelado em Direito; e (c) as mulheres no Poder Judiciário.
2 a inserçãO e permanência das mulheres nOs cursOs de
bachareladO em direitO
Para melhor entender o porquê de as mulheres ainda serem minoria
nos cargos e postos mais altos da carreira jurídica, convém analisar seu
ingresso e permanência nos cursos de bacharelado em Direito.
Segundo Salgado (2016, p. 68), “a mulher irá ocupar diversas
prossões no campo do Direito, porém seu ingresso somente se dá em
massa, a partir da década de 90, com a popularização e ampliação numérica
dos cursos de Direito”.
De acordo com o último Censo Escolar (INEP, 2017), acerca da
proporção de homens e mulheres nas estatísticas nos cursos superiores de
graduação no país, constata-se que: 55,2% dos que ingressam referem-
se a pessoas do gênero feminino e 44,8% do gênero masculino; 57%
das matrículas são de indivíduos do gênero feminino e 43% do gênero
masculino e, a respeito dos concluintes, 61,1% são pessoas do gênero
feminino e 38,9% do gênero masculino.
Dos dados do Censo (INEP, 2017), extrai-se ainda que o curso de
bacharelado em Direito é o segundo maior em número de matrículas de
pessoas do gênero feminino, contando com 486.422 mulheres matriculadas,
atrás apenas do curso de Pedagogia, enquanto para indivíduos do gênero
masculino, embora o curso de Direito seja o com maior número de homens
matriculados, conta com 392.812. Logo, as mulheres representam,
hodiernamente, o maior número, tanto no que se refere ao ingresso quanto
à permanência nos cursos de bacharelado em Direito.
Barbalho (2008) salienta que a expansão do ensino superior privado,
a democratização do ensino superior público e a exigência de aprovação
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
450 |
em concurso público para o ingresso nas carreiras jurídicas têm sido
fatores preponderantes para heterogeneidade da área. Todavia, não tem
sido suciente para a permanência e ascensão nas carreiras, concluindo
que mesmo que a presença das mulheres nas carreiras jurídicas esteja
consolidada, ainda é hierarquizada.
Passa-se, destarte, a análise de como as mulheres têm se inserido nas
carreiras jurídicas e os impasses para sua permanência e ascensão.
3 a inserçãO, permanência e ascensãO das mulheres nas carreiras
jurídicas
Se as mulheres são em número maior no que tange ao ingresso e
conclusão dos cursos de bacharelado em Direito, a questão-chave da
presente discussão se refere ao porquê esse número não se mantém quando
analisada a inserção, permanência e ascensão nas carreiras jurídicas.
Para entender melhor esse fenômeno, opta-se por um referencial
teórico em que gênero é examinado pelas suas representações sociais,
culturais e de poder (SCOTT, 1995), considerando a construção de sua
identidade, nos moldes propostos por Castells (1999), ou seja, identidade
legitimadora, de resistência e de projeto, que bem se enquadram à temática
desta discussão, uma vez que o domínio do modelo masculino nas carreiras
jurídicas é legitimado pela construção social da área – havendo, assim, uma
identidade legitimadora – e a inserção e permanência das mulheres nesse
segmento parte de uma identidade de resistência – um grupo que ainda
é minoria, quando analisados os cargos mais altos e que não demandam
apenas capacidade técnica (aprovação em concurso) – para uma identidade
de projeto, tendo em vista que em algumas carreiras já se discute sua
feminização.
A identidade de gênero nas carreiras jurídicas remete à uma grande
violência simbólica praticada contra as mulheres, já que elas conseguem ser
em maior número dentre os formados na área, mas ainda têm diculdades
em permanecer e ascender na prossão. Nesse sentido,
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
| 451
Esse ideário da neutralidade tomou como referencial os
prossionais que dominaram a atividade durante sua constituição e
consolidação, no caso, os homens brancos socialmente favorecidos.
A postura da autoridade, o modelo da vestimenta, as representações
do ser prossional foram elaboradas como universais, mas se
apoiaram em modelos particulares que expressavam gênero, raça e
classe especícos. (BONELLI; OLIVEIRA, 2020, p. 147).
Os dados acerca do ingresso e formação no bacharelado em Direito e
ingresso nas carreiras geram a falsa impressão de que há igualdade de gênero
na área e a permanência e ascensão decorreriam da capacidade de cada
indivíduo, mas na prática, em especial nas pesquisas em que prossionais
da área do gênero feminino são entrevistadas, percebe-se que toda a
organização de tais carreiras são moldadas para privilegiar os prossionais
do gênero masculino (BERTOLIN, 2017; PEREIRA, 2015), reforçando a
hipótese da violência simbólica ainda existente, entendida como:
O efeito da dominação simbólica (seja ela de etnia, de gênero, de
cultura, de língua etc.) se exerce não na lógica pura das consciências
cognoscentes, mas através dos esquemas de percepção, de avaliação
e de ação que são constitutivos dos habitus e que fundamentam,
aquém das decisões da consciência e dos controles da vontade,
uma relação de conhecimento profundamente obscura a ela
mesma. Assim, a lógica paradoxal da dominação masculina e da
submissão feminina, que se pode dizer ser, ao mesmo tempo e sem
contradição, espontânea e extorquida, só pode ser compreendida se
nos mantivermos atentos aos efeitos duradouros que a ordem social
exerce sobre as mulheres (e os homens), ou seja, às disposições
espontaneamente harmonizadas com esta ordem que as impõe.
A força simbólica é uma forma de poder que se exerce sobre os
corpos, diretamente, e como que por magia, sem qualquer coação
física; mas essa magia só atua com o apoio de predisposições
colocadas, como molas propulsoras, na zona mais profunda dos
corpos. (BOURDIEU, 2012, p. 49-50).
Segundo Salgado (2016), há nas carreiras jurídicas uma invisibilidade
para as mulheres, evidenciada pelas diculdades de manutenção e ascensão,
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
452 |
em que o fenômeno do acesso à formação universitária na área e sua
inserção no mercado de trabalho – em postos de menor remuneração e
poder – se apresenta como uma forma sutil de mascarar a realidade.
A prevalência do gênero masculino como identidade legitimadora
da ascensão tem nuances diferentes conforme a carreira, motivo pelo qual
a presente pesquisa optou por analisar separadamente os dados de cada
uma delas.
3.1 as mulheres na advOcacia
De acordo com dados do Conselho Federal da Ordem dos Advogados
do Brasil (OAB), o quadro de advogados(as) acerca do quantitativo por
gênero em agosto de 2020 apresenta-se da seguinte forma:
Tabela 1 – Quantitativo de advogados dividido por gênero (2020)
Seccional
Advogados Suplementares Estagiários Total
Fem. Fem. Masc. Masc. Fem. Masc.
TOTAL 599.046 15.438 34.760 603.715 10.796 9.294 1.273.049
AC 1.578 95 246 1.966 3 13 3.901
AL 5.615 179 458 6.419 15 26 12.712
AM 5.877 224 514 5.989 8 37 12.649
AP 1.627 124 300 1.696 12 11 3.770
BA 25.266 760 1.655 24.102 251 311 52.345
CE 14.724 198 529 16.427 57 46 31.981
DF 21.377 1.258 3.184 21.578 495 544 48.436
ES 11.575 385 899 11.114 98 81 24.152
GO 22.236 827 1.940 21.516 216 284 47.019
MA 7.959 377 992 8.970 18 57 18.373
MG 60.557 1.105 2.652 62.957 2.520 2.137 131.928
MS 7.391 304 818 8.270 58 94 16.935
MT 10.404 391 1.131 10.011 599 438 22.974
PA 10.780 333 824 10.215 151 209 22.512
PB 8.246 150 410 9.720 32 74 18.632
PE 17.298 362 891 18.105 117 127 36.900
PI 6.641 152 442 7.894 54 76 15.259
PR 36.580 882 1.939 38.445 30 45 77.921
RJ 74.706 1.681 3.426 70.450 2.318 1.769 154.350
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
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RN 6.523 196 508 7.142 35 68 14.472
RO 4.402 193 477 4.091 16 17 9.196
RR 1.082 91 204 1.137 7 21 2.542
RS 44.455 530 968 43.263 752 576 90.544
SC 20.435 1.095 2.362 21.475 55 48 45.470
SE 5.239 163 435 5.062 19 27 10.945
SP 163.022 3.140 5.907 162.082 2.827 2.111 339.089
TO 3.451 243 649 3.619 33 47 8.042
Fonte: elaborada com base em OAB (2020).
Observa-se na tabela que o número de advogados ainda é maior que
do que de advogadas. Em relação à inscrição por estado, o total indica
que há 599.046 mulheres inscritas nas seccionais estaduais e 603.715
homens, já nas inscrições suplementares, a diferença é bem maior: 34.760
advogados inscritos e 15.438 advogadas inscritas. Apenas na categoria
estágio o número de mulheres inscritas é maior, sendo 10.796 estagiárias
e 9.294 estagiários.
Constata-se, portanto, que somente enquanto ainda estão na fase de
formação, as mulheres são maioria nos quadros da OAB e que o número
de advogados atuantes em mais de um estado é acima do dobro do total
de advogadas.
Ademais, conforme informações institucionais contidas no sítio
eletrônico da OAB Federal, a atual diretoria do Conselho Federal é
composta apenas por homens: Felipe Santa Cruz (Presidente), Luiz Viana
Queiroz (Vice-Presidente), José Alberto Simonetti (Secretário-Geral),
Ary Raghiant Neto (Secretário-Geral Adjunto) e José Augusto Araújo de
Noronha (Diretor-Tesoureiro). Verica-se ainda que a presidência da OAB
Federal nunca foi ocupada por uma mulher (dados referentes ao período
de 1933 a 2020) e que, atualmente, a presidência de nenhuma seccional
estadual é ocupada por uma pessoa do gênero feminino.
Tais postos de representatividade da categoria são eletivos,
demonstrando, assim, o quanto a carreira é hegemonicamente masculina,
pois nem no âmbito federal, nem nos 26 estados brasileiros e no Distrito
Federal a presidência é ocupada por mulheres e, mesmo nas subseções da
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
454 |
OAB no país, ainda é ínmo o número de mulheres a presidi-las. Por isso,
foi emblemática a vitória da primeira mulher a presidir uma subseção,
Heloísa Santos Dini, que com uma chapa composta apenas por mulheres,
em 1984, por uma diferença de apenas três votos, venceram a disputa da
24ª Subseção de Sorocaba, em São Paulo (OAB, 2019).
Em decorrência dessa falta de representatividade feminina, o
Regulamento Geral da OAB sofreu uma alteração na Resolução n.º 101,
de 4 de novembro de 2014, passando a exigir em seu artigo 131 que,
para inscrição das chapas, a composição delas deve atender ao mínimo
de 30% e ao máximo de 70% de cada sexo, levando-se em consideração
os cargos titulares e as suplências. Entretanto, no artigo 156-B e 156-C
cou expresso que tais percentuais poderiam ser aplicados em 2018, mas
só passariam a ser obrigatórios nas eleições de 2021.
Mesmo com essa possibilidade, as eleições de 2018 mantiveram o
padrão de hegemonia masculina, pois, como apontado, a atual diretoria
da OAB Federal é composta exclusivamente por homens, e nas secções
estaduais e do Distrito Federal o que se percebe é que as mulheres até
integram as diretorias, mas nenhuma presidência é ocupada por elas.
Nos grandes escritórios de advocacia, o cenário não é muito diferente
do que se observa nos quadros da OAB, conforme informa Salgado (2016),
pois tem-se uma massa de advogadas na base, trabalhando como auxiliares,
ou seja, em posição com salários mais modestos e de menos prestígio.
Apenas 20% delas chegam a ser sócias nos 10 maiores escritórios.
Bertolin (2017) salienta que as poucas mulheres que conseguem
chegar ao topo desses escritórios são vistas como excepcionais e tendem
a incorporar o modelo masculino em sua atuação, o que demonstra a
identidade legitimadora masculina na área, onde o sucesso prossional
está associado ao modelo prossional masculino. Bertolin (2017) aponta
que essa dominação masculina na área é inclusive simbólica, citando como
exemplo as roupas usadas por advogadas (ternos e tailleurs), inspiradas nas
vestimentas masculinas.
Pela análise das entrevistas realizadas, Bertolin (2017) ainda destaca
que um elemento redutor das oportunidades de crescimento das mulheres
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
| 455
em tais sociedades é a incompatibilidade entre a rotina de trabalho e as
atribuições domésticas, em especial os cuidados com os lhos.
Embora tenha sido relatado à pesquisadora pelos donos de escritórios
que não há qualquer discriminação em relação ao gênero, nas entrevistas com
as advogadas observa-se que há, principalmente, em relação à maternidade.
Na prática, ascendem na carreira nos grandes escritórios as mulheres que
adotam um padrão masculino, ou seja, podem dedicar mais horas ao
escritório. Em outras palavras, elas podem estar presencialmente no lócus
de trabalho, ou por não terem se casado e tido lhos, ou por delegar as
atividades domésticas e a criação dos lhos a terceiros (BERTOLIN, 2017).
O home oce que poderia facilitar a atuação de mulheres com lhos,
especialmente aqueles na primeira infância, ainda é raro, pois a análise para
sua ascensão está muito mais ligada à dedicação de horas de trabalho no
escritório do que na qualidade do serviço, já que boa parte do trabalho da
advocacia – com exceção dos atendimentos, reuniões e audiências – pode
ser feito de forma remota, sem qualquer prejuízo da qualidade.
3.2 mulheres nO cOrpO dOcente dOs cursOs de bachareladO em
direitO
Embora as mulheres sejam a maioria dentre os discentes, o mesmo
não ocorre enquanto docentes. Conforme demonstra o relatório da
Fundação Getúlio Vargas (FGV), o número de professoras é muito menor
nas faculdades de Direito, onde:
[...] 38% das funções docentes são preenchidas por docentes
do gênero feminino e 62%, por docentes do gênero masculino.
Quanto às funções docentes da rede pública, 36% são de docentes
do gênero feminino e 64%, do gênero masculino. Já nas instituições
privadas, há maior proporção de funções docentes do gênero
feminino (39%) em relação à rede pública. (FGV, 2013, p. 48).
Segundo Salgado (2016), essa prevalência masculina dentre os
docentes tem gerado algumas situações que reforçam o machismo na
área, tais como: congressos sem a presença de nenhuma congressista/
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
456 |
palestrante mulher ou com pouca representatividade feminina, festas e
trotes universitários ofensivos às mulheres, de cunho sexual ofensivo ou
pejorativo, bem como relatos de discentes mulheres acerca do assédio
sexual e até estupro por parte dos professores, levando algumas a desistir
do curso e até a cometer suicídio, surgindo, assim, páginas de denúncias e
campanhas de conscientização sobre o problema.
Desse modo, percebe-se que essa distorção e desproporção entre o
número de estudantes e professoras mulheres nos cursos de bacharelado
em Direito reforçam a ideia de uma violência simbólica da área, como
também a construção social da identidade legitimadora que mantém esse
segmento prossional como campo hegemonicamente masculino.
As pesquisas acerca da inserção, permanência e ascensão das mulheres
no corpo docente dos cursos de bacharelado em Direito ainda são em
menor número, encontrando mais dados sobre a advocacia e as carreiras
do Poder Judiciário.
3.3 mulheres nO pOder judiciáriO
Acerca da inserção, permanência e ascensão das mulheres no Poder
Judiciário, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) criou um grupo de
trabalho para elaborar estudos e analisar tal temática, conforme Resolução
CNJ n.º 255, de 4 de setembro de 2018, que instituiu a Política Nacional
de Incentivo à Participação Institucional Feminina no Poder Judiciário,
Portaria CNJ n.º 66, de 4 de setembro de 2018 e Portaria CNJ n.º 126, de
15 de outubro de 2018.
Os dados coletados referiam-se aos cargos/postos de: Presidência e
Vice-Presidência dos Tribunais, Corregedores, Ouvidores e Diretores de
Escolas Judiciais, Desembargadores, Juízes Titulares, Juízes Substitutos,
Juízes Convocados e demais servidores, acerca destes, a ocupação de
cheas, funções de conança e cargos comissionados.
Da análise das informações, identicou-se que em relação à
magistratura, no período de 1988 a 2019, houve um aumento da
participação feminina no Poder Judiciário, pois as magistradas passaram
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
| 457
de 24,6% a 38,8% na composição da magistratura em âmbito nacional
(CNJ, 2019). Todavia, os dados apontam que quanto maior o cargo,
menor a participação feminina, indicando que 41,9% dos cargos de Juiz
Substituto são ocupados por mulheres e 45,7% por homens, mas no
que tange aos cargos de Desembargador, Corregedor, Presidente e Vice-
Presidente, elas ainda representam apenas de 25 a 30% dos cargos e, no
caso de convocações de juízas para atuar nos tribunais, houve uma retração
de 32,9% para 31,1% (CNJ, 2019).
Ainda segundo o diagnóstico do CNJ (2019), há diferença no ramo
de justiça, em relação à participação feminina nos últimos 10 anos. A
Justiça do Trabalho é o ramo com maior representatividade em todos os
cargos, contando com 41,25% de Presidentes do sexo feminino. Por seu
turno, a Justiça Militar Estadual apresentou os menores percentuais de
magistradas.
Nos Tribunais Superiores, houve uma retração nos últimos 10 anos,
passando de 23,6% para 19,6% de magistradas. No mesmo período, o
percentual de servidoras é de 48% do quadro total, e as mulheres ocupam
47% das funções de conança e dos cargos comissionados e 43,8% dos
cargos de chea.
Na Justiça Estadual, o percentual de magistradas subiu de 21,9%
(1988) para 37,4% (2018). Acerca dos servidores, as mulheres ocupavam
58,2% dos cargos, 60,2% das funções de conança e cargos comissionados
e 58,7% dos cargos de chea. Em relação à Presidência, Vice-Presidência
e Corregedoria, a média de mulheres a ocupar tais postos cou abaixo de
34%, enquanto para os cargos de Juiz Substituto, elas representaram 42,4%,
demonstrando que no início da carreira, a qual depende exclusivamente de
aprovação em concurso de provas e títulos, elas já ocupam quase a metade
dos cargos de magistraturas estaduais, mas para os postos mais altos que
demandam indicação etc., elas ainda são minoria.
O Censo CNJ (2019) mostrou que na Justiça Federal houve redução
do percentual de magistradas: de 34,6% (2008) para 31,2% (2018).
Quanto aos servidores, as mulheres ocupam 50,4% dos cargos, 52,6% das
funções de conança e cargos comissionados e 51,5% dos cargos de chea.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
458 |
Cabe destacar que o mesmo aconteceu na Justiça Eleitoral, pois o
percentual de magistradas diminuiu de 33,6% para 31,3% nos últimos
10 anos, sendo que o número de magistradas, ao nal de 2018, cou
abaixo da média da última década. Apenas de 15% a 23% dos cargos
de Presidente, Vice-Presidente, Corregedor e Ouvidor são ocupados por
mulheres e 42,2% dos cargos de Juiz Substitutos. Em relação aos servidores,
elas ocupam 60,3% dos cargos, 50,2% das funções de conança e cargos
comissionados e 48,4 dos cargos de chea.
A Justiça do Trabalho é a de maior atuação feminina, tendo 50,5%
de magistradas, 52,9% de servidoras, 55,5% de mulheres em cargos
comissionados e funções de conança e 51,7% dos cargos de chea.
Ademais, de 33% a 49% dos cargos de Presidente, Vice-Presidente,
Corregedor e Ouvidor são ocupados por mulheres e 52,7% dos cargos de
Juiz Substitutos.
Na Justiça Militar Estadual, o percentual de ocupação feminina na
magistratura diminuiu de 14,3% (2008) para 3,7% (2018), não havendo
participação delas nos cargos de Presidente, Vice-Presidente, Corregedor,
Ouvidor, Desembargador, Juízes Substitutos ou Convocados nos últimos
10 anos. A participação feminina se restringe a 11,1% dos cargos de Juízes
Auditores Titulares. Com relação aos servidores, as mulheres representam
46,7% dos cargos, 48% das funções de conança e cargos comissionados,
49,4% dos cargos de chea.
Tabela 2 – Percentual de magistradas, servidoras e funções por
tribunal
JUSTIÇA TRIB.
%
MAGIST.
(10
ANOS)
%
MAGIST.
ATIVAS
%
MAGIST.
EM 1988
%
SERVIDORAS
%
FUNÇÕES
PARA
SERV.
%
CARGOS
DE
CHEFIA
PARA
SERV.
Superior STM 24% 19% - 32% 32% 36%
Estadual TJAC 44% 41% 19% - - -
Estadual TJAM 36% 37% 22% 48% 52% 53%
Estadual TJAP 31% 36% - 46% 48% 47%
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
| 459
Estadual TJBA 43% 43% 36% 55% 58% 55%
Estadual TJDFT 38% 39% - - - -
Estadual TJES 31% 32% 10% 43% 43% 59%
Estadual TJGO 32% 35% - 65% 68% 55%
Estadual TJMA 35% 35% - 53% 57% 59%
Estadual TJMG 30% 32% - 63% 63% 62%
Militar
Estadual
TJMMG 8% 8% 50% 56% 44% 47%
Estadual TJMS 24% 26% 6% 59% 59% 62%
Militar
Estadual
TJMSP 0% 0% 0% 43% 50% 50%
Estadual TJMT 32% 34% 13% 59% 67% 63%
Estadual TJPA 44% 39% 61% 49% 51% 51%
Estadual TJPB 37% 39% - 50% 56% 56%
Estadual TJPI 27% - - 52% 54% 57%
Estadual TJPR 38% 40% 8% 57% 62% 48%
Estadual TJRJ 45% 47% 22% 61% 61% 41%
Estadual TJRO 25% 26% 6% 52% 56% 54%
Estadual TJRR 19% 23% - 47% 53% 42%
Estadual TJRS 44% 47% 27% 61% 67% 64%
Estadual TJSC 32% 34% 9% 61% 62% 58%
Estadual TJSE 46% 44% 52% 57% 59% 53%
Estadual TJSP 30% 32% 8% 60% 61% 61%
Eleitoral TRE-AC 39% 40% - 37% 38% 30%
Eleitoral TRE-AL 8% 0% 0% 52% 45% 42%
Eleitoral TRE-AP 18% - - 41% 41% 44%
Eleitoral TRE-BA 33% 0% - 60% 55% 55%
Eleitoral TRE-DF 12% 50% 0% 61% 52% 42%
Eleitoral TRE-ES 11% 18% - 62% 48% 46%
Eleitoral TRE-MA 26% 14% - 38% 39% 38%
Eleitoral TRE-MG 31% 32% 0% 65% 58% 57%
Eleitoral TRE-MS 27% 33% - 49% 47% 50%
Eleitoral TRE-PA 29% 25% - 51% 45% 44%
Eleitoral TRE-PI 6% 0% - 44% 45% 41%
Eleitoral TRE-PR 13% 9% - 54% 53% 50%
Eleitoral TRE-RN 41% 37% - 45% 44% 42%
Eleitoral TRE-RO 31% 0% 0% 38% 40% 35%
Eleitoral TRE-RR 24% 0% - 32% 32% 30%
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
460 |
Eleitoral TRE-RS 50% 43% - 55% 44% 45%
Eleitoral TRE-SE 46% 38% - 53% 46% 47%
Eleitoral TRE-SP 17% 13% - 70% 57% 57%
Eleitoral TRE-TO 25% 33% - 51% 41% 35%
Federal TRF1 26% 25% - 50% 53% 49%
Federal TRF2 39% 38% 32% 51% 53% 54%
Federal TRF3 36% 37% 38% 53% 55% 55%
Federal TRF4 31% 33% - 49% 52% 49%
Federal TRF5 22% 24% - 47% 49% 45%
Trabalho TRT1 53% 53% 37% 59% 59% 57%
Trabalho TRT11 52% 44% 41% 51% 54% 52%
Trabalho TRT12 41% 41% 41% 49% 50% 52%
Trabalho TRT14 45% 45% 40% 47% 42% 43%
Trabalho TRT16 43% 41% 40% 47% 50% 38%
Trabalho TRT17 44% 45% - 51% 55% 55%
Trabalho TRT18 46% 47% - 57% 58% 42%
Trabalho TRT2 57% 58% 43% 53% 56% 55%
Trabalho TRT21 41% 41% - 44% 46% 44%
Trabalho TRT22 48% 44% - 47% 52% 44%
Trabalho TRT23 53% 49% - - - -
Trabalho TRT3 43% 42% 18% 60% 63% 60%
Trabalho TRT5 58% 61% 43% 54% 56% 53%
Trabalho TRT6 55% 55% 46% 48% 51% 37%
Trabalho TRT7 43% 46% 25% 50% 53% 53%
Trabalho TRT8 43% 52% 28% 42% 45% 43%
Trabalho TRT9 48% 46% 17% 53% 51% 52%
Superior TSE 30% 50% - 50% 50% 51%
Superior TST 23% 18% 0% 55% 54% 45%
Fonte: CNJ (2019).
A participação feminina no Poder Judiciário é maior como servidora,
ocupando 56,6% dos cargos nos últimos 10 anos e 56,8% das funções
de conança ou cargos comissionados. Sendo assim, é o setor de maior
evolução da inserção nas mulheres no Poder Judiciário, superando a
representatividade da população brasileira feminina (CNJ, 2019).
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
| 461
Percebe-se que o número de mulheres na magistratura é maior
na primeira instância, em que o ingresso depende da sua aprovação em
concurso público. Já nos cargos para os quais o critério de acesso é político,
como nos tribunais, ainda é muito reduzida sua presença (DIAS, 2008).
Ademais, a inserção das mulheres no Judiciário ainda não resultou
em modicações signicativas no sistema conservador e patriarcal, pois
muitas delas que ingressaram em tais carreiras não conseguem romper com
tal modelo, adotando posturas similares aos dos homens, por receio de
serem consideradas como inecientes.
Como destaca Bonelli e Oliveira (2020), é de suma importância
uma composição heterogênea do Poder Judiciário, inclusive para garantir
que as decisões não sejam fundadas em padrões conservadores e valores
masculinos, como ainda tem sido evidenciado em nossos tribunais.
Conforme apresentado por Salgado (2016), ao analisar julgados envolvendo
dano moral e nudez feminina, de casos emblemáticos como da atriz Maitê
Proença e da escritora Fernanda Yang, situações em que desembargadores
emitiram votos com forte carga de valores masculinos, ao opinar que a
nudez da primeira não enseja grande dano por ser uma mulher bonita, e a
segunda por ter uma “moral elástica”.
Ressalta-se que a mera presença das mulheres no Poder Judiciário,
[...] não altera a visão dominante do prossionalismo, que ao
enfocar a excelência como neutra invisibiliza a distribuição
desigual de privilégios e desvantagens quanto a gênero e cor/raça
no ingresso e na ascensão. Mesmo com uma trajetória bastante
estruturada, com etapas de progressão padronizadas, os resultados
chamam a atenção para o predomínio de magistrados brancos do
gênero masculino nas posições de maior poder prossional, como
também nos tribunais com mais autonomia e recursos, o que varia
regionalmente e por segmento da Justiça. (BONELLI; OLIVEIRA,
2020, p. 144).
A prevalência dos modelos masculinos também pode ser percebida
quando são analisadas as bancas de concurso público para magistratura,
onde a participação feminina é de aproximadamente 10%, desde 1988.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
462 |
Embora o número de mulheres nessa carreira tenha aumentado, as bancas
ainda são majoritariamente masculinas (SALGADO, 2016).
Outro dado interessante apresentado por Bonelli e Oliveira (2020) é
acerca do impacto da vida familiar na carreira, indicando o percentual de
casados por gênero: 58% das Desembargadoras e 89% dos Desembargadores
são casados; 73% das Juízas Substitutas e 79% dos Juízes Substitutos.
Quanto a paternidade/maternidade, 84% das Desembargadoras e 96%
deles têm lhos; 78% das Juízas Titulares e 83% dos Juízes, 58% das
Juízas Substitutas e 60% deles. Demonstra-se, assim, que o gênero e a
acumulação com as atividades domésticas (casamento/maternidade) são
óbices à ascensão nas carreiras do Poder Judiciário.
cOnsiderações finais
Da análise dos dados quantitativos e dos estudos a respeito da
temática, aufere-se que embora a inserção das mulheres nas carreiras
jurídicas esteja aumentando signicativamente, o percurso de homens e
mulheres, ao longo da carreira, demonstra que a igualdade de gênero ainda
não existe nesta área, pois mesmo que sejam em maior número dentre
os formados em bacharelado em Direito, as mulheres têm encontrado
diculdades para progredir na carreira, tanto na esfera privada quanto na
pública.
Como bem salienta Salgado (2016), a área jurídica ainda é dominada
por valores patriarcais e sob a égide de um conservadorismo e pretenso
cavalheirismo, e as mulheres são tratadas de forma diferenciada, tanto
quando atuam como prossionais dessa seara como quando são parte no
processo. No aspecto prossional, sua inserção na área resultou na divisão
do trabalho por gênero, conforme conrmam os dados apresentados
nesta pesquisa, com as mulheres ocupando postos de trabalho com menor
remuneração e prestígio ou poder.
Assim sendo, estudos e debates sobre o tema se apresentam pertinentes
para buscar caminhos, estabelecer políticas públicas e programas para
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
| 463
propiciar a verdadeira igualdade de gênero da área, o que resultaria, além
da inserção, em condições reais para manutenção e ascensão nas carreiras.
referências
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advogadas e juízas no âmbito do prossionalismo. 2008. 192 f. Tese (Doutorado em
Ciências Humanas) - Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, 2008.
BERTOLIN, P. T. M. Feminização da advocacia e ascensão das mulheres na sociedade
de advogados. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, v. 47, n. 163, p. 16-42, jan./mar. 2017.
BONELLI, M. G.; OLIVEIRA, F. L. Mulheres magistradas e a construção do gênero na
carreira judicial. Novos Estudos, São Paulo, v. 39, p. 143-163, jan./abr. 2020.
BOURDIEU, P. A dominação masculina. 11. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2012.
BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília:
Presidência da República, 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/
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da Advocacia e Ordem dos Advogados do Brasil e lei complementar. Brasília, DF: OAB;
Conselho Federal, 2020.
CASTELLS, M. A sociedade em rede. A era da informação: economia, sociedade e cultura.
Tradução: Roneide Venâncio Majer. 2. ed. São Paulo: Paz e Terra, 1999.
CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Portaria n.º 66, de 4 de setembro de 2018.
Institui Grupo de Trabalho para elaboração de estudos, análise de cenários, eventos de
capacitação e diálogo com os Tribunais sobre o cumprimento da Resolução n.º 255, de 4
de setembro de 2018. Brasília, DF, 2018.
CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Portaria n.º 126, de 15 de outubro de 2018.
Altera a composição do Grupo de Trabalho para elaboração de estudos, análise de cenários,
eventos de capacitação e diálogo com os Tribunais sobre o cumprimento da Resolução
n.º 255, de 4 de setembro de 2018, instituída pela Portaria n.º 66, de 4 de setembro de
2018. Brasília, DF, 2018.
CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Resolução n.º 255, de 4 de setembro de 2018.
Institui a Política Nacional de Incentivo à Participação Institucional Feminina no Poder
Judiciário. Brasília, DF, 2018.
CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Diagnóstico da participação feminina no
poder judiciário. Brasília, DF, 2019. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/wp-content/
uploads/2019/05/cae277dd017bb4d4457755febf5eed9f.pdf. Acesso em: 24 jul. 2020.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
464 |
DIAS, M. B. A mulher e o Poder Judiciário. Portal Jurídico Investidura, Florianópolis,
10 dez. 2008. Disponível em: http://investidura.com.br/biblioteca-juridica/artigos/
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de Estatísticas Educacionais, 2017. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/docman/
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A    
    
    
Henrique Tahan Novaes
1
intrOduçãO
O Brasil vive um dos momentos mais difíceis da sua história.
Como nos lembra Florestan Fernandes, o golpe fulminante de 1964, que
completou 55 anos, se transgurou nos anos 1980 em “institucionalização
da ditadura”, pois houve uma transição lenta, gradual, segura, sem rupturas
e acerto de contas com este período histórico.
Fernando Collor de Melo e sua ira farsesca venceram a eleição de
1989, depois de uma grande manipulação da TV Globo no 2º turno.
Fernando Henrique Cardoso aprofundou nosso neoliberalismo, com sua
reforma do Estado e um grande ciclo de privatizações, aprimorando a
ditadura do capital nanceiro.
Depois de um curto período de ascensão do lulismo, dentro de
uma estratégia de conciliação de classes e algumas concessões à classe
 Docente da FFC UNESP Marília e do Programa de Pós-Graduação em educação. hetanov@gmail.com
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
466 |
trabalhadora (política de melhoria do salário mínimo, geração de emprego,
cotas, direito das empregadas domésticas, etc.) tivemos um golpe de novo
tipo em 2016, e em 2018 a prisão política de Lula, que abriu espaço para
eleição de um novo Collor, com suas soluções meteóricas de inspiração na
ultradireita supostamente para “corrigir” os males o país.
As classes proprietárias declaram guerra aos trabalhadores. No caso
brasileiro, interromperam as parcas vitórias da “Nova República”, deram
um golpe e enterraram a possibilidade de conciliar as classes sociais, ao
ejetar o lulismo do poder. Elas estão promovendo a destruição das parcas
conquistas da “Nova República” num ritmo mais acelerado, dando
continuidade a longa contrarrevolução iniciada em 1964.
Para dar apenas um exemplo nesta introdução, dias atrás o capitão
reformado, atualmente na presidência da república, esteve nos EUA
para anexar o Brasil como novo protetorado do império estadounidense
(MAZIN et. al., 2019).
Este artigo pretende abordar a contrarrevolução brasileira para
depois caracterizar brevemente a educação para além do capital e sua
urgência. Analisa também as lutas recentes dos movimentos sociais e sua
potencialidade anticapital. Depois disso esboçamos a necessidade de uma
teoria da transição adequada à nova fase do capitalismo, desemprego e
subemprego estruturais.
a nOva etapa da cOntrarrevOluçãO mundial, a
cOntrarrevOluçãO brasileira e O fim da república
No ano de 1962, Nelson Werneck Sodré publicou o livro “Quem
é o povo no Brasil?”. Ele fez parte dos Cadernos do Povo Brasileiro, uma
das melhores iniciativas dos anos 1960, que juntou Enio Silveira (Editora
Civilização Brasileira) com a União Nacional dos Estudantes. Neste projeto
foram feitos inúmeros livros com linguagem simples para problematização
das principais questões que assolavam a nação. Obviamente, com o golpe
de 1964 estes livros desapareceram das livrarias e das bancas.
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
| 467
55 anos atrás houve um golpe no Brasil e uma ditadura empresarial-
militar de longa duração, com impacto profundo na nossa sociedade.
Numa das passagens do livro de Sodré, que foi escrito antes do golpe de
1964, ele observa o receio das classes proprietárias brasileiras em manter
a democracia naquele momento histórico. A passagem é longa, mas
extremamente atual, merecendo ser citada:
O avultamento do problema democrático deriva de que a
manutenção das liberdades democráticas permite o esclarecimento
político, e o esclarecimento político permite a tomada de
consciência pelo povo, e a tomada de consciência pelo povo permite
a execução das tarefas progressistas que a fase histórica exige.
Manter as liberdades democráticas, signica, pois, inevitavelmente,
ter de enfrentar aquelas tarefas e resolvê-las, segundo a correlação
de forças, quando as forças populares são muito mais poderosas
do que as que estão interessadas na manutenção de uma estrutura
condenada. Para mantê-la, entretanto, torna-se indispensável
suprimir as liberdades democráticas.
O clima democrático asxia progressivamente as forças
reacionárias, que se incompatibilizaram denitivamente com ele,
pedem, imploram um governo de exceção, um golpe salvador, uma
poderosa tranca na porta a impedir a entrada do progresso. Tentam,
com a frequência determinada pelas circunstâncias, a sinistra
empresa, perdem sucessivamente todas as oportunidades, sendo
levadas ao desespero. Mas procuram recuar em ordem, sempre,
sacricando alguns quadros de mais evidência, substituindo-os,
recondicionando-os, e seguem outro caminho, o de apresentar
uma fachada democrática que esconda o fundo antidemocrático.
Buscam, por todos os meios, organizar uma democracia formal em
que seja estigmatizado como subversivo tudo o que fere o poder
exercido pelos latifundiários e pela alta burguesia em ligação com
o imperialismo, em que seja punível qualquer pensamento contra
o atraso e a violência de classe. Essa ânsia exasperada em deter a
marcha inevitável da história, em sustar o processo político, ameaça
o País com a guerra civil, pois as forças antinacionais não recuarão
ante ato algum que lhes prolongue o domínio. Assim como no
campo internacional o imperialismo preferiria con-agrar o
mundo, com a guerra atômica, a ceder as suas posições, no campo
nacional aquelas forças preferem conagrar o País a ver derrotados
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
468 |
os seus interesses. Poderão chegar a isso, ou não, entretanto, na
conformidade com a correlação de forças sociais. (SODRÉ, 2019,
p. 61).
Ao que tudo indica, o golpe era para ser dado em 1954-55, mas
Getúlio Vargas preferiu sair da vida pra entrar na história. Renunciou a sua
vida, e adiou o golpe em 10 anos.
As forças democráticas daquele momento não foram sucientes
para frear a marcha da contrarrevolução, materializada em 1964. Passados
52 anos do golpe de 1964, tivemos em 2016 um golpe de novo tipo,
muito mais complexo de se perceber. E muito antes de 2016, as classes
proprietárias, através de seus representantes no parlamento, bloquearam
as “Diretas Já” e bloquearam a eleição de Lula, através de uma grande
manipulação do 2º turno na eleição de 1989.
Em 2014, nas condições normais de temperatura e pressão, tudo
levava a crer que Aécio Neves iria ganhar as eleições. Depois de enorme
campanha contra o lulismo, nalmente os tucanos voltariam ao poder.
Mas pelos acasos da história Aécio perdeu as eleições por uma margem
relativamente pequena. Ali a trama para retirar o lulismo do poder se
aprofunda, culminando numa fatídica reunião do congresso que, em
nome de deus”, em “nome da família”, em nome de tantas coisas ejetou
Dilma da presidência.
Não bastasse a retirada ilegítima de Dilma, houve em 2018 a prisão
política de Lula. Aqui se repete algo que é regular na história do Brasil: é
preciso “jogar para fora do ringue” todos os adversários. Depois de jogá-los
para fora do ringue, são convocadas eleições “democráticas”, para dar um
ar de normalidade às instituições brasileiras.
O lulismo, que representa uma espécie de projeto “social-liberal”,
que obviamente não coloca em questão o capitalismo, mas concede alguns
poucos direitos a uma parcela dos trabalhadores, é considerado pelas
classes proprietárias uma “ameaça à ordem”. Disso resulta nos dias de hoje
que qualquer um pode tentar sua candidatura na nossa “democracia”,
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
| 469
desde que os candidatos defendam uma única e exclusiva proposta: o
ultraliberalismo.
Nos dias de hoje, há uma espécie de “Triste m da República
brasileira”. Obviamente aqui estou fazendo um paralelo com o livro “Triste
m de Policarpo Quaresma”, o nosso maior nacionalista, que é preso e
fuzilado por traição à nação. No livro, Lima Barreto nos mostra que a nossa
república nasceu de um golpe e que os direitos republicanos tiveram pouca
força no início da república: a) a escola que era para ser de massas não foi,
b) a reforma agrária não foi realizada, c) os direitos para os ex-escravos não
vieram, d) a construção da nação cou para um outro momento.
É com Vargas que a construção da nossa república ganha um novo
impulso: industrialização do país, expansão da escola pública e universidade
pública, do funcionalismo público, criação das políticas habitacionais e
principalmente a Consolidação das Leis do Trabalho. Mas no nosso triste
m, este projeto “morre” em 1954 e é duramente golpeado em 1964. De lá
pra cá, estamos vivendo ondas sucessivas de destruição do pouco que restava.
Ao que tudo indica, a república brasileira acabou em 2016. Sindicatos
estão sendo destruídos, partidos de esquerda destruídos, o SUS está sendo
golpeado, a previdência pública também. As universidades públicas, com
ampla hegemonia da direita, passam a ser atacadas por serem espaços de
comunistas”.
Acima de tudo, a ampla reforma trabalhista do Sr. Temer, o golpista
de plantão, enterra a CLT e a PEC do m do mundo, jogando a última pá
de cal na nada república brasileira.
No plano mundial estamos vendo as cenas de uma nova etapa da
contrarrevolução mundial, iniciada nos anos 1970. Destruição parcial
ou completa do Estado de Bem-Estar Social na Europa, guerras de baixa
intensidade, reestruturação produtiva, crescimento exponencial do capital
ctício, crescimento do desemprego e subemprego estruturais e ascensão
de ideias e governos neofascistas. Do nosso ponto de vista, o capitalismo
não tem mais nada a oferecer à humanidade, o que coloca na ordem do dia
a educação para além do capital, tema da nossa próxima seção.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
470 |
a urgência da educaçãO para além dO capital
É neste período que intensicamos nossas atividades políticas.
Imersos nas lutas do nosso tempo histórico, em alguma medida temos
contribuído para a experimentação da educação para além do capital em
nossos espaços institucionais e fora deles. Nossos grupos de pesquisa têm
feito inúmeros cursos com os movimentos sociais em geral, e em especial
com o MST, que exercitam em alguma medida os princípios da educação
para além do capital: a) um corpo de professores de esquerda, especialmente
vindos do materialismo, que socializam conteúdos críticos e lutam pela
construção de uma sociedade para além do capital no plano mundial; b)
o aprendizado junto aos alunos trabalhadores, num processo dialógico de
troca de conhecimentos, c) a experimentação da autogestão nos cursos,
com graus distintos de radicalidade de acordo com as possibilidades e
especicidades dos cursos, d) a construção de uma teoria da transição
comunista e a tentativa de organização da classe trabalhadora para um
projeto internacionalista e revolucionário, tendo em vista a emancipação
humana (LIMA FILHO, 2018).
Poderíamos destacar aqui os seguintes cursos: a) Técnico em
Agroecologia, b) Curso Técnico em agropecuária integrado ao ensino
médio, com ênfase em agroecologia e agrooresta, c) MiniCurso Itinerante
Questão Agrária, Cooperação em Agroecologia (6 Edições), d) Curso de
Aperfeiçoamento Itinerante Movimentos Sociais e Crises Contemporâneas
(10 Edições).
O Curso Técnico em agropecuária integrado ao ensino médio, com
ênfase em agroecologia e agrooresta, começou em março de 2019. O
curso é fruto de uma demanda do MST e demais movimentos sociais do
campo tendo em vista a escolarização e qualicação da população que vive
do campo.
Trata-se de um curso de 3 anos, dividido em Tempo Escola e Tempo
Comunidade (Pedagogia da Alternância). Realizado na Escola de Educação
Popular Rosa Luxemburgo, da regional do MST de Iaras, pretende teorizar
e praticar a agroecologia, dentro de uma perspectiva que supere o horizonte
do “consumo responsável”, do “desenvolvimento” sustentável, e todas as
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
| 471
ideologias baseadas na produção destrutiva, intrínseca ao sociometabolismo
do capital.
Por um lado, o objetivo é estudar a questão agrária, criticar e
denunciar cienticamente a “revolução verde”, e por outro, estudar e
experimentar a agroecologia, tendo em vista a luta pela Reforma Agrária
Popular e Agroecológica (RAPA)
Somos partidários do estudo da história na perspectiva materialista
e dialética. Temos partido, o partido da ciência e somos comprometidos
com as lutas emancipatórias da classe trabalhadora. Num contexto onde
a ciência é colocada a prova, num contexto onde os professores que
defendem pautas mínimas são colocados na fogueira da nova inquisição,
estamos tentando resistir a esta avalanche de irracionalismo.
Nos colocamos contra o desmonte da nação e nos comprometemos a
publicar livros de qualidade acessíveis ao público brasileiro, que tem “sede
de conhecimento crítico.
Para este curso, estamos montando uma série de Livros de Bolso,
de caráter introdutório. Já publicamos “Sobre o óbvio” de Darcy Ribeiro,
“Quem é o povo no Brasil?”, de Nelson Werneck Sodré. O texto “A
conspiração contra a escola pública” de Florestan Fernandes está em
fase de acabamento. Pretendemos ainda publicar livros sobre e de Caio
Prado Júnior, Celso Furtado, Heleieth Saoti, dentre outras e outros
pesquisadores brasileiros mais jovens.
Combatendo nas trevas, começamos em 2014 o Curso Técnico em
Agroecologia, também em parceria com o MST e o Centro Paula Souza.
Dele derivaram o MiniCurso Itinerante Questão Agrária, Cooperação e
Agroecologia e o Curso Técnico em Agropecuária integrado ao Ensino
Médio, descrito acima. O curso Técnico em Agroecologia foi realizado
na Escola Rosa Luxemburgo, tendo como público jovens de movimentos
sociais do campo que já tinham ensino médio.
Também em 2014 começamos o Curso Itinerante Movimentos
Sociais e Crises Contemporâneas. Já tivemos 9 edições e o curso caminha
pra 10ª Edição na cidade de Limeira-SP. Pelo curso já passaram cerca de
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
472 |
1.200 pessoas (entrada de 120 por turma), com uma média de 50 alunos
concluintes por turma. Deste curso derivou o minicurso Marx e Revolução
na Periferia, em parceria com a Apeoesp Zona Leste (SP), Frente Brasil
Popular e Frente Povo Sem Medo. Cabe salientar que o mesmo será
retomado em 2019.
Com o objetivo de retornar a Marx, temos promovido inúmeros
cursos, minicursos, palestras, seminários, realização de pesquisas, atividades
de extensão e outras atividades desde 1999.
Na América Latina, a Escola Nacional Florestan Fernandes (ENFF),
a Escola José Carlos Mariátegui (Argentina), o Núcleo de Educação Popular
13 de Maio, algumas escolas de centrais sindicais, partidos políticos, outras
escolas do MST, dentre inúmeras outras experiências que não poderemos
citar neste espaço, estão oferecendo cursos com conteúdos críticos e formas
pedagógicas alternativas.
Estas lutas educacionais recuperam os projetos de Universidade
Popular advogados por José Carlos Mariátegui nos anos 1910-20, do
Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB) nos anos 1960, de
Educação Popular nos anos 1950-60, dentre outros. Acreditamos que estes
cursos e nossos cursos certamente terão uma importância signicativa no
século XXI.
Nossos cursos são voltados para membros de movimentos sociais:
sindicatos de esquerda, partidos de esquerda, sem terra, sem teto,
feministas, membros do movimento negro, professores universitários,
docentes das escolas públicas, educadores populares, ambientalistas,
lideranças populares, etc.
Nos dias de aula, os alunos se auto-organizam para preparar os
lanchinhos, limpar a sala de aula, escolher duas aulas livres, organizar a
caixinha, apresentar os projetos de pesquisa e artigos cientícos, gravar as
aulas, fazer a memória da aula, controlar o tempo dos professores, etc.
No Módulo I, denominado “Marx e o materialismo crítico
debatemos a obra de Marx e de alguns clássicos do materialismo crítico,
como por exemplo, Vladimir Lenin, Rosa Luxemburgo, Antonio Gramsci,
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
| 473
Gyorgy Lukács, José Carlos Mariátegui, Che Guevara e István Mészáros.
Também debatemos alguns temas históricos, como as revoluções burguesas
radicais e conservadores, bem como as particularidades da América Latina.
O Módulo II, denominado “Movimentos Sociais e Crises
Contemporâneas à luz dos clássicos do materialismo crítico”, aborda
algumas crises contemporâneas: a) crise do desemprego estrutural e
subemprego estrutural; b) a produção destrutiva, a ofensiva do agronegócio
e a crise ambiental; c) a “crise” do Estado, a mercantilização da saúde e da
educação. Da mesma forma, abordamos alguns movimentos sociais e o
potencial das lutas anticapital que estão surgindo na América Latina, das
quais poderíamos destacar a luta pela terra, por teto, pela cidade como valor
de uso, pelo trabalho associado, contra os agrotóxicos e pela agroecologia,
as lutas dos catadores de materiais recicláveis, as lutas por igualdade de
gênero, a relação entre classe, etnia e gênero, as lutas indígenas diante do
avanço da acumulação por espoliação, dentre outras. Receberam igual
importância a nova geopolítica mundial, o tratamento do golpe de 2016,
o avanço da direita na América Latina e a Comissão Nacional da Verdade.
Este curso faz parte do projeto “Escola Marx”. Nele pretendemos
voltar a estudar a obra de Karl Marx e contribuir para a revolução latino-
americana, realizar cursos em todas as partes da América Latina sobre Marx
e o materialismo crítico.
Para este curso foram preparados 3 livros, com textos feitos
especialmente pelos professores do curso para os alunos do curso. De
acordo com Candido Vieitez (2017) trata-se de uma importante iniciativa
no campo do que estamos chamando educação para além do capital.
Pedimos desculpas ao leitor, mas o prefácio do Professor Vieitez ao volume
2 do livro do curso merece ser citado, ao menos uma boa parte dele:
Os textos que compõem esta coletânea são valiosos por si
próprios. No entanto, o seu signicado mais importante, em
nosso entender, encontra-se no fato de que são a expressão
literária da atividade pedagógica desenvolvida pelos seus
autores no curso Movimentos Sociais e Crises Contemporâneas
à Luz dos clássicos do Materialismo Crítico.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
474 |
Conforme consta na apresentação deste livro, esse curso,
organizado por membros do IBEC e do GPOD, foi
idealizado tendo em vista sobretudo os militantes dos
movimentos sociais, ou, melhor, dos movimentos sociais lato
censo considerados, o que abrange sindicalistas, integrantes
dos partidos políticos, membros de movimentos do campo
dentre outros.
A criação e execução de um curso de aperfeiçoamento, mesmo
que com esse propósito pode aparecer como acontecimento
prosaico. Mas, não é o caso, uma vez que a sua realização tem
implicações pedagógicas e políticas signicativas.
O curso foi aprovado pela Universidade, o que lhe proporciona
certicação e certo apoio, fato que tampouco é trivial, posto
que a universidade, mesmo a estatal, ao contrário do auto
propalado, não é o lugar de cultivo da cultura universal. Com
efeito, a universidade encontra-se direcionada para atender os
requisitos de replicação do capital, o que pouco tem a ver com
a organização de cursos para os militantes dos movimentos
sociais. Em consequência, a organização de um curso desse
tipo é virtualmente conitiva e por vezes, inviável. E, em
todo caso, depende da presença de uma vontade política
determinada, que seja capaz de aproveitar as contradições
e ssuras presentes em qualquer organização escolar. De
qualquer modo, da empreitada resulta também um exemplo
que poderá ser anotado por aqueles que, insertos no ensino
universitário, se importam com a classe trabalhadora, com
sua própria educação e organização.
Embora tendo emergido na universidade, o curso não se cinge
ao seu intramuros. Ainda que de alcance todavia restrito, o
mesmo vem sendo ministrado em vários pontos do Estado,
como bem observa a apresentação. Ressaltemos também que
ademais do evidente empenho em alargar o alcance dessa
atividade, os organizadores certamente especulam sobre as
potencialidades de seu desenvolvimento junto ao movimento
operário e popular (MOP), sob esse ou outro formato.
Um dos aspectos mais signicativos do Curso é que retoma
uma prática que andou um tanto esquecida, qual seja, a de
que os marxistas com formação teórica contribuam com ações
concretas para a elevação cultural e política dos trabalhadores
mediante a prática reiterada de estudo. O Partido Operário
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
| 475
Socialdemocrata Russo (bolchevique), antes de empolgar
o poder cou conhecido como o ‘partido dos livreiros’ em
virtude dessa atividade. E Lênin, segundo Krupskaya (1986),
em seu tempo de atuação nos círculos ou grupos de estudo,
tinha como uma de suas tarefas discutir pedagogicamente O
Capital de Marx com os operários.
Essa prática de Lênin, pela qual um pensador se coloca
numa situação de interação direta com os trabalhadores, seus
movimentos e suas organizações, perfazendo uma espécie de
fusão” entre a atividade intelectual e a militância política, faz
parte da tradição marxista. De fato, essa história começou
com Marx e Engels. Primeiro porque o encontro deles com
o MOP foi uma das determinantes no processo que os levou
à conceptualização do materialismo histórico (GORAN,
1980). E depois, porque na condição de militantes/
pesquisadores, vieram a exercer várias funções no movimento
operário.
Essa prática dos fundadores se estendeu no tempo, e
pelo que nos consta, as principais contribuições à teoria
marxista foram ainda realizadas por intelectuais-militantes.
Depois da Segunda Guerra, em correspondência talvez
com certa fragilização do marxismo, principalmente o
marxismo enquanto prática, destacaram-se os denominados
marxistas acadêmicos, aparentemente mais centrados na
vida prossional universitária. Seja como for, essa interação
profunda ou orgânica entre o estudioso marxista e o MOP se
agura como uma tendência do método marxista, observadas,
naturalmente, as intermitências ou variações postas pelo
curso da sociedade.
Convenhamos, no entanto, que essa atividade pedagógica
signica mais que o usual na pedagogia bancária burguesa,
pois, se é fato que os militantes podem aprender com os
professores, estes, dada a natureza intrínseca do marxismo,
também podem aprender com os alunos, antes de tudo com
os que são integrantes de movimentos ou organizações do
MOP, as quais, de modo incipiente ou já estruturado, têm
suas próprias análises e formulações sobre a realidade social.
(VIEITEZ, 2017, p. 14).
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
476 |
Evidentemente que esses cursos têm inúmeras limitações,
principalmente no que se refere aos aspectos quantitativos. Estamos diante
de uma nova fase da ofensiva do capital, que está produzindo um processo de
destruição das pequenas conquistas da “nova república”. Se isso é verdade,
uma ofensiva da educação para além do capital deverá se dar através da
multiplicação exponencial (células) de cursos autônomos, fora do controle
do Estado, e ao mesmo tempo “contaminar” a escola estatal, colocando
na agenda dos trabalhadores docentes da escola estatal a urgência de uma
radical transformação do que se ensina, como se ensina-aprende, como se
avalia e quais os ns da educação na sociedade de transição.
Também é preciso destacar que as mudanças no complexo educacional
devem vir acompanhadas de mudanças radicais no complexo do trabalho.
Nas palavras de Mészáros (2002), deve haver alterações concomitantes no
mundo do trabalho e no mundo da educação, tendo em vista a superação
do trabalho alienado e de sua forma educacional correspondente, isto é, a
educação para a promoção da alienação.
cOmO e pOr que caminhar para além dO capital nO séculO xxi?
No Brasil, os movimentos sociais dos anos 1930-60 foram
destroçados pela ditadura de 1964-1985. Na segunda metade dos anos
1970, depois de um longo e traumático período, surgiram inúmeras lutas
puxadas pelos trabalhadores.
Eclodiram em todos os cantos do país lutas contra a fome, por
habitação, por emprego, por melhores salários, por melhores condições de
trabalho e salários para o funcionalismo público; lutas dos bancários, lutas
por terra e por teto, por creches, por saneamento básico; lutas por educação
e pela democratização da escola pública, lutas dos atingidos por barragens
etc., evidentemente combinadas com as lutas pelo m da ditadura
2
.
No m das contas, o capital saiu vitorioso com sua “transição
gradual, lenta e segura”. Não conseguimos as Diretas Já. O capital esteve
no controle dessa transição, a ponto de Florestan Fernandes (1986) se
 Ver – por exemplo – Sader (1988) e Dal Ri e Vieitez (2008).
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
| 477
perguntar se estávamos mesmo entrando na fase da “Nova República
3
.
Saímos da ditadura empresarial militar e entramos na ditadura do capital
nanceiro. Essa fase da nossa convencionou chamar de “redemocratização”.
Nos anos 2000 a luta pela terra ganha novos ares. Foram intensas
as lutas contra os agrotóxicos, transgênicos e adubos sintéticos, mais
precisamente, contra o pacote da “revolução verde” e a materialização da
agroecologia. Para nós, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
(MST) é um dos movimentos sociais que está promovendo a denúncia do
pacote da “revolução verde”, e a implantação de sistemas agroecológicos.
Já armamos em outros textos que a agroecologia não irá avançar
sem a conquista da terra. Sem uma “revolução agrária”, infelizmente, não
há agroecologia. Sem a superação do trabalho explorado-alienado, não há
agroecologia. Sem o avanço do feminismo, não há agroecologia. Seguindo
nessa linha, sem uma completa desmercantilização da sociedade e sem
soberania alimentar, não há agroecologia. O que é possível materializar
no atual contexto de ofensiva do capital são embriões de produção
agroecológica, mas obviamente muito distantes de um novo modo de
produção, autogerido e agroecológico.
Movimentos sociais como o Movimento dos Trabalhadores Rurais
Sem Terra (MST) têm defendido uma “reforma agrária popular”. Tudo
leva a crer que as classes proprietárias brasileiras não aceitarão a reforma
agrária, muito menos uma reforma agrária de caráter popular. Como um
grande produtor de riqueza e de miséria, o Brasil tornou-se um dos maiores
celeiros da humanidade, mas também um dos maiores celeiros de miséria.
O Brasil produz milho para porcos e frangos, mas não tem milho para
alimentar os lhos da classe trabalhadora
4
.
Segundo David Harvey (2004) e Walter Gonçalves et al. (2016), o
Brasil é um dos palcos centrais da “acumulação por espoliação”. Roubo de
terras públicas, cercamento ilegal de terras, roubo de terras de posseiros,
 Para isso, ver também Netto (2013), Sampaio Jr. (2013), Minto (2018) e Deo (2014).
4
As marcas da nossa matriz colonial baseada no latifúndio, na produção voltada para o exterior e no trabalho
escravo estão gravadas no país até hoje. Para esse debate, ver Prado Jr. (2002), Sampaio Jr. (2013), Ziegler
(2013), Macedo (2015), MST (2014) e Deo (2017).
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
478 |
pequenos produtores, faxinalenses etc. tornaram-se mais comuns do que
imaginamos
5
.
Nesse sentido, a soberania alimentar, isto é, a luta contra a produção
e a exportação de commodities ganha um papel primordial à medida que o
que está em questão é a alimentação adequada dos seres humanos, e não a
alimentação dos lucros do capital”. Assim como o campo é um palco de
lutas, ao que tudo indica, nesta nova fase do capitalismo surgirão inúmeras
lutas contra o fechamento de escolas, lutas por teto, por transporte público
barato e de qualidade, por acesso à universidade pública e por saúde
pública. Como vimos na seção anterior, as parcas conquistas republicanas
duramente arrancadas pelos trabalhadores estão sendo destruídas numa
espécie de “desproclamação da República”.
Se nos anos 1990 o MST se destaca na luta pela terra, nos anos 2000
é preciso destacar a luta do Movimento Sem Teto, com suas inúmeras
marchas por moradia e contra a cidade como valor de troca: transporte
caro, onde a classe trabalhadora passa em média 3 horas por dia exprimida
em ônibus antigos e metrôs, “unidas na marra” em locais quentes e
apertados. Denúncias e ações contra a especulação imobiliária, críticas às
praças públicas de baixa qualidade, creches terceirizadas ou inexistência
das mesmas, fechamento de classes noturnas, falta de saneamento básico,
etc. também aparecem no discurso das lideranças.
Com o avanço do Plano de Aceleração do Crescimento (PAC) e das
Grandes Obras dos anos 2000 e 2010 como rodovias, portos, aeroportos,
estádios da Copa surgem novas lutas por melhores condições de trabalho
e alojamento nestas obras, ações dos atingidos por barragens contra usinas
hidrelétricas, e manifestações contra a implantação destas grandes obras.
Por sua vez, as classes médias e parcelas da classe trabalhadora saíram
às ruas, em grandes manifestações puxadas por movimentos como “Vem
pra rua”, “Movimento Brasil livre”, “Revoltados on-line”, aprofundando
o clima de ódio de classes no seio da sociedade brasileira. Bandeiras
extremamente conservadoras como o combate a corrupção, a prisão de
Lula, a negação das cotas, direitos das empregadas domésticas, etc. deram
 Ver o interessante artigo de Walter Porto Gonçalves et al. (2016).
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
| 479
vazão aos pedidos de impeachment (que na verdade é um golpe) que levou
ao poder Michel Temer, a prisão política de Lula e a eleição de um capitão
reformado expulso dos quartéis.
Então, diante deste contexto de ofensiva do capital, de destruição da
república, qual é então o desao para os movimentos sociais anticapital?
O primeiro de todos – no caso brasileiro – é o de reestabelecer a
nossa democracia e de acabar que este golpe institucional o mais rápido
possível.
Além disso, fazer avançar as lutas anticapital, como estamos
defendendo neste capítulo. Aparentemente lutar contra o fechamento de
escolas, contra a destruição da saúde pública, lutar por terra, por moradia
e por melhores salários/direitos trabalhistas são lutas reformistas. Mas, no
contexto de ofensiva do capital, elas ganham um caráter radical, por mais
difícil que isso possa parecer.
No entanto, acreditamos que nossas lutas precisarão avançar
rumo a bandeiras anticapital mais “precisas” e integradas: a autogestão,
a cooperação, a desmercantilização, a terra de trabalho (e não a terra de
negócios), a soberania alimentar, a utilização adequada dos recursos dos
ecossistemas, a igualdade substantiva e a educação para além do capital.
Lutas pelo denhamento do Estado capitalista e de sua burocracia,
pela propriedade comunal e pela unicação internacional das lutas
anticapital são bons exemplos do que estamos “propondo”. Sem elas,
dicilmente caminharemos rumo a uma revolução na América Latina: as
corporações transnacionais continuarão mandando em nossas vidas, e as
elites regionais se deleitando com as nossas lutas pontuais, desconectadas
e efêmeras.
Em outras palavras, na falta dessas bandeiras, as classes proprietárias
poderão até ceder aqui ou ali, mas a essência do sociometabolismo do
capital estará preservada. Na falta dessas bandeiras, a luta pela terra irá
se tornar agricultura familiar, a luta por teto irá se tornar no máximo um
puxadinho de Minha Casa Minha Vida, sob o comando das corporações. A
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
480 |
luta pela agroecologia permanecerá no terreno do “consumo responsável” e
assim por diante.
Nossas lutas também não poderão car no terreno eleitoral. Como
nos alerta Mészáros (2008, p. 18), as lutas do século XXI devem ter como
base as lutas extraparlamentares:
[...] a força extraparlamentar original e potencialmente alternativa
do trabalho transformou-se, na organização parlamentar,
permanentemente desfavorecida. Embora esse curso de
desenvolvimento pudesse ser explicado pelas fraquezas óbvias
do trabalho organizado em seu início, argumentar e justicar
desse modo o que havia realmente acontecido, nas atuais
circunstâncias, é apenas mais um argumento a favor do beco sem
saída da socialdemocracia parlamentar. Pois a alternativa radical de
fortalecimento da classe trabalhadora para se organizar e se armar
fora do Parlamento – por oposição à estratégia derrotista seguida
ao longo de muitas décadas até a perda completa de direitos da
classe trabalhadora em nome do “ganhar força” – não pode ser
abandonada tão facilmente, como se uma alternativa de fato radical
fosse a priori uma impossibilidade.
Para nós, a luta no século XXI deve estar centrada nas ruas, no
trabalho de base para a superação do trabalho emancipado, na música
crítica, no cordel, na unidade dos movimentos sociais, nas festas populares
etc. Sempre tendo em vista a superação do trabalho alienado e sua forma
de política correspondente, igualmente alienada. Em outras palavras,
a luta deve passar pelo parlamento, mas deve ser fundamentalmente
extraparlamentar.
A história nos mostra também a necessidade de uma revolução. As
lutas na América Latina não comportam o gradualismo e o reformismo
típicos dos partidos de esquerda das últimas décadas. Não é possível unir-
se, conciliar as classes, aliar-se ao capital. Vimos o desfecho do melhorismo
no lulismo: com o aprofundamento da crise econômica, a aristocracia
operária foi “ejetada” do governo, num perfeito golpe parlamentar-jurídico.
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
| 481
Evidentemente que uma revolução necessita de uma teoria
revolucionária adequada para o século XXI e adequada para as especicidades
da América Latina. Sendo assim, a conquista da terra na América Latina
pelos camponeses, indígenas, quilombolas e trabalhadores rurais somente
se dará dentro de um quadro revolucionário. Na falta dela, como vimos, a
agenda agroecológica dos movimentos sociais irá avançar a passos lentos,
muito provavelmente na forma de um ecocapitalismo tolerável pelas classes
dominantes ou na forma de um agronegócio “verde
6
.
O avanço da agroecologia dentro de uma estratégia ecocomunista
e autogestionária depende da luta política, ou melhor, do avanço das
lutas anticapital dos movimentos sociais e da formação da consciência
revolucionária.
Na América Latina, o sujeito revolucionário é múltiplo e mais
complexo do que o lema “operários e camponeses”, vigente no século XX.
A construção da unidade das lutas de indígenas, quilombolas, camponeses
e camponesas, trabalhadores rurais, classe trabalhadora urbana assalariada,
formal e informal, e da nova classe trabalhadora terceirizada não será nada
fácil, mas é imprescindível.
Nós da esquerda, estávamos acostumados até os anos 1970 a
impulsionar lutas pensando na classe trabalhadora assalariada taylorista-
fordista. De lá pra cá, o capitalismo mudou. Ainda não há uma teoria
da transição na América Latina pensada para essa nova conguração do
capitalismo.
Também é preciso destacar outra obviedade. Com a degradação dos
serviços públicos nos últimos anos na América Latina, novos personagens
entraram na cena das lutas urbanas: trabalhadores docentes do ensino médio,
do ensino superior e fundamental reagiram a precarização do trabalho
docente. Servidores da saúde, assistência social, entre inúmeros outros que
passaram a entrar na lista dos lutadores do século XXI e, portanto, fazem
Na América Latina como um todo, eclodiram inúmeras lutas por terra, por habitação, por água, por
saneamento básico, por saúde, por educação, por controle dos recursos naturais, entre outras. Em geral, essas
lutas “estacionaram” em demandas pontuais, especialmente porque a ofensiva do capital não permitiu aos
trabalhadores sua ultrapassagem, ao contrário, tendeu a jogar os trabalhadores como um todo na miséria ou na
defensiva. Mas também é preciso destacar que nos falta uma teoria adequada para a transição ao comunismo
na região.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
482 |
parte da nova classe trabalhadora. São assalariados do Estado, ou como se
dizia nos anos 1980, “o patrão é o Estado!”, Estado a serviço das classes
proprietárias, que não querem construir serviços públicos dignos, não quer
remunerar decentemente o funcionalismo público e muito menos permitir
que os mesmos tenham boas condições de trabalho e aposentadoria.
A ascensão do movimento indígena na Bolívia, no Equador e no
México também não pode ser desprezada. No Brasil, o processo de avanço
da nova fronteira agrícola pelo agronegócio está levando ao surgimento de
novas lutas de índios, quilombolas, posseiros etc.
7
Por último, mas não menos importante, é preciso ter em mente que
a superação do sociometabolismo do capital depende de uma revolução
sociopolítica, mas que a superação do capital enquanto relação social
é um processo longo, que pode durar 500, 600 anos, ou até mais. Ao
que tudo indica, a desmercantilização completa da sociedade, isto é, a
superação da sociedade comandada pela mercadoria, pode ser iniciada por
uma revolução, mas demandará um esforço organizado e consciente dos
trabalhadores para retomar o comando do sociometabolismo, tendo em
vista a produção de valores de uso pelos produtores livremente associados.
A conquista dos meios de produção tornou-se tarefa vital no século
XXI. Mais do que isso, a conquista e o controle dos meios de produção pelos
trabalhadores, tendo em vista a construção de uma sociedade governada por
produtores livremente associados, totalmente desmercantilizada, tornou-se
tarefa vital no século XXI.
Nas palavras de Mészáros (2002), é urgente a criação de uma nova
forma de controle social, baseada no poder comunal, tendo como eixo
a propriedade comunal. Se para ele a conquista dos meios de produção
é algo imprescindível, a questão fundamental ainda é o controle do
sociometabolismo, tendo em vista a emancipação da humanidade do jugo
do capital.
Segundo relatório da Comissão Pastoral da Terra (CPT, 2017), de 2010 a 2016, o avanço do agronegócio fez
dobrar o número de assassinatos no campo. Saltamos de cerca de 30 para 61. Se incluirmos as tentativas de
assassinato, os números são estarrecedores. Isso para não falar do trabalho análogo ao escravo em pleno século XXI.
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
| 483
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484 |
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S () ()
aline Oliveira gOtardO
Graduada em Direito pelo Centro Universitário Toledo (UNITOLEDO).
Pós-graduanda em Direito Empresarial e Tributário pelo Centro
Universitário Toledo (UNITOLEDO). Pós-graduanda em Direito
Administrativo pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais
(PUC-MG). Integrante do Grupo de Pesquisa em Direito Internacional
Contemporâneo do UNITOLEDO.
amanda valiengO
Possui Graduação em Pedagogia pela Universidade Estadual Paulista
Júlio de Mesquita Filho - Campus de Marília. Mestrado em Educação
e Doutorado em Educação, com estágio em Portugal pela mesma
Universidade. Pós-doutora pela Universidade Federal do Espírito Santo.
Professora Adjunta da Universidade Federal de São João Del Rei, MG,
no Departamento de Ciências da Educação e no Mestrado em Educação.
Líder do Grupo de Estudo e Pesquisa CRIA - Centro de Respeito às
Infâncias e suas aprendizagens. Membro do grupo de pesquisa: Grupo
de Estudos e de Pesquisa em Especicidades da Docência na Educação
Infantil (GEPEDEI, Unesp - Marília). Coordenadora de área no PIBID
-Pedagogia. E-mail: ducavaliengo@gmail.com
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
486 |
ana claudia bazé de lima
Pedagoga. Mestre em Educação na Universidade Estadual Paulista -
Câmpus de Marília. Pós graduada em Metodologia do Ensino Superior
pelo Centro Universitário da Grande Dourados e em MBA em Gestão
Empreendedora em Educação pela Universidade Federal Fluminense.
Professora de Educação Infantil e membro da Equipe Técnica da Secretaria
Municipal de Educação de Três Lagoas (MS). Membro do Conselho Gestor
do Fórum Regional de Educação Infantil Costa Leste-MS, Pesquisadora
estudante cadastrada no Grupo de Pesquisa do CNPq- “Processos de leitura
e de escrita: apropriação e objetivação” (PROLEAO). E-mail: anabazetl@
hotmail.com
ana cudia dOs santOs rOcha
Doutora em Educação pela Universidade da Grande Dourados (UFGD);
professora adjunta do curso de Direito da Universidade Federal de Mato
Grosso do Sul, campus de Três Lagoas. E-mail: ana.c.rocha@ufms.br
ana cristina franzin yamashita
Bacharel em Relações Internacionais pela Universidade Estadual Paulista,
UNESP, Campus de Marília.
ORCID: 0000-0002-3747-0431.
ana laura bOnini rOdrigues de sOuza
Mestra em Educação (2021) pelo Programa de Pós-graduação em Educação
na Faculdade de Filosoa e Ciências da Universidade Estadual Paulista
(UNESP), campus de Marília – SP. Graduanda do curso de licenciatura
em Pedagogia pela mesma instituição. Bacharela em Direito pelo Centro
Universitário Eurípedes de Marília - UNIVEM (2017). Tem como interesse
de pesquisa os seguintes temas: Educação, História da Educação, Gênero,
Direitos Humanos das mulheres, representações culturais de professoras.
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
| 487
É integrante do Grupo de Estudos e Pesquisas HiDEA-Brasil-História das
disciplinas escolares e acadêmicas no Brasil (Saberes, práticas e culturas
escolares e acadêmicas), do NUDISE - Núcleo de gênero e diversidade
sexual na Educação, e LIEG - Laboratório Interdisciplinar de Cultura e
Gênero, todos na Unesp/campus de Marília. E-mail: ana.bonini@unesp.
br. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-2668-5891
ancilla caetanO galera fuzishima
Doutora em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, professora
adjunta do curso de Direito da Universidade Federal de Mato Grosso do
Sul, campus de Três Lagoas. E-mail: ancilla.fuzishima@ufms.br
andressa cristina mOlinari
Possui graduação em Letras estrangeiras modernas pela Universidade
Estadual de Londrina, mestrado pelo programa de Estudos da Linguagem
na Universidade Estadual de Londrina e doutorado em Educação pela
mesma universidade, com estágio nos Estados Unidos pela Universidade
da Georgia. Foi professora colaboradora na área de formação inicial e
continuada de professores de Inglês e da rede Estadual de ensino na cidade
de Londrina. Atualmente é professora da Universidade Federal do Rio de
Janeiro. E-mail: dessinha_molinari@hotmail.com.
carlOs da fOnseca brandãO
Licenciado em Educação Física e Pedagogia, Mestre em Educação: História,
Política, Sociedade pela PUC - SP (1994), Doutor em Educação pela
UNESP - Marília (2000), Livre-docente em Estrutura e Funcionamento
do Ensino Fundamental e Médio pela UNESP - Assis (2006) e Pós-
doutor pela Universidad Autónoma de Barcelona - UAB (2011), pela
Universitat Rovira I Virgili (2015) e pela Uppsala Universitet (Suécia
- 2017). Atualmente é professor adjunto do Departamento de Estudos
Linguísticos, Literários e da Educação da UNESP - Assis e do Programa de
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
488 |
Pós-graduação em Educação da UNESP - Marília. Foi Professor Visitante
na Universidade do Porto (Portugal - 2009), na Universidad de Granada
(Espanha - 2009), na Universidad Nacional de Córdoba (Argentina -
2010), na Universidad de Santiago de Compostela (Espanha - 2011), na
Universidad de Santiago do Chile (Chile - 2012), na Universidad Nacional
de Cuyo (Mendoza, Argentina - 2013) e na Universidad Nacional del Sur
(Bahía Blanca, Argentina - 2018). Tem experiência na área de Educação,
atuando na docência e na pesquisa em política educacional, educação,
controle das emoções e processos de civilização. Possui livros publicados
pelas editoras Avercamp, Autores Associados, Edusc, Poiesis, UNESP e
Vozes, entre outras. E-mail: carlos.brandao@unesp.br. ORCID: 0000-
0003-2254-0692
carlOs henrique aguiar serra
Professor Associado IV do Departamento de Ciência Política e do Programa
de Pós-graduação em Ciência Política da UFF. Doutor em História pela
UFF. Email: chaserra@id.u.br. Orcid: https://orcid.org/0000-0002-
9884-4919
carOline keller
Es licenciada en Comunicación Social de la Universidad Nacional de
Quilmes, Argentina. Integra el Proyecto de Extensión Universitaria
“Levanta la mano. El derecho a vivenciar el espacio intersubjetivo” e
investiga en el Proyecto de Investigación “Derechos humanos aquí
y ahora: un compromiso con el derecho a la educación superior y su
carácter interdependiente.” Además Maestranda en Generación y Análisis
de Información Estadística en la Universidad Nacional Tres de Febrero.
Email: carol.keller@live.com
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
| 489
cin falchi
Graduado em Filosoa e Pedagogia, Mestre em Educação - UNESP/Marília,
Doutor em Educação - UNESP/Marília, Professor de Educação Infantil -
Prefeitura de Marília, Coordenador do Núcleo de Transmasculinidades da
Rede Família Stronger - Marília, Área de pesquisa: Filosoa da Diferença;
Políticas Públicas, Gêneros e Sexualidades; Trasmasculinidades.
cleunice terezinha da silva ribeirO tOrtOrelli
Doutoranda pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade
Estadual Paulista – UNESP, Marília/SP. E-mail: ctstortorelli@gmail.com
cyntia graziella guizelim simões girOttO
Livre-docente em Leitura e Escrita pela Universidade Estadual Paulista.
Pós-doutorado em Leitura e Literatura Infantil pela Universidade de Passo
Fundo. Doutora em Educação pela Unesp. Mestre em Educação pela
UFSCar. Pedagoga pela Faculdade de Filosoa e Ciências - Unesp - Marília.
Professora junto ao Departamento de Didática, na UNESP, ministra aulas
na graduação em Pedagogia e integra, ainda, quadro de orientadores do
programa de Pós-Graduação em Educação, sendo vice-líder do grupo
PROLEAO «Processos de leitura e de escrita: apropriação e objetivação».
Participa de mais dois grupos de pesquisa «Implicações Pedagógicas da
Teoria Histórico-Cultural» (Unesp - Marília) e «Formação de professores e
as relações entre as práticas educativas em leitura, literatura e avaliação do
texto literário (Unesp - Presidente Prudente). E-mail: cyntiaunespmarilia@
gmail.com.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
490 |
daniele aparecida russO
Doutora em Educação pelo Programa de Pós-Graduação da Universidade
Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Campus de Marília, linha de
pesquisa Teoria e Práticas Pedagógicas. Mestre em Educação pelo mesmo
programa, na linha de pesquisa Políticas Públicas e Administração da
Educação. Graduada em Pedagogia com habilitação em Administração
Escolar, igualmente pela mesma unidade universitária. Membro do Grupo
de Pesquisa do CNPq- “Processos de leitura e de escrita: apropriação e
objetivação” (PROLEAO). E-mail: danirusso1@hotmail.com.
dayenne karOline chimiti pelegrini
Doutora em Educação - Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita
Filho” (UNESP) - Campus Marília. Mestre em Educação - Universidade
Federal de Mato Grosso (UFMT). Graduada em Psicologia - UniCesumar.
E-mail: dayenne.psicologia@gmail.com
elói maia de Oliveira
Doutorando em Educação, Mestre em Filosoa, Licenciado em Pedagogia,
Licenciado e Bacharel em Filosoa. Professor de Filosoa da Secretaria da
Educação do Estado de São Paulo. Professor do Instituto UNIPIAGET.
Co-fundador da ONG Arco-íris no município de Marília/SP. E-mail:
eloimaia@gmail.com. https://orcid.org/0000-0003-4101-8592
gabriela a. ramOs
Lic. En Ciencias de la Educación. Especialista en Generos, sexualidades
y educación. Coordinadora del Equipo de Investigacion en Genero y
educación Investigadora del Centro Cultural de la Cooperación “Floreal
Gorini”. Coordinadora pedagógica del Centro Tantosha especializada
en Educación Sexual Integral. Formadora de docentes. E-mail:
gabrielaalejandraramos@yahoo.com.ar
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
| 491
graciela cuman
Médica especialista en Ginecología y Obstetricia egresada de la
Universidad Nacional de Buenos Aires. Master en Epidemiología egresada
de la Universidad de Belgrano Bs. As. Residente de toco ginecología en
Hospital Alejandro Posadas de Bs. As. Becaria de perfeccionamiento en
Hospital Italiano de Bs.As. Becaria de investigación en Hospital Italiano
de Bs. As. Ex jefa del servicio de Obstetricia del Policlínico del Docente.
Cofundadora del CIPREM (Comité Interdisciplinario para la Prevención
del Maltrato-Osplad). Coordinadora de talleres para adolescentes sobre
Sexualidad responsable y Noviazgos sin violencia de acuerdo con la Ley
Nacional de Educación Sexual Integral N° 26.150. Coautora de artículos,
e investigaciones sobre prevención de la violencia en espacios escolares
y sobre Educación Sexual Integral participando de eventos nacionales
e internacionales. Integrante de Tantosha- Centro de Formación
Humanística. E-mail: gcuman@gmail.com
henrique tahan nOvaes
Possui graduação em Ciências Econômicas pela UNESP Araraquara
(2001), mestrado (2005) e doutorado (2010) em Política Cientíca e
Tecnológica pela UNICAMP. Sua disser-tação resultou no Livro “O fetiche
da tecnologia - a experiência das fábricas recuperadas” (Expressão Popular-
Fapesp, 2007 e 2010, 3ª Edição pela Lutas anticapital, publicada também
na Argentina). Sua tese de doutorado se tornou o Livro “Reatando um
o interrompido: a relação universidade-movimentos sociais na América
Latina” (Expressão Popular-Fapesp, 2012, 2ª edição pela Editora Lutas
anticapital, 2019, publicado também na Argentina em 2016). É Docente
da Faculdade de Filosoa e Ciências da UNESP Marília desde 2011, e
coordenador do Programa de Pós-Graduação em Educação desde abril de
2022. Coordenador do Curso de Aperfeiçoamento Itinerante “Movimentos
Sociais e Crises Contemporâneas à luz dos clássicos do Materialismo
Crítico” (9 Edições). Coordenador dos Cursos Pós-Médio em Agroecologia
(2014-2016) e do Curso Técnico em Agropecuária integrado ao ensino
médio, com ênfase em agroecologia e agrooresta (2019-...). Presidente da
ADUNESP SS Marília (2017-2021). E-mail: hetanov@gmail.com
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
492 |
janaine braga ramOs
Graduada em Pedagogia, pelo Instituto de Biociências, Letras e Ciências
Exatas da Universidade Estadual Paulista - IBILCE/UNESP- São José do
Rio Preto (2015). Mestra pelo Programa de Pós-Graduação em Educação
da Faculdade de Filosoa e Ciências, da Universidade Estadual Paulista
(UNESP), Campus de Marília, na linha de Políticas Educacionais, Gestão
de Sistemas e Organizações, Trabalho e Movimentos Sociais, bolsista
de Extensão Universitária (PROEX) atuando no Projeto de Extensão
Universitária: “Formação de agentes multiplicadores para divulgação
e uso de medidas preventivas às DSTS-AIDS entre universitários e
alunos do Ensino Médio (2013)”. Bolsista pelo Conselho Nacional de
Desenvolvimento Cientíco e Tecnológico (CNPQ) de 2014 a 2015
investigando a temática: “Conhecimentos, práticas e atitudes sobre
sexualidade entre universitárias: educação sexual e negociação do uso
do preservativo.” Professora da Educação Infantil na Rede Municipal de
Ensino de Marília-SP. E-mail: janainebraga@hotmail.com. ORCID iD
https://orcid.org/0000-0002-4768-584X
larissa mascarO gOmes da silva de castrO
Mestre em Direito pela Fundação de Ensino Eurípides Soares da
Rocha/Univem (Marília/SP); professora adjunta do curso de Direito da
Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, campus de Três Lagoas.
E-mail: larissa.castro@ufms.br
lucianO meneguetti pereira
Doutorando em Direito Internacional (USP). Mestre em Direito
Constitucional pelo Instituto Toledo de Ensino (ITE). Especialista em
Direito Público com ênfase em Direito Constitucional pela Universidade
Potiguar (UNP). Especialista em Educação no Ensino Técnico e Superior
pelo Centro Universitário Toledo (UNITOLEDO). Graduado em Direito
pelo UNITOLEDO. Professor de Direito Internacional e Direitos
Humanos no Curso de Direito do UNITOLEDO. Líder do Grupo de
Pesquisa em Direito Internacional Contemporâneo do UNITOLEDO.
Advogado. E-mail: lmeneguetti@gmail.com
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
| 493
luís antôniO franciscO de sOuza
Professor Livre-Docente do Departamento de Sociologia e Antropologia e
do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Unesp, campus de
Marília. Doutor em Sociologia pela USP. Email: luis.af.souza@unesp.br.
Orcid: https://orcid.org/0000-0002-9355-3936
marta krynveniuk
Licenciada y Profesora en Ciencias de la Educación-Universidad Nacional
de Buenos Aires. Especialista en Formación de Formadores-UBA.
Counsellor -Istituto di Psicoterapia della Gestalt e Analisi Transazionale
-Nápoles-Italia. Desde la formación corporal es Instructora del Sistema Río
Abierto-ArgentinaTrabajó como Psicopedagoga y Asesora Pedagógica en
escuelas públicas y privadas secundarias de la Provincia y Ciudad de Buenos
Aires. Ex docente de la Universidad Nacional de Luján. Ex Directora del
Instituto de Capacitación y Docencia de OSPLAD-Obra Social para la
Actividad Docente. Diseñó diversos cursos de capacitación docente con
puntaje en la jurisdicción Gobierno de la Ciudad de Buenos Aires. Co-
fundadora del CIPREM (Comité Interdisciplinario para la Prevención
del Maltrato-Osplad). Coordinadora de talleres para adolescentes sobre
Sexualidad responsable y Noviazgos sin violencia de acuerdo con la Ley
Nacional de Educación Sexual Integral N° 26.150. Co-autora de diversos
artículos, libros e investigaciones sobre prevención de la violencia en
espacios escolares y sobre Educación Sexual Integral participando de
eventos nacionales e internacionales. Integrante de Tantosha- Centro de
Formación Humanística. E-mail: markryk@gmail.com
matheus estevãO ferreira da silva
Pedagogo (2018) pela Faculdade de Filosoa e Ciências (FFC/UNESP)
de Marília, mestrando em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em
Educação (PPGE) da mesma instituição e graduando em Psicologia pela
Faculdade de Ciências e Letras (FCL/UNESP) de Assis. Na graduação
em Pedagogia, foi bolsista de extensão do Núcleo de Ensino (04 meses),
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
494 |
PROEX (04 meses), de Iniciação Cientíca PIBIC/CNPq (14 meses) e
FAPESP (20 meses). Na graduação em Psicologia, foi bolsista de Iniciação
Cientíca FAPESP (07 meses). Foi bolsista de Mestrado do CNPq (08
meses) e atualmente é bolsista de Mestrado da FAPESP (previsão de 16
meses). Atua como 1.º Secretário do Núcleo de Direitos Humanos e
Cidadania de Marília (NUDHUC), gestão de 2016-2018 e, na gestão
atual, de 2019-2021. Co-fundador da Curadoria de Livros Acadêmicos
Ângela Maria Brasil Biaggio”. E-mail: matheus.estevao2@hotmail.com
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-2059-6361
matías penhOs
Es docente, investigador y extensionista del Centro de Derechos Humanos
“Emilio Mignone”, Universidad Nacional de Quilmes (Argentina). Es
Docente del Instituto Universitario de Gendarmería Nacional. Es Licenciado
y Profesor en Sociología (UBA). Magíster en Sociología de la Cultura
(IDAES-UNSAM). Diplomado en Educación en Derechos Humanos
(IIDH) y Especialización en Políticas Públicas en Seguridad (Fac. de
Derecho, UBA). Doctorando en Ciencias Sociales y Humanas de la UNQ.
Integrante de la Red Interuniversitaria de Derechos Humanos del Consejo
Interuniversitario Nacional (CIN) y de la Red Latinoamericana y Caribeña
de Educación en Derechos Humanos (RedLaCEDH). Email: mpenhos@
unq.edu.ar ORCID: 0000-0003-4751-3092.
pablO kOpelOvich
Docente-investigador de la Universidad Nacional de La Plata (UNLP).
Becario doctoral del Consejo Nacional de Investigaciones Cientícas
y Técnicas (CONICET). Profesor y Licenciado en Educación Física
(UNLP), Licenciado en Educación (Universidad Nacional de La Quilmes),
Magíster en Ciencias Sociales con orientación en Educación (Facultad
Latinoamericana de Ciencias Sociales), Doctor en Ciencias de la Educación
(UNLP). Investiga sobre la Educación Física, la Historia de la Educación y
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
| 495
de la Educación Física en perspectiva de género, especialmente en relación
a la construcción de masculinidades.
paulO peixOtO de albuquerque
Doutor em Sociologia pela Université Catholique de Louvain-la-Neuve,
professor da Faculdade de Educação na Universidade Federal do Rio
Grande do Sul
rOdrigO duarte fernandes dOs passOs
Docente da Unesp – Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita
Filho”, campus de Marília. Doutor em Ciência Política pela USP e Livre-
Docente em Teoria das Relações Internacionais pela Unesp (ORCID:
0000-0002-5542-2812). E-mail: rodrigo.passos@unesp.br
rOsane michelli de castrO
Professora assistente na Faculdade de Filosoa e Ciências da Universidade
Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho e como professora permanente
junto ao Programa de Pós-Graduação em Educação da FFC - Unesp/
Marília. Possui Graduação em Educação Física pela Universidade de
Marília (1988), Graduação em Pedagogia, Mestrado e Doutorado em
Educação também pela e Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita
Filho (UNESP). Pós-Doutorado pela Fundação Carlos Chagas (2010).
Tem experiência na área de Educação, com ênfase em Didática e História
da Educação, atuando principalmente nos seguintes temas: formação de
professores, Ensino Fundamental, Ensino Superior, Pesquisa Educacional.
É Líder e pesquisadora do grupo de pesquisa HiDEA-Brasil História das
disciplinas escolares e acadêmicas no Brasil. E-mail: r.castro@unesp.br
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-7383-4810
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
496 |
sandra aparecida pires francO
Possui Graduação em Letras pela UEM, Graduação em Pedagogia, Mestrado
em Educação pela Universidade Estadual de Maringá, Doutorado em Letras
na UEL e Pós-Doutorado em Educação pela UNESP de Marília - SP. É
líder do Grupo de Pesquisa Leitura e Educação: práticas pedagógicas na
perspectiva da Pedagogia Histórico-Crítica. Faz parte do Grupo de Pesquisa
PROLEAO - Processos de leitura e Escrita: apropriação e objetivação da
UNESP - Campus Marília - SP. Professora adjunto do Departamento de
Educação da Universidade Estadual de Londrina - UEL, na área de Didática
e do Programa de Pós-Graduação em Educação - UEL. Coordenadora do
Projeto OBEDUC. E-mail: sandrafranco26@hotmail.com.
sOlOn eduardO annes viOla
Doutor em História pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos, Membro
da Rede Brasileira de Educação e Direitos Humanos E-mail: solonviola@
yahoo.com.br
suelen cristina landi ramOs
Graduada em Psicologia pela Universidade de Marília (UNIMAR). Já
atuou como coordenadora do Grupo de Estudos em Psicologia Social
da UNIMAR; fez mediação de palestras acerca das temáticas: Direitos
Humanos, gênero, sexualidades e educação na Universidade Estadual
Paulista (UNESP/FFC). Atualmente, trabalha como psicóloga clínica de
orientação psicanalítica. Desenvolve estudos com ênfase em Psicologia
Social e Psicanálise. E-mail: suelen.landi@hotmail.com. ORCID iD
https://orcid.org/0000-0001-6477-3094
Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
| 497
talita santana maciel
Doutoranda em Educação pelo Programa de Pós-Graduação da Universidade
Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP), câmpus de Marília.
Possui mestrado em Educação (2018) e graduação em Pedagogia pela
UNESP (2015) - Faculdade de Filosoa e Ciências (FFC). Atualmente é
docente da educação infantil dos municípios de Marília e Vera Cruz (SP).
Atua como Facilitadora de Aprendizagem na Universidade Virtual do
Estado de São Paulo (Univesp). Participa do Grupo de Pesquisa NUDISE
- Núcleo de Gênero e Diversidade Sexual na Educação, da Universidade
Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” e é integrante do Núcleo de
Direitos Humanos e Cidadania de Marília/SP (NUDHUC). Participou
também, durante o ano de 2016, do Grupo de Pesquisa Organizações e
Democracia, da mesma Universidade. Tem experiência na área de Ciências
Humanas, com ênfase em Educação, atuando principalmente nos seguintes
temas: educação em direitos humanos, gênero, formação de professores,
educação infantil, educação superior e políticas educacionais. Foi bolsista
da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes)
durante o mestrado. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-6846-8684
tânia suely antOnelli marcelinO brabO
Possui Graduação em Pedagogia pela Universidade Estadual Paulista “Júlio
de Mesquita Filho” – UNESP (1991); Mestrado em Educação pela mesma
Universidade (1997); Doutorado em Sociologia pela Universidade de São
Paulo (2003); Pós-doutorado em Educação pela Universidade do Minho-
Braga-Portugal (2007); Pós-doutorado em Educação pela Universidade
de Valência-Espanha (2013). Atualmente é Professora Assistente Doutora
efetiva da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”. E-mail:
matheus.estevao2@hotmail.com. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-
9833-0635
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
498 |
vicent bellver lOizaga
Universitat de València. Profesor de Educación Secundaria Obligatoria.
E-mail: De: Vicente.I.Bellver@uv.es
catalOgaçãO
Andre Sávio Craveiro Bueno
CRB 8/8211
nOrmalizaçãO
Maria Rosângela de Oliveira
CRB - 8/4073
Elizabete Cristina de Souza de Aguiar
Monteiro
CRB - 8/7963
Janaína Celoto Guerrero Mendonça
CRB-8/6456
capa e diagramaçãO
Gláucio Rogério de Morais
prOduçãO gráfica
Giancarlo Malheiro Silva
Gláucio Rogério de Morais
assessOria técnica
Renato Geraldi
Oficina universitária
Laboratório Editorial
labeditorial.marilia@unesp.br
fOrmatO
16 x 23cm
tipOlOgia
Adobe Garamond Pro
Papel
Polén soft 70g/m2 (miolo)
Cartão Supremo 250g/m2 (capa)
tiragem
100
impressãO e acabamentO
2022
sObre O livrO
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
500 |
Direitos humanos,
gênero, cidadania
e educação
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo
(Org.)
Direitos humanos, gênero,
cidadania e educação
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
9 786559 542789
ISBN 978-65-5954-278-9
Ao longo desses vinte e quatro anos de atividades
em Marília e região, no âmbito acadêmico, o
NUDHUC tem se dedicado à formação, à produção
de publicações e à orientação de pesquisas,
pretendendo promover reflexão crítica e apro-
fundar o conhecimento acerca da educação em
direitos humanos, gênero, raça/etnia, cidadania,
dentre outros temas.
Após a realização dos eventos científicos, visan-
do sempre relembrar a história de luta para
garantia dos direitos de todas as pessoas na
História do nosso país e da humanidade, para que
as novas gerações a conheçam e reflitam sobre
o valor da liberdade, dos direitos humanos, do
respeito e da dignidade para todas as pessoas,
valores estes da Democracia, tem sido publica-
dos textos originados dos eventos.
Nessa perspectiva, contamos, nesta coletânea,
com a participação de pesquisadores(as) e
militantes defensores dos Direitos Humanos da
Argentina, da Espanha e do Brasil que têm se
dedicado a registrar a História, analisando, do
ponto de vista geral, através da Sociologia, da
Psicologia e da Educação, os condicionantes para
os avanços e recuos no que diz respeito à garan-
tia dos Direitos Humanos, para pensarmos nos
desafios da atualidade que estão postos num
momento em que constatamos ações de grupos
conservadores se organizando pela aprovação
de projetos como o Escola sem Partido, além de
ataques aos direitos humanos e seus defensores
e defensoras, que mostram a resistência dando
exemplo de exercício da cidadania plena.