Direitos humanos, gênero, cidadania e educação
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signicado variável da categoria de hegemonia se coaduna também com o
recurso metodológico gramsciano que será explicado a seguir.
Metodologicamente e à luz de Gramsci, o principal aspecto a ser
considerado na relação dos temas do gênero e do feminismo com a categoria
de hegemonia é a “tradução” ou “tradutibilidade” ou “traducibilidade”.
Metaforicamente, Gramsci compara a tradução a um prisma que, ao
receber um raio de luz de um lado, refrata-o e produz, do outro lado, vários
outros raios. Assim, o prisma representaria, metaforicamente, o conceito
de hegemonia de Gramsci, que, ao receber a incidência de um “raio” – ou
uma questão especíca –, refrata-o, ou seja, o “traduz” em diversas outras
questões, passíveis de análise sob o conceito de hegemonia. Ela consiste em
recurso que trata a ressignicação das categorias, análises para as devidas
particularidades culturais, históricas, sociais, sistemas losócos próprios
e abordagens teóricas (GRAMSCI, 1975, p. 1428, 2268)
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. Tal recurso é
um ponto caro à elaboração gramsciana. Não somente tal ressignicação
acompanha suas diferentes categorias – e hegemonia é um dos casos
pertinentes à presente reexão – como também a forma como recepcionou
várias formulações originárias de fontes, autores e contextos teórico-
práticos estranhos à sua interpretação do marxismo, como Pareto, Croce,
Maquiavel, Sorel, Cuoco, Quinet e Guicciardini. Por outras palavras,
toma-se a hegemonia como uma categoria de cunho historicista, coerente
com as suas múltiplas possibilidades históricas, inclusive a de suas possíveis
manifestações incompletas, como aquela de revolução passiva sobre a qual
Gramsci tratou as questões femininas no contexto da nascente hegemonia
norte-americana e com a sua própria abordagem de um historicismo
A “traducibilidade” seria, então, utilizada para evitar um anacronismo entre o pensamento de Gramsci e a
categoria de gênero. Como já dito anteriormente na nota 3, o enfoque a respeito de gênero foi formulado, de
forma pioneira, por Rubin (1975), em e Trac in Women: Notes on the “Political Economy” of Sex. Através da
“tradução” gramsciana como categoria metodológica, é possível compatibilizar as reexões de Gramsci sobre
a “Questão Sexual” com as temáticas relativas ao escopo do gênero e do feminismo, ou seja, ressignicá-las
histórica e culturalmente como questão de gênero; muito embora as reexões de Gramsci datem de decádas
antes dos escritos de Rubin. A hegemonia de Gramsci é capaz de minuciar e expor estruturas políticas, sociais,
culturais, ideológicas, classistas e também de gênero contidas em uma “única questão” (MORTON, 2007, p.
114), como teorias convencionais negligenciam ao tratar de hegemonia. Por isso mesmo, e muito embora o
próprio Gramsci, assim como vários de seus contemporâneos marxistas, não fosse muito versado nas questões do
feminismo de sua época (HOLUB, 1992, p. 189), é possível enxergar nas reexões do comunista italiano ideias,
mesmo que embrionárias, relativas ao que futuramente se constituiria como questão de gênero, ou pertencentes
às correntes feministas.