Pedro Angelo PAgni, SinéSio FerrAz Bueno
rodrigo PelloSo gelAmo(org.)
38
“independência”, “liberdade” e “autonomia”, constituindo-se como uma
espécie de autoformação em que, na relação com meio, com o outro e,
especialmente, consigo mesmo, o homem desenvolveria as suas disposições
naturais e se apropriaria vivamente da cultura (Kultur), formando a sua alma
e, gradativamente, representando o caminhar do espírito humano. É o que
se observa em lósofos e escritores do romantismo alemão, como Schiller
1
e
Goethe
2
, que veem no teatro a possibilidade de uma (auto)formação nesses
termos, expressando o formativo do indivíduo burguês em busca de sua
emancipação política e, com isso, representando o próprio desenvolvimento
espiritual de seu tempo. Dessa perspectiva, a ideia de Bildung signicou a
emancipação dos sujeitos das formas tradicionais, enfatizando nem tanto sua
emancipação pelo entendimento e pela razão, mas pelo gosto desinteressado
em relação à cultura (Kultur) e à sua apropriação viva, regida por sentimentos
que, ao não poderem ser propiciados na e por uma instituição social nascente
como a escola, são obtidos mediante a arte (o teatro, em particular), essa
forma de imitação da vida.
Poderíamos sustentar que, por um lado, a categoria iluminista
de Bildung pressupõe uma fôrma dada a priori pela razão e descoberta por
outrem, em virtude de sua superioridade intelectual e de sua autoridade
moral para alcançá-la, em vistas a garantir a transmissão dos bens culturais
1
Schiller (1990) considera que a Erziehung deveria possibilitar o desenvolvimento das disposições naturais
humanas nem tanto pelo “impulso racional” e nem exclusivamente pelo “impulso sensível”, mas por um impulso
intermediário denominado “impulso lúdico”. Esse impulso, para ele, seria resultado da sensibilização da razão e
da racionalização dos sentimentos, possibilitada pela reexão acerca de si mesmo, que consiste na constituição
do homem, sua autoeducação, ao mesmo tempo, estética e moral. Em outra obra, O teatro considerado como
instituição moral, entende ainda que, pelo teatro, esse processo de autoeducação seria possível, pois propiciaria,
como citado por Bolle (1996), “[...] a Bildung da inteligência e do coração com o mais nobre divertimento”.
Schiller, desse modo, estabelece um modelo de Bildung alternativo àquele expresso por Kant (1995), baseado
numa indissolúvel tensão entre razão e sentimento, que proporciona o que denomina “impulso lúdico”, a ser
contemplado na Bildung, juntamente com a formação da inteligência e do coração.
2
Goethe (1996), por sua vez, ao relatar os motivos pelos quais o personagem central do romance procura no
teatro sua autoformação, revela que ele é motivado não apenas por uma vontade de ilustrar-se, como também
pela paixão por uma das atrizes da trupe e por experiências primárias de sua infância com o teatro de fantoches.
É por essas motivações - que provavelmente não seriam satisfeitas na escola - que o personagem central do
romance, Wilhelm, busca obter no teatro uma identidade própria, não muito clara a princípio, mas que vai se
denindo na medida em que vai descobrindo fatos que colocam em xeque as ideias e os valores pelos quais havia
orientado sua vida. O processo de constituição dessa identidade própria perseguida por Wilhelm é conseguida
graças à reexão sobre si mesmo, facultada pelos papéis representados no teatro e pelas desilusões amorosas
fora dele, isto é, pelas experiências intelectuais e sentimentais que teriam possibilitado sua Bildung. Com esse
romance, Goethe procura revelar as tramas e as tensões interiores que constituem a Bildung de uma “bela alma”,
e não a sua imitação por um modelo exterior ou por uma ideia absoluta, característica do indivíduo burguês em
busca de sua emancipação das formas e imagens medievais.