Sócrates: Mas se isso for armado, então o
desejo do bem é comum a todos, e um homem
não é melhor que o outro nesse aspecto?
Mênon: Verdade.
Sócrates: E se um homem não é melhor que
outro em desejar o bem, será ele melhor no
poder de alcançá-lo?
Essa é a epígrafe com a qual o Pro-
fessor Lind inicia seu capítulo. Para agir de
modo virtuoso basta que conheçamos o que
é virtude? Basta que saibamos o que é o bem?
Este livro discute o conceito de competência
moral que envolve o conhecimento do bem,
mas fundamentalmente a capacidade de es-
tabelecer um diálogo franco, pacíco e que
busque de fato a resolução de conitos com
base em princípios universalizáveis.
Nós, organizadoras, convidamos os
estudiosos do campo da educação e psico-
logia para lerem e reetirem conosco a res-
peito das possibilidades de desenvolvimento
que a troca com os pares possibilita. São ofe-
recidos neste livro, vários dilemas que po-
dem ser usados para promover a reexão.
Tenham uma excelente experiência!!
Patricia Unger Raphael Bataglia é Psicóloga,
pela PUC/SP, Mestre e Doutora em Psico-
logia Social pelo Instituto de Psicologia da
USP. Sua experiência é em pesquisas sobre
a psicologia moral. É professora assistente
do Departamento de Educação e Desenvol-
vimento Humano, da Faculdade de Filoso-
a e Ciências, UNESP/Marília. Professora
credenciada no programa de pós graduação
em Educação (UNESP/ Marília). É líder do
Grupo de Estudos e Pesquisas em Psicologia
Moral e Educação Integral (GEPPEI).
Cristiane Paiva Alves é Terapeuta Ocupacio-
nal, pela Faculdade de Filosoa e Ciências
- FFC, UNESP, de Marília, tem mestrado e
doutorado em Educação Especial, pela Uni-
versidade Federal de São Carlos UFSCar.
É especialista em Neurologia e Reabilitação
dos Membros Superiores, pela UFSCar. Do-
cente da FFC, UNESP/Marília. Instrutora
de Yoga e vice-líder do Grupo de Estudos
e Pesquisas em Psicologia Moral e Educação
Integral (GEPPEI).
Elvira P. Pimentel Ribeiro Parente é Pedago-
ga e Mestra em Educação pela Universidade
Estadual de Feira de Santana. É doutoranda
em Educação pela Universidade Estadual de
Campinas.. É especialista em Gestão, Coor-
denação e Orientação Escolar pelo Núcleo
de Pós-graduação Gastão Guimarães. Inte-
grante do Grupo de Estudos e Pesquisas em
Educação Moral (GEPEM) e Coordenadora
do Grupo de Estudos em Educação Moral
(GEEM) de Feira de Santana.
Programa PROEX/CAPES:
Auxílio 0798/2018
Processo 23038.000985/2018-89
Esta obra se propõe a reetir sobre a aplicação de dilemas morais como es-
tratégia para o desenvolvimento da competência moral de crianças e jovens,
em ambientes educativos, como é o caso da escola, trazendo a relevância do
processo de formação e relações pedagógicas vivenciadas no ambiente es-
colar. Cada capítulo apresenta a fundamentação teórica como suporte para
que o leitor compreenda os princípios e objetivos envolvidos na utilização
de dilemas morais para o desenvolvimento da competência moral. E para que
possam utilizar os dilemas em seus contextos de atuação, são apresentados
exemplos de dilemas e formas de discussão, se constituindo em uma ferra-
menta muito importante para docência na construção de uma sociedade pa-
cíca e harmônica.
ESTUDOS SOBRE COMPETÊNCIA MORAL
propostas e dilemas para discussão
Estudos sobre Compencia Moral
Propostas e dilemas para discussão
Patricia Unger Raphael Bataglia
Cristiane Paiva Alves
Elvira Maria P. Pimentel Ribeiro Parente
(org.)
Patricia Unger Raphael Bataglia
Cristiane Paiva Alves
Elvira Maria P. Pimentel Ribeiro Parente
(org.)
Estudos sobre Competência Moral
Propostas e dilemas para discussão
Ma
rília/Oficina Universitária
São Paulo/Cultura Acadêmica
2022
UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA
FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIASFFC
UNESP - campus de Marília
Diretora
Dra. Claudia Regina Mosca Giroto
Vice-Diretora
Dra. Ana Claudia Vieira Cardoso
Conselho Editorial
Mariângela Spotti Lopes Fujita (Presidente)
Adrián Oscar Dongo Montoya
Célia Maria Giacheti
Cláudia Regina Mosca Giroto
Marcelo Fernandes de Oliveira
Marcos Antonio Alves
Neusa Maria Dal Ri
Renato Geraldi (Assessor Técnico)
Rosane Michelli de Castro
Conselho do Programa de Pós-Graduação em Educação -
UNESP/Marília
Graziela Zambão Abdian
Patrícia Unger Raphael Bataglia
Pedro Angelo Pagni
Rodrigo Pelloso Gelamo
Maria do Rosário Longo Mortatti
Jáima Pinheiro Oliveira
Eduardo José Manzini
Cláudia Regina Mosca Giroto
Auxílio 0798/2018, Processo 23038.000985/2018-89, Programa PROEX/CAPES
Ficha catalográfica
Serviço de Biblioteca e DocumentaçãoFFC
E82 Estudos sobre competência moral: propostas e dilemas para discussão / Patrícia Unger
Raphael Bataglia, Cristiane Paiva Alves, Elvira Maria P. Pimentel Ribeiro Parente (Org.).
Marília : Oficina Universitária ; São Paulo : Cultura Acadêmica, 2022.
454 p.
Inclui bibliografia
ISBN 978-65-5954-220-8 (DIGITAL)
ISBN 978-65-5954-219-2 (IMPRESSO)
1. Moral. 2. Desenvolvimento moral. 3. Juízo tica). 4. Educação. 5. Ambiente de sala de
aula. I. Bataglia, Patrícia Unger Raphael. II. Alves, Cristiane Paiva. III. Parente, Elvira Maria P.
Pimentel Ribeiro. IV. Título.
CDD 370.15
Copyright © 2022, Faculdade de Filosofia e Ciências
Editora afiliada:
Cultura Acadêmica é selo editorial da Editora UNESP
Oficina Universitária é selo editorial da UNESP - campus de Marília
DOI https://doi.org/10.36311/2022.978-65-5954-220-8
Dedicamos esta obra ao Prof. Dr. Georg Lind (in memoriam).
Quando executávamos os trâmites finais para publicação, Lind
partiu de forma precoce, embora tenha visto o resultado final do
trabalho. A nossa homenagem, feita a partir desta publicação,
preza pela continuidade dos estudos sobre moral que contaram
com valiosas contribuições de Lind, como professor, pesquisador
e estudioso, em especial, da Competência Moral.
Agradecemos ao Institute of Moral Democratic Competence
(IMDC), que dará continuidade aos trabalhos do prof. Lind, e à
sua família pelo apoio para conclusão desta publicação, mesmo
diante da dor de sua partida.
SUMÁRIO
Prefácio | Telma Pileggi Vinha.....................................................................11
PARTE I
ESTUDOS SOBRE COMPETÊNCIA MORAL
1. Assessing and Educating Moral-Democratic Competence | Georg Lind…29
2. Pesquisas Brasileiras sobre Competência Moral | Patricia Unger Raphael
Bataglia.....................................................................................................49
3. Teorias Clássicas da Ética Normativa e sua Implicação na Psicologia | Elói
Maia de Oliveira......................................................................................103
4. Para Estudar o Fascismo: uma reflexão a partir do desenvolvimento moral
| Raquel dos Santos Candido da Silva..........................................................127
5. Competência do Juízo Moral: as principais contribuições teóricas de Piaget,
Kohlberg e Lind | Carla Chiari e Mariana Lopes de Morais.........................147
6. Georg Lind (1947-) e a Competência Moral: uma alternativa para
contemplação da complexidade no desenvolvimento moral | Matheus Estevão
Ferreira da Silva.......................................................................................167
7. A Competência Moral e a Religiosidade e Espiritualidade | Lucas Guilherme
Tetzlaff de Gerone.....................................................................................191
8. A Competência Moral como Antecedente à Liderança Transformacional |
Alexandre da Silva Lessa e Maria Célia Reisa da Silva..................................209
9. A Competência Moral nas Instituições de Acolhimento para Crianças e
Adolescentes | Jaqueline Roberta de Souza e Talita Bueno Salati Lahr
................................................................................................................233
10. Competência Moral e Educação: algumas contribuições | Edneia Felix de
Matos e Maria Cristina da Silva Araújo Zuccoli..........................................265
11. Competência Moral: os desafios no contexto escolar | Elen Daiane
Quartaroli Fernandes e Raul Aragão Martins..............................................283
12. A Discussão de Dilemas para a Promoção da Competência e dos Valores
Morais no Ambiente Escolar | Emerson da Silva dos Santos, Priscila Caroline
Miguel e Patrícia Unger Raphael Bataglia...................................................299
13. Ser Leal ou Ser Honesta? Uma proposta de desenvolvimento da
competência moral utilizando dilemas | Simone Gomes de Melo e Elvira Maria
P. P. Ribeiro Parente.................................................................................327
14. Discussão de Dilemas em Diferentes Contextos | Cristiane Paiva Alves
................................................................................................................351
PARTE II
DILEMAS PARA DISCUSSÃO
D
ilemas com Solução
O
dilema de Robert | Edneia Felix de Matos...............................................365
E
m busca de dignidade... | Talita Bueno Salati Lahr e Jaqueline Roberta de
Souza.......................................................................................................367
D
enunciar ou não? Eis a questão! | Priscila Caroline Miguel......................371
O
dilema de Lilian: sexualidade na atuação profissional em psicologia |
Matheus Estevão Ferreira da Silva.............................................................373
O
dilema do parto | Tamires Alves Monteiro............................................375
V
aga de Creche | Elen Daiane Quartaroli Fernandes................................379
D
esfile na escola | Carla Andressa P. R. de França....................................383
Au
las remotas e o caso do microfone fechado | Elvira Mª P. Pimentel Ribeiro
Parente....................................................................................................386
Os belos óculos de Monique | Simone Gomes de Melo..............................389
O
dilema de Maria | Maria Cristina da Silva Araújo Zuccoli......................392
A p
erda da aluna e a escola | Vera Lúcia Toneloti.......................................394
J
ordana, a aluna rebelde | Carla Chiari......................................................397
D
ilemas sem Solução
Robô Sophia | Rogério Melo de Sena Costa................................................401
E
scolhas morais: a funcioria e o médico | Sérgio Francisco de Freitas......402
V
iolência escolar: entre vidas e ideais | Alexandre S. Lessa..........................404
A p
ostura da professora frente a uma família autoritária e violenta | Sabrina
Sacoman Campos Alves..............................................................................405
O dilema de Davi | Mariana Lopes de Morais...........................................406
A
rgumentar ou obedecer? | Graziella Diniz Borges....................................408
Professor substituto | Regina Helena da Silva Leite....................................409
S
ra., vai falar alguma coisa? | Raquel dos Santos Candido da Silva..............410
A
DICIONAIS
T
radução Capítulo 1: Avaliação e Educação da Competência Moral-
Democrática............................................................................................415
S
ituações para Discussão | Jaqueline Roberta de Souza e Talita Bueno Salati
Lahr.........................................................................................................437
Q
uem somos?..........................................................................................443
11
Prefácio
Telma Pileggi Vinha
Estamos vivendo uma época de mudanças com enorme rapidez e
incertezas denominada pós-modernismo ou contemporaneidade, que
também pode ser caracterizada pelas profundas mudanças na sociedade,
nas formas de viver e de nos relacionarmos. Bauman (2003), um dos
maiores sociólogos e filósofos da pós-modernidade, considera que vivemos
em tempos líquidos, ou seja, uma época de impermanência, em que tudo
está em constante mudança, nada é duradouro. São valores e características
diferentes de outros períodos, como, por exemplo: se antes os empregos e
casamentos “duravam” muitos anos, atualmente, são constantes as
separações, mudanças de parceiros amorosos e de trabalho; se poucos
anos as interações sociais eram mais restritas ao grupo familiar e
comunidade, atualmente, com as interações on-line ampliou-se
expressivamente ao mundo, e as pessoas passam a se unir muitas vezes por
identificação e emoções compartilhadas (“tribos on-line”); as relações
sociais entre pessoas passaram a acontecer, cada vez mais, mediatizadas por
redes sociais e por imagens, como os selfies e os likes; se as opções eram
reduzidas, agora uma hiperoferta de produtos, possibilidades de
escolhas e de decisões; a exposição frequente na mídia e em redes sociais
predomina sob a privacidade anteriormente tão valorizada; as relações s
ão
mais horizontais com a diminuição do lugar da autoridade; a
https://doi.org/10.36311/2022.978-65-5954-220-8.p11-26
12
publicitação de opiniões de forma ampla e irrestrita, diferente de alguns
anos em que a emissão de opiniões que tinham largo alcance era restritas a
poucos. Uma outra característica de nossa sociedade pós-moderna é a
valorização da felicidade individual, com frequência confundida com
prazeres, numa cultura que também busca essa felicidade em gurus,
autoajuda, coachs e intervenções reducionistas. uma certa positividade
tóxica”, ou seja, uma pressão para estarmos animados e motivados o tempo
todo. Frustrações, sofrimentos e angústias, que fazem parte da vida, não
raro, são patologizados e medicalizados (não me refiro a transtornos
mentais que necessitam de tratamento especializado).
O filosofo Byung-Chul Han (2015) considera a fadiga como uma
doença de nossa sociedade neoliberal focada em rendimento, denominada
como “sociedade do cansaço”. O que caracteriza o sujeito desta sociedade
é o sentimento de liberdade mesmo quando forçado a render, quando
explora a si próprio. Segundo Han, a pessoa se explora voluntária e
apaixonadamente, acreditando que está se realizando. Ela sente que precisa
se esforçar continuamente, trabalhar, estudar, otimizar-se para ter um bom
desempenho e fazer uma boa imagem. Predomina a crença do rito, da
autossuperação, por conseguinte, a pessoa é a responsável quando fracassa,
culpando a si mesmos e não à sociedade. Esse “fracasso” ou a possibilidade
de não conseguir mais, leva a sujeito à autorrepreensões destrutivas.
Lipovetsky (2021), filósofo que reflete sobre a hipermodernidade,
traz o sentimento de insegurança generalizada frente à qual não soluções
claras como um dos aspectos centrais de nossa cultura. Traz também a
forte presença do medo, as pessoas sentem que tudo está ruim e que será
pior. Esse medo e insegurança aparecem tanto no plano privado quanto
no plano cultural e político. Exemplifica no primeiro, as separações e a
instabilidade familiar que afetam profundamente as pessoas e, no segundo
13
plano, as preocupações relacionadas à piora da situação do país, a
globalização, as mudanças climáticas, a imigração, a violência urbana, a
situação econômica, o desemprego ou o futuro dos filhos. Para o autor, o
populismo é uma expressão desse estado de insegurança generalizada.
Algumas pessoas tendem a se voltar nostalgicamente para uma época
anterior, o que Bauman (2017) chamou de retrotopia, como se esta fosse
melhor ou prometesse mais segurança e proteção que a atual, esquecendo-
se dos horrores que ela também trouxe à grande parte da humanidade
como, por exemplo, as guerras mundiais e o holocausto.
Vivemos, portanto, em uma sociedade caracterizada pela rapidez
nas mudanças, fluidez, impermanência, amplitude, ambiguidade,
complexidade e desafios. Um exemplo que ilustra essa afirmação são as
tecnologias on-line, como a internet, os meios de comunicação eletrônica,
os aplicativos e as redes sociais, que, ao mesmo tempo que proporcionaram
expressivamente a ampliação da interação entre as pessoas, o acesso a
informações, as formas de participação e de expressão, os debates, entre
outros, também possibilitaram acesso a qualquer tipo de conteúdo, como
pornografia, violências, fake news, meias verdades, discursos de ódio...
Assim, o aumento da raiva, intolerância e polarizações, potencializado
pelas novas maneiras de se comunicar; mas também movimentos
coletivos de cooperação e solidariedade, potencializados pelos mesmos
meios de comunicação (VINHA et al., 2017).
A sociedade democrática requer que participemos de decisões que
nos dizem respeito, em assuntos que não dominamos plenamente, abrindo
espaço para manipulações, falsas informações e incitações ao medo, e isso
acontece com mais e mais frequência conforme aumenta a complexidade
dos nossos problemas. Tivemos experiências recentes da influência das
tecnologias nas eleições para presidente em 2018, durante o governo de
14
Bolsonaro e na pandemia, que trazem à tona a necessidade de preparação
das pessoas para novas possibilidades de participação, mais crítica, mais
deliberativa, mais consciente sobre as formas e poder dessa manipulação
tecnológica.
O período de pandemia que atravessamos é, de certo modo, um
espelho que reflete as crises de nossa sociedade, faz com suas características
se destaquem com ainda mais força. Ampliou as incertezas e inseguranças,
os medos, as desigualdades, as violências. Houve muitas divergências; idas
e vindas; informações e orientações distintas, muitas vezes contraditórias e
até enganosas; necessidades de escolhas que, não raro, colocaram em
contraposição o bem-estar individual e a responsabilidade com o coletivo.
Presenciamos ações de generosidade, coragem, compromisso social e
cuidado com o outro, mas também ações pautadas no individualismo,
violência, ganância, ignorância e menosprezo à vida humana. A pandemia
nos mostrou a necessidade de atuação coordenada entre os países, da união
e da solidariedade para enfrentamento da crise; o valor da ciência, dos
sistemas públicos e do poder das redes sociais promovendo crises, mas
também esclarecimentos, união e resistência às formas de opressão, avanço
da barbárie e desumanização.
Um dos caminhos apontados por Lipovetsky (2021) diante de tais
desafios é investir em educação, pois, apesar de a razão não resolver todos
os problemas, a mobilização da inteligência de homens e mulheres poderá
trazer soluções coletivas. É preciso preparar a nova geração não apenas para
“navegar” nesse mundo complexo, mas transformá-lo, buscando novas
formas de conviver, estar e agir sobre o mundo. Evidencia-se, portanto, a
necessidade de uma educação que contribua efetivamente para a
autonomia, para formar seres humanos dignos, respeitosos, justos,
comprometidos e responsáveis socialmente e ambientalmente. Educar para
15
essa sociedade também é desenvolver pensamento analítico e crítico,
aprender a lidar com o imprevisível e as incertezas, tendo valores morais
norteadores, como mostrou tão claramente a pandemia que vivemos.
Tais questões envolvem o tipo de pessoas que queremos formar e
a sociedade que almejamos construir. A Base Nacional Comum Curricular
(BRASIL, 2017, p. 19), documento de caráter normativo que define o
conjunto de aprendizagens essenciais que os alunos devem desenvolver na
Educação Básica, defende o compromisso da educação com a formação
humana integral e para a construção de uma sociedade justa, democrática
e inclusiva. Esse compromisso é traduzido num conjunto de competências
1
gerais da educação básica que devem ser desenvolvidas nos alunos pela
escola, tais como: a capacidade de argumentar com posicionamento ético;
de exercitar a empatia, o diálogo, a resolução de conflitos e a cooperação,
fazendo-se respeitar e promovendo o respeito ao outro, acolhendo e
valorizando a diversidade dos indivíduos e de grupos sociais e
reconhecendo-se como parte de uma coletividade com a qual se deve
comprometer; a capacidade de agir com autonomia tomando decisões com
base nos conhecimentos construídos na escola segundo princípios éticos
democráticos, inclusivos, sustentáveis e solidários; e de utilizar as
tecnologias digitais de comunicação e de informação de forma crítica,
significativa, reflexiva e ética
2
.
A escola, como inserida e parte da sociedade, é um espaço no qual
os problemas e desafios sociais têm reflexo e são, também, vivenciados.
Nela são reproduzidos comportamentos considerados certos ou errados
1
Na BNCC, competência é definida como a mobilização de conhecimentos (conceitos e
procedimentos), habilidades (práticas, cognitivas e socioemocionais), atitudes e valores para resolver
demandas complexas da vida cotidiana, do pleno exercício da cidadania e do mundo do trabalho
(BRASIL, 2017, p.10)
2
Excertos resumidos presentes na BNCC para o Ensino Médio (BRASIL, 2017).
16
pelas instituições sociais, os valores e contravalores, os julgamentos de atos
e de pessoas, os posicionamentos ideológicos com suas polarizações, as
atitudes de conciliação ou de rechaço e as agressões ou apaziguamentos.
Algumas vezes, diante desses desafios aparece um certo saudosismo do
passado que leva ao fortalecimento de posições que apregoam como
melhor a volta a um modelo tradicional de ensino baseado em relações
autoritárias e mantido por métodos com maior rigor, fiscalização e
controle punitivo, como se tais mecanismos dessem conta de formar para
essa sociedade tão diversa quanto complexa. Toda e qualquer escola
influencia os valores que seus agentes e alunos passam a viver e assumir,
mas nem toda a instituição desenvolve uma educação no sentido da
autonomia
1
e nem na direção de valores voltados à democracia e ao bem
comum como anteriormente exposto (MENIN, 1996).
Ao falarmos de valores democráticos, estamos nos referindo,
sobretudo, aqueles ligados ao respeito à dignidade de toda e qualquer
pessoa, independentemente de raça, classe social, gênero, etnia, cultura ou
religião, com o reconhecimento das diferenças entre pessoas, à justiça (que
contempla a igualdade e equidade), à solidariedade e à cooperação entre
indivíduos e grupos e, sobretudo, ao diálogo como modo de interação, de
troca de perspectivas e de busca de entendimento. Todos esses valores até
seu domínio autônomo, fazendo parte de uma personalidade ética (LA
TAILLE, 2006), necessitam ser construídos em um processo de
desenvolvimento que envolve a vivência de experiências diversas, de
1
Na moral heterônoma, os valores não se conservam sendo regulados pela pressão do meio, isto é,
o sujeito modifica seu comportamento moral em diferentes contextos. Ao contrário, na autonomia
moral, o sentimento de aceitação ou de obrigação para com as normas é interno (autorregulação),
sendo fundamentado na equidade e nas relações de reciprocidade, concebendo a moral como regras
e princípios que regem as relações entre todos os seres humanos. Desse modo, na pessoa autônoma,
há a conservação dos valores, apesar das mudanças de contextos e da presença de pressões sociais
(LA TAILLE, 2006).
17
interações e de reflexões que podem e devem ser organizadas por processos
educacionais devidamente planejados.
Trata-se, portanto, de uma educação escolar que assuma a
educação para a autonomia e para a democracia como uma de suas funções
e que a exerça de modo intencional. Tal como destaca Touraine (1998),
uma escola democratizante é aquela que assume o compromisso de
desenvolver a capacidade e a vontade dos indivíduos de serem atores e
ensina a cada um o respeito a liberdade própria e do outro, os direitos
individuais e a defesa de interesses sociais e valores culturais. Por
conseguinte, essa forma de educação que visa o desenvolvimento moral
não ocorre por imposições de normas ou transmissão de conceitos sobre o
que é certo e errado, mas envolve a promoção, desde a infância, de
capacidades para que as pessoas possam situar-se frente aos problemas
morais e "mover-se" neles. A capacidade de tomar decisões e emitir juízos
morais (baseados em princípios internos) e agir de acordo com tais juízos
é o que Lawrence Kohlberg, discípulo de Piaget eminente psicólogo que
dedicou cadas de estudo ao desenvolvimento moral, denominou
competência moral (BATAGLIA, 2010). Georg Lind (2021), psicólogo e
professor aposentado da Universidade de Konstanz na Alemanha,
desenvolveu e operacionalizou o conceito de competência moral de
Kohlberg concebendo-o como a capacidade de resolver problemas e
conflitos na base dos princípios morais (universais) ou valores, por meio
da reflexão, diálogo e deliberação, ao invés de uso da força, violência,
engano e manipulação, ou por meio da submissão à autoridade ou à outras
pessoas. A relação dessa competência com a ação moral é esclarecida por
Silva e Bataglia (2020, p. 528):
18
[...] agir moralmente depende do desenvolvimento de uma capacidade,
a de refletir e aplicar consistentemente princí-pios em situações difíceis,
dilemáticas. Quando nos defrontamos a essas situações que exigem de
nós uma resposta e os cursos de ação possíveis são conflitantes e
mutuamente excludentes, somos mobilizados afetivamente e, nesse
momento, exibimos ou não a capacidade de agir de acordo com
princípios, apesar da comoção (SILVA; BATAGLIA, 2020, p. 528)
Essa notável temática, relacionando-a com outros estudiosos do
desenvolvimento moral, principalmente Georg Lind, e com questões
atuais da sociedade, da democracia e da educação é o foco da presente obra
que tenho a honra de prefaciar. São questões amplas, relevantes e urgentes.
Ela foi idealizada a partir de uma disciplina do Programa de Pós-
Graduação em Educação da Unesp de Marília, A teoria kohlberguiana em
seus aspectos de filosofia, psicologia e educação”, ministrada pelas professoras
Patricia Unger Raphael Bataglia e Cristiane Paiva Alves, que junto com a
doutoranda em educação da Unicamp, Elvira Maria Pimentel Ribeiro
Parente, organizam esse livro. Ele possui duas partes, a primeira que trata
de ensaios e estudos que subsidiam teoricamente propostas e implicações
pedagógicas e a segunda, que traz dilemas morais para serem discutidos na
escola e em outros espaços educativos.
Neste livro aprendemos que o conceito de competência moral
contempla aspectos afetivos e cognitivos, e como qualquer competência,
trata-se de uma construção psicológica social que não desenvolve de forma
espontânea e nem pode ser ensinada diretamente, cabendo a educação
escolar promover espaços e ambientes sociais que favoreça esse
desenvolvimento. Para tanto, Lind desenvolveu o Método Konstanz de
Discussão do Dilema, o KMDD.
19
De forma sintética, nesse método discute-se um dilema, ao longo
de 90 minutos, solicitando que os participantes decidam o que o
protagonista deve fazer ou julguem uma decisão difícil tomada por ele,
fundamentando sua decisão na forma de raciocínios morais e logicamente
válidos, argumentando, escutando e utilizando contra-argumentos. Um
dilema moral contém um conflito de dois valores que são igualmente
defensáveis e uma decisão que deve ser tomada, sem que haja respostas
corretas. Para o autor, falar e ouvir são dois elementos primordiais para
que os indivíduos possam viver em uma sociedade democrática e não
assuntos considerados indiscutíveis. Os participantes devem expor suas
ideias e as motivações que levam a uma escolha, trocar seus pontos de vista
e tentar considerar todos eles. Na medida em que os outros podem
provocar um "desequilíbrio" no sistema do próprio indivíduo, ou seja, um
"desafio" a suas explicações, crenças, valores etc. e criar-lhe um conflito
interno, este tenderá a resolvê-lo incorporando um novo elemento ao que
até agora não havia não havia percebido, ou reorganizando suas ideias.
Ressalto a validade dessa proposta, ainda mais considerando a
importância de se favorecer intencionalmente o desenvolvimento moral.
Esse tipo de trabalho contribui para o estudante questionar-se sobre juízos
mais ou menos automatizados e a dar respostas novas a interrogações e
dúvidas surgidas durante o processo de reflexão, promove a descentração,
a tomada de consciência sobre temas éticos, a identificação e coordenação
de perspectivas, a argumentação, a hierarquização dos valores e
argumentos, a tomada de decisões com critérios morais, o pensar em
consequências. Permite ainda conjugar a reflexão individual e a interação
com o grupo, de forma dialógica, e enriquecer o próprio processo de
pensamento com a inclusão de componentes do grupo. Tais capacidades
são necessárias para a conservação de valores morais e a conquista da
autonomia. Os efeitos do KMDD foram estudados por vários anos
20
apresentando resultados efetivos em grupos de diferentes idades, mesmo
acontecendo poucas vezes no ano.
Lind defende a formação de pessoas autônomas e o fortalecimento
da democratização pela via do desenvolvimento da competência moral que
é promovido por meio da deliberação, da discussão e o exercício do
diálogo, pautado em princípios morais. Autor do primeiro capitulo deste
livro, reflete que a democracia é uma forma de convivência muito difícil,
sendo necessário que as pessoas saibam solucionar “conflitos e problemas
que resultam inevitavelmente da aplicação de valores públicos”. Defende,
a importância de se desenvolver a competência moral-democrática para
lidar com tais situações e, para tanto, propõe o desenvolvimento dessa
competência por meio da discussão de dilemas coletivos, posto que a
formação de sujeitos democráticos envolve necessariamente a reflexão
acerca da sociedade atual. Lind considera fundamental essa competência
porque em uma democracia, “seus cidadãos são obrigados a governarem a
si mesmos, isto é, resolver problemas e conflitos que encontram sozinhos
ao invés de deixarem outras pessoas decidirem o que fazer”. O sujeito que
não desenvolveu esta competência acaba por recorrer a violência, a
agressividade e a submissão para resolver conflitos e contradições. A
obtenção da “ordem social” ocorre, desta forma, por meio de
regulamentos, polícia, judiciário, grandes instituições etc.
Organizado em duas partes, tais questões são discutidas em
profundidade nos 14 capítulos da primeira parte que foram elaborados por
28 professores e pesquisadores de diferentes instituições e pós-graduandos
que desenvolvem reconhecidos estudos na área do desenvolvimento moral
e educação. Os capítulos são de grande valor, trazendo discussões
fundamentadas e suscitando reflexões. Cada um deles possui
determinado(s) objetivo(s) e desenvolve as ideias de forma independente.
21
Todavia, a obra segue uma estrutura organizadora e articuladora que
promove algo pouco frequente, a amplitude e especificidade, além de
expressivas implicações educacionais.
Essa primeira parte trata de uma fundamentação teórica sobre
desenvolvimento e competência moral, revisões da literatura e relatos de
estudos que vão subsidiar o trabalho com a competência moral e também
com o KMDD em contextos diversos. Como anteriormente mencionado,
o primeiro capítulo é de autoria do próprio Lind que apresenta e reflete
sobre as aprendizagens que teve ao longo de décadas de pesquisa sobre
avaliação e educação da competência moral-democrática. Do segundo ao
sexto capítulo são discutidas as principais teorias da psicologia nessa área
como Piaget, Kohlberg e Gilligan, aprofundando nas contribuições de
Lind e a complexidade desse desenvolvimento. Também são feitas
reflexões sobre a contemporaneidade, o fascismo e é apresentado o estado
das pesquisas em competência moral no Brasil. Os capítulos 7 a 9 refletem
sobre a competência moral relacionando-a a temas específicos como a
religiosidade e a espiritualidade, a liderança transformacional e as
instituições de acolhimento para crianças e jovens. Os próximos quatro
capítulos focam mais a dimensão educacional, abordando a competência
moral e educação escolar, articulando-a com os desafios no contexto e
apresentando como a discussão de dilemas na escola pode contribuir para
a promoção dos valores e dessa competência. Mostra também o desafio,
complexidade e riqueza desse trabalho quando o dilema implica em uma
escolha entre valores tão importantes como, por exemplo, a lealdade e a
honestidade. Por fim, o 14º e último capítulo dessa primeira parte é
apresentado com clareza o método KMDD e como podem ser trabalhados
os dilemas morais por meio de processos e cenários distintos, tais como, o
Teatro Fórum, o jogo das cadeiras, entre outros. É reforçada a importância
do desenvolvimento profissional docente favorecer as competências
22
morais, para que possa promover um ambiente favorável a construção da
autonomia pelos estudantes.
A segunda parte do livro apresenta vários dilemas morais
envolvendo situações vivenciadas em diversos contextos (escolas, abrigos,
universidades, posto de saúde etc.) para serem discutidos em sala de aula.
Eles foram elaborados pelos autores dos artigos e discentes da disciplina,
sob supervisão das organizadoras dessa obra. O primeiro conjunto, é
composto de dilemas com solução, em que é apresentada a decisão tomada
pelo protagonista para que os participantes emitam juízos de valor sobre a
decisão. Em cada um destes, um quadro com argumentos e contra-
argumentos referentes às soluções relacionando-os à cada um dos seis
estágios do desenvolvimento moral de Kohlberg (lembrando que, a
essência da moralidade está no princípio inerente à ão, ou seja, nos
motivos pelos quais alguém age de determinada forma). no segundo
grupo de dilemas, os conflitos são abertos, ou seja, não um desfecho
(sem solução) e os participantes devem criar uma solução sobre o que o
protagonista deve fazer.
Os dilemas propostos nessa segunda parte trazem uma riqueza de
possibilidades de serem explorados em discussões morais, promovem o
refletir sobre si mesmo e sobre a vida em conjunto com os outros,
desenvolvendo a competência moral que levará os jovens em direção
contrária aos processos de conformidade social, imposição, violência ou
submissão à autoridade.
Esse trabalho periódico na escola é mais do que necessário, visto
que, ao longo de sua vida, uma pessoa i se deparar com frequência com
situações dilemáticas em que conflito entre valores. Tavares e Menin
(2015) coordenaram uma pesquisa que investigou a adesão valores de
justiça, respeito, solidariedade e convivência democrática (perspectiva
23
social) em professores e estudantes. Encontraram que os jovens e adultos,
mais do que as crianças, tiveram maior adesão aos valores de solidariedade
e respeito, e, em seguida, justiça e convivência democrática. Todavia, em
todos os valores o predomínio de um modo de adesão relacionado à
obediência às normas, à autoridade e às convenções sociais, legitimando os
valores e regras mais presentes em sua comunidade. Destaca-se que a
justiça e a convivência democrática foram os que tiveram menor adesão,
que indica o pouco que o experienciados no cotidiano da vida, seja na
escola ou fora dela. Neste estudo foi encontrada uma forte relação entre a
qualidade das interações sociais vividas na escola e o modo de adesão aos
valores. As adesões em níveis mais altos ocorreram em situações em
crianças e jovens tinham vivido relações mais igualitárias, justas e
respeitosas.
Os resultados encontrados por Tavares e Menin (2015),
novamente apontam a urgência de a escola propiciar um ambiente
democratizante que favoreça o desenvolvimento da competência moral-
democrática proposto nesta obra. Para tanto, no decorrer dos deste livro,
os autores destacam, sobretudo, o uso do diálogo, da argumentação com
respeito aos diversos pontos de vista, da tomada de perspectivas múltiplas
para a compreensão do outro, a resolução dialógica de problemas e a
responsabilidade coletiva pelo cumprimento dos acordos.
As mudanças das últimas décadas possibilitaram enorme avanço e
maior diversidade de ideias, formas de expressão, interações, de formas de
viver e se relacionar, de inserção de diferentes culturas, raças, etnias,
religiões, sexo, gênero, condições socioeconômicas, entre outras. O
aumento da complexidade de nossa sociedade é uma riqueza e traz também
enormes desafios. Esse diferente”, não familiar, que gera estranhamento
e, muitas vezes, temor, tem o poder de ampliar nossa visão, transformar
24
nossas ações e melhorar tanto as pessoas individualmente, quanto a
sociedade. Nessa interface entre a dificuldade e potência da diversidade
aparecem inúmeros dilemas que uma democracia tem que lidar. Identificar
tais dilemas e saber equacioná-los, mesmo que sem solucioná-los porque
muitas vezes não uma única solução, mas possibilidades distintas de
decisão e atuação que devem ser refletidas considerando os valores
envolvidos, contribui para que crianças e jovens coordenem perspectivas,
desenvolvam uma postura dialógica e reconheçam que a diversidade é
fundamental e constituinte da sociedade democrática.
Lind (2018) compreende a democracia como um ideal moral,
como um valor, para além de um sistema de governo. Ele reconhece que o
mundo está mais complexo e que encontramos cada vez mais problemas,
desafios e conflitos jamais pensados por nossos ancestrais. Para o autor, a
negociação pacífica dos conflitos requer a habilidade dos participantes para
ouvirem-se uns aos outros independentemente de serem oponentes ou
inimigos. “Se quisermos encontrar a base moral para a solução de um
conflito, devemos apreciar argumentos não apenas advindos de pessoas que
suportam nossa posição, mas também daquelas que são nossas oponentes
(LIND, 1998, p. 03). É justamente o desenvolvimento dessa competência
moral que faz com que regulemos reações agressivas e evita que procuremos
abrigo em alguma personalidade forte ou detentora de poder, como temos
visto com tanta frequência atualmente. Tal competência é crucial para a
participação democrática.
Com consistentes argumentação teórica e revisão da literatura na
área, além de implicações educacionais, proposição de dilemas variados e
descrição de como desenvol-los na escola de modo a favorecer a
competência moral, esse livro é destinado a todos aqueles que veem a
educação como um direito fundamental promotora da autonomia dos
25
estudantes, de forma que possam atuar como cidadãos na transformação
da sociedade em direção a uma democracia cada vez mais participativa,
inclusiva, justa e plural.
Referências
BATAGLIA, P. U. R. A Validação do Teste de Juízo Moral (MJT) para
Diferentes Culturas: O Caso Brasileiro. Revista Psicologia: Reflexão e
crítica. v. 23, n. 1, p. 83-91, 2010.
BAUMAN, Z. Modernidade Líquida. Rio de Janeiro: Zahar, 2003.
BAUMAN, Z. Retrotopia. Rio de Janeiro: Zahar, 2017.
BRASIL. Base Nacional Comum Curricular. Brasília: MEC, 2017.
HAN, B. C. Sociedade do cansaço. Petrópolis: Vozes, 2015.
LA TAILLE, Y. Moral e ética: dimensões intelectuais e afetivas. Porto
Alegre: Artmed. 2006.
LIND, G. An introduction to the moral judgment test (MJT).
Unpublished manuscript. Konstanz: University of Konstanz. 1998.
Disponível em: https://www.uni-konstanz.de/ag-moral/pdf/Lind-
1999_MJT-Introduction-E.pdf. Acesso em:11 mar. 2019
LIND, G. How to teach moral competence. New: Discussion Theater.
Berlin: Logos-Publisher. 2018.
LIPOVETSKY, G. Entramos na era da insegurança ou na era do medo.
Entrevista à Marie-Lucile Kubacki. São Leopoldo, RS: Instituto
Humnitas Unisinos, 22 mai. 2021.
26
MENIN, M. S. S. Desenvolvimento moral: refletindo com pais e
professores. In: MACEDO, L. (org.). Cinco estudos de educação moral.
São Paulo: Casa do Psicólogo, 1996, p.30-101.
SILVA, M. E. F.; BATAGLIA, P. U. R. Mapeamento da produção
científica brasileira sobre segmentação moral pelo estado da arte.
Psicologia Argumento, v. 38, n. 101, p. 524-547, 2020.
TAVARES, M.R.; MENIN, M.S.S. (Coord.). Avaliando valores em
escolares e seus professores: proposta de construção de uma escala.
Textos FCC. São Paulo: FCC-DPE, v.46, out. p. 1-85, 2015.
TOURAINE, A. Poderemos viver juntos? Iguais e diferentes. Petrópolis,
RJ: Vozes, 1998.
VINHA, T. P.; NUNES, C. A. A.; SILVA, L. M. F.; VIVALDI, F. M.
C.; MORO, A. Da escola para a vida em sociedade: o valor da
convivência democrática. Americana, SP: Adonis, 2017.
______________________________
PARTE I
ESTUDOS SOBRE
COMPETÊNCIA MORAL
______________________________
28
29
1
ASSESSING AND EDUCATING MORAL-
DEMOCRATIC COMPETENCE
1
Georg Lind
2
Socrates: But if this be affirmed, then the desire of good is common
to all, and one man is no better than another in that respect?
Menon: True
Socrates: And if one man is not better than another in desiring
good, he must be better in the power of attaining it?
Introduction
Every journey, even the longest, starts with a first step. Every
democracy, even the most advanced one, begins with speaking up about
things that really matter for us, and with listening to those who disagree
1
Uma versão traduzida deste capítulo encontra-se na sessão “Adicionais”, ao fim do livro.
2
Prof. Dr. Georg Lind died unexpectedly on 30th of november 2021. This text at hand was his
last one. In 2020 Georg founded the "Institute for Moral-Democratic Competence (IMDC)". The
IMDC will continue Georg's work. In particular, this is the maintenance and further development
of inclusive, effective and efficient methods such as the Konstanz Method of Dilemma Discussion
(KMDD®) or the Discussion Theater (DT). The IMDC verifies its effectiveness in fostering moral-
democratic competence by means of the Moral Competence Test (MCT) and other objective and
valid instruments with which moral-democratic competence can be made visible. The IMDC
conducts its own workshop seminars to train and certify KMDD teachers and KMDD trainers for
KMDD, as well as for analogous programs such as the Discussion Theater.” (Kay Hemmerling)
https://doi.org/10.36311/2022.978-65-5954-220-8.p29-48
30
or have their own reason for speaking up. The very essence of democracy
relies on speaking up and listen to others, and on resolving inevitable
conflicts through thinking and discussions based on shared moral
principles such as freedom, justice, cooperation and truth rather than by
using brute force and deceit, of by letting others decide for us.
Ideally, all institutions in a democracy, ideally, operate on the same
premise, namely mediating conflicts in a peaceful way, that is, by coming
to an agreement that is fair and respects the worth of each individual
regardless of wealth and social power. This is, as the philosopher
Immanuel Kant (1785) stated, the highest standard’ of democratic life:
Act as if the principle on which your action is based were to become by
your will a universal law of nature, and treat humans in every case as an
end, never as a means only. An updated and communicative extension of
this democratic standard has been presented by philosophers like Jürgen
Habermas (1990), who states that we should always seek a ‘moral’ solution
to a conflict, that is, one which excludes any use of power or violence, but
rest only on reason and dialogue.
Democratic ideals, values, or beliefs are essential for developing
and maintaining a democratic society. If people would not value the ideals
of democracy, and if they would not believe that this is the best form of
government, it certainly would not prevail. Most, if not all, people in the
world value that high moral ideal of democracy. The World Values Surveys
indicates that most people all over the world hold democratic values.
Citizens of Islamic or Buddhist or Communist countries do not differ in
regard to their democratic ideals from citizens from the US or from other
Western countries (INGLEHARD; NORRIS, 2003; SEN, 1999).
The authors of the American declaration of independence “hold
these Truths to be self-evident, that all Men are created equal, that they
31
are endowed by their Creator with certain unalienable rights that among
these are Life, Liberty, and the Pursuit of Happiness.” As many surveys
show, the democratic ideal is not confined to North America or Europe
but can be found around the globe, regardless of cultural and religious
background. The agreement on these ideals is documented in many
international declarations—for example, the Convention on the Rights of
the Child--, and most national constitutions refer to unalienable
democratic ideals as the ultimate standard for policymaking, law-
enforcement, and education.
Yet, these ideals contrast sharply with reality. There are daily
media-reports about violent conflicts, corruption, deceit, and other
criminal offenses, and about governments which feel it to be necessary to
restrict democratic rights. They show that we are far from being able to
live in harmony with our democratic ideals. In fact, more often than we
like, we do not live up to these ideals. All too often, we resort to power,
violence or wars to resolve differences of opinion, or use deceit to settle
conflicts, or bow down to other people who offer to solve all our problems
and think for us. This gap between the moral ideal of democracy, on the
one side, and everyday life, on the other is, as research shows, best
explained by the lack of moral-democratic competence in most citizens. If
people have had no opportunity to develop a minimal ability to solve
conflicts through thinking and discussion, they can solve them only by the
use of violence, deceit and submission to others.
This insight raises two important questions: First, how can we
make moral-democratic competence visible so that we can research
hypotheses about its nature and relevance for every-day decision-making?
Second, what learning opportunities can and should we provide young
32
and old people so that their moral-democratic competence can grow and
flourish?
In the past five decades I have spent most of my time searching for
an answer. Here I will give you an oversight of the best answers that I have
found.
1. The meaning of moral orientations and moral competence
Human behavior can be described in two ways: first, which aim or
direction it is pursuing, and second, how well or capable it is in doing do.
In psychology, the first aspect of behavior is called in different ways:
content, attitudes, orientations, or values. The second aspect is also called
differently, e.g. structure, cognition, judgment, ability or competence. For
example, if I wish to travel to Seoul, this city can be called my orientation
(orientation is my preferred term for the first, affective aspect). In contrast,
the way I plan and realize my aim, shows my ability to reach this aim. In
this case it shows my travelling competence. Similarly, private and public
values describe the affective aspect or orientation of our behavior. The way
in which we put them to practice is described as value competence or moral
competence.
Both aspects of behavior, orientation and competence, are
important. However, they must not be confused because they have
different origins, are measured in different ways, and must be treated
differently in education. Our moral orientations or moral ideals are
inborn. Even preverbal babies and animals show moral sensitivity. They
do not need to be taught. Our moral competence is also given us at birth
only very minimally. In order to be effective it must develop, and it
33
develops best when we used it, like muscles grow only when we use them.
While moral orientations can be simulated in any directions, moral
competence cannot be simulated upward. For example, moral orientations
or attitudes as assessed with the Defining-Issues-Test (DIT) by Rest
(1979) can be simulated upward (EMLER, et al., 1983). In two replication
experiments with the Moral Competence Test, no upward movement of
scores could be simulated (LIND, 2002).
Moral principles are a special kind of values, namely those which
can be agreed by all people. As criterion for distinguishing moral principles
from other values, the philosopher Immanuel Kant (1785) has suggested
his categorical imperative. Only a few values meet this criterion, namely
values like freedom, justice, truth, and cooperation. All other values,
which are specific for certain cultures, religions, communities, or
individuals, are called relative values or relative orientations. They cannot
be expected from everyone. Only if we respect this distinction, Kant taught
us, we can keep peace. If we try to “convince” other people of our relative
values through force, they will eventually defend themselves through force.
But if we insist on universal moral principles as basis for settling conflicts
and solving problems, we have a good chance to live together peacefully
and maintain democracy.
But moral orientations are only one of two basic requirements. As
Socrates and Confucius taught, all people want to be good but differ in
regard to their ability to be good. Good action requires moral competence.
Moral competence is the ability to solve problems and conflicts on the basis
of (universal) moral principles or values only through thinking and discussion,
instead of through the use of force and deceit, or through submission to other
people (LIND, 2019).
34
This definition builds upon, and extends, the definitions by the
psychologist and educator Lawrence Kohlberg and by the philosopher
Jürgen Habermas. Kohlberg (1964) defined moral judgment competence
as the ability to base one’s judgments on internal moral principles and to
act accordingly. Internal moral principles are distinct from external social
principles. Of course, there is a great overlap with public values because
internal moral principles common to all people. But they are not identical.
Private and public values can sometimes differ considerably when they are
spelled out in concrete.
Habermas (1990[1983]) speaks of communicative competence.
He defines it as the ability to solve conflicts by free discourse instead of
using force and violence. In everyday life we all experience how difficult it
can be to meet this criterion. Oft people find it too difficult to think for
themselves, and rather let other people decide what to do. Often they find
it also very difficult to talk with opponents about disagreeing opinions,
but stop the conversation prematurely or become aggressive.
Hence, if we want to maintain and develop democracy as a way to
live together peacefully, we need to assess people’s level of moral
competence. If it turns out to be too low, we need to foster it with adequate
education.
2. How to make moral competence visible
If a human trait is real, that is, if it guides and directs human
behavior, then it is also visible and we can see and scale it. This truth seems
simple. But in the past, it has been mostly overshadowed by the (false)
belief that psychological traits are hidden and cannot be observed
objectively. Two different conclusion have been drawn from this believe.
35
Most, if not all, objectively” oriented psychologists have completely
discarded psychological traits from their agenda (WATSON, 1913), or
they have misconceived them as social norms. So for example, Hartshorne
and May (1928) have operationally defined “moral behavior” as such
behavior which complies with external standards of society (or its agents,
the researchers). Thus, the core element of morality, namely complying
with internal standards, has been given up and replaced by social or legal
standards. At the end of their study the authors admitted that this was a
mistake. Their experiments had failed to demonstrate any consistency of
norm-following behavior.
Moreover, because objectively oriented psychologists do not
recognize internal, organizing principles of human personality, they see no
sense in looking out for the structure of individual’s behavior but look only
for consistency across random samples of subjects. In addition, without a
sense for individual structure, objectively working psychologists focus
merely on isolated responses of an individual (“items”), and regard
variations of response structure merely as sources of measurement error or
unreliability instead of an expression of cognitive structure (LIND, 2010).
In contrast, “subjectively” oriented psychologists like Piaget and
Kohlberg insist that we cannot do research without a psychological object
to be studied and without looking at individual personality structures.
Because they also thought that psychological traits like morality are
somehow hidden, they can be studied only with subjective or qualitative
methods. Piaget (1965) developed what he called a “clinical interview
method.” He used a mixture of behavioral observation (e.g., of children’s
plays) and of interviewing them (by telling little moral stories and asking
the participants to judge the wrongness of deeds and the reason for their
36
judgment). Later, Kohlberg refined this method in order to assess
participants’ developmental stage of moral development.
Although there subjective research method was worked out well
and has made possible many valuable insights into the moral judgment of
humans, it was not satisfactory for two reasons. First, objectively minded
psychologist questioned their findings in principle. They argue that
subjective scoring is susceptible to self-serving biases. In fact, in my review
of Kohlberg’s Moral Judgment Interview, I found a scoring instruction
which was favoring results that were in line with his theory of an invariant
developmental sequence (LIND, 1989). Second, both theorists were
confused regarding the role of behavior in their theory. Piaget (1965)
thought that he dealt only with judgment, but not with behavior.
Similarly, Kohlberg (1984) and his followers believed that moral judgment
is something apart from behavior and, therefore, tried to study the
judgment-behavior relationship.
Both have overlooked that their data on judgment were behavioral,
not just imagined. But their understanding of behavior was different from
behaviorists’ understanding of behavior. Namely, they tried to describe
behavior from their participants own point of view instead of from the
researchers’: They were interested to answer questions like this: is taking
away the toy from another child seen by the actor as stealing, as borrowing,
or just as sharing? Without taking the point of view of the actor in account,
we cannot adequately describe and study his or her behavior in terms of
its moral quality.
They also overlooked that structure means the relationship
between the behaviors of a person in different situations, that is, the
consistency of their behavior in regard to their moral orientations.
Without looking at behavior in context, we cannot interpret someone’s
37
behavior adequately. For example, if a person accepts a moral principle
only when it supports his opinion, but not when it disagrees with it, we
cannot say that this person acts according to moral principles. Rather we
would say that he or she uses moral principles only to rationalize his or her
decision. Actually, in the initial form of his interview method, Kohlberg
probed the participants with counter-arguments. Unfortunately, he
dropped them later.
Our Moral Competence Test (MCT) has been constructed in
order to resolve the dilemma between an objective research without an
object, and subjective research without objective data. The MCT make
people’s moral competence visible without subjective interpretations and
without relying on questionable statistical models. Through the MCT’s
multivariate experimental design we can, assess the structure of an
individual’s pattern of responses to systematically varied questions (LIND,
2019[1978]). We call this new method underlying the MCT,
Experimental Questionnaire, EQ (LIND, 1982). An EQ is not a
psychometric test that requires statistical assumptions (Classical Test
Theory, or Item Response Theory, to name the most common ones). Rather
it rests solely on a psychological concept of human traits like moral
competence. Statistical methods are invoked only afterwards, when we
translate the optical diagnosis into a number (C-score) so that we can do
numerical analyses.
Concretely, the MCT presents two stories to the participants. Each
story contains the difficult decision of a fictitious protagonist. One is about
a doctor, the other about two workers. Each story is followed by six
arguments in favor and six arguments against the protagonist’s decision,
which the participants are invited to rate on a scale from -4 to +4 as to
their acceptability. The arguments differ not only in regard to their
38
opinion agreement but also in regard to their moral quality. The
arguments have been carefully grafted to represent each of Kohlberg’s six
types of moral orientation. The arguments were reviewed by several
experts.
The MCT allows us to see whether the participants rate arguments
in regard to their opinion-agreement, or in regard to their moral quality.
Obviously, only when people are able to see the moral quality of others
arguments, a discussion can lead to an agreement. In the following figure,
two extreme pattern of responses are depicted, one showing no moral
competence at all, and the other one showing an almost perfect pattern of
a morally competent individual.
FIGURE 1 Two Response Patterns Manifesting Different Degrees of Moral
Competence (one story only)
Fonte: Lind (2019)
When you look at the rating of the encircled supportive argument
of type 6 of both participants, you see no difference. They both rated it
“+4”, that is maximally agreeing. However, when you look at these two
39
person’s complete pattern of ratings, you see that both identical ratings
mean something quite different. The person on the left side rated all
arguments very positively. That means that she rates the supportive type-
6 argument only high because it supports her stance on the decision. She
even strongly rejected type-6 reasoning when she is to rate counter-
arguments. So her judgments are clearly not determined by her moral
orientation, but by her wish to defend her stance. In contrast, the pattern
of judgments of the person on the right side shows clearly that she has
judged all arguments, supportive as well as counter-arguments, by their
moral quality. She rejects “bad” arguments even if they support her stance.
And she accepts counter-arguments even if they question her stance on an
issue.
So, in order to make an individuals’ moral competence visible, we
need only to look at their responses (after ordering them according to the
type of the arguments’ moral orientation) without invoking statistics and
questionable statistical assumptions. The MCT works, so to say, like a X-
ray device.
For technical experts: The optical information contained in these
response patterns are translated into a numerical score for moral
competence (C-score) through a multivariate analysis of variances. The C-
score is the proportion of an individual’s responses determined by moral
considerations in relation to his or her total response variation (LIND,
1978). It can range from 0 to 100. The scores typically range in the lower
half of this scale as the following Figure indicates (solid line).
40
FIGURE 2 Low and High C- Score and type of society
Fonte: Lind (2019)
The above figure indicates the fact that most people’s moral
competence is below 20. Various experimental and correlation studies
show that at least a moral competence of 20 is needed to make a difference
in various fields of behavior (LIND, 2019). In other words, if people have
a C-score below this, they cannot solve problems and conflicts though
thinking and discussion but only through the used of force and deceit, or
through submitting to the commands of other people. For obvious
reasons, the form of government is closely related to citizens’ level of moral
competence. If they use force and deceit, or let others think for them, they
need to be controlled by a strong authority. Living in a free, democratic
society requires that all citizens have had the opportunity to develop a
minimum level of moral competence (dotted line; see also SEN 2009;
NOWAK et al., 2013).
41
3. The konstanz method of dilemma-discussion (kmdd)®
As the world grows ever more complex, we encounter more and
more new problems and conflicts, which our ancestors never could
imagine. If we feel overwhelmed by the problems that we are confronted
with, we either react aggressively and criminally, or we seek shelter under
some strong personality or power. So if the moral competence of the
citizens could not develop to a certain minimum, democracy is
endangered.
Some citizens can grow up in a favorable environment in which
they have ample time and opportunity to practice their moral competence
and develop it to the level needed in the context in which they live and
work. But most people do not grow up under such a lucky condition.
Many people, even university students, report that their learning
environment offers little or no opportunity of responsibility-taken and
guided reflection (SCHILLINGER, 2006). Consequently, their level of
moral competence is rather low. An extreme example are prisoners who
got into trouble because they had a rather low ability to solve problems
without resorting to violence and deceit, and then even loose their little
moral competence in prison because they are deprived from any
opportunity to practice it. No wonder that they get back into prison the
sooner the longer they had to stay in prison.
Hemmerling (2014) has demonstrated convincingly that this lack
of opportunity can be compensated effectively by offering them “KMDD-
sessions.” KMDD stand for the Konstanz Method of Dilemma-Discussion
which I have developed on the basis of the dilemma-method created by
Moshe Blatt and Lawrence Kohlberg (1975). The Blatt-Kohlberg method
is hardly used anymore because Kohlberg declared it as unsuccessful even
42
though it showed to be very effective (LIND, 2002). It was unsuccessful
in his eyes because teachers did not want to use it. For them it required
too much training and too much time for preparation. Some also felt that
Kohlberg asked for too much instruction by the teacher which left not
much room for students’ own thinking.
I decided to safe this method by making it easier to apply and by
offering the teachers a more thorough training. I have described the
KMDD in my book “How to teach moral competence” (LIND, 2019).
For really understanding and applying the method effectively, a practical
training and certification is needed. The KMDD is even more effective
than the Blatt-Kohlberg method (however only when applied by a well-
trained teacher) and is very efficient. One 90-minute session can produce
more increase of moral competence than a whole school year.
In a carefully designed, randomized intervention experiment with
Thai college students, Lerkiatbundit et al. (2006) found high and
sustainable effects of the KMDD on moral competence. The experimental
group gained 12 C score points on the MCT, and this gain could still be
observed six months after the end of the intervention. The high average
gain is remarkable as the MCT showed a high stability in a separate
‘reliability’ study (r = 0.90) (LERKIATBUNDIT et al., 2004), and the C
score remained almost unchanged in the control group. Other studies
found similar gains. For comparison, the gains with the Blatt Kohlberg
method were, on average, about 6 percentage points per year (LIND,
2002). The effect sizes of both intervention methods compare favorably to
average effect sizes of “effective” psychological, educational and medical
treatments.
43
Conclusion: Democracy and moral competence
Democracy can only work when most citizens have learned how
to solve the conflicts and problems which inevitably result from the
application of public values. When we want to be good we often find
ourselves in a dilemma-situation, that is, in a situation in which all possible
courses of action would violate a basic moral principle. In order to solve
such dilemma situations we need moral-democratic competence. In other
words, democracy is a very demanding form of living together. Its citizens
are required to govern themselves, that is, to solve problems and conflicts
which they encounter on their own instead of letting other people decide
what to do.
Thus moral competence is the basic pillar of democracy. If people
have not been able to develop this competence, order must be enforced
through trained police, judicial personnel, prison guards and large
institutions etc. This costs a vast amount of money. Such enforcement has
also its limits because it breaks down if too many citizens and even law-
enforcement personnel lack moral competence. Moral competence is not
only needed in the public sphere but also in private life, schools, and
business (LIND, 2021).
After more than forty years of research and development in this
area, I am sure that we could improve the quality of all our lives and also
save us many costs, if our schools would foster moral competence in all
people. It would stabilize and develop our democracy. This is possible. We
have developed a very effective method for fostering moral competence. It
would requires little time and no changes of schools’ and universities’
curriculum. The only challenge is the training of teachers to use this
method, because the method works only if the teachers understand it and
44
apply it competently. Therefore, all institutions of higher education
should offer such training. This is their most essential duty in a democracy.
References
BLATT, M. KOHLBERG, L. The effect of classroom moral discussion
upon children's level of moral judgment. Journal of Moral, Education,
v.4, p.129-161, 1975.
DEWEY, J. Democracy and education: An introduction to the
philosophy of education. New York: The Free Press, 1966.
EMLER, N., Renwick, S.; Malone, B. The relationship between moral
reasoning and political orientation. Journal of Personality and Social
Psychology, v. 45, p. 1073-1080, 1983.
GUTMANN, A.; THOMPSON, D. Democracy and disagreement.
Cambridge, MA: Harvard University Press. 1997
HABERMAS, J. Moral consciousness and communicative action.
Cambridge, MA: The MIT Press, 1990 (originally published 1983).
HARTSHORNE, H. MAY, M. A. Studies in the nature of character.
Vol. I: Studies in deceit, Book one and two. New York: Macmillan,
1928.
HEMMERLING, K. Morality behind bars: An intervention study on
fostering moral competence of prisoners as a new approach to social
rehabilitation. Frankfurt: Peter Lang, 2014.
INGLEHARD, R. NORRIS, P. The true clash of civilizations. Foreign
Policy, p.67-74, March/ April, 2003.
45
KANT, I. Grundlegung zur Metaphysik der Sitten [Foundations of the
Metaphysics of Morals.] Riga: Hartknech, 1785.
KEASEY, CH. B. (). The influence of opinion-agreement and qualitative
supportive reasoning in the evaluation of moral judgments. Journal of
Personality and Social Psychology, v.30, p.477-482, 1974.
KOHLBERG, L. The meaning and measurement of moral development.
In: L. Kohlberg, ed., The psychology of moral development: Essays on
moral development, vol. 2, pp. 395-425. Sand Francisco: Harper &
Row, 1984.
KOHLBERG, L. Development of moral character and moral ideology.
M. L. Hoffman & L. W. Hoffman, eds., Review of Child Development
Research, Vol. I, pp. 381-431. New York: Russel Sage Foundation,
1964.
KOHLBERG, L. The psychology of moral development. Vol. 2: Essays
on moral development. San Francisco: Harper & Row, 1984.
LERKIATBUNDIT, S., UTAIPAN, P., LAOHAWIRIYANON, C.,
TEO, A. Randomized controlled study of the impact of the Konstanz
method of dilemma discussion on moral judgement. Journal of Allied
Health, n. 35(2), p. 101-108, 2006.
LIND, G. Wie misst man moralisches Urteil? Probleme und alternative
Möglichkeiten der Messung eines komplexen Konstrukts. [How does
one measure moral judgment]. In: PORTELE, G. ed., Sozialisation und
Moral, pp. 171-201. Weinheim: Beltz, 1978
LIND, G. Measuring moral judgment: A review of 'The measurement of
moral judgment' by Anne Colby and Lawrence Kohlberg. Human
Development, v 32, p. 388-397, 1989.
46
LIND, G. Moral competence and education in democratic society. In:
G. Zecha & P. Weingartner, eds., Conscience: An Interdisciplinary
Approach. Dordrecht: Reidel, pp. 91-122, 1987.
LIND, G. The importance of role-taking opportunities for self-
sustaining moral development. Journal of Research in Education, n. 10
(1), 9-15, 2000.
LIND, G. Ist Moral lehrbar? Ergebnisse der modernen
moralpsychologischen Forschung. [Can morality be taught? Research
findings from modern Moral Psychology]. Second Edition. Berlin:
Logos-Verlag. ISBN: 3-897-22255-8, 2002.
LIND, G. Favorable learning environments for moral competence
development – A multiple intervention study with nearly 3.000 students
in a higher education context. International Journal of University
Teaching and Faculty Development, n. 4, v. 4, 2015. *
LIND, G. Attitude change or cognitive-moral development? How to
conceive of socialization at the university. In: LIND, G. HARTMANN,
H. A. WAKENHUT, R., EDS., Moral judgment and social education,
pp. 173 – 192. Rutgers, NJ: Transaction Books, 2ª ed., 2010.
LIND, G. How to teach moral competence. New: discussion theater.
Berlin: Logos, 2019. **
LIND, G. Moral competence: what it means and how accountant
education could foster it. In: PINHEIRO, M. COSTA, A. O. eds.,
Accounting ethics education, pp. 155-174. London: Routledge, 2021.
MANSBART, F.-J. Motivationale Einflüsse der moralischen
Urteilsfähigkeit auf die Bildung von Vorsätzen. (Motivational influence
47
of moral competence on the formation of intentions.) Unpublished
master thesis, University of Konstanz, 2001.
MCNAMEE, S. Moral behavior, moral development and motivation.
Journal of Moral Education, 7,v. 1, p. 27 – 31,1977.
MILGRAM, S. Obedience to authority. An experimental view. Harper,
New York, 1974.
NOWAK, E., SCHRADER, D. ZIZEK, B., eds. Educating
competencies for democracy. (Festschrift für Georg Lind.) New York:
Peter Lang Verlag, 2013.
PIAGET, J. The affective unconscious and the cognitive unconscious. In:
INHELDER, B. CHIPMAN, H.H., eds., Piaget and his school, pp. 63-
71. New York: Springer, 1976.
PIAGET, J. The moral judgment of the child. New York: The Free
Press, 1965 (originally published 1932).
PLATO. George Anastaplo; BERNS, Laurence. Plato's Meno.
Newburyport, MA: Focus Pub./R. Pullins Co, 2004.
REST, J. R. Development in judging moral issues. Minneapolis, MI:
University of Minnesota Press, 1979
SCHILLINGER, M. Learning environments and moral development:
How university education fosters moral judgment competence in Brazil
and two German-speaking countries. Aachen: Shaker-Verlag, 2006.
SEN, A. Democracy as a universal value. Journal of Democracy, n. 10
(3), p. 3-17. 1999.
48
SEN, A. The idea of justice. Cambridge, MA: Harvard University Press,
2009.
WATSON, J. B. Psychology as the behaviorist views it. Psychological
Review, n. 20, p. 158–177, 1913
Notes
* Can be downloaded from: http://moralcompetence.net/b-liste.htm
** This book is winner of the 2021 “Outstanding Book Award” of the
Moral Development and Education SIG of the American Educational
Research Association (AREA).
For more information see the website: www.imdc.info
Contact: office@imdc.info
49
2
PESQUISAS BRASILEIRAS SOBRE
COMPETÊNCIA MORAL
Patricia Unger Raphael Bataglia
Introdução
O tema do presente livro é o constructo competência moral, a
respeito do qual tenho dedicado meus estudos desde minha tese de
doutorado (BATAGLIA, 2001). O mergulho que fazemos em s quando
iniciamos o estudo no campo da moral é maravilhoso e assustador. A
imagem belíssima proposta por Kant expressa exatamente essa sensação: o
“céu estrelado acima de mim e a lei moral em mim” despertam admiração
e reverência por nos levarem à conexão com o si mesmo. No caso da lei
moral, com o mundo de valores, com os sentimentos, pensamentos e
tomadas de decisão.
Na busca de compreender a dimensão moral da personalidade
encontrei o constructo de competência moral proposto originalmente por
Lawrence Kohlberg (1927-1987]). A definição proposta por Kohlberg em
1964 foi: "a capacidade de tomar decisões e julgamentos que são morais
(isto é, baseados em princípios internos) e agir de acordo com tais
julgamentos" (KOHLBERG,1964, p. 425, tradução nossa).
https://doi.org/10.36311/2022.978-65-5954-220-8.p49-101
50
Com esse constructo Kohlberg estava ligando juízo e ação, de um
modo que o constructo não se refere unicamente ao campo da cognição e
nem exclusivamente ao campo do afeto. Esse foi um ponto de fundamental
interesse para mim, pois a questão que surgiu desde o início dos meus
estudos foi: uma pessoa bem treinada no pensamento filosófico consegue
emitir juízos elaborados, atinge um nível de discurso inquestionável, assim
como os sofistas, mas essa pessoa teria capacidade de agir de acordo com
tais discursos? Seria o estudo da moral, da ética, confundido com estudos
de retórica?
Mas é possível estudar ação moral? O que é uma ação moral sem
os juízos que a justificam? Quando eu vejo alguém agindo de modo
admirável posso concluir que seja ela capaz de agir de acordo com
princípios? Parece claro que isso não é verdadeiro, pois sem os motivos que
levaram à ação não podemos afirmar nada a respeito da qualidade moral
da ação. O resultado bom determina a qualidade moral da ão?
Esses dentre outros questionamentos nos levaram ao estudo dessa
capacidade de agir que ainda não é a própria ação, mas talvez a possibilite,
como condição necessária. O conceito de competência estava sendo
trabalhado e operacionalizado pelo pesquisador alemão Georg Lind (1947-
) que elaborou na década de 1970 o Moral Competence Test (MCT), um
instrumento de avaliação da competência moral.
O MCT é composto de dois dilemas, um relacionado a um
problema em uma fábrica em que os operários decidiram roubar provas de
conduta da chefia para entregá-las ao sindicato, e, o outro dilema
relacionado a um médico que decide cometer eutanásia em uma paciente
em sofrimento. Os participantes são convidados a decidir se concordam
ou não com a decisão dos personagens dos dilemas e depois avaliar
argumentos a favor e contra as decisões daqueles personagens.
51
Uma primeira tarefa que nos propusemos no doutorado foi a
validação do MCT para a língua portuguesa. Contatamos o Prof. Lind e
ele nos orientou como proceder a tradução, adaptação e teste empírico.
Algo que ficou claro desde o início dos trabalhos com o MCT foram os
baixos resultados alcançados por nossas amostras brasileiras.
Em uma reunião da Association for Moral Education
1
(associação
dedicada aos estudos de psicologia, filosofia e educação moral com sede
nos Estados Unidos, que realiza anualmente uma conferência reunindo
pesquisadores de muitos países, estudiosos do campo da moral), encontrei
uma pesquisadora do xico, Cristina Moreno que havia encontrado os
mesmos baixos resultados em seus estudos. Ela havia levantado a hipótese
de que os participantes de seus estudos estavam sendo influenciados pelo
conteúdo de um dos dilemas que compunham o teste, o dilema do
operário. Retomou seus dados e percebeu que os resultados no dilema do
operário eram equivalentes aos resultados europeus, porém, no dilema do
médico os resultados eram muito inferiores o que levava aos baixos
resultados no México.
Entusiasmada com a ideia de compreender melhor nossos
resultados, realizei os testes de análise em separado e constatei no Brasil o
mesmo fenômeno, ou seja, havia uma diferença muito grande entre os
dilemas do operário e do dico. Esse fenômeno chamado de segmentação
do juízo moral, havia sido detectado por outros pesquisadores, mas sempre
referentes a escores diferentes no juízo moral. Se a competência não era
idêntica ao juízo moral, teríamos que encontrar uma melhor explicação
para esse fenômeno.
1 https://www.amenetwork.org/
52
Os trabalhos que passei a desenvolver nos anos posteriores se
dedicaram a compreensão de variáveis que influenciavam na competência
moral. Como a educação formal (número de anos e qualidade da
educação), idade dos participantes, sexo e religião influenciavam na
construção dessa capacidade?
Trago nesse capítulo o que identificamos em nossas pesquisas
brasileiras, uma hipótese que foi levantada sobre a influência da
religiosidade na competência moral e por fim, a discussão sobre essa
hipótese.
O que é a segmentação do juízo moral?
O termo segmentação moral, com o sentido dado neste texto, foi
usado inicialmente por Döbert e Nunner-Winkler (1978[1975] apud
SENGER, 1985) referindo-se a respostas em diferentes estágios morais
dependendo das características do problema social envolvido. A
segmentação moral refere-se ao fato de que por alguma razão, indivíduos
que são capazes de refletir a respeito de problemas morais, frente a algum
conteúdo específico deixam de fazê-lo. O problema da segmentação moral
havia sido percebido por mim desde minha pesquisa de mestrado, mas
sempre referente a emissão de juízos morais (BATAGLIA, 1996). A partir
de então tenho estudado e lidado com esse fenômeno.
Lind (2019) considerou que a segmentação pode estar relacionada
à suspensão ou perda do raciocínio moral autônomo ou competência de
juízo moral. A perda da autonomia moral implica, em posições rígidas, não
negociação de opiniões ou até abdicação da própria opinião diante de
conflitos morais, fazendo com que questões morais controversas sejam
53
resolvidas somente pelo uso da violência. Em uma sociedade plural e
democrática como a que vivemos, os participantes devem ser capazes de se
engajar em uma discussão sobre questões controversas e manter uma
discussão pacífica, ainda que discordem uns dos outros (LIND, 2019).
a explicação dada por Krämer-Badoni e Wakenhut (1985) é
baseada no conceito fenomenológico de “mundo da vida”. Vejamos, a
seguir, o que é o “mundo da vida”, como ele se aplica aos juízos e como
não bastam para a explicação sobre competência moral.
Krämer-Badoni e Wakenhut (1985) recuperam o conceito de
Edmund Husserl (1859-1938) de Lebenswelt’ ou ‘mundo da vida’. Não
poderíamos nessa oportunidade explorar todos os significados atribuídos a
esse conceito pelo próprio autor, mas é importante destacar alguns pontos.
Missaggia (2018, p. 192) afirma:
Em uma definição geral, podemos entender mundo da vida como a
experiência e o conjunto coerente de vivências pré-científicas, como
“[...] o mundo permanentemente dado como efetivo na nossa vida
concreta” (HUSSERL, Krisis, §9, p. 51, p. 40), em contraste com o
mundo propriamente científico, no qual a realidade é analisada a partir
dos elementos próprios da ciência corrente, com seus correspondentes
pressupostos e orientações de todo, sejam tais pressuposições
explícitas ou não (MISSAGGIA, 2018, p. 192).
Na visão sociológica de Berger e Luckmann (1973) o ‘mundo da
vida’ consistiria em realidades social e historicamente construídas a respeito
da vida do dia a dia. Tais realidades seriam baseadas em elementos reais e
normativos com decisiva influência no comportamento individual e
coletivo. Por exemplo, uma coletividade de uma instituição fechada, teria
54
por um lado as regulações objetivas e por outro lado, as interpretações a
respeito de tais regulações. Ambos se relacionariam e criariam padrões
típicos de ação ou avaliação do que ocorre ali.
Trazendo para o que ocorreu em minha dissertação de mestrado,
nota-se que as respostas dadas a um dilema específico ligado à vida militar
diferiam muito das respostas dadas a outros dilemas quando o militarismo
não era evocado. Os sujeitos respondiam algo assim: “se fosse na vida
comum eu diria outra coisa, mas como era um comandante...”. Trazendo
a explicação atribuída por Krämer-Badoni e Wakenhut (1985), diríamos
que o mundo da vida’ relacionado ao militarismo em nossa cultura, a
percepção da regulação militar, modificou a qualidade da resposta, o que
caracterizaria a segmentação do juízo moral.
Temos duas observações a fazer. Em primeiro lugar, a
interpretação fenomenologista não nos parece coadunar com a base
epistemológica que sustenta os estudos de Piaget (1895-1980), Kohlberg
(1927-1987) e Lind (1947-). A base desses trabalhos é construtivista e,
portanto, a explicação de que o conhecimento ou a ação se modificam em
função da percepção não satisfaz. Teríamos que buscar a explicação na
construção que os sujeitos fazem a partir das trocas estabelecidas com o
meio. O conhecimento e a conação (disposição para a ação) viriam da
possibilidade de assimilação das situações e não a partir das percepções de
regras objetivas ou subjetivas. O que é percebido, o é, porque pode ser
inserido em um sistema de significações. Piaget define mesmo a
consciência como “um sistema de significações” (1973[1967], p. 63):
“Segundo Piaget, a significação é o resultado da possibilidade de
assimilação e não o inverso” (RAMOZZI-CHIAROTTINO, 1988, p.
04).
55
Em segundo lugar, o conceito que trabalhamos aqui é a
competência do juízo moral. A definição do conceito, como vimos, é a
capacidade de emitir juízos baseados em princípios e de agir de acordo com
tais juízos. Se estamos tratando de uma competência, poderia ela ser
modificada por uma percepção? Talvez tenhamos que buscar a explicação
nos sistemas de significação construídos pessoal e socialmente, mais do que
em sistemas de percepção compartilhados.
Piaget afirma que o conhecimento lógico-matemático se
baseado em um processo de assimilação e acomodação organizando a um
tempo o mundo real e a si mesmo. São construídos dessa forma sistemas
lógicos e sistemas de significação. Piaget ainda destaca que isso é verdade
“desde os comportamentos sensório-motores elementares até as operações
lógico-matemáticas superiores” (1973[1967], p. 17). É na interação
sujeito-mundo que os sistemas de significação (que nos interessam
particularmente nesse momento) vão se organizando. Quando Piaget fala
da troca entre o sujeito e o meio entende que esse meio é o físico,
geográfico, histórico, humano etc. Sendo assim, é na socialização que os
sistemas são construídos.
Não estamos propondo aqui passar diretamente do psicológico ao
sociológico. Piaget (1973[1967]) defende que são as interações a base da
organização social, mas isso implica em focar nas relações concretas e não
nas interpretações simbólicas como as sugeridas pela fenomenologia ou
mesmo pela sociologia de Berger e Luckmann (1973). A sociedade é
entendida por Piaget como um sistema de ações, sejam elas técnicas,
morais, jurídicas etc. As inter-ações constroem o sistema social por meio
dos equilíbrios e desequilíbrios vividos pelo agrupamento em questão.
Ações cooperativas constroem sistemas abertos enquanto ões coercitivas
constroem sistemas aprisionados. A capacidade de refletir a respeito de
56
problemas e de se dispor a agir de acordo com princípios é melhor
desenvolvida em bases cooperativas do que em bases coercitivas.
Sendo assim, nosso entendimento a respeito de como se dão
avaliações díspares quando alguns assuntos são mencionados, recai sobre a
ideia de que as relações concretas estabelecidas no grupo social são
coercitivas a ponto de cercear a capacidade de refletir a respeito de alguns
temas. A competência moral é assim aprisionada
2
pelo sistema de relações
sociais e isso não se aplica somente a quem tem determinada crença, mas
a todo agrupamento.
Passaremos agora a demonstrar os resultados de segmentação que
obtivemos no Brasil.
Conforme dito anteriormente, os resultados encontrados no Brasil
e no México foram muito inferiores aos relatados na literatura. Sendo
assim, ocorreu-me então testar um outro dilema que tratasse do valor da
vida humana, mas que não tocasse em aspecto religioso, que o dilema
do médico tem como tema a eutanásia (BATAGLIA, 2001; 2010;
BATAGLIA et al., 2002; BATAGLIA et al., 2003; BATAGLIA et al.,
2006; SCHILLINGER, 2006). Foi validado o dilema do juiz e passamos
então a sugerir aos pesquisadores brasileiros que usassem o instrumento
com 3 dilemas. Os dados compartilhados comigo puderam ser analisados,
assim como outros que tive acesso a partir de um levantamento realizado
em bases de dados a procura de pesquisas que trabalhassem com o
fenômeno da segmentação moral, dados os quais serão agora relatados.
Para inteligibilidade e organização da produção de pesquisa sobre
competência moral, que trate especificamente da segmentação moral,
2
Ao mencionar o aprisionamento, nossa inspiração foi o trabalho de Alícia Fernandez que se refere
à inteligência aprisionada. Aqui a moral seria aprisionada. Não pelo afetivo, mas pelo social.
FERNANDEZ, Alícia. A Inteligência aprisionada. Porto Alegre: Ed.Artmed, 1991.
57
procedemos então a um levantamento dos trabalhos elegendo-se dois dos
principais formatos de divulgação de resultados das pesquisas: 1) artigos e
2) teses e dissertações
3
.
Utilizando-se do descritor “segmentação moral”, sem delimitação
temporal, para o levantamento dos artigos. As bases de dados selecionadas
foram o Portal de Periódicos CAPES, o Scientific Electronic Library
Online (SciELO) e o Google Acadêmico, enquanto para as teses e
dissertações as bases foram o Catálogo de Teses & Dissertações da CAPES,
a Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD) e
novamente o Google Acadêmico. Em algumas bases, tanto de artigos
quanto de teses e dissertações, não se encontrou nenhum resultado com o
descritor “segmentação moral”, dessa forma, recorreu-se ao descritor
“competência moral”, selecionando materiais que tratam da competência
moral nessa primeira etapa de estado da arte para posterior exclusão
daqueles que não tratam da segmentação moral. Ao todo foram 08 artigos
encontrados, sendo alguns deles duplicados entre as bases, e 43 teses e
dissertações, alguns também duplicados.
A estratégia utilizada para a análise do material coletado foi a
metassíntese. Essa estratégia é definida como uma modalidade de revisão de
literatura que busca integrar informações de vários estudos sobre
determinado tema. Difere da meta-análise por trabalhar também com
dados qualitativos. A metassíntese é, segundo Finfgeld (2003, apud
MAINARDES, 2018, p. 319), um termo genérico que se refere à síntese
de descobertas em múltiplos relatos qualitativos para criar uma nova
interpretação. Tipos propostos de metassíntese incluem construção de
3
Agradeço a meu orientando de mestrado Matheus Estevão Ferreira da Silva que ajudou nesse
levantamento bibliográfico.
58
teoria, metaestudo, teoria formal fundamentada, explanação da teoria e
estudo descritivo.
Como procedimento de análise, em primeiro lugar, separamos o
material coletado analisando de acordo com o tipo de material e
procedência. O Quadro 1 exibe a pesquisa dos artigos.
QUADRO 1 – RESULTADOS DAS BUSCAS NAS BASES DE DADOS GOOGLE
ACADÊMICO; PORTAL PERIÓDICOS CAPES; E SCIENTIFIC ELECTRONIC
LIBRARY ONLINE (SCIELO)
Estratégia de busca
Quantidade de artigos encontrados
Google
Acadêmico
Portal
CAPES
SciELO Total
Segmentação moral
5
1
0
Competência moral
0
0
4
Total
5
1
4
Fonte: Dados da pesquisa
Ao todo foram 08 artigos diferentes encontrados, sendo que se
repetiram nas buscas. Desses artigos, 03 foram somente encontrados no
Scielo, 03 foram somente encontrados no Google Acadêmico, 01 foi
encontrando tanto no Scielo e no Google Acadêmico, e 01 foi encontrado
tanto no Google Acadêmico quanto no Portal de Periódicos da CAPES.
Retiramos da análise 3 artigos que não se referiam ao fenômeno aqui
estudado e outros 2 que abordavam o tema apenas teoricamente sem
resultados de pesquisa. Restaram três artigos: Feitosa e colegas (2013),
Landim e colegas (2015) e Melo, Souza e Barbosa (2016). O Quadro 2
apresenta esses três artigos.
59
QUADRO 2 – ARTIGOS SELECIONADOS ENCONTRADOS NAS BASES GOOGLE
ACADÊMICO, PORTAL PERIÓDICOS CAPES E SCIENTIFIC ELECTRONIC LIBRARY
ONLINE (SCIELO) QUE ABORDAM A SEGMENTAÇÃO MORAL
Autor Título Periódico Ano Base de dados
Feitosa, Helvécio
Neves; Rego,
Sergio; Bataglia,
Patricia; Rego,
Guilhermina;
Nunes, Rui
Competência de
juízo moral dos
estudantes de
medicina: um
estudo piloto
Rev. bras.
educ. med.
2013
Portal de
Periódicos
CAPES e
Google
Acadêmico
Landim, Tiago
Policarpo; Silva,
Michael Ferreira
da; Feitosa,
Helvecio Neves;
Nuto, Sharmênia
de Araújo Soares
Competência de
Juízo Moral entre
Estudantes de
Odontologia
Revista
Brasileira
de
Educação
Médica
2015
Google
Acadêmico
Melo, Natália
Wolmer de; Souza,
Edvaldo; Barbosa,
Leopoldo
Competência Moral
e Espiritualidade na
Educação dica:
Realidade ou
Desafio
Revista
Brasileira
de
Educação
Médica
2015
Google
Acadêmico
Fonte: Dados da pesquisa
O Quadro 3 apresenta o levantamento de teses e dissertações.
60
QUADRO 3 – RESULTADOS DAS BUSCAS NAS BASES DE DADOS CATÁLOGO DE
TESES & DISSERTAÇÕES DA CAPES, GOOGLE ACADÊMICO E BIBLIOTECA
DIGITAL BRASILEIRA DE TESES E DISSERTAÇÕES (BDTD)
Estratégia de
busca
Quantidade de teses e dissertações encontradas
CAPES BDTD Google Acadêmico
Teses Dissert. Teses Dissert. Teses Dissert.
Segmentação
moral
0 0 3 7
Competência
moral
8 32 3 10 0
Total
40 13 10
Fonte: Dados da pesquisa
Ao todo foram 43 teses e dissertações diferentes encontradas.
Muitas estavam repetidas nas bases de dados. Fizemos uma busca em cada
uma delas pelos termos competência moral e segmentação moral e muitas
foram excluídas. Trabalhamos no final com 26 teses e dissertações que
estão organizadas no Quadro 4 de acordo com a origem institucional.
61
QUADRO 4 – RESULTADOS DAS BUSCAS NAS BASES DE DADOS CATÁLOGO DE
TESES & DISSERTAÇÕES DA CAPES, GOOGLE ACADÊMICO E BIBLIOTECA
DIGITAL BRASILEIRA DE TESES E DISSERTAÇÕES (BDTD)
Autor
Título
Tipo
Ano
Origem
1
Bernardo,
Julia
Ferreira
Competência
Moral e Perfil de
Profissionais que
Atendem o
Adolescente em
Conflito com a
Lei
Dissertação em
Educação
2011 Unesp Marilia
2
Parreira,
Graziela
Vanessa
A relação entre o
padrão de
consumo de
bebidas alcoólicas
e a competência
moral em
universitária
Dissertação em
Educação
2013
Unesp
Marilia
3
Carneiro,
Lucas
Carregari
’De mim saiu
virtude’:
espiritualidade e
competência
moral em grupos
de formação
empreendedora
Dissertação em
Administração
2017
Universidade
Do Estado De
Santa Catarina
4
Gualtieri,
Mayra
Marques da
Silva
Uso de álcool e
competência
moral em
universitários
Dissertação
Em Educação
2010
Unesp
Marilia
62
5
Souza,
Everton
Silveira de
A contribuição
do ensino de ética
no
desenvolvimento
da competência
moral de
estudantes em
Administração
Pública
Dissertação em
Administração
2018
Universidade
Do Estado De
Santa Catarina
6
Ferreira,
Luiz
Augusto
Knafelç
A relação entre
capacidade
reflexiva, crenças,
valores e
ambiente
formador: um
estudo sobre a
competência
moral de
estudantes da
pós-graduação
em educação
Dissertação em
Educação
2016
Unesp
Marília
7
Bereta,
Thaisa
Angelica
Deo da
Silva
A formação do
psicólogo do
ponto de vista
ético: um estudo
a respeito do
ambiente
acadêmico e das
oportunidades de
construção da
competência
moral
Tese em
Educação
2018
Unesp
Marília
63
8
Moraes,
Antonio
Douglas de
Intervenção
pedagógica e
construção da
competência
moral em
universitários
Tese em
Educação
2016
Universidade
Estadual De
Campinas
9
Silva, Flavio
Ferreira da
Competência
moral e cidadania
organizacional:
estudo com
militares em
formação
Dissertação em
Psicologia
2016
Universidade
Federal Rural
Do Rio De
Janeiro
10
Vieira,
Kenia
Eliber
Justiça de cotas
na universidade e
competência
moral
Dissertação em
Educação
2016
Centro
Universitário
Das
Faculdades
Associadas De
Ensino
11
Bereta,
Thaisa
Angelica
Deo da
Silva
Psicologia do
trânsito e
competência
moral: uma
intervenção junto
a alunos de um
curso de
especialização
Dissertação em
Educação
2014
Unesp
Marilia
64
12
Melo,
Natalia
Wolmer de
Relação entre
competência
moral e
espiritualidade
em estudantes de
medicina de uma
instituição de
ensino da cidade
do recife
Dissertação em
Educação
2015
Faculdade
Pernambucana
De Saúde
13
Varela,
Maria
Angelica
Bonfim
Competência
moral e formação
médica:
percepção dos
docentes sobre a
influência do
ambiente
universitário
Dissertação em
Saúde Coletiva
2013
Fundação
Oswaldo Cruz
14
Enderle,
Cleci de
Fatima
O
desenvolvimento
da competência
moral em
estudantes de
graduação em
enfermagem
Doutorado em
Enfermagem
2017
Universidade
Federal Do
Rio Grande
15
Von
Rondon,
Mileidy
A construção da
competência
moral e a
influência da
religião:
contribuições
para a bioética
Dissertação em
Saúde Pública
2009
Fundação
Oswaldo Cruz
65
16
Oliveira,
Marcia
Silva de
Estudo sobre o
desenvolvimento
da competência
moral na
formação do
enfermeiro
Tese em Saúde
Coletiva
2014
Fundação
Oswaldo Cruz
17
Oliveira,
Márcia
Silva de
Desenvolvimento
da Competência
de Juízo Moral e
Ambiente de
Ensino: uma
investigação com
estudantes de
graduação em
enfermagem
Dissertação em
Saúde Pública
2008
Fundação
Oswaldo Cruz
18
Castro,
Marcio
Rodrigues
de
Avaliação da
competência
moral de
estudantes de
medicina
Dissertação em
Ensino de Saúde
2019
Universidade
José Do
Rosário
Vellano
19
Lima,
Adriana
Aparecida
de Faria
Interferência da
formação no
ensino superior
para o
desenvolvimento
do sujeito ético:
um estudo de
caso
Tese em Bioétca 2014
Centro
Universitário
São Camilo
66
20
Paim, Igor
de Moraes
Os impactos do
enriquecimento
escolar e da
estimulação da
memória
operacional sobre
o
desenvolvimento
cognitivo e moral
de alunos do
ensino médio
Tese em
Educação
2016
Unesp
Marília
21
Goldman,
Claudia
Waymberg
Bioética e
reprodução
assistida: o que
pensam médicos
em formação
Dissertação em
Saúde Coletiva
2017
Fundação
Oswaldo Cruz
22
Santos,
Roberta
Nascimento
de Oliveira
Lemos dos
O papel do
docente na
formação ética
dos estudantes de
fisioterapia: o
olhar de que
ensina
Dissertação em
Saúde Coletiva
2016
Fundação
Oswaldo Cruz
23
Serodio,
Aluisio
Avaliação da
competência do
juízo moral de
estudantes de
medicina:
comparação entre
um curso de
bioética
tradicional e um
curso de bioética
complementado
Tese em Ciências 2013 Unifesp
67
com o todo
Konstanz de
Discussão de
Dilemas: a
educação em
bioética na
promoção das
competências
moral e
democrática de
adultos jovens
24
Wortmeyer,
Daniela
Schmtz
O
desenvolvimento
de valores morais
na socialização
Militar: entre a
liberdade
subjetiva e o
controle
Institucional
Tese em
Processos de
Desenvolvimento
Humano e Saúde
2017
Universidade
De Brasília
25
Jacon,
Valéria
Anésia
Brumatti
Educação em
valores: uma
experiência
transversal no
ensino
fundamental II
Dissertação em
Educação
2016
Universidade
Do Oeste
Paulista
Unoeste
26
Ferreira,
Flávia
Orind
Juízos morais dos
profissionais de
saúde: uma
análise a partir de
dilemas éticos
relacionados ao
valor da vida
Tese em Saúde
Coletiva
2017
Universidade
Federal Do
Rio De Janeiro
Fonte: Dados da pesquisa
68
Passamos então a análise dos trabalhos. Em primeiro lugar
avaliamos qual o vel de profundidade que a segmentação moral é
trabalhada. Verificamos então dentre os que citam a segmentação, quais se
aprofundam e quais apenas mencionam realmente o fenômeno da
segmentação moral ou a competência moral. Wortmeyer (2017), Jacon
(2016), Goldman (2017), Santos (2016), Varela (2013) e Ferreira (2017)
não usaram o MCT_xt em seus estudos e se referem a competência moral
ou segmentação apenas como parte da revisão da literatura.
Vejamos como a segmentação aparece nos demais estudos. Não
entraremos em detalhe nesse momento com relação a magnitude das
diferenças entre os escores parciais. Apontaremos apenas os resultados dos
estudos para em seguida discutir do ponto de vista da significância de tais
diferenças.
Bernardo (2011) avaliou a competência moral e o perfil de 27
profissionais que trabalham com adolescentes em conflito com a lei.
Encontrou um escore médio de 23 pontos para o dilema do médico, 37,8
no dilema do operário e 37,7 no dilema do juiz. Relaciona a diferença de
escores nos dilemas ao seu conteúdo, trazendo a discussão da influência da
religiosidade na competência moral.
Carneiro (2017) se aprofunda na análise sobre a segmentação pois
seu interesse é especificamente tratar da espiritualidade e competência
moral em grupos de formação de empreendedores. Trabalhou com 64
sujeitos distribuídos em 3 subgrupos: grupos vinculados a instituição
religiosa, grupos da graduação e grupos de um curso de extensão. A Tabela
1 apresenta uma síntese dos resultados relatados por Carneiro (2017).
69
TABELA 1 – ESCORES NOS DILEMAS DO OPERÁRIO, MÉDICO E JUIZ NOS 3
GRUPOS INVESTIGADOS
Dilema do
operário
Dilema do
médico
Dilema do juiz
Grupo ligado a
instituição religiosa
26,2 11,9 19,5
Grupo da graduação 39,5 30,9 42,6
Grupo da extensão 28,5 24,7 31,8
Fonte: Adaptado de Carneiro (2017)
A hipótese de que a ligação com religiosidade influenciaria
positivamente a competência moral foi rejeitada e a segmentação moral no
dilema do médico foi evidenciada. O trabalho de Carneiro (2017) também
previu uma coleta de dados qualitativa e a aplicação de uma escala sobre
motivação religiosa que não serão aqui tratadas.
Vieira (2016) realizou uma pesquisa com 317 estudantes e 15
professores. O MCT_xt total obteve um escore de 8,25, considerado baixo
(COHEN, 1985) sem diferença entre os grupos de estudantes cotistas, não
cotistas e professores. Relata que identificou a segmentação moral no
dilema do médico. O escore geral (considerando os três grupos) no dilema
do médico foi 23,43, no dilema do operário foi de 28,48 e no dilema do
juiz foi de 30,15. Essa mesma tendência foi verificada quando compararam
os subgrupos. Esse dado foi apontado, mas não mais amplamente discutido
em função dos objetivos do estudo.
Melo (2015) propõe um estudo que avalia a competência moral e
a espiritualidade em estudantes de medicina. Trabalhou com 121
estudantes. Na relação da espiritualidade com a competência moral,
estudantes com baixa espiritualidade, mensurada com a escala de PINTO
70
e RIBEIRO (2007) apresentaram tendência a ter um maior escore no
MCT (15,7) em relação aos que possuíam espiritualidade elevada (9,9). A
autora aparentemente não avaliou a segmentação moral em seu estudo.
Parreira (2013) investigou a competência moral em jovens
universitárias e comparou com o padrão de consumo de álcool. Não
identificou diferença no escore de competência moral dentre os que fazem
uso moderado, excessivo ou não consomem álcool. O MCT_xt foi
aplicado em 46 participantes de um total de 259. Foram selecionadas 28
jovens com escore baixo na avaliação do consumo de bebidas alcoólicas
(foi usado o AUDIT) e 18 com consumo excessivo. A Tabela 2 exibe os
resultados alcançados no escore C total e por dilema.
TABELA 2 – MÉDIA DOS ESCORES C TOTAL E PARCIAIS
Grupo 1 Grupo 2
C Total 8,70 7,18
C Operário 32,56 36,67
C Médico 21,16 16,45
C Juiz 23,79 19
Fonte: Parreira (2013)
Observamos que a diferença entre os escores parciais aqui também
comparece principalmente entre o dilema do médico e do operário. A
autora não discute extensivamente o fenômeno da segmentação embora o
aponte.
71
Gualtieri (2010) também investiga a competência moral em um
grupo de universitários. O número total de sujeitos que responderam ao
MCT_xt foi de 47 estudantes.
TABELA 3 – MÉDIA DOS ESCORES C TOTAL E PARCIAIS
Grupo Total (N= 47)
C Total 14,2
C Operário 36,7
C Médico 33,1
C Juiz 38,2
Fonte: Gualtieri (2010)
Observamos aqui a segmentação no dilema do médico. A autora
apresenta também resultados de subgrupos, mas então o n de cada
subgrupo é bem reduzido o que distorce um pouco os resultados. Como
foi dito no capítulo anterior, o MCT é apropriado para o trabalho com
média de grupos e não individuais. Quando o subgrupo é muito reduzido
as tendências individuais extremadas interferem na média do grupo.
Souza (2018) estuda os efeitos de um curso de ética na
competência moral em estudantes de administração pública. Não verifica
algum progresso significativo entre o pré e pós teste. Entretanto, ficou
evidente a segmentação no dilema do médico. A Tabela 4 mostra os
resultados obtidos pelo autor.
72
TABELA 4 – RESULTADOS PARCIAIS E TOTAIS DO MCT
Pré-teste Pós-teste
C Total 17,01 17,48
C Operário 39,41 40,36
C Médico 30,32 28,68
C Juiz 33,60 36,31
Fonte: Souza (2018)
Ferreira (2016) estudou a competência moral, crenças, valores e
ambiente formador em estudantes de s-graduação. Trabalhou com um
n bastante reduzido, de apenas 9 sujeitos. São várias as considerações que
faz porque usa vários instrumentos para relacionar as variáveis. Com
relação à competência moral apesar do n reduzido pudemos observar a
segmentação, como mostra a Tabela 5.
TABELA 5 – RESULTADOS PARCIAIS E TOTAIS DO MCT
Pré-teste
C Total 26.6
C Operário 51.2
C Médico 36.9
C Juiz 46
Fonte: Ferreira (2016)
Bereta (2014) investigou os efeitos de uma intervenção em um
curso de pós-graduação lato sensu em psicologia do trânsito. Realizou pré
73
e pós teste com discussão de dilemas e discussão de temas específicos à
psicologia do trânsito em um grupo experimental e pré e pós teste no grupo
controle. Apresentamos na Tabela 6 os resultados do MCT em ambos os
grupos.
TABELA 6 – ESCORE DE COMPETÊNCIA MORAL NAS RIAS
APLICAÇÕES DO ESTUDO
Primeira
Aplicação
Controle
Segunda
Aplicação
Controle
Primeira
Aplicação
Experimental
Segunda
Aplicação
Experimental
Operários
38,4 36,3 24,7
19,6
Médico
31,5 25,5 21,9
12,8
Juiz
25 25,6 32,3
28,7
Total
14,1 11
8,8
6,9
Fonte: Bereta (2014)
Bereta (2018) pesquisou a correlação entre competência moral e
características do ambiente acadêmico em duas universidades,
comparando ainda a progressão da competência do primeiro até o último
ano no curso de psicologia. Não exibiremos aqui todas as análises da
autora, apenas os dados que mostram a segmentação.
74
TABELA 7– MÉDIA DO ESCORE C TOTAL E PARCIAIS NAS UNIVERSIDADES
INVESTIGADAS, SEGUNDO E QUINTO ANOS
Fonte: Bereta (2018)
Oliveira (2008) investiga o efeito de um curso de enfermagem na
competência moral. Trabalhou com 26 estudantes do primeiro período. O
escore total foi 17,6, sendo que os valores parciais do C-score
correspondentes a cada dilema foram: 43 no Dilema do trabalhador
(C_W), 23 no Dilema do médico (C_D) e 42 no Dilema do juiz que
(C_J). No último período, trabalhou com 22 estudantes com C escore
total de 11,1 sendo os resultados parciais os seguintes: Dilema do
Trabalhador (C_W): C-score=33,8; Dilema do Médico (C_D): C-score=
15,7; Dilema do Juiz (C_J) : C-score = 25,1. As discussões da autora giram
principalmente em torno da regressão da competência moral no escore
total e parciais, mas observamos claramente a segmentação.
75
Paim (2016) investiga a competência moral relacionada a 3
condições experimentais diferentes em duas escolas e dois grupo controle.
Em todas as condições verificamos a segmentação. Para objetivos
educacionais dos quais não nos ocuparemos agora, essa tese é
especialmente interessante porque em algumas condições de fato
progressão na competência moral.
TABELA 8 – MÉDIAS DE TODOS OS ÍNDICES DO MCT POR GRUPOS
Legenda: DM, desenvolvimento moral; DM + eMO, desenvolvimento moral + estimulação da
memória operacional; Cjuiz(i), índice de competência moral no dilema do Juiz inicial (pré-teste); ;
Cjuiz(f), índice de competência moral no dilema do Juiz final (pós-teste); Cmed(i), índice de
competência moral no dilema do médico inicial (pré-teste); Cmed(f), índice de competência moral
no dilema do médico final (pós-teste); Ctrab(i), índice de competência moral no dilema do
trabalhado inicial (pré-teste); Ctrab(f), índice de competência moral no dilema do trabalhador final
(pós-teste); Ctotal(i), escore total de competência moral inicial (pré-teste); Ctotal(f), escore total de
competência moral (pós-teste).
Fonte: Paim (2016)
Silva (2016) estudou a competência moral e cidadania
organizacional com militares em formação. O autor trabalhou com 732
estudantes cadetes distribuídos pelos 1º, e anos, das sete
especialidades militares em formação na AMAN. Destacam-se os seguintes
resultados obtidos: os índices do Escore C (competência moral) de cadetes
76
se situam em níveis medianos, não sendo observadas diferenças
significativas (positivas ou negativas) decorrentes do progresso no curso de
formação ou em relação às diferentes especialidades militares. Não foram
identificadas diferenças significativas nos Escores C nas correlações com a
origem familiar dos cadetes (se militar ou civil), a procedência escolar (se
colégio militar ou civil) e as afiliações religiosas. Infelizmente o autor não
apresenta os dados parciais para avaliarmos a segmentação moral.
Moraes (2016) utilizou o MCT_xt em um processo de intervenção
utilizando discussão de dilemas e técnicas alternativas em um grupo de
religiosos. Teve como controle um grupo de estudantes de filosofia e outro
grupo de estudantes de teologia. Encontrou resultados positivos
considerando os dilemas que tratam do valor da vida (médico e juiz). A
Tabela 09 mostra os resultados de todos os subgrupos nas avaliações pré e
pós intervenção ou no caso do controle pré e pós o período de 6 meses.
TABELA 09RESULTADOS DOS SUBGRUPOS EXPERIMENTAL E CONTROLE
Fonte: Moraes (2016)
77
Notamos que em todos os grupos aparece a segmentação no dilema
do médico. Nesse estudo é importante destacar que a análise em separado
dos dilemas permitiu identificar a melhoria a partir do processo de
intervenção. Essa melhoria aconteceu justamente no dilema do médico e
do juiz e não no operário. Se considerássemos apenas o escore total não
notaríamos o resultado da intervenção. Isso fortalece a necessidade de
discutirmos os motivos da segmentação.
Enderle (2017) estudou a competência moral em estudantes de
graduação em enfermagem. Utilizou o MCT_xt e obteve como resultado
que o curso contribuiu para a progressão dessa competência. O escore-C
no início do curso foi de 8,62 e no final do curso 11,97. Passando de baixo
no início para médio ao final. Os estudantes mais jovens (17-20) tiveram
melhor resultado no escore C (12,25), em relação aos os mais velhos (36-
40) escore C (7,46) e maiores de 41 anos, escore-C (6,65).
Observou o fenômeno de segmentação moral como mostra a
Tabela 10:
TABELA 10MÉDIA DA COMPETÊNCIA MORAL POR DILEMA E POR SEMESTRE
CURSADO ENTRE ESTUDANTES DE GRADUAÇÃO EM ENFERMAGEM
Semestre N C_trabalhador C_ médico C_juiz C_total
1 33 29,64 25,87 29,43 8,62
2 16 43,01 33,73 34,52 13,18
3 23 33,8 27,47 28,11 11,13
4 12 34,37 23,59 25,44 7,31
5 08 37,45 21,48 23,31 12,03
6 12 34,04 22,03 32,62 11,10
78
7 13 38,43 27,96 37,03 12,83
8 20 35,45 16,59 33,58 11,10
9 20 42,37 25,84 32,23 11,97
Fonte: Enderle (2017)
Novamente, observamos como a análise em separado dos dilemas
permitem uma melhor compreensão a respeito dos efeitos da intervenção,
nesse caso, do curso de enfermagem na competência moral. Dessa vez, os
resultados positivos foram nos dilemas do juiz e trabalhador e não no
dilema do médico. Esse fenômeno tem sido encontrado frequentemente
em cursos de saúde.
Von Rondon (2009) trabalhou com uma amostra de 140
estudantes de teologia. Obteve um C-escore médio de 14,61 e observou a
segmentação no dilema do médico com os escores: dilema do trabalhador
30,93, dilema do médico 21,13 e dilema do juiz 30,86. A autora dedica
sua dissertação ao fenômeno da segmentação moral. Conclui pela
necessidade de melhor estudar a influência da religiosidade na competência
moral, mas afirma que os dados confirmaram essa hipótese.
Oliveira (2014) avaliou o impacto da discussão de dilemas sobre a
competência moral de enfermeiros em formação. Nos grupos do início e
do final do curso, o estudo presente detectou uma importante mudança,
quando comparamos com estudos anteriores observamos que não houve
ao final do curso o que se denomina regressão moral, fenômeno
caracterizado por uma diferença de 5 pontos entre C-score inicial e final.
A segmentação também foi evidenciada conforme mostra a Tabela 11.
79
TABELA 11DADOS DO ESCORE C TOTAL E PARCIAIS
C_Total
C_Trabalhador
C_Mèdico
C_Juiz
Pré teste
12
42
24
25
Pós teste
12
36
19
36
Fonte: Oliveira (2014)
Castro (2019) avalia a competência moral de estudantes de medicina.
As médias de escores C-total MCTxt foram baixas nos três períodos avaliados,
variando de 15,7, no 1o período, a 11,0, no último ano e, em análise
univariada, a média do 1o período foi estatisticamente superior aos demais.
Entretanto, na análise multivariada, com correlação entre períodos, dilemas e
escores, observou-se que a média dos escores C- segmentados para os dilemas
do operário e do juiz foram semelhantes e estatisticamente superiores à do
médico, independentemente do período, e este dilema influenciou
negativamente o escore global. A Tabela 12 mostra o resumo desses dados.
TABELA 12ESCORE C TOTAL E PARCIAIS NOS SUBGRUPOS
N
Média
C_trabalhador ano
58
39,4
C_trabalhador ano
36
40,3
C_trabalhador ano
45
35
C_médico ano
58
22,9
C_médico ano
36
20,5
C_médico ano
45
20,6
C_juiz ano
58
38,7
C_juiz ano
36
30
C_juiz ano
45
28,3
C_total - ano
58
15,7
C_total ano
36
11,8
C_total ano
45
11
Fonte: Castro (2019)
80
Lima (2014) estuda a intervenção do curso de enfermagem na
progressão da competência moral em um curso de enfermagem, trabalhou
com 152 estudantes sendo que 50 estudantes estavam cursando o primeiro
semestre (início do curso), 32 estavam no quarto semestre (meio do curso)
e 70 no timo semestre (final do curso). A amostra foi constituída por
estudantes do curso de enfermagem do sexo feminino (92%), com faixa
etária de 21 a 25 anos (36,2%), sendo que 58,3% cursavam o período
noturno, 66,5% eram trabalhadores e a maioria 47,6% eram trabalhadores
na área da saúde, seguido por 24,1% que faziam estágio remunerado na
área da saúde. O Teste de Competência Moral estendido (MCT-xt),
identificou-se um índice médio de competência moral dos estudantes de
enfermagem com um escore C de 11,14 pontos. Observou-se que, no
decorrer do processo de formação no ensino superior, o estudante
apresentou uma regressão na competência moral no 7o semestre (9,45) em
comparação com o 4o semestre (12,88) de (-3,43) pontos e uma
estagnação na competência entre o 1o semestre (12,39) e o 4o semestre
(12,88). Observou-se a segmentação moral nesse estudo com resultado
médio de 25,46 pontos no C_escore do Médico, 37,11 no C-escore do
trabalhador e 31,05 no C_escore do juiz.
Seródio (2013) avalia a eficácia de um curso de Bioética e do
Método Konstanz de Discussão de Dilemas (KMDD) sobre a competência
do juízo moral e a competência democrática de estudantes de medicina. O
Teste do Competência Moral estendido (MCT-xt) foi aplicado antes e
após o curso de Bioética para estudantes do ano médico da Unifesp-
EPM. Em 2010, foi ministrado o curso tradicional de Bioética. Em 2011,
o curso foi complementado por duas discussões de acordo com o KMDD.
Um total de 165 sujeitos participou do estudo. As diferenças entre os
diversos índices de competência do juízo moral, antes e após os cursos de
Bioética, em ambos os grupos, não apresentaram significância estatística
81
(Teste T Pareado, p < 0,05). O cálculo da Magnitude Absoluta do Efeito
(Absolute Effect Size, aES), entretanto, mostrou que o curso de Bioética
complementado pelas discussões KMDD teve um impacto positivo, ainda
que discreto, sobre a competência do juízo moral dos estudantes quando
comparado com o curso tradicional (aES = +1,8 para o índice principal).
A segmentação está apresentada na Tabela 13.
TABELA 13SEGMENTAÇÃO DA COMPETÊNCIA DO JUÍZO MORAL
CW CD CJ
Grupo Controle Pré-Teste
40,6
33,4
43,6
Grupo Controle Pós-Teste
38,0
29,9
39,7
Grupo Intervenção Pré-
Teste
46,9 32,1 37,4
Grupo Intervenção Pós-
Teste
45,8 30,8 41,2
Legenda: CW: índice de competência do juízo moral para o dilema dos operários. CD:
índice de competência do juízo moral para o dilema do médico. CJ: índice de
competência do juízo moral para o dilema do juiz.
Fonte: Seródio (2013)
Feitosa e colegas (2013) estudou a competência de juízo moral dos
estudantes de medicina. Seu objetivo principal foi investigar a intervenção
da educação médica na competência moral. Observou uma regressão entre
os alunos do primeiro e oitavo semestres. Relata também o fenômeno da
segmentação. A Tabela 14 resume esses dados.
82
TABELA 14ESCORE C TOTAL E PARCIAIS
Semestre
N
C_trabalhador
C_médico
C_total
1
58
44
33,8
26,2
8
55
42,4
28
20,5
Fonte: Feitosa e colegas (2013)
Landin e colegas (2015) estudou a competência moral em
estudantes de odontologia. O MCT foi aplicado no primeiro e último
semestres do curso. Os resultados apontam que a média de competência
de juízo moral (escore C) dos entrevistados foi de 18,3, não havendo
diferença significativa entre os sexos. Analisando-se a média de escore C
dos estudantes do primeiro e último semestre, observou-se uma tendência
de perda de competência do primeiro (19,0) para o último semestre (17,6)
e uma diferença significativa entre alunos de instituições públicas (21,0) e
privadas (16,5). Quanto ao desempenho por dilemas, o grupo etário de
19-20 anos apresentou o melhor desempenho no dilema do operário; no
dilema médico, as três faixas etárias tiveram desempenho semelhante, e
significativamente inferior ao dilema do trabalhador.
Melo e colegas (2015) estudou a competência moral e
espiritualidade na educação médica. Trabalhou com 121 estudantes. O
escore C manteve-se crescente durante o curso. Na relação entre
espiritualidade e competência moral, estudantes com baixa espiritualidade
apresentaram tendência a escore C maior. Não são fornecidos dados a
respeito dos escores parciais, não sendo possível concluir que houve
segmentação.
Passaremos agora a expor a análise que foi feita contando com
2100 sujeitos das várias amostras coletadas. Algumas dessas amostras
83
coincidem com os estudos apresentados e outras não. Os dados aqui
relatados são: Lepre e colegas (2013), Almeida e colegas (2013), Assad
(2013), Haddad (2007), Shimizu et al. (2010), Seródio (2013), Oliveira
(2008; 2014) e Lima (2014).
Retomamos os dados e verificamos inicialmente as médias, desvio
padrão, mínimo e ximo em cada dilema. A Tabela 15 mostra esses
dados:
TABELA 15ESTATÍSTICA DESCRITIVA DA AMOSTRA GERAL
Dilema
N4
Média Mediana
Desvio
Padrão
Mínimo Máximo
Operário 2088 39,08 37,27 22,43 0 98,10
Médico 2088 25,63 22,13 20,86 0 96,94
Juiz 2088 34,10 31,02 23,25 0 100
Fonte: Dados da pesquisa
Notamos na Tabela 15 vários pontos interessantes. Em primeiro
lugar, a média no dilema do médico é inferior à média no dilema do
operário e do juiz. em termos absolutos uma discrepância de 13,45
entre os dilemas do operário e do médico, 8,47 entre os dilemas do médico
e do juiz e finalmente, 4,98 entre os dilemas do operário e do juiz. Se
considerarmos a mediana, observamos grandezas parecidas.
4 A diferença do N inicial para o atual se deu em função de eliminações que foram feitas por
respostas incompletas.
84
Em segundo lugar notamos que os desvios padrão são bastante
altos. Isso significa uma grande dispersão dos dados. Em torno da média,
um desvio padrão a mais e outro a menos reúnem 75% dos dados. Quando
o desvio é muito grande a variância vai ocupar quase a totalidade da escala.
Por fim, a Tabela 15 nos mostra o mínimo e máximo escores
alcançados em cada dilema. Em todos os dilemas alguns sujeitos tiveram o
mínimo da escala que é zero e chegaram muito próximos ou alcançaram
(no caso do dilema do juiz) o máximo da escala que é 100 pontos.
O que precisaríamos fazer ainda é discutir a magnitude dessas
diferenças. Retomamos os dados e testamos a igualdade dos escores nos 3
dilemas em separado. Após eliminar sujeitos que não tinham todas as
respostas assinaladas (missing data), aplicamos o teste de Friedman para
verificar se a avaliação dos sujeitos depende ou não do dilema proposto.
Obtivemos que com um N=2088 sujeitos provenientes de diversos
backgrounds, o Chi-quadrado é de 399,62, com 2 graus de liberdade e
p<0,000. Isso significa que diferença entre as avaliações dependendo do
dilema oferecido. Cabe verificar então em qual dilema percebemos as
diferenças.
Para isso, aplicamos o teste pareado de Wilcoxon (IBM, 2015).
Vamos analisar cada par de dilemas. Em primeiro lugar, vejamos os
dilemas do trabalhador e do juiz. Em 874 casos o dilema do trabalhador
teve escore menor do que o do juiz, em 1204 casos o dilema do trabalhador
teve escores maiores do que no dilema do juiz e em 10 casos empataram.
Ou seja, em 41,86% dos casos o escore do juiz foi maior, em 57,66% dos
casos o escore do operário foi maior e em 0,48% dos casos houve empate.
Ressaltamos aqui que essa situação é muito interessante em termos de
avaliação. Ainda que os grupos obtenham médias diferentes (próximas,
mas diferentes) conseguimos relacionar os dados obtidos nos dois dilemas
85
a ponto de anunciar um C escore único para os dois dilemas. Importante
também apontar que os dilemas envolvem temas muito diferentes. O
dilema do operário, como vimos, trata de uma situação trabalhista, que
envolve lei e direitos dos operários. O dilema do juiz envolve vida humana,
quantidade e qualidade de vidas. Obter um escore muito próximo nos dois
dilemas evidencia que a competência moral esteja sendo avaliada sem vieses
relacionados a outras variáveis.
Ainda assim, o teste de Wilcoxon obteve um Z=-7,80 com
p<0,000 evidenciando que as médias são diferentes de modo significativo.
Vejamos agora o dilema do médico em relação ao dilema do juiz.
Foram obtidos 1299 postos negativos em que o escore no dilema do juiz
foi maior do que o escore no dilema do médico, 755 em que o dilema do
médico foi maior do que no dilema do juiz e 34 casos de empate. Em
termos de porcentagem temos que 62,21 dos casos tiveram um escore
maior no dilema do juiz do que no dilema do médico, 36,16% dos casos
tiveram o escore maior no dilema do juiz e 1,62% de empate. Aqui a
discrepância entre os escores dos dois dilemas aparece mais claramente. No
teste de Wilcoxon o Z obtido foi de -13,92 com p<0,000.
Na comparação entre os dilemas do dico e operário obteve-se
621 postos negativos porque os escores no dilema do médico foram
maiores do que os do operário, 1458 postos positivos porque os escores do
dilema do operário foram maiores do que os escores do dilema do médico
e 9 empates. Em termos de porcentagem foram 29,74% de escores maiores
no dilema do médico, 69,82% de escores maiores no dilema do operário e
0,43% de empates. O Z foi igual a -20,68 com P<0,000 evidenciando
novamente diferença entre os grupos.
Uma outra forma de analisar a magnitude da diferença (método
preferido pelo autor de teste, Georg Lind), é a análise das diferenças
86
absolutas. Para ele, melhor do que assinalar o nível de significância
estatística é descrever a magnitude do efeito ou effect size (que é uma
estimativa da força de uma relação aparente). O emprego deste tipo de
estatística descritiva parece especialmente útil em avaliações educacionais
(CONBOY, 2003), e o seu relato e a sua interpretação frente a efeitos
previamente observados são considerados, pela Associação Americana de
Psicologia, essenciais para a boa investigação científica (WILKINSON;
APA TASK FORCE ON STATISTICAL INFERENCE, 1999). Para
Lind, o melhor índice a ser empregado é o da Magnitude Absoluta do
Efeito (Absolute Effect Size, ou aES), que propicia testar com clareza a
hipótese da superioridade de um grupo sobre outro ou no caso da análise
dos dilemas em separado, de escores de um dilema sobre outro. Além disso,
por ser livre de idiossincrasias (como o tamanho da amostra e o desvio-
padrão), o aES permite a comparação entre diferentes estudos. Segundo o
autor (LIND, 2010), aES positivas sugerem a superioridade do grupo
intervenção; aES superiores a três pontos reforçam esta impressão; e aES
acima dos cinco pontos configuram situações inequívocas de superioridade
de um grupo sobre o outro. No caso de nossas análises da segmentação,
encontramos, como foi dito, uma discrepância de 13,45 entre os dilemas
do operário e do médico, 8,47 entre os dilemas do médico e do juiz e 4,98
entre os dilemas do operário e do juiz. Segundo o critério do aES, uma
diferença inequívoca entre o dilema do médico e os demais, mas, de modo
geral, uma discrepância entre os dilemas de acordo com o conteúdo, o
que nos leva a levantar hipóteses que justifiquem tais diferenças.
A primeira hipótese levantada foi a influência da religião na
competência moral. Trabalhei então na busca de um instrumento que
pudesse avaliar a adesão à religiosidade para tentar correlacionar ambos os
constructos. A Escala de Crenças Pós-Crítica (PCBS) foi o instrumento
escolhido. Após o processo de validação e aplicação em uma amostra
87
bastante variada, pudemos concluir que os dados confirmam algum vel
de influência da religiosidade na competência do juízo moral. Porém,
refletindo mais profundamente a respeito, levantamos uma questão. Será
que um outro conteúdo que se vincule a um aspecto dogmático das
preferências frente a um determinado contexto de um grupo social
específico (por exemplo, posicionamento político) ou da cultura não
geraria o mesmo tipo de situação? Com isso, queremos dizer que uma
pessoa dogmática do ponto de vista político por exemplo, também poderia
ter dificuldade de avaliar argumentos contrários a sua própria opinião.
Talvez, a adesão a religião tenha em nossa cultura um significado
dogmático que seja dificilmente superado. Essa é uma hipótese que
precisaria ser melhor investigada considerando características culturais.
Considerações Finais
O que podemos afirmar é que na cultura brasileira elementos
que fazem com que a reação a temas complexos seja muito mais baseada
em dogmas do que em uma abertura para reflexão e decisão coletiva.
Vemos esse fenômeno em várias situações. Nas reuniões na universidade
muitas vezes não importa qual seja o fato, mas sim que a ideia do grupo a
respeito do fato seja mantida. Quanto desrespeito à diversidade porque a
manifestação do outro não está de acordo com o previsto em determinado
código! Nas discussões a respeito de temas políticos, presenciamos muito
recentemente o fenômeno de times adversários defendendo não ideais e
valores, mas corporações.
Quem tem a verdade a respeito das questões? Temos posições a
respeito de problemas e nos colocamos favoráveis ou contra determinadas
88
situações, mas isso de modo algum deve implicar na anulação do outro. É
no diálogo e na convivência democrática e respeitosa que as soluções
devem se dar.
Seria isso uma utopia? Gosto muito e sempre repito a ideia de
Mumford citado por SANTOS (2000): “Nenhures é um país que não
existe, mas as notícias de nenhures são notícias reais.” Não acredito que
seja uma utopia, mas uma heterotopia, algo que não existe, mas que pode
vir a existir. Como? Pela educação.
Temos desenvolvido algumas pesquisas a respeito de novas
alternativas em educação. Iniciamos tais estudos a partir da leitura do
terceiro volume de Kohlberg, dedicado à educação (KOHLBERG, 1992).
Sendo a justiça o valor moral básico, como deveria ser uma educação para
a justiça? Kohlberg partiu da discussão de dilemas hipotéticos, mas em sua
experiência escolar foi rapidamente desafiado a enfrentar dilemas reais
relacionados a estrutura escolar, gestão, uso de drogas, roubos e
incivilidades várias.
Sua experiência em um Kibutz em Israel levou-o a propor que se
pensasse em escolas como comunidades justas. A autonomia moral e a
vivência em uma comunidade que fosse regida pela justiça poderia se
dar se isso fosse construído na vida real, na escola, cooperando e praticando
na vida do dia-a-dia os princípios que estavam tão claros nos textos
acadêmicos.
Em Cluster (escola que ficava dentro da Cambridge High School
Massachusetts EUA), as normas, regras, relações sociais eram
discutidos em comunidade. Não se tratava de um laissez-faire, os papéis
seriam bem definidos, mas as deliberações seriam democráticas e coletivas.
Como modo geral de funcionamento da escola Cluster e que depois serviu
89
como inspiração para outras escolas democráticas, Biaggio (2006)
destacou:
A existência da democracia direta na escola acontecendo por meio
de reunião comunitária semanal em que todos os membros da escola
tinham direito a voto;
O fortalecimento de três instituições mais importantes na escola: o
grupo assessor (estudantes e professores), a reunião da comunidade
(todos) e a comissão de disciplina (estudantes e professor);
O funcionamento da reuno semanal da comunidade com
princípios organizadores de uma assembleia que incluíam: chamada
de ordem da presidência, apresentação dos visitantes, informes da
comissão de disciplina, informes gerais, debatesna forma de uma
discussão moral (toda argumentação sobre o se deve ou não fazer) e
votação sobre decisões da Comissão de disciplina, informes dos
grupos assessores, debates sobre temas colocados pelos assessores e
votação.
Uma comissão de disciplina (composição voluntária e com rodízio a
cada três meses): para assessorar estudantes, mediar conflitos, julgar
e punir o descumprimento das regras;
Omissões permanente integradas por estudantes, professores e pais
para discutir assuntos gerais da escola.
Outras experiências do mesmo tipo são relatadas na literatura:
Biaggio (2006) relata que em 1994 pode observar um programa de
“comunidade justa”, sob coordenação de Clark Power, denominado YES
(Your Excellence in School Sua Excelência na Escola); Kohlberg (1992)
relata a experiência da Escola A (Scarsdale Alternative High School) em
Nova York e a SWS (School-Within-a-School) em Massachusetts; Pacheco
90
e Pacheco (2014) relata sua experiência na Escola da Ponte em Portugal;
Singer (2017)
5
relata quatro experiências paulistas de escolas democráticas,
além das que havia relatado em seu livro Republica de Crianças (1997).
Nós temos visitado vários projetos e escolas com os alunos de
pedagogia do segundo ano e vemos como é possível que a escola trabalhe
em um projeto de construção da autonomia moral e produção de
conhecimento de modo conjugado.
Não temos como demonstrar que essa forma de trabalho
desenvolve a competência moral usando o MCT, uma vez que estamos
falando de um projeto educacional de anos, além do fato do MCT não ser
adequado para crianças com menos de 12 anos. Teríamos que acompanhar
a execução do projeto por um tempo tal que permitisse a avaliação de
resultados objetivos.
Entretanto, podemos examinar as bases desses projetos e a
concepção de competência moral e concluir se haveria chances de um bom
resultado. As experiências escolares democráticas são construídas com base
em valores socio-morais cooperativos. Singer (2014) aponta três princípios
básicos:
O primeiro é a auto-gestão. As pessoas que participam de uma
experiência de Educação Democrática são responsáveis por ela.
O segundo é o prazer do conhecimento. Acredita-se que o
conhecimento traz alegria, prazer, e por isso as pessoas se envolvem
com ele, não sendo necessárias punições ou disciplinas;
5
Sobre experiências de educação integral no Estado de São Paulo sugerimos o texto de Singer
(2017) que relata os casos das escolas: Escola Municipal de Ensino Fundamental Amorim Lima no
Butantã (São Paulo), Escola Municipal Campos Salles em Heliópolis (São Paulo), o Projeto Âncora
(Cotia) e a Cidade Escola Aprendiz na Vila Madalena (São Paulo).
91
E o terceiro é que não hierarquia no conhecimento. O
conhecimento científico, o conhecimento acadêmico, o conhecimento
comunitário, o conhecimento tradicional, o conhecimento religioso,
todos os conhecimentos são valorizados, respeitados e crescem
justamente no seu contato (SINGER et al, 2020)
Embora as experiências descritas na literatura e nas que visitamos
sejam muito diferentes umas das outras, identificamos em todas essa
preocupação com a participação de todos na comunidade educativa. Uma
das crianças que guiou nossa visita em uma das escolas disse: “aqui nada é
feito para as crianças, tudo é feito junto, com as crianças”. O envolvimento
nas tarefas, o comprometimento com os projetos existe não em troca de
pontos positivos, mas em nome da construção do próprio projeto.
Wrege (2012) analisa sob a ótica construtivista uma escola
democrática e conclui que nesta existe a preocupação em se ampliar as
relações sociais dos alunos por meio de compartilhamento de experiências,
incentiva-se a participação da criança nas tomadas de decisão, na
construção de regras, bem como as relações de cooperação. A intervenção
do meio coletivo em todos os âmbitos escolares, apontado por Piaget como
métodos ativos, é uma forma de justificar a construção dos valores morais
na escola democrática, em função das interações do estudante nas diversas
situações, o que poderá levá-lo a alcançar a autonomia moral.
Sendo a autonomia moral a possibilidade do sujeito construir
regras para si mesmo e respeitá-las pelo valor intrínseco a elas e não por
força externa, o ambiente para sua construção deve trabalhar com base no
repeito mútuo e na cooperação, o que é bem diferente da escola tradicional
que temos tão presente. A escola tradicional valoriza o acúmulo de
92
conteúdos, o respeito unilateral, a competição e em uma palavra, a
heteronomia.
Vimos na páginas anteriores que a competência moral se
caracteriza pela coerência com os próprios princípios em momentos em
que conflitos ou problemas morais difíceis se fizerem presentes. A
competência moral se mostra antagônica à postura dogmática imposta por
uma autoridade.
Entendemos, portanto, que o trabalho por uma educação integral
pode em tese favorecer a construção dessa competência e da personalidade
moral. Vislumbramos para o próximo período, que nossa contribuição
possa se voltar a essa investigação.
Referências
ASSAD, D. P. Uma avaliação do índice de competência moral de
adolescentes de 13 a 15 anos, Porto: D. Assad. Dissertação de Mestrado
apresentada à Faculdade de Desporto da Universidade do Porto.
BATAGLIA, P. U. R. A construção da competência moral e a formação
do psicólogo. Orientadora: Zélia Ramozzi-Chiarottino. 2001. Tese
(Doutorado em Psicologia Social). Instituto de PsicologiaUSP. São
Paulo, 2001.
BATAGLIA, P. U. R. A validação do teste de juízo moral (MJT) para
diferentes culturas: o caso brasileiro. Psicologia: Reflexão e Crítica,
23(1), 83-91, 2010. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/S0102-
79722010000100011. Acesso em: 01 jan. 2020.
93
BATAGLIA, P. U. R. Um estudo sobre o juízo moral e a questão ética
na prática da Psicologia. 1996. Dissertação de mestrado, Universidade
de São Paulo, São Paulo.
BATAGLIA, P. U. R.; SCHILLINGER, M.; LIND, G. Moral
segmentation in MJT studies: cultural influences. 2006. Paper presented
at the meeting of the Association for Moral Education, Fribourg,
Switzerland.
BATAGLIA, P. U. R.; SCHILLINGER-AGATI, M.; LIND, G.;
QUEVEDO, T. L. Testing the segmentation hypothesis with an
extended version of the MJT. 2003. Poster presented at the meeting of
the Association for Moral Education, Krakow.
BATAGLIA, P. U. R.; SCHILLINGER-AGATI, M.; TORRES, S. S.;
CRIVELARO, D. B. Z.; OLIVEIRA, D. D.; QUEVEDO, T. L. The
development of moral competence and religious commitment in Brazil.
2002. Paper presented at the meeting of the Association for Moral
Education, Chicago.
BERETA, T. A. D. da S. A Formação do Psicólogo do Ponto de Vista
Ético: um Estudo a Respeito do Ambiente Acadêmico e das
Oportunidades de Construção da Competência Moral. Tese (doutorado
em Educação)Universidade Estadual Paulista (UNESP), Faculdade de
Filosofia e Ciências, Marília, 2018.
BERETA, T. A. D. da S. Psicologia do trânsito e competência moral:
uma intervenção junto a alunos de um curso de especialização. 2014. 195
f. Dissertação (mestrado) - Universidade Estadual PaulistaJulio de
Mesquita Filho”, Faculdade de Filosofia e Ciências de Marília, 2014.
94
BERGER, Peter L. LUCKMANN, T. A sociedade como realidade. In: A
construção social da realidade tratado de sociologia do conhecimento.
Petrópolis, Editora Vozes, 1973.
BERNARDO, J. F. Competência moral e perfil de profissionais que
atendem o adolescente em conflito com a lei. Dissertação (Mestrado em
Educação)Universidade Estadual Paulista, Faculdade de Filosofia e
Ciências, 2011.
BIAGGIO, A. Lawrence Kohlberg: ética e educação moral. São Paulo:
Moderna; 2006.
CARNEIRO, L. C. De mim saiu virtude: espiritualidade e competência
moral em grupos de formação empreendedora. 2017. Dissertação
(Mestrado em Administração) - Universidade do Estado de Santa
Catarina.
CASTRO, M. R. Avaliação da competência moral de estudantes de
Medicina. 2019. 89f. Dissertação (Programa de Mestrado em Ensino em
Saúde) - Faculdade de Medicina, Universidade José do Rosário Vellano,
Belo Horizonte, 2019.
ENDERLE, C. de F. O desenvolvimento da competência moral em
estudantes de graduação em enfermagem. Tese (Doutorado em
Enfermagem). FURG, 2017.
FEITOSA, H. N. et al. Competência de juízo moral dos estudantes de
medicina: um estudo piloto. Rev. bras. educ. med., Rio de Janeiro , v.
37, n. 1, p. 5-14, mar. 2013.
FERNANDEZ, A. A Inteligência aprisionada. Porto Alegre: Ed.
Artmed, 1991.
95
FERREIRA, F. O. Juízos morais dos profissionais de saúde: uma análise
a partir de dilemas éticos relacionados ao valor da vida/Flávia Orind
Ferreira. -- 2017. 132 f. Orientador: Sergio Rego. Tese (Doutorado)
Programa de s Graduação de Bioética, Ética Aplicada e Saúde
Coletiva. Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Rio de
Janeiro, 2017.
FERREIRA, L. A. K. A relação entre capacidade reflexiva, crenças,
valores e ambiente formador: um estudo sobre a competência moral de
estudantes da pós-graduação em educação. Marília, 2016. Orientador:
Patrícia Unger Raphael Bataglia. Dissertação (Mestrado em Ciência da
Educação)Universidade Estadual Paulista, Faculdade de Filosofia e
Ciências, 2016.
GOLDMAN, C. W. Bioética e reprodução assistida: o que pensam
médicos em formação. 2017. 152 f. Dissertação (Mestrado em Bioética,
Ética Aplicada e Saúde Coletiva) - Escola Nacional de Saúde Pública
Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, 2017.
GUALTIERI, M. M. da S. Uso de alcool e competência moral em
universitários. 2010. 137 f. Dissertação (mestrado) - Universidade
Estadual Paulista, Faculdade de Filosofia e Ciências, 2010. Disponível
em: http://hdl.handle.net/11449/91223. Acesso em: 25 jan. 2020.
HADDAD, L. A. G. (2007). A construção da competência moral
em alunos do ensino médio um estudo sobre a influência do
ambiente escolar. Osasco: Universidade Bandeirante de São Paulo
(Monografia de Graduação).
IBM Corp. Released 2015. IBM SPSS Statistics for Windows, Version
23.0. Armonk, NY: IBM Corp.
96
JACON, V. A. B. Educação em valores: uma experiência transversal no
ensino fundamental II. 2016. 212 fs. Dissertação( Mestrado em
Educação) - Universidade do Oeste Paulista, Presidente Prudente, SP .
KOHLBERG, L. Psicologia del desarrollo moral. Bilbao, Espanha:
Editorial Desclée de Brower, 1992.
KOHLBERG, L. Development of moral character and moral ideology.
In: M. L. Hoffman & L.W. Hoffman (Eds.), Review of child
development research (Vol. 1, pp. 381-431). New York: Russel Sage
Foundation, 1964.
KRÄMER-BADONI, T.; WAKENHUT,R. Morality and military life-
words. In: G. Lind, H.; A. Hartmann; R. Wakenhut (Orgs.), Moral
development and the social environment. Studies in the Philosophy and
Psychology of moral judgment and education (pp.205-220). Chicago:
Precedent, 1985.
LANDIM, T. P. et al. Competência de Juízo Moral entre Estudantes de
Odontologia. Rev. bras. educ. med., Rio de Janeiro , v. 39, n. 1, p. 41-
49, Mar. 2015.
LEPRE, R.; MORAIS-SHIMIZU, A.; BATAGLIA, P.; GRÁCIO, M.;
CARVALHO, S.; OLIVEIRA, J. A formação ética do educador:
competência e juízo moral de graduandos de pedagogia. Revista
Educação e Cultura Contemporânea, 2013, Vol 11, n. 23, 113-137.
LIMA, A. A. de F. Interferência da formação no ensino superior para o
desenvolvimento do sujeito ético: um estudo de caso. Tese (Doutorado
em Enfermagem). São Paulo, Centro São Camilo, 2014.
LIND, G. How to teach moral competence. Berlin: Logos-Publisher,
2019.
97
MAINARDES, J. Metapesquisa no campo da política educacional:
elementos conceituais e metodológicos. Educar em Revista, Curitiba,
Brasil, v. 34, n. 72, p. 303-319, nov./dez. 2018.
MELO, N. W. de. Relação entre competência moral e espiritualidade
em estudantes de medicina de uma instituição de ensino da cidade do
Recife. Dissertação. (Mestrado Profissional em Educação para o Ensino
na Área de Saúde). Faculdade Pernambucana de Saúde-FPS, 2015.
MELO, N. W. de; SOUZA, E.; BARBOSA, L. Competência Moral e
Espiritualidade na Educação Médica: Realidade ou Desafio? Rev. bras.
educ. med., Rio de Janeiro, v. 40, n. 1, p. 43-52, Mar. 2016.
MISSAGGIA, J. A Noção husserliana de mundo da vida (Lebenswelt):
em defesa de sua unidade e coerência. Trans/Form/Ação, Marília, v. 41,
n. 1, p. 191-208, Jan./Mar., 2018.
MORAES, A.D. de. Intervenção pedagógica e construção da
competência moral em universitários. Tese (Doutorado em Educação).
Campinas: UNICAMP. 2016.
MORENO, C. Moral education in higher education and the
transformation of a concern: a historical account. 2005. Paper presented
at the 31st annual meeting or the Association for Moral Education,
Cambridge.
OLIVEIRA, M. S. de. Desenvolvimento da competência de juízo moral
e ambiente de ensino-aprendizagem: uma investigação com estudantes
de graduação em enfermagem. Dissertação (Mestrado em Bioética).
Fundação Oswaldo Cruz. Escola Nacional de Saúde Pública Sergio
Arouca. Rio de Janeiro, RJ, Brasil, 2008.
98
OLIVEIRA, M. S. de. Estudo sobre o desenvolvimento da competência
moral na formação do enfermeiro. Tese (Doutorado). Fundação
Oswaldo Cruz. Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca. Rio de
Janeiro, RJ, Brasil, 2014.
PACHECO, J.; PACHECO, M. de F. Diálogos com a Escola da
Ponte. Petrópolis, RJ: Vozes, 2014.
PAIM, I.M. Os impactos do enriquecimento escolar e da estimulação
da memória operacional sobre o desenvolvimento cognitivo e moral de
alunos do ensino médio. 2016. (Doutor em Educação). Programa de
Pós-Graduação em Educação, UNESP, Marília.
PARREIRA, G. V. A relação entre o padrão de consumo de bebidas
alcoólicas e a competência moral em universitária Dissertação (Mestrado
em Educação)Universidade Estadual Paulista, Faculdade de Filosofia e
Ciências, 2013.
PIAGET, J. Biologia e Conhecimento. Trad. Francisco M. Guimarães.
Petrópolis: Vozes, 1973. 423p. (publicado originalmente em 1967).
RAMOZZI-CHIAROTTINO, Z. Psicologia e Epistemologia genética
de Jean Piaget. São Paulo: EPU, 1988 (Temas básicos de psicologia; 19).
SANTOS, B. S. A crítica da razão indolente: Contra o desperdício da
experiência. In: Para um novo senso comum: A ciência, o direito e a
política na transição paradigmática (2. ed., Vol. 1). São Paulo, SP:
Cortez, 2000.
SANTOS, R. N. de O. L. dos. O papel do docente na formação ética
dos estudantes de fisioterapia: o olhar de quem ensina. Tese. Rio de
Janeiro; s.n; 2016. 85 p. ENSP, FIOCRUZ.
99
SCHILLINGER, M. Learning environment and moral development:
How university education fosters moral judgment competence in Brazil
and two German-speaking countries. Aachen, Germany: Shaker Verlag,
2006.
SENGER, R. Segmentation of soldier’s moral judgment. In: G. Lind,
H.; A. Hartmann; R. Wakenhut (Orgs.), Moral development and the
social environment. Studies in the Philosophy and Psychology of moral
judgment and education (pp.221-242). Chicago: Precedent, 1985.
SERODIO, A. M. D. B Avaliação da competência do juízo moral de
estudantes de medicina: comparação entre um curso de bioética
tradicional e um curso de bioética complementado com o todo
Konstanz de Discussão de Dilemas: a educação em bioética na promoção
das competências moral e democrática de adultos jovens. 2013. 137 Tese
(Doutor em Ciências da Saúde). Programa de s-Graduação em
Pediatria, Universidade Federal de São Paulo, Escola Paulista de
Medicina.
SHIMIZU, A. DE M., BATAGLIA, P. U. R., GRAÇO, M. C. C.,
LEPRE, R. M., & CARVALHO, S. M. R. DE. Desenvolvimento do
juízo moral e da competência moral em graduandos de pedagogia: uma
comparação entre o moral Judgement Test (MJT-xt) e o Defining Issues
Test (DIT-2). Relatório de Pesquisa chamada MCTI/CNPq
014/2008 – Universal. Não-publicado. Relatório de pesquisa enviado
para o CNPq, Marília, 2010.
SILVA, F. F. da. Competência moral e cidadania organizacional: estudo
com militares em formação. 2016. [115 f.] Dissertação (PROGRAMA
DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA) - Universidade Federal
Rural do Rio de Janeiro, [Seropédica-RJ] .
100
SINGER, H et al. Educação Democrática. Disponível em:
https://educacaointegral.org.br/glossario/educacao-democratica/. Acesso
em: 02 jan. 2020.
SINGER, H. Innovative Experiences in Holistic Education Inspiring a
New Movement in Brazil. In: H. E. Lees, N. Noddings (Eds.), The
Palgrave International. Handbook of Alternative Education, 2017. P.
211-226.
SINGER, H. República de crianças: sobre experiências escolares de
resistência. Campinas, SP: Mercado das letras, 1997.
SOUZA, E. S. de. A contribuição do ensino de ética no
desenvolvimento da competência moral de estudantes em
Administração Pública. Dissertação (Mestrado) - Universidade do
Estado de Santa Catarina, Centro de Ciências da Administração e
Socioeconômicas, Programa de Pós-graduação em Administração,
Florianópolis, 2018.
VARELA, M. A. Bonfim. Competência moral e formação dica:
percepção dos docentes sobre a influência do ambiente universitário.
Dissertação (Mestrado na Escola Nacional de Saúde Pública Sergio
Arouca). Rio de Janeiro; s.n; 2013. 100 p.
VIEIRA, K. E. Justiça de cotas na universidade e competência moral.
Dissertação (Mestrado em Educação, Ambiente e Sociedade)Centro
Universitário das Faculdades Associadas de Ensino, São João da Boa
Vista, 2016.
VON RONDON. A construção da competência moral e a influência da
religião: contribuições para a bioética. Dissertação (Mestrado). Fundação
Oswaldo Cruz. Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca. Rio de
Janeiro, RJ, Brasil, 2009.
101
WILKINSON L; TASK FORCE ON STATISTICAL INFERENCE.
Statistical methods in psychology journals: Guidelines and explanations.
Am Psychol. 1999; 54(8):594-604.
WORTMEYER, D. S. O desenvolvimento de valores morais na
socialização militar: entre a liberdade subjetiva e o controle institucional.
2017. xiii, 278 f., il. Tese (Doutorado em Processos de Desenvolvimento
Humano e Saúde). Universidade de Brasília, Brasília, 2017.
WREGE, M. G. Escolas Democráticas: um olhar construtivista. 418 f.
Dissertação (Mestrado em Educação)Faculdade de Educação,
Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2012.
103
3
TEORIAS CLÁSSICAS DA ÉTICA NORMATIVA E SUA
IMPLICAÇÃO NA PSICOLOGIA
Elói Maia de Oliveira
Introdução
Desde os primórdios da filosofia o tema da moralidade se apresenta
como um dos problemas filosóficos da ética/moral. Em Platão, diversos
diálogos como: Górgias (“o melhor é o mais forte”), Mênon (sobre a
virtude) e a República (o dilema do anel de Giges), esboçavam diversos
problemas do que podemos chamar de “moralidade”. Em Aristóteles, na
sua obra Ética a Nicômaco, encontramos um verdadeiro tratado sobre o
comportamento ético tanto em âmbito público como privado. Para
compreendermos melhor as perspectivas contemporâneas da moralidade
iremos nos alicerçar na perspectiva histórico filosófica, expondo
brevemente a tentativa de uma ciência do ethos nas filosofias socrática-
platônica, aristotélica, a influência destas na ética kantiana e miliana, e
posteriormente observando algumas implicações no campo da psicologia
moral.
https://doi.org/10.36311/2022.978-65-5954-220-8.p103-125
104
Com o avanço dos estudos sobre o comportamento humano a
psicologia ganha um lugar de destaque. É com Piaget que o estudo do juízo
moral da criança ganha atenção e que desencadea reflexões éticas,
filosóficas, biológicas, cognitivas e comportamentais nas gerações futuras
mudando ou corroborando algumas análises e provocando demais
acadêmicos a se debruçar sobre o tema da moralidade humana. Antes de
começarmos, vamos esclarecer alguns conceitos para assim podermos nos
apropriar melhor das teorias clássicas sobre a ética normativa.
A moralidade normativa (preocupação da maioria dos filósofos)
tem como base a pergunta com a qual Sócrates inaugura a reflexão ética
ocidental: “como devo viver?”. Desta perspectiva normativa temos três
derivações clássicas com seus principais expositores: Ética da virtude
1
(defendida por Aristóteles); Deontologia
2
(defendida por Kant) e o
Utilitarismo
3
(defendida por Mill).
1
“Segundo Aristóteles, são as virtudes que correspondem à parte apetitiva da alma, quando esta é
moderada ou guiada pela razão; consistem no meio-termo entre dois extremos, do quais um é
vicioso por excesso e o outro o é por deficiência. As virtudes são: coragem, temperança, liberalidade,
magnanimidade, mansidão, franqueza e justiça; esta última é a maior de todas” (ABBAGNANO.
2012, p. 451).
2
“Teorias que valorizam a moralidade não em termos de resultados, mas de referências categóricas
a determinados princípios. [...] Exemplo típico da ética deontológica é a kantiana, que prescreve o
dever pelo dever. [...] Pode-se dizer que os sistemas de orientação deontológica buscam o bem moral
a montante, no dever que é superior ao homem” (ABBAGNANO. 2012, p. 280).
3
“É uma corrente do pensamento ético, político e econômico inglês dos séculos XVIII e XIX. Stuart
Mill afirmou ter sido o primeiro a usar a palavra utilitarista (utilitarian), extraindo-a de uma
expressão usada por Galt em Annals of Paris (1812); de fato, a ele se deve o sucesso desse nome.
Contudo, essa palavra foi usada ocasionalmente por Bentham, a primeira vez em 1781. [...] O
utilitarismo é a tentativa de transformar a ética em ciência positiva da conduta humana. [...] O
utilitarismo substitui a consideração do fim, derivado da natureza metafísica do homem, pela
consideração dos móveis que levam o homem a agir. [...] Reconhecimento do caráter
supraindividual ou intersubjetivo do prazer como móvel, pelo que a finalidade de qualquer
atividade humana é ‘a maior felicidade possível, compartilhada pelo maior número possível de
pessoas’” (ABBAGNANO. 2012, p. 1172).
105
Antes de nos determos propriamente sobre o que cada corrente
apresenta sobre a temática é importante compreendermos o início do
debate do conceito acerca da Ética, a fim de, acompanhar a construção das
teorias formuladas, pois todas elas dialogam em uma certa
proporcionalidade com a origem socrática-platônica.
Atualmente, uma certa dúvida sobre os conceitos de Ética e
Moral, na qual alguns a tratam de forma conceitualmente distinta e outros
de forma idêntica. No dicionário de filosofia encontramos como definição
da Ética,
em geral, ciência da conduta. Existem duas concepções fundamentais
dessa ciência: a que considera como ciência do fim para o qual a
conduta dos homens deve ser orientada e dos meios para atingir tal fim.
[...] a a que considera com a ciência do móvel da conduta humana
e procura determinar tal móvel com vistas a dirigir ou disciplinar essa
conduta (ABBAGNANO, 2012, p. 442-443).
Cabe destacar que sobre a primeira definição, temos como
representantes Aristóteles e Tomás de Aquino, uma vez que defendem que
a felicidade é o fim da conduta humana; a segunda definição temos Kant,
pois julga que bem e mal não devem ser determinados antes da lei moral,
características estas da doutrina do móvel. a definição de Moral é
apresentada como “O mesmo que Ética” (ABBAGNANO, 2012, p. 795)
4
.
4
Cabe destacar que a definição de Moralidade no dicionário se distingue da definição de Moral,
sendo: “Caráter do que se conforma às normas morais. Kant contrapôs a Moralidade à legalidade.
A última é a simples concordância ou discordância de uma ação em relação à lei moral, sem
considerar o móvel da ação. A moralidade, ao contrário, consiste em assumir como móvel de ação
a ideia de dever (ABBAGNANO. 2012, p.795).
106
Convém expor que essa dúvida da matriz semântica começou a
formar-se na ética kantiana e tornou-se mais forte na filosofia hegeliana em
sua estrutura dialética entre Moralität e Sittlichkeit, a primeira designando
o domínio kantiano da moralidade interior e a segunda significando o
campo clássico da eticidade social e política (VAZ, 2015).
Todavia, sua procedência etimológica demonstra que os dois
termos são praticamente sinônimos. A separação atual dos dois conceitos
está ligada a tentativa de diferenciar Ética e Política, na qual a primeira
refere-se ao indivíduo, ou seja, a vida privada, e a segunda à esfera pública,
da sociedade. Ética (ethike) é, para Aristóteles, um tipo determinado de
saber, sendo ela, a investigação e a reflexão metódica sobre os costumes.
Ethike procede do substantivo ethos, que receberá duas grafias distintas,
designando matizes diferentes da mesma realidade: ethos (com eta
inicial) designa o conjunto de costumes normativos da vida de um
grupo social, ao passo que ethos (com epsilon) refere-se à constância do
comportamento do indivíduo cuja vida é regida pelo ethos-costume
(VAZ, 2015, p. 13).
o conceito de Moral, da tradução do latim moralis, apresenta
uma evolução semântica similar à do termo Ética. Etimologicamente a raiz
de moralis vem do substantivo mos (mores) que corresponde ao grego ethos,
mas que apresenta um campo de expressões muito mais rico verificado nos
léxicos latinos, como: vontade, desejo, conduta, uso, hábito,
comportamento, atitude, modo de ser, verificado nos escritos de Tomás
de Aquino na S.Theol. 1-2 parte, q.58, a. 1, c
5
.
5
“A palavra latina ‘mos’ tem dois sentidos. Às vezes, significa costume [...] Outras vezes, exprime
uma inclinação natural, ou quase natural, para determinada ação. Em latim esses dois significados
107
Observamos que, etimologicamente, não nenhuma diferença
significativa entre Ética e Moral, ambos designando fundamentalmente o
mesmo objeto, ou seja, o costume socialmente considerado, o hábito do
indivíduo de agir segundo o costume. Provavelmente esta tendência de
distinguir os conceitos na sociedade moderna advém da complexidade que
tornou-se compreender os fenômenos do agir ético. A Moral tornou-se
progressivamente um terreno da práxis individual, enquanto a Ética
ampliou seu campo de significação abrangendo os aspectos da práxis social.
Dada a devida atenção conceitual aos termos que iremos nos deter,
sigamos a compreender o início da Ética como tentativa de um status
universalizante. Os dois grandes modelos da tradição filosófica acerca da
Ética na cultura ocidental foram inaugurados por Platão e Aristóteles. O
primeiro, articulado à teoria das Ideias, tratando-se de uma Ética
estritamente normativa e teleológica e o segundo afastando-se da teoria
platônica propondo uma Ética mais pluralista dos bens oferecidos ao
dinamismo da práxis, desde que atendam ao imperativo fundamental do
bem viver na realização de uma excelência, segundo a medida da vida
humana, ocasionando assim também em uma Ética normativa e
teleológica, mas com bases distintas do modelo socrático-platônico.
Não será nosso foco desenvolvermos de forma aprofundada a
concepção da Ética segundo o modelo socrático-platônico, mas se faz
necessário apresentar alguns elementos para compreender a crítica feita por
Aristóteles para fundamentação da doutrina que veio a se chamar Ética da
Virtude.
não se distinguem quanto ao vocábulo. Distinguem-se, porém, em grego, pois ethos, que em latim
quer dizer mos”.
108
A Ética Socrática-Platônica
Sócrates (470/469 a.C. 399 a.C.), nasceu em Atenas, filho de um
escultor e uma obstetra. Não fundou Escola, como outros filósofos,
realizando seus ensinamentos em locais públicos e exercendo imenso
fascínio não sobre os jovens, mas de homens de todas as idades (REALE,
2003, p. 93). Sócrates é o porta voz da doutrina de Platão, tornando difícil
estabelecer uma clara distinção entre o que é o pensamento de Sócrates e
o que representa o pensamento de Platão, podendo ser reelaborações de
ideias postas por Sócrates.
Na República de Platão, encontramos Sócrates debatendo sobre o
Estado ideal com Trasímaco, que afirma que, o que é justo ou correto é o
que interessa aos mais fortes. Outros ali presentes afirmam também que
todos gostariam de serem imorais, se não fosse pela ameaça de punição e
impopularidade (mito clássico do Anel de Giges
6
).
Sócrates questiona estas afirmações apontando que a justiça não é
apenas um meio para atingir a felicidade, mas essencial para isso. Toda a
Ética antiga se uma Ética do Bem. Para Sócrates, toda atividade do
homem, é específica da razão (logos). Logo, o homem bom de ser o
homem sábio. Dessa forma temos o chamado intelectualismo socrático.
Recebida por Platão e criticada por Aristóteles, ela passou a caracterizar
o chamado intelectualismo moral de Sócrates, conhecido por suas
consequências aparentemente paradoxais: o homem sábio é
necessariamente bom, e o homem malvado é necessariamente
ignorante, o sábio nunca faz o mal voluntariamente e somente o
6
Ver Platão, A República, 359b 360a.
109
homem virtuoso é verdadeiramente feliz. Aristóteles criticou
justamente a simples identificação da virtude com o saber (VAZ, 2015,
p. 96-97).
A ética socrática compreende o sujeito bom em posse do saber, ou
seja, para alguém ser feliz é necessário ser bom e para ser bom é preciso ser
sábio. Platão (428 a.C. 347 a.C), caminha nesta linha de pensamento,
apesar de se afastar progressivamente do pensamento de Sócrates depois da
sua morte e com contato com os pitagóricos e eleatas, com um
envolvimento mais metafísico da Ética, na chamada Teoria das Ideias. Na
República, o Bem, é a “suprema forma” na qual a Alegoria da Caverna
7
justificará toda a explicação da tomada de consciência ética do homem. O
sábio é aquele que atingido a visão ou o conhecimento do Bem, ou seja,
quando sua alma ascende ao plano mais elevado, será capaz de agir de
forma justa, pois ao conhecer o Bem, conhece também a Verdade, a Justiça
e a Beleza (MARCONDES, 2007, p. 16-17).
Por fim, para Platão, o indivíduo que age de modo ético é aquele
capaz de autocontrole, ponto este que Aristóteles irá concordar, pois aqui
está implicado o conceito de virtude. Porém, para agir corretamente e
tomar decisões éticas o sujeito depende de um conhecimento do Bem que
é obtido pelo indivíduo por um longo processo de amadurecimento
espiritual. Aristóteles irá fundamentar sua teoria com bases platônicas, mas
não concordará com alguns pontos apresentados por Platão, na qual, i
reformular a chamada Ética da virtude.
7
Ver Platão, A República, 514a 517c.
110
A Ética Aristotélica
Aristóteles (384/383 a.C. – 322 a.C.), foi discípulo de Platão, mas
avançou em suas teorias chegando-a contrapor a do mestre. Platão
carregava um perfil mais místico-religioso-escatológico, no qual
Aristóteles, distintamente, buscará um maior rigor nos seus discursos
filosóficos. Mais interessado pelas ciências empíricas, sua filosofia carregará
um espírito científico, a sistematizar e distinguir os temas e problemas
segundo sua natureza, e com isso, propor os métodos adequados para
resolver os diversos tipos de questões.
Na filosofia aristotélica, a Ética, encontra-se no domínio do saber
prático. Neste domínio o “intuito é estabelecer sob que condições
podemos agir da melhor forma possível tendo em vista o nosso objetivo
primordial que é a felicidade (eudaimonia
8
), ou a realização pessoal”
(MARCONDES, 2007, p. 37). Mas o que seria essa felicidade?
Para a maioria, é o prazer e o gozo. Mas uma vida gasta com prazer é
uma vida que torna ‘semelhantes aos escravos’, e ‘digna dos animais’.
Para alguns a felicidade é a honra. Mas a honra é algo extrínseco que,
em grande parte, depende de quem a confere. [...] Para outros, a
felicidade está em juntar riquezas. Mas esta, para Aristóteles, é a mais
absurda das vidas, chegando mesmo a ser vida ‘contra a natureza’,
porque a riqueza é apenas meio para outras coisas, não podendo,
portanto, valer como fim. O bem supremo realizável pelo homem
8
“No sentido original, porém, eudaimonia, literalmente ‘proteção de um bom daimon’, significa a
excelência ou perfeição resultante no agente da posse do bem ou dos bens que nele realizam melhor
sua capacidade de ser bom. A expressão recente eudaimonismo ou eudemonismo, que remonta a
Kant, ao exprimir o aspecto subjetivo da busca interessada e do sentimento de felicidade, é,
portanto, imprópria para caracterizar a ética aristotélica e, mesmo, a ética grega em geral” (VAZ,
2015, p. 118-119)
111
consiste em aperfeiçoar-se enquanto homem, ou seja, naquela atividade
que diferencia o homem de toda as outras coisas [...] O homem que
deseja viver bem deve viver, sempre, segundo a razão (REALE, 2003,
p. 218).
Agora, como constituir-se nesta atividade que deve ser guiada pela
razão? Através das virtudes. A eudaimonia é uma atividade da alma segundo
a virtude perfeita. Contrariamente à Platão no Mênon, Aristóteles afirma
que a virtude pode ser ensinada. A virtude não é inata, mas resulta do
hábito, sendo necessária praticá-la para nos tornarmos virtuosos.
Para Aristóteles, em nossa alma elementos estranhos a razão,
que se opõe e resiste, mas que participam, de certo modo, da razão. A
clássica teoria da divisão da alma também se faz presente aqui. Enquanto
a parte vegetativa em nada participa da razão, a parte apetitiva participa de
alguma forma enquanto escuta e obedece. Essa ação da obediência a razão
é a virtude ética. Todos temos impulsos, paixões e sentimentos que tendem
ao excesso ou à falta. O papel da razão é intervir e impor a justa medida, o
meio-termo entre os dois excessos (ao muito ou ao pouco).
uma divisão estabelecida entre as chamadas virtudes
intelectuais, estas fruto do ensinamento e as virtudes morais, estas fruto do
hábito
9
. Esta distinção é fundamental para compreendermos a crítica feita
à Sócrates sobre a ensinabilidade da virtude e a superação do
intelectualismo socrático da virtude-ciência. Na Ética a Nicômaco um
verdadeiro tratado sobre as virtudes éticas, suas aquisições, sua natureza,
9
“Sendo, pois, de duas espécies a virtude, intelectual e moral, a primeira por via de regra, gera-se e
cresce graças ao ensino por isso requer experiência e tempo; enquanto a virtude moral é adquirida
em resultado do hábito. [...]por tudo isso, evidencia-se também que nenhuma das virtudes morais
surge em nós por natureza. [...] pelos atos que praticamos em nossas relações com os homens nos
tornamos justos ou injustos” (ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Livro II. 1103a15 1103b10).
112
na qual se expõe sobre a chamada “mediania” (mesotes) e as condições de
exercício. Dentre todas as virtudes éticas, a justiça ganha destaque, pois é
a essência da justa medida, na qual se distribuem os bens, as vantagens, os
ganhos e seus contrários.
A teoria aristotélica ao longo dos séculos se manteve firme como
uma alternativa ética de como se deve viver, influenciando culturas,
sociedades, chegando na Idade média com certo receio, mas bem
difundido e defendido por Tomás de Aquino “cristianizando” sua filosofia,
todavia ao longo da modernidade e as críticas exercida na filosofia medieval
e suas produções abalaram também as bases da filosofia grega, tendo como
um expoente da crítica da ética aristotélica, Imanuel Kant. Vejamos a
seguir como Kant prosseguiu com sua filosofia moral.
A Ética Kantiana
Imannuel Kant (1724 1804), nascido na Prússia Oriental, foi
um dos pensadores mais ilustres da era moderna, na qual intitulou sua
filosofia de uma “revolução copernicana”, por causa de sua radicalidade e
do mesmo caráter da realização de Copérnico na astronomia. Das obras
que tratam as questões éticas em Kant, na qual pertencem à razão prática
e não à razão teórica, são: Crítica da razão prática (1788) e Metafísica dos
costumes (1798), na qual a primeira obra mencionada trata da Ética no
sentido puro, e a segunda, uma tentativa de aplicação dos princípios éticos.
O propósito kantiano da constituição de uma Metafísica dos Costumes
pretende, pois, ser o digno coroamento de um movimento de ideias
que atravessa todo o século, dotando enfim o homem emancipado de
113
uma Ética cujos fundamentos metafísicos encontrem-se na própria
liberdade, manifestada em sua autonomia pelo estabelecimento das
condições transcendentais (a priori) do uso prático da razão (VAZ,
2015, p. 325).
A razão humana não é apenas teórica, ou seja, capaz de conhecer,
mas também é razão prática, que determina a vontade e a ação moral. Essa
distinção é de procedência platônica, mas é em Aristóteles que ela alcança
um caráter sistemático. No período latino, principalmente em Tomás de
Aquino, o conceito de Aristóteles é recebido como distinção entre o
intellectus speculativus e o intellectus practicus, no qual Kant adotará a
distinção clássica entre intellectus e ratio (inteligência e razão), utilizando
em sua filosofia as terminologias Verstand (Entendimento) e Vernunft
(Razão).
O entendimento pertence a faculdade das regras, na qual seu
conteúdo pertence as intuições sensíveis; a razão pertence a faculdade
dos princípios, unificadora do mundo inteligível, movida por dois
interesses, o especulativo e o prático. É do interesse da razão prática
satisfazer-se no exercício de uma forma de moralidade que atenda ao desejo
da felicidade
10
, inato no ser humano, por meio de leis a serem obedecidas
mediante ao exercício da virtude da prudência. A busca de uma resposta
objetiva para esse anseio, para dar plena satisfação e todo o interesse da
razão, tanto especulativa como prática, é responder: O que devo fazer?
10
Cabe destacar que a busca pela felicidade, que fundamenta as éticas do período helenístico, é
insuficiente como fundamento moral, porque o conceito de felicidade é variável, dependendo de
fatores subjetivos, psicológico, ao passo que a lei moral é invariante, universal; por isso seu
fundamento é o dever (MARCONDES. 2007, p. 218).
114
O objetivo fundamental de Kant é, portanto, estabelecer os princípios
a priori, ou seja, universais e imutáveis, da moral. Seu foco é o agente
moral, suas intenções e motivo. O dever consiste na obediência a uma
lei que se impõe universalmente a todos os seres racionais
(MARCONDES, 2007, p. 218).
Na Metafísica dos Costumes nos deparamos com o primeiro
conceito principal para nossa investigação: boa vontade. É a partir dele que
definimos o uso prático da razão voltado para uma vontade boa em si
mesma e não para a felicidade que é instintiva. O segundo conceito que
nos é apresentado, é o de dever. uma distinção feita de acordo com o
dever e a ação por dever, sendo a segunda a única que tem valor moral.
Dada essa distinção podemos compreender que uma lei que prescreve a
prossecução da própria felicidade não por inclinação (instinto), mas por
dever (razão).
O problema fundamental aqui é mostrar que o agir por dever, que
confere a ação o valor moral, exige que o conceito de dever não se
fundamente na experiência (a posteriori), o que abriria a porta para a
intromissão do egoísmo na motivação da ação. O dever, impondo-se à
vontade como necessidade de agir por respeito à lei, supõe a validez
absoluta da lei moral para todo ser racional, o que implica sua origem
na razão pura (a priori) prática e não numa análise psicológica (a
posteriori) da natureza humana (empirismo moral) nem numa simples
dedução a partir da razão pura teórica (intelectualismo moral). Por
conseguinte, o propósito de uma Metafísica dos Costumes deve ser o de
demonstrar a validez absoluta da lei enquanto constitutiva da ideia da
perfeição moral (VAZ, 2015, p. 338).
115
É necessário compreendermos como a lei e a vontade se relacionam
para que a vontade se constitua como vontade moral. A isso, Kant,
responderá com a doutrina do imperativo categórico. Vejamos em Kant
sua definição.
A representação de um princípio objectivo, enquanto obrigante para
uma vontade, chama-se um mandamento (da razão), e a fórmula do
mandamento chama-se Imperativo. Todos os imperativos se exprimem
pelo verbo dever (sollen), e mostram assim a relação de uma lei objectiva
da razão para uma vontade que segundo a sua constituição subjectiva
não é por ela necessariamente determinada (uma obrigação). [...] Ora,
todos os imperativos ordenam ou hipotética- ou categoricamente. Os
hipotéticos representam a necessidade prática de uma acção possível
como meio de alcançar qualquer outra coisa que se quer (ou que é
possível que se queira). O imperativo categórico seria aquele que nos
representasse uma acção como objectivamente necessária por si mesma,
sem relação com qualquer outra finalidade. Como toda a lei prática
representa uma acção possível como boa e por isso como necessária
para um sujeito praticamente determinável pela razão, todos os
imperativos o fórmulas da determinação da acção que é necessária
segundo o princípio de uma vontade boa de qualquer maneira. No caso
de a acção ser apenas boa como meio para qualquer outra coisa, o
imperativo é hipotético; se a acção é representada como boa em si, por
conseguinte como necessária numa vontade
em si conforme à razão
como princípio dessa vontade, então o imperativo é categórico. [...]
por fim um imperativo que, sem se basear como condição em qualquer
outra intenção a atingir por um certo comportamento, ordena
imediatamente este comportamento. Este imperativo é categórico.
Não se relaciona com a matéria da acção e com o que dela deve resultar,
mas com a forma e o princípio de que ela mesma deriva; e o
116
essencialmente bom na acção reside na disposição (Gesinnung
11
), seja
qual for o resultado. Este imperativo pode-se chamar o imperativo da
moralidade. [...] O imperativo categórico é, portanto, um único,
que é este: Age apenas segundo uma máxima tal que possas ao mesmo
tempo querer que ela se torne lei universal. [...] o imperativo universal do
dever poderia também exprimir-se assim: Age como se a máxima da tua
acção se devesse tornar, pela tua vontade, em lei universal da natureza
(KANT, 2007, pp. 47-59, grifo do autor).
Por fim, compreendemos que para Kant, a essência do imperativo
consiste em sua forma de lei, pela racionalidade, adequando a vontade à
norma da lei. Vontade essa determinada a priori objetivamente,
significando que a razão pura é em si própria prática, determinando à
vontade sem ter outros fatores. A lei moral pode determinar a priori a
vontade e fundamentar um uso da razão prática no conhecimento do Bem
supremo necessária da vontade do ser racional. Marcado por uma
necessidade de buscar a objetividade do agir ético, Kant defende a
soberania da razão para todas as ações éticas anulando qualquer
subjetividade ou desejo das ões morais, mas com o avanço das ciências e
da sociedade capitalista a uma virada de chave neste pensamento nos
levando a chamada ética utilitarista.
11
A palavra prudência é tomada em sentido duplo: ou pode designar a prudência nas relações com
o mundo, ou a prudência privada. A primeira é a destreza de uma pessoa no exercício de influência
sobre outras para as utilizar para as suas intenções. A segunda é a sagacidade em reunir todas estas
intenções para alcançar uma vantagem pessoal durável. A última é propriamente aquela sobre que
reverte mesmo o valor da primeira, e quem é prudente no primeiro sentido, mas não no segundo,
desse se poderá antes dizer: é esperto e manhoso, mas em suma é imprudente. (Nota de Kant.)
117
A Ética Miliana
John Stuart Mill (1806-1873), nascido na Inglaterra, foi um dos
maiores defensores do utilitarismo no século XIX. Foi o primeiro a usar
este termo, principalmente em sua principal obra ética intitulada
Utilitarismo de 1863, mas na obra Uma introdução aos princípios da moral
e da legislação, Jeremy Bentham (1748-1832) apresentava a base do que
será essa nova corrente ética defendida por muito até hoje.
A natureza colocou o gênero humano sob o domínio de dois senhores
soberanos: a dor e o prazer. Somente a eles compete apontar o que
devemos fazer, bem como determinar o que na realidade faremos. [...]
O princípio da utilidade
12
reconhece esta sujeição e a colocar como
fundamento desse sistema, cujo objetivo consiste em construir o
edifício da felicidade através da razão e da lei (BENTHAM, 1974, p.
9-10).
Para Bentham, a moral, configura-se a uma atenção das
características do prazer, sendo elas: a duração, intensidade, certeza,
proximidade, capacidade de produzir prazeres ulteriores e ausência de
consequências dolorosas. A partir dessa base, Mill desenvolverá a sua Ética
utilitarista afastando-se da ideia de Bentham, uma vez que ele não olha
apenas a quantidade de prazer, mas também sua qualidade, ou seja, para
Mill uma hierarquia dos prazeres, como pela famosa frase “Antes um
12
“A esta expressão acrescentei ultimamente substituindo até a primeira esta outra: a maior
felicidade, ou o princípio da maior felicidade; isto por amor à brevidade, ao invés de expressar-me
assim longamente: ‘o princípio que estabelece a maior felicidade de todos aqueles cujo interesse está
em jogo, como sendo a justa e adequada finalidade da ação humana, e até a única finalidade justa,
adequada e universalmente desejável’”. (Nota do Autor em julho de 1822).
118
homem insatisfeito que um porco satisfeito” que quer apresentar que o
homem tem prazeres mais valiosos que um porco. Para Mill, uma vez
atendida as necessidades básicas, os homens tenderão aos prazeres do
pensamento, sentimento e imaginação aos dos corpos e dos sentidos,
mesmo estes, podendo nos levar a dor, por exemplo, o prazer de amar pode
acarretar a dor de sofrer a ruptura do romance, mesmo assim as pessoas
preferem um amor do que um jantar.
Sua obra Utilitarismo além de ser a formulação ética do utilitarismo
é também uma apologia sobre sua filosofia, na qual define o que é o
utilitarismo e esclarece respondendo as objeções contra sua filosofia.
Uma simples observação deveria bastar contra a confusão dos
ignorantes que supõem que aqueles que defendem a utilidade como
teste do certo e do errado usam este termo no sentido restrito e
meramente coloquial em que o útil se opõe ao prazer. [...] de Epicuro
a Bentham, que defenderam o princípio da utilidade o entenderam não
como algo a ser contraposto ao prazer, mas sim como o próprio prazer,
juntamente com a ausência de dor. [...] Tomam a palavra utilidade e
não sabem sobre ela nada além de seu som. [...] O credo que aceita
como fundamento da moral o Útil ou Princípio da xima Felicidade,
considera que uma ação é correta na medida em que tende a promover
a felicidade, e errada quando tende a gerar o oposto da felicidade. Por
felicidade entende-se o prazer e a ausência de dor; por infelicidade, dor,
ou privação de prazer (MILL apud MARCONDES, 2007, p.117-
118).
Todas essas teorias apresentadas irão diretamente influenciar os
demais acadêmicos que se interessam sobre a moralidade humana,
principalmente a nova ciência que com novos elementos e descobertas
119
sobre o cérebro humano, genética e biologia se debruçam para
compreender o comportamento humano.
Implicações da Ética na Psicologia
Em Kant, encontramos um dualismo entre razão e inclinação, na
qual o filósofo afirma que devemos tomar nossas atitudes única e
exclusivamente a partir da razão. Esse dualismo, iniciado em Platão,
segue-se até hoje nas teorias morais centradas no dever. Ao compartilhar
essa visão, o mundo ocidental deposita uma confiança muito grande na
lucidez da consciência. “Desde quando Sócrates disse ‘Conhece-te a ti
mesmo’ tem sido assumido que a reflexão concede-nos acesso privilegiado
ao nosso próprio pensamento” (HOOFT, 2013, p. 68).
Mas a partir de Freud a confiança acerca da lucidez da consciência
ficou abalada, pois agora sabemos que ações nossas que podem ser
movidas por pulsões e/ou instintos que até então não temos conhecimento
e que pode apenas se tornar consciente mediante a muito esforço. Logo, é
possível que sua deliberação moral possa estar carregada de preconceitos e
ter sua ação ética prejudicada pela imparcialidade, afirmação que o próprio
Kant havia indicado que nunca poderíamos ter certeza de que agimos
motivados pelo dever.
Seguindo na esteira da psicologia, Piaget no desenvolvimento de
sua pesquisa em epistemologia genética, na qual busca compreender o
processo do conhecimento pelas passagens históricas, psicológicas e
biológicas do indivíduo, constata que existência de um certo inatismo,
do mesmo defendido por Kant, mas admite que também um
desenvolvimento fixo de estruturas definidas e universais. Em 1932, Piaget
120
publica sua obra Le jugement moral chez l’enfant (O julgamento moral na
criança) que expõe as fases de desenvolvimento da moralidade sendo três:
anomia, heteronomia e autonomia. Não é nossa intenção aqui desenvolver
com profundidade o pensamento e esquemas do Piaget, mas compreender
a base teórica que levou ao desenvolvimento das teorias de Kohlberg e
Lind.
Kohlberg avança ao rejeitar a teoria do paralelismo entre o
amadurecimento do pensamento lógico e da moralidade, pois segundo ele,
o desenvolvimento lógico não implica necessariamente ao
desenvolvimento moral. Entende-se que o pensamento lógico formal é
condição necessária para a moralidade plena, mas não suficiente. Com isso,
Kohlberg reformula a teorias dos estágios morais piagetianos em três níveis
de moralidade: pré-convencional, convencional e s-convencional, cada
qual com dois estágios, com o objetivo de identificar nos indivíduos níveis
de um juízo moral para a compreensão de uma possível Ética universal.
Diferente de Piaget, Kohlberg, de fato, buscava compreender o
processo da construção da moralidade, tanto que percorreu diversos países,
entrevistou diversas pessoas e culturas distintas para poder apropriar-se de
sua teoria. Assim, avançou também além de Kant, pois a ética kantiana
tem uma concepção monológica da racionalidade, fundada na razão
universal, abstrata. Kohlberg, nos apresenta uma visão dialógica, na qual a
moral é alcançada pelo diálogo e levantamento de razões que justifiquem
a ação mais justa.
Por fim, toda essa investigação resulta em um direcionamento para
a compreensão do juízo moral e seus estágios, na qual Lind parte dessa
investigação, mas começará a se preocupar mais com a questão da
competência moral. Tal competência não é inata e não se desenvolve por
si mesma, mas deve ser apoiada e aprendida pela educação. Por definição,
121
Lind conceitua que a competência é o indivíduo compreender fatos,
aplicar conhecimentos e assumir responsabilidades, e com isso, a
competência moral vem a ser a “capacidade de resolver problemas e
conflitos através de deliberação e discussão, sem usar violência e engano,
ou submeter-se a uma autoridade” (LIND, 2018, p. 07, tradução nossa).
Ou seja, uma capacidade dos indivíduos de lidar com dilemas morais
atreladas a competência democrática.
Diante dos esforços de pensar na aplicabilidade dos conceitos
elaborados por Kohlberg, Lind quer apresentar a possibilidade do ensino
da competência moral, ultrapassando os dilemas elaborados por Kohlberg
para verificação dos juízos morais. Lind desenvolve o KMDD, todo
Konstaz de Discussão do Dilema que contém em sua essência raízes da
filosofia moral, experiência educacional e psicologia experimental.
O ponto crucial deste todo é que não doutrinamos os alunos sobre
"valores" através de instruções verbais, mas que lhes proporcionamos
oportunidades para aplicar e desenvolver sua competência moral. [...]
O KMDD também desafia o pensamento e os sentimentos dos
participantes. Pede-lhes que julguem uma decisão difícil tomada por
um protagonista (certo ou errado?) e que lidem com os contra-
argumentos dos adversários (LIND, 2018, p. 08, tradução nossa).
Considerações Finais
Pensar a Ética a partir da sua normatização não era algo explícito
no discurso filosófico clássico. O ethos em sua unidade e diversidade era
uma evidência primeira, do mesmo modo da physis, sendo impensável
querer provar sua existência, segundo Aristóteles. Na sociedade moderna
122
ocidental levou-se uma inversão de prioridades na construção do discurso
ético. O pluralismo ético e o relativismo impuseram a primazia do
indivíduo sobre o ethos e é a partir desta inversão que o discurso ético
começa a ser reconstruído sendo necessário pensar como se dará a formação
plena da pessoa moral. Vaz (2004), afirma sobre essa formação que
o indivíduo ético alcança sua plena efetividade a partir do uso
consciente da razão e do livre-arbítrio. Mas essa efetividade é a
atualização de uma virtualidade presente na constituição essencial do
ser humano que o predetermina necessariamente a desenvolver-se
como ser moral. Essa virtualidade ética já, é, portanto, constitutiva do
ser humano desde sua gênese no estado fetal e nos primeiros estágios
da sua evolução na infância. Deste modo, o indivíduo humano é,
irrevogavelmente, um ser moral ao longo de toda sua história
individual, competindo-lhe como tal, desde sempre, o predicado da
dignidade e do direito à vida. Se não admitirmos essa continuidade
profunda que liga a moralidade do ser humano como predisposição,
como inclinação instintiva ao bem e como razão e liberdade, torna-se
inexplicável o aparecimento de uma personalidade moralconstituída
na história do indivíduo, a menos que lhe atribuamos uma origem a
partir de fatores puramente extrínsecos, o que retiraria todo o valor
intrínseco à sua dignidade e à postulação dos seus direitos, bem como
ao cumprimento dos seus deveres (VAZ, 2004, p. 21-22).
A Ética filosófica vem tentar compreender a inquietação do ser
humano ao tentar responder à pergunta ética socrática: como convém viver?
Neste capítulo apresentamos três das diversas teorias éticas que surgiram
ao longo dos séculos e algumas implicações na vertente da psicologia para
refletirmos sobre tal indagação. A psicologia seja ela querendo
compreender como a moralidade é constituída e/ou como ela deve ter uma
relação indivíduo/sociedade levanta novas discussões e abordagens neuro-
123
psiquíco-social que até então na filosofia não havia sido refletida, seja por
falta de recursos provenientes de suas épocas quando pensadas, seja por
não ser o campo específico da filosofia, mas diante das novas descobertas
cabe também a filosofia de debruçar destes novos elementos e desenvolver
seu caminho para essa complexidade do agir humano.
Por fim, não podemos deixar de citar que o Bem, princípio do ser
e base de toda Ética normativa, mostra, como diz Aristóteles, ser por
natureza uma ciência prática, que busca o Bem em si mesmo, e na
comunidade ao mesmo tempo nos tornando bons. O estudo da Ética é,
portanto, mas que uma ciência prática, mas sim uma ciência da prática, na
qual a razão prática deve se ordenar para o Bem.
Referências
ABBAGNANO, N. Dicionário de filosofia. 6ª edição. São Paulo:
Editoria WMF Martins Fontes, 2012.
ARANHA, M. L. de A. Filosofando: introdução à filosofia. 6ª ed. São
Paulo: Moderna, 2016.
ARISTÓTELES. Os pensadores. 1ª edição. São Paulo: Editora Abril.
1973.
BATAGLIA, P. U. R.; MORAIS, A. LEPRE, R. M. A teoria de
Kohlberg sobre o desenvolvimento do raciocínio moral e os
instrumentos de avaliação de juízo e competência moral em uso no
Brasil. Estudos de Psicologia. 15(1). Janeiro-Abril, 2010, 25-32.
BENTHAM, J. Os pensadores. 1ª ed. São Paulo: Editora Abril. 1974.
124
HOOFT, S. V. Ética da virtude. Tradução: Fábio Creder. Petrópolis,
Rio de Janeiro: Vozes, 2013.
KANT. I. Crítica da razão prática. Tradução Valério Rohden. São
Paulo: Folha de S. Paulo, 2015.
KANT. Fundamentação da Metafísica dos Costumes. Tradução: Paulo
Quintela. edição. Edições 70. 2007.
LIND, G. How to teach moral competence. New: Discussion Theater.
Berlin: Logos-Publisher. 2018.
MARCONDES, D. Iniciação à história da filosofia: dos pré-socráticos a
Wittgenstein. 2 ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2007.
MARCONDES, D. Textos sicos de ética: de Platão a Foucault. Rio
de Janeiro: Zahar, 2007.
MARCONDES, D. Textos sicos de filosofia: dos p-socráticos a
Wittgenstein. 2 ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2007.
NALINI, J. R. Ética Geral e Profissional. 3ª ed. Editora Revista dos
Tribunais. 2001.
PAPINEAU, D. Filosofia. Tradução: Maria da Anunciação Rodrigues e
Eliana Rocha. São Paulo: Publifolha, 2013.
PLATÃO, A República. Introdução, Tradução e Notas de Maria Helena
da Rocha Pereira.edição. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian.
2001.
REALE, G. História da filosofia: Filosofia pagã antiga, v. 1. Tradução
Ivo Storniolo. São Paulo: Paulus, 2003.
125
REALE, G. História da filosofia: de Spinoza a Kant, v. 4. Tradução Ivo
Storniolo. São Paulo: Paulus, 2004.
REALE, G. História da filosofia 5: do romantismo ao empiriocriticismo.
Tradução Ivo Storniolo. São Paulo: Paulus, 2005.
REALE, G. História da filosofia 7: de Freud à atualidade. Tradução: Ivo
Storniolo. São Paulo: Paulus, 2006.
TAILLE, Y. de La. Piaget, Vigotski, Wallon: teorias psicogenéticas em
discussãoSão Paulo: Summus, 2019.
TOMÁS DE AQUINO, Suma teológica: vol 4. I-II parte.edição. São
Paulo: Edições Loyola, 2015.
VAZ, H. C. de L. Escritos de filosofia IV: introdução à ética filosófica 1.
7 ed. São Paulo: Edições Loyola, 2015.
VAZ, H. C. de L. Escritos de filosofia V: introdução à ética filosófica 2.
2 ed. São Paulo: Edições Loyola, 2004.
127
4
PARA ESTUDAR O FASCISMO:
UMA REFLEXÃO A PARTIR DO DESENVOLVIMENTO
MORAL
Raquel dos Santos Candido da Silva
Introdução
A Teoria Crítica, corrente teórica nascida durante o culo XX em
Frankfurt, Alemanha, encontra entre seus principais expoentes Theodor
W. Adorno (1903-1969), que em suas reflexões, parte ao encontro da
crítica necessária ao pensamento comprometido com a desfetichização da
realidade. Neste artigo, pretendemos refletir inicialmente acerca de como
o pensamento de Theodor W. Adorno, poderiam nos permitir
compreender o desenvolvimento do homem autoritário, como
manifestação de um fenômeno atual que é extremamente retrógrado e
prejudicial à democracia. Feito isso, traremos a contribuição das reflexões
de Georg Lind, pesquisador contemporâneo da Universidade de Konstanz,
Alemanha, sobre o desenvolvimento da competência moral como um dos
elementos primordiais para o fortalecimento de uma educação
democrática. Pretendemos por meio da apresentação e compreensão dessas
reflexões, promover uma aproximação entre o pensamento desses autores,
https://doi.org/10.36311/2022.978-65-5954-220-8.p127-146
128
a fim de vislumbrar um caminho de possibilidades que nos permita
encontrar uma saída do labirinto no qual tem se enfraquecido a noção de
sujeito democrático. Por meio do pensamento de Adorno é possível
compreender que a sociedade moderna, ao mesmo tempo em que estimula
o senso de independência, de competição e de autopreservação, nega aos
indivíduos as possibilidades materiais para a realização efetiva de tais ideais,
o que tem enfraquecido a capacidade dos indivíduos de resolver problemas
e conflitos adquiridos socialmente além de estimular o desenvolvimento
dos aspectos de uma personalidade regressiva e autoritária. Georg Lind,
reflete sobre o desenvolvimento da autodeterminação dos indivíduos
baseando-se em princípios morais, a partir daquilo que nomeou como
competência moral. Para o autor, o desenvolvimento dessa competência
pelos indivíduos poderia realizar-se por meio da deliberação e da discussão
racional, o que possibilitaria, segundo Lind, que “os indivíduos não se
deixassem levar pela violência ou engano, ou pior, que se deixassem
persuadir pela autoridade” (LIND, 2016, p. 17). Concomitantemente, tais
reflexões visam afirmar que a formação de sujeitos democráticos envolve
necessariamente a reflexão acerca da sociedade atual e dos meios pelos quais
poderíamos desenvolver nossas competências morais. Ao traçar esse
caminho de reflexão, propomos demonstrar como as reflexões trazidas por
esses autores nos permitem caminhar rumo à desestabilização das crenças
reconfortantes do nosso cotidiano, que nos fazem aceitar acriticamente
todos os juízos e autoridades.
A Repetição da Barbárie na Moderna Sociedade
Theodor Wiesengrund Adorno nasceu no ano de 1903, em
Frankfurt, em um ambiente em que pode ter uma real experiência com a
129
música, de tal modo que essa experiência permeia as análises culturais que
viria a desenvolver posteriormente, na medida em que o próprio autor
muitas vezes se identificava como músico. A princípio, sua formação
acadêmica foi em filosofia, área em que mais tarde receberia o título de
doutor, precisamente no ano 1923. No entanto, o interesse de Adorno pela
análise social foi despertado devido a grandes questões políticas e sociais
que se projetavam no contexto alemão e internacional da época, entre eles
a ascensão do irracionalismo teórico, a transformação da cultura em
produtos comercializáveis e a propagação do antissemitismo. Adorno
empreendeu ao longo de sua vida uma parceria de grande impacto pessoal
e teórico com Max Horkheimer, ambos vinculados ao Instituto de
Pesquisa Social, dirigido por Horkheimer entre os anos de 1931 a 1934
em Frankfurt (Alemanha), e, mais tarde, no exílio norte-americano
durante a Alemanha nazista. Do amigo e do Instituto ao qual se vinculava,
Adorno recebeu os incentivos para se dedicar à análise social para a qual o
seu tempo histórico o desafiava, desenvolvendo estudos vinculados
principalmente à análise cultural e social.
Não se compreende os seus estudos culturais e suas reflexões sem
ressaltar aquilo que Adorno nunca deixou de exprimir em suas obras, o
fato de ser contemporâneo de Auschwitz. Nos diversos estudos realizados
em que a temática do fascismo aparece, fica clara a constatação a que
chegou Adorno, ao evidenciar a possibilidade objetiva de repetição do que
chamou de barbárie moderna, comprovando tais hipóteses principalmente
em seus estudos realizados nos Estados Unidos sobre a personalidade
autoritária, em que discutia a vulnerabilidade da sociedade norte-
americana ao antissemitismo. A ascensão do irracionalismo nazista, bem
como, do stalinismo soviético, são fatos que podem ser apontados como
os principais panos de fundo histórico para as reflexões que Adorno
desenvolve sobre o fascismo. Nestes estudos, podemos destacar a
130
importância da apropriação viva que Adorno realiza de categorias oriundas
da psicanálise, em que buscou compreender as bases subjetivas e materiais
para a reprodução das relações sociais vigentes; em que são incorporadas a
fraqueza do ego, associada ao investimento que o próprio processo
ideológico exige daqueles que nele estão envolvidos (COHN, 1986, p. 18).
Nos textos políticos de Adorno, escritos principalmente entre os
anos de 1940-1950, podemos encontrar algumas reflexões do pensador
sobre a democracia e as principais ameaças à qual esse modo de organização
social estaria submetida na era do capitalismo tardio. A obra “Teoria
freudiana e o padrão da propaganda fascista”, publicada no ano de 1951,
é escrita pelo pensador por meio da observação da sociedade norte-
americana, em que pode vislumbrar alguns elementos que estariam
presentes naquela sociedade que contrariavam os sustentáculos de sua dita
‘democracia’. Nesse contexto, Adorno observava os panfletos e discursos
de agitadores fascistas que se propagavam naquela sociedade durante tal
período, nomeados como “incitadores de turba”. O que pretendiam esses
agitadores, segundo Adorno, era precisamente transformar o maior
número de pessoas em ‘turba’, inclinadas à ação violenta.
Esses estudos nos permitem desenvolver um olhar atento sobre o
caráter adaptável do fascismo e dos movimentos autoritários, cujos
elementos universais ultrapassam manifestações particulares. O fascismo
não deve ser compreendido apenas do ponto de vista da agitação política,
relacionado à violência governamental ou ão antipopular. Para Adorno,
um dos fatores centrais envolvidos no fenômeno diz respeito às demandas
narcísicas que a idealização do líder por parte de seus seguidores promete
realizar. A esse respeito, Adorno explicita a questão fundamental proposta
por Freud, cuja resposta é de importância crucial para uma compreensão
adequadamente crítica do problema: “por que homens modernos revertem
131
a padrões de comportamento que contradiz flagrantemente seu próprio
nível racional e a presente fase da civilização tecnológica esclarecida?”
(ADORNO, 2015, p. 159). Em outras palavras, trata-se de entender como
é possível que “indivíduos, filhos de uma sociedade liberal, competitiva e
individualista, condicionados a se manter como unidades independentes e
auto sustentáveis" tenham sua individualidade diluída, aceitando fazer
parte de um aglomerado homogêneo de membros de multidões fascistas?
(ADORNO, 2015, p.158-159). Para Adorno, a elucidação dessa
contradição entre o grau de maturidade racional e as tendências à regressão
coletiva requer considerar o teor de gratificação emocional proporcionada
pela adesão a esse tipo de coletivo. Os impulsos narcisistas,
impossibilitados de realização, encontram uma satisfação substitutiva por
meio da idealização da figura do líder, que sob esse aspecto personifica uma
espécie onipotente de “pai primitivo da horda”. Pela idealização, “o sujeito
ama a si mesmo”, livrando-se “das manchas de frustração e
descontentamento que estragam a imagem que tem de seu próprio eu
empírico” (ADORNO, 2015, p.169).
A gratificação emocional proporcionada pela idealização do líder
fascista, em sua qualidade de satisfazer fortes impulsos narcisistas gerados
socialmente, porém jamais satisfeitos, é corroborada e intensificada pela
possibilidade adicional de satisfação de um prazer de natureza
sadomasoquista peculiar que consiste em respeitar as elites poderosas e ao
mesmo tempo hostilizar as minorias fracas e desamparadas. Adorno
enfatiza a pertinência e a produtividade da abordagem de Freud, que foi
capaz de intuir conceitualmente o surgimento do fenômeno do fascismo
duas décadas antes de sua nefasta concretização histórica. A dicotomia
entre o amado in-group e o odiado out-group, sugerida nas reflexões sobre
a natureza projetiva envolvida na aversão ao unheimlich, e nas
idiossincrasias próprias ao “narcisismo das pequenas diferenças” foram
132
suficientes para que Freud tenha dedicado nas esperanças emancipadoras
depositadas pela cultura burguesa no progresso da razão nada menos do
que um amargo ceticismo.
A esse respeito, Adorno sintetiza certa versão freudiana de uma
dialética do esclarecimento: “já em 1921 ele foi, por isso, capaz de se livrar
da ilusão liberal de que o progresso da civilização provocaria
automaticamente um aumento da tolerância e uma diminuição da
violência contra os out-groups(ADORNO, 2015, p. 174). A oposição
rígida e maniqueísta entre grupos não somente permite ao agente do
preconceito e da hostilidade fascista ganhos narcisistas originados da
compensação imaginária de suas frustrações reais, que o fazem sentir-se
superior, melhor e mais puro do que os excluídos, como também
representa um obstáculo dificilmente transponível contra
questionamentos de natureza crítica a suas ideias e valores preconcebidos:
“qualquer tipo de crítica ou autoconsciência é ressentida como uma perda
narcisista e provoca fúria” (ADORNO, 2015, p. 177). A síndrome fascista,
detalhadamente analisada em “A personalidade autoritária” por Adorno,
revela assim uma de suas características mais salientes: a hostilidade aberta
a reflexões intelectuais e comportamentos introspectivos. A mobilização
dos processos emocionais, inconscientes e regressivos por parte do der
fascista, e sua eficiência no sentido de proporcionar satisfações de natureza
narcisista, compensadoras das frustrações reais experimentadas por seus
seguidores envolve, segundo Adorno, uma completa inversão dos
procedimentos e objetivos propriamente educativos da teoria freudiana.
Esta justificou-se nos termos de sua adesão explícita nos moldes do
iluminismo filosófico como “emancipação do homem do domínio
heterônomo do inconsciente”, horizonte sintetizado por Freud em sua
máxima “o que é Id deveria se tornar Eu” (ADORNO, 2015, p. 177). O
fascismo, por outro lado, persegue objetivos diametralmente opostos,
133
buscando perpetuar um estado de dependência do eu racional em relação
a seus processos inconscientes. Sob esse aspecto, é pertinente apontar o
caráter radicalmente anti educativo da liderança fascista, em seu empenho
sistemático de neutralização dos potenciais emancipadores latentes na
sociedade burguesa, uma vez que o conjunto do fenômeno apresenta a
tendência de perpetuar o controle social, “em lugar de tornar os sujeitos
conscientes de seus inconscientes” (ADORNO, 2015, p. 178). Adorno
refere-se ao empobrecimento psicológico do sujeito, como característica
das mais relevantes e lamentáveis ocasionadas pela disseminação do
fascismo na sociedade burguesa, não somente pelo estado geral de
heteronomia sistematicamente induzido pela retórica monótona e
repetitiva do líder fascista, como também pelas tendências prévias de
neutralização da autorreflexão que são intrínsecas ao processo como um
todo. Resumindo , o clima cultural geral de diluição da própria substância
psicológica do indivíduo burguês, a qual um dia justificou o otimismo
kantiano nos potenciais de maioridade intelectual, próprios a uma era
iluminista, Adorno caracteriza os homens-massa como
“desindividualizados átomos sociais pós-psicológicos que formam as
coletividades fascistas” (ADORNO, 2015, p. 178).
Estamos convencidos de que o fascismo se fundamenta em
predisposições psicossociais que estão presentes na própria formação dos
indivíduos, estimuladas por contradições sociais que não são refletidas e
discutidas. A esse respeito, Adorno não deixa de analisar a potencialidade
de algumas ideias e conflitos serem altamente exploradas pela liderança
fascista, quando desenvolvem a sua propaganda. A propaganda fascista é
uma manifestação de um elemento da cultura de massas, por meio do qual
a liderança fascista promove a racionalização de concepções e discursos
preconceituosos e conservadores, que rapidamente podem ser repercutidas
e ampliadas pelos mecanismos da Indústria Cultural, fenômeno que se
134
configurou hoje como um prato-cheio para que a mensagem da qual o
líder fascista é porta-voz possa ser divulgada.
Quando Adorno analisa os incitadores de turba americana que se
baseavam em panfletagens para mobilizar o maior número de pessoas, ele
pretende nos fazer refletir sobre a liderança fascista a fim de desvendar
aspectos importantes que são característicos destas personalidades, que
ganham destaque importante em determinados grupos sociais, como os
agitadores fascistas americanos da década de 1940. Infelizmente, a agitação
fascista não é algo que remete ao passado, pois atualmente, muitos são os
momentos em que essas personalidades ganham força. Adorno aponta uma
característica fundamental presente nas lideranças fascistas: o fato de se
pautarem em condições objetivas presentes na moderna sociedade de
massas para apelar para as necessidades mais imediatas e subjetivas dos
indivíduos, quando se dirige a eles em seus discursos e se apresenta como
aquele que os compreendem e com quem compactuam dos mesmos
anseios. Essa característica foi observada por Adorno tanto na sociedade
alemã, quanto durante os anos em que esteve no exílio nos Estados Unidos,
o que demonstra que mesmo em uma sociedade democrática muitas são as
possibilidades de manifestação do fascismo.
Durante a análise de Adorno sobre os líderes fascistas americanos
dos anos 40, descobriu-se que a maioria das lideranças fascistas se
qualificaram como pastores evangélicos que revestiam sua agressividade
através da religião, como é o caso de Martin Luther Thomas, cujacnica
psicológica era baseada em sua tendência evangélica e fundamentalista. O
conceito de líder surgiu na sociedade moderna como aquele que guiaria as
massas através da argumentação racional para a vida civilizada, no entanto,
essa concepção se perdeu diante dos conflitos objetivamente existentes, o
que compromete drasticamente o seu sentido iluminista. A burguesiada
135
qual surgiram os principais líderes que guiaram esse processo logo
precisou frear as forças progressivas diante da ameaça que estas
significavam a sua dominação econômica, com isso muitas lideranças
passaram a utilizar as massas como ferramentas para a própria manutenção
do status quo
A liderança tornou-se em si mesma cada vez mais rígida e autônoma,
perdendo, na grande maioria das vezes, contato com as pessoas.
Concomitantemente, o impacto da liderança sobre as massas deixou de
ser de todo racional, passando a revelar claramente alguns dos traços
autoritários, que sempre estão latentes onde o poder é controlado por
uns poucos (ADORNO, 1986, p. 01).
.
Os movimentos fascistas também são frutos de mudanças que
ocorreram mais precisamente nos fins para os quais as lideranças hoje
destinam as massas, que estão de acordo com seus próprios interesses
pessoais, objetivos e psicológicos. Afetam profundamente as massas que
através da desilusão com a qual precisam encarar a frieza do mundo, se
veem diante de uma situação em que mesmo inseridas em processos
políticos democráticos não conseguem acreditar na autenticidade e
efetividade dessa promessa burguesa. Concomitantemente, “são tentadas a
entregar a substância da autodeterminação democrática e arriscar sua sorte
com aqueles que eles ao menos consideram poderosos: seus líderes”
(ADORNO, 1986, p. 01). As lideranças fascistas tendem, nesse sentido, a
basearem seus argumentos em conflitos sociais e, com isso, a um passo
transformam as diferenças em uma ameaça, o que é um caminho fértil para
que o fascismo se manifeste.
136
A Democratização a partir do Desenvolvimento Moral
Durante um longo período, muitos pensadores se dedicaram à
compreensão do fascismo, principalmente após a sua dura concretização
histórica
1
. As sociedades modernas ocidentais, em suas inúmeras
particularidades, carregam em seu bojo uma história marcada pela
dominação, pela colonização e violência. Com esse histórico, não é difícil
compreender o porquê de ideias antissemitistas, agitadores fascistas e
manifestações preconceituosas serem encontradas por toda parte. Após
anos que separam o momento em que Adorno se debruçava sobre estas
questões e o período atual, poderíamos supor que estes conflitos e
tendências a personalidades fascistas tenham sido superadas, porém, em
muitos países elas continuam encontrando adeptos, demonstrando que o
poder educativo da teoria crítica é necessário.
Tendo em vista as tendências regressivas que atuam nas sociedades
ocidentais, Georg Lind têm realizado recentemente um importante
trabalho a fim de tornar os indivíduos mais conscientes de seus processos
inconscientes, que visa inicialmente se opor àquilo que é fomentado nos
muitos espaços em que frequentamos: a falta de diálogo e de reflexão
crítica. Analisarmos, a partir daqui, como as reflexões trazidas pelo autor e
o “Método de Discussão de Dilemas” por ele apresentado, podem ser
trazidos para a construção de reflexões de caráter educativas, que possam
contribuir para uma formação humana capaz de frear os discursos
autoritários.
Mesmo nos espaços escolares e de transmissão do conhecimento,
ainda é comum que certos assuntos sejam considerados indiscutíveis, pois
1
Me refiro principalmente ao período nazi-fascista na Alemanha e ao fascismo italiano.
137
a ideia de ‘proibição não é algo incomum em nossa sociedade. No entanto,
a construção de tabus em torno daquilo que deve ou não ser socialmente
discutido, é fortalecido no processo em que a sociedade atua contribuindo
para a formação de uma personalidade que não tolera e aceita a diferença.
Para o autor, falar e ouvir são elementos primordiais para que os indivíduos
sejam capazes de viverem juntos em uma sociedade livre (LIND, 2016,
p. 02), mas, não devemos perder de vista o fato de que estamos diante de
uma sociedade cujos conflitos estão presentes na estrutura e dinâmica da
sociedade, e, para serem resolvidos, necessitam de mudanças e rupturas
profundas, que atuem no âmbito econômico e político. No entanto, isso
não retira da educação o comprometimento com a transformação social e
com a promoção de espaços de discussão e reflexão, em que conceitos
como autonomia, autodeterminação e democracia possam ser
desenvolvidos e valorizados. A personalidade rígida, que não permite
refletir sobre si mesma e sobre a vida em conjunto com os outros, é aquela
que, diante de conflitos, é capaz de optar por alternativas violentas que
correspondem a um processo de submissão à autoridade, diante dos
conflitos e contradições que estão presentes nesta sociedade. O autor
considera a manifestação desse fenômeno como uma das principais
ameaças à democracia, o qual é combatido somente através da reflexão
crítica. Nesse sentido, torna-se importante compreender que uma
educação democrática deve estar comprometida com a promoção de
espaços em que a fala e a reflexão sejam impulsionadas, mesmo quando os
indivíduos estão inseridos em contextos em que foram viabilizados a
rejeição da palavra.
A competência moral pode ser entendida como uma capacidade,
que envolve ser capaz de “resolver problemas e conflitos através da
deliberação e discussão com base em princípios morais” (LIND, 2016, p.
01), portanto, para compreender o que seria a competência moral, vamos
138
primeiro analisar o que o autor compreende como moralidade. Para o
autor, a moralidade teria sido historicamente desenvolvida por meio de
duas concepções irreconciliáveis: a primeira parte do princípio de que a
moralidade seria a conformidade com regras e padrões morais externos, ou
seja, socialmente adquiridos e mediados. A outra, ao contrário,
compreende a moralidade como a conformidade com as regras e padrões
internos, ou seja, com algo que está presente internamente nos sujeitos. A
relação entre essas duas concepções fundamenta os ideais morais de cada
sociedade, pois reflete princípios morais internos e externos, sendo a
sobreposição entre esses elementos essenciais para a democracia. Nessa
perspectiva, a democracia pode ser analisada como uma relação de
equilíbrio entre elementos internos e externos dos indivíduos, nos quais
estão contidos a noção de moralidade, pois uma democracia ideal é possível
quando “os ideais morais partilhados por todas as pessoas e as leis da
sociedade sejam quase idênticas” (LIND, 2016, p. 35). Uma democracia
plenamente desenvolvida possibilita, na perspectiva do pensador, que as
normas e padrões socialmente projetados na sociedade, se aproximem
internamente da constituição formativa e objetiva dos indivíduos, o que
corresponde a uma diminuição da tensão e da distância entre a moral
socialmente adquirida e a moral internamente constituída pelos indivíduos
e assim, passível de mudanças.
No entanto, a moralidade não deve ser confundida com a
obediência cega aos padrões, leis e ordenamentos sociais, muitos menos
com a necessidade de que todos os indivíduos sigam de modo eficaz as
autoridades e aquilo anteriormente prescrito. Ao contrário, envolve a
capacidade de deliberação racional à qual tornaria todo indivíduo capaz de
desenvolver seus próprios princípios morais, pois o cumprimento cego às
normas externas, sem a capacidade de refletir criticamente sobre elas, é o
que levaria os indivíduos e toda a sociedade pelo caminho contrário à
139
justiça e à democracia. Isso foi observado em diversos momentos da
história e sua continuidade nada acrescenta de modo educativo ao
presente, pois a moralidade não significa simplesmente seguir padrões
externos e sim, desenvolver internamente elementos que poderiam guiar
os indivíduos na vida em sociedade, pois a forma como as normas e os
padrões externos, estabelecidos socialmente, serão compreendidos e
interpretados perpassa, fundamentalmente, um ponto de vista interno. A
moralidade seria aquilo que orienta o comportamento moral dos
indivíduos, potencialmente presente em todos eles, no entanto, a forma
como essa moralidade será definida e caracterizada, sofre a mediação
objetiva da própria sociedade na qual cada indivíduo foi e é socializado.
Lind parte das reflexões trazidas por Jean Piaget (1896-1980) e
Kohlberg (1927-1987), para afirmar que a moralidade, enquanto
competência socialmente apreendida, está articulada aos elementos
presentes nos indivíduos, ao qual a sociedade atribui sentidos e
significados, pois todos os indivíduos tomam decisões e fazem julgamentos
morais, no entanto, é pela mediação social que seu comportamento será
moralmente definido. Assim, mesmo a forma como os seres humanos irão
agir e constituir a sua moralidade, vincula-se às estruturas e conflitos
presentes em cada sociedade. A universalização de princípios morais
possibilitaria a todos os indivíduos desenvolverem a sua moralidade de
maneira plena, o que corresponde, para o autor, a um avanço dos processos
de liberdade no interior da sociedade. A construção de horizontes de
autonomia através da deliberação e da discussão, permite aos seres
humanos enxergar outras possibilidades para a resolução de questões
políticas, econômicas e sociais, enquanto a sociedade não oferecer
oportunidades para que isso se concretize, as pessoas continuarão a chamar
por “um poder forte que resolva seus problemas e conflitos, o que equivale
140
à abolição do autogoverno democrático em favor de uma ditadura”
(LIND, 2016, p. 40).
A relação entre os elementos presentes na sociedade e a
constituição da moralidade nos indivíduos, nos permite compreender o
alcance da liderança fascista, que possivelmente poderá conduzir os
indivíduos pelas vias do autoritarismo e do fascismo. A esse respeito, é
preciso compreender que o comportamento autoritário dos indivíduos se
vincula essencialmente aos condicionantes sociais presentes na sociedade,
pois associam-se à estrutura autoritária que se transfigura da sociedade para
a própria natureza psicológica dos indivíduos. No entanto, não podemos
perder de vista o fato de que os sujeitos realizam uma escolha racional
quando se deixam levar pelo discurso do líder fascista, que os oferecem
gratificação emocional momentânea diante das frustrações que a sociedade
moderna capitalista oferece. Quando a sociedade não permite aos sujeitos
condições de resolver problemas e conflitos através do debate e discussão,
as pessoas tendem cada vez mais a abrir mão da autodeterminação e relegar
para outros o poder de deliberar sobre si próprias, o que ocorre quando a
elas não estão sendo ofertadas as possibilidades de aprender a resolver
problemas sociais e morais.
A ausência dessas capacidades, nos permitem compreender o
porquê as pessoas são facilmente influenciadas pela retórica fascista, em
que a falta de reflexão crítica acaba por tornar os sujeitos reféns de um
processo de heteronomia que tem como fim último a manifestação da
violência e da agressividade antes reprimida. Hoje sabemos que por meio
da propaganda correta, figuras como Hitler foram transformadas em
grandes homens, pois as pessoas acreditam que serão livradas de todas as
manchas de frustração e descontentamento com as quais precisam lidar,
além de obterem uma solução para conflitos sociais que muito recaem
141
sobre elas. Essa falta de domínio sobre o desenvolvimento moral, nos
permite vislumbrar até mesmo uma certa compreensão a respeito do
comportamento moral de muitos alemães diante das atrocidades cometidas
pelo movimento nazista. No entanto, esse estudo deve prioritariamente
demonstrar que em termos morais, ainda permanecemos em um estado de
falta de domínio dos processos de constituição da nossa moralidade, pois
a sociedade, embora tenha se desenvolvido orientada por uma concepção
de progresso que visou desenvolver os mais diversos ramos da ciência, nela
ainda sobrevivem resquícios de irracionalidade e conflitos, que não apenas
nos moldam como indivíduos, mas hoje atuam anulando os campos
formativos por meios dos quais o desenvolvimento moral poderia ser
obtido, como alternativa contrária a isso, devemos compreender que “a
força do desenvolvimento moral pode residir nos próprios cidadãos”
(LIND, 2016, p. 44).
Embora vislumbre a força do social que age sobre os indivíduos,
Lind recusa a aceitação passiva de que o indivíduo não teria força alguma
para combater a total socialização. Isso significa que a sociedade não
poderia mudar ou ganhar novas características se os indivíduos não agissem
como a força propulsora para essas mudanças, através da compreensão
social e das estruturas pela qual o todo social é fundamentado. Caberia, a
todos os indivíduos interessados no fortalecimento da democracia,
depositar esperanças nada reconfortantes na educação, compreendida a
partir de uma perspectiva essencialmente democrática, na qual devem ser
promovidos momentos e espaços necessários para a aplicação e para a
prática da crítica social mediada pelo desenvolvimento da competência
moral.
142
A partir do momento que reconhecemos que a moralidade é uma
capacidade, nós, como professores e pais, não temos de escolher entre
uma total abstinência da educação moral, por um lado, e uma
doutrinação de valores, por outro, como foi durante muito tempo o
caso. Ao contrário, vemos diante de nós a tarefa - legítima e
moralmente imperativa - de promover essa capacidade (LIND, 2016,
p. 45).
Tendo em vista essas reflexões, salientamos que uma educação
democrática caminha em conjunto com a democratização da própria
sociedade, embora existam momentos em que uma possa se sobrepor a
outra. Fomentar a democratização social por meio da educação, parte do
vínculo necessário entre a educação e as demais esferas da vida social,
embora a primeira não possa se limitar à última. Uma educação moral
pode permitir que os processos formativos não se percam em meio ao
caminho, pois como vimos, tanto a moral do ponto de vista do indivíduo,
quanto a moral socialmente construída, estão vinculadas por meio de um
processo em que um não pode receber significação democrática sem o
outro. Ora, somente o indivíduo poderá dotar a sociedade de elementos
morais, a sociedade, por si só, não é um organismo sobreposto aos
indivíduos, ao contrário, existe e se constitui por meio deles. O método de
discussão de dilemas, seria a maneira encontrada por Kohlberg e
aperfeiçoada por Lind, de promover o desenvolvimento moral através da
educação, para que assim, seja possível a formação de indivíduos morais e
democráticos.
Como vimos, a preocupação com o desenvolvimento de
indivíduos dotados de competências morais, é um elemento primordial
para o fortalecimento da sociedade democrática e para a promoção do
processo de democratização nos próprios indivíduos. O vínculo entre
143
democracia e moralidade, poderia tornar a convivência humana justa,
respeitosa, cooperativa e baseada em princípios de liberdade, que podem
ser facilmente universalizáveis. Esses princípios poderiam até mesmo
reorientar os sentidos por meios dos quais a democracia tem sido buscada,
permitindo que ela deixasse de ser compreendida como um direito natural,
para que então, seja analisada como um direito historicamente
conquistado. Como educadores, devemos ter em vista o fato de que, em
uma democracia, é preciso reafirmar e valorizar todos os dias a sua
potencialidade, sob os riscos de torná-la inoperante. Para isso, cada
indivíduo deve ser reconhecido pela sua capacidade de atuar ativamente
sobre o mundo, o que exige por parte de cada educador a responsabilidade
coletiva para se comprometer com a oferta de possibilidades formativas
para o desenvolvimento de autonomia e da emancipação, para que os
indivíduos compreendam que não precisam se deixarem levar por
diferentes formas de violência e dominação.
Considerações Finais
A possibilidade do desenvolvimento moral, permite que os seres
humanos tenham a capacidade de resolver seus problemas e conflitos, sem
que para isso, seja necessário o uso da força e da violência. Em muitos
momentos da história, como nas Grandes Guerras pelas quais a
humanidade passou, cujas causas não podemos ingenuamente acreditar
terem sido superadas, foi demonstrado que o grau de civilidade alcançado
pela humanidade é facilmente adulterado. Na verdade, o próprio princípio
de civilidade carrega consigo as marcas da não aceitação e da violência
contra o outro. Poderíamos rememorar aqui os diversos momentos em que
a razão burguesa se mostrou insuficiente para compreender as contradições
144
que estão em curso na história, para Adorno, na sociedade moderna
capitalista seria impossível falar em formação humana, pois o capitalismo
se apropriou de todos os meios culturais pelos quais um dia podemos
vislumbrar essa formação. Os mecanismos culturais dessa sociedade, não
apenas definem padrões de cultura, mas operam sobre os indivíduos desde
o seu íntimo, definindo de antemão seus padrões de personalidade e
consumo. O processo no qual se enfraquece a individuação dos seres
humanos, que estão integrados a um mundo cada vez mais tecnológico e
produtivo, é o mesmo no qual se anula todos os mecanismos de formação
que a isso permitem.
Lind propõe a competência moral como uma ferramenta para a
formação de sujeitos autônomos, por isso, não podemos perder de vista a
contemporaneidade e a validade de seus escritos. Trata-se de um método
que, ao visar tal objetivo, resgata a simplicidade da discussão e da
deliberação como processos essenciais do conhecimento, que permitiu aos
homens se constituírem de diferentes maneiras. No entanto, o
enfraquecimento da personalidade curiosa, que discute, critica e reflete
sobre o seu lugar no mundo, é reflexo de um mundo no qual a democracia
precisa ser frequentemente sabotada; muitos são os que odeiam a
democracia, afinal, ela trouxe a voz daqueles que durante séculos foram
silenciados, os fez refletir sobre seu lugar no mundo e sobre as amarrações
que os ordenamentos e controles sociais oferecem. Sem a possibilidade de
discussão, as pessoas permanecem aceitando determinados papéis sociais,
embora não possamos afirmar que, nos dias de hoje, elas poderiam deixar
de se submeterem totalmente ao poder de um sistema econômico que se
constitui pelas vias do autoritarismo e do controle sobre a vida.
Esse tipo de usurpação continua latente, e é nesse sentido que a
competência moral está estreitamente relacionada à democratização e à
145
luta contra o fascismo. A personalidade autoritária é aquela que se nega à
discussão e a deliberação, que não aceita as possibilidades contrárias, mas
prefere seguir o padrão do poder e da autoridade de olhos vendados. A
ruptura com as contradições sociais que levam hoje às sociedades
ocidentais rumo ao fascismo, envolve, sem dúvidas, o fortalecimento de
uma educação democrática para a autodeterminação e para a deliberação
racional. Isso perpassa o resgate de uma educação que seja capaz de atuar e
interferir no presente, que fomente o debate sobre a sociedade e a
democracia, pois a luta pela autonomia se faz na continuidade, onde quer
que o capitalismo tenha se instaurado. Para isso, salientamos a validade de
uma pedagogia do esclarecimento, ela representa a autoconsciência crítica
a qual todo indivíduo autoritário não se dispõe a refletir e aceitar.
Referências
ADORNO, T. W. A técnica psicológica das palestras radiofônicas de
Martin Luther Thomas [1975]. Tradução de Francisco Rüdiger.
Disponível em: http://http://adorno.planetaclix.pt/adorno>. Acesso em:
13 nov. 2020.
ADORNO, T. W. A personalidade autoritária [1950]. Tradução de
Francisco Rüdiger. Disponível em:
http:/http://adorno.planetaclix.pt/adorno/. Acesso em: 13 nov. 2020.
ADORNO, T. W. Ensaios sobre psicologia social e psicanálise.
Edição. São Paulo: Editora Unesp, 2015.
ADORNO, T, W. Experiências científicas nos Estados Unidos. In:
Palavras e Sinais: Modelos Críticos 2. Petrópolis: Editora Vozes, 1995.
146
ADORNO, T. W. Liderança democrática e manipulação das massas
[1986]. Tradução de Francisco Rüdiger. Disponível em:
http:/http://adorno.planetaclix.pt. Acesso em: 13 nov. de 2020.
ADORNO, T. W.; HORKHEIMER, Max. Dialética do
Esclarecimento: fragmentos filosóficos.Edição. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar,1986.
COHN, G. Introdução: Adorno e a teoria crítica da sociedade. In:
Theodor W. Adorno. Organizado por Gabriel Cohn. São Paulo: Editora
Átila, 1986.
LIND, Georg. How to teach morality, Promoting Deliberation and
Discussion, Reducing Violence and Deceit. Editora Logos Verlag,
Berlin: 2016.
147
5
COMPETÊNCIA DO JUÍZO MORAL:
AS PRINCIPAIS CONTRIBUÕES TRICAS DE
PIAGET, KOHLBERG E LIND
Carla Chiari
Mariana Lopes de Morais
Introdução
O presente capítulo busca correlacionar as teorias de raciocínio
moral de Jean Piaget e Kohlberg, com os aspectos do desenvolvimento da
Competência moral proposta por Lind. Piaget foi pioneiro ao estudar a
moral de forma empírica, observando como os aspectos do juízo moral nas
crianças, dando origem então ao desenvolvimento moral.
O teórico norte americano Lawrence Kohlberg desenvolveu uma
teoria do raciocínio moral (1992), baseando-se na proposta do
desenvolvimento moral de crianças escrita por Jean Piaget (1994), porém
evoluiu para explicar o raciocínio moral de adolescentes e de adultos norte-
americanos. Um dos questionamentos de Kolhberg, ao estudar as pesquisas
de Piaget sobre os conceitos de heteronomia e autonomia.
https://doi.org/10.36311/2022.978-65-5954-220-8.p147-165
148
Em sua teoria Kolhberg ampliou a visão da moral e conceituou
todos os tipos de raciocínios morais nos adolescentes estudados, via uma
dificuldade em classificar e categorizar em heterônomo e autônomo, assim
ampliou sua teoria criando então sua teoria sobre moral em niveis, p-
convencional, convencional e pós-convencional.
Georg Lind, após debruçar sobre a teoria de Kolhberg,
contrariando o que o mesmo propôs, decide então propor em sua teoria a
discussão de dilemas e assim construir instrumentos de avaliação KMDD
(Konstanz Method of Dilemma Discussion).
A Moral em Jean Piaget
Um dos principais autores que contribuíram para a compreensão
do desenvolvimento moral é o suíço Jean Piaget. Para o autor, a finalidade
da educação seria a autonomia ao mesmo tempo intelectual e moral
visto que se o ser humano “é passivo intelectualmente, ele não será
moralmente livre” (PIAGET, 1988, p. 90). Foram abordados dois aspectos
na obra piagetiana: busca-se enfatizar a importância da ação educativa no
processo de desenvolvimento e conquista dessa autonomia moral pelo ser
humano, seriam eles: 1) como a constituição da consciência moral
autônoma se constitui, para Piaget, em um problema a ser investigado e 2)
o processo de construção da autonomia moral ao longo do
desenvolvimento. No entanto não é objetivo do artigo, aprofundar nos
conceitos sobre moral, apenas explicitar os conceitos chaves do autor.
Nessa perspectiva, um dos livros a ser destacado do autor é “Para
onde vai a educação”, na qual pontua alguns aspectos principais dessa
construção:
149
Com efeito, é essencial compreender que, se a criança traz consigo
todos os elementos necessários à elaboração de uma consciência moral
ou “razão prática”, como de uma consciência intelectual ou razão,
simplesmente, nem uma nem outra são dadas prontas no ponto de
partida da evolução mental e uma e outra se elaboram em estreita
conexão com o meio social: as relações da criança com os indivíduos
dos quais ela depende serão, portanto, propriamente falando
formadoras, e o se limitarão, como geralmente se acredita, a exercer
influências mais ou menos profundas, mas de alguma maneira
acidentais em relação à própria construção das realidades morais
elementares. (PIAGET, 1988, p. 95)
Ademais, é preciso considerar que Piaget, dedicou a maior parte de
sua obra, explicando como é possível ao homem alcançar o conhecimento.
Assim, iremos partir desse processo para compreender também que o
pensador construiu uma teoria sobre a moral. Conforme Piaget, o
conhecimento é possível graças a construção e ao funcionamento das
“estruturas mentais”, o que os filósofos denominam de “razão”. Porém,
tais estruturas não são inatas; o que existe no genoma são possibilidades
próprias da espécie humana, as quais poderão ou não ser atualizadas. Para
que essas possibilidades se concretizem é necessário que ocorram trocas
com o meio físico e social, sendo essas trocas, portanto, propriamente
falando, “formadoras”diz PIAGET (1988).
O pensador procurou explicar como funcionam as estruturas e
como são construídas nas trocas intensas entre o organismo e o meio em
que ele vive. São bastante conhecidos os estágios de desenvolvimento
cognitivos que Piaget detectou: Sensório-motor, passando para o pré-
operatório, operatório concreto e por último operatório formal. Tais
processos são realizados pelo ser humano na construção das suas estruturas
mentais, no entanto nem todos os indivíduos percorrem todo esse processo
150
com o mesmo ritmo. É o processo construtivo que explica a ausência tanto
da existência de possiblidade de raciocínio lógico na criança pequena,
quanto da possibilidade de pensamento lógico no adulto.
Piaget desenvolveu um menor mero de estudos no campo da
moral: o autor procurou explicar como, a partir do mundo amoral do bebê,
é possível ao ser humano constituir uma consciência moral autônoma. Esse
pensamento de Piaget foi herdado sobretudo da ideia de BOVET (1912)
que preconiza: o estabelecimento de trocas interindividuais é condição
necessária para a concretização desse processo. Novamente, as trocas com
o outro são, para PIAGET (1988, p.308), formadoras e “não se limitam a
exercer influências mais ou menos profundas[...]”
Nos estudos sobre a consciência moral e sua constituição, Piaget
(1994) apoiou-se em grande medida, em estudos de BOVET (1912), sobre
as condições da consciência de obrigação, ou seja, acerca das condições
necessárias para que o sujeito sinta que deve ou não agir de determinada
maneira, pensando nas questões morais. Segundo BOVET (1912), duas
condições são necessárias e suficientes para que surja a consciência de
obrigação no sujeito: 1) que uma consigne seja dada; 2) que essa consigne
seja aceita por aquele que a recebe. Uma consigne, segundo sua definição,
é caracterizada como uma ordem ou proibição: 1) dada sem indicação
precisa nem de motivos nem de sanções; 2) válida até novo aviso; 3) que
diz respeito a um ato subordinado a circunstâncias exteriores que devem
ser reconhecidas pelo sujeito. Assim, para que uma consigne seja aceita, o
seu autor deve ter prestígio ou autoridade aos olhos daquele que a recebe,
ou seja, deve existir uma relação de respeito. Piaget percebe, no entanto,
uma limitação na tese de Bovet: “como, se todo dever emana de
personalidades superiores a ela, a criança adquiri uma consciência
autônoma?” (PIAGET, 1994, p. 308).
151
As regras do jogo, como as regras moraisdiz ele “se transmite
de geração em geração e se mantêm unicamente graças ao respeito que os
indivíduos têm por elas” (PIAGET, 1994, p. 02). Todavia, uma
diferença essencial: enquanto as normas morais são impostas pelos adultos,
as regras do jogo, pelo contrário, são elaboradas apenas pelas crianças. O
fato de que essas regras não têm um conteúdo moral propriamente dito
não era relevante para ele, visto que “os deveres não são obrigatórios por
causa de seu conteúdo, mas pelo fato de emanarem de indivíduos
respeitados (PIAGET, 1994, p. 311).
Piaget (1994) estuda os efeitos dos diferentes tipos de relação social
na constituição da consciência moral da criança. Ele distingue dois tipos
básicos de relação social: a coação social e a cooperação. O autor chama de
coação social “toda relação entre dois ou mais indivíduos na qual não
intervém um elemento de autoridade ou de prestígio”; cooperação, por sua
vez, é “toda relação entre dois ou n indivíduos iguais ou que se creem
iguais, dito de outra forma, toda relação social na qual não intervém
nenhum elemento de autoridade ou de prestígio” (PIAGET, 1977, p. 225-
226).
É nesse processo que ele encontra na comunidade de pequenos
jogadores, no qual a influência do mundo adulto é reduzida, uma
coletividade de iguais. O resultado dessas pesquisas sobre o jogo evidencia
a forma de sentir e conduzir, a qual ele relaciona a tese de Kant, sobre a
existência de duas morais: heterônoma e a autônoma. Existindo então um
movimento evolutivo do humano da primeira a segunda direção, mediante
os efeitos da coação social e da cooperação evolutiva. Essa hipótese foi
corroborada mediante os seus estudos sobre os efeitos da coação social e da
cooperação na formação da consciência moral do sujeito, os quais se
152
encontram, respectivamente, nos capítulos 2 e 3 de O julgamento moral
na criança.
Sendo assim, Piaget sugeriu um caminho para pensarmos nisso do
ponto de vista da razão e construiu seu processo em relação ao ambiente
socio moral cooperativo.
Uma das grandes descobertas de Piaget (1994) se materializa nesse
trecho: “com a idade o respeito muda de natureza” (p. 79). Assim, no
processo de desenvolvimento, na medida que a criança estabelece trocas
com outras crianças - havendo então um desenvolvimento cognitivo - ela
também permite se descentrar de seu próprio ponto de vista, egocêntrico.
Nessa perspectiva, mais tarde, as diferenças de idade entre gerações deixam
de ser mais relevantes do que o todo e um outro tipo de relação se
estabelece: a cooperação. “A autonomia aparece com a reciprocidade,
quando o respeito mútuo é bastante forte para que o indivíduo
experimente interiormente a necessidade de tratar os outros como ele
gostaria de ser tratado” (PIAGET, 1994, p. 155).
Em síntese, o que queremos descrever é que Piaget (1992) fez uma
descoberta importante: é na relação de simpatia e amizade que surgem as
obrigações. Assim, o respeito unilateral, por sua vez, gera o respeito mútuo
e recíproco, não impondo senão a própria norma de reciprocidade, isto é,
a obrigação de se colocar no ponto de vista do outro, e tratar o outro como
gostaria de ser tratado.
Para Piaget (1977), a essência da conduta ética é a coerência. Na
vida social, porém, nem sempre é fácil ser coerente. Um outro aspecto
importante a ser esclarecido é que se, ao longo da gênese da moralidade, o
outro é uma determinada pessoa, uma vez a consciência moral autônoma
constituída, o outro é o ser humano. Quando se atinge esse nível de
desenvolvimento moral, respeitar uma pessoa significa atribuir à escala de
153
valores do outro um valor equivalente ao de sua própria escala. Nesse caso,
não importa o conteúdo dos valores ou das convicções de cada um, mas
sim o fato de se ter uma escala de valores.
No próximo tópico abordaremos o desenvolvimento moral na
perspectiva de Kohlberg, mencionando a sua importância teórica e suas
pesquisas, ampliando conceitos da moralidade vistos em Piaget.
A Moral em Kohlberg
O americano Lawrence Kolhberg, tece com proposta base o
desenvolvimento moral de crianças, utilizando como referência Jean
Piaget, porém ampliou suas pesquisas no raciocínio moral de adolescentes
e adultos, por compreender que os conceitos de heteronomia e autonomia
propostos por Piaget, precisavam ser ampliados, para que assim pudessem
ser classificados e compreendidos de maneira ampliada.
Em suas pesquisas ele investigou o modo do raciocínio moral de
jovens e adultos, buscando a gênese do pensamento desde os primeiros
anos de vida e elaborou entrevistas sobre o julgamento moral que
possibilitou verificar três níveis e seis estágios de julgamento moral.
Sendo então o primeiro nível, os valores são baseados e
relacionados com os ambientes externos, resultando nos dois primeiros
estágios, que no estágio 1, predomina a obediência e punição, e o estágio
2, uma orientação egoística ingênua, satisfazer a necessidades pessoais e
eventualmente dos outros, as crianças - até por volta dos nove anos de
idade - decidem o que é certo fazer baseadas somente em interesses
próprios ou no medo da punição. As questões morais são colocadas
154
considerando-se apenas o interesse das pessoas implicadas, com ênfase nas
próprias necessidades.
o segundo nível é caracterizado por valores morais que se apoiam
em execução de papeis, manutenção da ordem convencional, resultando
nos estágios 3 e 4. O estágio 3 se caracteriza pela orientação do “bom
menino”. No estágio 4 a preocupação em manter a ordem social. O
indivíduo emite juízos tendo como referência as regras do grupo e as
expectativas que este tem sobre ele. Os temas morais se apresentam como
meio para haver adequação social.
O último nível, o terceiro, tem como base os valores morais, as
condutas, os direitos e padrões compartilhados por todos, e com os estágios
5. O estágio 5 corresponde a uma orientação legalística, no 6, a uma
consciência de princípios. Nesse nível, a ação certa é aquela guiada por
princípios morais universais, pautados na reciprocidade e na igualdade. O
pensamento é regido por princípios e não por regras sociais, que serão
aceitas se estiverem fundamentadas em princípios e valores gerais.
Kohlberg supõe a universalidade da sequência dos estágios de sua
teoria, ou seja, seus estágios podem ser encontrados em qualquer povo de
qualquer lugar do mundo, sendo esses estudos confirmados por Biaggio
(1997). Para Kohlberg (1992), é no conflito que o raciocínio e juízo do
indivíduo sobre ações ou questões sociais podem se mover de um estágio
inferior para um estágio mais avançado de desenvolvimento moral. O
ponto final do desenvolvimento social é o equilíbrio concebido como a
competência para avaliar segundo princípios de justiça. Em outras
palavras, para Kohlberg, a maturidade moral de um indivíduo é atingida
quando este entende que justiça é diferente de lei, pois algumas leis podem
estar moralmente erradas podendo ser discutidas e modificadas. Como
enfatiza Biaggio (1997) em seu estudo sobre a teoria kohlbergiana “[...]
155
todo indivíduo é potencialmente capaz de transcender os valores da cultura
que ele foi socializado, ao invés de incorporá-los passivamente” (p.3).
Nesse sentido, o indivíduo pode ou não incorporar as leis de sua cultura.
O que importa é que sua maturidade moral, quando atingir o nível s-
convencional, enfatize a democracia e os princípios individuais da
consciência.
Assim, Lepre também reforça a teoria de Kohlberg ao destacar:
[...] assim como Piaget (1994), Kohlberg (1992) assinala que esses
estágios dependem de uma construção que tem suas bases nas relações
sociais estabelecidas pelos indivíduos. Dessa forma, em sociedades mais
rígidas, fechadas, patriarcais, onde os papéis sociais são rigidamente
definidos e pouco espaço para o diálogo, é quase impossível
encontrar pessoas que cheguem a construir sua moralidade de acordo
com os estágios cinco e seis propostos por Kohlberg. Por outro lado,
jovens que vivem em situações mais democráticas, que participam mais
efetivamente de decisões sociais considerando seus iguais, tem mais
oportunidades para construir sua autonomia moral (LEPRE, 2005, p.
61).
A importância da teoria Kolberguiana também é discutida por
Biaggio (1997), quando a mesma enfatiza a importância da técnica de
educação moral intitulada como “comunidade justa”, um processo que
ocorre em escolas e que os alunos utilizam dilemas morais vivenciados
cotidianamente, sendo discutidos por eles para que encontrem possíveis
soluções e assim se evoluam no processo de desenvolvimento de níveis e
estágios. Esse estudo foi aplicado em escolas norte americanas e
apresentaram excelentes resultados.
156
Kohlberg (1992) enfatiza que o raciocino moral é uma forma de
raciocínio, assim sendo o raciocínio moral seria um raciocínio gico mais
avançado. Assim, apenas as pessoas do estágio operatório-formal estariam
possibilitadas a construir um raciocínio moral mais autônomo, do nível
pós-convencional (estágio 5 e 6), sendo o objetivo da educação promover
essa evolução do raciocínio.
Segundo Kohlberg (1992), seus estudos encontram-se no grupo
das teorias cognitivo-evolutivas, tendo como base os seguintes
pressupostos: (1) o desenvolvimento inclui transformações básicas das
estruturas cognitivas, que não podem ser explicadas por meio dos
parâmetros da aprendizagem associacionista (reforço, repetição, dentre
outros), mas por parâmetros de totalidades organizativas ou sistemas de
relações internas; (2) o desenvolvimento das estruturas cognitivas resulta
de processos de interação entre o organismo e o meio em que a pessoa está
inserida; (3) as estruturas cognitivas são sempre estruturas de ação sobre
objetos que evoluem de esquemas sensório motores para esquemas
simbólicos; (4) o desenvolvimento das estruturas cognitivas leva a formas
superiores de equilíbrio, o que otimiza a interação e a reciprocidade entre
a ão do organismo sobre o objeto - ou situações - e a ão do objeto sobre
o organismo.
É preciso ressaltar, que a moral é parte integrante da educação, pois
nesse processo educacional é possível desenvolver, mensurar o
desenvolvimento moral, sendo úteis e norteadores para o processo de
educação colocados em prática. Nos estudos sobre moralidade, devem ser
considerados os aspectos que constituem o comportamento moral. Em
suas pesquisas, Kohlberg utilizou uma entrevista com dilemas morais para
avaliar os estágios de desenvolvimento moral, porém não ampliou o
sistema de análise, sendo importante enfatizar o duplo aspecto da
157
moralidade: cognitivo e afetivo. Esses dois aspectos foram enfatizados por
Piaget (1976), destacando que o cognitivo e o afetivo são aspectos
diferentes, sendo que o primeiro depende da estrutura mental e o segundo
das energias, sendo indissociáveis dentro do âmbito do comportamento
humano.
A partir desse aporte teórico em que Kohlberg utilizou o termo
“competência moral”, tomamos como pressuposto que a moralidade
não pode ser entendida somente como um conjunto de ideias ou ações,
mas carrega um componente de competência para ser aplicada em
situações reais. Para o autor, a competência moral é “[...] a capacidade
de tomar decisões e fazer juízos e agir de acordo com tais”
(KOLHBERG, 1964, p. 425).
Embora Kohlberg defendesse o duplo aspecto da
moralidade em consonância com Piaget, desenvolvendo então a teoria de
conceito de competência moral em sua entrevista (MJI), o mesmo não
avaliou o que pretendia. Segundo Lind (2000), Kohlberg não utilizou um
critério de avaliação adequado para validar seu teste, pois não abarcou os
aspectos cognitivos e os afetivos, na análise dos seus dilemas. Assim, o
pesquisador alemão Lind desenvolveu o moral, Judgment Test (MJT) e
propôs formas de educação moral, através do todo de discussão de
dilemas e testagem, a partir do seu instrumento, justamente pensando
nesses conceitos (afetivo e cognitivo).
158
Competência Moral em Lind
Bataglia (2020) questiona essa capacidade de agir que ainda não é
a própria ão, mas talvez a possibilite, como condição necessária. O
conceito de competência estava sendo trabalhado e operacionalizado pelo
pesquisador alemão Georg Lind que elaborou na década de 1970 o Moral
Competence Test (MCT), um instrumento de avaliação da competência
moral.
Lind (2019) define competência moral a partir de Kohlberg como:
a competência moral é a capacidade de resolver problemas e conflitos
apenas através de deliberação e discussão, sem usar violência e fraude, ou
submeter-se a uma autoridade.
Para definir melhor o significado de competência moral, o autor
adentra para duas noções de moralidade: (1) a noção de moralidade como
conformidade com normas e padrões externos e (2) a noção de moralidade
como conformidade com a própria consciência, ou seja, princípios morais
internos. Essas conceitualizações podem se sobrepor de formas diferentes.
O desafiador é justamente auxiliar na sobreposição entre os ideais
morais compartilhados e normas sociais, impulsionando a competência
moral dos cidadãos. Para maiores esclarecimentos, o autor nos convida a
entender o que é a moralidade como conformidade com normas versus a
moralidade como conformidade com ideais morais internos.
É comum a moralidade ser confundida com a conformidade e
cumprimento de regras, e essa compreensão trazer implicações diretas na
educação moral, uma vez que o desenvolvimento moral ficaria relegado ao
aprendizado de padrões morais e normas da própria sociedade.
159
Lind (2018) em suas pesquisas para exemplificar o ponto de vista
dessa conceitualização. A questão principal é: “como podem as pessoas
pensar e discutir criticamente os padrões morais e normas da sociedade
quando não puderam desenvolver seus próprios padrões morais?” (p. 3).
Dessa forma, como poderíamos pensar se existisse uma lei que ordenasse
que as pessoas matassem uma minoria? Seria uma desobediência civil se
não cumpríssemos. Ou mesmo uma lei no banco relacionada a
confidencialidade do cliente, mas se o mesmo é pego com dinheiro
oriundo do tráfico de drogas e lavagem de dinheiro. A questão que ressoa
é se não seria mais “moral” denunciar o cliente do que manter a
confidencialidade com ele? Ou obedecer às regras cegamente, sem levar em
consideração as circunstâncias?
Nas sociedades democráticas, a possibilidade de alterar e criar
leis que evitem decisões legais imorais, embora seja difícil conhecer e
acompanhar todo o processo. Entretanto, a simples conformidade com as
leis não apresenta um sinal de moralidade e deve ser distinguida do
comportamento moral. Segundo Lind (2018, p. 04):
[...] enquanto no primeiro caso o comportamento moral é julgado de
um ponto de vista externo, no caso do comportamento moral, ele deve
ser julgado de um ponto de vida interno. Isto significa perguntar até
que ponto é guiado pela consciência de uma pessoa, ou seja, pelos
princípios internos (LIND, 2018, p. 04)
Apesar do conceito apontar para uma definição externa da
moralidade, sendo que o ser moral seja obedecer às regras pré-estabelecidas,
cumprir a norma e ser obrigado a agir, o fato é que muitas vezes, diante de
situações de julgamento moral, o indivíduo se encontra hesitante entre as
160
alternativas. Portanto, o problema reside no fato de qual regra particular
se aplica a cada situação, uma vez que cada regra não pode ser aplicada da
maneira exata e mecânica em cada circunstância particular. Lind (2018)
finaliza apontando para a limitação do ponto de vista externo das regras e
leis, que não se tem a reposta para a questão de onde se originou a “regra
pré-estabelecida (p. 03).
Para avançarmos em nossa discussão abordaremos o conceito
defendido por Lind (2018), em que a moralidade é definida como a
conformidade com padrões internos, ou seja, com princípios morais.
Podemos dizer que um comportamento é moral na medida em que é
determinado pela própria consciência e princípios morais do indivíduo.
Segundo o autor o ponto de vista moralista não faz justiça ao
comportamento humano, afinal, o comportamento pode ser determinado
principalmente por mais de uma orientação moral. Para fazer o que é certo
temos que pesar diferentes cursos de ação e diferentes princípios morais.
É necessário prolongar o entendimento da definição de
moralidade, não apenas como orientações morais (ou princípios morais,
atitudes, valores, posturas, instituições, ideais entre outros) para tentar
entender outro aspecto do comportamento moral denominado:
competência moral. Seguindo Piaget e Kohlberg, Lind (2018) propõe que
além de conhecer a orientação moral, devemos olhar para a “estrutura
subjacente”, ou seja, para a estrutura manifestada no comportamento
moral de um sujeito. Kohlberg descreveu a estrutura do comportamento
moral como competência de julgamento moral, que ele definiu “como a
capacidade de tomar decisões e julgamentos que são morais (baseados em
princípios internos) e agir de acordo com tais julgamentos. (KOHLBERG,
1964, apud LIND, 2018, p. 05).
161
O modelo de comportamento moral de Duplo Aspecto havia
sido pensado por estudiosos como o filósofo Sócrates, que refletiu sobre o
desejar o bem e o poder de alcançá-lo e também Charles Darwin, que
atribuiu a “capacidade moral” como exclusiva dos seres humanos. Essa
descoberta do aspecto cognitivo (competência da moralidade) poderia
ampliar os horizontes para a pesquisa psicológica e métodos educacionais,
entretanto o comportamento humano ainda tem sido muito debatido.
Segundo pesquisas (Lind, 2018) a educação contribui para a
democracia e consequentemente a competência moral. Por isso, o autor
reforça a ideia de que a sociedade é uma força poderosa para moldar o
nosso comportamento. Contudo, a fonte do desenvolvimento moral reside
principalmente nos próprios cidadãos. Os indivíduos devem agir
conjuntamente e uma mudança estrutural social deve ocorrer.
Entretanto, sem uma mudança correspondente na competência
moral-democrática dos cidadãos, eles reproduzem modelos antigos.
O autor finaliza argumentando que se uma democracia quer
preservar a si mesma e evoluir, ela deve, propiciar a todos os seus cidadãos
educação e, principalmente, oportunidades suficientes para aplicar e
praticar ali a competência moral para que ela se desenvolva (LIND, 2018,
p. 11).
Lind (2018) propunha a viabilidade de ensinar a competência
moral através da discussão de dilemas. Como método eficaz para a
promoção da competência moral, foi desenvolvido o Método Konstanz de
Discussão do Dilema (KMDD).
O KMDD é um método descrito como muito eficaz e eficiente,
com a utilização de apenas uma ou duas sessões produzindo um ótimo
resultado no que diz a competência moral dos educandos. Pode ser
162
oferecida a pessoas de qualquer idade (a partir dos 8 anos) e requer pouco
tempo e nenhuma mudança no currículo, sendo o método não como uma
doutrinação de “valores” através de instruções verbais, mas é
proporcionado a oportunidade de aplicar e desenvolver sua competência
moral.
Algumas modificações foram introduzidas, desde os dilemas de
Kohlberg, sendo que a discussão dos dilemas, ao invés de serem discutidas
quatro ou cinco histórias, trabalha-se apenas como uma história, com cerca
de 90 minutos de discussão.
O KMDD também estimula o pensamento e os sentimentos dos
participantes. É solicitado que “julguem uma decisão difícil tomada por
um protagonista (certo ou errado?) e que lidem com os contra-argumentos
dos adversários” (p. 02). Por fim, Lind (2018) explica que nenhum método
funciona sem uma boa formação dos professores que o utilizam. Kohlberg
admitiu que os seus professores não tinham uma "formação elaborada".
Essa provavelmente tenha sido a principal razão para os professores não
continuarem usando o método de discussão de dilemas, pois além de um
método difícil, ele requer que os professores lidem com conflitos morais e
emoções morais de seus educandos e deles mesmos. A maioria dos
professores não está preparada para isto. Dessa forma, é fundamental que
os professores participem de um programa completo de formação e
certificação para que o KMDD surta efeito.
Considerações Finais
O tema sobre moralidade desperta a atenção de muitas pessoas,
sendo mal interpretado na maioria das vezes. A moralidade aqui exposta
163
não é aquela que se conforma com as normas e regras, mas sim se orienta
por suas regras internas, normas, princípios ou consciência. No decorrer
do capitulo descrevemos os aspectos de Piaget, Kohlberg e Lind,
evidenciando as suas relações no aspecto da moral, servindo para as
reflexões construída ao longo do texto. A preocupação foi explicar o
desenvolvimento moral tendo o engajamento de formar seres humanos
integrais e autônomos.
Devemos levar em consideração dois aspectos da moralidade: a
orientação moral e a competência moral. A orientação moral é comum a
todas as pessoas, afinal, todos compartilham os mesmos ideais (liberdade,
justiça, cooperação). Entretanto, a competência moral precisa ser
desenvolvida e ensinada.
Vivemos em um mundo de constantes transformações, sendo uma
demanda emergencial ter uma competência moral mais desenvolvida, pois,
como mencionado por Lind (2018) “[...] nossas instituições educacionais
não têm dado oportunidades suficientes para o desenvolvimento da
competência moral, então voltamos para formas menos elaboradas de
resolução de conflitos, como violência fraude e submissão” (p. 05). É
comum em nossa sociedade recorrermos a pessoas que possuem um poder
forte que resolva seus problemas e conflitos, mas isso seria um retrocesso e
não teríamos a oportunidade de exercer o autogoverno democrático e
retornaríamos a terrível ditadura.
As contribuições dos instrumentos como o MJT e o KMDD para
Lind e outros autores residem em dois objetivos: avaliar o alcance da teoria
de desenvolvimento moral e educação (Piaget/Kohlberg); e verificar a
influência dos métodos educacionais no desenvolvimento da competência
moral dos sujeitos submetidos a eles. Desta maneira, as informações
levantadas por esses instrumentos oferecem critérios de avaliação não
164
apenas do sujeito, mas principalmente se o processo educativo é favorável
para o desenvolvimento da moralidade.
Acrescenta-se ainda a importância da formação dos professores,
como apontado por Lind (2018) os professores sabem pouco sobre o
desenvolvimento moral das crianças e dificilmente lhes é ensinado como
incentivar a competência moral. É importante promover projetos ou
programas de intervenções visando o desenvolvimento moral dos
indivíduos.
Referências
BATAGLIA, P. U. R. Competência moral: contribuição para a
elaboração do constructo. Tese (Tese de Livre-docência)- Faculdade de
Filosofia e Ciências, Unesp. Campus de Marília. Marília, 124f. 2020.
BIAGGIO, A. M. B. Kohlberg e a “Comunidade Justa”: promovendo o
senso ético e a cidadania na escola. Psicologia Reflexão e Crítica, v.10, n
001, 1997.
BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular,
2017. Brasília: MEC, 2017.
KOHLBERG, L. Psicología del desarrollo moral. Bilbao Spain: Desclée
de Brouwer, 1992.
KOHLBERG, L. Developmentof moral characterand moral ideology, In:
HOFFMAN, M.L., & HOFFMAN, L.W. (Eds.), Review
ofchilddevelopmentresearch (Vol. 1, pp. 381-431). New York: Russel
Sage Foundation, 1964.
165
LEPRE, R. M.; MARTINS, R. A. Raciocínio Moral e uso abusivo de
bebidas alcoólicas por adolescentes. Paidéia, 42, 39-46, 2009.
LIND, G. O significado e medida da competência moral revisitada: Um
modelo do duplo aspecto da competência moral. Psicologia: Reflexão e
Crítica, 13(3), 399-416, 2000.
LIND, G. How to Teach Morality: Promoting Deliberation and
Discussion, Reducing Violence and Deceit. Berlim: Logos Verlag, 2018.
PIAGET, J. O juízo moral na criança. São Paulo: Summus, 1994.
(Originalmente publicado em 1932).
PIAGET, J. Psicologia e Pedagogia. Trad. Por Dirceu Accioly Lindoso e
Rosa Maria Ribeiro da Silva. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1977.
PIAGET, J. Para onde vai a Educação? Rio de Janeiro: Jose Olympio
Editora, 1975.
167
6
GEORG LIND (1947-) E A COMPETÊNCIA MORAL:
UMA ALTERNATIVA PARA CONTEMPLAÇÃO DA
COMPLEXIDADE NO DESENVOLVIMENTO MORAL
Matheus Estevão Ferreira da Silva
Introdução
Como consideram diversos(as) autores(as) (BIAGGIO, 2006;
BATAGLIA; MORAIS; LEPRE, 2010; LA TAILLE, 2010; FRANZI;
ARAÚJO, 2013), o campo da Psicologia do Desenvolvimento Moral
“consolidou-se, como área nobre da Psicologia” (LA TAILLE, 2007, p.
17) a partir do trabalho de pesquisa e da teoria do desenvolvimento moral
elaborada pelo psicólogo estadunidense Lawrence Kohlberg (1927-1987).
Foi Kohlberg (1992) quem estabeleceu a abordagem cognitivo-evolutiva
no estudo psicológico da moralidade, fundada pelo epistemólogo suíço
Jean Piaget (1896-1980), e cujo trabalho despertou o interesse da
comunidade acadêmica mundial sobre este tema desde o final da década
de 1960.
La Taille (2007; 2010, p. 105), no entanto, chama atenção ao fato
de que “no final do culo XX, assiste-se, como era de se esperar, a certo
https://doi.org/10.36311/2022.978-65-5954-220-8.p167-190
168
esgotamento do referido modelo teórico”, ou seja, dessa abordagem
cognitivo-evolutiva iniciada por Piaget e continuada por Kohlberg, “[...]
porque não somente não oferecia grandes perspectivas de novos e
relevantes achados empíricos e teóricos, como, centrado no aspecto
racional da moralidade, relegava a uma zona obscura os motivos humanos
da ação moral”. E algum tempo na literatura a possibilidade desse
esgotamento era apontada.
Das várias críticas para a ocorrência desse esgotamento, uma delas
se refere à ênfase no racionalismo mantida por essa abordagem e teorias de
Piaget e Kohlberg, como vários(as) autores(as) apontam (LA TAILLE,
2010; BLUM, 1988; ARANTES, 2000; BRAUNSTEIN, 2012;
ARAÚJO, 2017). Como considera Silva (2021, p. 25), diante da
“complexidade das relações e dos processos psicológicos envolvidos e que
dão vazão ao desenvolvimento moral”, a ênfase no racionalismo atribui
uma visão fragmentada, linear e reducionista do desenvolvimento moral.
A afetividade, que este capítulo dedicará parte de sua discussão, é um
exemplo desses outros aspectos envolvidos no desenvolvimento moral.
Conforme cresceram as pesquisas fundamentadas na teoria
kohlberguiana, também cresceram as críticas direcionadas a essa teoria,
algumas mais radicais e com proposições próprias e outras com algumas
mudanças sutis que procuraram preservar a essência das ideias originais de
Kohlberg. Várias dessas críticas suscitaram o surgimento de novas teorias,
que procuravam sanar as limitações de suas predecessoras, e que aqui
poderiam se dizer pós-kohlberguianas. Uma dessas críticas, e que foi seminal
para o surgimento das teorias pós-kohlberguianas, provém da psicóloga
estadunidense Carol Gilligan (1936-).
Gilligan (1982) é reconhecida na literatura (ARANTES, 2000;
TOGNETTA, 2003) como pioneira na identificação da ênfase racionalista
169
e de outros limites da teoria de Kohlberg e da abordagem cognitivo-
evolutiva que representa. Embora suas próprias proposições também
apresentem problemas e necessitem de revisões, a crítica de Gilligan é até
hoje crucial para a contemplação de uma teoria mais integrativa, que
conta da referida complexidade do desenvolvimento moral.
Assim, várias das teorias pós-kohlberguianas que procuraram
contemplar uma visão mais ampla da moralidade tiveram como referência
a crítica e o trabalho pioneiro de Gilligan (1982). Apesar de não creditar e
não fazer menção à teoria e ao pioneirismo da autora, uma delas é a teoria
do duplo aspecto da competência moral, proposta pelo psicólogo alemão
Georg Lind (1947-).
Lind (2019), em estudos que realizou nos últimos quarenta anos,
retomou, desenvolveu e operacionalizou o conceito de competência moral
anunciado por Kohlberg em sua teoria. Em ntese, a competência moral
refere-se à capacidade de emitir juízos morais e agir de acordo com eles e,
nesse sentido, corresponde a um dos constructos mais potenciais no
paradigma atual da Psicologia do Desenvolvimento Moral, que busca a
investigação e aportes teóricos que contemplem a referida complexidade
1
.
Dado o exposto, este capítulo tem o objetivo de apresentar a teoria
de Georg Lind como alternativa teórica para a contemplação dessa
complexidade no estudo da moralidade. Para isso, a partir de revisão
bibliográfica, primeiro discutem-se as teorias de Piaget e Kohlberg e sua
abordagem cognitivo-evolutiva; em seguida, expõe-se o trabalho de
1
1 Não é objetivo deste texto discutir pormenoramente a existência de um novo paradigma (que
busca considerar a complexidade) no campo da Psicologia do Desenvolvimento Moral, o que já
tem sido feito por autores e autoras da literatura (LA TAILLE, 2010; FRANZI; ARAÚJO, 2013).
Parte-se apenas dessa ideia (de um novo paradigma), defendida pelos(as) autores(as)
referenciados(as), para propor a teoria de Lind como potencial alternativa nesse paradigma atual do
campo.
170
Gilligan que evidencia a limitação dessas teorias em contemplar outros
aspectos que interferem no desenvolvimento moral, especificamente a
afetividade. Por último, recorre-se à teoria do duplo aspecto da
competência moral, desenvolvida por Lind, como uma das alternativas no
estudo psicológico da moralidade para contemplar o processo de
desenvolvimento moral em sua complexidade, considerando igualmente
os aspectos afetivo e cognitivo.
O Desenvolvimento Moral Segundo Jean Piaget e Lawrence Kohlberg
A teoria de Lawrence Kohlberg (1992) sobre o desenvolvimento
moral baseia-se originalmente na pesquisa que desenvolveu em sua tese de
Doutorado, defendida em 1958 na Universidade de Chicago, intitulada
The development of modes of moral thinking and choice in the years 10 to 16
(O desenvolvimento de modos de pensamento e escolha moral dos 10 aos
16 anos, em tradução livre). A fundamentação de Kohlberg para formular
sua teoria, desde seu doutoramento, foi o trabalho de Piaget nos campos
da cognição (PIAGET, 2010[1945]) e da moralidade (PIAGET,
1994[1932]).
De acordo com Bataglia, Morais e Lepre (2010, p. 26), sendo as
teorias de Kohlberg e Piaget de base cognitivo-evolutiva, elas consideram
que o desenvolvimento “[...] pressupõe transformações básicas das
estruturas cognitivas, enquanto totalidades organizadas em um sistema de
relações, as quais conduzem a formas superiores de equilíbrio, resultantes
de processos de interação entre o organismo e o meio”.
No caso de Piaget (2010[1945]), em que seu foco foi a construção
da inteligência e a descrição de um modelo psicogenético de estágios
171
cognitivos, o aspecto cognitivo do desenvolvimento esteve sempre
privilegiado no seu trabalho, ao passo que os aspectos social, moral e
afetivo, ainda que também considerados, tiveram um espaço menor.
O livro O juízo moral na criança é o único de Piaget (1994[1932])
que aborda a moralidade em investigação empírica, no entanto, dele pôde-
se erigir uma teoria moral consonante com sua obra no campo cognitivo.
Nesse livro, o autor adverte não trabalhar com a ação e nem com os
sentimentos morais, investigando a gênese e o desenvolvimento do juízo
moral: “[...] toda moral consiste num sistema de regras, e a essência de toda
moralidade deve ser procurada no respeito que o indivíduo adquire por
essas regras” (PIAGET, 1994[1932], p. 23). Buscando responder como a
criança adquire esse respeito às regras, seu método baseou-se na observação
e em entrevistas com crianças, em que as interrogava sobre as regras de
jogos e sobre o desempenho de personagens em histórias-estímulo.
Entre os principais resultados, Piaget (1994[1932]) define duas
tendências morais, a heteronomia e a autonomia, que a criança vivencia
como formas de respeito que manifesta sobre as regras, a primeira
tendência em que seus juízos são caracterizados por interesses individuais
e fatores externos e a segunda, sucedida pela primeira, com os juízos
caracterizados pela reciprocidade e sem vigilância externa.
Cabe salientar que esse modelo de desenvolvimento proposto por
Piaget remonta o paradigma filosófico kantiano, principal fonte do
racionalismo adotado em sua teoria. Para Kant (2005[1785]), as pessoas
são as únicas capazes de agir com base na razão e não por inclinações ou
vontades pessoais (heteronomia). Assim, Kant concebe como moral a ação
que se baseia voluntariamente em um princípio universalmente válido,
definindo por princípio um critério atestado pelo que chamou de
Imperativo Categórico: para uma ão ser moral, ou o juízo que a
172
determinou, ela deve obedecer a uma lei interna e se justificar a partir de
um princípio válido para toda a humanidade, ser universalizável
(autonomia).
Fundamentado nesse trabalho seminal de Piaget (1994[1932]),
Kohlberg (1992) interessou-se pelo seu todo de entrevista com
histórias-estímulo, pois, para Kohlberg, se poderia avaliar estruturas
cognitivas mediante produções verbais, ou seja, mediante entrevista.
Na sua pesquisa de Doutorado, Kohlberg acompanhou
longitudinalmente uma amostra de 84 meninos brancos de classe média
de Chicago e idade entre 10, 13 e 16 anos, com idades posteriores às das
crianças do estudo de Piaget (1994[1932]). Ainda que também utilizasse
entrevistas, diferente de Piaget, utilizou dilemas morais. A partir dos
raciocínios presentes nos juízos emitidos diante desses dilemas, Kohlberg
(1992) traçou um modelo de desenvolvimento por níveis e estágios, em
que os juízos se distribuem hierarquicamente de acordo com sua qualidade
moral, como as tendências, na compreensão de Piaget, de heteronomia à
autonomia. Porém, Kohlberg (1992) considerou o caminho do
desenvolvimento moral mais longo e complexo, apresentando-se, tal como
o modelo de desenvolvimento cognitivo piagetiano (PIAGET,
2010[1945]), pela evolução em estágios.
Kohlberg (1992) propôs um modelo de desenvolvimento moral de
três níveis e seis estágios, em que o tipo de raciocínio de um estágio superior
inclui o do inferior, como apresentado no quadro a seguir.
173
QUADRO 1 – NÍVEIS E ESTÁGIOS DO DESENVOLVIMENTO MORAL
SEGUNDO LAWRENCE KOHLBERG
Nível I: pré-
convencional
Estágio 1: Orientação por obediência e punição
Estágio 2: Orientação egoísta, por interesse individual
Nível II:
convencional
Estágio 3: Orientação pelas expectativas do grupo
Estágio 4: Orientação pela manutenção da ordem
social vigente
Nível III: pós-
convencional
Estágio 5: Orientação pelo utilitarismo e contrato
social
Estágio 6:
Orientação por princípios éticos
universalizáveis
Fonte: Silva (2021)
Em trabalho anterior (SILVA, 2021, p. 08-09), os níveis e estágios
do modelo kohlberguiano foram apresentados tal como a seguir:
O primeiro nível moral, chamado de pré-convencional, característico
entre crianças, é constituído pelos Estágios 1 e 2, em que o raciocínio
do que é certo ou errado baseia-se no medo da punição
(autopreservação) ou em interesses individuais. No segundo nível, o
convencional, comum entre adolescentes e adultos e constituído pelos
Estágios 3 e 4, o raciocínio baseia-se na conformidade às convenções e
regras sociais determinadas por grupos ou autoridades, procurando
manter a ordem social vigente. O terceiro e último nível, o pós-
convencional, atingido por uma quantidade mínima de adultos,
concerne aos Estágios 5 e 6, cujo raciocínio moral rompe com o
contexto sócio-legal e baseia-se na reciprocidade e em princípios éticos
universalizáveis, isto é, as regras o aceitas se estiverem
fundamentadas em princípios e valores morais, o que atribui a elas o
caráter de mutabilidade (serem mudadas se injustas) (SILVA, 2021, p.
08-09).
174
Kohlberg atuou como professor da Universidade de Chicago entre
os anos de 1962 a 1967 e depois na Universidade de Harvard de 1968 até
sua morte, em 1987. Nesse período, continuou com suas pesquisas,
aperfeiçoou a teoria e realizou estudos em diferentes culturas, além de
elaborar uma entrevista padronizada de avaliação do juízo moral, a Moral
Judgment Interview (MJI) (COLBY; KOHLBERG, 1987), que
sistematizou seu método de mensuração. Todavia, com a referida
repercussão de sua teoria, diversas críticas surgiram. Este capítulo enfoca a
crítica referente à ênfase no racionalismo, que revela a limitação dessas
teorias e sua abordagem cognitivo-evolutiva em considerar o papel da
afetividade no desenvolvimento moral.
Carol Gilligan e a Questão da Complexidade no
Desenvolvimento Moral
Carol Gilligan é uma psicóloga estadunidense, hoje aos 84 anos,
professora aposentada pela Universidade de Harvard (1969-1997) e
atualmente professora na Universidade de Nova Iorque (2002-). Gilligan
foi colaboradora de Kohlberg em suas pesquisas durante a década de 1970
e ficou conhecida por trazer um olhar diferente aos resultados que vinham
encontrando.
Desde seus novos estudos, inclusive em diferentes culturas,
Kohlberg (1992) e colegas encontravam um baixo desempenho das
mulheres em relação aos homens. Avaliadas a partir do modelo de níveis e
estágios, as mulheres chegavam a atingir apenas até o estágio três. Para
Gilligan, essas diferenças entre homens e mulheres, e o baixo desempenho
por parte delas, dar-se-iam pela orientação moral distinta das mulheres
para responder aos dilemas morais.
175
Gilligan (1982) é autora do livro Uma voz diferente: psicologia da
diferença entre homens e mulheres da infância à idade adulta, best-seller nos
Estados Unidos e no mundo, que trata de suas próprias pesquisas que
realizou na época, em que trabalhou com dilemas morais reais, utilizando
do aborto como tema para os dilemas, e entrevistou mulheres grávidas em
clínicas de aborto. Gilligan, inspirada inicialmente pelo todo de
entrevista de Kohlberg antes dele resultar na MJI, atribuiu-lhe um formato
próprio: como entrevista aberta, com dilemas morais reais, e não
hipotéticos, e um sistema de pontuação qualitativo, que permitia a
entrevistada apresentar livremente seu raciocínio moral.
Apesar de ter encontrado a progressão da moral pré-convencional
à pós-convencional nas respostas das mulheres aos dilemas, os raciocínios
delas pareciam diferir dos homens. Gilligan (1982) percebeu que o
aparente déficit do desenvolvimento moral feminino era, na verdade, um
problema na teoria de Kohlberg em dois aspectos: de metodologia, em que
na pesquisa que originou a teoria as amostras do autor eram totalmente
masculinas (como em sua tese, com 84 meninos brancos de classe média)
e, consequentemente, de teoria, com o desempenho inferior das mulheres,
quando na verdade seus raciocínios representavam uma forma diferente de
responder a problemas morais.
Assim, a autora (1982) considera que a teoria de Kohlberg não
estaria adequada para avaliação das mulheres, pois elas partiriam de uma
estrutura de raciocínio moral distinta, que prioriza o cuidado e bem-estar
do outro, que chamou de Ética do Cuidado, enquanto os homens partiriam
da Ética de Justiça, que a teoria estaria exclusivamente voltada. Juízos
orientados ao cuidado, como encontrou em suas entrevistas com mulheres
(GILLIGAN, 1982), enfocam os relacionamentos e sentimentos dos
176
envolvidos nos dilemas, enquanto os juízos orientados à justiça
concentram-se nos direitos e ramificações legais do problema moral.
As críticas de Gilligan tiveram importantes implicações para a
Psicologia do Desenvolvimento Moral e reverberaram para outros campos
da Psicologia e áreas do conhecimento (SILVA, 2021). Das várias
contribuições fornecidas pelo trabalho de Gilligan, interessa-nos aqui
aquela referente à inclusão da afetividade entre os fatores que influenciam
no desenvolvimento moral.
Muitos(as) autores(as) da literatura consideram que Gilligan
constrói de forma pioneira um caminho que seria trilhado por muitos
outros posteriormente” (BRAUNSTEIN, 2012, p. 83), como ressaltam:
ela “resgata uma dimensão esquecida talvez por outras pesquisas, a
importância e a necessidade de pensar o outro não como sujeito de
direitos, mas como sujeito também composto, enquanto totalidade, de
aspectos afetivos” (TOGNETTA, 2003, p. 42); e seu modelo de Ética do
Cuidado inclui “a representação de valores sociais e as necessidades afetivas
dos sujeitos, inerentes aos conflitos morais enfrentados no cotidiano”
(ARANTES, 2000, p. 139). Em suma, como salientam Tognetta e Assis
(2006, p. 53),
[...] é preciso que nos atentemos a [...] evidência dos afetos como
variáveis imprescindíveis para uma ação moral. Não obstante, o
cotidiano nos mostras de que saber qual o dever a cumprir não
impede um sujeito de agir mal. uma energia que move, uma
necessidade de satisfação pessoal a ser considerada. As pesquisas de
Gilligan evidenciam a existência desses últimos interferindo na
formulação de um juízo ou na ão moral. Tal autora defende que será
preciso enxergar as contribuições desse campo afetivo, que consolidam
177
uma nova dimensão de pensar a moral: o cuidado (TOGNETTA;
ASSIS, 2006, p. 53).
Contudo, desde os debates filosóficos, razão e afetividade são
discutidos separadamente, ao mesmo tempo em que se ressalta que um
aspecto, a razão, é superior ao outro, a afetividade. E na Psicologia
moderna, o “sentimento, um objeto subjetivo associado à dimensão
afetiva, muitas vezes é visto, ou encarado, como um objeto de estudo
inviável cientificamente, frente às demandas metodológicas cartesianas,
quantificáveis e de mensuração” (BRAUNSTEIN, 2012, p. 81). Dessa
forma, para a Psicologia moderna, “a afetividade, os sentimentos e as
emoções são incertezas e imprecisões científicas, subjetividades
inconsistentes no campo de investigação psicológica” (BRAUNSTEIN,
2012, p. 79). Piaget e Kohlberg, contemporâneos desse modelo de
Ciência, seguiram nessa tradição ao elaborarem suas teorias e, não
obstante, sua fundamentação no paradigma kantiano também os levou a
superestimar a razão em detrimento da dimensão afetiva.
Kant (2005[1785]) destaca a supremacia da razão e considera
como moral apenas os juízos ou ações justificadas por princípios racionais,
assim, para Piaget (1932/1994) e Kohlberg (1992), tudo que não for
orientado pela racionalidade compreende uma moral inferior,
heterônoma, oriunda dos níveis e estágios menos complexos do
desenvolvimento moral.
Kant [...] pregava que a única moral que merece este nome é a moral
autônoma, não via como não baseá-la na razão, assim como o fariam
Piaget e Kohlberg. A desconfiança de Kant em relação à afetividade
decorria do fato de não podermos dominar nossos sentimentos, não
178
podermos decidir quais experimentar, ou seja, de sermos prisioneiros
de nossa vida afetiva. Dito de outra maneira, Kant via na afetividade
uma fonte incontornável de dependência, logo, de heteronomia. E
como a autonomia implica o usufruto da liberdade, sem a qual não
responsabilidade, ele rechaçava a participação da afetividade na vida
moral. A razão seria a única fonte legítima dos deveres, a inspiração
moral que nos faz agir (LA TAILLE, 2006, p. 22-23).
No entanto, essa dicotomia razão/emoção, cognição/afetividade,
“pouco tem contribuído para o desenvolvimento científico, para o
incremento de pesquisas socialmente relevantes, interventivas e
transformadoras” (BRAUNSTEIN, 2012, p. 80). Logo, a crítica e o
trabalho de Gilligan chegaram em um momento oportuno da Psicologia
do Desenvolvimento Moral.
Gilligan (1982) percebeu que a ênfase racionalista de Kohlberg,
centrada na justiça, limita a análise das variáveis envolvidas no
desenvolvimento moral. Em contraponto, no modelo de Ética do Cuidado
que identifica, os raciocínios orientados ao cuidado consideram a
necessidade afetivas dos sujeitos envolvidos no problema moral,
abrangendo assim os sentimentos, o aspecto afetivo envolvido, e a
materialidade do sujeito, o contexto em que o problema moral se
apresenta. Como comentam Dunkel, Gladden e Mathes (2016, p. 08,
tradução minha), Kohlberg “coloca incorretamente a tomada de decisão
moral sob a jurisdição da razão. [...] embora a razão possa ser aplicada a
dilemas morais, na maioria das vezes não é. As decisões morais tendem a
ser carregadas de emoção, e as reações instintivas conduzem as respostas
aos dilemas morais”.
Segundo Blum (1988, p. 476, tradução minha), para Gilligan, “a
moralidade necessariamente envolve um entrelaçamento de emoção,
179
cognição e ação, não facilmente separável”. Essa ideia é certamente
próxima ao que propõe Georg Lind, autor cuja teoria pós-kohlberguiana
se discute a seguir, apesar dele não fazer menção a Gilligan em seu trabalho
e nem reconhecer seu pioneirismo. Lind (2019, p. 35, tradução minha)
questiona cognição e afetividade serem conceituados “como se fossem
‘coisas’ separadas. [...] parecem acreditar que ambos são objetos separáveis
e que podem ser observados e medidos separadamente”.
Seria incorreto, no entanto, dizer que ambos autores não
consideram a afetividade em suas teorias, e nisso os próprios Piaget e
Kohlberg e alguns autores(as) da literatura (TOGNETTA, 2003; LIND,
2019) vão em sua defesa.
Lind (2019) referencia Piaget como um dos primeiros a elaborar o
modelo que chama de duplo aspecto, o qual sua teoria sobre a competência
moral refere-se, que considera as dimensões cognitiva e afetiva como
inseparáveis. Todavia, o foco de Piaget (1932/1994) foi o desenvolvimento
cognitivo, enquanto outros aspectos, apesar de considerados, ocuparam
um espaço menor em sua obra. No caso da moralidade, desde seu livro de
1932, Piaget deixa evidente que não se dedicou ao aspecto afetivo, ainda
que reconheça sua influência: “se o aspecto afetivo escapa ao
interrogatório, uma noção, [...] cuja análise psicológica pode ser tentada
sem muitas dificuldades: a noção de justiça. Portanto, é principalmente
sobre este ponto que versará nosso esforço” (PIAGET, 1994[1932], p.
156).
Kohlberg também considerou a dimensão afetiva, porém também
deixou anunciado que esta não foi o foco de seu trabalho: “estamos de
acordo de que sua construção está, muito provavelmente, influenciada por
suas relações com a emoção, imaginação e sensibilidade moral, e alertamos
a quem está interessado em fazê-lo, que investigue essas relações”
180
(KOHLBERG, 1989 apud TOGNETTA, 2003, p. 42). Porém, conforme
Blum (1988, p. 476, tradução minha), por mais que ambos autores
tenham considerado a afetividade, suas teorias e modelos respectivos não
permitem a análise de sua relação com o aspecto cognitivo, pois para eles
“o modo de raciocínio que gera princípios que governam a ão correta
envolve apenas a racionalidade formal. As emoções desempenham, no
máximo, um papel remotamente secundário, tanto na derivação quanto na
motivação para a ação moral”.
O ponto de partida de Gilligan (1982) foi e ainda é crucial para a
contemplação de uma teoria moral mais integrativa, que conta da
referida complexidade do desenvolvimento moral. Apesar disso, suas
proposições também apresentam problemas e necessitam de revisões,
sendo também alvo de várias críticas (ARANTES, 2000; SILVA, 2021).
Em suma, o papel da afetividade no desenvolvimento moral, seja
em sua interferência na emissão do juízo moral, seja em seu papel na
concretização da ação moral, foi colocado como nova (e necessária)
perspectiva de pesquisa no campo da Psicologia do Desenvolvimento
Moral. Como exposto, são muitas as variáveis que interferem em como um
sujeito julga e age moralmente, em particular a variável afetiva, e também
várias as relações possíveis entre essas variáveis. Com o marco teórico de
Gilligan (1982), diversas teorias foram elaboradas visando contemplar essa
complexidade envolvida no desenvolvimento moral, considerando a visão
fragmentada, linear e reducionista do desenvolvimento moral pelas teorias
cognitivo-evolutivas em sua ênfase racionalista.
Dentre as mais relevantes, e mais conhecidas no contexto brasileiro
da Psicologia do Desenvolvimento Moral, podem-se citar a teoria dos
modelos organizadores do pensamento, de Vilarrasa e Marimón (2000), a
teoria da construção da personalidade moral, de Josep Maria Puig (1998),
181
e a teoria do duplo aspecto da competência moral, de Georg Lind (2019).
Neste capítulo, elegeu-se a teoria de Lind, apresentando-a como uma
dessas alternativas teóricas para a contemplação da complexidade no
estudo da moralidade.
A Indissociabilidade entre Cognição e Afetividade:
Georg Lind e a Competência Moral
Georg Lind, hoje aos 73 anos, é um psicólogo alemão e professor
aposentado da Universidade de Konstanz, na Alemanha, que muito
contribuiu para a teorização da relação entre os aspectos cognitivo e afetivo
no desenvolvimento moral. Quanto à essa relação, embora tenha dado
pouca atenção à ação e aos sentimentos morais, Kohlberg (1992) deixou
anunciado em sua teoria o conceito de competência moral. Lind (2019),
em estudos que realizou nos últimos quarenta anos, retomou, desenvolveu
e operacionalizou o conceito de competência moral anunciado por
Kohlberg.
Como afirma o próprio autor, a “definição de Kohlberg para a
competência moral era a ‘capacidade de tomar decisões e emitir juízos que
são morais (isto é, baseados em princípios internos) e agir de acordo com
tais juízos’” (KOHLBERG, 1964, p. 425 apud LIND, 2019, p. 52,
tradução minha). Dessa forma, “Kohlberg e Piaget costumavam usar o
termo juízo para descrever o raciocínio moral verbal”, sendo esse (o
raciocínio) um fenômeno interno, mas externamente observável por
intermédio do juízo emitido verbalmente, “enquanto a competência moral
é um processo inconsciente do qual as pessoas podem não estar cientes e
não revelam em suas reflexões éticas” (LIND, 2019, p. 52, tradução
182
minha), ou seja, que não pode ser coletado mediante os métodos usuais
para mensuração do juízo moral.
Em trabalho anterior, Silva e Bataglia (2020, p. 528) esclarecem o
conceito de competência moral:
[...] agir moralmente depende do desenvolvimento de uma capacidade,
a de refletir e aplicar consistentemente princípios em situações difíceis,
dilemáticas. Quando nos defrontamos a essas situações que exigem de
nós uma resposta e os cursos de ação possíveis são conflitantes e
mutuamente excludentes, somos mobilizados afetivamente e, nesse
momento, exibimos ou não a capacidade de agir de acordo com
princípios, apesar da comoção. É essa capacidade [...] a competência
moral (SILVA; BATAGLIA, 2020, p. 528).
Em sua retomada e desenvolvimento do conceito de competência
moral, Lind (2019) propôs a chamada teoria do duplo aspecto, cujo nome
prenuncia a existência dos dois aspectos afetivo e cognitivo que,
quando integrados, constituem a competência moral. Como argumenta
Lind (2019), o modelo proveniente dessa teoria não é novo, mas muito
tem sido ignorado. Ele cita Piaget como um dos primeiros a propor um
modelo que considerasse esses dois aspectos, apesar de seu foco no estudo
do juízo moral e ênfase na cognição. A figura a seguir apresenta o seu
modelo sobre a competência moral.
183
FIGURA 1 – O MODELO DE DUPLO ASPECTO E DUPLA CAMADA DO EU MORAL
Fonte: Adaptado de Lind (2019)
Partindo da teoria kohlberguiana, primeiro cabe ressaltar que Lind
adota o termo orientação moral no lugar de estágio, sendo essa apenas uma
mudança terminológica à estrutura dos raciocínios que os estágios
representam. Orientação moral, no entanto, também é o termo empregue
na pesquisa sobre as evidências empíricas da Ética da Justiça e da Ética do
Cuidado para denominar tal constructo que procuram mensurar: se os
juízos morais se orientam pela justiça ou pelo cuidado.
Voltando à Figura 1, o modelo de duplo aspecto se refere à
afetividade e cognição como aspectos e não de componentes separáveis.
Além de abrange-las, o modelo também inclui a questão da consciência
sobre os processos psicológicos.
Quando falamos da competência moral das pessoas, queremos
dizer uma capacidade que se manifesta no seu comportamento real. Não
nos referimos à declaração que eles fazem sobre ela. Piaget e Kohlberg
distinguiram claramente entre estas duas camadas do eu moral. Eles
argumentaram que “[...] o comportamento moral não poderia ser
adequadamente descrito sem referência a processos internos. Então eles
decidiram focar a avaliação apenas nos relatos conscientes dos participantes
sobre seus comportamentos (LIND, 2019, p. 47, tradução minha).
184
A competência moral é um aspecto interno, proveniente da
camada inconsciente. Assim, de um lado estão as orientações morais,
conscientes no juízo moral, mas inconscientes no comportamento moral
explícito, que dependem do aspecto afetivo para que a competência moral
se manifeste ou não a partir da integração das disposições afetivas com o
raciocínio escolhido no curso de uma ação.
O modelo de Lind (2019) não é exatamente um modelo de
desenvolvimento moral como propõem as demais teorias revisitadas
anteriormente, mas sim um modelo sobre um aspecto que se coloca entre
o juízo e a ação morais, que é a competência moral. Mais do que procurar
saber em qual estágio de Kohlberg (1992) um sujeito se encontra, Lind
(2019) quer saber a consistência pela qual esse sujeito utiliza seus
raciocínios em seu comportamento moral, em sua ação. Assim, o trabalho
de Lind direciona-se, em grande parte, ao desenvolvimento de uma
metodologia que possa mensurar a competência moral, diante de sua
impossibilidade mediante os métodos para a mensuração do juízo moral.
Na década de 1970, Lind elaborou o Moral Competence Test
(MCT)
2
, instrumento psicométrico fechado proposto para avaliação da
competência moral. Dos vários instrumentos de avaliação do
desenvolvimento moral atualmente disponíveis (BATAGLIA; MORAIS;
LEPRE, 2010), esse é até hoje o único que mensura a competência moral,
enquanto a MJI (COLBY; KOHLBERG, 1987) e outros instrumentos
posteriores, como o Socio-moral Reflection Objective Measure (SROM) de
Gibbs, Arnold & Burkhart (1984) e o Defining Issues Test 1 e 2 (DIT e
DIT-2) de Rest et al. (1999), voltam-se apenas ao aspecto do juízo moral.
2
O instrumento foi elaborado originalmente com o nome de Moral Judgement Interview (MJT),
sendo renomeado para Moral Competence Test (MCT) em 2014. Disponível em: http://www.uni-
konstanz.de/ag-moral/mut/mjt-engl.htm.
185
Todos esses instrumentos, como ressaltam Bataglia, Morais e Lepre
(2010), seguem em uso em pesquisas sobre moralidade no Brasil.
O MCT, atualizado ao longo dos anos, considera a capacidade de
uma pessoa avaliar situações dilemáticas não com base em sua posição a
favor ou contrária ao tema em discussão, mas levando em consideração o
valor dos argumentos opostos à sua própria opinião, o que tornou possível
a mensuração da competência moral. Além de uma metodologia de
mensuração, Lind (1999) também elaborou uma metodologia que pudesse
desenvolvê-la, o Konstanz Method of Dilemma Discussion (KMDD).
No caso do MCT, ele foi traduzido para 27 diferentes idiomas,
cujas novas versões foram validadas em seus respectivos contextos e
certificadas rigorosamente. No Brasil, ele foi trazido, sendo traduzido,
adaptado e validado, pela pesquisa de doutoramento de Bataglia (2010) no
final da década de 1990 e início dos anos 2000.
O MCT é composto originalmente por dois dilemas morais, o
primeiro chamado de dilema dos operários (Workers’ dilemma), que trata
de uma situação trabalhista em que operários roubam documentos para
denunciar a empresa em que trabalham, e o segundo denominado de
dilema do médico (Doctor’s Dilemma), relacionado à eutanásia. Após a
leitura dos dilemas, o(a) respondente do instrumento deve avaliar algumas
alternativas, distribuídas em uma escala Likert, referentes a argumentos a
favor e contra sua própria opinião e que carregam diversas orientações
morais, de acordo com os estágios kohlberguianos (KOHLBERG, 1992),
para resolução dos dilemas. No Brasil, em razão do fenômeno denominado
de segmentação moral, desenvolveu-se uma versão estendida do MCT, o
Moral Competence Test extended (MCT_xt) pelas pesquisas seguintes que
procuraram aprimorar sua primeira versão validada (BATAGLIA, 2010).
186
A segmentação moral refere-se à queda da qualidade moral na
resolução de dilemas morais que compõem o MCT quando esses
apresentam conteúdo específico relacionado a um tema que afeta o
respondente. Com a versão estendida do instrumento, manteve-se os dois
dilemas originais e acrescentou-se um dilema chamado dilema do juiz
(Judge’s Dilemma), que tem como tema a tortura de uma prisioneira em
prol de possivelmente salvar a vida de 200 pessoas ameaçadas por um
grupo terrorista. Desde a primeira pesquisa que o validou no Brasil
(BATAGLIA, 2010), o MCT segue em uso no país pelas pesquisas sobre
moralidade, em suas ambas versões, original e estendida.
Quanto às potencialidades de seu modelo e da promoção da
competência moral, Lind (2019) reitera que a democracia contribui para
a competência moral. Por isso, o autor reforça a ideia de que a sociedade é
uma força poderosa para moldar o comportamento. Contudo, a fonte do
desenvolvimento moral reside principalmente nas próprias pessoas. O
autor (2019) argumenta que se uma democracia quer preservar a si mesma
e evoluir, ela deve propiciar a todos os seus cidadãos(ãs) educação e,
principalmente, oportunidades suficientes para aplicar e praticar a
competência moral para que ela se desenvolva.
Considerações Finais
Neste capítulo, ressaltou-se, com base em autores(as) que se
dedicaram a essa análise (LA TAILLE, 2010; BLUM, 1988; ARANTES,
2000; BRAUNSTEIN, 2012; DUNKEL; GLADDEN; MATHES, 2016;
ARAÚJO, 2017), que as teorias de Piaget e Kohlberg, apesar de sua
inegável contribuição ao campo da Psicologia do Desenvolvimento Moral,
187
apresentaram, em sua abordagem cognitivo-evolutiva, uma visão
fragmentada, linear e reducionista do desenvolvimento moral. Das
variáveis envolvidas e que interferem no desenvolvimento moral, elegeu-se
para discussão a afetividade, a qual não encontra espaço nos modelos de
desenvolvimento subjacentes dessas teorias. Ressaltou-se o trabalho
pioneiro de Gilligan que evidenciou essa e outras limitações das teorias e
abordagem em questão.
Como subsídio teórico para esse novo paradigma da Psicologia do
Desenvolvimento Moral (LA TAILLE, 2010; FRANZI; ARAÚJO, 2013),
que considera a complexidade dos fenômenos que lhes são pertinentes,
apresentou-se a teoria de Lind, dentre várias outras teorias pós-
kohlberguianas que foram erigidas com propósitos semelhantes, uma vez
que essa integra os aspectos cognição e afetividade em sua proposta de
análise da competência moral.
Conclui-se, portanto, que se a Psicologia do Desenvolvimento
Moral se encontra esgotada em seus referenciais clássicos, as teorias pós-
kohlberguianas, tal como a teoria de Lind ora apresentada, são alternativas
hoje disponíveis para sanar essa falta de perspectiva e inovação nas atuais
investigações. E teorias as quais parecem ter renovado, ou estarem
renovando, esse campo para mais um ciclo de décadas de estudo sobre o
desenvolvimento moral.
Referências
ARANTES, V. A. Cognição, afetividade e moralidade. Educação e
Pesquisa, São Paulo, v. 26, n. 2, p. 137-153, 2000.
ARAÚJO, C. M. de. Uma crítica à feminilidade na Ética do Cuidado de
Nel Noddings: o cuidado para além do gênero. 2017. 118 f. Dissertação
188
(Mestrado em Filosofia)Universidade Federal de Pernambuco, Recife,
2017.
BATAGLIA, P. U. R. A validação do teste de juízo moral (MJT) para
diferentes culturas: o caso brasileiro. Psicologia: Reflexão e Crítica, v. 23,
n. 1, 83-91, 2010.
BATAGLIA, P. U. R.; MORAIS, A. de; LEPRE, R. M. A teoria de
Kohlberg sobre o desenvolvimento do raciocínio moral e os instrumentos
de avaliação de juízo e competência moral em uso no Brasil. Estud.
psicol., Natal, v. 15, n. 1, p. 25-32, jan./abr., 2010.
BIAGGIO, A. M. B. Lawrence Kohlberg: ética e educação moral. São
Paulo: Moderna, 2006.
BLUM, L. A. Gilligan and Kohlberg: implications for moral theory.
Ethics, v. 98, n. 3, p. 472-491, 1988.
BRAUNSTEIN, H. R. Ética do cuidado: das instituições de cuidado e
pseudo cuidado. 2012. 219 f. Tese (Doutorado em Psicologia)
Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012.
COLBY, A.; KOHLBERG, L. The measurement of moral judgment:
theoretical foundtation and research validation. Cambridge: Cambridge
University Press, 1987.
DUNKEL, C. S.; GLADDEN, P. R.; MATHES, E. W. Sex differences
in moral reasoning: The role of intelligence and life history strategy.
Human Ethology Bulletin, v. 31, n. 2, p. 5-16, 2016.
GIBBS, J. C.; ARNOLD, K. D. E.; BURKHART, J. E. Sex differences
in the expression of moral judgement. Child Development, v. 55, p.
1040-1043, 1984.
189
FRANZI, J.; ARAÚJO, U. F. de. Novos aportes na psicologia moral: a
perspectiva da teoria dos modelos organizadores do pensamento. Revista
NUPEM, v. 5, n. 8, p. 53-67, 2013.
GILLIGAN, C. Uma voz diferente: psicologia da diferença entre
homens e mulheres da infância à idade adulta. Rio de Janeiro: Rosa dos
Tempos, 1982.
KANT, I. Fundamentação da metafísica dos costumes. Trad. Paulo
Quintela. Lisboa: Edições 70, 2005. (Publicado originalmente em 1785).
KOHLBERG, L. Psicologia del desarrollo moral. Bilbao: Editorial
Desclée de Brower, 1992.
LA TAILLE, Y. de. Moral e ética: dimensões intelectuais e afetivas. Porto
Alegre: Artmed, 2006.
LA TAILLE, Y. de. Desenvolvimento humano: Contribuições da
psicologia moral. Psicologia USP, v. 18, n. 1, p. 11-36, 2007.
LA TAILLE, Y. de. Moral e ética: Uma leitura psicológica. Psicologia:
Teoria e Pesquisa, v. 26, n. esp., p. 105-114, 2010.
LIND, G. How to teach moral competence. Berlin: Logos-Publisher,
2019.
PIAGET, J. A formação do mbolo na criança: imitação, jogo e sonho,
imagem e representação. 4. ed. Rio de Janeiro: LTC, 2010. (Publicado
originalmente em 1945).
PIAGET, J. O juízo moral na criança. São Paulo: Summus, 1994.
(Publicado originalmente em 1932).
190
PUIG, J. A. A construção da personalidade moral. São Paulo: Ática,
1998.
REST, J.; NARVAEZ, D.; BEBEAU, M. J.; THOMA, S. J.
Postconventional moral thinking: a neo-kohlbergian approach.
Mahwah: Lawrence Erlbaum Associates, 1999.
SILVA, M. E. F. da. Afinal, o que foi o debate Kohlberg-Gilligan?.
SchèmeRevista Eletnica de Psicologia e Epistemologia Genéticas,
v. 13, n. 1, 2021. No prelo.
SILVA, M. E. F. da.; BATAGLIA, P. U. R. Mapeamento da produção
científica brasileira sobre segmentação moral pelo estado da arte.
Psicologia Argumento, v. 38, n. 101, p. 524-547, 2020.
TOGNETTA, L. R. P. A construção da solidariedade e a educação do
sentimento na escola. Campinas: Mercado de Letras, 2003.
TOGNETTA, L. R. P.; ASSIS, O. Z. M. de. A construção da
solidariedade na escola: as virtudes, a razão e a afetividade. Educação e
Pesquisa, São Paulo, v. 32, n. 1, p. 49-66, 2006.
VILARRASA, G. S.; MARIMÓN, M. M. Nuevas perspectivas sobre el
razionamiento moral. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 26, n. 2, p.
123-135, 2000.
191
7
A COMPETÊNCIA MORAL E A RELIGIOSIDADE E
ESPIRITUALIDADE
Lucas Guilherme Tetzlaff de Gerone
Introdução
Entende-se que a temática sobre a moral
3
está presente no
desenvolvimento humano, no âmbito do espírito
4
e religioso. Na filosofia
pré-socrática
5
, o bem e mal como questões morais estavam ligadas à
3
Para Bataglia (2001), moral é compreendida como um conjunto de regras, com determinados
conteúdos, que são adotadas pelo sujeito, às quais se conforma e de acordo com as quais procura
agir. Também, entende-se como moral (mores) “a morada do ser”, uma reflexão de prevalência ética,
não somente de regras ou costumes, portanto uma moral ética (BOFF, 2003).
4
Aqui entendido como “psique”, do grego psykhé, que retrata a natureza de espírito, os
pensamentos, os sentimentos, os comportamentos, à consciência e a personalidade (AULETE,
1980).
5
Entende-se o período entre os séculos VII ao V a.C. Como filósofos que antecederam Sócrates e
buscavam nos elementos natureza as respostas sobre a origem do ser e do mundo. Por isso,
chamados de filósofos da physis” ou "filósofos da natureza". Eles são os responsáveis pela transição
da consciência mítica para a consciência filosófica, com a busca de uma explicação racional para a
origem de todas as coisas (JEAGER, 1995).
https://doi.org/10.36311/2022.978-65-5954-220-8.p191-208
192
mitologia grega
6
dos deuses, que influenciava o comportamento, o modo
de viver e ser (JEAGER, 1995).
Na filosofia clássica, em Platão, a virtude é fundamental para
realizar um juízo, agir de acordo com o bem, uma metafísica
7
suprema em
que: "a alma quando está em si mesma e analisa as coisas por si mesmas,
sem se valer do corpo, encaminha-se para o que é puro, eterno, imortal,
imutável [...]" (PLATÃO, 1999, p. 149). Este pensamento platônico
influenciou a Cristandade
8
, para Agostinho de Hipona o espírito humano
é iluminado por Deus, que através das práticas religiosas, direciona o ser
para uma vida virtuosa, a beatitude e a felicidade (AGOSTINHO, 2000).
Segundo Aristóteles, a moral é uma orientação para alcançar a
felicidade e a vida boa, acessível ao ser virtuoso que respeita os valores
morais, e tem compreensão da eudaimonia
9
(um poder metafísico divino).
6
Entende-se como um conjunto de mitos, histórias e lendas sobre os deuses. O desenvolvimento
da mitologia grega ocorreu perto de 700 a. C. Neste período, a religião na Grécia Antiga era
politeísta. Destaca-se que os principais escritos da mitologia grega estão são datados no século VIII
a.C. por Hesíodo (Teogonia), e por Homero (Ilíada e Odisséia). Na primeira obra, a Teogonia,
trata-se da origem e a história dos deuses gregos. Na segunda obra, na Ilíada e Odisséia, encontram-
se escritos sobre os deuses e heróis (humanos). A mitologia grega dos deuses ganhou seu espaço na
reflexão humana e moral devido aos deuses terem atributos humanos, corpo e sentimentos como
amor, felicidade, inveja, traição, ira e outros (TRABULSI, 1992).
7
A metafísica é um ramo filosófico que estuda a existência do ser. Procura-se entender,
compreender o mundo, a natureza, e a estruturas basilares da realidade. Derivado do grego, entre o
prefixo “meta” significa “além de”. Uma questão tratada de forma sistemática em Aristóteles, como
filosofia primeira, a base de toda filosofia como uma ciência do ser enquanto ser. No pensamento
de Aristóteles a existência dos seres é composta por causa material: o corpo está composto de
matéria. Sangue, pele, músculos, ossos, etc. Forma: Aspectos como cabeça, dois braços, duas pernas
etc. A forma nos qualifica como seres humanos. Eficiente: por que existimos? Porque alguém nos
fez. Final: o ser existe para algo. A resposta é encontrada através daquilo que transcende, ou seja,
uma finalidade, uma meta. Em Aristóteles a finalidade do ser era a ética enquanto dimensão de
felicidade (JEAGER, 1995).
8
Entende-se como um sistema social de relações entre a Igreja e do Estado, que influenciou as
questões sociais, políticas e morais (GOMES, 1997).
9
“Entende-se como Eudaimonia a formação entre o prefixo “eu” que significa “bem disposto” e
daimon”, “um poder metafísico divino"; "eudaimon" um adjetivo para "feliz". No período grego
193
Dentro deste pensamento, Tomás de Aquino, na Suma Teológica,
fundamenta-se na metafísica aristotélica, em que a felicidade humana
relaciona ao Divino. A Lei Divina conduz o ser à vida cristã e ao paraíso,
guiando as outras leis.
Kant
10
propõe uma metafísica dos costumes. De acordo com Zanella
(2008) dentro do pensamento kantiano a moral e a religião estão
relacionas. De um lado, a moral como deveres são questões fundamentais
ao ser racional, que age conforme um sistema universal
11
. De outro lado,
na religião, os deveres fazem parte da vontade e dos mandamentos divinos
e corresponde a perfeição. A relação está no fato que a moral atinge a sua
plenitude na absoluta autonomia da razão prática (ser racional), em que
torna uma lei para si mesma como dever perfeito e incondicional.
O estudo
12
de Jean Piaget (1896-1980) é pioneiro sobre o
desenvolvimento moral. De acordo com Silva (2018) Piaget também foi o
pioneiro a relacionar a religião com o desenvolvimento humano quando
percebeu que o uso expressivo da linguagem, a utilização de símbolos e o
senso moral do que é bem ou mal remetiam a religião. Influenciado por
Piaget, Kohlberg (1981) diferenciou as questões religiosas e morais,
todavia, relacionou nos estágios de desenvolvimento moral. De acordo
com Kohlberg algumas questões morais são respondidas através das
dimensões espirituais e religiosas. Tais como, é bem ou mal? A resposta
antigo, a felicidade atrela-se ao poder de usufruir dos dons divinos. Para Platão, a felicidade é
produto da sabedoria que acede ao mundo das ideias (PLATÃO, 1999).
10
Entende-se que no pensamento de Kant (1724-1804) o ser humano não é capaz de responder
algumas questões metafísicas como a existência de Deus. Neste sentido, Kant valoriza a razão. Mas,
não desconsidera a influência da religião na moral.
11
Quando as ações pessoais são moralmente boas ao ponto de que elas tornam lei universal (KANT,
2004).
12
Uma teoria cognitiva do desenvolvimento moral em sua obra Le judgment moral chez l’enfant
(1932).
194
para isso não está somente em seguir preceitos morais, mas abrange um
sentido e propósito de ser, o que pode associar as dimensões espirituais e
religiosas. Também influenciado por Piaget, James Fowler (1992)
desenvolveu estágios
13
da relacionados à moral no desenvolvimento
humano, nas decisões e propósito da vida.
Diante do contexto acima, este estudo tem como objetivo,
entender como a religião influencia o desenvolvimento moral, na reflexão
do bem e mal, de ser e viver, nos propósitos pessoais, na busca da felicidade
e o sentido de vida, e especificamente, nas tomadas de uma decisão moral,
o que remete a competência moral. Para isso, este estudo justifica-se e
estrutura-se da seguinte forma: a) É possível encontrar a espiritualidade em
diferentes abordagens epistemológicas: p-socrática, em Platão, em
Agostinho, em Aristóteles, em Tomás de Aquino, Kant, Piaget, Kohlberg
e Fowler. Para eles, existe uma relação entre as questões morais com as
espirituais (religiosas ou não); b) Nas relações das noções dos termos da
competência moral, da religiosidade, e da espiritualidade. Neste contexto,
é utilizada a religião cristã como um exemplo para compreender a relação
entre a competência moral e a religiosidade devido a maior parte da
população brasileira ser cristã (GERONE, 2015); c) Nas implicações da
religiosidade e da espiritualidade para a competência moral. Neste
momento, aponta-se que o estado de espírito, de forma racional, auxilia
nas decisões de juízos, o que é o justo nas ações morais e sociais. Também,
aponta-se como Kohlberg (1981) compreendeu a questão religiosa dentro
dos estágios do desenvolvimento moral, e como Lind (2006) em estudos
13
A fé (pode ou não remeter a religião) é algo intrínseco a todo ser humano e serve como nortes
dos valores morais, éticos e do comportamento social. Os estágios são: 0) Fé indiferenciada (um
pré-estágio); 1) Fé intuitivo-projetiva; 2) Fé mítico-literal; 3) Fé sintético convencional; 4) Fé
individuativo-reflexiva; 5) Fé conjuntiva e 6) Fé universalizante.” Entende-se que tais estágios são
meios de desenvolvimento que corresponde a uma tipologia de fé, que relaciona com a própria
existência, história pessoal e coletiva, (FOWLER, 1992).
195
sobre a competência moral encontrou uma segmentação moral com a
influência religiosa em estudantes de medicina relacionada ao ambiente de
aprendizado médico (BATAGLIA, 2020). Pois, a formação dos
profissionais da saúde visa mais o lado científico e biomédico devido à
separação entre a ciência e a religião.
Neste contexto, na atualidade, a espiritualidade é uma dimensão
importante para a competência moral na área médica, como: na formação
contínua e integral, nas implicações no modo de viver, e nas tomadas de
decisões referentes ao estado de saúde-doença, que pode ajudar a diminuir
os conflitos morais entre as questões religiosas, espirituais e a saúde.
Nas considerações apontam-se algumas discussões centrais deste
estudo. A noção de espiritualidade possui uma disposição para a
competência moral no que tange a reflexão ética-moral. Pois, é no estado
de espírito que avalia a si mesmo, a ação moral e social, as quais se
desdobram no comportamento da autonomia, da solidariedade e
altruísmo. Dimensões que compõe a noção da espiritualidade.
Considera-se que dentro da religiosidade, a moral associa-se mais
aos costumes, tradições e normas, representadas por um sistema de
doutrinas e dogmas religiosos que podem reduzir a competência moral.
Portanto, entende-se que a espiritualidade é uma intermediadora
entre as questões religiosas e morais, pois a espiritualidade corporifica um
conjunto de pensamentos e atitudes que vão além da religiosidade, o que
ajuda na competência moral, como por exemplo, a construção de uma
visão integral em experiências morais e sociais.
Por fim, entende-se que na contemporaneidade, a espiritualidade
é uma intermediadora entre as questões religiosas e científicas, como por
exemplo, na relação entre a religiosidade e a formação dica a
196
espiritualidade é um recurso educativo para a formação integral, o que
influência a competência moral dos profissionais da saúde, no modo de
viver, nas tomadas de decisões referentes ao estado de saúde-doença, e a
lidar com os conflitos morais entre as questões religiosas e a saúde.
A Competência Moral, a Religiosidade e a Espiritualidade
De uma forma introdutória é importante entender a noção sobre
o que é competência moral. Para Bataglia (2020) que concentrou uma
vasta pesquisa sobre a moral em cima de estudos de Kohlberg, Lind
14
e
Puig, a competência moral é: “a capacidade de agir de modo ético” (p. 14),
“uma habilidade que se evidencia no social, em situações de conflito e que
conjuga aspectos diversos da personalidade: emoções, sentimentos,
atitudes, razão, disposição” (p. 18).
Sobre a noção da espiritualidade e religiosidade existe no meio
acadêmico e popular uma associação entre elas, mas, não são.
Entende-se a espiritualidade como um estado e natureza de
espírito, uma ontologia
15
que implica nas decisões da vida, nos valores, nas
relações sociais, e no sentido e o propósito da vida, e na
16
. Portanto, a
14
“o conceito de competência estava sendo trabalhado e operacionalizado pelo pesquisador alemão
Georg Lind que elaborou na década de 1970 o Moral Competence Test (MCT), um instrumento
de avaliação da competência moral”. (BATAGLIA, 2020, p. 14).
15
Parte da metafísica que trata da natureza, realidade e existência (AULETE, 1980).
16
Para Fowler (1981) a “fé é um aspecto genérico da luta humana para achar e manter sentido, e que
ela pode ou não exprimir-se pela religião" (p.83). De acordo com Fowler faz parte da natureza humana
buscar sentido e, este está associado a fé que pode ou não levar para práticas religiosas. Entende-se
que Fowler separa fé e religião, sendo fé um "mistério que nos envolve" (p.39), uma "realidade
transcendente" (p. 168), em outras palavras, a espiritualidade.
197
espiritualidade
17
é parte do construto humano que se desenvolve a partir
das experiências pessoais e sociais que pode implicar (ou não) no
comportamento religioso (GERONE, 2020). Ou seja, a espiritualidade
como um estado de espírito antecede a religiosidade, uma qualidade,
comportamento e prática procedente da religião
18
.
Por religiosidade entende-se como um sistema de crenças e práticas
seguidas por um grupo de pessoas que se relacionam, amparam-se em um
conjunto de ritos, doutrinas, ensinamentos, normas, e acreditam,
idolatram uma figura personificada
19
do Sagrado, do Divino ou de um
Deus, como por exemplo, o cristianismo é uma relação entre pessoas
20
que
aderiram aos símbolos, as liturgias, e aos ensinamentos morais e
espirituais
21
de Jesus Cristo.
Diante do contexto acima, entende-se que as noções de
espiritualidade e religiosidade são diferentes e abarcam a noção moral
também de formas diferentes.
De um lado, a espiritualidade como uma ontologia conota com a
noção de moral enquanto uma “morada do ser”
22
. No estado de espírito,
17
Neste aspecto, a espiritualidade também pode ser entendida como: solidariedade, empatia,
alegria, amizade, sentido e propósito de vida, um espaço de reflexão da vida, uma transcendência
daquilo que é material e genérico (GERONE, 2020).
18
Com etimologia latina, religare, se entende como “religação”, uma conexão-relação entre o ser
humano e Divino (GERONE, 2020).
19
Possui forma, aspecto, qualidades, características, padrão, ou aquilo que é encarnado (AULETE,
1980).
20
A comunhão com Deus e as pessoas é uma prioridade no cristianismo. Amarás, pois, ao Senhor
teu Deus de todo o teu coração, e ao próximo como a si mesmo. (MARCOS 12:29-34).
21
Dentro do conceito da maioria das religiões o que é espiritual origina-se no próprio Sagrado, no
Divino ou em Deus. Neste sentido, o religioso vê o que e é espiritual como parte da sua construção
humana, mas antes disto, é um aspecto da Criação e essência Divina. Como por exemplo, no
Cristianismo Deus por meio de seu Espírito, emana em toda a vida: “O Espírito de Deus me criou, e
o sopro do Todo-poderoso me deu a vida” (Jó 33.4)
22
Termo acunhado por Boff (2003) que propõe uma ética compatível com a espiritualidade.
198
de forma racional, avalia-se a si mesmo e as decisões de juízos, o que é o
justo (certo e errado) nas ações morais e sociais (CORTINA;
MARTÍNEZ, 2005). Entende-se este contexto como uma disposição para
a competência moral. Portanto, a espiritualidade como uma reflexão ética-
moral constitui a competência moral, que se desdobra no comportamento,
em ações de solidariedade, altruísmo, justiça que contribuem para a
autonomia moral
23
.
De acordo com Kohlberg (1981) a autonomia moral faz parte do
juízo moral e é alcançada em estágios
24
do desenvolvimento moral.
Todavia, existem questões da vida que estão além do alcance moral e são
explicadas por dimensões espirituais, como por exemplo, por que fazer o
bem? Não se trata apenas de cumprir o senso moral em prol do convívio
social, mas, de um sentido e propósito de vida associado à dimensão
espiritual. Por isso, para Kohlberg (1981) na consciência humana existe
uma ordem cósmica
25
, que leva ao sétimo estágio no desenvolvimento
moral, remetente a dimensão espiritual.
Salienta-se que os estágios em Kohlberg (1981) são construídos,
através de dilemas morais o indivíduo passa para estágios mais
amadurecidos. Neste sentido, pode-se entender que o sétimo estágio pode
23
Uma "lei de si mesmo". Uma capacidade de distinção entre bem e mal, autodeterminação,
condução da vida em uma perspectiva moral (CORTINA; MARTÍNEZ, 2005).
24
Kohlberg definiu seis estágios do desenvolvimento moral. Os de número ímpar formam as
variáveis heterônomas dos níveis de julgamento, neles predomina a percepção da regra ou
convenção como imposta. Do outro lado, os estágios pares formam as variáveis autônomas, pois
neles prevalece a dimensão de independência do indivíduo face à norma ou regra estabelecida. Os
seis estágios são: pré-convencional: Estágio 1: Orientação pela obediência e punição. Estágio 2:
Orientação pelo interesse próprio. Convencional: Estágio 3: Orientação pela conformidade social.
Estágio 4: Orientação pelo direito e pela ordem. Pós-convencional: Estágio 5: Orientação para
contratos sociais. Estágio 6: Orientação pela ética universal.
25
Algo sem imperfeição, injustiça e erro. Também é uma capacidade de sentir uma energia que fez
surgir a Terra, as estrelas e as galáxias; essa mesma energia fez emergir todas as formas de vida e a
consciência reflexa dos humanos (BOFF, 2010).
199
colaborar para o desenvolvimento moral. Segundo Habermas
26
(2002) a
dimensão espiritual
27
compõem os valores éticos e a autonomia, e tem a
capacidade de potencializar a consciência das normas e a solidariedade
entre os indivíduos em uma situação de crise. Entende-se isto como uma
disposição da competência moral.
De outro lado, a religiosidade como um conjunto de práticas e
crenças seguidas por um grupo de pessoas que estabelecem normas
(doutrinas e ensinamentos) para relacionar-se entre si, com os outros e o
Sagrado, conota com a moral
28
enquanto preceitos que regulam o
comportamento humano, o modo de viver, e o entendimento sobre os
juízos morais (BOFF, 2003).
Na religião, a moral relaciona-se com a competência religiosa,
desenvolvida e entendida em níveis de amadurecimento religioso. Quanto
maior aderência a doutrina e ensinamento religioso, maior será a percepção
moral para o grupo e individuo religioso. De acordo com Bataglia (2020),
a religiosidade pode causar a segmentação moral, em que:
[...] indivíduos que são capazes de refletir a respeito de problemas
morais, frente a algum conteúdo específico deixam de fazê-lo (p. 36).
Sujeitos que tratam temas sociais como dogmas apresentam uma falta
de capacidade de lidar com a controvérsia e pluralidade de ideias de
modo pacífico e democrático, levando a uma baixa competência moral
(BATAGLIA, 2020, p. 16).
26
Pesquisou e interagiu com os estudos de Kohlberg. Especialmente os estágios do desenvolvimento
moral.
27
Em La pensée post-métaphysique [O pensamento pós-metafísico], Habermas afirma que a
dimensão espiritual (religiosa) é uma necessidade e indispensável à existência. Onde, existem crises
que só são respondidas pela fé. Entende-se que a dimensão espiritual é a espiritualidade, que pode
levar (ou não) as crenças religiosas.
28
mores” (BOFF, 2010).
200
Bataglia (2020) destaca que a competência moral é quando o
indivíduo: “reconheça a qualidade de argumentos contrários à opinião do
sujeito, isso pressupõe outra capacidade que envolve a estrutura cognitiva,
porém, mais do que isso, exige uma postura não dogmática em relação a
sua própria atitude” (p. 27). Neste sentido, o sujeito religioso possui um
senso moral, porém, decide julgar e tomar decisões morais de acordo com
as doutrinas religiosas
29
, com a influência do grupo religioso
30
, e da sua
percepção religiosa
31
, o que pode regredir a competência moral. Sobre isso,
Lind (2006) em estudos sobre a competência moral, através de um
instrumento (Moral Competence Test)
32
, encontrou uma segmentação
moral com a influência religiosa.
Entre os estudos de Lind, em uma pesquisa com estudantes de
medicina, encontra-se uma regressão na competência do julgamento moral
(C--score), que deve estar relacionada ao ambiente de aprendizado médico
(BATAGLIA, 2020). De acordo com Gerone (2015), a formação dos
profissionais da saúde visa mais o lado científico e biomédico devido à
separação entre a ciência e a religião. Na Idade Média, por influência da
Igreja Católica, associava-se ao tratamento médico com as crenças
29
Normas, regras, e ensinamentos religiosos, que são condicionadas e dogmáticas, mas, aceitas
conscientemente pelo sujeito religioso.
30
As relações sociais dentro de um grupo religioso podem influenciar o comportamento do sujeito.
Mesmo não concordando, comporta-se de acordo com o grupo religioso na busca aceitação e
reconhecimento e pertencimento social.
31
Trata-se de uma reflexão cultural e histórica se as doutrinas, normas e convivência no grupo
religioso fazem ou significam algum sentido moral. Onde, o sujeito religioso justifica as ações e
decisões morais diante de uma consciência histórica e cultural. Como por exemplo, um cristão
fundamenta sua percepção de mundo, de si, e dos outros dentro da sua tradição cultural cristã e em
um processo histórico da construção do conhecimento religioso, na maior parte atribuída aos
estudos e ensinamentos sagrados. Legados construídos pelos pais da fé, e pela Sã doutrina e Sagradas
Escrituras.
32
Propõe uma tarefa moral difícil que envolve a avaliação de argumentos e contra-argumentos. A
avaliação focaliza a coerência do sujeito em ponderar a qualidade dos argumentos e não apenas sua
própria atitude em relação ao tema do dilema (BATAGLIA, 2020, p. 20).
201
religiosas
33
, como por exemplo, o poder da cura de uma enfermidade estava
em Deus, e a doença
34
era um resultado do pecado e da imoralidade
humana
35
. Devido a isto, e ao avanço científico na Idade Moderna
36
, a
formação médica torna-se científica e técnica, em que a relação entre a
ciência e a religião passou a ser visto como algo artesanal. Surge, então, um
modelo de tratamento médico técnico (GERONE, 2015).
Na contemporaneidade, a formação técnica-científica na área
médica é discutida. Os enfoques técnicos através da tecnologia e das
pesquisas científicas possibilitam curar e tratar enfermidades que em
séculos passados eram incuráveis, e assim, proporcionam melhorar
qualidade de vida. Contudo, o uso indiscriminado da tecnologia ainda
com boas intenções pode resultar no abandono, muitas vezes não
intencional, de outras dimensões humanas respeitáveis, como, a
comunicação, os valores, a dignidade do ser, os sentidos e propósitos
existenciais (GERONE, 2015). Neste sentido, busca-se na formação
médica uma visão integral, que abarca a dimensão psicológica, social,
ecológica e espiritual (BATAGLIA, 2020). De acordo com Gerone
33
No início da era cristã até a alta Idade Média, há uma forte crença no poder milagroso do
evangelho para curar as doenças. O texto lucano relata o cuidado em saúde como algo
profundamente característico a Cristo: “[…] toda a multidão procurava tocar-lhe, porque saía dele
virtude, e curava a todos” (Lc 6.19).
34
A saúde está na valorização do sofrimento e da enfermidade. Acreditavam que Deus salvava apenas
pela experiência do sofrimento e da enfermidade, pois um corpo sadio não é com frequência um
lugar habitado por Deus (GERONE, 2015).
35
O povo hebreu acreditava que a doença era causada pelo pecado e a saúde ao obedecer a Deus
(Gn12:17; Pv 23:29-32). Este pensamento compõe a visão judaico-cristã fortemente na idade
Média. Atualmente, percebem-se alguns grupos religiosos com o mesmo pensamento, como por
exemplo, o neo pentecostal (GERONE, 2015).
36
O foco tecnológico e prestação de serviços são advindos da Revolução Industrial (GERONE,
2015).
202
(2015), a espiritualidade pode ser um recurso positivo (coping
37
) que ajuda
a lidar com as crises, sofrimentos vivenciados em uma situação de
enfermidade entre pacientes e os profissionais da saúde. A espiritualidade
também está associada ao propósito e sentido de vida pessoal e profissional,
o que ajuda os profissionais da saúde nas relações sociais, e tomada de
decisões morais
38
. Ou seja, a espiritualidade é uma dimensão importante
para a competência moral na área médica. Para isso, aponta-se a
importância de uma formação contínua e integral na área saúde, tais como:
o entendimento sobre a espiritualidade e a religiosidade e suas implicações
no modo de viver, e nas tomadas de decisões referentes ao estado de saúde-
doença, que pode ajudar a diminuir os conflitos morais entre as questões
religiosas, espirituais e a saúde.
Considerações
Considera-se que a espiritualidade é parte do construto e
desenvolvimento humano, tais como: as religiosas e as morais. Nota isto
nas diferentes abordagens epistemológicas: na filosofia pré-socrática, em
Platão, em Agostinho, em Aristóteles, em Tomás de Aquino, Kant, Piaget,
Kohlberg e Fowler. Para eles, existe uma relação entre as questões morais
com as espirituais (religiosas ou não).
Cogita-se que a noção de espiritualidade possui uma disposição
para competência moral no que tange a reflexão ética-moral. No estado de
37
Entende-se como coping uma forma de enfretamento, que pode ser positivo quando proporcionar
resiliência, superação e aceitação, ou negativo quando causa sentimento de culpa, vergonha, medo,
agressão e estresse (GERONE, 2015).
38
Ao sangue, à eutanásia, à cura, a práticas de cura, a medicamentos, à doação de órgãos, a questões
sobre o direito de morrer, a procedimentos cirúrgicos e ao recebimento de visitas (GERONE,
2015).
203
espírito avalia a si mesmo, a ação moral e social, que se desdobram no
comportamento da autonomia, da solidariedade e altruísmo. Dimensões
que compõe a noção da espiritualidade.
Considera-se que dentro da religiosidade, a moral associa-se mais
aos costumes, tradições e normas, representadas por um sistema de
doutrinas e dogmas religiosos que podem reduzir a competência moral.
Um sujeito religioso pode evitar tomar decisões morais quando vão contra
as suas crenças religiosas, que são interpretadas como leis e princípios
divinos perfeitos, portanto, não cabíveis de discussões, inibindo os
argumentos contrários as crenças religiosas. Surgindo assim, a segmentação
moral.
Sobre isto, não se pretende desvalorizar as crenças religiosas ou
criar um discurso ateísta e relativista. Todavia, ciente da relação entre a
moral e a religião, a espiritualidade como um construto de todo ser
humano que pode levar a religiosidade é uma intermediadora entre as
questões religiosas e morais, pois a espiritualidade corporifica um conjunto
de pensamentos e atitudes que vão além da religiosidade, o que ajuda na
competência moral, como a construção de uma visão integral nas
experiências morais.
O ser religioso pode se apegar ao sistema de doutrinas e dogmas
para interpretar e agir de acordo a sua percepção moral, entretanto, neste
processo, é necessário encontrar um sentido e propósito que remetem ao
âmbito de espírito, que em última análise é avaliar-se e transcender a ação
moral. Ora, crenças religiosas sem um sentido e propósito que transcenda
a ão podem ser reducionistas e demagogas, fechando em si mesmo os
próprios valores, objetivando a experiência da crença e da apenas em
práticas segregadas. Ao contrário disto, independente da religião, a crença
religiosa como uma expressão da envolve um nível de assimilação
204
racional no estado de espírito, como, questionar a existência (ou não) do
Divino, buscar o transcende no aqui e no além, encontrar significado de
valores no simbólico, e na testificação
39
, que levará o sujeito a realização e
a assimilação do amor à verdade, da compaixão para com os sofredores e
os indefesos, e da construção de valores que torna sensíveis as realidades
40
,
com seriedade e integralidade (BOFF, 2010).
Por fim, de acordo com Cremonese (2019) a integralidade é pauta
das reflexões morais na contemporaneidade, tanto as religiões e as ciências
não podem limitar seus valores em si mesmos, é preciso transcender
41
. E
isso se através de uma educação
42
que vise à formação integral, como
por exemplo, na formação médica contemporânea aborda-se a
espiritualidade
43
como uma dimensão que influencia as tomadas de
decisões referentes ao estado de saúde e doença.
39
Ato de testificar, testemunhar, compartilhar, comungar, experimentar, vivenciar os valores
religiosos.
40
De acordo Moses (2009) existem 64 princípios morais comparados entre as religiões, alguns
deles: "A regra de ouro", "ama o teu próximo", "há um só Deus", "é melhor dar do que receber",
"o Reino do Céu está dentro de nós", "colhemos aquilo que semeamos", "a verdade é universal",
"honra teu pai e tua mãe", "ama os teus inimigos", "nem só de pão vive o homem", "bem-
aventurado aquele que perdoa" e "Deus é amor".
41
Transcender o que é genérico, uma transdisciplinaridade: não atinge apenas as interações ou
reciprocidades, mas situa-se nas relações no interior de um sistema total, na interação global das
várias ciências ou visão de mundo (cosmovisão).
42
A educação não está restrita apenas a escola, mas trata-se de “uma prática humana e social, que
modifica os seres humanos nos seus estados físicos, mentais, espirituais, culturais, que dá uma
configuração à nossa existência humana individual e grupal (LIBANEO, 2001, p. 06-07).
43
Fowler (1992) elaborou estágios da fé (espiritualidade) com implicações morais. Para Fowler a
Fé é um recurso para a busca de sentido e experiências na vida, que se constrói na inteiração com
ambientes educativos, família, escola e sociedade e outros.
205
Referências
AGOSTINHO, S. A cidade de Deus. 2. ed. Lisboa: Fundação Calouste
Gulbenkian, 2000.
AULETE, C. Dicionário contemporâneo da Língua Portuguesa. 3. ed.
Rio de Janeiro: Delta, 1980. v. 5.
BATAGLIA, P. U. R. A construção da competência moral e a formação
do psicólogo. Tese (Doutorado em Psicologia Social), Instituto de
Psicologia, Universidade de São Paulo, 20 São Paulo, 2001.
BATAGLIA, P.U.R. Competência moral: contribuição para a elaboração
do constructo. Tese (Livre-Docência)Faculdade de Filosofia e
Ciências, Universidade Estadual Paulista, UNESP, Câmpus de Marília,
2020.
BÍBLIA SAGRADA. Bíblia de Jerusalém. São Paulo: Paulus, 2002.
BOFF, L. Ética e moral: a busca dos fundamentos. 2. ed. Petrópolis:
Vozes, 2003.
Cremonese, D. Ética e moral na Contemporaneidade. Campos Neutrais
Revista Latino-Americana de Relações Internacionais Vol. 1 1,
JaneiroAbril de 2019
FOWLER, J. W. Esgios da : a psicologia do desenvolvimento
humano e a busca de sentido. São Leopoldo: Sinodal, 1992.
GERONE, L. G. T. de. GERONE JUNIOR, A. de. Um estudo sobre a
espiritualidade no cuidado em saúde sob uma perspectiva teológica.
Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano 05,
Ed. 09, Vol. 01, pp. 137-156. Setembro de 2 0 2 0 . I S S N : 2 4 4 8 - 0
206
9 5 9. Disponível em:
https://www.nucleodoconhecimento.com.br/ciencia-da-
religiao/perspectiva-teologica, DOI:
10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/ciencia-da-
religiao/perspectiva-teologica. Acesso em: 17 dez. 2020.
GERONE, L. G, T,de. Um olhar sobre a Religiosidade/Espiritualidade
na Prática do Cuidado entre profissionais de saúde e pastoralistas. –
Escola de Educação e Humanidades. Pontifícia Universidade Católica do
Paraná.(Mestrado em Teologia). Curitiba, 2015. Disponível em:
http://www.biblioteca.pucpr.br/tede/tde_busca/arquivo.php?codArquivo
= 3116. Acesso em: 17 dez. 2020.
GERONE, L. G. T. de. A espiritualidade no contexto da ciência da
Saúde. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento.
Ano 05, Ed. 09, Vol. 01, pp. 1 2 1 - 1 3 6 . S e t e m b r o d e 2 0 2 0 . I
S S N : 2 4 4 8 - 0 9 5 9. Disponível em:
https://www.nucleodoconhecimento.com.br/ciencia-da-religiao/ciencia-
da-saude, DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/ciencia-da-
religiao/ciencia-da-saude. Acesso em: 17 dez. 2020.
GOMES, F. J. "As comunidades cristãs da época apostólica". In:
Phoinix, Rio de Janeiro, 3: 139-156,1997.
HABERMAS, J. L’avenir de la nature humaine. Paris, Gallimard, 2002.
JEAGER, W. Paideia: A formação do homem grego. Tradução Artur M.
Parreira. São Paulo: Martins Fontes, 1995
KANT, I. Fundamentação da Metafísica dos Costumes e Outros
Escritos. São Paulo: Martin Claret: 2004.
207
KOHLBERG, L. (1981). Ensaios sobre o Desenvolvimento Moral.
Volume I; A filosofia do desenvolvimento moral. Nova Iorque.
LIBANEO, J. C. Pedagogia e pedagogos: inquietações e buscas. Educ.
rev. Curitiba, n. 17, p. 153-176, junho de 2001.
LIND, G. Introduction to the Moral Judgment Test (MJT). 2006.
Disponível em: http://www.uni-konstanz.de/ag-moral/mut/mjt-
intro.htm. Acesso em: 14 dez. 2020.
MOSES, J. "Unidade: os Princípios Comuns a todas as Religiões”.
Editora Sextante, 2009.
PLATÃO. Diálogos. São Paulo: Nova Cultural, 1999. (Os Pensadores).
SILVA, F. O que de religioso no desenvolvimento humano: uma
revisão da literatura. Numen: revista de estudos e pesquisa da religião,
Juiz de Fora, v. 21, n2, jul./dez. 2018, p. 212-223
TRABULSI, J. A. D. Religião e Política na Grécia: das Origens até a
Pólis Aristocrática. Clássica, 5/6, 133-147, 1992/93.
ZANELLA, D. Kant Immanuel em Religião À Moral Da Passagem.
Mestrado De Dissertação. Universidade CcshHumanas E Sociais
Ciências De Centro Filosofia De Departamento Filosofia, 2008.
Disponível em:
https://repositorio.ufsm.br/bitstream/handle/1/9050/DIEGOCARLOSZ
ANELLA.pdf?sequence=1&isAllowed=y. Acesso em 02 Dez 2020.
209
8
A COMPETÊNCIA MORAL COMO ANTECEDENTE À
LIDERANÇA TRANSFORMACIONAL
Alexandre da Silva Lessa
Maria Célia Reisa da Silva
Introdução
A competência moral é definida por Georg Lind (1947- ),
psicólogo pesquisador alemão, como capacidade de uma pessoa resolver
problemas e conflitos, com base em princípios morais universaisquando
atinge os graus mais elevados dessa competência que sustentam
deliberações e discussões, em vez de agir com desrespeito, falsidade,
violência ou submetendo outros a poder de autoridade (LIND, 2019). O
desenvolvimento da competência moral na formação acadêmica vem
sendo analisada em pesquisas com graduandos de medicina, enfermagem,
psicólogos e militares (MACHADO, TAVARES, 2016; ENDERLE,
2017; PACCA et al., 2017; BERETA, 2018), dada a importância atribuída
a capacidade de o indivíduo lidar com os dilemas morais enfrentados em
qualquer ambiente profissional. Contudo, não é uma capacidade relevante
https://doi.org/10.36311/2022.978-65-5954-220-8.p209-232
210
apenas para quem desenvolve a própria competência moral, pois as pessoas
que se relacionam com sujeitos moralmente competentes, seja por vínculo
pessoal ou profissional, também são beneficiadas por suas atitudes morais.
(LIND, 2019)
Nesse enfoque, a competência moral aproxima-se do modelo de
liderança transformacional, cujos líderes são reconhecidos tanto pelo
respeito à dignidade e às particularidades de seus seguidores, quanto pela
mediação nos dilemas com valores concorrentes nas situações reais (BASS,
1985). Os líderes transformacionais são notórios também pelo estímulo à
elevação do nível de maturidade e ideais dos seguidores, vistos na superação
dos interesses próprios imediatos para a busca por auto-realização e bem-
estar dos outros. (BASS, 1999)
Assim sendo, vislumbra-se uma estreita relação entre a
competência moral e o modelo de liderança transformacional que o
presente estudo objetiva explorar em busca de referências implícitas ou
explícitas à competência moral, nas publicações dos principais
pesquisadores sobre liderança transformacional, sob a conjectura de a
capacidade de lidar com dilemas morais influencia na liderança
transformacional. Aliás, propõe-se que a competência moral não apenas
exerce influência no desempenho, mas seria mesmo uma condição
antecedente à liderança transformacional.
Para mais, espera-se, com essa publicação, estimular pesquisas que
investiguem essas possíveis relações de competência moral em líderes
transformacionais, contribuindo não somente para o sucesso profissional
individual, mas também para o desenvolvimento moral coletivo.
211
Liderança Transformacional
As pesquisas demonstram que liderança transformacional tem
importância em todas as áreas (AVOLIO, YAMMARINO, 2002 apud
BASS, RIGGIO, 2006), tal como um fenômeno social liderança’ que
pode ocorrer - e é importante que aconteça - em todos os níveis e por
qualquer indivíduo (BASS, RIGGIO, 2006). Calaça e Vizeu (2015)
destacam que a liderança transformacional floresceu nos estudos da área de
administração, capitaneados por Bernard Bass
1
(1925-2007), mas sua
origem provém da publicação do cientista político, James MacGregor
Burns (1914-2014), cujo pensamento foi influenciado pelas crises de
liderança na política dos EUA nas décadas de 60 e 70.
A liderança transformacional foi descrita por Burns (1978 apud
CALAÇA, VIZEU, 2015, p. 127) como uma dinâmica em que “uma ou
mais pessoas se envolvem uns com os outros, de tal maneira que os deres
e seguidores motivam uns aos outros a níveis mais elevados de motivação
e moralidade”.
Segundo Bass e Riggio (2006), líderes transformacionais motivam
pessoas a fazerem além do esperado e até a superarem os limites pessoais
imaginados, incitando ativamente uma transformação das atitudes, crenças
e motivações de seus seguidores (BASS, 1985). Ocorre, nesse processo de
influência, uma modificação na maneira como os seguidores se percebem,
pela ênfase de aspectos positivos presentes em cada contexto e pela
tradução de desafios em oportunidades de realização pessoal. Desse modo,
os ideais e o vel de maturidade dos seguidores se elevam, da mesma forma
que suas preocupações com o bem-estar coletivo e suas necessidades de
1
Neste estudo, foram selecionadas as obras basilares desse autor como referência (BASS, 1985;
BASS, 1999; BASS, RIGGIO, 2006).
212
realização pessoal (BASS, 1985; 1999). Como resultado, os seguidores
tendem a ser mais comprometidos e satisfeitos (BASS; RIGGIO, 2006).
Esses e outros aspectos da liderança transformacional foram
categorizados por Bass (1999) em quatro componentes:
a) Influência Idealizada: compreende a influência do líder nos
membros do grupo, pelo comportamento ético e moral que ele
demonstra consistentemente, enfatizando a perspectiva coletiva
presente nos objetivos propostos. Em outro aspecto, envolve a
consideração, confiança, respeito e admiração que a liderança
conquista dos seguidores, pela forma como ele se relaciona e pelos
ideais expressos para dar sentido ao que se deve fazer. A influência
idealizada é um fator central da liderança transformacional,
porque trata da influência sobre ideologias, ideais, princípios
morais, ou seja, das questões éticas e morais que envolvem a
relação do líder e seguidores, e destes com o entorno (BASS,
1999);
b) Motivação Inspiracional: expressa a qualidade de os líderes
criarem condições para os membros se comprometerem e se
responsabilizarem com propostas e objetivos claramente
comunicados e compartilhados, motivando e criando significado
ao trabalho. A liderança apresenta desafios ao grupo e promove o
espírito de equipe;
c) Estimulação Intelectual: provoca a reflexão para inovação e
criatividade, discutindo soluções e propostas que extrapolam o
habitual. Esse estímulo procura evidenciar a natureza dos
problemas e das possíveis vias de resolução, provocando nos
seguidores “um salto discreto na conceituação, compreensão e
213
discernimento dos seguidores” no enfrentamento dos desafios
(BASS, 1985, p. 37);
d) Consideração Individualizada: denota um tratamento
diferenciado para cada elemento do grupo, baseado no
reconhecimento das peculiaridades e necessidades individuais,
conhecidas por meio do diálogo e, sobretudo, pela audição
atenciosa. Reconhecendo os desejos e necessidades peculiares em
cada indivíduo, em suas trajetórias de realização e crescimento
pessoais, o líder propõe desafios personalizados com a delegação
de trabalhos desafiadores e o aumento de responsabilidades de
cada seguidor (BASS, 1985), monitorando o desenvolvimento no
sentido de oferecer apoio adicional ou orientação para o
progresso do indivíduo. (BASS, 1999).
Os componentes supracitados foram definidos e aprimorados por
Bass (1985), ao longo de décadas de pesquisa (BASS; RIGGIO, 2006),
baseando-se em respostas coletadas cujas afirmações descrevem a liderança
transformacional pelo tratamento respeitoso do líder com os seguidores,
pelo exemplo de integridade e justiça e pelo estabelecimento de elevados e
claros padrões de desempenho. Os respondentes também descreveram que
líderes transformacionais deram autonomia e encorajaram o
desenvolvimento dos seguidores e que estes podiam contar com o líder
para defendê-los. Junto com a motivação e a consciência modificadas e
aumentadas, nas reações frequentes dos seguidores sob liderança
transformacional, estavam presentes uma forte simpatia, confiança,
admiração, lealdade e respeito.
Não obstante a liderança transformacional ser tão qualificável, Bass
(1985) é contundente ao afirmar a existência de situações em que a
abordagem transformacional pode não ser apropriada.
214
Liderança Transacional
Burns também introduziu o conceito liderança transacional
(BURNS, 1978 apud BASS, 1999; BASS, RIGGIO, 2006; CALAÇA,
VIZEU, 2015), cunhando essa expressão em contraponto à liderança
transformacional, que nem toda relação entre líder e seguidor tem um
conteúdo moral como elemento mediador (CALAÇA; VIZEU, 2015).
Liderança transacional trata de uma relação de troca entre as partes,
cada qual buscando atender seus próprios interesses (BASS, 1999), com o
líder recompensando ou punindo o seguidor, conforme o desempenho
demonstrado (BASS; RIGGIO, 2006). A relação transacional pode
assumir a forma de:
Recompensa contingente em que o líder esclarece ao
seguidor por meio de orientação ou participação o que o
seguidor precisa fazer para ser recompensado pelo esforço.
Pode assumir a forma de gerenciamento ativo por exceção,
em que o der monitora o desempenho do seguidor e toma
medidas corretivas se o seguidor não cumprir os padrões.
Ou pode assumir a forma de liderança passiva, na qual o
líder pratica o gerenciamento passivo por exceção,
esperando que os problemas surjam antes de tomar uma
ação corretiva, ou é laissez-faire e evita qualquer ação.
(BASS, 1999, p. 10-11, tradução nossa, grifos nossos)
Esses três componentes, com os quatro componentes da liderança
transformacional, mais a liderança’ laissez-faire, compõem o modelo de
215
Full Range Leadership
2
(FRL). Esse espectro completo de liderança pode
ser medido pelo Questionário Multifatorial de Liderança
3
(MLQ),
mensurando a frequência de exibição, pelo líder, desses fatores de liderança
transformacional e transacional. Bass (1999) afirma que o perfil de cada
líder exibe frequências variadas dos fatores.
Comparativamente, líderes com seguidores mais satisfeitos e mais
eficazes nos resultados são líderes mais transformacionais e menos
transacionais (AVOLIO, BASS, 1991 apud BASS, 1999). A liderança
transacional também pode ser eficaz em trazer resultados, uma vez que os
seguidores são informados do que é esperado deles e o que lhes espera como
benefício ou punição. Esse esclarecimento pode produzir um sentimento
de confiança e motivar a busca pelos resultados mutuamente valiosos.
Contudo, a liderança transformacional pode inspirar a dedicação de
esforços extraordinários e níveis de autoconfiança bem maiores. (BASS,
1985)
Na teoria FRL, ambos os modelos podem ser aplicados em
qualquer equipe e em qualquer tipo de organização e a liderança
transformacional é, de algum modo, uma evolução da liderança
transacional, base necessária para a elevação ao próximo nível. (BASS;
RIGGIO, 2006)
Não obstante, para Burns (1978 apud BASS; RIGGIO, 2006), o
elemento crucial e distintivo desses modelos é a liderança moral edificante
que configura os líderes transformacionais.
2
O modelo Full Range Leadership pode ser traduzido como Teoria da Banda Larga de Liderança
(TBLL) (ROSINHA, 2009).
3
Multifactor Leadership Questionnaire (MLQ) (BASS, 1985).
216
Liderança Transformacional, Ética e Moralidade
Para Burns (1978 apud BASS, 1985) a liderança transformacional
é moral se lidar com necessidades reais e se for baseada em objetivos
explícitos e verdadeiros. Todavia, as transformações propostas também
podem ser imorais, se os níveis de necessidade elevados pelos líderes
transformacionais não forem autênticos, ou seja, se as mudanças forem
empreendidas com base em falsos discursos e propostas que visam apenas
aos anseios dos constituintes (BASS, 1985).
Para afastar do conceito de liderança transformacional a
imoralidade de líderes que promovem mudanças egoístas, Bass (1998 apud
BASS, RIGGIO, 2006) estabelece a distinção entre líderes
transformacionais autênticos e inautênticos (ou líderes pseudotrans-
formacionais). Alguns autores caracterizam essa diferença acrescentando
que líderes pseudotransformacionais utilizam mal o poder e os valores que
enaltecem não correspondem aos comportamentos exibidos
(MCCLELLAND, 1975; PRICE, 2003 apud YASIR, MOHAMAD,
2015), em contraste com autênticos líderes transformacionais, que:
transcendem seus próprios interesses por uma de duas
razões: utilitarista ou moral. Se utilitaristas, seu objetivo é
beneficiar seu grupo ou seus membros individuais, sua
organização ou sociedade, bem como a si próprios, e
enfrentar os desafios da tarefa ou missão. Se for uma questão
de princípios morais, o objetivo é fazer a coisa certa, fazer o
que se encaixa nos princípios de moralidade, responsabi-
lidade, senso de disciplina e respeito pela autoridade,
costumes, regras e tradições de uma sociedade. (BASS;
RIGGIO, 2006, p. 14, tradução nossa)
217
Em outras palavras, quando líderes estão verdadeiramente
preocupados com os desejos e necessidades dos seguidores e dedicados à
promoção do desenvolvimento de cada um, ou seja, quando eles tratam os
seguidores como fins, não como meios, tem-se uma liderança
transformacional autêntica e o componente que salienta essa distinção é a
‘consideração individualizada’. (BASS; STEIDLMEIER, 1999 apud
BASS; RIGGIO, 2006)
Contudo, para o seguidor é difícil distinguir (KALSHOVEN et
al., 2011 apud YASIR; MOHAMAD, 2015), porque, tanto autênticos
quanto inautênticos, podem exibir os mesmos comportamentos, mas com
intenções variadas (DASBOROUGH; ASHKANASY, 2002 apud YASIR;
MOHAMAD, 2015). Portanto, Yasir e Mohamad (2015) argumentam
em favor da Liderança Ética
4
ao apresentarem uma análise comparativa
com a liderança transformacional. Esses pesquisadores consideram que a
liderança ética enfatiza a ética e a moralidade, e, por isso, seria garantida a
realização de práticas éticas pelos seguidores. Entretanto, essa defesa parece
ignorar que práticas éticas não representam, de fato, um desenvolvimento
moral elevado, como ocorre necessariamente na liderança
transformacional. Inclusive, Bass e Riggio (2006) apontam pesquisas que
examinaram a relação entre liderança transformacional e comportamento
de liderança ética, com resultados mostrando que líderes transformacionais
eram mais íntegros e mais eficazes que líderes não transformacionais.
4
Liderança ética é um conceito relativamente novo (YASIR, MOHAMAD, 2015), definida por
Brown et al. (2005 apud YASIR, MOHAMAD, 2015, p. 120, tradução nossa, grifo nosso) como
“a demonstração de conduta normativamente apropriada por meio de ações pessoais e
relacionamentos interpessoais”. Nesse tipo de liderança, líderes influenciam a conduta ética de seus
seguidores, incentivando e gerenciando o comportamento e atitudes éticas (TREVIÑO et al., 2003;
BROWN, TREVIÑO, 2006 apud YASIR, MOHAMAD, 2015).
218
Ademais, a crítica de Yasir e Mohamad (2015), apontando
lideranças transformacionais imorais, desconsidera que Bass (1985)
anunciara essa possibilidade, afastando-a da concepção de liderança
transformacional e tratando-a como uma realidade diferente, justamente
pela imoralidade nas intenções ou ações dos líderes. Ademais, deve-se ter
em conta o aspecto central da proposta original de liderança
transformacional de Burns (1978), “que é a construção de uma relação
social baseada no desenvolvimento moral”. (CALAÇA, VIZEU, 2015, p.
132)
Liderança Transformacional, Desenvolvimento Moral
e Competência Moral
Até aqui, nos referimos a liderança transformacional como a
maneira mais eficiente e digna de se lidar com uma equipe, mas o que
sustenta efetivamente a moralidade de uma autêntica liderança
transformacional? Propõe-se, numa leitura exploratória, que a
competência moral é a capacidade fundamental para líderes
transformacionais autênticos. E Ghanem e Castelli (2019) contribuem
com essa perspectiva ao concluírem “que a competência moral tem efeito
moderador na relação entre liderança ética e accountability
5
(GHANEM;
CASTELLI, 2019, p. 18, tradução nossa).
A definição de competência moral apresentada na introdução é um
aprimoramento da ideia de ‘competência de julgamento moral’, concebida
5
Accountability, segundo ROCHA (2009), é um termo sem tradução para o português, porém é
aplicado pelo Tribunal de Contas da União no contexto de obrigação de prestação de contas. Ou,
apropriando-se da descrição do Dicionário Cambriged online, seria “uma situação em que alguém
é responsável por coisas que acontecem e pode dar uma razão satisfatória para elas”
(ACCOUNTABILITY, 2021, tradução nossa).
219
pelo americano Lawrence Kohlberg (1927-1987), descrita como
"capacidade para tomar decisões e julgamentos que são morais (isto é,
baseados em princípios internos) e para agir de acordo com tais
julgamentos" (KOHLBERG, 1964 apud LIND 2016, p. 3, tradução
nossa). A ênfase na proposta de Lind (2019) está na capacidade de se
resolver dilemas e na ligação dessa competência com o comportamento
moral. Com essa perspectiva, Lind (2019) decidiu abolir o termo
‘julgamento’ do conceito, visto que tal palavra poderia causar confusão,
pois Kohlberg emprega ‘julgamento se referindo ao comportamento
verbal de julgar e avaliar ações de uma pessoa. Ademais, o julgamento
moral está geralmente associado à consciência moral e à reflexão sobre o
comportamento moral, e, na teoria de Duplo Aspecto do comportamento
moral, do psicólogo alemão, tanto a camada consciente do ‘eu moral’
quanto à reflexão ética são distintos da competência moral, posto que essa
competência se exibe na camada inconsciente e se manifesta no
comportamento real.
Lind também esclarece e distingue o emprego do termo ‘moral’ e
‘moralidade’:
(a) a noção de moralidade como conformidade com normas e padrões
externos, e (b) a noção de moralidade como conformidade com a
própria consciência, isto é, com os próprios princípios morais internos.
Ambos são conceitos distintos. Factualmente, estas conceptualizações
podem sobrepor-se, embora não necessariamente. (LIND, 2019, p.
33, tradução nossa, grifo nosso).
Ao tratar da competência moral, Lind explica que utiliza o termo
‘moral’ no sentido de conformidade do comportamento de uma pessoa
com suas regras internas, normas, princípios ou consciência” (LIND,
220
2019, p. 09, tradução nossa), mas reconhece haver uma íntima relação
entre conformidade com as normas externas’ e moralidade (ou
conformidade com normas internas), quando ele pressupõe que alta
conformidade com as normas internas se refletiria em atitudes de maior
respeito às leis, por exemplo.
Além de investigar um conceito derivado de Kohlberg, Lind
fundamenta sua teoria em pressupostos estabelecidos na teoria de
desenvolvimento moral do consagrado autor americano e este, por sua vez,
seguiu a perspectiva da teoria de estrutura evolutiva de desenvolvimento
moral, formulada por Piaget (1994), a qual descreve as seguintes etapas:
pré-moral (ou amoral), moral heterônoma (ou moral da coação) e moral
autônoma (ou moral da cooperação).
Para Kohlberg, o raciocínio moral (ou juízo moral) evolui segundo
critérios desenvolvimentistas de sequência invariável sem regressões
(pressuposto estruturalista) e os processos envolvidos no desenvolvimento
moral são cognitivos (pressuposto cognitivo). (LOURENÇO, 2002)
A teoria cognitivo-estrutural do desenvolvimento moral de
Kohlberg (1992) consiste numa classificação do juízo moral em seis
estágios psicológicos de desenvolvimento moral, estruturados e
hierarquizados segundo perspectivas sociomorais. Essas perspectivas são
pontos de vista adotados pelo indivíduo na observação dos fatos sociais e
valores morais intrínsecos.
O estágio 1 (orientação para a punição e obediência) e estágio 2
(hedonismo instrumental relativista) estão no nível pré-convencional, de
moralidade heterônoma, em que se lida com normas como algo exterior a
si mesma, e o ponto de vista do sujeito é limitado ao próprio interesse ou
a interesses de certos indivíduos convenientemente considerados.
221
o estágio 3 (moralidade do bom garoto e de aprovação social) e
o estágio 4 (orientação para a lei e a ordem) correspondem ao nível
convencional, que reflete uma visão compartilhada pelos membros de um
certo grupo, de maneira que o indivíduo abdica de interesses próprios em
prol de interesses do seu grupo, por se identificar com suas regras e
expectativas.
O estágio 5 (orientação para o contrato social) e o estágio 6
(princípios universais de consciência) correspondem ao vel pós-
convencional, estado em que a perspectiva individual é destacada do
conjunto, se posicionando num ponto de vista que aceita e se compromete
moralmente com as leis e valores expressos na sociedade, desde que essas
normas sejam boas e justas para cada membro. Essa é uma perspectiva
intrinsecamente moral, pois afasta-se de interesses egocêntricos e também
das regras e obrigações sociais para uma posição que julga em referência a
princípios. A pessoa no nível pós-convencional percebe que as normas são
como um ‘objeto’ cujos valores são definidos segundo princípios que ela
própria reconhece e estabelece como válidos. Os indivíduos que se
encontram nesse nível, quando enfrentam dilemas, buscam uma solução
baseada em princípios morais, mesmo que em detrimento de normas
sociais, se compreender tal atitude como a mais adequada (KOHLBERG,
1992; BIAGGIO, 2002)
Burns (1978 apud CALAÇA; VIZEU, 2015, p. 128) também se
fundamenta na teoria de desenvolvimento moral de Lawrence Kohlberg
(assim como na teoria das necessidades de Abraham Maslow) “ao descrever
a estrutura da liderança moral e a matriz psicológica da liderança”,
atribuindo ao vel pós-convencional, expresso pelo líder e seus seguidores,
a base necessária para uma relação de liderança esteada em valores morais
e princípios universais compartilhados por eles, em superação aos interesses
222
individualistas. Desse modo, o processo de liderança transformacional tem
como princípio fundamental uma influência em torno de um
desenvolvimento moral e ético, conforme os estágios de Kohlberg, apesar
de o cientista político fazer ressalvas quanto à unidirecionalidade e
irreversibilidade na sequência desses estágios. (CALAÇA; VIZEU, 2015)
As concepções de Burns e Kohlberg são tão intrincadas, que se
percebe o desenvolvimento da moral autônoma em líderes
transformacionais “que elevam o moral, a motivação e a moral de seus
seguidores”; e a moral heterônoma em “líderes transacionais (que)
atendem aos interesses próprios imediatos de seus seguidores”. (BURNS,
1978 apud BASS, 1999, p. 09)
A competência moral surge nesse contexto, não apenas por
pertencer à mesma vertente teórica de Kohlberg, mas, sobretudo, por
representar o potencial de articulação que um indivíduo dispõe para
resolver conflitos com deliberação e discussão, pautando seus pensamentos
e comportamentos em princípios éticos universais para guiar decisões e
ações justas. Sendo assim, a competência moral pode ser um recurso para
o líder e os seguidores poderem lidar com os “conflitos reais entre valores
concorrentes, as inconsistências entre os valores e o comportamento
adotados, a necessidade de realinhamentos de valores e a necessidade de
mudanças no comportamento ou transformações das instituições”. (BASS,
1985, p. 38)
Contudo, a proposta de considerar a competência moral como
antecedente da liderança transformacional requer estudos mais profundos
para suportar tal hipótese.
223
Instrumentos de Medição da Competência Moral e da Liderança
Transformacional
Pesquisas envolvendo competência moral e liderança
transformacional podem contar com dois instrumentos de medição: Teste
de Competência Moral
6
(MCT) e Questionário Multifatorial de Liderança
(MLQ).
O MCT foi desenvolvido por Lind (2016) e traduzido e adaptado
para o idioma português e para a cultura brasileira por Bataglia (2010).
Esse teste avalia a competência moral (LIND, 2019), mensurando “a
capacidade do sujeito em aplicar a estrutura de juízo em situações adversas”
(BATAGLIA, 2010, p. 29). Portanto, difere-se de outros testes que medem
a capacidade de o sujeito formular juízos morais baseados em princípios,
visto que tal instrumento mensura a capacidade de o sujeito agir conforme
seus julgamentos (LIND, 2016). O conteúdo do MCT são histórias com
dilemas, seguidas de opções de argumentos que colocam o avaliado diante
de um conflito que persiste independentemente de sua escolha (LIND,
2016). Desse modo, consiste numa atividade cognitiva com uma tarefa
moral em que o sujeito precisa marcar respostas em desfavor de seu
posicionamento inicial no dilema e, como um modelo predefinido não se
encaixaria no argumento desfavorável, o avaliado, necessariamente,
expressa seu raciocínio moral em suas bases cognitivas essenciais. Diante
da tarefa moral, as razões são expostas e observa-se tal capacidade na
desenvoltura com que o sujeito lida com dilemas morais, de tal modo que,
para problemas complexos, as pessoas com baixo nível de competência
moral se utilizam de fraude, violência ou submissão para resolução de
conflitos (LIND, 2010 apud LIND, 2019).
6
Moral Competence Test.
224
As respostas aos dilemas são processadas e pontuadas numa escala
de 0 a 100 (índice C) e indicam o grau com que os julgamentos do avaliado
são determinados por uma perspectiva moral, em vez de consistir em mera
opinião forjada e compartilhada com um grupo. Em suma, o índice C
expressa a capacidade de julgar argumentos valendo-se de princípios
morais e não de outros fatores.
O MLQ, também disponível em português
7
, foi modelado por
Bass (1985) a partir da adaptação do conceito liderança transformacional,
para sua “operacionalização como um conjunto de traços observáveis no
contexto organizacional”, construindo tal questionário para “mensuração
de traços transformacionais ou transacionais em líderes organizacionais”
(CALAÇA; VIZEU, 2015, p. 130). Esse instrumento está na versão
MLQ5X, considerada por Bass e Avolio (1995 apud ANTONIKIS;
HOUSE, 2015) como a mais bem validada para representar o modelo
FRL.
O MLQ5X contém 36 itens padronizados, graduados numa escala
de Likert de 5 pontos, sendo 4 para cada um dos componentes do modelo
FLR; além de outros 9 itens avaliando resultados de desempenho, pela
eficácia do líder, ‘esforço extra’ dos seguidores e satisfação desses com a
liderança (BASS; RIGGIO, 2006). Dispõe-se ainda de uma versão mais
longa do MLQ (total de 63 itens) para aplicação em avaliações de
programas de desenvolvimento de liderança.
7
https://www.mindgarden.com/16-multifactor-leadership-questionnaire#horizontalTab4
225
Educação para Promoção da Competência Moral e Liderança
Transformacional
As possibilidades de investigações envolvendo competência moral
e liderança transformacional ficam ainda mais interessantes pela
suscetibilidade de os dois conceitos serem influenciados pela educação.
Bass (1999) afirma que as lideranças transformacional e
transacional, além de refletirem o desenvolvimento moral e pessoal, são
afetadas pelo treinamento e educação. Para a liderança transformacional,
exige-se um desenvolvimento moral maduro (KUHNERT; LEWIS, 1987
apud BASS, 1999), que pode ser estabelecido pela influência de padrões
morais dos pais ou pelas experiências de liderança em ambiente escolar ou
extracurriculares (AVOLIO, 1994 apud BASS, 1999).
Por outro lado, Lind (2019) desenvolveu o Método Konstanz de
Discussão de Dilema
8
(KMDD) para promover a competência moral,
propondo a aplicação do MCT para avaliar esse e outros métodos
educacionais em relação ao seu poder de elevar a competência moral dos
sujeitos submetidos a eles (LIND, 2016). Lind (2016) defende que o
KMDD é bem fundamentado teoricamente e seus efeitos foram testados
ao longo de três décadas em inúmeras pesquisas, apresentando sempre
resultados substanciais, raramente com efeitos negativos, e com resultados
efetivos em grupos de diferentes idades, desde os 10 anos até adultos. Em
contraponto a outros métodos, Lind (2002 apud LIND, 2016) também
argumenta que habilidades e competências morais precisam estar
emocionalmente ancoradas para serem influentes no comportamento.
Como essa condição não é inata e não se incuti com simples leituras, deve
8
Konstanz Method of Dilemma Discussion (KMDD
®
).
226
ser educada com mediação e participação ativa, durante todo ciclo de vida
e o melhor caminho é a aplicação do método de discussões de dilemas
morais, em especial, o KMDD (LIND, 2016).
Pelo exposto, percebe-se a possibilidade de utilização do KMDD
para a promoção da competência moral de estudantes, pensando-os
enquanto líderes em potencial, tal como propuseram Ghanem e Castelli
(2019). Focando no tema deste estudo, projeta-se a aplicação do KMDD
para a formação de líderes transformacionais autênticos.
Não obstante a presunção de vantagens, tais propostas devem focar
no desenvolvimento moral e na relação dual entre o líder e seus seguidores,
qualidades da liderança transformacional antevistas por Burns (1978 apud
CALAÇA; VIZEU, 2015) como pressupostos essenciais. Sem essa base,
pode-se reduzir a competência moral a um instrumento estratégico para
mecanismos manipuladores de desenvolvimento de líderes organizacionais
com “conhecimento cnico-cognitivo para prever e controlar” (CALAÇA;
VIZEU, 2015, p. 130).
Considerações Finais
Partindo-se da proposta de uma aproximação entre a liderança
transformacional e a competência moral, realizou-se uma leitura
exploratória que identificou uma convergência do fundamento de ambos
conceitos na teoria de desenvolvimento moral de Kohlberg.
O modelo FRL de Bass é baseado nos conceitos que Burns
estabeleceu ao distinguir a liderança transacional, moralmente
heterônoma; e a liderança transformacional, pautada pela moralidade
227
autônoma que reflete a perspectiva moral do nível pós-convencional de
Kohlberg.
A competência moral, conceito derivado de ‘competência de
julgamento moral’ e fundamentado no pressuposto cognitivo-estrutural da
teoria de Kohlberg, mostrou-se um recurso fundamental para a liderança
transformacional, por se tratar de meio dialógico e moralmente elevado de
se lidar com os conflitos de valores intrapessoal e interpessoal.
Além de esta pesquisa identificar essa procedência teórica em
comum, a pesquisa de Ghanem e Castelli (2019) também foi um achado
que contribuiu bastante para a presente proposta, porque seus relatos
apontam a competência moral como variável interveniente na relação entre
liderança ética e accountability, numa investigação que utilizou o Teste de
Competência Moral. Pode-se prosseguir nessa linha, aplicando o MCT e
o MQL5X, dois instrumentos de medição disponíveis em português, para
pesquisas experimentais que busquem correlação entre competência moral
e liderança transformacional. Ainda, constata-se a oportunidade de utilizar
o programa KMDD
®
e avaliar sua influência sobre o modelo de liderança
transformacional, que consiste num método para promoção da
competência moral com resultados consistentes.
Com este frutífero estudo, mantém-se a expectativa de estimular
pesquisas que relacionem a competência moral como antecedente à
liderança transformacional, consagrando essa capacidade como o elo que
Bass (1999, p. 15) procurava para compreender “os fatores éticos e morais
que distinguem o líder verdadeiramente transformacional do líder
pseudotransformacional”.
Nos resultados das pesquisas vindouras, não se supõe identificar
uma relação biunívoca entre as variáveis competência moral e liderança
transformacional, mas se espera o aprofundamento da relação ora
228
evidenciada, impulsionando a promoção da competência moral no
contexto da formação dos estudantes de todas as áreas, pensando-os como
futuros líderes transformacionais que podem contribuir para o
desenvolvimento moral de seguidores ao liderarem com deliberação e
discussão, sempre guiados por princípios morais universais.
REFERÊNCIAS
ACCOUNTABILITY. In: Cambrigde Dictionary Online. Disponível
em: https://dictionary.cambridge.org/pt/dicionario/ingles/accountability.
Acesso em: 29 jun. 2021.
ANTONAKIS, J., HOUSE, R. J. The Full-Range Leadership Theory:
The Way Forward. In: Transformational and Charismatic Leadership:
The Road Ahead 10th Anniversary Edition. ISSN 1479-3571 versão
online, p. 3-33, 20 jul. 2015. DOI: 10.1108/S1479-
357120130000005006.
BASS, B. M. Leadership: Good, Better, Best. Organizational Dynamics,
v. 13, n. 3, p. 26-40, 1985. ISSN 0090-2616 versão online. DOI:
10.1016/0090-2616(85)90028-2.
BASS. B. M. Two Decades of Research and Development in
Transformational Leadership. European Journal of Work and
Organizational Psychology, v. 8, n. 1, p. 9–32, 1999. DOI:
10.1080/135943299398410.
BASS, B. M., RIGGIO, R. E. Transformational Leadership. 2. ed.
Mahwah, Nova Jersey: Lawrence Erlbaum Associates, 2006. ISBN 0–
8058–4761–8. 282 p.
229
BATAGLIA, P. U. R. A validação do Teste de Juízo Moral (MJT) para
diferentes culturas: o caso brasileiro. Revista Psicologia: Reflexão e
Crítica online, Porto Alegre, v. 23, n. 1, p. 83-91, jan./abr. 2010. DOI:
10.1590/S0102-79722010000100011. Disponível em:
https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-
79722010000100011. Acesso em: 3 jun. 2020.
BERETA, T. A. D. S. A Formação do Psicólogo do Ponto de Vista
Ético: Um Estudo a Respeito do Ambiente Acadêmico e das
Oportunidades de Construção da Competência Moral. Tese (Doutorado
em Educação) - Faculdade de Filosofia e Ciências, Unesp, Marília, 2018.
344 p.
BIAGGIO, A. M. B. Lawrence Kohlberg: ética e educação moral. São
Paulo: Moderna, 2002.
CALAÇA, P. A.; VIZEU, F. 2015. Revisitando a perspectiva de James
MacGregor Burns: qual é a ideia por trás do conceito de liderança
transformacional? Cadernos EBAPE.BR, Rio de Janeiro, v. 13, n. 1,
p.121 - 135, jan./mar. 2015. DOI: 10.1590/1679-395111016.
ENDERLE, C. F. O desenvolvimento da competência moral em
estudantes de graduação de Enfermagem. Tese (Doutorado em
Enfermagem) - Universidade Federal do Rio Grande FURG, Rio
Grande/RS, 2017.
GHANEM, K. A.; CASTELLI, P. A. (2019). Accountability and Moral
Competence Promote Ethical Leadership. The Journal of Values-Based
Leadership, v. 12, n. 1, artigo 11, 2019. DOI: 10.22543/0733.121.1247
KOHLBERG, L. Psicología del desarrollo moral. Bilbao, Espanha:
Desclée de Brouwer, 1992.
230
LIND, G. Scoring and Interpreting the MCT: An Introduction. 17 set.
2015. Disponível em: https://www.uni-konstanz.de/ag-moral/mut/mjt-
intro.htm. Acesso em: 14 jun. 2019.
LIND, G. An Introduction to the Moral Competence Test (MCT).
Germany: University of Konstanz, 2016. Disponível em:
http://www.uni-konstanz.de/ag-moral/mut/mjt-engl.htm. Acesso em: 3
jun. 2020.
LIND, G. How to Teach Moral Competence. Berlin: Logos Verlag,
2019. ISBN 978-3-8325-5005-9.
LOURENÇO, O. M. Psicologia de desenvolvimento moral: teoria,
dados e implicações. 3. ed. Coimbra: Almedina, 2002.
MACHADO, B. N.; TAVARES, S. M. B. Competência Moral como
objetivo educacional na formação dos profissionais de Defesa. In:
ENABED, 9., 2016, Florianópolis. Anais [...]. Florianópolis, UFSC,
2016. Tema: Forças Armadas e Sociedade Civil: Atores e Agendas da
Defesa Nacional no Século XXI. Disponível em:
http://www.enabed2016.abedef.org/resources/anais/3/1466353532_AR
QUIVO_ENABEDTrabalho-final.pdf. Acesso em: 2 jun. 2021.
PACCA et al. Competência moral em estudantes de medicina. In:
Colloquium Humanarum, v. 14, p. 203-211, jul./dez. 2017. Edição
especial. ISSN 1809-8207 versão online. DOI:
10.5747/ch.2017.v14.nesp.000943
PIAGET, J. O juízo moral na criança. São Paulo: Summus, 1994
(1932).
231
ROCHA, A. C. Accountability na Administração Pública: a Atuação dos
Tribunais de Contas. In: EnANPAD, 33., São Paulo. Anais [...]. São
Paulo, SP, 2009. Disponível em:
http://www.anpad.org.br/admin/pdf/APS716.pdf. Acesso em: 2 jun.
2021.
Rosinha, A. J. P. E. Conhecimento tácito em contexto militar: inclusões
na promoção do desenvolvimento de competências de comando. Tese
(Doutorado em Psicologia dos Recursos Humanos, do Trabalho e das
Organizações) - Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação,
Universidade de Lisboa, 2009. Disponível em:
http://hdl.handle.net/10451/967. Acesso em: 2 jun. 2021.
YASIR, M.; MOHAMAD, N. A. Ethics and Morality: Comparing
Ethical Leadership with Servant, Authentic and Transformational
Leadership Styles. International Review of Management and
Marketing, v. 6, p. 310-316, 2016. ISSN: 2146-4405. Disponível em:
http: www.econjournals.com. Acesso em: 2 jun. 2021.
233
9
A COMPETÊNCIA MORAL NAS INSTITUIÇÕES DE
ACOLHIMENTO PARA CRIANÇAS E ADOLESCENTES
Jaqueline Roberta de Souza
Talita Bueno Salati Lahr
[...] mas se minha mãe adotiva o tivesse me entregado para
um abrigo, eu não teria descoberto o que é solidariedade e o
que é partilha; eu não teria a coisa mais valiosa do mundo – a
vivência -, pois centenas de pessoas partilharam suas histórias
de vida comigo; a maioria crianças ainda na primeira
infância. E com elas descobri que minhas feridas podiam, sim,
doer muito em mim, mas que existem feridas muito maiores
para serem curadas, e que eu poderia ajudar a curar se parasse
de cutucar as minhas próprias; a minha cura veio da cura
alheia.
1
1
Depoimento de Camila Luz, de 20 anos, descrito no livro Esta é nossa história, do Instituto
Fazendo História, publicado em 2013.
https://doi.org/10.36311/2022.978-65-5954-220-8.p233-264
234
Introdução
A história de Camila, e de tantas outras crianças e adolescentes que
em algum momento de suas vidas passaram a viver em abrigos (serviços de
acolhimento institucional
2)
, traz vivências de violência, sofrimento e
abandono, mas também de esperança, confiança, novas vinculações e
superação das violências sofridas.
As instituições que acolhem crianças e adolescentes em situação de
violência podem ser promotoras do desenvolvimento e de resiliência na
vida dos acolhidos ou na vida de mais um autor e perpetuador da violência
sofrida. O caminho a ser percorrido e o trabalho a ser desenvolvido
dependerão, principalmente, da formação e das competências da equipe de
trabalho da instituição.
O capítulo a seguir traz uma análise sobre a importância do
trabalho voltado ao desenvolvimento da competência moral, dentro dos
Serviços de Acolhimento Institucional para Crianças e Adolescentes.
Discutiremos os conceitos de respeito, justiça, autorregulação e
democracia com base na teoria construtivista e nos teóricos Jean Piaget,
Lawrence Kohlberg e Georg Lind, e faremos propostas de intervenção para
estas instituições, por meio da convivência, das relações interpessoais, de
atividades com as crianças e adolescentes e da formação dos profissionais
através da discussão de situações que abordam a problemática do cotidiano
da instituição e um dilema moral.
2
Medida de proteção prevista no Art. 101 do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei
8.069/1990).
235
Os Serviços de Acolhimento e a Garantia de Direitos de Crianças e
Adolescentes
O último levantamento publicado pelo Sistema Nacional de
Adoção e Acolhimento (CNJ, 2020) indica que um total de 59.902
crianças e adolescentes no Sistema de Acolhimento brasileiro, sendo que
32.791 encontram-se em processo de acompanhamento e sem uma decisão
definitiva sobre seu futuro.
Conhecidos como os antigos orfanatos, os Serviços de Acolhimento
Institucional para Crianças e Adolescentes
3
passaram por mudanças
significativas no decorrer das últimas décadas. A Constituição Federal de
1988, em seu Art. 227, reconhece a criança e o adolescente como sujeitos
de direitos, com prioridade absoluta, responsabilizando, também, a
sociedade, pela proteção destes. Em 1990, o Estatuto da Criança e do
Adolescente (ECA) organiza e reforça estes princípios por meio da Lei
8.069, de 13 de julho de 1990. O Estatuto tem por objetivo, também,
retratar a história de discriminação e exclusão de crianças negras e pobres,
enfatizando conforme Parágrafo único, Art. - que o direito de todas
as crianças e adolescentes deve ser garantido da seguinte forma:
[...] sem discriminação de nascimento, situação familiar,
idade, sexo, raça, etnia ou cor, religião ou crença,
deficiência, condição pessoal de desenvolvimento e
aprendizagem, condição econômica, ambiente social, região
3
O acolhimento institucional de crianças e adolescentes pode ocorrer em 3 modalidades: abrigo,
casa lar e acolhimento familiar (BRASIL, 2009). Aqui trataremos das duas primeiras realidades, as
quais contam com a presença de educadores e cuidadores que convivem com os acolhidos todo o
tempo, e são responsáveis por seus cuidados básicos e seu processo educativo.
236
e local de moradia ou outra condição que diferencie as
pessoas, as famílias ou a comunidade em que vivem.
O documento retira o termo menor de seus artigos e busca
desconstruir a ideia da existência de instituições que recolhiam crianças e
adolescentes - como meio de punição por seus comportamentos ou com o
objetivo de educá-las (domesticá-las), por sua condição de pobreza e falta
de oportunidades. Isso geralmente ocorria com o uso da força e de ameaças,
e em instituições que se baseavam no conceito de poder e da caridade.
A promulgação do ECA é considerada um grande avanço nas leis
de proteção à infância e consequência de discussões internacionais em
relação ao tema. Conforme o Art. 6º, ao considerar crianças e adolescentes
como seres em condição peculiar de desenvolvimento” (BRASIL, 1990),
a legislação passa a exigir que instituições educativas, família, sociedade e
poder público os tratem de acordo com as especificidades e necessidades
de cada faixa etária.
Concomitante às discussões relacionadas à proteção da infância, a
Política de Assistência Social caminha para sua consolidação e organização.
Em 1993, a Lei Orgânica da Assistência Social (Lei 8.742, de 7 de
dezembro de 1993) é criada a fim de organizar a Assistência Social como
uma Política Pública que tenha como objetivos a defesa de direitos e a
garantia de atendimento à população brasileira, especialmente “a quem
dela precisar” (BRASIL, 1988). Dá-se prosseguimento a uma batalha para
que essa assistência deixe de ser vista como caridade e passe a ser, de fato,
um direito constitucional.
Em 2004, com a elaboração da Política Nacional da Assistência
Social e Norma Operacional Básica (NOB-SUAS), a Política Pública de
Assistência Social passa a buscar, também, a profissionalização de suas
237
ações. Ressalta-se no documento aspectos como a informação, o
monitoramento e a avaliação; especificando-se a necessidade de que as
instituições que atuam na Assistência Social tenham profissionais
contratados e capacitados para a função, e não apenas voluntários que,
apesar de boa vontade, nem sempre possuem conhecimentos técnicos
acerca do trabalho com o público alvo. Destaca-se, também, a necessidade
de capacitação continuada e do empoderamento dos profissionais do
SUAS para lidarem, de forma cada vez mais eficiente e profissional, com
as demandas sociais.
No mesmo ano inicia-se o trabalho da Comissão P-Convivência
Familiar, grupo que passou a estudar e a buscar referenciais para organizar
as instituições, outrora chamadas de orfanatos. Com números exorbitantes
de crianças e adolescentes retirados de suas famílias pela condição de
pobreza, o objetivo passou a ser organizar o Sistema de Acolhimento, de
forma que prevalecesse o direito à convivência na família e que o Estado,
de fato, se responsabilizasse por garantir condições dignas de sobrevivência
e acesso aos direitos fundamentais de toda a população, deixando, assim,
de institucionalizar aqueles cuja condição financeira fosse desfavorável.
A partir dos trabalhos desta comissão, em 2006, foi lançado o
Plano Nacional Pró Convivência Familiar e Comunitária (BRASIL, 2006)
e em 2009 o documento intitulado Orientações Técnicas para os Serviços de
Acolhimento (BRASIL, 2009), visando, assim, à reorganização dos serviços.
Com esse último documento, o olhar para os Serviços de
Acolhimento se reflete em um local que deve acolher, acompanhar,
individualizar e promover a convivência saudável de crianças e adolescentes
que ali vivem. As grandes instituições - com centenas de crianças e
adolescentes, separadas por sexo e idade, com poucos profissionais e quase
nenhum trabalho efetivo com a família de origem - passam a dar espaço a
238
pequenas casas, comuns à comunidade local, sem identificação e fechadas
para visitação. Os acolhidos passam a ter sua identidade garantida, suas
próprias roupas, seus armários, seus brinquedos e seu espaço. Grupos de
irmãos não podem mais ser separados em decorrência da idade ou do sexo,
e a convivência familiar passa a ser uma prioridade. As orientações técnicas
também preveem uma avaliação minuciosa realizada pela rede de
atendimento antes de acontecer o acolhimento e o rompimento de
vínculos familiares, buscando evitar, assim, separações desnecessárias ou
em decorrência da pobreza e da discriminação. Ao observar as instituições
atuantes, é perceptível que ainda muito para se caminhar em sua
organização, entretanto, não como negar avanços significativos no
trabalho e nas discussões em torno desse serviço.
O Guia de Orientações Técnicas prevê, também, a construção de
um Projeto Político Pedagógico (BRASIL, 2009) com a estruturação de
atividades e intervenções técnicas suficientes para capacitar os profissionais
que ali atuam e para desenvolver a autonomia destes e das crianças e
adolescentes que, temporariamente, moram na instituição. Entretanto,
apesar de tais considerações terem completado 10 anos, o que se são
abrigos ainda não organizados conforme a legislação; sem
acompanhamento adequado das famílias; sem um trabalho efetivo de
desenvolvimento da autonomia e individualização de crianças e
adolescentes, e, não poucas vezes, reproduzindo as situações de violência
vividas pelos acolhidos em suas famílias.
Montoya, França e Bataglia (2016) elaboraram um programa de
diagnóstico e intervenção - desenvolvido por aproximadamente três anos
em uma instituição de acolhimento - e tiveram o objetivo de contribuir
para a construção de um ambiente favorável ao desenvolvimento moral das
crianças e adolescentes acolhidos. O diagnóstico pôde apontar que, apesar
239
dos desejos de desenvolvimento da autonomia e de uma personalidade
ética presentes nas intenções dos educadores/cuidadores que atuavam, o
ambiente sociomoral da instituição era predominantemente coercitivo; as
relações eram pautadas no respeito unilateral e havia constantemente a
imposição de regras e sanções, o que favorecia a formação de pessoas
acríticas e obedientes. Alguns profissionais não compreendiam que seus
comportamentos e ações para com os acolhidos não ensinavam valores,
pelo contrário, geravam insegurança, sentimento de injustiça e mais
problemas de indisciplina. A pesquisa realizada por essas autoras também
apontou que, ao haver divergências entre os funcionários, ou funcionários
e a diretoria, as crianças e adolescentes acabavam por sentir o mal-estar da
instituição, e o clima negativo interferia nos conflitos e nos
relacionamentos entre eles. As pesquisadoras chegaram a presenciar cenas
de desacato entre crianças e adolescentes e os educadores/cuidadores,
indicando que o clima de desequilíbrio entre os funcionários gerava
também indisciplina e desafeto, assim como relações de competição e
intolerância entre os adultos, o que não favorecia as relações de cooperação
e solidariedade entre os acolhidos.
É fato, também, que crianças e adolescentes em situação de
acolhimento institucional apresentam demandas e necessidades peculiares,
a começar pelo fato de terem seu direito à convivência familiar violado, o
que acarreta grande sofrimento - proveniente dessa ruptura e de
vinculações fragilizadas - no decorrer de suas vidas. O sofrimento gerado,
em decorrência da dor da separação e da insegurança do futuro, demanda
um trabalho especializado com profissionais capacitados para que, além do
cuidado diário, sejam capazes de oferecer um ambiente suficientemente
bom (WINNICOTT, 2012[1987]) e de promover relações afetivas
voltadas ao respeito, à empatia e à justiça.
240
Educadores/cuidadores, técnicos, diretores dos serviços e até
mesmo a rede de atendimento apresentam grande dificuldade em lidar
com as manifestações comportamentais que surgem em decorrência da
própria história de vida dos acolhidos. Isso gera ações contraditórias ao tão
desejado desenvolvimento da autonomia moral. Consequentemente,
aumentam-se as queixas de que a convivência dentro do serviço tem se
tornado um grande problema, e, assim, agressões sicas e verbais, furtos,
desobediência às normas, provocações, indisciplina e incivilidades passam
a fazer parte do cotidiano das instituições de acolhimento, gerando
angústia e dúvidas sobre o que fazer nestas situações.
Surge, então, o questionamento: como transformar as relações
estabelecidas neste contexto em relações de cooperação e respeito mútuo,
a fim de favorecer o desenvolvimento da autonomia moral e uma
convivência que seja ética?
Com base na história destas instituições, na história da proteção à
infância em nosso país - que, até então, tem como base o controle e a
disciplina - e nas relações interpessoais percebidas dentro do Serviço de
Acolhimento, este capítulo busca discutir como o desenvolvimento de
competências morais em profissionais que atuam nesses serviços pode ser
crucial para o desenvolvimento da autonomia moral de crianças e
adolescentes.
241
O Desenvolvimento da Competência Sociomoral
O conceito de competência sociomoral foi desenvolvido por Georg
Lind, com base na teoria construtivista e nos estudos anteriores de Jean
Piaget e Lawrence Kohlberg. A descrição da perspectiva psicogenética não
será detalhada neste capítulo, por compor outras seções deste livro. Porém,
cabe ressaltar a importância da interação do sujeito com o meio para a
construção do conhecimento, inclusive de conteúdo moral (PIAGET,
1932-1994), e retomar que a essência de toda a moralidade está no respeito
que os indivíduos têm pelas regras e no porquê as cumprem, mas não
apenas no ato de obedecer em si.
Piaget (1932-1994) compreendia a existência de duas tendências
morais: a heteronomia e a autonomia. Na primeira, o sujeito respeita a regra
em decorrência de uma autoridade, de alguém ou algo que está fora dele.
na autonomia, a obediência se por meio de valores construídos e
envolve o respeito a si e ao outro. Associado ao conceito de heteronomia e
autonomia, encontramos as relações sociais de coação e de cooperação, que
podem ser relacionadas a dois tipos de respeito: o unilateral e o mútuo. O
respeito unilateral pode ser definido como resultado do sentimento de
dever em decorrência da pressão de outrem que vise a obediência e está
fora do sujeito, enquanto o respeito mútuo advém do sentimento do bem,
interior a consciência e que o outro como alguém de valor, tanto quanto
a si mesmo. Estando, então, o primeiro relacionado à heteronomia e às
relações de coação, e o segundo à autonomia moral e às relações de
cooperação.
Lawrence Kohlberg, psicólogo estadunidense, inspirado pelos
trabalhos de Piaget, passou a estudar as respostas que crianças e
adolescentes davam aos chamados dilemas morais, situações que obrigam
242
posicionamentos opostos a situações conflitantes. O autor enfatizou os
aspectos cognitivos do juízo moral e formulou sua teoria pautando-se na
justiça, valor visto por ele como universal. A partir de seus estudos,
estabeleceu três níveis de julgamento moral: o p-convencional, o
convencional e o s-convencional (KOHLBERG, 1992). Tais estágios
refletem a forma de raciocinar de um determinado sujeito em certas
situações e trazem consigo razões específicas que justificam seu julgamento
(BIAGGIO, 2002). Ou seja, para avaliar o juízo moral é preciso considerar
os argumentos utilizados para justificar uma escolha, e não apenas a
opinião do sujeito em relação à ação.
Georg Lind (2000) inicia suas pesquisas com base em instrumentos
de mensuração do juízo moral construídos por Kohlberg, e questiona o
fato do autor não ter enfatizado o conceito de competência moral e os
aspectos afetivos envolvidos na construção da autonomia.
Lind (2000) propõe uma teoria que contempla estes os dois
aspectos envolvidos na moralidade, e tem, em seu modelo dual, um modelo
de comportamento moral que tem como propriedades o pensamento e o
sentimento. O autor define as competências morais como elo para as
intenções e o comportamento moral em si, integrando os aspectos
cognitivos, afetivos e comportamentais envolvidos na ação.
O autor defende que todas as pessoas m ideias ou princípios
morais, mas para que estas sejam de fato aplicadas, ou seja, concretizadas
em suas ações, torna-se necessário o desenvolvimento de capacidades
morais que requerem ajuda, formação, fomento e até mesmo treino, por
parte de outrem. Tal aprendizagem pode ser favorecida por meio do
diálogo e de discussões que envolvam escolhas e dilemas morais,
promovendo, assim, habilidades em resolver conflitos e problemas de
forma respeitosa (LIND, 2007).
243
Camila Luz, uma personagem real dos Serviços de Acolhimento,
ao contar um pouco sobre sua vida, fala de forma sucinta e bela sobre os
problemas de comunicação nas instituições de acolhimento e com seus
familiares: Tem coisas ditas superficialmente que parecem corriqueiras,
mas quando saem da boca de uma pessoa amada podem gerar a terceira
guerra mundial” (INSTITUTO, 2013, p. 20). A fala dessa jovem, tão
vivida apesar da idade, enfatiza a importância de se trabalhar a linguagem,
o diálogo e as formas de se expressar sem ofender ou menosprezar o que o
outro está sentindo. Reconhecer os medos, as angústias e as necessidades
do outro diante de um comportamento ou de uma escolha perante um
conflito não é o mesmo que concordar com seu ponto de vista, mas pode
favorecer um espaço respeitoso de escuta, diálogo e aprendizado.
O respeito mútuo, a justiça e a autorregulação
Piaget (1932-1994) explica que o desenvolvimento da moral se
em fases desde a anomia moral até a autonomia. No início, a criança pode
não entender o porquê de seguir regras estabelecidas pelo meio, mas, com
o passar do tempo e com auxílio dos adultos, ela poderá desenvolver sua
moral de forma autônoma. Quando pequenos, o respeito pelo indivíduo
que define as regras é o que gera a obediência, e não a regra em si, nos
remetendo aos conceitos de respeito unilateral e respeito mútuo.
O respeito unilateral se caracteriza por ser vertical, da autoridade
para o sujeito, o qual deve simplesmente obedecer. o respeito mútuo é
horizontal e opõe-se ao primeiro.
O respeito é conceituado, segundo o Dicionário terminológico de
Jean Piaget, como respeito místico pela regra moral e respeito moral tuo
244
(BATTRO, 1979). O respeito místico à regra moral traz a concepção de que
as regras colocadas por uma autoridade são eternas e não podem ser
alteradas, enquanto o respeito moral mútuo envolve a admiração por uma
personalidade, na medida em que essa se submete às regras e é, de certo
modo, a forma de equilíbrio para o qual tende o respeito unilateral quando
se apagam as diferenças entre a criança e o adulto. Da mesma forma, a
cooperação constitui a forma de equilíbrio para a qual tende a coerção nas
mesmas circunstâncias, sendo estas formas de equilíbrio não limitadas,
mas ideais (BATTRO, 1978; PIAGET, 1932-1994).
Assim, para que se estabeleça relações de respeito mútuo na
convivência nas Instituições de Acolhimento, o adulto precisa adentrar ao
mundo da criança e do adolescente em suas peculiaridades; olhar de forma
empática para sua condição histórica e cultural e desenvolver relações
pautadas na equidade e na admiração, abandonando a ideia de que o
adulto precisa ser respeitado exclusivamente pelo fato de ser mais velho. O
respeito mútuo estabelecido nas relações tornará possível o
desenvolvimento da autonomia moral e de relações mais respeitosas, na
medida em que o acolhido sinta que é visto como alguém de valor e que,
ao respeitar, também é respeitado. Além disso, é necessária a mediação nas
relações entre as crianças e adolescentes, não de forma controladora, mas a
fim de que construam relações de respeito por meio do diálogo, da
compreensão sobre as diferenças entre eles e sobre as diferentes formas de
demonstrar o sofrimento.
A justiça traz consigo discussões e ambivalentes interpretações. Nas
palavras de Comte-Sponville (2001), uma dualidade entre justiça e
legalidade, visto que seguir a lei não necessariamente é ser justo ou, ao ser
justo, não necessariamente seguimos a lei, se esta for injusta. Ou seja, sendo
a lei elaborada por alguém que contém o poder e que nem sempre é justo,
245
a justiça enquanto valor não poderá se limitar à simples obediência à lei
(COMTE-SPONVILLE, 2001).
Logo, o que seria a ideia de justiça como um valor? Nas palavras
de Comte, entende-se que é “a liberdade de todos, a dignidade de cada um,
e os direitos do outro” (COMTE-SPONVILLI, 2001, p. 74). O autor nos
remete, então, ao fato de que, para seguir uma obrigação moral é preciso
ser justo, seguindo a lei, ou não.
Ao voltarmos ao contexto do Serviço de Acolhimento, observamos
que nem todas as regras estabelecidas são justas, o que muitas vezes se torna
motivo de transgressão por parte dos acolhidos.
Em análise ao desenvolvimento da justiça e do respeito na criança,
torna-se necessário nos atentarmos à existência, ou não, da autorregulação
no indivíduo, cujo conceito envolve a conservação dos valores de forma
que o autocontrole - ou o desejo em cumprir um dever - passa a ser interno
e não imposto por alguém exterior (Piaget, 1932-1994).
Kant apud Freitas (2003) esclarece em que proporção o indivíduo
age por dever. Segundo Kant, agir moralmente é agir por dever. o agir
para obter benefício; livrar-se de punição; ser reconhecido ou obter prazer
seria o dever pelo dever, ou seja, uma ação que se justifica puramente pelo
dever. Agir por dever, portanto, é reconhecer a necessidade de uma ão
pela lei moral que nos rege - lei moral que o indivíduo coloca em si mesmo
-, é a subordinação da própria vontade à lei, sem influências para que isso
ocorra. Deste modo, a capacidade de colocar leis para si próprio se
relaciona ao que Piaget chama de autorregulação.
Assim, é evidente que o profissional atuante dentro da instituição
de acolhimento deve ser um facilitador da autonomia dos acolhidos. Para
tanto, se necessário que tenha ele mesmo incorporado em si as regras e
246
os valores, para que os acolhidos - que possivelmente não tiveram antes a
experiência de viver em valores desejáveis - a tenham agora e construam
isso para a vida pós acolhimento. Aqui, novamente, entram em conflito
valores desejáveis ou não, mas incorporados. Será preciso reflexão e
decisão, tanto por parte dos profissionais, quanto dos acolhidos. Entra em
campo a competência moral.
As relações democráticas
Com o objetivo de melhor compreender o contexto que favorece
o desenvolvimento das capacidades de ações morais - a competência moral
-, descreveremos brevemente o contexto democrático libertário (FREIRE,
1996).
Do grego, a palavra Demokratia significa regras do povo, ou seja,
para que o espaço seja democrático de fato é preciso haver participação das
pessoas na elaboração das normas. Entretanto, vivemos em um sistema
social que por vezes limita e aniquila a participação do indivíduo. Para que
vivamos em um espaço democrático, é preciso compreender espaços, ainda
que mínimos, que possibilitem agir por meio da participação. Para Lalande
(1978), o estado democrático se define como “Estado político no qual a
soberania pertence à totalidade dos cidadãos, sem distinção de nascimento,
fortuna ou capacidade”.
Lind (2016) traz a necessidade de se considerar a democracia como
um valor, e não apenas como um sistema de governo (MCFAUL, 2004,
p. 152). O autor ressalta que a democracia não pode ser reduzida ao voto
da maioria, mas precisa ser analisada enquanto valor moral.
247
Dewey (1959) apresenta que democracia é mais do que uma forma
de governo ou de governança; é, acima de tudo, uma forma de vida
associativa, de uma experiência humana construída em conjunto.
Chauí (1999) reafirma o conceito de democracia como um valor e
não apenas como uma forma de política. Ela discute a diferença entre a
ideologia democrática e a prática democrática. A primeira seria uma
redução de ideais, presentes desde a Grécia Antiga a um formalismo
organizacional, ou seja, apesar da universalidade dos direitos do homem
estarem declarados, a forma como a sociedade está estruturada impede que
estes existam para a maioria, transformando a democracia em algo apenas
formal, e não concreto (CHAUÍ, 1999, p. 430). na prática democrática,
as ideias democráticas consideram a liberdade e a igualdade entre os
cidadãos como direito de todos, e não apenas como regulamentação
jurídica formal.
Democracia é, portanto, não apenas uma formalização, mas a
concretização dos direitos dos cidadãos, e implica na organização e tomada
de decisão a partir da participação e colaboração do pensamento e da
opinião de todos, o que põe à prova todo uso de poder restrito a uma
pessoa ou a pequenas minorias.
No que se refere à gestão democrática, Singer (2010) faz um
levantamento de propostas educacionais pautadas em ideais democráticos
e apresenta dois pontos em comum entre elas: a gestão participativa com
processos de decisão - que incluem todos os envolvidos - e a participação
de todos na tomada de decisão.
Para Luce e Medeiros (2006), dois tipos de democracia
vigentes: a democracia representativa e a democracia participativa popular. A
democracia representativa é aquela em que uma elite é eleita pela maioria
para governar; é restrita ao campo político e não tem influência social ou
248
econômica. a democracia participativa ou popular implica em um
exercício coletivo e participativo nas decisões públicas; deve reconhecer e
incluir as minorias, proporcionando a participação de todos.
De acordo com Bordenave (1994), democracia participativa é,
então, um estado de participação; é fazer parte, ter parte e tomar parte na
construção de uma realidade na qual se vive rompendo com a dualidade
em que alguns ordenam e outros executam, acarretando prejuízos, exclusão
e marginalização.
Em oposição à democracia, Guimarães e Saravali (2009)
esclarecem que o ambiente em que prevalece a superioridade do adulto
com a criança - onde não espaço para o diálogo -, não construção de
conhecimentos, ou seja, não pode ser um ambiente democrático. Neste
ambiente, a possibilidade de reflexão e de questionamento é mínima. Os
conceitos de um ambiente e de relações democráticas libertárias também
podem ser encontrados em Freire (1996) e Piaget (1932-1994).
Esta pedagogia democrática, de fundo humanista, insiste na
autonomia do sujeito, na sua autodeterminação. Nesta pedagogia, o papel
do educador proporciona o desenvolvimento do desejo do grupo; ele se
coloca como estimulador do grupo, guia a aprendizagem e permite que os
educandos escolham os conteúdos e o momento da aprendizagem,
atuando como gestores de si.
A democracia é o contexto no qual os indivíduos estão e operam
de forma igual e equitativa. Sua ação na realidade histórica e cultural
possibilita o desenvolvimento e a aprendizagem da autonomia e,
consequentemente, da autonomia e da competência moral.
Assim, se partirmos dos conceitos de Lind (2000) sobre a moral
como um conjunto de regras éticas e sobre a reflexão do sujeito sobre as
249
regras, cabe a nós refletir sobre como se tem construído relações
democráticas na convivência dentro das instituições de acolhimento.
As Instituições de Acolhimento para Crianças e Adolescentes a Luz da
Teoria da Competência Moral
Após a discussão realizada em torno do desenvolvimento moral e
da competência moral, temos o objetivo de propor um diálogo entre a
realidade das instituições e a importância da formação de seus
profissionais.
Sabendo da relação entre a construção da moralidade e as relações
democráticas, consideramos que as regras, inclusive nos Serviço de
Acolhimento, devem ser construídas por todos, por meio de espaços
coletivos, reflexivos e passíveis de mudanças e reformulações quando não
atenderem às necessidades do grupo, favorecendo o juízo e a ação dos
envolvidos, de acordo com seus princípios.
Cabe, então, ao meio educativo proporcionar oportunidades de
diálogo, construção coletiva das regras, atividades voltadas ao
reconhecimento dos sentimentos e reflexões sobre problemas coletivos
referentes à convivência naquele espaço, de forma que apenas por meio do
estabelecimento de um ambiente democrático e participativo será possível
formar personalidades éticas, ou seja, crianças e adolescentes autônomos,
capazes de fazer escolhas pautadas em princípios e valores morais.
Por outro lado, relações autoritárias entre aqueles que são
responsáveis pelo cuidado e pela educação de crianças e adolescentes terão,
como consequências práticas, resoluções e/ou imposições em relação aos
conflitos, pautadas no controle e no autoritarismo, submetendo o outro ao
250
desejo que é externo e que tem como fim a obediência, e não o
desenvolvimento de competências morais.
Ao compreendermos o ambiente democrático como o local no
qual as relações são horizontais e as escolhas voluntárias; onde
participação nas decisões coletivas, não havendo coerção ou imposição
excessivas; onde respeito mútuo, autorregulação e justiça expressa pelo
princípio da equidade, podemos dizer que este seria um ambiente propício
para o desenvolvimento da competência e autonomia moral.
Para que tal ambiente exista, é preciso pessoas e profissionais
moralmente competentes, mesmo porque, conforme citado
anteriormente, é por respeito à pessoa que se respeita à lei moral, e não o
inverso (BOVET apud FREITAS, 2003). Daí a importância de existirem
profissionais moralmente competentes, autônomos e éticos dentro da
instituição de acolhimento.
Ao considerar as dificuldades conhecidas do trabalho destas
instituições, em especial voltando-se aos comportamentos mais difíceis e a
crença, ainda existente, de que os adultos precisam controlar os acolhidos
para que não causem danos ao espaço e a si mesmos, podemos dizer que
essa instituição tem como herança cultural o autoritarismo e as relações de
respeito unilateral.
A experiência e a história dos Serviços de Acolhimento nos
mostram que condutas como chamar a polícia, colocar de castigo, perder
coisas de valor e informar o conselho tutelar sobre comportamentos
adversos são práticas comuns nestes locais. A transferência da
responsabilidade e as sanções expiatórias são frequentes na tentativa de
controlar o grupo e impedir ações de violência e delinquência.
251
Falas como “fazemos com esta criança acolhida o que se faria com
qualquer outra criança”; “mas toda criança precisa se comportar com
educação”; “esta criança não tem limites, precisamos dar castigos a ela”;
“ela tem tudo aqui, mas não valor, o que mais ela quer?” são comuns
em instituições como estas e carregam não apenas o estigma de que estas
crianças e adolescentes precisam ser gratos pelo que a instituição lhes
oferece, mas também a ideia de que eles não são dignos de viver em um
espaço livre de coerções, ameaças e humilhações.
Pelos julgamentos e comportamentos dos profissionais da
instituição, podemos questionar seu senso de justiça igualitária e ressaltar
que essa justiça não atende às demandas da instituição nem às necessidades
dos acolhidos. Crianças e adolescentes em situação de acolhimento
institucional possuem, por si só, vivências que podem vir a comprometer
gravemente seu desenvolvimento afetivo, comportamental e intelectual.
Portanto, eles precisam ser tratados como a diferença equivalente à
condição em que se encontram e da qual vieram, e isso não é uma tarefa
fácil para os profissionais atuantes. Esta tarefa exige uma reflexão complexa
sobre as diferentes culturas dos sujeitos; sobre o sentimento de rejeição, de
dor, de tristeza e de degradação em que essas crianças e adolescentes se
encontram. Essa reflexão ou percepção vem contraposta ao que o
profissional entende de vida, de cultura, de relações e vivências e o que ele
mesmo tem como valores. É neste campo que a competência moral dos
colaboradores ganha relevância: na capacidade de enxergar, perceber e
sentir além de si mesmos; de ir ao encontro do outro, de se colocar no lugar
dele e buscar se sentir como ele. É preciso, muitas vezes, colocar valores à
prova. É preciso cuidado para que em uma falsa crença de que se está sendo
justo não se cometa ainda mais injustiças.
252
Ora, mas então, como garantir uma convivência democrática e
respeitosa entre os acolhidos e seus cuidadores se esses se sentem, também,
impotentes diante da complexidade que este trabalho impõe?
O trabalho desenvolvido por Lind (2016), por meio do Método
Konstanz de Discussão do Dilema (KMDD)
4
, prevê um processo de
formação de profissionais que atuam com crianças, adolescentes e adultos
e que pretende favorecer a construção da personalidade e das competências
morais. Apresentaremos, a seguir, uma proposta de intervenção por meio
deste método.
Uma Proposta de Intervenção: O Uso de Dilemas Morais
Na proposta de Lind (2016) para formação de competências
morais, o dilema moral tem como objetivo fomentar a reflexão e discussão
sobre uma situação conflituosa de difícil decisão, a qual precisa ter como
base valores universalizáveis. A discussão de dilemas permite uma reflexão
sobre situações diversas que envolvam, impreterivelmente, uma tomada de
decisão. Pensar no problema e discuti-lo diante de pessoas que m
opiniões contrárias favorece o diálogo, a empatia e a resolução de
problemas de forma respeitosa, evitando, assim, o uso da violência e de
imposições autocráticas.
Para a formação de profissionais dos Serviços de Acolhimento
Institucional, preparamos duas propostas de intervenção: a primeira com
situações para serem discutidas com os educadores/cuidadores responsáveis
pelo cuidado e educação das crianças e adolescentes acolhidos referente a
4
Para aplicação do método KMDD é preciso formação por meio de Workshops a respeito do tema.
253
suas práticas; a segunda voltada ao trabalho da Equipe Técnica, que
também tem como função o atendimento das famílias dos acolhidos e o
encaminhamento de relatórios e avaliações que possam subsidiar as
decisões acerca dos atendidos
5
.
De acordo com o Método Konstanz de Discussão do Dilema
(KMDD), é indicado que os dilemas sejam discutidos em sessões de 90
minutos, e que o grupo seja dividido em dois subgrupos, um que concorda
com a decisão tomada pelo nosso personagem principal e outro que não
concorda. A escolha dos subgrupos não deve ser aleatória, mas deve ocorrer
de forma que os participantes de fato se impliquem e se identifiquem com
a decisão escolhida. É preciso haver envolvimento afetivo dos sujeitos nessa
discussão, o que é possível se o lado da discussão e os argumentos forem,
de fato, escolhidos por eles. Os participantes precisarão lidar com os
contra-argumentos do outro grupo, reconhecendo seus sentimentos,
procurando ter empatia e compreender sua opinião.
Decidir moralmente de acordo com nossos princípios requer, ao
mesmo tempo, abrir mão de outros valores e princípios tão importantes
quanto os escolhidos para a decisão. Nisso reside a necessidade da
competência moral. Juízo, ação e sentimento entram em jogo no processo
de decisão. Quando o sujeito se depara com opiniões diferentes que entram
em conflito com suas próprias, ele tem capacidade para debater, dialogar e
pelo menos se dispor a olhar, mesmo que de longe, a posição do outro.
Isso posto, cabe enfatizar a importância de se discutir sobre os
encaminhamentos em relação aos problemas enfrentados no Serviço de
Acolhimento, a fim de favorecer o desenvolvimento da competência
5
As situações para discussão encontram-se na sessão “Adicionais” e contam com perguntas
norteadoras para favorecer a discussão do grupo. O dilema moral “Em busca de dignidade”
encontra-se na parte 2 do livro.
254
moral, seja dos profissionais ou das crianças e adolescentes. Os problemas
enfrentados no dia a dia podem ser colocados em uma discussão ou reunião
de equipe para se pensar nas decisões a serem tomadas, e, assim, ao ouvir a
opinião de todos e hierarquizar os valores e princípios que estão em jogo,
torna-se possível preparar a equipe para decisões futuras que, em sua
maioria, não permitem uma discussão prévia e alongada, mas requerem
uma decisão rápida, imediatamente após o fato ocorrido.
Piaget, em O Juízo Moral na Criança, faz uma reflexão sobre a
distância que existe entre o que se fala em uma discussão de dilema, o juízo
que se emite e a ação do sujeito diante da situação real (PIAGET, 1932-
1994). De acordo com Lind (2016), quando o sujeito é capaz de ajuizar
sobre ações de respeito, justiça, liberdade e valor à vida, ele também é capaz
de agir dentro destes princípios e no mesmo nível de desenvolvimento
moral, mesmo que isso não ocorra de imediato.
A aplicação de um dilema para uma reflexão deve ser compatível
com o nível de desenvolvimento dos envolvidos, não pode ser algo óbvio,
nem com um grau de dificuldade absoluto em que os sujeitos não terão
condições de refletir.
A questão emocional também deve ser levada em consideração. Se
determinado sujeito está envolvido emocionalmente na história que o
dilema aborda, provavelmente não terá condições de emitir nenhum juízo.
Portanto, na aplicação de um dilema, as condições emocionais e os níveis
de desenvolvimento dos sujeitos devem ser pré-avaliados ou, ao menos,
deve ser dada a possibilidade de escolha em relação à participação deles.
255
Outras Possíveis Atividades que Favorecem a Construção da
Personalidade Ética nas Instituições de Acolhimento para Crianças e
Adolescentes
Neste artigo, nos atemos à discussão de dilemas e de situações
cotidianas do serviço como uma forma de favorecer a construção da
competência moral de crianças, adolescentes e profissionais que atuam nas
instituições de acolhimento. Entretanto, cabe salientar que outras
propostas de ações podem ser citadas e trabalhadas no contexto do
acolhimento institucional, a fim de, também, favorecer o desenvolvimento
da autonomia e a construção de personalidades éticas de crianças e
adolescentes.
Assim, citaremos algumas possibilidades de atividades dirigidas e
momentos que favorecem tal desenvolvimento e seus respectivos
referenciais teóricos, nos quais o leitor poderá buscar maiores detalhes e
orientações acerca da ação em si.
O trabalho com os sentimentos é de extrema importância em
ambientes como o acolhimento institucional. O autoconhecimento e o
reconhecimento dos seus sentimentos favorecem o autorrespeito e,
consequentemente, o respeito ao outro. É preciso que crianças e
adolescentes possam saber do que gostam; do que não gostam; porque
gostam e como se sentem em relação ao que acontece dentro da instituição
e fora dela. Sentir raiva ou tristeza não é um problema, mas reconhecer que
uma situação ou a ação de outra pessoa lhe gerou esse sentimento favorece
a tomada de consciência e possíveis ações a respeito (TOGNETTA, 2009).
256
O livro de Luciene R. P. Tognetta
6
, A formação da personalidade ética:
estratégias de trabalho com afetividade na escola (2009), é uma referência
importante sobre o trabalho com sentimentos em instituições. Cabe
salientar que, apesar do material ser voltado às escolas, as atividades são
totalmente adaptáveis ao acolhimento institucional.
Outra ação fundamental que favorece um ambiente democrático
no Serviço de Acolhimento é a assembleia. Por meio desse recurso, os
adultos da instituição favorecem a construção das regras em conjunto com
os acolhidos e a discussão de problemas de convivência de caráter coletivo,
o que permite tanto a expressão de opiniões, quanto o levantamento de
soluções para situações que podem ser resolvidas pelas próprias crianças e
adolescentes. O livro Quando a escola é democrática: um olhar sobre as
práticas das regras e assembleias na escola, de Luciene R. P. Tognetta e Telma
P. Vinha (2007), traz referenciais importantes sobre o tema e, assim como
a referência anterior, precisa ser adaptada à realidade do acolhimento
institucional.
Conclusão
De acordo com Lind (2016), falar, discutir e dialogar com os
outros é essencial para viver em uma sociedade. Para o autor, o trabalho de
discussão de dilemas atua no desenvolvimento da capacidade de pensar e
agir moralmente, com autonomia e por meio da democracia.
6
Outras atividades que visam o autoconhecimento, a linguagem construtiva e os valores morais
podem ser encontrados nas atividades complementares aos livros Espera, moleque e Coragem,
moleque, no site: <https://www.editoraadonis.com.br/>
257
A educação tem a função de proporcionar o diálogo, a discussão e
a oportunidade de falar e ouvir o outro em suas práticas. Por meio deste
trabalho, visamos ressaltar a necessidade de um meio educativo
democrático libertário que permite a voz ativa, a participação, a
cooperação, o diálogo e a empatia.
Neste capítulo tratamos especialmente sobre o desenvolvimento da
autonomia e da competência moral de crianças, adolescentes e
profissionais que atuam em situações de extrema complexidade, em que os
pequenos, desde cedo, sentem-se excluídos, marginalizados e são
violentados pelas próprias famílias ou pela negligência do Estado. São
crianças e adolescentes que trazem consigo histórias de falta de cuidado
parental diante de situações diversas, como a miséria, as drogas, o tráfico,
o crime e a violência. Assim, a ressignificação dos valores para eles - de
forma a proporcionar o seu desenvolvimento moral e autônomo - é uma
tarefa que exige, de quem a faz, alto grau de desenvolvimento moral.
Ora, se nestas condições de desamparo em que chegam ao
acolhimento se depararem com um contexto que reforça a passividade, a
marginalização, a incapacidade e a exclusão - que viveram fora da
instituição -, estas crianças e adolescentes serão gravemente prejudicados
em seu desenvolvimento moral e autônomo.
O desafio da instituição e de seus profissionais está em como
desenvolver na criança e no adolescente acolhido a capacidade de criticar,
em primeira instância, os padrões de vida impostos a ela até o momento
do acolhimento. E, posteriormente, em proporcionar condições de
duvidar sobre a soberania de tais padrões e passar a enxergar novos valores.
De acordo com a teoria de Lind, o desenvolvimento moral envolve
a capacidade de aprender os padrões morais da sociedade e aprender,
também, como criticá-los. No caso das crianças e adolescentes destituídos
258
de suas famílias, a vivência em sociedade impôs, em um primeiro
momento, a vivência dos diversos tipos de violência; depois, a perda do
contato com a família, e, agora, na ausência de um trabalho adequado
visando a autonomia dos acolhidos, um certo grau de aprisionamento
dentro da instituição. Neste contexto, as experiências de crianças e
adolescentes antes do acolhimento e posteriormente nas instituições
podem indicar pouca competência moral ou níveis menos organizados de
competência moral, baseada em violência, engano, submissão e mentira.
Portanto, a compensação para se chegar à competência moral ideal exige
mais dos profissionais no contexto da instituição do que em outros
contextos nos quais os sujeitos não vivenciaram tantas experiências contra
valores.
Deste modo, a preparação e formação dos profissionais, em
primeira mão - para reconhecer os sentimentos, dialogar, construir as
regras em conjunto e resolver conflitos por meio da discussão e da reflexão,
e não através da violência e da submissão -, é o caminho a ser percorrido
para que, em sua atuação, proporcionem o desenvolvimento da
competência moral nas crianças acolhidas.
Entretanto, o julgamento de uma situação moral de acordo com
valores desejáveis e universais não garante a ão no mesmo sentido. De
acordo com Kohlberg, para se avaliar, de fato, a competência moral de uma
pessoa, é necessário que ela seja colocada em uma situação de conflito e
atue. Para tal, diante da realidade do acolhimento institucional, discussões
acerca de situações reais e problemas de convivência comuns às crianças e
adolescentes podem ser colocadas em reuniões de equipe e de formação da
equipe de cuidados, a fim de favorecer a argumentação e a preparação dos
profissionais para situações futuras.
259
Quais os valores centrais dos profissionais dentro da instituição e
sua disposição para a ação frente a uma situação de conflito? É isso que eles
vão ensinar para os acolhidos.
Pensemos na situação de seleção e/ou contratação de pessoas para
atuar dentro de uma instituição complexa, como a instituição de
acolhimento. Torna-se necessário propor uma avaliação que se some às
ações realizadas comumente pelos órgãos que realizam o processo
seletivo. Estas ações podem ser compostas por entrevistas, provas e algumas
questões relativas à área em que o concorrente irá atuar. Acrescentaríamos,
então, uma ação e/ou atividade que avalie a competência moral e
democrática do concorrente à vaga de atuação dentro da instituição. Para
tal, deve se levar em consideração, diante das teorias abordadas neste texto,
o trabalho na instituição de acolhimento, a necessidade, o público alvo do
local e suas complexidades de vida e a importância do profissional em saber
lidar com problemas comportamentais, diferentes culturas, conflitos
relacionais e situações de violência. Defendemos que a avaliação de um
dilema moral, ou seja, da competência moral, seja realizada com a pessoa
que pretende atuar dentro da instituição de acolhimento antes da
contratação. O dilema teria por objetivo aprimorar a seleção destes
profissionais e favorecer a contratação de pessoas moralmente e
democraticamente competentes.
Mas, de que forma poderia ser realizada essa avaliação? A proposta
é que sejam planejadas discussões com base em situações reais, que
comumente ocorrem no dia a dia do trabalho, e que envolvam dilemas
morais, favorecendo a argumentação dos participantes e possibilitando a
avaliação por parte do contratante, de acordo com o MCT - Moral
Competence Test (LIND, 2016). Uma argumentação sempre alta a favor de
sua própria opinião e baixa contra sua própria opinião reflete uma baixa
260
competência moral e a tentativa de sustentar exclusivamente o seu ponto
de vista. O MCT costuma ser realizado em grupo, mas também pode ser
aplicado individualmente.
Por meio desta avaliação seria possível avaliar a competência moral
do sujeito - sua capacidade de lidar com situações opostas e conflituosas de
forma democrática; de entender e respeitar diversas opiniões, mesmo que
divergentes da sua, e de utilizar argumentos baseados em valores desejáveis
e universalizáveis, ou seja, alegações pautadas na dignidade do outro.
Isso posto, concluímos a importância do trabalho com as
competências morais, nos Serviços de Acolhimento Institucional, ser
realizado tanto na formação dos profissionais que atuam com crianças e
adolescentes, quanto com os próprios acolhidos em atividades diversas.
Trabalho este, que além de favorecer o desenvolvimento moral de crianças
e adolescentes, visa a uma convivência mais ética e democrática na
instituição como um todo, o que, consequentemente, envolve um clima
institucional mais positivo e permite que o tempo de permanência e de
afastamento familiar seja o menos prejudicial possível.
Referências
BATTRO, A. M. Dicionário terminológico de Jean Piaget. São Paulo:
Pioneira, 1978. 245p.
BIAGGIO, A. M. B. (2002). Lawrence Kohlberg: ética e educação
moral. São Paulo: Moderna.
BRASIL. Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Diagnóstico sobre o
Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento/ Conselho Nacional de
261
JustiçaBrasília: CNJ, 2020. Disponível em:
https://www.neca.org.br/wp-
content/uploads/SNA_Relatorio_Diagnostico-Sistema-Nacional-
Adocao-Acolhimento_2020.pdf. Acesso em 29 dez. 2020.
BRASIL. Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente.
Conselho Nacional de Assistência Social. Orientações Técnicas: serviços
de acolhimento para crianças e adolescentes. Brasília, DF, 2009.
Disponível em: https://fpabramo.org.br/ acervosocial/wp-
content/uploads/sites/7/2017/08/049.pdf. Acesso em: 07 fev. 2019.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
Brasília, DF, 1988. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/
constituicaocompilado.htm. Acesso em: 06 fev. 2019.
BRASIL. Estatuto da criança e do adolescente. Lei N. 8.069, de 13 de
julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e
outras providências. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L8069.htm. Acesso em: 06
fev. 2019.
BRASIL. Lei Orgânica da Assistência Social. Lei N. 8.742, de 7 de
dezembro de 1993. Dispõe sobre a organização da Assistência Social e da
outras providências. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8742compilado.htm. Acesso
em: 06 fev. 2019.
BRASIL. Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa do Direito
de Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária.
Brasília: Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à
Fome/Secretaria Especial de Direitos Humanos, 2006,p.76-85.
Disponível em: https://www.mds.gov.br/webarquivos/publicacao/
262
assistencia_social/Cadernos/Plano_Defesa_CriancasAdolescentes%20.pdf
Acesso em: 07 fev. 2019.
BRASIL. Política Nacional de Assistência SocialPNAS/2004; Norma
Operacional BásicaNOB/Suas. Brasília: Ministério do
Desenvolvimento Social e Combate à FomeSecretaria Nacional de
Assistência Social, 2005. Disponível em:
https://www.mds.gov.br/webarquivos/publicacao/assistencia_social/Nor
mativas/PNAS2004.pdf . Acesso em: 06 fev. 2019.
BRASIL. Resolução 109, de 11 de novembro de 2009. Aprova a
Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais. Disponível em:
https://www.mds.gov.br/webarquivos/publicacao/assistencia_social/Nor
mativas/tipificacao.pdf. Acesso em: 26 dez. 2020.
BORDENAVE, J. E. D. O que é participação. 8. ed. São Paulo:
Brasiliense, 1994.
CHAUÍ, M. Uma Ideologia Perversa. Folha de São Paulo, São Paulo,
Caderno Mais!, p. 3, 1999, 14 de março.
COMTE-SPONVILLE, A. Pequeno tratado das grandes virtudes. São
Paulo: Martins Fontes, 2001.
DEWEY, J. Democracia e Educação. São Paulo: Companhia Editora
Nacional, 1959.
FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática
educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.
FREITAS, L. C. Questões de avaliação educacional. Campinas, Komedi,
2003.
263
GUIMARÃES, T.; SARAVALI, E.G.. A importância atribuída à escola
por crianças inseridas em ambiente sócio-moral construtivista e
ambiente tradicional: o desenho como forma de expressão do
conhecimento social. Scheme, Marília, n., p.242-277, 2009.
Instituto Fazendo História. Esta é nossa história. São Paulo: Alaúde
Editorial, 2013.
KANT, I. Fundamentação da metafísica dos costumes. São Paulo: Abril
Cultural, 1974.
KOHLBERG, L. (1992). Psicologia del desarrollo moral. Bilbao:
Biblioteca de Psicologia, Desclée de Brouwer.
LALANDE, A. Vocabulário técnico e crítico de filosofia. Civilização
Brasileira, 1978.
LIND, G. O significado e medida da competência moral revisitada: um
modelo do duplo aspecto da competência moral. Psicologia: Reflexão e
Crítica, vol.13, 3, pp. 399-416, 2000.
LIND, G. Ist Moral lehrbar? Ergebnisse der modernen
moralpsychologischen Forschung. [Can morality be taught? Findings
from modern moral-psychological research.] Berlin: Logos-Verlag, 2002.
LIND, G. La moral puede enseñarse: manual teórico-práctico de la
formación moral y democrática. México: Trillas, 2007.
LIND, G. How to teach morality, Promoting Deliberation and
Discussion, reducing Violence and Deceit. Editora Logos Verlag, Berlin:
2016.
264
LUCE, M.B.; MEDEIROS, I.L.P. Gestão democrática na e da educação:
concepções e vivências IN: LUCE, M.B.; MEDEIROS, I.L.P. (org.).
Gestão escolar democrática: concepções e vivências. Porto Alegre:
UFRGS Editora, 2006.
MONTOYA, O.A.D; FRANÇA, C.A.P.R.; BATAGLIA, P.U.R. Abrigo
ou casa? Desenvolvimento moral de crianças e adolescentes abrigados.
Marília: Oficina Universitária; São Paulo: Cultura Acadêmica, 2016. 246
p.
PIAGET, J. O Juízo Moral na Criança. 3. ed. São Paulo: Summus,
1932-1994.
SEN, A. Democracia como um valor universal. Journal of Democracy
10 (3), 3-17, 1999.
SINGER, H. República de Crianças. Sobre experiências escolares de
resistência. Campinas: Mercado de Letras, 2010.
TOGNETTA, L.R.P. A formação da personalidade ética: estratégias de
trabalho com afetividade na escola. Campinas, SP: Mercado das Letras,
2009.
TOGNETTA, L. R. P.; VINHA, T. P. Quando a escola é democrática:
um olhar sobre as práticas das regras e assembleias na escola. Campinas,
SP: Mercado das Letras, 2007.
WINNICOTT, D.W. Privão e delinquência. 5ª ed.São Paulo:
Editora WMF Martins Fontes, 1987 [2012].
265
10
COMPETÊNCIA MORAL E EDUCAÇÃO:
ALGUMAS CONTRIBUIÇÕES
Edneia Felix de Matos
Maria Cristina da Silva Araújo Zuccoli
Introdução
O presente capítulo visa apresentar questões relacionadas à
competência moral e à educação. Para uma melhor compreensão do leitor,
primeiramente apresentamos o conceito de competência moral, e para isso
trazemos os autores Bataglia (2010) e Lind (2000). Apresentamos também
o teste de juízo moral (MJT), avaliação elaborada para avaliar o nível de
competência moral dos indivíduos. Por fim, são apresentadas
possibilidades de promover a educação moral no contexto escolar.
Salientamos a necessidade de diferenciar os termos “educação” e
“educação moral” apresentados no decorrer do texto, sendo o primeiro
conceito relacionado ao processo de ensinar e aprender, que de maneira
geral a educação pode ser definida como o principal meio de transferir
costumes, hábitos e valores de uma sociedade. O segundo termo segundo
Muller e Alencar (2012), refere-se ao “[...] processo pelo qual os valores
https://doi.org/10.36311/2022.978-65-5954-220-8.p265-282
266
deixam de ser leis impostas por agentes externos e convertem-se em
diretrizes internas, legitimadas pela própria pessoa” (MÜLLER;
ALENCAR, 2012, p. 456). Assim, a educação passa a ter como objetivo
maior a formação de sujeitos autônomos e críticos, que possam cooperar
para a construção de uma sociedade mais justa.
Nessa perspectiva, discutir questões de moralidade se torna de
extrema importância nos dias atuais, tendo em vista que nos deparamos no
cotidiano com questões de cunho moral nos noticiários televisivos.
Vivemos tempos de violência, desrespeito e intolerância na
sociedade e a escola pública não está isenta dessa realidade, sentindo o
reflexo desses problemas em seu dia a dia, deparando-se com inúmeras
situações de incivilidades, conflitos e hostilidades.
Nas últimas décadas a educação brasileira tem sido alvo de críticas
e questionamentos por parte da sociedade sobre o seu desempenho na
formação dos adolescentes, principalmente aqueles oriundos da escola
pública. Os resultados de desempenho nas disciplinas de matemática e
língua portuguesa estão muito aquém do ideal para essa faixa etária e,
somado a isso, também nos deparamos com a ausência da sistematização
nas escolas e efetivação de ações voltadas à formação moral dos estudantes,
calcada em valores éticos universalizáveis.
Nesse contexto, são inúmeras as reclamações da comunidade
escolar sobre a “crise de valores” em que se encontram os adolescentes.
Percebemos fragilidades no que diz respeito à adesão de valores como os
de justiça, solidariedade, respeito, compromisso e cooperação; valores esses
fundamentais para o convívio no ambiente escolar e na sociedade. Por
conseguinte, vivenciamos nas salas de aula das escolas públicas um clima
desfavorável para que o processo de ensino-aprendizagem se concretize a
267
contento. As relações interpessoais estão desgastadas, e tanto professores
como alunos coexistem em clima de apatia ou, em muitas vezes, de
confronto.
Atrelado a tudo isso, se faz necessário trazer o contexto social no
qual estamos inseridos, em que com a facilidade de acesso às informações
e com a popularização da internet ficamos informados de quase tudo que
vem acontecendo no mundo nas áreas econômica, social e política, mas
também ficamos estarrecidos com as atrocidades praticadas pelos seres
humanos em relação ao meio ambiente, às crianças, aos idosos, indígenas,
negros, homossexuais e às mulheres, exemplos de práticas jamais
concebidas para uma convivência justa, pacífica, respeitosa e harmoniosa
almejada nos parâmetros de uma sociedade democrática ideal, em que
todos tenham acesso à educação, trabalho, saúde e moradia digna. Com a
pandemia da Covid-19, o cenário ficou ainda pior, fazendo avançar no
Brasil o número de desempregados e, consequentemente, o de moradores
de rua. São pessoas invisíveis pelo Poder Público e pela sociedade,
entregues a sua própria sorte; a todo tipo de humilhação e privação de
necessidades básicas.
Para agravar, a procura pelo poder e dinheiro estão tomando a
frente das ações em detrimento do respeito mútuo, da dignidade e
integridade das pessoas. Para obter lucro e prestígio exploram e passam por
cima dos mais frágeis, vulneráveis e indefesos; nesse contexto, o importante
é o ganho, custe o que custar. A individualidade também é uma marca da
sociedade contemporânea, em que o que importa ao indivíduo é vencer na
vida, mesmo que para isso precise passar por cima dos outros. A todo custo,
a tônica é alcançar sucesso e prestígio, não se importando com as
consequências que isso pode causar aos outros. O sucesso e o
reconhecimento significam a aquisição de bens materiais, mesmo que esses
268
não tenham valor afetivo para a pessoa, sendo necessário adquiri-los para
estar está na moda, pois quem os possui é visto como vencedor.
O cenário é desolador, porém existe um caminho possível de ser
trilhado que contribuiria para a modificação desse quadro: a efetivação de
uma educação com foco no desenvolvimento da competência moral, por
meio de temáticas voltadas ao diálogo, respeito mútuo, tolerância,
empatia, convivência democrática, justiça, solidariedade, dentre outros
temas que englobem a ética e a sociedade. Desse modo, pretendemos
formar crianças e adolescentes melhores para uma convivência pacífica e
democrática, que respeitem as pessoas e as leis, que cuidem do meio
ambiente com consciência e responsabilidade, que conheçam seus direitos
e cumpram com seus deveres, estando preparados para tomarem decisões
éticas frente aos conflitos do cotidiano.
De acordo com Vinha e Nunes (2018), vários estudos apontam o
crescimento de bullying, indisciplina, violências, incivilidades entre outros
conflitos nas escolas públicas e privadas brasileiras. Esse aumento dos
conflitos reflete negativamente, de modo a atrapalhar o bom andamento
da escola no que diz respeito às relações interpessoais, acarretando assim
resultados pedagógicos preocupantes.
Nesse sentido, faz-se necessário que os professores adquiram
conhecimentos por meio de formações continuadas patrocinadas pelas
Secretarias de Educação Municipal ou Estadual sobre como é possível
promover o desenvolvimento moral dos educandos, de modo que sejam
disponibilizadas estratégias e práticas assertivas com o objetivo de
promover a discussão, reflexão e proposituras de solução dos problemas
cotidianos da sociedade brasileira, contribuindo assim para o
desenvolvimento do pensamento crítico e reflexivo, e consequentemente
seu desenvolvimento moral.
269
A escola se configura como um espaço privilegiado de convivência
e trocas entre professores, alunos e funcionários, pois reflete as questões e
conflitos que estão presentes na sociedade. Com isso, esse espaço se torna
um ambiente propício para a promoção do desenvolvimento moral dos
sujeitos.
Tognetta e Vinha (2009) enfatizam que nesse espaço “[...] é preciso
que a criança possa ter experiências de vida social para aprender a viver em
grupo e a escola é um local muito apropriado para essas vivências”
(TOGNETTA; VINHA, 2009, p. 39).
Para Santos e Trevisol (2016), no ambiente escolar a educação
moral “constitui o ponto de partida para a busca e efetivação de propostas
que favoreçam o desenvolvimento da moral, de maneira que essa
construção não seja percebida como momentânea, mas permaneça como
elemento norteador das ões de cada aluno.” (SANTOS; TREVISOL,
2016, p. 20).
Nesse sentido, a disciplina “Competência moral: o que é e como
ensina-la (?)”
7
nos ofereceu maiores esclarecimentos sobre o tema em
questão, e com isso pudemos compreender melhor o conceito de
competência moral e como possibilitar que os indivíduos a desenvolvam.
Segundo Bataglia (2010) Georg Lind desenvolveu um instrumento
denominado Moral Judgment Test (MJT) Teste de Julgamento Moral
–, instrumento este que serve para identificar o nível de moralidade dos
indivíduos.
7 Disciplina apresentada no Programa de Pós-graduação em Educação Unesp/Marília/SP,
ministrada pela Prª. Dr.ª Patrícia Unger Raphael Bataglia.
270
Em relação ao MJT Bataglia (2010) esclarece que tal recurso:
[...] propõe uma tarefa moral e não simplesmente mede a
atitude do sujeito. Muitas tarefas morais podem ser
imaginadas para avaliarmos a competência moral do sujeito,
mas poucas o factíveis e/ou válidas. Medir a resistência a
tentação do sujeito ao roubo, induzindo-o a roubar, por
exemplo, parece pouco ético. Verificar se um sujeito ajuda
a alguém em dificuldade, não garante o valor moral do ato
(ou decisão) uma vez que as razões poderiam ir da busca de
autopromoção a um princípio universal, passando por
obediência a um código externo, busca de aprovação dos
pares, etc. (BATAGLIA, 2010, p. 85).
Portanto, percebemos que a principal tarefa do referido
instrumento é confrontar o sujeito com contra-argumentos; com isso, de
acordo com as reações deles no que se refere aos argumentos favoráveis à
sua decisão nos será mostrado sua preferência por um determinado nível.
Isso possibilita compreendermos em qual nível de desenvolvimento moral
os indivíduos se encontram e assim podermos desenvolver um trabalho na
escola que contemple as necessidades destes, promovendo práticas
educativas que possibilitem seus desenvolvimentos morais.
Competência Moral
A disciplina em questão nos possibilitou conhecer melhor o
conceito de competência moral, que segundo Bataglia (2010) Lawrence
271
Kohlberg foi o propulsor a utilizar tal conceito em 1964. A autora esclarece
que o termo em questão se refere:
[...] como “a capacidade de tomar decisões e emitir juízos
morais (baseados em princípios internos) e agir de acordo
com tais juízos”. Esse conceito é muito importante para os
estudiosos do desenvolvimento moral em geral, e para os
estudiosos da formação ética do profissional em particular,
quando se dedicam ao estudo de como transformar teoria e
técnica em uma práxis que seja socialmente comprometida
(BATAGLIA, 2010, p. 84).
Nesse sentido, para que o sujeito possa ajuizar valores é necessário
pensar sobre suas ações, ou seja, ter a capacidade cognitiva de raciocinar,
condição esta necessária, mas não suficiente para poder tomar decisões
acerca de determinadas situações.
Segundo Georg Lind, competência moral é a capacidade dos
sujeitos de poderem resolver conflitos e problemas através de deliberação e
discussão, sem assim fazer uso da força ou da violência, ou ainda submeter-
se a uma autoridade.
Lind (2000) afirma que o conceito de moralidade não deve ser
visto como a mera conformidade às normas estabelecidas. O autor
esclarece que antes dos postulados de Kohlberg, as ações para a promoção
de uma educação moral se mostraram infrutíferas, pois faltava-lhe
generalidade e dignidade científica. Segundo Lind (2000), “Kohlberg
transformou a moralidade em um assunto de pesquisa científica, ao invés
de um mero objeto de discurso religioso ou político” (LIND, 2000, p.
399).
272
Com isso, Lind (2000) afirma que:
Através de sua pesquisa inovadora, Kohlberg abriu a
possibilidade de um conhecimento científico sobre uma
educação moral sistemática que além da doutrinação
moral de um lado e do relativismo moral desinteressado de
outro. Isso pode provar um dia seu inestimável serviço para
assegurar a democracia (LIND, 2000, p. 400).
Podemos perceber, portanto, que os estudos desenvolvidos por
Kohlberg possibilitaram uma nova visão de educação moral, ou seja, uma
educação sistemática que possa promover a verdadeira democracia.
Em relação ao desenvolvimento moral dos indivíduos, Lind afirma
que as questões relacionadas à razão e emoção estão ligadas intimamente
mais ligadas do que podemos imaginar. Isso ocorre, segundo o autor:
Porque a competência moral está, em sua maioria,
escondida na nossa inconsciência, não podemos investigá-
la simplesmente pedindo aos atores de uma dada situação
que a descrevam. Para isso, precisamos empregar um teste
experimental, como o Teste de Competência Moral (LIND,
2016, p. 05).
Para Lind (2016) o termo competência moral é um conceito
distinto, sendo o maior desafio da educação moral promover a
competência moral dos indivíduos. O autor esclarece como sendo
competência moral a capacidade dos sujeitos de resolverem seus problemas
e conflitos, utilizando como base os princípios morais universais através do
273
pensamento e da discussão, sem a necessidade de utilizar a submissão, o
engano e a violência.
O autor salienta ainda, que a competência moral possui duas faces,
uma face individual e uma face cio-comunicativa. “Quando olhamos
para a capacidade dos indivíduos de lidar com dilemas morais, estamos
falando de competência moral” (LIND, 2016, p. 06).
Dessa maneira, estando a competência moral na inconsciência dos
indivíduos se faz necessário o uso de testes experimentais para poder
promover o desenvolvimento dela. Nesse sentido o Teste de Competência
Moral (MJT) pode ser uma alternativa para o trabalho docente no
contexto escolar.
A escola, assim, se mostra um campo profícuo de discussões e
consequentemente de possibilidades de desenvolvimento da competência
moral dos sujeitos que ali estão. Segundo Lind (2016), a democratização
da sociedade depende muito da competência moral dos cidadãos e esse
desenvolvimento moral depende de uma boa educação.
Nessa perspectiva, uma boa educação deve ser aquela que crie
oportunidades para que os indivíduos possam praticar e aplicar a
competência moral nesse ambiente. O autor enfatiza ainda que a
aprendizagem das competências morais não ocorre somente nos ambientes
escolares, ela ocorre também quando são possibilitadas discussões em
família, no ambiente de trabalho e com vizinhos.
Porém nem todos os sujeitos têm oportunidade de participar de
discussões, e muitos, quando participam, sentem medo de expor suas
opiniões e serem rejeitados pelos demais.
O autor nos traz uma indagação: “como a competência moral pode
ser ensinada?”. A educação deve proporcionar o desenvolvimento dessa
274
capacidade, mas para isso, a mesma precisa estar alicerçada nos ideais
democráticos, e com isso, então, poderá engajar os sujeitos em um processo
ativo de decisões democráticas.
Segundo Lind (2016),
A competência moral deve ser aprendida se quisermos que
os indivíduos resolvam problemas e conflitos de forma
adequada e justa, através da deliberação e do discurso, e não
por meios injustos. Isto coloca grandes exigências à
educação porque as instituições de educação precisam
promover o ambiente e as oportunidades necessárias para a
aprendizagem moral (LIND, 2016, p. 08).
Para que a educação promova o desenvolvimento da competência
moral dos sujeitos, Lind (2016) propõe que a implementação do método
de discussão do dilema pode ser eficaz nesse desenvolvimento, porém, para
seu êxito é necessário que os professores tenham uma formação
aprofundada e formadores competentes.
O Teste de Juízo Moral
Em relação ao MJT, Bataglia (2010) esclarece que o mesmo foi
elaborado para avaliar o nível de competência moral e não o nível de juízo
moral dos indivíduos.
A autora explica que o referido instrumento “é um questionário
que confronta o sujeito com dilemas morais e solicita que sejam avaliados
275
argumentos a favor e contra a atitude do personagem principal do dilema
e inclui originalmente duas estórias” (BATAGLIA, 2010, p. 84).
Nessas histórias, os personagens principais são colocados em
situações de dilemas, sendo que qualquer que sejam suas decisões serão
colocadas em conflitos com algumas regras sociais e pessoais em alguns
casos. O sujeito precisa avaliar as decisões tomadas pelo protagonista da
história. Bataglia (2010) enfatiza que após isso, o sujeito “é convidado a
avaliar seis argumentos a favor da decisão do protagonista e seis contrários.
Tais argumentos representam os diferentes níveis de raciocínio moral de
acordo com os seis estágios descritos por Kohlberg (1964)” (BATAGLIA,
2010, p. 85)
A autora esclarece que o instrumento proposto por Lind possui
dois propósitos:
[...] permite-nos testar as modernas teorias de
desenvolvimento moral e educação e permite-nos avaliar
métodos educacionais em relação ao seu poder de elevar a
competência moral dos sujeitos submetidos a eles. Em
busca de satisfazer a esses dois propósitos, o MJT deve ter
validade teórica e ser útil do ponto de vista educacional
(BATAGLIA, 2010, p. 85).
Com isso, podemos perceber que o Teste de Julgamento Moral
(MJT) proposto por Georg Lind pode nos ajudar a desenvolvermos um
trabalho na escola que possa ajudar os alunos no que tange ao seu
desenvolvimento moral. Nessa perspectiva, a educação é considerada por
Lind como a principal ferramenta para o desenvolvimento da competência
276
moral, porém, se faz necessário processos pedagógicos que ofereçam
situações para o desenvolvimento da mesma.
Nessa perspectiva, os docentes precisam planejar intervenções que
promovam o desenvolvimento da competência moral nos indivíduos,
tornando-os mais críticos, ativos e reflexivos e o Teste de Julgamento
Moral (MJT) se mostra como um importante instrumento nesse processo,
pois detecta alterações no desenvolvimento da competência de juízo moral
dos sujeitos.
Dessa maneira, o trabalho docente poderá contribuir de maneira
positiva para a construção de sujeitos cada vez mais conscientes acerca de
seus papeis em uma sociedade democrática e justa.
Possibilidades de Promover a Educação Moral na Escola
Ao pensarmos a possibilidade de uma educação moral no ambiente
da escola, primeiramente devemos pensar na construção de um ser
humano em constante transformação devido às suas atitudes, ações e
relações. Segundo Santos e Trevisol (2016),
[...] por meio das relações sociais, culturais e de valor,
estabelecidas ao longo da convivência e ligadas ao
desenvolvimento intelectual e afetivo, e também por meio
dos conflitos ou problemas vivenciados, que os indivíduos
aprimoram ou desenvolvem sua moralidade (SANTOS;
TREVISOL, 2016, p. 21).
277
Dessa maneira é de extrema importância que esse processo de
construção e desenvolvimento moral seja compreendido por todos os
profissionais da educação para assim poderem planejar e organizar
situações e estratégias que possam favorecer esse processo.
Nessa perspectiva, as atividades escolares devem ser planejadas
com o intuito de levar os alunos a refletirem sobre diversos temas. Santos
e Trevisol (2016) esclarecem que “os procedimentos educativos devem
privilegiar atividades que envolvam situações de problematização em
pequenos grupos, nas quais o diálogo e as ões democráticas sejam
priorizados.” (SANTOS; TREVISOL, 2016, p. 21).
No contexto da educação moral, o professor possui extrema
importância, pois cabe a ele mediar os conflitos que por ventura possam
acontecer em sala de aula, além de possibilitar aos alunos discutirem seus
anseios, frustações, levando-os a refletirem sobre as consequências de seus
atos.
Santos e Trevisol (2016) enfatizam a importância da parceria entre
família e escola nesse processo de educação moral. Para as autoras, essa
parceria contribui de maneira eficaz no desenvolvimento moral dos alunos,
porém as instituições devem ter clareza acerca de seu papel.
Em relação a importância da família nesse processo, Magro e
Trevisol (2014, p.40) esclarecem que
A família é o primeiro grupo social de que a criança faz
parte. Nele se inicia o processo de assimilação das regras
sociais, padrões de comportamento, noções de direitos e
deveres, crenças, linguagem e outras características
peculiares que lhe serão úteis para poder viver em sociedade
(MAGRO; TREVISOL, 2014, p. 40).
278
Percebemos que a família possui um papel de grande importância
no que tange ao desenvolvimento moral dos sujeitos, pois são os primeiros
exemplos que a criança possui. Nesse sentido, a família precisa estar
consciente de seu papel nessa formação.
A escola se configura como sendo o segundo grupo social, posterior
ao grupo familiar. Logo, pode contribuir de maneira satisfatória para a
efetivação da construção da educação moral, pois, segundo Santos e
Trevisol (2016) ao propor
[...] condições propícias ao desenvolvimento de aspectos
importantes ao bom relacionamento entre os sujeitos, tais
como o respeito entre alunos e professores, a cooperação por
meio de atividades coletivas e a compreensão de diferentes
percepções provenientes de discussões e reflexões sobre
conceitos próprios de cada um. Esse conjunto de
procedimentos refletirá na moral de cada sujeito,
constituindo-se aspecto importante na construção
autônoma e favorecendo a tomada de decisões no cotidiano
(SANTOS; TREVISOL, 2016, p. 23).
Para que a prática da educação moral possa ser efetivada no
ambiente escolar, primeiramente a escola precisa “revisitar seu currículo e
estar atenta às explicitações de seu Projeto Político-Pedagógico, que,
certamente, contempla aspectos da formação humana para a construção da
autonomia plena, crítica e reflexiva dos alunos (SANTOS; TREVISOL,
2016, p. 27).
Nesse contexto, se torna também necessário que os professores
com conhecimentos a respeito desse processo de educação moral possam
279
estimular e contemplar atividades que possam ser realmente significativas
e atrativas para os alunos e que possam leva-los à reflexão.
Quando a escola e seus profissionais compreenderem realmente o
processo de desenvolvimento moral de cada indivíduo, poderão, assim,
possibilitar a esperança de uma escola melhor, capaz de promover o
desenvolvimento de sujeitos realmente autônomos para atuarem
criticamente em nossa sociedade.
Nessa perspectiva, as contribuições de Georg Lind são inúmeras.
O referido autor nos mostra que é possível promover uma educação moral
nas escolas, mas que para isso é necessário que os docentes tenham uma
formação aprofundada. O método Comunidade Justa e o Método
Konstanz de Discussão de Dilema (KMDD) são alternativas que podem
ser utilizadas para o desenvolvimento da competência moral nos
indivíduos no contexto escolar.
Conclusão
Esse breve estudo nos possibilitou compreendermos melhor o
termo competência moral, também permitindo percebermos o quanto se
torna importante o desenvolvimento de uma educação que possibilite aos
indivíduos o desenvolvimento de sua competência moral. Além disso, foi
viabilizado compreendermos que para a promoção de uma educação que
possa desenvolver tais capacidades é necessário que os professores tenham
conhecimentos aprofundados de como possibilitar que essa capacidade seja
desenvolvida nos indivíduos. Para isso, é preciso formadores capacitados
para habilitar os professores para o desenvolvimento de um trabalho que
promova o desenvolvimento da competência moral em seus alunos.
280
Outro aspecto que julgamos ser relevante é o fato de a escola se
tornar um ambiente democrático que possa promover discussões acerca de
diversos temas, onde os alunos possam ter a oportunidade de expor suas
ideias e discuti-las. Se realmente queremos formar uma sociedade justa e
democrática, onde seus cidadãos possam ter seus direitos reconhecidos, é
de extrema importância que o sistema educacional seja reestruturado com
bases nos ideais de uma educação moral.
Somente assim poderemos formar sujeitos realmente autônomos
que lutem pelos seus direitos, respeitem seus semelhantes e que estejam
comprometidos com as ideias morais propostos por Georg Lind.
Referências
BATAGLIA, P. U. R. A Validação do Teste de Juízo Moral (MJT) para
Diferentes Culturas: O Caso Brasileiro. Revista Psicologia: Reflexão e
crítica. v. 23, n. 1, p. 83-91, 2010. Disponível em:
https://www.scielo.br/pdf/prc/v23n1/a11v23n1.pdf. Acesso em: 10 nov.
2020.
LIND, G. O Significado e Medida da Competência Moral Revisitada
Um Modelo do Duplo Aspecto da Competência Moral. Revista
Psicologia: Reflexão e Crítica, v. 13, n. 3, p. 399-416, 2000. Disponível
em: https://www.scielo.br/pdf/prc/v13n3/v13n3a09.pdf. Acesso em: 15
nov. 2020.
LIND, G. How to teach morality, Promoting Deliberation and
Discussion, Reducing Violence and Deceit. Editora Logos Verlag,
Berlin: 2016.
MAGRO, A. N.; TREVISOL, M. T. C. Escola, família e a construção
de valores: Um estudo a partir da óptica de pais e profissionais da
281
educação. Ed. Leopoldianum, ano 40, n. 1010-11-112, 2014.
Disponível em: file:///C:/Users/User/Downloads/482-
Texto%20do%20Artigo-1235-1-10-20150409.pdf. Acesso em: 20 de
nov. 2020.
Müller, A., & Alencar, H. M. de. (2012). Educação moral: o aprender e
o ensinar sobre justiça na escola. Educação E Pesquisa, 38(2), 453-468.
Disponível em:
https://www.revistas.usp.br/ep/article/view/47888/51620. Acesso em: 10
jul. 2021.
SANTOS, A. C. B. H.; TREVISOL, M. T. C. A escola e o
desenvolvimento moral do aluno: concepções, práticas e desafios dos
profissionais da educação. Revista de Educação. v.21, n. 1, p. 19-29,
2016. Disponível em: file:///C:/Users/User/Downloads/2895-9126-2-
PB%20(1).pdf. Acesso em: 10 nov. 2020.
VINHA, T. P.; NUNES, C. A. A. O desafio da convivência: ao tratar da
mesma forma indisciplina e violência, escola perde oportunidade de agir
de forma reflexiva e transformadora. Cadernos Globo, Rio de Janeiro, v.
14, p. 70-79, nov. 2018. Disponível em:
http://app.cadernosglobo.com.br/banca/volume-14/pdf/70-
79_desafio_de_convivencia.pdf Acesso em: 15 jan. 2020.
VINHA, T. P.; TOGNETTA, L. R. P. CONSTRUINDO A
AUTONOMIA MORAL NA ESCOLA: os conflitos interpessoais e a
aprendizagem dos valores. Revista diálogo educacional, v. 9, n. 28, p.
525-540, 2009. Disponível em:
https://periodicos.pucpr.br/index.php/dialogoeducacional/article/view/3
316/3226. Acesso em: 12 nov. 2020.
283
11
COMPETÊNCIA MORAL:
OS DESAFIOS NO CONTEXTO ESCOLAR
Elen Daiane Quartaroli Fernandes
Raul Aragão Martins
Introdução
O cotidiano de uma escola pode ser marcado por uma série de
desafios que parecem corriqueiros, mas que precisam ser enfrentados por
professores e gestores diariamente. Alguns dos problemas mais comuns,
estão pautados nos conflitos interpessoais, na indisciplina, nas agressões
entre os alunos, no desrespeito às autoridades, enfim, às situações que
necessitam de intervenções e que provocam reflexões acerca da importância
da educação no desenvolvimento moral dos indivíduos e da prática
educacional despendida para isso.
Haja vista a realidade escolar atual, observa-se que, nem sempre,
esses problemas são solucionados pacificamente ou de forma equilibrada
pelos profissionais da educação e isso, reflete diretamente no
comportamento dos alunos, contribuindo, para que eles tenham
dificuldades em encontrar formas pacíficas e justas diante dos seus
desentendimentos. Estudos que abordam moralidade e educação vêm
https://doi.org/10.36311/2022.978-65-5954-220-8.p283-298
284
destacando a escola como um importante espaço para o desenvolvimento
moral dos sujeitos, enfatizando que, valores como justiça, respeito,
solidariedade e convivência democrática, por exemplo, devem ocupar um
lugar especial nas discussões dentro desse ambiente (MARQUES;
TAVARES; MENIN, 2019).
Dada a relevância dessa temática para o contexto educacional, que
deve viabilizar a formação para a cidadania e com base no cenário escolar
atual, surgem alguns questionamentos. Por que os alunos ainda resolvem
os seus mais variados conflitos utilizando de violência física ou verbal? Por
que tantas dificuldades em viabilizar discussões, em que os sujeitos
consigam expressar suas opiniões sem se agredirem ou sem recorrerem
somente à submissão pelas autoridades escolares? Como a escola pode
promover o desenvolvimento da competência moral de seus alunos? Quais
os desafios que ela enfrenta para isso? Através de estudos que discutem a
importância da moralidade para uma sociedade democrática e de como a
educação pode fomentar essa temática, torna-se necessário refletir acerca
da moral humana e de como ela vem sendo abordada no ambiente escolar.
Sabemos que uma preocupação em diminuir a violência entre
os alunos como forma de resolução de conflitos interpessoais. Isso
demonstra-se um desafio a ser superado, pois os métodos mais utilizados
ainda são a repetição de frases, como: “não pode bater”, “não pode xingar”,
“é preciso respeitar o outro”, “dialogar”, enfim, é preciso “conviver”,
“cooperar”, “ser amigo”. Além disso, têm as punições, como as suspensões
das aulas, ser retirado da sala ou ficar sem recreio. Situações como estas,
parecem ser comuns nas mais variadas escolas, sejam elas públicas ou
privadas e isso traz a ideia, de que o desenvolvimento moral independe da
classe social. Feitosa et al. (2013) com base nas teorias da moralidade e nos
estudos de Piaget, Kohlberg e Lind, apontam que a educação deve
285
incentivar a formação dos princípios necessários para o bem-estar geral e
para a solução de conflitos sem violência. A educação moral não pode ser
uma doutrinação de valores, mas deve ser reconhecida como uma
capacidade do indivíduo e deve ser promovida por pais e professores desde
a infância (LIND, 2016).
No que tange ao desenvolvimento moral na escola, principalmente
sobre as relações interpessoais, sabe-se que o ambiente escolar influencia
diretamente nos discursos e comportamentos apresentados pelos
educandos. Não é exagerado pensar que, se queremos em nossa sociedade
cidadãos mais críticos, autônomos e conscientes, é preciso começar a
formá-los desde os primeiros anos escolares, para que quando adultos,
tenham condições de manifestar discursos mais democráticos e atitudes
mais justas e humanas. Após investigações científicas sobre moralidade,
entende-se que uma complexidade nessa temática que não pode ser
reduzida a uma questão de valoração. Não basta querer ser moral ou
democrático para -lo. Lind (2016), discute em seus estudos sobre a
necessidade de os sujeitos desenvolverem uma competência moral para
resolverem seus problemas e conflitos com base em princípios morais,
pacificamente, para viverem em uma sociedade livre. Sob essa ótica, é
possível afirmar que vivemos em uma dicotomia social em que a maioria
das pessoas desejam fazer o bem, mas os ideais morais para alcançar esse
fim, possui diversas variantes.
Partindo do pressuposto de que, por meio da educação pode-se
favorecer o desenvolvimento da competência moral e que o ambiente
escolar é propício para isso, o objetivo desse capítulo é fazer uma reflexão
acerca da temática, considerando, à luz da teoria, alguns desafios que a
escola vem enfrentando sobre a formação moral dos sujeitos para que eles
286
sejam justos, pacíficos e possam conviver em sociedade, tornando-a de fato
democrática.
A moralidade no contexto escolar
A educação brasileira, ao longo de sua trajetória, passou por uma
série de modificações em termos de políticas públicas. Essas mudanças
predizem a formação integral do sujeito em sua totalidade humana,
considerando princípios éticos, políticos e estéticos, na busca de construir
uma sociedade mais justa, democrática e inclusiva (BRASIL, 2018). Esses
preceitos, apesar de terem sido reeditados recentemente na nova Base
Nacional Comum Curricular (BNCC), em 2018, vem sendo discutidos
tempos por pesquisadores que estudam o desenvolvimento moral
(como por exemplo, PIAGET, 1930/1992; KOHLBERG, 1992;
BIAGGIO, 2002; TOGNETTA; ASSIS, 2006; LA TAIILE, 2007;
VINHA; TOGNETTA, 2009; BATAGLIA, 2010; BATAGLIA;
MORAIS; LEPRE, 2010; LEPRE, 2015; MORAIS; ASSIS, 2015;
MARQUES; TAVARES; MENIN, 2019).
A moral é essencial para manter e desenvolver uma sociedade
democrática e viabilizar a vida em conjunto. Em concordância, Lind
(2016) diz que a educação não representa o elemento que permite
manejar a informação, conduzir conhecimentos e desenvolver habilidades
técnicas. Ela também promove a formação de capacidades morais e
democráticas. É necessário fomentar isso na escola para que seus sujeitos
sejam capazes de resolver seus problemas, conflitos e dilemas de forma
racional. Contudo, deve haver o preparo adequado dos profissionais da
educação para que, de fato, o desenvolvimento moral ocorra.
287
Quando falamos em moralidade, é importante considerar que,
conforme Piaget (1932/1994, p. 23) afirma, “toda moral consiste num
sistema de regras, e a essência de toda moralidade deve ser procurada no
respeito que o indivíduo adquire por essas regras”. Nessa perspectiva, a
escola torna-se um ambiente favorável para pesquisas que buscam entender
como se o processo de formação moral do sujeito. Dentro da escola,
considerar disponibilidades afetivas e ativas dos alunos ainda parece
distante quando falamos sobre as regras. Vinha e Tognetta (2009)
concordam que, ao nos relacionarmos uns com os outros, as regras são
fundamentais para garantirem a harmonia do convívio social, mas para
Piaget (1994[1932]), o importante não é a regra em si, mas o porquê
precisamos segui-la, pois o valor moral não está em obedecer a uma norma
preestabelecida socialmente e sim, no princípio que levou o sujeito à ação,
isto é, na intenção dele.
No texto “Procedimentos de Educação Moral”, Piaget (1930, p.
02-03), considera que “nenhuma realidade moral é inata” e, para que ela
se constitua, é necessário que haja uma normatização através das relações
entre os indivíduos. Ele complementa que “[...] são as relações que se
constituem entre a criança e o adulto, ou entre ela e seus semelhantes que
a levarão a tomar consciência do dever e colocar, acima de seu eu, essa
realidade normativa na qual a moral consiste”. Em virtude disso, no livro
O Juízo Moral na Criança (1994[1932]), Piaget objetivou estudar o juízo
moral e trouxe estudos acerca da prática e consciência das regras, que
apontam para a existência de tendências na evolução do julgamento moral,
a primeira é a heteronomia, voltada para regras e vontades alheias e a
segunda, é a autonomia, que se volta para compreensões próprias.
Na mesma direção, Kohlberg (1992), fala que o desenvolvimento
da moralidade está ligado, sobretudo, ao desenvolvimento cognitivo e
288
afetivo e às interações sociais estabelecidas ao longo da vida. Utilizando-se
de um instrumento denominado Moral Judgment Interview (MJI), que se
constitui de uma rie de dilemas morais hipotéticos, o autor construiu
uma tipologia na qual se organizam três grandes níveis, compostos, cada
um, por dois estágios: a) o primeiro nível é o pré-convencional (estágios 1
e 2), em que a predominância das noções egoístas, nas quais se buscam
apenas os interesses pessoais; b) o segundo nível é o convencional (estágios
3 e 4), em que as noções morais se vinculam ao cumprimento das
convenções sociais, para que o sujeito seja aceito e bem-visto pelos outros,
logo, é uma fase heterônoma; e por fim, c) o terceiro nível é o pós-
convencional (estágios 5 e 6), no qual prevalece o respeito pelas instituições
sociais e pelos direitos humanos, passando para uma moral autônoma
(BIAGGIO, 2002, p. 23).
Essa sequência para Kohlberg, é considerada invariante e universal,
ou seja, todas as pessoas passam pela mesma sequência de estágios,
independentemente do tipo de aprendizagem que recebem, no entanto
nem todos alcançam os estágios mais elevados (LEPRE; MARTINS, 2009;
BIAGGIO, 2002; BATAGLIA; MORAIS; LEPRE, 2010). Partindo dos
estudos de Piaget e Kohlberg, Lind (2016) fala sobre Competência Moral,
afirmando que esta é uma capacidade que as pessoas precisam ter para
discutirem sobre diversas situações ou temas sem qualquer tipo de
violência, enganação ou submissão às autoridades, conseguindo resolver
seus problemas e conflitos. Para ele, é nisso que as práticas escolares devem
focar, que um dos seus principais objetivos é formar cidadãos críticos e
conscientes de suas ações sobre a sociedade.
De acordo com Bataglia (2010, p. 84) o conceito de competência
moral foi a princípio definido por Kohlberg em 1964 e traz a ideia de que
indivíduo seja capaz de tomar decisões e de emitir juízos com base em seus
289
princípios internos, agindo de acordo com eles e não simplesmente com
interesses e disposições momentâneas. Com base nisso, Lind (2016)
aponta que, se quisermos que os indivíduos resolvam problemas e conflitos
de forma adequada e justa, considerando a deliberação e o discurso, a
competência moral deve ser aprendida e isso se torna uma das grandes
exigências da educação, pois para haver aprendizagem moral é necessário
promover o ambiente e oferecer as oportunidades necessárias para isso.
Quando falamos sobre desenvolvimento e educação moral, a
família pode ser considerada o primeiro lugar de socialização da criança,
mas, além dela, a escola é de fundamental importância para a manutenção
ou mudança desses valores. Em concordância, Lind (2016) aponta que a
família também é um espaço de aprendizagens, porém, para muitas pessoas
a escola pode ser a única oportunidade de o sujeito desenvolver a
competência moral. É na escola que se promove a convivência diária entre
as pessoas, que se vive uma vida coletiva e se propaga valores comuns, que
compõem a cultura do lugar onde se vive. Mesmo que isso ocorra de forma
contraditória ou arbitrária, no ambiente escolar a transmissão de valores
e muitas vezes, sem ter o controle sobre isso, favorecendo a injustiça, a
violência e o desrespeito, o que dificulta a convivência democrática e a
solução de conflitos (MARQUES; TAVARES; MENIN, 2019).
Lepre (2015, p. 23) concorda que “[...] estudar a moralidade e seus
desdobramentos torna-se necessário em uma época em que o excesso de
discursos e a escassez das práticas ético-morais se fazem presentes”. Dá-se
então, a importância da construção de personalidades autônomas. Assim,
podemos dizer que os valores morais são construções humanas e referem-
se a metas aspiradas pela moral. Por isso, a moralidade é reguladora das
relações humanas e pode ser uma abordagem interessante para o trabalho
educativo escolar.
290
Os Desafios da Educação no Desenvolvimento da Competência Moral
A moral, a educação e a democracia são ideais que estão
intimamente ligados. Feitosa et al. (2013) ressaltam que a formação geral
em uma democracia não se pode esgotar na transmissão de conhecimentos
ou capacidades técnicas, mas deve fomentar as capacidades morais e
democráticas que também são importantes para o bem-estar social.
Partindo das reflexões do autor Georg Lind (2016), Morais e Assis (2015),
afirmam que uma pessoa pode até possuir princípios morais e conhecer o
que é justo ou não, porém, pode lhe faltar a competência para a aplicação
no dia a dia em suas tomadas de decisão. O próprio Lind (2016) declara a
importância da pessoa ter a habilidade de ver as implicações de uma
situação concreta e aplicar regras morais sobre elas.
Ramirez e Cruz (2009) concordam que trazer questões sobre a
moralidade para a escola ajuda na ampliação do processo de educar, que
promovem a reflexão e a elaboração de propostas que podem favorecer a
elaboração de conflitos trazidos pelos indivíduos. Contudo, a viabilidade
dessa prática não é tão simples e a escola ainda parece apresentar diversas
dificuldades para lidar com tais problemáticas, principalmente, quando se
prende a práticas vazias e simplistas da realidade. Pensar o desenvolvimento
moral e a educação vai além de histórias que trazem um final moralizador
e dividem o mundo em pessoas boas e más. Quando nos detemos a essa
prática, parece que existe apenas uma decisão que é correta e o que passar
disso, nos torna errados e imorais. Nesse sentido, Lind (2016) completa
que não ajudamos as pessoas quando pedimos para que elas leiam contos
morais, pois eles não aumentam a competência moral. Por isso, devemos
utilizar a discussão de dilemas, que na vida real, as decisões que
precisamos tomar, muitas vezes, violará um ou mais princípios morais.
291
Não é qualquer educação que preserva a democracia. É preciso
olhar além do meio em que vivemos e pensar na educação além das
fronteiras, como um todo. Então, a discussão de dilemas torna-se uma
ferramenta eficaz para o desenvolvimento moral desde a infância (LIND,
2016). Nesse contexto, Tognetta e Assis (2006, p. 51) expõem que é
preciso “[...] repensar a moral e, sobretudo, rever as formas de intolerância
e de desrespeito ao outro, que constatamos estampadas em nosso
cotidiano”. É necessário refletir sobre a moral e sobre a formação em
valores desde a infância, desde os menores conflitos, instrumentalizando
os sujeitos para que consigam lidar, mais tarde, com conflitos maiores.
Partindo desse contexto, Vinha e Tognetta (2009, p. 19) fazem
uma reflexão sobre como pensar a formação moral e ética na escola,
partindo de uma realidade em que professores e alunos não se entendem
mais e vivenciam conflitos constantes, que fazem com que as relações
interpessoais estejam estremecidas. As autoras ressaltam que o objetivo da
escola deve ser educar moralmente e formar eticamente seus alunos e que,
para que haja sucesso nessa missão, é preciso compreender os conceitos de
moral e ética, que no ambiente escolar são tratados como sinônimos,
mas, têm suas singularidades. Para as autoras “[...] a moral representa um
conjunto de regras que nos permitem pensar em como devemos agir para
o bem alheio” (p. 23). a ética sentido a uma ação realizada por
alguém.
La Taille (2007, p. 31) diz que a ética “[...] se refere a uma vida
boa, ou uma vida que vale a pena ser vivida”. Vinha e Tognetta (2009, p.
23) complementam essa ideia, dizendo que não basta tomar consciência
de um dever moral para que nossas ações sejam justas e generosas. É preciso
que queiramos fazer o bem ao outro e que isso, também nos faça sentir
bem. Se o desenvolvimento da autonomia moral no ambiente escolar por
292
meio de relações mais justas, respeitosas e solidárias deve ser um objetivo a
ser alcançado, é necessário que os educadores se sintam seguros em abordar
e desenvolver conceitos pertinentes ao tema, para assim, favorecerem um
contexto educativo pautado na construção de valores. Para isso, a
necessidade de os profissionais da docência conhecerem e aprofundar-se
sobre tal teoria.
Lind (2016) expõe que o método de discussão de dilemas pode
contribuir para que alunos e professores dialoguem de forma racional e
justa, devido à possibilidade de argumentar e tomar decisões diante dos
casos supostos. Ele defende que através desse método, os participantes
podem expor suas ideias demonstrando que é possível um tratamento
democrático, mesmo entre aqueles com opiniões diferentes. Não é
necessário estar um contra o outro quando discordância, mas é possível
se relacionar pacificamente. Sendo assim, resolver os conflitos por meio de
ideias e conversas uns com os outros, pode ser uma estratégia eficaz para a
aprendizagem moral.
Piaget (1930, p. 24) destaca que séculos a escola pensa ser
suficiente o falar com a criança para instruí-las e para formar seu
pensamento. Isso não quer dizer que de nada adianta falar com ela sobre
aspectos morais, contudo, as variações do ensino da moral pela fala, muitas
vezes, vêm impregnada de coação adulta e isso fortalece a heteronomia.
Sendo assim, seria mais interessante considerar métodos ativos para o
desenvolvimento da educação moral, evitando que os assuntos escolares
sejam apenas impostos de fora, mas permitindo que o aluno experimente
e redescubra, por meio da investigação, experiências morais espontâneas,
vendo a escola como meio próprio para isso. O autor reforça que “[...] é
importante não impor pela autoridade aquilo que a criança pode descobrir
por si mesma”.
293
Para promover eficazmente a competência moral é preciso
valorizar ideais de democracia. Muitas vezes, a escola escolhe como prática
o ensino de valores e quase sempre mistura os princípios morais, as crenças
religiosas e culturais e algumas preferências individuais dos educadores.
Isso pode favorecer a imaturidade moral das pessoas e ser considerado
como mero cumprimento de protocolo, para atender as demandas
educacionais. O comportamento moral requer ideais e princípios morais e
as escolas devem ter em mente que seus alunos possuem isso. A educação
moral é transdisciplinar e não deve ser limitada a um assunto em particular
como em aulas de ética ou religião. Em qualquer momento, podem surgir
assuntos que tragam consigo questões morais que devem ser refletidas.
Contudo, muitos professores limitam-se a não discutir esses assuntos por
não se considerarem preparados para isso, sentindo-se facilmente
sobrecarregados pelas demandas alheias aos conteúdos obrigatórios e
limitam-se apenas a sua disciplina (LIND, 2016).
Marques, Tavares e Menin (2019) discutem que é necessário traçar
estratégias para que haja a eficácia da educação moral no contexto escolar.
A resolução dos conflitos por meio de diálogos, de forma justa e
equilibrada, requer competência para discutir e avaliar as diferentes
perspectivas, além da necessidade de reconhecer as aspirações que
regulamentam as condutas positivas dos sujeitos. Elas ressaltam que ao
contrário de doutrinações ou imposições, um meio que seja favorável pode
facilitar o desenvolvimento integral dos indivíduos. Porém, mesmo que os
conflitos escolares sejam inerentes ao contexto da escola, ainda um
despreparo dos educadores que acabam agindo de maneira improvisada,
baseando suas intervenções principalmente no senso comum. O sucesso
ou não de uma educação moral de qualidade, também depende da forma
como ela é conduzida pelos seus agentes.
294
Afinal, o que esperamos da escola?
A sociedade, de forma geral, é muito influente para moldar o
caráter dos indivíduos, contudo, a fonte do desenvolvimento moral reside
neles próprios. Dessa forma, quem deve iniciar a mudança são os próprios
indivíduos agindo sozinhos ou em grupo. Se uma democracia quer
preservar a si mesma e crescer, é necessário proporcionar a todos os
cidadãos, através da educação, oportunidades para aplicar e praticar a
competência moral. O nível dessa competência nas pessoas varia muito e
em média, ela é baixa, o que indica que é preciso dar mais oportunidades
para que elas se desenvolvam moralmente (LIND, 2016).
O contexto escolar é um espaço bastante propício para o
desenvolvimento da moralidade, porém essa questão ainda precisa ser vista
com mais empolgação pelos profissionais da educação. Educar para a vida,
formar cidadãos justos, generosos, pacíficos e democráticos é uma tarefa
complexa, que exige um preparo profissional. A educação moral precisaria
ter a mesma importância das disciplinas escolares como língua portuguesa
ou matemática, por exemplo, até porque os conteúdos morais podem
surgir a qualquer momento e não devem ser evitados (TARDELI;
PASQUALINI, 2011).
Um agravante para a educação é que muitas instituições perderam
de vista, como uma das prioridades acadêmicas, a educação moral, dando
preferência a transmissão de conteúdos acadêmicos e testes de desempenho
escolar. Apesar de considerar a competência como importante, valoriza-se
a memorização de fatos. Outro agravante que trava o desenvolvimento
moral na escola é a falta de preparo dos profissionais para exercerem a sua
profissão. Essa formação pode deturpar a visão que os professores têm
dos alunos, julgando que eles não desejam uma boa educação ou uma
295
interação social e justa com os outros (LIND, 2016). O autor ressalta, que
uma tarefa fundamental da educação democrática é promover a capacidade
de pensar e agir de acordo com os princípios morais universais, que são
aceitos individualmente e que estão compatíveis com os princípios de uma
sociedade democrática. A educação pode ser considerada como a principal
ferramenta para o desenvolvimento da competência moral, contudo, ela
deve ofertar processos pedagógicos com determinadas situações para o
desenvolvimento desta competência.
Através dessa reflexão sobre o desenvolvimento da moralidade no
contexto escolar, ressalta-se a necessidade de pesquisas que se atentem ao
preparo dos profissionais da educação para lidarem com as questões morais
que surgem no cotidiano da escola. Mais do que apontar as necessidades,
seria viável propor programas de intervenção para viabilizar a prática
profissional. A escola deve oportunizar os sujeitos a se desenvolverem
enquanto cidadãos democráticos, que convivem em sociedade e essa
missão, nem de longe, pode ser comparada a uma singela doutrinação
moralizadora. Ela precisa oferecer recursos pedagógicos para isso. Mas,
para que seja eficaz, é necessário que os profissionais se aprofundem sobre
o assunto e conheçam estratégias que possam favorecer esse trabalho.
Educação, democracia e moralidade são dimensões que estão intimamente
ligadas e o processo de formação para a cidadania precisa ser revisto e mais
bem explorado pelas instituições escolares.
296
Referências
BATAGLIA, P. U. R.; MORAIS, A. de; LEPRE, R. M. A teoria de
Kohlberg sobre o desenvolvimento do raciocínio moral e os instrumentos
de avaliação de juízo e competência moral em uso no Brasil. Estudos de
Psicologia, v. 15, n. 1, p. 25-32, 2010.
BATAGLIA, P. U. R.; MORAIS, A validação do teste de Juízo Moral
(MJT) para diferentes culturas: o caso brasileiro. Psicologia: Reflexão e
crítica, v.23, n.1, p. 83-91,2010.
BIAGGIO, A. Lawrence Kohlberg: ética e educação moral. São Paulo:
Moderna. 2002.
BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais: terceiro e quarto ciclos do
Ensino Fundamental: apresentação dos temas transversais/Secretaria de
Educação Fundamental. Brasília: MEC/SEF, 1998.
BRASIL. Base Nacional Comum Curricular. Brasília, MEC/SEF, 2018.
Disponível em:
http://basenacionalcomum.mec.gov.br/images/BNCC_EI_EF_110518_
versaofinal_site.pdf. Acesso em: 28 dez. 2020.
FEITOSA, H. N. et al. Competência de Juízo Moral dos estudantes de
medicina: um estudo piloto. Revista Brasileira de Educação Médica,
n.31, v.1, p.5-14, 2013.
KOHLBERG, L. Psicología del desarrollo moral. Bilbao Spain: Desclée
de Brouwer, 1992.
LA TAILLE, Y. de. Moral e ética: dimensões intelectuais e afetivas.
Porto Alegre: Artmed, 2007.
297
LEPRE, R. M.; MARTINS, R. A. Raciocínio Moral e uso abusivo de
bebidas alcoólicas por adolescentes. Paidéia, 42, 39-46, 2009.
LEPRE, R. M. Por que estudar a moralidade humana e seus possíveis
desdobramentos? In: MARTINS, R. A.; CRUZ, L. A. N.
Desenvolvimento sócio moral e condutas de risco em adolescentes.
Campinas: Mercado das letras, 2015, p. 9-24.
LIND, G. How to teach morality, Promoting Deliberation and
Discussion, Reducing Violence and Deceit. Berlin: Editora Logos
Verlag, 2016.
MARQUES, C. A. E.; TAVARES, M. R.; MENIN, M. S. S. Valores
sociomorais: reflexões para a educação (1). Americana, SP: Adonis,
2019.
MORAIS, A. D.; ASSIS, O. Z. M. Desenvolvimento do juízo da
competência moral em jovens universitários. EDUCERE/ XII
Congresso Nacional de Educação, PUCPR, Paraná 26 a 29 de outubro
de 2015.
PIAGET, J. Os Procedimentos da Educação Moral. Trad. Maria Suzana
de Stefano Menin. In: MACEDO, L. Cinco estudos de educação moral.
São Paulo: Casa do Psicólogo, 1996. p. 1–36. (originalmente publicado
em 1930).
PIAGET, J. O juízo moral na criança. 4. ed. São Paulo: Summus, 1994.
(Originalmente publicado em 1932).
RAMIREZ, D. C.; CRUZ, R. M. Conflitos escolar: vulnerabilidade e
desenvolvimento de habilidades sociais. Revista Electrônica de
Investigacion y docência (REID), v.2, p.79-95, jun. 2009.
298
TARDELI, D. D.; PASQUALINI, A. R. B. Educação em Valores:
possibilidades de intervenção pedagógica na resolução de conflitos
escolares. In: TOGNETTA, L. R. P.; VINHA, T. P. Conflitos na
instituição educativa: perigo ou oportunidade? Contribuições da
Psicologia, Campinas - SP: Mercado das letras, 2011. p. 191-228.
TOGNETTA, L. R. P.; ASSIS, O. Z. M. A construção da
solidariedade na escola: as virtudes, a razão e a afetividade. Revista
Educação e Pesquisa, São Paulo, v.32, n.1, p. 49-66, jan./abr. 2006.
VINHA, T. P.; TOGNETTA, L. R. P. Construindo a autonomia moral
na escola: os conflitos interpessoais dos valores. Revista Educ., Curitiba,
v. 9, n. 28, p. 525-540, set/dez, 2009
299
12
A DISCUSSÃO DE DILEMAS PARA A PROMOÇÃO DA
COMPETÊNCIA E DOS VALORES MORAIS NO
AMBIENTE ESCOLAR
Emerson da Silva dos Santos
Priscila Caroline Miguel
Patrícia Unger Raphael Bataglia
Introdução
O objetivo deste capítulo é mostrar as relações entre a discussão de
dilemas e o desenvolvimento da competência e dos valores morais no
ambiente escolar. Primeiramente, trataremos de questões que revelam a
importância da vida e obra de Lawrence Kohlberg como um autor
interessado em ampliar os estudos de Jean Piaget. Abordaremos o
entendimento do autor sobre o sujeito humano como agente do processo
moral e suas contribuições para a Psicologia do Desenvolvimento Moral.
Assim, apresentamos também a formulação de Kohlberg acerca da
tese dos seis estágios e três níveis: pré-convencional, convencional e pós-
convencional que descrevem o juízo moral, da infância até a idade adulta.
Daremos também enfoque aos itens que tanto Kohlberg como Lind
https://doi.org/10.36311/2022.978-65-5954-220-8.p299-326
300
levaram em consideração ao se pensar a discussão de dilemas morais que
efetivamente promovam a construção da competência moral. Por último,
discutiremos a influência do ambiente escolar na formação da competência
e dos valores morais dos educandos.
As Contribuições de Lawrence Kohlberg
Lawrence Kohlberg (1927-1987) foi um pesquisador que ampliou
a teoria sobre o desenvolvimento moral, elaborada por Jean Piaget. Em sua
tese de doutorado, em 1958, identificou estágios de desenvolvimento
moral, baseado em entrevistas com 72 meninos brancos de Chicago a
respeito do conhecido dilema de Heinz. No dilema em foco o personagem,
com sua mulher doente, diante da impossibilidade de comprar o remédio
que a salvaria, é colocado em situação de conflito quando se tendo que
decidir entre dois valores: o direito à propriedade (não roubar o remédio
do farmacêutico que o possui e deixar de salvar a vida de sua mulher) ou o
direito à vida humana (roubar o remédio e cometer uma atitude
considerada criminosa na sociedade em que vive, porém salvando a sua
mulher) (BIAGGIO, 2002; LEMOS DE SOUZA; VASCONCELOS,
2009).
Segundo Bataglia (2014, p. 113), Lawrence Kohlberg compartilha
com Piaget a ideia de que a moralidade não é pura assimilação de valores
morais oriundos da cultura, mas sim que esta depende de uma organização
cognitiva que permita que sua visão de mundo e de moral se
construindo em níveis mais e mais complexos. Sendo assim, a moralidade
não é coincidente com a estrutura cognitiva, mas tem nela condição de
necessidade, porém não de suficiência.
301
Kohlberg considera, então, que a estrutura moral também é
construída nas relações com o meio e a partir de suas pesquisas formulou
a tese de existirem seis estágios evolutivos que resultou na elaboração de
três níveis de moralidade, agrupando dois estágios cada um, totalizando
então seis estágios que se sucedem de forma evolutiva, sendo o último
(estágio 6) mais complexo e mais adequado se comparado ao primeiro,
além de mais evoluído em relação aos demais no que se refere ao princípio
básico que é a justiça, valor este que está presente no raciocínio moral de
todos, sendo que o significado e a amplitude que essa noção tem variam
de acordo com a complexidade alcançada pela estrutura, que por sua vez
depende das trocas estabelecidas com o meio. (LEMOS DE SOUZA;
VASCONCELOS, 2009; BATAGLIA, 2014).
Esgios de Desenvolvimento Moral e a Discussão de Dilemas
Bataglia, Morais e Lepre (2010, p. 26) afirmam que os estágios de
raciocínio moral, propostos por Kohlberg são de raciocínio de justiça e
destacam que para ele os conceitos de moralidade e desenvolvimento moral
derivam das definições de Hare (1982), para quem o centro da moralidade
é a justiça ou os princípios de justiça. “Essa centralidade da justiça deriva
também do trabalho de Piaget (1994[1932]) sobre o desenvolvimento do
julgamento moral, no qual ele definiu a moralidade como uma atitude de
respeito pelas pessoas e pelas regras, aliando-se, portanto, a Kant”
(BIAGGIO, 2002, p. 37).
No entanto, Kohlberg concluiu que os conceitos de heteronomia
e autonomia, propostos por Piaget (1994[1932]), não eram suficientes
para a classificação dos tipos de raciocínio moral que ele encontrou, em
302
seus estudos com adolescentes e adultos. Sendo assim, como vimos acima,
criou seis estágios de raciocínio moral, os quais podem ser agrupados em
três níveis: o pré-convencional, o convencional e o pós-convencional
(BATAGLIA; MORAIS; LEPRE, 2010; BIAGGIO, 2002). De acordo
com Biaggio (2002, p. 23):
Note-se que o termo convencional não significa que
indivíduos nesse nível são incapazes de distinguir entre a
moralidade e a convenção social, mas que a moralidade
consiste de sistemas de regras morais, papéis e normas
socialmente compartilhados. (BIAGGIO, 2002, p. 23).
O vel pré-convencional é composto pelos estágios 01 e 02. Nesse
nível, o indivíduo faz o julgamento pelo que é certo ou errado, apoiado
apenas em seus interesses próprios, tendo medo da punição. No estágio 01
(Obediência e Punição), o indivíduo obedece às normas sociais devido ao
medo que possui pelo castigo que possa a vir receber. Um exemplo desse
estágio é que Heinz não deveria roubar o remédio para não ser preso. No
estágio 02 (Hedonismo Instrumental Relativista), o indivíduo apresenta
um raciocínio moral egocêntrico, seguindo as normas de acordo com
interesses próprios, sendo esse estágio chamado de individualismo
(BATAGLIA; MORAIS; LEPRE, 2010). De acordo com Biaggio (2002,
p. 24), nesse estágio, a resposta ao dilema do início do texto é que Heinz
estava certo em roubar o remédio para salvar a esposa caso não tenha sido
pego em flagrante.
Segundo Bataglia, Morais e Lepre (2010, p. 26), no vel
convencional, que corresponde aos estágios 03 e 04, a ação moral correta
é aquela de acordo com as convenções e regras sociais determinadas por
303
pessoas que sejam consideradas como autoridades ou instituições
reconhecidas socialmente. Nesse nível, o indivíduo formula juízos morais
baseando-se nas regras do grupo social e as expectativas que tem sobre ele.
O estágio 03 (bom menino, boa menina) caracteriza-se pela necessidade
de cumprir com aquilo que as pessoas esperam, como ser um bom amigo,
bom marido etc. Temos aqui uma ideia inicial de que os interesses
coletivos são mais importantes que os individuais.
Para Biaggio (2002, p. 26), nesse nível convencional, são respostas
ao dilema de Heinz: “Se ele não roubasse, seus amigos diriam que ele é um
cara mau, deixou a mulher morrer”, ou “Se ele roubar, seus amigos vão
achar que ele é ladrão, e não vão mais gostar dele”. O estágio 04 (Lei e
ordem) é caracterizado pela manutenção da ordem social e daquilo que foi
proposto pelas autoridades, exigindo a colaboração de todos com a
organização social e com as instituições. Nesse estágio, ainda Biaggio
(2002, p. 26), mesmo quando respondem que o marido deve roubar o
remédio, para salvar a mulher doente, é enfatizado o caráter de exceção
dessa medida e a importância de se respeitar a lei, para que a sociedade não
se torne um caos.
O vel pós-convencional compreende os estágios 05 e 06. Nesse
nível, o correto é agir de acordo com princípios morais universais, guiados
pela reciprocidade e pela igualdade. O pensamento é regido por princípios
morais e éticos e não mais por regras sociais, que serão aceitas se
fundamentadas em princípios e valores gerais.
No estágio 05 (Contrato social), o raciocínio moral leva em conta
o contrato social e os direitos individuais. Consoante a isso, o estágio 6
(Princípio ético universal) é marcado pelos princípios éticos universais e
considerado o mais evoluído por Kohlberg. Tais princípios são aqueles
universais de justiça: a igualdade dos direitos humanos e respeito à
304
dignidade como pessoas individuais. A perspectiva é definida então pelos
princípios éticos de justiça, mediante os quais os indivíduos são
considerados como fins em si mesmos, o que ultrapassa o ponto-de-vista
sócio-legal (BATAGLIA; MORAIS; LEPRE, 2010).
De acordo com Biaggio (2002, p. 27) no estágio 5, em relação ao
dilema de Heinz, os sujeitos geralmente trazem a ideia de que deveria
existir uma lei proibindo o abuso do farmacêutico em relação ao preço da
medicação e falam também da necessidade de um sistema público de saúde
e da mudança das leis que regulam os lucros em certas atividades. Já, no
estágio 6, o exemplo utilizado pela autora é o de um filósofo ao dilema:
“Sim, foi errado legalmente, mas moralmente correto. Acredito que a
pessoa tem um dever primafacie de salvar uma vida (quando está em
posição de fazê-lo), e neste caso, o dever legal de não roubar é nitidamente
superado pelo dever moral de salvar uma vida”.
Para Biaggio (2002), a avaliação do estágio predominante de juízo
moral segundo Kohlberg é realizada por meio de discussão de dilemas
morais que assim como o de Heinz citado logo acima, deve colocar o
sujeito em conflito entre dois valores universalizáveis ou princípios
importantes opostos e irreconciliáveis.
Bataglia (2014) afirma que os dilemas devem caracterizar uma
tarefa moral difícil, que envolvem os aspectos afetivos e cognitivos e que
nos abalam afetivamente, mobilizando a energia psíquica, sendo que
passamos a recuperar compreensões e interpretações que nos levarão a
pensar sobre tal questão. “A ação moral é ainda uma terceira esfera, a
conação (tendência consciente para atuar)” (BATAGLIA, 2014, p. 126).
Com o intuito de elaborar um constructo que relacionasse
cognição, afeto e ação, Kohlberg criou o conceito de competência moral e
as discussões de dilemas morais devem desenvolver tal competência. De
305
acordo com Bataglia (2014) a metodologia de Kohlberg envolve contar
uma história que contenha um dilema, colocar os sujeitos para debater e
decidir-se a favor ou contra e propor argumentos chamados plus one, isto
é, argumentos que estejam um estágio a mais do que os apresentados pelos
participantes.
O pesquisador aposentado da Universidade Konstanz (Alemanha)
e aluno de Kohlberg em alguns seminários, Georg Lind interessou-se em
estudar o conceito de competência moral e a técnica de discussão de
dilemas morais, trazendo importantes contribuições para essa seara. Lind
aprimorou a técnica de discussão de dilemas elaborada por Kohlberg e
desenvolveu um instrumento de mensuração da competência moral, o
KMDD (Método Konstanz de Discussão de Dilemas), que segundo
Bataglia (2014) tem os seguintes princípios fundamentais:
Os dilemas escolhidos para serem trabalhados são semirreais: o
ideal é que não se trabalhe histórias totalmente fictícias, mas sim
histórias que poderiam acontecer com qualquer pessoa ou com o
grupo. Deve-se anunciar o nome do personagem principal para
que haja a identificação com ela ou ele. Bataglia (2014) alerta que
não devem ser trabalhados dilemas muito difíceis, pois estes
podem gerar muita angústia nos participantes e impossibilitar a
tomada de decisões ou dilemas reais que aconteceram na véspera.
A discussão de dilemas nesse método deve acontecer em
aproximadamente 90 minutos e com as seguintes fases:
apresentação do dilema, clarificação dos valores e questões
levantadas na história, votação a favor ou contra à decisão do
personagem, discussão em pequenos grupos, debate entre os dois
306
lados e o término com uma discussão sobre o que foi aprendido
na atividade e a escolha do melhor argumento do lado contrário;
A teoria do duplo aspecto do desenvolvimento da competência
moral (afeto e cognição) é o embasamento teórico do trabalho:
para Piaget (1976), bem como na teoria do duplo aspecto do
desenvolvimento moral, os aspectos afetivos e cognitivos da
moralidade são inseparáveis, ainda que distintos. Vale ressaltar que
o afetivo e o cognitivo apesar de inseparáveis, não significa que
tenham a mesma influência em todas as decisões tomadas de cunho
moral, haja vista que não pode acontecer de uma tomada de
decisão ética, baseada em princípios, ser movida apenas pelo
afetivo. Durante a discussão de dilemas deve-se regular a
modulação afetiva para o envolvimento dos participantes e a
sensibilização de sentimentos morais, como indignação, piedade,
compaixão etc. bem como a reflexão e emissão de juízos. Bataglia
(2014) salienta que para Lind, com o objetivo de maximizar a
aprendizagem e a sustentabilidade do aprendido, devem-se
oferecer momentos para que os participantes se sintam apoiados,
logo após desafiados e novamente apoiados, e assim
sucessivamente;
O que é o princípio construtivista da aprendizagem por
confrontação com situações de conflito: levando em consideração
que, na autonomia, a reciprocidade é normativa, ou seja, baseada
na razão mais do que nas relações de amizade e simpatia como na
heteronomia, o agir moral depende do desenvolvimento de uma
capacidade de aplicar os princípios em situações bem dilemáticas,
307
presentes no cotidiano. Ao nos depararmos com problemas que
requerem de nós uma resposta e as ações são conflitantes, somos
mobilizados afetivamente e é que mostramos ou não a nossa
capacidade de agir de acordo com princípios e é essa capacidade
que Kohlberg cunhou de competência moral, que não pode ser
treinada, mas sim estimulada por tarefas morais difíceis, ou dilemas
morais. Vale ressaltar que essa evolução será possível por meio
da tomada de consciência que envolva a ação e a reflexão dos
esquemas de ão;
O professor deve maximizar a participação do aluno
metodologia ativa: o método KMDD postula também que em sala
de aula, devem-se colocar em prática os princípios de respeito
mútuo, responsabilidade e liberdade de expressão, valores
essenciais à democracia, algo que na aplicação do dilema o próprio
tema proposto deve ajudar o sujeito a estimular essa construção
que isso será consequência de sua tomada de consciência, pois
almejamos uma sociedade em que não a necessidade de uma
autoridade que dite as regras obedecidas pelos demais. Bataglia
(2014, p. 131) pondera que: “para a constituição de tal sociedade,
a educação tem papel fundamental; não é possível construí-la com
um ambiente escolar autocrático em que a transmissão seja o
objetivo máximo”. Sendo assim, a discussão de dilemas é uma
metodologia ativa, que coloca os participantes como protagonistas:
o professor propõe a atividade e faz a mediação para que as regras
de respeito mútuo e liberdade de expressão sejam mantidas, valores
esses que podem estar contidos implícitos ou explícitos no
contexto do dilema apresentado. Para Lind (2000) apud Bataglia
308
(2014, p. 132), ética e democracia são, de certo modo, a mesma
coisa, que na democracia é preciso pensar por si mesmo,
argumentar, discutir e negociar, pois mesmo que todos estejam de
acordo que a justiça é o princípio correto, as pessoas podem
divergir sobre qual a solução mais correta diante dos conflitos e
para tanto, é necessário ser capaz de negociar, até quando existe o
choque entre várias emoções e interesses.
Agora abordaremos a construção cognitiva e social dos valores
morais e estabeleceremos uma relação com a importância da discussão de
dilemas para tal construção.
A Construção Cognitiva e Social dos Valores Morais
A escolha dos valores morais para composição da personalidade
perpassa vários aspectos, dentre eles, a afetividade, que impulsionará as
condutas, e a estrutura, que definirá as funções cognitivas. Neste ponto, o
intelecto e a afetividade confluem, permitindo ao sujeito a sua inserção no
mundo social, conduzindo a sua adaptação ao novo ambiente social
(PIAGET, 2014[1954]).
A criação de teorias e sistemas permitirão ao adolescente a vivência
de ideais. Diferentemente da criança, em quem os sentimentos sociais estão
relacionados aos afetos interindividuais, o adolescente compreenderá
noções de humanidade e justiça social. Isso será importante, dado que o
adolescente compreenderá os valores existentes na sociedade e,
posteriormente, elegerá aqueles que julgar importante para a formação de
sua personalidade. É importante mencionar que colocar os indivíduos para
309
discutir dilemas auxilia na formação de seus valores morais e por
conseguinte, na sua competência moral.
Compreender os valores em nível cognitivo e como construção
social se faz necessário para que se possa refletir sobre a construção e a
escolha de valores realizada pelos indivíduos. Conforme cita Piaget
(2014[1954], p. 148), um objeto terá valor quando enriquece a ação; uma
pessoa tem valor quando ela enriquece o campo da própria ação. Esse
enriquecimento de maneira geral será uma troca com o meio exterior e não
mais somente uma regulação interna.
Na infância existirá dois processos distintos na gênese do juízo
moral: a coação e a cooperação. Em um primeiro momento, a coação
servirá como ponto de reflexão para seu egocentrismo inconsciente e,
posteriormente, a cooperação permitirá a compreensão da regra que se
interiorizada e dará origem aos julgamentos de responsabilidade subjetiva.
Esse processo auxiliará na formação da autonomia quando houver a
percepção da necessidade que sejam estabelecidas relações de simpatia e
respeito mútuo, essa autonomia moral será caracterizada por consideração
de um ideal independente de uma pressão exterior. A autonomia surgirá
assim da reciprocidade, quando o respeito mútuo é bastante forte, para que
o indivíduo experimente interiormente a necessidade de tratar os outros
como gostaria de ser tratado, sendo isso compreendido como o princípio
da empatia. (PIAGET, 1994[1932]).
Considerando, portanto, que os dois tipos de respeito
desencadearão os dois tipos de moral, ou seja, a coação para a heteronomia
e a cooperação para a autonomia, aspectos que devem ser observados por
movimentos íntimos da consciência, ou nas atitudes sociais, pois será difícil
de ser detectado em conversações com as crianças, isso é o que evidencia a
noção de justiça.
310
Na infância, o sentimento de justiça se influenciado por exemplo
prático dos adultos e posteriormente pelo respeito mútuo e a solidariedade
entre pares. Diferentemente, na adolescência, a justiça advém do equilíbrio
das relações sociais, como por exemplo a regra do não mentir imposta
socialmente, onde o adolescente se mais fiel aos amigos que aos pais. Esse
sentimento de justiça cresce na medida que a solidariedade aumenta e essa
evolução também deve ser analisada sob a ótica das sanções, que deve fazer
com que seja compreendida que as relações de cooperação tenham
prioridade sobre as relações de coação.
O entendimento da evolução da noção de justiça para a criança se
faz necessário, pois na adolescência o indivíduo precisa de autonomia para
compreender e desenvolver, consequentemente, os valores que farão parte
de sua personalidade e que servirão como base de seu programa de vida.
Importante isso ser considerado, visto que se na fase infantil a criança é
direcionada à moral da autoridade, que é a moral do dever e da obediência,
portanto, na heteronomia, isso pode conduzi-la a confusões no campo da
justiça e nos tipos de sanções. Com a possibilidade da cooperação entre
pares e, por conseguinte, do desenvolvimento do respeito mútuo, haverá a
possibilidade da construção da autonomia, na qual o campo da justiça terá
como base a igualdade, a reciprocidade e a solidariedade.
Percebe-se que o respeito mútuo e a reciprocidade permitem a
autonomia da consciência moral, diferentemente da heteronomia, advinda
da obediência moral inicial. Nesse caso, deve ser compreendida a
autonomia como a possibilidade de o indivíduo elaborar suas próprias
normas, característica essa, também do período formal. Tal construção se
dará no ambiente social, sendo que o adolescente se colocará no ponto de
vista do outro, adotando uma comparação entre seus próprios valores e os
311
dos outros, o que reforça a importância do trabalho pedagógico que
envolva dilemas morais.
Salienta-se que a reciprocidade se torna obrigatória, porque ela é
vivida no plano do respeito mútuo, é interna e nasce no plano da
inteligência. Em virtude disso, no plano lógico, a obrigação é a necessidade
de uma não contradição. Essa lógica permite que haja a valorização do
parceiro, por meio da análise de sua escala de valores, sem haver
contradição, posto que essa obrigação surge da necessidade interior
advinda mais da lógica do que de uma simples obediência às regras prontas,
fruto de uma relação baseada no respeito unilateral.
Considerando os valores morais como uma construção cognitiva e
social, eles são, a princípio, conceitos que se constroem ao longo da vida,
em forma de ensinamentos e em interação com a sociedade. Esses conceitos
norteiam a forma como se e compreende o mundo, podendo ocorrer
ações que possam ser contrárias ao estabelecido pela sociedade e que visam
o bem-estar comunitário e o saber conviver.
Valores morais serão tratados aqui como um conjunto de regras e
normas estabelecidas socialmente cujo objetivo é de se estabelecer relações
harmônicas que visem promover uma qualidade de vida preservando a
dignidade humana, buscando respeitar um bem-estar coletivo.
Os valores morais manifestam-se por meio de culturas, tradições,
comportamentos, regras, princípios e, consequentemente, ações. Esses
valores são determinados por grupos sociais e podem ser construídos por
meio de relacionamentos autônomos, diálogo, reflexão e discussão, bem
como de maneira autoritária, gerando, em virtude disso, subprodutos nos
relacionamentos como medo e insegurança ou até uma sociedade
heterônoma, em que a presença de um regulador das ações faz-se
necessário. Conforme assevera Puig (1998, p. 18), de acordo com Piaget,
312
uma troca afetiva que o sujeito realiza com o exterior, objetos ou
pessoas. Assim, os valores pertencem à dimeno da afetividade e são
construídos com base nas projeções afetivas.
A discussão da moralidade sempre estará presente na sociedade,
talvez em função de estar diretamente ligada ao comportamento humano
em nível social. Contudo, o que é observado hoje é que uma grande
discussão sobre a falta dos valores que norteavam dado convívio e os
princípios que promoviam o conceito de família. De acordo com Cortella
e La Taille (2005) preocupa o fato das comunidades escolares e não
escolares procurarem os estudiosos da área de educação ou psicologia para
tratar sobre o tema de valores nas escolas. Ainda que importante essa
preocupação, às vezes, ela se resume em aspectos disciplinares e de respeito
aos outros, sendo que a questão relevante é a relação entre os sujeitos na
qual a preocupação objetiva é acabar com os conflitos na escola.
O Debate dos Valores Morais no Ambiente Escolar
A escola como ambiente formador deve estar atenta aos valores
presentes em seu espaço, pois como na família o adolescente estará exposto
a eles podendo por meio de experiências positivas ou não, escolher quais
valores que serão compatíveis com suas decisões e estilo de vida. Assim
sendo, a escola deve promover ações que permitam uma formação que
auxilie o estudante a compreender seu papel no meio social em que está
inserido.
Nesse aspecto devemos salientar que existem orientações sobre a
formação de valores nas competências gerais da BNCC Base Nacional
Comum Curricular (2017), questões como: valorizar a diversidade, fazer
313
escolhas com liberdade, autonomia, consciência crítica e responsabilidade
que estejam alinhadas ao exercício da cidadania e ao seu projeto de vida,
defender ideias que promovam os direitos humanos e questões de
preservação ambiental, além de ter empatia, exercitar o diálogo e agir de
forma cooperativa para resolução de conflitos com base em princípios
éticos.
Assim sendo, tanto as famílias quanto a escola deveriam se
preocupar com a compreensão que o adolescente tem do meio em que está,
afinal, isso poderá desencadear agrupamentos que são típicos da idade,
fortalecendo laços com indivíduos que se permitiram experimentar
sentimentos prazerosos de convivência coletiva. Talvez o que falte nos
debates sobre esse tema seja a compreensão do objetivo e da necessidade
desses valores morais em nossa sociedade. De acordo com Cortella e La
Taille (2005), moral poderia ser considerada como algo que diz respeito
aos deveres e a ética adotada para questões mais amplas como a vida boa e
a própria felicidade.
Em alguns momentos ocorrem discussões de temas nas escolas, as
quais provocam conflitos entre professor e estudante, e que, por fim, não
levam a uma reflexão relevante sobre valores ou posicionamentos, o que
seria importante para o estabelecimento de ações cooperativas entre os
integrantes da comunidade escolar desde que trabalhadas de maneira
coletiva e por meio de relação dialógica. Contudo, restringem-se a corrigir
posturas que se referem à utilização de certos tipos de roupas, celular em
sala, bonés ou tatuagens, sintetizando toda a discussão de valores morais
em discussões disciplinares nas quais as decisões não são partilhadas com
os alunos.
O que se deve compreender é o fator motivador dessa discussão,
ou seja, o que estaria desencadeando essas reflexões e atitudes que podem,
314
por vezes, gerar debates tão acalorados que acabam em agressões verbais e
em alguns casos agressões físicas, somente pelo fato de os envolvidos
apresentarem opiniões divergentes.
Observa-se que em algumas situações a falta do diálogo entre os
indivíduos gera, posteriormente, problemas de convivência na
comunidade na qual o sujeito está inserido, por isso é necessário a
formação inicial e continuada dos professores no que se refere à essa
questão sobre a formação moral no ambiente escolar. A partir do momento
que o professor tenha consciência da importância de se tratar esse tema no
ambiente escolar bem como sobre o seu papel nesse processo de formação,
muitos conflitos poderiam ser evitados na escola, ou as providências seriam
tomadas de uma forma que utilizasse a situação como um momento de
aprendizagem, reflexão e conscientização coletiva.
Como evidencia Cortella e La Taille (2005), o importante é a
compreensão dos fatos atuais no que se refere aos valores morais da
sociedade, pois corre-se o risco de ficar desorientado em relação à realidade
cotidiana, o que se deve refletir muitas vezes é sobre o que pode estar
ocorrendo, se é uma crise ou um desgaste nos relacionamentos e nos valores
de vivência em comunidade. Por esse motivo, faz-se importante que a
escola promova uma reflexão e o debate em torno da valorização da vida,
sem restringir o debate a meras correções disciplinares em ambientes
escolares.
Deve-se exercitar a reflexão no campo das ideias e não promover
conflitos na esfera pessoal e o simples fato de saber ouvir poderia evitar
agressões mútuas entre os indivíduos. Portanto, a escola estaria
promovendo a reflexão sobre e como se deve discutir os valores da
sociedade e sua evolução sempre no campo da racionalidade e que tenha
como objetivo final o estabelecimento de uma convivência harmônica e
315
pacífica. Daí vemos a importância da discussão de dilemas morais para a
promoção da competência moral.
A escola pode se equivocar promovendo discussões irrelevantes no
contexto de um julgamento moral sobre comportamentos e não
proporcionando momentos em que o adolescente possa buscar uma
maturidade em sua visão sobre o que seria uma competência do juízo
moral. De acordo com Bataglia, Kappann e Bernardo (2015, p. 84), o
conceito de competência moral tratado por Lind e Kohlberg é discorrido
como uma capacidade de emitir juízos morais, baseado em princípios
internos de modo que suas ações estejam em sintonia com tais juízos,
posteriormente, definindo as competências morais como sendo a ponte
entre as boas intenções e suas respectivas ações, integrando nessas ações
aspectos cognitivos, afetivos e comportamentais.
O questionamento dos valores da sociedade poderia ser ponto de
partida de trabalhos pedagógicos desenvolvidos em ambiente escolar, posto
que a sociedade pode apresentar conceitos diferentes de suas práticas. Essa
incoerência é prejudicial para a formação da moral do adolescente caso não
se busque discutir esses fatos contraditórios como, por exemplo, a não
aceitação da sociedade por determinados tipos de roupas.
Deve-se reflexionar, portanto, a respeito do fato de que muitas das
convenções sociais são valorizadas, divulgadas e defendidas, contudo, no
fundo, criam conflitos entre os membros da comunidade, tornando
discussões que poderiam promover um debate e esclarecer os temas ao
invés de reduzi-los a meras discussões, às vezes, contornadas com
preconceitos e condenações. Ora, se as regras são baseadas nos valores que
permeiam a sociedade, por que esses conflitos ocorrem? Ao verificar os
fatos devemos questionar sobre o trabalho da escola e como ela age para a
316
formação integral do adolescente, que passa por uma formação moral a
qual o auxilia na tomada de decisões conscientes e autônomas.
Devemos lembrar, segundo Puig (1998), que os diferentes
modelos educativos trazem uma concepção de valores absolutos e com
solução heterônoma para resolução das dificuldades de convivência.
Conforme essa visão, os valores e normas de conduta são transmitidos de
maneira inapelável, inquestionáveis e alheios a qualquer reelaboração. São
modelos que visam regular aspectos da vida pessoal e social, direcionando
as ações que o sujeito deve ou não tomar. Essa imposição de valores, em
geral, vem conjuntamente a um modo de exercício autoritário, ou seja, o
indivíduo reconhece a autoridade como sendo superior e digna de ser
obedecida. Nesse tipo de modelo e de práticas, os conflitos vividos pelos
sujeitos sempre estarão ditados, pela autoridade externa.
Nesse contexto, é compreensível o motivo de desobediência das
regras, afinal, por se tratar de uma força exterior não deverá ser seguida,
necessariamente. Isso pode ocorrer por vários motivos, entre os quais, por
desobediência pura, por falta de compreensão das regras ou pela
imaturidade em suas competências de juízo moral, basta lembrar a questão
biológica em que o adolescente, por questões hormonais, tende a ter
atitudes que podem trazer prazer ou satisfação imediata. Tal fato aliado a
uma formação heterônoma, certamente, proporciona ao adolescente a
compreensão necessária sobre eventos que podem inclusive colocar em
risco sua integridade física.
O que se deve trazer à luz da discussão é o fato de se estar em
período de transição social, talvez até influenciada pela evolução e
revolução das comunicações causadas, por exemplo, pela internet e redes
sociais, sobre o que se deve refletir. O momento não é de falta de valores e
sim de reorganização dos valores diante da contemporaneidade.
317
Vale salientar, conforme apresenta Bataglia, Kappann e Bernardo
(2015), que se percebe pelos meios de comunicação o envolvimento dos
adolescentes em casos de violência, sendo vítimas ou protagonistas,
denotando as diversas situações de risco, vulnerabilidade social e uma
própria incivilidade em que o adolescente está imerso. Pensar em uma
educação moral exige uma abordagem que considere o desenvolvimento
das competências morais, ou seja, não no pensar, mas no que o faz agir.
Esta reflexão se faz necessária pelo fato de que por esta forma de se poder
efetivamente tratar e promover uma reflexão crítica, a responsabilização e
a avaliação de pontos de vistas diferentes, permitindo assim prevenir e
buscar minimizar a vulnerabilidade do adolescente ao se expor em
situações de risco e comportamentos de incivilidade.
Deve-se lembrar que a sociedade é dinâmica e as mudanças sempre
ocorrerão em maior ou menor escala, mas acontecerão. O que se deve estar
atento é que neste momento de transição na reorganização de valores,
alguns de seus membros ou instituições podem por medo ou insegurança
adotar discursos e posturas autoritárias, como exemplos, ões extremistas
que se observam tanto na sociedade como em comunidades virtuais.
Segundo Puig (1998, p. 26), a necessidade de se decidir como deve
ser a adaptação do sujeito ao meio, como se quer viver e resolver conflitos,
relaciona-se ao nascimento da moralidade, diante de um jogo que se refere
ao que e ao que se quer ser por meio da reflexão. Portanto, a construção
moral se situa “entre”: é ao mesmo tempo individual e influenciada pela
relação com os demais. A decisão sobre como viver é pessoal e social.
No entanto, convém advertir que esse indivíduo moral não
pensa e nem atua sozinho. Na realidade, estamos sempre
diante da necessidade de elucidar moralmente (de decidir
318
como se quer viver) em situação de inter-relação, e o
fazemos para viver em coletividade. Isto é, a vida humana é
sem vida alguma social, e a decisão moral é tomada
sempre por “um sujeito individual junto a outros sujeitos”.
(PUIG, 1998, p. 26).
Logo a construção da moral não é casual, exige um trabalho de
elaboração pessoal, social e cultural, não se tratando de uma construção
solitária nem desprovida de passado e à margem do contexto histórico. É
uma tarefa de cunho social que contará com elementos culturais, mas que
dependerá em todo o caso do próprio indivíduo, conforme pondera Puig
(1998, p. 73). Muitas vezes o conflito parte para extremos, em que as
discussões giram em torno de se o estudante pode ou não utilizar boné em
sala de aula, se em uma recuperação tira a média das notas ou considera a
maior nota, se pode ou não utilizar o celular em sala.
Todas estas discussões poderiam ser válidas se a escola de fato
tivesse uma proposta político-pedagógica que favorecesse em primeiro
plano a discussão profunda sobre o processo de aprendizado do estudante,
a importância do clima escolar para melhoria do relacionamento e quais
valores seriam adotados pela escola em suas situações desafiadoras que
promovessem uma educação integral do cidadão.
Segundo relata Puig (1998), a educação moral democrática e
pluralista talvez alcance seus objetivos se, junto aos aspectos universais,
atentar-se às diferenças e valores das diversas culturas e grupos sociais. A
educação moral como formação de hábitos virtuosos é um paradigma
discutível pois nos remete a promover a felicidade que o próprio ser
humano pode esperar com base nos valores determinados pelo grupo
social, ou seja, são formas de transmitir as maneiras de ser e de se
319
comportar. Vale ressaltar que para Piaget o professor deve ser um co-
laborador neste ambiente e co-operar para que o próprio estudante possa
construir seus raciocínios e construir seus conceitos sobre temas e leis
importantes que regem uma sociedade, o ambiente e as leis naturais, como
no campo da construção dos valores morais na busca de uma formação
autônoma (Piaget, 2014[1954]).
Conforme relata Puig (1998) a construção da personalidade moral
do adolescente dependerá do tipo e quantidade de problemas sociomorais
que ele é capaz de perceber nos meios de experiência em que se encontra
ou nos meios que exercem alguma influência sobre o próprio adolescente.
Assim, a construção da personalidade moral se produz sempre no interior
ou em relação a um certo número de meios de experiência, ou seja, se
produz em função de um contexto de desenvolvimento que apresenta
dificuldades valorativas, que aporta uma determinada cultura moral, que
serve no espaço de vivência no qual transcorre o processo de formação
moral. Portanto, o meio ou o contexto, fornecem as experiências vitais a
partir das quais os adolescentes podem reconhecer o que é para cada um,
problema sociomoral expressivo.
Logo se não se forma um adolescente para a autonomia, se faz
necessário criar mecanismos como regras e normas para o controle de
comportamentos. Pensar em uma educação integral como papel da escola,
não seria formar indivíduos com esta necessidade de controle, pois isso é
característica de sujeitos heterônomos. O motivo de nosso texto sobre a
influência do ambiente escolar na formação dos valores morais dos
adolescentes baseia-se na própria reflexão de Puig (1998, p. 152) sobre este
assunto em que ressalta a importância de compreender a influência do
ambiente na formação da personalidade moral do sujeito, sendo os dilemas
uma estratégia de trabalho.
320
Não é possível compreender a formação da personalidade moral
sem considerar contextos e os meios de experiência moral em que se realiza
os processos de formação. Essa formação moral não é facilmente explicável
deixando-se à margem dos ambientes que moram ou afetam. Ainda não se
têm uma visão clara quanto ao papel que desempenha o meio na
construção da personalidade moral. Também não temos muito claras as
ideias sobre a natureza e qualidades dos diversos meios de experiência
moral, mas, estamos convencidos de que será impossível compreender o
processo de construção da personalidade moral sem uma maior atenção ao
papel do contexto, ou seja, do meio.
Assim, no momento em que a escola conseguir derrubar seus
muros internos, ela estará pronta para atender estas novas demandas sociais
com uma formação de valores morais que estejam focadas no respeito
mútuo e na convivência harmônica. Ela estará pronta para receber todos,
principalmente os excluídos, os diferentes, os de opiniões diversas etc.
Quando ela souber aproveitar todos estes conhecimentos para construir
em conjunto os valores que serão realmente importantes para constar no
projeto político-pedagógico, não por obrigação simplesmente burocrática,
mas, por opção e escolhas feitas por meio de diálogo e reflexão constante
entre toda comunidade escolar responsável em eleger os valores que
realmente auxiliam na formação do adolescente deste espaço de
aprendizagem coletiva, teremos uma escola mais democrática, como o
desejo de teóricos como Kohlberg e Lind, que apontamos no início da
discussão.
É importante ressaltar a necessidade de repensar a formação inicial
e continuada dos professores, para que, paulatinamente, possam elaborar
as estratégias de ensino coerentes com a sociedade que desejamos,
priorizando uma convivência harmônica e pacífica. Para tanto, torna-se
321
fundamental o preparo dos educadores para lidar com a educação moral
no ambiente escolar, que o professor tem papel imprescindível na
organização do ambiente onde se o ensino e a aprendizagem visando
uma formação integral do educando.
A escola no momento da elaboração de sua proposta pedagógica
deve por meio de suas ações buscar essa formação integral, pois
documentos como a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
(BRASIL, 1996), as Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Básica
(BRASIL, 2013) e a Base Nacional Comum Curricular BNCC
(BRASIL, 2017), tematizam em seus princípios e fundamentos questões
relacionadas ao desenvolvimento integral com base em princípios éticos,
sendo esses documentos importantes como subsídio para a construção de
ações que abarquem não os conteúdos tradicionais, mas também temas
relacionados à formação ética e de valores dos educandos.
Considerações Finais
O principal objetivo deste texto foi mostrar as contribuições de
Kohlberg e de Lind acerca da importância da discussão de dilemas morais
para a construção da competência moral, que abarca a ideia de que afeto,
cognição e comportamento são componentes indissociáveis, tese esta que
marcou profundamente a Psicologia e a Pedagogia. Para tanto, abordamos
aqui os estágios de desenvolvimento moral do primeiro autor e os
elementos essenciais para o trabalho com dilemas morais.
Partindo das premissas de Kohlberg e de Piaget de que a ação moral
é precedida pelo juízo, que condição e sentido a ela, vimos que o
primeiro autor desenvolveu os seis estágios de raciocínios morais que
322
podem ser considerados como de justiça e a moralidade é então definida
como uma atitude de respeito pelas pessoas e pelas regras.
Kohlberg concluiu que os conceitos de heteronomia e autonomia,
propostos por Piaget, não eram suficientes para a classificação dos tipos de
raciocínio moral que ele encontrou em seus estudos com adolescentes e
adultos. Sendo assim, criou os seis estágios de raciocínio moral, que podem
ser agrupados em três níveis: pré-convencional, convencional e pós-
convencional (BATAGLIA; MORAIS; LEPRE, 2010).
Conforme cita Puig (1998, p. 229), podemos compreender a
educação moral como uma construção, onde o educando se apropria dos
guias culturais de valor e desenvolve suas capacidades morais, mas o faz
com a colaboração dos educadores, que ajudarão nesta construção do saber
e orientam o uso dos procedimentos morais. Ampliando um pouco a
perspectiva, a construção da personalidade moral supõe um trabalho
artesanal, como saber prático, não devendo ser ensinada sem a participação
ativa de quem aprende. Trata-se de construir um projeto político-
pedagógico que busque encontrar um caminho melhor entre a mera
transmissão informativa e o laissez-faire cognitivo, assim como entre a
autonomia somada a um vazio cultural e a imposição unilateral de formas
de vida.
A intervenção educativa sob uma perspectiva que compreenda a
educação moral como uma construção da personalidade deve ter presente
a vida, estudando os valores e situações desafiadoras que promovam a
dignidade humana, o respeito e o diálogo. Este é o desafio dos educadores
e da escola que quer trabalhar com uma educação integral.
Assim compreender essa evolução cognitiva e afetiva da formação
de valores morais e suas escolhas desde à infância até a adolescência se faz
necessário para que o ambiente escolar esteja preparado a trabalhar de tal
323
forma que possa favorecer esta formação, por meio de relações de justiça,
reciprocidade e solidariedade. Conhecer este contexto cognitivo, afetivo e
social é importante para adoção de ações pedagógicas em busca da
formação de um indivíduo autônomo, lembrando sempre que a discussão
de dilemas pode ser uma boa ferramenta pedagógica nesse processo.
Referências
BATAGLIA, P. U. R.; KAPPANN, M.M.S.G.; BERNARDO, J.F. A
teoria do Duplo Aspecto da Moralidade: A proposta de Georg Lind. In:
MARTINS, R. A.; CRUZ, L. A. N. (org). Desenvolvimento Sócio
Moral e Condutas de Risco em Adolescentes. Campinas: Mercado das
Letras, 2015.
BATAGLIA, P.U.R.; MORAIS, A.; LEPRE, R.M. A teoria de Kohlberg
sobre o desenvolvimento do raciocínio moral e os instrumentos de
avaliação de juízo e competência moral em uso no Brasil. Estud. psicol.
(Natal), Natal, v.15, n.1, abr.2010.
BATAGLIA, P.U.R. Esses adolescentes de hoje... podem e sabem discutir
e vivenciar dilemas contemporâneos?As contribuições de Lawrence
Kohlberg e Georg Lind. In: TOGNETTA, L.R.P.; VICENTIN, V. F.
(org.). Esses adolescentes de hoje... o desafio de educar moralmente para
que a convivência na escola seja um valor. Americana: Adonis, 2014.
p.113-135.
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Base
Nacional Comum Curricular. Brasília: MEC/SEB, 2017.Disponível em:
http://basenacionalcomum.mec.gov.br/images/BNCC_EI_EF_110518_
versaofinal_site.pdf. Acesso em: 06 jul. 2021.
324
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Lei de
Diretrizes e Bases de Educação Nacional 9394/96. Brasília: MEC/SEB,
1996. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9394.htm. Acesso em: 06
jul. 2021.
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica.
Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Básica. Brasília:
MEC/SEB, 2013.Disponível
em:http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=do
wnload&alias=13448-diretrizes-curiculares-nacionais-2013-
pdf&category_slug=junho-2013-pdf&Itemid=30192. Acesso em: 06 jul.
2021.
BIAGGIO, A. M. B. Lawrence Kohlberg: ética e educação moral. São
Paulo: Moderna, 2002.
CORTELA, M. S.; LA TAILLE, Y. Nos labirintos da moral. Campinas:
Editora Papirus, 2005.
HARE, R.M. Ethical theory and utilitarism. In: SEN, A.; WILLIAMS,
B. (orgs.). Utilitarism and beyond. Cambridge: Cambridge University
Press, 1982, p.23-38.
LEMOS DE SOUZA, L; VASCONCELOS, M. S. Juízo e Ação Moral:
desafios teóricos em Psicologia. Psicologia & Sociedade, Florianópolis,
SC, v. 21, n. 3, p. 343-352, set./dez.2009. Disponível em:
http://www.scielo.br/pdf/psoc/v21n3/a07v21n3.pdf. Acesso em: 20 jun.
2019.
MENIN, M. S. S. Desenvolvimento moral: refletindo com pais e
professores. In: MACEDO, L. (org.). Cinco estudos de educação moral.
São Paulo: Casa do Psicólogo, 1996, p.30-101.
325
PIAGET, J. O juízo moral na criança. São Paulo: Summus, 1932/1994.
PIAGET, J. Psicologia e Pedagogia. Rio de Janeiro: Forense
Universitária, 1976.
PIAGET, J. Relações entre a afetividade e a inteligência no
desenvolvimento mental da criança. Rio de Janeiro: Wak Editora,
1954/2014.
PUIG, J. M. A construção da personalidade moral. São Paulo: Editora
Ática, 1998.
327
13
SER LEAL OU SER HONESTA?
UMA PROPOSTA DE DESENVOLVIMENTO DA
COMPETÊNCIA MORAL UTILIZANDO DILEMAS
Simone Gomes de Melo
Elvira Maria P. P. Ribeiro Parente
Introdução
Quantas crianças e jovens vivenciam diariamente dilemas e têm
que tomar uma decisão que nem sempre os deixa completamente
confortáveis? Quem nunca precisou renunciar a um valor em detrimento
de outro em alguma situação? Por que se escolhe um valor e não outro?
Como tornar mais evidente e repertoriado esse processo de escolha?
Essas são algumas perguntas que conduzem à produção deste texto.
Pensando no quanto as escolhas atravessam o cotidiano das pessoas que
vivem em sociedade, este capítulo objetiva refletir sobre a potencialidade
do uso de dilemas morais educativos como uma estratégia para o
desenvolvimento da competência moral de crianças e jovens. Para isso será
feita a apresentação e a análise de dois dilemas que envolvem os valores da
https://doi.org/10.36311/2022.978-65-5954-220-8.p327-350
328
lealdade e da honestidade, à luz das contribuições de Piaget (1994[1932]),
Kohlberg (1984) e Lind (2018).
O trabalho com dilemas morais enquanto estratégia educacional é
propulsor de reflexões e debates que podem promover o desenvolvimento
da competência moral de quem está envolvido (LIND, 2018). Além disso,
proporciona o desenvolvimento do valor da convivência democrática, do
respeito às diferenças de ideias, da capacidade argumentativa e da
habilidade de escuta. É um exemplo importante de estratégia em que o fim
não é o principal e sim o próprio processo vivido.
Com vistas a alcançar o objetivo proposto, este capítulo está
dividido em três seções. A primeira delas irá fundamentar teoricamente o
uso de dilemas morais educativos utilizando o referencial teórico da
psicologia moral baseado em Piaget (1932/1994), Kohlberg (1984) e Lind
(2018). A segunda versará sobre os valores escolhidos para compor os
dilemas, a lealdade e a honestidade, uma vez que dilemas que confrontam
esses valores são recorrentes em situações em que crianças, jovens e até
adultos vivenciam. Na terceira seção será apresentada uma proposta de
condução de dilemas conforme metodologia desenvolvida por Lind
(2018), considerando os valores acima descritos.
Competência Moral e Trabalho com Dilemas Morais Educativos
muito tempo que a filosofia, a sociologia e, de forma mais
recente, a psicologia se dedicam ao estudo sobre a moralidade humana. São
muitos os autores que discutem os valores que podem orientar a moral. No
entanto, poucos são os que compreendem a moralidade em um duplo
aspecto, no qual a razão e a afetividade estão presentes e precisam ser
329
consideradas. Dentro dessa compreensão estão as investigações de Lind
(2018) que tem como base as pesquisas de Piaget (1994[1932]) e Kohlberg
(1984). Esses três autores auxiliam na compreensão acerca de como se
desenvolve a moralidade em crianças e adolescentes, o raciocínio moral
com seus estágios e níveis, e as estratégias que visam favorecer
qualitativamente o desenvolvimento da competência moral, ou seja,
impulsionam o comportamento moral. Vale ressaltar que Piaget
(1994[1932]) e Kohlberg (1984) não evidenciam tanto o tratamento do
duplo aspecto quanto Lind (2018), que traz essa discussão de maneira mais
enfática.
Piaget (1994[1932]) pesquisou o desenvolvimento da moralidade
com a observação e a entrevista sobre a noção de regras na criança no jogo
de bolinhas, ele percebeu que em cada momento da infância as regras
praticadas e sua consciência sobre elas modificavam-se. A pesquisa se deu
com crianças de até quatorze anos, sendo as menores, de zero a três,
avaliadas apenas em algumas observações. Posteriormente foram feitos
interrogatórios baseados em histórias hipotéticas em que se questionavam
hábitos de acontecimentos rotineiros nos jogos, relacionando-se com as
regras do jogo.
Em sua investigação o autor destaca que havia uma transição entre
a prática e a consciência das regras, às quais se passavam por estágios
sucessivos. Assim, constatou quatro estágios. No primeiro, denominado
Motor e Individual (entre 2 e 3 anos), não havia regras coletivas, o prazer
era individual e as regras eram motoras. O segundo estágio, Egocentrismo
(entre 2 e 7 anos), caracterizava-se pelo cumprimento de regras, que eram
seguidas por imitação - ser ganhador não significava precisamente ganhar
mais bolinhas que os companheiros. No terceiro, Cooperação (entre 7 e 10
anos), as crianças jogavam umas contra as outras, combinavam as regras,
330
no entanto, quando separadas davam informações diferentes sobre elas.
Por fim, o estágio de Codificação de regras (acima de 11, 12 anos), no qual
as regras eram discutidas em minúcias - em ocasiões levava-se mais tempo
combinando-as do que jogando propriamente e se tinha consciência da
coletividade.
Concomitante à prática das regras havia o desenvolvimento da
consciência das regras a partir do estágio do Egocentrismo. Neste primeiro
estágio, a regra não era obrigatória, por ser puramente motora; no
estágio, apogeu do Egocentrismo e o primeiro estágio da Cooperação, a regra
era considerada sagrada, de origem adulta e externa; e no estágio,
Autonomia, havia consentimento mútuo, sendo o respeito pela regra
obrigatório.
Analisando esses e outros achados, Piaget (1994[1932]) percebeu
que havia duas tendências morais, a primeira, heterônoma, as regras são
advindas de alguém mais velho e se reproduzem nas crianças pelo respeito
unilateral, não havendo assim uma compreensão do porquê da sua
existência. Por outro lado, à medida que seu grupo de convivência se
amplia, percebem que a cooperação é um bom meio para conviver e
estabelecer regras por acordo mútuo. O respeito às regras parte do seu
interior e uma compreensão de sua necessidade, numa tendência
autônoma.
Impulsionado pelas pesquisas realizadas por Piaget
(1994[1932]), Kohlberg (1984) acreditava que havia mais fatores
incluídos dentro dessas duas tendências morais. Segundo Biaggio (2006)
o pesquisador entrevistou crianças e adolescentes de 10, 13 e 16 anos e
assim constatou uma evolução do raciocínio moral por seis estágios
sucessivos classificados em três níveis: pré-convencional (estágios 1 e 2);
convencional (estágios 3 e 4) e pós-convencional (estágios 5 e 6). De modo
331
geral, analisando os extremos, é possível dizer que os pré-convencionais
ainda não entendem a necessidade de seguir normas, ao passo que, os pós-
convencionais entendem e aceitam as regras sociais, porém
compreendendo-as sob o olhar dos princípios que as regem, o que permite
que, às vezes, tais princípios conflitem com as regras existentes. A seguir,
serão analisadas características de cada estágio, tendo como referência a
perspectiva de Biaggio (2006).
No nível pré-convencional, dois estágios. No primeiro,
denominado Orientação para punição e obediência, a moralidade se define
pelas consequências, ou seja, apenas se punição significa que o ato está
errado. no segundo, Hedonismo instrumental relativista, as pessoas
consideram que o correto moralmente se trata daquilo que as satisfazem.
Neste caso, a moral é relativa, prevalece o provérbio “olho por olho, dente
por dente”, sendo assim, um estágio egoísta, relativista.
No nível intermediário, o convencional, temos o terceiro e quarto
estágios: Moralidade do bom garoto, de aprovação social e relações
interpessoais e Orientação para a lei e ordem. O terceiro estágio caracteriza-
se por pessoas que reconhecem como moralmente aceitável a aprovação
dos outros. Trata-se de um conformismo social. Para este estágio não
mais um igualitarismo rígido, porque a equidade surge como uma
concepção de justiça, ou seja, nem sempre se defende a igualdade absoluta,
de modo que é preciso dar mais a uma pessoa que está em situação de
maior desamparo. No quarto estágio, um grande respeito pelas normas,
devendo ser cumprido o dever. Mesmo quando se opta por descumprir
uma regra, refere-se como uma exceção e que a lei é necessária para nos
organizarmos enquanto sociedade.
No vel pós-convencional, o quinto e sexto estágio são: A orientação
para o contrato social e Princípios universais de consciência. Assim, no quinto
332
estágio as leis não são mais absolutas e podem ser mudadas se forem
injustas, todavia, as mudanças devem seguir canais legais e democráticos.
O sexto estágio atinge o nível moral mais elevado, de modo que a pessoa
se orienta pelos princípios morais universais. Caso tenham leis injustas e se
os canais democráticos não tiverem possibilidade de modificá-las, é
necessário que individualmente se faça algo, resultando, eventualmente,
em desobediência civil.
A partir desse conhecimento, Kohlberg e colaboradores
desenvolveram uma pesquisa em que buscavam estimular nos estudantes a
passagem para níveis mais elevados de estágios de julgamento moral
utilizando-se de dilemas morais hipotéticos. De modo que, a partir de
histórias hipotéticas, fomentava-se a exploração do sentimento e do
raciocínio. A atividade ocorria em um grupo conduzido por um líder bem
treinado (que na escola seria um professor), que apoiava os pontos de vista
divergentes e estava disposto a debater argumentos e explorar sentimentos
e valores (KOHLBERG; POWER; HIGGINS, 1997).
Segundo Hersh, Reimer e Paolito (2002), a estratégia apresentada
anteriormente coloca em contato indivíduos de diferentes níveis,
propiciando o desequilíbrio cognitivo e possibilitando a formação de uma
nova estrutura no raciocínio. Para eles, esse desequilíbrio ocorre por três
vias: no aluno consigo mesmo; no diálogo com outros alunos, permitindo
mudanças de etapas superiores ao seu próprio nível; como também no
diálogo com o professor. Nesta última, o professor assume um papel de
organizador das ideias, pois entende o modelo de raciocínio do aluno,
recupera oralmente sua perspectiva e faz outro argumento, promovendo
assim intervenções nas quais possibilita estágios de raciocínio moral
superiores aos que estavam sendo apresentados pelos alunos. Desse modo,
o professor é um incentivador do desenvolvimento moral.
333
As contribuições de Piaget (1994[1932]) e Kohlberg (1984) sobre
o desenvolvimento do juízo moral servem de base para muitos estudos que
visam a compreender como se esse desenvolvimento e como promover
o desenvolvimento do raciocínio moral.
Lind (2018) é um desses estudiosos e busca operacionalizar o
conceito de competência moral criado inicialmente por Kohlberg,
dedicando-se a estudar os modos de ensinar, desenvolver e avaliar esse
aspecto do comportamento moral. Para Lind (2018) a competência moral
é a capacidade de cada sujeito de resolver conflitos por meio da deliberação
e do diálogo, sem uso da violência ou submissão a uma autoridade externa.
O trabalho com a discussão coletiva de dilemas morais educativos
é a grande proposta do autor para o desenvolvimento dessa competência,
uma vez que a estratégia envolve também faces das competências: moral
individual e sócio comunicativa (competência democrática) que, não por
acaso, o autor utiliza-as como sinônimo. Na discussão de dilemas, o
pesquisador reúne aspectos da técnica de Blatt e Kohlberg, todavia,
estimula a apresentação de contra-argumentos entre os próprios membros
do grupo, assim não se configura como responsabilidade do professor
apresentar argumentos um estágio acima do grupo (SOUZA, 2008).
Lind (2018) compreende a democracia como um ideal moral,
como um valor, para além de um sistema de governo. Ele defende que a
competência moral individual influencia e é influenciada por esse valor,
sendo o seu desenvolvimento fundamental para o avanço da vivência real
da democracia em sociedade.
A educação escolar, enquanto direito público subjetivo, pode ser
para muitos a única oportunidade do desenvolvimento dessa competência
e, portanto, de fortalecimento da democracia como valor moral, posto que
outras instituições sociais muitas vezes, não ocupam o lugar de promotoras
334
do debate com as crianças e jovens. No entanto, é necessária uma política
de formação continuada para os professores que promova também o
desenvolvimento das competências morais dos adultos, para que assim, eles
possam promover condições de desenvolvimento para os estudantes. Lind
(2018) reforça a importância da formação de professores e futuros
formadores para que o método de discussão dos dilemas seja utilizado de
maneira assertiva e defende que este método, ainda que aconteça poucas
vezes no ano, é eficaz.
Uma pesquisa realizada por Vinha et al. (2017) avaliou a adesão ao
valor da convivência democrática por professores, crianças e adolescentes.
A investigação, que faz parte de uma pesquisa maior com quatro valores,
analisou a escolha que estes sujeitos faziam para resolução de situações
hipotéticas, em que havia a possibilidade de assertivas contrárias ao valor
(não adesão) ou assertivas pró-valor (adesão). As assertivas eram ainda
divididas em contravalor em perspectiva egocêntrica e sociocêntrica e pró-
valor egocêntrico, sociocêntrico ou moral, baseadas nos níveis de Kohlberg
(1984). Segundo os autores, dentre os quatro valores pesquisados:
solidariedade, justiça, respeito e convivência democrática, foi este último
que obteve a menor adesão em uma perspectiva moral, ou seja, foi
considerado como o mais árduo de ser aderido moralmente por crianças,
jovens e adultos, não havendo nenhum destes últimos que tenham aderido
ao valor no nível considerado moral de respostas.
Os dados desta pesquisa reforçam que urge a necessidade de uma
educação que intencionalmente promova o ensino e aprendizagem dessas
competências morais-democráticas. Dessa forma, poderão ser atendidos os
objetivos tão bem-intencionados de muitas escolas brasileiras que visam
resolver seus problemas e conflitos por meio do diálogo e do debate de
ideias e não de forma violenta.
335
A partir das considerações apresentadas até aqui, nota-se que a
competência moral como um fator a ser desenvolvido no espaço escolar,
de forma intencionada e planejada, não como algo inato, nem de
transmissão de valores ou lições de moral. Lind (2018) propõe o
desenvolvimento da competência moral-democrática, por meio da
discussão de dilemas coletivos, como uma vacina que pode prevenir o
crescimento de maneiras violentas de resolver os problemas na escola ou
na sociedade.
Os Valores da Honestidade e da Lealdade
A convivência em sociedade é marcada pela existência de valores
de diferentes tipos e que se relacionam com diferentes aspectos da vida
social, tais como os estéticos, religiosos e políticos. Apesar dessa
coexistência, nem todos estão postos em função de um bem comum. Os
valores mais universalizáveis e voltados para a convivência ética entre seres
humanos são chamados de valores morais (MARQUES; TAVARES;
MENIN, 2017). A democracia, defendida por Lind (2018) como um
valor, é um deles. Assim como este, outros valores fazem parte do rol
daqueles que estão voltados para o bem comum e são vistos, portanto,
como valores morais universalizáveis, tais como: o respeito, a solidariedade,
a dignidade, a lealdade, a justiça, a honra e a honestidade.
Para Marques, Tavares e Menin (2017, p. 17) “a palavra “valor”
vem de valere e exprime a ideia daquilo que vale alguma qualidade (o bem,
a beleza, a eficácia ou utilidade, o poder) atribuída por alguém a algo”. Os
valores representam assim uma avaliação e uma preferência e podem ter
maior ou menor força nas escolhas realizadas por cada um a depender da
336
centralidade que ocupam na personalidade. A personalidade pode ser
considerada ética quando esses valores centrais estão relacionados à moral,
como reflete La Taille (2010, p. 113):
E quanto às pessoas que sempre (ou praticamente sempre)
optam por seguir os mandamentos da moral, pode-se delas
dizer, pela recíproca, que os valores centrais de suas
representações de si são justamente aqueles condizentes
com a moral, ou eles mesmos morais. Delas se pode dizer
que possuem realmente uma personalidade ética. Isso não
implica dizer que não passam por conflitospelo menos se
não forem heróis ou santos –, mas esses costumam ser
resolvidos pela força do sentimento de obrigatoriedade
moral, pois, para tais pessoas, ser elas mesmas e ser moral é
a mesma coisa. (LA TAILLE, 2010, p. 113)
O autor reforça que as personalidades éticas não estão isentas dos
conflitos, mas conseguem lidar com eles, quase sempre, optando por um
valor moral. Esta ideia está de acordo com as propostas de Lind (2018)
quando indica que competência moral é justamente a capacidade de
resolver conflitos por meio do diálogo e da democracia. A construção de
personalidades éticas, portanto, não se pela mera transmissão dos
valores morais, mas pela vivência de situações reais ou hipotéticas
conflitantes em que seja possível refletir de maneira individual e/ou
coletiva não sobre suas escolhas, mas sobre o porquê daquela escolha,
bem como sobre os sentimentos, ou seja, a dimensão afetiva que alimenta
de forma positiva ou não as representações de si, quando se escolhe um
valor moral em detrimento de outro.
337
Muitas são as situações vivenciadas em que os valores morais são
confrontados com valores de outra ordem, religiosos por exemplo. Para
determinada religião é um valor a subserviência da mulher em relação ao
homem. No entanto, o valor religioso não deve ser mais forte que o valor
moral do respeito à dignidade, à diversidade e à vida da pessoa humana.
Portanto, as situações de subserviência que ferirem esses valores morais não
devem ser associadas como representações positivas de si, sob o risco de
serem centrais na personalidade e fomentadores da ação do sujeito.
também o risco social de uma supremacia dos valores de uma determinada
religião que não são voltados para o bem comum na sociedade e não
podem ser atribuídos a todos que nela vivem como os valores morais.
Escolhas assim acirram as situações de intolerância religiosa, bem como,
nessa situação específica, perpetuam uma cultura machista naturalizada
como hegemônica, por exemplo, no Brasil (MARQUES; TAVARES;
MENIN, 2017).
Em outras situações, os valores que estão em jogo são apenas
morais, por exemplo quando para ser honesto é preciso abrir mão da
lealdade e contar um segredo. Nesse caso pode residir um grande dilema,
para alguém que tenha aqueles dois valores morais como centrais em sua
personalidade, uma vez que qualquer um dos valores que seja escolhido
fará simultaneamente com que se abra mão do outro. Abrir mão de um
valor central comumente causa uma sensação de mal-estar ou vergonha de
si (LA TAILLE, 2010). Apesar de não ser uma situação confortável, muitas
são as vezes em que sujeitos de todas as idades vivenciam esses dilemas e
muitos também são os porquês que fazem com que cada um tome sua
decisão, ou seja, as motivações que levam a uma escolha. São essas
motivações que designam o estágio de desenvolvimento moral e
reverberam na competência moral dos sujeitos.
338
Essa reflexão vem ao encontro das discussões de Lind (2018)
quando propõe o trabalho de discussão coletiva de dilemas morais
educativos como uma proposta de desenvolvimento da competência
moral. Isso porque os dilemas são geradores de conflitos, que colocam
os sujeitos à frente de uma situação em que os valores em jogo são morais.
Dessa forma é possível, por meio da discussão, entrar em contato com
argumentos e contra-argumentos de diferentes estágios morais, inclusive
mais elevados, e conhecer, portanto, outras formas de justificar as escolhas.
Além disso, a proposta de discussão de dilemas fomenta o exercício do
diálogo, principal condutor de uma convivência democrática,
desenvolvendo a capacidade de escuta e argumentação de quem participa.
A lealdade e a honestidade, citadas no exemplo acima, são dois
valores morais que quando colocados em prática viram virtudes, uma vez
que a virtude é o valor em ação. Em um dilema entre dois valores morais
como estes, escolher qualquer um deles pode ser uma atitude moral, mas
também é declinar em um outro princípio igualmente moral. Difícil
escolha não é mesmo? Ser leal ou ser honesta?
O dilema entre esses dois valores é comum nas situações cotidianas,
mas pode ser visto como mais difícil de solucionar, a depender da idade e
do nível de desenvolvimento moral de quem o vivencia. Para uma criança
pequena talvez a escolha fosse mais óbvia: ser leal até certo ponto em que
não houvesse consequências para si, a depender do conteúdo da situação,
ou escolher ser honesto, afinal, é o que adultos esperam e nessa idade a
regulação externa da autoridade ainda é muito forte pelo temor da perda
do amor, próprios da tendência heterônoma. No entanto, para
adolescentes esse pode ser um dilema mais difícil, uma vez que nesta fase a
busca por se reconhecer como parte de um grupo de amigos é muito forte,
o que coloca a lealdade como um valor de importância diferente das
339
crianças mais novas. A honestidade, contudo, continua sendo um valor
importante, seja para atender uma expectativa externa, seja para atender a
validação de uma representação de si mesmo, como alguém de valor, em
uma tendência mais autônoma.
Segundo Lepre e Ferreira (2020), o ato de ser honesto como uma
virtude exige uma internalização desse valor num exercício racional. Nesta
perspectiva, exige ativar os princípios da verdade, justiça e reciprocidade.
Além disso, compreende:
[...] praticar o que é racionalmente correto, ainda que,
ninguém esteja observando. É preservar-se dos conflitos
de interesses para não se deixar contaminar pelas tentações
individuais. É proceder com autonomia, consciente de
que o ato a ser praticado é um dever, sem esperar
recompensas em troca. É agir por racionalidade moral,
pensando no bem-estar da coletividade, considerando-a
vital e fundamental no convívio em sociedade, orientando
práticas e estratégias de conduta nas intenções e ações
(LEPRE; FERREIRA, 2020).
Em um contexto escolar, as autoras relatam que é preciso
considerar a idade dos estudantes, compreendendo assim, as falas e os
argumentos utilizados por eles ao declararem serem honestos.
A lealdade, também chamada de fidelidade à palavra empenhada,
é também um valor moral importante, inclusive para adesão aos demais
valores (PEDRO-SILVA, 2004; PEDRO-SILVA; RONDINI, 2016). Isso
porque para ser honesto, por exemplo, é preciso ser leal ao valor da
honestidade.
340
Segundo Pedro-Silva (2004) algumas outras características que
atribuem à lealdade ou à fidelidade importância enquanto valor. Uma delas
diz respeito à associação da lealdade a algo que se estima, uma vez que
se será fiel a algo que é estimado e a aquilo que se quer manter.
Vale ressaltar que existe uma diferença entre uma lealdade virtuosa
e outra que pode ser vista como obediência cega.
A lealdade virtuosa, porém, apresenta outra característica,
que é a de não se traduzir na obediência desmesurada a
qualquer valor. Ela pode ser concebida uma virtude se
for contrária a todos os tipos de excessos, como o de ficar
atada a um acordo que possa significar prejuízo a outrem
(PEDRO-SILVA; RONDINI, 2016, p. 198).
É possível observar que os autores fazem uma descrição da lealdade
virtuosa, aproximando-a de uma tendência autônoma, que por sua vez,
diferente da obediência cega, mais próxima a uma tendência heterônoma.
Para ser leal e fiel a um contrato ou a uma palavra empenhada, em uma
perspectiva moral autônoma, é preciso considerar as consequências da
fidelidade a outrem.
Uma pesquisa realizada por Pedro-Silva e Rodini (2016) avaliou se
estudantes do Ensino Fundamental II consideravam a lealdade um valor
mais importante que a honestidade. Para isso utilizaram histórias sobre
lealdade e seguiram um modelo de pesquisa piagetiano. Os resultados
encontrados indicaram que para estes estudantes a lealdade virtuosa
depende das consequências que pode gerar a outra pessoa e não
necessariamente do conteúdo e uma leve inclinação maior das meninas em
ver a lealdade como um valor do que os meninos.
341
O estudo anterior de Pedro-Silva (2004), com metodologia
similar, teve como público-alvo as crianças do Ensino Fundamental I de
seis, nove e doze anos, e investigou a influência da fidelidade à palavra
empenhada entre escolares, confrontando com histórias que envolviam o
furto e a mentira. Os resultados por sua vez indicaram, como na pesquisa
com adolescentes, também uma diferença na percepção de meninos e
meninas sobre a lealdade, ainda que não seja estatisticamente significativa.
Por outro lado, alguns resultados diferiram da pesquisa com os mais velhos,
principalmente no que diz respeito à grande influência do conteúdo no
raciocínio moral das crianças do Fundamental I. O autor indicou ainda
que os julgamentos não sofreram influência do tipo do papel (amigo,
irmão) da personagem da história, mas que houve diferenças significativas
quanto à idade no julgamento moral, sobretudo entre as crianças de seis e
12 anos, havendo uma preponderância de escolha pela ética da justiça e de
cálculo de risco a longo prazo da continuidade da lealdade ou da
deslealdade.
De maneira geral, os dois estudos indicam que uma tendência
à adesão à lealdade que depende da idade, do nível de raciocínio moral e
que nem sempre ser leal é ser virtuoso em um sentido moral.
As reflexões indicam que tanto a honestidade, quanto a lealdade
são valores morais importantes para a construção de personalidades éticas
e o desenvolvimento da competência moral. Desse modo, foram eles os
escolhidos para subsidiar a proposta de discussão por meio de dilemas,
apresentada a seguir.
342
Entre a Lealdade e a Honestidade: uma Proposta de Discussão Coletiva
de Dilemas com Crianças e Jovens
A escola enquanto espaço educativo se faz viva pela convivência
entre pessoas diferentes o que a torna palco por excelência das experiências
de troca entre essas pessoas. É nessa relação interpessoal que as contradições
e contraposições de argumentos acontecem. Apesar de acontecerem
naturalmente na escola os conflitos de ideias, opiniões e quereres, eles não
são a única oportunidade de atuação intencional da instituição escolar. Os
estudos de Puig et al. (2020) apontam que a atuação dessa instituição
precisa acontecer também de maneira provocada, seja por meio de ações
preventivas ou de fomento, nas vias: curricular, institucional e interpessoal.
Para isso, é necessária a disponibilização de espaços e tempo, inclusive nas
aulas, para refletir sobre as questões que envolvem a convivência, com o
planejamento de ações para promover relações mais respeitosas, prevenir
condutas violentas e até atuar em situações conflituosas com o uso do
diálogo. Além disso, a escola por completo precisa se implicar com todos
os seus atores, desde a atuação de professores, quanto de gestores,
funcionários, estudantes. Assim como, por meio dessas ações, cada um
teria seu momento para repensar seu jeito de ser e fazer, refletindo sobre
transformações necessárias sobre si e na relação com as outras pessoas com
quem convive.
As diferentes ações e vias citadas compõem um mosaico de
possibilidades de intervenções intencionais promotoras da convivência
ética e democrática. Nesse mosaico, são inegáveis as contribuições do
trabalho com dilemas para o desenvolvimento da competência moral,
como atesta Lind (2018). Considerando a importância deste trabalho para
a via curricular, se apresentada uma sugestão de condução dessa
343
discussão, a partir dos referenciais de Lind (2007; 2018) e das reflexões
realizadas anteriormente sobre os valores da lealdade e honestidade. Esses
valores foram utilizados na criação de dois dilemas morais educativos
organizados para o trabalho com crianças e jovens, denominados “Aulas
remotas e o caso do microfone fechado” e o “Os belos óculos de
Monique”
1
. O primeiro destinado ao público jovem de 15 anos ou mais,
traz a temática das aulas remotas, como plano de fundo. O segundo com
o foco em crianças de 10 anos ou mais, tem como plano de fundo a
discussão da repetência e da dificuldade de construção de novos laços de
amizade.
Para que uma discussão aconteça tendo como mola propulsora os
dilemas morais, é preciso analisar primeiramente se a situação se trata de
um dilema moral de fato. Para isso, as duas narrativas foram avaliadas
segundo os seguintes questionamentos: A história contém um dilema?
Esse dilema é moral e estão em jogo valores universalizáveis? É possível que
os participantes apresentem argumentos de cada um dos estágios definidos
por Kohlberg? Respondendo aos questionamentos foi possível verificar que
ambas contêm um dilema: contar ou não contar a verdade em nome da
lealdade à amizade, o qual é considerado dilema moral, pois estão em jogo
dois valores universalizáveis: a honestidade em contar a verdade versus a
lealdade ao manter a sua palavra e preservar assim a amizade.
O referencial utilizado para construção e validação dos dilemas
enquanto morais e educativos é o de Lind (2018). Esse mesmo autor
propõe também um método para discussão, o Método Konstanz de
1
Os dilemas podem ser consultados na Parte II do livro. Além disso, após cada dilema é exposto
um quadro com os possíveis argumentos e contra-argumentos que podem dar suporte à discussão
coletiva.
344
Discussão de Dilema Moral (KMDD), que será apresentado a seguir como
sugestão de condução das discussões coletivas com vistas ao
desenvolvimento da competência moral de crianças e jovens. Vale ressaltar,
que o autor reforça a necessidade de realização de um curso ou workshop
específico sobre o tema para que seja possível o uso do método de forma
mais assertiva.
Segundo Lind (2018) uma sessão para discussão de dilemas,
considerando o KMDD, tem a duração de 90 minutos e pode ser realizada
com pessoas de diferentes idades, a partir de 8 anos. apenas duas regras
na discussão: a manutenção do respeito pelos colegas e obediência à regra
do ping-pong (explicada a seguir). Primeiramente apresenta-se a história,
depois, pede-lhes que julguem uma decisão, sendo considerada certa ou
errada. um momento de fortalecimento dos argumentos em grupos de
pessoas com ideias semelhantes e depois, o que Lind (2007) propõe como
o método do ping-pong: os que estão a favor e os que estão contra a posição
do personagem da história. Cada pessoa de um grupo, por vez, pode
apresentar um argumento que defenda a posição escolhida, passando então
para outra pessoa do outro grupo, respeitando assim a dinâmica em que
são intercalados um argumento e um contra-argumento, por isso o nome
ping-pong.
Essa dinâmica faz com que não se doutrine os alunos com
instruções verbais, mas seja dada oportunidade para desenvolver sua
competência moral, por meio do debate, da escuta e da construção de
argumento para defesa de uma posição, ao mesmo tempo que lidam com
a escuta dos contra-argumentos daqueles que estão no outro grupo. Vale
ressaltar que, é combinada a manutenção do respeito entre participantes
durante a discussão. Lind (2018) compara esse tipo de prática educativa
como os músculos que serão desenvolvidos com o exercício.
345
Na discussão original da perspectiva kohlberguiana, a pessoa que
conduz precisa ficar atenta aos tipos de argumentos utilizados, pois eles
irão dar indícios do estágio de desenvolvimento moral utilizados por cada
um dos partícipes. As intervenções de quem conduz devem ser feitas se os
argumentos de ambos os lados estiverem representando um mesmo estágio
de desenvolvimento, numa tentativa de trazer possíveis argumentos para
os dois lados, em um estágio mais elevado
2
.
Lind (2018), pelo contrário, propõe apenas duas intervenções:
quando houver algum tipo de desrespeito na intervenção dos participantes
ou se a regra do ping-pong não for obedecida. Nesses casos, a pessoa que
conduz a discussão intervém lembrando as regras mencionadas.
Este exercício de falar e ouvir é essencial para lidar com problemas
que toda convivência pressupõe, como o comum ato de viver em uma
sociedade. A prática do diálogo ameniza ou evita a resolução por meio de
violências. Além disso, muitas vezes, as pessoas precisam escolher entre
tomar uma atitude ou outra e não tem parâmetros anteriores para avaliar
se aquela decisão será a mais acertada. Assim, muitos podem tomar uma
atitude a qual, posteriormente, discorde. Porém, não podem voltar no
tempo e modificar seu ato e as consequências que advém dele (LIND,
2018).
Portanto, refletir sobre seus próprios valores e considerar
respeitosamente que valores diferentes dos seus é um exercício para se
preparar para situações semelhantes no futuro. Em outras palavras, praticar
a discussão de dilemas morais, proporciona uma preparação para os
dilemas da vida real e contribui para a construção de um repertório de
2
Vide os quadros de possíveis argumentos, com base nos estágios do Kohlberg, disponíveis em cada
um dos dilemas na Parte II do livro.
346
ações. Trata-se de uma maneira de se sentir mais preparado para tomadas
de decisão, buscando agir mais racionalmente (LIND, 2018).
Nesse sentido, os dilemas propostos na segunda parte do livro
(Aulas remotas e o caso do microfone fechado e o Os belos óculos de
Monique) possibilitam a reflexão sobre a lealdade e a honestidade,
potencializando a criação de repertório de ação em dilemas reais que
envolvem esses valores, ou seja, fomentando o desenvolvimento da
competência moral daqueles que participarem das discussões.
Lind (2018) indica ainda que por meio dessa dinâmica o
fortalecimento da democracia e o desenvolvimento da competência moral.
O autor reforça ainda que mesmo que aconteçam poucas sessões durante
o ano em uma escola, é possível ver resultados de desenvolvimento da
competência moral de quem participa delas.
Considerações Finais
A escola, enquanto instituição educativa é peça-chave para
contribuição de pessoas que convivam melhor em seus diferentes espaços,
que entendam quais valores movem suas práticas, assim como,
compreendam outras formas de pensar. Almejando tais alcances, uma
educação voltada à convivência democrática precisa ser pensada em três
vias na instituição: curricular, institucional e pessoal.
A discussão de dilemas morais educativos pode ser uma estratégia
da via curricular, que unida a outras estratégias das demais vias e blicos,
colaboram para a construção de escolas e sociedade mais democráticas.
Nesse sentido, este capítulo teve como objetivo refletir sobre a
potencialidade do uso de dilemas morais educativos como uma estratégia
347
para o desenvolvimento da competência moral de crianças e jovens. Dessa
maneira foi apresentado um referencial teórico para dar suporte aos
encaminhamentos sugeridos por meio dessa prática, além de uma
discussão sobre os valores da honestidade e lealdade tão presentes nos
dilemas vividos pelas pessoas, principalmente nas fases da infância e
adolescência.
Como apresentado, esses dilemas são histórias hipotéticas que
colocam em “xeque dois ou mais valores morais. Vale lembrar que na vida
os estudantes lidam constantemente com dilemas reais dessa natureza,
sendo estes momentos passíveis de angústia, pois requerem a tomada de
decisões que para alguns pode ser difícil, uma vez que é preciso abrir mão
de um valor que lhes é caro. Assim, os dilemas propostos “Aulas remotas e
o caso do microfone fechado” e “Os belos óculos de Monique são
situações hipotéticas que podem ser abordadas em sala de aula,
proporcionando um exercício intencional de reflexão e tomada de decisão
por parte de estudantes.
A discussão por meio do método do ping-pong permite que os
alunos busquem argumentos para defender suas próprias perspectivas, ao
passo que, também analisem o ponto de vista de seus colegas, tendo assim
condições de perceber os prós e contras na defesa de um valor em
detrimento de outro, a exemplo dos casos apresentados, escolhendo pela
honestidade ou pela lealdade. O contato com diversos níveis morais de
argumentos, numa discussão de dilema, pode ser potencializador do
desenvolvimento moral daqueles que participam deste momento.
Além disso, os estudos sobre a discussão dos dilemas morais
educativos indicam que a prática em grupo colabora para maior adesão aos
valores morais em situações reais, na busca por uma sociedade menos
violenta e que resolva seus conflitos de maneira mais assertiva. O uso do
348
diálogo para resolver conflitos, ao invés da violência, é justamente a
definição de competência moral, o que demonstra que nessas situações o
seu desenvolvimento é intencionalmente oportunizado.
Portanto é possível concluir que a discussão de dilemas morais
educativos é potente para o desenvolvimento da competência moral, bem
como para o fomento à cultura da deliberação, do debate, da argumentação
e pode influenciar positivamente não apenas a convivência dentro da sala
de aula, como também, de pessoas mais sensíveis e democráticas, que
construam formas mais elaboradas de adesão a valores morais.
Referências
BIAGGIO, A. M. M. Lawrence Kohlberg – a ética e educação moral.
São Paulo: Moderna, 2006.
HERSH, R.; REIMER, J; PAOLITO, D. El Crecimiento moral de
Piaget a Kohlberg. Madri: Narcea, 2002.
KOHLBERG, L. Essays on moral development: The psychology of
moral development: The nature and validity of moral stages. San
Francisco: Harper & Row, 1984.
KOHLBERG, L.; POWER, F.C.; HIGGINS, A. La educacion moral
segun Lawrence Kohlberg. Barcelona: Gedisa, 1997.
LA TAILLE, Y. de. Moral e Ética: uma leitura psicológica. Psic.: Teor. e
Pesq., Brasília , v. 26, n. spe, p. 105-114, 2010 . Disponível em:
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-
37722010000500009&lng=en&nrm=iso. Acesso em: 20 dez. 2020.
http://dx.doi.org/10.1590/S0102-37722010000500009.
349
LEPRE, R. M.; FERREIRA, P. El. A honestidade como valor moral:
uma construção possível e necessária na escola. Ensino em Re-Vista,
Uberlândia, v.27, n. especial, p.1565-1589, dez. 2020.
LIND, G. La moral puede enseñarse. México: Trilhas, 2007.
LIND, G. How to teach moral competence. New: Discussion Theater.
Berlin: Logos-Publisher. 2018.
MARQUES, C. de A. E.; TAVARES, M. R.; MENIN, M. S. de S.
Valores sociomorais. Americana: Adonis, 2017.
PEDRO-SILVA, N. Estudo sobre a fidelidade à palavra empenhada
entre os estudantes. Psicol. estud., Maringá , v. 9, n. 2, p. 229-242,
Ago. 2004 . Disponível em:
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-
73722004000200009&lng=en&nrm=iso. Acesso em: 20 dez. 2020.
https://doi.org/10.1590/S1413-73722004000200009.
PEDRO-SILVA, Nelson; RONDINI, Carina Alexandra. Lealdade a um
acordo estabelecido entre os escolares. Psicol. Esc. Educ., Maringá , v.
20, n. 2, p. 197-208, Aug. 2016 . Disponível em:
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-
85572016000200197&lng=en&nrm=iso. Acesso em: 20 dez de 2020.
https://doi.org/10.1590/2175-353920150202951.
PIAGET, J. O juízo moral na criança. São Paulo: Summus, 1994.
PUIG, J. M; MARÌN, X; ESCARDÍBUL; S; NOVELLA, A. M.
Democracia e participação escolar. São Paulo: Moderna, 2000.
350
SOUZA, L. K. de. O debate de dilemas morais na universidade. Psicol.
esc. educ. [online]. Vol.12, n.1, pp. 169-183. ISSN 1413-8557, 2008.
Disponível em:
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-
85572008000100012&lng=en&nrm=iso. Acesso em: 21 dez. 2020.
http://dx.doi.org/10.1590/S1413-85572008000100012.
VINHA, T. P.; NUNES, C. A. A.; SILVA, L. M. F.; VIVALDI, F. M.
C.; MORO, A. Da escola para a vida em sociedade: o valor da
convivência democrática. Americana, SP: Adonis, 2017.
351
14
DISCUSSÃO DE DILEMAS EM DIFERENTES
CONTEXTOS
Cristiane Paiva Alves
Introdução
Ao longo da parte I do livro, foram discutidos conceitos
importantes sobre competência moral e os estágios de desenvolvimento
moral propostos por Lawrence Kohlberg. Na parte II do livro, trataremos
com mais detalhes os dilemas morais, com enfoque na sua construção e
discussão em contextos educacionais, bem como propostas de dilemas a
serem utilizados. As técnicas de discussão de dilemas devem ser
desenvolvidas em um ambiente preparado para tal, não apenas fisicamente,
mas, principalmente devem ser realizadas em conjunto com os estudantes
que precisam conhecer os objetivos que a atividade apresenta para a sua
formação em valores, com foco na convivência democrática, no diálogo e
na prática do respeito mútuo que a discussão de dilemas pode
proporcionar.
Os dilemas apresentados, na parte II, foram criados por discentes
de uma disciplina de Pós-Graduação em Educação intitulada “A teoria
https://doi.org/10.36311/2022.978-65-5954-220-8.p351-362
352
kohlberguiana em seus aspectos de filosofia, psicologia e educação”. Cada
discente elaborou um dilema que foi avaliado por um colega. O discente
autor criou argumentos a favor e contra a decisão do protagonista do
dilema, em cada um dos seis estágios do desenvolvimento moral. A Figura
1, a seguir, exemplifica o que foi feito.
Figura 1: Exemplo de argumentos a favor e contra uma determinada atitude, no
estágio 1 do desenvolvimento moral.
ESTÁGIO CONTRA (contar a verdade)
A FAVOR (mentir, não contar a
verdade)
1
Maria deveria contar a verdade,
pois se não contasse poderia ser
punida pela professora.
Maria não deveria contar a verdade,
pois poderia ter que pagar o
conserto.
Fonte: Elaborada pela autora
Os argumentos estão descritos após a apresentação de cada dilema
e servem como parâmetro para a pessoa que conduzirá a discussão. A ideia
é que a partir das orientações deste capítulo a respeito da discussão de
dilemas morais, e dos gabaritos apresentados, educadores possam fazer uso
deles com objetivos vários, como por exemplo, introduzir um tema de
estudo, favorecer a reflexão a respeito de um problema moral, discutir um
tema de bioética, e, promover o desenvolvimento moral dos sus estudantes.
Os dilemas morais devem ser discutidos em grupos, o que pode ser
desafiador, ainda mais quando se tem por objetivo a livre expressão de
opiniões, com a reflexão e justificativas pessoais sobre questões delicadas e
difíceis, como as evidenciadas nos dilemas.
353
O dilema moral se difere de uma questão na qual se espera uma
resposta correta. Ao contrário, são apresentadas situações moralmente
conflituosas, com a presença de um protagonista (com nome definido),
que se encontra em uma situação criada para a discussão dos participantes
que além de se posicionarem, são incitados a emitir uma análise racional,
argumentando para defender ou refutar a solução escolhida pelo
protagonista da história ou ainda, sobre qual decisão ele tomar e por quê.
Na discussão é necessário falar e ouvir, mesmo que os outros
participantes tenham outro posicionamento. É um exercício de escuta
ativa e de apreciação de argumentos contrários. Este exercício é muito
importante para o desenvolvimento moral. O objetivo é que se crie uma
situação propícia ao surgimento de conflito cognitivo, que segundo
Kohlberg é uma maneira de desenvolvimento em direção ao estágio de
moral seguinte (KOHLBERG,1992). Ou seja, cada pessoa se encontrará
em determinado estágio, e a partir do conflito cognitivo gerado pelas
discussões poderá haver uma evolução do raciocínio moral. Segundo
Biaggio (1999), as pessoas se sentem desconfortáveis quando confrontadas
com opiniões (mais amadurecidas) baseadas em estágios morais mais
elevados que os seus. Desta forma, quando vislumbram outras formas de
raciocínio podem modificar suas próprias opiniões.
A história proposta no dilema moral apresenta uma urgência de
decisão que precisa ser tomada, a dificuldade está no fato de que sempre
são duas opções igualmente possíveis e defensáveis. Os dilemas se dão em
um cenário real e de inevitável conflito, a pessoa precisa se posicionar
favorável a um entre dois valores conflitantes. A obrigatoriedade de
posicionamento sobre o dilema, leva ao raciocínio moral sobre os dois
valores em contraposição, este exercício proporciona a clarificação da
354
hierarquia de valores pessoais, a partir de uma reflexão sobre a importância
que se a cada valor.
Os dilemas que serão apresentados nos próximos capítulos, são de
diferentes formatos, e se definem de acordo com o seu desfecho. Segundo
Benítez (2009) eles podem ser:
Dilemas com solução: nesta modalidade a história do dilema é
apresentada com uma decisão tomada pelo protagonista. O intuito é que
os participantes emitam juízos de valor sobre a decisão.
Dilemas sem solução: a história, neste caso, é deixada sem
desfecho, a exposição dos fatos, mas se encerra com uma pergunta sobre
o que deve ser feito. Os participantes que devem criar uma solução.
Dilemas fictícios: são histórias que apresentam problemas
distantes da realidade dos participantes, podendo ser de situações abstratas
ou fictícias.
Dilemas reais: apresentam questões muito relacionadas a realidade
dos participantes, que ocorrem em seu cotidiano, levando a uma maior
identificação com este tipo de dilema.
Após definirmos as características do dilema e seus tipos,
trataremos de algumas formas de discussão em grupos que são promovidas
com o intuito de proporcionar situações de interações sociais construtivas,
a partir da comunicação com foco nos valores de cooperação, confiança,
reciprocidade, respeito mútuo, responsabilidade, dentre outros. No
momento da discussão, o dilema é apresentado em quatro fases definidas
por Puig (1999, p. 60) como:
355
1. Apresentação do dilema: acontece a leitura do dilema selecionado
para o grupo, uma outra opção é utilizar o relato de situações
(dilemas) ocorridas no ambiente escolar para que sejam discutidas
pelo grupo;
2. Adoção de uma postura pessoal inicial: o debatedor pede aos
alunos que respondam à pergunta proposta no dilema de forma
individual, registrando por escrito;
3. Discussão do dilema em pequenos grupos: após a adoção de um
ponto de vista, os grupos são divididos de acordo com a posição
que adotaram, para se inicie a discussão e defesa de suas razões,
com a oportunidade de apreciar pontos de vista distintos sobre o
problema moral em destaque;
4. Nova reflexão individual sobre o dilema e sua discussão: após a
discussão, os alunos são convidados a rever e registrar sua opinião,
com a oportunidade de acrescentar novas ideias ou razões que
descobriu a partir da discussão.
A discussão é dividida em diversas etapas que podem ser adaptadas,
no entanto, as apresentarei de forma detalhada e ao mesmo tempo
resumida para que possam trazer segurança no momento de serem
realizadas.
356
Outra forma de promover a discussão de dilemas é a partir da
utilização de dramatizações que podem promover o desenvolvimento
moral. Aqui a dramatização é entendida como forma de ação teatral que
possibilita a atuação em uma realidade imaginária, e que ao propor a
representação de papéis definidos promove a sensibilização do lugar do
outro. É como realmente “estar nos sapatos do personagem” e nesse
contexto, as emoções são vivenciadas de forma intensa, ativa, utilizando o
357
corpo para além da palavra, sendo uma forma potente de mobilização para
a criação de soluções para os dilemas vivenciados. Puig (1999) aponta para
a potencialidade da discussão de dilemas com a dramatização dos papéis,
para a promoção do desenvolvimento moral possibilitando a capacidade
de diferenciação, compreensão e coordenação de perspectivas, com a
vivência dos conflitos da situação encenada, estando no lugar do outro a
partir da encenação. Este autor, ao se basear em Kohlberg, afirma que:
[...] a estrutura da sociedade e da moralidade dependem da
relação entre o próprio eu e o eu dos demais indivíduos.
Portanto na capacidade de assumir a posição do eu dos
demais reside uma das condições prioritárias para a devida
resolução de conflitos sociais e morais (PUIG, 1999, p. 70).
Neste sentido, Lind (2019) que também se baseia nas teorias de
Piaget e Kohlberg, propõe a dramatização de dilemas com a utilização do
Teatro do Oprimido de Boal. Ao adotarmos o Teatro como o referencial
temos o objetivo de proporcionar a interação do grupo e o movimento de
estar no lugar do outro quando se encena um papel, bem como permite a
efetiva participação do público que nesta modalidade de teatro, pode atuar
e modificar o desfecho da peça que neste caso tem como roteiro o dilema
moral selecionado. Georg Lind acredita que o palco se constitui em uma
instituição moral onde as faculdades intelectuais ganham liberdade de
expressão e a oportunidade de desenvolvimento, através das interações
horizontalizadas entre personagens e público, permitindo uma experiência
de convivência democrática. Desta forma, são ferramentas muito potentes
como promotoras de reflexões, e servem aos ideais da educação
democrática quando preconizam a participação de todos e visam “libertar
358
o blico de seu papel de meros espectadores e dar-lhes a oportunidade de
participar da livre comunicação(LIND, 2019, p. 33).
Augusto Boal acredita que as pessoas atuam constantemente na
vida e por isso, são capazes de atuar no palco. Dentro da perspectiva de
Boal (1991), não divisão entre público e atores e o momento da
dramatização é utilizado para a discussão de questões sociais e resolução de
problemas. Neste sentido, apresentarei os passos para a realização da
discussão de dilemas com a utilização da técnica do Teatro Fórum,
proposta por Boal:
Teatro Fórum
Para esta técnica, utilizaremos o enunciado de um dilema
selecionado. Após a seleção, os participantes da encenação escolherão quais
personagens farão e realizarão um breve ensaio para a memorização das
falas e a apropriação dos papéis. Os participantes iniciam a dramatização
da cena e a plateia assiste até a finalização, podendo atuar nas interações e
mudar os desfechos.
Etapas da execução:
1. Leitura do dilema e distribuição de papéis para a dramatização da
cena que pode terminar com a ação do protagonista do dilema ou
com a pergunta sobre o que deve ser feito por ele;
2. O debatedor estará no papel que Boal chamou de “o coringa” e é
ele que apresentará o desfecho ou fará a pergunta: “e agora, o que
deve ser feito?” ao público;
359
3. Uma pessoa do público se candidata a representar a sua sugestão.
Ela não diz nada, apenas entra no lugar de um dos personagens e
atua de acordo com a sua ideia, iniciando uma nova cena. Por
exemplo: se estão dramatizando um conflito entre um professor e
um aluno, a pessoa que assiste a cena pode entrar depois e refazer
as falas, utilizando uma linguagem mais apropriada e
transformando o conflito em um momento de construção do
desenvolvimento moral;
4. Após a finalização de cada cena, outras pessoas da plateia podem
entrar em cena para atuar, iniciando-se novas dramatizações, até
que os participantes cheguem a uma solução que seja considerada
pertinente para todos os personagens.
Este tipo de dramatização é uma estratégia que mobiliza a
participação dos alunos, pois é lúdica e trata de uma forma leve e divertida
dos dilemas morais, permitindo a promoção do raciocínio e do
desenvolvimento moral. Uma outra forma de apresentação de dilemas, é a
utilização de jogos que permitem a descentralização, conduzindo o
participante ao lugar do outro de forma concreta, mas, ainda assim
bastante divertida. Um exemplo é o que apresentarei, a seguir, como no
Jogo das cadeiras.
Jogo das Cadeiras - O Lugar do Outro
Suponhamos que no dilema existam três personagens, assim,
separamos três cadeiras e as posicionamos em um círculo. Atrás de cada
cadeira é fixada uma folha com o nome de cada personagem, mas, os
participantes não sabem a qual se referem.
360
Etapas de execução:
1. As pessoas sentam em roda e inicia-se a apresentação do dilema
pelo debatedor que apresenta o número de personagens
equivalente ao número de participantes;
2. Em cada cadeira são afixados os nomes dos personagens, mas, os
participantes não sabem quem representam;
3. Sem saberem qual seu papel, os participantes discutem o dilema,
buscando um consenso sobre a solução que seja melhor para todos
os envolvidos;
4. Em seguida, o papel é revelado aos participantes que a partir da
conscientização de suas identidades (quando se colocam no lugar
do personagem) têm a chance de rever os pontos de vista, iniciar
outra discussão grupal, e estabelecer novo consenso entre o grupo.
As discussões de dilemas morais são oportunidades de
desenvolvimento de habilidades de comunicação, construção coletiva e
desenvolvimento da competência moral. Atualmente, nas escolas e
universidades, são criadas poucas oportunidades de interação nos grupos,
o que dificulta a construção de relações que oportunizam a autonomia
moral. Os ambientes costumam ser heterônomos e as relações
verticalizadas, mas, podemos modificar este cenário com a utilização de
práticas como a discussão de dilemas, dentre outras práticas que criam um
conflito que força a base moral previamente estabelecida do sujeito a
evoluir (BUXARRAIS et al., 2001; ALONSO, 2004).
Neste capítulo, apresentei diferentes formas de discussão de
dilemas e para facilitar a execução, nas próximas páginas serão
disponibilizados dilemas que trazem a classificação por faixa etária e
361
situações vivenciadas em diversos contextos que podem ser utilizados para
a discussão em sala de aula.
Referências
ALONSO, J. M. Educação em valores na instituição escolar:
planejamento - programação. xico. D. F: Plaza e Valdés, 2004.
BENÍTEZ, S. L. Atividades y recursos para educar en valores. Madrid:
PPC, 2009.
BUXARRAIS, M. R.; MARTÍNEZ, M.; PUIG, J.Y.; TRILLA, J. La
educación moral en primaria y secundaria: una experiencia española.
México, 2001.
BOAL, A. Teatro do Oprimido e Outras Poéticas Políticas. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 1991.
BIAGGIO, A.M.B. Universalismo versus relativismo no julgamento
moral. Psicol. Reflexo. Crit. , Porto Alegre, v. 12, n. 1, pág. 5-20, 1999.
Disponível em
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-
79721999000100002&lng=en&nrm=iso. Acesso em: 03 abr. 2021.
https://doi.org/10.1590/S0102-79721999000100002 .
KOHLBERG, L. Psicologia del desarrollo moral. Bilbao, Espanha:
Editorial Desclée de Brower, 1992.
LIND, G. Discussion Theater. A Method of Democratic Education.
Ethics in Progress (ISSN 2084-9257). Vol. 10 (2019). No. 1, pp. 23-40,
2019. Disponível em:
https://repozytorium.amu.edu.pl/handle/10593/24644. Acesso em: 28
jan. 2021
362
PUIG, J. M. Ética e Valores: métodos para um ensino transversal. São
Paulo: Casa do Psicólogo, 1999.
______________________________
PARTE II
DILEMAS PARA DISCUSSÃO
______________________________
365
DILEMAS COM SOLUÇÃO
O dilema de Robert
Autora: Edneia Felix de Matos
Público: Adultos
Área: Social
Robert era um renomado investigador em uma pequena cidade do
interior do estado da Flórida nos Estados Unidos, havia ganhado vários
prêmios por seu trabalho de excelência. Tinha uma vida tranquila, com
sua esposa que tinha uma grave doença cardíaca, por isso haviam se
mudado para uma cidade interiorana tentando poupá-la de emoções
fortes. O casal tinha apenas um filho, Thomas, um jovem de 23 anos que
era muito dedicado aos estudos.
Robert estava investigando uma quadrilha que meses
aterrorizava os arredores da cidade, provocando mortes e liderando o
tráfico de drogas naquela região.
Como Robert era um excelente profissional estava à frente das
investigações da quadrilha em questão, e em suas investigações descobriu
quem era o chefe da organização criminosa. Para seu espanto e desespero,
https://doi.org/10.36311/2022.978-65-5954-220-8.p365-367
366
o responsável pelas atrocidades e tráfico de drogas na região era seu único
filho Thomas.
Para preservar a saúde da esposa, visto que ela não aguentaria ver
seu único e querido filho preso, Robert então, decide omitir quem era o
chefe da organização criminosa e envia seu filho para França com a
desculpa de que o rapaz iria estudar em um colégio interno.
Quadro auxiliar para a discussão do dilema com possíveis argumentos de cada um dos
estágios definidos por Kohlberg
ESTÁGIO CONTRA A FAVOR
1
Deveria denunciar o filho
porque se não o fizesse
poderia ser demitido
Não deveria denunciar o filho,
porque os membros da facção
poderiam persegui-lo
2
Deveria denunciar o filho
porque desse modo poderia
até ganhar uma promoção
Não deveria denunciar o filho
porque era o chefe das investigações
e poderia decidir
3
Deveria denunciar o filho por
ser um investigador
cumpridor de suas obrigações
Não deveria denunciar o filho
porque é isso que se espera de um
bom marido e pai
4
Deveria denunciar o filho
porque a lei exige
Não deveria denunciar o filho
porque embora o seu cargo exigisse
esta postura, é justificável e até
desejável em nome da preservação
da institucional familiar
367
5
Deveria denunciar o filho
porque esse é o seu papel de
investigador de polícia
honesto que tem o
compromisso de servir a
direitos fundamentais
humanos
Não deveria denunciar o filho
porque ao romper com a família
estaria ameaçando a própria
estabilidade social
6
Denunciaria o filho por que
não é justo deixá-lo impune
após cometer tantas
atrocidades
Não deveria denunciar o filho
porque colocaria em risco a vida da
esposa e a preservação da vida é
básico e universal.
Fonte: Elaborado pela autora
Em busca de dignidade...
Autoras: Talita Bueno Salati Lahr e Jaqueline Roberta de Souza
Público: Adulto
Área: Social
Você é juiz e precisa definir uma situação que envolve duas
crianças, de 4 e 2 anos de idade, e sua mãe, que chamaremos de Maria.
Maria tem deficiência intelectual e vivia com os filhos, ambos com atraso
no desenvolvimento global, sozinha em uma casa deixada de herança por
seu pai, que apesar de muito simples era suficiente para eles. Os três viviam
em um bairro periférico de uma cidade de médio porte tomado pelo tráfico
https://doi.org/10.36311/2022.978-65-5954-220-8.p367-370
368
de drogas e foram vítimas de violências diversas por pessoas da
comunidade. Um grupo de pessoas invadiu a casa onde viviam e passaram
a colocá-los em situação de isolamento (cárcere privado), utilizavam o
dinheiro do benefício social que ela recebia, não os deixavam comer e
passaram a violentar física e sexualmente a ela e às crianças. Denúncias
foram feitas ao Conselho Tutelar e as crianças foram acolhidas em um
abrigo em estado grave de desnutrição e muito machucadas. Maria foi
acolhida em um abrigo para mulheres vítimas de violência, mas começou
a namorar uma pessoa e disse não querer mais viver na instituição. O
relacionamento acabou e após intervenções policiais com as pessoas que
invadiram sua casa, ela conseguiu voltar para o local.
Maria tem um bom vínculo com as crianças, é uma mãe amorosa,
mas em decorrência da deficiência não tem autonomia suficiente para
cuidar dos filhos sozinha. Em avaliações técnicas fica clara a necessidade de
que alguém a tutele para que ela possa se auto proteger e proteger as
crianças.
O que ocorre é que ninguém da família se disponibiliza a tutelá-la
ou se responsabilizar por ela e pelas crianças. Somado a isso, as políticas
públicas que deveriam, por lei, atendê-la argumentam que ela precisa
querer o atendimento e ela não consegue ir sozinha aos serviços.
Torna-se importante ressaltar aqui que a legislação vigente enfatiza
que o encaminhamento de crianças para família substituta deve ocorrer
apenas quando todas as possibilidades e trabalhos com a família de origem
forem esgotadas.
As crianças não podem permanecer abrigadas por muito tempo e
o juiz precisa decidir entre encaminhá-las para adoção e separá-las da mãe
ou devolvê-las para a família nas condições sem suporte adequado à Maria.
O juiz decide encamin-las para adoção.
369
Quadro auxiliar para a discussão do dilema com possíveis argumentos de cada um dos
estágios definidos por Kohlberg
ESTÁGIO
CONTRA A DECISÃO DO
JUIZ DE ENCAMINHAR
PARA A ADOÇÃO
A FAVOR DA DECISÃO DO
JUIZ DE ENCAMINHAR PARA
A ADOÇÃO
1
Deveria deixar as crianças com
a mãe, pois como moram em
um lugar de risco, alguém da
família poderia se revoltar
contra o juiz e prejudicá-lo ou
ameaçá-lo.
Deve encaminhar para a adoção
porque a comunidade se revoltaria
se ele fizesse diferente. Poderiam até
buscar revanche por ele ter deixado
a criança com uma e com
deficiência mental.
2
O juiz deveria deixar as crianças
com a mãe biológica, pois essa
seria a decisão menos trabalhosa
para ele.o lhe causaria
problemas.
As crianças devem ir para a adoção,
porque tem muita gente na fila
esperando para adotar e diminuir
essa espera seria benéfico para essas
pessoas e para o juiz, que seria bem
visto.
3
As crianças devem ficar com a
mãe, porque é isso que a
maioria das pessoas considera
ser o melhor. Os filhos ficam
com as mães biológicas.
Qualquer pessoa concordaria que as
crianças precisam ser cuidadas por
alguém que seja capaz de lhes dar
amor e não as colocar em risco.
370
4
Existem leis que também
tratam da dignidade de pessoas
com deficiência e do suporte
que o estado e a sociedade
precisam oferecer a elas em
condições como essa.
A legislação prevê a garantia da
convivência familiar e comunitária
para crianças e adolescentes, seja
com a família de origem e,
excepcionalmente, com a família
substituta. Assim, neste caso, pela
dificuldade da genitora e por não
haver ninguém da família que possa
ajudá-la, as crianças devem ser
encaminhadas para outra família.
E, concomitante a isso, é preciso
que se garanta que a mãe seja
atendida pelos serviços que
trabalham com pessoas com
deficiência e que o próprio estado,
representado pelas políticas
públicas, possa prote-la de futuras
situações de violência.
5
O fato de outras pessoas terem
cometido as violências e ela o
ter conseguido proteger as
crianças por conta de sua
condição de saúde não deveria
ser suficiente para encaminhar
as crianças para outra família.
Apesar da lei dizer que a prioridade
é sempre manter as crianças com a
família biológica, neste caso, como a
mãe não tem condições de cuidar
dos filhos, eles deveriam ficar com
outra família.
As consequências de manter as
crianças com essa mãe seriam piores
do que tirá-las dela.
6
Princípio de respeito à
dignidade da mãe. O direito das
crianças em permanecer com
sua família deveria prevalecer.
Princípio de proteção a segurança
das crianças é maior do que os
direitos maternos. É o respeito à
dignidade das crianças.
Fonte: Elaborado pelas autoras
371
Denunciar ou não? Eis a questão!
Autora: Priscila Caroline Miguel
Público: Adultos e jovens (a partir do Ensino dio)
Área: Psicologia
Jussara é psicóloga e atende Maria, de 16 anos, que relatou estar
sofrendo abuso sexual por parte do padrasto. Diante de tal situação, Jussara
fica a princípio em dúvida se denuncia ou não o agressor para o Conselho
Tutelar, que a paciente tem medo de fazer a denúncia e não acreditarem
nela. Depois de várias sessões Jussara percebeu que a garota estava sendo
ameaçada e corria risco de morte. Em função disso, Jussara acionou o
Conselho Tutelar e denunciou o caso sem o consentimento da garota, pois
sabia que ela não permitiria delatar o caso.
- Jussara agiu de forma correta denunciando o caso de Maria para
o Conselho Tutelar?
Quadro auxiliar para a discussão do dilema com possíveis argumentos de cada um dos
estágios definidos por Kohlberg:
ESTÁGIO
CONTRA A DECISÃO DE
JUSSARA
A FAVOR DA DECISÃO DE
JUSSARA
1
Está incorreto, porque se a mãe
descobrir os abusos, Jussara será
agredida por ter contado.
Está correto, porque ela poderia
ser presa por não denunciar os
abusos.
https://doi.org/10.36311/2022.978-65-5954-220-8.p371-372
372
2
Está incorreto, porque ao denunciar
ela não receberá nada em troca.
Está correto, porque evita da
mãe tirar a Maria da terapia e
diminuir seu lucro.
3
Está incorreto, pois sabe que garota
espera que Jussara mantenha o
sigilo, afinal, o bom profissional é
aquele no qual se pode confiar.
Está correto, porque desta forma
ela será vista como exemplo
pelos colegas.
4
Está incorreto, porque Jussara
precisa respeitar o combinado com
Maria que é o de sigilo.
Está correto, porque ao
denunciar ao Conselho Tutelar
ela está de acordo com a
Legislação que protege a criança
e o adolescente.
5
Está incorreto, pois deveria manter
o sigilo acordado com a garota no
início dos atendimentos e ser de
confiança é primordial.
Está correto, porque foi uma
forma de proteger Maria e
garantir sua dignidade.
6
Está incorreto, pois Jussara foi
desleal ao quebrar o sigilo que se
comprometeu a ter com Maria.
Está correto, porque Jussara
parte do pressuposto de que
todos os seres humanos são
dignos de justiça e respeito.
Fonte: Elaborado pela autora
373
O dilema de Lilian:
sexualidade na atuação profissional em psicologia
Autor: Matheus Estevão Ferreira da Silva
Público: Adultos e jovens (a partir do Ensino dio)
Área: Psicologia
Pedro, de 16 anos, está em atendimento psicológico com Lilian
01 ano e meio, que atua como psicóloga clínica em consultório particular.
Pedro é gay e contou apenas para Lilian. Ele tem sofrido por causa disso
porque sua família, que é muito religiosa, considera a homossexualidade
como uma “aberração”. Os pais de Pedro desconfiam de sua orientação
sexual, pois até seu irmão mais novo namora com uma garota da igreja
e Pedro não se interessa pelas pretendentes que aparecem. A mãe de Pedro,
impaciente, procurou Lilian e exigiu que ela perguntasse a Pedro se ele era
gay, para depois Lilian contar à mãe, sob a ameaça de tirar Pedro da terapia.
Ao saber da cobrança, Pedro se desesperou, pois Lilian é a única com quem
ele pode falar sobre o assunto, e relatou que está sofrendo muito em casa,
sendo cobrado todos os dias pelos pais sobre sua sexualidade, e ainda teme
ser expulso de casa caso conte aos seus pais. Lilian decide não revelar a
orientação sexual de Pedro para sua mãe.
https://doi.org/10.36311/2022.978-65-5954-220-8.p373-375
374
Quadro auxiliar para a discussão do dilema com possíveis argumentos de cada um dos
estágios definidos por Kohlberg
ESTÁGIO
CONTRA A DECISÃO DE
LILIAN
A FAVOR DA DECISÃO DE
LILIAN
1
Lilian está errada em não revelar,
pois se os pais descobrirem a
orientação sexual de Pedro, eles
poderiam culpa-la pela orientação
do filho e procurar meios de
prejudica-la, a mesmo agredi-la.
Lilian está correta em não
revelar, pois o jovem é menor de
idade e deve ser preservado o
sigilo no atendimento, senão
Lilian poderia ser punida pelo
Conselho de Psicologia.
2
Lilian está errada, pois os pais
tirarão Pedro da terapia e ela
perderá seu paciente, logo, perderá
dinheiro.
Lilian está correta, porque caso a
situação viesse a público, ela
seria bem-vista pela comunidade
por não ter quebrado o sigilo e
cumprido o seu código de ética,
ganhando credibilidade, sendo
assim um exemplo a ser seguido.
3
Lilian está errada, porque os pais de
Pedro não aprovariam sua atitude.
Lilian está correta, pois Pedro
contou sua orientação sexual em
terapia e ele espera que ela
guarde sigilo.
4
Lilian está errada, porque se trata de
um menor de idade e todo filho
tem a obrigação de contar à mãe o
que acontece em sua vida.
Lilian está correta, pois está
presente no código de ética a
confidencialidade das
informações de cada paciente.
5
Lilian está errada, pois se não
contasse à mãe, ela poderia querer
vingança contra ela e todos os seus
pacientes, ameaçando a integridade
dessas pessoas que não m nada a
ver com o caso.
Lilian está correta, pois, se
contasse à mãe, estaria violando
o direito de Pedro de ter em
segredo todas as informações que
revelou na terapia.
375
6
Lilian está errada, pois a mãe,
sabendo da orientação sexual de
Pedro, poderia ajuda-lo com as
situações de homofobia que poderá
experienciar e, assim, garantir sua
segurança.
Lilian está correta, pois está
respeitando a dignidade e a
integridade de Pedro, com quem
tem o compromisso de assegurar
sua segurança e saúde, que estão
ameaças pela cobrança e
perseguição da família.
Fonte: Elaborado pelo autor
O dilema do parto
Autor: Tamires Alves Monteiro
Público: Adultos (universitários)
Área: Saúde
Contextualização
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS) apenas em 15%
dos partos indicações reais para uma cesariana, todavia no Brasil esse
percentual chega a 57%. Grande parte dessas cirurgias são realizadas com
agendamento e sem evidências que apontem fatores de risco que a
justifiquem. Vários estudos na literatura apontam os riscos desse tipo de
cirurgia, tais como: risco de hemorragia, infecções, trombose e/ou risco de
problemas respiratórios para o bebê.
https://doi.org/10.36311/2022.978-65-5954-220-8.p375-379
376
Além do Brasil ser um dos países mais cesaristas do mundo,
infelizmente, também somos campeões em intervenções desnecessárias
que, muitas vezes, acabam se configurando em violências obstétricas. Esse
tipo violência acontece quando a mulher é negligenciada e é retirada sua
autonomia, poder de escolha e decisão. Acontece por meio de micro
violências, quando, por exemplo, a mulher é tratada de forma
desrespeitosa, insultada verbalmente porque está gritando de dor,
impedida de ter um acompanhante durante e após o parto, impedida de
fazer uso de analgesia, quando é solicitada.
Buscando combater esse tipo de violência, a lei federal do
acompanhante foi criada em 2013. Essa lei obriga os hospitais públicos e
privados, a manter, em local visível, aviso de que as gestantes têm direito a
acompanhante durante o trabalho de parto, parto e pós-parto. Além disso,
na cidade de São Paulo também a lei das doulas (profissionais que dão
suporte físico e emocional às gestantes antes, durante e pós-parto,) por
meio dessa lei municipal, podem acompanhar essas mulheres em hospitais
públicos durante todo o trabalho de parto.
O estudo de Klaus e Kennel (1993) mostra que a atuação da doula
no parto pode diminuir em 50% as taxas de cesárea, diminuir em 20% a
duração do trabalho de parto, diminuir em 60% os pedidos de anestesia,
diminuir em 40% o uso da ocitocina e reduzir em 40% o uso de fórceps.
Dilema
Ana está com quase 40 semanas de gestação, perto de entrar em
trabalho de parto. Ela pretende parir numa maternidade privada,
localizada na zona oeste da cidade de São Paulo.
377
Sua médica, Doutora Márcia, desde o começo da gestação de Ana
vem tentando desencorajar a gestante a tentar o parto normal, sempre
apresentando diversas justificativas. Todavia, Ana contratou uma doula,
frequenta rodas de gestante e busca estar sempre atualizada com as
evidências científicas sobre os benefícios do parto normal e as reais
indicações para uma cesariana.
Durante sua última consulta de pré-natal, Dra. Márcia, informou
que o hospital está barrando a entrada das doulas, na tentativa de diminuir
o número de pessoas circulando nas maternidades, sobretudo, nas salas de
PPP (quartos onde as gestantes ficam durante e após o trabalho de parto).
Além disso, também foi informado que haveria a possibilidade do marido
de Ana poder entrar no PPP quando o bebê estivesse quase nascendo,
isto é, na fase do expulsivo. O que deixaria Ana, durante todo o trabalho
de parto, sozinha e vulnerável.
A médica. tem o poder de interceder pela entrada do
acompanhante e até mesmo da doula, todavia, está muito insegura sobre
liberar essa entrada e correr o risco de contaminar a gestante e o beque
até então estão saudáveis. Principalmente por saber que o Brasil tem se
tornado um dos países com mais mortes maternas em decorrência da
COVID, as colocando como grupo de risco.
Pensando sobre todo o contexto, a médica decidiu acatar as normas
do hospital e barrar a doula e liberar a entrada do companheiro de Ana
somente após o parto, quando o be e a gestante estivessem bem e
liberados para irem para o quarto.
378
Quadro auxiliar para a discussão do dilema com possíveis argumentos de cada um dos
estágios definidos por Kohlberg
ESTÁGIO
CONTRA – a decisão da
médica
A FAVOR - da decisão da médica
1
Ela agiu mal porque poderia ser
processada pela família da
gestante.
Se fizesse diferente poderia ser
mandada embora do hospital por
desacatar as normas.
2
A médica decidiu de acordo
com sua conveniência e não de
acordo com a conveniência de
Ana. A Ana havia pagado por
um serviço e estava sendo lesada
em relação ao que contratou.
Ela está certa, deve pensar no que é
melhor para ela como profissional e
ter que lidar com família e doula
complica.
3
um número enorme de
situações como essa e falta
respaldo da comunidade
científica para uma decisão
como a da médica,
principalmente em privar o pai
de acompanhar.
Seus colegas médicos aprovariam
sua decisão.
4
O hospital tem normas e o país
tem Lei. A Lei é sempre
soberana e fala sobre os direitos
da mulher de ter um
acompanhante nesse momento
de vulnerabilidade.
O hospital tem normas e não
podem ser violadas.
379
5
Em momentos de tanta
vulnerabilidade é direito da mãe
estar acompanhada, seja pela
doula ou por seu companheiro.
material suficiente
evidenciando o bem que a
presença do acompanhante e de
uma doula podem causar.
Em situações como essa de
pandemia, não se deve abrir uma
exceção para o conforto da mãe e
atender ao bem maior, que é a
segurança de todos.
6
Nesse momento de grande
vulnerabilidade a médica
deveria se atentar à questão da
saúde mental dessa mãe.
Era dever dela preservar a vida o
da sua paciente, mas de todos.
Fonte: Elaborado pela autora
Vaga de Creche
Autora: Elen Daiane Quartaroli Fernandes
Público: Adulto(universitárias e docentes)
Área: Educação
10 anos, Mônica é diretora de uma creche pública, que atende
crianças de 0 a 3 anos. Diariamente, ela se depara com a falta de vagas para
bebês nesta instituição, que fica localizada em um bairro da periferia e a
procura por vaga é grande. Sendo assim, ela trabalha com uma lista de
https://doi.org/10.36311/2022.978-65-5954-220-8.p379-382
380
espera e caso haja a saída de algum aluno, ela deve ligar para o primeiro
interessado de sua lista. Essa prática tem sido constante na realidade de
Mônica, porém, devido a ampliação de uma sala nova na escola, a diretora
conseguiu atender todos os alunos da lista e caso surja o interesse de alguma
mãe por vaga, uma nova lista de espera deverá ser iniciada.
Raquel tem um bebê de quatro meses e reside em frente a creche
em que nica trabalha. Ela está desempregada e costuma passar horas
sentada em um banco em frente à sua casa conversando com as amigas da
vizinhança. Certo dia, Raquel procurou Mônica e disse que gostaria de
matricular seu filho naquela escola e que precisava de uma vaga urgente. A
diretora explicou que naquele momento, não havia como matricular o
menino, pois estavam com alunos excedentes e não seria possível colocar
mais uma criança. Raquel argumentou com Mônica, dizendo que a vaga
na creche era direito de seu filho, garantido por lei e que ela deveria fazer
alguma coisa para encaixá-lo. Mônica se desculpou e disse para a mulher
que seu beestaria na lista de espera, e que caso surgisse uma vaga, ele
seria matriculado.
Dois dias depois, Mônica foi procurada por Juliana, outra mãe,
dizendo que tinha um bebê de quatro meses e que precisava matriculá-lo
na creche, pois era chefe de família, tinha outros dois filhos e caso não
conseguisse a vaga, perderia seu emprego. Mônica se comoveu com a
história de Juliana, mas respondeu que naquele momento não tinha como
encaixar mais uma criança no berçário e que a criança iria para a lista de
espera e teria de esperar por uma desistência. A moça ficou aflita e muito
abalada com a possibilidade de não conseguir deixar seu bebê naquela
instituição, que era a única opção no momento. Juliana começou a chorar
e nervosa, gritou com a diretora, dizendo que o sustento de seus três filhos
381
dependia disso. Assustada com a situação, Mônica pediu para que ela se
acalmasse e esperasse uma vaga.
No mesmo dia, Mônica recebeu uma ligação informando que um
de seus alunos seria transferido. Desse modo, ela teria uma vaga disponível
e deveria, rigorosamente, seguir a ordem da lista de espera. Mônica pulou
a ordem da lista e pediu sigilo para a sua equipe. Prontamente, ela pegou
o telefone e ligou para Juliana, dizendo que ela poderia fazer a matrícula
de seu bebê.
Quadro auxiliar para a discussão do dilema com possíveis argumentos de cada um dos
estágios definidos por Kohlberg
ESTÁGIO
CONTRA A DECISÃO DA
DIRETORA
A FAVOR DA DECISÃO DA
DIRETORA
1
Ela não deve abrir exceção, pois
pode ser denunciada por Raquel
que veria uma criança nova na
creche e iria se vingar.
Ela está correta em chamar o
segundo, porque Monica achou que
Juliana era encrenqueira.
2
Ela não deve abrir exceção,
porque seria muito trabalhoso
ficar ocultando a sua atitude de ter
burlado a lista.
Ela está correta, pois como diretora
ela poderia escolher o que é melhor
para as crianças.
3
Ela como diretora não deve abrir
exceção, pois sua equipe ficaria
desapontada com ela, por esta
atitude.
Ela deve abrir exceção, pois seus
colegas aclamariam sua atitude
generosa de diretora.
382
4
Não deve abrir exceção, pois a
regra é seguir a lista de espera, sem
exceção.
Ela deve abrir exceção, pois sempre
que houver a manifestação do
interesse em matricular a criança
deve ser feito, que o não
atendimento deste direito constitui
violação do direito à educação.
5
Ela não deveria ter chamado a
outra criança, pois existe um
acordo entre os diretores de que
ações como esta podem gerar
precedentes para muitos
problemas.
Ela deve abrir exceção, pois as
consequências de não ter a vaga
para, para a família de Juliana
seriam piores que para a família de
Raquel.
6
Não deveria abrir exceção, pois ela
deve priorizar a justiça igualitária.
Ela deve abrir exceção, pois
avaliando todas as questões das duas
crianças, seria digno e equânime
com o segundo da lista.
Fonte: Elaborado pela autora
383
Desfile na escola
Autora: Carla Andressa P. R. de França
Público: Adulto (universitários e docentes)
Área: Educação
Pedro está no quinto ano do ensino fundamental. Todo ano na
semana das crianças sua escola promove um dia especial chamado “dia sem
uniforme”. Nesse dia, todos os alunos podem ir à escola sem uniforme e
inclusive ir fantasiados, então, todas as turmas se reúnem na quadra
esportiva da escola e se organizam para um desfile. Neste ano, Pedro e
outras crianças não puderam ir fantasiados de suas casas, mas na escola lhes
foi permitido escolher uma fantasia dentre as dos arquivos de roupas da
escola. Nesse arquivo havia roupas velhas usadas em danças e teatros
passados. Pedro ficou muito empolgado com a possibilidade de se
fantasiar, selecionou uma roupa tipicamente feminina e a experimentou
demonstrando contentamento, porém sua professora Marlene disse que
aquela fantasia não lhe cairia bem. Pedro, então, escolheu outra roupa
tipicamente feminina e mostrou a mesma empolgação que havia tido com
a roupa anterior. Os pais de Pedro eram severos e não aceitavam o
comportamento do garoto que também estava sendo alvo de bullying na
escola. Pensando nisso, Marlene ficou preocupada com a repercussão do
desfile na escola e na família de Pedro, caso ela permitisse que ele escolhesse
e usasse uma fantasia tipicamente feminina. Diante
disso, a professora
decidiu chamar Pedro e reservadamente disse que ele deveria escolher uma
roupa tida como mais masculina para não ser zombado por seus colegas, e
mostrou roupas para que ele pudesse escolher. Pedro, sem a mesma
https://doi.org/10.36311/2022.978-65-5954-220-8.p383-385
384
empolgação inicial, fez a sua escolha dentre as roupas selecionadas pela
professora e foi à quadra para o desfile.
Quadro auxiliar para a discussão do dilema com possíveis argumentos de cada um dos
estágios definidos por kohlberg
ESTÁGIO
CONTRA A PROFESSORA
TER INDICADO A PEDRO
O USO DE OUTRA
FANTASIA.
A FAVOR DA
PROFESSORA TER
INDICADO A PEDRO O
USO DE OUTRA
FANTASIA.
1
Deveria ter apoiado Pedro. Pois,
a professora pode ser punida por
ser considerada intolerante às
diferenças.
Não deveria ter apoiado
Pedro, pois poderia ser
punida pela escola se
favorecesse o tumulto e
zombaria (bullying) no
desfile.
2
Deveria ter apoiado Pedro, pois
ao aceitar a escolha da criança a
professora evitaria que ela ficasse
chateada, e seria uma boa
professora para a criança
Não deveria ter apoiado
Pedro, pois, ter que intervir
ou mediar a reação do grupo
seria algo difícil, que
demandaria muito tempo e
com possibilidade de perder
o controle.
3
Deveria ter apoiado Pedro, pois,
se os outros professores
soubessem, iriam apoiá-la.
Não deveria ter apoiado
Pedro, pois os pais poderiam
ficar bravos, reclamar para a
escola e não considerá-la boa
professora.
385
4
Deveria ter apoiado Pedro, pois
legislação defende o respeito à
escolha de gênero e a professora
poderia ter que responder por ser
considerada intolerante às
diferenças.
Não deveria ter apoiado
Pedro, pois, os pais não
concordavam e o eles que
têm o poder familiar.
5
Deveria ter apoiado Pedro, pois
como foi combinado que cada
um podia escolher sua fantasia,
ela estaria cumprindo o contrato
pré-estabelecido.
Não deveria ter apoiado
Pedro, pois embora ela
própria respeitasse a vontade
dele, as consequências de sua
escolha para o desfile o
colocaria em risco de sofrer
gozação por parte dos
colegas.
6
Deveria ter apoiado Pedro, pois
assim estaria respeitando e
ensinando o respeito à
individualidade, à autonomia e
às diferenças.
Não deveria ter apoiado
Pedro, pois a professora
estava priorizando o convívio
harmonioso para o bem estar
da criança.
Fonte: Elaborado pela autora
386
Aulas Remotas e o caso do microfone fechado
Autora: Elvira P. Pimentel Ribeiro Parente
Público: Adultos e jovens do Ensino Médio
Área: Educação
Em uma turma de ano do Ensino Médio estudava Akani,
menina tida como exemplo pelo grupo de professoras e professores. Era
representante da turma junto à gestão, a que sempre tecia elogios sobre sua
postura respeitosa, confiável e honesta.
Numa terça-feira ensolarada, durante a pandemia, em mais uma
aula virtual, João, melhor amigo de Akani, resolveu pregar uma peça na
professora de Português, que vinha dando aulas consideradas muito chatas
para a turma. A turma tinha tentando conversar com a professora e com
a direção sobre isso e nada havia mudado. João descobriu uma forma de
travar o microfone da professora e passou os primeiros 15 minutos da aula
travando o microfone sempre que ela ia falar. A professora, muito chateada
e nervosa com a situação, cancelou a aula daquele dia falando que não sabia
resolver aquilo, mas que esperava que não fosse peripécia de algum aluno,
pois seria punido.
A turma deu muita risada com a situação e muitos imaginavam
o que estava acontecendo. Assim que saíram da videoaula, João ainda rindo
muito ligou e contou para Akani o que havia feito. Ele justificou que essa
foi a maneira que ele encontrou para ajudar todo mundo da turma a não
ter mais uma aula insuportável, talvez assim a professora aprendesse ao
menos a usar os recursos. Ao final da conversa eles fizeram um trato de
https://doi.org/10.36311/2022.978-65-5954-220-8.p386-389
387
lealdade em que nenhum dos dois contaria a verdade sobre o que
aconteceu, afinal ele era seu melhor amigo, aquilo tinha sido uma
brincadeira leve e no fim todo mundo gostou. Além disso, os pais de João
eram muito severos e sempre ameaçavam ele a não participar da viagem de
fim de ano da escola, caso saísse da linha e havia um combinado na escola
de não ficar contando fofocas sobre os outros, cada um deveria se
responsabilizar pelo que fazia e ser honesto.
Ao final do dia Akani foi surpreendida pela notícia de que sua
professora de Português havia pedido demissão da escola e postado em seu
perfil nas redes sociaisHoje tive a prova que faltava para saber que não dou
conta de dar aulas online. Desisto hoje não por mim, mas pelo compromisso
que tenho em educar e pelo reconhecimento de que não tenho conseguido ser
eficiente no que faço”. Minutos depois, a diretora da escola entrou em
contato com Akani para entender melhor o que havia acontecido na aula
aquela manhã, pois estava suspeitando que um aluno tinha provocado toda
aquela situação e ela contava com a honestidade da menina para entender
a situação, conversar com a professora para tentar fazê-la voltar atrás e
pensar na sanção para quem realmente merecia. Akani ficou muito
nervosa, mas acabou contando para a diretora como tudo aconteceu e
quem foi a pessoa responsável.
388
Quadro auxiliar para a discussão do dilema com possíveis argumentos de cada um dos
estágios definidos por Kohlberg
ESTÁGIO
CONTRA – não contar e ser leal
A FAVORcontar e ser honesta
1
Melhor não contar, porque a
punição pode sobrar para ela.
Além disso, com quem ela
conversaria no passeio da escola se
ele não pudesse ir?
Precisa contar, pois, ela sendo
representante de sala e se a direção
descobrir que escondeu o fato, ela
poderá levar uma punição.
2
Não deveria contar, pois quem
deveria descobrir sozinha era a
diretora que comanda a escola e
sabe como descobrir.
Deve contar, pois ela poderia
obter a confiança dos outros
professores, com vantagens em
relação aos outros alunos.
3
Não deveria contar, porque uma
boa amiga sabe guardar segredos e
seu amigo esperava esta atitude
dela.
Deve contar, porque os amigos
esperam dela, como representante
de sala que diga a verdade.
4
Não deveria contar, pois era um
combinado feito na escola onde
cada um se responsabiliza por
contar aquilo que faz.
Deveria contar, poisera regra
da escola o dever dizer a verdade
sempre.
5
Não deveria contar, pois não seria
justo o amigo ser punido e não ir
ao passeioque todos os alunos
foram beneficiados em não assistir
a aula que estava muito ruim e ele
quis manifestar a indignação da
turma toda.
Deveria contar, pois se a
professora pedisse demissão, a
classe seria prejudicada porque
ficaria sem professora alguma.
389
6
Se Akani tivesse se comprometido
com o amigo não poderia voltar
atrás e ser desleal. Contar, seria
uma traição.
Akani deve contar demonstrando
honestidade em sua ação, pois a
professora estava acreditando que
era incapaz de ligar o próprio
microfone e isso é uma mentira,
ela foi uma vítima de uma
situação constrangedora.
Fonte: Elaborado pela autora
Os belos óculos de Monique
Autora: Simone Gomes de Melo
Público: Crianças e jovens do ensino fundamental, a partir doano
Área: Educação
Era o início de um ano escolar numa turma de ano do Ensino
Fundamental. A maior parte dos alunos eram vindos do ano. A turma
recebeu alguns alunos repetentes do ano anterior. Monique, que era da
turma, tinha características de liderança e era muito querida pelos
diferentes grupos de amigos. Ingrid, mesmo sendo repetente, se
relacionava bem, por isso rapidamente fez amizades e se integrou com a
turma. Mariana era repetente também, mas tinha dificuldade em controlar
sua raiva, por isso, tinha dificuldades em fazer amizades. Além disso,
passava por um momento difícil de sua vida particular, seu pai havia
deixado sua casa e não mantinha contato dois anos. Ingrid tinha
https://doi.org/10.36311/2022.978-65-5954-220-8.p389-392
390
paciência com os momentos de irritabilidade de Mariana, ela era a única
amiga de Mariana na escola.
Desde os primeiros dias de aula Monique e Ingrid tiveram
afinidades e iniciaram uma amizade. Em um dia, no recreio, em meio às
conversas e brincadeiras, Ingrid disse que achava lindos os óculos de
Monique, que o seu sonho era ter óculos como aqueles. Foi que Ingrid
pediu para ir embora com eles. Monique disse que não podia, que sua mãe
não deixaria, mas Ingrid insistiu muito, disse que a mãe de Monique nem
perceberia e que usar aqueles óculos era muito importante para ela,
Monique não resistiu e emprestou os óculos a sua nova amiga.
Mariana estava presente no momento do empréstimo e
acompanhou Ingrid no caminho de volta para casa. Ingrid estava
realmente feliz com os óculos! Em sua casa, Ingrid guardou os óculos para
a sua família não ver, depois, sozinha em seu quarto usava muito, se via no
espelho, tirava selfies e acabou dormindo com os óculos. Ao acordar viu
que uma das hastes havia quebrado. Ela ficou preocupada com o prejuízo
da amiga, mas o que a deixava em pânico era a possibilidade de o pai saber
dessa história, a consequência certamente seria uma surra. A única forma
dela se livrar disso seria mentir dizendo que a haste dos óculos estava
quebrada.
Então, naquele dia, no caminho de ida à escola, Ingrid implorou
ajuda à amiga Mariana para sustentar sua mentira, disse as consequências
que teria com o pai, disse que as duas eram amigas e que contava com a
ajuda da amiga nesta situação. Mariana disse que a ajudaria, pois, a amiga
nunca a abandonou.
Assim que a professora observou os olhos vermelhos de Monique
e Ingrid chamou-as para conversar. Monique dizia que quando emprestou
os óculos eles estavam inteiros, enquanto Ingrid dizia que eles estavam
391
com a haste quebrada. Foi então que Monique disse que Mariana seria
quem saberia toda a verdade e solicitou sua presença na conversa. A
professora interveio indicando que um combinado entre a turma de
contar a verdade, que o ideal é expor os fatos. Mas, diante da acusação de
ambas, aceitou a presença de Mariana e ouvir uma terceira versão.
Mariana tinha apreço pela amizade com Ingrid, especialmente por
ser companheira naqueles momentos difíceis por qual passava, além disso,
sentia tristeza por saber que o pai certamente bateria na amiga. Por isso ela
mentiu para a professora dizendo que Monique havia emprestado os
óculos quebrados e que ela estava inventando tudo aquilo.
Quadro auxiliar para a discussão do dilema com possíveis argumentos de cada um dos
estágios definidos por Kohlberg
ESTÁGIO
CONTRA A DECISÃO DE
MARIANA
A FAVOR DA DECISÃO DE
MARIANA
1
Contar a verdade, pois se não
contasse poderia ser punida pela
professora.
Não deveria contar a verdade,
pois poderia ter que pagar o
conserto.
2
Contar a verdade para passar a
ser bem-vista pela professora.
Não deveria contar a verdade,
pois assim manteria sua amizade
com Ingrid.
3
Contar a verdade, pois uma
aluna deve sempre dizer a verdade
ao professor.
Não deveria contar a verdade,
para não trair a amizade com
Ingrid.
4
Deveria contar, pois é parte do
regulamento escolar falar a
verdade para o professor.
Não deveria contar a verdade,
pois, é uma regra da escola dar
suspensão por uma semana, caso
tenha infringido alguma regra.
392
5
Contar, pois um combinado
com a turma e professoras de
sempre falarem a verdade.
Não deveria contar, pois, não
contar causaria menos problema
para Ingrid que para Monique.
6
Deveria contar, pois sua
honestidade contribuiria para que
Monique não fosse culpada por
algo que ela não fez.
Não deveria contar, pois sua
lealdade protegeria a sua amiga.
Fonte: Elaborado pela autora
O dilema de Maria
Autora: Maria Cristina da Silva Araújo Zuccoli
Público: Jovens do Ensino Médio e adultos (universitários e docentes)
Área: Educação
Maria é professora de Português em uma escola estadual da
periferia. Ela sempre se relacionou muito bem com seus alunos e era muito
respeitada. Alguns adolescentes até vinham contar seus problemas pessoais
à procura de conselhos. Ao entrar para dar sua aula na rie do Ensino
Médio logo após o professor de Física ter saído, notou que dois alunos
Maycon e Jefferson que vieram transferidos de outra escola estavam
inconformados com a nota que tinham recebido e proferiam palavras de
baixo calão ao se referirem ao professor. Maria pediu que se acalmassem e
que esse tipo de atitude não era apropriada e atrapalhava a condução da
https://doi.org/10.36311/2022.978-65-5954-220-8.p392-394
393
aula. Os dois rapazes ficaram quietos e ela pôde dar sua aula. Quando o
sinal bateu para o intervalo, Maria se dirigiu ao pátio para conversar com
a inspetora de alunos e ouviu Maycon e Jefferson tramando para rasgar os
quatro pneus do carro do professor de Física. Maria ficou perplexa e
começou a pensar o que ela deveria fazer. Por fim, decidiu comunicar ao
diretor da escola o que os rapazes estavam tramando.
Quadro auxiliar para a discussão do dilema com possíveis argumentos de cada um dos
estágios definidos por Kohlberg
ESTÁGIO
A FAVOR DA
DECISÃO DE MARIA
CONTRA A DECISÃO DE MARIA
1
A professora deveria levar
o caso para a direção, pois
os adolescentes poderiam
também agredi-la.
Não deveria levar o caso à direção, pois
corria o risco de furarem os pneus do seu
carro.
2
A professora deveria levar
o caso para a direção e
quem sabe ficaria bem-
vista devido a sua atitude.
Não deveria denunciar, pois não era
problema dela.
3
A professora deveria levar
o caso, pois o professor de
física era amigo dela.
Não deveria levar o caso para a direção,
pois, poderia ser considerada criadora de
intrigas pelos colegas.
4
A professora deveria levar
o caso, pois as normas da
escola precisam ser
respeitadas
Não deveria levar o caso para a direção,
pois não regras sobre a intervenção do
professor nestes casos.
394
5
A professora deveria levar
o caso. Pois, é seu papel
enquanto professora na
instituição
Não deveria levar o caso para a direção,
pois, seria melhor para a manutenção das
boas relações na escola.
6
A professora
deveria levar o caso, pois
era um princípio dela a
preservação da verdade.
Não deveria levar o caso para a
direção pois, existia um laço de
solidariedade e confiança que poderia
ajudar na construção de outra experiência
com os alunos, pelo diálogo.
Fonte: Elaborado pela autora
A perda da aluna e a escola
Autora: Vera Lúcia Toneloti
Público: Adultos (universitários e docentes)
Área: Educação
Maria e Marli são irmãs gêmeas com 16 anos de idade. Pertencem
a uma família tradicional e abastada. Ambas são alunas da mesma turma
de uma rigorosa escola profissionalizante, onde os alunos são preparados
para o mundo do trabalho que exige refinada capacidade técnica, mas,
acima de tudo colocam o desenvolvimento das capacidades sociais,
organizativas e moral.
https://doi.org/10.36311/2022.978-65-5954-220-8.p394-396
395
No penúltimo semestre do curso, Maria descobre um câncer, inicia
uma dolorosa batalha contra a doença e é afastada dos compromissos
escolares. Marli tenta seguir em frente.
Na metade do último semestre Maria falece. Marli passa a não
frequentar as aulas regularmente prejudicando a porcentagem de
frequência e consequentemente o seu rendimento. As notas também não
foram suficientes para sua aprovação.
Seu professor resolveu intervir, proporcionando-lhe facilidades
para que pudesse ter meios de atingir as metas de frequência e notas, coisa
que era proibida pela coordenação do curso em função da igualdade de
direitos entre os alunos. Marli foi aprovada e certificada. Sua família ficou
muito satisfeita.
A decisão do professor foi certa ou errada?
Quadro auxiliar para a discussão do dilema com possíveis argumentos de cada um dos
estágios definidos por Kohlberg
ESTÁGIO
CONTRA A ATITUDE DO
PROFESSOR
A FAVOR DA ATITUDE
DO PROFESSOR
1
Não se deve agir contra a
coordenação do curso, evitando
possíveis punições.
Ele poderia sofrer grande
retaliação se não agisse assim.
A classe poderia se vingar dele.
2
Deve-se considerar também os
próprios interesses e não ser
prejudicado perante a instituição.
Ele seria muito bem-visto e
poderia até receber alguma
compensação da família da
aluna.
3
Não vale a pena ‘ficar mal’ com
seus colegas,que a aluna poderá
refazer o período letivo.
Ninguém o condenaria por ter
sido cuidadoso.
396
4
Seguir as normas do curso,
contribuindo com a coordenação e
bom funcionamento da instituição.
Ele não estava descumprindo
nenhuma lei. As regras da
escola não previam essa
situação.
5
Porque devemos manter o acordo e
regras estabelecidas para evitar
danos maiores. Agir diferente disso
faria com que os outros se
sentissem injustiçados.
Pois é importante também
deixar claro à instituição que
não podemos fechar os olhos
às especificidades que os
alunos estão enfrentando, não
deixando, com isso, de querer
seguir as normas do curso.
Importar-se com o outro. Para
isso, expor e argumentar junto
à coordenação sobre a situação
excepcional da aluna e que foi
dado alternativas para alcance
dos requisitos mínimos para
sua aprovação e estimulando-a
à continuação do curso.
6
O professor não considerou o
princípio de equidade. Nem
sempre a igualdade é justa.
O professor seguiu seus
valores e princípios de acordo
com sua consciência,
conhecendo seus alunos e
dando sempre a oportunidade
de recuperação.
Prevaleceu o princípio da
equidade.
Fonte: Elaborado pela autora
397
Jordana, a aluna rebelde
Autora: Carla Chiari
Público: Adultos e jovens (a partir do Ensino dio)
Área: Educação
Jordana é uma garota de 14 anos, na escola apresenta vários
comportamentos destrutivos e bem desafiadores. Mora com a sua mãe que
é contadora, seu padrasto que é policial. Sua irmã mais velha foi morar
com sua avó materna a 6 meses. Depois desse fato a escola percebeu uma
piora no comportamento da jovem.
Em uma conversa com sua melhor amiga Bianca, ela disse que
havia acontecido algo de muito grave com a sua irmã, ela foi estuprada
pelo padrasto e foi por isso que ela se mudou para a casa da avó. Relatou
que tem muito medo do padrasto, pedindo para que Bianca guardasse um
segredo que poderia custar a sua vida e a vida da irmã, visto que padrasto
é policial é dispõe de arma de fogo, tendo inclusive, ameaçado ambas.
Durante a conversa contou ainda para Bianca, que a família encontrou essa
solução para o caso, visto que a mãe acusa a irmã de ser a sedutora e a
culpada pelo estupro e que ela tinha muito medo de que o padrasto fizesse
isso com ela também.
Na escola em vários momentos, Bianca e Jordana eram abordadas
por professores, coordenadores e até a direção, todos notavam o
comportamento de Jordana e percebiam que havia algo de estranho em seu
comportamento, porém ambas sempre desviavam o assunto e não
contavam para ninguém.
https://doi.org/10.36311/2022.978-65-5954-220-8.p397-399
398
Jordana apresenta um péssimo desempenho escolar, é perceptível
que a aluna apresenta um quadro depressivo e uma apatia, traços que
preocupam, pois, é uma adolescente e talvez uma tima de abuso dentro
do contexto familiar apresentado. A partir do relato, a amiga Bianca
decidiu que deveria denunciar o padrasto para a escola, chamar os
responsáveis e comunicar o fato pedindo uma ação da família.
Quadro auxiliar para a discussão do dilema com possíveis argumentos de cada um dos
estágios definidos por kohlberg
ESTÁGIO
CONTRA (contar para um
adulto)
A FAVOR (contar para um
adulto)
1
Está errado porque se o padrasto
descobrir a autoria da denúncia,
poderia se vingar de Bianca
Está certo porque sempre se deve
falar a verdade para os adultos.
2
Está errado porque ela não
ganharia uma recompensa por
isso, apenas dor de cabeça.
Está certo porque Maria seria
recompensada e até ficaria
famosa por colaborar com a
prisão de um criminoso.
3
Está errado porque suas amigas
achariam que ela cuida muito da
vida dos outros.
Está certo porque seus amigos
iriam ficar orgulhosos de sua
coragem em contar.
4
Está errado porque ela tem o
relato da amiga e nenhuma outra
prova.
Está certo denunciar porque
assim a lei pode ser cumprida
399
5
Está errado porque a segurança da
escola e de todos os membros
escolares estaria em risco.
Está certo porque o padrasto é
um abusador e poderá abusar não
das enteadas, mas, também de
muito mais pessoas.
6
Está errado, pois se contasse
estaria sendo desleal a Jordana.
Está certo porque a dignidade da
aluna está sendo infringida e isso
é inadmissível.
Fonte: Elaborado pela autora
401
DILEMAS SEM SOLUÇÃO
Robô Sophia
Autora: Rogério Melo de Sena Costa
Público: Adultos e jovens (Universitários e do Ensino Médio)
Área: Social
Sophia é um robô com características femininas dotada de
inteligência artificial, capaz de processar rapidamente uma gama de
informações do ambiente e dos seres humanos, como suas expressões
faciais, emoções e falas. Sophia também se expressa fisicamente e
socialmente de forma semelhante a um humano, imitando funções
naturais, como piscar e respirar, além da capacidade de manter uma
conversação coerente com outro agente (humano ou robô). Por conta do
crescente número de humanos considerados frágeis na população, como
idosos com mais de 70 anos que vivem sozinhos, crianças pequenas com
pouco e/ou precário cuidado parental, adolescentes com problemas de
saúde mental, entre outros, Sophia está sendo programada para assumir o
papel de cuidadora/acompanhante, com a capacidade de realizar tarefas
assistenciais, terapêuticas e educacionais.
https://doi.org/10.36311/2022.978-65-5954-220-8.p401-402
402
José, viúvo de 50 anos, mora com seu filho adolescente, que está
depressivo, chegando até a se automutilar, e com sua mãe idosa, que tem
Alzheimer em fase avançada, sendo dependente para todas as atividades da
vida diária. Mesmo diante da responsabilidade de cuidar dos membros de
sua família, José precisa se ausentar para trabalhar, ainda assim não tem a
menor condição financeira de contratar um cuidador. Sua sorte foi ter sido
contemplado recentemente no estudo piloto com um exemplar de Sophia,
e precisa optar entre a mãe e o filho para ser cuidado pelo robô. Caso
escolha a programação de Sophia para os cuidados com a sua mãe, Jo
terá que internar seu filho, que está colocando a própria vida em risco. E
caso o contrário aconteça, terá que internar sua mãe.
Escolhas morais: a funcionária e o médico
Autora: Sérgio Francisco de Freitas
Público: Adultos e jovens (Universitários e do Ensino Médio)
Área: Social e saúde
Um adolescente apresentou algumas dores e manchas no corpo e
sua mãe o levou a uma consulta médica. O médico realizou a consulta, mas
não pediu nenhum exame e nem receitou qualquer medicamento. No
outro dia a mãe, ainda preocupada com os sintomas, levou seu filho a um
laboratório particular e pediu um hemograma. Algumas horas depois o
laboratório ligou e solicitou a sua presença, pois o exame apresentava
alterações compatíveis com uma leucemia. A mãe, extremamente nervosa,
volta a procurar o mesmo médico no Posto de Saúde, querendo confrontá-
https://doi.org/10.36311/2022.978-65-5954-220-8.p402-403
403
lo, pois havia dito que não era motivo de preocupação, tratando-se de uma
alergia.
Enquanto a mãe aguardava o atendimento do médico, foi
solicitado à funcionária que levasse até a sala da chefia o prontuário do
paciente. Ao entrar, a funcionária verificou que estavam na sala o médico
e o chefe do setor de saúde, também médico. Depois de algum tempo foi
chamada novamente para guardar o prontuário do paciente e constatou
que havia sido adulterado, constando solicitação de exames e suspeita de
doença, ficando evidente a manobra feita para proteger o médico.
Um tempo depois a mãe foi chamada para ser atendida e
interpelou o médico, que se justificou e acalmou a mãe prometendo
inclusive que não teria que enfrentar filas para o atendimento de seu filho,
o que seria bastante importante para o tratamento. A funcionária ficou
pensando no que seria certo fazer: denunciar tudo o que presenciou ainda
que não tivesse provas materiais que sustentassem sua versão e talvez nem
tivesse a confirmação da mãe, ou ignorar o que aconteceu mesmo sabendo
que esse comportamento negligente do serviço dico pudesse causar
maiores danos a outros pacientes no futuro.
404
Violência escolar: entre vidas e ideais
Autora: Alexandre S. Lessa
Público: Adultos e jovens (Universitários e docentes)
Área: Educação
Joice era uma diretora que buscava realizar seus ideais de justiça e
igualdade com a prática de modelos educacionais pautados em teorias de
desenvolvimento moral que defendem a formação integral com base na
cooperação, visando estimular a consciência autônoma. Estava inclusive
cursando uma pós-graduação e recebia uma bolsa de estudos para concluir
sua tese a respeito de metodologias pacíficas para o desenvolvimento da
autonomia moral. Ela foi aprovada num concurso público para a direção
em uma escola municipal do Rio de Janeiro, onde encontrou um contexto
escolar em que estudantes não respeitavam ninguém e a ameaçavam
professores com palavras e gestos agressivos. A Secretaria de educação, ao
tomar conhecimento de alguns alunos portando armas em recinto escolar
e de um professor ter sofrido ameaça de morte, decidiu adotar medidas
para conter a violência, passando a exigir rigor disciplinar, segurança
reforçada com câmeras de vigilância, inclusive com a presença de força
policial. Foram estabelecidos códigos de conduta, revista na entrada da
escola, punições para os alunos que não cumprissem as regras e
responsabilização judicial dos pais que não se mostrassem comprometidos
com o processo de educação. Em uma reunião da direção com o corpo
docente, a implantação ou não dessas
medidas foi amplamente discutida.
O corpo de professores estava dividido entre simplesmente implementar
tais medidas ou se recusar a acatar as determinações da secretaria
https://doi.org/10.36311/2022.978-65-5954-220-8.p404-405
405
elaborando um projeto de integração da comunidade à escola, de
convivência ética e de resolução de conflitos por meio do diálogo. Levante
argumentos p e contra a decisão de Joice para aceitar ou não a
implementação. Ajude-a em sua decisão.
A postura da professora frente a uma família autoritária
e violenta
Autora: Sabrina Sacoman Campos Alves
Público: Adultos e Jovens
(Docentes e Universitários e do Ensino Médio)
Área: Educação
A professora Valéria tem em sua turma de ano um aluno
chamado Bruno (6 anos) que vem demonstrando dificuldades de
aprendizagem, não se concentra e não participa das atividades, não
evoluindo como as demais crianças nos aspectos escolares. Bruno também
vem envolvendo-se constantemente em conflitos interpessoais com os
colegas e os professores, pois está agitado e intolerante. A professora vem
realizando diversas intervenções junto à criança, mas não tem obtido êxito.
A escola em que Valéria trabalha tem como proposta, em situações deste
tipo, envolver a família da criança na situação, convidando para conversas
para compreender o contexto familiar, buscar juntos as soluções e, se
preciso, realizar encaminhamentos para avaliações externas. Bruno mora
somente com o pai e não tem nenhum outro familiar na cidade. Valéria
https://doi.org/10.36311/2022.978-65-5954-220-8.p405-406
406
decidiu mandar um bilhete convidando o pai para uma reunião. Ao chegar
para a reunião, ainda sem saber o motivo da conversa, o pai de Bruno
inicia a conversa de forma autoritária e agressiva, dizendo que é uma pessoa
muito correta, que foi educado por militares, e que não admite que o filho
tenha comportamentos inadequados ou que desrespeitem a professora.
Conta que em situações que considera erradas costuma educar Bruno com
castigos corporais severos para que aprenda e não faça mais o que ele
considera manhas ou arte. A professora sabe que o pai é a única pessoa da
família com quem ela poderia conversar sobre o comportamento de Bruno
para ajudá-lo, mas também sabe que se contar ao pai sobre seus
comportamentos ele será espancado provavelmente. Qual deve ser a
decisão da professora?
O dilema de Davi
Autora: Mariana Lopes de Morais
Público: Adultos e jovens (a partir do Ensino Fundamental Anos Finais)
Área: Educação
Pietro e Davi tinham 12 anos e eram melhores amigos, desde que
eram bem pequenos. Pietro tinha muitos problemas em casa, o pai era
alcoólatra e violento e agredia a ele e sua mãe constantemente. Após um
ataque de fúria em casa, Pietro vai para escola e diz a Davi que ficará à
tarde na biblioteca para estudar.
https://doi.org/10.36311/2022.978-65-5954-220-8.p406-407
407
No outro dia, quando a bibliotecária chegou, percebeu que toda a
biblioteca havia sido depredada.
Após o ocorrido, a direção da escola convocou todas as turmas do
ensino fundamental 2 e ensino médio e explicou que durante a noite
alguém havia depredado a biblioteca provavelmente na hora da troca de
turno do vigia da escola, demonstrando que o culpado provavelmente sabia
os horários exatos em que os turnos ocorriam.
A direção também alegou que se o culpado não aparecesse todos
teriam que arcar com o prejuízo e perderiam o passeio do final de ano, que
os alunos estavam planejando desde o início do ano letivo.
Davi secretamente sabia que seu melhor amigo estava no dia
anterior na biblioteca e soube por alguns vizinhos que Pietro não havia
voltado para a casa naquele dia. Sentiu -se no dever de avisar a direção
sobre o ocorrido, mas sabia que seu amigo sofreria duras punições, visto
que a escola era conhecida por sua rigidez e punições.
Davi conhecia os problemas enfrentados por seu amigo em casa, e
se ele fosse expulso da escola, seu pai poderia se enfurecer ainda mais. O
que Pedro deveria fazer?
408
Argumentar ou obedecer?
Autora: Graziella Diniz Borges
Público: Adultos (universitários e docentes)
Área: Educação
Marina é uma professora de uma escola particular de Ensino
Fundamental I. Diante de uma avaliação de Língua Portuguesa, uma
família, ligou para a escola e questionou sobre uma atividade onde a filha
perdera 1 ponto, o pai discorda da professora sobre a resposta da questão
objetiva (de assinalar).
A coordenadora pedagógica, envia uma mensagem pelo
WhatsApp, para a professora, dizendo que a família reclamou, que ligou
na escola, e decide que o pai está certo. A coordenadora pede para a
professora rever a questão e a nota da aluna.
Marina conversa com as professoras parceiras do mesmo ano (série)
sobre a questão da avaliação, até porque a prova é igual para todos e
chegam num consenso que a questão não estava errada, indicam a página
do livro onde estão os conceitos cobrados na questão.
Marina fica numa situação de conflito, pois ao argumentar com a
coordenação, poderá ser mal vista, mal interpretada, e se não acatar a
ordem, também poderá ser mal vista e até perder o emprego. Os pais
anteriormente citados são presentes na educação da filha e pagam a escola
em dia, mesmo em tempos de pandemia.
https://doi.org/10.36311/2022.978-65-5954-220-8.p408
409
Professor substituto
Autora: Regina Helena da Silva Leite
Público: Adultos (universitários)
Área: Educação
Um professor substituto, de uma Universidade Estadual do
interior de São Paulo, também trabalhando em mais duas outras
instituições com o intuito de arrecadar dinheiro para um tratamento
médico de alto custo para seu filho, ao ministrar uma disciplina para uma
das turmas de graduação, teve duas atitudes que não foram muito bem
aceitas pela turma.
Uma destas atitudes aconteceu duas vezes: bem no início da aula,
o professor orientou a turma sobre a realização das atividades daquele dia
e quem terminasse poderia ir embora, mas que ele mesmo não ficaria mais
na sala porque iria dar aula em outra Universidade particular, deixando a
sala sozinha.
em um outro momento, quando uns dois alunos pediram
auxílio/explicação sobre um conteúdo anterior passado, o professor
respondeu que, além de não dar tempo, também não era pago para isso,
deixando a turma surpresa e sem ação, pois muitos não estavam
entendendo e também tinham receio de perseguição e/ou reprova nesta
disciplina.
Frente aos acontecimentos, a turma ficou dividida entre denunciar
imediatamente o professor ao conselho de curso ou aguardar o término da
disciplina, com receio de perseguição e atrasarem sua formação. Por outro
https://doi.org/10.36311/2022.978-65-5954-220-8.p409-410
410
lado, se não denunciassem, continuariam sem entender a disciplina,
correndo também o risco de reprova.
Sra., vai falar alguma coisa?
Autora: Raquel dos Santos Candido da Silva
Público: Adultos
Área: Social
Era um domingo especial. Pedro fazia aniversário e Rubia se
preparava para a viagem que organizaram juntos. Naquele dia, levantaram
pela manhã e começaram os preparativos para o evento. Por volta das
11:30 gritarias e pancadas eram ouvidas pelo casal, que tinham acabado de
deixar o carro estacionado na via pública. Rubia ao escutar a
movimentação, decide ir até o portão verificar o que estava ocorrendo. O
carro estava intacto, no entanto, a uma quadra dali, Rubia podia ver um
jovem rapaz que golpeava o portão de uma residência com um objeto que
não soube identificar. Rubia percebia que o rapaz estava notadamente
agressivo, gesticulava e esbravejava chamando pelos moradores da
residência, que não saiam para fora. Depois de alguns minutos, o rapaz
vira as costas, caminhando em sentido contrário ao local. Quando ele
brevemente se afasta, surge um homem com uma arma de fogo em punho,
que rapidamente é disparada atingindo as costas do rapaz que veio a óbito
no local. Rubia fica impactada com aquela cena por dias, soube através de
vizinhos que o homem que atirou no rapaz era um policial em um dia de
https://doi.org/10.36311/2022.978-65-5954-220-8.p410-411
411
folga. O policial alegou ter agido em legítima defesa, versão que é
sustentada pela imprensa local. Em toda a cidade, houve uma grande
repercussão sobre o caso. No bairro, amigos e familiares do rapaz que foi
morto ficaram assolados, muitos diziam que a ação do rapaz partiu de um
desentendimento entre vizinhos, que se agravou devido ao fato do mesmo
possuir transtornos mentais. As pessoas que presenciaram o que ocorreu
naquele dia passaram a ter receio de contarem o que viram devido a
possíveis represálias. Rúbia, poderia ser uma testemunha muito importante
do que aconteceu para a resolução do caso, foi procurada por policiais e
por familiares do rapaz para dar seu depoimento sobre o que exatamente
aconteceu naquele dia. Ao comparecer na delegacia conforme intimada,
Rubia então
________________________
ADICIONAIS
415
Capítulo 1 - Tradução
AVALIAÇÃO E EDUCAÇÃO DA COMPETÊNCIA
MORAL-DEMOCRÁTICA
1
Georg Lind
2
Sócrates: Mas se isso for afirmado, então o
desejo do bem é comum a todos, e um homem
não é melhor que o outro nesse aspecto?
Mênon: Verdade.
Sócrates: E se um homem não é melhor que
outro em desejar o bem, será ele melhor no
poder de alcançá-lo?
1
Versão em português do capítulo 1. Texto traduzido por Prof. Carolina Brasil. Revisado pelas
organizadoras
2
"O Prof. Dr. Georg Lind faleceu inesperadamente em 30 de novembro de 2021. Este texto em
mãos foi o último. Em 2020, Georg fundou o "Institute for Moral-Democratic Competence
(IMDC)". O IMDC continuará o trabalho de Georg. Em particular, trata-se da manutenção e
desenvolvimento de métodos inclusivos, eficazes e eficientes, como o Método Konstanz de
Discussão de Dilema (KMDD®) ou o Teatro de Discussão (DT). O IMDC verifica sua eficácia na
promoção da competência moral-democrática por meio do Teste de Competência Moral (MCT) e
outros instrumentos objetivos e válidos com os quais a competência moral-democrática pode ser
visibilizada. O IMDC conduz seus próprios seminários de oficina para treinar e certificar
professores de KMDD e treinadores de KMDD para KMDD, bem como para programas análogos,
como o Teatro de Discussão". (Kay Hemmerling)
https://doi.org/10.36311/2022.978-65-5954-220-8.p415-436
416
Introdução
Toda jornada, até mesmo a mais longa, começa com um primeiro passo.
Toda democracia, até mesmo a mais avançada, começa com falar sobre as
coisas que realmente importam para s, e escutar aqueles que discordam
ou que têm sua própria razão para falar livremente sobre o assunto. A
verdadeira essência da democracia depende de expressar-se e escutar os
outros, e em resolver conflitos inevitáveis através do pensamento e diálogos
baseados em princípios morais compartilhados como liberdade, justiça,
cooperação e verdade, ao invés do uso da força bruta ou manipulação, ou
ainda, de permitir que outros decidam por nós.
Idealmente, todas as instituições em uma democracia operam de acordo
com uma mesma premissa, especificamente mediando conflitos de uma
forma pacífica, isto é, chegando à um consenso que seja justo e que respeite
o valor de cada indivíduo independente dos bens que possui ou do poder
social que detenha. Isto é, como o filósofo Immanuel Kant (1785)
afirmou, o maior “padrão” da vida democrática: Agir como se o princípio
em que sua ação é baseada fosse se transformar na lei universal da natureza,
e em todo caso, tratar humanos como fim, nunca apenas como meio. Uma
extensão comunicativa e atualizada deste padrão democrático tem sido
apresentada por filósofos como Jürgen Habermas (1990), que diz que nós
sempre deveríamos buscar a solução “moral” de um conflito, isto é, uma
que exclua qualquer uso de poder ou violência, apoiando-se apenas na
razão e diálogo.
Ideais, valores ou crenças democráticas são essenciais para o
desenvolvimento e manutenção de uma sociedade democrática. Se as
pessoas não valorizassem os ideais da democracia, e se não acreditassem
que esta é a melhor forma de governo, esta certamente não prevaleceria. A
417
maioria, senão todas as pessoas do mundo, valoriza este ideal moral elevado
de democracia. A Pesquisa Mundial de Valores indica que a maioria das
pessoas ao redor do mundo preza por valores democráticos. Cidadãos de
países islâmicos, budistas ou comunistas não diferem dos cidadãos dos
EUA ou outros países ocidentais em relação aos seus ideais democráticos
(INGLEHARD; NORRIS, 2003; SEN, 1999).
Os autores da Declaração da Independência Americana “consideram estas
verdades como evidentes por si mesmas, que todos os Homens são criados
de forma igual, e que são dotados pelo seu Criador com certos direitos
inalienáveis, e entre eles, a vida, liberdade, e a procura da felicidade”.
Como muitas pesquisas mostram, o ideal democrático não é restrito a
América do Norte ou Europa, mas pode ser encontrado ao redor do globo,
independente do contexto cultural e religioso. A concordância desses ideais
está documentada em muitas declarações internacionais, por exemplo, a
Convenção dos Direitos da Criança, e a maioria das constituições nacionais
referem-se aos ideais democráticos inalienáveis como o padrão supremo
para formulação de políticas, cumprimento da lei, e educação.
Ainda, esses ideais contrastam bruscamente com a realidade. Existem
diariamente reportagens da mídia sobre conflitos violentos, corrupção,
manipulação e outras infrações criminais, bem como, sobre governos que
consideram necessário restringir os direitos democráticos. Eles mostram
que estamos longe de viver em harmonia com nossos ideais democráticos.
Na verdade, com mais frequência do que gostaríamos, não
correspondemos a estes ideais. Muitas vezes, recorremos ao poder,
violência ou guerras para resolver diferenças de opinião, ou usamos
manipulação para resolver conflitos, ou nos curvamos a pessoas que se
oferecem para solucionar todos os nossos problemas e a pensar por s.
Esta lacuna entre o ideal moral de democracia, de um lado, e a vida
418
cotidiana do outro é, como pesquisas mostram, melhor explicada pela falta
de competência moral-democrática na maioria dos cidadãos. Se as pessoas
não tiverem nenhuma oportunidade de desenvolver a mínima habilidade
de resolver conflitos através da reflexão e diálogo, elas apenas conseguirão
resolvê-los com o uso da violência, manipulação e submissão a outros.
Esta percepção levanta duas questões importantes: Primeiro, como
podemos tornar a competência moral-democrática visível de modo que
possamos pesquisar hipóteses sobre sua natureza e relevância para tomada
de decisões diárias? Segundo, quais oportunidades de aprendizagem
podemos e devemos proporcionar a jovens e idosos de modo que suas
competências morais-democráticas possam crescer e dar frutos?
Nas últimas cinco décadas eu passei a maior parte do meu tempo
procurando por uma resposta. Aqui eu darei a vocês uma maior
visualização das melhores respostas que encontrei.
1. O significado das orientações e competências morais
O comportamento humano pode ser descrito de duas formas: primeiro,
que alvo ou direção está buscando, e o quão bem e capaz ele é em fazer
isso. Na Psicologia, o primeiro aspecto do comportamento é chamado de
diferentes formas: conteúdo, atitude, orientação ou valores. O segundo
aspecto também é chamado de forma diferente, como estrutura, cognição,
julgamento, habilidade ou competência. Por exemplo, se eu desejo viajar
para Seul, esta cidade pode ser chamada de orientação (orientação é o meu
termo favorito para o primeiro, o aspecto afetivo). Por outro lado, a forma
como planejo e percebo meu alvo, mostra a minha habilidade para alcançar
este alvo. Neste caso, mostra minha competência de viagem. Do mesmo
419
modo, valores privados e públicos descrevem o aspecto afetivo ou a
orientação do nosso comportamento. A forma como os colocamos em
prática é descrita como competência moral ou de valor.
Os dois aspectos do comportamento, orientação e competência são
importantes. Entretanto, eles não devem ser confundidos porque possuem
origens diferentes, são mensurados de formas diferentes, e devem ser
tratados de forma diferente na educação. Nossas orientações ou ideais
morais são inatas. Até mesmo bebês e animais pré-verbais demonstram
sensibilidade moral. Eles não precisam ser ensinados. Nossa competência
moral também nos é dada no nascimento, porém minimamente. Para que
seja efetivo ele precisa desenvolver, e desenvolve-se melhor quando a
usamos, assim como os músculos que crescem quando os usamos.
Enquanto orientações morais podem ser simuladas em qualquer direção, a
competência moral não pode ser simulada verticalmente. Por exemplo,
orientações morais ou atitudes, como as avaliadas com o Teste de
Julgamento de Situações de Rest (1979), podem ser simuladas verticalmente
(EMLER et al. 1983). Em duas réplicas de experimentos com o Teste de
Competência Moral, nenhuma movimentação vertical dos resultados pôde
ser simulada (LIND, 2002).
Princípios morais são um tipo especial de valores, especialmente os que
podem ser consentidos por todas as pessoas. Como critério para distinção
dos princípios morais de outros valores, o filósofo Immanuel Kant (1785)
sugeriu seu imperativo categórico. Apenas alguns valores alcançam este
critério, especialmente valores como liberdade, justiça, verdade e
cooperação. Todos os outros valores, que são específicos para determinadas
culturas, religiões, comunidades ou indivíduos são chamados de valores ou
orientações relativas. Estas não podem ser previstas por todos. Apenas se
respeitarmos essa distinção que Kant nos ensinou, que manteremos a paz.
420
Se tentarmos “convencer” as outras pessoas dos nossos valores relativos
através da força, eles eventualmente tentarão defender-se através da força.
Porém, se insistirmos nos princípios morais universais como base para
resolução de conflitos e problemas, nós teremos uma boa chance de viver
juntos de forma pacífica e manter a democracia.
Porém, as orientações morais são apenas um dos dois requisitos básicos.
Assim como Sócrates e Confúcio ensinaram, todas as pessoas querem ser
boas, porém são diferentes no que diz respeito às suas habilidades em serem
boas. Uma boa ão exige competência moral. Competência moral é a
habilidade de resolver problemas e conflitos na base dos princípios morais
(universais) ou valores, apenas através da reflexão e diálogo, ao invés de uso da
força e manipulação, ou através da submissão a outras pessoas (LIND, 2019).
Esta definição baseia-se, e estende-se, nas definições do psicólogo e
educador Lawrence Kohlberg e o filósofo Jürgen Habermas. Kohlberg
(1964) definiu a competência do julgamento moral como a habilidade de
basear o julgamento em princípios morais internos, e agir de acordo com
estes princípios: princípios morais internos são diferentes de princípios
sociais externos. Certamente, existe uma grande sobreposição com valores
públicos, pois os princípios morais internos são comuns para todos. Mas
eles não são idênticos. Às vezes os valores blicos e privados podem variar
consideravelmente quando são escritos em concreto.
Habermas (1990[1983]) fala sobre competência comunicativa. Ele a
define como a habilidade de solucionar conflitos através do discurso livre,
ao invés do uso de força e violência. No cotidiano, todos nós sentimos o
quão difícil pode ser atingir este critério. Frequentemente, as pessoas
consideram muito complicado pensar por elas mesmas, e preferem deixar
que outras pessoas decidam o que fazer. Elas também acham muito difícil
421
falar com adversários sobre opiniões divergentes, pois pausam o diálogo
precocemente ou se tornam agressivos.
Consequentemente, se queremos manter e desenvolver a democracia como
uma forma de vivermos juntos em paz, precisamos avaliar o nível de
competência moral das pessoas. Se acabarem sendo muito baixos,
precisamos impulsioná-los com educação adequada.
2. Como tornar a competência moral visível
Se uma característica humana é real, isto é, se guia e direciona o
comportamento humano, então também é visível e podemos -la e medi-
la. Esta verdade parece simples, mas no passado, esta característica foi
predominantemente ofuscada pela (falsa) crença de que traços psicológicos
são escondidos e não podem ser observados objetivamente. Duas
conclusões diferentes foram tiradas a partir desta crença. A maioria, se não
todos, psicólogos orientados “objetivamente” descartaram completamente
características psicológicas de seus planos (WATSON, 1913), ou as
confundiram com normas sociais. Então, por exemplo, Hartshorne e May
(1928) definiram operacionalmente “comportamento moral” como o
comportamento que cumpre com padrões externos da sociedade (ou seus
agentes, os pesquisadores). Assim, o elemento central da moralidade,
especialmente cumprindo com padrões internos, foi abandonado e
substituído por padrões sociais ou legais. No final de seus estudos, os
autores admitiram que isso foi um erro. Os experimentos falharam em
demonstrar qualquer consistência de comportamento de seguimento de
normas.
422
Além disso, como psicólogos orientados objetivamente não reconhecem
princípios internos e estruturais da personalidade humana, eles não veem
razão em buscar pela estrutura de comportamento do indivíduo, apenas
em procurar por consistência entre as simples amostras dos sujeitos. E
mais, sem o senso de estrutura individual, psicólogos que trabalham
objetivamente focam meramente em respostas isoladas de um indivíduo
(“produtos”), e consideram a estrutura das variações de respostas
meramente como fontes de erros de medição ou incertezas, ao invés de
uma expressão da estrutura cognitiva (LIND, 2010).
Em contrapartida, psicólogos orientados “subjetivamente” como Piaget e
Kohlberg insistem que não podemos fazer pesquisas sem um objeto
psicológico a ser estudado e sem olhar estruturas de personalidade
individuais. Como também pensaram que características psicológicas
como a moralidade são de alguma forma escondidas, elas podem ser
estudadas apenas com métodos subjetivos ou qualitativos. Piaget (1965)
desenvolveu o que chamou de método clínico''. Ele utilizou uma mistura
de observação comportamental (e.g. brincadeiras de criança) e entrevistas
(contando pequenas histórias morais e pedindo que os participantes
julgassem o erro dos atos e a razão de seus julgamentos). Depois disso,
Kohlberg aperfeiçoou este método de modo que avaliasse o estágio de
desenvolvimento moral dos participantes. Embora, este método de
pesquisa subjetiva tenha funcionado bem e produzido muitas descobertas
valiosas no julgamento moral dos humanos, não foi satisfatório por duas
razões. Primeiro, psicólogos de pensamento objetivo questionaram suas
descobertas em princípio, alegando que o marcador subjetivo é suscetível
a influências auto-suficientes. Na verdade, em minha revisão do Entrevista
sobre Julgamento Moral de Kohlberg, encontrei uma instrução de
marcadores que estava favorecendo resultados que estavam em
concordância com sua teoria de uma sequência desenvolvimental
423
invariável (LIND, 1989). Segundo, os dois teóricos estavam confusos em
relação ao papel do comportamento em suas teorias. Piaget (1965) pensou
que lidava apenas com julgamento, mas não com comportamento. Da
mesma forma, Kohlberg (1984) e seus seguidores acreditavam que o
julgamento moral é algo separado do comportamento e, assim, tentou
estudar a relação julgamento-comportamento.
Ambos haviam esquecido que seus dados sobre julgamento eram
comportamentais, não somente imaginados. Porém, seus entendimentos
acerca do comportamento eram diferentes dos entendimentos dos
behavioristas. Ou seja, eles tentaram descrever comportamento de acordo
com o ponto de vista dos próprios participantes, ao invés do ponto de vista
dos pesquisadores. Eles estavam interessados em responder questões como:
tirar o brinquedo de outra criança é vista pelo ator como roubo,
empréstimo ou apenas compartilhamento? Sem levar em conta o ponto de
vista do ator, não é possível descrever e estudar seu comportamento de
forma adequada em relação a sua qualidade moral.
Eles também esqueceram que estrutura significa a relação entre os
comportamentos de uma pessoa em situações diferentes, isto é, a
consistência de seu comportamento no que diz respeito a suas orientações
morais. Não podemos interpretar o comportamento de alguém de forma
adequada, sem olhar para o comportamento no contexto. Por exemplo, se
alguém aceita um princípio moral apenas quando esta defende sua opinião,
mas não quando discorda dela, não podemos dizer que esta pessoa age de
acordo com os princípios morais. Ao invés disso, preferimos dizer que ela
apenas utiliza princípios morais para racionalizar sua decisão. Na verdade,
no formato inicial de seu método de entrevistas, Kohlberg sondou os
participantes com contra-argumentos. Infelizmente, ele os descartou mais
tarde.
424
Nosso Teste de Competência Moral (MCT) foi construído para que
resolva o dilema entre pesquisa objetivas sem um objeto, e pesquisas
subjetivas sem dados objetivos. O MCT torna a competência moral das
pessoas visível sem interpretações subjetivas e sem apoiar-se em modelos
estatísticos questionáveis. Através do projeto experimental multivariado do
MCT, podemos avaliar a estrutura do padrão de respostas de um indivíduo
a questões sistemicamente variadas (LIND, 2019 [1978]). Chamamos este
novo método subjacente ao MCT de Questionário Experimental, QE
(LIND, 1982). O QE não é um teste psicométrico que requer suposições
estatísticas (Teoria do Teste Clássico, ou Teoria de Resposta ao Item,
nomeando os mais comuns). Ao invés disso, testa exclusivamente em um
conceito psicológico de características humanas como a competência
moral. Métodos estatísticos são apenas considerados depois, quando
traduzimos o diagnóstico ótico em um número (escore C), então podemos
fazer análises numéricas.
Na prática, o MCT apresenta duas histórias aos participantes. Cada
história contém uma difícil decisão de um protagonista fictício. Na versão
original, uma é sobre um médico, e outra sobre dois operários. Cada
história é seguida por seis argumentos a favor e seis argumentos contra a
decisão do protagonista, os participantes são convidados a avaliar numa
escala de -4 a +4 de acordo com sua aceitação. Os argumentos diferem,
não apenas em consenso de opiniões, como também em relação a
qualidade moral. Esses argumentos foram cuidadosamente enxertados para
representar cada um dos seis tipos de orientação moral de Kohlberg, e
foram revisados por diversos especialistas.
O MCT nos permite ver se os participantes avaliam seus argumentos de
acordo com a concordância de opiniões, ou a qualidade moral.
Claramente, apenas quando as pessoas são capazes de ver a qualidade moral
425
dos argumentos dos outros, uma discussão pode levar ao consenso. Na
figura seguinte, são retratados dois padrões extremos de respostas, um deles
mostrando nenhuma competência moral, e o outro mostrando um padrão
quase perfeito de um indivíduo moralmente competente.
FIGURA 1 Dois padrões de resposta mostrando diferentes graus de Competência
Moral (uma história apenas)
Fonte: Lind (2019)
Quando visualizamos a avaliação em destaque do argumento favorável tipo
6 de ambos os participantes, não nota diferença alguma. Ambos avaliaram
como “+4”, que é o máximo de concordância. Entretanto, quando
visualizamos os padrões de avaliação completos dessas duas pessoas, é
possível notar que as avaliações idênticas possuem um significado
diferente. A pessoa do lado esquerdo avaliou todos os argumentos de forma
bastante positiva. Isso significa que ela avalia o argumento favorável tipo
6, como alto, apenas porque ele mantém sua posição na decisão. Ela até
mesmo rejeitou fortemente o raciocínio tipo 6, quando precisa avaliar
contra-argumentos. Então, seus julgamentos não são determinados por sua
426
orientação moral, mas sim pelo seu desejo de defender seu
posicionamento. Em contrapartida, o padrão de julgamentos da pessoa ao
lado direito mostra claramente que ela julgou todos os argumentos, tanto
favoráveis quanto contra-argumentos, baseados na sua qualidade moral.
Ela rejeita argumentos “ruins” mesmo que eles apoiem seu
posicionamento, e aceita contra-argumentos mesmo quando estes
questionam seu posicionamento em um certo ponto.
Então, para tornar visível a competência moral dos indivíduos, precisamos
apenas olhar para suas respostas (após organizá-las de acordo com o tipo
de orientação moral dos argumentos) sem alegar suposições estatísticas
questionáveis. O MCT funciona, por assim dizer, como um aparelho de
raio-x. Para especialistas técnicos: a informação na ótica contida nesses
padrões de resposta são traduzidas em uma pontuação numérica para
competência moral (escore C) através múltiplas análises de variações. O
escore C é a proporção de resposta de um indivíduo determinada por
considerações morais em relação a sua variação total de respostas (LIND,
1978), podendo ir de 0 a 100. As notas normalmente alcançam a metade
inferior desta tabela como indica a figura seguinte (linha sólida).
427
FIGURA 2 C-escore baixo e alto e tipo de sociedade
Fonte: Lind (2019)
A figura acima indica o fato de que a competência moral da maioria das
pessoas é menor que 20. Diversos estudos experimentais e de correlação
mostram que pelo menos uma competência moral de 20 é necessária para
fazer a diferença em diversos campos de comportamento (LIND, 2019).
Em outras palavras, se as pessoas tiverem um escore abaixo de 20, elas não
podem resolver problemas e conflitos através da reflexão e diálogo, apenas
através de força e manipulação, ou em submissão às ordens de outras
pessoas. Por razões óbvias, a forma de governo é relacionada intimamente
ao vel de competência moral dos cidadãos. Se eles utilizam força e
manipulação, ou deixam outros pensarem por eles, precisam ser
controlados por uma autoridade forte. Viver em uma sociedade livre e
democrática requer que todos os cidadãos tenham tido a chance de
desenvolver o nível mínimo de competência moral (linha pontilhada; ver
também SEN 2009; NOWAK et al., 2013).
428
3. O método Konstanz de discussão de dilemas (KMDD)
Conforme o mundo cresce mais complexo, nós encontramos cada vez mais
problemas e conflitos que nossos ancestrais nunca poderiam imaginar. Se
nos sentimos sobrecarregados pelos problemas que enfrentamos, ou
reagimos de forma agressiva e criminosa, ou procuramos abrigo em alguma
personalidade forte ou poder. Então, se a competência moral dos cidadãos
não puder se desenvolver em um nível mínimo, a democracia está
ameaçada. Alguns cidadãos podem crescer em um ambiente favorável no
qual tenham tempo amplo e oportunidade de praticar suas competências
morais e desenvolvê-las até o nível necessário no contexto em que vivem e
trabalham. Porém, a maioria das pessoas não cresce sob condições tão
favoráveis. Muitas pessoas, até mesmo universitários, relatam que seus
ambientes de aprendizado oferecem pouca ou nenhuma oportunidade de
assumir responsabilidades e reflexões guiadas (SCHILLINGER, 2006).
Consequentemente, o nível de competência moral dessas pessoas é
relativamente baixo. Um exemplo extremo são prisioneiros que tiveram
problemas porque tiveram pouca habilidade de resolver conflitos sem
recorrer a violência e manipulação, e até mesmo perdem sua pouca
competência moral na prisão, porque são privados de oportunidades para
praticá-las. Não é surpresa alguma que eles voltem para a prisão mais cedo
porque acreditam que tinham que ficar na prisão.
Hemmerling (2014) tem demonstrado de forma convincente que esta falta
de oportunidade pode ser compensada efetivamente oferecendo sessões de
“KMDD”. KMDD é conhecido como Método Konstanz de Discussão de
Dilemas que desenvolvi baseado no método-dilema criado por Moshe
Blatt e Lawrence Kohlberg (1975). O método Blatt-Kohlberg é raramente
utilizado porque Kohlberg o declarou um fracasso, embora tenha mostrado
429
ser muito eficaz (LIND, 2002). Foi um fracasso para ele porque os
professores não queriam usá-lo. Para eles, precisava de muito treinamento
e muito tempo de preparação. Alguns também sentiram que Kohlberg
demandou instruções demais dadas pelo professor, o que não deixou muito
espaço para o próprio pensamento dos alunos.
Eu decidi assegurar este método tornando-o mais fácil de aplicar e
oferecendo aos professores um treinamento mais rigoroso. Eu descrevi o
KMDD em meu livro “Como ensinar competência moral” (LIND, 2019).
Para que o método seja entendido e aplicado de forma eficaz, é necessário
treinamento prático e certificação. O KMDD é ainda mais eficaz que o
método Blatt-Kohlberg (porém, apenas quando aplicado por um professor
bem treinado) e é muito eficiente. Uma sessão de 90 minutos pode
produzir mais aumento da competência moral do que um ano letivo
inteiro.
Em uma intervenção aleatória e projetada cuidadosamente com
universitários tailandeses, Lerkiatbundit et al. (2006) encontrou efeitos
altos e sustentáveis do KMDD na competência moral. O grupo
experimental ganhou 12 pontos a mais no escore C no MCT, e este ganho
ainda podia ser observado seis meses depois do final da intervenção. A
média de ganho é notável, enquanto o MCT mostrou alta estabilidade em
um estudo separado de “confiabilidade” (r = 0.90) (Lerkiabundit et al.,
2004), e o escore C permaneceu quase inalterado no grupo controle.
Outros estudos encontraram ganhos parecidos. Comparativamente, os
ganhos com o método Blatt-Kohlberd foram, em média, cerca de 6% por
ano (Lind, 2002). A amplitude dos efeitos das duas intervenções se
assemelha favoravelmente à amplitude média dos efeitos de tratamentos
médicos, educativos e psicológicos “eficazes”.
430
Conclusão: Democracia e Competência Moral
A democracia pode funcionar quando a maioria dos cidadãos
aprenderem a resolver conflitos e problemas que resultam inevitavelmente
da aplicação de valores públicos. Quando queremos ser bons, nos
deparamos frequentemente com uma situação-dilema, isto é, em uma
situação em que todos os cursos de ação possíveis violariam um princípio
moral básico. Para que seja possível resolver tais situações dilema,
precisamos de competência moral-democrática. Em outras palavras,
democracia é uma forma de convivência muito difícil. Seus cidadãos são
obrigados a governarem a si mesmos, isto é, resolver problemas e conflitos
que encontram sozinhos ao invés de deixarem outras pessoas decidirem o
que fazer.
Portanto, competência moral é o pilar básico da democracia. Se as pessoas
não forem capazes de desenvolver esta competência, a ordem deveria ser
aplicada através da polícia treinada, trabalhadores judiciais, guardas de
prisão e grandes instituições, etc. Isto custa uma grande quantia de
dinheiro. Tal aplicação tem seus limites porque falha se muitos cidadãos e
até mesmo forças policiais carecem de competência moral. Competência
moral é tão necessária nas esferas públicas, como na vida privada, escolas e
negócios (LIND, 2021).
Depois de mais de quarenta anos de pesquisas e desenvolvimento nesta
área, estou certo de que poderíamos melhorar a nossa qualidade de vida e
economizar muitos custos, se nossas escolas promovessem competência
moral para todos. Isto é possível, pois estabilizaria e desenvolveria nossa
democracia. Desenvolvemos um método muito efetivo para a fomentação
da competência moral. Ele exigiria pouco tempo e nenhuma mudança no
currículo das escolas e universidades. O único desafio é o treinamento dos
431
professores para utilizar esse método, porque o método funciona apenas se
os professores entenderem e aplicarem com competência. Portanto, todas
as instituições de ensino superior deveriam oferecer este treinamento. Este
é o principal dever delas em uma democracia.
Referências
BLATT, M. KOHLBERG, L. The effect of classroom moral discussion
upon children's level of moral judgment. Journal of Moral, Education, v.4,
p.129-161, 1975.
DEWEY, J. Democracy and education: An introduction to the philosophy
of education. New York: The Free Press, 1966.
EMLER, N., Renwick, S. & Malone, B. The relationship between moral
reasoning and political orientation. Journal of Personality and Social
Psychology, v. 45, p. 1073-1080, 1983.
GUTMANN, A.; THOMPSON, D. Democracy and disagreement.
Cambridge, MA: Harvard University Press. 1997.
HABERMAS, J. Moral consciousness and communicative action.
Cambridge, MA: The MIT Press, 1990 (originally published 1983).
HARTSHORNE, H. MAY, M. A. Studies in the nature of character. Vol.
I: Studies in deceit, Book one and two. New York: Macmillan, 1928.
HEMMERLING, K. Morality behind bars: An intervention study on
fostering moral competence of prisoners as a new approach to social
rehabilitation. Frankfurt: Peter Lang, 2014.
INGLEHARD, R. NORRIS, P. The true clash of civilizations. Foreign
Policy, p.67-74, March/ April, 2003.
432
KANT, I. Grundlegung zur Metaphysik der Sitten [Foundations of the
Metaphysics of Morals.] Riga: Hartknech, 1785.
KEASEY, CH. B. The influence of opinion-agreement and qualitative
supportive reasoning in the evaluation of moral judgments. Journal of
Personality and Social Psychology, v.30, p.477-482, 1974.
KOHLBERG, L. The meaning and measurement of moral development.
In: L. Kohlberg, ed., The psychology of moral development: Essays on
moral development, vol. 2, pp. 395-425. Sand Francisco: Harper & Row,
1984.
KOHLBERG, L. Development of moral character and moral ideology. M.
L. Hoffman & L. W. Hoffman, eds., Review of Child Development
Research, Vol. I, pp. 381-431. New York: Russel Sage Foundation, 1964.
KOHLBERG, L. The psychology of moral development. Vol. 2: Essays on
moral development. San Francisco: Harper & Row, 1984.
LERKIATBUNDIT, S., UTAIPAN, P., LAOHAWIRIYANON, C., TEO,
A. Randomized controlled study of the impact of the Konstanz method of
dilemma discussion on moral judgement. Journal of Allied Health, n.
35(2), p. 101-108, 2006.
LIND, G. Wie misst man moralisches Urteil? Probleme und alternative
Möglichkeiten der Messung eines komplexen Konstrukts.
[How does one
measure moral judgment]. In: PORTELE, G. ed., Sozialisation und Moral,
pp. 171-201. Weinheim: Beltz, 1978.
LIND, G. Measuring moral judgment: A review of 'The measurement of
moral judgment' by Anne Colby and Lawrence Kohlberg. Human
Development, v 32, p. 388-397, 1989.
433
LIND, G. Moral competence and education in democratic society. In: G.
Zecha & P. Weingartner, eds., Conscience: An Interdisciplinary Approach.
Dordrecht: Reidel, pp. 91-122, 1987.
LIND, G. The importance of role-taking opportunities for self-sustaining
moral development. Journal of Research in Education, 10 (1), 9-15,
2000.
LIND, G. Ist Moral lehrbar? Ergebnisse der modernen
moralpsychologischen Forschung. [Can morality be taught? Research
findings from modern Moral Psychology]. Second Edition. Berlin: Logos-
Verlag. ISBN: 3-897-22255-8, 2002.
LIND, G. Favorable learning environments for moral competence
development – A multiple intervention study with nearly 3.000 students in
a higher education context. International Journal of University Teaching
and Faculty Development, 4, v. 4, 2015. *
LIND, G. Attitude change or cognitive-moral development? How to
conceive of socialization at the university. In: LIND, G. HARTMANN, H.
A. WAKENHUT, R., EDS., Moral judgment and social education, pp.
173 – 192. Rutgers, NJ: Transaction Books, 2ª ed., 2010.
LIND, G. How to teach moral competence. New: discussion theater.
Berlin: Logos, 2019. **
LIND, G. Moral competence: what it means and how accountant education
could foster it. In: PINHEIRO, M. COSTA, A. O. eds., Accounting ethics
education, pp. 155-174.
London: Routledge, 2021.
MANSBART, F.-J. Motivationale Einflüsse der moralischen
Urteilsfähigkeit auf die Bildung von Vorsätzen. (Motivational influence of
moral competence on the formation of intentions.) Unpublished master
thesis, University of Konstanz, 2001.
434
MCNAMEE, S. Moral behavior, moral development and motivation.
Journal of Moral Education, 7,v. 1, p. 27 – 31,1977.
MILGRAM, S. Obedience to authority. An experimental view. Harper,
New York, 1974.
NOWAK, E., SCHRADER, D. ZIZEK, B., eds. Educating competencies
for democracy. (Festschrift für Georg Lind.) New York: Peter Lang Verlag,
2013.
PIAGET, J. The affective unconscious and the cognitive unconscious. In:
INHELDER, B. CHIPMAN, H.H., eds., Piaget and his school, pp. 63-71.
New York: Springer, 1976.
PIAGET, J. The moral judgment of the child. New York: The Free Press,
1965 (originally published 1932).
PLATO. George Anastaplo; BERNS, Laurence. Plato's Meno.
Newburyport, MA: Focus Pub./R. Pullins Co, 2004.
REST, J. R. Development in judging moral issues. Minneapolis, MI:
University of Minnesota Press, 1979
SCHILLINGER, M. Learning environments and moral development:
How university education fosters moral judgment competence in Brazil and
two German-speaking countries. Aachen: Shaker-Verlag, 2006.
SEN, A. Democracy as a universal value. Journal of Democracy, 10 (3),
p. 3-17. 1999.
SEN, A. The idea of justice. Cambridge, MA: Harvard University Press,
2009.
WATSON, J. B. Psychology as the behaviorist views it. Psychological
Review, 20, p. 158–177, 1913.
435
Notas
* Pode ser feito download em: http://moralcompetence.net/b-liste.htm
** Em 2021, este livro ganhou o Outstanding Book Award do Educação e
Desenvolvimento Moral SIG da Associação Americana de Pesquisa Educacional
(AREA).
Para maiores informações acesse o website: www.imdc.info
Contato: office@imdc.info
437
SITUAÇÕES PARA DISCUSSÃO
1
Jaqueline Roberta de Souza
Talita Bueno Salati Lahr
Situação 1
Para educadores/cuidadores: ser humilhado ou se defender?
João, uma criança acolhida na instituição tem chegado da escola dizendo
que está sofrendo bullying, que seus amigos o excluem e ficam dizendo que
ele não tem mãe e nem pai, e por isso mora no abrigo. alguns dias, ele
tem dito que não quer mais ir para a escola. Os educadores/cuidadores
constantemente reclamam dos comportamentos de João, que tem 11 anos,
vive em serviços de acolhimento desde os dois anos de idade e é agressivo
com os adultos e com as demais crianças. Um determinado dia, na saída
da escola, João ameaça dois colegas dizendo que vai matá-los. A diretora
da escola chama a educadora/cuidadora de plantão e relata o fato. Em casa,
João diz que não aguentava mais as falas de exclusão em relação a ele, chora
muito e repete diversas vezes que quer uma família e que não aguenta mais
viver no acolhimento. A educadora/cuidadora diz a João que passou muita
vergonha na escola pelo que ele fez, e decide que ele ficará uma semana
1
Situações complementares propostas no capítulo 9: “A competência moral nas instituições de
acolhimento para crianças e adolescentes”.
https://doi.org/10.36311/2022.978-65-5954-220-8.p437-442
438
sem sair de casa pelo que aconteceu. Você concorda com a postura da
educadora/cuidadora?
Perguntas norteadoras para discussão:
João pode ser considerado vítima de bullying?
A sanção aplicada tem relação com o que ocorreu na escola?
A intervenção da diretora da escola e da educadora/cuidadora,
na instituição de acolhimento, favoreceu o desenvolvimento da
competência moral?
Situação 2
Para educadores/cuidadores: entre mentir e colocar o outro em risco
[U1]
Juliana é uma adolescente que está acolhida por volta de um ano e
evadiu diversas vezes do serviço de acolhimento. Em um determinado
dia, ela volta de uma das evasões com R$100,00. A instituição tem uma
regra de que os acolhidos não podem ficar com um dinheiro do qual não
se sabe a procedência, dentro da casa. A educadora/cuidadora sabe dessa
regra, mas tem uma longa conversa com a adolescente sobre suas escolhas
e aquilo que tem feito de sua vida. Juliana alega que não quer mais viver
na instituição, que tem vontade de estar com amigos e com sua família e
que entende que fora dali está à mercê do tráfico de drogas, mas alega que
fará 18 anos em breve e logo voltará para o mesmo lugar. Além disso, ela
diz saber se virar sozinha e se defender de determinados perigos. Após
algumas horas dessa conversa, a adolescente chama a educadora/cuidadora
e diz que está com muita vontade de comer pizza. Ela pergunta se elas
439
poderiam pedir pizza para todas as crianças que moram ali com aquele
dinheiro, e diz que ninguém precisa ficar sabendo. A educadora/cuidadora
tenta intervir em relação a isso e pergunta sobre a origem do dinheiro. Ela
diz que ganhou de um amigo naquela noite para poder comprar coisas para
ela mesma utilizar na instituição, e diz que passar esse tempo diferente com
uma janta gostosa com os colegas da casa amenizaria sua angústia, pois,
naquele momento, seu maior desejo era evadir novamente e gastar esse
dinheiro em bebida na rua. A educadora/cuidadora, buscando proteger a
adolescente e evitar uma nova evasão, decide pedir as pizzas, escondendo
o fato da equipe técnica do serviço, e combina com as crianças e
adolescentes que ninguém poderá contar sobre o ocorrido no dia seguinte.
Você concorda com a decisão da educadora/cuidadora?
Perguntas norteadoras para discussão:
A adulta da situação descumpriu a regra da instituição. Quais
são as consequências disso para ela?
A educadora/cuidadora poderia ter conversado com alguém da
equipe para tomar essa decisão em conjunto?
Neste caso, o que é mais importante? Seguir a regra ou favorecer
esse momento de descontração e felicidade para as crianças e
adolescentes acolhidos?
Em que a conversa que a educadora/cuidadora teve com a
adolescente pode favorecer, em termos de desenvolvimento
moral?
440
Situação 3
Para Equipe Técnica
Mãe, a auncia de ti extrapola em mim os limites das leis e da razão[U2]
Personagens envolvidos: A mãe, o filho, a equipe cnica de apoio
socioassistencial e a equipe do judiciário.
Em uma pequena cidade havia uma instituição de acolhimento
para crianças e adolescentes que por determinação judicial devessem ser
afastadas de suas famílias. Uma das crianças acolhidas, Salva, tinha sido
retirada de sua mãe ainda bem pequena, com aproximadamente 3 anos de
idade, pois a mãe era usuária de drogas e negligente com os cuidados de
Salva e de seus filhos mais velhos, que estavam adentrando o mundo do
crime e praticando roubo e tráfico. Esta decisão trouxe - e ainda traz -
muitas revoltas para a mãe e para os demais familiares de Salva, que era o
filho caçula. A criança ficou por um tempo na instituição, e, depois, foi
inserida em outra família sob guarda provisória. Esta família tinha uma
postura de violência com a criança, por isso, depois de 4 anos de
convivência, ela foi acolhida novamente na instituição, com 7 anos de
idade. Hoje em dia, ela apresenta episódios de crises nervosas gravíssimas;
agressividade com quem está por perto; quebra objetos, móveis; agride e
machuca as pessoas, além de apresentar comprometimento cognitivo.
Os profissionais envolvidos no caso foram assistentes sociais,
psicólogos, pedagogos, a promotora e a juíza da cidade. Esta equipe
determinou o afastamento e a perda do poder familiar e não relaciona tal
decisão com os problemas emocionais e cognitivos que a criança apresenta
441
hoje. Porém, o rompimento do nculo definitivo com a mãe - por razão
dos riscos que esta convivência trazia - e seu acolhimento para a preservação
de sua integridade, aparentam, agora, não terem sido eficientes e saudáveis
para a criança. Estas ações trouxeram, talvez, tantos prejuízos quanto a
própria vivência com a mãe negligente.
Desta forma, uma das profissionais envolvidas no caso passou a
questionar as decisões tomadas até aqui. Porém, nada se podia mudar, pois
tudo foi feito de acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente. No
entanto, considerando os prejuízos emocionais e cognitivos que a criança
vinha sofrendo, uma das profissionais da equipe tem um dilema: respeitar
a decisão judicial pautada no Estatuto e manter a criança afastada da mãe
- mesmo vivenciando todos os dias os prejuízos que isso trouxe -, ou
arriscar-se em ir contra a decisão judicial e permitir a convivência com a
mãe, mesmo que de forma sigilosa. A profissional decide proporcionar
encontros entre mãe e filho por longos períodos, durante todos os dias.
Você concorda com a decisão da profissional?
443
QUEM SOMOS?
Alexandre S. Lessa
Graduado em Ciências da Logística com habilitação em Intendência da
Aeronáutica, pelo Curso de Formação de Oficiais Intendentes da
Academia da Força Aérea. Mestrando no Programa de Pós-Graduação em
Ciências Aeroespaciais da Universidade da Força Aérea, com o projeto
“Adequabilidade do Teste do Competência Moral (MCT-xt) como
indicador do Programa de Formação de Valores da Academia da Força
Aérea”.
Carla Andressa Placido Ribeiro de França
Possui graduação em Pedagogia (2006) com habilitação em Deficiência
Visual e Administração Escolar, Mestre (2012) e Doutora (2018) em
Educação pela UNESP, campus de Marília. É membro do Grupo de
Estudo e Pesquisa em Epistemologia Genética e Educação e do Grupo de
Estudos e Pesquisas em Psicologia Moral e Educação Integral. Atualmente
é professora de Atendimento Educacional Especializado.
Carla Chiari
Formão em Psicologia (2010) Pedagogia (2016) atualmente mestranda
em Educação pela Unesp de Marília. Atuação em escola e consultório
particular
444
Cristiane Paiva Alves
É Terapeuta Ocupacional, pela Faculdade de Filosofia e Ciências - FFC,
UNESP, de Marília, tem mestrado e doutorado em Educação Especial,
pela Universidade Federal de São Carlos UFSCar. É especialista em
Neurologia e Reabilitação dos Membros Superiores, pela UFSCar.
Docente da FFC, UNESP/Marília. Instrutora de Yoga e vice-líder do
Grupo de Estudos e Pesquisas em Psicologia Moral e Educação Integral
(GEPPEI).
Edneia Felix de Matos
Pedagoga, especialista em educação infantil e Psicopedagogia Mestre em
Educação pela Unesp campus Marília SP, professora em escola de
Educação Infantil na rede municipal de educação na cidade de Marília SP.
Elen Daiane Quartaroli Fernandes
Psicóloga pela Universidade do Sagrado Coração (Bauru-SP), pedagoga
pela Facinter (Curitiba-PR), especialista em Ética, Valores e Cidadania na
Escola pela USP/UNIVESP, mestre em Psicologia do Desenvolvimento e
da Aprendizagem pela UNESP (Bauru-SP) e doutoranda em Educação
pela UNESP (Marília - SP). Atualmente é diretora de uma escola
municipal dos anos iniciais do ensino fundamental e docente no Ensino
Superior, no curso de pedagogia.
Elói Maia de Oliveira
Doutorando em Educação (UNESP/Marília), Mestre em Filosofia
(UNESP/Marília, Licenciado e Bacharel em Filosofia (UNESP/Marília).
Professor de Filosofia na E.E. Edson Vianei Alves Prof. no município de
Marília/SP.
445
Elvira Mª P. Pimentel Ribeiro Parente
Pedagoga e Mestra em Educação pela Universidade Estadual de Feira de
Santana. É doutoranda em Educação pela Universidade Estadual de
Campinas.. É especialista em Gestão, Coordenação e Orientação Escolar
pelo Núcleo de Pós-graduação Gastão Guimarães. Integrante do Grupo de
Estudos e Pesquisas em Educação Moral (GEPEM) e Coordenadora do
Grupo de Estudos em Educação Moral (GEEM) de Feira de Santana.
Emerson da Silva dos Santos
Professor Matemática Ensino Fundamental, Mestrado Unesp Marília,
Pedagogia Unimar, Ciências Matemática Unimar, Especialização em
Metodologia de Ensino e Formação Profissional.
Georg Lind
Prof. Dr. Georg Lind, nascido em 1947, estudou Psicologia, Filosofia,
Economia e Linguística em Mannheim, Braunschweig, e Heidelberg,
Alemanha. Ele conquistou o mestrado em Psicologia da Universidade de
Heidelberg, doutorado em Ciências Sociais pela Universidade de
Konstanz, e um doutorado em Filosofia pela Universidade Católica de
Eichstätt. Nas décadas de 70 e 80, ele foi membro de pesquisa do estudo
internacional longitudinal de universitários em cinco países Europeus,
incluindo dois países ex-comunistas (Polônia e Iugoslávia). Durante este
período, desenvolveu sua teoria de competência moral e um teste objetivo,
onde consegue tornar seu traço interno visível sem invocar modelos
estatísticos duvidosos, ou usar métodos subjetivos: o Teste de
Competência Moral (TCM). Quando conheceu Lawrence Kohlberg, ele
adaptou seu método educacional de discussão de dilemas para torná-lo
mais eficaz e melhor de ser ensinado. Por meio deste, o TCM foi
fundamental. Dr. Lind também projetou um KMDD para treinamento
446
de professores e programa de certificação. Tem promovido oficinas de
KMDD em muitos países, do Chile a China. Recentemente, ele co-fundou
o Instituto para Competência Moral-Democrática (IMDC), o qual está
presidindo atualmente.
Graziella Diniz Borges
Graziella Diniz Borges é psicóloga, pedagoga, psicopedagoga, mestra e
doutoranda em Educação pela Universidade Estadual Paulista (Unesp),
Campus de Marília. Atualmente, é docente na Educação Básica e no
Ensino Superior. É membro do Grupo de Estudos e Pesquisas em
Psicologia Moral e Educação Integral (GEPPEI).
Jaqueline Roberta de Souza
Graduada em pedagogia, pós-graduada em psicopedagogia e mestranda
pela Universidade Estadual no Norte do Paraná, membro do grupo de
pesquisa e estudo em desenvolvimento moral e educação integral, GEPEI,
e estudante especial da Universidade Estadual Paulista. Atua na área da
assistência social como pedagoga social.
Lucas Guilherme Tetzlaff de Gerone
Doutorando em Educação pela UNESP Marília-SP. É mestre em Teologia
pela PUC/PR. Possui Especialização em Neuropsicopedagogia; Especia-
lização em Filosofia e Sociologia; Especialização em Docência do Ensino
Superior. Bacharelado em Teologia. Possui Licenciatura em Filosofia e
Licenciatura em Pedagogia. É membro do Grupo de Estudos e Pesquisas
em Psicologia Moral e Educação Integral UNESP Marília-SP.
447
Maria Célia Reis da Silva
Professora Titular da Universidade da Força Aérea e da Escola Superior de
Guerra, consultora e orientadora pela Fundação de Amparo à Pesquisa do
Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ). Arquivo Museu de Literatura
Brasileira da Fundação Casa de Rui Barbosa. Pós-Doutorado em
Literatura, Cultura e Contemporaneidade pela Pontifícia Universidade
Católica do Rio de Janeiro; Doutorado (1998) em Letras pela Pontifícia
Universidade Católica do Rio de Janeiro; Mestrado em Letras Vernáculas
pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1989); Bacharelado e
Graduação em Português-Inglês pela Faculdade de Humanidades Pedro II
(1976). Possui experiência na área de Letras, com ênfase em literatura
atuando principalmente nos seguintes temas: literatura brasileira marginal
de e sobre os excluídos, povo, cotidiano, gíria, memória (lembrança e
esquecimento), biografia, mitologia, Rio de Janeiro, geração 45,
modernismo, e metodologia científica, língua portuguesa, soberania,
defesa, estratégia. Integrante do Projeto Incorporação de tecnologia
aeroespacial para a Defesa: impactos organizacionais, doutrinários e na
autonomia estratégia (CAPES).
Maria Cristina da Silva Araújo Zuccoli
Professora da rede pública estadual aposentada de Inglês, ativa de
Português e Mestre em Educação pela Unesp/Marilia
Mariana Lopes de Morais
Pedagoga pela Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho",
campus de Marília. Mestre em Educação na linha Psicologia da Educação:
Processos Educativos e Desenvolvimento Humano. Doutoranda no
Programa de Pós-graduação em Educação. Membro do Grupo de Estudos
448
e Pesquisa em Epistemologia Genética e Educação (GEPEGE) e do Grupo
de Pesquisa em Psicologia e Educação Integral (GEPPEI).
Matheus Estevão Ferreira da Silva
Matheus Estevão Ferreira da Silva é Pedagogo (2018) pela Faculdade de
Filosofia e Ciências (FFC/UNESP) de Marília, Mestrando pelo Programa
de Pós-Graduação em Educação (PPGE) da mesma instituição e
graduando em Psicologia pela Faculdade de Ciências e Letras
(FCL/UNESP) de Assis. Na graduação em Pedagogia, foi bolsista de
extensão do Núcleo de Ensino (04 meses), PROEX (04 meses), de
Iniciação Científica PIBIC/CNPq (14 meses) e FAPESP (20 meses). Na
graduação em Psicologia, foi bolsista de Iniciação Científica FAPESP (07
meses). Atualmente é bolsista de Mestrado do Conselho Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Atua como 1.º
Secretário do Núcleo de Direitos Humanos e Cidadania de Marília
(NUDHUC), gestão de 2016-2018 e, na gestão atual, de 2019-2021.
Patricia Unger Raphael Bataglia
É Psicóloga, pela PUC/SP, Mestre e Doutora em Psicologia Social pelo
Instituto de Psicologia da USP. Sua experiência é em pesquisas sobre a
psicologia moral. É professora assistente do Departamento de Educação e
Desenvolvimento Humano, da Faculdade de Filosofia e Ciências,
UNESP/Marília. Professora credenciada no programa de pós-graduação
em Educação (UNESP/ Marília). É líder do Grupo de Estudos e Pesquisas
em Psicologia Moral e Educação Integral (GEPPEI).
449
Priscila Caroline Miguel
Mestre em Educação pela Unesp - Campus de Marília/SP (2021) e
graduada em Psicologia pela UNIMAR - Universidade de Marília/SP
(2010).
Raquel dos Santos Candido da Silva
Formada em Ciências Sociais pela UNESP - Faculdade de Filosofia e
Ciências de Marília, atualmente é mestranda no Programa de Pós-
graduação em Educação da mesma universidade. Também é formada em
Pedagogia pela Faculdade de Tecnologia Paulista e professora na educação
básica da rede estadual de ensino do estado de São Paulo na modalidade
EJA.
Raul Aragão
Psicólogo formado pela UNISAL, campus de Lorena (1977), Mestre
(1986) e Doutor (1991) em Psicologia, pela Fundação Getúlio Vargas -
RJ. Pós-Doutorado em Drogadependência pela “The University of
Washington” (Seattle, USA). Atualmente é professor associado do
Departamento de Educação do Instituto de Biociências, Letras e Ciências
Exatas da Universidade Estadual Paulista - UNESP e credenciado como
professor e orientador no Programa de Pós-Graduação em Educação, da
mesma universidade, campus de Marília. Desenvolve pesquisas e
orientações nos seguintes temas: desenvolvimento sociomoral, uso de
álcool e outras drogas por adolescentes, desenvolvimento infantil,
educação infantil e crianças adolescentes em situação de vulnerabilidade.
Regina Helena da Silva Leite
Formada em Pedagogia, pela Faculdade de Filosofia e Ciências da
Universidade Estadual Paulista (UNESP). Licenciada em Letras
450
(Tradutor/Intérprete) pelo Centro Universitário Ibero-Americano, MBA
em Gestão Empresarial pela FGV do RJ e integrante do Grupo de Estudos
e Pesquisas em Psicologia Moral e Educação Integral (GEPPEI).
Atualmente trabalha na Prefeitura Municipal de Marília como Professora
de Inglês, tendo mais de 26 anos de experiência profissional em educação
e em empresas nacionais e multinacionais, atuando na área de 'Supply
Chain' (Cadeia de Suprimentos).
Rogério Melo de Sena Costa
É licenciado e bacharel em Ciências Biológicas (UNESP), mestre em
Educação Científica e Tecnológica (UFSC) e doutorando em Educação
(UNESP). Leciona Ciências da Natureza e Matemática há mais de vinte
anos. Participa do Grupo de Estudos e Pesquisas em Psicologia Moral e
Educação Integral (GEPPEI). Tem interesse por temas como educação
integral, desenvolvimento moral e influência das tecnologias digitais na
formação dos jovens.
Sabrina Sacoman Campos Alves
Doutora e Mestre em Educação pela Universidade Estadual Paulista “Júlio
de Mesquita Filho” - UNESP/ Marília-SP. Membro dos grupos de estudo
e pesquisa Geppei e Gepege, vinculados à UNESP/Marília-SP. Atua,
principalmente, com o tema “Desenvolvimento e Educação Moral”, a
partir das teorias de Jean Piaget e Paulo Freire. Atualmente, é
Coordenadora Pedagógica em um colégio da rede privada de ensino.
Sérgio Francisco de Freitas
Graduação Filosofia, Pedagogia, Educação Física, Especialização História,
Cultura e Sociedade, Mestrado em Filosofia.
451
Simone Gomes de Melo
Pedagoga, doutoranda em Educação na área de Psicologia Educacional
pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Mestra em
Educação pela Universidade Estadual Paulista (UNESP). Dedica-se às
pesquisas sobre desenvolvimento moral, clima escolar e suas relações com
o desempenho escolar, e aprendizagem-serviço. É integrante do Grupo de
Estudos e Pesquisas em Educação Moral (GEPEM) da
UNESP/UNICAMP.
Talita Bueno Salati Lahr
Mestranda pelo Programa de Pós-Graduacão em Educacão Escolar da
FCL-UNESP, formada em Psicologia pela UFSCar. Atua na área do
desenvolvimento humano, psicologia social com famílias, crianças e
adolescentes em situação de vulnerabilidade social e vítimas de violência.
É membro do GEPEM - Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação
Moral (UNESP/UNICAMP).
Tamires Alves Monteiro
Pós-doutoranda em educação pela Unesp/Marilia, doutora e mestre pelo
Instituto de Psicologia da USP e pedagoga, com habilitação em educação
infantil pela Unesp/Marilia.
Telma Pileggi Vinha
Pedagoga, Doutora em Educação na área de Psicologia, desenvolvimento
humano e educação pela Faculdade de Educação da Universidade Estadual
de Campinas (UNICAMP), professora do Departamento de Psicologia
Educacional e é pesquisadora do Instituto de Estudos Avançados (IDEA)
desta mesma Instituição. Realiza pesquisas na área das relações
interpessoais e o desenvolvimento moral, sendo membro do Laboratório
452
de Psicologia Genética (LPG) da UNICAMP e coordenadora associada do
Grupo de Estudos e Pesquisa em Educação Moral (GEPEM) da
Unicamp/Unesp e coordenadora do Grupo de Estudos “Ética, Diversidade
e Democracia na Escola Pública” do Instituto de Estudos Avançados
(IDEA) da UNICAMP . Ministra palestras, cursos de formação e projetos
que visam a melhoria da qualidade da convivência e a construção da
autonomia moral em inúmeras escolas. Organizadora da coleção
“Educação e Psicologia em debate” e autora dos livros “O educador e a
moralidade infantil: uma visão construtivista”, “Quando a escola é
democrática: um olhar sobre a prática de regras e assembleias na escola” e
“Indisciplina, conflitos e bullying na escola” pela editora Mercado de
Letras e “Da escola para a vida em sociedade: o valor da convivência
democrática” pela editora Adonis. Organizadora dos livros “Conflitos na
instituição educativa. Perigo ou oportunidade? ” (Mercado de Letras) e “É
possível superar a violência na escola? Construindo caminhos pela
formação moral” (editora do Brasil).
Vera Lúcia Toneloti
Docente de nível superior na área de alimentos. Especialista em docência
em nível superior pela instituição Dom Bosco. Graduada em
Administração de Empresas e Tecnologia em Alimentos pela Unimar.
Pareceristas
Este livro foi submetido ao Edital 001/2021 do Programa de Pós-graduação em
Educação da Faculdade de Filosofia e Ciências da UNESP, câmpus de Marília e
financiado pelo auxílio nº 0798/2018, Processo Nº 23038.000985/2018-89, Programa
PROEX/CAPES. Contamos com o apoio dos seguintes pareceristas que avaliaram as
propostas recomendando a publicação. Agradecemos a cada um pelo trabalho realizado:
Adriana Pastorello Buim Arena
Alberto Luiz Pereira da Costa
Alexandre Filordi de Carvalho
Américo Grisotto
Ana Claudia Saladini
Ana Maria Klein
Angelica Pall Oriani
Carlos Bauer
Carlota Boto
Celia Regina Rossi
Cinthia Magda Fernandes Ariosi
Claudia Cristina Ferreira
Cristina Maria Carvalho Delou
Daniel Ferraz Chiozzini
Domingos Leite Lima Filho
Erika Porceli Alaniz
Francismara Neves de Oliveira
Genivaldo de Souza dos Santos
Giza Guimarães Pereira Sales
Joana Tolentino
Jose Deribaldo Gomes dos Santos
Lalo Watanabe Minto
Lia Leme Zaia
Luciana Aparecida Nogueira da Cruz
Luciano Mendes de Faria Filho
Márcia Lopes Reis
Maria Cristina da Silveira Galan Fernandes
Maria de Fatima Felix Rosar
Maria José Viana Marinho de Mattos
Maria Lucia Marques
Marta Sueli de Faria Sforni
Mauro Castilho Gonçalves
Nadia Aparecida Bossa
Nilza Sanches Tessaro Leonardo
Ofelia Maria Marcondes
Olga Maria Piazentin Rolim Rodrigues
Rita Melissa Lepre
Sandra Aparecida Pires Franco
Simone Wolff
Sonia Bessa da Costa Nicacio Silva
Virgínia Pereira da Silva de Ávila
Comissão de Publicação de Livros do Edital 001/2021 do
Programa de Pós-Graduação em Educação
da Faculdade de Filosofia e Ciências da UNESP, campus de Marília
Graziela Zambão Abdian, Patricia Unger Raphael Bataglia,
Eduardo José Manzini e Rodrigo Pelloso Gelamo
SOBRE O LIVRO
Catalogação
André Sávio Craveiro BuenoCRB 8/8211
Normalização
Kamila Gonçalves
Desenho da Capa
Sueli Nascimento
Diagramação e Capa
Mariana da Rocha Corrêa Silva
Assessoria Técnica
Renato Geraldi
Oficina Universitária Laboratório Editorial
labeditorial.marilia@unesp.br
Formato
16x23cm
Tipologia
Adobe Garamond Pro
Sócrates: Mas se isso for armado, então o
desejo do bem é comum a todos, e um homem
não é melhor que o outro nesse aspecto?
Mênon: Verdade.
Sócrates: E se um homem não é melhor que
outro em desejar o bem, será ele melhor no
poder de alcançá-lo?
Essa é a epígrafe com a qual o Pro-
fessor Lind inicia seu capítulo. Para agir de
modo virtuoso basta que conheçamos o que
é virtude? Basta que saibamos o que é o bem?
Este livro discute o conceito de competência
moral que envolve o conhecimento do bem,
mas fundamentalmente a capacidade de es-
tabelecer um diálogo franco, pacíco e que
busque de fato a resolução de conitos com
base em princípios universalizáveis.
Nós, organizadoras, convidamos os
estudiosos do campo da educação e psico-
logia para lerem e reetirem conosco a res-
peito das possibilidades de desenvolvimento
que a troca com os pares possibilita. São ofe-
recidos neste livro, vários dilemas que po-
dem ser usados para promover a reexão.
Tenham uma excelente experiência!!
Patricia Unger Raphael Bataglia é Psicóloga,
pela PUC/SP, Mestre e Doutora em Psico-
logia Social pelo Instituto de Psicologia da
USP. Sua experiência é em pesquisas sobre
a psicologia moral. É professora assistente
do Departamento de Educação e Desenvol-
vimento Humano, da Faculdade de Filoso-
a e Ciências, UNESP/Marília. Professora
credenciada no programa de pós graduação
em Educação (UNESP/ Marília). É líder do
Grupo de Estudos e Pesquisas em Psicologia
Moral e Educação Integral (GEPPEI).
Cristiane Paiva Alves é Terapeuta Ocupacio-
nal, pela Faculdade de Filosoa e Ciências
- FFC, UNESP, de Marília, tem mestrado e
doutorado em Educação Especial, pela Uni-
versidade Federal de São Carlos – UFSCar.
É especialista em Neurologia e Reabilitação
dos Membros Superiores, pela UFSCar. Do-
cente da FFC, UNESP/Marília. Instrutora
de Yoga e vice-líder do Grupo de Estudos
e Pesquisas em Psicologia Moral e Educação
Integral (GEPPEI).
Elvira P. Pimentel Ribeiro Parente é Pedago-
ga e Mestra em Educação pela Universidade
Estadual de Feira de Santana. É doutoranda
em Educação pela Universidade Estadual de
Campinas.. É especialista em Gestão, Coor-
denação e Orientação Escolar pelo Núcleo
de Pós-graduação Gastão Guimarães. Inte-
grante do Grupo de Estudos e Pesquisas em
Educação Moral (GEPEM) e Coordenadora
do Grupo de Estudos em Educação Moral
(GEEM) de Feira de Santana.
Programa PROEX/CAPES:
Auxílio Nº 0798/2018
Processo Nº 23038.000985/2018-89
Esta obra se propõe a reetir sobre a aplicação de dilemas morais como es-
tratégia para o desenvolvimento da competência moral de crianças e jovens,
em ambientes educativos, como é o caso da escola, trazendo a relevância do
processo de formação e relações pedagógicas vivenciadas no ambiente es-
colar. Cada capítulo apresenta a fundamentação teórica como suporte para
que o leitor compreenda os princípios e objetivos envolvidos na utilização
de dilemas morais para o desenvolvimento da competência moral. E para que
possam utilizar os dilemas em seus contextos de atuação, são apresentados
exemplos de dilemas e formas de discussão, se constituindo em uma ferra-
menta muito importante para docência na construção de uma sociedade pa-
cíca e harmônica.
ESTUDOS SOBRE COMPETÊNCIA MORAL
propostas e dilemas para discussão