GÊNERO E EDUCAÇÃO
a formação educacional para a igualdade de gênero no
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST)
Jenier Ribeiro Pessôa
Jenier Ribeiro Pessôa
Doutoranda em Educação, na Univer-
sidade Federal da Grande Dourados -
UFGD. Mestra em Educação pela Uni-
versidade Estadual Paulista - UNESP,
campus de Marília (2018). Advogada.
Possui graduação em Direito pela Facul-
dade de Presidente Prudente - FAPEPE
(2011). Pós-graduada em Direito Civil
pelo Instituto Brasil de Ensino - IBRA.
Participante do Grupo de Estudos e Pes-
quisas em Educação Especial - GEPES,
vinculado a UFGD. Atuou como profes-
sora contratada na Universidade Federal
de Mato Grosso do Sul - UFMS, campus
de Naviraí - CPNV (2018-2020), minis-
trando disciplinas nos cursos de Ciências
Sociais, Pedagogia e Administração de
empresas. Atuou ainda como professora
contratada na Universidade Estadual de
Mato Grosso do Sul - UEMS, campus
de Naviraí (2020) e no campus de Dou-
rados (2021) ministrando disciplinas no
curso de Direito, bem como nos cursos
de Ciências Contábeis e Administração
de Empresas do campus de Ponta Porã
(2021). Tem experiência nas áreas de
educação e diversidade, políticas -
blicas educacionais, direitos humanos,
igualdade de gênero. Contatos: jenif-
ferrpessoa@gmail.com / jenierpessoa.
adv@hotmail.com
Programa PROEX/CAPES:
Auxílio 0798/2018
Processo 23038.000985/2018-89
Original, inovadora e oportuna. Es-
sas são as três palavras que denem esta
obra, fruto da pesquisa de mestrado re-
alizada pela professora Jenier Pessôa:
original porque convida aos interessa-
dos em estudos sobre os vetores educa-
tivos nas mobilizações sociais da esfera
popular a examinarem as práticas coti-
dianas e interiores ao Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra para
além do olhar comum que restringe a
educação do MST apenas ao seu cor-
po técnico-produtivo; inovadora porque
este estudo original se dirige de forma
comprometida a investigar os elemen-
tos pedagógicos perpetrados pelo mo-
vimento para estabelecer relações de gê-
nero igualitárias, de forma a colocar em
evidencia a consonância entre discurso e
práticas; e oportuna porque, contrária à
lógica cultural submetida ao clamor da
subjetivação através da soberania de uma
época que se julga pós-ideológica, a obra
que o leitor tem agora em mãos coloca
em jogo justamente como, de fato, é a
ideologia militante de um movimento
popular do campo que se faz materiali-
zada na condução políticas de promoção
da ocupação democrática de espaços de
direção e coordenação para a produção
e reprodução de relações de gênero que
traduzem a formação de uma identidade
GÊNERO E EDUCAÇÃO
Jenier Ribeiro Pessôa
GABRIEL G. NEMIROVSKY
Doutor em Educação (Unesp/Marília).
Docente da Universidade Federal de
Mato Grosso do Sul
Além de ocupar, resistir e produzir, as mulheres do MST vêm travando
uma dura “luta dentro da luta” para superar o machismo e promover a
igualdade de gênero.
A educação de gênero nas escolas do movimento, combinada com lutas
travadas especialmente pelas mulheres nas assembleias, nas cooperativas
e associações, nos assentamentos, além da participação igualitária nas
decisões estratégicas do movimento têm contribuído a construção de
novas relações sociais e de gênero.
O patriarcalismo é anterior ao modo de produção capitalista, mas certa-
mente o capitalismo aprofundou as diferenças entre homens e mulheres,
entre povos e etnias, e está cienticamente provado que é impossível
alcançar a igualdade substantiva entre seres humanos dentro dos marcos
deste modo de produção bárbaro e mesquinho. As mulheres de todas as
partes da América Latina estão travando uma luta ferrenha contra todas
as formas de opressão que quem sabe poderão desembocar numa
sociedade para além do capital.
Jenier Pessôa nesta pesquisa cuidadosa - traz uma contribuição fun-
damental a este debate ao abordar as temáticas de gênero, do machismo
e da educação do MST.
HENRIQUE TAHAN NOVAES | UNESP Marília
GÊNERO E EDUCAÇÃO:
a formão educacional para a igualdade denero no
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
(MST)
Jeniffer Ribeiro Pessôa
Jeniffer Ribeiro Pessôa
GÊNERO E EDUCAÇÃO:
a formação educacional para a igualdade denero no
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST)
Ma
rília/Oficina Universitária
São Paulo/Cultura Acadêmica
2021
UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA
FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS FFC
UNESP - campus de Marília
Diretora
Dra. Claudia Regina Mosca Giroto
Vice-Diretora
Dra. Ana Claudia Vieira Cardoso
Conselho Editorial
Mariângela Spotti Lopes Fujita (Presidente)
Adrián Oscar Dongo Montoya
Célia Maria Giacheti
Cláudia Regina Mosca Giroto
Marcelo Fernandes de Oliveira
Marcos Antonio Alves
Neusa Maria Dal Ri
Renato Geraldi (Assessor Técnico)
Rosane Michelli de Castro
Conselho do Programa de Pós-Graduação em Educação -
UNESP/Marília
Graziela Zambão Abdian
Patrícia Unger Raphael Bataglia
Pedro Angelo Pagni
Rodrigo Pelloso Gelamo
Maria do Rosário Longo Mortatti
Jáima Pinheiro Oliveira
Eduardo José Manzini
Cláudia Regina Mosca Giroto
Auxílio Nº 0798/2018, Processo Nº 23038.000985/2018-89, Programa PROEX/CAPES
Ficha catalográfica
Serviço de Biblioteca e Documentação - FFC
Pessôa, Jeniffer Ribeiro.
P475g Gênero e educação: a formação educacional para a igualdade de Gênero no Movimento
dos Trabalhadores Rurais sem Terra / Jeniffer Ribeiro Pessôa. Marília : Oficina Universitária
; São Paulo : Cultura Acadêmica, 2021.
162 p.
Inclui bibliografia
ISBN 978-65-5954-169-0 (IMPRESSO)
ISBN 978-65-5954-170-6 (DIGITAL)
1. Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra. 2. Educação rural. 3. Relações de
gênero.4. Mulheres - Condições sociais. I. Título.
CDD 370.193
Copyright © 2021, Faculdade de Filosofia e Ciências
Editora afiliada:
Cultura Acadêmica é selo editorial da Editora UNESP
Oficina Universitária é selo editorial da UNESP - campus de Marília
Entre os desafios que temos pela frente, um deles
é o de desenvolvermos um processo educativo que
permita a superação da dominação machista
imposta pela cultura em que estamos inseridos, e
um melhor entendimento da questão de gênero.
(MST, 2005, p. 215)
Dedico aos meus pais, Luís Eduardo Pessôa e
Eliana Ribeiro Pessôa, por acreditarem nos
meus sonhos, pelo incentivo e apoio
em todas as minhas escolhas e decisões e,
por estarem sempre ao meu lado.
Agradecimentos
Entre os agradecimentos que tenho o primeiro certamente é para a
professora Neusa, pela oportunidade de ser sua orientanda e, por isso
divido com ela essa conquista. Obrigada por acreditar no meu potencial, e
compartilhar comigo seu conhecimento de forma que, mais do que me
incentivar à pesquisa, me ensinou a pesquisa.
Aos integrantes do Grupo de Pesquisa Organizações e Democracia.
As leituras e discussões sobre os diversos textos contribuíram muito no
processo de conhecimento, pesquisa e reflexão.
Aos colegas de caminhada acadêmica Alessandra Costa (Keka),
Gabriel Gualhanone Nemirovsky, Thais Yuri Matsumoto Takaoka que
acompanharam o desenvolvimento desse trabalho e, se tornaram
verdadeiros amigos.
À minha família pelas palavras de apoio, e pelo incentivo nos
momentos difíceis.
À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
(CAPES) pelo apoio financeiro durante o curso do mestrado, quando essa
pesquisa foi desenvolvida.
Aos meus pais, Luís Eduardo Pessôa e Eliana Ribeiro Pessôa, por
acreditarem nos meus sonhos e, pelo incentivo e apoio em todas as minhas
escolhas e decisões. Sem eles nada disso seria possível. Obrigada por
estarem comigo em todos os momentos e, por serem os maiores
incentivadores dos meus sonhos.
À Deus que me acompanha em toda a minha trajetória, e que
colocou essas pessoas tão especiais na minha vida e que me permitiu a
concretização desse trabalho, que é parte dos meus sonhos que está sendo
concretizado.
Sumário
Apresentão......................................................................................13
Prefácio | Neusa Maria Dal Ri............................................................23
I | Movimentos Sociais e Gênero........................................................29
Histórico dos Movimentos Sociais no Brasil
Os Movimentos das Mulheres no Campo
II | O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra.....................55
A Fundação do MST
Pedagogia do Movimento
III | MST e a Questão de Gênero.......................................................85
A Política de Gênero do MST
O Setor de Gênero do MST: Criação e Documentos Produzidos
A Igualdade de Gênero na Formação Educacional do MST
As Ações das Mulheres Militantes
Referências.......................................................................................149
13
Apresentão
Essa obra é fruto da dissertação de mestrado defendida em fevereiro
de 2018, com o título A formação educacional e a igualdade de gênero no
Movimento Dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) sob a orientação
da professora Doutora Neusa Maria Dal Ri.
A proposta busca destacar como se constituiu as relações de gênero
dentro do MST, destacando sua formação educacional própria intitulada
Pedagogia do Movimento que serve para o Movimento como um espaço
educacional que vai além de conteúdos escolares, desenvolvendo, a partir
dele, questões como, por exemplo, a igualdade de gênero.
O Brasil foi marcado por uma época de regime militar que teve
vigência de 1964 até 1985, quando foi oficialmente finalizado, dando
início à Nova República. Esse cenário político gerou o surgimento de
vários movimentos sociais, entre eles o objeto de nossa pesquisa: o
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). “O MST surge
em nosso cenário político e econômico propondo-se a lutar por mudanças
sociais no país e pela construção de uma ‘sociedade sem exploradores e
explorados’” (MELO, 2007, p. 113).
O MST nasce em um processo de enfrentamento e resistência
durante o regime militar, no período compreendido entre 1978 e 1985,
14
essa articulação de lutas foi um processo de luta contra a expropriação e a
exploração da terra.
Assim que fundado, o Movimento estipulou três objetivos
principais: lutar pela terra; lutar pela reforma agrária; e lutar por mudanças
sociais no país. A luta por mudanças sociais ensinou os militantes que a
transformação em sujeitos sociais é um processo educativo, de formação
humana.
O MST entende que a democratização da educação é tão
importante quanto a democratização da terra. Assim, o Movimento
atribui, desde sua fundação, significativa importância à educação dos seus
militantes. Na construção de uma nova forma de educar, o MST criou a
chamada Pedagogia do Movimento. A Pedagogia do Movimento se
fundamenta em algumas teorias pedagógicas existentes, as quais o MST
utilizou para a constituição de um projeto pedagógico e educativo próprio
(MST, 1999a; 2001a), objetivando a formação do ser humano por meio
de práticas e vivências, nesse sentido, “[...] a Pedagogia do Movimento se
constitui como uma reflexão específica sobre as matrizes pedagógicas
postas em movimento na formação dos Sem Terra, tratando-a como um
processo educativo que pode inspirar diferentes práticas educativas” (MST,
2013, p. 10).
A construção de novas escolas com uma nova pedagogia pode ser
atribuída ao fato da falta de escolas no campo. Além disso, “[...] as escolas
oficiais não atendiam aos interesses dos Sem Terra”, ou seja, as escolas eram
poucas ou não existiam, e mesmo nos locais onde tinham escolas a
proposta da educação estatal não atendia aos interesses do MST, então
“[...] foi neste ambiente que se formulou um projeto educacional cujos
objetivos mais relevantes são: educar as pessoas para o trabalho coletivo;
15
estimular a permanência dos jovens no campo; e possibilitar uma formação
política e ideológica aos assentados” (DAL RI, 2004, p. 28).
A trajetória do MST mostra que sua educação se desenvolveu por
meio de dois eixos complementares: a luta pelo direito à educação; e a
construção de uma nova pedagogia. De acordo com esses eixos foram
formulados diferentes princípios e reflexões norteadores dessa pedagogia
(CALDART, 1997, p. 39)
Ademais, “[...] ressaltamos que a práxis educacional do MST é
diferenciada tanto em relação à escola oficial, quanto em relação a outras
proposições críticas existentes [...] dada a sua originalidade e possíveis
virtualidades teóricas e práticas” (DAL RI, 2004, p. 28).
Outro fato relevante para a nossa análise da Pedagogia do
Movimento, que a “[...] política educacional posta em prática pelo
Movimento visa atacar alguns problemas que foram detectados com o
desenrolar do seu trabalho [...]” (DAL RI, 2004, p. 27-28).
Esta obra apresenta a nova formação/educação criada pelo MST,
que busca a construção de novos valores, que estão presentes nas ações que
o MST desenvolve por meio de princípios que dizem respeito à
transmissão da igualdade nas relações de gênero. Uma dessas ações é por
meio das publicações do MST.
Em grande parte dos documentos dos diferentes setores do MST,
tais como Boletim da Educação (MST, 1992ª; 1994; 1996ª; 2004b),
Caderno da Educação (MST, 1992b; 1994), Caderno de Formação (MST,
1986b; 1988; 1989; 1999b), Caderno de Estudo (MST, 1996b; 1998;
2003; 2004a), são citadas formas de como incluir mais as mulheres e
16
crianças no Movimento, e a importância da igualdade de gênero em todos
os âmbitos, setores e instâncias.
Nos documentos publicados “[...] que compreende o período entre
1985 e 1989 Sem reforma agrária não há democracia! a preocupação em
conciliar a vivência dos processos coletivos com a experiência privada de
seus participantes já passa a ser esboçada, ainda que de forma indireta e
incipiente” (MELO, 2007, p. 114-115).
Nos documentos escritos nesta fase o MST (1986a; 1986b; 1987;
1988) ainda estava se moldando e crescendo como movimento social, por
isso foi um momento crucial na determinação dos seus valores e normas.
Apesar de já existir a preocupação com a inserção da mulher no
Movimento, o MST tinha clareza acerca das dificuldades a serem
ultrapassadas para a conquista da igualdade de gênero.
[...] é preciso ficar bem claro que a mulher não espere sua emancipação
automática no socialismo. Ao longo de toda história a mulher da classe
dominada foi vítima de uma dupla exploração uma opressão de classe
e uma opressão de gênero oprimida por ser proletária; oprimida por
ser mulher. Durante todo esse tempo, viveu afundada no mais
profundo obscurantismo, vítima de preconceitos, preconceitos esses
compartilhados, inclusive, por seus companheiros. Desse modo, cabe
à mulher, lutar em duas frentes: por sua classe, lutar porque é oprimida
como classe e lutar porque é oprimida enquanto sexo (MST, 1988, p.
16).
17
As publicações da década seguinte (1990 a 2000) se constituíram,
principalmente, pela busca de estratégias para colocar em prática o projeto
político pedagógico.
Os documentos do MST (1996a; 1996b; 1998; 1999b) ressaltam
que o Movimento compreende a diferença entre nascer homem e nascer
mulher, e o papel destinado a cada um dos sexos. Porém, destaca que esse
é um papel cultural, determinado pela sociedade segundo seus interesses e,
portanto, se não são naturais podem ser mudados. No sentido de mudar
os papéis tradicionais e cultivados pela sociedade capitalista e na busca da
construção de um novo homem e uma nova mulher com os valores de
igualdade, destaca-se o papel da educação (MST, 1999b, p. 16).
Até 1996, parte dos documentos escritos voltados para a inclusão
das mulheres no Movimento, foi elaborada pelo chamado Coletivo
Nacional de Mulheres. Posteriormente, as cartilhas publicadas foram de
expediente do Coletivo Nacional de Gênero, nomenclatura que permaneceu
até a criação do Setor Nacional de Gênero.
Assim, ocorreu no ano 2000 a criação do Setor de Gênero, com o
objetivo principal de levar a discussão de gênero para o conjunto do MST,
por meio de estudos e reflexões, divulgando cartilhas cujo conteúdo
demonstra a importância de se estabelecer novas relações para se avançar
na luta de classes. Nesse sentido, permitiu ampliar a discussão e as ações
para que as mulheres tivessem voz e poder de decisão no Movimento e
fossem tratadas com respeito e igualdade, além de ter proporcionado a
publicação de textos específicos e incluindo o tema na pauta dos encontros
estaduais e nacionais.
18
Segundo o MST (2001b, p. 148) a existência da necessidade de se
discutir gênero está no fato de que o Movimento busca a transformação da
sociedade, e construir uma sociedade solidária, com justiça social, e, é
impossível realizar essa transformação sem acabar com as desigualdades nas
relações de gênero.
É importante destacarmos que na “[...] perspectiva de análise que
partilhamos, gênero é entendido como um padrão socioeconômico e
cultural que define o que é masculino e o que é feminino, em cada contexto
histórico” (SABIA; BRABO, 2016, p. 177). Assim, o conceito de gênero
que adotamos em nossa perspectiva, de que gênero está situado nos padrões
sociais que definem as masculinidades e feminilidades.
Segundo os documentos analisados verificamos que a mudança das
chamadas questões das mulheres para as questões de gênero, por ser uma
categoria mais abrangente e não para substituir a categoria mulher. “Os
estudos de gênero, aqui incluindo as categorias ‘mulher’, ‘mulheres’,
‘feminismo’, ‘feminilidades’, ‘masculinidades’ e ‘relações de gênero’, têm
buscado se colocar no centro do debate historiográfico, tentando fazer com
que essas categorias se tornem comuns para quem pesquisa nesse campo”
(PEDRO, 2011, p. 277).
Todavia, apesar do conceito de gênero ser abrangente e, por isso,
compreender as relações entre homens-homens, mulheres-mulheres e,
homens-mulheres, aqui tratamos especificamente apenas desta última,
visto que nos documentos analisados não constatamos a existência de
indicações de igualdade voltada para os relacionamentos LGBT. Nesse
sentido, as limitações da proposta aqui apresentada estão limitadas ao
binômio masculino e feminino por serem os únicos encontrados nos
documentos levantados.
19
O objetivo geral desta proposta foi verificar se o MST possui uma
política de formação educacional que abranja a questão de igualdade de
gênero. Os objetivos específicos foram: verificar se o MST possui uma
política geral de gênero; analisar os princípios pedagógicos e o projeto
político-pedagógico do MST para verificar se há ações ligadas à formação
educacional e voltadas para a igualdade de gênero.
Os procedimentos adotados foram o levantamento bibliográfico e
documental, a leitura, a análise e a interpretação de documentos e
bibliografias relacionados às temáticas envolvidas nesta pesquisa. Foram
utilizados, preferencialmente, textos oficiais do Movimento, assim como
textos desenvolvidos por seus militantes e, também, textos de autores que
se dedicaram ou se dedicam à pesquisa sobre o MST, a sua formação
educacional e a questão de gênero, temáticas tratadas nesta pesquisa. O
recorte temporal foi de 1984, quando o MST foi instituído até o ano de
2017 quando a pesquisa estava sendo desenvolvida.
A maior fonte de pesquisa foi o material do MST e os textos
produzidos pelos diferentes setores, em especial pelo Setor de Gênero. Os
principais documentos do Movimento utilizados foram: Boletim da
Educação (MST, 1992a; 1994; 1996a; 2001a; 2004b), Caderno da
Educação (MST, 1992b; 1994; 1996a; 1999a; 2005), Caderno de
Formação (MST, 1986a; 1986b; 1987; 1988; 1989; 1999b; 2000),
Caderno de Estudo (MST, 1996b; 1998; 2001b; 2003; 2004a; 2010).
Dentre os principais autores utilizados temos Araujo (2011, 2014),
Brabo (2014, 2015) Caldart (1997, 2004), Dal Ri (2004, 2008),
Fernandes (1996, 2000), Gohn (1992, 1999, 2007, 2011), Melo (2001,
2007), Pedro (2005, 2011), Pinto (2003, 2010), Saffioti (1983, 1999,
20
2015), Stédile (2012), Schwendler (2014, 2015), Scott (1990), dentre
outros.
A escolha do MST como objeto de pesquisa ocorreu,
principalmente, por ele ter criado uma nova forma de educar, almejando
uma nova sociedade mais igualitária e por ter criado um Setor Nacional de
Gênero.
A obra está dividida em três sessões. A primeira sessão I -
Movimentos sociais e gênero é apresentada uma breve exposição introdutória
aos temas da pesquisa, apontando temas como o histórico dos movimentos
sociais; dos movimentos feministas no Brasil; da criação do conceito de
gênero; e, dos movimentos de mulheres na esfera rural; e algumas
conquistas das mulheres, divididos em dois capítulos: Histórico dos
movimentos sociais no brasil e Os movimentos das mulheres no campo.
Na Sessão II, intitulada O Movimento Dos Trabalhadores Rurais
Sem Terra, é abordada a história da criação do MST como movimento
social de luta pela terra, pela reforma agrária e por mudanças sociais. Os
dois capítulos dessa sessão, A fundação do MST e Pedagogia do Movimento,
apresentam que o MST é um movimento atualmente presente em quase
todos os estados brasileiros, e com mais de trinta anos de existência. Por
ter essa dimensão, o Movimento se organiza em instâncias e setores com a
finalidade de facilitar o trabalho de divulgação dos seus princípios
filosóficos e pedagógicos a todos os seus militantes. Apresentamos, ainda,
algumas considerações sobre seu projeto educativo, analisando como
ocorreu a construção desse projeto, intitulado Pedagogia do Movimento.
Um projeto próprio de educação criado conforme as necessidades técnico-
educacionais e políticas do Movimento, fundamentado em seus princípios
e no próprio Movimento.
21
A terceira e última sessão, III - MST e a questão de gênero, é
composta por quatro capítulos: A política de gênero do MST, O setor de
gênero do MST: criação e documentos produzidos; A igualdade de gênero na
formação educacional do MST e; As ações das mulheres militantes, os quais
apresentam que o MST reconhece a dificuldade de abordar o tema gênero,
pois trata das concepções e valores presentes nas relações sociais que são
considerados naturais, na e pela sociedade. Além disso, “[...] há a
dificuldade de relacionar o conceito com a realidade, pois trata-se de uma
abordagem nova para o velho problema da desigualdade entre homens e
mulheres” (MST, 2003, p. 7). Por isso, o Movimento pensou nas questões
da mulher e de gênero desde a sua gênese e foi evoluindo até os dias atuais.
23
Prefácio
O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) foi
fundado em 1984, em Cascavel, Paraná, no eclipse da ditadura civil-militar
e sob a influência das lutas e manifestações de movimentos de
trabalhadores iniciadas no final dos anos 1970.
O MST desenvolveu-se, ganhou notoriedade no Brasil e
internacionalmente e se transformou em um grande movimento social.
Em sua trajetória, o MST tem enfrentado os governos neoliberais,
tendo como norte a bandeira pela reforma agrária e organizando um
movimento original e de massas, com base social em todo o país,
congregando especialmente a população pobre do campo e da cidade.
Do ponto de vista do MST, no Brasil existe um grave problema
social advindo do projeto econômico-social da burguesia, com apoio dos
governos neoliberais. Em relação ao campo, os desdobramentos práticos
desse projeto provocaram, e continuam provocando, a desterritorialização
dos trabalhadores e trabalhadoras do campo, consequências negativas
sociais e ambientais, aumento da violência, violação dos direitos e dos
territórios dos povos da floresta, fragilização da agricultura familiar e
camponesa, sujeição dos trabalhadores e consumidores a alimentos
contaminados e ao convívio com a degradação ambiental.
24
Embora o MST lute pela reforma agrária há mais de 37 anos, de
fato, a reforma nunca foi realizada no Brasil. No entanto, as ações
desencadeadas e as reivindicações apresentadas pelo MST e outras
organizações do campo resultaram na constituição dos assentamentos da
reforma agrária, que se encontram espalhados pelo todo o país. Os
assentamentos conquistados são um fenômeno importante, pois geram
impacto econômico, social e educativo nas populações assentadas e nas que
vivem em cidades próximas dos assentamentos. Em decorrência desse
impacto, que atesta a relevância social dos assentamentos, governos em
nível federal, estadual e municipais, durante décadas, criaram programas
de apoio aos assentamentos.
Além do Estado, outras instituições e organizações nacionais e
internacionais reconhecem a importância estratégica do MST na geração
dos assentamentos e, portanto, na geração de emprego e renda, bem como
sua contribuição em outras áreas, com destaque para a educacional e a da
agroecologia.
Durante os anos de seu desenvolvimento, o MST pode construir
uma grande obra educacional, que se materializa nas inúmeras escolas
próprias, ou sob a influência do seu projeto político pedagógico, e na
criação de uma pedagogia própria, denominada de Pedagogia do
Movimento.
Para atender ao grande contingente de pessoas organizadas nos
assentamentos e acampamentos, o MST criou uma educação infantil
própria, cursos técnicos de nível médio e médio integrado, como
Administração de Cooperativas, Saúde Comunitária, Agroecologia, e
cursos superiores, como Pedagogia da Terra, Letras, Licenciatura em
Educação do Campo, Ciências Agrárias, Agronomia, Veterinária, Direito,
25
Geografia e História, além da influência de sua Pedagogia em inúmeras
escolas de educação básica.
A Pedagogia do Movimento é diferente daquela que predomina na
escola oficial. Essa Pedagogia, que tem influências teóricas de autores
críticos e marxistas, tais como Lênin e os educadores soviéticos Krupscaya,
Pistrak e Makarenko, é decorrente, principalmente, do fato de o
Movimento ser um lutador político e de sua conexão com a economia
política desenvolvida nos assentamentos.
Em nossas pesquisas desenvolvidas com o MST, desde o início dos
anos 2000, verificamos que o MST conta com mais de 3000 mil escolas e,
por meio desses estudos, apuramos que devido à concepção pedagógica
adotada, o Movimento institui em suas escolas o que ele denomina de
gestão democrática. Em geral, o modelo de gestão escolar adotado pelo
MST em suas escolas coloca duas ações em movimento, a participação de
todos e todas na gestão e o compartilhamento do poder. Disso resulta que
a instância principal de decisão na maioria das escolas é a assembleia geral,
da qual participam professores, alunos, pais e comunidade, o que ocorre
em diversos níveis de ensino, inclusive no da educação infantil.
Outro tema bastante caro ao Movimento é a luta pela igualdade de
gênero, tanto que a sua educação está permeada por ações e conteúdos
relacionados à disseminação desse valor.
O MST reconhece a dificuldade de abordar o tema gênero, pois
trata de concepções e valores presentes nas relações sociais que são
considerados naturais na sociedade. Além disso, há a dificuldade de
relacionar o conceito com a realidade, pois se trata de uma abordagem nova
para o velho problema da desigualdade entre homens e mulheres.
26
O tratamento da questão de gênero, segundo o MST, ocorreu em
1955, quando surgiu pela primeira vez o uso do termo gênero para indicar
os papéis de gênero, atribuídos diferentemente a homens e mulheres, que
foi utilizado pelo pesquisador John Money. Em 1968, Robert Stoler
estabeleceu mais nitidamente a diferença entre os conceitos de sexo e
gênero. Nos anos de 1980, um grupo de mulheres inglesas começa a usar
o termo gênero num estudo sobre relacionamentos entre homens e
mulheres na família e na sociedade, com destaque para a pesquisadora Joan
Scott.
Para aperfeiçoar o conceito de gênero, o MST utilizou-se de
diferentes contribuições teóricas formuladas por diferentes autoras, em
especial as relacionadas com o movimento feminista. Dentre as autoras,
destacam-se Nalu Faria e Miriam Nobre que afirmam que o conceito de
gênero trouxe avanço nas relações, pois permite uma análise mais ampla.
O MST destaca também a autora Clara Araujo, que afirma que o conceito
de gênero surge da tentativa de compreender como a subordinação é
reproduzida e a dominação masculina é sustentada em suas múltiplas
manifestações, buscando incorporar as dimensões subjetiva e simbólica de
poder, para além das fronteiras materiais e das conformações biológicas
A preocupação com a questão de gênero esteve presente no
Movimento desde sua criação. No sentido de promover a igualdade de
gênero, no I Congresso Nacional do MST, realizado em 1985, aprovaram-
se normas gerais e a organização de comissões de mulheres para discutir
seus problemas específicos e, também, para estimular a participação das
mulheres em todos os níveis de atuação, combater toda forma de
discriminação das mulheres, lutar contra o machismo e propiciar uma
formação educacional que integrasse essa discussão. Para colocar em
prática essas ações e envolver todos no debate foi criado o Setor de Gênero
27
no Encontro Nacional do MST, em 2000. Dentre as principais tarefas
desse Setor encontram-se as de estimular o debate de gênero nas instâncias
e espaços de formação educacional; produzir materiais; propor atividades,
ações e lutas que contribuam para a construção de condições objetivas para
participação igualitária, etc. Com a criação do Setor de Gênero foram
engajadas várias linhas políticas, como, por exemplo, a participação de
50% de mulheres em todos os espaços do MST e instâncias de deliberação,
nos processos produtivos, de formação e educação, nas mobilizações, no
debate sobre a educação infantil, a inclusão do nome da mulher nos
documentos de concessão de posse e uso da terra, etc.
Dessa forma, podemos concluir que a política de formação
educacional do MST voltada para a questão de gênero é um importante
objeto de estudo.
No estudo desta temática, Jeniffer Ribeiro Pessôa procurou
analisar a política de formação educacional do MST, verificando se esta
abrangia a questão da igualdade de gênero. Buscou, também, elucidar a
política geral de gênero do MST, analisar os seus princípios pedagógicos e
verificar as ações educacionais voltadas à igualdade de gênero
Para alcançar esses objetivos, a autora apresenta nesta obra uma
discussão sobre movimentos sociais e gênero, dando ênfase ao movimento
feminista; um breve histórico da formação e trajetória de lutas do MST,
com ênfase em sua educação e, por último, apresenta e discute a política
de gênero do MST e sua ligação com a formação educacional.
A pesquisa de Jeniffer Pessôa, que ora é apresentada ao público,
pode ser considerada altamente relevante por vários motivos.
Primeiro, porque tem como objeto de estudo um dos mais
importantes movimentos sociais do Brasil e da América Latina. Segundo,
28
porque em sua análise, a autora coloca em destaque os princípios filosóficos
e pedagógicos da educação do MST, em especial a política de gênero
contida na formação educacional.
E, por fim, porque a pesquisa possui rigor científico e está sendo
apresentada em um momento econômico-político dramático para o país.
Dentre as várias ações do desgoverno que comanda o país, neste momento,
encontra-se a total destruição da educação e suas instituições, em especial
o encerramento dos Programas Educacionais voltados para os povos do
campo. Além disso, são bem conhecidos os discursos do atual presidente,
Jair Bolsonaro, com teores machistas, homofóbicos e de desrespeito para
com as mulheres e as comunidades LBGT+. Desse ponto de vista,
apresentar um estudo que coloca em epígrafe a experiência educacional de
um movimento social que luta por justiça e pela igualdade de gênero é
também um ato de resistência.
Os atributos positivos deste livro o elevam a uma leitura de
referência para os leitores e leitoras interessados no tema da formação
educacional e da igualdade de gênero.
Inverno de 2021
Neusa Maria Dal Ri
29
I.
MOVIMENTOS SOCIAIS E GÊNERO
Histórico dos Movimentos Sociais no Brasil
O período da década de 1960 e 1970 foi demarcado por uma crise
do capital por pressões para uma reconfiguração do Estado capitalista nos
anos de 1980 e 1990, e seus impactos na política social que se articula a
uma reação burguesa. O que ocorreu foi uma crise clássica de
superprodução, e seus impactos apontaram para uma recessão em 1974/75
que jogou por terra as alegações de que a crise do capital estava sob
controle. Diante das dificuldades de conter a crise iniciou-se a
implementação de programas de austeridade de natureza deflacionista, os
chamados ajustes estruturais.
O período após 1970 marcou o avanço do ideal neoliberal que
criticava o Estado social, e em 1980 o neoliberalismo chegou ao Brasil.
Primeiramente, o golpe de 1964 marcou a derrota das classes trabalhadoras
e dos movimentos sociais, que estavam mobilizados e envolvidos na
denominada frente pela Revolução Brasileira nos anos de 1960 (DAL RI;
VIEITEZ, 2013). Todavia, a classe trabalhadora não assistiu inerte a esse
processo, se reorganizou, promovendo as lutas de classes e ensejou o
surgimento de novos movimentos sociais.
30
No sentido de desenvolver uma luta em prol da democracia e por
políticas públicas, surgiram os movimentos sociais. Contudo, há vários
outros movimentos com objetivos diferentes desses. Quanto ao conceito
do que são os movimentos sociais, Dal Ri afirma que não há um consenso
na definição do conceito de movimentos sociais (DAL RI, 2017, p. 169).
Outra característica dos movimentos sociais é fundamentada no
perfil dos objetos de luta, e interesses em comum do grupo de integrantes,
por exemplo, a mudança social.
Para demarcar o nosso entendimento sobre o que são movimentos
sociais, usamos o conceito desenvolvido por Gohn (2007, p. 13) “[...] nós
os vemos como ações sociais coletivas de caráter sociopolítico e cultural
que viabilizam distintas formas da população se organizar e expressar suas
demandas”. Ainda segundo Gohn (2011, p. 333) “[...] uma das premissas
básicas a respeito dos movimentos sociais é: são fontes de inovação e
matrizes geradoras de saberes”.
Os movimentos são formas coletivas de reivindicação. Nos
movimentos críticos à ordem vigente, as insatisfações geram reivindicações
com propostas de mudanças sociais, engajando os indivíduos nas lutas de
classes na medida em que fazem opções políticas, no contexto em que
atuam e pela identidade de seus participantes.
Por outro lado, Dal Ri (2017) compreende que Novos
Movimentos Sociais são aqueles que, se caracterizam pela forma como esse
movimento se organiza e funciona, e no fato de que “[...] atémse a novas
problemáticas, como a exclusão histórica das populações indígenas, a luta
pela terra e reforma agrária, a organização do trabalho associado, novo
papel da mulher na sociedade, entre outras” (DAL RI, 2017, p. 173).
31
Na América Latina, a partir dos anos de 1990, foram aparecendo
movimentos e organizações representativos da classe trabalhadora e com
uma nova forma de organizar a política, o trabalho e a cultura, esses
movimentos podem ser caracterizados como novos. Como exemplos,
citamos que no Brasil formouse o chamado Movimento da Economia
Solidária, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, na
Argentina o Movimento das Fábricas Recuperadas, com expressões
também na Argentina e no Brasil, o Movimento das Fábricas Ocupadas, e
o Movimento Zapatista, do México (DAL RI, 2017, p. 173). No Brasil
podemos citar, ainda, muitos outros novos movimentos sociais que são
distintos desses, que levantam bandeiras e com pautas específicas sobre:
gênero, clima, meio ambiente, étnicas e raciais, entre outros.
Especificamente na esfera rural, os primeiros movimentos surgiram em
torno da luta pela reforma agrária.
No Brasil, são vários os movimentos sociais que, há quase três décadas,
eclodem com estas características; dentre eles se destacam o
Movimento das Fábricas Ocupadas, o Movimento dos Trabalhadores
Sem Teto, Movimento dos Atingidos por Barragens, Movimento dos
Pequenos Agricultores, Movimento de Trabalhadores Desempregados,
Movimento de Mulheres Camponesas e o Movimento dos
Trabalhadores Sem Terra [...] (PINASSI, 2009, p. 75-76).
Os primeiros movimentos sociais rurais no Brasil começaram a
tomar forma na década de 1950, com a criação das Ligas Camponesas e de
Sindicatos de Trabalhadores Rurais. Sua luta pela terra e pelos direitos dos
camponeses buscava transformar as opressivas relações de poder que
perpetuavam a pobreza.
32
Outro fato que podemos citar como impulsor à criação de
movimentos sociais do campo é a identificação de diferentes indivíduos
com uma mesma classe e/ou causa. Uma situação específica, como por
exemplo, o golpe de 1964 do Brasil tende a fazer surgir um agrupamento
comum de indivíduos interessados em proteger seus direitos e interesses.
Foi no período de luta contra a ditadura que o MST foi constituído, com
a organização dos trabalhadores rurais em prol da reforma agrária no Brasil.
O principal objetivo do Movimento, desde sua fundação, é a luta pela
reforma agrária, visto que essa ainda não ocorreu no Brasil. O cenário
brasileiro naquele momento colaborou para a luta em prol da democracia
e de uma nova formação política.
Portanto, os movimentos sociais são criados impulsionados por um
objetivo em comum, projetando novas fontes de inovação e propondo
novas problemáticas.
Portanto para se compor como movimento social, o MST afirma
que foi “[...] assim que o Movimento se fez como é: aprendendo dos
lutadores que vieram antes [...]” (MST, 2001a, p. 37). Stédile integrante
do MST afirma que [...] não inventamos nada. [...] os que vieram antes
cometeram erros e acertos. Procuramos aprender com eles, para não
cometer os mesmos erros e repetir os acertos (STEDILE; FERNANDES,
2012, p. 57).
Os movimentos sociais, ainda que tenham objetivos diferentes, se
relacionam por compartilharem características similares de luta em sua
estrutura. Os integrantes dos movimentos sociais lutam pela causa comum
do movimento e possuem características próprias que os engajam em
outras lutas. Nesse sentido que, por exemplo, o MST abrange além da luta
pela reforma agrária e as mudanças sociais, a luta pela igualdade de gênero,
a participação das mulheres e uma nova formação educacional.
33
Gênero e movimentos feministas no Brasil
O movimento feminista brasileiro surgiu inspirado pelas lutas de
movimentos feministas, principalmente da Europa, nos anos de 1789 e
1799 com as reivindicações advindas da revolução francesa, motivada pela
situação de crise que a França vivia no final do século XVIII.
O feminismo surge para lutar contra as desigualdades sociais entre
homens e mulheres e lutando por igualdade em todos os âmbitos. “Em
nossa sociedade existem três grandes desigualdades entre as pessoas e
grupos. Essas desigualdades são expressas através das categorias: raça/etnia,
classe social e gênero” (MST, 2003, p. 30).
Dentre os movimentos sociais, os mais recentes, quando
comparados com o movimento operário-popular, são os movimentos de
mulheres ou feministas (DAL RI, 2017, p. 169). Segundo Saffioti (2015,
p. 49) podemos resumir os conteúdos das teses feministas em luta pela
igualdade social para ambas as categorias de sexo.
O movimento operário feminino, não se contentando com uma
igualdade puramente formal, assume a tarefa principal de lutar pela
igualdade econômica e social da mulher. Fazer a mulher participar do
trabalho produtivo social, libertando-a da ‘escravidão doméstica’,
libertando-a do jugo bruto e humilhante, eterno e exclusivo, da
cozinha e do quarto dos filhos, eis a tarefa principal (LÊNIN, 1994, p.
7 apud MST, 2003, p. 41).
Segundo Brabo (2015, p. 111) o feminismo é considerado “[...]
um movimento social, com ideologia de libertação das mulheres, quanto
34
uma teoria crítica do sexismo (discriminação de sexo baseada na ideologia
da inferioridade da mulher), da visão androcêntrica de mundo e da
dominação masculina”.
O movimento feminista é um movimento que produz sua própria
reflexão crítica, sua própria teoria. Esta coincidência entre militância e
teoria impulsionou o feminismo da segunda metade do século XX com
mulheres de classe média, educadas a partir de duas vertentes: da história
do feminismo, ou seja, da ação do movimento feminista; e da produção
teórica feminista nas áreas da História provocando um interessante embate
e reordenamento de diversas naturezas na história dos movimentos sociais
(PINTO, 2010, p. 15).
A primeira grande reação feminista foi pelo reconhecimento da
mulher como sujeito de direitos. Essa luta foi caracterizada pela criação da
Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã (1791), exigindo status de
completa assimilação jurídica, política e social das mulheres, escrito por
Olympe de Gouges em resposta à Declaração dos Direitos do Homem e
do Cidadão que não contemplava as mulheres. desde a Revolução
Francesa os direitos humanos foram pensados no masculino: declaração
universal dos direitos do homem e do cidadão” (SAFFIOTI, 1999, p. 84).
É a partir da Revolução Francesa, em 1789, que as mulheres passam a
atuar na sociedade de forma mais significativa, reivindicando a
melhoria das condições de vida e trabalho, a participação política, o
fim da prostituição, o acesso à instrução e a igualdade de direitos entre
os sexos. É nessa época que surge o nome da francesa Olympe de
Gouges. Em 1791, ela lança a ‘Declaração dos Direitos da Cidadã’,
onde reivindicava o ‘direito feminino a todas as dignidades, lugares e
empregos públicos segundo suas capacidades’. Afirmava também que
se a mulher tem o direito de subir ao cadafalso, ela deve poder subir
35
também à tribuna’. Olympe de Gouges foi julgada, condenada à morte
e guilhotinada em 3 de março de 1793, por ‘ter querido ser um homem
de estado e ter esquecido as virtudes próprias do seu sexo’. Nesse
mesmo ano, as associações femininas foram proibidas na França (MST,
2003, p. 69).
Segundo as teorias de autoras como Scott (1990), Pinto (2003),
Pedro (2005), o movimento feminista pode ser dividido em ondas.
Na Primeira Onda (final do século XIX e início do XX), as
mulheres reivindicavam direitos políticos, sociais e econômicos; na
Segunda Onda (a partir da metade dos anos 1960), elas passaram a exigir
direito ao corpo, ao prazer, e lutavam contra o patriarcado. As primeiras
lutas feministas reivindicavam que as mulheres tivessem os mesmos
direitos políticos que os homens, principalmente o direito ao voto. Outra
luta engajada pelas feministas da primeira onda foi o direito à igualdade
entre homens e mulheres nas fábricas, com igualdade de funções e salários.
As origens do feminismo no Brasil se encontram no século XIX, na
luta pelo direito de voto para as mulheres. Posteriormente, alguns fatores
contribuíram para dar maior destaque e força à luta do movimento
feminista.
No Brasil, a primeira onda do feminismo também se manifestou mais
publicamente por meio da luta pelo voto. A sufragetes brasileiras foram
lideradas por Bertha Lutz, bióloga, cientista de importância, que
estudou no exterior e voltou para o Brasil na década de 1910, iniciando
a luta pelo voto. Foi uma das fundadoras da Federação Brasileira pelo
Progresso Feminino, organização que fez campanha pública pelo voto,
tendo inclusive levado, em 1927, um abaixo-assinado ao Senado,
pedindo a aprovação do Projeto de Lei, de autoria do Senador Juvenal
36
Larmartine, que dava o direito de voto às mulheres. Este direito foi
conquistado em 1932, quando foi promulgado o Novo Código
Eleitoral brasileiro (PINTO, 2010, p. 15-16).
O foco a luta das mulheres era por direitos políticos, mediante a
participação sua eleitoral, como candidatas e eleitoras. Esta luta esteve
associada ao nome de Bertha Lutz, que exerceu uma inegável liderança
durante a década de 1920 e se manteve ligada às causas da mulher até sua
morte em avançada idade, na década de 1970 (PINTO, 2003, p. 13). Essa
luta durou muito tempo, pois mesmo após conseguir o direito ao voto,
houve uma demora na implementar esse direito na legislação.
Nas primeiras décadas do século XX, o grande tema político foi a
reivindicação do direito ao voto feminino. Berta Lutz, a grande líder
sindical sufragista brasileira, aglutinou um grupo de mulheres da
burguesia para divulgar a demanda. [...] Afinal, o direito ao voto
feminino foi concedido em 1933 e garantido na Constituição de 1934.
Mas só veio a ser posto em prática com a queda da ditadura getulista.
As mulheres brasileiras votaram pela primeira vez em 1945 (MST,
2003, p. 71).
No “[...] início do movimento feminista de ‘segunda onda, a
palavra gênero não estava presente. A categoria usada na época era
‘Mulher’” (PEDRO, 2005, p. 80). A segunda onda do feminismo é
marcada principalmente pelo livro O segundo sexo, de Simone de Beauvoir,
publicado pela primeira vez em 1949. Nesta obra, Beauvoir estabelece uma
das máximas do feminismo “Ninguém nasce mulher: torna-se mulher
(BEAUVOIR, 1980, p. 9)
37
A definição de gênero baseia-se nas diferenças que distinguem os
sexos, e nos papéis e status atribuído a cada sexo, constitutivos da
identidade dos indivíduos, onde permeiam relações de poder. Apesar de
não criar e usar especificamente o termo gênero Beauvoir foi pioneira em
compreender que diferenças entre homens e mulheres são culturalmente
construídas e expõem como conteúdo as relações de poder e valores que
foram se materializando e expressando uma sociedade dividida em classes,
e que mantém um sistema patriarcal, onde a mulher se encontra
subordinada, explorada e oprimida.
É a partir desta afirmação que se começa a pensar no critério
distintivo entre homens e mulheres, não se considerando mais a diferença
biológica, e sim a diferença produzida socialmente. Nos dois volumes de
O Segundo Sexo, Beauvoir (1980) busca responder: por que a mulher é o
outro, e o homem é sempre colocado no papel principal, apresentando sua
mudança de perspectiva dentro do feminismo.
Apenas posteriormente um estudioso, Robert Stoller empregou o
termo gênero para explicar que as diferenças entre homens e mulheres não
eram em relação ao sexo, mas conforme sua identidade escolhida, ou seja,
como o indivíduo se sente.
Segundo afirma Saffioti o conceito de gênero não prosperou logo
em seguida. “Só a partir de 1975, com o famoso artigo de Gayle Rubin,
mulher, frutificaram estudos de gênero, dando origem a uma ênfase
pleonástica em seu caráter relacional e a uma nova postura adjetiva, ou seja,
a perspectiva de gênero” (SAFFIOTI, 2015, p. 114-115). O termo gênero
foi escolhido e emprestado da gramática justamente porque trata do neutro.
A referência à gramática é ao mesmo tempo explícita e plena de
possibilidades inexploradas. Explícita, porque o uso gramatical implica
38
em regras que resultam da atribuição do masculino ou do feminino;
plena de possibilidades inexploradas, porque em muitas línguas indo-
europeias há uma terceira categoria - o sexo impreciso ou o neutro
(SCOTT, 1990, p. 5).
Na década de 1990 o conceito de gênero ganha força por influência
das pesquisadoras feministas norte-americanas “[...] as feministas
começaram a utilizar a palavragêneromais seriamente, num sentido mais
literal, como uma maneira de se referir à organização social da relação entre
os sexos (SCOTT, 1990, p. 5). O objetivo era assinalar que as
características e comportamentos que se reputava como naturais de um
gênero são construções sociais e culturais e que, portanto, não podem ser
interpretadas por aspectos biológicos, ou seja, exclui referências para as
diferenças biológicas e foca nas diferenças culturais.
Até a implementação de gênero como categoria mais abrangente, a
categoria utilizada para descrever a relação de subordinação das mulheres
aos homens era o patriarcado. Scott (1990, p. 16) entende que “[...] o
gênero é uma primeira maneira de dar significado às relações de poder.
Seria melhor dizer: o gênero é um primeiro campo no seio do qual, ou por
meio do qual, o poder é articulado”. A autora afirma ainda que gênero é
“[...] uma maneira de indicar ‘construções sociais’ - a criação inteiramente
social de ideias sobre os papéis adequados aos homens e às mulheres. É
uma maneira de se referir às origens exclusivamente sociais das identidades
subjetivas dos homens e das mulheres” (SCOTT, 1990, p. 7).
No Brasil, uma das influências externas advém da declaração da
ONU estabelecendo o ano de 1975 como o Ano Internacional da Mulher
propondo um debate internacional sobre a condição feminina. Com isso,
a questão da mulher passou a ser tema de discussão nas universidades com
39
a criação dos primeiros centros de estudos da mulher, que criou vínculos
com movimentos populares reivindicando por melhorias de serviços e
direitos as mulheres.
O período de ditadura militar e de redemocratização do país foi
um marco para impulsionar os movimentos feministas já existentes e
colaborar com a criação de novos movimentos feministas.
O termo gênero emerge no Brasil primeiramente durante a década
de 1970/1980, em torno da problemática da condição feminina, ou seja,
acreditava-se que havia um problema da mulher, que deveria ser pensado
unicamente pelas mulheres.A discussão geral sobre a questão do gênero
surge no interior do movimento feminista como uma necessidade de
trabalhar com uma categoria mais condizente com seus objetivos políticos
emancipatórios (MELO, 2001, p. 55).
Afinal, do que estamos falando quando dizemos ‘relações de Gênero’?
[...]. Todas/os nós sabemos que, em gramática, quando perguntamos
pelo gênero de uma palavra, a resposta, invariavelmente em português,
é: masculino ou feminino. Em português não temos o neutro como no
latim, por exemplo [...] E era justamente pelo fato de que as palavras
na maioria das línguas têm gênero, mas não têm sexo, que os
movimentos feministas e de mulheres, nos anos oitenta, passaram a
usar esta palavra ‘gênero’ no lugar de ‘sexo’. Buscavam, desta forma,
reforçar a ideia de que as diferenças que se constatavam nos
comportamentos de homens e mulheres não eram dependentes do
“sexo” como questão biológica, mas sim eram definidos pelo ‘gênero’
e, portanto, ligadas à cultura (PEDRO, 2005, p. 78).
Os estudos de gênero fazem parte “[...] de uma tentativa
empreendida pelas feministas contemporâneas para reivindicar um certo
40
terreno de definição, para insistir sobre a inadequação das teorias existentes
em explicar as desigualdades persistentes entre as mulheres e os homens
(SCOTT, 1990, p. 13). A construção deste conceito e a situação do país
na década de 1980, com a luta contra a ditadura militar, fizeram com que
o movimento feminista e de mulheres se fortalecessem posicionando-se
contra a ditadura e, ao mesmo tempo desencadeou outros tipos de lutas,
como, por exemplo, por serviços específicos para atender às mulheres
vítimas de violência.
O fortalecimento do Programa de Proteção e Defesa do
Consumidor, a criação das Delegacias de Defesa da Mulher (1985) foram
alguns dos resultados das lutas levadas pelos movimentos de mulheres e
feministas. Podemos, ainda, citar como exemplos: a criação dos Conselhos
da Condição Feminina (1983); Conselho Nacional dos Direitos da
Mulher (1985); o início da Política de Atenção Integral a Saúde da
Mulher; o Sistema Único de Saúde (1988).
Mais tarde, criou-se, também no Brasil, legislação específica para
proteger a mulher da violência, a Lei de nº 11.340/2006 (BRASIL, 2006)
conhecida como a Lei Maria da Penha. É uma lei com mecanismos de
apoio e proteção à mulher violentada e agredida, que trouxe a previsão de
criação de juizados especiais, e alteração no código de processo penal, como
uma medida auxiliar para pôr fim à prática da violência contra a mulher.
A questão da violência contra a mulher foi sempre tratada no
Brasil como um tema tabu, restrito à esfera privada” (PINTO, 2003, p.
80).
O marco histórico essencial para a criação da norma foi a história
da cearense Maria da Penha Maia Fernandes. A lei foi criada e recebeu esse
nome como forma de homenagear a mulher que se tornou símbolo de
resistência a sucessivas agressões e, em 1983, foi vítima de duas tentativas
41
de homicídio pelo ex-marido. Foi, também, uma consequência e resposta
à denúncia feita por Maria da Penha em seu livro publicado em 1994, com
o título Sobrevivi... Posso contar, quando gritou ao mundo que aquela
situação não poderia continuar.
A conclusão do processo criminal e a prisão do réu só ocorreram
quase vinte anos após a data do crime, graças às pressões de Maria da Penha
e de entidades feministas e de direitos humanos. Em 1996, o caso foi
encaminhado à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH),
ao Comitê Latino-americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da
Mulher (CLADEM) e ao Centro pela Justiça e o Direito Internacional
(CEJIL) órgãos que denunciaram o Brasil na Comissão Interamericana de
Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA),
obrigando o governo brasileiro a tomar uma atitude, que foi a criação da
lei nº 11.340/2006 (IMP, 2015, p. 01).
Para a CIDH, esta violação constituía um padrão de discriminação
evidenciado pela aceitação da violência contra as mulheres no Brasil por
meio da ineficácia do Judiciário. Entre outras recomendações, o Estado
brasileiro deveria adotar medidas em âmbito nacional, visando a
eliminação da tolerância dos agentes do Estado perante à violência contra
as mulheres (CIDH, 2000, p. 1).
Com a denúncia, houve o apoio da Convenção Belém do Pa,
Convenção Interamericana para Punir e Erradicar a Violência Contra a
Mulher em 1994 e da Convenção da ONU sobre a Eliminação de Todas
as Formas de Discriminação contra a Mulher em 1979 (CEDAW), das
quais o Brasil é signatário.
A lei criou mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar
contra a mulher, nos termos do parágrafo 8º do artigo 226 da Constituição
Federal de 1988, e da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas
42
de Discriminação contra as Mulheres, bem como da Convenção
Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a
Mulher, que dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e
Familiar contra a Mulher; altera o Código de Processo Penal, o Código
Penal e a Lei de Execução Penal; e dá outras providências para que a
mulher passe a ter instrumentos legais inibitórios e não mais seja vítima de
violência de qualquer tipo (BRASIL, 2006, artigo 1º).
Os movimentos feministas lutaram para que as mulheres
conquistassem espaço de igualdade com os homens, além da proteção legal
e políticas públicas que garantissem a igualdade entre homens e mulheres.
Contudo, ainda existe muito a avançar para que as mulheres
possam efetivamente estar em igualdade com os homens. Nesse sentido,
podemos concluir que a luta pela igualdade de gênero vem sendo levada
ao longo dos séculos e terá muito que avançar ainda(DAL RI, 2007, p.
54).
Portanto, compreendemos que apesar dos avanços do movimento
feminista, ainda há muito a ser alcançado e, para tanto, entendemos que a
educação tem um papel fundamental na continuação da luta.
Dessa forma, nós, as educadoras, deveríamos tomar o movimento
feminista como uma grande escola, pois a pedagogia que forma os
novos sujeitos sociais e que educa seres humanos não cabe numa escola
no stricto sensu. Ela é muito maior do que isso e envolve a vida como
um todo. É uma educação que passa pelo aprendizado da luta social,
pela organização coletiva democrática, pela cooperação, pela história e
memória do movimento, como se está fazendo neste momento, e pela
cultura que é produzida e vivida pelos sujeitos sociais (DAL RI, 2007,
p. 54-55).
43
O feminismo aparece como um movimento libertário, que quer
espaço para a mulher no trabalho, na vida pública, na educação, mas que
também luta por uma nova forma de relacionamento entre homens e
mulheres, em que esta última tenha liberdade e autonomia para decidir
sobre sua vida e seu corpo. O feminismo quer acabar com a dominação do
homem sobre a mulher e garantir a igualdade de gênero (PINTO, 2010,
p. 16).
Com a grande expressão do movimento feminista, este “[...]
ocupou espaço na sociedade, nos organismos governamentais e não
governamentais, influenciando o planejamento e a efetivação de políticas
públicas direcionadas às mulheres. Outrossim, esse Movimento impactou
a atuação de outros movimentos sociais como o MST” (CHAVES, 2009,
p. 23).
Não só o MST, mas também outros movimentos do campo que
passaram a pensar nas questões das mulheres e da igualdade de gênero,
proporcionando melhores condições às mulheres do campo, grande parte,
influenciadas pelos movimentos feministas. Portanto, passamos agora a
analisar alguns movimentos de mulheres na esfera rural que buscam a
igualdade de gênero nos movimentos sociais em que participam.
Os Movimentos das Mulheres no Campo
No contexto rural, os movimentos compreendem que a luta pela
terra é o primeiro passo, a principal bandeira, porém, não devem deixar de
lado outras questões. Mesmo quando conquistam a terra, surgem inúmeras
questões a serem resolvidas, como educação, saúde e a igualdade de gênero.
“Nos movimentos sociais de campo, é notória a participação e a
44
organização da mulher, que não apenas transgride sua invisibilidade social
e política construída historicamente, mas também protagoniza a luta de
gênero no espaço da luta pela terra” (SCHWENDLER, 2015, p. 88).
A situação dos moradores do campo no Brasil é desfavorável em
diversos aspectos. Por exemplo, o comércio de produtos é dificultado
frente aos grandes latifúndios. A saúde e a educação são outros fatores que
foram negligenciados.
A exclusão e desvalorização da mulher no mercado de trabalho é
uma realidade. Ainda que tenha conquistado certo espaço no mercado de
trabalho, a mulher ainda não é valorizada e recebe salários menores que
dos homens. No campo essa situação não é diferente, a mulher
trabalhadora muitas vezes não é reconhecida como tal.
No decorrer da década de 1990, era possível apontar quatro fatores
da exclusão das mulheres na esfera rural: os legais; os estruturais; os
ideológico-culturais; e os institucionais. Os fatores legais são os que
implicam em discriminação. Até meados de 1990, a atribuição dos lotes
da reforma agrária, o beneficiário tem sido o chefe de família ou um
homem da família. Os fatores estruturais estão ligados ao fato que de as
mulheres que trabalhavam na agricultura eram temporárias, e como a
política beneficiava os permanentes, por razões estruturais, devido à divisão
do trabalho por gênero, elas foram excluídas da reforma agrária. A exclusão
das mulheres se deu, também, pelos fatores ideológico-culturais, e isso
também é relevante. No caso do Brasil, houve a assunção de que
beneficiando a família, o Estado beneficia todos os membros da família,
porém, ser beneficiada indiretamente é diferente de sê-lo diretamente,
quando se inclui, além do direito à terra, o direito ao crédito, à
participação, e assim por diante. Os fatores institucionais estavam no fato
de que antes quase todos os funcionários dos Ministérios da Agricultura
45
eram homens. As únicas mulheres profissionais eram economistas
domésticas, trabalhavam organizando clubes de mães, ou seja, organizando
a mulher rural na função de reprodutora e não de produtora, sendo a
participação da mulher mínima (DEERE, 2004).
Desse modo, quando analisamos a inserção da mulher na agricultura,
vemos que a opressão e exploração do trabalho feminina nas atividades
agrícolas, ocorreram de diferentes maneiras, seja na forma de trabalho
escravizado, servil ou assalariado, combinadas a exploração da mulher
no trabalho doméstico (ARAUJO, 2011, p. 69).
As mulheres não assistiram inertes as mudanças sociais que
agravaram as condições dos trabalhadores rurais. Nesse sentido, o
movimento de mulheres do campo começou a se organizar no âmbito dos
trabalhadores rurais, inclusive realizando greves. “A origem do movimento
de mulheres rurais está localizada no contexto da abertura democrática da
década de 1980 e na consolidação do movimento feminista e de mulheres
no Brasil” (DEERE, 2004, p. 175-204).
Uma ação importante no campo, que trouxe avanços nos espaços
de integração das mulheres e na luta pela igualdade de gênero foi a criação
da Via Campesina, onde a população do campo ganhou mais força e
visibilidade se unindo.
As mulheres participam como protagonistas nos espaços
internacionais, desde a 1ª Conferência de criação da Via Campesina
que ocorreu na Bélgica em 1993 e na I Conferência da Coordenação
Latino-Americana das Organizações Camponesas CLOC, em 1994,
no Peru. Para promover o debate e fomentar ações políticas de gênero,
durante a 2ª Conferência da Via Campesina (1996), no México, elas
46
criaram um grupo permanente de trabalho, a Comissão de Mulheres.
Um dos reflexos desta ação é a realização da 1ª Assembleia Latino-
Americana de Mulheres, realizada antes da II Conferência da CLOC,
em Brasília (1997), que aprovou a paridade de gênero na participação.
Segundo Desmarais (2011), em 2000, na III Conferência da Via
Campesina, na Índia, 43% dos delegados eram mulheres. Elas também
organizaram a I Assembleia Internacional de Mulheres, o que contribui
para a aprovação de um documento sobre gênero e a
institucionalização da paridade de gênero na comissão coordenadora
da Via Campesina (SCHWENDLER, 2015, p. 101-102).
A expressão das lutas das mulheres camponesas incentivou os
movimentos sociais rurais, que passaram a reconhecer a importância dessa
luta como parte do processo de inserção e participação política das
militantes.
A Via Campesina surgiu em 1992, tornando-se uma aliança
internacional de camponeses, de organizações da agricultura familiar,
de mulheres rurais e dos povos indígenas das Américas, Ásia, Europa e
África [...]. As mulheres camponesas brasileiras envolvidas na Via
Campesina têm desempenhado um papel importante no âmbito local,
nacional e internacional. Muitas delas já vinham participando de
movimentos sociais na América Latina, em especial no Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), oficialmente formalizado em
1984, e no Movimento das Mulheres Camponesas (MMC), o qual tem
estado na vanguarda das demandas do gênero feminino, desde meados
dos anos 1980 (SCHWENDLER, 2014, p. 51).
Para suprimir essa falta de amparo por parte do Estado e para
implementar seus ideais e políticas, alguns movimentos sociais têm criado
47
novas formas de educar nos seus espaços. As mudanças começaram quando
os movimentos rurais passaram a impulsionar a participação das mulheres
e a dar visibilidade às questões ligadas a gênero.
Considerando essas formas próprias de organização
fundamentadas no coletivo, que temos a busca pela maior participação das
mulheres, pois “[...] as relações de gênero não podem ser entendidas como
algo isolado da sociedade. Numa sociedade dividida em classes é evidente
que nenhuma relação está desvinculada do contexto da luta de classes
(MST, 2003, p. 20).
Nesse sentido, observamos que “[...] nos últimos tempos tanto nos
coletivos de mulheres no interior dos movimentos sociais do campo como
no reconhecido Movimento de Mulheres Camponesas o MMC -, um
crescente debate das ‘questões de gênero’” (MARQUES, 2017, p. 71-72).
Outro fator relevante para a participação das mulheres nos
movimentos sociais do campo, é que estes buscam uma nova sociedade
fundamentada em novos valores, portanto, ao pensarem nas questões
necessárias para essas mudanças surgem questões como a educação e a
igualdade de gênero como essenciais para essas mudanças. Portanto, “[...]
o feminismo é um ‘movimento pela melhoria e extensão do papel e dos
direitos da mulher na sociedade. [...]. O feminismo é um movimento de
luta, organizado por mulheres, que surge exatamente para combater o
machismo” (MST, 2003, p. 88).
O feminismo é um movimento de luta das mulheres. Todavia, as
questões das mulheres e de gênero não devem ser tratadas exclusivamente
pelas mulheres. Quando estas questões se problematizam é possível
verificar as relações sociais, os valores, a relação de classes e as contradições
presentes. “Além disso, na maioria dos países a realização e a
implementação de uma legislação progressista em relação ao gênero têm
48
dependido da existência de organizações de mulheres rurais fortes e de sua
persistência em reivindicar o reconhecimento dos direitos das mulheres à
terra” (DEERE, 2004, p. 175-204).
O movimento feminista ganhou força com as mulheres na esfera
rural, pois os movimentos sociais incentivam a luta pela conquista de seu
espaço, assim, as mulheres passaram a buscar conhecimento para
fundamentar sua luta. De qualquer modo, o movimento feminista
camponês coloca para os estudos feministas questões e problemas que
renovam criticamente seus conceitos e categorias” (MARQUES, 2017, p.
85).
Segundo Schwendler (2014, p. 58), outro motivo que fez o
movimento feminista ganhar espaço é “[...] a politização das questões
agrárias e de gênero, juntamente com a compreensão das estratégias da luta
de classe e a prática da liderança, tem sido fundamental no
desencadeamento dos protestos e das ocupações de terras, lideradas por
mulheres camponesas”.
Dentre as ações das mulheres na esfera rural uma merece destaque
a chamada Marcha das Margaridas, que surgiu com o objetivo de lutar
contra a violência às mulheres do campo e pela igualdade de gênero. A
Marcha “[...] agrega mulheres de todo o país que saem em peregrinação de
suas regiões e vão até Brasília para reivindicar seus direitos e se consolidou
na luta contra a fome, a pobreza e a violência sexista no campo [...]”
(QUIRINO; GUIMARÃES, 2017, p. 238).
É importante destacar, que o movimento feminista no campo está
atrelado à luta pela terra. Não são movimentos separados, mas sim junção
de lutas para a criação de relações sociais mais justas. Os estudos de gênero
influenciaram os movimentos e as organizações sociais, as quais foram, aos
poucos, incorporando essa categoria para repensar suas práticas. Os
49
movimentos rurais foram percebendo a necessidade de incorporar a luta
feminista na luta pela terra.
A incorporação do conceito de gênero nos discursos das organizações e
dos movimentos sociais permitiu explicar os comportamentos e papéis
assumidos por mulheres e homens na convivência social, bem como
compreender os problemas e as dificuldades que as mulheres
enfrentavam na vida política, social, profissional e familiar (FURLIN,
2013, p. 257).
Os movimentos sociais rurais buscam, juntamente com a luta pela
terra, lutar por uma educação que colabore na formação política dos
militantes. A situação da mulher e de gênero gera desigualdades e
contradições em uma luta por uma sociedade mais justa e igualitária, por
isso a preocupação do MST em acrescentar nos seus objetivos a luta pela
igualdade. Os estudos feministas sobre os movimentos de mulheres
camponesas verificam que há um elemento que as tem unificado nos
últimos anos. Esse elemento é a luta pelo acesso à terra como seu direito
de propriedade e de trabalho e subsistência(MARQUES, 2017, p. 81).
Os movimentos feministas em geral influenciaram as mulheres do
campo que passaram a se organizar e a lutar por visibilidade nos
movimentos e reconhecimento como trabalhadoras rurais. Assim como as
mulheres do campo também colaboraram para o fortalecimento da luta
feminista. As mulheres aos poucos foram se unindo na luta pela igualdade,
deixando para trás a situação da opressão e ganhando espaço no interior
dos movimentos que estão reconhecendo a importância da luta de gênero
juntamente com a luta de classes.
50
Algumas conquistas das mulheres do campo
Os movimentos feministas das mulheres do campo têm
influenciado a criação de políticas públicas para proteção e
reconhecimento da mulher trabalhadora rural.
A invisibilidade da mulher do campo pode ser verificada em
diversos aspectos, um deles é a documentação das mulheres. Parte das
mulheres do campo sequer possuía documentação, por isso, a Marcha das
Margaridas trouxe esse tema para um debate nacional, gerando a criação
de um programa com essa finalidade. O programa foi efetivado com
unidades móveis em todos os estados, por meio do qual foram atendidas
mais de um milhão de mulheres (QUIRINO; GUIMARÃES, 2017, p.
239).
A Marcha das Margaridas foi responsável por grande parte das
conquistas das mulheres no campo e pelos avanços na igualdade de gênero.
Como resultado da Marcha de 2003, as mulheres conquistaram o direito
de serem incluídas no Programa Nacional de Fortalecimento da
Agricultura Familiar (PRONAF), tendo acesso a empréstimos e
financiamentos para o beneficiamento da produção derivada ou não da
atividade agrícola (CHAVES, 2009, p. 77).
Outra proposta que gerou fruto foi a negociação realizada pelas
duas Marchas das Margaridas, pelo Movimento Sindical de Trabalhadores
e Trabalhadoras Rurais e pela Confederação Nacional dos Trabalhadores
na Agricultura (CONTAG) nos anos de 2000 e 2003 que permitiu à
mulher também ser considerada titular de lotes de terra,
independentemente de seu estado civil. Essa reivindicação era uma luta
antiga do movimento feminista rural. “A partir dos anos 80, as mulheres
51
trabalhadoras rurais empreenderam lutas em todo o país para reivindicar
um acesso igualitário à terra na reforma agrária. A demanda desde então
foi a titulação conjunta da posse da terra” (BUTTO, 2006, p. 96).
Isso porque, o direito de a Mulher Trabalhadora Rural ser incluída
como proprietária de terra foi amparado na Constituição Federal de 1988,
“Art. 189 [...]. Parágrafo único. O título de domínio e a concessão de uso
serão conferidos ao homem ou à mulher, ou a ambos, independentemente
do estado civil, nos termos e condições previstos em lei” (BRASIL, 1988,
art. 189). Todavia, conforme afirma a própria Constituição, seria
necessária uma lei complementar para colocar em prática a garantia do
direito constitucional, ou seja, não havia instrumento legal que a tornasse
obrigatória. Nesse sentido, surgiram lutas das mulheres do campo, pois
sempre que ocorria uma distribuição de terras, eram de titularidade dos
homens prejudicando as mulheres casadas em uma eventual separação. O
problema foi resolvido com a [...] edição da Portaria 981 de 2 de outubro
de 2003 que, em decorrência hoje, mais de 70% dos títulos de terra
emitidos têm a mulher como primeiro titular (QUIRINO;
GUIMARÃES, 2017, p. 239).
Portanto, a titulação conjunta da terra para áreas constituídas por
um casal passa a ser obrigatória, o que forçou órgãos como o INCRA a
mudar, até mesmo, seus formulários para registro da mulher como titular
da terra.
Assim, a titulação conjunta da terra para lotes de assentamentos,
instituído com a Portaria n. 981/2003 do Instituto Nacional de
Colonização e Reforma Agrária (INCRA), se constitui uma conquista
significativa tanto para a trabalhadora rural quanto para toda a
sociedade. Essa garantia permitiu a mulher usufruir da renda e todos
os benefícios sociais e econômicos e se colocar em condições de
52
igualdade para gerir os créditos e os projetos agrícolas implantados nos
lotes de assentamentos e de se inserir nos espaços de decisão coletiva
(ARAUJO, 2011, p. 138).
As mulheres do campo conquistaram também o direito a ter crédito
em seu nome. “Com o Plano Safra 2005/2006 as mulheres assentadas passam
a ter direito e realizar, através do Pronaf Mulher, uma operação de
microcrédito rural para o desenvolvimento de uma atividade produtiva
desenvolvida pela própria mulher” (BUTTO, 2006, p. 101). O plano
reconhece a mulher como trabalhadora rural e oferece a oportunidade de
democratização do acesso à terra, assim como outros órgãos que buscam
garantir a inserção da mulher no trabalho rural. Além do Incra outros órgãos
têm organizado diretrizes para o reconhecimento da mulher e sua inclusão na
produção da atividade rural.
As conquistas das políticas públicas para as mulheres do campo, graças
as lutas das mulheres, proporcionaram o fortalecimento do movimento de
mulheres que está se organizando cada vez mais, para debater as necessidades
e direitos que ainda precisam ser alcançados pelas mulheres.
Essa crescente organização do movimento das mulheres da Via
Campesina é demonstrada em suas últimas ações que vêm, desde 2001,
caracterizando o dia 8 de março, conhecido como o Dia Internacional da
Mulher. Entre 2001 e 2005, sua luta não só manteve a denúncia contra
discriminações e maus-tratos sofridos pelas mulheres, como transcendeu a
dimensão específica de suas causas remetendo-a contra a produção de
transgênicos baseada na monocultura. No dia 8 de março de 2006 as ações
ganharam expressividade nacional quando cerca de 2 mil mulheres, militantes
das várias organizações que compõem a Via Campesina no Brasil. Esse grupo
de mulheres continuou fazendo diversas atividades nos anos subsequentes.
53
O trabalho das mulheres rurais, que historicamente era considerado
apenas como uma ajuda ao trabalho dos homens, passa a ser
reconhecido e valorizado pelas políticas públicas e o crédito a compor
um conjunto de instrumentos para contribuir para a autonomia
econômica das mulheres (BUTTO, 2006, p. 105).
A organização das mulheres rurais tem demonstrado que elas querem
mais do que apenas estar no campo. Elas querem fazer parte do trabalho rural
juntamente com os homens, e com os avanços nas políticas públicas essa
inserção tem sido reconhecida e incentivada, trazendo muitos avanços para a
garantia da igualdade de gênero.
Ainda há muito a se avançar para garantir às mulheres trabalhadoras
rurais, a igualdade de oportunidades no campo. Todavia, podemos constatar
que as lutas promovidas nos últimos anos já garantiram avanços importantes
que proporcionam às mulheres a saída dos afazeres domésticos e sua inserção
como trabalhadoras e, principalmente, o fato de serem reconhecidas como tal.
Avanços como a documentação, titulação da terra e auxílio financeiro
encorajam as mulheres a continuar a luta por mais espaço e pela transformação
da divisão social do trabalho.
55
II.
O MOVIMENTO DOS TRABALHADORES
RURAIS SEM TERRA
A Fundação do MST
O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra foi fundado
oficialmente na década de 1980, anos marcados principalmente pela luta
contra a ditadura militar e, por conseguinte, pela redemocratização do país.
O regime vigente desde o golpe de 1964 foi oficialmente finalizado em
1985, dando início à Nova República.
Segundo Caldart (2004, p. 106) um elemento importante para
compreender o surgimento do MST é considerar a conjuntura política do
Brasil naquele período, “[...] considerado um momento forte no processo
de redemocratização do país. O povo brasileiro começava a reagir contra a
ditadura militar e multiplicavam-se as lutas e as organizações de
trabalhadores, especialmente nas cidades”.
O Movimento foi formado a partir da organização dos
trabalhadores rurais em prol da reforma agrária no Brasil. Assim que
fundado, o Movimento estipulou três objetivos principais: lutar pela terra,
lutar pela reforma agrária e lutar por mudanças sociais no país. Tais
princípios foram ratificados no I Congresso Nacional realizado em
56
Curitiba, no ano de 1985, além de ter incluído entre suas preocupações a
luta por uma nova educação e pela igualdade de gênero.
A relevância de se pesquisar o MST, conforme Dal Ri e Vieitez
(2008, p. 28), está fundamentada no fato de que “[...] a práxis educacional
[...] do MST é diferenciada tanto em relação à escola oficial quanto em
relação a outras proposições críticas existentes”, o que torna significativa e
pertinente a pesquisa sobre a experiência pedagógica desse Movimento,
“[...] dada a sua originalidade e possíveis virtualidades teóricas e práticas”.
Os autores citam ainda que o MST é uma “[...] organização coletiva de
massas que luta para alcançar determinados objetivos sociais” e que criou
um sistema educacional próprio (DAL RI; VIEITEZ, 2008, p. 183, grifos
dos autores).
Outro fato que torna o Movimento importante é, conforme
lembra Caldart (2004, p. 107), que há “[...] uma trajetória de luta pela
terra nos quase cinco séculos de latifúndio em nosso país”. O Movimento
busca a mudança social, para tanto utiliza o próprio Movimento para a
construção de um novo homem e uma nova mulher que pretende.
Dentre as concepções do Movimento temos a aplicação da
categoria de classes sociais e a questão das relações de produção, o que fica
evidente quando o MST coloca entre seus principais objetivos, conforme
os documentos e momentos históricos, a luta pelo socialismo (MST,
2001b) ou por um projeto democrático popular para o Brasil (MST,
2010).
É importante ressaltar que o Movimento trabalha, de forma
articulada, as esferas política, econômica e cultural (DAL RI; VIEITEZ,
2008), por isso ao buscar os interesses de seus/suas militantes passou a
buscar outros objetivos, constituindo uma organização social.
57
Essas características do Movimento configuraram lhe um caráter
próprio. “Na explicação de João Pedro Stédile, que é um dos fundadores
do Movimento, são três as principais características que definem o
Movimento: A primeira característica foi a de ser um movimento popular, ou
seja, pode entrar todo mundo” (CALDART, 2004, p. 115, grifo da autora).
A autora explica ainda que essa característica pode ser entendida de duas
formas, a primeira é que o MST busca a participação da família como um
todo, e a segunda é que apesar da luta principal ser pela reforma agrária,
esta não é exclusiva dos camponeses.
A segunda característica do MST é “[...] que ele tem um
componente sindical, no sentido corporativo” (STÉDILE;
FERNANDES, 2012, p. 36), ou seja, a organização e as lutas interessam à
categoria dos agricultores. A terceira característica é a de que o MST
[...] tem um componente político, presente desde o início e certamente
influenciado pela gênese do Movimento. Isso significa ter presente, em
cada uma de suas ações, que a luta pela terra e a luta pela Reforma
Agrária somente podem ter algum avanço se forem compreendidas
como parte da luta de classes [...] pautar essa luta desde princípios,
organizativos, políticos e ideológicos, e com objetivos mais amplos
(CALDART, 2004, p. 116, grifos da autora).
Essa terceira característica demonstra a ampliação da luta do
Movimento quando incluiu em sua pauta e setores a questão da educação
e de gênero, por exemplo.
Na trajetória do MST, podemos identificar três momentos
distintos, com desafios concretos que exigem do Movimento um caráter
mais amplo e complexo. Caldart (2004), ao analisar esses momentos,
58
afirma que ela toma por base o nível nacional, ou seja, de forma mais geral,
contudo, se a análise for feita em cada estado e, principalmente, nos quais
o MST se constituiu nos últimos anos o processo histórico foi bem
diferente daqueles presentes na constituição do Movimento e “[...] em
processo permanente de constituição, é em si mesma um traço marcante
do próprio processo de formação do sujeito social Sem Terra
(CALDART, 2004, p. 117 grifo da autora). Cada momento projeta os
valores, traços e metas que o Movimento elaborou.
O primeiro momento foi a articulação nacional da luta pela terra,
classificado como o momento de constituição do MST e da luta pela terra,
[...] a grande diferença, nesse momento histórico, entre um trabalhador
sem (a) terra e um trabalhador sem terra ligado ao MST, é que o primeiro
não conta do ponto de vista social e político (CALDART, 2004, p. 120,
grifo da autora). Esse momento ainda é conhecido por duas marcas.
A primeira [...] escolha das pessoas de reagir à sua condição de sem terra
lutando pela terra, e de passar a perceber um problema que parecia de
cada trabalhador, ou no máximo de cada família, como um problema
coletivo, e com alternativas de solução também coletivas.
A segunda marca [...] trata-se das escolhas que historicamente foram
sendo feitas pelos sem-terra sobre o seu jeito de lutar ou sobre suas
formas de luta [...] foram aos poucos construindo as características que
firmaram o modo de ser Sem Terra, ou o modo de agir do MST [...]
(CALDART, 2004, p. 120-121, grifos da autora).
O segundo momento é marcado pela constituição do MST como
uma organização social, um movimento de massas. “Nesse período 1985
a 1990 o MST se terrritorializou por dezoito estados, tornando-se um
59
movimento nacional, estando presente na luta pela terra em todas as
grandes regiões” (FERNANDES, 2000, p. 170).
Assim, o MST passou a “[...] assumir características organizativas
e de atuação na sociedade que extrapolam o caráter temporário e o perfil
comum a um movimento social de massas” (CALDART, 2004, p. 130).
O fato de o Movimento inserir em suas lutas outros objetivos, além do
principal a reforma agrária, trouxe ao MST um caráter perene o
diferenciando de muitos outros movimentos sociais.
Durante o processo de construção da forma de organização do
Movimento, os sem-terra foram desenvolvendo procedimentos
indispensáveis para a qualificação da luta. Entre esses procedimentos,
pode-se destacar o dimensionamento e a interação das atividades:
formação política, educação, produção, administração, comunicação.
Desse modo, foram fazendo, estudando e refletindo, procurando
superar desafios (FERNANDES, 2000, p. 172).
Por fim, o terceiro momento marca a inserção do MST na luta por
um projeto popular de desenvolvimento para o Brasil.
Esse é o momento histórico de configuração mais recente e, por isso
mesmo, de contornos ainda não totalmente definidos. É o momento
de concretização dos objetivos mais amplos do MST, já firmados nos
documentos do encontro de fundação, mas que, nos últimos anos,
passam a ser um desafio concreto, dadas as condições objetivas da luta
pela Reforma Agrária em nosso país, e da situação em que se encontra
o povo brasileiro. Trata-se de uma inserção mais direta do MST em
questões sociais e políticas que dizem respeito ao conjunto da classe
trabalhadora ou, até mais amplamente, ao conjunto da Nação
60
brasileira. […] há outras lutas do povo brasileiro que devem ser lutas
do MST (CALDART, 2004, p. 141-142).
Esse terceiro momento foi marcado por muitas lutas e avanços nas
ocupações de terras. Nesses mais de trinta anos de existência apesar de o
MST não ter alcançado seu principal objetivo, a reforma agrária, muitos
espaços foram conquistados. A organização do Movimento e o fato do
MST abranger outras lutas além da luta pela terra e reforma agrária e o
incentivo à participação de todos os integrantes colaborou para a
ampliação do Movimento que, por isso, passou a ter uma organização
interna.
A organização do MST
O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra foi formado
há mais de trinta anos e está presente em todas as regiões do Brasil, ou seja,
é um movimento de abrangência nacional. Devido à proporção que o
Movimento tomou, foi preciso organizá-lo de forma que facilitasse o
processo de construção e principalmente propagação dos seus princípios e
práticas pedagógicas para os seus militantes. Para tanto, foram criados
núcleos e setores, além de se organizar em acampamentos e assentamentos.
A partir das ocupações da terra, para conquistar a reforma agrária,
o Movimento passa a organizar nos locais seus acampamentos. Os
acampamentos e assentamentos são criados em momentos diferentes,
porém, ambos simbolizam parte da luta pela terra.
61
Acampamentos e assentamentos são espaços que representam etapas de
ações distintas para aqueles que fazem parte do MST. O acampamento
é o momento em que as famílias se organizam e passam a ocupar uma
área de terra, nem sempre necessariamente improdutiva. Esta prática
serve como importante instrumento, visa mesmo chamar a atenção
para suas reivindicações e, do mesmo modo, forçar uma determinada
desapropriação (SILVA, 2004, p. 61).
Os acampamentos geralmente são transitórios, e considerados pelo
Movimento um primeiro espaço de formação dos seus militantes. É
considerado a materialização da luta pela terra através de um processo de
conquista de frações de território em disputa. O MST utiliza os
acampamentos para ocupar as terras, que poderão tornar-se,
posteriormente, assentamentos, ou serem desocupadas. “Os
acampamentos são espaços de luta e resistência, são, portanto, lugares e
momentos de transição da vida das famílias na luta pela terra
(FERNANDES, 2000, p. 226).
Os assentamentos são caracterizados pela permanência de maneira
contínua em um território. Ocorre quando os militantes se instalam em
um território considerado já conquistado. Dentre as várias atividades
realizadas nos assentamentos, encontram-se as de formação e, em especial,
as de formação das mulheres.
Os acampamentos e assentamentos possuem características
distintas, contudo, em ambos existe a preocupação do MST em organizá-
los e desenvolver novos projetos de produção e políticos. Os títulos da terra
e a organização das famílias são as primeiras preocupações. Com a
constituição das habitações, o Movimento passa a organizar seus núcleos
de base. Cumpre destacar que para compor a coordenação dos núcleos de
base dos assentamentos são eleitos dois coordenadores, um homem e uma
62
mulher. “Dissemos dois coordenadores, pois, para nós do MST,
coordenação do núcleo deverá ser necessariamente compartilhada em pé
de igualdade por um homem e uma mulher, escolhidos por todos os
membros do núcleo” (MST, 2001b, p. 84).
Outra forma que o MST utiliza para manter sua organização
interna diz respeito às instâncias, que atuam em diferentes níveis.
As instâncias possuem diferentes escalas de representação: nacional,
estadual, regional e local. São fóruns de decisão política: congresso e
encontros, e instâncias representativas: coordenação e direção. A
interação entre as formas de organização das atividades e das instâncias
representativas acontece por meio da organicidade. As instâncias são
compostas por membros das direções, das coordenações, dos setores,
do sistema cooperativista e dos coletivos. Da mesma forma que os
membros das instâncias devem acompanhar as atividades, os membros
dos setores compõem as instâncias (FERNANDES, 2000, p. 247).
As escolas também são divididas em instâncias para organizar as
atividades de formação educacional. “Em geral, são quatro instâncias
principais de tomada de decisões nas escolas: a) os organismos de base; b)
a coordenação geral; c) a assembleia geral; d) o conselho político (DAL
RI; VIEITEZ, 2013, p. 250).
Ainda sobre a organização interna do MST, no início do
Movimento, conforme afirmou Stédile em uma entrevista concedida a
Fernandes, em fevereiro de 1998, não existiam setores, as atividades iam
surgindo conforme as necessidades, sem um organograma (STÉDILE;
FERNANDES, 2012, p. 95). Contudo, segundo a estrutura do
Movimento a “[...] organização das atividades possui diferentes formas:
secretarias, setores, sistema, coletivos e articulação. Essas formas em suas
63
dimensões estão em movimento e podem se transformar no processo de
construção do MST. Assim, o coletivo ou articulação podem virar setores
[...]” (FERNANDES, 2000, p. 246). Portanto, as atividades do
Movimento, atreladas com o crescimento do MST por todo o Brasil, que
ensejaram a necessidade da organização das atividades e, por isso, foram
sendo criados os denominados setores de atividades (FERNANDES,
2000, p. 222), como, por exemplo, o Setor de Educação e o Setor de
Gênero, responsáveis por publicação e divulgação de materiais no interior
do próprio Movimento e, também, externamente. “Os setores e os
coletivos são formas de organização existentes em diferentes escalas: local,
regional, estadual e nacional, voltadas para o desenvolvimento das relações
e atividades correspondente nos assentamentos e acampamentos, bem
como as relações externas” (FERNANDES, 2000, p. 247).
O MST foi percebendo em sua trajetória que apenas o acesso à terra
não garantiria a verdadeira inserção social e o alcance da cidadania. Esta
constatação fez com que ele se organizasse em setores, que se
articulariam em busca de outras conquistas sociais. Assim, gênero
passou a ser um setor de reflexão na organização, com a mesma
importância de outros setores. A perspectiva de gênero passou a ser
assumida como um tema transversal de reflexão em todos os setores e
atividades do Movimento (FURLIN, 2013, p. 273).
Os setores são essenciais para o MST, pois a partir desta
organização os militantes têm espaço para levantar questões importantes e
relevantes para efetivar os princípios do Movimento, bem como para a
elaboração de materiais. O “[...] MST tem sido possibilitado através da
organização de distintos setores, aprofundar temas e propor ações para
64
solução das demandas que se apresentam para o conjunto da organização
(ARAUJO, 2011, p. 136).
Nos setores os militantes são informados das necessidades do
Movimento, tomam decisões, e assumem responsabilidades na estrutura
coletiva. Nesse processo praticado para o aprendizado e compreensão das
questões relativas às atividades que desenvolvem, ou seja: os setores em
formação tomaram como referência os trabalhos de diversas matrizes
teóricas e práticas políticas(FERNANDES, 2000, p. 172). Para organizar
seu plano de trabalho o MST também organiza congressos quinquenais
a cada cinco anos.
O MST, desde sua constituição, decidiu lutar por mudanças
sociais, e com o decorrer do tempo essa característica se tornou mais forte
no Movimento com o objetivo de construção de um novo ser social. “Ser
do MST quer dizer, então, ser um membro dessa organização social de
massas, partilhando dos desafios cotidianos da implementação de cada um
de seus princípios, objetivos e linhas de ação” (CALDART, 2004, p. 201).
[...] o MST é uma coletividade já com uma certa cultura organizativa,
quer dizer, seus princípios, valores, ideário, mística não são uma
invenção dos sem-terra do MST, mas sim fruto da disposição que
tiveram de aprendê-los com outras organizações e movimentos da
história da humanidade e que, ao consolidá-los nas suas próprias ações,
recriando-os ou dando-lhes novos formatos práticos e teóricos, deixam
agora esse patrimônio de organização como herança cultural também
para outros grupos, seus contemporâneos ou os que virão sucedê-lo,
nessa ou em outras lutas sociais (CALDART, 2004, p. 203).
65
A partir dessas bandeiras do Movimento, surgiu a necessidade de
materializar suas concepções, para que a proposta pedagógica do
Movimento pudesse ser apresentada a todos integrantes e, principalmente,
como documento de auxílio aos educadores do MST, no processo de
reeducar-se e de educar para a transformação social. Além disso, o
Movimento entende que quem educa também precisa se educar
continuamente, por isso criou os coletivos pedagógicos, um espaço de
autoformação permanente.
Quando dizemos coletivos pedagógicos estamos pensando em várias
situações diferenciadas: uma delas é a da criação da Equipe ou Núcleo
de Educação, como grupo de pessoas que se reúne sistematicamente
para discutir sobre as práticas de educação do acampamento ou do
assentamento, visando torná-las cada vez mais orgânicas e de qualidade
(MST, 1996a, p. 22).
Assim, os coletivos pedagógicos podem, também, ser o espaço
privilegiado de autoformação permanente, por meio da reflexão sobre a
prática, do estudo, das discussões e da própria preparação para outras
atividades de formação promovidas pelo MST.
Nesse processo de construção das experiências nasceram as
necessidades que resultaram em diversas comissões, equipes, núcleos,
setores e outras formas de atividades em que se organizam para discutir,
refletir e praticar a luta pela terra em todas as suas dimensões ... Desse
modo, o MST foi construindo sua forma alicerçada na necessidade de
organizar as atividades essenciais para o seu desenvolvimento. Processo
e mudanças são elementos importantes da dinâmica dos movimentos
sociais (FERNANDES, 2000, p. 172).
66
Todos os espaços do Movimento são espaços de formação dos
militantes, por isso para o MST sua organização interna é muito
importante, bem como a presença dessa organização em todos os níveis do
Movimento e em todos os locais. Por isso, o MST luta para implementar
seus coletivos e setores em todos os acampamentos e assentamentos, assim
como trabalha para efetivar a publicação de documentos de formação dos
militantes fundamentados em seus princípios e no objetivo de lutar por
uma nova sociedade mais justa.
Princípios do MST
Entendemos que para formulação dos seus princípios filosóficos e
pedagógicos o MST busca utilizar o próprio Movimento, a partir do seu
desejo de acabar com as contradições e as desigualdades sociais. Portanto,
foi importante a criação destes princípios, para que os militantes possam
compreender a nova formação humanista proposta pelo Movimento.
O Caderno da Educação n. 8, intitulado Princípios da educação no
MST (MST, 1996a) traz definições importantes. O Movimento entende
por princípios “[...] algumas ideias/convicções/formulações que são as
balizas (estacas, marcos, referências) para nosso trabalho de educação no
MST. Neste sentido, eles são o começo, o ponto de partida das ações”
(MST, 1996a, p. 4).
O Movimento diferencia, ainda, princípios filosóficos de princípios
pedagógicos, e ressalta que não são resultados de idealizações, mas[...] o
o resultado de práticas realizadas, das experiências que estamos
acumulando nestes anos de trabalho” (MST, 1996a, p. 4). Esses princípios
são consoantes com a visão do MST de mundo e com seus objetivos, que
67
embasam suas relações e, principalmente, seu projeto educativo, onde o
princípio educativo principal de sua pedagogia é o próprio Movimento.
Os princípios filosóficos estão mais voltados às visões de mundo,
concepções gerais, e objetivos estratégicos. Enquanto os princípios
pedagógicos se referem ao jeito de fazer e de pensar a educação de forma a
concretizar os princípios filosóficos, sendo elementos essenciais e gerais na
proposta de educação e incluindo, especialmente, a reflexão metodológica
dos processos educativos.
A partir dos princípios filosóficos que orientam a prática
pedagógica, encontramos propostos cinco elementos principais: 1) A
educação para a transformação social; 2) Educação para o trabalho e a
cooperação; 3) Educação voltada para as várias dimensões da pessoa
humana; 4) Educação com/para valores humanistas e socialistas; e 5)
Educação como um processo permanente de formação/transformação
(MST, 1996a).
Os princípios pedagógicos são diretamente ligados ao
desenvolvimento da forma de fazer e de pensar a educação, para tanto o
MST expressa treze pontos norteadores de sua pedagogia educacional: 1)
relação entre prática e teoria; 2) combinação metodológica entre processos
de ensino e de capacitação; 3) a realidade como base da produção do
conhecimento; 4) conteúdos formativos socialmente úteis; 5) educação
para o trabalho e pelo trabalho; 6) vínculo orgânico entre processos
educativos e processos políticos; 7) vínculo orgânico entre processos
educativos e processos econômicos; 8) vínculo orgânico entre educação e
cultura; 9) gestão democrática; 10) auto-organização dos/das estudantes;
11) criação de coletivos pedagógicos e formação permanente dos
educadores/das educadoras; 12) atitudes e habilidades de pesquisa; 13)
68
combinação entre processos pedagógicos e coletivos individuais (MST,
1996a).
O Movimento ressalta que essas práticas de educação vão além do
Setor de Educação, por isso é importante buscar formas mais adequadas de
ir socializando as reflexões e as práticas inicialmente propostas, portanto, a
educação não estava acontecendo apenas no momento em que estes
princípios foram elaborados, seus avanços permitem os colocar em prática
toda vez que se organizam para a luta por uma nova escola, quando em
reuniões nos assentamentos para tratar sobre a educação.
Os princípios são parâmetros para a busca de uma educação que
assuma um caráter omnilateral, tendo por base a realidade social em que a
ação humana vai acontecer, compreendendo o desenvolvimento integral
do indivíduo.
A formação omnilateral é uma prática formação que “[...] dê conta
de reintegrar as diversas dimensões da via humana, geralmente
dicotomizadas, mutiladas e muitas delas desconsideradas pelas relações
sociais dominantes na sociedade capitalista e em suas práticas educacionais
subservientes” (CALDART, 1997, p. 162). Portanto, é um dos aspectos
importante na formação e educação que o Movimento defende durante
um processo de luta, considerando todas as dimensões da pessoa humana.
Podemos afirmar que o MST está construindo uma formação
educacional que auxilia na mudança de valores, forjando uma nova
sociabilidade. Para essa construção é necessário, primeiro, romper com os
valores dominantes na sociedade capitalista e, segundo cultivar de imediato
os novos valores denominados de humanistas e socialistas. Dentre esses
valores citamos especialmente “[...] a busca da igualdade combinada com
o respeito às diferenças culturais, de raça, de gênero e de estilos pessoais”
(MST, 1996a, p. 09).
69
Outro princípio é a inclusão, pois na busca de novos valores é
importante respeitar as diferenças e buscar a igualdade e participação
igualitária de todos e todas integrantes do MST.
O nosso princípio é o da inclusão, que deve ser um critério básico na
opção a ser feita. E entendemos por inclusão a luta para que todos os
educandos estejam na escola, a abertura aos portadores de necessidades
especiais, a qualidade social do processo educativo, e a ruptura da lógica
de uma escola pobre para os pobres do campo (MST, 1999a, p. 39).
Com relação a esses valores e princípios, o Movimento publicou o
Boletim da Educação 09 (2004b) que apresenta um balanço dos 20 anos da
educação no MST. Entre as principais linhas de ação do Setor de Educação
citadas no documento destacamos: “12. Prestar atenção às necessidades
especiais de educandos portadores de deficiências, às questões de gênero,
sexualidade, saúde, [...] nas escolas” (MST, 2004b, p. 28). Na educação
nos assentamentos e no balanço das conquistas e linhas que devem
continuar sendo parâmetros de aprendizado, encontramos destaque para
as questões de gênero.
Os princípios filosóficos e pedagógicos são delineadores para
colocar em prática a nova forma de educação, existente em sua proposta
pedagógica. O MST busca uma nova educação no campo forjando novos
valores, e buscando dar conta dos complexos processos de desenvolvimento
humano e da construção de uma nova sociedade. Para o MST a educação
não se resume às escolas, pois considera este um processo mais amplo que
ocorre em todos os setores, e que a militância em si é um processo
educativo, por isso a importância da divulgação dos princípios nas escolas
e nos setores de formação.
70
Pedagogia do Movimento
A educação institucionalizada, especialmente nos últimos 150 anos, serviu
no seu todo ao propósito de não só fornecer os conhecimentos e o pessoal
necessário à máquina produtiva em expansão do sistema do capital, como
também gerar e transmitir um quadro de valores que legitima os interesses
dominantes, como se não pudesse haver nenhuma alternativa à gestão da
sociedade, seja na forma ‘internalizada’ (isto é, pelos indivíduos devidamente
‘educados’ e aceitos) ou através de uma dominação estrutural e uma
subordinação hierárquica e implacavelmente impostas
(MÉSZÁROS, 2005, p. 35).
Neste capítulo propomos apresentar a história da constituição da
educação no MST. Como foi constituído esse modelo educacional e, como
ele vem se desenvolvendo com o passar dos anos. A educação estatal serve
aos interesses do capital. Por isso, o MST nega essa forma de educação e
formulou uma proposta pedagógica própria. Ademais, a educação para as
pessoas do campo foi ignorada em diversas fases de desenvolvimento do
país.
Para o MST (2010), a democratização da educação é considerada
tão importante quanto a democratização da terra, assim, o Movimento
atribui, desde sua fundação, significativa importância à educação dos seus
militantes e[...] luta desde 1984 pelo acesso à educação pública, gratuita
e de qualidade em todos os níveis para as crianças, jovens e adultos de
acampamentos e assentamentos” (MST, 2010, p. 23).
Por isso, “Em julho de 1987, foi realizado o Primeiro Seminário
Nacional de Educação, no município de São Mateus (ES), que reuniu
representantes de sete estados” (FERNANDES, 2000, p. 172). Este
seminário discutiu a necessidade de escolas nos acampamentos e
assentamentos, como seriam essas escolas e o processo de aprendizagem.
71
O projeto educativo do MST abrange todos os níveis e diferentes
modalidades de ensino, tanto no âmbito formal quanto no não formal. Na
educação básica, possui escolas próprias de Educação Infantil, as Cirandas,
e de Ensino Médio, e tem hegemonia sobre o Projeto Político Pedagógico
de inúmeras escolas de Ensino Fundamental.
Para Caldart (1997, p. 29), é importante e necessário que se
desenvolva o registro sistematizado tanto da história geral do MST quanto
da “[...] história da educação que nele e através dele se desenvolve [...]”. As
escolas são de grande importância para o Movimento, pois também são
instrumento de luta. A educação faz parte da habilitação dos integrantes
como sujeitos políticos.
O MST, desde sua criação, busca envolver todos os militantes no
processo da luta pela terra. Homens, mulheres, jovens, idosos e crianças,
ou seja, as famílias são parte do Movimento e protagonistas de sua própria
história. Diante da busca pelo engajamento de todos na luta, surgiram
preocupações como: o que fazer com as crianças acampadas? Como as
mulheres poderiam inserir-se nos processos produtivos, sem uma
alternativa para a questão dos cuidados com as crianças? Como as crianças
iriam frequentar a escola? Que tipo de ensino as crianças e jovens militantes
teriam?
Portanto, para atender as necessidades educacionais, haja vista a
quase inexistência de Educação Infantil no campo e as poucas escolas de
ensino fundamental, o Movimento foi criando as denominadas escolas
itinerantes que acompanham os acampamentos sem local fixo.
Constantemente, com os despejos e as mudanças dos locais das novas
ocupações, as crianças ficam sem aula. A proposta da Escola Itinerante
é evitar que isso aconteça: ‘A escola vai aonde o acampamento estiver’.
72
O fundamental é garantir a existência da escola na trajetória da luta.
No transcorrer dessas experiências, os Sem Terra ocuparam a escola,
assim como ocupam a terra, construindo condições próprias de suas
existências (FERNANDES, 2000, p. 226).
A primeira escola fixa de assentamento da qual encontramos
registro começou a funcionar em 1983, no estado do Rio Grande do Sul
(CALDART, 1997, p. 30), antes ainda da criação oficial do MST. No final
da década de 1980 e início da década de 1990, o MST criou o Setor de
Educação e deu início à implementação de projeto próprio de educação,
com a criação do Coletivo Nacional de Educação.
A trajetória do MST mostra que sua educação se desenvolveu por
meio de dois eixos complementares: a luta pelo direito à educação; e a
construção de uma nova Pedagogia. De acordo com esses eixos foram
formulados diferentes princípios e reflexões norteadores dessa Pedagogia
(CALDART, 1997, p. 39).
Conforme o Movimento cresceu, as demandas e proposições
também foram ampliadas e ganharam complexidade, inclusive no que se
refere à educação escolar (DAL RI; VIEITEZ, 2008). Em 1987 ocorreu o
processo de criação do Setor de Educação do MST “[...] para tratar da
questão das escolas de assentamento”, ressalta, ainda, que “[...] de certo
modo o eixo continua sendo a escola, mas num sentido bem mais
abrangente do que no início” (MST, 1996a, p. 5), e com ênfase em um
processo de produção da proposta de educação ou proposta pedagógica do
MST.
Esse fato chama a atenção, pois e educação do MST considera as
especificidades de cada um dos seus membros, com uma educação
73
específica que atenda as necessidades e interesses dos militantes e,
considerando a realidade específica existente no campo.
Em meados de 1990, formou-se o Coletivo Nacional de Educação
com o objetivo de garantir maior eficiência na mobilização pelo direito à
escola, e a troca de experiências para a construção de uma escola diferente.
O Setor da Educação abraçou a luta pela educação infantil, envolvendo
outros aspectos, como o tipo de educação necessária à formação da
infância” (SABIA; BRABO, 2016, p. 184).
As escolas do MST se diferenciam das escolas estatais na forma de
tratar o ensino e a educação. Enquanto a LDB/1996 (BRASIL, 2006) que,
com exceção da Educação Infantil, faz menção a níveis de ensino, o MST
para tratar do chamado ensino fundamental faz a seguinte referência “[...]
estamos chamando de Escolas de Educação Fundamental por entendermos
que a palavra ‘ensino’ não dá conta de todas as dimensões educativas que
já fazem parte de nossas práticas de escola” (MST, 1999a, p. 3). Ademais,
as escolas do MST diferenciam-se das escolas estatais porque a “[...] escola
reproduz a estrutura social e ensina a cada indivíduo, de acordo com a
origem de classe, o seu lugar na sociedade, até porque a escola para os
trabalhadores é uma e a escola para as elites é outra” (DAL RI, 2017, p.
174).
O MST buscou construir um projeto educacional porque a escola
burguesa não lhe servia, não servia aos interesses dos seus membros. A
escola que queremos e pela qual lutamos deve vincular-se a organicidade
do assentamento, preocupar-se em ajudar na solução dos problemas da
comunidade [...]” (MST, 2001b, p. 45).
A luta pela Reforma Agrária reafirma a estratégia da educação
enquanto instrumento de formação e capacitação necessária para avançar
na produção e qualificação dos trabalhadores e trabalhadoras do campo.
74
Nesse sentido, o MST precisa formar seus/suas militantes para trabalharem
na organização da produção. A educação para o MST é geradora de novos
conhecimentos científicos e tecnológicos, os quais são essenciais para a
construção de uma forma nova de produzir.
Em se tratando da educação enquanto sistema formal, as ações do MST
perpassam por duas dimensões: a primeira delas é a busca do
reconhecimento dos trabalhadores e trabalhadoras do campo enquanto
sujeito de direito e de cultura e a defesa do acesso destes a educação um
direito universal que vem lhes sendo negado. A segunda é o
questionamento do conteúdo da educação e da qualidade pretendida.
O MST assumiu a educação enquanto espaço estratégico para uma
ação pedagógica comprometida com as mudanças necessárias ao
avanço da Reforma Agrária, o desenvolvimento pleno dos seres
humanos, ou seja, uma educação orgânica aos processos de
desenvolvimento rural proposto e desencadeado pelas lutas dos
trabalhadores do campo e, por conseguinte comprometida com novas
relações sociais (ARAUJO, 2011, p. 93).
Nesse projeto, o Movimento busca a construção da identidade Sem
Terra e, por isso, vem produzindo um jeito diferente de fazer a educação.
A princípio, o Movimento destacava que “[...] isto não quer dizer que o
MST tenha inventado uma nova pedagogia, mas ao tentar produzir uma
educação do jeito do Movimento, os Sem Terra acabaram criando um
novo jeito de lidar com as matrizes pedagógicas ou com as pedagogias já
construídas ao longo da história da humanidade” (MST, 1999b, p. 6).
Todavia, posteriormente, nessa construção de uma nova forma de
educar, o MST assumiu a criação da chamada Pedagogia do Movimento. A
Pedagogia do Movimento se fundamentou nas teorias pedagógicas
existentes no Movimento para a constituição de um projeto pedagógico e
75
educativo próprio (MST, 1999; 2001), objetivando a formação do ser
humano por meio de práticas e vivências, “[...] a Pedagogia do Movimento
se constitui como uma reflexão específica sobre as matrizes pedagógicas
postas em movimento na formação dos Sem Terra, tratando-a como um
processo educativo que pode inspirar diferentes práticas educativas (MST,
2013, p. 10). É um projeto educativo em que “[...] o Movimento acabou
criando, também, uma nova forma de lidar com as matrizes pedagógicas
ou com as pedagogias construídas historicamente” (DAL RI; VIEITEZ,
2008, p. 197) para a capacitação técnica de seus membros para a produção,
para a luta pela reforma agrária e por mudanças sociais e econômicas na
sociedade.
A Pedagogia do Movimento Sem Terra é o jeito através do qual o
Movimento vem, historicamente, formando o sujeito social de nome
Sem Terra, e educando no dia a dia as pessoas que dele fazem parte. E
o princípio educativo principal desta pedagogia é o próprio movimento,
movimento que junta diversas pedagogias, e de modo especial junta a
pedagogia da luta social com a pedagogia da terra e a pedagogia da
história, cada uma ajudando a produzir traços em nossa identidade,
mística, projeto. Sem Terra é nome de lutador do povo que tem raízes
na terra, terra de conquista, de cultivo, de afeto, e no movimento da
história (CALDALT, 2003, p. 52, grifos da autora).
A chamada Pedagogia do Movimento traduz a ideia do MST em
ter uma nova pedagogia, uma nova forma de fazer educação. Assim, a
relevância do MST ter criado uma nova pedagogia é que esta nova
educação busca “[...] romper com a lógica do capital na área da educação
equivale, portanto, a substituir as formas onipresentes e profundamente
76
enraizadas de internalização mistificadora por uma alternativa concreta
abrangente” (MÉSZÁROS, 2005, p. 47).
Essa discussão se faz relevante ao pensar na educação que é
proposta pelas escolas públicas e privadas, não traduzem os interesses do
Movimento. Assim, algumas questões são levantadas, como:
Por que os NMS estão forjando uma educação própria, inclusive de
educação formal? Porque o ensino oficial não lhes serve, não atende as
suas necessidades de formar um novo organizador para uma nova
sociedade. Não é comum encontramos MS que unam, além da luta
pelos objetivos comuns aos membros, a organização da produção e da
educação. Talvez os melhores exemplos de movimentos sociais que
unem organicamente a economia, a política e a cultura sejam o MST
e o Movimento Zapatista (DAL RI, 2017, p. 174-175).
É preciso compreender como a sociedade organiza o trabalho, pois,
assim poderemos entender melhor à educação.Portanto, desde o início o
papel da educação é de importância vital para romper com a internalização
predominante nas escolhas políticas circunscritas à ‘legitimação
constitucional democrática’ do Estado capitalista que defende seus
próprios interesses” (SZÁROS, 2005, p. 61).
Consideramos o papel emancipador necessário da educação, por
isso, se faz relevante compreender como essa educação é construída pelo
Estado, e como tem se constituído no MST.
Essa nova forma de fazer educação é pautada em princípios
fundamentais, bandeiras de luta por políticas públicas de educação e linhas
de ação e atividades de educação para os coletivos, o Setor de Educação e
todo o MST (MST, 2001b, p. 128-132). “Portanto, a nossa tarefa
77
educacional é, simultaneamente, a tarefa de uma transformação social,
ampla e emancipadora. Nenhuma das duas pode ser posta à frente da
outra” (MÉSZÁROS, 2005, p. 76).
Nesse sentido, temos que essa forma de educação feita pelo MST,
buscam romper os limites existentes na educação formal estatal, e propor
uma nova educação.
O novo, pois não está na originalidade da proposta ou, na invenção de
uma nova teoria pedagógica, mas sim, na prática concreta que está
conseguindo talvez recuperar a essência do ato educativo: não é original
dizer que a educação é importante nos processos de transformação
social, mas é nova a valorização prática da educação nas lutas populares,
especialmente as do meio rural (MST, 2005, p. 27).
No início da criação das escolas nos assentamentos e
acampamentos, os professores e professoras poderiam ser pessoas
nomeadas ou contratadas pelo Estado, independente de vínculo com o
Movimento, ou até mesmo com o campo. Porém, como o Movimento
buscava uma pedagogia diferenciada, iniciaram-se as discussões sobre
quem deveria trabalhar nas escolas.
Enfrentando as dificuldades com criatividade e disposição, estamos
construindo um novo jeito de educar e um novo tipo de escola. Uma
escola onde se educa partindo da realidade; uma escola onde professor
e aluno são companheiros e trabalham juntos aprendendo e
ensinando; [...] uma escola que incentiva e fortalece os valores do
trabalho, da solidariedade, do companheirismo, da responsabilidade e
do amor a causa do povo. Uma escola que tem como objetivo um novo
78
homem e uma nova mulher, para uma nova sociedade e um novo
mundo (MST, 2005, p. 31).
Para garantir uma educação fundada nos princípios educativos do
Movimento, a formação dos chamados educadores passou a estar presente
nas linhas de ação do Movimento. Para tanto, foi criado um curso de
magistério para titulação dos professores para as escolas dos assentamentos,
que teve início em 1990. Os objetivos do curso de magistério eram três:
1
o
) Formar educadoras e educadores da Reforma Agrária, e quadros
técnicos para atuação no MST.
2
o
) Titular e capacitar professoras e professores para atuação nas escolas
de assentamentos e acampamentos.
3
o
) Prosseguir na construção da proposta de educação do MST e de
uma proposta pedagógica específica para as escolas dos/as
trabalhadores/as do meio rural (CALDART, 1997, p. 109).
A Pedagogia do Movimento busca uma escola organizada em
conformidade com a perspectiva e com os princípios educativos do MST
e “[...] essa consciência da necessidade de aprender leva, então, à disposição
de estudar, no sentido de buscar conhecimentos, mas também buscar
transformar-se enquanto pessoa, enquanto jeito de ser” (CALDART,
2004, p. 216). Essa educação vem, principalmente, por meio da vivência
de “[...] novas relações sociais que produz e reproduz, problematizando e
propondo valores, alterando comportamentos, desconstruindo e
construindo concepções, costumes, ideias” (MST, 1999a, p. 7-8). Entre os
principais valores, fazendo uso de palavras do próprio Movimento, estão a
indignação diante das injustiças e da perda da dignidade humana, o
79
companheirismo e a solidariedade, a igualdade combinada com o respeito
às diferenças, a justiça e a democracia (MST, 1996a; 1999a; 2001a).
A construção da Pedagogia nasceu junto com o Movimento e tem
se desenvolvido levantando as bandeiras do MST. Assim, ela tem
produzido novas propostas e novos valores. Essas escolas têm se constituído
da seguinte forma: “O sistema escolar do MST possui basicamente três
tipos de escolas: a) as que ele cria; b) as estatais públicas controladas e
frequentadas majoritariamente por membros do movimento; c) as escolas
estatais nas quais o movimento tem influência e luta pela sua hegemonia”
(DAL RI; VIEITEZ, 2013, p. 247).
Segundo o Movimento (MST, 2010, p. 23) “Hoje, o trabalho com
educação no MST está organizado em todo o país, desde a educação
infantil à educação superior, em várias áreas do conhecimento”. E afirma
que o Movimento possui mais de 2 mil escolas públicas construídas em
acampamentos e assentamentos, em todos os níveis e em diferentes
modalidades de ensino, com cerca de 200 mil crianças, adolescentes, jovens
e adultos com acesso à educação garantida. Na Educação Básica tem
escolas próprias de Educação Infantil, as Cirandas, e de Ensino Médio.
Dos militantes, há 50 mil adultos alfabetizados e 02 mil estudantes em
cursos técnicos e superiores, além de mais de 100 cursos de graduação em
parceria com Universidades Públicas por todo o país. Como é possível
verificar, a preocupação do MST com a educação formal é grande, por isso,
as escolas, de todos os níveis de ensino, estão em todo o território nacional
onde o MST está organizado (MST, 2016a).
Nos documentos levantados, constatamos que o primeiro Boletim
da Educação foi elaborado em 1992 (MST, 1992a) teve por título: Como
deve ser uma escola de assentamento. Dentre as diversas diretrizes para a
escola, encontra-se a de que a escola também é lugar para refletir sobre uma
80
nova ética. O Movimento entende a ética como “[...] um conjunto de
valores e princípios que se definem no coletivo e são assumidos
pessoalmente por cada um dos membros deste coletivo” (MST, 1992a, p.
16), assim, é preciso romper com os valores da velha sociedade e construir
valores pessoais coerentes com os processos de luta coletiva.
Para o Movimento, as escolas devem ter objetivos a curto, médio e
longo prazos, segundo as necessidades locais, da realidade de cada
assentamento e, portanto, passíveis de mudança no decorrer do tempo. As
crianças devem ser preparadas para aliar os conhecimentos da teoria com a
prática, por isso, os conteúdos são trabalhados em torno de temas do
cotidiano. Tendo a consciência de que a realidade está em transformação,
as escolas devem fazer perguntas para descobrir os problemas e
necessidades do assentamento, como, por exemplo, a participação menor
das mulheres no trabalho e nas coordenações políticas do MST (MST,
1992b, p. 08). Neste sentido de melhor preparar as crianças é que as “[...]
escolas do MST são administradas pelo que denominamos de gestão
associativa democrática. Este é um regime democrático substantivo e
socializante, promotor do trabalho coletivo e da igualdade social(DAL
RI; VIEITEZ, 2013, p. 260). Uma escola organizada na perspectiva do
MST educa principalmente por intermédio da vivência de [...] novas
relações sociais que produz e reproduz, problematizando e propondo
valores, alterando comportamentos, desconstruindo e construindo
concepções, costumes, ideias” (MST, 1999a, p. 7-8).
Segundo o MST (2001a, p. 125), “[...] em nossa trajetória de luta
e organização dos trabalhadores do campo fomos construindo uma
concepção de educação”. O Movimento afirma ainda, que busca “[...]
refletir sobre o conjunto de práticas que fazem o dia-a-dia dos Sem Terra,
extrair delas lições de pedagogia que permitam qualificar nossa
81
intencionalidade educativa junto a um número cada vez maior de pessoas.
A isso temos chamado de Pedagogia do Movimento(MST, 2001a, p.
126-127).
O MST percebe que a educação é parte fundamental na vida
humana, por isso, o Movimento luta por uma educação que considere os
sujeitos do campo como produtores de conhecimento e cultura. Essa
educação contribui para capacitar os militantes a levar adiante suas
aspirações e habilidades para impulsionar as transformações necessárias na
vida de cada sujeito com novos valores e relações, e compreender que a
educação deve ser vinculada a processos amplos de formação humana e
organização da sociedade, bem como na luta por mudanças nas relações
sociais de produção e relações pessoais entre os homens e mulheres do
campo. Os princípios para esta educação são:
a) ter o trabalho e a organização coletiva como valores educativos
fundamentais;
b) integrar a escola na organização do assentamento;
c) formação integral e sadia da personalidade da criança;
d) a prática da democracia como parte essencial do processo educativo;
e) o professor deve ser sujeito integrado na organização
e interesses do assentamento;
f) a escola e a educação devem construir um projeto alternativo de vida
social;
g) uma metodologia baseada na concepção dialética do conhecimento
(MST, 2005, p. 29).
Para a nova formação educacional o Movimento cria diversos
princípios norteadores das atividades. Portando, além dos princípios
filosóficos e pedagógicos o Movimento vai criando novos princípios de
82
acordo com as necessidades do dia a dia do Movimento, sempre levando
em consideração que o maior princípio é o próprio Movimento.
O que faz do MST um movimento relevante para a análise
científica é o fato de que, desde sua criação, ele não se limitou a um único
objetivo. Na luta em defesa dos direitos e interesses de seus membros, o
MST levantou outras bandeiras, como, por exemplo, por uma formação
educacional.
Essa trajetória dos Sem Terra concedeu aos militantes a formação
de sujeitos sociais por meio de um processo educativo de formação
humana. Tais ações políticas e pedagógicas, segundo Caldart (2004, p.
169), constituem a formação dos Sem Terra em três dimensões básicas. “A
primeira dimensão está na formação para a contestação social ou para a
rebeldia organizada [...]” a “[...] segunda dimensão do processo educativo
da ocupação está, segundo a própria análise do Movimento, na formação
para a consciência de classe, a partir da vivência direta do enfrentamento”
(CALDART, 2004, p. 171, grifos da autora). Para a terceira dimensão
educativa Caldart (2004, p. 173) afirma que “[...] ao pisar na terra
ocupada, os sem-terra retomam simbolicamente o direito à vida que
começaram a perder quando da terra foram arrancados”.
Essa nova formação vai além do espaço escolar, por isso o “[...]
MST considera que a principal escola é o próprio Movimento. O
Movimento com os seus princípios e lutas é considerado um educador
coletivo, de um tipo de educação que não cabe em uma escola” (DAL RI,
2017, p. 177). O MST desde sua criação buscou uma educação que
atendesse as necessidades de seus militantes, com uma educação do campo
de qualidade, com acesso a todos e, principalmente, que não servisse aos
interesses do capital, mas sim a sua forma de produzir e aos coletivos de
trabalhadores. Além disso, ao estruturar seus princípios e linhas de ação
83
para uma nova formação educacional foi criada a Pedagogia do Movimento
que inova por ter uma práxis educacional própria formando os militantes
com princípios que visam a construção de uma nova sociedade, e a criação
de um novo homem e uma nova mulher.
85
III.
MST E A QUESTÃO DE GÊNERO
A Política de Gênero do MST
O Movimento reconhece que apenas recentemente este tema
passou a ser estudado por seus membros, pois ainda surgem muitas dúvidas
acerca do conceito de gênero.
Portanto, para aperfeiçoar o conceito de gênero, o MST utiliza-se
de diferentes contribuições teóricas formuladas por diferentes autoras,
destacando as relacionadas com o movimento feminista. Dentre os
conceitos apresentados, destacamos o conceito de Nalu Faria e Miriam
Nobre (1997, p. 29 apud MST, 2003, p. 9) que afirmam que o conceito
de gênero trouxe avanço nas relações, pois permite uma análise mais ampla
e,
[...] por isto, gênero, um termo emprestado da gramática, foi a palavra
escolhida para diferenciar a construção social do masculino e feminino
do sexo biológico. Gênero é um conceito relacional, ou seja, que vê um
em relação ao outro e considera que estas relações são de poder e
hierarquia dos homens sobre as mulheres.
Essas construções são manifestas, principalmente, nos papéis
sociais que cada um desempenha e o valor dado ao trabalho desempenhado
86
por cada indivíduo de acordo com o gênero. Cada sociedade constrói,
culturalmente, como deve ser o papel social do masculino e feminino,
ditando as profissões, estilos e atributos em geral adequados a cada um,
portanto gênero é usado para indicar a construção social do ser homem e
do ser mulher como categoria social. Nesse sentido, partindo deste
entendimento de construção social, o conceito de gênero busca derrubar
“[...] uma velha compreensão de que homens e mulheres têm funções
sociais porque são biologicamente diferentes” (MST, 2003, p. 7-8).
Outra distinção importante a destacar é a em relação a sexo, gênero
e identidade sexual. Por vezes sexo e gênero são tratados como sinônimos,
contudo existem diferenças. Aqui tratamos nos seguintes conceitos e
níveis: “1. O sexo: macho e fêmea; 2. O gênero: feminino e masculino; 3.
a identidade psicossexual: heterossexual, bissexual, homossexual” (MST,
2003, p. 11). Sexo indica as características biológicas que torna o ser macho
ou fêmea, enquanto o conceito de gênero indica papéis culturalmente
impostos e devem ser atribuídos a homem ou mulher, então é importante,
pois por vezes existe discriminação com relação a atitudes que não se
encaixam nos modelos do padrão imposto pela sociedade. Nesse sentido,
o MST (2003, p. 28) traz a ilustre frase de Simone de Beauvoir que “[...]
cada ser humano nasce macho ou fêmea (sexo), mas torna-se homem ou
mulher (gênero): Não se nasce mulher, torna-se mulher”.
Assim, a igualdade de gênero não busca acabar com as diferenças
naturais entre os sexos, mas sim entender e respeitar as características de
cada indivíduo. Na esfera da produção, homens são colocados como fortes
e empreendedores, enquanto as mulheres são delicadas e mães, por
exemplo. Por vezes essas características são utilizadas para justificar
distinções e desigualdades sociais, amparando-se nas diferenças biológicas,
revelando a desigualdade de gêneros. Contudo, essas características são
socialmente construídas, não são naturais. Da mesma forma deve ocorrer
87
a reconstrução destes conceitos forjando novos valores e nova construção
social.
É importante ter presente que as relações de desigualdade de
gênero, como já dito, são culturalmente construídas e estão presentes no
contexto da luta de classes. A desigualdade social é parte da estrutura
capitalista, está presente nas relações de produção, educação e gênero,
assim a reprodução dessas desigualdades, que aparentam ser naturais, bem
como de valores e comportamentos são disseminados de acordo com os
interesses da burguesia. Homens são os chefes de família, trabalhadores e
provedores do lar, portanto, portadores do dinheiro e com direito de tomar
todas as decisões da casa, enquanto as mulheres devem se limitar à
responsabilidade pela educação dos filhos e pela organização da casa; seu
trabalho não é reconhecido e nem remunerado, além do fato de sofrerem
opressões, violência e dominação.
E é visível que os homens, mesmo os da classe trabalhadora, se
beneficiam dessa divisão do trabalho em que todos os afazeres
domésticos e o cuidado com os (as) filhos (as) são considerados ‘coisa
de mulher’ mesmo quando elas também trabalham fora de casa. Se isso
tudo fosse dividido as mulheres teriam mais condições objetivas e
subjetivas para participar da vida política, econômica, etc. (MST,
2003, p. 21).
Apesar das mulheres estarem saindo de suas casas e trabalhando
fora, o trabalho doméstico continua sendo de responsabilidade exclusiva
das mulheres, mais uma vez beneficiando os homens e as relações sociais
capitalistas.
88
A concepção adotada pelo MST está contida nesta perspectiva, que
privilegia a participação da mulher e do homem na construção de um
mundo de paz, uma vez que incluiu as especificidades da Mulher
Trabalhadora Rural em suas linhas políticas, contribuindo para
redimensionar as relações entre homens e mulheres (CHAVES, 2009,
p. 24).
A categoria gênero trouxe avanços no MST, pois permite a
construção de novos valores em relação à construção de um novo homem
e de uma nova mulher objetivos almejados pelo Movimento. Nesse
sentido, fica claro que a luta deve ser de todos/as homens e mulheres
rompendo os modelos até então reproduzidos, portanto, a preocupação do
Movimento em ampliar a participação das mulheres e a construção do
conceito de gênero mostra que o MST já avançou muito nesta luta.
Gênero no Movimento
A preocupação com a igualdade de gênero, assim como a educação,
esteve presente desde a criação do MST, isso porque um dos objetivos
estratégicos é a construção de novos valores. Assim, a questão de gênero é
importante, pois o Movimento compreende que as desigualdades estão
presentes e, muitas vezes, são reproduzidas pelos/as militantes no
cotidiano. Para mudar a realidade é preciso reconhecer as desigualdades
presentes, e lutar para transformar as práticas e os valores até então
disseminados. Desse modo, neste tópico analisamos os documentos que
trazem os indicativos que buscam promover a igualdade. A distribuição e
o exercício de poder dentro das organizações populares, é considerada
desfavorável às mulheres. Desta forma, “partindo da compreensão que as
89
relações de gênero são relações de poder, é importante refletir no cotidiano
do MST como essa relação de poder/relação de gênero se manifesta
(MST, 2003, p. 22).
A organização das mulheres surgiu e se mantém como um
movimento dentro do Movimento. Seu reconhecimento é buscado tanto
na família, quanto na comunidade e frente ao Estado a partir da articulação
entre as demandas particulares das mulheres e as demandas gerais
defendidas pelo MST(SANTO, 2016, p. 35). A luta pela igualdade existe
dentro do Movimento, pois, as mulheres têm participado efetivamente do
Movimento, em todos os setores e instâncias como parte da luta do MST
pela terra e pelos direitos dos seus integrantes.
Um elemento que tem contribuído para a formação da consciência
política e, posteriormente, a de gênero, é o fato de que muitas
mulheres, que participam da constituição do MST, eram partícipes do
movimento de resistência que a sociedade brasileira vivia nos anos
1980, na luta pela democracia, por direitos constitucionais e pela
reforma agrária (SCHWENDLER, 2015, p. 92).
No sentido de debater e promover a igualdade de gênero, o MST
trabalha com discursos, ações e práticas para a formação dos militantes
forjando novos valores, conscientizando-os das necessidades de mudanças
rompendo com as ideologias dominantes.
A primeira ação do Movimento no sentido de promover a
igualdade de gênero foi no I Congresso Nacional do MST, realizado em
1985, no qual foram aprovadas normas gerais e a organização de comissões
de mulheres para discutir problemas específicos; estimular a participação
das mulheres em todos os níveis de atuação, instâncias de poder e
90
representatividade; combater toda forma de discriminação das mulheres; e
a lutar contra o machismo. Desse modo, já em 1986 criou-se uma
comissão de mulheres para discutir seus problemas e fazer ponte entre as
bases e a direção nacional do MST. Com isso, pretendiam pressionar o
Movimento para que este se sensibilizasse diante das suas reivindicações
(FURLIN, 2013, p. 259-260).
O primeiro Caderno de Formação intitulado Organização do
Movimento foi elaborado em 1986, trouxe orientações práticas do
Movimento. No item sobre a organização interna, a primeira colocação foi
que “[...] em todos os níveis de organização: núcleos de base, nos grupos
de ocupação, comissão municipal, comissão dos movimentos regionais,
comissão estadual, e coordenação nacional, deve ter companheiras
mulheres trabalhadoras” (MST, 1986a, p. 9).
No mesmo ano foi lançado um livreto, o Caderno de Formação Nº
10, que chama A luta continua: como se organizam os assentados. O texto
traz resoluções políticas para o Movimento. E entre outras decisões,
destacamos a preocupação do MST com as decisões específicas em relação
à mulher agricultora. Ali constam oito decisões a fim de garantir a
igualdade entre homens e mulheres, além do empoderamento feminino,
buscando que as mulheres militantes sejam mais do que donas de casa, que
elas possam trabalhar efetivamente no trabalho rural e nos setores do
Movimento (MST, 1986b, p. 33).
Outro texto publicado no ano de 1986 é o livro intitulado
Construindo o Caminho. Em seu estudo sobre Subjetividade e gênero no
MST, Melo indica que nesta obra constam
[...] entre outros assuntos, a questão da mística, a formação de quadros
para a realização do “trabalho de base”, e também das primeiras
91
resoluções aprovadas pelo MST como diretrizes para tentar solucionar
o problema, surgido em seus assentamentos, relativo à participação
política das mulheres na luta pela reforma agrária (MELO, 2007, p.
115).
O livro trata, ainda, do posicionamento sobre a questão da mulher
assentada e “[...] a existência desta resolução denota que o processo de
construção de novas formas de relações humanas nas comunidades
assentadas pelo movimento começava a ser colocado na pauta dos
problemas a serem enfrentados e solucionados no MST(MELO, 2007,
p. 120).
Em 1986, a Comissão das Mulheres Sem Terra fez parte da equipe
de preparação do I Encontro Nacional de Mulheres Agricultoras e Sem
Terra, do qual participaram aproximadamente 60 mulheres de
assentamentos de diferentes regiões do Brasil (FURLIN, 2013, p. 260).
O Caderno de Formação n. 12 foi fruto do 3º Encontro Nacional
que aconteceu em janeiro de 1987, e trata das prioridades do MST. Uma
das prioridades apontadas foi “[...] ampliar o movimento em todos os
sentidos [...]” e uma das formas apontadas foi “[...] estimular maior
participação das mulheres” (MST, 1987, p. 8). No que trata da organização
interna dos assentados mais uma vez verificamos a preocupação com a
organização das mulheres (MST, 1987, p. 15). Ao destacar as datas
importantes para o Movimento também é possível verificar a importância
atribuída às mulheres colocando no calendário o “[...] dia 8 de março: dia
internacional da mulher trabalhadora” (MST, 1987, p. 18).
Inicialmente, a Comissão de Mulheres do MST tinha o seu espaço no
Jornal Sem Terra, no qual divulgava os trabalhos realizados nas
instâncias de base, inserindo, também, alguns temas, com o intuito de
92
contribuir na reflexão e no estudo das mulheres. Mais tarde esses temas
foram compilados, dando origem ao Caderno de Formação nº 15,
intitulado ‘A Mulher nas Diferentes Sociedades’ (FURLIN, 2013, p.
260).
A mulher nas diferentes sociedades é um Caderno de Estudo
produzido em 1988 e assinado pela equipe de mulheres do MST. Na sua
apresentação consta um indicativo de que a participação das mulheres nos
movimentos populares tem sido importante para garantir conquistas,
porém, um dos problemas é que as mulheres não estavam tendo as mesmas
oportunidades que os homens de se capacitar, portanto, afirma “[...] a
dominação da mulher não está vinculada à questão sexual, mas sim à
questão econômica” (MST, 1988, p. 10).
Assim, o objetivo do caderno foi ser “[...] um primeiro passo no
sentido de despertar sua atenção para questões que interessam à mulher e
à toda a classe trabalhadora” (MST, 1988, p. 3). Portanto, apresenta uma
abordagem histórica, evidenciando a presença histórica da mulher nas
diferentes sociedades. O material se divide em cinco capítulos: 1. A mulher
na sociedade primitiva; 2. A mulher na sociedade escravista; 3. A mulher
na sociedade feudalista; 4. A mulher na sociedade capitalista; 5. A mulher
na sociedade numa nova sociedade.
No ano seguinte, em 1989, foi publicado o Caderno de Formação
Normas Gerais do MST, apresentando
[...] resoluções que denotam a permanência e os efeitos dos embates
internos relativos à transformação das relações entre homens e
mulheres, como aspecto ‘novoproposta pelo projeto social do MST.
Prova disto é a publicação da resolução referente à Articulação das
93
mulheres no MST apresentada no oitavo capítulo do livro [...] (MELO,
2007, p. 123, grifos da autora).
As orientações apresentadas tratam do incentivo à participação das
mulheres em todos os níveis de atuação, o combate a qualquer tipo de
discriminação às mulheres, estimular a organização das mulheres em
comissões em nível nacional. Estas resoluções têm por objetivo buscar “[...]
soluções para o problema das discriminações de gênero começam a deixar
de ser uma luta reservada ao coletivo de mulheres organizadas do MST e
passam a ser assumidas publicamente como um princípio político que deve
tornar-se norteador nos processos de lutas do MST como um todo”
(MELO, 2007, p. 124-125).
No relatório do II Congresso Nacional do MST, ocorrido em
1990, aparecem novas políticas de ação para as mulheres agricultoras do
MST. Foram assumidos novos compromissos em relação às mulheres, tais
como: incentivar a participação sindical, direito de associação e conquista
de espaços nas diretorias para as mulheres; comprometer as mulheres a
votarem em mulheres e a assumir a profissão de trabalhadora rural nos
documentos, não aceitando mais a simples denominação ‘do lar’
(FURLIN, 2013, p. 262-263). Com a finalidade de ampliar a participação
das mulheres nas instâncias de liderança do movimento definiram-se as
seguintes linhas de ação:
1. Que os homens apoiem as iniciativas e a organização das mulheres,
dando força para suas esposas participarem.
2. Que os assentamentos onde as mulheres já têm organização ajudem
as mulheres dos outros assentamentos onde não há esta organização e
está difícil de começar em nível de estado.
3. Que as mulheres assentadas incentivem e animem as mulheres do
sem terra a participar das reuniões e do movimento.
94
4. Que nas comissões dos assentamentos, estaduais e nacionais, as
mulheres conquistem o seu espaço, sem paternalismos, mas sendo-lhes
reconhecida a capacidade de ocupar tais cargos.
5. Que as secretarias estaduais dos sem terra enviem material para
ajudar a organização das mulheres nos assentamentos.
6. Que as mulheres participem na renovação sindical e exijam o direito
de associação e conquistem seu espaço nas diretorias.
7. Que as mulheres votem nos candidatos que são mulheres ou em
trabalhadores que defendem os direitos dos assentados e das mulheres
na Constituinte.
8. Que, ao tirar documentos em que conste a profissão, as mulheres
possam colocar que são trabalhadoras rurais, não aceitando a simples
denominação “doméstica” ou “do lar”. Isso é importante na troca de
título de eleitor e na certidão de casamento que vierem a fazer (MST,
1990 apud FURLIN, 2013, p. 262-263).
Essas resoluções trouxeram uma atenção mais apurada para a
participação política das mulheres, principalmente no que tange à
igualdade de gênero.
[...] as linhas de ação são necessárias para manter o compromisso de
um processo contínuo de vigilância e iniciativas que permitam, de fato,
que a mudança nas relações de gênero se concretize por meio de
práticas capazes de desconstruir os modelos tradicionais de gênero e
inaugurar novas possibilidades que contribuam na transformação das
relações sociais. Esse é um processo demorado, uma vez que deve
atingir e transformar a cultura, em sua totalidade (FURLIN, 2013, p.
279).
Posteriormente, ocorreu o I Encontro de Mulheres Trabalhadoras
Rurais realizado em 1995, reunindo mulheres de várias organizações
95
rurais, no qual se discutiu a necessidade de incorporação dos direitos já
conquistados pelas trabalhadoras urbanas, tais como salário-maternidade,
auxílio acidente de trabalho, etc.
Nesse sentido, surgiram outras preocupações com a questão de
gênero. No Jornal Sem Terra (JST), de novembro de 1995, ficam claras as
influências deste Encontro no MST. O jornal trata da relação entre gênero
e classe que se entrelaçam e “[...] esta combinação de luta é fundamental
não só para a construção de novas relações de gênero, mas de um projeto
de sociedade democrática e popular” (JST, 1995, p. 12). Em março de
1996, o Jornal mais uma vez mostra a preocupação com a luta de classe e
das mulheres afirmando que “[...] o MST deve lutar também contra o
machismo” (JST, 1996, p.4).
Há uma cartilha (MST, 1997) que trata da questão de gênero no
MST, mas que não conseguimos obter acesso. Segundo Furlin (2013, p.
270-271), a cartilha traz a metodologia de trabalho e sugere que o
aprofundamento das questões de gênero se realize com todos os membros
da organização, devendo perpassar todo o processo de formação nos
assentamentos, como uma das estratégias para a construção de novas
relações, e ampliar a participação das mulheres na liderança. Isso levou o
Movimento a definir os objetivos e as primeiras linhas de ação em nível
estadual e nacional. Os objetivos e as linhas políticas em relação à mulher
definidos são
a) Elevar o nível de participação das mulheres na luta pela reforma
agrária e na construção de uma nova sociedade.
b) Construir relações de gênero no cotidiano, a partir da construção da
reforma agrária, no trabalho, entre lideranças e na educação familiar,
resgatando os valores humanistas baseados na igualdade, valorização do
ser humano, visando à construção do novo homem e da nova mulher.
96
c) Qualificar a participação das mulheres em todo o processo de luta
pela terra: antes, durante e depois.
d) Motivar a participação das mulheres em todos os níveis, com o
objetivo de garantir a aplicação das linhas políticas e fortalecer o
espírito combativo.
e) Implementar as cirandas para possibilitar a atuação das mulheres nas
instâncias da organização e a participação em atividades diversas.
f) Garantir uma educação dos filhos que não gere discriminação, mas
que esteja comprometida com a construção do novo homem e da nova
mulher.
g) Garantir trabalho produtivo para as mulheres com a participação
também no planejamento, administração, execução e distribuição dos
resultados da produção.
h) Criar coletivo de gênero em nível nacional, estadual, regional, assim
como em cada um dos assentamentos/acampamentos, para garantir os
objetivos e linhas políticas de gênero no MST.
i) Garantir que o documento da Terra saia em nome dos dois: homem
e mulher, assim como participar do processo de discussão, elaboração
e assinatura de projetos.
j) Desenvolver campanhas contra a violência à mulher, fazer educação
contra a discriminação, através do desenvolvimento de campanhas
educativas.
k) Diagnosticar a documentação e participação da mulher nos
assentamentos (MST, 1997 apud FURLIN, 2013, p. 270-271).
O I Encontro de Mulheres Trabalhadoras Rurais também gerou
fortes influências para a elaboração da primeira cartilha do Coletivo
Nacional de Mulheres, o que ocorreu em 1996. A cartilha, publicada em
1998, foi de expediente do Coletivo Nacional de Mulheres, mas passou a
ser assinada pelo ‘Coletivo Nacional de Gênero, nomenclatura que
permaneceu até a terceira cartilha, lançada no ano 1999. O nome do
Coletivo foi mudado novamente, quando passou a ser chamado de Setor
Nacional de Gênero, e uma nova cartilha foi apresentada. As cartilhas
97
trabalhavam na perspectiva de compreender a questão de gênero no MST
e focavam na construção de novas relações de gênero. Referente às
alterações na nomenclatura dos coletivos, Gonçalves (2010, p. 4-5) expõe
que:
É difícil encontrar uma trajetória linear que detalhe precisamente as
razões que levaram o Coletivo Nacional de Mulheres a se tornar
Coletivo Nacional de Gênero e menos ainda que explique a alteração
deste para Setor Nacional de Gênero. Uma das coordenadoras do Setor
Nacional de Gênero nos revelou que havia muita dificuldade de
avançar na participação das mulheres e que era necessário que esta
temática fizesse parte da própria estrutura organizativa do Movimento
dividida em Setores e predominantemente ocupados por homens.
A primeira cartilha organizada pelo Coletivo Nacional de Mulheres
em 1996 surgiu com o tulo A questão da mulher no MST (1996b), e
apresenta um plano de trabalho oriundo do I Encontro Nacional das
Mulheres Militantes do MST, realizado de 25 a 28 de maio daquele ano.
“Nesse encontro, além de discutirem sobre a construção histórica da
dominação de gênero nas relações sociais, discutiram sobre o cotidiano da
mulher no processo de luta pela terra e sua inserção nas instâncias
decisórias do movimento” (MELO, 2007, p.132).
Importante ressaltar que[...] tal material foi destinado não
somente às mulheres, mas a todos os membros do Movimento, e deveria
servir como roteiro de estudo e reflexão nos grupos de base” (FURLIN,
2013, p. 264).
Segundo a cartilha, as mulheres enfrentam discriminação nos
acampamentos e assentamentos, e sentem a necessidade de uma estrutura
que possibilite a sua participação. Os desafios para o Coletivo Nacional de
98
Mulheres eram muitos, desde questões sobre como construir novos valores,
novas relações no cotidiano, passando por pensar no modo como atingir
algumas metas, tais como criar condições objetivas para garantir a
participação das mulheres; pensar e propor formação política. E se alertava
que o número é importante, mas não suficiente o que significa que os
problemas não se resolvem com a introdução de cotas se a efetiva
participação não for incentivada e, se não forem proporcionados meio para
garantir a participação das mulheres.
Primeiramente, a cartilha apresenta um breve histórico de três
documentos diferentes que trataram da questão da mulher. O primeiro
documento analisado na cartilha foi escrito em 1989 na primeira edição
das Normas gerais do MST, no qual foi incluído um capítulo sobre a
“articulação das mulheres”, destacando atitudes como estipular a
participação das mulheres; combater todos os tipos de discriminação e
lutar contra o machismo; além de chamar a atenção para a necessidade de
estimular a organização de comissões de mulheres em nível nacional,
responsável pelas políticas propostas para o Movimento. (MST, 1996b, p.
5).
O segundo texto apresentado é o Documento Básico do MST, de
1993. No artigo 45 é enfatizada a necessidade de “[...] considerar as
questões específicas das mulheres e sua participação como parte integrante
das reivindicações e da organização, tratando como classe e não enquanto
gênero”. Além disso, no artigo 152, ressalta-se que é preciso “[...] garantir
a participação das mulheres em todos os níveis da cooperação agrícola e,
sobretudo estimular sua participação no trabalho produtivo, como
também combater as desigualdades e o tradicionalismo que existe no meio
camponês” (MST, 1996b, p. 5-6).
99
O terceiro documento apresentado é o Programa Agrário, de 1995.
Nos objetivos gerais do MST, no ponto 6 do documento, é demonstrada
a necessidade de “[...] combater todas as formas de discriminação social e
buscar a participação igualitária da mulher”; enquanto o ponto 7 trata da
situação da mulher no campo, declarando que as mulheres não recebem
pelo seu trabalho, nem participam das decisões econômicas. Ressalta,
ainda, que entre as pessoas que vivem no campo, certamente as mulheres
e crianças são as que mais sofrem e que a isso é acrescido a “[...] condição
generalizada de preconceitos e discriminações pela prática do machismo
no meio rural, que submete a mulher a uma condição inferior (MST,
1996b, p. 6).
Para pôr em prática a construção das novas relações de gênero a
cartilha traça alguns objetivos:
1. Nossos objetivos estratégicos
a) construir novos valores no cotidiano (família, militância, direções,
postura pessoal);
b) tratar a questão de classe e gênero enquanto princípio;
c) massificar e qualificar a participação das mulheres;
d) dar organicidade à participão das mulheres;
2. Nossos objetivos específicos:
a) criar mecanismos para garantir a participação das mulheres em todos
os níveis (creches e outras)
b) criar novas relações em que os resultados políticos, econômicos e
sociais sejam distribuídos de forma igualitária entre homens e
mulheres; (MST, 1996b, p. 7).
Para tanto, o Movimento estabelece níveis de ação, em que uma
das tarefas do coletivo consistia em fazer com que nas instâncias do MST
“[...] todos os setores discutam e encaminhem concretamente a questão de
100
gênero [...]” e “[...] garantir espaços de estudo e discussão em instâncias
criando mecanismos de participação”, além de “[...] envolver os homens
em todas as discussões e atividades [...] (MST, 1996b, p. 8). Além disso, a
cartilha traz outras orientações gerais, encaminhamentos práticos, como
estruturar o coletivo, escrever publicações em cadernos de formação,
cartilhas e realização de campanhas.
A questão da mulher recebeu maior destaque na cartilha seguinte,
de 1998, com o título de Compreender e Construir Novas Relações de
Gênero. A apresentação de abertura da coletânea de textos é atribuída ao
novo Coletivo Nacional de Gênero, e a publicação deve servir “[...] de
documento permanente de estudo e aprofundamento entre a militância do
MST, para compreendermos e construirmos novas relações de gênero no
nosso dia-a-dia” (MST, 1998, p. 5). Todavia, o expediente da coletânea
ainda é assinado pelo antigo Coletivo Nacional de Mulheres, assim como
um texto dentre os vários que constituem a coletânea, intitulado A questão
das mulheres no MST, que tem por objetivo “[...] elevar o nível da
participação das mulheres na luta pela reforma agrária e na sociedade que
queremos construir” (MST, 1998, p. 48). Para responder qual o papel das
mulheres, o texto afirma que
[...] é o mesmo papel político desempenhado pelos homens, porém do
jeito da mulher, ou seja, é o papel de atriz política, com sua
característica de gênero feminino e de classe trabalhadora e que, por
assim ser, é muito mais que estratégia para a resistência nas ações, e
muito mais que esposa e mãe somente (MST, 1998, p. 49).
Todavia, o coletivo afirma que apesar de existirem normas e
objetivos específicos para participação das mulheres, até aquele momento
essas estavam apenas em papel.
101
Segundo afirmou Stédile em uma entrevista concedida a Fernandes
em fevereiro de 1998, ainda não existiam regras para garantir a
participação igualitária das mulheres. “A participação das mulheres é
definida pelo seu próprio envolvimento com a luta. Na atual direção
nacional, alcançamos a marca de 30%, mesmo sem ter essa porcentagem
estabelecida em normas internas” (STÉDILE; FERNANDES, 2012, p.
93). Stédile destaca, ainda, que em 1996 o MST começou “[...] um
trabalho específico com mulheres. Há um coletivo nacional que produz
material, faz uma reflexão mais teórica sobre a questão de gênero, mas isso
não é setor, não significa que todos os Estados tenham coletivos de
mulheres” (STÉDILE; FERNANDES, 2012, p. 95-96).
Com o objetivo de tirar as normas teóricas do papel e trazer a
questão da mulher para a prática foram apresentados objetivos específicos
para a participação das mulheres, metodologias de trabalho, realização de
reuniões específicas, e com destaque para participação das mulheres na
formação e na educação.
No ano de 1999, o Coletivo Nacional de Gênero lançou a cartilha
Mulher Sem Terra (MST, 1999b), com propostas para oito encontros. As
propostas foram fruto “[...] do MST para fortalecer a participação e
organização das mulheres” (MST, 1999b, p. 4). A cartilha traz orientações
para a reflexão sobre a realidade, para que as mulheres busquem meios para
a construção de uma participação igualitária. Propõe-se um tema a ser
discutido em cada encontro, intitulados: as mulheres e a luta de classes;
relações de gênero; educar sem discriminar; os valores; cultura e lazer nos
assentamentos e acampamentos; mulher e saúde; as mulheres e a
construção do projeto popular; e as mulheres e a reforma agrária (MST,
1999b, p. 2).
102
O grande avanço dessa cartilha é a construção do conceito de
gênero. O Movimento entende a “[...] importância da mulher no seu
desenvolvimento como ser humano, da sua igualdade na diferença com o
homem” [...] “construindo novas relações de poder [...] baseada em novos
valores” (MST, 1999b, p. 11).
Para construção do conceito primeiramente foram colocadas as
diferenças entre sexo e gênero, sendo o primeiro considerado como
biológico e natural, enquanto o segundo é uma construção social. “É
etiqueta que a sociedade nos impõe do que é ser homem ou ser mulher
[...]”, é a maneira de viver na sociedade como mulheres ou como homem,
e é apreendida pelos costumes, pela cultura. “É cultural. Portanto pode ser
mudado!” (MST, 1999b, p. 12).
Nós mulheres, somos diferentes dos homens, mas não somos
inferiores. Politicamente, somos iguais. Existe na sociedade o
masculino e o feminino, mas está organizada PELO masculino e PARA
o masculino, falta a participação do feminino. Queremos é que o ser
feminino participe da organização dessa sociedade para que ela seja
pensada pelos dois e para os dois. Sendo assim, não dá para continuar
falando que existe um papel para a mulher e um papel para os homens.
Em nossos Acampamentos e Assentamentos e na nova sociedade, o
papel das mulheres é o mesmo papel político desempenhado pelos
homens, porém do jeito da mulher. Não queremos ser vistas apenas
como mães e esposas, ou simplesmente estar presentes nas ações.
Queremos sim, ocupar os espaços de decisões em todos os níveis na
nossa organização e na sociedade que almejamos construir. A cada
mulher maltratada pelo machismo, pela violência que o sistema nos
impôs há mulheres e homens que lutam e são felizes. Lhe ofertando
flores de novas relações de libertação. Quando alguém lhe perguntar:
Quem é esse novo homem, essa nova mulher? Onde eles estão? Grita:
Eles estão dentro de cada uma e cada um de nós (MST, 1999b, p. 14).
103
Para ir além das normas, planos e estratégias traçadas pelo Coletivo
Nacional de Mulheres e ampliar a luta verificamos que o MST aos poucos
vai deixando para trás as chamadas “questões das mulheres” e vai
introduzindo as “questões de gênero”, como uma categoria mais
abrangente e não para substituir a categoria mulher. Esse fato demonstra
como o MST avança nas práticas inclusivas. Essa substituição traz a
compreensão das questões sociais que são implicadas pelo conceito de
gênero.
Pensar nas questões de gênero implica pensar nas diferentes lutas
de classes existentes e como elas se compõe socialmente. Está permeada
pelas relações de poder que foram ao longo dos anos constituídas.
Assim, para fortalecer e envolver todos no debate sobre a questão
de gênero, segundo Kelli Mafort (MST, 2014, p. 1), membro da
coordenação nacional e do setor de gênero do Movimento, foi criado o
setor de gênero em um Encontro Nacional do MST, em 2000, com a tarefa
de estimular o debate de gênero nas instâncias e espaços de formação,
produzir materiais, propor atividades, ações e lutas que contribuíssem para
a construção de condições objetivas de participação igualitária a homens e
mulheres, fortalecendo o próprio Movimento. O MST se produz por meio
de setores, e ao constituir o gênero como um setor, fica evidenciada que
suas concepções avançaram e que busca pela igualdade têm sido contínua.
104
O Setor de Gênero do MST:
Criação e Documentos Produzidos
O Setor de Gênero tem como principal objetivo levar a discussão
de gênero para o conjunto do MST, por meio de estudos e reflexões,
divulgando cartilhas cujo conteúdo explora a importância de se estabelecer
novas relações para se avançar na luta de classes. A criação do Setor de
Gênero demonstra, principalmente, a intenção do Movimento em colocar
em prática normas para garantir a igualdade e, também, abrir espaços para
que as mulheres possam, efetivamente, ter voz e poder de decisão no
Movimento. O Setor de Gênero não pretende que o Movimento priorize
a luta pela igualdade de gênero em detrimento da luta de classes. Ao
contrário, busca fortalecer a luta de classes, mas dando oportunidades de
participação iguais para todos militantes do Movimento.
1. Objetivos do setor de gênero
Objetivos gerais
a) Levar a discussão de gênero para o conjunto do MST e procurar
mostrar a importância de se estabelecer novas relações de gênero para
avançar na luta de classes.
b) Elevar o nível de participação das mulheres na luta pela terra, pela
reforma agrária e na construção de uma nova sociedade.
c) Contribuir para transformar as relações de gênero no MST para que
homens e mulheres sejam de fato sujeitos sociais.
d) Motivar a construção de novas relações na família, militância e
instâncias, baseadas em valores como respeito, solidariedade,
igualdade, companheirismo.
Objetivos específicos
a) Fortalecer o MST nas duas diversas instâncias e setores.
105
b) Massificar e qualificar a participação das mulheres desde antes do
acampamento (na fase de preparação), durante a luta pela terra, nos
assentamentos, setores e instâncias.
c) Exercer pressão permanente para a construção de novas relações de
gênero, baseando em novos valores.
d) Motiva a construção de um novo jeito de ser família, em que toda a
comunidade (núcleos, acampamentos, assentamentos) tenha
responsabilidade no processo de educação e formação das crianças e
jovens e não apenas os pais biológicos.
e) Despertar a mulher para a necessidade de participar das decisões
políticas e econômicas, para a importância de assumirem tarefas
produtivas e administrativas e serem beneficiadas nos projetos e
recursos.
f) Fortalecer a autoestima das mulheres através de atividades de formação
específicas.
g) Incluir as reivindicações femininas na pauta do MST, como por
exemplo: ciranda e educação infantil, reconhecimento da profissão de
trabalhadora rural através do cadastro, políticas de saúde específicas
para a mulher e a família rural (MST, 2001b, p. 147-148, grifos do
autor).
Com a criação do setor foram elaboradas várias diretrizes para a
política de gênero, como, por exemplo: participação de 50% de mulheres
em todos os espaços do Movimento; nas instâncias de deliberação; nos
processos produtivos; de formação e educação e nas mobilizações; debate
sobre a Ciranda Infantil (Educação Infantil); debate sobre a inclusão do
nome da mulher nos documentos de concessão de posse e uso da terra.
Foram também criadas também as linhas políticas de gênero que são
apresentadas em diversos documentos do MST (MST, 2001; MST, 2003).
“É importante ressaltar que as linhas políticas de gênero são para
todas as instâncias, inclusive as instâncias de representação e organização
dos/das estudantes” (ARAUJO, 2011, p. 132).
106
LINHAS POLÍTICAS DE GÊNERO NO MST
1. Garantir que o cadastro e o documento de concessão de uso da terra
sejam em nome do homem e da mulher;
2. Assegurar que os recursos e projetos da organização sejam discutidos
por toda a família (homem, mulher e filhos que trabalham), e que os
documentos sejam assinados e a execução e controle também sejam
realizados pelo conjunto da família.
3. Incentivar a efetiva participação das mulheres no planejamento das
linhas de produção, na execução do trabalho produtivo, na
administração das atividades e controle dos resultados.
4. Em todas as atividades de formação e capacitação, de todos os setores
do MST, assegurar que haja 50% de participação de homens e 50% de
mulheres;
5. Garantir que em todos os núcleos de acampamentos e assentamentos
tenha um coordenador e uma coordenadora que, de fato, coordene as
discussões, estudos e encaminhamentos do núcleo, e que participe e
todas as atividades como representante da instância.
6. Garantir que em todas as atividades do MST, de todos os setores e
instâncias, tenha ciranda infantil para possibilitar a efetiva participação
da família (homem e mulher);
7. Assegurar a realização de atividades de formação sobre o tema gênero e
classe em todos os setores e instâncias do MST, desde o núcleo de base
até a direção nacional;
8. Garantir a participação das mulheres na Frente de Massa e SCA para
incentivar as mulheres a ir para o acampamento, participar das
atividades no processo de luta, e ser ativa nos assentamentos;
9. Realizar a discussão de cooperação de forma ampla, procurando
estimular mecanismos que liberam a família de penosos trabalhos
domésticos cotidianos, como refeitórios, lavanderias, etc.,
comunitários.
10. Garantir que as mulheres sejam sócias de cooperativas e associações
com igualdade na remuneração das horas trabalhadas, na
administração, planejamento e na discussão política e econômica.
107
11. Combater todas as formas de violência, particularmente contra as
mulheres e crianças que são as maiores vítimas de violência no
capitalismo (MST, 2003, p. 25).
Além das diretrizes e das linhas políticas estipuladas a partir da
criação do Setor de Gênero, sua tarefa é buscar garantir a participação de
todas as mulheres militantes em todas as instâncias e em todos os setores
do Movimento.
Fica a cargo do Setor de Gênero a tarefa de formular e sistematizar as
discussões referentes à situação das mulheres na sociedade e no MST.
Cada assentamento conta com um núcleo de mulheres; os
assentamentos estão organizados por regiões, cada região indica uma
representante para participar das reuniões estaduais de gênero; e cada
estado indica uma representante para compor o Setor Nacional de
Gênero. Dessa forma vai se dando a troca entre as deliberações locais e
as deliberações nacionais, bem como o compartilhamento das
experiências e discussões realizadas em todos os assentamentos do
Brasil (SANTO, 2016, p. 10-11).
Alguns dos objetivos propostos pelas mulheres a partir do Setor
foram alcançados demonstrando a relevância do Setor para efetivação das
pautas de luta das mulheres.
Em 2001 foi publicado um livro intitulado Construindo o caminho,
ou seja, o mesmo título do livro publicado em 1986. Apesar de possuírem
o mesmo título, esta obra não apresenta o mesmo conteúdo. O livro
publicado em 2001 é a sistematização das experiências do MST até aquele
momento, em diferentes temas. Neste material temos pela primeira vez a
organização das mulheres por meio do Setor de Gênero.
108
Conforme a apresentação da publicação, não se trata de um livro,
mas de “[...] uma resenha das reflexões que foram construídas de maneira
coletiva” (MST, 2001b, p. 5). Os eixos temáticos pautados nesta
publicação são: o modelo econômico e a agricultura; a luta pela reforma
agrária e o MST; linhas políticas dos setores do MST; os valores, a
disciplina e a mística.
A discussão sobre a mulher encontra-se no eixo temático Linhas
políticas dos setores do MST, no item Setor de Gênero, sendo o primeiro
material que indica a transformação do Coletivo de Mulheres em Setor de
Gênero, onde além da indicação dos objetivos do setor, são apresentadas
as linhas políticas de gênero e a metodologia de trabalho (MST, 2001b, p.
145).
5. Metodologia do nosso trabalho
a) Vincular sempre a questão de gênero com a luta de classes,
procurando esclarecer que construir novas relações de gênero é
fundamental para que se possa avançar na revolução cultural e,
consequentemente, na luta contra os pilares ideológicos do
capitalismo.
b) Procurar dar organicidade ao Setor de Gênero, construindo
coletivos nacionais, estaduais e regionais formados por homens e
mulheres. Evidentemente que se deve respeitar a realidade de cada
região. Portanto se for viável apenas coletivos de mulheres, deve-se
começar o trabalho assim, mas tendo como meta envolver homens e
mulheres.
c) No trabalho de organização de base procurar discutir o tema gênero
e classe e implementar as linhas políticas do setor nos acampamentos e
assentamentos e nas instâncias da organização.
d) No trabalho de base deve-se ter o cuidado de marcar as atividades
em dias e horários que garantam a participação de toda a família e não
apenas dos homens ou das mulheres (MST, 2001b, p. 153-154).
109
Em 2003, foi elaborada uma nova cartilha pelo Setor Nacional de
Gênero, intitulada: Construindo novas relações de gênero: desafiando relações
de poder. Esta cartilha adquire um caráter mais teórico e o material serve
de orientação para o estudo de homens e mulheres sobre a pauta de gênero.
A publicação está dividida em oito textos de diferentes autores/as que têm
por títulos: as relações de gênero e o MST; compreendendo o que é gênero;
o feminismo e a luta dos trabalhadores; esse negócio de gênero... sei não!;
sociedade patriarcal rural, feminismo e educação no século XIX; 8 de
março: dia internacional da mulher; desvendando símbolos e significados;
uma revolução dentro da revolução, além das sugestões de leitura e
glossário.
Os textos abordam a importância do conceito de gênero, como
medida para alterar o padrão reproduzido pela sociedade, e transmitindo
valores diferentes daqueles disseminados pela ideologia burguesa.
Demonstram, ainda, que as desigualdades de gênero estão inseridas na luta
de classes e desigualdades sociais, então essa discussão deve estar presente
no dia a dia do Movimento, nos cursos de formação e nos setores.
Evidente que sendo uma questão sócio cultural, construída e
consolidada ao longo da história, não pode se alterar as relações de
gênero de uma hora para outra. É necessário todo um processo de
transformação de concepção e de comportamento. Mas se não sairmos
do campo do discurso para a prática a mudança nunca vão acontecer.
Nesse sentido é preciso criar as condições para ir construindo, de fato,
relações de gênero baseadas na solidariedade, no companheirismo,
cooperação... (MST, 2003, p. 23).
O livro traz, ainda, no texto As relações de gênero e o MST que para
a transformação da realidade, o discurso deve ser vivenciado, portanto,
110
considera-se fundamental a implementação das linhas políticas do Setor de
Gênero, que foram aprovadas pelo conjunto do MST em 1999.
Posteriormente, a cartilha Mulheres Sem Terra: lutando e semeando
novas relações de gênero (MST, 2004a) cita avanços como o 1º Encontro
Nacional de Mulheres promovido pelo MST em 1995, e o início da
elaboração do conceito de gênero, em 1997, durante o 2º Encontro
Nacional de Mulheres.
Para divulgar a diretriz do combate à violência e à desigualdade, o
setor de Gênero discute e aprova ações nos congressos, como, por exemplo,
para marcar o Dia Internacional de Luta Pelo Fim da Violência Contra a
Mulher, o MST realizou uma Semana de Debates sobre o tema.
Segundo a coordenadora do setor de gênero do MST, Atiliana
Bruneto, a partir de 2012, o setor iniciou um trabalho de debate e
organização de grupos produtivos de mulheres, aliado as outras
discussões sobre a questão da participação, violência, problema
econômico e da inserção política da mulher na sociedade. Com o
objetivo de conscientizar a mulher em relação ao seu processo de
vivência, a necessidade de organização e luta por seus direitos (MST,
2016b, p. 1).
Desse modo, a política de gênero do MST vem contribuindo para
a formação dos novos valores nas relações de gêneros, que é ao mesmo
tempo um processo de luta e de conhecimento. Se os valores disseminados
e impostos são culturais, esses podem e devem ser mudados. Contudo,
homens, mulheres e crianças não adquirem, espontaneamente, a
consciência da mudança de valores, por isso, o Movimento busca, nas suas
práticas educativas e escolares, a realização de trabalhos no sentido de
111
avançar na construção de uma consciência de gênero voltada para a
igualdade.
Durante todo o período de existência do MST, em 32 anos,
consideramos fundamental a participação das mulheres em todos os
espaços do movimento. Partindo daí, temos buscado condições de
estudar, se informar, dar opiniões, para garantir a nossa participação
efetiva. A partir de 2012, o setor de gênero iniciou a construção de
grupos de mulheres produtivos. Pois, percebemos que as mulheres
somente participam de algumas atividades, quando isso dá uma
resposta pra família (MST, 2016b, p. 2).
O documento mais recente produzido pelo Setor de Gênero do
MST foi o folheto: Mulheres conscientes na luta permanente (MST, 2015).
O texto busca esclarecer “[...] as mulheres sobre o tema da violência em
suas diversas expressões. A pobreza, a fome, os conflitos de terra e a
publicidade são elementos pontuados como produtores de violência contra
as mulheres (SANTO, 2016, p. 49).
[...] esclarecimento sobre o que é a violência doméstica e quais são as
dificuldades encontradas por muitas mulheres ao tentarem sair de um
quadro de violência: medo de denunciar, não ter para onde ir,
dependência financeira, etc. Mas o Setor pontua quatro caminhos
coletivos para o enfrentamento deste problema: 1) trazer essa questão
para o regimento interno de cada acampamento e assentamento; 2)
criar formas para inibir as agressões (apitaço, por exemplo) e levar a
pauta para as assembleias; 3) discutir o tema nas escolas com as crianças
e adolescentes; 4) acionar a polícia e registrar boletim de ocorrência
(MST, 2015, apud SANTO, 2016, p. 49-50).
112
Esse documento diferente dos demais produzidos anteriormente
trata da problemática da violência contra a mulher. Os documentos
anteriores buscavam incentivar as mulheres a participarem do Movimento
e a sua formação política. Nesse texto existe uma mudança, ou seja, o
incentivo ao enfrentamento da violência e apontando alternativas para isso.
Não conseguimos acesso a esse documento, por isso, usaremos da análise
de Santo (2016, p. 50), para descrever esse folheto:
Neste material a problematização apresentada encontra-se na
intersecção entre as esferas do amor e do direito, trazendo a violência
doméstica para a linha de frente da luta das mulheres. Enquanto as
demais publicações do Setor de Gênero voltavam-se para o interior do
Movimento, para a formação intelectual e política de homens e
mulheres, este folheto é mais abrangente, tem como objetivo esclarecer
as mulheres em geral sobre os caminhos para enfrentar a violência.
Estão em evidência as leis que já foram conquistadas e também o modo
como elas têm sido violadas, especialmente, no interior da família. O
Setor indica que, além do Estado, a comunidade e seus espaços
deliberativos devem ser acionados em casos de violência, para que a
mulher receba apoio e para que a situação seja refletida coletivamente.
Fica evidente que o MST preza pela necessidade de procura estatal
para resolver as questões legais que envolvem uma violência, mas o
Movimento se coloca à disposição para intervir, de forma que exista um
apoio a essa mulher. Esse apoio se faz de extrema relevância, pois a mulher
que sofre a violência certamente estará em situação de vulnerabilidade. O
MST a partir desse documento traz os caminhos a serem percorridos pela
mulher em situação de violência.
Caldart (2004, p. 183) aponta que “[...] essa experiência de
inversão de relações tradicionais pode ser tão forte que se torne intolerável
113
para pessoas com condutas já cristalizadas”. Temos que considerar que essa
inversão tem implicações não só no âmbito do Movimento, mas também
no âmbito familiar e na sociedade como um todo, onde ainda impera a
lógica machista e patriarcal.
Conforme foi demonstrado nos documentos apresentados, deste a
criação do Movimento houve a preocupação com a questão das mulheres,
como parte da luta para mudanças sociais. Ao colocar em prática os valores
humanistas e a igualdade de gênero, a participação das mulheres foi
aumentando gradativamente. As mulheres avançaram na conquista pelo
direito de igualdade dentro do MST, pois as linhas políticas estabelecem a
participação das mulheres em todos os setores e em todas as instâncias e,
inclusive, na organização do Movimento.
As relações de gênero entre os militantes são para o Setor de Gênero
do Movimento, um dos principais assuntos a ser estudado. Portanto, para
que homens e mulheres tenham as mesmas oportunidades, suas ações
pautam-se nos princípios pedagógicos e filosóficos que devem ser
implantados em todos os acampamentos, assentamentos, espaços de lutas
e, principalmente, nas escolas e na formação educacional dos militantes.
Vimos que as linhas políticas do setor de gênero propõem realizar a
discussão da cooperação de forma ampla, defendendo a equidade de
gênero e garantia de direitos iguais para homens e mulheres sócias de
cooperativas e associações. Desse modo, o cooperativismo na
pedagogia do MST vem questionar as velhas estruturas hierárquicas e
verticais de poder, as quais têm fortalecido a representação masculina
nas instâncias associativas e nas direções, mantendo as mulheres em
condições numéricas bem inferiores aos homens diminuindo sua força
de pressão, bem como dificultando a sua formação técnica em função
da falta de oportunidades para essa qualificação, o que diminui ainda
114
mais as suas possibilidades de inserção nestes espaços (ARAUJO, 2011,
p. 122).
Todos os textos aqui apresentados produzidos pelos coletivos de
mulheres e/ou setor de gênero trazem propostas estratégicas para promover
a igualdade de gênero, e com o objetivo de garantir uma participação
igualitária de todos integrantes do Movimento. Portanto, a discussão do
tema, realização de seminários e uma nova formação educacional vem
contribuindo para a construção de novos valores.
A política de gênero do MST é demonstrada principalmente por
meio da criação do Setor de Gênero. Nos documentos apresentados
constatamos que diversas foram as ações propostas para promover a
igualdade de gênero, criando linhas políticas e ações específicas em seus
Congressos e atividades em datas como o dia 8 de março. A criação das
Cirandas também é reconhecida como parte das ações para facilitar o
ingresso das mulheres e seu reconhecimento como trabalhadoras rurais.
Atualmente as linhas políticas do MST garantem que a mulher tenha
igualdade de participação com os homens nas coordenações e demais
setores de organização.
A Igualdade de Gênero na Formação Educacional do MST
“Um dos aprendizados pedagógicos fundamentais que
construímos no MST é o do movimento como princípio educativo”
(ITERRA, 2007, p. 25). Esta é a afirmação do MST que norteará este
capítulo. Para analisar a igualdade de gênero na formação educacional do
MST devemos considerar que o Movimento como um todo é educador. A
115
formação educacional dos seus militantes ocorre em todos os setores e
instâncias e no dia a dia, no próprio movimento que o MST possui
enquanto movimento social.
A formação é entendida aqui como estudos, apropriação de conteúdos,
mas também como desafio em assumir responsabilidades que trazem
aprendizados na medida em que ampliam a visão de mundo, provocam
reflexões e mudança de hábitos. Nesse sentido, assumir tarefas de
coordenação, de liderança mesmo em processos simples é formativo. A
formação, então, é absolutamente necessária para a libertação das
pessoas, para que se tornem sujeitos de sua própria história
(NORBACK; CINELLI; CAMPOS; RODRIGUES, 2008, p. 178).
Além disso, a educação especificamente a escolar, também busca
integralizar a luta pela igualdade de gênero como parte da formação
educacional política dos militantes. O MST criou uma proposta
alternativa de educação, a partir das necessidades dos militantes e, para
prepará-los como sujeitos políticos atuantes. A Pedagogia do Movimento
traz uma educação atrelada aos princípios filosóficos e pedagógicos do
MST que prioriza as dimensões da formação humana, e essa educação vão
além da escola.
[...] não é possível compreender o sentido da experiência da educação
no e do MST, se o foco do nosso olhar permanecer fixo na escola.
Somente quando passamos a olhar para o conjunto do movimento, e
com a preocupação de enxergá-lo em sua dinâmica histórica (que inclui
a escola), é que conseguimos compreender que educação pode ser mais
que educação, e que escola pode ser mais do que escola, à medida que
sejam considerados os vínculos que constituem sua existência nessa
realidade (CALDART, 2004, p. 221-222, grifos da autora).
116
A escola é importante e essencial como espaço de formação e
aplicação da pedagogia, porém, esse espaço não é o único, pois o conjunto
de princípios ideológicos e as ações do movimento são compreendidos
também como espaços educativos.
Entendemos aqui por método pedagógico o jeito de colocar em
movimento a formação humana desde as condições objetivas que
encontramos em cada momento, curso, turma ou grupo de educandos,
e as definições pedagógicas que estão nesse projeto. [...]. Construir o
método de educar é a própria prática dos educadores e educandos
envolvidos no processo (ITERRA, 2007, p. 25).
Para efetivação desse processo de formação, o MST destaca que é
importante ações que incentivem a participação e, principalmente, a
capacitação de todos os militantes.
Quando se forma a consciência da amplitude do processo social que
está sendo desencadeado pelo movimento, abre-se o espaço para
discutir mais profundamente a questão da educação, e ela passa a ser
considerada uma dimensão fundamental da luta. Mas ao mesmo
tempo, surge outra divergência: porque lutar por educação não é
necessariamente lutar por escolas formais. Existem outras formas de
educação que parece ser bem mais eficientes e concretas (MST, 2005,
p. 17).
O MST tem se comprometido com a educação de seus militantes
e, por isso, criou essa nova forma de fazer educação, uma nova Pedagogia,
fundamentada no próprio Movimento. E essa “[...] política educacional
posta em prática pelo Movimento visa atacar alguns problemas que foram
117
detectados com o desenrolar do seu trabalho” (DAL RI, 2004, p. 27). Foi
neste ambiente que se formulou um projeto educacional cujos objetivos
mais relevantes são: educar as pessoas para o trabalho coletivo; estimular a
permanência dos jovens no campo; e possibilitar uma formação política e
ideológica aos assentados (DAL RI, 2004, p. 28).
O Movimento aponta que “[...] quando surgiu o setor de
educação, foi para tratar da questão das escolas de assentamento”. Ressalta,
ainda, que “[...] de certo modo o eixo continua sendo a escola, mas num
sentido bem mais abrangente do que no início” (MST, 1996a, p. 5).
Para Gohn (1992 p. 17 apud MELO, 2001, p. 24), existe um
conceito de educação a partir de uma diferenciação entre educação formal
e não formal, distinguindo o que pertence ao campo do processo
pedagógico do que pertence ao campo da educação, onde a existência de
um processo educativo implica em ter, como pressuposto básico, uma
concepção de educação não restrita ao aprendizado de conteúdos
específicos e instrumentos do processo pedagógico
Analisando os objetivos do MST, vimos que este coloca
claramente a intencionalidade de uma práxis social transformadora em que
a necessidade comum seja a conquista de uma igualdade econômica e
política” (ARAUJO, 2011, p. 110). A partir desta ação transformadora, o
MST propõe a igualdade de gênero como parte da proposta pedagógica.
Nesse sentido, na formação educacional que busca a construção de novos
valores encontra-se a questão da igualdade de gênero, para a qual a
educação constrói novos conceitos por meio de princípios e objetivos.
Ao tratar das questões da educação de gênero na perspectiva dos
movimentos sociais, há que se tomar em conta que existem dois
elementos basilares da fundamentação das relações sociais, quais sejam:
a divisão social e sexual do trabalho e a cultura que se reproduz e
118
justifica o sistema socioeconômico e político. Portanto, há que buscar
entender como estão se dando essas divisões nas relações cultivadas nas
práticas educativas destes movimentos sociais e da sociedade como um
todo (ARAUJO, 2014, p. 2).
O Movimento entende que a educação e o Setor de Gênero
possuem a tarefa de conscientizar homens e mulheres na implementação
do respeito mútuo, da igualdade de gênero e da valorização do ser humano.
Portanto, traz o conceito de gênero que desconstrói a velha compreensão,
de que homens e mulheres têm funções sociais diferentes, uma vez que são
biologicamente diferentes. Para isso, que desde o início do Movimento
esses temas foram prioridades, juntamente com a luta pela terra, pois para
dar continuidade à luta pela terra, era necessária a formação educacional e
política dos militantes, bem como a participação de todos e de todas.
Durante os primeiros anos de luta, os Sem Terra reunidos sob a
bandeira do MST tinham como prioridade a conquista da terra. Mas
eles logo compreenderam que isso não era o bastante. Se a terra
representava a possibilidade de trabalhar, produzir e viver dignamente,
faltava-lhes um instrumento fundamental para a comunidade de luta.
A continuidade da luta exigia conhecimentos tanto para lidar com
assuntos práticos, como para entender a conjuntura política econômica
e social. Arma de duplo alcance para os Sem Terra, a educação tornou-
se prioridade do Movimento (MST, 2016a, p. 1).
O primeiro Boletim da Educação elaborado em 1992, intitulado
Como deve ser a escola de assentamento, traz na apresentação que a educação
estava sendo construída por meio da cooperação, buscando uma escola
diferente, do jeito Sem Terra. Para tanto, o Setor da Educação se propõe a
119
produzir materiais a fim de trazer reflexões concretas de como fazer essa
nova escola (MST, 1992a).
A Pedagogia do MST tem questionado como estão se dando as relações
de classe e gênero, procurando ver os condicionamentos históricos e as
possibilidades de superação das contradições e das desigualdades entre
homens e mulheres que caracteriza a divisão social do trabalho na
sociedade capitalista. Ela problematiza como está se recriando as
condições de vida nos assentamentos e no campo e ao mesmo tempo
situa a pedagogia da luta social como o caminho para superar as formas
de expropriação, exploração e opressão; e para se efetivar uma
sociedade democrática, calçada nos valores que o MST considera
fundamentais (ARAUJO, 2011, p. 101).
Neste boletim, temos um primeiro indicativo da preocupação com
a igualdade e o respeito às diferenças no conteúdo da formação
educacional. O item 7 estabelece que o “[...] coletivo da escola deve se
preocupar com o desenvolvimento pessoal de cada aluno”, afirma que no
coletivo temos pessoas diferentes e que, por isso, o coletivo educa as
pessoas, e que num coletivo cada pessoa tem um valor e uma contribuição
específica, pois “[...] o verdadeiro coletivo é aquele que consegue trabalhar
as diferenças pessoais na perspectiva dos objetivos do conjunto” (MST,
1992a, p. 11).
O item 10 deste boletim traz o título A escola também é lugar de
viver e refletir sobre uma nova ética, e afirma que:
Ética quer dizer: um conjunto de valores e princípios que se definem
no coletivo e são assumidos pessoalmente por cada um dos membros
deste coletivo. Nos processos de transformação em que estamos
120
envolvidos, um dos grandes desafios tem sido romper com os valores
da velha sociedade e construir valores pessoais coerentes com os
processos de luta coletiva. Nossa tendência é repetir os vícios que
calcaram nossa personalidade até agora, tais como o individualismo, o
autoritarismo, a autossuficiência ou obediência cega, o machismo, o
racismo, etc. A escola pode trabalhar e ajudar neste desafio, à medida
que lida com as crianças, ou seja, com pessoas que estão em processo
de formação da sua personalidade (MST, 1992a, p. 16).
Em 1992 também foi publicado o primeiro Caderno da Educação,
com o título Como fazer a escola que queremos (MST, 1992b), que circulou
primeiramente em 1991 como apostila, e apresenta um conjunto de
orientações e sugestões para montar o currículo das escolas. Esse Caderno
propõe que a proposta pedagógica das escolas esteja pautada nos princípios
do MST, e, a partir da realidade aqui considerada como o meio em que
vivem e, assim, uma das formas de pôr em prática é a partir de um novo
currículo para as escolas.
Desta forma, as escolas devem trabalhar com temas geradores, ou
seja, trazer os problemas do cotidiano para serem estudados na escola, e
também ser um espaço para praticar os valores que caracterizam o novo
homem e a nova mulher, com a vivência de uma nova ética e trocando os
antigos valores, como o autoritarismo pelo diálogo e respeito, e abandonar
o machismo estabelecendo respeito e solidariedade entre os sexos (MST,
1992b, p. 22).
O fato de o MST buscar, juntamente com a luta pela terra/reforma
agrária, mudanças sociais trouxe avanços na construção de novas relações
de gênero. Os pressupostos educativos e metodológicos das práticas da
formação educacional nas escolas do Movimento estão voltados para a
formação de um novo homem e uma nova mulher, quebrando valores
121
culturais até então reproduzidos e buscando superar as desigualdades de
classe e de gênero, trabalhando esses conteúdos de forma transversal nas
suas escolas.
O Caderno da Educação nº 8, intitulado Princípios da educação no
MST (MST, 1996a), traz definições importantes. Para o MST a educação
deve ser tratada como um processo permanente de formação e
transformação humana. O Movimento destaca como princípio
fundamental a crença no ser humano e na sua capacidade de transformação
como condição para ocorrer um processo de educação e formação (MST,
1996a, p. 09). Esse processo é pautado nos valores de respeito e igualdade
de gênero, portanto, são referências para a formação educacional nas
escolas do MST.
Outra diretriz do Movimento para a igualdade focada em uma
formação pedagógica que abranja novos valores chamados de humanistas
pode ser encontrada no Caderno de Estudos Compreender e construir novas
relações de gênero (1998) elaborado pelo Coletivo Nacional de Mulheres do
MST.
Formação:
•Tendo claro que a participação da mulher nas instâncias não se dará
por normas, mas que será um processo educativo, propomos que nos
cursos de formação a nível nacional e de base tenha uma porcentagem
de 40% de mulheres;
•Dedicar um dia de discussão específica sobre a questão da mulher nos
cursos nacionais.
Educação:
•Colocar o tema em debate com o Setor, em seminários.
•Debater com professores o método de educação das crianças.
•Buscar a integração dos pais nesta discussão (MST, 1998, p. 52).
122
Nos documentos do MST a formação e a educação estão
entrelaçadas, de forma que ambas caminham juntas para a construção de
novos valores, ou seja, deve-se trabalhar a teoria e a prática nas escolas e no
dia a dia dos acampamentos e assentamentos.
Outro documento que aponta a importância da igualdade de
gênero é o Caderno de Educação Como fazemos a escola de educação
fundamental (MST, 1999a). Na apresentação consta que o objetivo do
Caderno é contribuir especialmente para a reflexão sobre o jeito de fazer a
escola, portanto, traz metodologias para a construção de uma escola
diferente, e superação dos desafios encontrados.
Entre os desafios que temos pela frente, um deles é o de
desenvolvermos um processo educativo que permita a superação da
dominação machista imposta pela cultura em que estamos inseridos, e
um melhor entendimento da questão de gênero. A sociedade que
queremos construir se constrói na sociedade de hoje. Superar
concepções tradicionais de família e de relacionamento entre gerações
também faz parte desta construção. Outro desafio é a superação do
racismo e o aprofundamento da questão étnica. Outro ainda é o do
respeito às diferenças que existem no jeito de ser das pessoas, e uma
preocupação específica com os educandos portadores de necessidades
especiais, para o que ainda não olhamos com a atenção devida (MST,
1999a, p. 24).
Portando, para superar esses desafios e garantir a igualdade de
gênero, essa deve ser praticada e vivenciada nas escolas, para que todos
aprendam a respeitar as diferenças, pois “[...] o objetivo é produzir uma
cultura de participação e de novas relações entre homens e mulheres,
adultos, crianças, adolescentes e jovens. A experiência nos mostra que a
forma também forma” (MST, 1999a, p. 12). O Movimento entende que
123
as mudanças sociais são processos, em que novos valores são construídos
no seu interior, a partir do surgimento de situações e problemas do dia a
dia que trazem a possibilidade de inserção destes temas nos diferentes
setores, inclusive com as crianças.
É preciso sim, que se mude o que pode ser mudado. Nós devemos
educar nossas filhas mulheres para que sejam doces, educadas,
carinhosas, sim, mas sem que necessariamente sejam submissas. E
devemos educar nossos filhos homens para que sejam doces, carinhosos
e educados, sim, sem que percam a sua masculinidade (MST, 1999a,
p. 17-18).
A preocupação com a igualdade de gênero está presente na
formação educacional do MST, porque a educação não é tratada de
maneira isolada da prática de militância e de produção. Na formação
educacional muitos dos princípios e valores são transmitidos e praticados,
de acordo com o tipo de Pedagogia do MST, ou seja, com união da teoria
e prática, união do ensino e trabalho produtivo e a formação continuada
de professores.
Cultivamos símbolos. Temos um jeito de viver e um jeito de falar:
ocupamos palavras. Temos um grande objetivo que é a Reforma
Agrária. Objetivo este que só se realiza plenamente com o alvorecer de
uma sociedade nova. Na caminhada para concretizar este objetivo
descobrimos que a vivência dos NOSSOS VALORES ajuda a construir
o caminho. Ajuda a resistir contra anti-valores semeados pela sociedade
atual. Mais, os Valores é que dão o tempero de nossa ação. Na vivência
dos valores nos tornamos mais humanos e mais lutadores e lutadoras
(MST, 2000, p. 05).
124
No texto Construindo o Caminho (MST, 2001b), o Movimento
afirma que “[...] entende que educação não é sinônimo de escolas, pois a
educação é mais ampla porque diz respeito ao processo de formação, nas
práticas sociais. Contudo, a escolarização é também um componente
fundamental nesse processo de formação” (MST, 2001b, p. 126).
Nesse contexto de uma educação mais ampla, entre suas linhas de
ação e atividades de Educação para os coletivos do setor e para todo MST,
temos, dentre outras preocupações, a igualdade de gênero: “[...] atenção às
necessidades especiais de educandos portadores de deficiências, às questões
de gênero, sexualidade, saúde” (MST, 2001b, p. 131).
Dentre as Resoluções Políticas do IV Congresso do MST, o livro
construindo o caminho traz:
2. Construção da unidade no campo
Contribuir para construir e reforçar as organizações já existentes no
meio rural, como o MPA, MAB, Movimento das Mulheres e Pastoral
da juventude Rural.
[...]
3. Ações em defesa da nossa reforma agrária
a) Planejar e realizar ações de massa, que projetem para a sociedade as
mudanças que queremos para o campo, como podem beneficiar toda
a população, proporcionando trabalho, moradia, educação, produção
de alimentos e um espaço de integração e convivência social (MST,
2001b, p. 45-46).
Mais uma vez vemos o Movimento trabalhando a teoria com a
prática, ou seja, trazendo problemas e conflitos do cotidiano para a
discussão nas escolas, pois é desta forma que ocorre a formação educacional
dos militantes.
125
Os processos pedagógicos que precisamos potencializar através de
nosso acompanhamento: o aprendizado coletivo do jeito de trabalhar
com estas necessidades educativas especiais; também a postura de como
trabalhar outros tipos de diferenças, na perspectiva de crescimento
humano e aprofundamento da nossa própria identidade (MST, 2001b,
p. 13).
O MST reconhece que existe um problema de desigualdade de
gênero e, por isso, destaca a importância de continuar incentivando os
processos de formação que busquem a igualdade de gênero.
É necessário reconhecer o fato de que há desigualdades nas relações de
gênero do MST. Em seus discursos e ações o conjunto da militância
reproduz valores, desafios e práticas contrárias ao sonho e aos
princípios do Movimento. É através das lutas, das diversas formas de
formação que os e as Sem Terra vão se forjando como novos seres
humanos, se conscientizando e rompendo com a ideologia da classe
dominante (MST, 2003, p. 22).
O Movimento publicou o Boletim da Educação 09 (MST, 2004b)
que apresenta um balanço dos 20 anos da sua educação. Neste documento
o MST faz um balanço do Setor da Educação. É possível verificar nas
linhas de ação do Setor de Educação que as questões de gênero continuam
sendo relevantes para a formação educacional, sendo destacada a
necessidade de continuar prestando “atenção às necessidades especiais de
educandos portadores de deficiências, às questões de gênero, sexualidade,
[...] nas escolas” (MST, 2004b, p. 28).
No ano de 2005 o MST publicou o Caderno de Educação nº 13,
intitulado Dossiê MST Escola: documentos e estudos 1990-2001 (MST,
126
2005), que faz uma análise e balanço da trajetória das escolas no
Movimento. Neste documento temos diversos indicativos da importância
da escola como sujeito educador voltado para a igualdade de gênero.
A escola deve ajudar a construir a nova mulher e o novo homem. Isto
só é possível se ajudar a superar os hábitos negativos, como o
individualismo, o autoritarismo, a acomodação, a corrupção, o
personalismo e todos os outros ismos, que atrapalham o avanço da
organização e da luta. A escola deve ser o lugar da vivência e
desenvolvimento de novos valores, como o companheirismo, a
solidariedade, a responsabilidade, o trabalho coletivo, a disposição de
aprender, sempre o saber fazer bem feito, a indignação contra as
injustiças, a disciplina, a ternura, chegando a uma consciência coletiva
(MST, 2005, p. 33).
O texto deixa claro que apesar das mudanças ocorridas nos
princípios educacionais, a construção de novos valores sempre esteve
presente, e que este é um processo complexo, portanto deve ser contínuo.
Já aprendemos que a transformação social é um processo complexo,
que não se resume a uma tomada de poder político ou econômico. Ela
implica um processo de outras tantas mudanças que serão capazes de
construir um novo tipo de poder, não mais opressor e repressor como
este que temos sentido tanto em nossa pele! E isso tem a ver com novos
valores, novas relações entre as pessoas, homens e mulheres, adultos e
crianças, dirigentes e base, novos posicionamentos diante das várias
questões da vida. O espaço social de transformação tem que chegar ao
mundo sem deixar de ser ao mesmo tempo, o assentamento, a
instância, a família, a vida pessoal de cada um de nós (MST, 2005, p.
162).
127
Por ser um processo constante os desafios continuam existindo, e
encontrar a melhor forma de desenvolver o processo educativo
emancipatório, que supere a desigualdade e reconheça as diferenças
respeitando-as é um deles.
Entre os desafios que temos pela frente um deles é o de desenvolvermos
um processo educativo que permita a superação da dominação
machista imposta pela cultura que estamos inseridos, e um melhor
entendimento da questão de gênero. [...] Superar concepções
tradicionais de família e de relacionamento entre gerações, também faz
parte desta construção. Outro desafio é a superação do racismo e o
aprofundamento da questão étnica. Outro ainda é o respeito às
diferenças que existem no jeito de ser das pessoas, e uma preocupação
especifica com os educandos portadores de necessidades especiais, para
o que ainda não olhamos com atenção devida (MST, 2005, p. 215).
Entre as escolas do MST temos o Instituto Educacional Josué de
Castro (IEJC) mantido pelo ITERRA, vinculado ao MST, e
comprometido com seu projeto político pedagógico. A finalidade principal
do Instituto é a formação de sujeitos sociais incluindo as transformações
culturais, e uma nova forma de pensar e de fazer a educação, onde o
próprio povo seja o sujeito condutor do seu projeto de formação humana.
No que diz respeito a concepção de educação o Instituto é regido por
princípios e, se entende como uma escola do povo do campo (ITERRA,
2007, p. 13).
O IEJC se constitui como uma escola de educação média e profissional,
combinando objetivos de educação geral, escolarização e formação de
militantes e técnicos para atuação no MST. Seu funcionamento es
organizado em torno de cursos formais de nível médio, de educação
128
profissional e de formação de professores, criados a partir de demandas
apresentadas pelos diversos setores do MST. Cada curso desenvolvido
no IEJC tem uma coordenação colegiada, composta pela equipe
interna de educadores e pessoas designadas pelo Setor do MST que
apresentou a demanda do curso (ITERRA, 2007, p. 5).
Essa escola também possui um projeto de formação do ser humano
que é orientado por concepções e princípios básicos, fundamentados no
processo pedagógico do MST.
1
o
O ser humano é histórico. Não há ser humano pronto, plenamente
humanizado. Ele está em contínua transformação e seu processo de
humanização acontece na relação com os outros seres humanos em
uma sociedade determinada, e no movimento (tensão) permanente
entre humanização e desumanização.
2
o
O desenvolvimento pleno do ser humano é obra de uma
intencionalidade pedagógica coletiva e acontece em qualquer tempo da
vida, tendo em cada um deles algumas características próprias que
precisam ser consideradas pela coletividade educadora.
3
o
É preciso orientar nossa intencionalidade pedagógica para a
formação de seres humanos que se construam como sujeitos sociais e
políticos, dispostos à tarefa de transformar-se e humanizar-se enquanto
transformam e humanizam o mundo em que vivem; sujeitos históricos
que assumem a identidade de lutadores do povo e de militantes de
organizações que ajudam a construir uma existência social de dignidade
e justiça para todos.
4
o
A escola não pode ser vista como um lugar privilegiado ou único de
formação humana. Em nosso caso, a Pedagogia do Movimento que
forma os sujeitos Sem Terra é muito maior do que a escola. A escola
precisa aprender com os processos de formação que acontecem fora
dela, no mundo da produção, no mundo da luta social, no mundo da
cultura, e construir um método pedagógico vinculado ao movimento
desta formação mais ampla, que é social, histórico, pedagógico.
129
5
o
Para ajudar nesse processo de formação humana, a escola precisa
assumir como lógica de atuação educativa e de seu próprio
funcionamento o movimento dialético entre a teoria e prática e a
relação entre a transformação da existência social (coletiva) dos
educandos e sua (trans) formação como pessoas.
6
o
Defendemos uma pedagogia da atividade humana que transforme e
produza as relações sociais capazes de educar as pessoas dentro de
valores humanos e de um projeto histórico. Não se trata, pois, de
pensar o processo de formação desenvolvido na escola como preparação
das pessoas para uma formação desenvolvido na escola como
preparação das pessoas para uma ação futura de transformação, mas
sim de conceber o processo pedagógico como impulso e organização
da participação das pessoas em ações transformadoras e produtoras de
relações sociais capazes de educá-las do modo mais humano e histórico
possível (ITERRA, 2007, p. 13-14).
Outro documento que traz princípios pedagógicos voltados para a
igualdade de gênero é o Plano de Estudos (MST, 2013). O documento visa
reunir os elementos de um plano de estudos para as escolas itinerantes do
Estado do Paraná destinado a orientar a ação dos trabalhadores em
educação que atuam no ensino fundamental, portanto, representa um
compromisso básico de cada escola com seus estudantes. Para a formulação
do documento o MST reuniu um coletivo de especialistas em várias
disciplinas e nos conteúdos ensinados nas séries finais do Ensino
Fundamental, educadores das escolas itinerantes, coordenação do coletivo
estadual de educação do MST do Paraná e profissionais que trabalham
com a questão da teoria pedagógica.
Por plano de estudos deve-se entender o conjunto de decisões que
fornece aos educadores elementos para definir a amplitude e
profundidade dos conteúdos a serem ensinados, os objetivos tanto de
130
caráter formativo como de ensino, as expectativas de desenvolvimento,
as indicações das relações que tais conteúdos e objetivos têm com a vida
cotidiana dos estudantes, bem como orientações metodológicas gerais
que conduzam a uma organização da escola e do ensino com
significado para os estudantes do campo (MST, 2013, p. 07).
O plano de estudos esclarece o que deve ser ensinado nas escolas, e
destaca que a formação não se resume a instrução, sendo necessária à
inserção das escolas nas práticas sociais.
[...] mais do que orientações metodológicas para o educador, o presente
plano de estudos pretende indicar uma nova forma escolar, uma nova
forma de organização do trabalho da escola que permita o
desenvolvimento de estudantes com capacidade de auto-organização,
conscientes de seu tempo, cientes de seus compromissos com um
mundo cada vez mais complexo; um mundo no qual é preciso ser ao
mesmo tempo um lutador e um construtor de uma nova realidade mais
justa, mais democrática e participativa (MST, 2013, p. 08).
O MST vem aplicando um projeto educativo comprometido com
a construção da sociedade do trabalho, com igualdade social e participação
plena de todas as pessoas, conforme suas necessidades e capacidades, nos
processos de decisão e de produção da vida, em todas as suas dimensões.
O objetivo principal do MST no âmbito da educação é ajudar a formar
seres humanos mais plenos e que sejam capazes e queiram assumir-se
como lutadores, continuando as lutas sociais de que são herdeiros, e
construtores de novas relações sociais, a começar pelos acampamentos e
assentamentos onde vivem e que são desafiados a tornar espaços de vida
humana criadora. Para isso é preciso educar as novas gerações de modo
131
a que desenvolvam uma visão de mundo que inclua estes objetivos;
crianças e jovens ativos, com iniciativa, multilateralmente
desenvolvidos, com apropriação de conhecimentos científicos
relevantes, capazes de ligar teoria e prática, que aprendam habilidades
técnicas, hábitos sociais e valores de convivência e trabalho coletivo
(MST, 2013, p. 09).
Em sua trajetória, o MST construiu uma nova concepção de
educação, na qual se entende que o processo de formação humana
vivenciado pela coletividade Sem Terra em luta é a grande matriz para
pensar essa nova educação, centrada no desenvolvimento do ser humano e
preocupada com a formação dos sujeitos e transformação social (MST,
2001b, p. 125).
O Boletim da Educação n. 12 (MST, 2014) é uma coletânea de
textos de orientação e de apoio a estudos e debates, que pretende um “[...]
balanço político dos 30 anos de trabalho do MST com a educação e
definição de lutas, tarefas e compromissos político-pedagógicos e
organizativos principais para o próximo período (construção de síntese
para discussão a partir dos processos de preparação nos estados)” (MST,
2014, p. 9).
Sobre os temas propostos para os seminários temáticos, o
documento afirma que os “[...] temas serão definidos no processo de
construção do programa geral do encontro. Alguns temas que estão sendo
sugeridos: [...] gênero e educação; [...]” (MST, 2014, p. 9). Assim é
possível verificar a preocupação dos militantes em inserir, ainda mais, nas
discussões os temas sobre gênero e educação, colocando a sugestão do tema
para debate.
Outro ponto importante a ser destacado no documento, diz
respeito aos fundamentos do programa de reforma agrária popular do
132
MST. No tópico relativo à produção, o documento destaca a importância
da inserção da mulher no trabalho “[...] instalar agroindústrias no campo
sob controle dos camponeses e demais trabalhadores, gerando alternativas
de trabalho e renda, em especial para a juventude e as mulheres” (MST,
2014, p. 37).
No que diz respeito à educação o documento afirma que é preciso
“combater, permanentemente, todas as formas de preconceito social, para
que não ocorra a discriminação de gênero, idade, etnia, religião, orientação
sexual etc.” e completa que quanto aos direitos sociais o Movimente deve
“combater todas as formas de violência contra as mulheres e crianças,
penalizando exemplarmente a seus praticantes” (MST, 2014, p. 38).
Este Boletim da Educação (MST, 2014) traz um balanço dos
últimos trinta anos de jornada e o programa do MST para os próximos
anos. Dentre os compromissos assumidos destacamos “[...] combater todas
as formas de violência contra mulheres, crianças e idosos. Devem ser
eliminadas todas as formas de discriminação social, de gênero, etnia,
religião e/ou orientação sexual” (MST, 2014, p. 47). O documento
contém um texto que é uma sistematização do debate realizado durante o
II Seminário Nacional da Infância Sem Terra, nos desafios e no que o
Movimento pretende fazer, entre outros temos:
Relação de gênero: ainda hoje, a tarefa das cirandas e da infância nos
Estados, nos acampamentos e assentamentos continua sendo, no geral,
do Setor de Educação, e é ainda muito forte a concepção de que é tarefa
da mulher, não sendo muitas vezes a criança o sujeito central do
trabalho. Assim como no princípio dos debates sobre a infância, ainda
é preciso fortalecer a relação entre a infância e a questão de gênero.
Outro desafio ainda é a violência contra as mulheres, que deve ser
enfrentada junto com a violência contra a criança. Romper a ideia de
que a infância é responsabilidade da família ou, ainda pior, só da mãe.
133
Deve ser entendido hoje como um desafio de primeira ordem.
Precisamos avançar na discussão de gênero e de etnia, colada na
discussão da infância (MST, 2014, p. 128).
O desejo e o trabalho para mudar os valores hegemônicos vem
sendo compartilhados pelos integrantes do MST. Em todos os setores é
possível encontrar indicativos da importância da igualdade, ora
explicitamente, ora por meio da afirmação da construção de novos valores,
ou pela igualdade de gênero, buscando o respeito às diferenças, e a inclusão
das mulheres em todos os setores, com destaque para a formação
educacional das crianças e jovens.
A formação educacional esteve presente no Movimento desde sua
formação, primeiramente como uma educação pautada em novos
princípios e, posteriormente, construindo uma nova Pedagogia. A
formação educacional dos militantes ocorre de maneira contínua em todos
os espaços dos acampamentos e assentamentos. As publicações são
compartilhadas com seus membros com um esforço para que o material
seja trabalhado com o maior número possível de integrantes, com o
objetivo de dar continuidade à luta pela reforma agrária e por uma
sociedade mais justa e menos discriminatória.
A educação e formação dos militantes devem ocorrer nas escolas,
mas devem ocorrer também nos demais espaços do MST. Por isso, os
coletivos e os setores do Movimento são de suma importância, pois é neles
que os militantes são preparados com uma nova formação política.
O processo de formação não deve ser tarefa e responsabilidade apenas
do Setor de Formação. Pelo contrário, o conjunto da organização deve
assumir essa função. Ou seja, todos os militantes e dirigentes devem ser
formadores de base e de novos militantes por intermédio de suas práxis
134
(discurso e prática política-organizativa). No entanto, devem existir
coletivos de formação, constituídos de quadros formadores, que
reúnam, dentre outras, as seguintes características. Ter boa capacitação
teórica... Ter boa capacidade pedagógica... Ter vinculação com a
prática da organização... (MST, 2001b, p. 111-112).
A formação educacional do MST se move conforme as
necessidades do Movimento. Os militantes são educados e formados por
meio da práxis existente no dia a dia em todas instâncias e setores. Para
pensar na formação educacional do MST temos que pensar além das
escolas como único local de processo formativo. A própria luta pela terra é
em si um processo de formação política e social dos militantes. Nesses
termos são elaborados os princípios filosóficos e pedagógicos e o projeto
político-pedagógico do MST voltados para valores humanistas que, por
meio da formação educacional, promovem a igualdade de gênero.
As Ações das Mulheres Militantes
Nos documentos analisados, constatamos a existência de diferentes
linhas políticas que o Movimento define como norteadores para a
formação de seus militantes. Neste trabalho, buscamos analisar
especificamente as voltadas para a formação educacional para a igualdade
de gênero.
É possível acompanhar a produção de uma preocupação em promover
a participação das mulheres em todas as instâncias, setores e atividades
do MST, ao longo da sua história. Um trabalho que, mesmo com
135
recuos e rupturas, permaneceu insistindo numa mudança acerca do
lugar do feminino na luta (SABIA; BRABO, 2016, p. 179).
Considerando a produção de todos esses documentos e a
constatação de diversas políticas voltadas para o incentivo da igualdade,
buscamos aqui analisar a situação das mulheres no Movimento,
investigando alguns avanços alcançados a partir da aplicação dos princípios
de formação educacional.
A organização das mulheres e sua participação na luta de classe foram
cruciais para a percepção de que as questões de gênero precisavam
compor a agenda política da luta social, para se desafiar as restrições
que lhes eram impostas pelos regimes patriarcais de gênero. Nos
acampamentos e assentamentos, as mulheres Sem Terra começam a se
organizar e debater sua participação política, pois elas percebiam que
para os homens havia mais oportunidade para participar dos espaços
formativos e de decisão política, o que também contribuía para o
desenvolvimento da liderança (SCHWENDLER, 2015, p. 94).
O MST propôs desde a sua constituição o incentivo à participação
das mulheres. Contudo, mesmo com esse incentivo, ainda existiam
diferentes motivos e situações que continuavam barrando uma
participação efetiva das mulheres. Por esses motivos as mulheres passaram
a se reunir e organizar um coletivo, que posteriormente foi transformado
em setor, o Setor de Gênero. A partir do protagonismo das mulheres, a
temática de gênero foi assumida como uma política de ação do MST,
sendo trabalhada em todos os seus cursos de formação (nos acampamentos,
assentamentos e nas instâncias de coordenação)” (SCHWENDLER, 2015,
p. 99-100).
136
Por ser um processo de transformação permanente o MST propõe
iniciativas que são implementadas na medida em que os problemas são
identificados, da mesma forma ocorre com as relações de gênero que aos
poucos vão avançando.
Contudo, conforme afirma Stédile (2002, p. 137 apud CHAVES,
2009, p. 78), a articulação das mulheres, em nível nacional, era algo ainda
recente no interior do Movimento Sem Terra e, nesse sentido, o
Movimento das Mulheres Trabalhadoras Rurais encontra-se um pouco
mais pulverizado, visto que em cada Estado é constituído em geral um
movimento próprio. Por isso, muitas vezes as lutas das mulheres ainda
ficam sem força, contudo, existe a compreensão da importância da
continuidade da luta.
As mulheres e o Movimento como um todo reconhecem que
ocorreram avanços nas políticas de igualdade de gênero e o
reconhecimento das mulheres como parte importante para continuação da
luta, contudo ainda muito a ser percorrido.
O principal a ser destacado é o reconhecimento por parte das
mulheres dos avanços já conquistados, por meio de suas lutas. Desta forma,
apesar de ainda existe um caminho a ser percorrido, a própria trajetória da
luta, incentiva sua continuidade.
Não foi possível a realização de entrevistas com as mulheres
militantes que participam do MST. Contudo, consideramos relevante
trazer as falas e experiências dessas mulheres. Por isso, foi realizado um
levantamento de pesquisas que tratam da temática gênero e MST em que
foram realizadas entrevistas, as quais passamos a apresentar algumas.
Na pesquisa realizada por Norback, Cinelli, Campos e Rodrigues
(2008, p. 182-185) os autores analisaram o processo de formação das
mulheres dirigentes no Movimento de Mulheres Camponesas (MMC) em
137
Santa Catarina e o Movimento Sem Terra (MST) no Rio Grande do Sul,
com o objetivo de analisar como aconteciam as relações de gênero nos
diferentes tempos educativos e como os temas de gênero e
homossexualidade eram debatidos. Constataram que o próprio ambiente
é parte do processo de formação. No curso, o tema gênero estava
presente e as mulheres e homens questionavam a distribuição de tarefas, a
linguagem, os comportamentos machistas afirmando que a escola e a
educação popular, incluindo no currículo esses temas transversais e uma
permanente formação dos educadores, ou seja, trazendo à escola estas
questões tão importantes para a formação humana.
Portanto, podemos constatar certos avanços nesta escola específica,
que busca colocar em debate o tema de igualdade nas relações. Todavia, as
autoras constataram, também, que apesar dos questionamentos por parte
dos militantes, esses temas por vezes não eram efetivamente trabalhados
nas escolas.
Entendemos que existe a busca em implementar o tema da
igualdade de gênero, contudo, ainda existe certa dificuldade em como e
quando trabalhá-lo, limitando-se, portanto, a efetuar atividades em
momentos específicos.
Concordamos que os demais espaços do Movimento também são
espaços educacionais e de formação permanente, contudo, é necessário que
as escolas também se envolvam nesse projeto. Em estudo semelhante, Sabia
e Brabo (2016, p. 184) afirmam que “[...] é importante acrescentar que
aquilo que constatamos na pesquisa de campo nos leva a afirmar que a
igualdade de gênero é um projeto em construção no Assentamento
estudado”. Porém [...] observamos durante a pesquisa de campo, quando
iria ter curso de formação política, todo o trabalho é dividido por homens
e mulheres [...]”. As autoras afirmam que em entrevista realizada com
138
Simone (2014) foi constatado que apesar das ações sobre as relações sociais
de gênero, ainda permanecem papéis diferenciados, principalmente entre
as famílias mais antigas. “As relações tendem a ser mais igualitárias nas
famílias mais jovens. Nas famílias mais idosas, a relação é mais tradicional,
encontra-se mais dificuldade na participação do homem nas atividades
domésticas” (SIMONE, 2014 apud SABIA; BRABO, 2016, p. 181-182).
Já Schwendler (2015, p. 102) em sua pesquisa demonstra, por
meio das entrevistas realizadas, que é possível comprovar o grande avanço
que houve na perspectiva da igualdade de gênero. “Hoje temos muitas
mulheres comandando o movimento de igual para igual, na direção
estadual, nacional, nos diversos setores. [Por exemplo], no setor de frente
de massa, que prepara pra mobilização, e que tradicionalmente era de
homens.” (ENTREVISTA J. D., 2011 apud SCHWENDLER, 2015, p.
102). Com esta mudança na organização interna, as mulheres participam
não somente das atividades organizativas, mas também nos encontros de
formação, o que contribui para a ampliação do conhecimento, essencial
para o enfrentamento da cultura do silêncio e da subalternização. “Ter a
mulher coordenando a frente de massa é fundamental, porque se vão só os
homens, falam, falam, e daí eles vão tirar as dúvidas, e as mulheres ficam
num cantinho e vão embora. As mulheres ficam geralmente muito
inseguras pra perguntar pra um homem” (ENTREVISTA C. L., 2011
apud SCHWENDLER, 2015, p. 102).
As mudanças ocorridas na organização interna deram
empoderamento às mulheres encorajando-as a fazer parte do trabalho em
todos os setores do Movimento. “O projeto do MST, contido em sua
produção escrita sob a forma de discursos e propostas, adotou o conceito
de gênero como um de seus focos político-educativos, sem, no entanto,
desviar-se da concepção de classe” (CHAVES, 2009, p. 114). Nesse
sentido, “conclui-se que o trabalho pedagógico com ênfase nas questões de
139
gênero contribui para o enfrentamento das desigualdades e da
subalternização, pois amplia a autoconfiança, o conhecimento e a
capacidade das mulheres de se organizarem para viabilizar os interesses
estratégicos de gênero” (SCHWENDLER, 2015, p. 105).
Nos estudos de Farias (2011, p. 6) a autora afirma que no estado
de Mato Grosso do Sul a participação de mulheres em todas as ações do
MST é expressiva e qualitativa. Muitas estão na linha de frente em
mobilizações e em todas as formas de atuação, desde os acampamentos até
os assentamentos, e também nos setores influenciando as decisões, criando
campos de resistência.
Brabo (2015, p. 121) em seus estudos sobre igualdade de gênero
explica a importância da escola para a formação humana, e situa que “[...]
a educação e a formação humana enquanto práticas constituídas pelas
relações sociais, não avançam naturalmente, mas através de um conjunto
de práticas sociais fundamentais, dentre elas, a prática pedagógica e as
relações sociais que ocorrem na escola”.
Nesse sentido, em outro estudo com a finalidade de verificar a
existência de conteúdos a respeito de igualdade de gênero nas escolas do
MST, a entrevistada relatou à autora que “[...] não há atividade específica,
trabalham no dia 8 de março [...] há uma escola de mulheres em Maringá
no Paraná, que promove uma semana de formação, duas a três vezes ao
ano, com educadores, desenvolvendo debates” (SIMONE, 2014 apud
SABIA; BRABO, 2016, p. 182).
Essas pesquisas são importantes, pois “[...] na concepção
pedagógica do MST, a educação deve ser integrada e articulada ao debate
político e às problemáticas do campo, onde se coloca a questão da opressão
e exploração da mulher, entre estas, as trabalhadoras rurais (SABIA;
BRABO, 2016, p. 183).
140
Ao verificar esses estudos em que foram efetuadas entrevistas com
militantes do MST, podemos constatar que o Movimento e,
principalmente, as mulheres reconhecem a importância da participação de
todos na luta pela terra. As fontes analisadas revelaram o que o
reconhecimento da mulher trabalhadora do campo é uma conquista não
só das mulheres, mas do Movimento como um todo que avança na
construção de sujeitos políticos na luta pela terra. “O Movimento tem se
empenhado na formação político-educativa de sua militância, e isso pode
ser observado no conjunto de documentos elaborados com abordagem
educacional e de gênero, exigindo a ampliação de demandas e desafios à
sua prática educativa” (CHAVES, 2009, p. 125-126).
Os princípios filosóficos e educativos do MST demonstram que o
processo de formação da identidade Sem Terra, ocorre a partir da
construção das estratégias coletivas de luta que visam à superação das
desigualdades sociais. Para tanto, o MST desenvolve seu projeto educativo
nas escolas e nos demais espaços do Movimento. Pois, acredita-se que é
nos espaços da coletividade onde pode se dá um amplo processo de
politização e de reconstrução das relações sociais. E em sua Pedagogia, o
MST compreende que é participando que se aprende, que é se organizando
que se ampliam as forças para empreender as transformações(ARAUJO,
2011, p. 117).
Evidenciamos, portanto, a existência de uma pedagogia com a
dimensão formativa humana que educa para a luta e para a construção de
novos valores, propiciando aos militantes, oportunidade de refletir sobre
as contradições e lutas por novas condições, como por exemplo, as relações
de gênero. Ou seja, a luta educa.
O MST apresenta, desde sua constituição como movimento social,
a busca por novas relações. Para formar seus militantes e prepará-los para
141
a luta uma formação educacional de acordo com os princípios do
Movimento se fez imprescindível. Portanto, a organização do MST é
voltada para construção dessa formação político-pedagógica, em que todos
os espaços do Movimento constituem espaço de aprendizado.
A formação educacional voltada para a igualdade de gênero
também é uma preocupação antiga do Movimento, que entende que a
participação de todos os militantes é importante. Constatamos que muitos
foram os avanços, e que em grande parte dos acampamentos e
assentamentos as mulheres já possuem espaços iguais, inclusive na linha de
frente da luta e na coordenação de setores. Contudo, ainda há muito a ser
conquistado. As entrevistas analisadas, que foram realizadas em diferentes
acampamentos e diferentes assentamentos, deixam clara a consciência da
necessidade e a efetividade de uma luta pela igualdade de gênero, porém,
por vezes com rupturas, e outras sem a força necessária para implementar
efetivamente as linhas e políticas de igualdade de gênero. Nesse sentido,
acreditamos que a luta não pode parar. O MST deve manter de forma
contínua seus trabalhos com publicações por meio de seus setores, pois é
uma forma efetiva de conscientização de todos os militantes, que eso
dentro de um Movimento de tamanha amplitude.
Logo no I Congresso Nacional realizado em Curitiba, no ano de
1985, o MST incluiu entre suas preocupações a luta por uma nova
educação e pela igualdade entre homens e mulheres. Essa nova formação
na busca pela igualdade de gênero foi construída a partir das necessidades
das militantes em ter espaço de igualdade no Movimento, e sob certa
influência dos movimentos de mulheres ou movimentos feministas. O
feminismo ou o movimento de mulheres pode ser considerado um
movimento social com objetivo de libertação das mulheres, com críticas à
divisão sexista, inferiorização das mulheres e dominação masculina.
Contudo, é importante ressaltar que as mulheres camponesas da mesma
142
forma influenciaram as lutas feministas, a exemplo de suas lutas no interior
dos movimentos sociais.
A expressão das lutas das mulheres camponesas participantes dos
movimentos feministas incentivou os movimentos sociais rurais, que
passaram a reconhecer a importância dessa luta como parte do processo de
inserção e participação política das militantes. Outra influência exercida
pelos movimentos feministas na construção da política voltada para a
igualdade entre homens e mulheres no MST, foi a inserção do conceito de
gênero, como uma maneira de indicar as construções sociais do sexo,
ampliando as lutas feministas. Nesse mesmo sentido, o MST avançou
construindo sua política de gênero, quando transformou o Coletivo de
Mulheres em Setor.
O MST entende que a luta por mudanças sociais só é possível por
meio da transformação dos seus militantes em um processo educativo de
formação humana. Por isso, ao longo de sua história criou uma nova forma
de fazer a educação dos seus militantes, pois a democratização da educação
é considerada tão importante quanto a democratização da terra.
Essa construção de uma nova forma de educar é chamada de
Pedagogia do Movimento. Para a formulação desta pedagogia, o Movimento
utilizou-se das práticas e vivencias existentes do próprio MST e de algumas
teorias pedagógicas. O movimento de luta do MST retrata as necessidades
dos militantes e, portanto, a formação política e pedagógica ocorre
diariamente.
Nesta direção, o MST tem buscado construir uma ação pedagógica e
atuar como sujeito educativo para os (as) sem-terra e também para o
conjunto da sociedade, de modo a contribuir de alguma maneira para
reorientar as possibilidades de formação e vivências que induzam a
143
práticas mais democráticas e solidárias nas relações de gênero (SABIA;
BRABO, 2016, p. 183).
Dentre os problemas e desafios encontrados no interior do MST,
tivemos por objetivo analisar, nesta pesquisa, a igualdade de gênero. O
MST é um movimento inovador, que busca a construção de novos valores
e uma nova formação dos militantes, contudo, a desigualdade entre
homens e mulheres ainda é um problema existente, apesar de ser possível
constatar projetos e linhas de ação, desde a constituição do MST, que
buscam extinguir as desigualdades existentes e garantir espaços igualitários
para todos.
Uma das principais formas de ação para propor a igualdade entre
homens e mulheres está na forma em que ocorre a educação dos militantes,
na qual estão presentes ações para o MST desenvolver como um todo. Tais
ações visam formar os militantes de acordo com a concepção de mundo e
da educação propostas, assim, há princípios educativos e/ou de formação
educacional que são direcionados para a proposição da igualdade de
gênero.
Por meio da publicação dos seus documentos, o MST debate
valores e normas considerados importantes para avançar na luta pela
igualdade entre homens e mulheres. Os papéis atribuídos a cada um dos
sexos são culturais, e determinados pela sociedade segundo seus interesses
e, portanto, se não são naturais podem e devem ser mudados. Segundo os
documentos analisados, verificamos que a mudança das chamadas questões
das mulheres para as questões de gênero ocorreu por ser uma categoria mais
abrangente e não para substituir a categoria mulher.
O principal fato que destacamos nas políticas de igualdade
existentes no Movimento foi a criação do Setor de Gênero no ano de 2000,
144
com o objetivo principal de levar a discussão de gênero para o conjunto do
MST. As principais ações definidas para a implementação da política de
igualdade de gênero são feitas por meio de linhas políticas, seminários,
estudos e reflexões, divulgando cartilhas cujos conteúdos demonstram a
importância de se estabelecer novas relações para se avançar na luta de
classes.
Consideramos, portanto, a educação como um elemento dinâmico da
realidade e, por isso, passível de ser transformada. Isto é, a
aprendizagem das pessoas ocorre não somente no espaço escolar, mas
por meio das experiências vivenciadas nos movimentos sociais e em sua
comunidade no âmbito dos enfrentamentos cotidianos e da cultura
(CHAVES, 2009, p. 126).
Os documentos produzidos pelo MST observam que sua
pedagogia vai além da dimensão escolar. A formação educacional do
Movimento ocorre nas escolas, por meio das práticas vivenciadas no seu
cotidiano e, principalmente, na luta. Assim, se o Movimento busca a
igualdade de gênero, as relações em seu interior devem refletir esse
princípio, e quando isso não ocorre, o Movimento busca formas de
solucionar o problema. A participação igualitária entre homens e mulheres
do Movimento é necessária para a transformação da realidade, contudo, é
um processo contínuo.
Ocupando espaços diversos que transcendem a luta pela terra, o
Movimento tem consolidado uma identidade para e sobre si,
firmando-se como sujeito pedagógico, educando homens e mulheres
em movimento. Sob esse prisma, analisar como o MST incorporou as
relações de gênero implica, também, pensar a identidade da militância
145
camponesa no interior do Movimento, que contribui para forjar um
sentimento de ‘pertençaou pertencimento em homens e mulheres, e
que os fortalece enquanto classe social (CHAVES, 2009, p. 71-72).
A educação presente em todos os espaços no Movimento. A escola
é parte importante e fundamental na luta pela terra e formação política dos
militantes, contudo, o próprio Movimento é sujeito educativo. Nesse
sentido, temos que a formação educacional do MST vai além das escolas,
todos os setores e instâncias do MST são de vivências educativas.
Além disso, o projeto político pedagógico voltado para a igualdade
de gênero es presente em documentos de diferentes setores do MST.
Portanto, identificamos que a Pedagogia do Movimento é um processo
educacional mais amplo; ocorre na escola e se desenvolve nos
assentamentos e acampamentos perpassando pelos mais diversos setores,
os núcleos de base, as instâncias organizativas, entre outros. As ações
propostas e as linhas políticas aplicadas juntamente com os costumes e
comportamentos que ocorrem diariamente no MST, vão indicando os
avanços e o que ainda é necessário que seja feito para alcançar a igualdade.
Quando falamos em desigualdade de gênero, temos que levar em
consideração a construção social existente e que para a superação destas
desigualdades é necessário mudar as concepções culturais tidas como
naturais na sociedade. O MST aponta as linhas de ação necessárias para
que seja alcançada a igualdade de gênero, para tanto a criação dessa nova
forma de fazer educação proposta trouxe avanços no sentido de
proporcionar a implementação das ações propostas pelo Movimento como
um todo e, especialmente, pelo Setor de Gênero.
Portanto, o MST como um movimento social que busca uma
construção de uma sociedade mais igualitária, tem sido de grande
146
importância para a luta das mulheres. A forma como o MST é conduzido
permite que o Movimento seja um sujeito educativo, em que a formação
educacional do MST vá além das escolas. Para alcançar a igualdade de
gênero é necessário que ocorra um processo educacional mais amplo, que
ultrapassa o limite das escolas, mas que também esteja presente nelas, a
exemplo do que ocorre no Movimento. Assim como na sociedade como
um todo, no MST ainda há muito a ser conquistado pelas mulheres, mas
consideramos que os avanços já existentes no interior no Movimento são
notáveis, visto que as linhas políticas do MST já estabelecem a igualdade
de homens e mulheres nas lideranças, sendo sempre um homem e uma
mulher, portanto, a continuidade do trabalho proporcionará ainda mais
conquistas.
Concluímos que desde os primeiros documentos o MST incluiu
entre suas preocupações a questão da mulher, e a luta por uma nova
educação. Por isso, ao longo de sua história criou uma nova forma de fazer
a educação chamada de Pedagogia do Movimento, em que o Movimento
se utiliza das suas práticas e vivencias.
Essa forma de educação é uma das principais formas de ação para
propor a igualdade entre homens e mulheres do MST. Dentre as ações
educacionais propostas nas políticas de igualdade de gênero existentes no
MST, destacamos a criação do Setor de Gênero no ano de 2000. As
principais ações definidas pelo Setor, para a implementação da política de
igualdade de gênero são feitas por meio de linhas políticas, seminários,
estudos, reflexões e divulgando cartilhas.
Os documentos produzidos pelo MST apresentam que sua
pedagogia vai além da dimensão escolar. Ela é um processo educacional
mais amplo; que ocorre na escola, mas se desenvolve nos assentamentos e
147
acampamentos perpassando pelos mais diversos setores, os núcleos de base,
as instâncias organizativas, entre outros.
Portanto, assim como na sociedade como um todo, no MST ainda
há muito a ser conquistado pelas mulheres, mas consideramos que os
avanços já existentes no interior no Movimento são notáveis, e que a
continuidade do trabalho proporcionará ainda mais conquistas. As ações
propostas e as linhas políticas aplicadas juntamente com os costumes e
comportamentos que ocorrem diariamente no MST vão indicando os
avanços conquistados e, o que ainda é necessário que seja feito para
alcançar a igualdade e dar a continuidade no trabalho elaborado.
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Gente. A trajetória do MST e a luta pela terra no Brasil. São Paulo:
Expressão Popular, 2012.
Pareceristas
Este livro foi submetido ao Edital 001/2021 do Programa de Pós-graduação em
Educação da Faculdade de Filosofia e Ciências da UNESP, câmpus de Marília e
financiado pelo auxílio nº 0798/2018, Processo Nº 23038.000985/2018-89, Programa
PROEX/CAPES. Contamos com o apoio dos seguintes pareceristas que avaliaram as
propostas recomendando a publicação. Agradecemos a cada um pelo trabalho realizado:
Adriana Pastorello Buim Arena
Alberto Luiz Pereira da Costa
Alexandre Filordi de Carvalho
Américo Grisotto
Ana Claudia Saladini
Ana Maria Klein
Angelica Pall Oriani
Carlos Bauer
Carlota Boto
Celia Regina Rossi
Cinthia Magda Fernandes Ariosi
Claudia Cristina Ferreira
Cristina Maria Carvalho Delou
Daniel Ferraz Chiozzini
Domingos Leite Lima Filho
Erika Porceli Alaniz
Francismara Neves de Oliveira
Genivaldo de Souza dos Santos
Giza Guimarães Pereira Sales
Joana Tolentino
Jose Deribaldo Gomes dos Santos
Lalo Watanabe Minto
Lia Leme Zaia
Luciana Aparecida Nogueira da Cruz
Luciano Mendes de Faria Filho
Márcia Lopes Reis
Maria Cristina da Silveira Galan Fernandes
Maria de Fatima Felix Rosar
Maria José Viana Marinho de Mattos
Maria Lucia Marques
Marta Sueli de Faria Sforni
Mauro Castilho Gonçalves
Nadia Aparecida Bossa
Nilza Sanches Tessaro Leonardo
Ofelia Maria Marcondes
Olga Maria Piazentin Rolim Rodrigues
Rita Melissa Lepre
Sandra Aparecida Pires Franco
Simone Wolff
Sonia Bessa da Costa Nicacio Silva
Virgínia Pereira da Silva de Ávila
Comissão de Publicação de Livros do Edital 001/2021 do
Programa de Pós-Graduação em Educação
da Faculdade de Filosofia e Ciências da UNESP, campus de Marília
Graziela Zambão Abdian, Patricia Unger Raphael Bataglia,
Eduardo José Manzini e Rodrigo Pelloso Gelamo
SOBRE O LIVRO
Catalogação
André Sávio Craveiro Bueno CRB 8/8211
Normalização
Lívia Pereira Mendes
Diagramação e Capa
Mariana da Rocha Corrêa Silva
Assessoria Técnica
Renato Geraldi
Oficina Universitária Laboratório Editorial
labeditorial.marilia@unesp.br
Formato
16x23cm
Tipologia
Adobe Garamond Pro
GÊNERO E EDUCAÇÃO
a formão educacional para a igualdade de gênero no
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST)
Jenier Ribeiro Pessôa
Jenier Ribeiro Pessôa
Doutoranda em Educação, na Univer-
sidade Federal da Grande Dourados -
UFGD. Mestra em Educação pela Uni-
versidade Estadual Paulista - UNESP,
campus de Marília (2018). Advogada.
Possui graduação em Direito pela Facul-
dade de Presidente Prudente - FAPEPE
(2011). Pós-graduada em Direito Civil
pelo Instituto Brasil de Ensino - IBRA.
Participante do Grupo de Estudos e Pes-
quisas em Educação Especial - GEPES,
vinculado a UFGD. Atuou como profes-
sora contratada na Universidade Federal
de Mato Grosso do Sul - UFMS, campus
de Naviraí - CPNV (2018-2020), minis-
trando disciplinas nos cursos de Ciências
Sociais, Pedagogia e Administração de
empresas. Atuou ainda como professora
contratada na Universidade Estadual de
Mato Grosso do Sul - UEMS, campus
de Naviraí (2020) e no campus de Dou-
rados (2021) ministrando disciplinas no
curso de Direito, bem como nos cursos
de Ciências Contábeis e Administração
de Empresas do campus de Ponta Porã
(2021). Tem experiência nas áreas de
educação e diversidade, políticas -
blicas educacionais, direitos humanos,
igualdade de gênero. Contatos: jenif-
ferrpessoa@gmail.com / jenierpessoa.
adv@hotmail.com
Programa PROEX/CAPES:
Auxílio Nº 0798/2018
Processo Nº 23038.000985/2018-89
Original, inovadora e oportuna. Es-
sas são as três palavras que denem esta
obra, fruto da pesquisa de mestrado re-
alizada pela professora Jenier Pessôa:
original porque convida aos interessa-
dos em estudos sobre os vetores educa-
tivos nas mobilizações sociais da esfera
popular a examinarem as práticas coti-
dianas e interiores ao Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra para
além do olhar comum que restringe a
educação do MST apenas ao seu cor-
po técnico-produtivo; inovadora porque
este estudo original se dirige de forma
comprometida a investigar os elemen-
tos pedagógicos perpetrados pelo mo-
vimento para estabelecer relações de -
nero igualitárias, de forma a colocar em
evidencia a consonância entre discurso e
práticas; e oportuna porque, contrária à
lógica cultural submetida ao clamor da
subjetivação através da soberania de uma
época que se julga pós-ideológica, a obra
que o leitor tem agora em mãos coloca
em jogo justamente como, de fato, é a
ideologia militante de um movimento
popular do campo que se faz materiali-
zada na condução políticas de promoção
da ocupação democrática de espaços de
direção e coordenação para a produção
e reprodução de relações de gênero que
traduzem a formação de uma identidade
GÊNERO E EDUCAÇÃO
Jenier Ribeiro Pessôa
GABRIEL G. NEMIROVSKY
Doutor em Educação (Unesp/Marília).
Docente da Universidade Federal de
Mato Grosso do Sul
Além de ocupar, resistir e produzir, as mulheres do MST vêm travando
uma dura “luta dentro da luta” para superar o machismo e promover a
igualdade de gênero.
A educação de gênero nas escolas do movimento, combinada com lutas
travadas especialmente pelas mulheres nas assembleias, nas cooperativas
e associações, nos assentamentos, além da participação igualitária nas
decisões estratégicas do movimento têm contribuído a construção de
novas relações sociais e de gênero.
O patriarcalismo é anterior ao modo de produção capitalista, mas certa-
mente o capitalismo aprofundou as diferenças entre homens e mulheres,
entre povos e etnias, e está cienticamente provado que é impossível
alcançar a igualdade substantiva entre seres humanos dentro dos marcos
deste modo de produção bárbaro e mesquinho. As mulheres de todas as
partes da América Latina estão travando uma luta ferrenha contra todas
as formas de opressão que quem sabe poderão desembocar numa
sociedade para além do capital.
Jenier Pessôa nesta pesquisa cuidadosa - traz uma contribuição fun-
damental a este debate ao abordar as temáticas de gênero, do machismo
e da educação do MST.
HENRIQUE TAHAN NOVAES | UNESP Marília