Para além de uma discussão que parece estar na moda, a proposta desse livro é
contribuir, de fato, para as reexões e práticas que dinamizam e movimentam o
ambiente escolar. Quando se pretende articular ética, formação, interculturali-
dade e decolonialidade para pensar as coisas da educação, ele quer dialogar não
apenas com os pesquisadores das temáticas aqui tratadas, mas sobretudo chegar
ao ambiente da escola e da sala de aula. São nesses lugares que, efetivamente,
emergem situações desaadoras que, no mais das vezes, as pessoas têm dicul-
dades em compreender, reconhecer e construir soluções. Sempre recorrendo
ao mais do mesmo, o que geralmente acontece é um olhar supercial e raso às
inquietações e dramas geradores desses desaos, problemas e conitos. Aque-
le tipo de formação de professores, que predomina nos cursos de licenciatura,
parece pedir um novo signicado e sentido, pois não está mais dando conta de
responder e atender às exigências e às expectativas da formação escolar.
Talvez seja necessário irmos além de uma educação pautada somente pela razão
ou por uma ideia ou ideal de ser humano, mas tomar as reexões de autores
clássicos e contemporâneos de maneira a nos possibilitar incluir a dimensão
ética e estética no sentido contribuir na construção de um processo pedagó-
gico que tenha como ponto de partida e como telos a liberdade e a autonomia
humana. A sala de aula é mais do que um lugar onde meramente se transmite
conhecimento, mas um espaço de convivência, de alegria, de trocas de afetos e
saberes. Sabemos que as pessoas que aí se encontram são portadoras de paixões,
de pulsões, de sentimentos e de uma história que precisa ser valorizada e levada
em consideração. Aquele caráter colonizador que muitas vezes marca a prática
formativa e pedagógica parece não ter mais sentido, sobretudo pelas consequ-
ências causadas.
Diante desse diagnóstico, este livro pretender fazer algumas reexões acerca dos
saberes e das práticas que são adotados nos cursos de formação de professores e
na prática docente. Cremos que não é de todo sem sentido aventarmos a ideia
de que a angústia e a insegurança dos futuros docentes são os efeitos de um
processo formativo que fora concebido e implementado a partir de uma lógica
e de uma prática que nem sempre leva em consideração o real, isto é, a vida que
constitui as nossas existências e que pulsa em nossas experiências cotidianas.
Mais do que isso, desconsidera que os saberes e as maneiras de conduzir nossas
vidas – de alunos e professores, por exemplo, - têm diferentes origens e matrizes
e que são construídos em distintos lugares e tempos percorridos pelos sujeitos.
E nos parece que levar isso em consideração pode ser bastante enriquecedor.
Os dezesseis textos que com-
põem esta coletânea estão divididos em
dois setores distintos, sendo o primeiro
deles dedicado a reexões sobre ética,
educação e formação, e o segundo aos
estudos acerca da decolonialidade e in-
terculturalidade no campo educativo. À
primeira vista, quase se poderia pensar
na existência de uma oposição ideoló-
gica entre as duas partes do livro, em
virtude do nítido descompasso entre
os dois temas. O primeiro deles trata
de diferentes abordagens derivadas de
um núcleo comum, que é a formação
do sujeito individualizado e autôno-
mo, gestados nos moldes iluministas da
Bildung, ao passo que o segundo expõe
reexões declaradamente antagônicas a
tais ideais, pois valoriza referências teó-
ricas antieurocêntricas e pós-coloniais.
Os ideais de ética e de formação
almejados na primeira parte do livro
contemplam justamente o acolhimento
da alteridade que se faz necessária para
que a ancestralidade ameríndia possa
ser recepcionada sem preconceitos in-
telectualistas e mecanismos emocionais
de defesa que habitualmente bloqueiam
a relação com o Outro.
A relação entre as duas partes
desta obra, que é o resultado coletivo
de pesquisas acadêmicas teoricamente
consistentes acerca de diferentes con-
cepções de liberdade, uma delas se-
gundo a modernidade europeia, outra
consoante com os modos de “estar” da
América profunda, não deve ser vis-
ta como oposição ideológica, mas sim
como oposição dialética no sentido he-
geliano do termo.
Nos horizontes de uma pola-
ridade dialética, em que cada um dos
termos saiba reconhecer no Outro o
complemento necessário de sua própria
imperfeição e nitude, o dualismo entre
o “ser” e o “estar” poderá congurar um
novo espaço para o reconhecimento da
diferença sob a perspectiva do consenso
racional.
Programa PROEX/CAPES:
Auxílio Nº 0798/2018
Processo Nº 23038.000985/2018-89
EDUCAÇÃO, ÉTICA, INTERCULTURALIDADE E SABERES DECOLONIAIS
EDUCAÇÃO, ÉTICA,
INTERCULTURALIDADE
E SABERES DECOLONIAIS
Alonso Bezerra de Carvalho
(organizador)